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PONTÍFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC - SP

Lídia Lopes da Silva

O trabalho do assistente social no “terceiro setor”: a


superação das dificuldades e a construção de caminhos

MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

Dissertação apresentada à Banca


Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de
MESTRE em Serviço Social, sob
orientação da Prof.ª Dr.ª Maria Carmelita
Yazbek.

SÃO PAULO
2008
BANCA EXAMINADORA

__________________________________

__________________________________

__________________________________
DEDICATÓRIA

Dedico o presente trabalho à minha

família, meu amor Evaldo, minha mãe

Nadir e a meu irmão Fábio.

A vocês, todo o meu afeto.


AGRADECIMENTO

Muitas são as pessoas que passam por nossa vida e sob diferentes aspectos,

deixam conosco sua marca; nessa trajetória de pesquisador não foi diferente; muitas

foram as pessoas que deixarão saudades e ânsia pelo reencontro.

Em primeiro lugar, agradeço a Deus, que se revela a mim em meu dia-a-dia,

dando-me forças para superar as dificuldades e chegar até aqui sem me entregar às

dificuldades.

Agradeço ao Evaldo, hoje meu noivo, brevemente meu esposo, mas sempre

meu companheiro e amigo, que nunca deixou de me incentivar. Sinto muito orgulho

de você!

À minha mãe que sempre foi capaz de enfrentar qualquer dificuldade para

apoiar seus filhos.

Aos professores da Universidade de Taubaté, na qual me graduei; eles

também são responsáveis por essa conquista. De forma especial a Prof.ª Dr.ª Maria

Fernanda Teixeira Branco Costa, que acreditou em mim, leu meu projeto e me deu

segurança para iniciar o mestrado; à Prof.ª Dr.ª Maria Teresa dos Santos, exemplo

de pessoa e profissional, gostaria de estar mais perto dela e sei que sempre poderei

contar com seu apoio; e à Prof.ª Dr.ª Mabel Mascarenhas Torres.

À Prof.ª Dr.ª Maria Lúcia Martinelli, por me acolher e incentivar. Ela muitas

vezes repetiu algo que tem me ajudado profundamente em minhas escolhas da vida,

que é “apostar na positividade”.

À Prof.ª Dr.ª Maria Carmelita Yazbek, que me aproximou do Serviço Social de

uma forma fincada na realidade. Intelectual que admiro, possui a capacidade de com

simplicidade falar da nossa prática, vinculando o conhecimento teórico de uma forma


intrínseca. Sou profundamente grata à segurança que ela me transmite, à sua

transparência como pessoa e por tratar a nós alunos de forma tão íntima.

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – l

CNPQ, às pessoas que o compõem, por trabalharem em prol da pesquisa deste

país, enfrentando os desafios que esta atividade impõe. Ressalto o apoio que

sempre recebi do Departamento de Pós-Graduação em Serviço Social, de forma

especial, agradeço à secretária Kátia pela atenção que dispensa aos alunos.

Enfim, agradeço profundamente àqueles que me incentivaram e que comigo

colaboraram nesse extenso processo de pesquisar e aventurar-me nas nuances da

experiência prática e teórica do Serviço Social.


RESUMO

Quando a sociedade se transforma, um novo modo de viver se impõe e, com ele,


irrompem novas necessidades humanas; para respondê-las, profissões se
reorganizam e buscam estratégias para uma atuação mais efetiva. Esta pesquisa
parte do pressuposto de que é momento de repensar os espaços de inserção do
assistente social e busca contribuir para o debate acerca do exercício profissional,
especificamente, no campo do “terceiro setor”, esfera que cresceu notavelmente na
última década e ainda é pouco estudada. Para conhecer melhor as possibilidades de
trabalho do assistente social no “terceiro setor” realizamos uma pesquisa qualitativa
com quatro assistentes sociais de entidades representativas de tal setor. Quanto aos
resultados, chegamos à delimitação do perfil das entidades pesquisadas, definidas a
partir da legislação social como entidades de assistência social e encontramos,
preponderantemente, a marca da religiosidade e da dedicação ao atendimento de
crianças e adolescentes. No processo da pesquisa, foi dada ênfase às relações em
torno dos recursos financeiros, por meio da qual constatamos a presença majoritária
do Estado como financiador das atividades desenvolvidas; também se examinaram
outras características como a direção, a captação de recursos e a presença dos
voluntários. Ao analisarmos o fazer profissional do assistente social no “terceiro
setor” e seus traços peculiares, refletimos, ainda, sobre pontos como: atividades,
planejamento, valorização do trabalho, autonomia, destacando as redes sócio-
assistenciais e a visão de cada sujeito a respeito do espaço público e privado.
Estudamos a capacitação do profissional e sua inserção política como respostas
frente às dificuldades do mercado de trabalho, porém constatamos que essa
participação se dá apenas no espaço dos conselhos de direitos. Destacam-se nas
falas desses profissionais uma boa articulação com a rede sócio-assistencial do
município e o conhecimento da realidade local, o que colabora para uma atuação
que ultrapassa o espaço institucional, resultante da preocupação com a qualidade
dos serviços e com o cumprimento dos direitos.

Palavras-chave: assistente social; trabalho; terceiro setor.


ABSTRACT

When society changes, a new way of life begins, and with it new human needs arise;
in order to deal with them, professionals reorganise themselves and seek new
strategies for a more effective role. This research starts from the fact that it is time to
rethink about the social worker space and seeks to contribute to the professional
exercise, particularly in the “third sector”, a field which has grown notably in the last
decade, despite being little studied. To better know the social workers' work
possibilities in the third sector, we have adopted a quantitative research with four
carers representing such sector. As results we have reached the profile limits of
those entities, defined by Law as Social Care entities, and have found the trace of
religiosity and a remarkable dedication in attending to children and teenagers. During
this research, financial resources were given priority, in which we have found that tha
State is the major investor to the development of these activities; we have also
examined other factors such as management, resource funds and volunteers
participation. Analysing the social workers professional performance in the third
sector and its peculiarities, we have thought about topics such as activities, planning,
autonomy and work value, enhancing the social care network and the citizen's view
about private and public spaces. We have studied the professionals' capacity and
their political interest as an answer to the labour market difficulties, however we have
noticed that this participation is only seen in the legal counselling sector. These
professionals highlight a good relation with the council social care network and their
local knowledge, which helps to further the institutional space, resulting from the
necessity for better care and appliance of rights.

Key-words: social worker; work; third sector.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 10
Metodologia de Pesquisa ...................................................................................... 16

CAPÍTULO 1 – Globalização, neoliberalismo, reestruturação produtiva:


processos que ser inter-relacionam ..................................................................... 22
1.1 – O discurso humanista do mundo do trabalho e o processo ideológico ........ 27
1.2 – Processos que se inter-relacionam e suas conseqüências para a política
social no Brasil ...................................................................................................... 29
1.3 – A reforma do estado brasileiro ..................................................................... 36

CAPÍTULO 2 – O “terceiro setor: análises e definições ...................................... 45


2.1 – Apresentação e análise das organizações ................................................... 58
2.2 – Características das organizações: financiamento, captação de recursos,
voluntariado e critérios dos programas .................................................................. 67

CAPÍTULO 3 – O “terceiro setor” enquanto empregador dos assistentes


sociais ..................................................................................................................... 82
3.1 – O Serviço Social diante do contexto atual .................................................... 82
3.2 – O Serviço Social enquanto trabalho especializado ...................................... 87
3.3 – Características do trabalho: atividades, planejamento, valorização
profissional, autonomia, trabalho em equipe e demandas ..................................... 90
3.4 – Algumas referências quanto ao “terceiro setor” enquanto empregador dos
assistentes sociais .............................................................................................. 110
Relações de trabalho dos profissionais pesquisados, encontradas na pesquisa
de 2005............................................................................................................. 113
3.5 – Entrevistas: relação público x privado, visão do “terceiro setor”,
conhecimentos legais, capacitação e participação política ................................. 120
Redes .............................................................................................................. 120

CONCLUSÃO ......................................................................................................... 145


Uma nota sobre as limitações desse estudo .................................................... 154

BIBLIOGRAFIA ..................................................................................................... 155

Anexos ................................................................................................................... 162


10

INTRODUÇÃO

Esta dissertação de mestrado volta-se ao aprofundamento de uma temática


que desenvolvo desde o segundo ano (Iniciação Científica) da Graduação em
Serviço Social, que é o chamado “terceiro setor”. Tem como objeto o exercício
profissional do assistente social e as peculiaridades do “terceiro setor”, com a
finalidade de explorar as competências e atribuições desses profissionais num
espaço de trabalho de características próprias, que também precisam ser
desvendadas.

Quando a sociedade se transforma, o nosso modo de viver também se


modifica e com ele surgem novas necessidades humanas; para respondê-las,
vemos as profissões requalificando-se. Esta pesquisa parte do pressuposto de que é
momento de repensar os espaços de inserção do assistente social dentro do
mercado de trabalho, mais especificamente no campo do “terceiro setor”, já que se
trata de uma esfera que cresceu notavelmente na última década e ainda é pouco
estudada.

Sua finalidade é contribuir para o debate em torno do exercício profissional do


assistente social e suas relações com as conseqüências trazidas pelo padrão de
acumulação flexível, a implantação do projeto neoliberal e a desresponsabilização
do Estado no trato à questão social e às alterações do mundo do trabalho geradas,
em última análise, pela chamada reestruturação produtiva.

O debate sobre o ideário neoliberal despertou meu interesse desde o início da


graduação em Serviço Social, principalmente no que tange às políticas sociais em
relação ao afastamento da responsabilidade estatal e ao modo capcioso de colocar
os serviços de atendimento à população como responsabilidade dela própria. Por
meio desse interesse, no segundo ano da graduação, desenvolvi um projeto de
iniciação científica com base em um levantamento bibliográfico, realizado no
Departamento de Serviço Social da Universidade de Taubaté, analisando a questão
da responsabilidade social no âmbito das empresas. Naquele momento, deparei-me
com indagações referentes ao modo como os assistentes sociais se posicionam
frente a essas questões, o que me mostrou a necessidade de uma nova pesquisa,
que necessariamente deveria ser feita com base em pesquisa de campo.
11

Assim, meu trabalho de conclusão de curso seguiu a mesma temática, sob o


tema: As condições de trabalho do assistente social inserido no ”terceiro setor”.
Desenvolvi uma pesquisa que contemplou as transformações do mundo do trabalho
e sua relação com o Serviço Social, o sentido histórico do ”terceiro setor” e sua
concepção, considerando um contexto social amplo. Nesse momento, nosso objeto
foi a peculiaridade desse setor, enquanto campo de trabalho que demanda
assistentes sociais para seus quadros de funcionários e que oferece determinadas
condições ao fazer desse profissional (no que envolve sua atribuição, participação
política e conhecimento da legislação) e como esses fatores se inter-relacionam.

Utilizei também a pesquisa realizada pelo Conselho Federal de Serviço Social


– CFESS, sobre o perfil do assistente social no Brasil, comparando resultados
obtidos, por meio do TCC, com dados apresentados nessa pesquisa, sendo assim, a
construção do questionário teve por base as questões utilizadas pelo CFESS1.
Também foram cruzados os dados coletados com a pesquisa realizada pela Prof.ª
Raquel de Matos Lopes Gentilli, por meio do relatório final da pesquisa, realizado
pelo Conselho Regional de Serviço Social – CRESS – 17ª Região, Gestão
1996/1999.

No processo metodológico do trabalho de conclusão de curso, realizamos um


levantamento documental das organizações do “terceiro setor” por meio da ficha de
programação básica de estágio de Serviço Social da Universidade de Taubaté do
ano de 2005, para verificarmos qual natureza predominava nos campos de trabalho;
dentre o total de 38 unidades; obtivemos 16 públicas (42,11%), 7 privadas (18,42%)
e 15 organizações do “terceiro setor” (39,47%). Nota-se claramente o “terceiro
setor” como um campo de estágio amplo, que se aproxima em quantidade até
mesmo do setor público, tradicionalmente o maior campo de inserção do Serviço
Social.

Partindo daí, o universo da pesquisa contemplou os assistentes sociais


inseridos nessas organizações, pois estes estão vivenciando uma prática
profissional marcada pelas peculiaridades deste setor, em sua relação com o projeto
neoliberal. O instrumental escolhido para a coleta de dados foi um questionário,
1
A referida pesquisa foi intitulada “Assistentes sociais no Brasil: elementos para o estudo do perfil
profissional”, foi organizada pelo Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) com realização da
Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e Conselhos Regionais de Serviço Social (CRESS), em
maio de 2005.
12

contendo questões abertas e fechadas; outra característica desses sujeitos é que


também supervisionam práticas de estagiários da Universidade de Taubaté, o que
foi facilitador nesse processo, já que pudemos contar com a colaboração dos
estagiários para o envio dos 15 questionários e a devolutiva de 09 deu-se via
correios ou pelos próprios estagiários.

Ao final da pesquisa, os dados captados permitiram uma aproximação de


alguns aspectos significativos, para melhor compreensão das condições postas pelo
“terceiro setor” e do fazer profissional, marcado pelas suas peculiaridades. Assim
temos:

• Perfil geral dos profissionais entrevistados: sexo feminino, com idade entre
45 a 59 anos, formado a partir da década de 90 (na Universidade de
Taubaté), relativamente há pouco tempo trabalhando no “terceiro setor”,
comparado a seu tempo de atuação profissional, apresentando apenas a
graduação.

• Condições de trabalho mais encontradas no “terceiro setor”: condições


físicas do trabalho não adequadas; faixa salarial de 4 a 6 salários mínimos;
vínculo empregatício celetista; carga horária a partir de 40 horas e os
assistentes sociais advêm da esfera privada e pública, o que pode significar
aposentadoria.

• Conhecimento da legislação - dentre os profissionais entrevistados, a Lei de


Regulamentação da Profissão é a mais conhecida, seguida do Código de
Ética; são bem menos conhecidas as Diretrizes Curriculares para o Curso de
Serviço Social e a Tabela Referencial de Honorários, inclusive para esta
última os dados apontam a necessidade de maior divulgação. Houve
prevalência na discordância sobre o respaldo da legislação no cotidiano.

• Fazer profissional X Legislação - os dados permitiram a aproximação da


seguinte conclusão: dos profissionais entrevistados é a minoria que realiza
atividades não específicas do Serviço Social, porém, ainda assim, quanto à
valorização da profissão, apenas 01 sujeito nunca a sentiu desvalorizada; os
13

recursos financeiros para projetos são entendidos como suficientes pela


maioria, mesmo estes sendo advindos de doações/captação entre a
comunidade, o que significa serem estes esporádicos, característica já
definida no “terceiro setor”.

• Participação Política - Em termos gerais, pode-se considerar que existe


entre os entrevistados uma participação política expressiva, em sua maioria
em movimentos sociais, especificamente da categoria de assistentes sociais.
Essa participação, porém, torna-se comprometida, pois há predominância
quanto a seu caráter eventual pelo fato de que metade dos participantes atua
apenas como filiado e por ser ainda muito pequena a participação dos
assistentes sociais entrevistados em conselhos de defesa de direitos e
movimentos partidários.

Ao deparar-me com essas conclusões, percebi que seus resultados


apontavam para a necessidade de aprofundamento de alguns pontos da pesquisa,
de modo especial para o exercício profissional. Deste modo, este projeto de
Mestrado, em partes, foi construído a partir dos resultados obtidos por meio do meu
TCC. Meu interesse de pesquisadora e assistente social recém-formada também me
provoca a explorar/apreender mais as questões que tratam do exercício profissional
do assistente social, no caso específico, delimitando para a pesquisa aquele inserido
no “terceiro setor”. Isso se remete ao fato de, na pesquisa já citada, ressaltar-se a
dificuldade de alguns profissionais em reconhecer as delimitações de seu espaço de
trabalho, suas competências e atribuições.

Os principais autores que me ajudaram a compor as bases para o


desenvolvimento desse trabalho são: Marilda Vilela Iamamoto (2001), na discussão
que propõe sobre o Serviço Social diante dos novos desafios e sobre a maneira de
tal profissão se afirmar dentro da divisão sócio-técnica como um trabalho
especializado; Carlos Montaño (2002), com sua análise sobre o “terceiro setor” a
partir de sua relação com a sociedade civil e o Estado, na sua funcionalidade
enquanto possível substituto das responsabilidades sociais do Estado. Para ele, a
expansão desse setor constitui uma das principais expressões do projeto neoliberal.
14

Sabendo que, muitas vezes, a dificuldade do profissional em delimitar seu


espaço vem acompanhada da desvalorização do assistente social, minha pesquisa
de graduação demonstrou que a precarização de nossas condições de trabalho
também se relaciona com o conhecimento que temos da própria legislação.
Legislação essa que respalda nosso trabalho quanto ao reconhecimento de seu
espaço e quanto às respostas que construímos com nossa participação política ou
que deixamos de construir sem ela.

Assim, entendo que a pesquisa como instrumento do (no) agir profissional


também possa contribuir para a formação dessa autoconsciência da categoria; por
isso, é relevante repensar essas questões, ainda tão pouco valorizadas pelo fazer
acadêmico. As transformações ocorridas em meio ao mundo do trabalho já vêm
sendo objeto de estudos dos assistentes sociais há algum tempo em suas
expressões variadas: no desemprego, nas perdas dos direitos trabalhistas, no
enfraquecimento dos sindicatos, nas reestruturações dos processos de trabalho,
enfim, sua repercussão para a classe trabalhadora e para a intervenção do
assistente social. Porém, um tema que se relaciona a esse quadro conjuntural e,
mesmo sendo muito próximo, ainda tem sido pouco estudado, é a inserção do
assistente social nos campos de trabalho, enquanto categoria inserida numa divisão
sócio-técnica e que, como as outras, também sofre com essas conseqüências.

Isto ficou comprovado quando levantei as teses e dissertações do banco de


dados da Pontifícia Universidade Católica – PUC/SP e constatei que dentre um total
de 112 que tratam do tema “terceiro setor”, apenas duas o relacionam ao Serviço
Social e datam de 2000 e 2006.

O estudo que apresentamos organiza-se em três capítulos. O primeiro


capítulo tem a finalidade de contribuir como base para o debate sobre as
conseqüências trazidas pelo padrão de acumulação flexível, a implantação do
projeto neoliberal e a desresponsabilização do Estado no trato à questão social ou
pela reforma do Estado brasileiro, que nada mais é que um reflexo dessa conjuntura
apontada. Analisou-se também como esses processos, que em nosso entendimento
se inter-relacionam, estão transformando o mundo do trabalho e redimensionando
as políticas sociais, foco crucial para desenvolvimento desta pesquisa, já que
historicamente foi a implantação das políticas sociais pelo Estado que legitimou a
15

institucionalização do Serviço Social. Assim, ao leitor atento, o capítulo aponta para


o momento como propício a compreensão dos espaços de inserção do assistente
social dentro do mercado de trabalho em suas novas configurações.

No segundo capítulo nos debruçamos sobre a trajetória histórica do “terceiro


setor” e sua concepção, destacando a fragilidade desse conceito e suas diferenças
quanto ao conceito de sociedade civil. Consideramos que este compõe um contexto
social amplo, resultante dos ditames do projeto neoliberal e sua conseqüente
reforma nas bases do Estado. Analisamos também a chamada responsabilidade
social e o discurso “humanista” presente no mundo empresarial, com forte
aproximação e interesses convergentes com o “terceiro setor”. Partimos para
apresentação geral das organizações e entidades pesquisadas, dando ênfase às
relações em torno dos recursos financeiros que as mantêm e como se dá ou não a
presença dos voluntários.

No capítulo terceiro, voltamo-nos à análise do fazer profissional do assistente


social no “terceiro setor” e às peculiaridades do campo de trabalho que demandam
assistentes sociais para o quadro de funcionário em determinadas condições.
Partimos de um breve histórico do Serviço Social, enquanto trabalho especializado,
para discutir pontos como: atividades, planejamento, valorização do trabalho,
autonomia, capacitação profissional, inserção política, com destaque para as redes
sócio-assistenciais e para a visão de cada sujeito a respeito do espaço público e do
privado.
16

Metodologia da Pesquisa

Apreender um pouco da riqueza que os profissionais acumularam no decorrer


de sua atuação profissional no “terceiro setor”, tão marcado por suas peculiaridades
relacionadas ao projeto neoliberal, trazendo à tona suas concepções como sujeitos
que fazem história e os significados de suas experiências, são alguns dos meus
objetivos. Desse modo, disponho-me a sistematizar esse conhecimento, que é
latente e precisa ser organizado, até mesmo para poder tornar-se um subsídio para
os profissionais que estão em campo.

A partir dessa compreensão, fiz a escolha pela metodologia da “História Oral”,


pois ao estudar o exercício profissional, tendo apenas como base minha pequena
experiência, receio produzir algo distante do cotidiano dos profissionais e entendo
que essa metodologia, por dar voz ao sujeito e valorizar sua experiência em face às
exigências da divisão sócio-técnica do trabalho, permite uma pesquisa mais
coerente com a realidade.

A concentração do interesse do pesquisador em determinados


problemas, a perspectiva em que se coloca para formulá-los, a
escolha dos instrumentos de coleta e a análise do material não são
nunca fortuitos; todo estudioso está sempre engajado nas questões
que lhe atraíram a atenção, está sempre engajado, de forma
profunda e muitas vezes inconsciente, naquilo que executa.
(QUEIROZ, 1992, p. 13).

Minha monografia da graduação foi realizada em uma perspectiva quanti-


qualitativa; isso porque percebi que os dados (o quantitativo) acabaram ocupando
um espaço maior em alguns momentos do trabalho, fazendo com que fossem
ocultadas algumas passagens/ histórias que traziam em si pontos que poderiam
melhorar a compreensão do objeto. Assim, com uma maior ênfase na abordagem
qualitativa pude me aproximar mais das experiências vividas por aqueles
profissionais e as respostas para as questões que compunham meu objeto seriam
encontradas de forma mais profícua. “O dado numérico em si nos instrumentaliza,
mas não nos equipara para trabalhar com o real em movimento, na plenitude que
buscamos”. (MARTINELLI, 1999, p. 21).
17

Os questionamentos que estiveram presentes no desenvolvimento da minha


monografia só foram possíveis de serem respondidos no ano após o término da
graduação, em 2006, quando iniciei no NIC - Núcleo de Estudo e Pesquisa
Identidade, Cultura e Historia Oral do Departamento de Serviço Social da
Universidade de Taubaté, sob a coordenação da Prof.ª Dr.ª Maria Fernanda Teixeira
Branco Costa2. A partir daí, comecei a pensar a História Oral e retomar as dúvidas
metodológicas que havia vivido.

(...) tornava-se fundamental buscar novas metodologias de pesquisa


que mais do que buscar índices, modas, medianas, buscassem
significados, mais do que buscar descrições, buscassem
interpretações, mais do que buscar coleta de informações,
buscassem sujeitos e suas histórias. Certamente, isso pressupõe um
outro modo de fazer pesquisa, no qual não deixa de ser importante a
informação quantitativa, mas sem que se excluam os dados
qualitativos. Esses dados ganham vida com as informações outras,
com os depoimentos, com as narrativas que os sujeitos nos trazem.
(MARTINELLI, 1999, p. 21).

Essa experiência de repensar meu posicionamento de pesquisador foi muito


prazerosa e diferente, pois estou descobrindo que posso valorizar minha trajetória
subjetiva de pesquisadora. Embora a pesquisa sempre tenha me instigado, faltava-
me um relacionamento mais íntimo com ela. Processo este que também está
possibilitando um reconhecimento maior sobre mim mesma.

Na sua defesa do dado qualitativo, aponta Maria Isaura que o único


caminho para transformar a subjetividade do pesquisador, de algo
prejudicial para algo que permita a compreensão da realidade, seria
através de uma “constante auto-crítica do pesquisador” Ela reitera,
assim, o seu enunciado a respeito do “preparo do pesquisador”
através da “auto- análise”. (KOSMINSKY, 1999, p. 80).

Mergulhar e trazer à tona os significados das experiências vividas pelos


assistentes sociais exige o contato “sujeito-sujeito”, ou seja, uma relação que se
estabelece entre pessoas que possuem igual importância em um contato direto.
Busca-se a singularidade do sujeito que só pode ser apreendida confrontando-a com
o todo, isto é, ninguém vive à parte de um contexto social, e este não é composto,

2
Trecho extraído da proposta de trabalho do NIC - Núcleo de Estudo e Pesquisa Identidade, Cultura
e Historia Oral do Departamento de Serviço Social da Universidade de Taubaté, sob a coordenação
da Prof.ª Dr.ª Maria Fernanda Teixeira Branco Costa.
18

senão, pelo caráter singular de cada pessoa. Assim, os sujeitos sempre revelam
respostas singulares, como explica Portelli (1997, p. 16):

A essencialidade do indivíduo é salientada pelo fato de a História


Oral dizer respeito a versões do passado, ou seja, à memória. A
memória é um processo individual, que ocorre em um meio social
dinâmico, valendo-se de instrumentos socialmente criados e
compartilhados. Em vista disso, as recordações podem ser
semelhantes, contraditórias ou sobrepostas. Porém, em hipótese
alguma, as lembranças de duas pessoas são – assim como as
impressões digitais, ou, a bem da verdade, como as vozes –
exatamente iguais.

É por meio da fala dos sujeitos que podemos apreender os sentidos que ele
constrói, cotidianamente, para exercer sua profissão. Isto é possível por que as
palavras são carregadas de sentido, elas são geradas pelos desejos e necessidades
humanas para depois, no pensamento, adquirir significados e ser exteriorizadas
constituindo-se em palavras.

(...) a linguagem tem a capacidade especial de nos fazer pensar


enquanto falamos e ouvimos, nos fazer compreender nossos
próprios pensamentos tanto quanto os dos outros que falam
conosco. Ela nos faz pensar e nos dá o que pensar porque se refere
a significados, tanto os já conhecidos por nós, bem como os que não
conhecíamos e que descobrimos por estarmos conversando.
(CHAUÍ, 2002, p. 149).

A História Oral, enquanto metodologia, permite por meio da coleta dos relatos
orais, identificar os elementos que compõem a experiência profissional, bem como a
percepção dos profissionais acerca de seu espaço de trabalho.

As narrações serão gravadas e transcritas, respeitando fidedignamente a


oralidade dos sujeitos. Assim, poderemos nos aproximar da compreensão de seus
pontos de vista e da realidade em que estão inseridos. Por isso, a escolha dos
sujeitos foi dirigida de acordo com as questões, ou seja, não teremos a preocupação
de definir uma “amostragem”, mas sim de encontrar sujeitos que tenham uma
história relacionada ao nosso objeto de estudo.
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Por conseguinte, para escolhermos os sujeitos da pesquisa, tivemos a


preocupação que fossem profissionais representativos, envolvidos com a profissão e
com os espaços de participação política. Desse modo, escolhemos para sujeitos
conselheiros da Assistência Social, que ao mesmo tempo também são assistentes
sociais inseridos no “terceiro setor”. Isso possibilitou análises contemplando o
“terceiro setor” dentro do espaço da Assistência Social, enquanto rede de serviços.
Ao total entrevistamos quatro sujeitos, dois do município de São José dos Campos,
por ter a maior população e uma rede sócio-assistencial de alta complexidade, um
de Caçapava e outro de Taubaté.

Como se pode notar, para delimitarmos o espaço geográfico da pesquisa,


optamos pelo Vale do Paraíba, Estado de São Paulo, região entre leste do estado de
São Paulo e do sul do estado do Rio de Janeiro. Localiza-se às margens da rodovia
Presidente Dutra (BR-116), exatamente entre o Rio de Janeiro e São Paulo, dentro
da megalópole formada pelas duas capitais. Mais precisamente, nos delimitaremos
ao chamado Médio Vale, representado pelas cidades de São José dos Campos,
Caçapava e Taubaté, por ser a região de mais fácil acesso para a realização da
pesquisa.

O município de São Jose dos Campos é hoje um importante centro regional


de compras e serviços do Vale do Paraíba e possui uma população de
aproximadamente 610 mil habitantes. Seu processo de industrialização tomou
impulso a partir da instalação do Centro Técnico Aeroespacial – CTA, em 1950, e da
inauguração da Rodovia Presidente Dutra (1951), perpassando a parte urbana de
São José dos Campos. Nas décadas seguintes, com a consolidação da economia
industrial, São José dos Campos apresentou um crescimento demográfico
expressivo que também acelerou o processo de urbanização no município.
Segundo Brisola (2003, p. 79),

(...) a eleição do primeiro conselho de Assistência Social de São José


dos Campos deu-se a partir de amplo movimento de plenárias
realizadas com variados segmentos da sociedade civil – idosos,
moradores de favela, portadores de necessidades especiais,
entidades sociais, sindicatos, enfim, buscou-se envolver o maior
número possível de segmentos, de forma a viabilizar a participação
dos cidadãos. O processo culminou com a aprovação da proposta de
projeto de lei na I Conferência Municipal da Assistência Social em
20

São José dos Campos, realizada em setembro de 1995, com a


presença de 254 participantes, sendo 251 delegados e 3
observadores.

Atualmente, o Conselho Municipal de Assistência Social conta com dois


assistentes sociais com vínculo empregatício no “terceiro setor”, um representando o
segmento família e outro representando o CRESS - São José dos Campos.
O Município de Caçapava possui uma população de cerca de 57 mil
habitantes e localiza-se à distância de aproximadamente 108 Km da capital do
Estado, à qual se interliga por meio das Rodovias Presidente Dutra, Ayrton Senna e
Carvalho Pinto. No sentido leste-oeste, o Município é atravessado pela Rede
Ferroviária Federal Sociedade Anônima (RFFSA), usada para transporte de cargas
pelo consórcio M. R. S., interligando-se às demais ferrovias do país que atingem os
principais centros urbanos do sul e sudeste, com acesso ao “Mercosul”.
Os primeiros habitantes de Caçapava foram os bandeirantes com suas
famílias. O ciclo do café trouxe um aumento da população. A exportação do café fez
promover o trabalho escravo e a imigração européia, principalmente dos italianos e
portugueses. O Município também foi o destino de muitos japoneses e sírio-
libaneses, que chegaram a partir do início do século XX. Com a industrialização do
Município, que vem ocorrendo nas últimas quatro décadas, instalaram-se ao longo
da Rodovia Presidente Dutra indústrias de vários ramos. Houve certa demanda de
migrantes vindos de outras partes do país, sobretudo da região nordeste. O
Município também serve como referência de hospedagem para inúmeros
trabalhadores, devido à proximidade com grandes centros urbanos como Taubaté e,
principalmente, São José dos Campos.
O Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS) de Caçapava foi criado
em 26 de setembro de 1997 e possui duas assistentes sociais com vínculo
empregatício. No “terceiro setor”, elas representam os segmentos criança e
adolescente e idoso.
Taubaté é um município do estado de São Paulo, com área de 625,916 km² e
uma população de aproximadamente 271.660 habitantes. Localizado no Vale do
Paraíba, a 123 km da capital do estado, São Paulo, e a 280 km da cidade do Rio de
Janeiro, bem como a 90 km de Ubatuba no Litoral e a 45 km de Campos do Jordão
na Serra da Mantiqueira; portanto, situado num ponto intermediário entre as
mesmas, possui clima agradável. É o segundo maior pólo industrial e comercial da
21

região, abrigando empresas como Volkswagen, Ford, LG, Alstom e Usiminas, dentre
outras, além da Aviação do Exército.
O Conselho Municipal de Taubaté foi criado pela Lei nº 4.046, de 04 de abril
de 2007, tem como competência, dentre outras, zelar pela efetivação do sistema
descentralizado e participativo da assistência social, atuar na formulação de
estratégias e controlar a execução da política de assistência social; aprovar o Plano
Municipal da Assistência Social, inscrever as entidades e organizações de
assistência social que prestem serviços no Município para os efeitos da Lei Orgânica
de Assistência Social, divulgar e promover a defesa dos direitos sócio-assistenciais,
etc. A posse do Conselho se deu em 27 de junho de 2007.

Fixada, pois, nesse espaço é que se realizou a presente pesquisa, ora


traduzindo e ora contrastando o relato dos assistentes sociais nela inseridos com o
referencial teórico adotado. Finalizo citando novamente Portelli (1997, p. 17), com
uma passagem que, de forma simples e rica, sintetiza muito do que expus até aqui.

(...) a História Oral não se concentra nas pessoas médias, mas não
raro considera mais representativas aquelas que são extraordinárias
ou incomparáveis. (...) o escravo que foi punido com cem chibatadas
pode esclarecer mais a instituição da escravatura do que aqueles
que chicoteados 0,7 vezes por ano.(...) Além disso, um contador de
histórias criativo ou um brilhante artista da palavra constituem fonte
de conhecimento tão rica quanto qualquer conjunto de estatísticas.
22

Capítulo 1 - Globalização, neoliberalismo, reestruturação produtiva: processos


que se inter-relacionam.

Este capítulo inicia-se situando historicamente os fenômenos: neoliberalismo,


reestruturação produtiva e globalização, na sua característica de inter-
relacionamento, cujos resultados são as transformações contemporâneas, detendo-
se principalmente naquelas que envolvem o mundo do trabalho. Evidentemente, não
será possível analisar esses fenômenos em profundidade, o que se faz aqui é uma
busca de análise de nosso objeto a partir dessa conjuntura.

No decorrer do trabalho, nos preocuparemos em como essas mudanças


perpassam também a profissão do Serviço Social, entendendo-a de modo exógeno,
para desvendar os desafios impostos por esse triplo fenômeno para os assistentes
sociais e para os trabalhadores de uma forma em geral.

Parte-se do entendimento de que, para compreensão das conseqüências do


processo de transformações do mundo do trabalho para a categoria dos assistentes
sociais, é necessário recorrer a uma contextualização histórica. Tais transformações
tiveram como eixo de referência a reestruturação produtiva, datada da crise do
capitalismo dos anos 70 do século passado, que teve entre suas principais
expressões os ditames do projeto neoliberal e sua conseqüente influência na
reforma das estruturas do Estado.

Conforme Perry Anderson (2002, p. 09), na sua análise “Balanço do


Neoliberalismo”, as idéias neoliberais foram pensadas bem antes da crise de 70.

O neoliberalismo nasceu logo depois da II Guerra Mundial, na região


da Europa e da América do Norte onde imperava o capitalismo. Foi
uma reação teórica e política veemente contra o Estado
intervencionista e de bem-estar. Seu texto de origem é O Caminho
da Servidão, de Friedrich Hayek, escrito já em 1944.

Para Anderson (2002), Hayek acreditava que o capitalismo corria perigos por
dois motivos principais: os gastos trazidos pelo Estado intervencionista, que
relativamente eliminava as diferenças sociais e, nessa compreensão, desestimulava
a moralidade do trabalho e, conseqüentemente, diminuía a prosperidade, pois esta
dependeria da concorrência. Também, segundo Hayek, a intervenção/ regulação do
23

Estado na economia ameaçava a liberdade, até mesmo política, conduzindo a um


desastre próximo ao que foi o nazismo alemão. Nas décadas 1950 e 1960 essas
idéias não conseguem aderência na sociedade, já que o capitalismo vive a chamada
idade do ouro. Apenas quando o capitalismo começa a se desgastar e procura uma
nova estratégia para se manter é que essas idéias ganham forças.

As raízes da crise, afirmam Hayek e seus companheiros, estavam


localizadas no poder excessivo e nefasto dos sindicatos e, de
maneira mais geral, do movimento operário, que havia corroído as
bases de acumulação capitalista com suas pressões reivindicativas
sobre os salários e com sua pressão parasitária para que o Estado
aumentasse cada vez mais os gastos sociais. (ANDERSON, 2002, p.
10).

Assim, o neoliberalismo é uma ideologia política que se firma com o objetivo


de deter a inflação e recuperar os lucros perdidos com a crise referida acima. O
Estado deixa de ser um “vigia da economia” e passa a ser um instrumento de apoio
ao processo de acumulação do capital. Sabemos que o posicionamento do Estado
sempre é o de servir à manutenção do poder dominante, por isso, quando o
momento histórico coloca em xeque a classe dominante, o Estado passa a adotar
novas estratégias e transforma até mesmo seu modo de intervir na sociedade.
Resulta, pois, que a perspectiva neoliberal cria a tese do Estado mínimo, no qual o
Estado deve reformar a administração, com medidas como: corte de gastos,
contenção de crédito, diminuição dos tributos sobre as empresas, retomada do
equilíbrio orçamentário com a eliminação do déficit público, enfim, medidas que
tenham a finalidade de proteger o próprio capital e, por conseguinte, o
empresariado.

Para entendermos a importância do controle do Estado para uma determinada classe


social, cito Stavenhagen:

As relações que existem numa época determinada entre as classes


da sociedade se refletem na estrutura do poder e no Estado. Se bem
que o Estado represente, geralmente, os interesses da classe
dominante, ele pode, na prática, muitas vezes, expressar um
compromisso entre diferentes classes e frações de classes. Mas
enquanto existirem contradições entre as forças de produção na
sociedade, ou seja, entre as classes sociais, a luta política das
24

classes terá sempre por objetivo o controle do poder do Estado


(VELHO; PALMEIRA; BERTELLI, 1969, p. 136).

Ao mesmo tempo em que o Estado se reestrutura, o mundo do trabalho


também sofre a chamada reestruturação produtiva, fruto do esgotamento do padrão
fordista/ taylorista3, advindo da crise de acumulação do capital, na década de 1970,
na qual se sentiu a necessidade de um modelo que fosse capaz de revolucionar os
padrões de produção e sistema de estoque; o modelo que responde a essa
necessidade é o chamado “toyotista” ou “acumulação flexível”. Instaura-se uma nova
era de produção que:

[...] é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela


se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de
trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo
surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas
maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados
e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial,
tecnológica e organizacional. (HARVEY apud ANTUNES, 1995, p.
21).

Os motivos que realmente levaram à crise financeira foram os excessos


provocados pelo fordismo e taylorismo; a ideologia neoliberal, porém, utiliza deste
momento para atacar o Estado intervencionista, indicando os gastos com as
políticas públicas como um dos responsáveis pela crise. Assim, direitos já
conquistados foram sendo retirados da classe trabalhadora e os gastos com as
políticas sociais foram diminuídos com cortes de serviços prestados à população e
com a queda de qualidade dos serviços que continuaram, buscando-se, assim,
atingir o maior dos objetivos da reestruturação que era a volta do acúmulo de capital.

O objetivo de toda reengenharia utilizada nas empresas é o corte de gastos,


que no nosso cotidiano é o corte de pessoas, ou sua diminuição dos salários, por
meio da equacionalização das funções, a fim de tornar a empresa mais competitiva.

3
“A estratégia de organização – taylorista/fordista do processo produtivo implica a produção em série
e em massa para o consumo massivo, uma rígida divisão de tarefas entre os executores e
planejadores, o trabalho parcelar e fragmentado e a constituição da figura do operário-massa. Essa
base de organização do processo de trabalho demarca o padrão industrial do pós-guerra,
complementando com políticas anti-cíclicas levadas a efeito pelo Estado, impulsionadoras do
crescimento econômico. (IAMAMOTO, 2001, p. 115).
25

A todo o momento que o capitalismo sente-se ameaçado, temos em nossas vidas


um resultado mais catastrófico. Esta situação não ocorre por ser necessária, como
analisado por Perry Anderson. Para o neoliberalismo, a desigualdade é saudável
para economia, assim, a taxa de desemprego é impulsionada, objetivando criar um
exército de mão-de-obra reserva para quebrar e fragilizar os sindicatos.

O neoliberalismo não conseguiu atingir todos seus objetivos porque a


desregulação do mercado gerou condições para que o capital fosse mais investido
em especulação financeira do que em produção. Sabemos que nunca os bancos
tiveram um lucro tão alto quanto após a propagação do ideário neoliberal. E
também por conta do aumento do desemprego, impulsionado pelo neoliberalismo, o
Estado continuou a gastar com políticas públicas para a manutenção da
sobrevivência da população, mesmo tentando diminuir esses gastos.

A partir do ano de 1989, com a queda do muro de Berlin, a estrutura


econômica, política e geográfica do mundo passa a ser redesenhada, podendo, este
ano e a década que o segue, serem considerados aceleradores do tempo histórico.
Nesse período, o mundo vê o capitalismo comemorar sua vitória sobre a derrocada
do socialismo; com ela surgem novos mercados a serem conquistados e novas
potências dão início ao processo mundial de globalização. Esta pode ser entendida
como o fim das fronteiras para o capital, não existindo mais leis de controle
econômico; o próprio capital é quem faz suas próprias leis. (HOBSBAWM, 1995).

Nesse período, o neoliberalismo se reafirma, já que sempre declarou como


uma de suas metas a destruição do comunismo, e se renova, num momento em que
começavam a evidenciar seus limites, uma vez que boa parte do leste europeu
passa a ser “reformada” com base nesse projeto. Assim, o neoliberalismo vai
ganhando hegemonia entre partidos e governos, tanto de direita quanto de
esquerda, refletindo-se em privatizações massivas.

Ao neoliberalismo e ao processo de reestruturação produtiva combina-se


esse processo de globalização que trouxe consigo o acirramento da competitividade,
fazendo com que as grandes corporações buscassem alternativas de disputa por
mercados. Por isso, conhecidas marcas foram perdendo suas raízes, pois seu
território e seus produtos passaram a ser padronizados pelo planeta. O que define
onde determinada parte do produto será produzida são as vantagens financeiras que
26

cada local oferece. Mas o que realmente marca a globalização é o fortalecimento do


mercado financeiro, que vem gerando mais lucro e acumulação que qualquer outro
setor que compõe a economia. Para isso ele impulsiona a tecnologia de modo que
as transações ocorram por todo o mundo ao mesmo tempo. Tornou as relações
sociais efêmeras e distantes, com a sensação de proximidade, assim mudou o
sentido do tempo e do espaço. Citando Giddens (1991, p. 69):

A globalização pode assim ser definida como a intensificação das


relações sociais em escala mundial, que ligam localidades distantes
de tal maneira que acontecimentos locais são modelados por
eventos ocorridos a muitas milhas de distância e vice-versa.

Conforme analisado por Viviane Forrester (1997), vivemos um novo mundo,


que possui um modelo inédito, o da cibernética, da automação, das tecnologias
revolucionárias e que agora exerce o poder, tornando-se tão distante da nossa vida,
que parece até mesmo que ele só existe na imaginação. A autora entende que está
bem mais evidente a preocupação em criar o virtual, fazer novas combinações,
negociar valores, mesmo antes de eles existirem. Enquanto isso, a vida da
sociedade em geral, está sendo governada, sem que nós possamos participar da
maioria das decisões, sem que muitas pessoas não consigam nem ao menos
acessar projetos de assistência social. A grande maioria da sociedade continua
acreditando que nada disso, nem as decisões políticas e econômicas e nem a
miséria social, nos dizem respeito.
Em suma, entendemos que a globalização é um fenômeno de reorganização
social, a reestruturação produtiva é de reorganização do mercado de trabalho, o
neoliberalismo é a ideologia que orienta as duas e a manutenção do capitalismo é o
objetivo dos três. “Tudo o que podemos dizer é que este é um movimento ideológico,
em escala verdadeiramente mundial, como o capitalismo jamais havia produzido no
passado”. (ANDERSON, 2002, p. 22).
27

1.1 - O discurso humanista do mundo do trabalho e o processo ideológico.

A reestruturação produtiva não comporta apenas aspectos referentes à


engenharia da produção, mas ao contrário, talvez, sua maior cartada tenha sido a
nova imagem que vem adotando, expressado por alternativas compostas de
políticas que basicamente se referem a dois âmbitos: o da qualidade e o da
responsabilidade social. Ambos são marcados pela ofensiva neoliberal que reveste a
empresa com um discurso humanista, para atingir um diferencial na sua imagem, ou
seja, uma estratégia de marketing que “agrega valor” ao que a empresa representa
para a sociedade. Isso pode ser percebido no fato das empresas se referirem aos
funcionários como seus “colaboradores”.

É óbvio que os funcionários são quem produz a riqueza da empresa, mas


esta se apropria da riqueza produzida através da exploração aos trabalhadores,
demonstrando o quanto esse discurso é ideológico e só gera vantagens para a
empresa, pois enquanto o trabalhador acredita que ele e a empresa são parceiros, já
que colaboração traz a idéia de mutualidade, ele está sendo explorado.

Também é muito comum a empresa incentivar os funcionários a criar novos


produtos e repensar os processos de trabalho, de forma que atinja a diminuição de
custos. Em troca o funcionário recebe um prêmio concreto podendo ser valor
financeiro ou não, e também seu agradecimento, reconhecendo e destacando este
funcionário diante dos outros, enquanto que a empresa por um longo período lucrará
com aquela idéia, mesmo que demita esse funcionário.
Mesmo assim, os trabalhadores continuarão elevando os níveis de
produtividade da empresa sem perceber que ela está diminuindo seus salários,
flexibilizando seus direitos, necessariamente explorando a capacidade física e
intelectual do trabalhador. Esta é uma das formas pela qual podemos notar que a
globalização, a reestruturação produtiva e o neoliberalismo são estratégias que se
entrecruzam; embora sejam diferenciadas, elas apóiam-se em busca do mesmo
objetivo: a manutenção do capitalismo, através do controle sobre a classe
trabalhadora e das idéias presentes em nossas vidas.

Assim, quando o trabalhador sente que não atingiu seu objetivo, ele sente que
seu fracasso é individual. Além desse discurso, na busca por novos mercados o
28

conceito de qualidade total4 também emergiu, visto constituir uma maneira de


conseguir a aprovação do consumidor, apresentando-se de uma forma material e
simbólica através dos selos de certificação, que significam excelência em produção
ou prestação de serviços, o que, logicamente, resulta em facilidades de créditos
para a empresa.

Sabemos que para o mercado esta qualidade refere-se apenas ao resultado


do processo, que gera o produto final. Porém, não é apenas a qualidade do produto
que se propaga, a qualidade é propagada também como qualidade de vida para
todos. Trata-se de um discurso que não se concretiza na vida dos trabalhadores.
Concluindo, aquilo que é lógica do discurso empresarial e da classe dominante, por
meio da ideologia, transmitida por meio das propagandas, passa a ser a lógica
acreditada por todos.

4
“Fala-se cada vez mais em qualidade total, que é apresentada como qualidade das condições de
trabalho e qualidade de vida, mas visa, de fato, a rentabilidade do capital investido, voltada ao
trabalhador produzir mais com menos custo, tendo em vista maior lucratividade. (IAMAMOTO, 1999,
p.116).
29

1.2 - Processos que se inter-relacionam e suas conseqüências para a política


social no Brasil

Hayek nunca considerou a democracia como valor central do neoliberalismo.


Entendia que a liberdade e a democracia poderiam consistir em um problema, se
cada indivíduo dispusesse de sua renda e de sua propriedade como bem quisesse.
Isso propiciou a existência na América Latina de um programa neoliberal baseado
em ditaduras de qualidade cruel. “O Chile de Pinochet começou seus programas de
maneira mais dura: desregulação, desemprego massivo, repressão sindical,
redistribuição de renda em favor dos ricos, privatização dos bens públicos”.
(ANDERSON, 2002, p. 19).

Nos países latinos que adotaram programas neoliberais, concentrou-se mais


poder no executivo, por isso tiveram sua legislação alterada e as constituições
golpeadas com reformas e emendas. Os governos que desejavam implantar gestões
neoliberais utilizavam-se de uma estratégia que elevava a inflação a picos e depois
apresentava o programa neoliberal como a única solução, o que não difere do que
os setores dominantes vêm fazendo na área social. O neoliberalismo utiliza
estratégias variadas para falir o atendimento dos serviços prestados pelo Estado,
fazendo com que este diminua o repasse de recurso, privatize alguns serviços, para
depois lhe dar o título de incompetente e se apossar dele.

Então, no Brasil, principalmente a partir do Governo Collor, intensificada pelo


Governo de Fernando Henrique Cardoso e continuada pelo governo atual, mesmo
com suas particularidades, a política neoliberal atribuindo ao Estado o título de
incompetente, cria um espaço para a privatização dos serviços públicos.
Conseqüentemente a esta lógica, se o Estado era incompetente, as empresas
mantidas por ele também seriam, pois não tinham concorrência e comportavam um
número grande de funcionários obsoletos, gerando gastos dispendiosos, o que
colaborava no crescimento da dívida pública.

No entanto, a privatização não conseguiu gerar melhores resultados; primeiro


porque o governo assumiu as dívidas trabalhistas dos funcionários demitidos de
várias delas; segundo porque a venda das estatais não abateu a dívida pública, visto
que, tanto a dívida externa quanto a interna, cresceu assustadoramente nesse
30

período; e, por fim, porque os serviços prestados pela empresas privatizadas caíram
em qualidade e aumentaram os preços, como nos casos da energia elétrica e
telecomunicações. No Brasil, estas últimas têm sido recordistas em reclamações
registradas contra elas nos serviços de defesa do direito de consumidor. Além disso,
reduziram os empregos, por meio de processo de enxugamento e terceirização.
(LESBAUPIN; MINEIRO, 2002).

As privatizações deveriam gerar recursos destinados à redução da


dívida pública, segundo o governo. No entanto, a despeito da
alienação de cerca de 75% do patrimônio público, a dívida líquida do
setor público, puxada pelos juros elevados e pela redução do ritmo
do crescimento econômico, não parou de crescer, criando crescentes
dúvidas sobre a capacidade de pagamento federal, dos estados e
municípios. (MATTOSO, 2002, p. 28).

Biondi (2003, p. 8) define a política de privatização do governo brasileiro como


“negócio da China” para os “compradores”, mas péssimo para o Brasil.

Assim é a privatização brasileira: o governo financia a compra no


leilão, vende “moedas podres” a longo prazo e ainda financia os
investimentos que os “compradores” precisam fazer – até a Light
recebeu um empréstimo de 730 milhões de reais no ano passado. E,
para aumentar o lucro dos futuros “compradores”, o governo engole
dívidas bilionárias, demite funcionários, investe maciçamente e até
aumenta tarifas e preços antes da privatização.

Biondi (2003) faz várias denúncias vergonhosas quanto ao processo de privatização


brasileiro, dentre elas destacamos:

• Na maioria das privatizações, os valores foram pagos em prestações e com juros


vergonhosamente baixos, fato muito bem escondido pela mídia.

• Ao fazer as primeiras privatizações, o governo aceitou “moedas podres”, isto é,


títulos antigos emitidos pelo governo que podiam ser comprados até pela metade do
preço. Resultando, em apenas uma volta de parcela da dívida do governo em títulos,
sendo nula a entrada de dinheiro nos cofres públicos. Na verdade, essas estatais
foram compradas pela metade do preço anunciado e ainda, os títulos foram
financiados em até 12 anos.

• Depois de “comprarem” as estatais, as empresas privadas ainda ganham


empréstimos a juros baixos, explicando assim, os lucros das empresas privatizadas.
31

• Próximo à privatização, o governo dobrou os investimentos nas estatais, tudo isso


gerou um aumento da dívida do país e um programa de “ajuste fiscal”, reduzindo os
investimentos no atendimento às necessidades da população.

Fica claro que o processo de privatização do governo FHC, atribuindo ao


Estado um título de incompetência, teve por objetivo privilegiar as multinacionais em
detrimento do interesse público.

Analisando as conseqüências da passagem da responsabilidade estatal para


a sociedade civil nos países da América Latina, percebemos que a precarização no
atendimento à população tende a ser maior. Primeiro por constituirmos países
dependentes do imperialismo norte-americano, que tem a obrigação de cumprir com
as ordens dos organismos financeiros internacionais, e segundo porque nunca
houve de fato uma prestação de serviços de qualidade à população, por parte do
Estado brasileiro. O governo brasileiro sabe acompanhar bem as recomendações
dos organismos internacionais, utilizando políticas sociais cada vez mais limitadas,
mais minimizadas, desmontando o serviço público.

Segundo Gaudêncio Frigotto (2001), vemos que nesse período, quem dirige a
vida social são os grandes organismos do capital. O Consenso de Washington5 e
suas conseqüências demonstram claramente essa dominação. O Fundo Monetário
Internacional, o Banco Mundial e a Organização Internacional do Trabalho interferem
no nosso cotidiano adaptando-o aos seus interesses privados. Cada vez mais o
capital está se reproduzindo por si mesmo, através de dois elementos de
importância: o conhecimento e a tecnologia, que fazem com que o capital vá se
desprendendo da força de trabalho. Ficamos à mercê dos interesses do capital que,
por estar se tornando independente da mão-de-obra, de fronteiras e de mercado,
acabam minimizando seus gastos, ao mesmo tempo em que maximizam seu lucro.

Com isso, a globalização contribui para o aumento do desemprego e


proliferação da pobreza que atinge países subdesenvolvidos e desenvolvidos.

5
Consenso de Washington refere-se a uma reunião realizada em “em novembro de 1989 (...) entre os
organismos de financiamento internacional de Bretton Woods (FMI, BID, Banco Mundial), funcionários
do governo americano e economistas latinos-americanos, para avaliar reformas econômicas da
América Latina, o que ficou conhecido como Consenso de Washington”. (MONTAÑO, 2002, p. 29).
Nesta reunião definiu os caminhos que os países subdesenvolvidos deveriam trilhar para alcançar o
desenvolvimento.
32

Então, concluímos que estamos diante de uma pobreza globalizada. No entanto, não
podemos deixar de considerar que a globalização não é um processo que pretende
ser homogêneo, pelo contrário, aumenta a exclusão social6, ao mesmo tempo em
que acumula riquezas para os setores dominantes. Neste sentido, é verdadeira a
afirmação de Mattoso (2002, p. 35) que:

[...] o Brasil é um caso exemplar de aceitação das regras do


Consenso de Washington, que redundaram neste constrangimento
ao crescimento. As aberturas comercial e financeira, em sua forma
passiva e subordinada, conduziram à sobrevalorização cambial com
juros elevados e ao progressivo constrangimento do crescimento.

Complementando a afirmação anterior, o mesmo autor aponta para ampla


subordinação ao capital financeiro internacional e para a ausência de resultados
positivos desta postura para a população brasileira.

A mundialização de bens e capitais sob a supremacia do capital


financeiro não trouxe a esperada convergência da riqueza nas
nações, mas a reafirmação da hegemonia e da centralidade dos
Estados Unidos, que de Washington distribuiu seu consenso. Para os
países que abandonaram um projeto nacional próprio, o Consenso
de Washington tornou-se um must, uma política única de um
pensamento único, cujos comportamentos desviantes seriam
combatidos com os movimentos voláteis e disciplinadores do capital
financeiro. (MATTOSO, 2002, p. 23).

A globalização colaborou para o processo de redução dos postos de trabalho,


porque todo o lucro da produção é destinado ao país de origem da empresa, assim
ela não favorece o crescimento da economia, fundamental para geração de
empregos. Favorece, também, a importação de produtos de países desenvolvidos
para subdesenvolvidos, gerando uma transferência da nossa riqueza para outro país
e junto com ela nossos empregos.

6
(...) a noção de exclusão social estende a noção de capacidade aquisitiva relacionando a pobreza a
outras condições atitudinais, comportamentais, que não se referem tão-só à capacidade de retenção
de bens. Conseqüentemente, pobre é o que não tem, enquanto excluído pode ser rico, mas
discriminado em razão da cor negra, opção sexual, gênero, idade etc. (SPOSATI, 1999, p. 66).
33

A globalização financeira e a livre mobilidade de bens e capitais têm


induzido os países da periferia que se integram subordinadamente à
economia global a adotarem aberturas financeira e comercial
indiscriminada e taxas de juros elevadas como forma de atrair
capitais, tornando crescentemente problemático o desenvolvimento
sustentado de suas economias. (MATTOSO, 2002, p. 26).

Além do desemprego, as empresas também se fortalecem enfraquecendo os


sindicatos, estes conseguem menos acordos coletivos e sentem dificuldade em
reverter os salários baixos, o que resulta na queda do nível de sindicalização. Hoje,
os sindicatos passaram a lutar mais pela manutenção dos direitos do que pela
conquista, já que os atuais sofrem ameaças contínuas. O INSS (Instituto Nacional de
Seguridade Social) adota critérios cada vez mais rígidos para os segurados, se é
que podemos classificar o contribuinte assim, já que está cada vez mais difícil o
acesso aos benefícios garantidos ao trabalhador.

A miséria humana é expressa de forma fria pelos números, ocultando a


situação real vivida pelo trabalhador e sua família. A mídia costuma atribuir o
desemprego à falta de qualificação pessoal, transmitindo a falsa idéia de que
existem os empregos, porém, são as pessoas que não estão preparadas para
assumi-los. Ainda a precarização das condições de trabalho é menos visível do que
o desemprego, considerando o crescimento da informalidade como a única saída
para milhões de pessoas.

Outra conseqüência desse processo de “reforma” do país aos moldes dos


países hegemônicos, está sendo vista num movimento de ampla reforma da
legislação vigente. Vemos o caso da nossa Constituição de 1988, que foi fruto da
conquista dos trabalhos e hoje vem sofrendo com tantas emendas, que aos poucos
estão descaracterizando aquela constituição resultante da luta da sociedade civil
organizada. Conforme Rouanet (1993, p. 25):

Não se trata, com isso, de desqualificar a liberdade “formal”. A


liberdade institucionalizada nos regimes constitucionais do Ocidente
serviu de moldura para centenas de lutas sociais que redundaram na
efetiva melhoria das condições da classe operária de desfrutar de
fato de seus direitos civis e políticos, e nesse sentido ela nada tinha
de formal. Sem liberdade jurídica não há liberdade substantiva. É
preciso partir da liberdade, no sentido jurídico, para chegar à
liberdade, no sentido material.
34

A tabela a seguir demonstra essa transformação constitucional em uma área


apenas, a do trabalho, que é o foco desta pesquisa, mas que também não se
diferencia de outras áreas.

Principais Mudanças na Legislação Trabalhistas a Partir do Plano Real

Medida Instrumento Data


Regulamentação da participação dos trabalhadores MP 794 1994
nos lucros e resultados Lei nº 10.101 2000
Regulamentação das cooperativas Lei nº 8.949 1994
Desindexação salarial MP 1.053 1995
Denúncia da convenção 158 da OIT (vigorou por 10 Decreto 2.100 1996
meses)
Desvinculação da correção do salário mínimo de MP 1.906 1997
qualquer índice de reposição da inflação
Precarização das relações de trabalho dos Decreto 2.066 1996
funcionários públicos
• Limitação de dirigentes das associações de
classe
• Controle das negociações salariais nas
empresas salariais
• Reforma administrativa com flexibilização de Decreto 2.028 1996
direitos;
• Arrocho salarial;
• Não reconhecimento do direito de greve

Adoção do contrato por prazo determinado Lei nº 9.061 e 1998


Decreto 2.490
Regulamentação do banco de horas Lei nº 9.061 e 1998
Decreto 2.490
Suspensão temporária do contrato de Trabalho MP 1.726 1998
Regulamentação da Jornada parcial (com redução MP 1.726 1998
proporcional de salários e benefícios)
35

Aumento do período de 4 meses para um ano para MP 1.727 1998


compensação de jornada extra através do banco de
horas
Proposta de alteração do arcabouço institucional das Proposta de 1998
relações de trabalho Emenda
Constitucional nº
623
Instituição das Comissões de Conciliação Prévia – Lei nº 8.959 2000
CCP
Procedimento Sumaríssimo (julgamento entre 15 e Lei nº 9.957 2000
30 dias)
Extinção do Juiz Classista
Flexibilização do artigo 7 Da Constituição Federal – Já foi aprovado na 2001
Possibilidade da negociação coletiva flexibilizar a Câmara dos
CLT. Deputados. Nesse
momento se
encontra no Senado
Federal e o
Governo acena com
a possibilidade de
postergar a
tramitação para o
início de 2003

Fonte: Le Monde Diplomatique. (LESBAUPIN; MINEIRO, 2002, p. 26-27).


36

1.3 - A reforma do Estado Brasileiro

Ao serem modificadas as condições históricas do processo de acumulação


capitalista com os processos de globalização e ajuste neoliberal, o Estado moderno
também tem que modificar suas atribuições, pois está à mercê do capital. Assim, em
nome da competitividade do mercado, as leis trabalhistas são alteradas e o Estado
passa por um processo de reforma em suas bases.
O Brasil possui uma inserção subalterna na ordem mundial. A nação
brasileira, em sua gênese, traz a marca do personalismo e da troca de favores, dos
desmandos dos poderosos e da ausência de poder dos trabalhadores. Dessa cultura
resulta o patrimonialismo, no qual os interesses privados da elite prevalecem sobre
os coletivos.

(...) a proposta neoliberal é a de cortar ainda mais o gastos públicos,


agravando a já iníqua situação de alocação de recursos para as
políticas sociais. Essa perversa combinação vem gerando um círculo
vicioso, cuja ruptura tem sido marcada por propostas de “reformas”
no âmbito social que nem sequer têm minimizado aquilo que se
considera como “seqüelas transitórias” do ajuste. Pelo contrário, sob
a denominação de “reformas” têm-se provocado na América Latina
processos de desmonte dos incipientes aparatos públicos de
proteção social. (SOARES, 2000, p. 71).

A reforma do Estado não é um fenômeno isolado; está inserida nas mudanças


internacionais. Ela expressa a concretização de um movimento conservador que
quer suprimir o Estado de Bem-estar Social.
Este tema entra nos debates políticos em 1980. Os países que iniciaram as
reformas liberais foram Inglaterra, Estados Unidos, Nova Zelândia, Austrália e vários
outros países europeus, como Alemanha e Itália. Na América Latina, Chile, México e
Argentina foram os países que iniciaram as experiências de reforma do Estado,
ainda na década de 1980.

A reforma tinha por objetivo ampliar o poder do mercado e manter a


lucratividade dos investimentos, com ajustes fiscais e ofensiva contra os salários,
atacando a legislação trabalhista e terceirizando a mão de obra. Oliveira (SADER;
GENTILLI, 1999, p. 68), assim define a reforma do Estado brasileiro:
37

A reforma do Estado brasileiro na era da globalização, quase sem


exagerar (embora os que me conhecem sabem que sou dado ao
exagero), parece um esforço das classes dominantes em fazer
cumprir um dos mais sombrios anátemas de Marx e Engels no
Manifesto. Aquele que dizia que os governos não passam de comitês
executivos da burguesia. O governo brasileiro, os governos latino-
americanos em geral, se esforçam pra estar entre os primeiros e
mais fiéis a homenageá-los, fazendo valer seus mais sombrios
anátemas. Que estranha homenagem! Bem que o presidente
brasileiro, que teve Marx e Engels como mestres, no passado,
poderia achar outra maneira melhor de render-lhes tributo!

Os países passam a se integrar em blocos supranacionais. Como exemplo,


em 1994, cria-se a Organização Mundial do Comércio, que altera as políticas
domésticas dos governos nacionais e diminui a autonomia dos Estados que a
integram. O Mercosul possui baixa complementaridade comercial entre os parceiros,
pois eles disputam mercado por produtos similares.
Em nossa avaliação, essa disputa por mercados gera problemas internos aos
países, já que para atrair o investimento interno fazem-se propostas de relaxamento
de legislação, doação de terrenos e, na maioria das vezes, esse investimento não
melhora a vida da população, não há um retorno eficaz por parte das empresas.

Borón (SADER; GENTILLI, 1999, p. 38) chama a atenção para o poderio das
empresas privadas, que além de assumirem um tamanho estatal, interferem em
seus mecanismos decisórios, a favor de seus interesses particulares.

Contudo, no final do século XX, se pode construir um argumento que


inverte radicalmente os termos da proposta hobbesiana. Em que
sentido? No sentido de que os Leviatãs agora são muitos, e não só
um, como queria o filósofo político. E, mais importante ainda, esses
Leviatãs são privados, são as grandes empresas que, nas últimas
décadas, garantiram seu predomínio nos mercados mundiais até
limites inimagináveis faz poucos anos. Como sabemos, o poderio
que hoje caracteriza os megacomglomerados da economia mundial –
gigantescas burocracias privadas que não prestam conta a ninguém
nem a nada – não tem precedentes na história.

No processo de reforma do Estado, o governo FHC desvinculou os gastos do


governo da União, através de um Fundo de Estabilização Fiscal, o que em nossa
opinião significa um desrespeito com o direito da população de controlar esses
gastos, além de ser uma medida inconstitucional.
38

Essa reforma, na visão de Oliveira (SADER; GENTILLI, 1999, p. 72), atinge


tanto as classes dominantes quanto as dominadas.

A reforma do Estado era dos dois lados, um tema candente, atual e


central da luta política, sob todos os ângulos. Não é à toa que ela
esteve no centro das últimas campanhas políticas. A agenda da
última década foi pautada toda ela em torno da reforma do Estado.
Quando se fala de privatização, quando se fala de reforma do
estatuto de funcionários, está se falando da questão do Estado. Essa
questão era e continua sendo crucial para os dois blocos principais,
esquematicamente, os dois blocos que em duas grandes eleições,
em 89 e 94, debateram propostas que distinguiam perfeitamente os
dominantes procurando redefinir o papel do Estado no controle dos
dominados, enquanto a oposição procurava precisamente utilizar o
Estado para aumentar os conteúdos e espaços de autonomia dos
movimentos populares: porque é disso que se trata, quando se fala
de reforma do Estado, do ângulo popular e do ângulo das classes e
do grande bloco dominante.

Para atrair o capital externo, o governo deixa de proteger a indústria nacional,


e esta perde competitividade. Esse capital especulativo, ao primeiro sinal de risco,
abandona o país levando seu lucro e sem deixar novos empregos. Por isso, somos
favoráveis à denominada taxa Tobin, que significa um controle ao capital
especulativo.

Enquanto imposto sobre as transações cambiais com fins


especulativos, o tributo Tobin inaugura uma forma de relação entre o
público e o privado, completamente diferente da espécie habitual de
aliança entre a esfera política e a financeira (...): Tributar as
operações de câmbio para penalizar a especulação, controlar o
movimento de capitais de curto prazo significa fazer uma séria
advertência política aos principais agentes econômicos e afirmar que
o interesse geral deve prevalecer sobre os interesses particulares e a
necessidade de desenvolvimento sobre a especulação internacional.
(CHESNAIS, 1999, p. 12).

Outro problema do nosso país é que a carga tributária só afeta empresas


pequenas e de médio porte e penaliza os consumidores.

Conseqüentemente, o problema de nossa região não é senão o fato


de que nossos sistemas tributários são incrivelmente regressivos,
arrecadam pouco ou mal – principalmente entre os assalariados e os
pobres – e tolera a evasão e o engano tributário das grandes
empresas e das grandes fortunas, que estão consideravelmente
39

menos taxadas do que no mundo desenvolvido. (SADER; GENTILLI,


1999, p. 53).

FHC propõe uma reforma na administração pública com base em uma


administração gerencial, ou seja, uma discussão técnica esvaziada de conteúdo
político. Buscou ajuda da grande mídia, que respondeu em apoio à reforma em
nome do medo da volta da inflação. Acreditamos que quanto a essa questão caiba a
crítica de Boaventura (2000, p. 331).

A modernidade tem uma maneira peculiar de combinar a grandeza


do futuro com a sua miniaturização, isto é, de classificar e
fragmentar os grandes objectivos do progresso infinito em soluções
técnicas que se distinguem essencialmente pelo facto de a sua
credibilidade transcender aquilo que a técnica pode garantir. As
soluções técnicas, que são parte integrante da cultura instrumental
da modernidade, têm um excesso de credibilidade que oculta e
neutraliza o seu défice de capacidade. Daí que tais soluções não
nos incentivem a pensar o futuro, até porque elas próprias já
deixaram de pensar a muito tempo.

Para o bloco dominante, a crise do Estado seria desatada pelo corte de


gastos públicos e privatização das empresas. Fica claro que o processo de
privatização do governo FHC, atribuindo ao Estado o título de incompetente, teve
por objetivo privilegiar as multinacionais em detrimento do interesse público.

O Plano Diretor que orientou a reforma do Estado tinha por base que o
Estado deveria estar fora do setor produtivo e de que a crise do Estado relacionava-
se aos gastos sociais.
Sabemos que os custos das demandas sociais é argumento clássico das
reformas neoliberais, utilizado desde a década de 1970 até os dias de hoje. Por isso,
mesmo com a Constituição Federal de 1988, a Política Social ficou aquém do
necessário, devido às exigências do Banco Mundial.
Foi uma reforma do papel do Estado, na qual reformar significou transferir
para o setor privado tudo que fosse possível.
Fernando Henrique afirmou ser contra a tese do Estado mínimo, o esforço do
seu governo era no sentido de fortalecer o Estado, centralizando o poder na esfera
federal. Então, na verdade, FHC não fortaleceu o Estado, apenas o reestruturou.
40

A administração gerencial prevê maior autonomia na gestão orçamentária,


financeira, pessoal, de compras e contratações, ou seja, em nossa opinião, menos
controle dos gastos públicos.
O Estado impulsionou a criação de parcerias, criando legislação para firmar
contratos de gestão. Ora, é ilusório pensarmos em parceria, já que esta pressupõe
atividades em um mesmo nível de colaboração; o que ocorre na realidade é a
transferência de recursos para as organizações sociais que prestam serviços, mas
em que não há uma fiscalização eficaz sobre os gastos e sua atuação. Assim,
podemos concluir que tais contratos não passam de uma terceirização do setor
público.
É uma maneira de transferir os custos e responsabilidades do Estado para a
sociedade civil, já que pela proposta liberal o Estado deve ficar menos na área social
e mais forte na organização das condições gerais para a manutenção do lucro
privado.

O esvaziamento do setor público e o conseqüente desmantelamento


de seus serviços sociais fizeram-se acompanhar por um retrocesso
histórico, qual seja, o retorno à família e aos órgãos da sociedade
civil sem fins lucrativos, como agentes do bem-estar social. Isto vem
implicando a renúncia explícita do Estado em assumir sua
responsabilidade na prestação de serviços sociais (sobretudo saúde
e educação) em bases universais. (SOARES, 2000, p. 80).

No Plano Diretor, o cidadão passou a ser visto como cliente, o que demonstra
a isenção do sentido político. A propaganda ideológica do governo FHC foi para
justificar a reestruturação na máquina estatal, utilizou-se da bandeira do ajuste de
caixa, sem esclarecer os efeitos sociais dessa medida, apenas a demonstrou como
um sistema que acabaria com os privilégios do funcionalismo público.
A reforma da Previdência Social é parte importante do processo de ajuste
fiscal; outro ponto importante é a sua privatização.

Ao analisar a Reforma no marco proposto pelos Organismos


Internacionais para as Reformas da Seguridade Social na América
Latina, o Brasil, de um ponto de vista bem geral, estaria adotando um
sistema misto, mantendo uma Previdência Pública Básica e abrindo
espaço para uma Previdência Complementar predominantemente
privada. A aplicação mecânica desses modelos, no entanto, na
41

maioria dos casos, não leva em consideração nem a evolução


histórica nem a composição estrutural de cada sistema de
seguridade social, desrespeitando, portanto, as especificidades de
cada país. O caso brasileiro não foge a essa regra. (SOARES, 2000,
p. 86).

O grande problema da Previdência Social é que suas fontes estão secando,


devido à queda do nível do emprego e aumento da informalização do mercado.
O Partido dos Trabalhadores (PT), quando oposição, afirma que essa crise
era relacionada aos desvios de recursos e sonegação do setor privado com a
Previdência. Esse discurso ficou esquecido com a reforma do governo Lula. Para
Lúcia Cortes da Costa (2006, p. 194) “é mais fácil retirar dos trabalhadores do que
fazer valer as leis que prevêem como crime à sonegação fiscal”, com o que
concordamos veementemente; foi mais fácil para o PT adotar o discurso que
criticava a fazer uma reforma justa para os trabalhadores.
Na reforma do Estado foi articulada a redução da máquina pública com a
reforma administrativa. O poder público se retira da operacionalização dos serviços
e cria parcerias com o setor privado.

Essa proposta surge em 1990, como orientação do Banco Mundial, que


considerava a despesa com serviços sociais ineficiente. Perdeu-se o caráter
universal no atendimento; para o Banco, apenas os que não podem pagar pelos
serviços devem recebê-los. Isso em nosso entendimento descaracteriza a condição
de direito e contraria a Constituição Federal e o Sistema Único de Saúde.

Uma das estratégias neoliberais mais disseminadas (...) é a


focalização. A idéia é a de que os gastos e os serviços sociais
públicos/estatais passem a ser dirigidos exclusivamente aos pobres.
Ou seja, somente aqueles comprovadamente pobres, via “testes de
pobreza” ou “testes meios” (baseados nos means tests dos
programas sociais norte-americanos), podem ter acesso aos serviços
públicos. No âmbito das políticas sociais, a estratégia da focalização
é o correlato da individualização da força de trabalho e da
possibilidade estrutural da exclusão de uma parte dela do mercado
de trabalho, ou seja, da forma “legítima” de acessar os recursos.
(SOARES, 2000, p. 79).
42

Ocorre que as camadas médias não reivindicam o acesso aos serviços, por
serem vistos como de má qualidade, reforçando a tese do Banco Mundial de que o
Estado deve atender apenas aos mais pobres.

O modelo chileno de prestação de serviços foi divulgado pelo Banco Mundial


como um exemplo a ser seguido, mantendo uma rede de serviços, baseada no
modelo de parcerias com o setor privado.

Introduz-se a falsa idéia do “autofinancimento” dos serviços. A


experiência chilena de privatização dos serviços de saúde,
introduzindo tarifas pretensamente seletivas nas unidades públicas
de saúde, além de restringir a acesso, demonstrou a sua ineficácia
em aumentar o volume de recursos do setor, já que a grande maioria
da população que procurava esses serviços não tinha condições de
pagar por eles. (SOARES, 2000, p. 71).

Esse discurso oculta o descompromisso do Estado e para FHC o Estado deve


assumir apenas a tarefa de um facilitador do processo, subsidiando as iniciativas da
sociedade civil, sem ser o responsável pela sua operacionalização. Além da
descentralização dos serviços, que passam a ser de responsabilidade executiva dos
níveis estaduais e municipais.

Com esse tipo de reforma do Estado não há política social possível.


O Estado que não pode mais ter moeda não pode fazer mais
discriminação monetária; não pode mais fazer discriminação
orçamentária; não pode ter iniciativa para criar as políticas sociais
que são necessárias. A política social, que desde a grande
depressão transitou da caridade pública ou privada para inscrever-se
como uma macro política estrutural, no nível da política monetária, no
nível da política fiscal e no nível da política industrial, a política social
presente no desenvolvimento do capitalismo no segundo pós-guerra,
transformou-se numa política estruturante, voltou a ser uma coisa do
privado. (SADER; GENTILLI, 1999, p.77).

Assim podemos concluir que a chamada publicização de FHC, na verdade, é


a transformação de tudo o que antes era público em instituição privada. É
certamente nesse aspecto que o governo atual mais diferencia-se do anterior: não
houve continuidade no acelerado processo de privatização do Brasil, da forma como
FHC estava fazendo.
43

Certamente, nivelar o governo Lula com base nos governos anteriores, como
a mídia vem fazendo, utilizando o discurso de que este governo é mera continuidade
de seu antecessor, é um equívoco ou falta de atenção. Muitas mudanças ocorreram
e outras estão em processo. Observando algumas ações do atual governo, vemos
que embora o neoliberalismo esteja presente, existe a preocupação de não afastar
totalmente o Estado da vida social.

Nesse espaço não poderemos nos aprofundar e nem apresentar todas as


alterações ocorridas. Mas, um bom exemplo, é o programa Bolsa Família, mesmo
não possuindo, de fato, características emancipatórias, sua cobertura marca a
responsabilidade estatal presente nas regiões que mais sofrem com a desigualdade
do país.

Um artigo da Revista Carta Capital (2008, p. 16) traz uma posição


diferenciada do restante da mídia, ao destacar duas constatações do Banco
Mundial: “o Bolsa Família é um programa exemplar e deve servir de modelo para
futuras experiências” e “a mídia brasileira faz uma cobertura excessivamente
negativa do programa e tem dificuldade em reconhecer seus avanços ou discutir
maneiras para aperfeiçoá-lo.” O artigo critica a mídia por falta de equilíbrio e a classe
média por não perceber os ganhos gerais que a redução da miséria traz ao Brasil.
Quanto à constatação do Banco Mundial, mesmo com as críticas que temos a ele,
sua análise foi um fato importante, pois vem de fora do Brasil; só não concordamos
com a afirmação de que o programa seja exemplar. Sem dúvida essa constatação
serviu para chamar atenção da mídia para uma cobertura do programa mais
coerente com a realidade e menos superficial.

Pochmann (2008), ao escrever suas perspectivas para 2008, apontou que o


Brasil ainda tem muito a caminhar para reduzir as desigualdades sociais, mas
também demonstrou melhorias que estão sendo alcançadas. Dentre os vários
aspectos citados por ele, destaca-se o crescimento da economia; o Programa de
Aceleração de Crescimento (PAC), que significou uma mudança positiva na postura
do governo em diversos aspectos da vida nacional e tende a deslanchar nos
próximos anos; o bolsa-família, com alcance aos efetivamente mais pobres e uma
cobertura de 11 milhões de famílias, com a ampliação para famílias com filhos de 16
e 17 anos.
44

No mesmo caminho vão as análises de Ladislau (2008); primeiramente,


também faz uma crítica à mídia, com a qual concordamos, “chamar os avanços
alcançados de "assistencialismo" não ajuda a entender a realidade, nem a
reivindicar mudanças mais profundas”. Para analisar o atual governo, ele estudou
dados primários, o PNAD 2006 e Indicadores Sociais dos últimos 10 Anos. Alguns
números apresentados dão-nos uma perspectiva positiva:

• aumento de 8,7 milhões de postos de trabalho no país durante o último


governo;

• 3 em cada 5 empregos criados são com carteira assinada;

• a elevação dos rendimentos dos trabalhadores em 7,2%, entre 2005 e


2006;

• um ganho real de 13,3% em 2006 relativamente a 2005 dos salários


mínimos;

• O rendimento médio domiciliar aumentou em 5,0% em 2005, e em


7,6% em 2006;

Esses dados apresentam um quadro convergente de mudanças em aspectos


essenciais para a população, como aumento de emprego, acompanhado de sua
formalização, do aumento do salário mínimo e rendimento domiciliar.

Como se vê, embora o Brasil esteja vivenciando um momento com


características positivas, todo esse processo conjuntural, anteriormente analisado,
favorece uma maior precarização das condições de trabalho e vida do trabalhador,
já que seus direitos vêm diminuindo tanto, enquanto trabalhador e como cidadão que
necessita dos serviços públicos para ter saúde, educação, etc. Resta-nos analisar,
como as mudanças no mundo do trabalho, relacionadas aos processos de
globalização e neoliberalismo, interferem diretamente no trabalho do Serviço Social,
o que abordaremos no próximo capítulo.
45

Capítulo 2 - O “terceiro setor”: análises e definições

É relevante para este trabalho a discussão acerca do “terceiro setor”, para, no


capítulo seguinte, pensarmos sua relação/conseqüência com/para o Serviço Social,
em face ao desmonte do Estado no que se refere às políticas públicas.

Com a expansão do ideário neoliberal e o afastamento do Estado de sua


responsabilidade social, abre-se uma cisão no atendimento à população e, assim,
entra em cena um novo ator: o “terceiro setor”; com ele também se deslocam
algumas possibilidades de trabalho do assistente social, fazendo com que seja
extremamente necessário entender melhor que novo ator é esse. Quais são as
possibilidades que ele proporciona ao assistente social, enquanto empregador? Que
frentes de trabalho abre para o atendimento à população? Acreditamos que para
analisarmos as peculiaridades do mercado profissional no campo do “terceiro setor”,
devemos nos debruçar sobre o sentido histórico deste objeto de estudo, inserido em
um contexto social amplo, com base nos ditames do projeto neoliberal e sua
conseqüente reforma nas bases do Estado.

Cabe aqui relembrarmos o fato de que, historicamente, o Serviço Social


sempre trabalhou com entidades sociais e que a presença do setor filantrópico é
uma constante no trabalho social, especialmente na Assistência Social. Como
podemos observar desde o surgimento da profissão.7

Burguesia, Igreja e Estado uniram-se em um compacto e reacionário


bloco político, tentando coibir as manifestações dos trabalhadores
eurocidentais, impedir suas práticas de classe e abafar sua
expressão política e social. Na Inglaterra, o resultado material e
concreto dessa união foi o surgimento da Sociedade de Organização
da Caridade em Londres, em 1869, congregando os reformistas
sociais que passavam agora a assumir formalmente, diante da
sociedade burguesa constituída, a responsabilidade pela
racionalização e normatização da prática da assistência. Surgiam,
assim, no cenário histórico os primeiros assistentes sociais, como
agentes executores da prática da assistência social, atividade que se
profissionalizou sob a denominação “Serviço Social”, acentuando seu
caráter de prática de prestação de serviços. (MARTINELLI, 1989, p.
66).

7
O tema institucionalização do Serviço Social será retomado e melhor trabalhado no próximo
capítulo.
46

Retomando as análises sobre o “terceiro setor”, acreditamos ser salutar


esclarecer a fragilidade desse conceito. Comumente esse fenômeno é estudado de
forma isolada dos outros “setores”; é generalista, pois lhe falta rigor teórico devido à
distância existente entre o que ele representa ser (solidariedade, filantropia,
caridade...) e o que realmente é (a expressão neoliberal). Aqui o estudaremos, não
como um fenômeno isolado, mas como expressão das transformações do capital.
Ele possui origem norte-americana, num contexto de voluntariado e individualismo
neoliberal. No Brasil chega por intermédio da Fundação Roberto Marinho, revelando-
se aí, a clara intencionalidade desse fenômeno. Por conta dessas questões,
utilizamos este conceito entre aspas.

Assim, o termo é constituído a partir de um recorte do social em


esferas: o Estado (“primeiro setor“), o mercado (“segundo setor”) e a
“sociedade civil (“terceiro setor”). Recorte este [...] claramente
neopositivista, estruturalista, funcionalista ou liberal, que isola e
autonomiza a dinâmica de cada um deles, que, portanto,
desistoriciza a realidade social. Como se o “político” pertencesse à
esfera estatal, o “econômico” ao âmbito do mercado e o “social”
remetesse apenas à sociedade civil, num conceito reducionista.
(MONTAÑO, 2002, p. 53).

Embora não concordemos com o termo “terceiro setor”, utilizamo-lo pelo


sentido já disseminado entre as pessoas, como explica Fernandes. Também porque
consideramos as outras terminologias ainda mais equivocadas, como o conceito de
nonprofit sector, algo que se constrói por fora do mercado e do Estado, ou até
Independent Sector, setor independente. No decorrer do trabalho, demonstraremos
o contrário, que há muita relação entre esses setores.

O Terceiro Setor é um conceito, uma expressão de linguagem entre


outras. Existe, portanto, no âmbito do discurso e na medida em que
as pessoas reconheçam o seu sentido num texto ou numa
conversação. (Fernandes, 2000, p. 25).

É importante, deixar claro que “terceiro setor” e “sociedade civil”8 não são
sinônimos; fortalecer a sociedade civil é fortalecer seu espaço decisório dentro do
âmbito estatal, pois é neste espaço que se pode exigir os direitos.

8
“A sociedade civil é constituída de variados organismos, ou seja, ela é o conjunto complexo; o seu
campo é muito extenso e sua vocação para dirigir o bloco histórico implica uma adaptação de seu
47

Não cabe conjecturar sobre qualquer capacidade do TS9 de


responder pelo conceito de sociedade civil. Isso seria trocar a parte
pelo todo. Explicando melhor: a sociedade civil manifesta-se e
apresenta-se pela conformação de uma opinião pública regulada
pelas tensões; o TS, admitindo-se para ele alguma forma de
organicidade, manifesta-se também por meio de grupos ou
instrumentos de pressão. Aqueles que estabelecem essa identidade
querem fazer crer que a manifestação do TS, mesmo que com
capacidade desproporcional de repercussão, guardaria a única
representatividade de se expor no lugar de um ambiente
extraordinariamente mais complexo do que ele. O conceito de
sociedade civil diz respeito a outra instância de reflexão social e
organiza uma totalidade que difere, radical e conceitualmente, de
qualquer grupamento organizado, identificado por propriedades
comuns. (CABRAL, 2008, p. 51).

Também é importante a explicação de Dagnino (2006, p. 15) quanto ao


conceito de sociedade civil como um ator não homogêneo e permeado de projetos
que disputam entre si.

Uma primeira insatisfação é a insistente tendência a tratar a


sociedade civil como um ator unificado, sem reconhecer sua
heterogeneidade intrínseca, vício recorrente na análise política latino-
americana. Uma das maneiras de não somente reconhecer essa
heterogeneidade, mas de expô-la de modo a contribuir para um
estudo mais complexo das diferentes configurações do processo de
construção democrática é identificar os distintos projetos em disputa
em torno desse processo.

Assim como a sociedade não pode ser pensada de forma homogênea, o


“terceiro setor” também deve ser entendido a partir da sua heterogeneidade, visto

conteúdo, segundo as categorias sociais que atinge. Assim, a sociedade civil pode ser considerada
sob três aspectos complementares.
• Como ideologia de classe dirigente, ela abrange todos os ramos da ideologia, da arte à
ciência, incluindo a economia, o direito etc;
• Como concepção de mundo difundida em todas as camadas sociais para vinculá-las à classe
dirigente, ela se adapta a todos os grupos; advém daí diferentes graus qualitativos: filosofia,
religião, senso comum, folclore;
Como direção ideológica da sociedade, articula-se com três níveis essenciais: A ideologia
propriamente dita, a “estrutura ideológica”, isto é, as organizações que a criavam e defendem – e , o
“material ideológico”, ou seja, os instrumentos técnicos de difusão da ideologia (sistema escolar,
mídia, bibliotecas, etc)” (PORTELLI, 1997, p. 22 apud NASCIMENTO, 2004, p. 04).
9
Conforme a autora abrevia “terceiro setor”.
48

que nele encontramos atores diferenciados tanto por sua natureza, quanto por seus
interesses e objetivos sociais.

Pode parecer estranho incluir numa mesma categoria organizações


que vão desde abrigos para indigentes até museus ou universidades,
que compreendem desde uma entidade para defesa dos povos
indígenas na Amazônia até uma sociedade para a restauração de
antigos cemitérios nas cidades do interior da Estônia. Mas é
exatamente a produção e discussão da idéia (...) que está na base
dos inúmeros debates, publicações e centros de pesquisa que se
vêm desenvolvendo, em âmbito internacional, sobretudo a partir dos
anos 80, mobilizando e relacionando gente do campo acadêmico e
das próprias entidades sem fins lucrativos. (LANDIM, 1993, p. 5).

Mesmo que hoje esse termo (sociedade civil) tenha sido apropriado pelo
projeto neoliberal e, neste cenário, signifique justamente o contrário, o
enfraquecimento das responsabilidades do Estado, atualmente, o espaço da
sociedade civil pode significar tanto a arena de luta pela hegemonia, na concepção
gramsciana10, quanto um espaço despolitizado que usa a filantropia para ser
funcional ao neoliberalismo e abre um espaço para a privatização das políticas
públicas.

Percebemos que o discurso do “terceiro setor” é cercado de interesses


ideológicos11. Assim é crucial entender que

[...] o debate do terceiro setor, por escamotear e mistificar os reais


processos de transformação social, por criar uma resignada cultura
do ‘possibilismo’, desenvolve um campo fértil para o avanço da
ofensiva neoliberal de retirar e esvaziar as históricas conquistas
sociais e dos trabalhadores, contidas no chamado ‘pacto
keynesiano’12, gerando maior aceitação e menor resistência a este

10
“A hegemonia expressa a direção e o consenso ideológico (de concepção de mundo) que uma
classe consegue obter dos grupos próximos e aliados. A conquista progressiva de uma unidade
político-ideológica – de uma direção de classe – requer a busca do consenso dos grupos sociais
aliados, alargando e articulando seus interesses e necessidades”. (DURIGUETTO, 2005, p. 85).
11
É por meio da ideologia que “o ponto de vista, as opiniões e as idéias de uma das classes sociais –
dominante e dirigente – tornam-se o ponto de vista e opinião de todas as classes e de toda
sociedade. A função principal da ideologia é ocultar e dissimular as divisões sociais e políticas, dar-
lhes a aparência de indivisão e de diferenças naturais entre os seres humanos.” (CHAUÍ, 2002, p.
174).
12
No pacto keynesiano “coube ao Estado viabilizar salários indiretos por meio das políticas sociais
públicas, operando uma rede de serviços sociais, que permitisse liberar parte da renda monetária da
população para o consumo de massa e conseqüente dinamização da produção. Esse acordo entre
Estado, empresariado e sindicatos envolveu uma ampliação das políticas públicas, que passaram a
dispor de ampla abrangência, permitindo que fosse liberada parcela da renda familiar para o
consumo.” (IAMAMOTO, 2001, p. 115).
49

processo. Por conta disso, este debate soa aos ouvidos de Ulisses
como um sedutor ‘canto de sereia’, que o empurra às profundezas do
mar. (MONTAÑO, 2002, p. 23).

Através da veiculação da mídia, a retórica neoliberal se reproduz e ganha


força não só no âmbito das empresas, entre seus funcionários, mas também na
sociedade em geral, que passa a acreditar na postura de solidariedade da empresa
e acaba cooperando com a ofensiva neoliberal na medida em que a sociedade
assume o papel de responsável pelas políticas sociais.

Quando mediamos a ajuda ao próximo pelo consumo de produtos,


acabamos por transformar o outro em produto: desodorante (menor
carente), tintura para cabelos (abrigo para idosos), sandália feminina
(deficientes físicos). E transformar o outro em produto é inseparável
da transformação do eu em produto, gerando uma sociedade onde
não há reconhecimento da alteridade, onde tudo é mercado, até a
miséria. (EZEQUIEL, 2006, p. 146).

Sader (2004, p. 06) aponta para os perigos do mercado em controlar a vida


social.

Quando se impôs ao senso comum o “mercado” como regulador das


relações sociais e econômicas, o que não se diz é que isso se faz às
custas dos direitos e da democracia. Por que cada vez que algo cai
na esfera do “mercado”, sai do controle da sociedade, deixa de ser
passível da cidadania por meio do poder público, para ser decidido
pelo poder do dinheiro, que é quem comanda “os mercados”.

Costa (2006, p. 165) também aponta para os perigos do mercado na gestão


da vida social e mais ainda, para a necessidade do Estado em fazer essa gestão.

Já existe um consenso de que o mercado é eficiente para alocar


recursos, dinamizar a produção, mas incapaz de criar uma sociedade
mais igualitária. Para criar padrões de igualdade social é necessária
a ação reguladora do Estado. Nem tudo se resolve via mercado. É
preciso discutir padrões éticos e socialmente aceitáveis para a
convivência humana. Não se pode transformar o conceito de cidadão
em consumidor, não podemos confundir interesse público com
produção de mercadoria, nem tudo pode ser bem de mercado numa
sociedade que se afirma democrática.

Ezequiel (2006) utiliza o conceito de sociedade do espetáculo de Debord


(1967), para entender a publicidade em torno da responsabilidade social.
50

“Assim, a sociedade moderna é a sociedade do espetáculo, reino


absoluto do fetichismo e do consumo, manifestando-se num mundo
fragmentado, separado. [...] uma campanha publicitária para venda
de produtos ou melhoria da imagem institucional que utiliza uma
estratégia com apelo “social” – também denominada
“responsabilidade social empresarial” – repassa a responsabilidade
pela “ajuda” aos necessitados para o consumidor e concede à
empresa protagonista, num passe de mágica, o título de “cidadã”, um
diferencial competitivo “espetacular” que potencializa as vendas e
fortalece a imagem da empresa, mas não ameniza as seqüelas da
“questão social”; pelo contrário, dificulta-lhe o entendimento e a
possibilidade de superação. (EZEQUIEL, 2006, p. 140, 148).

Entendemos que a vida na sociedade do espetáculo sofre uma diminuição da


criatividade e a possibilidade de imaginar e acreditar em um outro projeto societário
torna-se mais difícil, já que todos os espaços da vida social são perpassados pela
alienação.

A sociedade foi totalmente remodelada sob a “aparência” da


democracia, não sendo permitida a concepção de nenhuma
alternativa. Esse mundo integrado favorece a expansão do
neoliberalismo, pois nunca o poder foi mais perfeito. Consegue-se
falsificar qualquer coisa, até os próprios movimentos contestatórios.
E, como ninguém consegue verificar nada pessoalmente, só resta
verificar em imagens, imagens que os outros escolhem. (EZEQUIEL,
2006, p. 141).

Para conseguir esses resultados, as empresas utilizam o que a filósofa


Marilena Chauí entende por discurso competente, aquele que perdeu as amarras
com seu tempo histórico, com o seu significado social e sua capacidade de ser
instituinte, ou seja, capaz de criar e transformar a realidade. Por isso, o discurso
“humanizador” é capaz de com eficiência ocultar a exploração de uma classe sobre
a outra, as desigualdades sociais e as contradições entre os interesses de cada
classe e as lutas que possuem. A ideologia é formada por um sistema de
representações e normas que nos “ensinam” a como entender e agir no mundo. Ela
é a linguagem do especialista que faz desaparecer a experiência humana e nós nos
sentimos obrigados a interiorizar esse discurso para sermos “competentes”.
Eficiência conseguida por uma educação que não deseja formar pessoas críticas, ou
seja, que vão às raízes, às explicações e motivos que o sistema capitalista camufla
51

do nosso entendimento, pois, camufladas, elas dão coerência a esse discurso.


Assim, diz Martins (1978 p. XI):

Entendo que o modo capitalista de produção, na sua acepção


clássica, é também o modo capitalista de pensar e deste não se
separa (...) O modo capitalista de pensar, enquanto modo de
produção de idéias, marca tanto o senso comum quanto o
conhecimento científico. Define a produção das diferentes
modalidades de idéias necessárias à produção das mercadorias nas
condições da exploração capitalista, da coisificação das relações
sociais e da desumanização do homem. Não se refere estritamente
ao modo como pensa o capitalista, mas ao modo de pensar
necessário à reprodução do capitalismo, à reelaboração das suas
bases de sustentação – ideológicas e sociais. (...) O modo capitalista
de pensar é a mediação necessária na produção e reprodução em
crise da alienação que subjuga quem não é capitalista, invertendo o
sentido do mundo e dando uma direção conservadora e reacionária à
ação que deveria construir a sociedade transformada, desvinculando
o contraponto entre si e o saber e a prática.

Percebemos pela citação anterior que a ideologia permeia múltiplas


dimensões da vida social e provoca uma valorização da política empresarial, ou do
“modo capitalista de pensar”; isso resulta na adoção dessa política por vários
âmbitos, incluindo os setores públicos e as instituições sociais que passam a se
adequar às exigências de qualidade do mercado como se fossem empresas
lucrativas, buscando os tão desejados selos de qualidade e certificações, pois, com
isso, angariam respeito e notoriedade, tornando mais fácil conseguir parcerias
privadas. Como Iamamoto (2001, p. 120) bem cita:

[...] Demonstra, na óptica governamental, o esgotamento da


“estratégia estatizante” e a necessidade de superação de um estilo
de administração pública burocrática a favor do “modelo gerencial”;
descentralizado, voltado para eficiência, o controle de resultados,
com ênfase na redução dos custos, na qualidade e na produtividade.
Apóia-se nos princípios da confiança, descentralização de decisões e
funções, formas flexíveis de gestão, a horizontalização das
estruturas, incentivos à criatividade, orientação para o controle de
resultados e voltada ao “cidadão cliente”.

A única forma de enfrentamento a esse crescente processo que ganha


espaço e aceitação na sociedade é a análise crítica; cabe ao profissional de Serviço
52

Social que se coloca como comprometido com a classe trabalhadora ser um


questionador, buscar com argumentos e ações desvendar os reais motivos por trás
da noção de responsabilidade social e as suas conseqüências para a população;
colaborar, ainda, para um processo de desmistificação desse fenômeno, das
contradições e desigualdades que a ideologia tenta ocultar para reproduzir o projeto
dominante.

O projeto neoliberal encontrou no “terceiro setor” uma forma de responder às


carências deixadas pelo Estado no atendimento às políticas básicas: de forma
paliativa e pontual a população recebe um atendimento, mesmo que esse seja de
baixa qualidade e não solucione os problemas em longo prazo. Um outro caráter
desse atendimento é o critério cada vez menos universal e mais seletivo,
descaracterizando o sentido do direito.

As políticas sociais – já precárias, pouco cidadãs e universais -, com


o agravamento das condições econômicas e do mercado de trabalho,
sofreram triplamente. Primeiro, pela redução de recursos que
acompanhou os diversos ajustes fiscais e deteriorou qualitativamente
e quantitativamente os serviços sociais básicos, sobretudo nas áreas
com elevada participação de recursos da esfera federal, como a
saúde. Segundo, pela redução do uso de políticas universalistas e
pela generalização do uso de programas sociais extremamente
focalizados, sem estratégia, assistencialista e clientelista na relação
com o público-alvo. Terceiro, porque estas mudanças vieram, quase
sempre, acompanhadas de propostas de reformas sociais
explicitamente privatizantes, favorecidas pela falência organizada
dos serviços públicos. (MATTOSO, 2000, p. 37)

Talvez pelo populismo presente em nosso país, que substitui os direitos


sociais pelas relações de troca de favores, na qual presenciamos a apropriação da
coisa pública para servir a interesses privados, exista um espaço tão propício para
divulgação da solidariedade e do projeto de desmonte do Estado. Por retirar a
responsabilidade do Estado e atribuí-la à sociedade civil, o projeto neoliberal reitera
o que existe de mais arcaico, o sentimento de comunidade para dar-lhe ares de
moderno.

A pobreza no Brasil gera comoção, ela nunca provocou revolução e


nem mesmo mudança ética no padrão de relacionamento entre as
elites e os segmentos populares. Uma sociedade fundada num
patrimonialismo que fez do privilégio a regra, na qual a cidadania
53

como condição de igualdade em direitos e deveres ainda convive


com a apologia ao mando tradicional, precisa mais do que mudanças
legais. É necessário construir um novo padrão entre as classes e
ampliar o poder político dos que vivem na base desta sociedade. A
democracia, se reduzida às regras de transição de governos ou
método para tomada de decisão, se esvazia do conteúdo
revolucionário da luta pela igualdade entre os homens. (COSTA,
2006, p.142).

Dagnino (2006, p. 17) chama atenção para um fenômeno extremamente


importante na compreensão do discurso ideológico contido no “terceiro setor”, que é
a situação que denomina “confluência perversa”, diferentes projetos se utilizam de
um discurso comum dando a ele diferentes interpretações, sem torná-lo claro o
suficiente.

“A utilização dessas referências que são comuns, mas que abrigam


significados muito distintos, instala o que se poderia chamar de uma
crise discursiva: a linguagem corrente, na homogeneidade de seu
vocabulário, obscurece diferenças, dilui matizes e reduz
antagonismos. Nesse obscurecimento se constroem sub-
repticiamente os canais por onde avançam as concepções
neoliberais, que passam a ocupar terrenos insuspeitos.”

Quanto aos terrenos insuspeitos citados pela autora podemos considerar a


solidariedade. Como estratégia para incentivar a prática voluntária pela sociedade
civil, o Estado adota o discurso da solidariedade e da responsabilidade social; trata-
se de uma estratégia ideológica e por isso não posta claramente na realidade; ela é
capciosa, apropria-se do desejo da sociedade em ver solucionados os problemas
sociais e coloca seu projeto de ajuda mútua como a única forma das pessoas
alcançarem esse objetivo; “se cada um fizer a sua parte, a coisa vai melhorar”.
Analisando somente essa frase tão propagada no senso comum, podemos
identificar os ”lucros” do capitalismo com o “terceiro setor”:

• Cria uma cultura de ações individualistas;

• Desarticula a sociedade civil, enquanto coletividade, e assim consegue


enfraquecer as reivindicações;

• Reduz a responsabilidade pelas políticas públicas do âmbito estatal;

• Colabora para criação de “superávit primário”, reversa para pagamento da


dívida externa, fruto dos cortes nos serviços sociais.
54

Ao realizar uma análise mais atenta, percebe-se que o próprio fato da


“parceria” entre Estado e sociedade civil já dá indícios dos resultados das
transformações que vivenciamos. Concordamos com o dizer de Iamamoto (2001, p.
126), ao afirmar que atualmente presenciamos:

[...] um crescimento de parcerias do Estado com Organizações Não


Governamentais, que atuam na formulação, gestão e avaliação de
programas e projetos sociais em áreas como família, habitação,
criança e adolescente, educação, violência, relações de gênero, etc.
Trata-se de uma das formas de terceirização da prestação de
serviços sociais, evitando a ampliação do quadro de funcionários
públicos.

Podemos inferir, conforme Montaño, que não existe uma parceria entre o
Estado e a sociedade civil. O Estado apenas repassa uma determinada verba às
instituições, mas são elas que prestam serviço à população, não existe um rigoroso
acompanhamento ou uma sistemática avaliação desses serviços. Fica claro que o
próprio Estado procura minimizar suas responsabilidades, justamente por isso não
podemos acreditar na idéia de parceria, porque vemos que na realidade o que existe
no lugar das chamadas parcerias é a substituição da responsabilidade estatal pela
responsabilidade civil.

Não podemos desconsiderar, porém, que existam necessidades emergenciais


à população e, enquanto não conseguimos concretizar nossa luta, as ações citadas
possuem sua importância; o que explica o fato de, mesmo assistentes sociais com
práticas comprometidas e engajamento político, prestarem serviços assistenciais,
utilizando verbas que provém de parcerias com empresas privadas, e ainda sim,
conseguirem implementar um trabalho que visa ao resgate dos direitos cidadãos.
Por isso concordamos com Raquel Gentilli (1998, p.10), quando afirma, que “mais
que nunca, a realidade desafia aos profissionais à auto-realização de seu discurso,
tornando-o mais que um mero instrumento de protesto”.

Por outro lado, não podemos esquecer que esta não é a realidade da
maioria dos projetos pertencentes ao “terceiro setor”, pois no caso das parcerias,
como já diz o ditado, “quem banca a banda, escolhe a música”, ou seja, ao serem
parceiras, as empresas privadas interferem no caráter dos projetos e em seus
55

critérios. Exemplo disso são as especializações em “terceiro setor” direcionadas a


profissionais que, tradicionalmente, já atuam na área, e também voltadas a
administradores. Existe até MBA (Master Business Achievement) em “terceiro setor”,
seguindo a mesma linha de concepção gerencial. Podemos citar o MBA em Gestão
e Empreendedorismo Social da Universidade de São Paulo, desenvolvido pelo
Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor (Ceats),
dentro do Programa de Educação Continuada em Administração para Executivos da
Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Esse curso é
resultado de uma parceria do Ceats com a Harvard Business School. Assim, a
escola participa da rede de conhecimento SEKN (Social Enterprise Knowledge
Network) que integra universidades latino-americanas. A USP propicia os estudos de
caso e a Harvard o acesso a seu acervo, um dos mais respeitados em gestão
executiva do mundo. O curso é destinado a executivos das iniciativas pública e
privada, bem como aos que já atuam no terceiro setor.

Assim como a USP, outras unidades de ensino como os cursos do Serviço


Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), de São Paulo, voltados ao terceiro
setor, adotaram a metodologia norte-americana da escola Johns Hopkins University,
uma das mais prestigiadas escolas americanas.

A EBAPE/FGV - Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas


da Fundação Getulio Vargas - mantém um curso de Pós-graduação lato sensu em
Administração para Organizações do Terceiro Setor. Ela é pioneira nos cursos de
Administração para Organizações do Terceiro Setor e coordenada pelo Centro de
Estudos do Terceiro Setor da FGV-EAESP, que vêm sendo ministrados desde 1996,
em São Paulo, produzindo conhecimentos específicos para o gerenciamento da área
social com a finalidade de subsidiar a profissionalização de organizações da
sociedade civil e o desenvolvimento comunitário.

Por isso, concordamos plenamente com duas observações de Iamamoto


acerca da extensão da experiência de gestão de empresas privadas às
organizações do “terceiro setor”:

A administração das ONGs passa hoje, inclusive, pelo crivo


gerencial. Ou seja, constata-se uma tendência de extensão da
concepção gerencial à gestão de ONGs, envolvendo o debate sobre
56

as funções de planejamento, organização, direção e controle nas


particularidades de tais organizações. (IAMAMOTO, 2001, p. 127).

Evidentemente, que o resultado dessa tendência seja:

[..] o interesse em se qualificar administradores de empresas para a


gestão de recursos públicos e privados no campo da “filantropia do
capital”, por meio de cursos de especialização mantidos por escolas
de ponta, no país e no exterior. O mergulho em uma linguagem
passadista aponta, entretanto, o renascimento da filantropia sob
novas bases, assumida pelo capital por meio de sua máscara
humanitária, acompanhada de fortes apelos à “solidariedade social”.
(IAMAMOTO, 2001, p.182).

Interessante perceber o quanto o modelo norte-americano e o modelo


europeu estão subsidiando as capacitações voltadas para o “terceiro setor”,
acompanhando o processo histórico.

É importante que exista na sociedade civil uma discussão maior sobre qual é
o papel do Estado e o das empresas privadas, já que existe uma penetração entre
as funções do Estado e do setor privado, traduzida na fusão do capital privado com
o capital público, com o objetivo de reproduzir o capital privado. Assim, o Estado
está passando a servir às empresas privadas, como financiador das próprias,
injetando capital para que elas possam se movimentar no mercado. De outro lado,
as empresas dizem assumir um outro papel: essas “servem” à população, via
filantropia empresarial ou responsabilidade social. Claro que o grande financiador do
“terceiro setor” é o Estado, como veremos na pesquisa, mas, da forma como tudo
isso é apresentado, a opinião pública não consegue ver de forma clara quais são os
papéis pertencentes a cada setor, visto que a estrutura da relação entre setor
público e privado se mostra de forma confusa e obscura. Assim, não podemos
esquecer que:

A luta pela efetivação da democracia e da cidadania é indissociável


da ampliação progressiva da esfera pública, em que se refratam
interesses sociais distintos, enquanto ultrapassa a lógica privatista no
trato do social, em favor dos interesses da coletividade. Ao alçarem a
cena pública, os interesses das maiorias adquirem visibilidade,
57

tornando-se passíveis de serem considerados e negociados no


âmbito das decisões políticas. (IAMAMOTO, 2001, p. 142).
58

2.1 Apresentação e análise das organizações

Partindo das reflexões anteriores, levantamos dados para configurar e


analisar as organizações em que nossos sujeitos estão inseridos, para que se possa
compreender melhor as implicações desse espaço para o trabalho do assistente
social.

Relembramos que a metodologia utilizada nesse trabalho é a História Oral. A


História Oral, enquanto metodologia, permitiu, por meio da coleta dos relatos orais,
identificar os elementos que compõem a experiência profissional, bem como a
percepção dos profissionais acerca de seu espaço de trabalho, utilizando-se de
narrações.
As narrações foram gravadas e transcritas, respeitando fidedignamente a
oralidade dos sujeitos. Assim, poderemos nos aproximar da compreensão de seus
pontos de vista e da realidade em que estão inseridos. Por isso, a escolha dos
sujeitos foi dirigida de acordo com as questões, ou seja, não teremos a preocupação
de definir uma “amostragem”, mas sim de encontrar sujeitos que tenham uma
história relacionada ao nosso objeto de estudo.
Por conseguinte, para escolhermos os sujeitos da pesquisa, tivemos a
preocupação de que fossem profissionais representativos, envolvidos com a
profissão e com os espaços de participação política. Desse modo, escolhemos como
sujeitos, conselheiros da Assistência Social, que ao mesmo tempo também são
assistentes sociais inseridos no “terceiro setor”. Isso possibilitou análises
contemplando o “terceiro setor” dentro do espaço da Assistência Social, enquanto
rede de serviços. Ao total entrevistamos quatro sujeitos, dois do município de São
José dos Campos (Sujeito I e III), por ter a maior população e uma rede sócio-
assistencial de alta complexidade, um de Caçapava (Sujeito II) e outro de Taubaté
(Sujeito IV) municípios menores com uma rede de atendimento mais simplificada.
Como se pode notar, para delimitarmos o espaço geográfico da pesquisa,
optamos pelo Vale do Paraíba, Estado de São Paulo, região entre leste do estado de
São Paulo e do sul do estado do Rio de Janeiro.
Iniciaremos apresentando os espaços de trabalho dos nossos sujeitos, que
são entidades de assistência social. Elas possuem esse caráter por cumprirem com
59

as exigências do artigo 3º da LOAS, prestarem, sem fins lucrativos, atendimento e


assessoramento aos beneficiários abrangidos por esta lei e, ainda, atuarem na
defesa e garantia dos direitos destes. Respeitam o disposto do Código Civil
Brasileiro, ou seja, são pessoas jurídicas de direito privado de fins não econômicos,
associações e fundações. Conforme a resolução do CNAS nº191, de 10 de
novembro de 2005, que regulamenta o artigo 3º da LOAS, as entidades de
assistência social aqui apresentadas são consideradas entidades de atendimento.
Elas devem ser inscritas nos Conselhos Municipais de Assistência Social para
funcionar regularmente e compete ao Conselho Nacional de Assistência Social
conceder o registro e certificado de entidade beneficente de assistência social.
A resolução citada acima, em seu artigo 1º, considera características
essenciais das entidades e organizações de assistência social:

I. Ser pessoa jurídica de direito privado, associação ou fundação,


devidamente constituída, conforme dispositivo no artigo 53 do Código
Civil Brasileiro e no artigo 2º da LOAS;
II. Ter expressos, em seu relatório de atividades, seus objetivos,
sua natureza, missão e públicos conforme delineado pela LOAS, pela
PNAS e suas normas operacionais;
III. Realizar atendimento, assessoramento ou defesa e garantia
de direitos na área da assistência social e aos seus usuários, de
forma permanente, planejada e contínua;
IV. Garantir o acesso gratuito do usuário a serviços, programas,
projetos, benefícios e à defesa e garantia de direitos, previstos na
PNAS, sendo vedada a cobrança de qualquer espécie;
V. Possuir finalidade pública e transparência nas suas ações,
comprovadas por meio de apresentação de planos de trabalho,
relatórios ou balanço social de suas atividades ao Conselho de
Assistência Social competente;
VI. Aplicar suas rendas, seus recursos e eventual resultado
operacional integralmente no território nacional e na manutenção no
desenvolvimento de seus objetivos institucionais; (BRASIL, 2005).

O parágrafo único deste artigo traz um ponto importante, especifica entidades


que não se caracterizam como de assistência social:

Parágrafo único – Não se caracterizam como entidades e


organizações de assistência social as entidades religiosas, templos,
clubes esportivos, partidos políticos, grêmios estudantis, sindicatos e
associações que visem somente ao benefício de seus associados
que dirigem suas atividades a público restrito, categoria ou classe.

As entidades e organizações de assistência social podem ser:


60

I – de atendimento, quando realizam de forma continuada,


permanente e planejada, serviços, programas, projetos e benefícios
de proteção social básica e/ou especial e de defesa de direitos sócio-
assistenciais, dirigidos às famílias e indivíduos em situação de
vulnerabilidades e risco social e pessoal, conforme preconizado na
LOAS, na PNAS, portarias do Ministério de Desenvolvimento Social e
Combate à Fome – MDS e normas operacionais.

II – de assessoramento e defesa e garantia de direitos, quando


realizam, de forma continuada, permanente e planejada, serviços,
programas e projetos voltados prioritariamente para defesa e
efetivação dos direitos, pela construção de novos direitos, promoção
da cidadania, enfrentamento das desigualdades sociais,
fortalecimento dos movimentos sociais e organizações de usuários,
formação e capacitação de lideranças, dirigidos ao público da política
de assistência social, conforme a LOAS, a PNAS e suas normas
operacionais (...)

Relembramos que o terceiro setor possui um caráter heterogêneo. Como é


explicitado por Yazbek (2002, p. 174) em suas análises sobre o crescimento do
Terceiro Setor, presentes no texto “Voluntariado e profissionalização na intervenção
social”,

estamos tratando de um amplo e diversificado conjunto de


organizações e iniciativas privadas, sem definição clara, apoiadas
por formas institucionais também diversificadas, que prestam
serviços sociais a indivíduos e grupos em situação de vulnerabilidade
econômica e/ou social, assumindo finalidades públicas no país e em
todo o mundo. Na prática, um conjunto heterogêneo, agrupado de
modo impreciso, que conforme estudos do Instituto Superior de
Estudos da Religião – ISER (1999), compõe-se no Brasil (estimativa)
de 220 mil entidades beneficentes, religiosas ou laicas, associações,
institutos, fundações empresariais ou não, organizações não
governamentais (ONGs) e outras instituições diversas sem fins
lucrativos que atendem milhões de pessoas, movimentando recursos
provenientes de pessoas físicas e de doações individuais, sem
esquecermos que, em grande parte delas, a garantia de seu
funcionamento é proveniente do próprio Estado, pois poucas são
auto-suficientes e a maioria não sobrevive sem investimentos
governamentais (...).

Deste vasto grupo, encontramos apenas as entidades beneficentes como os


espaços nos quais estão inseridos nossos sujeitos; trabalhar em entidade,
especificamente, não foi um critério, mas esse dado mostra a força que essas
possuem dentro do grupo que chamamos de “terceiro setor”. Conforme citado são
entidades de assistência social de atendimento.
61

A afirmação anterior ficará clara à medida em que formos apresentando as


entidades; desde já, adiantamos que todas prestam serviços de proteção básica,
atendimento à criança e adolescente, com caráter sócio-educativo.
A primeira entidade, AADA – Associação de Apoio ao Deficiente Auditivo -
desenvolve um programa de atendimento à criança e ao adolescente com
deficiência auditiva; desse modo, é a única entre as pesquisadas que presta
serviços de proteção especial de média complexidade, de habilitação e reabilitação
de pessoas com deficiência.
A profissional apresenta esse programa como alternativo, uma junção ou um
“mix”, como em suas palavras, de clínica e escola, (...) onde todos os profissionais
envolvem temáticas e trabalhos que abrangem a leitura, a escrita e a própria
aquisição de vocabulário através de libras. Seu público-alvo são crianças e
adolescentes; no momento da entrevista eram atendidos cinqüenta e seis, além da
extensão às famílias ou ao cuidador da criança, dando suporte e ensinando a este a
comunicação com a criança por meio da linguagem de sinais, além de um trabalho
de geração de renda com as famílias. A diretoria é composta por voluntários, sendo
essa uma exigência do Estatuto da Entidade e, conforme destacado pelo sujeito, “é
obrigatoriedade frente à própria constituição”.
A profissional contou-nos um pouco do histórico da organização.

(...) Em 1989, teve um surto de meningite em São José e seis crianças da Igreja
Evangélica foram acometidas pela meningite e ficaram surdas; não existia fonoaudiólogo em
São José, nada que se direcionasse a surdez, até porque a maioria dos surdos, quando
conseguiam desenvolver a fala, tavam em alguma escola; por outro lado os que não
conseguiam, tavam dentro de casa, sendo confundidos até com deficientes mentais; é um
histórico muito sério do surdo, é esse. Aí, esse grupo de pais se uniu e começou:
contrataram uma fono de Jacareí, uma educadora de São Jose que tava se especializando
em deficiência pra trabalhar com essas crianças. Então, era uma escolinha, aí com o passar
do tempo a coisa foi tomando proporção e divulgação que as pessoas da comunidade de
São Jose começou a procurar. A partir disso, foi um momento de boom também dentro da
profissão de fonoaudiologia, aí começaram as fonos se formarem, montarem consultórios,
então como essas pessoas tinham uma condição socioeconômica mais elevada, eles
acabaram pondo seus filhos em fonoaudiólogo particular e se desvinculando da AADA. Aí, a
Igreja continuou cedendo o espaço, mas na verdade já não ficou mais nenhuma criança da
própria Igreja, só da sociedade de São Jose, e foi aumentando de seis, foi para 12, 15, 25 e
62

nós temos um fluxo, já que passou pela AADA de mais de 300 crianças. Hoje o espaço não
tem mais nada a ver com a Igreja. Ao longo desses dezoito anos a AADA foi se
desvinculando e formando personalidade, ou seja, ela se tornou dentro da realidade do
município, e das necessidades dos deficientes auditivos e surdos, um modelo de trabalho,
não há de se descartar que a AADA seja uma escola especializada de surdos, de formação
do ensino fundamental, mas até então a AADA ta baseada num programa alternativo de
atendimento ao surdo, que é o mix de atendimento. (Sujeito I).

A segunda entrevistada trabalha em uma creche de vínculo confessional


desde sua origem. São atendidas crianças de um ano e meio a três, em período
integral e em atendimento de jornada ampliada; crianças de quatro a seis anos
permanecem na creche no período contrário à escola. A creche possui estrutura
adequada para atender 120 crianças. Foi fundada por Monsenhor Teodomiro Lobo,
em 05 de outubro de 1970, para construção de seu prédio atual; naquele momento,
contou com a colaboração dos funcionários da Nestlé. Desde 1996 é dirigida pelo
Instituto das Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus. A chefia é toda religiosa,
como explica a profissional, “são irmãs, aqui nós somos filial, a sede fica em São
Paulo, e elas que fazem a parte administrativa da creche”.

A creche Santo Antônio funciona no município há mais de vinte e cinco anos. Nesse
prédio novo faz dez anos, antes funcionava numa casa mais precária. E esse prédio novo, é
um sonho do Monsenhor Teodomiro. Ele era pároco da Paróquia Nossa Senhora D’Ajuda e
o sonho dele era construir uma creche, num espaço maior, mais adequado, pra então,
atender as crianças carentes do município. E ele queria que essa instituição fosse
administrada por uma instituição religiosa, então ele solicitou ao Instituto das Apóstolas do
Sagrado Coração de Jesus, elas vieram para Caçapava e assumiram a obra há dez anos.
(Sujeito II).

Na terceira entidade, a Creche Federação Espírita do Estado de São Paulo,


também encontramos o trabalho com crianças e adolescentes e, como se pode
observar em seu nome, possui origem e direção espírita. Esta realiza atendimento
de creche e a jornada ampliada; são atendidas crianças e adolescentes de seis a
quatorze anos. No regime de creche, as crianças permanecem em período integral:
o período da manhã com processo de aprendizado e o da tarde com atividades
lúdicas. Os adolescentes recebem atendimento sócio-educacional, através de
63

oficinas, grupos de temáticas, grupos de adolescentes, roda de conversa, entre


outros.

A entidade já está aqui há quinze anos. A pessoa que idealizou, a Maria Francisca,
na realidade, a intenção dela era um orfanato e isso mudou com o tempo. A gente passou
por questão de 1990, em adequação ao Estatuto da Criança e do Adolescente, passou pro
trabalho sócio-educacional em meio aberto, que são as atividades sócio-educacionais. (...)
Nós trabalhamos com quatro educadores, o eixo do nosso trabalho é a informação, e
informação da melhor qualidade, em todos os aspectos, que se refere à vida dessas
crianças e adolescente, que isso interfira de alguma forma na reflexão da vidinha deles lá no
mundo.(Sujeito III).

O sujeito III destaca que, embora exista o vínculo confessional, não há


interferência deste no trabalho que realizam.

Nós não temos interferência nenhuma da questão do trabalho com a espiritualidade,


tanto é que maioria dos nossos profissionais aqui, eles não são da religião. O projeto sócio-
educacional fica sob a minha coordenação. E tem também toda equipe técnica, que é a
pedagoga, a nossa administradora, a assistente dela da administração, e a gente tem todo
um trabalho voltado, a única pessoa na realidade que é da religião, é a administradora. É a
chefia geral aqui de São José. Mas também não temos interferência nenhuma, em momento
nenhum dela em relação ao trabalho. Ela vem porque nós temos a sede em São Paulo, tem
todo um processo de presidência, então ela foi destinada pra estar aqui nessa sede. (Sujeito
III).

A quarta entidade, O Lar Escola Santa Verônica, foi fundada em 02 de março


de 1919, e também possui semelhanças com as anteriores, vínculo confessional,
criada por frades e dirigida atualmente por irmãs da Igreja Católica. Seu atendimento
é dirigido às crianças e adolescentes, possui atendimento de creche e também
jornada ampliada, chamada de projeto alternativo; crianças do ensino fundamental
até doze anos fazem diversas atividades, têm o reforço escolar, dança, música,
teatro e capoeira, etc.
É interessante o fato de que, em 1919, nem se falava em terceiro setor, mas
já existiam formas de atendimento à população da iniciativa privada. Dentro de uma
64

outra lógica, a da benemerência, filantropia e caridade, questão que é melhor


explicada por Yazbek (2002, p. 173):

Sabemos que a presença do setor privado na provisão social não é


uma novidade na trajetória das políticas sociais brasileiras, bastando
lembrar que a primeira Santa Casa de Misericórdia foi criada em
Santos (São Paulo) em 1543, dando início à presença do setor
privado nesse campo. Assim, podemos afirmar que a filantropia no
Brasil está enraizada em nossa história trazendo em seu bojo o
trabalho voluntário. Mas, inegavelmente, nos anos mais recentes
esta presença, além de se diversificar em relação às tradicionais
práticas solidárias, vem assumindo uma posição de crescente
relevância no incipiente sistema de Proteção Social do país,
confirmando o referido deslocamento de ações públicas estatais para
iniciativas privadas.

É uma entidade que existe há 107 anos, bem antiga em Taubaté. O início dela foi
com o Frei, uma congregação franciscana, a princípio quem começou a trabalhar eram os
freis franciscanos. (...) Aí eles passaram pras irmãs franciscanas. A fundadora é a Madre
Cecília. Então assim, eles começaram em Piracicaba, mas agora a Congregação tá
localizada em Campinas. Então a mantenedora da congregação é em Campinas, e as casas
atendidas eles chamam de mantidas. Então a organização tem a presidência, a parte
administrativa da Cúpula da Congregação está em Campinas, aqui tem uma pessoa que é
responsável. São irmãs, uma na parte administrativa, e uma que é da parte pedagógica,
diretora pedagógica daqui, porque o trabalho que é feito com as crianças na parte da
educação. (Sujeito IV).

Dois dados presentes nessas organizações chamam atenção: a priorização à


infância e adolescência e a origem confessional dessas entidades. Três delas
realizam trabalhos de creche e jornada ampliada, apenas a primeira é mais
específica por atender a um público com deficiência auditiva. Quanto a essa
prioridade que se dá às crianças e adolescentes, acreditamos que as explicações
encontradas para entender o motivo da área infância e adolescência serem
privilegiadas pelo empresariado (GÓIS, SANTOS; COSTA, 2004, p. 92), também
servem, em partes, para explicação da realidade encontrada nesta pesquisa.

Uma delas é sua grande importância na história das nossas práticas


assistenciais. Em torno das questões da criança e do adolescente
foram modeladas profissões e criados grandes aparatos
65

institucionais – as redes de orfanatos, creches, centros de


puericultura e as Febens – sempre, aglutinando esforços e recursos
materiais e simbólicos coletivos na definição do problema e no modo
de atuar junto a ele (Mott, 2001 e 2003). Uma outra foi a aprovação
do Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual, mais do que um
diploma legal, constituiu a materialização do amadurecimento de
antigas reflexões de diferentes agentes que, nos marcos da
redemocratização do país, puderam modelar uma agenda pública de
debates sobre o assunto e, assim fazendo, colocar a questão no
centro das chamadas grandes preocupações nacionais. Uma terceira
diz respeito à publicização das pressões internacionais pela garantia
dos direitos das crianças e adolescentes com freqüência violados no
Brasil, dentre outros, pelo assassinato de meninos e meninas de rua,
pela violência doméstica e pela exploração do trabalho infanto-
juvenil.

O vínculo confessional está presente nessas entidades, mesmo que apenas


em sua origem. Duas são originadas na Igreja Católica e ainda vinculadas a
congregações de irmãs, uma originada na Igreja Evangélica, mas que, ao se
desenvolver se desvinculou da Igreja, e outra originada e vinculada aos espíritas.
Nota-se que apenas uma entidade desvinculou-se de sua origem confessional e não
possui um nome ligado a ela.
As palavras de Landim (1993, p. 35) acerca das entidades de assistência
social confirmam que o quadro de entidades, aqui apresentado, descreve a situação
da realidade brasileira.

Nascem e se desenvolvem, como se viu, à sombra da religião:


durante mais de três séculos sobre o monopólio quase exclusivo da
Igreja Católica, seguindo-se uma diversificação, sobretudo, com as
várias Igrejas Protestantes e grupos Espíritas.

A autora chega a essa conclusão com base em pesquisa histórica, na qual


constata que a relação Igreja/Estado está presente desde o período colonial até
1993, data de sua pesquisa; utiliza os dados disponíveis pela Receita Federal, nos
quais encontramos: 29,13% das entidades sem fins lucrativos no Brasil são
“religiosas”, “beneficentes” ou de “assistência social”.
Embora nas entidades pesquisadas encontremos semelhanças naquelas
vinculadas à Igreja Católica, faz-se importante a explicação de Falconer (1999, p.
95) sobre a diversidade desta Igreja:
66

Embora normalmente imaginada como uma entidade monolítica e


fortemente hierárquica, a Igreja Católica é formada por um mosaico
de organizações que se consolidaram como entidades semi-
autonômas, atendendo a diferentes necessidades materiais e da fé.
Além da estrutura formal mais aparente – paróquias, dioceses e
arquidioceses – figuram as ordens religiosas, as entidades de
caridade, os hospitais, as universidades, a Conferência dos Bispos,
as pastorais e milhares de comunidades eclesiásticas e organizações
de base. Nesta Igreja multifacetada, diversos interesses, doutrinas e
orientações políticas competem, refletindo da dinâmica internacional
da Igreja, mas também o seu posicionamento no Brasil. A corrente
progressista da Igreja Católica formou a matriz a partir da qual se
formaram muitos movimentos sociais e mesmo entidades
comunitárias seculares.

Um estudo mais recente confirma a atualidade dos dados utilizados por


Landim em 1993. Realizado em 2004 por IBGE e IPEA, em parceria com a
Associação Brasileira de Organizações não-governamentais (ABONG) e com o
Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE), esse estudo faz um retrato
completo das 276 mil instituições privadas e sem fins lucrativos; um de seus
resultados mostra que as entidades sem fins lucrativos ainda possuem uma forte
presença confessional.

Outra característica dessas instituições sem fins lucrativos é a


grande participação de entidades religiosas. Cerca de 26% delas
dedicam-se diretamente às atividades chamadas confessionais, que
são as ordens religiosas, templos, paróquias, centros espíritas etc.
Isto sem considerar as instituições de origem religiosa, mas que se
dedicam a outras atividades e que têm personalidade jurídica própria,
como colégios, faculdades e hospitais. Donde se conclui que a
influência da religião no âmbito dessas organizações é bem mais
ampla.
67

2.2 Características das organizações: financiamento, captação de recursos,


voluntariado e critérios dos programas.

A pesquisa do IBGE (2004), referida anteriormente, também mostra outro


dado que se repete no presente estudo:

Levando em conta todas as fontes de financiamento – não apenas a


principal -, 8.964 das 16.089 entidades de assistência social (55,7%)
recebiam algum recurso público das esferas municipal, estadual ou
federal. O financiamento municipal era o que mais se destacava,
atingindo 84,9% das entidades que recebiam recursos públicos. Em
seguida, vinham o financiamento estadual e o federal, que chegavam
a, respectivamente, 39,5% e 40,5% das entidades.

É muito importante observar que a principal fonte de financiamento das


entidades pesquisadas mantém-se por meio de convênios com o poder público.

(...) ela tem um convênio com a Secretaria de Desenvolvimento Social de São Jose
dos Campos, que é a SDS, esse convênio banca 40% do custo de 50 atendidos, então na
verdade ele é menos, porque é caro o atendimento especializado e os outros atendidos são
da contrapartida da AADA. A contrapartida da AADA são cursos de libras, assessoria que a
gente faz. Nós temos uma equipe técnica especializada, então a gente dá assessoria para
empresas, para as escolas, pra outras instituições, pra grupos de profissionais e damos
cursos também, fora isso a gente vende camisetas, produtos promocionais, feitos na própria
oficina de pais. (Sujeito I).

Nós temos recursos próprios pela mantenedora, que é o Instituto das Apóstolas do
Sagrado Coração de Jesus, e nós temos três convênios. O convênio federal e nós temos
dois convênios municipais, um da secretaria de educação e outro da secretaria de cidadania
e desenvolvimento social; temos contribuições voluntárias e eventos. (Sujeito II).

(...) hoje nós temos um projeto que é bancado pela Secretaria de Desenvolvimento
Social. E, temos o Cecoi13, que é Educação. (Sujeito III).

13
CECOI significa Centro Comunitário de Convivência Infantil, é um programa da Prefeitura de São
José dos Campos, que funciona em parceria com as entidades sem fins lucrativos. “Seu principal
objetivo é atender crianças de 0 a 6 anos de idade em período integral, filhos de mães trabalhadoras”
(Guia de Programas Sociais, 2005, p. 27).
68

É um convênio que a entidade tem. Convênio, porque não mantém direto, um


convênio que tem com a Prefeitura, no atendimento de crianças na faixa dos dezoito meses
a cinco anos, que agora é o jardim, as crianças da classe de alfabetização, daí no caso é de
seis a doze, até a educação infantil é o convênio com a Prefeitura. E, o que chama de um
projeto alternativo Como o projeto é do estado, tem uma exigência do Estado que sejam
crianças de baixa renda realmente, então tem um limite de salário, que é até dois salários.
(Sujeito IV).

Observamos que todas possuem convênio com município, duas delas


possuem dois convênios municipais, com as secretarias de educação e assistência
social; tem-se ainda, um convênio estadual e um federal. Isso confirma algo
analisado no início deste capítulo: não há separação entre os setores da sociedade
e existe uma fusão de recursos que deixa essa relação ainda mais nebulosa. Para
Landim (1993, p. 35) essa questão é explicada pelo fato da própria postura das
entidades.

(...) as entidades de assistência social, por sua vez, estão geralmente


distantes dos valores da “militância” e do campo dos movimentos
organizados. Não parecem apresentar maiores problemas de
relacionamento com órgãos governamentais sendo clientes, ao
menos virtualmente, de seus recursos.

Abrimos “parênteses” para questionarmos a efetividade do controle público


sobre esses recursos. A pergunta que fica é: se as entidades assistenciais, por meio
da participação da sociedade civil, controlam o investimento do Estado, situação a
que somos favoráveis, quem efetivamente controla os recursos que o Estado
repassa para essas entidades?
Esse não é o foco da pesquisa e por isso não pode ser tratado com
profundidade, mas, quando se trata do recurso público, é difícil não falar em sua
fiscalização. A corrupção no terceiro setor tem sido muito divulgada; como exemplo,
a sociedade tem acompanhado a chamada “CPI das ONGs”.14

14 “A CPI das ONGs é o nome dado para investigações sobre repasses de dinheiro para ONGs,
entre 1999 a 2006. Após o estouro do Escândalo do Dossiê em 15 de setembro de 2006 e de que a
ONG Unitrabalho, que tem como colaborador o petista Jorge Lorenzetti, teria recebido mais de R$ 18
milhões da União desde o início do governo Luiz Inácio Lula da Silva, como denuncia a ONG Contas
Abertas. (...) Desde o final de setembro de 2007, há possibilidade desta CPI entrar em funcionamento
antes do fim do ano, pois atinge muitos governistas e oposicionistas.” Fonte: Wikipédia.
69

A imaginação popular cunhou um termo para denominar as


organizações empresariais “sem fins lucrativos” que comentem
freqüentes abusos e irregularidades, aproveitando-se da isenção
tributária e do status de utilidade pública para atingir objetivos
econômicos e políticos privados: “pilantropia”. (FALCONER, 1999, p.
101).

Chamou-nos a atenção que, mesmo sem questionarmos, duas profissionais


fizeram menção a situações de corrupção em organizações do “terceiro setor”.

Por outro (lado) a gente tem vivido situações delicada por conta de muitas formações
de “terceiro setor” que vieram pra tirar vantagem. Organizações não sérias, não idôneas, ou
com atitudes duvidosas. Aí estremeceu um pouco, porque, infelizmente, a sociedade acaba
desconfiando, nivelando todo mundo, né. Então, essa foi a desvantagem. (Sujeito I).

As instituições procuram, na medida do possível, fazer seu trabalho com


transparência; a gente já teve muita dificuldade, por problemas irregulares, pessoas
desonestas, que acaba até atrapalhando também o trabalho da gente. (Sujeito II).

O controle externo não pode ficar por conta da própria entidade. Se a verba é
pública, a fiscalização deve ser efetiva e de caráter público, não burocrática, de
forma que não gere dificuldades para as entidades. Assim, não é ao acaso que a
regulamentação do artigo 3º da Loas traga em seu texto a importância da
transparência das ações e a aplicação de recursos exclusivos para atender aos
objetivos institucionais, como uma característica essencial das entidades e
organizações de assistência social.
No que se refere ao financiamento, há outro dado interessante. Embora os
convênios sejam a principal fonte de recursos dessas entidades, todas, de alguma
forma, têm sua contrapartida, seja pelas mantenedoras ou por outras formas de
captação de recursos. Perguntamos aos sujeitos se existe captação de recursos,
atividade típica dessas entidades, e se o Serviço Social seria responsável por essa
atividade e obtivemos as seguintes respostas:

É de todos, diretoria, voluntários, associados, equipe técnica, a gente vai atrás. Tem
aí um grupo de senhoras que todo ano faz bazar, aí conhece a pessoa, ficou sabendo. Olha
70

aqui a AADA, se puderem colaborar, vai conhecer o nosso trabalho, então tá, essas
pessoas passaram anualmente a fazer doação financeira, ou então, fazem em material. Tem
voluntários na parte de informática, manutenção, é isso. (Sujeito I).

Ativamente, toda parte de captação de recursos é o Serviço Social que faz, toma
frente, na parte de eventos, toda programação que tem que fazer, na celebração de
convênios é o Serviço Social que faz. (Sujeito II).

Não temos ainda, o que a gente faz proporciona em alguns momentos, alguns
eventos durantes o ano, como a nossa feijoada, vamos ter a macarronada nesse final de
semana, e a festa junina. E é a Serviço Social que coordena esses eventos? Isso na
realidade, não necessariamente, é a equipe. (...) Quando há esses eventos, todos os
funcionários da casa vêm. (...) Em alguns momentos, a macarronada é como voluntário,
mas a festa junina e a feijoada é na realidade um acordo que a gente paga os feriados,
emendas. (Sujeito III).

Tem alguns eventos... É, tem o bazar toda segunda e quinta feira abre também para
captação de recursos. Festa Junina tem também... A receita Federal também faz doações
de material de apreensão, aí eles também doam para entidade. (...) O meu trabalho ele é
para atendimento das crianças e da família. (...) Essas coisas assim elas (as irmãs
religiosas) que fazem. Olha, eu não gosto. Eu não sei como você estudou, mais quando eu
estudei, essas atividades não são da nossa área. Então assim, eu não me envolvo, porque
não há necessidade, não é minha área, até para não ficar misturando muito. O que é da
minha área eu não passo para ninguém, então, o que não é da minha área, também não
assumo. (Sujeito IV).

Foi uma grata surpresa encontrar uma profissional que não participa de
eventos de captação de recursos por entender que isso não faz parte do trabalho do
Serviço Social; concordamos plenamente com seu posicionamento, a surpresa deu-
se pelo fato das três entrevistadas anteriores participarem dessas atividades. Bom
também saber, que ao menos, essas atividades, nem sempre são coordenadas pelo
serviço social, mas por toda equipe, o que faz com que o profissional não assuma
essa responsabilidade de forma integral, e não gere mais atribuições fora de sua
área. O fato dessas atividades serem aos finais de semana e não remuneradas,
voluntárias mesmo, conforme as falas abaixo, impressionou-nos muito.
71

Aí é minha parte de voluntária, não faz parte da minha função. Porque existe uma
voluntária em marketing, que é responsável por isso, então a gente só discute, por exemplo,
vai ter um encontro numa empresa tal, a gente foi convidado. Vale a pena ir, ou não vale a
pena. E, quais são as pessoas, aí entram os profissionais enquanto voluntários. Aí vai fora
do horário de trabalho. E a gente faz, todo mundo vai. Quem tá aqui na AADA, é porque
realmente tem o mesmo propósito, tá envolvido. Trabalho institucional é muito disso. (...)
Sabe, não é só a capacitação técnica do profissional, é também, aqui todos nós temos pelo
menos pós-graduação, mas a gente tem essa proposta de voluntariado também. (...) Então,
final de semana, vamos supor, a gente vai vender sorvete no Parque da Cidade, como já
aconteceu. Quais são as pessoas que podem ir? Fulana, então, vamo fazer uma escala, a
gente faz essa escala, pra não pesar pra todo mundo, todo mundo participa. Não sente
uma obrigação? Não, não, a gente se diverte, aqui, a gente se diverte muito. Como você
mesmo citou, o ambiente daqui é gostoso, é tranqüilo. A assistente social como teve uma
reunião, ligou que ia atrasar, vai ter uma reunião agora à tarde, as mães tão lá, tão
conversando, elas vão pegando as coisas que tem para fazer da oficina e vão fazendo, já
tem uma linha, entendeu? Já tem um fluxo. (Sujeito I).

Aqui na creche Santo Antonio final de semana é muito difícil a gente trabalhar, a não
ser quando a faz algum evento, alguma festividade especial, dia dos pais, dia das mães, que
daí a gente procura fazer no sábado, ou quando tem algum evento pra angariar fundos, aí
sim, aí a gente vem pra trabalhar. Todo trabalho é voluntário. Tudo que passa do seu
horário de trabalho é voluntário? Algumas vezes sim, outras vezes a gente faz banco de
horas, então, a irmã fala tal terça você pega folga, e isso e aquilo, mas remunerado mesmo,
esses trabalhos não são não. Todos os funcionários trabalham nesse sentido.(...) eu venho
porque eu gosto, a gente e outros profissionais aqui dentro, não vem porque foi solicitado,
vem por amor a causa. Vão fazer dez anos que eu estou aqui na Creche Santo Antonio,
então todo processo de formação, de construção, eu presenciei, vivenciei, então a gente
acaba criando um vínculo muito grande, e eu gosto muito do trabalho que é realizado aqui, a
pesar de ter muitas dificuldades. As irmãs que administram elas têm uma consciência em
relação ao trabalho, em terceiro setor, elas até que valorizam muito. Então, quando a gente
é solicitado para trabalho voluntário, ou até pra formação, a gente tem formação interna, eu
venho por livre e espontânea vontade mesmo, porque eu gosto. Mas assim, outros lugares
que eu fui solicitada para ir e tudo mais, eu já me senti assim um pouco..., mas aí quando
você chega vê o trabalho você até muda um pouco de opinião. Mas a questão do
voluntariado pra mim é muito importante, a gente cresce e aprende muito. Essa outra
instituição que eu trabalhei, fui como voluntária, ia todos os sábados, era com dependência
72

química, mas assim, eu só não continuei por conta da direção, porque a direção não
valorizava o trabalho do Serviço Social, só queria você para assinar documento, e aí esse
não é o meu objetivo. No meu objetivo, assinar papel é o de menos. O trabalho que você
desenvolve com eles, a confiança que conquista ali, eu fiquei seis meses lá, e quando eu
saí... é até hoje alguns da administração até pedem, volta seu trabalho tava ficando bom,
isso e aquilo. Mas quando você se esbarra com uma diretoria que só quer que você faça
aquilo que é do interesse deles, e o diretor é político, aí a coisa não caminha, então aí não é
pra mim não. Mas o voluntariado também é algo muito gratificante de se fazer. (Sujeito II).

É o vestir a camisa daquilo que eu faço. A gente vem, vem com muito prazer, não
tem essa preocupação da questão com banco de horas, com valor esse ou não seja lá o
que for. A gente vem, se doa da mesma forma como se nós tivéssemos na execução do
trabalho. E tem uma equipe que é muito boa aí pela frente. Tudo isso colabora. (Sujeito
III).Na verdade no primeiro caso, não é a assistente social que participa dos eventos,
mas a pessoa; ela sabe que não é função do Serviço Social, dessa forma,
respeitamos seu propósito pessoal e acreditamos que essa distinção tem
importância, principalmente, se for reconhecida pela equipe de profissionais.
Nessa pesquisa não conseguimos saber até que ponto isso realmente é uma
escolha totalmente livre para essas profissionais. Pelas falas, parece-nos que sim,
mas no primeiro caso, percebemos que o voluntariado é um direcionamento da
entidade; fica, então, um questionamento se o ato é tão voluntário assim.
Apenas na segunda entidade o serviço social é responsável por toda essa
parte, talvez, por ter uma característica mais tradicional, dirigida por irmãs. Mas, se
compararmos com a última entidade, que possui essa mesma característica,
podemos entender que também depende da postura profissional. Na segunda
entidade, também parece que o ato voluntário é um direcionamento, já que atinge a
todos os profissionais, além do que, até a formação interna é realizada no final de
semana e sem remuneração.
Uma reflexão que fazemos é como ficarão os/as próximos/as profissionais
que ocuparem o lugar de assistente social nessas entidades? Será que poderão se
recusar a trabalhar finais de semana voluntariamente? Bem, fica a dúvida.
O assistente social pode colaborar na captação de recurso, mas dentro do
horário dele e se for algo combinado, que faça parte da relação contratual entre
entidade e profissional. Por outro lado, é bonito ver o envolvimento dessas
73

profissionais com o trabalho que executam, o vínculo que essas profissionais


criaram com o tempo. O sujeito II trabalhou em outro lugar, como voluntário, mas
não houve valorização de seu trabalho, por isso, afastou-se; então, ela tem essa
atitude porque acredita no trabalho, além do que, como foi colocado, o motivo que
mais a leva a trabalhar nos finais de semana é a dificuldade em participar dos
eventos nos dias de semana. Como veremos no próximo capítulo, essas
profissionais preocupam-se com a qualidade do atendimento que prestam, o que
nos faz concluir que as entidades poderiam dar mais valor a essa atuação,
melhorando as condições de trabalho dessas profissionais.

A profissionalidade da intervenção do assistente social vai inseri-lo


numa relação de assalariamento estabelecendo-se aí um divisor
entre trabalho profissional e atividade social voluntária. Convém
lembrar ainda que a ação do assistente social é, desde sua
emergência, subordinada aos objetivos e ao perfil institucional. O
assistente social não desempenha sua atividades como profissional
autônomo, não dispondo do controle das condições materiais e
organizacionais de seu exercício, o que não significa que a profissão
não disponha de relativa autonomia e de características como a
possibilidade de estabelecer uma relação singular com seus
usuários, o caráter não rotineiro de sua intervenção, a possibilidade
de apresentar propostas de intervenção a partir de seus
conhecimentos teórico/metodológicos e técnico operativos e ético-
políticos. (YAZBEK, 2002, p. 179).

Conforme a citação de Carmelita Yazbek, percebemos que se criou um


divisor entre a profissão e o voluntariado. Aí fica a nossa preocupação, se essas
atitudes voluntárias não vão diminuir esse divisor. Como ela bem explica, o
assistente social é subordinado à instituição e aos seus objetivos e, claro, possui
uma autonomia relativa. Para nós, essa subordinação pode explicar essa questão.
Procuramos entender em que valores se baseiam as atividades voluntárias.

É facilmente observável que a dimensão, visibilidade e protagonismo


assumida pelo Terceiro Setor, no âmbito da solidariedade social,
resulta em grande parte do trabalho voluntário, pois, sem dúvida, a
filantropia e a provisão assistencial tem sido, ao longo da história,
campo de valores como o altruísmo, o solidarismo e a ação
voluntária. Esses valores, assim como a ação de voluntários, são
seculares e estão vinculados a dinamismos confessionais,
comunitários e humanitários diversos e heterogêneos. (YAZBEK,
2002, p. 177).
74

O vinculo confessional pode estar não apenas na entidade, mas também no


profissional. As falas em que elas afirmam que não sentem uma obrigatoriedade,
que fazem porque gostam ou fazem de coração, permitem essa inferência.
Acreditamos que pode pesar o vínculo confessional, o fato de não haver fins
lucrativos ou pagamento por parte das crianças que são usuárias.
Percebemos que hora-extra é algo que não existe nessas entidades; mesmo
para o sujeito IV, que tem um posicionamento mais crítico, as horas-excedentes
funcionam como banco de horas. Interessante é notar que se é algo que ela entende
como do âmbito do serviço social, ela passa do seu horário; por outro lado, afirma
que é flexível, tanto para as necessidades da instituição, quanto para as dela
própria. Não é a entidade que define o dia de folga.

Sabe o que acontece, eu tenho um horário para cumprir, se eu, por exemplo, falar
amanhã eu não posso vir por causa disso, também não tem problema. Eu tenho uma
liberdade com relação a isso, que até agora, então eu não tenho muito isso, quando é
preciso fazer alguma coisa e sair 11h eu saio tranqüilamente. (...) Eu tenho essa flexibilidade
porque se você começa também deu meio dia eu vou embora. Agora qual que é o meu
compromisso profissional? Você tem que levar em consideração isso. Se eu amanhã
começar a chegar depois da hora, aí muda de figura, e nesses anos eu não tive esse
problema. Se eu precisar sair eu saio, se eu precisar chegar mais tarde, sempre procuro
avisar, evidente, sem problemas. Eu não tenho problema com relação a isso, é bem flexível.

Além de captar recursos, em muitas entidades o assistente social possui a


atribuição de atrair voluntário. Yazbek (2002, p. 178) entende que a concepção de
voluntariado que prevalece

(...) é do cidadão que, motivado pelos valores da solidariedade e da


participação social, doa seu tempo, seu trabalho e seus talentos, de
modo espontâneo e não remunerado, para causas de interesse
comunitário, humanitário e social.

Para Landim (1993), as entidades de assistência social “são, no geral, menos


profissionalizadas e o trabalho voluntário tem mais peso e valor simbólico”.

Então tem voluntário que trabalha na área de marketing, serviços gerais e na própria
oficina também tem alguns voluntários que devem ensinar algum tipo de habilidade. (...) O
75

Serviço Social tem essa função aqui dentro, dentro da hierarquia, do organograma da
AADA, o Serviço Social tá ligado diretamente à Coordenação Técnica, que hoje passou a
ser da fonoaudióloga. (Sujeito I).

Temos, mas nós temos dificuldade com o voluntariado, porque a gente acaba não
podendo contar muito com eles. Atualmente, nós temos somente três voluntários. (...) Não, a
questão do voluntariado fica para parte administrativa, o primeiro contato até é feito pelo
Serviço Social, mas a conversa mesmo, o contrato de voluntariados, que é feito com eles e
tudo mais, isso é feito pela irmã responsável. (Sujeito II).

Então, nós temos hoje o voluntário da oficina de artesanato, duas voluntárias para
oficina de artesanato, uma realiza terça-feira, e uma quinta-feira. (...) Então, isso a gente
tem acompanhado. Na realidade a gente não adotou ainda a questão do voluntariado aqui
na entidade, porque nós tivemos algumas experiências que não foram positivas. Porque o
voluntário geralmente são pessoas que de alguma forma estão desempregadas. E, aí o que
acontece, eles entram começam um trabalho, daqui a pouco desistem, no meio do caminho.
Então, isso não foi positivo, nós tivemos uma voluntária que foi de psicologia, não foi bom, a
experiência não foi boa. A de inglês também, nós tivemos o mesmo problema: na hora que
conseguiu um trabalho, saiu. A gente sentiu assim, que a gente ficou abandonado, por eles,
e mais que nós, foram as crianças. Então, a gente não adotou ainda, por essa questão da
responsabilização, do comprometimento, porque acho assim, não sei se é próprio da região,
mas é difícil, ou por conta da questão da espiritualidade que a organização adota, não sei. A
gente ainda, não chegou a um consenso em relação a isso. (...) uma experiência que não foi
positiva pra nós aqui. As duas que se propuseram de artesanato, a gente tentou porque são
pessoas que na realidade, já são aposentadas, tem uma outra renda, não depende do
trabalho específico. Então, para nós, foi mais tranqüilo. Elas dão oficina de artesanato pro
Centro de Convivência às terças e quintas-feiras. (Sujeito III).

Olha com as crianças a gente evita trabalho de voluntário, porque, até quando eu
entrei tinha, mas o trabalho voluntário ainda é difícil até aqui mesmo. O trabalho do
voluntário eu admiro, eu trabalhei como voluntária, sei que a pessoa faz uma doação, quem
ganha mais, normalmente, é o voluntário, mas ele também tem que ser tratado com
respeito, porque uma coisa é você ter um funcionário, ele tem hora pra chegar, hora pra sair
e o voluntário, não. Então assim, como não se aprendeu a lidar bem ainda, eu,
normalmente, não recomendo voluntário, pra trabalhar com as crianças. Porque assim, você
olha pras crianças, as crianças são bonitinhas, o voluntário ele se apega àquela criança em
76

detrimento das outras, isso aí tem que ser muito bem trabalhado. Toda a direção pra
trabalhar isso tipo de coisa, não dá pra você se apaixonar por uma criança. (Sujeito IV).

Nesse aspecto, tivemos a impressão de que as entidades pesquisadas têm a


grande preocupação de que o trabalho voluntário não tire a qualidade do
atendimento, principalmente, em relação às crianças e aos vínculos que estas
constroem com aqueles que são seus cuidadores; zelam pela segurança delas, até
mesmo emocional, já que não podem contar com o compromisso do voluntário,
como nas palavras das profissionais. Assim, se um vínculo for rompido
abruptamente, a criança pode ter a sensação de abandono, como o sujeito III
colocou.
Essa rotatividade de voluntários também foi verificada na pesquisa de
doutorado realizada por Cabral (2004, p. 189); ao entrevistar treze gestores de
organizações prestadoras de serviços sociais e de assistência social, conforme a
autora denomina, questionados sobre a importância do voluntariado, nove deles
avaliaram como muito forte. Porém, quando inquiridos sobre a retenção dos
voluntários, a situação é outra; também nove apontaram dificuldades em relação
isso. A autora destacou algumas afirmações de seus sujeitos.

Estamos muito no início do trabalho com voluntários, e não temos


ainda um perfil do voluntário que nos interessa, bem como suas
atribuições”, ou, “a dificuldade maior é conseguir equacionar suas
expectativas pessoais com as expectativas da instituição, e as
necessidades de vínculo com os beneficiários. Nosso desafio é
informar ao voluntário as nossas áreas de trabalho e, a partir delas,
motivá-los a se integrar conosco.

Carmelita Yazbek (2002, p. 183) mostra a incidência do trabalho voluntário na


atuação do assistente social:

Uma delas é a proximidade das práticas voluntárias com as


intervenções profissionais, sobretudo, nas ações filantrópicas e de
assistência social. Muitas vezes, neste âmbito é conferida ao
profissional a tarefa de organizar, supervisionar e orientar ações do
voluntariado. Em outras situações, particularmente reveladoras da
desregulamentação dos mercados de trabalho, profissionais e
voluntários dividem tarefas e responsabilidades.

A autora destaca a importância de abordamos essa questão:


77

Se levarmos em consideração o fato de que as ações voluntárias


desenvolvem-se predominantemente tendo como parâmetro a
perspectiva de atenuar situações de pobreza, exclusão,
subalternidade, violências e carecimentos de diversas naturezas,
muitas vezes relacionadas ao campo das políticas e ações sócio-
assistenciais, espaços onde ocorre inserção profissional dos
assistentes sociais, temos aí uma situação a ser cuidadosamente
examinada. (YAZBEK, 2002, p. 183).

Falconer (1999, p. 72) apresenta o conceito de voluntaru failure, utilizado por


Salamon (1998), como a incapacidade inerente ao “terceiro setor” de atender a
todas as demandas de serviços públicos; esta deficiência caracteriza-se por quatro
atributos. Apenas o último refere-se ao voluntariado e à profissionalização do
“terceiro setor”:

Amadorismo. Amadorismo é o reverso da moeda do voluntariado. A


qualidade louvada de utilização de trabalho voluntário pelo terceiro
setor está associada ao problema de sua freqüente falta de
capacitação para agir com os meios necessários, que efetivamente
atendam a demanda por serviços públicos. A crescente
profissionalização do terceiro setor é conseqüência da demanda por
serviços prestados por pessoas especializadas: médicos, psicólogos,
assistentes sociais, enfermeiros etc., inseridos em estruturas formais.

Os três primeiros atributos apresentados por Falconer (1999, p. 71), também


podem ser reconhecidos ao observamos as características dessas entidades.

Insuficiência: Este é o reflexo do dilema do “free rider”, esboçado


anteriormente: nenhuma organização tem condições de obter
recursos em volume suficientes para o a operação de serviços
públicos na escala necessária para atender à demanda, sem a
capacidade de recorrer a contribuições obrigatórias, pois o benefício
seria igualmente disponível a todos, pagantes ou não. Somente o
Estado, através do poder de tributação, detém esta capacidade.

Particularismo: organizações voluntárias tendem a beneficiar


grupos de acordo com critérios que julguem importantes, mas que
não são, necessariamente, aqueles que assegurem o acesso a todos
os que precisam dos serviços. Organizações privadas podem
legitimamente optar por privilegiar ou servir prioritariamente aos
membros de um determinado grupo étnico, religioso ou mesmo
familiar, como preferirem. Por mais louváveis que sejam as ações
caridosas das organizações sem fins lucrativos, sua independência e
particularismo não permitem assegurar que a totalidade de interesse,
demandas e carências serão atendidas. O Estado democrático guia-
se por princípios opostos ao particularismo: equidade e
universalidade.
78

Paternalismo: O controle dos serviços a serem oferecidos, em um


sistema controlado por organizações voluntárias, está nas mãos de
quem detém os recursos. Independente do mérito da ação
desenvolvida, este aspecto legitima as elites econômicas como
decisórias sobre os desfavorecidos e nega qualquer tipo de direito a
quem recebe. Esta relação tende a criar dependência e subordinação
entre os detentores de recursos e aqueles que necessitam deles.

O primeiro deles explica a necessidade das organizações do “terceiro setor”


em adotar critérios. O segundo discute que esses critérios não se baseiam na
equidade, mas na preferência de cada organização. O terceiro questiona o controle
dos serviços e, justamente, pela negação dos direitos, estabelece-se uma relação de
subordinação.
Não estamos dizendo que as entidades têm que atender o mesmo
contingente de pessoas que o poder público. Falamos de critérios transparentes,
baseados na equidade, que é o acesso universal dentre aqueles que necessitam ou
venham a necessitar de tais serviços. A questão é que não há garantias que definam
que esses critérios sejam universais ou resguardados; eles dependerão do
julgamento de cada entidade.

Nós atendemos crianças carentes do município, a gente coloca como um critério pra
tá entrando na creche a mãe estar trabalhando fora, mas a gente não segue muito à risca
esse critério, porque a creche é direito da criança, o Estatuto dá essa garantia, e o que
importa pra gente é a criança estar realmente na creche. E, como a demanda é muito
grande, a gente acaba tendo que selecionar um pouco. Nós temos vários projetos na
instituição, nós temos projetos na área educacional, na área da saúde, nós temos projeto de
lazer e recreação, nós temos projetos de música, e tem o projeto do Serviço Social. (Sujeito
II).

Nós temos um dia no mês que acontece as inscrições, a gente vai pelas famílias que
efetivamente trabalham e que tem uma per capita baixa. Serviço Social é que define, que
faz a visita, que verifica toda questão socioeconômica dessa família para entrar. (Sujeito III).

A educação infantil a mãe deve estar trabalhando, pra criança ficar o dia todo na
creche. E aqui, como nós estamos numa realidade bem diferente dos bairros, nós também
temos um período parcial, porque o Estatuto contempla que a criança tem direito à creche,
ela não fala se é carente ou se não é carente. O direito é para todas as crianças do
79

município, então, nós temos o atendimento parcial atendendo até essa criança da região. A
condição sócio-econômica deles é um pouco mais alta, também não é aquela coisa
exagerada; às vezes a mãe não trabalha, a mãe não precisa trabalhar, às vezes o marido
tem um salário um pouco melhor, por cultura, ou dificuldade de emprego mesmo, a mãe não
trabalha. Ela traz a criança aqui, sem problema, nós atendemos prioritariamente as crianças
da região, nesse período parcial. E as crianças, mesmo que seja um pouco mais distante,
mas se a mãe trabalha aqui na região, nós atendemos também, mas a prioridade para o
atendimento de período integral é de que a mãe esteja trabalhando. Até porque se trabalha
para o fortalecimento do direito de família, pra mãe deixar aqui, tem casos também que a
mãe não trabalha, mas aí é onde entra então, no caso, o Serviço Social; nós atendemos
individualmente, sabemos que as situações são diferentes, que cada caso realmente é um
caso, então, mesmo que a mãe não trabalha, existe uma série de coisas: questão de
dependência química, alcoolismo, uma questão de vulnerabilidade social, às vezes o pai tá
preso, a mãe tá presa; nós temos tudo isso, então a gente também não esquece, você tem
também que contemplar essa criança, independente de tá trabalhando ou não estar
trabalhando. Essa área diz respeito ao social, grosso modo, a mãe trabalha, é simples. Mas
você vê, atende cada um na sua necessidade, é esse o trabalho que a gente tenta fazer
aqui. Aí os critérios acabam. São casos especiais, nós temos alguns assim, então essas
crianças também. Vai falar, mas sua mãe tá trabalhando, daí eu acho que choca. Quando a
gente na abordagem, na entrevista, na triagem que a gente faz, você percebe isso, no caso
visita; tudo, constata a necessidade da crianças, é ela que é priorizada. A questão familiar
daí é trabalho num outro momento, o atendimento imediato é para as crianças para que ela
tenha os seus direitos preservados. (Sujeito IV).

É importante notar a referência ao direito à creche garantido pelo Estatuto da


Criança e do adolescente como uma preocupação das profissionais. Até mesmo,
como no caso da última entidade que possui uma alternativa para atender a
demanda de famílias da região, para aqueles que não são necessariamente
“carentes” é destinado o atendimento parcial. Para as mães que trabalham utiliza-se
atendimento integral. Destaca-se nas falas o fato da entidade, mesmo com uma
grande demanda, observar o direito das crianças à creche e buscar cumpri-lo.
Evidentemente, os critérios das entidades de assistência social, de uma forma
geral, são focalistas; nestas que pesquisamos há uma preocupação em atender o
direito em detrimento dos critérios, porém, é algo que depende apenas do
julgamento de cada entidade.
80

Na maioria dos casos pesquisados, as ONGs realizam atividades


mínimas de manutenção, recorrentes a um modelo de atuação com a
pobreza reproduzido desde os programas estatais. Assim, mais de
50% dos usuários atendidos nas ONGs estão na faixa de renda
familiar de menos de 1 salário mínimo, enquanto os demais recebem
de 1 a 6 salários mínimos. Aqui, surge uma hipótese interessante: a
proximidade das faixas de renda dos usuários atendidos, abaixo e
acima de 1 salário mínimo, pode significar que as organizações
direcionam suas atividades predominantemente para os sujeitos que
estão abaixo da linha da pobreza, mas também para aqueles que
vivenciam o processo de empobrecimento ou precarização das
condições de vida. Os critérios para separar tais usuários por classes
distintas estão sendo definidos pelos serviços ou atendimentos
prestados aos mesmos pelas ONGs. Se a hipótese for verdadeira, os
tipos de serviços ou atendimentos devem ser semelhantes, conforme
as classes de renda se aproximem, frente a essa linha de corte (os
extremos das faixas de renda atendidas). Caso se confirme tal
hipótese, pode-se supor que as organizações estão se tornando a
porta de entrada dos sujeitos que empobrecem aos serviços e bens
públicos de manutenção de suas necessidades básicas, o que abre
oportunidade para uma série de questionamentos derivados.
(LOPES, 2004, p. 61).

Critérios para programas o poder público também possui, mas apenas os


direitos têm caráter universal e a garantia que os mesmos critérios serão utilizados
para todos indistintamente. Dessa forma, não acreditamos em terceirização para
implementar direitos, mesmo o discurso dos direitos estando presentes na falas dos
profissionais, ou até mesmo da entidade, isso não resolve esse impasse.
Gutierres (2006, p. 116) ao analisar a noção de cidadania dos movimentos
sociais e a defendida no “terceiro setor”, ratifica nossas argumentações do início
desse capítulo de que a ação do “terceiro setor” é esvaziada de conteúdo político e
não contribui para que se chegue à justiça social.

Daí decorre o contraponto entre uma noção ampliada e uma noção


minimalista de democracia. Afinal, apesar do discurso propagado
pelas organizações do terceiro setor afirmar seu compromisso com a
construção da cidadania, foi possível observar, ao contrapormos
suas posições à noção de cidadania trazida pelos movimentos
sociais, que as concepções de terceiro setor operam uma redução
dessa noção, enaltecendo a ação solidária em detrimento da ação
política.

O sujeito I apresentou uma discussão importante que faz nos espaços em que
participa: os conselhos de direito, uma luta em torno dos direitos da pessoa com
deficiência, na qual a maior dificuldade encontrada é justamente a interpretação do
81

poder público sobre a legislação social, gerando uma exclusão que vai à contra mão
dessa mesma legislação.

Geral, aonde eu vou, tenho documentos já registrados que eu apresentei o


questionamento. O que acontece reabilitação, por exemplo, do deficiente auditivo, do surdo,
é pelo menos durante quatorze anos da vida dessa pessoa, ela vai precisar de
fonoaudiologia, vai precisar de um aparato educacional, ela vai precisar muitas vezes de
terapeuta educacional, fisioterapeuta, que muitas vezes ela tem um outro comprometimento
associado, psicólogo. Geralmente, a mãe que tem um filho com deficiência, ao longo de
muitos anos, ela não vai conseguir continuar trabalhando fora, ela vai ter que ter alguém se
dedicando a essa criança. Aí fala, ah, mas tem carro, tem casa própria, e o pai ganha
R$1.200,00 por mês, R$ 1.800,00, tem quatro filhos, só esses profissionais, hoje uma
sessão de fonoaudiologia, é na faixa de R$ 70,00, são duas sessões por semana R$
140,00, o professor de apoio, e aí você vai somando. Então, ele não tá dentro da baixa
renda, abaixo da linha da pobreza, não, ele é classe média, mas a classe média hoje no
nosso país, eu digo assim, que é a que ta mais nadando de costas pra se afogar. Porque
quem ta de baixa renda tem o aparato do social, os benefícios, inclusive o próprio BPC que
pessoa de classe média não consegue, quem é rico tem o próprio suporte, classe média, tá
muito difícil a classe média sobreviver. Então assim, a partir do momento que você não faz
uma leitura correta do próprio artigo 3º da LOAS, você tá discriminando uma grande parcela
da sociedade, tá deixando de exercer o que roga o SUAS, o que roga a própria constituição
brasileira. (Sujeito IV).

Vale lembrar, que o terceiro setor é formado por múltiplos atores de natureza
diferente, assim, embora possua características gerais, há exceções de sujeitos que,
ao seu modo, estão lutando pela ampliação dos direitos sociais.
Nesse capítulo fizemos uma discussão acerca da noção de “terceiro setor”
que serviu de base para caracterizarmos as entidades de assistência social que
pesquisamos, as quais possuem a marca da religiosidade e dedicam-se ao
atendimento de crianças e adolescentes. Procuramos analisar pontos que refletem o
processo de crescimento do “terceiro setor”, como voluntariado, captação de
recursos e critérios de atendimento para que se compreenda o espaço em que
nossos sujeitos, assistentes sociais, estão inseridos. Deste modo, propomos para o
terceiro capítulo, aprofundarmo-nos nos impactos desse processo para o Serviço
Social.
82

Capítulo 3 - O “terceiro setor” enquanto empregador dos assistentes sociais

3.1 – O Serviço Social diante do contexto atual

Neste capítulo estudaremos o “terceiro setor” enquanto empregador dos


assistentes sociais. Quando pensamos em “terceiro setor”, a primeira referência que
fazemos é sobre seu crescimento. Muitas vezes, em nome desse crescimento, esse
setor é visto com uma panacéia e entre o seu poder de cura está o de fazer face ao
desemprego. Na verdade tal setor constitui, sim, um campo de trabalho, e para os
assistentes sociais é notável sua importância, porém, devemos ter cautela para que
esse pensamento não seja resultado de uma análise superficial, que acredita que o
“terceiro setor” constitui uma nova alternativa para as conseqüências do capitalismo
na vida social e do afastamento do Estado de suas responsabilidades públicas.

[...] apostar nas ONGs como “saída profissional” é desconhecer os


graves riscos do pluriemprego – roda-viva em que profissionais são
compelidos a várias inserções empregatícias, num processo em que
a fragmentação do mercado de trabalho pode conduzir a um
processo de desagregação profissional. (NETTO, 1996, p. 122).

Para compreensão do Serviço Social diante do contexto atual e de seus


aspectos relativos aos limites e possibilidades apresentados nesta conjuntura, cuja
inserção no campo de trabalho do “terceiro setor” vem com um dos marcos deste
contexto, é necessário, de forma breve, situarmos historicamente essa profissão em
seu processo de desenvolvimento.

Desde a institucionalização do serviço social enquanto profissão, inserida na


divisão sócio - técnica do trabalho até os dias atuais, a categoria profissional foi
protagonista de muitas transformações. Ora, sabemos que essa institucionalização
se configura no momento em que o Estado amplia sua presença na gestão dos
conflitos sociais, trazendo para si tal responsabilidade, devido, de um lado, à
pressão feita pelo mercado para que fosse garantida a reprodução da mão-de-obra
e, de outro, às demandas impostas pelos trabalhadores.
83

A partir da década de 1990, encontramo-nos diante de uma conjuntura


oposta, na qual o Estado está aparentemente se afastando da vida social e
delegando a responsabilidade de atender as necessidades sociais da população à
própria sociedade civil. Os direitos, então, passam a ser enfraquecidos pelo
atendimento solidário e filantrópico. Além de a classe trabalhadora perder direitos
que foram conquistados através de lutas, vemos também o campo de trabalho do
assistente social se transformar.

O Serviço Social sempre passou por transformações movidas por fatores


conjunturais: pelo movimento da História, impulsionada pela luta entre as classes
que resultava em transformações na profissão de ordem técnico-operativa, teórico-
metodológica e político-ideológica. O Movimento de Reconceituação, que se inicia
na segunda metade dos anos de 1960 e ganha força na passagem das décadas
1970 para 1980, é um marco das transformações vivenciadas pela profissão, cenário
em que os assistentes sociais buscam romper com um modelo de prática
conservadora, optando por uma autonomia no seu fazer profissional; autonomia que
lhes deu a maturidade de se posicionar enquanto profissão que luta pelos direitos da
classe trabalhadora. A direção que resulta nesse entendimento é a chamada
“intenção de ruptura”.15

A partir desse movimento, a categoria dos assistentes sociais teve um


posicionamento muito claro e definido a respeito do significado social dessa
profissão na sociedade, superando uma visão endógena predominante até então e
voltando seus olhos para o mundo em que está inserido.

Uma marca desse processo foi a revisão do Código de Ética de 1986,


considerada insuficiente diante das exigências da realidade, o que acabou
resultando no Código de Ética de 1993; este preservou alguns aspectos como a
conquista política expressa no código anterior e os valores éticos mais abrangentes
como o compromisso com o usuário. Assim, essa profissão tornou-se a única que

15
Segundo Netto (1996), no processo de renovação do Serviço Social houve duas outras direções,
além da que já citamos. A primeira chamada perspectiva modernizadora, procura modernizar os
instrumentos de intervenção do Serviço Social adequando-os às exigências do desenvolvimento
capitalista, visando atribuir ao Serviço Social o cariz tecnocrático, sob inspiração estrutural-
funcionalista. A outra perspectiva, reatualização conservadora, repudia a tradição positivista, porém o
que opera na verdade é sua reatualização, pois se beneficia do acúmulo do Serviço Social com base
na ajuda psicossocial, se apresentando como de inspiração fenomenológica. É importante, ressaltar
que a perspectiva que ganha hegemonia ideológica no Serviço Social é a intenção ruptura; esta é a
única que realmente propõe ruptura com o Serviço Social “tradicional”.
84

traz de forma contundente em seu código ética a “opção por um projeto profissional
vinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária, sem
dominação da exploração de classe, etnia e gênero”. Conquista, também, a lei
8.662/93 que dispõe sobre a regulamentação e delimitação do exercício profissional
do assistente social, reafirmando os direitos do usuário e assistente social.

Há pouco tempo, o conjunto CFESS/ CRESS reiterou esse compromisso de


forma contundente; tal conjunto, enquanto expressão da representatividade da
nossa categoria, ainda precisa ter um posicionamento definido de acordo com sua
história e com seu projeto ético-político.

O conjunto CFESS/CRESS reunido no XXXIV Encontro Nacional, realizado


em Manaus/AM, no período de 04 a 07 de setembro de 2005, publicou uma carta
intitulada Carta de Manaus: Por uma política econômica a serviços dos direitos
sociais. Manifestou-se veemente contrário à política econômica realizada pelo
governo federal de forte orientação neoliberal, que se subordina ao capitalismo
financeirizado. Na carta denuncia que esta política favorece o capital em detrimento
das demandas do trabalho, provocando a aceleração progressiva dos juros, o que
permitiu aos bancos obter lucros de 20.08 bilhões em 2004 (CFESS, 2005), e
enfraquece o setor produtivo, gerando baixos índices de emprego e precarização do
trabalho.

Sabemos que quem lucra com essa política social e econômica contra a qual
nossa categoria se posiciona são as multinacionais, os países que recebem juros da
dívida do país e, principalmente, o setor financeiro. Já a classe trabalhadora, com a
qual somos comprometidos, é quem paga por esse lucro, de forma direta por meio
dos impostos e indireta na precarização dos serviços públicos de que necessita.
Desse modo, essa carta também acaba possuindo o papel de colaborar para o
entendimento do projeto ético-político do contingente de assistentes sociais, já que
diante de tal conjuntura16 ele precisa ser reafirmado por todos os profissionais que
formam esta categoria.

16
Em outubro de 2002, os brasileiros foram às urnas e elegeram um governo popular e democrático;
para o Serviço Social abriam-se perspectivas para a realização do projeto ético-político que
defendemos. No ano de 2005, o Brasil passou a vivenciar um período de turbulência política,
marcado por acusações, denúncias e CPIs, tempo propício para críticas do atual governo e ideal
como palanque para oportunistas.
85

Sofrer transformações é necessário para o crescimento da profissão e até


para sua manutenção no mercado de trabalho. Acompanhar o processo histórico de
transformações do mundo do trabalho também não significa plena aceitação das
suas implicações, pois tal postura pode levar ao abandono do projeto coletivo do
Serviço Social e não teremos senso crítico para reconhecer que esse processo
contribuiu para o aumento da miséria, do desemprego e das inúmeras perdas de
garantias trabalhistas.

Cabe, então, ao profissional desvendar o significado social dessas


transformações, analisando as implicações para o exercício da profissão e, somente
com uma postura crítica, poderá dar respostas inovadoras aos dilemas impostos
pelo sistema capitalista e as novas conseqüências causadas por esse sistema na
vida social. Para tanto, é necessário pensar o serviço social como profissão inserida
nas transformações históricas, que sofre com a falta de recursos, com os baixos
salários, desemprego, com as exigências feitas pelo mercado de trabalho, já que
somos trabalhadores assalariados. Porém, não se pode esquecer do projeto ético e
político dessa profissão direcionado a colaborar para uma transformação social,
fortalecendo o verdadeiro sentido de democracia entre a classe trabalhadora.

A realidade social traz muitos desafios para trabalharmos, mas também pelo
próprio movimento dialético coloca possibilidades que precisamos desenvolver em
frentes de trabalho. A partir da década de 1980, a classe trabalhadora pode avançar
em suas conquistas, como a Constituição de 1988, com a qual se deu início a um
processo de gestão democrática, que mesmo não se efetivando como desejado,
criou um espaço de participação popular nas decisões que lhes dizem respeito.
Esses espaços são conhecidos como Conselhos de Gestão Democrática e existem
em várias áreas na saúde, educação, habitação, alimentação, assistência social,
criança e adolescente e idoso. Esses espaços estão se alargando, multiplicando-se
e se estendendo a novas áreas, de forma que comportam novos atores sociais,
novos fóruns de representação. O assistente social também colabora nesse
processo enquanto membro desses conselhos ou divulgando informações que
possam garantir maior autonomia da sociedade civil dentro desses espaços.

Os Conselhos de Gestão democrática possuem uma natureza de organização


paritária, ou seja, a mesma quantidade de representantes do poder público e da
86

sociedade civil. Infelizmente, seguindo a velha tradição do poder, os membros do


governo quando ocupam esses espaços servem apenas para anular a presença de
outras pessoas, formando uma espécie de “peleguismo” nesses conselhos, no qual
lutam por arranjos clientelísticos e voltados a interesses particulares, tendo o favor
como moeda de troca que anula a perspectiva dos direitos sociais. (RAICHELIS,
2000).

Outra importante conquista que está imbricada na Constituição é a garantia


da assistência social como direito e seu estatuto de política pública; mesmo não
sendo ainda prioridade do governo e ainda que tão rapidamente o Estado queira
isentar-se dela, a assistência social entrou no campo da agenda estatal e da
responsabilidade pública.

Entretanto, a sociedade civil organizada alcançou mais avanços, como a Lei


Orgânica da Assistência Social - LOAS/93, que começa um processo de
regulamentação da assistência enquanto política de direitos. Processo que vem
sendo continuado pela Política Nacional de Assistência Social, que demonstrou uma
abertura coletiva para o redesenho desta política pública, já que é fruto de uma
discussão entre diversos atores da sociedade civil organizada (Fóruns, Associações,
Entidades Sociais, Gestores de todos os níveis governamentais, Secretarias de
Assistência Social, além de pesquisadores e estudioso de áreas afins). Continuado
também na perspectiva de implementação do Sistema Único de Assistência Social,
que materializa as diretrizes da LOAS por uma política mais descentralizada e
democrática e que reafirma que a assistência social não é clientelismo, caridade,
assistencialismo e nem política pontual.

Embora o processo de descentralização das políticas públicas deva ser


continuamente acompanhado pela sociedade civil organizada, para que não
signifique mais uma estratégia de afastamento do Estado, tornado assim retrocesso
o que acreditávamos ser um avanço, a participação da população na decisão sobre
a verba pública pode colaborar para otimização da sua utilização, pois ela é quem
vive a realidade local. A descentralização, também característica dessa política,
permitiu um maior monitoramento e avaliação das políticas públicas; assim, a
tecnologia se aliou como estratégia de melhoria para o uso da informação, no que se
refere ao controle da assistência social.
87

3.2 – O Serviço Social enquanto trabalho especializado.

Temos por referencial teórico a compreensão de Iamamoto (2001) que


entende o assistente social como trabalhador especializado, o qual vende sua força
de trabalho para seu empregador em troca de um salário, fazendo com que o
Serviço Social ingresse no universo da mercantilização, no universo do valor.

O Estado recolhe a mais-valia17 por meio dos impostos e a redistribui em


forma de políticas sociais; o Serviço Social, por criar e prestar serviços cujos
resultados são os atendimentos das necessidades sociais, torna-se um trabalho
especializado e necessário socialmente, e por isso tem utilidade social e valor de
uso e de troca. Os assistentes sociais participam do processo de produção ou de
redistribuição da mais-valia, colaborando para a reprodução da força de trabalho ou
na prestação de serviços sociais. Ele não cria a mais-valia de forma direta. O
assistente social pode imprimir uma ação de direcionamento de seu trabalho na
defesa dos direitos sociais.

o primeiro pressuposto de toda a existência humana, e portanto, de


toda a história, é que os homens devem estar em condições de viver
para poder ‘fazer história’. Mas para viver é preciso comer, beber, ter
habitação, vestir-se e algumas coisas mais. O primeiro ato histórico
é, portanto, a produção de meios que permitam a satisfação dessas
necessidades, a produção da própria vida material. (MARX; ENGELS
apud IAMAMOTO, 2001, p. 26).

Os homens necessitam trabalhar para sobreviver; ao reproduzirem a vida


material, se relacionam entre si, e reproduzem as relações sociais. O produto do
trabalho do Serviço Social é a reprodução das relações sociais, numa visão de
totalidade que não se restringe à econômica.

17
“O capitalista compra o direito de explorar a força de trabalho durante uma jornada, na qual o
trabalhador não só produz o trabalho necessário para sua subsistência, mas um trabalho excedente
ou um valor excedente. Assim, o capitalista que compra a força de trabalho a faz funcionar por mais
tempo que o necessário para reproduzir o seu preço; caso contrário só obteria o tempo de trabalho
socialmente necessário equivalente ao salário, não se apropriando de qualquer trabalho excedente.
Sem trabalho excedente não haveria mais-valia, e a continuidade da produção estaria comprometida,
já que esta é seu impulso e finalidade básica.” (IAMAMOTO; CARVALHO, 1988, p. 49).
88

Como se pode observar, portanto, o trabalho não transforma apenas


a matéria natural, pela ação dos seus sujeitos, numa interação que
pode ser caracterizada como o metabolismo entre sociedade e
natureza. O trabalho implica mais que a relação sociedade/natureza:
implica uma interação no marco da própria sociedade, afetando os
seus sujeitos e a sua organização. O trabalho, através do qual o
sujeito transforma a natureza (e, na medida em que é uma
transformação que se realiza materialmente, trata-se de uma
transformação prática), transforma também seu sujeito: foi através
do trabalho que, de grupos primatas, surgiram os primeiros grupos
humanos – numa espécie de salto que fez emergir um novo tipo de
ser, distinto do ser natural (orgânico e inorgânico): o ser social.
(NETTO; BRAZ, 2006, p. 34).

No trabalho temos a antecipação e projeção dos resultados, isto é, o trabalho


humano dispõe de uma dimensão teleológica. É por meio dele que o homem dá
respostas prático-conscientes às suas necessidades. Ao satisfazê-las, o homem cria
outras necessidades, pois não transforma apenas a natureza, seu objeto, mas
transforma a si mesmo, sujeito, pois descobre novas capacidades humanas. A força
de trabalho é uma mera capacidade que só se transforma em trabalho dadas as
condições necessárias. Para produzir utilizamos nossa consciência, o que significa
que o trabalho é norteado por valores, possui uma dimensão ética e moral.

Iamamoto nega a chamada “prática” do Serviço Social; primeiro porque


acredita que esta só considera a atividade do assistente social desfragmentada do
trabalho social como um todo e, segundo, por dar a esta prática um caráter de
centralidade ao Serviço Social, em cujo entorno ficam a dinâmica institucional, as
políticas sociais, os movimentos sociais como fatores condicionantes dessa prática
de forma externalizada em relação a ela.

“A exigência de analisar o exercício profissional no âmbito de


processos e relações de trabalho impõe-se em função da condição
de trabalhador “livre”, proprietário de sua força de trabalho
qualificada, que envolve uma relação de compra e venda dessa
mercadoria. É, portanto, a condição de trabalhador assalariado,
como forma social atribuída pelo trabalho, que revela a insuficiência
da interpretação corrente de prática profissional, tal qual como
interiormente referida, para explicar o exercício profissional no
conjunto de seus elementos constitutivos. Aquela interpretação
supõe que a atividade do assistente social depende,
fundamentalmente, do profissional, como se ele dispusesse da
autonomia necessária para acioná-la e direcioná-la conforme suas
próprias e exclusivas exigências, o que se choca com a condição do
assalariamento.” (IAMOMOTO, 2001, p. 96).
89

O objeto de trabalho do assistente social são as múltiplas expressões e


manifestações da questão social e para compreendê-las devemos considerar os
processos históricos que as produzem e os sujeitos sociais que as vivenciam. É sua
existência que demanda o profissional de Serviço Social e cria seu espaço sócio-
ocupacional, a fim de atuar no âmbito de suas expressões.

A questão social não é senão as expressões do processo de


formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no
cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como
classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, no
cotidiano da vida social, da contradição entre proletariado e
burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção, mais
além da caridade e repressão. (IAMAMOTO; CARVALHO, 1988, p.
77).

A bagagem teórico-metodológica (conhecimento) que o assistente social


possui é o seu principal instrumento de trabalho, é ela que permite que façamos uma
interpretação da realidade e, assim, possamos construir nossas estratégias, junto
aos sujeitos.

O Serviço Social é regulamentado como profissão liberal, mas


predominantemente não atua assim, porque na maioria de seus campos de trabalho
necessita de recursos financeiros e humanos para desenvolver seus projetos; esta é
uma característica marcante da inserção deste profissional no mercado de trabalho.
Porém, o caráter de profissão liberal se dá pela relativa autonomia que temos diante
da intervenção com os sujeitos.

O Serviço Social não deixa de ser um trabalho concreto, porque tem uma
utilidade social; o trabalho do assistente social tem um efeito direto sobre a classe
trabalhadora. É a reprodução da força de trabalho, sua mercadoria, que por sua vez
irá produzir a mais-valia.

Esta profissão é necessária por atuar na sobrevivência social e material dos


trabalhadores, intervindo na vida dos sujeitos; tem-se uma objetividade social, que
nem sempre é material, mas que tem resultados concretos na vida social. É
importante que os profissionais criem uma autoconsciência de seu trabalho, já que
seu produto reforça a hegemonia ou cria uma contra-hegemonia do capital.
90

3.3 Características do trabalho: atividades, planejamento, valorização


profissional, autonomia, trabalho em equipe e demandas.

A reflexão teórica travada anteriormente sobre a profissionalidade do Serviço


Social serviu de base para levantarmos as questões presentes na realidade dos
sujeitos entrevistados.
Relembramos que estamos utilizando a metodologia da história oral, o que
implica a maior fidelidade às falas dos sujeitos, até mesmo quando houve solecismo,
esses foram mantidos. Outro ponto importante referente à metodologia é que, por
tratar-se de um roteiro semi-estruturado, contamos com acréscimos no conteúdo das
respostas de situações de importância para os sujeitos; assim um tema pode não
estar presente na fala de todos os sujeitos, mas não desprezamos essas passagens,
porque muitas vezes nos fizeram olhar para outras dimensões de nosso objeto.
A primeira observação é que, ao pensarmos sobre o trabalho de tais
profissionais, deve-se ter em mente que se trata de um trabalho institucional.

As instituições sociais são organizações específicas de política


social, embora se apresentem como organismos autônomos e
estruturados em torno de normas e objetivos manifestos. Elas
ocupam um espaço político nos meandros das relações entre o
Estado e a sociedade civil. Elas fazem parte da rede, do tecido social
lançado pelas classes dominantes para amealhar o conjunto da
sociedade. (FALEIROS, 1985, p. 31).

No decorrer da pesquisa veremos a marca que o trabalho institucional


imprime à atuação do assistente social.
A primeira entrevista foi realizada em 25 de setembro 2007, na entidade em
que trabalha a profissional, a AADA; durou uma hora e vinte e três minutos.
Conforme melhor analisado no segundo capítulo, a AADA – Associação de Apoio ao
Deficiente Auditivo - desenvolve um programa de atendimento à criança e ao
adolescente com deficiência auditiva.
A entrevistada é formada há 25 anos, possui experiência na área pública e
privada, mas sua maior experiência é atuando junto ao terceiro setor.
Especificamente, em entidades que têm como público-alvo pessoas com deficiência.
Trabalhou prestando assessoria técnica para entidades desse segmento. No
91

momento da entrevista estava se afastando do cargo de gestora da entidade para


dedicar-se ao trabalho de assessoria.

(..) enquanto gestora da AADA, eu tenho toda função equivalente à administração e


gestão. Na verdade, eu era como assistente social, a partir do momento que eu me formei,
especializei, passei a ser gestora da AADA. Por conta de questões financeiras, na AADA, eu
acumulei funções. Hoje as funções foram subdivididas; então tem uma assistente social,
uma coordenadora técnica, foi divido as funções. (Sujeito I).

Embora, não seja objeto de nossa pesquisa, é interessante observar que para
esta profissional não cabe ao Serviço Social administrar as finanças da entidade;
sua gestão tem a característica de normalizar.

A diretoria, a gestão que eu fiz até hoje, eu não mexo com um centavo, é normatizar.
O Serviço Social não tem que mexer com dinheiro, eu sou formada há 25 anos e tenho
muito claro, a linha de Serviço Social. E pra mim isso não tem nada a ver. (Sujeito I).

Realizamos a segunda entrevista em 16 de setembro de 2007, no espaço de


trabalho da assistente social, com duração de 47 minutos. Esse espaço é a Creche
Santo Antônio, de vínculo confessional, onde são atendidas crianças de um ano e
meio a três em período integral e, em atendimento de jornada ampliada, crianças de
quatro a seis anos; estas permanecem na creche no período contrário à escola.
A assistente social II iniciou seu trabalho em 2001, quando se formou, pois já
trabalhava como funcionária no mesmo local há quatro anos. Somente a partir desse
momento é que foi implantado o serviço social; antes não havia assistente social.
Desde então, essa foi sua maior experiência; em paralelo prestou um trabalho
voluntário, como assistente social em outra instituição.
Ela descreve as atividades do Serviço Social e dá ênfase ao atendimento à
família. Nota-se uma visão um pouco tradicional nessa descrição, quando a
profissional fala em veracidade de informação e doação de material. Claro que,
apenas por isso, não se pode avaliar seu trabalho como um todo.

No final do ano a gente faz inscrições, pra turma nova, essas inscrições, a gente
realiza visitas domiciliares, pra ta verificando a veracidade das informações. É a gente que
92

faz a triagem, toda parte de matrícula, entrevista, e depois no dia-a-dia, a gente faz o
acompanhamento das famílias, trabalha com a família e não somente com a criança, pra
gente poder atingir nossos objetivos tem que trabalhar com a família, ter todo um
acompanhamento com a família. A gente também dá ajuda material, cesta básica,
medicamentos, quando a gente percebe a necessidade da família. (Sujeito II).

Aí o Serviço Social promove palestras, reuniões em grupo, faz atendimento


individual, dependendo da situação. E, a gente faz os encaminhamentos necessários...
(Sujeito II).

Ao questionarmos sobre administração financeira, encontramos um


posicionamento diferente do primeiro sujeito. Aqui o serviço social participa da
gestão financeira em parceira com a administração; embora isso possa significar
acúmulo de funções, o profissional, estrategicamente, pode utilizar o momento de
planejamento do orçamento para incorporar as demandas postas ao Serviço Social,
além de ser um espaço que fortalece sua autonomia e dá mais poder de decisão ao
profissional.

Na parte financeira, eu trabalho em conjunto com a administração, não é só o


Serviço Social, a gente trabalha em parceria. Aí a irmã, que é da parte administrativa, todo
planejamento, orçamento, tudo isso a gente faz em conjunto, não é nem só ela, nem só o
serviço. A gente conseguiu unir. (Sujeito II).

A terceira entrevista foi realizada em 05 de novembro de 2007, no local de


trabalho da profissional, Creche Federação Espírita do Estado de São Paulo, onde
há o atendimento de creche e a jornada ampliada para crianças e adolescentes de
seis a quatorze anos. A entrevista teve duração de quarenta e um minutos. A
entrevistada possui onze anos de formação como assistente social; toda sua
experiência foi em terceiro setor, em outras organizações também. Sua carga
horária é de 40 horas e é contratada como celetista.

Sempre terceiro setor. Meu primeiro trabalho foi com famílias de adolescente autor
de ato infracional, a gente trabalhava diretamente, buscava tornar as famílias interlocutoras
na busca dos direitos delas. Saí desse trabalho, fui trabalhar no CEDECA, Centro dos
direitos da criança e do adolescente, autor de ato irracional, aí já não era mais da família,
93

porque na realidade, era com a mãe diretamente e com os adolescentes não. No CEDECA
eu trabalhava diretamente com os adolescentes autores de ato infracional, que também é
um trabalho sócio-educacional e depois que eu vim para cá. (Sujeito III).

Quanto ao trabalho do Serviço Social, percebe-se pela descrição que esse é


muito dinâmico e perpassa por quase todos os campos da entidade. A atividade de
inscrição, avaliação sócio-econômica e a inserção aparecem relatadas por todos os
sujeitos, em momentos diferentes. Nota-se, então, serem estas atividades
tradicionais no espaço institucional das entidades.

As atividades do Serviço Social daqui, eu faço acompanhamento do desenvolvimento


todo do projeto. Acontecem milhões de situações, eu fico atenta a tudo que acontece na
casa. Nós temos relatórios, passamos pra educação, das inscrições, que são os
classificados, eu tenho a responsabilidade da inscrição, também do centro de convivência.
Tanto inscrição, quanto inserção, quando surgem as vagas. Nós temos um trabalho de
formação com as educadoras, que acontece a cada semana, todas as segundas-feiras, a
gente senta pra discutir textos e fazer a discussão de casos, isso é semanal. Com os
professores e auxiliares dos professores, que é do Cecoi, nós fazemos isso, a cada quinze
dias, também pra gente discutir casos e pra ta discutindo textos. (Sujeito III).

Faz parte do trabalho o suporte aos educadores, quando estes identificam


dificuldades nas famílias. Podemos considerar como um trabalho de assessoria
realizado pela assistente social, como no caso da assistente social I, que presta
assessoria à diretoria da entidade; trata-se de uma intervenção nova e que exige um
profissional bem qualificado para realizar um diálogo com os outros profissionais. Há
muita preocupação em atender às famílias como parte da intervenção realizada com
os adolescentes e sempre buscando a qualidade do atendimento, como aparece na
fala abaixo:

Isso é um processo mesmo de desenvolvimento dos educadores, pra que eu esteja


mais perto e dando suporte maior. As discussões de caso todas às vezes que acontecem, a
gente tem a intervenção, que é com a família direto, então, são os casos assim, mais difíceis
de resolução, que aí tem que trabalhar toda estrutura, então a gente vai através da
discussão de caso, trabalhando essa família. Eu tenho uma vez por mês, eu faço o
atendimento dessas famílias, atendimento individual e grupal é uma vez por mês, a gente
94

trabalha “n” situações, todas as temáticas, que são discutidas com os grupos de
adolescentes, desde disciplina, a questão da sexualidade, todos os temas preventivos,
gravidez precoce, “DST”, todas as temáticas que a gente trabalha de alguma forma com os
pais também, para que a gente possa orientá-los de alguma forma. Os meninos têm
orientação aqui, mas a gente dá o suporte, para que eles possam ta acompanhando isso, e
possam ta orientando também. A gente tem essa prática, todos os profissionais, foram
capacitados fora, pra discussão dessas temáticas. Nós estamos num processo, a gente tem
buscado essas alternativas, pra que a gente possa aprimorar, no sentido do atendimento a
essas crianças e com a melhor qualidade possível. Como o nosso eixo é informação,
informação e informação, e essa informação sempre da melhor qualidade, pra que eles
possam decidir sobre tudo que venha a acontecer na vidinha deles, e que eles possam fazer
a melhor escolha. (Sujeito III).

A quarta entrevista foi realizada dia 06 de novembro de 2007, no Lar Escola


Santa Verônica que atende crianças e adolescentes, em regime de creche e
também jornada ampliada, com duração de 81 minutos. A assistente social IV
contou que seu primeiro trabalho foi em empresa; parou de trabalhar quando casou
e teve filhos, mas voltou a trabalhar em 2000. Sua carga semanal é de vinte horas e
é contratada pela esfera estadual.

Entrei em julho de 2000, nesse projeto alternativo das crianças que estão no
convênio do estado. Ele exige que tenha um técnico da área de serviço social. Pra você vê
que não é pedagógico e não pede o professor e não pede pedagogo. (Sujeito IV).

Interessante que em outros momentos de sua fala, ela fala da inserção das
crianças na creche ou no projeto alternativo. Mas, na hora de falar sobre seu
cotidiano, destaca que seu trabalho não se resume ao público-alvo da entidade,
crianças e suas famílias, ou seja, é um trabalho estendido à sociedade.

Bem, eu trabalho quatro horas. Faço aqui um atendimento parece atendimento do


CRAS, porque eu atendo todo o mundo. Ele passou lá e tem uma dificuldade, a irmã manda
aqui. Então acaba que não ta voltado só para isso, quando alguém que liga pede orientação,
a gente vai passando. (Sujeito IV).
95

Dentre todas as atividades realizadas pelas assistentes sociais entrevistadas,


há aquelas que são próprias de sua profissão. Ao serem questionadas sobre essa
questão, ou aquilo que é atribuição do Serviço Social, todas elas se reportaram ao
trabalho que realizam com as famílias.

Família, trabalho com família é essencial, puro e único. A psicologia, por


exemplo, pode ser um apoio pro trabalho social, só que a essência é do assistente
social, a atuação é do assistente social. Você fala em que foco? Em atender, dar
orientação, do conhecimento de quem é aquela família que ta integrada na
instituição, é de trabalhá-la mesmo, de ter esse vínculo direto com a família. Eu não
digo, nem mais aquele modelo, de porta fechada e de mesa não. É trabalhar o
grupo, de famílias mesmo, com questões direcionadas a elas, por exemplo, direito,
cidadania, participação, quem são eles perante a sociedade, conhecimento dos
direitos do deficiente, aonde recorrer, qual é a obrigação deles, enquanto pais,
enquanto cidadãos, é esse trabalho. E, esse trabalho, não é você falar: trabalhei um
mês com isso, acabou, não. É no dia-a-dia, são situações que vão acontecendo. É
preconizar o Estatuto da Criança e Adolescente, Estatuto do Idoso, Estatuto do
Deficiente. (Sujeito I).

(...) as entrevistas, toda avaliação socioeconômica das famílias. Já briguei muito


para que a gente conseguisse implantar o Serviço Social, não aquela maravilha, mas hoje
eu posso dizer que na creche Santo Antônio existe Serviço Social implantado. Mas foi
assim, muita luta, muita briga, muita discussão. É agora, a gente conseguiu mostrar a
importância do Serviço Social dentro da instituição, até então, por outras administrações não
era reconhecido. Então hoje, o levantamento socioeconômico é o Serviço Social que faz, as
visitas domiciliares, é só o Serviço Social que faz, o acompanhamento com as famílias, é o
Serviço Social que faz, mas foi uma luta, e ainda continua, não quer dizer que a gente já
conseguiu efetivar esse trabalho. (Sujeito II).

Bom, eu acho que a visita, o relatório, o diagnóstico dessa família é do


assistente social. (Sujeito III)

O assistente social, geralmente, ele vai mais longe. Eu tenho de conhecer o


histórico dessa família, a realidade dessa família, eu tenho que respeitar essa
96

família, dentro do âmbito dela, para que eu possa entrar um pouquinho dentro e
tentar ajudá-la na questão da estrutura, mudar algumas coisas dentro, eu tenho que
conhecer muito a realidade dela e você respeitando ela como ela é. (Sujeito III).

Sem dúvidas, o trabalho com famílias não é área exclusiva do Serviço Social,
mas, conforme podemos observar na fala da assistente social I, o assistente social
pode dar a esse trabalho um direcionamento próprio, utilizando seu conhecimento
para atender às famílias, construindo um vínculo com elas. Conforme a assistente
social III, em um acompanhamento que respeita e conhece sua realidade no
trabalho institucional das entidades de assistência, existe um relacionamento estreito
entre as famílias e o profissional; já que é um acompanhamento que se realiza ao
longo do ano, não tem a característica emergencial de atendimento.
Uma atividade que compõe e ao mesmo tempo norteia o trabalho do
assistente social é o planejamento. Percebemos que todos os sujeitos relatam
planejarem suas atividades, desde um planejamento maior, dos projetos que
realizam, desde a temática, a metodologia a ser definida e outros aspectos
essenciais a um projeto, até o planejamento do dia-a-dia, embora este tenha sido
menos citado. A primeira fala traz algo interessante: a importância do estudo
contínuo para o planejamento, como forma de melhorar o atendimento.

É tudo planejado, (o trabalho com) a violência, a drogadição, isto é uma coisa


importantíssima. Se dentro da Instituição o Serviço Social consegue fazer um planejamento
dentro dessa área, o que acontece, a partir do momento que você conscientiza essa família,
eles serão multiplicadores. Fora isso também tem uma ação que o assistente social, que ele
estuda um pouquinho mais, que ele faz uma pós, uma especialização em atendimento de
família, né, não digo nem que seja terapêutico, mas no conhecimento de família, ele tem
uma outra forma de atuar junto a essas famílias, com dinâmicas diferenciadas, e isso agrega
cada vez mais. (Sujeito I).

A assistente social II relata que o acúmulo de funções dificultava o


planejamento, sendo este dispensado em detrimento de outras atividades, não por
escolha da profissional, como fica claro. Ao separar as funções, tornou-se possível a
assistente social planejar seu trabalho.
97

Hoje nós conseguimos; há um tempo atrás, além do Serviço Social, eu desenvolvia


outras atividades, de RH., de contabilidade. Há dois anos eu consegui ficar realmente só na
parte social, então, hoje eu já não trabalho com recursos humanos, na parte assim de
contratação, de burocracia mesmo. Trabalho com o funcionário o Serviço Social também
faz, questão de relacionamento e tudo mais. (Sujeito II).

Na fala da assistente social III, percebemos que existe um vínculo entre o


planejamento do serviço social e o da instituição, tratando-se de planejamento anual.
Ela coloca a flexibilidade presente na execução dos projetos e o que também
demarca o espaço do Serviço Social nessa articulação com a entidade, já que se é
identificada alguma necessidade das crianças, esta é atendida com prioridade.

Nosso trabalho é todo planejado. Nós estamos renovando. Essa semana, a gente
inicia a gestão do projeto 2008/2009 e a gente já tem toda uma programação pro ano que
vem já, de tudo que nós vamos realizar. O que acontece, no próprio processo de
desenvolvimento, é óbvio que, enquanto temática que é proposta no projeto, tem aquelas
que venham de encontro com a realidade da criança, que vão surgindo. E a nossa proposta
é essa trabalhar aquilo que eles nos trazem, dentro daquilo da possibilidade dele, não aquilo
que a gente impõe, nós não impomos nada aqui. A gente sugere algumas temáticas,
algumas situações, mas a gente trabalha dentro da realidade deles, porque eu acho que a
gente só vai mudar a partir daquilo que eles, eles (repetiu dando ênfase à palavra) nos
trazem, tanto a família, quanto as crianças e adolescentes. Senão, a gente não anda pra
lugar nenhum. (Sujeito III).

O planejamento nas atividades da assistente social IV é mais voltado ao


Serviço Social; a profissional não apresentou, como na entrevista anterior, a relação
com o planejamento institucional. Na verdade, existe planejamento, mas não é
sistematizado, o que foi descrito é mais rotina habitual, a organização do trabalho
que se estabelece conforme os atendimentos. Esse trabalho é mais criterioso
quando as datas são impostas pelos outros órgãos.

O que é habitual do planejamento é exatamente a questão do atendimento. Faz


atendimento e orientação, isso é diariamente, tem os relatórios que você tem que
encaminhar pro departamento de educação, contato com o conselho tutelar. (...) com o
conselho tutelar, os encaminhamentos de relatório, essas coisas tem uma data certa. Aí
98

você vê, tem planejamento nesse sentido. Mas, não sei dizer para você, por exemplo, outro
dia eu atendi 52 pessoas. Eu atendo aqui das oito às dez, porque depois eu procuro
organizar, guardando, depois arquivar, daí também vou visitar a creche, dar uma olhada,
uma acompanhada nas crianças. Saio um pouco da rotina, quando tem alguma doença.
(Sujeito IV).

Algo que se relaciona diretamente ao planejamento, que até mesmo o


compõe em sua fase inicial, é o estudo da realidade dos sujeitos. Estranhamente,
não encontramos profissional que nos apresentasse em dados o perfil dos sujeitos
atendidos, embora todos, de alguma forma, planejem o trabalho.

Ao debatermos a atuação profissional, necessário se faz desenvolver


pesquisas sobre a realidade, sobre a clientela e sobre as
possibilidades de uma intervenção junto às camadas mais oprimidas
da sociedade (possibilitando-lhes a compreensão do Sistema e as
possibilidades de mudanças na realidade vivida pela maioria).
(ANDRADE, 2006, p. 152).

As profissionais entrevistadas conhecem a realidade de forma muito próxima;


descreveram o perfil dos usuários com base em suas experiências de atendimento,
por isso não seria difícil para elas sistematizar esse conhecimento. Entendemos a
atividade de pesquisa como parte das atribuições do profissional, isso porque o
levantamento do perfil dos usuários facilita aos profissionais traçarem suas
estratégias, quando necessita ser apresentado a outros profissionais e ainda pode
ser usado pelos próprios usuários.

O nosso perfil aqui são crianças de baixa renda; a maioria das mães trabalha como
doméstica, diarista, faxineira, outras nem trabalham, e nem vão conseguir entrar mesmo no
mercado de trabalho. Nós temos uma demanda muito grande da Vila Paraíso, que é uma
favela aqui do município de Caçapava. E a maioria é realmente de baixa renda e com uma
vulnerabilidade social muito grande. A gente ainda não conseguiu colocar isso no papel, isso
a gente ainda está em processo, porque como faz dois anos que realmente a gente
conseguiu implantar o Serviço Social na creche, então a gente ainda não conseguiu colocar
esses dados no papel, têm no relatório, as fichas dos educadores, relatórios dos
educadores, uma série de documentos, mas ainda no papel nós não conseguimos colocar.
(Sujeito II).
99

Quanto aos dados que demonstram os resultados dos serviços, nota-se, a


mesma situação: a profissional possui bastante conhecimento da realidade, mas
ainda não conseguiu sistematizá-los, o que é uma pena, já que se trata de dados
que dariam ainda mais visibilidade e organização ao trabalho.

Hoje eu não tenho isso, para dizer para você exato, eu não tenho, mas eu posso
dizer que esses dias, eu tava conversando com a nossa a administradora e tava falando
isso. Há quinze anos, eu tô aqui, há quatro, quatro anos e meio, houveram outras
profissionais, mas a gente tem um índice assim muito baixo de gravidez na adolescência e a
questão da inserção nas drogas um número extremamente baixo, pelo número de crianças
que foram atendidas. (Sujeito III).

A quarta entrevistada relatou que, mesmo conhecendo o perfil dos usuários


no dia-a-dia, está sendo realizado o levantamento do grupo atendido. De forma
positiva esse trabalho é feito na supervisão de estágio, o que demonstra a
importância da pesquisa e da troca de conhecimentos para esta profissional.
Certamente, por mais que o profissional conheça a realidade, com a pesquisa terá a
possibilidade de levantar novos questionamentos e reflexões de pontos que não se
revelam empiricamente.

Quantidade de atendimento mensal, nós fazemos uma média de 350 atendimentos.


Agora, eu dou supervisão para uma estagiária, nós estamos levantando esse grupo hoje.
Ela tá levantando os dados. Na verdade assim, a maior parte de mães aqui, elas trabalham,
ou faz faxina de empregada doméstica é basicamente isso. Agora com a entrada do parcial,
aí modifica um pouco, daí elas têm atividades diversas, mas assim basicamente para o
integral nós temos isso, têm bastante empregada, têm costureiras. Para mães de parcial
(refere-se ao atendimento sócio-educativo às crianças realizado no período contrário ao
escolar) tem mãe que é estudante, é por que nós temos um curso de suplência aqui, então
às vezes elas fazem esse curso para conseguir um trabalho, vendedora na parte de
comércio, muitas na parte de cozinha e a maior parte sempre na parte de auxiliar, não
cozinheira mesmo, sabe, a maior parte é ajudante. (Sujeito IV).
100

Primeiramente, a assistente social I, relaciona a valorização de seu trabalho


ao respeito que a entidade possui no município, o que está correto, pois o Serviço
Social participa diretamente nos resultados da entidade. Quanto à valorização de
seu trabalho, foi muito bem lembrada, a participação política como um fator que
colabora para a valorização do trabalho do assistente social.

E você sente se o Serviço Social é valorizado aqui dentro? É, e o trabalho da


AADA é bem visto pelas outras instituições e respeitado pela prefeitura, pode ter certeza.
Nosso trabalho é pequeno, só atendemos 56 famílias, mas a gente faz uma coisa muito bem
feita. E, paralelo a isso eu sou conselheira no município, já fui de criança e adolescente,
hoje eu sou vice-presidente do CMAS. E dou um suporte na formação do Conselho de
Deficiência, faço parte da comissão. (Sujeito I).

O relato da assistente social II mostra-nos uma situação diferente da anterior,


mas que se aproxima da quarta entrevistada.

Olha, a gente ainda ta em processo de valorização, a gente já conquistou um espaço


muito grande. É, mas ainda falta muito pra dizer assim: O nosso trabalho é bem valorizado.
Mas eu posso dizer que nesses dez anos que eu estou aqui na creche Santo Antônio, esses
dois últimos anos foram de muita conquista e de muita vitória, mas ainda falta muito. (Sujeito
II).

Olha pelos pais você sente bastante. A gente esbarra muito nas vaidades. Eu não sei
por que todo mundo se acha assistente social. E daí o que não é técnico, vocês podem
fazer, o que é técnico é meu. Isso aí causa certa, justamente, para você não ter que fazer
festinha junina, negócio de pizza, ficar vendendo carninha. Então eu acho que você tem que
ser respeitada por isso. (Sujeito IV).

O sujeito II ainda possui dificuldades dentro da instituição, embora relate que


já tenha conquistado bastante; mantendo assim sua postura, a tendência é positiva.
A assistente social IV sinaliza uma questão que vai além da instituição, e está
nas marcas que a sociedade atribuiu a nossa profissão, não reconhecendo seu
caráter profissional e entendendo como uma atividade que qualquer um pode
desempenhar, como a profissional nos relatou. Ela demonstra que o respeito que
conquistou foi com luta e realizando o trabalho do serviço social, sendo coerente
101

com nosso projeto ético-político e delimitando o espaço de trabalho próprio a sua


profissão. As dificuldades que enfrenta ao se negar “vender carninha” certamente
colaboram para a melhoria das nossas condições, ou seja, da categoria dos
assistentes sociais. Como foi analisado, não sabemos, até onde o voluntariado do
assistente social nesses eventos para arrecadação é, de fato, voluntário, ou se é
fruto de uma coerção velada.
Os sujeitos I e III relataram que o seu trabalho é valorizado; a fala do sujeito
III revela questões sobre autonomia, o que nos mostra a relação intrínseca entre
valorização profissional e autonomia, enquanto características que permeiam o
espaço de trabalho. Como se nota, as profissionais que sentem dificuldades em
relação à valorização, sujeito I e IV, são as mesmas que vivem dificuldades com os
gestores das entidades, lembrando que esses são irmãs religiosas.
Mascarenhas (2007, p. 47) explica as relações e disputas de poder no espaço
institucional e como essas afetam o trabalho do assistente social.

Assim, propor ações profissionais, requer do assistente social um


estudo detalhado acerca das condições objetivas de vida do usuário
e, fundamentalmente, do modo como este constrói relações na
realidade social onde vive. Entretanto, as condições em que o
trabalho do assistente social se realiza colaboram para que a
autonomia e o poder de decisão do profissional sejam restritos. Esse
pequeno espaço favorece também a subordinação do profissional
aos determinantes da organização e do gestor. Ou seja, o exercício
profissional desenvolvido sob a perspectiva do gestor esbarra na
questão da autonomia que o profissional tem para desenvolver seu
trabalho e nas condições em que este trabalho se desenrola.

Demonstra a grande importância da autonomia para o trabalho, que se baseia


numa relação de confiança construída ao longo de sua experiência profissional no
espaço da entidade.

Tenho, até porque eu cheguei antes da própria diretoria, sou a profissional mais
antiga, já passou dos treze anos. Então assim, essa confiança foi crescendo. E hoje,
conforme a decisão que tem que ser tomada por telefone, eu me comunico com os
responsáveis e OK. Já houve situações de eu ter que tomar decisão sozinha, depois prestar
contas junto com relatório, nunca fui barrada, de forma alguma, sempre fui muito respeitada
(Sujeito I).
102

A assistente social I, por si mesma, acrescentou uma crítica que possui ao


trabalho de alguns profissionais do Serviço Social. É um posicionamento,
importante, por que não esquiva o profissional de sua responsabilidade, ao contrário,
chama-a para si. Claro que não nos esquecermos das características que nossa
posição de assalariados nos imprime, mas sempre é importante lembrar que
podemos ter propostas que não fiquem somente nos limites do trabalho institucional.

Olha! Eu vou te falar uma coisa bem crítica, ta. O assistente social dá o volume que
ele quer, dentro da ação institucional. Se ele é uma pessoa de visão, uma pessoa atuante,
ele consegue ramificar o trabalho do Serviço Social de tal forma que o resultado sempre vai
ser valorizante e valorizado. Agora, se ele for um profissional que se limita a fazer
orientação e encaminhamento, ele vai passar e a instituição não vai desenvolver. Eu acho
que o Serviço Social, nós temos assim um número imenso de profissionais, que,
infelizmente, poderiam tá fazendo muito mais. (Sujeito I).

A valorização e autonomia são características que contribuem no


desenvolvimento do trabalho, como podemos observar na fala seguinte:

Tenho (respondeu com voz firme e rápido). Nesse aspecto sou muito respeitada,
tenho muito agradecer a entidade, a gente conseguiu um espaço, um espaço muito legal. Eu
sou muito respeitada no desenvolvimento do meu trabalho. A gente discute, senta pra
conversar situações. Mas assim, nunca houve intervenção no sentido de, não faça, ou a
gente não permite, nunca houve isso em momento nenhum. A gente tem uma autonomia
aqui em termos de desenvolvimento. Valorização do serviço social. (Sujeito III).

Dificuldade apontada pelos sujeitos II e IV é a mudança constante dos


gestores, rotatividade imposta pelo caráter religioso; é comum nas Congregações de
irmãs religiosas que essas não permaneçam muito tempo no mesmo local; os
motivos desconhecemos; mas é evidente que a mudança constante no
direcionamento de qualquer trabalho traz dificuldades.

(...) hoje o Serviço Social consegue ter essa autonomia aqui na creche Santo
Antônio, mas, antigamente, nós não tínhamos não. O Serviço Social era o último a ser
procurado; mas há dois anos, que posso dizer agora sim, que o Serviço Social consegue ter
uma autonomia na creche. A gente sabe que não é uma autonomia muito grande ainda, mas
103

já é uma grande conquista. Eles respeitam o sigilo? Isso sim. É antigamente nem sala, a
gente tinha. Você atendia aqui, atendia lá, entra um, entrava outro não respeitava. Hoje não,
a gente já tem uma sala pra atendimento. Todos os recursos físicos que a gente precisa a
administração acata, na medida do possível, tenta solucionar o problema. E a parte do sigilo
é fundamental, e isso eu consegui também através de construção mesmo, e de mostrar a
importância desse sigilo também com a parte pedagógica. Que daí eu tenho que tá
trabalhando com os educadores, quando a criança apresenta algum problema, alguma
dificuldade, eu chamo o educador pra relatar essa situação da família. Se a criança não
apresenta nenhuma dificuldade, nenhum problema, então também não tem necessidade de
estar falando, se o pai ta preso, essas coisas, só mesmo em último caso, que a gente
chama e fala. (Sujeito II).

A assistente social IV busca autonomia mantendo um serviço social coerente


com os princípios da profissão.

Eu tenho. A dificuldade, a cada três anos muda a direção. E aí é questão de


mudança da dificuldade de se adaptar, você tem que tentar passar tudo para outra pessoa.
Cada uma recebe de uma forma, tem aquelas que são autoritárias, são competentes, mas
autoritárias. Aquele que diz: eu sou freira, então eu mando. Eu não sou freira, mas eu
também mando; mandar não, sou responsável pela minha área. E aí esse lado do serviço
social, eu acho que nós conseguimos impor. O assistencialismo que é mais fácil, aí você se
compara a essas políticas que nós temos aí você passa a mão e dá uma cesta básica, fala
amém e tudo bem. Deus provém? Deus provém desde que você esteja fazendo alguma
coisa, senão não vai prover. (Sujeito IV).

Quando a assistente social fala do respeito ao sigilo, ela remete a relações


que envolvem outros profissionais envolvidos no trabalho institucional e a
necessidade que o serviço social sente de capacitá-los para que estes tenham uma
postura mais ética. E, não somente isso, mas para melhor desempenho da equipe, o
serviço social compartilha seu conhecimento e, na medida do possível, assessora
esses profissionais; é o que observamos na fala abaixo.

É afinal de contas, não temos essa de falar modelo de família, já não existe mais
isso. (...) se você conversar com cada profissional aqui da AADA, principalmente, os chefes
de setores, você vai ver que tem uma visão social, todos eles. Porque assim, a minha
104

gestão em Serviço Social é compartilhada e nos fazemos parte de uma equipe


transdisciplinar. É compartilhado tudo isso. Eles têm a plena noção do que é o Serviço
Social, do que é o Sistema Único de Assistência Social. Então se você chama a
coordenadora pra conversar, ela vai falar sobre SUAS, qual é o papel da AADA frente ao
SUAS. (Sujeito I).

Observamos a importância do assistente social compartilhando informações e


colaborando para estruturar o trabalho em equipe. Em algumas instituições de
assistência social, com características de pequenas entidades, é comum o
assistente social ser o único profissional com nível superior; então por esse motivo,
ele assume para si esse trabalho junto à equipe. É raro vermos uma equipe
trabalhando transdisciplinarmente, com conhecimento de outra área como
demonstrado na fala do sujeito I; talvez não chegue a ser transdisciplinar ainda,
mas, de fato, podemos considerá-la interdisciplinar e próxima à transdisciplinaridade.
Abaixo esclarecemos a diferença entre os conceitos multi e pluri, inter e
transdisciplinar.
Por multi e pluridisciplinaridade entende-se uma atitude de
justaposição de conteúdos de disciplinas heterogêneas ou a
integração de conteúdos numa disciplina, alcançando a integração
de métodos, teorias ou conhecimentos. (SAMPAIO, 2002, p. 83).

O conhecimento interdisciplinar deve ser uma lógica de descoberta,


uma abertura recíproca, uma comunicação entre os domínios do
Saber; deveria ser uma atitude, que levaria o perito a reconhecer os
limites de seu saber para receber contribuições de outras disciplinas.
Toda Ciência seria complementada por outra e a separação entre as
Ciências seria substituída por objetivos mútuos. Cada disciplina dá
sua contribuição, preservando a integridade de seus métodos e seus
conceitos. A transdisciplinaridade seria o nível mais alto das relações
iniciadas nos níveis de multi, pluri e interdisciplinaridade. (SAMPAIO,
2002, p. 83).

A assistente social demonstra a importância de divulgar para as pessoas da


equipe aquilo que é atribuição do assistente social, pois evita que cheguem
demandas ao serviço social que não pertençam a este.
105

(...) Mas tem algumas vezes que eles até trazem problemas que realmente não é do
Serviço Social, mas aí eu oriento e encaminho para onde deve ser levado aquele
determinado problema. Mas ainda falta muito, para eles compreenderem, saberem, um
pouco por falta de interesse deles mesmo, e outro também porque a gente faz um trabalho
de formiguinha, ainda tem muito que fazer e acontecer. (Sujeito II).

Quanto aos projetos, os profissionais também têm a concepção de que em


equipe ou em parceira com profissionais de outras áreas podem-se agregar mais
conhecimentos e planejar algo mais próximo às exigências da realidade.

Sim, porque aí fica mais fácil e você consegue atingir o seu objetivo. Não adianta,
por exemplo, o Serviço Social querer dá um de pedagogo e fazer um projeto, não funciona.
Você realmente não tem a visão que o pedagogo tem, nem o conhecimento que ele tem.
Então, os projetos são feitos assim, até mesmo com a parte administrativa, a gente não
deixa de fora a parte administrativa. A responsável ela também vem, conversa, então, a
gente cria um projeto em conjunto. Mais difícil. É muito mais fácil você sentar sozinho e
fazer o que você quer, do que quando você tem outras pessoas do seu lado dando idéias,
sugestões, e cada um pensa de um jeito, então até chegar num consenso. Mas o projeto
fica mais pé no chão, fica uma coisa mais objetiva. (Sujeito II).

A assistente social III relata que o trabalho em equipe está no dia-a-dia, e há


um respeito da equipe ao trabalho do Serviço Social.

Reconhece e respeitam muito também. Eu acho que assim é um setor importante e


necessário e eles reconhecem isso. Tanto é que, quando a gente faz intervenção, não me
delimito na criança e adolescente, é o todo, é o grupo. Sempre quando é preciso a gente tá
aqui, tá junto. Acho que eles têm bem esse olhar de importância do serviço da gente.
(Sujeito III).

Na fala abaixo, percebe-se que o trabalho em equipe não está bem


estruturado; a troca de idéias entre profissionais só ocorre quando existe uma
necessidade da criança e não há troca de conhecimento entre as áreas, fazendo
com que não se caracterize um trabalho interdisciplinar; apenas existem os
profissionais de áreas diferentes e estes trabalham paralelamente.
106

(...) Então assim as orientações para os professores e seu sempre faço no que diz
respeito às crianças. Elas também no que diz respeito às crianças, também me passam, nós
trabalhamos juntas nesse sentido. Mas também não envolvo na parte de conteúdo
pedagógico porque não é minha área. Se não está de acordo com o que está acontecendo
na sala com a área da criança aí sim eu intervenho, caso contrário, não. Até porque existe
um supervisor do departamento de educação e o conteúdo pedagógico é do departamento
de educação. (Sujeito IV).

(...) Agora, por aqui ser bem voltado para área de educação, eu vejo pouca
participação nas reuniões com os professores e todas as observações e sugestões não é
acatada por eles. Então eu não quero mais participar. (Sujeito IV).

Como as instituições são espaços de correlação de forças, é de sua natureza


que além das alianças formadas entre a equipe, também existam disputas entre os
profissionais.

No processo de institucionalizado de “readaptação social” diferentes


profissionais, exercendo distintas funções, não formam um bloco
homogêneo. Divergências entre administrados e administradores,
entre categorias profissionais, transformam esses lugares em campo
de competição e luta. Os profissionais defendem sua autonomia de
ação contra os burocratas que querem aumentar os controles e
padronizações. Os diferentes profissionais lutam entre si pelo
controle do poder e dos recursos. Frente à clientela lutam pelo
controle do atendimento. (FALEIROS, 1985, p. 37).

Andrade (2006) cita uma pesquisa que realizou em 1999 sobre as demandas
postas às Ongs; entendemos por dedução, que estas demandas também atingem
aos profissionais inseridos nessas organizações, entre eles o assistente social.
Nesta percebemos que a solicitação de recursos é a demanda que aparece com
mais freqüência.
107

Nº de Demandas Freqüência
ordem
01 Recursos financeiros / auxílio transporte/ remédios / 13
alimentação / vestuário / auxílio na obtenção de benefícios
02 Encaminhamentos na área de saúde 05
03 Emprego / capacitação profissional / encaminhamentos 06
para estágio
04 Informações diversas 05
05 Acompanhamento às famílias 04
06 Ações educativas variadas 02
07 Assessoria e consultoria à diretoria da entidade 02
08 Distúrbios psicológicos / carências afetivas 02
09 Acompanhamento escolar 01
10 Atividades esportivas 01
11 Assistência jurídica 01
12 Projetos para captação de recursos para a entidade 01
Total 43

O quadro acima apresenta uma variedade de demandas colocadas ao


“terceiro setor”; claro que não sabemos o objetivo de cada organização que compôs
a referida pesquisa, mas é provável que essas organizações recebam mais de uma
das demandas citadas. Querendo compreender melhor o processo de formação de
demanda postas ao “terceiro setor”, pedimos que os sujeitos comentem um pouco a
respeito.

(...) hoje ta bem direcionada, com deficiência ou supostamente com deficiência, ou é


através dos setores públicos ou mesmo privado ou a sociedade. Então vem da UBS, vem da
própria secretaria, vem da educação, vem do Conselho Tutelar, da Fundhas já veio
encaminhamento. Supostamente, olha a criança não consegue se comunicar direito. Tem
como averiguar se ela tem uma deficiência, se é um caso pra AADA ou não? Ai a gente faz
todo o fluxo de avaliação, se não é da AADA, mas a gente detecta que tem uma deficiência,
eu já encaminho para outras instituições que atendem a pessoas com deficiência. (Sujeito I).

Nas falas acima e abaixo, há relatos de que o encaminhamento se dá num


processo dinâmico; as entidades recebem a solicitação de algum órgão, mas em
algum momento também precisam de outra organização. A assistente social II
explica que a maior demanda é da família, justificada pela falta de recursos e
necessidade das mães em trabalhar para sustento da casa.
108

Então como a gente tem convênio com a prefeitura, então todos os problemas
levantados na Secretaria de Cidadania, eles também encaminham pra gente. Conselho
Tutelar quando tem alguma dificuldade, algum problema, também encaminha aqui pra nós.
E quando a criança atinge a idade de seis anos e onze meses, aí a gente faz o
encaminhamento pra outras instituições que atende essa outra faixa etária. Mas, a maioria
mesmo da nossa demanda são as próprias famílias que procuram, eles vêm porque
precisam trabalhar fora, são mães que ao mesmo tempo, são mães e pais dentro da casa.
Então, a maioria da nossa demanda é a nossa família que procura. (Sujeito II).

A assistente social III articulou sua resposta à concepção política de família


que exige um trabalho ampliado para que se possa abranger a todos os seus
integrantes.

Bastante variada, porque quando a gente trabalha hoje, e se falando de SUAS, a


gente trabalha o todo. Aliás, eu acho que às vezes você fala, você trabalha com a criança e
adolescente, nunca existiu isso, porque não tem como você trabalhar a criança e do
adolescente, porque ela tem um núcleo dela e o núcleo dela são de idosos, pessoas com
deficiência, a criança, então não tem como você separar. Você sempre trabalha o núcleo.
(Sujeito III).

A assistente social IV recebe demanda que nem sempre vem das famílias que
atende na entidade; pelo que relata, são demandas por informações. Ela realiza um
trabalho de publicização da informação que dispensa procedimentos burocráticos,
como ter a informação e negá-la por não ser do seu espaço; ao ser um canal de
informações, sem dúvidas, ela está facilitando para que essas pessoas alcancem
seus direitos.

Sabe, às vezes a pessoa vem. É questão de conselho tutelar, bolsa-família. Aí você


tem uma vizinha que fala que lá na creche tem uma assistente social, daí eles vêm. Quer
dizer, acho que nós somos mesmo, devemos ser um canal de informação. Acaba que você
participa de uma coisa, participa da outra, da igreja, aquela coisa toda, você vai aprendendo
algumas coisas, acho que nós somos multiplicadores e temos que fazer com que os outros
também sejam. Então, quando você passa uma informação pro outro, aí quando alguém
perguntar ela mesma informa. (...) (Sujeito IV).
109

A justificativa que ela possui para fazer esse trabalho de divulgação de


informações está imbricada no compromisso ético-político do Serviço Social e atinge
a coletividade do município.

Por outro lado também, eu acho assim, não é sua obrigação, mas como munícipe
que eu vejo que é. Porque se você pode colaborar para que outro em vez de ele ir lá. Eu
acho que tudo que diz respeito ao município. (Sujeito IV).

Observemos a fala abaixo:

(...) eu procuro me informar o mais que eu posso, justamente para orientar, não só as
mães aqui, elas também porque eu tô constantemente, agora as pessoas que passam. Você
conhece uma pessoa, a pessoas: Ah, não, eu sei que você sabe, então vou passar seu
telefone, aí a pessoa liga. Então tem tudo isso. Eu acho isso interessante, porque nós
estamos falando em termos de município, e não só da entidade. (Sujeito IV)

Ao trabalhar no espaço micro, no espaço do município, tendo como referência


os processos macro econômicos, o assistente social constrói um novo perfil e ser um
canal de informações, faz parte desse novo perfil; não se trata apenas de um
repasse de informações, mas um momento de sensibilização da condição de
cidadão, que a legislação nos garante e de que devemos fazer uso.

O assistente social, ao buscar alternativas para construir um novo


perfil profissional, pode vir a conhecer e apropriar-se da
problematização micro (conhecimento da conjuntura local, do
cotidiano, do dia a dia, etc.) e macro (relações de produção e
reprodução do Sistema Capitalista, etc.) sociais, ser um ser sócio-
transformador, construtor da realidade e de sua própria história.
(ANDRADE, 2006, p.154).
110

3.4 – Algumas referências quanto ao “terceiro setor” enquanto


empregador dos assistentes sociais.

Primeiramente, é fato a escassez de pesquisas quanto às condições de


trabalho do assistente social e, maior ainda, quando essas se dão no “terceiro setor”.
Fizemos um levantamento das pesquisas que se aproximassem desse tema, entre
as dissertações de mestrado e doutorado da biblioteca da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo e não obtivemos nenhum resultado.

Autores de referência para o Serviço Social iniciam suas análises a partir dos
riscos que sofrem os postos de trabalho na esfera pública; estes possuem uma
posição sobre a abertura do mercado de trabalho no “terceiro setor” e a condição
que este oferece para a categoria. Podemos considerar suas análises ponderadas
quanto à qualidade do emprego no “terceiro setor”.

[...] o mercado de trabalho aberto no “terceiro setor” não parece


compensar, sob nenhum aspecto, a retração do mercado na órbita
estatal para o Serviço Social. Não parece compensar em relação à
quantidade dos postos de trabalho para os assistentes sociais
criados na sociedade civil. Não compensa no tipo de vínculo
empregatício: instável, flexível, sujeito à financiamento externo de
projetos pontuais. (MONTAÑO, 2002, p. 253).

Alguns autores consideram o chamado “terceiro setor” como uma


alternativa para o desemprego atual. [...] Cabe ao Serviço Social
avaliar se esta fatia de mercado significa uma alternativa para
absorver profissionais, em decorrência da retração do mercado
estatal e do enxugamento de postos de trabalho no setor
empresarial, conforme ficou evidenciado em minhas investigações e
estudos. (SERRA, 2001, p. 160).

O aumento de contratos de assistentes sociais, no âmbito das ONGs não se


apresenta como uma alternativa sólida aos espaços perdidos no Estado. As ONGs
somente ampliam sua contratação por uma questão conjuntural: a) A
desestruturação proposital do sistema Público/Estatal de Assistência Social; b)
Mudanças no financiamento estatal e na legislação a estas instituições; c) O
aumento da procura por atendimento nas ONGs. (ANDRADE, 2006, p. 162).
111

Considerando que um dos objetivos dessa pesquisa é o de analisar o trabalho


dos assistentes sociais inseridos no “terceiro setor”, a abordagem histórica realizada
até aqui aconteceu para destacar os elementos que definem as transformações do
mercado de trabalho18, incluindo-se aí a refilantropização19 da assistência social e a
institucionalização do voluntariado, ambas com base no projeto neoliberal e no
enxugamento do Estado. Tal dinâmica redimensionou as políticas públicas, com já
analisado, e se estas constituem a base de sustentação funcional ocupacional dessa
profissão; estamos diante de um processo de redimensionamento dessa categoria e
do profissional também.

Faleiros (1996, p. 15) também analisa esse aspecto do Serviço Social.

Discute-se a emergência de um reordenamento comunitário,


articulado, não tanto à defesa de direitos, mas à prestação de
serviços, em parceria com o Estado, que responde ao movimento de
transferência de vários serviços públicos para setores comunitários.
Esse setor, chamado de “privado, porém público” (FERNANDES,
1992), vem se expandindo na prestação de serviços, seja com a
presença de voluntariado, seja sem ela, no atendimento de certas
necessidades da população. Isto não descarta o incremento da
iniciativa privada nesses serviços, com o estímulo do próprio Estado
em função da política neoliberal de favorecimento do mercado.
É nesse processo contraditório de prestação individual de serviços e
de articulação coletiva dos sujeitos, de desenvolvimento do terceiro
setor e do setor privado, que o Serviço Social precisa encontrar as
categorias adequadas para repensar o social e a gestão social. A
gestão pode ser feita com essas populações, apesar do contexto
político em que se constrange a fazer política para essas
populações.”

A utilização do itálico para destacar as expressões “com” e “para”, demonstra


que, para o autor, a gestão da prestação de serviços no campo do “terceiro setor”

18
Lembramos que com os processos descentralizadores das políticas e, particularmente, da
Assistência Social, crescem as demandas para o trabalho do assistente social na esfera pública
municipal. A Norma Operacional Básica de Recursos Humanos- NOB-RH/SUAS, documento
aprovado em 2006, já reivindicado na PNAS/2004, prevê que todos os CRAS contarão com dois
assistentes sociais, independentemente, do porte populacional do município, aumento dos postos de
trabalho para estes profissionais e trazendo mais qualidade à população demandante desses
serviços.

19
Segundo Yazbek (2000, p.29), a refilantropização refere-se ao “avanço de uma onda de incentivo
do ideário da sociedade solidária, que implica o deslocamento para a sociedade das tarefas de
enfrentar a pobreza e a exclusão social”; essa prática escamoteia o pensamento neoliberal de
transformar direitos em favor.
112

tem sido feita, assim como no público, salvo exceções em ambos, sem a efetiva
participação da sociedade civil no controle e na fiscalização desses serviços.

Como parte de toda pesquisa, busca-se o que já foi descoberto sobre se


objeto de estudo; aqui queremos compreender o exercício do assistente social no
“terceiro setor”, quais são os limites e possibilidades na realização de seu trabalho.
Para ampliarmos nossa visão a respeito dessa realidade, gostaríamos de apresentar
as condições de trabalho nesse campo. Como foi explicitado no início deste item,
diante da dificuldade de encontrar material específico, optamos por reproduzir parte
uma pesquisa que realizamos em 2005 sobre este tema.

Evidentemente, trata-se de outros sujeitos pesquisados, mas como estes


também eram assistentes sociais e as relações trabalhistas são atravessadas por
um aspecto coletivo, acreditamos ser enriquecedor retomá-la nesse momento, além
de a área dessa pesquisa também ser o Vale do Paraíba. Pedimos que não se
estranhe a diferença metodológica; em 2005 nossas análises se deram sob uma
perspectiva quanti-qualitativa.
113

Relações de trabalho dos profissionais pesquisados, encontradas na pesquisa


de 2005.

As informações aqui apresentadas referem-se à coleta de dados acerca das


condições de trabalho dos assistentes sociais no referido setor, colhidos por
intermédio de questionários aplicados junto aos supervisores de estágio de alunos
do Departamento de Serviço Social da UNITAU- Universidade de Taubaté.
Distribuímos 15 (quinze) questionários e tivemos a devolutiva de 9 (nove); iniciamos
a análise dizendo que esta falta de dados já representa um dado, de que alguns
profissionais ainda entendem que informações referentes a questões como salário,
carga horária, etc devem ser mantidas em sigilo, o só reforça um aspecto
individualizado sobre algo que deveria ser abordado no coletivo; ou então é um
indicativo da pouca importância em colaborar com pesquisas de uma forma em
geral, visto que alguns dos questionários devolvidos advieram da insistência de
telefonemas, mediante explicitação direta da necessidade de concluirmos este
trabalho.
Nº de vínculo em

Tipo de vinculo

Carga horária

onde trabalha
Nº de vínculo
empregatício
Condições

Emprego
Salariais

anterior
Sujeito

Reside
físicas

Cargo
SS

A Todos itens. 4 a 6 S/M 01 01 Celestista 20 h Sim A Publ. Mun.


Social
B Todos - PC 4 a 6 S/M 01 01 Celetista 40 h Sim A Privada
Social
C Inadequado 7 a 9 S/M Nenhum Nenhu Voluntário + 40 h Sim A Publ. Est.
m Social
D Inadequado Até 3 S/M 01 01 Celetista 30 h Sim A Privada
Social
E Todos itens 4 a 6 S/M 01 01 Celetista + 40 h Não A Privada
Social
F Todos itens + 9 S/M 02 02 Cont. Por 40 h Sim A Publ. Mun
tempo inde. Social
G Todos itens + 9 S/M Nenhum 01 Celetista + 40 h Sim A Privada
Social
H Inadequada S/ 03 03 Voluntário Versátil Sim Não Publ.
remuneração Municipal
I Todos itens 4 a 6 S/M 03 03 Serv. 40h Sim A Privada
Prestado Social

Tabela: Relações trabalhistas encontradas pelos Assistentes Sociais Supervisores de Estágio do


DSSO- UNITAU que atuam nas organizações do “terceiro setor”- 2005.
114

Para analisarmos as condições físicas do trabalho, delimitamos alguns


elementos essenciais a sua realização, como sala própria que garanta sigilo ao
atendimento, microcomputador, móvel e material de escritório. Transcrevemos a
resposta de dois sujeitos, pois foram as que mais se destacaram quanto à
precarização dessas condições.

Fig.6 - Gráfico: Condições físicas do local de


trabalho

33% Todos itens.


60% Todos - PC
7%
Inadequado

[...] pois trata-se de uma ONG (Sede) que fica distante da


comunidade onde atuo. Na comunidade, o espaço utilizado é uma
capela. (Sujeito H).

Hoje atuo numa organização não governamental recentemente


criada que não dispõe de nenhuma dessas condições. Utilizamos
nossos recursos pessoais e de colaboradores voluntários; além de
um único e precário espaço na comunidade - em uma capela.
(Sujeito C).

Um outro profissional destacou que, embora exista toda a condição, “não foi
nada fácil, foi uma luta intensa, hoje tenho total autonomia no exercício da minha
profissão sem interferência da Diretoria que apóia todas as minhas iniciativas,
graças a Deus consegui que o Serviço Social tivesse o espaço desejado”. (Sujeito
F).

O sujeito D considera que suas condições de trabalho não são adequadas


“porque não existe uma separação do Assistente Social com relação aos outros
funcionários”. Essas condições também são um demonstrativo da pouca valorização
do Serviço Social nesses espaços ou da falta de recursos financeiros da
organização para oferecer qualidade nessas condições.
115

Fig. 7 - Gráfico: Condições salariais

13% 13%

25%
49%
Até 3 S/M
4 a 6 S/M
S/ remuneração
+ 9 S/M

A faixa salarial predominante, considerando apenas a renda do terceiro setor,


é a de 4 a 6 salários mínimos, representando 49%. Em seguida tem-se a faixa dos
voluntários com 25%; em terceiro temos 13% com uma faixa de salário que vai até 3
salários mínimos. Conclui-se, então, que a maioria dos profissionais possui uma
faixa salarial relativamente baixa para uma profissão de nível superior. Apenas 1
(um) sujeito possui um faixa salarial maior que 9 salários mínimos. Isto reflete a falta
que um piso salarial faz na garantia de uma melhor condição de trabalho para essa
profissão. Este dado também está confirmado pela pesquisa realizada pelo CFESS,
cujo resultado apontou que 45,19% dos assistentes sociais possuem um salário
entre 4 a 6 salários mínimos. Outra pesquisa, realizada por Serra também faz esse
apontamento, referindo-se às peculiaridades do “terceiro setor”:

No meu ponto de vista, pelo que pude verificar, ainda é uma


perspectiva limitada à profissão, além de não oferecer, pelo que foi
apurado, salários compatíveis com uma formação universitária.
Penso que:

o desenvolvimento de uma profissão resulta da (re)valorização de


sua função social, cuja utilidade é perpassada, necessariamente,
pela criação de novos postos de trabalho, pela constituição de novas
atribuições frentes às novas demandas sociais (resultantes de novas
necessidades sociais) e por uma valorização social compatível com
uma atividade de nível superior (SERRA, 2001, p. 160).
116

Fig. 8 - Gráfico: Nº de vínculos empregadícios X Nº de vínculos


empregadícios em Serviço Social

3 Nº de
vínculos
empregadí
2 cios

1 Nº de
vínculos
empregadí
0 cios em
A B C D E F G H I Serviço
Social
Sujeitos

Destaca-se que 03 assistentes sociais possuem o chamado pluriemprego,


sendo dois com duplo vínculo empregatício em Serviço Social e 01 com três
vínculos, todos em Serviço Social. Um sujeito não possui nenhum vínculo
empregatício, ou seja, atua como voluntário. Outro sujeito, por fim, possui um
vínculo empregatício e, embora atue como assistente social, declarou que este
vínculo não é em Serviço Social.

Fig. 9 - Gráfico: Tipo de vínculo empregatício

11% Celestista
11%
56% Voluntário
22%
Serv. Prestado

Cont. Por tempo


indeterminado

O gráfico 09 demonstra que a maioria dos assistentes sociais pesquisados


(56%) é contratada como celetistas; em segundo lugar estão os profissionais que
não possuem vínculo com a organização do “terceiro setor” em que estão inseridos.
É importante destacar que raramente encontramos neste setor a realização de
concursos públicos, já que não existe tal obrigatoriedade, mesmo quando esses
recebem verba pública para financiamento dos projetos. Os profissionais são
contratados por outra via. Na verdade a grande questão é que se perde a
117

estabilidade oferecida pelo regime estatutário. Fazemos um parêntese nestas


análises para questionar uma afirmação muito veiculada em que se criticam os
serviços públicos; trata-se da argumentação de que os funcionários concursados
acabam descompromissados com o atendimento.

Acreditamos, na verdade, que o que define a qualidade do atendimento é o


seu compromisso ético com o usuário e o projeto profissional da categoria, o que
independe do vínculo de trabalho. Concluímos que a estabilidade garantida pelo
regime estatutário pode até colaborar na qualidade do atendimento, pois possibilita
ao profissional maiores estratégias no âmbito institucional.

Fig. 10 - Gráfico: Carga horária semanal

1 1 20 h
1
40 h
3
3 + 40 h
30 h
Variável

A grande maioria (67%) dos assistentes sociais possui uma carga horária de
40 horas ou mais, considerando 33,5% com carga horária semanal de até 40 horas
e 33,5% indefinida, sendo mais que 40 horas. O mesmo sujeito que não possui
vínculo empregatício possui um horário flexível. Dois sujeitos pesquisados possuem
uma carga horária de 20h e recebem de 4 a 6 s/m (salário mínimo) e 30h com um
salário menor na faixa de até 3 s/m.

Aqui existem duas situações a serem analisadas: a da carga horária grande


que significa um desgaste para o trabalhador (que às vezes é até mantida pelo
discurso do trabalho filantrópico) e a outra da carga horária pequena e que não
significa necessariamente uma boa condição de trabalho, já que muitas
organizações contratam o assistente social com uma carga menor para pagar-lhe
um salário proporcionalmente menor. O que demanda essa contratação, muitas
118

vezes, é a exigência da subvenção estatal. Serra (2001, p. 165) ao referir-se às


jornadas semanais menores que quarenta horas, analisa que:

“Isto pode significar que tal estratégia, de comprimir o tempo


necessário para execução do trabalho de seus profissionais – em
particular o assistente social -, provavelmente esteja na gênese de
tais entidades, pois desde sua origem isto constitui uma forma de
reduzir salários compatíveis com sua capacidade financeira e/ou
justificada por sua finalidade humanitária ou comunitária”.

Fig. 11 - Gráfico: Residência X local de moradia

89%
Sim
11% Não

No que se refere à residência, apenas 11% dos entrevistados, o que


representa 1 sujeito, não reside na mesma cidade onde trabalha; os outros 89%, 9
sujeitos, encontram-se nessa condição.

Fig. 12 - Gráfico: Natureza do emprego anterior

11%
33%
56%

Publ. Mun.
Privada
Publ. Est.

O gráfico 12 apresenta a natureza do emprego anterior dos sujeitos da


pesquisa; nele figuram 56% advindos do setor privado e 44% do setor público,
119

sendo 11% da esfera estadual e 33% da esfera municipal, reflexo do processo de


descentralização das políticas públicas. Nota-se que embora esses assistentes
sociais estejam atualmente trabalhando no “terceiro setor”, nenhum deles já
trabalhava neste campo.

Ao final da exposição dos dados podemos considerar que as condições gerais


deste campo são: falta de condições físicas de trabalho adequadas; faixa salarial de
4 a 6 s/m; predominância do vínculo empregatício celetista; carga horária a partir de
40 horas e assistentes sociais advindos da esfera privada e pública.

Diante da situação, pensemos quais são as respostas construídas pelos


assistentes sociais atualmente. Nesta dissertação entendemos que a articulação em
rede, o embasamento teórico e legal, a participação política podem fazer parte
dessas respostas. Demos um destaque à rede porque, conforme analisado desde o
início deste trabalho, existem relações estreitas entre o público e privado e, na rede,
essa relação é materializada.
120

3.5 – Entrevistas: relação público X privado, visão do “terceiro setor”,,


conhecimentos legais, capacitação e participação política.

Redes

Procuramos analisar este item tendo por referência a Política Nacional de


Assistência Social de 2004 e o Sistema Único de Assistência Social, visto que, a
partir deles, propõe-se uma nova formatação para a assistência social no país.
Devemos considerar que o tema “redes” na referida política está em discussão e há
muito a ser construído nesse contexto específico.

Primeiramente, nota-se que a PNAS/04 reafirma e dá mais força à


contribuição das entidades, visto que inclui em suas diretrizes as entidades
beneficentes e de assistência social como co-responsáveis na coordenação e
execução dos programas em nível municipal e estadual, fato que na Lei Orgânica de
Assistência Social não estava presente, enquanto diretriz, mas já constava em seu
artigo 1º .

O imperativo de formar redes se faz presente por duas razões


fundamentais. Primeiramente, conforme já mencionado, porque a
história das políticas sociais no Brasil, sobretudo, a de assistência
social, é marcada pela diversidade, superposição e, ou, paralelismo
de ações, entidades e órgãos, além da dispersão de recursos
humanos, materiais e financeiros. (BRASIL, 2004, p. 47).

A rede é uma ferramenta de gestão, que atualmente se mostra como


alternativa eficaz para uma melhor organização dos serviços. A PNAS/SUAS coloca
como responsabilidade do CRAS20 o mapeamento, organização e coordenação da
rede sócio-assistencial, assim como a inserção das famílias nos serviços da rede.

O paradigma do século XX, segundo o qual problemas são melhor


enfrentados por organizações formais é, aos poucos, substituído por
um modelo que enfoca a necessidade de articulação de redes. Em
lugar de privilegiar o espaço institucional, olha para as relações:

20
“O Centro de Referência da Assistência Social – CRAS é uma unidade pública estatal de base
territorial, localizado em áreas de vulnerabilidade social, que abrange um total de até 1.000
famílias/ano. Executa serviços de proteção básica, organiza e coordena a rede de serviços sócio-
assistenciais locais da política de assistência social”. (BRASIL, 2004, p. 35).
121

entre indivíduos, grupos, organizações e setores. (FALCONER,


1999, p. 134).

Whitaker (2002, p. 03) traz uma esclarecedora explicação sobre a estrutura da rede:
é horizontal, em oposição à estrutura piramidal caracterizada por níveis hierárquicos - de
cima para baixo ou de baixo para cima. Para ele, numa rede, todos têm o mesmo poder de
decisão e o mesmo nível de responsabilidade, à medida em que são co-responsáveis pela
realização dos objetivos da rede.

Quando a realização de um objetivo depende menos da disciplina


dos que dela participam do que do engajamento consciente de todos
na ação, menos cabe comandar e controlar o que os outros fazem ou
deixam de fazer: tem que se contar é com a lealdade de cada um
para com todos, baseada na corresponsabilidade e na capacidade de
iniciativa de cada um, e a organização pode ser feita numa estrutura
em rede, horizontal.

Uma forma de garantir a participação das entidades do “terceiro setor” nas


decisões sobre as políticas e os serviços encontra-se na participação de seus
representantes, enquanto conselheiros da Assistência Social. A LOAS definiu o
Conselho de Assistência Social como o responsável pela concepção dos projetos da
área.

Neste contexto, as entidades prestadoras de assistência social


integram o Sistema Único de Assistência Social, não só como
prestadoras complementares de serviços sócio-assistenciais, mas
como co-gestoras através dos conselhos de assistência social e co-
responsáveis na luta pela garantia dos direitos sociais em garantir os
direitos dos usuários da assistência social. (BRASIL, 2004, p. 47).

Percebemos que, quanto à organização das redes sócio-assistenciais e à


articulação das entidades, há heterogeneidade entre os municípios pesquisados.

No município de São José dos Campos fica claro que as duas profissionais
entrevistadas têm a mesma visão a respeito da rede no município, e que a grande
dificuldade que encontram é, justamente, com o poder público, que é quem deveria
ser o articulador do processo. Já as entidades do “terceiro setor” estão bem
122

articuladas, formando até uma sub-rede para o atendimento das pessoas com
deficiências.

A rede privada tem um vínculo muito grande, principalmente a PCD, a gente fala
rede PCD, são as instituições que atendem a pessoas com deficiência; existe uma relação
muito estreita mesmo, de apoio. A gente tem mensalmente a nossa reunião, não é que nós
segmentamos, mas infelizmente, não tem ninguém acima de nós pra nos orientar. Somos
nós que definimos, e inclusive a discussão junto à rede pública, a própria Secretaria de
Desenvolvimento Social é muito dificultosa, porque eles não têm o conhecimento do que é a
atuação em si das instituições de PCD. Quando nós fizemos uma discussão, ano passado,
eles classificaram todas as instituições PCD como básica, eu tomei a frente numa discussão
de mostrar que não. A AADA, por exemplo, não tem nenhuma proteção básica, ela toda é
média complexidade, e eu provei. Existem instituições que são média e básica, mas a AADA
é a única das 11 instituições que é estritamente média complexidade. Assim como existe
uma que é abrigo que é alta complexidade. (Sujeito I).

Essa falta de conhecimento da atuação das instituições de PCD impõe uma


dificuldade para a formação das redes sócio-assistenciais, já que para se evitar o
paralelismo e distribuir melhor os serviços é necessário que os papeis sejam
definidos de acordo com o perfil de cada membro da rede. Resta-nos saber se este
desconhecimento deve-se à falta de competência ou de vontade política.
A fala abaixo demonstra que, além da dificuldade de gerir a rede por parte do
gestor do município, ainda há a dificuldade em acessar os serviços públicos.

Eu acho que quando se trata de instituições é tranqüilo; quando se trata de rede de


proteção, eu acho que a gente tem muito ainda pra crescer, a gente tá vivendo e eu
particularmente acho. A gente tá vivendo um momento difícil em termos de acessar essa
rede. Eu adeqüei o meu trabalho a um processo de solicitação através de ofício, para que a
gente possa fazer com que algumas coisas caminhem mais rápido. (...). Então, no sentido
saúde, por exemplo, é o que a gente mais tem sentido que tem precisado de intervenção,
tem demorado muito as consultas para as crianças. A gente trabalha dentro do que prevê o
estatuto, a gente tem tentado manter isso com que se garanta o que tá previsto lá. (Sujeito
III).
123

Percebemos que o excesso de burocracia ainda se faz presente nos serviços


públicos e obriga as entidades a se adequarem a ela. A burocracia está ligada à falta
de informação, ao segredo; sua superação é fator essencial para o bom
funcionamento da rede, pois não é só necessário reciprocidade nos serviços, mas
também nas informações.

O funcionamento mais ou menos democrático de uma organização


em rede é medido pela real liberdade de circulação de informações
em seu interior e, portanto, pela inexistência de censuras, controles,
hierarquizações ou manipulação nessa circulação. (WHITAKER,
2002, p. 4)

Quanto ao SUAS, há divergências nas colocações das entrevistadas,


enquanto uma dá ênfase à adequação da gestão joseense a esse novo formato, em
comparação com os municípios da região, a outra já mostra que o município está no
início do processo.

São José é considerado como gestão plena, tem quatro CRAS bem formados, tava
na formação do CREAS. Na verdade, quando a gente vai, enquanto conselho, nas
capacitações e discussões com a regional, que a gente pertence, que é formada por 39
cidades aqui da região. É até ruim, porque sabe dá aquela sensação de...Ah, mas e isso?
Tem. Tem lugar que o Serviço Social ainda ta junto com a Secretaria de Saúde, com a
Educação, então, você vê que o Serviço Social ele é subordinado à Saúde, subordinado à
Educação. É um assistente social que atua naquela região toda, às vezes é uma cidade
muito pequena, mas a extensão demográfica dela é grande. Então, o Serviço Social um dia
ta na região “tal”, um dia na região rural, e aí vai indo. Então é muito difícil pro profissional
conseguir desenvolver algo, até porque ele precisa de uma equipe pra que ele possa se
colocar, enquanto profissional, enquanto SUAS, o que é competência dele. (Sujeito I).

Você acha que o SUAS já alterou alguma coisa no município? Ou para a instituição?
Não, eu acho que não, ainda não. Que dê assim para perceber isso, não. Que você possa
sentir isso, ainda não. Eu acho que quando nós tivermos os CRAS, quando o atendimento
começar efetivamente nos CRAS, com a equipe multidisciplinar como é proposto, aí pode
ser que a gente comece, mas assim tá muito no pequeno ainda. A única coisa que a gente
124

vê, o município ele já começou o processo, taí tá caminhando, tá tentando caminhar dentro
do que prever tudo isso, dessa mudança, tá se adequando a essa mudança. (Sujeito III).

Pensamos que a própria questão da dificuldade que as entidades do “terceiro


setor” encontram em relação à rede sócio-assistencial, demonstra que essa
adequação ao SUAS pode ser meramente burocrática, ou seja, sem superar os
padrões tradicionais de dicotomia, sobreposição no atendimento e buscando
qualidade para os serviços.
Quanto às redes internas, existe um posicionamento diferenciado. O sujeito III
chama a atenção para o perigo de fragmentação das redes.

Na realidade, todas as áreas de assistência social, educação, saúde esporte e lazer,


na realidade, têm que se unificar. Não tem como você trabalhar com redes separadas, a
única questão que eu acho é a fragmentação dessas redes, porque quando na realidade,
você atende uma criança que precisa de toda essa rede, ela tá de alguma forma inserida
nessa rede, ela tá na escola precisa do médico, precisa de atividades esportivas, e então
não tem como você descolar, ela tá ali dentro. O que acontece é quando você vai entrar, por
exemplo, Secretaria de Desenvolvimento Social tem que ter lá uma relação direta com a
Educação isso pesa. Porque assim, elas são fragmentadas parece que não se entendem
direito, aí você fica buscando ações individualizadas, por exemplo, tem que falar com a
Secretaria de Desenvolvimento Social, e daqui a pouco, tem que falar com a Secretaria de
Educação, e tem que falar, em separado, com a secretaria de saúde, sendo que isso
poderia ser unificado. É o que já vem desde a esfera federal? Que é o que não deveria de
acontecer. E o SUAS e vem e vem muito com essa característica de unificação. Ele tá aí
para isso, para que seja uma rede que possa dar esse suporte na integralidade mesmo.
(Sujeito III).

Compreendemos ambos os aspectos; evidentemente, seria melhor se


houvesse a necessidade dessas sub-redes e se, de fato, a articulação no município
seguisse um modelo unificado. Porém, não foi por vontade própria que as entidades
PCD formaram uma rede paralela, mas pela necessidade de se fortificarem, diante
das dificuldades que enfrentam, podendo compartilhar informações e o não
interesse do público sobre a questão. Assim as sub-redes, ou simplesmente redes,
que se entrelaçam surgem de forma espontânea na necessidade pelos atores.
125

Uma gestão em rede. A moderna apreensão da gestão em rede


sinaliza que não há uma única rede na qual os agentes se integram;
pelo contrário, o fazer social ocorre no entrelaçamento de redes
alimentadas por fluxos contínuos de informação e interação. Esta
noção de rede se caracteriza como sinérgica, convergente e
movente: interconecta serviços similares e complementares,
organizações governamentais e não-governamentais, comunidades
locais, regionais, nacionais, mundiais; mobiliza parcerias e ações
multi-setoriais; constrói participação; mobiliza vontades, adesões e
implementa pactos de complementaridade entre atores sociais,
organizações, projetos e serviços. É uma gestão que exige vínculos
horizontais e, portanto, está ancorada em princípios democráticos e
na participação ampla, negociada e propositiva. (CARVALHO, 2002,
p. 26).

O sujeito III aponta para uma questão que se relaciona diretamente com as
redes, a intersetorialidade. A falta de unificação das áreas do poder público, essa
segmentação, não permite o atendimento do cidadão na sua totalidade por meio da
integralidade das ações. Conforme o sujeito III colocou, existe no SUAS e na PNAS,
a proposta de superar as ações segmentadas.

Para Menicucci (2002) “a proposta de planejamento e intervenções


intersetoriais envolve mudanças nas instituições sociais e suas
práticas”. Significa alterar a forma de articulação das ações em
segmentos, privilegiando a universalização da proteção social em
prejuízo da setorialização e da autonomização nos processos de
trabalho. Implica, também, em mudanças na cultura e nos valores da
rede sócio-assistencial, das organizações gestoras das políticas
sociais e das instâncias de participação. Torna-se necessário,
constituir uma forma organizacional mais dinâmica, articulando as
diversas instituições envolvidas. (BRASIL, 2004, p. 44).

Em Caçapava, a situação é mais precária; há individualidade nas instituições.


As tentativas de articulação, por desinteresse dos representantes das entidades, não
surtem efeito, conforme assinalado pela profissional. Essa dificuldade reflete-se no
Conselho.

O trabalho em rede aqui no município, a gente ta assim, como uma grande


dificuldade. Hoje a gente vê em Caçapava, a individualidade das instituições, a gente não
consegue trabalhar em conjunto. Nós por exemplo que atendemos criança e adolescente, a
gente até tenta fazer uma articulação com as entidades que atendem o mesmo segmento.
126

Mas outras instituições a gente acaba, às vezes, sem ter muito contato. Um trabalho em
rede é uma coisa que hoje a gente fala muito, ainda mais agora com a implantação do
SUAS. A gente sabe que esse trabalho em rede tem que ser muito bem articulado e tal, pro
negócio funcionar e fluir bem, mas ainda é muito precário aqui no nosso município. A gente
não tem um trabalho de rede bem articulado, não. (Sujeito II).

(...) é bem individual, essas outras instituições do município também têm convênio com a
prefeitura, mas entre instituições não. A gente já tentou organizar, reunir as instituições, mas
é muito difícil, o individualismo ainda fala muito mais alto. Não existe uma reunião entre as
instituições? Não. A gente também já tentou fazer, quando faz, a gente convida, a gente
não consegue atingir todos não, vão sempre aquelas mesmas pessoas, a maioria das vezes
vai só o técnico, o pessoal da diretoria mesmo, que precisa ta envolvido não vai. Às vezes, a
instituições ta passando por grandes dificuldades, a gente só descobre isso quando o
problema já foi resolvido. Não tem esse trabalho de parceria, infelizmente, aqui em
Caçapava a gente não tem isso não. Até no Conselho, que a gente tem que fazer as
eleições, que as entidades têm que ta participando, na sociedade civil a gente tem muita
dificuldade de participação. É quando tem evento na cidade, a gente vê, que é cada um por
si mesmo, às vezes até coincide festas com as mesmas datas de outras instituições, por
falta de diálogo mesmo, falta desse trabalho em parceria. (Sujeito II).

A capacidade de articulação depende da existência de interesses


compartilhados, dos recursos necessários para promovê-la, mas
também de uma competência gerencial, que inclui técnicas e
habilidades interpessoais, que deve ser desenvolvida nos gestores
de organizações do terceiro setor. (FALCONER, 1999, p. 135).

A falta de interesse das entidades em articular-se ainda se soma ao fato do


município não ter nem CRAS e nem ter iniciado um processo efetivo de implantação
do SUAS. Além do que, as entidades que poderiam cobrar essa implantação estão
distanciadas de tal discussão.

No município de Caçapava o SUAS ainda não foi implantado, nem CRAS a gente
têm. Então ainda, a proposta da Secretaria de Cidadania é de estar implantando um CRAS
no município nesse final de ano, que eu acredito que não vá acontecer, mais pro ano de
2008, mais ainda não tem nada articulado. Ainda assim, a gente vê no município que a
questão do SUAS é muito distante de muitas instituições, até mesmo de muitos
127

profissionais, até mesmo profissionais de terceiro setor. Porque quem ta na prefeitura, são
funcionários de organização governamental, eles estão muito mais em contato com a
questão e nós de terceiro setor, se você não for pesquisar, procurar, se interar, você acaba
ficando distante. Então a gente percebe que aqui no município a questão do SUAS ta bem,
bem devagar, bem distante. (Sujeito II).

Assim como em São José dos Campos há a dificuldade em acessar os


serviços da rede pública, fazendo com que as entidades procurem outras
alternativas para atender a demanda de seu público, nesse caso, para resolver o
problema, a profissional teve que recorrer ao voluntariado como alternativa de
preencher o espaço vazio deixado pelo poder público, em detrimento do direito à
assistência psicológica.

(..) faz três meses que nós conseguimos psicólogos para instituição, então, hoje, os
nossos encaminhamentos para psicólogos ficam aqui dentro mesmo, não precisa da rede
pública, que demora muito para ser atendido. (Sujeito II).

A situação em Taubaté é semelhante à de São José: a articulação fica na


dependência da entidade e do profissional.

Olha, eu tenho visto isso no conselho, essa questão de proteção básica, aquela
coisa, não é bem clara para o município, principalmente no poder público. Agora a rede, eu
particularmente não tenho dificuldade talvez por que justamente você conhece um pouco.
Daí agora mesmo a menina ligou, você conhece um pouco do que tem, eu acho que isso
facilita bastante. É o que eu falei da importância da gente conhecer o que tem no município.
Agora eu acho também que as entidades, e esse é o objetivo dessa rede social Senac, é de
fortalecer o terceiro setor, porque por muitos anos ainda a gente sente muito isso, as
entidades ficaram na dependência do poder público. É como dizia uma pessoa que
trabalhou na secretaria de assistência: a entidade tava sempre com chapéu na mão, ela não
se posicionava e algumas ainda não se posicionam, por isso que eu falei a entidade ela é
parceira no atendimento. Então nesse caso é uma troca a entidade vai participar com isso e
em contrapartida o poder público com outra coisa. (Sujeito IV).
128

As reflexões dessa profissional vão ao encontro do pensamento de Pontes e


Bava (1996, p. 136) de que, se o “terceiro setor” é co-responsável na execução das
políticas, é justo que ele participe também das decisões.

Para se mudar as relações Estado/sociedade civil, os desafios são


igualmente importantes. Entre eles estão o da transparência, isto é, a
exposição pública das informações e do processo decisório sobre as
políticas sociais; o do reconhecimento da alteridade, isto é, de que as
ONGs não são e não querem ser um mero braço executivo de
políticas definidas nas instâncias governamentais e sim atores que
querem preservar sua autonomia e participar do processo decisório
sobre as políticas nas quais se envolvam.

E mesmo que entidade ela faz uma parceria, mas o poder público manda, você está
sempre dependente. Eu não posso fazer isso. Por que não? A prefeitura não quer, já que é
da prefeitura, não, não é da prefeitura. Então eu acho que nesse sentido, quando elas
tomarem consciência do papel delas, eu acho que muda um pouco. Você tem que perceber
que cada um tenha sua contribuição, então, se você estiver sempre dependente deles. Por
daí, fulana é a favor da entidade, aí libera verba essa é a briga nossa no conselho. É uma
questão de justiça e é para todas as pessoas, a verba vai de acordo com projeto que você
tem para a entidade. Então por que você dá cesta básica, por que você levou médico, por
que você dá uma cadeira, empresto uma cadeira de rodas, não é isso. Por exemplo, a
criança da escola, ela vai para comer quando se fala em política pública não tem nada a ver,
a criança não vai na escola para comer, pensa bem. Então é essa consciência que eu penso
que precisa que haja na entidade sim. A gente percebe que tá havendo uma mudança sim,
ela é lenta, as pessoas elas têm que dar um passo para frente e perceber que elas não vão
sofrer represália, que elas não vão sofrer perseguição, porque sempre é que isso. É sempre
e isso que se tem! Então eu acho essa questão maior. (Sujeito IV).

Uma dificuldade muito séria apontada aqui é a perseguição política sobre


daqueles que lutam por exercer seu direito de participação, configurando-se como
um grande retrocesso. É com perplexidade que vemos um município de médio porte
populacional, com um setor industrial desenvolvido, politicamente arcaico por ainda
utilizar práticas intimidatórias. Não é à toa que só recentemente o município
conseguiu instituir o Conselho de Assistência Social. Uma lentidão que também está
refletida no processo de implantação do Suas que, pelo que se percebe, ainda nem
começou. É pior até que a situação de Caçapava, na qual as entidades
129

desconhecem o Suas; em Taubaté o próprio poder público mostra-se omisso diante


da questão. O que ameniza a situação é a existência de um conselho que está
atuante e preocupado em assumir a responsabilidade de capacitar as entidades.

Não, aqui não tem SUAS. Não aqui. Em termos de, com a criação do conselho é que
nós estamos tentando. É lento porque o desconhecimento é. Tem pessoas que conhecem
tem, é evidente, mas o poder público ainda desconhece. Tem capacitação? Olha, (risos) e
isso aí quem vai fazer, que nós nos propusemos, é o próprio conselho, nós vamos fazer
para as entidades. Para você ver, ontem nós fomos na audiência pública, numa discussão a
respeito de orçamento, verbas que devem vir pro conselho. Nós tomamos posse em junho,
de lá para cá nós já tivemos tempo de fazer a conferência, estamos fazendo as visitas,
então o processo é lento. Sabe para gente poder fazer alguma coisa. (Sujeito IV).

As entidades ainda não conhecem? Olha, não. Numa reunião que nós tivemos com as
entidades, tivemos essa proposta de fazer a capacitação, mas ainda não foi possível fazer.
(Sujeito IV).

Concluindo, o poder público precisa superar muitas dificuldades para


efetivação da rede sócio-assistencial: Embora, encontremos heterogeneidades entre
os municípios pesquisados, alguns aspectos comuns podem ser destacados;
necessidades a serem consideradas por todos os sujeitos envolvidos nas redes.

• Conhecer o perfil das entidades e os serviços que prestam.

• Realizar um diálogo entre iguais.

• Superar a burocracia e compartilhar informações entre a rede.

• Reorganizar-se de forma intersetorial.

• Não apenas transferir serviços, mas também transferir poder de


decisão sobre eles.

• Internalizar uma cultura de comportamento democrático, superando


práticas intimidatórias.

• Melhorar a qualidade dos seus serviços e o acesso a eles.

• Propor-se a uma adequação ao SUAS efetiva e não apenas


burocrática.
130

Mesmo com todas as dificuldades apontadas pelos sujeitos entrevistados na


relação do “terceiro setor” com o poder público, entendemos que não há
possibilidade de elaborar-se uma política social sem o Estado. Assim como a própria
LOAS coloca e a PNAS ratifica, há primazia do Estado na condução da Política de
Assistência Social em cada esfera de governo.

No entanto, somente o Estado dispõe de mecanismos fortemente


estruturados para coordenar ações capazes de catalisar atores em
torno de propostas abrangentes, que não percam de vista a
universalização das políticas, combinada com a garantia de
equidade. Esta prerrogativa está assegurada no art. 5º, inciso III, da
LOAS.

Quanto às entidades, é valido o que Pontes e Bava (1996, p. 137) escrevem


sobre as Ongs:

Da parte das ONGs colocam-se muitos desafios, entre eles aumentar


sua capacidade propositiva, estreitar laços com os demais atores
coletivos da sociedade civil, colaborar na construção de espaços
públicos de formulação, implementação e controle social das
políticas públicas.

Se as redes de fato forem constituídas conforme a PNAS/SUAS prevê, evita-


se que sejam ações que permitam a terceirização do público, em detrimento de uma
relação de reciprocidade. Entendemos que a grande diferença estaria no
acompanhamento e na fiscalização do poder público sobre os serviços prestados
pelas entidades; e também que a rede apresenta um grande potencial para atingir
resultados positivos, porém não pode ser vista como uma panacéia, já que tratamos
de problemas estruturais.

Quanto à relação público X privado, enquanto espaços de trabalho, as


experiências das entrevistadas são diferentes; essa comparação nem sempre foi
possível, mas foram emitidas opiniões sobre outros aspectos, conforme descrito
abaixo.
131

A assistente social relata a dificuldade que sentiu como funcionária pública


em sua avaliação; o espaço encontrado no “terceiro setor” é mais propício ao
desenvolvimento de sua criatividade.

(...) Depois de formada, fui funcionária pública no COSENT, que hoje é a FUNDHAS.
Aí não me fez bem trabalhar subordinada a uma gestão pública. Aí saí, trabalhei numa
empresa, voltei a trabalhar naquele hospital que eu fui estagiária, depois eu trabalhei numa
outra empresa. (Sujeito III).

Mas qual foi sua dificuldade com o público? (...) eu sempre fui uma pessoa muito
criativa, sempre gostei muito de desenvolver projetos. E assim, tudo pra mim, sempre teve
um início, um meio e um fim. Eu peguei uma fase transitória de governo municipal, e você
era transferida de um setor pra outro. Sabe, o trabalho que você montava, o projeto que
você guiava, acabava saindo com o nome de outras pessoas. Ora você tava numa situação
legal de trabalho, ora você tava... E aí, depois que eu saí, eu vi mais claramente isso, que
assim quando eu vim pra instituição pra área... (Sujeito i).

A partir de sua experiência, a profissional entende que há no terceiro setor


mais possibilidades de executar projetos, utilizar o conhecimento teórico acumulado.

Que você nota de diferença forte no “terceiro setor”, público... As


possibilidades, lógico dependem da pessoa, do profissional. Mas, as possibilidades de
conhecimento, de desenvolver, de pôr em prática, sabe, de você resgatar aquelas coisas
que os professores falavam pra você, do que ta no livro e você conseguir executar.

As entrevistadas II e III fazem referência à freqüência do acompanhamento;


talvez no terceiro setor as condições de trabalho para o profissional, enquanto
trabalhador, sejam mais precárias, não contem com as mesmas vantagens dos
funcionários públicos; mas para o desenvolvimento do trabalho o terceiro setor é
mais livre. Um aspecto, importantíssimo, para o desenvolvimento do trabalho do
assistente social é a manutenção do vínculo com os usuários, o acompanhamento
sistemático que a complexidade das situações exige.
132

Olha o que eu vejo é assim, no setor público você tem muito mais
estabilidade, muito mais vantagem, mas o trabalho também fica um pouco amarrado
por conta de toda uma estrutura. No terceiro setor, financeiramente, às vezes, você
não é tão valorizado (..). Por exemplo, no poder público, plantão social, você vê a
cara da pessoa uma vez ou outra, daqui a pouco ela desaparece, depois volta de
novo, então aquela freqüência, aquele acompanhamento... Aqui no terceiro setor a
gente até faz um acompanhamento melhor das famílias. Então eu vejo, apesar da
gente não ser a nível financeiro bem remunerado, o trabalho até que, eu,
particularmente, gosto muito de trabalhar no terceiro setor. Eu fiz estágio no setor
público também gostei da experiência, mas eu gosto bastante do trabalho no terceiro
setor. É mais íntimo... Muito mais, você criando outros vínculos, a questão da
confiança com o usuário. Então, isso é muito mais gratificante do que no poder
público. (Sujeito II).

Essa assistente social possui um entendimento semelhante ao da assistente


social I: também se refere às amarras da estrutura pública, marcada pelo excesso
de burocracia, e faz uma boa avaliação - a de que, muitas vezes, toda burocracia
dificulta o acompanhamento freqüente às famílias.

Quanto o público existe o comprometimento, eu acredito nessa possibilidade. Mas,


eu acho que existe um comprometimento maior, em termos do terceiro setor, eu não sei por
quê. Não sei se é por acomodação do público. Não to me referindo isso a todos, porque eu
acho que são alguns, tem profissionais muito comprometidos. Mas, eu acho que o público
lida muito com uma questão que é burocrática, muito mais burocrática do que da questão da
intervenção direta, assim numa freqüência maior com essa família, com essa criança, seja lá
com esse “ppd”, com esse idoso. Eu acho que assim, são situações e situações, fica difícil
eu dizer, é a minha visão com relação à questão. O público traz uma questão que é muito
burocrática, então, perde-se muito da atuação de intervenção com essas famílias, com esse
atendimento dessa demanda. (Sujeito III).

A quarta entrevistada, por ter uma experiência profissional diferente das


anteriores, possibilitou pensarmos também no espaço empresarial de trabalho e sua
diferença quanto ao trabalho em entidades.
133

Espaço público eu não trabalhei e trabalhava em empresa. Então eu vejo assim, a


questão da organização da empresa, você tem menos possibilidade, embora a gente com o
trabalho, até conseguisse algumas conquistas. Mas, a empresa é definido os papéis, então
você pode intervir em algumas coisas. Ela tem mais recursos, não fica dependendo de
parceria com “A” ou “B”. (...) Se os funcionários passarem por alguma dificuldade,
precisarem de um empréstimo, tem a possibilidade de você socorrer nesse momento, não ta
dando nada para ele, é um direito dele. Sabe, então, a questão da organização eu acho
muito importante. (...) Mais organizada que o terceiro setor, porque ela é independente, e
isso eu acho importante. (Sujeito IV).

A partir da reflexão acima, foi possível inferir que, para a entrevistada, no


terceiro setor há mais possibilidades para o trabalho, mas por outro lado nesse
espaço não se pode contar com tantos recursos financeiros e esses são amarrados
ao poder público, situação diferente nas empresas que detém seu próprio capital;
sobretudo, a assistente social IV ressaltou a importância da organização.
O relato a seguir mostra que a assistente social entende que a organização
empresarial pode ser uma base para a organização do “terceiro setor”.

As entidades podem se basear na gestão empresarial? Elas devem. Porque veja,


o plano nacional dá as diretrizes para o trabalho da assistência. Não é uma forma de
profissionalizar? Se é para você fazer alguma coisa, você tem que ter condições de fazer.
Uma das nossas emendas, que nós mandamos, ontem, para audiência pública, é de que a
entidade que trabalha com assistência, tenha um assistente social. É uma forma de
profissionalizar, dar um atendimento de qualidade para o usuário. Tem um rio de dinheiro
num lugar, mas o quê que o município tá recebendo. O usuário, que direito está tendo? Que
direito dele que é preservado, se eu dou a cesta, compro um gás para ele, isso é
assistência? Não. Eu acho que essa diretriz agora da PNAS, é isso que vai ajudar com que
a assistência mude de cara. Você entendeu, para que ela seja efetiva no atendimento do
usuário, senão não vai adiantar nada. Vai continuar que abre ONG, abre ONG, abre ONG, e
na verdade, você não sabe nem o quê que é. (Sujeito IV).

Se observarmos, na verdade, o que deseja a quarta entrevistada é que exista


organização nas entidades, que estas sigam uma diretriz; a PNAS vai ao encontro
de tal visão, no sentido da coordenação do Estado e da rede para evitar a
134

duplicidade de um serviço e ausência do outro. De toda forma, é imperioso termos


cautela para não cairmos na situação apresentada por Faleiros.

Os procedimentos burocráticos estabelecem um roteiro rígido de


atuação que possa ser bem controlado desde cima, de cima para
baixo. O planejamento e a programação permitem e obrigam cada
vez mais esse controle interno, transformando a disciplina em uma
questão competência, de avaliação, de eficácia. O modelo industrial
penetra todos os setores institucionais. (FALEIROS, 1985, p. 35).

Embora tenhamos críticas quanto ao incentivo ao crescimento do “terceiro


setor” propagado pela mídia como resposta a problemas de diferentes naturezas
(sem a devida análise das implicações desse processo), concordamos com a fala da
assistente social IV, e registramos que a contribuição de uma profissional com boa
bagagem profissional e um olhar construído a partir dessa realidade colaborou
nessa pesquisa e, mais ainda, no amadurecimento de nossa visão. De fato, muitas
organizações do “terceiro setor” buscam superar o assistencialismo e desenvolvem
sua competência buscando suporte na gestão empresarial; embora não
concordemos com essa postura, porque acreditamos que existam outras vias para a
profissionalização mais adequadas a essa natureza, admitimos que, durante um
tempo, não havia outras formas de superação que se apresentassem às entidades;
agora com a PNAS espera-se que consigamos construir uma gestão bem
organizada e pautada no acúmulo teórico das ciências sociais.

Eu acho assim, o terceiro setor veio em boa hora, veio até mostrar que a sociedade
civil não ta brincando. Veio pra contradizer aquela coisa da ajuda e cresceu. Ele não ficou
meramente no suporte do assistencialismo, ele desenvolveu. (...) não fosse a iniciativa da
sociedade civil, nos não teríamos, por exemplo, aqui no município de São José, uma
equiparação social tão grande. Aqui em São José são, oficiais, quarenta e oito instituições,
organizadas, conveniadas, fora as demais. (...) Hoje ta um pouquinho enfraquecido, nós por
muitos anos tivemos um fórum social, chamado Fórum Ampliado da Assistência Social, ele
ta um pouco enfraquecido, por causa das visões que muitos participantes têm. E mesmo
esses arranjos com os órgãos públicos, enfraqueceram bem o Fórum Ampliado, e até o
momento que o próprio órgão público era um fortalecedor nesse órgão, ele era participativo
enquanto políticas públicas. Nossa! São José tava indo de vento e poupa. A partir do
135

momento que o órgão público passou a desenvolver uma postura de política partidária, aí,
teve quebra. Que é o que ta hoje, eu por exemplo, particularmente não faço parte do Fórum
Ampliado, dificilmente participo, eu coordenei durante três anos o Fórum Ampliado,
enquanto era do CMDCA. (Sujeito I).

Muitos dos serviços prestados e da cobertura efetivada devemos às


organizações do “terceiro setor”, conforme colocado nas análises sobre rede; há no
poder público muitos problemas, o que exige que as entidades se fortaleçam.

Hoje eu vejo que o terceiro setor cresceu muito, a gente ouvia muito pouco a questão
de outras organizações, a gente sempre falava muito do poder público. Agora hoje, a gente
já percebe que o terceiro setor cresceu muito, e começou a ter mais valor. As instituições
procuram, na medida do possível, fazer seu trabalho com transparência; a gente já teve
muita dificuldade, por problemas irregulares, pessoas desonestas, que acaba até
atrapalhando também o trabalho da gente. Mas eu vejo que hoje o terceiro setor tá
caminhando para uma consciência muito maior das questões, hoje se fala muito mais em
terceiro setor, se consegue mais financiamento, até o próprio poder público hoje investe em
terceiro setor, como parceiro. Cresceu bastante. (Sujeito II).

Entendemos, a partir da fala da assistente social, essa consciência maior das


questões como um crescimento qualitativo, necessário ao acompanhamento do
processo de organização das entidades. Embora, de fato, o incentivo por parte da
mídia e do próprio poder público durante um tempo tenha sido quantitativo,
acreditamos que espaços, começando a viver um novo momento, de arrumar o que
já existe, acabem por gerar serviços mais bem estruturados.

Acho extremante importante, acho um parceiro fundamental pro público. Tem


contribuído em muitos aspectos. Eu acho que até na questão em termos de prevenção, em
si. E de contribuir no sentido de que o município como um todo, eu acho que o terceiro setor
contribui muito nesse aspecto do atendimento. Porque o público ele, não dá conta sozinho.
(Sujeito III).

A assistente social IV entende que parceria público X privado é fundamental


para o atendimento à população e destaca um aspecto importante - o da prevenção.
Trabalhar com a prevenção remete à muita organização, porque se faz necessário
136

um trabalho voltado à raiz dos problemas, com uma complexidade maior, que
dispensa o imediatismo. Deste modo, a contribuição dada abaixo pela assistente
social é valorosa para conseguirmos que as entidades colaborem no trabalho de
prevenção.

Primeiro assim, para uma ONG abrir, ela devia ter uma fiscalização. Por que assim,
eu da minha casa vou começar a trabalhar com idosos, suponhamos. Aí de repente, eu
começo arrecadar, tem que pegar isso e pegar aquilo. Mas eu não tenho contrapartida, eu
só quero receber. E o que é que eu vou oferecer? Porque, para você trabalhar com idoso, o
idoso tem estatuto, eles têm um direito deles que tem que ser preservado. Será que é só
eles ficarem lá o tempo todo, no atendimento ali? Então ele vai lá, daí encaminha para o
médico, mas não precisa disso. O CRAS veio aí que vai isso. Então se adequar o plano ao
município, eu acho que nós vamos assim, acredito que vai se restringir essa criação da
ONG, por que você vai ter os lugares certos de atendimento de uma forma adequada e
digna também. É isso que precisa, por que abre-se, quando você ta abrindo uma Ong, mas
sem os requisitos necessários pra aquilo. E até a falta de preparo mesmo das pessoas para
fazer aquilo, só de boa vontade eu acho que não. (Sujeito IV).

É importante que a maioria dos assistentes sociais possua a compreensão


de que a legislação deve respaldar o cotidiano profissional. Nossa profissão possui
um monopólio legal; são instrumentos legais utilizados no cotidiano profissional.
Esse monopólio é formado pelo Código de Ética, Lei de Regulamentação da
Profissão, Tabela Referencial de Honorários, Diretrizes Curriculares do Curso de
Serviço Social, que defende os direitos, tanto dos usuários na qualidade do
atendimento, quanto dos assistentes sociais na delimitação do seu fazer, na
garantia de suas condições de trabalho e definição de sua formação.

Acreditamos que o não reconhecimento da importância da relação entre


fazer profissional X legislação, dificulta a reivindicação por melhores condições de
trabalho, já que para isso necessita-se conhecer quais foram as conquistas já
obtidas, para efetivá-las a partir daí.

O Estatuto da Criança e Adolescente foi citado por todas as profissionais, já


que elas trabalham diretamente com crianças e adolescentes, além dele
percebemos um bom embasamento na legislação social.
137

Bem, tem a própria Lei Orgânica do Município, a LOAS, Estatuto da Criança e do


Adolescente, Estatuto do Deficiente, a Lei de Acessibilidade; fora isso tem elencados várias
leis, decretos, promulgações de, por exemplo, da pessoa com deficiência, tudo que é
relacionado à pessoa com deficiência, a Constituição Brasileira, Código Civil, então é no que
eu me pauto. (Sujeito I).

A gente trabalha muito com o Estatuto da Criança e do Adolescente, por ser uma
instituição. A gente trabalha muito com o Código de Ética do Serviço Social, da nossa
profissão. E procuro assim através da internet que veio facilitar muito, então todos os sites
que tem coisas de Serviço Social. Tudo que vem do federal, eu procuro ao máximo ta
estudando e se interando da questão. Mesmo a questão do SUAS, tudo isso eu venho
aprendendo, apostilas, material, tiro tudo da internet. (Sujeito II).

Lei Orgânica da Assistência Social, Código de Ética do Serviço Social, Estatuto da


Criança e do Adolescente. Eu tenho todas as leis do Conselho Tutelar, nós temos uma
ligação também direita, até por conta se nós trabalhamos preconizados dentro do Estatuto
não tem como descolar. Então, a gente tem tentado da melhor forma, em termos de
conhecimento de legislação, tanto pra essa, quanto pras outras áreas a gente tem tentado
se atualizar. E o SUAS que ta aí e que tem muito pra gente aprender ainda. (Sujeito III).

O PNAS, a questão do SUAS, Estatuto da Criança e do Adolescente. E, qualquer


dúvida também, eu me reporto ao conselho tutelar e eles também. Qualquer coisa a gente
está sempre em contato com o conselho. Acontecem muitos problemas dos alunos com
relação conselho tutelar. (Sujeito IV).

Ao questionarmos sobre as formas que essas profissionais têm utilizado


para se capacitar, observamos que só a primeira entrevistada fez especialização,
embora todas busquem fazer cursos de atualização.

Aqui se expressa mais uma das conseqüências da precarização das


condições de trabalho, que é a falta de condições objetivas para se capacitar
continuamente. Porém, quanto aos recursos financeiros, existem as palestras,
seminários, discussões realizadas pelo CRESS com investimento zero, sem
custos, mas, tratando-se de especialização, os custos aumentam muito. Primeiro
porque na região do Vale do Paraíba não há especialização específica em Serviço
138

Social; há em áreas afins como recursos humanos, gestão institucional e social,


pedagogia, porém quanto à questão teórico-metodólogica em Serviço Social não
há cursos de especialização. Ademais, os cursos específicos que existem, além de
estarem alocados na capital (SP), o que também envolve a falta de tempo, são
particulares. O investimento, então, torna-se alto mesmo, ainda se considerarmos a
faixa salarial que, conforme pesquisado, nem sempre permite ao profissional dispor
desse recurso.
Percebemos pelas falas abaixo que existe o desejo em dar continuidade aos
estudos, mas falta o recurso financeiro.

Você fez pós-graduação? Não, minha filha ta terminando fisioterapia é muito gasto.
Eu pretendo fazer, mas agora não tenho condições. (Sujeito IV).

Eu fiz outros cursos, não fiz pós-graduação por motivo financeiro. Agora internet, leio
bastante, procuro me informar dessa outra forma. E mesmo aqui no município a gente tá
tentado assim, é através da Secretaria de Cidadania, através dos Conselhos, solicitando
cursos de capacitação. Mas, me formei na Universidade não consegui fazer pós, mestrado,
mas não deixei de sonhar. (Sujeito II).

A assistente social II já sentiu dificuldades até mesmo em participar dos


eventos do CRESS, com a gestão anterior.

E quando você vai para as capacitações do município, do CRESS, a instituição


apóia, libera? Olha, não vou dizer que seja cem por cento, mas até que, financeiramente,
eu consigo recurso da instituição pra ta indo nesses encontros. É condução, o motorista da
instituição que leva e me libera pra ta indo fazer os cursos, mas tudo isso também foi uma
conquista de dois anos. Antigamente, não, a gente não tinha nada, se quisesse ir tinha que
ser por conta própria, não tinha esse apoio da instituição não. Hoje eu posso dizer que eu
tenho sim. (Sujeito II).

Interessante observar que a assistente social I encontrou uma realidade


diferente, contanto com todo apoio necessário para aprimorar sua formação e, como
se nota, a que ela correspondeu.
139

(...) Nesses treze anos que eu estou na AADA, eu fiz muitos cursos, inclusive eu
participei de Congressos Internacionais a AADA bancando, por eles verem que era coisa
para eu trazer de suporte pra instituição. Noutra instituição que eu trabalhei, paralelo à
AADA, eu consegui trazer assessoria de fora para os funcionários da instituição. Porque a
gente mostra, quando eles acreditam no trabalho da gente, e nos resultados que a gente
apresenta, tem muita instituição que vê, que realmente aquilo é importante. (Sujeito I).

Uma forma importante de capacitação são os seminários, os encontros das


áreas de atuação desses profissionais. Além de possibilitar atualização profissional,
abrem um espaço para contatos com a rede e com outros profissionais, o que hoje é
um diferencial para o trabalho social.

A gente tem buscado todas as alternativas, em termos de capacitação, cursos,


seminários. Eu faço parte do conselho municipal da assistência, freqüento o Fórum
Ampliado da Assistência Social. As capacitações todos que têm, que são necessárias, a
gente tem feito, nós passamos agora, por último por uma capacitação de quatro meses
sobre violência doméstica e abuso sexual. Passamos, anterior a essa, a do Instituto Kaplan,
que é sobre o projeto ser mulher, que é um trabalho mesmo preventivo com esses
adolescentes. Estamos agora em processo de supervisão, tanto da Kaplan, quanto violência
e abuso sexual. (Sujeito III).

Com a participação da parte de serviço social, os encontros todos da área da


assistência. Aqui, na educação, eu participo de algumas coisas, quando tem algum fórum,
conferência da saúde. Tudo voltado ao trabalho que eu tô fazendo. (Sujeito IV).

A leitura é direcionada pela área de atuação ou pela demanda identificada


nos usuários; elas buscam se capacitar para melhorar o atendimento, o que
também reflete o compromisso dessas profissionais.

Hoje, a gente ta dando, assim, uma atenção especial, pra questão da sexualidade
das nossas crianças, que assim, é o que estão trazendo com uma freqüência maior, em
termos de como lidar com isso, tanto os de CECOI quanto os daqui. Então a gente tem
trabalhado, tem buscado alternativas de todas as formas, em termos de literatura, tanto em
pesquisa de internet, como as literaturas que estão aí hoje. (Sujeito III).
140

O que você costuma ler? (...) tudo que diz respeito à área que estou atuando hoje,
a criança ao adolescente, a educação, questão, sempre dos direitos. Então tudo o que eu tô
atuando é que eu procuro ficar mais atualizada possível, justamente para orientar porque
senão não adianta você pegar uma coisa. A educação muda bastante, então tudo isso a
gente procura se atualizar para poder atuar. (Sujeito IV).

Consideramos que uma das principais estratégias na busca de melhores


condições de trabalho e de exercício profissional é a participação política, pois uma
resposta individual não pode dar conta de um problema coletivo. O tema
participação política fez parte de uma pesquisa do CFESS, de 2005, que traçou o
perfil do assistente social. Nesta pesquisa quanto à atividade política, ficou
constatada a participação de apenas 32% dos assistentes sociais. Aqui, observamos
a participação política somente no espaço do conselho de direitos, relembrando que
nossos sujeitos são conselheiros de assistência social. As quatro entrevistadas
disseram não participar de partido e movimento social, apenas duas justificaram.

Você participa de movimentos? Não, não. Não participa de partido político?


Também não, até porque eu sou péssima, eu vou, eu faço, eu tenho o pavio um pouquinho
curto. E outra, hoje se fosse pra falar: Qual partido você defenderia? Eu falo nenhum.
Teoricamente um pouco desse, alguma coisa daquele, nada de outros, mas talvez, eu
fundaria um outro partido, até porque eu sou contra o excesso de partidos na política.
(Sujeito I).

Olha, Taubaté não tem em movimento social. Partido político eu não me engajo,
porque eu tenho as minhas preferências, é evidente, mas eu procuro não me envolver. (...)
Todo abaixo-assinado que tem aí, eu procuro trazer, o que a gente faz na igreja, eu procuro
trazer para cá. Mas sem envolvimento de partido, sem me filiar. Eu procuro ficar à parte
disso, pra não me envolver. Mesmo na questão religiosa. Ah, é católica. Nós trabalhamos, o
que tem de gente de outra denominação, então se eu for ver, por exemplo, só aquele lado
ali como única salvação, eu deixo de respeitar o outro, a forma de pensar do outro. Então eu
procuro assim, essas coisas que levam muita discussão, eu procuro deixar de lado, tenho as
minhas discussões lá fora, mas com os grupos. Não misturo, nesse ano eleitoral todo
mundo fica atrás. Todo mundo quer aparecer perto de qualquer pessoa que tá envolvido
com muita gente. Várias passam por aqui, é como se de repente, aqui fosse um instrumento
para a eleição, então eu gosto de separar. (Sujeito IV).
141

Os profissionais podem não envolver-se por dois motivos: por não


entenderem a política ou por pressão política. Pela fala da assistente social IV,
podemos observar que as pressões políticas existentes tornam-se um empecilho
para essa participação.

Também observamos que não encontramos nenhum sujeito participando de


movimento sindical, partidário ou social. Por isso, é importante relacionarmos este
dado com os dados do CFESS, os 32% que participam das atividades políticas
estão divididos da seguinte forma: movimento sindical 10,40%; movimento
partidário 12,62 %, movimento social 32,18 e movimento da categoria de assistente
social 44,80%. Seguindo os dados descritos pelo CFESS, só encontramos a
participação em movimento da categoria, mesmo assim, apenas da assistente
social I.
A assistente social II relata a dificuldade de participação entre os assistentes
sociais.

(...) É difícil encontrar profissionais que quererem se abrir, aqui em Caçapava a gente
até tentou formar um grupo de profissionais. A gente não consegue, vai uma vez, vai outra,
daqui a pouco ninguém quer saber de nada. (Sujeito II).

Considerarmos que o conselho de direitos é um espaço em que o assistente


social pode colaborar muito, tanto como membro, quanto divulgando informações à
sociedade civil, por meio do conhecimento que o profissional vai adquirindo pela
sua proximidade com as áreas de atuação. Porém, a referida pesquisa do CFESS
constatou pouca participação até mesmo nesse espaço.

[...] em relação à participação em conselho de direitos ou de políticas


sociais, é possível perceber que esta prática ainda não está
disseminada, apesar da expansão do “controle social” das políticas
públicas e das diversas possibilidades de as (os) assistentes sociais
participarem desses conselhos: sejam como representantes
governamentais, sejam representando os profissionais, ou como
assessores. (CFESS, 2005, p. 45).
142

De maneira geral, as entrevistas relataram não sentirem dificuldades com


seus empregadores; quanto à participação no conselho, ao contrário, algumas
entidades apóiam esse trabalho; apenas a assistente social II já sentiu dificuldades
em outra gestão.

Eles me indicam pra tudo que eu mostro que é importante; eu trago pra cá os
resultados, assim como eu passo a reunião do grupo do PCD. (Sujeito I).

Isso vai fazer dois anos que eu to participando desse conselho. Dos outros
conselhos eu participei, mas não era conselheira, eu participava pra tá sabendo o que ia
acontecer e tal. Mas conselho mesmo, aqui no nosso município, ainda não tá muito bem
estruturado, ainda falta muita orientação, muita informação pra que as pessoas se
conscientizem. Que conselho ainda não quer dizer muita coisa pro nosso município, não.
Existem porque é uma necessidade, uma obrigatoriedade, mas não tem aquela valorização.
Já crescemos bastante, mas ainda falta bastante. (Sujeito II).

Na fala acima, percebe-se que a entrevistada possui um bom conhecimento


da realidade do município e da realidade do conselho de assistência social, que
ainda é entendido por alguns, como exigência burocrática para repasse de recursos
e não como forma de participação política.

Até um tempo atrás, eu não podia nem me candidatar à conselheira, tinha essa
dificuldade. Agora não, agora essa outra administração me deu total liberdade, então fui me
candidatar nessa gestão 2005-2007, nessa nova gestão 2007-2009 também pude me
candidatar. Então, hoje eu já consegui conquistar mais esse espaço aqui dentro, posso sair
para as reuniões, para as atividades, ela me libera sempre, sem problemas. Claro que eu
procuro assim, diante de todos esses trabalhos, de ter que sair, participar de outras coisas.
Eu procuro não prejudicar o meu trabalho, que aí sim, eu consigo mostrar que apesar de ter
esse outro compromisso, meu trabalho aqui dentro não fica prejudicado. (Sujeito II).

A assistente social II explica como entende a presença dos assistentes


sociais nos conselhos de direito e atrela essa participação à consciência do trabalho.

Quando a gente vai pro Conselho, hoje, por exemplo, a gente tem uma consciência
maior do que é ser conselheiro, do papel da gente lá dentro. Aí a gente acaba conquistando
143

um espaço maior para nossa área. Então quem vai pro conselho, vai porque tem
consciência do seu trabalho. (Sujeito III).

Sem problemas, apóia. Eu tenho uma autonomia muito grande, enquanto,


desenvolvimento do trabalho. (..) Vêem importância, sabem da importância, acompanham,
em momento nenhum eu fui impedida de qualquer participação do que ta aí hoje,
capacitação, as reuniões que eu tenho que tá ausente em algum momento, sem problemas.
Tenho tido um apoio muito grande nesse aspecto. (Sujeito III).

Na fala abaixo percebemos que a assistente social III entende a participação


nos conselhos como integrante do trabalho do Serviço Social. Ela faz a análise do
conselho como um meio de intervir na realidade social e criar outras possibilidades
de trabalho.

(...) Porque eu acho que o assistente social, ele tem que mostrar um pouco daquilo,
que é o Serviço Social, é isso que você precisa fazer. Porque de repente se perde, não
consegue mostrar o que é o trabalho, como é realizado esse trabalho, às vezes até a não
permissão acontece pelo equívoco do não conhecimento mesmo. Porque acaba não vendo
a importância que o Serviço Social tem dentro dá instituição. (...) Eu acho que é importante,
extremamente importante, no momento que, a gente vai participando e conhecendo,
conhecendo o processo todo que ta imposto, e como que a gente vai atuar pra melhorar
toda condição. Eu acho que assim, vai abrindo as possibilidades no sentido de intervenção.
(Sujeito III).

Explicou que existe o apoio, e foi muito honesta ao reconhecer que existem
pontos que são interessantes para a entidade de forma individual.

Apóia. É porque na verdade assim, a indicação é da entidade. A eleição não


depende deles, mas a indicação é, se a entidade não me indicar eu não posso ir. Eles
sabem que quanto mais você se envolve com isso, mais credibilidade você dá para
entidade. E eu acho que assim demonstra uma certa autonomia da entidade também. Eu
vou pela entidade, mas eu não sou a entidade, eu não tenho a cabeça da entidade, tudo o
que eu participar sou eu. (Sujeito IV).
144

É extremamente importante quando a assistente social IV diz: não sou a


entidade, tudo o que eu participo sou eu. Tal declaração demonstra seu
compromisso como conselheira e complementa sua fala anterior, ao explicar que é
representante de todas as entidades do município e não apenas da sua.

(...) no conselho municipal de assistência são três representantes das entidades,


cadastradas nós temos 65. Mas com a vinda do conselho, a gente percebe que tem mais
entidade. Hoje nós temos 75 entidades cadastradas. Então eu sou uma das três
representantes de 65, então por isso que eu tô sempre com as entidades. Então você vê, eu
tô representando as entidades, eu não posso falar em nome de uma entidade. São três
representantes das 75 entidades, então não posso só falar daqui e procurar só beneficiar
aqui, por isso que eu falo pra você que é uma questão do município, então tem que ter um
olhar mais abrangente. (Sujeito IV).

Essas profissionais esforçam-se para superar as barreiras, são atuantes


politicamente na medida da possibilidade, atualizam-se, buscam leituras, estão
atentas à legislação, enfim, tudo demonstra seu profissionalismo e a convergência
de esforços na busca por qualidade.
145

CONCLUSÃO

Olhar para o sujeito e aproximar-se de seus sentimentos foi fundamental na


compreensão de nosso objeto. Posso dizer que este foi um trabalho que contou não
apenas com o pensamento do autor e orientador; os sujeitos também o escreveram.
O diálogo que traçamos não durou apenas uma hora, mas desde que nos
encontramos venho refletindo, polemizando com eles, e acho que por um bom
tempo me recordarei desses diálogos, tamanhas foram as suas riquezas,
despertando em mim diversas emoções.

Quanto às nossas pesquisas, diante do exposto em todo o trabalho,


acreditamos que as peculiaridades do “terceiro setor” caracterizam-se basicamente
por dois âmbitos: o ideológico e gerencial; ideológico porque se vale do discurso
humanista/ voluntarista para conquistar a adesão da sociedade civil, e gerencial pela
sua busca de modelos organizacionais advindos da gestão executiva.
Evidentemente, essas duas características vão refletir diretamente sobre o exercício
profissional do assistente social que trabalha neste setor, interferindo nos aspectos
de trabalho técnico-operativo, teórico-metodológico e ético-político. Elas refletem
também sobre as condições de trabalho do assistente social, pois em face dessas
características tem-se um redimensionamento dessas condições, que em muito se
relacionam ao exercício profissional.

Nota-se, que o “terceiro setor” também é um espaço de trabalho e, assim


como os outros espaços, possui limites e possibilidades. Isto pode ser melhor
observado no relato da primeira entrevistada: foi no “terceiro setor” que ela
encontrou as melhores possibilidades de trabalho, fato que afirmou com veemência.
Desde o contato telefônico que realizei para convidá-la a ser sujeito da pesquisa, a
profissional se mostrou interessada e com boa vontade em colaborar e, de fato, seu
depoimento foi muito importante nesse aspecto, já que ela possui ampla experiência
na atuação em “terceiro setor”. Por isso, compreendermos o porquê da profissional
acreditar no “terceiro setor” como espaço de trabalho; nele ela tem um exercício
respeitado, reconhecido, com possibilidades de criação e apoio para se capacitar.
Claro, que se trata de um exemplo e também encontramos realidades não tão
146

semelhantes, mas para desfazermos as amarras da nossa concepção acerca desse


objeto, precisamos estar atentos a tudo que esta pesquisa nos mostrou.

O cotidiano é inesgotável. O desafio está aberto para sacudir a


acomodação, elevar nosso nível teórico e comprometer-nos de
maneira diferenciada e aberta com os interesses das classes
populares nos lugares de trabalho, com nossas condições no
emprego e no contexto político da correlação de forças que se nos
apresenta. (FALEIROS, 1985, p. 56).

O leitor pode até mesmo perceber uma mudança em nossa visão a respeito
desse tema; acreditamos que essa se deva às esperanças que o SUAS e a PNAS
trouxeram, ao afirmar o Estado como gestor da rede. Uma vez que as entidades
existem e irão continuar existindo, qual seria a melhor forma de fazerem parte da
política de assistência social, pautadas nos direitos sociais? Foi a PNAS que trouxe
as diretrizes dessa inserção.

Reconhecemos a importância do atendimento realizado pelas entidades onde


atuam os sujeitos pesquisados. O depoimento da assistente social I também ratifica
tal importância quando relata que o único local onde a criança com surdez encontra
atendimento especializado é na AADA, e se não houvesse esse trabalho, talvez não
existisse nenhum atendimento. De fato, pensando na forma minimizada das políticas
públicas, podemos concluir que não é uma hipótese sem fundamento. Nossa crítica
continua no sentido de não entender o “terceiro setor” como alternativa ao
afastamento do Estado, esperando das entidades uma cobertura e amplitude que
sua natureza não permite. Não é possível e nem justo encarregá-las deste papel.
Não podemos, pois, apostar no “terceiro setor” como saída para tudo, pois os
problemas sociais ou das outras áreas têm sua raiz na estrutura do sistema
capitalista, e isto não podemos perder de vista.
Apresentamos nesse trabalho o conceito de “terceiro setor” que fundamentou
nossa caracterização das entidades de assistência social que pesquisamos. Estas
possuem a marca da religiosidade e dedicam-se ao atendimento de crianças e
adolescentes. Procuramos analisar pontos que refletem o processo de crescimento
do “terceiro setor”, como voluntariado, captação de recursos, critérios de
atendimento, para que se compreenda o espaço em que nossos sujeitos,
147

assistentes sociais, estão inseridos. Apesar das diferenças entre as entidades,


alguns aspectos comuns podem ser destacados:
• Todas possuem uma forte tradição no município, seja pelo tempo que
atuam ou pelo serviço que prestam.
• Majoritariamente, são financiadas pelo Estado, por meio de convênios
com o município; algumas tendo mais de um convênio com o município
e, ainda, nas esferas estadual e a municipal.
• Há contrapartida dessas entidades; algumas possuem mantenedoras
ou buscam recursos por meio de captação entre a sociedade.
• Nesse trabalho de captação é forte a presença do assistente social,
sendo feito, muitas vezes, de forma voluntária.
• Evidenciou-se a preocupação que o voluntariado não interfira na
qualidade do atendimento, principalmente, quando se envolve o
contato direto com as crianças.

Em nossas análises, procuramos destacar pontos de convergência nas


entrevistas, ou outros que chamaram a atenção. Aqui temos apresentado as
dificuldades a serem superadas e os caminhos que estão sendo construídos por
essas profissionais; muitas dessas dificuldades extrapolam a limite profissional,
sendo marcadas por característica conjunturais. O que percebemos, sobretudo, é
que essas assistentes sociais estão dando a sua contribuição no que é possível;
talvez até uma contribuição pequena, mas que colabora na reversão dos problemas
apresentados. Assim seguem algumas considerações:

• Primeiramente, são profissionais com rica experiência no exercício do


Serviço Social, sendo que a profissional que possui o menor tempo de
trabalho já conta com sete anos de atuação. Também relataram gostar
do trabalho que realizam, são comprometidas e conhecem o segmento
(pessoas com deficiência e educação) com o qual trabalham. Elas
participaram da pesquisa com envolvimento, dando acréscimos às
perguntas; desde o primeiro contato realizado colocaram-se à
disposição. Acredito que todo esse diferencial encontrado nessas
148

profissionais, em partes, relaciona-se à busca por sujeitos que, em


paralelo ao Serviço Social, atuavam nos conselhos de direito.

• Sentimos que o projeto ético-político se expressa na busca pela


qualidade do atendimento, e na luta para o cumprimento dos direitos
sociais; esta não é uma fala abstrata; tal posicionamento é percebido
no relato das práticas.

• Percebemos que o trabalho do assistente social perpassa quase todos


os campos da entidade, ele é um profissional que desempenha uma
papel importante, colabora para coesão da equipe, auxilia na formação
dos profissionais que não são de nível superior, assessora a direção e
os outros profissionais. Assim, podemos concluir que esses assistentes
sociais compreendem a importância do trabalho em equipe no
desenvolvimento de projetos e buscam agregar à sua prática o
conhecimento de outras áreas. Alguns profissionais ainda sentem
dificuldades nesse trabalho: não há troca de conhecimentos e os
profissionais trabalham paralelamente

• Quanto ao trabalho próprio do Serviço Social ou atribuição, todas se


reportaram ao trabalho com famílias; este está fortemente colocado
para o Serviço Social, no sentido de conhecer a realidade da família,
construir vínculo com ela. O sujeito I apontou uma face interessante do
trabalho com famílias: ele utiliza da estratégia da abordagem grupal
para trabalhar temas relacionados aos direitos sociais e propicia maior
conhecimento sobre a legislação social, fortalecendo a autonomia das
famílias atendidas.

• O planejamento de uma forma ou de outra é realizado por todas;


quando pensamos no planejamento do cotidiano, esse foi menos
citado. Algo muito interessante foi a relação que a sujeito I fez entre
planejamento e estudo. Fato com que concordamos, visto que o
planejamento facilita a reflexão e impede a atuação tarefeira, pois ele
149

obriga o profissional a repensar o que já foi feito para melhorar os


projetos futuros.

• Uma questão que é parte do planejamento é o estudo da realidade dos


usuários. Encontramos dificuldades nos sujeitos quanto às pesquisas
neste aspecto. O perfil dos sujeitos facilita traçar estratégias e os dados
facilitam na organização e visibilidade do trabalho. Chamou-nos
atenção a assistente social III que percebe no dia-a-dia excelentes
resultados, mas não tem como apresentá-los de forma sistematizada.

• Quanto à valorização, um dado interessante foi que duas profissionais


não se sentem tão valorizadas pela instituição; já as outras vivem uma
realidade oposta. Uma relata que essa valorização está sendo
construída; a outra tem o reconhecimento das famílias, mas sente falta
da delimitação da área técnica. Percebemos que são as mesmas
profissionais que também apresentam alguma queixa quanto à
autonomia, fazendo com que inferíssemos a relação entre valorização
profissional e autonomia. Além disso, o espaço de trabalho delas
possui uma característica comum, o fato de serem entidades de cunho
religioso, administrada por irmãs religiosas e de forma rotativa, o que
imprime ao trabalho perdas dos avanços que foram construídos com
outras gestões.

• Notamos que a demanda é um processo dinâmico; comumente, vem


das famílias atendidas. São apresentadas questões ao serviço social
relacionadas ao desemprego e falta de recursos financeiros. Essa
demanda é variada, justifica-se por atender às famílias como um todo;
exige-se um trabalho ampliado. A assistente social IV atende demanda
por informações, publiciza essas informações para que as pessoas
alcancem seus direitos; seu entendimento é que o trabalho deve atingir
a coletividade do município.

• Quanto ao trabalho em rede, percebe-se que os profissionais


encontram-se bem articulados e possuem bons conhecimentos de seu
150

parceiro. Ainda há dificuldades e, como analisamos muitas delas, por


falta de vontade política do poder público em assumir seu papel de
gestor da rede. O SUAS, embora traga esperanças, ainda não é uma
realidade em todos os municípios e falta às entidades conhecê-lo
mais. Essas assistentes sociais, enquanto conselheiras, relataram
buscar capacitação para as entidades de seus respectivos municípios.

• Visão do público X privado: para a primeira entrevistada, o “terceiro


setor” permitiu o desenvolvimento de sua criatividade, por meio de
projetos; ela e as outras profissionais entendem o público como um
espaço marcado pelo excesso de burocracia, o que dificulta um
acompanhamento sistemático. Já o trabalho no terceiro facilita a
construção de vínculos, por ocorrer durante o ano e não ter
característica emergencial. A assistente social IV trouxe uma outra
experiência a do espaço empresarial; em comparação às empresas,
entende que o terceiro setor tem mais possibilidades, porém sente falta
da organização que encontrou lá, destacou que espera que a PNAS
traga diretrizes às entidades.

• Uma dificuldade encontrada foi que apenas uma profissional conseguiu


continuar seus estudos na pós-graduação; destacamos que todas as
outras buscam formas possíveis de capacitação, como internet. e
participação em encontros e seminários. A falta de oportunidade de
aprofundar os estudos na pós-graduação é preocupante, já que o
conhecimento é o principal instrumento de trabalho do assistente social
e essas alternativas não substituem o espaço acadêmico. Acrescento
que todas têm bom embasamento na legislação; o Estatuto da Criança
e Adolescente foi a lei mais citada, já que trabalham tendo por público-
alvo crianças e adolescentes. Elas relataram buscar leituras a partir
das necessidades identificadas no espaço de trabalho, visando à
melhoria do atendimento.
151

• As profissionais têm consciência de que as entidades precisam buscar


qualidade e ser mais bem estruturadas. Consideram as entidades um
parceiro importante do público na cobertura dos serviços, inclusive no
trabalho de prevenção. A assistente social IV relata a necessidade de
planificar as entidades para que a contrapartida seja o trabalho naquilo
que o município necessita e de forma profissionalizada, pautada na
legislação social.

• Conexão com o projeto ético-político, quando respeita o


direcionamento do sujeito usuário no processo, considerando seu
desejo, sua cultura. Muitas vezes os sujeitos entrevistados remeteram
à democratização da informação, visando à autonomia, o poder do
usuário sobre os seus projetos de vida.

• As profissionais ocupam os espaços de participação popular


efetivamente, enquanto conselheiras, colaboram com o conhecimento
da realidade adquirido no contato diário com as necessidades da
população, facilitando o monitoramento e avaliação, além de realizarem
um trabalho de democratização dessas informações na sociedade civil.
Positivamente, a presença nos conselhos é atrelada à consciência do
trabalho; há também quem entenda essa atuação como parte
integrante do trabalho do Serviço Social ou até mesmo um meio de
criar possibilidades de intervenção na realidade.

• Não encontramos profissionais participando de partidos políticos ou


movimentos sociais. Observamos uma certa descrença quanto aos
partidos políticos existentes, falta de identificação com os mesmos.
Muitos assistentes sociais sofrem pressões políticas, por pessoas que
não primam pela ética, principalmente, em períodos eleitorais. Assim,
percebemos o receio que a assistente social IV tem de que o Serviço
Social seja utilizado como instrumento eleitoreiro. Em nossa atuação
profissional também é comum encontrar profissionais que sofrem
situação semelhante. Importante lembrar que a referida profissional
152

busca outras formas de participação política, como o abaixo-assinado;


foi forma que encontrou de não deixar de atuar.

O desafio de enfrentar teoricamente o terceiro setor, enquanto mercado de


trabalho não se esgota aqui; existem muitos pontos a serem aprofundados, outros
em que nem pudemos tocar aqui. Encerro este trabalho com a fala de uma de
nossas entrevistadas, que consideramos um dos trechos mais valiosos para esta
dissertação; ela conseguiu expor, por meio de sua atuação, do exercício profissional
que realiza todos os dias, o compromisso ético-político dessa profissão que, para
muitos, só cabe na teoria:

Outra coisa importante na nossa área é exatamente isso, que você no mínimo
conheça os recursos que tem o município, pra daí você poder falar em políticas públicas.
Porque não adianta ficar sentado aqui falando, falando o que precisa, mas eu não tenha
atuação fora daqui. Você tem um tempo aqui, mas a atuação de sua tem que ser realmente
mais lá fora, para trabalhar mesmo essa questão das políticas públicas, porque as pessoas
daqui também serão beneficiadas. O meu olhar sempre em termos de município e não só da
entidade, porque as crianças estão por um tempo aqui, mas elas estão inseridas no contexto
do município. Então a como você consegue? Você pode conseguir, mas não pode ser
pontual, as coisas têm que ser de direito. Porque falam: Ah, eu não consigo tal coisa. Então
você faz para mim? Você consegue, você pode ligar, você pode tentar marcar sabe, uma
consulta essas coisas assim. Política pública também isso, se ela é pública é para mim, é
para você, é para todo mundo, então eu não preciso da intervenção de alguém. Então
assim, cada vez que eu preciso de alguém para intervir numa coisa que é de direito, ela não
pode ser política pública. Eu acho que trabalho nosso tem que ser exatamente nesse
sentido que todos tenham direito, que todos tenham acesso a todas as políticas e não
determinadas pessoas. Essa é a briga. (Sujeito IV).

De fato, é uma briga o que travamos em muitos lugares e estar disposto a


entrar na arena é o que faz valer nosso trabalho, é o que nos afasta da apatia e faz
com que tenhamos esperanças em alcançarmos a tão desejada “nova ordem
societária, sem dominação-exploração de classe, etnia e gênero”.

Aqui converge também a discussão da apreensão da realidade


enquanto atitude política, visando a não acomodação perante os
desafios e não rotinização do trabalho, mantendo essa situação
153

profissional centrada na posição ético-política de defesa da vida e da


não manutenção da desigualdade inerente ao “status quo”.
(ANDRADE, 2006, p. 153).

Por fim, esclareço o quão importante foi o contato com os sujeitos e com a
realidade por eles apresentada. Isto possibilitou repensar teorias, sendo até mesmo
possível, uma mudança em nossa visão após as entrevistas. Hoje a ponderação faz-
se mais presente em nossas análises e entendemos que ainda falte muito estudo
para compreensão desse fenômeno e, mais do que negá-lo, também é preciso fazer
o exercício de refletir sobre suas possibilidades. Acreditamos que encontramos
profissionais que estão fazendo isso. Envolvidas com o trabalho institucional,
descobriram pontos positivos a serem explorados no atendimento aos usuários que
buscam o Serviço Social, ou seja, estão na direção de superar as dificuldades e
construir os caminhos.
154

Uma nota sobre as limitações desse estudo

“Esse movimento em espiral e por aproximações sucessivas exige do


pesquisador um processo de decisão sobre o que se deve abstrair e
o que não se deve, sobre a definição do problema a ser investigado e
sobre os elementos essenciais desse problema.” (BERING;
BOSCHETTI, 2006, p. 42).

Essa dissertação tem inúmeras e evidentes limitações, justificadas pelo seu próprio
objeto. Primeiramente, destaco que se tratou de um tema extenso, que exigiu a abordagem
de vários temas a fim de que conseguíssemos situar nosso objeto na contemporaneidade.
Houve, ainda, temas que abarcam inúmeras questões, como o “terceiro setor”, seja pela sua
complexidade que, como analisado, está imbricada na sua heterogeneidade, ou até mesmo
pelas opiniões dos pesquisadores que divergem a seu respeito, porque esse espaço não
permite apresentá-las de modo satisfatório, mas cuidou-se para que estas estivessem
apenas representadas pelos seus principais pensadores. Além do que, creio que, na
verdade, meu objeto contém em si, ao menos, dois grandes temas: o terceiro setor e o
trabalho do assistente social. Ambos, isoladamente, poderiam ser o meu objeto de pesquisa.
Mas eu só encontraria as respostas que procuro e só seria possível realizar esse estudo, se
pudesse olhá-los em sua relação e, assim, deleitar nas questões que nos desafiaram e
ainda desafiam.
155

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162

Anexos

LEI Nº 9.608, DE 18 DE FEVEREIRO DE 1998

Dispõe sobre o serviço voluntário e dá outras


providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional


decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Considera-se serviço voluntário, para fins desta Lei, a atividade não
remunerada, prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza, ou
a instituição privada de fins não lucrativos, que tenha objetivos cívicos, culturais,
educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social, inclusive mutualidade.

Parágrafo único. O serviço voluntário não gera vínculo empregatício, nem


obrigação de natureza trabalhista previdenciária ou afim.

Art. 2º O serviço voluntário será exercido mediante a celebração de termo de


adesão entre a entidade, pública ou privada, e o prestador do serviço voluntário,
dele devendo constar o objeto e as condições de seu exercício.

Art. 3º O prestador do serviço voluntário poderá ser ressarcido pelas despesas


que comprovadamente realizar no desempenho das atividades voluntárias.

Parágrafo único. As despesas a serem ressarcidas deverão estar


expressamente autorizadas pela entidade a que for prestado o serviço voluntário.

Art. 3o-A. Fica a União autorizada a conceder auxílio financeiro ao prestador de


serviço voluntário com idade de dezesseis a vinte e quatro anos integrante de família
com renda mensal per capita de até meio salário mínimo. (Incluído pela Lei nº
10.748, de 22.10.2003) (Regulamento)

§ 1o O auxílio financeiro a que se refere o caput terá valor de até R$ 150,00


(cento e cinqüenta reais) e será custeado com recursos da União por um período
máximo de seis meses, sendo destinado preferencialmente: (Incluído pela Lei nº
10.748, de 22.10.2003)
163

I - aos jovens egressos de unidades prisionais ou que estejam cumprindo


medidas sócio-educativas; e (Incluído pela Lei nº 10.748, de 22.10.2003)

II - a grupos específicos de jovens trabalhadores submetidos a maiores taxas


de desemprego. (Incluído pela Lei nº 10.748, de 22.10.2003)

§ 2o O auxílio financeiro poderá ser pago por órgão ou entidade pública ou


instituição privada sem fins lucrativos previamente cadastrados no Ministério do
Trabalho e Emprego, utilizando recursos da União, mediante convênio, ou com
recursos próprios. (Redação dada pela Lei nº 10.940, de 2004)

§ 3o É vedada a concessão do auxílio financeiro a que se refere este artigo ao


voluntário que preste serviço a entidade pública ou instituição privada sem fins
lucrativos, na qual trabalhe qualquer parente, ainda que por afinidade, até o 2o
(segundo) grau. (Redação dada pela Lei nº 10.940, de 2004)

§ 4o Para efeitos do disposto neste artigo, considera-se família a unidade


nuclear, eventualmente ampliada por outros indivíduos que com ela possuam laços
de parentesco, que forme um grupo doméstico, vivendo sob o mesmo teto e
mantendo sua economia pela contribuição de seus membros. (Incluído pela Lei nº
10.748, de 22.10.2003)

Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 5º Revogam-se as disposições em contrário.

Brasília, 18 de fevereiro de 1998; 177º da Independência e 110º da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO


Paulo Paiva
164

LEI Nº 9.637, DE 15 DE MAIO DE 1998.

Dispõe sobre a qualificação de entidades


como organizações sociais, a criação do
Programa Nacional de Publicização, a
extinção dos órgãos e entidades que
menciona e a absorção de suas atividades
por organizações sociais, e dá outras
providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu


sanciono a seguinte Lei:

CAPÍTULO I

DAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS

Seção I

Da Qualificação

Art. 1o O Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de
direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa
científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à
cultura e à saúde, atendidos aos requisitos previstos nesta Lei.

Art. 2o São requisitos específicos para que as entidades privadas referidas no artigo anterior
habilitem-se à qualificação como organização social:

I - comprovar o registro de seu ato constitutivo, dispondo sobre:

a) natureza social de seus objetivos relativos à respectiva área de atuação;

b) finalidade não-lucrativa, com a obrigatoriedade de investimento de seus excedentes


financeiros no desenvolvimento das próprias atividades;

c) previsão expressa de a entidade ter, como órgãos de deliberação superior e de direção, um


165

conselho de administração e uma diretoria definidos nos termos do estatuto, asseguradas


àquele composição e atribuições normativas e de controle básicas previstas nesta Lei;

d) previsão de participação, no órgão colegiado de deliberação superior, de representantes do


Poder Público e de membros da comunidade, de notória capacidade profissional e idoneidade
moral;

e) composição e atribuições da diretoria;

f) obrigatoriedade de publicação anual, no Diário Oficial da União, dos relatórios financeiros e


do relatório de execução do contrato de gestão;

g) no caso de associação civil, a aceitação de novos associados, na forma do estatuto;

h) proibição de distribuição de bens ou de parcela do patrimônio líquido em qualquer hipótese,


inclusive em razão de desligamento, retirada ou falecimento de associado ou membro da
entidade;

i) previsão de incorporação integral do patrimônio, dos legados ou das doações que lhe foram
destinados, bem como dos excedentes financeiros decorrentes de suas atividades, em caso
de extinção ou desqualificação, ao patrimônio de outra organização social qualificada no
âmbito da União, da mesma área de atuação, ou ao patrimônio da União, dos Estados, do
Distrito Federal ou dos Municípios, na proporção dos recursos e bens por estes alocados;

II - haver aprovação, quanto à conveniência e oportunidade de sua qualificação como


organização social, do Ministro ou titular de órgão supervisor ou regulador da área de
atividade correspondente ao seu objeto social e do Ministro de Estado da Administração
Federal e Reforma do Estado.

Seção II

Do Conselho de Administração

Art. 3o O conselho de administração deve estar estruturado nos termos que dispuser o
respectivo estatuto, observados, para os fins de atendimento dos requisitos de qualificação, os
seguintes critérios básicos:
166

I - ser composto por:

a) 20 a 40% (vinte a quarenta por cento) de membros natos representantes do Poder Público,
definidos pelo estatuto da entidade;

b) 20 a 30% (vinte a trinta por cento) de membros natos representantes de entidades da


sociedade civil, definidos pelo estatuto;

c) até 10% (dez por cento), no caso de associação civil, de membros eleitos dentre os
membros ou os associados;

d) 10 a 30% (dez a trinta por cento) de membros eleitos pelos demais integrantes do conselho,
dentre pessoas de notória capacidade profissional e reconhecida idoneidade moral;

e) até 10% (dez por cento) de membros indicados ou eleitos na forma estabelecida pelo
estatuto;

II - os membros eleitos ou indicados para compor o Conselho devem ter mandato de quatro
anos, admitida uma recondução;

III - os representantes de entidades previstos nas alíneas "a" e "b" do inciso I devem
corresponder a mais de 50% (cinqüenta por cento) do Conselho;

IV - o primeiro mandato de metade dos membros eleitos ou indicados deve ser de dois anos,
segundo critérios estabelecidos no estatuto;

V - o dirigente máximo da entidade deve participar das reuniões do conselho, sem direito a
voto;

VI - o Conselho deve reunir-se ordinariamente, no mínimo, três vezes a cada ano e,


extraordinariamente, a qualquer tempo;

VII - os conselheiros não devem receber remuneração pelos serviços que, nesta condição,
prestarem à organização social, ressalvada a ajuda de custo por reunião da qual participem;

VIII - os conselheiros eleitos ou indicados para integrar a diretoria da entidade devem


167

renunciar ao assumirem funções executivas.

Art. 4o Para os fins de atendimento dos requisitos de qualificação, devem ser atribuições
privativas do Conselho de Administração, dentre outras:

I - fixar o âmbito de atuação da entidade, para consecução do seu objeto;

II - aprovar a proposta de contrato de gestão da entidade;

III - aprovar a proposta de orçamento da entidade e o programa de investimentos;

IV - designar e dispensar os membros da diretoria;

V - fixar a remuneração dos membros da diretoria;

VI - aprovar e dispor sobre a alteração dos estatutos e a extinção da entidade por maioria, no
mínimo, de dois terços de seus membros;

VII - aprovar o regimento interno da entidade, que deve dispor, no mínimo, sobre a estrutura,
forma de gerenciamento, os cargos e respectivas competências;

VIII - aprovar por maioria, no mínimo, de dois terços de seus membros, o regulamento próprio
contendo os procedimentos que deve adotar para a contratação de obras, serviços, compras e
alienações e o plano de cargos, salários e benefícios dos empregados da entidade;

IX - aprovar e encaminhar, ao órgão supervisor da execução do contrato de gestão, os


relatórios gerenciais e de atividades da entidade, elaborados pela diretoria;

X - fiscalizar o cumprimento das diretrizes e metas definidas e aprovar os demonstrativos


financeiros e contábeis e as contas anuais da entidade, com o auxílio de auditoria externa.

Seção III

Do Contrato de Gestão

Art. 5o Para os efeitos desta Lei, entende-se por contrato de gestão o instrumento firmado
entre o Poder Público e a entidade qualificada como organização social, com vistas à
formação de parceria entre as partes para fomento e execução de atividades relativas às
168

áreas relacionadas no art. 1o.

Art. 6o O contrato de gestão, elaborado de comum acordo entre o órgão ou entidade


supervisora e a organização social, discriminará as atribuições, responsabilidades e
obrigações do Poder Público e da organização social.

Parágrafo único. O contrato de gestão deve ser submetido, após aprovação pelo Conselho de
Administração da entidade, ao Ministro de Estado ou autoridade supervisora da área
correspondente à atividade fomentada.

Art. 7o Na elaboração do contrato de gestão, devem ser observados os princípios da


legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e, também, os seguintes
preceitos:

I - especificação do programa de trabalho proposto pela organização social, a estipulação das


metas a serem atingidas e os respectivos prazos de execução, bem como previsão expressa
dos critérios objetivos de avaliação de desempenho a serem utilizados, mediante indicadores
de qualidade e produtividade;

II - a estipulação dos limites e critérios para despesa com remuneração e vantagens de


qualquer natureza a serem percebidas pelos dirigentes e empregados das organizações
sociais, no exercício de suas funções.

Parágrafo único. Os Ministros de Estado ou autoridades supervisoras da área de atuação da


entidade devem definir as demais cláusulas dos contratos de gestão de que sejam signatários.

Seção IV

Da Execução e Fiscalização do Contrato de Gestão

Art. 8o A execução do contrato de gestão celebrado por organização social será fiscalizada
pelo órgão ou entidade supervisora da área de atuação correspondente à atividade
fomentada.

§ 1o A entidade qualificada apresentará ao órgão ou entidade do Poder Público supervisora


signatária do contrato, ao término de cada exercício ou a qualquer momento, conforme
169

recomende o interesse público, relatório pertinente à execução do contrato de gestão,


contendo comparativo específico das metas propostas com os resultados alcançados,
acompanhado da prestação de contas correspondente ao exercício financeiro.

§ 2o Os resultados atingidos com a execução do contrato de gestão devem ser analisados,


periodicamente, por comissão de avaliação, indicada pela autoridade supervisora da área
correspondente, composta por especialistas de notória capacidade e adequada qualificação.

§ 3o A comissão deve encaminhar à autoridade supervisora relatório conclusivo sobre a


avaliação procedida.

Art. 9o Os responsáveis pela fiscalização da execução do contrato de gestão, ao tomarem


conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade na utilização de recursos ou bens de
origem pública por organização social, dela darão ciência ao Tribunal de Contas da União, sob
pena de responsabilidade solidária.

Art. 10. Sem prejuízo da medida a que se refere o artigo anterior, quando assim exigir a
gravidade dos fatos ou o interesse público, havendo indícios fundados de malversação de
bens ou recursos de origem pública, os responsáveis pela fiscalização representarão ao
Ministério Público, à Advocacia-Geral da União ou à Procuradoria da entidade para que
requeira ao juízo competente a decretação da indisponibilidade dos bens da entidade e o
seqüestro dos bens dos seus dirigentes, bem como de agente público ou terceiro, que possam
ter enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público.

§ 1o O pedido de seqüestro será processado de acordo com o disposto nos arts. 822 e 825 do
Código de Processo Civil.

§ 2o Quando for o caso, o pedido incluirá a investigação, o exame e o bloqueio de bens,


contas bancárias e aplicações mantidas pelo demandado no País e no exterior, nos termos da
lei e dos tratados internacionais.

§ 3o Até o término da ação, o Poder Público permanecerá como depositário e gestor dos bens
e valores seqüestrados ou indisponíveis e velará pela continuidade das atividades sociais da
entidade.
170

Seção V

Do Fomento às Atividades Sociais

Art. 11. As entidades qualificadas como organizações sociais são declaradas como entidades
de interesse social e utilidade pública, para todos os efeitos legais.

Art. 12. Às organizações sociais poderão ser destinados recursos orçamentários e bens
públicos necessários ao cumprimento do contrato de gestão.

§ 1° São assegurados às organizações sociais os créditos previstos no orçamento e as


respectivas liberações financeiras, de acordo com o cronograma de desembolso previsto no
contrato de gestão.

§ 2o Poderá ser adicionada aos créditos orçamentários destinados ao custeio do contrato de


gestão parcela de recursos para compensar desligamento de servidor cedido, desde que haja
justificativa expressa da necessidade pela organização social.

§ 3o Os bens de que trata este artigo serão destinados às organizações sociais, dispensada
licitação, mediante permissão de uso, consoante cláusula expressa do contrato de gestão.

Art. 13. Os bens móveis públicos permitidos para uso poderão ser permutados por outros de
igual ou maior valor, condicionado a que os novos bens integrem o patrimônio da União.

Parágrafo único. A permuta de que trata este artigo dependerá de prévia avaliação do bem e
expressa autorização do Poder Público.

Art. 14. É facultado ao Poder Executivo a cessão especial de servidor para as organizações
sociais, com ônus para a origem.

§ 1o Não será incorporada aos vencimentos ou à remuneração de origem do servidor cedido


qualquer vantagem pecuniária que vier a ser paga pela organização social.

§ 2o Não será permitido o pagamento de vantagem pecuniária permanente por organização


social a servidor cedido com recursos provenientes do contrato de gestão, ressalvada a
hipótese de adicional relativo ao exercício de função temporária de direção e assessoria.
171

§ 3o O servidor cedido perceberá as vantagens do cargo a que fizer juz no órgão de origem,
quando ocupante de cargo de primeiro ou de segundo escalão na organização social.

Art. 15. São extensíveis, no âmbito da União, os efeitos dos arts. 11 e 12, § 3o, para as
entidades qualificadas como organizações sociais pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos
Municípios, quando houver reciprocidade e desde que a legislação local não contrarie os
preceitos desta Lei e a legislação específica de âmbito federal.

Seção VI

Da Desqualificação

Art. 16. O Poder Executivo poderá proceder à desqualificação da entidade como organização
social, quando constatado o descumprimento das disposições contidas no contrato de gestão.

§ 1o A desqualificação será precedida de processo administrativo, assegurado o direito de


ampla defesa, respondendo os dirigentes da organização social, individual e solidariamente,
pelos danos ou prejuízos decorrentes de sua ação ou omissão.

§ 2o A desqualificação importará reversão dos bens permitidos e dos valores entregues à


utilização da organização social, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.

CAPÍTULO II

DAS DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS

Art. 17. A organização social fará publicar, no prazo máximo de noventa dias contado da
assinatura do contrato de gestão, regulamento próprio contendo os procedimentos que
adotará para a contratação de obras e serviços, bem como para compras com emprego de
recursos provenientes do Poder Público.

Art. 18. A organização social que absorver atividades de entidade federal extinta no âmbito da
área de saúde deverá considerar no contrato de gestão, quanto ao atendimento da
comunidade, os princípios do Sistema Único de Saúde, expressos no art. 198 da Constituição
Federal e no art. 7o da Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990.

Art. 19. As entidades que absorverem atividades de rádio e televisão educativa poderão
172

receber recursos e veicular publicidade institucional de entidades de direito público ou privado,


a título de apoio cultural, admitindo-se o patrocínio de programas, eventos e projetos, vedada
a veiculação remunerada de anúncios e outras práticas que configurem comercialização de
seus intervalos.

Art. 20. Será criado, mediante decreto do Poder Executivo, o Programa Nacional de
Publicização - PNP, com o objetivo de estabelecer diretrizes e critérios para a qualificação de
organizações sociais, a fim de assegurar a absorção de atividades desenvolvidas por
entidades ou órgãos públicos da União, que atuem nas atividades referidas no art. 1o, por
organizações sociais, qualificadas na forma desta Lei, observadas as seguintes diretrizes:

I - ênfase no atendimento do cidadão-cliente;

II - ênfase nos resultados, qualitativos e quantitativos nos prazos pactuados;

III - controle social das ações de forma transparente.

Art. 21. São extintos o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, integrante da estrutura do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, e a Fundação
Roquette Pinto, entidade vinculada à Presidência da República.

§ 1o Competirá ao Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado supervisionar o


processo de inventário do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, a cargo do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, cabendo-lhe realizá-lo para a
Fundação Roquette Pinto.

§ 2o No curso do processo de inventário da Fundação Roquette Pinto e até a assinatura do


contrato de gestão, a continuidade das atividades sociais ficará sob a supervisão da
Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República.

§ 3o É o Poder Executivo autorizado a qualificar como organizações sociais, nos termos desta
Lei, as pessoas jurídicas de direito privado indicadas no Anexo I, bem assim a permitir a
absorção de atividades desempenhadas pelas entidades extintas por este artigo.

§ 4o Os processos judiciais em que a Fundação Roquette Pinto seja parte, ativa ou


passivamente, serão transferidos para a União, na qualidade de sucessora, sendo
173

representada pela Advocacia-Geral da União.

Art. 22. As extinções e a absorção de atividades e serviços por organizações sociais de que
trata esta Lei observarão os seguintes preceitos:

I - os servidores integrantes dos quadros permanentes dos órgãos e das entidades extintos
terão garantidos todos os direitos e vantagens decorrentes do respectivo cargo ou emprego e
integrarão quadro em extinção nos órgãos ou nas entidades indicados no Anexo II, sendo
facultada aos órgãos e entidades supervisoras, ao seu critério exclusivo, a cessão de servidor,
irrecusável para este, com ônus para a origem, à organização social que vier a absorver as
correspondentes atividades, observados os §§ 1o e 2o do art. 14;

II - a desativação das unidades extintas será realizada mediante inventário de seus bens
imóveis e de seu acervo físico, documental e material, bem como dos contratos e convênios,
com a adoção de providências dirigidas à manutenção e ao prosseguimento das atividades
sociais a cargo dessas unidades, nos termos da legislação aplicável em cada caso;

III - os recursos e as receitas orçamentárias de qualquer natureza, destinados às unidades


extintas, serão utilizados no processo de inventário e para a manutenção e o financiamento
das atividades sociais até a assinatura do contrato de gestão;

IV - quando necessário, parcela dos recursos orçamentários poderá ser reprogramada,


mediante crédito especial a ser enviado ao Congresso Nacional, para o órgão ou entidade
supervisora dos contratos de gestão, para o fomento das atividades sociais, assegurada a
liberação periódica do respectivo desembolso financeiro para a organização social;

V - encerrados os processos de inventário, os cargos efetivos vagos e os em comissão serão


considerados extintos;

VI - a organização social que tiver absorvido as atribuições das unidades extintas poderá
adotar os símbolos designativos destes, seguidos da identificação "OS".

§ 1o A absorção pelas organizações sociais das atividades das unidades extintas efetivar-se-á
mediante a celebração de contrato de gestão, na forma dos arts. 6o e 7o.

§ 2o Poderá ser adicionada às dotações orçamentárias referidas no inciso IV parcela dos


174

recursos decorrentes da economia de despesa incorrida pela União com os cargos e funções
comissionados existentes nas unidades extintas.

Art. 23. É o Poder Executivo autorizado a ceder os bens e os servidores da Fundação


Roquette Pinto no Estado do Maranhão ao Governo daquele Estado.

Art. 24. São convalidados os atos praticados com base na Medida Provisória no 1.648-7, de 23
de abril de 1998.

Art. 25. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 15 de maio de 1998; 177o da Independência e 110o da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO


Pedro Malan
Paulo Paiva
José Israel Vargas
Luiz Carlos Bresser Pereira
Clovis de Barros Carvalho
175

LEI No 9.790, DE 23 DE MARÇO DE 1999.

Dispõe sobre a qualificação de pessoas


jurídicas de direito privado, sem fins
lucrativos, como Organizações da
Sociedade Civil de Interesse Público,
institui e disciplina o Termo de Parceria, e
dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu


sanciono a seguinte Lei:

CAPÍTULO I

DA QUALIFICAÇÃO COMO ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL

DE INTERESSE PÚBLICO

Art. 1o Podem qualificar-se como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público


as pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, desde que os respectivos objetivos
sociais e normas estatutárias atendam aos requisitos instituídos por esta Lei.

§ 1o Para os efeitos desta Lei, considera-se sem fins lucrativos a pessoa jurídica de
direito privado que não distribui, entre os seus sócios ou associados, conselheiros, diretores,
empregados ou doadores, eventuais excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos,
bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de
suas atividades, e que os aplica integralmente na consecução do respectivo objeto social.

§ 2o A outorga da qualificação prevista neste artigo é ato vinculado ao cumprimento dos


requisitos instituídos por esta Lei.

Art. 2o Não são passíveis de qualificação como Organizações da Sociedade Civil de


Interesse Público, ainda que se dediquem de qualquer forma às atividades descritas no art. 3o
desta Lei:

I - as sociedades comerciais;
176

II - os sindicatos, as associações de classe ou de representação de categoria


profissional;

III - as instituições religiosas ou voltadas para a disseminação de credos, cultos, práticas


e visões devocionais e confessionais;

IV - as organizações partidárias e assemelhadas, inclusive suas fundações;

V - as entidades de benefício mútuo destinadas a proporcionar bens ou serviços a um


círculo restrito de associados ou sócios;

VI - as entidades e empresas que comercializam planos de saúde e assemelhados;

VII - as instituições hospitalares privadas não gratuitas e suas mantenedoras;

VIII - as escolas privadas dedicadas ao ensino formal não gratuito e suas mantenedoras;

IX - as organizações sociais;

X - as cooperativas;

XI - as fundações públicas;

XII - as fundações, sociedades civis ou associações de direito privado criadas por órgão
público ou por fundações públicas;

XIII - as organizações creditícias que tenham quaisquer tipo de vinculação com o sistema
financeiro nacional a que se refere o art. 192 da Constituição Federal.

Art. 3o A qualificação instituída por esta Lei, observado em qualquer caso, o princípio da
universalização dos serviços, no respectivo âmbito de atuação das Organizações, somente
será conferida às pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujos objetivos
sociais tenham pelo menos uma das seguintes finalidades:

I - promoção da assistência social;

II - promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico;


177

III - promoção gratuita da educação, observando-se a forma complementar de


participação das organizações de que trata esta Lei;

IV - promoção gratuita da saúde, observando-se a forma complementar de participação


das organizações de que trata esta Lei;

V - promoção da segurança alimentar e nutricional;

VI - defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do


desenvolvimento sustentável;

VII - promoção do voluntariado;

VIII - promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza;

IX - experimentação, não lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos e de sistemas


alternativos de produção, comércio, emprego e crédito;

X - promoção de direitos estabelecidos, construção de novos direitos e assessoria jurídica


gratuita de interesse suplementar;

XI - promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de


outros valores universais;

XII - estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas, produção e


divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos que digam respeito às
atividades mencionadas neste artigo.

Parágrafo único. Para os fins deste artigo, a dedicação às atividades nele previstas
configura-se mediante a execução direta de projetos, programas, planos de ações correlatas,
por meio da doação de recursos físicos, humanos e financeiros, ou ainda pela prestação de
serviços intermediários de apoio a outras organizações sem fins lucrativos e a órgãos do setor
público que atuem em áreas afins.

Art. 4o Atendido o disposto no art. 3o, exige-se ainda, para qualificarem-se como
Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, que as pessoas jurídicas interessadas
178

sejam regidas por estatutos cujas normas expressamente disponham sobre:

I - a observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade,


economicidade e da eficiência;

II - a adoção de práticas de gestão administrativa, necessárias e suficientes a coibir a


obtenção, de forma individual ou coletiva, de benefícios ou vantagens pessoais, em
decorrência da participação no respectivo processo decisório;

III - a constituição de conselho fiscal ou órgão equivalente, dotado de competência para


opinar sobre os relatórios de desempenho financeiro e contábil, e sobre as operações
patrimoniais realizadas, emitindo pareceres para os organismos superiores da entidade;

IV - a previsão de que, em caso de dissolução da entidade, o respectivo patrimônio líquido


será transferido a outra pessoa jurídica qualificada nos termos desta Lei, preferencialmente
que tenha o mesmo objeto social da extinta;

V - a previsão de que, na hipótese de a pessoa jurídica perder a qualificação instituída por


esta Lei, o respectivo acervo patrimonial disponível, adquirido com recursos públicos durante o
período em que perdurou aquela qualificação, será transferido a outra pessoa jurídica
qualificada nos termos desta Lei, preferencialmente que tenha o mesmo objeto social;

VI - a possibilidade de se instituir remuneração para os dirigentes da entidade que atuem


efetivamente na gestão executiva e para aqueles que a ela prestam serviços específicos,
respeitados, em ambos os casos, os valores praticados pelo mercado, na região
correspondente a sua área de atuação;

VII - as normas de prestação de contas a serem observadas pela entidade, que


determinarão, no mínimo:

a) a observância dos princípios fundamentais de contabilidade e das Normas Brasileiras


de Contabilidade;

b) que se dê publicidade por qualquer meio eficaz, no encerramento do exercício fiscal, ao


relatório de atividades e das demonstrações financeiras da entidade, incluindo-se as certidões
negativas de débitos junto ao INSS e ao FGTS, colocando-os à disposição para exame de
179

qualquer cidadão;

c) a realização de auditoria, inclusive por auditores externos independentes se for o caso,


da aplicação dos eventuais recursos objeto do termo de parceria conforme previsto em
regulamento;

d) a prestação de contas de todos os recursos e bens de origem pública recebidos pelas


Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público será feita conforme determina o
parágrafo único do art. 70 da Constituição Federal.

Parágrafo único. É permitida a participação de servidores públicos na composição de


conselho de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, vedada a percepção de
remuneração ou subsídio, a qualquer título.(Incluído pela Lei nº 10.539, de 2002)

Art. 5o Cumpridos os requisitos dos arts. 3o e 4o desta Lei, a pessoa jurídica de direito
privado sem fins lucrativos, interessada em obter a qualificação instituída por esta Lei, deverá
formular requerimento escrito ao Ministério da Justiça, instruído com cópias autenticadas dos
seguintes documentos:

I - estatuto registrado em cartório;

II - ata de eleição de sua atual diretoria;

III - balanço patrimonial e demonstração do resultado do exercício;

IV - declaração de isenção do imposto de renda;

V - inscrição no Cadastro Geral de Contribuintes.

Art. 6o Recebido o requerimento previsto no artigo anterior, o Ministério da Justiça


decidirá, no prazo de trinta dias, deferindo ou não o pedido.

§ 1o No caso de deferimento, o Ministério da Justiça emitirá, no prazo de quinze dias da


decisão, certificado de qualificação da requerente como Organização da Sociedade Civil de
Interesse Público.

§ 2o Indeferido o pedido, o Ministério da Justiça, no prazo do § 1o, dará ciência da


180

decisão, mediante publicação no Diário Oficial.

§ 3o O pedido de qualificação somente será indeferido quando:

I - a requerente enquadrar-se nas hipóteses previstas no art. 2o desta Lei;

II - a requerente não atender aos requisitos descritos nos arts. 3o e 4o desta Lei;

III - a documentação apresentada estiver incompleta.

Art. 7o Perde-se a qualificação de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, a


pedido ou mediante decisão proferida em processo administrativo ou judicial, de iniciativa
popular ou do Ministério Público, no qual serão assegurados, ampla defesa e o devido
contraditório.

Art. 8o Vedado o anonimato, e desde que amparado por fundadas evidências de erro ou
fraude, qualquer cidadão, respeitadas as prerrogativas do Ministério Público, é parte legítima
para requerer, judicial ou administrativamente, a perda da qualificação instituída por esta Lei.

CAPÍTULO II

DO TERMO DE PARCERIA

Art. 9o Fica instituído o Termo de Parceria, assim considerado o instrumento passível de


ser firmado entre o Poder Público e as entidades qualificadas como Organizações da
Sociedade Civil de Interesse Público destinado à formação de vínculo de cooperação entre as
partes, para o fomento e a execução das atividades de interesse público previstas no art. 3o
desta Lei.

Art. 10. O Termo de Parceria firmado de comum acordo entre o Poder Público e as
Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público discriminará direitos, responsabilidades
e obrigações das partes signatárias.

§ 1o A celebração do Termo de Parceria será precedida de consulta aos Conselhos de


Políticas Públicas das áreas correspondentes de atuação existentes, nos respectivos níveis de
governo.
181

§ 2o São cláusulas essenciais do Termo de Parceria:

I - a do objeto, que conterá a especificação do programa de trabalho proposto pela


Organização da Sociedade Civil de Interesse Público;

II - a de estipulação das metas e dos resultados a serem atingidos e os respectivos


prazos de execução ou cronograma;

III - a de previsão expressa dos critérios objetivos de avaliação de desempenho a serem


utilizados, mediante indicadores de resultado;

IV - a de previsão de receitas e despesas a serem realizadas em seu cumprimento,


estipulando item por item as categorias contábeis usadas pela organização e o detalhamento
das remunerações e benefícios de pessoal a serem pagos, com recursos oriundos ou
vinculados ao Termo de Parceria, a seus diretores, empregados e consultores;

V - a que estabelece as obrigações da Sociedade Civil de Interesse Público, entre as


quais a de apresentar ao Poder Público, ao término de cada exercício, relatório sobre a
execução do objeto do Termo de Parceria, contendo comparativo específico das metas
propostas com os resultados alcançados, acompanhado de prestação de contas dos gastos e
receitas efetivamente realizados, independente das previsões mencionadas no inciso IV;

VI - a de publicação, na imprensa oficial do Município, do Estado ou da União, conforme


o alcance das atividades celebradas entre o órgão parceiro e a Organização da Sociedade
Civil de Interesse Público, de extrato do Termo de Parceria e de demonstrativo da sua
execução física e financeira, conforme modelo simplificado estabelecido no regulamento desta
Lei, contendo os dados principais da documentação obrigatória do inciso V, sob pena de não
liberação dos recursos previstos no Termo de Parceria.

Art. 11. A execução do objeto do Termo de Parceria será acompanhada e fiscalizada por
órgão do Poder Público da área de atuação correspondente à atividade fomentada, e pelos
Conselhos de Políticas Públicas das áreas correspondentes de atuação existentes, em cada
nível de governo.

§ 1o Os resultados atingidos com a execução do Termo de Parceria devem ser


analisados por comissão de avaliação, composta de comum acordo entre o órgão parceiro e a
182

Organização da Sociedade Civil de Interesse Público.

§ 2o A comissão encaminhará à autoridade competente relatório conclusivo sobre a


avaliação procedida.

§ 3o Os Termos de Parceria destinados ao fomento de atividades nas áreas de que trata


esta Lei estarão sujeitos aos mecanismos de controle social previstos na legislação.

Art. 12. Os responsáveis pela fiscalização do Termo de Parceria, ao tomarem


conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade na utilização de recursos ou bens de
origem pública pela organização parceira, darão imediata ciência ao Tribunal de Contas
respectivo e ao Ministério Público, sob pena de responsabilidade solidária.

Art. 13. Sem prejuízo da medida a que se refere o art. 12 desta Lei, havendo indícios
fundados de malversação de bens ou recursos de origem pública, os responsáveis pela
fiscalização representarão ao Ministério Público, à Advocacia-Geral da União, para que
requeiram ao juízo competente a decretação da indisponibilidade dos bens da entidade e o
seqüestro dos bens dos seus dirigentes, bem como de agente público ou terceiro, que possam
ter enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público, além de outras medidas
consubstanciadas na Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992, e na Lei Complementar no 64, de 18
de maio de 1990.

§ 1o O pedido de seqüestro será processado de acordo com o disposto nos arts. 822 e
825 do Código de Processo Civil.

§ 2o Quando for o caso, o pedido incluirá a investigação, o exame e o bloqueio de bens,


contas bancárias e aplicações mantidas pelo demandado no País e no exterior, nos termos da
lei e dos tratados internacionais.

§ 3o Até o término da ação, o Poder Público permanecerá como depositário e gestor dos
bens e valores seqüestrados ou indisponíveis e velará pela continuidade das atividades
sociais da organização parceira.

Art. 14. A organização parceira fará publicar, no prazo máximo de trinta dias, contado da
assinatura do Termo de Parceria, regulamento próprio contendo os procedimentos que
adotará para a contratação de obras e serviços, bem como para compras com emprego de
183

recursos provenientes do Poder Público, observados os princípios estabelecidos no inciso I do


art. 4o desta Lei.

Art. 15. Caso a organização adquira bem imóvel com recursos provenientes da
celebração do Termo de Parceria, este será gravado com cláusula de inalienabilidade.

CAPÍTULO III

DAS DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS

Art. 16. É vedada às entidades qualificadas como Organizações da Sociedade Civil de


Interesse Público a participação em campanhas de interesse político-partidário ou eleitorais,
sob quaisquer meios ou formas.

Art. 17. O Ministério da Justiça permitirá, mediante requerimento dos interessados, livre
acesso público a todas as informações pertinentes às Organizações da Sociedade Civil de
Interesse Público.

Art. 18. As pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, qualificadas com base
em outros diplomas legais, poderão qualificar-se como Organizações da Sociedade Civil de
Interesse Público, desde que atendidos os requisitos para tanto exigidos, sendo-lhes
assegurada a manutenção simultânea dessas qualificações, até dois anos contados da data
de vigência desta Lei. (Vide Medida Provisória nº 2.216-37, de 2001)

§ 1o Findo o prazo de dois anos, a pessoa jurídica interessada em manter a qualificação


prevista nesta Lei deverá por ela optar, fato que implicará a renúncia automática de suas
qualificações anteriores. (Vide Medida Provisória nº 2.216-37, de 2001)

§ 2o Caso não seja feita a opção prevista no parágrafo anterior, a pessoa jurídica perderá
automaticamente a qualificação obtida nos termos desta Lei.

Art. 19. O Poder Executivo regulamentará esta Lei no prazo de trinta dias.

Art. 20. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 23 de março de 1999; 178o da Independência e 111o da República.


184

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO


Renan Calheiros
Pedro Mallan
Ailton Barcelos Fernandes
Paulo Renato Souza
Francisco Dornelles
Waldeck Ornélas
José Serra
Paulo Paiva
Clovis de Barros Carvalho

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