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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro Biomédico
Faculdade de Enfermagem

Charles Souza Santos

As doenças negligenciadas e suas representações sociais: um estudo com


profissionais de saúde

Rio de Janeiro
2019
0

Charles Souza Santos

As doenças negligenciadas e suas representações sociais: um estudo com profissionais de


saúde

Tese apresentada, como requisito parcial para


obtenção do título de Doutor, ao Programa de
Pós-Graduação em Enfermagem, na modalidade
de doutorado interinstitucional, da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro. Área de
Concentração: Enfermagem, Saúde e Sociedade.

Orientador: Prof. Dr. Antonio Marcos Tosoli Gomes

Rio de Janeiro
2019
1

CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/CBB

S237 Santos, Charles Souza.


As doenças negligenciadas e suas representações sociais: um estudo com
profissionais de saúde / Charles Souza Santos. - 2019.
245 f.

Orientador: Antonio Marcos Tosoli Gomes.


Tese (Doutorado Interinstitucional) – Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Faculdade de Enfermagem.

1. Doenças negligenciadas. 2. Pessoal de saúde. 3. Enfermagem. 4.


Representações sociais. I. Gomes, Antonio Marcos Tosoli. II. Universidade
do Estado do Rio de Janeiro. Faculdade de Enfermagem. III. Título.

CDU
614.253.5

Kárin Cardoso CRB7 6287

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial


desta dissertação, desde que citada a fonte.

_____________________________________ _________________________
Assinatura Data
2

Charles Souza Santos

As doenças negligenciadas e suas representações sociais: um estudo com profissionais de


saúde

Tese apresentada, como requisito parcial para


obtenção do título de Doutor, ao Programa de
Pós-Graduação em Enfermagem, na modalidade
de doutorado interinstitucional da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro. Área de
Concentração: Enfermagem, Saúde e Sociedade.
Aprovada em 12 de abril de 2019.
Banca Examinadora:
___________________________________________________
Prof. Dr. Antonio Marcos Tosoli Gomes (orientador)
Faculdade de Enfermagem UERJ

__________________________________________________
Prof.ª Dra. Denize Cristina de Oliveira
Faculdade de Enfermagem UERJ

___________________________________________________
Prof.ª Dra. Vanda Palmarella Rodrigues
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - Jequié

___________________________________________________
Prof. Dr. Sérgio Donha Yarid
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

___________________________________________________
Prof. Dr. Luis Rogério Cosme Silva Santos
Universidade Federal da Bahia

Rio de Janeiro
2019
3

DEDICATÓRIA

Ao meu pai Valdívio (in memoriam), pelo amor incondicional à nossa família. Tuas
atitudes seguem firmes e presentes em nossas lembranças e nos direcionam a simplicidade da
vida.
4

AGRADECIMENTOS

Ao meu DEUS e Senhor do meu caminho e da minha vida. Se tu é por nós, quem será
contra nós? Obrigado pelas graças derramadas em nossas vidas.
A minha querida mainha, que sempre nos incentivou nos caminhos seguros da vida e
nos fortalece com seu exemplo de força e de fé. Obrigado mainha, te amo muito!
A minha eterna namorada, parceira de toda uma vida, minha fonte inesgotável de
amor, te agradeço pelos minutos, horas e dias sempre presente ao meu lado. Meu amor
sempre será teu, minha linda Geu, te amo demais!
Ao maior presente enviado por Deus, te agradeço Arthur pela tua alegria, pelo teu
amor sincero e pela felicidade traduzida em carinho e parceria para toda a vida. Te amo filho
querido!
Aos meus queridos irmãos de longa caminhada: Verinha, Lazinho, Moreno e Flávia,
agradeço pelo apoio de todos os momentos, a vocês minha eterna gratidão pelo exemplo de
família e da forma maravilhosa de viver a vida. Agradeço também pelos preciosos presentes:
Matheus, Julia, Bruna e Daniel.
As redes familiares que se conectam constantemente por meio da disponibilidade, do
afeto e da participação direta em nossas vidas, agradeço ao núcleo de Dona Rene, Seu
Abelardo e Tai, e a outro núcleo familiar, que não poderia faltar: Seu Valmir e Dona Rita.
Obrigado pelos momentos de alegria e de apoio aos nossos sonhos.
Ao meu orientador, Tosoli, fonte de sabedoria, amizade e respeito, minha eterna
gratidão. Nossos laços foram maiores que a relação orientador-orientando, ganhei mais um
irmão para a jornada da vida.
Aos membros da banca examinadora, que com sua experiência, colaboraram com a
melhoria deste estudo, meus sinceros agradecimentos.
Aos docentes do DINTER, do PPGENF e da UESB que nos deram esta grande
oportunidade de ampliar nossos conhecimentos e favoreceram a nossa participação neste
conceituado programa, vocês foram imprescindíveis para a nossa caminhada.
Aos estudantes que constituem o grupo de pesquisa Estudos Interdisciplinares em
Saúde Coletiva e que colaboraram brilhantemente na realização deste trabalho.
A Secretaria Municipal de Saúde de Jequié e o Centro de Doenças Endêmicas, por
gentilmente cederem o campo de pesquisa para o desenvolvimento deste estudo.
Aos profissionais de saúde, participantes deste estudo, obrigado pela paciência e pela
troca de conhecimentos.
5

RESUMO

SANTOS, Charles Souza. As doenças negligenciadas e suas representações sociais: um


estudo com profissionais de saúde. 2018. 245 f. Tese (Doutorado em Enfermagem) –
Faculdade de Enfermagem, Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019.

As doenças negligenciadas são caracterizadas por um grupo de enfermidades


infecciosas que atingem principalmente a população de baixa renda nos países em
desenvolvimento, com poucos investimentos em pesquisa e tecnologia para avançar no
controle, na prevenção e tratamento medicamentoso. São assim denominadas também pelo
fato de não despertarem o interesse econômico e financeiro das grandes indústrias
farmacêuticas proporcionando a continuidade do ciclo da pobreza e diminuição da qualidade
de vida das pessoas. O objetivo geral foi analisar as representações sociais acerca das doenças
negligenciadas para os profissionais de saúde com ênfase nas dimensões conceitual e prática
destas representações. Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa, com sustentação na
Teoria das Representações Sociais, em suas abordagens processual e estrutural, realizada com
90 profissionais de saúde que atuam em instituições de atenção primária e secundária à saúde,
no município de Jequié/BA. A pesquisa aconteceu em três fases distintas, a saber: na primeira
fase aplicou-se a técnica de evocações livres, com uso do termo indutor: doenças
negligenciadas, sendo analisadas pela técnica do quadrante de quatro casas, com auxílio do
EVOC, versão 2005; na segunda etapa, retornou-se ao campo de pesquisa, para aplicar ao um
total de 27 participantes do mesmo grupo anterior, os instrumentos de testes de centralidade: a
constituição de pares pareados e os esquemas cognitivos de base. Foram analisados pela
análise de similitude e pelos índices de valência, respectivamente. Na terceira fase aplicou-se
o instrumento da entrevista em profundidade, para 27 profissionais de saúde, sendo analisados
com auxílio do IRAMUTEQ através da análise lexical mecanizada. Na análise estrutural,
identificou-se o núcleo central, com os elementos descaso e ignorância, que organizaram as
representações sociais dos profissionais de saúde em um contínuo que foi da dimensão
individual à político-social, perpassando pelas dimensões socioindividual e imagética. Com
relação ao conteúdo, no âmbito da abordagem processual, encontrou-se um corpus geral
constituído por 27 entrevistas, separados em 1.076 segmentos de textos (ST) com
aproveitamento de 1.043 STs (96,93 %). Emergiram 38.421 ocorrências (palavras, formas ou
vocábulos), sendo 2.349 palavras distintas e 978 com uma única ocorrência. O conteúdo
analisado foi categorizado em 07 classes distintas que evidenciaram as dimensões teórica e
prática das representações sociais. As representações sociais dos profissionais de saúde sobre
as doenças negligenciadas possuem uma atitude normativa, apesar de conviverem
cotidianamente em seu ambiente de trabalho com estas enfermidades. Isto implicou na
construção de julgamentos com elementos negativos, por parte dos profissionais de saúde,
sobre as condutas e práticas dos sujeitos que compõem a tríade (indivíduo, equipe de saúde e
gestores) no enfrentamento das doenças negligenciadas. Conclui-se que, as representações
sociais dos profissionais de saúde acerca das doenças negligenciadas gerenciam e influenciam
suas práticas de cuidado, modificando a realidade que os cerca e protagonizando novos
saberes e conhecimentos indispensáveis para o controle, a prevenção e o tratamento destas
entidades mórbidas.

Palavras-chave: Doenças negligenciadas. Profissionais de saúde. Enfermagem.


6

ABSTRACT

SANTOS, Charles Souza. Neglected diseases and their social representations: a study with
health professionals. 2018. 245 f. Tese (Doutorado em Enfermagem) – Faculdade de
Enfermagem, Universidade Estadual do Rio de Janeiro, 2018.

Neglected diseases are characterized by a group of infectious diseases that mainly


affect low-income people in developing countries, with little investment in research and
technology to enhance their control, prevention and drug treatment. Their denomination is due
to the fact that they do not arouse the economic and financial interest of the big
pharmaceutical industries, maintaining the continuity of the poverty cycle and diminishing the
quality of life of the people. Our general objective was to analyze the social representations
about neglected diseases in health professionals, with emphasis on the conceptual and
practical dimensions of these representations. It is a research of a qualitative nature, supported
by the Theory of Social Representations, in its procedural and structural approaches, carried
out with 90 health professionals who work in primary and secondary health care institutions,
in the municipality of Jequié, Bahia, Brazil. The research was carried out in three distinct
phases: in the first stage we used the technique of free evocations, with the inductor term:
neglected diseases, being analyzed by the four quadrants technique, with the help of EVOC,
2005 version; in the second stage, we returned to the field of research, to apply to a total of 27
participants of the same previous group the instruments of the centrality tests: the constitution
of matched pairs and the basic cognitive schemes. They were analyzed by the similitude
analysis and by the valence indices, respectively. In the third phase, we applied the instrument
of the in-depth interview to 27 health professionals, being analyzed with the help of
IRAMUTEQ through the mechanized lexical analysis. In the structural analysis, the central
nucleus was identified, with the elements neglect and ignorance, which organized the social
representations of health professionals in a continuum that went from the individual to the
social-political dimension, spanning the social-individual and imagery dimensions. Regarding
the content, in the scope of the procedural approach, a general corpus was composed of 27
interviews, separated into 1,076 text segments (TS) from which 1,043 TS (96.93%) were
used. 38,421 occurrences (words, forms or terms) emerged, being 2,349 distinct words and
978 with a single occurrence. The analyzed content was categorized into 07 distinct classes
that showed the theoretical and practical dimensions of social representations. The social
representations of the health professionals on neglected diseases show that they have a
normative attitude, although they interact daily with these diseases in their work environment.
This implied the construction of judgments with negative elements, by the health
professionals, about the behaviors and practices of the subjects that make up the triad
(individual, health team and managers) in coping with neglected diseases. It is concluded that
the social representations of the health professionals on neglected diseases manage and
influence their care practices, modifying the reality that surrounds them and playing a leading
role in new and indispensable knowledge for the control, prevention and treatment of these
morbid entities.

Keywords: Neglected diseases. Health professionals. Nursing.


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RESUMEN

SANTOS, Charles Souza. Las enfermedades descuidadas y sus representaciones sociales:


un estudio con profesionales de la salud. 2018. 245 f. Tese (Doutorado em Enfermagem) –
Faculdade de Enfermagem, Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019.

Las enfermedades descuidadas son caracterizadas por un grupo de enfermedades


infecciosas que afectan principalmente a la populación de baja renta en los países en
desarrollo, con pocas inversiones en investigación y tecnología para avanzar en el control, en
la prevención y tratamiento medicamentoso. Son así denominadas también por el hecho de no
despertar el interés económico y financiero de las grandes industrias farmacéuticas
proporcionando la continuidad del ciclo de pobreza y la disminución de la calidad de vida de
las personas. El objetivo general fue analizar las representaciones sociales acerca de las
enfermedades descuidadas para los profesionales de la salud con énfasis en las dimensiones
conceptual y práctica de estas representaciones. Se trata de una investigación de naturaleza
cualitativa, sustentada en la Teoría de las Representaciones Sociales, en sus abordajes
procesual y estructural, realizada con 90 profesionales de la salud que actúan en instituciones
de atención primaria y secundaria a la salud, en el municipio de Jequié, Bahia, Brasil. La
investigación aconteció en tres fases distintas, a saber: en la primera fase se aplicó la técnica
de evocaciones libres, con uso del término inductor: enfermedades descuidadas, siendo
analizadas por la técnica del cuadrante de cuatro casas, con auxilio del EVOC, versión 2005;
en la segunda etapa, se retornó al campo de investigación, para aplicar a un total de 27
participantes del mismo grupo anterior los instrumentos de pruebas de centralidad: la
constitución de pares pareados y los esquemas cognitivos de base. Fueron analizados por el
análisis de similitud y por los índices de valencia, respectivamente. En la tercera fase, se
aplicó el instrumento de la entrevista en profundidad, para 27 profesionales de la salud, siendo
analizado con auxilio del IRAMUTEQ a través del análisis lexical mecanizado. En el análisis
estructural, se identificó el núcleo central, con los elementos descaso e ignorancia, que
organizaron las representaciones sociales de los profesionales de la salud en un continuo que
fue de la dimensión individual a la político-social, pasando por las dimensiones socio
individual e imagética. Con relación al contenido, en el ámbito del abordaje procesual, se
encontró un corpus general constituido por 27 entrevistas, separadas en 1.076 segmentos de
textos (ST) con aprovechamiento de 1.043 STs (96,93 %). Emergieron 38.421 ocurrencias
(palabras, formas o vocablos), siendo 2.349 palabras distintas y 978 con una única ocurrencia.
El contenido analizado fue categorizado en 07 clases distintas que evidenciaron las
dimensiones teórica y práctica de las representaciones sociales. Las representaciones sociales
de los profesionales de la salud sobre las enfermedades descuidadas tienen una actitud
normativa, a pesar de convivir cotidianamente en su ambiente de trabajo con estas
enfermedades. Esto implicó la construcción de juicios con elementos negativos, por parte de
los profesionales de la salud, sobre las conductas y prácticas de los sujetos que componen la
tríade (individuo, equipo de salud y gestores) en el enfrentamiento de las enfermedades
descuidadas. Se concluye que las representaciones sociales de los profesionales de la salud
acerca de las enfermedades descuidadas gerencian e influencian sus prácticas de cuidado,
modificando la realidad que los rodea y protagonizando nuevos saberes y conocimientos
indispensables para el control, la prevención y el tratamiento de esas entidades mórbidas.

Palabras clave: Enfermedades descuidadas. Profesionales de la salud. Enfermería.


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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Quadro 1 - Quadro de quatro casas ao termo indutor “doenças negligenciadas” entre


profissionais de saúde, Jequié/BA – 2018 (n=90) ......................................... 92
Figura 1 - Árvore máxima de similitude por coocorrência das evocações dos
profissionais de saúde ao termo indutor doenças negligenciadas,
Jequié/BA – 2018 (n=90) .............................................................................. 103
Figura 2 - Árvore máxima de similitude por pares pareados das evocações dos
profissionais de saúde ao termo indutor doenças negligenciadas,
Jequié/BA- 2018 (n=90) ................................................................................ 105
Quadro 2 - Síntese das técnicas de análise dos elementos evocados pelos profissionais
de saúde ao termo indutor doenças negligenciadas, Jequié/BA –
2018................................................................................................................ 110
Figura 3 - Dendograma representativo dos eixos temáticos das representações sociais
dos profissionais de saúde sobre doenças negligenciadas, distribuídos em
classes, 2018................................................................................................... 112
Figura 4 - Distribuição das classes temáticas em eixos oriundas da classificação
hierárquica descendente, Jequié/BA - 2018................................................... 113
Figura 5 - Modelo teórico explicativo das representações sociais de profissionais de
saúde acerca das doenças negligenciadas – 2018........................................... 195
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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Objetivos de desenvolvimento da ONU para o novo milênio – 2000......... 29


Tabela 2 - Síntese de estratégias de combate às doenças negligenciadas – 2016........ 37
Tabela 3 - Casos (prevalência) de dengue no Brasil – 1990 e 2014.............................. 46
Tabela 4 - Casos novos de dengue no Brasil nos anos de 1990 e 2014........................ 46
Tabela 5 - Incidência média anual de Doença de Chagas Aguda. Brasil – 2000 –
2013 ........................................................................................................ 48
Tabela 6 - Situação da hanseníase por região da OMS no 1º trimestre de 2012.......... 49
Tabela 7 - Coeficiente de prevalência da hanseníase no Brasil – 2015........................ 50
Tabela 8 - Coeficiente de incidência da hanseníase no Brasil – 2015......................... 51
Tabela 9 - Casos positivos de esquistossomose no Brasil – 1995 a 2013................... 52
Tabela 10 - Casos confirmados de tuberculose no Brasil – 2001 a 2015....................... 53
Tabela 11 - Casos confirmados de leishmaniose visceral no Brasil – 1990 e 2014........ 54
Tabela 12 - Coeficiente de incidência da leishmaniose visceral, por 100.000 hab. no
Brasil............................................................................................................ 55
Tabela 13 - Casos confirmados de leishmaniose tegumentar no Brasil – 1990 e 2014.. 56
Tabela 14 - Coeficiente de incidência da leishmaniose tegumentar, por 100.000 hab.
Brasil............................................................................................................ 56
Tabela 15 - Distribuição dos participantes da pesquisa de acordo com a categoria
profissional, Jequié/BA – 2018................................................................. 85
Tabela 16 - Distribuição dos participantes da pesquisa segundo nível de formação
profissional, Jequié/BA – 2018................................................................. 87
Tabela 17 - Distribuição dos participantes da pesquisa de acordo com a faixa etária,
Jequié/BA – 2018..................................................................................... 88
Tabela 18 - Distribuição dos participantes da pesquisa de acordo com o tipo de
instituição de saúde do profissional, Jequié/BA – 2018.............................. 89
Tabela 19 - Distribuição dos participantes da pesquisa de acordo com o tempo na
instituição de saúde, Jequié/BA – 2018...................................................... 89
Tabela 20 - Distribuição dos participantes da pesquisa de acordo com o tempo de
formação profissional, Jequié/BA – 2018................................................... 90
10

Tabela 21 - Distribuição dos participantes da pesquisa de acordo com a religião,


Jequié/BA – 2018..................................................................................... 91
Tabela 22 - Valências descrição, praxia e atribuição do elemento “descaso” para
profissionais de saúde, Jequié/BA – 2018 (n=27) .................................... 109
Tabela 23 - Valências descrição, praxia e atribuição do elemento “ignorância” para
profissionais de saúde, Jequié/BA – 2018 (n=27) ..................................... 109
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AIDS Síndrome da Imunodeficiência Adquirida


ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária
APS Atenção Primária à Saúde
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CDC Centros de Controle e Prevenção de Doenças
CEP Comitê de Ética de Pesquisa
CHD Classificação Hierárquica Descendente
CNES Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CNS Conselho Nacional de Saúde
DALYs Dias de vida útil perdidos
DATASUS Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde
DC Doença de Chagas
DECIT Departamento de Ciências e Tecnologia
DFC Dose Fixa Combinada
DN Doenças Negligenciadas
DNDi Iniciativa de Medicamentos para Doenças Negligenciadas
DOTS Estratégia de Tratamento Supervisionado Diretamente Observado
DST Doenças Sexualmente Transmissíveis
DTN Doenças Tropicais Negligenciadas
ELISA Ensaio de Imunoabsorção Enzimática
ESF Equipe de Saúde da Família
EVOC Ensemble de Programmes Permettant l’analyses dês Evocations
FINEP Financiadora de Estudos e Projetos
FIOCRUZ Fundação Osvaldo Cruz
GTZ Gesellschatf für Technische Zusammenarbeij
HIV Vírus da Imunodeficiência Humana
IDH Índice de Desenvolvimento Humano
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
IRAMUTEQ Interface de R pour les Anlyses Multidimensionnelles de Textes et de
Questionnaires
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LTA Leishmaniose Tegumentar Americana


LV Leishmaniose Visceral
MCT Ministério da Ciência e da Tecnologia
MEC Ministério da Educação
MH Mal de Hansen
MS Ministério da Saúde
MSF Médico Sem Fronteiras
NRS Núcleo Regional de Saúde
ODM Objetivos do Novo Milênio
OMS Organização Mundial de Saúde
ONGs Organizações Não Governamentais
ONU Organização das Nações Unidas
OPAS Organização Panamericana de Saúde
PCE Programa de Controle da Esquistossomose
P&D Pesquisa e Desenvolvimento
PIEJ Centro de Doenças Endêmicas de Jequié Pirajá da Silva
PLOS Neglected Tropical Diseases Jornal
PNCT Programa Nacional de Controle da Tuberculose
PNH Programa Nacional de Humanização
PNUD Programa das Nações Unidas pelo Desenvolvimento
RAS’s Redes de Atenção à Saúde
SAFE Surgery, Antibiotic treatment, Facial cleanliness and Environmental
improvement
SCB Schemes Cognitifis de Base
SES Secretaria Estadual de Saúde
SESAB Secretaria Estadual de Saúde da Bahia
SIAB Sistema de Informação da Atenção Básica
SINAN Sistema de Informação de Agravos e Notificação
SIVEP Sistema Informatizado de Vigilância Epidemiológica
SUS Sistema Único de Saúde
TB Tuberculose
TDR Programa Especial de Pesquisa e Treinamento em Doenças Tropicais
TDO Tratamento Diretamente Observado
TNC Teoria do Núcleo Central
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TRS Teoria das Representações Sociais


UCE Unidade de Contexto Elementar
UESB Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
UNICEF Fundo das Nações Unidas pela Infância
14

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................. 17
1 REFERENCIAL TEÓRICO E METODOLÓGICO..................................... 23
1.1 As definições e os significados das doenças negligenciadas........................... 23
1.2 O enfrentamento as doenças negligenciadas no Brasil.................................. 35
1.3 A epidemiologia das doenças negligenciadas.................................................. 43
1.3.1 Dengue................................................................................................................ 45
1.3.2 Doença de Chagas............................................................................................... 47
1.3.3 Hanseníase........................................................................................................... 48
1.3.4 Esquistossomose.................................................................................................. 51
1.3.5 Tuberculose......................................................................................................... 52
1.3.6 Leishmanioses..................................................................................................... 53
1.3.7 Malária................................................................................................................ 56
1.4 A teoria das representações sociais: aspectos gerais, relação teoria
prática e produção científica do objeto de estudo.......................................... 57
2 METODOLOGIA............................................................................................. 74
2.1 Abordagem teórico-metodológica.................................................................... 74
2.2 Cenário do estudo.............................................................................................. 74
2.3 Participantes do estudo..................................................................................... 76
2.4 Estratégia de coleta de dados........................................................................... 76
2.5 Estratégia de análise de dados.......................................................................... 79
2.5.1 Análise das evocações livres............................................................................... 79
2.5.2 Análise da constituição de pares de palavras...................................................... 81
2.5.3 Análise do esquema cognitivo de base................................................................ 81
2.5.4 Análise da entrevista em profundidade............................................................... 83
2.6 Questões éticas da pesquisa.............................................................................. 84
3 APRESENTAÇÃO E DESCRIÇÃO DOS RESULTADOS.......................... 85
3.1 Caracterização dos participantes..................................................................... 85
3.2 A estrutura das representações sociais dos profissionais de saúde sobre as
doenças negligenciadas..................................................................................... 92
15

3.3 O conteúdo das representações sociais dos profissionais de saúde sobre as


doenças negligenciadas..................................................................................... 111
3.3.1 Eixo 1: Conceitos, saberes e contextos das doenças negligenciadas.................. 114
3.3.1.1 Classe 05: Concepções sobre as doenças negligenciadas: formas de
transmissão e estratégia de enfrentamento.......................................................... 114
3.3.1.2 Classe 02: Do individual ao coletivo no contexto das doenças negligenciadas:
saberes e práticas................................................................................................. 123
3.3.1.3 Classe 01: Causas das doenças negligenciadas: da dimensão individual a
dimensão social................................................................................................... 132
3.3.2 Eixo 2: Processo assistencial na prevenção, controle e tratamento das doenças
negligenciadas..................................................................................................... 142
3.3.2.1 Classe 07: As facilidades e dificuldades do processo assistencial no
tratamento das doenças negligenciadas............................................................... 142
3.3.2.2 Classe 06: O tratamento medicamentoso no contexto das doenças
negligenciadas..................................................................................................... 158
3.3.2.3 Classe 04: Condições psicológicas do indivíduo diante das doenças
negligenciadas e suas complicações.................................................................... 178
3.3.2.4 Classe 03: Unidades de saúde de assistência e referência no tratamento das
doenças negligenciadas....................................................................................... 187
4 DISCUSSÃO DOS DADOS: CAPÍTULO DE SÍNTESE............................. 194
4.1 Representações sociais de profissionais de saúde acerca das doenças
negligenciadas.................................................................................................... 194
4.2 A dimensão conceitual das representações sociais dos profissionais de
saúde acerca das doenças negligenciadas........................................................ 196
4.2.1 A concepção biomédica...................................................................................... 196
4.2.2 A concepção social.............................................................................................. 199
4.2.3 A concepção cultural........................................................................................... 205
4.3 A dimensão prática das representações sociais dos profissionais de saúde
acerca das doenças negligenciadas................................................................... 206
4.3.1 A prática individual............................................................................................. 207
4.3.2 A prática social ou coletiva................................................................................. 209
4.3.3 A prática governamental..................................................................................... 210
16

CONCLUSÕES................................................................................................. 214
REFERÊNCIAS................................................................................................ 219
APÊNDICE A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido....................... 232
APÊNDICE B – Questionário sociodemográfico para profissionais de saúde.. 235
APÊNDICE C – Instrumento de evocações livres............................................. 236
APÊNDICE D – Questionário para constituição de pares de palavras.............. 237
APÊNDICE E – Questionário para Esquemas Cognitivos de Base.................. 238
APÊNDICE F – Roteiro temático de entrevista em profundidade.................... 242
ANEXO – Parecer consubstanciado do Comitê de Ética em Pesquisa.............. 244
17

INTRODUÇÃO

As doenças negligenciadas constituem um grupo de enfermidades prevalentes nos


países em desenvolvimento, que afetam indistintamente toda a população, mas que tem tido
mais impacto em grupos populacionais em situação de vulnerabilidade social representando
um sério obstáculo ao desenvolvimento socioeconômico e a melhoria da qualidade de vida.
(OMS, 2006). São doenças que não só prevalecem em condições de pobreza, mas também
contribuem para a manutenção do quadro de desigualdade, já que representam forte entrave
ao desenvolvimento do país (BRASIL, 2010).
A Organização Mundial de Saúde (OMS) propôs a denominação doenças
negligenciadas referindo-se aquelas enfermidades, geralmente transmissíveis, que apresentam
maior ocorrência nos países em desenvolvimento, e mais negligenciadas exclusivas dos países
em desenvolvimento (GARCIA et al., 2011). Em uma época marcada pelas transformações
tecnológicas, é contraditório abordar um assunto que trata da ausência de tecnologias,
pesquisa e inovação na área de saúde: doenças negligenciadas, um grupo de afecções
transmissíveis em sua maioria causada por protozoários e transmitidas por vetores cujo
tratamento é inexistente, precário ou desatualizado (WHO, 2012a).
O programa As Grandes Doenças Negligenciadas da Humanidade, datado de 1977,
cunhou o termo “doenças negligenciadas” pela primeira vez na história. Já na década de 2000,
a OMS e os Médicos Sem Fronteiras (MSF) lançaram classificações similares reagrupando-as
em “doenças globais”, “doenças negligenciadas” e “doenças extremamente negligenciadas”.
Esse fato tornou essa nomenclatura mais comumente citada em artigos científicos e relatórios
técnicos e de gestão da saúde global (ARAÚJO; MOREIRA; AGUIAR, 2013).
O Relatório da Comissão sobre Macroeconomia e Saúde da OMS, elaborado em 2000,
apresentou uma classificação similar à do MSF, dividindo as doenças em Tipos I, II e III.
Desde então, o termo doença negligenciada tem sido utilizado para se referir a um conjunto de
agravos infecciosos e parasitários endêmicos em populações de baixa renda, localizadas,
sobretudo na África, Ásia e Américas (SOUZA, 2010). Esta classificação representa uma
evolução em relação à denominação ‘doenças tropicais’, uma vez que contempla os contextos
de desenvolvimento político, econômico e social, ultrapassando a perspectiva colonialista
associada a um determinismo geográfico (MOREL, 2006).
As doenças negligenciadas têm como características comuns a endemicidade elevada
nas áreas rurais e nas urbanas menos favorecidas de países em desenvolvimento, além da
escassez de pesquisas para o desenvolvimento de novos fármacos. Essas doenças podem
18

prejudicar o crescimento infantil e o desenvolvimento intelectual, bem como a produtividade


do trabalho. Dessa forma, as doenças negligenciadas são as que não apresentam atrativos
econômicos para o desenvolvimento de fármacos, quer seja por sua baixa prevalência, ou por
atingir população em região de baixo nível de desenvolvimento (BRASIL, 2007). Nesse
sentido, não apenas ocorrem com mais frequência em regiões empobrecidas, como também
são condições promotoras de pobreza (HOTEZ, 2006).
O primeiro relatório da OMS sobre as doenças negligenciadas discutiu os avanços da
sociedade científica para superar o impacto global destas enfermidades apontando entre outras
coisas, as principais características em comum, quais sejam: doenças que têm enorme impacto
sobre a vida dos indivíduos, famílias e comunidades com a diminuição da qualidade de vida,
perda da produtividade e agravamento da pobreza; afetam populações que tem pouca
visibilidade e voz política; não se disseminam amplamente, ou seja, representam uma ameaça
pequena para os habitantes de países de alta renda; provocam estigma e discriminação,
principalmente de meninas e mulheres; tem impacto importante sobre morbidade e
mortalidade; são relativamente negligenciadas pela pesquisa e podem ser controladas,
evitadas e possivelmente eliminadas pelo emprego de soluções eficazes e factíveis (OMS,
2012a).
Para Morel (2016), são três as causas principais da permanência das doenças
negligenciadas relacionadas ao que identificado como falhas, quais sejam: as falhas de
ciência; as falhas de mercado e as falhas de saúde pública. As falhas de ciência referem-se a
conhecimentos insuficientes, apontando para uma construção de sentidos em que a solução
das doenças negligenciadas está situada no tempo futuro. Ancoradas em soluções disponíveis
no presente, independentes de inovações científicas, as falhas de mercado dizem respeito à
situação de medicamentos ou vacinas que existem, porém disponíveis a custos proibitivos,
enquanto as falhas de saúde pública ocorrem quando estratégias terapêuticas acessíveis ou
gratuitas não chegam às populações afetadas devido a problemas de planejamento.
As doenças negligenciadas são endêmicas em 149 países e afetam mais de um bilhão
de pessoas no mundo. Um grande número destas doenças negligenciadas é causado por
parasitos e possui, pelo menos, um vetor envolvido em seu ciclo. As populações de países
pobres e em desenvolvimento tornam-se vulneráveis a contrair tais doenças, já que vivem sem
saneamento adequado e em contato com vetores de doenças e animais reservatórios de
parasitos (WHO, 2016).
O Brasil buscou, durante os últimos anos, definir um plano de ação no controle às
doenças negligenciadas por meio de investimento em pesquisa e financiamento em novas
19

tecnologias, iniciando, em 2006, o Programa de Pesquisa e Desenvolvimento em Doenças


Negligenciadas (BRASIL, 2010).
O estudo elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) apontou
uma elevada ocorrência das doenças negligenciadas no Brasil, revelando uma situação
epidemiológica preocupante que precisa ser combatida pelas práticas profissionais e ações de
desenvolvimento econômico social ao evitar a perpetuação da pobreza (GARCIA et al.,
2011). O estudo estabeleceu critérios para avaliar a situação epidemiológica das doenças
negligenciadas no Brasil, utilizando o Sistema de Informação de Agravos e Notificação
(SINAN) e consultas ao Ministério da Saúde, sendo definidas como doenças de elevada
ocorrência e endemicidade nacional a tuberculose, hanseníase, malária, doença de Chagas,
leishmanioses, esquistossomose e dengue.
No município de Jequié, os dados epidemiológicos oriundos do Sistema de Informação
da Atenção Básica (SIAB) e do programa de compilação nacional de dados o DATASUS
demonstram que das sete doenças priorizadas pelo Ministério da Saúde, cinco são endêmicas
nesta localidade: tuberculose, hanseníase, doença de Chagas, esquistossomose e as
leishmanioses. (JEQUIÉ, 2016)
Entende-se com isso que este panorama mundial, nacional e municipal fortalece a
necessidade de ampliar os estudos sobre as doenças negligenciadas tendo como ponto de
partida a análise dos conhecimentos, acerca destas doenças, dos profissionais de saúde, no
sentido de compreender o pensamento social deste grupo, envolvido no enfrentamento destas
enfermidades, sob a ótica da Teoria das Representações Sociais (TRS). Acredita-se que a TRS
viabilizará a apreensão da forma de saber e o tipo de conhecimento construído por este grupo
sobre as doenças negligenciadas, pois, segundo Moscovici (2012), a teoria das representações
sociais se são entendidas como um conjunto de explicações, crenças e ideias que possibilitam
caracterizar ou identificar um dado acontecimento, pessoa ou objeto, e, por serem resultantes
da interação social, são formas de conhecimentos construídas e compartilhadas por um grupo
social, responsável pela comunicação entre os seus sujeitos, pelos comportamentos, pelos
valores, pelas imagens e pela tomada de posição destes frente ao objeto representado.
Os conhecimentos e saberes elaborados pelos profissionais de saúde certamente
favorecerá a compreensão das atitudes e práticas para o enfrentamento das doenças
negligenciadas.
As representações sociais são conhecimentos elaborados socialmente e possuem um
objetivo prático, auxiliando na formação de uma realidade comum a um grupo
social. São elementos cognitivos, como imagens, conceitos, mas que não se limitam
apenas a essa categoria, de modo que as representações que norteiam as relações
20

interpessoais são responsáveis pela organização das condutas e das comunicações


sociais (JODELET,2001, p.36).

A partir deste pensamento, entende-se que apreender as representações sociais do


grupo envolvido no processo de enfrentamento das doenças negligenciadas poderá implicar na
construção de novos caminhos para a prevenção, o controle e o tratamento destes agravos.
Moscovici (2012) complementa esse pensamento dizendo que as representações
sociais são uma preparação para a ação, visto que direcionam o comportamento e possibilitam
a reconstrução ou modificação do ambiente onde determinado conhecimento deverá ser
utilizado. O ser humano é visto como um ser mutável e pensante, capaz de formular questões
e criar respostas, ao mesmo tempo em que compartilha esses pensamentos representados.
A partir disto, adota-se a tese de que as representações sociais dos profissionais de
saúde acerca das doenças negligenciadas gerenciam e transformam as práticas de cuidado,
modificando a realidade que os cercam e protagonizando novos saberes e conhecimentos no
controle, prevenção e tratamento destas entidades mórbidas.
A utilização da Teoria das Representações sociais pode colaborar com o entendimento
do pensamento social do grupo participante desta pesquisa, ou seja, como os profissionais de
saúde veem as doenças negligenciadas, como simbolizam e como apreendem em seus
universos de pensamento este objeto de estudo. Ao se estudar o conhecimento socialmente
elaborado e partilhado, tem-se a oportunidade de melhor compreender as práticas adotadas
pelos profissionais de saúde e ainda compreender a importância do diálogo entre o
conhecimento cientifico e o senso comum.
Diante da teoria moscoviciana, que busca a interação do pensamento entre as
dimensões individual e social, as percepções humanas sobre a realidade cotidiana tornaram-se
prontamente viáveis para análise e observação científica em vários campos, inclusive no setor
saúde. Entender as doenças negligenciadas na perspectiva psicossocial implica na construção
de saberes essenciais para intervenções ou participações da ciência na resolução de diversos
problemas encontrados neste campo social. A TRS envolve estas percepções no sentido de
produzir, modelar e orientar novas práticas voltadas para a interação entre o indivíduo e a
realidade que o cerca, onde o mesmo pode reproduzir seus pensamentos em sua prática e a
partir desta prática construir novos pensamentos em um ciclo de modificações contínuas e
dinâmicas.
Para tanto, tem-se a seguinte problemática: Como estão constituídas as representações
sociais acerca das doenças negligenciadas para os profissionais de saúde? Como estas
representações sociais podem influenciar as práticas cotidianas dos profissionais de saúde?
21

Desta maneira, tem-se por objetivo geral deste estudo: Analisar as representações
sociais acerca das doenças negligenciadas para os profissionais de saúde com ênfase nas
dimensões conceitual e prática destas representações. Ao mesmo tempo, por objetivos
específicos foram adotados os seguintes:
Descrever a estrutura e os conteúdos das representações sociais dos profissionais de
saúde sobre as doenças negligenciadas;
Identificar o núcleo central das representações sociais das doenças negligenciadas
através de técnicas específicas;
Descrever aspectos da relação das representações sociais acerca das doenças
negligenciadas com as práticas referidas pelos profissionais de saúde;
Analisar as dimensões conceitual e prática das representações sociais das doenças
negligenciadas para profissionais de saúde.
Este estudo torna-se relevante na medida em que se constata, por meio dos dados do
Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB) de Jequié, uma situação epidemiológica
preocupante, onde existe uma prevalência constante na última década, das doenças
consideradas negligenciadas. Pode-se exemplificar com a esquistossomose mansônica que
apresenta uma elevada positividade no município, intimamente ligada às condições
inadequadas de saneamento básico e a utilização de água do rio para sobrevivência,
principalmente da população desta região, que somente em 2016, teve-se mais de 270 casos
em tratamento, e ainda pelas Leishmanioses que juntas, a tegumentar e a visceral,
correspondem a um total de 90 casos neste mesmo ano. A epidemiologia apresenta esta
situação de perpetuação das doenças, que por sua vez, implica nas condições sociais
incipientes para a qualidade de vida e o aumento da pobreza extrema.
Este estudo justifica-se ainda pelo fato de perceber o impacto negativo provocado por
estas doenças, tanto na vida individual, quanto social das pessoas. Na dimensão individual
percebe-se o estigma e o preconceito, como a tuberculose e a hanseníase que são
historicamente doenças estigmatizantes e que produzem no imaginário social a intenção de
exclusão, por precaução ou por ausência de conhecimentos suficientes sobre a evolução do
combate a estas doenças. Na dimensão social tem-se a diminuição da qualidade do
crescimento e desenvolvimento infantil, causada pela leishmaniose visceral, e a diminuição da
população economicamente ativa por conta das sequelas destas enfermidades, dentre outros
exemplos que poderiam ser citados.
Como posto pela OMS, as doenças negligenciadas são evitáveis quando existem
medidas eficazes para o seu controle, portanto, a participação dos profissionais de saúde é
22

essencial para fortalecer o combate a estes agravos. Desta maneira, torna-se compreensível a
busca pelos conhecimentos e saberes elaborados por este grupo acerca das doenças
negligenciadas com o intuito de analisar as possíveis práticas que porventura, viriam a
colaborar com o desenvolvimento de medidas de prevenção, controle e tratamento destas
entidades mórbidas (WHO, 2012a).
A participação das instituições de ensino, como a universidade, pode colaborar para o
desenvolvimento de estratégias de enfrentamento às doenças negligenciadas e como não se
evidenciam estudos sobre esta temática no município, tem-se a oportunidade de discorrer
como estas instituições podem se inserir neste combate às enfermidades endêmicas. A
integração ensino-serviço-comunidade e a educação em saúde são possíveis estratégias que
podem ser concretizadas a partir dos desdobramentos desta pesquisa.
Pensa-se que, por meio da TRS, chega-se ao processo de construção psicossocial das
doenças negligenciadas, permitindo compreender as tomadas de decisão dos grupos
envolvidos nesta temática. A partir da descoberta do pensamento social elaborado pelos
profissionais de saúde, pode-se evidenciar mudanças nas práticas cotidianas que sejam
resolutivas no combate às doenças consideradas negligenciadas.
23

1 REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO

1.1 As definições e os significados das doenças negligenciadas

As doenças negligenciadas são caracterizadas por um grupo de enfermidades


infecciosas que atingem principalmente a população de baixa renda nos países em
desenvolvimento, com poucos investimentos em pesquisa e tecnologia para avançar no
controle, na prevenção e tratamento medicamentoso. São assim denominadas também pelo
fato de não despertarem o interesse econômico e financeiro das grandes indústrias
farmacêuticas proporcionando a continuidade do ciclo da pobreza e diminuição da qualidade
de vida das pessoas. As doenças negligenciadas são o conjunto de doenças causadas por
agentes infecto-parasitários que produzem importante dano físico, cognitivo e
socioeconômico em crianças e adolescentes, principalmente, em comunidades de baixa renda.
(MATHERS et. al., 2012).
São consideradas doenças negligenciadas, as enfermidades caracterizadas por
incidirem (principalmente) em regiões tropicais, por serem mortais ou muito graves e
afetarem um país ou região de maneira endêmica e pelo fato das opções para o tratamento não
existirem, serem inadequadas (podendo inclusive ser tóxicas) ou ultrapassadas e com pouca
eficácia. (TROULLER et. al., 2001). Refere-se às doenças negligenciadas como doenças
infecciosas de grande importância na saúde pública que deixaram de receber atenção
adequada por parte da ciência como um todo (LEVI, 2015).
De acordo com a OMS, as doenças tropicais são um grupo de doenças, geralmente de
origem infecciosa, que ocorrem apenas ou exclusivamente nos trópicos (em torno da linha do
Equador, entre os trópicos de Câncer e Capricórnio). O clima em associação com pobreza,
condições inadequadas de saneamento e degradação ambiental são considerados fatores
importantes para a disseminação destas doenças nesta região (WHO, 2012b).
Durante a construção destas definições utilizaram-se os termos: doença tropical,
doença negligenciada e doença promotora de pobreza. A OMS e os diversos cientistas que
compõem as sociedades médicas de doenças tropicais iniciaram as discussões sobre estas
definições e seus significados. Pretende-se discutir tais definições por meio da evolução
histórica do desenvolvimento científico e a influência na formação da construção social dos
significados sobre as doenças negligenciadas.
As definições abordadas remetem a causalidade e características das doenças
consideradas negligenciadas, ao tempo em que reflete a ideia de determinismo geográfico ao
24

utilizar o termo tropical. No que diz respeito à causalidade, os autores apresentam a interface
entre os aspectos biológico (agentes infecto-parasitários) e social (atingem população de baixa
renda), ou seja, as doenças são fortemente ligadas a um agente biológico infeccioso que se
desenvolve a partir das condições sociais que englobam a população vulnerável. Isto permite
afirmar que as doenças possuem causas complexas e dependem além da postura individual, da
participação coletiva da sociedade (indivíduos, gestores, profissionais de saúde) para mediar
ações eficazes para o controle, prevenção e tratamento.
As características das doenças negligenciadas implicam nas condições
epidemiológicas ao referir-se as tais doenças como endêmicas nas regiões tropicais; definem a
falta de interesse econômico e financeiro das grandes indústrias farmacêuticas e o pouco
investimento em pesquisa e desenvolvimento de tecnologias. Estas características refletem a
ideia do mercantilismo na saúde, isto é, o uso da saúde como moeda de troca para os
interesses capitalistas e não como um bem comum e de uso adequado para a qualidade de vida
das pessoas e ainda a necessidade de observar os aspectos epidemiológicos que informam a
endemicidade destas doenças e suas possíveis ações de controle.
Enquanto ao determinismo geográfico, pode-se atribuir as influências dos cientistas
europeus e norte-americanos que no início do século XIX, aproveitando o processo de
colonização de exploração do novo continente, estabeleceram definições ainda incipientes
sobre as doenças que existiam e ainda existem nas regiões tropicais.
O termo doenças tropicais se estabeleceu no século XIX associado à expansão
colonizadora de países europeus em direção à zona tropical do planeta: América Central,
América do Sul (centro e norte), África ocidental, central e oriental, Ásia (sul e sudeste),
Austrália (norte) e diversas ilhas do Oceano Pacífico. Tal processo de colonização levou à
descoberta de novas doenças, frequentemente denominadas de patologias exóticas, mas foi à
designação de doenças tropicais que se estabeleceu de forma dominante na literatura médica,
levando inclusive à formação de sociedades de medicina tropical nos Estados Unidos e na
Inglaterra com a finalidade de estimular estudos destas doenças (EDLER, 2010).
De alguma forma, como salientou o médico parasitologista Samuel Pessoa (1898-
1976), em sua produção: Ensaios Médico-sociais (1978), o termo doença tropical carrega uma
noção colonialista de inviabilidade do florescimento de uma civilização nos trópicos devido à
fatalidade patogênica do clima quente e úmido dos trópicos. Neste contexto, disseminaram-se,
ainda, algumas ideias eugenistas, segundo as quais a possibilidade de uma civilização nos
trópicos somente existiria mediante uma intervenção dos agentes civilizatórios (brancos)
europeus e norte-americanos (PESSOA, 1978).
25

Viu-se que por meio das abordagens sobre os conceitos das doenças negligenciadas
apresentadas pelos autores, entende-se que, estes últimos, foram construídos socialmente a
partir da influência da cultura dos países europeus e norte-americanos, que se estabeleceram
nas regiões tropicais durante o século XIX por conta da revolução industrial, em busca de
controle e domínio sobre as ações humanas, incutindo suas percepções de mundo em todos os
aspectos sociais, inclusive na saúde. Esta influência europeia e estadunidense repercutiu na
ideia sobre o que é doença, partindo do pressuposto positivista, entrelaçando a visão
biomédica da saúde e colaborando para conceituar as doenças pelo ponto de vista
exclusivamente biológico.
O desenvolvimento no século XIX proporcionado pela revolução industrial acirrou
ainda mais o desejo e a necessidade de deslocamentos das pessoas, levando-as aos locais mais
recônditos do planeta, especialmente aos países situados nos trópicos. Por serem considerados
exóticos, estes países despertaram curiosidade e temor, seja pelos costumes, crenças, fauna,
raças e culturas, seja pelo desconhecido, inclusive pelas doenças que ameaçavam
constantemente a vida dos aventureiros europeus, especialmente a malária, a febre amarela e a
doença do sono, o que levou à região a ficar conhecida como a tumba do homem branco.
(CAPONI, 2003; CARVALHEIRO, 1992). Os médicos militares que acompanhavam as
expedições acabaram por indicar o enfrentamento dessas enfermidades pestilentas em
campanhas com notas militares, retoricamente ao se referirem aos microorganismos como
inimigos e, na prática, encorajando intervenções invasivas e violentas (ARMUS, 2003).
A presença destas pessoas nas regiões tropicais evidentemente colaborou para o
fortalecimento da visão biomédica e a busca de ações imbuídas por este paradigma positivista,
estimulando a curiosidade da comunidade científica que, por sua vez, se direcionou aos
trópicos para conhecer, controlar e dominar este novo mundo que surgia. Os grandes institutos
médicos da época perceberam que não podiam ficar alheios a essas novidades, enviando
equipes de investigação médica para terem acesso ao novo conhecimento científico
(ROLAND, 2016). Assim, a Coroa britânica enviou o Dr. Patrick Manson para a China em
1866, o Instituto Pasteur criou uma filial na Argélia em 1894, e a Alemanha enviou o Dr.
Robert Koch ao Camarões entre os anos de 1895 e 1907 (CAPONI, 2003).
As equipes lideradas por esses médicos deveriam exportar seus conhecimentos para os
trópicos, fundar laboratórios de bacteriologia nas colônias com o objetivo de reproduzir os
protocolos de investigação utilizados e formar uma nova geração de profissionais capazes de
perpetuar os modelos de investigação europeus, fato que poderia ser interpretado como uma
forma de controle sobre as colônias (ROLAND, 2016). Os estudos de Manson alcançaram
26

grande repercussão ao elaborar um modelo de enfermidade tropical definida pelo vínculo


parasito-vetor, inspirado nos trabalhos de Alphonse Laveran sobre a tripanossomíase, que lhe
renderam o Prêmio Nobel de 1907 (CAPONI, 2003).
O trabalho de todas as equipes serviu também para disseminar os termos “medicina
tropical” e “doenças tropicais”, embora ainda hoje haja grande polêmica acerca do espaço
temático dos termos e da própria disciplina medicina tropical (CAPONI, 2003). Assim, em
1898 são criadas a London School of Hygiene and Tropical Medicine, fundada por Manson, e
a Liverpool School of Tropical Medicine, duas instituições que se tornaram um marco para o
estudo das doenças tropicais. Foram criadas também duas sociedades médicas comprometidas
com o estudo das doenças tropicais: a Society of Tropical Medicine of Philadelphia,
transformada posteriormente na American Society of Tropical Medicine em 1903, e a Royal
Society of Tropical Medicine and Hygiene em 1909 (ROLAND, 2016). Essas instituições
foram decisivas para sedimentar a terminologia doenças tropicais (CAMARGO, 2008).
A utilização do termo doenças tropicais pela medicina europeia e norte-americana,
atribuiu, ao clima tropical, a causa do surgimento destas enfermidades. Esta visão, oriunda
dos cientistas europeus, no início do século XX, interessados em determinar, pelo prisma
biomédico, as características clínicas das doenças desconhecidas no Novo Mundo, como a
malária, favoreceu a aglutinação de conhecimentos destas patologias. A utilização do termo
tropical, pela comunidade científica, no entanto, tornou-se polêmico na medida em que
transpareceu certo preconceito com as regiões tropicais, ao atribuir a causalidade das doenças
exclusivamente ao clima, diminuindo a relevância de outras abordagens, como a determinação
social, que favorecem o surgimento destas enfermidades.
No início do século XX, o cientista Afrânio Peixoto contestou a designação “doenças
tropicais”, pela conotação implícita que elas estariam vinculadas alguma maldição ou
fatalidade biogeográfica. A primeira metade do século XX assiste ao acirramento de posições
conflitantes, médicas e leigas, sobre as raízes das doenças tropicais.

Essas posições se cristalizavam em duas visões antagônicas sobre as doenças


tropicais: a) “são doenças de populações colonizadas, exploradas, miseráveis, que
por acaso se concentram nos trópicos”; b) “são doenças de regiões insalubres,
caniculares, sujas e propícias a todas as formas de doenças estranhas ao mundo
civilizado” (CAMARGO, p.96, 2008).

Partindo da ideia de que as doenças não acontecem exclusivamente por conta dos
aspectos biológicos (visão estritamente biomédica e positivista), entende-se que o termo
tropical, sacramentado pelas instituições médicas, é incipiente, superficial e não traduz a
27

realidade destas populações, necessitando, evidentemente, de abordagens complementares que


possam estabelecer outros campos de explicação do surgimento e perpetuação das doenças em
discussão. Por isso, houve a necessidade de evoluir nos conceitos sobre estes agravos,
associando-os aos aspectos socioeconômicos que são favoráveis à incidência e prevalência
das doenças aqui discutidas. No sentido de avançar nestas discussões, o campo da saúde
procurou outros termos que pudessem abarcar as abordagens biológicas, climáticas, culturais
e sociais para conceituar as doenças que acometem esta população.
Com os avanços tecnológicos evidenciados no século XX e a formação tanto das
Organizações das Nações Unidas (ONU), após a segunda Guerra Mundial, quanto da OMS, a
ideia sobre os conceitos de doença foram sofrendo mudanças, desde a concepção estritamente
biológica até a percepção da influência da determinação social. Com isso, o termo tropical
não seria mais suficiente para englobar as características clínicas e sociais que definiam a
endemicidade das doenças negligenciadas, e por isso surgiu o termo doença negligenciada
para envolver os aspectos determinantes e a sua existência, além do fator climático
(ambiental).
Este termo teria sido utilizado pela primeira vez durante a Second World Health
Assembly, em 1949, pelo médico indiano Dr. Benjamin, conselheiro para tuberculose da
delegação indiana, que demonstrava preocupação com ações para o enfrentamento da
tuberculose no Sudeste asiático. Ressaltava a necessidade da OMS estabelecer normas
técnicas internacionais e planos nacionais de controle da tuberculose através do fornecimento
de equipamentos e pessoal especializado, a despeito da construção de alguns centros de
prevenção e controle da doença, “[...] que até então tinha sido um pouco “negligenciada”.
(SECOND WORLD HEALTH ASSEMBLY, 1949).
Mas o termo foi formalmente proposto na década de 1970, no programa “The Great
Neglected Diseases” da Fundação Rockefeller, coordenado pelo médico Kenneth Warren
(WHO,2010). Foi também utilizado pelo Special Programme for Research & Training in
Tropical Diseases (TDR) patrocinado pelo Fundo das Nações Unidas pela Infância
(UNICEF), Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Banco Mundial e
pela OMS para designar um grupo de enfermidades que não recebiam recursos suficientes
para pesquisas biomédicas (WHO, 2010).
O termo, negligenciadas, passou a ser utilizado para designar as doenças que atingem
as populações extremamente pobres e que são esquecidas pelo Estado, pela mídia,
menosprezadas pela indústria farmacêutica e frequentes nos países subdesenvolvidos
(MATHERS et. al., 2012). Este novo termo inicia novas perspectivas para o enfrentamento
28

destes agravos, pois engloba as principais causas destas enfermidades e suas abordagens, ao
tempo em que oferece a oportunidade de refletir sobre as ações desenvolvidas pelas entidades
sociais interessadas em erradicar e eliminar estas doenças.
Por outro lado, o termo negligenciado tem diversas interpretações, como a sua
transitividade do verbo negligenciar, proposto pela língua portuguesa, ou seja, seu sentido só
se completa com um objeto negligenciado. Nas doenças negligenciadas, os aspectos
simbólicos do termo exigem a duplicidade desta transitividade (ARAÚJO; MOREIRA;
AGUIAR, 2013). O negligenciamento de uma doença – que evoca o discurso de segregação,
periferia e esquecimento, seja pela indústria farmacêutica, pelos governos ou pelos sistemas
de saúde – significa também, de forma concomitante e inextrincável, o negligenciamento das
populações vitimadas por estes agravos. Pré-existente e, ao mesmo tempo, intensificado pela
ocorrência de agravos negligenciados, o negligenciamento das populações está correlacionado
à pobreza, num círculo vicioso que vigora para um sexto da população mundial (WHO, 2010).
Outra interpretação proposta, parte do adjetivo negligenciada, que exprime o
significado de cuidado inadequado, ou ainda, ignorar ou fingir que não tem importância,
expressões que asseveram a conduta das indústrias farmacêuticas que parecem menosprezar
estas doenças, na medida em que não despertam nenhum interesse em desenvolver e
promover Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) para produzir novos medicamentos, mais
efetivos e menos tóxicos para o tratamento destas enfermidades (SOUZA, 2010).
O adjetivo negligenciada originalmente proposto tomou como base o fato de que, por
um lado, estas doenças não despertam o interesse das grandes empresas farmacêuticas
multinacionais em função da baixa lucratividade e, por outro, o estudo dessas doenças vem
sendo pouco financiado pelas agências de fomento (SOUZA, 2010).
Esse é o entendimento da Drugs for Neglected Diseases initiative (DNDi), diante da
constatação de que se trata de necessidades médicas não atendidas, apesar de afetarem
milhões de pessoas no mundo (ROLAND,2016).
O Relatório anual 2012-2013 da DNDi, “Inovações para pacientes negligenciados”,
vem centrado na ideia de que não somente as doenças são negligenciadas, mas sobretudo as
pessoas. São um bilhão de pessoas que padecem dessas enfermidades, “populações
fragilizadas e esquecidas. Doenças e pessoas, negligenciadas” (DRUGS FOR NEGLECTED
DISEASES INITIATIVE, 2013, p. 12).
Na evolução destes conceitos construídos historicamente, a partir das concepções
positivistas e as abordagens do determinismo social e da avaliação da situação econômica de
cada país, a comunidade científica iniciou uma nova postura diante das doenças consideradas
29

negligenciadas (OMS, 2012b). Neste sentido, o desenvolvimento econômico dos países


subdesenvolvidos precisa ser acompanhado paralelamente às ações de saúde que proponham o
combate à extrema pobreza e o entorno social de cada indivíduo que constrói suas percepções
sobre a ideia de doenças e de saúde integral.
Ao lado desta nova postura, teve-se também a observação da situação epidemiológica
mundial, onde, esperava-se uma substituição gradual e progressiva das doenças infecciosas e
parasitárias por doenças crônico-degenerativas como causas de morbidade e mortalidade. No
entanto, esta transição epidemiológica linear não aconteceu mundialmente e os países
subdesenvolvidos tiveram uma transição incompleta sendo traduzida na perpetuação das
doenças infectocontagiosas (PONTES et al., 2009).
Diante desse contexto, a OMS indicou novos caminhos e passou a colocar como pauta
de discussão em suas assembleias, o significado da perpetuação das doenças tropicais
negligenciadas para o desenvolvimento socioeconômico mundial. Para tanto, organizou-se a
Cimeira do Milênio reunindo 147 chefes de Estado com o intuito de discutir as reais
necessidades de pessoas de todo o mundo, tendo convergido para os Objetivos do Novo
Milênio (ODM) que propuseram entre outras ações, o desenvolvimento e a erradicação da
pobreza (ONU, 2000). Estes objetivos foram agrupados na tabela 1, a seguir:

Tabela 1 - Objetivos de desenvolvimento da ONU para o novo milênio – 2000 (continua)


Objetivos Metas Principais
1. Erradicação da pobreza extrema e Reduzir à metade, entre 1990 e 2015, a proporção da população
da fome extrema e da fome vivendo com menos de um dólar por dia.
Reduzir à metade, entre 1990 e 2015, a proporção de crianças até
05 anos de idade com peso abaixo do normal.

2. Universalização do acesso à Garantir que em 2015 todas as crianças (meninos e meninas) à


educação primária educação primária poderão completar o curso primário

3. Promoção da igualdade entre os Eliminar as desigualdades entre os gêneros na educação primária


gêneros entre os gêneros e secundária de preferência até o ano 2005, e para
todos os níveis educacionais até 2015.

4. Redução da mortalidade infantil Reduzir em 2/3, entre 1990 e 2015, a mortalidade de crianças até
cinco anos.
5. Melhoria da saúde materna Reduzir em 3/4, entre 1990 e 2015, a taxa de mortalidade materna.

6. Combate a AIDS, malária e Até 2015 estabilizar a disseminação da AIDS e malária e começar
outras doenças. e outras doenças a reverter essas epidemias.
7. Promoção da sustentabilidade Reverter o processo de perda dos recursos naturais ambiental.
ambiental Reduzir à metade a porcentagem de pessoas sem acesso a água
potável.
Melhorar consideravelmente a vida de pelo menos 100 milhões de
favelados.
30

Tabela 1 - Objetivos de desenvolvimento da ONU para o novo milênio – 2000 (conclusão)


Objetivos Metas Principais
8. Desenvolvimento de parcerias Enfrentar as necessidades dos países menos desenvolvidos para o
para o desenvolvimento desenvolvimento Desenvolver um sistema comercial e financeiro
aberto, baseado em normas, previsível e não discriminatório.
Enfatizar a boa gestão pública e a redução da pobreza em cada
país e internacionalmente
Fonte: DECLARAÇÃO DA ONU, 2000.

Nessa nova conjuntura mundial, há um pequeno espaço para as discussões voltadas a


redução da pobreza extrema e a busca de inovação em pesquisa e tecnologias para o
enfrentamento das doenças tropicais negligenciadas, as percepções positivistas e biomédicas
são substituídas paulatinamente por possibilidades renovadas de oferecer uma visibilidade
social, ao reconhecer que as doenças são causadas por fatores multifacetados que envolvem
além da ciência, a posição social de cada indivíduo que, por seu turno, constrói suas próprias
convicções sobre os conceitos de doença e de saúde.
Nessa perspectiva, a OMS introduziu, por meio do Relatório da Macroeconomia em
Saúde em 2001, uma classificação das doenças, a partir do investimento em P&D, em três
categorias diferentes:
 Tipo I: Doenças existentes em qualquer país, rico ou pobre, com grande população
vulnerável (sarampo, diabetes, hepatite tipo B). Ressalta que nesse caso os
mecanismos de mercado são suficientes para a geração de investimentos em P&D;
 Tipo II: Doenças existentes em países ricos ou pobres, mas com prevalência nos
últimos, como o caso da Aids e da TB. Os incentivos em P&D são notoriamente
inferiores aos do Tipo I;
 Tipo III: Doenças exclusivas ou ao menos prevalentes em países pobres (doença de
Chagas, tripanossomíase africana ou doença do sono, oncocercose). Os incentivos em
P&D são praticamente inexistentes. Quando novas tecnologias são desenvolvidas,
geralmente são acidentais, como o caso de um medicamento veterinário desenvolvido
pela Merck (ivermectina) que se mostrou eficaz no controle da oncocercose em
humanos.
Em 2001, o MSF, propôs no relatório Fatal Imbalance uma nova taxionomia das
doenças em Globais (Tipo I – OMS), Negligenciadas (Tipo II – OMS) e Mais Negligenciadas
(Tipo III – OMS). (MÉDECINS SANS FRONTIÈRES, 2001). Desde então, essa
classificação tem sido utilizada para designar um conjunto de doenças causadas por agentes
infecciosos e parasitários que são endêmicas em populações de baixa renda vivendo em países
em desenvolvimento no continente africano, asiático e americano. Para a organização,
31

doenças negligenciadas são aquelas tratáveis e curáveis e que afetam, principalmente,


populações com poucos recursos financeiros que, justamente por isso, não despertam o
interesse da indústria farmacêutica (EQUIPE MÉDICA MSF, 2012).
Com estas novas perspectivas, introduzidas pela ONU, OMS, MSF, o termo
empregado doença tropical negligenciada, surge como instrumento de ampliação da
causalidade destas enfermidades antes atribuída uma fatalidade biogeográfica tropical e agora
incluindo, além do subdesenvolvimento econômico, a construção social dos indivíduos sobre
os conceitos de doença e saúde.
Depois de longo declínio a partir da década de 1980, o termo “doenças
negligenciadas” ganhou destaque em 2003, quando a OMS e o Deutsche Gesellschaft für
Technische Zusammenarbeit (GTZ) acordaram em realizar uma série de encontros em Berlim
para intensificar o controle das doenças tropicais negligenciadas. Nos encontros ocorridos em
2004 e 2005 atuou o recém-criado Departamento de Controle das Doenças Tropicais
Negligenciadas da OMS, reconhecendo e endossando a necessidade e urgência de se
desenvolver políticas próprias para o combate dessas enfermidades bem como o aumento do
volume e diversidade de doações de medicamentos (WHO, 2006; MOLYNEUX, 2012).
Com a larga utilização do termo negligenciada, a OMS, em 2005, propõe substituir a
vaga expressão que até então empregava, outras doenças comunicáveis, pela expressão
doenças tropicais negligenciadas (NTDs), acreditando que essa nova denominação encerraria
a nova abordagem prescrita, qual seja a de focar nas necessidades das comunidades
devastadas por essas doenças, substituindo a visão prevalecente centrada nas doenças. (WHO,
2010).
Para a OMS, essa mudança representava uma oportunidade para aliviar a pobreza e
superar o impacto causado pelas doenças negligenciadas, exercendo forte efeito para a
realização dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, garantindo a realização da saúde
como um direito fundamental de todos os povos. Agregou-se ao sentido do termo
negligenciada explicitado acima a questão da distribuição geográfica das doenças e seus
vínculos com a pobreza.
Assim, o termo vem sendo utilizado e difundido pela OMS desde o Primeiro Relatório
sobre Doenças Tropicais Negligenciadas, muito embora a própria agência ressalte que o termo
negligenciada não parece ser apropriado, já que a OMS nunca teria negligenciado essas
doenças, ao contrário, sempre enfatizou aos Estados Membros o impacto imposto por essas
doenças, revelando uma certa ambiguidade. No entanto, sedimentou a expressão em diversos
documentos, afirmando que tais enfermidades formam um grupo porque estão todas
32

fortemente associadas com a pobreza, prosperam em ambientes empobrecidos e em áreas


tropicais, tendendo à coexistência (ROLAND, 2016).
Neste sentido, houve a necessidade de conhecer este impacto, considerado negativo,
das doenças negligenciadas sobre a vida das pessoas por meio de critérios epidemiológicos
entrelaçados ao desenvolvimento econômico. Os tradicionais indicadores de saúde foram
substituídos por um novo conceito, a carga da doença (Burden of Disease, BoD), traduzida
por “dias de vida útil perdidos” (DALYs) (CARVALHEIRO, 2008).
Em 1993, ao editar o World Development Report: Investing in health, (WORLD
BANK, 1993) o Banco Mundial pôs em foco o impacto das finanças públicas e das políticas
públicas sobre o setor da saúde, mostrando a interação entre saúde humana, políticas de saúde
e desenvolvimento econômico. Introduz nesse relatório uma unidade de medida para a carga
global de doença68 e a efetividade das intervenções da saúde69, criando um novo vocábulo
na política internacional da saúde: (ANAND; HANSON, 1997) o DALY, significando
disability-adjusted life year (Anos de vida ajustados por deficiência).
É calculado como o valor presente dos futuros anos perdidos de vida saudável em
razão de morte prematura ou deficiência. A métrica DALY pretende auxiliar na definição das
prioridades dos serviços de saúde, na identificação de grupos desfavorecidos e direcioná-los
adequadamente para as intervenções de saúde e, no fornecimento de uma medida comparável
de saída para a intervenção, programa ou setor de avaliação e planejamento: (WORLD
BANK; INTERNATIONAL BANK FOR RECONSTRUCTION AND DEVELOPMENT,
1993, p. 2).
O conceito de DALY foi desenvolvido para possibilitar a avaliação quantitativa e
comparativa do ônus de doenças individuais. O número de DALY atribuído a uma
determinada doença, em determinado momento, oferece uma estimativa da soma de anos de
vida potencial perdidos devido a mortalidade prematura e anos perdidos de vida produtiva.
(OMS,2012b) Há consenso sobre a necessidade de DALY ou de alguma medida objetiva do
ônus da doença. No entanto, algumas críticas foram feitas quanto aos procedimentos
utilizados para as estimativas, e surgiram preocupações consideráveis quanto à qualidade e à
confiabilidade dos dados brutos disponíveis para gerar as estimativas.
Há quatro motivos que podem ser alegados em apoio a esse motivo de preocupação:
Em primeiro lugar, para qualquer das doenças em particular pode haver pouca informação
sobre número de casos e de mortes, uma vez que sistemas e plataformas de supervisão são
frágeis ou inexistentes para a maioria das DTN e das infecções em reservatórios animais. Em
segundo lugar, as estimativas nacionais e regionais sobre algumas doenças são
33

frequentemente derivadas de alguns poucos estudos realizados com populações de alto risco.
Em terceiro lugar, para algumas condições, como a esquistossomose, há dúvidas sobre a
precisão dos pesos de incapacidade que deveriam ser atribuídos a reduções pequenas ou
moderados em funções físicas, à dor e a outras formas de dano. Diferenças pequenas nos
pesos atribuídos a incapacidades, quando multiplicadas por números altos de pessoas afetadas,
produzem estimativas muito variáveis de perda em DALY. Em quarto lugar, a morbidade
menos evidente ou sutil de DTN altamente prevalentes afetas a gravidade da doença e da
infecção simultânea. As estimativas DALY ainda precisam levar em conta essa complicação
(OMS, 2012b).
Com todos estes aspectos abordados sobre o enfrentamento mundial das doenças
negligenciadas, entende-se que cada país se torna protagonista em suas decisões políticas e
econômicas para definir suas prioridades, por meio dos instrumentos oferecidos pela OMS,
desde a mudança de paradigma ao ultrapassar a visão exclusivamente biológica da doença e
acopla outros fatores, principalmente o socioeconômico, na determinação do processo saúde
doença. O Brasil, por sua vez, destaca-se pelas suas imensas desigualdades sociais e pelo seu
panorama econômico ainda em evolução, no que diz respeito a estabilidade e equilíbrio dos
investimentos e custos na saúde. Deve-se reconhecer, no entanto, a grande evolução do
sistema público de saúde, construído com a participação popular nos últimos trinta anos, cuja
filosofia engloba a utilização dos serviços voltada para as reais necessidades da população.
O Sistema Único de Saúde, com suas diretrizes e princípios norteadores possibilitaram
ao Brasil coadunar com a mudança de paradigma explicitada pela OMS, ao descentralizar o
poder público para os municípios e fortalecer, por meio do seu financiamento, a assistência á
atenção primária. Todavia, mesmo com estes avanços culminados pelo processo de
redemocratização do país, as doenças negligenciadas são implacáveis e atingem mais de 40
milhões de brasileiros. O Brasil contribui com a maior parte da carga de doenças tropicais
negligenciadas na América Latina e Caribe. Isto significa que grande parte do contingente de
40 milhões da população mais pobre do Brasil está infectada por uma ou mais doenças
tropicais negligenciadas (HOTEZ, 2007).
O Ministério da Saúde, acompanhando as concepções mundiais, definiram as doenças
negligenciadas como aquelas que não só prevalecem em condições de pobreza, mas também
contribuem para a manutenção do quadro de desigualdade, já que representam forte entrave
ao desenvolvimento do país.
Após todas estas discussões vale ressaltar ainda a evolução da utilização dos termos
para conceituar as doenças negligenciadas sendo que ultimamente, elas são tratadas como
34

doenças promotoras ou perpetuadoras da pobreza, com o sentido de mostrar a todos os


envolvidos no enfrentamento destas enfermidades que sua principal causa é realmente
evitável, na medida em que, cada país possa cumprir com suas metas elencadas desde os
objetivos do novo milênio e atendam as populações com pouca visibilidade social,
enfrentando o estigma e a discriminação de pessoas acometidas por estes agravos e ainda
lançando mão de medidas eficazes na conjuntura política e social.
O emprego desta terminologia, doenças promotoras da pobreza, foi evidenciado nos
estudos elaborados pelo jornal importante e de grande repercussão na área, o PLOS Neglected
Tropical Diseases Journal, que traz inúmeras publicações sobre esta temática e propiciam
novos saberes para a ciência como um todo. Elas promovem a pobreza por causa de seu
impacto sobre a saúde infantil e desenvolvimento, gravidez e produtividade do trabalhador,
bem como suas características estigmatizantes (PLOS NEGLECTED TROPICAL DISEASES
JOURNAL [s.d.]). Assim, doenças negligenciadas seriam aquelas promotoras da pobreza,
sentido que vem sendo empregado no momento de forma preponderante.
A preocupação mundial com estas doenças tomou visibilidade a partir da Declaração
da ONU em 2000 e a divulgação dos Objetivos do Novo Milênio, associando as doenças à
extrema pobreza e assegurando a atuação de países na busca de melhores condições de vida
para toda a população mundial, principalmente para a mais carente. Em 2003, a OMS
começou a mudar o paradigma no controle e na eliminação de um grupo de doenças tropicais
negligenciadas (DTN). O processo envolveu uma mudança estratégica importante: da
abordagem tradicional centrada nas doenças para uma estratégia de resposta às necessidades
de saúde de comunidades marginalizadas (WHO, 2012b).
Para iniciar estas mudanças, a OMS definiu um grupo de 17 enfermidades que
englobam as características definidoras no termo doenças promotoras da pobreza e são
consideradas doenças tropicais negligenciadas. São elas: dracunculíase; filariose linfática;
oncocercose; esquistossomose; helmintíases transmitidas pelo solo; teníase/cisticercose;
equinococose humana; tracoma cegante; faciolíase; bouba; dengue; hidrofobia; leishmaniose
cutânea e leishmaniose visceral; hanseníase; úlcera de Buruli; doença de Chagas e
tripanossomíase humana africana. Das 17 doenças apresentadas, nove são causadas por
microparasitas e oito por macroparasitas, esta classificação arbitrária possibilitou a Anderson
e May, em 1991, a elucidação dos princípios que governam a dinâmica populacional, a
epidemiologia e os cursos de infecção de patógenos que comprometem severamente a saúde
humana (OMS, 2012a).
35

Em resumo, teve-se uma evolução na terminologia das doenças, ao transpor a ideia do


determinismo geográfico acumulando outros fatores determinantes na causalidade destas
enfermidades, principalmente, as condições socioeconômicas. O termo doença tropical, foi
amplamente discutido junto a comunidade científica, já no início do século XX sendo
adicionada a expressão doenças negligenciadas, que por sua vez, inclui outros aspectos que
são determinantes para a causalidade das enfermidades e por fim temos o termo doenças
promotoras da pobreza. Essas denominações superam o determinismo geográfico relacionado
ao termo “doenças tropicais”, pois contemplam as dimensões de desenvolvimento social,
político e econômico (MOREL, 2006).
Os significados de cada termo implicam em reflexões diferentes, utilizando desde a
concepção positivista relacionada à visão biomédica até transpor este paradigma e utilizar
abordagens complementares que envolvem outros aspectos colaborativos para incidência e
prevalência das doenças consideradas negligenciadas. Entende-se que esta diversidade na
construção do conceito de doença negligenciada variou de acordo com os interesses de cada
setor, seja governamental ou não, e por isso surge à necessidade de evidenciar por parte, da
sociedade, quais conceitos são construídos atualmente e que podem colaborar para o
enfrentamento destas enfermidades com grande magnitude epidemiológica e com um impacto
social negativo para o desenvolvimento da qualidade de vida das pessoas.
Neste estudo, pretende-se utilizar o termo doenças negligenciadas, pois acredita-se que
os indivíduos diretamente envolvidos com este processo de construção social, como os
profissionais de saúde, possuem uma representação social acerca desta temática que pode ser
mais bem interpretada, por meio deste termo- doenças negligenciadas. Vale ressaltar, no
entanto que, adotou-se a abordagem que englobe todos os aspectos determinantes das doenças
negligenciadas, como a cultura, a biologia, a economia e principalmente, a saúde integral.

1.2 O enfrentamento das doenças negligenciadas no Brasil

A mudança de paradigma da OMS propiciou uma série de ações desencadeadas pelo


pensamento de evitar o círculo vicioso da pobreza-doença-pobreza, e iniciar a construção de
prioridades e estratégias necessárias ao atendimento das reais necessidades da população
mundial. Para tanto, a OMS, cria o Departamento de Controle das Doenças Tropicais
Negligenciadas em 2005, passando a liderar o enfrentamento das doenças negligenciadas,
desenvolvendo um quadro estratégico para o combate a essas doenças: um bilhão de pessoas
36

estão sofrendo de doenças que podem ser prevenidas com estratégias simples, como
quimioterapia preventiva. Estão sofrendo simplesmente porque são pobres (OMS, 2012b).
Isso é uma questão ética global, sinalizou Jorge Alvar, representante do Departamento
de Controle das Doenças Tropicais Negligenciadas da OMS durante o Congresso
Internacional de Medicina Tropical e Malária, ocorrido na FIOCRUZ, em setembro de 2012.
(FIOCRUZ - FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ, [s.d.]) Desde então, a OMS vem produzindo
relatórios, definindo estratégias, recomendando abordagens, promovendo encontros e
parcerias para financiamento e fomento às pesquisas, com o intuito de mudar o cenário da
saúde global, a partir da inclusão das doenças negligenciadas nessa agenda e tornando o
combate às essas enfermidades, essencial para o desenvolvimento (ROLAND, 2016).
A nova abordagem utiliza intervenções integradas baseadas em ferramentas para o
controle de DTN. Sob a perspectiva da saúde pública, essa mudança se traduz no provimento
de cuidados e na administração de tratamento a populações mal atendidas. A mudança garante
utilização mais eficiente de recursos limitados, redução da pobreza e monitoramento de
doenças para milhões de pessoas que vivem em áreas rurais e urbanas.
Essa perspectiva emergente foi aperfeiçoada em um encontro realizado em Berlim, na
Alemanha, em dezembro de 2003, que reuniu especialistas de diversos setores, entre os quais
saúde pública, economia, direitos humanos, pesquisa, organizações não governamentais
(ONGs) e indústria farmacêutica. O encontro criou o cenário para que a OMS traduzisse a
nova abordagem em uma política estratégica e formulasse maneiras de oferecer a populações
pobres uma solução eficaz e abrangente para alguns de seus problemas de saúde (OMS,
2012b).
A OMS recomenda cinco estratégias para prevenção e controle de DTN: (i) medicação
preventiva; (ii) intensificação da gestão de casos; (iii) controle de vetores; (iv) provimento de
agua limpa, saneamento e higiene; e (v) saúde publica animal. O trabalho para a superação de
cada tipo de DTN ou de um grupo dessas doenças deve basear-se em uma combinação das
cinco abordagens estratégicas. Por exemplo, para controlar a morbidade causada pela filariose
linfática, será benéfico que os indivíduos recebam medicação preventiva; indivíduos com
hidrocele necessitam de acompanhamento de caso. Colocar sob controle os vetores de
Wuchereria e Brugia requer gestão adequada de recursos hídricos. A estratégia SAFE
(Surgery, Antiobiotic treament, Facial cleanliness and Environmental improvement)
(Cirurgia, tratamento com antibióticos, higiene facial e melhoria ambiental), utilizada para
controlar tracoma, combina a distribuição de medicação em larga escala com gestão de casos
individuais e melhoria ambiental (OMS, 2012b).
37

A partir dos estudos de Roland (2016), foi possível elaborar uma síntese destas cinco
estratégias com suas principais características e ainda a doença negligenciada em foco para
cada estratégia.
Tabela 2 - Síntese de estratégias de combate às doenças negligenciadas - 2016
Estratégias Características Doenças em foco
I Quimioterapia Estratégia de larga escala, com o Filariose linfática
preventiva e controle objetivo de controlar a Oncocercose
da transmissão morbidade de doenças tratáveis Esquistossomose
com medicamentos já geohelmintíases
disponíveis e de baixo custo.
Ii Manejo inovador e Estratégia individual para controlar a Úlcera do Buruli
intensificado das morbidade de doenças para as quais Doença de Chagas
doenças não existem medicamentos de Doença do sono
controle de baixo custo Lepra
Leishmaniose
iii Controle vetorial e Estratégia de larga escala, com vistas Dengue
manejo de pesticidas a controlar a morbidade mediante o Doença de Chagas
comportamento da população, a Doença do sono
ecologia local e práticas Leishmaniose
colaborativas intersetoriais para Oncocercose
coordenar, monitorar e avaliar a Esquistossomose
estratégia.
Iv Água potável segura, Estratégia de larga escala para Esquistossomose
saneamento básico e controlar a morbidade de doenças Tracoma
serviços de higiene e
relacionadas com estes determinantes Geohelmintíases
educação. da saúde, devendo ser combinada
especialmente com educação em
saúde.
V Manejo das zoonoses Estratégia de larga escala para Cisticercose
controlar a morbidade de doenças Brucelose
zoonóticas que atingem a população Equinococose
de baixa renda na zona rural, que Trematodíases transmitidas
vivem em proximidade a animais. por alimentos
Tripanossomíase africana
Leishmaniose
Raiva
Fonte: ROLAND, 2016.

Os esforços da OMS para diminuir o impacto das doenças promotoras da pobreza


sobre a qualidade de vida das pessoas induziram os países a criarem suas próprias estratégias
e, ao menos, definir prioridades para reverter o quadro epidemiológico, principalmente os
subdesenvolvidos, utilizando para isto, a junção das cinco estratégias de combate às doenças
negligenciadas pelas políticas públicas de saúde.
O Brasil buscou, durante as últimas décadas, definir um plano de ação no controle as
doenças negligenciadas por meio de investimento em pesquisa e financiamento em novas
38

tecnologias, iniciando, em 2006, o Programa de Pesquisa e Desenvolvimento em Doenças


Negligenciadas (BRASIL, 2010).
A partir deste programa e a ainda por meio de dados epidemiológicos, demográficos e
o impacto da doença, foram definidas sete doenças consideradas negligenciadas e que tem
prioridades de atuação, a saber: dengue, doença de Chagas, leishmaniose, hanseníase, malária,
esquistossomose e tuberculose. Os estudos elaborados pelo Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA) apontam uma elevada ocorrência das doenças negligenciadas no Brasil,
revelando uma situação epidemiológica preocupante que precisa ser combatida pelas práticas
profissionais inovadas pelo SUS e ainda pelas ações de desenvolvimento econômico social ao
evitar a perpetuação da pobreza. O estudo estabeleceu critérios para avaliar a situação
epidemiológica das doenças negligenciadas no Brasil, utilizando o Sistema de Informação de
Agravos e Notificação (SINAN) e consultas ao Ministério da Saúde, sendo definidas como
doenças de elevada ocorrência e endemicidade nacional a tuberculose, hanseníase, malária,
doença de Chagas e leishmanioses (GARCIA et al., 2011).
A situação epidemiológica das sete doenças negligenciadas priorizadas pelo Ministério
da Saúde demonstra que o Brasil ainda não superou o processo de transição linear, cujas
doenças transmissíveis dão lugar as doenças crônico-degenerativas na distribuição de casos
novos e prevalentes em todo o país. Este cenário de transição epidemiológica incompleta
traduz a realidade da elevada endemicidade destas sete doenças prioritárias, um quadro que
requer uma atenção sobre as ações realizadas pelas instituições governamentais para enfrentar
estas enfermidades e seus impactos sobre a sociedade brasileira.
Para visualizar estas ações desenvolvidas pelo Ministério da Saúde no Brasil, nos
últimos 30 anos, elaborou-se uma síntese dos principais fatos que colaboraram para organizar
o enfrentamento as doenças negligenciadas no país.
Após um longo período de ditadura militar, entre as décadas de 1960 e 1980, o Brasil
iniciou o processo de redemocratização do país com a promulgação da Constituição Federal
de 1988. Este evento propiciou a garantia do direito universal à saúde para os brasileiros e
determinou o Estado como mediador entre o sistema de saúde e a população.
A partir da década de 1980, autores latino-americanos como Arouca, Laurell, Breilh,
Possas e Buss, dentre vários outros, enfatizaram e retomaram a história do processo saúde-
doença e seus determinantes econômicos, políticos e sociais como os principais geradores das
iniquidades e desigualdades entre as classes sociais. Essa compreensão do processo saúde-
doença favorece, nos estados democráticos, o enfrentamento dos principais problemas de
saúde (FREESE; CESSE, 2013).
39

De acordo com Barbosa e Costa (2013), a saúde é um dos principais marcadores da


qualidade de vida, sendo o mais sensível e o que produz mais evidências. As políticas
econômicas e sociais, quando omissas e inoperantes, refletem diretamente na saúde. O desafio
do país é garantir às populações uma melhoria nas condições de vida por meio de políticas
públicas. A importância dos Determinantes Sociais da Saúde (DSS) vem aumentando nos
últimos anos, cada vez mais se reconhece que parte da carga de doenças surge das condições
em que as populações nascem, vivem, trabalham e envelhecem.
Ao longo do processo de redemocratização, os diferentes atores políticos da
resistência, aos poucos, com a liberalização começaram a se articular em associações de
organização de natureza civil que pressionavam por maior possibilidade de interferir nas
decisões governamentais, tais como os movimentos populares dos pobres urbanos, o
movimento pela reforma urbana nacional, as associações profissionais e de classe (advogados,
engenheiros, professores universitários, médicos etc.), os movimentos de organização
camponesa (por exemplo, o MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), os
sindicatos de trabalhadores da indústria e do comércio, o movimento negro, entre outros. Tais
movimentos, embora adotassem um posicionamento de autonomia em relação aos partidos
políticos e ao Estado autoritário, chegando a propor formas de organização de políticas
públicas independentes do Estado, tinham como uma de suas principais bandeiras o
rompimento do modelo burocrático autoritário instaurado pelos governos militares que
insulava as decisões governamentais na tecnocracia dos ministérios (AVRITZER, 2012 apud
OUVERNEY, 2016).
A implantação do Sistema Único de Saúde tornou-se tangível a partir do seu processo
de regulamentação por meio da promulgação das Leis Orgânicas da Saúde: Lei 8.080/90 e Lei
8.142/90, que garantem a participação popular, com o controle social e também o
financiamento da saúde. Esses instrumentos jurídicos formaram base para a concretização de
ações efetivamente voltadas a modificação do sistema de saúde, uma vez que, houve a
necessidade de ampliar o conceito de saúde com o propósito de enfrentar, de forma eficiente,
os principais problemas de saúde da população brasileira.
Com o processo de reorganização e universalização destas ações para várias doenças
transmissíveis de interesse para a Saúde Pública implementado pelo SUS, as mesmas
passaram a ser desenvolvidas de modo coordenado, mediante integração da rede de serviços
que hoje compõe o Sistema Nacional de Vigilância em Saúde (SNVS) com as demais áreas da
rede de atenção à saúde. Tal prática, vem permitindo conferir a este sistema uniformidade
técnica e operacional às ações, comparabilidade das informações geradas para o elenco de
40

doenças transmissíveis incluídas na Lista de Notificação Compulsória e, principalmente,


fluxos de informações contínuos entre as distintas esferas de gestão deste país que se sabe,
possui dimensões continentais. Estes elementos também possibilitam se dispor de registros de
notificações desse grupo de doença de forma regular para o país como um todo (TEIXEIRA et
al.,2018)
A garantia universal a saúde aliada a outros princípios que fundamentaram a
viabilidade do SUS ofereceu a população um maior acesso aos serviços de saúde e por
conseguinte, a resolução de diversas necessidades deste setor. Esta filosofia do SUS, ao ser
fortalecida nos serviços de saúde, implicou na diminuição de medidas exclusivamente
biomédicas na saúde e abriu espaços ao modelos explicativos do processo saúde-doença-
cuidado visando evidenciar os determinantes sociais como principais esclarecedores da
situação de saúde da população.
Para a Comissão Nacional sobre os Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS), os
Determinantes Sociais em Saúde (DSS) são os fatores sociais, econômicos, culturais,
étnicos/raciais, psicológicos e comportamentais que influenciam a ocorrência de problemas de
saúde e de seus fatores de risco na população (CNDSS, 2008). A Comissão da OMS sobre
DSS adota uma definição mais resumida, definindo-os como as condições sociais em que
pessoas vivem e trabalham (FILHO; BUSS; ESPERIDIÃO, 2014).
Na verdade, corrobora-se com os autores sobre as definições dos DSS na medida em
que percebe-se a influência destes aspectos que entornam o indivíduo na promoção de sua
saúde. Portanto, considera-se que a perpetuação da pobreza, por exemplo, implica na
instalação e propagação das doenças negligenciadas.
As doenças negligenciadas, historicamente no Brasil, têm por fator determinante as
desigualdades socioeconômicas, que atingem as populações rurais e de favelas urbanas. Essas
são justamente as pessoas que foram excluídas pelo modelo de desenvolvimento econômico
implantado no país (FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ, 2013).
De acordo com Morel (2006), a situação do Brasil é de um desafio imenso, pois não se
investiu em educação, o que é necessário para que a população possa usufruir do que ele
chama de “economia do conhecimento”. Os poucos investimentos realizados não foram
suficientes para diminuir a iniquidade que divide os brasileiros, tampouco conseguir
desenvolver uma política que associasse academia, setor produtivo e governo.
O processo de determinação das doenças negligenciadas é complexo e envolve vários
níveis de fatores, desde os mais distais (condições de vida, contexto socioambiental e políticas
sociais e econômicas) até os mais proximais (fatores constitucionais e genéticos), portanto
41

nem todos os determinantes das doenças negligenciadas podem ser atributos individuais ou
locais (WERNECK; HASSELMANN; GOUVÊA, 2011).
No que diz respeito ao combate específico as doenças negligenciadas, somente em
1994 que iniciaram as atividades estratégicas com a promoção a I Conferência Nacional de
Ciência e Tecnologia em Saúde, de onde surgiu um documento da FIOCRUZ associando a
pesquisa ao desenvolvimento econômico, incluindo as doenças negligenciadas como pauta de
discussões e investimentos para a saúde.
As primeiras ações do Ministério da Saúde com relação às doenças negligenciadas
foram lançadas no ano de 2003. No mesmo ano, foi lançando o primeiro edital temático sobre
a tuberculose, em 2004 sobre a dengue e em 2005 sobre a hanseníase. No ano de 2006 foi
realizada a primeira oficina de prioridades em doenças negligenciadas e o lançamento do
primeiro Programa de Pesquisa e Desenvolvimento em Doenças Negligenciadas no Brasil,
editais foram lançados por meio desse programa e 140 projetos já foram financiados. Dados
demográficos, epidemiológicos e o impacto que essas doenças causam foram importantes para
se definir as sete doenças prioritárias que compõe o programa: hanseníase, malária,
esquistossomose, tuberculose, leishmaniose, dengue e doença de Chagas (BRASIL, 2010).
O Ministério da Saúde, em agosto de 2011, definiu um conjunto de endemias que
demandam ações estratégicas para eliminação como problema de saúde pública ou para
redução drástica da carga dessas doenças. Segundo a classificação das doenças negligenciadas
e outras relacionadas com a pobreza (OPAS: CD49. R19/2009), essas formam um conjunto de
doenças que tendem a coexistir em áreas em que a população apresenta precárias condições
de vida. Apesar de responsáveis por importante morbidade e mortalidade, a carga das doenças
negligenciadas é subestimada no Brasil. No início do ano de 2011, a Secretaria de Vigilância
em Saúde criou a Coordenação Geral de Hanseníase e Doenças em Eliminação – CGHDE
(Decreto nº 7.530, de 21 de julho de 2011) com o objetivo de fortalecer a resposta para um
grupo de doenças em que os resultados dos programas nacionais foram considerados
insuficientes e incompatíveis com a capacidade do SUS de resolução dos problemas de saúde
da população. Neste grupo estão incluídas a hanseníase, esquistossomose, filariose linfática,
geohelmintíases, oncocercose e tracoma (BRASIL, 2012).
A partir desta situação, o Ministério da Saúde elaborou um Plano integrado de ações
estratégicas para a eliminação da hanseníase, esquistossomose, filariose linfática,
geohelmintíases, oncocercose como problema de saúde pública elencando ações específicas
para combater cada doença de acordo com os critérios epidemiológicos e financiamento do
SUS. Esse é um plano de ação de 2011- 2015, e tem como objetivo fortalecer a resposta a um
42

grupo de doenças que tiveram resultados considerados inaceitáveis e incompatíveis com a


capacidade do SUS de resolutividade de problemas de saúde. Há um compromisso do
governo brasileiro de reduzir drasticamente a carga desses agravos ou eliminá-las (BRASIL,
2013).
Os princípios norteadores desse plano são: compromisso do governo brasileiro em
eliminar a pobreza extrema; compromisso do Ministério da Saúde em priorizar o
enfrentamento dessas doenças como parte da política de redução da pobreza extrema; uma
disponibilidade de intervenções adequadas e de custo efetivo para a drástica redução das
geohelmintíases e a possibilidade de eliminação da filariose linfática, oncocercose,
esquistossomose, hanseníase como um problema de saúde pública e a tracoma como causa de
cegueira.
O governo do Brasil assumiu o compromisso público de eliminar esses agravos ou
reduzir drasticamente a carga dessas doenças. Os indivíduos com maior vulnerabilidade social
apresentam elevado risco de adoecimento e estes, quando adoecem, têm maior dificuldade de
sair de tal condição social. O programa Brasil Sem Miséria (BSM), iniciado em 2011,
caracteriza-se por uma política intersetorial de redução da pobreza extrema voltada para os
16,2 milhões de brasileiros residentes principalmente em áreas consideradas endêmicas para
as doenças em eliminação. Tem como um dos principais eixos de atuação a garantia de acesso
da população mais pobre aos serviços de saúde. As doenças em eliminação são consideradas
prioritárias no BSM para o enfrentamento da redução da pobreza no país (BRASIL, 2012).
A síntese de ações desenvolvidas pelas políticas de saúde no Brasil, a partir dos
compromissos firmados junto aos Objetivos para o Novo Milênio, representa uma série de
iniciativas propulsoras de novos rumos para o enfrentamento das doenças negligenciadas,
mesmo que tenha acontecido este despertar tardiamente, diante das inúmeras possibilidades
que o Brasil teve para diminuir as desigualdades sociais e eliminar a pobreza. Entende-se que
estas ações são os primeiros passos em um novo caminho, onde precisa-se envolver não
somente as autoridades governamentais, mas também outros atores sociais como os
profissionais de saúde e a sociedade que usufrui dos serviços prestados pelo SUS. Além dos
órgãos não governamentais e que estão diretamente ligados à pesquisa e inovação em saúde
para colaborar como este novo caminho de combate às doenças negligenciadas.
O caminho é longo e tortuoso, pois exige a coparticipação de todos os brasileiros, pois
a presença da sociedade na definição de prioridades em pesquisa e na ciência torna-se cada
vez mais indispensável, haja vista que o enfrentamento das doenças negligenciadas perpassa
pelas práticas e conhecimentos da população sobre estas enfermidades. Ainda neste estudo
43

pretende-se conhecer a realidade epidemiológica do Estado da Bahia e do município de


Jequié, local de desenvolvimento da pesquisa para confirmar ou não a ideia de que neste
município encontram-se seis doenças endêmicas daquelas priorizadas pelo MS: dengue,
tuberculose, hanseníase, doença de Chagas, leishmaniose, esquistossomose.

1.3 A epidemiologia das doenças negligenciadas

O estudo epidemiológico das doenças negligenciadas apresenta o panorama endêmico


e o impacto negativo destas enfermidades na qualidade de vida das pessoas e, ainda, evidencia
a realidade do sistema de saúde, no que diz respeito a sua resolutividade, ao expor a situação
endêmica no país, principalmente nas localidades interioranas. De acordo com a OMS, tem-se
17 doenças consideradas negligenciadas no mundo, frequentes em 2,7 bilhões das pessoas,
atingindo as mais pobres do mundo que vivem com menos de US$2 por dia (WHO, 2013a).
Elas persistem exclusivamente nas comunidades mais pobres e mais marginalizadas que
vivem nas regiões tropicais e subtropicais; assolam os locais onde não há água potável e nem
saneamento básico satisfatório, onde as condições de habitação são deploráveis e o acesso aos
cuidados de saúde é limitado (LINDOSO, 2009).
O primeiro relatório da OMS (2012) sobre as doenças tropicais negligenciadas
apresenta um traço comum, entre as 17 elencadas, que é sua prevalência asfixiante sobre
populações devastadas pela pobreza. No decorrer da última década, o reconhecimento dessa
situação inaceitável pela comunidade internacional estimulou o desenvolvimento de uma
comunidade de parceiros comprometidos com a resolução desse duplo dilema de doença e
pobreza. Trabalhar para superar o impacto das DTN representa uma oportunidade de
desenvolvimento amplamente inexplorada para a redução da pobreza de muitas populações e,
portanto, para a produção de um impacto direto sobre a realização dos Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio (ODM), assim como sobre o cumprimento da missão da OMS:
garantir o mais alto padrão de saúde como direito humano fundamental de todos os povos
(OMS, 2012b).
Neste relatório, foram apresentadas as 17 doenças priorizadas pela OMS descrevendo
suas características, inclusive, o perfil epidemiológico mundial apontando à gravidade do
impacto negativo econômico e social das populações acometidas sendo evidenciados pelos
anos de vida perdidos, pelos danos físicos aos vulneráveis, principalmente crianças e adultos
jovens e ainda pelas incapacidades e sequelas nos indivíduos portadores destas enfermidades
que tiveram consequência em sua produção e autonomia nas atividades cotidianas. Além de
44

verificar a situação global, pretende-se discutir o perfil nacional e regional destas doenças
com vistas a justificar a magnitude e relevância do desenvolvimento deste estudo para o
avanço nas possíveis medidas de suporte para o controle, a prevenção e o tratamento.
Segundo dados do Centers for Disease Control and Prevention (CDC): 100% dos
países de baixo rendimento são afetados por pelo menos cinco doenças negligenciadas,
simultaneamente, em todo o mundo; 149 países e territórios são afetados, no mínimo, por uma
doença negligenciada; as doenças negligenciadas são responsáveis por estimados 534.000
casos de morte, no mundo, por ano; são causa principal da carga da doença resultando em
cerca de 57 milhões de anos de vida perdidos devido à morte e invalidez prematuras; os
indivíduos muitas vezes são atingidos por mais de um parasita ou infecção e o custo do
tratamento para a maioria dos programas de administração de drogas em massa nas doenças
negligenciadas é estimado em menos de US$ 0,50 por pessoa por ano (CDC, 2014).
Os dados demonstram a magnitude do problema de saúde, a interface dos aspectos
biológicos e sociais implicando na qualidade de vida da população e ao mesmo tempo sugere
medidas de baixo custo para o tratamento das doenças. Em relação à magnitude, pode-se
afirmar que o mundo em toda a sua extensão é acometido por estas doenças e sua
endemicidade não se resume somente às regiões tropicais, apesar de uma maior incidência nos
trópicos, tem-se outras localidades que ainda convivem junto às doenças promotoras da
pobreza. A interface biológico-social mais uma vez é encontrada nos dados epidemiológicos,
na medida em que se associa o aumento do número de casos das doenças negligenciadas nos
países de baixa renda e os danos físicos provocados pelos bioagentes infeciosos. O que chama
atenção nestes dados é o baixo custo para o tratamento das doenças e ainda sim a sua
endemicidade continua elevada demonstrando todo o descaso e a falta de interesse por parte
da sociedade como um todo no enfrentamento destas doenças.
O Ministério da Saúde desencadeou um processo de incentivos financeiros para o
desenvolvimento de tecnologias e pesquisas, por meio da realização de oficinas de combate às
doenças negligenciadas no Brasil. A partir destas oficinas e por meio de dados
epidemiológicos, demográficos e ainda o impacto das doenças, foram definidas entre as
doenças consideradas negligenciadas, sete prioridades de atuação que compõem o programa
em doenças negligenciadas: hanseníase, tuberculose, dengue, malária, leishmaniose, doença
de Chagas e esquistossomose (BRASIL, 2010).
O estudo Saúde Brasil elaborado pelo Ministério da Saúde para analisar a situação do
perfil epidemiológico brasileiro apontou as doenças negligenciadas com uma carga global
elevada e a maior carga entre os países latino-americanos. Explicitou as ocorrências das
45

doenças negligenciadas nas regiões do Brasil, discorrendo sobre a incidência e prevalência,


além de mostrar o impacto da morbimortalidade destas enfermidades no cenário brasileiro
(BRASIL, 2014b).
Desta maneira, segue-se apresentando a epidemiologia das sete doenças priorizadas
pelo MS, articulando os dados entre os níveis nacional, estadual (Bahia) e municipal (Jequié)
com o intuito de sustentar a relevância desta pesquisa para o desenvolvimento de novos
saberes sob a ótica dos profissionais dos serviços de saúde.

1.3.1 Dengue

Transmitida pelo mosquito Aedes aegypti, a dengue é uma doença viral que se espalha
rapidamente no mundo. Nos últimos 50 anos, a incidência aumentou 30 vezes, com ampliação
da expansão geográfica para novos países e, na presente década, para pequenas cidades e
áreas rurais. É estimado que 50 milhões de infecções por dengue ocorram anualmente e que
aproximadamente 2,5 bilhões de pessoas morrem em países onde a dengue é endêmica.
Na região das Américas, a doença tem se disseminado com surtos cíclicos ocorrendo a cada
3/5 anos. No Brasil, a transmissão vem ocorrendo de forma continuada desde 1986,
intercalando-se com a ocorrência de epidemias, geralmente associadas com a introdução de
novos sorotipos em áreas anteriormente indenes ou alteração do sorotipo predominante. O
maior surto no Brasil ocorreu em 2013, com aproximadamente 2 milhões de casos
notificados. Atualmente, circulam no país os quatro sorotipos da doença (BRASIL, 2016).
Causada por um arbovírus que possui 4 subtipos, a dengue é transmitida pelo mosquito
fêmea Aedes aegypti. Dados da OMS mostram que 50 a 100 milhões de pessoas são
infectadas a cada ano no mundo, em todos os continentes com exceção da Europa. Ela é
responsável pela hospitalização de 550 mil pessoas/ano e, é causadora de 20 mil mortes/ano.
No Brasil as condições ambientais e as condições sociais brasileiras contribuem para a
disseminação da doença porque a pobreza, baixa educação, urbanização desorganizada e
condições sanitárias inadequadas e clima a auxiliam a propagação do Aedes aegypti e o
aumento do número de casos de dengue. Existe um programa nacional para o controle da
dengue que inclui mobilização e educação da população, mas até o presente momento os
esforços foram insuficientes para controlar adequadamente a doença (LINDOSO, 2009).
Os casos de dengue, apresentados na tabela 3 que segue logo abaixo, aumentaram
consideravelmente nas últimas décadas, no Brasil o aumento foi de 93,2% do ano de 1990
para 2014; na região nordeste 82,3%; na Bahia enquanto em 1990 não houve registros de
46

casos, em 2014 houve 13.827 casos e destes 915 ocorreram em Jequié (BRASIL, 2014). Este
aumento em todo o país mostra a endemicidade e os picos epidêmicos desta doença,
revelando a insuficiência das ações dos serviços de saúde e da participação incipiente da
sociedade par o controle do vetor e, por conseguinte da dengue. Os dados fortalecem a ideia
de que, tanto o país quanto a região nordeste ainda não avançaram efetivamente, apesar das
ações de contenção e dos planos e programas de prevenção, no controle desta enfermidade. O
município de Jequié, por exemplo, aparece como um dos principais locais de disseminação da
doença uma vez que apresentou, no ano de 2014, um percentual de 6,6% de casos novos entre
os 417 municípios da Bahia, que o colocou entre os dez primeiros municípios com alerta para
surtos epidêmicos (BRASIL, 2014b).

Tabela 3 - Casos (prevalência) de dengue no Brasil nos anos de 1990 e 2014.


1990 2014
Brasil 40.279 589.107
Região Nordeste 15.950 89.935
Bahia -------- 13.827
Jequié -------- 915
Fonte: SES/ SINAN, 1999.

Na tabela 4 destaca-se o número de casos novos por 100 mil habitantes nos anos de
1990 e 2014. Em relação a estes dados pode-se afirmar que o Brasil, mesmo com a
regulamentação e descentralização da saúde, concretizada na década de 1990, não conseguiu
estabelecer uma organização eficiente no controle da dengue. A construção social desta
doença parece já concretizada no pensamento social, pois, suas características clínicas e as
formas de prevenção são assimiladas com facilidade pela população, pelos profissionais de
saúde e também pelos gestores, todavia o que os dados apresentam é um aumento da
incidência em todo o país e em especial, na Bahia. Trata-se de buscar compreender as razões
pelas quais a dengue, mesmo reconhecida pela sociedade, ainda não foi efetivamente
controlada.

Tabela 4 - Casos novos de dengue no Brasil nos anos de 1990 e 2014.


1990 2014
Brasil 28,0 290,0
Região Nordeste 38,2 160,1
Bahia -------- 91,4
Jequié --------
Fonte: SES/ SINAN, 1999.
47

Até a 33ª semana epidemiológica de 2016 foram informados pelas unidades de saúde e
registrados no SINAN 75.551 casos suspeitos de dengue no estado da Bahia. Destes, 17.457
foram classificados como dengue; 42 como dengue com sinais de alarme, 32 como dengue
grave e 21.372 foram descartados. Estão sem classificação 36.648 casos. No mesmo período
de 2014 foram notificados 19.715 casos de dengue, portanto, o número de casos atual
corresponde a um aumento de 283.22%. (BAHIA, 2016). Na Bahia, a maior epidemia de
dengue ocorreu em 2009, quando foram registradas mais de 123 mil ocorrências. Embora o
número de casos tenha reduzido nos anos seguintes em relação a 2009, desde então tem-se
registrado mais de 50 mil casos de dengue a cada ano, confirmando a dengue como um dos
principais problemas de saúde pública deste estado.

1.3.2 Doença de Chagas

A Doença de Chagas (DC) é uma antropozoonose causada pelo protozoário


flagelado Trypanosoma cruzi. Na ocorrência da doença, observam-se duas fases clínicas: uma
aguda, que pode ou não ser identificada, podendo evoluir para uma fase crônica caso não seja
tratada com medicação específica. No Brasil, devido à transmissão vetorial domiciliar
ocorrida no passado e hoje interrompida, predominam os casos crônicos. Estima-se que
existam entre dois e três milhões de indivíduos infectados. No entanto, nos últimos anos, a
ocorrência de Doença de Chagas aguda tem sido observada em diferentes estados, em especial
na região da Amazônia Legal, principalmente, em decorrência da transmissão oral (BRASIL,
2016).
Os casos de Doença de Chagas Aguda mostram que o Brasil avançou no controle do
vetor, mas, a forma de transmissão oral ainda atinge parte da população, pela ausência de
medidas sanitárias e informações sobre esta forma de transmissão.
A região Norte aparece em primeiro lugar na média anual de incidência, como mostra
a tabela 5, pelas questões ambientais e proximidade do homem junto aos vetores e os hábitos
alimentares (açaí, suco de caldo de cana e o palmito do babaçu) comuns nesta região, onde o
parasita tem maiores possibilidades de desenvolvimento. O Nordeste, por sua vez, aparece em
segundo lugar, com um total de 73 casos sendo que somente na Bahia ocorreram 14 casos que
corresponde a 19,1% de toda a região. Diante disto, as informações que circulam sobre as
formas de transmissão da doença precisam ser claras junto à população para facilitar o
processo de construção do pensamento social, que pode colaborar para a mudança nas práticas
individuais e coletivas para a prevenção deste agravo.
48

Tabela 5 - Incidência média anual de Doença de Chagas Aguda. Brasil - 2000-2013


Doença de Chagas Aguda
Região/Unidade de Total de casos Média de casos por ano Incidência média
Federação (2000-2013) anual/100.000 hab.
Norte 1430 102,1 0,690
Nordeste 73 5,2 0,010
Bahia 14 1,0 0,007
Sudeste 12 0,9 0,001
Sul 28 2,0 0,008
Centro- oeste 27 1,9 0,015
Brasil 1570 112,1 0,061
Fonte: SINAN e CGDT/DEVIT/SVS/MS, 2013.

1.3.3 Hanseníase

A Índia e a África são consideradas por muitos como o berço da hanseníase,


provavelmente a faixa setentrional da África Central, da Nigéria a Abissínia, tenha sido o foco
original da hanseníase. É possível também que a disseminação da doença para a Europa
ocorreu com o regresso das cruzadas da Terra Santa e África. A hanseníase atingiu seu ponto
máximo na Europa entre os anos 1000 e 1400 d.C. Estima-se que, na Europa, no século XII,
existiu cerca de 19.000 “leprosários” (WHO, 2006).
A principal causa do declínio dessa doença nesse continente foi à melhoria das
condições socioeconômicas experimentadas pelos povos europeus ao longo das Idades
Moderna e Contemporânea (OPROMOLLA, 2000). Na Franca, no século XIII, a doença já
havia tomado tal desenvolvimento que se avalia o número de pacientes acometidos pela
hanseníase em 100.000, com mais de 750 leprosários nos séculos XIV e XVI (SOUZA,
1946).
Por volta de 1870, a lepra praticamente já havia desaparecido na maioria dos países
europeus, com exceção da Noruega (BRASIL, 1989). Em 1984, a OMS estimou que houvesse
cerca de 12 milhões de pessoas doentes com hanseníase no mundo. No início de 1997, este
número reduziu para cerca de 1.150.000 casos mundiais de hanseníase, dos quais 888.340
estavam registrados para tratamento. Deste total geral de casos, 140.000 (12%) estava no
continente Africano, 140.000 (12%), no continente Americano, 800.000 (70%), no sudeste da
49

Ásia, 30.000 (2%), no Mediterrâneo Oriental e 40.000 (4%), no Pacifico Ocidental (WHO,
1997).
Nas duas últimas décadas, o número global de casos diminuiu em quase 90%. Em
meados de 2004, cerca de 460.000 pacientes estavam registrados para tratamento, sendo que,
durante o ano de 2003, aproximadamente 500.000 casos novos foram detectados em nível
mundial (OMS, 2005). No ano de 2003, na região das Américas, foram diagnosticados cerca
de 52,4 mil novos casos de hanseníase. No início de 2004, o coeficiente de prevalência da
doença foi de 1,0 caso por 10 mil habitantes e foram detectados pouco mais de 52 mil casos
novos por ano. A situação epidemiológica da hanseníase nos países da região constitui um
desafio em matéria de saúde pública, porque, além da magnitude do problema, a distribuição
geográfica não é uniforme (OMS, 2005). Apesar de a hanseníase estar presente em quase
todos os continentes, 87% dos casos estavam registrados em apenas 16 países. Somente a
Índia e o Brasil contribuíam com 655.564 casos (79%) (WHO, 1997).
Os anos de 2012 e 2011 apresentaram, apesar da diminuição da prevalência em nível
mundial, índices elevados de incidência, principalmente nas regiões das Américas e no
Sudeste Asiático. Estes dados, apresentados na tabela 6, demonstram que a hanseníase ainda
aparece como uma doença a ser combatida mundialmente, sobretudo por conta das suas
complicações que provocam incapacidades físicas e estigmatizantes; estes números refletem o
grau de negligenciamento com a hanseníase por parte dos países membros da OMS, que por
sua vez, não conseguiram atingir a meta estabelecida de eliminação deste agravo, inclusive o
Brasil.

Tabela 6 - Situação da Hanseníase por região da OMS no 1º trimestre de 2012.


Região da OMS Casos registrados e prevalência no Casos detectados em 2011
1º trimestre de 2012 (por 10.000) (por 100.00)
África 15.006 (0,37) 12.673 (3,14)
América 34.801 (0,40) 36.832 (4,18)
Sudeste Asiático 117.147 (0,64) 160.132 (8,75)
Mediterrâneo Oriental 7.368 (0,12) 4.346 (0,71)
Pacífico Ocidental 7.619 (0,05) 5.092 (0,30)
Total 181.941 (0,34) 219.075 (4,06)
Fonte: WHO, 2012b
50

A hanseníase persiste como doença endêmica de interesse para a saúde publica no


Brasil. Esse país foi um dos poucos do mundo a não atingir a meta de eliminação da
hanseníase como problema de saúde pública, ou seja, uma prevalência menor de 1 caso por 10
mil habitantes. O Brasil firmou compromisso com a OMS de atingir esta meta até 2015. Para
isto, 255 municípios foram considerados prioritários. 72,5% (185/255) dos municípios
selecionados estão situados nas regiões Norte-Nordeste, onde residem 76% da população
brasileira em extrema pobreza (BRASIL, 2015).
Em 2010, o panorama epidemiológico mostrou o Brasil com um coeficiente de
prevalência do mal de hansen de 1,56 casos por 10 mil habitantes e coeficiente geral de
detecção de 18,2 casos por 100 mil habitantes, considerado médio conforme padronização
oficial. Os estados de maior detecção de casos situam-se na região Norte, Centro-Oeste e
algumas regiões metropolitanas do Nordeste. De um modo geral, houve uma redução na
detecção de casos em todas as regiões, em média de 4% ao ano, com uma proporção de cura
nas coortes considerada regular e o coeficiente de detecção de casos diagnosticados com grau
2 de incapacidade alcançou 1,2 casos por 100 mil habitantes. Todas as regiões e a maioria dos
estados apresentam redução deste coeficiente nos últimos três anos. Na ultima década, vem
ocorrendo redução da carga de hanseníase no Brasil, expressa pela redução dos números de
doentes em tratamento e de casos diagnosticados com lesões incapacitantes de grau 2
(ALVES; FERREIRA; NERY, 2014).
Em 2013, a prevalência da doença foi de 1,42/10 mil habitantes (equivalente a 28.485
indivíduos em tratamento) e o coeficiente de detecção geral de 15,44/100 mil habitantes
(31.044 casos novos). Observa-se decréscimo contínuo na prevalência e na detecção de casos
novos. As regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste ainda são as mais endêmicas e importantes
na manutenção da transmissão, como apresentado na tabela 7:

Tabela 7 - Coeficiente de prevalência da hanseníase no Brasil - 2015.


2015
Brasil 1,01
Região Nordeste 1,58
Bahia 1,12
Jequié 0,74
Fonte: SINAN/SVS/MS, 2016.
51

No que diz respeito a incidência observa-se ainda um elevado número de casos na


região Nordeste corroborando aos aspectos sociais vivenciados por esta parte do país, como
mostra a tabela 8:

Tabela 8 - Coeficiente de incidência da hanseníase no Brasil - 2015.


2015
Brasil 14,07
Região Nordeste 22,72
Bahia 16,76
Jequié 8,67
Fonte: SINAN/SVS/MS, 2016.

As tabelas de prevalência e incidência da hanseníase, em 2015, confirmam a


diminuição de casos no país contudo, a região nordeste ainda mantém a endemicidade da
doença e suas diversas complicações nos aspectos individuais (danos físicos) e sociais
(incapacidades e deformidades). A hanseníase, devido a seus aspectos clínicos de diminuição
da sensibilidade, inclusive dolorosa, não desperta na sociedade a busca pelos serviços de
saúde, uma vez que, para a cultura brasileira a ideia de doença perpassa pelo sentimento da
dor e do sofrimento; como isso não acontece incialmente nas características clínicas da
hanseníase, o diagnóstico tende a ser tardio e comprometedor para o tratamento e a
diminuição das sequelas. Mais uma vez torna-se relevante compreender as atitudes
individuais e coletivas frente aos conceitos do processo saúde-doença e como esta construção
social influencia as práticas cotidianas.

1.3.4 Esquistossomose

A esquistossomose mansoni é uma doença parasitária, causada pelo


trematódeo Schistosoma mansoni, cujas formas adultas habitam os vasos mesentéricos do
hospedeiro definitivo (homem) e as formas intermediárias se desenvolvem em caramujos
gastrópodes aquáticos do gênero Biomphalaria. Trata-se de uma doença, inicialmente
assintomática, que pode evoluir para formas clínicas extremamente graves e levar o paciente a
óbito. A magnitude de sua prevalência, associada à severidade das formas clínicas e a sua
evolução, conferem a esquistossomose uma grande relevância como problema de saúde
pública (BRASIL, 2016). Pode-se verificar prevalência na tabela 9:
52

Tabela 9 - Casos positivos de esquistossomose no Brasil - 1995 a 2013.


N %
Jequié 8.195 0,52
Bahia 283.520 18,00
Nordeste 1.121.260 71,40
Brasil 1.571.260 100,00
Fonte: SES/ SINAN, 2013.

A esquistossomose mansônica apresenta uma elevada positividade no nordeste


brasileiro que está intimamente ligada as condições inadequadas de saneamento básico e
utilização de água dos rios para sobrevivência, principalmente da população desta região. O
município de Jequié, por seu turno, é banhado pelo Rio de Contas, utilizado como meio de
produção econômica por muitos munícipes, por isso, a presença do homem junto as águas
contaminadas pelos trematódeos oferece grandes riscos para aumento e recorrência dos casos
desta grave parasitose.

1.3.5 Tuberculose

A tuberculose ainda é uma doença infecciosa de elevada magnitude e importância no


mundo. Estima-se que um terço da população mundial esteja infectada com o bacilo causador
da doença, e que em 2013 ocorreram 9 milhões de casos novos e 1 milhão de óbitos. No
Brasil, no período de 2005 a 2014, foram diagnosticados, em média, ao ano, 72 mil casos
novos de tuberculose e 4.650 óbitos (WHO, 2014).
A OMS estima que, em 2016, houve 10,4 milhões de novos casos de tuberculose, e
que, no mesmo ano, a tuberculose causou a morte de 1,3 milhão de indivíduos não infectados
pelo HIV e de 374.000 indivíduos infectados pelo HIV. Também em 2016, a tuberculose foi
uma das dez principais causas de morte no mundo, ficando na frente do HIV/AIDS como
principal causa de morte por um único agente infeccioso (WHO, 2016).
O Brasil faz parte do grupo de 22 países com alta incidência da doença, que
concentram 80% dos casos de tuberculose no mundo, ocupando a 18ª posição em número
absoluto de casos, representando 0,9% dos casos estimados no mundo e 33% dos estimados
para as Américas. De acordo com o Ministério da Saúde, o Brasil possui 181 municípios
prioritários para o Programa Nacional de Controle da Tuberculose (BRASIL, 2015).
No Brasil, ao longo dos anos, observa-se redução do coeficiente de incidência,
passando de 51,8/100 mil habitantes (hab.), em 1990 para 33,8 por 100 mil hab. em 2014. No
53

que diz respeito ao coeficiente de mortalidade, em 1990 ocorreram 3,6 óbitos por 100 mil hab.
e em 2014, 2,1/100 mil hab. De acordo com o Relatório Global da Tuberculose da OMS
(2015), o Brasil atingiu as metas internacionais relacionadas à incidência, a prevalência
(passando de 140/100 mil hab. em 1990 para 59/100 mil hab. 2012) e a mortalidade (passando
de 7/100 mil hab. em 1990 para 2,5/100 mil hab. Em 2012), por considerar os valores
estimados para o país. Mundialmente, a meta dos ODM para a tuberculose foi alcançada
desde 2013, com redução continua na taxa de incidência por quase uma década (WHO,
2014c). A tabela 10 demonstra os casos confirmados de tuberculose no Brasil:

Tabela 10 - Casos confirmados de tuberculose no Brasil - 2001 a 2015.


N %
Jequié 1.241 1,12
Bahia 104.781 27,73
Nordeste 377.781 28,24
Brasil 1.337.305 100,00
Fonte: SES/ SINAN, 2015.

Afora a tuberculose ser um problema de saúde pública, sua gravidade aumentou nas
últimas décadas, ao se associar ao Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), bem como à
multirresistência aos medicamentos antituberculostáticos (BARBOSA; LEVINO, 2013).
Diante dessa magnitude, a OMS lançou a estratégia pós- 2015: “Um mundo livre da
tuberculose: zero mortes, adoecimento e sofrimento causados pela doença” e estabeleceu
metas para o alcance desse compromisso. Aliou-se à Stop TB Partnership que, também,
investiu na proposta e lançou o tema “Alcançando os três milhões de casos não detectados:
rastrear, tratar e curar a todos”. Essas mobilizações marcaram o compromisso político e social
pela eliminação da tuberculose como um problema de Saúde Pública (BRASIL, 2017).
A tuberculose ainda e um desafio a ser mundialmente superado. Estratégias arrojadas
vêm sendo propostas e implementadas, no cenário nacional e global. Apesar das reduções nos
coeficientes de incidência e de mortalidade, a doença ainda e endêmica no país, concentrando-
se em grandes centros urbanos, nos aglomerados populacionais e, sobretudo, em populações
mais vulneráveis.

1.3.6 Leishmanioses

As leishmanioses são doenças causadas por protozoários do gênero Leishmania,


transmitidas por meio de vetores flebotomíneos infectados. Essas doenças possuem um
54

espectro grande de manifestações clínicas, e essas diferenças estão relacionadas à espécie de


Leishmania envolvida. (WHO, 2010). No Brasil, a média de casos de Leishmaniose Visceral
(LV) no período de 2005 a 2009, foi de 3.679 casos/ano, com uma taxa de letalidade de 5,8%
em 2009. A LV é uma doença crônica e sistêmica e que quando não tratada, pode evoluir para
o óbito em mais de 90% dos casos. Quanto à Leishmaniose Tegumentar Americana (LTA), no
período de 2000 a 2009, foi registrada no Brasil uma média de 24.684 casos confirmados de
LTA no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) (BRASIL, 2016).
No Brasil, a LV inicialmente tinha um caráter eminentemente rural e, mais
recentemente, vem se expandindo para as áreas urbanas de médio e grande porte, sendo
também conhecida por: calazar, barriga d’água, entre outras denominações menos conhecidas.
Segundo o Ministério da Saúde, em 19 anos de notificação (1984-2002), os casos de LVA
somaram 48.455 casos, sendo que aproximadamente 66% deles ocorreram nos estados da
Bahia, Ceará, Maranhão e Piauí. Nos últimos d10 anos, a média anual de casos no país foi de
3.156 casos, e a incidência de dois casos/100.000 hab. (BRASIL, 2014e).
A doença é mais frequente em crianças menores de 10 anos (54,4%), sendo 41% dos
casos registrados em menores de 5 anos. O sexo masculino é proporcionalmente o mais
afetado (60%). A razão da maior susceptibilidade das crianças é explicada pelo estado de
relativa imaturidade imunológica celular agravada pela desnutrição, tão comum nas áreas
endêmicas, além de uma maior exposição ao vetor no peridomicílio. Por outro lado, o
envolvimento do adulto tem repercussão significativa na epidemiologia da LV, pelas formas
frustras (oligossintomáticas) ou assintomáticas, além das formas com expressão clínica. Na
década de 1990, aproximadamente noventa por cento (90%) dos casos notificados de LV
ocorreram na região nordeste. À medida que a doença se expande para as outras regiões e
atinge áreas urbanas e periurbanas, esta situação vem se modificando e, no período de 2000 a
2002, a região nordeste já representa uma redução para 77% dos casos do país (BRASIL,
2014). A tabela 11 apresenta os casos de LV a partir da década de 1990:

Tabela 11 - Casos confirmados de Leishmaniose Visceral no Brasil - 1990 e 2014.


1990 2014
Brasil 1.944 3.453
Região Nordeste 1.650 2.022
Bahia 849 505
Jequié ---- 14
Fonte: SINAN/SVS, 2014.
55

Na tabela 12 evidencia-se o coeficiente de incidência da LV no Brasil atentando-se


para a manutenção da gravidade na região Nordeste:

Tabela 12 - Coeficiente de incidência da Leishmaniose Visceral, por 100.00 hab. no Brasil.


1990 2014
Brasil 1,3 1,7
Região Nordeste 4,0 3,5
Bahia 7,3 2,8
Jequié ------ 2,4
Fonte: SINAN/SVS, 2014.

A leishmaniose tegumentar americana (LTA) é uma zoonose produzida por várias


espécies de protozoários da ordem Kinetoplastida, família Trypanomatidae e gênero
Leishmania, e transmitida por insetos (vetores) denominados flebotomíneos, pertencentes à
ordem Diptera, família Psychodidae, subfamília Phlebotominae, gênero Lutzomyia,
conhecidos popularmente como mosquito palha, tatuquira, cangalhinha, birigui, mulambinho,
catuqui entre outros. Apresenta lesões na pele e mucosa, e necessita de um vetor flebotomíneo
fêmea infectada para transmissão ao homem e aos animais (DINIZ; COSTA; GONÇALVES,
2011).
Segundo dados da OMS, a LTA ocorre em mais de 88 países, e no Brasil, nas últimas
décadas, em decorrência do seu comportamento epidemiológico, diante do extenso processo
de urbanização, existe a necessidade de adoção de diferentes estratégias para o controle dessa
zoonose (PORFÍRIO, 2013).
No Brasil, ultimamente vem sendo observado franco crescimento do número de casos
de LTA, principalmente por meio de surtos epidêmicos nas regiões nordeste, sul, sudeste,
centro-oeste, e, mais recentemente, na região norte (área amazônica), que tem como destaque
epidêmico o estado do Amazonas, uma região que, em 2011, apresentou uma incidência de
64,5 casos por 100.000 habitantes (WHO, 2012b).
A LTA representa um grande problema de saúde pública no Brasil e demais países do
Novo Mundo; além da alta incidência e ampla distribuição geográfica, merece destaque
também pela diversidade de aspectos clínicos, principalmente lesões desfigurantes e
incapacitantes (GONTIJO; CARVALHO, 2003). A LTA é uma infecção zoonótica que vem
passando progressivamente por modificações em seu caráter epidemiológico nos últimos
anos, visto que inicialmente se restringia às regiões florestais e acometia populações que
eventualmente andavam em zonas da mata. Cada vez mais, nota-se que a adaptação do vetor
56

ao ambiente domiciliar vem acontecendo, situação em que animais domésticos, como o cão,
passam a atuar como reservatório principal da doença (COELHO et al., 2012).
A tabela 13 mostra a diminuição dos casos de LTA no Brasil durante os últimos anos,
exceto o município de Jequié que mantém um número elevado de casos, em 2014:

Tabela 13 - Casos confirmados de Leishmaniose Tegumentar no Brasil, 1990 e 2014.


1990 2014
Brasil 24.753 20.296
Região Nordeste 12.428 4.969
Bahia 4.355 1.998
Jequié ---- 150
Fonte: SINAN/SVS, 2014.

A tabela 14 reforça a assertiva sobre a diminuição de casos novos, entretanto, o


município de Jequié ainda surge como exceção:

Tabela 14 - Coeficiente de incidência da Leishmaniose Tegumentar, por 100.00 hab. Brasil.


1990 2014
Brasil 17,4 10,0
Região Nordeste 29,7 8,8
Bahia 37,3 13,2
Jequié ------ 8,06
Fonte: SINAN/SVS,2014.

1.3.7 Malária

No Brasil, a transmissão da malária esta quase que totalmente restrita a região


amazônica (Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Para, Rondônia, Roraima e
Tocantins) que contribuiu com 96% do total de casos registrados em 2014. Outros casos
notificados no país são provenientes da região extra-amazônica ou importados de outros
países endêmicos. Apesar das poucas notificações na região extra-amazônica, a doença não
pode ser negligenciada nessa área, pois além do risco de reintrodução da transmissão devido a
presença dos mosquitos vetores da doença, também preocupa a alta taxa de letalidade, em
geral, relacionada ao atraso no diagnostico e tratamento dos doentes (BRASIL, 2015).
Na região Nordeste, a Bahia, ocupou a segunda colocação no acumulado de casos
confirmados (18) no ano de 2014, segundo dados SIVEP/MS. Entre 2007 a 2015, foram
confirmados 193 registros, com média anual de 38,6 casos, com ocorrência de um (1) óbito
em 2014. Nesse período, destaca-se a proporção de notificações em três dos municípios polos
57

turísticos da Bahia: Salvador (31,08%), Porto Seguro (5,7%) e Ilhéus (2,07%). Em 2015, na
Bahia, dentre os 25 casos de malária, foram confirmados 13 casos importados da Região
Amazônica e países africanos. Dentre eles 46,1% foram importados da Amazônia Legal e
53,8% de cidades endêmicas do Continente Africano.
O município de Salvador concentrou o maior número desses registros (04 casos).
Quanto à espécie do parasito, o P.vivax causador da forma clínica mais branda da doença foi
o predominante; seguido do P. falciparum, do qual decorre a maioria dos casos de malária
grave. Em que pese o Estado da Bahia ter apresentado as últimas confirmações de casos
autóctones em 2007 (04) e em 2008 (02), apresenta alto risco de transmissão autóctone devido
à densidade vetorial elevada e dispersão dos potenciais vetores da malária em 397 (95,2%)
municípios, que são considerados vulneráveis (BAHIA, 2015).

1.4 A Teoria das representações sociais: aspectos gerais, relação teoria prática e
produção científica do objeto de estudo

A construção das representações sobre o processo saúde-doença pelos profissionais de


saúde influencia na prevenção, no controle e no tratamento das doenças negligenciadas. Para
interpretar este pressuposto, sob a ótica da TRS, discutiu-se seus conceitos e a sua
aplicabilidade no campo da saúde, ao mesmo tempo em que se pretende compreender os
significados atribuídos às doenças negligenciadas pelos profissionais de saúde.
A teoria das representações sociais contribuiu para um olhar diferente da ciência sobre
os fenômenos naturais, ao ultrapassar o paradigma mecanicista do positivismo. A introdução
dos aspectos sociais, culturais e políticos nas concepções científicas surgiram a partir da
influência desta visão sobre os fatos e acontecimentos, contrapondo a chamada ciência
moderna positivista que, por sua vez, ditava as regras que definiam a veracidade e a
cientificidade dos conhecimentos.
Neste contexto, a TRS surgiu como uma nova possibilidade de conhecimento, no
campo socioindividual, para suprimir ou complementar as lacunas deixadas pela ciência
positivista, explicitando que possuem a mesma relevância dos saberes racionais e
metodológicos impostos por esta visão de mundo. Assim, o termo representações sociais

designa tanto um conjunto de fenômenos quanto o conceito que os engloba e a teoria


construída para explicá-los, identificando um vasto campo de estudos psicossociais.
A cunhagem deste termo e, portanto, a inauguração do campo se deve ao psicólogo
social francês, romeno de nascimento, Serge Moscovici (SÁ, 2015, p.183).
58

Um primeiro delineamento formal do conceito e da teoria das representações sociais


surgiu no trabalho de Moscovici intitulado La psychanalyse, son image et son public, a
propósito do fenômeno de socialização da psicanálise, de sua apropriação pela população
parisiense, num processo de transformação para servir a outros usos e funções sociais além da
interpretação e da intervenção psicanalítica. Partindo da tradição da sociologia do
conhecimento, o autor começava então a desenvolver o que chamou de uma psicossociologia
do conhecimento (SÁ, 2015).
A ideia de Moscovici em compreender os significados da psicanálise para a população
parisiense trouxe uma inovadora perspectiva científica, pois não buscava medir ou estabelecer
métodos de apropriação do conhecimento e sim inaugurar a intersecção entre pensamento
individual e coletivo, transformando a forma de saber, do senso comum, em ciência.
Inicialmente esta teoria não promoveu um grande impacto na ciência moderna, pois, o
pensamento mecanicista era predominante e trazia novidades no campo biológico com
descobertas que favoreciam o desenvolvimento das especializações do conhecimento,
entretanto, a contribuição na mudança de paradigma, traduzida pela TRS, promoveu o
entendimento no campo sociológico que despertava a busca de uma nova visão sobre os
fenômenos sociais e coletivos.
Moscovici foi buscar na sociologia durkheimiana um primeiro abrigo conceitual para
suas objeções ao excessivo individualismo da psicologia social americana, isso não era
suficiente ou adequado para os seus propósitos de renovação da disciplina. Realmente, o
desafio maior implicado em tal renovação consistia em situar efetivamente a psicologia social
na encruzilhada entre a psicologia e as ciências sociais, em ocupar esses territórios limítrofes
onde se desenvolvem fenômenos cuja dupla natureza – psicológica e social – tem sido
reiteradamente admitida e que, por isso mesmo, já lhe pertencia de direito (SÁ, 2015).
Diante desta inovadora teoria de Moscovici, que buscou a interação entre a dimensão
individual e social, as percepções humanas sobre a realidade cotidiana tornaram-se
prontamente viáveis para análise e observação científica em vários campos, inclusive no setor
saúde. Entender o processo saúde-doença na perspectiva socioindividual ou psicossocial
implica na construção de saberes essenciais para intervenções ou participações da ciência na
resolução de diversos problemas encontrados neste campo social (MOSCOVICI, 2012).
A TRS envolve estas percepções no sentido de produzir, modelar e orientar novas
práticas voltadas para a interação entre o indivíduo e a realidade que o cerca, onde o mesmo
59

pode reproduzir seus pensamentos em sua prática e a partir desta prática construir novos
pensamentos em um ciclo de modificações contínuas e dinâmicas. Esta conduta engloba todos
os conhecimentos não só das teorias científicas, mas também dos eixos culturais e ideológicos
contribuindo para a construção das representações sociais de um determinado objeto (SÁ,
2015). Esta produção de conhecimentos, elaborados pelos indivíduos em uma sociedade
demonstra a definição das representações sociais:

Para Moscovici, esses “conjuntos de conceitos, afirmações e explicações”, que são


as representações sociais, devem ser consideradas como verdadeiras “teorias” do
senso comum, “ciências coletivas” sui generis, pelas quais se procede à
interpretação e mesmo à construção das realidades sociais (Moscovic,1976 apud Sá,
2015, p.190).

A TRS se ocupa, de forma complexa, em compreender os conhecimentos que


circundam as rodas informais de conversas entre os indivíduos que formam uma sociedade
pensante, ou seja, pessoas que possuem convicções e saberes apreendidos no cotidiano e na
interação social. Sá (2015, p. 192) aponta que
Moscovici considera coexistirem nas sociedades contemporâneas duas classes
distintas de universos de pensamento: os universos consensuais e os universos
reificados. Nos últimos, bastante circunscrito, é que se produzem e circulam as
ciências e o pensamento erudito em geral, com sua objetividade, seu rigor lógico e
metodológico, sua teorização abstrata, sua compartimentalização em especialidades
e sua estratificação hierárquica. Aos universos consensuais correspondem as
atividades intelectuais da interação social cotidiana pelas quais são produzidas as
representações sociais.

Neste sistema de pensamento, organizado nos dois universos distintos (reificado e


consensual), temos uma estrutura representacional constituída por três dimensões: a
informação, o campo da representação e a atitude. A informação se refere à organização dos
conhecimentos que um grupo possui a respeito de um objeto social; o campo da representação
remete à ideia da imagem, de modelo social, ao conteúdo concreto e limitado das proposições
acerca de um aspecto preciso do objeto de representação; e a atitude termina por focalizar a
orientação global em relação ao objeto de representação social (SÁ, 2002).
A atitude é a mais frequente das três dimensões e, talvez, geneticamente a primeira.
Por conseguinte, é razoável concluir que as pessoas se informam e representam alguma coisa
somente depois de terem tomado uma posição e em função da posição tomada (SÁ, 2002).
Desta maneira, tanto o grupo dos profissionais de saúde quanto o grupo dos usuários dos
serviços de saúde possuem uma atitude sobre as doenças negligenciadas, favorável ou
desfavorável e trazem para seus pensamentos, uma informação (cognitiva), os saberes ou
60

conhecimentos familiares sobre esta temática e a partir disto emitem uma visão imagética
sobre as doenças.
Além da complexidade de estabelecer uma organização do sistema de pensamento da
sociedade, a TRS possui funções que colaboram para a concretude da lógica do pensamento e
da ação, ao influenciar as mudanças de conduta do indivíduo e da sociedade. Se as
representações sociais tem um papel fundamental na dinâmica das relações sociais e nas
práticas é porque, como nós pensamos, elas respondem a quatro funções essenciais segundo
Abric (2000):
Função de Saber: elas permitem compreender e explicara a realidade. Saber prático
do senso comum, elas permitem que os atores sociais adquiram conhecimentos e os
integrem em um quadro assimilável e compreensível para eles próprios, em
coerência com seu funcionamento cognitivo e os valores aos quais eles aderem.
Função Identitária: elas definem a identidade e permitem a proteção da
especificidade do grupo. As representações têm por função situar os indivíduos e os
grupos dentro do campo social (permitido) a elaboração de uma identidade social e
pessoal gratificante, ou seja, compatível com o sistema de normas e de valores
socialmente e historicamente determinados. Função de Orientação: elas guiam os
comportamentos e as práticas. O sistema de pré-codificação da realidade, constituído
pela representação, é, de fato, um guia para ação. Função Justificadora: elas
permitem, a posteriori, a justificativa das tomadas de posição e comportamentos. As
representações intervêm também na avaliação da ação, permitindo aos atores
explicar e justificar suas condutas em uma situação ou face a seus parceiros
(ABRIC, 2000 apud SÁ, 2002, p.44).

Estas quatro funções, tratadas por Abric, em seus estudos sobre a abordagem estrutural
das representações sociais, permitem compreender a visão e o pensamento dos grupos
participantes deste estudo, uma vez que estes produzem seus próprios saberes sobre as
doenças negligenciadas e, a partir da sua posição na estrutura social, demonstraram uma
atitude favorável ou não junto aos conceitos e práticas de combate às enfermidades
consideradas negligenciadas. As funções das representações sociais, além de caracterizar e
identificar os dois grupos, facilitará a orientação das ações destes atores sociais frente às
medidas de prevenção, controle e tratamento das doenças negligenciadas.
A sociedade pensante, localizada em universos distintos e complementares do
conhecimento, emitem suas convicções sobre a realidade social imbuídas de atitudes
(dimensão representacional) e para tanto precisam estabelecer ou formar seus saberes sobre os
diversos temas que circundam o cotidiano. Por isso, a utilização da TRS aproxima o indivíduo
ou um grupo de sua realidade social, ao transformar o não familiar em familiar, ela serve
como um campo de estudos sobre a construção da realidade.

O propósito de todas as representações é o de transformar algo não familiar, ou a


própria não familiaridade, em familiar. No todo, a dinâmica dos relacionamentos é
61

uma dinâmica de familiarização, em que objetos, indivíduos e eventos são


percebidos e compreendidos em relação a encontros ou paradigmas prévios. Como
resultado, a memória prevalece sobre a dedução, o passado sobre o presente, a
resposta sobre o estímulo, às imagens sobre “a realidade” (MOSCOVICI, 1984 apud
SÁ, 2015, p. 199-200).

Esta funcionalidade da representação social provém dos seus processos de formação


que explicitam a sua dupla natureza – conceitual e figurativa- segundo as ideias
moscovicianas, que concebia as representações como uma instancia intermediária entre a
percepção e o conceito; um processo que torna o conceito e a percepção de algum modo
intercambiáveis, visto que se engendram reciprocamente (SÁ, 2015).
Dessa configuração estrutural das representações, Moscovici partiu, então, para uma
primeira caracterização de seus processos formadores. A função de duplicar um sentido por
uma figura, dar materialidade a um objeto abstrato, “naturalizá-lo” foi chamado de
“objetivar”. A função de duplicar uma figura por um sentido, fornecer um contexto inteligível
ao objeto, interpretá-lo, foi chamada de ancorar (SÁ, 2015).
A ancoragem, um dos processos formadores das representações sociais, consiste na
integração cognitiva do objeto representado – sejam ideias, acontecimentos, pessoas, relações
etc. - a um sistema de pensamento social preexistente e nas transformações implicadas. Por
certo, as representações já disponíveis podem funcionar também como sistemas de
acolhimento de novas representações. De um modo geral, o processo é responsável pelo
enraizamento social da representação e seu objeto (SÁ, 2015). Ancorar é

classificar e denominar coisas que não são classificadas nem denominadas; são
estranhas, não existentes e ao mesmo tempo ameaçadoras. Desde que possamos falar
sobre alguma coisa, avaliá-la e, assim, comunicá-la – mesmo vagamente, como
quando dizemos de alguém que ele é inibido -, então podemos representar o não
usual em nosso mundo usual, reproduzi-lo como a réplica de um modelo familiar
(MOSCOVICI, 1984 apud SÁ, 2015 p. 202).

Os processos através dos quais uma representação, uma vez constituída, se torna um
organizador das relações sociais; processos que tornam o não familiar em familiar; um
processo que precede a objetivação e refere-se ao fato de qualquer construção ou tratamento
de informação exigir pontos de referência: quando um sujeito pensa um objeto, o seu universo
mental não é, por definição, tábua rasa, pelo contrário, é por referência a experiências e
esquemas de pensamentos já estabelecidos que um objeto novo pode ser pensado (VALA,
2000).
62

A objetivação, o outro processo de formação das representações sociais, consiste em


uma “operação imaginante e estruturante”, pela qual se dá uma “forma” – ou figura –
específica ao conhecimento acerca do objeto, tornando concreto, quase tangível, o conceito
abstrato, materializando a palavra.

Objetivar é descobrir a qualidade icônica de uma ideia ou um ser impreciso,


reproduzir um conceito em uma imagem. A imagem é totalmente assimilada e o que
é percebido toma o lugar do que é concebido, esse é o resultado lógico do tal estado
de coisas. Se as imagens existem, se elas são essenciais para a comunicação e a
compreensão sociais, isso é porque elas não são (e não podem permanecer) sem
realidade tanto quanto não pode haver fumaça sem fogo. (MOSCOVICI, 1984 apud
SÁ, 2015, p.204).

A objetivação diz respeito à forma como se organizam os elementos constituintes da


representação e ao percurso através do qual tais elementos adquirem materialidade e se
tornam expressões de uma realidade pensada como natural (VALA, 2000).
A partir da construção de Moscovici, três grandes correntes teóricas surgiram: uma
mais fiel à teoria original, liderada por Denise Jodelet, em Paris; uma que procura articulá-la
com uma perspectiva mais sociológica, liderada por Willem Doise, em Genebra; e uma que
enfatiza a dimensão cognitivo-estrutural das representações, liderada por Jean–Claude Abric,
em Aix–en–Provence (SÁ, 1998).
Jodelet (2001, p. 36) considera que

A representação social é uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e


partilhada, que tem um objetivo prático e concorre para a construção de uma
realidade comum a um conjunto social (JODELET, 2001, p. 36).

Esta autora considera ainda que uma representação social é uma forma de saber prático
que liga um sujeito a um objeto. Com relação ao objeto, que pode ser de natureza social,
material ou ideal, a representação se encontra em uma relação de simbolização (está no seu
lugar) e de interpretação (confere-lhe significados). A representação é, por outro lado, uma
construção e uma expressão do sujeito, que pode ser considerada do ponto de vista epistêmico
(se focalizam os processos cognitivos) ou psicodinâmico (se a ênfase é sobre os mecanismos
intrapsíquicos, motivacionais etc.), mas também social ou coletivo. Enquanto forma de saber,
a representação se apresenta como uma modelização do objeto, que pode ser apreendida em
diversos suportes linguísticos, comportamentais ou materiais. Jodelet esclarece que qualificar
este saber como “prático” se refere a experiência a partir da qual ele é produzido, aos quadros
63

e condições nas quais o é, e sobretudo ao fato de que a representação serve para se agir sobre
o mundo e sobre os outros (JODELET, 2001).
As representações sociais

funcionam como um sistema de interpretação da realidade, tanto individual quanto


coletivo, que constrói uma forma de conhecimento, por meio das experiências e
práticas, e que simbolizam e modelizam as relações do sujeito com o objeto de
representação. Igualmente designado como “saber do senso comum” ou ainda “saber
ingênuo”, “natural”, esta forma de conhecimento distingue-se, dentre outros, do
conhecimento científico. Mas ela é tida como um objeto de estudo tão legítimo
quanto aquele, por sua importância na vida social, pelos esclarecimentos que traz
acerca dos processos cognitivos e as interações sociais (JODELET, 2001, p. 36).

Reconhece-se, geralmente, que as representações sociais, como sistemas de


interpretação que regem nossa relação com o mundo e com os outros, orientam e organizam
as condutas e as comunicações sociais. Igualmente intervêm em processos tão variados quanto
a difusão e a assimilação dos conhecimentos, no desenvolvimento individual e coletivo, na
definição das identidades pessoais e sociais, na expressão dos grupos e nas transformações
sociais (JODELET, 2001).
Nesta abordagem, portanto, a construção do conhecimento acontece por meio de um
processo pelo qual o sujeito elabora suas percepções (epistêmicas e psicológicas) sobre um
objeto (humano, social, material) considerando sua posição no grupo ou na sociedade, ou seja,
esta forma de saber consensual é construída por um sujeito histórico, inserido em sua cultura e
universo de valores de onde se originam seus saberes. A partir deste sujeito, ou grupo, é que
se identifica o conhecimento sobre o objeto de representação e como este saber é
experimentado e vivenciado dentro da sociedade (JODELET, 2001).
Esta forma de saber é modelada pelos indivíduos e grupos que geram uma
interpretação da realidade conforme suas percepções psicossociais, que por sua vez,
interferem na construção social sobre o objeto de representação. A corrente processual,
defendida por Jodelet implica na construção gradativa do conhecimento a partir da influência
histórica e social do sujeito que, por seu turno, produz efeitos na realidade, utilizando a
comunicação deste novo saber para difusão e orientação das práticas sociais (JODELET,
2001).
Como fenômenos cognitivos, associam o pertencimento social dos indivíduos às
implicações afetivas e normativas, às interiorizações das experiências, das práticas, dos
modelos de conduta e de pensamento, socialmente inculcados ou transmitidos pela
comunicação social, que aí estão ligados. Por esta razão, seu estudo constitui uma
64

contribuição decisiva para a aproximação da vida mental individual e coletiva. Deste ponto de
vista, as representações sociais são abordadas simultaneamente como o produto e o processo
de uma atividade de apropriação da realidade exterior ao pensamento e da elaboração
psicológica e social da realidade. Ou seja, estão interessados em uma modalidade de
pensamento, sob seu aspecto constituinte, os processos, e constituído, os produtos ou
conteúdos. Modalidade de pensamento que tem sua especificidade em seu caráter social
(JODELET, 2001).
De fato, representar ou se representar corresponde a um ato de pensamento pelo qual o
sujeito relaciona-se com um objeto. Este pode ser tanto uma pessoa, uma coisa, um evento
material, psíquico ou social, um fenômeno natural, uma ideia, uma teoria etc.; pode ser tanto
real quanto imaginário ou mítico, mas sempre requerer um objeto. Não há representação sem
objeto. Quanto ao ato de pensar, que estabelece a relação entre o sujeito e o objeto, este tem
características específicas em relação a outras atividades mentais (perceptiva, conceitual,
memorial etc.).
De um lado, a representação mental, como a representação pictórica, teatral ou
política, dá uma visão desse objeto, toma-lhe o lugar, está em seu lugar; ela o torna presente
quando aquele está distante ou ausente. A representação é, pois, a representante mental do
objeto que reconstitui simbolicamente. De outro lado, como conteúdo concreto do ato de
pensar, a representação carrega a marca do sujeito e de sua atividade. Este último aspecto
remete ao caráter construtivo, criativo, autônomo da representação que comporta uma parte de
reconstrução, de interpretação do objeto e de expressão do sujeito (JODELET, 2001).
A abordagem processual de Jodelet defende a ideia de que a representação social
funciona como um saber prático, ou seja, o conhecimento produzido pelo sujeito ou pelo
grupo possui funções de interpretação e modificação da realidade e na vida cotidiana. A
principal contribuição das representações sociais, nesta vertente, é produzir um saber que
tenha a capacidade de influenciar as práticas cotidianas e sustentar as concepções individuais
e coletivas sobre a representação do objeto. Neste sentido, Jodelet define um esquema base
que caracteriza as representações sociais onde a representação aparece como uma forma de
sabre prático ligando um sujeito a um objeto, este esquema possui as seguintes características
(JODELET, 2001):
1. A representação social é sempre uma representação de alguma coisa (objeto) e de
alguém (sujeito). As características do sujeito e do objeto terão uma incidência sobre o
que ela é. A representação social está com seu objeto numa relação de "simbolização",
ela toma seu lugar, e de "interpretação", ela lhe confere significações. Estas
65

significações resultam de uma atividade que faz da representação uma "construção" e


uma "expressão" do sujeito. Esta atividade pode remeter seja aos processos cognitivos
deste último, considerado de um ponto de vista epistêmico, seja aos mecanismos
intrapsíquicos (projeções fantasmáticas, investimentos pulsionais, identitários,
motivações etc.), é então considerado de um ponto de vista psicológico. Mas a
particularidade do estudo das representações sociais é a de integrar na análise desses
processos o pertencimento e a participação sociais e culturais do sujeito, sendo o que a
distingue de uma perspectiva puramente cognitivista ou clínica. De outro lado, pode
também se prender a uma atividade mental de um grupo ou de uma coletividade, ou
considerar esta atividade como o efeito de processos ideológicos que atravessam o
indivíduo.
2. Forma de saber, a representação apresenta-se como uma "modelização" do objeto
diretamente legível em ou inferido de diversos suportes linguísticos, comportamentais
ou materiais. Todo estudo de representação passará por uma análise das características
ligadas ao fato de que ela é uma forma de conhecimento.
3. Qualificar esse saber de "prático" se refere à experiência a partir da qual ele se produz,
aos quadros e condições nos quais se insere e, sobretudo, ao fato de que a
representação serve para agir sobre o mundo e o outro, o que esclarece suas funções e
sua eficácia sociais. A posição ocupada pela representação no ajustamento prático do
sujeito a seu meio faz com que seja qualificada, por alguns, de compromisso
psicossocial.
Na vertente societal, Doise (1990) define que as representações sociais são princípios
geradores de tomadas de posição ligadas a inserções específicas em um conjunto de relações
sociais e que organizam os processos simbólicos que intervém nessas relações. É a análise das
regulações efetuadas pelo metassistema social no sistema cognitivo que constitui o estudo
propriamente dito das representações sociais, desde que suas ligações com posições
específicas em um conjunto de relações sociais sejam explicitadas. Uma tal concepção
consensual não está absolutamente presente em Moscovici, que não considera o consenso
como característica essencial do funcionamento ou do produto das representações. Esta dupla
fonte de variação pode gerar multiplicidade aparente de tomadas de posição que são,
entretanto, produzidas a partir de princípios organizadores comuns (DOISE, 1990).
A teoria do núcleo central foi proposta pela primeira vez, dentro do quadro de
pesquisa experimental do Grupo do Midi, representado por Jean-Claude Abric, em 1976,
através da tese de Doctorat d’État – Jeux, conflits et représentations sociales – na Université
66

de Provence, sob a forma de uma hipótese a respeito da organização interna das


representações sociais, formulada nos seguintes termos: a organização de uma representação
apresenta uma característica particular: não apenas os elementos da representação são
hierarquizados, mas, além disso, toda representação é organizada em torno de um núcleo
central, constituído de um ou de alguns elementos que dão à representação o seu significado.
(ABRIC, 1994a). Uma representação é constituída de um conjunto de informações, de
crenças, de opiniões e de atitudes a propósito de um dado objeto social. Este conjunto de
elementos se organizando, estrutura-se e se constitui num sistema sociocognitivo de tipo
específico, ou seja, a organização de uma representação social apresenta uma característica
específica, a de ser organizada em torno de um núcleo central, constituindo-se em um ou mais
elementos, que dão significado à representação.
Nesses processos, aparecem, portanto, elementos centrais, aparentemente constitutivos
do pensamento social, que lhe permitem colocar em ordem e compreender a realidade vivida
pelos indivíduos ou grupos. A teoria de Abric diz que as representações sociais são
organizadas em torno de um núcleo central que confere a representação o seu significado e os
elementos periféricos que são flexíveis, mutáveis e sustentam a construção da representação.
Assim tem-se dois conjuntos de elementos que possuem características próprias, mas se
complementam para estruturar a representação social de um determinado grupo.
Sá (1996, p. 22) aponta que

A possibilidade de sua solução residiu basicamente em convir que se tratam, a rigor,


das próprias características estruturais das representações e de seu modo de
funcionamento. Para enfim explicá-las, Abric (1994) propôs que a representação
social, conquanto constitua uma entidade unitária, regida por um sistema interno
duplo, em que cada parte tem um papel específico mas complementar ao da outra.

As representações sociais dos profissionais de saúde sobre as doenças negligenciadas


podem ser explicadas ou apreendidas quando se desvelar estes elementos respeitando as suas
finalidades e reproduzindo as práticas realizadas no cotidiano destes grupos.

As representações sociais são “a visão de mundo que os indivíduos e grupos têm e


utilizam para agir e para tomar posição, sendo indispensável para compreender a
dinâmica das interações sociais e clarificar os determinantes das práticas sociais”
(ABRIC, 1994, p.77).

Este sistema interno duplo estrutura as representações sociais e oferece uma


compreensão sobre a teoria do núcleo central retratando a realidade das práticas e das
67

convicções dos indivíduos. Assim em primeiro lugar haveria um sistema central (núcleo
central) ao qual são atribuídas as seguintes características: é marcado pela memória coletiva,
refletindo as condições sócio históricas e os valores do grupo; constitui a base comum,
consensual coletivamente partilhada das representações, definindo a homogeneidade do grupo
social; é estável, coerente, resistente a mudança, assegurando assim a continuidade e a
permanência da representação; é relativamente pouco sensível ao contexto social e material
imediato qual a representação se manifesta. Suas funções são gerar o significado básico da
representação e determinar a organização global de todos os elementos (SÁ, 1996).
Em segundo lugar haveria um sistema periférico, constituído pelos demais elementos
da representação que, provendo a interface entre a realidade concreta e o sistema central,
atualiza e contextualiza as determinações normativas e consensuais deste último. Daí o
resultado é a mobilidade, a flexibilidade e a expressão individualizada das representações
sociais. O sistema periférico apresenta, portanto, as seguintes características: permite a
integração das experiências e histórias individuais; suporta a heterogeneidade do grupo e as
contradições; é evolutivo e sensível ao contexto imediato. Sintetizando, suas funções
consistem, em termos atuais e cotidianos, na adaptação à realidade concreta na diferenciação
do conteúdo da representação e, em termos históricos, na proteção do sistema central (SÁ,
1996).
O conceito de núcleo central faz referência a um subconjunto de elementos em torno
do qual as representações sociais são organizadas, sendo responsável pela determinação e pela
organização do próprio conjunto. Desta maneira,

A noção de núcleo central, apresentada pro Abric (1976, 1984, 1989), faz avançar a
noção moscoviciana de “núcleo figurativo” naquilo que ela ultrapassa o quadro
puramente genético e trata da estrutura de uma representação constituída. De acordo
com Abric, a ideia fundamental dessa teoria é que, dentro do conjunto das cognições
presentes no campo de um objeto de representação, alguns elementos têm um papel
diferente dos demais (MOLINER, 1996 apud CAMPOS; LOUREIRO, 2003, p22).

O núcleo central apresenta duas funções essenciais para a elaboração e manutenção da


representação: um função genética, a partir da qual o significado dos elementos é criado ou
transformado; e uma função organizadora, que rege os elos existentes entre os elementos
presentes no campo da representação, a fim de assegurar a unidade e a estabilidade desse
campo (CAMPOS; LOUREIRO, 2003).
O sistema central é ativado de maneira diferenciada, segundo a natureza do objeto
social visado, a natureza das relações do grupo social com esse mesmo objeto e a finalidade
68

da situação. De acordo com a dinâmica desses fatores, diferentes elementos centrais são
privilegiados: as situações com forte finalidade operatória ativam prioritariamente os
elementos fortemente funcionais; as situações com forte carga ideológica ou socioafetiva
ativam privilegiadamente os elementos marcadamente normativos (CAMPOS; LOUREIRO,
2003). Assim,

a análise da lógica desse duplo sistema leva-nos a considerar que as representações


funcionam como guias de leitura da realidade. Assim sendo, é evidente que esses
dois sistemas devem assegurar uma interação não somente do tipo normativo com o
objeto ou com a realidade, mas também uma interação do tipo operatório ou
funcional. Apesar da tendência a pensar que o sistema central é mais afetado pela
dimensão normativa, assim como o sistema periférico pela dimensão operatória,
sabemos que as duas dimensões estão presentes nos dois sistemas (CAMPOS;
LOUREIRO, 2003, pág. 25).

Compreende-se que a estrutura da representação influenciará nas práticas sociais dos


profissionais de saúde frente às entidades mórbidas que são objetos desta pesquisa, uma vez
que tais práticas são organizadas e conduzidas pelo núcleo central do pensamento psicossocial
destes participantes. Como pontua Abric (1994a) apud Campos e Loureiro (2003, p. 26)

O sistema periférico responde a três funções essenciais: a) concretização, função na


qual os elementos oriundos do processo de ancoragem permitem o entendimento da
representação em termos bem concretos; b) regulação, na qual os esquemas
permitem a adaptação dos conteúdos e processos coletivos às mudanças do contexto
externo; c) defesa, na qual o sistema parece desempenhar o papel de para-choque,
modificando e neutralizando importantes modificações no meio, de modo a evitar ao
máximo as transformações bruscas do núcleo e evitar o ataque aos elementos
centrais por parte da realidade, quando esta sofre uma mudança interna.

O sistema periférico é bem menos limitante, sendo mais leve e flexível. É a parte mais
acessível e mais fluida da representação. Se o núcleo central constitui, de algum modo, a
cabeça ou o cérebro da representação, o sistema periférico constitui o corpo e a carne. Seu
papel é essencial e pode ser resumido em cinco funções: concretização, regulação, prescrição
de comportamento, proteção do núcleo central e personalização (individualização da
representação coletiva) (CAMPOS; LOUREIRO, 2003).
Acredita-se que, por meio da TRS, chega-se ao processo de construção social das
doenças negligenciadas permitindo compreender as tomadas de decisão do grupo envolvido
nesta temática e, a partir da descoberta deste pensamento social elaborado pelos profissionais
de saúde, evidenciar práticas cotidianas que influenciam no combate às doenças consideradas
negligenciadas. Para tanto, é necessário discutir se este objeto de estudo (doenças
69

negligenciadas) é um objeto de representação social, pois nem todo objeto possui uma
representação.
As doenças negligenciadas são enfermidades que afligem mais de um bilhão de
pessoas no mundo e atingem principalmente os indivíduos que possuem uma vulnerabilidade
social relacionada às condições socioeconômicas nos países subdesenvolvidos. São doenças
que representam a pobreza e a marginalização, afetam as populações com pouca visibilidade
social e pouca voz política, apresenta o estigma e a discriminação que afetam particularmente
mulheres e crianças e podem ser controladas e prevenidas mediante a aplicação de medidas
eficazes. Os profissionais de saúde lidam com estas situações diariamente, tanto com as
demandas do sistema de saúde, quanto com a realidade social e familiar enfrentada pelos
pacientes em seus cotidianos.
Há, nestes atores sociais, a construção de teorias explicativas, em paralelo ao
conhecimento científico que possuem e que se configura como uma grade de leitura da
realidade, para as razões que levaram cada pessoa a se contaminar ou a não adotarem as
orientações realizadas no âmbito da educação em saúde com vistas à sua prevenção. Além
disso, os contextos social, cultural, religioso, material, familiar, econômico e político que
envolvem os acometidos se configuram como leituras que podem influenciar na construção de
um pensamento específico sobre estas doenças.
A partir deste contexto, as doenças negligenciadas podem ser consideradas como
objeto de representação social na medida em que gera discussões e conversas em grupos
sociais, tem uma relevância social na medida em que afetam grande parte da população
mundial e tem elevada endemicidade, em especial nas regiões tropicais, gera conhecimento,
pensamento e julgamentos sobre as causas da perpetuação da pobreza diante de tanto
desenvolvimento tecnológico e, ainda, caracteriza-se por ser uma temática que está ligada às
práticas, tanto individuais, quanto coletivas, inclusive de profissionais e gestores da área da
saúde.
Todas estas características discutidas por Sá (1998) e Wolter (2016) subsidiam a
compreensão de que as doenças negligenciadas são objeto de representação social. Para todo
objeto, como já referido, tem-se um sujeito, ou seja, um grupo que emite suas percepções e
convicções sobre determinado fenômeno, neste caso, os profissionais de saúde.
Outra discussão importante neste contexto diz respeito ao estudo das relações entre as
práticas sociais e as representações sociais, haja vista que a presente tese abarcou a formação
estrutural e os conteúdos das representações sociais elaboradas pelos profissionais de saúde
acerca das doenças negligenciadas. Assim, destacaram-se as proposições de Abric e
70

Rouquette na tentativa de explicar a influência das representações socais sobre as práticas


sociais e das práticas sociais sobre as representações ou a circularidade desta relação. Nesta
esteira,

Apesar dos primeiros trabalhos empíricos se pautarem pelo estudo das práticas
comunicativas, ou seja, pelo estudo das práticas de intercâmbio intra e intergrupal,
as proposições teóricas são aplicáveis às relações gerais entre práticas sociais e
representações. A partir de então, os trabalhos empíricos se multiplicaram, muito
embora, como afirma Rouquette (1998), o termo práticas venha sendo, por muitas
vezes, utilizado de modo pouco claro (CAMPOS; LOUREIRO, 2003, p. 29).

Na perspectiva de estudar as situações sociais reais, uma fórmula mais exata de definir
as práticas sociais é concebe-las como sistemas complexos de ação ou, ainda, como conjuntos
de condutas finalizadoras pelos e para os grupos (MOLINER, 2001 apud WOLTER; SÁ,
2013). A noção de prática teria como referência básica a ação e o agir dos grupos e, assim, a
ação comporta, então, necessariamente, dois componentes, o vivido e o cognitivo. É isto que s
permite uma certa legitimidade em estudar a ação também por meio de instrumentos de
natureza cognitiva.
De todo modo, a questão teórica importante que se impõe é: são as práticas que
determinam as representações sociais ou é o inverso? Nos estudos de Abric e Rouquette
apresentados por Wolter e Sá (2013) encontra-se a reposta para esta questão ao dizer que
existe em um primeiro momento estudos e conceituações das representações como
gerenciadoras da práticas; em um segundo momento tem-se as mudanças representacionais a
partir das práticas e finalmente a assimetria das influências entre representações e a variedade
das práticas. Rouquette diz que:

Como as duas formas de influência não são equivalentes, não é legitimo falar em
reciprocidade das influências. Ele afirma que devemos tomar as representações
como uma condição das práticas e as práticas como um agente de transformação
das representações. Ambas as constatações, da representação como condição das
práticas e esta última, a prática, como agente de transformação da primeira,
levaram o autor a se questionar sobre o que é uma prática (ROUQUETTE, 2000
apud WOLTER; SÁ, 2013, p.98).

Esta noção extremamente ambígua

Abrange ao menos dois aspectos eventualmente confundidos: a realização de uma


ação (conduta efetiva) e a frequência (ou, correlativamente, a familiaridade para o
sujeito) dessa realização. Por exemplo, o fato de cumprir uma tarefa num dado
momento, e o número de vezes que cumprimos até então uma tarefa idêntica ou
semelhante; a passagem ao ato e a recorrência desse ato. Colocamos em oposição de
71

um lado, a concretização à simples intenção, o gesto ao pensamento, e de outro o


hábito, ou ao menos a banalidade relativa à raridade, talvez à novidade radical”
(ROUQUETTE, 2000 apud WOLTER; SÁ, 2013, p.98).

Rouquette distingue neste primeiro ponto a passagem ao ato, ou seja, a concretização


da ação, da banalidade ou recorrência do ato. O autor também diferenciou duas vertentes de
ação: a maneira de fazer e a consequência percebida desse fazer. Dois grupos podem ter muita
experiência acerca do objeto, tanto com práticas efetivas e recorrência da ação e, no entanto,
estes dois grupos podem agir de forma diferente, ou seja, possuem maneiras distintas de agir
(WOLTER; SÁ, 2013).
Em suma, Rouquette concluiu que a relação entre representação e prática e as suas
respectivas influências devem levar em conta os quatro aspectos da prática: como passagem
ao ato, como recorrência, como maneira de fazer e como cálculo. A consideração destes
quatro aspectos nos ajuda a sair de um grande problema frequentemente encontrado, a
polissemia da noção de prática. Pode-se acrescentar que se troca regularmente de denomi-
nação, passando de ação a conduta para um pouco depois falar de prática ou comportamento
(WOLTER; SÁ, 2013).
Compreender es relação entre práticas e representações sociais colaborou ao
entendimento das possíveis atitudes desenvolvidas pelos profissionais de saúde frente às
doenças negligenciadas, ao perceber que cada categoria profissional desenvolveu seu
pensamento social em conformidade com as suas práticas desempenhadas em seus locais de
trabalho.
Destaca-se, ainda, que, como já considerado, as doenças negligenciadas podem ser um
objeto de representação social e por isso precisou-se buscar nas bases científicas estudos de
pesquisa que relacionassem estes eixos temáticos. Na realização da busca das produções
científicas em base de dados eletrônicos encontrou-se estudos que discutem as doenças
negligenciadas não como um termo, mas o aprofundamento específico das entidades mórbidas
consideradas como tais em sua associação com as suas construções representacionais, como, a
dengue e a tuberculose com a representação social.
No estudo realizado por Santos et al. (2018) sobre a representação social de pessoas
com tuberculose pulmonar pode-se inferir do processo de análise que os sujeitos descrevem
sobre a tuberculose, fundamentando suas representações sociais nos conhecimentos
socialmente apreendidos, ancorados e objetivados a partir de suas interações sociais, de
influências culturais, de crenças socialmente partilhadas e de sua inserção no sistema de
72

saúde, alicerçado no processo mórbido e contato com profissionais de saúde. Estes autores
apontam que

Os sujeitos desta pesquisa possuem uma percepção baseada em estigmas, crenças e


desafios perante os agravos e as suas condições de saúde, selecionando e
descontextualizando a informação socializada, elaborando assim, novos olhares e
significados que lhes serão benéficos, úteis e necessários no dia a dia (SANTOS
et.al.,2018 p.11)

A representação social sobre a tuberculose na sociedade ancora-se pela marca e pelo


registro de estigma e preconceitos, sendo reconhecida como uma doença que vem do
próximo, do outro, do ar sujo, da falta de higiene, de lugar aglomerado, da tosse que é
colocada para fora e que acaba contagiando e de seu crescimento acelerado, acentuado e
descontrolado. Com a função de duplicar o sentido, a objetivação transforma em objeto o que
é representado nos pensamentos, cognições, experiências e ideias de silenciar ou estar com a
tuberculose, entre diversas outras circunstâncias que materializam o preconceito e o estigma
nas atitudes sociais perante a tuberculose (SANTOS et al., 2018).
Em outro estudo que tratou sobre as representações socais de portadores da doença e
de profissionais de saúde sobre a tuberculose identificou-se que os saberes destes dois grupos
são diferentes em relação à tuberculose. Os profissionais de saúde possuíam saberes técnicos
que descreveram a sintomatologia clássica da tuberculose enquanto os portadores mostraram a
imagem negativa tendo como foco a ideia de cura (FERNANDES; GOETZ, 2016). Ao
mesmo tempo, o estudo sobre as representações sociais de um grupo de pessoas com
tuberculose sobre o abandono do tratamento (CHIRINOS; MEIRELLES; BOUSFIELD,
2015) colaborou para o desenvolvimento de um modelo de educação voltado para o processo
do cuidar dos indivíduos em tratamento da tuberculose em um enfoque psicossocial.
O modelo de educação sugere primeiramente o diagnóstico de representações sociais
do paciente sobre o abandono do tratamento, para entender sua lógica e suas expectativas. As
intervenções do modelo podem ser feitas com base nas instruções do desenvolvimento
cognitivo do autocuidado, cujos conteúdos estão centrados para além das questões de
tratamento e da doença, na subjetividade identificada, no vínculo e no contexto sociocultural
do paciente, permitindo a formação de representações que influenciem positivamente seus
comportamentos (CHIRINOS; MEIRELLES; BOUSFIELD, 2015).
A pesquisa sobre as representações sociais da dengue diz que, por meio do resgate das
suas representações sociais, é possível identificar conhecimentos construídos pelos sujeitos
em interações sociais. Essas interações proporcionam o fundamento de ações e
73

comportamentos dos sujeitos, abrindo assim, inclusive, a possibilidade de modificar a tomada


de decisões de profissionais de saúde. Ou seja, consegue-se identificar hábitos, com-
portamentos e atitudes da comunidade em relação à doença que permitem redirecionar as suas
estratégias de controle (VILLELA; ALMEIDA, 2013).
Com isso entende-se que possivelmente existe uma lacuna do conhecimento sobre os
estudos que envolvam as representações sociais e as doenças negligenciadas, em geral, pois
elas foram tratadas de forma específica. Portanto, este estudo possui um caráter inédito ao
relacionar a TRS ao termo doenças negligenciadas e isso torna-se relevante para o
desenvolvimento de práticas voltadas para a prevenção e controle destas enfermidades.
74

2 METODOLOGIA

2.1 Abordagem teórico-metodológica

Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa com sustentação na Teoria das


Representações Sociais em suas abordagens processual (JODELET, 2001) e estrutural
(ABRIC, 1976), com intuito de analisar e discutir os significados atribuídos pelos
profissionais de saúde frente às doenças negligenciadas.
As abordagens qualitativas se caracterizam pela preocupação em compreender a
maneira de agir e pensar das pessoas ou dos grupos e procura responder as exigências
colocadas pelos fenômenos estudados. Ela pode ser aplicada em diferentes dimensões, como a
vida de um grupo, suas estruturas de pensamento, suas crenças, seus códigos de conduta, seus
costumes e as experiências vivenciadas no cotidiano pelas pessoas. (JODELET, 2001).
Para Minayo (2010) a pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela
se ocupa, nas Ciências Sociais, com um nível de realidade que não pode ou não deveria ser
quantificado, ou seja, ela trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das
aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes. Essa modalidade de pesquisa ocorre no
próprio ambiente dos sujeitos pesquisados, envolvendo as observações de situações reais e
cotidianas.
A TRS contribuiu para a descrição do fenômeno abordado na medida em que mostrou
por meio das convicções ou crenças dos participantes a realidade das doenças negligenciadas
e quais as ferramentas que possivelmente são utilizadas no enfrentamento deste agravo á
saúde.

2.2 Cenário do estudo

Para apreender estas representações sociais utilizou-se como campo de pesquisa as


instituições de saúde, de nível primário e secundário, do município de Jequié/BA destinadas à
assistência direta às pessoas que vivem com as doenças negligenciadas. A rede dos serviços
de saúde do município é composta, na atenção primária, por quatro Centros de Saúde; uma
unidade móvel para atendimento médico-odontológico; uma unidade de saúde do sistema
prisional; uma unidade do Programa de Farmácia Popular; 21 postos de saúde e 27 Equipes de
Saúde da Família (ESF) existentes no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde
75

(CNES) (JEQUIÉ, 2012). A atenção secundária, por sua vez, composta pelo Centro de
Referências de Doenças Endêmicas e o Centro de Referência das DST/HIV/AIDS.
Inicialmente realizou-se uma análise destas instituições de saúde buscando evidenciar
a ocorrência de atividades profissionais que assistem as pessoas acometidas pelas doenças
consideradas negligenciadas, que foram priorizadas pelo Ministério da Saúde e que são
endêmicas no município de Jequié, quais sejam: hanseníase, tuberculose, esquistossomose,
doença de Chagas e leishmanioses. Diante deste critério selecionou-se as seguintes
instituições:
As quatro unidades básicas de saúde (Centro de Saúde de Jequié; Centro de Saúde
Almerinda Lomanto; Centro de Saúde Sebastião Azevedo e Centro de Saúde Julia Magalhães)
são organizadas para oferecer os serviços de saúde nas especialidades médicas de clínica
geral, pediatria, ginecologia e psiquiatria; possuem assistência de enfermagem em saúde da
mulher (planejamento familiar, pré-natal, preventivo), saúde da criança (consulta de
enfermagem e vacinação), saúde mental, controle da hipertensão e diabetes. Além de todos
estes serviços oferecidos, estas quatro unidades básicas que compõe a atenção primária à
saúde neste município, foram selecionadas pela existência de serviços de controle, prevenção
e tratamento da hanseníase e da tuberculose. No centro de saúde Almerinda Lomanto temos o
centro de referência em atenção ao controle e tratamento da tuberculose e da hanseníase.
O Centro de Referência de Doenças Endêmicas Pirajá da Silva (PIEJ) desenvolve
atividades de prevenção e controle das Leishmanioses Tegumentar e Visceral, Doença de
Chagas e Esquistossomose. A população atendida é resultante de demanda espontânea e
encaminhamentos referenciados por profissionais de saúde da rede pública e conveniada da
microrregião. Os serviços prestados na unidade são: Atendimento Médico Ambulatorial;
Serviços de Enfermagem; Visita domiciliar; Atendimento odontológico; Farmácia; Serviço
Laboratorial; Patologia Clínica; Bioquímica; Microbiologia; Exames especializados para
diagnóstico de Doença de Chagas e Leishmaniose Humana e Canina (ELISA e
Imunoflorescência); Pesquisa direta do parasita e cultura em material de punção de medula
óssea; Eletrocardiograma, endoscopia Digestiva e Anatomopatologia para o Serviço de Apoio
Diagnóstico; Ações de educação em saúde; Supervisão dos serviços de Leishmaniose,
Laboratórios de Esquistossomose, aplicação de Montenegro, implantados nos municípios da
13º Núcleo Regional de Saúde (NRS); Suprimento de Mansil e Glucantime aos serviços
implantados.
Na Estratégia de Saúde da Família, o município de Jequié conta com 27 equipes,
sendo 25 na zona urbana. Nestas unidades, entre outras atividades, são desenvolvidas ações de
76

assistência da equipe multiprofissional as doenças como tuberculose, hanseníase e


esquistossomose. Pela facilidade de deslocamento e acesso, selecionaremos somente as 25
equipes situadas na zona urbana. Com isso, teremos um total de 30 instituições de saúde que
correspondem aos critérios de inclusão definidos para atingir os objetivos propostos nesta
pesquisa.

2.3 Participantes do estudo

O grupo de participantes foi composto pelos profissionais de saúde que atuam nos
serviços de saúde da atenção básica do município, desenvolvendo ações de assistência aos
indivíduos acometidos pelas doenças elencadas deste estudo. A amostra foi do tipo
intencional, não probabilística, composta por 90 profissionais de saúde de uma população de
150. Os critérios de composição da amostra foram: (1) controle dos cargos exercidos na
instituição contemplando 30 participantes por cada um deles, a saber, enfermeiro, técnico de
enfermagem e médico; (2) profissional de saúde com tempo mínimo de um ano de atuação
nas instituições que desenvolvem ações no controle e tratamento das doenças negligenciadas.
Desta maneira, na primeira fase da pesquisa participaram o total de 90 profissionais de
saúde para a técnica de evocações livres; na segunda e terceira etapas participaram dos 90
profissionais de saúde, somente 27, sendo 09 técnicos de enfermagem, 09 enfermeiros e 09
médicos.

2.4 Estratégia de coleta de dados

Uma representação social se define por meio dos seguintes componentes: o conteúdo e
a organização e estrutura internas. Os estudos das representações requerem a utilização de
métodos que busquem identificar os elementos constitutivos da representação, conhecer a
organização destes elementos e identificar o núcleo central da mesma. (ABRIC, 2001b). No
entanto, nenhuma técnica até o momento, permite atingir estes três elementos, sendo
imprescindível, a associação de técnicas distintas, articulando em três etapas, quais sejam: a
coleta do conteúdo da representação (através das entrevistas associadas com a evocação
livre); a busca da estrutura e do núcleo central (por meio da identificação da saliência e dos
laços entre os diversos elementos da representação) e, por fim, a verificação da centralidade
(por meio de técnicas, como os esquemas cognitivos de base) (ABRIC, 2001b; SÁ, 2002).
77

Abric (2001b) considera que as técnicas de coleta de dados nas pesquisas em


representações socais podem ser delimitadas em dois grupos principais, quais sejam: métodos
interrogativos e associativos. O primeiro reúne a expressão dos sujeitos sobre o objeto de
representação e o segundo se caracteriza por sua forma mais espontânea e menos controlada,
permitindo uma hierarquização de seus conteúdos.
Este estudo foi desenvolvido em três etapas consecutivas, por meio dos seguintes
instrumentos de coleta: na primeira, foi aplicado o questionário sociodemográfico e o
instrumento para evocações livres de palavras; na segunda, um questionário para constituição
de pares de palavras e um outro padrão com 28 conectores dos esquemas cognitivos de base; e
na terceira, o roteiro estruturado para a entrevista em profundidade.
Primeiramente utilizou-se questionários para caracterizar o grupo de profissionais de
saúde e o instrumento de coleta de evocações livres (APÊNDICE C). Neste sentido, ressalta-
se que os questionários foram preenchidos de acordo com as variáveis que determinam as
características de cada participante e logo em seguida foi realizada a coleta de evocações
livres com o termo indutor doenças negligenciadas. Solicitou-se aos participantes que
dissessem cinco palavras que viessem prontamente à sua mente quando ouvissem o termo
indutor. Vale ressaltar que se realizou previamente um treinamento com os participantes
utilizando outros termos indutores para verificar se realmente houve o entendimento da
aplicação deste método. Somente após este entendimento que se aplicou o questionário com o
termo indutor referente aos objetivos deste estudo.
Na segunda etapa, retornou-se ao campo de pesquisa, após analisar os dados empíricos
provenientes das evocações livres e aplicou-se, ao grupo envolvido, tanto o questionário para
a constituição de pares de palavras (APÊNDICE D) quanto um questionário modelo padrão
com 28 conectores (APÊNDICE E) relacionados aos esquemas cognitivos de base. Destaca-se
que a construção destes dois instrumentos foi realizada a partir das palavras constante no
quadro de análise prototípica.
A constituição de pares de palavras consiste na identificação da propriedade
quantitativa dos elementos do núcleo central, por meio de sua conexidade, descrita por Abric
(1994) da seguinte maneira: trata-se de pedir ao sujeito, a partir de um corpus que ele mesmo
produziu (neste caso evocações sobre doenças negligenciadas), para constituir um conjunto de
pares de palavras que lhe parecem “ir juntas”. A análise de cada par permite assim precisar o
sentido dos termos utilizado pelos sujeitos, reduzir sua eventual polissemia. Mas também – na
medida em que uma palavra pode ser escolhida diversas vezes – o método favorece o
78

levantamento de termos polarizadores ou palavras charneiras associado a numerosos


elementos da representação, e que podem ser seus organizadores (ABRIC, 1994a).
A identificação dos elementos do núcleo central através da propriedade qualitativa do
poder associativo é proporcionada pelo método dos esquemas cognitivo de base, ou SCB
(Schèmes Cognitifis de Base), desenvolvido por Cristian Guimelli e Michel-Louis Rouquete
(1992). Trata-se de uma tentativa de ir além da conexidade quantitativa detectada pela análise
de similitude, em direção a uma especificação mais fina das diferentes relações entre as
cognições de uma representação (SÁ, 2002).
O modelo dos esquemas cognitivos de base (SCB) tem suas raízes na cibernética e se
propõe a formalizar as relações. No caso das representações sociais, Guimelli e Rouquete
(1992) propuseram este modelo para estudar os tipos de relações possíveis entre elementos.
Os estudos com análise de similitude sempre foram úteis para o estudo da estrutura
representacional. Entretanto, se esta análise indica a proximidade entre elementos, ela carece
de informações sobre a forma como eles se relacionam. Por esta razão Christian Guimelli e
Michel-Louis Rouquete (1992) resolveram adaptar o estudo dos tipos de relação entre
elementos representacionais (WOLTER; WACHELKE & NAIFF, 2016).
Para Flament e Rouquete (2003 apud WOLTER; WACHELKE & NAIFF, 2016) os
esquemas cognitivos de base correspondem a uma estrutura de organização do conhecimento,
que pode ser instanciada por uma diversidade indefinida de conteúdos. No caso do esquema
cognitivo de base seguiremos os procedimentos de coleta de dados previstos pelo modelo
segundo Guimelli e Rouquete (1992) e apresentado por Sá (1996) com três etapas: associação
contínua, justificação das repostas e análise das relações palavra indutora/ palavra induzida.
Conforme o modelo SCB (GUIMELLI; ROUQUETTE, 1992; ROUQUETTE, 1994;
ROUQUETTE; RATEAU, 1998), existem 28 relações possíveis entre objetos de
representação social e elementos, os quais Rateau (1995) depois classificou em três meta-
esquemas de acordo com suas associações empíricas: Descrição, Práxis e Avaliação.
Descrição compreende nove conectores que expressam relações de caracterização
lexicográfica, sinonímia, composição e antonímia. Práxis é um meta-esquema que contém
conectores que comunicam um papel prático de elementos de representação, compreendendo
uma dimensão funcional; tais conectores ligam aspectos envolvendo atores, objetos,
ferramentas e ações. Finalmente, Avaliação agrupa conectores ativados quando os elementos
consistem de julgamentos e avaliação de uma situação, incluindo atribuição de causalidade.
Esse meta-esquema é fortemente relacionado a normas e valores. A formalização
efetua-se por meio de um quadro chamado trinca, em que dois termos lexicais (A e B) ligam-
79

se por um conector (c). Na pesquisa de representações sociais, A geralmente refere-se ao


objeto de representação social (neste caso doenças negligenciadas) e B (dados provenientes
das evocações livres) é o rótulo ou etiqueta relacionado ao elemento da representação social
(WALCHEKE, 2014).
Desta maneira, os 28 operadores definidos no modelo são apresentados aos
participantes da pesquisa sob a forma de expressões padronizadas. O participante, por sua vez,
deve então decidir se sim, não ou talvez, a expressão padronizada é o reflexo da relação que
intervém entre a palavra indutora e sua própria resposta. As 28 expressões são apresentadas
sucessivamente para as três respostas R1, R2 e R3 provenientes da associação contínua (SÁ,
1996).
Para a constituição dos pares de palavra foram utilizadas todas as palavras constantes
do quadro de quatro casas, enquanto para os esquemas cognitivos de base foram testados para
centralidade os elementos descaso e ignorância.
Na terceira etapa, por sua vez, utilizou-se um roteiro temático (APÊNDICE F) para
entrevista em profundidade. Para Minayo (1999), a entrevista em profundidade parte da
elaboração de um roteiro que possibilita o aprofundamento de temáticas que o pesquisador
pretende abordar em campo. Segundo Abric (2001 b), a entrevista em profundidade se
constitui como importante método aos estudos de representações sociais, sendo caracterizada
como uma situação de interação finalizada. Acredita-se, ainda, que a entrevista possibilita o
acesso ao conteúdo de uma representação e às atitudes desenvolvidas pelo indivíduo,
raramente permite identificar a organização e a estrutura interna da representação, o que
reforça a necessidade da associação com outras técnicas (ABRIC, 2001b).

2.5 Estratégia de análise de dados

Para analisar os dados coletados, as seguintes técnicas foram utilizadas: para as


evocações livres, a técnica do quadro de quatro casas com o auxílio do software EVOC; para
a constituição de pares de palavras, a análise de similitude; para o os conectores dos SCB, os
índices de valência; e, por fim, para entrevista em profundidade, análise de conteúdo lexical
através do software IRAMUTEQ.

2.5.1 Análise das evocações livres


80

A análise prototípica (também chamada análise de evocações ou das quatro casas) é


uma das técnicas mais difundidas para caracterização estrutural de uma representação social.
Vergès (1992) desenvolveu uma técnica para caracterizar a estrutura de uma representação
social a partir de evocações de palavras. Essa técnica constitui-se de duas etapas: a primeira,
chamada análise prototípica, baseia-se no cálculo de frequências e ordens de evocação das
palavras, enquanto que uma segunda etapa se centra na formulação de categorias englobando
as evocações e avalia suas frequências, composições e co-ocorrências.
A análise prototípica parte do pressuposto que os elementos da representação social
com importância em sua estrutura são mais prototípicos, isto é, mais acessíveis à consciência
(VERGÈS; TYZSKA; VERGÈS, 1994 apud WACHELKE; WOLTER, 2011). É uma técnica
que se aplica a respostas de associação livre, ou seja, frases ou expressões curtas fornecidas a
um estímulo indutor, que geralmente é o termo que se refere a um objeto de representação
social (JODELET, 1965; FLAMENT; ROUQUETTE, 2003 apud WACHELKE; WOLTER,
2011).
Para analisar os dados empíricos provenientes das evocações livres foi utilizada a
técnica do quadro de quatro casas com o auxílio do software Ensemble de Programmes
Permettant l’analyse dês Evocations (EVOC) versão 2005. A construção do corpus de análise
foi feita com a formulação do dicionário de variáveis e revisto para evitar erros ortográficos.
É importante manter a pontuação e espaçamento ideal entre as palavras, seguindo as
recomendações originais de padronização do software, a correção ortográfica das palavras e
termos evocados, bem como a diminuição de frases e expressões presentes no questionário,
paro o processamento do software, extraindo-se apenas o núcleo de frase ou sentido
(OLIVEIRA; GOMES e MARQUES, 2005).
O dicionário de variáveis formulou-se a partir da padronização de palavras (processo
de lematização) cujos sinônimos forma agregados em léxicos iguais. Após a categorização
sistemática das palavras evocadas pelos participantes, em documento Word, fez-se necessário
converter o arquivo em texto sem formatação, para atender à normatização do software. Esta
modificação no formato permite o processamento pelo EVOC para a análise estatística das
evocações.
O EVOC realiza cálculos estatísticos e construção de matrizes de co-ocorrências, que
servem de base para dois tipos de análise: a construção do quadro de quatro casas e a análise
de similitude. (FLAMENT apud OLIVEIRA et al., 2005). O quadro de quatro casas, que
expressa o conteúdo e a estrutura das representações sociais de um determinado objeto, é
formado a partir do cruzamento entre a frequência e a medida das ordens médias das
81

evocações (rang). Corresponde a quatro quadrantes, onde no alto e à esquerda ficam situados
os termos mais significativos para o sujeito e, provavelmente, o núcleo central da
representação (maior frequência menor rang). As palavras localizadas no quadrante superior
direito (maior frequência e maior rang) e no quadrante inferior esquerdo (menor frequência e
maior rang) são os elementos da 1ª periferia e os elementos de contraste, respectivamente. Já
aquelas localizadas no quadrante inferior direito (menor frequência e maior rang) constituem
os elementos mais periféricos da representação ou 2ª periferia (SÁ, 2002; OLIVEIRA et al.,
2005).

2.5.2 Análise da constituição de pares de palavras.

Os dados resultantes deste instrumento de coleta foram analisados por meio da técnica
da análise de similitude, que foi introduzida no campo das representações por Claude
Flament, tornando-se a principal técnica de detecção do grau de conexidade dos diversos
elementos de uma representação.

A análise de similitude envolve a partir de um conjunto de pares pareados ou


agrupados, o cálculo de um índice de similitude entre cada par de itens. O mais
simples destes índices consiste na relação entre o número de co-ocorrências (número
de ligações estabelecidas entre dois itens específicos) e o número de sujeitos
envolvidos. Ou como diz Flament admite-se que dois itens serão tanto mais
próximos na representação quanto um número mais elevado de sujeitos os trate da
mesma maneira (MOLINER, 1994 apud SÁ, 2002 p. 128).

Realizando essa operação para cada par de itens, vai se dispor da matriz de similitude
para todos os itens do corpus. Para facilitar a compreensão e a interpretação de tais matrizes,
constrói-se a “árvore máxima”. Trata-se de um grafo conexo sem ciclo cujos vértices são os
itens do corpus e as arestas são os valores dos índices de similitude entre esses itens. O
procedimento de construção da árvore máxima permite reter apenas as relações mais fortes
entre os itens (MOLINER, 1994).

2.5.3 Análise do Esquema Cognitivo de Base

Para analisar os dados da aplicação do roteiro do SCB utilizou-se os índices de


valência total, valência descritiva, valência praxia e valência atribuição que permitem
conhecer o grau de conectividade dos elementos e nos informam sobre o peso das diferentes
dimensões representacionais.
82

O tratamento dos dados – em número de 84 (apreciação dos 28 operadores para cada


uma das 3 associações) em relação a cada sujeito – privilegia o cálculo de um índice de
valência, que se define como a propriedade de uma dada cognição de entrar em um maior ou
menor número de relações com outras cognições do sistema representacional. Isto quer dizer,
segundo Guimelli (1994a), que a valência constitui “uma medida dos diferentes aspectos do
cognema A”, ou nos termos de Moliner, de sua associatividade (SÁ, 2002).
Tomando-se apenas as respostas positivas (opção sim) como indicativas da
identificação pelo sujeito de uma relação definida entre a palavra indutora e a sua própria
associação, a valência é dada pelo resultado da divisão do número de respostas positivas pelo
número total de respostas, ou seja, computadas no denominador também as respostas “não” e
“talvez”. É precisamente por assim representar o julgamento reflexivo dos sujeitos acerca da
natureza das relações que uma dada cognição entretém com outras que a sua valência, embora
retrate numericamente um conjunto de diferentes relações, pode ser tomada como um
indicador do poder associativo daquela cognição e não simplesmente de sua conexidade
genérica, ou seja, do fato de que “A vai com B”, mas sem que se saibam as razões pelas quais
isso acontece (SÁ, 2002).
Para cada uma das informações produzidas no questionário modelo dos 28 operadores
é possível elaborar um índice. Primeiramente existe a valência total (Vt) que corresponde,
para cada elemento, à proporção de conectores possíveis de serem ativados. Este índice vai de
0 (onde nenhum conector foi ativado pelo elemento) a 1 (onde todos os conectores foram
ativados para todos os sujeitos). Depois poderá ser calculado os índices de cada dimensão,
quais sejam: a valência descritiva (Vd), sendo usado o mesmo procedimento do cálculo da Vt,
no entanto, somente os nove conectores do meta-esquema descrição são levados em conta; a
valência Praxia (Vp), selecionando somente os doze conectores desta dimensão e por fim a
valência Atribuição (Va) contando com os sete conectores (WOLTER; WACHELKE &
NAIFF, 2016).
Calculou-se a seguir o valor do lambda que nos indicou a centralidade de cada termo
candidato ao núcleo central, através da seguinte fórmula:

Sendo Vt a valência total (quantidade de conectores ativados sobre a quantidade de


conectores possíveis de serem ativados). Vp corresponde a valência de conectores práticos
(total de conectores práticos ativados sobre o total de conectores práticos ativáveis). Va
83

corresponde a valência de conectores avaliativos (total de conectores avaliativos ativados


sobre o total de conectores avaliativos ativáveis). A centralidade e constatada quando o
lambda está entre 0.9 e 1.10 (ROUQUETTE; RATEAU, 1998).

2.5.4 Análise da entrevista em profundidade.

As entrevistas foram gravadas com auxílio de um dispositivo eletrônico e transcritas


literalmente para submissão da técnica de Análise de Conteúdo Mecanizada Lexical com o
auxílio do software IRAMUTEQ. A análise textual consiste num tipo específico de análise de
dados, que se trata especificamente da análise de material verbal transcrito, ou seja, de textos
produzidos em diferentes condições tais como: textos originalmente escritos, entrevistas,
documentos, redações etc., fontes usadas tradicionalmente em Ciências Humanas e Sociais
(NASCIMENTO; MENANDRO, 2006). Por tratar-se de dados que são compostos
essencialmente pela linguagem, os mesmos mostram-se relevantes aos estudos sobre
pensamentos, crenças, opiniões – conteúdo simbólico produzido em relação a determinado
fenômeno.
A análise de dados textuais, ou análise lexical, conforme Lahlou (1994) propõe que se
supere a dicotomia clássica entre quantitativo e qualitativo na análise de dados, na medida em
que possibilita que se quantifique e empregue cálculos estatísticos sobre variáveis
essencialmente qualitativas – os textos. Torna-se possível, a partir da análise textual,
descrever um material produzido por determinado produtor, seja individual ou coletivamente
(um indivíduo ou um grupo), como também pode ser utilizada a análise textual com a
finalidade comparativa, relacional, comparando produções diferentes em função de variáveis
específicas que descrevem quem produziu o texto.
A técnica da análise lexical foi realizada com o auxílio do IRAMUTEQ (Interface de
R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires), um software
gratuito e desenvolvido sob a lógica do open source, licenciado por GNU GPL. Ele ancora-se
no ambiente estatístico do software R e na linguagem python. Este programa informático
viabiliza diferentes tipos de análise de dados textuais, desde aquelas bem simples, como a
lexicografia básica (cálculo de frequência de palavras), até análises multivariadas
(classificação hierárquica descendente, análises de similitude). Ele organiza a distribuição do
vocabulário de forma facilmente compreensível e visualmente clara (análise de similitude e
nuvem de palavras) (CAMARGO; JUSTO, 2013).
84

2.6 Questões éticas da pesquisa

Para iniciar a pesquisa de campo, foram observados os aspectos éticos respaldados na


Resolução n° 466/12 de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que
incorpora, sob a ótica dos indivíduos e suas coletividades, os princípios básicos da bioética ─
autonomia, não maleficência, beneficência e justiça, buscando cumprir e salvaguardar os
princípios éticos da referida Resolução, protegendo o pesquisador, pesquisados e as
instituições envolvidas na pesquisa dos riscos e/ou danos que a mesma possa oferecer na
busca por proteção da vida do ser humano.
O projeto foi encaminhado para apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa da UESB
(CEP/UESB) e após o parecer favorável nº 2.113.727 (ANEXO 1), o estudo de campo foi
realizado junto aos informantes que por sua vez, fizeram parte do grupo de amostra mediante
assinatura do Termo de Compromisso Livre e Esclarecido assegurando sigilo e anonimato,
cederam os direitos de uso e divulgação do conteúdo da gravação e de sua transcrição literal,
bem como autorização para publicação dos resultados da pesquisa em artigos, revistas e
divulgação em eventos técnico-científicos nacionais e internacionais.
Todos os componentes do grupo dos profissionais de saúde foram convidados a
participar do estudo a partir do consentimento livre e esclarecido (APÊNDICE A) construído
segundo a resolução n. 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS).
85

3 APRESENTAÇÃO E DESCRIÇÃO DOS RESULTADOS

3.1 Caracterização dos participantes

A constituição do pensamento psicossocial possui influencias das caraterísticas que


definem o perfil dos integrantes de um determinado grupo social, remodelando suas práticas e
concretizando seu posicionamento diante dos fenômenos de representação social que os
norteiam. Nos estudos sustentados pela teoria das representações sociais, torna-se
imprescindível descrever as características dos indivíduos que possuem saberes em comum
relacionando-as a um determinado objeto de investigação. Neste caso temos, de um lado, o
objeto representacional (as doenças negligenciadas) e de outro, o grupo social (profissionais
de saúde) que tem um saber próprio sobre este objeto e, portanto, a análise das características
dos indivíduos que compõe este grupo social favoreceu a compreensão da representação
social.
No esquema definido por Jodelet (2001) encontram-se as orientações sobre a
importância de definir e de esclarecer a díade (sujeito – objeto) para constituição da
representação social, pois, este esquema caracteriza a representação como uma forma de saber
prático ligando um sujeito (profissionais de saúde) a um objeto (doenças negligenciadas). Diz
ainda que a representação social é sempre a representação de alguma coisa (objeto) e de
alguém (sujeito), as características do sujeito e do objeto terão uma incidência sobre o que ela
é. Por isso, descrevemos as características do grupo social que participou deste estudo
evidenciando as variáveis que influenciaram na construção e na elaboração do conhecimento
sobre as doenças negligenciadas.
Na presente investigação tivemos um grupo formado por 90 profissionais de saúde que
atuam diretamente na assistência as pessoas que são afligidas pelas doenças negligenciadas.
Este grupo de profissionais foram distribuídos segundo sua categoria conforme tabela 15 a
seguir:

Tabela 15 - Distribuição dos participantes da pesquisa de acordo com a categoria profissional,


Jequié/BA – 2018 (continua).
Categoria profissional Feminino Masculino Total
N % N % N %
Enfermeiro 36 94,7 02 5,3 38 42,2
Técnico em enfermagem 27 96,4 01 3,6 28 31,2
86

Tabela 15 - Distribuição dos participantes da pesquisa de acordo com a categoria profissional,


Jequié/BA – 2018 (conclusão).
Categoria profissional Feminino Masculino Total
N % N % N %
Médico 14 58,3 10 41,7 24 26,6
Total 77 85,5 13 14,5 90 100
Fonte: ARQUIVOS DA PESQUISA, 2018.

Do universo de 90 profissionais de saúde mostrou-se uma maior quantidade de


profissionais de enfermagem que englobam juntas (enfermeira e técnica de enfermagem) 74%
do total deste grupo social. Isto demonstra que o setor saúde é predominantemente composto
em sua maioria pelos profissionais de enfermagem e no que diz respeito ao enfrentamento das
doenças negligenciadas percebe-se que estas profissionais ocupam uma posição de destaque
ao realizar dentro de suas atribuições os primeiros cuidados aos usuários dos serviços de
saúde. A outra parte do grupo é composta pelos profissionais médicos totalizando um
percentual de 26,6%, que entre outras atividades tem a importância de realizar o diagnóstico
das doenças e prescrever principalmente, o tratamento medicamentoso para a população
atingida por estes agravos.
Os profissionais de enfermagem divide-se ainda em duas categorias que realizam
atribuições diferentes e complementares: a enfermeira com 42,2% representa os profissionais
de enfermagem de nível superior e que determina, por meio do processo de enfermagem
baseado em teorias de enfermagem, o processo do cuidar sistematizado e científico para atuar
na prevenção, promoção e reabilitação das doenças negligenciadas e, por seu turno, as
técnicas de enfermagem com 31,2% que englobam os profissionais de enfermagem de nível
médio e compõe a equipe de enfermagem ao realizar os cuidados prescritos pela enfermeira
durante o processo de trabalho.
Outro destaque importante diz respeito a maioria dos profissionais de saúde
pertencerem ao sexo feminino com um total de 85,5%, isto mostra o domínio feminino no
setor saúde muito por conta das profissionais de enfermagem que contribuem com 94,7% de
enfermeiras e 96,4% de técnicas de enfermagem. Ao analisar estas três categorias evidencia-
se a necessidade de esclarecer que, apesar de existir atribuições específicas de cada
profissional, o enfrentamento das doenças negligenciadas dá-se por meio da construção
psicossocial deste grupo ao desvelar seus saberes compartilhados durante sua assistência nas
instituições de saúde, pois são indivíduos que convivem cotidianamente com a presença
destes agravos nesta região. Os médicos e os profissionais de enfermagem atuam juntos na
87

estratégia de saúde da família, nas unidades de referência das doenças endêmicas e com isso
tem a possibilidade de elaborar e compartilhar os conhecimentos sobre as doenças
negligenciadas.
Analisando a tabela 16 - exposta a seguir - que dispõe sobre a variável formação
profissional viu-se que 68,9% dos profissionais possuem nível superior e destes 30%
buscaram uma maior qualificação com a realização da pós-graduação, em nível de mestrado
ou doutorado; os demais profissionais constituem um total de 31,1% de nível médio. A
qualificação profissional surge como instrumento de colaboração ao enfrentamento das
doenças negligenciadas, uma vez que, as condições que envolvem a incidência destas doenças
na região perpassam por inúmeros problemas de ordem social e política, e que, dependem não
somente de profissionais capacitados, mas também da atuação da população frente a estes
desafios, que perpetuam estas enfermidades. No que diz respeito a construção do pensamento
social, a qualificação e formação profissional influenciam a elaboração de novos saberes
dentro do grupo social, portanto, tanto os profissionais de nível médio quanto superior
precisam atentar-se para as demandas do senso comum, evidenciando medidas eficazes a
partir do conhecimento compartilhado de cada profissional de saúde.

Tabela 16 - Distribuição dos participantes da pesquisa segundo nível formação profissional,


Jequié/BA – 2018.
Formação Feminino Masculino Total
N % N % N %
Nível médio 27 96,4 01 3,6 28 31,1
Graduação 28 80,0 07 20,0 35 38,9
Pós-graduação 22 81,5 05 18,5 27 30,0
Total 77 85,5 13 14,5 90 100,0
Fonte: ARQUIVOS DA PESQUISA, 2018.

Os profissionais de saúde que fizeram parte deste estudo possuem a idade mínima de
26 anos e máxima de 69 anos, a maior parte estão na faixa etária de 37 a 58 anos, com 61,1%,
significando que já construíram convicções sociais que influenciam a sua conduta profissional
favorável ao controle das doenças negligenciadas. Uma parte de 32,2% corresponde aos
profissionais mais novos e que ainda continuam buscando fortalecer suas ideias na elaboração
dos conhecimentos relacionados a esta conduta, mas que também constituíram bases na
88

formação do pensamento social. Segue abaixo a tabela 17 que descreve a faixa etária dos
profissionais de saúde que participaram deste estudo:

Tabela 17 - Distribuição dos participantes da pesquisa de acordo a faixa etária, Jequié/BA -


2018.
Faixa etária Feminino Masculino Total
N % N % N %
≤ 36 anos 24 82,8 05 17,2 29 32,2
37 a 58 anos 49 89,1 06 10,9 55 61,1
≥ 59 anos 04 66,7 02 33,3 06 6,7
Total 77 85,5 13 14,5 90 100,0
Fonte: ARQUIVOS DA PESQUISA, 2018.

Os diferentes locais de atuação dos profissionais de saúde evidenciam suas diferentes


práticas durante a assistência a população afligida pelas doenças negligenciadas. Na tabela 20
percebe-se que temos três tipos de instituições de saúde que são destinadas ao controle,
prevenção e tratamento das doenças negligenciadas: as unidades básicas de saúde com menor
percentual (7,8%); as unidades de saúde da família surgindo com a maior quantidade (73,3%)
e por último o centro de referência com 18,9% do total de profissionais de saúde. Estes
percentuais indicam que a maior parte da população que possui uma ou mais doença
considerada negligenciada é atendida na atenção primária à saúde, sendo em uma unidade
básica de saúde, onde encontram-se os serviços especializados, ou programas especiais no
controle da hanseníase e da tuberculose e nas unidades de saúde da família, que por sua vez,
atende de forma ampliada a população adscrita, não especificando as doenças e priorizando as
medidas de prevenção, no contexto do paradigma da saúde coletiva. A outra parte dos
profissionais de saúde atuam nos centros de referência que constituem a atenção secundária à
saúde, ou seja, quando a complexidade do problema de saúde se eleva, as pessoas são
referenciadas para o atendimento nestas instituições, como por exemplo, a necessidade de
realizar um acompanhamento a uma pessoa que tem o diagnóstico de tuberculose
multirresistente.
Com isso, esta variável determina o tipo de prática de cada profissional de saúde,
influenciado em sua construção do pensamento social sobre as doenças negligenciadas, ou
seja, quanto mais próximo da assistência, maior será a relação destes profissionais com as
condutas práticas. A tabela 18 mostra as unidades de atuação dos profissionais de saúde:
89

Tabela 18 - Distribuição dos participantes da pesquisa de acordo com o tipo de instituição de


saúde do profissional, Jequié/BA – 2018.
Unidade de atuação Feminino Masculino Total
N % N % N %
Unidade básica de saúde 05 71,4 02 28,6 07 7,8
Unidade de saúde da família 59 89,4 07 10,6 66 73,3
Centro de referência 13 76,5 04 23,5 17 18,9
Total 77 85,5 13 14,5 90 100,0
Fonte: ARQUIVOS DA PESQUISA, 2018.

Na tabela 19 encontra-se a variável tempo de atuação do profissional de saúde na


instituição e suas experiências de cuidado junto as pessoas que possuem as doenças
negligenciadas. Vê-se que a maioria dos 90 profissionais de saúde (76,7%) possuem 10 anos
de tempo na instituição, significando que este grupo social teve a oportunidade de vivenciar
muitas experiências no cuidado as pessoas que convivem com as doenças negligenciadas. Este
tempo na instituição, garante aos profissionais de saúde a oportunidade de construir e
fortalecer o pensamento psicossocial junto as enfermidades que compõem esta investigação e
ao mesmo tempo, compartilhar estes saberes dentro do grupo social.
Na tabela 19 encontram-se ainda um percentual de 20% para profissionais de saúde
com tempo de 11 a 20 anos na instituição facilitando a sua compreensão frente as causas e
consequências das doenças que atingem a população e tendo maiores chances de oferecer
estratégias de enfrentamento a estes problemas de saúde, pois esta vivência influencia
positivamente a constituição da representação social. Para terminar a descrição desta variável
viu-se que um menor percentual (3,3%) dos profissionais de saúde possuem mais de 21 anos
de atuação na instituição de saúde e com isso são colaboradores necessários, por conta da
experiência junto ao combate às doenças negligenciadas, na diminuição ou eliminação destes
agravos.

Tabela 19 - Distribuição dos participantes da pesquisa de acordo com o tempo na instituição,


Jequié/BA – 2018 (continuação).
Tempo na instituição Feminino Masculino Total
N % N % N %
1 a 10 anos 57 82,6 12 17,4 69 76,7
11 a 20 anos 17 94,4 01 5,6 18 20,0
≥ 21 anos 03 100,0 -- 0 03 3,3
90

Tabela 19 - Distribuição dos participantes da pesquisa de acordo com o tempo na instituição,


Jequié/BA – 2018 (conclusão).
Tempo na instituição Feminino Masculino Total
N % N % N %
Total 77 85,5 13 14,5 90 100,0
Fonte: ARQUIVOS DA PESQUISA, 2018.

O tempo de formação profissional, associado as experiências junto ao cuidado às


pessoas que são afligidas pelas doenças negligenciadas, contribui para a elaboração do
conhecimento psicossocial. Na tabela 20 – exposta a seguir - pode-se perceber que 51,1 %
dos profissionais de saúde possuem um tempo de formação entre 11 a 30 anos, demonstrando
que este grupo social abarca uma série de condições facilitadoras para a organização do
processo de trabalho junto as estratégias de enfrentamento das doenças negligenciadas. Ainda
na tabela visualiza-se um percentual de 41,1% correspondente ao tempo de formação de 10
anos, cujo período fortalece a participação ativa e qualificada deste grupo na formação da
representação social.

Tabela 20 - Distribuição dos participantes da pesquisa de acordo com o tempo de formação


profissional, Jequié/BA – 2018.
Tempo de formação Feminino Masculino Total
N % N % N %
≤ 10 anos 32 86,5 05 13,5 37 41,1
11 a 30 anos 41 89,1 05 10,9 46 51,1
≥ 31 anos 04 57,1 03 42,9 07 7,8
Total 77 85,5 13 14,5 90 100.0
Fonte: ARQUIVOS DA PESQUISA, 2018.

No esquema elaborado por Jodelet (2001) encontra-se a premissa de entender e


caracterizar o grupo, enxergar um determinado fenômeno de representação social a partir do
local onde está inserido dentro da sociedade, e uma das características que definem o grupo
social é a religião.
No grupo de profissionais de saúde observou-se três tipos de religião declaradas, que
são: católica, representando uma maioria de 52,2%; evangélica, logo a seguir com 37,8% e
espírita com 6,7%. Certamente a ideologia que constitui cada doutrina religiosa influencia
diretamente na formação dos saberes frente ao objeto investigado nesta pesquisa. Destaca-se
91

um grupo menor que corresponde a 3,3% do total dos profissionais de saúde que se
declararam agnóstico e, portanto, sua posição também influencia a formação da representação
social sobre as doenças negligenciadas. A tabela 21 mostra as religiões declaradas pelos
participantes:

Tabela 21 - Distribuição dos participantes da pesquisa de acordo com a religião, Jequié/BA –


2018.
Religião Feminino Masculino Total
N % N % N %
Católica 39 83,0 08 17,0 47 52,2
Evangélica 31 91,2 03 8,8 34 37,8
Espírita 05 83,3 01 16,7 06 6,7
Agnóstico 02 66,7 01 33,3 03 3,3
Total 77 85,5 13 14,5 90 100,0
Fonte: ARQUIVOS DA PESQUISA, 2018.

A heterogeneidade evidenciada nas diversas variáveis apresentadas por este grupo


social corrobora com a ideia de que as representações sociais são compartilhadas a partir da
convivência e da troca de informações e experiências sobre o fenômeno em estudo.
As variáveis sociodemográficas, ao caracterizar os profissionais de saúde,
demonstraram a heterogeneidade do grupo no que diz respeito à formação profissional, fator
este que proporciona práticas de cuidado com visões multifacetadas, essenciais para o
controle das doenças negligenciadas.
Os tempos de formação profissional e de atuação nas instituições de saúde permitem
ao grupo de profissionais uma construção mais significativa das representações sociais,
associados à variável da faixa etária que, juntos, colaboram no processo de formação da
dimensão imagética e simbólica das doenças no campo da saúde.
A religião, por sua vez, colabora para o posicionamento social dos profissionais diante
das doenças e sua significação na realização das práticas do cuidado. Desta maneira, estas
variáveis favorecem a construção dos conteúdos e estrutura das representações sociais acerca
das doenças negligenciadas.
92

3.2 A Estrutura das representações sociais dos profissionais de saúde sobre as doenças
negligenciadas

Os resultados oriundos da elaboração do quadro de quatro casas, com o auxílio do


software EVOC 2005, deu-se a partir da indução aos participantes deste estudo do termo:
doenças negligenciadas. Para tanto, esta análise e discussão teve como sustentação científica
a Teoria do Núcleo Central (TNC), desenvolvida com base nas ideias de que as
representações sociais são conjuntos de elementos organizados e estruturados conforme os
estudos de Abric (1976, 1984, 1987, 1994 a, 1994b) e Flament (1987,1989,1994a, 1994b). De
acordo com ela, as representações são regidas por um duplo sistema: o sistema central,
vinculado às condições históricas, sociológicas e ideológicas, sendo também ligado às normas
e aos valores sociais, e define a organização e o significado da representação; e o sistema
periférico, ligado ao contexto imediato, à história pessoal do indivíduo e que permite a
adaptação da representação às mudanças conjunturais (CAMPOS,2003).
A estrutura da evocação ao termo indutor doenças negligenciadas, foi gerada pelo
conjunto de 90 profissionais de saúde, que evocaram um total de 369 palavras, sendo 150
palavras diferentes, originando um quadro de quatro casas com a frequência mínima 04;
frequência média de 10 e ordem média de evocação de 2,6. Expõe-se a seguir, o quadro 01
conforme resultado elaborado pelo software EVOC 2005.

Quadro 1 – Quadro de quatro casas ao termo indutor “doenças negligenciadas” entre


profissionais de saúde. Jequié/BA, 2018 (n=90)

O.M.E. < 2,60 > 2,60


Freq. Termo evocado Freq. O.M.E. Termo evocado Freq. O.M.E.
Med.
≥ 10 Descaso 31 2,22 Doenças 14 2,64
Ignorância 18 2,50 Falta-recurso 14 2,92
Hanseníase 11 2,63
Pobreza 13 3,15
Tuberculose 12 2,66
≤9 Atenção 4 2,00 Desassistência 5 3,20
Câncer 9 1,77 Desumanidade 4 4,00
Falta-compromisso 6 2,16 Dst 7 2,71
Governo 4 2,25 Hepatite 4 2,75
Ineficiência 4 2,50 Hiv 7 3,14
Irresponsabilidade 6 2,16 Leishmaniose 6 3,33
Responsabilidade 5 2,60 Profissionalismo 4 3,50
Sífilis 5 3,00
Fonte: ARQUIVOS DA PESQUISA, 2019.
93

O quadrante superior esquerdo, composto pelos termos mais frequentemente evocados


e de menor ordem média indica o provável núcleo central, enquanto que o quadrante inferior
direito, composto pelos termos menos evocados e de maior ordem média indica a segunda
periferia. O quadrante esquerdo inferior possui conteúdos com baixa frequência e também
uma baixa média da ordem de aparecimento sendo denominado de zona de contraste, onde,
com frequência, pode ser detectado um subgrupo representacional. O quadrante superior
direito relaciona-se à primeira periferia, onde estão os elementos que frequentemente
reforçam os elementos centrais.
No quadrante superior esquerdo situam-se as palavras descaso e ignorância, que
foram mais prontamente evocadas pelos profissionais de saúde, ou seja, tiveram menores
ordens médias de evocação e maiores frequências, e que, possivelmente constituem o núcleo
central, pois dão sentindo as dimensões que estruturam as representações. O termo descaso
remete ao desinteresse, a falta de cuidado dos principais sujeitos envolvidos na construção do
pensamento social sobre as doenças negligenciadas, são eles: o indivíduo, também
denominado usuário dos serviços de saúde ou aquela pessoa que é susceptível ou possui uma
das doenças consideradas negligenciadas; o profissional de saúde que atua nos serviços
responsáveis pelo controle, prevenção e tratamento; e por último, os gestores, que são
representados pelos governos dos entes federados ou por um prestador que assume uma
função de gestão no setor saúde.
Para os profissionais de saúde, que construíram esta estrutura de pensamento social, o
descaso acontece por parte de todos estes sujeitos descritos anteriormente. O descaso do
indivíduo está associado a ausência do autocuidado e a falta de interesse em buscar
informações sobre as medidas de prevenção e controle das doenças, sendo muitas vezes
omissos aos conhecimentos que são produzidos, inclusive, no senso comum; são as pessoas
que, mesmo possuindo os conhecimentos sobre a doença, não exercem práticas vinculadas ao
cuidado no cotidiano. No que diz respeito aos profissionais de saúde, o descaso relaciona-se à
omissão de suas atribuições nos serviços de saúde e os governos, por sua vez, produzem o
descaso quando não aplicam as políticas de saúde voltadas para o enfrentamento das doenças
negligenciadas, como a falta de investimentos em pesquisas; na estrutura dos serviços de
saúde e nas condições promotoras da pobreza, a saber: a falta de saneamento básico, a
desorganização da estrutura urbana e a ausência de estratégias de cuidado no âmbito da saúde
das populações.
O outro termo que compõe o possível núcleo central é a ignorância, que significa para
os profissionais de saúde, a ausência de informação e de educação, tanto institucional quanto
94

familiar, dos indivíduos que são acometidos pelas doenças negligenciadas. A ignorância dos
indivíduos implica na ausência de cuidados básicos para a prevenção e, por conseguinte,
influenciam na maior vulnerabilidade para instalação destes agravos. Esta primeira dimensão
indica que um núcleo central é constituído de elementos em quantidade limitada, pois ele que
organiza as funções e determina o significado das representações sociais. A organização de
uma representação apresenta uma característica particular: não apenas os elementos da
representação são hierarquizados, mas além disso toda a representação é organizada em torno
de um núcleo central, constituído de um ou alguns elementos que dão à representação o seu
significado (ABRIC, 1994a).
Considerado a argumentação de Abric sobre a organização interna das representações,
elencaram-se os termos que possivelmente constitui o núcleo central, sendo que, os termos
que compõe os demais quadrantes do quadro de quatro casas, compreendem o sistema
periférico das representações e foram descritos de acordo o significado atribuído pelos
profissionais de saúde. O sistema periférico é bem menos limitante, ele é mais leve e flexível.
É a parte mais acessível e mais viva da representação. Se o núcleo central constitui, de algum
modo, a cabeça ou o cérebro da representação, o sistema periférico constitui o corpo e a carne
(ABRIC, 1994b).
O quadrante superior direito, que corresponde a primeira periferia, apresenta os termos
que podem ser distintos por meio dos possíveis significados atribuídos a partir dos termos do
núcleo central: falta de recursos e a pobreza são relacionados a produção da ignorância e do
descaso, pois a dimensão social está intimamente ligada a promoção da saúde ou da doença.
Os outros termos (doenças, hanseníase e tuberculose) aproximam-se da dimensão imagética
da representação pois concretizam o pensamento dos profissionais de saúde em doenças que
possuem uma alta prevalência na região e são consequência da ignorância dos indivíduos e do
descaso dos envolvidos neste processo de enfrentamento (indivíduo, profissionais e governo).
No quadrante inferior esquerdo, ou zona de contraste, encontram-se os elementos que
complementam e discutem o núcleo central, reforçando o seu sentido e ao mesmo tempo
protegendo sua identidade. Os termos ineficiência, falta compromisso e governo, por
exemplo, fortalecem a ideia do descaso institucional e também político dos entes federados
(município, Estado e União) com as doenças promotoras da pobreza; a irresponsabilidade,
por outro lado, é um termo que se aproxima da causalidade individual para com os agravos
oriundos da própria ignorância.
Os termos que compõe o quadrante inferior direito são aqueles que possuem menores
frequência de evocação e evocados tardiamente, compondo os elementos da segunda periferia
95

das representações. Eles podem ser analisados em dois grupos que remetem ao significado ou
se correlacionam aos termos do núcleo central: o primeiro composto pelas palavras
desassistência, desumanidade e profissionalismo relaciona-se ao termo descaso e remete a
ausência de estratégias dos serviços de saúde no combate as doenças, inclusive nas atribuições
dos profissionais de saúde e que diz respeito aos aspectos causais da perpetuação destes
agravos ; o segundo constituído pelas termos dst, hepatite, hiv, leishmaniose, sífilis que
engloba a dimensão imagética e apresenta a consequência do descaso e da ignorância, ou seja,
as diversas doenças que assolam a população vulnerável socialmente.
A estrutura representacional apresenta-se organizada em um contínuo que vai da
dimensão individual à político-social, perpassando a socioindividual e a imagética. A
individual é organizada pela expressão ignorância e se desdobra na zona de contraste no
léxico irresponsabilidade e na segunda periferia, nas palavras, profissionalismo e
desumanidade. A denominada socioindividual é aquela que pode ser englobada nos dois
polos, não possuindo uma especificidade e uma localização determinada, como pobreza, falta
recurso, doenças. A dimensão político-social organiza-se ao redor do léxico descaso, que se
desdobra, na zona de contraste, em elementos como falta compromisso, ineficiência e
governo. A dimensão da imagem, por sua vez, centra-se na citação das próprias doenças
negligenciadas, notadamente hanseníase, tuberculose, leishmaniose, hepatites, dst, sífilis, hiv
e câncer.
A dimensão individual assume uma função explicativa e descritiva da representação,
na medida em que dar sentido ao termo ignorância que perpassa pela construção cognitiva da
percepção humana. Neste sentido, os profissionais de saúde explicam a perpetuação da
doença pela ausência de conhecimento das pessoas e isso precisa ser compreendido de
maneira singular, pois, de qual conhecimento os participantes estão falando? Possivelmente,
trata-se de um conhecimento consensual proveniente das percepções dos indivíduos a respeito
das definições da doença, como ela pode ser transmitida e principalmente como pode ser
evitada. A percepção da doença é definida como a forma que os indivíduos compreendem
diversos aspectos relacionados à saúde e a doença, levando em consideração suas experiências
individuais e coletivas. Além disso, a percepção da doença inclui a informação que o
indivíduo possui a respeito de sua patologia, bem como seus sintomas, potenciais causas,
provável duração, evolução no tempo e potenciais consequências. Quando o indivíduo viven-
cia algum sintoma, inicia-se um processo de cognição no qual a pessoa passa a comparar este
sintoma com o modelo que possui sobre a doença (GOMEZ; GUTIERREZ & MOREIRA,
2011).
96

Desta maneira, a dimensão individual abrange a abordagem sobre o conhecimento


pessoal ou sua ausência sobre a ideia de saúde e doença, e, neste caso em especial, sobre as
doenças negligenciadas. A partir da apreensão das percepções individuais sobre o conceito de
doenças, os profissionais de saúde tendem a compreender pelo prisma do universo consensual
e consequentemente terá maiores condições de estabelecer em suas práticas a interação junto
ao indivíduo no enfrentamento a estas enfermidades. O significado do termo ignorância
reproduz um tipo de pensamento dos profissionais sobre o comportamento do indivíduo
diante da doença, estabelecendo uma posição do profissional de explicação das condutas que
são promotoras da continuidade destas enfermidades. O processo de determinação das
doenças negligenciadas é complexo e envolve fatores que operam em vários níveis, desde os
mais distais (p. ex.: políticas sociais e econômicas, contexto socioambiental e condições de
vida) até os mais proximais (p. ex.: fatores genéticos e constitucionais) (EHRENBERG,
AULT, 2005).
A correlação da ignorância (termo da centralidade da representação) com o termo
profissionalismo (elemento da 2ª periferia) indica que os profissionais de saúde exercem uma
influência relevante na construção do conhecimento sobre a prevenção, controle e tratamento
das doenças negligenciadas. Neste sentido, entende-se que os profissionais de saúde, por meio
dos serviços em que atuam, são instrumentos colaborativos na formação das estratégias que
podem combater as enfermidades. Uma dessas estratégias, a educação em saúde, possibilita
uma interação entre profissional e indivíduo no sentido de favorecer a ampliação dos
conhecimentos sobre as doenças e, por conseguinte, a participação pessoal no processo de
construção de novos saberes sobre saúde. A educação em saúde surge como estratégia para
promover saúde e prevenção primária e secundária e deve ser uma prática social centrada na
problematização do cotidiano, na valorização da experiência dos indivíduos e grupos, tendo
como referência a realidade na qual eles estão inseridos. É a soma de todas as experiências
que modificam ou exercem influência nas atitudes ou condutas de um indivíduo em relação à
saúde e aos processos que necessitam ser modificados (CAMARA & cols., 2012).
Quando os indivíduos conhecem e possuem informações sobre as doenças,
possivelmente terão maiores possibilidades de evitar a instalação desses agravos, desde que
essas informações sejam incorporadas às práticas cotidianas para alcançar a desiderabilidade
social no combate às doenças negligenciadas. A dimensão individual, portanto, compõe a
estrutura interna das representações dos profissionais sobre as doenças negligenciadas,
demonstrando a influência dos indivíduos e sua corresponsabilidade na participação de ações
de prevenção, promoção e tratamento dessas enfermidades. No momento em que o indivíduo
97

não exerce esta corresponsabilidade, ele compactua com a perpetuação das doenças e surge
como colaborador de sua própria vulnerabilidade no processo saúde-doença, portanto, a
correlação da ignorância junto ao termo irresponsabilidade nos remete ao significado da
necessidade da participação ativa do indivíduo, ou seja, na sua autonomia com o autocuidado.
Na dimensão socioindividual, os aspectos sociais e individuais causadores das doenças
negligenciadas foram explicitados pelos profissionais de saúde durante este estudo, quando
evocaram os termos pobreza, falta recurso e doenças. São palavras que trazem o significado
de interligação entre as condições socioeconômicas e as atitudes individuais, demonstrando,
principalmente, a vulnerabilidade social das populações atingidas por estas enfermidades. As
doenças tropicais consideradas negligenciadas constituem um conjunto de enfermidades
prevalentes nos países em desenvolvimento, que afetam indistintamente toda a população,
mas que tem tido maior impacto em grupos populacionais em situação de vulnerabilidade
social, representando um sério obstáculo ao desenvolvimento socioeconômico e à melhoria da
qualidade de vida (HOTEZ, 2008).
Os termos que compreendem esta dimensão, pobreza, falta recurso e doenças, estão
intimamente relacionados ao determinismo social, individual e ambiental, pois são colocados
como principais causadores das doenças negligenciadas. A pobreza e a miséria abrangem
grande parte da população mundial e apesar das ações estratégicas de algumas instituições,
ainda não foram totalmente superadas. Os 50 países com menor produto interno bruto (PIB)
do mundo são todos tropicais, assim como os países com renda per capita inferior a US$ 2,5
mil por ano. Com uma ou outra exceção, como o Afeganistão, são tropicais, também, os
países em que pelo menos 50% da população está abaixo da linha da miséria, e os países em
que de 60% a 80% de seus habitantes vivem com menos de US$1 por dia (CAMARGO,
2008).
Para Rocha (2003) a pobreza, classicamente delimitada em termos de renda, é hoje
vista de forma muito mais ampla. Relaciona-se à privação dos itens mais necessários à
existência digna, tais como liberdade, bem-estar, saúde, educação, direitos, emprego, meios
para participar do mercado de consumo, e tantos outros quanto se possa pensar. Pobreza é um
fenômeno complexo, podendo ser definido, de forma genérica, como a situação na qual as
necessidades não são atendidas de forma adequada. O termo pobreza possui um significado
singular na representação das doenças negligenciadas, pois determina e desencadeia todo o
processo de vulnerabilidade social do indivíduo, causada pela ausência de estratégias
econômicas dos países para diminuir as desigualdades sociais. As doenças negligenciadas
existem porque a pobreza existe, por isso as ações governamentais que diminuem as
98

desigualdades sociais precisam ser fortalecidas, principalmente no Brasil, onde ainda se


convive em um cenário de extrema pobreza e, não por acaso, assume a maior carga de
doenças tropicais negligenciadas da América Latina e Caribe. Isto significa que grande parte
do contingente de 40 milhões da população mais pobre do Brasil está infectada por uma ou
mais doenças tropicais negligenciadas (HOTEZ, 2007).
O termo falta recurso está intimamente ligado as condições socioeconômicas
individuais e coletivas na medida em que reflete a carência de vários fatores que sustentam a
qualidade de vida das pessoas, desde a necessidades básicas como a alimentação, a habitação,
o emprego, até as consideradas menos relevantes na construção de uma vida saudável.
Portanto este termo traduz justamente uma das várias causas do assolamento destes agravos á
população, pois quando existe a falta destes recursos sejam eles materiais ou até mesmo
psíquicos tanto o indivíduo torna-se ainda mais vulnerável a estas doenças e por conseguinte,
toda uma população.
O termo doenças surge por meio dos determinantes sociais como a pobreza e da falta
de recursos, encerrando a tríade desta dimensão e apontando as principais causas da
perpetuação deste círculo vicioso, contínuo e que compromete a saúde das pessoas. A doença
é fruto da irresponsabilidade individual, dos fatores determinantes e condicionantes que
entornam o indivíduo e a sociedade. Segundo a Comissão Nacional sobre os Determinantes
Sociais da Saúde (2008), tais determinantes estariam vinculados aos comportamentos
individuais e às condições de vida e trabalho, bem como à macroestrutura econômica, social e
cultural. Seriam os “fatores sociais, econômicos, culturais, étnico-raciais, psicológicos e
comportamentais que influenciam a ocorrência de problemas de saúde e seus fatores de risco
na população” (BUSS; PELLEGRINI FILHO, 2007).
Portanto, esta dimensão apresenta, além dos determinantes sociais das doenças
negligenciadas, a necessidade de mudança de práticas tanto em nível individual quanto social.
No nível individual, entendemos que as pessoas que são vulneráveis a estas enfermidades
precisam conhecer, por meio de seu universo consensual, as principais características das
doenças com intuito de trazer para o seu cotidiano as ações de prevenção, como o cuidado
com o corpo, os hábitos alimentares, as práticas de combate aos vetores que são medidas
dependentes da apreensão cultural e pessoal destes conhecimentos.
No nível social, por sua vez, existe a necessidade de uma atuação política que
evidencie, além de planos estratégicos, a vontade em conhecer a realidade da população e
tomar medidas eficazes no combate às doenças negligenciadas. O investimento no setor
saúde, em especial na atenção primária, seria uma das ações prioritárias dos três entes
99

federados (União, Estado e Município) que poderiam diminuir a carga de doenças que
existem no Brasil. O aumento do financiamento do setor saúde e sua aplicabilidade na
qualificação dos serviços de saúde da atenção primária, certamente, fortaleceria o combate às
doenças, com a participação dos profissionais de saúde no sentido de promover saúde integral,
desenvolvendo ações intersetoriais focadas nos determinantes das enfermidades.
A dimensão político-social, evidenciada na possível centralidade desta representação
por parte dos profissionais de saúde, ressalta-se a necessidade de valorizar a magnitude e o
efeito produzido por tais enfermidades ao interligar o descaso aos demais elementos
constitutivos da representação.
Na relação entre o descaso (centralidade) e os elementos de contraste (hierarquia),
observa-se que os termos falta compromisso, governo e ineficiência sustentam a ideia e justi-
ficam o pensamento dos profissionais de saúde a respeito das doenças negligenciadas. Tais
termos indicam a proximidade ao significado de condutas das autoridades sociais (governos e
serviços de saúde), que terminam por resultar na inoperância ou ineficiência das possíveis
ações de enfrentamento às doenças negligenciadas. Estas condutas por parte das autoridades
políticas e técnicas resultam na perpetuação do ciclo da pobreza e, por conseguinte, das
doenças consideradas negligenciadas e que poderiam ser enfrentadas de maneira diferente.
Analisando esta dimensão, pode-se dizer que o termo descaso implica no pensamento
dos profissionais de saúde em correlacionar a continuidade das doenças negligenciadas ao de-
sinteresse da sociedade (indivíduos, governo e instituições) por motivos justificados pelos
elementos da zona de contraste: falta de recursos, falta compromisso, irresponsabilidade e
governo, no combate ao problema de saúde que afeta mais de um bilhão de pessoas em todo o
mundo. No que diz respeito a estes termos, eles refletem a relação da lógica de mercado, pois,
como as doenças atingem principalmente os países subdesenvolvidos e as populações
extremamente pobres, não existe um retorno financeiro e lucrativo para as grandes indústrias
farmacêuticas. No período entre 1975 e 2004, apenas 1% dos 1.535 novos fármacos
registrados foram destinados às doenças tropicais. Esses dados sugerem que o investimento
em pesquisa e desenvolvimento de fármacos para doenças negligenciadas é inadequado,
sendo evidenciado pelo fato de o investimento em malária ser pelo menos 80 vezes menor que
o para hiv/aids (VIDOTTI, CASTRO, 2009).
As doenças negligenciadas são consideradas infecções que poderiam ser evitadas, caso
houvesse um maior interesse da sociedade para enfrentá-las adequadamente. Os profissionais
de saúde, participantes deste estudo, enfatizaram essa assertiva na medida em que apontaram
o descaso como sinônimo para a doença negligenciada. O que se percebe, na realidade, é que
100

poucos setores da sociedade se dão conta da magnitude destas enfermidades e não


proporcionam medidas eficazes no combate a tais agravos. Nos países em desenvolvimento,
as doenças negligenciadas, têm enorme impacto sobre indivíduos, famílias e comunidades em
termos de ônus da doença, qualidade de vida, perda da produtividade e agravamento da
pobreza, além do alto custo de tratamentos de longo prazo. Constituem-se, assim, um grave
obstáculo ao desenvolvimento socioeconômico e à qualidade de vida em todos os níveis.
Apesar das mudanças no perfil epidemiológico, em que se observa que as doenças
infectocontagiosas diminuíram consideravelmente se compararmos com o século passado, a
incidência dessas enfermidades ainda permanece alta, principalmente por conta do descaso
das autoridades públicas e do poderio econômico internacional. A partir da segunda metade
do século XIX, especialmente entre países desenvolvidos, passou a ocorrer uma substituição
gradual e progressiva das doenças infecciosas e parasitárias por doenças crônico-
degenerativas como causas de morbidade e mortalidade. Não obstante, em várias populações,
em especial em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, uma transição linear desses
processos não foi observada, verificando-se, na realidade, uma sobreposição desses perfis
(transição incompleta) (PONTES, 2009).
Neste panorama, o descaso pode ser relacionado às características da população que é
atingida por estas doenças, em sua maioria abaixo de nível de miséria e pobreza no mundo.
Atentando para esse fato, agências como o Fundo das Nações Unidas para a Infância
(UNICEF), o Banco Mundial e a própria OMS lançaram, há pouco mais de 30 anos, o Special
Program for Research and Training in Tropical Diseases (TDR), cujo foco seria as doenças
infecciosas que acometem desproporcionalmente as populações pobres e marginalizadas do
mundo (ROLAND, 2016).
Somente no ano 2000, a Organização das Nações Unidas (ONU) tentou expandir essa
preocupação por meio da publicação da declaração dos objetivos de desenvolvimento para o
novo milênio, colocando o combate à pobreza extrema como uma de suas prioridades
mundiais, considerando que esforços não serão poupados para libertar os nossos semelhantes,
homens, mulheres e crianças, das condições abjetas e desumanas da pobreza extrema, a qual
estão submetidos atualmente mais de 100 milhões de seres humanos (ONU, 2000).
Estas instituições, junto aos países do mundo inteiro, tiveram a oportunidade de
estabelecer metas e ações estratégicas de combate à principal causa da continuidade destas
enfermidades, a saber, a perpetuação da pobreza extrema. Ao contrário do que poderia
acontecer e, também, apesar das metas estabelecidas durante as reuniões da ONU por meio
dos objetivos para o novo milênio, o que se percebe é a continuidade da pobreza extrema.
101

Mesmo com a redução substantiva da parcela da população mundial considerada


extremamente pobre - de 47% para 22% -, mais de 1,2 bilhão de pessoas ainda se encontram
nessa condição. De cada oito indivíduos, pelo menos um não tem acesso regular à quantidade
suficiente de alimentos para suprir suas necessidades energéticas. Além disso, mais de 100
milhões de crianças com menos de cinco anos estão desnutridas (BRASIL, 2014).
Na estrutura das representações sociais deste estudo, a dimensão imagética revela as
principais doenças consideradas negligenciadas pelos profissionais de saúde, sendo evocadas
as seguintes: hanseníase, tuberculose, dst, hepatite, leishmaniose, sífilis e câncer. Dentre as
doenças negligenciadas de maior interesse no cenário brasileiro, a OMS atualmente prioriza a
esquistossomose, a dengue, a doença de Chagas, as leishmanioses, a hanseníase, a filariose
linfática, a oncocercose, as helmintíases transmitidas pelo solo (p.ex.: ascaríase e
ancilostomíase), o tracoma e a raiva. No Brasil foram elencadas, segundo o Ministério da
Saúde, Brasil (2014c), sete doenças consideradas negligenciadas: hanseníase, tuberculose,
dengue, malária, leishmaniose e doença de chagas. Dentre estas, cinco são endêmicas no
município de Jequié, segundo dados da Secretaria Municipal de Saúde (2015) coadunando
com a dimensão imagética proposta pelos profissionais de saúde com exceção da dst, hepatite
sífilis e câncer.
Sendo assim, a dimensão imagética, produzida pelos profissionais de saúde coadunam
com as doenças negligenciadas definidas pela OMS e também pelo MS, implicando na
suposição de que a região do município estudado possui uma ocorrência destas enfermidades,
as quais precisam ser estudadas e pesquisadas no intuito de compreender sua epidemiologia e,
por conseguinte, desenvolver possíveis ações de prevenção e controle desses agravos.
A análise prototípica proporcionou a descrição da estrutura das representações socais
na medida em que indicou o possível núcleo central e o sistema periférico. Viu-se que o
possível núcleo central composto pelos termos descaso e ignorância orientam, regulam e dão
sentido aos outros termos que compõem o quadro de quatro casas.
A partir deste ponto, discutiu-se os resultados provenientes da segunda etapa da
pesquisa, que corresponde ao momento ao qual, retornou-se ao campo prático para aplicar os
seguintes instrumentos: o questionário de constituição de pares pareados e o questionário dos
esquemas cognitivos de base. No caso do primeiro, os dados foram analisados pela técnica da
análise de similitude e no segundo, pela análise dos índices de valência. Estas duas técnicas
implicam na certificação da estrutura da representação, ou seja, na certificação dos termos que
compuseram o quadro de quatro casas como centrais (descaso e ignorância), e por
conseguinte, os demais como elementos periféricos.
102

A teoria do núcleo central (Abric, 1994; Sá,1996) descreve a representação social


como um conjunto de cognemas, ou elementos cognitivos básicos, compartilhados por uma
população, que dão sentido a um objeto do cotidiano. Estes cognemas, ativados pelo objeto,
se relacionam entre si e formam uma totalidade. Dentre os cognemas, alguns são essenciais,
ou absolutos, nos termos de Claude Flament, para o reconhecimento e o pensamento acerca
do objeto, pois sem eles o conjunto não é aceitável como conforme ao objeto para o grupo em
questão.
Estes cognemas ou elementos absolutos, se associam a muitos outros cognemas, por
isso foram denominados de centrais para a representação social. Por serem absolutos e
densamente ligados aos outros cognemas, estes elementos centrais são extremamente estáveis
e pouco maleáveis e só se modificam com alterações de grande porte no contexto social do
grupo e na sociedade. Por sua vez, existem outros elementos representacionais que são,
segundo Flament (1994), negociáveis. Os membros do grupo toleram pensar no objeto sem
que estes elementos estejam presentes pois eles são maleáveis, não necessariamente
consensuais e menos associados a outros elementos comparativamente aos cognemas centrais
(WOLTER; WACHELKE & NAIFF, 2016).
Desta maneira, os elementos e cognemas considerados absolutos nesta representação
são o descaso e a ignorância que surgiram no quadrante superior esquerdo do quadro de
quatro casas, durante a análise prototípica. Os demais cognemas que constituíram o quadro de
quatro casas correspondem aos elementos negociáveis e sustentam, protegem o núcleo central.
Na segunda etapa deste estudo abordamos a centralidade dos cognemas que foram evocados a
partir do termo indutor doenças negligenciadas, utilizando a análise de similitude e o esquema
cognitivo de base (SCB).
A análise de similitude aparece como outra forma de se estudar as representações
sociais dentro da abordagem estrutural e consiste no enfoque à conexidade dos elementos. Por
trás deste tipo de estudo existe a visão de que o elemento central da representação social é
aquele que se relaciona intensamente com outros elementos representacionais. Como o núcleo
central dá o sentido à representação, mais tecnicamente é possível afirmar que os elementos
periféricos têm sua significação atrelada aos elementos centrais. Para estudar este tipo de
relação o grupo do Midi difundiu a técnica da análise de similitude (Flament, 1981). Esta
análise estuda as distâncias entre os diferentes elementos representacionais. Estas distâncias,
tipicamente, são apresentadas em formas de árvores onde as ramificações traduzem as
distâncias e os pólos são os elementos representacionais. Os elementos que são próximos de
103

muitos outros elementos tendem a ser considerados centrais. Por sua vez os elementos
próximos de poucos outros elementos tendem a ser considerados periféricos.
Na primeira investida sobre os dados decorrentes da análise prototípica foi possível
determinar o grau de conexidade destes elementos a partir na construção da arvore máxima,
considerando a coocorrência destes cognemas entre os sujeitos envolvidos neste estudo. Nesta
análise de similitude gerou-se a árvore máxima que segue na figura 1:

Figura 1 – Árvore máxima de similitude por coocorrência das evocações dos profissionais de
saúde ao termo indutor doenças negligenciadas – Jequié -2018 (n=90).

Fonte: ARQUIVO DA PESQUISA, 2018.

Ao observar a árvore máxima identifica-se o maior número de conexões dos elementos


ao termo descaso com 07 ligações; em segundo, a ignorância com 05 ligações e finalmente, a
hanseníase com 04 ligações. Considerando as observações de Flament sobre a relação entre os
cognemas representacionais pode-se afirmar que esta análise favorece a ideia de centralidade
para os termos descaso e ignorância, pois são os cognemas que possuem maior conexidade
com os demais elementos que compõem a estrutura representacional.
Outro aspecto importante a ser observado na árvore máxima é a formação das
dimensões que estruturam o pensamento social a partir dos índices de similitude. A conexão
mais forte, ou seja, aquela que possuiu o maior índice foi entre os cognemas hanseníase e
tuberculose (índice de similitude = 0,1), a partir desta conexão percebeu-se a construção da
dimensão imagética representada pelas doenças que são consideradas negligenciadas e que
estão ligadas ao termo doença na árvore máxima: além da hanseníase e tuberculose, teve
ainda, a leishmaniose. As outras doenças que compuseram esta dimensão, como, dst, hiv,
sífilis, hepatite e câncer não são consideradas negligenciadas pela OMS, mas fazem parte das
práticas cotidianas destes profissionais de saúde e, portanto, aparecem na sua estrutura
representacional.
104

A segunda conexão mais forte foi constituída entre os termos descaso e ignorância
(índice de similitude = 0,08) e construíram as dimensões individual e social referente aos
determinantes socais em saúde que perpetuam as doenças negligenciadas. O cognema descaso
aparece envolvido pelos termos que representam, principalmente, os fatores sociais que
provocam o surgimento das doenças negligenciadas, como por exemplo, a ineficiência e
desassistência que podem ser relacionadas a ausência de estratégias de enfrentamento na
prevenção, no controle e no tratamento das doenças negligenciadas tanto por parte dos
gestores da saúde, quanto pelos próprios profissionais de saúde, ou ainda pelas pessoas
acometidas por um desses agravos no que diz respeito ao autocuidado. O cognema
ignorância, por seu turno, conectou-se aos termos que representam a condição social como a
pobreza, fator determinante na perpetuação das doenças, e a falta de recursos e de
investimento por parte do governo nas ações de enfrentamentos a estes agravos.
Em resumo, a árvore máxima composta pelos índices de similitude representa três
dimensões da estrutura representacional: a primeira é a dimensão imagética que apresenta o
termo doenças e suas ramificações, que por sua vez, são compostas pelas doenças
negligenciadas conforme a ideia dos participantes; a segunda é a dimensão social, com o
termos descaso e suas conexões que demonstram as principais causas da perpetuação das
doenças negligenciadas e por último a dimensão individual, com o termo ignorância, onde
aponta a participação das pessoas no processo do autocuidado e das possíveis atitudes
individuas que poderiam evitar as doenças negligenciadas.
Com tudo isso, afirma-se que a análise de similitude por coocorrência possibilitou
reconhecer a relevância dos termos descaso e ignorância, na medida em que surgiram como
principais cognemas representativos que participam na construção da estrutura
representacional deste objeto de estudo, uma vez que, foram esses elementos que se
relacionaram intensamente com os elementos periféricos dando sentido à representação social
sobre as doenças negligenciadas.
Na segunda investida sobre os dados oriundos da análise prototípica, construiu-se
outra árvore máxima a partir da constituição de pares pareados pelos profissionais de saúde.
Neste momento da pesquisa, retornou-se ao campo de estudo e apresentou-se as 22 palavras
que surgiram no quadro de quatro casas ao termo indutor doenças negligenciadas e ainda,
solicitou-se que os participantes da pesquisa ligassem uma palavra a outra que, em sua
concepção, pudessem ficar juntas. Dentre os métodos de detecção da conexidade, o mais
obvio consiste na constituição de pares de palavras, que Abric assim descreve: trata-se de
pedir ao sujeito (profissionais de saúde), a partir de um corpus que ele mesmo produziu
105

(evocações livres), para constituir um conjunto de pares de palavras que lhe parecem “ir
juntas”. A análise de cada par permite assim precisar o sentido dos termos utilizado pelos
sujeitos. (SÁ, 1996).
Como resultado da aplicação deste instrumento produziu-se outra árvore máxima
considerando o cálculo do índice de similitude, que segundo Moliner (1994a) consiste na
relação entre o número de coocorrências e o número de sujeitos envolvidos. Ou, como diz
Flament, “admite-se que dois itens serão tanto mais próximos na representação quanto um
número mais elevado de sujeitos os trate da mesma maneira. Tem-se a seguir, na figura 2, o
produto da análise de similitude por pares pareados:

Figura 2 – Árvore máxima de similitude por pares pareados das evocações dos profissionais
de saúde ao termo indutor “doenças negligenciadas”, Jequié/BA – 2018 (n=90).

Fonte: ARQUIVOS DA PESQUISA, 2018.

Nesta árvore máxima observa-se que os cognemas com maior conexão são:
ignorância, profissionalismo, dst, doenças e governo, cada qual com 03 conexões aos demais
elementos. Este resultado demonstra que o cognema ignorância continua aparecendo como
um elemento central, o que não aconteceu com outro termo frequente, o descaso; por outro
lado mostra a relevância de outros termos até então componentes do sistema periférico. Isto
possibilita compreender a necessidade da utilização de vários métodos nos estudos sobre
representação social com o intuito de certificar a centralidade dos cognemas e por conseguinte
definir a estrutura representacional.
A análise da árvore máxima aponta a formação de conjuntos de sentido que são
relacionados às doenças negligenciadas e sua ocorrência nesta região, segundo as
106

representações sociais dos profissionais de saúde. O primeiro trata-se na conexão entre os


elementos falta recurso e ineficiência, que possuem o significado voltado para a dimensão
social das causas das doenças negligenciadas, uma vez que a ausência de medicamentos, de
investimentos em pesquisa, a falta de materiais para o pleno funcionamento dos serviços de
saúde colabora para a ineficiência das ações de controle, tratamento e prevenção destes
agravos.
Nesta análise do cognema falta de recurso incluiu-se ainda os termos que evidenciam
a ausência do governo na construção de ações eficazes para combater as doenças
negligenciadas, como os cognemas descaso, falta de compromisso, ineficiência e
irresponsabilidade, ou seja, constituem uma dimensão social que representa a participação
pouco efetiva do governo no combate a estes agravos. Para a OMS (2016) esse grupo de
doenças afeta extensamente pessoas de baixa renda e politicamente marginalizadas, que
vivem em áreas rurais e urbanas. Essas pessoas não podem influenciar facilmente as decisões
administrativas e governamentais que afetam sua saúde e, aparentemente, muitas vezes não
dispõem de representantes que falem por elas. Para as capitais e suas populações em
expansão, as doenças associadas à pobreza rural talvez tenham pouco impacto para os
tomadores de decisão.
O segundo compreende os elementos que estão conectados a partir do cognema
pobreza e se estende as doenças citadas como exemplo de doenças negligenciadas pelos
profissionais de saúde. Vê-se que a dimensão socioindividual reúne as questões de
vulnerabilidade por parte do indivíduo que tem pouco acesso as condições mínimas de
sobrevivência, como a alimentação adequada, a higiene corporal, uma moradia traduzindo-se
na perpetuação da pobreza, que por seu turno, implica no desencadeamento do processo do
adoecimento. A relação das conexões mostra as principais doenças que assolam os indivíduos
a partir das condições de pobreza da sociedade, como a hanseníase e tuberculose que estão
fortemente ligadas na árvore máxima e apresentam como doenças endêmicas na região deste
estudo.
Atualmente, as doenças tropicais negligenciadas encontram seu campo de
desenvolvimento nos lugares que foram deixados para trás pelo progresso socioeconômico,
nos quais moradias precárias, falta de acesso a água limpa e saneamento, ambientes
degradados, abundância de insetos e de outros vetores contribuem para a transmissão efetiva
da infecção. Companheiras próximas da miséria, essas doenças também mantêm numerosas
populações em condições de pobreza. (WHO, 2016a)
107

Apesar de serem muito temidas pelas populações afetadas, são pouco conhecidas e
mal compreendidas em outros locais. Embora haja enorme necessidade de prevenção e
tratamento, a pobreza dos que são afetados limita seu acesso a intervenções e aos serviços
necessários para realizá-las. Da mesma forma, doenças associadas à pobreza oferecem pouco
incentivo à indústria para investimentos no desenvolvimento de produtos novos e melhores
para um mercado que não pode pagar por eles. (WHO, 2016b)
No terceiro conjunto de sentido evidencia-se a ligação do cognema profissionalismo
com os termos desumanidade, atenção e responsabilidade, isto indica a participação da
equipe de saúde no processo assistencial as pessoas acometidas pelas doenças negligenciadas,
ou seja, este eixo possibilita a discussão das diversas atitudes dos profissionais de saúde
durante o seu processo de trabalho. Nestas atitudes pode-se encontrar profissionais que são
comprometidos aos serviços de saúde, atuando com responsabilidade a atenção as
necessidades do indivíduo, evidenciadas no processo assistencial, ou por outro lado,
identificar profissionais que não são colaborativos em suas atividades demonstrando até
mesmo uma desumanidade durante o exercício de sua profissão.
Estes três conjuntos de análise da árvore máxima por pares de palavras mostraram a
participação dos agentes envolvidos no processo de controle das doenças negligenciadas, a
saber: o indivíduo, a equipe de saúde e o governo, onde fortaleceram a ideia da ignorância e
do descaso como elementos organizadores da estrutura representacional. A análise de
similitude pelos pares pareados colaborou no fortalecimento do cognema ignorância como
componente do núcleo central e provocou a reflexão sobre o cognema descaso que apesar de
não possuir muitas conexões induziu a formação de uma das dimensões do pensamento social
dos profissionais de saúde – dimensão político-social.
Além da análise quantitativa (análise de similitude) proposta pela abordagem
estrutural, faz-se necessário para colaborar na confirmação da centralidade dos cognemas,
realizar o estudo qualitativo dos elementos do núcleo central avaliando suas propriedades –
valor simbólico e poder associativo – ou seja, como eles se relacionam. Os estudos com a
análise de similitude sempre foram úteis para o estudo da estrutura representacional.
Entretanto, se esta análise indica a proximidade entre elementos, ela carece de informações
sobre a forma como eles se relacionam. Por esta razão Christian Guimelli e Michel-Louis
Rouquette (1992) resolveram adaptar o modelo dos SCB para o estudo dos tipos de relação
entre elementos representacionais.
Para tanto, foi apresentado aos profissionais de saúde uma relação com 28 conectores,
proposta por Guimelli e Rouquette (2003), que representam as dimensões do pensamento
108

social e constituem o registro cognitivo que pode ser funcional, normativo ou descritivo.
Utilizando somente os cognemas que se apresentaram como possíveis candidatos ao núcleo
central desta representação (descaso e ignorância), solicitamos aos profissionais de saúde que
evocassem três palavras ao relacionar estes cognemas ao nosso objeto de estudo: as doenças
negligenciadas. Após a evocação e justificação destas três respostas, pedimos para que os
participantes fizessem a relação ente o cognema e o objeto, utilizando o modelo dos 28
conectores proposto por Guimelli.
Para discussão da análise dos índices de valência, faz-se necessário pontuar o
significado dos conectores descrição, praxia e atribuição no meta-esquema definido por
Guimelli e Rouquette em seus estudos sobre as dimensões do pensamento social, ou seja,
dentro do quadro teórico e conceitual do pensamento social (Rouquette, 1973), de que toda
lembrança corresponde a um registro cognitivo que pode ser funcional, normativo ou
descritivo. Tomando a representação social (Moscovici, 1976) e a memória social (Bartlett,
1932/1995; Halbwachs, 1994, 2006) como instâncias do pensamento social, propomos que a
segunda, como a primeira, comporta três dimensões – prática, avaliativa e descritiva – que
correspondem, respectivamente, aos três registros cognitivos postulados por Rouquette.
A dimensão prática (Abric, 1976; Guimelli, 2003) é relativa à “relação instrumental
que os indivíduos entretêm com o objeto de representação. Na verdade, esta dimensão pode
ser considerada como em relação direta com as práticas sociais que os sujeitos desenvolvem
em relação ao objeto” (Guimelli, 2003, p. 136). Esta dimensão corresponde ao registro
funcional das cognições. Por sua vez, segundo Guimelli (2003, p. 136), a dimensão avaliativa
é “ligada aos valores, às normas ou a estereótipos fortemente salientes no grupo; ela permite
que o grupo faça julgamentos relativos ao objeto. Esta dimensão é provavelmente marcada
por fatores ideológicos e históricos”. Ela corresponde ao registro normativo das cognições. A
dimensão descritiva corresponde à ativação de características, fatos e eventos, em suma, ao
que constitui e define o objeto. Esta dimensão corresponde ao registro descritivo das
cognições (WOLTER; WACHELKE; NAIFF, 2016).
Logicamente os três meta-esquemas dos esquemas cognitivos de base correspondem
às três dimensões aqui descritas. Ou seja, o Meta--esquema Atribuição corresponde ao
registro avaliativo do pensamento, enquanto o meta-esquema Praxia corresponde ao registo
funcional e, por último, o meta-esquema Descrição corresponde, logicamente, ao registro
descritivo. Convém ressaltar que as dimensões não se excluem mutuamente, pois um mesmo
objeto pode ver ativadas, por exemplo, três, duas, uma ou nenhuma das dimensões de
lembrança (WOLTER; WACHELKE; NAIFF, 2016).
109

Após compreender as dimensões das representações sociais pode-se dizer que os


índices de valências apontam para a qualificação do núcleo central como função avaliativa e
isso implica nos resultados evidenciados na tabela 22, exposta a seguir:

Tabela 22. Valências descrição, praxia e atribuição do elemento “descaso” para profissionais
de saúde, Jequié/BA - 2018 (n=27).
Elemento Conectores Conectores Conectores Total de conectores
“Descaso” Descrição Praxia Atribuição ativados
Ativados 384 464 310 1.158
Possíveis 756 1008 588 2352
Valência 0,5 0,46 0,53 0,49
Fonte: ARQUIVOS DA PESQUISA, 2018.

Para o termo descaso, o maior índice de valência é o de atribuição (0,53), que


corresponde a dimensão normativa do pensamento social dos profissionais de saúde, em
seguida, tem-se a dimensão descritiva com valência descritiva (0,5) e finalmente a dimensão
prática que corresponde a valência praxia (0,46).
Isto significa que para os profissionais de saúde, o núcleo central exerce a função de
avaliação sobre o objeto representacional (as doenças negligenciadas); portanto, este resultado
define que a atitude frente as doenças negligenciadas perpassam mais pelo sentido normativo
do que de práticas. Corroborando com os resultados da análise prototípica onde viu-se que o
descaso se associa as condutas dos gestores, dos indivíduos e também, dos próprios
profissionais. Vale ressaltar que estes profissionais de saúde atuam diretamente na assistência
as pessoas afligidas pelas doenças consideradas negligenciadas, no entanto, seu pensamento
social reflete um significado normativo pelo fato de atribuir as causas destes agravos,
principalmente aos serviços de saúde e a ausência de cuidado e conhecimento da população
em geral.
No que diz respeito ao outro termo oriundo da análise prototípica como elemento do
núcleo central, teve-se o seguinte resultado, conforme tabela 23:
Tabela 23 - Valências descrição, praxia e atribuição do elemento “ignorância” para
profissionais de saúde, Jequié/BA - 2018 (n=27) (continua).

Elemento Conectores Conectores Conectores Total de conectores


“Ignorância” Descrição Praxia Atribuição ativados
Ativados 374 470 326 1.170
110

Tabela 23 - Valências descrição, praxia e atribuição do elemento “ignorância” para


profissionais de saúde, Jequié/BA - 2018 (n=27) (conclusão).

Elemento Conectores Conectores Conectores Total de conectores


“Ignorância” Descrição Praxia Atribuição ativados
Possíveis 756 1008 588 2352
Valência 0,49 0,47 0,55 0,49
Fonte: ARQUIVOS DA PESQUISA, 2018.

Como se vê na tabela 23 acima, o maior índice de valência corresponde a dimensão


avaliativa (0,55), em seguida tem-se a dimensão descritiva e por fim a dimensão prática que
compõem o pensamento social dos profissionais de saúde. Estas valências demonstram que a
atitude dos participantes da pesquisa frente ao objeto representacional continua sendo
normativa, ou seja, a função do núcleo central deste pensamento que foi mais vezes ativada, a
normativa definiu o posicionamento destes profissionais sobre as doenças negligenciadas. A
ignorância foi atribuída principalmente as pessoas que possuem umas das doenças
consideradas negligenciadas, por falta de conhecimento sobre as causas destes agravos e ainda
sobre a ausência de educação tanto formal quanto social.
As valências totais dos termos considerados centrais nas outras análises (descaso e
ignorância, apresentaram uma aproximação lambda de 1,0 para descaso e 0,9 para ignorância
significando que estes elementos fazem parte do núcleo central da estrutura desta
representação social.
Após utilizar todos esses métodos na construção da estrutura representacional dos
profissionais de saúde sobre as doenças negligenciadas tem-se o quadro 2 para comparar as
análises e refletir sobre a definição dos elementos como centrais e periféricos:
Quadro 2 - Síntese das técnicas de análise dos elementos evocados pelos profissionais de
saúde ao termo indutor: doenças negligenciadas, Jequié/BA – 2018 (continuação).

Elementos do Análise Similitude por Similitude Lambda do


quadrante Prototípica coocorrências pares pareados SCB

Descaso Descaso Descaso ------ 1,0

Ignorância Ignorância Ignorância Ignorância 0,9

Hanseníase ------ Hanseníase ------ ------

Profissionalismo ------ ------ Profissionalismo ------


111

Quadro 2 - Síntese das técnicas de análise dos elementos evocados pelos profissionais de
saúde ao termo indutor: doenças negligenciadas, Jequié/BA – 2018 (conclusão).

Elementos do Análise Similitude por Similitude Lambda do


quadrante Prototípica coocorrências pares pareados SCB

DST ------ ------ DST ------

Doenças ------ ------ Doenças ------

Governo ------ ------ Governo ------

Fonte: ARQUIVOS DA PESQUISA, 2018.

Analisando os elementos evocados que mais apareceram nos resultados, conclui-se


que, os termos descaso e ignorância fazem parte do núcleo central desta representação pelo
fato de emergirem nas quatro análises definidas neste estudo. Com isso determina-se a
estrutura da representação, uma vez que conhecemos o núcleo central, que por seu turno,
exerce uma função normativa frente ao objeto representacional.

3.3 O conteúdo das representações sociais dos profissionais de saúde sobre as doenças
negligenciadas

Os dados provenientes da entrevista em profundidade foram submetidos ao


processamento no software IRAMUTEQ (Interface de R pour les Analyses
Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires), que foi desenvolvido como ferramenta
auxiliar do processo de codificação dos elementos trazidos por meio da coleta de dados
(MUTOMBO, 2013). O referido programa, além de permitir uma análise lexical quantitativa
que considera a palavra como unidade, também oferece a sua contextualização no corpus ou
na entrevista. Cada entrevista é composta por conteúdos semânticos, que formaram o banco
de dados ou corpus analisado pelo software. Deste processamento resultaram um corpus que
incluem todas os textos da entrevista transcritos sobre as doenças negligenciadas que
apresenta exclusivamente o pensamento psicossocial dos profissionais de saúde sobre esta
temática.
Realizou-se uma Análise da Classificação Hierárquica Descendente (CHD), que
permitiu a análise das raízes lexicais e ofereceu os contextos em que as classes estão
inseridas, de acordo com o segmento de textos do corpus da pesquisa (CAMARGO; JUSTO,
2013). Nesse sentido, as classes que foram levantadas representam o espaço de sentido das
112

palavras e podem sugerir elementos pertencentes às representações sociais (SILVA;


BOUSFIELD; CARDOSO, 2013).
O corpus geral foi constituído por 27 textos, separados em 1.076 segmentos de textos
(ST) com aproveitamento de 1.043 STs (96,93 %). Emergiram 38.421 ocorrências (palavras,
formas ou vocábulos), sendo 2.349 palavras distintas e 978 com uma única ocorrência. O
conteúdo analisado foi categorizado em 07 classes. Segue o dendograma, apresentado na
figura 3:

Figura 3 - Dendograma representativo dos eixos temáticos das representações sociais dos
profissionais de saúde sobre doenças negligenciadas, distribuídos em classes, 2018.

Fonte: ARQUIVOS DA PESQUISA, 2018.

O dendograma apresenta, inicialmente, dois eixos temáticos que se subdividem da


seguinte maneira: o eixo 1 composto pela classe 05 e subeixo 1.1 que, por seu turno,
constitui-se pelas classes 02 e 01. Neste primeiro eixo tem-se a discussão dos significados da
dimensão conceitual das representações sociais dos profissionais de saúde sobre as doenças
negligenciadas. O eixo 2 caracteriza-se pela composição da dimensão prática das
representações sociais dos profissionais de saúde sobre as doenças negligenciadas e constitui-
113

se da classe 07, do subeixo 2.2, que engloba a classe 06 e o eixo 2.3, que por fim, compreende
as classes 04 e 05.
O dendograma (ver Figura 4) apresenta classes que se tornaram nítidas pelos trechos
dos depoimentos, que exibe marcos que concentram a significação e o sentido dos relatos.
Para respeitar a classificação hierárquica descendente, que emergiu por meio do
processamento dos depoimentos dos profissionais de saúde com o apoio do software
IRAMUTEQ, a apresentação dos resultados e das discussões discorre conforme a divisão e
ordem estabelecida pelo programa. São também apresentadas as relações das palavras que
emergiram nas classes entre si, no formato de recortes do corpus utilizando as UCE mais
significativas de cada classe.
Figura 4 - Distribuição das classes temáticas em eixos, oriundas da classificação hierárquica
descendente, Jequié/BA – 2018.

Fonte: AUTOR, 2018


114

De modo a fazer uma síntese da organização do material empírico realizado pelo


software, destaca-se a existência de dois eixos, três subeixos e sete classes. O eixo 1 é
denominado Conceitos, Saberes e Contextos das Doenças Negligenciadas, comportando, em
uma primeira divisão, a classe 05, Concepções sobre doenças negligenciadas: formas de
transmissão e estratégias de enfrentamento, e a configuração de um subeixo chamado de 1.1,
aspectos individuais, sociais e coletivas no surgimento e manutenção das doenças
negligenciadas, no âmbito do qual podem ser observadas a existência de duas classes, a 02,
do individual ao coletivo no contexto das doenças negligenciadas: saberes e práticas e a 01,
causas das doenças negligenciadas: da dimensão individual a dimensão social.
Por sua vez, o eixo 2 é denominado de processo assistencial na prevenção, controle e
tratamento das doenças negligenciadas que, em primeiro momento, abarca a classe 07, as
facilidades e dificuldades do processo assistencial no tratamento das doenças negligenciadas
e o subeixo 2.1, estratégias do processo assistencial frente as doenças negligenciadas. Este
subeixo engloba a Classe 06, o tratamento medicamentoso no contexto das doenças
negligenciadas, e o subeixo 2.1.1, condições psicológicas e suporte institucional para
enfrentamento das doenças negligenciadas, que, por fim, oferece contextos às classes 04,
condições psicológicas do indivíduo frente às doenças negligenciadas e suas complicações, e
03, unidades de saúde de assistência e referência no tratamento das doenças negligenciadas.
Os dados empíricos serão, então, organizados da maneira como foi descrita nestes dois
parágrafos.

3.3.1 Eixo 1: Conceitos, saberes e contextos das doenças negligenciadas

O eixo 1 compreendeu a classe 05 e o eixo 1.1, formado pelas classes 02 e 01,


conforme distribuição do IRAMUTEQ. Este eixo apresentou a dimensão teórica das
representações sociais dos profissionais de saúde, imbuída de significados sobre a elaboração
dos conceitos e saberes no contexto das doenças negligenciadas.

3.3.1.1 Classe 05: Concepções sobre doenças negligenciadas: formas de transmissão e


estratégias de enfrentamento

A classe constitui-se de um total 127 UCEs, o que significa o envolvimento de 12,18%


do material analisado utilizado pelo software para a construção da análise. Em sua
constituição podem ser observadas as seguintes palavras: transmissível (x2 = 133,8),
leishmaniose (x2 = 103,53), vetor (x2 = 86,38), sexual (x2 = 79,04), adquirir (x2 = 63,38), zika
115

(x2 = 57,18), doença (x2 = 40,57), esquistossomose (x2 = 39,17), dengue (x2 = 40,57), chagas
(x2 = 33,71), hepatite (x2 = 32,86), contato (x2 = 32,86), hiv (x2 = 27,95), sífilis (x2 = 26,02) e
sangue (x2 = 16,76).
Os profissionais de saúde, informantes deste estudo, construiu a partir de suas ideias e
convicções cognitivas, as concepções sobre as doenças negligenciadas tendo por base no
pensamento estrutural a correlação das doenças negligenciadas às doenças transmissíveis.
Nesta classe, as concepções sobre as doenças negligenciadas foram discutidas partindo da
premissa de que todas estas enfermidades constitui um grupo de doenças transmissíveis, que
por seu turno, possui características de endemicidade regional, transmissão por vetores e via
sexual, principalmente, e, além disto, tem-se as estratégias de enfrentamento apresentadas
como propostas inovadoras no controle, prevenção e tratamento destas morbidades.
As doenças são consideradas transmissíveis quando o bioagente (agente causador) tem
a capacidade de migrar de um organismo infectado para o sadio seja direta ou indiretamente
utilizando todos os seus componentes possíveis para se manter vivo. A expressão “doença
transmissível” é termo técnico de uso generalizado e definido pela Organização Pan-
Americana de Saúde – OPAS como qualquer doença causada por um agente infeccioso
específico, ou seus produtos tóxicos, que se manifesta pela transmissão deste agente ou de
seus produtos, de uma pessoa ou animal infectado ou de um reservatório a um hospedeiro
suscetível, direta ou indiretamente por meio de um hospedeiro intermediário, de natureza
vegetal ou animal, de um vetor ou do meio ambiente inanimado (DUARTE, 2012).
A expressão doença transmissível pode ser sintetizada como doença cujo agente
etiológico é vivo e é transmissível. São doenças transmissíveis aquelas em que o organismo
parasitante pode migrar do parasitado para o sadio, havendo ou não uma fase intermediária de
desenvolvimento no ambiente. Os profissionais de saúde emitiram suas convicções sobre os
conceitos de doenças transmissíveis correlacionando-as a ideia de contágio e os meios de
transmissão dos bioagentes.

[...] a doença transmissível é aquela que passa de uma pessoa pra outra, por várias
formas de contágio, sexual ou por vetores... bom as mais importantes no momento
são aquelas que trazem mais prejuízos pra população. (E 24, Técnico de
enfermagem, x2 = 423.80)

[...] é uma doença que você adquire passando de um ou através de um vetor ou


diretamente de uma pessoa para outra, de um inseto, de um animal para outro, de um
vetor inseto das transmissíveis. (E 05, Médico, x2 = 419.90)

[...] doenças transmissível pra mim... eu acredito que seja pode ser através de vetores
né ou também através do contato próximo, pessoa ou através de relações. (E 10,
Médico, x2 = 363.40)
116

[...] doença transmissível, é uma doença passível de ser transmitida, as doenças


transmissíveis, as mais importantes é a hepatite, é uma doença que eu considero
importante pelo fato de estar trabalhando com ela. (E 09, Médico, x2 = 318.98)

[...] doença transmissível é que transmite de um paciente para outro, diferente de


uma doença que tem um vetor, o vetor é um mosquito que pica um paciente doente e
transmite para este vetor, doença transmissível não. (E 08, Médico, x2 = 316.82)

[...] você tem que ter o contato de pessoa a pessoa, como a tuberculose é uma doença
transmissível que tem um período de transmissibilidade, se você tá eliminando o
bacilo você tem como transmitir, isso é uma doença transmissível. (E 08, Médico, x2
= 288.10)

A condição de transmissibilidade, apontada como principal característica destas


doenças, engloba também as concepções e definições evidenciadas na literatura sobre as
doenças negligenciadas, que por sua vez, são consideradas como doenças infectocontagiosas,
emergindo sua correlação junto ao pensamento psicossocial dos profissionais de saúde.
A OMS propôs recentemente a denominação “doenças negligenciadas” referindo-se
aquelas enfermidades, geralmente transmissíveis, que apresentam maior ocorrência nos países
em desenvolvimento, e “mais negligenciadas” exclusivas dos países em desenvolvimento. Em
uma época marcada pelas transformações tecnológicas, é contraditório abordar um assunto
que trata da ausência de tecnologias, pesquisa e inovação na área de saúde: doenças
negligenciadas, um grupo de afecções transmissíveis em sua maioria causada por protozoários
e transmitidas por vetores cujo tratamento é inexistente, precário ou desatualizado (OMS,
2012).
No processo de construção das representações socais de profissionais de saúde sobre
as doenças negligenciadas viu-se que existe uma correlação junto as definições e
conhecimentos sobre doenças transmissíveis, ou seja, a base de formação do conhecimento
sobre doenças negligenciadas encontra-se saberes e formas de conhecimento sobre as doenças
transmissíveis.
Esta correlação é plausível de compreensão pois as doenças negligenciadas são, em
primeiro lugar, doenças transmissíveis e recebem esta conotação por meio do termo
negligenciada a partir do posicionamento de diversas sujeitos do setor saúde, como
autoridades políticas e órgãos gestores de pouco interesse em evitar tais entidades mórbidas,
pois elas estão intimamente ligadas à pobreza extrema. Portanto, neste caminho de formação
desta classe percebeu-se incialmente as discussões sobre as definições, formas de transmissão
e impacto das doenças transmissíveis para a partir disto, exemplificar e demonstrar as doenças
negligenciadas.
117

[...] bom as doenças negligenciadas, já foram doenças, é aliás eu acho que sempre
foram negligenciadas, porque eu trabalho mesmo com o calazar e o glucantime e a
leishmaniose como um todo tanto a tegumentar quanto a visceral. (E 08, Médico, x2
= 304.79)

[...] eu acho que o grande grupo de patologias que são negligenciadas, são as
parasitoses porque até mesmo estas outras patologias, a hepatite, é uma doença
sexualmente transmissível, a aids é uma doença transmissível. (E 03, Médico, x2 =
279.27)

[...] acho que as doenças negligenciadas da região são as verminoses, as doenças


sexuais, a sífilis, a tuberculose, a hanseníase e principalmente, o câncer, tem muitos
casos e não vejo nenhuma campanha para evitar. (E 25, Técnico de enfermagem, x2
= 222.65)

[...] as doenças negligenciadas da nossa região são hanseníase, tuberculose, a própria


sífilis, calazar, leishmaniose tegumentar e esquistossomose, são estas as principais.
(E 02, Médico, x2 = 355.03)

[...] mas tem a leishmaniose, a cutânea e a visceral que é o calazar, tem a doença de
chagas, temos outras patologias e aqui a gente começou a trabalhar recentemente
que é as hepatites virais, que nós também temos uma certa endemicidade. (E 03,
Médico, x2 = 329.34)

[...] a frequência não é tão alta quanto as outras, mas existe sim na nossa região,
basicamente tem a tuberculose, que também é comum, mas as mais frequentes aqui
são essas esquistossomoses, leishmanioses a cutânea e a visceral, a doença de chagas
e as hepatites. (E 03, Médico, x2 = 327.71)

[...] não dar status tratar de tuberculose, de malária, de leishmaniose, sim eu esqueci
de falar da tuberculose como uma doença endêmica em nosso meio aliás em todo
Brasil, tá retornando principalmente com o hiv. (E 02, Médico, x2 = 217.83)

A construção desta dimensão imagética constituída pelas doenças transmissíveis e


negligenciadas sustenta-se nas práticas do processo de trabalho dos profissionais de saúde,
uma vez que, suas imagens são baseadas na vivência cotidiana com estas morbidades,
portanto, as doenças citadas no discurso destes sujeitos são oriundas do seu contato contínuo
durante a realização de suas atividades laborais. Neste sentido, faz-se necessário somente
diferenciar das doenças que foram citadas, aquelas que são consideradas negligenciadas pelas
instituições internacionais, a saber: leishmanioses, visceral e tegumentar; a doenças de
Chagas; a tuberculose; a hanseníase e a esquistossomose, que são, por sua vez, justamente as
doenças endêmicas na região de realização deste estudo.
Ainda compondo a dimensão imagética das representações sociais dos profissionais de
saúde encontram-se as doenças que, apesar de serem apontadas como negligenciadas por estes
sujeitos, não fazem parte do quadro de doenças negligenciadas da OMS, são elas: câncer; a
aids; as hepatites e a sífilis. Acredita-se que estas enfermidades estão no imaginário social dos
profissionais de saúde, pois fazem parte do seu processo de trabalho e constituem o
118

imaginário social de outros grupos sociais que atribuem as doenças transmissíveis


exclusivamente às formas sexualmente transmissíveis.
Os profissionais de saúde que participaram deste estudo atuam nos serviços da atenção
primária e também na atenção secundária à saúde, e portanto, realizam práticas voltadas para
o cuidado de diversas doenças transmissíveis, inclusive as doenças negligenciadas. Nesta
classe percebe-se que as doenças citadas como exemplo são aquelas que constituem o campo
de atuação destes profissionais como as leishmanioses visceral e tegumentar, a
esquistossomose, a hanseníase, tuberculose, as infecções sexualmente transmissíveis, sífilis,
hepatites, hiv e aids.

[...] as doenças transmissíveis aqui, que é uma zona endêmica, eu trabalho com
leishmaniose, principalmente o calazar que é a leishmaniose visceral e também
trabalho com a leishmaniose tegumentar, esquistossomose também, é uma zona
endêmica. (E 02, Médico, x2 = 472.99)

[...] doenças transmissíveis pra mim, a principal infecção é a principal doença


infecciosa seria a síndrome da imunodeficiência adquirida, causada pelo vírus da
imunodeficiência humana, a aids. (E 07, Médico, x2 = 327.32)

[...] as doenças que conheço nesta região são sífilis, o hiv, a hepatite b, as pessoas
nem sempre chegam com diagnóstico, elas vem com os sintomas, penso que as
pessoas adquirem estas doenças transmissíveis devido à prostituição. (E 21, Técnico
de enfermagem, x2 = 355.35)

Nas definições construídas pelos profissionais de saúde, a partir de suas convicções,


sobre doenças transmissíveis constatou-se a presença da ideia de transmissibilidade e os
meios pelos quais os bioagentes são propagados entre a população. Viu-se nesta construção
psicossocial que as doenças são transmitidas principalmente pela presença de um vetor.

[...] porque todas as doenças que eu citei são transmissíveis por vetores, então se
você elimina o vetor, consequentemente você está eliminando estas doenças, todos
os vetores, tanto os mosquitos que são as doenças leishmaniose e o zika e a dengue,
como o próprio caramujo da esquistossomose. (E 02, Médico, x2 = 533.60)

[...] e a ignorância, a falta de conhecimento das doenças que são transmissíveis


através de vetores como no caso da leishmaniose, também quer tratar o cão e o gato,
os principais fontes de transmissibilidade, então o básico é esse. (E 05, Médico, x2 =
485.27)

[...] você veja, as doenças vetoriais a gente vê aí, dengue, chikungunya e zika,
leishmaniose tegumentar e visceral, estas doenças o governo, mesmo o governo
investindo muito dinheiro mas. (E 07, Médico, x2 = 332.55)

As doenças negligenciadas são o conjunto de doenças causadas por agentes


infectoparasitários que produzem importante dano físico, cognitivo e socioeconômico em
119

crianças e adolescentes, principalmente, em comunidades de baixa renda. (MATHERS et. al.


2012). Refere-se às “doenças negligenciadas” como doenças infecciosas de grande impor-
tância na saúde pública que deixaram de receber atenção adequada por parte da ciência como
um todo (LEVI, 2015).
As definições abordadas remetem a causalidade e características das doenças
consideradas negligenciadas, ao tempo em que reflete a ideia de determinismo geográfico ao
utilizar o termo tropical. No que diz respeito à causalidade, os autores apresentam a interface
entre os aspectos biológico (agentes infectoparasitários) e social (atingem população de baixa
renda), ou seja, as doenças são fortemente ligadas a um agente biológico infeccioso que se
desenvolve a partir das condições sociais que englobam a população vulnerável. Isto nos
permite afirmar que as doenças possuem causas complexas e dependem além da postura
individual, da participação coletiva da sociedade (indivíduos, gestores, profissionais de saúde)
para mediar ações eficazes para o controle, prevenção e tratamento.
Nestas descrições sobre a participação do vetor na transmissibilidade das doenças
foram apresentadas também possíveis estratégias de combate como o controle do vetor, e a
participação do governo por meio de investimentos no setor saúde e na educação da
população. O Ministério da Saúde elaborou e implantou a campanha nacional de Hanseníase,
Verminoses e Tracoma em 2011, de caráter inovador, é realizada uma grande campanha com
ações educativas para a detecção de casos no ambiente escolar como foco em alunos de 5 a 14
anos. Este plano envolve cerca de 800 municípios e 3,3 milhões de escolares. No ano de 2015,
foi incluída a esquistossomose dentre as doenças que fazem parte da campanha. Os resultados
da campanha em 2014 foram de 427 casos diagnosticados de hanseníase, 4.754.092 escolares
tratados para a verminose e 25.173 casos diagnosticados com tracoma (BRASIL,2015a;
SILVA JUNIOR, 2014).
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) tem um papel fundamental na prevenção,
controle e tratamento das doenças negligenciadas, além de ser líder de pesquisas na área.
Desde a década de 1950, a Fiocruz Pernambuco se dedica ao estudo de doenças como a
filariose linfática, esquistossomose, leishmaniose, peste, doença de Chagas e tuberculose
(FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ, 2013).
No que diz respeito a utilização da educação como fator colaborativo no enfretamento
das doenças negligenciadas, como posto nas concepções dos profissionais de saúde sobre
estas morbidades, entende-se que a interação do conhecimento científico ao conhecimento
popular produz novos saberes e condiciona os profissionais de saúde e os indivíduos a
120

autonomia no cuidado e no autocuidado em busca da integralidade da saúde e diminuição


destas entidades mórbidas.
A Educação Popular é compreendida como perspectiva teórica orientada para a prática
educativa e o trabalho social emancipatórios, intencionalmente direcionada à promoção da
autonomia das pessoas, à formação da consciência crítica, à cidadania participativa e à
superação das desigualdades sociais. A cultura popular é valorizada pelo respeito às
iniciativas, ideias, sentimentos e interesses de todas as pessoas, bem como na inclusão de tais
elementos como fios condutores do processo de construção do trabalho e da formação
(BRASIL, 2012).
Outro meio de transmissão, largamente difundido no pensamento dos profissionais de
saúde, é a via sexual, e muitas vezes atribuiu-se as doenças transmissíveis exclusivamente a
esta forma de transmissão, significando que este componente sexual está intimamente
enraizado na memória social e provoca inicialmente uma correlação imediata entre as doenças
transmissíveis e as infecções sexualmente transmissíveis.

[...] mas quando a gente pensa em doenças transmissíveis, a gente automaticamente


pensa em doenças sexualmente transmissíveis e na verdade assim, a gente sabe e é
perceptível que houve um aumento bem crescente com relação as doenças
transmissíveis tanto sexuais. (E 15, Enfermeiro, x2 = 309.44)

[...] tem várias outras, a hanseníase, a tuberculose, a dengue, a sífilis acho que
quando a gente pensa doenças transmissível, lembra logo das doenças sexuais as
pessoas apesar de ter um bocado de informação . (E 25, Técnico de enfermagem, x2
= 354.06)

Como estratégia de combate às doenças transmissíveis e negligenciadas, os


profissionais apontaram a consolidação do tratamento medicamentoso como uma medida
preventiva, ou seja, se o indivíduo trata a doença com as medicações adequadas a
possibilidade de transmissão diminui e, desta forma haverá uma prevenção na incidência das
destas enfermidades.

[...] isso, principalmente nas doenças sexualmente transmissíveis, tem vetores


aéreos, os mosquitos se você trata, você tá reduzindo o número de pacientes que vão
contaminar estes vetores, então uma das formas também de fazer prevenção é tratar.
(E 03, Médico, x2 = 341.88)

As primeiras ações do Ministério da Saúde com relação às doenças negligenciadas


foram lançadas no ano de 2003. No mesmo ano, foi lançando o primeiro edital temático sobre
a tuberculose, em 2004 sobre a dengue e em 2005 sobre a hanseníase. No ano de 2006 foi
121

realizada a primeira oficina de prioridades em doenças negligenciadas e o lançamento do


primeiro Programa de Pesquisa e Desenvolvimento em Doenças Negligenciadas no Brasil,
editais foram lançados por meio desse programa e 140 projetos já foram financiados. Dados
demográficos, epidemiológicos e o impacto que essas doenças causam foram importantes para
se definir as sete doenças prioritárias que compõe o programa: hanseníase, malária,
esquistossomose, tuberculose, leishmaniose, dengue e doença de Chagas (BRASIL, 2010).
No ano de 2011, o Ministério da Saúde lançou o documento “Plano integrado de ações
estratégicas de eliminação da hanseníase, filariose, esquistossomose, oncocercose como
problema de saúde pública, tracoma como causa de cegueira e controle das geohelmintíases”
Esse é um plano de ação de 2011- 2015, e tem como objetivo fortalecer a resposta a um grupo
de doenças que tiveram resultados considerados inaceitáveis e incompatíveis com a
capacidade do SUS de resolutividade de problemas de saúde. Há um compromisso do
governo brasileiro de reduzir drasticamente a carga desses agravos ou eliminá-las (BRASIL,
2013).
Com estas iniciativas vê-se que as estratégias de enfrentamento as doenças
negligenciadas não são, exclusivamente, voltadas para o tratamento medicamentoso, mas
constitui-se de uma série de atividades conjuntas que viabilizam a possibilidade de eliminação
destas enfermidades, não descartando o uso do medicamento, haja vista a sua colaboração na
quebra do ciclo de transmissão.
O tratamento medicamentoso, por sua vez, faz parte de um conjunto maior de
possíveis ações de eliminação das doenças negligenciadas. Para a OMS (2013), o uso da
medicação preventiva compreende uma das cinco estratégias utilizadas para combater estas
enfermidades. A medicação preventiva, desenvolvida pela OMS para controlar a morbidade
em populações em risco de infecção ou doença, depende de uma distribuição em larga escala
de medicamentos de qualidade, testados quanto à segurança. A medicação preventiva é a
principal intervenção para o controle de filariose linfática, oncocercose, esquistossomose e
helmintíases transmitidas pelo solo. Esta intervenção contribui para o controle de tracoma e,
dependendo da escolha da medicação, alivia estrongiloidíase, sarna e piolhos.
Com todas estas sugestões de controle eliminação das doenças negligenciadas, vê-se
da sua importância no cenário epidemiológico mundial e seu impacto social na qualidade de
vida das pessoas, portanto, os profissionais de saúde apontaram em seus discursos, o impacto
destas morbidades na inserção social, e na capacidade de resiliência e autoestima do indivíduo
frente as mazelas trazidas por estas enfermidades, tanto no campo físico e biológico quanto no
campo cognitivo.
122

[...] o hiv, acho que é uma doença importante porque ela mexe com a autoestima da
pessoa e com a sua inserção no meio social, hepatite também é uma doença
transmissível e a importância a mesma coisa é a autoestima a inserção no meio
social o que mais. (E 25, Técnico de enfermagem, x2 = 310.68)

[...] hiv, tuberculose, a sífilis, principalmente na gestação, e temos também


leishmaniose e esquistossomose, mas na minha área não é muito frequente, as
doenças infecciosas tem um componente social muito forte uma ligação com a
pobreza e com a ignorância seja formal ou informal. (E 04, Médico, x2 = 296.01)

O estudo epidemiológico das doenças negligenciadas apresenta o panorama endêmico


e o impacto negativo destas enfermidades na qualidade de vida das pessoas e ainda evidencia
a realidade do sistema de saúde, no que diz respeito a sua resolutividade, ao expor a situação
endêmica no país, principalmente nas localidades interioranas. De acordo com a OMS, como
já visto, tem-se 17 doenças consideradas negligenciadas no mundo, frequentes em 2,7 bilhões
das pessoas, atingindo as mais pobres do mundo que vivem com menos de US$2 por dia
(WHO, 2013).
Neste relatório foram apresentadas as 17 doenças priorizadas pela OMS descrevendo
suas características, inclusive, o perfil epidemiológico mundial apontando à gravidade do
impacto negativo econômico e social as populações acometidas sendo evidenciados pelos
anos de vida perdidos, pelos danos físicos aos vulneráveis, principalmente crianças e adultos
jovens e ainda pelas incapacidades e sequelas nos indivíduos portadores destas enfermidades
que tiveram consequência em sua produção e autonomia nas atividades cotidianas.
Pode-se ver, como exemplo das doenças negligenciadas, o impacto da tuberculose,
tanto epidemiológico, quanto social. No Brasil, ocorreu redução de 22,7% no número de casos
novos de tuberculose notificados em 2016 (66.796 casos; 32,4 /100.000 habitantes) quando
comparado com 1981 (86.411; 71,3/100.000 habitantes). Contudo, esta queda não foi linear,
em parte devido ao recrudescimento desta doença no curso da epidemia de aids e das
dificuldades para detecção e tratamento de todos os casos, de modo que nos anos 1990 a
incidência ainda se manteve elevada, variando de 58,4 a 49,3/100.000 habitantes (1995 e
1994, respectivamente). No que se refere à mortalidade, enquanto em 1998 ocorreram 6.029
óbitos (3,7/100.000 habitantes), em 2015 foram registrados 4.543 óbitos (2,2/100.000
habitantes), redução em torno de 40% (TEIXEIRA, et.al. 2018).
O impacto das doenças tropicais negligenciadas é acentuado pela capacidade de
cuidados em saúde inadequados ou ausentes, especialmente porque muitas destas doenças
estão associadas com doenças crônicas e também são agravadas pela detecção ineficaz, más
123

condições ambientais, rápida urbanização, deficiências de saúde pública e a pobreza (OMS,


2013).
A pobreza, em particular, é um determinante social chave do descontrole da
propagação das doenças tropicais negligenciadas e pode levar à redução da produtividade
econômica devido à incapacidade a longo prazo e a morbidades, questões de saúde materno-
fetal e materno-infantil, e outros desafios relacionados com a saúde (OMS, 2010; LIESE;
ROSENBERG; SCHRATZ, 2010; HOTEZ; PECOUL, 2010).
O impacto, portanto, é desastroso em ambientes pobres sem recursos e tem sido
associado com perturbações sociais mais amplas, incluindo a instabilidade política, conflitos
civis e desestabilização das comunidades locais (HOTEZ; PECOUL, 2010).
Consequentemente, dado que os países desenvolvidos têm relativamente baixa transmissão de
doenças tropicais, isso resulta na caracterização em doenças negligenciadas, afetando os mais
pobres e mais vulneráveis (LIESE; ROSENBERG; SCHRATZ, 2010).
Entende-se que nesta classe oportunizou-se discutir as concepções, definições das
doenças negligenciadas e suas influencias sobre as práticas cotidianas dos profissionais de
saúde ao elencar as formas de transmissão destas enfermidades, como a transmissão por
vetores e a via sexual; ao discutir dentro destas convicções as estratégias de enfrentamento
das doenças como a educação popular, a medicação preventiva; o impacto epidemiológico e
social destes agravos e, por fim, consolidar em suas concepções a dimensão imagética das
representações sociais ao identificar as principais doenças consideradas negligenciadas e que
sobretudo fazem parte da endemicidade local.

Subeixo 1.1: Aspectos individuais, sociais e coletivos no surgimento e manutenção das


doenças negligenciadas

O subeixo 1.1, englobou as classes 02 e 01, na subdivisão do software utilizado, cujos


significados refletiram os saberes e conhecimentos dos profissionais de saúde a respeito das
causas das doenças negligenciadas, desde o nível individual até as concepções coletivas que
emergiram nas discussões das referidas classes.

3.3.1.2 Classe 02: Do individual ao coletivo no contexto das doenças negligenciadas: saberes,
práticas

A classe 2 foi organizada ao redor de 145 UCEs, o que equivale a 13,9% de todo o
material analisado. As palavras e formas reduzidas que a compuseram foram: indivíduo (x2 =
124

47,64), conhecer (x2 = 44,95), população (x2 = 28,71), perfil (x2 = 25,14), epidemiológico (x2 =
24,3), negligenciar (x2 = 22,62), sociedade (x2 = 22,2), ignorância (x2 = 20,5), econômico (x2 =
19,48) e gestão (x2 = 11,01). Esta classe aborda questões relacionadas ao surgimento, ao
crescimento e ao combate às doenças negligenciadas, nos diferentes âmbitos, o individual, o
social e o governamental, configurando as diferentes facetas que formam as representações
sociais destas entidades mórbidas.
Os sujeitos apontam, de maneira importante, uma dimensão individual que se
encontra, segundo sua discursividade, na origem e no surgimento das doenças negligenciadas
nas histórias das pessoas.

[...] ele passa a se preocupar com a saúde dele, mas ainda assim, eles negligenciam
porque começam a utilizar mecanismo de culto ao corpo, que são maléficos pra sua
saúde, porque eles veem só o lado que lhe satisfaz, que é o prazer. (E 03, Médico,
x2= 133,31)

Há, neste trecho do discurso do sujeito, uma importante relação estabelecida entre a
manutenção da saúde e as práticas que parecem se relacionar à uma conformação e
manutenção estética do corpo, por um lado, e a busca pelo prazer, por outro. Deve-se destacar
que no seio das representações dos sujeitos da pesquisa há uma preocupação com saúde que
passa a ser negligenciada em função de um objetivo estético ou relativos à sensação de bem-
estar. Chama a atenção esta polarização, especialmente quando se trata de doenças
negligenciadas que possui íntima relação com as condições sociais, estruturais e culturais.
A percepção do indivíduo sobre sua imagem corporal constitui elemento fundamental
para a compreensão das representações subjetivas do corpo. O estudo da imagem corporal
constitui importante foco de interesse por parte de diversos estudiosos (Davison & McCabe,
2006; Galindo & Carvalho, 2007; Schilder, 1999; Tavares, 2003). Para Schilder (1999), a
imagem corporal é a representação mental que um indivíduo tem do seu corpo. Tal
representação integra os níveis físico, emocional e mental em cada ser humano, com respeito
à percepção do próprio corpo. Davison e McCabe (2006) definem imagem corporal como
uma representação mental que os indivíduos têm a respeito do tamanho e da forma do corpo,
que se constitui pela influência de fatores históricos, culturais, sociais, individuais e
biológicos; e, assim como Schilder (1999), esses autores consideram que, além da percepção,
estão implicados na formação da imagem corporal aspectos cognitivos, afetivos e da conduta
(CAMARGO, 2011).
Por conta desta imagem corporal constituída pelo pensamento do indivíduo que surge
a polarização entre a saúde como manutenção da estética e a saúde como prazer, pois estes
125

sentimentos são imbuídos de convicções culturais que, por seu turno, definem as práticas de
cuidado e autocuidado.
Nesta dimensão individual ganha destaque a não ação da pessoa sobre o processo
saúde-doença, explicado pela ignorância ou pelo não conhecimento:

[...] a doença negligenciada é aquela não atendida no seu devido momento. A doença
negligenciada que acontece aqui na região é a tuberculose, mas ela é negligenciada
pelo próprio cliente, talvez pela ignorância, por não conhecer. (E 21, Técnico de
enfermagem, x2= 149,27)

Há, neste caso, um aspecto temporal em que a ação em um determinado momento


poderia impedir o aparecimento ou o desenvolvimento da doença, devendo-se ressaltar então,
que a definição de negligência, neste caso, é exatamente a inação em face do aparecimento
dos primeiros sinais e sintomas ou o seu não atendimento no devido momento. A tuberculose
aparece na discursividade dos sujeitos como o exemplo da doença negligenciada endêmica na
região. Na esteira desta negligência considerada mais individualizada, há uma construção
simbólica de não cuidado de forma adequada:

[...] você usar o nome negligenciada é exatamente assim, quando você sabe que
aquela patologia é algo que pode ser muito maléfico para o indivíduo e que você de
forma consciente está, não está cuidando da forma adequada. (E 03, Médico, x2=
153,29)

A presença da tensão entre a ciência da capacidade de danos de uma doença e o


cuidado adequado em seu enfrentamento mostra-se como um desafio que deve ser enfrentado.
O não cuidado de forma adequado é que se configura como o aspecto negligenciado, em uma
compreensão também na dimensão individual da compreensão. Na mesma esteira de uma
atitude de negligência com a própria saúde, os sujeitos apresentam uma explicação para a
situação que é a condição de ignorância, base para a referida atitude.

[...] porque não adianta o setor público cuidar da área externa se você, em sua
residência, em seu jardim, não tiver este cuidado. Então esta ignorância é algo
crucial, mas se talvez houvesse uma mobilização maior. (E 03, Médico, x 2= 138,24)

A relação entre as ações do poder público e aquelas levadas a cabo por cada pessoa no
espaço de sua propriedade ou domínio, configura-se como uma questão importante no
combate a todas as doenças, mas ganha ainda maior valor quando se trabalha com as doenças
infecciosas, de um modo geral, e as negligenciadas, em particular. Isto se dá em função de sua
possibilidade de contágio, por um lado, e sua característica de atingir as camadas mais
126

empobrecidas da população, por outro, que, como consequência, possuem menos recursos
estruturais, menor aporte financeiro e tende a apresentar menor organização social para fazer
frente aos embates e desafios.
Outra questão destacada pelos sujeitos é a de que as doenças negligenciadas são
doenças do outro e que não é possível acontecer com a própria pessoa.

[...] as pessoas ainda continuam adoecendo por estas doenças porque elas são
vulneráveis mesmo, por não acreditar que vai acontecer com ele, por ignorância. (E
11, Enfermeiro, x2= 127,15)

Torna importante realizar uma parada neste momento para discutir algumas questões
presentes na discursividade dos sujeitos. A primeira é a concepção de um estado de
vulnerabilidade, em que há uma exposição e a possibilidade de contágio, mesmo que esta não
seja a crença dos envolvidos nesta cadeia epidemiológica. Neste caso, a própria
vulnerabilidade é a existência e a permanência da crença em uma certa “imunidade”, embora
não haja uma especificação da origem desta proteção, como pode ser denominada.
Isto ocorre em várias situações de adoecimento, tem-se por exemplo no contexto da
aids como sendo uma doença do outro e que a pessoa, por não pertencer a um grupo de risco,
considera-se imune a infecção do hiv. A ideia da aids como sendo uma doença do “outro” foi
pesquisada em vários estudos. No estudo de Marins (2015) o “outro” aparece como mais
vulnerável a contrair e algumas mulheres entrevistadas se encontram supostamente
protegidas. O “outro” se contamina se comportando de tal maneira justificando esta
contaminação. Em muitos casos não existe a preocupação com a aids e isso está ligado a um
código moral, no qual o casamento parece garantir “imunidade” à doença. É um sistema
classificatório que estabelece os limites claros dos que podem ter aids, ou seja, pessoas
promíscuas, com comportamentos desviados e com vida desregrada e dos que não podem,
incluindo-se mulheres com somente um parceiro, onde o amor está presente.
A segunda é que a base e a causa da referida vulnerabilidade no caso dos usuários,
para as representações sociais dos sujeitos, refere-se à ignorância das pessoas com relação às
doenças e ao seu comportamento epidemiológico.
É muito difícil saber o que ignoramos, mas é certo que, assim como o conhecimento, a
ignorância é socialmente construída. De acordo com Proctor (2015), a ignorância é produzida
por meio de mecanismos como: negligência deliberada ou inadvertida (‘sem querer’),
supressão ou sigilo, destruição documental, tradição inquestionada ou uma miríade de formas
de seletividade político-cultural inerente (ou evitáveis). Assim sendo, da mesma maneira que
127

se produz conhecimento em saúde, seja por intermédio de estudos acadêmicos, seja por meio
das ações governamentais, escolares, midiáticas de educação em saúde ou, até mesmo, por
divulgação publicitária, se dá a produção de ignorância (e negligência) pelas mesmas
instâncias. Pode ser passivamente construída – quando se foca determinado ‘lado’ da questão
e se obscurece outro aspecto da mesma – ou ativamente construída, quando se tenta confundir
ou enviesar as evidências de determinado efeito na saúde de um certo medicamento
(CAVACA; SILVA, 2015).
Desta maneira a ignorância, a ausência de saberes e conhecimentos implica no
aumento da vulnerabilidade dos indivíduos frente as doenças negligenciadas, ou seja, quanto
menos informações o indivíduo possui sobre as formas de transmissão e aspectos clínicos das
enfermidades maior é a probabilidade de torna-se portador de um dos bioagentes causadores
destas doenças.
A ignorância apresenta-se mais especificada no aprofundamento do assunto pelos
sujeitos, especialmente quando ela toma concretude, no contexto da discursividade, como
falta de conhecimento, com ênfase no processo educativo não formal.

[...] não necessariamente pela educação formal do indivíduo saber especificamente


todo o ciclo do parasito, mas se ele soubesse o básico do que é se manter saudável,
talvez isso já ajudasse. E conhecer também um pouco deste ciclo pra saber como é
que se contrai esta patologia. (E 03, Médico, x2= 155,18)

Além da ignorância já pontuada na fala anterior e que será citada novamente na


exposta a seguir, pode-se observar a falta de informação, intimamente relacionada à própria
ignorância, e a falta de recursos, que parece estar associada aos investimentos públicos. Para
os sujeitos, a dimensão geográfica do país é outro complicador, assim como a necessidade de
maior seriedade e interesse dos governantes.

[Doenças] negligenciadas nós temos muitas neste país, porque a ignorância e a falta
de informação e de recursos são muito grandes. É um país grande também e, às
vezes, não é tão fácil resolver assim também, mas precisa de seriedade e de interesse
maior dos governantes pra resolver isso. (E 05, Médico, x2= 119,49)

Ao compreender que o processo do adoecimento implica numa construção


multifatorial desde a dimensão individual à social, entende-se que o círculo vicioso da
pobreza produz a ignorância, a falta de conhecimentos sobre as práticas saudáveis e de
cuidado tanto individual quanto coletivamente. Estes fatores condicionam o indivíduo a uma
128

vulnerabilidade diante das doenças, principalmente, as negligenciadas, pela falta de


investimentos governamentais e pouca visibilidade social.
Ao mesmo tempo em que se compreende a negligência como ignorância, tanto em
uma dimensão conceitual das doenças negligenciadas, quanto na concepção de sua origem e
permanência nas histórias pessoais e nos grupos sociais, há também um processo de
naturalização que os sujeitos apontam na forma como os usuários representam o processo de
adoecimento por estas entidades mórbidas:

[...] o indivíduo, ele, ás vezes não tem nem ideia de que isto é uma doença
negligenciada, ele não tem ideia disto. Ele acha que tem uma doença que todo
mundo da comunidade em volta tem, por exemplo. (E 02, Médico, x2= 137,02)

Como pontuado, há um processo de naturalização dos sinais e sintomas das doenças


negligenciadas, bem como de sua instalação orgânica, em função da falta de informação. A
naturalização destas doenças se dá em um processo de familiarização do grupo social na
convivência histórica com a presença de pessoas que as possuem no meio social. Ao longo da
coleta de dados, foram observados outros depoimentos em que esta naturalização se fez
presente, até mesmo como identidade social. Neste contexto, destaca-se a situação em que a
Leishmaniose tegumentar é endêmica e a pessoa que não possui a lesão cutânea é classificada
como “diferente” e com risco de ser reconhecida como não pertencente ao grupo no qual se
insere, inclusive o familiar.
Os profissionais apresentam a referência a uma especificidade de conhecimento para
se trabalhar com as doenças negligenciadas e que aqueles que não a possuem, tem
dificuldades para implementar as suas atividades.

[...] por exemplo, você tem profissionais que vem de outro país ou você tem
profissionais que vem de outra região do próprio Brasil, eles não conhecem as
doenças endêmicas, então é complicado pra eles darem o diagnóstico daquelas
patologias. (E 053, Médico, x2= 139,10)

Com vistas ao desenvolvimento de um trabalho cada vez melhor, e até mesmo pela
consideração presente no trecho discursivo exposto no parágrafo anterior, torna-se necessário
o desenvolvimento de atividades de aperfeiçoamento ao longo da vida profissional,
especialmente quando esta linha de pensamento é acompanhada de uma crítica ao processo de
formação.
[...] acredito que se os nossos trabalhadores de saúde tivessem melhor treinamento,
melhor conhecimento, poderiam primeiro resolver o problema de forma adequada e
129

no tempo adequado, reduzindo a quantidade de problemas na sociedade por


consequência do descaso. (E 08, Médico, x2= 125,70)

[...] isso se dá pela cultura e crença que aquele indivíduo está inserido, contribuindo
assim para o seu adoecimento ou cura. Já o profissional tem a obrigação de ter uma
formação adequada, vemos, infelizmente, que a formação está muito deficiente na
maioria dos setores do sistema. (E 04, Médico, x2= 129,58)

Forma e tempo adequados de tratamento das doenças negligenciadas são, para os


sujeitos, consequência de um processo de formação permanente ou próprio conhecimento em
si, o que terminaria por reduzir os problemas que são decorrentes do descaso dos próprios
profissionais ou do sistema. Deve-se ressaltar que, se por um lado, o maior nível de
conhecimento possui impacto direto na atuação profissional e nos comportamentos e atitudes
adotados por eles, por outro, torna-se importante problematizar que o conhecimento é um
componente fundamental e importante neste mecanismo, mas existem outros que devem ser
considerados, como a ética, as habilidades técnico-manuais, as habilidades sociais e
interpessoais e o envolvimento destes atores socais com o funcionamento do sistema de
saúde.
[...] estas doenças ainda existem porque não existe um olhar adequado da gestão
para esta questão, porque se houvesse, não seria tão difícil ajudar. É falta de
interesse e descaso com o pobre. (E 05, Médico, x2= 119,49)

[...] então, tudo depende da população, do que a população pressiona esses


dirigentes. Existe negligência sim por parte dos gestores públicos, até mesmo
profissionais que conhecem, que são da área de saúde, a gente vê eles
negligenciarem essas doenças. (E 05, Médico, x2= 119,49)

Para além da inclusão dos usuários e dos profissionais no contexto das representações
sociais acerca das doenças negligenciadas, os gestores e os dirigentes da área da saúde são
incluídos como responsáveis pela negligência com relação a estas doenças, embora não haja
uma especificação do nível ou do tipo de inserção deste ator social. Os processos de gestão e
o papel dos que possuem liderança no sistema de saúde possuem aspecto fundamental no
contexto das doenças negligenciadas, já que estas estão intimamente relacionadas à não ação
acerca das condições que a geram e que as mantém ao longo do tempo em uma determinada
população ou comunidade.
A responsabilidade governamental também é apontada pelos sujeitos, alargando a
abrangência desta dimensão da gestão:

[...] infelizmente a nossa cidade ainda não tem uma preocupação com um sistema de
saúde resolutivo e as condições econômicas ainda são precárias para a maioria da
população, uma cidade que tem diversos cursos, inclusive na área da saúde, merecia
130

um perfil epidemiológico mais controlado em relação a estas doenças tão antigas. (E


18, Enfermeiro, x2= 216,46)

[...] mas se por outro lado, o governo compra estes produtos pra distribuir, ele
também não tem muito interesse em educar a população, então é uma situação muito
complexa pra você resolver e tem, muitas vezes, a própria ignorância da população
que não acredita que um simples parasita pode levar ele a morte. (E 03, Médico, x2=
153,86)

[...] acredito que gastamos muito em algumas áreas que não se conquista uma
efetividade adequada, acabando atrapalhando a totalidade do sistema, gerando um
sistema caro, que não resolve os principais problemas da população. (E 08, Médico,
x2= 130,29)

As cidades não possuírem um sistema de saúde resolutivo, os poderes governamentais


não investirem em um processo educativo de qualidade e o não equilíbrio na prioridade de
investimento pelos gestores do sistema de saúde são algumas das questões pontuadas pelo
descaso que gera a possibilidade da existência e do crescimento epidemiológico, bem como a
endemicidade de algumas patologias. Ao se considerar que se trata de doenças relacionadas à
pobreza, à má alimentação, às condições de moradia e ao não investimento pelos setores
públicos e privados, os sujeitos elencam fatores que estão na base do fenômeno destas
entidades. Os sujeitos apontam, então, as consequências deste processo:

[...] apesar da gente conhecer muito, é negligenciada porque a gente não tem uma
rede de assistência boa pra tratar o indivíduo. Então, eu entendo a questão da doença
negligenciada, por isso que coloquei o sofrimento também por causa disso. (E 20,
Médico, x2= 162,11)

A gestão e a gerência dos sistemas de saúde implicam diretamente em sua


organização, planejamento e otimização de recursos financeiros visando qualificar os serviços
oferecidos e atender efetivamente as necessidades da população. Sabe-se que, por meio da
implantação do SUS, o município obteve o protagonismo na gestão em saúde, uma vez que,
passou a ter autonomia administrativa e financeira garantida pelas leis orgânicas da saúde, Lei
8.080/90 e a Lei 8.142/90, determinado em sua esfera, o plano de saúde, inclusive com a
participação popular.
Com tudo isso, a frase “é no município que a saúde acontece”, torna-se emblemática
no sentido de fortalecer a gestão dos serviços municipais na busca da resolução dos problemas
de saúde da localidade. Desta maneira, quando o município estabelece um planejamento
estratégico, com uma gestão participativa e eficiente, tem-se a oportunidade de elevar os
níveis de qualidade de vida da população e por conseguinte, combater as doenças endêmicas,
que são também negligenciadas na região.
131

As doenças negligenciadas são vistas como um objeto de trabalho que requer atenção
ao perfil epidemiológico da comunidade, de maneira a atender, no modo e no tempo
necessários, às demandas individuais, mas também no planejamento de ações que possuem
amplitude e alcance coletivos:

[...] meu perfil epidemiológico é completamente diferente do perfil daqui do lado,


então a gente realmente trabalha de maneira diferenciada, cada comunidade tem as
suas peculiaridades e se a gente trabalhar com relação a isso, eu acho bem efetivo.
(E 15, Enfermeiro, x2= 130,39)

O conhecimento e o atendimento às especificidades de uma determinada comunidade


se fazem presentes no discurso por questões especificamente ligadas à saúde e ao seu sistema,
mas também ao aprofundamento das características sociais e culturais que a constituem:

[...] a nossa região é muito pobre ainda, e isso está relacionado com estas doenças. A
condição econômica da população e a ignorância dizem muito sobre os tipos de
doenças que os afligem. (E 06, Médico, x2= 115,31)

[...] eu acredito que a pobreza facilita muito. A educação...porque ainda tem a


cultura de que não deve procurar uma unidade de saúde, eu falo da região de Jequié
e geral. (E 14, Enfermeiro, x2= 110,71)

A tríade pobreza, ignorância e aspectos culturais são apontados como fatores que
interferem negativamente na incidência e na relação que se tem com as doenças
negligenciadas. Pode-se observar que a pobreza forma uma díade com a ignorância, como
base para a sua existência, assim como compõem uma segunda com uma forma específica de
cultura, que impede as pessoas de procurarem as unidades de saúde para realizarem seus
respectivos tratamentos. A pobreza e as condições sociais caracterizam-se por ser raízes e
infraestruturas, enquanto a ignorância e a cultura se relacionam à superestrutura ou tronco e
copa, configurando-se como uma estrutura que alimenta o aumento da incidência das doenças
negligenciadas.
Esta classe aborda as doenças negligenciadas desde a sua dimensão individual, quando
os sujeitos, profissionais de saúde, falam das práticas, saberes e atitudes dos usuários,
chegando à dimensão coletiva, perpassando os aspectos ligados à pobreza e à cultura dos
usuários, os saberes e as práticas dos profissionais de saúde, as decisões e encaminhamentos
dos gestores das unidades e sistemas de saúde e chegando ao próprio poder governamental.
132

3.3.1.3 Classe 01: Causas das doenças negligenciadas: da dimensão individual a dimensão
social

Esta classe apresenta 158 UCEs, o que significa o envolvimento de 15,5% do material
analisado utilizado pelo software para a construção da análise. Em sua constituição podem ser
observadas as seguintes palavras: descaso (x2 = 140,59), educação (x2 = 135,15), político (x2 =
89,6), ignorância (x2 = 79,57), interesse (x2 = 73,79), saúde (x2 = 69,98), doença (x2 = 63,67),
investimento (x2 = 62,13), pobreza (x2 = 57,23), descuido (x2 = 56,55), causa (x2 = 50,72),
profissional (x2 = 49,72) e gestor (x2 = 45,28).
O conjunto de fatores que englobam as dimensões individual, social e ambiental
provoca a incidência e perpetuação destas doenças negligenciadas no mundo evidenciando a
necessidade de estratégias de enfrentamento, uma vez que, a maioria destas enfermidades
podem ser evitadas e por um custo relativamente baixo. Nesta classe os profissionais de saúde
elencaram as causas, as características e as estratégias de combate às doenças negligenciadas
na região onde realizamos este estudo, por isso, passaremos a discutir cada item dando ênfase
a relação do pensamento psicossocial e as possíveis práticas dos profissionais de saúde
voltadas para a prevenção, promoção e reabilitação da saúde desta população afligida por
estas entidades mórbidas.
Na discussão sobre as principais causas da ocorrência das doenças negligenciadas tem-
se no primeiro momento a reflexão sobre a dimensão individual, ou seja, qual seria a
participação do indivíduo e suas contribuições no processo do adoecimento e como suas
práticas de cuidado e autocuidado influenciam na prevenção e no tratamento destes agravos.
Viu-se que a primeira causa destas doenças está relacionada a ignorância individual sobre os
conhecimentos acerca do processo saúde doença, como por exemplo, a ausência de
informações sobre os aspectos clínicos das doenças como forma de prevenção e uso adequado
de medicação, sobre os direitos de acesso à saúde e até os cuidados com o próprio corpo.

[...] eu vejo como sendo muito a ignorância da população mas a ignorância não é
somente a falta de educação em saúde mas é a ignorância até dos seus direitos ao
acesso. (E 03, Médico, x2= 374.81)

[...] essas doenças que continuam por causa desta ignorância das pessoas, falta de
educação e descaso com a sua saúde. (E 13, Enfermeiro, x2= 672.00)

[...] e as pessoas continuam sem saber como essa doença transmite por causa da
ignorância sem educação não incentivo do governo e descaso com a saúde não tem
pesquisa pra ver novos medicamentos e as pessoas continuam adoecendo em pleno
século XXI. (E 08, Médico, x2= 636.17)
133

[...] as doenças existem por diversos fatores mas principalmente pela falta de
informação das pessoas a ignorância e o nível de pobreza e também pela falta de
interesse e descaso dos governantes. (E 05, Médico, x2= 569.68)

[...] eu acho que as pessoas tem estas doenças pela ignorância e também porque não
buscam a prevenção pela falta de educação e esclarecimento, eles dizem que estas
doenças existem muitos dizem que é castigo ou maldição na família e outros acham
que é por descuido mesmo. (E 14, Enfermeiro, x2= 563.62)

Ao não compreender que os conhecimentos sobre o processo saúde doença são


imprescindíveis para diminuir as possibilidades de adoecimento, o indivíduo aumenta a sua
vulnerabilidade e passa a ter um descaso com as práticas de cuidado que poderiam evitar as
doenças negligenciadas.

[...] a falta de educação e o descaso das pessoas com sua própria saúde então o
processo de falta de educação do nosso povo brasileiro é dá um contributo muito
grande com a questão do trato com estas doenças. (E 07, Médico, x2= 500.37)

[...] estes casos marcam porque sabemos que se ela tivesse acesso à saúde não iria
morrer por conta desta doença, adquire pela falta de informação, pela ignorância ou
também pelo descuido de si mesmo, descaso com sua saúde física e mental. (E 07,
Médico, x2= 546.78)

Neste escopo, surge a estratégia da educação em saúde voltada para as necessidades


individuais e promovendo a ampliação de saberes com o intuito de modificar as práticas de
descuido individual e coletivo tendo por consequência a diminuição da vulnerabilidade às
doenças negligenciadas.
A educação em saúde surge como estratégia para promover saúde e prevenção
primária e secundária e deve ser uma prática social centrada na problematização do cotidiano,
na valorização da experiência dos indivíduos e grupos, tendo como referência a realidade na
qual eles estão inseridos. É a soma de todas as experiências que modificam ou exercem
influência nas atitudes ou condutas de um indivíduo em relação à saúde e aos processos que
necessitam ser modificados. Tem como objetivo estimular as pessoas (público em
foco/população) a realizar ações de promoção à saúde – seja pela adoção de hábitos de vida
saudáveis, seja pela utilização de forma correta e cuidadosa dos serviços de saúde à sua
disposição. Estimula-se a consciência na tomada de decisões, tanto individual como
coletivamente, buscando melhorar suas condições de saúde e as condições do meio ambiente.
Busca, ainda, desenvolver nas pessoas o senso de responsabilidade pela própria saúde e pela
saúde da comunidade a que pertencem e a capacidade de participar da vida comunitária de
uma maneira construtiva. Essa educação em saúde tem grande papel para diminuir a distância
existente entre descobertas/estudos científicos e a aplicação desses na vida diária das pessoas.
134

É ainda a ligação entre as expectativas da população por uma vida melhor e as projeções e
estimativas dos governantes ao oferecer programas de saúde mais adequados a essa população
(CAMARA, 2012).
As doenças negligenciadas ocorrem também pelo descaso dos profissionais de saúde
quando não exercem as atribuições que os competem dentro da assistência e nas práticas de
cuidado frente aos problemas apresentados pelos usuários e pacientes que utilizam os serviços
de saúde. Este descaso muitas vezes provem da ausência de conhecimentos específicos sobre
as características das doenças negligenciadas e implica na ausência do cuidado necessário
prestado pelo profissional de saúde para evitar ou tratar as enfermidades.

[...] acho que estas doenças negligenciadas em Jequié é pela falta de interesse e
descaso não só dos gestores mas muitas vezes dos profissionais e também das
pessoas que não tem interesse pra se cuidar. (E 28, Técnico de enfermagem, x2=
506.63)

[...] em Jequié estas doenças persistem pela falta de preparo de alguns profissionais
pela ausência de investimentos e manutenção dos recursos nas unidades e também
pela ignorância dos indivíduos justamente por não encontrar a fonte de contágio que
estas doenças continuam persistindo junto a falta de investimentos na saúde. (E 17,
Enfermeiro, x2= 580.54)

O cuidado está intrínseco no campo da saúde pressupondo que os profissionais da


saúde sejam sensíveis ao encontro do mundo dos usuários, no intuito de assegurar que suas
práticas se traduzam em modos efetivos de cuidar de indivíduos e coletividades (ASSIS et.al.
2015).
A integralidade do cuidado perpassa pela redefinição de práticas de saúde norteadas
pelas subjetividades inerentes ao trabalho em saúde e a valorização das necessidades de saúde
dos usuários, impulsionando a possibilidade de construção do cuidado centrado no usuário
com fortalecimento do vínculo, acolhimento e autonomia, com potencial significativo para se
reverter a descontinuidade do cuidado ainda presente no cotidiano dos serviços de saúde.
Nessa direção, cuidar da saúde contempla as competências e tarefas técnicas, mas não se
restringe a elas, pois significa mais que tratar, curar ou controlar, exprime a construção de
vínculos, a partir da história de vida de cada família, de forma a desvendar as subjetividades e
singularidades dos sujeitos envolvidos neste cuidado para equipe e usuários construírem
projetos conjuntos (OLIVEIRA, 2013).
Além do descaso dos profissionais de saúde percebeu-se ainda que acontece como
causa da perpetuação das doenças negligenciadas na região o descaso dos gestores políticos,
principalmente no que diz respeito à aplicação de recursos e investimentos no setor saúde.
135

Este descaso dos gestores foi descrito por meio da falta de compromisso e responsabilidade
destes gestores para com a organização e funcionamento dos serviços de saúde no município.

[...] as causas destas doenças é justamente a falta de interesse e o descaso dos


gestores falta de compromisso e de investimentos na saúde nas ruas infelizmente é
uma situação ruim da nossa cidade com tanto descaso dos políticos. (E 06, Médico,
x2= 756.58)

[...] não se previnem porque informação tem, elas não pensam sobre isso, fazem
pouco, falta investimento do governo, descaso com a saúde e também a ignorância
que gera falta de educação e consequentemente as doenças. (E 12, Enfermeiro, x2=
725.23)

[...] acho que Jequié tem essas doenças todas pelo descuido, falta de compromisso
dos políticos e também falta de responsabilidade, e a população também não tem
interesse em se aprofundar nas informações da educação de casa mesmo. (E 27,
Técnico de enfermagem, x2= 630.81)

[...] as doenças endêmicas em Jequié estão relacionadas com o descaso e


desinteresse das autoridades públicas com o município, não somente saúde mas na
educação também, infelizmente ainda não tivemos um político atuante e que
mostrasse o verdadeiro sentido da gestão. (E 06, Médico, x2= 587.79)

A tríade (indivíduo/profissional/gestor) constitui os sujeitos que compõem a


organização dos serviços de saúde e defini as atribuições específicas nas práticas de cuidado e
do autocuidado voltados para a integralidade da assistência à saúde. No momento em que um
destes três sujeitos deixa de exercer aquilo que lhe compete dentro da assistência, as chances
de iniciar o processo do adoecimento aumentam e consequentemente a instalação das doenças
torna-se inevitável. Neste sentido a falta de interesse desta tríade no que diz respeito ao
enfrentamento das doenças negligenciadas foi evidenciada no discurso dos profissionais de
saúde.
[...] porque envolve vários fatores como o descaso, tanto dos políticos quanto dos
profissionais de saúde, e até da própria pessoa, não sei se conseguimos mudar, bom
as doenças são negligenciadas é porque eu acredito muito que tudo no mundo hoje
gira em torno do interesse econômico. (E 24, Técnico de enfermagem, x2= 543.91)

[...] acho que estas doenças negligenciadas em Jequié é pela falta de interesse não só
dos gestores mas dos profissionais e também das pessoas que não tem interesse pra
se cuidar, a pessoa pega a doença pela sua irresponsabilidade e descuido. (E 24,
Técnico de enfermagem, x2= 590.67)

[...] elas buscam o tratamento primeiro por conta própria que é a automedicação e
depois buscam a unidade de saúde, estas doenças continuam por causa da pobreza e
da ignorância das pessoas e também pelo desinteresse e descaso dos políticos. (E 07,
Médico, x2= 672.08)

Nesse sentido, a prática de saúde pode canalizar-se em atos protagonizados por


diferentes sujeitos sociais direcionados à modificação da realidade e, assim, possibilitar
136

contrapontos ao arcabouço funcional instituído, apontando para mudanças relacionais,


institucionais e organizacionais, por meio de ações instituintes. Ou seja, as práticas de saúde
são engendradas em diferentes formas de organização do trabalho em equipe, tais como:
“equipe agrupamento”, aquela que pauta a sua prática na sobreposição de ações realizadas por
um aglomerado de sujeitos-trabalhadores a realizar trabalhos desconectados entre si, e
“equipe integração”, a que elabora propostas de trabalho inclinadas à realização de ações
integrais, coerentes com o trabalho integrado e colaborativo dos trabalhadores de saúde
(AMORIM et. al., 2014).
O acesso, contudo, pode ser discutido a partir de dimensões específicas, que
descrevem a adequação entre os usuários e o sistema de saúde: a disponibilidade,
compreendida como uma relação entre a quantidade de atendimento ofertado e as
necessidades a serem satisfeitas; a relação entre oferta e demanda dos usuários nos seus
territórios sociais; a acomodação funcional, percebida como a relação entre o modo como a
oferta está organizada para aceitar os usuários e a capacidade/habilidade destes se
acomodarem aos referidos aspectos, e perceberem a conveniência dos mesmos (ASSIS,
2012).
As discussões sobre as causas da incidência das doenças negligenciadas na região
foram baseadas nas condutas dos principais sujeitos envolvidos na organização dos serviços
de saúde, todavia, a saúde é determinada também por outros fatores que constituem a
integralidade da assistência inclusive as condições da infraestrutura de um município, pois
segundo o princípio da intersetorialidade, a saúde da população é influenciada por outros
setores da sociedade como a educação, a segurança, o cuidado com o meio ambiente e
organização no processo de urbanização das cidades.
A infraestrutura de um município colabora diretamente com as condições de vida da
população e tende a diminuir a incidência de doenças que são oriundas pela interação com o
meio ambiente e o processo de urbanização. A doenças negligenciadas aconteciam em maior
escala em vários países que não tinham uma estrutura urbana adequada a qualidade de vida da
população e na medida em que se passou a investir neste infraestrutura, como por exemplo, o
saneamento básico a carga de doenças diminuíram
[...] as doenças ainda existem aqui em Jequié por causa da falta de investimentos na
cidade, na estrutura urbana, no saneamento básico, muito descaso dos políticos
daqui e também na educação das pessoas, a ignorância é muito grande e isso facilita
o aumento das doenças negligenciadas. (E 16, Enfermeiro, x2= 882.12)

[...] tentar ajudar a ter a prevenção e também o tratamento, não sei dizer porque
Jequié tem todas estas doenças, mas acho que é o descuido e o descaso mesmo com
137

o município e também a gente sabe hoje que a política como tá, ninguém trabalha
direito em prol da saúde e da educação. (E 25, Técnico de enfermagem, x2= 637.81)

[...] os profissionais tem que assumir esta função de educador, inclusive durante as
consultas, Jequié ainda é uma cidade com pouco desenvolvimento urbano, pela falta
de interesse dos políticos, descaso mesmo, muito triste, mas acho que por isso que
essas doenças que são atreladas ao desenvolvimento social ainda continuam
perpetuando na nossa cidade. (E 10, Médico, x2= 651.32)

[...] as causas das doenças negligenciadas, a principal causa eu acho que é a falta de
saneamento mesmo, falta de saneamento, eu acho que o governo aí negligencia
também, não apenas na assistência, mas também na prevenção destas doenças. (E
02, Médico, x2= 386.77)

O processo de municipalização da saúde iniciado na década 90 proporcionou a


descentralização dos recursos financeiros entre os entes federados dando autonomia ao
município para gerir estes investimentos conforme as necessidades regionais identificadas
pela própria população. Estes recursos são repassados respeitando os critérios legais
determinados pela regulamentação SUS e os tipos de serviços que são oferecidos aos
munícipes desde atenção primária até as ações de alta complexidade. São por meio destes
recursos financeiros que o gestor municipal tem a possibilidade de evitar as doenças ao
promover ações voltadas para a prevenção e o controle dos agravos à saúde das pessoas.
A descentralização da gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) merece ser discutida
na perspectiva do que ocorre em âmbito local para sua efetivação, e desta forma refletir sobre
a realidade enfrentada pelos municípios brasileiros. As normatizações federais para o
processo de descentralização foram editadas e substituídas ao longo dos anos. De acordo com
o Ministério da Saúde, nos anos de 1990 foram publicadas quatro Normas Operacionais
Básicas (NOB), em 2001 a Norma Operacional da Assistência à Saúde (NOAS, reformulada
em 2002), em 2006 o Pacto pela Saúde e, em 2011 o Decreto 7.5081. Com todo este aparato
legal, nota-se a passagem de um sistema centralizado para um modelo de governos
municipais, com importante ganho de autonomia no campo da saúde (PINAFO et. al., 2016).
No entanto, as condições para que a descentralização atenda a garantia do acesso
universal às ações e serviços de saúde e da atenção integral de acordo com as necessidades e
demandas da população não estão asseguradas, apresentando resultados contraditórios no
território nacional. Observam-se características heterogêneas dos sistemas descentralizados de
saúde, que refletem as diferentes capacidades financeiras, administrativas e operacionais para
a prestação da atenção à saúde e as distintas disposições políticas de governadores e prefeitos
(PINAFO et. al. 2016).
Como decorrência da heterogeneidade do Brasil, a mudança na alocação de recursos
advinda da implementação da descentralização não tem sido suficiente para modificar o
138

padrão de desigualdade no acesso aos bens e serviços de saúde. Nesse processo, os


municípios se vêem diante da tarefa de gerir uma rede de serviços heterogênea e não integrada
institucionalmente e com oferta insuficiente de serviços na média complexidade (SPEDO,
2010).
No pensamento dos profissionais de saúde a ausência de investimentos neste setor
provoca a continuidade das doenças negligenciadas por conta das consequências da gestão
incipiente destes recursos, que por sua vez, ocasiona a desorganização dos serviços de saúde
diminuindo a qualidade da assistência à saúde.

[...] pela falta de educação em saúde mesmo, e a falta de investimento na saúde, as


pessoas acho que tinha que encarar com mais seriedade e também pela ignorância
acabam achando que estas doenças são comuns e não tem problema porque é só
tomar o remédio e tem logo a cura. (E 16, Enfermeiro, x2= 538.24)

[...] em Jequié e acho que outras cidades isso acontece pela falta de investimentos na
saúde, os governantes não tem interesse em deixar a saúde funcionando bem e isso
impactar na evolução e continuidade destas doenças. (E 05, Médico, x2= 453.79)

A carga de doenças infecciosas é desigualmente distribuída no mundo, onde as


pessoas pobres compartilham uma elevada parte dessas mazelas. Grande porcentagem pode
ser atribuída a doenças tropicais negligenciadas, as quais compreendem dezessete condições
médico-sanitárias diferentes (WHO, 2013).
As doenças negligenciadas são endêmicas em 149 países e afetam mais de um bilhão
de pessoas no mundo. Um grande número destas doenças negligenciadas é causado por
parasitos e possui, pelo menos, um vetor envolvido em seu ciclo. As populações de países
pobres e em desenvolvimento tornam-se vulneráveis a contrair tais doenças, já que vivem sem
saneamento adequado e em contato com vetores de doenças e animais reservatórios de
parasitos (WHO, 2016).
As doenças negligenciadas são aquelas que estão intimamente ligadas à produção da
pobreza e não despertam interesse das grandes indústrias farmacêuticas, por conta da pouca
visibilidade social e econômica. São as doenças promotoras da pobreza e atingem
principalmente as regiões tropicais, cuja incidência e endemia são notáveis, a partir dos
estudos epidemiológicos desenvolvidos pela OMS. As doenças negligenciadas têm como
características comuns a endemicidade elevada nas áreas rurais e nas urbanas menos
favorecidas de países em desenvolvimento, além da escassez de pesquisas para o
desenvolvimento de novos fármacos. Essas doenças podem prejudicar o crescimento infantil e
o desenvolvimento intelectual, bem como a produtividade do trabalho. Dessa forma, as
doenças negligenciadas são as que “não apresentam atrativos econômicos para o
139

desenvolvimento de fármacos, quer seja por sua baixa prevalência, ou por atingir população
em região de baixo nível de desenvolvimento” (ANVISA, 2007). Nesse sentido, não apenas
ocorrem com mais frequência em regiões empobrecidas, como também são condições
promotoras de pobreza (HOTEZ et al., 2006a).
Os profissionais de saúde, em suas concepções, determinam que a pobreza, de fato, é a
principal causa da perpetuação das doenças negligenciadas, pois é a partir desta condição que
o indivíduo passa a ter limitações aos recursos necessários para manter uma vida saudável
como a alimentação, a higiene, uma moradia longe de risco por conta da estrutura urbana e
domiciliar, além de possuir todo o preconceito e a negligencia proveniente das entidades
governamentais e dos serviços de saúde. Para evitar as doenças negligenciadas, o primeiro
passo é combater a pobreza extrema e fazer com que estas pessoas possam ter acesso aos
recursos essências para a qualidade de vida e essa estratégia de combate atravessa a
participação política na redistribuição de renda no país e de políticas públicas que favoreçam
os mais vulneráveis nas condições sociais e de saúde.

[...] a dificuldade eu acho que é o mal funcionamento de alguns serviços e também o


descuido da pessoa com sua própria saúde, pela falta de esclarecimento pela
ignorância e pelas condições de vida em extrema pobreza. (E 18, Enfermeiro, x2=
427.17)

[...] a pobreza que tá ligada à falta de alimento, a falta de recursos e também um


pouco de incentivo na questão política não partidária, mas social, pela falta de
interesse pelo descaso. (E 21, Técnico de enfermagem, x2= 418.26)

[...] os políticos não tem interesse, um descaso muito grande, pois estas doenças não
tem visibilidade, o pobre não tem visibilidade. (E 09, Médico, x2= 411.42)

[...] então são as doenças que são causadas pela pobreza, pela ignorância das
pessoas, pelo descaso e que parecem não ter nenhum problema em continuar, parece
que é comum pra pessoa que convivem. (E 25, Técnico de enfermagem, x 2= 400.97)

O primeiro relatório da OMS (2012) sobre as doenças negligenciadas discutiu os


avanços da sociedade científica para superar o impacto global destas enfermidades apontando
entre outras coisas, as principais características em comum, quais sejam: doenças que têm
enorme impacto sobre a vida dos indivíduos, famílias e comunidades com a diminuição da
qualidade de vida, perda da produtividade e agravamento da pobreza; afetam populações que
tem pouca visibilidade e voz política; não se disseminam amplamente, ou seja, representam
uma ameaça pequena para os habitantes de países de alta renda; provocam estigma e
discriminação, principalmente de meninas e mulheres; tem impacto importante sobre
morbidade e mortalidade; são relativamente negligenciadas pela pesquisa e podem ser
140

controladas, evitadas e possivelmente eliminadas pelo emprego de soluções eficazes e


factíveis.
As características das doenças negligenciadas, por seu turno, implicam nas condições
epidemiológicas ao referir-se as tais doenças como endêmicas nas regiões tropicais; definem a
falta de interesse econômico e financeiro das grandes indústrias farmacêuticas e o pouco
investimento em pesquisa e desenvolvimento de tecnologias. Estas características refletem a
ideia do mercantilismo na saúde, isto é, o uso da saúde como moeda de troca para os
interesses capitalistas e não como um bem comum e de uso adequado para a qualidade de vida
das pessoas e ainda a necessidade de observar os aspectos epidemiológicos que informam a
endemicidade destas doenças e suas possíveis ações de controle.

[...] acho que as doenças negligenciadas são aquelas que tem pouco investimento
porque são doenças de pessoas pobres e não tem vez na sociedade, o pensamento
dos profissionais é que não tem muito o que fazer diante da falta de interesse e
descaso do governo, somente os trabalhos de educação em saúde. (E 14, Enfermeiro,
x2= 780.28)

Após relacionar as principais causas das doenças negligenciadas e caracteriza-las nas


concepções que coadunam a OMS, os profissionais de saúde apontaram algumas estratégias
de enfrentamento que são tangíveis, reais e factíveis, a saber: realização de educação em
saúde nas diversas instituições; investimentos na infraestrutura urbana; controle dos vetores;
capacitação dos profissionais e participação popular nas decisões de saúde.

[...] precisamos buscar ações de educação em saúde sala de espera ou ir até as


escolas na comunidade para explicar sobre as doenças negligenciadas os
profissionais de saúde devem ser responsáveis pela execução destas atividade de
educação e fazer seu trabalho dentro da unidade e fora dela também. (E 28, Técnico
de enfermagem, x2= 455.96)

[...] para controlar as doenças negligenciadas é possível criar mais consciência dos
pacientes, dos profissionais e dos gestores sobre o impacto destas doenças na
qualidade de vida então tá na educação em saúde como palestrar sala de espera. (E
10, Médico, x2= 447.06)

[...] as ações que podem colaborar para enfrentar as doenças negligenciadas além da
educação em saúde é um olhar mais responsável dos gestores os que tem realmente
o poder para fazer a questão de não é questão de recursos não. (E 23, Técnico de
enfermagem, x2= 415.03)

[...] nós trabalhamos durante cerca de 02 anos com a esquistossomose é uma doença
que é negligenciada, depende muito de se fazer educação em saúde, de saneamento
básico, de investimento em coisas simples mas complexas. (E 03, Médico, x2=
404.48)

[...] primeiro controlar os comunicantes, ver qual é a fonte de contaminação destas


doenças e quebrar a cadeia de transmissão, temos que esclarecer mais sobre as
141

formas de contágio da doença por meio da educação em saúde, durante a visita


domiciliar. (E 19, Enfermeiro, x2= 377.76)

[...] o papel dos profissionais é esclarecer as medidas de prevenção e ficar atentos


com os doentes que podem transmitir a doença e o governo investir mais nos
programas no saneamento básico e também na capacitação dos profissionais que
estão na ponta ou seja direto na assistência. (E 14, Enfermeiro, x2= 372.64)

A OMS (2015) recomenda cinco estratégias para prevenção e controle de DTN: (i)
medicação preventiva; (ii) intensificação da gestão de casos; (iii) controle de vetores; (iv)
provimento de agua limpa, saneamento e higiene; e (v) saúde pública animal. O trabalho para
a superação de cada tipo de DTN ou de um grupo dessas doenças deve basear-se em uma
combinação das cinco abordagens estratégicas. Por exemplo, para controlar a morbidade
causada pela filariose linfática, será benéfico que os indivíduos recebam medicação
preventiva; indivíduos com hidrocele necessitam de acompanhamento de caso. Colocar sob
controle os vetores de Wuchereria e Brugia requer gestão adequada de recursos hídricos.
A mudança de paradigma, da OMS, propiciou uma série de ações desencadeadas pelo
pensamento de evitar o círculo vicioso da pobreza-doença-pobreza, e iniciar a construção de
prioridades e estratégias necessárias ao atendimento das reais necessidades da população
mundial. Para tanto, a OMS, cria o Departamento de Controle das Doenças Tropicais
Negligenciadas em 2005, passando a liderar o enfrentamento das doenças negligenciadas,
desenvolvendo um quadro estratégico para o combate a essas doenças: “Um bilhão de pessoas
estão sofrendo de doenças que podem ser prevenidas com estratégias simples, como
quimioterapia preventiva. Estão sofrendo simplesmente porque são pobres. Isso é uma
questão ética global”, sinalizou Jorge Alvar, representante do Departamento de Controle das
Doenças Tropicais Negligenciadas da OMS durante o Congresso Internacional de Medicina
Tropical e Malária, ocorrido na FIOCRUZ, em setembro de 2012 (FIOCRUZ - FUNDAÇÃO
OSWALDO CRUZ, [s.d.]). Desde então, a OMS vem produzindo relatórios, definindo
estratégias, recomendando abordagens, promovendo encontros e parcerias para financiamento
e fomento às pesquisas, com o intuito de mudar o cenário da saúde global, a partir da inclusão
das doenças negligenciadas nessa agenda e tornando o combate às essas enfermidades,
essencial para o desenvolvimento (ROLAND, 2016).
No sentido de compreender a aplicabilidade destas estratégias, entende-se que a
responsabilidade perpassa por todos os envolvidos neste processo do cuidado. Estas sugestões
de estratégias de enfrentamento as doenças negligenciadas evidenciadas nos depoimentos dos
profissionais de saúde demonstram que tais enfermidades podem ser evitadas a partir do
142

momento em que os envolvidos neste processo (pacientes/profissionais/gestores) cumprirem


com suas atribuições e responsabilidade no cuidado e no autocuidado para com a
integralidade da saúde. Pode-se verificar que as entidades governamentais também passaram a
se preocupar em desenvolver ações que possibilitem o controle e até a erradicação destas
entidades mórbidas

3.3.2 Eixo 2: Processo assistencial na prevenção, controle e tratamento das doenças


negligenciadas

Este eixo possibilitou a construção da dimensão prática das representações sociais dos
profissionais de saúde sobre as doenças negligenciadas, pois tratou principalmente do
processo assistencial na prevenção, no controle e tratamento destas entidades mórbidas, sendo
feitas reflexões sobre as atitudes dos envolvidos na tríade do cuidado (indivíduo, equipe de
saúde e gestor), emergindo as convicções e crenças destes profissionais de saúde sobre as
diversas posturas e práticas de cuidado e autocuidado frente as doenças negligenciadas.
Constitui-se pelas classes 07, 04 e 03 e pelo subeixo 2.1.

3.3.2.1 Classe 07: As facilidades e dificuldades do processo assistencial no tratamento das


doenças negligenciadas

Esta classe apresenta 174 UCEs, o que significa o envolvimento de 16,68% do


material analisado utilizado pelo software para a construção da análise. Em sua constituição
podem ser observadas as seguintes palavras: equipe (x2 = 99,37), busca (x2 = 59,36),
tratamento (x2 = 57,35), dificuldade (x2 = 56,89), acolher (x2 = 48,65), finalidade (x2 = 48,65),
aqui (x2 = 47,65), paciente (x2 = 44,8), unidade (x2 = 42,98), controle (x2 = 41,7) e
acompanhamento (x2 = 40,26), dentre outras que foram citadas e que podem ser visualizadas
na apresentação do próprio dendograma que subsidia a construção desta classe.
Ao analisar o pensamento dos profissionais de saúde e a formação de suas convicções
sobre as doenças negligenciadas percebe-se que nesta classe existe a ideia da construção de
uma relação entre paciente/equipe de saúde que vai desde o primeiro contato entre as partes,
por meio do acolhimento, até o estabelecimento de um plano de cuidados, ou estratégias de
tratamento para a eliminação destas enfermidades. Ainda nesta classe encontram-se os fatores
que colaboram e que dificultam a realização do tratamento pela equipe, como a empatia e a
competência dos profissionais e o acolhimento, e por outro lado, a falta de recursos para
143

organização dos serviços de saúde, a sobrecarga de trabalho dos profissionais e a vivência do


paciente com o preconceito frente as doenças negligenciadas.
Para construção das representações sociais dos profissionais de saúde sobre as doenças
negligenciadas precisa-se discorrer sobre a vivência no campo de atuação destes trabalhadores
de saúde que atuam diretamente na assistência às pessoas acometidas por estas enfermidades
identificando os tipos de relações firmadas e as principais facilidades e dificuldades na
elaboração de estratégias para o tratamento. Nesta estrutura lógica de atendimento aos
usuários, pacientes ou pessoas que convivem com as doenças negligenciadas, inicia-se o
processo assistencial por meio do acolhimento da equipe a estes indivíduos consolidando as
convicções e formas de conhecimento no tratamento dos agravos em discussão.
O acolhimento é uma ação que deve existir em todas as relações de cuidado, no
vínculo entre trabalhadores de saúde e usuários, na prática de receber e escutar as pessoas, e
deve ser estabelecido como uma ferramenta que possibilite a humanização do cuidado, amplie
o acesso da população aos serviços de saúde, assegure a resolução dos problemas, coordene
os serviços e vincule a efetivação de relações entre profissionais e usuários. Neste sentido,
pode-se afirmar que a prática do acolhimento está presente em todas as relações de cuidado e
pode se configurar de diferentes formas dependendo de quem participa dos processos e de
como e em que condições este processo se dá. À vista disso, em vez de indagar se, em algum
serviço, existe ou não o uso da ferramenta acolhimento, talvez seja mais pertinente avaliar
como ele se concretiza ou é empregado. O acolhimento é transmitido menos no discurso sobre
ele do que nas práticas propriamente ditas (BRASIL, 2011; LOPES, 2014).
A prática do acolhimento, como ferramenta proposta pela Política Nacional de
Humanização (PNH), foi utilizada para ampliar o acesso dos usuários ao serviço de saúde,
organizar o processo de trabalho e trazer qualificação à relação entre profissionais e usuários,
através da formação de vínculos, promoção da autonomia e garantia da responsabilização.
Dessa forma, percebemos que o acolhimento é entendido como um recurso de mediação de
grande relevância na Atenção Básica, no momento em que cria uma relação de confiança com
a população e os profissionais conseguem desenvolver uma relação de dádiva com os usuários
(BEZERRA; CARVALHO, 2011).
No discurso dos profissionais de saúde encontramos diversos destaques ao
acolhimento realizado pela equipe de saúde e suas implicações no tratamento das doenças
diagnosticadas durante a assistência à saúde destes indivíduos.
144

[...] a equipe daqui acolhe muito bem, não tenho o que dizer não, os profissionais
ficam responsáveis em identificar a doença e zelar pelo tratamento do paciente, eu
aqui faço as consultas, realizo o diagnóstico das doenças e estabeleço o tratamento
medicamentoso. (E 05, Médico, x2= 449.85)

[...] para realizar os exames diagnósticos também, e a facilidade é o acesso direto a


equipe, que acolhe muito bem todos que chegam aqui. (E 06, Médico, x2= 373.30)

[...] o tratamento é aquele já introduzido pelo ministério, com supervisão e


distribuição da medicação, avaliação das incapacidades... a equipe sempre acolhe de
forma adequada estes pacientes e tenta sempre envolver a família no tratamento. (E
18, Enfermeiro, x2= 346.19)

[...] a equipe acolhe bem estes pacientes aqui, acolhe bem, é tratado como alguém
que realmente necessita do tratamento o mais breve possível e com precaução, essa
questão do tratamento que mais cuida é a enfermeira agora. (E 21, Técnico de
enfermagem, x2= 328.37)

[...] quando suspeito de uma doença parasitária, que tem como evidencia a diarreia,
começamos o tratamento com antibióticos, de acordo com os exames solicitados
a equipe tem que saber acolher essas pessoas de forma humanitária. (E 04, Médico,
x2= 300.44)

[...] aqui tem uma parte do acolhimento que é a triagem, e a gente faz o que pode
quando tem os serviços funcionando, a gente faz tudo pra atender as famílias e nós
técnicos de enfermagem, ficamos sempre à disposição, principalmente nesta parte de
iniciar a orientação para o tratamento adequado destas doenças. (E 24, Técnico de
enfermagem, x2= 286.80)

Com tudo isso entende-se que o acolhimento acontece no primeiro contato entre o
paciente e o profissional de saúde onde tem-se a oportunidade de evidenciar as principais
características que englobam a dimensão biológica e social do indivíduo no que diz respeito
ao seu estado de saúde, ou seja, é neste momento em que os profissionais de saúde precisam
buscar as principais causas do desequilíbrio do processo saúde doença para que, desta
maneira, tenham maiores possiblidades de intervir e colaborar para a integralidade da
assistência à saúde.
Outra ideia que foi exposta pelos participantes deste estudo foi a competência dos
profissionais de saúde quando logo no momento do acolhimento onde acontece uma
identificação da possível doença, por meio das consultas individuais, sejam elas de médicos
ou enfermeiros, e a partir disto, a determinação de estratégias de tratamento, principalmente, o
tratamento medicamentoso. Ressalta-se que, o tratamento medicamentoso, ainda é a principal
estratégia adotada pelos serviços de saúde haja vista que o paradigma biomédico continua
definindo as práticas de saúde apesar dos avanços para a ampliação do olhar profissional para
outras estratégias que podem prevenir e erradicar as doenças negligenciadas.
Na continuidade do processo assistencial, a relação entre equipe e paciente se fortalece
na medida em que existe a determinação de um plano de cuidados no restabelecimento da
145

saúde ao evidenciar o diálogo como um instrumento do cuidar que possibilita ao profissional


de saúde elencar as reais necessidades de saúde do indivíduo e a partir disto estabelecer as
estratégias de tratamento.

[...] como falei a interação aqui é a melhor possível, pois as famílias já são
conhecidas pela equipe e quando tem um paciente novo, a gente senta, explica como
funciona e tenta mostrar esta parte da saúde preventiva. (E 20, Enfermeiro, x2=
320.41)

Straub (2005) afirma que o relacionamento entre paciente e profissional de saúde é a


base de todo tratamento e que a qualidade desse relacionamento tem impacto direto sobre a
saúde. A relação profissional de saúde-paciente é construída por meio da comunicação, verbal
e não verbal, estabelecida no contexto em que essa interação acontece (SOAR, 1998).
A qualidade dessa comunicação, acompanhada de um bom vínculo terapêutico e da
sensibilidade do profissional em perceber o contexto na totalidade, é propulsora de uma
eficiente atenção à saúde integral do paciente. Balint (1988) adverte que, por mais aprimorada
que seja uma técnica, ela tenderá a ser inócua ou alienante se não for associada a uma boa
relação profissional-paciente (ASSUNÇÃO; QUEIROZ, 2015).
Nesta relação dialógica surge o processo comunicativo como um facilitador na
interação entre profissional/paciente favorecendo a compreensão por parte dos profissionais
das principais necessidades do paciente e, por conseguinte, amplia as possibilidades de êxito
na escolha das estratégias de enfrentamento as doenças.
O processo comunicativo é definido como um ato caracterizado não por relações de
poder, mas por atitudes de sensibilidade, aceitação e empatia entre os sujeitos, em um
universo de significações que envolvem tanto a dimensão verbal como a não verbal (postura e
gestos). Nesse processo, é relevante o interesse pelo outro, a clareza na transmissão da
mensagem e o estabelecimento de relações terapêuticas entre trabalhadores e usuários. Além
de propiciar uma relação terapêutica, a comunicação deve propiciar condições para práticas de
promoção da saúde, tornando o usuário/cuidador autônomo à negociação diante do tratamento
e das condições que favorecem o autocuidado e/ou o cuidado do indivíduo. Essa perspectiva
será gerida a partir da busca do intercâmbio de saberes, do diálogo e do entendimento entre o
trabalhador de saúde e o usuário (CORIOLANO-MARINUS, 2014).
Nesta perspectiva de construção de um relacionamento coeso, duradouro e que
fortaleça o vínculo entre os envolvidos no processo assistencial (equipe de saúde/paciente)
entende-se que houve um equívoco no pensamento dos participantes deste estudo na medida
146

em que apontaram a cultura popular como um fator que dificulta a realização do diagnóstico e
o estabelecimento do tratamento.

[...] no caso é a cultura popular mesmo, os chás que é uma coisa que é ruim a gente
sabe e depois que eles vão em busca do tratamento curativo, nas unidades
específicas quando são assim direcionados e dados os diagnósticos. (E 03, Médico,
x2= 2599.38)

Os trabalhadores de saúde atuam como dispositivos de mudanças, sendo necessário


constituir uma nova ética, que reconheça os serviços de saúde como espaços públicos, onde o
trabalho deve ser presidido por valores humanitários, de solidariedade e reconhecimento de
direitos de cidadania. Assim, os usuários tornam-se o núcleo da produção em saúde. Essa
mudança requer escuta e acolhida dos saberes populares por parte dos profissionais,
possibilitando ‘trocas’ de conhecimentos em vista de uma saúde integral, conforme Briceño-
León: os programas não podem ser impostos para a comunidade, mas é a comunidade que
deve responsabilizar-se por sua própria saúde. Mas para isso é necessário que os profissionais
estejam atentos aos usos e costumes culturais da comunidade atendida. Tendo presente que a
cultura interfere diretamente nos processos de saúde e doença, as representações dos usuários
sobre o modo de enfrentar esse processo são essenciais para as práticas de cuidado. Por isso é
importante entender como os profissionais reagem frente ao aparecimento de saberes sobre
saúde que não são validados pelo conhecimento científico (JUNGES et. al., 2011).
Neste momento percebeu-se que a reação dos profissionais de saúde frente aos saberes
populares foi negativa ao não reconhecer a cultura como um fator imprescindível no alcance
dos objetivos de um plano de cuidados e também do autocuidado, por isso os trabalhadores de
saúde precisam compreender que a cultura popular pode colaborar no processo de
restabelecimento da saúde.
Após o estabelecimento do vínculo entre equipe de saúde e paciente por meio do
diálogo, do ato comunicativo e da compreensão da relevância da cultura popular, busca-se
atender as necessidades reais do indivíduo a partir das informações colhidas sobre a sua
história de vida e principais queixas que o levaram a unidade de saúde. Estes instrumentos de
comunicação e fortalecimento de vínculo colaboram para que o profissional de saúde assista o
indivíduo integralmente ampliando as possibilidades no controle, na promoção, na prevenção
e no tratamento das doenças negligenciadas.

[...] na unidade quando chega algum paciente, a gente tem o cadastro da área, pega o
cartão da família e tenta atender as queixas e as necessidades de acordo com o
147

potencial da equipe, então não posso dizer das atividades frente as doenças
negligenciadas. (E 14, Enfermeiro, x2= 334.66)

Diante desta assertiva entende-se que a equipe de saúde ao acolher o paciente na


unidade procura resolver os problemas de saúde encontrados durante o atendimento e para
tanto buscam organizar a demanda e estabelecer, de acordo com suas potencialidades,
estratégias de enfrentamento das doenças que nem sempre são consideradas como
negligenciadas pelos profissionais.
A construção da representação social no contexto do processo assistencial promoveu
aos envolvidos a oportunidade de estabelecer estratégias de tratamento para a s doenças
negligenciadas. O tratamento destas doenças foi estabelecido pelo profissional de saúde a
partir das condições clínicas e laboratoriais do indivíduo, com ênfase no paradigma biomédico
cujo qual a medicalização do corpo surge como principal estratégia de ação. A adesão ao
tratamento, todavia, depende das condições não somente biológicas, mas também sociais do
indivíduo que por seu turno, precisa compreender a ideia da integralidade do processo saúde-
doença. Neste sentindo compreende-se que as doenças ainda não são superadas em sua
totalidade pelo uso exclusivo da estratégia medicamentosa e da visão curativista dos
profissionais de saúde e também da população.

[...] geralmente os pacientes chegam para o planejamento familiar e eles ou chegam


com alguns sintomas, ou então solicita os exames laboratoriais que a gente pede aqui
na unidade mesmo e eles fazem essa sorologia, os exames laboratoriais traz o
resultado e a gente inicia o tratamento. (E 12, Enfermeiro, x2= 333.24)

A utilização de estratégias que colocam o indivíduo como participante ativo no


processo saúde doença condiciona maiores possibilidades de adesão ao tratamento destas
enfermidades, seja ele medicamentoso ou não, portanto, todos os instrumentos discutidos
sobre a relação do paciente-equipe, como o diálogo e o respeito a cultura popular, facilitam a
cooperação destes sujeitos no controle dos agravos.
A implementação destas estratégias, como as técnicas educacionais, as intervenções
para auxilio da gestão de medicamentos pelo paciente, devem levar em consideração o
contexto de implementação das opções, incluindo as condições socioeconômicas e culturais
dos pacientes, bem como as habilidades, atitudes e conhecimentos dos profissionais, assim
como as condições socioeconômica do paciente. Outro ponto importante a ser considerado é a
disponibilidade de recursos humanos e financeiros e a necessidade de adaptação das
intervenções aos diferentes grupos. Em determinadas situações a ampliação e a capacitação da
148

equipe é imprescindível para o sucesso da adesão por meio das opções propostas, bem como a
verificação de possível provisão dos dispositivos necessários. Mas, além de tudo isso o
primordial é a vontade do paciente, e para isso uma equipe com habilidades, atitudes e
conhecimentos faz a diferença na sensibilização deste paciente na participação do processo
(BRASIL, 2016).
As estratégias de tratamento evidenciadas nos depoimentos dos profissionais de saúde
são constituídas pela busca ativa; monitoramento laboratorial; consultas clínicas e visitas
domiciliares, que tem por objetivo manter o indivíduo no uso adequado das medicações e
ainda identificar possíveis fontes de infecção das doenças transmissíveis e negligenciadas. A
continuidade do tratamento, no entanto, dá-se justamente pelo fortalecimento do vínculo da
relação paciente-equipe com interesse pela resolutividade dos problemas de saúde
apresentados pelos indivíduos.

[...] que todo mês a gente faz a busca dos exames pra ver como é que tá, se ainda tá
dando positivo os resultados, faz a busca ativa dos familiares, normal como de
qualquer outro paciente que atende aqui na unidade. (E 12, Enfermeiro, x2= 338.44)

[...] tem as outras coisas e sempre tento buscar isso junto com outras instituições,
como eu atendo somente neste programa de controle de tuberculose e hanseníase
minha função é fazer a consulta com acompanhamento e evolução dos casos
clínicos. (E 18, Enfermeiro, x2= 261.75)

[...] as ações aqui dentro são na visita deles, quando vem, retorno pra tomar a
medicação é na unidade e fora a gente articula com os agentes comunitários e com
as visitas domiciliares, telefona pra ver se o paciente vem, esse elo de ligação. (E 11,
Enfermeiro, x2= 251.23)

A continuidade do tratamento, portanto, depende da ampliação das ações dos


profissionais de saúde no que diz respeito a estimulação a participação do indivíduo no
autocuidado promovendo autonomia na participação do tratamento e oportunizando optar por
medidas que estão em acordo com suas reais necessidades. Por outro lado, entende-se que o
indivíduo precisa ter acesso as informações necessárias aos aspectos que envolvem a sua
doença como suas definições, formas de transmissão e tipos de tratamento para que desta
maneira tenham condições de participar ativamente, ou seja, os indivíduos deveriam construir
suas próprias crenças, convicções e saberes no intuito de colaborar no processo assistencial no
que diz respeito ao autocuidado.
As principais atividades desenvolvidas pelos profissionais de saúde no controle e
tratamento das doenças foram elencadas como: a realização da busca ativa, o controle dos
comunicantes, a imunização e a educação em saúde.
149

[...] aqui eu desenvolvo a consulta com exame físico, busca ativa, controle dos
comunicantes, indicação do tratamento profilático, imunização em alguns casos e
ainda a educação em saúde junto com os agentes comunitários de saúde. (E 19,
Enfermeiro, x2= 378.24)

A busca ativa dos indivíduos que não compareceram as consultas para continuar o
tratamento e também para avaliar os comunicantes, é uma destas estratégias de controle que
fortalecem a quebra do ciclo de transmissão das doenças. O sentido mais comum atribuído à
busca ativa, muito usado nas ações de Vigilância epidemiológica, Vigilância Sanitária e
Saúde do Trabalhador, é ir à procura de indivíduos com o fim de uma “identificação
sintomática”, principalmente das doenças e agravos de notificação compulsória (BRASIL,
2001).
Busca ativa é um procedimento de suma importância no conjunto de ações de
vigilância epidemiológica de investigação de campo, e tem como objetivo a identificação
precoce de casos suspeitos e uma rápida confirmação para orientar adequadamente a
aplicação das medidas de controle (BRASIL, 2005b). Este sentido estrito do termo, contudo
os princípios do SUS, produziram uma torção no sentido de busca ativa, uma subversão de
seu uso. Busca ativa passou a ser entendida como um movimento de ir a contracorrente do
automatismo da demanda espontânea, no sentido de cartografar as necessidades de saúde para
além dos agravos de notificação compulsória de determinado território (LEMKE; SILVA,
2010).
A busca ativa é entendida como uma estratégia que possibilita o deslocamento da
equipe de saúde para fora da instituição para conhecimento da realidade social e do território
em que os pacientes estão inseridos. Ela permite também estabelecer contatos com atores
sociais locais (líderes comunitários, presidentes de associações de bairro, coordenadores de
programas sociais, dentre outros. Portanto, a busca ativa contribui para que toda a equipe de
saúde possa estabelecer vínculo com a comunidade externa e obter informações e dados
acerca de serviços socioassistenciais e setoriais (TEIXEIRA, 2003).
A outra medida de controle apresentada pelos profissionais de saúde foi a imunização,
que por seu turno, confere ao indivíduo e as populações as defesas primárias as estas doenças
transmissíveis, colaborando assim para sua eliminação e redução de casos novos. A
imunização é uma ação comprovada para controlar e eliminar as doenças infecciosas e estima-
se que mais de 30 doses de vacina são administradas globalmente a cada segundo e nenhuma
outra intervenção de saúde atinge tantas pessoas, ou é capaz de impedir uma gama tão variada
de problemas de saúde pública (WHO, 2016).
150

No Brasil, é uma das mais importantes e efetivas intervenções em saúde pública


oferecidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), por meio do Programa Nacional de
Imunizações (PNI). O PNI organiza toda a política nacional de vacinação e tem, como missão,
o controle, a erradicação e a eliminação de doenças imunopreveníveis. A vacinação está
intrinsicamente vinculada à Atenção Primária à Saúde (APS), contemplando a Estratégia
Saúde da Família (ESF) como ponto de atenção principal para a sua operacionalização
(BRASIL, 2014).
Vale ressaltar que a cobertura vacinal proporciona além da proteção individual contra
as doenças infecciosas, como os casos graves da tuberculose, a postura do autocuidado para a
responsabilização do indivíduo com sua saúde e ainda permite a organização dos serviços de
saúde no processo de controle e prevenção de possíveis epidemias e perpetuação destes
agravos.
A educação em saúde, por sua vez, é uma das principais estratégias de controle das
doenças uma vez que proporciona ao indivíduo novos conhecimentos e novos saberes que
podem contribuir para modificar as práticas de saúde voltadas para o autocuidado e a
prevenção das enfermidades.
A promoção da saúde é uma estratégia que proporciona visibilidade aos fatores de
risco e aos agravos à saúde da população, focando no atendimento do indivíduo (coletivo e
ambiente) e elaborando mecanismos que reduzem as situações de vulnerabilidade. As origens
e concepções da promoção da saúde tiveram início com o advento da educação em saúde, no
início do século XX, a partir da observação da alteração dos índices de adoecimento
decorrentes de práticas educativas realizadas por “higienistas” da época. Naquele período,
então, o significado da promoção da saúde era atribuído a ações de educação em saúde,
visando à melhoria da qualidade de vida. Embora a educação em saúde possua caráter mais
amplo, ela é considerada um dos principais dispositivos para a viabilização da promoção da
saúde, auxiliando no desenvolvimento da responsabilidade individual e na prevenção de
doenças (JANINI; BESSLER; VARGAS, 2015).
Além das estratégias descritas, os profissionais de saúde constituem em sua
representação a relevância do tratamento medicamentoso dentro do processo assistencial,
colocando-o como uma das principais estratégias de enfrentamento das doenças
negligenciadas. Este pensamento reflete a reprodução, pelos profissionais de saúde, do
modelo exclusivamente biomédico para assistência à saúde da população em detrimento aos
modelos alternativos assistenciais que ampliam a visão reducionista e positivista do modelo
curativista, dando foco ao fortalecimento de medidas que tem por objetivo colocar o indivíduo
151

no centro da assistência observando a integralidade e os fatores multicausais do adoecimento.


Por isso faz-se necessário ressaltar as mudanças defendidas pela OMS no sentido de
reorganizar a assistência frente as doenças negligenciadas.
Apesar da mudança de paradigma, sustentada pela OMS, onde o foco passa a ser as
pessoas e as condições de vida que as norteiam, não podemos excluir a importância do
tratamento medicamentoso no enfrentamento destes agravos pois entende-se que a saúde se
completa nestes três níveis de atenção: a prevenção, a promoção e a reabilitação. Nesta última
que se tem a necessidade de prover medicamentos eficazes e com poucos efeitos adversos. No
entanto, viu-se que, por se tratar de doenças negligenciadas, a indústria farmacêutica não teve
interesse em desenvolver fármacos mais eficientes, pois este tipo de agravo não traz lucros
para estes grupos de investidores.
No período de 2000 a 2011, revisão de Predique (2013) constatou que, dos 850 novos
produtos terapêuticos aprovados pelas principais agências reguladoras do mundo, apenas 37
(4%) eram destinados às doenças da pobreza, sendo 29 medicamentos e 8 vacinas.
Impressiona ainda que, desse número, somente 4 produtos foram classificados como nova
entidade química.
Analisando o desenvolvimento dos medicamentos nos últimos 25 anos do século XX,
o relatório da organização dos Médicos sem Fronteiras, Fatal Imbalance, afirma que apenas
15 novos medicamentos foram criados para as doenças tropicais, sendo dois deles para a
tuberculose. Estas doenças afetam principalmente as populações pobres e representam 12% da
carga global de doença. Em comparação, 179 novas drogas foram desenvolvidas para as
doenças cardiovasculares, que representam 11% da carga global de doença (MÉDECINS
SANS FRONTIÈRES, 2001, p. 10).
Apesar da aprovação de 756 novos fármacos entre 2000 e 2011, apenas quatro eram
novas entidades químicas (NCEs, new chemical entities), das quais três delas foram indicadas
para o tratamento da malária e nenhuma para qualquer das doenças negligenciadas. “Além
disso, apenas 1,4% de um total de cerca de 150 mil ensaios clínicos registrados se
concentraram em doenças negligenciadas, com um número muito reduzido de ensaios para
NCEs” (DIAS et al., 2013).
O pensamento dos profissionais de saúde constatou a presença da importância do
tratamento medicamentoso, mesmo sem as inovações tecnológicas que possivelmente trariam
maiores condições de adesão ao uso das medicações.

[...] o tratamento principal é o medicamentoso porque está mais próximo do nosso


trabalho, tem outras atividades, mas essa que a gente tem mais autonomia, a equipe
152

acolhe os pacientes da maneira adequada, tratando cada um com sua peculiaridade,


sem menosprezo. (E 07, Médico, x2= 324.41)

[...] os tratamentos são o uso dos antibióticos e também o tratamento das hepatites,
de acordo com o tipo e o quadro do paciente, as dificuldades são com a realização
dos exames e também a entrega demorada dos resultados, deixando os pacientes ai
transmitindo a doença por falta de um diagnóstico preciso. (E 10, Médico, x2=
315.60)

Com toda esta dificuldade em ampliar as ações dos fármacos para melhorar a
qualidade do tratamento medicamentoso, recorre-se ao que está disposto nas políticas de
saúde voltadas para a implantação de investimentos na assistência farmacêutica, considerando
o princípio da equidade do SUS.
No Brasil, há previsão constitucional para o acesso universal e igualitário das ações e
serviços de saúde. O acesso específico à assistência farmacêutica, além de abordado em
legislações complementares, é assegurado por duas políticas de estado: a Política Nacional de
Medicamentos e a Política Nacional de Assistência Farmacêutica. Para a viabilização do
acesso a medicamentos fica ainda mais clara a prerrogativa do SUS de “formulação e
execução de políticas econômicas e sociais”, uma vez que se trata de uma área profundamente
influenciada por práticas comerciais e interesses mercadológicos diversos, muitas vezes
conflitantes com o interesse público (SANTANA, 2017).
Este seria um caminho ideal para a inovação de tecnologias voltadas para o
desenvolvimento de fármacos que estão intimamente ligados ao tratamento das doenças da
pobreza, com a aplicação das políticas de assistência farmacêutica já existentes e ainda com a
participação dos gestores, principalmente nas regiões de maior endemicidade destes agravos,
compactuando a realidade local ao incluir em seus planos municipais de saúde a prioridade
desta inovação nos medicamentos.
Ainda se torna um desafio da área de regulação e incorporação de tecnologias em
saúde a garantia de que também sejam realizadas análises, registros e disponibilização de
itens com pouco interesse do mercado farmacêutico ou para doenças com poucas alternativas
terapêuticas disponíveis como medicamentos para doenças raras ou típicas de populações
vulneráveis (BRASIL, 2014).
A finalidade do tratamento medicamentoso apontado pelos profissionais é no primeiro
momento a adesão do paciente e, por conseguinte, a cura das enfermidades diagnosticadas e,
para tanto, são realizadas as consultas individuais que privilegiam o paradigma biomédico na
construção do processo saúde doença da população.
153

[...] os procedimentos que realizamos giram em torno da consulta médica onde


avaliamos os sintomas do paciente, chegamos ao diagnóstico e imediatamente
iniciamos o tratamento medicamentoso, o objetivo final busca a adesão ao
tratamento e no fim a cura. (E 08, Médico, x2= 385.04)

As consultas dos profissionais de saúde são instrumentos do processo de trabalho em


saúde que possibilita diagnosticar as doenças, solicitar exames laboratoriais e determinar a
finalidade do tratamento, como por exemplo, o controle e a cura das enfermidades
identificadas. No que diz respeito ao controle das doenças transmissíveis pode-se exemplificar
os casos de tuberculose pulmonar, pelo uso da medicação adequadamente que diminuem a
quantidade de bacilos e por conseguinte a quebrando a cadeia de transmissão da doença.

[...] a minha atuação dentro da consulta, realizando a busca de exames pra


diagnosticar as doenças e sempre oferecendo o melhor pro paciente, a finalidade
certamente é a cura e o controle destas doenças. (E 07, Médico, x2= 388.68)

[...] os profissionais ficam responsáveis em identificar a doença e zelar pelo


tratamento do paciente, eu aqui faço as consultas, realizo o diagnóstico das doenças
e estabeleço o tratamento medicamentoso. (E 10, Médico, x2= 298.39)

[...] ô hanseníase eu nunca peguei nenhum caso avançado, sempre bem no início que
a gente iniciou o tratamento, logo as que eu peguei, aqui na unidade, na outra
unidade que eu trabalhava, eu não tive paciente de hanseníase e tuberculose. (E 12,
Enfermeiro, x2= 285.60)

[...] antes na consulta que a gente pede os exames e identifica a doença e inicia o
tratamento, o protocolo a gente sempre segue o protocolo do ministério da saúde. (E
12, Enfermeiro x2= 264.46)

Além do tratamento medicamentoso, amplamente utilizado como estratégia de


combate as doenças negligenciadas, os profissionais de saúde apontaram outros trabalhos
realizados no combate aos agravos como a educação em saúde e a utilização da mídia como
colaboradores no processo de equilíbrio do processo saúde doença.

[...] os tratamentos buscados são aqueles que se direcionam para a medicação e além
disso, a equipe daqui realiza as atividades de educação em saúde, o papel das
pessoas é procurar ir ao médico logo que tiver os sintomas e também utilizar a mídia
para se informar. (E 07, Médico, x2= 388.68)

O entendimento do negligenciamento midiático da saúde inspira-se no uso do conceito


de negligência pela Organização Mundial da Saúde (OMS), ao definir as ‘doenças
negligenciadas. Tais doenças crônicas, incapacitantes e com condições estigmatizantes
prevalecem em condição de pobreza e atingem um sexto da população mundial. São, em sua
maioria, de origem parasitária, e, no Brasil, as mais comuns são: doença de Chagas, dengue,
esquistossomose, malária, leishmaniose, hanseníase e tuberculose. Acredita-se que, para além
154

da negligência atribuída à Ciência, ao mercado e ao Estado, o silenciamento midiático acerca


das doenças negligenciadas e de outros problemas de saúde contribui para sua perenidade,
distancia politicamente responsáveis de vulneráveis, assim como reforça a alienação destes
das mínimas condições de subsistência constitucionalmente garantidas (CAVACA;
VASCONCELOS-SILVA, 2015).
A proposta de discutir um ‘valor-saúde-notícia’ trata de uma tentativa de aproximar os
propósitos, de apresentar uma alternativa possível de sintonia. Provável sintonia, uma vez que
os resultados não são garantidos. Mais que isso, não basta sintonizar as lógicas midiáticas
(valores-notícia) e as necessidades de saúde (‘valor-saúde’) e viabilizar uma comunicação
instrumental e transferencial para a população. Deve-se, pois, lutar por uma comunicação
dialógica que não só corresponda às expectativas e necessidades dos sujeitos, mas que,
sobretudo, lhes permita o acesso aos meios de produzir comunicação e fazer circular seus
próprios sentidos, discursos e modos de entendimento da saúde e da vida, e suas necessidades
daí decorrentes (CAVACA; VASCONCELOS-SILVA, 2015).
Segundo Donabedian (1973, 2003), o conceito de acessibilidade refere-se à facilidade
com que as pessoas obtêm assistência à saúde. Para o autor, a acessibilidade depende de
fatores sócio organizacionais e geográficos que se relacionam. O autor ainda cita os fatores
sociais e culturais e as preferências étnicas e religiosas como importantes para a acessibilidade
e, embora enfatize fatores geográficos e organizacionais, considera a acessibilidade como um
importante fator da aceitabilidade social para a assistência.
Para Thiede e McIntyre (2008), o conceito de acesso é abordado como liberdade para
uso, baseada na consciência da possibilidade de uso pelo indivíduo e no seu empoderamento
para escolha. Esses autores relacionam fatores como a existência de um serviço específico ao
alcance do indivíduo, bem como cordialidade com o usuário; a existência de sistemas de
marcação e conveniência de horários; a capacidade do paciente em arcar com os custos
diretos e indiretos da assistência e o modelo de financiamento do sistema de saúde; e os
fatores subjetivos, sociais e culturais. Dessa forma, o nível de acesso aos serviços de saúde
seria determinado pelo grau de adequação entre indivíduos e comunidades e o sistema de
saúde.
Neste sentido, percebe-se que o acesso aos serviços de saúde e seus recursos e
insumos, como por exemplo, as consultas dos profissionais, a realização de exames e
distribuição de medicamentos constitui-se como imprescindível no combate as doenças
negligenciadas, haja vista que, a partir da atuação e da resolutividade dos serviços de saúde, a
população começa a possuir condições para conhecer os agravos e por conseguinte, diminuir
155

sua vulnerabilidade diante dos problemas de saúde que determinam e condicionam o


desequilíbrio no processo saúde doença.

[...] as facilidades para aderir o tratamento é que eles tem acesso aos
profissionais aqui, mas a dificuldade vem de procedimentos, a demora da resposta
dos procedimentos e isso causa transtornos pro cliente e pra unidade que presta
serviço. (E 21, Técnico de enfermagem, x2= 303.72)

O serviço de controle da tuberculose, por exemplo, precisa de uma estrutura física que
corresponda aos critérios de diminuição na probabilidade de transmissão do bioagente, o
mycobacterium tuberculosis, incluindo uma sala com iluminação natural e divisões que
possam garantir a privacidade dos usuários; necessita de uma equipe multiprofissional que
possa atender efetivamente os anseios reais destes indivíduos; deve ter a quantidade de
medicamentos suficientes para realização do tratamento conforme indicação do protocolo do
Ministério da Saúde, entre outros benefícios que favoreçam a continuidade do tratamento,
previsto no mínimo para seis meses de duração. Viu-se que o acesso a este serviço, quando
equipado e qualificado, diminui os casos novos da doença e aumenta a qualidade de vida dos
usuários que por ora utilizam e precisam deste programa de assistência individual e coletiva.
No discurso dos profissionais de saúde evidenciaram-se as facilidades e dificuldades
enfrentadas, tanto pelos usuários quanto pelos trabalhadores da saúde, no tratamento das
doenças negligenciadas, em especial a falta de recursos para efetivação dos serviços e a
empatia na relação paciente-profissional.
No que diz respeito a falta de recursos encontramos a ausência da medicação; a
escassez de exames para diagnósticos da doença comprometendo a eficácia do tratamento; os
recursos sociais do próprio paciente, como a alimentação e o difícil acesso a unidade de
saúde; todas estas dificuldades implicam na perpetuação das doenças e diminui a
resolutividade das instituições de saúde e do processo de trabalho dos profissionais. Por outro
lado, viu-se a qualidade da atuação da equipe de saúde ao tempo em promove a ideia da
empatia no processo de trabalho colocando o tratamento das pessoas como fator principal na
erradicação destas enfermidades.

[...] a dificuldade principal é justamente essa, quando faltam alguns recursos na


unidade e o problema da pessoa não é resolvido, e a facilidade é a empatia da
equipe, o acolhimento que temos, acho que aqui funciona mesmo, o paciente só sai
daqui sem resolver seu problema quando não tem jeito. (E 20, Enfermeiro, x2=
431.01)
156

[...] a dificuldade é a ausência de medicamentos, de recursos do próprio paciente


para chegar até a unidade, na alimentação ou seja na condição de vida dele, e
também na estrutura do serviço de controle da tuberculose e da hanseníase que
deixam a desejar aqui em Jequié. (E 19, Enfermeiro, x2= 278.23)

[...] o tratamento instituído é bastante medicamentoso, as dificuldades para o


tratamento são a realização de exames que são necessários para o diagnóstico e
também de a questão da responsabilidade dos profissionais porque existe um
protocolo de tratamento para tuberculose e hanseníase. (E 23, Técnico de
enfermagem, x2= 269.95)

[...] as dificuldades para seguir tratamento, a demora no diagnóstico, a falta de


recursos para, por exemplo, em outra ocasião o paciente pra fazer a baciloscopia,
tinha que pagar. (E 23, Técnico de enfermagem, x2= 262.45)

[...] a dificuldade em seguir o tratamento diz respeito a realização dos exames para
diagnosticar a doença e também o acesso a unidade, que às vezes ficam distante de
suas casas por preferirem ir também em unidades distantes, por causa do estigma da
doença. (E 07, Médico, x2= 250.28)

[...] a dificuldade pra seguir o tratamento é essa mesma, da falta de recursos na


unidade, quando faltar a medicação par hanseníase e pra tuberculose como ficam
estas pessoas que tem que tomar diariamente a medicação então é isso. (E 20,
Enfermeiro, x2= 247.92)

Na equipe de saúde encontram-se diversos profissionais que atuam desde atenção


primária até a de alta complexidade, como médicos, fisioterapeutas, odontólogos e
enfermeiras. Estas por sua vez, acabam assumindo, principalmente na atenção básica, funções
gerenciais que constituem o direcionamento da equipe por meio do planejamento em saúde e
da implantação de ações interprofissionais que possam colaborar para aa efetividade do
processo de trabalho em saúde.
A enfermeira, ao assumir as práticas gerenciais, acabam por adir ao seu processo de
trabalho mais uma dimensão, visto que, ela não deixa de exercer as atividades voltadas para a
dimensão da assistência que incluem as consultas de enfermagem nos ciclos vitais dos
diversos arranjos familiares. Com isso, no pensamento dos participantes deste estudo, a
enfermeira aparece como uma profissional que acumula funções nas suas práticas cotidianas e
por conseguinte tornam-se sobrecarregadas no exercício de sua profissão.

[...] aqui eu faço a parte assistencial que é atender nos programas de criança, adulto,
mulher, controle das doenças transmissíveis e planejamento das ações da equipe e
também a parte administrativa, que é gerenciar a farmácia, a sala de vacina, os
insumos muita tarefa para enfermagem mesmo. (E 20, Enfermeiro, x2= 368.86)

O acúmulo de atividades nas dimensões assistencial e gerencial no processo de


trabalho da enfermeira acaba implicando no seu desempenho, uma vez que, são inúmeras as
157

atividades a serem realizadas somente por uma profissional de enfermagem. Desta forma
entende-se que esta sobrecarga pode dificultar as ações da equipe na tomada de decisão frente
as estratégias de tratamento das doenças negligenciadas, haja vista que para efetividade deste
planejamento seria imprescindível a participação da enfermeira em sua totalidade, tanto na
dimensão assistencial quanto gerencial.
A participação ativa do paciente na construção de ações no seu processo de
autocuidado reflete uma eficiência na prevenção, na promoção e no tratamento de seus
problemas de saúde, ou seja, quando o paciente possui autonomia no seu cuidado torna-se um
facilitador da reabilitação de sua saúde. Os profissionais apresentaram que estes pacientes
vivem em dificuldades em relação ao conhecimento sobre os aspectos das doenças que os
afligem, as condições sociais em que estão inseridos e principalmente a construção de novos
saberes para o cuidado com a sua saúde.

[...] quando eles chegam aqui, querem saber tudo sobre a doença e procuram saber o
tempo de tratamento e os exames que podem ser feitos e pedem ajuda também, eles
estão vivendo em dificuldade. (E 11, Enfermeiro, x2= 248.16)

Por tudo isso, cabe ao profissional de saúde aplicar uma metodologia de incentivo a
participação ativa do paciente e ainda evidenciar as principais dificuldades apresentadas pelos
pacientes com o intuito de ter maior resolutividade possível no tratamento destes agravos.
As doenças negligenciadas são caracterizadas pelo impacto social que causa nas
pessoas principalmente, por conta do estigma e do preconceito vivenciado pelas pessoas que
convivem e as enfrentam cotidianamente. Este preconceito enraizado no imaginário social das
pessoas perpassa pelas formas como as doenças se apresentam, ou seja, a condição clínica e o
estado em que as pessoas acometidas por estas enfermidades são deformidades no corpo,
como por exemplo, a face leonina na hanseníase, ou pelo medo do contágio, no caso da
tuberculose pulmonar.
Esta vivência do preconceito aparece principalmente pela ausência de informações
sobre os aspectos clínicos das doenças negligenciadas, a ausência de conhecimentos sobre as
formas de contágio e a quebra da cadeia de transmissão de uma doença infectocontagiosa, e se
propaga na cultura popular como saberes hegemônicos que dificultam o entendimento e
participação do próprio indivíduo em seu tratamento.

[...] quando temos um paciente com esta doença, a gente percebe muito preconceito
ainda, até mesmo de alguns profissionais que a meu ver, não estão preparados para
atuar com estas doenças, a minha interação aqui é sempre pensando em conhecer
mais o paciente, sua família, identificar possíveis parcerias no controle desta doença.
(E 19, Enfermeiro, x2= 303.61)
158

Neste momento, a família surge como uma sustentação no combate a enfermidade


quando a mesma assume o tratamento junto com o indivíduo buscando informações e
conhecimentos sobre os aspectos que envolvem as doenças negligenciadas. Esta parceria
torna-se fundamental na participação do indivíduo no processo do autocuidado, com adesão
ao tratamento dando continuidade e atingindo a finalidade como a cura e reabilitação.

Subeixo 2.1: Estratégias do processo assistencial frente as doenças negligenciadas

Este subeixo tratou sobre as estratégias do processo assistencial frente as doenças


negligenciadas, em especial, ao tratamento medicamento, com suas colaborações no processo
do cuidar e suas implicações na vertente do paradigma biomédico. O eixo formou-se pela
classe 06 e pelo subeixo 2.1.2, que por seu turno, abrangeu as classes 04 e 03.

3.3.2.2 Classe 06: O tratamento medicamentoso no contexto das doenças negligenciadas

Esta classe apresenta 127 UCEs, o que significa o envolvimento de 12,2% do material
analisado utilizado pelo software para a construção da análise. Em sua constituição podem ser
observadas as seguintes palavras: tomar (x2 = 74,22), medicação (x2 = 71,87), droga (x2 =
70,59), posto (x2 = 63,76), usuário (x2 = 58,15), tuberculose (x2 = 45,23), dia (x2 = 43,3), tosse
(x2 = 38,12), rápido (x2 = 31,57), comprimido (x2 = 28,96) e comida (x2 = 28,96), dentre
outras que foram citadas e que podem ser visualizadas na apresentação do próprio
dendograma que subsidia a construção desta classe. Pode-se observar que a classe aborda
questões relacionadas à terapia das doenças negligenciadas, ao seu local de atendimento, ao
sujeito acometido por ela, à sua sintomatologia e a questões básicas da vida humana que
podem fazer frente à condição de adoecimento.
Os sujeitos abordam, em um primeiro momento, os exemplos de doenças
negligenciadas que conhecem por serem presentes em seu cotidiano profissional e na atenção
que prestam à população. Pode-se observar que, independente da categoria profissional de
pertencimento, estas doenças, em suas diferentes manifestações mostram-se como entidades
concretas para estes sujeitos, inclusive como entidades que se repetem na discursividade.

[...] doenças negligenciadas tem várias: tuberculose mesmo é negligenciada. As


pessoas vão no posto de saúde e às vezes passam também…aqui mesmo tem um
159

caso de uma senhora que passou de calazar...era diabética. (E 28, Enfermeiro, x2 =


250.19)

[...] esses casos de tuberculose e hanseníase chegam até a gente através do


encaminhamento ás vezes demanda espontânea as vezes o paciente fica também pelo
trabalho dos profissionais dos estudantes ou então até lendo lá fora um cartaz (E 11,
Enfermeiro, x2 = 193.86)

No conjunto da construção do pensamento social dos sujeitos, algumas doenças se


fazem presentes de modo especial, até mesmo recorrente, com destaque para a díade
tuberculose-hanseníase que parece ser frequente do ponto de vista epidemiológico, recorrente
nas unidades de saúde pelas características do seu tratamento e histórica em suas construções
representacionais, como bem demonstram os estudos da OMS (WHO, 2014; BRASIL, 2015;
MARINHO, 2016; SOUZA, MEIRELLES, 2010).
As estimativas mais recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam o
surgimento de 213.899 casos novos de hanseníase no mundo (WHO, 2014). No Brasil foram
notificados em 2015 quase 29.000 casos de hanseníase, dos quais 2.113 em menores de 15
anos (Brasil, 2015). O país mantém nas últimas décadas a situação mais desfavorável na
América e o diagnóstico da segunda maior quantidade de casos novos do mundo, perdendo
apenas para a Índia.
A hanseníase é uma das mais antigas doenças conhecidas na história da humanidade.
Até os dias atuais, ainda se trata de uma enfermidade envolta de tabus e crenças, de natureza
simbólica, interpretada muitas vezes como castigo divino. Diversos estudos (Ayres, Paiva,
Duarte & Berti, 2012; Marinho, Macedo, Sime, Paschoal & Nardi, 2014; Nunes, Oliveira &
Vieira, 2011) realizados sobre a temática mostram que o problema do estigma e preconceito
acerca da hanseníase pode guardar relação com o imaginário da sociedade associado à
conjuntura da doença no passado – lepra -, que se tem sustentado e arraigado, causando
prejuízos, e antigas práticas de isolamento que foram correntes até épocas recentes,
favorecendo uma representação da doença como ameaça constante de sofrimento, abandono,
deficiências físicas e problemas psicossociais (MARINHO apud. BAIALARDI, 2016).
Nesta direção seria correto afirmar que o impacto provocado pela hanseníase poderá
interferir no cotidiano dos sujeitos. Vários autores (Ayres et al., 2012; Cid, Lima, Souza &
Moura, 2012; Coelho, 2008; Leite, Sampaio & Caldeira, 2015; Lopes, Carmo, Nascimento,
Maia & Goulart, 2010; Marinho et al., 2014; Mendes, 2007; Nunes et al., 2011), ao
investigarem as repercussões da doença na vida das pessoas com hanseníase, bem como os
sentimentos relacionados à vivência com a doença, identificaram nos seus resultados
160

mudanças no convívio social desses sujeitos e sentimentos negativos relacionados à


enfermidade, tais como: tristeza, desânimo, espanto, choque, preocupação, insegurança e
medo (MARINHO, 2016).
No que diz respeito a tuberculose segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a
TB é considerada um problema global de saúde pública, doença curável com uma elevada
notificação anual. No Brasil, anualmente são notificados cerca de 70 mil casos novos,
ocasionando em 4,6 mil mortes em decorrência da doença, ocupando assim o 17º lugar entre
os 22 países responsáveis por 80% do total de casos de tuberculose no mundo (WHO, 2016).
A tuberculose ainda é uma das principais causas de morbidade e mortalidade no
mundo. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que, em 2016, houve 10,4 milhões
de novos casos de tuberculose, e que, no mesmo ano, a tuberculose causou a morte de 1,3
milhão de indivíduos não infectados pelo HIV e de 374.000 indivíduos infectados pelo HIV.
Também em 2016, a tuberculose foi uma das dez principais causas de morte no mundo,
ficando na frente do HIV/AIDS como principal causa de morte por um único agente
infeccioso.
Sendo assim, nos últimos 17 anos no Brasil, a tuberculose apresentou queda de 38,7%
na taxa de incidência e 33,6% na taxa de mortalidade. A tendência de queda em ambos os
indicadores vem-se acelerando ano após ano em um esforço nacional, o que poderá
determinar o efetivo controle da tuberculose, e o agravo deixará de ser um problema para a
saúde pública. Contudo, sabe-se que a doença não só tem um caráter biomédico como
também traz consigo um cunho social que a atravessa por décadas, pois envolvem tabus e
crenças de natureza simbólica, cercada de estigma e preconceitos (SOUZA; MEIRELLES,
2010).
Mesmo que para muitos profissionais de saúde o chamado conhecimento popular,
também conhecido como senso comum, possa ser demonstrado como um conhecimento pré-
científico, entende-se que ele é uma ferramenta mestra para compreender os fatores
motivacionais desses indivíduos e redirecionar as práticas educativas e do cuidado, no intuito
de atenuar o estigma da doença e do doente. Tais intervenções podem ser direcionadas no
sentido de combater os paradigmas, o preconceito e as atitudes de segregação com as pessoas
acometidas pela doença (SANTOS et. al., 2013).
Outra doença negligenciada apontada pelos sujeitos é o Calazar, ou seja, a
Leishmaniose visceral, que é endêmica na região em que o estudo foi desenvolvido e que, por
isto, é um fenômeno próximo à realidade vivida dos profissionais de saúde. A leishmaniose
visceral (LV), caracterizada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como doença
161

negligenciada, constitui grande problema de saúde pública no Brasil, onde estão concentrados
70% de todos os casos registrados na América do Sul. A doença encontra-se amplamente
difundida no país, com casos registrados nas cinco regiões brasileiras e 21 Unidades
Federadas. No período entre 1990 e 2012, a taxa de incidência média no país foi igual a 1,8
casos/100.000 habitantes (BRASIL, 2014).
No Brasil, o controle da LV está centrado no diagnóstico e tratamento precoces,
redução da população de vetores e eutanásia de cães com diagnóstico sorológico e/ou
parasitológico positivo. A opção por tais estratégias se fundamenta no fato da ecologia e
epidemiologia da doença ser bastante complexa, com o vetor apresentando elevada
capacidade de adaptação a diferentes ambientes, inclusive o urbano, possibilitando a
reativação constante do ciclo de transmissão. Na área urbana, tal aspecto é potencializado pela
presença do reservatório canino, seja pela manutenção prolongada do estado infeccioso,
independente de sintomatologia clínica, ou pela reposição rápida após eutanásia (CARMO;
LUZ; BEVILACQUIA, 2016).
Essa multiplicidade de fatores ecológicos e epidemiológicos, associada à ocupação
urbana desordenada e a outros subjacentes a esse processo, tais como, condições insalubres de
moradia e saneamento básico e dificuldades no acesso e na organização dos serviços de saúde,
contribuem para a conformação de cenários heterogêneos de transmissão da LV. Além disso,
com o processo de municipalização do Sistema Único de Saúde brasileiro, a gestão e a
operacionalização das ações de controle e vigilância da LV passam a ser responsabilidade dos
municípios, impondo a adequação das atividades de prevenção e controle à realidade local,
constituindo desafio para os serviços de saúde do país (CARMO; LUZ; BEVILACQUIA,
2016).
Avançar na compreensão da doença, para além de características clínicas e
epidemiológicas, contemplando a percepção de atores sociais diretamente envolvidos com a
prevenção e o controle pode contribuir para a efetividade dessas ações. Esse caminho é
apontado por autores como Lasker e Weiss (2013) e Israel et al. (2015) que defendem a
participação da população na resolução de problemas coletivos e não apenas sua inclusão
como objeto de preocupação, fonte de dados ou alvo dos esforços para solução dos
problemas. Abordagens como essas, participativas e dialógicas, encontram respaldo teórico já
consolidado, sobretudo no campo da educação em saúde a partir da perspectiva freiriana
(FREIRE, 2005).
A OMS (2010), no relatório da última reunião de peritos sobre LV realizada em 2010,
coaduna com essa perspectiva, destacando que a mobilização social no sentido de mudar
162

comportamentos da população requer estratégias eficazes de comunicação, destacando o


diálogo permanente entre população e profissionais de saúde.
A educação em saúde e a participação comunitária são vistas como a forma mais
importante de se combater a doença; a colaboração da população torna-se fundamental para o
êxito da campanha de combate à LV. Seja pelos meios de comunicação de massa, como TV,
rádio ou jornal, seja por meio dos profissionais de saúde, com visitas domiciliares ou
palestras, a população deve ter acesso às informações sobre a doença, sobre o vetor e sobre as
medidas de prevenção e controle para que possam saber como agir para ajudar a reduzir e,
posteriormente, eliminar os focos de transmissão (BORJA-CABRERA, G.P.; et al, 2016).
Além destas que já foram expostas nos parágrafos anteriores, destaca-se a presença da
esquistossomose, entidade que também se caracteriza como endêmica no locus do estudo,
como pode ser observado na fala a seguir.

[...] existem critérios bem rígidos para serem usados: a esquistossomose é uma
doença negligenciadas e só tem uma droga que a gente usa e, às vezes, a pessoa
vomita muito. Este contato não devido em lugares que devem ser evitados. (E 02,
Enfermeiro, x2 = 180,26)

A esquistossomose apresenta-se como uma doença que possui, por um lado, uma
importância epidemiológica e, por outro, forte impacto simbólico pela sintomatologia que
apresenta, pela desfiguração corporal recorrente e por sua característica de estar ligada à
interrelação homem-natureza em meios que podem ser considerados como não apropriados.
No Brasil, a esquistossomose mansônica é considerada um importante problema de saúde
pública acometendo de 3 a 6 milhões de indivíduos e 25 milhões em risco de contrair a
doença1. Atinge 19 unidades federativas, sendo que aproximadamente 99% dos casos estão
concentrados nas regiões Nordeste e Sudeste (BRASIL, 2014).
Desde a década de 1980, o Programa de Controle da Esquistossomose (PCE)
desenvolve inquéritos coproscópicos e outras ações com recursos do governo federal com
intuito de controlar a doença em todo o país. A partir de 1998, os municípios passaram a ser
responsáveis pelas atividades de vigilância e controle da infecção em toda a sua área de
abrangência. Para tal, deveriam dispor de uma estrutura capaz de proporcionar o
desenvolvimento dessas ações de forma integrada, contemplando ações de vigilância
epidemiológica e ambiental em saúde e de controle da doença, além de realizarem um
diagnóstico integral da situação da saúde-doença municipal (QUITES et. al. 2016).
163

Atualmente, o Ministério da Saúde propõe tratar as comunidades pertencentes às áreas


de maior risco, buscando reduzir a transmissão da infecção e suas possíveis complicações e
intensificar a busca de melhorias nas condições de saneamento. Em nível estadual, o PCE é
responsável por capacitar e dar suporte aos municípios nas ações que envolvem o diagnóstico
e tratamento da infecção, além de identificar focos de moluscos vetores. É competência ainda
deste programa, incentivar as ações de controle, a mobilização social, a educação em saúde e
a inserção dos dados gerados no sistema de informação correspondente (BRASIL, 2014).
Apesar de todos os esforços, ainda existem dificuldades na execução das ações
direcionadas ao controle da esquistossomose nos serviços de saúde diante da precariedade de
funcionamento dos serviços públicos de Atenção Primária a Saúde (APS) não só em alguns
países endêmicos como também no Brasil. No caso da esquistossomose, a complexidade do
mecanismo de transmissão e a diversidade dos fatores condicionantes dificultam o seu
controle pelos serviços de saúde. Em áreas endêmicas, o caráter assintomático da doença pode
acarretar uma evolução silenciosa com consequências importantes para o indivíduo e até
mesmo a instalação das formas graves. Portanto, é essencial que haja um monitoramento
constante da infecção. São raros os pacientes com esquistossomose aguda em área endêmica
e, ainda assim, é provável que esses casos estejam sendo negligenciados, mal diagnosticados,
subestimados e subnotificados ao longo dos anos. Todo esse contexto se agrava associado à
falta de planejamento e definição de prioridades nas ações em saúde municipais, o que gera
dificuldades no controle dessa infecção (BARBOSA et. al. 2012).
A abordagem da esquistossomose pelos sujeitos abre um aspecto interessante nas
representações elaboradas por eles acerca das doenças negligenciadas. Até agora pode-se
observar a citação de exemplos de doenças negligenciadas, adequados e pertinentes de acordo
com a literatura nacional que aponta as sete doenças negligenciadas priorizadas pelo
Ministério da Saúde, a saber: tuberculose, hanseníase, leishmanioses, esquistossomose,
doença de Chagas, dengue e malária (BRASIL, 2010). Todas estas últimas doenças citadas
constituem um grupo de 17 doenças tropicais negligenciadas definidas no primeiro relatório
da OMS (2012) que são definidas pela literatura internacional, mas há uma compreensão de
negligenciadas como um ato dos usuários que negligencia os cuidados necessários a não
adquirir ou a não agravar determinadas doenças.

[...] aí você fala a pergunta principal sobre as negligência: a negligência tá no uso do


preservativo no caso das doenças transmissíveis sexualmente, no uso das pessoas
usuária de drogas que compartilham o mesmo material pra dividir drogas. (E 05,
Médico, x2 = 202,67)
164

Chama a atenção, de maneira importante, inclusive, esta construção sociocognitiva em


que o exemplo citado, as doenças sexualmente transmissíveis, de maneira explícita, e o
HIV/Aids, de modo implícito, em função da referência ao compartilhamento de materiais para
o uso de drogas, sexualmente, aparecem como exemplo de doenças negligenciadas. Em
primeiro lugar, deve-se destacar que elas não são classificadas como tais, mas, o mais
importante, há uma construção representacional em que o binômio usuário-
responsabilização/culpabilização possui fundamento na classificação oficial adotada para o
conhecimento destas doenças.
Esta construção representacional não se mostra como um aspecto isolado em alguns
sujeitos, mas se mostra recorrente e com outras facetas, como pode ser observado a seguir:

[...] colocar uma pomadinha e, ás vezes, naquele momento, ele vai realmente ter uma
falsa sensação de cura e ele vai permanecer no problema. Eu acho que vai ser mais
negligenciada pelo próprio usuário. (E 15, Enfermeiro, x2 = 204,34)

Há uma construção representacional em que os usuários podem ser negligentes com o


seu estado de saúde na medida em que há uma sensação de cura em função de cuidados que
podem ser classificados como importantes, mas não necessariamente curativos. Este aspecto
sempre foi presente em diferentes contextos sanitários, de modo especial naqueles que
possuem longos tratamentos, dificultando, sobremaneira, o processo de adesão e gerando
graves consequências, como o aparecimento de cepas resistentes, por exemplo, no Tratamento
Diretamente Observado no controle da Tuberculose.
A publicação do Programa Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT) em 2004
abriu espaço para integração entre os diferentes equipamentos de saúde o que contribui para a
efetiva ampliação do acesso ao diagnóstico e ao tratamento. Os maiores desafios do programa
relacionam-se à estratégia de TDO, a cobertura das ações de abandono do tratamento e a
incrementação das taxas de cura da doença. O abandono do tratamento é compreendido como
o não comparecimento do indivíduo em acompanhamento à unidade de saúde por mais de 30
dias consecutivos, após a data aprazada para retorno. No contexto que envolve o abandono do
tratamento é importante o estabelecimento de uma rede descentralizada de diagnóstico e
tratamento integrada à Atenção Primária à Saúde (APS), visando horizontalizar as atividades
de vigilância, prevenção e controle da doença, pela incorporação das mesmas às atribuições
das equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF), considerada, na perspectiva da APS, a
porta de entrada do sistema de saúde (BRASIL, 2012).
165

O abandono do tratamento envolve uma série de fatores e não pode ser atribuída
culpabilidade apenas ao doente; devem ser consideradas também questões relacionadas aos
serviços de saúde, como a desorganização do trabalho em equipe, demora do atendimento,
desumanização, falta de vínculo entre doente e profissional de saúde, ausência de busca ativa
ao doente e faltoso, entre outros (DA SILVA et. al., 2016).
As representações sociais das doenças negligenciadas pelos sujeitos estudados, além
da inclusão dos usuários no processo de “negligenciamento” da sua condição de saúde, da
prevenção de determinadas doenças e do próprio cuidado no processo de restabelecimento,
abrange também a ação profissional:

[...] uma doença negligenciada é uma doença que, às vezes, você beira ao
desconhecimento ou a importância que deveria ter e na verdade ela não tem esta
importância muitas vezes pelo profissional e muitas vezes pelo profissional e muitas
vezes pelo usuário. (E 15, Enfermeiro, x2 = 202,53)

Para os sujeitos, há uma avaliação dos comportamentos dos usuários e dos


profissionais a partir da consideração da importância que ambos os grupos atribuem às
doenças e às situações relacionadas a elas, ainda que esta atitude não seja, pelas falas dos
sujeitos, exclusivo dos que foram citados. Deve-se considerar que este ponto requer um
cuidado maior e a necessidade de se deter um pouco mais sobre esta questão. As doenças
negligenciadas se configuram como um complexo processo político, social, econômico,
financeiro, mas parece tender a um processo de responsabilização de atores sociais que estão
na ponta do sistema, no enfrentamento direto das entidades mórbidas.
Outro aspecto abordado pelos sujeitos refere-se ao modo como os usuários chegam à
unidade de saúde para o acolhimento, o processo de diagnóstico e o posterior tratamento:

[...] os pacientes chegam geralmente com medo e o estado físico muitas vezes é o
pior possível principalmente no caso da tuberculose suas queixas tem a ver com o
dia a dia, a falta de comida e de assistência. (E10, Médico, x2 = 211,38)

Em um primeiro momento, ao se chegar à unidade de saúde, destaca-se a existência do


medo e frágil estado físico dos usuários. Ambas as situações requerem um processo de
acolhimento que dê conta das dimensões psicossociais e biomédicas daqueles que apresentam
estas doenças. Os profissionais reconhecem, de modo preciso, a existência de ambas as
dimensões e as suas manifestações neste primeiro momento que, por sua importância, tende a
marcar, positiva ou negativamente, todo o processo que será vivido na sequência.
166

O medo é algo frequentemente citado na literatura diante da possibilidade de um


diagnóstico que possui prognóstico reservado ou que possa gerar alteração corporal ou mental
que dificulte a socialização ou que gerem rejeição ou repulsa social. Com relação às doenças
negligenciadas, este fato se torna ainda mais profundo na medida em que há construções
simbólicas, culturais e sociais, normalmente históricas, que causam apreensões, temores e
reações negativas, algumas até mesmo desnecessárias.
Com relação à tuberculose, por exemplo, citada pelo profissional na frase exposta
acima, tem-se as práticas dos indivíduos vinculadas ao imaginário social sobre as formas de
contágio com a necessidade do isolamento, separação de talheres e toalhas, evitar o contato
próximo como um aperto de mãos, tudo isso são construções simbólicas e culturais que
entornam a enfermidade e modelam as práticas cotidianas.
A tuberculose é uma doença antiga, cujas representações são ambíguas em diferentes
momentos da história. Até meados do século XX, quando o tratamento ainda não era
realidade, a doença gerava representações variadas, tanto no individual como no coletivo.
Doença mortal: a tuberculose era percebida como consequência de uma vida de excessos,
portanto, em desacordo com os padrões socialmente aceitáveis. No século XX, com os
investimentos significativos em políticas de saúde pública, as representações da tuberculose
ganham contornos mais dramáticos por caracterizar sintomas evidentes de miséria social.
Essas representações contribuíram para a construção do imaginário social acerca da doença e,
consequentemente, para o modo como ela é vista na sociedade (GAMA, 2017).
Desta forma, as representações sociais acerca da tuberculose também podem
condicionar as práticas de cuidado de si quanto à adesão ou não ao tratamento. Assim, a falta
de conhecimento sobre a doença, o déficit de educação em saúde, os estigmas e os
conhecimentos errôneos potencializam a discriminação e o preconceito. Sobre esse assunto,
Lopes (2013) afirma que o desconhecimento e, consequentemente, as representações sociais
oriundas dele sobre a doença reforçam o aparecimento do estigma e que tais fatores
contribuem significativamente para que essas pessoas possam ter (ou não) cuidado consigo
mesmo.
Com relação à condição física e corporal que é descrita como, em algumas situações,
a “pior possível” na discursividade dos sujeitos, pode ser compreendida como uma
dificuldade na implementação da proposta programática e da estratégia da saúde da família,
uma vez que as situações parecem chegar às unidades de modo já avançado e em condições
que podem ser consideradas críticas, ao menos em algumas situações.
167

A situação do estado físico dos sujeitos com a apresentação das manifestações clínicas
das doenças negligenciadas, pode ser exemplificada pela hanseníase, que por seu turno, possui
uma dificuldade no diagnóstico precoce e isso implica no aparecimento das alterações
dermatoneurológicas que provocam danos físicos e sociais. Essa patologia afeta
principalmente a pele, a mucosa do trato respiratório superior, os olhos e os nervos
periféricos, ocasionando incapacidades físicas. Os sinais e sintomas mais evidentes são
manchas, falta de sensibilidade, câimbras, dores musculares, espessamento de nervos,
limitações na visão, marcha com dificuldade e encurtamento de nervos, músculos e
articulações (WITAS et.al., 2015).
As leishmanioses, visceral e tegumentar, também consideradas negligenciadas e
provocam uma série de danos físicos, cognitivos, a partir da ausência do cuidado e do
diagnóstico precoce, que se torna causadores da endemicidade e da renovação do ciclo de
transmissão. Na leishmania visceral, ou calazar, tem-se as manifestações na fase crônica que
diminuem a qualidade de vida do indivíduo e provoca lesões em órgãos essenciais para o
funcionamento do corpo, como o fígado.
A leishmaniose visceral, também conhecida como calazar, ataca os órgãos internos, e
é a forma mais grave da doença. Caso não seja tratada, em geral é fatal em até dois anos.
Além disso, uma certa porcentagem dos casos pode evoluir para uma disseminação de
parasitas pela pele. A leishmaniose visceral caracteriza-se por surtos irregulares de febre,
perda substancial de peso, aumento do baço e do fígado, e pancitopenia – forma cutânea
conhecida como leishmaniose dérmica pós-calazar, que requer tratamento prolongado (OMS,
2012).
A leishmaniose tegumentar, por outro lado, apresenta potencial estigmatizante como
consequência das lesões. Doenças da pele, particularmente úlceras, são consideradas como
causadoras de sofrimento psíquico entre os indivíduos atingidos, em diversos países. As
principais doenças tropicais negligenciadas estão associadas com a estigmatização das
pessoas atingidas, causando notáveis consequências psicológicas, tais como baixa autoestima,
ansiedade, depressão e suicídio. A leishmaniose cutânea, que se manifesta mais
frequentemente com lesões em áreas expostas, figura entre as que podem causar
estigmatização social, afetar a autoestima levando a sentimentos de inferioridade, e gerar
sofrimento psíquico, particularmente em mulheres. As repercussões emocionais da
leishmaniose cutânea são relatadas de forma muito sucinta na literatura, e podem afetar o
comportamento do indivíduo, dos familiares e do entorno social. Mesmo crianças podem
168

sentir desconforto psíquico devido à presença de lesões ativas ou cicatrizes, ou devido a serem
impedidas de brincar com outras crianças (BEDOYA et. al., 2017).
A doença de chagas também é uma das doenças tropicais negligenciadas. O seu
patógeno é o trypanosoma cruzi, transmitido pelas fezes infectadas do inseto popularmente
conhecido como barbeiro. A contaminação também pode ocorrer por meio de alimentos e
transfusão sanguínea. A doença de Chagas é responsável por 14 mil mortes anuais, de acordo
com a OMS, que ainda informa que cerca de 10 milhões de pessoas têm a doença na sua
forma mais crônica, quando não há mais cura. Isso porque os sintomas podem se manifestar
até 30 anos após a infecção, quando a fase crônica já está instalada. Apesar das campanhas de
alerta contra os perigos do barbeiro, os índices de transmissão quase não sofreram redução
(SANTOS, 2014).
No homem, os tripanossomas têm preferência por neurônios do sistema nervoso
autônomo e por células do miocárdio. A destruição gradual e progressiva dessas células
responde pelos sintomas da doença crônica: lesões do sistema motor do coração com
arritmias, bloqueios e paradas cardíacas; lesões das fibras cardíacas com diminuição de seu
poder contrátil e insuficiência cardíaca; lesões dos neurônios dos esfíncteres do esôfago e
cólon sigmóide que apresentam progressiva dificuldade de abertura, ocasionando a formação
de megaesôfago e megacólon. A morte pode ocorrer já na fase aguda ou em qualquer
momento da fase crônica, mas em geral a doença se estende por muitos anos. O tratamento
medicamentoso é complicado, pouco eficiente na fase crônica da doença e com muitos riscos
e efeitos colaterais (ALMEIDA, 2017).
Deve-se, ainda, aprofundar uma questão relativa ao aspecto físico citado pelo
profissional, qual seja, a tuberculose. Embora não esteja explícito na própria fala, deve-se
considerar, com certa margem de segurança, de que um dos aspectos abordados é o
emagrecimento corporal, às vezes de forma contundente e expressiva, observado de forma
frequente no início do tratamento desta doença. O emagrecimento e sua avaliação no contexto
da tuberculose pode ser observado na fala exposta a seguir:

[...] da tuberculose uma das coisas que mais leva a procurar o médico é a tosse, às
vezes a febre e a perda de peso... na verdade, a perda de peso é o que leva muito a
procurar o posto. (E 01, Médico, x2 = 307.39)

Este sinal físico reveste-se de importância em função de sua presença nas construções
representacionais de diferentes grupos sociais acerca de diferentes doenças além da
tuberculose, como o câncer e a aids. Há, ainda, neste processo de chegar à unidade de saúde,
169

um itinerário terapêutico construído pelos usuários na tentativa de e evitar a entrada no


sistema oficial de saúde:

[...] estou com febre, estou com tosse; não vou no posto não, vou tomar um remédio
do vizinho e tal pra ver se não precisa ir no posto. Aliviou a febre, maravilha, a tosse
ainda ficou um pouquinho. E assim vai... (E 13, Enfermeiro, x2 = 207.12)

Pode-se observar que há um itinerário próprio dos usuários antes deles chegarem às
unidades de saúde, com destaque, ao menos para a discursividade dos sujeitos, para a troca de
experiências com os que compõem a sua rede social. Trata-se de uma tentativa de erros e
acertos para a solução de problemas que aparecerem e que se caracterizam como a
constituição de um saber ingênuo a partir do saber de experiência feito, legitimado pelo
sucesso atingido por alguém e que pode ser verificado por quem está necessitado.
O adoecimento é imbuído de significados que são sempre presentes para quem o vive,
porém, os modos como as pessoas tecem e atribuem estes significados têm relação direta com
a identidade individual e social. Os efeitos da doença no corpo e os eventos que ocorrem na
vida das pessoas decorrentes do adoecimento são marcas constantes na vida delas e
transformam seus cotidianos. O corpo, além de ser objeto físico é o agente criativo das
experiências e representa significados e valores diferentes para quem vive. Quando as pessoas
passam por essa experiência há a singularização e o desprendimento da condição de vida que
antecedia à doença. O momento da descoberta da enfermidade faz surgir incertezas,
sofrimentos e ressignificações sobre o corpo na nova condição de saúde, que resulta em ações
de enfrentamento da mesma por meio da busca ou não por atendimento nos serviços de saúde.
Todos estes efeitos sobre o corpo do indivíduo podem ser visualizados nas
manifestações clínicas da tuberculose, principalmente, sobre o emagrecimento e seus
significados frente ao estado de depreciação física do portador desta enfermidade. Acredita-se
que esta manifestação marca socialmente a pessoa e a identifica como portadora de um
possível mal que pode a qualquer momento atinge toda uma coletividade. O emagrecimento
identifica, isola e determina a condição social do indivíduo que passa a ter a carga do estigma
e do preconceito com a tuberculose.
Associado a isto, os profissionais se referem às dificuldades relativas ao sistema de
saúde que interferem no processo de atendimento e cuidado, como se segue:

[...] todas elas estão no mesmo saco, como é o ditado. A tuberculose tem período
que é pior, que às vezes falta o diagnóstico, os exames, o pessoal não tem dinheiro, o
posto não fornece uma baciloscopia. (E01, Médico, x2 = 277.43)
170

Há um conjunto de situações desfavoráveis, como a impossibilidade de realização do


diagnóstico, a não implementação de serviços de saúde, como os exames laboratoriais e a
oferta de um exame específico e fundamental, como a baciloscopia, no que tange às unidades
e ao sistema de saúde, e o não suporte financeiro, em relação aos usuários. Para as
construções socio-cognitivas dos sujeitos, pode-se considerar que há uma potencialização de
diferentes dificuldades que impedem um processo de cuidado adequado e até mesmo justo.
Um aspecto transversal a estas dificuldades relaciona-se ao social e financeiro tanto da ação
do poder governamental, quanto dos sujeitos envolvidos, o que configura, de fato, uma
definição de doenças negligenciadas.
Doenças podem ser geradoras de pobreza e resultar dela, num caleidoscópio complexo
que evolui num círculo vicioso. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, mais de
um bilhão de pessoas estão infectadas com uma ou mais doenças negligenciadas, o que
representa um sexto da população mundial. A carga de doenças infecciosas é desigualmente
distribuída no mundo, onde as pessoas pobres compartilham uma elevada parte dessas
mazelas. Grande porcentagem pode ser atribuída a doenças tropicais negligenciadas, as quais
compreendem dezessete condições médico-sanitárias diferentes (WHO, 2013).
As doenças negligenciadas são caracterizadas por um grupo de enfermidades
infecciosas que atingem principalmente a população de baixa renda nos países em
desenvolvimento, com poucos investimentos em pesquisa e tecnologia para avançar no
controle, na prevenção e tratamento medicamentoso. São assim denominadas, também, pelo
fato de não despertarem o interesse econômico e financeiro das grandes indústrias
farmacêuticas, proporcionando a continuidade do ciclo da pobreza e diminuição da qualidade
de vida das pessoas. As doenças negligenciadas são o conjunto de doenças causadas por
agentes infectoparasitários que produzem importante dano físico, cognitivo e socioeconômico
em crianças e adolescentes, principalmente em comunidades de baixa renda. São também
compreendidas como doenças infecciosas de grande importância na saúde pública e que
deixaram de receber atenção adequada por parte da ciência como um todo (SANTOS et. al.
2017).
Além das dificuldades relacionadas aos exames, aos processos diagnósticos e à
baciloscopia, o acesso aos medicamentos relativos a estas doenças também se configuram
como algo complicado:

[...] a anfoterecina B você toma...o paciente durante só 05 dias, embora seja uma
droga que também causa efeitos colaterais, como o glucantime, mas somente são 05
dias, mas é uma droga extremamente cara, aí não dá. (E 02, Médico, x 2 = 260.51)
171

Os recursos financeiros continuam presentes na discursividade dos sujeitos como um


fator limitador do processo de tratamento e de adesão, incidindo diretamente nas condições
saúde deste público, no perfil epidemiológico da região, na qualidade de vida das pessoas, na
economia da região e na subjetividade e intersubjetividade das pessoas acometidas, assim
como de suas famílias.
O tratamento prolongado e permanente como o da tuberculose possui especificidades
que podem ser observadas nas falas expostas a seguir:

[...] e também a administração supervisionada das medicações, principalmente da


tuberculose...é tanto que ela não leva a cartela, toda vez ela tem que vir aqui trazer
as cartelas vazias, o agente comunitário de saúde vai até a casa pra ver se faz o
tratamento direito. (E 13, Enfermeiro, x2= 244.47)

[...] a medicação que tem tomar corretamente, todos os dias ele tá vindo para as
consultas, ele tá passando qualquer evento que ele tenha a respeito da medicação,
então acho que isso contribui. (E 23, Técnico de enfermagem, x2= 204.30)

[...] na verdade assim quando assim nos próprios programas eu procuro saber
abordar o tema, a gente via perguntando normalmente com um bate papo ou às
vezes o usuário dar uma brechinha, puxou pra falar de alguma coisa. (E 15,
Enfermeiro, x2= 210.85)

Para estes sujeitos, a presença de uma equipe multiprofissional com diferentes


competências no cuidado às pessoas com uma doença negligenciada crônica torna-se
fundamental, incluindo a ida dos usuários à unidade de saúde e a presença dos próprios
profissionais nos domicílios dos sujeitos. Há uma preocupação na fiscalização da realização
do tratamento adequado, de modo que se chegue à eliminação do agente etiológico e da cura
definitiva da situação mórbida. Ao mesmo tempo, a díade assiduidade à consulta e
possibilidade de diálogo entre profissionais e usuários são aspectos que devem ser utilizados
no processo de cuidado a esta clientela, especialmente quando se considera a complexidade da
situação do aparecimento de uma doença negligenciada em uma pessoa em específico e as
dificuldades já destacadas em seu enfrentamento.
O trabalho em equipe consiste numa modalidade coletiva que se configura na relação
recíproca entre as múltiplas intervenções técnicas e a interação dos agentes de diferentes áreas
profissionais. Tem sido veiculado como estratégia para enfrentar o intenso processo de
especialização na área da Saúde. Esse processo tende a aprofundar o conhecimento e a
intervenção em aspectos individualizados das necessidades de saúde, sem contemplar
simultaneamente a articulação das ações e dos saberes (ROSA, 2005; PEDUZZI, 2001).
172

A ampliação do objeto de intervenção para além do âmbito individual e clínico


demanda mudanças na forma de atuação e na organização do trabalho e requer alta
complexidade de saberes, para que ocorra uma construção de consensos e configurações de
projetos assistenciais comuns. Cada profissional é chamado a desempenhar sua profissão em
um processo de trabalho coletivo, cujo produto deve ser fruto de um trabalho que se forja com
a contribuição específica das diversas áreas profissionais ou de conhecimento (SILVA, 2005;
ALMEIDA, MISHIMA, 2001).
Sendo assim, a atuação multiprofissional consiste em uma reunião de profissionais que
permite grandes relações interpessoais, formando uma equipe de integração e agrupamento, o
que favorece a ocorrência da discussão e articulação de saberes, facilitando a formulação de
uma melhor organização dos serviços de saúde. Essa equipe engloba a união de agentes e a
integração do trabalho. Na área da Saúde, a integração do trabalho permite a articulação das
ações e a interação dos agentes e requer um compromisso ético e de respeito com cada
formador da equipe e, em especial, com a clientela (FORTUNA & cols. 2005).
As consultas individuais, originadas do planejamento em equipe, forneceram as
informações necessárias para a definição de possíveis diagnósticos médico e de enfermagem
contribuindo para a construção do plano de cuidados baseados nas evidências clínicas e
científicas percebidas durante o diálogo tanto com indivíduo quanto á sua família, responsável
pelo seu tratamento.
Os profissionais de saúde constataram a importância do tratamento medicamentoso,
mesmo sem as inovações tecnológicas que, possivelmente, trariam maiores condições de
adesão ao uso das medicações e melhor qualidade de vida.

[...] o certo mesmo é o tratamento com a medicação de tuberculose que são 06 meses
e durante 06 meses a gente explica que ela vai tomar 04 drogas e depois diminui pra
02. (E 11, Enfermeiro, x2 = 284.63)

[...] a dificuldade em aderir o tratamento muitas vezes é pelo número de


comprimidos que toma em um dia e também o tempo, no caso da hanseníase, pode
levar até dois anos ou mais de medicação, então, colocar isso na rotina, não é fácil.
(E 08, Médico, x2 = 355.63)

Pode-se observar o esforço dos profissionais em estimular a adesão ao tratamento


durante o tempo de sua realização, que pode ser classificado como prolongado, em especial
com a estratégia de diminuição do número de fármacos a partir de um certo período. Existe
farta literatura, (RABAHI, 2017; FERREIRA, 2003) que aponta que o número de
173

medicamentos e o tempo de tratamento, dentre outros, são fatores importantes para o sucesso
ou o insucesso da adesão à terapia.
O Brasil foi o primeiro país do mundo a padronizar o esquema de 6 meses na rede
pública de saúde, com todas as drogas administradas via oral e distribuídas gratuitamente.
Durante os anos 80, as cápsulas com a combinação rifampicina e isoniazida foram
implementadas, já com o objetivo de evitar resistência bacteriana adquirida. Em 2009, o
Brasil introduz o uso de comprimidos com dose fixa combinada (DFC) e adiciona o
Etambutol (E) ao esquema Rifampicina, Isoniazida e Pirazinamida (RHZ), segundo o
Programa Nacional de Controle da Tuberculose, com base nos resultados preliminares do II
Inquérito Nacional de Resistência aos Medicamentos Antituberculose, que mostrou um
aumento da resistência primária à isoniazida (de 4,4% para 6,0%) (RABAHI et. al., 2017).
O esquema básico atualmente utilizado no Brasil para o tratamento de adultos com
tuberculose sem suspeita clínica de resistência consiste de uma fase intensiva de 2 meses com
o esquema rifampicina-isoniazida-pirazinamida-etambutol sob a forma de dose fixa
combinada, seguido por uma fase de manutenção de 4 meses com esquema rifampicina-
isoniazida, dose fixa combinada, sendo utilizado para todas as formas da doença em pacientes
acima de 10 anos. A exceção é nos casos de pacientes com meningite por tuberculose, os
quais, na fase de manutenção, são tratados por 7 meses e com a associação de um
corticosteroide oral (prednisona, na dose 1-2 mg/kg/dia por 4 semanas) ou um corticosteroide
intravenoso (dexametasona, na dose de 0,3-0,4 mg/kg/dia, por 4-8 semanas). Os
medicamentos são em comprimidos em DFC. Cada comprimido contém 150 mg de
rifampicina, 75 mg de isoniazida, 400 mg de pirazinamida e 275 mg de etambutol (RABAHI
et. al., 2017).
O esquema de tratamento da tuberculose tem eficácia de aproximadamente 95% e
reduz rapidamente a transmissão da doença, quebrando seu ciclo. Embora a distribuição da
medicação no Brasil seja gratuita, a efetividade do tratamento da tuberculose varia muito nos
diferentes locais. Problemas nos variados níveis de adesão ao tratamento, como, por exemplo,
o uso errado ou irregular do medicamento e o abandono do tratamento, podem ser apontados
como fatores importantes que afetam a efetividade e, consequentemente, o controle da
tuberculose no Brasil. A utilização de medicamentos combinados em um único comprimido é
recomendada pela OMS como uma medida adicional para aumentar a adesão ao tratamento da
tuberculose. Essa apresentação farmacêutica facilita a gestão das medicações, diminui o erro
de prescrição e diminui o risco de monoterapia, além de diminuir a quantidade de
174

comprimidos a serem ingeridos. Entretanto, seu uso não atua no abandono nem no uso
irregular da medicação (FERREIRA et.al., 2013).
A tuberculose pulmonar é uma doença grave, porém com possibilidade de cura em
quase 100% dos casos, desde que os princípios de seu tratamento sejam obedecidos.
Atualmente, o tratamento preconizado se faz através da associação medicamentosa adequada,
seguindo a dose e o tempo correto, bem como a supervisão da tomada dos medicamentos. O
tratamento da tuberculose pulmonar possui esquemas adequados a cada situação e,
atualmente, vem sendo recomendado, em todo o mundo, a estratégia do tratamento
supervisionado diretamente observado (DOTS). Esta estratégia é uma forma de assegurar a
adesão do paciente ao tratamento, diminuindo as taxas de abandono, bem como a persistência
de bacilíferos positivos na comunidade. Na estratégia DOTS, a ingestão dos medicamentos
deve ser assistida pelo profissional de saúde no local pactuado entre a equipe e o doente, de
modo que ocorra supervisão diária da tomada da medicação, ou pelo menos três vezes por
semana nos dois primeiros meses e duas vezes por semana nos quatro meses subsequentes
(LOPES et. al., 2014).
Os casos de abandono do tratamento são problemas tão relevantes quanto a própria
incidência da doença, visto que é um dos fatores associados ao aumento da falência dos
esquemas, devido à resistência do M. tuberculosis aos fármacos disponíveis, bem como onera
o sistema de saúde que deve dispor de recursos humanos e materiais cada vez que o doente de
tuberculose inicia um novo tratamento.
Torna-se necessário que profissionais de saúde, usuários que vivem com doenças
negligenciadas, os familiares destes usuários e o sistema de saúde compreendam a
complexidade desta situação e, em conjunto, consigam propor medidas e metodologias
criativas que aumentem o nível de adesão e que permitam melhor qualidade de vida neste
período. Simultaneamente, com toda a dificuldade em ampliar as ações dos fármacos para
melhorar a qualidade do tratamento medicamentoso, recorre-se ao que está disposto nas
políticas de saúde voltadas para a implantação de investimentos na assistência farmacêutica,
considerando o princípio da equidade do SUS.
O sucesso na adesão ao tratamento medicamentoso consiste no trabalho da equipe de
saúde, logo no primeiro contato com o paciente, demonstrando empatia, conhecimento sobre
os aspectos clínicos que envolve a doença e desmitificando as práticas que foram
incorporadas diante das representações construídas da imagem negativa das doenças
transmissíveis. Trata-se da criação de um vínculo de confiança por meio da relação dialógica
175

mostrando sempre interesse na resolução dos problemas que sempre acompanham as pessoas
portadoras das doenças negligenciadas.
Ainda no que tange ao processo de adesão e mesmo que se inclua medidas criativas e
importantes, questões básicas para a vida humana estão ausentes nesta realidade, prejudicando
o processo de adesão, mas especialmente interferindo na qualidade de vida e na própria
capacidade de subsistência das pessoas.

[...] na tuberculose também...já vi pessoas com tuberculose não ter o que comer em
casa, aí fica muito difícil. Toma a medicação, aí dá fome e não tem como comprar
comida pra comer, aí vai pro apoio social. (E 28, Técnico de enfermagem, x2=
309.26)

Os sujeitos continuam aprofundando a questão da subsistência, especialmente acerca


de ter ou não as refeições diárias necessárias:

[...] para seguir o tratamento é....a condição dele, muitas vezes, a falta até do que
comer e ainda se deslocar de sua casa até a unidade de referência. Nem sempre ele
consegue e fica com a medicação atrasada. (E 06, Médico, x2= 183.58)

As doenças negligenciadas concretizam um círculo de perversidade, acometendo


aqueles que possuem nível socioeconômico crítico a ponto de nem satisfazer as condições
mínimas de uma sobrevivência digna. A pobreza facilita o surgimento, em um organismo, de
uma doença negligenciada, ao passo que a doença negligenciada aumenta o nível de pobreza
ou pelo menos tem a chance de fazê-lo. A impossibilidade de alimentação ou a sua
implementação inadequada tem sido relatadas como fatores que contribuem para a diminuição
do nível de adesão dos usuários e, no caso da ausência da alimentação, deve-se acrescentar a
agressão orgânica que pode ser desenvolvida em função desta situação, especialmente no
sistema digestório.
Ainda em associação a situações de riscos que comprometem a adesão ao tratamento,
pode-se ressaltar o uso e o abuso de álcool e drogas, como os profissionais expõe a seguir:

[...] ás vezes também tem fatores de risco, que é a bebida, que é o abuso do álcool,
do fumo, de drogas, tem tudo a ver com a adesão. (E 12, Enfermeiro, x2= 210.00)

Ao lado do álcool e drogas, torna-se interessante destacar a necessidade de


simplificação do tratamento como uma forma de possibilitar maior adesão à terapia
recomendada, inclusive na questão de gasto de tempo:
176

[...] então não adiante você utilizar nada que vá ser mais complexo para uso do
paciente que requeira dele um tempo maior ou em uma unidade hospitalar ou tá
lembrando dele tomar a medicação porque ele não via tomar. (E 06, Médico, x2=
183.58)

Esses fatores de risco para a adesão do tratamento medicamentoso que é longo, tanto
para a tuberculose, quanto para a hanseníase podem provocar o abandono do paciente e por
conseguinte uma série de complicações na suas condições clínicas decorrentes do uso
inadequado da terapia medicamentosa. O uso abusivo de álcool e drogas modifica a conduta
do indivíduo trazendo à tona suas fragilidades físicas e cognitivas para o enfrentamento das
doenças negligenciadas, por isso a equipe de saúde precisa ser constituída de profissionais
capazes de garantir não somente a terapia medicamentosa, mas outros cuidados que envolvem
a condição de vida deste indivíduo.
Frente aos fatores apontados nos últimos parágrafos como um desafio à
implementação do tratamento proposto, em algumas situações torna-se necessária a adoção de
medidas especiais com vistas à garantir a ingestão dos medicamentos:

[...] eu já tive uma paciente que teve que internar ela, colocar no soro, colocar plasil, pra
ela conseguir tomar o remédio, é uma droga de difícil adesão. (E 02, Médico, x2=
186.42)

Ao lado de tudo o que foi aprofundado sobre a adesão, pode-se citar experiências
positivas com relação a este processo, mesmo que estas sejam quantitativamente inferior à dos
desafios apontados.

[...] tomava direitinho, não precisava ter aquele rigor com ele, pelo contrário, se
atrasasse, se passasse daquele dia do remédio, nossa, eles se chateavam e ficavam
sempre no dia certinho, e a gente, também levava na casa para não interromper o
tratamento. (E 22, Técnico de enfermagem, x2= 178.95)

Frente a todos este contexto apresentado e apesar da mudança de paradigma,


sustentada pela OMS, onde o foco passa a ser as pessoas e as condições de vida que as
norteiam, não podemos excluir a importância do tratamento medicamentoso no enfrentamento
destes agravos, pois entende-se que a saúde se completa nestes três níveis de atenção: a
prevenção de doenças, a promoção da saúde e a reabilitação. Nesta última tem-se a
necessidade de prover medicamentos eficazes e com o menor número possível de efeitos
adversos. No entanto, pode-se afirmar que, por se tratar de doenças negligenciadas, a indústria
farmacêutica não tem interesse em desenvolver fármacos mais eficientes, pois não traz lucros
para os investidores.
177

No período de 2000 a 2011, Predique (2013) constatou que, dos 850 novos produtos
terapêuticos aprovados pelas principais agências reguladoras do mundo, apenas 37 (4%) eram
destinados às doenças da pobreza, sendo 29 medicamentos e 8 vacinas. Impressiona ainda
que, desse número, somente 4 produtos foram classificados como nova entidade química.
Analisando o desenvolvimento dos medicamentos nos últimos 25 anos do século XX, o
relatório da organização Médicos sem Fronteiras, Fatal Imbalance, afirma que apenas 15
novos medicamentos foram criados para as doenças tropicais, sendo dois deles para a
tuberculose. Estas doenças afetam principalmente as populações pobres e representam 12% da
carga global de doença. Em comparação, 179 novas drogas foram desenvolvidas para as
doenças cardiovasculares, que representam 11% da carga global de doença. (MÉDECINS
SANS FRONTIÈRES, 2001, p. 10) Apesar da aprovação de 756 novos fármacos entre 2000 e
2011, apenas quatro eram novas entidades químicas (NCEs, new chemical entities), das quais
três delas foram indicadas para o tratamento da malária e nenhuma para qualquer das doenças
negligenciadas. Além disso, “apenas 1,4% de um total de cerca de 150 mil ensaios clínicos
registrados se concentraram em doenças negligenciadas, com um número muito reduzido de
ensaios para NCEs” (DIAS et al., 2013).
No Brasil, há previsão constitucional para o acesso universal e igualitário das ações e
serviços de saúde. O acesso específico à assistência farmacêutica, além de abordado em
legislações complementares, é assegurado por duas políticas de estado: a Política Nacional de
Medicamentos e a Política Nacional de Assistência Farmacêutica. Para a viabilização do
acesso a medicamentos fica ainda mais clara a prerrogativa do SUS de “formulação e
execução de políticas econômicas e sociais”, uma vez que se trata de uma área profundamente
influenciada por práticas comerciais e interesses mercadológicos diversos, muitas vezes
conflitantes com o interesse público (SANTANA, 2017).
Este seria um caminho ideal para a inovação de tecnologias voltadas para o
desenvolvimento de fármacos que estão intimamente ligados ao tratamento das doenças da
pobreza, com a aplicação das políticas de assistência farmacêutica já existentes e ainda com a
participação dos gestores, principalmente nas regiões de maior endemicidade destes agravos,
compactuando a realidade local ao incluir em seus planos municipais de saúde a prioridade
desta inovação nos medicamentos. Ainda se torna um desafio da área de regulação e
incorporação de tecnologias em saúde a garantia de que também sejam realizadas análises,
registros e disponibilização de itens com pouco interesse do mercado farmacêutico ou para
doenças com poucas alternativas terapêuticas disponíveis como medicamentos para doenças
raras ou típicas de populações vulneráveis (BRASIL, 2014).
178

A presente classe aborda, de um modo geral, os exemplos e, em alguns casos, as


definições de doenças negligenciadas e os sujeitos os relacionam às próprias doenças em si,
assim como aos comportamentos dos usuários e dos profissionais de saúde em negligenciá-
las, o que permite o seu crescimento entre a população e o seu agravamento em uma pessoa
em específico. Inclui, ainda, o processo de chegada às unidades de saúde em que se observa a
díade dos aspectos subjetivos e físicos neste processo, o que deve ser levado em consideração
pelo sistema e pelos profissionais de saúde em seu planejamento e em sua assistência, bem
como os motivos que os levam a procurar o sistema público de saúde, mesmo que isto seja
após um itinerário terapêutico particular. As condições estruturais e financeiras do sistema de
saúde e os altos custos da tecnologia em saúde foram fatores apontados como complicadores
da prestação da assistência ou de sua implementação no contexto das doenças negligenciadas.
Por fim, foram abordadas o processo de adesão à terapêutica, com destaque majoritário para
os seus desafios e uma incipiente exposição de experiências positivas a este respeito.

Subeixo 2.1.1: Condições psicológicas e suporte institucional para enfrentamento das doenças
negligenciadas

Para finalizar as discussões sobre as classes emergidas do processamento do


IRAMUTEQ, com a distribuição da classificação hierárquica descendente, apresentou-se o
subeixo 2.1.1, composto pelas classes 04 e 03, que foram descritas a partir das ideias e
pensamentos psicossociais dos profissionais de saúde, como as estratégias alternativas ao
tratamento medicamentoso dentro do processo assistencial de combate às doenças
negligenciadas. A classe 04 abordou os aspectos e condições psicológicas que favorecem a
posição dos indivíduos no processo do adoecimento, enquanto que a classe 03, tratou,
basicamente sobre as unidades ou instituições de saúde que gerenciam o fluxo de atendimento
as pessoas que precisam do processo assistencial aqui referido.

3.3.2.3 Classe 04: Condições psicológicas do indivíduo diante das doenças negligenciadas e
suas complicações

As características que constitui esta classe dizem respeito aos aspectos psicológicos do
indivíduo durante a percepção do adoecimento por uma doença negligenciadas e as suas
formas graves, que causam danos físicos, cognitivos e sociais. Neste último dano, emergem o
preconceito com este tipo de doença e por conseguinte, o isolamento social do indivíduo
179

devido as suas condições para a realização do tratamento. Por tanto, inicialmente, foram
descritas as doenças negligenciadas da região com suas formas graves e a partir disto,
discutiu-se a influência da psicologia individual e social frente as doenças negligenciadas.
Esta classe apresenta 133 UCEs, o que equivale a 12,75% do material analisado
utilizado pelo software para a construção da análise. Em sua constituição podem ser
observadas as seguintes palavras: psicológico (x2 = 55,16), cirurgia (x2 = 41,29), gente (x2 =
37,51), dinheiro (x2 = 33,87), perceber (x2 = 25,87), grave (x2 = 23,72), problema (x2 = 19,75),
triste (x2 = 15,77), acompanhar (x2 = 13,2), hospital (x2 = 10,08) e preconceito (x2 = 4, 62)
O estudo epidemiológico das doenças negligenciadas apresenta o panorama endêmico
e o impacto negativo destas enfermidades na qualidade de vida das pessoas e ainda evidencia
a realidade do sistema de saúde, no que diz respeito a sua resolutividade, ao expor a situação
endêmica no país, principalmente nas localidades interioranas. De acordo com a OMS, como
já visto, tem-se 17 doenças consideradas negligenciadas no mundo, frequentes em 2,7 bilhões
das pessoas, atingindo as mais pobres do mundo que vivem com menos de US$2 por dia
(WHO, 2013).
O estudo elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) apontou
uma elevada ocorrência das doenças negligenciadas no Brasil, revelando uma situação
epidemiológica preocupante que precisa ser combatida pelas práticas profissionais e ações de
desenvolvimento econômico social ao evitar a perpetuação da pobreza (GARCIA e cols.
2011). O estudo estabeleceu critérios para avaliar a situação epidemiológica das doenças
negligenciadas no Brasil, utilizando o Sistema de Informação de Agravos e Notificação
(SINAN) e consultas ao Ministério da Saúde, sendo definidas como doenças de elevada
ocorrência e endemicidade nacional a tuberculose, hanseníase, malária, doença de Chagas,
leishmanioses, esquistossomose e dengue.
No município de Jequié, por seu turno, os dados epidemiológicos oriundos do Sistema
de Informação da Atenção Básica (SIAB) e do programa de compilação nacional de dados o
DATASUS demonstram que das sete doenças priorizadas pelo Ministério da Saúde, cinco são
endêmicas nesta localidade: tuberculose, hanseníase, doença de Chagas, esquistossomose e as
leishmanioses (SMS, 2016).
Por conta desta endemicidade na região e também pelo fato de atuarem diretamente na
assistência à saúde das pessoas que são acometidas por estas enfermidades, os profissionais de
saúde destacaram justamente as doenças negligenciadas em seus depoimentos dando ênfase a
leishmaniose, a tuberculose e a hanseníase.
180

[...] realmente tem muita doença negligenciada na região, leishmaniose tuberculose,


inclusive agora está fechando o piej, é uma coisa que tá deixando a gente muito
triste, porque muitas doenças que eram acompanhadas lá. (E 14, Enfermeiro, x2=
161.79)

[...] faz o tratamento no piej, até porque o piej vai parar o tratamento de
leishmaniose, vai vir para as unidades que já foi passado pra gente, a gente vai ter
uma capacitação sobre leishmaniose visceral e tegumentar. (E 12, Enfermeiro, x2=
157.20)

[...] então assim esses conhecimentos às vezes são muito específicos e aí acaba que a
gente, pra mim hoje, na minha realidade é a leishmaniose depois vem o hiv e
também por conhecimento de outro colega a gente tem. (E 20, Enfermeiro, x2=
155.99)

[...] olha da hanseníase já falei né, da leishmaniose posso dizer muito porque
trabalho em outra unidade, e com schistosoma também, então é a doença de chagas
que eu também acompanho, diminuiu muito depois que a saúde interferiu na
moradia. (E 01, Médico, x2= 148.01)

[...] a maioria que eu atendo tem hanseníase e tuberculose e eles chegam


desconfiados e com vergonha de dizer até o nome da doença, o tratamento é aquele
preconizado no caso da tuberculose e tem também a parte psicológica que conta
muito, então se tivesse um profissional nesta área para ajudar nestes casos seria
ótimo. (E 19, Enfermeiro, x2= 146.98)

[...] quando a gente diz olha você tem hanseníase, ai jesus, já li um bocado sobre
isso, estas doenças existem ainda na região porque a gente sabe que teve uns
desgovernos atrás que faltou muitos exames. (E 11, Enfermeiro, x2= 138.54)

As complicações das doenças consideradas negligenciadas evidenciadas pelos


profissionais de saúde atingem em seus discursos, apresentam uma magnitude e um impacto
tanto na dimensão biológica quanto social de cada indivíduo uma vez que estas enfermidades
causam além de deformidades físicas, danos psicológicos que são inclusive determinados pelo
preconceito da sociedade e pelo negligenciamento das ações que podem evitar estes agravos.
Desta maneira encontramos a descrição das formas graves das doenças negligenciadas, em
especial das complicações da esquistossomose.

[...] então assim, ele tem a forma severa da doença, mas é vivo até hoje, o outro que
chegou e a gente conseguiu fazer aqui a cirurgia, com o colega, levei meu aparelho
porque nosso hospital infelizmente até hoje não tem um endoscópio. (E 03, Médico,
x2= 241.11)

[...] e o paciente saiu muito bem depois da cirurgia, ele tava assim muito grave saiu
bem, a gente acompanhou por mais uns 03 a 04 anos. (E 03, Médico, x2= 219.97)

[...] uma esquistossomose portal porque este paciente não estava conseguindo
melhorar, só com o tratamento endoscópico, e aí precisava de uma cirurgia e ele saiu
bem, e continua sendo acompanhado por mim, até hoje fazendo tratamento
endoscópico. (E 03, Médico, x2= 166.84)
181

[...] a mãe indica ou então vai sinalizar pro profissional, ou então porque alguém já
passou, os vizinhos dizem o que está acontecendo, aí chega pra gente já de uma
maneira, que já tá num estágio que é grave. (E 15, Enfermeiro, x2= 162.79)

[...] lembro de uma situação que foi com uma criança, que já tava muito mal, era um
estágio avançado da tuberculose e ela tava muito desnutrida, tivemos que
encaminhar por hospital, mas infelizmente não conseguiu sobreviver. (E 07, Médico,
x2= 138.28)

Diante destes depoimentos percebe-se a importância do enfrentamento destas doenças


já no primeiro nível de atenção à saúde com a promoção de saberes e conhecimentos a
população, aos gestores e aos profissionais sobre os aspectos clínicos destas enfermidades
bem como a sua correlação com a pobreza e ainda o impacto que suas complicações causam
na qualidade de vida das pessoas.
O exemplo em destaque nos depoimentos, foi a esquistossome que reflete a magnitude
epidemiológica e a ausência de estratégias efetivas no seu combate uma vez que é uma
parasitose que pode ser facilmente evitada a partir da adoção de práticas de cuidado e
autocuidado desenvolvidas pelos profissionais de saúde e também pela população.
A esquistossomose mansoni é uma doença parasitária, causada pelo
trematódeo Schistosoma mansoni, cujas formas adultas habitam os vasos mesentéricos do
hospedeiro definitivo (homem) e as formas intermediárias se desenvolvem em caramujos
gastrópodes aquáticos do gênero Biomphalaria. Trata-se de uma doença, inicialmente
assintomática, que pode evoluir para formas clínicas extremamente graves e levar o paciente a
óbito. A magnitude de sua prevalência, associada à severidade das formas clínicas e a sua
evolução, conferem a esquistossomose uma grande relevância enquanto problema de saúde
pública (BRASIL, 2016).
O tratamento das doenças negligenciadas passou pela mudança de foco da OMS na
medida em que se priorizou o indivíduo e não a doença, portanto, além de potencializar as
facilidades e de combater as dificuldades apontadas pelos profissionais de saúde discorreu-se
sobre a importância do tratamento medicamentoso. No entanto, partindo da ideia que o
paradigma biomédico não consegue solucionar os problemas de saúde pois tem sua visão
centrada na doença, os profissionais de saúde indicaram que existem outras estratégias que
podem colaborar no controle e na eliminação das doenças negligenciadas.
Nesta classe, os profissionais de saúde emitiram em seu pensamento psicossocial a
ideia de que os aspectos psicológicos influenciam no enfrentamento das doenças,
ultrapassando a visão biomédica da saúde e implementando outros modelos que explicam o
processo saúde doença, neste caso, temos a postura psicológica evidenciada nos depoimentos
dos participantes.
182

Em geral, fatores psicossociais ou comportamentais exercem sua influência sobre a


saúde ou a doença (KRANTZ; GRUNBERG; BAUM, 1985). Os aspectos emocionais podem
ser precedentes do desencadeamento de problemas físicos, bem como enfermidades causadas
por agentes orgânicos também podem desencadear reações emocionais diversas. A saúde
pode ser influenciada por variadas condições, tais diferenças individuais, traços de
personalidade, sistema de crenças e atitudes, comportamentos, redes de suporte social e meio
ambiente. Embora a evidência experimental seja ainda inconsistente, em alguns casos, os
dados advindos de estudos sobre saúde e comportamento sugerem que os processos
psicológicos e os estados emocionais estão diretamente relacionados com a etiologia e a
disseminação de doenças (BAUM; POSLUSZNY, 1999).
Um dos primeiros sentimentos encontrados como parte da postura psicológica é a
depressão, muitas vezes causada pelo impacto inicial durante a descoberta da doença e o
sofrimento por ter sido acometido por este tipo de enfermidade, que causam isolamento
social, deformidades e incapacidades físicas como a tuberculose e a hanseníase.

[...] eu ás vezes, tenho observado, vamos fazer o levantamento deste perfil


epidemiológico porque a gente tem percebido pessoas com problemas de ordem
realmente psicológica e que na verdade, eu vejo ainda muito solto esta situação
mesmo. (E 15, Enfermeiro, x2= 223.11)

Outro sentimento que desponta como constituinte da conjuntura psicológica do


indivíduo segundo o pensamento destes profissionais de saúde foi o medo, o medo das
complicações oriundas da doença, o medo relacionado a ausência de informações sobre o
tratamento e a possível cura destes agravos enfim, a constatação do diagnóstico destas
morbidades pelo indivíduo desperta este sentimento de fragilidade diante da situação do
estado de saúde.
[...] medo da doença medo de não ficar curado medo que o vizinho já teve e
que até hoje não ficou bom a gente vai explicar porque que o vizinho não
ficou bom porque não seguiu o tratamento correto. (E 11, Enfermeiro, x2= 168.77)

Diante do despertar destes sentimentos de sofrimento psíquico como a depressão e o


medo da doença percebe-se que os aspectos psicológicos possuem uma colaboração ativa no
processo de enfretamento as entidades mórbidas e o indivíduo demonstra este impacto na
qualidade de vida, que envolve outros aspectos como a insuficiência de seus recursos
financeiros para realizar o tratamento ou a capacidade de se reinventar no que diz respeito às
mudanças provocadas pelas doenças.
183

[...] do dinheiro que gastou, que não achou na unidade e queixa dos problemas
financeiros e a gente vê também o psicológico, quem é que tá acompanhando o
senhor? sua filha? (E 11, Enfermeiro, x2= 193.31)

[...] com a medicação tempo certo, com o aparato psicológico a gente sabe que
impacta muito, e mais essas nuâncias que vai fazer com ele se perceba, que ele tá
sendo visto no sistema único de saúde. (E 15, Enfermeiro, x2= 171.29)

A avaliação psicológica em ambientes médicos pode ser considerada como uma


adequada ferramenta na apropriação de decisões a respeito do diagnóstico diferencial, tipo de
tratamento necessário e prognóstico. A detecção precoce de problemas comportamentais e/ou
distúrbios psicológicos/psiquiátricos em pacientes inseridos em ambientes médicos pode
significar um grande diferencial com relação ao tipo e qualidade do atendimento oferecido ao
paciente, bem como diminuição do sofrimento e de custos operacionais institucionais, sendo
que a avaliação psicológica não necessariamente deve estar ligada somente a pacientes
hospitalizados, mas também a diversos espaços e especialidades em saúde, tais como clínicas
particulares de especialidades ou centros de saúde (STOUT & COOK, 1999).
Os aspectos psicológicos influenciam o comportamento do indivíduo frente as
situações que provocam o desequilíbrio emocional, como a descoberta de uma doença
negligenciada infectocontagiosa, oferecendo sustentação para realizar o tratamento de forma
adequada ao utilizar métodos que possam colaborar para o equilíbrio psicológico. Entre estes,
identificaram-se no discurso dos profissionais de saúde a necessidade da terapia e o apoio da
religião.

[...] porque a gente fala muito de psicologia nesta parte de saúde mental, hoje já
posso trazer outras situações, agora já tem a s terapias comunitárias que já começou
em outros psf e o que eles falam. (E 15, Enfermeiro, x2= 197.17)

[...] o tratamento é aquele preconizado no caso da tuberculose e tem também a parte


psicológica que conta muito, então se tivesse um profissional nesta área para ajudar
nestes casos, seria ótimo. (E 17, Enfermeiro, x2= 138.84)

[...] então não tem aquele grupo de religião que faça aquele trabalho psicológico
porque o enfermeiro sozinho não dar conta, então tem que ter em outros locais, nas
fábricas, nas empresas também, e gente não viu mais nada falando nisso na educação
pra saúde, que a gente tinha quando era estudante. (E 11, Enfermeiro, x2= 214.10)

No contexto da saúde, a avaliação psicológica vem ao encontro da formulação atual do


conceito de saúde e das causas das doenças. A saúde não é considerada apenas como uma
ausência de sintomas, pois, uma pessoa pode estar gravemente enferma sem apresentar
qualquer sintomatologia. Por outro lado, as doenças, atualmente, não são consideradas como
possuindo uma única determinação, mas sim, são multideterminadas. Não existem duas
184

psicologias, uma psicologia da saúde e uma psicologia da doença. Na realidade, quando se


refere à psicologia na saúde, a expressão engloba a vivência de uma pessoa também no seu
processo de adoecimento. Assim, toda doença tem aspectos psicológicos e que envolve
múltiplos fatores a serem avaliados, tais como estilo de vida, hábitos, cultura, mitos familiares
(STRAUB, 2005).
Analisando as assertivas destes autores, conclui-se que os aspectos psicológicos
compõem um grupo de diversos fatores que influenciam diretamente no processo do
adoecimento, portanto, torna-se imprescindível desvelar as emoções e os sentimentos das
pessoas que são acometidas pelas doenças negligenciadas com o intuito de identificar
possíveis fragilidades emocionais que podem contribuir para o abandono do tratamento, o
descuido com o próprio corpo ou então a desmotivação no enfrentamento destes agravos que
trazem impactos negativos para a autoestima e também para a qualidade de vida.
Quando os profissionais de saúde elegem este aspecto como determinante no processo
saúde doença, acabam por compreender que a doença não é tão somente biológica, mas reflete
uma série de fatores que desencadeiam o processo do adoecimento. Com esta percepção, os
profissionais de saúde possuem potencialidades no combate e controle das doenças
negligenciadas e tendem a cuidar de forma integral do indivíduo e da população.
O primeiro relatório da OMS (2012) sobre as doenças negligenciadas discutiu os
avanços da sociedade científica para superar o impacto global destas enfermidades apontando
entre outras coisas, as principais características em comum, quais sejam: doenças que têm
enorme impacto sobre a vida dos indivíduos, famílias e comunidades com a diminuição da
qualidade de vida, perda da produtividade e agravamento da pobreza; afetam populações que
tem pouca visibilidade e voz política; não se disseminam amplamente, ou seja, representam
uma ameaça pequena para os habitantes de países de alta renda; provocam estigma e
discriminação, principalmente de meninas e mulheres; tem impacto importante sobre
morbidade e mortalidade; são relativamente negligenciadas pela pesquisa e podem ser
controladas, evitadas e possivelmente eliminadas pelo emprego de soluções eficazes e
factíveis.
Estas características apresentadas pela OMS provocam o estigma e o preconceito as
pessoas que são acometidas por estas entidades mórbidas, uma vez que, a sintomatologia
clínica provocam danos físicos, deformidades e incapacidades além das complicações severas
que atingem a qualidade de vida do indivíduo. Tem-se como exemplo, a hanseníase que causa
uma série de manifestações dermatoneurológicas que provocam, por seu turno, deformidades
185

físicas e incapacidades irreversíveis além de carregar culturalmente o nome de lepra que


remete a memória social de isolamento dos indivíduos que possuíam tal enfermidade.

[...] pra ver se deixava umas cotas para este paciente, não tem que ir pra fila porque
já vem tão sofrido pra cá, já tem o medo da doença, a questão do preconceito. (E 23,
Técnico de enfermagem, x2= 140.32)

[...] no caso a gente fala em doenças negligenciadas porque o pessoal associa muito
com essa questão do preconceito, assim que tem a questão de doenças
negligenciadas. (E 13, Enfermeiro, x2= 153.37)

Certamente o preconceito deve-se justamente pela ausência de conhecimentos sobre os


aspectos clínicos, com a forma de transmissão destas doenças e acaba por diminuir as
possibilidades de enfrentamento necessários para impedir a cadeia de transmissão e a
incidência destes agravos.
O estigma e o preconceito oriundos da cultura popular em relação aos aspectos
clínicos das doenças negligenciadas e ainda as complicações severas produzidas pelo não
tratamento ou tratamento inadequado, provocam no indivíduo a sensação de afastamento da
sociedade. A tuberculose, por exemplo, doença infectocontagiosa provoca o medo e o
afastamento das pessoas que são portadoras do bacilo, conhecidas como sintomáticas
respiratórias que ao descobrirem este diagnóstico são obrigadas a separar seus pertences e até
mesmo ser isolada do convívio social. Sabe-se que o paciente que realiza o tratamento
supervisionado para a tuberculose pulmonar de forma adequada não tem a capacidade de
transmitir a doença, mas essas informações científicas ainda não foram enraizadas no
imaginário popular implicando na adoção de práticas que isolam as pessoas acometidas por
esta enfermidade.

[...] a gente conversou, vamos embora, ele conseguiu entrar e aí ele começou a se
fechar, não falava nada, depois de algum tempo na segunda ou terceira consulta ele
conseguiu falar alguma coisa e a família não percebia tanto isso. (E 02, Médico, x2=
189.51)

A participação dos profissionais de saúde no processo de construção de saberes que


podem ser absolvidos pela população em geral torna-se imprescindível na busca de mudança
de práticas que tragam os indivíduos para o convívio social, como as precauções científicas
necessárias, e por conseguinte, possam oportuniza formas adequadas de tratamento e
reabilitação da sua saúde. A família, por outro lado, também deve mostrar-se colaborativa no
sentido de compreender os aspectos clínicos das doenças negligenciadas, suas formas de
186

transmissão e tratamento, para que desta maneira realizem ações de agregação do indivíduo
ao convívio familiar e no enfrentamento das doenças.
As doenças negligenciadas constituem um grupo de enfermidades prevalentes nos
países em desenvolvimento, que afetam indistintamente toda a população, mas que tem tido
mais impacto em grupos populacionais em situação de vulnerabilidade social representando
um sério obstáculo ao desenvolvimento socioeconômico e a melhoria da qualidade de vida.
(OMS, 2006). São doenças que não só prevalecem em condições de pobreza, mas também
contribuem para a manutenção do quadro de desigualdade, já que representam forte entrave
ao desenvolvimento do país (BRASIL, 2010).
Com isso entende-se que uma das dificuldades para realizar adequadamente o
tratamento destas doenças foi a condição financeira do indivíduo haja vista que é por meio
destes proventos que as pessoas podem obter os recursos de necessidades humanas básicas
como a alimentação, a moradia, entre outros. Esta condição financeira precária influencia na
realização do tratamento por conta da ausência de recursos que são fundamentais para a
manutenção da dignidade humana.

[...] a condição financeira também tem sua importância e interfere no controle das
doenças porque a gente ver assim, que não tem dinheiro para completar o
tratamento, até do câncer e muitas pessoas morrendo por conta disto. (E 11,
Enfermeiro, x2= 179.07)

[...] tem que ter dinheiro entendeu, para comer, então isso tudo leva baixa
imunidade, já ouvir muita gente falando que, como é que eu vou fazer o tratamento,
se não tenho dinheiro para comer. (E 22, Técnico de enfermagem, x2= 157.05)

O combate à pobreza e a devolução da dignidade humana aos indivíduos que são


acometidos por estas doenças precisam ser prioridade nos planos de governo dos países
emergentes atendendo as necessidades apresentadas pela população vulnerável. A
preocupação mundial com estas doenças tomou visibilidade a partir da Declaração da ONU
em 2000 e a divulgação dos Objetivos do Novo Milênio, associando as doenças à extrema
pobreza e assegurando a atuação de países na busca de melhores condições de vida para toda
a população mundial, principalmente para a mais carente. Em 2003, a Organização Mundial
da Saúde (OMS) começou a mudar o paradigma no controle e na eliminação de um grupo de
doenças tropicais negligenciadas (DTN). O processo envolveu uma mudança estratégica
importante: da abordagem tradicional centrada nas doenças para uma estratégia de resposta às
necessidades de saúde de comunidades marginalizadas (OMS, 2012).
187

Após a definição das principais doenças negligenciadas da região e apresentação de


suas formas graves os profissionais de saúde demonstraram o impacto destas enfermidades
sobre a vida das pessoas como o isolamento social, os distúrbios psicológicos e a evidência da
pobreza extrema. Tudo isso implica na necessidade de realizar práticas profissionais que
devem ter por objetivo a cura e ou reabilitação da saúde desta população.

[...] a finalidade destas minhas ações é realmente ver o paciente curado, ele sair
daqui por conta dele, pelo menos assim dentro daquilo que dá pra gente, porque a
gente tem que fazer o que dá em pouquinho mais. (E 23, Técnico de enfermagem,
x2= 176.79)

As práticas profissionais devem coadunar as estratégias de enfrentamento apresentadas


no primeiro relatório da OMS sobre as doenças tropicais negligenciadas, publicado em 2012,
com o objetivo de construir um marco conceitual histórico na produção de ações eficazes ao
enfrentamento deste problema da saúde, em nível mundial.
Em 2003, a Organização Mundial da Saúde (OMS) começou a mudar o paradigma no
controle e na eliminação de um grupo de doenças tropicais negligenciadas (DTN). O processo
envolveu uma mudança estratégica importante: da abordagem tradicional centrada nas
doenças para uma estratégia de resposta às necessidades de saúde de comunidades
marginalizadas. A nova abordagem utiliza intervenções integradas baseadas em ferramentas
para o controle de DTN. Sob a perspectiva da saúde pública, essa mudança se traduz no
provimento de cuidados e na administração de tratamento a populações mal atendidas. A
mudança garante utilização mais eficiente de recursos limitados, redução da pobreza e
monitoramento de doenças para milhões de pessoas que vivem em áreas rurais e urbanas
(OMS, 2012).

3.3.2.4 Classe 03: Unidades de saúde de assistência e referência no tratamento das doenças
negligenciadas

Nesta classe teve-se a oportunidade de evidenciar os principais locais de assistência ao


tratamento das doenças negligenciadas, observando o itinerário do indivíduo no sistema de
referência e contrarreferência, e ainda, identificar as práticas de risco adotadas pelos
indivíduos frente ao processo do adoecimento e os sentimentos apresentados durante este
momento.
188

A classe constitui-se de um total 179 UCEs, o que significa o envolvimento de 17,16%


do material analisado utilizado pelo software para a construção da análise. Em sua
constituição podem ser observadas as seguintes palavras: lá (x2 = 66,54), ficar (x2 = 55,44),
lugar (x2 = 34,7), mandar (x2 = 28,06), morar (x2 = 26,23), referência (x2 = 23,46), tranquilo
(x2 = 18,97), imaginar (x2 = 18,97), debilitado (x2 = 18,97), atenção (x2 = 17,46) e estado (x2 =
15,96).
Viu-se que a assistência em saúde realizada pelos profissionais, participantes deste
estudo, acontece tanto na atenção primária quanto nas instituições de referência (atenção
secundária) portanto, a organização dos serviços de saúde possui características diferentes de
acordo com o grau de complexidade da assistência. No entanto, o que precisa ser observado
neste contexto é a conformidade desta organização junto as determinações previstas no
âmbito do SUS. Atualmente tem-se a ideia da construção da assistência em redes de atenção à
saúde, onde as necessidades independentemente de sua complexidade, são atendidas nos
serviços de saúde organizados em redes de atenção.

[...] doutor pelo amor de deus, eu não vou mais nunca naquele lugar... e passou a me
contar alguns lances, ele me disse que na enfermaria tinha muita gente, aí disse que
chegava o doutor com as pessoas lá e tal. (E 01, Médico, x2=293.45)

[...] aí o piej ficava aberto de domingo a domingo para as pessoas tomarem o


remédio endovenoso e quando a pessoa não podia vir, o carro ia lá no lugar onde ela
morava entendeu, isso é revoltante. (E 22, Técnico de enfermagem, x2=288.74)

[...] pra ele tomar o remédio lá, muitas vezes eles voltam porque não teve o
acolhimento necessário nestas unidades e aí volta pra aqui, então é um problema e aí
eu faço aqui o diagnóstico e o tratamento. (E 01, Médico, x2=231.91)

Os sistemas integrados ou redes de atenção à saúde têm produzido resultados


significativos em diversos países e são apontados como eficazes tanto em termos de
organização interna (alocação de recursos, coordenação clínica, etc.), quanto em sua
capacidade de fazer face aos desafios mais recentes do cenário socioeconômico, demográfico,
epidemiológico e sanitário, tais como o crescimento proporcional das doenças crônicas, a
elevação dos custos de tecnologias, as necessidades especiais advindas do envelhecimento
populacional, etc (MUR-VEEMAN et al, 2003; DIAZ, 2004; GILLIES et al, 2003).
No Brasil, a Constituição de 1988 definiu a estratégia de regionalização por meio da
organização de redes de atenção como elemento essencial para a garantia dos princípios de
universalidade, integralidade e equidade. Segundo o texto constitucional, as ações e serviços
de saúde conformam uma rede regionalizada e integrada em um sistema único em todo o
189

território nacional. Acontece que nos últimos anos, apesar da regulamentação deste processo
de descentralização e regionalização da saúde, os serviços ainda não conseguiram
efetivamente proporcionar a população brasileira a eficácia e efetividade suficientes para
combater as doenças em geral e em particular, as doenças negligenciadas.
Para os profissionais de saúde a organização dos serviços surge como um fator
colaborativo no combate às doenças negligenciadas, mesmo que ainda não estejam vinculados
a ideia e iniciativa das redes de atenção em saúde, pois na medida em que os usuários,
acometidos por estes agravos, conseguem ser acolhidos na atenção primária, passam a ter
maiores possibilidade de enfrentamento as estas enfermidades durante o tratamento.
O processo de descentralização da saúde instaurado a partir da regulamentação do
SUS defendeu a implantação de ações locais que tivessem resolutividade dos problemas de
saúde na região, dando ao município condições de planejamento, gestão e financiamento para
enfrentar as demandas regionais. Junto a descentralização temos outra diretriz denominada
hierarquização que determina os níveis de atendimento ao usuário desde atenção básica até os
procedimentos de alta complexidade onde as necessidades dos indivíduos sejam atendidas
plenamente.
Com a ideia da Hierarquização busca-se ordenar o sistema de saúde por níveis de
atenção e estabelecer fluxos assistenciais entre os serviços, de modo que regule o acesso aos
mais especializados, considerando que os serviços básicos de saúde são os que ofertam o
contato com a população e são os de uso mais frequentes. A crítica ao modelo hierarquizado
tem apontado a necessidade de superar a ideia de pirâmide por modelos mais flexíveis com
variadas portas de entrada e fluxos reversos entre os vários serviços (BRASIL, 2015).
O sistema de referência e contrarreferência, por exemplo, consegue realizar os
encaminhamentos dentro dos serviços de saúde com objetivo de buscar o atendimento que
atenda às necessidades reais da população e uma vez sendo resolvido que aconteça o retorno
da assistência prestada e as possíveis atividades continuas que devem ser realizadas pelos
profissionais de saúde que constituem sua equipe de origem.

[...] e eu tive que mandar por [hospital] roberto santos, também teve que tomar a
imunoglobulina e a mãe disse assim: “meu filho tomou a medicação e ficou
aleijado”, imagine a minha responsabilidade entendeu, e aí fui explicar a mãe e aí
depois ele se encontrou comigo. (E 02, Médico, x2=266.09)

[...] então assim, essa interação de quando ele fala não quero ir pra outra unidade,
não que lá vão saber que eu estou doente, a gente interage desta forma da melhor
forma que fica para o paciente. (E 01, Enfermeiro, x2=261.98)
190

[...] eu não vou mais nunca naquele lugar...bom eu encaminhei o senhor porque o
senhor achava que a coisa não era correta...deus me livre não vou mais naquele
lugar, me mata mas eu não vou pra lá... são as histórias que às vezes chama atenção.
(E 01, Médico, x2=250.41)

[...] acha que tem que ser tratado aqui na área, que não vai procurar outro
profissional em outro lugar, ai acaba ficando por isso mesmo, às vezes a gente dá
um jeito vai em outra unidade de saúde, arranja medicação. (E 12, Enfermeiro,
x2=236.98)

[...] ai eu resolvi mandar ele... na época tinha o tratamento em [bairro] água de


menino em salvador, eu encaminhei e falei o senhor vai pra lá que é uma unidade de
referência, mandei ele pra lá. (E 01, Médico, x2=227.65)

As alternativas aos modelos hegemônicos na saúde resistem ao pensamento


exclusivamente biológica e defendem este sistema de referência ou a formação de redes de
atenção em saúde. A Organização Pan-americana de Saúde (OPAS) tem atribuído forte
destaque à formação de redes de atenção em suas atividades e documentos de referencia
relativos ao aperfeiçoamento dos sistemas de saúde. Diversos esforços de agenda convergiram
para a formulação, em 2008, de um marco conceitual e operativo intitulado Redes Integradas
de Servicios de Salud: Conceptos Opciones de Política y Hoja de Ruta para su
implementación en las Américas. Esse marco resulta do debate qualificado de especialistas e
gestores de centenas de países que, em oficinas de consulta regional, aprofundaram o
conhecimento atual sobre o tema (OUVERNEY; NORONHA, 2013).
Os sistemas de atenção à saúde são respostas sociais deliberadas às necessidades de
saúde dos cidadãos e, como tal, devem operar em total coerência com a situação de saúde das
pessoas usuárias. Ocorre que a situação de saúde brasileira vem mudando e, hoje, marca-se
por uma transição demográfica acelerada e expressa-se por uma situação de tripla carga de
doenças: uma agenda não superada de doenças infecciosas e carenciais, uma carga importante
de causas externas e uma presença hegemônica forte de condições crônicas. Essa situação de
saúde não poderá ser respondida, adequadamente, por um sistema de atenção à saúde
totalmente fragmentado, reativo, episódico e voltado, prioritariamente, para o enfrentamento
das condições agudas e das agudizações das condições crônicas. Isso não deu certo em outros
países, isso não está dando certo aqui. Por isso, há que se restabelecer a coerência entre a
situação de saúde e o SUS, o que envolverá a implantação das redes de atenção à saúde
(RASs), uma nova forma de organizar o sistema de atenção à saúde em sistemas integrados
que permitam responder, com efetividade, eficiência, segurança, qualidade e equidade, às
condições de saúde da população brasileira (MENDES, 2011).
191

A implantação das RASs convoca mudanças radicais no modelo de atenção à saúde


praticado no SUS e aponta para a necessidade da implantação de novos modelos de atenção às
condições agudas e crônicas, alguns experenciados com sucesso, em outros países e que
devem e podem ser adaptados à realidade de nosso sistema público.
As práticas de cuidado e autocuidado perpassam pela identificação dos riscos que
colocam os indivíduos vulneráveis ao desenvolvimento de entidades mórbidas, ou seja, no
momento em que as práticas individuais submetem-se a possibilidades de vulnerabilidade
tem-se maiores probabilidades do aumento da incidência das doenças e sua perpetuação. Os
profissionais de saúde apontaram estas condutas de risco em seus depoimentos indicando que
o ciclo das doenças está intimamente ligados ao descuido da população em algum momento
do processo saúde doença, seja na prevenção ou até mesmo durante o tratamento.

[...] essa menina mesmo que eu tô te falando, sim tem noção que camisinha fica bem
ali, pra você pegar, chega aí nem precisa pedir não, tá na cestinha, ali em cima, mas
não usa. (E 13, Enfermeiro, x2=223.78)

[...] eu digo só tem tratamento, não tem cura, pra você ver o quanto que o
profissional... então eu vou fazer assim, você pegou, continuou mantendo as mesmas
condutas, mas eu vou fazer o tratamento e vou sarar, então fica neste ciclo. (E 15,
Enfermeiro, x2=205.83)

A endemicidade das doenças e o convívio cotidiano produzem no imaginário social a


ideia de normalidade da existência destas enfermidades, ou seja, por tanto conviver com estes
agravos a população entende que ser um processo natural.

[...] antes, normalmente eles não fazem nada, eles ficam esperando, tem uns que
entra a religião no meio e diz que é deus que quis assim, então aceitam a doença
como se aquilo fosse natural. (E 01, Médico, x2=276.83)

Segundo dados do Centers for Disease Control and Prevention (CDC): cem por cento
dos países de baixo rendimento são afetados por pelo menos cinco doenças negligenciadas,
simultaneamente, em todo o mundo; 149 países e territórios são afetados, no mínimo, por uma
doença negligenciada; as doenças negligenciadas são responsáveis por estimados 534.000
casos de morte, no mundo, por ano; são causa principal da carga da doença resultando em
cerca de 57 milhões anos de vida perdidos devido à morte e invalidez prematuras; os
indivíduos muitas vezes são atingidos por mais de um parasita ou infecção e o custo do
tratamento para a maioria dos programas de administração de drogas em massa nas doenças
negligenciadas é estimado em menos de US$ 0,50 por pessoa por ano (CDC, 2014).
192

O processo do adoecimento engloba uma série de sentimentos caracterizam a postura


do indivíduo frente a situação de vulnerabilidade, por isso, os profissionais indicaram a
vergonha como um fator que dificulta a adesão ao tratamento considerado cientifico e por
conseguinte as implicações do agravamento das enfermidades.

[...] as pessoas geralmente só vem na unidade depois que fez algum tratamento
caseiro, pela vergonha de assumir a doença ou de expor o marido, quando a doença é
sexualmente transmissível, então assim, eles só vem depois que não tem jeito
mesmo, ai eles procuram a gente aqui na unidade. (E 16, Enfermeiro, x2=197.78)

[...] não dão um abraço porque pega, então tem toda aquela questão assim de social
na verdade...quando atendo os pacientes que fazem o tratamento supervisionado da
tuberculose, por exemplo, eles chegam desconfiados e com vergonha de dizer até o
nome da doença. (E 17, Enfermeiro, x2=194.44)

[...] os pacientes chegam na unidade debilitado, quando chega a procurar o serviço é


porque não aguentam mais, ficam dentro de casa vergonhosos porque acham que é
uma doença que traz vergonha pra eles, muitas das vezes não querem ser
identificados, que estão fazendo aquele tratamento um estado emocional bem frágil.
(E 21, Técnico de enfermagem, x2=235.49)

Uma das estratégias de ação na quebra da cadeia de transmissão é a realização do


controle dos comunicantes, que são as pessoas que tem o contato intradomiciliar com o
indivíduo portador de uma doença infectocontagiosa. Durante a realização da consulta de
enfermagem de um indivíduo portador de uma doença transmissível, o profissional
enfermeiro realiza uma caracterização do perfil deste paciente buscando informações sobre
seu estado de saúde e as pessoas com as quais ele convive justamente para identificar
possíveis fontes de infecção e transmissão destes agravos. Após a etapa do histórico de
enfermagem, com os dados coletados e as informações sobre o indivíduo são analisadas, a
enfermeira vai em busca dos possíveis contatos para avalia-los e estabelecer as estratégias
necessárias no controle destas doenças.

[...] o pessoal não vem, quer dizer o filho, o esposo não vem não, faz um tratamento,
volta pro mesmo ambiente onde tem a pessoa que transmitiu a doença, então
enquanto não quebrar este ciclo vai ficar nisso. (E 01, Médico, x2=232.89)

Esta estratégia de controle dos comunicantes é utilizada no combate às doenças


infectocontagiosas, de magnitude epidemiológica e impacto social na qualidade de vida e na
morbimortalidade da população, como a hanseníase e a tuberculose. Pode-se entender que,
tanto no tratamento da hanseníase quanto da tuberculose, esta ação de controle, proporciona a
quebra do ciclo de transmissão e ainda diminui a incidência destas enfermidades.
193

Uma das ações-chave para o controle da hanseníase é o desenvolvimento das ações de


vigilância de contatos intradomiciliares, garantindo cobertura e qualidade adequadas. De fato,
os contatos intradomiciliares representam uma população com maior risco de adoecimento do
que a população em geral devido à maior probabilidade de exposição ao bacilo. No Brasil (até
fevereiro de 2016, conforme diretrizes vigentes no momento da pesquisa), considerou-se
contato intradomiciliar toda e qualquer pessoa que resida ou tenha residido com o caso de
hanseníase nos últimos cinco anos, no momento do diagnóstico. A partir de março de 2016,
com a publicação das novas diretrizes para vigilância, atenção e eliminação da hanseníase, o
MS considera contato domiciliar toda e qualquer pessoa que resida ou tenha residido com o
doente de hanseníase, independente da classificação operacional e tempo de convívio, e
amplia a vigilância para o contato social, que é qualquer pessoa que conviva ou tenha
convivido em relações familiares ou não, de forma próxima e prolongada com o doente não
tratado (ROMANHOLO et. al., 2018).
A vigilância de contatos intradomiciliares de casos de hanseníase tem sido definida
como política pública estratégica desde os anos 1960, e tornou-se ao longo do tempo uma das
ações prioritárias no Brasil. O diagnóstico precoce e o tratamento oportuno, além de
minimizarem os danos causados ao indivíduo e à sua família, reduzem a dinâmica de
transmissão da doença em territórios e comunidades com maior risco e vulnerabilidade. Há
um risco maior de transmissão da hanseníase no espaço domiciliar em relação à população
geral, chegando a ser 14 vezes maior entre contatos intradomiciliares de casos multibacilares
e aproximadamente duas vezes maior entre contatos de casos paucibacilares. É estratégico,
portanto, o alcance de boa cobertura e qualidade das ações voltadas para o exame de contatos,
a fim de reduzir a carga da doença. Uma vez diagnosticados casos da doença, os serviços de
saúde deveriam empreender todos os esforços necessários para a garantia de atenção integral à
saúde dentro da longitudinalidade do cuidado, com vistas ao alcance de objetivos que vão
além da cura microbiológica da infecção (SOUZA et. al., 2018).
Após apresentação das discussões referentes aos resultados provenientes da
abordagem processual, entende-se que as representações sociais dos profissionais de saúde
sobre as doenças negligenciadas foram constituídas por duas dimensões, a saber: a dimensão
teórica e a dimensão prática. Estas dimensões estabeleceram as convicções e a elaboração dos
saberes, destes profissionais, frente as entidades mórbidas.
194

4 DISCUSSÃO DOS DADOS: CAPÍTULO DE SÍNTESE

4.1 Representações sociais dos profissionais de saúde acerca das doenças negligenciadas

As representações sociais construídas pelos profissionais de saúde acerca das doenças


negligenciadas possibilitaram a compreensão de construções simbólicas que envolveram as
definições, os saberes, as práticas, as imagens e as atitudes sobre este objeto representacional.
Frente a isto, pode-se destacar que esta construção se deu a partir de duas dimensões
representacionais: a conceitual e a prática. Este conhecimento psicossocial construído se
articula nestas dimensões, originando um modelo explicativo a partir dos profissionais de
saúde sobre as doenças negligenciadas. Segue-se um esquema que compreende a síntese
teórica como um modelo explicativo sobre as representações sociais dos profissionais de
saúde acerca das doenças negligenciadas. Destaca-se, ainda, que este modelo se apresenta
como uma síntese entre os dados empíricos da análise estrutural e dados oriundos da
processual.
195

Figura 5 – Modelo teórico explicativo das representações sociais de profissionais de saúde acerca das doenças negligenciadas -2018.

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE PROFISSIONAIS DE


SAÚDE ACERCA DAS DOENÇAS NEGLIGENCIADAS

DIMENSÃO CONCEITUAL DIMENSÃO PRÁTICA

CONCEPÇÕES PRÁTICAS

CULTURAL INDIVIDUAL GOVERNAMENTAL


BIOMÉDICA

SOCIAL SOCIAL OU
COLETIVA

Fonte: AUTOR, 2018.


196

Como já pontuado, a figura 5 apresenta a centralidade das duas dimensões das


representações sociais de profissionais da saúde acerca das doenças negligenciadas, quais
sejam, a conceitual e a prática. A conceitual é desdobrada em três conceitos principais,
compreendendo estas entidades mórbidas a partir de uma definição biomédica, social e
cultural, perpassada pela ideia de ignorância, elemento confirmado no núcleo central da
representação. A prática também se mostra desdobrada em individual, social ou coletiva e
governamental, perpassada pela ideia de descaso, também confirmado como elemento central
pela abordagem estrutural. A seguir, serão aprofundadas ambas as dimensões.

4.2 A Dimensão conceitual das representações sociais dos profissionais de saúde acerca
das doenças negligenciadas

Na dimensão conceitual tem-se a oportunidade de discutir as definições apresentadas


pelos profissionais de saúde acerca das doenças negligenciadas, partindo de três concepções
diferentes, a saber: a concepção biomédica; a concepção social e a concepção cultural dos
modelos explicativos sobre as doenças negligenciadas.

4.2.1 A concepção biomédica

O paradigma biomédico, oriundo da visão positivista da ciência, tende a colocar o


indivíduo como um agente passivo diante de sua condição de saúde, dando ênfase ao
tecnicismo e a biologicismo, em detrimento a outros fatores que porventura são causas das
doenças negligenciadas. Viu-se que, na construção representacional sobre este objeto, os
profissionais de saúde definiram as doenças negligenciadas a partir da condição biológica do
indivíduo e suas convicções acerca dos modos de transmissão e prevenção destas
enfermidades.
As abordagens sobre os conceitos das doenças negligenciadas foram construídas
socialmente a partir da influência da cultura dos países europeus e norte-americanos, que se
estabeleceram nas regiões tropicais durante o século XIX por conta da revolução industrial,
em busca de controle e domínio sobre as ações humanas, incutindo suas percepções de mundo
em todos os aspectos sociais, inclusive na saúde. Esta influência europeia e estadunidense
repercutiu na ideia sobre o que é doença, partindo do pressuposto positivista, entrelaçando a
visão biomédica da saúde e colaborando para conceituar as doenças pelo ponto de vista
exclusivamente biológico (ARMUS, 2003).
197

O desenvolvimento no século XIX proporcionado pela revolução industrial acirrou


ainda mais o desejo e a necessidade de deslocamentos das pessoas, levando-as aos locais mais
recônditos do planeta, especialmente aos países situados nos trópicos. Por serem considerados
exóticos, despertaram curiosidade e temor, seja pelos costumes, crenças, fauna, raças e
culturas, seja pelo desconhecido, inclusive pelas doenças que ameaçavam constantemente a
vida dos aventureiros europeus, especialmente a malária, a febre amarela e a doença do sono,
o que levou à região a ficar conhecida como a “tumba do homem branco”. Os médicos
militares que acompanhavam as expedições acabaram por indicar o enfrentamento dessas
“enfermidades pestilentas” em campanhas com notas militares, retoricamente ao se referirem
aos microrganismos como “inimigos” e, na prática, encorajando intervenções invasivas e
violentas (ARMUS, 2003).
Este processo histórico de formação da concepção biomédica influenciou a construção
do pensamento psicossocial dos profissionais de saúde, uma vez que esta ideia positivista
ainda permeia os modelos explicativos do processo saúde doença. A visão exclusivamente
biológica determinou condutas tanto de profissionais, quanto da população em relação ao seu
estado de saúde, que, para muitos, retratava tão somente a ausência da doença e de sua
sintomatologia clássica. Nesta perspectiva, o estado de saúde do indivíduo era explicado pelo
paradigma biomédico, onde o modelo curativista tornou-se hegemônico ao fortalecer o
pensamento intra-individual do processo do adoecimento.
O modelo biomédico clássico denota uma compreensão dos fenômenos de saúde e
doença com base nas ciências da vida, a partir da Biologia. Nessa abordagem, a doença é
definida como desajuste ou falta de mecanismos de adaptação do organismo ao meio, ou
ainda como uma presença de perturbações da estrutura viva, causadoras de desarranjos na
função de um órgão, sistema ou organismo. Na era do progresso científico da bacteriologia,
sempre existiria um mecanismo etiopatogênico subjacente às doenças. As doenças são
definidas pela ação de agentes patogênicos e o agente etiológico será entendido sempre como
o causador de toda doença. Ao longo do tempo, o modelo biomédico foi assimilado pelo
senso comum, tendo como foco principal a doença infecciosa causada por um agente
(PUTTINI, 2010).
A construção representacional dos profissionais de saúde sobre as doenças
negligenciadas apontou justamente a ideia da transmissibilidade, com a presença do indivíduo
susceptível, o agente etiológico e os vetores que, juntos, provocaram a perpetuação destas
entidades mórbidas. No entanto, o modelo biomédico indica somente uma única causa para o
198

surgimento das doenças, tornando assim, uma visão reducionista do processo saúde doença
que, por seu turno, influencia na concepção sobre as doenças negligenciadas.
Diante da etiologia da doença, o modelo biomédico adota uma lógica unicausal,
também designada lógica linear, procurando-se identificar uma causa a qual, por
determinação mecânica, unidirecional e progressiva, explicaria o fenômeno do adoecer,
direcionando a explicação a se tornar universal. É nessas condições epistemológicas que o
modelo biomédico, nas ciências da saúde, tende a reproduzir conhecimentos universais
relativos aos seres humanos (PUTTINI, 2010).
Com tudo isso, percebe-se que as concepções biomédicas são oriundas de um processo
histórico de construção da ideia de saúde, que por muito tempo baseou-se no positivismo e na
unicausalidade do adoecimento e pela visão exclusivamente biológica. Estas concepções
construídas pelos profissionais de saúde favorecem a perpetuação das doenças negligenciadas
pois a unicausalidade é uma ideia incipiente para a compreensão de medidas que possam
controlar e evitar tais enfermidades.
A partir desta visão positivista, estritamente incipiente para explicar o surgimento e
perpetuação das doenças negligenciadas, encontra-se o indivíduo alheio as principais causas
que podem desencadear o processo do adoecimento, pois sua percepção de saúde está
intimamente ligada a produção e existência de sinais e sintomas clínicos que aparecem no seu
corpo físico, incomodando-o na realização de suas atividades cotidianas, ou seja, o indivíduo
só percebe o seu processo de adoecimento sobre a égide do paradigma biomédico.
Neste momento entende-se que as definições e concepções biomédicas permearam as
formas de transmissão das doenças negligenciadas apontando principalmente a presença de
vetores e a ausência de estratégias para o seu controle. Assim, viu-se que as doenças
negligenciadas são causadas, no conjunto das representações dos profissionais, principalmente
pela ignorância dos indivíduos a respeito dos aspectos clínicos, forma de contágio e ausência
do autocuidado em suas práticas cotidianas.
Com tudo isso, percebe-se que as concepções biomédicas oriundas do pensamento
psicossocial dos profissionais de saúde acerca das doenças negligenciadas fortaleceram as
práticas curativistas em detrimento da percepção de outros fatores que provavelmente
contribuem para a instalação e continuidade destas enfermidades.
Neste sentido, a abordagem de outras concepções é necessária para explicar o processo
do adoecimento e suas principais estratégias de combate, tanto no campo individual quanto
social.
199

4.2.2 A Concepção Social

A concepção social sobre as doenças negligenciadas, definidas pelos profissionais de


saúde, abordaram aspectos que determinam o equilíbrio e/ou desequilíbrio no processo saúde
doença, considerando não somente a biologia, mas outros fatores que colaboram para o
surgimento destas enfermidades, a saber: as condições econômicas, a relação
indivíduo/ambiente e a ausência da educação.
No primeiro momento, nestas concepções sociais discute-se as condições econômicas
do indivíduo como fator preponderante na determinação do processo do adoecimento e, em
especial, na perpetuação das doenças negligenciadas. A pobreza gera vários transtornos a uma
pessoa, na medida em que são negadas as condições mínimas de sobrevivência como a
alimentação, uma moradia digna, o acesso à educação e aos serviços de saúde, que são
determinantes na estabilidade da qualidade de vida dos indivíduos. Quando estas condições
econômicas são mínimas ou até inexistentes surgem as primeiras consequências na situação
de saúde das pessoas, aumentando sua vulnerabilidade e, por conseguinte, a instalação das
doenças negligenciadas.
As doenças negligenciadas são quase que exclusivas de países considerados não
desenvolvidos, onde existem pessoas vivendo com menos de um dólar por dia e que são
vulneráveis à infecção por essas enfermidades. Os efeitos desses males podem ser vistos de
forma direta e pelas taxas de morbidade e mortalidade, como também na educação e na
economia, que também são afetadas. Nestas doenças, há certamente um forte componente de
subdesenvolvimento, consequência tardia do colonialismo, mas há também certa fatalidade
tropical, consequência da heterogeneidade das evoluções geológica e biológica. No Brasil, as
pessoas mais susceptíveis a ter essas doenças vivem nos subúrbios das grandes cidades e na
zona rural, áreas com maior índice de subdesenvolvimento (ALMEIDA, 2017).
A população brasileira, principalmente a de baixa renda, sofre com as principais
doenças estabelecidas como negligenciadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS);
leishmaniose, tuberculose, dengue, malária, doença de Chagas, hanseníase e esquistossomose
fazem parte do quadro de doenças negligenciadas que afetam grande parte do território
brasileiro, especialmente nas regiões Norte e Nordeste onde há menor índice de Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH). Essas doenças estão diretamente relacionadas com a
pobreza e tem impacto no desenvolvimento do país (SILVA; NICOLETTI, 2013).
O conceito de desenvolvimento humano pode ser entendido como um processo de
ampliação das escolhas das pessoas, para que elas tenham capacidades e oportunidades para
200

serem aquilo que desejam ser (SEN, 1993; PNUD, 2013a, 2013b). Amartya Sen (2000)
defende que o desenvolvimento tem de estar relacionado, sobretudo, com a melhoria da vida e
das liberdades. O conceito de liberdade está diretamente ligado às liberdades substantivas e
instrumentais acessíveis à população de um dado território. As liberdades substantivas são
entendidas por condições elementares de uma vida digna, como não ser acometido por uma
morte prematura, morbidez evitável, fome crônica ou ser tolhido de participação política, falta
de liberdade de expressão ou ter negado o direito a condições mínimas de desenvolver a
leitura e a escrita. Já, as liberdades instrumentais estão relacionadas às liberdades políticas,
facilidades econômicas, oportunidades sociais, garante as de transparência e segurança
(ORSI; GODOY, 2010).
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é a média aritmética de indicadores de
três dimensões do desenvolvimento (educação, longevidade e renda). Por considerar que esse
é o tripé sine qua non para a obtenção de todos os demais aspectos da qualidade de vida e que
são inseparáveis à proposta de crescimento, podemos perceber que não é linear a relação entre
crescimento econômico e desenvolvimento, sendo importante dar o mínimo de atenção às
suas discrepâncias. O IDH foi destaque internacional pela sua capacidade de síntese e
comunicação de aspectos importantes do desenvolvimento, enfatizando problemas
considerados crônicos (distribuição de renda, gênero, pobreza, dentre outros) (BATALHÃO
et al., 2018).
Em relação a 2016, o Brasil apresentou melhor de 0,001 no IDH, no valor de 0,759, e
no ranking mantém a posição 79º entre 189 países. Na América do Sul, o Brasil é o 5º país
com maior IDH. Chile, Argentina, Uruguai e Venezuela aparecem na frente, teve o quarto
maior crescimento no IDH entre 2010 e 2017, ao lado do Equador. A taxa anual de
crescimento do IDH entre 1990 e 2017 foi de 0,81%. No mesmo período, os brasileiros
ganharam 10,4 anos de expectativa de vida e viram a renda aumentar 28,6%. Na
educação, a expectativa de anos de escolaridade para uma criança que en tra no ensino
em idade escolar aumentou 3,2 anos, e a média de anos de estudos de adultos c om 25
anos ou mais subiu 4 anos (PNUD, 2018).
No relatório do Atlas de Desenvolvimento Humano Brasil (2013), encontra -se a
posição de 22 º do estado da Bahia, no ranking nacional em relação ao IDH (0,660),
apesar de ser considerado médio, o índice baiano melhorou 70% nos últimos 20 anos,
superando a expectativa observada no país, de 47,7%. Em Jequié, por seu turno,
apresenta-se em 33º colocação na Bahia, no que diz respeito ao IDH (0,665) segundo
dados do PNUD (2013).
201

O IDH é uma métrica que serve para comparações internacionais e auxilia o


desenvolvimento de políticas públicas. Dada sua importância e utilidade, foi proposto um
índice que seja medido e usado em níveis mais detalhados: o Índice de Desenvolvimento
Humano Municipal. No Brasil, IDH-M (IDH com dados municipais) foi desenvolvido em
2003, com base em informações coletadas no Censo de 2000, sintetizado no formato do Atlas
do Desenvolvimento Humano Municipal, com muitas edições específicas feitas para grandes
metrópoles brasileiras. A partir daí, criou-se uma nova demanda além dos dados tradicionais,
pois esses, ao serem dependentes do Censo, limitaram sua atualização a períodos de dez anos.
Essa nova demanda de dados do IDH-M surgiu da necessidade de se poder contar com dados
do IDH que sirvam para o monitoramento de políticas públicas locais e regionais, que
contemplem horizontes de prazo mais curto, mais relacionados à configuração de políticas
econômicas e sociais (PNUD, 2014).
O IDH-M oferece um resultado mais abrangente do desenvolvimento humano e tem
impacto nos processos participativos e de gestão de políticas públicas. Também pode ser
considerada uma importante ferramenta de referência para o planejamento municipal. A
importância desse índice pode ser exemplificada quando os tomadores de decisão decidem
usá-lo para direcionar ações públicas em diferentes áreas (PNUD, 2000; SANTA’ANNA;
RIBEIRO; DUTT-ROSS, 2011; RAHAYU; RAVIYANTI; MAHARDIKA, 2016), e para
tornar os municípios lugares cada vez melhores para se viver. O índice em nível municipal
também se mostra como um apoio importante para o entendimento das possíveis
problemáticas em cada dimensão sintetizada em escala local. A utilização de índices em
escalas geográficas menores contribui de maneira mais efetiva para a promoção e o
desenvolvimento humano local. Isso leva a uma avaliação mais detalhada dos níveis de
desenvolvimento, auxiliando na definição de áreas prioritárias para recebimento de recursos
(BATALHAO et.al., 2018).
Estes dados refletem a situação preocupante na qual encontram-se os munícipes na
Bahia e, em especia em Jequié, ao evidenciar as condições sociais, em nível médio, que
certamente corroboram para a endemicidade das doenças negligenciadas nesta região. Desta
forma, precisa-se buscar estratégias que possibilitem a melhoria nas condições socais desta
população visando o combate as entidades mórbidas provenientes da pobreza.
As concepções que definem as doenças negligenciadas a partir da condição social
promoveram a evolução dos termos que caracterizaram estas enfermidades desde a utilização
do termo “doenças tropicais” até o termo “doenças promotoras da pobreza”. Partindo da ideia
de que as doenças não acontecem exclusivamente por conta dos aspectos biológicos (visão
202

estritamente biomédica e positivista), entende-se que o termo tropical, sacramentado pelas


instituições médicas, é incipiente, superficial e não traduz a realidade destas populações,
necessitando, evidentemente, de abordagens complementares que possam estabelecer outros
campos de explicação do surgimento e perpetuação das doenças em discussão.
Por isso houve a necessidade de evoluir nos conceitos sobre estes agravos, associando-
os aos aspectos socioeconômicos que, por seu turno, são favoráveis à incidência e prevalência
das doenças aqui discutidas. No sentido de avançar nestas discussões, o campo da saúde
procurou outros termos que pudessem abarcar as abordagens biológicas, climáticas, culturais
e sociais, para conceituar as doenças que acometem esta população.
Desta maneira, atualmente utiliza-se como termo mais adequado “doenças promotoras
da pobreza” para definir as doenças negligenciadas haja vista que, as condições que provocam
a endemicidade destas enfermidades abrangem as dimensões biológicas, sociais e culturais. O
emprego desta terminologia, doenças promotoras da pobreza, foi evidenciado nos estudos
compilados na PLOS Neglected Tropical Diseases Journal, de open access, que traz inúmeras
publicações sobre esta temática e propiciam novos saberes para a ciência como um todo.
“Elas promovem a pobreza por causa de seu impacto sobre a saúde infantil e
desenvolvimento, gravidez e produtividade do trabalhador, bem como suas características
estigmatizantes” (PLOS NEGLECTED TROPICAL DISEASES JOURNAL [s.d.]). Assim,
doenças negligenciadas seriam aquelas promotoras da pobreza, sentido que vem sendo
empregado no momento de forma preponderante.
Outro ponto importante nesta concepção social é que as representações sociais dos
participantes sobre esta temática proporcionaram a formação de saberes onde existe uma
relação entre o indivíduo e o meio ambiente, cuja implicações podem colaborar para o
surgimento das doenças consideradas negligenciadas. Tem-se como exemplo o ciclo da
esquistossomose onde o homem, por conta de seu não conhecimento ou não adoção de
práticas que levem em consideração (visto como ignorância) a forma de transmissão desta
doença, continua visitando as margens do rio com águas contaminadas e são frequentemente
infectados e reinfectados pelo bioagente. Este indivíduo pode, às vezes, até compreender o
ciclo da doença, entretanto, a sua condição econômica, proveniente de seu trabalho, depende
desta sujeição à água contaminada e, desta forma, prefere ser susceptível à infecção e
conseguir manter sua fonte de renda.
O exemplo da esquistossomose, doença endêmica e negligenciada na região, leva-nos
à reflexão desta construção social das concepções sobre as doenças negligenciadas onde o
indivíduo precisa manter uma relação de cuidado com o meio ambiente e, ao mesmo tempo,
203

produzir com os recursos naturais, sua condição de sobrevivência econômica. Em virtude


desta cooperação junto ao meio ambiente, por meio do cuidado com os recursos naturais,
diminui-se a possiblidade de manifestação das doenças negligenciadas associadas a
compreensão por parte dos indivíduos sobre as formas de transmissão e contágio.
Além da condição econômica que ficou evidenciada pela pobreza extrema que atinge
as populações susceptíveis às doenças negligenciadas e ainda a relação do indivíduo com o
meio ambiente, encontram-se nestas concepções sociais outros componentes sociais que são a
ausência da educação e suas implicações no processo do adoecimento e instalação destas
doenças. Evidenciou-se no pensamento psicossocial dos profissionais de saúde que as doenças
negligenciadas são ligadas à ausência de conhecimentos sobre o cuidado e o autocuidado,
transpassando a ideia de falta de informação sobre os aspectos clínicos e as formas de
prevenção destas entidades mórbidas.
As discussões sobre a educação dizem respeito não somente aquela voltada para a
relação ensino-aprendizagem definido pelas instituições de ensino, mas também pela
educação cotidiana, aquela que é percebida pelas práticas individuais e coletivas dentro de
uma sociedade. Trata-se do que chamaremos de educação formal e não formal, onde a
educação formal compreende aquela definida pelas instituições de ensino e concede o grau de
escolaridade, enquanto que a não formal indicará os saberes e conhecimentos adquiridos a
partir da convivência na sociedade.
Nas concepções dos profissionais de saúde, tanto a educação formal, quanto a não
formal são importantes para constituir o nível de conhecimentos do indivíduo a respeito de
tudo o que lhe envolve, inclusive sobre a necessidade do autocuidado com o seu estado de
saúde.
A junção destas duas definições propõe o fortalecimento da intervenção da educação a
partir dos conhecimentos dos próprios indivíduos, identificando suas reais necessidades e
aproximando-se da sua forma de pensar e ver o mundo. Quando a relação linear entre saber
instituído e comportamento acontece, via de regra, a educação se torna normativa e o
princípio que está por trás da norma de comportamento é que alguém, além do sujeito,
conhece melhor o que é apropriado para ele e para todos indistintamente (GASTALDO,
2005).
A partir destas definições construídas percebe-se que a educação em saúde é um pilar
para sustentação de práticas individuais e coletivas no combate às doenças negligenciadas,
pois é sob a égide da educação que o indivíduo consegue transformar o mundo que o cerca ao
identificar a sua vulnerabilidade e condições de susceptibilidade e, ao mesmo tempo, possuir
204

condições de evitar por meio destes saberes a instalação destas enfermidades. Por tudo isso, a
educação surge como uma colaboradora na construção e fortalecimento da saúde populacional
ao contribuir na formação de saberes dos indivíduos e, por conseguinte, na mudança de suas
práticas no cuidado e autocuidado motivando a constituição de alternativas no combate às
doenças negligenciadas.
A saúde é fruto de uma ação individual e coletiva, e é essencial fortalecer a confiança
no indivíduo de forma a motivar sua participação em soluções construídas conjuntamente com
o governo e com os educadores. A posição de destaque negativo do Brasil no cenário mundial
e o descaso das políticas públicas e indústrias farmacêuticas em relação às doenças
negligenciadas reforçam essa preocupação. Principalmente considerando que as doenças
negligenciadas tendem a ser endêmicas em diferentes regiões do Brasil e se apresentam em
populações de condições culturais, econômicas e sociais diversas.
Consequentemente, os determinantes sociais podem diferir nos diferentes contextos e
na pluralidade cultural brasileira. Esses fatores expressam as limitações das políticas
governamentais baseadas em pacotes educativos (cartazes, folhetos, propagandas) construídos
de forma etnocêntrica mesmo que tenham como finalidade combater essas endemias. Por isso,
reforça-se a necessidade de se conhecer diferentes realidades sociais com suas crenças,
hábitos, costumes, circunstâncias, em seus variados contextos históricos sobre os quais seriam
produzidos os materiais educativos (PIRES, 2017).
A educação em saúde, portanto, surge como uma protagonista no combate às doenças
negligenciadas pois garante ao indivíduo os saberes e conhecimentos sobre as formas de
transmissão e, por conseguinte, as estratégias de prevenção destas enfermidades.
A educação em saúde promove a qualidade de vida do indivíduo e lhe fornece as
condições favoráveis a manutenção de um equilíbrio no processo saúde doença. Nesse
sentido, a educação possui importância inegável para a promoção da saúde, sendo utilizada
como veículo transformador de práticas e comportamentos individuais, e no desenvolvimento
da autonomia e da qualidade de vida do usuário (LOPES; SARAIVA; XIMENES, 2010).
Conclui-se que os componentes sociais aqui descritos, quais sejam, condições
econômicas, relação indivíduo/ambiente e ausência da educação constituíram as concepções
sociais dos profissionais de saúde acerca das doenças negligenciadas afirmando que, tais
entidades mórbidas não acontecem simplesmente por meio de um único bioagente, mas estão
imbricadas com os aspectos sociais aqui descritos que, por seu turno, podem favorecer o
controle e a prevenção destes agravos.
205

4.2.3 A Concepção Cultural

As concepções culturais evidenciadas nas definições dos profissionais de saúde


permitiram identificar os modos de vida e formas de crenças e valores dos indivíduos no que
diz respeito ao seu olhar frente as doenças negligenciadas, muitas vezes evidenciando até
mesmo uma naturalização e uma identidade social junto a estas enfermidades. Viu-se que a
forma de pensamento constituída pelas pessoas afligidas por estes agravos condiz a sua
cultura e seus valores sociais compartilhados dentro dos seus grupos de convivência.
A cultura mostra-se como fator responsável por diferenciar os povos através de visões
de mundo e práticas sociais compartilhadas por um determinado grupo. O comportamento
humano é resultado de um processo permanente de aprendizagem fundamentado em heranças
culturais que se reproduzem e orientam apreciações de ordem moral e valorativa chamado
endoculturação. Como consequência podemos acabar adotando posturas etnocêntricas que
culminam na depreciação de comportamentos diferenciados e, em casos extremos, promovem
a intolerância e a geração de conflitos sociais. Por outro lado, a superestimação de outras
culturas e o abandono de crenças próprias tem potencial para desarticular uma população
(LARAIA, 2015).
A forma de saber e pensar destes indivíduos frente às doenças negligenciadas
possibilitou aos profissionais de saúde construir uma imagem das posturas desfavoráveis ao
cuidado e ao autocuidado, impossibilitando a realização de práticas consideradas saudáveis e
essenciais para findar o ciclo das doenças. Desta forma, compreender estes conhecimentos e
sequencialmente a cultura intrínseca desta população propiciou aos profissionais de saúde o
entendimento sobre as possíveis ações de intervenção junto as condutas destes indivíduos para
a prevenção das doenças negligenciadas.
Ao estudar o comportamento humano, a antropologia aponta que a diferença cultural
entre populações não é consequência de determinismos biológicos e geográficos. A diferença
entre os diferentes grupos humanos não é definida por traços psicologicamente inatos, ou seja,
temperamento, inteligência, entre outros, sendo resultado da história, dos costumes e das
disputas sociopolíticas que se dão no interior e entre grupos sociais. Da mesma forma, o
ambiente não condiciona a diversidade cultural. Diferentes grupos sociais podem coexistir
num mesmo espaço físico, construindo relações e costumes diferenciados (LARAIA, 2015).
Contudo, na tentativa de propor uma perspectiva mais integrada entre biologia, geografia e
antropologia, observamos que a cultura de fato não é condicionada por determinismos
biológicos ou geográficos como simples resultado de relações de causa e efeito, mas a
206

causalidade associada à natureza humana e ambiental podem influenciar o processo de


endoculturação.
A cooperação tanto do indivíduo, quanto do profissional de saúde, em relação ao
enfrentamento das doenças negligenciadas, perpassa pelo entendimento da cultura que os
norteiam, principalmente na relação dialógica paciente/equipe de saúde, pois no momento em
que os trabalhadores de saúde compreendem as práticas individuais sobre a sustentação
cultural, entende-se que haverá mais possibilidades de diminuir a incidência e prevalência
destas doenças na região.
A elaboração de conceitos e definições a partir da endoculturação proporciona aos
diversos indivíduos realizar práticas que podem gerar cuidados ou não. Por isso, os
profissionais de saúde precisam compreender a cultura que define o pensamento dos pacientes
com o intuito de estreitar a relação e, desta forma, combater as doenças negligenciadas.
Ao findar as discussões da concepção cultural encerram-se as reflexões sobre a
dimensão conceitual dos profissionais de saúde acerca das doenças negligenciadas. Esta
reflexão proporcionou o entendimento desta dimensão e sua relevância na construção
representacional das doenças negligenciadas, pois permitiu revelar os saberes e
conhecimentos que foram apresentados pelos profissionais de saúde, dentro das definições e
concepções, fortalecendo a estrutura da representação, uma vez que surgiu o termo ignorância
de forma transversal nestas discussões, influenciando e mediando a construção das
concepções sobre as doenças negligenciadas.

4.3 A Dimensão prática das representações socais dos profissionais de saúde acerca das
doenças negligenciadas

O processo assistencial junto às doenças negligenciadas permitiu desvelar os


pensamentos dos profissionais de saúde sobre suas práticas de cuidado e ainda suas crenças e
convicções a respeito das práticas de autocuidado dos indivíduos acometidos por estes
agravos.
Nesta dimensão percebeu-se a construção destes saberes relacionados à atuação no
processo de trabalho da equipe de saúde e a participação do indivíduo no adoecimento e cura
das doenças negligenciadas. Diante deste objeto representacional observou-se, na tríade
indivíduo/sociedade/governo o descaso relacionado às práticas de prevenção, promoção e
reabilitação frente às doenças negligenciadas.
207

4.3.1 A Prática Individual

Na construção do pensamento psicossocial dos profissionais de saúde verificou-se a


realização de práticas individuais que refletem atitudes favoráveis e desfavoráveis no processo
do cuidar. As atitudes favoráveis foram aquelas direcionadas para práticas saudáveis que
envolvem o cuidado corporal e a proteção contra as doenças infectocontagiosa e
transmissíveis, como, por exemplo, o uso de preservativo ou combate aos vetores. Por outro
lado, tem-se as atitudes desfavoráveis à saúde, como o descuido com o próprio corpo, a
vulnerabilidade por medidas de risco como uso da água e alimentos contaminados, além da
ausência de conhecimento sobre as formas de prevenção das doenças negligenciadas.
As práticas possuem sentidos e valores ligados ao conjunto de relações socioculturais,
que vinculam pessoas e grupos entre si, envolvidas em um mesmo campo e referidas ao
mesmo ‘espaço de possíveis’. Nesse contexto, entende-se como prática realizada
individualmente ou coletivamente no campo da saúde, com base em saberes científicos ou
saberes populares, as ações ou atividades desenvolvidas por profissionais de saúde em um
determinado local (FERRACCIOLI; ACIOLI, 2017).
Nesta dimensão individual, a ausência de saberes e conhecimentos sobre o controle e
prevenção das doenças negligenciadas é uma das principais causas da realização de práticas
desfavoráveis ao cuidado e autocuidado, aumentando as possibilidades de manutenção do
ciclo de transmissão e a incidência destas enfermidades. Este tipo de saber trata-se de um
conhecimento consensual proveniente das percepções dos indivíduos a respeito das definições
da doença, como ela pode ser transmitida e principalmente como pode ser evitada. A
percepção da doença é definida como a forma que os indivíduos compreendem diversos
aspectos relacionados à saúde e a doença, levando em consideração suas experiências
individuais e coletivas (SANTOS, 2017).
Neste sentido entende-se que o conhecimento consensual que faz parte das convicções
e crenças individuais precisa ser descoberto pelos profissionais de saúde com o propósito de
aproximar-se das práticas dos indivíduos e apresentar os saberes científicos que colaboram
com a prevenção e quebra do ciclo de transmissão das doenças negligenciadas. Quando o
universo reificado se aproxima do universo consensual tem-se a possibilidade de ampliação
dos saberes e, por conseguinte, a adoção de práticas saudáveis de cada indivíduo e também da
equipe de saúde.
Moscovici considera coexistirem nas sociedades contemporâneas duas classes distintas
de universos pensantes: os universos consensuais e os universos reificados. Nos últimos,
208

bastante circunscritos, é que se produzem e circulam as ciências e o pensamento erudito em


geral, com sua objetividade, seu rigor lógico e metodológico, sua teorização abstrata, sua
compartimentalização em especialidades e sua estratificação hierárquica. Aos universos
consensuais correspondem as atividades intelectuais da interação social cotidiana pelas quais
são produzidas as representações socais. As “teorias” do senso comum que são aí elaboradas
não conhecem limites especializados, obedecem a uma outra lógica, já chamada de lógica
natural, utilizam mecanismos diferentes de “verificação” e se mostram menos sensíveis aos
requisitos de objetividade do que a sentimentos compartilhados de verossimilhança ou
plausibilidade (SÁ, 2015).
A interação entre esses dois universos, o consensual e o reificado, colabora para a
produção de novos saberes e conhecimentos acerca das doenças e, desta maneira, acredita-se
que a percepção destes últimos implica na mudança de práticas no sentido de adotar medidas
que são promotoras da saúde individual, como por exemplo, evitar o uso da água e de
alimentos contaminados, evitar o contato e a proliferação de vetores que são fonte de
transmissão das doenças e implementar o autocuidado por meio da higiene corporal e outras
medidas que porventura são essenciais na prevenção das doenças negligenciadas.
A partir da apreensão de novos saberes, oriundos desta interação da ciência e senso
comum, precisa-se difundir e transferir esses conhecimentos para torná-los populares ao ponto
de fazerem parte do cotidiano e enraizarem nas concepções individuais com o intuito de
transformar não somente a prática individual, mas também as práticas coletivas. Com a
propagação dos saberes, cria-se novos pensamentos e novas atitudes diante da busca da
integralidade da assistência à saúde e no autocuidado promovendo assim o enfrentamento as
doenças negligenciadas.
Com tudo isso entende-se que as práticas individuais são as primeiras defesas frente ao
processo do adoecimento, pois são elas que podem inicialmente diminuir os riscos e a
susceptibilidade a estas entidades mórbidas. No entanto, estas práticas favoráveis à saúde
integral somente serão adotadas a partir do acesso destes indivíduos aos conhecimentos
populares e científicos capazes de promover mudanças do seu modo de agir durante o
processo saúde doença.
Aos profissionais de saúde, por seu turno, cabe desmitificar as noções básicas de
saúde, aproximar-se das concepções individuais e protagonizar a educação em saúde
despertando o interesse no estilo de vida saudável e desarticulando o descaso que envolve a
dimensão individual.
209

4.3.2 A Prática Social ou Coletiva

A sociedade tem a capacidade de produzir suas próprias convicções e concepções


acerca de um determinado fenômeno e por isso precisa ser considerada como uma parte
colaborativa na construção de ideias e pensamentos sobre a saúde e a doença, uma vez que,
tais pensamentos e concepções podem favorecer a tomada de atitude e decisões fundamentais
no combate e controle das doenças negligenciadas.
Na perspectiva psicossocial de uma sociedade pensante, os indivíduos não são apenas
processadores de informações, nem meros “portadores” de ideologias ou crenças coletivas,
mas pensadores ativos que, mediante numerosos episódios cotidianos de interação social,
“produzem e comunicam incessantemente suas próprias representações e soluções específicas
para as questões que se colocam a si mesmos” (SÁ, 2015, p. 191). Da mesma forma que se
trata a sociedade como um sistema econômico ou um sistema político, diz Moscovici (1988),
cabe considerá-la também como um sistema de pensamento (SÁ, 2015).
No que diz respeito ao pensamento psicossocial dos profissionais de saúde acerca das
doenças negligenciadas, as práticas sociais foram representadas pelas atitudes da tríade
(indivíduo/equipe de saúde/políticos) onde descreveram as atividades de cada um, sendo
sustentadas muitas vezes pelo descaso e outra vezes das manifestações de estratégias de
combate às enfermidades ora estudadas. A dimensão social reconhece que, a partir do que é
socialmente construído, estabelecem-se relações de poder, normas, possibilidades de acesso à
vida material, à cultura e à política. Assim, a situação de cada sujeito na organização social
pode determinar sua condição de acesso a bens de consumo, serviços, conhecimento e direitos
sociais, como a saúde (SCHERER; SILVEIRA, 2013).
Este grupo social (tríade) delimitado pelos profissionais de saúde desenvolve práticas
que favorecem a perpetuação das doenças negligenciadas, por não compreenderem a
relevância da condição social como a pobreza e a ignorância na promoção destas
enfermidades e ao associarem a incidência e prevalência destes agravos a dimensão
exclusivamente biológica. Houve assim, uma configuração social apontando um descaso junto
às doenças negligenciadas dos partícipes deste processo saúde-doença, cada qual com suas
responsabilidades emitindo uma concepção estritamente biomédica e incipiente no controle
destes agravos.
A realidade social produzida pelos profissionais de saúde mostrou-se a relevância das
práticas sociais no sentido de construir uma imagem sobre as doenças negligenciadas,
principalmente no que diz respeito às suas causas, pois para o grupo social estas enfermidades
210

ainda ocorrem na região por conta, não somente da dimensão biológica, mas também por
outros motivos que envolvem os determinantes e condicionantes do processo saúde doença.
Desta maneira, o discurso e a realidade social apresentada definiu as seguintes causas tidas
como principais para a ocorrência das doenças negligenciadas: o descaso dos sujeitos que
participam do processo do adoecimento (o indivíduo, o profissional de saúde e os gestores
políticos), a ausência da infraestrutura urbana e a ignorância da população.
Uma realidade social, como a entende a teoria das representações, é criada apenas
quando o novo, ou não familiar, vem a ser incorporado aos universos consensuais. Aí operam
os processos pelos quais ele passa a ser familiar, perde a novidade, torna-se socialmente
conhecido e real. O fato de que isso ocorre sob o peso da tradição, da memória, do passado,
não significa que não se estejam criando e acrescentando novos elementos à realidade
consensual, que não se esteja produzindo mudanças no sistema de pensamento social, que não
se esteja dando prosseguimento à construção do mundo de ideias e imagens em que vivemos.
O resultado é – constata-se pelo estudo empírico das representações sociais – altamente
criativo e inovador no âmbito da vida cotidiana (SÁ, 2015).
Portanto, esta realidade social partindo do pensamento dos profissionais de saúde
significa uma nova ideia e imagem sobre as práticas sociais que entornam as doenças
negligenciadas tendo como sustentação o descaso e a ignorância dos sujeitos e atores sociais
que compõem a tríade indivíduo, profissional de saúde e políticos. São estas práticas que se
tornaram familiar para o contexto das doenças negligenciadas, uma vez que, a sua
endemicidade e perpetuação continuam assolando grande parte da população mundial,
diminuindo a qualidade de vida, o desenvolvimento cognitivo e saúde integral.

4.3.3 A Prática Governamental

Nas concepções acerca das práticas governamentais frente às doenças negligenciadas


emitidas pelos profissionais de saúde encontram-se o descaso diante das políticas públicas que
poderiam ser construídas no intuito de combater estrategicamente estas entidades mórbidas. O
descaso governamental diz respeito não somente ao setor político representado pelos entes
federados, mas também das organizações do próprio setor saúde e da pesquisa e inovação
tecnológica. Apesar de constituírem um grupo de doenças de origem antiga, as estratégias de
enfrentamento surgiram apenas no século passado com a introdução de medicamentos contra
os bioagentes causadores das infecções e tão somente pela visão exclusivamente biológica.
211

O descaso das ações governamentais inclui a falta de interesse em resolver as doenças


negligenciadas consideradas evitáveis a partir de medidas centradas nas pessoas e nas suas
condições de vida social e econômica, entretanto, por serem doenças da pobreza não possuem
visibilidade social e política. Todas estas características indicaram a ausência de
investimentos em pesquisa e inovação com a descoberta de novos tratamentos, inclusive,
novos fármacos com reações menos tóxicas ao indivíduo.
A preocupação mundial com estas doenças tomou visibilidade a partir da Declaração
da ONU em 2000 e a divulgação dos Objetivos do Novo Milênio, associando as doenças à
extrema pobreza e assegurando a atuação de países na busca de melhores condições de vida
para toda a população mundial, principalmente para a mais carente. Em 2003, a Organização
Mundial da Saúde (OMS) começou a mudar o paradigma no controle e na eliminação de um
grupo de doenças tropicais negligenciadas (DTN). O processo envolveu uma mudança
estratégica importante: da abordagem tradicional centrada nas doenças para uma estratégia de
resposta às necessidades de saúde de comunidades marginalizadas (OMS, 2012).
A nova abordagem utiliza intervenções integradas baseadas em ferramentas para o
controle de DTN. Sob a perspectiva da saúde pública, essa mudança se traduz no provimento
de cuidados e na administração de tratamento a populações mal atendidas. A mudança garante
utilização mais eficiente de recursos limitados, redução da pobreza e monitoramento de
doenças para milhões de pessoas que vivem em áreas rurais e urbanas.
Essa perspectiva emergente foi aperfeiçoada em um encontro realizado em Berlim, na
Alemanha, em dezembro de 2003, que reuniu especialistas de diversos setores, entre os quais
saúde pública, economia, direitos humanos, pesquisa, organizações não governamentais
(ONGs) e indústria farmacêutica. O encontro criou o cenário para que a OMS traduzisse a
nova abordagem em uma política estratégica e formulasse maneiras de oferecer a populações
pobres uma solução eficaz e abrangente para alguns de seus problemas de saúde (OMS,
2012).
A mudança de paradigma da OMS propiciou uma série de ações desencadeadas pelo
pensamento de evitar o círculo vicioso da pobreza-doença-pobreza e iniciar a construção de
prioridades e estratégias necessárias ao atendimento das reais necessidades da população
mundial. Para tanto, a OMS cria o Departamento de Controle das Doenças Tropicais
Negligenciadas em 2005, passando a liderar o enfrentamento das doenças negligenciadas,
desenvolvendo um quadro estratégico para o combate a essas doenças: “Um bilhão de pessoas
estão sofrendo de doenças que podem ser prevenidas com estratégias simples, como
212

quimioterapia preventiva. Estão sofrendo simplesmente porque são pobres. Isso é uma
questão ética global” (FIOCRUZ - FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ, [s.d.]).
Desde então, a OMS vem produzindo relatórios, definindo estratégias, recomendando
abordagens, promovendo encontros e parcerias para financiamento e fomento às pesquisas,
com o intuito de mudar o cenário da saúde global, a partir da inclusão das doenças
negligenciadas nessa agenda e tornando o combate às essas enfermidades, essencial para o
desenvolvimento (ROLAND, 2016).
Analisando criticamente estas intervenções por parte da OMS, percebe-se que somente
despertou o interesse junto ao combate das doenças negligenciadas a partir de uma convecção
social de que as pessoas devem tornar-se saudáveis para tão somente compor estatísticas de
desenvolvimento social e não uma real preocupação com as necessidades da população. A
OMS poderia ter feito esta intervenção há mais tempo, principalmente pelo impacto que estas
doenças causam no indivíduo como o isolamento social, a depreciação do estado físico e a
diminuição da qualidade de vida desde a fase infantil até adulta.
Os entes federados, por outro lado, também não colaboram para a implantação de
políticas públicas voltadas para o enfretamento destas enfermidades, mesmo após a
promulgação das Leis Orgânicas da Saúde que definiram a regulamentação do SUS, os
esforços diante do enfrentamento das doenças negligenciadas foram muito incipientes no
Brasil. No processo histórico de construção destas ações somente a partir de 2003, com a
realização da I Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia em Saúde que tivemos a
discussão de investimentos em pesquisa direcionadas para as doenças negligenciadas.
O Ministério da Saúde, acompanhando as concepções mundiais, definiram as doenças
negligenciadas como aquelas que não só prevalecem em condições de pobreza, mas também
contribuem para a manutenção do quadro de desigualdade, já que representam forte entrave
ao desenvolvimento do país. O Brasil buscou, durante as últimas décadas, definir um plano de
ação no controle as doenças negligenciadas por meio de investimento em pesquisa e
financiamento em novas tecnologias, iniciando, em 2006, o Programa de Pesquisa e
Desenvolvimento em Doenças Negligenciadas (BRASIL, 2010).
Com todo este atraso na tomada de decisão dos setores governamentais, viu-se por
meio da epidemiologia, a situação preocupante que se encontra não somente este país, mas
todo o mundo em relação à incidência e prevalência das doenças negligenciadas. Segundo
dados do Centers for Disease Control and Prevention (CDC, 2014): cem por cento dos países
de baixo rendimento são afetados por pelo menos cinco doenças negligenciadas,
simultaneamente, em todo o mundo; 149 países e territórios são afetados, no mínimo, por uma
213

doença negligenciada; as doenças negligenciadas são responsáveis por estimados 534.000


casos de morte, no mundo, por ano; são causa principal da carga da doença resultando em
cerca de 57 milhões anos de vida perdidos devido à morte e invalidez prematuras; os
indivíduos muitas vezes são atingidos por mais de um parasita ou infecção e o custo do
tratamento para a maioria dos programas de administração de drogas em massa nas doenças
negligenciadas é estimado em menos de US$ 0,50 por pessoa por ano.
As práticas governamentais são representadas pela ausência de investimentos na
qualidade de vida da população e resultam nas condições de pobreza extrema e falta de
estrutura urbana para a civilização. Entende-se que os aspectos políticos ainda não priorizam a
resolução dos problemas sociais que implicam na manutenção do ciclo de pobreza e pouco
desenvolvimento econômico, tornando um fator desfavorável no controle das doenças
negligenciadas. Por tudo isso, conclui-se que as práticas governamentais precisam assumir um
novo direcionamento onde a prioridade seja a melhoria da qualidade de vida da população,
principalmente para as pessoas que mais precisam, diminuindo as iniquidades sociais e
distribuindo de forma mais equânime a renda e os investimentos no setor saúde, em especial,
na prevenção e reabilitação das doenças negligenciadas.
214

CONCLUSÕES

O presente estudo, baseado na Teoria das Representações Sociais e ancorado em suas


abordagens estrutural e processual, proporcionou a imersão e aprofundamento nos saberes
elaborados pelos profissionais de saúde acerca das doenças negligenciadas. Foram
investigadas as representações sociais dos profissionais de saúde acerca das doenças
negligenciadas, concluindo que, de fato, elas se constituem como um objeto de representação
social.
Os objetivos propostos inicialmente foram devidamente atingidos, ao tempo em que as
convicções, as crenças e o pensamento psicossocial dos profissionais de saúde foram
desvelados e analisados a partir dos métodos utilizados durante o desenvolvimento desta tese.
Deve-se, a isto, a descrição da estrutura e dos conteúdos das representações sociais acerca das
doenças negligenciadas e ainda a discussão da relação entre as representações sociais e as
práticas de cuidado exercidas pelos profissionais de saúde.
Neste momento pretende-se esclarecer os principais pontos de análise desta tese,
indicando as conclusões permeadas pelos resultados encontrados durante esta pesquisa e ainda
apresentar as estratégias de ação protagonizadas pelos atores (o indivíduo, a equipe de saúde e
o governo) envolvidos neste processo, que podem ser aplicadas no campo das práticas
cotidianas para a eliminação das doenças negligenciadas. Para tanto, faz-se necessário
fortalecer a ideia sobre as doenças negligenciadas como um objeto representacional, pois isto
se deve ao fato de encontrar um grupo de pessoas que, em sua heterogeneidade, possuíam
características em comum e puderam compartilhar conhecimentos e saberes, que circulam em
seu cotidiano e influenciam suas condutas diante deste objeto.
Foi o que ficou evidenciado ao analisar as características sociodemográficas dos
profissionais de saúde durante o desenvolvimento deste estudo, pois este grupo constitui-se
como um promotor de saberes e construíram uma identificação com as doenças
negligenciadas pelo fato de lidarem cotidianamente, em seu ambiente de trabalho, com as
atividades de prevenção, controle e tratamento destas entidades mórbidas.
As doenças negligenciadas também foram consideradas como um objeto de
representação social pelo fato de promoverem julgamentos, construção de pensamentos e
também gerarem novos conhecimentos para este grupo de profissionais de saúde. Além disso,
claramente se observou sua relevância social, uma vez que estas entidades mórbidas atingem
diretamente a qualidade de vida da população e são promotoras da pobreza e das iniquidades
215

sociais. Segue-se, como exemplo, tanto a hanseníase como a tuberculose que causam um
impacto na vida dos indivíduos por meio do isolamento social, do preconceito e dos estigmas
que foram discutidos durante a análise das concepções representacionais.
Tem-se ainda, como outro exemplo, a leishmaniose e a esquistossomose que
provocam, entre outras consequências, o retardo no desenvolvimento cognitivo,
principalmente nas crianças que são afligidas por estes agravos. Acredita-se, ainda, que os
conhecimentos elaborados pelos profissionais de saúde são estruturados e estão ligados às
práticas de cuidado deste grupo.
Esta tese possibilitou a identificação da estrutura da representação social dos
profissionais de saúde acerca das doenças negligenciadas, onde se estabeleceu um núcleo
central que organizou e modelou esta representação e um sistema periférico que, por um lado,
o sustentou e, por outro, modulou as convicções presentes em seu interior. Desta forma, tem-
se uma estrutura representacional constituída pelo núcleo central, confirmado com uma
triangulação de técnicas, a saber: o descaso e a ignorância.
A partir destes elementos constituintes do núcleo central, a representação social foi
compreendida por quatro dimensões que se entrelaçaram e articularam a construção deste
conhecimento elaborado pelos profissionais de saúde: a dimensão individual, a dimensão
socioindividual, a dimensão social e a dimensão imagética. A estrutura das representações
sociais acerca das doenças negligenciadas apresentou as principais características do
pensamento psicossocial dos profissionais de saúde, pois elencou as causas das doenças, as
suas consequências e ainda a sua imagem diante da sociedade.
No que diz respeito ao gerenciamento da estrutura da representação social acerca das
doenças negligenciadas, acredita-se que as dimensões foram organizadas a partir da ideia
proveniente dos significados dos dois elementos considerados centrais. O descaso e a
ignorância permearam a descrição das principais causas das doenças negligenciadas, como a
influência do descaso da tríade (indivíduo, equipe de saúde e gestores) na perpetuação dos
aspectos sociais e individuais no surgimento e na continuidade das doenças negligenciadas e
também com a identificação da ignorância, principalmente por parte dos indivíduos, com
relação às medidas de autocuidado frente a estas entidades mórbidas.
Pode-se afirmar que as representações sociais dos profissionais de saúde sobre as
doenças negligenciadas possuem uma atitude normativa, apesar de conviverem
cotidianamente em seu ambiente de trabalho com estes agravos. Isto implicou na construção
de julgamentos negativos, por parte dos profissionais de saúde, sobre as condutas e práticas
dos sujeitos que compõem a tríade (indivíduo, equipe de saúde e gestores) no enfrentamento
216

das doenças negligenciadas. O grupo de profissionais de saúde possui uma representação


social construída por elementos desfavoráveis às doenças negligenciadas pelo fato de
entenderem que os principais agentes envolvidos neste contexto (a tríade) não exercem suas
responsabilidades, sejam elas institucionais ou cotidianas, frente ao objeto representacional.
Os dados relativos à abordagem processual trouxeram, em seu arcabouço teórico, as
manifestações sociais, individuais, culturais e psicológicas dos profissionais de saúde frente
às doenças negligenciadas, uma vez que em seu discurso apreendido pelas técnicas
metodológicas aplicadas neste estudo, encontraram-se os elementos que construíram as
representações sociais aqui apresentadas. Estes dados colaboraram para a compreensão da
endemicidade destas enfermidades na região, pois os profissionais de saúde, ao desvelar seus
saberes sobre este objeto, apresentaram como doenças ditas autóctones aquelas elencadas
pelas instituições governamentais de saúde como negligenciadas: a hanseníase, a tuberculose,
a esquistossomose, a doença de Chagas e as leishmanioses.
As doenças foram constantemente citadas pelos profissionais de saúde como um
preocupante problema de saúde que já convivem durante muito tempo nesta região, indicando
a necessidade da ampliação de investimentos e interesse por parte dos gestores em relação ao
combate a estas enfermidades. Com tudo isso, pode-se concluir que a abordagem processual
contribuiu para o entendimento dos conteúdos da representação social acerca das doenças
negligenciadas, uma vez que foram descritas e discutidas as dimensões que compõe a análise
proveniente dos resultados da classificação hierárquica descendente.
Diante dos resultados discutidos, pode-se dizer que as representações sociais foram
construídas por duas dimensões: a primeira diz respeito às concepções das doenças
negligenciadas e a segunda refere-se às práticas frente as estas enfermidades. A dimensão
teórica ou conceitual, emergida das discussões provenientes do primeiro eixo temático, da
classificação hierárquica descendente, mostrou a construção das definições, dos saberes e das
causas das doenças negligenciadas para os profissionais de saúde. Este grupo mostrou que as
doenças negligenciadas são intimamente ligadas às condições sociais, as percepções
individuais e as práticas governamentais que, juntos, compõe uma base estruturada de
convicções sobre a continuidade destas enfermidades.
Na dimensão teórica, as percepções individuais sobre os conceitos e definições das
doenças negligenciadas foram incipientes e colaboraram para a instalação destes agravos, pois
os indivíduos, em seu universo consensual, não compreenderam os aspectos que determinam
e condicionam a manifestação destas enfermidades, como suas formas de transmissão, de
prevenção e também de tratamento. Pretende-se, com isso, afirmar que a instalação destas
217

doenças não depende exclusivamente da ação individual, mas incluem-se as participações das
condições sociais e das práticas governamentais.
As condições de extrema pobreza e destruição do ambiente habitacional proporcionam
o aumento da vulnerabilidade destes indivíduos frente às doenças negligenciadas. Portanto, a
intervenção das práticas governamentais por meio de políticas públicas que tenham, por
finalidade, diminuir as iniquidades sociais e estabelecer um ambiente saudável à população, é
um ponto de partida para a diminuição da incidência e, por conseguinte, da endemicidade
destas enfermidades.
Para os profissionais de saúde, esta dimensão teórica das representações sociais acerca
das doenças negligenciadas, mostrou a diversidade cultural, as diversas formas de utilização
dos saberes próprios para o enfrentamento das doenças pela população, as fragilidades sociais,
como a ausência de conhecimentos básicos de hábitos saudáveis e, ainda, o descaso social,
tanto da equipe de saúde, como dos gestores. Estas convicções despertam o interesse em
vislumbrar novos caminhos para os indivíduos, os profissionais de saúde e gestores no sentido
de mudança de práticas frente a este objeto representacional.
Por outro lado, encontra-se a dimensão prática das representações sociais acerca das
doenças negligenciadas, onde foram apresentadas as dificuldades de facilidades do processo
assistencial, incluindo a ausência de estrutura urbana e dos serviços de saúde que favoreceram
a percepção dos profissionais de saúde sobre a perpetuação destes problemas de saúde na
região. Ao discutir as práticas dos sujeitos envolvidos no processo do adoecimento, indivíduo,
equipe de saúde e gestor percebeu-se que cada um precisa rever suas condutas cotidianas, no
sentido de produzir novos saberes e nova possibilidades de combate às doenças
negligenciadas.
Diante de tudo isso chega-se à tese de que as representações sociais dos profissionais
de saúde acerca das doenças negligenciadas gerenciam e influenciam suas práticas de
cuidado, modificando a realidade que os cerca e protagonizando novos saberes e
conhecimentos indispensáveis para o controle, a prevenção e o tratamento destas entidades
mórbidas.
A primeira contribuição diz respeito à percepção dos profissionais de saúde sobre a
necessidade de incorporar, em seu processo assistencial, as práticas de educação em saúde,
visando a promoção da participação ativa do paciente, sua responsabilização sobre o
autocuidado e a adoção de práticas saudáveis que reduzem a vulnerabilidade individual frente
às causas das doenças negligenciadas. Estas práticas de educação em saúde podem ser
promovidas pela parceria entre o ensino-serviço, com o auxílio das instituições formadoras de
218

profissionais de saúde, como a universidade, pois entende-se que isto faz parte do
envolvimento profícuo entre comunidade (universo consensual) e academia (universo
reificado).
A segunda contribuição deste estudo refere-se à discussão e à apreciação dos
conhecimentos dos profissionais de saúde que exercem suas atividades em instituições de
combate às doenças negligenciadas sobre as possíveis estratégias de ação que podem ser
realizadas junto ao indivíduo e à sociedade. Os profissionais de saúde, participantes deste
estudo, acreditam que ainda existe um déficit de conhecimento sobre os aspectos clínicos, mas
principalmente sobre o impacto epidemiológico e social que estas doenças causam na
população. Por isto, uma das alternativas seria realizar uma capacitação aos profissionais de
saúde que desenvolvem seu processo assistencial no combate às doenças, discutindo suas
concepções, suas causas e suas estratégias de ação para evitá-las e a longo prazo extingui-las
desta região.
A terceira contribuição, por sua vez, remete-se às práticas governamentais, visto que,
segundo as representações sociais dos profissionais de saúde, esta participação dos gestores
somente ampliou o problema das doenças negligenciadas na medida em que não foram
identificadas políticas públicas do município que atendessem aos anseios de prevenção e
tratamento destas enfermidades. Neste contexto, as representações sociais indicam a
modificação das práticas governamentais iniciando pelo interesse nas pessoas em suas
realidades socio-culturais, pela incrementação de ações de valorização da educação no
município, pelo investimento na atenção primária dos serviços de saúde, por meio do
desenvolvimento de redes de atenção à saúde e, além disso, pelo interesse em modificar a
estrutura urbana com medidas voltadas para a manutenção da qualidade de vida da população.
Como visto, as representações sociais dos profissionais de saúde acerca das doenças
negligenciadas despertaram uma série de estratégias alinhadas às propostas das instituições
internacionais e nacionais de saúde que, porventura, podem evitar e eliminar estas entidades
mórbidas desta região. Este compromisso atravessa não somente uma classe em particular,
como os profissionais de saúde, mas devem envolver todas as pessoas e instituições (de saúde
e de ensino) na busca incessante pela integralidade da saúde individual e coletiva.
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232

APÊNDICE A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO


Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012, sendo o Conselho Nacional de Saúde.

O presente termo em atendimento à Resolução 466/12, destina-se a esclarecer ao


participante da pesquisa intitulada “As doenças negligenciadas e suas representações: um
estudo com profissionais de saúde”, sob responsabilidade do pesquisador Charles Souza
Santos, do curso de Pós-Graduação em Enfermagem, nível Doutorado na modalidade
Interinstitucional com a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), Área de
Concentração em Enfermagem, Saúde e Sociedade, os seguintes aspectos:
Objetivos: Analisar as representações sociais acerca das doenças negligenciadas para os
profissionais e usuários dos serviços de saúde e sua relação com as práticas profissionais de
cuidado e as práticas dos usuários de prevenção e autocuidado; Descrever a estrutura e os
conteúdos das representações sociais dos profissionais e usuários dos serviços de saúde sobre
as doenças negligenciadas; Descrever as doenças transmissíveis e o contágio como objeto
representacional no contexto das práticas dos profissionais e usuários dos serviços de saúde;
Analisar a relação das representações sociais acerca das doenças negligenciadas com as
práticas dos profissionais e dos usuários dos serviços de saúde e Analisar o cuidado de
enfermagem e em saúde no contexto das doenças negligenciadas a partir dos diferentes
objetos representacionais estudados.
.
Metodologia: Estudo descritivo sustentado pela Teoria das Representações Sociais em suas
abordagens estrutural e processual, para ser realizado nas unidades de saúde do município de
Jequié com a participação dos profissionais de saúde e usuários que atuam no enfrentamento
as doenças negligenciadas. Os dados serão coletados por meio do instrumento de evocações
livres; o questionário de constituição de pares de palavras; questionário modelo padrão 28
conectores do SCB e o roteiro temático da entrevista. Os dados serão tratados pelas seguintes
técnicas: para as evocações livres a técnica do quadro de quatro casas com o auxílio do
software EVOC; para a constituição de pares de palavras, a análise de similitude; para o
roteiro dos conectores dos SCB, têm-se os índices de valência e, por fim, para entrevista em
profundidade, análise de conteúdo lexical colaboração do IRAMUTEQ.
233

Justificativa e Relevância: As doenças negligenciadas atingem um sexto da população


mundial, principalmente as mais vulneráveis no que diz respeito as condições
socioeconômicas perpetuando a pobreza e proliferação dos agravos a saúde dos indivíduos.
Desta maneira este estudo tem como ponto de partida desvelar a postura dos profissionais de
saúde no enfrentamento as doenças negligenciadas no município de Jequié e ainda envolver a
instituição de ensino ao qual o pesquisador faz parte na busca de sugestões e ações de
controle, prevenção e tratamento de tais doenças.
Participação: Os profissionais de saúde e os usuários dos serviços que optarem por participar
da pesquisa terá que responder conforme suas representações sociais aos questionamentos da
entrevista semiestruturada que será agendada de acordo com sua disponibilidade.
Desconfortos e riscos: este estudo não trará riscos a integridade física, mental ou moral do
participante, uma vez que, a coleta de dados será utilizada apenas para fins científicos e
mediante autorização do participante.
Confidencialidade do estudo: e os dados colhidos serão analisados com extremo sigilo
garantindo, assim, o total anonimato e a individualidade dos atores sociais, sendo respeitados
também, seus valores culturais, morais, sociais, religiosos e éticos.
Benefícios: Este estudo favorece a discussão sobre a postura dos profissionais e usuários dos
serviços de saúde do SUS frente aos agravos provocados pelas doenças negligenciadas
apresentando o seu significado frente à situação da saúde no município de Jequié e
oportunizando uma estratégia de reorganização ao acesso, e a resolutividade dos problemas de
saúde em nível individual e coletivo.
Dano advindo da pesquisa: em hipótese alguma o informante estará submetido a riscos
devido a sua participação neste estudo, uma vez que, terão acesso ao tratamento e
manipulação dos dados somente os pesquisadores responsáveis e colaboradores, não sendo
identificados os informantes, que, sem dúvida, serão os maiores beneficiados da pesquisa.
Garantia de esclarecimento: em caso de dúvida, em qualquer momento da pesquisa,
garantimos qualquer esclarecimento adicional aos sujeitos da pesquisa.
Participação Voluntária: a participação dos sujeitos é, portanto, voluntária e livre de
qualquer forma de remuneração. O participante pode retirar seu consentimento em participar
da pesquisa a qualquer momento sem qualquer prejuízo e/ou penalidades para o mesmo.

 Consentimento para participação: Eu estou de acordo com a participação no estudo


descrito acima. Eu fui devidamente esclarecido quanto os objetivos da pesquisa, aos
procedimentos aos quais serei submetido e os possíveis riscos envolvidos na minha
234

participação. Os pesquisadores me garantiram disponibilizar qualquer esclarecimento


adicional que eu venha solicitar durante o curso da pesquisa e o direito de desistir da
participação em qualquer momento, sem que a minha desistência implique em qualquer
prejuízo à minha pessoa ou à minha família, sendo garantido anonimato e o sigilo dos
dados referentes a minha identificação, bem como de que a minha participação neste
estudo não me trará nenhum benefício econômico.
Eu, ___________________________________________________, aceito livremente
participar do estudo intitulado “Processo de trabalho gerencial do enfermeiro no Programa
de Saúde da Família”, desenvolvido pelo pesquisador Charles Souza Santos.

Nome do (a) Participante________________________________________________

COMPROMISSO DO PESQUISADOR
Eu discuti as questões acima apresentadas com cada participante do estudo. É minha opinião
que cada indivíduo entenda os riscos, benefícios e obrigações relacionadas a esta pesquisa.
________________________________________Jequié, Data: __/__/__
Assinatura do Pesquisador

Para maiores informações, pode entrar em contato com o doutorando Charles Souza Santos,
Fone: (73) 9113-6120; (73) 3525 - 4028.
235

APÊNDICE B – Questionário sociodemográfico para profissionais de saúde.

1 - Identificação dos participantes:


Nº da entrevista: _________________ Data: ___/___/___
Sexo: ( ) M ( ) F IDADE: _________________

2. Dados sociais:
Formação Profissional de mais alto nível:
( ) Nível médio
( ) Graduação
( ) Especialização Quantas?_____ Qual área?___________________________
( ) Mestrado
( ) Doutorado

Profissão:_________________
Atuação profissional atual:_______________________
Situação do trabalho:
( ) Trabalha com registro em carteira ( ) Aposentado
( ) Funcionário público ( ) Desempregado
( ) Trabalho informal ( ) Afastamento com pensão
( ) “Faz bicos” (trabalhos eventuais) ( ) Outros. Qual?__________

Unidade de saúde de atuação:_______________


Tempo de atuação na instituição: _____ anos e _______ meses Ano de início: ___________
Tempo de formação profissional:_______________
Religião_____________
236

APÊNDICE C - Instrumento de evocações livres.

QUAIS SÃO AS 05 PALAVRAS QUE VEM IMEDIATAMENTE À SUA CABEÇA,


QUANDO ESCUTA DOENÇAS NEGLIGENCIADAS. (justifique)
01
02
03
04
05
237

APÊNDICE D – Questionário para constituição de pares de palavras.

Descaso Descaso
Ignorância Ignorância
Doenças Doenças
Falta-recurso Falta-recurso
Hanseníase Hanseníase
Pobreza Pobreza
Tuberculose Tuberculose
Atenção Atenção
Câncer Câncer
Falta-compromisso Falta-compromisso
Governo Governo
Ineficiência Ineficiência
Irresponsabilidade Irresponsabilidade
Responsabilidade Responsabilidade
Desassistência Desassistência
Desumanidade Desumanidade
DST DST
Hepatite Hepatite
HIV HIV
Leishmaniose Leishmaniose
Profissionalismo Profissionalismo
Sífilis Sífilis

(Palavras provenientes da análise do quadro de quatro casas após aplicação do


instrumento de evocações livres)
238

APÊNDICE E – Questionário para Esquemas Cognitivos de Base

Os profissionais de saúde, ao serem questionados sobre o tema Doenças Negligenciadas,


citaram com frequência o termo Descaso. O Sr. (a) poderia dizer as 3 palavras ou expressões
que lhe vêm logo à lembrança quando se fala de Descaso no contexto das Doenças
Negligenciadas.

1._________________________________________________________

2._________________________________________________________

3._________________________________________________________

A razão pela qual respondi___________________________________________(resposta 1) é


___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
______________

A razão pela qual respondi__________________________________________ (resposta 2) é

___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________

A razão pela qual respondi___________________________________________(resposta 3) é

___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________

A seguir são apresentadas 28 relações possíveis entre Doença Negligenciada e a Resposta 1.


Para cada caso, indique se existe relação ou não. Se para você existe relação, assinale o
quadrado “SIM” com um X. Se a relação não existe, assinale a opção “NÃO”. Se não sabe, ou
não tem certeza, assinale a opção “Talvez”.

Relação entre Doença Negligenciada e a sua resposta SIM NÃO Talvez


Doença negligenciada significa, tem o mesmo sentido que (SUA RESPOSTA 1)

DOENÇA NEGLIGENCIADA pode ser definida como uma (SUA RESPOSTA 1)

DOENÇA NEGLIGENCIADA é o contrário de uma (SUA RESPOSTA 1)

DOENÇA NEGLIGENCIADA faz parte de (é incluído em, é um exemplo de) (SUA RESPOSTA 1)

DOENÇA NEGLIGENCIADA compreende ou inclui (tem como exemplo, como caso particular) a (SUA
RESPOSTA 1)
DOENÇA NEGLIGENCIADA pertence à mesma categoria geral (classe) que a (SUA RESPOSTA 1)

DOENÇA NEGLIGENCIADA é um componente (um constituinte) da (SUA RESPOSTA 1)

DOENÇA NEGLIGENCIADA tem como componente (como constituinte) a (SUA RESPOSTA 1)


239

DOENÇA NEGLIGENCIADA e (SUA RESPOSTA 1)são dois constituintes da mesma coisa (do mesmo objeto)

DOENÇA NEGLIGENCIADA é sempre caracterizada por (SUA RESPOSTA 1)

DOENÇA NEGLIGENCIADA é freqüentemente caracterizada por (SUA RESPOSTA 1)

DOENÇA NEGLIGENCIADA é, às vezes, (eventualmente,) caracterizada pela (SUA RESPOSTA 1)

DOENÇA NEGLIGENCIADA deve ter a qualidade de (SUA RESPOSTA 1)

DOENÇA NEGLIGENCIADA avalia a (SUA RESPOSTA 1)

DOENÇA NEGLIGENCIADA tem como causa (depende) a (SUA RESPOSTA 1)

DOENÇA NEGLIGENCIADA provoca (tem como efeito, conseqüência ou fim) (SUA RESPOSTA 1)

DOENÇA NEGLIGENCIADA faz a (SUA RESPOSTA 1)

DOENÇA NEGLIGENCIADA tem uma ação sobre a (SUA RESPOSTA 1)

DOENÇA NEGLIGENCIADA utiliza a (SUA RESPOSTA 1)

É a (SUA RESPOSTA 1)que faz a DOENÇA NEGLIGENCIADA

DOENÇA NEGLIGENCIADA é uma ação que se aplica (tem como objeto, se exerce sobre) à (SUA RESPOSTA 1)

Para fazer a DOENÇA NEGLIGENCIADA, utiliza-se a (SUA RESPOSTA 1)

(SUA RESPOSTA 1) é uma coisa que age sobre a DOENÇA NEGLIGENCIADA

(SUA RESPOSTA 1)designa uma ação que se pode fazer em relação ao (a propósito de, no caso de, em relação
ao, sobre a) DOENÇA NEGLIGENCIADA
DOENÇA NEGLIGENCIADA é um instrumento que se utiliza sobre (a propósito de, no caso de, em relação a)
(SUA RESPOSTA 1)
DOENÇA NEGLIGENCIADA é utilizada pela (SUA RESPOSTA 1)

Utiliza-se a DOENÇA NEGLIGENCIADA para fazer (SUA RESPOSTA 1)

DOENÇA NEGLIGENCIADA é um instrumento que se pode utilizar para a (SUA RESPOSTA 1)

Agora, analise as relações entre Doença Negligenciada e a sua Resposta 2. Se para você
existe relação, assinale o quadrado “SIM” com um X. Se a relação não existe, assinale a
opção “NÃO”. Se não sabe, ou não tem certeza, assinale a opção “Talvez”.

Relação entre Doença Negligenciada e a sua resposta SIM NÃO Talvez


Doença negligenciada significa, tem o mesmo sentido que (SUA RESPOSTA 2)

DOENÇA NEGLIGENCIADA pode ser definida como uma (SUA RESPOSTA 2)

DOENÇA NEGLIGENCIADA é o contrário de uma (SUA RESPOSTA 2)

DOENÇA NEGLIGENCIADA faz parte de (é incluído em, é um exemplo de) (SUA RESPOSTA 2)

DOENÇA NEGLIGENCIADA compreende ou inclui (tem como exemplo, como caso particular) a (SUA
RESPOSTA 2)
DOENÇA NEGLIGENCIADA pertence à mesma categoria geral (classe) que a (SUA RESPOSTA 2)
240

DOENÇA NEGLIGENCIADA é um componente (um constituinte) da (SUA RESPOSTA 2)

DOENÇA NEGLIGENCIADA tem como componente (como constituinte) a (SUA RESPOSTA 2)

DOENÇA NEGLIGENCIADA e (SUA RESPOSTA 2)são dois constituintes da mesma coisa (do mesmo objeto)

DOENÇA NEGLIGENCIADA é sempre caracterizada por (SUA RESPOSTA 2)

DOENÇA NEGLIGENCIADA é freqüentemente caracterizada por (SUA RESPOSTA 2)

DOENÇA NEGLIGENCIADA é, às vezes, (eventualmente,) caracterizada pela (SUA RESPOSTA 2)

DOENÇA NEGLIGENCIADA deve ter a qualidade de (SUA RESPOSTA 2)

DOENÇA NEGLIGENCIADA avalia a (SUA RESPOSTA 2)

DOENÇA NEGLIGENCIADA tem como causa (depende) a (SUA RESPOSTA 2)

DOENÇA NEGLIGENCIADA provoca (tem como efeito, conseqüência ou fim) (SUA RESPOSTA 2)

DOENÇA NEGLIGENCIADA faz a (SUA RESPOSTA 2)

DOENÇA NEGLIGENCIADA tem uma ação sobre a (SUA RESPOSTA 2)

DOENÇA NEGLIGENCIADA utiliza a (SUA RESPOSTA 2)

É a (SUA RESPOSTA 2)que faz a DOENÇA NEGLIGENCIADA

DOENÇA NEGLIGENCIADA é uma ação que se aplica (tem como objeto, se exerce sobre) à (SUA RESPOSTA 2)

Para fazer a DOENÇA NEGLIGENCIADA, utiliza-se a (SUA RESPOSTA 2)

(SUA RESPOSTA 2) é uma coisa que age sobre a DOENÇA NEGLIGENCIADA

(SUA RESPOSTA 2)designa uma ação que se pode fazer em relação ao (a propósito de, no caso de, em relação
ao, sobre a) DOENÇA NEGLIGENCIADA
DOENÇA NEGLIGENCIADA é um instrumento que se utiliza sobre (a propósito de, no caso de, em relação a)
(SUA RESPOSTA 2)
DOENÇA NEGLIGENCIADA é utilizada pela (SUA RESPOSTA 2)

Utiliza-se a DOENÇA NEGLIGENCIADA para fazer (SUA RESPOSTA 2)

DOENÇA NEGLIGENCIADA é um instrumento que se pode utilizar para a (SUA RESPOSTA 2)

Agora, analise as relações entre Doença Negligenciada e a sua Resposta 3. Se para você
existe relação, assinale o quadrado “SIM” com um X. Se a relação não existe, assinale a
opção “NÃO”. Se não sabe, ou não tem certeza, assinale a opção “Talvez”.

Relação entre Doença Negligenciada e a sua resposta SIM NÃO Talvez


Doença negligenciada significa, tem o mesmo sentido que (SUA RESPOSTA 3)

DOENÇA NEGLIGENCIADA pode ser definida como uma (SUA RESPOSTA 3)

DOENÇA NEGLIGENCIADA é o contrário de uma (SUA RESPOSTA 3)

DOENÇA NEGLIGENCIADA faz parte de (é incluído em, é um exemplo de) (SUA RESPOSTA 3)
241

DOENÇA NEGLIGENCIADA compreende ou inclui (tem como exemplo, como caso particular) a (SUA
RESPOSTA 3)
DOENÇA NEGLIGENCIADA pertence à mesma categoria geral (classe) que a (SUA RESPOSTA 3)

DOENÇA NEGLIGENCIADA é um componente (um constituinte) da (SUA RESPOSTA 3)

DOENÇA NEGLIGENCIADA tem como componente (como constituinte) a (SUA RESPOSTA 3)

DOENÇA NEGLIGENCIADA e (SUA RESPOSTA 3)são dois constituintes da mesma coisa (do mesmo objeto)

DOENÇA NEGLIGENCIADA é sempre caracterizada por (SUA RESPOSTA 3)

DOENÇA NEGLIGENCIADA é freqüentemente caracterizada por (SUA RESPOSTA 3)

DOENÇA NEGLIGENCIADA é, às vezes, (eventualmente,) caracterizada pela (SUA RESPOSTA 3)

DOENÇA NEGLIGENCIADA deve ter a qualidade de (SUA RESPOSTA 3)

DOENÇA NEGLIGENCIADA avalia a (SUA RESPOSTA 3)

DOENÇA NEGLIGENCIADA tem como causa (depende) a (SUA RESPOSTA 3)

DOENÇA NEGLIGENCIADA provoca (tem como efeito, conseqüência ou fim) (SUA RESPOSTA 3)

DOENÇA NEGLIGENCIADA faz a (SUA RESPOSTA 3)

DOENÇA NEGLIGENCIADA tem uma ação sobre a (SUA RESPOSTA 3)

DOENÇA NEGLIGENCIADA utiliza a (SUA RESPOSTA 3)

É a (SUA RESPOSTA 3)que faz a DOENÇA NEGLIGENCIADA

DOENÇA NEGLIGENCIADA é uma ação que se aplica (tem como objeto, se exerce sobre) à (SUA RESPOSTA 3)

Para fazer a DOENÇA NEGLIGENCIADA, utiliza-se a (SUA RESPOSTA 3)

(SUA RESPOSTA 3) é uma coisa que age sobre a DOENÇA NEGLIGENCIADA

(SUA RESPOSTA 3)designa uma ação que se pode fazer em relação ao (a propósito de, no caso de, em relação
ao, sobre a) DOENÇA NEGLIGENCIADA
DOENÇA NEGLIGENCIADA é um instrumento que se utiliza sobre (a propósito de, no caso de, em relação a)
(SUA RESPOSTA 3)
DOENÇA NEGLIGENCIADA é utilizada pela (SUA RESPOSTA 3)

Utiliza-se a DOENÇA NEGLIGENCIADA para fazer (SUA RESPOSTA 3)

DOENÇA NEGLIGENCIADA é um instrumento que se pode utilizar para a (SUA RESPOSTA 3)

Relação A (28c) B = onde A será a palavra indutora (doença negligenciada); 28c (os
conectores da expressão padronizada) e B palavra induzida (03 repostas provenientes das
evocações livres R1, R2 e R3).
242

APÊNDICE F – Roteiro temático de entrevista em profundidade

BLOCO 1 - Aspectos Gerais


Levantamento das Doenças Transmissíveis da Região, dos seus sinais e sintomas;
Levantamento das histórias e dos casos que chegaram até estes profissionais; Como os
profissionais pensam os motivos que levam as pessoas a adquirem as doenças transmissíveis;
Quais as explicações que eles possuem para a existência destas doenças na região; Quais os
tratamentos buscados pelas pessoas no enfrentamento do adoecimento, quer seja no sistema
de saúde ou em outras opções; qual o papel das pessoas, dos profissionais, do sistema de
saúde e do governo neste contexto de adoecimento e de cura.

BLOCO 2 - Doenças Negligenciadas (definições, imagens e exemplos)


Levantar as principais doenças negligenciadas da região; Levantar as definições e conceitos
de doenças negligenciadas de um modo geral e das principais que o sujeito se lembrar; O
pensamento dos profissionais acerca delas; levantar as imagens das doenças negligenciadas de
um modo geral e das principais que o sujeito se lembrar; Comente sobre as possíveis causas;
Relate exemplos de doenças negligenciadas, em sua opinião; buscar a opinião da dimensão
individual, sócio-individual e político;

BLOCO 3: Práticas dos profissionais de saúde em face as doenças negligenciadas.


Em que estado físico e mental os pacientes chegam à unidade de saúde; Quais são as suas
principais queixas; Quais os tratamentos instituídos; quais as facilidades e dificuldades
apresentadas para implementar o tratamento, a adesão, etc.; Como se dá o processo de
acolhimento da equipe de saúde; Descreva as diversas atividades, ações, procedimentos e
comportamentos que os diferentes profissionais possuem com os pacientes, dentro e fora da
unidade; Fale sobre sua interação com os pacientes, durante o atendimento ambulatorial; Fale
sobre o tipo de ação que você desenvolve junto aos pacientes; Comente sobre suas finalidades
durante o atendimento aos pacientes.

BLOCO 4 - Tratamento e controle das doenças negligenciadas


Cite algumas ações que possivelmente podem colaborar para o controle das doenças
negligenciadas; Cite algumas ações que podem ser desenvolvidas pelos profissionais de saúde
para o tratamento das doenças negligenciadas; Em Jequié, temos cinco doenças endêmicas
243

consideradas negligenciadas, (tuberculose, hanseníase, doença de Chagas, Leishmanioses e


Esquistossomose). Fale um pouco sobre isso. Quais são as dificuldades que os pacientes
possuem para seguir o tratamento. Relembre histórias que te marcaram ao longo da vida
profissional;

BLOCO 5: Contágio

Em sua opinião, por que alguém adquire uma doença transmissível; O que as pessoas podem
fazer para evitá-las; Na sua opinião e de coisas que já ouviu atendendo, como as pessoas
pensam que adquiriram estas doenças; O que elas fazem para evitar; O que elas fazem para
resolver antes, em paralelo ou apesar do sistema de saúde; Na sua opinião, por que as pessoas
ainda adoecem por doenças como estas.
244

ANEXO – Parecer Consubstanciado do Comitê de Ética em Pesquisa


245

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