Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Centro Biomédico
Faculdade de Enfermagem
Rio de Janeiro
2019
0
Rio de Janeiro
2019
1
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/CBB
CDU
614.253.5
_____________________________________ _________________________
Assinatura Data
2
__________________________________________________
Prof.ª Dra. Denize Cristina de Oliveira
Faculdade de Enfermagem UERJ
___________________________________________________
Prof.ª Dra. Vanda Palmarella Rodrigues
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - Jequié
___________________________________________________
Prof. Dr. Sérgio Donha Yarid
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
___________________________________________________
Prof. Dr. Luis Rogério Cosme Silva Santos
Universidade Federal da Bahia
Rio de Janeiro
2019
3
DEDICATÓRIA
Ao meu pai Valdívio (in memoriam), pelo amor incondicional à nossa família. Tuas
atitudes seguem firmes e presentes em nossas lembranças e nos direcionam a simplicidade da
vida.
4
AGRADECIMENTOS
Ao meu DEUS e Senhor do meu caminho e da minha vida. Se tu é por nós, quem será
contra nós? Obrigado pelas graças derramadas em nossas vidas.
A minha querida mainha, que sempre nos incentivou nos caminhos seguros da vida e
nos fortalece com seu exemplo de força e de fé. Obrigado mainha, te amo muito!
A minha eterna namorada, parceira de toda uma vida, minha fonte inesgotável de
amor, te agradeço pelos minutos, horas e dias sempre presente ao meu lado. Meu amor
sempre será teu, minha linda Geu, te amo demais!
Ao maior presente enviado por Deus, te agradeço Arthur pela tua alegria, pelo teu
amor sincero e pela felicidade traduzida em carinho e parceria para toda a vida. Te amo filho
querido!
Aos meus queridos irmãos de longa caminhada: Verinha, Lazinho, Moreno e Flávia,
agradeço pelo apoio de todos os momentos, a vocês minha eterna gratidão pelo exemplo de
família e da forma maravilhosa de viver a vida. Agradeço também pelos preciosos presentes:
Matheus, Julia, Bruna e Daniel.
As redes familiares que se conectam constantemente por meio da disponibilidade, do
afeto e da participação direta em nossas vidas, agradeço ao núcleo de Dona Rene, Seu
Abelardo e Tai, e a outro núcleo familiar, que não poderia faltar: Seu Valmir e Dona Rita.
Obrigado pelos momentos de alegria e de apoio aos nossos sonhos.
Ao meu orientador, Tosoli, fonte de sabedoria, amizade e respeito, minha eterna
gratidão. Nossos laços foram maiores que a relação orientador-orientando, ganhei mais um
irmão para a jornada da vida.
Aos membros da banca examinadora, que com sua experiência, colaboraram com a
melhoria deste estudo, meus sinceros agradecimentos.
Aos docentes do DINTER, do PPGENF e da UESB que nos deram esta grande
oportunidade de ampliar nossos conhecimentos e favoreceram a nossa participação neste
conceituado programa, vocês foram imprescindíveis para a nossa caminhada.
Aos estudantes que constituem o grupo de pesquisa Estudos Interdisciplinares em
Saúde Coletiva e que colaboraram brilhantemente na realização deste trabalho.
A Secretaria Municipal de Saúde de Jequié e o Centro de Doenças Endêmicas, por
gentilmente cederem o campo de pesquisa para o desenvolvimento deste estudo.
Aos profissionais de saúde, participantes deste estudo, obrigado pela paciência e pela
troca de conhecimentos.
5
RESUMO
ABSTRACT
SANTOS, Charles Souza. Neglected diseases and their social representations: a study with
health professionals. 2018. 245 f. Tese (Doutorado em Enfermagem) – Faculdade de
Enfermagem, Universidade Estadual do Rio de Janeiro, 2018.
RESUMEN
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
LISTA DE TABELAS
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................. 17
1 REFERENCIAL TEÓRICO E METODOLÓGICO..................................... 23
1.1 As definições e os significados das doenças negligenciadas........................... 23
1.2 O enfrentamento as doenças negligenciadas no Brasil.................................. 35
1.3 A epidemiologia das doenças negligenciadas.................................................. 43
1.3.1 Dengue................................................................................................................ 45
1.3.2 Doença de Chagas............................................................................................... 47
1.3.3 Hanseníase........................................................................................................... 48
1.3.4 Esquistossomose.................................................................................................. 51
1.3.5 Tuberculose......................................................................................................... 52
1.3.6 Leishmanioses..................................................................................................... 53
1.3.7 Malária................................................................................................................ 56
1.4 A teoria das representações sociais: aspectos gerais, relação teoria
prática e produção científica do objeto de estudo.......................................... 57
2 METODOLOGIA............................................................................................. 74
2.1 Abordagem teórico-metodológica.................................................................... 74
2.2 Cenário do estudo.............................................................................................. 74
2.3 Participantes do estudo..................................................................................... 76
2.4 Estratégia de coleta de dados........................................................................... 76
2.5 Estratégia de análise de dados.......................................................................... 79
2.5.1 Análise das evocações livres............................................................................... 79
2.5.2 Análise da constituição de pares de palavras...................................................... 81
2.5.3 Análise do esquema cognitivo de base................................................................ 81
2.5.4 Análise da entrevista em profundidade............................................................... 83
2.6 Questões éticas da pesquisa.............................................................................. 84
3 APRESENTAÇÃO E DESCRIÇÃO DOS RESULTADOS.......................... 85
3.1 Caracterização dos participantes..................................................................... 85
3.2 A estrutura das representações sociais dos profissionais de saúde sobre as
doenças negligenciadas..................................................................................... 92
15
CONCLUSÕES................................................................................................. 214
REFERÊNCIAS................................................................................................ 219
APÊNDICE A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido....................... 232
APÊNDICE B – Questionário sociodemográfico para profissionais de saúde.. 235
APÊNDICE C – Instrumento de evocações livres............................................. 236
APÊNDICE D – Questionário para constituição de pares de palavras.............. 237
APÊNDICE E – Questionário para Esquemas Cognitivos de Base.................. 238
APÊNDICE F – Roteiro temático de entrevista em profundidade.................... 242
ANEXO – Parecer consubstanciado do Comitê de Ética em Pesquisa.............. 244
17
INTRODUÇÃO
Desta maneira, tem-se por objetivo geral deste estudo: Analisar as representações
sociais acerca das doenças negligenciadas para os profissionais de saúde com ênfase nas
dimensões conceitual e prática destas representações. Ao mesmo tempo, por objetivos
específicos foram adotados os seguintes:
Descrever a estrutura e os conteúdos das representações sociais dos profissionais de
saúde sobre as doenças negligenciadas;
Identificar o núcleo central das representações sociais das doenças negligenciadas
através de técnicas específicas;
Descrever aspectos da relação das representações sociais acerca das doenças
negligenciadas com as práticas referidas pelos profissionais de saúde;
Analisar as dimensões conceitual e prática das representações sociais das doenças
negligenciadas para profissionais de saúde.
Este estudo torna-se relevante na medida em que se constata, por meio dos dados do
Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB) de Jequié, uma situação epidemiológica
preocupante, onde existe uma prevalência constante na última década, das doenças
consideradas negligenciadas. Pode-se exemplificar com a esquistossomose mansônica que
apresenta uma elevada positividade no município, intimamente ligada às condições
inadequadas de saneamento básico e a utilização de água do rio para sobrevivência,
principalmente da população desta região, que somente em 2016, teve-se mais de 270 casos
em tratamento, e ainda pelas Leishmanioses que juntas, a tegumentar e a visceral,
correspondem a um total de 90 casos neste mesmo ano. A epidemiologia apresenta esta
situação de perpetuação das doenças, que por sua vez, implica nas condições sociais
incipientes para a qualidade de vida e o aumento da pobreza extrema.
Este estudo justifica-se ainda pelo fato de perceber o impacto negativo provocado por
estas doenças, tanto na vida individual, quanto social das pessoas. Na dimensão individual
percebe-se o estigma e o preconceito, como a tuberculose e a hanseníase que são
historicamente doenças estigmatizantes e que produzem no imaginário social a intenção de
exclusão, por precaução ou por ausência de conhecimentos suficientes sobre a evolução do
combate a estas doenças. Na dimensão social tem-se a diminuição da qualidade do
crescimento e desenvolvimento infantil, causada pela leishmaniose visceral, e a diminuição da
população economicamente ativa por conta das sequelas destas enfermidades, dentre outros
exemplos que poderiam ser citados.
Como posto pela OMS, as doenças negligenciadas são evitáveis quando existem
medidas eficazes para o seu controle, portanto, a participação dos profissionais de saúde é
22
essencial para fortalecer o combate a estes agravos. Desta maneira, torna-se compreensível a
busca pelos conhecimentos e saberes elaborados por este grupo acerca das doenças
negligenciadas com o intuito de analisar as possíveis práticas que porventura, viriam a
colaborar com o desenvolvimento de medidas de prevenção, controle e tratamento destas
entidades mórbidas (WHO, 2012a).
A participação das instituições de ensino, como a universidade, pode colaborar para o
desenvolvimento de estratégias de enfrentamento às doenças negligenciadas e como não se
evidenciam estudos sobre esta temática no município, tem-se a oportunidade de discorrer
como estas instituições podem se inserir neste combate às enfermidades endêmicas. A
integração ensino-serviço-comunidade e a educação em saúde são possíveis estratégias que
podem ser concretizadas a partir dos desdobramentos desta pesquisa.
Pensa-se que, por meio da TRS, chega-se ao processo de construção psicossocial das
doenças negligenciadas, permitindo compreender as tomadas de decisão dos grupos
envolvidos nesta temática. A partir da descoberta do pensamento social elaborado pelos
profissionais de saúde, pode-se evidenciar mudanças nas práticas cotidianas que sejam
resolutivas no combate às doenças consideradas negligenciadas.
23
1 REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO
utilizar o termo tropical. No que diz respeito à causalidade, os autores apresentam a interface
entre os aspectos biológico (agentes infecto-parasitários) e social (atingem população de baixa
renda), ou seja, as doenças são fortemente ligadas a um agente biológico infeccioso que se
desenvolve a partir das condições sociais que englobam a população vulnerável. Isto permite
afirmar que as doenças possuem causas complexas e dependem além da postura individual, da
participação coletiva da sociedade (indivíduos, gestores, profissionais de saúde) para mediar
ações eficazes para o controle, prevenção e tratamento.
As características das doenças negligenciadas implicam nas condições
epidemiológicas ao referir-se as tais doenças como endêmicas nas regiões tropicais; definem a
falta de interesse econômico e financeiro das grandes indústrias farmacêuticas e o pouco
investimento em pesquisa e desenvolvimento de tecnologias. Estas características refletem a
ideia do mercantilismo na saúde, isto é, o uso da saúde como moeda de troca para os
interesses capitalistas e não como um bem comum e de uso adequado para a qualidade de vida
das pessoas e ainda a necessidade de observar os aspectos epidemiológicos que informam a
endemicidade destas doenças e suas possíveis ações de controle.
Enquanto ao determinismo geográfico, pode-se atribuir as influências dos cientistas
europeus e norte-americanos que no início do século XIX, aproveitando o processo de
colonização de exploração do novo continente, estabeleceram definições ainda incipientes
sobre as doenças que existiam e ainda existem nas regiões tropicais.
O termo doenças tropicais se estabeleceu no século XIX associado à expansão
colonizadora de países europeus em direção à zona tropical do planeta: América Central,
América do Sul (centro e norte), África ocidental, central e oriental, Ásia (sul e sudeste),
Austrália (norte) e diversas ilhas do Oceano Pacífico. Tal processo de colonização levou à
descoberta de novas doenças, frequentemente denominadas de patologias exóticas, mas foi à
designação de doenças tropicais que se estabeleceu de forma dominante na literatura médica,
levando inclusive à formação de sociedades de medicina tropical nos Estados Unidos e na
Inglaterra com a finalidade de estimular estudos destas doenças (EDLER, 2010).
De alguma forma, como salientou o médico parasitologista Samuel Pessoa (1898-
1976), em sua produção: Ensaios Médico-sociais (1978), o termo doença tropical carrega uma
noção colonialista de inviabilidade do florescimento de uma civilização nos trópicos devido à
fatalidade patogênica do clima quente e úmido dos trópicos. Neste contexto, disseminaram-se,
ainda, algumas ideias eugenistas, segundo as quais a possibilidade de uma civilização nos
trópicos somente existiria mediante uma intervenção dos agentes civilizatórios (brancos)
europeus e norte-americanos (PESSOA, 1978).
25
Viu-se que por meio das abordagens sobre os conceitos das doenças negligenciadas
apresentadas pelos autores, entende-se que, estes últimos, foram construídos socialmente a
partir da influência da cultura dos países europeus e norte-americanos, que se estabeleceram
nas regiões tropicais durante o século XIX por conta da revolução industrial, em busca de
controle e domínio sobre as ações humanas, incutindo suas percepções de mundo em todos os
aspectos sociais, inclusive na saúde. Esta influência europeia e estadunidense repercutiu na
ideia sobre o que é doença, partindo do pressuposto positivista, entrelaçando a visão
biomédica da saúde e colaborando para conceituar as doenças pelo ponto de vista
exclusivamente biológico.
O desenvolvimento no século XIX proporcionado pela revolução industrial acirrou
ainda mais o desejo e a necessidade de deslocamentos das pessoas, levando-as aos locais mais
recônditos do planeta, especialmente aos países situados nos trópicos. Por serem considerados
exóticos, estes países despertaram curiosidade e temor, seja pelos costumes, crenças, fauna,
raças e culturas, seja pelo desconhecido, inclusive pelas doenças que ameaçavam
constantemente a vida dos aventureiros europeus, especialmente a malária, a febre amarela e a
doença do sono, o que levou à região a ficar conhecida como a tumba do homem branco.
(CAPONI, 2003; CARVALHEIRO, 1992). Os médicos militares que acompanhavam as
expedições acabaram por indicar o enfrentamento dessas enfermidades pestilentas em
campanhas com notas militares, retoricamente ao se referirem aos microorganismos como
inimigos e, na prática, encorajando intervenções invasivas e violentas (ARMUS, 2003).
A presença destas pessoas nas regiões tropicais evidentemente colaborou para o
fortalecimento da visão biomédica e a busca de ações imbuídas por este paradigma positivista,
estimulando a curiosidade da comunidade científica que, por sua vez, se direcionou aos
trópicos para conhecer, controlar e dominar este novo mundo que surgia. Os grandes institutos
médicos da época perceberam que não podiam ficar alheios a essas novidades, enviando
equipes de investigação médica para terem acesso ao novo conhecimento científico
(ROLAND, 2016). Assim, a Coroa britânica enviou o Dr. Patrick Manson para a China em
1866, o Instituto Pasteur criou uma filial na Argélia em 1894, e a Alemanha enviou o Dr.
Robert Koch ao Camarões entre os anos de 1895 e 1907 (CAPONI, 2003).
As equipes lideradas por esses médicos deveriam exportar seus conhecimentos para os
trópicos, fundar laboratórios de bacteriologia nas colônias com o objetivo de reproduzir os
protocolos de investigação utilizados e formar uma nova geração de profissionais capazes de
perpetuar os modelos de investigação europeus, fato que poderia ser interpretado como uma
forma de controle sobre as colônias (ROLAND, 2016). Os estudos de Manson alcançaram
26
Partindo da ideia de que as doenças não acontecem exclusivamente por conta dos
aspectos biológicos (visão estritamente biomédica e positivista), entende-se que o termo
tropical, sacramentado pelas instituições médicas, é incipiente, superficial e não traduz a
27
destes agravos, pois engloba as principais causas destas enfermidades e suas abordagens, ao
tempo em que oferece a oportunidade de refletir sobre as ações desenvolvidas pelas entidades
sociais interessadas em erradicar e eliminar estas doenças.
Por outro lado, o termo negligenciado tem diversas interpretações, como a sua
transitividade do verbo negligenciar, proposto pela língua portuguesa, ou seja, seu sentido só
se completa com um objeto negligenciado. Nas doenças negligenciadas, os aspectos
simbólicos do termo exigem a duplicidade desta transitividade (ARAÚJO; MOREIRA;
AGUIAR, 2013). O negligenciamento de uma doença – que evoca o discurso de segregação,
periferia e esquecimento, seja pela indústria farmacêutica, pelos governos ou pelos sistemas
de saúde – significa também, de forma concomitante e inextrincável, o negligenciamento das
populações vitimadas por estes agravos. Pré-existente e, ao mesmo tempo, intensificado pela
ocorrência de agravos negligenciados, o negligenciamento das populações está correlacionado
à pobreza, num círculo vicioso que vigora para um sexto da população mundial (WHO, 2010).
Outra interpretação proposta, parte do adjetivo negligenciada, que exprime o
significado de cuidado inadequado, ou ainda, ignorar ou fingir que não tem importância,
expressões que asseveram a conduta das indústrias farmacêuticas que parecem menosprezar
estas doenças, na medida em que não despertam nenhum interesse em desenvolver e
promover Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) para produzir novos medicamentos, mais
efetivos e menos tóxicos para o tratamento destas enfermidades (SOUZA, 2010).
O adjetivo negligenciada originalmente proposto tomou como base o fato de que, por
um lado, estas doenças não despertam o interesse das grandes empresas farmacêuticas
multinacionais em função da baixa lucratividade e, por outro, o estudo dessas doenças vem
sendo pouco financiado pelas agências de fomento (SOUZA, 2010).
Esse é o entendimento da Drugs for Neglected Diseases initiative (DNDi), diante da
constatação de que se trata de necessidades médicas não atendidas, apesar de afetarem
milhões de pessoas no mundo (ROLAND,2016).
O Relatório anual 2012-2013 da DNDi, “Inovações para pacientes negligenciados”,
vem centrado na ideia de que não somente as doenças são negligenciadas, mas sobretudo as
pessoas. São um bilhão de pessoas que padecem dessas enfermidades, “populações
fragilizadas e esquecidas. Doenças e pessoas, negligenciadas” (DRUGS FOR NEGLECTED
DISEASES INITIATIVE, 2013, p. 12).
Na evolução destes conceitos construídos historicamente, a partir das concepções
positivistas e as abordagens do determinismo social e da avaliação da situação econômica de
cada país, a comunidade científica iniciou uma nova postura diante das doenças consideradas
29
4. Redução da mortalidade infantil Reduzir em 2/3, entre 1990 e 2015, a mortalidade de crianças até
cinco anos.
5. Melhoria da saúde materna Reduzir em 3/4, entre 1990 e 2015, a taxa de mortalidade materna.
6. Combate a AIDS, malária e Até 2015 estabilizar a disseminação da AIDS e malária e começar
outras doenças. e outras doenças a reverter essas epidemias.
7. Promoção da sustentabilidade Reverter o processo de perda dos recursos naturais ambiental.
ambiental Reduzir à metade a porcentagem de pessoas sem acesso a água
potável.
Melhorar consideravelmente a vida de pelo menos 100 milhões de
favelados.
30
frequentemente derivadas de alguns poucos estudos realizados com populações de alto risco.
Em terceiro lugar, para algumas condições, como a esquistossomose, há dúvidas sobre a
precisão dos pesos de incapacidade que deveriam ser atribuídos a reduções pequenas ou
moderados em funções físicas, à dor e a outras formas de dano. Diferenças pequenas nos
pesos atribuídos a incapacidades, quando multiplicadas por números altos de pessoas afetadas,
produzem estimativas muito variáveis de perda em DALY. Em quarto lugar, a morbidade
menos evidente ou sutil de DTN altamente prevalentes afetas a gravidade da doença e da
infecção simultânea. As estimativas DALY ainda precisam levar em conta essa complicação
(OMS, 2012b).
Com todos estes aspectos abordados sobre o enfrentamento mundial das doenças
negligenciadas, entende-se que cada país se torna protagonista em suas decisões políticas e
econômicas para definir suas prioridades, por meio dos instrumentos oferecidos pela OMS,
desde a mudança de paradigma ao ultrapassar a visão exclusivamente biológica da doença e
acopla outros fatores, principalmente o socioeconômico, na determinação do processo saúde
doença. O Brasil, por sua vez, destaca-se pelas suas imensas desigualdades sociais e pelo seu
panorama econômico ainda em evolução, no que diz respeito a estabilidade e equilíbrio dos
investimentos e custos na saúde. Deve-se reconhecer, no entanto, a grande evolução do
sistema público de saúde, construído com a participação popular nos últimos trinta anos, cuja
filosofia engloba a utilização dos serviços voltada para as reais necessidades da população.
O Sistema Único de Saúde, com suas diretrizes e princípios norteadores possibilitaram
ao Brasil coadunar com a mudança de paradigma explicitada pela OMS, ao descentralizar o
poder público para os municípios e fortalecer, por meio do seu financiamento, a assistência á
atenção primária. Todavia, mesmo com estes avanços culminados pelo processo de
redemocratização do país, as doenças negligenciadas são implacáveis e atingem mais de 40
milhões de brasileiros. O Brasil contribui com a maior parte da carga de doenças tropicais
negligenciadas na América Latina e Caribe. Isto significa que grande parte do contingente de
40 milhões da população mais pobre do Brasil está infectada por uma ou mais doenças
tropicais negligenciadas (HOTEZ, 2007).
O Ministério da Saúde, acompanhando as concepções mundiais, definiram as doenças
negligenciadas como aquelas que não só prevalecem em condições de pobreza, mas também
contribuem para a manutenção do quadro de desigualdade, já que representam forte entrave
ao desenvolvimento do país.
Após todas estas discussões vale ressaltar ainda a evolução da utilização dos termos
para conceituar as doenças negligenciadas sendo que ultimamente, elas são tratadas como
34
estão sofrendo de doenças que podem ser prevenidas com estratégias simples, como
quimioterapia preventiva. Estão sofrendo simplesmente porque são pobres (OMS, 2012b).
Isso é uma questão ética global, sinalizou Jorge Alvar, representante do Departamento
de Controle das Doenças Tropicais Negligenciadas da OMS durante o Congresso
Internacional de Medicina Tropical e Malária, ocorrido na FIOCRUZ, em setembro de 2012.
(FIOCRUZ - FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ, [s.d.]) Desde então, a OMS vem produzindo
relatórios, definindo estratégias, recomendando abordagens, promovendo encontros e
parcerias para financiamento e fomento às pesquisas, com o intuito de mudar o cenário da
saúde global, a partir da inclusão das doenças negligenciadas nessa agenda e tornando o
combate às essas enfermidades, essencial para o desenvolvimento (ROLAND, 2016).
A nova abordagem utiliza intervenções integradas baseadas em ferramentas para o
controle de DTN. Sob a perspectiva da saúde pública, essa mudança se traduz no provimento
de cuidados e na administração de tratamento a populações mal atendidas. A mudança garante
utilização mais eficiente de recursos limitados, redução da pobreza e monitoramento de
doenças para milhões de pessoas que vivem em áreas rurais e urbanas.
Essa perspectiva emergente foi aperfeiçoada em um encontro realizado em Berlim, na
Alemanha, em dezembro de 2003, que reuniu especialistas de diversos setores, entre os quais
saúde pública, economia, direitos humanos, pesquisa, organizações não governamentais
(ONGs) e indústria farmacêutica. O encontro criou o cenário para que a OMS traduzisse a
nova abordagem em uma política estratégica e formulasse maneiras de oferecer a populações
pobres uma solução eficaz e abrangente para alguns de seus problemas de saúde (OMS,
2012b).
A OMS recomenda cinco estratégias para prevenção e controle de DTN: (i) medicação
preventiva; (ii) intensificação da gestão de casos; (iii) controle de vetores; (iv) provimento de
agua limpa, saneamento e higiene; e (v) saúde publica animal. O trabalho para a superação de
cada tipo de DTN ou de um grupo dessas doenças deve basear-se em uma combinação das
cinco abordagens estratégicas. Por exemplo, para controlar a morbidade causada pela filariose
linfática, será benéfico que os indivíduos recebam medicação preventiva; indivíduos com
hidrocele necessitam de acompanhamento de caso. Colocar sob controle os vetores de
Wuchereria e Brugia requer gestão adequada de recursos hídricos. A estratégia SAFE
(Surgery, Antiobiotic treament, Facial cleanliness and Environmental improvement)
(Cirurgia, tratamento com antibióticos, higiene facial e melhoria ambiental), utilizada para
controlar tracoma, combina a distribuição de medicação em larga escala com gestão de casos
individuais e melhoria ambiental (OMS, 2012b).
37
A partir dos estudos de Roland (2016), foi possível elaborar uma síntese destas cinco
estratégias com suas principais características e ainda a doença negligenciada em foco para
cada estratégia.
Tabela 2 - Síntese de estratégias de combate às doenças negligenciadas - 2016
Estratégias Características Doenças em foco
I Quimioterapia Estratégia de larga escala, com o Filariose linfática
preventiva e controle objetivo de controlar a Oncocercose
da transmissão morbidade de doenças tratáveis Esquistossomose
com medicamentos já geohelmintíases
disponíveis e de baixo custo.
Ii Manejo inovador e Estratégia individual para controlar a Úlcera do Buruli
intensificado das morbidade de doenças para as quais Doença de Chagas
doenças não existem medicamentos de Doença do sono
controle de baixo custo Lepra
Leishmaniose
iii Controle vetorial e Estratégia de larga escala, com vistas Dengue
manejo de pesticidas a controlar a morbidade mediante o Doença de Chagas
comportamento da população, a Doença do sono
ecologia local e práticas Leishmaniose
colaborativas intersetoriais para Oncocercose
coordenar, monitorar e avaliar a Esquistossomose
estratégia.
Iv Água potável segura, Estratégia de larga escala para Esquistossomose
saneamento básico e controlar a morbidade de doenças Tracoma
serviços de higiene e
relacionadas com estes determinantes Geohelmintíases
educação. da saúde, devendo ser combinada
especialmente com educação em
saúde.
V Manejo das zoonoses Estratégia de larga escala para Cisticercose
controlar a morbidade de doenças Brucelose
zoonóticas que atingem a população Equinococose
de baixa renda na zona rural, que Trematodíases transmitidas
vivem em proximidade a animais. por alimentos
Tripanossomíase africana
Leishmaniose
Raiva
Fonte: ROLAND, 2016.
nem todos os determinantes das doenças negligenciadas podem ser atributos individuais ou
locais (WERNECK; HASSELMANN; GOUVÊA, 2011).
No que diz respeito ao combate específico as doenças negligenciadas, somente em
1994 que iniciaram as atividades estratégicas com a promoção a I Conferência Nacional de
Ciência e Tecnologia em Saúde, de onde surgiu um documento da FIOCRUZ associando a
pesquisa ao desenvolvimento econômico, incluindo as doenças negligenciadas como pauta de
discussões e investimentos para a saúde.
As primeiras ações do Ministério da Saúde com relação às doenças negligenciadas
foram lançadas no ano de 2003. No mesmo ano, foi lançando o primeiro edital temático sobre
a tuberculose, em 2004 sobre a dengue e em 2005 sobre a hanseníase. No ano de 2006 foi
realizada a primeira oficina de prioridades em doenças negligenciadas e o lançamento do
primeiro Programa de Pesquisa e Desenvolvimento em Doenças Negligenciadas no Brasil,
editais foram lançados por meio desse programa e 140 projetos já foram financiados. Dados
demográficos, epidemiológicos e o impacto que essas doenças causam foram importantes para
se definir as sete doenças prioritárias que compõe o programa: hanseníase, malária,
esquistossomose, tuberculose, leishmaniose, dengue e doença de Chagas (BRASIL, 2010).
O Ministério da Saúde, em agosto de 2011, definiu um conjunto de endemias que
demandam ações estratégicas para eliminação como problema de saúde pública ou para
redução drástica da carga dessas doenças. Segundo a classificação das doenças negligenciadas
e outras relacionadas com a pobreza (OPAS: CD49. R19/2009), essas formam um conjunto de
doenças que tendem a coexistir em áreas em que a população apresenta precárias condições
de vida. Apesar de responsáveis por importante morbidade e mortalidade, a carga das doenças
negligenciadas é subestimada no Brasil. No início do ano de 2011, a Secretaria de Vigilância
em Saúde criou a Coordenação Geral de Hanseníase e Doenças em Eliminação – CGHDE
(Decreto nº 7.530, de 21 de julho de 2011) com o objetivo de fortalecer a resposta para um
grupo de doenças em que os resultados dos programas nacionais foram considerados
insuficientes e incompatíveis com a capacidade do SUS de resolução dos problemas de saúde
da população. Neste grupo estão incluídas a hanseníase, esquistossomose, filariose linfática,
geohelmintíases, oncocercose e tracoma (BRASIL, 2012).
A partir desta situação, o Ministério da Saúde elaborou um Plano integrado de ações
estratégicas para a eliminação da hanseníase, esquistossomose, filariose linfática,
geohelmintíases, oncocercose como problema de saúde pública elencando ações específicas
para combater cada doença de acordo com os critérios epidemiológicos e financiamento do
SUS. Esse é um plano de ação de 2011- 2015, e tem como objetivo fortalecer a resposta a um
42
verificar a situação global, pretende-se discutir o perfil nacional e regional destas doenças
com vistas a justificar a magnitude e relevância do desenvolvimento deste estudo para o
avanço nas possíveis medidas de suporte para o controle, a prevenção e o tratamento.
Segundo dados do Centers for Disease Control and Prevention (CDC): 100% dos
países de baixo rendimento são afetados por pelo menos cinco doenças negligenciadas,
simultaneamente, em todo o mundo; 149 países e territórios são afetados, no mínimo, por uma
doença negligenciada; as doenças negligenciadas são responsáveis por estimados 534.000
casos de morte, no mundo, por ano; são causa principal da carga da doença resultando em
cerca de 57 milhões de anos de vida perdidos devido à morte e invalidez prematuras; os
indivíduos muitas vezes são atingidos por mais de um parasita ou infecção e o custo do
tratamento para a maioria dos programas de administração de drogas em massa nas doenças
negligenciadas é estimado em menos de US$ 0,50 por pessoa por ano (CDC, 2014).
Os dados demonstram a magnitude do problema de saúde, a interface dos aspectos
biológicos e sociais implicando na qualidade de vida da população e ao mesmo tempo sugere
medidas de baixo custo para o tratamento das doenças. Em relação à magnitude, pode-se
afirmar que o mundo em toda a sua extensão é acometido por estas doenças e sua
endemicidade não se resume somente às regiões tropicais, apesar de uma maior incidência nos
trópicos, tem-se outras localidades que ainda convivem junto às doenças promotoras da
pobreza. A interface biológico-social mais uma vez é encontrada nos dados epidemiológicos,
na medida em que se associa o aumento do número de casos das doenças negligenciadas nos
países de baixa renda e os danos físicos provocados pelos bioagentes infeciosos. O que chama
atenção nestes dados é o baixo custo para o tratamento das doenças e ainda sim a sua
endemicidade continua elevada demonstrando todo o descaso e a falta de interesse por parte
da sociedade como um todo no enfrentamento destas doenças.
O Ministério da Saúde desencadeou um processo de incentivos financeiros para o
desenvolvimento de tecnologias e pesquisas, por meio da realização de oficinas de combate às
doenças negligenciadas no Brasil. A partir destas oficinas e por meio de dados
epidemiológicos, demográficos e ainda o impacto das doenças, foram definidas entre as
doenças consideradas negligenciadas, sete prioridades de atuação que compõem o programa
em doenças negligenciadas: hanseníase, tuberculose, dengue, malária, leishmaniose, doença
de Chagas e esquistossomose (BRASIL, 2010).
O estudo Saúde Brasil elaborado pelo Ministério da Saúde para analisar a situação do
perfil epidemiológico brasileiro apontou as doenças negligenciadas com uma carga global
elevada e a maior carga entre os países latino-americanos. Explicitou as ocorrências das
45
1.3.1 Dengue
Transmitida pelo mosquito Aedes aegypti, a dengue é uma doença viral que se espalha
rapidamente no mundo. Nos últimos 50 anos, a incidência aumentou 30 vezes, com ampliação
da expansão geográfica para novos países e, na presente década, para pequenas cidades e
áreas rurais. É estimado que 50 milhões de infecções por dengue ocorram anualmente e que
aproximadamente 2,5 bilhões de pessoas morrem em países onde a dengue é endêmica.
Na região das Américas, a doença tem se disseminado com surtos cíclicos ocorrendo a cada
3/5 anos. No Brasil, a transmissão vem ocorrendo de forma continuada desde 1986,
intercalando-se com a ocorrência de epidemias, geralmente associadas com a introdução de
novos sorotipos em áreas anteriormente indenes ou alteração do sorotipo predominante. O
maior surto no Brasil ocorreu em 2013, com aproximadamente 2 milhões de casos
notificados. Atualmente, circulam no país os quatro sorotipos da doença (BRASIL, 2016).
Causada por um arbovírus que possui 4 subtipos, a dengue é transmitida pelo mosquito
fêmea Aedes aegypti. Dados da OMS mostram que 50 a 100 milhões de pessoas são
infectadas a cada ano no mundo, em todos os continentes com exceção da Europa. Ela é
responsável pela hospitalização de 550 mil pessoas/ano e, é causadora de 20 mil mortes/ano.
No Brasil as condições ambientais e as condições sociais brasileiras contribuem para a
disseminação da doença porque a pobreza, baixa educação, urbanização desorganizada e
condições sanitárias inadequadas e clima a auxiliam a propagação do Aedes aegypti e o
aumento do número de casos de dengue. Existe um programa nacional para o controle da
dengue que inclui mobilização e educação da população, mas até o presente momento os
esforços foram insuficientes para controlar adequadamente a doença (LINDOSO, 2009).
Os casos de dengue, apresentados na tabela 3 que segue logo abaixo, aumentaram
consideravelmente nas últimas décadas, no Brasil o aumento foi de 93,2% do ano de 1990
para 2014; na região nordeste 82,3%; na Bahia enquanto em 1990 não houve registros de
46
casos, em 2014 houve 13.827 casos e destes 915 ocorreram em Jequié (BRASIL, 2014). Este
aumento em todo o país mostra a endemicidade e os picos epidêmicos desta doença,
revelando a insuficiência das ações dos serviços de saúde e da participação incipiente da
sociedade par o controle do vetor e, por conseguinte da dengue. Os dados fortalecem a ideia
de que, tanto o país quanto a região nordeste ainda não avançaram efetivamente, apesar das
ações de contenção e dos planos e programas de prevenção, no controle desta enfermidade. O
município de Jequié, por exemplo, aparece como um dos principais locais de disseminação da
doença uma vez que apresentou, no ano de 2014, um percentual de 6,6% de casos novos entre
os 417 municípios da Bahia, que o colocou entre os dez primeiros municípios com alerta para
surtos epidêmicos (BRASIL, 2014b).
Na tabela 4 destaca-se o número de casos novos por 100 mil habitantes nos anos de
1990 e 2014. Em relação a estes dados pode-se afirmar que o Brasil, mesmo com a
regulamentação e descentralização da saúde, concretizada na década de 1990, não conseguiu
estabelecer uma organização eficiente no controle da dengue. A construção social desta
doença parece já concretizada no pensamento social, pois, suas características clínicas e as
formas de prevenção são assimiladas com facilidade pela população, pelos profissionais de
saúde e também pelos gestores, todavia o que os dados apresentam é um aumento da
incidência em todo o país e em especial, na Bahia. Trata-se de buscar compreender as razões
pelas quais a dengue, mesmo reconhecida pela sociedade, ainda não foi efetivamente
controlada.
Até a 33ª semana epidemiológica de 2016 foram informados pelas unidades de saúde e
registrados no SINAN 75.551 casos suspeitos de dengue no estado da Bahia. Destes, 17.457
foram classificados como dengue; 42 como dengue com sinais de alarme, 32 como dengue
grave e 21.372 foram descartados. Estão sem classificação 36.648 casos. No mesmo período
de 2014 foram notificados 19.715 casos de dengue, portanto, o número de casos atual
corresponde a um aumento de 283.22%. (BAHIA, 2016). Na Bahia, a maior epidemia de
dengue ocorreu em 2009, quando foram registradas mais de 123 mil ocorrências. Embora o
número de casos tenha reduzido nos anos seguintes em relação a 2009, desde então tem-se
registrado mais de 50 mil casos de dengue a cada ano, confirmando a dengue como um dos
principais problemas de saúde pública deste estado.
1.3.3 Hanseníase
Ásia, 30.000 (2%), no Mediterrâneo Oriental e 40.000 (4%), no Pacifico Ocidental (WHO,
1997).
Nas duas últimas décadas, o número global de casos diminuiu em quase 90%. Em
meados de 2004, cerca de 460.000 pacientes estavam registrados para tratamento, sendo que,
durante o ano de 2003, aproximadamente 500.000 casos novos foram detectados em nível
mundial (OMS, 2005). No ano de 2003, na região das Américas, foram diagnosticados cerca
de 52,4 mil novos casos de hanseníase. No início de 2004, o coeficiente de prevalência da
doença foi de 1,0 caso por 10 mil habitantes e foram detectados pouco mais de 52 mil casos
novos por ano. A situação epidemiológica da hanseníase nos países da região constitui um
desafio em matéria de saúde pública, porque, além da magnitude do problema, a distribuição
geográfica não é uniforme (OMS, 2005). Apesar de a hanseníase estar presente em quase
todos os continentes, 87% dos casos estavam registrados em apenas 16 países. Somente a
Índia e o Brasil contribuíam com 655.564 casos (79%) (WHO, 1997).
Os anos de 2012 e 2011 apresentaram, apesar da diminuição da prevalência em nível
mundial, índices elevados de incidência, principalmente nas regiões das Américas e no
Sudeste Asiático. Estes dados, apresentados na tabela 6, demonstram que a hanseníase ainda
aparece como uma doença a ser combatida mundialmente, sobretudo por conta das suas
complicações que provocam incapacidades físicas e estigmatizantes; estes números refletem o
grau de negligenciamento com a hanseníase por parte dos países membros da OMS, que por
sua vez, não conseguiram atingir a meta estabelecida de eliminação deste agravo, inclusive o
Brasil.
1.3.4 Esquistossomose
1.3.5 Tuberculose
que diz respeito ao coeficiente de mortalidade, em 1990 ocorreram 3,6 óbitos por 100 mil hab.
e em 2014, 2,1/100 mil hab. De acordo com o Relatório Global da Tuberculose da OMS
(2015), o Brasil atingiu as metas internacionais relacionadas à incidência, a prevalência
(passando de 140/100 mil hab. em 1990 para 59/100 mil hab. 2012) e a mortalidade (passando
de 7/100 mil hab. em 1990 para 2,5/100 mil hab. Em 2012), por considerar os valores
estimados para o país. Mundialmente, a meta dos ODM para a tuberculose foi alcançada
desde 2013, com redução continua na taxa de incidência por quase uma década (WHO,
2014c). A tabela 10 demonstra os casos confirmados de tuberculose no Brasil:
Afora a tuberculose ser um problema de saúde pública, sua gravidade aumentou nas
últimas décadas, ao se associar ao Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), bem como à
multirresistência aos medicamentos antituberculostáticos (BARBOSA; LEVINO, 2013).
Diante dessa magnitude, a OMS lançou a estratégia pós- 2015: “Um mundo livre da
tuberculose: zero mortes, adoecimento e sofrimento causados pela doença” e estabeleceu
metas para o alcance desse compromisso. Aliou-se à Stop TB Partnership que, também,
investiu na proposta e lançou o tema “Alcançando os três milhões de casos não detectados:
rastrear, tratar e curar a todos”. Essas mobilizações marcaram o compromisso político e social
pela eliminação da tuberculose como um problema de Saúde Pública (BRASIL, 2017).
A tuberculose ainda e um desafio a ser mundialmente superado. Estratégias arrojadas
vêm sendo propostas e implementadas, no cenário nacional e global. Apesar das reduções nos
coeficientes de incidência e de mortalidade, a doença ainda e endêmica no país, concentrando-
se em grandes centros urbanos, nos aglomerados populacionais e, sobretudo, em populações
mais vulneráveis.
1.3.6 Leishmanioses
ao ambiente domiciliar vem acontecendo, situação em que animais domésticos, como o cão,
passam a atuar como reservatório principal da doença (COELHO et al., 2012).
A tabela 13 mostra a diminuição dos casos de LTA no Brasil durante os últimos anos,
exceto o município de Jequié que mantém um número elevado de casos, em 2014:
1.3.7 Malária
turísticos da Bahia: Salvador (31,08%), Porto Seguro (5,7%) e Ilhéus (2,07%). Em 2015, na
Bahia, dentre os 25 casos de malária, foram confirmados 13 casos importados da Região
Amazônica e países africanos. Dentre eles 46,1% foram importados da Amazônia Legal e
53,8% de cidades endêmicas do Continente Africano.
O município de Salvador concentrou o maior número desses registros (04 casos).
Quanto à espécie do parasito, o P.vivax causador da forma clínica mais branda da doença foi
o predominante; seguido do P. falciparum, do qual decorre a maioria dos casos de malária
grave. Em que pese o Estado da Bahia ter apresentado as últimas confirmações de casos
autóctones em 2007 (04) e em 2008 (02), apresenta alto risco de transmissão autóctone devido
à densidade vetorial elevada e dispersão dos potenciais vetores da malária em 397 (95,2%)
municípios, que são considerados vulneráveis (BAHIA, 2015).
1.4 A Teoria das representações sociais: aspectos gerais, relação teoria prática e
produção científica do objeto de estudo
pode reproduzir seus pensamentos em sua prática e a partir desta prática construir novos
pensamentos em um ciclo de modificações contínuas e dinâmicas. Esta conduta engloba todos
os conhecimentos não só das teorias científicas, mas também dos eixos culturais e ideológicos
contribuindo para a construção das representações sociais de um determinado objeto (SÁ,
2015). Esta produção de conhecimentos, elaborados pelos indivíduos em uma sociedade
demonstra a definição das representações sociais:
conhecimentos familiares sobre esta temática e a partir disto emitem uma visão imagética
sobre as doenças.
Além da complexidade de estabelecer uma organização do sistema de pensamento da
sociedade, a TRS possui funções que colaboram para a concretude da lógica do pensamento e
da ação, ao influenciar as mudanças de conduta do indivíduo e da sociedade. Se as
representações sociais tem um papel fundamental na dinâmica das relações sociais e nas
práticas é porque, como nós pensamos, elas respondem a quatro funções essenciais segundo
Abric (2000):
Função de Saber: elas permitem compreender e explicara a realidade. Saber prático
do senso comum, elas permitem que os atores sociais adquiram conhecimentos e os
integrem em um quadro assimilável e compreensível para eles próprios, em
coerência com seu funcionamento cognitivo e os valores aos quais eles aderem.
Função Identitária: elas definem a identidade e permitem a proteção da
especificidade do grupo. As representações têm por função situar os indivíduos e os
grupos dentro do campo social (permitido) a elaboração de uma identidade social e
pessoal gratificante, ou seja, compatível com o sistema de normas e de valores
socialmente e historicamente determinados. Função de Orientação: elas guiam os
comportamentos e as práticas. O sistema de pré-codificação da realidade, constituído
pela representação, é, de fato, um guia para ação. Função Justificadora: elas
permitem, a posteriori, a justificativa das tomadas de posição e comportamentos. As
representações intervêm também na avaliação da ação, permitindo aos atores
explicar e justificar suas condutas em uma situação ou face a seus parceiros
(ABRIC, 2000 apud SÁ, 2002, p.44).
Estas quatro funções, tratadas por Abric, em seus estudos sobre a abordagem estrutural
das representações sociais, permitem compreender a visão e o pensamento dos grupos
participantes deste estudo, uma vez que estes produzem seus próprios saberes sobre as
doenças negligenciadas e, a partir da sua posição na estrutura social, demonstraram uma
atitude favorável ou não junto aos conceitos e práticas de combate às enfermidades
consideradas negligenciadas. As funções das representações sociais, além de caracterizar e
identificar os dois grupos, facilitará a orientação das ações destes atores sociais frente às
medidas de prevenção, controle e tratamento das doenças negligenciadas.
A sociedade pensante, localizada em universos distintos e complementares do
conhecimento, emitem suas convicções sobre a realidade social imbuídas de atitudes
(dimensão representacional) e para tanto precisam estabelecer ou formar seus saberes sobre os
diversos temas que circundam o cotidiano. Por isso, a utilização da TRS aproxima o indivíduo
ou um grupo de sua realidade social, ao transformar o não familiar em familiar, ela serve
como um campo de estudos sobre a construção da realidade.
classificar e denominar coisas que não são classificadas nem denominadas; são
estranhas, não existentes e ao mesmo tempo ameaçadoras. Desde que possamos falar
sobre alguma coisa, avaliá-la e, assim, comunicá-la – mesmo vagamente, como
quando dizemos de alguém que ele é inibido -, então podemos representar o não
usual em nosso mundo usual, reproduzi-lo como a réplica de um modelo familiar
(MOSCOVICI, 1984 apud SÁ, 2015 p. 202).
Os processos através dos quais uma representação, uma vez constituída, se torna um
organizador das relações sociais; processos que tornam o não familiar em familiar; um
processo que precede a objetivação e refere-se ao fato de qualquer construção ou tratamento
de informação exigir pontos de referência: quando um sujeito pensa um objeto, o seu universo
mental não é, por definição, tábua rasa, pelo contrário, é por referência a experiências e
esquemas de pensamentos já estabelecidos que um objeto novo pode ser pensado (VALA,
2000).
62
Esta autora considera ainda que uma representação social é uma forma de saber prático
que liga um sujeito a um objeto. Com relação ao objeto, que pode ser de natureza social,
material ou ideal, a representação se encontra em uma relação de simbolização (está no seu
lugar) e de interpretação (confere-lhe significados). A representação é, por outro lado, uma
construção e uma expressão do sujeito, que pode ser considerada do ponto de vista epistêmico
(se focalizam os processos cognitivos) ou psicodinâmico (se a ênfase é sobre os mecanismos
intrapsíquicos, motivacionais etc.), mas também social ou coletivo. Enquanto forma de saber,
a representação se apresenta como uma modelização do objeto, que pode ser apreendida em
diversos suportes linguísticos, comportamentais ou materiais. Jodelet esclarece que qualificar
este saber como “prático” se refere a experiência a partir da qual ele é produzido, aos quadros
63
e condições nas quais o é, e sobretudo ao fato de que a representação serve para se agir sobre
o mundo e sobre os outros (JODELET, 2001).
As representações sociais
contribuição decisiva para a aproximação da vida mental individual e coletiva. Deste ponto de
vista, as representações sociais são abordadas simultaneamente como o produto e o processo
de uma atividade de apropriação da realidade exterior ao pensamento e da elaboração
psicológica e social da realidade. Ou seja, estão interessados em uma modalidade de
pensamento, sob seu aspecto constituinte, os processos, e constituído, os produtos ou
conteúdos. Modalidade de pensamento que tem sua especificidade em seu caráter social
(JODELET, 2001).
De fato, representar ou se representar corresponde a um ato de pensamento pelo qual o
sujeito relaciona-se com um objeto. Este pode ser tanto uma pessoa, uma coisa, um evento
material, psíquico ou social, um fenômeno natural, uma ideia, uma teoria etc.; pode ser tanto
real quanto imaginário ou mítico, mas sempre requerer um objeto. Não há representação sem
objeto. Quanto ao ato de pensar, que estabelece a relação entre o sujeito e o objeto, este tem
características específicas em relação a outras atividades mentais (perceptiva, conceitual,
memorial etc.).
De um lado, a representação mental, como a representação pictórica, teatral ou
política, dá uma visão desse objeto, toma-lhe o lugar, está em seu lugar; ela o torna presente
quando aquele está distante ou ausente. A representação é, pois, a representante mental do
objeto que reconstitui simbolicamente. De outro lado, como conteúdo concreto do ato de
pensar, a representação carrega a marca do sujeito e de sua atividade. Este último aspecto
remete ao caráter construtivo, criativo, autônomo da representação que comporta uma parte de
reconstrução, de interpretação do objeto e de expressão do sujeito (JODELET, 2001).
A abordagem processual de Jodelet defende a ideia de que a representação social
funciona como um saber prático, ou seja, o conhecimento produzido pelo sujeito ou pelo
grupo possui funções de interpretação e modificação da realidade e na vida cotidiana. A
principal contribuição das representações sociais, nesta vertente, é produzir um saber que
tenha a capacidade de influenciar as práticas cotidianas e sustentar as concepções individuais
e coletivas sobre a representação do objeto. Neste sentido, Jodelet define um esquema base
que caracteriza as representações sociais onde a representação aparece como uma forma de
sabre prático ligando um sujeito a um objeto, este esquema possui as seguintes características
(JODELET, 2001):
1. A representação social é sempre uma representação de alguma coisa (objeto) e de
alguém (sujeito). As características do sujeito e do objeto terão uma incidência sobre o
que ela é. A representação social está com seu objeto numa relação de "simbolização",
ela toma seu lugar, e de "interpretação", ela lhe confere significações. Estas
65
convicções dos indivíduos. Assim em primeiro lugar haveria um sistema central (núcleo
central) ao qual são atribuídas as seguintes características: é marcado pela memória coletiva,
refletindo as condições sócio históricas e os valores do grupo; constitui a base comum,
consensual coletivamente partilhada das representações, definindo a homogeneidade do grupo
social; é estável, coerente, resistente a mudança, assegurando assim a continuidade e a
permanência da representação; é relativamente pouco sensível ao contexto social e material
imediato qual a representação se manifesta. Suas funções são gerar o significado básico da
representação e determinar a organização global de todos os elementos (SÁ, 1996).
Em segundo lugar haveria um sistema periférico, constituído pelos demais elementos
da representação que, provendo a interface entre a realidade concreta e o sistema central,
atualiza e contextualiza as determinações normativas e consensuais deste último. Daí o
resultado é a mobilidade, a flexibilidade e a expressão individualizada das representações
sociais. O sistema periférico apresenta, portanto, as seguintes características: permite a
integração das experiências e histórias individuais; suporta a heterogeneidade do grupo e as
contradições; é evolutivo e sensível ao contexto imediato. Sintetizando, suas funções
consistem, em termos atuais e cotidianos, na adaptação à realidade concreta na diferenciação
do conteúdo da representação e, em termos históricos, na proteção do sistema central (SÁ,
1996).
O conceito de núcleo central faz referência a um subconjunto de elementos em torno
do qual as representações sociais são organizadas, sendo responsável pela determinação e pela
organização do próprio conjunto. Desta maneira,
A noção de núcleo central, apresentada pro Abric (1976, 1984, 1989), faz avançar a
noção moscoviciana de “núcleo figurativo” naquilo que ela ultrapassa o quadro
puramente genético e trata da estrutura de uma representação constituída. De acordo
com Abric, a ideia fundamental dessa teoria é que, dentro do conjunto das cognições
presentes no campo de um objeto de representação, alguns elementos têm um papel
diferente dos demais (MOLINER, 1996 apud CAMPOS; LOUREIRO, 2003, p22).
da situação. De acordo com a dinâmica desses fatores, diferentes elementos centrais são
privilegiados: as situações com forte finalidade operatória ativam prioritariamente os
elementos fortemente funcionais; as situações com forte carga ideológica ou socioafetiva
ativam privilegiadamente os elementos marcadamente normativos (CAMPOS; LOUREIRO,
2003). Assim,
O sistema periférico é bem menos limitante, sendo mais leve e flexível. É a parte mais
acessível e mais fluida da representação. Se o núcleo central constitui, de algum modo, a
cabeça ou o cérebro da representação, o sistema periférico constitui o corpo e a carne. Seu
papel é essencial e pode ser resumido em cinco funções: concretização, regulação, prescrição
de comportamento, proteção do núcleo central e personalização (individualização da
representação coletiva) (CAMPOS; LOUREIRO, 2003).
Acredita-se que, por meio da TRS, chega-se ao processo de construção social das
doenças negligenciadas permitindo compreender as tomadas de decisão do grupo envolvido
nesta temática e, a partir da descoberta deste pensamento social elaborado pelos profissionais
de saúde, evidenciar práticas cotidianas que influenciam no combate às doenças consideradas
negligenciadas. Para tanto, é necessário discutir se este objeto de estudo (doenças
69
negligenciadas) é um objeto de representação social, pois nem todo objeto possui uma
representação.
As doenças negligenciadas são enfermidades que afligem mais de um bilhão de
pessoas no mundo e atingem principalmente os indivíduos que possuem uma vulnerabilidade
social relacionada às condições socioeconômicas nos países subdesenvolvidos. São doenças
que representam a pobreza e a marginalização, afetam as populações com pouca visibilidade
social e pouca voz política, apresenta o estigma e a discriminação que afetam particularmente
mulheres e crianças e podem ser controladas e prevenidas mediante a aplicação de medidas
eficazes. Os profissionais de saúde lidam com estas situações diariamente, tanto com as
demandas do sistema de saúde, quanto com a realidade social e familiar enfrentada pelos
pacientes em seus cotidianos.
Há, nestes atores sociais, a construção de teorias explicativas, em paralelo ao
conhecimento científico que possuem e que se configura como uma grade de leitura da
realidade, para as razões que levaram cada pessoa a se contaminar ou a não adotarem as
orientações realizadas no âmbito da educação em saúde com vistas à sua prevenção. Além
disso, os contextos social, cultural, religioso, material, familiar, econômico e político que
envolvem os acometidos se configuram como leituras que podem influenciar na construção de
um pensamento específico sobre estas doenças.
A partir deste contexto, as doenças negligenciadas podem ser consideradas como
objeto de representação social na medida em que gera discussões e conversas em grupos
sociais, tem uma relevância social na medida em que afetam grande parte da população
mundial e tem elevada endemicidade, em especial nas regiões tropicais, gera conhecimento,
pensamento e julgamentos sobre as causas da perpetuação da pobreza diante de tanto
desenvolvimento tecnológico e, ainda, caracteriza-se por ser uma temática que está ligada às
práticas, tanto individuais, quanto coletivas, inclusive de profissionais e gestores da área da
saúde.
Todas estas características discutidas por Sá (1998) e Wolter (2016) subsidiam a
compreensão de que as doenças negligenciadas são objeto de representação social. Para todo
objeto, como já referido, tem-se um sujeito, ou seja, um grupo que emite suas percepções e
convicções sobre determinado fenômeno, neste caso, os profissionais de saúde.
Outra discussão importante neste contexto diz respeito ao estudo das relações entre as
práticas sociais e as representações sociais, haja vista que a presente tese abarcou a formação
estrutural e os conteúdos das representações sociais elaboradas pelos profissionais de saúde
acerca das doenças negligenciadas. Assim, destacaram-se as proposições de Abric e
70
Apesar dos primeiros trabalhos empíricos se pautarem pelo estudo das práticas
comunicativas, ou seja, pelo estudo das práticas de intercâmbio intra e intergrupal,
as proposições teóricas são aplicáveis às relações gerais entre práticas sociais e
representações. A partir de então, os trabalhos empíricos se multiplicaram, muito
embora, como afirma Rouquette (1998), o termo práticas venha sendo, por muitas
vezes, utilizado de modo pouco claro (CAMPOS; LOUREIRO, 2003, p. 29).
Na perspectiva de estudar as situações sociais reais, uma fórmula mais exata de definir
as práticas sociais é concebe-las como sistemas complexos de ação ou, ainda, como conjuntos
de condutas finalizadoras pelos e para os grupos (MOLINER, 2001 apud WOLTER; SÁ,
2013). A noção de prática teria como referência básica a ação e o agir dos grupos e, assim, a
ação comporta, então, necessariamente, dois componentes, o vivido e o cognitivo. É isto que s
permite uma certa legitimidade em estudar a ação também por meio de instrumentos de
natureza cognitiva.
De todo modo, a questão teórica importante que se impõe é: são as práticas que
determinam as representações sociais ou é o inverso? Nos estudos de Abric e Rouquette
apresentados por Wolter e Sá (2013) encontra-se a reposta para esta questão ao dizer que
existe em um primeiro momento estudos e conceituações das representações como
gerenciadoras da práticas; em um segundo momento tem-se as mudanças representacionais a
partir das práticas e finalmente a assimetria das influências entre representações e a variedade
das práticas. Rouquette diz que:
Como as duas formas de influência não são equivalentes, não é legitimo falar em
reciprocidade das influências. Ele afirma que devemos tomar as representações
como uma condição das práticas e as práticas como um agente de transformação
das representações. Ambas as constatações, da representação como condição das
práticas e esta última, a prática, como agente de transformação da primeira,
levaram o autor a se questionar sobre o que é uma prática (ROUQUETTE, 2000
apud WOLTER; SÁ, 2013, p.98).
saúde, alicerçado no processo mórbido e contato com profissionais de saúde. Estes autores
apontam que
2 METODOLOGIA
(CNES) (JEQUIÉ, 2012). A atenção secundária, por sua vez, composta pelo Centro de
Referências de Doenças Endêmicas e o Centro de Referência das DST/HIV/AIDS.
Inicialmente realizou-se uma análise destas instituições de saúde buscando evidenciar
a ocorrência de atividades profissionais que assistem as pessoas acometidas pelas doenças
consideradas negligenciadas, que foram priorizadas pelo Ministério da Saúde e que são
endêmicas no município de Jequié, quais sejam: hanseníase, tuberculose, esquistossomose,
doença de Chagas e leishmanioses. Diante deste critério selecionou-se as seguintes
instituições:
As quatro unidades básicas de saúde (Centro de Saúde de Jequié; Centro de Saúde
Almerinda Lomanto; Centro de Saúde Sebastião Azevedo e Centro de Saúde Julia Magalhães)
são organizadas para oferecer os serviços de saúde nas especialidades médicas de clínica
geral, pediatria, ginecologia e psiquiatria; possuem assistência de enfermagem em saúde da
mulher (planejamento familiar, pré-natal, preventivo), saúde da criança (consulta de
enfermagem e vacinação), saúde mental, controle da hipertensão e diabetes. Além de todos
estes serviços oferecidos, estas quatro unidades básicas que compõe a atenção primária à
saúde neste município, foram selecionadas pela existência de serviços de controle, prevenção
e tratamento da hanseníase e da tuberculose. No centro de saúde Almerinda Lomanto temos o
centro de referência em atenção ao controle e tratamento da tuberculose e da hanseníase.
O Centro de Referência de Doenças Endêmicas Pirajá da Silva (PIEJ) desenvolve
atividades de prevenção e controle das Leishmanioses Tegumentar e Visceral, Doença de
Chagas e Esquistossomose. A população atendida é resultante de demanda espontânea e
encaminhamentos referenciados por profissionais de saúde da rede pública e conveniada da
microrregião. Os serviços prestados na unidade são: Atendimento Médico Ambulatorial;
Serviços de Enfermagem; Visita domiciliar; Atendimento odontológico; Farmácia; Serviço
Laboratorial; Patologia Clínica; Bioquímica; Microbiologia; Exames especializados para
diagnóstico de Doença de Chagas e Leishmaniose Humana e Canina (ELISA e
Imunoflorescência); Pesquisa direta do parasita e cultura em material de punção de medula
óssea; Eletrocardiograma, endoscopia Digestiva e Anatomopatologia para o Serviço de Apoio
Diagnóstico; Ações de educação em saúde; Supervisão dos serviços de Leishmaniose,
Laboratórios de Esquistossomose, aplicação de Montenegro, implantados nos municípios da
13º Núcleo Regional de Saúde (NRS); Suprimento de Mansil e Glucantime aos serviços
implantados.
Na Estratégia de Saúde da Família, o município de Jequié conta com 27 equipes,
sendo 25 na zona urbana. Nestas unidades, entre outras atividades, são desenvolvidas ações de
76
O grupo de participantes foi composto pelos profissionais de saúde que atuam nos
serviços de saúde da atenção básica do município, desenvolvendo ações de assistência aos
indivíduos acometidos pelas doenças elencadas deste estudo. A amostra foi do tipo
intencional, não probabilística, composta por 90 profissionais de saúde de uma população de
150. Os critérios de composição da amostra foram: (1) controle dos cargos exercidos na
instituição contemplando 30 participantes por cada um deles, a saber, enfermeiro, técnico de
enfermagem e médico; (2) profissional de saúde com tempo mínimo de um ano de atuação
nas instituições que desenvolvem ações no controle e tratamento das doenças negligenciadas.
Desta maneira, na primeira fase da pesquisa participaram o total de 90 profissionais de
saúde para a técnica de evocações livres; na segunda e terceira etapas participaram dos 90
profissionais de saúde, somente 27, sendo 09 técnicos de enfermagem, 09 enfermeiros e 09
médicos.
Uma representação social se define por meio dos seguintes componentes: o conteúdo e
a organização e estrutura internas. Os estudos das representações requerem a utilização de
métodos que busquem identificar os elementos constitutivos da representação, conhecer a
organização destes elementos e identificar o núcleo central da mesma. (ABRIC, 2001b). No
entanto, nenhuma técnica até o momento, permite atingir estes três elementos, sendo
imprescindível, a associação de técnicas distintas, articulando em três etapas, quais sejam: a
coleta do conteúdo da representação (através das entrevistas associadas com a evocação
livre); a busca da estrutura e do núcleo central (por meio da identificação da saliência e dos
laços entre os diversos elementos da representação) e, por fim, a verificação da centralidade
(por meio de técnicas, como os esquemas cognitivos de base) (ABRIC, 2001b; SÁ, 2002).
77
evocações (rang). Corresponde a quatro quadrantes, onde no alto e à esquerda ficam situados
os termos mais significativos para o sujeito e, provavelmente, o núcleo central da
representação (maior frequência menor rang). As palavras localizadas no quadrante superior
direito (maior frequência e maior rang) e no quadrante inferior esquerdo (menor frequência e
maior rang) são os elementos da 1ª periferia e os elementos de contraste, respectivamente. Já
aquelas localizadas no quadrante inferior direito (menor frequência e maior rang) constituem
os elementos mais periféricos da representação ou 2ª periferia (SÁ, 2002; OLIVEIRA et al.,
2005).
Os dados resultantes deste instrumento de coleta foram analisados por meio da técnica
da análise de similitude, que foi introduzida no campo das representações por Claude
Flament, tornando-se a principal técnica de detecção do grau de conexidade dos diversos
elementos de uma representação.
Realizando essa operação para cada par de itens, vai se dispor da matriz de similitude
para todos os itens do corpus. Para facilitar a compreensão e a interpretação de tais matrizes,
constrói-se a “árvore máxima”. Trata-se de um grafo conexo sem ciclo cujos vértices são os
itens do corpus e as arestas são os valores dos índices de similitude entre esses itens. O
procedimento de construção da árvore máxima permite reter apenas as relações mais fortes
entre os itens (MOLINER, 1994).
estratégia de saúde da família, nas unidades de referência das doenças endêmicas e com isso
tem a possibilidade de elaborar e compartilhar os conhecimentos sobre as doenças
negligenciadas.
Analisando a tabela 16 - exposta a seguir - que dispõe sobre a variável formação
profissional viu-se que 68,9% dos profissionais possuem nível superior e destes 30%
buscaram uma maior qualificação com a realização da pós-graduação, em nível de mestrado
ou doutorado; os demais profissionais constituem um total de 31,1% de nível médio. A
qualificação profissional surge como instrumento de colaboração ao enfrentamento das
doenças negligenciadas, uma vez que, as condições que envolvem a incidência destas doenças
na região perpassam por inúmeros problemas de ordem social e política, e que, dependem não
somente de profissionais capacitados, mas também da atuação da população frente a estes
desafios, que perpetuam estas enfermidades. No que diz respeito a construção do pensamento
social, a qualificação e formação profissional influenciam a elaboração de novos saberes
dentro do grupo social, portanto, tanto os profissionais de nível médio quanto superior
precisam atentar-se para as demandas do senso comum, evidenciando medidas eficazes a
partir do conhecimento compartilhado de cada profissional de saúde.
Os profissionais de saúde que fizeram parte deste estudo possuem a idade mínima de
26 anos e máxima de 69 anos, a maior parte estão na faixa etária de 37 a 58 anos, com 61,1%,
significando que já construíram convicções sociais que influenciam a sua conduta profissional
favorável ao controle das doenças negligenciadas. Uma parte de 32,2% corresponde aos
profissionais mais novos e que ainda continuam buscando fortalecer suas ideias na elaboração
dos conhecimentos relacionados a esta conduta, mas que também constituíram bases na
88
formação do pensamento social. Segue abaixo a tabela 17 que descreve a faixa etária dos
profissionais de saúde que participaram deste estudo:
um grupo menor que corresponde a 3,3% do total dos profissionais de saúde que se
declararam agnóstico e, portanto, sua posição também influencia a formação da representação
social sobre as doenças negligenciadas. A tabela 21 mostra as religiões declaradas pelos
participantes:
3.2 A Estrutura das representações sociais dos profissionais de saúde sobre as doenças
negligenciadas
familiar, dos indivíduos que são acometidos pelas doenças negligenciadas. A ignorância dos
indivíduos implica na ausência de cuidados básicos para a prevenção e, por conseguinte,
influenciam na maior vulnerabilidade para instalação destes agravos. Esta primeira dimensão
indica que um núcleo central é constituído de elementos em quantidade limitada, pois ele que
organiza as funções e determina o significado das representações sociais. A organização de
uma representação apresenta uma característica particular: não apenas os elementos da
representação são hierarquizados, mas além disso toda a representação é organizada em torno
de um núcleo central, constituído de um ou alguns elementos que dão à representação o seu
significado (ABRIC, 1994a).
Considerado a argumentação de Abric sobre a organização interna das representações,
elencaram-se os termos que possivelmente constitui o núcleo central, sendo que, os termos
que compõe os demais quadrantes do quadro de quatro casas, compreendem o sistema
periférico das representações e foram descritos de acordo o significado atribuído pelos
profissionais de saúde. O sistema periférico é bem menos limitante, ele é mais leve e flexível.
É a parte mais acessível e mais viva da representação. Se o núcleo central constitui, de algum
modo, a cabeça ou o cérebro da representação, o sistema periférico constitui o corpo e a carne
(ABRIC, 1994b).
O quadrante superior direito, que corresponde a primeira periferia, apresenta os termos
que podem ser distintos por meio dos possíveis significados atribuídos a partir dos termos do
núcleo central: falta de recursos e a pobreza são relacionados a produção da ignorância e do
descaso, pois a dimensão social está intimamente ligada a promoção da saúde ou da doença.
Os outros termos (doenças, hanseníase e tuberculose) aproximam-se da dimensão imagética
da representação pois concretizam o pensamento dos profissionais de saúde em doenças que
possuem uma alta prevalência na região e são consequência da ignorância dos indivíduos e do
descaso dos envolvidos neste processo de enfrentamento (indivíduo, profissionais e governo).
No quadrante inferior esquerdo, ou zona de contraste, encontram-se os elementos que
complementam e discutem o núcleo central, reforçando o seu sentido e ao mesmo tempo
protegendo sua identidade. Os termos ineficiência, falta compromisso e governo, por
exemplo, fortalecem a ideia do descaso institucional e também político dos entes federados
(município, Estado e União) com as doenças promotoras da pobreza; a irresponsabilidade,
por outro lado, é um termo que se aproxima da causalidade individual para com os agravos
oriundos da própria ignorância.
Os termos que compõe o quadrante inferior direito são aqueles que possuem menores
frequência de evocação e evocados tardiamente, compondo os elementos da segunda periferia
95
das representações. Eles podem ser analisados em dois grupos que remetem ao significado ou
se correlacionam aos termos do núcleo central: o primeiro composto pelas palavras
desassistência, desumanidade e profissionalismo relaciona-se ao termo descaso e remete a
ausência de estratégias dos serviços de saúde no combate as doenças, inclusive nas atribuições
dos profissionais de saúde e que diz respeito aos aspectos causais da perpetuação destes
agravos ; o segundo constituído pelas termos dst, hepatite, hiv, leishmaniose, sífilis que
engloba a dimensão imagética e apresenta a consequência do descaso e da ignorância, ou seja,
as diversas doenças que assolam a população vulnerável socialmente.
A estrutura representacional apresenta-se organizada em um contínuo que vai da
dimensão individual à político-social, perpassando a socioindividual e a imagética. A
individual é organizada pela expressão ignorância e se desdobra na zona de contraste no
léxico irresponsabilidade e na segunda periferia, nas palavras, profissionalismo e
desumanidade. A denominada socioindividual é aquela que pode ser englobada nos dois
polos, não possuindo uma especificidade e uma localização determinada, como pobreza, falta
recurso, doenças. A dimensão político-social organiza-se ao redor do léxico descaso, que se
desdobra, na zona de contraste, em elementos como falta compromisso, ineficiência e
governo. A dimensão da imagem, por sua vez, centra-se na citação das próprias doenças
negligenciadas, notadamente hanseníase, tuberculose, leishmaniose, hepatites, dst, sífilis, hiv
e câncer.
A dimensão individual assume uma função explicativa e descritiva da representação,
na medida em que dar sentido ao termo ignorância que perpassa pela construção cognitiva da
percepção humana. Neste sentido, os profissionais de saúde explicam a perpetuação da
doença pela ausência de conhecimento das pessoas e isso precisa ser compreendido de
maneira singular, pois, de qual conhecimento os participantes estão falando? Possivelmente,
trata-se de um conhecimento consensual proveniente das percepções dos indivíduos a respeito
das definições da doença, como ela pode ser transmitida e principalmente como pode ser
evitada. A percepção da doença é definida como a forma que os indivíduos compreendem
diversos aspectos relacionados à saúde e a doença, levando em consideração suas experiências
individuais e coletivas. Além disso, a percepção da doença inclui a informação que o
indivíduo possui a respeito de sua patologia, bem como seus sintomas, potenciais causas,
provável duração, evolução no tempo e potenciais consequências. Quando o indivíduo viven-
cia algum sintoma, inicia-se um processo de cognição no qual a pessoa passa a comparar este
sintoma com o modelo que possui sobre a doença (GOMEZ; GUTIERREZ & MOREIRA,
2011).
96
não exerce esta corresponsabilidade, ele compactua com a perpetuação das doenças e surge
como colaborador de sua própria vulnerabilidade no processo saúde-doença, portanto, a
correlação da ignorância junto ao termo irresponsabilidade nos remete ao significado da
necessidade da participação ativa do indivíduo, ou seja, na sua autonomia com o autocuidado.
Na dimensão socioindividual, os aspectos sociais e individuais causadores das doenças
negligenciadas foram explicitados pelos profissionais de saúde durante este estudo, quando
evocaram os termos pobreza, falta recurso e doenças. São palavras que trazem o significado
de interligação entre as condições socioeconômicas e as atitudes individuais, demonstrando,
principalmente, a vulnerabilidade social das populações atingidas por estas enfermidades. As
doenças tropicais consideradas negligenciadas constituem um conjunto de enfermidades
prevalentes nos países em desenvolvimento, que afetam indistintamente toda a população,
mas que tem tido maior impacto em grupos populacionais em situação de vulnerabilidade
social, representando um sério obstáculo ao desenvolvimento socioeconômico e à melhoria da
qualidade de vida (HOTEZ, 2008).
Os termos que compreendem esta dimensão, pobreza, falta recurso e doenças, estão
intimamente relacionados ao determinismo social, individual e ambiental, pois são colocados
como principais causadores das doenças negligenciadas. A pobreza e a miséria abrangem
grande parte da população mundial e apesar das ações estratégicas de algumas instituições,
ainda não foram totalmente superadas. Os 50 países com menor produto interno bruto (PIB)
do mundo são todos tropicais, assim como os países com renda per capita inferior a US$ 2,5
mil por ano. Com uma ou outra exceção, como o Afeganistão, são tropicais, também, os
países em que pelo menos 50% da população está abaixo da linha da miséria, e os países em
que de 60% a 80% de seus habitantes vivem com menos de US$1 por dia (CAMARGO,
2008).
Para Rocha (2003) a pobreza, classicamente delimitada em termos de renda, é hoje
vista de forma muito mais ampla. Relaciona-se à privação dos itens mais necessários à
existência digna, tais como liberdade, bem-estar, saúde, educação, direitos, emprego, meios
para participar do mercado de consumo, e tantos outros quanto se possa pensar. Pobreza é um
fenômeno complexo, podendo ser definido, de forma genérica, como a situação na qual as
necessidades não são atendidas de forma adequada. O termo pobreza possui um significado
singular na representação das doenças negligenciadas, pois determina e desencadeia todo o
processo de vulnerabilidade social do indivíduo, causada pela ausência de estratégias
econômicas dos países para diminuir as desigualdades sociais. As doenças negligenciadas
existem porque a pobreza existe, por isso as ações governamentais que diminuem as
98
federados (União, Estado e Município) que poderiam diminuir a carga de doenças que
existem no Brasil. O aumento do financiamento do setor saúde e sua aplicabilidade na
qualificação dos serviços de saúde da atenção primária, certamente, fortaleceria o combate às
doenças, com a participação dos profissionais de saúde no sentido de promover saúde integral,
desenvolvendo ações intersetoriais focadas nos determinantes das enfermidades.
A dimensão político-social, evidenciada na possível centralidade desta representação
por parte dos profissionais de saúde, ressalta-se a necessidade de valorizar a magnitude e o
efeito produzido por tais enfermidades ao interligar o descaso aos demais elementos
constitutivos da representação.
Na relação entre o descaso (centralidade) e os elementos de contraste (hierarquia),
observa-se que os termos falta compromisso, governo e ineficiência sustentam a ideia e justi-
ficam o pensamento dos profissionais de saúde a respeito das doenças negligenciadas. Tais
termos indicam a proximidade ao significado de condutas das autoridades sociais (governos e
serviços de saúde), que terminam por resultar na inoperância ou ineficiência das possíveis
ações de enfrentamento às doenças negligenciadas. Estas condutas por parte das autoridades
políticas e técnicas resultam na perpetuação do ciclo da pobreza e, por conseguinte, das
doenças consideradas negligenciadas e que poderiam ser enfrentadas de maneira diferente.
Analisando esta dimensão, pode-se dizer que o termo descaso implica no pensamento
dos profissionais de saúde em correlacionar a continuidade das doenças negligenciadas ao de-
sinteresse da sociedade (indivíduos, governo e instituições) por motivos justificados pelos
elementos da zona de contraste: falta de recursos, falta compromisso, irresponsabilidade e
governo, no combate ao problema de saúde que afeta mais de um bilhão de pessoas em todo o
mundo. No que diz respeito a estes termos, eles refletem a relação da lógica de mercado, pois,
como as doenças atingem principalmente os países subdesenvolvidos e as populações
extremamente pobres, não existe um retorno financeiro e lucrativo para as grandes indústrias
farmacêuticas. No período entre 1975 e 2004, apenas 1% dos 1.535 novos fármacos
registrados foram destinados às doenças tropicais. Esses dados sugerem que o investimento
em pesquisa e desenvolvimento de fármacos para doenças negligenciadas é inadequado,
sendo evidenciado pelo fato de o investimento em malária ser pelo menos 80 vezes menor que
o para hiv/aids (VIDOTTI, CASTRO, 2009).
As doenças negligenciadas são consideradas infecções que poderiam ser evitadas, caso
houvesse um maior interesse da sociedade para enfrentá-las adequadamente. Os profissionais
de saúde, participantes deste estudo, enfatizaram essa assertiva na medida em que apontaram
o descaso como sinônimo para a doença negligenciada. O que se percebe, na realidade, é que
100
muitos outros elementos tendem a ser considerados centrais. Por sua vez os elementos
próximos de poucos outros elementos tendem a ser considerados periféricos.
Na primeira investida sobre os dados decorrentes da análise prototípica foi possível
determinar o grau de conexidade destes elementos a partir na construção da arvore máxima,
considerando a coocorrência destes cognemas entre os sujeitos envolvidos neste estudo. Nesta
análise de similitude gerou-se a árvore máxima que segue na figura 1:
Figura 1 – Árvore máxima de similitude por coocorrência das evocações dos profissionais de
saúde ao termo indutor doenças negligenciadas – Jequié -2018 (n=90).
A segunda conexão mais forte foi constituída entre os termos descaso e ignorância
(índice de similitude = 0,08) e construíram as dimensões individual e social referente aos
determinantes socais em saúde que perpetuam as doenças negligenciadas. O cognema descaso
aparece envolvido pelos termos que representam, principalmente, os fatores sociais que
provocam o surgimento das doenças negligenciadas, como por exemplo, a ineficiência e
desassistência que podem ser relacionadas a ausência de estratégias de enfrentamento na
prevenção, no controle e no tratamento das doenças negligenciadas tanto por parte dos
gestores da saúde, quanto pelos próprios profissionais de saúde, ou ainda pelas pessoas
acometidas por um desses agravos no que diz respeito ao autocuidado. O cognema
ignorância, por seu turno, conectou-se aos termos que representam a condição social como a
pobreza, fator determinante na perpetuação das doenças, e a falta de recursos e de
investimento por parte do governo nas ações de enfrentamentos a estes agravos.
Em resumo, a árvore máxima composta pelos índices de similitude representa três
dimensões da estrutura representacional: a primeira é a dimensão imagética que apresenta o
termo doenças e suas ramificações, que por sua vez, são compostas pelas doenças
negligenciadas conforme a ideia dos participantes; a segunda é a dimensão social, com o
termos descaso e suas conexões que demonstram as principais causas da perpetuação das
doenças negligenciadas e por último a dimensão individual, com o termo ignorância, onde
aponta a participação das pessoas no processo do autocuidado e das possíveis atitudes
individuas que poderiam evitar as doenças negligenciadas.
Com tudo isso, afirma-se que a análise de similitude por coocorrência possibilitou
reconhecer a relevância dos termos descaso e ignorância, na medida em que surgiram como
principais cognemas representativos que participam na construção da estrutura
representacional deste objeto de estudo, uma vez que, foram esses elementos que se
relacionaram intensamente com os elementos periféricos dando sentido à representação social
sobre as doenças negligenciadas.
Na segunda investida sobre os dados oriundos da análise prototípica, construiu-se
outra árvore máxima a partir da constituição de pares pareados pelos profissionais de saúde.
Neste momento da pesquisa, retornou-se ao campo de estudo e apresentou-se as 22 palavras
que surgiram no quadro de quatro casas ao termo indutor doenças negligenciadas e ainda,
solicitou-se que os participantes da pesquisa ligassem uma palavra a outra que, em sua
concepção, pudessem ficar juntas. Dentre os métodos de detecção da conexidade, o mais
obvio consiste na constituição de pares de palavras, que Abric assim descreve: trata-se de
pedir ao sujeito (profissionais de saúde), a partir de um corpus que ele mesmo produziu
105
(evocações livres), para constituir um conjunto de pares de palavras que lhe parecem “ir
juntas”. A análise de cada par permite assim precisar o sentido dos termos utilizado pelos
sujeitos. (SÁ, 1996).
Como resultado da aplicação deste instrumento produziu-se outra árvore máxima
considerando o cálculo do índice de similitude, que segundo Moliner (1994a) consiste na
relação entre o número de coocorrências e o número de sujeitos envolvidos. Ou, como diz
Flament, “admite-se que dois itens serão tanto mais próximos na representação quanto um
número mais elevado de sujeitos os trate da mesma maneira. Tem-se a seguir, na figura 2, o
produto da análise de similitude por pares pareados:
Figura 2 – Árvore máxima de similitude por pares pareados das evocações dos profissionais
de saúde ao termo indutor “doenças negligenciadas”, Jequié/BA – 2018 (n=90).
Nesta árvore máxima observa-se que os cognemas com maior conexão são:
ignorância, profissionalismo, dst, doenças e governo, cada qual com 03 conexões aos demais
elementos. Este resultado demonstra que o cognema ignorância continua aparecendo como
um elemento central, o que não aconteceu com outro termo frequente, o descaso; por outro
lado mostra a relevância de outros termos até então componentes do sistema periférico. Isto
possibilita compreender a necessidade da utilização de vários métodos nos estudos sobre
representação social com o intuito de certificar a centralidade dos cognemas e por conseguinte
definir a estrutura representacional.
A análise da árvore máxima aponta a formação de conjuntos de sentido que são
relacionados às doenças negligenciadas e sua ocorrência nesta região, segundo as
106
Apesar de serem muito temidas pelas populações afetadas, são pouco conhecidas e
mal compreendidas em outros locais. Embora haja enorme necessidade de prevenção e
tratamento, a pobreza dos que são afetados limita seu acesso a intervenções e aos serviços
necessários para realizá-las. Da mesma forma, doenças associadas à pobreza oferecem pouco
incentivo à indústria para investimentos no desenvolvimento de produtos novos e melhores
para um mercado que não pode pagar por eles. (WHO, 2016b)
No terceiro conjunto de sentido evidencia-se a ligação do cognema profissionalismo
com os termos desumanidade, atenção e responsabilidade, isto indica a participação da
equipe de saúde no processo assistencial as pessoas acometidas pelas doenças negligenciadas,
ou seja, este eixo possibilita a discussão das diversas atitudes dos profissionais de saúde
durante o seu processo de trabalho. Nestas atitudes pode-se encontrar profissionais que são
comprometidos aos serviços de saúde, atuando com responsabilidade a atenção as
necessidades do indivíduo, evidenciadas no processo assistencial, ou por outro lado,
identificar profissionais que não são colaborativos em suas atividades demonstrando até
mesmo uma desumanidade durante o exercício de sua profissão.
Estes três conjuntos de análise da árvore máxima por pares de palavras mostraram a
participação dos agentes envolvidos no processo de controle das doenças negligenciadas, a
saber: o indivíduo, a equipe de saúde e o governo, onde fortaleceram a ideia da ignorância e
do descaso como elementos organizadores da estrutura representacional. A análise de
similitude pelos pares pareados colaborou no fortalecimento do cognema ignorância como
componente do núcleo central e provocou a reflexão sobre o cognema descaso que apesar de
não possuir muitas conexões induziu a formação de uma das dimensões do pensamento social
dos profissionais de saúde – dimensão político-social.
Além da análise quantitativa (análise de similitude) proposta pela abordagem
estrutural, faz-se necessário para colaborar na confirmação da centralidade dos cognemas,
realizar o estudo qualitativo dos elementos do núcleo central avaliando suas propriedades –
valor simbólico e poder associativo – ou seja, como eles se relacionam. Os estudos com a
análise de similitude sempre foram úteis para o estudo da estrutura representacional.
Entretanto, se esta análise indica a proximidade entre elementos, ela carece de informações
sobre a forma como eles se relacionam. Por esta razão Christian Guimelli e Michel-Louis
Rouquette (1992) resolveram adaptar o modelo dos SCB para o estudo dos tipos de relação
entre elementos representacionais.
Para tanto, foi apresentado aos profissionais de saúde uma relação com 28 conectores,
proposta por Guimelli e Rouquette (2003), que representam as dimensões do pensamento
108
social e constituem o registro cognitivo que pode ser funcional, normativo ou descritivo.
Utilizando somente os cognemas que se apresentaram como possíveis candidatos ao núcleo
central desta representação (descaso e ignorância), solicitamos aos profissionais de saúde que
evocassem três palavras ao relacionar estes cognemas ao nosso objeto de estudo: as doenças
negligenciadas. Após a evocação e justificação destas três respostas, pedimos para que os
participantes fizessem a relação ente o cognema e o objeto, utilizando o modelo dos 28
conectores proposto por Guimelli.
Para discussão da análise dos índices de valência, faz-se necessário pontuar o
significado dos conectores descrição, praxia e atribuição no meta-esquema definido por
Guimelli e Rouquette em seus estudos sobre as dimensões do pensamento social, ou seja,
dentro do quadro teórico e conceitual do pensamento social (Rouquette, 1973), de que toda
lembrança corresponde a um registro cognitivo que pode ser funcional, normativo ou
descritivo. Tomando a representação social (Moscovici, 1976) e a memória social (Bartlett,
1932/1995; Halbwachs, 1994, 2006) como instâncias do pensamento social, propomos que a
segunda, como a primeira, comporta três dimensões – prática, avaliativa e descritiva – que
correspondem, respectivamente, aos três registros cognitivos postulados por Rouquette.
A dimensão prática (Abric, 1976; Guimelli, 2003) é relativa à “relação instrumental
que os indivíduos entretêm com o objeto de representação. Na verdade, esta dimensão pode
ser considerada como em relação direta com as práticas sociais que os sujeitos desenvolvem
em relação ao objeto” (Guimelli, 2003, p. 136). Esta dimensão corresponde ao registro
funcional das cognições. Por sua vez, segundo Guimelli (2003, p. 136), a dimensão avaliativa
é “ligada aos valores, às normas ou a estereótipos fortemente salientes no grupo; ela permite
que o grupo faça julgamentos relativos ao objeto. Esta dimensão é provavelmente marcada
por fatores ideológicos e históricos”. Ela corresponde ao registro normativo das cognições. A
dimensão descritiva corresponde à ativação de características, fatos e eventos, em suma, ao
que constitui e define o objeto. Esta dimensão corresponde ao registro descritivo das
cognições (WOLTER; WACHELKE; NAIFF, 2016).
Logicamente os três meta-esquemas dos esquemas cognitivos de base correspondem
às três dimensões aqui descritas. Ou seja, o Meta--esquema Atribuição corresponde ao
registro avaliativo do pensamento, enquanto o meta-esquema Praxia corresponde ao registo
funcional e, por último, o meta-esquema Descrição corresponde, logicamente, ao registro
descritivo. Convém ressaltar que as dimensões não se excluem mutuamente, pois um mesmo
objeto pode ver ativadas, por exemplo, três, duas, uma ou nenhuma das dimensões de
lembrança (WOLTER; WACHELKE; NAIFF, 2016).
109
Tabela 22. Valências descrição, praxia e atribuição do elemento “descaso” para profissionais
de saúde, Jequié/BA - 2018 (n=27).
Elemento Conectores Conectores Conectores Total de conectores
“Descaso” Descrição Praxia Atribuição ativados
Ativados 384 464 310 1.158
Possíveis 756 1008 588 2352
Valência 0,5 0,46 0,53 0,49
Fonte: ARQUIVOS DA PESQUISA, 2018.
Quadro 2 - Síntese das técnicas de análise dos elementos evocados pelos profissionais de
saúde ao termo indutor: doenças negligenciadas, Jequié/BA – 2018 (conclusão).
3.3 O conteúdo das representações sociais dos profissionais de saúde sobre as doenças
negligenciadas
Figura 3 - Dendograma representativo dos eixos temáticos das representações sociais dos
profissionais de saúde sobre doenças negligenciadas, distribuídos em classes, 2018.
se da classe 07, do subeixo 2.2, que engloba a classe 06 e o eixo 2.3, que por fim, compreende
as classes 04 e 05.
O dendograma (ver Figura 4) apresenta classes que se tornaram nítidas pelos trechos
dos depoimentos, que exibe marcos que concentram a significação e o sentido dos relatos.
Para respeitar a classificação hierárquica descendente, que emergiu por meio do
processamento dos depoimentos dos profissionais de saúde com o apoio do software
IRAMUTEQ, a apresentação dos resultados e das discussões discorre conforme a divisão e
ordem estabelecida pelo programa. São também apresentadas as relações das palavras que
emergiram nas classes entre si, no formato de recortes do corpus utilizando as UCE mais
significativas de cada classe.
Figura 4 - Distribuição das classes temáticas em eixos, oriundas da classificação hierárquica
descendente, Jequié/BA – 2018.
(x2 = 57,18), doença (x2 = 40,57), esquistossomose (x2 = 39,17), dengue (x2 = 40,57), chagas
(x2 = 33,71), hepatite (x2 = 32,86), contato (x2 = 32,86), hiv (x2 = 27,95), sífilis (x2 = 26,02) e
sangue (x2 = 16,76).
Os profissionais de saúde, informantes deste estudo, construiu a partir de suas ideias e
convicções cognitivas, as concepções sobre as doenças negligenciadas tendo por base no
pensamento estrutural a correlação das doenças negligenciadas às doenças transmissíveis.
Nesta classe, as concepções sobre as doenças negligenciadas foram discutidas partindo da
premissa de que todas estas enfermidades constitui um grupo de doenças transmissíveis, que
por seu turno, possui características de endemicidade regional, transmissão por vetores e via
sexual, principalmente, e, além disto, tem-se as estratégias de enfrentamento apresentadas
como propostas inovadoras no controle, prevenção e tratamento destas morbidades.
As doenças são consideradas transmissíveis quando o bioagente (agente causador) tem
a capacidade de migrar de um organismo infectado para o sadio seja direta ou indiretamente
utilizando todos os seus componentes possíveis para se manter vivo. A expressão “doença
transmissível” é termo técnico de uso generalizado e definido pela Organização Pan-
Americana de Saúde – OPAS como qualquer doença causada por um agente infeccioso
específico, ou seus produtos tóxicos, que se manifesta pela transmissão deste agente ou de
seus produtos, de uma pessoa ou animal infectado ou de um reservatório a um hospedeiro
suscetível, direta ou indiretamente por meio de um hospedeiro intermediário, de natureza
vegetal ou animal, de um vetor ou do meio ambiente inanimado (DUARTE, 2012).
A expressão doença transmissível pode ser sintetizada como doença cujo agente
etiológico é vivo e é transmissível. São doenças transmissíveis aquelas em que o organismo
parasitante pode migrar do parasitado para o sadio, havendo ou não uma fase intermediária de
desenvolvimento no ambiente. Os profissionais de saúde emitiram suas convicções sobre os
conceitos de doenças transmissíveis correlacionando-as a ideia de contágio e os meios de
transmissão dos bioagentes.
[...] a doença transmissível é aquela que passa de uma pessoa pra outra, por várias
formas de contágio, sexual ou por vetores... bom as mais importantes no momento
são aquelas que trazem mais prejuízos pra população. (E 24, Técnico de
enfermagem, x2 = 423.80)
[...] doenças transmissível pra mim... eu acredito que seja pode ser através de vetores
né ou também através do contato próximo, pessoa ou através de relações. (E 10,
Médico, x2 = 363.40)
116
[...] você tem que ter o contato de pessoa a pessoa, como a tuberculose é uma doença
transmissível que tem um período de transmissibilidade, se você tá eliminando o
bacilo você tem como transmitir, isso é uma doença transmissível. (E 08, Médico, x2
= 288.10)
[...] bom as doenças negligenciadas, já foram doenças, é aliás eu acho que sempre
foram negligenciadas, porque eu trabalho mesmo com o calazar e o glucantime e a
leishmaniose como um todo tanto a tegumentar quanto a visceral. (E 08, Médico, x2
= 304.79)
[...] eu acho que o grande grupo de patologias que são negligenciadas, são as
parasitoses porque até mesmo estas outras patologias, a hepatite, é uma doença
sexualmente transmissível, a aids é uma doença transmissível. (E 03, Médico, x2 =
279.27)
[...] mas tem a leishmaniose, a cutânea e a visceral que é o calazar, tem a doença de
chagas, temos outras patologias e aqui a gente começou a trabalhar recentemente
que é as hepatites virais, que nós também temos uma certa endemicidade. (E 03,
Médico, x2 = 329.34)
[...] a frequência não é tão alta quanto as outras, mas existe sim na nossa região,
basicamente tem a tuberculose, que também é comum, mas as mais frequentes aqui
são essas esquistossomoses, leishmanioses a cutânea e a visceral, a doença de chagas
e as hepatites. (E 03, Médico, x2 = 327.71)
[...] não dar status tratar de tuberculose, de malária, de leishmaniose, sim eu esqueci
de falar da tuberculose como uma doença endêmica em nosso meio aliás em todo
Brasil, tá retornando principalmente com o hiv. (E 02, Médico, x2 = 217.83)
[...] as doenças transmissíveis aqui, que é uma zona endêmica, eu trabalho com
leishmaniose, principalmente o calazar que é a leishmaniose visceral e também
trabalho com a leishmaniose tegumentar, esquistossomose também, é uma zona
endêmica. (E 02, Médico, x2 = 472.99)
[...] as doenças que conheço nesta região são sífilis, o hiv, a hepatite b, as pessoas
nem sempre chegam com diagnóstico, elas vem com os sintomas, penso que as
pessoas adquirem estas doenças transmissíveis devido à prostituição. (E 21, Técnico
de enfermagem, x2 = 355.35)
[...] porque todas as doenças que eu citei são transmissíveis por vetores, então se
você elimina o vetor, consequentemente você está eliminando estas doenças, todos
os vetores, tanto os mosquitos que são as doenças leishmaniose e o zika e a dengue,
como o próprio caramujo da esquistossomose. (E 02, Médico, x2 = 533.60)
[...] você veja, as doenças vetoriais a gente vê aí, dengue, chikungunya e zika,
leishmaniose tegumentar e visceral, estas doenças o governo, mesmo o governo
investindo muito dinheiro mas. (E 07, Médico, x2 = 332.55)
[...] tem várias outras, a hanseníase, a tuberculose, a dengue, a sífilis acho que
quando a gente pensa doenças transmissível, lembra logo das doenças sexuais as
pessoas apesar de ter um bocado de informação . (E 25, Técnico de enfermagem, x2
= 354.06)
[...] o hiv, acho que é uma doença importante porque ela mexe com a autoestima da
pessoa e com a sua inserção no meio social, hepatite também é uma doença
transmissível e a importância a mesma coisa é a autoestima a inserção no meio
social o que mais. (E 25, Técnico de enfermagem, x2 = 310.68)
3.3.1.2 Classe 02: Do individual ao coletivo no contexto das doenças negligenciadas: saberes,
práticas
A classe 2 foi organizada ao redor de 145 UCEs, o que equivale a 13,9% de todo o
material analisado. As palavras e formas reduzidas que a compuseram foram: indivíduo (x2 =
124
47,64), conhecer (x2 = 44,95), população (x2 = 28,71), perfil (x2 = 25,14), epidemiológico (x2 =
24,3), negligenciar (x2 = 22,62), sociedade (x2 = 22,2), ignorância (x2 = 20,5), econômico (x2 =
19,48) e gestão (x2 = 11,01). Esta classe aborda questões relacionadas ao surgimento, ao
crescimento e ao combate às doenças negligenciadas, nos diferentes âmbitos, o individual, o
social e o governamental, configurando as diferentes facetas que formam as representações
sociais destas entidades mórbidas.
Os sujeitos apontam, de maneira importante, uma dimensão individual que se
encontra, segundo sua discursividade, na origem e no surgimento das doenças negligenciadas
nas histórias das pessoas.
[...] ele passa a se preocupar com a saúde dele, mas ainda assim, eles negligenciam
porque começam a utilizar mecanismo de culto ao corpo, que são maléficos pra sua
saúde, porque eles veem só o lado que lhe satisfaz, que é o prazer. (E 03, Médico,
x2= 133,31)
Há, neste trecho do discurso do sujeito, uma importante relação estabelecida entre a
manutenção da saúde e as práticas que parecem se relacionar à uma conformação e
manutenção estética do corpo, por um lado, e a busca pelo prazer, por outro. Deve-se destacar
que no seio das representações dos sujeitos da pesquisa há uma preocupação com saúde que
passa a ser negligenciada em função de um objetivo estético ou relativos à sensação de bem-
estar. Chama a atenção esta polarização, especialmente quando se trata de doenças
negligenciadas que possui íntima relação com as condições sociais, estruturais e culturais.
A percepção do indivíduo sobre sua imagem corporal constitui elemento fundamental
para a compreensão das representações subjetivas do corpo. O estudo da imagem corporal
constitui importante foco de interesse por parte de diversos estudiosos (Davison & McCabe,
2006; Galindo & Carvalho, 2007; Schilder, 1999; Tavares, 2003). Para Schilder (1999), a
imagem corporal é a representação mental que um indivíduo tem do seu corpo. Tal
representação integra os níveis físico, emocional e mental em cada ser humano, com respeito
à percepção do próprio corpo. Davison e McCabe (2006) definem imagem corporal como
uma representação mental que os indivíduos têm a respeito do tamanho e da forma do corpo,
que se constitui pela influência de fatores históricos, culturais, sociais, individuais e
biológicos; e, assim como Schilder (1999), esses autores consideram que, além da percepção,
estão implicados na formação da imagem corporal aspectos cognitivos, afetivos e da conduta
(CAMARGO, 2011).
Por conta desta imagem corporal constituída pelo pensamento do indivíduo que surge
a polarização entre a saúde como manutenção da estética e a saúde como prazer, pois estes
125
sentimentos são imbuídos de convicções culturais que, por seu turno, definem as práticas de
cuidado e autocuidado.
Nesta dimensão individual ganha destaque a não ação da pessoa sobre o processo
saúde-doença, explicado pela ignorância ou pelo não conhecimento:
[...] a doença negligenciada é aquela não atendida no seu devido momento. A doença
negligenciada que acontece aqui na região é a tuberculose, mas ela é negligenciada
pelo próprio cliente, talvez pela ignorância, por não conhecer. (E 21, Técnico de
enfermagem, x2= 149,27)
[...] você usar o nome negligenciada é exatamente assim, quando você sabe que
aquela patologia é algo que pode ser muito maléfico para o indivíduo e que você de
forma consciente está, não está cuidando da forma adequada. (E 03, Médico, x2=
153,29)
[...] porque não adianta o setor público cuidar da área externa se você, em sua
residência, em seu jardim, não tiver este cuidado. Então esta ignorância é algo
crucial, mas se talvez houvesse uma mobilização maior. (E 03, Médico, x 2= 138,24)
A relação entre as ações do poder público e aquelas levadas a cabo por cada pessoa no
espaço de sua propriedade ou domínio, configura-se como uma questão importante no
combate a todas as doenças, mas ganha ainda maior valor quando se trabalha com as doenças
infecciosas, de um modo geral, e as negligenciadas, em particular. Isto se dá em função de sua
possibilidade de contágio, por um lado, e sua característica de atingir as camadas mais
126
empobrecidas da população, por outro, que, como consequência, possuem menos recursos
estruturais, menor aporte financeiro e tende a apresentar menor organização social para fazer
frente aos embates e desafios.
Outra questão destacada pelos sujeitos é a de que as doenças negligenciadas são
doenças do outro e que não é possível acontecer com a própria pessoa.
[...] as pessoas ainda continuam adoecendo por estas doenças porque elas são
vulneráveis mesmo, por não acreditar que vai acontecer com ele, por ignorância. (E
11, Enfermeiro, x2= 127,15)
Torna importante realizar uma parada neste momento para discutir algumas questões
presentes na discursividade dos sujeitos. A primeira é a concepção de um estado de
vulnerabilidade, em que há uma exposição e a possibilidade de contágio, mesmo que esta não
seja a crença dos envolvidos nesta cadeia epidemiológica. Neste caso, a própria
vulnerabilidade é a existência e a permanência da crença em uma certa “imunidade”, embora
não haja uma especificação da origem desta proteção, como pode ser denominada.
Isto ocorre em várias situações de adoecimento, tem-se por exemplo no contexto da
aids como sendo uma doença do outro e que a pessoa, por não pertencer a um grupo de risco,
considera-se imune a infecção do hiv. A ideia da aids como sendo uma doença do “outro” foi
pesquisada em vários estudos. No estudo de Marins (2015) o “outro” aparece como mais
vulnerável a contrair e algumas mulheres entrevistadas se encontram supostamente
protegidas. O “outro” se contamina se comportando de tal maneira justificando esta
contaminação. Em muitos casos não existe a preocupação com a aids e isso está ligado a um
código moral, no qual o casamento parece garantir “imunidade” à doença. É um sistema
classificatório que estabelece os limites claros dos que podem ter aids, ou seja, pessoas
promíscuas, com comportamentos desviados e com vida desregrada e dos que não podem,
incluindo-se mulheres com somente um parceiro, onde o amor está presente.
A segunda é que a base e a causa da referida vulnerabilidade no caso dos usuários,
para as representações sociais dos sujeitos, refere-se à ignorância das pessoas com relação às
doenças e ao seu comportamento epidemiológico.
É muito difícil saber o que ignoramos, mas é certo que, assim como o conhecimento, a
ignorância é socialmente construída. De acordo com Proctor (2015), a ignorância é produzida
por meio de mecanismos como: negligência deliberada ou inadvertida (‘sem querer’),
supressão ou sigilo, destruição documental, tradição inquestionada ou uma miríade de formas
de seletividade político-cultural inerente (ou evitáveis). Assim sendo, da mesma maneira que
127
se produz conhecimento em saúde, seja por intermédio de estudos acadêmicos, seja por meio
das ações governamentais, escolares, midiáticas de educação em saúde ou, até mesmo, por
divulgação publicitária, se dá a produção de ignorância (e negligência) pelas mesmas
instâncias. Pode ser passivamente construída – quando se foca determinado ‘lado’ da questão
e se obscurece outro aspecto da mesma – ou ativamente construída, quando se tenta confundir
ou enviesar as evidências de determinado efeito na saúde de um certo medicamento
(CAVACA; SILVA, 2015).
Desta maneira a ignorância, a ausência de saberes e conhecimentos implica no
aumento da vulnerabilidade dos indivíduos frente as doenças negligenciadas, ou seja, quanto
menos informações o indivíduo possui sobre as formas de transmissão e aspectos clínicos das
enfermidades maior é a probabilidade de torna-se portador de um dos bioagentes causadores
destas doenças.
A ignorância apresenta-se mais especificada no aprofundamento do assunto pelos
sujeitos, especialmente quando ela toma concretude, no contexto da discursividade, como
falta de conhecimento, com ênfase no processo educativo não formal.
[Doenças] negligenciadas nós temos muitas neste país, porque a ignorância e a falta
de informação e de recursos são muito grandes. É um país grande também e, às
vezes, não é tão fácil resolver assim também, mas precisa de seriedade e de interesse
maior dos governantes pra resolver isso. (E 05, Médico, x2= 119,49)
[...] o indivíduo, ele, ás vezes não tem nem ideia de que isto é uma doença
negligenciada, ele não tem ideia disto. Ele acha que tem uma doença que todo
mundo da comunidade em volta tem, por exemplo. (E 02, Médico, x2= 137,02)
[...] por exemplo, você tem profissionais que vem de outro país ou você tem
profissionais que vem de outra região do próprio Brasil, eles não conhecem as
doenças endêmicas, então é complicado pra eles darem o diagnóstico daquelas
patologias. (E 053, Médico, x2= 139,10)
Com vistas ao desenvolvimento de um trabalho cada vez melhor, e até mesmo pela
consideração presente no trecho discursivo exposto no parágrafo anterior, torna-se necessário
o desenvolvimento de atividades de aperfeiçoamento ao longo da vida profissional,
especialmente quando esta linha de pensamento é acompanhada de uma crítica ao processo de
formação.
[...] acredito que se os nossos trabalhadores de saúde tivessem melhor treinamento,
melhor conhecimento, poderiam primeiro resolver o problema de forma adequada e
129
[...] isso se dá pela cultura e crença que aquele indivíduo está inserido, contribuindo
assim para o seu adoecimento ou cura. Já o profissional tem a obrigação de ter uma
formação adequada, vemos, infelizmente, que a formação está muito deficiente na
maioria dos setores do sistema. (E 04, Médico, x2= 129,58)
Para além da inclusão dos usuários e dos profissionais no contexto das representações
sociais acerca das doenças negligenciadas, os gestores e os dirigentes da área da saúde são
incluídos como responsáveis pela negligência com relação a estas doenças, embora não haja
uma especificação do nível ou do tipo de inserção deste ator social. Os processos de gestão e
o papel dos que possuem liderança no sistema de saúde possuem aspecto fundamental no
contexto das doenças negligenciadas, já que estas estão intimamente relacionadas à não ação
acerca das condições que a geram e que as mantém ao longo do tempo em uma determinada
população ou comunidade.
A responsabilidade governamental também é apontada pelos sujeitos, alargando a
abrangência desta dimensão da gestão:
[...] infelizmente a nossa cidade ainda não tem uma preocupação com um sistema de
saúde resolutivo e as condições econômicas ainda são precárias para a maioria da
população, uma cidade que tem diversos cursos, inclusive na área da saúde, merecia
130
[...] mas se por outro lado, o governo compra estes produtos pra distribuir, ele
também não tem muito interesse em educar a população, então é uma situação muito
complexa pra você resolver e tem, muitas vezes, a própria ignorância da população
que não acredita que um simples parasita pode levar ele a morte. (E 03, Médico, x2=
153,86)
[...] acredito que gastamos muito em algumas áreas que não se conquista uma
efetividade adequada, acabando atrapalhando a totalidade do sistema, gerando um
sistema caro, que não resolve os principais problemas da população. (E 08, Médico,
x2= 130,29)
[...] apesar da gente conhecer muito, é negligenciada porque a gente não tem uma
rede de assistência boa pra tratar o indivíduo. Então, eu entendo a questão da doença
negligenciada, por isso que coloquei o sofrimento também por causa disso. (E 20,
Médico, x2= 162,11)
As doenças negligenciadas são vistas como um objeto de trabalho que requer atenção
ao perfil epidemiológico da comunidade, de maneira a atender, no modo e no tempo
necessários, às demandas individuais, mas também no planejamento de ações que possuem
amplitude e alcance coletivos:
[...] a nossa região é muito pobre ainda, e isso está relacionado com estas doenças. A
condição econômica da população e a ignorância dizem muito sobre os tipos de
doenças que os afligem. (E 06, Médico, x2= 115,31)
A tríade pobreza, ignorância e aspectos culturais são apontados como fatores que
interferem negativamente na incidência e na relação que se tem com as doenças
negligenciadas. Pode-se observar que a pobreza forma uma díade com a ignorância, como
base para a sua existência, assim como compõem uma segunda com uma forma específica de
cultura, que impede as pessoas de procurarem as unidades de saúde para realizarem seus
respectivos tratamentos. A pobreza e as condições sociais caracterizam-se por ser raízes e
infraestruturas, enquanto a ignorância e a cultura se relacionam à superestrutura ou tronco e
copa, configurando-se como uma estrutura que alimenta o aumento da incidência das doenças
negligenciadas.
Esta classe aborda as doenças negligenciadas desde a sua dimensão individual, quando
os sujeitos, profissionais de saúde, falam das práticas, saberes e atitudes dos usuários,
chegando à dimensão coletiva, perpassando os aspectos ligados à pobreza e à cultura dos
usuários, os saberes e as práticas dos profissionais de saúde, as decisões e encaminhamentos
dos gestores das unidades e sistemas de saúde e chegando ao próprio poder governamental.
132
3.3.1.3 Classe 01: Causas das doenças negligenciadas: da dimensão individual a dimensão
social
Esta classe apresenta 158 UCEs, o que significa o envolvimento de 15,5% do material
analisado utilizado pelo software para a construção da análise. Em sua constituição podem ser
observadas as seguintes palavras: descaso (x2 = 140,59), educação (x2 = 135,15), político (x2 =
89,6), ignorância (x2 = 79,57), interesse (x2 = 73,79), saúde (x2 = 69,98), doença (x2 = 63,67),
investimento (x2 = 62,13), pobreza (x2 = 57,23), descuido (x2 = 56,55), causa (x2 = 50,72),
profissional (x2 = 49,72) e gestor (x2 = 45,28).
O conjunto de fatores que englobam as dimensões individual, social e ambiental
provoca a incidência e perpetuação destas doenças negligenciadas no mundo evidenciando a
necessidade de estratégias de enfrentamento, uma vez que, a maioria destas enfermidades
podem ser evitadas e por um custo relativamente baixo. Nesta classe os profissionais de saúde
elencaram as causas, as características e as estratégias de combate às doenças negligenciadas
na região onde realizamos este estudo, por isso, passaremos a discutir cada item dando ênfase
a relação do pensamento psicossocial e as possíveis práticas dos profissionais de saúde
voltadas para a prevenção, promoção e reabilitação da saúde desta população afligida por
estas entidades mórbidas.
Na discussão sobre as principais causas da ocorrência das doenças negligenciadas tem-
se no primeiro momento a reflexão sobre a dimensão individual, ou seja, qual seria a
participação do indivíduo e suas contribuições no processo do adoecimento e como suas
práticas de cuidado e autocuidado influenciam na prevenção e no tratamento destes agravos.
Viu-se que a primeira causa destas doenças está relacionada a ignorância individual sobre os
conhecimentos acerca do processo saúde doença, como por exemplo, a ausência de
informações sobre os aspectos clínicos das doenças como forma de prevenção e uso adequado
de medicação, sobre os direitos de acesso à saúde e até os cuidados com o próprio corpo.
[...] eu vejo como sendo muito a ignorância da população mas a ignorância não é
somente a falta de educação em saúde mas é a ignorância até dos seus direitos ao
acesso. (E 03, Médico, x2= 374.81)
[...] essas doenças que continuam por causa desta ignorância das pessoas, falta de
educação e descaso com a sua saúde. (E 13, Enfermeiro, x2= 672.00)
[...] e as pessoas continuam sem saber como essa doença transmite por causa da
ignorância sem educação não incentivo do governo e descaso com a saúde não tem
pesquisa pra ver novos medicamentos e as pessoas continuam adoecendo em pleno
século XXI. (E 08, Médico, x2= 636.17)
133
[...] as doenças existem por diversos fatores mas principalmente pela falta de
informação das pessoas a ignorância e o nível de pobreza e também pela falta de
interesse e descaso dos governantes. (E 05, Médico, x2= 569.68)
[...] eu acho que as pessoas tem estas doenças pela ignorância e também porque não
buscam a prevenção pela falta de educação e esclarecimento, eles dizem que estas
doenças existem muitos dizem que é castigo ou maldição na família e outros acham
que é por descuido mesmo. (E 14, Enfermeiro, x2= 563.62)
[...] a falta de educação e o descaso das pessoas com sua própria saúde então o
processo de falta de educação do nosso povo brasileiro é dá um contributo muito
grande com a questão do trato com estas doenças. (E 07, Médico, x2= 500.37)
[...] estes casos marcam porque sabemos que se ela tivesse acesso à saúde não iria
morrer por conta desta doença, adquire pela falta de informação, pela ignorância ou
também pelo descuido de si mesmo, descaso com sua saúde física e mental. (E 07,
Médico, x2= 546.78)
É ainda a ligação entre as expectativas da população por uma vida melhor e as projeções e
estimativas dos governantes ao oferecer programas de saúde mais adequados a essa população
(CAMARA, 2012).
As doenças negligenciadas ocorrem também pelo descaso dos profissionais de saúde
quando não exercem as atribuições que os competem dentro da assistência e nas práticas de
cuidado frente aos problemas apresentados pelos usuários e pacientes que utilizam os serviços
de saúde. Este descaso muitas vezes provem da ausência de conhecimentos específicos sobre
as características das doenças negligenciadas e implica na ausência do cuidado necessário
prestado pelo profissional de saúde para evitar ou tratar as enfermidades.
[...] acho que estas doenças negligenciadas em Jequié é pela falta de interesse e
descaso não só dos gestores mas muitas vezes dos profissionais e também das
pessoas que não tem interesse pra se cuidar. (E 28, Técnico de enfermagem, x2=
506.63)
[...] em Jequié estas doenças persistem pela falta de preparo de alguns profissionais
pela ausência de investimentos e manutenção dos recursos nas unidades e também
pela ignorância dos indivíduos justamente por não encontrar a fonte de contágio que
estas doenças continuam persistindo junto a falta de investimentos na saúde. (E 17,
Enfermeiro, x2= 580.54)
Este descaso dos gestores foi descrito por meio da falta de compromisso e responsabilidade
destes gestores para com a organização e funcionamento dos serviços de saúde no município.
[...] não se previnem porque informação tem, elas não pensam sobre isso, fazem
pouco, falta investimento do governo, descaso com a saúde e também a ignorância
que gera falta de educação e consequentemente as doenças. (E 12, Enfermeiro, x2=
725.23)
[...] acho que Jequié tem essas doenças todas pelo descuido, falta de compromisso
dos políticos e também falta de responsabilidade, e a população também não tem
interesse em se aprofundar nas informações da educação de casa mesmo. (E 27,
Técnico de enfermagem, x2= 630.81)
[...] acho que estas doenças negligenciadas em Jequié é pela falta de interesse não só
dos gestores mas dos profissionais e também das pessoas que não tem interesse pra
se cuidar, a pessoa pega a doença pela sua irresponsabilidade e descuido. (E 24,
Técnico de enfermagem, x2= 590.67)
[...] elas buscam o tratamento primeiro por conta própria que é a automedicação e
depois buscam a unidade de saúde, estas doenças continuam por causa da pobreza e
da ignorância das pessoas e também pelo desinteresse e descaso dos políticos. (E 07,
Médico, x2= 672.08)
[...] tentar ajudar a ter a prevenção e também o tratamento, não sei dizer porque
Jequié tem todas estas doenças, mas acho que é o descuido e o descaso mesmo com
137
o município e também a gente sabe hoje que a política como tá, ninguém trabalha
direito em prol da saúde e da educação. (E 25, Técnico de enfermagem, x2= 637.81)
[...] os profissionais tem que assumir esta função de educador, inclusive durante as
consultas, Jequié ainda é uma cidade com pouco desenvolvimento urbano, pela falta
de interesse dos políticos, descaso mesmo, muito triste, mas acho que por isso que
essas doenças que são atreladas ao desenvolvimento social ainda continuam
perpetuando na nossa cidade. (E 10, Médico, x2= 651.32)
[...] as causas das doenças negligenciadas, a principal causa eu acho que é a falta de
saneamento mesmo, falta de saneamento, eu acho que o governo aí negligencia
também, não apenas na assistência, mas também na prevenção destas doenças. (E
02, Médico, x2= 386.77)
[...] em Jequié e acho que outras cidades isso acontece pela falta de investimentos na
saúde, os governantes não tem interesse em deixar a saúde funcionando bem e isso
impactar na evolução e continuidade destas doenças. (E 05, Médico, x2= 453.79)
desenvolvimento de fármacos, quer seja por sua baixa prevalência, ou por atingir população
em região de baixo nível de desenvolvimento” (ANVISA, 2007). Nesse sentido, não apenas
ocorrem com mais frequência em regiões empobrecidas, como também são condições
promotoras de pobreza (HOTEZ et al., 2006a).
Os profissionais de saúde, em suas concepções, determinam que a pobreza, de fato, é a
principal causa da perpetuação das doenças negligenciadas, pois é a partir desta condição que
o indivíduo passa a ter limitações aos recursos necessários para manter uma vida saudável
como a alimentação, a higiene, uma moradia longe de risco por conta da estrutura urbana e
domiciliar, além de possuir todo o preconceito e a negligencia proveniente das entidades
governamentais e dos serviços de saúde. Para evitar as doenças negligenciadas, o primeiro
passo é combater a pobreza extrema e fazer com que estas pessoas possam ter acesso aos
recursos essências para a qualidade de vida e essa estratégia de combate atravessa a
participação política na redistribuição de renda no país e de políticas públicas que favoreçam
os mais vulneráveis nas condições sociais e de saúde.
[...] os políticos não tem interesse, um descaso muito grande, pois estas doenças não
tem visibilidade, o pobre não tem visibilidade. (E 09, Médico, x2= 411.42)
[...] então são as doenças que são causadas pela pobreza, pela ignorância das
pessoas, pelo descaso e que parecem não ter nenhum problema em continuar, parece
que é comum pra pessoa que convivem. (E 25, Técnico de enfermagem, x 2= 400.97)
[...] acho que as doenças negligenciadas são aquelas que tem pouco investimento
porque são doenças de pessoas pobres e não tem vez na sociedade, o pensamento
dos profissionais é que não tem muito o que fazer diante da falta de interesse e
descaso do governo, somente os trabalhos de educação em saúde. (E 14, Enfermeiro,
x2= 780.28)
[...] para controlar as doenças negligenciadas é possível criar mais consciência dos
pacientes, dos profissionais e dos gestores sobre o impacto destas doenças na
qualidade de vida então tá na educação em saúde como palestrar sala de espera. (E
10, Médico, x2= 447.06)
[...] as ações que podem colaborar para enfrentar as doenças negligenciadas além da
educação em saúde é um olhar mais responsável dos gestores os que tem realmente
o poder para fazer a questão de não é questão de recursos não. (E 23, Técnico de
enfermagem, x2= 415.03)
[...] nós trabalhamos durante cerca de 02 anos com a esquistossomose é uma doença
que é negligenciada, depende muito de se fazer educação em saúde, de saneamento
básico, de investimento em coisas simples mas complexas. (E 03, Médico, x2=
404.48)
A OMS (2015) recomenda cinco estratégias para prevenção e controle de DTN: (i)
medicação preventiva; (ii) intensificação da gestão de casos; (iii) controle de vetores; (iv)
provimento de agua limpa, saneamento e higiene; e (v) saúde pública animal. O trabalho para
a superação de cada tipo de DTN ou de um grupo dessas doenças deve basear-se em uma
combinação das cinco abordagens estratégicas. Por exemplo, para controlar a morbidade
causada pela filariose linfática, será benéfico que os indivíduos recebam medicação
preventiva; indivíduos com hidrocele necessitam de acompanhamento de caso. Colocar sob
controle os vetores de Wuchereria e Brugia requer gestão adequada de recursos hídricos.
A mudança de paradigma, da OMS, propiciou uma série de ações desencadeadas pelo
pensamento de evitar o círculo vicioso da pobreza-doença-pobreza, e iniciar a construção de
prioridades e estratégias necessárias ao atendimento das reais necessidades da população
mundial. Para tanto, a OMS, cria o Departamento de Controle das Doenças Tropicais
Negligenciadas em 2005, passando a liderar o enfrentamento das doenças negligenciadas,
desenvolvendo um quadro estratégico para o combate a essas doenças: “Um bilhão de pessoas
estão sofrendo de doenças que podem ser prevenidas com estratégias simples, como
quimioterapia preventiva. Estão sofrendo simplesmente porque são pobres. Isso é uma
questão ética global”, sinalizou Jorge Alvar, representante do Departamento de Controle das
Doenças Tropicais Negligenciadas da OMS durante o Congresso Internacional de Medicina
Tropical e Malária, ocorrido na FIOCRUZ, em setembro de 2012 (FIOCRUZ - FUNDAÇÃO
OSWALDO CRUZ, [s.d.]). Desde então, a OMS vem produzindo relatórios, definindo
estratégias, recomendando abordagens, promovendo encontros e parcerias para financiamento
e fomento às pesquisas, com o intuito de mudar o cenário da saúde global, a partir da inclusão
das doenças negligenciadas nessa agenda e tornando o combate às essas enfermidades,
essencial para o desenvolvimento (ROLAND, 2016).
No sentido de compreender a aplicabilidade destas estratégias, entende-se que a
responsabilidade perpassa por todos os envolvidos neste processo do cuidado. Estas sugestões
de estratégias de enfrentamento as doenças negligenciadas evidenciadas nos depoimentos dos
profissionais de saúde demonstram que tais enfermidades podem ser evitadas a partir do
142
Este eixo possibilitou a construção da dimensão prática das representações sociais dos
profissionais de saúde sobre as doenças negligenciadas, pois tratou principalmente do
processo assistencial na prevenção, no controle e tratamento destas entidades mórbidas, sendo
feitas reflexões sobre as atitudes dos envolvidos na tríade do cuidado (indivíduo, equipe de
saúde e gestor), emergindo as convicções e crenças destes profissionais de saúde sobre as
diversas posturas e práticas de cuidado e autocuidado frente as doenças negligenciadas.
Constitui-se pelas classes 07, 04 e 03 e pelo subeixo 2.1.
[...] a equipe daqui acolhe muito bem, não tenho o que dizer não, os profissionais
ficam responsáveis em identificar a doença e zelar pelo tratamento do paciente, eu
aqui faço as consultas, realizo o diagnóstico das doenças e estabeleço o tratamento
medicamentoso. (E 05, Médico, x2= 449.85)
[...] a equipe acolhe bem estes pacientes aqui, acolhe bem, é tratado como alguém
que realmente necessita do tratamento o mais breve possível e com precaução, essa
questão do tratamento que mais cuida é a enfermeira agora. (E 21, Técnico de
enfermagem, x2= 328.37)
[...] quando suspeito de uma doença parasitária, que tem como evidencia a diarreia,
começamos o tratamento com antibióticos, de acordo com os exames solicitados
a equipe tem que saber acolher essas pessoas de forma humanitária. (E 04, Médico,
x2= 300.44)
[...] aqui tem uma parte do acolhimento que é a triagem, e a gente faz o que pode
quando tem os serviços funcionando, a gente faz tudo pra atender as famílias e nós
técnicos de enfermagem, ficamos sempre à disposição, principalmente nesta parte de
iniciar a orientação para o tratamento adequado destas doenças. (E 24, Técnico de
enfermagem, x2= 286.80)
Com tudo isso entende-se que o acolhimento acontece no primeiro contato entre o
paciente e o profissional de saúde onde tem-se a oportunidade de evidenciar as principais
características que englobam a dimensão biológica e social do indivíduo no que diz respeito
ao seu estado de saúde, ou seja, é neste momento em que os profissionais de saúde precisam
buscar as principais causas do desequilíbrio do processo saúde doença para que, desta
maneira, tenham maiores possiblidades de intervir e colaborar para a integralidade da
assistência à saúde.
Outra ideia que foi exposta pelos participantes deste estudo foi a competência dos
profissionais de saúde quando logo no momento do acolhimento onde acontece uma
identificação da possível doença, por meio das consultas individuais, sejam elas de médicos
ou enfermeiros, e a partir disto, a determinação de estratégias de tratamento, principalmente, o
tratamento medicamentoso. Ressalta-se que, o tratamento medicamentoso, ainda é a principal
estratégia adotada pelos serviços de saúde haja vista que o paradigma biomédico continua
definindo as práticas de saúde apesar dos avanços para a ampliação do olhar profissional para
outras estratégias que podem prevenir e erradicar as doenças negligenciadas.
Na continuidade do processo assistencial, a relação entre equipe e paciente se fortalece
na medida em que existe a determinação de um plano de cuidados no restabelecimento da
145
[...] como falei a interação aqui é a melhor possível, pois as famílias já são
conhecidas pela equipe e quando tem um paciente novo, a gente senta, explica como
funciona e tenta mostrar esta parte da saúde preventiva. (E 20, Enfermeiro, x2=
320.41)
em que apontaram a cultura popular como um fator que dificulta a realização do diagnóstico e
o estabelecimento do tratamento.
[...] no caso é a cultura popular mesmo, os chás que é uma coisa que é ruim a gente
sabe e depois que eles vão em busca do tratamento curativo, nas unidades
específicas quando são assim direcionados e dados os diagnósticos. (E 03, Médico,
x2= 2599.38)
[...] na unidade quando chega algum paciente, a gente tem o cadastro da área, pega o
cartão da família e tenta atender as queixas e as necessidades de acordo com o
147
potencial da equipe, então não posso dizer das atividades frente as doenças
negligenciadas. (E 14, Enfermeiro, x2= 334.66)
equipe é imprescindível para o sucesso da adesão por meio das opções propostas, bem como a
verificação de possível provisão dos dispositivos necessários. Mas, além de tudo isso o
primordial é a vontade do paciente, e para isso uma equipe com habilidades, atitudes e
conhecimentos faz a diferença na sensibilização deste paciente na participação do processo
(BRASIL, 2016).
As estratégias de tratamento evidenciadas nos depoimentos dos profissionais de saúde
são constituídas pela busca ativa; monitoramento laboratorial; consultas clínicas e visitas
domiciliares, que tem por objetivo manter o indivíduo no uso adequado das medicações e
ainda identificar possíveis fontes de infecção das doenças transmissíveis e negligenciadas. A
continuidade do tratamento, no entanto, dá-se justamente pelo fortalecimento do vínculo da
relação paciente-equipe com interesse pela resolutividade dos problemas de saúde
apresentados pelos indivíduos.
[...] que todo mês a gente faz a busca dos exames pra ver como é que tá, se ainda tá
dando positivo os resultados, faz a busca ativa dos familiares, normal como de
qualquer outro paciente que atende aqui na unidade. (E 12, Enfermeiro, x2= 338.44)
[...] tem as outras coisas e sempre tento buscar isso junto com outras instituições,
como eu atendo somente neste programa de controle de tuberculose e hanseníase
minha função é fazer a consulta com acompanhamento e evolução dos casos
clínicos. (E 18, Enfermeiro, x2= 261.75)
[...] as ações aqui dentro são na visita deles, quando vem, retorno pra tomar a
medicação é na unidade e fora a gente articula com os agentes comunitários e com
as visitas domiciliares, telefona pra ver se o paciente vem, esse elo de ligação. (E 11,
Enfermeiro, x2= 251.23)
[...] aqui eu desenvolvo a consulta com exame físico, busca ativa, controle dos
comunicantes, indicação do tratamento profilático, imunização em alguns casos e
ainda a educação em saúde junto com os agentes comunitários de saúde. (E 19,
Enfermeiro, x2= 378.24)
A busca ativa dos indivíduos que não compareceram as consultas para continuar o
tratamento e também para avaliar os comunicantes, é uma destas estratégias de controle que
fortalecem a quebra do ciclo de transmissão das doenças. O sentido mais comum atribuído à
busca ativa, muito usado nas ações de Vigilância epidemiológica, Vigilância Sanitária e
Saúde do Trabalhador, é ir à procura de indivíduos com o fim de uma “identificação
sintomática”, principalmente das doenças e agravos de notificação compulsória (BRASIL,
2001).
Busca ativa é um procedimento de suma importância no conjunto de ações de
vigilância epidemiológica de investigação de campo, e tem como objetivo a identificação
precoce de casos suspeitos e uma rápida confirmação para orientar adequadamente a
aplicação das medidas de controle (BRASIL, 2005b). Este sentido estrito do termo, contudo
os princípios do SUS, produziram uma torção no sentido de busca ativa, uma subversão de
seu uso. Busca ativa passou a ser entendida como um movimento de ir a contracorrente do
automatismo da demanda espontânea, no sentido de cartografar as necessidades de saúde para
além dos agravos de notificação compulsória de determinado território (LEMKE; SILVA,
2010).
A busca ativa é entendida como uma estratégia que possibilita o deslocamento da
equipe de saúde para fora da instituição para conhecimento da realidade social e do território
em que os pacientes estão inseridos. Ela permite também estabelecer contatos com atores
sociais locais (líderes comunitários, presidentes de associações de bairro, coordenadores de
programas sociais, dentre outros. Portanto, a busca ativa contribui para que toda a equipe de
saúde possa estabelecer vínculo com a comunidade externa e obter informações e dados
acerca de serviços socioassistenciais e setoriais (TEIXEIRA, 2003).
A outra medida de controle apresentada pelos profissionais de saúde foi a imunização,
que por seu turno, confere ao indivíduo e as populações as defesas primárias as estas doenças
transmissíveis, colaborando assim para sua eliminação e redução de casos novos. A
imunização é uma ação comprovada para controlar e eliminar as doenças infecciosas e estima-
se que mais de 30 doses de vacina são administradas globalmente a cada segundo e nenhuma
outra intervenção de saúde atinge tantas pessoas, ou é capaz de impedir uma gama tão variada
de problemas de saúde pública (WHO, 2016).
150
[...] os tratamentos são o uso dos antibióticos e também o tratamento das hepatites,
de acordo com o tipo e o quadro do paciente, as dificuldades são com a realização
dos exames e também a entrega demorada dos resultados, deixando os pacientes ai
transmitindo a doença por falta de um diagnóstico preciso. (E 10, Médico, x2=
315.60)
Com toda esta dificuldade em ampliar as ações dos fármacos para melhorar a
qualidade do tratamento medicamentoso, recorre-se ao que está disposto nas políticas de
saúde voltadas para a implantação de investimentos na assistência farmacêutica, considerando
o princípio da equidade do SUS.
No Brasil, há previsão constitucional para o acesso universal e igualitário das ações e
serviços de saúde. O acesso específico à assistência farmacêutica, além de abordado em
legislações complementares, é assegurado por duas políticas de estado: a Política Nacional de
Medicamentos e a Política Nacional de Assistência Farmacêutica. Para a viabilização do
acesso a medicamentos fica ainda mais clara a prerrogativa do SUS de “formulação e
execução de políticas econômicas e sociais”, uma vez que se trata de uma área profundamente
influenciada por práticas comerciais e interesses mercadológicos diversos, muitas vezes
conflitantes com o interesse público (SANTANA, 2017).
Este seria um caminho ideal para a inovação de tecnologias voltadas para o
desenvolvimento de fármacos que estão intimamente ligados ao tratamento das doenças da
pobreza, com a aplicação das políticas de assistência farmacêutica já existentes e ainda com a
participação dos gestores, principalmente nas regiões de maior endemicidade destes agravos,
compactuando a realidade local ao incluir em seus planos municipais de saúde a prioridade
desta inovação nos medicamentos.
Ainda se torna um desafio da área de regulação e incorporação de tecnologias em
saúde a garantia de que também sejam realizadas análises, registros e disponibilização de
itens com pouco interesse do mercado farmacêutico ou para doenças com poucas alternativas
terapêuticas disponíveis como medicamentos para doenças raras ou típicas de populações
vulneráveis (BRASIL, 2014).
A finalidade do tratamento medicamentoso apontado pelos profissionais é no primeiro
momento a adesão do paciente e, por conseguinte, a cura das enfermidades diagnosticadas e,
para tanto, são realizadas as consultas individuais que privilegiam o paradigma biomédico na
construção do processo saúde doença da população.
153
[...] ô hanseníase eu nunca peguei nenhum caso avançado, sempre bem no início que
a gente iniciou o tratamento, logo as que eu peguei, aqui na unidade, na outra
unidade que eu trabalhava, eu não tive paciente de hanseníase e tuberculose. (E 12,
Enfermeiro, x2= 285.60)
[...] antes na consulta que a gente pede os exames e identifica a doença e inicia o
tratamento, o protocolo a gente sempre segue o protocolo do ministério da saúde. (E
12, Enfermeiro x2= 264.46)
[...] os tratamentos buscados são aqueles que se direcionam para a medicação e além
disso, a equipe daqui realiza as atividades de educação em saúde, o papel das
pessoas é procurar ir ao médico logo que tiver os sintomas e também utilizar a mídia
para se informar. (E 07, Médico, x2= 388.68)
[...] as facilidades para aderir o tratamento é que eles tem acesso aos
profissionais aqui, mas a dificuldade vem de procedimentos, a demora da resposta
dos procedimentos e isso causa transtornos pro cliente e pra unidade que presta
serviço. (E 21, Técnico de enfermagem, x2= 303.72)
O serviço de controle da tuberculose, por exemplo, precisa de uma estrutura física que
corresponda aos critérios de diminuição na probabilidade de transmissão do bioagente, o
mycobacterium tuberculosis, incluindo uma sala com iluminação natural e divisões que
possam garantir a privacidade dos usuários; necessita de uma equipe multiprofissional que
possa atender efetivamente os anseios reais destes indivíduos; deve ter a quantidade de
medicamentos suficientes para realização do tratamento conforme indicação do protocolo do
Ministério da Saúde, entre outros benefícios que favoreçam a continuidade do tratamento,
previsto no mínimo para seis meses de duração. Viu-se que o acesso a este serviço, quando
equipado e qualificado, diminui os casos novos da doença e aumenta a qualidade de vida dos
usuários que por ora utilizam e precisam deste programa de assistência individual e coletiva.
No discurso dos profissionais de saúde evidenciaram-se as facilidades e dificuldades
enfrentadas, tanto pelos usuários quanto pelos trabalhadores da saúde, no tratamento das
doenças negligenciadas, em especial a falta de recursos para efetivação dos serviços e a
empatia na relação paciente-profissional.
No que diz respeito a falta de recursos encontramos a ausência da medicação; a
escassez de exames para diagnósticos da doença comprometendo a eficácia do tratamento; os
recursos sociais do próprio paciente, como a alimentação e o difícil acesso a unidade de
saúde; todas estas dificuldades implicam na perpetuação das doenças e diminui a
resolutividade das instituições de saúde e do processo de trabalho dos profissionais. Por outro
lado, viu-se a qualidade da atuação da equipe de saúde ao tempo em promove a ideia da
empatia no processo de trabalho colocando o tratamento das pessoas como fator principal na
erradicação destas enfermidades.
[...] a dificuldade em seguir o tratamento diz respeito a realização dos exames para
diagnosticar a doença e também o acesso a unidade, que às vezes ficam distante de
suas casas por preferirem ir também em unidades distantes, por causa do estigma da
doença. (E 07, Médico, x2= 250.28)
[...] aqui eu faço a parte assistencial que é atender nos programas de criança, adulto,
mulher, controle das doenças transmissíveis e planejamento das ações da equipe e
também a parte administrativa, que é gerenciar a farmácia, a sala de vacina, os
insumos muita tarefa para enfermagem mesmo. (E 20, Enfermeiro, x2= 368.86)
atividades a serem realizadas somente por uma profissional de enfermagem. Desta forma
entende-se que esta sobrecarga pode dificultar as ações da equipe na tomada de decisão frente
as estratégias de tratamento das doenças negligenciadas, haja vista que para efetividade deste
planejamento seria imprescindível a participação da enfermeira em sua totalidade, tanto na
dimensão assistencial quanto gerencial.
A participação ativa do paciente na construção de ações no seu processo de
autocuidado reflete uma eficiência na prevenção, na promoção e no tratamento de seus
problemas de saúde, ou seja, quando o paciente possui autonomia no seu cuidado torna-se um
facilitador da reabilitação de sua saúde. Os profissionais apresentaram que estes pacientes
vivem em dificuldades em relação ao conhecimento sobre os aspectos das doenças que os
afligem, as condições sociais em que estão inseridos e principalmente a construção de novos
saberes para o cuidado com a sua saúde.
[...] quando eles chegam aqui, querem saber tudo sobre a doença e procuram saber o
tempo de tratamento e os exames que podem ser feitos e pedem ajuda também, eles
estão vivendo em dificuldade. (E 11, Enfermeiro, x2= 248.16)
Por tudo isso, cabe ao profissional de saúde aplicar uma metodologia de incentivo a
participação ativa do paciente e ainda evidenciar as principais dificuldades apresentadas pelos
pacientes com o intuito de ter maior resolutividade possível no tratamento destes agravos.
As doenças negligenciadas são caracterizadas pelo impacto social que causa nas
pessoas principalmente, por conta do estigma e do preconceito vivenciado pelas pessoas que
convivem e as enfrentam cotidianamente. Este preconceito enraizado no imaginário social das
pessoas perpassa pelas formas como as doenças se apresentam, ou seja, a condição clínica e o
estado em que as pessoas acometidas por estas enfermidades são deformidades no corpo,
como por exemplo, a face leonina na hanseníase, ou pelo medo do contágio, no caso da
tuberculose pulmonar.
Esta vivência do preconceito aparece principalmente pela ausência de informações
sobre os aspectos clínicos das doenças negligenciadas, a ausência de conhecimentos sobre as
formas de contágio e a quebra da cadeia de transmissão de uma doença infectocontagiosa, e se
propaga na cultura popular como saberes hegemônicos que dificultam o entendimento e
participação do próprio indivíduo em seu tratamento.
[...] quando temos um paciente com esta doença, a gente percebe muito preconceito
ainda, até mesmo de alguns profissionais que a meu ver, não estão preparados para
atuar com estas doenças, a minha interação aqui é sempre pensando em conhecer
mais o paciente, sua família, identificar possíveis parcerias no controle desta doença.
(E 19, Enfermeiro, x2= 303.61)
158
Esta classe apresenta 127 UCEs, o que significa o envolvimento de 12,2% do material
analisado utilizado pelo software para a construção da análise. Em sua constituição podem ser
observadas as seguintes palavras: tomar (x2 = 74,22), medicação (x2 = 71,87), droga (x2 =
70,59), posto (x2 = 63,76), usuário (x2 = 58,15), tuberculose (x2 = 45,23), dia (x2 = 43,3), tosse
(x2 = 38,12), rápido (x2 = 31,57), comprimido (x2 = 28,96) e comida (x2 = 28,96), dentre
outras que foram citadas e que podem ser visualizadas na apresentação do próprio
dendograma que subsidia a construção desta classe. Pode-se observar que a classe aborda
questões relacionadas à terapia das doenças negligenciadas, ao seu local de atendimento, ao
sujeito acometido por ela, à sua sintomatologia e a questões básicas da vida humana que
podem fazer frente à condição de adoecimento.
Os sujeitos abordam, em um primeiro momento, os exemplos de doenças
negligenciadas que conhecem por serem presentes em seu cotidiano profissional e na atenção
que prestam à população. Pode-se observar que, independente da categoria profissional de
pertencimento, estas doenças, em suas diferentes manifestações mostram-se como entidades
concretas para estes sujeitos, inclusive como entidades que se repetem na discursividade.
negligenciada, constitui grande problema de saúde pública no Brasil, onde estão concentrados
70% de todos os casos registrados na América do Sul. A doença encontra-se amplamente
difundida no país, com casos registrados nas cinco regiões brasileiras e 21 Unidades
Federadas. No período entre 1990 e 2012, a taxa de incidência média no país foi igual a 1,8
casos/100.000 habitantes (BRASIL, 2014).
No Brasil, o controle da LV está centrado no diagnóstico e tratamento precoces,
redução da população de vetores e eutanásia de cães com diagnóstico sorológico e/ou
parasitológico positivo. A opção por tais estratégias se fundamenta no fato da ecologia e
epidemiologia da doença ser bastante complexa, com o vetor apresentando elevada
capacidade de adaptação a diferentes ambientes, inclusive o urbano, possibilitando a
reativação constante do ciclo de transmissão. Na área urbana, tal aspecto é potencializado pela
presença do reservatório canino, seja pela manutenção prolongada do estado infeccioso,
independente de sintomatologia clínica, ou pela reposição rápida após eutanásia (CARMO;
LUZ; BEVILACQUIA, 2016).
Essa multiplicidade de fatores ecológicos e epidemiológicos, associada à ocupação
urbana desordenada e a outros subjacentes a esse processo, tais como, condições insalubres de
moradia e saneamento básico e dificuldades no acesso e na organização dos serviços de saúde,
contribuem para a conformação de cenários heterogêneos de transmissão da LV. Além disso,
com o processo de municipalização do Sistema Único de Saúde brasileiro, a gestão e a
operacionalização das ações de controle e vigilância da LV passam a ser responsabilidade dos
municípios, impondo a adequação das atividades de prevenção e controle à realidade local,
constituindo desafio para os serviços de saúde do país (CARMO; LUZ; BEVILACQUIA,
2016).
Avançar na compreensão da doença, para além de características clínicas e
epidemiológicas, contemplando a percepção de atores sociais diretamente envolvidos com a
prevenção e o controle pode contribuir para a efetividade dessas ações. Esse caminho é
apontado por autores como Lasker e Weiss (2013) e Israel et al. (2015) que defendem a
participação da população na resolução de problemas coletivos e não apenas sua inclusão
como objeto de preocupação, fonte de dados ou alvo dos esforços para solução dos
problemas. Abordagens como essas, participativas e dialógicas, encontram respaldo teórico já
consolidado, sobretudo no campo da educação em saúde a partir da perspectiva freiriana
(FREIRE, 2005).
A OMS (2010), no relatório da última reunião de peritos sobre LV realizada em 2010,
coaduna com essa perspectiva, destacando que a mobilização social no sentido de mudar
162
[...] existem critérios bem rígidos para serem usados: a esquistossomose é uma
doença negligenciadas e só tem uma droga que a gente usa e, às vezes, a pessoa
vomita muito. Este contato não devido em lugares que devem ser evitados. (E 02,
Enfermeiro, x2 = 180,26)
A esquistossomose apresenta-se como uma doença que possui, por um lado, uma
importância epidemiológica e, por outro, forte impacto simbólico pela sintomatologia que
apresenta, pela desfiguração corporal recorrente e por sua característica de estar ligada à
interrelação homem-natureza em meios que podem ser considerados como não apropriados.
No Brasil, a esquistossomose mansônica é considerada um importante problema de saúde
pública acometendo de 3 a 6 milhões de indivíduos e 25 milhões em risco de contrair a
doença1. Atinge 19 unidades federativas, sendo que aproximadamente 99% dos casos estão
concentrados nas regiões Nordeste e Sudeste (BRASIL, 2014).
Desde a década de 1980, o Programa de Controle da Esquistossomose (PCE)
desenvolve inquéritos coproscópicos e outras ações com recursos do governo federal com
intuito de controlar a doença em todo o país. A partir de 1998, os municípios passaram a ser
responsáveis pelas atividades de vigilância e controle da infecção em toda a sua área de
abrangência. Para tal, deveriam dispor de uma estrutura capaz de proporcionar o
desenvolvimento dessas ações de forma integrada, contemplando ações de vigilância
epidemiológica e ambiental em saúde e de controle da doença, além de realizarem um
diagnóstico integral da situação da saúde-doença municipal (QUITES et. al. 2016).
163
[...] colocar uma pomadinha e, ás vezes, naquele momento, ele vai realmente ter uma
falsa sensação de cura e ele vai permanecer no problema. Eu acho que vai ser mais
negligenciada pelo próprio usuário. (E 15, Enfermeiro, x2 = 204,34)
O abandono do tratamento envolve uma série de fatores e não pode ser atribuída
culpabilidade apenas ao doente; devem ser consideradas também questões relacionadas aos
serviços de saúde, como a desorganização do trabalho em equipe, demora do atendimento,
desumanização, falta de vínculo entre doente e profissional de saúde, ausência de busca ativa
ao doente e faltoso, entre outros (DA SILVA et. al., 2016).
As representações sociais das doenças negligenciadas pelos sujeitos estudados, além
da inclusão dos usuários no processo de “negligenciamento” da sua condição de saúde, da
prevenção de determinadas doenças e do próprio cuidado no processo de restabelecimento,
abrange também a ação profissional:
[...] uma doença negligenciada é uma doença que, às vezes, você beira ao
desconhecimento ou a importância que deveria ter e na verdade ela não tem esta
importância muitas vezes pelo profissional e muitas vezes pelo profissional e muitas
vezes pelo usuário. (E 15, Enfermeiro, x2 = 202,53)
[...] os pacientes chegam geralmente com medo e o estado físico muitas vezes é o
pior possível principalmente no caso da tuberculose suas queixas tem a ver com o
dia a dia, a falta de comida e de assistência. (E10, Médico, x2 = 211,38)
A situação do estado físico dos sujeitos com a apresentação das manifestações clínicas
das doenças negligenciadas, pode ser exemplificada pela hanseníase, que por seu turno, possui
uma dificuldade no diagnóstico precoce e isso implica no aparecimento das alterações
dermatoneurológicas que provocam danos físicos e sociais. Essa patologia afeta
principalmente a pele, a mucosa do trato respiratório superior, os olhos e os nervos
periféricos, ocasionando incapacidades físicas. Os sinais e sintomas mais evidentes são
manchas, falta de sensibilidade, câimbras, dores musculares, espessamento de nervos,
limitações na visão, marcha com dificuldade e encurtamento de nervos, músculos e
articulações (WITAS et.al., 2015).
As leishmanioses, visceral e tegumentar, também consideradas negligenciadas e
provocam uma série de danos físicos, cognitivos, a partir da ausência do cuidado e do
diagnóstico precoce, que se torna causadores da endemicidade e da renovação do ciclo de
transmissão. Na leishmania visceral, ou calazar, tem-se as manifestações na fase crônica que
diminuem a qualidade de vida do indivíduo e provoca lesões em órgãos essenciais para o
funcionamento do corpo, como o fígado.
A leishmaniose visceral, também conhecida como calazar, ataca os órgãos internos, e
é a forma mais grave da doença. Caso não seja tratada, em geral é fatal em até dois anos.
Além disso, uma certa porcentagem dos casos pode evoluir para uma disseminação de
parasitas pela pele. A leishmaniose visceral caracteriza-se por surtos irregulares de febre,
perda substancial de peso, aumento do baço e do fígado, e pancitopenia – forma cutânea
conhecida como leishmaniose dérmica pós-calazar, que requer tratamento prolongado (OMS,
2012).
A leishmaniose tegumentar, por outro lado, apresenta potencial estigmatizante como
consequência das lesões. Doenças da pele, particularmente úlceras, são consideradas como
causadoras de sofrimento psíquico entre os indivíduos atingidos, em diversos países. As
principais doenças tropicais negligenciadas estão associadas com a estigmatização das
pessoas atingidas, causando notáveis consequências psicológicas, tais como baixa autoestima,
ansiedade, depressão e suicídio. A leishmaniose cutânea, que se manifesta mais
frequentemente com lesões em áreas expostas, figura entre as que podem causar
estigmatização social, afetar a autoestima levando a sentimentos de inferioridade, e gerar
sofrimento psíquico, particularmente em mulheres. As repercussões emocionais da
leishmaniose cutânea são relatadas de forma muito sucinta na literatura, e podem afetar o
comportamento do indivíduo, dos familiares e do entorno social. Mesmo crianças podem
168
sentir desconforto psíquico devido à presença de lesões ativas ou cicatrizes, ou devido a serem
impedidas de brincar com outras crianças (BEDOYA et. al., 2017).
A doença de chagas também é uma das doenças tropicais negligenciadas. O seu
patógeno é o trypanosoma cruzi, transmitido pelas fezes infectadas do inseto popularmente
conhecido como barbeiro. A contaminação também pode ocorrer por meio de alimentos e
transfusão sanguínea. A doença de Chagas é responsável por 14 mil mortes anuais, de acordo
com a OMS, que ainda informa que cerca de 10 milhões de pessoas têm a doença na sua
forma mais crônica, quando não há mais cura. Isso porque os sintomas podem se manifestar
até 30 anos após a infecção, quando a fase crônica já está instalada. Apesar das campanhas de
alerta contra os perigos do barbeiro, os índices de transmissão quase não sofreram redução
(SANTOS, 2014).
No homem, os tripanossomas têm preferência por neurônios do sistema nervoso
autônomo e por células do miocárdio. A destruição gradual e progressiva dessas células
responde pelos sintomas da doença crônica: lesões do sistema motor do coração com
arritmias, bloqueios e paradas cardíacas; lesões das fibras cardíacas com diminuição de seu
poder contrátil e insuficiência cardíaca; lesões dos neurônios dos esfíncteres do esôfago e
cólon sigmóide que apresentam progressiva dificuldade de abertura, ocasionando a formação
de megaesôfago e megacólon. A morte pode ocorrer já na fase aguda ou em qualquer
momento da fase crônica, mas em geral a doença se estende por muitos anos. O tratamento
medicamentoso é complicado, pouco eficiente na fase crônica da doença e com muitos riscos
e efeitos colaterais (ALMEIDA, 2017).
Deve-se, ainda, aprofundar uma questão relativa ao aspecto físico citado pelo
profissional, qual seja, a tuberculose. Embora não esteja explícito na própria fala, deve-se
considerar, com certa margem de segurança, de que um dos aspectos abordados é o
emagrecimento corporal, às vezes de forma contundente e expressiva, observado de forma
frequente no início do tratamento desta doença. O emagrecimento e sua avaliação no contexto
da tuberculose pode ser observado na fala exposta a seguir:
[...] da tuberculose uma das coisas que mais leva a procurar o médico é a tosse, às
vezes a febre e a perda de peso... na verdade, a perda de peso é o que leva muito a
procurar o posto. (E 01, Médico, x2 = 307.39)
Este sinal físico reveste-se de importância em função de sua presença nas construções
representacionais de diferentes grupos sociais acerca de diferentes doenças além da
tuberculose, como o câncer e a aids. Há, ainda, neste processo de chegar à unidade de saúde,
169
[...] estou com febre, estou com tosse; não vou no posto não, vou tomar um remédio
do vizinho e tal pra ver se não precisa ir no posto. Aliviou a febre, maravilha, a tosse
ainda ficou um pouquinho. E assim vai... (E 13, Enfermeiro, x2 = 207.12)
Pode-se observar que há um itinerário próprio dos usuários antes deles chegarem às
unidades de saúde, com destaque, ao menos para a discursividade dos sujeitos, para a troca de
experiências com os que compõem a sua rede social. Trata-se de uma tentativa de erros e
acertos para a solução de problemas que aparecerem e que se caracterizam como a
constituição de um saber ingênuo a partir do saber de experiência feito, legitimado pelo
sucesso atingido por alguém e que pode ser verificado por quem está necessitado.
O adoecimento é imbuído de significados que são sempre presentes para quem o vive,
porém, os modos como as pessoas tecem e atribuem estes significados têm relação direta com
a identidade individual e social. Os efeitos da doença no corpo e os eventos que ocorrem na
vida das pessoas decorrentes do adoecimento são marcas constantes na vida delas e
transformam seus cotidianos. O corpo, além de ser objeto físico é o agente criativo das
experiências e representa significados e valores diferentes para quem vive. Quando as pessoas
passam por essa experiência há a singularização e o desprendimento da condição de vida que
antecedia à doença. O momento da descoberta da enfermidade faz surgir incertezas,
sofrimentos e ressignificações sobre o corpo na nova condição de saúde, que resulta em ações
de enfrentamento da mesma por meio da busca ou não por atendimento nos serviços de saúde.
Todos estes efeitos sobre o corpo do indivíduo podem ser visualizados nas
manifestações clínicas da tuberculose, principalmente, sobre o emagrecimento e seus
significados frente ao estado de depreciação física do portador desta enfermidade. Acredita-se
que esta manifestação marca socialmente a pessoa e a identifica como portadora de um
possível mal que pode a qualquer momento atinge toda uma coletividade. O emagrecimento
identifica, isola e determina a condição social do indivíduo que passa a ter a carga do estigma
e do preconceito com a tuberculose.
Associado a isto, os profissionais se referem às dificuldades relativas ao sistema de
saúde que interferem no processo de atendimento e cuidado, como se segue:
[...] todas elas estão no mesmo saco, como é o ditado. A tuberculose tem período
que é pior, que às vezes falta o diagnóstico, os exames, o pessoal não tem dinheiro, o
posto não fornece uma baciloscopia. (E01, Médico, x2 = 277.43)
170
[...] a anfoterecina B você toma...o paciente durante só 05 dias, embora seja uma
droga que também causa efeitos colaterais, como o glucantime, mas somente são 05
dias, mas é uma droga extremamente cara, aí não dá. (E 02, Médico, x 2 = 260.51)
171
[...] a medicação que tem tomar corretamente, todos os dias ele tá vindo para as
consultas, ele tá passando qualquer evento que ele tenha a respeito da medicação,
então acho que isso contribui. (E 23, Técnico de enfermagem, x2= 204.30)
[...] na verdade assim quando assim nos próprios programas eu procuro saber
abordar o tema, a gente via perguntando normalmente com um bate papo ou às
vezes o usuário dar uma brechinha, puxou pra falar de alguma coisa. (E 15,
Enfermeiro, x2= 210.85)
[...] o certo mesmo é o tratamento com a medicação de tuberculose que são 06 meses
e durante 06 meses a gente explica que ela vai tomar 04 drogas e depois diminui pra
02. (E 11, Enfermeiro, x2 = 284.63)
medicamentos e o tempo de tratamento, dentre outros, são fatores importantes para o sucesso
ou o insucesso da adesão à terapia.
O Brasil foi o primeiro país do mundo a padronizar o esquema de 6 meses na rede
pública de saúde, com todas as drogas administradas via oral e distribuídas gratuitamente.
Durante os anos 80, as cápsulas com a combinação rifampicina e isoniazida foram
implementadas, já com o objetivo de evitar resistência bacteriana adquirida. Em 2009, o
Brasil introduz o uso de comprimidos com dose fixa combinada (DFC) e adiciona o
Etambutol (E) ao esquema Rifampicina, Isoniazida e Pirazinamida (RHZ), segundo o
Programa Nacional de Controle da Tuberculose, com base nos resultados preliminares do II
Inquérito Nacional de Resistência aos Medicamentos Antituberculose, que mostrou um
aumento da resistência primária à isoniazida (de 4,4% para 6,0%) (RABAHI et. al., 2017).
O esquema básico atualmente utilizado no Brasil para o tratamento de adultos com
tuberculose sem suspeita clínica de resistência consiste de uma fase intensiva de 2 meses com
o esquema rifampicina-isoniazida-pirazinamida-etambutol sob a forma de dose fixa
combinada, seguido por uma fase de manutenção de 4 meses com esquema rifampicina-
isoniazida, dose fixa combinada, sendo utilizado para todas as formas da doença em pacientes
acima de 10 anos. A exceção é nos casos de pacientes com meningite por tuberculose, os
quais, na fase de manutenção, são tratados por 7 meses e com a associação de um
corticosteroide oral (prednisona, na dose 1-2 mg/kg/dia por 4 semanas) ou um corticosteroide
intravenoso (dexametasona, na dose de 0,3-0,4 mg/kg/dia, por 4-8 semanas). Os
medicamentos são em comprimidos em DFC. Cada comprimido contém 150 mg de
rifampicina, 75 mg de isoniazida, 400 mg de pirazinamida e 275 mg de etambutol (RABAHI
et. al., 2017).
O esquema de tratamento da tuberculose tem eficácia de aproximadamente 95% e
reduz rapidamente a transmissão da doença, quebrando seu ciclo. Embora a distribuição da
medicação no Brasil seja gratuita, a efetividade do tratamento da tuberculose varia muito nos
diferentes locais. Problemas nos variados níveis de adesão ao tratamento, como, por exemplo,
o uso errado ou irregular do medicamento e o abandono do tratamento, podem ser apontados
como fatores importantes que afetam a efetividade e, consequentemente, o controle da
tuberculose no Brasil. A utilização de medicamentos combinados em um único comprimido é
recomendada pela OMS como uma medida adicional para aumentar a adesão ao tratamento da
tuberculose. Essa apresentação farmacêutica facilita a gestão das medicações, diminui o erro
de prescrição e diminui o risco de monoterapia, além de diminuir a quantidade de
174
comprimidos a serem ingeridos. Entretanto, seu uso não atua no abandono nem no uso
irregular da medicação (FERREIRA et.al., 2013).
A tuberculose pulmonar é uma doença grave, porém com possibilidade de cura em
quase 100% dos casos, desde que os princípios de seu tratamento sejam obedecidos.
Atualmente, o tratamento preconizado se faz através da associação medicamentosa adequada,
seguindo a dose e o tempo correto, bem como a supervisão da tomada dos medicamentos. O
tratamento da tuberculose pulmonar possui esquemas adequados a cada situação e,
atualmente, vem sendo recomendado, em todo o mundo, a estratégia do tratamento
supervisionado diretamente observado (DOTS). Esta estratégia é uma forma de assegurar a
adesão do paciente ao tratamento, diminuindo as taxas de abandono, bem como a persistência
de bacilíferos positivos na comunidade. Na estratégia DOTS, a ingestão dos medicamentos
deve ser assistida pelo profissional de saúde no local pactuado entre a equipe e o doente, de
modo que ocorra supervisão diária da tomada da medicação, ou pelo menos três vezes por
semana nos dois primeiros meses e duas vezes por semana nos quatro meses subsequentes
(LOPES et. al., 2014).
Os casos de abandono do tratamento são problemas tão relevantes quanto a própria
incidência da doença, visto que é um dos fatores associados ao aumento da falência dos
esquemas, devido à resistência do M. tuberculosis aos fármacos disponíveis, bem como onera
o sistema de saúde que deve dispor de recursos humanos e materiais cada vez que o doente de
tuberculose inicia um novo tratamento.
Torna-se necessário que profissionais de saúde, usuários que vivem com doenças
negligenciadas, os familiares destes usuários e o sistema de saúde compreendam a
complexidade desta situação e, em conjunto, consigam propor medidas e metodologias
criativas que aumentem o nível de adesão e que permitam melhor qualidade de vida neste
período. Simultaneamente, com toda a dificuldade em ampliar as ações dos fármacos para
melhorar a qualidade do tratamento medicamentoso, recorre-se ao que está disposto nas
políticas de saúde voltadas para a implantação de investimentos na assistência farmacêutica,
considerando o princípio da equidade do SUS.
O sucesso na adesão ao tratamento medicamentoso consiste no trabalho da equipe de
saúde, logo no primeiro contato com o paciente, demonstrando empatia, conhecimento sobre
os aspectos clínicos que envolve a doença e desmitificando as práticas que foram
incorporadas diante das representações construídas da imagem negativa das doenças
transmissíveis. Trata-se da criação de um vínculo de confiança por meio da relação dialógica
175
mostrando sempre interesse na resolução dos problemas que sempre acompanham as pessoas
portadoras das doenças negligenciadas.
Ainda no que tange ao processo de adesão e mesmo que se inclua medidas criativas e
importantes, questões básicas para a vida humana estão ausentes nesta realidade, prejudicando
o processo de adesão, mas especialmente interferindo na qualidade de vida e na própria
capacidade de subsistência das pessoas.
[...] na tuberculose também...já vi pessoas com tuberculose não ter o que comer em
casa, aí fica muito difícil. Toma a medicação, aí dá fome e não tem como comprar
comida pra comer, aí vai pro apoio social. (E 28, Técnico de enfermagem, x2=
309.26)
[...] para seguir o tratamento é....a condição dele, muitas vezes, a falta até do que
comer e ainda se deslocar de sua casa até a unidade de referência. Nem sempre ele
consegue e fica com a medicação atrasada. (E 06, Médico, x2= 183.58)
[...] ás vezes também tem fatores de risco, que é a bebida, que é o abuso do álcool,
do fumo, de drogas, tem tudo a ver com a adesão. (E 12, Enfermeiro, x2= 210.00)
[...] então não adiante você utilizar nada que vá ser mais complexo para uso do
paciente que requeira dele um tempo maior ou em uma unidade hospitalar ou tá
lembrando dele tomar a medicação porque ele não via tomar. (E 06, Médico, x2=
183.58)
Esses fatores de risco para a adesão do tratamento medicamentoso que é longo, tanto
para a tuberculose, quanto para a hanseníase podem provocar o abandono do paciente e por
conseguinte uma série de complicações na suas condições clínicas decorrentes do uso
inadequado da terapia medicamentosa. O uso abusivo de álcool e drogas modifica a conduta
do indivíduo trazendo à tona suas fragilidades físicas e cognitivas para o enfrentamento das
doenças negligenciadas, por isso a equipe de saúde precisa ser constituída de profissionais
capazes de garantir não somente a terapia medicamentosa, mas outros cuidados que envolvem
a condição de vida deste indivíduo.
Frente aos fatores apontados nos últimos parágrafos como um desafio à
implementação do tratamento proposto, em algumas situações torna-se necessária a adoção de
medidas especiais com vistas à garantir a ingestão dos medicamentos:
[...] eu já tive uma paciente que teve que internar ela, colocar no soro, colocar plasil, pra
ela conseguir tomar o remédio, é uma droga de difícil adesão. (E 02, Médico, x2=
186.42)
Ao lado de tudo o que foi aprofundado sobre a adesão, pode-se citar experiências
positivas com relação a este processo, mesmo que estas sejam quantitativamente inferior à dos
desafios apontados.
[...] tomava direitinho, não precisava ter aquele rigor com ele, pelo contrário, se
atrasasse, se passasse daquele dia do remédio, nossa, eles se chateavam e ficavam
sempre no dia certinho, e a gente, também levava na casa para não interromper o
tratamento. (E 22, Técnico de enfermagem, x2= 178.95)
No período de 2000 a 2011, Predique (2013) constatou que, dos 850 novos produtos
terapêuticos aprovados pelas principais agências reguladoras do mundo, apenas 37 (4%) eram
destinados às doenças da pobreza, sendo 29 medicamentos e 8 vacinas. Impressiona ainda
que, desse número, somente 4 produtos foram classificados como nova entidade química.
Analisando o desenvolvimento dos medicamentos nos últimos 25 anos do século XX, o
relatório da organização Médicos sem Fronteiras, Fatal Imbalance, afirma que apenas 15
novos medicamentos foram criados para as doenças tropicais, sendo dois deles para a
tuberculose. Estas doenças afetam principalmente as populações pobres e representam 12% da
carga global de doença. Em comparação, 179 novas drogas foram desenvolvidas para as
doenças cardiovasculares, que representam 11% da carga global de doença. (MÉDECINS
SANS FRONTIÈRES, 2001, p. 10) Apesar da aprovação de 756 novos fármacos entre 2000 e
2011, apenas quatro eram novas entidades químicas (NCEs, new chemical entities), das quais
três delas foram indicadas para o tratamento da malária e nenhuma para qualquer das doenças
negligenciadas. Além disso, “apenas 1,4% de um total de cerca de 150 mil ensaios clínicos
registrados se concentraram em doenças negligenciadas, com um número muito reduzido de
ensaios para NCEs” (DIAS et al., 2013).
No Brasil, há previsão constitucional para o acesso universal e igualitário das ações e
serviços de saúde. O acesso específico à assistência farmacêutica, além de abordado em
legislações complementares, é assegurado por duas políticas de estado: a Política Nacional de
Medicamentos e a Política Nacional de Assistência Farmacêutica. Para a viabilização do
acesso a medicamentos fica ainda mais clara a prerrogativa do SUS de “formulação e
execução de políticas econômicas e sociais”, uma vez que se trata de uma área profundamente
influenciada por práticas comerciais e interesses mercadológicos diversos, muitas vezes
conflitantes com o interesse público (SANTANA, 2017).
Este seria um caminho ideal para a inovação de tecnologias voltadas para o
desenvolvimento de fármacos que estão intimamente ligados ao tratamento das doenças da
pobreza, com a aplicação das políticas de assistência farmacêutica já existentes e ainda com a
participação dos gestores, principalmente nas regiões de maior endemicidade destes agravos,
compactuando a realidade local ao incluir em seus planos municipais de saúde a prioridade
desta inovação nos medicamentos. Ainda se torna um desafio da área de regulação e
incorporação de tecnologias em saúde a garantia de que também sejam realizadas análises,
registros e disponibilização de itens com pouco interesse do mercado farmacêutico ou para
doenças com poucas alternativas terapêuticas disponíveis como medicamentos para doenças
raras ou típicas de populações vulneráveis (BRASIL, 2014).
178
Subeixo 2.1.1: Condições psicológicas e suporte institucional para enfrentamento das doenças
negligenciadas
3.3.2.3 Classe 04: Condições psicológicas do indivíduo diante das doenças negligenciadas e
suas complicações
As características que constitui esta classe dizem respeito aos aspectos psicológicos do
indivíduo durante a percepção do adoecimento por uma doença negligenciadas e as suas
formas graves, que causam danos físicos, cognitivos e sociais. Neste último dano, emergem o
preconceito com este tipo de doença e por conseguinte, o isolamento social do indivíduo
179
devido as suas condições para a realização do tratamento. Por tanto, inicialmente, foram
descritas as doenças negligenciadas da região com suas formas graves e a partir disto,
discutiu-se a influência da psicologia individual e social frente as doenças negligenciadas.
Esta classe apresenta 133 UCEs, o que equivale a 12,75% do material analisado
utilizado pelo software para a construção da análise. Em sua constituição podem ser
observadas as seguintes palavras: psicológico (x2 = 55,16), cirurgia (x2 = 41,29), gente (x2 =
37,51), dinheiro (x2 = 33,87), perceber (x2 = 25,87), grave (x2 = 23,72), problema (x2 = 19,75),
triste (x2 = 15,77), acompanhar (x2 = 13,2), hospital (x2 = 10,08) e preconceito (x2 = 4, 62)
O estudo epidemiológico das doenças negligenciadas apresenta o panorama endêmico
e o impacto negativo destas enfermidades na qualidade de vida das pessoas e ainda evidencia
a realidade do sistema de saúde, no que diz respeito a sua resolutividade, ao expor a situação
endêmica no país, principalmente nas localidades interioranas. De acordo com a OMS, como
já visto, tem-se 17 doenças consideradas negligenciadas no mundo, frequentes em 2,7 bilhões
das pessoas, atingindo as mais pobres do mundo que vivem com menos de US$2 por dia
(WHO, 2013).
O estudo elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) apontou
uma elevada ocorrência das doenças negligenciadas no Brasil, revelando uma situação
epidemiológica preocupante que precisa ser combatida pelas práticas profissionais e ações de
desenvolvimento econômico social ao evitar a perpetuação da pobreza (GARCIA e cols.
2011). O estudo estabeleceu critérios para avaliar a situação epidemiológica das doenças
negligenciadas no Brasil, utilizando o Sistema de Informação de Agravos e Notificação
(SINAN) e consultas ao Ministério da Saúde, sendo definidas como doenças de elevada
ocorrência e endemicidade nacional a tuberculose, hanseníase, malária, doença de Chagas,
leishmanioses, esquistossomose e dengue.
No município de Jequié, por seu turno, os dados epidemiológicos oriundos do Sistema
de Informação da Atenção Básica (SIAB) e do programa de compilação nacional de dados o
DATASUS demonstram que das sete doenças priorizadas pelo Ministério da Saúde, cinco são
endêmicas nesta localidade: tuberculose, hanseníase, doença de Chagas, esquistossomose e as
leishmanioses (SMS, 2016).
Por conta desta endemicidade na região e também pelo fato de atuarem diretamente na
assistência à saúde das pessoas que são acometidas por estas enfermidades, os profissionais de
saúde destacaram justamente as doenças negligenciadas em seus depoimentos dando ênfase a
leishmaniose, a tuberculose e a hanseníase.
180
[...] faz o tratamento no piej, até porque o piej vai parar o tratamento de
leishmaniose, vai vir para as unidades que já foi passado pra gente, a gente vai ter
uma capacitação sobre leishmaniose visceral e tegumentar. (E 12, Enfermeiro, x2=
157.20)
[...] então assim esses conhecimentos às vezes são muito específicos e aí acaba que a
gente, pra mim hoje, na minha realidade é a leishmaniose depois vem o hiv e
também por conhecimento de outro colega a gente tem. (E 20, Enfermeiro, x2=
155.99)
[...] olha da hanseníase já falei né, da leishmaniose posso dizer muito porque
trabalho em outra unidade, e com schistosoma também, então é a doença de chagas
que eu também acompanho, diminuiu muito depois que a saúde interferiu na
moradia. (E 01, Médico, x2= 148.01)
[...] quando a gente diz olha você tem hanseníase, ai jesus, já li um bocado sobre
isso, estas doenças existem ainda na região porque a gente sabe que teve uns
desgovernos atrás que faltou muitos exames. (E 11, Enfermeiro, x2= 138.54)
[...] então assim, ele tem a forma severa da doença, mas é vivo até hoje, o outro que
chegou e a gente conseguiu fazer aqui a cirurgia, com o colega, levei meu aparelho
porque nosso hospital infelizmente até hoje não tem um endoscópio. (E 03, Médico,
x2= 241.11)
[...] e o paciente saiu muito bem depois da cirurgia, ele tava assim muito grave saiu
bem, a gente acompanhou por mais uns 03 a 04 anos. (E 03, Médico, x2= 219.97)
[...] uma esquistossomose portal porque este paciente não estava conseguindo
melhorar, só com o tratamento endoscópico, e aí precisava de uma cirurgia e ele saiu
bem, e continua sendo acompanhado por mim, até hoje fazendo tratamento
endoscópico. (E 03, Médico, x2= 166.84)
181
[...] a mãe indica ou então vai sinalizar pro profissional, ou então porque alguém já
passou, os vizinhos dizem o que está acontecendo, aí chega pra gente já de uma
maneira, que já tá num estágio que é grave. (E 15, Enfermeiro, x2= 162.79)
[...] lembro de uma situação que foi com uma criança, que já tava muito mal, era um
estágio avançado da tuberculose e ela tava muito desnutrida, tivemos que
encaminhar por hospital, mas infelizmente não conseguiu sobreviver. (E 07, Médico,
x2= 138.28)
[...] do dinheiro que gastou, que não achou na unidade e queixa dos problemas
financeiros e a gente vê também o psicológico, quem é que tá acompanhando o
senhor? sua filha? (E 11, Enfermeiro, x2= 193.31)
[...] com a medicação tempo certo, com o aparato psicológico a gente sabe que
impacta muito, e mais essas nuâncias que vai fazer com ele se perceba, que ele tá
sendo visto no sistema único de saúde. (E 15, Enfermeiro, x2= 171.29)
[...] porque a gente fala muito de psicologia nesta parte de saúde mental, hoje já
posso trazer outras situações, agora já tem a s terapias comunitárias que já começou
em outros psf e o que eles falam. (E 15, Enfermeiro, x2= 197.17)
[...] então não tem aquele grupo de religião que faça aquele trabalho psicológico
porque o enfermeiro sozinho não dar conta, então tem que ter em outros locais, nas
fábricas, nas empresas também, e gente não viu mais nada falando nisso na educação
pra saúde, que a gente tinha quando era estudante. (E 11, Enfermeiro, x2= 214.10)
[...] pra ver se deixava umas cotas para este paciente, não tem que ir pra fila porque
já vem tão sofrido pra cá, já tem o medo da doença, a questão do preconceito. (E 23,
Técnico de enfermagem, x2= 140.32)
[...] no caso a gente fala em doenças negligenciadas porque o pessoal associa muito
com essa questão do preconceito, assim que tem a questão de doenças
negligenciadas. (E 13, Enfermeiro, x2= 153.37)
[...] a gente conversou, vamos embora, ele conseguiu entrar e aí ele começou a se
fechar, não falava nada, depois de algum tempo na segunda ou terceira consulta ele
conseguiu falar alguma coisa e a família não percebia tanto isso. (E 02, Médico, x2=
189.51)
transmissão e tratamento, para que desta maneira realizem ações de agregação do indivíduo
ao convívio familiar e no enfrentamento das doenças.
As doenças negligenciadas constituem um grupo de enfermidades prevalentes nos
países em desenvolvimento, que afetam indistintamente toda a população, mas que tem tido
mais impacto em grupos populacionais em situação de vulnerabilidade social representando
um sério obstáculo ao desenvolvimento socioeconômico e a melhoria da qualidade de vida.
(OMS, 2006). São doenças que não só prevalecem em condições de pobreza, mas também
contribuem para a manutenção do quadro de desigualdade, já que representam forte entrave
ao desenvolvimento do país (BRASIL, 2010).
Com isso entende-se que uma das dificuldades para realizar adequadamente o
tratamento destas doenças foi a condição financeira do indivíduo haja vista que é por meio
destes proventos que as pessoas podem obter os recursos de necessidades humanas básicas
como a alimentação, a moradia, entre outros. Esta condição financeira precária influencia na
realização do tratamento por conta da ausência de recursos que são fundamentais para a
manutenção da dignidade humana.
[...] a condição financeira também tem sua importância e interfere no controle das
doenças porque a gente ver assim, que não tem dinheiro para completar o
tratamento, até do câncer e muitas pessoas morrendo por conta disto. (E 11,
Enfermeiro, x2= 179.07)
[...] tem que ter dinheiro entendeu, para comer, então isso tudo leva baixa
imunidade, já ouvir muita gente falando que, como é que eu vou fazer o tratamento,
se não tenho dinheiro para comer. (E 22, Técnico de enfermagem, x2= 157.05)
[...] a finalidade destas minhas ações é realmente ver o paciente curado, ele sair
daqui por conta dele, pelo menos assim dentro daquilo que dá pra gente, porque a
gente tem que fazer o que dá em pouquinho mais. (E 23, Técnico de enfermagem,
x2= 176.79)
3.3.2.4 Classe 03: Unidades de saúde de assistência e referência no tratamento das doenças
negligenciadas
[...] doutor pelo amor de deus, eu não vou mais nunca naquele lugar... e passou a me
contar alguns lances, ele me disse que na enfermaria tinha muita gente, aí disse que
chegava o doutor com as pessoas lá e tal. (E 01, Médico, x2=293.45)
[...] pra ele tomar o remédio lá, muitas vezes eles voltam porque não teve o
acolhimento necessário nestas unidades e aí volta pra aqui, então é um problema e aí
eu faço aqui o diagnóstico e o tratamento. (E 01, Médico, x2=231.91)
território nacional. Acontece que nos últimos anos, apesar da regulamentação deste processo
de descentralização e regionalização da saúde, os serviços ainda não conseguiram
efetivamente proporcionar a população brasileira a eficácia e efetividade suficientes para
combater as doenças em geral e em particular, as doenças negligenciadas.
Para os profissionais de saúde a organização dos serviços surge como um fator
colaborativo no combate às doenças negligenciadas, mesmo que ainda não estejam vinculados
a ideia e iniciativa das redes de atenção em saúde, pois na medida em que os usuários,
acometidos por estes agravos, conseguem ser acolhidos na atenção primária, passam a ter
maiores possibilidade de enfrentamento as estas enfermidades durante o tratamento.
O processo de descentralização da saúde instaurado a partir da regulamentação do
SUS defendeu a implantação de ações locais que tivessem resolutividade dos problemas de
saúde na região, dando ao município condições de planejamento, gestão e financiamento para
enfrentar as demandas regionais. Junto a descentralização temos outra diretriz denominada
hierarquização que determina os níveis de atendimento ao usuário desde atenção básica até os
procedimentos de alta complexidade onde as necessidades dos indivíduos sejam atendidas
plenamente.
Com a ideia da Hierarquização busca-se ordenar o sistema de saúde por níveis de
atenção e estabelecer fluxos assistenciais entre os serviços, de modo que regule o acesso aos
mais especializados, considerando que os serviços básicos de saúde são os que ofertam o
contato com a população e são os de uso mais frequentes. A crítica ao modelo hierarquizado
tem apontado a necessidade de superar a ideia de pirâmide por modelos mais flexíveis com
variadas portas de entrada e fluxos reversos entre os vários serviços (BRASIL, 2015).
O sistema de referência e contrarreferência, por exemplo, consegue realizar os
encaminhamentos dentro dos serviços de saúde com objetivo de buscar o atendimento que
atenda às necessidades reais da população e uma vez sendo resolvido que aconteça o retorno
da assistência prestada e as possíveis atividades continuas que devem ser realizadas pelos
profissionais de saúde que constituem sua equipe de origem.
[...] e eu tive que mandar por [hospital] roberto santos, também teve que tomar a
imunoglobulina e a mãe disse assim: “meu filho tomou a medicação e ficou
aleijado”, imagine a minha responsabilidade entendeu, e aí fui explicar a mãe e aí
depois ele se encontrou comigo. (E 02, Médico, x2=266.09)
[...] então assim, essa interação de quando ele fala não quero ir pra outra unidade,
não que lá vão saber que eu estou doente, a gente interage desta forma da melhor
forma que fica para o paciente. (E 01, Enfermeiro, x2=261.98)
190
[...] eu não vou mais nunca naquele lugar...bom eu encaminhei o senhor porque o
senhor achava que a coisa não era correta...deus me livre não vou mais naquele
lugar, me mata mas eu não vou pra lá... são as histórias que às vezes chama atenção.
(E 01, Médico, x2=250.41)
[...] acha que tem que ser tratado aqui na área, que não vai procurar outro
profissional em outro lugar, ai acaba ficando por isso mesmo, às vezes a gente dá
um jeito vai em outra unidade de saúde, arranja medicação. (E 12, Enfermeiro,
x2=236.98)
[...] essa menina mesmo que eu tô te falando, sim tem noção que camisinha fica bem
ali, pra você pegar, chega aí nem precisa pedir não, tá na cestinha, ali em cima, mas
não usa. (E 13, Enfermeiro, x2=223.78)
[...] eu digo só tem tratamento, não tem cura, pra você ver o quanto que o
profissional... então eu vou fazer assim, você pegou, continuou mantendo as mesmas
condutas, mas eu vou fazer o tratamento e vou sarar, então fica neste ciclo. (E 15,
Enfermeiro, x2=205.83)
[...] antes, normalmente eles não fazem nada, eles ficam esperando, tem uns que
entra a religião no meio e diz que é deus que quis assim, então aceitam a doença
como se aquilo fosse natural. (E 01, Médico, x2=276.83)
Segundo dados do Centers for Disease Control and Prevention (CDC): cem por cento
dos países de baixo rendimento são afetados por pelo menos cinco doenças negligenciadas,
simultaneamente, em todo o mundo; 149 países e territórios são afetados, no mínimo, por uma
doença negligenciada; as doenças negligenciadas são responsáveis por estimados 534.000
casos de morte, no mundo, por ano; são causa principal da carga da doença resultando em
cerca de 57 milhões anos de vida perdidos devido à morte e invalidez prematuras; os
indivíduos muitas vezes são atingidos por mais de um parasita ou infecção e o custo do
tratamento para a maioria dos programas de administração de drogas em massa nas doenças
negligenciadas é estimado em menos de US$ 0,50 por pessoa por ano (CDC, 2014).
192
[...] as pessoas geralmente só vem na unidade depois que fez algum tratamento
caseiro, pela vergonha de assumir a doença ou de expor o marido, quando a doença é
sexualmente transmissível, então assim, eles só vem depois que não tem jeito
mesmo, ai eles procuram a gente aqui na unidade. (E 16, Enfermeiro, x2=197.78)
[...] não dão um abraço porque pega, então tem toda aquela questão assim de social
na verdade...quando atendo os pacientes que fazem o tratamento supervisionado da
tuberculose, por exemplo, eles chegam desconfiados e com vergonha de dizer até o
nome da doença. (E 17, Enfermeiro, x2=194.44)
[...] o pessoal não vem, quer dizer o filho, o esposo não vem não, faz um tratamento,
volta pro mesmo ambiente onde tem a pessoa que transmitiu a doença, então
enquanto não quebrar este ciclo vai ficar nisso. (E 01, Médico, x2=232.89)
4.1 Representações sociais dos profissionais de saúde acerca das doenças negligenciadas
Figura 5 – Modelo teórico explicativo das representações sociais de profissionais de saúde acerca das doenças negligenciadas -2018.
CONCEPÇÕES PRÁTICAS
SOCIAL SOCIAL OU
COLETIVA
4.2 A Dimensão conceitual das representações sociais dos profissionais de saúde acerca
das doenças negligenciadas
surgimento das doenças, tornando assim, uma visão reducionista do processo saúde doença
que, por seu turno, influencia na concepção sobre as doenças negligenciadas.
Diante da etiologia da doença, o modelo biomédico adota uma lógica unicausal,
também designada lógica linear, procurando-se identificar uma causa a qual, por
determinação mecânica, unidirecional e progressiva, explicaria o fenômeno do adoecer,
direcionando a explicação a se tornar universal. É nessas condições epistemológicas que o
modelo biomédico, nas ciências da saúde, tende a reproduzir conhecimentos universais
relativos aos seres humanos (PUTTINI, 2010).
Com tudo isso, percebe-se que as concepções biomédicas são oriundas de um processo
histórico de construção da ideia de saúde, que por muito tempo baseou-se no positivismo e na
unicausalidade do adoecimento e pela visão exclusivamente biológica. Estas concepções
construídas pelos profissionais de saúde favorecem a perpetuação das doenças negligenciadas
pois a unicausalidade é uma ideia incipiente para a compreensão de medidas que possam
controlar e evitar tais enfermidades.
A partir desta visão positivista, estritamente incipiente para explicar o surgimento e
perpetuação das doenças negligenciadas, encontra-se o indivíduo alheio as principais causas
que podem desencadear o processo do adoecimento, pois sua percepção de saúde está
intimamente ligada a produção e existência de sinais e sintomas clínicos que aparecem no seu
corpo físico, incomodando-o na realização de suas atividades cotidianas, ou seja, o indivíduo
só percebe o seu processo de adoecimento sobre a égide do paradigma biomédico.
Neste momento entende-se que as definições e concepções biomédicas permearam as
formas de transmissão das doenças negligenciadas apontando principalmente a presença de
vetores e a ausência de estratégias para o seu controle. Assim, viu-se que as doenças
negligenciadas são causadas, no conjunto das representações dos profissionais, principalmente
pela ignorância dos indivíduos a respeito dos aspectos clínicos, forma de contágio e ausência
do autocuidado em suas práticas cotidianas.
Com tudo isso, percebe-se que as concepções biomédicas oriundas do pensamento
psicossocial dos profissionais de saúde acerca das doenças negligenciadas fortaleceram as
práticas curativistas em detrimento da percepção de outros fatores que provavelmente
contribuem para a instalação e continuidade destas enfermidades.
Neste sentido, a abordagem de outras concepções é necessária para explicar o processo
do adoecimento e suas principais estratégias de combate, tanto no campo individual quanto
social.
199
serem aquilo que desejam ser (SEN, 1993; PNUD, 2013a, 2013b). Amartya Sen (2000)
defende que o desenvolvimento tem de estar relacionado, sobretudo, com a melhoria da vida e
das liberdades. O conceito de liberdade está diretamente ligado às liberdades substantivas e
instrumentais acessíveis à população de um dado território. As liberdades substantivas são
entendidas por condições elementares de uma vida digna, como não ser acometido por uma
morte prematura, morbidez evitável, fome crônica ou ser tolhido de participação política, falta
de liberdade de expressão ou ter negado o direito a condições mínimas de desenvolver a
leitura e a escrita. Já, as liberdades instrumentais estão relacionadas às liberdades políticas,
facilidades econômicas, oportunidades sociais, garante as de transparência e segurança
(ORSI; GODOY, 2010).
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é a média aritmética de indicadores de
três dimensões do desenvolvimento (educação, longevidade e renda). Por considerar que esse
é o tripé sine qua non para a obtenção de todos os demais aspectos da qualidade de vida e que
são inseparáveis à proposta de crescimento, podemos perceber que não é linear a relação entre
crescimento econômico e desenvolvimento, sendo importante dar o mínimo de atenção às
suas discrepâncias. O IDH foi destaque internacional pela sua capacidade de síntese e
comunicação de aspectos importantes do desenvolvimento, enfatizando problemas
considerados crônicos (distribuição de renda, gênero, pobreza, dentre outros) (BATALHÃO
et al., 2018).
Em relação a 2016, o Brasil apresentou melhor de 0,001 no IDH, no valor de 0,759, e
no ranking mantém a posição 79º entre 189 países. Na América do Sul, o Brasil é o 5º país
com maior IDH. Chile, Argentina, Uruguai e Venezuela aparecem na frente, teve o quarto
maior crescimento no IDH entre 2010 e 2017, ao lado do Equador. A taxa anual de
crescimento do IDH entre 1990 e 2017 foi de 0,81%. No mesmo período, os brasileiros
ganharam 10,4 anos de expectativa de vida e viram a renda aumentar 28,6%. Na
educação, a expectativa de anos de escolaridade para uma criança que en tra no ensino
em idade escolar aumentou 3,2 anos, e a média de anos de estudos de adultos c om 25
anos ou mais subiu 4 anos (PNUD, 2018).
No relatório do Atlas de Desenvolvimento Humano Brasil (2013), encontra -se a
posição de 22 º do estado da Bahia, no ranking nacional em relação ao IDH (0,660),
apesar de ser considerado médio, o índice baiano melhorou 70% nos últimos 20 anos,
superando a expectativa observada no país, de 47,7%. Em Jequié, por seu turno,
apresenta-se em 33º colocação na Bahia, no que diz respeito ao IDH (0,665) segundo
dados do PNUD (2013).
201
condições de evitar por meio destes saberes a instalação destas enfermidades. Por tudo isso, a
educação surge como uma colaboradora na construção e fortalecimento da saúde populacional
ao contribuir na formação de saberes dos indivíduos e, por conseguinte, na mudança de suas
práticas no cuidado e autocuidado motivando a constituição de alternativas no combate às
doenças negligenciadas.
A saúde é fruto de uma ação individual e coletiva, e é essencial fortalecer a confiança
no indivíduo de forma a motivar sua participação em soluções construídas conjuntamente com
o governo e com os educadores. A posição de destaque negativo do Brasil no cenário mundial
e o descaso das políticas públicas e indústrias farmacêuticas em relação às doenças
negligenciadas reforçam essa preocupação. Principalmente considerando que as doenças
negligenciadas tendem a ser endêmicas em diferentes regiões do Brasil e se apresentam em
populações de condições culturais, econômicas e sociais diversas.
Consequentemente, os determinantes sociais podem diferir nos diferentes contextos e
na pluralidade cultural brasileira. Esses fatores expressam as limitações das políticas
governamentais baseadas em pacotes educativos (cartazes, folhetos, propagandas) construídos
de forma etnocêntrica mesmo que tenham como finalidade combater essas endemias. Por isso,
reforça-se a necessidade de se conhecer diferentes realidades sociais com suas crenças,
hábitos, costumes, circunstâncias, em seus variados contextos históricos sobre os quais seriam
produzidos os materiais educativos (PIRES, 2017).
A educação em saúde, portanto, surge como uma protagonista no combate às doenças
negligenciadas pois garante ao indivíduo os saberes e conhecimentos sobre as formas de
transmissão e, por conseguinte, as estratégias de prevenção destas enfermidades.
A educação em saúde promove a qualidade de vida do indivíduo e lhe fornece as
condições favoráveis a manutenção de um equilíbrio no processo saúde doença. Nesse
sentido, a educação possui importância inegável para a promoção da saúde, sendo utilizada
como veículo transformador de práticas e comportamentos individuais, e no desenvolvimento
da autonomia e da qualidade de vida do usuário (LOPES; SARAIVA; XIMENES, 2010).
Conclui-se que os componentes sociais aqui descritos, quais sejam, condições
econômicas, relação indivíduo/ambiente e ausência da educação constituíram as concepções
sociais dos profissionais de saúde acerca das doenças negligenciadas afirmando que, tais
entidades mórbidas não acontecem simplesmente por meio de um único bioagente, mas estão
imbricadas com os aspectos sociais aqui descritos que, por seu turno, podem favorecer o
controle e a prevenção destes agravos.
205
4.3 A Dimensão prática das representações socais dos profissionais de saúde acerca das
doenças negligenciadas
ainda ocorrem na região por conta, não somente da dimensão biológica, mas também por
outros motivos que envolvem os determinantes e condicionantes do processo saúde doença.
Desta maneira, o discurso e a realidade social apresentada definiu as seguintes causas tidas
como principais para a ocorrência das doenças negligenciadas: o descaso dos sujeitos que
participam do processo do adoecimento (o indivíduo, o profissional de saúde e os gestores
políticos), a ausência da infraestrutura urbana e a ignorância da população.
Uma realidade social, como a entende a teoria das representações, é criada apenas
quando o novo, ou não familiar, vem a ser incorporado aos universos consensuais. Aí operam
os processos pelos quais ele passa a ser familiar, perde a novidade, torna-se socialmente
conhecido e real. O fato de que isso ocorre sob o peso da tradição, da memória, do passado,
não significa que não se estejam criando e acrescentando novos elementos à realidade
consensual, que não se esteja produzindo mudanças no sistema de pensamento social, que não
se esteja dando prosseguimento à construção do mundo de ideias e imagens em que vivemos.
O resultado é – constata-se pelo estudo empírico das representações sociais – altamente
criativo e inovador no âmbito da vida cotidiana (SÁ, 2015).
Portanto, esta realidade social partindo do pensamento dos profissionais de saúde
significa uma nova ideia e imagem sobre as práticas sociais que entornam as doenças
negligenciadas tendo como sustentação o descaso e a ignorância dos sujeitos e atores sociais
que compõem a tríade indivíduo, profissional de saúde e políticos. São estas práticas que se
tornaram familiar para o contexto das doenças negligenciadas, uma vez que, a sua
endemicidade e perpetuação continuam assolando grande parte da população mundial,
diminuindo a qualidade de vida, o desenvolvimento cognitivo e saúde integral.
quimioterapia preventiva. Estão sofrendo simplesmente porque são pobres. Isso é uma
questão ética global” (FIOCRUZ - FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ, [s.d.]).
Desde então, a OMS vem produzindo relatórios, definindo estratégias, recomendando
abordagens, promovendo encontros e parcerias para financiamento e fomento às pesquisas,
com o intuito de mudar o cenário da saúde global, a partir da inclusão das doenças
negligenciadas nessa agenda e tornando o combate às essas enfermidades, essencial para o
desenvolvimento (ROLAND, 2016).
Analisando criticamente estas intervenções por parte da OMS, percebe-se que somente
despertou o interesse junto ao combate das doenças negligenciadas a partir de uma convecção
social de que as pessoas devem tornar-se saudáveis para tão somente compor estatísticas de
desenvolvimento social e não uma real preocupação com as necessidades da população. A
OMS poderia ter feito esta intervenção há mais tempo, principalmente pelo impacto que estas
doenças causam no indivíduo como o isolamento social, a depreciação do estado físico e a
diminuição da qualidade de vida desde a fase infantil até adulta.
Os entes federados, por outro lado, também não colaboram para a implantação de
políticas públicas voltadas para o enfretamento destas enfermidades, mesmo após a
promulgação das Leis Orgânicas da Saúde que definiram a regulamentação do SUS, os
esforços diante do enfrentamento das doenças negligenciadas foram muito incipientes no
Brasil. No processo histórico de construção destas ações somente a partir de 2003, com a
realização da I Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia em Saúde que tivemos a
discussão de investimentos em pesquisa direcionadas para as doenças negligenciadas.
O Ministério da Saúde, acompanhando as concepções mundiais, definiram as doenças
negligenciadas como aquelas que não só prevalecem em condições de pobreza, mas também
contribuem para a manutenção do quadro de desigualdade, já que representam forte entrave
ao desenvolvimento do país. O Brasil buscou, durante as últimas décadas, definir um plano de
ação no controle as doenças negligenciadas por meio de investimento em pesquisa e
financiamento em novas tecnologias, iniciando, em 2006, o Programa de Pesquisa e
Desenvolvimento em Doenças Negligenciadas (BRASIL, 2010).
Com todo este atraso na tomada de decisão dos setores governamentais, viu-se por
meio da epidemiologia, a situação preocupante que se encontra não somente este país, mas
todo o mundo em relação à incidência e prevalência das doenças negligenciadas. Segundo
dados do Centers for Disease Control and Prevention (CDC, 2014): cem por cento dos países
de baixo rendimento são afetados por pelo menos cinco doenças negligenciadas,
simultaneamente, em todo o mundo; 149 países e territórios são afetados, no mínimo, por uma
213
CONCLUSÕES
sociais. Segue-se, como exemplo, tanto a hanseníase como a tuberculose que causam um
impacto na vida dos indivíduos por meio do isolamento social, do preconceito e dos estigmas
que foram discutidos durante a análise das concepções representacionais.
Tem-se ainda, como outro exemplo, a leishmaniose e a esquistossomose que
provocam, entre outras consequências, o retardo no desenvolvimento cognitivo,
principalmente nas crianças que são afligidas por estes agravos. Acredita-se, ainda, que os
conhecimentos elaborados pelos profissionais de saúde são estruturados e estão ligados às
práticas de cuidado deste grupo.
Esta tese possibilitou a identificação da estrutura da representação social dos
profissionais de saúde acerca das doenças negligenciadas, onde se estabeleceu um núcleo
central que organizou e modelou esta representação e um sistema periférico que, por um lado,
o sustentou e, por outro, modulou as convicções presentes em seu interior. Desta forma, tem-
se uma estrutura representacional constituída pelo núcleo central, confirmado com uma
triangulação de técnicas, a saber: o descaso e a ignorância.
A partir destes elementos constituintes do núcleo central, a representação social foi
compreendida por quatro dimensões que se entrelaçaram e articularam a construção deste
conhecimento elaborado pelos profissionais de saúde: a dimensão individual, a dimensão
socioindividual, a dimensão social e a dimensão imagética. A estrutura das representações
sociais acerca das doenças negligenciadas apresentou as principais características do
pensamento psicossocial dos profissionais de saúde, pois elencou as causas das doenças, as
suas consequências e ainda a sua imagem diante da sociedade.
No que diz respeito ao gerenciamento da estrutura da representação social acerca das
doenças negligenciadas, acredita-se que as dimensões foram organizadas a partir da ideia
proveniente dos significados dos dois elementos considerados centrais. O descaso e a
ignorância permearam a descrição das principais causas das doenças negligenciadas, como a
influência do descaso da tríade (indivíduo, equipe de saúde e gestores) na perpetuação dos
aspectos sociais e individuais no surgimento e na continuidade das doenças negligenciadas e
também com a identificação da ignorância, principalmente por parte dos indivíduos, com
relação às medidas de autocuidado frente a estas entidades mórbidas.
Pode-se afirmar que as representações sociais dos profissionais de saúde sobre as
doenças negligenciadas possuem uma atitude normativa, apesar de conviverem
cotidianamente em seu ambiente de trabalho com estes agravos. Isto implicou na construção
de julgamentos negativos, por parte dos profissionais de saúde, sobre as condutas e práticas
dos sujeitos que compõem a tríade (indivíduo, equipe de saúde e gestores) no enfrentamento
216
doenças não depende exclusivamente da ação individual, mas incluem-se as participações das
condições sociais e das práticas governamentais.
As condições de extrema pobreza e destruição do ambiente habitacional proporcionam
o aumento da vulnerabilidade destes indivíduos frente às doenças negligenciadas. Portanto, a
intervenção das práticas governamentais por meio de políticas públicas que tenham, por
finalidade, diminuir as iniquidades sociais e estabelecer um ambiente saudável à população, é
um ponto de partida para a diminuição da incidência e, por conseguinte, da endemicidade
destas enfermidades.
Para os profissionais de saúde, esta dimensão teórica das representações sociais acerca
das doenças negligenciadas, mostrou a diversidade cultural, as diversas formas de utilização
dos saberes próprios para o enfrentamento das doenças pela população, as fragilidades sociais,
como a ausência de conhecimentos básicos de hábitos saudáveis e, ainda, o descaso social,
tanto da equipe de saúde, como dos gestores. Estas convicções despertam o interesse em
vislumbrar novos caminhos para os indivíduos, os profissionais de saúde e gestores no sentido
de mudança de práticas frente a este objeto representacional.
Por outro lado, encontra-se a dimensão prática das representações sociais acerca das
doenças negligenciadas, onde foram apresentadas as dificuldades de facilidades do processo
assistencial, incluindo a ausência de estrutura urbana e dos serviços de saúde que favoreceram
a percepção dos profissionais de saúde sobre a perpetuação destes problemas de saúde na
região. Ao discutir as práticas dos sujeitos envolvidos no processo do adoecimento, indivíduo,
equipe de saúde e gestor percebeu-se que cada um precisa rever suas condutas cotidianas, no
sentido de produzir novos saberes e nova possibilidades de combate às doenças
negligenciadas.
Diante de tudo isso chega-se à tese de que as representações sociais dos profissionais
de saúde acerca das doenças negligenciadas gerenciam e influenciam suas práticas de
cuidado, modificando a realidade que os cerca e protagonizando novos saberes e
conhecimentos indispensáveis para o controle, a prevenção e o tratamento destas entidades
mórbidas.
A primeira contribuição diz respeito à percepção dos profissionais de saúde sobre a
necessidade de incorporar, em seu processo assistencial, as práticas de educação em saúde,
visando a promoção da participação ativa do paciente, sua responsabilização sobre o
autocuidado e a adoção de práticas saudáveis que reduzem a vulnerabilidade individual frente
às causas das doenças negligenciadas. Estas práticas de educação em saúde podem ser
promovidas pela parceria entre o ensino-serviço, com o auxílio das instituições formadoras de
218
profissionais de saúde, como a universidade, pois entende-se que isto faz parte do
envolvimento profícuo entre comunidade (universo consensual) e academia (universo
reificado).
A segunda contribuição deste estudo refere-se à discussão e à apreciação dos
conhecimentos dos profissionais de saúde que exercem suas atividades em instituições de
combate às doenças negligenciadas sobre as possíveis estratégias de ação que podem ser
realizadas junto ao indivíduo e à sociedade. Os profissionais de saúde, participantes deste
estudo, acreditam que ainda existe um déficit de conhecimento sobre os aspectos clínicos, mas
principalmente sobre o impacto epidemiológico e social que estas doenças causam na
população. Por isto, uma das alternativas seria realizar uma capacitação aos profissionais de
saúde que desenvolvem seu processo assistencial no combate às doenças, discutindo suas
concepções, suas causas e suas estratégias de ação para evitá-las e a longo prazo extingui-las
desta região.
A terceira contribuição, por sua vez, remete-se às práticas governamentais, visto que,
segundo as representações sociais dos profissionais de saúde, esta participação dos gestores
somente ampliou o problema das doenças negligenciadas na medida em que não foram
identificadas políticas públicas do município que atendessem aos anseios de prevenção e
tratamento destas enfermidades. Neste contexto, as representações sociais indicam a
modificação das práticas governamentais iniciando pelo interesse nas pessoas em suas
realidades socio-culturais, pela incrementação de ações de valorização da educação no
município, pelo investimento na atenção primária dos serviços de saúde, por meio do
desenvolvimento de redes de atenção à saúde e, além disso, pelo interesse em modificar a
estrutura urbana com medidas voltadas para a manutenção da qualidade de vida da população.
Como visto, as representações sociais dos profissionais de saúde acerca das doenças
negligenciadas despertaram uma série de estratégias alinhadas às propostas das instituições
internacionais e nacionais de saúde que, porventura, podem evitar e eliminar estas entidades
mórbidas desta região. Este compromisso atravessa não somente uma classe em particular,
como os profissionais de saúde, mas devem envolver todas as pessoas e instituições (de saúde
e de ensino) na busca incessante pela integralidade da saúde individual e coletiva.
219
REFERÊNCIAS
ANAND, S.; HANSON, K. Disability-adjusted life years: a critical review. Journal of Health
Economics, v. 16, n. 6, p. 685–702, dez. 1997.
ARMUS, D. (ED.). Disease in the history of modern Latin America: from malaria to AIDS.
Durham: Duke University Press, 2003.
BEDOYA; Sandro Javier et al. Estigmatização social pela leishmaniose cutânea no estado do
Rio de Janeiro, Brasil. Revista Eletrônica de Comunicação, Informação e Inovação em Saúde,
[S.l.], v. 11, n. 3, sep. 2017.
BORJA-CABRERA, G.P.; et al. Ensaios Cienc., Cienc. Biol. Agrar. Saúde, v.20, n.2, p. 93-
103, 2016
BRASIL. Ministério da Saúde. Saúde Brasil 2014: uma análise da situação de saúde e das
causas externas. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças
e Agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde. – Brasília, 2015.
tracoma como causa de cegueira e controle das geohelmintíases: plano de ação 2011-2015. 1
ed., 1 reimpr. Brasília: Ministério da Saúde; 2014
BRASIL. Ministério da Saúde. Saúde Brasil 2013: uma análise da situação de saúde e das
doenças transmissíveis relacionadas a pobreza. Secretaria de Vigilância em Saúde. Brasília,
2014.
BUSS, P. M.; PELLEGRINI FILHO, A. A saúde e seus determinantes sociais. Physis, Rio de
Janeiro, v. 17, n. 1, p. 77-93, 2007.
CAMARA, Ana Maria Chagas Sette et al. Percepção do processo saúde-doença: significados
e valores da educação em saúde. Rev Bras de Educ Med. [Internet]. 2012.
CAMARGO, Brigido Vizeu et al. Representações sociais do corpo: estética e saúde. Temas
psicol., Ribeirão Preto, v. 19, n. 1, p. 257-268, jun. 2011 .
CARMO, Rose Ferraz; LUZ, Zélia Maria Profeta da; BEVILACQUA, Paula Dias.
Percepções da população e de profissionais de saúde sobre a leishmaniose visceral. Ciênc.
saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 21, n. 2, p. 621-628, Feb. 2016.
CENTER FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION – CDC Global Health, 2014.
223
DA SILVA, D.; DA SILVA, M.; DA SILVA, T.; TOMÉ, V.; DO PRADO, L.; NEVES, T. O
abandono do tratamento da tuberculose e a atuação do profissional enfermeiro: um olhar sobre
as referências. JMPHC | Journal of Management & Primary Health Care | ISSN 2179-6750, v.
6, n. 2, p. 235-245, 14 dez. 2016.
DOISE, W. Les représentations sociales. In: GHIGLIONE, R.R. et al. (orgs.). Traité de
psycohologie cognitive, v.2. Paris: Dunod, 1990.
FREESE, E.; CESSE, E. Análise da Situação de Saúde na Região Nordeste com foco nos
Determinantes Sociais da Saúde: Documento de Discussão para a I Conferência Regional
sobre Determinantes Sociais da Saúde. Recife: Fiocruz, 2013.
GARCIA LP, MAGALHÃES LC, AURES AP, SANTOS CF, ALMEIDA RF. Epidemiologia
das Doenças Negligenciadas no Brasil e Gastos Federais com Medicamentos. Texto para
225
discussão 1607. IPEA [Internet] 2011. [Cited 2016 May 5]; 7-62. Available
from: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=8064.
pdf. Acesso em: 10 set. 2018
GOMEZ, P.F, GUTIÉRREZ M.G.R, MOREIRA R.S.L. Percepção da doença: uma avaliação
a ser realizada pelos enfermeiros. Rev Bras Enferm [Internet]. 2011 out 12. [Cited 2015 Dec
03]; 64(5):925-30. Available from: http:// www.scielo.br/pdf/reben/v64n5/a19v64n5.pdf.
DOI: http://dx.doi. org/10.1590/S0034-71672011000500019
HOTEZ, P. J. A new voice for the poor. PLoS Negl Trop Dis. [Internet]. 2007 [Cited 2016
Jun 13]; 1(1):77.
HOTEZ, P. J. The giant anteater in the room: Brazil’s neglected tropical diseases problem.
PLoS Negl Trop Dis. [Internet]. 2008 jan 30. [Cited 2016 jun 13]; 2(1):77.
JANINI, Janaina Pinto; BESSLER, Danielle; VARGAS, Alessandra Barreto de. Educação em
saúde e promoção da saúde: impacto na qualidade de vida do idoso. Saúde debate, Rio de
Janeiro, v. 39, n. 105, p. 480-490, June 2015.
JUNG, Bianca Contreira de et al. Significados das experiências corporais de pessoas com
tuberculose pulmonar: a construção de uma nova identidade.Texto contexto – enferm.
Florianópolis, v. 27, n. 2. 2018.
JUNGES, José Roque et al. Saberes populares e cientificismo na estratégia saúde da família:
complementares ou excludentes? Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 16, n. 11, p. 4327-
4335, Nov. 2011
LEMKE, Ruben Artur; SILVA, Rosane Azevedo Neves da. A busca ativa como princípio
político das práticas de cuidado no território. Estud. pesqui. psicol., Rio de Janeiro , v. 10, n.
1, abr. 2010 .
LOPES, Adriana Santos. Acolhimento prescrito x real: uma análise sobre as relações entre
trabalhadores e usuários na Estratégia Saúde da Família. 2014. 120 f. Dissertação (Mestrado
em Saúde da Família) – Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, Natal, 2014.
MARINS, Carla Silva; MUNIZ, Octavio da Costa Vargens. Aids como doença do outro: uma
análise da vulnerabilidade feminina: Revista de Pesquisa Cuidado é Fundamental Online [en
linea], 2015.
MOSCOVICI, Serge. A psicanálise, sua imagem e seu público. Petrópolis: Vozes, 2012.
MUR-VEEMAN, I.; VAN RAAK, A.; PAULUS, A. Comparing integrated care policy in
Europe: does policy matter? Healh Policy, v. 85, n. 2, p. 172-183, 2008.
OLIVEIRA, D. C. et al. Análise das evocações livres: uma técnica de análise estrutural das
representações sociais. In: MOREIRA, A.S.P. et al. Perspectivas teórica-metodológicas em
representações sociais. João Pessoa: editora Universitária da UFPB, 2005.
PONTES, R.J; RAMOS-JUNIOR, A.N; KERR, L.R.S; BOSI, M.L.M. Transição demográfica
e epidemiológica. In: Medronho, R.A; Werneck, G. L. Epidemiologia. 2 ed. São Paulo:
Athebeu. p. 123-52. 2009.
PRENDES M.G. Historia de la lepra en Cuba. Habana: Publicaciones del Museo Histórico de
las Ciências Medicas “Carlos J. Finlay”. p. 19-50,1963.
RABAHI, Marcelo Fouad et al. Tuberculosis treatment. J. bras. Pneumol. São Paulo, v. 43, n.
6, p. 472-486, Dec. 2017.
ROCHA, S. A pobreza no Brasil: afinal, do que se trata? Rio de Janeiro: FGV Editora, 2003.
ROMANHOLO, H.S.B; SOUZA, E.A; RAMOS, A.N; KAISER, A.C.G.C.B; SILVA, I.O,
BRITO AL. Vigilância de contatos intradomiciliares de hanseníase: perspectiva do usuário
em município hiperendêmico. Rev Bras Enferm, v.71, n.1, p.175-81, 2018.
229
ROSA, WAG, LABATE, RC. Programa Saúde da Família: a construção de um novo modelo
de assistência. Rev Latino-Am Enfermagem 2005; 13(6):1027-34.
______. Núcleo central das representações sociais. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2002.
SANTOS et. al. Representações sociais de pessoas com tuberculose pulmonar sobre
enfrentamentos diante dos conflitos sociais e pessoais. Rev. Bras. Pesq. Saúde, Vitória 20 (1):
6-13, jan-mar, 2018.
SECOND WORLD HEALTH ASSEMBLY. Second World Health Assembly, Rome, 13 June
to 2 July 1949: Decisions and resolutions: plenary meetings verbatim records: committees
minutes and reports: annexes. World Health Organization, 1949. Disponível em:
<http://apps.who.int/iris/handle/10665/85600>. Acesso em: 16 jul. 2016.
SEN, A. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
SILVA, IZQJ, Trad LAB. O trabalho em equipe no PSF: investigando a articulação técnica e
a interação entre os profissionais. Interface - Comunic, Saúde, Educ 2005; 9(16): 25-38
STOUT, C. E; COOK, L. P. New Areas for Psychological Assessment in General Health Care
Settings: what to do today to prepare for tomorrow. Journal of Clinical Psychology, 55(7)
797-812. 1999.
TEIXEIRA, R.R. O acolhimento num serviço de saúde entendido como uma rede de
conversações. In: PINHEIRO, R. e MATTOS, R.A. (Org). Construção da integralidade:
cotidiano, saberes e práticas em saúde. Rio de Janeiro, UERJ, IMS: ABRASCO, 2003, p.
89-112
VILLELA, Edlaine Faria de Moura; ALMEIDA, Marco Antônio de. Representações sociais
sobre dengue: reflexões sobre a mediação da informação em saúde pública. Saude soc., São
Paulo , v. 22, n. 1, p. 124-137, Mar. 2013 .
WORLD HEALTH ORGANIZATION. Sustaining the drive to overcome the global impact of
neglected tropical diseases: second WHO report on neglected diseases. WHO Library
Cataloguing-in-Publication, 2013.
WHO. Working to overcome the global impact of neglected tropical diseases: first WHO
report on neglected tropical diseases. Geneva: Department of Reproductive health and
Research, World Health Organization, 2010.
World Health Organization. Leprosy elimination campaigns: reaching every patient in every
village. Weekly Epidemiological Record. v.72, n.28, p.205 -8, 1997.
World Health Organization. Operational Guidelines: Global Strategy for Further Reducing the
Leprosy Burden and Sustaining Leprosy Control ctivities, (WHOSEA-GLP-2006.2), 2006.
WORLD BANK. World Development Report 1993: Investing in Health. New York: Oxford
University Press, 1993.
232
COMPROMISSO DO PESQUISADOR
Eu discuti as questões acima apresentadas com cada participante do estudo. É minha opinião
que cada indivíduo entenda os riscos, benefícios e obrigações relacionadas a esta pesquisa.
________________________________________Jequié, Data: __/__/__
Assinatura do Pesquisador
Para maiores informações, pode entrar em contato com o doutorando Charles Souza Santos,
Fone: (73) 9113-6120; (73) 3525 - 4028.
235
2. Dados sociais:
Formação Profissional de mais alto nível:
( ) Nível médio
( ) Graduação
( ) Especialização Quantas?_____ Qual área?___________________________
( ) Mestrado
( ) Doutorado
Profissão:_________________
Atuação profissional atual:_______________________
Situação do trabalho:
( ) Trabalha com registro em carteira ( ) Aposentado
( ) Funcionário público ( ) Desempregado
( ) Trabalho informal ( ) Afastamento com pensão
( ) “Faz bicos” (trabalhos eventuais) ( ) Outros. Qual?__________
Descaso Descaso
Ignorância Ignorância
Doenças Doenças
Falta-recurso Falta-recurso
Hanseníase Hanseníase
Pobreza Pobreza
Tuberculose Tuberculose
Atenção Atenção
Câncer Câncer
Falta-compromisso Falta-compromisso
Governo Governo
Ineficiência Ineficiência
Irresponsabilidade Irresponsabilidade
Responsabilidade Responsabilidade
Desassistência Desassistência
Desumanidade Desumanidade
DST DST
Hepatite Hepatite
HIV HIV
Leishmaniose Leishmaniose
Profissionalismo Profissionalismo
Sífilis Sífilis
1._________________________________________________________
2._________________________________________________________
3._________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
DOENÇA NEGLIGENCIADA faz parte de (é incluído em, é um exemplo de) (SUA RESPOSTA 1)
DOENÇA NEGLIGENCIADA compreende ou inclui (tem como exemplo, como caso particular) a (SUA
RESPOSTA 1)
DOENÇA NEGLIGENCIADA pertence à mesma categoria geral (classe) que a (SUA RESPOSTA 1)
DOENÇA NEGLIGENCIADA e (SUA RESPOSTA 1)são dois constituintes da mesma coisa (do mesmo objeto)
DOENÇA NEGLIGENCIADA provoca (tem como efeito, conseqüência ou fim) (SUA RESPOSTA 1)
DOENÇA NEGLIGENCIADA é uma ação que se aplica (tem como objeto, se exerce sobre) à (SUA RESPOSTA 1)
(SUA RESPOSTA 1)designa uma ação que se pode fazer em relação ao (a propósito de, no caso de, em relação
ao, sobre a) DOENÇA NEGLIGENCIADA
DOENÇA NEGLIGENCIADA é um instrumento que se utiliza sobre (a propósito de, no caso de, em relação a)
(SUA RESPOSTA 1)
DOENÇA NEGLIGENCIADA é utilizada pela (SUA RESPOSTA 1)
Agora, analise as relações entre Doença Negligenciada e a sua Resposta 2. Se para você
existe relação, assinale o quadrado “SIM” com um X. Se a relação não existe, assinale a
opção “NÃO”. Se não sabe, ou não tem certeza, assinale a opção “Talvez”.
DOENÇA NEGLIGENCIADA faz parte de (é incluído em, é um exemplo de) (SUA RESPOSTA 2)
DOENÇA NEGLIGENCIADA compreende ou inclui (tem como exemplo, como caso particular) a (SUA
RESPOSTA 2)
DOENÇA NEGLIGENCIADA pertence à mesma categoria geral (classe) que a (SUA RESPOSTA 2)
240
DOENÇA NEGLIGENCIADA e (SUA RESPOSTA 2)são dois constituintes da mesma coisa (do mesmo objeto)
DOENÇA NEGLIGENCIADA provoca (tem como efeito, conseqüência ou fim) (SUA RESPOSTA 2)
DOENÇA NEGLIGENCIADA é uma ação que se aplica (tem como objeto, se exerce sobre) à (SUA RESPOSTA 2)
(SUA RESPOSTA 2)designa uma ação que se pode fazer em relação ao (a propósito de, no caso de, em relação
ao, sobre a) DOENÇA NEGLIGENCIADA
DOENÇA NEGLIGENCIADA é um instrumento que se utiliza sobre (a propósito de, no caso de, em relação a)
(SUA RESPOSTA 2)
DOENÇA NEGLIGENCIADA é utilizada pela (SUA RESPOSTA 2)
Agora, analise as relações entre Doença Negligenciada e a sua Resposta 3. Se para você
existe relação, assinale o quadrado “SIM” com um X. Se a relação não existe, assinale a
opção “NÃO”. Se não sabe, ou não tem certeza, assinale a opção “Talvez”.
DOENÇA NEGLIGENCIADA faz parte de (é incluído em, é um exemplo de) (SUA RESPOSTA 3)
241
DOENÇA NEGLIGENCIADA compreende ou inclui (tem como exemplo, como caso particular) a (SUA
RESPOSTA 3)
DOENÇA NEGLIGENCIADA pertence à mesma categoria geral (classe) que a (SUA RESPOSTA 3)
DOENÇA NEGLIGENCIADA e (SUA RESPOSTA 3)são dois constituintes da mesma coisa (do mesmo objeto)
DOENÇA NEGLIGENCIADA provoca (tem como efeito, conseqüência ou fim) (SUA RESPOSTA 3)
DOENÇA NEGLIGENCIADA é uma ação que se aplica (tem como objeto, se exerce sobre) à (SUA RESPOSTA 3)
(SUA RESPOSTA 3)designa uma ação que se pode fazer em relação ao (a propósito de, no caso de, em relação
ao, sobre a) DOENÇA NEGLIGENCIADA
DOENÇA NEGLIGENCIADA é um instrumento que se utiliza sobre (a propósito de, no caso de, em relação a)
(SUA RESPOSTA 3)
DOENÇA NEGLIGENCIADA é utilizada pela (SUA RESPOSTA 3)
Relação A (28c) B = onde A será a palavra indutora (doença negligenciada); 28c (os
conectores da expressão padronizada) e B palavra induzida (03 repostas provenientes das
evocações livres R1, R2 e R3).
242
BLOCO 5: Contágio
Em sua opinião, por que alguém adquire uma doença transmissível; O que as pessoas podem
fazer para evitá-las; Na sua opinião e de coisas que já ouviu atendendo, como as pessoas
pensam que adquiriram estas doenças; O que elas fazem para evitar; O que elas fazem para
resolver antes, em paralelo ou apesar do sistema de saúde; Na sua opinião, por que as pessoas
ainda adoecem por doenças como estas.
244