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Universidade do Estado do Rio de Janeiro


Centro Biomédico
Instituto de Medicina Social

Luciano Teixeira Rocha

"Hospital não, pelo amor!": etnografando processos de desospitalização

Rio de Janeiro
2016
1

Luciano Teixeira Rocha

"Hospital não, pelo amor!": etnografando processos de desospitalização

Dissertação apresentada, como requisito parcial para


obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-
Graduação em Saúde Coletiva, da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração:
Política Pública, Planejamento e Administração em
Saúde.

Orientador: Prof. Dr. Kenneth Rochel de Camargo Junior

Rio de Janeiro
2016
2

CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/CB/C

R672 Rocha, Luciano Teixeira.


“Hospital não, pelo amor!”: etnografando processos de
desospitalização /Luciano Teixeira Rocha. – 2016.
265 f.

Orientador: Kenneth Rochel de Camargo Junior.

Dissertação (Mestrado) Universidade do Estado do Rio de


Janeiro, Instituto de Medicina Social.

1. Alta do paciente – Tendenências – Teses. 2. Etnografia


– Teses. 3. Hospitais gerais – Teses. I. Camargo Junior,
Kenneth Rochel de. II. Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. Instituto de Medicina Social. III. Título.

CDU 614.39(81)

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
dissertação, desde que citada a fonte.

____________________________________ _____________________
Assinatura Data

Luciano Teixeira Rocha


3

"Hospital não, pelo amor!": etnografando processos de desospitalização

Dissertação apresentada, como requisito parcial para


obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-
Graduação em Saúde Coletiva, da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração:
Política Pública, Planejamento e Administração em
Saúde.

Aprovada em 27 de abril de 2016.

Orientador (a) (es): Prof. Dr. Kenneth Rochel de Camargo Junior

Instituto de Medicina Social - UERJ

Banca Examinadora: ________________________________________________________

Prof.ª Dra. Elaine Teixeira Rabello


Instituto de Medicina Social - UERJ
________________________________________________________
Prof.ª Dra. Roseni Pinheiro
Instituto de Medicina Social - UERJ
________________________________________________________
Prof.ª Dra. Waleska de Araújo Aureliano
Instituto de Ciências Sociais - UERJ
________________________________________________________
Prof.ª Dra. Letícia Carvalho de Mesquita Ferreira
Fundação Getúlio Vargas

Rio de Janeiro
2016
4

DEDICATÓRIA

Para você, Bonito!


5

Eu estou aqui para confundir, eu não estou aqui para explicar.


Abelardo Barbosa aka Chacrinha
6

RESUMO

ROCHA, Luciano Teixeira. “Hospital não, pelo amor!”: etnografando processos de


desospitalização. 2016. 265 f. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) – Instituto de
Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.

A melhoria da qualidade de vida e das respostas da biomedicina nos fez viver mais
tempo que as gerações de nossos avós. O envelhecimento do nosso corpo propicia a instalação
de doenças crônicas que geram perdas econômicas mundiais na ordem dos bilhões de dólares
assim como o gasto em saúde. Os hospitais e as práticas desenvolvidas nas suas entranhas são
de longe a tecnologia mais cara do setor saúde. Umas das respostas sanitárias está baseada nos
processos de desospitalização. Objetivo: Responder à pergunta: Como fazer desospitalização
em hospital geral? Metodologia: Trata-se de estudo exploratório em documentos públicos
(acadêmicos, oficiais e operacionais) utilizando-se a análise documental clássica e em
documentos privados (memórias e lembranças do pesquisador) utilizando-se alguns
procedimentos da etnografia. Resultados: Através das análises dos documentos acadêmicos
descobriu-se que a utilização da desospitalização como forma de racionalização dos recursos
do hospital data desde o final da II Guerra Mundial. Dos documentos oficiais compreendeu-se
que para o SUS esse processo visa garantir a alta responsável dos pacientes do hospital. Dos
documentos operacionais, foi possível depreender que o processo de desospitalização é
composto de macroprocessos que objetivam a inclusão da família, o treinamento do cuidador
familiar e a organização de rede de atenção à saúde. Com as memórias e lembranças foi
possível identificarmos a construção do campo pela perspectiva historiográfica da Equipe de
Apoio à Desospitalização e Educação em Saúde (EADES) do Hospital Federal de Bonsucesso
e a construção do objeto de pesquisa pela perspectiva participante do pesquisador nos campos
e com os artefatos. Considerações finais: É possível afirmar que a desospitalização em
hospital geral se dá de múltiplas maneiras e que todas elas nos direcionam a ampliar nosso
olhar sobre os sujeitos. Mesmo que se tenha conseguido reunir um número significativo de
informações sugestivas sobre o seu modus operandi cabem ainda muitos outros estudos sobre o
tema pois, antes de tudo, desospitalização ainda continua sendo um tema pouco explorado em
pesquisas acadêmicas.

Palavras-chave: Desospitalização. Etnografia. Família e grupo social. Cuidador familiar.


Redes de atenção à saúde.
7

ABSTRACT

ROCHA, Luciano Teixeira. "No hospital, for love!": conducting ethnography on


dehospitalizations process in general hospital. 2016. 265 l. Dissertation (Master of Public
Health) - Institute of Social Medicine, State University of Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.

Improving the quality of life and biomedicine responses made us live longer than the
generations of our grandparents. The aging of our body provides the installation of chronic
diseases that generate global economic losses of billions of dollars as well as spending on
health. Hospitals and practices developed in his bowels are by far the most expensive
technology in the health sector. One of the health responses are based on dehospitalization
processes. Objective: To answer the question: How to do dehospitalization in general
hospital? Methodology: It is an exploratory study in public documents (academic, official and
operational) using the classical analysis of documents and in private documents (memories and
researcher Keepsakes) using some procedures of ethnography. Results: Through the analysis
of academic papers was found that the use of dehospitalization as a form of rationalization of
hospital resources date since from the end of World War II. From the official documents we
got understood that for the NHS the process of dehospitalization works in order to ensure the
high responsibility with the discharge of patients from hospital. In the operational documents
was possible to conclude that the dehospitalization process is composed of macro processes
that aim to include the family, the family caregiver training and the networking organization
for health care. With the memories and keepsakes was possible to identify the construction of
the research object by historiographical perspective of the Support for Dehospitalization and
Health Education Team (SDHET) in the Federal Hospital of Bonsucesso and the participant
perspective of the researcher in the fields and with the artifacts. Final Thoughts: You can say
that dehospitalization in general hospital is given in many ways and that all of them direct us to
expand our view to the subjects. Even if you managed a significant number of suggestive
information about their modus operandi, many other studies on the subject are needed because,
first of all, dehospitalization remains a subject little explored in academic research.

Keywords: Dehospitalization. Ethnography. Family and social group. Family caregivers.


Care networks health.
8

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Indicadores do perfil demográfico brasileiro no período de 2000 a


2015........................................................................................................ 14
Figura 2 – Demonstra dados sobre expectativa de vida e sobre expectativa de
vida saudável ao nascer para 23 países de baixa e média
economias............................................................................................... 15
Figura 3 – Poesia visual........................................................................................... 19
Figura 4 – Estudo para pele...................................................................................... 136
Figura 5 – PSI........................................................................................................... 137
Figura 6 – O canibal de Rotemburgo_Franky 1....................................................... 160
Figura 7 – O canibal de Rotemburgo_Franky 2....................................................... 162
Figura 8 – O Idiota 2................................................................................................ 172
Figura 9 – Colagem 1............................................................................................... 174
Figura 10 – Colagem 2............................................................................................... 174
Figura 11 – Colagem 3............................................................................................... 183
Figura 12 – Colagem 4............................................................................................... 188
Figura 13 – Colagem 5............................................................................................... 193
9

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Distribuição temporal dos documentos acadêmicos selecionados para


análise por ano de publicação................................................................ 45
Gráfico 2 – Distribuição percentual por tipo de documentos acadêmicos
selecionados para análise....................................................................... 46
Gráfico 3 – Distribuição dos tipos de documentos acadêmicos por ano de
publicação.............................................................................................. 46
Gráfico 4 – Distribuição dos documentos acadêmicos por área de conhecimento
afim por ano de publicação.................................................................... 50
Gráfico 5 – Distribuição dos documentos acadêmicos por seu tipo e área de
conhecimento afim................................................................................. 50
Gráfico 6 – Distribuição temporal dos documentos oficiais disponíveis na íntegra
para leitura e download por ano de publicação...................................... 66
Gráfico 7 – Distribuição percentual por tipo de documentos oficiais selecionados
para análise............................................................................................ 66
Gráfico 8 – Distribuição dos documentos tipo portarias, resoluções e extratos de
termo aditivo de contrato ou convênio pelos anos 1998, 2000 a
2002, 2004, 2009, 2011 a 2015............................................................. 67
Gráfico 9 – Distribuição dos documentos por funções agrupadas pelos anos 1998,
2000 a 2002, 2004, 2009, 2011 a 2015................................................. 71
Gráfico 10 – Número de novos “documentos operacionais” implementados pela
EADES nos anos 2011 a 2015.................................
Gráfico 11 – Relação entre o número de “documentos operacionais” 98
implementados pela EADES e o número de “documentos
operacionais” em desuso........................................................................
Gráfico 12 – Relação entre os “documentos operacionais” com circulação 99
exclusiva em meio digital e os “documentos operacionais” com 100
circulação me meio impresso.................................................................
Gráfico 13 – Número de “documentos operacionais” por classe funcional............... 124
Gráfico 14 – Distribuição do número de “documentos operacionais” por classe
funcional implementados nos anos 2011 a 2015................................... 124
10

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Classificação dos documentos acadêmicos de acordo com o banco de


dados da origem, os termos desospitalização e dehospitalization e a
disponibilidade ou não do texto completo para leitura e
download................................................................................................. 33
Quadro 2 – Relação dos documentos acadêmicos disponíveis para leitura e
download e o número de vezes que aparecem publicados
repetidamente nos portais BVS e Pubmed.............................................. 34
Quadro 3 – Relação dos documentos oficiais cujo conteúdo apresenta pistas
metodológicas sobre processos de desospitalização............................... 39
Quadro 4 – Relação das pistas e das anti-pistas sobre desospitalização encontradas
nos documentos acadêmicos................................................................... 61
Quadro 5 – Relação das categorias das funções dos documentos oficiais com seus
grupamentos correspondentes................................................................. 69
Quadro 6 – Relação das pistas e das anti-pistas sobre desospitalização encontradas
nos documentos oficiais.......................................................................... 86
Quadro 7 – Sistematização do tempo de vida dos documentos operacionais por
ano de implementação, anos de continuidade e ano de
desuso...................................................................................................... 96
Quadro 8 – Relação das pistas e das anti-pistas sobre desospitalização encontradas
nos documentos operacionais.................................................................. 130
11

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................. 12
1 NOTAS SOBRE O PROCESSO DE SELEÇÃO DOS DOCUMENTOS
PÚBLICOS PARA ANÁLISE........................................................................... 31
1.1 Documentos acadêmicos.................................................................................... 32
1.2 Documentos oficiais............................................................................................ 38
1.3 Documentos operacionais................................................................................... 41
2 ANALISANDO OS DOCUMENTOS ACADÊMICOS.................................. 44
2.1 Olhar quantitativo.............................................................................................. 44
2.2 Olhar qualitativo................................................................................................ 47
2.3 Olhar funcionalístico........................................................................................... 54
3 ANALISANDO OS DOCUMENTOS OFICIAIS........................................... 64
3.1 Olhar quantitativo............................................................................................... 65
3.2 Olhar qualitativo................................................................................................. 68
3.3 Olhar funcionalístico.......................................................................................... 79
4 ANALISANDO OS DOCUMENTOS OPERACIONAIS............................... 93
4.1 Olhar quantitativo............................................................................................... 94
4.2 Olhar qualitativo................................................................................................. 100
4.3 Olhar funcionalístico.......................................................................................... 126
5 NOTAS SOBRE A HISTÓRIA E AS ESTÓRIAS DA EADES..................... 136
5.1 De Angra à Penha............................................................................................... 138
5.2 Os espaços de atuação e a constituição da equipe........................................... 140
5.3 Do SAD ao SADES............................................................................................. 142
5.4 Desenhando o novo serviço................................................................................ 144
5.5 O que é a EADES?............................................................................................. 145
5.6 Adquirindo novos conhecimentos...................................................................... 147
5.7 Encontrando parceiros e “marquetenado”....................................................... 149
5.8 Recebendo visitas importantes........................................................................... 152
5.9 A EADES e a Academia...................................................................................... 153
5.10 A Câmara Técnica de Desospitalização e seus efeitos...................................... 155
5.11 Como ganhar enfermeiras.................................................................................. 156
12

5.12 Como nascem os projetos................................................................................... 157


6 NOTAS SOBRE A IMPLICAÇÃO AFETAÇÃO COM OS CAMPOS, OS
OBJETOS ARTEFATOS E OS COMO SUJEITOS.................................. 159
6.1 Eu como sujeito-paciente.................................................................................... 163
6.2 Eu como sujeito-profissional de saúde.............................................................. 165
6.3 Eu como sujeito-servidor público...................................................................... 166
6.4 Eu como sujeito-pesquisador............................................................................. 168
6.5 Eu como sujeito-acompanhante-filho-cuidador............................................... 171
7 DISCUSSÃO........................................................................................................ 174
7.1 Os três fluxogramas............................................................................................. 177
7.2 O documento operacional “Fluxograma Captação” e a categoria
“família”............................................................................................................... 183
7.3 O documento operacional “Fluxograma Redes de Atenção à Saúde –
RAS” e a categoria “redes”................................................................................ 188
7.4 O documento operacional “Fluxograma Cuidados” e a categoria
“cuidado”............................................................................................................. 193
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................. 200
REFERÊNCIAS.................................................................................................. 205
APÊNDICE A – Zé Lélis vai ao hospital: roteirizando um processo de
desospitaliação...................................................................................................... 215
ANEXO A – Arcaouço teórico-legal da EADES................................................. 244
ANEXO B – Documento Operacional “Censo"................................................... 249
ANEXO C – Documento Operacional “Fichário de Dados do(a) Paciente”....... 250
ANEXO D – Documento Operacional “Fluxograma Captação”.......................... 258
ANEXO E – Documento Operacional “Fluxograma Redes de Atenção à Saúde
- RAS”................................................................................................................... 260
ANEXO F – Documento Operacional “Fluxograma Cuidados”.......................... 262
ANEXO G – Documento Operacional “Redes de Atenção à Saúde” (versão
para os pacientes).................................................................................................. 264
ANEXO H – Documento Operacional “Redes de Atenção à Saúde” (versão
para os profissionais)............................................................................................. 265
13

INTRODUÇÃO

Em uma tarde ensolarada de sábado, sentei na frente do meu computador que ainda
tinha pregadores de roupas fixando sua tela quebrada, para de uma só tacada (re)escrever a
introdução da minha dissertação. Considerando que usaria o texto do meu projeto de
qualificação como base para esta (re)escrita, estava confiante de que essa tarefa não seria uma
das mais difíceis de ser cumprida. Ledo engano. Lendo o primeiro parágrafo do meu projeto de
qualificação me senti como se estivesse em frente a uma página em branco. “Como eu tive
coragem de um dia ter escrito aquilo daquela maneira?”, perguntei a mim mesmo balançando a
cabeça para um lado e depois para o outro. E por ali eu permaneci congelado, olhando aquele
primeiro parágrafo, sem conseguir, sequer, uma letra teclar. Na minha frente apenas a tal da
“página em branco” e aquele traço vertical que ficava alternadamente aparecendo e
desaparecendo. Foi assim que eu me vi.
“Horas” depois, ouvi o barulho de chaves no portão de ferro, era o meu vizinho de
cima chegando da rua. Um dos seus rituais é sair aos sábados para comprar carnes assadas
numa padaria metida à granfina aqui perto de casa, e super cara. Ele passou pela porta da
cozinha que estava aberta e me viu em pé à frente da pia, entrou, puxou uma cadeira e se
sentou, depois se deu conta de que eu estava moendo grãos de café, pediu uma xícara e se pôs a
falar. Por sinal, falar muito é um dos seus outros tantos rituais. Um quarentão de Nova Iorque
boa gente e cheio de rituais. Comecei a falar sobre o “branco” no qual eu me encontrava diante
do desafio de (re)escrever a introdução dessa dissertação e sobre o desconforto que estava
sentindo por não mais conseguir me identificar com o texto do meu projeto de qualificação que
imaginei utilizar como um ponto de partida para essa (re)escrita. Ele, após a última golada no
seu café, reuniu suas sacolas e já quase saindo pela porta da cozinha, me disse: “In each five
seconds you are not the same”.
Achei que ele estava querendo me dizer que era mais do que esperado o fato de eu não
me reconhecer naquele texto que parecia tão ultrapassado para mim e de querer reescrever toda
a introdução, já que milhares de milhões de cinco segundos haviam se passado entre aquela
época em que o escrevera e hoje, naquela tarde ensolarada de sábado.
14

Mutatis Mutandis o mundo em que coabitamos também não é o mesmo a cada cinco
segundos. Transições nas mais diversas ordens e setores (demografia, adoecimento e morte,
gastos com saúde, tecnologia, política, gestão, etc.) acontecem e são debatidas e
problematizadas todos os dias, inclusive nas “politizadas” redes sociais.
Pois bem, a partir desse momento duas perguntas precisaram ser feitas: “Quais dessas
mudanças (ou quebra de paradigmas) afetam essa pesquisa e de que forma essa afetação
se dá?”. Tentando responder às perguntas anteriores procurarei apresentar de forma sintética e
um tanto quanto simplificada quatro transições que a partir do meu ponto de vista
influencia(ra)m diretamente o objeto e o campo da minha pesquisa, e consequentemente ela
própria.
Foi realizando pesquisas em sites de busca, bancos de dados oficiais e em estudos
científicos que os cenários e os contextos que serão apresentados a seguir ganharam conteúdo e
forma. Sei que muita informação ficará de fora e que outras transições também poderiam
influenciar os rumos dessa pesquisa, porém, tratá-las aqui em nada mais contribuiria para essa
pequena introdução. Trarei à baila questões relacionadas às seguintes transições: a) Transição
Demográfica; b) Transição Epidemiológica; c) Transição Econômica; e d) Transição Sanitária.

Transição demográfica

Para pensar sobre a população mundial, como éramos no passado e como somos hoje,
requer que olhemos para alguns indicadores para só então, entendermos nossa dinâmica
evolutiva (?). A figura 1 a seguir traz quatro gráficos sobre os indicadores “Taxas de
Fecundidade Total”, “Taxas Brutas de Natalidade por Mil Habitantes”, “Taxas Brutas de
Mortalidade por Mil Habitantes” e “Esperança de Vida ao Nascer”.

1
Disponível em: http://brasilemsintese.ibge.gov.br/populacao/taxas-de-fecundidade-total.html . Acesso em 11 de
abril de 2016.
15

Figura 1 – Indicadores do perfil demográfico brasileiro no período de 2000 a 2015.

(a) (b)

(c) (d)
Legenda: (a) – Taxa de fecundidade total; (b) – Taxa bruta de natalidade por mil habitantes;
(c) – Taxa bruta de mortalidade por mil habitantes; (d) – Esperança de vida ao nascer.
Fonte: IBGE, 2015.

Da leitura dos gráficos acima poderíamos depreender que hoje já somos uma
sociedade onde um número cada vez menor de jovens (em decorrência da diminuição das taxas
de fecundidade e de natalidade) se encontra na posição de responsável por “sustentar” uma
quantidade cada vez maior de pessoas idosas e/ou dependentes e por um tempo cada vez mais
prolongado (em decorrência da diminuição das taxas de mortalidade e das respostas da
biomedicina) 2 . As clássicas imagens das pirâmides etárias ilustrariam bem essa tese; se
olharmos a imagem da pirâmide que representa a projeção demográfica para ano de 20503,
claramente o que identificaremos será o desenho de uma pirâmide invertida, onde uma base
bastante estreita serve de sustentação para todo o resto. Um cenário não muito favorável.

2
Garcia et al. (2002) no artigo “O Envelhecimento e a Saúde” publicado da Revista de Ciências Médicas de
Campinas chamam a atenção para a velocidade que essas transições nas taxas de fecundidade e de natalidade
vinham ocorrendo no Brasil. Segundo os autores em países como a França foi necessário mais de um século (115
anos) pata as taxas de fecundidade alcançarem os patamares de hoje (2002) enquanto no Brasil levaram-se apenas
trinta anos. Outro fator destacado pelos autores foi o fato de que enquanto nos países desenvolvidos a expectativa
de vida ao nascer aumentou em decorrência de um “processo de bem-estar social por meio do qual houve a
ampliação das políticas sociais de saúde, habitação, saneamento, educação e emprego”, no Brasil ela se deu “mais
pela ação médico-sanitária do que por transformações estruturais traduzidas em melhoria de qualidade de vida”.
3
Os gráficos das pirâmides etárias estão disponíveis para manuseio na página do IBGE. Disponível em:
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/projecao_da_populacao/2008/piramide/piramide.shtm .
Acesso em 11 de abril de 2016.
16

Somando-se a isso temos um estudo da revista científica The Lancet do ano de 2007
que trata sobre a carga e os custos das doenças crônicas nos países de baixa e média-renda,
como o Brasil, e que nos apresenta um novo indicador demográfico, um indicador que conta o
tempo de vida saudável da população dos países de baixa e média renda e não apenas o tempo
de vida a mais que ganhamos. E isso faz diferença. A figura 2 a seguir mostra que os tão
comemorados anos ganhados em expectativas de vidas não correspondem obrigatoriamente a
anos de vida saudável.

Figura 2 – Demonstra dados sobre expectativa de vida e sobre expectativa de vida saudável ao
nascer para 23 países de baixa e média economias.

Fonte: The Lancet, 2007.4

Se olharmos no grupo de colunas da esquerda no quadro veremos que as metas globais


sobre a expectativa de vida ao nascer no Brasil no ano de 2015 estariam na casa dos 73,4 anos
de idade. Entretanto, quando olhamos o grupo de colunas da direita percebemos que somente
64,4 anos de todos aqueles anos de vida que ganhamos, é que viveremos uma vida com saúde.
Segundo o estudo, viveremos cerca de nove (9) anos da nossa vida com alguma ou mais de
uma doença.

4
Disponível em: http://www.thelancet.com/pdfs/journals/lancet/PIIS0140-6736(07)61696-1.pdf Acesso em: 11 de
abril de 2016.
17

Transição epidemiológica

A partir de dois trabalhos clássicos sobre transição epidemiológica, ambos publicados


no século passado, Lebrão (2007) e Schramm et al. (2004) nos apresenta que a transição
epidemiológica do Brasil se diferencia da clássica teoria da transição epidemiológica5, a teoria
das três idades, um modelo de transição que é sequencial e unidirecional. No caso do Brasil,
segundo os autores, o que temos é um modelo de transição epidemiológica com traços bem
característicos denominado “polarizado prolongado”. Esse modelo faz com que ao mesmo
tempo em que temos um alto índice de óbitos por doença cardiovascular, também o temos
devido às doenças infecciosas e parasitárias; às doenças ditas controladas que retornam mais
graves, vide a dengue e a tuberculose; e à persistência das desigualdades sociais que fazem
com que diferentes grupos sociais vivenciem as etapas da transição epidemiológica de maneira
heterogênea.
Considerando que a população envelheceu e que no seu percurso final de vida vai
sofrer e morrer de alguma doença 6, de que doenças vamos morrer, então? De que doenças
iremos morrer mais, das agudas ou das crônicas, das infecciosas ou das degenerativas, das com
possibilidade de tratamento e cura ou das apenas paliativas, das de alto custo e alta
dependência tecnológica ou o contrário? Entendendo que no Brasil há uma pluralidade de
perfis de morbimortalidade, o que os estudos epidemiológicos prospectivos desenham para nós
no futuro?
O Instituto Nacional do Câncer (INCA) (2005), por exemplo, afirma que no ano de
2020 teremos 15 milhões de novos casos com 12 milhões de morte por câncer. Essa alta
incidência do câncer junto a alta incidência das doenças cardiovasculares serão as causas de
60% das mortes no ano de 2020, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) (2003)7,
que no mesmo estudo atribuiu às doenças crônicas a responsabilidade por 78% da carga global

5
Omram (1971) apresenta as três eras da transição epidemiológica. A primeira era seria “The age of pestilence
and famine” onde a expectativa de vida girava em torno dos 20 a 40 anos. A segunda era seria “The age of
receding pandemics” onde a expectativa de vida se concentraria entre os 30 e os 50 anos de idade. E a terceira era
que seria “The age of degeneratives and man-made diseases” cuja expectativa de via passaria dos 50 anos.
6
Essa assertiva é resultante de um estudo ecológico sobre série temporal (2002 – 2012) das taxas de internação
por doenças crônicas não-transmissíveis (DCNT) para o Brasil e suas macrorregiões, com dados do Sistema de
Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS) (SANTOS ET AL., 2015).
7
O texto em língua estrangeira é: “It has been projected that, by 2020, chronic diseases will account for almost
three-quarters of all deaths worldwide, and that 71% of deaths due to ischaemic heart disease (IHD), 75% of
deaths due to stroke, and 70% of deaths due to diabetes will occur in developing countries (4). The number of
people in the developing world with diabetes will increase by more than 2.5-fold, from 84 million in 1995 to 228
million in 2025 (5). On a global basis, 60% of the burden of chronic diseases will occur in developing countries.”
Disponível em: http://www.who.int/nutrition/topics/2_background/en/ . Acesso em: 11 de abril de 2016.
18

de doenças nos países em desenvolvimento. Ainda estamos em 2016 e o padrão de mortalidade


que encontramos no Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) já muito se assemelha ao
perfil projetado pelos estudos. Diante dessas informações somos levados a acreditar que de
todos daqueles nove anos de vida que ganhamos segundo o indicador expectativa de vida ao
nascer, a grande maioria deles será de anos de vida adoecida em companhia de uma ou mais de
uma doença crônica.

Transição econômica

Em 11 de junho de 2015, durante a reunião de cúpula entre a União Europeia e a


Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), a Presidenta Dilma Russef
foi perguntada se a crise econômica que o Brasil se encontrava não era apenas uma
“marolinha”, como havia dito em 2008 o então ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva 8 .
Respondeu nossa Presidenta9: “Naquele momento, foi sim, senhor. Mas depois a marola se
acumula e vira uma onda”, justificou, mencionando ainda a crise do banco Lehman Brothers
nos Estados Unidos e das dívidas na Europa iniciada em 2010. Se a dita “marolinha” virou
onda me parece que a onda virou um grande tsunami. O Brasil de setembro de 2015 a fevereiro
de 2016, teve sua nota de crédito rebaixada pelas três maiores agências de classificação de
risco em investimento perdendo seu selo de bom pagador10.
Com menos capital estrangeiro injetando dólares nos cofres dos governos brasileiros
tornou-se premente que medidas de austeridade na máquina administrativa fossem tomadas e
uma delas foi o corte nos orçamentos anuais; o orçamento da saúde para o ano de 2016, por

8
Copio matéria de Ricardo Galhardo publicada em 04 de outubro de 2008 no O Globo online: “SÃO BERNARDO
DO CAMPO - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a minimizar os efeitos da crise americana no Brasil,
neste sábado, em São Bernardo do Campo, depois de participar de carreata ao lado do candidato a prefeito da
cidade, o ex-ministro Luiz Marinho, afirmando:- Lá (nos EUA), ela é um tsunami; aqui, se ela chegar, vai chegar
uma marolinha que não dá nem para esquiar”. Disponível em http://oglobo.globo.com/economia/lula-crise-
tsunami-nos-eua-se-chegar-ao-brasil-sera-marolinha-3827410 . Acesso em: 11 de abril de 2016.
9
Disponível em: http://veja.abril.com.br/noticia/economia/brasil-nao-pode-conviver-com-inflacao-alta-afirma-
dilma-em-bruxelas. Acesso em:11 de abril de 2016.
10
A matéria publicada na Folha online fala do efeito dominó do rebaixamento da nota de crédito brasileira pelas
três maiores agências de classificação de risco em investimento “O anúncio ocorre exatamente uma semana após a
agência Standard & Poor's cortar pela segunda vez a nota do país em cinco meses, avaliando que o processo de
ajuste da economia será mais prolongado do que o esperado. A perspectiva da S&P é negativa. A S&P foi a
primeira agência a retirar o selo de bom pagador do país, em setembro do ano passado. Três meses depois, foi a
vez de a agência Fitch também retirar o grau de investimento do Brasil. A Moody's era a última agência entre as
três grandes que mantinha o país como grau de investimento, mas o rebaixamento já era esperado pelo próprio
governo”. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/02/1742694-agencia-de-risco-moodys-tira-
selo-de-bom-pagador-do-brasil.shtml. Acesso em: 11 de abril de 2016.
19

exemplo, perdeu cerca de R$ 3,8 bilhões11. Somando-se a essa “marolinha” ainda temos as
doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) como sendo uma das grandes vilãs pelos altos
encargos econômicos sobre os indivíduos, as sociedades e os sistemas de saúde (Malta et al.;
2015) e das grandes responsáveis pelas internações hospitalares (cerca de 50%) (Santos et al.;
2015), os mais onerosos equipamentos de saúde, segundo o relatório FISCSAÚDE de 201312.
Ou seja, teríamos um cenário onde uma enorme quantidade de pessoas estaria vivendo doente
por mais tempo e se utilizando dos recursos mais caros do setor Saúde, os hospitais e suas
tecnologias.

Transição sanitária13

Tomo agora a liberdade de “poesis-ar”: foram tantos os avanços da biomedicina e na


qualidade de vida, que o tempo logo encontrou uma maneira de continuar colocando seus
pontos-finais no que quer que seja. Os parasitas se reinventaram e ficaram mais fortes e
impiedosos. O nosso próprio corpo, em respostas às demandas do mundo moderno e às cada
vez mais cruéis condições de vida, caiu doente. O setor Saúde também precisou mudar, caso
contrário não seria capaz de dar respostas às essas novas demandas por saúde. A Figura 3
ilustra poeticamente a assertiva acima:

11
De acordo com a matéria de Cristiane Jungblut publicada no O Globo online de 04 de novembro de 2015 “O
Ministério do Planejamento enviou nesta quarta-feira documento oficializando o corte de R$ 26 bilhões na
proposta de Orçamento da União de 2016, que foi encaminhado ao Congresso já com um rombo de R$ 30,5
bilhões. O corte nas despesas atinge duas áreas importantes: a Saúde perde R$ 3,8 bilhões e o Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC) tem redução de R$ 2,7 bilhões”. Disponível em:
http://oglobo.globo.com/brasil/governo-oficializa-corte-de-26-bilhoes-no-orcamento-de-2016-17963013 . Acesso
em: 11 de abril de 2016.
12
O FiscSaúde, é o primeiro relatório sistêmico de fiscalização da saúde no Brasil, produzido durante 2013, a
partir do estudo de diversos documentos, da visita a 116 hospitais de todas as regiões brasileiras e de entrevistas
com gestores, representantes do Judiciário e de conselhos profissionais realizado pelo O Tribunal de Contas da
União (TCU). Nesse relatório podemos perceber que os gastos com a média e a alta complexidade hospitalar
correspondem a cerca de 71% de todos os gastos com saúde do SUS no período dos anos 2012 e 2013. Disponível
em: http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/imprensa/noticias/noticias_arquivos/032.624-
20131%20Fisc%20Saude.pdf . Acesso em: 11 de abril de 2016.
13
Schramm et al. (2004) consideram o conceito de transição sanitária como sendo a resposta social organizada às
novas condições de saúde da sociedade que é representada pelos modelos de atenção à saúde, determinada em
grande medida pelo desenvolvimento social, econômico e tecnológico mais amplo.
20

Figura 3 - Poesia visual

DOENÇAS CONDIÇÕES DE VIDA

CURA CUIDADO

HOSPITAL DOMICÍLIO
Fonte: o autor, 2015.

É lógico que inúmeras outras mudanças estão em curso na Saúde, mas aqui tratarei
apenas de três delas: a) a mudança do objeto de ação da Saúde; b) a mudança da ação (ou
ações) da Saúde propriamente dita(s); e c) a mudança donde a(s) mesma(s) seria(m)
preferencialmente exercida(s).
A transformação do objeto de ação da Saúde: em algum momento passa(re)mos a olhar
a DOENÇA de outra maneira, passa(re)mos a percebê-la como as CONDIÇÕES DE VIDA de
cada indivíduo. A doença perde(rá) sua relação com a normalidade baseada exclusivamente em
dados quantitativos tomados sobretudo da fisiologia comum ao século XVIII e ganha(rá) outros
aspectos. Canguilhem há tempos já defendia que o patológico não poderia ser considerado o
antônimo da normalidade, pois, segundo ele, a doença estaria presente durante a existência de
todo ser vivo (COELHO & ALMEIDA FILHO, 1999). Ou seja, estamos sendo convidados a
acreditar que mesmo que não tenhamos uma saúde totalmente perfeita, sempre teremos (a nossa
própria) saúde. E é esta saúde a que devemos encontrar, proteger e potencializar enquanto vida
tivermos.
A transformação das ações de saúde propriamente ditas: sabemos que apesar de todos
os avanços da medicina moderna, muitas são as doenças que não conseguimos curar
(HENNEMANN-KRAUSE, 2012). E que quando não se pode curar, o que é muito frequente, o
alívio do sofrimento e o conforto passam a ser universalmente reconhecidos como os objetivos
21

principais (da Saúde) 14 , a autora supracitada completa. Observemos que na publicação da


Política Nacional da Atenção Hospitalar (PNHOSP)15 publicada pelo Ministério da Saúde em
2013 já não encontramos a palavra cura associada às ações desempenhadas pelos hospitais. O
que lemos é:

“Art. 3º Os hospitais são instituição complexas, com densidade tecnológica específica,


de caráter multiprofissional e interdisciplinar, responsável pela assistência aos
usuários com condições agudas ou crônicas, que apresentem potencial de
instabilização e de complicações de seu estado de saúde, exigindo-se assistência
contínua em regime de internação e ações que abrangem a promoção da saúde, a
prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento e a reabilitação” (BRASIL, 2013).

O quarteto García-Goñi, HernándezQuevedo, Nuño-Solinís e Paolucci (2011), ao


estudar os caminhos que a Espanha encontrou para cuidar dos doentes crônicos, concluiu que

“A abordagem tradicional aos cuidados de saúde é baseada no conceito de doença


com início abrupto e duração limitada, que geralmente podem ser curadas por
profissionais de saúde. As condições crônicas, no entanto, não se encaixam neste
conceito. Entre outras características, por seu aspecto ser geralmente gradual, o seu
desenvolvimento, progressivo e a sua gestão, complexa. (...) Por isso, uma
reformulação dos sistemas que cuidam de saúde para um modelo de atenção integrada
(e integral), com foco na gestão das doenças crônicas parece ser uma direção
promissora para aumentar a capacidade de resposta às necessidades e preferências dos
consumidores e consequentemente aumentar a eficiência 16 (dos sistemas)” (GARCIA-
GOÑI ET AL., 2012).

A transformação do locus de produção da Saúde: do HOSPITAL para o DOMICÍLIO.


A transição demográfica e a transição epidemiológica que vêm ocorrendo no país têm
fortalecido estratégias, mecanismos e práticas inovadoras de cuidado em saúde na tentativa de
atender as demandas por melhorias na qualidade da atenção e por um cuidado integral à saúde.
Surgiram com isso novas formas de cuidar próximas ao e centradas no domicílio como a

14
No texto original a autora usa o termo “da Medicina”.

15
Portaria GM/MS nº 3.390 de 30 de dezembro de 2013 que institui a Política Nacional de Atenção Hospitalar
(PNHOSP) no âmbito do SUS estabelecendo as diretrizes para a organização do componente hospitalar da Rede de
Atenção à Saúde (RAS).

16
O texto em língua estrangeira é: “The traditional approach to healthcare is based on a concept of illnesses with
abrupt onset and limited duration, which can be usually cured by health professionals. Chronic conditions
however do not fit with this concept. Among other characteristics, their appearance is usually gradual, their
development progressive and their management is complex. As a consequence, chronic patients have to cope with
their condition and its effects, which often have a significant impact on their quality of life over a long period of
time. Such patients therefore have experience and knowledge on their condition complementary to that of health
professionals, a factor which current health systems often neglect. Therefore, a redesign of health care systems
towards an integrated care model with a focus on chronic-disease management seems to be a promising direction
to increase the responsiveness to consumers’ needs and preferences and thereby increase efficiency.”
22

Estratégia de Saúde da Família (ESF), os serviços de Atenção Domiciliar (AD), as propostas de


cuidados paliativos domiciliares, entre outros (BRASIL, 2013). Para Feuerwerker & Merhy
(2008), a casa possibilita um novo “espaço de cuidado” que “pode remeter a uma identificação
e proximidade do cuidador para além da função técnica e da instituição hospitalar”. Este novo
local permite um leque de opções na produção do cuidado e uma maior autonomia para a
família do usuário, segundo Carvalho (2009).
São tantas e irreversíveis mudanças que me pergunto: será que estamos prontos a dar
respostas às demandas por saúde e da Saúde que se sobrepõem sucessiva e ininterruptamente?
O que posso afirmar é que da mesma forma que as demandas surgem e se sobrepõem, ofertas
que tentam dar respostas a estas demandas também “surgem” e são criadas dia após dia.
A Desospitalização é uma destas novas tendências nas práticas hospitalares que vem à
tona na tentativa de responder às crescentes demandas (do mercado produtor, do consumidor
final, dos órgãos reguladores, etc.) e aos altos e crescentes custos da assistência hospitalar
(NETO & MALIK, 2006). Preciso alertá-los que esta nova “worldwide trend”17 não é tão nova
assim.
Desde agosto de 2011, quando me fui obrigado a coordenar as ações de
desospitalização do Hospital Federal de Bonsucesso (HFB), venho procurando textos e leituras
que me dessem substâncias e subsídios sobre o que poderia vir a ser Desospitalização. Me
deparei com o tema sendo debatido ou simplesmente citado em muitos e variados campos:
Economia em Saúde, Humanização, Ética e Bioética, Atenção Domiciliar, Reforma
Psiquiátrica, Saúde Suplementar. Da mesma forma, tão variadas são as datas ou as épocas em
que o tema Desospitalização já se encontrava presentificado e em ação e discussão. De todo
modo ainda restavam algumas questões sem solução. E como deveríamos desospitalizar, era
uma delas.
Em 2014 iniciei meu mestrado no Instituto de Medicina Social (IMS) da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) com o intuito de me aprofundar nas leituras e nos estudos
sobre Desospitalização, mais especificamente, sobre o seu modus operandi. Afinal, eu ainda
continuava responsável pela gestão de uma equipe e pela construção de um programa de
desospitalização para um hospital federal. Depois da leitura de The body multiple: ontology in

17
Algo como “tendência mundial”. Era assim que os entrevistados do serviço público de cuidados domiciliares da
cidade (scenario) 2 da pesquisa de Silva et al. (2005) enxergavam o processo de desospitalização.
23

medical practice18 decidi que iria me utilizar do método etnográfico quando fosse realizar essa
pesquisa, afinal eu já me encontrava dentro do campo há anos ocupando tanto a posição de
observador como a posição de participante, e vinha fazendo minhas anotações nos “cadernos
de campo” que dispunha: o documento operacional “Diário de bordo” e a minha memória19.
A pergunta dessa pesquisa: Como fazer desospitalização em hospital geral? é
propositalmente a mesma pergunta que me fiz quando comecei a coordenar a Equipe de Apoio
à Desospitalização e Educação em Saúde (EADES)20 do HFB, posto que ocupo até hoje. Em
2011 tentava encontrar maneiras (práticas, protocolos, rotinas, etc.) que pudessem guiar as
ações de um grupo de profissionais na sua lide diária dentro de um hospital geral. Todavia,
durante o desenvolvimento dessa dissertação a pergunta dessa pesquisa foi ganhando outras
nuances e dando margens à inúmeras possibilidades de resposta. Essa dissertação apresenta
algumas delas sem ter, em momento algum, a pretensão de prescrever verdades absolutas sobre
o modos operandi da desospitalização. O próprio título desse trabalho – “Hospital não pelo
amor!” pode ser percebido como uma dessas possíveis respostas. Ele, cheio de evidências
materiais e simbólicas, nos dá algumas pistas por onde e para aonde essa dissetação um tanto
quanto não-ortodoxica nos encaminhará. Cabem, antes da apresentação desse trabalho, como o
mesmo foi pensado, produzido e organizado, algumas considerações:

a) optei por apresentar uma dissertação de mestrado que, ao invés de estabelecer


um recorte específico reduzido do objeto a ser estudado, traz uma profusão de
informações que são minuciosamente descritas mas pouco analisadas em
profundidade. É como se eu estivesse mostrando as cartas de um jogo e
convidando o leitor a construir suas próprias regras de leitura e interpretação do
mesmo. Eu poderia justificar tal fato pelo exímio e escasso tempo em que nós,

18
The Body Multiple é uma extraordinária etnografia de uma doença ordinária. Percorrendo os campos de trabalho
do hospital da Dutch University, Annemarie Mol acompanha o dia-a-dia da aterosclerose, desde o diagóstico até o
tratamento.
19
O uso de minha memória como documento se apoia naquilo que Pierre Janet "considera que o ato mnemônico
fundamental é o ‘comportamento narrativo’ que se caracteriza antes de mais nada pela sua função social, pois que
é comunicação a outrem de uma informação, na ausência do acontecimento ou do objeto que constitui o seu
motivo" (LE GOFF, 1990, 367).
20
A Equipe de Apoio à Desospitaliação e Educação em Saúde (EADES) é uma equipe multiprofissional
(Assistente Social, Enfermeiro/a, Técnica em Assunto Educacional, Técnica de Enfermagem, Residente de Saúde
Coletiva) cujos profissionais tem multi formação e que atua dentro do Hospital Federal de Bonsucesso na cidade
do Rio de Janeiro desde 2011. A EADES tem como finalidade “Apoiar a Gestão dos Processos de
Desospitalização através da Organização e Gestão das Redes de Atenção à Saúde (RAS) e do Aprendizado em
Saúde do todos os/as usuários/as em atendimento pela equipe (gestores/as, profissionais de saúde, pacientes,
famílias, grupos sociais e cuidadores/as familiares).
24

mestrandos, temos para produzir uma. Mas não, assumo que minha dissertação
está intencionalmente na direção contrária ao que comumente nos deparamos na
produção acadêmica, entretanto, não tenho a intenção de com ela confrontar ao
que hegemonicamente está posto e é validado como ciência, muito pelo
contrário, o que pretendo é solicitar à Academia que outras formas de produção
textual também sejam validadas como tal;

b) escolhi trabalhar apenas com documentos entendendo que essa seria uma
alternativa que me liberaria da obrigação de submeter meu projeto para análise e
aprovação tanto do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Instituto de Medicina
Social da UERJ quanto do Departamento de Pesquisa do Hospital Federal de
Bonsucesso;

c) no início de alguns capítulos apresento trechos da minha lide diária na e com a


Academia. Decidi valorizar o processo de desenvolvimento desse trabalho mais
que os resultados alcaçados pois entendo que dessa maneira também estou
apresentando minha metodologia de trabalho, o que fiz e como o fiz para chegar
no lugar onde consegui chegar, além inclusive de aproximar o leitor do meu
mundo contextualizado;

d) considero que meu trabalho foi desenvolvido ora se sustentando nas técnicas e
práticas utilizadas pela análise documental clássica, ora se enamorando com os
procedimentos constantes da produção de uma etnografia de documentos. Esse
ir-e-vir foi acontecendo à medida em que a pesquisa avançava, pois, a cada novo
achado outras perguntas surgiram e para respondê-las foram necessárias outras
metodologias fossem empregadas;

e) me apoiei na dialética como discurso porque ela, de acordo com Bruyne et al.
(1977) 21 é um abalo de todo o conhecimento rígido, que evidencia a relação
essencial da identidade na diferença, assim como da contradição na identidade; e
também, porque ela não explica, e sim, coloca questões sem dar respostas, não

21
Para maiores entendimentos sugiro a leitura da obra “Dinâmica das pesquisas em Ciências Sociais”. Este livro
foi escrito por Paul de Bruyne, Jacques Herman e Marc de Schoutheete professores da Universitaires de France
com o objetivo de apreender, no interior da ciência que se faz, os processos pelos quais ela se elabora e se
assegura de sua cientificidade.
25

segue um caminho preestabelecido e trat-se de um pensamento condicionando a


implicação do observador como validade da investigação;

f) trouxe imagens de obras de arte para introduzir alguns capítulos das duas
últimas partes dessa dissertação. Enviei os capítulos da segunda parte para o
artista plástico Victor Mattina e o capítulo “Discussão” da terceira parte para o
artista visual Rogério Martins pedindo a eles que a partir da leitura dos capítulos
eles respondessem à pergunta dessa pesquisa com imagens de cinco obras de
arte de suas autorias. Do Victor Mattina recebi cinco imagens de telas à óleo já
existentes e do Rogério Martins cinco novas colagens produzidas a partir de sua
afetação com o capítulo lido;

g) procurei também escrever cada capítulo ou grupo de capítulos de maneira


bastante autoral, cada um deles com um estilo de narrativa diferente que por si
só fossem capazes de representar os seus próprios conteúdos. De todo modo,
para exercer a minha criatividade na escrita deixei-me influenciar pelos três
caminhos básicos que se seguidos à risca, segundo Malinowski (1978),
garantiriam uma boa etnografia: a) a apreensão da vida legal; b) a apreensão da
vida real; e c) a apreensão da vida mental dos nativos (GIUMBELLI, 2002);

h) destaco que classifico essa dissertação como uma etnografia de documentos em


desenvolvimento, o que consequentemente faz com que ela não alcance etapas
de profunda reflexão sobre os achados, tampouco de análises comparativas entre
eles. Mas isso não me perturba, tampouco me incomoda, pois me apoio nas
ideias de Tobar (2001) que segundo o qual todo mestre (ou mestrando) não
necessitaria levar o seu estudo até as fronteiras do conhecimento nem apresentar
um novo enfoque teórico, tampouco construir um paradigma ou formular a
última palavra sobre um determinado tema;

i) no mais, devo enfatizar a crença que tenho a respeito da capacidade intelectual


daquele(a)s que um dia lerão essa dissertação e sobretudo nas suas capacidades
de abstração e subjetivação.
26

Pois bem, vamos começar a apresentação dessa dissertação pela frase entre aspas, pelo
seu título. Uma frase parte do discurso de algum personagem (nativo). Um personagem
(nativo) que parece fazer um apelo a outro personagem (nativo) para não ser levado ao
hospital. Ou, olhando por outro ponto de vista, um personagem (nativo) que parece fazer uma
crítica ao hospital, acusando-o de ser um lugar sem amor. Iniciar um título de um trabalho
científico com uma frase “nativa” entre aspas tanto poderia ser percebida apenas como uma
maneira de chamar a atenção “para a complexidade que é comunicar uma nova descoberta,
provocar novas dúvidas, ampliar o leque de possibilidades interpretativas” como para atender a
“uma tendência recente na criação de títulos de artigos, de dissertações e de teses no Brasil”,
segundo Peirano (2014). “Hospital não, pelo amor!” foi dita pelo meu pai na cozinha da minha
casa cinco dias depois de ter sido operado de um câncer na cabeça. Estávamos nos preparando
para ir à sua primeira consulta de retorno com a médica que o havia operado. Meu pai com seus
noventa e quatro anos de vida é por demais teimoso e eu herdei esse gene dele elevado à
décima potência. Em um dos muitos bate-bocas que travamos naquela manhã enquanto nos
preparávamos para ir à consulta me vi obrigado a ameaçá-lo dizendo que eu iria devolvê-lo
para o hospital, caso ele não me obedecesse. E foi com essa frase que ele me respondeu,
erguendo seus braços aos céus, manipulando-me pelas emoções.
Outra tendência na criação de títulos de trabalhos científicos, ainda segundo Peirano
(2014), seria a de se colocar sempre e imediatamente após a frase “nativa” entre aspas o sinal
de dois pontos e após esse sinal dos dois pontos um subtítulo explicativo no jargão
antropológico. Assumo que não me furtei de aplicar esse método, meu título é uma frase
“nativa” que vem seguida do sinal de dois pontos e de um subtítulo explicativo no jargão
antropológico após eles. Mas devo, desde já, alertá-los que essa dissertação não se pretende um
trabalho antropológico clássico; apesar de ter-me apoiado em algumas práticas e procedimentos
de pesquisa recorrentemente utilizadas por eles (trabalho de campo, observação participante,
entrevista em profundidade) para o desenvolvimento dessa pesquisa, acredito que eu ainda não
seria capaz de tal feito estando eu começando o meu percurso acadêmico dentro de um
programa de pós-graduação em Saúde Coletiva com concentração na área de Políticas Públicas,
Planejamento e administração em Saúde. Por isso tomei o cuidado em utilizar o verbo
etnografar que inicia o subtítulo dessa dissertação no gerúndio, pois o que apresento a seguir é
uma etnografia de documentos em experimentação, uma etnografia pela metade (?). Uma
etnografia em processo e que ainda não é capaz de estabelecer um contorno firme e claro do
que viria a ser Desospitalização nem mesmo de um grupo social cujo princípio geral de ação
está circunscrito nos processos de desospitalização. Ainda assim, uma etnografia, uma “nova”
27

etnografia, cujos métodos (etnográficos) utilizados na sua produção são novos, os “novos
métodos etnográficos” (PEIRANO, 2014, 381).
Inicialmente procurei somente por documentos públicos que estivessem integralmente
disponíveis para leitura e download em bancos de dados digitais de livre acesso. Os bancos
pesquisados foram o portal da Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), o portal Pubmed e o portal
do Diário Oficial da União (DOU). Ao pesquisar nesses portais me utilizei das palavras-chave
“desospitalização” e “dehospitalization”. Dos portais BVS e Pubmed foi possível selecionar
mais de cem documentos entre artigos científicos, dissertação e teses. Para esse grupo de
documentos dei o nome de “documentos acadêmicos”. Do portal do DOU foram selecionados
pouco mais de cinquenta documentos, e esse grupo de documentos foi nomeado como
“documentos oficiais”. Todos eles, “documentos acadêmicos” e “documentos oficiais”
sofreram outras filtragens a posteriori e a descrição detalhada desses processos encontra-se no
capítulo “Notas sobre o processo de seleção dos documentos para análise”. Também se
encontram presentes nesse capítulo as informações sobre o processo de seleção dos
“documentos operacionais”, documentos que foram analisados por mim, e que são os
documentos que a EADES do HFB se utiliza para ou são frutos do desempenhar do seu próprio
trabalho no hospital. A busca de novos documentos desses três grupos se encerrou do dia 12 de
dezembro de 2015.
Por se tratar de uma pesquisa navega nas práticas da etnografia, era premente que os
campos, os artefatos, as afetações, os sujeitos, seus pontos de vista, seus modus vivendi
estivessem presentes. Era premente que eu tivesse um informante ou mais de um. Estando eu
sem a autorização do CEP me vi obrigado a adotar algumas estratégias para que eu pudesse me
comunicar com os sujeitos, virei o informante privilegiado de mim mesmo e usei a minha
memória e minhas lembranças como a fonte e os documentos a serem analisados, considerando
a minha memória como um portal (banco de dados) onde estão arquivadas as minhas
lembranças (documentos para análise). A data de encerramento das buscas por informações nas
minhas lembranças ultrapassou a data estabelecida para o encerramento das pesquisas nos
portais e espaços públicos, pois foi necessário respeitar o tempo de cada história e estórias
rememoradas.
Nesse caso, a diferença entre esse grupo de documentos e aqueles supracitados
encontra-se na esfera que cada um deles pertence. Os três primeiros grupos são da esfera
pública e o quarto último grupo da esfera privada. Para acessar aqueles, me bastou entrar na
internet, pois eles estavam lá, acessíveis. Enquanto para acessar esses não foi tarefa fácil
mesmo considerando que minhas lembranças estivessem dentro da minha própria memória,
28

dentro de mim. Foi preciso transformá-las primeiro em oralidade para que elas pudessem
ganhar uma cadência e fazer algum sentido, para só depois, então, escrevê-las e organizá-las no
corpo dos capítulos que a partir delas produzi. A partir das minhas lembranças foram
desenvolvidos dois capítulos que trazem informações sobre a história da EADES e sobre minha
participação como diversos sujeitos ocupando diversas posições nesse universo dos processos
de desospitalização. Deixo logo claro que não pretendi com esses dois capítulos fazer uma
“antropologia do umbigo” 22 , apenas dar voz a sujeitos e a grupos sociais integrantes dos
processos de desospitalização que aconteceram dentro do hospital durante minha estada no
campo.
Para organizar os capítulos dessa dissertação me inspirei nas três tarefas que
Malinowisk considerava obrigatórias para se realizar um trabalho de campo – produzir
registros específicos sobre as regras sociais, sobre os comportamentos reais e sobre a
“mentalidade nativa” – (MALINOWISK, 1978) e também nas duas principais “reading
strategies”, que segundo Lowenkron e Carvalho (2014), devemos utilizar quando estamos
realizando uma etnografia em documentos, que a partir do meu entendimento assim se
comportariam: a) ao utilizarmos a maneira de leitura “Along the grain”, estaríamos limitando o
nosso olhar apenas para aquilo que ali está posto, apenas para aquilo que ali está escrito; e b)
enquanto ao utilizarmos a maneira de leitura “Against the grain”, estaríamos lendo para além
daquilo que está contido nos documentos, para aquilo que ali não se encontra escrito. Sendo
assim, dividi essa dissertação em três partes. A primeira parte apresenta as análises dos três
grupos de documentos públicos que selecionei para analisar. A segunda parte apresenta
algumas informações contidas nos documentos privados. E a terceira parte discute e
problematiza três documentos públicos que funcionam como guias, como descritores e como
orientadores dos três macro-processos do programa de desospitalização desenvolvido pela
equipe EADES.
“Along the grain” é o nome da primeira parte dessa dissertação. Ela traz quatro
capítulos em sua composição. O capítulo “Notas sobre o processo de seleção dos documentos
para análise” introduz a primeira parte dessa dissertação. Ele se refere exclusivamente aos
grupos de “documentos acadêmicos”, de “documentos oficiais” e de “documentos
operacionais”. Ele descreve passo-a-passo os processos que foram por mim utilizados para
filtrar e selecionar os documentos públicos para análise. Os outros três capítulos que se seguem
“Analisando os documentos acadêmicos”, “Analisando os documentos oficiais” e “Analisando

22
Expressão usada por Waleska de Araújo Aureliano durante conversa informal sobre essa dissertação.
29

os documentos operacionais” expõem as análises descritivas de cada um dos grupos de


documentos públicos. Essas análises foram feitas sob três maneiras distintas de leituras que são
complementares e que buscam o tempo todo encontrarem respostas pragmáticas e
metodológicas para a pergunta dessa pesquisa. A primeira maneira de leitura que faz a análise
do conjunto de cada grupo de documentos sob uma ótica macro que chamei de “Olhar
quantitativo”. A segunda maneira de leitura analisa os documentos individualmente sob uma
ótica micro que chamei de “Olhar qualitativo”. A terceira maneira de leitura chamada de
“Olhar Funcionalístico” é feita sob uma ótica nano e se detém nos detalhes de alguns dos
documentos analisados. Ao final de cada capítulo são apresentados quadros organizativos
contendo “pistas” e “anti-pistas”23 pragmáticas e metodológicas identificadas por mim a partir
de cada maneira de leitura (macro, micro nano) e que são organizadas de acordo com as muitas
variáveis componentes comumente presentes em projetos de serviços de saúde (objetivo,
clientela, protocolos, estrutura, força de trabalho, etc.)
A segunda parte intitulada “Against the grain” é composta de dois capítulos que
tratam especificamente da construção do campo e da construção do objeto da pesquisa. Para a
construção desses capítulos me utilizei das minhas lembranças que vieram sendo colecionadas
durante todo o tempo em que estive atuando dentro do campo, ora como o coordenador da
EADES, ora como o enfermeiro da EADES, ora como o acompanhante do meu pai durante seu
processo de desospitalização. O capítulo “Notas sobre a história e as estórias da EADES”
apresenta todo o processo de surgimento e de construção da equipe, como os espaços dentro
hospital foram ocupados por ela, que alianças obrigatoriamente tiveram que ser feitas e outros
fatos que foram relevantes para que a equipe EADES chegasse aonde chegou e tivesse as
características que tem. O capítulo “Notas sobre a implicação afetação com os campos, os
objetos artefatos e os como sujeitos” é o responsável por reunir as minhas experiências obtidas
durante toda a minha vida sobre saúde, cuidado, família, hospital, impressões que foram
obtidas durante as várias posições que ocupei e venho ocupando como sujeito nesse mundo da
Saúde, ou como sujeito-paciente, ou como sujeito-profissional de saúde, ou como sujeito-
servidor público, ou como sujeito-pesquisador, ou como sujeito-acompanhante-filho-cuidador.
A terceira parte que compõe essa dissertação apresenta os capítulos “Discussão” e
“Considerações finais”. Durante a construção do capítulo “Discussão” experimentei tangenciar

23
As categorias “pistas” e “anti-pistas” se referem às boas ideias e às más ideias sobre como fazer
desospitalização contidas no corpo dos documentos selecionados para análise. Seriam aquelas pistas
metodológicas, que a partir do meu ponto de vista, se prestam (pistas) para guiar os processos desospitalização e
aquelas que deveriam ser evitadas (anti-pistas), pois elas não se prestariam para tal. Essa classificação é sim
apenas baseada nos meus valores morais.
30

as duas “readings strategies” de Lowenkron e Ferreira (2014), tentando fazê-las conversar


entre si. A ideia consistiu em fazer uma leitura “Against the grain along the grain”. Para tanto,
escolhi três documentos operacionais da EADES, o “Fluxograma Captação”, o “Fluxograma
Redes de Atenção à Saúde – RAS” e o “Fluxograma Cuidados”. Eles foram escolhidos por
serem uma ferramenta cuja principal função é descrever os processos de trabalho ação por
ação; acreditei que eles seriam os documentos operacionais mais capazes de responder à
pergunta dessa pesquisa pelo viés metodológico e pragmático, pelo seu modus operandi.
Entretanto, ao aplicar a leitura “Against the grain” sobre eles três consegui enxergar coisas que
até então neles ainda não havia visto. Fui levado a fazer uma autocrítica sobre o meu próprio
método de trabalho, e essas reflexões, digressões e problematizações aparecem no texto em
forma de perguntas em itálico. Classifico essas reflexões, digressões e problematizações como
sendo as representações dos meus estados mentais, ou dos estados mentais dos “nativos” por
mim acompanhados e estudados. Optei por colocar todas as referências teóricas que me
balizaram na construção desse capítulo nas notas de rodapé e fiz isso unicamente com vistas a
garantir uma leitura mais fluida.
Após o capítulo “Considerações finais” encontram-se disponibilizados um apêndice e
oito anexos. O Apêndice apresenta uma experiência de desospitalização em forma de roteio
cinematográfico. O texto “Zé Lélis vai ao hospital: roteirizando um processo de
desospitalização” responde à pergunta da pesquisa desconstruindo a relação direta que existe
entre o processo de desospitalização e o processo da alta hospitalar colocando pauta a ideia de
que o processo de desospitalização intra-hospitalar se inicia imediatamente no momento da
internação do usuário; apresenta alguns dos integrantes/participantes do processo de
desospitalização (a família e o cuidador familiar) que nos muitos momentos das práticas diárias
intra-hospitalzares são colocados em segundo plano, quando não, completamente esquecidos
pelos profissionais e gestores e que mais a frente reaparecerão "linkados" às categorias
destacadas no capítulo de discussão - captação, redes e cuidados; e exemplifica as dinâmicas
das relações sociais que se dão durante os processos de desospitalização, suas complexidades,
seus meandros, etc. O Anexo A nos apresenta uma lista com todos os referenciais teórico-
legais que sustentam a práxis da equipe EADES. Enquanto os seguintes anexos (B, C, D, E, F,
G e H) trazem cópias de alguns dos documentos operacionais utilizados pela equipe EADES
durante o seu trabalho que foram descritos no capítulo “Analisando os documentos
operacionais” e problematizados no capítulo “Discussão”.
31

PARTE 1 – “ALONG THE GRAIN”


32

1 NOTAS SOBRE OS PROCESSOS DE SELEÇÃO DOS DOCUMENTOS PÚBLICOS


PARA ANÁLISE

Começo aqui a descrever o longo e complexo percurso o qual ainda percorro com o
objetivo de sistematizar todos os documentos que encontrei durante a minha pesquisa sobre o
tema Desospitalização iniciada há cinco anos. Sou enfermeiro do Ministério da Saúde e
coordeno a Equipe de Apoio à Desospitalização e Educação em Saúde (EADES) do Hospital
Federal de Bonsucesso (HFB), campo-objeto da pesquisa que me debruço neste momento.
Trago à memória que esta equipe surgiu decorrente da interrupção da prestação da assistência
domiciliar até então oferecida pela Rede Federal de Hospitais do Rio de Janeiro em
consonância à publicação da Portaria GM/MS 2.527 de 27 de outubro de 2011, documento que
redefiniu a atenção domiciliar no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) cujos Artigos 4024
e Artigo 43 25 eliminaram quaisquer possibilidades de financiamento desta modalidade pelo
Ministério da Saúde (MS) aos seus próprios equipamentos, nesse caso, os Hospitais e Institutos
Federais instalados na cidade do Rio de Janeiro. A coordenação central cuja base estava
localizada no Núcleo Estadual do Rio de Janeiro do Ministério da Saúde (NERJ) também
deixou de existir e ao mesmo tempo as equipes baseadas em cada Hospital e Instituto tiveram
suas matrículas remanejadas do nível central para o seu respectivo local de atuação.
Dos hospitais federais apenas o de Bonsucesso seguiu a “sugestão” 26 do então
Coordenador do Departamento de Gestão Hospitalar (DGH) do NERJ, Oscar Berro, e montou
sua equipe de desospitalização que está atuante até os dias atuais. A partir daquele momento eu
deixei de coordenar uma equipe de assistência domiciliar e passei a coordenar uma equipe de
desospitalização dentro de um hospital de nível quaternário de atenção especializado em
cirurgias de alta complexidade com um Unacon com hematologia e uma emergência de portas
abertas para a Avenida Brasil, a Linha Amarela e a Linha Vermelha.

24
Art. 40. Os SAD deverão ser cadastrados em unidades cujas mantenedoras sejam as Secretarias de Saúde
estaduais, distrital ou municipais ou, ainda, unidades que façam parte da rede conveniada ao SUS.

25
Art. 43. Fica instituído incentivo financeiro para custeio do SAD, da seguinte forma: I - R$ 34.560,00 (trinta e
quatro mil e quinhentos e sessenta reais) para cada EMAD que prestar atendimento nas modalidades AD2 e AD3;
e II - R$ 6.000,00 (seis mil reais) para cada EMAP. Parágrafo único. O incentivo financeiro definido neste artigo
será repassado mensalmente pelo Ministério da Saúde na modalidade fundo a fundo, respeitando-se o disposto no
art. 14 desta Portaria, não sendo admitida sobreposição de EMAD.

26
Na época, houve uma reunião com todos os coordenadores das equipes dos Serviços de Atenção Domiciliar
(SAD) da Rede Federal de Hospitais da cidade do Rio de Janeiro, onde comunicou-se o fim do SAD e o início do
Serviço de Desospitalização (SADES).
33

Há época, através de buscas no portal Google usando o termo “manual de


desospitalização”, foram encontrados dois documentos os quais não responderam às seguintes
duas perguntas: O que é Desospitalização? e Como se faz Desospitalização?
Um dos documentos encontrados foi um folder de divulgação do Programa de
Desospitalização, uma modalidade de serviço de saúde oferecido por uma cooperativa de
serviços médicos da iniciativa privada disponível para download em pdf27. O outro era um
caderno também disponível para download contendo na íntegra a Política Nacional de
Humanização (PNH), uma política transversal do MS. Ambos os documentos defendiam a
ideia de que era preciso se pensar e propor alternativas à forma como as ações e serviços de
saúde vinham sendo oferecidos pelos hospitais e também se pensar no domicílio como um
lugar alternativo para se produzir saúde. Nos dois (2) anos seguintes – 2012 e 2013 – foram
analisados todos os links das vinte (20) primeiras páginas, totalizando 200 links, o que
corresponde a 0,7% dos vinte e sete mil (27000)28 links que foram disponibilizados quando se
utilizou a palavra “desospitalização” no portal de buscas Google, contudo, nenhum foi capaz
de responder satisfatoriamente àquelas questões.
Diante desse vazio orientador metodológico procurei o curso de pós-graduação em
Saúde Coletiva do Instituto de Medicina Social (IMS) da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ) e iniciei o mestrado na área de Política, Planejamento e Administração em
Saúde (PPAS) em 2014 na tentativa de encontrar pistas que me levassem ao entendimento do
como fazer desospitalização. Como orientação para a realização das buscas definiu-se que a
pesquisa se daria sobre três grandes grupos de documentos: Acadêmicos, Oficiais e
Operacionais. Para cada grupo foram realizados percursos metodológicos de busca e seleção,
os quais serão descritos a seguir.

1.1 Documentos acadêmicos

As primeiras pesquisas foram feitas em fontes secundárias acadêmicas através de


buscas no portal da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) usando o termo desospitalização.
Foram encontrados na BVS sessenta e nove documentos entre artigos, dissertação e teses

27
Disponível em:
http://www.unimeduberlandia.com.br/siteunimed/site/_uploads/_dicasdesaude/desospitalizacao.pdf. Acesso em:
07 de janeiro de 2016.
28
Em pesquisa realizada em 31 de dezembro de 2015 foram encontrados 42.200 links.
34

publicados entre os anos de 1976 e 2014, porém nenhum deles foi capaz de responder
satisfatoriamente às perguntas que me levaram à realização dessa pesquisa iniciada em agosto
de 2011, embora, através deles, tenha sido possível obter ideias a respeito do que
Desospitalização poderia vir a ser e de como este termo vem sendo incorporado e utilizado por
diferentes grupos sociais no último século, mais precisamente, desde o pós Segunda Guerra
Mundial imediato. Recentemente 29 novas buscas foram refeitas e de forma ampliada,
utilizando os termos desospitalização e dehospitalization tanto no portal BVS e como no portal
Pubmed. Foi encontrado um total de cento e trinta e sete documentos. Para a seleção dos
documentos para leitura e análise foram aplicados três critérios distintos subsequentes:

a) o primeiro critério foi se o texto completo do documento encontrado estava


disponível para leitura e download. Aqueles que não estavam integralmente
disponíveis para leitura e download foram descartados. Abaixo se apresenta o
Quadro 1 onde os documentos encontrados foram sistematizados segundo o
primeiro critério de seleção para leitura seguida de breve leitura do quadro:

Quadro 1: Classificação dos documentos acadêmicos de acordo com o banco de dados da


origem, os termos desospitalização e dehospitalization e a disponibilidade ou não do texto
completo para leitura e download.
TERMOS
PORTAIS
DESOSPITALIZAÇÃO DEHOSPITALIZATION TOTAL GERAL

TOTAL SIM NÃO TOTAL SIM NÃO TOTAL SIM NÃO

BVS 75 45 30 31 11 20 106 56 50

PUBMED 1 1 0 30 7 23 31 8 23

TOTAL 76 46 30 61 18 43 137 64 73
Fonte: o autor, 2015.

Percebe-se que nos dois portais BVS e Pubmed ambos os termos trouxeram resultados
positivos, resultados que nos permitem ler e baixar o texto completo do documento encontrado.
Esta relação entre textos completos para leitura e download e aqueles que não estão
disponíveis é diferente para cada termo, tem-se mais publicações completas disponíveis para
leitura e para download quando se usa o termo desospitalização – na BVS (45/30 – 60%/40%)

29
Em 20 de novembro de 2015 às 16h09 (horário de Brasília).
35

e no Pubmed (1/zero – 100%/0%) – que quando se usa o termo dehospitalization – na BVS


(11/20 – 35,48%/64,52%) e no Pubmed (7/23 – 23,3333%/76,6666%). No entanto, quando
somados todos os documentos, independentemente de qual termo ou qual portal, observou-se
que dos 137 (100%) documentos encontrados apenas 64 (46,71%) estão completamente
disponíveis para a leitura e download contra os 73 (53,29%) que apenas conseguiu-se ter
acesso ao título, autores, publicações e às vezes, resumos e palavras-chaves.
Aplicou-se o primeiro critério de seleção dos documentos para análise descartando os
documentos que se encontravam disponíveis apenas em versão mimeografada nos acervos de
bibliotecas de outras instituições de ensino e pesquisa fora da cidade do Rio de Janeiro, aqueles
documentos cujo acesso ao texto completo era restrito, os com acesso somente a partir do
pagamento de uma taxa pecuniária e ainda outros totalmente indisponíveis, chegando a terem
sido descartados artigos científicos cujos resumos não estavam disponíveis nem para leitura.

b) O segundo critério de seleção dos documentos para análise foi o critério de


eliminação dos documentos repetidos. Dos sessenta e quatro documentos com
texto completo disponível para leitura e download alguns apareceram mais de
uma vez no mesmo portal a partir do mesmo termo como também em ambos os
portais e através de ambos os termos. O Quadro 2 mostra a listagem de todos os
documentos encontrados disponíveis para leitura e download e o número de
vezes daqueles que apareceram repetidamente de acordo com o termo utilizado
e o portal pesquisado.

Quadro 2: Relação dos documentos acadêmicos disponíveis para leitura e download e o


número de vezes que aparecem publicados repetidamente nos portais BVS e Pubmed
(continua).

PORTAIS BVS PUBMED


TOTAL

TERMOS
Nº TÍTULO ANO DES¹ DEH² DES DEH
“A Reforma Psiquiátrica no contexto do
1 Movimento de Luta Antimanicomial em João 2013 1 0 0 0 1
Pessoa - PB” (tese)
“Políticas de saúde mental e os efeitos da
emergência da Agenda de Álcool e Outras
2 Drogas: o caso do estado do Rio de Janeiro”
2014 1 0 0 0 1
(tese)
A assistência domiciliar privada em saúde e suas
3 estratégias (aparentes e ocultas) (artigo)
2007 1 0 0 0 1
36

Quadro 2: Relação dos documentos acadêmicos disponíveis para leitura e download e o


número de vezes que aparecem publicados repetidamente nos portais BVS e Pubmed
(continuação).

A comunidade como espaço de produção de


saúde mental: contribuições da Psicologia
4 Comunitária ao processo de
2011 2 0 0 0 2
desinstitucionalização (artigo)
A recusa à desospitalização entre pacientes
5 internos de hospital psiquiátrico (dissertação)
2003 1 0 0 0 1

A recusa à desospitalização psiquiátrica: um


6 estudo qualitativo (artigo)
2005 2 0 1 0 3

A Reforma Psiquiátrica no Distrito Federal


7 (artigo)
2004 1 0 0 0 1
A reorientação da atenção em saúde mental:
8 sobre a qualidade e humanização da assistência 2004 2 0 0 0 2
(artigo)
As crianças portadoras de mucopolissacaridose e
9 a Enfermagem: uma experiência de 2010 1 1 0 0 2
desospitalização da assistência (artigo)
Atenção à saúde mental na rede básica: estudo
10 sobre a eficácia do modelo assistencial (artigo)
1997 1 0 0 0 1
Cartografias de exclusão e inclusão de pessoas
com sofrimento mental nos processos de
11 territorialização da Política Nacional de Saúde
2015 1 0 0 0 1
Mental (artigo)
Crianças/adolescentes em quimioterapia
12 ambulatorial: implicações para a Enfermagem 2002 2 1 0 0 3
(artigo)
Desospitalização para cuidado domiciliar:
13 impactos clínico e econômico da linezolida 2015 1 0 0 0 1
(artigo)
Excluding institutions for mental diseases from
14 federal reimbursementfor services: strategy or 2000 0 0 0 1 1
tragedy? (artigo)
Home care in the Brazilian National Health
15 System (SUS) (artigo)
2005 1 1 0 1 3
Hospitalização integral para tratamento dos
16 transtornos alimentares: a experiência de um 2013 1 0 0 0 1
serviço especializado (artigo)
Intensive rehabilitation for dementia improved
cognitive function and reduced behavioral
17 disturbance in geriatric health service facilities
2013 0 0 0 1 1
in Japan (artigo)
Método Canguru: práticas investigativas e de
18 cuidado de Enfermagem no modelo de 2012 1 0 0 0 1
Adaptação de Roy (artigo)
Mudança no modelo assistencial em saúde
19 mental: desospitalização e fortalecimento de 2011 1 0 0 0 1
rede (artigo)
Mudanças psicossociais no contexto familiar
20 após a desospitalização do sujeito com 2012 1 0 0 0 1
transtornos mentais (artigo)
37

Quadro 2: Relação dos documentos acadêmicos disponíveis para leitura e download e o


número de vezes que aparecem publicados repetidamente nos portais BVS e Pubmed
(continuação).

Novos Sujeitos, Novos Direitos: o debate em


21 torno da Reforma Psiquiátrica (artigo)
1995 1 0 0 0 1
O cuidado aos usuários com transtorno mental
22 em tratamento com medicação de depósito: 2013 1 0 0 0 1
percepções da equipe saúde da família (artigo)
O modelo brasileiro de assistência a pessoas
23 com transtornos mentais: uma revisão 2013 1 0 0 0 1
sistemática da literatura (artigo)
O perfil e a ação profissional da(o)
24 enfermeira(o) no Centro de Atenção 2010 0 0 0 1 1
Psicossocial (artigo)
O Processo de desospitalização de pacientes
25 asilares de uma instituição psiquiátrica da 2004 2 0 0 0 2
cidade de Curitiba (artigo)
On the way to Psychiatric Reform in Israel:
26 notes for an ideological and scientific debate 2005 0 0 0 1 1
(artigo)
Parceria Atenção Básica SMS-SP e IOT-HC:
27 passos para a desospitalização (artigo)
2015 1 0 0 0 1

Participação social e reforma psiquiátrica: um


28 estudo de caso (artigo)
2009 1 0 0 0 1

Peculiaridades do atendimento psicológico em


29 domicílio e o trabalho em equipe (artigo)
2004 1 0 0 0 1

Reforma psiquiátrica e serviços residenciais


30 terapêuticos (artigo)
2008 1 0 0 0 1
Saúde da família e cuidados paliativos infantis:
31 ouvindo os familiares de crianças dependentes 2010 3 0 0 0 3
de tecnologia (artigo)
Saúde mental e trabalho interdisciplinar: a
32 experiência do “Cândido Ferreira” em Campinas 2013 1 1 0 1 3
(artigo)
Saúde mental, mudança social e discurso
33 bioético: uma face da desinstitucionalização 2009 1 1 0 0 2
revelada em uma notícia de jornal (artigo)
Sistema suplementar de saúde e internação
34 domiciliar de idosos na perspectiva da bioética 2013 1 1 0 0 2
crítica (artigo)

35 Tendências na assistência hospitalar (artigo) 2007 1 0 0 0 1


Terceira etapa do Método Canguru:
convergência de práticas investigativas e
36 cuidado com famílias em atendimento
2010 2 0 0 0 2
ambulatorial (artigo)
The future of the artificial kidney: moving
37 towards wearable and miniaturized devices 2011 0 2 0 1 3
(artigo)
38

Quadro 2: Relação dos documentos acadêmicos disponíveis para leitura e download e o


número de vezes que aparecem publicados repetidamente nos portais BVS e Pubmed
(conclusão).

The last half-century of psychiatric services as


38 reflected in psychiatric services (artigo)
2000 0 0 0 1 1

The mortality risk among persons with


39 psychiatric hospitalizations (artigo)
2011 0 0 0 1 1
The phrenic nerve stimulator, a valid ventilatory
support in the management of quadriplegic
40 patients receiving home health care services. A
2002 0 0 0 1 1
case report (artigo)
Trabalho Territorial em Hospitais Psiquiátricos
41 – Construindo no Presente um Futuro sem 2009 2 2 0 0 4
Manicômios (artigo)
Transtornos fóbico-ansiosos: abordagem
42 epidemiológica das internações hospitalares 2013 1 0 0 0 1
(artigo)
TOTAL DE ARTIGOS COM TEXTO COMPLETO
43 10 1 10 64
DISPONÍVEL PARA LEITURA E DOWNLOAD
Legenda: (1) Desospitalização; (2) Dehospitalization.
Fonte: o autor, 2015.

Após a aplicação dos, primeiro e segundo, critérios de seleção de documentos para


análise, aplicou-se o terceiro critério de seleção aos quarenta e dois artigos, dissertação e teses
restantes.

c) O terceiro critério de seleção de documentos para leitura foi a presença dos


termos desospitalização ou dehospitalization em quaisquer das cinco partes do
texto do documento analisado, a saber:
i. os termos aparecem no título do documento;
ii. os termos aparecem nas palavras-chave ou descritores;
iii. os termos aparecem no resumo;
iv. os termos aparecem no texto e;
v. os termos aparecem na referência bibliográfica do documento.

Após a leitura pormenorizada de todos os quarenta e dois artigos e teses selecionados


a partir dos três critérios de seleção aplicados – textos completos disponíveis para leitura e
download, textos não repetidos e textos que continham os termos desospitalização ou
dehospitalization obteve-se pistas capazes de responder às perguntas iniciais do processo de
pesquisa iniciado em 2011, mesmo que superficialmente, e que indicaram outros possíveis
caminhos investigativos. A análise completa dos documentos acadêmicos selecionados para
39

análise deu origem ao texto “Analisando os documentos acadêmicos” presente na segunda


parte dessa dissertação. Poder-se-ia afirmar que a partir deste ponto onde se encontrava a
pesquisa já fosse possível vislumbrar um caminho-guia na consecução de um processo de
desospitalização que pudesse ser aplicado em hospitais gerais. Mas sempre se soube que muito
ainda havia a ser investigado. Pesquisou-se, então, outras fontes secundárias em busca de
respostas mais completas e precisas sobre o que seria desospitalização e como se daria este
processo.

1.2 Documentos oficiais30

Através de pesquisa realizada em todos os periódicos disponíveis no portal do Diário


Oficial da União (DOU), de 1990 a 2015, ano a ano, utilizando-se o termo desospitalização,
foram encontradas sessenta e três citações em cinquenta e cinco documentos legais, todos
disponíveis na íntegra para leitura e download. Não foi possível acessar os arquivos dos anos
2006 e 2007, sempre que se tentou a página apresentava a seguinte mensagem sobre um fundo
branco: “502 Proxy Error / The proxy server received an invalid response from an upstream
server. The proxy server could not handle the request POST /imprensa/core/consulta.action.
Reason: Error reading from remote server”. Diante do grande número de documentos
encontrados se fez necessário o estabelecimento de critérios de seleção. Optou-se
primeiramente pela criação de um quadro contendo quatro colunas-campo sistematizadoras dos
conteúdos dos documentos oficiais: a primeira coluna-campo numera o ato em ordem
crescente 31 ; a segunda coluna-campo identifica o ato por seu tipo 32 , numeração e ano de
publicação; a terceira coluna-campo expõe a função daquele ato, ao que ele serve; a quarta
coluna-campo traz os trechos dos documentos que contém o termo desospitalização. Para tanto
foi premente a leitura na íntegra de todos os cinquenta e cinco (55) documentos oficiais. A
partir dessa sistematização foram aplicados dois (2) critérios de seleção nos documentos
oficiais para análise:

30
Quando me refiro aos documentos oficiais estou me referindo apenas aos atos administrativos publicados no
Diário Oficial da União. Em alguns momentos do meu texto usarei a palavra “legal” no lugar das palavras
“oficial” e “oficiais”, ambas querem significar a mesma coisa.

31
Lembremo-nos que os atos foram organizados na planilha por ordem alfabética, ou seja, as atas vêm primeiro
que as consultas públicas e estas antes dos extratos que sempre estarão na frente das portarias. Não se levou em
consideração o ano nem o número do DOU em que os atos administrativos foram publicados.
32
Os tipos de documentos oficiais que apareceram na pesquisa realizada no portal do DOU foram: Atas,
Auditorias, Avisos de Chamamento Público, Consultas Públicas, Extratos de Termos Aditivos, Extratos dos
Convênios, Portarias, Pregões Eletrônicos, Processos Judiciais e Resoluções.
40

a) O primeiro critério de seleção aplicado em todos os cinquenta e cinco


documentos oficiais encontrados na última33 busca realizada no portal do DOU
foi: os documentos deveriam trazer pistas metodológicas que respondessem à
pergunta da pesquisa em curso. Buscou-se através da leitura das terceiras e
quartas colunas-campo separar os documentos legais que traziam possíveis
pistas metodológicas sobre o processo de desospitalização, ou seja, informações
escritas sobre processos, diretrizes, políticas e protocolos de desospitalização em
hospital geral, daqueles que não desempenhavam nenhuma dessas funções.
Onze documentos foram selecionados, o que corresponde a 19,64% dos
cinquenta e cinco documentos encontrados na pesquisa. O Quadro 3 abaixo traz
a relação destes onze documentos oficiais organizados por ordem alfabética a
partir do tipo de ato.

Quadro 3: Relação dos documentos oficiais cujo conteúdo apresenta pistas metodológicas
sobre processos de desospitalização (continua).

Nº TÍTULO ESTABELECE
ANEXO I DA ATA Nº 21, DE 14.6.2005 (SESSÃO
EXTRAORDINÁRIA DO PLENÁRIO) Inteiro teor do
Ata nº 21, de 14 de junho de
Relatório apresentado pelo Ministro Benjamin Zymler, cujas
2005 (Sessão Extraordinária do
1 conclusões foram acolhidas pelo Tribunal de Contas da
Plenário) Tribunal de Contas da
União, na Sessão Extraordinária realizada em 14 de junho de
União
2005, ao serem apreciadas as Contas do Governo da
República referentes ao exercício de 2004.
Sumário: Auditoria de Natureza Operacional. Secretaria de
Atenção à Saúde/Ministério da Saúde (ações de Atenção à
Auditoria Grupo I - Classe V -
Saúde Mental, Auxílio-Reabilitação Psicossocial aos
Plenário TC-011.307/2004-9
Egressos de Longas Internações Psiquiátricas no Sistema
(com 1 volume). Natureza:
2 Único de Saúde - De Volta para Casa, e Apoio a Serviços
Relatório de Auditoria Órgão:
Extra-hospitalares para Transtornos de Saú- de Mental e
Secretaria de Atenção à Saúde
Decorrentes do Uso de Álcool e outras Drogas).
/Ministério da Saúde
Recomendações. Determinações. Monitoramento.
Arquivamento. Proposição de indicadores de desempenho.

33
A última busca realizada na URL: http://www.portl.in.gov.br foi em 31 de dezembro de 2015.
41

Quadro 3: Relação dos documentos oficiais cujo conteúdo apresenta pistas metodológicas
sobre processos de desospitalização (conclusão).

E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS e seus respectivos


Termos de Consentimento Informado contidos nos Anexos
abaixo descritos: Anexo I - DOENÇA DE CROHN -
Sulfassalazina, Mesalazina, Metronidazol, Ciprofloxacina,
Infliximab, Hidrocortisona, Prednisona, Azatioprina,
Metotrexate e Ciclosporina; Anexo II -RETOCOLITE
Consulta Pública n° 1, de 23 de ULCERATIVA - Sulfassalazina, Mesalazina, Hidrocortisona,
3
julho de 2002 Prednisona, Azatioprina e Ciclosporina; Anexo III -
ARTRITE REUMATÓIDE - Antiinflamatórios não-
esteroidais, Prednisona, Hidroxicloroquina, Cloroquina,
Sulfasalazina, Metotrexate, Azatioprina, Leflunomide,
Ciclosporina, Infliximab; Anexo IV - DOENÇA DE
WILSON - Penicilamina, Trientina, Acetato de Zinco; Anexo
V - ESCLEROSE LATERAL AMIOTRÓFICA - Riluzol;
O MINISTRO DE ESTADO DA SAÚDE, torna pública, nos
Consulta Pública nº 19, de 1º de termos do artigo 34, inciso II, c/c 59 do Decreto nº 4.176, de
4 novembro de 2012 28 de março de 2002, minuta de Portaria que aprova a
Política Nacional de Atenção Hospitalar.
Estabelece a organização dos Cuidados Prolongados para
Portaria nº 2.809 de 7 de retaguarda à Rede de Atenção às Urgências e Emergências
5
dezembro de 2012 retificada (RUE) e às demais Redes Temáticas de Atenção à Saúde no
âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).
Dispõe sobre a integração do Programa Melhor em Casa
Portaria nº 1.208 de 18 de junho (Atenção Domiciliar no âmbito do SUS) com o Programa
6 de 2013 SOS Emergências, ambos inseridos na Rede de Atenção às
Urgências.
Portaria nº 2.048 de 3 de Regulamenta o Termo de Ajuste Sanitário - TAS, instituído
7 setembro de 2009 pela Portaria nº 204/GM, de 29 de janeiro de 2007.
Estabelece a organização dos Cuidados Prolongados para
Portaria nº 2.809 de 7 de retaguarda à Rede de Atenção às Urgências e Emergências
8
dezembro de 2012 (RUE) e às demais Redes Temáticas de Atenção à Saúde no
âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).
Art. 1º - Aprovar na forma do Anexo I desta Portaria, as
Portaria nº 249 de 12 de abril de
9 Normas para Cadastramento de Centros de Referência em
2002
Assistência à Saúde do Idoso.
Institui a Política Nacional de Atenção Hospitalar (PNHOSP)
Portaria nº 3.390 de 30 de no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), estabelecendo-
10 dezembro de 2013 se as diretrizes para a organização do componente hospitalar
da Rede de Atenção à Saúde (RAS).
Art. 1º - Aprovar o PROTOCOLO CLÍNICO E
Portaria nº 913 de 19 de
11 DIRETRIZES TERAPÊUTICAS - ESCLEROSE LATERAL
novembro de 2002
AMIOTÓFICA - Riluzol, na forma do Anexo desta Portaria
Fonte: o autor, 2015.
42

b) O segundo critério de seleção utilizado foi a eliminação dos documentos cujo


conteúdo se assemelhava tanto na grafia quanto na semântica, por exemplo: a
Consulta Pública nº 1 de 23 de julho de 2002 que trouxe protocolos de algumas
patologias para serem analisados pela sociedade; a Consulta Pública nº 19 de 01
de novembro de 2012 que propõe a Política Nacional da Assistência Hospitalar
(PNHOSP) do SUS; e a PORTARIA Nº 2.809 DE 7 DE DEZEMBRO DE 2012
que organiza a rede de cuidados prolongados cujos textos são iguais aos textos
das portarias que instituíram esses protocolos, essa política e a organização da
rede. As duas Consultas Públicas e a PORTARIA Nº 2.809 DE 7 DE
DEZEMBRO DE 2012 foram eliminadas da lista de documentos oficiais para
análise que passou a ser constituída de oito documentos oficiais. Sendo eles:

i. ATA Nº 21, DE 14 DE JUNHO DE 2005 (Sessão Extraordinária do


Plenário) Tribunal de Contas da União;
ii. AUDITORIA GRUPO I - CLASSE V - Plenário TC-011.307/2004-9 (com
1 volume);
iii. PORTARIA Nº 2.809 DE 7 DE DEZEMBRO DE 2012 retificada;
iv. PORTARIA Nº 1.208 DE 18 DE JUNHO DE 2013;
v. PORTARIA Nº 2.048 DE 3 DE SETEMBRO DE 2009;
vi. PORTARIA Nº 249 DE 12 DE ABRIL DE 2002;
vii. PORTARIA Nº 3.390 DE 30 DE DEZEMBRO DE 2013;
viii. PORTARIA Nº 913 DE 19 DE NOVEMBRO DE 2002.

1.3 Documentos operacionais

Frente ao vazio epistemológico e também explicitamente pragmático tornou-se


necessário ir em busca das fontes primárias e realizar uma pesquisa empírica nos locais onde a
desospitalização de fato acontece, que para esta pesquisa são os espaços de trabalho da EADES
do HFB. Em um primeiro momento pensou-se em desenvolver um trabalho de campo
utilizando as técnicas de observação participante e entrevista, mas devido à limitação do tempo
e mais ainda frente à disponibilidade de um acervo de documentos produzidos e utilizados pela
EADES desde o ano de 2011, virgens de análise, eu optei em se utilizar exclusivamente da
técnica de análise documental.
43

Em pesquisa realizada no campo junto aos arquivos físicos e virtuais da EADES


levantou-se trinta e cinco documentos operacionais que se encontravam em uso ou em fase de
construção pela equipe. São eles:

a) Apresentação em PowerPoint do DIADES – Documento Interdisciplinar de Apoio


à Desospitalização e Educação em Saúde;
b) Apresentação em PowerPoint do Programa de Capacitação Profissional em
Desospitalização e Educação em Saúde;
c) Apresentação em PowerPoint do Projeto EADES como campo de estágio para a
residência multiprofissional em Saúde Coletiva do Instituto de Estudos em Saúde
Coletiva (IESC) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ);
d) Apresentação em PowerPoint do Projeto EADES no I Encontro da Câmara Técnica
de Desospitalização e Atenção Domiciliar dos Hospitais e Institutos Federais da
Cidade do Rio de Janeiro;
e) Apresentação em PowerPoint do Projeto EADES no III Encontro Científico da
Enfermagem do Hospital Federal de Bonsucesso da 76ª Semana da Enfermagem do
Hospital Federal de Bonsucesso;
f) Apresentação em PowerPoint do Projeto EADES no evento do Dia do Servidor
Público em 2015 sobre o tema “Que Rede Nós Temos, Que Rede Nós Queremos?”;
g) Apresentação em PowerPoint do Projeto EADES para a Divisão Médica-
Assistencial (DMA);
h) Apresentação em Prezi do Projeto EADES para a Divisão de Enfermagem
(DIENF);
i) Caderno do Cuidador (em construção);
j) Cartão de Visita;
k) Censo Diário;
l) Descritivo das Atribuições dos Assistentes Sociais da EADES;
m) Descritivo das Atribuições dos Enfermeiros da EADES;
n) Descritivo das Atribuições dos Técnicos de Enfermagem;
o) Descritivo das Atribuições dos Técnicos em Assuntos Educacionais da EADES;
p) Diário de Bordo;
q) Documento Interdisciplinar de Apoio à Desospitalização e Educação em Saúde –
DIADES (em construção);
44

r) Fichário de Dados de Paciente;


s) Fluxograma Captação;
t) Fluxograma EADES e Enfermarias;
u) Fluxograma EADES e USE;
v) Fluxograma Redes de Atenção à Saúde – RAS;
w) Fluxograma Cuidados;
x) Folder População Geral;
y) Folder Profissionais de Saúde do Hospital Federal de Bonsucesso;
z) Planilha de Indicadores;
aa) Planilha de Pendências e Urgências;
bb) Protocolo de Reunião com Família;
cc) Protocolo de Treinamento de Cuidador;
dd) Redes de Atenção à Saúde – RAS;
ee) Relatório de Gestão;
ff) Relatório de Produção Mensal;
gg) Relatório de Produção Semanal;
hh) Relatório de Visita Técnica;
ii) Relatório Situacional Semanal;
jj) Rotinas Passo-a-passo.

O único critério de seleção utilizado foi o de não considerar os documentos


operacionais que ainda se encontravam em desenvolvimento. Ficaram de fora nesta primeira
seleção os documentos: Caderno do Cuidador e Documento Interdisciplinar de Apoio à
Desospitalização e Educação em Saúde – DIADES.
45

2 ANALISANDO OS DOCUMENTOS ACADÊMICOS

Lembremos que a etapa analítica desta pesquisa, diferentemente do que as teorias que
tratam da metodologia do trabalho científico pregam, provavelmente por uma questão didática,
nunca se encontrará desarticulada das outras etapas dos processos de pesquisas que usam a
análise documental como metodologia principal. Nas notas sobre os processos de seleção de
documentos acadêmicos, oficiais e operacionais deixou-se bem claro que muitas das vezes foi
necessária uma pré-análise dos documentos antes mesmo da primeira sistematização. Saber se
os documentos acadêmicos estavam disponíveis na íntegra para leitura e download é um
exemplo de pré-análise que nada mais é que análises que precedem sistematizações que são
sucedidas por discussões e conclusões até o momento da análise propriamente dita, a análise
final. Esta, a análise final dos quarenta e dois documentos acadêmicos selecionados, começará
a partir de agora e será realizada sob três pontos de vista: um olhar quantitativo que destacará
características macro presentes nesse rol de documentos; um olhar qualitativo que se atentará
para algumas características intrínsecas de cada um dos documentos, e um outro olhar, mais
funcionalístico, que buscará dentro de cada documento pistas e anti-pistas metodológicas sobre
o que poderia ou não deveria vir a ser um processo de desospitalização em um hospital geral.

2.1 Olhar quantitativo

As características macro que foram analisadas sob o olhar quantitativo são: a


distribuição temporal das publicações, ou seja, o ano em que os documentos foram publicados;
a distribuição por tipo de documento, se é artigo científico, dissertação de mestrado ou tese de
doutoramento; e a relação entre o tipo de documento e o ano de sua publicação. Duas outras
análises que poderiam ter sido incluídas nessa relação analítica-quantitativa são: a distribuição
temporal da publicação a partir de sua área de conhecimento e a relação entre o tipo de
documento e sua área de conhecimento. Porém, elas serão apresentadas no próximo item
“olhar qualitativo” pois foi necessária uma análise prévia feita sob um olhar qualitativo onde
foram definidas as áreas de conhecimento afins de cada documento acadêmico selecionado
para análise.
Quanto à distribuição temporal das publicações foi possível determinar que o período
temporal da produção acadêmica sobre desospitalização compreende vinte e um anos, sendo a
primeira publicação do ano de 1995 e a última já no final do ano de 2015. Dividindo-se o total
de publicações pelo total de anos do período temporal tomou-se a média de duas publicações
46

ao ano, entretanto esse não é um dado que represente essa amostra, pois durante este período
houveram anos cuja publicação foi nenhuma, caso dos anos 1996, 1998, 1999, 2001, 2003 e
2006, diferente do ano de 2013 que teve cerca de duzentos e cinquenta por cento acima da
média de documentos acadêmicos publicados no período. O Gráfico 1 apresentado abaixo
demonstra a assertiva acima referida.

Gráfico 1 – Distribuição temporal dos documentos acadêmicos selecionados para análise por
ano de publicação.
8
7 7
6
5
4 4 4 4 4 4
3 3
2 2 2 2 2
1 1 1 1 1
0 0 0 0 0 0 0
-1

Fonte: o autor, 2016.

Quanto à distribuição por tipo de documento observou-se que trinta e nove


documentos eram do tipo artigo científico correspondendo a noventa e três por cento do total
de documentos da amostra, frente às duas teses de doutoramento e à única dissertação de
mestrado, que corresponderam respectivamente a cinco por cento e dois por cento dos quarenta
e dois documentos acadêmicos. O Gráfico 2 demonstra essa distribuição e a relação percentual
de cada tipo de documento em relação à amostragem analisada.
47

Gráfico 2 – Distribuição percentual por tipo de documentos acadêmicos selecionados para


análise.

2
1
ARTIGOS CIE N TÍFICOS 5%
2%
DISSE RTAÇ ÕE S

TE SE S 39
93%

Fonte: o autor, 2016.

Quanto à relação entre os tipos de documentos acadêmicos selecionados para análise e


os anos em que foram publicados percebemos que diferentemente dos artigos científicos cujas
publicações estão distribuídas por todo o período temporal analisado (de 1995 a 2015), a
dissertação de mestrado e as teses de doutoramento se concentraram nos antepenúltimo e
penúltimo anos do período temporal, 2013 e 2014. O Gráfico 3 demonstra a distribuição dos
documentos acadêmicos pelos anos do período temporal estudado.

Gráfico 3 – Distribuição dos tipos de documentos acadêmicos por ano de publicação.

8
7
1
6
1
5
4
3
5
2 4 4 4 4 4
3 1
1 2 2 2
1 1 1 1 1
0 0 0 0 0 0 0
199519961997199819992000200120022003200420052006200720082009201020112012201320142015

AR T I GO S C I E NT Í FI C O S D I SSE R T AÇ Õ E S T E SE S

Fonte: o autor, 2016.


48

2.2 Olhar qualitativo

As características intrínsecas que foram analisadas sob o olhar qualitativo são: as


áreas de conhecimento nos quais os estudos publicados estavam inseridos na época da
publicação; e a forma como os documentos se relacionavam com a questão da
desospitalização. Imediatamente após a análise dos documentos pela ótica das áreas do
conhecimento nas quais estão inseridos, ou se parecem afins, estarão duas análises sob o olhar
quantitativo já mencionadas no item anterior: a distribuição temporal da publicação a partir de
sua área de conhecimento e a relação entre o tipo de documento e sua área de conhecimento.
Quanto às áreas de conhecimento é sabido que são quatro: a área que trata dos
processos de trabalho intra-hospitalares relacionados à desospitalização – “Práticas Intra-
hospitalares”, a área que trata dos serviços substitutivos aos serviços hospitalares quando se
propõem a desospitalização aos pacientes hospitalizados – “Serviços Substitutivos”, a área que
trata da racionalidade e da otimização dos gastos em saúde nos hospitais garantidas através dos
processos de desospitalização – “Gastos em Saúde” e a área que trata da história da Reforma
Psiquiátrica e do o papel ocupado pela desospitalização dentro desse processo – “Reforma
Psiquiátrica”.
Antes de seguirmos em frente se faz necessário entender o processo analítico-
sistematizador que foi utilizado para que essas áreas do conhecimento fossem identificadas.
Dois processos serão descritos de forma sintética permitindo o entendimento dos motivos que
me levaram a identificar tais intensões e afinidades com as áreas de conhecimento no corpo do
texto de dois documentos.
Quando esses quarenta e dois documentos acadêmicos selecionados para análise
foram lidos na íntegra para que se fosse construída a Quadro 1 buscou-se o tempo todo agrupá-
los por afinidade de discurso ou orientação vocacional. Atentou-se num primeiro momento
para as palavras-chave, em seguida deu-se importância aos objetivos descritos no resumo e no
corpo do texto, e só então, quando alguma dúvida se colocava presente, partiu-se para uma
interpretação à luz da hermenêutica epistêmica e ontológica (SILVA, 2014). Como exemplo
temos a tese “Políticas de saúde mental e os efeitos da emergência da Agenda de Álcool e
Outras Drogas: o caso do Estado do Rio de Janeiro” 34 cujas palavras-chave são: “Saúde
Mental”, “Política de Saúde”, “Reforma dos Serviços de Saúde”, “Transtornos Relacionados
ao Uso de Substâncias”, “Atenção à Saúde” e “Sistema Único de Saúde”. Num primeiro

34
Tese apresentada com vistas à obtenção do título de Doutor em Ciências na área de Saúde Pública em 2014.
49

momento, considerando que o termo “Saúde Mental” aparece no título e também como
palavra-chave, acreditou-se que o documento tratava principalmente de assuntos pertencentes à
esfera da Saúde Mental, da Reforma Psiquiátrica, da Luta Antimanicomial, etc. Ledo engano, o
dito documento traz preocupações quanto a escassa rede de serviços substitutivos aos
manicômios e asilos, chama a atenção para a necessidade de expansão dos Centros de Atenção
Psicossociais (CAPS) e destaca a importância das residências terapêuticas no processo de
desospitalização de doentes mentais de longa internação que não tivesses família (DIAS,
2014).
Outro caso interessante está relacionado ao artigo científico “Desospitalização para
cuidado domiciliar: impactos clínico e econômico da linezolida” onde já no próprio título são
criadas possibilidades interpretativas sobre qual área de conhecimento o documento teria maior
afinidade, podendo ser a área de conhecimento “Prática Intra-hospitalares”, a área “Serviços
Substitutivos” ou então a “Gastos em Saúde”. Como no exemplo anterior as palavras-chave
deste artigo não ajudam muito, na verdade até confundem um pouco mais, vejamos elas:
“Staphylococcus Aureus Resistente à Meticilina”, “Staphylococcus Aureus”, “Linezolida”,
“Desospitalização” e “Home Care”. E nesse caso, mesmo após ter se dado a leitura do
documento na íntegra tornou-se fácil definir sua área de conhecimento afim. Os autores desse
artigo escreveram de uma determinada forma que as três áreas do conhecimento estão
presentes o tempo todo no texto me levando a acreditar que o documento teria afinidade igual
por mais de uma área de conhecimento, um caso de hibridismo de afinidade. A citação a seguir
ilustra a assertiva anterior:

"A tendência mundial pelo sistema de home care é uma estratégia que vem sendo
implementada nas unidades hospitalares através do processo de desospitalização. Este
ocasiona diminuição do risco de contrair infecções, economia com os custos da
hospitalização, racionaliza a demanda dos leitos hospitalares, reduz os custos da
assistência, proporciona maior conforto para o paciente e sua família, além de tornar o
cuidado mais humanizado (Feuerwerker& Merhy, 2008; Silva et al., 2010)."
(Vasconcelos et al., 2015, p.111)

Lançou-se mão das análises à luz da hermenêutica, nesse caso, da hermenêutica


ontológica, daquela que analisa uma realidade, seu contexto e sua história. Buscou-se
identificar qual veículo houvera publicado tal artigo e em qual área do conhecimento este
veículo estava inserido. Era o Jornal Brasileiro de Economia em Saúde e os autores eram
funcionários de um grande laboratório farmacêutico, o próprio patrocinador do estudo, feito
exclusivamente a partir de dados secundários. Por mais que tivessem sido lidos períodos do
texto como a citação acima onde esquizofrenicamente questões humanitárias e humanizantes
50

são imediatamente substituídas por questões relacionadas com a economia e a redução dos
custos, mesmo que tivessem sido lidos outros períodos majoritariamente relacionados às
questões humanitárias e humanizantes, após essas últimas descobertas não se teve mais
dúvidas sobre qual seria a área de conhecimento afim do artigo em questão. Seria possível,
talvez até seja mesmo necessário, que todos os documentos acadêmicos tivessem seu processo
de classificação quanto à área de conhecimento afim descritos nesta dissertação, todavia, coube
fazer uma reflexão sincera sobre o que esse esforço de produção iria contribuir para a pesquisa
em questão. Optou-se então por apresentar um compilado de dados quantitativos a respeito da
área de conhecimento e por reservar um espaço e um tempo maior para as análises que
pudessem contribuir diretamente em responder à pergunta da pesquisa: Como fazer
desospitalização em hospital geral?
Quanto à distribuição temporal da publicação a partir de sua área de conhecimento
observou-se uma distribuição irregular entre algumas áreas de conhecimento, mas uma
simetria entre outras. A área com maior número de documentos acadêmicos afins foi “Serviços
Substitutivos” representando quarenta e cinco por cento do total, enquanto “Gastos em Saúde”
foi a menor representada, apenas 3 documentos acadêmicos tiveram afinidade por ela. Viu-se
que a área “Serviços Substitutivos” aparece em quase todos os anos que tiveram documentos
acadêmicos publicados, ficando de fora apenas nos anos 1995, 2000, 2002 e 2007. Viu-se que
desde o ano 2008 “Serviços Substitutivos” teve de um a cinco documentos acadêmicos
publicados anualmente. A área de conhecimento “Gastos em Saúde” teve documento
acadêmico afim publicado apenas nos anos 2007 e 2015. O Gráfico 4 apresenta essa
distribuição dos documentos acadêmicos por área de conhecimento afim de acordo com o ano
de sua publicação.
51

Gráfico 4 – Distribuição dos documentos acadêmicos por área de conhecimento afim por ano
de publicação.
8
7
6 2
5
4
1 1 1 1
3 2
1 5
2 2 2 2 2
1 1
1 2 2 2 2
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
0 0 0 0 0 0 0
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015

PRÁTICAS INTRA-HOSPITALARES SERVIÇOS SUBSTITUTUVOS


GASTOS EM SAÚDE REFORMA PSIQUIÁTRICA

Fonte: o autor, 2016.

Quanto à relação entre o tipo de documento e sua área de conhecimento afim


identificou-se que “Serviços Substitutivos” encontrava-se presente tanto nos artigos científicos,
quanto na única dissertação de mestrado e em uma das teses de doutoramento. Apenas uma
tese de doutoramento tinha afinidade com a área de conhecimento “Reforma Psiquiátrica”,
enquanto apenas artigos científicos expressavam afinidade com as áreas “Práticas Intra-
hospitalares” e “Gastos em Saúde”. O Gráfico 5 apresenta a distribuição dos documentos
acadêmicos pelo seu tipo e sua área de conhecimento afim.

Gráfico 5 – Distribuição dos documentos acadêmicos por seu tipo e área de conhecimento
afim.
18
16
14
12
10
8 17
6
10 9
4
2 3 0 1 0 0 0 1 0 1
0
ARTIGOS D I SSE R T AÇ Õ E S T E SE S
P R Á T I C A S I N T R A - H O S P I T AL AR E S SE R V I Ç O S SU B ST I T U T U V O S
GASTOS EM SAÚDE R E FO R M A P SI QU I ÁT R I C A

Fonte: o autor, 2016.


52

Surgiu um questionamento sobre o porquê que a grande maioria dos documentos


acadêmicos, seja pelo seu tipo ou mesmo pelo ano de sua publicação, apresentava afinidade
pela área de conhecimento “Serviços Substitutivos” e qual a relação existente entre essa área e
os processos de desospitalização realizados dentro dos hospitais gerais. Para tanto tornou-se
necessária uma outra análise pelo olhar qualitativo que foi feita a partir da leitura das partes
dos textos que citavam o termo “desospitalização” nos documentos acadêmicos selecionados
para análise. Através dessa leitura pormenorizada e direcionada conseguiu-se desenhar uma
35
linha do tempo sobre o uso desse termo; uma linha que mostrou que o termo
“desospitalização” há décadas já vem sendo debatido e utilizado por variados grupos distintos,
nacional e internacionalmente. A linha do tempo da desospitalização segue a cronologia
cientificamente reconhecida nos documentos acadêmicos e não se refere a uma cronologia
baseada no ano de publicação dos mesmos. Como exemplo toma-se a dissertação 36 de
mestrado “A recusa à desospitalização entre pacientes internos de hospital psiquiátrico” cuja
data de publicação é o ano de 2003, mas que traz em seu conteúdo referências à
desospitalização desde 1945, como se pode ver no excerto do texto a seguir:

“Após a II Guerra Mundial (após 1945), em consequência de uma série de fatores


sociais e econômicos, a Desospitalização aparece como elemento da assistência
psiquiátrica, desenhando um processo de construção de uma nova política de saúde
mental” (MACHADO, 2004, p.13).

Antes dessa data não se encontrou nenhuma referência sobre o termo


“desospitalização” nos documentos analisados. Tomou-se, então, o ano de 1945 como o ano do
nascimento da desospitalização no cenário mundial. E os pacientes psiquiátricos, na sua
maioria ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial, passam a ser reconhecidos como o
primeiro grupo a participar de um processo de desospitalização, que neste caso se deu nos
hospitais da Inglaterra. No decorrer do texto da dissertação a autora vai trazendo outras
informações a respeito de datas, grupos e sentidos relacionados à desospitalização de pacientes
psiquiátricos.

35
Curiosamente uma linha do tempo que contém uma outra linha do tempo, uma linha do tempo que expande o
período de vinte e um anos de publicações analisado na direção do passado em setenta anos, um meta-período
temporal com início em 1945, no pós Segunda Guerra Mundial.
36
Dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo
(USP) para a obtenção do título de Mestre em Saúde da Comunidade em 2003.
53

“Na Inglaterra, onde a psiquiatria social já vinha se desenvolvendo, a tolerância da


sociedade em relação ao doente mental proporcionou o processo de Desospitalização
desde 1955” (MACHADO, 2004, p.13).

“Na Itália, por outro lado, os fatores sociais e sobretudo político-ideológicos


contribuíram para o movimento da Desospitalização, que se desenvolveu tardiamente
nos anos 60 (BANDEIRA, 1991) ” (MACHADO, 2004, p.13).

No Brasil a tese 37 “A Reforma Psiquiátrica no contexto do Movimento de Luta


Antimanicomial em João Pessoa – PB” trouxe datas referentes aos dois grandes momentos do
movimento paraibano: o final da década de 1970 quando ainda era levado ao fim e ao cabo
apenas pelos trabalhadores de saúde mental e o ano de 1987 quando, após a entrada de outros
sujeitos sociais (intelectuais, usuários, familiares e sanitaristas), é fundado o Movimento
Nacional da Luta Antimanicomial. Na época o que predominava era a ideia de caminhar em
direção à desospitalização e consequentemente promover a reforma do modelo
hospitalocêntrico. Um modelo que priorizava a diminuição dos leitos e da permanência
hospitalar a partir da implantação de uma rede de serviços de cunho sanitário, transitório e
provisório.
O artigo “Internação domiciliar no Sistema Único de Saúde” apresenta referências de
datas no cenário brasileiro quando a desospitalização aparece pela primeira vez sendo utilizada
nos discursos de um grupo que não é o da Reforma Psiquiátrica e nas práticas de saúde para
um grupo diferente dos doentes mentais. As autoras realizaram um estudo descritivo-
exploratório com abordagem qualitativa cujos dados empíricos foram obtidos por meio de
entrevistas realizadas com cinco enfermeiras e um assistente social que atuavam em serviços
de internação domiciliar públicos localizados nos municípios de Marília e de Santos do estado
de São Paulo e em Londrina, município do Paraná, respectivamente em atividade desde os
anos 1992 38 , 1996 e 1999. Os discursos dos profissionais entrevistados demonstraram que
desospitalização, para eles, era um componente de um programa que visava “a melhoria na
qualidade de vida dos usuários do serviço, a humanização do atendimento realizada por equipe
interdisciplinar no domicílio e a desospitalização precoce” (SILVA et al, 2005). Em
contrapartida à faceta política “melhoria da qualidade de vida dos usuários” presente nos
discursos dos profissionais entrevistados dos Programas de Cuidados Domiciliares 39 do artigo

37
Tese de doutorado apresentada por à Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP) para a obtenção
do título de Doutora em Ciências na Área de Saúde Pública em agosto de 2013.
38
Dez (10) anos antes da aprovação da Lei nº 10.424 de 15 de abril de 2002, que regulamentou a assistência
(atendimento e internação) domiciliar no SUS. À época o Presidente da República era Fernando Henrique
Cardoso e o seu Ministro da Saúde, Barjas Negri.
39
Segundo as autoras, os Programas de Cuidados Domiciliares tinham na época o nome original em inglês –
Home Care Program (HCP).
54

anterior, encontra-se o artigo “A assistência domiciliar privada em saúde e suas estratégias


(aparentes e ocultas)” que poderia também se apoiar na mesma plataforma política do último
artigo, mas não:

“Seu ideário se apoia em um conjunto de princípios – a desospitalização, a redução


dos riscos de infecção, o favorecimento do convívio da pessoa doente com o núcleo
familiar – todos eles dirigidos à estratégia da redução de custos” (CUNHA &
MORAIS, 2007, p.1651).

O estudo apresenta os resultados de uma pesquisa realizada na cidade do Recife entre


os anos de 2001 e 2003 sobre uma nova modalidade de assistência à saúde, a Assistência
Domiciliar Privada em Saúde (ADPS). Marca uma data para o surgimento e para a expansão
das empresas privadas de assistência domiciliar, “provavelmente a partir de meados da década
de 1990, apresentando-se como decorrência de um processo crescente de empresariamento e
tecnificação da assistência em saúde” (CUNHA & MORAIS, 2007, p.1653). Revela sua real
faceta política em um quadro que traz dados nada preocupados com a melhoria na qualidade de
vida dos usuários ou com uma “assistência humanizada e integral, resgatando a relação entre
equipe de saúde, família e usuário” (SILVA et al, 2005, p.394). As autoras do artigo chegam à
seguinte conclusão: que apesar da proposta da escolha do lar como um novo e possível lócus
de produção de saúde estar apoiada em um conjunto de princípios que seriam “a
desospitalização, a redução de riscos de infecção e o favorecimento do convívio da pessoa
doente com o núcleo familiar” (CUNHA & MORAIS, 2007, p.1655), os reais objetivos finais
seriam simplesmente a redução nos custos da assistência e a acumulação de capital.
Seria possível realizarmos outras análises a partir de outras conjunturas, contudo se
optou pelo viés histórico cronológico como forma de facilitar o acompanhamento da variância
do uso (retórico e metafórico) que o termo “desospitalização” veio sendo apresentado nos
quarenta e dois documentos acadêmicos selecionados para análise. Da primeira vez que
cientificamente se reconhece a existência de processos de desospitalização até quando surgem
as práticas de atenção domiciliar já se vão cinquenta e quatro anos. Mas essa linha do tempo é
maior e será alimentada pelos dados contidos nos documentos oficiais e nos documentos
operacionais que serão analisados a posteriori. É sabido que os documentos acadêmicos ainda
precisam ser analisados por um outro olhar, o “olhar funcionalístico”. E foi através deste ponto
de vista que os quarenta e dois documentos acadêmicos tiveram seus textos esmiuçados na
esperança de que pistas metodológicas capazes de responder à pergunta desta pesquisa fossem
encontradas.
55

2.3 Olhar funcionalístico

Para a produção teórica deste item foram necessárias várias leituras em todos os
quarenta e dois documentos acadêmicos. Buscou-se partes dos textos que pudessem dizer algo
sobre protocolos, público-alvo, metodologias de trabalho, rotinas, processos, enfim, quaisquer
parágrafos, sentenças ou míseras partes dessas que pudessem responder à pergunta da
pesquisa: Como fazer desospitalização em hospital geral? Todavia, nada tão explícito e de
fácil identificação foi encontrado. Mais uma vez lançou-se mãos da hermenêutica tradicional e
interpretou-se os textos à guisa do próprio ponto de vista do sujeito-pesquisador, com afetação
e enviesamento. Isso, em hipótese alguma, deslegitima a pesquisa em questão pois toda
interpretação é um ato que depende de um sujeito, socialmente construído como todos nós e
como o tempo e o mundo em que vivemos. Algumas interpretações foram feitas
individualmente, documento por documento, enquanto outras preferiu-se fazer por grupos de
documentos com certa afinidade, por exemplo: muitos dos documentos que se referiam à
desospitalização dentro da área de conhecimento “Reforma Psiquiátrica” problematizavam a
questão da desassistência imputada a muitos doentes mentais que haviam sido desospitalizados
em atendimento a Lei nº 10.216, de 06 de abril de 2001 que na época dispôs sobre a proteção e
os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redirecionou o modelo assistencial
em saúde mental vigente no Brasil, mas que ao propor a ressignificação da loucura na e pela
sociedade a partir da eliminação do modelo manicomial asilar predominante e da inserção do
“louco” no mundo “normal” se esqueceu de pensar e prover uma rede assistencial substitutiva
aos hospitais psiquiátricos que desse conta daquela nova demanda de saúde que havia surgido
em consequência daquele projeto antimanicomial defendido pelos reformistas da Saúde
Mental.
Esse grupo de documentos que interpretei, me permitiram deduzir que todo o processo
de desospitalização devia ser precedido e acompanhado de uma rede de serviços de saúde
capaz de substituir os serviços que anteriormente estavam sendo oferecidos pelos hospitais. Em
outros momentos interpretativos as pistas metodológicas que encontrei não foram pistas
daquilo que deveria ser feito, pelo contrário, foram anti-pistas, pistas daquilo que não se deve
fazer ao se pensar em implementar ou executar um processo de desospitalização. Em seguida
serão tecidos breves comentários sobre cada um dos documentos que para mim sugeriram pista
metodológicas sobre como deve ou não deve ser um processo de desospitalização. Ao final
deste item será apresentado um quadro contendo a relação das pistas e da anti-pistas
metodológicas identificadas nos textos dos documentos que interpretei.
56

Pistas relacionadas aos tipos de redes de serviços substitutivos que se espera serem
capazes de garantir a continuidade da assistência aos pacientes desospitalizados estão presentes
na tese “Políticas de saúde mental e os efeitos da emergência da Agenda de Álcool e
Outras Drogas: o caso do estado do Rio de Janeiro”. Ela afirma e reitera a necessidade de
“substituição da atenção hospitalar por dispositivos como os Centro de Atenção Psicossocial
(CAPS)” (DIAS, 2014, p.72) e avisa que “nos casos de desospitalização dos pacientes
provenientes de longas internações, a participação das residências terapêuticas nesse processo
é fundamental” (DIAS, 2014, p.41), ou seja, que os tipos de serviços substitutivos que se
deseja são dependentes do tipo de paciente e do período que os mesmos estiveram internados.
E também, uma rede que fosse capaz de substituir os “leitos de internação por serviços abertos,
de base territorial e comunitária, com a proposta de cuidados em saúde mental em seus
diversos graus de intensidade” (DIAS, 2014, p.13). “Uma rede substitutiva, que assegurasse
assistência integral e de qualidade” (RODRIGUES et al, 2011, p.3) como reivindica o artigo
“A comunidade como espaço de produção de saúde mental: contribuições da Psicologia
Comunitária ao processo de desinstitucionalização”; “uma rede comunitária” financiada e
implantada pelo SUS como deseja o artigo “Transtornos fóbico-ansiosos: abordagem
epidemiológica das internações hospitalares” (PAZ et al, 2013, p.139). Essa rede de serviços
substitutivos é apresentada no artigo “Crianças/adolescentes em quimioterapia
ambulatorial: implicações para a Enfermagem” como possível de ser “viabilizada por meio
do tratamento ambulatorial, hospital-dia, assistência domiciliar (home care) e redes de apoio”
(COSTA & LIMA, 2002, p.322), que oferece “uma ‘cesta’ de serviços para as pessoas que
tiveram alta de processos de internação psiquiátrica”40 (HAKLAI et al, 2011, p.231) conforme
o artigo “The mortality risk among persons with psychiatric hospitalizations”, serviços
capazes de “evitar internações indiscriminadas e de se ajustar a redução planejada de leitos
(DIAS, 2014, p.68) segundo o artigo “Políticas de saúde mental e os efeitos da emergência
da Agenda de Álcool e Outras Drogas: o caso do estado do Rio de Janeiro”.
Outra pista metodológica com possível aplicação aos processos de desospitalização
destaca a importância da escuta dos pacientes candidatos e de seus familiares. Segundo o artigo
“A recusa à desospitalização psiquiátrica: um estudo qualitativo” “há aquelas (pacientes)
que se recusam a ser desospitalizadas (MACHADO et al, 2005, p.1473). Para o artigo “esses
pacientes aparentam estar na contramão daquilo que lhes é outorgado como um suposto
benefício, em reconhecimento ao seu direito de convívio social” (RODRIGUES et al, 2005,

40
O texto em língua estrangeira é: “basket of services to the persons discharged from inpatient psychiatric
facilities”.
57

p.1473) sendo uma das razões para essa recusa que a proposta de desospitalização poderia soar
ao paciente como um impasse de difícil desfecho, como podemos observar neste relato
extraído do artigo: “colocam-me diante de uma escolha: ser soldado e provocar a minha
morte, ou permanecer aqui e ter salva a minha vida. Escolho a vida, se bem que esta não seja
também a solução” (RODRIGUES et al, 2005, p.1477). O que quer que seja, nós devemos
considerar esses e todos os outros motivos que os pacientes colocam como recusa à
desospitalização.
A família também deve ser escutada porque segundo o artigo “O modelo brasileiro
de assistência a pessoas com transtornos mentais: uma revisão sistemática da literatura”
ela “tem um papel relevante como parceira no cuidado” (LIMA & NOGUEIRA, 2013, p.135).
Devemos segundo esse mesmo artigo sempre fazer “algumas importantes perguntas: do que
precisa a família para se sentir parceira no processo de cuidado? Como a família vive o papel
de cuidador? Quais são as suas principais necessidades?” (LIMA & NOGUEIRA, 2013, p.135)
e entender que quando estamos tratando do “encaminhamento do paciente à família, o seu
posicionamento no sentido de levar ou não o paciente asilar para casa é decisivo no processo
de desospitalização” (CARNEIRO & ROCHA, 2004, p.71) como afirma o artigo “O processo
de desospitalização de pacientes asilares de uma instituição psiquiátrica da cidade de
Curitiba”.
Foi possível a identificação de pistas que tratassem dos objetivos do processo de
desospitalização. Pela tese “A Reforma Psiquiátrica no contexto do Movimento de Luta
Antimanicomial em João Pessoa - PB”, quem tivesse o interesse em promover a
desospitalização “consequentemente estava promovendo a reforma do modelo
hospitalocêntrico” (GOMES, 2013, p.107). Segundo o artigo “Desospitalização para cuidado
domiciliar: impactos clínico e econômico da linezolida” chegou à conclusão de que o
processo de desospitalização “ocasiona diminuição do risco de contrair infecções economia
com os custos da hospitalização, racionaliza a demanda dos leitos hospitalares, reduz os custos
da assistência, proporciona maior conforto para o paciente e sua família, além de tornar o
cuidado mais humanizado” (VASCONCELLOS et al, 2015, p.111). Para o artigo “Parceria
Atenção Básica SMS-SP e IOT-HC: passos para a desospitalização” quando o programa
Melhor em Casa realiza desospitalização ele “pode melhorar sua qualidade de vida,
consequentemente seu tratamento, liberando leitos hospitalares” (ALBUQUERQUE et al,
2015, p.1). “As crianças portadoras de mucopolissacaridose e a Enfermagem: uma
experiência de desospitalização da assistência” é um artigo que traz a partir da minha
interpretação dois blocos de objetivos, que da forma como estão escritos parecem ser apenas
58

mais uma consequência do ato de desospitalizar: "Assim, a desospitalização da criança


influencia positivamente na qualidade de vida dos pacientes e de sua família, além de
promover a ampliação de leitos e, por consequência, a diminuição dos custos hospitalares”
(AZEVEDO et al , 2010, p.273) e

"O valor do ato de desospitalização, tanto no que se refere aos pacientes quanto aos
profissionais e à instituição, traz vários benefícios, visto que o paciente tem redução
no tempo de tratamento e menor risco de infecção, os profissionais podem
desenvolver uma assistência individualizada ambulatorial e a instituição tem redução
de custos hospitalares, além da disposição de leitos para outras demandas"
(AZEVEDO et al , 2010, p.274).

Quanto às práticas, aos processos e aos procedimentos, outros artigos trouxeram pistas
a respeito. O artigo “O processo de desospitalização de pacientes asilares de uma
instituição psiquiátrica da cidade de Curitiba” afirma que, “ cada profissional possui suas
próprias ideias acerca do trabalho realizado junto aos pacientes” (CARNEIRO & ROCHA,
2004, p.69) acerca dos procedimentos necessários e sistemáticos para o processo de
desospitalização. E que uma das estratégias adotadas para a desospitalização consistia “na
concessão de licenças, que permitem que o paciente passe o fim de semana em casa e retorne
ao hospital” (CARNEIRO & ROCHA, 2004, p.71). O artigo “Parceria Atenção Básica SMS-
SP e IOT-HC: passos para a desospitalização” coloca que para que se ocorra uma
desospitalização responsável em tempo oportuno, os autores e sujeitos do processo devem
poder “pactuar ações e responsabilidades no processo de referência – contra referência
(ALBUQUERQUE et al, 2015, p.1). Para o artigo “Peculiaridades do atendimento
psicológico em domicílio e o trabalho em equipe” o programa deveria garantir a assistência
“orientando pacientes e familiares quanto a noções básicas de saúde e envolvimento nos
cuidados”, como também garantir “a orientação da família de pessoas fora de possibilidades
terapêuticas curativas” (LAHAN, 2004, p.3), considerando que a deficiência da rede de
serviços substitutivos, faz com que a participação das famílias no acolhimento e no tratamento
dos pacientes venha sendo cada vez mais exigida. Sendo assim, antes de mais nada “faz-se
necessária a reestruturação das crenças e das representações da família acerca do tratamento”
(COSTA & TREVISAN, 2012, p.608) conforme se lê no artigo “Mudanças psicossociais no
contexto familiar após a desospitalização do sujeito com transtornos mentais”. Pois seria
através da “educação permanente e o apoio matricial” (ARISTIDES et al, 2013, p.12), segundo
o artigo “O cuidado aos usuários com transtorno mental em tratamento com medicação
de depósito: percepções da equipe saúde da família” que avançaríamos rumo à
59

desospitalização e à reforma psiquiátrica. Para tanto é fundamental, conforme o artigo


“Possibilidades de atuação da enfermagem em saúde mental: contribuições no processo
de implantação das Residências Terapêuticas no município de Volta Redonda – Rio de
Janeiro (2006-2011)”, que processos de “reabilitação psicossocial” (MARTINS, 2013, p.34)
perpassem todas as etapas da desospitalização e estejam em todas as propostas de reinserção
social e resgate da cidadania.
Alguns documentos trouxeram as pistas-não-pistas, ou as anti-pistas, aquelas que não
deveriam ser seguidas, segundo a minha interpretação. A anti-pista metodológica que apareceu
no maior número de documentos chama a atenção para a necessidade de que todo processo de
desospitalização seja acompanhado por uma rede de serviços substitutivos aos serviços
hospitalares. Preocupadas com a possível desassistência dos doentes mentais, a tese “A
Reforma Psiquiátrica no contexto do Movimento de Luta Antimanicomial em João
Pessoa - PB” afirma que “apesar dos avanços na dimensão técnica-assistencial, a RAPS não
têm garantido o atendimento às necessidades de saúde mental da população, situação que
configura um processo de desospitalização e desassistência, no município estudado” (GOMES,
2013, p.109), enquanto a tese “Políticas de saúde mental e os efeitos da emergência da
Agenda de Álcool e Outras Drogas: o caso do estado do Rio de Janeiro” destaca que “a
insuficiência da oferta de serviços na modalidade residência terapêutica foi uma lacuna no
desenvolvimento da política de desospitalização e continua representando uma fragilidade para
sua evolução” da realidade estudada (DIAS, 2014, p.68).
Já o artigo “A Reforma Psiquiátrica no Distrito Federal“ reitera a ideia de que “A
reforma psiquiátrica reduzida à desospitalização, sem uma rede de recursos extra-hospitalares
para a atenção a pessoas com sofrimento mental, impõe a estas uma condição de
desassistência” (LIMA & SILVA, 2004, p.594) enquanto o artigo “Saúde mental, mudança
social e discurso bioético: uma face da desinstitucionalização revelada em uma notícia de
jornal” declara que “dessa forma, é inexorável que a Reforma Psiquiátrica esteja gerando
desassistência, uma vez que a implantação de serviços substitutivos operacionalizáveis não
acompanhou a desospitalização” (PINHO, 2009, p.822).
Ao se pensar o processo de desospitalização o artigo “Novos Sujeitos, Novos
Direitos: o debate em torno da Reforma Psiquiátrica” destaca que a experiência dos EUA
havera reduzido “o conceito de desinstitucionalização à meras medidas de desospitalização,
sem a necessária construção de uma nova rede de serviços e cuidados” (AMARANTE, 1995,
p.493), felizmente, segundo o autor essa experiência se distancia da experiência brasileira.
60

Outro artigo, muito sabiamente, toca em um assunto extremamente pertinente, qual


seja, que não deveríamos nortear nossa atenção apenas para a rede de serviços substitutivos e
vê-la como a única solução, a tábua de salvação dos processos de desospitalização dos doentes
mentais: é o artigo “A reorientação da atenção em saúde mental: sobre a qualidade e
humanização da assistência” que problematiza que não deveríamos pensar na rede somente a
partir dos “modelos ‘espaçocêntricos’, perspectiva em que a qualidade da atenção é
determinada exclusivamente pela mudança dos espaços físicos, sem considerar que, em tais
locais, pode dar-se a reprodução de práticas cronificadoras e segregadoras, tal como no modelo
tradicional asilar” (DIMENSTEIN, 2004, p.112).
Um grupo de artigos chama a atenção para questões relacionadas às famílias dos
doentes mentais em processo de desospitalização, mais especificamente sobre o esquecimento
delas pelos profissionais de saúde durante planejamento e execução dos processos de
desospitalização e sobre as consequências acarretadas a essas famílias por causa desse
esquecimento.
Para o artigo “A Reforma Psiquiátrica no Distrito Federal” uma das razões seria
que o sistema de saúde do Distrito Federal (DF) estaria atrelado a “a lógica capitalista de
racionalidade de custos financeiros nas ações de saúde mental e a concepção de reforma
psiquiátrica como desospitalização. Tais medidas têm como impacto negativo o desamparo dos
usuários e familiares. Isso é evidenciado quando o princípio da desospitalização não vem
acompanhado de estratégias de criação e oferta de serviços substitutivos que façam a superação
da atenção centrada no Hospital Psiquiátrico, cujo objeto é concebido na determinação
biológica” (LIMA & SILVA, 2004, p.594). Essa razão veio ressaltada no artigo “A assistência
domiciliar privada em saúde e suas estratégias (aparentes e ocultas)” quando ao estudarem
os serviços de atenção domiciliar privado do Recife perceberam que

“A transferência da assistência à pessoa doente do âmbito hospitalar para o domiciliar


resulta de uma articulação entre os operadores de planos e seguros de saúde, os
prestadores de assistência domiciliar privada e hospitais e concretiza-se, tão somente,
quando os interesses de todos esses sujeitos coletivos podem ser solucionados. Desse
modo, a alta hospitalar precoce, seguida da internação domiciliar, torna-se exequível
quando se consolida enquanto instrumento que oportuniza lucros para todos os
sujeitos envolvidos em sua promoção. No caso dos hospitais, quando a transferência
do interno pode proporcionar a liberação de um leito para ser ocupado por outro
cliente que demande uma maior quantidade de serviços, insumos e procedimentos
sofisticados; para os operadores, porque significa a possibilidade de tratar do enfermo
em seu domicílio, com significativa redução dos custos operacionais; para as
empresas prestadoras de assistência domiciliar se constitui a estratégia privilegiada
para a venda de serviços” (CUNHA & MORAIS, 2007, p.1655).
61

Algumas das muitas consequências que a ausência de um diálogo entre os serviços de


saúde e as famílias dos doentes em processo de desospitalização são destacadas nos artigos “O
cuidado aos usuários com transtorno mental em tratamento com medicação de depósito:
percepções da equipe saúde da família” e “Saúde da família e cuidados paliativos
infantis: ouvindo os familiares de crianças dependentes de tecnologia”. O primeiro artigo
fala da falta de amparo “pela rede institucional com relação ao cuidado" (ARISTIDES et al,
2013, p.7) às famílias dos doentes mentais institucionalizados que voltavam para a casa através
de processos de desospitalização. O segundo artigo evidencia um desrespeito ao direito à saúde
quando denuncia que todas as famílias das crianças dependentes de tecnologias em processo de
desospitalização só conseguiam “obter os equipamentos e insumos necessários através da
justiça com ações ajuizadas pela Defensoria Pública” (RABELLO E RODRIGUES, 2010,
p.384). Este ponto segundo esse artigo, evidencia, além de um desrespeito ao direito à saúde,
uma divergência entre o discurso do Ministério da Saúde favorável à desospitalização e à
humanização e o que de fato se encontra pelo Brasil afora no sofrido dia-a-dia das unidades de
saúde e dos lares familiares.
Mutatis mutandis tomou-se as pistas encontradas e brevemente analisadas acima e
adaptou-as para o uso no mundo da desospitalização em geral. Facilmente transformadas em
pistas metodológicas que poderiam responder, pelo menos em parte, à pergunta desta pesquisa:
Como fazer desospitalização em hospital geral?, elas serão apresentadas no quadro abaixo.
62

Quadro 4 – Relação das pistas e das anti-pistas sobre desospitalização encontradas nos documentos acadêmicos (continua).

I T ENS P IST AS ANT I -P I ST AS


São específicas e diferenciadas para cada paciente; Não garantem o atendimento às necessidades de saúde da
São constituídas por serviços abertos de base territorial e população;
comunitária; Oferecem serviços em quantidade e qualidade insuficiente;
SU B STI T UTI VO S
São viabilizadas por meio de serviços como os ambulatórios, os Têm lenta implantação dos serviços;
SE RVI Ç O S
RE DE S

hospitais-dia, os serviços de atenção domiciliar e outras redes de Ausência de construção de novas redes;
DE

apoio; Seguem os modelos “espaçocêntricos”, onde apenas se mudam


Asseguram a assistência integral e de qualidade; os espaços físicos;
Oferecem uma cesta de serviços; Realizam práticas segregadora e cronificadoras;
Produzem cuidados em seus mais diversos graus de intensidade; Promovem a desassistência dos pacientes e famílias.
Evitam internações desnecessárias.
Escutar os pacientes candidatos sobre o que pensam sobre o Falta de escuta dos pacientes e suas famílias sobre o que
processo de desospitalização; pensam sobre o processo de desospitalização;
PÚ BLI C O - A LV O
(CLI ENT ELA)

Os pacientes podem recusar o processo; Os pacientes e famílias ficam desamparados pela rede de saúde
A família tem papel relevante como parceira do cuidado; e de cuidados;
Escutar a família sobre o que ela precisa para se sentir parceira no O processo de desospitalização não gera lucro para os paciente
processo do cuidado; e famílias;
Ouvir o posicionamento da família em levar ou não o paciente para As famílias só conseguem equipamentos tecnológicos e
casa. insumos via judicialização.
63

Quadro 4 – Relação das pistas e das anti-pistas sobre desospitalização encontradas nos documentos acadêmicos (continuação).

I T ENS P IST AS ANT I -P I ST AS


Promover a reforma do modelo hospitalocêntrico; Reduzir os dias das internações hospitalares;
Tornar o cuidado mais humanizado; Diminuir o tipo e a quantidade de procedimentos assistenciais,
Proporcionar maior conforto para pacientes e famílias; inclusive, a presença dos profissionais nos domicílios;
Melhorar a qualidade de vida dos pacientes e familiares; Restringir de forma gradativa a presença da mão-de-obra
Diminuir o tempo de tratamento; técnica especializada e incorporar o trabalho familiar na
Diminuir o risco de contrair infecção; assistência para reduzir o número de dias dos internamentos
CO N SEQ UÊ N CIA S

Reduzir os custos da assistência; domiciliares;


OB JE TIV OS

Racionalizar a demanda de leitos; Encurtar a assistência dos profissionais de saúde nos domicílios
Liberar os leitos hospitalares; e diminuir os internamentos hospitalares recorrentes;
E

Promover a ampliação da oferta de leitos; Permitir a assunção pelas famílias dos diversos custos materiais
Diminuir os custos da hospitalização. acarretados pela presença do doente no domicílio;
Possibilitar a redução da mão-de-obra técnica qualificada;
Reduzir o acesso dos clientes de planos e seguros de menores
valores à quantidade de atos realizados ou ao tipo de
procedimentos e tecnologias duras disponibilizados;
Evitar custos atinentes aos direitos trabalhistas e
previdenciários, transferindo-os ao trabalhador.
64

Quadro 4 – Relação das pistas e das anti-pistas sobre desospitalização encontradas nos documentos acadêmicos (conclusão).

I T ENS P IST AS ANT I -P I ST AS


Cada profissional tem suas próprias ideias acerca do trabalho a ser Promoção da alta hospitalar precoce;
realizado; Implementação dos protocolos de atendimento;
Concessões de licenças para pacientes internados passarem o final Introdução dos programas de desmame;
de semana em casa; Monitoramento de casos;
Pactuar ações e responsabilidades nos processos de referência e Incorporação da infraestrutura dos domicílios;
P RO CE DIM ENT O S

contra referência; Inserção da mão-de-obra familiar gratuita;


P RO CE S SO S
P RÁTI C A S,

Reestruturar as crenças e as representações das famílias sobre o Oferta de diferentes serviços para os distintos tipos de contratos
cuidado; firmados entre clientes e operadores;
E

Orientações de pacientes e famílias de noções básicas de saúde e Flexibilização e precarização do trabalho (vinculação com as
de envolvimento nos cuidados; “falsas cooperativas”, contratos temporários).
Orientações de famílias de pessoas fora de possibilidades
terapêuticas curativas;
Educação permanente;
Apoio matricial;
Processos de reabilitação psicossocial.
Fonte: o autor, 2016.
65

3 ANALISANDO OS DOCUMENTOS OFICIAIS

Antes de partimos para a análise final dos documentos oficiais selecionados, se faz
necessário duas curtas notas explicativas sobre os motivos da escolha do termo “oficiais”. Num
primeiro momento ficou-se na dúvida entre que termo usar, “oficiais” ou “legais”. Pensou-se
em usar os dois termos como sinônimos e como opção para que repetições na mesma sentença
fossem evitadas. Porém, quando se usou o termo “legais” em alternância com o termo
“oficiais”, durante as releituras dos escritos me fez suspeitar que se tratavam de coisas
diferentes; “legais” soava como leis procedentes do legislativo e não como os documentos
produzidos pelo executivo e disponibilizados no portal do Diário Oficial da União (DOU).
Outra razão para a escolha do termo “oficiais” foi a existência do mesmo termo no singular no
nome da fonte usada na pesquisa, o que na minha visão poderia ajudar o leitor na criação de
vínculo direto com a fonte de dados utilizada.
Cabe dizer que existem outros documentos oficiais 41 que não foram publicados no
DOU online mas que foram de suma importância para a pesquisa e foram usados por mim
durante os diálogos tratados durante a discussão dos dados. A análise dos documentos
“oficiais” também será realizada sob três pontos de vista: um olhar quantitativo que tratará de
algumas características macro presentes nessa relação de documentos; um olhar qualitativo que
se atentará para as características intrínsecas dessa mesma relação e um outro olhar, mais
funcionalístico, que conforme o exercício hermenêutico realizado no textos dos documentos
acadêmicos, buscará pistas metodológicas sobre como realizar um processo de
desospitalização em um hospital geral. Neste item um documento será analisado com mais
detalhamento que outros, pois se refere aos hospitais de uma forma geral sem os recortes
imputados por linhas de cuidados ou áreas de atenção: a Política Nacional da Assistência
Hospitalar.

41
Os documentos de que falo são: a Política Nacional de Humanização, os Cadernos de Atenção Domiciliar e o
Caderno HumanizaSUS para os Hospitais.
66

3.1 Olhar quantitativo

As características macro que foram analisadas sob o olhar quantitativo seguiram três
(3) das mesmas diretrizes da análise dos documentos acadêmicos: a distribuição temporal dos
documentos; a distribuição por tipo de documento, neste caso, se seriam Portarias, Leis,
Decretos, etc.; e a relação dos tipos de documentos por ano de sua publicação. Uma outra
análise sob o olhar quantitativo será apresentada no item “olhar qualitativo”, pois ela dependeu
de uma análise qualitativa prévia à análise quantitativa, qual seja, a distribuição temporal do
documento a partir de sua função específica, ou seja, aquilo que o documento oficial
estabelece.
Quanto à distribuição temporal tomou-se o período que o portal disponibilizava na
época, um período de vinte e cinco anos consecutivos, iniciando pelo ano de 1990,
coincidentemente ano da publicação da Lei Orgânica da Saúde (LOS) até o ano de 2015.
Retificando a assertiva anterior, talvez fosse mais coerente considerarmos apenas os anos cujos
documentos oficiais estivessem disponíveis na íntegra para leitura e download, já que os anos
de 2006 e 2007 ficaram inacessíveis para mim durante todos os momentos em que ela fora
realizada. Realizando essa subtração, ainda assim o período temporal considerado para análise
dos documentos oficiais fora dois anos maior que o período dos documentos acadêmicos.
Efetuou-se a média apenas como curiosidade sabendo-se que nada ela representaria
visto o aumento considerável no número dos documentos publicados nos três últimos anos do
período temporal considerado. Ao ser tomada a média não foram considerados os anos 2006 e
2007 visto não terem permitido o meu acesso aos documentos, conquanto considerou-se então
apenas vinte e três anos no total, subtraindo-se dos vinte e cinco anos relacionados no portal do
DOU menos os dois anos inacessíveis. Outro fator que justifica a irrelevância desse indicador,
a média, nesta pesquisa, foi a ausência de documentos publicados nos anos 1990, 1991, 1992,
1993, 1994, 1995, 1996, 1997, 1999, 2003, 2006, 2007 e 2010 frente aos onze documentos
publicados somente no ano de 2014. Comparando os volumes de documentos oficiais
publicados nos primeiros cinco anos, de 1990 a 1994 com os publicados nos últimos cinco
anos, 2001 a 2015 obtiveu-se uma relação de zero para trinta e seis. O Gráfico 6 apresenta a
distribuição dos cinquenta e cinco documentos oficiais que continham as sessenta e três
citações do termo “desospitalização”. Todos esses documentos se encontravam publicados em
apenas quarenta e oito periódicos.
67

Gráfico 6 – Distribuição temporal dos documentos oficiais disponíveis na íntegra para leitura e
download por ano de publicação.

12
11
10 10

8 8

6 6
5 5
4

2 2 2 2
1 1 1 1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

-2

Fonte: o autor, 2016.

Quanto à distribuição por tipo de documento observou-se que a grande maioria,


quarenta e sete eram representados apenas por três tipos de documentos, sendo trinta e uma
portarias, nove extratos de termo aditivo de contrato ou convênio e seis resoluções,
correspondendo, respectivamente a 56,36%, 16,36% e 5,45%. O Gráfico 7 demonstra essa
distribuição e a relação percentual de cada tipo de documento em relação à amostragem
analisada.

Gráfico 7 – Distribuição percentual por tipo de documentos oficiais selecionados para análise.
PORTARIAS
1; 2% 1; 2% 2; 3%
RESOLUÇÕES
1; 2%
EXTRATOS DE TERMO ADITIVO DE 1; 2%
CONTRATO/CONVÊNIO
CONSULTAS PÚBLICAS
1; 2%
2; 3%
RELATÓRIOS DE AUDITORIA

ATAS 10; 18% 31; 55%


CHAMAMENTO PÚBLICO

PROCESSOS JUDICIAIS

TERMOS DE COOPERAÇÃO
6; 11%
PREGÕES ELETRÔNICOS

Fonte: o autor, 2016.


Quanto à distribuição temporal dos tipos de documentos optou-se por analisar apenas
os grupos que apresentaram mais que cinco publicações no período considerado, as portarias,
68

as resoluções e os extratos de termo aditivo de contrato ou convênio. Percebeu-se que as


portarias se encontravam presentes em dez dos onze anos selecionados para esta análise com
maior concentração (80%) a partir da segunda metade do período considerado (de 2008 a
2015). Os extratos de termo aditivo apresentavam uma distribuição mais regular, sendo quatro
deles publicados na primeira metade do período e cinco na segunda. Já, em relação as
resoluções, o mesmo não foi percebido: cinco delas foram publicadas na primeira metade e
apenas uma na segunda, o oposto do que se percebeu quando se analisou a distribuição das
portarias. Para a produção do Gráfico 8 foram retirados os anos de 2006 e 2007 do período de
análise por não ter sido possível acessar seus periódicos e em seguida também foram retirados
os anos de 1999, 2002, 2005 e 2010 porque não apresentaram nem portarias, nem extratos e
nem resoluções publicadas. O Gráfico 8 demonstra a distribuição desses três tipos de
documentos.

Gráfico 8 – Distribuição dos documentos tipo portarias, resoluções e extratos de termo aditivo
de contrato ou convênio pelos anos 1998, 2000 a 2002, 2004, 2009, 2011 a 2015.

12

1
10
1

8
4
6

9
4
3 7
4
5
2
1
2 2 2
1 1 1 1 1
0
1998 2000 2001 2002 2004 2009 2011 2012 2013 2014 2015

PORTARIAS R E SO L U Ç Õ E S E X T R AT O S D E T E R M O AD I T I V O

Fonte: o autor, 2016.


69

3.2 Olhar qualitativo

As características intrínsecas que foram analisadas sob o olhar qualitativo estão


relacionadas com as funções as quais os documentos oficiais estabeleceram. Quanto às
portarias notou-se que elas estabeleceram desde diretrizes e protocolos para doenças como
esclerose lateral amiotrófica (ELA) e doença de Crohn, para o cadastramento de hospitais que
desejavam implementar a internação domiciliar e para a construção dos hospitais de custódias
de doentes mentais até a instituição de inquéritos civis públicos e da Política Nacional da
Atenção Hospitalar (PNHOSP). A partir dos anos 2013 dezessete portarias se referiram às
habilitações de serviços residenciais terapêuticos (RT) ou centros de atenção psicossocial
(CAPS), provavelmente em resposta a publicação da Portaria nº 3.088 de 23 de dezembro de
2011 que instituiu as Redes de Atenção Psicossocial (RAPS).
Todos os extratos de termos aditivos de contratos ou convênios que foram firmados
pelo Ministério da Saúde estabeleceram parceria com outros órgãos públicos como a Prefeitura
de Ponta Grossa no Paraná visando a prorrogação do projeto de desospitalização de pacientes
crônicos de longa permanência, a Prefeitura do Rio de Janeiro estabelecendo um montante
pecuniário para a implantação do projeto de desospitalização dos idosos e a Universidade
Federal do Rio Grande de Sul para o desenvolvimento de projetos de desospitalização e
reabilitação psicossocial de pacientes psiquiátricos. Apenas os extratos de termo aditivo que
foram firmados pela Caixa Econômica Federal tiveram como a outra parte uma empresa
privada de prestação de serviços de saúde e trataram do aumento do preço do procedimento
acupuntura, da inclusão de novos procedimentos e de novas especialidades médicas no rol de
serviços oferecidos pela empresa, como também, absurdamente, da inclusão de uma proposta
para que a empresa pudesse oferecer vacinas contra a gripe para os idosos, ação que o SUS já
oferece anualmente em campanhas nacionais gratuitas para a população.
A auditoria realizada pelo TCU em 2004 e sua ata de 2005 que validou o relatório da
auditoria trataram sobre a precariedade das ações de desospitalização de doentes mentais e
provavelmente influenciaram a produção do TAS imputado pelo órgão ao SUS em 2009 do
qual originou o seu regulamento, aprovado pelo então Ministro José Gomes Temporão.
Analisando esses documentos não foi possível inferir se os mesmos influenciaram o
Decreto 7.508 de 2011 que regulamentou o SUS, pois em seus “considerando” não há
referências nem à Portaria 2.048 de 2009 que regulamentou o TAS nem à Portaria 204 que o
instituiu em 2007.
70

As consultas públicas de 2002 e de 2012 trataram respectivamente de diretrizes e


protocolos para uma relação de cinco doenças, como as já citadas logo no início deste item,
doença de Crohn e ELA mais a retocolite ulcerativa, a artrite reumatoide e a doença de Wilson
e da Política Nacional de Atenção Hospitalar; ambas tiveram no ano seguinte da publicação
das consultas as suas portarias de instituição publicadas sem que seus textos tivessem sofrido
quaisquer alterações.
Três das quatro resoluções publicadas em 1998 tratavam do financiamento do Piso de
Atenção Básica (PAB) para o Programa de Apoio à Desospitalização, mas não informavam
valores, enquanto uma reafirmava a desospitalização e o desenvolvimento dos modelos
substitutivos especificamente para os pacientes psiquiátricos, retomando o programa de apoio a
desospitalização e investigando as razões de sua paralização na época.
Em seguida serão apresentadas as categorias das funções que foram estabelecidas pelo
caput dos documentos oficiais ou pelos seus artigos primeiros e após, estas mesmas funções de
maneira agrupada por similitude, os documentos que tratam de financiamento no grupo do
financiamento, aqueles que estabelecem diretrizes no grupo das diretrizes e assim por diante. O
Quadro 7 traz na coluna da esquerda as funções não agrupadas enquanto na coluna da direita
os grupamentos por similitude. Após esse quadro será apresentado o Gráfico 9 que mostrará a
distribuição destes grupamentos pelo período temporal analisado.

Quadro 5 – Relação das categorias das funções dos documentos oficiais com seus grupamentos
correspondentes (continua).

CLASSIFICAÇÃO DOS ATOS


FUNÇÕES AGRUPADAS
ADMINISTRATIVOS
Abre pregão eletrônico Abre pregão eletrônico
Altera portaria raps Altera portaria raps
Aprovação de diretrizes de segurança
penitenciária
Aprovação de normas para cadastramento de
centro de referência ao idoso Aprovação de diretrizes, normas e regulamentos
Aprovação de regulamento de funcionamento do
sus
Aprovação de regulamento de prêmios
71

Quadro 5 – Relação das categorias das funções dos documentos oficiais com seus grupamentos
correspondentes (conclusão).

Consulta pública de políticas


Consultas públicas de políticas e protocolos
Consulta pública de protocolos
Convocação de concursados
Convocações de concursados e conferências
Convocação de conferência de saúde mental
Dispõe sobre arquitetura penal Dispõe sobre arquitetura penal
Dispõe sobre integração de SOS emergência e Dispõe sobre integração de SOS emergência e
atenção domiciliar atenção domiciliar
Dispõe sobre redes de atenção psicossocial - raps Dispõe sobre redes de atenção psicossocial - raps
Estabelece diretrizes para organização dos
cuidados prolongados na rede de urgência e
emergência Estabelece diretrizes, requisitos e cooperações
Estabelece requisitos para credenciamento em técnicas
internação domiciliar
Estabelecimento de cooperação técnica
Exclui tipo de estabelecimento - hospital de Exclui tipo de estabelecimento - hospital de
custódia custódia
Financiamento de programas de desospitalização
- crônicos de longa permanência Financiamento de programas de desospitalização -
Financiamento de programas de desospitalização crônicos de longa permanência + idosos +
- hanseníase hanseníase
Financiamento de programas do idoso
Habilitação de residências terapêuticas Habilitação de residências terapêuticas
Instituição de inquéritos - civil público Instituição de inquéritos civis públicos e de
Instituição de processos judiciais processos judiciais
Instituição de políticas
Instituição de políticas e protocolos
Instituição de protocolos
Premiação de experiências de gestão bem- Premiação de experiências de gestão bem-
sucedidas sucedidas
Publicação de atas de plenária Publicação de atas de plenária e relatórios de
Publicação de relatórios de auditorias auditorias
Renovação/prorrogação de convênios Renovação/prorrogação de convênios
Fonte: o autor, 2016.
72

Gráfico 9 – Distribuição dos documentos por funções agrupadas pelos anos 1998, 2000 a
2002, 2004, 2009, 2011 a 2015.

R E N O V A Ç Ã O / P R O R R O G A Ç Ã O D E C O NV Ê NI O S 3 1 4

P U B L I C A Ç Ã O D E A T A S D E P L E NÁR I A E … 2

P R E M I A Ç Ã O D E E X P E R I Ê N C I A S D E G E ST ÃO … 1

INSTITUIÇÃO DE POLÍTICAS E PROTOCOLOS 1 1

I N S T I T U I Ç Ã O D E I N QU É R I T O S C I V I S … 2

H A B I L I T A Ç Ã O D E R E S I D Ê N C I A S T E R A P Ê U T I C AS 4 8 5

F I N A N C I M E N T O D E P R O G R AM AS D E … 3 1 1

E X C L U I T I P O D E E S T A B E L E C I M E NT O - … 1

E S T A B E L E C E D I R E T R I Z E S , R E QU I SI T O S E … 1 2 1

D I S P Õ E S O B R E R E D E S D E AT E NÇ ÃO … 1

D I S P Õ E S O B R E I N T E G R A Ç Ã O D E SO S … 1

D I S P Õ E S O B R E A R QU I T E T U R A P E NAL 1

1 1

C O NSU L T AS P Ú B L I C AS D E P O L Í T I C AS E … 1 1

A P R O V A Ç Ã O D E D I R E T R I Z E S , N O R M AS E … 1 2 1

ALTERA PORTARIA RAPS 1

A B R E P R E G Ã O E L E T R Ô NI C O 1 1

0 2 4 6 8 10 12 14 16 18
1998 1999 2000 2001 2002 2004 2005

Fonte: o autor, 2016.

Antes de partirmos para o próximo item onde buscaremos pistas metodológicas nos
oito documentos oficiais selecionados para análise sobre como fazer desospitalização nos
hospitais gerais, escolhi um documento para ser analisado com mais detalhamento que o
restante. Trata-se da Política Nacional de Atenção Hospitalar, a PNHOSP, instituída pela
Portaria nº 3.390 de 30 de dezembro de 2013. A escolha deste documento por mim se baseou
inicialmente porque ele traz orientações que “se aplicam a todos os hospitais, públicos ou
privados, que prestem ações e serviços de saúde no âmbito do SUS” (BRASIL, 2013) sobre
73

como devem ser prestadas essas ações e esses serviços de saúde. Também foram levados em
consideração outros dados que serão abaixo analisados.
Já em seu caput como também em seu Artigo 1º do Capítulo I que trata das
disposições gerais, a portaria reposiciona o hospital quando estabelece “as diretrizes para a
organização do componente hospitalar da Rede de Atenção à Saúde (RAS)” (BRASIL, 2013).
No seu Artigo 4º, o hospital passa a ser considerado um ponto de atenção “cuja missão e perfil
assistencial devem ser definidos conforme o perfil demográfico e epidemiológico da população
e de acordo com o desenho da RAS loco-regional, vinculados a uma população de referência
com base territorial definida” (BRASIL, 2013) e não mais um estabelecimento de saúde
independente e autônomo como culturalmente há décadas o vem sendo considerado pela
população mundial. Poderíamos entrar em uma discussão sobre o projeto neoliberal
imperialista americano e sua influência sobre o boom da indústria de internação hospitalar no
Brasil, mas este não é o lugar para isto, quem sabe em uma digressão nas notas de fim de texto.
Considerando os “considerando” do documento, percebeu-se que o mesmo é
atravessado por inúmeras outras portarias 42 que tratam de outras políticas e das redes de
atenção à saúde no âmbito do SUS. Entretanto, notou-se que em momento algum nos
“considerando” a Política Nacional de Humanização (PNH) do SUS foi sequer citada, apesar
dessa política ter sido o primeiro documento oficial a se referir ao processo de desospitalização
para quaisquer hospitais como um mecanismo obrigatório que visava buscar alternativas aos
serviços hospitalares; texto muito parecido com o presente na PNHOSP em seu artigo 16, item
III, onde a alta responsável deve ser garantida mediante a “implantação de mecanismos de
desospitalização, visando alternativas às práticas hospitalares, como as de cuidados
domiciliares pactuados na RAS” (BRASIL , 2013).
O Artigo 3º da portaria definiu o que seria o hospital para o SUS, que ações e serviços
de saúde por eles devem ser prestadas e qual o seu público alvo. Para esse artigo o hospital é
uma instituição complexa, “com densidade tecnológica especifica, de caráter multiprofissional
e interdisciplinar, responsável pela assistência aos usuários com condições agudas ou crônicas,

42
Portaria nº 1.559 de 01 de agosto de 2008 que institui a Política Nacional de Regulação (PNR); Portaria nº
4.279 de 30 de dezembro de 2010 que estabelece diretrizes para a organização das Redes de Atenção à Saúde
(RAS); Portaria nº 1.459 de 24 de junho de 2011 que institui a Rede Cegonha; Portaria n 1.600 de 7 de julho de
2011 que reformula a Política Nacional de Atenção às Urgências (PNAU) e institui a Rede de Atenção às
Urgências; Portaria 2.408 de 21 de outubro de 2011 que aprova a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) e
estabelece a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da
Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS); Portaria nº 3.088 de 23 de dezembro de
2011 que institui a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS); Portaria nº 793 de 24 de abril de 2012 que institui a
Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência; Portaria nº 252 de 19 de fevereiro de 2013 que institui a Rede de
Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas.
74

que apresentem potencial de instabilização e de complicações de seu estado de saúde,


exigindo-se assistência contínua em regime de internação e ações que abrangem a promoção da
saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento e a reabilitação” (BRASIL, 2013),
além de ainda constituírem-se como “espaços de educação, formação de recursos humanos,
pesquisa e avaliação de tecnologias em saúde para a RAS” (BRASIL, 2013) de acordo com o §
2º do seu Artigo 4º. Notou-se que diferentemente daquilo que a grande maioria da população
imagina, o hospital não é mais o “lugar da cura”, provavelmente em respostas às transições
epidemiológicas em curso. Ainda sobre o capítulo das disposições gerais a portaria, no seu
Artigo 5º, traz uma espécie de glossário, uma relação de termos com suas explicações
semânticas que serão utilizados no decorrer do texto. E como exemplos destes termos temos:
acolhimento, apoio matricial, clínica ampliada, horizontalização do cuidado, plano terapêutico,
RAS, entre outros.
O Capítulo II da portaria que trata das diretrizes da mesma pontua catorze itens em
seu Artigo 6º. Itens que reiteram princípios do SUS contidos na Lei nº 8.080 e na Lei nº 8.142,
ambas de 1990, como o Item I que trata da universalidade, da equidade e da integralidade, o
Item II que trata da regionalização da atenção e os Itens XIII e XIV que tratam da participação
e do controle social nos processos de planejamento, monitoramento e avaliação do SUS.
Outros itens que respondem a diretrizes estabelecidas por políticas específicas como o Item V
que trata do acesso regulado de acordo com o estabelecido na Política Nacional de Regulação,
o Item VI que trata da atenção humanizada em consonância com a Política Nacional de
Humanização e o Item VII que estabelece que a gestão de tecnologias deve estar de acordo
com a Política Nacional de Incorporação de Tecnologias. Itens que tratam das questões sobre o
financiamento dos hospitais e de como esse recurso deve ser utilizado: que o financiamento
deve ser tripartite de acordo com o Item X e que o uso dos recursos deve ser racional, segundo
o Item IX, e transparente segundo o Item XII. Os itens relacionados ao Cuidado serão
analisados mais à frente neste texto.
O Capítulo III da PNHOSP, o capítulo que delineia os seus eixos estruturantes,
apresenta uma lista em seu Artigo 7º contendo sete itens, cada um correspondendo a um destes
eixos estruturantes, que no decorrer do texto da portaria, um a um, são detalhados em suas
respectivas seções. São eles: o eixo da assistência; o eixo da gestão; o eixo da formação,
desenvolvimento e gestão da força de trabalho; o eixo do financiamento; o eixo da
contratualização; e o eixo das responsabilidades de cada esfera de gestão.
A Seção I do Capítulo III que trata da assistência hospitalar é a única parte do texto da
portaria onde foi possível se identificar a citação do termo “desospitalização”. O Artigo 16,
75

Item III faz referência ao termo como “mecanismos de desospitalização”, mas diferentemente
do texto muito similar contido na PNH não coloca os cuidados domiciliares como uma prática
alternativa preferencial. Essa seção é composta de nove artigos, treze parágrafos e três itens
nos quais encontrei importantes pistas metodológicas que serão relacionadas no item “olhar
funcionalístico” de forma muito parecida com o texto anterior “Analisando os documentos
acadêmicos”. O Artigo 8º fala da organização da assistência e destaca que a mesma deverá
atender às demandas da população, ou seja, que o planejamento das ações e dos serviços de
saúde que serão ofertados devem ser sob medida para os usuários (pacientes, familiares,
comunicantes e cuidadores). O Artigo 9º reitera a posição do hospital dentro de uma rede e que
sua atuação deve ser integrada tanto com os outros estabelecimentos de saúde como com as
políticas setoriais que os atravessam. O Artigo 10 trata do princípio da universalidade do
acesso ao SUS, que ele deve ser garantido de forma regulada e a partir dos critérios de risco e
de vulnerabilidade. Para isso é necessário que todos os hospitais tenham implementadas em
suas portas de entrada serviços de acolhimento com classificação de risco feitos a partir de
protocolos.
O Artigo 11 e seus nove parágrafos trazem uma série de dispositivos de cuidado que
também têm como objetivo, assim como o Artigo 10, a seguridade do acesso dos usuários às
ações e serviços de saúde prestados pelos hospitais, todavia com qualidade e segurança. Temos
como exemplo dos dispositivos de cuidado a clínica ampliada (§1º), as equipes
multiprofissionais de referência (§2º), a horizontalização do cuidado (§3º), o plano terapêutico
(§4º), o apoio matricial (§5º), e o gerenciamento de leitos (§6º). Esse último deve ter sua
efetiva ação realizada preferencialmente por meio da implantação de um Núcleo Interno de
Regulação (NIR) ou do Núcleo de Acesso e Qualidade Hospitalar (NAQH) que mais que
aumentar a ocupação dos leitos em decorrência de uma melhor utilização da capacidade
instalada deverão garantir a melhoria do atendimento aos pacientes. Outro núcleo também
surge como um dispositivo de cuidado, o Núcleo de Segurança do Paciente (NSP) que deverá
ser implantado nos moldes descritos na Resolução da Diretoria Colegiada da Anvisa – RDC nº
36.
Notou-se que duas categorias estiveram presentes por mais de uma vez nesses
dispositivos de cuidado. “Vínculo” foi uma delas: o vínculo entre a equipe, o usuário e os
familiares assegurado via implementação das equipes multiprofissionais de referência (§1º); o
vínculo entre os profissionais de diversas áreas e de diversos saberes que são formados dentro
dessas equipes multiprofissionais de referência e entre os profissionais das diversas equipes
(§2º); e o vínculo entre profissionais, usuários e familiares quando essas equipes
76

multiprofissionais de referência usam no dia a dia a estratégia da horizontalização do cuidado


(§3º).
Outra categoria recorrente identificada foi a “Atenção/assistência centrada no
usuário/paciente”. O Parágrafo 5º defende que a atuação das equipes por meio do apoio
matricial visa a atenção integral ao usuário; o Parágrafo 6º informa que um dos objetivos do
NIR ou do NAQH é a melhoria do atendimento do usuário; o Parágrafo 8º entende que a
adoção de diretrizes terapêuticas e de protocolos clínicos qualifica a assistência prestada ao
usuário; e o Parágrafo 9º acredita que quando são adotadas ações que assegurem a qualidade da
atenção e boas práticas em saúde estamos garantindo com isso a segurança do paciente.
O Artigo 12 preza pela transparência e pela divulgação do nome dos profissionais que
são responsáveis pelo cuidado aos pacientes internados, o Artigo 13, pela implantação da visita
aberta, já o Artigo 14 traz uma lista de quais pacientes tem direito ao acompanhante vinte e
quatro horas por dia (os idosos, gestantes, crianças, adolescentes e indígenas)43, enquanto o
Artigo 15 sugere que uma auditoria hospitalar interna com o objetivo de qualificar o processo
assistencial seja realizada a cada dois anos.
O Artigo 16 é aquele artigo que traz no seu contexto a citação do termo
“desospitalização”. Ele se refere ao termo, mais especificamente aos mecanismos de
desospitalização como um meio para a realização da alta responsável, entendida pela portaria
como a transferência do cuidado. Outros meios para se realizar a alta responsável que a
PNHOSP pontua são a orientação dos pacientes e familiares quanto à continuidade do
tratamento e a articulação com os demais pontos de atenção da RAS.
Da Seção I, observei que a política incluiu quesitos para além da biomedicina
tradicional 44 , daquela exclusivamente fixada aos componentes fisiológicos e patológicos
morfofuncionais, daquela limitada apenas ao corpo biofísico cujas intervenções seguem a
tríade diagnóstico-tratamento-cura. Para mim, frases como “que respeite às especificidades
socioculturais” do Artigo 10 §3º e “valorização de fatores subjetivos e sociais” são a
representação de que realmente a PNHOSP vem cumprindo o seu papel como uma política que
pretende reorganizar e qualificar a atenção hospitalar no âmbito do SUS.

43
Onde estão os cegos, os surdos-mudos, os aleijados, os débeis-mentais, os estrangeiros? Não seria este um caso
de exclusão? A política não estaria infringindo o princípio da universalidade do acesso? Por que não garantir esse
direito a todos aqueles que se encontram em sofrimento presos a uma cama longe do seu meio e de sua família?
44
Aqui estou me referindo a prática médica que é hegemonicamente exercida nos serviços, totalitariamente nos
hospitais. Essa racionalidade da biomedicina, segundo Camargo Jr. (2003), é aquela “que realiza, em sua prática
diária, o esforço sistemático de objetivar a doença do sujeito, deslocando-a da pessoa enferma.
77

A Seção II traz sete artigos, seis parágrafos e oito itens. O Artigo 17 pontua as pautas
as quais a gestão dos hospitais deve se guiar, ele reitera alguns princípios do SUS como a
universalidade do acesso e o controle social além de valorizar a qualidade da assistência e a
eficiência e transparência na aplicação dos recursos financeiros. O Artigo 18 mais uma vez
registra que o hospital faz parte de uma rede e por isso a gestão da atenção hospitalar deve ser
definida em consonância com o desenho desta rede. O Artigo 19 faz menção à gestão
participativa, à ouvidoria e às pesquisas de satisfação do usuário como sendo dispositivos de
avaliação da gestão interna do hospital e da atenção hospitalar (§2º); fala também que a
ambiência hospitalar deverá adotar uma arquitetura inclusiva e com garantia de acessibilidade
(§3º); e ainda que os dados referentes à gestão e à atenção devem ser regularmente registrados
e atualizados nos sistemas oficiais de informação do SUS (§4º). O Artigo 20 estimula a
educação continuada da administração hospitalar para que ela adquira competências
específicas e torne-se mais profissionalizada. Com isso, diz o Artigo 21, pretende-se garantir
que a administração dos insumos, da infraestrutura, dos recursos financeiros e da força de
trabalho sejam direcionados para o cumprimento do papel que o hospital tem pactuado na
RAS. O Artigo 22 fecha o eixo da gestão tratando da forma como o hospital demandará
acréscimos de recursos na contratualização; eles são possíveis se, e somente se, forem
pactuados junto aos gestores do SUS e se forem para a ampliação ou para a reforma da
capacidade instalada e para a incorporação de tecnologias45.
A Seção III se refere ao eixo de formação, desenvolvimento e gestão da força de
trabalho e ela é composta de três artigos, cinco parágrafos e três itens. O Artigo 23 coloca uma
questão em pauta que na minha visão é de suma importância, o papel dos hospitais quanto à
educação em saúde 46 ; independente dos hospitais estarem certificados como Hospitais de
ensino (HE), eles, no caso os hospitais integrantes do SUS, devem participar de ações de
formação de suas equipes, de novos profissionais de saúde e de forma matricial para além dos
seus muros, para os trabalhadores dos demais pontos de atenção da RAS, como as equipes da
atenção domiciliar, por exemplo. O Artigo 24 relaciona as estratégias de valorização dos
trabalhadores que os hospitais deverão adotar: a avaliação de desempenho buscando a
participação dos trabalhadores e a corresponsabilização das equipes sem, entretanto, sequer se
referir em bonificações; a educação permanente que se efetiva através do aprender e do ensinar

45
Sobre quais tecnologias o Artigo se refere? Estariam e como estariam incluídas as tecnologias leves, ou como
diz Mehry as tecnologias relacionais?
46
Me pergunto sobre para quem seria a educação em saúde promovida pelos hospitais, apenas para a formação
extra corpo clínico ou também em relação para os cuidadores e os familiares e/ou grupos sociais?
78

incorporados no cotidiano dos hospitais e das equipes; e as ações de promoção da saúde,


prevenção e recuperação da saúde dos trabalhadores. O último artigo dessa seção, o Artigo 25,
trata do aperfeiçoamento dos mecanismos de provimento, fixação e habilitação de
profissionais, mas da mesma forma que não se falou sobre bonificação quando se falou sobre
avaliação de desempenho de profissionais não se tocou no assunto do Plano de Cargos
Carreiras e Salários (PCCS) quando se falou sobre fixação de profissionais.
A Seção IV é sobre o eixo do financiamento; tem três artigos, dois parágrafos e três
itens. O Artigo 26 responsabiliza as três esferas de gestão, municipal, estadual e federal pelo
financiamento da assistência hospitalar, no entanto a forma como isso vai ser se dar será
definida por normas específicas, diz o artigo. O Artigo 27 coloca a sustentabilidade como a
base do custeio da assistência hospitalar que vai ser diferente dependendo da população de
referência, do território onde está localizado o hospital, se na Zona Sul carioca ou nas grandes
extensões territoriais da Amazônia Legal, e da missão e do papel que hospital desempenha na
RAS. O Artigo 28 complementa o artigo anteriormente analisado com informações sobre a
priorização de destino dos recursos de investimentos; não é qualquer hospital que poderá
ampliar sua capacidade instalada ou seu parque tecnológico, primeiro deve-se levar em
consideração as prioridades estabelecidas nos Planos de Saúde Nacional, Estaduais, Distrital e
Municipais, depois saber quais são as Redes Temáticas de Atenção à Saúde e os Programas
prioritários do SUS e por fim saber onde se encontram os vazios assistenciais, pois eles assim
como as regiões remotas têm prioridade frente às regiões com uma rede já existente.
A Seção V trata do eixo da contratualização; ela também possui três artigos como nas
antepenúltima e última seções, um Parágrafo Único e dez itens. O Artigo 29 estabelece que
todos os hospitais integrantes do SUS, sejam eles públicos ou privados, com ou sem fins
lucrativos, deverão formalizar sua relação com o gestor público por meio de um instrumento
formal de contratualização. O Artigo 30 relaciona diretrizes para a promoção da qualificação
da assistência, da gestão hospitalar e do ensino/pesquisa que se dão através do acordo
estabelecido entre as partes, o que cabe a cada uma delas, ou seja, da contratualização entre os
gestores de saúde e os hospitais integrantes do SUS. São elas: que as ações e serviços
contratualizados estejam adequados às necessidades de saúde da população atendida; que
sejam definidas atividades de ensino e pesquisa pelo gestor; que o repasse dos fundos esteja
atrelado ao cumprimento com qualidade de metas estabelecidas; que haja aprimoramento dos
processos de avaliação, controle e regulação; assim como a efetivação do controle social e da
transparência dos processos de gestão. Enquanto o Artigo 31, os critérios que o gestor local
deverá levar em consideração para a contratualização dos hospitais que prestarão serviço ao
79

SUS. Estes critérios de preferenciabilidade são apresentados em ordem decrescente de


prioridade: primeiro os hospitais públicos sejam eles de quaisquer esferas de gestão; seguidos
dos hospitais de direito privado sem fins lucrativos, desde que disponibilizem 100% dos seus
leitos ao SUS; seguidos por aqueles que disponibilizam ao SUS apenas 60% dos seus leitos;
por aqueles apenas por serem filantrópicos; e por fim, pelos privados com fins lucrativos.
A última seção, a Seção VI é a seção que trata do eixo das responsabilidades de cada
esfera de gestão e ela é composta de apenas um artigo cujo cada um dos seus três parágrafos
corresponde a uma esfera da gestão diferente, federal, estadual e do Distrito Federal, e
municipal. Cada um dos seus três parágrafos, §1º, §2º e §3º contém respectivamente catorze,
onze e onze itens referentes às suas competências. Muitas destas competências aparecem
repetidas nas três esferas de gestão com pequenos detalhes que se diferenciam como se
observou sobre as instâncias acontecem as pactuações; nas Comissões Intergestores Tripartite
(CIT) quando se trata de nível federal de gestão e nas Comissões Intergestores Bipartite (CIB)
e/ou nas Comissões Intergestores Regionais (CIR) quando as pactuações são feitas no nível
estadual, distrital e municipal. Enquanto outras competências apresentadas nessa seção são
exclusivas de cada esfera de gestão. A implantação, o monitoramento e a avaliação da
PNHOSP; o estabelecimento de metas e prioridades para a organização da atenção hospitalar; a
prestação de assistência técnica aos entes federativos e às instituições hospitalares; e o co-
financiamento de atenção hospitalar de forma tripartite são exemplos daquelas competências
presentes nas três esferas. As que presentificaram-se apenas nas esferas estadual, distrital e
municipal discorreram sobre a gerência dos serviços de atenção hospitalar; sobre o
estabelecimento da própria contratualização; sobre o estabelecimento de mecanismos de
controle, regulação, monitoramento e avaliação das ações realizadas no âmbito hospitalar;
sobre a necessidade de se registrar e atualizar as informações relativas aos hospitais nos
Sistemas Nacionais de Informação em Saúde; sobre o estabelecimento de prioridades de ensino
e pesquisa para o fortalecimento da atenção hospitalar; e sobre a proposição de diretrizes de
Educação Permanente (EP) e a disponibilização de instrumentos técnicos e pedagógicos em
consonância com a Política Nacional de Educação Permanente (PNEP).
Das competências exclusivas, observou-se que elas existiam apenas para a esfera
federal, e todas correspondiam de forma semelhante às competências exclusivas da direção
nacional do SUS definidas pela Lei Orgânica da Saúde (LOS). Dessas destaco duas
competências que tratam de articulações: a) a competência do Item VIII fala de articulações
com o Ministério da Educação para que mudanças sejam feitas nos currículos dos cursos de
graduação e pós-graduação da área da Saúde, para que os futuros novos profissionais estejam
80

preparados para a atuação hospitalar “pós-PNHOSP”. Entretanto não foi observado no item
referências às mudanças nos currículos escolares como um todo, do desenvolvimento infantil
ao nível superior “off Saúde”; e b) o Item XIV fala da necessidade de que sejam viabilizadas
parcerias entre o Ministério da Saúde e os organismos internacionais e o setor privado com
vistas ao fortalecimento da atenção hospitalar.
Os dois últimos capítulos, como na maioria dos documentos oficiais, trazem artigos e
suas subdivisões relacionados às disposições transitórias e finais. O Capítulo IV, das
disposições transitórias tem dois artigos e dois parágrafos. O primeiro artigo (Art. 33) dá uma
ideia de como vai ser o processo de implantação da PNHOSP: que de forma gradual, a partir
das novas contratualizações que deverão se enquadrar nas Redes Temáticas e respeitar os
Programas prioritários do SUS. O artigo seguinte (Art. 34) institui o Comitê Gestor da Atenção
Hospitalar (CGAH) que tem como competências estudar e aprofundar as discussões e o
aprimoramento dos eixos estruturantes dessa política e do modelo de financiamento da atenção
hospitalar. O Capítulo V, das disposições finais, faz menção aos termos contidos na Portaria nº
936, que as unidades hospitalares que têm certificado de excelência devem cumprir, se elas
estiverem prestando serviços ao SUS (Art. 35) e que a Secretaria de Atenção à Saúde (SAS)
publicará manuais e guias que detalharão como será a operacionalização da atenção hospitalar
no SUS “pós-PNHOSP”. E como todo documento oficial, esse foi assinado pelo então Ministro
Alexandre Rocha Santos Padilha.

3.3 Olhar funcionalístico

A construção desse item seguiu se desenvolvendo à semelhança do texto anterior. Eu,


a partir do meu olhar interpretativo, busquei dentro do texto dos oito documentos oficiais
selecionados para análise pistas metodológicas sobre o processo de desospitalização. Durante a
pesquisa também foram identificadas anti-pistas, que para mim tiveram o mesmo peso de
relevância que as pistas. No final desse item será apresentado um quadro organizativo
contendo as pistas e anti-pistas encontradas por mim durante as análises dos documentos
oficiais. As linhas-tema, ou os itens da metodologia pragmaticamente apresentados poderão
sofrer modificações assim com algumas células destinadas às anti-pistas poderão se encontrar
nulas de conteúdo.
A “Ata nº 21, de 14 de junho de 2005”, referente à Sessão Extraordinária do
Plenário do Tribunal de Contas da União (TCU) onde foi apresentado pelo então Ministro
Benjamim Zymler o inteiro teor do relatório de uma auditoria operacional realizada no ano de
81

2004 sobre o Programa Atenção à Saúde de Populações Estratégicas e em Situações Especiais


de Agravos. Esse documento introduz no quadro das pistas e anti-pistas metodológicas três
novos itens relacionados a ações de controle e avaliação, a ações de financiamento e gastos e a
ações de participação e controle social. Mutatis mutandis podemos, apenas retirando as
palavras com radical psi do texto, aplicar as pistas metodológicas identificadas por mim nessa
ata em quaisquer outras instituições hospitalares. Vejamos como exemplo uma pista e uma
anti-pista: a pista é referente a um dos três novos itens metodológicos, “Controle e Avaliação”,
fala sobre a necessidade de se “avaliar em que medida o programa promove a reinserção social
da pessoa com transtornos mentais e contribui para o seu bem-estar e de sua família”;
retirando-se da pista o pedaço da sentença “com transtornos mentais” e substituindo-o por
“internada no hospital”, teremos uma medida avaliativa dos processos de desospitalização
efetuados nos hospitais gerais; sobre a anti-pista, preferi trazer à baila um exemplo que se
enquadra num item já tratado no texto anterior, “Redes de Serviços Substitutivos”, que mais
que denunciar a inequidade da oferta de serviços substitutivos denuncia a completa “ausência
de articulação da maioria das coordenações de saúde mental com o Poder Judiciário,
Ministério Público e Conselho Tutelar”. Não há rede, se ausência de articulação entre os entes
e as pessoas.
A “Auditoria Operacional nº TC-011.307/2004-9” do órgão SAS do MS, que foi
realizada pelo TCU com vistas analíticas sobre as ações de Atenção à Saúde Mental, as ações
de Auxílio-Reabilitação Psicossocial aos Egressos de Longas Internações Psiquiátricas no
Sistema Único de Saúde – De Volta para Casa, e as ações de Apoio a Serviços Extra-
hospitalares para Transtornos de Saúde Mental e Decorrentes do Uso de Álcool e outras
Drogas, identifica um grave problema quanto à oferta e à distribuição dos serviços
substitutivos aos hospitais psiquiátricos, pois desde aquela época já existiam os vazios
sanitários47, que infelizmente permanecem presentes e pouco inalterados até os dias atuais48.

47
O item 3.5. traz a seguinte informação: “(...) A Região Sudeste apresenta índices semelhantes ao da Europa
enquanto que a Região Norte tem índice de leitos por mil habitantes comparável com o do Sudeste da Ásia e
regiões da África. Essa situação traz consequências como a desassistência em locais com baixo índice de leitos, a
migração de pessoas com transtornos mentais entre os municípios e mesmo entre os Estados, gerando dificuldades
para o planejamento da atenção à saúde, para a formulação e condução da política de desospitalização. Por isto é
necessária a articulação da política entre os gestores estadual e os municipais, para que, ao lado da desativação de
leitos em hospitais psiquiátricos, ocorra também a regionalização e a distribuição mais uniforme dos leitos,
principalmente os de hospitais gerais.
48
Ao examinarmos o Cadastro de Estabelecimentos de Saúde (CNES) percebemos que na Região Metropolitana
do Estado do Rio de Janeiro, apenas treze (61,90%) dos vinte e um municípios possuem Atenção Domiciliar e
deles, apenas nove (69,02%) têm cobertura de 100% como preconizado pela legislação.
82

Da época da auditoria até o ano de 2016, ano em que este texto foi produzido, se contabilizam
doze anos a mais.

“Como consequência de todos esses problemas, observa-se uma lentidão no processo


de desospitalização dos pacientes crônicos, pois, além da rede substitutiva incipiente,
há dificuldades de se conseguir o benefício para os beneficiários potenciais, o que põe
obstáculos ao seu processo de autonomia e o priva de um direito que lhe cabe (...)”
diz o texto do relatório (BRASIL, 2004, p.266).

Nesse excerto do documento a pouco explicitado pode ser observado a ausência de


quaisquer referências aos doentes mentais e à Reforma Psiquiátrica, objeto do documento em
si. Pareceu para mim que as anti-pistas metodológicas se referiam a quaisquer unidades
hospitalares, gerais ou especializadas. O documento traz alguns indicadores; um deles trata da
relação de leitos psiquiátricos que devem existir na rede assistencial do SUS (leitos em
hospitais gerais e em CAPS III). Esse indicador influencia diretamente nos processos de
desospitalização dos hospitais gerais que passam a contar, em resposta à Lei 10.216 de 6 de
abril de 200149 e à Portaria nº3.088 de 23 de dezembro de 201150, com outro perfil de usuário
de saúde que demandará cuidados específicos e uma nova articulação com outra rede
substitutiva. Isso denota uma anti-pista, segundo os meus critérios interpretativos, pois pode se
tornar um deflagrador de um processo de desassistência em saúde. Não se deseja esse efeito
nocivo, acredita-se.
A “Portaria nº 913 de 19 de novembro de 2002” assinada pelo então Ministro
Barjas Negri, apresenta alguns protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas direcionados a um
elenco de doenças. Analisando o seu Anexo V, entendeu-se que os documentos acima citados
contribuíram para esta pesquisa trazendo dois novos itens para o quadro das pistas e das anti-
pistas metodológicas: “Competências e Atribuições” e “Público-alvo (Perfil da Clientela)”. A
pista relacionada às competências trata do desenvolvimento de trabalho de identificação de
clientela para o planejamento adequado das ações de acordo com as peculiaridades de cada
paciente, no caso desses documentos, os portadores de Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA); e
também da instituição de grupos de apoio que tenham como objetivo a promoção de ações de

49
A Lei 10.216 de 6 de abril de 2001 dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos
mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental.
50
A Portaria nº 3.088 de 23 de dezembro de 2011 institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com
sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito
do Sistema Único de Saúde (SUS).
83

melhoria da qualidade de vida. Enquanto a pista relacionada ao público-alvo estabelece


algumas obrigatoriedades para o cadastramento dos Centros de Referência aos Portadores de
ELA: que neles sejam desenvolvidos programas de desospitalização daqueles pacientes
crônicos com maior tempo de internação/hospitalização.
A “Portaria nº 2.809 de 7 de dezembro de 2012 retificada”, assinada pelo então
Ministro Alexandre Rocha Santos Padilha, estabelece a organização dos Cuidados Prolongados
na RAS de forma que sejam capazes de dar retaguarda à Rede de Atenção às Urgências e
Emergências (RUE) e às demais Redes Temáticas de Atenção à Saúde no âmbito do SUS e
introduz mais itens no quadro das pistas e anti-pistas metodológicas: a) o item que trata de
“Prazos e Durações (Temporalidade)”; b) o item que trata de “Estrutura (Recursos Físicos)” ; e
c) o item que trata de “Equipe (Força de Trabalho)”. Ela estabelece os quesitos para o
cadastramento de Hospitais Especializados em Cuidados Prolongados (HCP) e de Unidades de
Internação em Cuidados Prolongados (UCP) dentro de hospitais gerais, e um deles, delineado
no Artigo 9º dessa portaria, trata da existência de uma sala multiuso onde os processos de
desospitalização devem ser desenvolvidos por uma equipe multiprofissional.
Ainda durante a análise dessas mesmas portarias, outras pistas metodológicas foram
identificadas por mim. O Artigo 16 estabelece que apenas os usuários em situação clínica
estável poderão ser beneficiados, no caso dessa portaria, admitidos nas UCP e HCP, e mais,
que apenas aqueles cujo território de moradia conta com a retaguarda dos serviços de atenção
domiciliar (§2º). Outra pista nesse mesmo parágrafo estabelece que o processo de
desospitalização dos pacientes em cuidados prolongados deve acontecer em tempo oportuno.
O Artigo 18 e o Artigo 19 trazem muitas outras pistas referentes a vários itens do
quadro das pistas e anti-pistas metodológicas. Eles são os artigos que tratam da “alta
responsável”, assunto do Capítulo III da portaria. O Artigo 18 traz pistas relacionadas aos itens
“Objetivos e Consequências”, “Práticas, Processos e Procedimentos” e “Equipe (Força de
Trabalho)”. Já o Artigo 19, aos itens “Objetivos e Consequências”, “Práticas, Processos e
Procedimentos” e “Competências e Atribuições”. Temos como objetivos o preparo do usuário
para o retorno ao domicílio com qualidade e segurança para a continuidade do cuidado; a
promoção da continuidade do cuidado em regime ambulatorial ou pelas equipes do Melhor em
Casa; a otimização do tempo de permanência; a prevenção do risco de readmissões. Quanto às
práticas identificou-se a avaliação global do usuário com vistas a identificar as estratégias mais
adequadas e os respectivos riscos potenciais, considerados os aspectos físicos, psicossociais e
econômicos, além do ambiente familiar do usuário; e a avaliação das necessidades singulares
do usuário, feitas por uma equipe multiprofissional de forma horizontal.
84

A “Portaria 1.208 de 18 de junho de 2013” também assinada pelo então Ministro


Alexandre Rocha Santos Padilha e dispõe sobre a integração entre dois programas inseridos na
Rede de Atenção às Urgências (RAU): o Programa Melhor em Casa e o Programa SOS
Emergências. O Item VI do Artigo 2º traz para a pesquisa uma pista relacionada ao item
“Prazos e Durações (Tempo)” e quatro pistas que se enquadram melhor no item “Objetivos e
Consequências”. A pista relacionada ao tempo sugere que a capacitação dos cuidadores deve
se dar ainda dentro do ambiente hospitalar. As outras quatro pistas metodológicas identificadas
por mim no Artigo 2º Item VI como objetivais e consequenciais falam sobre o apoio na
identificação e capacitação do cuidador; sobre a possibilitação de uma desospitalização mais
segura; sobre a possibilitação de maior autonomia do cuidador e do paciente; e sobre a
diminuição da necessidade e frequência das reinternações. Uma pista identificada quando se
analisou o Artigo 4º, mais especificamente o Item IV entende que existindo uma Equipe
Multiprofissional de Atenção Domiciliar (EMAD) essa teria como atribuição ajudar às equipes
do hospital a elaborarem seus protocolos de desospitalização.
Ministro José Gomes Temporão assina a “Portaria 2.048 de 3 de setembro de 2009”
que que aprova o Regulamento do Sistema Único de Saúde em atendimento ao Termo de
Ajuste Sanitário (TAS) que foi instituído pela Portaria nº 204 de 29 de janeiro de 2007. Foram
identificadas em seu Anexo XV que trata da Internação Domiciliar no âmbito do SUS pistas
metodológicas que tratam da atribuição de promover a desospitalização de quem não deveria
ser hospitalizado que muitas vezes acontece por falta de suporte ou por questões vinculadas ao
processo de exclusão social; e de práticas que tentam mitigar ou até mesmo excluir os efeitos
gerados por esses processos de exclusão como a garantia da continuidade do uso da medicação
e a disponibilização de material médico hospitalar. Esse regulamento também introduz outro
item no quadro das pistas e anti-pistas metodológicas, item que traz informações a respeito do
“Financiamento”.
Infelizmente nesse caso o que se identificou foi uma anti-pista, uma pista que
denuncia a não existência de uma política formal ampla de financiamento das práticas
assistenciais que buscam os processos de desospitalização. Como solução, as unidades buscam
construir e operar práticas voltadas a uma assistência com intensidades variáveis de cuidados
dentro dos seus espaços de internação, uma outra pista que a partir da minha interpretação faz
parte das atribuições das equipes de desospitalização.
Uma outra portaria que trouxe pistas metodológicas no meu entendimento foi a
“Portaria nº 249 de 12 de abril de 2002” nesse caso assinada pelo então Ministro Renilson
Rehem de Souza. Ela foi responsável por aprovar as normas para o cadastramento de Centro de
85

Referência em Assistência à Saúde do Idoso. A Norma V para o cadastramento dos centros


estabelece que eles devem desenvolver programas de desospitalização, programas com uma
adequada definição dos fluxos assistenciais e dos mecanismos de referência e contra
referência, duas pistas na minha visão. Outras pistas identificadas no Anexo II que traz
orientações gerais para a assistência do idoso foram que o paciente deve ser cadastrado; e que
deve também ser encaminhado aos serviços ambulatoriais ou domiciliares. A anti-pista do
documento estabelece que o prazo para o encaminhamento do idoso aos programas de
desospitalização deva ser no momento da alta.
O último documento oficial analisado trata da instituição da Política Nacional de
Atenção Hospitalar. A “Portaria nº 3.390 de 30 de dezembro de 2013”, ambo assinada pelo
então Ministro Alexandre Rocha Santos Padilha. Como já adiantado no decorrer do item
anterior “olhar qualitativo” quando a PNHOSP foi analisada mais detalhadamente, este
documento traz um número significativo de pistas metodológicas principalmente quando
analisado o eixo da assistência hospitalar. Duas pistas se referem à articulação coma RA: tanto
o Artigo 9º que fala que a “atenção hospitalar atuará de forma integrada aos demais pontos de
atenção da RAS e com outras políticas de forma intersetorial quanto o Artigo 16 Item II que
fala que a “articulação da continuidade do cuidado (deve ser realizada) com os demais pontos
de atenção da RAS, em particular a Atenção Básica”. Uma outra pista sugere que a demanda
pode ser referenciada e/ou espontânea, ampliando o escopo do perfil da clientela (Art. 10).
Tem pista que reitera a formação multiprofissional das equipes de referência; o Artigo 11, por
exemplo em seu parágrafo segundo (§2º) declara que “As equipes multiprofissionais de
referência serão a estrutura nuclear dos serviços de saúde do hospital e serão formadas por
profissionais de diferentes áreas e saberes” enquanto outra pista explica como deverá ser a
forma de tomadas as decisões, que elas devem ser tomadas de forma horizontal a partir do
compartilhamento de informações entre os integrantes das equipes (Art. 11§2º). Outras três
pistas falam de práticas: uma pista destaca a importância da valorização de fatores subjetivos e
sociais dos pacientes, familiares, comunicantes e cuidadores (Art. 11§1º); enquanto uma outra
pista explica que o Plano Terapêutico deve ser elaborado de forma conjunta pelas equipes (Art.
11§4º); e uma outra que deve ser feita a identificação e divulgação dos profissionais
responsáveis pelo cuidado do paciente (Art. 12). Quatro pistas se referenciam às competências
e às atribuições de acordo como foram entendidas por mim, são elas: a garantia de que as
intervenções vão ser realizadas de maneira segura e resolutiva; o asseguramento da qualidade
da assistência (Art. 11); a implementação de boas práticas em saúde (Art. 11§9º); e o
favorecimento da relação entre os usuários, os familiares, as redes sociais de apoio e as equipes
86

de referência (Art. 13). Esse documento analisado também trouxe anti-pistas para o processo
de desospitalização nos hospitais gerais, identificou-se que o gerenciamento dos leitos o
gerenciamento dos leitos, o aumento da ocupação dos leitos e a otimização da utilização da
capacidade instalada são tarefas exclusivas dos NIR e dos NAQH; não são tarefas relacionadas
ao processo de desospitalização (Art. 11§6º).
87

Quadro 6 – Relação das pistas e das anti-pistas sobre desospitalização encontradas nos documentos oficiais (continua).

IT ENS P IST AS ANT I -P I ST AS


Demandará cuidados específicos e uma nova articulação com outra Ausência de articulação da maioria das coordenações de saúde
SU B STI T UTI VO S
rede substitutiva; mental com o poder judiciário, ministério público e conselho
SE RVI Ç O S

Atuará de forma integrada aos demais pontos de atenção da RAS e tutelar;


RE DE S

com outras políticas de forma intersetorial; Insuficiência da rede extra-hospitalar;


DE

Articulação da continuidade do cuidado com os demais pontos de Rede substitutiva incipiente;


atenção da RAS, em particular a atenção básica. A carência de planos estaduais pactuados com os municípios,
visando à redução de leitos e ampliação da rede extra-hospitalar.
Poderá ser admitido em UCP e HCP o usuário em situação clínica
PÚ BLI C O - A LV O
(CLI ENT ELA)

estável cujo quadro clínico;


Quando houver retaguarda de atenção domiciliar no território;
Destinado ao atendimento do usuário em cuidados prolongados.
88

Quadro 6 – Relação das pistas e das anti-pistas sobre desospitalização encontradas nos documentos oficiais (continuação).

IT ENS P IST AS ANT I -P I ST AS


Promover ações de melhoria da qualidade de vida; O efeito nocivo de desassistência;
Fortalecimento de vínculo entre profissionais, usuários e Aumentar a ocupação de leitos;
familiares; Otimizar a utilização da capacidade instalada.
Melhorando o atendimento ao usuário;
Garantir intervenções seguras e resolutivas;
Evitar ações desnecessárias;
Apoiar na identificação e capacitação do cuidador ainda no
ambiente hospitalar;
C ON SE QUÊ NI CA S

Diminuindo a necessidade e frequência de reinternações;


OB JE TIV OS

Possibilitando desospitalização mais segura;


Possibilitando maior autonomia do cuidador e do paciente;
E

Preparar o usuário para o retorno ao domicílio com qualidade e


segurança para continuidade dos cuidados, promoção da sua
autonomia e reintegração familiar e social;
Promover a continuidade do cuidado em regime de atenção
domiciliar e/ou ambulatorial;
Buscar a melhor alternativa assistencial para o usuário após a alta,
garantindo-se a troca de informações, orientações e avaliação
sistemática com o ponto de atenção que irá receber o usuário;
Otimizar o tempo de permanência do usuário internado;
Prevenir o risco de readmissões hospitalares.
89

Quadro 6 – Relação das pistas e das anti-pistas sobre desospitalização encontradas nos documentos oficiais (continuação).

IT ENS P IST AS ANT I -P I ST AS


Cadastrando os portadores de Esclerose Lateral Amiotrófica (pacientes candidatos
ao processo de desospitalização) egressos da internação hospitalar inscrevendo-os
num programa de acompanhamento ambulatorial e, eventualmente, de hospital dia;
Orientação a familiares e cuidadores; Visando alternativas às práticas hospitalares
como as de cuidados domiciliares; Orientação dos pacientes e familiares quanto à
continuidade do tratamento, reforçando a autonomia do sujeito, proporcionando o
autocuidado; Articulação da continuidade do cuidado com os demais pontos de
atenção da RAS, em particular a Atenção Básica; As equipes multiprofissionais de
referência irão compartilhar informações e decisões de forma horizontal; A
P RO CE DIM ENT O S

horizontalização do cuidado será uma das estratégias para efetivação da equipe de


P RO CE S SO S
P RÁTI C A S,

referência; A clínica ampliada e a gestão da clínica serão a base do cuidado;


Garantia de visita aberta com a presença do acompanhante e com a valorização de
E

fatores subjetivos e sociais; Priorização por meio de critérios que avaliem riscos e
vulnerabilidades; Identificar e divulgar os profissionais que são responsáveis pelo
cuidado do paciente nas unidades de internação, nos prontos socorros, nos
ambulatórios de especialidades e nos demais serviços; Garantia da continuidade de
uso de medicação; Disponibilidade de material médico hospitalar; Este paciente
deve ser cadastrado; Encaminhado aos programas de desospitalização com
acompanhamento ambulatorial ou domiciliar; Avaliar as necessidades singulares do
usuário; Avaliação global do usuário para a alta hospitalar responsável será
realizada pela equipe multidisciplinar horizontal com vistas a identificar as
estratégias mais adequadas e os respectivos riscos potenciais, considerados os
aspectos físicos, psicossociais e econômicos, além do ambiente familiar do
usuário.
90

Quadro 6 – Relação das pistas e das anti-pistas sobre desospitalização encontradas nos documentos oficiais (continuação).
Identificar como os mecanismos de capacitação em atenção à saúde
mental desospitalização têm contribuído para o alcance dos resultados
quanto à qualidade do atendimento às pessoas portadoras de transtornos
mentais (internadas nos hospitais gerais); Identificar boas práticas de
gestão (do processo de desospitalização); Desenvolver trabalho de
identificação da clientela vinculada à unidade, estabelecendo seu perfil e
diagnóstico epidemiológico, identificando os principais agravos à sua
saúde; planejando o processo de atenção para cada paciente de acordo
com suas peculiaridades; Desenvolver programas de desospitalização de
pacientes crônicos; Possuir implantados grupos de apoio aos portadores de
CO M PETÊ N CIA S

AT RI BUI Ç ÕE S

esclerose lateral amiotrófica (aos pacientes desospitalizados); Implantação


de mecanismos de desospitalização; Assegure o acesso, a qualidade da
assistência e a segurança do paciente; Assegurar o vínculo entre a equipe,
E

o usuário e os familiares; Favorecimento da relação e tre os usuários, os


familiares, as redes sociais de apoio e as equipes de referência;
Proporcionar um atendimento acolhedor e que respeite as especificidades
socioculturais; Assegurando a equidade e a transparência; Qualificando a
assistência prestada ao usuário, de acordo com o estabelecido pelo SUS;
Promover a desospitalização de quem não deveria ser hospitalizado;
Buscam a construção e a operação de práticas voltadas a uma assistência
com intensidades variáveis de cuidados; Desenvolver programas de
desospitalização de idosos; Definição dos fluxos assistenciais e dos
mecanismos de referência e contra referência; Dispor das orientações
adequadas ao usuário, cuidador e família por meio de relatório sobre a sua
condição clínica e psicossocial; Prevenir o risco de infecção hospitalar.
91

Quadro 6 – Relação das pistas e das anti-pistas sobre desospitalização encontradas nos documentos oficiais (continuação).

IT ENS P IST AS ANT I -P I ST AS


Contarão com Sala Multiuso de Reabilitação, espaço destinado ao
EST R UTU R A

atendimento do usuário em cuidados prolongados, com vistas à


( RE C U RS OS
FÍ S I C O S)
reabilitação precoce e à aceleração do processo de
desospitalização.

Processo de desospitalização pela Equipe Multiprofissional;


As equipes multiprofissionais de referência serão a estrutura
nuclear dos serviços de saúde do hospital e serão formadas por
profissionais de diferentes áreas e saberes;
A equipe de saúde será integralmente responsável pelo usuário a
partir do momento de sua chegada;
TR A BAL HO)

As equipes dos serviços hospitalares atuarão por meio de apoio


(FO R Ç A
EQUI PE

matricial, propiciando retaguarda e suporte nas respectivas


DE

especialidades para as equipes de referência, visando a atenção


integral ao usuário;
A Equipe Multiprofissional de Atenção Domiciliar (EMAD) tem
as seguintes atribuições: IV - apoiar a equipe do hospital na
implantação do protocolo para desospitalização em todo o hospital,
de forma articulada ao Núcleo Interno de Regulação.
92

Quadro 6 – Relação das pistas e das anti-pistas sobre desospitalização encontradas nos documentos oficiais (continuação).

IT ENS P IST AS ANT I -P I ST AS


Garantindo-se a desospitalização em tempo oportuno. Lentidão no processo de desospitalização dos pacientes crônicos;
(TEM PO R ALI D A DE)
No momento da alta, encaminhado aos programas de
DU RA Ç ÕE S

desospitalização.
P RAZ O S
E

Avaliar em que medida o programa promove a reinserção social da


pessoa com transtornos mentais (desospitalizada) e contribui para
o seu bem-estar e de sua família;
AV ALIA Ç ÃO
CO NT R OLE

Construir indicadores de desempenho para o monitoramento e


avaliação dos resultados das ações em análise;
E

Verificar em que medida as ações da política de desospitalização


garantem, em ritmo adequado, a implementação da reforma
psiquiátrica (PNHOSP).
93

Quadro 6 – Relação das pistas e das anti-pistas sobre desospitalização encontradas nos documentos oficiais (conclusão).

IT ENS P IST AS ANT I -P I ST AS


Demandará cuidados específicos e uma nova articulação com outra Conselhos de saúde pouco atuantes.
PA RTI CI P A ÇÃ O

rede substitutiva;
CO NT R OLE
SO CI AL

Atuará de forma integrada aos demais pontos de atenção da RAS e


E

com outras políticas de forma intersetorial;


Articulação da continuidade do cuidado com os demais pontos de
atenção da RAS, em particular a atenção básica.
Poderá ser admitido em UCP e HCP o usuário em situação clínica Falta de garantia da aplicação dos recursos
estável cujo quadro clínico; Nas ações de saúde mental (desospitalização);
FIN AN CI AM ENT O

Quando houver retaguarda de atenção domiciliar no território; Distribuição descontínua de medicamentos essenciais;
GA STO S

Destinado ao atendimento do usuário em cuidados prolongados. Distribuição intempestiva de medicamentos de alto custo;
E

Dificuldades de se conseguir o benefício para os beneficiários


potenciais;
Não haver uma política formal ampla de financiamento de práticas
assistenciais que busquem processos de desospitalização.
Fonte: o autor, 2016.
94

4 ANALISANDO OS DOCUMENTOS OPERACIONAIS

Inicio esse texto trazendo uma breve dissertação sobre a necessidade de se ir buscar
dentro dos serviços de saúde substâncias que pudessem responder à pergunta da pesquisa:
Como fazer desospitalização em hospital geral?
A razão para essa busca nos documentos de grupos de profissionais de saúde que
trabalham com desospitalização em hospital geral não tem a intenção de levantar dúvidas
quanto a importância dos documentos acadêmicos e dos documentos oficiais tampouco sobre
as pistas metodológicas que eu consegui identificar e reunir ao analisá-los. A necessidade de se
continuar buscando respostas à pergunta da pesquisa, além de demonstrar o meu grau de
insatisfação com os achados, deve denotar, pretende-se, a concordância dele com a crítica que
Canguilhem fez ao método cientificista taylorista, que ao criar suas teorias em relação ao
trabalho ignorava o aspecto inventivo dos humanos (Canguilhem, 2001). Entretanto Taylor era
um engenheiro que, conforme afirma Barros, conhecia o mecanismo das máquinas e não do
“motor vivo” (Barros, 2009), o meio de “vida-trabalho” onde a tendência de cada sujeito
(profissional de saúde) está em renormatizá-lo (Canguilhem, 1990). Para esses dois autores é
durante os seus processos de trabalho, no caso dessa pesquisa, nos hospitais gerais, que eles (os
profissionais de saúde) se veem obrigados a lidar com um meio complexo no qual precisam
realizar movimentos operatórios instituídos e regulados com base nos seus próprios valores e
respondendo à complexidade do/para o meio em que trabalham.
São essas regulações próprias que disparam os movimentos operacionais dos
trabalhadores que fui à procura quando decidiu não se satisfazer apenas com os dados
encontrados nas análises dos documentos acadêmicos e oficiais. Se existe um grupamento de
profissionais de saúde operacionalizando um processo de desospitalização em um hospital
federal geral na cidade do Rio de Janeiro desde o ano 2011, é lá, se acredita, que poderemos
encontrar, se não as mais completas respostas à pergunta da pesquisa Como fazer
desospitalização em hospital geral?, no mínimo, processos, protocolos, rotinas, etc.
utilizados na prática do dia-a-dia.
Partiremos agora para a análise do último grupo de documentos, “documentos
operacionais”. Como facilitador do processo de busca de dados no campo da pesquisa
encontra-se o fato de eu estava o tempo todo inserido no meio, mais especificamente estar
atuando como coordenador da EADES desde o ano do seu surgimento. Não houve dificuldade
para se conseguir a autorização necessária junto à chefia imediata e à direção geral do Hospital
95

Federal de Bonsucesso, documento necessário para que a pesquisa em curso recebesse a


certificação de científica e fosse validada como uma pesquisa dentro dos padrões
estabelecidos internacionalmente, sem a qual o presente trabalho não poderia ser considerado a
prova comprobatória de um dos quesitos obrigatórios para a obtenção do título de Mestre em
Saúde Coletiva como pretendido por mim.
Seguiu-se a mesma dinâmica analítica aplicada nas análises anteriores utilizando-se os
mesmos três (3) olhares classificativos sobre os grupos de documentos acadêmicos e oficiais:
“olhar quantitativo”, “olhar qualitativo” e “olhar funcionalístico”. Aquele trará dados
numéricos gerais e/ou específicos sobre todos, sobre grupos ou mesmo sobre apenas um (1)
documento; esse destacará algumas características intrínsecas de cada documento, aquelas que
se repetem e as que não; enquanto este buscará mais pistas metodológicas do processo de
desospitalização que acontece em um hospital geral, objetivo principal da pesquisa. No final do
terceiro item desse texto, “olhar funcionalístico”, um documento receberá de mim maior
dedicação analítica, dado o fato que o mesmo compreende em seu conteúdo grande parte dos
outros documentos utilizados pela EADES mais um grande número de referências acadêmicas
e oficiais que consubstanciam o trabalho da equipe.

4.1 Olhar quantitativo

Neste item atentou-se para o número de documentos utilizados pela equipe como um
todo e sua distribuição temporal. Alguns dos documentos encontrados tinham versões de si
mesmos e esse dado também foi quantificado. As informações quantitativas sobre as classes
desses documentos também foi outro dado analisado por mim, mas por necessitarem de uma
prévia análise qualitativa serão apresentados no próximo item “olhar qualitativo”, da mesma
maneira como o foi feito nas análises dos documentos acadêmicos e oficiais.
Quanto à temporalidade dos documentos foram considerados três tipos de informação:
considerou-se na análise o ano em que os “documentos operacionais” foram implementados
pela equipe; os anos em que os mesmos continuaram a ser utilizados até o dia 31 de dezembro
de 2015, data limite que foi estabelecida por mim para as buscas dos “documentos
acadêmicos” nos portais BVS e Pubmed e dos “documentos oficiais” no portal do DOU; e o
ano em que deixaram de ser utilizados (ou não foram encontrados por mim nas pastas digitais
anuais, ou foram criados para uso específico com recorte temporal pré-definido). A partir
dessas análises foi criado o Quadro 9 que demonstra visualmente a temporalidade do uso dos
“documentos operacionais” usados pela EADES desde o ano de 2011. Ele traz células nas
96

cores: verde, que representa o ano de implementação do documento na rotina da equipe;


amarelo, que demonstra a continuidade do uso do documento ano a ano; pêssego, que
estabelece o último ano em que o documento foi utilizado (ano do desuso); e turquesa, que
marca o evento de quando o ano de implementação do documento e o ano do desuso são
coincidentes.
Para se identificar o ano em que os “documentos operacionais” foram implementados
me utilizei de três metodologias diferentes: procurou datas quando durante a leitura dos
mesmos encontrando datas escritas, como por exemplo, no documento “Fichário de Dados
do(a) Usuário(a)” que apresentava datas escritas a mão referentes ao dia da internação do(a)
usuário(a), ao dia em que ele(a) foi admitido pela EADES, ao dia da saída, da reinternação, da
data do primeiro encontro familiar com a equipe, do treinamento do(a) cuidador(a) familiar, da
realização da gastrostomia, do resultado do estudo imuno-histoquímico, da alta médica e outras
datas sempre referentes aos processos pelos quais o(a) usuário(a) passou durante o período que
esteve internado no Hospital Federal de Bonsucesso; ou como no documento “Relatório de
Gestão 2014” onde já no próprio título do documento foi possível identificar tanto o ano do seu
surgimento quanto aquele de sua finitude. Entretanto, alguns “documentos operacionais” não
possuíam quaisquer menções sobre sua temporalidade, e eu só conseguiu defini-la, porque a
EADES guarda os seus documentos digitais em pastas identificadas pelo ano corrente dentro
do seu diretório principal na rede da instituição, e também porque dentro de cada pasta
referente a cada ano do período analisado (2011, 2012, 2013, 2014 e 2015) existem subpastas
com suas próprias subpastas como aquelas que guardam os “Impressos Válidos”, os
“Relatórios”, as “Apresentações”, etc. Teve documento que a data de implementação do uso
pela equipe só pode ter sido identificada quando li os dados relacionados às propriedades dos
arquivos digitais, caso dos arquivos Word “Descritivo das Atribuições dos Enfermeiros da
EADES”, “Descritivo das Atribuições dos Técnicos em Assuntos Educacionais da EADES”,
“Rotinas Passo-a-passo”, etc.
97

Quadro 7 – Sistematização do tempo de vida dos documentos operacionais por ano de


implementação, anos de continuidade e ano de desuso (continua).
DOCUMENTOS 2 2 2 2 2
OPERACIONAIS DA EADES 011 012 013 014 015
1. Apresentação em PowerPoint do
DIADES – Documento Interdisciplinar de Apoio à
Desospitalização e Educação em Saúde
2. Apresentação em PowerPoint do
Programa de Capacitação Profissional em
Desospitalização e Educação em Saúde
3. Apresentação em PowerPoint do
Projeto EADES como campo de estágio para a
residência multiprofissional em Saúde Coletiva do
Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (IESC) da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
4. Apresentação em PowerPoint do
Projeto EADES no I Encontro da Câmara Técnica de
Desospitalização e Atenção Domiciliar dos Hospitais
e Institutos Federais da Cidade do Rio de Janeiro
5. Apresentação em PowerPoint do
Projeto EADES no II Encontro Científico da
Enfermagem do Hospital Federal de Bonsucesso da
75ª Semana da Enfermagem do Hospital Federal de
Bonsucesso
6. Apresentação em PowerPoint do
Projeto EADES no evento do Dia do Servidor
Público em 2015 sobre o tema “Que rede Nós Temos,
Que Rede Nós Queremos”
7. Apresentação em PowerPoint do
Projeto EADES para a Divisão Médica-Assistencial
(DMA)
8. Apresentação em Prezi do Projeto
EADES para a Divisão de Enfermagem (DIENF)
9. Caderno do Cuidador (em construção)
10. Cartão de Visita
11. Censo Diário
12. Descritivo das Atribuições dos
Assistentes Sociais da EADES
13. Descritivo das Atribuições dos
Enfermeiros da EADES
14. Descritivo das Atribuições dos
Técnicos de Enfermagem
15. Descritivo das Atribuições dos
Técnicos em Assuntos Educacionais da EADES
16. Diário de Bordo
17. Documento Interdisciplinar de Apoio à
Desospitalização e Educação em Saúde – DIADES
(em construção)
18. Fichário de Dados de Paciente
19. Fluxograma Captação
20. Fluxograma EADES e Enfermarias
21. Fluxograma EADES e USE
98

Quadro 7 – Sistematização do tempo de vida dos documentos operacionais por ano de


implementação, anos de continuidade e ano de desuso (conclusão).

22. Fluxograma Redes de Atenção à Saúde


– RAS
23. Fluxograma Transferência de
Cuidados
24. Folder População Geral
25. Folder Profissionais de Saúde do
Hospital Federal de Bonsucesso
26. Planilha de Indicadores
27. Planilha de Pendências e Urgências
28. Protocolo de Agendamento da
Conversa Familiar
29. Protocolo de Agendamento do
Treinamento de Cuidador
30. Redes de Atenção à Saúde – RAS
31. Relatório de Gestão
32. Relatório de Produção Mensal
33. Relatório de Produção Semanal
34. Relatório de Visita Técnica
35. Relatório Situacional Semanal
36. Rotinas Passo-a-passo
Fonte: o autor, 2016.

Apenas dois documentos tiveram os seus primeiros e últimos anos de uso coincidindo.
A coincidência entre o ano de implementação e o ano de desuso da “Apresentação em
PowerPoint do Projeto EADES no II Encontro Científico da Enfermagem do Hospital Federal
de Bonsucesso da 75ª Semana da Enfermagem do Hospital Federal de Bonsucesso” faz
sentido, pois o documento foi produzido para ser utilizado em um evento específico. Entretanto
qual a razão para que o documento “Relatório Situacional Semanal” começasse e deixasse de
ser produzido no mesmo ano? Atender a uma demanda específica de instâncias
hierarquicamente superiores, em resposta a mudança de perfil de clientela, a própria falta de
necessidade pelo mesmo ter sido substituído ou ter sido superado por outro documento? É
possível conjecturarmos, mas não podemos perder o foco dessa pesquisa; não cabem esses
tipos de questionamentos visto nosso objetivo é simplesmente responder à pergunta: Como
fazer desospitalização em hospital geral?; e mais, para que qualquer aproximação dessa
ordem analítica fosse possível, outras técnicas de pesquisa necessitariam ser empregadas, o que
não vem ao caso.

Analisando apenas o ano de implementação dos trinta e seis “documentos


operacionais” em uso ou não pela EADES que foram identificados por mim percebeu-se que
99

nos dois primeiros anos de existência da equipe, 2011 e 2012, foram implementados a mesma
quantidade de documentos, três. O “Censo Diário” e o “Fichário de Dados do Paciente” que
foram implementados no ano de 2011 permanecia em uso pela EADES até o dia 31 de
dezembro de 2015, dia estabelecido por mim para e encerramento da busca de dados dessa
pesquisa. O documento “Planilha de Indicadores” não teve continuidade nos anos 2014 e 2015.
A mesma relação se observou quando foram analisados os três “documentos
operacionais” implementados pela equipe no ano de 2012: os documentos “Diário de Bordo” e
“Redes de Atenção à Saúde – RAS” continuaram a ser utilizados enquanto o documento
“Relatório de Gestão” não, esse não foi produzido no ano de 2015. Os anos seguintes, 2013,
2014 e 2015 foram anos com grande implementação de documentos pela EADES, com
destaque para o último ano onde foram implementados quinze novos “documentos
operacionais”, um avanço em mais de 100 % em relação ao ano anterior, 2014, onde foram
implementados sete novos “documentos operacionais”. Esse avanço em mais de 100% também
foi observado quando se analisou a quantidade de documentos novos implementados pela
equipe nos anos 2012 e 2013, saindo de três novos documentos implementados para oito,
respectivamente. Essa curva de crescimento, no volume de documentos novos implementados
pela EADES, pode ser melhor observada no Gráfico 10 a seguir.

Gráfico 10 – Número de novos “documentos operacionais” implementados pela EADES nos


anos 2011 a 2015.

16 15
14

12

10
8
8 7

4 3 3
2

0
2011 2012 2013 2014 2015

Fonte: o autor, 2016.


Essa curva ascendente, exceto a discreta queda em 1,25 pontos percentuais observada
entre o ano de 2013 (8) e 2014 (7), pode nos sugerir uma evolução do trabalho da equipe, que a
cada ano se torna mais especializado e com isso adquire novas competências e atribuições,
100

também pode nos demostrar que o trabalho da EADES veio se tornando com o tempo mais
fragmentado e compartimentalizado, e ainda (por que não?), que os velhos e novos serviços de
saúde continuam vinculados ao tradicional processo superburocratizado da Administração
Pública brasileira, e tantas outras possibilidades conjecturais. Para tanto, faz-se necessária uma
análise mais qualitativa, saber que categorias de “documentos operacionais” esses números
representam, saber ao que vieram e para que servem os documentos implementados, e também
para saber sobre a própria história equipe e sua atuação no dia-a-dia, pois algumas respostas só
serão entendidas ao examinarmos o contexto em que elas se encontram.
A análise qualitativa será apresentada no próximo item “olhar qualitativo” e seguirá
da mesma forma que nos textos anteriores se concentrando nas características intrínsecas dos
documentos que poderão estar presentes em apenas um ou em conjunto.
Ainda foram comparados o número de “documentos operacionais” implementados
pela EADES com o número daqueles que não estão mais sendo utilizados pela equipe (aqueles
que eu não consegui identificar sua continuidade de acordo com a metodologia de identificação
do ano de implementação, do período de continuidade e do último ano de uso conforme
descrito no início desse texto). A relação encontrada na análise foi de cinco para um, ou seja,
para cada cinco “documentos operacionais” implementados no período analisado um deixou de
ser utilizado. Ou então que dos 100% dos documentos implementados, 17% deixaram de ser
utilizados pela EADES. O Gráfico 10 traz essa relação.

Gráfico 11 – Relação entre o número de “documentos operacionais” implementados pela


EADES e o número de “documentos operacionais” em desuso.

6; 17%
IMPLEMENTADOS

EM DESUSO

30; 83%

Fonte: o autor, 2016.


101

4.2 Olhar qualitativo

A primeira característica intrínseca levantada por mim se refere ao tipo de mídia em


que o “documento operacional” circula, se exclusivamente em meio digital ou se também em
meio impresso. Percebeu-se que todos os trinta e seis “documentos operacionais” tinham sua
versão digital e que todos foram produzidos utilizando-se as ferramentas Excel, PowerPoint,
Publisher, Publisher e Word do softwear Office for Windows disponibilizados nos
computadores da unidade de saúde campo da pesquisa. Os “documentos operacionais” que não
circulam exclusivamente em meio digital foram impressos em preto na impressora à laser
instalada na sala da EADES e reproduzidos por meio de fotocópia pelo serviço de protocolo do
hospital que fica no prédio 4, prédio diferente do prédio da sala da equipe. Percebeu-se que o
número de documentos impressos utilizados pela equipe é maior em 6 pontos percentuais
daqueles com circulação apenas em meio digital. O Gráfico 12 apresenta essa distribuição de
acordo com a mídia em que circulam os documentos.

O Gráfico 12 – Relação entre os “documentos operacionais” com circulação exclusiva em meio


digital e os “documentos operacionais” com circulação em meio impresso.

DIGITAL
17; 47%
19; 53%

IMPRESSO

Fonte: o autor, 2016.

Dos “documentos operacionais” com circulação em mídia impressa foram


classificados por mim a partir da sua funcionalidade, como sendo os documentos “de
circulação obrigatória em mídia impressa”, “de circulação aceitável em mídia impressa” e “de
circulação inexplicável em mídia impressa”. O “Cartão de Visita”, o “Folder População geral",
o “Folder Profissionais de Saúde do Hospital Federal de Bonsucesso”, o “Protocolo de
Agendamento da Conversa Familiar”, o “Protocolo de Agendamento do Treinamento de
Cuidador” e o “Redes de Atenção à Saúde – RAS” foram classificados como documentos “de
102

circulação obrigatória em mídia impressa”; aqueles três primeiros por se tratarem de


documentos informativos cujos formatos facilitam o manuseio, a leitura e a guarda do mesmos
pelos usuários; esses dois por servirem como lembrete e comprovante do agendamento da
reunião com a família na sala da EADES e do treinamento dos cuidadores com os profissionais
da assistência nas suas respectivas enfermarias; enquanto este último por se tratar de um
documento informativo sobre todos os pontos de atenção da RAS do usuário, contendo os
nomes das pessoas responsáveis envolvidas, os endereços físicos dos seus locais de atuação, os
contatos dessas mesmas pessoas (telefones e e-mail) e os trâmites burocráticos necessários a
garantia de inserção dos pacientes nos serviços e programas, que é entregue aos familiares
responsáveis e que também deve ter uma cópia afixada no prontuário único do paciente que na
unidade de saúde em questão só é utilizado em meio de papel.
Mesmo em tempos de smartphones, Whatsapp e Gloogle Agenda, reclassifiquei os
documentos acima como documentos “de circulação obrigatória em mídia impressa” por
considerar que ainda existem pessoas excluídas digitalmente ou sem acesso às tecnologias
disponíveis no mercado. Os documentos classificados como “de circulação aceitável em mídia
impressa” foram o “Descritivo das Atribuições dos Assistentes Sociais da EADES”, o
“Descritivo das Atribuições dos Enfermeiros da EADES”, o “Descritivo das Atribuições dos
Técnicos de Enfermagem da EADES, o “Descritivo das Atribuições dos Técnicos em Assuntos
Educacionais da EADES”, o “Diário de Bordo”, o “Fluxograma Captação”, o “Fluxograma
EADES e Enfermarias”, o “Fluxograma EADES e USE”, o “Fluxograma Redes de Atenção à
Saúde – RAS”, o “Fluxograma Transferência de Cuidados”, o “Rotinas Passo-a-passo”.
Esses documentos tiveram sua reclassificação como “ de circulação aceitável em
mídia impressa” por mim pelas seguintes razões: os quatro primeiros foram produzidos em
atendimento a demandas do setor de recursos humanos do hospital com vistas ao
reconhecimento do direito dos profissionais de equipe de receberem o adicional de
insalubridade e tiveram que ser encaminhados ao referido setor contendo o carimbo e a
assinatura do chefe imediato na primeira página e sua rubrica nas páginas subsequentes; já o
quinto documento funciona como uma grande agenda, trata-se de uma grande caderno onde
são registrados as tarefas prioritárias que devem ser desempenhadas em cada dia de trabalho e
as ocorrências que surgiram no decorrer de cada dia, solucionadas ou não, precisa ser de fácil
manuseio e preenchimento e não pode contar com o risco da intranet ou do próprio sistema
operacional do computador não funcionar; enquanto os últimos documentos dessa lista servem
como guia e lembrete de como o trabalho da EADES deve ser desenvolvido, rotina-a-rotina,
103

passo-a-passo, dia-a-dia, são documentos que também precisam estar facilmente à mão para
serem consultados quando necessário.
O único documento que foi classificado como “de circulação inexplicável em mídia
impressa” trata-se do “Fichário de Dados do Paciente”, um conjunto de sete páginas
numeradas e nomeadas, referentes a grupos específicos de informações a respeito do paciente
em acompanhamento com o objetivo de subsidiar o desenvolvimento das ações de saúde
desempenhadas pelos profissionais da EADES ao executarem o programa de desospitalização
do Hospital Federal de Bonsucesso; trata-se de um “banco de dados” na sua essência, segundo
minha interpretação. Por que a EADES se utiliza de um banco de dados em papel em pleno
Século XXI, considerando que o Ministério da Saúde possui há mais de duas décadas o
Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) 51 , responsável em
“desenvolver, pesquisar e incorporar tecnologias de informática que possibilitem a
implementação de sistemas e a disseminação de informações necessárias às ações de saúde” de
acordo com o decreto que o instituiu (BRASIL, 1991)?
Sempre que se analisou os documentos com um pouco mais de meticulosidade,
surgiram questionamentos como esse acima colocado; sabe-se que muitos desses
questionamentos podem em um primeiro momento parecerem não contribuírem na tentativa de
se responder à pergunta dessa pesquisa, ledo engano, há que se considerar muitos outros
aspectos para além do pragmatismo das rotinas, das diretrizes, dos protocolos em si, vide a
ocorrida durante a leitura e a análise dos “documentos acadêmicos” que por mais que a grande
maioria deles não se dirigisse estritamente às questões relacionadas ao modos operandi do
processo de desospitalização em hospital geral, excertos dos seus textos se apresentaram como
peças (objetivos e consequências, público-alvo, redes de serviços substitutivos,etc.) de um
grande quebra-cabeças (o programa de desospitalização completo).
A mesma experiência também pode ser vivenciada durante a leitura e a análise dos
“documentos oficiais” que contribuíram com mais pistas e anti-pistas sobre como fazer
desospitalização em hospital geral. O mesmo acontecerá a partir da leitura e da análise dos
“documentos operacionais” em curso e apresentados no item “olhar funcionalístico”.

51
O Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) surgiu em 1991 com a criação da
Fundação Nacional de Saúde (Funasa), pelo Decreto 100 de 16.04.1991, publicado no D.O.U. de 17.04.1991 e
retificado conforme publicado no D.O.U. de 19.04.1991. Na época, a Fundação passou a exercer a função de
controle e processamento das contas referentes à saúde que antes era da Empresa de Tecnologia e Informações da
Previdência Social (DATAPREV). Foi então formalizada a criação e as competências do DATASUS, que tem
como responsabilidade prover os órgãos do SUS de sistemas de informação e suporte de informática, necessários
ao processo de planejamento, operação e controle.
104

Os documentos classificados como “de circulação exclusiva em mídia digital” foram:


as oito (8) apresentações em PowerPoint ou Prezi (do DIADES, da EADES como Campo de
Estágio em Saúde Coletiva, do Programa de Capacitação Profissional, do I Encontro da
Câmara Técnica em Desospitalização e Atenção Domiciliar dos Hospitais e Institutos Federais
da Cidade do Rio de Janeiro, do II Encontro Científico da Enfermagem do Hospital Federal de
Bonsucesso, do evento do Dia do Servidor Público, da EADES para a Divisão Médico-
Assistencial e para a Divisão de Enfermagem); os dois documentos em construção (DIADES e
Caderno do Cuidador); as três planilhas em Excel (Censo, Indicadores e Pendências e
Urgências); e os quatro relatórios (Gestão, Produção Semanal, Produção Mensal e Situacional
Semanal).
Outra característica intrínseca dos “documentos operacionais” analisada foi se os
mesmos continham apenas uma versão de si ou se eram documentos multi versão. O “Fichário
de Dados dos Pacientes” encontrava-se em sua oitava (8ª) versão; o “Redes de Atenção à
Saúde -RAS” na sua segunda (2ª) versão; e o “Relatório de Gestão”, na terceira (3ª). As
diferenças existentes nas três versões do “Relatório de Gestão”, 2012, 2013 e 2014 estão
relacionadas à renomeação de velhos campos, à inclusão de novos campos no relatório e ao
próprio conteúdo dos campos.
As diferenças começam pelo número de páginas, tanto o número de páginas do texto
corrido dos relatórios quanto o número de páginas dos anexos onde se encontram as tabelas e
os gráficos referentes a alguns indicadores. Temos cinco páginas de texto corrido e quinze
páginas de anexos no documento de 2012; nove páginas de texto corrido com catorze páginas
de anexos no documento de 2013; e dezesseis páginas de texto corrido somadas as treze
páginas de anexos no documento de 2014. Nos documentos dos anos de 2013 e 2014 os anexos
são precedidos de uma página de capa e duas páginas de siglas e legendas, fato que não foi
observado no documento do ano de 2012. Quanto aos campos contidos nos textos corridos
percebeu-se que aqueles que eram comuns aos três “Relatórios de Gestão” analisados eram:
“Apresentação”; “Metodologia de Trabalho”; “Conquistas e Realizações”; e “Dificuldades”.
Quanto às diferenças estas foram: que no documento de 2013 foram incluídos dois
novos campos a mais que no documento de 2012, sendo eles o campo “Indicadores” e o campo
“Expectativas”; e que no documento de 2014 o campo “Expectativas” presente no documento
de 2013 foi renomeado para “Planejamento Estratégico para 2015”.
Quanto ao campo “Apresentações” notou-se que os três primeiros parágrafos
presentes nos documentos de 2013 e 2014 referentes à sua vinculação ao NIR, à sua
localização físico-geográfica no hospital, à sua composição profissional e à transversalidade da
105

sua atuação passaram a ocupar os últimos lugares no mesmo campo do documento de 2014
sem alteração no texto, a não ser nos nomes dos integrantes da equipe e suas respectivas
categorias profissionais. Também se notou a inclusão de mais dois parágrafos nesse campo: o
primeiro parágrafo que explica sobre a composição multiprofissional da equipe e seu objeto de
trabalho; e o quarto parágrafo que descreve com um pouco mais de detalhe o trabalho da
EADES, trazendo ao conhecimento alguns dos seus objetivos e das suas atribuições.
Encontrou-se nos documentos dos três anos analisados um parágrafo atribuindo à
PNH um papel de orientadora das ações da EADES, em 2014 a EADES é inclusive definida
como um dispositivo da tal política que não é a única base jurídica-legal para os documentos
de 2012 e 2013 tampouco a única base do ordenamento jurídico normativo brasileiro para o
documento de 2014 que subsidia os trabalhos desenvolvidos pela equipe.
O campo “Metodologia de Trabalho” tem suas subdivisões que trazem informações
sobre o perfil da clientela, que aumenta de dois critérios no ano de 2012 para quatro no ano de
2013 e sete o ano de 2014; sobre o número de leitos onde a equipe atua, que também
aumentam, saindo de vinte em 2012 para setenta e dois em 2013 e 2014; sobre a dinâmica de
trabalho da EADES, que não sofreu alteração; e sobre as atividades que a equipe desempenha
no seu dia-a-dia, que assim como as duas primeiras subdivisões acima referidas, tiveram o seu
número aumentado quando foram acrescentadas no documento do ano de 2014 as visitas
domiciliares ou às redes de saúde externas quando necessário e as visitas de luto quando
solicitadas pela família.
Os campos “Conquistas e Realizações” e “Dificuldades” dos documentos dos anos
2013 e 2014 trazem quadros comparativos que demonstram o aumento do número de critérios
de inclusão de pacientes para acompanhamento pela equipe, o aumento do número dos leitos
hospitalares atendidos pela EADES, o aumento do número de indicadores utilizados e o
aumento da quantidade de profissionais e categorias profissionais, entretanto sem que tivesse
havido a reposição do profissional de Psicologia perdido no ano de 2013.
A subdivisão do campo “Dificuldades” no documento de 2014 teve três espaços
diferentes para serem descritas; dentre eles, um que relacionava seis ações do plano estratégico
para o ano de 2014 que deixaram de ser cumpridas pela falta do profissional agente
administrativo no corpo da equipe.
Quanto às páginas dos anexos referentes aos indicadores que a EADES gera durante
seu trabalho, contabilizou-se que no documento de 2012 eles foram catorze contra onze dos
documentos de 2013 de 2014. Dos indicadores apresentados nos três documentos analisados
apenas os que tratam do número de usuários que foram acompanhados pela EADES, do
106

número de usuários novos admitidos pela equipe, suas representações por gênero, seus
municípios de origem e CAP de origem quando oriundos do município do Rio de Janeiro se
encontram presentes. Dados sobre o sítio da doença, o tempo de permanência hospitalar e se o
primeiro diagnóstico foi realizado no HFB ou não aparecem exclusivamente no documento de
2012, enquanto dados relacionados aos critérios de inclusão, aos critérios de saída do hospital e
aos motivos de reinternação só aparecem nos documentos dos dois últimos anos analisados.
As duas versões do documento “Redes de Atenção à Saúde” contém os seguintes
mesmos campos: o campo que identifica o(a) paciente e seu local de moradia; o campo que
identifica a unidade de saúde e a equipe de referência; o campo que destaca o trajeto da casa
do(a) paciente até o local de trabalho da equipe de assistência externa de referência realizado a
pé; e o campo que traz informações sobre o processo burocrático que deverá ser cumprido
pelo(a) paciente ou seu responsável para conseguir o atendimento nos serviços referenciados.
Elas se diferem de duas formas: na quantidade e na qualidade, pois a primeira versão consta de
apenas um documento impresso enquanto na segunda versão são dois, um para o familiar
responsável e outro para ser anexado no prontuário único do paciente, destinado às equipes da
assistência, pois em um dos documentos da segunda versão existe um parágrafo cujo texto é
direcionado a elas.

“Solicitamos às Equipes da Assistência atenção! Para que possamos negociar com as


equipes externas da assistência uma visita domiciliar para [nome do(a) paciente] em
até 48h após a saída dele(a) do hospital orientamos: Que as altas sejam planejadas
com antecedência; Que as altas sejam planejadas de forma coletiva, junto a todos os
profissionais envolvidos; Que a EADES seja avisada da data planejada para alta assim
que definida; Que as altas sejam planejadas para as segundas-feiras e terças-feiras;
Que as altas sejam dadas até às 15h; Que o familiar responsável seja encaminhado
para a EADES antes da saída do hospital. À disposição” (s.n., 201?)

Foram identificadas grandes diferenças durante a análise das oito versões do “Fichário
de Dados do Paciente”. A primeira versão foi implantada em 2011 e era composta de apenas
duas folhas com apenas dois campos de informações, o primeiro trazia informações que
identificavam o paciente, como seu nome completo e seu local de internação dentro do
hospital, e o segundo tratava do processo de internação em si, onde eram anotadas as
informações colhidas das evoluções e prescrições feitas pelos profissionais médicos e dos
registros feitos pelos técnicos de Enfermagem.
Ressalto que para essa pesquisa não interessou analisar o conteúdo dos escritos dos
profissionais da EADES, especialmente em atendimento às exigências do Comitê Nacional de
Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CONEP), pelo qual esse projeto de pesquisa, em
107

detrimento ao seu escopo e à sua metodologia, esteve isento de ser analisado. Buscou-se
apenas na leitura de alguns escritos entender a função de cada campo documental analisado e
perceber como o mesmo era apropriado pela equipe no desenvolver do programa de
desospitalização do HFB.
A segunda versão do documento em análise tem o título de “Dados Gerais do Usuário
Oncológico Internado na USE”, data do início do ano de 2012 e também, assim como a
primeira versão, é composta de apenas uma folha cuja página de frente tem campos impressos
para preenchimento ficando o espaço da página do verso exclusivo para as anotações referentes
aos processos de internação e de alta dos pacientes acompanhados. Sobre os campos para
preenchimento foram identificados aqueles relacionados à história da doença atual (que data
internou e com que diagnóstico, se veio de casa ou de outra unidade de saúde, se já faz algum
tratamento e com que médico), à família e à rede de cuidados (quem é o responsável familiar
pelo paciente e seus contatos, quem é o cuidador familiar e seus contatos, e que conflitos estão
aparecendo durante os cuidados, se existirem), à residência para os cuidados (em qual
município ou CAP fica o domicílio, seu endereço completo com CEP, e que pontos de
referência são úteis para facilitar o acesso das equipes que realizarão visitas domiciliares), e ao
processo de internação em curso (qual foi o motivo de internação, que procedimentos já foram
realizados, e quais aqueles que que se encontram em espera).
Apenas essa versão e a terceira versão possuem um logotipo da EADES, um desenho
de quatro mãos espalmadas dispostas em círculo dando a ideia de impulsão, uma
impulsionando a outra, como se tivessem espalmando uma peteca para o alto e para a frente.
A terceira versão do documento cuja período de implantação foi durante o início do
segundo semestre do ano de 2012 tem a mesma composição de campos para preenchimento da
versão anterior com algumas pequenas diferenças: não existe mais o campo relacionado aos
processos de internação em curso na folha de rosto; o título da folha de rosto passa a ser escrito
como “Dados Gerais do Usuário Internado na USE”, não mais restringindo o trabalho da
equipe aos usuários oncológicos; e são incluídas novas folhas com campos impressos
destinados às anotações sobre a “Evolução do Processo de Acompanhamento” pela equipe (a
data da anotação, que ação, solução e solicitação foram realizadas pela EADES, e qual
profissional as realizou).
A partir da quarta versão os documentos passaram a contar com um número maior de
páginas, algumas versões, como essa em análise, chegando a possuir dez folhas no total. E
essas folhas ganharam seus títulos e formas de numeração, na quarta e na quinta versões foram
utilizadas letras maiúsculas (A, B, C, ..., H, I, J) e nas consecutivas a elas, números arábicos,
108

alguns seguidos de letras minúsculas ou de um espaço sublinhado (1, 2a, ..., 3c, 4_). A folha
“A” ganha o título de “Histórico das Internações” com espaços para anotações referentes à data
de internação no hospital, à data de admissão pela EADES com seus critérios de inclusão, e à
data de saída do paciente do hospital com seu respectivo motivo de saída. As folhas “B” e “C”
são referentes à “Identificação do Usuário”, trazem campos para preenchimento sobre dados
gerais (quem é o(a) paciente, qual sua procedência, que doença(s) ele(a) já tem identificada(s),
e quem é o(a) responsável pelo(a) paciente de referência na família) e sobre algumas
informações sociais (endereço atual, endereço pós-alta, trabalho e emprego, e recursos
materiais). Todas as folhas a partir da folha “D”, excetuando-se a folha “E”, trazem campos
destinados às anotações referentes aos processos de internação e alta, cada uma sob um recorte
específico: a folha “D” é destinada às informações sobre os procedimentos realizados durante a
internação em curso podendo eles serem exames, pareceres e procedimentos, que foram
solicitados, estão agendados, ou mesmo, já foram realizados; a folha “F” mapeia os exames
realizados, sejam eles laboratoriais, imagéticos ou específicos e seus resultados encontrados; a
folha “G” traz espaços específicos para as anotações sobre as terapias medicamentosas
implementadas para analgesia, aquelas implementadas como antibioticoterapia e as outras
drogas de um modo geral; a folha “H” é destinada às informações sobre os cuidados de
Enfermagem que serão continuados após alta hospitalar no nível domiciliar, cuidados
relacionados às feridas com destaque para o registro das solicitações de avaliação e admissão à
“Comissão de Prevenção e Tratamento de Feridas” e ao “Ambulatório de Lesões de Pele”,
cuidados relacionados às ostomias e cuidados relacionados a outros dispositivos tecnológicos
como cateteres, drenos e cânulas; a folha “I” trata das atividades de “Educação em Saúde”
realizadas durante a internação, ações de educação cujos conteúdos estão relacionados aos
sistemas de saúde, aos direitos sociais e aos cuidados intradomiciliares, com espaço para
anotações sobre o que foi ensinado, quem ensinou e quem aprendeu, qual material foi utilizado
e quando aconteceu; a folha “J” traz o modelo de relatório de “Resumo de Alta” que a equipe
utiliza, modelo com campos que tratam das condições clínicas do(a) o(a) paciente no momento
da alta, das terapias medicamentosas que deverão ser continuadas, dos cuidados que também
deverão ser continuados, dos acompanhamentos ambulatoriais agendados e das redes de
cuidados estabelecidas; a folha “E” é justamente a folha específica dessa “Rede de Cuidados
Externa” estabelecida, com campos para a identificação da equipe de estratégia de Saúde da
Família de referência e dos responsáveis na Secretaria Municipal de Saúde ou CAP de
referência, como também, espaços para as anotações sobre as outras unidades de saúde ou de
apoio pertencentes a essa rede de atenção à saúde organizada.
109

São poucas as diferenças entre a quinta versão e a quarta versões do documento, no


geral houve uma redução de duas folhas, devido a agregação das folhas “A” e “B” e das folhas
“C” e “E” da quarta versão que se tornaram as folhas “A” e “B” da quinta versão com um
único senão, não foi observado o campo destinado ao endereço atual de moradia do(a) paciente
na folha “B” da quinta versão do documento em análise, campo que se encontrava presente na
folha “C” da versão anterior. Da folha “C” à folha “H” os campos para preenchimento são
destinados às anotações referentes aos processos de internação e alta: os campos da antiga
folha “D” se encontram na atual folha “C” que teve incluído o espaço destinado às anotações
sobre a última visita médica; os campos da antiga folha “F” se encontram na atual folha “D”
sem alterações de conteúdo e forma, assim com os campos da antiga folha “H” que se
encontram na atual folha “F”, os campos da antiga folha “I” que se encontram na atual folha
“G” e os campos da antiga folha “J” que se encontram na atual folha “H”; os campos da antiga
folha “G” que se encontram na atual folha “E” sofreram a perda do campo destinado às
anotações sobre as prescrições medicamentosas de drogas em geral, apenas permanecendo os
campos destinados às anotações referentes às drogas analgésicas e antibióticas e o acréscimo
do campo destinado às anotações relacionadas às doenças diagnosticadas e aos locais onde são
tratadas.
As três últimas versões do documento “Fichário de Dados do Paciente” são bem
parecidas em escopo e formatação. Todas ganharam uma capa chamada “Check List das
Atividades de Rotina” cada uma diferente da outra, por exemplo, a da sexta versão tem
dezessete atividades relacionadas (de identificação, de formalização, de registro, etc.), a da
sétima versão tem apenas a atividade de “Reunião com Família para Interconsulta
Multiprofissional” registrada, enquanto a da oitava versão, a mesma da sétima acrescentada da
atividade “Redes de Atenção à Saúde – RAS” e da atividade “Treinamento do Cuidador”.

Outra similitude observada foi que nessas três últimas versões, as letras maiúsculas
que identificavam as folhas deram lugares aos números, às vezes seguidos de letras ou mesmo
de um espaço sublinhado. A folha “1” que trata da identificação do(a) paciente e da cronologia
das suas internações ganhou em todas as três versões um espaço para anotações sobre a
movimentação do(a) paciente dentro do hospital: em que clínica, em que enfermaria e em que
leito ele(a) se encontra internado(a); entretanto alguns dados vieram sendo incluídos aos
poucos, por exemplo: na sexta versão foi acrescentado o nome da mãe do(a) paciente, na
sétima versão, a sua idade, e na oitava(8ª), o CID da AIH. A folha “2a” se refere aos “Dados
Sociais” do(a) paciente, com campos destinados às anotações relacionados à sua anamnese
110

como sua história patológica pregressa, sua história familiar, a história da sua doença atual, dos
seus itinerários diagnósticos e terapêuticos e das suas comorbidades e tratamentos em curso. A
folha “2b” da sexta versão corresponde à folha “2c” da sétima e oitava versões dos documentos
analisados e apresentam campos destinados às anotações dos “Recursos Físicos e Financeiros”
do(a)s pacientes como os campos que identificam o endereço do domicílio terapêutico, esse
presente apenas na sexta versão, campos que identificam as condições habitacionais do
endereço pós-alta e campos que relacionam a composição familiar do(a) paciente, todos
presentes nas três versões, e campos destinados às anotações referentes ao “Emprego e Renda”
(6ª versão) ou à “Situação Previdenciária/Trabalhista” (7ª e 8ª versões) do(a) paciente. A folha
“2b” da sexta versão possui campos que identificam o ciclo de vida no qual se encontra o(a)
paciente (criança, adolescente, adulto, idoso) e se o(a) mesmo(a) possui ou não documento de
identidade e CPF diferente da mesma folha “2b” da sétima e oitava versão que traz os campos
relacionados às “Demandas de Cuidados”, campos que na sexta versão se encontravam na
folha “6” do “Resumo de Alta”. A folha “2c” da sexta versão é destinada a construção do
“Genograma Familiar”, que não existe na sétima e oitava versões, que diferentemente da sexta
versão, possuem a folha “2d” que é destinada às anotações referentes aos “Cuidadores
Familiares”: seus nomes, seus contatos, suas idades, seus vínculos com a família, seus níveis
de escolaridade, suas experiências, medos e ansiedades. As folhas “3a” e “3b” em todas as três
versões trazem campos destinados às anotações relacionadas às “Redes Externas de Cuidados”.
Na sexta versão a folha “3a” apresenta campos específicos para os registros sobre as
equipes da Estratégia de Saúde da Família e seus contatos, as equipes das Secretarias
Municipais de Saúde ou Coordenações e seus contatos, e as equipes das outras unidades de
saúde e das unidades de apoio identificadas e referenciadas; campos que se modificam nas
últimas duas versões, em cujas folhas “3a” foram identificados apenas os campos referentes à
“Atenção Primária” e às “Outras Redes”. A folha “3b”, em todas as versões, é destinada às
anotações do processo de constituição de redes com campos destinados às anotações sobre os
contatos das redes identificadas e sobre as ações e os desdobramentos inerentes a esse
processo. A folha “4_” é o espaço destinado às anotações da “Evolução da Internação” e têm o
espaço sublinhado para preenchimento da ordem em que foram escritas: “4.1”, “4.2”, “4.3” e
assim por diante, tantas quantas se fizerem necessárias, a única diferença encontrada na sétima
e oitava versões é que nessas além das anotações sobre a “Evolução da Internação” existem
campos destinados às anotações sobre os “Motivos de Permanência” do(a) paciente no hospital
que podem ser clínico-biológicos, administrativos-processuais, sócio-estruturais e psico-
individuais.
111

Os trinta e seis documentos também foram analisados a partir da funcionalidade de


cada um dentro do processo de trabalho da equipe e agrupados nas seguintes categorias:
“Bancos de Dados”; “Relatórios e Planilhas”; “Impressos em Geral”; “Fôlderes e Cartilhas”;
“Fluxogramas”; “Protocolos e Rotinas”; “Apresentações”.
Os documentos que foram classificados como “Bancos de Dados” foram aqueles
documentos cuja função era de servir como espaço destinado à alimentação pela equipe das
informações coletadas nos/para os processos de trabalho; nessa classe foram incluídos o
“Censo Diário”, o “Diário de Bordo”, o “Fichário de Dados do Paciente” e o “Redes de
Atenção à Saúde – RAS”.
O “Censo Diário” é uma planilha virtual que não tem versão impressa composta de
quatro partes sendo a primeira parte o cabeçalho da planilha com espaços para preenchimento
da data, do dia semana, dos integrantes da equipe presentes naquele dia e dos eventos adversos.
As outras três partes do “Censo Diário” são destinadas ao preenchimento de informações sobre
o(a)s usuário(a)s em atendimento pela equipe. Existem campos específicos para a inclusão
do(s) nome(s) do(a)s usuário(a)s e sua(s) localização(ões) no hospital, do(s) motivo(s) da(s)
sua(s) admissão(ões) pela EADES e da(s) sua(s) saída(s) do hospital, do(s) nome(s) e do(s)
telefone(s) do(a)s médico(a)s de referência, das informações sobre o que se ainda falta fazer e
do registro daquele(a)s usuário(a)s que se em alta administrativa.
O “Diário de Bordo” é um documento que é produzido pela equipe anualmente, trata-
se de um conjunto de folhas A4 agrupadas em espiral, sendo cada folha destinada a um dia de
trabalho; ele tem campos destinados às anotações referentes à data do mês e ao dia da semana,
aos integrantes da equipe presentes naquele dia, às razões sobre o(s) absenteísmo(s), caso
exista(m), às tarefas urgentes e prioritárias para aquele dia, às novas redes que foram
constituídas e às observações relevantes sobre os fatos positivos e negativos que aconteceram
no dia em questão.
Descrições bem mais completas sobre os documentos “Fichários de Dados do(a)
Paciente” e “Redes de Atenção à Saúde – RAS” foram feitas quando se dissertou sobre as
características “Uni-versão” e “Multi-versão” dos “documentos operacionais”.
A classe funcional “Relatórios e Planilhas” englobou os documentos que são gerados
pela equipe no dia-a-dia do trabalho contendo as informações relacionadas à produção da
equipe durante o cumprimento das tarefas e das rotinas. Temos nesse grupo cinco relatórios,
“Relatório de Gestão”, “Relatório de Produção Mensal”, “Relatório de Produção Semanal”,
“Relatório de Visita Técnica” e “Relatório Situacional Semanal”; e duas planilhas, “Planilha de
Indicadores” e “Planilha de Pendências e Urgências”. Sobre o “Relatório de Gestão’ não há o
112

que mais acrescentar pois o mesmo já foi analisado na parte desse texto que trata das
características “Uni-versão” e “Multi-versão”, assim como foram o “Fichário de Dados do(a)
Paciente” e o “Redes de Atenção à Saúde”. Sobre o “Relatório de Produção Mensal” e o
“Relatório de Produção Semanal” observou-se que ambos têm os mesmos campos
informativos, diferindo-se apenas quanto ao período analisado: o semanal compreende uma
semana de trabalho, de segunda-feira à sexta-feira, pode conter informações referentes a mais
de um mês, se a semana assim for constituída; e o mensal, um mês corrente, iniciando-se no
seu primeiro dia útil e terminando no seu último dia útil, independente do dia da semana que
esses dias possam cair.
Quanto aos campos de indicadores de produção tem-se aqueles referentes ao
quantitativo de usuário(a)s que foram admitido(a)s e receberam alta hospitalar, aqueles que
tratam dos critérios de admissão e de alta, aqueles destinados às anotações sobre as redes
estabelecidas e seus contatos (pessoas e telefones) e aqueles que relacionam o(a)s usuário(a)s
que permaneceram em acompanhamento pela equipe e todos os seus motivos de permanência
tanto os relacionados ao programa de desospitalização como os relacionados ao próprio
processo de internação.
Sobre o “Relatório de Visita Técnica” observou-se que o mesmo é numerado e
destinado às anotações sobre assuntos específicos relacionados às visitas que a equipe faz
durante o seu trabalho podendo estas visitas serem feitas a outras equipes externas de
assistência, às equipes gestoras das secretarias e coordenações de saúde, aos domicílios do(a)s
usuário(a)s em acompanhamento pela equipe, às equipes servidoras dos outros setores e aos
eventos científicos e cursos que os integrantes da EADES participam fora do hospital. Existem
campos que identificam se a visita técnica é programada, se é continuada ou se foi
extraordinária, campos destinados às anotações sobre o nome do local visitado, dos objetivos
da visita e dos resultados conquistados com ela, campos para as informações sobre a equipe
visitadora e a equipe receptora e suas rubricas, e um aviso em letras garrafais no final da
página onde se lê que caso a visita seja mandatória de um relatório mais detalhado que o
mesmo será produzido e encaminhado a posteriori.
O “Relatório Situacional Semanal” é um documento individual, ou seja, específico
para cada usuário(a) em acompanhamento pela EADES que contém os campos relacionados ao
estágio que o(a) usuário(a) se encontra no programa de desospitalização oferecido pela equipe,
às dificuldades que a equipe vem enfrentando no desenvolvimento de suas ações e aos motivos
de permanência do(a) usuário(a) no hospital sejam eles de origem clínica (paciente
apresentando pneumonia por bronco aspiração), processual (paciente aguardando avaliação de
113

especialista solicitada por parecer), econômica (paciente não tem recursos para comprar
material para curativo), psicológica (paciente em fase de negação da doença), etc.
O documento operacional “Planilha de Indicadores” é uma planilha em Excel
composta de cinco abas diferentes, onde cada aba corresponde a um grupo de indicadores
afins; a primeira aba traz campos relacionados à identificação do(a)s usuário(a)s
acompanhados pela EADES (sexo, idade, logradouro e número do domicílio, CEP, bairro,
município de origem, CAP de referência quando cabível, comorbidades existentes, tratamentos
em curso, profissão, renda mensal em salários mínimos e frações); a segunda aba traz campos
relacionados à temporalidade (data de nascimento do(a)s usuário(a)s, data de admissão do
hospital, data de admissão na EADES, data da alta administrativa pela EADES, data da saída
do hospital, tempo de internação medido em dias, data da reinternação quando cabível, tempo
de permanência com a EADES medido em dias, diferença temporal entre a admissão do(a)
usuário(a) no hospital e pela EADES medida em dias, tempo entre a saída do hospital e
reinternação medido em dias); a terceira aba traz campos relacionados ao processo de
internação em sim (motivos de internação, CID, motivos de admissão pela EADES, motivos de
saída do hospital, exames solicitados e realizados/cancelados, pareceres solicitados e
respondidos/cancelados, procedimentos solicitados e realizados/cancelados); a quarta aba traz
campos relacionados às redes de atenção à saúde (moradores do domicílio, familiar
responsável, médico de referência do hospital, equipe de Estratégia de Saúde da Família de
referência, contato pessoal nessa equipe, contato telefônico dessa equipe, equipe do Melhor em
Casa de referência quando cabível, contato pessoal nessa equipe, contato telefônico dessa
equipe); e a quinta aba traz campos relacionados ao processo de transferência dos cuidados
(cuidador 1, cuidador 2, seus contatos telefônicos e e-mails, se formal ou familiar, se
experiente em cuidar de pessoas, data agendada para o treinamento, se aprendeu, se precisou
de novo treinamento, quais insumos e quais tecnologias são necessários para a continuidade
dos cuidados).
Enquanto o documento “Planilha de Pendências e Urgências”, também uma planilha
em Excel, é produzido em todos os primeiros dias úteis semanais e traz campos destinados às
anotações das pendências em relação aos processos do programa de desospitalização
desenvolvido pela EADES para cada usuário(a) em acompanhamento e as urgências que
devem ser priorizadas naquela semana, ele ainda tem campos onde são nomeados os
responsáveis pela realização de cada tarefa solucionadora das pendências e urgências e a meta
temporal para a realização das mesmas.
114

A classe “Impressos em Geral” tem apenas dois documentos, um impresso em uso e


um em meio digital em construção, sendo eles, respectivamente, o “Cartão de Visitas” e o
“Documento Interdisciplinar de Apoio à Desospitalização e Educação em Saúde – DIADES”.
O primeiro traz o nome da equipe e dos seus componentes, o horário de funcionamento do
serviço, sua localização no hospital e seus contatos telefônicos e de e-mail; o segundo é um
formulário que está sendo desenvolvido pela EADES junto da equipe multiprofissional
assistencial do serviço de neurocirurgia, ele passará a compor o prontuário do paciente e será
de uso coletivo, ou seja, seu preenchimento será realizado por todos os profissionais da
assistência independente da sua categoria profissional. Ele traz campos que identificam o(a)
usuário(a), seu endereço pós-alta completo, seu(s) responsável(is) familiar(es) e seu(s)
cuidador(es) com os respectivos contatos telefônicos e de e-mail, campos para anotações sobre
as orientações e treinamentos realizados pela equipe de assistência à(s) família(s) e ao(s)
cuidador(es), campos para que seja(m) listado(s) o(s) insumo(s) e a(s) tecnologia(s) necessárias
à continuidade do cuidado no nível domiciliar, e campos onde são anotadas as comunicações
sobre a alta hospitalar aos pacientes, seus familiares e cuidador(es), a EADES e a rede externa
de assistência.
A classe de documentos “Fôlderes e Cartilhas” é composta por três (3) documentos, o
“Caderno do Cuidador”, o “Folder População Geral” e o “Folder Profissionais de Saúde do
Hospital Federal de Bonsucesso”.
Do “Caderno do Cuidador” pouco foi possível analisar, encontraram-se algumas
informações bastantes fragmentadas dentro da subpasta “Caderno do Cuidador”, arquivos com
outros modelos de caderno do cuidador, com textos referentes às práticas de cuidado, com uma
(1) planilha que trazia um cronograma que delineava as tarefas necessárias e sua execução no
tempo e um arquivo em “pdf” de uma publicação do Ministério da Saúde intitulada “Guia do
Cuidador”. Não foram encontrados nenhum esboço de paginação muito menos a matriz de
responsabilidades e atribuições para o desenvolvimento desse projeto/produto.
Tanto o “Folder População Geral” como o “Folder Profissionais de Saúde do Hospital
Federal de Bonsucesso” trazem informações sobre o trabalho da EADES, seus objetivos e
finalidades, sua metodologia de trabalho e seus atores envolvidos com a identificação da
categoria profissional de cada um, além, é claro, dos endereços físico e eletrônico e dos
contatos telefônicos da equipe. O “Folder Profissionais de Saúde do Hospital Federal de
Bonsucesso” traz um pouco mais de conteúdo que o “Folder População Geral” tal como os
critérios de inclusão e não-inclusão do(a)s usuário(a)s no programa de desospitalização do
115

HFB e a forma como quaisquer profissionais da assistência podem solicitar a avaliação da


EADES, que é através de solicitação de parecer.
A classe funcional “Fluxogramas” é composta de cinco modelos diferentes; três deles,
o “Fluxograma Captação”, o “Fluxograma Redes de Atenção à Saúde – RAS” e o “Fluxograma
Cuidados”, serão melhor analisados quando o documento “Curso de Capacitação Profissional
em Desospitalização e Educação em Saúde” o for, mais à frente nesse item. Os outros dois
modelos de fluxogramas integrantes da classe “Fluxogramas” são o “Fluxograma EADES e
Enfermarias” e o “Fluxograma EADES e USE”, ambos descrevem o fluxo do(a)s usuário(a)s
desde sua entrada do hospital até sua saída, passando por três setores distintos mas
relacionados: o Setor de Internação e Alta (SIA), o setor responsável pela admissão e pela alta
do(a)s usuário(a)s no sistema do hospital, local do início e da finalização do processo de
internação; o setor de internação, nesse caso a Unidade de Suporte de Emergência (USE) ou as
enfermarias clínicas e cirúrgicas, local de estadia do(a)s usuário(a)s e de trabalho das equipes
multiprofissionais da assistência; e a EADES, que não é um setor e sim uma equipe de apoio
matricial que perpassa todos os setores sem fixar residência. A diferença entre os fluxogramas
encontra-se na forma de captação, enquanto o(a)s usuário(a)s internados nas enfermarias
clínicas e cirúrgicas são captados exclusivamente a partir de solicitação de avaliação por
parecer, o(a)s usuário(a)s internados nas salas masculina e feminina da USE são
prioritariamente captados por busca ativa feita todo primeiro dia útil da semana.
A classe “Protocolos e Rotinas” é constituída de cinco arquivos em Word, quatro (4)
deles contendo a descrição das atividades de cada categoria profissional integrante da EADES
(“Descritivo das Atribuições dos Assistentes Sociais da EADES”, “Descritivo das Atribuições
dos Enfermeiros da EADES”, “Descritivo das Atribuições dos Técnicos de Enfermagem”, o
“Descritivo das Atribuições dos Técnicos em Assuntos Educacionais da EADES”), e um,
contendo as rotinas descritas passo-a-passo para cada dia da semana (“Rotinas EADES 2015”)
e mais dois documentos impressos que servem como comprovante de agendamento e lembrete
dos dias marcados para a realização dos encontros familiares na sala da EADES e para o
treinamento do(s) cuidador(es).
Cada um dos documentos “Descritivo das Atribuições ...” traz as atribuições que são
específicas da categoria profissional a qual ele se refere: “Observação direta das lesões
(estomas e ostomas) existentes no corpo dos pacientes para construção de plano terapêutico
singular” para o(a)s profissionais da Enfermagem de nível superior; “Orientações sobre
direitos e garantias sociais” para os profissionais do Serviço Social; “Organização e gestão do
treinamento dos cuidadores dos pacientes internados no HFB” para os profissionais Técnicos
116

em Assuntos Educacionais; e “Idenificação e formalização de rede de assistência à saúde


adstrita ao domicílio” para os Técnicos de Enfermagem.
Todavia, muitas outras atribuições estão em uníssono em todos os documentos, são
atribuições para além das categorias profissionais, atribuições específicas dos profissionais da
desospitalização, tais como a “Realização de entrevistas com familiares e/ou comunicantes
objetivando a identificação de um cuidador responsável”, a “Verificação de demandas
produzidas pela doença e as possíveis soluções para o exercício de um bom cuidado
domiciliar” e a “Identificação e comunicação com a rede de assistência à saúde adstrita ao
domicílio”. Atribuições transdisciplinares ou meras atribuições de uma nova disciplina?
Sobre o “Rotinas EADES 2015” tem-se que o mesmo é um conjunto de folhas A4
impressas na posição paisagem presas a uma presilha de plástico, o seu conteúdo é disposto em
tabelas cujas colunas tratam da ordem em que a tarefa rotineira deve ser executada (“1ª”, “2ª”,
..., “8ª”, etc.), dos nomes dados a cada tarefa (“censos”, “e-mail”, “diário de bordo”, ...,
“captação busca ativa”, etc.), das atividades que devem ser exercidas para o cumprimento das
respectivas rotinas (“abrir nova aba do censo EADES”, “imprimir os e-mails com as respostas
das formalizações das redes”, “ler os prontuários dos usuários selecionados buscando
informações referentes às três perguntas universais da admissão EADES”, etc.), do período em
que as mesmas devem ser executadas (“manhã”, “manhã e tarde”, etc.) e das observações
pertinentes sobre cada rotina (“devemos dar prioridade aos usuários que preencherem o maior
número de critérios de elegibilidade...”, “as conversas informais à beira do leito com os
responsáveis familiares deverão ser anotadas na ficha 4 (quatro)”, “obrigatório preencher o
mapa de usuários diariamente”, etc.). São nove as rotinas das segundas-feiras, e seis as rotinas
das terças-feiras, as rotinas das quartas-feiras são oito, enquanto as das quintas e sextas-feiras,
nove, igualmente. Algumas se repetem em todos os dias, tais como, “Censos”, “E-mail”,
“Diário de Bordo”, “Parecer”, “Censo EADES”, mapa de usuários e banco de dados. Outras,
aparecem apenas em um dia como a “Captação Busca Ativa” nas segundas-feiras, a “Redes” às
terças-feiras, a “Round PAADES Neuro” às quintas-feiras e a “Reunião de Equipe” às sextas-
feiras. E ainda uma que só não aparece em um dia, às terças-feiras, a “Reunião Familiar
Estruturada”
A classe “Apresentações” é a maior classe de “documentos operacionais”
selecionados para análise por mim sendo sete arquivos digitais em PowerPoint e um na
plataforma Prezi; cada um deles foi criado para uma ocasião específica e trata de assuntos
também específicos e todos são compostos de referências teóricas e legais, de tabelas e
117

gráficos, de citações e autores, eles têm design caprichado e aquele feito através da plataforma
Prezi, movimentos arrojados.
O “Apresentação em PowerPoint do Projeto EADES no III Encontro Científico da
Enfermagem do Hospital Federal de Bonsucesso da 76ª Semana da Enfermagem do Hospital
Federal de Bonsucesso” foi o primeiro documento dessa classe produzido pela equipe. O
evento que teve como tema “O protagonismo da Enfermagem no Processo de Cuidar” também
foi o primeiro evento científico que a EADES participou como convidada palestrante e o
documento foi estruturado de forma a apresentar a ações e os serviços de saúde desenvolvidos
pela equipe e suas metodologias de trabalho (público-alvo, tecnologias, atores envolvidos,
locais de atuação, critérios de elegibilidade, etc.). Referências teóricas e legais que
sustentavam o trabalho da EADES também foram incluídas no documento; estão presentes
citações de Camargo Jr., Wargas, Veras, Benevides, Wagner, Descamps, Martins, Mercklé e
Latour, e referências à Lei nº 8.142 de 1990, à Política Nacional de Humanização de 2004, à
Portaria SAS nº 2.527 de 2011 e à Portaria SAS nº 1.208 de 2013.
O documento “Apresentação em PowerPoint do DIADES – Documento
Interdisciplinar de Apoio à Desospitalização e Educação em Saúde” foi criado em 2014 para
apresentação da evolução do projeto de criação do documento acima referido em um dos
encontros entre as equipes multiprofissionais de assistência da neurocirurgia, de educação
continuada da Enfermagem e da EADES. É o primeiro documento que traz referências teóricas
às transições demográficas, epidemiológicas e sanitárias e se utiliza de uma ferramenta clássica
da Administração, o diagrama de causa e efeito (Diagrama de Ishikawa). Nele encontram-se
expostas as quatro páginas-piloto do DIADES em sua primeira (1ª) versão.
O “Apresentação em Prezi do Projeto EADES para a Divisão de Enfermagem
(DIENF)” foi desenvolvido para ser apresentado em 20 de março de 2015 na reunião de chefia
da Enfermagem, no auditório da Divisão de Enfermagem onde estavam presentes todo(a)s
o(a)s enfermeiro(a)s ocupantes dos cargos de chefia e de coordenação. O conteúdo está
dividido em quatro (4) partes que contam a história de surgimento da EADES, fazem
referência ao NADES e ao PAADES Neuro pela primeira vez, contam sobre o
desenvolvimento do DIADES e propõem uma parceria entre a equipe e a Enfermagem do
hospital para o desenvolvimento da metodologia de encaminhamento para treinamento do(a)s
cuidadore(a)s dos usuário(a)s em acompanhamento pela EADES. Repetiram-se as referências
teóricas relacionadas às mudanças dos perfis de crescimento populacional, de adoecimento e
morte e de respostas do setor Saúde frente às novas demandas. Acrescentaram-se referências
sobre educação em saúde, citou-se Pimont e o “Diretrizes de educação em saúde visando à
118

promoção da saúde: documento base - documento I” da FUNASA de 2007; apresentaram-se as


referências legais que atravessaram o percurso da EADES desde 2011, as relacionadas ao
Programa Melhor em Casa, a Política Nacional de Atenção Hospitalar, o conceito sobre
educação em saúde presente no portal da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS). Há um destaque
para o perfil da clientela EADES com informações sobre o público-alvo, os beneficiários, os
usuários elegíveis e seus critérios de inclusão e de exclusão, como também para os
fluxogramas do processo de desospitalização entre o EADES e a USE e entre o EADES e as
enfermarias. São exibidos a segunda versão das quatro páginas do DIADES, os dois modelos
de RAS e a Estrutura Analítica do Projeto EADES, outra ferramenta bastante utilizada pela
Administração. No final são citados Benevides e Passos que afirmam que “Pensar a saúde
como experiência de criação em si e de novos modos de viver é tomar a vida em seu
movimento de produção de normas a não de assujeitamento a elas” (Benevides e Passos, 2005,
p.570).
O “Apresentação em PowerPoint do Projeto EADES para a Divisão Médica-
Assistencial (DMA)” foi desenvolvida para apresentar para a nova direção da DMA o modos
operandi da equipe. O documento foi produzi do em setembro de 2015. A apresentação conta
com duas linhas do tempo, uma sobre a história da EADES e outra sobre a história da
desospitalização, fala das transições, fala dos conceitos sobre educação em saúde utilizados
pela equipe, dos seus objetivos, dos seus fluxos de atendimento (EADES e enfermarias,
EADES e USE), da Estrutura Analítica do Projeto EADES, da sua clientela (público-alvo,
beneficiários, usuários elegíveis e seus critérios de inclusão e de exclusão), de alguns
indicadores (número absoluto de usuário(a)s atendidos, usuário(a)s por sexo, número de
usuário(a)s admitido(a)s, bairro de origem, etc.), dos projetos em andamento. Mas também
informa sobre a redução do número de integrantes da equipe e do número das categorias
profissionais e o que isso acarretou ao serviço, como a paralização de alguns projetos (a
elaboração da portaria de criação do serviço, o desenvolvimento do manual de desospitalização
do hospital, a criação da comunidade de apoio à desospitalização nas redes sociais, etc.) e de
algumas rotinas (a produção do relatório situacional semanal, o estudo de caso mensal, o banco
de dados digitalizado, etc.). O documento termina com a seguinte citação de Pinho, “não
bastam discursos bem-intencionados ou politicamente corretos, mas a consecução e
implementação efetiva dessas práticas, na direção de uma melhor qualidade de vida para esses
usuários” (PINHO, 2009, p.818).
119

Sobre o documento “Apresentação em PowerPoint do Projeto EADES no evento do


Dia do Servidor Público em 2015 sobre o tema ‘Que rede Nós Temos, Que Rede Nós
Queremos’”. O evento aconteceu em outubro de 2015 e foi organizado pelo Grupo Técnico de
Humanização (GTH) do hospital. O documento trouxe para a plenária o relato do caso que foi
o responsável pelo desenvolvimento do DIADES, dando destaque para a articulação que se deu
entre a equipe multiprofissional de assistência do serviço de neurocirurgia e a equipe
multiprofissional da EADES. Também foi apresentada de forma sintética a definição do
trabalho da equipe como sendo “o apoio à gestão dos processos de transferência de cuidados
através da organização de redes de atenção à saúde e do aprendizado em saúde de todos os
usuários do hospital” e das redes primárias e secundárias de atenção à saúde que são
organizadas pela equipe, definidas a partir dos conceitos de Cooley sobre grupos sociais
primários e secundários. O documento é ricamente ilustrado com tabelas e gráficos que
demonstram as mudanças em curso dos padrões de natalidade, de expectativa de vida, de
expectativa de vida saudável, de adoecimento e morte, e dos custos dos serviços hospitalares,
todos retirados de fontes oficiais como o DATASUS, o IBGE, o PNUD, o FICSAÚDE, etc. E
apresenta um quadro comparativo entre o sistema de saúde fragmentado e o sistema de saúde
em redes publicado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), pela Organização
Panamericana de Saúde (OPAS) e pelo Conselho Nacional dos Secretários de Saúde
(CONASS) na obra de 2011 intitulada “As redes de atenção à saúde” e escrita por Eugênio
Vilaça Mendes. O slide final como em todas os documentos da classe “Apresentações” traz a
mesma citação do slide final do documento “Apresentação em Prezi do Projeto EADES para a
Divisão de Enfermagem (DIENF)”.
O documento “Apresentação em PowerPoint do Projeto EADES no I Encontro da
Câmara Técnica de Desospitalização e Atenção Domiciliar dos Hospitais e Institutos Federais
da Cidade do Rio de Janeiro” foi elaborado para ser apresentado no evento supracitado que
aconteceu em novembro de 2015 no Instituto de Traumato Ortopedia (INTO). A apresentação
da EADES tratava do processo de desospitalização intra-hospitalar realizado pela equipe no
HFB. O documento está dividido em três partes, cada uma delas referente a um “ponto de
vista” sobre desospitalização. A primeira parte traz a história da equipe e uma linha do tempo
modificada, onde o NADES não ocupa mais o lugar do futuro e sim um lugar no planejamento
estratégico da equipe para o ano de 2017. Há referências sobre o SIADES (Sistema de
Informação de Apoio à Desospitalização e Educação em Saúde) e o CADES (Comunidade de
Apoio à Desospitalização e Educação em Saúde). A segunda parte relaciona /ou descarta
conceitos filosóficos, matemáticos, antropológicos com desospitalização, como exemplo temos
120

o “Paralelismo” de Espinosa, a “Temporalidade” de Sartre, a “Transversalidade”, o


“Movimento Rizomático” e a “Molecularidade” de Deleuze e Gatarri, o “Estar Entre” de
Bhabha e a “Desconstrução” de Derrida. Na terceira parte temos um conto de fadas “Cinderela
às Avessas”, um estudo de caso sobre uma tal de “Dona Abóbora” e que traz, curiosamente,
um caso de insucesso, um caso de desospitalização que não deu certo. O slide final também
traz uma citação, desta vez de Wargas que diz que “Precisamos urgentemente radicalizar o
SUS. (...) E radicalizar o SUS é cuidar das pessoas” (Wargas, 2015)52.
O documento “Apresentação em PowerPoint do Projeto EADES como campo de
estágio para a residência multiprofissional em Saúde Coletiva do Instituto de Estudos em
Saúde Coletiva (IESC) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)” foi desenvolvido
em dezembro de 2015 e apresentado no evento de divulgação dos campos de estágios para os
residentes do segundo (2º) ano no dia catorze (14) nas dependências do IESC. Diferentemente
dos outros documentos dessa mesma classe, esse não termina com uma citação, mas sim,
começa, e com a seguinte citação de Foucault:

“Constitui−se, assim, um campo documental no interior do hospital que não é


somente um lugar de cura, mas também de registro, acúmulo e formação de saber. E
então que o saber médico que, até o início do século XVIII, estava localizado nos
livros, em uma espécie de jurisprudência médica encontrada nos grandes tratados
clássicos da medicina, começa a ter seu lugar, não mais no livro, mas no hospital; não
mais no que foi escrito e impresso, mas no que é quotidianamente registrado na
tradição viva, ativa e atual que é o hospital” (Foucault, 1979, p.110).

Com interferências gráficas sobre as palavras médico, médica e medicina onde foram
sobrepostas tarjas contendo o dizer “da saúde”. Segue-se a apresentação da equipe, seu
trabalho, sua constituição multiprofissional e as expertises de cada profissional, seus parceiros
pelo hospital, um breve relato do campo, a apresentação dos possíveis núcleos de estágio
dentro do hospital além da EADES e também de vinte e nove “Algumas Atividades” que o
estagiário poderá executar durante o seu período no campo. O último documento dessa classe é
o mais extenso e vai receber uma análise mais pormenorizada que todos os outros pois o
mesmo congrega a grande maioria dos trinta e seis documentos operacionais selecionados para
análise.
O “Apresentação em PowerPoint do Programa de Capacitação Profissional em
Desospitalização e Educação em Saúde” foi desenvolvido em atendimento a demanda da
Equipe Multiprofissional de Atenção Domiciliar (EMAD) do Instituto Fernandes Figueira

52
Fala de Tatiana Wargas durante reunião de grupo de estudos no Instituto de Medicina Social da UERJ, em
outubro de 2015.
121

(IFF) em aprender como a EADES conseguia fazer desospitalização sem oferecer o serviço de
Atenção Domiciliar; informação constante nos slides de apresentação do programa de
capacitação. O documento é composto de cento e sessenta e quatro slides, divididos em quatro
dias, onde as aulas teóricas epistemológicas e metodológicas estão sempre na parte da manhã e
as aulas práticas metodológicas e dialógicas no período da tarde. Mais uma vez observou-se
que o documento logo após a sua capa apresenta uma citação, a mesma citação de Foucault
presente na abertura do documento que apresentava a EADES como campo de estágio para os
residentes de Saúde Coletiva da UFRJ.
A primeira aula teórica epistemológica traz informações sobre a história da EADES,
mas diferentemente do que se viu no documento apresentado no I Encontro da Câmara Técnica
de Desospitalização e Atenção Domiciliar, o NADES ainda fazia parte do planejamento
estratégico da equipe para o ano de 2017, no ponto da linha do tempo onde o mesmo estava
inserido o que se leu foi a palavra “FUTURO”. Em seguida são discutidas as transições
demográfica, epidemiológica e sanitária, é apresentada outra linha do tempo contendo
referências ao uso do termo desospitalização presentes em artigos científicos, dissertações,
portarias, cadernos normativos oficiais e uma lei. Ainda são apresentados os conceitos de
educação em saúde de Pimont, da FUNASA e da BVS.
A primeira aula teórica metodológica traz informações a respeito da clientela
(público-alvo, beneficiários, pacientes elegíveis, critérios de inclusão e de exclusão), traz
informações sobre os locais de atuação da equipe, dentro e fora do hospital, traz o
“Fluxograma EADES e USE” e o “Fluxograma EADES e Enfermarias”, traz uma lista das
rotinas diárias e o “Fluxograma Captação” com suas sub-rotinas.
A primeira aula prática metodológica é composta de duas, a inicial onde o aluno
observa o integrante da EADES realizar o processo de captação seguindo os passos descritos
no “Fluxograma Captação” e a final quando o aluno realiza o processo sozinho.
A primeira aula prática dialógica serviu como um espaço de avaliação das aulas do
primeiro dia, mas também como um espaço de discussão sobre o desenvolvimento de um
contrato de cooperação técnica entra as duas instituições envolvidas (HFB e IFF).
A segunda aula teórica epistemológica é dividida em dois assuntos: Doenças Crônicas
e Redes de Atenção à Saúde. Ela se inicia apresentando um quadro que compara algumas
variáveis entre as condições agudas e as condições crônicas. Esse quadro foi extraído da obra
“As Redes de Atenção à Saúde” de Eugênio Vilaça Mendes, resultado de uma encomenda do
Ministério da Saúde à OMS, à OPAS e ao CONASS. Em seguida são apresentados dados
referentes aos custos e gastos e perdas globais com algumas doenças crônicas também
122

extraídos da obra anteriormente referida, o “Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento


das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) no Brasil – 2011 a 2022” e dados
epidemiológicos de morbidade e mortalidade relacionados às doenças crônicas no Brasil.
Entramos na segunda metade da aula onde o assunto passa a ser sobre Redes de
Atenção à Saúde – RAS. O slide inicial traz uma nova linha do tempo que relaciona
documentos que tratam de redes; o primeiro deles é o “Dawson’s Report” que data de 1920, o
último a Portaria nº 389 de 2014. Em seguida é apresentado um quadro comparando dezoito
características entre os sistemas de saúde fragmentados e aqueles constituídos e funcionantes
através das RAS. Depois são apresentados alguns elementos constituintes das redes, tais como,
a população, a estrutura operacional, os pontos de atenção, os sistemas de apoio e a
governança. Para a apresentação de um dos pontos de atenção, a atenção terciária, utilizou-se a
Portaria nº 3.390 de 2013, que institui a Política Nacional de Atenção Hospitalar (PNHOSP) e
veio se discutindo cada artigo que se referia à RAS. Apresenta um fluxograma da rede da
criança e do adolescente, os objetivos das RAS contidos no “Manual Instrutivo da Rede de
Atenção às Urgências e Emergências no SUS”, os objetivos contidos na nota técnica do
CONASS sobre a PNHOSP, as atribuições das RAS contidas no documento digital disponível
na BVS “Linha de cuidado para a atenção integral à saúde de crianças, adolescentes e suas
famílias em situação de violências: orientação para gestores e profissionais de saúde – 2010”.
Parte-se para as informações sobre as modelagens das RAS e alguns dos slides trazem
referências a autores e obras, como por exemplo, para se falar sobre como as RAS são
modeladas através de relação de seus componentes utilizou-se Pinheiro e Martins; para falar
dos tipos de integração que acontece durante as modelagens das RAS utilizou-se a tese de
Mendes, que estudou pesquisadores norte-americanos de redes de saúde como Shortell et al., e
Todd. Outros itens sobre modelagem das RAS também foram discutidos, temos: número de
componentes, caráter de formação, por localização, por nível de complexidade e por tipo de
ligação. O assunto se encerra tratando das estratégias de construção, as regulamentadas e seus
instrumentos e as “ainda não regulamentadas”, que se dão no nível interpessoal e de maneira
espontânea.
O último slide dessa aula, a segunda aula teórica epistemológica indica a leitura do
“Bloco de Indicadores de Rede” e que seja realizada uma análise crítica da rede da região
metropolitana do Estado do Rio de Janeiro.
A segunda aula teórica metodológica apresenta o “Fluxograma Redes de Atenção à
Saúde – RAS” e suas sub-rotinas. A segunda aula prática metodológica propõe a mesma
dinâmica da primeira aula, assim como a segunda aula prática dialógica o faz.
123

A terceira aula teórica epistemológica trata inicialmente de Integralidade e de


Necessidades de Saúde para depois discutir extensamente sobre o Cuidado e a Educação em
Saúde. Sobre Integralidade os slides trazem três dimensões para a discussão: a dimensão da
organização dos serviços, citando Hartz e Contrandriopoulos; e as dimensões dos
conhecimentos e práticas dos trabalhadores e das políticas governamentais, ambas citando
Silva Jr. E Mascarenhas. Quanto às necessidades de saúde é apresentada uma taxonomia onde
os tipos de necessidades discutidos são: necessidades de boas condições de vida; necessidade
de acesso a todas as tecnologias; necessidade de ter vínculos com um profissional ou equipe; e
necessidade de autonomia e autocuidado. Ponte para a parte da aula que discutirá o Cuidado.
Inicia-se com uma passagem escrita por Dias sobre uma palestra ministrada por
Winnicott sobre a origem da palavra cuidado. Após essa genealogia introdutória, Pinheiro é
utilizada como referência para a discussão do Cuidado como valor. Depois o livro “Cuidado
baseado no relacionamento: um modelo para a transformação da prática” de Koloroutis é
utilizado para serem apresentados os tipos de relacionamentos do cuidado e as cinco
habilidades necessárias para se conseguir cuidar através do relacionamento. Quatro técnicas do
cuidado através do relacionamento que são utilizadas pela EADES são apresentadas: a técnica
da escuta, de acordo com Durães-Pereira, Novo e Armand; a técnica do diálogo, que se
encontrava apoiada em Ayres; e a técnica do reconhecimento, cujas referências foram Honneth
e Caillé.
Outros slides discutiram sobre as tecnologias leves do Cuidado defendidas por Merhy
e chamaram a atenção para que tomemos cuidado com o Cuidado, para que ele não se torne
uma mera retórica, tampouco, apenas metáfora, e mais, que de acordo com Feuerwerker e
Merhy nunca seja “institucionalizado”53.
A última parte da aula sobre o Cuidado tenta responder a seguinte pergunta: “De
quem é a responsabilidade pelo Cuidado?”, e vem mostrando que as respostas estão presentes
em “documentos oficiais” bem conhecidos de todos, a Constituição da República Federativa do
Brasil (CRFB) de 1988, a Lei nº 8.080 de 1990 e a Portaria nº 3.390 de 2013.

53
“Para Feuerwerker & Merhy (2008), a casa possibilita um novo ‘espaço de cuidado’ que ‘pode remeter a uma
identificação e proximidade do cuidador para além da função técnica e da instituição hospitalar’.” “A disputa se
faz então entre a ‘institucionalização’ da casa como um espaço de cuidado dominado pela racionalidade técnica (e
pelo predomínio das tecnologias duras e leve-duras na produção do cuidado) e a “desinstitucionalização” do
cuidado em saúde, havendo construção compartilhada do projeto terapêutico, ampliação da autonomia do
cuidador/família/usuário, ampliação da dimensão cuidadora do trabalho da equipe (e o predomínio das tecnologias
leves e leve-duras na produção do cuidado).”
124

O último assunto discutido na terceira aula teórica epistemológica foi Educação em


Saúde e se inicia com uma citação de Freire que dia que devemos “(...) reconhecer que somos
seres condicionados e não determinados. Reconhecer que a história é tempo de possibilidade e
não de determinismo, que o futuro, permita-se-me reiterar, é problemático e não inexorável”.
Em seguida apresenta o conceito de autonomia presente no Houaiss e de Costa et al; o conceito
de emancipação de Bauman; e a “Tabela Periódica das Expertises” de Harry e Collins. Entra-se
em uma sequência de slides que apresentam conceitos de Educação em Saúde definidos nas
obras de Pimont, de Freire, de Oliveira et al, da FUNASA e de Piaget, no portal da BVS e no
documento “Dicionário de Educação Profissional em Saúde” de 2008.
Os últimos slides tratam das “Pragmáticas”, que segundo o documento em análise se
referem às tecnologias, às técnicas, às pedagogias e às práticas utilizadas nos atos de se educar
em saúde, aos conteúdos discutidos nos processos, às áreas onde se atua e àqueles que são alvo
da educação em saúde da EADES.
A terceira (3ª) aula teórica metodológica, presente nos dois últimos slides, apresenta o
“Fluxograma Transferência de Cuidados” e sua sub-rotinas. Enquanto as terceiras aulas
práticas metodológica e dialógica repetem a dinâmica das aulas do turno da tarde do primeiro e
do segundo dias.
A quarta aula teórica epistemológica traz uma lista de trinta “documentos oficiais”,
entre leis, decretos, portarias, resoluções e políticas para serem discutidos durante a período da
manhã. Não existe a quarta aula teórica metodológica.
A quarta aula prática metodológica segue a mesma dinâmica que as três anteriores.
Trata-se da realização da rotina “Reunião Familiar Estruturada”, sendo a primeira vez
coordenada pelo integrante da EADES e a segunda pelo aluno. A quarta aula prática dialógica
é reservada para a avaliação final do curso.
Seguem-se mais duas análises quantitativas dos “documentos operacionais”, análises
que foram dependentes de uma prévia leitura qualitativa, sendo assim, serão apresentadas
nesse item e não no anterior.
A primeira análise mostra a quantidade de “documentos operacionais” que cada classe
funcional contém. Percebeu-se que a classe funcional que apresentou o maior número de
documentos foi a classe “Apresentações” com oito documentos, seguida das classes
“Relatórios e Planilhas” e “Protocolos e Rotinas”, ambas com sete documentos. Já, as classes
que apresentaram a menor quantidade de documentos foram a “Impressos em Geral” com dois
documentos e a classe “Folderes e Cartilhas” com três documentos. O Gráfico 13 mostra essa
distribuição.
125

Gráfico 13 – Número de “documentos operacionais” por classe funcional.

BANCO DE DADOS (INFORMAÇÕES INSERIDAS) 4

RELATÓRIOS E PLANILHAS (INFORMAÇÕES GERADAS) 7

IMPRESSOS EM GERAL 2
FOLDERES E CARTILHAS (MATERIAL INSTRUTIVO /
INFORMATIVO) 3

FLUXOGRAMAS 5

PROTOCOLOS E ROTINAS 7
APRESENTAÇÕES (REFERENCIAL TEÓRICO) 8

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9

Fonte: o autor, 2016.

A segunda análise corresponde à distribuição desses trinta e seis “documentos


operacionais” pelos anos em que foram implementados pela EADES. Observou-se que os
quatro documentos da classe “Banco de Dados” foram implementados nos dois primeiros anos
de funcionamento da EADES, 2011 (2) e 2012 (2). O Gráfico 14 nos informa sobre

Gráfico 14 – Distribuição do número de “documentos operacionais” por classe funcional


implementados nos anos 2011 a 2015.
100% APRESENTAÇÕES (REFERENCIAL TEÓRICO)
90%
1 1
80% 1 1 6 PROTOCOLOS E ROTINAS

70% 3 2
FLUXOGRAMAS
60%
50% 2
1 FOLDERES E CARTILHAS (MATERIAL
40% 2 INSTRUTIVO / INFORMATIVO)
2 2 3
30% IMPRESSOS EM GERAL
20% 3 1 2
10% RELATÓRIOS E PLANILHAS (INFORMAÇÕES
1 2 GERADAS)
0%
BANCO DE DADOS (INFORMAÇÕES
2011 2012 2013 2014 2015 INSERIDAS)

Fonte: o autor, 2016.

Outras classes de documentos que também tiveram documentos implementados em


apenas dois anos, sempre consecutivos, foram a “Impressos em Geral” com um documento
implementado nos anos de 2013 e 2014, a “Folderes e Cartilhas” com um documento
implementado no ano de 2014 e dois no ano de 2015, e a classe “Fluxogramas” com dois
documentos implementados no ano de 2014 e três documentos implementados no ano de 2015.
126

As classes “Protocolos e Rotinas” e “Apresentações” tiveram documentos implementados nos


três últimos anos analisados do trabalho da EADES; foram três documentos implementados em
2013 e dois em 2014 e também em 2015 para a primeira classe; e um documento
implementado nos anos de 2013 e 2014 com mais seis em 2015 para a segunda classe. Apenas
uma classe de “documentos operacionais” teve documentos implementados em quase todos os
anos analisados do trabalho da equipe, a classe “Relatórios e Planilhas”, com um documento
implementado nos anos 2011 e 2012, três documentos implementados no ano de 2013 e dois
no ano de 2015.
Foi possível notar que o número de documentos implementados pela EADES veio
crescendo na medida em que os anos foram passando, de três documentos nos anos de 2011
para quinze documentos no ano de 2015, um avanço em quinhentos pontos percentuais. Esse
grande salto se repete na implementação dos documentos da classe “Apresentações”, quando
se sai de um documento implementado no ano de 2014 para seis no ano seguinte, um aumento
de 600%.
Antes de passarmos para o próximo item “olhar funcionalístico” onde iremos analisar
os trinta e seis “documentos operacionais” atrás de pistas metodológicas de como fazer
desospitalização em hospital geral, três deles serão analisados mais detalhadamente.
São eles: o “Fluxograma Captação”, o “Fluxograma Redes de Atenção em Saúde –
RAS” e o “Fluxograma Cuidados”. Eles caracterizam os macroprocessos desenvolvidos pela
EADES durante o seu trabalho de acordo com os objetivos e as atribuições da equipe
constantes nos alguns “documentos operacionais” analisados. Juntos, eles organizam o fluxo
de cinquenta e uma ações e seis perguntas alternadoras de fluxo distribuídas nos vinte e três
subprocessos de trabalho da EADES.
O “Fluxograma Captação” mapeia dezoito ações distribuídas em seis subprocessos:
“Identificação”, “Triagem”, “Admissão”, “Registro”, “Monitoração” e “I Encontro Familiar
Programado”; no “Fluxograma Redes de Atenção em Saúde – RAS” são vinte e uma (21)
ações mapeadas; contra as dezesseis do “Fluxograma Cuidados”.
Alguns desses subprocessos estão presentes nos três macroprocessos, sendo o
“Registro” o subprocesso que apresenta o maior número de ações, são oito ações de registro
tanto no “Fluxograma Captação” quanto no “Fluxograma Redes de Atenção em Saúde – RAS”
e mais sete ações de registro no “Fluxograma Transferência de Cuidados”, totalizando vinte e
três ações.
Cada fluxograma dos macroprocessos do Programa de Desospitalização do HFB
possui dois pontos-iniciais e um ponto-final. Pelo menos um dos pontos-iniciais dos
127

fluxogramas se encontra inserido no subprocesso “Identificação”, no “Fluxograma Captação”


são os dois que lá se encontram. Nos outros dois fluxogramas, “Fluxograma Redes de Atenção
em Saúde – RAS” e “Fluxograma Transferência de Cuidados”, o segundo ponto-inicial se
encontra no subprocesso “I Encontro Familiar Programado”, penúltima ação do “Fluxograma
Captação”.
Sobre pontos-finais observou-se que em todos os fluxogramas eles correspondem a
uma ação no subprocesso “Registro”. O “Encaminhamento” é um subprocesso que só aparece
mapeado no “Fluxograma Redes de Atenção em Saúde – RAS” e no “Fluxograma
Transferência de Cuidados”; excetuando-se os quatro subprocessos onipresentes e o
“Encaminhamento”, temos ainda naquele os subprocessos “Estabelecimento”, “Formalização”,
“Documentação”, “Manutenção”; e nesse, o “Diagnóstico”, o “Treinamento” e o “Avaliação”.
Atrás de cada fluxograma identificou-se uma tabela contendo campos que informam
sobre de quem é a responsabilidade de cada ação, quando a mesma deve ocorrer, como deve
ser feita; da mesma forma estavam ali as diretrizes sobre o que fazer se a resposta das
perguntas fosse positiva ou negativa, que rumo tomar. Sabendo que os “documentos
operacionais” utilizados pela EADES estarão disponíveis para leitura no Anexo IV - Caderno
de Documentos Operacionais entendi que não se fazia mais necessário me estender na análise
sob o “olhar qualitativo” seguindo para o desenvolvimento do último item desse texto.

4.3 Olhar funcionalístico

Parafraseando Camargo Jr., não pretendo que a concepção metodológica desse texto
seja “normativa; (...) não me cabe (e não me parece factível) prescrever critérios fixos e
definidos de demarcação” do que venha a ser fazer desospitalização em hospital geral,
pretendo apenas encontrar pistas metodológicas presentes nos documentos operacionais
utilizados pela equipe EADES para o e a partir do desenvolvimento do seu trabalho. Nem
todos os trinta e seis documentos operacionais selecionados para análise e discussão trouxeram
essas pistas, aqueles que sim, os descreverei em seguida.
O “Censo Diário” nos dá duas dicas metodológicas: temos que o médico da
assistência de referência deve ser sempre identificado assim como o seu contato telefônico e
que o(a) paciente continua sob supervisão da equipe EADES enquanto permanecer internado
no hospital, independentemente do cumprimento do programa de desospitalização
desenvolvido pela equipe.
128

Quanto ao “Diário de Bordo” identifiquei que as novas redes de atenção à saúde


podem e devem ser feitas todos os dias e que a grande maioria das atividades desempenhadas
pela equipe EADES são comuns a todos os integrantes da equipe independente de sua
formação profissional tais como: acolhimento da família, investimento no autocuidado,
constituição de redes de atenção à saúde, etc. Outro ponto importante identificado ao analisar
esse documento foi que as equipes EADES podem sofrer mudanças diárias quanto à sua
constituição da mesma forma sobre aquilo que a equipe EADES considera como uma urgência
ou como uma prioridade.
Entretanto, quando foram analisados os documentos “Descritivo das Atribuições dos
Assistentes Sociais da EADES”; “Descritivo das Atribuições dos Enfermeiros da
EADES”; “Descritivo das Atribuições dos Técnicos de Enfermagem”; e “Descritivo das
Atribuições dos Técnicos em Assuntos Educacionais da EADES” diferenças entre as
atividades desempenhadas pelos profissionais da equipe EADES foram identificadas,
diferenças que são inerentes a cada categoria profissional. Vejamos: para os profissionais de
nível superior da Enfermagem observei que cabe aos mesmos a identificação das demandas de
cuidados diretos ao corpo no nível intradomiciliar como também a gestão dos processos de
aprendizagem em saúde dos cuidadores familiares; para os profissionais de nível médio da
Enfermagem observei que cabe aos mesmos a identificação das redes de atenção à saúde que
os usuários necessitam, sejam no nível da atenção básica, domiciliar ou hospitalar; para os
profissionais de nível superior do Serviço Social cabem exclusivamente as orientações sobre os
direitos e garantias sociais e sobre os caminhos necessários ao alcance dessas garantias;
enquanto para os profissionais de nível superior que ocupam o cargo de Técnico em Assuntos
Educacionais as tarefas exclusivas compreendem desde o acolhimento dos futuros
profissionais de saúde até a produção de eventos científicos e o desenvolvimento de novos
processos de trabalhos, de novas rotinas e de novos projetos para o hospital.
Quando analisei o “Fichário de Dados do Paciente” identifiquei as seguintes pistas
metodológicas: que as atividades de rotina são reunião interdisciplinar com família, produção
de rede de atenção à saúde – RAS, e treinamento do cuidador; que a equipe EADES
acompanha as reinternações do(a)s paciente(s) no HFB e o(s) deslocamento(s) do(s) mesmo(s)
pelas unidade de internação dentro do hospital; que existem critérios de inclusão de paciente(s)
no programa de desospitalização do HFB e motivos de saída do hospital; que devem ser
consideradas as variáveis clínicas, familiares, individuais, do ambiente domiciliar e da rede de
cuidados durante o planejamento da alta hospitalar responsável; que a equipe EADES monitora
os motivos de permanência do(a)s usuário(a)s no hospital e que eles podem ser das ordens
129

clínica-biológica, administrativa-processual, sócio-estrutural e psico-individual. Também foi


identificada uma (1) “anti-pista” que denota que o processo de construção das redes de atenção
à saúde é trabalhoso, que pode levar mais de uma semana e que nem sempre vai dar certo.
Sobre os documentos “Protocolo de Reunião com Família” e “Protocolo de
Treinamento de Cuidador(es)” detectei que ambos devem ser agendados.
Quando analisei os documentos “Folder População Geral” e “Folder Profissionais
de Saúde do Hospital Federal de Bonsucesso” identifiquei as seguintes pistas metodológicas:
que o programa de desospitalização segue os princípios e diretrizes da PNH; que a equipe
EADES tenta dar respostas às transições demográficas, epidemiológicas, econômicas e
sanitárias que vêm ocorrendo no mundo; que todos os profissionais da assistência podem
solicitar a avaliação da equipe EADES por parecer; que existe um recorte de seleção do perfil
do(a)s pacientes para a equipe EADES (pacientes com doença oncológica, pacientes a partir de
60 anos de idade; pacientes com mais de vinte (20 dias) de internação na USE; e pacientes que
precisarão de cuidados continuados após a alta hospitalar); que existem critérios de exclusão de
pacientes (pacientes ambulatoriais; pacientes graves/gravíssimos; pacientes com solicitação de
transferência no NIR; pacientes terminais e em cuidados de fim de vida); e que existe uma
quantidade máxima de pacientes sendo atendidos ao mesmo tempo pela equipe EADES, nesse
caso dezesseis.
Na análise do documento “Redes de Atenção à Saúde” identifiquei que a equipe
EADES sempre encaminha o(a)s paciente(s) para uma equipe multiprofissional de assistência
externa ao Hospital Federal de Bonsucesso; e que a equipe EADES ao final do documento
sempre propõe às equipes multiprofissionais da assistência do HFB que a alta do(a) paciente
seja dada nas segundas-feiras e nas terças-feiras no horário da manhã com vistas a garantir uma
visita domiciliar da equipe que receberá o(s) paciente(s) até no máximo nas próximas 48h após
a saída do(s) mesmo(a) do hospital.
Do “Fluxograma Captação” identifiquei que o macroprocesso "Captação" realizado
pela equipe EADES é feito a partir das conversas entre a equipe e o(a)s pacientes; entre a
equipe e o(a)s seu(s)/sua(s) acompanhante(s) na beira do leito; entre a equipe EADES e as
equipes multiprofissionais da assistência nos locais de internação; e entre a equipe EADES e
os familiares do(a)s pacientes na sala da EADES. Também identifiquei que o processo
“Captação” é composto de seis subprocessos (“Identificação”, “Triagem”, “Admissão”,
“Registro”, “Notificação” e “I Encontro Familiar Programado”).
130

Do “Fluxograma Redes de Atenção à Saúde – RAS” identifiquei que o processo


"Redes de Atenção à Saúde - RAS" é composto de nove subprocessos (“Registro”, “I Encontro
Familiar Programado”, “Identificação”, “Estabelecimento”, “Formalização”, “Documentação”,
“Encaminhamento”, “Monitoramento” e “Manutenção”); que o trabalho da equipe continua
mesmo depois da saída do(a)s paciente(s) do hospital; e que a equipe faz visita a outras equipes
da RAS fora do hospital.
Do “Fluxograma Cuidados” identifiquei que o macroprocesso "Transferência de
Cuidados" é composto de oito subprocessos (“Registro”, “I Encontro Familiar Programado”,
“Identificação”, “Diagnóstico”, “Encaminhamento”, “Treinamento”, “Avaliação” e
“Monitoramento”); e da mesma forma que no que no macro processo “Redes de Atenção à
Saúde – RAS” o trabalho da equipe continua após a saída do(a)s paciente(s) do hospital ao
entrarem em contato com o(s) cuidador(es) familiar(es) para saberem sobre sua dinâmica de
cuidados no nível intradomiciliar.
Sobre o “Documento Interdisciplinar de Apoio à Desospitalização e Educação em
Saúde – DIADES” que durante a pesquisa encontrava-se em construção percebi que
desospitalização é um processo interdisciplinar; que durante o processo desospitalização a
equipe EADES se preocupa com os insumos necessários à continuidade dos cuidados no
domicílio; que a alta deve ser planejada coletivamente e antecipadamente; que o paciente, o
cuidador, a família e a equipe EADES devem ser comunicadas sobre a data planejada para a
alta médica-clínica.
131

Quadro 8 – Relação das pistas e das anti-pistas sobre desospitalização encontradas nos documentos oficiais (continua).

ITENS PISTAS ANTI-PISTAS


As redes de atenção à saúde são construídas, pautadas pelo amor, O processo de construção de redes de atenção à saúde é trabalhoso,
pelo direito e pela solidariedade; pode levar mais de uma semana e nem sempre vai dar certo.
SUBSTITUTIVOS

Existem dois (2) grupos distintos: as redes de atenção à saúde


SERVIÇOS
REDES

primárias (cuidadores familiares, moradores do domicílio


DE

terapêutico, familiares consanguíneos e grupos sociais de


pertencimento e as redes de atenção à saúde secundárias (equipes
multiprofissionais da assistência intra e extra-hospitalar e pessoas e
equipes de outros setores.
Há recorte populacional.
PÚBLICO-ALVO
(CLIENTELA)

Dar respostas às transições demográficas, epidemiológicas,


CONSEQUÊNCIAS

econômicas e sanitárias.
OBJETIVOS
E
132

Quadro 8 – Relação das pistas e das anti-pistas sobre desospitalização encontradas nos documentos oficiais (continuação).

ITENS PISTAS ANTI-PISTAS


Desospitalização é um processo interdisciplinar;
Existem rotinas que são realizadas diariamente e outras pontualmente;
Os objetivos principais da desospitalização são três (3): a) realizar reunião
interdisciplinar com as famílias e/ou os grupos sociais; b) organizar a rede
de atenção à saúde; e c) organizar o treinamento dos cuidadores;
São realizadas conversas com o(a)s paciente(s), o(a)s acompanhante(s) e
os profissionais da assistência durante a admissão do(a)s paciente(s) no
programa de desospitalização;
O(a)s paciente(s) permanecem sob vigilância enquanto permanecerem
PROCEDIMENTOS
PROCESSOS

internados no hospital;
PRÁTICAS,

Todo(a)s o(a)s paciente(s) deve(m) ser encaminhado(a)s para uma equipe


E

de saúde de referência;
Os motivos de permanência do(a)s paciente(s) devem ser monitorados;
Devem ser acordadas com as equipes multiprofissionais da assistência
extra-hospital visitas domiciliares quando o(a)s paciente(s) em
acompanhamento receberem alta;
As reiternações devem ser monitoradas;
Devem ser verificadas se as visitas domiciliares acordadas estão sendo
realizadas;
Os cuidadores familiares devem ser acompanhados quando estiverem
prestando os cuidados no domicílio;
Podem acontecer visitas de luto.
133

Quadro 8 – Relação das pistas e das anti-pistas sobre desospitalização encontradas nos documentos oficiais (continuação).

ITENS PISTAS ANTI-PISTAS


Trabalhar junto com as equipes multiprofissionais dos setores de
internação;
Participar do desenvolvimento de novas rotinas e instrumentos de
trabalho para os setores de internação;
Servir como campo de estágio para residentes em Saúde Coletiva.
COMPETÊNCIAS

ATRIBUIÇÕES

São atribuições comuns: a) elaborar processos de trabalho; b)


identificar pacientes com perfil de atendimento; c) acompanhar
E

o(a)s paciente(s) durante todo o processo de internação; d) realizar


visitas diárias à beira do leito; e) verificar as demandas de cuidados
produzidas pelas doenças; f) identificar e organizar redes de
atenção à saúde extra-hospital;
Participar de cursos de aprimoramento e eventos científicos como
ouvinte e palestrante;
Participar de grupo de trabalho dentro e fora do hospital.
A constituição da equipe pode sofrer mudanças diárias. Falta o profissional agente administrativo;
TRABALHO)

Há dificuldade de reposição de profissionais "perdidos" e do


(FORÇA
EQUIPE

DE

incremento de outras categorias.


134

Quadro 8 – Relação das pistas e das anti-pistas sobre desospitalização encontradas nos documentos oficiais (continuação).

ITENS PISTAS ANTI-PISTAS


PRAZOS As novas redes de atenção à saúde podem ser feitas todos os dias.
Número de usuários em atendimento por mês de atendimento; Número de usuários
novos por mês de admissão; Número de usuários atendidos por sexo por mês de
admissão; Número de usuários com doença oncológica por sítio de doença; Número
de usuários com doença oncológica sem diagnóstico na internação por mês de
internação; Tempo médio de permanência hospitalar por critério de admissão;
Tempo médio de permanência em acompanhamento pela EADES por critério de
admissão; Número de usuários atendidos por município de origem; Número de
usuários atendidos por CAP de origem; Número de usuários do sexo
feminino/masculino admitidos por critério de admissão por mês; Número de
usuários com doença oncológica sem diagnóstico na internação por sexo; Número
de usuários com doença oncológica sem diagnóstico na internação por município de
origem; Número de usuários com doença oncológica sem diagnóstico na internação
AVALIAÇÃO
CONTROLE

por CAP de origem; Número de usuários em acompanhamento por sítio de doença.


Número de usuários do sexo feminino/masculino por motivo de saída por mês de
E

saída; Número de reinternações por mês de reinternação; Número de reinternações


por critério de reinternação; Número de redes estabelecidas por tipo por mês;
Tempo de internação em dias até o início do acompanhamento pela EADES de
usuários do sexo feminino/masculino admitidos por critério de admissão; Tempo de
internação em dias após o início do acompanhamento pela EADES de usuários do
sexo feminino/masculino admitidos por critério de admissão; Coeficiente de pronto-
captação (relação entre tempo em dias de internação antes e após o
acompanhamento pela EADES) de usuários do sexo feminino/masculino admitidos
por critério de admissão; Coeficiente de pronto-captação (relação entre tempo em
dias de internação antes e após o acompanhamento pela EADES) de usuários do
sexo feminino/masculino admitidos por locus de internação; Número de visitas
domiciliares; Número de visitas técnicas; Número de ações de educação em saúde;
Número de participações em eventos científicos.
135

Quadro 8 – Relação das pistas e das anti-pistas sobre desospitalização encontradas nos documentos oficiais (conclusão).

ITENS PISTAS ANTI-PISTAS


Realização de conversas com familiares e/ou comunicantes;
PARTICIPAÇÃO

CONTROLE Realização do "I Encontro Familiar Programado".


SOCIAL
E

O programa de desospitalização segue os princípios e diretrizes da


REFERÊNCIAL

PNH e da PNHOSP. Os conceitos filosóficos utilizados são: a)


TEÓRICO

LEGAL*

paralelismo de Espinosa; b) temporalidade de Sartre; c) estar entre


E

de BhaBha; d) desconstrução de Derrida; e) transversalidade,


movimento rizomárico e molecularidade de Deleuze e Gatarri.

Dar respostas às transições demográficas, epidemiológicas, Falta parque tecnológico em quantidade e qualidade adequada ao
econômicas e sanitárias. número de integrantes e às necessidades de serviço. Falta Sistema
ESTRUTURA
(RECURSOS
FÍSICOS)

de Informação.

Legenda: (*)A relação completa do arcabouço teórico-legal que substancia o trabalho da equipe EADES encontra-se no Anexo A - Arcabouço Teórico-Legal.
Fonte: o autor, 2016.
136

PARTE 2 – “AGAINST THE GRAIN”


137

5 NOTAS SOBRE A HISTÓRIA E AS ESTÓRIAS DA EADES

Materializar o campo e materializar o objeto de pesquisa no início do capítulo


que a apresenta é fundamental para o entendimento do processo de construção de
conhecimento atrelado ao fazer científico e de todas as estratégias e ferramentas
metodológicas utilizadas por mim enquanto sujeito-pesquisador. Segue abaixo um texto
historiográfico sobre a Equipe de Apoio à Desospitalização e Educação em Saúde
(EADES) e algumas das aventuras e desventuras pelas quais ela passou. As figuras 4 e
5 ilustram, respectivamente, a construção da imagem e dos discursos da equipe
EADES.

Figura 4 – Estudo para pele.

Legenda: Óleo sobre tela.


Fonte: Victor Mattina, 2015.
138

Figura 5 – PSI.

Legenda: Óleo sobre tela.


Fonte: Victor Mattina, 2015.

As alianças feitas, as resistências enfrentadas, as brechas invadidas, os espaços


ocupados, os acasos fortuitos, as perdas irreparáveis. Os erros e os acertos. Trago à
baila fatos marcantes que influenciaram direta ou indiretamente os processos de
constituição da equipe EADES, do desenvolvimento do processo de desospitalização
implementado no Hospital Federal de Bonsucesso (HFB) e da corporificação da equipe
EADES como uma entidade dentro do hospital. Claro que muitas estórias ficaram de
fora desse texto, ou por racionamento do espaço ou porque o ponto de reflexão já havia
sido alcançado por outra estória já contada.
139


5.1 De angra à penha

Era dezembro de 2009, uma terça ou quarta-feira, já não me lembro mais, eu


estava em uma fila do lado de fora da Fundação de Saúde de Angra dos Reis (FUSAR)
para receber minha cesta de Natal. Vinho, bolo, azeite, enlatados das mais diversas
categorias e um tender bolinha. Nunca tinha ganhado um tender bolinha em cestas de
Natal. Na verdade, nunca tinha ganhado uma cesta de Natal em toda a minha vida. O
sol estava forte e a fila andava lenta devido à burocracia, tínhamos, eu e minha já
falecida flatmate Madá, que apresentar o último contracheque, o crachá com foto
recente e ainda assinar em uma lista impressa que ficava nas mãos do chefe da
distribuição das cestas de Natal. A fila andava lenta e sempre que conseguíamos,
fugíamos para debaixo de alguma sombra.
Toda quinta-feira eu voltava para o Rio de Janeiro de baldeação, tomava um
ônibus de Angra até Conceição de Jacareí, depois pegava outro ônibus até Itaguaí, de lá
entrava numa van até Campo Grande, andava uma rua inteira até a estação de trem e só
então, depois de cortar grande parte das zonas oeste e norte do Rio de Janeiro chegava
no bairro do Engenho de Dentro onde eu descia, andava dois quarteirões e meio, subia
quatro lances de escada e finalmente chegava em casa, morto. Naquela quinta-feira
além das mais de três horas e meia de viagem eu carregava minha cesta de Natal e o
tender bolinha que havia congelado na véspera com medo de ele estragar na longa
viagem.
Não sei por que cargas d’água resolvi entrar no site que publicizava as listas
dos aprovados no concurso do Ministério da Saúde (MS) do ano de 2005 e atualizar
meu cadastro. Meu endereço de contato já não era mais o mesmo há pelo menos dois
anos, já havia saído de Botafogo, passado pelo Maracanã, Camorim, até chegar àquela
rua que fica atrás do supermercado Guanabara no Engenho de Dentro, a rua do SESC.
Conexões cósmicas, sexto-sentido, premonição, chamem como quiser, em menos de
uma semana depois me chega em casa um telegrama de Brasília me convocando para
tomar posse como enfermeiro do MS. Fui ao Núcleo do Estado do Rio de Janeiro
(NERJ) na data marcada, levei os ‘quinhentos’ documentos pedidos, incluindo aí os
resultados dos exames de fezes, o laudo do raio X de tórax, as provas sorológicas de
imunidade para hepatites, aids e sífilis entre tantos outros que já não me lembro mais.
Ao mesmo tempo em que eu queria tomar posse eu não queria pois era preciso que
140

algum detalhe do imenso processo burocrático desse errado, caso contrário eu iria ter
que abortar a ideia de subir para Araras e ficar de boréstia os primeiros quinze dias do
ano novo que se aproximava. E deu: o meu esquema de vacinação contra hepatite B
não havia soro convertido e com isso a médica do exame admissional me pediu para
repeti-lo o depois levá-lo para ela novamente. Eu ganhei o tempo que precisava.
Refiz o exame e o resultado foi o mesmo, nada de soro conversão. A médica
deixou passar, mas me fez prometê-la refazer o esquema da vacina. Segui então para a
escolha do campo de trabalho. Na época do concurso eu tinha optado por unidades
hospitalares que não tivessem emergência de portas aberta, mas na hora de tomar posse
não pude escolher, ou ficava no Serviço de Atenção Domiciliar (SAD) ou estava fora,
pois era a única vaga que tinha. A coordenação do SAD ficava no NERJ na Rua
México 128, Centro do Rio de Janeiro, mas eu não trabalharia ali no NERJ. Eu faria
parte da equipe do HFB, uma unidade com emergência de portas abertas, cuja base
operacional se encontrava em uma sala insalubre emprestada pela Coordenação de
Área Programática 3.1 (CAP 3.1)54 no bairro da Penha. Antes, porém, fui encaminhado
para uma semana de treinamento com a equipe do Hospital Federal do Andaraí (HFA),
outra unidade com emergência de portas abertas.
Ao chegar à base da Penha descobri que apenas eu e mais duas meninas (uma
técnica de Enfermagem e uma psicóloga) éramos os únicos profissionais vindos do
concurso de 2005 que haviam entrado no serviço, os únicos concursados em um ‘mar’
de contratados com vinculação CLT. Lá imperava a cultura gerencial ‘neo-neoliberal’55

54
O documento que deu origem ao Serviço de Atenção Domiciliar do Hospital Federal de Bonsucesso
foi o Termo de Cooperação 01/2006 assinado pelos então Secretário de Atenção à Saúde do Ministério
da Saúde, José Gomes Temporão e o Secretário Municipal de Saúde do Rio de Janeiro no dia 07 de abril
de 2006. Constituiu-se objeto do documento a implantação de Programa Piloto de Atenção Domiciliar no
Município do Rio de Janeiro, especificamente na Área Programática 3.1 cujo objetivo era o de promover
a Atenção Domiciliar em consonância com a resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(ANVISA) RDC nº11 de 26 de janeiro de 2006. Cabia ao Município do Rio de Janeiro sediar os
profissionais, garantir os medicamentos, encaminhar relatórios mensais de produção e de indicadores e
participar da coordenação. Ao Ministério, todo o resto: disponibilizar profissionais, veículos e
combustíveis, fornecer insumos em geral, desenvolver protocolos terapêuticos, promover diretrizes
assistenciais, oferecer capacitações e também, participar da coordenação.
55
A Professora Sulamis Dain ao proferir palestra em aula inaugural do Instituto de Medicina Social
(IMS) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) em 18 de março de 2015 sobre
financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS) classificou o movimento de incorporação de algumas
práticas de gestão da esfera privada pelos gestores da esfera pública como um movimento “neo-
neoliberal”. Como se estivéssemos vivendo uma segunda onda neoliberal. A primeira se reflete nas
práticas das privatizações e terceirizações, a esfera privada vendendo serviço para a esfera pública. A
onda “neo-neoliberal” passa a acontecer na esfera pública dentro dela mesma; o discurso e as práticas
voltadas para a produtividade, as metas, os bônus, os accountabilities, etc. O sociólogo Chistian Laval
em entrevista à Leonardo Cazes no jornal O Globo em virtude do lançamento da sua obra em parceria
141

das metas a bater e da avaliação de desempenho, éramos obrigados a realizar seis, e não
menos que seis visitas domiciliares por dia de trabalho. Tínhamos hora para sair, mas
não tínhamos para voltar, muitas vezes as trinta horas semanais viravam quarenta horas
ou mais. E a líder da base não perdoava se as metas não fossem batidas dia-a-dia,
semana-a-semana. Acima dela encontrava-se o coordenador: um rapaz que estava
cursando a faculdade de administração e que prestava serviço para uma firma que
prestava serviço para o NERJ. Eu era um concursado liderado por uma contratada
coordenada por um terceirizado. Diante de tanto assédio moral tratei de convencer meu
pai a fazer a sua cirurgia de hérnia inguinal, além da necessidade real da cirurgia, meu
pai há décadas vivia reclamando de dor e arrastando a sua perna direita ao andar, seria
uma boa estratégia de eu ficar alguns bons dias longe daquele lugar. O alívio durou
apenas quinze dias e eu depois não teve jeito, tive que voltar a trabalhar. Por estar em
estágio probatório, usaram e abusaram de mim.
Nas semanas seguintes me apareceu uma lombociatalgia desesperadora, e
nesse ínterim, semana sim, semana não, em casa de licença eu tinha que ficar.
Infelizmente a dor era muito forte e foi preciso que eu fizesse um exame de imagem.
Descobri que as dores e a sensação de que um ovo tinha sido colocado sob meu glúteo
direito não eram apenas de fundo psíquico, entre minhas vértebras L4 e L5 e S1 havia
hérnias discais medianas, as razões de tanta dor e de tanto alívio, pois elas se tornaram
minha chave escapatória quando não conseguia mais suportar as pressões do trabalho
no SAD.

5.2 Os espaços de atuação e a constituição da equipe

Em fevereiro de 2010, depois de anos em obras, a sala do SAD localizada


dentro do HFB ficou pronta e toda a equipe e os todos os móveis se mudaram
definitivamente para lá. O espaço que tínhamos na Penha se reduziu à terça parte e as
cobranças de produtividade também ficaram menores. Já estávamos autorizados a
voltar para a base na hora certa do encerramento do expediente (17h)
independentemente do cumprimento daquela meta inicial. À equipe do SAD do HFB

com o filósofo Pierre Dardot parece reafirmar o que Dain colocou para a plenária naquela aula inaugural.
Segundo ele, “um sinal de que a racionalidade neoliberal avança é a extensão, na linguagem corrente e
na cultura, do léxico empresarial e da gestão”. Disponível em:
http://oglobo.globo.com/cultura/livros/crise-de-2008-reforcou-neoliberalismo-dizem-pensadores-
franceses-19094283 . Acesso em: 16 de abril de 2016.
142

cabia a cobertura de toda a baixada fluminense, da toda zona oeste e da parte da zona
norte que margeia a Avenida Brasil, chegávamos a fazer mais de oitenta quilômetros
por dia nos deslocando por grandes vias de tráfego pesado e entre as ruelas e becos das
comunidades até então não pacificadas.
A nossa líder que era uma enfermeira recém-formada engravidou no decorrer
daquele ano e se tornou uma pessoa mais sensível e mais flexível, não sei se por causa
da gravidez ou por causa das inúmeras vezes em que ela precisava se atrasar ou mais
cedo sair, por estar passando mal ou para ir ao pré-natal. Enquanto o ano corria,
corriam boatos de que a Secretaria Municipal de Saúde da Cidade do Rio de Janeiro
(SMS RIO) iria implantar um serviço parecido com o nosso, o que de fato ocorreu. De
uma hora para outra 90% dos funcionários contratados do SAD dos hospitais federais
rescindiram seus contratos e foram imediatamente aproveitados pelo serviço de atenção
domiciliar da Prefeitura do Rio de Janeiro, o Programa de Atenção Domiciliar do Idoso
(PADI), inclusive toda a coordenação central. À época esse foi um processo
administrativo que ocorrera por debaixo dos panos e de nossos próprios narizes sem
nenhuma publicidade e transparência. Dos vinte e oito profissionais de saúde que
compunham a base do HFB apenas eu e mais seis continuamos lá. De fato, apenas nós
seis e os motoristas de uma firma contratada pelo NERJ que sempre atrasava seus
pagamentos. E quando isso acontecia nos víamos obrigados a andar pelos bairros mais
quentes do Rio de Janeiro com o ar condicionado do carro desligado, pois a obrigação
do abastecimento dos veículos era dos motoristas que sem seus salários precisavam
economizar.
O ano de 2010 avançou assim com a gravidez da líder, e ela, antes do final do
ano, se viu obrigada a tirar sua licença maternidade. Os profissionais da base do HFB
não podendo ficar sem uma liderança me pressionaram a assumir essa posição, segundo
eles era melhor que alguém de dentro da própria equipe assumisse a liderança ao invés
de um estranho qualquer de viesse de fora ocupasse esse lugar. Aceitei o desafio
pensando apenas na equipe pois não haviam encargos compatíveis às reponsabilidades
do cargo que eu iria ocupar.
Nos apoiávamos em duas bases legais, uma Resolução da ANVISA56 e uma
Portaria da SAS57, ambas de 2006. Com a saída da antiga coordenação central do SAD

56
Resolução da Diretoria Colegiada – ANVISA – RDC nº 11 de 26 de janeiro de 2006.
57
Portaria – GM/MS – nº 2.520 de 19 de outubro de 2006.
143

no NERJ, o cargo foi ocupado por duas mulheres interinamente. Com a drástica
redução no número dos profissionais e a contínua procura dos pacientes pelo serviço
decidimos que seria uma boa estratégia os líderes se reunirem uma vez por semana para
tratar de assuntos operacionais, angariar ajudas e solucionar os problemas do dia-a-dia.
Chegamos a pensar um constituir uma Câmara Técnica (CT), inclusive instituída por
portaria ministerial, mas a CT não vingou.

5.3 Do SAD ao SADES

Quando foi agosto de 2011, o Ministério da Saúde publicou uma nova


Portaria58 instituindo a Atenção Domiciliar (AD) no SUS em substituição ao modelo de
internação domiciliar até então vigente. Essa Portaria veio a ser substituída por outra
Portaria59 dois meses depois, entretanto, independentemente do seu curtíssimo tempo
de vida, sua vigência foi o suficiente para fazer o curso da história do SAD do HFB
radicalmente mudar. Em seu Artigo 37, mais precisamente no Parágrafo Único desse
artigo, o Ministério da Saúde, decreta o fim da oferta dessa modalidade de serviço
pelos Hospitais e Institutos Federais, já que o cadastro de novos SAD passou a ser de
exclusividade das Unidades de Saúde cujas mantenedoras fossem as Secretarias
Municipais de Saúde (SMS), as Secretarias Estaduais de Saúde (SES), ou do Distrito
Federal (DF). E no bojo, as transferências de recursos para o financiamento dos
Serviços de Atenção Domiciliar fundo a fundo, Fundo Nacional de Saúde (FNS) para
Fundo Estadual de Saúde (FES), FNS para Fundo Municipal de Saúde (FMS), FNS
para Fundo Distrital de Saúde (FDS).
Não é possível definir com precisão a data em que fomos, nós, os líderes dos
SAD, convocados pelo então Coordenador do Departamento de Gestão Hospitalar
(DGH) que em um pronunciamento curto e grosso decretou que a partir daquele
momento o nosso serviço seria o Serviço de Apoio à Desospitalização (SADES), assim
como o fim da coordenação do SAD no nível central. Também seriam cortados o
serviço de transporte e o financiamento que vinha do MS especialmente para isso. As
equipes que até então estavam lotadas no DGH teriam sua matrícula transferida para os
Departamentos de Recursos Humanos (DRH) dos respectivos hospitais e os gestores

58
Portaria – GM/MS – nº 2.029 de 24 de agosto de 2011.
59
Portaria – GM/MS – nº 2.527 de 27 de outubro de 2011.
144

teriam liberdade para criarem o SADES que quisessem ou para reaproveitarem os


profissionais nos serviços já existentes.
Dada a situação lembro-me que ouve uma reunião na sala de reuniões da
Divisão Médico Assistencial (DIMEA) do HFB onde estiveram presentes todos os
profissionais remanescentes do já antigo SAD, a chefia do Núcleo Interno de
Regulação (NIR), local que foi definido como o lugar de acolhimento da equipe, a
diretora da DIMEA e sua assessora, o vice-diretor e com certeza algumas outras
pessoas, todas ocupantes de cargos estratégicos no hospital. Nessa reunião, além da
definição da lotação dos profissionais, tratou-se, e aí eu me lembro muito bem, de um
grande problema: não tínhamos mais carros nem motoristas, mas ainda tínhamos em
torno de uns cinquenta pacientes em acompanhamento. O que fazer e como agir? Os
profissionais do novo SADES reivindicaram a manutenção das visitas domiciliares a
estes pacientes e suas famílias, mas as pessoas ocupantes de cargos estratégicos no
hospital foram irrefutáveis e taxativas: vocês deverão dar alta a todos e encaminhá-los
aos seus municípios de origem. A equipe ainda tentou argumentar e de tanto insistir
conseguiu pelo menos garantir as visitas domiciliares até que os pacientes tivessem
sido absorvidos pelos seus respectivos municípios.
As visitas de despedida eram tristes. Algumas famílias recebiam as notícias de
encerramento do serviço com reconhecimento e gratidão e outras sob protesto. Um
descalabro o fato de que muitos pacientes receberam alta por telefone. Acredito que
esse momento era difícil para ambos os lados e para todos os envolvidos. Alguns
pacientes continuam conosco até hoje, sem visita domiciliar, mas em relação de vínculo
e confiança sempre que um novo processo de hospitalização e de desospitalização se dá
em nossas vidas. Na época, todas as altas possíveis foram dadas. Mas para aqueles
pacientes com doenças neurológicas degenerativas avançadas e em progressão,
acamados e totalmente dependentes, não conseguimos dar. A quantidade girava em
torno de quinze pacientes e todos eram moradores da Cidade do Rio de Janeiro, outro
ponto de convergência entre eles era o fato de quem nenhum tinha acesso aos
neurologistas da rede municipal, pelo menos era essa a resposta que recebíamos quando
tentávamos encaminhar os pacientes para sua rede de saúde de referência.
Diante da dificuldade encontrada junto à rede e sob a pressão da direção do
hospital nos vimos obrigados a bater na porta do outro ente federado e pedir ajuda.
Marcou-se uma reunião com a Coordenação do Programa da Saúde do Idoso da
Prefeitura do Rio e eu e mais dois profissionais do SADES nos deslocamos numa tarde
145

para o Centro Administrativo São Sebastião (CASS) que também é conhecido como
“Piranhão” na tentativa de traçarmos em conjunto estratégias sobre como se dariam as
transferências de cuidados dos pacientes neuropatas entre o antigo SAD do HFB e o
PADI da rede municipal do Rio de Janeiro. Esse processo de transferência não se deu
de maneira rápida, o ano mudou e os últimos pacientes só receberam alta depois do
Carnaval.

5.4 Desenhando o novo serviço

Posso dizer que essa foi a primeira visita técnica da equipe, e o começo do
desenho de um dos três macroprocessos desempenhados hoje pela equipe EADES no
hospital: “Redes de Atenção à Saúde – RAS”. Esse nosso movimento foi reconhecido
como legítimo e válido, mas junto aos elogios recebemos um puxão de orelha da chefe
do NIR, nossa chefe. Segundo ela, nós não poderíamos nunca ter nos deslocado para
outra instituição de saúde sem os prévios conhecimento e endosso da direção, nós não
poderíamos representar o hospital sem uma autorização superior.
Chegou um momento em que não tínhamos mais pacientes, éramos sete
profissionais sem ter o que fazer. A diretora da DIMEA à época nos sugeriu que
iniciássemos o nosso trabalho de desospitalização pelos pacientes que mais
impactavam a emergência do hospital, setor que era (e ainda é) alvo constante de
críticas e matérias pejorativas na mídia e de processos de judicialização. O perfil dos
pacientes que mais impactavam a emergência foi percebido como sendo o dos
pacientes com doença oncológica avançada, muitos deles sem qualquer diagnóstico e
tantos outros sem possibilidade de tratamento e cura.
No início a nossa única ferramenta de trabalho era uma folha pautada onde
registrávamos o nome do paciente, o número do seu prontuário e o local de sua
internação, se na enfermaria feminina ou na enfermaria masculina da Unidade de
Suporte de Emergência (USE), mais o número do leito. No restante da folha nos
limitávamos a transcrever a última evolução médica que poderia ter sido feita naquele
mesmo dia, no dia anterior, há dois dias atrás, ou até mais; esse contexto em que
pacientes ficam sem visita médica na USE pode ser vivenciado até os dias de hoje e
com certa frequência. Informações sobre feridas e curativos entre outras eram colhidas
dos registros do(a)s enfermeiro(a)s e também anotadas na folha pautada. E sempre
quando as linhas impressas se esgotavam uma outra folha era grampeada à primeira ou
146

usávamos o verso, os cantos e as margens para escrever. A maioria dos pacientes eram
escolhidos por nós a partir de uma seleção feita previamente no censo da USE; outras
vezes recebíamos sugestões de pacientes diretamente da nossa chefia. E todos os dias,
no final da tarde, sempre a partir das 17h, após o movimento do NIR diminuir,
sentávamos com a nossa chefe e passávamos caso a caso, os resultados alcançados, as
dificuldades que havíamos encontrado e as soluções que tinham dado certo. Depois,
juntos traçávamos os planos das ações para o dia seguinte. Cabiam a nós como tarefas
saber em que ponto(s) do processo de internação dos pacientes se encontrava(m) os
problemas que paralisavam outros pontos do processo de internação (diagnóstico,
tratamento, cura), tais como: a) pareceres que não foram respondidos que na verdade
nem haviam sido pedidos apenas anotados como tal no campo das evoluções médicas
destinado às condutas; b) laudos de resultados de biópsias prontos há semanas que
continuavam sendo aguardados; c) gastrostomias suspensas por falta de assinatura do
responsável familiar no termo de ciência; d) o início de um novo ciclo de
antibioticoterapia porque o paciente não respondeu ao primeiro ou porque somente
depois que vem o resultado de alguma cultura com antibiograma é que se descobre a
droga mais indicada; e) a recusa da família em aceitar a transferência do seu familiar
para outra unidade hospitalar por ser mais distante que sua casa; entre muitos outros
motivos. Inclusive cogitou-se que os enfermeiros da EADES fossem os responsáveis
pelos treinamentos dos cuidadores e chegamos a reunir material impresso educativo
(folders, cartazes e cartilhas) sobre cada tipo de cuidado (gastrostomia, colostomia,
traqueostomia, feridas, etc.) e a montar uma caixa com kits de materiais para o
treinamento (seringa de 50 ml, gases e soro para o treinamento dos cuidados com a
gastrostomia, gases, soro e cadarço para o treinamento dos cuidados com a
traqueostomia, etc.), mas essa ideia foi abortada pois não fazia sentido sermos nós
enfermeiros da equipe EADES os treinadores dos cuidadores familiares visto que não
éramos nós aqueles que realizavam os cuidados diariamente.

5.5 O que é a EADES?

Por falar em EADES, também é impossível precisar a data exata quando foi
decidido que não mais seríamos o Serviço de Apoio à Desospitalização, e sim a Equipe
de Apoio à Desospitalização e Educação em Saúde. Nem a data exata, nem o local
exato e nem na presença de quem. Sei que a ideia da mudança do nome partiu de mim,
147

eu tinha uma certa implicância com o SADES pois me remetia à nome de desinfetante
com cheiro de eucalipto bem forte e bem ruim. Com certeza eu me utilizei de outros
argumentos que não o anteriormente citado, pois realmente não fazia sentido sermos
chamados de serviço já que éramos uma equipe desenvolvendo certas atividades dentro
do NIR. Também contava a favor de todos esses argumentos o momento evolutivo em
que se encontrava o nosso fazer, ainda estávamos no comecinho, tateando às cegas os
caminhos a seguir, decidindo o que fazer durante o próprio fazer. Agora, o porquê da
expressão “Educação em Saúde” ter sido incluída no nome corre o grande risco de ter
sido apenas para que todas as letras da sigla EADES tivessem uma palavra
correspondente. E só depois terem sido criadas explicações lógicas como ‘não será
possível fazer desospitalização se não educarmos os cuidadores familiares para a
realização dos cuidados e os próprios pacientes para o autocuidado’. E tudo acabou
fazendo sentido. Tanto sentido que quando propus a criação do Núcleo de Apoio à
Desospitalização e Educação em Saúde (NADES) durante a reunião de apresentação da
EADES para a nova direção da DIMEA ouvimos da chefe do planejamento que não
seria uma boa ideia mudar de nome pois o nome EADES já tinha “pegado”, já estava
“na boca das pessoas”, já era “conhecido de todos”.
Aconteceu em um dos nossos atendimentos quando nos deparamos com a
seguinte situação: o paciente era jovem, ainda não tinha chegado aos cinquenta anos de
idade, tinha um câncer avançado de intestino que obstruída todo o percurso intestinal,
estava lúcido, deambulava, e queria morrer em casa. Quando ouvimos esse pedido do
paciente, ele se encontrava em uma maca de metal brilhante, asséptica, dura, reta e fria.
Ele tinha uma gastrostomia, ele tinha uma colostomia, ele tinha um cateter nasoenteral.
Ele sabia do seu estado terminal. Ele queria morrer em casa. Durante uns três dias, nós
da equipe EADES tentamos garantir o seu último desejo e fomos conversar com a
equipe médica do ambulatório de oncologia do hospital. Sem sucesso. Interpelações
como: ‘Quem vai garantir a analgesia dele em casa?’ Ou: ‘E como vamos nutri-lo se
ele não pode comer?’ Cheguei a propor usar a gastrostomia como local para
administração de medicamentos, mas nenhum médico queria comprar essa ‘briga’ junto
com a equipe EADES. E já que o destino traçado para o paciente era morrer em cima
de uma maca de metal brilhante, asséptica, dura, reta e fria, sozinho, longe da sua
família, propusemos deixá-lo pelo menos sentir o prazer da alimentação, poderíamos
oferecer uma dieta líquida e depois drená-la pela gastrostomia. Não, não e não. A todas
as nossas proposições a resposta era não. Na segunda-feira não tinha mais paciente.
148

Esse caso clássico de insucesso nos levou a produzir dois novos documentos de
trabalho: a) o “Relatório Situacional Semanal” onde fazíamos um breve relato do caso,
e informávamos a data e motivo da internação, as ações desempenhadas pela equipe
EADES e as dificuldades encontradas durante o processo de desospitalização, e os
motivos de permanência dos pacientes no hospital; e b) O primeiro “Estudo de Caso”
que seguia toda uma metodologia própria e era apresentado na forma de uma planilha.
Os relatórios eram produzidos todas as sextas-feiras e encaminhados para o e-mail da
diretora da DIMEA que passava os finais de semana ligando para os chefes de serviço e
solucionando todos os problemas que emperravam os processos de desospitalização dos
pacientes indicados por nós. Todas as segundas-feiras no meio da manhã eu passava na
sala da diretora da DIMEA e ela sentada na sua mesinha abarrotada de papéis, de
documentos, de processos, de bilhetes, de lembretes. Inclusive ela tinha colado na
parede um papel tamanho A4 com o meu nome escrito em letras garrafais e todos os
meus telefones pessoal e profissionais. Eu sentava em frente a ela que pedia café e
água. Ela terminava o que estava fazendo, seja lendo, escrevendo, telefonando, e já
pegava os relatórios que havíamos enviado na sexta-feira à tardinha por e-mail, todos
impressos e rabiscados, e ia caso a caso me dando as informações sobre as soluções e
decisões tomadas por ela junto aos chefes dos serviços. Poucos eram os problemas que
ela não conseguia resolver.

5.6 Adquirindo novos conhecimentos

Considerando o perfil dos pacientes atendidos pela equipe EADES, ou seja,


os pacientes com doença oncológica, recebemos, eu e as outras duas concursadas, o
direito obrigatório de participar de um período de três meses (junho, julho e agosto) de
capacitação em cuidados paliativos no Hospital do Câncer IV (HCIV) do Instituto
Nacional do Câncer (INCA) em Vila Isabel. Essa oportunidade de aprendizado se deu
porque estava sendo pensado por algumas pessoas ocupantes de cargos estratégicos no
hospital nos capacitar para que pudéssemos montar e assumir um ambulatório de
cuidados paliativos no HFB trabalhando complementarmente ao ambulatório de
oncologia curativa do hospital, inclusive no mesmo prédio e no mesmo pavimento. Nós
três concursados cumpriríamos parte da nossa carga horária no HCIV do INCA e um
dia na semana, preferencialmente às segundas-feiras, no HFB. Nos reuníamos com o
restante da equipe e nossa chefe imediata para ensinar tudo que tínhamos aprendido na
149

semana anterior. Duas foram as justificativas para que somente os concursados


tivessem o direito à oportunidade de aprimoramento e crescimento profissional. A
primeira justificativa se sustentava na impossibilidade de interromper a oferta do
serviço que a equipe já vinha desempenhando na USE, os pacientes com perfil para a
equipe continuavam na sua grande maioria sendo os “vilões” da emergência, aqueles
pacientes que ninguém queria por serem os responsáveis pela impactação dos leitos, era
preciso que, no mínimo, parte dos profissionais da equipe EADES ficasse trabalhando
no HFB. A segunda justificativa se apoiava no discurso de que o investimento que seria
realizado pelo hospital na capacitação dos seus profissionais e a expertise adquirida por
eles deveriam ser incorporados como recursos do HFB, e como teoricamente os
concursados fariam carreira no serviço público, esses conhecimento e expertise não
escapariam ao alcance e controle do Ministério da Saúde, caso contrário correr-se-ia o
risco deles se perderem quando os contratados fossem embora.
O que não demorou muito a acontecer. Foi no segundo semestre de 2012. A
primeira contratada a sair da equipe EADES foi uma enfermeira que havia passado no
concurso da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro e preferiu a matrícula pública a um
contrato temporário com a União, também haviam questões de incompatibilidade de
horário e de acúmulo de matrícula, ela também era servidora da Município de Duque
de Caxias. A segunda contratada a sair foi outra enfermeira, mas apesar do motivo,
mesmo tendo a ver com acumulação de cargos, foi outro. Na época, meados de 2013, o
Tribunal de Contas da União (TCU) em cumprimento ao Acórdão TCU nº 2.133/200560
realizou no Brasil uma “caça às bruxas”, e é por essa razão que a equipe EADES
perdeu sua segunda profissional contratada. O ano de 2013 avança, e com a mudança
do governo mudam-se também as pessoas ocupantes dos cargos estratégicos no
hospital, o diretor geral é novo, a diretoria da DIMEA também é nova, e até nossa
chefe imediata é substituída por outra. Com isso outra profissional, dessa vez, uma
concursada, sai da equipe EADES e vai para o serviço de Psicologia do hospital.
Éramos sete profissionais no início e agora apenas quatro, sendo dois profissionais
concursados e dois contratados. O ano de 2013 avança mais e em novembro é

60
O Acórdão TCU nº 2.133/2005 firmou o entendimento de que o servidor submetido a dois ou mais
regimes de serviço que excedam a sessenta (60) horas semanais, fica impossibilitado de cumprir de
maneira legal e lícita os seus deveres funcionais.
150

publicada uma Portaria Interministerial61 autorizando a contratação imediata de mais de


mil e quinhentos profissionais de saúde para atuarem nos hospitais e institutos federais.
Um dado importante era que os profissionais com contrato ativo deveriam realizar a
inscrição até o dia 26 de novembro caso quisessem ter seu contrato renovado. A
assistente social da equipe EADES que era contratada ficou na dúvida se queria ou não
continuar trabalhando conosco, perdeu o prazo que era curtíssimo e não se inscreveu.
Com isso, assim que o contrato dela terminou, em meados de fevereiro de 2014, a
equipe EADES ficou sem mais um integrante. Agora, éramos apenas três profissionais,
todos da Enfermagem.
Um fato relevante na história da EADES aconteceu em outubro de 2013,
depois de um longuíssimo processo, após idas e vindas, minha matrícula e da técnica de
Enfermagem finalmente foram transferidas para o hospital. No entendimento dos
profissionais do DRH do HFB por sermos da Enfermagem deveríamos ser lotados
naquela divisão e fomos encaminhados para lá. A diretora da Divisão de Enfermagem
(DIENF) (re)conhecendo o nosso trabalho, estrategicamente nos recusou e levou os
nossos documentos de lotação para a DIMEA. Segundo essa diretora de Enfermagem
caso ela nos lotasse na DIENF sempre que um serviço de assistência por qualquer
motivo estivesse carente de profissionais ela seria obrigada a nos deslocar das
atividades da EADES para as atividades dos serviços necessitados. E como estávamos
trabalhando dentro do NIR que dentro do organograma do hospital se encontra sob a
responsabilidade daquela divisão (DIMEA), seria de responsabilidade da diretora dessa
decisão decidir o nosso local de lotação, e não dela.

5.7 Encontrando parceiros e ‘marqueteando’

Pairava no ar uma sensação de que estávamos chegando perto do fim, que a


equipe iria acabar, perdemos muitos bons profissionais e não tínhamos promessas de
quando e se algum dia receberíamos novos no lugar. Nós quatro remanescentes
partimos para pensar que estratégias e caminhos metodológicos deveríamos seguir para
conseguir manter o serviço de desospitalização nos moldes que estávamos

61
A Portaria Interministerial (Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e Ministério da Saúde) nº
434 de 11 de novembro de 2013 autorizou o Ministério da Saúde a contratar mil quinhentos e setenta e
oito (1.578) profissionais, por tempo determinado, para atender necessidade temporária de excepcional
interesse público.
151

desenvolvendo. Nossa antiga chefe direta estava agora assessorando a diretora da


DIMEA e virava e mexia passávamos por lá, tomávamos um café, ou batíamos um
simples papo nos corredores do andar onde ela trabalhava. Mas precisávamos de
encontrar mais aliados entre as pessoas que agora estavam ocupando os cargos
estratégicos do hospital. O vice-diretor, que ocupava o mesmo cargo na gestão anterior,
era um grande aliado da equipe EADES. E ele ocupava um cargo hierarquicamente
superior ao da diretora da DIMEA. Sobretudo era um defensor da Política Nacional de
Humanização (PNH) e dos seus princípios e diretrizes, atuante e militante dessa forma
de fazer saúde diferente e fazer diferente na Saúde.
Entrei em sua saleta já eram mais de 16h de uma sexta-feira relativamente
calma no hospital, nessa hora muitos pacientes já foram de alta para suas casas, muitos
servidores já encerraram seus expedientes e raro seria encontrar as pessoas ocupantes
dos cargos estratégicos ainda trabalhando, salvo em situações problemáticas inadiáveis
de intervenção. Além desse vice-diretor ser uma pessoa sempre presente e acessível, ele
(re)conhecia nosso trabalho e o valor que ele tinha para o hospital, e respeitava nossa
maneira de trabalhar. Sentei-me à sua frente e me coloquei a falar com tom de
indignação, que estavam querendo que a gente ficasse convencendo as famílias a levar
seus pacientes para casa de qualquer jeito, que estavam confundindo o trabalho da
EADES com tirar o paciente do hospital, que não tínhamos nada a ver com leitos, com
rodar leitos, com esvaziar leitos. E pedi a sua intervenção a nosso favor. Ele me ouviu
até o fim, pegou um livro fotocopiado e fixado em espiral todo rabiscado e marcado e
pôs-se a lê-lo em alto tom; era um dos cadernos da PNH e ele ia lendo de página em
página os princípios da política e perguntando se quando a EADES estava trabalhando
ela não estava cumprindo aqueles princípios. E eu respondendo positivamente. No final
de sua exposição interrogativa ele terminou afirmando que o que a EADES fazia,
então, era humanização e se comprometeu em intervir a nosso favor.
Sempre que um novo gestor chegava no hospital a equipe EADES era
chamada para explicar seu trabalho e desconstruir a ideia de que desospitalização era
sinônimo de tirar o(a)s pacientes do hospital ou de rotatividade de leitos. Tirar o
paciente do hospital é papel da família do mesmo enquanto rotatividade dos leitos é
papel das equipes multiprofissionais da assistência e do NIR ao realizarem seu trabalho
com competência e resolutividade. E nós da equipe EADES já estávamos muito mais
preocupados era como essa saída do hospital iria se dar. Estávamos mais preocupados
era com a antecipação dos treinamentos dos cuidadores familiares, com o acolhimento
152

das famílias e dos comunicantes dos pacientes, com a identificação de uma equipe de
assistência à saúde externa ao HFB pudesse fazer visitas domiciliares aos pacientes por
nós encaminhados, com as orientações corretas sobre os direitos, sobre as garantias
sociais e sobre os sistemas de saúde, seu funcionamento e seus trâmites burocráticos,
etc.
Dessa vez não foi diferente. Marcamos uma reunião na sala de reuniões da
DIMEA para definirmos o futuro da EADES, nós os integrantes, a nossa nova chefe
imediata, a diretora da DIMEA e sua assessora, o vice-diretor e a chefe do
planejamento. Tudo continuou como antes, continuamos lotados no NIR e tivemos
nossos objetivos e nossas metodologias de trabalho, a precariedade do parque
tecnológico disponível para uso da equipe EADES e a quantidade insuficiente de
profissionais na equipe, também permaneceram e sem promessas de solução. Inclusive
também não conseguimos retomar a rotina de envio dos relatórios sobre os processos
de desospitalização dos pacientes acompanhados pela equipe EADES como fazíamos.
Em 15 de maio de 2014 a equipe EADES participou como apresentadora de
trabalho da I Mostra Científica da Enfermagem durante as comemorações da 75ª
Semana de Enfermagem do HFB. O tema do evento daquele ano era “O Protagonismo
da Enfermagem no Processo de Cuidar” e essa seria a primeira apresentação público-
científica sobre o trabalho que a equipe há três anos vinha desenvolvendo dentro do
hospital. Para participar do evento deveríamos ter feito uma inscrição e enviado um
resumo do trabalho nos moldes contidos no edital, entretanto, quando decidimos
participar, a data limite para a realização das inscrições havia passado há mais de uma
semana e nós nem tínhamos o resumo do trabalho conforme solicitado pelo edital.
Liguei para a sala da Educação Continuada de Enfermagem pedindo para participar,
mas a pessoa que me atendeu se limitou a repetir que o prazo para o envio dos
trabalhos havia expirado há tempos. Não me fiz de rogado e bati na porta da sala da
Educação Continuada de Enfermagem para tentar pessoalmente, olho-no-olho, incluir a
apresentação sobre o trabalho desenvolvido pela equipe EADES no evento. Consegui
pelo menos que a comissão organizadora levasse o meu caso para discussão e na
semana seguinte recebemos um telefonema confirmando nossa participação. Dividimos
a mesa com duas técnicas de Enfermagem do hospital que estavam apresentando suas
pesquisas de mestrado em Enfermagem e Fisioterapia. A plenária estava bastante
esvaziada, mas conseguimos fazer uma bela apresentação que conquistou quem
presente estava, inclusive a nova diretora de Enfermagem e sua vice representante, que
153

até hoje são nossas aliadas. De lá para cá, apresentações em eventos científicos e
encontros de trabalho tornaram-se uma constante no dia-a-dia da equipe EADES que as
incorporou como uma das suas atividades de rotina de trabalho. Durante os meses de
fevereiro e março de 2016 ocorreram quatro novas apresentações.

5.8 Recebendo visitas importantes

Durante o decorrer do ano de 2014 fomos recebendo algumas visitas


importantes na nossa sala. Em junho recebemos um assistente social que tinha sido
contratado para integrar a equipe do Serviço Social do hospital, mas que a partir
daquele momento faria parte da nossa equipe. Segundo o próprio profissional não
houve opção de escolha, foi ordem do vice-diretor que o último assistente social que
chegasse fosse encaminhado para repor a vaga que havia disponível na equipe EADES.
Dito e repetido por ele algumas vezes, sua vinda para a equipe era muito a contragosto,
pois ele queria atuar em alguma clínica de especialidades como cardiologia e
transplante renal. E mais, dizia ele que ainda tinha feito o chefe do Serviço Social do
hospital prometê-lo que ele poderia ser remanejado para outro setor caso não se
adaptasse ao serviço.
Bateu também à nossa porta uma psicóloga de formação que no hospital
ocupava o cargo de técnica em assuntos educacionais, ela tinha tomado conhecimento
de que no hospital havia uma equipe que trabalhava com educação em saúde e se
interessou em conhecer o serviço. Segundo ela existia uma certa insatisfação sua com
os locais que até então vinha trabalhando no hospital e com as ações e serviços que
neles ela desempenhava. Lembro-me que no nosso primeiro encontro durante minha
longa exposição sobre o que fazíamos na EADES e como fazíamos ela me interrompe e
esticando o braço em minha direção disse que estava toda arrepiada. Pouco tempo
depois ela, em articulação com sua chefia, veio fazer parte da equipe EADES.
Recebemos também a visita da equipe de Atenção Domiciliar do município de
São João de Meriti, vieram conhecer pessoalmente nossa equipe que até então só se
conheciam via telefonema ou via e-mail sempre, e somente quando, nós os
procurávamos para organizar a transferência dos cuidados dos pacientes daquele
município. Vieram conhecer o serviço e estreitar as relações, passaram uma tarde
inteira conosco onde aproveitamos para estabelecermos fluxos de encaminhamento e
racionalizarmos ao máximo os processos burocráticos. Cientes de que nossa equipe
154

havia compreendido os limites das possibilidades de ação das equipes de AD deles, de


comum acordo, o envio de solicitação de acolhimento por e-mail foi eliminado do
processo de encaminhamento de pacientes. Até hoje nunca tivemos uma solicitação de
acolhimento de pacientes encaminhados por nós para as equipes de AD deles negada.
Outra grata visita surpresa aconteceu no finalzinho do mês de novembro de
2014, quando sem esperarmos recebemos a enfermeira coordenadora da enfermaria de
Neurocirurgia junto da assistente social de referência do mesmo setor. Elas vieram nos
visitar para falar de um paciente que havíamos trabalhado conjuntamente no seu
processo de desospitalização, mas que mesmo com o cuidador familiar treinado e a
rede de atenção à saúde formalizada tinha reinternado por uma causa evitável, se não
me engano uma infecção urinária. Elas queriam que nós da EADES junto à equipe
multiprofissional da assistência da neurocirurgia pensássemos como evitar que fatos
como esse se repetissem. Passamos a nos encontrar frequentemente, passamos a
participar do round do setor e juntos começamos a desenhar o “Documento
Interdisciplinar de Apoio à Desospitalização e Educação em Saúde – DIADES”.

5.9 A EADES e a academia

Pois bem, existia um desejo da equipe EADES de ampliar seu escopo de


atividades, até porque a área da educação em saúde estava restrita às práticas das
conversas fiadas que os profissionais tinham entre si, com os pacientes e seus
familiares, e com as equipes de dentro e de fora do HFB, mas o número insipiente de
profissionais da equipe além de impedir a ampliação das atividades da equipe EADES
acabou fazendo com que algumas atividades deixassem de ser executadas. Na época
havia apenas um enfermeiro que acumulava as funções de coordenação da equipe, de
enfermeiro da desospitalização e de agente administrativo. Já não fazíamos mais o
“Relatório Situacional Semanal”, já não fazíamos mais a alimentação das planilhas de
indicadores, já não participávamos mais dos rounds da neurocirurgia e o DIADES tinha
sido engavetado.
Como estratégia pensei em conseguir trazer residentes de Enfermagem para
encorpar a equipe, fui falar com a coordenadora da residência de Enfermagem do
hospital que lamentavelmente me informou ser a residência de Enfermagem do hospital
voltada apenas para as práticas clínica e cirúrgica. Entretanto essa coordenadora se
lembrou de uma possibilidade. Sabendo que eu estava fazendo meu mestrado em Saúde
155

Coletiva no IMS da UERJ, ela se lembrou que existia um programa de residência no


NERJ vinculado ao Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (IESC) da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e que naquela semana haveria um evento que
reuniria todos os programas de residência do Rio de Janeiro. ‘Você consegue fazer um
projeto explicando o porquê e o como o seu serviço pode servir de campo de estágio
para residentes em Saúde Coletiva?’ – Ela me perguntou. ‘Para te entregar quando?’ –
Eu perguntei. ‘Amanhã!’ – Ela respondeu. Eu falei que sim. Uns segundos depois ela
me disse que eu poderia mandar para ela por e-mail e que o e-mail poderia ser enviado
até segunda-feira pela manhã. Ganhei três dias nessa brincadeira, que não era nenhuma
brincadeira pois eu deveria escrever um projeto oferecendo a EADES como campo de
estágio para residência multiprofissional em Saúde Coletiva. Entreguei o projeto
conforme prometido, o mesmo fez a coordenadora da residência de Enfermagem do
hospital. Eram os últimos dias do mês de agosto de 2014.
Quatro meses depois fomos procurados pelo coordenador do programa de
residência em Saúde Coletiva do IESC. Recebemos a visita dele e da coordenadora da
graduação em Saúde Coletiva do mesmo instituto que tendo tido a oportunidade de ler
o projeto que eu havia enviado também se interessou em conhecer o campo. O encontro
durou pouco mais de uma hora e ficou limitado à sala da equipe EADES. Falamos da
nossa trajetória, dos nossos valores, dos nossos sonhos, mostramos nossos processos de
trabalho, nossos documentos operacionais e em que bases teóricas e legais nos
apoiávamos para trabalhar. Por eles começaríamos nossa parceria já no próximo ano,
no mês de fevereiro, mas tive que os lembrar que no hospital nada funcionava tão
rápido assim. Os trâmites burocráticos são infindáveis e estão sempre sendo
atravessados pelas ‘instâncias atravessadoras de poder’.
Foi necessário marcarmos uma reunião com a DIMEA, com o Centro de
Estudos, Aprimoramento e Pesquisa (CEAP) e com os coordenadores da residência
médica e da residência de Enfermagem para que depois de muito conversar eles
entendessem que o programa de residência em Saúde Coletiva era um pouquinho
diferente e deveria ter uma coordenação também um pouquinho diferente daquilo que
eles estavam acostumados. Tudo bem, um ano depois tivemos mais uma reunião no
hospital, vieram a coordenadora das residências do NERJ, a nova coordenadora do
programa de residência do IESC, a chefia do Planejamento do HFB, a chefia do NIR, a
equipe da EADES de plantão, e eu. Num determinado momento adentrou-se à sala de
reuniões do Planejamento o diretor geral. Ele olhou para todos, perguntou se não
156

deveria estar naquela reunião, viu quem do hospital estava envolvido e achou que não
precisaria ficar; pareceu-me que o que ele quis dizer com o seu comportamento era que
ele confiava nas pessoas que estavam ali representando o hospital. Dessa reunião ficou
definido que a EADES seria, sim, um dos campos de estágio para Saúde Coletiva,
assim como, segundo opinião da coordenadora das residências do NERJ, para os
residentes de Enfermagem da Unirio que usavam o hospital como campo de estágio, os
residentes daquela residência que visava apenas às práticas clínica e cirúrgica.
Mas ainda assim foi preciso que a equipe EADES fosse no evento de
apresentação dos campos de estágio para os futuros R2 ocorrido nas instalações do
IESC em 14 de dezembro de 2015 para ‘vender’ a EADES como uma excelente
oportunidade de crescimento profissional. Eu preparei uma apresentação em
PowerPoint bem colorida e duas outras integrantes da equipe EADES foram
apresentar, levaram também alguns fôlderes para serem distribuídos entre os residentes.
Conseguimos colher frutos da apresentação, pois atraímos a atenção de duas candidatas
que no começo de 2016 foram nos visitar e nos conhecer e conhecer as possibilidades
de desenvolvimento dos residentes que o campo propiciava, uma delas quis ficar.

5.10 A câmara técnica de desospitalização e seus efeitos

Falando em visitas, e a EADES está sempre recebendo visitas, em maio de


2015 quem foi nos visitar foi a coordenadora do SAD do Instituto de Traumato-
Ortopedia (INTO) pois na época ela estava fazendo seu trabalho de conclusão da pós-
graduação e queria entender como as equipes de AD faziam quando o paciente era
morador de área de violência urbana e risco de morte para o profissional. Ela sabia que
não fazíamos mais AD, mas que durante quatro anos ou mais fizemos e por isso
poderíamos contribuir com nosso conhecimento e expertise.
A partir desse encontro da pesquisadora com as equipes de desospitalização e
atenção domiciliar dos hospitais e institutos federais surgiu a ideia da criação da
Câmara Técnica (CT) de Desospitalização e Atenção Domiciliar dos Hospitais e
Institutos Federais do Rio de Janeiro. Os encontros regulares começaram a acontecer
no final de julho de 2015 e continuam até hoje. Tem épocas que são dois por mês, tem
épocas que são mais de um na mesma semana, dependendo da programação. Já
ocorreram dois encontros científicos. O primeiro encontro aconteceu no final de
novembro de 2015 e durou dois dias, sendo o primeiro dia aberto ao público onde a
157

EADES fez uma palestra sobre o trabalho que desenvolve no HFB e o segundo dia
restrito aos representantes dos serviços de Atenção Domiciliar dos municípios do
Estado do Rio de Janeiro pois foi voltado exclusivamente para o desenvolvimento dos
trabalhos de construção de redes. O segundo encontro aconteceu no começo de março
desse ano (2016) e também foi voltado exclusivamente para o desenvolvimento dos
trabalhos de construção de redes só que dessa vez entre os representantes da Atenção
Básica (AB) e a da AD.
Numa das reuniões da CT, o hospital foi representado pelas técnicas de
Enfermagem que durante os debates e as conversas informais entre os profissionais
sobre as especificidades de cada serviço, acabou despertando o interesse da Equipe
Multiprofissional de Atenção Domiciliar (EMAD) do Instituto Fernandes Figueiras
(IFF) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) que pediu permissão para nos visitar. Era
uma visita de benchmarking, e eles queriam aprender como a gente era capaz de fazer
desospitalização sem fazer visita domiciliar.
Depois de horas falando e respondendo às perguntas de toda sorte, resolvi
propor que eu em nome da equipe EADES iria desenvolver o “Programa de
Capacitação Profissional em Desospitalização e Educação em Saúde” que seria
composto de quatro aulas com seis horas cada. Decidimos que seria uma aula por
semana, sempre às segundas-feiras, mas no meio do processo foi incluído a
participação da EMAD do IFF em um seminário interno do hospital que tratava de
redes de atenção à saúde intra-hospitalares e que a equipe EADES iria fazer uma
apresentação tentando responder à pergunta ‘Que rede temos, que rede queremos?’
Pouco tempo depois em janeiro de 2016 a EMAD do IFF voltou ao HFB para realizar
mais um dia de prática e nos fez prometê-los que sempre que eles precisassem de nós,
nós os receberíamos, pois eles estavam montando um projeto de serviço de
desospitalização nos moldes das práticas da nossa equipe.

5.11 Como ganhar enfermeiras

Teve um evento no segundo semestre de 2015 que movimentou a classe de


Enfermagem do hospital. Em atendimento ao Ofício nº 12186/2014 do Ministério
Público Federal foi definido que a escala de serviço a partir de uma determinada data
deveria ser cumprida à risca pois seria obrigatório que todos os setores colocassem sua
escala mensal de serviço acessível e ainda publicassem em um sistema de informação
158

pública. A diretora da DIENF não iria assinar uma escala de mentira e com isso os
plantões pagos continuadamente iriam acabar. Com isso parte do corpo da Enfermagem
iniciou uma campanha de repúdio à diretora da DIENF, e alegando assédio moral,
vestindo camisetas pretas, correram atrás dos seus direitos junto ao Sindisprev. O
diretor da DIGER exonerou a diretora da DIENF.
Em um belo fim de tarde eu estava esperando um amigo em uma das pontes
entre os blocos “E” e “F” do sétimo andar do campus da UERJ quando recebi um
telefonema da diretora da DIENF. Ela me explicando todos os acontecimentos recentes
que vinham acontecendo no HFB me perguntou se eu ainda estava precisando de
enfermeiros. ‘Sempre!’ – Respondi. Ela me informou que estava liberando duas
enfermeiras e iria me encaminhá-las para que pudéssemos conversar. Foi em novembro
que uma das enfermeiras entrou em contato comigo por telefone, marcamos um
encontro na sala da EADES, e durante o encontro conversamos seriamente por quase
uma hora. Elas toparam o desafio de trabalhar na EADES sabendo que o que não
faltava ali era trabalho e todos nós ficamos animados com o crescimento da equipe.
Para falar a verdade, alguns integrantes se disseram estar com um ‘pé atrás’ por serem
essas enfermeiras egressas de um cargo de chefia, o que poderia se tornar um problema
no dia-a-dia da EADES, já que não acreditávamos nesse tipo de hierarquia, pois nos
enxergávamos como iguais pertencentes de um mesmo grupo e cientes dos deveres e
compromissos a serem cumpridos.

5.12 Como nascem os projetos

Era comecinho de dezembro e estávamos eu, a técnica de assuntos


educacionais e mais algum integrante da equipe quando falávamos sobre os planos
estratégicos para o ano de 2016, que gostaríamos que fosse o ano da Educação em
Saúde da EADES. E ficamos a devanear sobre que projetos desenvolver. Já estaríamos
inaugurando os trabalhos na linha de ação de preceptoria e formação profissional pois
iríamos receber nossos primeiros residentes, mas precisávamos desenvolver mais
alguns projetos, pelo menos mais um ou mais dois projetos. Surgiu a ideia de
realizarmos um seminário e também a ideia de desenvolver um curso bem específico,
poderia até mesmo ser o “Programa de Capacitação Profissional em Desospitalização e
Educação em Saúde” que (re)trabalhado e ampliado seria um curso bastante
interessante. ‘E se o curso fosse um curso de cuidados paliativos?’ – perguntou a
159

psicóloga egressa da EADES que nesse momento já estava no meio da roda de


conversa. ‘Afinal temos tantos pacientes em cuidados paliativos no hospital, um curso
nessa área vira muito a calhar.’ – completou a psicóloga. ‘Poderia ser um curso de
cuidados paliativos para os residentes, afinal eles são os profissionais que passam mais
tempo cuidando dos pacientes, e muitas das vezes eles não sabem como proceder e
sofrem.’ – disse eu. ‘Mas aí o diretor iria ter que decretar a obrigatoriedade da
participação no curso, caso contrário os residentes não seriam liberados pelos seus
staffs.’ – alguém lembrou.
Mais uma vez eu fui invadir a sala do diretor da DIMEA para tentar fazer
alianças e convencer o diretor a autorizar o curso e decretar sua obrigatoriedade para os
residentes do hospital. Chegando lá quem eu encontro sentado na mesa de reuniões?
Aquele vice-diretor militante da PNH. Sento à sua frente e começo a falar defendendo
o projeto do curso de cuidados paliativos obrigatório para os residentes do hospital. Ele
concordava com tudo que eu falava e me pediu que rabiscasse um projeto para lhe
entregar. Em menos de uma semana contando com a ajuda da antiga psicóloga da
EADES juntamos tudo que tínhamos rabiscado na época quando estávamos
desenvolvendo a ideia inicial do ambulatório de cuidados paliativos e num movimento
de recorte e cole construímos um esboço de projeto. A semana passando e o recesso de
final de ano se aproximando, era preciso que o projeto chegasse às mãos daquele vice-
diretor o quanto antes, senão, só no ano que vem. Não havia tempo para preciosismo,
passei mais um olho pelo texto e como nenhuma falha grotesca me saltou aos olhos,
não me fiz de rogado, imprimi uma cópia e entreguei na DIMEA, como garantia
mandei um e-mail para aquele vice-diretor com o projeto em anexo.
Passaram as festas e as comemorações. Havia mais de um (1) mês que não nos
reuníamos com o diretor para deliberar sobre as necessidades e os projetos da EADES,
marcamos uma tarde de janeiro e quando fui explicar sobre o projeto ele pegou aquele
protótipo de projeto que eu havia entregue àquele vice-diretor e comunicou-nos a sua
aprovação. Em fevereiro mandamos um ofício para a direção do HCIV do INCA
solicitando um curso para quatrocentas (400) pessoas e também uma circular com um
questionário composto de oito (8) perguntas sobre cuidados paliativos para todas as
chefias do hospital responderem e levarem na reunião onde a ideia do curso de
cuidados paliativos seria oficialmente apresentada e o conteúdo educativo debatido.
Parece que o ofício foi parar no INCA errado. Mas essa estória eu não vou contar.

160

6 NOTAS SOBRE A IMPLICAÇÃO AFETAÇÃO62COM OS CAMPOS63, OS


OBJETOS ARTEFATOS64 E OS COMO SUJEITOS65

Não seria de outra maneira se eu não iniciasse a escrita deste capítulo


explicando os porquês das palavras tachadas, para usar a linguagem do Word, caso
contrário eu seria questionado se isso não haveria de ser um vacilo do ledor dessa
dissertação que não viu ou mesmo ser um crime meu contra a clássica e universalmente
aceita escrita acadêmica. Sobre essa estética grafológica digo que melhor seria chamá-
la de uma estética grafo-antropológica, uma evidência simbólica de que no curso da
escrita desse capítulo algo mudou. A troca do vocabulário e a minha inclusão como
sujeitos também são evidências de que esse capítulo, com o passar do tempo, adquiriu
nuances da ciência que fundamentalmente no seu histórico de teoria estuda o outro, o
Homem. A Figura 6 que se segue ilustra essa dubiedade a qual me encontrei ao realizar
essa pesquisa e percorrer o processo de escrita dessa dissertação.

62
Coloco a “afetação” como constitutiva das relações pesquisador/pesquisado (Saad, 2005), na qual há
formação e estabelecimento de relações que constituem essas dinâmicas. Sobretudo, estando atento para
os limites dos “afetos” e as possibilidades que me fizeram desencadear essa pesquisa. Construindo
relações a partir das oportunidades sociais para pensar o objeto da mesma forma que a antropóloga
Marilyn Strathern o faz, me utilizando da ficção como o processo de formação dos conhecimentos, dos
saberes e das escritas (Strathern, 2014).
63
Falo em campos, pois estou a todo o momento construindo uma escrita voltada para processos de
construção de objetos de análise a partir do referencial, ora documental, ora a partir das minhas
experiências dentro do hospital com a equipe EADES, ou mesmo como sujeito-acompanhante-filho-
cuidador. Os campos se constituem como processos de ação e de construção da problemática social da
desospitalização.
64
Chamo de artefatos todo o material que metodologicamente utilizei para encadear essa pesquisa. Como
os documentos, processo de construção da equipe, bem como a minha participação enquanto membro de
equipe que ao longo da dissertação dá vida a observação dentro de um hospital geral. Esses artefatos são
geradores de manifestações da desospitalização.
65
Destaco como os “campos” e os “artefatos” são processos de construção da desospitalização. No
entanto, essa desospitalização se dá sobre sujeitos. Desta forma, quando destaco uma prática, como a da
desospitalização, estou falando em processos formadores de sujeitos, numa perspectiva muito próxima
de Larissa Nadai (2012) que ao decifrar crimes e narrativas sobre estupro e atentado violento ao pudor,
nos mostra como que por trás dos papéis existem materialidades corporais e, sobretudo, os crimes são
constituídos e classificados como tais por conta de tal descrição e do processo de documentos. Desta
forma, ao falar de hospital e desospitalização, estou atento para práticas materializadas em sujeitos se
dando sob diferentes dinâmicas sociais. O que constitui até mesmo o “eu” como sujeito nessas relações.
Afinal de contas, eu estou sendo construído nesses processos.
161

Figura 6 – Simboliza um sujeito dividido ao meio, um sujeito repartido pela dúvida.

Legenda: “Canibal de Rotemburg_FRANKY 1”, óleo sobre tela, 2013.


Fonte: imagem cedida pelo artista Victor Mattina.

Decerto que logo no início do meu curso de mestrado entrei em contato com o
livro da Annemarie Mol, The Body Multiple: ontology in medical practice (2002), um
belo trabalho que etnografa uma doença comum e seus percursos e percalços pelo
hospital. Eureka! Acabara de encontrar uma ideia para desenvolver minha dissertação.
Naquela época eu dizia que queria fazer uma etnografia sobre a desospitalização, seus
percursos e percalços pelo hospital, nos moldes da de Annemarie. Esse teria sido o meu
primeiro contato com a etnografia. Mas devido à minha assumida mal administração do
tempo e também ao meu posicionamento político-ideológico contra as “instâncias
atravessadoras de poder”, espaços de deliberação que do meu ponto de vista
atravancariam o progresso dessa produção epistemológica decidi por fazer uma
pesquisa que não prescindisse do ser humano no que tangem os contatos intervivos.
Deixei para traz o sonho de um trabalho de pesquisa no qual eu me encontraria
mergulhado no campo observando e me relacionando com as pessoas durante seus
processos de trabalho. Engavetei a ideia da etnografia da desospitalização e fui buscar
na análise de documentos uma metodologia a empregar.
162

Há pouco mais de dois meses e meio eu ainda acreditava que estar utilizando a
análise documental como o método principal dessa pesquisa. Vez ou outra a
categorizava como uma quase etnografia, mas toda vez que conversava como o meu
companheiro sobre os caminhos que eu estava percorrendo na escrita, ele me corrigia:

– “Você não está fazendo uma análise documental quase etnográfica, você está fazendo
uma etnografia de documentos. Assume isso!”66

Foi a lembrança daquela metodologia desejada desde o início do mestrado que


me ajudou a ouvir o que meu companheiro sempre reiterava e a mudar de vez o meu
discurso, eu passei a não mais falar que estava fazendo “um tipo de etnografia de
documentos”, mas sim, ela própria.
Isso posto, me surgiu um problema: Quem convidar para participar da banca
da minha defesa? Antropólogo(a)s? Etnógrafo(a)s? Especialistas em documentos?
Quem convidar? O meu companheiro me indicou a sua orientadora e uma doutoranda
do Instituto de Medicina Social (IMS) me indicou a professora Adriana Vianna do
Museu Nacional porque ela também trabalhava com etnografia de documentos.
Entretanto, ela não pode aceitar o meu convite, mas me indicou três orientadas dela, um
livro, uma tese e um artigo para ler, me disse que o artigo que ela estava me indicando
cotinha muitas outras referências sobre etnografia de documentos e que a leitura dele
iria me ajudar.
Durante o texto que se segue, os campos, os artefatos e os sujeitos serão
apresentados de maneira imbricada uns aos outros, mas não foi por pura preguiça que
quando escrevi esse texto eu não os separei item por item e os apresentei de forma
bastante didática, o que de fato aconteceu foi que eu apenas deixei que minhas
memórias fluíssem livremente do interior do meu cérebro para as pontas dos meus
dedos, e dessa forma os campos, os artefatos e os sujeitos foram sendo corporificados.
Todavia, faz-se necessária uma breve apresentação de algumas de suas características.
Sobre os campos penso ser importante fazer duas ponderações: a) eles aparecerão
seguindo o curso cronológico da minha vida, se iniciando num passado remoto cuja
data não consigo precisar e terminando efetivamente na tarde do dia 23 de março de

66
O meu companheiro estava tentando me dizer que, a partir das leituras dos meus escritos e das nossas
conversas, o tipo de análise documental que eu estava fazendo era uma etnografia de documentos.
Citando trabalhos de seu conhecimento muito bons que utilizei em partes para o desenvolvimento
metodológico desse meu fazer etnográfico.
163

2016; e b) eles poderão ser concretos ou abstratos, como o Hospital (a instituição


hospitalar) e o hospital (a instituição na qual eu trabalho), a Desospitalização (uma
filosofia) e a desospitalização (a prática); a Academia (a cientificidade) e a academia (o
Instituto de Medicina Social), etc. Assumo que todos os sujeitos presentes no texto,
estão presentes na forma de meus próprios interlocutores, aqueles que têm voz. Eles são
eu me relacionando com os campos nos tempos corridos. Eu sou o sujeito-paciente, eu
sou o sujeito-profissional de saúde, eu sou o sujeito-servidor público, eu sou o sujeito-
pesquisador, eu sou o sujeito-acompanhante-filho-cuidador. E cada um desses “eu”
sujeitos, ora ou outra, se utiliza de artefatos, consumindo-os, construindo-os,
analisando-os, criticando-os: as cirurgias (minhas e de meu pai), os curativos, a
caderneta do INAMPS, essa dissertação, os documentos operacionais, o programa de
desospitalização da equipe EADES, etc. A Figura 7 abaixo ilustra a fragmentação dos
sujeitos na vida moderna e analogamente, a fragmentação das práticas de saúde, das
práticas institucionais e do próprio fazer científico.

Figura 7 – Canibal de Rotemburg_FRANKY 2.

Legenda: Óleo sobre tela.


Fonte: Victor Mattina, 2013.
164


6.1 Eu como sujeito-paciente

Exatamente o ano não consigo precisar, mas me vem bem claro à memória a
imagem de quando ainda meus braços ficavam estendidos para o alto sempre que
minhas mãos estavam dadas as de meus pais. Eu era criado livre pelos quintais de
minha avó que iam até a beira do rio, passava o dia perseguindo as galinhas e comendo
frutas maduras tiradas do pé ou mesmo recolhidas pelo chão, direto, sem lavar. Semana
sim, semana não, uma caganeira me acometia. Minha mãe preparava litros de chá mate
e me fazia bebê-los com bolachas de água e sal. Nada mais eu poderia ingerir até que
minha caganeira parasse de vez. Tomei trauma de chá mate e de bolachas de água e sal.
Até que um dia uma vizinha contou para minha mãe que o pediatra da filha da vizinha
dela havia autorizado essa vizinha a dar refrigerante de cola no lugar do chá mate.
Bendita vizinha! Bendito pediatra! Bendito refrigerante de cola!
Outro momento bem corriqueiro na minha infância, quando minha mãe era
mais uma vez obrigada a assumir as ações de saúde dentro de casa sem precisar de
médico e de sistema público de saúde, eram as semanas sim, outras também, que eu
ficava ‘sem’ algum joelho ou ‘sem’ a ponta de algum dedão do pé. Era ela quem fazia
meus curativos todos os dias, me enfiava no banho morno quase frio até que as
coberturas de gase encharcassem ao ponto do seu próprio peso fazê-las soltar. Mas
aqueles pedacinhos que ficavam grudados e não saíam eram arrancados com requinte
de crueldade e em frações de segundos. Ela me fazia alguma pergunta que me fazia
pensar, (...), e já se iam aqueles pedacinhos que ficavam grudados. Eu só me dava conta
do requinte de crueldade quando a ferida ardia ou quando eu via o sangue no chão do
banheiro escorrendo em direção ao ralo.
Poucas eram as vezes, mesmo eu estando doente, que meus pais me levavam
ao médico, na maioria delas eles preferiam me levar para rezar. Meu pai me levava para
um centro kardecista e lá eu tomava passes e água fluidificada. Minha mãe gostava
mesmo era de uma boa roda de gira, de um perfumado banho de ervas e de uma
rezadeira sinistra capaz de tirar qualquer quebranto e de curar até espinhela caída.
Quando meus pais chegavam a me levar ao médico era porque eu estava realmente
muito mal, com febre altíssima, quase morrendo e geralmente a causa de tudo isso era
sempre uma maldita amigdalite bacteriana. Não entendo como não desenvolvi alguma
cardiopatia ou mesmo febre reumática pois eu tinha amigdalite de repetição
165

repetidamente. Lembro-me deles me levando ao pediatra que dava consulta pelo


INAMPS em um prédio no centro da pacata cidade de Além Paraíba onde hoje funciona
um centro cultural, lembro-me que nas mãos de um dos meus pais sempre estava uma
caderneta com uma capa de plástico azul marinho e nela um logotipo dourado impresso
em baixo relevo que me dava o direito de ir ao médico para consultar. O pediatra me
mandava abrir minha boca, falar um “a” comprido e enquanto eu emitia esse som ele
abaixava com força a minha língua usando aquela espátula de madeira que sempre me
fazia quase vomitar. Eu sabia que sempre depois dessa visita ao pediatra viriam aquelas
colheradas cheias de um líquido cremoso e opaco com um cheiro forte e doce de frutas,
mas de gosto intragável ao engolir, e eram sempre quatro colheradas por dia durante
sete dias seguidos, initerruptamente. E após as colheradas eu bebia copos e mais copos
de água com açúcar ou de refresco ou de café frio mesmo, daquilo que tivesse ao
alcance das mãos e que fosse capaz daquele gosto intragável da minha boca retirar.
Eu já tinha pentelhos quando “inconscientemente” eu e meu pai assinamos um
contrato de fidelidade: sempre que um de nós fosse passar por algum procedimento
cirúrgico o outro estaria ao lado, por perto, junto. Lógico que não de passou de
coincidência eu e ele estarmos juntos nas duas cirurgias que cada um de nós até hoje já
precisou passar. Quando tirei um sinal do nariz, meu pai estava lá, quando fiz minha
cirurgia de fimose, meu pai estava lá, estava também no dia seguinte quando fui ao
banheiro andando sozinho urinar, na hora saiu muito sangue junto com a urina e eu
achei que ia desmaiar. Há seis anos foi a vez do meu pai, uma herniorrafia com
colocação de tela na região inguinal direita, ele cutucava com força o caroço do
curativo e dizia, ainda sob efeito dos anestésicos:

– ‘Mas não fizeram nada, a hérnia ainda está aqui.’

E agora bem recente foi ele de novo, só que dessa vez foi um câncer no alto da
cabeça e eu estava lá no dia seguinte levando ele ao banheiro andando sozinho bem
devagar para urinar. Esse processo mais recente será melhor detalhado no final desse
texto.
166

6.2 Eu como sujeito-profissional de saúde

Era 1992 e o Sistema Único de Saúde (SUS) não havia completado ainda seus
dois anos de vida quando entrei para a faculdade de Enfermagem da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ). O curso levava na época apenas três e meio anos. As
aulas eram de segunda à sexta-feira das 7h às 17h, ou mais, sempre depois das aulas
presenciais ficávamos mais tempo na biblioteca estudando, pois não havia internet e
nem recurso financeiro para investir em cópias das sempre mais de quinhentas páginas
que cada “tijolão” daqueles no qual estudávamos devia carregar. Durante o curso de
Enfermagem fui presidente do Centro Acadêmico, fui representante estudantil nas
reuniões dos departamentos, fui estagiário de pesquisa, fui interno de Enfermagem. O
trabalho de conclusão do curso do qual fui um dos autores, queria saber se o(a)s
enfermeiro(a)s preceptores do Hospital Universitário Pedro Ernesto conheciam e o
quanto conheciam a e sobre a lei 67 que desde 1986 vinha regendo o seu exercício
profissional.
Foi lá também que fiz minha habilitação em Enfermagem Médico-Cirúrgica e
minha residência em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Geral de Adultos. Eu virei um
técnico altamente especializado pronto para ser absorvido pelo mercado de trabalho. E
fui. Em 1998 comecei a trabalhar para a Prefeitura do Rio de Janeiro e lá continuo até
hoje, não no mesmo lugar, não iria conseguir. Da assistência eu fui para a supervisão e
da supervisão para a auditoria e da auditoria eu voltei para a assistência. Também
trabalhei dois anos como enfermeiro para o Estado do Rio de Janeiro, mas não consegui
ficar e fui exonerado porque um dia saí do plantão e nunca mais voltei para trabalhar.
Em 2007 voltei para a universidade, duplamente. Eu tinha acreditado nas
promessas de excelentes empregos com altíssimos salários e decidi fazer pós-graduação
em saúde do trabalhador e em auditoria de sistemas de saúde ao mesmo tempo. Cheguei
a fazer viagens para a região de exploração de petróleo no norte fluminense, fiz
entrevistas de emprego em inglês e até cheguei a participar de dinâmica de grupo e
palestras motivadoras. Mas as promessas de excelentes empregos com altíssimos
salários ficaram só nas promessas.

67
A Lei nº 7.498 de 25 de junho de 1986 dispõe sobre a regulamentação do exercício da Enfermagem. E
o Decreto Nº 94.406 de 8 de junho de 1987 a regulamenta.
167

6.3 Eu como sujeito-servidor público

Em dezembro de 2009 fui convocado pelo Ministério da Saúde (MS), era a


última chamada do concurso de 2005 o qual faltava pouco para expirar. A convocação
só se deu após o Ministério Público (MP), pressionado por ações coletivas movidas por
sindicatos, conselhos e grupos de aprovados no tal concurso, ter entrado com algumas
ações na justiça e obrigado o MS a convocar todos os aprovados que ainda não haviam
sido convocados. Na época eu estava trabalhando como auditor em Angra dos Reis e
não sei por que cargas d’água um dia chegando na minha casa no Rio de Janeiro resolvi
atualizar meu endereço no site do concurso e pouco tempo depois recebi em minha casa
o telegrama de convocação.
Na época da inscrição (2005) para o concurso eu havia escolhido trabalhar no
Instituto Nacional de Cardiologia (INC) ou no Instituto Nacional de Traumato-
Ortopedia (INTO) ou no Hospital Federal dos Servidores, respectivamente, nesta ordem
de preferência. Mas a sua escolha nem conta no final. São eles que escolhem você.
Quando fui tomar posse no MS, o que me coube foi o Serviço de Atenção Domiciliar
(SAD). Me disseram que só haviam vagas para o SAD, ou eu aceitava a vaga ou estava
fora. A coordenação central do SAD ficava dentro do Departamento de Gestão
Hospitalar (DGH) do Núcleo do Estado do Rio de Janeiro do Ministério da Saúde
(NERJ) e suas bases operacionais dentro de alguns hospitais federais, exceto aquela na
qual eu fui trabalhar, essa ficava em um anexo da Coordenação da Área Programática
3.1 que tinha sido emprestado pela Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro. O
serviço que era mantido com recursos federais somente se transferiu fisicamente em
definitivo para dentro do Hospital Federal de Bonsucesso (HFB) no começo de 2010 e
por lá permanece até hoje na mesma sala do mesmo prédio do mesmo complexo
hospitalar.
O complexo é composto de seis prédios com quatrocentos e cinquenta e três
leitos de internação e vinte e uma salas de cirurgia. É um órgão da administração direta
do poder executivo, inserido na rede do SUS e está vinculado ao DGH e à Secretaria de
Atenção à Saúde (SAS) do MS. A unidade possui autonomia orçamentária na execução
de despesas e está caracterizada no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde
(CNES) como Hospital Geral de Bonsucesso, com níveis terciário e quaternário de
atenção e atuação na média e alta complexidade. Sua competência institucional,
estabelecida na Portaria nº 3.965 de 14 de dezembro de 2010 é: “Planejar, coordenar e
168

orientar a execução de atividades de prestação de serviços médico-assistenciais, em


sistemas ambulatorial, hospitalar e de emergência; prover os recursos diagnósticos e
terapêuticos para atendimento à clientela; promover treinamento, formação e
aperfeiçoamento de recursos humanos; fomentar estudos e pesquisas, visando à
ampliação de conhecimentos e à produção científica; e estabelecer normas e padrões de
atendimento e de qualidade dos serviços prestados”.
Com a publicação da Portaria nº 2.029 68 , que no seu capítulo sexto, o das
disposições finais, em parágrafo único, estabeleceu como requisito para o
cadastramento dos SAD que os mesmos estivessem “em unidades cujas mantenedoras
sejam as secretarias municipais de saúde, ou secretarias estaduais de saúde, ou o
Distrito Federal”, quaisquer possibilidades de os hospitais federais continuarem a
oferecer este tipo de ação/atenção à saúde foram eliminadas, pois não permitiu mais que
os SAD federais fossem cadastrados e financiados como previsto nela própria.
Frente a este cenário, as equipes que faziam atenção domiciliar nos hospitais
federais do Rio de Janeiro (Lagoa, Cardoso Fontes, Andaraí, Ipanema, Servidores e
Bonsucesso) foram convocadas para uma reunião no DGH. Estávamos no segundo
semestre de 2011. A reunião foi para que o então diretor Oscar Berro, comunicasse
pessoalmente a todos os profissionais do SAD o fim da prestação daquela modalidade
de serviço e o ‘surgimento’ da nova modalidade de serviço que os até então
profissionais do SAD passariam a prestar. A nova modalidade de serviço tinha um
nome, se chamaria Serviço de Apoio à Desospitalização (SADES). Aproveitando a
mesma reunião foram comunicadas mais duas decisões: a) o fim da coordenação central
no DHG; e b) a disponibilização das matrículas dos profissionais até então lotados no
NERJ para os departamentos de recursos humanos dos hospitais federais nos quais eles
trabalhavam. A partir daquele momento os diretores tiveram o livre arbítrio para criar o
serviço de Desospitalização que melhor lhes conviesse. Alguns hospitais (Lagoa e
Servidores) não mantiveram o serviço de Desospitalização e absorveram seus
profissionais em outros setores e funções; outros mantiveram a atenção domiciliar,
continuando a executar o mesmo serviço de outrora (Cardoso Fontes e Andaraí); o
Hospital Federal de Bonsucesso foi o único que desenvolveu um serviço
exclusivamente (ou limitadamente) focado no processo de desospitalização.

68
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt2029_24
_08_2011.html
169

Sem alternativa de escolha, me fui colocado em desafio quando, ocupando o


lugar de líder da equipe do SAD do HFB, me permiti ser empossado como coordenador
do SADES, assim, sem eira nem beira. Eu nunca tinha ouvido falar em
Desospitalização antes, nem quando havia me arriscado pelo mundo da
psiquiatria/saúde mental. Eu e minha equipe toda, ninguém sabia o que fazer nem por
onde começar. Nem nós, nem os nossos superiores hierárquicos, sequer a direção.
Foi então que desde 2011 me vi obrigado a pesquisar e a experimentar o que
seria e o como deveria ser feito um processo de desospitalização dentro de um hospital
geral. Pesquisava no Google usando a palavra ‘desospitalização’ ou a expressão
‘manual de desospitalização’ e tudo aquilo que chegava a mim eu ia lendo. Eram
cadernos, textos, reportagens, toda sorte de informações. De tudo que eu lia e me servia
eu tentava aplicar no meu campo de trabalho no hospital. É como se eu tivesse
transformado o meu local de trabalho no hospital em um grande laboratório de
pesquisa, mas sem todo aquele controle de pressão e temperatura constantes, um
laboratório vivo. Há vida no empirismo da vida da Desospitalização, assim mesmo com
dê maiúsculo que é para representar que estou falando de uma desospitalização abstrata,
cujo significado é o de uma filosofia sobre as práticas de saúde e não de um processo
ou ação prática de saúde em si.
Eu continuava buscando mais referenciais pelo Google e os lia e se algo do
que havia sido lido por mim pudesse ser aplicado nas práticas de trabalho da equipe
EADES, imediatamente o era. A equipe experimentava, analisava, criticava e decidia
pela implementação definitiva de processos, de práticas, de planilhas, de formulários,
etc. em partes ou completamente. E a ‘experiência de laboratório’ mantinha-se viva e
dinâmica. Mas eu ainda não estava satisfeito com os achados teóricos e com os
resultados das experiências vividas e fui atrás de novas possibilidades em novos
campos, eu voltei para a Academia.

6.4 Eu como sujeito-pesquisador

Foi então que em 2014 entrei para o programa de Pós-Graduação do IMS da


UERJ no nível de mestrado acadêmico para dar continuidade às buscas por respostas
sobre o modus operandi desse processo que eu executava sem ter certeza se estava
realmente executando um processo de desospitalização de fato. Até então eu não havia
encontrado nada que a partir do meu ponto de vista conseguisse resolver o dilema de
170

meu trabalho que eu estava vivendo naquele momento. Na posição de coordenador de


uma equipe de desospitalização de um hospital geral eu deveria, no mínimo, saber
como fazer desospitalização em hospital geral.
Ao mesmo tempo em que buscava nos portais da Biblioteca Virtual de Saúde
(BVS) e do Pubmed eu continuava desenvolvendo minhas atividades de enfermeiro e
de coordenador da EADES, e junto com os outros integrantes da equipe, novas rotinas,
novos protocolos e novos instrumentos. No ano de 2015 introduzi nas buscas a palavra
em inglês dehospitalization e o banco de dados do Diário Oficial da União (DOU)
online que disponibiliza para leitura e download todos os jornais oficiais desde o ano de
1990, ano de publicação da Lei Orgânica da Saúde (LOAS). Num momento de
inovação experimentei fazer no Google uma pesquisa usando uma variante da palavra
desospitalização, utilizei a palavra dishospitalization e encontrei os seguintes
resultados: a) notícias sobre um time69 de futebol de salão espanhol (Dishospital); b)
tabelas de preços de materiais hospitalares, médicos e odontológicos de uma empresa
distribuidora do Equador (Dishospital)70; c) um contrato de prestação de serviço desta
mesma empresa a um batalhão de infantaria do exército do Equador (Batallón de
Infantería nº 2 “Imbabura”)71; d) uma página72 da rede social LinkedIn do gerente desta
mesma empresa (Wilson Dishospital) e; e) um relatório11 de vistoria de uma agência
reguladora em um hospital da Colômbia (Hospital San Rafael).

69
Disponível em: http://www.vanguardia.com/deportes/futbol-sala/240558-futbol-park-y-dishospital-
exponen-el-lideratoen-la-copa-futsal-fifae http://www.vanguardia.com/deportes/futbol-sala/239956-
dishospital-se-quedo-con-la-victoria-ycon-el-liderato. Acesso em: 03 de maio de 2015.

70
Disponível em:
https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=5&cad=rja&uact=8&ved=0C
DcQFjAE&url=https%
3A%2F%2Fwww.compraspublicas.gob.ec%2FProcesoContratacion%2Fcompras%2FPC%2FbajarArchiv
o.cpe%3FArchivo%3Da ugCBeMHXsHXPBCnonZMoRSeziserSBM-4RapqIiU7g%2C&ei=fBBGVYH-
Eu3_sAT91YCYBw&usg=AFQjCNHaItDXRlNW7c7vJawpOCjgyyNA8w&sig2=ENTonhnjmZZjv4Uh
S3t5zg. Acesso em: 03 de maio de 2015.

71
Disponível em:
https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=6&ved=0CD4QFjAF&url=htt
ps%3A%2F%2Fwww.c
ompraspublicas.gob.ec%2FProcesoContratacion%2Fcompras%2FPC%2FbajarArchivo.cpe%3FArchivo
%3DtK3r7dcwWm0xA8 z2X8Ga4kkFhdQg_F5KexMAJ5-_p0A%2C&ei=fBBGVYH-
Eu3_sAT91YCYBw&usg=AFQjCNGyyAXwSSo1GETnSAK9pOxyETWYA&sig2=kIhUg4kN8wq-
a9Y6Hv_UsQ&cad=rjt. Acesso em: 03 de maio de 2015.

72
Disponível em: https://www.linkedin.com/pub/wilson-dishospital/74/a27/915?trk=pub-pbmap.
Acessado em 03 de maio de 2015. 11Disponível em: http://esehospitalsanrafael-leticia-
amazonas.gov.co/apc-aa-files/33666566386634323466333566633962/microsoft-wordverificacion-de-
requisitos-propuesta-02-de-2014.pdf. Acesso em 03 de maio de 2015.
171

Mas o que realmente vem a ser Desospitalização? Que respostas eu


conseguiria dar se me perguntassem sobre como se dá na prática o processo de
desospitalização em um hospital geral? E sobre aquela desospitalização que é praticada
pelos profissionais do HFB, ou seja, o processo que eu como pesquisador e como
integrante da equipe EADES venho experimentando desde o ano de 2011, o que eu
diria?
A dissertação em tela é fruto desse meu incômodo sobre um vazio epistêmico
e metodológico, e por que não existencial, pois mesmo estando eu há cinco anos
atuando ora como coordenador da equipe EADES, ora como enfermeiro da equipe
EADES e ora como pesquisador em Saúde Coletiva, não consegui até o momento
responder com convicção à pergunta dessa pesquisa: Como fazer desospitalização em
hospital geral?
Seguem dois fatos curiosos que aconteceram comigo e têm a ver com
Desospitalização, ou seriam tentativas de sedução? Todos os dois fatos curiosos
curiosamente aconteceram fora do HFB e do IMS, mas isso não significa que eu estava
fora do Hospital e da Academia. Era 30 de novembro de 2015 quando em um dos
intervalos do I Encontro da Câmara Técnica de Desospitalização e Atenção Domiciliar
dos Hospitais e Institutos Federais do Rio de Janeiro que acontecia no INTO eu tentava
me aproximar da mesa do coffe break para pegar um sanduiche de queijo e um pedaço
de bolo de chocolate.
Uma linda menina toda simpática veio falando comigo e me chamando pelo
meu nome e ela tinha uma atitude de que me conhecia intimamente e sorria. Era a
menina representante de uma indústria farmacêutica. Dizia ela que havia adorado a
minha palestra, justamente a palestra que eu apresentava os conceitos filosóficos que a
equipe EADES se apoiava na sua práxis; e que a indústria farmacêutica que ela
representava também estava trabalhando com esse conceito de desospitalização; e que
eles não tinham nenhum enfermeiro palestrante, apenas um médico, um excelente
médico, de renome; e que se eu permitisse alguém da empresa me procuraria. Me
entregou o seu cartão e pegou o número do meu telefone. Eu até recebi alguns
telefonemas de uns números não identificados por mim, mas como não os reconheci,
não os atendi.
Num segundo intervalo no mesmo evento, eu, mais uma vez, tentando me
aproximar da mesa do coffe break, só que nessa vez com muito mais fome que na
anterior sofro uma outra abordagem da mesma forma que no primeiro intervalo eu
172

havia sofrido, entretanto ao invés de uma linda menina, eram dois homens de terno e
gravata com o mesmo sorriso no rosto e com a mesma atitude de muita intimidade
puxando suas malinhas de rodinhas por todo o espaço do evento. O discurso agora era
diferente, mais pragmático, mais direto ao ponto. Eles haviam deixado um trabalho
científico sobre desospitalização na sala da coordenadora do SAD do INTO; e que era
muito bom; e que eu deveria lê-lo; e que era sobre um antibiótico que agora dá para ser
administrado em casa, uma revolução para a Desospitalização. Os dois me deram os
seus cartões e dessa vez eu me comprometi em ligar.

O segundo fato curioso se deu na minha cozinha, dentro da minha casa, em


uma manhã de sábado bem cedo. Era 26 de fevereiro de 2016 e minha amiga
enfermeira veio direto do seu plantão buscar cinco calopsitas que moravam lá em casa.
Sentados na mesa da cozinha e bebendo xícaras de café preto bem forte, começamos a
conversar sobre os acontecimentos recentes das nossas vidas, sobre o que estava
acontecendo conosco naquele momento. Ela falou de sua empresa que presta serviços
de auditoria às seguradoras de saúde e eu falei da minha pesquisa de mestrado. À
medida que eu avançava no meu discurso descritivo explicativo ela começou a
congelar, parou de sorver o café da xícara, parou de piscar os olhos, por um momento
achei que tivesse parado até de respirar. Ela projetou seu torso sobre a mesa em minha
direção, olhou profundamente dentro dos meus olhos e me interrompeu dizendo que
assim que eu terminasse essa dissertação eu deveria comunicá-la, pois juntos
desenvolveríamos um projeto de serviço de desospitalização que seria incluído na
cartela de produtos da sua empresa de auditoria e que iria ‘bombar’. Ela venderia o
produto e eu gerenciaria, e juntos ganharíamos muito dinheiro, muito dinheiro mesmo.

6.5 Eu como sujeito-acompanhante-filho-cuidador

Para essa seção desenvolvi o texto “Zé Lélis vai ao hospital: roteirizando um
processo de desospitalização” que se encontra disponível para leitura na íntegra como
Apêndice A. Nele descrevi minhas observações e afetações durante o período em que
performei como sujeito-acompanhante-filho-cuidador do meu pai. Foram três dias
intercalados com duas noites em que permaneci dentro do hospital em espaços
diferentes dos que frequento no dia-a-dia do meu trabalho. Me inspirei na forma de
construção de roteiros e dividi o texto em “Atos” e “Cenas”. Cada “Ato” corresponde
173

um dos três dias que fiquei no hospital. O “I Ato” se refere ao dia da internação do meu
pai no hospital e é composto por dezesseis cenas. O “II Ato” conta o dia da cirurgia do
meu pai e tem treze cenas. O “III Ato” traz as estórias do dia da alta e tem dezoito
cenas. A Figura 8 abaixo ilustra essa experiência.

Figura 8 – O Idiota 2

Legenda: Óleo sobre tela.


Fonte: Victor Mattina, 2015.
174

PARTE 3 – “AGAINST THE GRAIN ALONG THE GRAIN”


175

7 DISCUSSÃO

Durante semanas vivi mergulhado em dúvidas e questionamentos a respeito da


discussão dessa pesquisa. Se faria um texto exclusivo deslocado dos outros textos ou se
diluiria minha discussão pelos textos de análise e/ou de conclusão. Alguns colegas de
mestrado me disseram que foram obrigados a criar um texto de discussão que fosse
exclusivo e estivesse separado de todo o resto, o meu orientador depois da leitura dos
meus textos de análise não viu problemas se eu partisse logo para a conclusão e nela
discutisse os achados de maior relevância. De todo modo decidi por criar um texto de
discussão em separado. As figuras 9 e 10 abaixo representam a pluralidade dos achados
dessa pesquisa e as confusões metodológicas na tentativa de organização dos mesmos
seguindo os parâmetros didáticos da escrita acadêmica.

Figura 9 – Colagem 1. Figura 10 – Colagem 2.

Fonte: Roger Martins, 2016. Finte: Roger Martins, 2016.

Embora muito já havia sido discutido durante as análises, o motivo da minha


decisão foi a crítica que recebi da residente em Saúde Coletiva que trabalha conosco na
EADES depois de ter lido o texto “Analisando os documentos operacionais”. Para ela,
algumas partes do texto começavam uma discussão, mas a deixavam em suspensão
dando a ideia de que em algum momento essas discussões seriam continuadas.
176

Diante da decisão de escrever um texto exclusivo para discussão fui me


informar sobre os métodos e as técnicas existentes e quais estariam mais adequados à
minha pesquisa. Todas as pessoas (doutores, pesquisadores, professores, colegas da
pós-graduação, padrinhos e amigos) com quem conversei a respeito de métodos e
técnicas de discussão me disseram que a técnica mais amplamente utilizada era aquela
na qual nós identificamos as categorias que mais repetidamente aparecessem enquanto
realizamos as análises, e assim que identificadas, seriam discutidas.
Algumas pessoas foram até mais detalhistas e prescritivas e me orientaram a
trabalhar com três categorias, nem mais nem menos, fazendo uma triangulação com
elas, enquanto desenhavam no ar com o dedo indicador a forma de um triângulo.
Nos documentos acadêmicos e nos documentos oficiais foi fácil encontrar as
três categorias que se repetiam, entretanto, quando vasculhei os documentos
operacionais atrás dessas mesmas três categorias, algo me “cegava” e eu não conseguia
neles nada enxergar. Como foi difícil e longo o percurso até encontrá-las. Como é
difícil estranhar o que é familiar!73 Mas elas estavam lá o tempo todo, eram de uma
obviedade quase insana, elas representavam o próprio programa de desospitalização
utilizado pela equipe EADES. Um programa que é composto de três macroprocessos, e
cada um deles trazia consigo uma das três categorias que mais apareceram tanto no
grupo de documentos acadêmicos quanto no grupo de documentos oficiais. Cada
categoria se encontrava inserida em cada objetivo de cada macroprocesso.
Por se tratar de uma pesquisa quanti-qualitativa seria esperado que eu me
utilizasse de um maior número de unidades de análise para esse momento de discussão,
no entanto, para que eu não me perdesse no meio de tantas informações/tentações
reunidas durante essa pesquisa, optei por utilizar apenas três, entretanto sem me
restringir no número de variáveis de análise.
Para escolher as três unidades de análise me orientei pela pergunta dessa
pesquisa: Como fazer desospitalização em hospital geral? Uma pergunta simples e
direta, mas uma pergunta aberta, que pode ser respondida de diferentes maneiras. Para
essa discussão escolhi documentos que pudessem responder à pergunta dessa pesquisa

73
Reflexão de Roberto DaMatta sobre o ofício do etnólogo proferida durante a conferência realizada em
novembro de 1973 no Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília (UnB) cujo título era
“O ofício do etnólogo, ou como ter anthropological blues”. Roberto Da Matta dizia que o antropólogo
teria que num primeiro momento fazer um esforço para transformar o exótico em familiar, para dar um
sentido lógico e coerente às práticas que está observando. Da mesma forma que ele deveria ao retornar
para sua sociedade exercitar a fórmula no sentido inverso, aprendendo a estranhar o familiar (Oliveira,
2007).
177

de maneira mais prática e instrumental. Afinal a ida ao campo da equipe EADES tinha
sido para pesquisar nos seus documentos operacionais como fazer desospitalização em
hospital geral, porque de uma forma ou de outra a equipe EADES já vinha fazendo
desospitalização em hospital geral desde agosto de 2011.
Sem dúvida alguma, ao analisarmos os documentos que a equipe EADES se
utiliza para trabalhar e produz a partir do seu trabalho, muitos conhecimentos
metodológicos sobre esse específico processo de desospitalização seriam (e foram)
adquiridos. E quais seriam os tipos de documentos operacionais responsáveis por
melhor descrever passo-a-passo os processos de desospitalização da equipe EADES, se
não os fluxogramas dos três macroprocessos que compõem o programa? Para cada
categoria de discussão havia um macroprocesso correspondente, e para cada
macroprocesso um fluxograma correspondente: a) o “Fluxograma Captação”; b) o
“Fluxograma Redes de Atenção à Saúde – RAS”; e c) o “Fluxograma Cuidados”. Será
a partir desses três fluxogramas (unidades de análise) que farei a discussão. Entretanto,
algumas vezes, me vi obrigado a recorrer a outras unidades de análise (documentos
operacionais) para encontrar sentidos e coerências nos meus achados, comprovar ou
não algumas das minhas ideias e trocar as velhas dúvidas pelas novas dúvidas.
Para construir o caminho discursivo desse texto me deixei ser influenciado
pelo artigo de Lowenkron e Ferreira (2014), e tomei-lhes emprestadas algumas das suas
“reading strategies” 74 as utilizando como sendo as variáveis analíticas para essa
discussão. Em alguns momentos ao me utilizar dessas “reading strategies” me vi
questionando o meu próprio trabalho, seu modus operandi e até mesmo sua eficácia, e
esses questionamentos serão apresentados na forma de perguntas no meio do texto para
que não perdessem sua espontaneidade e sua identidade, e o texto, sua fluidez e sua
verdade. Para diferenciá-los os formatei em itálico.
De antemão deixo claro que continuei me utilizando da dialética como
discurso, onde mais problematizei que expliquei. Entendo que isso foi possível pois
esse trabalho é uma dissertação de mestrado que, segundo Tobar e Yalour (2003), não
prescindiria que eu (o aluno), ao final, apresentasse um novo enfoque teórico,
constituísse um novo paradigma ou mesmo formulasse a última palavra sobre um

74
Para além das “reading strategies” “along the grain” e “against the grain”, as autoras nos
apresentam outras tantas maneiras de leitura. Olhar os brasões, os carimbos e as assinaturas é uma (1)
delas. Acompanhar o ir e vir do documento, o seu percurso e quem os manipula, um (1) outra maneira.
Identificar as estratégias de silenciamento e as disputas de poder contidas nos documentos, mais uma (1).
E quem faz os registros e quem é registrado, também (LOWENKRON; FERREIRA, 2014).
178

determinado tema, no meu caso, a Desospitalização. De todo modo, vez ou outra, não
permaneci na superfície das discussões e me aprofundei sempre quando precisei
levantar hipóteses, defender teses e/ou apresentar antíteses.

7.1 Os três fluxogramas

Todos os três fluxogramas em discussão são fluxogramas horizontais e


apresentam grande quantidade de ações, decisões, funções e áreas de ação. Cada um
deles representa um macroprocesso do programa de desospitalização desenvolvido pela
equipe EADES. Eles trazem campos horizontais atravessados por campos verticais. No
caso específico desses documentos os campos horizontais representam os subprocessos
enquanto os campos verticais representam os locais onde cada uma das ações deve ser
desempenhada.
As ações são representadas por figuras geométricas: a) os círculos só são
utilizados para simbolizar a tarefa inicial e a tarefa final de cada macroprocesso; b) os
retângulos são utilizados para simbolizar as atividades intermediárias; c) os losangos
são utilizados para simbolizar as perguntas direcionadoras de fluxo. Setas
unidirecionais e bidirecionais informam a direção do fluxo entre as atividades ali
identificadas.
Os fluxogramas representam um esquema de curso de vida que segue um
único sentido, que tem princípio, meio e fim determinados, que pouco varia, e que
quase nunca retorna. Um curso de vida onde a ação de número um sempre antecede a
ação de número dois que por sua vez antecede a ação de número três e assim
sucessivamente. Mas estamos no mundo dos vivos, no mundo dos humanos, no mundo
dos acontecimentos inusitados, no mundo das vontades, no mundo das ações políticas,
ideológicas e de sobrevivência. Algo nesse curso de vida pré-programado pode fugir ao
controle. Como diz Canguilhem (2001) em suas críticas à Taylor, o comportamento do
trabalhador se mostra como um dado rebelde à previsão e ao cálculo, pois para ele, os
trabalhadores só terão como “autênticas normas apenas as condições de trabalho que
eles mesmos instituem tendo como referência valores próprios e não aqueles impostos”.
Apesar de sabermos que os fluxogramas utilizados pela equipe EADES foram
desenvolvidos a partir de seus próprios valores e referências, poderíamos afirmar que
o programa de desospitalização com os seus três (3) macroprocessos, seus vinte e nove
(29) subprocessos, e todas as suas cinquenta e uma (51) ações será sempre executado
179

ipse litteris como o que está graficamente esquematizado nos documentos em discussão
ou fugirá ao controle?
Então, me pergunto, por que a escolha dos três fluxogramas para responder à
pergunta da pesquisa: Como fazer desospitalização em hospital geral? Teria eu me
tornado um profissional taylorista amante dos fluxogramas, das rotinas, dos
protocolos etc., característica que questiono o tempo todo e da qual tento me afastar
sempre que estou em ação/reação/proação?75
Enquanto sujeito-profissional de saúde que pensa a desospitalização como
uma desconstrução 76 do modus operandi de se fazer saúde que hoje se encontra
hegemonicamente disseminado pelos e nos hospitais, está mais que justificada a minha
preocupação.
O que talvez me assossegue um pouco é pensar que essa escolha de discutir
apenas essas três unidades dentre as mais de oitenta e tantas outras unidades de
análise77 seja uma potente estratégia para conquistar visibilidade e credibilidade pelos e
entre os profissionais “tayloristas” que encontro diariamente dentro do hospital e que
com eles tenho que trabalhar desenvolvendo o programa de desospitalização. Ao
apresentar um fluxograma, eu acredito, nós da equipe EADES estaríamos criando
materialidade78 para o processo de desospitalização, um processo que basicamente é
feito na base da conversa. Estaríamos, então, sendo reconhecidos como iguais, e ao nos
“tornarmos” um deles estaríamos sendo admitidos no seu sistema.

75
Me fiz essa pergunta um tanto quanto assustado comigo mesmo ao me lembrar do artigo de Barros
(2009) no qual é definido pela autora que o fluxograma seria “um conjunto de mecanismos construídos
para condicionar o trabalho humano a um jogo de mecanismos inanimados, no qual os sujeitos
envolvidos não poderiam expressar suas potencialidades e estariam o tempo todo se assujeitando às
regras heterodeterminadas (e heterodeterminantes, grifo meu).”
76
Me refiro ao pensamento filosófico de Jacques Derrida, cujo objetivo, segundo Meneses (2013), é
acreditado para promover o livre jogo, o cancelamento de opostos, a abolição das hierarquias instaladas.
E quando transposto/aplicado ao mundo da saúde e da doença, se daria através da humanização
hospitalar, da humanização do acolhimento em saúde.
77
Nas pesquisas realizadas nos bancos de dados públicos Pubmed, BVS e DOU e arquivos da equipe
EADES foram encontrados 137 documentos acadêmicos, 55 documentos oficiais e 36 documentos
operacionais. Dentre esses, após os processos de filtragem descritos no texto “Notas sobre o processo de
seleção dos documentos para análise”, foram selecionados 42 documentos acadêmicos, 11 documentos
oficiais e 34 documentos operacionais.
78
A necessidade da materialização do trabalho imaterial pelo Capital surgiu com o fim da bipolaridade
político-econômica entre Estados Unidos e União Soviética junto às transformações trazidas pela
robótica, a microeletrônica a as novas formas de gestão empresarial. O trabalho imaterial assumiu o
posto de objeto de muitas análises nas Ciências Sociais que retomaram as ideias de Marx para qualificar
essas transformações produtivas e gerenciais como uma nova fase do processo de valorização e de
acumulação capitalista (AMORIM, 2014).
180

Mas de onde veio a necessidade de ser criada essa materialidade? Por que foi
só em 2015 que esses fluxogramas foram criados? Teria sido uma demanda interna da
equipe EADES ou teria sido uma demanda vinda de alguém de fora da equipe? A
criação desses fluxogramas teria relação com a chegada de novos integrantes na
equipe ou com a mudança do corpo diretor do hospital? Foram algumas perguntas que
me fiz tentando entender minhas escolhas.
Destaco que nos três macroprocessos, “Captação”, “Redes de Atenção à Saúde
– RAS” e “Cuidados” o subprocesso do programa de desospitalização da equipe
EADES que compreende o maior número de ações é o subprocesso “Registro”.
Percebe-se ao analisá-los que para cada ação executada ou cumprida pelos integrantes
da equipe EADES está programada uma ação de registro correspondente a ela. A cada
ação segue-se uma outra ação que valida a primeira.
Por que sempre depois de cada ação executada vem uma ação de registro
cujo objetivo é registrar a ação executada? Qual o sentido de esse ir e vir entre cada
ação e a ação de registro que registra a ação?
Cheguei a considerar que o número das ações de registro tinha se dado
unicamente em detrimento da necessidade da equipe EADES em produzir provas do
seu trabalho, provas capazes de corporificar suas ações que são pautadas no
relacionamento79 e cujas práticas de trabalho são pautadas nas conversas 80 que se dão
entre os integrantes da equipe EADES e o(a)s pacientes, sua(s) família(s) e seu(s)
grupo(s) social(is), o(a)s cuidadore(a)s e os profissionais das equipes de assistência
intra e extra-hospital. Conversas fiadas, conversas informais e programadas, conversas
que acontecem na beira dos leitos, na sala da equipe, nos corredores do hospital, fora
do hospital, face-a-face, por telefone, via Whatsapp, e-mail, RAS, ofício, etc.81 Mas
também consegui perceber que essa estratégia de trabalho pode ter se dado em

79
Trato do relacionamento sobre dois pontos de vista: a) o relacionamento como uma tecnologia leve que
por se tratar de um trabalho-vivo em Saúde, como defende Merhy (2005), só tem materialidade em ato; e
b) o relacionamento como uma forma de cuidado que se dá através da escuta, do diálogo e do
reconhecimento do outro, segundo Koloroutis (2012).
80
Essas conversas de que falo no texto conversam com o que Machado et al. (2010), a partir das ideias
sobre humanização no atendimento à saúde, definem como conversa clínica. Uma conversa que como
forma de comunicação possibilita a constituição de um nexo intersubjetivo entre o profissional de saúde
e o usuário e que pressupõe a mútua aceita de compromissos. Segundo as autoras uma maior
comunicação resultaria na construção de espaços de participação e responsabilidades partilhadas no que
diz respeito à qualidade e humanização da atenção à saúde.
81
Para maiores detalhes voltar no texto “Notas sobre a história e as estórias da EADES”.
181

detrimento da necessidade de dar concretude aos discursos dialógicos que se dão


durante essas conversas. Uma forma de memorização da oralidade. O registro dando
visualidade ao áudio, substantivando o som das falas. Afinal é preciso registrar para
existir 82 . Registrar para se fazer notar. O registro feito pelos integrantes da equipe
EADES servindo como uma assinatura de endosso e validação dos discursos. E quanto
antes eu o faça, menos risco eu corro de algo esquecer.
E se esses três fluxogramas foram criados apenas em detrimento de uma
demanda vinda dos próprios integrantes da equipe EADES, uma demanda que atenda
à concepção de produção de saúde que cada integrante construiu durante sua
formação profissional e sua carreira? 83 . E se os próprios profissionais da equipe
EADES, na verdade, forem todos tayloristas?
Para encerrar as discussões sobre as ações de registro, por enquanto, mesmo
sabendo que essa discussão não se encerra por aqui, faço duas observações:

a) Como é possível ser observado em todos os três fluxogramas84, no que


tangem as ações de registro, não existem referências a outros tipos de
registradore(a)s, mesmo quando outros profissionais participam do
programa de desospitalização como é o caso do(a)s profissional(is) da
Enfermagem que treina(m) o(a)s cuidadores(as); como é o caso da
equipe multiprofissional da assistência que identifica o(a) paciente com
perfil para o programa de desospitalização do hospital; e como é o caso
da equipe multiprofissional da assistência extra-hospital que realiza as
visitas domiciliares naqueles pacientes que foram encaminhados pela
equipe EADES. Compete apenas aos profissionais da equipe EADES
realizarem todas as ações de registro de todas as ações do programa as

82
Lowenkron e Ferreira (2014), nos apresentam o jargão legal que diz que o que não está nos
documentos não está no mundo, ou seja, é necessário a existência de um instrumento cujo preenchimento
deve seguir certos padrões técnico-orientados e ser preenchido por uma pessoa legalmente instituída
desse poder para que qualquer investigação policial seja formalizada e oficializada. Mutatis mutandis,
poderíamos considerar que o que não está sendo registrado nos documentos operacionais da equipe
EADES por algum dos seus integrantes simplesmente não existe.
83
Talvez como nos aponta Capra, a formação e atuação dos profissionais da EADES possa estar calcada
no modelo biomédico de assistência, cuja influência encontra-se alicerçada no paradigma cartesiano,
segundo o qual o homem é concebido como um sistema mecanizado, de partes estanques e distintas.
(SILVA et al., 2008).
84
Observem a coluna “Quem?” das tabelas descritivas das etapas dos três fluxogramas disponíveis no
Anexo IV – Caderno de Documentos Operacionais.
182

tendo feito ou não. Não existiriam ações de desospitalização possíveis


de serem perfeitamente executadas por outros profissionais da
assistência que não apenas os integrantes da equipe EADES? Se sim,
por que então as ações de registro sobre as ações de desospitalização só
são realizadas pelos profissionais da equipe EADES? Estariam os
profissionais da equipe EADES mais capacitados para fazerem ações de
registro sobre as ações de desospitalização que os outros profissionais
da assistência? Por que os registros feitos pelos integrantes da equipe
EADES sobre as ações de desospitalização teriam mais legitimidade que
os registros sobre as ações de desospitalização de outros profissionais?
Sendo as ações de desospitalização desenvolvidas pela equipe EADES
ações interdisciplinares 85 em sua grande maioria (mais de 95%),
novamente me pergunto, por que o registro das ações de
desospitalização é exclusivamente EADES-centrado? Estaríamos
observando o nascimento de uma nova disciplina 86 ou de uma nova
categoria profissional no mundo da saúde? Ou serias as ações de
registro sobre as ações de desospitalização dotadas de tamanha
incomensurabilidade87?

b) A grande maioria das ações de registro sobre as ações executadas são


feitas no documento operacional “Fichário de Dados do(a) Paciente”. São
raras as exceções quando não. Os poucos registros que são feitos
diretamente nos prontuários dos pacientes nas enfermarias têm a função
de informar sobre a admissão do(a)s paciente(s) no programa de
desospitalização da equipe EADES. Outro local de registro para além dos
acima citados é o documento operacional “Relatório de Visita Técnica”

85
Ler no item olhar qualitativo do texto “Analisando os documentos operacionais” as análises sobre os
documentos que descrevem as atribuições dos integrantes da equipe EADES.
86
Essa nova disciplina de que falo nada tem a ver com a garantia da formação do homem virtuoso de
Kant ou mesmo como os valores que Arendt nos convida a resgatar (CALDAS, 2010). Falo de uma
disciplina que surge de uma fragmentação dos saberes na saúde, constante do mundo moderno. Falo de
uma disciplina baseada no projeto democratizador do homem moderno proposto pelo antropólogo
argentino contemporâneo Nestor Garcia Canclini no qual ele (e a modernidade) se fia(m) nos saberes
especializados a fim de lograr(em) uma evolução racional e moral (SILVA, 2011).
87
Me refiro ao conceito kuhniano onde a incomensurabilidade ocupa o posto de uma das duas direções
principais por onde ocorre o progresso científico, oposta ao conceito de paradigma, responsável pela
proliferação de novas especialidades (MENDONÇA; VIDEIRA, 2007).
183

que a equipe EADES utiliza quando realiza visitas às redes de atenção à


saúde já estabelecidas, àquelas que se encontram em processo de
estabelecimento ou ainda, às que estão apresentando alguma dificuldade
ou resistência. Sendo o “Fichário de Dados do(a) Paciente” o documento
operacional onde primordialmente são feiras as ações de registro das
ações de desospitalização realizadas, acredito sê-lo um documento que
circule bastante pelo hospital junto aos integrantes da equipe EADES
durante a execução das suas ações nas suas áreas de atuação dentro e fora
do hospital. Ou será que os integrantes vão às suas áreas de atuação sem
levar o documento operacional “Fichário de Dados do(a) Paciente” e
ao retornarem para a sala da equipe EADES fazem os seus registros? Se
sim, não estariam os integrantes da equipe EADES não-
cumprindo/subvertendo o fluxo de ações estabelecido nos três
fluxogramas, onde para cada ação de desospitalização executada
corresponde imediatamente uma ação de registro sobre ela? Se sim, qual
a garantia de que durante o percurso entre os locais onde as ações de
desospitalização foram executadas e a sala da equipe EADES nenhuma
informação relevante se perca pelo caminho? Por que esses registros
sobre as ações de desospitalização não são realizados no próprio
88
prontuário do paciente ? Estaríamos diante de uma estratégica
biopolítica, deter o saber para manter o poder89? Ou será que a intenção
da equipe EADES é apenas a de produzir materialidade para o seu
trabalho?

88
Como ainda não existe norma legal sobre o tema, tomam-se as Resoluções do Conselho Federal de
Medicina (CFM) como norteadoras. O conceito e requisitos mínimos do prontuário médico foram
estabelecidos pela Resolução CFM nº 1638/2002, cujo Art. 1º - o define com o documento único
constituído de um conjunto de informações, sinais e imagens registradas, geradas a partir de fatos,
acontecimentos e situações sobre a saúde do paciente e a assistência a ele prestada, de caráter legal,
sigiloso e científico, que possibilita a comunicação entre membros da equipe multiprofissional e a
continuidade da assistência prestada ao indivíduo. O prazo vintenário (20 anos), para preservação dos
prontuários em suporte papel, foi regulamentado pela Resolução CFM 1.821/07.
89
Para Foucault “O poder produz saber (...), não há relação de poder sem constituição correlata de um
campo de saber, nem saber que não suponha e não constitua ao mesmo tempo relações de poder”
(FOUCAULT, 2008). Essa citação foi extraída da obra Arqueologia do Saber de 1969, obra que se
relaciona e que aborda com maior evidência a relação entre saber e poder. De todo modo, sugiro ainda a
leitura de duas outras obras antecessoras a esta: O nascimento da clínica (1963) que aborda o
rastreamento e o surgimento do saber e do discurso médico; e As Palavras e as Coisas (1966) que
demonstra a construção da origem do discurso como objeto (BORDIN, 2014).
184

A partir de agora irei discutir separadamente cada um dos três fluxogramas


escolhidos e as categorias com as quais eles se comunicam mais diretamente. Decidi
iniciar essas discussões com outras colagens do artista Roger Martins ao invés de
apresentar as figuras dos fluxogramas discutidos. Eles se encontram na íntegra para
consulta no Anexo II dessa dissertação. As imagens que ilustram cada um dos próximos
três itens desse capítulo fazem uma crítica ao próprio documento fluxograma.
Seria possível afirmarmos que as ações de desospitalização se dão de maneira
concatenada e organizada sendo a dinâmica da vida e dos processos de saúde-doença
tão caótica?

7.2 O documento operacional “Fluxograma captação” e a categoria “família”

Figuras 11 – Colagem 3.

Fonte: Roger Martins, 2016.


185

O documento operacional “Fluxograma Captação” representa graficamente um


(1) dos três (3) macroprocessos do programa de desospitalização da equipe EADES.
Ele é composto de seis (6) subprocessos: a) “Identificação”; b) “Triagem”; c)
“Admissão”; d) “Registro”; e) “Monitoração”; e f) “I Encontro Familiar Programado”,
dezoito (18) ações e cinco (5) perguntas direcionadoras de fluxo. Também apresenta
duas (2) áreas onde as ações são executadas: a) na EADES; e b) na USE e nas
enfermarias.
Começo a discuti-lo chamando a atenção para o(a) último(a) subprocesso/ação
que tem como objetivo a realização de um encontro familiar programado na sala da
equipe EADES. Esse é o momento em que a família do(a)s paciente(s) passa
definitivamente a fazer parte do programa de desospitalização da equipe EADES. É
possível que algum dos familiares presentes já tenha sido abordado na beira do leito por
algum integrante da equipe EADES durante o subprocesso “Admissão” na tentativa de
conseguir respostas para as três perguntas universais da admissão da EADES e agendar
o “I Encontro Familiar Programado”.
O que se pretende saber com as três perguntas universais da admissão da
EADES é: a) onde será o domicílio que o(a) paciente irá morar depois que receber alta
hospitalar; b) quem da sua família ou do seu grupo social vai ser o(a) seu(sua)
cuidador(a); e c) onde e com quem o(a) paciente faz tratamento de saúde, caso o faça.
Respostas de suma importância para que o processo de desospitalização da equipe
EADES tenha continuidade.
Eu até poderia olhar com bons olhos essa ação executada pela equipe EADES,
a inclusão das famílias nas discussões sobre os processos de desospitalização no
hospital, mas prefiro chamar a atenção para a forma como essa inclusão familiar me
parece se dar. Sobretudo, fico na dúvida se essas famílias ocupam verdadeiramente o
lugar de protagonistas ou de meras coadjuvantes. Se a elas, durante o “I Encontro
Familiar Programado”, é dada voz ou apenas o direito de resposta às três perguntas
universais da admissão da EADES, e quando não, unicamente, o direito de
permanecerem caladas.
Será que essas famílias que se reúnem na sala da equipe EADES durante o “I
Encontro Familiar Programado” são realmente incluídas nos processos de
desospitalização ou elas estariam sendo convocadas apenas para atenderem às
demandas operacionais de um grupo de profissionais de saúde?
186

Ao ver a descrição da ação de número dezoito 18, “I Encontro Familiar


Programado” na “Tabela descritiva das etapas do Fluxograma Captação” como sendo a
ação que busca responder, definitivamente, às três perguntas universais da admissão da
EADES, não me parece que esse espaço de inclusão das famílias nos processos dos
cuidados, como o próprio nome tanto do subprocesso como da ação podem sugerir,
esteja realmente sendo oferecido e garantido90 às famílias e aos grupos sociais.
Suponhamos que, pelo contrário, a família ocupe um lugar de destaque durante
o “I Encontro Familiar Programado”, que ela tenha voz, que ela reivindique seus
direitos, exponha suas demandas91, que ela vire a protagonista da cena. Ainda assim,
suas falas, suas reivindicações e suas demandas continuarão dependendo diretamente
do(a)s profissionais de saúde para serem escutadas e registradas. Às famílias, de acordo
com o “Fluxograma Captação”, somente caberá ocupar o lugar daqueles que são os
registrados e nunca o lugar daqueles que fazem os registros. E quem registra será
sempre um integrante da equipe EADES. Ou seja, os registros das falas, das
reivindicações e das demandas das famílias e/ou dos grupos sociais serão relizados por
outras pessoas que por algum motivo podem vir a esquecer/reierarquizar dados e
informações.
Que o(a) registrador(a) seja um exímio registrador, que registre tudo sem
perder detalhe algum, poderíamos dizer que tudo o que vier a ser registrado estará
mais próximo do real, ou não, estará mais próximo do real ficcionado? E tudo aquilo
que deveria ter sido registrado, mas foi “esquecido” pelo(a) registrador(a) na hora de
registrar, não poderia estar silenciando as falas, as reivindicações e as demandas das
famílias e/ou dos grupos sociais?
Continuando a ler o documento “Fluxograma Captação” posso dizer que a
busca constante de respostas para as três perguntas universais da admissão da equipe
EADES não está limitada ao “I Encontro Familiar Programado”, seja ele o subprocesso
ou a ação de número dezoito (18). Ela se inicia desde o primeiro momento em que a

90
Ver na coluna “O quê?” das tabelas descritivas das etapas dos três (3) fluxograma disponível no Anexo
IV – Caderno de Documentos Operacionais.
91
Falo de uma demanda que vai além dos seus modelos explicativos pautados nas suas racionalidades
econômica e biomédica. Falo de uma demanda que não tenta separar nem isolar os problemas de saúde
dos problemas sociais. Falo de uma demanda construída cotidianamente, fruto de um inter-
relacionamento entre normas e práticas que orientam os diferentes atores envolvidos que formulem e
implementam políticas de saúde onde quer que seja. Falo de uma demanda parafraseando Pinheiro et al.
(2010). Sugiro reler as cenas 10, 11, 13 e 15 do Ato I, as cenas 6 e 10 do Ato II e a cena 18 do Ato III no
texto “Notas sobre a implicação afetação com os campos , os objetos artefatos e os como sujeitos”.
187

equipe EADES vai conversar com o(a)s paciente(s) e o(a)s acompanhante(s) na beira
do leito, desde então, é ela quem ocupa o lugar principal dessas conversas, salvo
quando a equipe EADES se coloca a escutar o que o(a)s paciente(s) tem a dizer a
respeito dos seus sentimentos, dos seus pensamentos, dos seus conhecimentos e dos
seus desejos 92 . Nesse momento me parece que é a voz do(a)s paciente(s) a voz
protagonista da vez. De todo modo, uma voz protagonista que para não ser silenciada
dependerá do outro, do registro do outro, do registro que o integrante da equipe
EADES vier a fazer sobre seus sentimentos, pensamentos, conhecimentos e desejos. E
é nesse momento que a equipe EADES corre o risco de se transformar em mais uma
“instância atravessadora de poder” reproduzindo aqueles antigos modelos hegemônicos
ainda operantes no hospital. Mais ainda, é preciso que discutamos sobre o que está por
traz desse interesse de se incluir as famílias e/ou os grupos sociais nos processos de
cuidado do(a)s paciente(s) que são atendido(a)s pelo programa de desospitalização da
equipe EADES.
Estaria a equipe atendendo unicamente à algumas prerrogativas dos
documentos oficiais93 utilizados como suporte legal ao seu trabalho? Ou a captação da
família e/ou do grupo social somente estaria respondendo às estratégias do mercado
na tentativa de racionalizar os gastos da assistência hospitalar, uma assistência cara
por excelência? Esse chamado das famílias e/ ou dos grupos sociais para participarem
dos processos de cuidados logo desde o início do processo de internação do(a)s
paciente(s) não poderia ser interpretado como uma preparação para a inadiável
transferência de uma responsabilidade que pela Constituição é do Estado? Não estaria
significando que o direito à saúde constitucionalmente garantido se transformaria em
um “problema de família” 94 /das famílias e/ou grupos sociais? De que adianta

92
Ao examinar a coluna “O quê?” da “Tabela descritiva das etapas do fluxograma Captação” disponível
no Anexo IV – Caderno de Documentos Operacionais, encontramos quatro (4) perguntas que são
apontadas para serem feita para o(a) paciente à beira do leito.
93
A Política Nacional de Atenção Hospitalar (PNHOSP) define em seu Artigo 16 que os mecanismos de
desospitalização dos hospitais tem o compromisso de garantir uma alta hospitalar responsável através da
constituição de redes de atenção à saúde (BRASIL, 2013). A Portaria que estabelece a organização dos
cuidados prolongados traz um capítulo inteiro sobre a alta responsável (Capítulo III) e seus objetivos
(BRASIL, 2012).
94
Fazer uma relação com o trabalho que Ferreira (2013) realizou no Setor de Descoberta de Paradeiros
(SDP) da Delegacia de Homicídios (DH) do Rio de Janeiro, no qual percebeu como as produções dos
registros de ocorrência feitos pelos policiais seriam responsáveis por transformar os desaparecimentos
como o problema de família e não de Estado. Risco semelhante que os integrantes da equipe EADES
correm ao realizarem os registros dos depoimentos das famílias e/ou dos grupos sociais no I Encontro
188

convocarmos a família se que o que está em foco for apenas conseguirmos responder
às três (3) perguntas universais da admissão da EADES em atendimento a uma
demanda puramente profissional?
Diante disso, chamo a atenção agora para as ações que identificam os “tipos
ideais” de pacientes são realizadas conjuntamente pelas equipes multiprofissionais da
assistência e EADES, que se utilizam de um escalonamento hierarquizado95. Quando
penso nos princípios contidos na Lei Orgânica da Saúde (LOAS), mais especificamente
no princípio que garante a universalidade do acesso ao sistema, me questiono se não
seria direito de todos os pacientes hospitalizados terem acesso ao programa de
desospitalização.
Se saúde é um direito de todos e um dever do Estado, teria direito esse mesmo
Estado, na figura dos seus representantes, negar direitos? Ou será que a escolha
desses “tipos ideais” de pacientes e a inclusão das suas famílias e/ ou dos seus grupos
sociais não seria apenas uma forma de esconder da nossa visão todo(a)s aquele(a)s
paciente(s) que coloca(m) em cheque a cientificidade das nossas disciplinas
biomedicalizantes e das nossas formas de trabalho em cujos problemas não
conseguimos intervir e dar respostas com o nosso suposto saber-poder, uma forma de
esconder da nossa visão todo(a)s aquele(a)s pacientes que “ninguém quer” ver? Uma
ação biopolítica96? Com que direito a equipe EADES decide quem tem ou não tem
direito de acesso às ações de saúde oferecidas pelo hospital?

Familiar Programado, risco em transformar o que seriam objetos de responsabilidade do Estado (os
problemas de saúde) em objetos de responsabilidade da família.
95
No documento operacional “Censo” encontramos quatro (4) critérios de admissão não-excludentes no
programa de desospitalização da equipe EADES, são eles: a) se o(a) paciente for portador de doença
oncológica; b) se o paciente for idoso; c) se o paciente estiver em internação prolongada; e d) se o
paciente foi encaminhado por algum(a) outro(a) profissional de saúde ou gestor(a). Sugiro leitura do
texto “Analisando os documentos operacionais”, especificamente a análise da metodologia de trabalho
do documento operacional “Relatório de Gestão”. E ainda, o item “Construindo a metodologia de
trabalho da EADES” presente no texto “Notas sobre a história e as estórias da EADES”.
96
Quando Caponi (2009) escreve sobre biopolítica e medicalização dos anormais, ela acrescenta aos
conceitos “Governo dos corpos” de Foucault e “Governo da vida” de Arendt, o conceito de “Vida nua”
de Agamben que fala de um governo dos corpos e das vidas às avessas, ou seja, um governo que opera
no sentido de excluir, de colocar para fora da lei, de abandonar “os anormais” (pessoas improdutivas?).
Um anti-governo (?). No meu entendimento, quando a equipe EADES faz a separação “do joio e do
trigo”, de quem tem perfil para ser admitido no seu programa de desospitalização ela está operando nos
dois sentidos: a) ela seleciona aqueles “corpos” e aquelas “vidas” que merecem ser governadas, e isso
acontece quando o(a)s pacientes que preenchem o perfil de atendimento pela equipe EADES são
admitidos e se tornam merecedores das ações da equipe; e b) ela retira da sua esfera de governabilidade
os mesmos “corpos” e “vidas” “anormais” “pós-governados” devolvendo-os para as suas famílias e/ou os
seus grupos sociais.
189

7.3 O documento operacional “Fluxograma redes de atenção à saúde – ras” e a


categoria “redes”

Figuras 12 – Colagem 4.

Fonte: Roger Martins, 2016.

O documento operacional “Fluxograma Redes de Atenção à Saúde – RAS” é o


documento que representa graficamente todas as ações que devem ser realizadas
durante a organização das redes de atenção à saúde do(a)s paciente(s) incluídas no
programa de desospitalização da equipe EADES. Esse fluxograma apresenta o
macroprocesso “RAS” que é composto de nove (9) subprocessos, vinte e uma (21)
ações e apenas uma (1) pergunta direcionadora de fluxo. É um documento que trata de
um macroprocesso cujas ações iniciais se dão durante o macroprocesso anteriormente
discutido.
O macroprocesso “Redes de Atenção à Saúde – RAS” introduz um novo
espaço de ação para a equipe EADES. Trata-se do mundo extra-hospitalar. O hospital
se vê obrigado a pensar para além de si, para além dos seus muros, para além das suas
esferas de controle e poder. O hospital passa a ter que pensar os processos de saúde de
190

outra forma, passa a ter que pensar os processos de saúde como um continuum que
depende dos outros níveis de complexidade, dos outros equipamentos de saúde, dos
outros profissionais de saúde para acontecer97.
Nesse macroprocesso é estabelecido a primeira ruptura dos limites físicos do
hospital para além do material e do simbólico. A equipe EADES passa a trabalhar a
desospitalização do(a)s paciente(s) hospitalizados também fora do hospital, nos outros
níveis de complexidade, nos outros equipamentos de saúde, junto a outros profissionais
de saúde. Até então as ações da equipe EADES ou eram realizadas na Unidade de
Suporte de Emergência (USE) e nas enfermarias de internação do hospital ou eram
realizadas na sala da equipe no hospital.
Como funciona essa relação interinstitucional e interpessoal na prática?
Como acontece o primeiro acesso, com facilidade ou dificuldade? Que trâmites
burocráticos se colocam no caminho entre as parcerias estabelecidas entre as
pessoas? Os acordos são cumpridos integralmente como combinados? Se não, como
se dão as cobranças entre as partes envolvidas sendo que na maioria das vezes não há
qualquer gerência de uma parte sobre a outra?
Observei que para que se possa conseguir organizar redes de atenção à saúde
específicas e efetivas para cada paciente em acompanhamento pela equipe EADES,
muitas idas e vindas de informações, de vozes, de documentos e de pessoas precisam
acontecer e acontecem o tempo todo. É esse ziguezaguear pelos multi espaços que
torna possível que os nós das redes sejam atados, que os saberes circulem, e que o
continum da saúde aconteça. São quatro os subprocessos em que esses movimentos de
informações, de vozes, de documentos e de pessoas acontecem horizontalmente de
dentro do hospital para fora do hospital, e vice-versa: “Estabelecimento”,
“Formalização”, “Encaminhamento” e “Manutenção”.
Se o SUS é composto de uma rede hierarquizada 98 , por que tantas etapas
precisam ser cumpridas (subprocessos e ações) pelos integrantes da equipe EADES
para que uma rede de atenção à saúde seja organizada? Por que mesmo depois da

97
Podemos perceber o hospital como sendo mais um ponto de atenção na rede de atenção à saúde quando
nos atentamos para o Artigo 8º, o Artigo 12 e o Artigo 20 do Decreto nº 7.508 de 28 de junho de 2011
que regulamenta o SUS, e ainda quando nos atentamos para o Artigo 1º, o Artigo 6º, o Artigo 9º e o
Artigo 16 da Portaria 3.390 de 30 de dezembro de 2011 que institui a PNHOSP no SUS.

98
Desde a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) em 1988 que as
ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um
sistema único, vide o seu Artigo 198 (BRASIL, 1988).
191

equipe EADES conversar por telefone com os profissionais das equipes


multiprofissionais da assistência extra-hospital que irão receber os pacientes
encaminhados ainda se faz necessário que e-mails solicitando o mesmo acolhimento
acordado oralmente durante as conversas via telefonemas sejam encaminhados e
reencaminhados? O papel desse e-mail seria o de provar que houve algum tipo de
negociação entre as partes, de provar que essas partes entraram em comum acordo?
Ou seria uma forma de garantir o cumprimento das ações pactuadas?
Em todo o macroprocesso “Redes de Atenção de Saúde – RAS” apenas uma
única ação se dá no espaço USE e enfermarias, uma ação do subprocesso
“Documentação”. Trata-se da afixação de uma cópia do documento operacional “Redes
de Atenção de Saúde – RAS” no prontuário do(a)s paciente(s) e do registro, também no
prontuário, sobre a entrega de uma cópia do mesmo documento ao responsável familiar
ou do grupo social. Esse documento é composto de uma ou duas folhas de papel A4
impressas na impressora a laser da própria equipe. No seu cabeçalho o documento traz
no alto esquerdo da folha o logotipo do hospital e ao seu lado direito uma lista dos
nomes dos órgãos e instituições que endossam o documento, partindo do nome
“Ministério da Saúde” e seguindo verticalmente de cima para baixo até chegarem no
nome “Hospital Federal de Bonsucesso”, que é seguido do nome do órgão onde a
equipe EADES está inserida dentro do organograma do hospital “Núcleo Interno de
Desospitalização”, pelo nome da “Equipe de Apoio à Desospitalização e Educação em
Saúde” e pelo nome do próprio documento “Redes de Atenção à Saúde – RAS”, o
último nome da lista. No seu interior ele reúne informações sobre o(a)s paciente(s), seu
endereço no pós-alta e dados sobre as equipes multiprofissionais da assistência extra-
hospital para quem (médico, enfermeiro, agente comunitário de saúde, gerente,
coordenador) o(a)s paciente(s) serão encaminhados . No seu rodapé, encontramos as
informações sobre quem produziu o documento. Estão lá os endereços fixos e virtuais
da equipe EADES e os seus dois (2) números de telefone. Além de um espaço para
assinatura e carimbo do integrante da equipe EADES que o produziu ou que o
entregou.
Na “cópia” que vai ser afixada no prontuário do(a)s paciente(s), após todas as
informações já mencionadas, existe um parágrafo em negrito destacando a solicitação
que a equipe EADES faz aos profissionais das equipes multiprofissionais da assistência
do hospital para que as altas dos pacientes em acompanhamento pela equipe EADES
sejam dadas sempre às segundas-feiras e às terças-feiras na parte da manhã. Segundo o
192

que está escrito, tal prática permitiria que a equipe EADES conseguisse articular junto
à rede externa de assistência a primeira visita no domicílio do(a)s pacientes em até 48h
após a saída do(a)s paciente(s) do hospital.
Seria apenas mais uma das estratégias que os integrantes da equipe EADES
põem em prática visando dar materialidade às ações realizados durante o seu
trabalho? Como será que os profissionais da equipe multiprofissional da assistência
do hospital tomam ciência desse documento? Se eles tomam ciência desse documento,
eles o leem? E o lendo, conseguem atender à solicitação que é feita pela equipe
EADES que está em negrito sempre após as informações gerais sobre o(a)s paciente(s)
e a(s) rede(s) de assistência à saúde extra-hospital que o irá(ão) acolhê-los? Se não
leem, de qual(is) a(s) outra(s) estratégia(s) os integrantes da equipe EADES poderiam
se utilizar para que essa informação chegasse ao conhecimento de quem é de direito e
de responsabilidade e fosse reconhecida e respeitada?
Para terminar a discussão sobre o documento operacional “Redes de Atenção
de Saúde – RAS” trago à baila para a discussão a “cópia” que é entregue às famílias ou
aos grupos sociais ou mesmo o(a)s próprio(a)s paciente(s) quando lúcido(a)s. Esse
documento não funciona como um encaminhamento, serve apenas para informar às
famílias ou aos grupos sociais ou mesmo ao(à)s próprio(a)s pacientes quais instituições
e/ou órgão de assistência à saúde irão acolhê-los.
Por que o documento não se pretende mediador99 entre o hospital e as outras
equipes multiprofissionais da assistência extra-hospital, mas unicamente um
documento informativo? Como encaminhamento ele não seria um documento
facilitador para as famílias, os grupos sociais e o(a)s próprio(a)s paciente(s) durante
os processos de acessibilidade e acolhimento? Existiriam famílias que o utilizam como
um encaminhamento? Se sim, ele, para além do hospital, ganharia esse valor junto às
equipes multiprofissionais da assistência extra-hospital e acabaria garantindo maior
facilidade de acesso às famílias, aos grupos sociais e ao(à)s próprio(a)s pacientes?
Quem ou o quê validaria esse documento para além do hospital, junto às outras
esferas do sistema de saúde: seria o logotipo do hospital, seria a lista de instituições e

99
Me utilizo da ideia de Latour que Lowenkron e Ferreira (2014) apontam quando discutem sobre a
capacidade de mediação que os documentos possuem de transformar, traduzir, deslocar, distorcer e
modificar os sentidos ou elementos que ele supostamente carrega. Se o documento operacional “Redes
de Atenção de Saúde – RAS” que a equipe EADES produz e apenas o utiliza como instrumento de
informação tem outros “poderes mediadores”, como o “poder” de facilitar a garantia da universalidade
do acesso, por que não os utiliza?
193

de órgãos que endossam o documento, seria a assinatura e a carimbada do


profissional integrante da equipe EADES?
Por último, trago a questão das ausências que observei no documento
operacional “Fluxograma Redes de Atenção à Saúde – RAS”, quais seriam: a) não
encontrei referências às redes primárias de atenção ou de cuidados, tampouco encontrei
referências às outras redes secundárias de atenção ou de cuidados; b) não encontrei
referências às redes de cuidadores familiares, às redes de moradores do domicílio pós-
alta, às redes de cuidados intrafamiliares; e c) não encontrei referências às redes de
cuidados compostas por pontos de atenção (ou de tensão) de outros setores como a
previdência, a assistência, o juizado, a igreja, o trabalho, o laser, o terceiro setor. O que
me chamou a atenção foi que no documento operacional “Apresentação em
PowerPoint do Projeto EADES no evento do Dia do Servidor Público em 2015 sobre o
tema Que Rede Nós Temos, Que Rede Nós Queremos?” consta a informação de que a
EADES ao organizar redes de atenção à saúde e redes de cuidados inclui leva em
consideração a rede dos cuidadores familiares, dos co-moradores, dos familiares e dos
outros setores para além da Saúde.
O que acontece para que o discurso não seja o reflexo da prática, ou a prática
não represente o discurso? Qual a razão dessas ausências no fluxograma em
discussão? Seriam propositais ou meramente ocasionais? Ou a EADES não reconhece
nos outros atores das redes de assistência e das redes de cuidados a capacidade de
acolher e de cuidar do(a)s paciente(s) em acompanhamento por elas? Ou a EADES
também só entende o cuidado como uma ação prática prestada direta ao corpo, uma
ação prática biológica, morfológica, patológica? Por que no documento em discussão
só existem referências às instituições, aos órgãos e aos profissionais do setor Saúde?
Poderíamos afirmar ser um caso típico de qualificação e desqualificação feito por um
grupo de profissionais de saúde dos saberes parentais, populares, familiares,
comunitários, privados sobre as formas de cuidar? Quem qualificou/qualifica esse
grupo de profissionais de saúde, ou como ele se autoqualificou/qualifica como sendo
capaz de qualificar e desqualificar os saberes parentais, populares, familiares,
comunitários, privados sobre as formas de cuidar? Não serão esses familiares e/ou
esses grupos sociais aqueles que irão se tornar os responsáveis pelo acolhimento e
pelos cuidados do(a)s paciente(s) no nível intradomiciliar? Onde estão os cuidadores
familiares nesse processo de documentação de redes? Onde estão os amigos, os
colegas de trabalho, os irmãos da igreja, os parceiros do futebol que toda noite antes
194

de chegarem em suas residências vão primeiro dar um banho bem dado no(a)
amigo(a), trocar o seu curativo com delicadeza e ouvir o que ele(a) tem a dizer?

7.4 O documento operacional “fluxograma cuidados” e a categoria “cuidado”

Figuras 13 – Colagem 5.

. Fonte: Roger Martins, 2016.

O documento operacional “Fluxograma Cuidados” apresentado na imagem


acima representa um (1) dos três (3) macroprocessos do programa de desospitalização
da equipe EADES: o macroprocesso “Cuidados”. Trata-se de um processo de trabalho
onde o objetivo final é capacitar o cuidador para a prestação dos cuidados diretos ao
corpo do(a)s paciente(s) no nível intradomiciliar. Ele é composto de oito (8)
subprocessos: a) “Registro”; b) “I Encontro Familiar Programado”; c) “Identificação”;
d) “Diagnóstico”; e) “Encaminhamento”; f) “Treinamento”; g) “Avaliação”; e h)
Monitoração” mais dezesseis (16) ações e duas (2) perguntas direcionadoras de fluxo.
Ele também só apresenta duas (2) áreas onde as ações do macroprocesso “Cuidados”
são executadas: a) na EADES; e b) na USE e nas enfermarias.
195

Da mesma forma que os dois fluxogramas discutidos anteriormente, o maior


número de ações está concentrado no subprocesso “Registro”. São sete ações de
registro. A ação de número dezesseis, realizada durante o desenvolvimento do
macroprocesso “Captação” é a ação onde os integrantes da equipe EADES registram as
seguintes informações coletadas durante o macroprocesso “Captação”: a) o endereço
pós-alta; b) as demandas de cuidados e de insumos para o domicílio; c) o grau de
dependência do(a) paciente; e d) quem será(ão) o(s) cuidador(es) familiar(es) e/ou
formal(is) no documento operacional “Fichário de Dados do(a) Paciente”.
O/A subprocesso/ação “I Encontro Familiar Programado” durante o
desenvolvimento do macroprocesso “Cuidados” tem dupla função:

a) A ação “Identificação” se refere a uma ação cujo objetivo é coletar um


vasto número de informações a respeito dos cuidadores e registrá-los na
ficha específica do documento operacional “Fichário de Dados do(a)
Paciente” 100 . Além dos seus nomes e de suas idades, outros dados
pessoais são identificados durante a entrevista que os integrantes da
equipe EADES realizam com o(a)s cuidadore(a)s durante o “I Encontro
Familiar Programado” na sala da EADES, tais como: os seus endereços
físicos e virtuais; os seus números de telefones móveis e fixos, o seu
grau de parentesco com os pacientes, o seu nível de escolaridade, os
dados referentes às suas experiências anteriores com a prestação de
cuidados e as suas ansiedades e os seus medos com o ato de cuidar;

b) A ação “Diagnóstico” pretende definir que conhecimentos


epistemológicos e/ou práticos e que habilidades os cuidadores deverão
adquirir durante os seus treinamentos junto às equipes multiprofissionais
da assistência do hospital. Encontra-se incluído no mesmo subprocesso
“Diagnóstico” a tomada de ciência sobre quais seriam os melhores dias e
os melhores horários para o(a)s cuidadore(a)s virem para o hospital para
serem treinado(a)s. O desenvolvimento desse(a) subprocesso/ação
depende diretamente da relação das demandas de cuidados que foram

100
Sugiro rever no documento operacional “Fichário de Dados do(a) Paciente”, a ficha “Cuidadores”,
disponível no Anexo II – Caderno de Documentos Operacionais.
196

levantadas pelos integrantes da equipe EADES durante o macroprocesso


“Captação”.

Percebe-se que há um reconhecimento da importância do papel do(a)s


cuidadore(a)s para o processo de desospitalização da equipe EADES. São oferecidos
espaços para que eles falem sobre suas experiências, suas ansiedades e seus medos. São
levadas em consideração as suas disponibilidades de datas e horários. Entretanto, não é
fácil identificar no fluxograma “Cuidados” se a ele(a)s é dada a oportunidade de
criarem suas próprias demandas de aprendizado em relação aos cuidados.
Por que a definição do que precisa ser aprendido pelo(a)s cuidadore(a)s
também é uma ação EADES-centrada? Essa centralização dos diagnósticos tanto das
demandas de cuidados como das necessidades de aprendizado exclusivamente nas
mãos dos integrantes da equipe EADES poderia ser considerada uma estratégia
utilizada pelos profissionais de saúde para controlar as demandas de saúde
ilimitadas101 que são socialmente construídas? Que tipos de demandas de cuidados são
considerados válidas pelos integrantes da equipe EADES durante o macroprocesso
“Captação”? Os integrantes da equipe EADES quando diagnosticam o que o(a)s
cuidadore(a)s ainda devem ou não mais aprender sobre as demandas de cuidados
levam em consideração 102 algum conhecimento previamente trazido por ele(a)s
durante as entrevistas? Como agem os integrantes da equipe EADES a partir das
informações dadas pelo(a)s cuidadore(a)s durante as entrevistas sobre as suas
ansiedades e os seus medos em relação aos cuidados? E quanto às datas e aos
horários que foram pontuados pelo(a)s cuidadore(a)s como o(a)s melhores e/ou o(a)s
único(a)s possíveis para o treinamento, os integrantes da equipe EADES o(a)s ignoram

101
Essa mediação feita pelos integrantes da equipe EADES em favor do aprendizado em saúde do(a)s
cuidadore(a)s familiar(es), sob meu ponto de vista, desempenha duplo papel: a) de otimizar o processo
de aprendizado pois parte de um diagnóstico prévio de necessidades de cuidados continuados objetivos,
prestados direto ao corpo do(a)s paciente(s); e b) de impedir que outras necessidades, como de uma
cidadania mais ampla, recaiam no colo da instituição (MARTINS; CUENTRO, 2011).
102
Trago à baila dois (2) problemas sobre a qualificação e a desqualificação do conhecimento: a) quem
qualifica e/ou desqualifica; e b) o que essa qualificação e/ou desqualificação pode produzir. Sobre as
questões relacionadas a quem cabe, pode, sabe, quer qualificar, me utilizo dos conceitos de “expertise e
meta-expertise” e de “critérios e meta-critérios” trabalhados pelos. Enquanto para discutir os objetivos
e/ou os efeitos que essa qualificação/desqualificação podem alcançar, me apoio no trabalho de
Lowenkron e Ferreira (2014) que a partir de um trabalho de Stoler conseguem enxergar que diferentes
modos de silenciamento são operados através desses processos de qualificação e/ou de desqualificação
dos conhecimentos. Seria possível que um conhecimento que não seja biomédico tenha espaço dentro de
um hospital, me pergunto.
197

ou o(a)s respeitam? E se o(a) único(a) cuidador(a) de um paciente acamado


totalmente dependente só puder ir ao hospital treinar como dar banho no leito, trocar
fralda e fazer curativo de escara sacra infectada nos sábados a partir das 21h, como
os integrantes da equipe EADES fazem para articular esse treinamento junto às
equipes multiprofissionais da assistência do hospital? Ou o melhor dia e o melhor
horário para que os treinamentos do(a)s cuidadore(a)s serão apenas aqueles que
coincidirem com as rotinas 103 das equipes multiprofissionais da assistência do
hospital?
Após esse múltiplo diagnóstico, das demandas de cuidados, das necessidades
de aprendizado, das experiências, ansiedades e medos e dos horários e datas ideais,
cabe definitivamente aos integrantes da equipe EADES encaminhar o(a)s cuidadore(a)s
para os treinamentos. A ação “Encaminhamento” é feita de duas (2) maneiras, ou os
integrantes da equipe EADES ligam para algum dos profissionais das equipes da
assistência do hospital e avisam que vão encaminhar o(a)s cuidadore(a)s, ou o(a)s
levam pessoalmente até aos profissionais das equipes da assistência do hospital. O(a)s
cuidadore(a)s encaminhados pelos integrantes da equipe EADES por telefone ou
pessoalmente levam consigo o documento operacional “Protocolo de Agendamento do
Treinamento de Cuidador”, onde serão anotadas as datas e os horários dos treinamentos
conforme acordo feito entre os profissionais das equipes da assistência do hospital que
irão realizar o(s) treinamento(s) e o(a)s cuidadore(a)s que será(ão) treinado(a)s. A partir
desse momento me parece que os integrantes da equipe EADES não participam mais e
ficam aguardando o reencaminhamento de volta do(a)s cuidadore(a)s para serem
avaliado(a)s.
Se o treinamento do(a)s cuidadore(a)s é um subprocesso do macroprocesso
“Cuidados”, ou seja, deve ser considerado como uma (1) das ações que cabe aos
integrantes da equipe EADES, por que não existe o acompanhamento do(s) processos
de aprendizado do(a)s cuidadore(a)s? Qual a garantia de que as experiências, as
ansiedades e os medos do(a)s cuidadore(a)a em relação ao(s) cuidado(s) que foram

103
Apresento a crítica que Koloroutis (2012) faz das entregas de cuidados feitas pelo(a)s enfermeiro(a)s
(prática profissional de Enfermagem) em relação ao método do Cuidado Baseado no Relacionamento.
Ela chama à atenção para a mudança que ela vinha percebendo por todo os EUA em relação à visão
sobre os cuidados de saúde. Segundo ela, a Enfermagem americana estava saindo de uma visão
burocrática dos cuidados de saúde, baseada no cumprimento das tarefas, cuja meta seria a cura (cure) das
doenças e onde regras e rotinas determinariam os comportamentos dos profissionais para uma visão
holística (healing) onde o cuidado seria baseado no relacionamento e o comportamento dos profissionais
seria determinado por um pensamento crítico e de inovação.
198

diagnosticados pelos integrantes da equipe EADES serão levados em consideração na


hora do(s) treinamento(s) pelos profissionais das equipes da assistência do hospital104?
Como a equipe EADES toma ciência das datas e horários dos treinamentos do(a)s
cuidadore(a)s, ou isso passa a ser responsabilidade de outra categoria 105 ? Os
treinamentos estão sendo oferecidos e ministrados quantas vezes forem necessárias
pelos profissionais das equipes da assistência do hospital conforme está descrito no
fluxograma “Cuidados” da EADES? Será preciso que os integrantes da equipe
EADES negociem com os profissionais das equipes da assistência do hospital a
realização do(s) treinamento(s) para cada cuidador(a) que precise ser treinado(a) ou
já existe algum acordo que valha para todo o hospital e que seja de conhecimento de
todos? Considerando que os integrantes da equipe EADES são responsáveis por trazer
mais trabalho aos profissionais das equipes da assistência do hospital, se, e como se
dão os questionamentos, as resistências e os boicotes a essa nova equipe, esse novo
serviço, essa nova estrutura de poder?
Após o subprocesso “Treinamento” que é inteiramente executado pelos
profissionais das equipes da assistência, o(a)s cuidadore(a)s são reencaminhado(a)s
para a equipe EADES para avaliação. Interessante o fato da existência de uma
avaliação que não objetiva saber o que o(a)s cuidadore(a)s aprenderam, o quanto
aprenderam, mas sim, como ele(a)s estão se sentindo em relação ao aprendizado sobre
a prestação dos cuidados no nível intradomiciliar, se com autonomia e segurança, ou
não. Interessante a preocupação com o ponto de vista do(a)s cuidadore(a)s sobre o seu
aprendizado. Interessante que a avaliação que é feita pelos integrantes da equipe
EADES, na sala EADES, é feita a partir de uma autoavaliação do(a)s próprio(a)s
cuidadore(a)s. Caso ainda sejas identificadas pelo(a)s cuidadore(s) necessidades de
aprendizado e insuficiência de treinamento ele(a)s é(são) reencaminhado(a)s.

104
Sugiro retornar ao texto “Notas sobre a implicação afetação com os campos, os objetos artefatos e os
como sujeitos”, mais especificamente na “Cena 3” e na “Cena 4” do “III Ato 23/03/2016 – o dia da alta”
presente no item “De volta ao campo: a estória de mim como o sujeito-acompanhante-filho-cuidador do
meu pai”. Essas duas (2) cenas ilustram como se dão os processos de aprendizado em saúde do(a)s
cuidador(es) dentro daquela unidade de internação do hospital, onde quem é leigo deve sair na hora dos
curativos e quem é da área deve ficar e preferencialmente já saber fazer.
105
É interessante continuar se apoiando na leitura de partes do texto “Notas sobre a implicação afetação
com os campos, os objetos artefatos e os como sujeitos”, mais especificamente na “Cena 14” do “I Ato
21/03/2016 – o dia da internação”. Ela nos faz pensar em uma enfermagem burocrática, avessa às
necessidades dos usuários, ignorante aos valores da instituição e às finalidades da profissão
(KOLOROUTIS, 2012). Como em pleno século XXI ainda encontramos uma enfermagem que ainda
baseia seu fazer no simples cumprimento de tarefas sem nenhum pensamento crítico sobre as regras,
hábitos e rotinas que determinam seu comportamento? Onde está a visão holística, para usarmos um
termo comum aos profissionais da área? Onde está a integralidade?
199

E se após os treinamentos do(a)s cuidadore(a)s o(a)s mesmo(a)s não forem


reencaminhado(a)s para a equipe EADES para serem avaliado(a)s, isso significa que o
macroprocesso “Cuidados” é interrompido, que ele se encerra? E quanto a avaliação
dos treinamentos em si, quem avalia? Sobre que critérios? Será um treinamento onde o
conhecimento é passado de cima para baixo, onde o(a) profissional de saúde despeja
um monte de informações sobre o(a)s cuidadore(a)s106?
O último subprocesso no macroprocesso “Cuidados” também é o último
subprocesso do programa de desospitalização da equipe EADES. O subprocesso
“Monitoração” tem como ação a ser realizada pelos integrantes da equipe EADES
entrar em contato com o(a)s cuidadore(a)s via telefonema para saber como o(a)s
cuidadore(a)s está(ão) se saindo durante a realização dos cuidados no nível
intradomiciliar. Uma (1) ação que parte é realizada de dentro da sala da equipe EADES
(quando é feita a ligação telefônica) e parte é realizada fora do hospital, dentro do
domicílio do(a)s paciente(s) que participaram do programa de desospitalização no
hospital.
E se caso a resposta do(a)s cuidadore(a)s não for uma resposta positiva, se
o(a)s cuidadore(a)s estiver(em) inseguro(a)s com a prestação dos cuidados, o que faz
a equipe EADES? Ela vai até o domicílio? Ou ela tira dúvidas pelo telefone, por e-
mail, por Whatsapp, considerando que o macroprocesso “Cuidados” não é
contemplado com o subprocesso “Manutenção” como no macroprocesso “Redes de
Atenção à Saúde – RAS”? Ou será que a Equipe de Apoio à Desospitalização e
Educação em Saúde orienta o(a)s cuidadore(a)s a trazerem o(a)s paciente(s) de volta
para o hospital? Estaria a equipe EADES ao propor esse movimento do(a)s paciente(s)
e do(a)s cuidadore(a)s de fora do hospital para dentro realizando uma des-
desospitalização, uma anti-desospitalização, uma hospitalização? O que é mais
importante, desenvolver corretamente os processos de trabalho ou aplacar o
sofrimento das pessoas?
Para muitas das minhas problematizações, ou das minhas avaliações críticas
sobre o trabalho da equipe EADES, talvez eu tenha respostas. Algumas mais positivas

106
Heckert (2009) chama a atenção para que não pensemos a formação, a escuta e o cuidado sob a
perspectiva bancária problematizada por Paulo Freire no seu livro Pedagogia do Oprimido de 1978.
Segundo Freire, não haveria em um pólo um sujeito de suposto saber e, no outro pólo, um sujeito
destituído de saber. Esse bancarismo educador está ilustrado no texto “Notas sobre a implicação afetação
com os campos, os objetos artefatos e os como sujeitos”, mais especificamente na “Cena 15” do “III
Ato”.
200

que os meus diálogos e apontamentos teóricos poderiam indicar. De todo modo,


partindo do princípio que esse texto tinha a intenção de responder à pergunta da
pesquisa pelo viés da funcionalidade, da instrumentalidade, da operacionalidade, da
praticidade, do pragmatismo, e que foram escolhidos os documentos operacionais
“Fluxograma Captação”, “Fluxograma Redes de Atenção à Saúde – RAS” e
“Fluxograma Cuidados” discutir apenas a partir daquilo que neles estava escrito eu não
poderia escapar. Todavia ao realizar o exercício discursivo “Against the grain along
the grain”) pude encontrar brechas oportunas que me permitiram delirar, divagar e
devanear. Sem essas saídas pela tangente, esse texto não seria meu texto.
201

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Gosto muito desse nome “considerações finais” pois ele me permite falar sem
ter que me preocupar em concluir absolutamente nada. Até porque, para mim, essa
pesquisa não acaba aqui. Primeiro porque eu continuarei performando o sujeito-
servidor público e participando dos processos de desospitalização no meu trabalho.
Segundo porque sempre existirão respostas diferentes das que já foram dadas à
pergunta dessa pesquisa: Como fazer desospitalização em hospital geral? E nenhuma
delas estará totalmente certa ou totalmente errada. Essa dissertação sim, ela tem um
prazo para ser finalizado, estando ela “pronta” ou não.
Apesar de eu sair dessa empreitada com mais questionamentos e dúvidas de
quando entrei, esse não é um fato que me entristece, pois em momento algum eu me
propus a criar um modelo típico-ideal de desospitalização, daquilo que seria o seu
modus operandi. Tampouco objetivei com essa pesquisa, ao analisar meus campos e
meu artefatos de trabalho e fazer marketing de mim mesmo. Tanto que uma das
maiores surpresas que tive ao desenvolvê-la foi poder colocar o meu próprio processo
de trabalho, a desospitalização que reproduzo dia-a-dia na roda para o jogo. Foi uma
experiência autocrítica muito dolorida, mas compensatoriamente enriquecedora.
Dada a grande quantidade de documentos que me utilizei não poderia ser de
outra maneira o resultado produzido, se não um volume extenso de páginas. Mesmo
assim, um volume extenso que não dá (e é para dar?) conta de responder de maneira
conclusiva à pergunta dessa pesquisa. Tão extenso também foi a variabilidade dos
documentos: acadêmicos, oficiais, operacionais, mnemônicos, públicos, privados,
físicos, digitais. Assim como as muitas metodologias criativas de construção de
narrativas que experimentei durante todo o processo.
Foi tomado muito cuidado quanto a organização dos textos através da
dissertação, isso para que o processo etnográfico pudesse ser (des)(re)construído aos
poucos durante o avançar da leitura. Os próprios textos se apropriaram de diferentes
estilos de escrita e de design aproximando o leitor dos mundos e dos moods criados por
mim. Cada texto se referindo a um processo etnográfico específico. Cada texto com o
seu respectivo corpus etnográfico. Cada texto se auto apresentando e auto
representando.
202

Quando escrevi os textos que tratam dos sujeitos eu me utilizei da ficção como
base para a criação dos mesmos e da estética da escrita de roteiros para descrever as
cenas da minha experiência imersiva no campo enquanto eu performava o sujeito-
acompanhante-filho-cuidador. Tomei o cuidado de ao criar materialidade para as
pessoas e os fatos, fazê-la de maneira que essas materializações estivessem plenas de
evidências simbólicas. Por mais que eu tentasse suavizar as bordas e as quinas e as
arestas das escritas sobre as análises dos documentos públicos inserindo nos textos
gráficos coloridos e quadros explicativos, penso que não consegui.
Certo é o fato de que um robusto e importante conjunto de conhecimentos
epistêmico, metodológico e praxiográfico 107 foi adquirido enquanto eu selecionava,
sistematizava, analisava e discutia os documentos, não necessariamente nessa ordem, e
muitas das vezes ziguezagueando, ou mesmo dando saltos entre uma e outra dessas
ações. Divido a partir de agora alguns dos meus conhecimentos adquiridos com essa
pesquisa. Tenho total convicção que outras pessoas vão chegar a outros conhecimentos
a partir da leitura desse mesmo material, algumas vão inclusive discordar de tudo ou de
partes do que escrevi aqui. E disso eu nunca duvidei.
Trarei à baila alguns pontos que gostaria de reintroduzir, reafirmar, reiterar e
reformular (por que não?). Da época da minha última escrita até hoje (15 de abril de
2016) algum tempo se passou. E eu deixei para escrever esse último texto bem próximo
do dia de entregar essa dissertação à banca porque ainda não havia me convencido de
que todo o restante da dissertação estivesse realmente “pronto”. Não foi por preguiça,
esquecimento ou irresponsabilidade que adiei tanto a escrita do último (?) texto, foi
porque não haveria verdade na minha escrita se eu tentasse fazer uma síntese final de
um trabalho que ainda se encontrava em processo de desenvolvimento.
Pois bem, na introdução dessa dissertação apresentei como que a
Desospitalização se tensiona com questões de ordem social, biológica e econômica. A
Desospitalização aparece como uma possível solução sanitária para os problemas que
essas questões (ou transições) colocam nas e para as sociedades. A articulação que o
Capital faz com a Desospitalização foi demonstrada de duas maneiras: a) como
metáfora, quando sinônimo de racionalização dos gastos através da oferta de serviços
domiciliares em alternativa aos serviços hospitalares; e b) retoricamente, como simples
transferência de custos (e das responsabilidades até então do Estado) para as famílias.

107
No sentido de fazer uma etnografia da práxis. Para entender sobre praxiografia sugiro a leitura do
livro The body multiple: ontology of medical practice de Annemarie Mol.
203

Entretanto, se há mesmo uma tendência nos sistemas de saúde de que a


prática dos cuidados voltem a ser realizadas (quando possível) dentro dos domicílios
(fora dos hospitais) e pelos próprios familiares dos pacientes ou pelos companheiros
dos seus grupos sociais (trabalho, vizinhança, escola, igreja), porque a jovem
PNHOSP 108 , ao introduzir a família e o cuidadores familiares nos processos de
produção de saúde dentro dos hospitais ainda durante o processo de internação, não
apresenta como será que o Estado vai garantir os meios para que essas famílias ou
grupos sociais possam assumir essas novas responsabilidades (outrora do Estado)?
A construção dos campos de saberes dessa pesquisa, a Desospitalização, foi
claramente apontada na historiografia da equipe EADES. Muito mais que apenas
termos definidos os loci por onde os processos de desospitalização se dariam e seriam
etnografados, o que se sobressaiu no texto foram as informações em relação às
dissidências e às alianças, aos jogos morais e as estratégias utilizadas pela equipe
EADES para fazer valer suas posições ou “para ver reconhecidas trajetórias e esforços
pessoais e coletivos em face da letra da lei ou de um universo público percebido como
insensível e desinteressado” como afirma Vianna (2013).
Trazer os sujeitos vividos por mim durante os muitos processos de
desospitalização ocorridos no período da pesquisa, desde 2011 quando comecei a
coordenar a equipe EADES e a partir de 2014 quando entrei no mestrado, foi o respiro
que eu precisava e a dissertação também precisava. Dar voz aos grupos sociais que
atravessaram e foram atravessados pelos processos de desospitalização vivenciados no
hospital não seria possível se apenas fosse utilizada a estratégia de leitura “Along the
grain” sobre os documentos públicos encontrados. A construção histórica das
performances que vivi me permitiu entender como que apenas no cotidiano de certas
interações sociais é que podemos perceber as tensões, as dissonâncias e as contradições
entre os discursos (das leis e das normas) e os atos dos agentes do Estado. É na
materialidade da vida e de suas vivências que os atos e os fatos que alimentam as
escritas etnográficas são forjados.
Pude depreender da análise dos documentos acadêmicos, que desde o início do
século passado (Séc. XX) a Desospitalização vem sendo utilizada por grupos distintos e
com objetivos distintos, muitos dos mesmos problemas que há décadas vêm se

108
Política Nacional da Assistência Hospitalar instituída pela Portaria GM nº 3.390 de 30 de dezembro
de 2013.
204

repetindo. E também que nenhum processo de desospitalização pode ser considerado de


sucesso sem a existência de uma rede substitutiva de serviços de saúde que seja efetiva
nas suas ações, entendendo essa rede constituída tanto pelos outros equipamentos de
saúde públicos ou privados quanto pelas famílias e pela comunidade. Não havendo
processos de ressocialização e de reinserção nos mercados de trabalho e de produção
social desses sujeitos “desospitalizados” estaremos fadados apenas à desassistência dos
mesmos pelo Estado e pela sociedade (se é que podemos separá-los!).
Fazer desospitalização em hospital geral é ter que ampliar o olhar para os
sujeitos. Esse é o maior conhecimento que eu adquiri com essa pesquisa. A dor e a
delícia de ter analisado os artefatos que a equipe EADES se utiliza durante o seu
trabalho ou produz a partir do seu trabalho, produtos de minha própria produção, me
fez pensar sobre que profissional de saúde eu sou (quero ser), quais são meus valores e
filosofias de vida, e que contribuição eu quero deixar para o mundo. Retorno ao meu
campo de trabalho, renovado, mais crítico, mais exigente, mais atuante.
Entrego um trabalho que tenta responder a uma provocação muito bem
colocada pelo Kenneth em 14 de dezembro de 2015, em algum auditório do terceiro
andar do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE), durante minha explanação
sobre a sistematização e a seleção dos documentos que eu escolhi analisar. Já não
entrava ali há tempos. Na época, além dos quarenta e dois documentos acadêmicos eu
pretendia trabalhar com apenas mais dois documentos oficiais e somente um
documento operacional. No meio da minha apresentação o Kenneth me disse:

– “Você sabe da importância do seu trabalho, não sabe?”

Também aprendi a ouvir mais os meus amigos. Principalmente quando eles


estão passando pela mesma etapa de vida que você. A Mari, uma amiga das longas e
loucas baladas dos anos 2000 entrou no mestrado junto comigo e fazia uma disciplina
na UERJ. No único dia que nos encontramos, depois do segundo ou terceiro copo de
cerveja gelada, a Mari me disse que para fazer sua inscrição no concurso da UFF teve
que apresentar um projeto; que já estava fazendo o seu primeiro artigo; e que segundo
sua orientadora ela deveria escrever um parágrafo por dia sobre o seu projeto de
qualificação no primeiro ano para no segundo estar mais apta a escrever uma página
por dia. Era março ou abril de 2014. E até hoje eu não encontrei a Mari de novo.
205

Também foi minha intenção propiciar um refresco para o processo de leitura


através da inclusão entre uma parte e outra da dissertação das imagens gentilmente
cedidas pelos artistas Victor Mattina e Rogério Martins de suas obras de arte. Os
artistas tiveram acesso apenas aos textos que eu gostaria que fossem ilustrados: a) o
Victor leu as notas da história da EADES e sobre as afetações com os campos, os
artefatos e como sujeitos; e b) o Rogério, apenas a discussão. Assumo que deixo uma
dívida, para com os artistas e todos nós, fico devendo escrever um texto que analise e
discuta tais obras e que tente, através de uma nova escrita etnográfica, encontrar outras
respostas à pergunta dessa pesquisa: Como fazer desospitalização em hospital geral?
Cabem muitas outras investidas nesse universo tão plural e poli semântico da
Desospitalização. Espero que o meu trabalho possa estimular esses outros mergulhos.
Eu parto para um novo voo, que como diz Gonçalves 109 , para o mesmo lugar.
Continuarei inserido no e perambulando pelo mundo dos hospitais. Só que agora
querendo entender como se deu e ainda se dá o processo de “hospitalização” da
sociedade brasileira. Descobrir desde quando operam as práticas de ilusionismo
mercadológicas sobre o hospital como o“lócus privilege”. Conhecer as artimanhas do
poder legislativo para atender às necessidades do Mercado. Acompanhar a criação de
uma campanha de publicidade de uma seguradora de saúde de alcance nacional. Enfim!

109
Foi a primeira aula de Dialética da Dialética ministrada pelo André Mendonça. Eu estava escrevendo
essa dissertação e tentava entender um pouco mais dessa forma de discurso pois era ela a forma de
discurso que eu havia escolhido para dissertar. Eu não tinha lido o texto. Era um texto do Mészáros, e
Gonçalves num determinado momento declara ter entendido com o texto que as “saídas”, as “brechas”,
acabam saindo para o mesmo lugar. Que parecia que o Mercado era o criador das saídas e das brechas
que nós achávamos ter encontrado ou sido criadores. Que na verdade “tava tudo dominado!”.
206

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APÊNDICE A – Zé Lélis vai ao hospital: roteirizando um processo de


desospitalização.

I ATO

21/03/2016

O DIA DA INTERNAÇÃO

CENA 1

na sala do ambulatório da cirurgia de cabeça e pescoço – interior – meio da manhã

Chego às 10h30 no ambulatório para pegar a guia de solicitação de autorização de


internação hospitalar, mais conhecida como AIH. O médico me pergunta se ele não
tinha feito antes, digo que não, ele pega um formulário e de pé começa a preenchê-lo
apoiado sobre um armário gaveteiro de ferro que me pareceu ser uma relíquia da
segunda guerra mundial, um armário gasto de tanto uso. Ele preenchia aleatoriamente
os campos, ia de baixo para cima, depois parava no meio, e quando chegou nos campos
que eram destinados às informações sociais do paciente (endereço, telefone, data de
nascimento, nome da mãe, etc.) virou para mim e disse que isso as meninas da
internação preencheriam lá na hora. Era a segunda vez que nós nos encontrávamos e até
aquele momento o médico não tinha feito nenhum comentário sobre o procedimento
cirúrgico que pretendia fazer no meu pai. Pois bem, só me sobrara a possibilidade de
agir e comecei a fazer todas as perguntas que me vinham a cabeça naquele momento.
Fiz perguntas sobre o tempo de duração, a extensão da intervenção, a violência do
procedimento, o tempo de internação, o processo de recuperação, as próximas etapas, o
câncer, etc. Ele me respondeu todas com o mesmo ar blasé, respondeu-as
cirurgicamente falando.
217

CENA 2

na sala da equipe EADES – interior – quase meio-dia

Meu pai chega quase meio dia. Vai abrindo a porta e com ele vem sua cuidadora. Ela já
queria logo saber que horas poderia ir embora pois o motorista estava nervoso lá na rua
pois não tinha lugar para estacionar. Segundo ele todos os estacionamentos da região
estavam lotados. Ofereço um café, ela recusa. (...) Começo a arrumar uma papelada
sem fim, arrumo tudo e depois desarrumo da mesma forma que acabei de arrumar.
Acho que eu estava nervoso. Era uma papelada sem fim, tudo para que eu pudesse fazer
o cadastro do meu pai como meu dependente nos devidos departamentos do Ministério
da Saúde e da Prefeitura do Rio de Janeiro. (...) Falei com a cuidadora que era para ela
ficar um pouco mais ali na sala da equipe EADES fazendo companhia para meu pai e
fui cumprir mais um procedimento burocrático.

CENA 3

na sala do cadastro do departamento de recursos humanos – interior – começo da tarde

Entro na sala do cadastro e encontro uma integrante da equipe EADES cumprindo


algum procedimento burocrático, ela tem um documento em papel timbrado com
assinatura e carimbo. A sala é enorme com outras salas em anexo a ela, grandes mesas
de madeira entupidas de papéis, de processos e de caixas estão estrategicamente
distribuídas pelo espaço. Em cada mesa uma pessoa trabalha sentada mexendo ora em
papéis, ora no computador. Todos concentrados e em silêncio. Um cheiro de quibe frito
preenchia todo o ambiente. Ao olhar para uma das salas em anexo percebi uma mesa
enorme coberta de guloseimas doces e salgadas. Aconteceria ali alguma comemoração.
Eu digo que vim fazer o cadastro do meu pai como meu dependente, uma estagiária
com uniforme de colégio estadual vem me atender, ela pega o formulário cheio de
campos para preencher e começa a dizer todos os documentos que eu precisaria
apresentar: cópia da declaração do imposto de renda onde constasse o nome do
dependente como dependente, cópia do meu último contracheque, cópia da carteira de
identidade do dependente, cópia do CPF do dependente, cópia da certidão de
nascimento do dependente. Nesse momento eu a interrompi e bradei logo que esse item
não precisava e um outro funcionário se levantou de sua mesa e veio até ao balcão
ajudar a estagiária a me atender.
218

CENA 4

no corredor da sala do cadastro do departamento de recursos humanos – interior –


começo da tarde quinze minutos depois

Chego no corredor da sala do cadastro para entregar as cópias de todos os documentos


solicitadas e vou em direção da porta da sala do cadastro para abri-la quando me deparo
com uma folha de papel impressa com um aviso dizendo que o setor se encontrava em
atividades internas e voltaria a atender ao público somente a partir das 13h30. Eu quase
botei a mão na maçaneta e entrei na sala como se não tivesse visto o aviso, mas ao me
aproximar da porta eu ouvi um canto coletivo de parabéns a você. Eu parei e desisti de
entrar. E fui resolver o cadastro na Prefeitura do Rio Janeiro.

CENA 5

na salinha de vidro do cadastro na Prefeitura do Rio de Janeiro – interior – no meio da


tarde

Quando eu ia puxar uma senha de papel no dispensador de senhas de papel o atendente


me avisa que já era a minha vez. Eu disse a ele o que tinha ido fazer ali. Ele virou-se e
pegou um formulário onde eu deveria preencher com meu nome completo, o número da
minha matrícula, o nome completo do meu pai e apenas me pediu a cópia do
documento do meu pai. Entrou para uma outra sala e entregou o papel nas mãos de uma
mulher que em menos de cinco minutos voltou e me entregou um protocolo.
219

CENA 6

na sala do cadastro do departamento de recursos humanos – interior – no meio da tarde

De volta a sala do cadastro do HFB sou atendido por outra pessoa que me pede todos os
documentos novamente e as suas cópias, ela confere documento por documento e
depois leva para uma outra mulher que confere tudo novamente e depois carimba e
assina o formulário. O número de funcionários estava reduzido a menos da metade do
quantitativo que estava trabalhando quando fui lá pela primeira vez. Ela me traz um
protocolo. Eu pergunto quando o cadastro fica pronto. Ela me responde que não pode
precisar.

CENA 7

na sala do núcleo interno de regulação – interior – no final da tarde

Já passava das 16h quando fui ao núcleo interno de regulação fazer a internação do meu
pai. A sala estava quente e duas mulheres estavam sentadas em baias à frente de
computadores. Sentei em frente a uma delas e entreguei a solicitação de AIH. A
primeira coisa que ela fez foi reclamar da velha mania dos médicos de não preencherem
todos os campos. Chamei a atenção dela para os tipos de campos que ele não havia
preenchido, os campos que traziam as informações sociais do meu pai. Ela parou por
um momento e disse que os campos que os médicos têm essa mania de esquecer de
preencher eram sempre os campos referentes às informações sociais dos pacientes. Eu
comentei que a sala estava quente e ela me falou que o ar condicionado estava com
defeito há tempos. Ela preenchia um cadastro no computador e em um determinado
momento parou e me perguntou se meu pai já tinha leito, pois não havia leito na clínica
que meu pai iria se internar. Eu fiquei sem saber o que fazer. Ela me perguntou se eu
sabia se a cirurgia dele estava agendada no mapa cirúrgico do dia seguinte. Eu disse que
não sabia. Um outro funcionário veio até ela e a lembrou que essa era a clínica que
nunca mandava o censo e o mapa cirúrgico para o NIR.
220

CENA 8

na enfermaria de curta permanência – interior – no final da tarde

Vesti meu jaleco e assumi outro sujeito. Precisava resolver esse lance do leito para
internar o meu pai logo. Senão eu teria que ir dormir com meu pai na minha casa e
voltar no dia seguinte. Fui até uma técnica de Enfermagem e perguntei sobre leito vago,
ela me pediu para que falasse com um outro técnico que me perguntou o nome do meu
pai. Ele conferiu o nome do meu pai no mapa cirúrgico do dia seguinte e me confirmou
a existência de um leito reservado para ele sim.

CENA 9

na sala do núcleo interno de regulação – interior – no final da tarde um pouco mais


tarde

De volta ao NIR com o leito do meu pai garantido terminei de fazer a sua internação. A
moça que me atendeu me deu uma pulseirinha branca de identificação e me pediu para
preencher os campos da AIH que o médico não havia preenchido.

CENA 10

na sala da equipe EADES – interior – já é noite

Eu e emeu pai começamos a nos arrumar para subirmos para a enfermaria de vez, de
onde não sabíamos quando sairíamos novamente e nem como. Na bolsa que meu pai
levaria para a enfermaria haviam apenas um pijama, uma toalha de banho, um
casaquinho, seu material de higiene pessoal, um par de óculos e um par de chinelos.
Para mim um monte de artigos científicos impressos, alguns livros, papéis, caneta,
lápis, apontador e borracha. Eu tinha a intenção de passar a noite acordado estudando e
construindo o texto de discussão dessa dissertação. Antes de sairmos pela porta meu pai
me fala que quando tem alguém da família por perto que a gente se sente bem, que a
gente acreditava mais. E que quando não tinha ninguém da família, mesmo se
estivéssemos rodeados de gente, parecia que a gente estava sempre sozinho.
221

CENA 11

na enfermaria de curta permanência – interior – quando meu pai chegou

Chegamos na enfermaria de otorrinolaringologia e de curta permanência. Da porta de


entrada vê-se um longo corredor de cor amarelo pálido com duas enfermarias de cada
lado. Logo na entrada existe um cartaz enorme que cobre boa parte da parede do lado
esquerdo do corredor que recomenda em letras garrafais que lavemos as mãos sempre e
após manipularmos os pacientes. Meu pai para ao lado do cartaz e lê o que está escrito.
As enfermarias do lado direito de quem entra têm apenas três leitos cada, as do outro
lado, seis. Meu pai vai ficar em uma dessas enfermarias de seis leitos. Sigo com meu
pai até o fundo do corredor e falo com a dupla de técnicos de Enfermagem, aquela que
a pouco tempo atrás conversávamos sobre a existência ou não de leito reservado para o
meu pai. A técnica faz a admissão do meu pai em um livro de capa preta. Depois mede
sua pressão arterial usando um aparelho digital de pulso. A primeira medição foi no
braço esquerdo, ela havia pedido para que meu pai estendesse o braço para ela colocar o
aparelho e o braço dele lá ficou estendido. Pressão oito por quatro. Ela troca de braço o
aparelho e eu ofereço meu joelho para que meu pai pudesse apoiar o seu braço ao invés
de mantê-lo erguido como na primeira medição. Pressão onze por sete. Depois ele mede
sua temperatura usando um termômetro digital. Ele não apresentava febre. Entrego a ela
a pulseirinha de identificação branca e ela a coloca no pulso esquerdo do meu pai. Me
pede a solicitação de AIH, o risco cirúrgico e os exames laboratoriais mais recentes.
Entrego também o laudo da biópsia. Ela nos encaminha para a enfermaria e no meio do
caminho entra em uma sala muito pequena onde fica o estoque das roupas e de outros
materiais. Ela pega um jogo de lençóis de finas listras brancas e verdes claras e um
pijama verde-água todo amarrotado. Enquanto ela arrumava o leito do meu pai, eu o
ajudava a tirar a sua roupa de rua e a vestir o pijama do setor. A blusa do pijama só
tinha um pequeno cadarço para fechar. Meu pai reclamou por não ter botões para fechar
sua blusa corretamente.
222

CENA 12

na enfermaria do leito do meu pai – interior – começo da noite

A enfermaria do meu pai é toda coberta de fórmica cinza, tem quatro janelas todas com
película que filtra a luminosidade. Tem dois aparelhos de ar refrigerado para a tristeza
de meu pai. Os leitos estão distribuídos a partir da esquerda da porta de entrada em
sentido horário, começando pelo 151 – 1 e terminando no 151 – 6. Enquanto eu
encaminhava meu pai para o seu leito chegava do centro cirúrgico o paciente que iria
ocupar o leito ao lado esquerdo do leito do meu pai. Mas o sistema eletrônico dessa
cama não estava funcionando e o paciente acabou mudando de lugar e o leito ao lado
esquerdo do meu pai acabou ficando vazio aquela noite. Eram cinco pacientes ao todo,
o único que ainda não havia operado era o meu pai. Apenas dois pacientes estavam com
acompanhante, e ambos eram do sexo feminino. A mãe do paciente recém-chegado da
cirurgia e a filha do paciente do leito 151 – 4.

CENA 13

no hall dos elevadores do quinto andar – interior – meio da noite

Eu e meu pai fomos passar um tempo no hall dos elevadores do quinto andar, fazia um
calor daqueles que deixa seu pescoço melado de suor. E haviam mosquitos por todo o
lugar. Meu pai preferia o calor ao ar refrigerado da enfermaria e pelo hall permaneceu o
maior tempo que pode. Vez ou outra ele olhava pelo basculante do lugar de onde se
podia avistar a Igreja da Penha rodeada de favelas iluminadas. Entre uma porta e outra
do elevador haviam quatro contêineres, três deles eram azul marinho e serviam para
acondicionar resíduo comum e o único que era branco era destinado ao
acondicionamento dos resíduos infectados. As pessoas que usavam os elevadores
ficavam paradas ao lado desses contêineres. Eu sentei em um banco de madeira de
frente para as portas dos elevadores e tentei escrever. Meu pai sentou em uma cadeira
bege de fibra que ficava embaixo do basculante por onde ele às vezes olhava a vista do
lugar. Do hall de ladrilhos hidro hidráulicos avistávamos a entrada do centro cirúrgico
que era identificado por uma placa onde se lia ‘Centro Cirúrgico Dr. Vicente Villano’.
223

CENA 14

na enfermaria de curta permanência – interior – quando meu pai chegou

De volta à enfermaria meu pai se queixou de estar com sede. Fui falar com a técnica de
Enfermagem que com um sorriso no rosto me disse que a água dos pacientes era de
responsabilidade do serviço de Nutrição e que pelo adiantado da hora talvez não elas
não voltassem mais ali. Perguntei se eu iria ter que descer para comprar água para um
paciente que se encontrava com sede. E ela mais uma vez me disse que nada poderia
fazer. Um tempo depois a ceia chegou e com ela a água para aplacar a sede de meu pai.

CENA 15

na enfermaria do leito do meu pai – interior – até meia noite

Na enfermaria não havia lugar para os acompanhantes ficarem. A filha do paciente do


leito 151 – 4 havia juntado as únicas três cadeiras duras e frias e as transformadas em
sua cama improvisada. A mãe do paciente recém-chegado do centro cirúrgico usava
uma cadeira de praia de alumínio. As duas tinham várias mantas sintéticas que usavam
para se proteger do frio. Aproveitei que o leito ao lado esquerdo do leito do meu pai se
encontrava vazio e fiz dele minha cama de acompanhante. A movimentação da
enfermaria se estendeu até quase meia noite. As luzes frias do teto estavam todas
acesas. Os técnicos entrando e saindo com frascos de soro, de dieta, de água e de
antibióticos, todos dividindo o mesmo suporte. Eu sentado na cama continuava lendo
meus textos e fazendo algumas anotações sobre a experiência que eu estava vivendo ali.
Meu pai reclamou de frio e eu fui pedir mais um lençol para cobri-lo. Meu pai se
queixou da falta de travesseiro e eu tive que improvisar um fazendo um montinho com
a sua roupa que havíamos levado. Em pouco tempo depois eu fui avisado pelo técnico
de Enfermagem que estava na hora de apagar as luzes frias do teto pois os pacientes
estavam precisando descansar.
224

CENA 16

na enfermaria do leito do meu pai – interior – na madrugada

Mesmo com as luzes apagadas a movimentação da enfermaria continuava. O paciente


do leito 151 – 4 toda hora levantava para urinar e o paciente do leito 151 – 5 para
escarrar. Uma das bombas infusoras de dieta enteral começou a apitar, a dieta havia
acabado, e de tempos em tempos o alarme avisava: ‘pi pi pi pi pi pi’. Em nenhum
momento alguém da Enfermagem apareceu para ver o porquê do alarme ter disparado.
Além de toda a sonoridade dentro da enfermaria havia um outro barulho bem forte que
vinha do lado de fora e parecia de uma máquina pesada que armava e desarmava a todo
momento.
225

II ATO

22/03/16

O DIA DA CIRURGIA

CENA 1

na enfermaria do leito do meu pai – interior – ainda escuro lá fora

O dia começou às 5h40 com o barulho da porta da enfermaria sendo aberta bruscamente
e com o acender das luzes frias do teto na cara de todos sem nem ao menos um bom
dia. E é somente nessa hora que a técnica de Enfermagem desliga o alarme da bomba
infusora que apitou a madrugada inteira. Começam novamente as trocas dos frascos e
as testagens dos acessos venosos. A luz do dia ainda não consegue clarear os vidros
filmados das janelas ao ponto de podermos ver o céu através delas. A mesma técnica
que lamentou não poder ajudar a aplacar a sede do meu pai vem até a beira do seu leito
com outro pijama, um pouco maior e o orienta a logo tomar o seu banho sem deixar que
uma gota de água sequer molhe o seu cabelo. Aproveitei para dizer que ele sentiu frio e
que não haviam oferecido a ele um simples cobertor.

CENA 2

no banheiro da enfermaria do leito do meu pai – interior – o sol já iluminava lá fora

Às 7h partimos para o banho. No espaço do chuveiro havia uma hamper, uma cadeira
higiênica e um biombo de aço desmontado num dos cantos. O chuveiro tinha água
quente e também uma grossa camada de limo preto pelos buracos por onde a água saia.
Na área do banho existia uma barra de segurança que ficava distante do alcance do
chuveiro. Ou bem se segurava na barra ou bem se tomava o banho. O teto sobre a área
onde ficava a privada estava despencando.
226

CENA 3

na enfermaria do leito do meu pai – interior – a manhã vai avançando

Após o banho eu e meu pai trocamos de lugar, ele sentou na cadeira e eu na sua cama.
Entraram duas residentes de anestesiologia e foram com meu pai conversar. Ao me
verem de jaleco sentado na cama elas pensaram que eu era um profissional de saúde em
atuação e me perguntaram se eu estava consultando o paciente. Confirmei que era sim
um profissional de saúde, mas que ali eu estava performando o sujeito-acompanhante-
filho-cuidador. Elas fizeram muitas perguntas para o meu pai, mas ele respondia sem
saber o que todas aquelas perguntas significavam. Eu ajudei respondendo o que sabia,
elas explicaram tudo que estava programado para acontecer sem eu perguntar, depois
me deram a chance de mais dúvidas com elas tirar. Eu queria saber sobre o tempo do
procedimento pois precisava ir até minha casa, dar comida para os meus bichos e água
para as minhas plantas, tomar um bom banho e de roupa trocar. Elas saíram da
enfermaria.

CENA 4

na enfermaria do leito do meu pai – interior – na hora do café dos acompanhantes

A mãe do paciente recém-chegado do centro cirúrgico me avisa que está na hora do


café da manhã dos acompanhantes e que ela me explicaria onde era o refeitório. Eu
disse a ela que ainda não tinha feio o meu cartão de acompanhante e por isso não
poderia no refeitório comer.
227

CENA 5

sala da equipe EADES – interior – manhã

Chego na sala da equipe EADES levando de volta tudo que tinha levado em excesso
para a enfermaria. A sandália do meu pai, a toalha de banho molhada, o pijama, a roupa
de rua dele e todos aqueles artigos científicos e livros para levei para estudar. Escovei
meus dentes, lavei meu rosto com água em abundância, fiz um café preto e retornei
para a enfermaria do meu pai.

CENA 6

na enfermaria de curta permanência – interior – a manhã avançada

Ao chegar no corredor amarelo vejo meu pai com um casaquinho perambulando de um


lado para o outro. Ele me parecia um pouco ansioso. Tento convencê-lo de que é
melhor ele voltar para o seu leito pois ali ele poderia acabar atrapalhando o ir e vir de
quem estava trabalhando. Ele retruca dizendo que não quer voltar para a enfermaria por
causa do ar condicionado. Ele não gosta. Depois de muito insistir eu o convenço de
entrar.

CENA 7

na enfermaria do leito do meu pai – interior – a manhã avançada

Ao entrarmos na enfermaria vejo duas novas técnicas trocando os lençóis dos leitos.
Elas se utilizavam de uma técnica que unia as pontas do lençol usando luvas de
procedimento. Os lençóis vestiam mais fácil os colchões além de se manterem bem
esticados e presos aos colchões. Falo com uma delas sobre a falta de um travesseiro
para o meu pai, e mostro o que tive que fazer para improvisar. Ela me diz que ali
naquela enfermaria tinha travesseiros, mas que a quantidade existente não dava para
todos os pacientes daquele lugar. O que me chamou a atenção nesse discurso é que
tanto o paciente do leito 151 – 1 quanto o paciente do leito 151 – 5 estavam com dois
travesseiros cada um. Eu deixei o meu pai sozinho na enfermaria aguardando sua ida
para o centro cirúrgico e fui resolver alguns problemas fora do hospital.
228

CENA 8

na sala da minha chefe imediata do meu outro trabalho – interior – no meio da manhã

Chego correndo à sala da minha chefia imediata e ao abrir a porta encontro dois dos
auxiliares da minha equipe de plantão sentados lá dentro. Minha chefe entra em pouco
tempo depois, fecha a porta, mas não a tranca e começa uma reunião entre nós. Ela
mostra nossa avaliação e pede nossa assinatura de concordância no documento por ela
preenchido e assinado. Depois me diz que havia recebido um e-mail do Líderes
Cariocas com um calendário quanto à pactuação das minhas metas individuais a ser
cumprido por mim e por ela. A reunião continua, mas minha cabeça está lá no hospital.
Quando ela descobre a idade do meu pai diz que não acredita na minha coragem de
submetê-lo a um procedimento cirúrgico daqueles. Meu coração aperta com a
lembrança de que eu não tinha ficado com ele até que ele fosse encaminhado ao centro
cirúrgico, de não lhe ter dado um abraço apertado e de não lhe ter dito que muito o
amava. Passou pela minha cabeça de que ele não resistiria e de que eu nunca mais o
veria. Saí da sala da minha chefe aos prantos e fui para a minha casa fazer o que
precisava ser feito para depois voltar ao hospital e mais uma noite por lá ficar fazendo
companhia ao meu pai.

CENA 9

na enfermaria de curta permanência – interior – no meio da tarde

Entrei no corredor amarelo pálido e logo dei de cara com uma das técnicas que pela
manhã estava trocando os lençóis das camas. Eu já estava me preparando para a pior
notícia. Perguntei se o velho estava vivo e ela fez um sinal de positivo com a cabeça.
Respirei aliviado.
229

CENA 10

na enfermaria do leito do meu pai – interior – do meio da tarde ao começo da noite

Ao entrar na enfermaria percebi que algo havia mudado. Meu pai estava agora no leito
151 – 3, aquele que tinha usado para dormir na noite anterior. O paciente do leito 151 –
5 também havia mudado de lugar, ele agora ocupava a posição que antes era a do meu
pai. Vou até o meu pai e o encontro dormindo com a cabeça toda enfaixada. Por cima
havia um cobertor que até a noite passada não existia. Na face dorsal da sua mão
esquerda um jelco estava ligado a um polifix de quatro vias e um frasco de soro vazio.
Eu cutuco seu ombro e chamo pelo seu nome. Ele abre os olhos, me vê e já reclama.
Me diz que não gostou nada do processo, que passou muito mal lá dentro, que sentiu
fortes dores de cabeça. Reclamou do capacete de atadura. Vejo que aproveitaram para
retirarem um outro sinal que existia perto da sua narina direita. Ele reclamou de novo,
mas era de sede. Eu chorei de alívio. Eu peguei o meu celular e fiz umas fotos do meu
pai, abri o meu Whatsapp e me comuniquei com todos aqueles que estavam longe
esperando por notícias. Eu chorava enquanto eu falava com as pessoas. Eu procurei
pelo corpo do meu pai o lugar de onde poderiam ter retirado a pele para o enxerto e não
encontrei. Recebi a visita da supervisora de Enfermagem que estava fazendo sua ronda
e veio saber se tudo estava bem com meu pai. Me disse que tinha ficado sabendo da
situação durante um encontro do grupo técnico de cuidados paliativos do hospital. Em
seguida entrou uma técnica de Enfermagem, a mesma que pela manhã trocava os
lençóis das camas e que me fizera o sinal positivo com a cabeça quando perguntei se
meu pai havia sobrevivido. Ela carregava uma bandeja de metal contendo uma seringa e
um frasco de soro com eletrólitos. A seringa ela usou para desentupir o acesso venoso.
Me disse que ele havia reclamado que eu não estava lá para esperá-lo voltar do centro
cirúrgico. Ele quis fazer xixi, fui buscar o patinho, ele tentou, mas não conseguiu.
Depois me pediu para ajudá-lo a vestir seu casaco de pijama. Depois me perguntou
várias vezes se tinham trazido os seus ‘dentes’ de volta. Respondi afirmativamente
todas as vezes, mas ele só acreditou quando abri a gaveta do seu armarinho e mostrei
que eles estavam lá.
230

CENA 11

na enfermaria do leito do meu pai – interior – já era noite

Chegou o jantar e meu pai me pediu para ajudá-lo a sentar. Depois de acomodá-lo da
melhor forma possível apoiando seus pés na única cadeira que eu tinha para sentar eu
ofereci seu jantar. Abri a quentinha de alumínio que trazia uma sopa cremosa de cor
acinzentada. Dei para ele provar. Ele achou sem sal. Botei o sal que veio com o jantar.
Fiquei em pé na sua frente segurando a bandeja enquanto ele de colher em colher
levava o creme à sua boa. Ele comia com avidez. Eu o avisei para ir mais devagar. Ele
não quis me ouvir e continuou na mesma velocidade. Depois de comer toda a sopa
bebeu um suquinho de caixinha sabor maracujá tão rápido quanto havia comido toda a
sopa. Eu mais uma vez o avisei para ir mais devagar, que por causa da anestesia ele
poderia vomitar. Não demoraram dois minutos e ele me chamou com os dois olhos
arregalados e me disse que estava enjoado querendo vomitar. Foi o tempo de eu me
virar para o lado, pegar a lixeira do chão e colocá-la na sua frente que metade de tudo
que havia sido ingerido foi posto para fora.

CENA 12

na enfermaria de curta permanência – interior – um pouco mais de noite

Fui ao posto da Enfermagem pedir para ler o prontuário do meu pai. Eu queria saber
detalhes do procedimento cirúrgico e de onde eles tinham tirado o retalho de pele para
repor a parte do couro cabeludo que havia sido extirpada. Ao ler descobri que não havia
sido retirado retalho nem havia sido feito qualquer tipo de enxerto. Li sobre uma sobra
de couro cabeludo, mas não consegui entender mesmo assim. Aproveitei para
comunicar sobre o episódio do vômito do meu pai após o jantar.
231

CENA 13

na enfermaria do leito do meu pai – interior – quase meia noite

A técnica de Enfermagem entra na enfermaria trazendo mais uma seringa com a


medicação contra náuseas e vômitos para o meu pai. Ela conecta a seringa em uma das
quatro vias do polifix. Ela o avisa que ele vai sentir apenas uma beliscadinha e empurra
o êmbolo da seringa de uma vez só. Meu pai quase pula da cama, geme alto e quando
ela sai a chama de estúpida. Chegou a hora de todos dormirem, mas da mesma forma
que não haviam travesseiros para todos os pacientes, também não haviam longarinas
para os acompanhantes. Me inspirei na filha do paciente do leito 151 – 4 e juntei as
mesmas três cadeiras duras e frias e as transformei no que seria minha cama aquela
noite. O pai do paciente recém-chegado na noite anterior que veio substituir a mãe me
emprestou uma das suas mantas sintéticas e eu tentei sobre aquelas três cadeiras duras e
frias descansar e dormir. Não consegui. Era uma tortura. Qualquer posição que eu
achasse confortável em pouco menos de um minuto se tornava insuportável. Passei a
noite inteira virando de um lado para o outro e me equilibrando para não cair. Às vezes
tentava ficar de lado, mas meus ossos doíam. Às vezes meus pés ficavam pendentes e
pouco tempo depois ficavam dormentes. Além de toda a dureza da minha improvisada
cama que não me deixava dormir eu ainda era acordado pelo meu pai me pedindo ajuda
para fazer xixi, sem sucesso, e com o barulho daquela máquina pesada que continuava
armando e desarmando a todo momento.
232

III ATO

23/03/16

O DIA DA ALTA

CENA 1

na enfermaria do leito do meu pai – interior – ainda escuro lá fora

Mais uma vez somos acordados com o acender das luzes frias do teto na nossa cara,
mas dessa vez esse acender vem acompanhado de um bom dia. Começaram novamente
as trocas dos frascos e a testagens dos acessos venosos. A mesma técnica de
Enfermagem que trocava os lençóis pela manhã veio com uma seringa que suspeito ser
de analgésico e novamente de forma brusca, acordou meu pai, saiu puxando seu braço
para ter acesso ao acesso venoso, engatou a seringa em uma das quatro vias do polifix e
empurrou o êmbolo com pressão dizendo aquele mesmo texto que seria só uma
beliscadinha para o meu pai. Meu pai reclamou gritando um “ai”. Depois me pediu para
mais uma vez pegar o patinho para ele tentar fazer um pouco de xixi. E mais uma vez
reclamou do polifix de quatro vias e do soro nele fixado. Ofereci o patinho, ele colocou
o pinto murcho dentro daquele coletor de urina de aço frio, fechou os olhos, forçou um
relaxamento, e só depois de alguns minutos naquela posição ele conseguiu o que vinha
querendo e tentando a tarde, a noite e a madrugada inteira. Ajudei meu pai com o café
da manhã. Ele estava com fome, mas não se animou com a comida que foi oferecida e
comeu apenas metade do pão com um quadradinho de queijo processado, e um pouco
de café com leite morno servido em um copo de plástico descartável. O açúcar veio em
sachês. Eu tive que adoçar o leite para o meu pai. Sai da enfermaria em direção a minha
sala prometendo a ele que logo voltaria. O dia já estava claro.
233

CENA 2

na sala da equipe EADES – interior – comecinho da manhã

Enquanto esperava o café passar na cafeteira elétrica lavei meu rosto e escovei meus
dentes. Sentei na privada sem sucesso. Fui à sala da perícia médica que fica em frente
da sala da equipe EADES saber sobre cada etapa do processo burocrático que daqui a
pouco eu deveria me submeter. Liguei para o NIR pedindo para a secretária
providenciar o meu documento de solicitação de licença onde deviam constar o último
dia que eu havia trabalhado e a assinatura e o carimbo da minha chefia imediata.

CENA 3

na enfermaria de curta permanência – interior – manhã

Ao entrar no corredor amarelo pálido sou abordado pelo pai do paciente recém-chegado
do centro cirúrgico que havia me emprestado uma manta sintética na noite anterior me
avisando que aquela era a hora dos curativos e que os acompanhantes não poderiam
ficar nas enfermarias. Um segundo depois ele se lembrou que eu além de filho e
acompanhante do meu pai também era enfermeiro e funcionário daquele hospital e me
disse para esquecer o que tinha acabado de me falar pois a mim eles não iriam barrar a
entrada.
234

CENA 4

na enfermaria do leito do meu pai – interior – manhã

Ao entrar na enfermaria do leito do meu pai me deparo com a seguinte cena: a) todos os
pacientes estavam nos seus respectivos leitos; b) ao lado do leito do meu pai haviam
duas pessoas que eu não conhecia, um homem e uma mulher vestidos de jalecos
brancos e gorros e máscaras e luvas (residentes de medicina); c) no meio da enfermaria
havia um outro homem que ficava administrando os insumos de um carrinho de
curativos e se deslocando pelo espaço (técnico de Enfermagem); d) no centro da
enfermaria uma mulher coordenava a todos, era a chefe do serviço que ao me ver me
reconheceu. Ela olhou para mim e me perguntou como eu estava. Eu olhei para ela e a
agradeci pelo que ela havia feito pelo meu pai. Ela se virou para as duas pessoas que
estavam ao lado do leito do meu pai e disse que eu havia acabado de chegar; e que eu
era enfermeiro; e que era para abrir primeiro o curativo do meu pai na minha frente; e
que era para eu ver e aprender como cuidar; e que se estivesse tudo bem era para
providenciar a alta dele. Quando ouvi a palavra alta a minha única reação foi perguntar
se ela iria dar alta hoje para o meu pai. Será que eu tinha ouvido certo? Ela disse que
sim se estivesse tudo muito bem. As duas pessoas começaram a abrir o curativo do meu
pai assim que me postei ao lado delas. Foram desenrolando a atadura de crepom aos
poucos e dando uma puxadinha sempre que alguma parte se encontrava agarrada.
Depois da atadura começaram a retirar as compressas cirúrgicas e as gases. Poucas
eram aquelas que estavam agarradas pois eles haviam utilizado vaselina sólida na
confecção do curativo na sala de cirurgia. A medida em que as gases iam sendo
retiradas a ferida operatória ia surgindo e o sangue ia escorrendo. Era grande a
quantidade de sangue que escorria. Era grande a ferida operatória. No alto da cabeça
havia uma costura que vinha desde a parte de traz do crânio até a testa do meu pai. No
mínimo foram necessários vinte pontos ou mais. Quase toda a parte lateral direita do
crânio do meu pai estava com o osso aparente, foi dali que eles retiraram o tecido para
fazer o enxerto de pele no alto da cabeça, local onde o câncer estava. Essa feria
operatória, segundo esses dois residentes, estava muito linda e que o sangue que
escorria por ela era um bom sinal, pois segundo eles a ferida tinha que sangrar. O
curativo foi fechado com gases e compressas da mesma maneira que o que foi feito na
sala de cirurgia, e a cabeça novamente enrolada na atadura de crepom. Meu pai não
reclamou de dor em nenhum momento. Ele comemorou sua alta hospitalar. Eu não. Eu
235

não estava esperando pela alta do meu pai naquele dia. Inclusive havia combinado com
uma técnica de Enfermagem que foi indicada por uma amiga que também é técnica de
Enfermagem de ela passar aquela noite com meu pai para que eu pudesse ter tempo de
organizar minha casa para melhor recebê-lo e ter dele como cuidar. Também havia um
outro compromisso inadiável, eu iria no lançamento do livro de uma das integrantes da
minha banca de defesa, seria uma oportunidade de conhecer uma pessoa que até então
só havia me relacionado via e-mail. Eu pensava que a alta do meu pai, um senhor de
noventa e quatro anos de idade, só seria dada, no mínimo, 48h após a cirurgia, mas a
enfermaria é de curta-permanência e de alta rotatividade, o que só mais tarde eu vim a
entender. Outros pacientes também receberam alta no mesmo dia que meu pai e dos
cinco pacientes que lá estavam quando eu e o meu pai chegamos, apenas um ainda iria
ficar.

CENA 5

na enfermaria de curta permanência – interior – manhã

Fui ao posto de Enfermagem da enfermaria onde os residentes que fizeram o curativo


do meu pai estavam escrevendo e os lembrei de tudo que eu iria precisar: a) um laudo
dizendo que meu pai estava com alta contendo informações sobre a doença que o
acometera e o procedimento cirúrgico pelo qual ele havia passado; b) um resumo de
alta carimbado e assinado; e c) um encaminhamento para a primeira consulta de retorno
no ambulatório. Perguntei se ele iria tomar algum antibiótico, eles disseram que sim e
fizeram a receita. Enquanto eles preparavam a papelada eu voltei para a enfermaria do
leito do meu pai e fui ajudá-lo no banho. Seria a primeira vez após a cirurgia que ele
iria sair da cama e andar pela enfermaria até o banheiro coletivo.
236

CENA 6

na enfermaria do leito do meu pai – interior – a manhã avançada

Já haviam retirado o soro, o polifix e o jelco que até então estavam acoplados ao dorso
da mão esquerda do meu pai. Retiraram assim que os residentes comunicaram a alta
para a equipe de Enfermagem. Ajudei-o a sentar na cama. Pedi para que esperasse um
pouco. Depois o ajudei a levantar e pedi para que ele esperasse mais uma pouco antes
de sair andando. Devagar nós fomos juntos em direção ao banheiro desviando do
carrinho de curativo que ainda circulava pelo espaço. Eu estava mais cauteloso com
meu pai que ele mesmo. Acho que fiquei impressionado com a ferida e com a
quantidade de sangue que escorreu. No banheiro eu o convenci a utilizar a cadeira
higiênica na hora do banho, era mais seguro. Retirei sua roupa e logo que ele sentou
começou a urinar em abundância. O chuveiro cheio de limo preto resolveu não
esquentar mais. Troquei do quente para o morno e do morno para o quente. Abri
bastante a torneira, mas ele não esquentou, fechei e abri novamente. A água não
esquentava de jeito algum, era água fria ou então não tinha banho. Fui aos poucos
molhando o corpo do meu pai, passei sabonete apenas nas suas pernas e nas suas costas.
Depois fui retirando a espuma com pequenas quantidades de água fria que trazia nas
minhas mãos em forma de concha. Pedi a ele para lavar o pinto murcho sozinho e bem
lavado. Vesti nele um pijama novo e voltei com ele caminhando devagar. A enfermaria
já estava ficando pronta para receber os novos pacientes. Deixei-o deitado e sai
‘correndo’ para a sala da equipe EADES para tentar me reorganizar. Eu tinha sido pego
de surpresa e tudo que tinha planejado e combinado para hoje eu ia precisaria rever,
replanejar e talvez desmarcar.
237

CENA 7

na sala da equipe EADES – interior – quase meio dia

Ao retornar à sala da equipe EADES meus colegas de trabalho já estava lá. Comentei
com eles que meu pai já estava de alta com menos de 24h de pós-operatório. Uma
enfermeira me disse que lá onde ele estava era assim mesmo, alta rotatividade,
curtíssima permanência. Sentei em frente a um computador e por um momento me
desliguei do mundo, não sabia por onde começar a agir. Os integrantes da equipe
aproveitando minha presença na sala me fizeram solicitações em relação ao trabalho, a
alguns eu atendi, a outros eu agredi verbalmente. Eu teria que agendar o retorno do meu
pai no ambulatório. Eu teria que cancelar a vinda da cuidadora que eu havia contratado
para dormir com meu pai no hospital. Eu teria que encontrar outra cuidadora para
dormir com meu pai lá em casa. Eu teria que ir na farmácia pegar o antibiótico
prescrito. Eu teria que pedir na enfermaria material para fazer os curativos do meu pai
em casa. Eu teria que conseguir um laudo médico com CID para eu dar entrada na
minha licença na perícia. Eu teria que passar pela perícia para conseguir licença para
acompanhar meu pai. Eu teria que pedir no Serviço Social uma solicitação de
ambulância para levar o meu pai em casa. Eu teria que, chegando em casa, rapidamente
reorganizar a distribuição espacial dos móveis para transformar minha sala no quarto do
meu pai, ação que eu havia planejado para o período da manhã de amanhã. Mas decidi
continuar minha incursão participante como sujeito-acompanhante-filho-cuidador e fui
até a sala do Serviço Social no prédio ao lado fazer o meu cartão de acompanhante.
238

CENA 8

na sala do Serviço Social – interior – mais que meio dia

Entro na sala e uma menina de cabelos cacheados vem falar comigo. Não me lembro se
eu estava de jaleco. Segundos depois de dentro das portas anexas à recepção saem dois
assistentes sociais que trabalham em conexão com a equipe EADES, iniciam uma
conversação, digo que vim como filho e acompanhante para fazer o cartão de
acompanhante que dá direito às refeições no refeitório, eles continuaram conversando
como se estivéssemos bebendo chope na mesa de bar. Pego o “Cartão de
Acompanhante”, ele é um simples pedaço de papel ofício, tamanho 12 por 8 cm,
impresso preto e branco em impressora à laser, que contém o meu nome completo, o
nome do paciente, o local de internação, um código de barras e a data de validade que
se encerraria no dia 4 de abril de 2016, doze dias a mais que o dia da alta médica.

CENA 9

na recepção do contêiner onde fica o refeitório – interior – mais que meio dia

Eu deveria estar de jaleco pois sai entrando no contêiner como se fosse dono daquilo
tudo até que fui interceptado por um guardião. Ele disse boa tarde entrando na minha
frente com seu corpo. Eu disse que a tarde estava boa e que precisava falar com
algum(a) nutricionista. Ele me disse que para eu entrar ali primeiro tinha que passar por
ele. Eu perguntei se ele me permitiria falar com algum(a) nutricionista. Ele me
perguntou se eu já sabia onde era. Eu disse a ele que sim com a cabeça já estando na
metade da escada que levava à sala do(a)s nutricionistas.
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CENA 10

na sala do(a)s nutricionistas – interior – mais que meio dia

Entro afoito na sala do(a)s nutricionistas. A sala parece um corredor. De um lado uma
bancada com computadores. Do outro lado um sofá e outras coisas que não consigo me
lembrar. Entro e me sento no sofá. De costas para mim haviam três nutricionistas cada
um em frente a um computador. Conto que meu pai está internado ali no hospital e que
recebeu alta médica. Digo que estou preocupado em saber se ele está recebendo as
dietas mesmo já estando de alta médica. O(a)s nutricionistas permanecendo de costas
para mim olhando para as telas dos computadores me responderam que era para eu ficar
tranquilo pois enquanto o paciente estivesse no hospital ele estaria recebendo todas as
dietas. Agradeci e desci para o refeitório.

CENA 11

no contêiner onde fica o refeitório – interior – mais que meio dia

Fiquei na dúvida se me utilizava da posição de funcionário do hospital para entrar na


frente dos acompanhantes ou se ia para o final da fila. Furei a fila. Ao entrar no
refeitório encontrei apenas três pessoas sentadas comendo. O resto era lugar vazio. Me
perguntei o porquê da fila dos acompanhantes se lá dentro o lugar estava quase vazio.
Passei pelo balcão de distribuição de quentinhas. Perguntei o que tinha para comer à
balconista. Ela me disse que o cardápio estava fixado na frente do balcão e realmente
estava, mas eu preferi não ler e peguei uma quentinha de cada. Agradeci e me dirigi à
uma das mesas coletivas. Pude escolher qual mesa ficar e escolhi uma mesa bem no
meio do salão. Ao sair do balcão acabei esquecendo a minha sobremesa que era um
potinho de sorvete de creme. A balconista me chamou e me lembrou da sobremesa.
Voltei e peguei o pote de sorvete e agradeci à balconista novamente. Sentei na mesa
virado de frente para o balcão de distribuição de quentinhas e para a porta de entrada do
refeitório. Abri as quentinhas: almôndegas ao molho vermelho, arroz parboilizado,
240

verdura cozida, angu, feijão preto ralo e queimado. Provei tudo. Apenas provei. Fiquei
ali por algum tempo, mas nenhum acompanhante entrou. O refeitório estava vazio e
além de mim, da balconista e de mais duas pessoas que estavam comendo haviam
apenas as moscas. Quando entrou a primeira acompanhante eu observei como a
balconista iria atendê-la e se seria da mesma forma que havia me atendido, dizendo que
o cardápio estava afixado no vidro do balcão e que era para pegar uma de cada
quentinha e que ainda tinha o sorvete de sobremesa. Quando sai do refeitório e passei
pela fila do(a)s acompanhante ouvi alguma acompanhante dizer empolgada que a
sobremesa era sorvete.

CENA 12

no farmácia central do hospital – interior – era de tarde

Logo ao chegar na farmácia do hospital me deparei com um cartaz que dizia que a
distribuição dos medicamentos era exclusivamente para o(a)s paciente(s) que se
encontravam internados. Esperei alguém vir falar comigo. Uma mulher veio me
atender. Perguntei o que ela poderia fazer por um velhinho pobre que estava de alta e o
médico tinha prescrito cefalexina comprimido. Ela primeiro falou que seria muito
difícil poder me doar os comprimidos de cefalexina pois o que havia no estoque era
pouco e a prioridade era dos pacientes que estavam internados. Ela entrou e depois de
um tempo voltou com uma caixa me mostrando que haviam poucas unidades do
medicamento que eu havia solicitado, menos do que a quantidade prescrita. Fiz uma
cara de pobre coitado e reiterei a estória do velhinho que havia operado um câncer e era
muito pobrinho. Ela falou que ia ligar para o estoque e ver o que poderia fazer.
Enquanto eu esperava puxei assunto com outra funcionária da farmácia sobre a falência
do SUS. Disse ela que concordava comigo, que nunca em todo seu tempo de carreira
tinha viso o sistema tão falido como agora. A mulher voltou e me deu toda a medicação
que havia solicitado. Agradeci e me despedi. Segui para o NIR para pegar o documento
carimbado e assinado pelo meu chefe imediato que constava informações sobre o meu
último dia trabalhado. Sem ele não poderia dar entrada na licença para cuidar do meu
pai em casa.
241

CENA 13

na sala da perícia – interior – tarde

Ao entrar na sala da perícia encontrei uma colega de trabalho que havia fraturado o
dedo de um dos pés. Era estava ali para renovar a sua licença médica. O seu pé estava
inchado e vermelho. Entreguei a papelada à recepcionista/secretária que foi checar no
computador se meu pai estava ou não cadastrado como meu dependente. Disse que
havia dado entrada no processo de cadastramento ontem à tarde. Ela localizou o nome
do meu pai como meu dependente no sistema. Entrei para a sala de consulta com uma
médica que já foi me avisando que o sistema estava ruim. Sobre sua mesa vi um tablet
com capa rosa claro. Ela me perguntou sobre meu pai. Eu expliquei sobre a cirurgia.
Ela me perguntou quantos dias eu iria querer de licença, e ainda me informou que por
ano corrido eram liberados apenas sessenta dias. Pedi a metade disso. Ela teve que
pegar o tablet com capa rosa claro para terminar o processo e mandar imprimir o meu
documento. Fomos juntos andando até à recepção onde ficava a impressora. Ela pegou
as duas cópias, as assinou e carimbou. Voltei ao NIR para deixar uma cópia do
documento afixada junto à minha folha de ponto.

CENA 14

na sala da equipe EADES – interior – depois do meio da tarde

Comecei a organizar todas as minhas coisas e do meu pai que estavam na sala da equipe
EADES desde segunda-feira. Arrumei quatro bolsas e sacolas de roupas, objetos de
higiene, calçados, livros e papéis. Pedi ao assistente social da equipe para fazer uma
solicitação de transporte para levar o meu pai até minha casa. Consegui combinar com
uma técnica de Enfermagem do meu outro trabalho para dormir com meu pai, marquei
com ela às 17h em ponto. Eu tinha pouco tempo para organizar tudo. Confirmei com
meu companheiro a ida ao lançamento do livro aquela noite. E voltei para a enfermaria
de curta permanência para pegar o meu pai. No caminho entreguei a solicitação de
transporte no setor de transportes e combinei que a hora da saída seria às 16h. Daria
tempo suficiente para chegar em casa antes da técnica de Enfermagem que iria dormir
com meu pai. Organizar a casa. Me organizar e sair.
242

CENA 15

na enfermaria do leito do meu pai – interior – depois do meio da tarde

Entrei na enfermaria do leito do meu pai e só encontrei dois dos antigos “moradores”,
aquele que na primeira noite toda hora se levantava para escarrar e o paciente do leito
151 – 4. Ele me cumprimentou e me deu o seu caderno para que eu lesse o que
escrevera. Ele havia retirado sua laringe e não poderia mais falar. No caderno ele
escreveu pedindo desculpas por ser muito agitado e também para que quem estivesse
lendo desligasse sua bomba infusora, aquela que o alarme apitava de tempos em
tempos, pois ele queria ir ao banheiro. Desliguei sua bomba e disse a ele que ele não
precisava se desculpar e aquilo que eu pudesse fazer por ele eu faria. Comecei a
organizar as coisas do meu pai. Iríamos embora em pouco tempo. Ajudei ele a retirar o
pijama do hospital e vestir sua roupa de rua, mas reparei que o seu curativo estava
muito sujo de sangue, inclusive o seu travesseiro. Toquei com meus dedos a parte do
curativo que estava suja pelo lado de fora e percebi que o sangue estava seco, imaginei
que havia sangrado por causa do curativo e depois havia parado. Mesmo assim decidi ir
atrás de um médico do setor. Nesse momento uma nutricionista entrou e foi até à
acompanhante do paciente do leito 151 – 4 para passar as orientações dos cuidados com
a produção e administração da dieta pela gastrostomia. Ela falava em tom professoral e
toda a enfermaria era capaz de ouvi-la. Ela falava de produtos que deviam ser
comprados na farmácia cujo preço não era caro. Lembro-me de um suplemento em pó
para ser misturado ao lanche da tarde todos os dias e que custava apenas entre trinta e
quarenta reais na farmácia. Ela explicou sobre todos os cuidados com a administração
da dieta pelo cateter da gastrostomia, mas não explicou sobre os cuidados com o
paciente antes, durante e depois da administração da dieta. Ela falou durante uns dez
minutos e sempre perguntava à acompanhante se estava entendendo. A acompanhante
não falou em momento algum durante todo o processo de orientação sobre a nutrição do
paciente.
243

CENA 16

na porta de recepção de pacientes do centro cirúrgico – depois do meio da tarde

Como não encontrei médicos da enfermaria de curta permanência no setor fui ao centro
cirúrgico na esperança de lá um deles encontrar. Precisava conversar sobre o
sangramento que havia extravasado o curativo e sujado o travesseiro de meu pai. Uma
senhora me atendeu na porta e entrou para saber se lá dentro ainda havia algum médico
da enfermaria de curta permanência. Ela retornou dizendo que todos já haviam ido
embora. Eu expliquei o meu caso, falei do meu pai, ela disse que tinha ouvido falar
sobre ele e entrou novamente voltando logo depois com a enfermeira que havia
acompanhado todo o procedimento cirúrgico. Ela me cumprimentou estendendo sua
mão direita. Eu a cumprimentei. Ela saiu de dentro do centro cirúrgico para conversar
comigo. Me contou tudo que havia acontecido, detalhadamente. Me falou que o
procedimento foi violento e que sangrou muito. Me disse que esse sangramento era
esperado por causa da região que é super vascularizada, porque tiveram que fazer uma
raspagem no osso do crânio e também por causa do tipo de pele do meu pai, super
friável. Disse que o curativo era simples, apesar de extenso. Que era para eu executá-lo
com técnica asséptica e apenas usar AGE, que não era para usar vaselina como os
médicos usaram no curativo da sala cirúrgica, pois eles usaram apenas para que o
primeiro curativo não agarrasse. Falou que qualquer coisa era para eu não pensar duas
vezes e trazer meu pai de volta direto ao centro cirúrgico que teria médico para avaliar.
Ela, no meio da conversa, me disse que achava que eu era da comissão de curativos
porque alguém havia dito isso ontem no centro cirúrgico durante a cirurgia do meu pai.
Eu disse que não era daquela comissão e que naquele momento eu estava ocupando a
posição de sujeito-acompanhante-filho-cuidador. O sujeito-profissional de saúde estava
fora.
244

CENA 17

no setor de transportes – interior – na hora marcada

Deixei meu pai na sala da ouvidoria que fica no térreo do prédio onde fica a sala da
equipe EADES. Fui até o setor de transportes e disse que já estávamos prontos para ir
embora. O profissional que me atendeu me avisou que a ambulância que meu iria leva
meu pai estava chegando de uma corrida. Avisei que iríamos aguardá-los na sala da
ouvidoria. Eu estava preocupado com a hora pois teria que chegar em casa antes da
técnica de Enfermagem que iria dormir com meu pai.

CENA 18

na sala da ouvidoria – interior – na hora marcada

Voltei do setor de transportes e encontrei meu pai reclamando do ar condicionado da


sala da ouvidoria. Avisei que iria na sala da equipe EADES pegar as quatro bolsas com
nossos pertences. Na volta encontrei meu pai sentado do lado de fora da sala vestindo
um casaco. Fazia muito calor. Veio chegando uma menina vestindo macacão azul-
marinho típico de uniforme de resgate. Ela avisou que a ambulância viria até à porta da
ouvidoria. Meu pai falou que não precisava e que ele iria andando até à ambulância.
Fomos os três juntos e devagar. Meu pai subiu em uma escadinha de ferro de três
degraus e entrou na ambulância. A menina o orientou a sentar em uma poltrona que
ficava na cabeceira da maca de frente para a porta lateral da ambulância, por onde
entramos. Ela fixou o sinto de segurança nele. Eu entrei e sentei em frente ao meu pai.
Ela fechou a porta de correr, entrou no banco da frente e enfiou a sua cabeça em uma
janelinha de comunicação e me pedindo informações sobre como chegar ao endereço.
Falei para o motorista pegar a Linha Amarela em direção à Barra da Tijuca e sair na
última saída antes do pedágio e que de lá eu iria guiando. O motorista ligou a
ambulância e saímos definitivamente do hospital.

FIM.


245

ANEXO A – Arcabouço teórico-legal da EADES

REDES

1. GRUPO TÉCNICO DA COMISSÃO INTERGESTORES TRIPARTITE – CIT


Diretrizes para Organização das Redes de Atenção à Saúde do SUS /
Versão/dezembro 2010
2. MENDES, Eugênio Villaça. As redes de atenção à saúde / Brasília:
Organização Pan-Americana da Saúde, 2011. 549 p.
3. MERHY, E. E.; QUEIROZ, M. S. Saúde Pública, Rede Básica e o Sistema de
Saúde Brasileiro / Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, 9 (2): 177-184,
abr/jun, 1993.

EDUCAÇÃO EM SAÚDE

4. Brasil. Fundação Nacional de Saúde. Diretrizes de educação em saúde


visando à promoção da saúde: documento base - documento I / Fundação
Nacional de Saúde - Brasília: Funasa, 2007. 70 p.
5. CANDEIAS, Nelly Martins Ferreira. Conceitos de educação e de promoção
em saúde: mudanças individuais e mudanças organizacionais / Revista de
Saúde Pública, 31 (2): 209-13, 1997
6. FALKENBERG, M. B.; MENDES, T. de P. L.; MORAES, E. P. de; SOUZA, E.
M. de S. Educação em saúde e educação na saúde: conceitos e implicações
para a saúde coletiva / Ciência & Saúde Coletiva, 19(3):847-852, 2014
7. MAJORIE, Ester Dias Maciel. Educação em Saúde: conceitos e propósitos /
Cogitare Enfermagem. 2009 Out/Dez; 14(4):773-6
8. OLIVEIRA, S. S.; GUERREIRO, L. B.; BONFIM, P. M. Educação para a
saúde: a doença como conteúdo nas aulas de ciências / História, Ciências,
Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.14, n.4, p.1313-1328, out.-dez. 2007.
9. PEREIRA, Isabel Brasil. Dicionário da educação profissional em saúde /
Isabel Pereira Brasil e Júlio César França Lima. 2.ed. ver. ampl. – Rio de
Janeiro: EPSJV, 2008. 478 p.
246

10. PIMONT, Rosa Pavone. A Educação em Saúde: conceitos, definições e


objetivos / Boletin de LA Oficina Sanitaria Panamericana. Janeiro 1977.

OUTROS ASSUNTOS

11. Avaliação em saúde na perspectiva dos usuários: abordagem multicêntrica /


Roseni Pinheiro, Paulo Henrique Novaes Martins, organizadores. – Rio de
Janeiro: CEPESC / IMS-UERJ; Recife: Editora Universitária UFPE; São Paulo:
ABRASCO, 2011. 376 p.
12. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de
Atenção Básica. Caderno de atenção domiciliar / Ministério da Saúde,
Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. – Brasília :
Ministério da Saúde, 2012. 1 v.: il.
13. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de
Atenção Básica. Caderno de atenção domiciliar / Ministério da Saúde,
Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. – Brasília :
Ministério da Saúde, 2012. 2 v.: il.
14. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de
Atenção Básica. Estratégias para o cuidado da pessoa com doença crônica /
Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção
Básica. – Brasília : Ministério da Saúde, 2014. 162 p. : il. (Cadernos de
Atenção Básica, n. 35)
15. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de
Atenção Básica. Saúde mental / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à
Saúde, Departamento de Atenção Básica, Departamento de Ações Programáticas
Estratégicas. – Brasília : Ministério da Saúde, 2013. 176 p. : il. (Cadernos de
Atenção Básica, n. 34)
16. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de
Atenção Básica. Diretrizes para o cuidado das pessoas com doenças
crônicas nas redes de atenção à saúde e nas linhas de cuidado prioritárias /
Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção
Básica. – Brasília : Ministério da Saúde, 2013. 28 p. : il.
247

17. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de


Ações Programáticas e Estratégicas. Atenção hospitalar / Ministério da Saúde,
Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas e
Estratégicas. – Brasília: Ministério da Saúde, 2011. 268 p., il. – (Série B. Textos
Básicos de Saúde) (Cadernos HumanizaSUS ; v. 3)
18. Construção da integralidade: cotidiano, saberes e práticas em saúde. Roseni
Pinheiro,Ruben Mattos Kenneth R.Camargo Jr.(org.).UERJ-IMS-Abrasco, Rio
de Janeiro,2003,228 pp.
19. Ensinando a cuidar em Saúde Pública. Nébia Maria Almeida de Figueiredo
(org.) – São Caetano do Sul, SP : Yendis Editora 2005.
20. O enfermeiro como educador: princípios de ensino-aprendizagem para a
prática de Enfermagem / Susan B. Bastable ; tradução Aline Capelli Vargas. –
3. ed. – Porto Alegre : Artmed, 2010. 688 p.
21. Por uma sociedade cuidadora / Roseni Pinheiro e Aluisio Gomes Silva Junior,
organizadores. = 1. ed. – Rio de Janeiro: CEPESC: IMS/UERJ: ABRASCO,
2010. 448 p. (Série Cidadania do Cuidado)
22. Razões públicas para a integralidade em saúde: o cuidado como valor /
Roseni Pinheiro e Ruben Araújo de Mattos, organizadores. 2ª edição – Rio de
Janeiro: IMS/UERJ: CEPESC: ABRASCO, 2009. 404p.
23. Usuários, redes sociais, mediações e integralidade em saúde / Roseni
Pinheiro, Paulo Henrique Novaes Martins, organizadores. – Rio de Janeiro:
UERJ/IMS/LAPPIS, 2011. 312 p. (Série Saúde Coletiva, Instituições e
Sociedade Civil)

LEGISLAÇÃO GERAL

24. Constituição da República Federativa do Brasil – 1998


25. Lei 10406 de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil
26. Decreto-Lei 2848 de 97 de dezembro de 1940 – Código Penal
27. Lei 8112 de 11 de dezembro de 1990
28. Lei 8069 de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente
29. Lei 10741 de 1º de outubro de 2003 – Estatuto do Idoso
30. Lei 8742 de 07 de novembro de 1993 – Lei Orgânica da Assistência Social
248

LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA – SISTEMA DE SAÚDE

31. Lei 8080 de 19 de setembro de 1990 – Lei Orgânica da Saúde


32. Lei 8142 de 28 de dezembro de 1990
33. Decreto 7508 de 28 de junho de 2011
34. Portaria 485 de 11 de novembro de 2005 – NR 32 Ministério do Trabalho e do
Emprego
35. Portaria 252 de 2013 – Redes Doentes Crônicos
36. Portaria 4279 de 2010 – Diretrizes RAS

POLÍTICAS

37. Portaria 2488 de 21 de outubro de 2011 – Política Nacional da Atenção Básica


38. Portaria 3390 de 30 de dezembro de 2013 – Política Nacional da Atenção
Hospitalar
39. Portaria 2528 de 19 de outubro de 2006 – Política Nacional da Saúde da
Pessoa Idosa
40. Portaria 1863 de 29 de setembro de 2003 – Política Nacional de Atenção às
Urgências
41. Lei 10216 de 06 de abril de 2001 – Política Nacional da Saúde Mental
42. Portaria 1823 de 23 de agosto de 2012 – Política Nacional da Saúde do
Trabalhador e da Trabalhadora
43. Portaria 1130 de 05 de agosto de 2015 – Política Nacional de Atenção Integral
à Saúde da Criança
44. Portaria 1168 de 15 de junho de 2004 – Política Nacional de Atenção ao
Portador de Doença Renal
45. Portaria 2439 de 08 de dezembro de 2005 – Política Nacional de Atenção
Oncológica
46. Portaria 874 de 16 de maio de 2013 – Política Nacional para a Prevenção e
Controle do Câncer na Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças
Crônicas
47. Portaria 1996 de 20 de agosto de 2007 – Política Nacional de Educação
Permanente em Saúde
249

48. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher de 2004


49. Política Nacional de Humanização de 2004
50. Política Nacional de Saúde Bucal de 2004
51. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem de 2008
52. Política Nacional de Atenção à Saúde do Servidor Público Federal de 2008
53. Política Nacional de Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência de 2008
54. Portaria 389 de 13 de março de 2014 – Política Do Doente Renal Crônico
250

ANEXO B – Documento Operacional “Censo”

CENSO EADES

15 DE ABRIL DE 2016 - SEXTA -FEIRA


PROFISSIONAIS PRESENTES: GLÓRIA/DIELLE/ANA CAROLINA
EVENTO(S) ADVERSO(S):
MÉDICO
NOME CRITÉRIOS ASSISTENTE
SERVIÇO ENFERMARIA LEITO O que falta fazer? Urgências e prioridades.
COMPLETO EADES (nome e
telefone)
Rede OK Faz procedimento pela Radio intervencionista em 22/03/2016/Fará jejunostomia dia 13/04./
ZILDA ALVARENGA DA CRUZ CMA 131 28 1+3 juliana já fez a reunião com familiar. Feita reunião eades. Treinamneto esta sendo feito durante a
internação. Retirado sonda vesical
paciente com TQT em desmame de O2. Aguardando fechamento da FO por segunda intenção. Parecer
para Psicologia respondido. Paciente com pouco cooperativo.TVP em membro inferior direito com
melhora Com UPP em região sacra com dificil cicatrização. Dieta por GTT. feito treinamento de
ANTÔNIO GOMES DE MATTOS CCGA 146 47 1+4+3
enfermagem e nutricao no dia 07/04/16. Realizado treinamento de enfermagem e fisioterapia dia
11/04/16. falta entregar RAS a familia e prontuário. Reuniaõ com eades ok. Fazendo febre em
14/04/2016
MANOEL SEBASTIÃO FERREIRA Reunião Marcada para 13/04/2016. Paciente acamado. TQT acoplado MNBZ. GTT agendado para o dia
DA SILVA CCGB 142 12 4
18/04
MARIA HELENA ADRIANO Complicação postransplante renal. Aguarda TC de abdomen. Só terá alta após suspensão do antibiótico
GONÇALVES NEFRO 123 7 4
e fechamento da F.O.
Paciente reinternou devido a infecção em FO. Término de ATB. Entrado em contato com Barra de Piraí
LUCIENE DE FATIMA DA SILVA NEURO 144 42 4
para providenciar fisioterapia. Fará lavagem cirurgica da FO no dia 13/04
ENTRADAS SAÍDAS
NOME
NOME COMPLETO SERVIÇO ENFERMARIA LEITO SERVIÇO ENFERMARIA LEITO MOTIVO
COMPLETO
IRECI DE CARDIO 134 8 Alta hospitalar em 14/04/2016

JOÃO CARLOS CTI 120 2


ALTA ADMINISTRATIVA
251

ANEXO C – Documento Operacional “Fichário de Dados do(a) Paciente”

1 DADOS GERAIS DO USUÁRIO


NOME:
MÃE
:
NASCIMENTO SEXO: PRONTUÁRIO: IDADE:
:
CRONOLOGIA DAS INTERNAÇÕES
Data da internação atual: Motivo(s): [ queixa(s) principal(is) ] CID 10:

Data da admissão pela Critério(s): [ 1 – doença oncológica / 2 – longa permanência / 3 – > 60 anos de idade / 4 – a pedido ]
EADES:

Data da saída: Motivo: [ 1 – alta melhorada / 2 – óbito / 3 – transferência para outra unidade / 4 – administrativo ]

Serviço/enfermaria/leito: Serviço/enfermaria/leito: Serviço/enfermaria/leito: Serviço/enfermaria/leito:

Data da internação atual: Motivo(s): [ queixa(s) principal(is) ] CID 10:

Data da admissão pela Critério(s): [ 1 – doença oncológica / 2 – longa permanência / 3 – > 60 anos de idade / 4 – a pedido ]
EADES:

Data da saída: Motivo: [ 1 – alta melhorada / 2 – óbito / 3 – transferência para outra unidade / 4 – administrativo ]

Serviço/enfermaria/leito: Serviço/enfermaria/leito: Serviço/enfermaria/leito: Serviço/enfermaria/leito:

Data da internação atual: Motivo(s): [ queixa(s) principal(is) ]

Data da admissão pela Critério(s): [ 1 – doença oncológica / 2 – longa permanência / 3 – > 60 anos de idade / 4 – a pedido ]
EADES:

Data da saída: Motivo: [ 1 – alta melhorada / 2 – óbito / 3 – transferência para outra unidade / 4 – administrativo ]

Serviço/enfermaria/leito: Serviço/enfermaria/leito: Serviço/enfermaria/leito: Serviço/enfermaria/leito:


252

2a DADOS SOCIAIS DO USUÁRIO


Anamnese do usuário – dados sobre o processo saúde-doença do usuário

HISTÓRIA PATOLÓGICA PREGRESSA (INCLUINDO HISTÓRIA FAMILIAR)

HISTÓRIA DA DOENÇA ATUAL (INCLUINDO ITINERÁRIO TERAPÊUTICO)

COMORBIDADES PRÉ-EXISTENTES E TRATAMENTOS EM CURSO

OBSERVAÇÕES COMPLEMENTARES RELEVANTES


253

2b DEMANDAS DE CUIDADOS
USUÁRIO(A):

Internou em: ___/___/____ Motivos:

Saiu em: ___/___/____ 1 2 3, para: 4

CONDIÇÕES CLÍNICAS: marcar “S” para sim / “N” para não / Datar as realizações das ostomias

Mobilidade: Deambula Deambula com auxílio Não deambula Totalmente acamado

Alimentação: Por via oral Cateter nasoenteral GTT JTT

Ventilação: Expontaneamente TQT Macro NBZ Concentrador O2

Eliminação: Uso de fralda Cistostomia Nefrostomia Colostomia


tipo / local /
Feridas:

condição

OUTRAS OBSERVAÇÕES RELEVANTES

__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
______________________________
254

2c CUIDADORES
USUÁRIO
(A):
Motivo(s) da internação:

Internou em: Previsão de alta para:

Cuidador(a) – 1:
Idade: Vínculo: ( ) formal / ( ) familiar

Escolaridade: ( ) analfabeto / ( ) lê e escreve / ( ) fundamental / ( ) médio / ( ) superior

Experiência(s) prévia(s): ( ) SIM / ( ) NÃO Medo(s) e ansiedade(s): ( ) SIM / ( ) NÃO

Telefone(s): E-mail:

Cuidador(a) – 1:
Idade: Vínculo: ( ) formal / ( ) familiar

Escolaridade: ( ) analfabeto / ( ) lê e escreve / ( ) fundamental / ( ) médio / ( ) superior

Experiência(s) prévia(s): ( ) SIM / ( ) NÃO Medo(s) e ansiedade(s): ( ) SIM / ( ) NÃO

Telefone(s): E-mail:

Impressões sobre o(s) cuidador(es) entrevistados:

________________________________________________________________________________
___
________________________________________________________________________________
___
________________________________________________________________________________
___
________________________________________________________________________________
___
________________________________________________________________________________
___
________________________________________________________________________________
___
________________________________________________________________________________
___
255

2d DADOS SOCIAIS DO USUÁRIO


Recursos físicos e financeiros

Identificação: ( ) idoso / ( ) adulto / ( ) adolescente / ( ) criança / ( ) pessoa com deficiência

Documentação ( ) possui / ( ) não possui

CPF: Outro documento:


O:

Domicílio terapêutico – endereço pós-alta para a continuidade dos cuidados

Logradouro:

Nº: Complementos:

Bairro: Município: CEP:

Pontos de referência:

Condições habitacionais marcar “S” para sim / “N” para não


É de alvenaria? Tem escadas? É apartamento? Qual o andar? Tem elevador?

Cabe leito hospitalar em algum cômodo? Cadeira de rodas circula pela casa?

Carro / ambulância chega à porta? Cadeira higiênica entra no banheiro?

Situação previdenciária / trabalhista

Ocupação atual:

Renda pessoal [ em salário mínimo ] : Sem renda: ( ) sim / ( ) não


Outras fontes de renda [ em salário mínimo ] :

Outros recursos : ( ) automóvel / ( ) imóvel / ( ) plano de saúde

Anotações extras:
256

3a REDES EXTERNAS DE CUIDADOS


Dados gerais das redes de referência identificadas e estabelecidas

Rede domiciliar e rede familiar

NOME / PARENTESCO / IDADE MORA JUNTO?ORARA CONTATOS (telefones e e-mail)

Atenção primária
Tipo: ( ) ESF / ( ) CSE / ( ) Posto de saúde / ( ) CMS / ( ) Policlínica / ( ) Melhor em casa
Nome:

Endereço:

TELEFONES: e-mail:

ACS: Enfermeiro(a):

Médico(a): Gerente/coordenador:

OUTRAS REDES (outras unidades de saúde e /ou de apoio e seus contatos – pessoas, telefones, e-mails)
257

3b REDES EXTERNAS DE CUIDADOS


Notações dos contatos feitos com a rede externa e desdobramentos

PELO
FALEI COM /
DATA TELEFONE / E- SOBRE DESDOBRAMENTOS
QUE É
MAIL
258

4 __ ACOMPANHAMENTO EADES
Notações dos processos de internação + evolução diária + motivos de permanência (clínico-
biológicos + administrativos-processuais + sócio-estruturais + psico-individuais)

LEGENDA INDICATIVA DE MOTIVOS DE PERMANÊNCIA:


PAR Aguarda resposta de PARECER(ES) MED Tratamento (s) MEDICAMENTOSO(S) em curso
PRO Aguarda realização de PROCEDIMENTO(S) EXA Aguarda realização de EXAME(S)
DOC Aguarda por DOCUMENTO(S) JUR Aguarda resultado de processo(s) JURÍDICO(S)

LEGENDA DADOS
259

ANEXO D – Documento Operacional “Fluxograma Captação”


260
261

ANEXO E – Documento Operacional “Fluxograma Redes de Atenção à Saúde - RAS”


262
263

ANEXO F – Documento Operacional “Fluxograma Cuidados”


264
265

ANEXO G – Documento Operacional “Redes de Atenção à Saúde” (versão para os


pacientes)
266

ANEXO H – Documento Operacional “Redes de Atenção à Saúde” (versão para os


profissionais)

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