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Rio de Janeiro
2016
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Rio de Janeiro
2016
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CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/CB/C
CDU 614.39(81)
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
dissertação, desde que citada a fonte.
____________________________________ _____________________
Assinatura Data
Rio de Janeiro
2016
4
DEDICATÓRIA
RESUMO
A melhoria da qualidade de vida e das respostas da biomedicina nos fez viver mais
tempo que as gerações de nossos avós. O envelhecimento do nosso corpo propicia a instalação
de doenças crônicas que geram perdas econômicas mundiais na ordem dos bilhões de dólares
assim como o gasto em saúde. Os hospitais e as práticas desenvolvidas nas suas entranhas são
de longe a tecnologia mais cara do setor saúde. Umas das respostas sanitárias está baseada nos
processos de desospitalização. Objetivo: Responder à pergunta: Como fazer desospitalização
em hospital geral? Metodologia: Trata-se de estudo exploratório em documentos públicos
(acadêmicos, oficiais e operacionais) utilizando-se a análise documental clássica e em
documentos privados (memórias e lembranças do pesquisador) utilizando-se alguns
procedimentos da etnografia. Resultados: Através das análises dos documentos acadêmicos
descobriu-se que a utilização da desospitalização como forma de racionalização dos recursos
do hospital data desde o final da II Guerra Mundial. Dos documentos oficiais compreendeu-se
que para o SUS esse processo visa garantir a alta responsável dos pacientes do hospital. Dos
documentos operacionais, foi possível depreender que o processo de desospitalização é
composto de macroprocessos que objetivam a inclusão da família, o treinamento do cuidador
familiar e a organização de rede de atenção à saúde. Com as memórias e lembranças foi
possível identificarmos a construção do campo pela perspectiva historiográfica da Equipe de
Apoio à Desospitalização e Educação em Saúde (EADES) do Hospital Federal de Bonsucesso
e a construção do objeto de pesquisa pela perspectiva participante do pesquisador nos campos
e com os artefatos. Considerações finais: É possível afirmar que a desospitalização em
hospital geral se dá de múltiplas maneiras e que todas elas nos direcionam a ampliar nosso
olhar sobre os sujeitos. Mesmo que se tenha conseguido reunir um número significativo de
informações sugestivas sobre o seu modus operandi cabem ainda muitos outros estudos sobre o
tema pois, antes de tudo, desospitalização ainda continua sendo um tema pouco explorado em
pesquisas acadêmicas.
ABSTRACT
Improving the quality of life and biomedicine responses made us live longer than the
generations of our grandparents. The aging of our body provides the installation of chronic
diseases that generate global economic losses of billions of dollars as well as spending on
health. Hospitals and practices developed in his bowels are by far the most expensive
technology in the health sector. One of the health responses are based on dehospitalization
processes. Objective: To answer the question: How to do dehospitalization in general
hospital? Methodology: It is an exploratory study in public documents (academic, official and
operational) using the classical analysis of documents and in private documents (memories and
researcher Keepsakes) using some procedures of ethnography. Results: Through the analysis
of academic papers was found that the use of dehospitalization as a form of rationalization of
hospital resources date since from the end of World War II. From the official documents we
got understood that for the NHS the process of dehospitalization works in order to ensure the
high responsibility with the discharge of patients from hospital. In the operational documents
was possible to conclude that the dehospitalization process is composed of macro processes
that aim to include the family, the family caregiver training and the networking organization
for health care. With the memories and keepsakes was possible to identify the construction of
the research object by historiographical perspective of the Support for Dehospitalization and
Health Education Team (SDHET) in the Federal Hospital of Bonsucesso and the participant
perspective of the researcher in the fields and with the artifacts. Final Thoughts: You can say
that dehospitalization in general hospital is given in many ways and that all of them direct us to
expand our view to the subjects. Even if you managed a significant number of suggestive
information about their modus operandi, many other studies on the subject are needed because,
first of all, dehospitalization remains a subject little explored in academic research.
LISTA DE FIGURAS
LISTA DE GRÁFICOS
LISTA DE QUADROS
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................. 12
1 NOTAS SOBRE O PROCESSO DE SELEÇÃO DOS DOCUMENTOS
PÚBLICOS PARA ANÁLISE........................................................................... 31
1.1 Documentos acadêmicos.................................................................................... 32
1.2 Documentos oficiais............................................................................................ 38
1.3 Documentos operacionais................................................................................... 41
2 ANALISANDO OS DOCUMENTOS ACADÊMICOS.................................. 44
2.1 Olhar quantitativo.............................................................................................. 44
2.2 Olhar qualitativo................................................................................................ 47
2.3 Olhar funcionalístico........................................................................................... 54
3 ANALISANDO OS DOCUMENTOS OFICIAIS........................................... 64
3.1 Olhar quantitativo............................................................................................... 65
3.2 Olhar qualitativo................................................................................................. 68
3.3 Olhar funcionalístico.......................................................................................... 79
4 ANALISANDO OS DOCUMENTOS OPERACIONAIS............................... 93
4.1 Olhar quantitativo............................................................................................... 94
4.2 Olhar qualitativo................................................................................................. 100
4.3 Olhar funcionalístico.......................................................................................... 126
5 NOTAS SOBRE A HISTÓRIA E AS ESTÓRIAS DA EADES..................... 136
5.1 De Angra à Penha............................................................................................... 138
5.2 Os espaços de atuação e a constituição da equipe........................................... 140
5.3 Do SAD ao SADES............................................................................................. 142
5.4 Desenhando o novo serviço................................................................................ 144
5.5 O que é a EADES?............................................................................................. 145
5.6 Adquirindo novos conhecimentos...................................................................... 147
5.7 Encontrando parceiros e “marquetenado”....................................................... 149
5.8 Recebendo visitas importantes........................................................................... 152
5.9 A EADES e a Academia...................................................................................... 153
5.10 A Câmara Técnica de Desospitalização e seus efeitos...................................... 155
5.11 Como ganhar enfermeiras.................................................................................. 156
12
INTRODUÇÃO
Em uma tarde ensolarada de sábado, sentei na frente do meu computador que ainda
tinha pregadores de roupas fixando sua tela quebrada, para de uma só tacada (re)escrever a
introdução da minha dissertação. Considerando que usaria o texto do meu projeto de
qualificação como base para esta (re)escrita, estava confiante de que essa tarefa não seria uma
das mais difíceis de ser cumprida. Ledo engano. Lendo o primeiro parágrafo do meu projeto de
qualificação me senti como se estivesse em frente a uma página em branco. “Como eu tive
coragem de um dia ter escrito aquilo daquela maneira?”, perguntei a mim mesmo balançando a
cabeça para um lado e depois para o outro. E por ali eu permaneci congelado, olhando aquele
primeiro parágrafo, sem conseguir, sequer, uma letra teclar. Na minha frente apenas a tal da
“página em branco” e aquele traço vertical que ficava alternadamente aparecendo e
desaparecendo. Foi assim que eu me vi.
“Horas” depois, ouvi o barulho de chaves no portão de ferro, era o meu vizinho de
cima chegando da rua. Um dos seus rituais é sair aos sábados para comprar carnes assadas
numa padaria metida à granfina aqui perto de casa, e super cara. Ele passou pela porta da
cozinha que estava aberta e me viu em pé à frente da pia, entrou, puxou uma cadeira e se
sentou, depois se deu conta de que eu estava moendo grãos de café, pediu uma xícara e se pôs a
falar. Por sinal, falar muito é um dos seus outros tantos rituais. Um quarentão de Nova Iorque
boa gente e cheio de rituais. Comecei a falar sobre o “branco” no qual eu me encontrava diante
do desafio de (re)escrever a introdução dessa dissertação e sobre o desconforto que estava
sentindo por não mais conseguir me identificar com o texto do meu projeto de qualificação que
imaginei utilizar como um ponto de partida para essa (re)escrita. Ele, após a última golada no
seu café, reuniu suas sacolas e já quase saindo pela porta da cozinha, me disse: “In each five
seconds you are not the same”.
Achei que ele estava querendo me dizer que era mais do que esperado o fato de eu não
me reconhecer naquele texto que parecia tão ultrapassado para mim e de querer reescrever toda
a introdução, já que milhares de milhões de cinco segundos haviam se passado entre aquela
época em que o escrevera e hoje, naquela tarde ensolarada de sábado.
14
Mutatis Mutandis o mundo em que coabitamos também não é o mesmo a cada cinco
segundos. Transições nas mais diversas ordens e setores (demografia, adoecimento e morte,
gastos com saúde, tecnologia, política, gestão, etc.) acontecem e são debatidas e
problematizadas todos os dias, inclusive nas “politizadas” redes sociais.
Pois bem, a partir desse momento duas perguntas precisaram ser feitas: “Quais dessas
mudanças (ou quebra de paradigmas) afetam essa pesquisa e de que forma essa afetação
se dá?”. Tentando responder às perguntas anteriores procurarei apresentar de forma sintética e
um tanto quanto simplificada quatro transições que a partir do meu ponto de vista
influencia(ra)m diretamente o objeto e o campo da minha pesquisa, e consequentemente ela
própria.
Foi realizando pesquisas em sites de busca, bancos de dados oficiais e em estudos
científicos que os cenários e os contextos que serão apresentados a seguir ganharam conteúdo e
forma. Sei que muita informação ficará de fora e que outras transições também poderiam
influenciar os rumos dessa pesquisa, porém, tratá-las aqui em nada mais contribuiria para essa
pequena introdução. Trarei à baila questões relacionadas às seguintes transições: a) Transição
Demográfica; b) Transição Epidemiológica; c) Transição Econômica; e d) Transição Sanitária.
Transição demográfica
Para pensar sobre a população mundial, como éramos no passado e como somos hoje,
requer que olhemos para alguns indicadores para só então, entendermos nossa dinâmica
evolutiva (?). A figura 1 a seguir traz quatro gráficos sobre os indicadores “Taxas de
Fecundidade Total”, “Taxas Brutas de Natalidade por Mil Habitantes”, “Taxas Brutas de
Mortalidade por Mil Habitantes” e “Esperança de Vida ao Nascer”.
1
Disponível em: http://brasilemsintese.ibge.gov.br/populacao/taxas-de-fecundidade-total.html . Acesso em 11 de
abril de 2016.
15
(a) (b)
(c) (d)
Legenda: (a) – Taxa de fecundidade total; (b) – Taxa bruta de natalidade por mil habitantes;
(c) – Taxa bruta de mortalidade por mil habitantes; (d) – Esperança de vida ao nascer.
Fonte: IBGE, 2015.
Da leitura dos gráficos acima poderíamos depreender que hoje já somos uma
sociedade onde um número cada vez menor de jovens (em decorrência da diminuição das taxas
de fecundidade e de natalidade) se encontra na posição de responsável por “sustentar” uma
quantidade cada vez maior de pessoas idosas e/ou dependentes e por um tempo cada vez mais
prolongado (em decorrência da diminuição das taxas de mortalidade e das respostas da
biomedicina) 2 . As clássicas imagens das pirâmides etárias ilustrariam bem essa tese; se
olharmos a imagem da pirâmide que representa a projeção demográfica para ano de 20503,
claramente o que identificaremos será o desenho de uma pirâmide invertida, onde uma base
bastante estreita serve de sustentação para todo o resto. Um cenário não muito favorável.
2
Garcia et al. (2002) no artigo “O Envelhecimento e a Saúde” publicado da Revista de Ciências Médicas de
Campinas chamam a atenção para a velocidade que essas transições nas taxas de fecundidade e de natalidade
vinham ocorrendo no Brasil. Segundo os autores em países como a França foi necessário mais de um século (115
anos) pata as taxas de fecundidade alcançarem os patamares de hoje (2002) enquanto no Brasil levaram-se apenas
trinta anos. Outro fator destacado pelos autores foi o fato de que enquanto nos países desenvolvidos a expectativa
de vida ao nascer aumentou em decorrência de um “processo de bem-estar social por meio do qual houve a
ampliação das políticas sociais de saúde, habitação, saneamento, educação e emprego”, no Brasil ela se deu “mais
pela ação médico-sanitária do que por transformações estruturais traduzidas em melhoria de qualidade de vida”.
3
Os gráficos das pirâmides etárias estão disponíveis para manuseio na página do IBGE. Disponível em:
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/projecao_da_populacao/2008/piramide/piramide.shtm .
Acesso em 11 de abril de 2016.
16
Somando-se a isso temos um estudo da revista científica The Lancet do ano de 2007
que trata sobre a carga e os custos das doenças crônicas nos países de baixa e média-renda,
como o Brasil, e que nos apresenta um novo indicador demográfico, um indicador que conta o
tempo de vida saudável da população dos países de baixa e média renda e não apenas o tempo
de vida a mais que ganhamos. E isso faz diferença. A figura 2 a seguir mostra que os tão
comemorados anos ganhados em expectativas de vidas não correspondem obrigatoriamente a
anos de vida saudável.
Figura 2 – Demonstra dados sobre expectativa de vida e sobre expectativa de vida saudável ao
nascer para 23 países de baixa e média economias.
4
Disponível em: http://www.thelancet.com/pdfs/journals/lancet/PIIS0140-6736(07)61696-1.pdf Acesso em: 11 de
abril de 2016.
17
Transição epidemiológica
5
Omram (1971) apresenta as três eras da transição epidemiológica. A primeira era seria “The age of pestilence
and famine” onde a expectativa de vida girava em torno dos 20 a 40 anos. A segunda era seria “The age of
receding pandemics” onde a expectativa de vida se concentraria entre os 30 e os 50 anos de idade. E a terceira era
que seria “The age of degeneratives and man-made diseases” cuja expectativa de via passaria dos 50 anos.
6
Essa assertiva é resultante de um estudo ecológico sobre série temporal (2002 – 2012) das taxas de internação
por doenças crônicas não-transmissíveis (DCNT) para o Brasil e suas macrorregiões, com dados do Sistema de
Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS) (SANTOS ET AL., 2015).
7
O texto em língua estrangeira é: “It has been projected that, by 2020, chronic diseases will account for almost
three-quarters of all deaths worldwide, and that 71% of deaths due to ischaemic heart disease (IHD), 75% of
deaths due to stroke, and 70% of deaths due to diabetes will occur in developing countries (4). The number of
people in the developing world with diabetes will increase by more than 2.5-fold, from 84 million in 1995 to 228
million in 2025 (5). On a global basis, 60% of the burden of chronic diseases will occur in developing countries.”
Disponível em: http://www.who.int/nutrition/topics/2_background/en/ . Acesso em: 11 de abril de 2016.
18
Transição econômica
8
Copio matéria de Ricardo Galhardo publicada em 04 de outubro de 2008 no O Globo online: “SÃO BERNARDO
DO CAMPO - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a minimizar os efeitos da crise americana no Brasil,
neste sábado, em São Bernardo do Campo, depois de participar de carreata ao lado do candidato a prefeito da
cidade, o ex-ministro Luiz Marinho, afirmando:- Lá (nos EUA), ela é um tsunami; aqui, se ela chegar, vai chegar
uma marolinha que não dá nem para esquiar”. Disponível em http://oglobo.globo.com/economia/lula-crise-
tsunami-nos-eua-se-chegar-ao-brasil-sera-marolinha-3827410 . Acesso em: 11 de abril de 2016.
9
Disponível em: http://veja.abril.com.br/noticia/economia/brasil-nao-pode-conviver-com-inflacao-alta-afirma-
dilma-em-bruxelas. Acesso em:11 de abril de 2016.
10
A matéria publicada na Folha online fala do efeito dominó do rebaixamento da nota de crédito brasileira pelas
três maiores agências de classificação de risco em investimento “O anúncio ocorre exatamente uma semana após a
agência Standard & Poor's cortar pela segunda vez a nota do país em cinco meses, avaliando que o processo de
ajuste da economia será mais prolongado do que o esperado. A perspectiva da S&P é negativa. A S&P foi a
primeira agência a retirar o selo de bom pagador do país, em setembro do ano passado. Três meses depois, foi a
vez de a agência Fitch também retirar o grau de investimento do Brasil. A Moody's era a última agência entre as
três grandes que mantinha o país como grau de investimento, mas o rebaixamento já era esperado pelo próprio
governo”. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/02/1742694-agencia-de-risco-moodys-tira-
selo-de-bom-pagador-do-brasil.shtml. Acesso em: 11 de abril de 2016.
19
exemplo, perdeu cerca de R$ 3,8 bilhões11. Somando-se a essa “marolinha” ainda temos as
doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) como sendo uma das grandes vilãs pelos altos
encargos econômicos sobre os indivíduos, as sociedades e os sistemas de saúde (Malta et al.;
2015) e das grandes responsáveis pelas internações hospitalares (cerca de 50%) (Santos et al.;
2015), os mais onerosos equipamentos de saúde, segundo o relatório FISCSAÚDE de 201312.
Ou seja, teríamos um cenário onde uma enorme quantidade de pessoas estaria vivendo doente
por mais tempo e se utilizando dos recursos mais caros do setor Saúde, os hospitais e suas
tecnologias.
Transição sanitária13
11
De acordo com a matéria de Cristiane Jungblut publicada no O Globo online de 04 de novembro de 2015 “O
Ministério do Planejamento enviou nesta quarta-feira documento oficializando o corte de R$ 26 bilhões na
proposta de Orçamento da União de 2016, que foi encaminhado ao Congresso já com um rombo de R$ 30,5
bilhões. O corte nas despesas atinge duas áreas importantes: a Saúde perde R$ 3,8 bilhões e o Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC) tem redução de R$ 2,7 bilhões”. Disponível em:
http://oglobo.globo.com/brasil/governo-oficializa-corte-de-26-bilhoes-no-orcamento-de-2016-17963013 . Acesso
em: 11 de abril de 2016.
12
O FiscSaúde, é o primeiro relatório sistêmico de fiscalização da saúde no Brasil, produzido durante 2013, a
partir do estudo de diversos documentos, da visita a 116 hospitais de todas as regiões brasileiras e de entrevistas
com gestores, representantes do Judiciário e de conselhos profissionais realizado pelo O Tribunal de Contas da
União (TCU). Nesse relatório podemos perceber que os gastos com a média e a alta complexidade hospitalar
correspondem a cerca de 71% de todos os gastos com saúde do SUS no período dos anos 2012 e 2013. Disponível
em: http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/imprensa/noticias/noticias_arquivos/032.624-
20131%20Fisc%20Saude.pdf . Acesso em: 11 de abril de 2016.
13
Schramm et al. (2004) consideram o conceito de transição sanitária como sendo a resposta social organizada às
novas condições de saúde da sociedade que é representada pelos modelos de atenção à saúde, determinada em
grande medida pelo desenvolvimento social, econômico e tecnológico mais amplo.
20
CURA CUIDADO
HOSPITAL DOMICÍLIO
Fonte: o autor, 2015.
É lógico que inúmeras outras mudanças estão em curso na Saúde, mas aqui tratarei
apenas de três delas: a) a mudança do objeto de ação da Saúde; b) a mudança da ação (ou
ações) da Saúde propriamente dita(s); e c) a mudança donde a(s) mesma(s) seria(m)
preferencialmente exercida(s).
A transformação do objeto de ação da Saúde: em algum momento passa(re)mos a olhar
a DOENÇA de outra maneira, passa(re)mos a percebê-la como as CONDIÇÕES DE VIDA de
cada indivíduo. A doença perde(rá) sua relação com a normalidade baseada exclusivamente em
dados quantitativos tomados sobretudo da fisiologia comum ao século XVIII e ganha(rá) outros
aspectos. Canguilhem há tempos já defendia que o patológico não poderia ser considerado o
antônimo da normalidade, pois, segundo ele, a doença estaria presente durante a existência de
todo ser vivo (COELHO & ALMEIDA FILHO, 1999). Ou seja, estamos sendo convidados a
acreditar que mesmo que não tenhamos uma saúde totalmente perfeita, sempre teremos (a nossa
própria) saúde. E é esta saúde a que devemos encontrar, proteger e potencializar enquanto vida
tivermos.
A transformação das ações de saúde propriamente ditas: sabemos que apesar de todos
os avanços da medicina moderna, muitas são as doenças que não conseguimos curar
(HENNEMANN-KRAUSE, 2012). E que quando não se pode curar, o que é muito frequente, o
alívio do sofrimento e o conforto passam a ser universalmente reconhecidos como os objetivos
21
14
No texto original a autora usa o termo “da Medicina”.
15
Portaria GM/MS nº 3.390 de 30 de dezembro de 2013 que institui a Política Nacional de Atenção Hospitalar
(PNHOSP) no âmbito do SUS estabelecendo as diretrizes para a organização do componente hospitalar da Rede de
Atenção à Saúde (RAS).
16
O texto em língua estrangeira é: “The traditional approach to healthcare is based on a concept of illnesses with
abrupt onset and limited duration, which can be usually cured by health professionals. Chronic conditions
however do not fit with this concept. Among other characteristics, their appearance is usually gradual, their
development progressive and their management is complex. As a consequence, chronic patients have to cope with
their condition and its effects, which often have a significant impact on their quality of life over a long period of
time. Such patients therefore have experience and knowledge on their condition complementary to that of health
professionals, a factor which current health systems often neglect. Therefore, a redesign of health care systems
towards an integrated care model with a focus on chronic-disease management seems to be a promising direction
to increase the responsiveness to consumers’ needs and preferences and thereby increase efficiency.”
22
17
Algo como “tendência mundial”. Era assim que os entrevistados do serviço público de cuidados domiciliares da
cidade (scenario) 2 da pesquisa de Silva et al. (2005) enxergavam o processo de desospitalização.
23
medical practice18 decidi que iria me utilizar do método etnográfico quando fosse realizar essa
pesquisa, afinal eu já me encontrava dentro do campo há anos ocupando tanto a posição de
observador como a posição de participante, e vinha fazendo minhas anotações nos “cadernos
de campo” que dispunha: o documento operacional “Diário de bordo” e a minha memória19.
A pergunta dessa pesquisa: Como fazer desospitalização em hospital geral? é
propositalmente a mesma pergunta que me fiz quando comecei a coordenar a Equipe de Apoio
à Desospitalização e Educação em Saúde (EADES)20 do HFB, posto que ocupo até hoje. Em
2011 tentava encontrar maneiras (práticas, protocolos, rotinas, etc.) que pudessem guiar as
ações de um grupo de profissionais na sua lide diária dentro de um hospital geral. Todavia,
durante o desenvolvimento dessa dissertação a pergunta dessa pesquisa foi ganhando outras
nuances e dando margens à inúmeras possibilidades de resposta. Essa dissertação apresenta
algumas delas sem ter, em momento algum, a pretensão de prescrever verdades absolutas sobre
o modos operandi da desospitalização. O próprio título desse trabalho – “Hospital não pelo
amor!” pode ser percebido como uma dessas possíveis respostas. Ele, cheio de evidências
materiais e simbólicas, nos dá algumas pistas por onde e para aonde essa dissetação um tanto
quanto não-ortodoxica nos encaminhará. Cabem, antes da apresentação desse trabalho, como o
mesmo foi pensado, produzido e organizado, algumas considerações:
18
The Body Multiple é uma extraordinária etnografia de uma doença ordinária. Percorrendo os campos de trabalho
do hospital da Dutch University, Annemarie Mol acompanha o dia-a-dia da aterosclerose, desde o diagóstico até o
tratamento.
19
O uso de minha memória como documento se apoia naquilo que Pierre Janet "considera que o ato mnemônico
fundamental é o ‘comportamento narrativo’ que se caracteriza antes de mais nada pela sua função social, pois que
é comunicação a outrem de uma informação, na ausência do acontecimento ou do objeto que constitui o seu
motivo" (LE GOFF, 1990, 367).
20
A Equipe de Apoio à Desospitaliação e Educação em Saúde (EADES) é uma equipe multiprofissional
(Assistente Social, Enfermeiro/a, Técnica em Assunto Educacional, Técnica de Enfermagem, Residente de Saúde
Coletiva) cujos profissionais tem multi formação e que atua dentro do Hospital Federal de Bonsucesso na cidade
do Rio de Janeiro desde 2011. A EADES tem como finalidade “Apoiar a Gestão dos Processos de
Desospitalização através da Organização e Gestão das Redes de Atenção à Saúde (RAS) e do Aprendizado em
Saúde do todos os/as usuários/as em atendimento pela equipe (gestores/as, profissionais de saúde, pacientes,
famílias, grupos sociais e cuidadores/as familiares).
24
mestrandos, temos para produzir uma. Mas não, assumo que minha dissertação
está intencionalmente na direção contrária ao que comumente nos deparamos na
produção acadêmica, entretanto, não tenho a intenção de com ela confrontar ao
que hegemonicamente está posto e é validado como ciência, muito pelo
contrário, o que pretendo é solicitar à Academia que outras formas de produção
textual também sejam validadas como tal;
b) escolhi trabalhar apenas com documentos entendendo que essa seria uma
alternativa que me liberaria da obrigação de submeter meu projeto para análise e
aprovação tanto do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Instituto de Medicina
Social da UERJ quanto do Departamento de Pesquisa do Hospital Federal de
Bonsucesso;
d) considero que meu trabalho foi desenvolvido ora se sustentando nas técnicas e
práticas utilizadas pela análise documental clássica, ora se enamorando com os
procedimentos constantes da produção de uma etnografia de documentos. Esse
ir-e-vir foi acontecendo à medida em que a pesquisa avançava, pois, a cada novo
achado outras perguntas surgiram e para respondê-las foram necessárias outras
metodologias fossem empregadas;
e) me apoiei na dialética como discurso porque ela, de acordo com Bruyne et al.
(1977) 21 é um abalo de todo o conhecimento rígido, que evidencia a relação
essencial da identidade na diferença, assim como da contradição na identidade; e
também, porque ela não explica, e sim, coloca questões sem dar respostas, não
21
Para maiores entendimentos sugiro a leitura da obra “Dinâmica das pesquisas em Ciências Sociais”. Este livro
foi escrito por Paul de Bruyne, Jacques Herman e Marc de Schoutheete professores da Universitaires de France
com o objetivo de apreender, no interior da ciência que se faz, os processos pelos quais ela se elabora e se
assegura de sua cientificidade.
25
f) trouxe imagens de obras de arte para introduzir alguns capítulos das duas
últimas partes dessa dissertação. Enviei os capítulos da segunda parte para o
artista plástico Victor Mattina e o capítulo “Discussão” da terceira parte para o
artista visual Rogério Martins pedindo a eles que a partir da leitura dos capítulos
eles respondessem à pergunta dessa pesquisa com imagens de cinco obras de
arte de suas autorias. Do Victor Mattina recebi cinco imagens de telas à óleo já
existentes e do Rogério Martins cinco novas colagens produzidas a partir de sua
afetação com o capítulo lido;
Pois bem, vamos começar a apresentação dessa dissertação pela frase entre aspas, pelo
seu título. Uma frase parte do discurso de algum personagem (nativo). Um personagem
(nativo) que parece fazer um apelo a outro personagem (nativo) para não ser levado ao
hospital. Ou, olhando por outro ponto de vista, um personagem (nativo) que parece fazer uma
crítica ao hospital, acusando-o de ser um lugar sem amor. Iniciar um título de um trabalho
científico com uma frase “nativa” entre aspas tanto poderia ser percebida apenas como uma
maneira de chamar a atenção “para a complexidade que é comunicar uma nova descoberta,
provocar novas dúvidas, ampliar o leque de possibilidades interpretativas” como para atender a
“uma tendência recente na criação de títulos de artigos, de dissertações e de teses no Brasil”,
segundo Peirano (2014). “Hospital não, pelo amor!” foi dita pelo meu pai na cozinha da minha
casa cinco dias depois de ter sido operado de um câncer na cabeça. Estávamos nos preparando
para ir à sua primeira consulta de retorno com a médica que o havia operado. Meu pai com seus
noventa e quatro anos de vida é por demais teimoso e eu herdei esse gene dele elevado à
décima potência. Em um dos muitos bate-bocas que travamos naquela manhã enquanto nos
preparávamos para ir à consulta me vi obrigado a ameaçá-lo dizendo que eu iria devolvê-lo
para o hospital, caso ele não me obedecesse. E foi com essa frase que ele me respondeu,
erguendo seus braços aos céus, manipulando-me pelas emoções.
Outra tendência na criação de títulos de trabalhos científicos, ainda segundo Peirano
(2014), seria a de se colocar sempre e imediatamente após a frase “nativa” entre aspas o sinal
de dois pontos e após esse sinal dos dois pontos um subtítulo explicativo no jargão
antropológico. Assumo que não me furtei de aplicar esse método, meu título é uma frase
“nativa” que vem seguida do sinal de dois pontos e de um subtítulo explicativo no jargão
antropológico após eles. Mas devo, desde já, alertá-los que essa dissertação não se pretende um
trabalho antropológico clássico; apesar de ter-me apoiado em algumas práticas e procedimentos
de pesquisa recorrentemente utilizadas por eles (trabalho de campo, observação participante,
entrevista em profundidade) para o desenvolvimento dessa pesquisa, acredito que eu ainda não
seria capaz de tal feito estando eu começando o meu percurso acadêmico dentro de um
programa de pós-graduação em Saúde Coletiva com concentração na área de Políticas Públicas,
Planejamento e administração em Saúde. Por isso tomei o cuidado em utilizar o verbo
etnografar que inicia o subtítulo dessa dissertação no gerúndio, pois o que apresento a seguir é
uma etnografia de documentos em experimentação, uma etnografia pela metade (?). Uma
etnografia em processo e que ainda não é capaz de estabelecer um contorno firme e claro do
que viria a ser Desospitalização nem mesmo de um grupo social cujo princípio geral de ação
está circunscrito nos processos de desospitalização. Ainda assim, uma etnografia, uma “nova”
27
etnografia, cujos métodos (etnográficos) utilizados na sua produção são novos, os “novos
métodos etnográficos” (PEIRANO, 2014, 381).
Inicialmente procurei somente por documentos públicos que estivessem integralmente
disponíveis para leitura e download em bancos de dados digitais de livre acesso. Os bancos
pesquisados foram o portal da Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), o portal Pubmed e o portal
do Diário Oficial da União (DOU). Ao pesquisar nesses portais me utilizei das palavras-chave
“desospitalização” e “dehospitalization”. Dos portais BVS e Pubmed foi possível selecionar
mais de cem documentos entre artigos científicos, dissertação e teses. Para esse grupo de
documentos dei o nome de “documentos acadêmicos”. Do portal do DOU foram selecionados
pouco mais de cinquenta documentos, e esse grupo de documentos foi nomeado como
“documentos oficiais”. Todos eles, “documentos acadêmicos” e “documentos oficiais”
sofreram outras filtragens a posteriori e a descrição detalhada desses processos encontra-se no
capítulo “Notas sobre o processo de seleção dos documentos para análise”. Também se
encontram presentes nesse capítulo as informações sobre o processo de seleção dos
“documentos operacionais”, documentos que foram analisados por mim, e que são os
documentos que a EADES do HFB se utiliza para ou são frutos do desempenhar do seu próprio
trabalho no hospital. A busca de novos documentos desses três grupos se encerrou do dia 12 de
dezembro de 2015.
Por se tratar de uma pesquisa navega nas práticas da etnografia, era premente que os
campos, os artefatos, as afetações, os sujeitos, seus pontos de vista, seus modus vivendi
estivessem presentes. Era premente que eu tivesse um informante ou mais de um. Estando eu
sem a autorização do CEP me vi obrigado a adotar algumas estratégias para que eu pudesse me
comunicar com os sujeitos, virei o informante privilegiado de mim mesmo e usei a minha
memória e minhas lembranças como a fonte e os documentos a serem analisados, considerando
a minha memória como um portal (banco de dados) onde estão arquivadas as minhas
lembranças (documentos para análise). A data de encerramento das buscas por informações nas
minhas lembranças ultrapassou a data estabelecida para o encerramento das pesquisas nos
portais e espaços públicos, pois foi necessário respeitar o tempo de cada história e estórias
rememoradas.
Nesse caso, a diferença entre esse grupo de documentos e aqueles supracitados
encontra-se na esfera que cada um deles pertence. Os três primeiros grupos são da esfera
pública e o quarto último grupo da esfera privada. Para acessar aqueles, me bastou entrar na
internet, pois eles estavam lá, acessíveis. Enquanto para acessar esses não foi tarefa fácil
mesmo considerando que minhas lembranças estivessem dentro da minha própria memória,
28
dentro de mim. Foi preciso transformá-las primeiro em oralidade para que elas pudessem
ganhar uma cadência e fazer algum sentido, para só depois, então, escrevê-las e organizá-las no
corpo dos capítulos que a partir delas produzi. A partir das minhas lembranças foram
desenvolvidos dois capítulos que trazem informações sobre a história da EADES e sobre minha
participação como diversos sujeitos ocupando diversas posições nesse universo dos processos
de desospitalização. Deixo logo claro que não pretendi com esses dois capítulos fazer uma
“antropologia do umbigo” 22 , apenas dar voz a sujeitos e a grupos sociais integrantes dos
processos de desospitalização que aconteceram dentro do hospital durante minha estada no
campo.
Para organizar os capítulos dessa dissertação me inspirei nas três tarefas que
Malinowisk considerava obrigatórias para se realizar um trabalho de campo – produzir
registros específicos sobre as regras sociais, sobre os comportamentos reais e sobre a
“mentalidade nativa” – (MALINOWISK, 1978) e também nas duas principais “reading
strategies”, que segundo Lowenkron e Carvalho (2014), devemos utilizar quando estamos
realizando uma etnografia em documentos, que a partir do meu entendimento assim se
comportariam: a) ao utilizarmos a maneira de leitura “Along the grain”, estaríamos limitando o
nosso olhar apenas para aquilo que ali está posto, apenas para aquilo que ali está escrito; e b)
enquanto ao utilizarmos a maneira de leitura “Against the grain”, estaríamos lendo para além
daquilo que está contido nos documentos, para aquilo que ali não se encontra escrito. Sendo
assim, dividi essa dissertação em três partes. A primeira parte apresenta as análises dos três
grupos de documentos públicos que selecionei para analisar. A segunda parte apresenta
algumas informações contidas nos documentos privados. E a terceira parte discute e
problematiza três documentos públicos que funcionam como guias, como descritores e como
orientadores dos três macro-processos do programa de desospitalização desenvolvido pela
equipe EADES.
“Along the grain” é o nome da primeira parte dessa dissertação. Ela traz quatro
capítulos em sua composição. O capítulo “Notas sobre o processo de seleção dos documentos
para análise” introduz a primeira parte dessa dissertação. Ele se refere exclusivamente aos
grupos de “documentos acadêmicos”, de “documentos oficiais” e de “documentos
operacionais”. Ele descreve passo-a-passo os processos que foram por mim utilizados para
filtrar e selecionar os documentos públicos para análise. Os outros três capítulos que se seguem
“Analisando os documentos acadêmicos”, “Analisando os documentos oficiais” e “Analisando
22
Expressão usada por Waleska de Araújo Aureliano durante conversa informal sobre essa dissertação.
29
23
As categorias “pistas” e “anti-pistas” se referem às boas ideias e às más ideias sobre como fazer
desospitalização contidas no corpo dos documentos selecionados para análise. Seriam aquelas pistas
metodológicas, que a partir do meu ponto de vista, se prestam (pistas) para guiar os processos desospitalização e
aquelas que deveriam ser evitadas (anti-pistas), pois elas não se prestariam para tal. Essa classificação é sim
apenas baseada nos meus valores morais.
30
Começo aqui a descrever o longo e complexo percurso o qual ainda percorro com o
objetivo de sistematizar todos os documentos que encontrei durante a minha pesquisa sobre o
tema Desospitalização iniciada há cinco anos. Sou enfermeiro do Ministério da Saúde e
coordeno a Equipe de Apoio à Desospitalização e Educação em Saúde (EADES) do Hospital
Federal de Bonsucesso (HFB), campo-objeto da pesquisa que me debruço neste momento.
Trago à memória que esta equipe surgiu decorrente da interrupção da prestação da assistência
domiciliar até então oferecida pela Rede Federal de Hospitais do Rio de Janeiro em
consonância à publicação da Portaria GM/MS 2.527 de 27 de outubro de 2011, documento que
redefiniu a atenção domiciliar no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) cujos Artigos 4024
e Artigo 43 25 eliminaram quaisquer possibilidades de financiamento desta modalidade pelo
Ministério da Saúde (MS) aos seus próprios equipamentos, nesse caso, os Hospitais e Institutos
Federais instalados na cidade do Rio de Janeiro. A coordenação central cuja base estava
localizada no Núcleo Estadual do Rio de Janeiro do Ministério da Saúde (NERJ) também
deixou de existir e ao mesmo tempo as equipes baseadas em cada Hospital e Instituto tiveram
suas matrículas remanejadas do nível central para o seu respectivo local de atuação.
Dos hospitais federais apenas o de Bonsucesso seguiu a “sugestão” 26 do então
Coordenador do Departamento de Gestão Hospitalar (DGH) do NERJ, Oscar Berro, e montou
sua equipe de desospitalização que está atuante até os dias atuais. A partir daquele momento eu
deixei de coordenar uma equipe de assistência domiciliar e passei a coordenar uma equipe de
desospitalização dentro de um hospital de nível quaternário de atenção especializado em
cirurgias de alta complexidade com um Unacon com hematologia e uma emergência de portas
abertas para a Avenida Brasil, a Linha Amarela e a Linha Vermelha.
24
Art. 40. Os SAD deverão ser cadastrados em unidades cujas mantenedoras sejam as Secretarias de Saúde
estaduais, distrital ou municipais ou, ainda, unidades que façam parte da rede conveniada ao SUS.
25
Art. 43. Fica instituído incentivo financeiro para custeio do SAD, da seguinte forma: I - R$ 34.560,00 (trinta e
quatro mil e quinhentos e sessenta reais) para cada EMAD que prestar atendimento nas modalidades AD2 e AD3;
e II - R$ 6.000,00 (seis mil reais) para cada EMAP. Parágrafo único. O incentivo financeiro definido neste artigo
será repassado mensalmente pelo Ministério da Saúde na modalidade fundo a fundo, respeitando-se o disposto no
art. 14 desta Portaria, não sendo admitida sobreposição de EMAD.
26
Na época, houve uma reunião com todos os coordenadores das equipes dos Serviços de Atenção Domiciliar
(SAD) da Rede Federal de Hospitais da cidade do Rio de Janeiro, onde comunicou-se o fim do SAD e o início do
Serviço de Desospitalização (SADES).
33
27
Disponível em:
http://www.unimeduberlandia.com.br/siteunimed/site/_uploads/_dicasdesaude/desospitalizacao.pdf. Acesso em:
07 de janeiro de 2016.
28
Em pesquisa realizada em 31 de dezembro de 2015 foram encontrados 42.200 links.
34
publicados entre os anos de 1976 e 2014, porém nenhum deles foi capaz de responder
satisfatoriamente às perguntas que me levaram à realização dessa pesquisa iniciada em agosto
de 2011, embora, através deles, tenha sido possível obter ideias a respeito do que
Desospitalização poderia vir a ser e de como este termo vem sendo incorporado e utilizado por
diferentes grupos sociais no último século, mais precisamente, desde o pós Segunda Guerra
Mundial imediato. Recentemente 29 novas buscas foram refeitas e de forma ampliada,
utilizando os termos desospitalização e dehospitalization tanto no portal BVS e como no portal
Pubmed. Foi encontrado um total de cento e trinta e sete documentos. Para a seleção dos
documentos para leitura e análise foram aplicados três critérios distintos subsequentes:
BVS 75 45 30 31 11 20 106 56 50
PUBMED 1 1 0 30 7 23 31 8 23
TOTAL 76 46 30 61 18 43 137 64 73
Fonte: o autor, 2015.
Percebe-se que nos dois portais BVS e Pubmed ambos os termos trouxeram resultados
positivos, resultados que nos permitem ler e baixar o texto completo do documento encontrado.
Esta relação entre textos completos para leitura e download e aqueles que não estão
disponíveis é diferente para cada termo, tem-se mais publicações completas disponíveis para
leitura e para download quando se usa o termo desospitalização – na BVS (45/30 – 60%/40%)
29
Em 20 de novembro de 2015 às 16h09 (horário de Brasília).
35
TERMOS
Nº TÍTULO ANO DES¹ DEH² DES DEH
“A Reforma Psiquiátrica no contexto do
1 Movimento de Luta Antimanicomial em João 2013 1 0 0 0 1
Pessoa - PB” (tese)
“Políticas de saúde mental e os efeitos da
emergência da Agenda de Álcool e Outras
2 Drogas: o caso do estado do Rio de Janeiro”
2014 1 0 0 0 1
(tese)
A assistência domiciliar privada em saúde e suas
3 estratégias (aparentes e ocultas) (artigo)
2007 1 0 0 0 1
36
30
Quando me refiro aos documentos oficiais estou me referindo apenas aos atos administrativos publicados no
Diário Oficial da União. Em alguns momentos do meu texto usarei a palavra “legal” no lugar das palavras
“oficial” e “oficiais”, ambas querem significar a mesma coisa.
31
Lembremo-nos que os atos foram organizados na planilha por ordem alfabética, ou seja, as atas vêm primeiro
que as consultas públicas e estas antes dos extratos que sempre estarão na frente das portarias. Não se levou em
consideração o ano nem o número do DOU em que os atos administrativos foram publicados.
32
Os tipos de documentos oficiais que apareceram na pesquisa realizada no portal do DOU foram: Atas,
Auditorias, Avisos de Chamamento Público, Consultas Públicas, Extratos de Termos Aditivos, Extratos dos
Convênios, Portarias, Pregões Eletrônicos, Processos Judiciais e Resoluções.
40
Quadro 3: Relação dos documentos oficiais cujo conteúdo apresenta pistas metodológicas
sobre processos de desospitalização (continua).
Nº TÍTULO ESTABELECE
ANEXO I DA ATA Nº 21, DE 14.6.2005 (SESSÃO
EXTRAORDINÁRIA DO PLENÁRIO) Inteiro teor do
Ata nº 21, de 14 de junho de
Relatório apresentado pelo Ministro Benjamin Zymler, cujas
2005 (Sessão Extraordinária do
1 conclusões foram acolhidas pelo Tribunal de Contas da
Plenário) Tribunal de Contas da
União, na Sessão Extraordinária realizada em 14 de junho de
União
2005, ao serem apreciadas as Contas do Governo da
República referentes ao exercício de 2004.
Sumário: Auditoria de Natureza Operacional. Secretaria de
Atenção à Saúde/Ministério da Saúde (ações de Atenção à
Auditoria Grupo I - Classe V -
Saúde Mental, Auxílio-Reabilitação Psicossocial aos
Plenário TC-011.307/2004-9
Egressos de Longas Internações Psiquiátricas no Sistema
(com 1 volume). Natureza:
2 Único de Saúde - De Volta para Casa, e Apoio a Serviços
Relatório de Auditoria Órgão:
Extra-hospitalares para Transtornos de Saú- de Mental e
Secretaria de Atenção à Saúde
Decorrentes do Uso de Álcool e outras Drogas).
/Ministério da Saúde
Recomendações. Determinações. Monitoramento.
Arquivamento. Proposição de indicadores de desempenho.
33
A última busca realizada na URL: http://www.portl.in.gov.br foi em 31 de dezembro de 2015.
41
Quadro 3: Relação dos documentos oficiais cujo conteúdo apresenta pistas metodológicas
sobre processos de desospitalização (conclusão).
Lembremos que a etapa analítica desta pesquisa, diferentemente do que as teorias que
tratam da metodologia do trabalho científico pregam, provavelmente por uma questão didática,
nunca se encontrará desarticulada das outras etapas dos processos de pesquisas que usam a
análise documental como metodologia principal. Nas notas sobre os processos de seleção de
documentos acadêmicos, oficiais e operacionais deixou-se bem claro que muitas das vezes foi
necessária uma pré-análise dos documentos antes mesmo da primeira sistematização. Saber se
os documentos acadêmicos estavam disponíveis na íntegra para leitura e download é um
exemplo de pré-análise que nada mais é que análises que precedem sistematizações que são
sucedidas por discussões e conclusões até o momento da análise propriamente dita, a análise
final. Esta, a análise final dos quarenta e dois documentos acadêmicos selecionados, começará
a partir de agora e será realizada sob três pontos de vista: um olhar quantitativo que destacará
características macro presentes nesse rol de documentos; um olhar qualitativo que se atentará
para algumas características intrínsecas de cada um dos documentos, e um outro olhar, mais
funcionalístico, que buscará dentro de cada documento pistas e anti-pistas metodológicas sobre
o que poderia ou não deveria vir a ser um processo de desospitalização em um hospital geral.
ao ano, entretanto esse não é um dado que represente essa amostra, pois durante este período
houveram anos cuja publicação foi nenhuma, caso dos anos 1996, 1998, 1999, 2001, 2003 e
2006, diferente do ano de 2013 que teve cerca de duzentos e cinquenta por cento acima da
média de documentos acadêmicos publicados no período. O Gráfico 1 apresentado abaixo
demonstra a assertiva acima referida.
Gráfico 1 – Distribuição temporal dos documentos acadêmicos selecionados para análise por
ano de publicação.
8
7 7
6
5
4 4 4 4 4 4
3 3
2 2 2 2 2
1 1 1 1 1
0 0 0 0 0 0 0
-1
2
1
ARTIGOS CIE N TÍFICOS 5%
2%
DISSE RTAÇ ÕE S
TE SE S 39
93%
8
7
1
6
1
5
4
3
5
2 4 4 4 4 4
3 1
1 2 2 2
1 1 1 1 1
0 0 0 0 0 0 0
199519961997199819992000200120022003200420052006200720082009201020112012201320142015
AR T I GO S C I E NT Í FI C O S D I SSE R T AÇ Õ E S T E SE S
34
Tese apresentada com vistas à obtenção do título de Doutor em Ciências na área de Saúde Pública em 2014.
49
momento, considerando que o termo “Saúde Mental” aparece no título e também como
palavra-chave, acreditou-se que o documento tratava principalmente de assuntos pertencentes à
esfera da Saúde Mental, da Reforma Psiquiátrica, da Luta Antimanicomial, etc. Ledo engano, o
dito documento traz preocupações quanto a escassa rede de serviços substitutivos aos
manicômios e asilos, chama a atenção para a necessidade de expansão dos Centros de Atenção
Psicossociais (CAPS) e destaca a importância das residências terapêuticas no processo de
desospitalização de doentes mentais de longa internação que não tivesses família (DIAS,
2014).
Outro caso interessante está relacionado ao artigo científico “Desospitalização para
cuidado domiciliar: impactos clínico e econômico da linezolida” onde já no próprio título são
criadas possibilidades interpretativas sobre qual área de conhecimento o documento teria maior
afinidade, podendo ser a área de conhecimento “Prática Intra-hospitalares”, a área “Serviços
Substitutivos” ou então a “Gastos em Saúde”. Como no exemplo anterior as palavras-chave
deste artigo não ajudam muito, na verdade até confundem um pouco mais, vejamos elas:
“Staphylococcus Aureus Resistente à Meticilina”, “Staphylococcus Aureus”, “Linezolida”,
“Desospitalização” e “Home Care”. E nesse caso, mesmo após ter se dado a leitura do
documento na íntegra tornou-se fácil definir sua área de conhecimento afim. Os autores desse
artigo escreveram de uma determinada forma que as três áreas do conhecimento estão
presentes o tempo todo no texto me levando a acreditar que o documento teria afinidade igual
por mais de uma área de conhecimento, um caso de hibridismo de afinidade. A citação a seguir
ilustra a assertiva anterior:
"A tendência mundial pelo sistema de home care é uma estratégia que vem sendo
implementada nas unidades hospitalares através do processo de desospitalização. Este
ocasiona diminuição do risco de contrair infecções, economia com os custos da
hospitalização, racionaliza a demanda dos leitos hospitalares, reduz os custos da
assistência, proporciona maior conforto para o paciente e sua família, além de tornar o
cuidado mais humanizado (Feuerwerker& Merhy, 2008; Silva et al., 2010)."
(Vasconcelos et al., 2015, p.111)
são imediatamente substituídas por questões relacionadas com a economia e a redução dos
custos, mesmo que tivessem sido lidos outros períodos majoritariamente relacionados às
questões humanitárias e humanizantes, após essas últimas descobertas não se teve mais
dúvidas sobre qual seria a área de conhecimento afim do artigo em questão. Seria possível,
talvez até seja mesmo necessário, que todos os documentos acadêmicos tivessem seu processo
de classificação quanto à área de conhecimento afim descritos nesta dissertação, todavia, coube
fazer uma reflexão sincera sobre o que esse esforço de produção iria contribuir para a pesquisa
em questão. Optou-se então por apresentar um compilado de dados quantitativos a respeito da
área de conhecimento e por reservar um espaço e um tempo maior para as análises que
pudessem contribuir diretamente em responder à pergunta da pesquisa: Como fazer
desospitalização em hospital geral?
Quanto à distribuição temporal da publicação a partir de sua área de conhecimento
observou-se uma distribuição irregular entre algumas áreas de conhecimento, mas uma
simetria entre outras. A área com maior número de documentos acadêmicos afins foi “Serviços
Substitutivos” representando quarenta e cinco por cento do total, enquanto “Gastos em Saúde”
foi a menor representada, apenas 3 documentos acadêmicos tiveram afinidade por ela. Viu-se
que a área “Serviços Substitutivos” aparece em quase todos os anos que tiveram documentos
acadêmicos publicados, ficando de fora apenas nos anos 1995, 2000, 2002 e 2007. Viu-se que
desde o ano 2008 “Serviços Substitutivos” teve de um a cinco documentos acadêmicos
publicados anualmente. A área de conhecimento “Gastos em Saúde” teve documento
acadêmico afim publicado apenas nos anos 2007 e 2015. O Gráfico 4 apresenta essa
distribuição dos documentos acadêmicos por área de conhecimento afim de acordo com o ano
de sua publicação.
51
Gráfico 4 – Distribuição dos documentos acadêmicos por área de conhecimento afim por ano
de publicação.
8
7
6 2
5
4
1 1 1 1
3 2
1 5
2 2 2 2 2
1 1
1 2 2 2 2
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
0 0 0 0 0 0 0
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
Gráfico 5 – Distribuição dos documentos acadêmicos por seu tipo e área de conhecimento
afim.
18
16
14
12
10
8 17
6
10 9
4
2 3 0 1 0 0 0 1 0 1
0
ARTIGOS D I SSE R T AÇ Õ E S T E SE S
P R Á T I C A S I N T R A - H O S P I T AL AR E S SE R V I Ç O S SU B ST I T U T U V O S
GASTOS EM SAÚDE R E FO R M A P SI QU I ÁT R I C A
35
Curiosamente uma linha do tempo que contém uma outra linha do tempo, uma linha do tempo que expande o
período de vinte e um anos de publicações analisado na direção do passado em setenta anos, um meta-período
temporal com início em 1945, no pós Segunda Guerra Mundial.
36
Dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo
(USP) para a obtenção do título de Mestre em Saúde da Comunidade em 2003.
53
37
Tese de doutorado apresentada por à Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP) para a obtenção
do título de Doutora em Ciências na Área de Saúde Pública em agosto de 2013.
38
Dez (10) anos antes da aprovação da Lei nº 10.424 de 15 de abril de 2002, que regulamentou a assistência
(atendimento e internação) domiciliar no SUS. À época o Presidente da República era Fernando Henrique
Cardoso e o seu Ministro da Saúde, Barjas Negri.
39
Segundo as autoras, os Programas de Cuidados Domiciliares tinham na época o nome original em inglês –
Home Care Program (HCP).
54
Para a produção teórica deste item foram necessárias várias leituras em todos os
quarenta e dois documentos acadêmicos. Buscou-se partes dos textos que pudessem dizer algo
sobre protocolos, público-alvo, metodologias de trabalho, rotinas, processos, enfim, quaisquer
parágrafos, sentenças ou míseras partes dessas que pudessem responder à pergunta da
pesquisa: Como fazer desospitalização em hospital geral? Todavia, nada tão explícito e de
fácil identificação foi encontrado. Mais uma vez lançou-se mãos da hermenêutica tradicional e
interpretou-se os textos à guisa do próprio ponto de vista do sujeito-pesquisador, com afetação
e enviesamento. Isso, em hipótese alguma, deslegitima a pesquisa em questão pois toda
interpretação é um ato que depende de um sujeito, socialmente construído como todos nós e
como o tempo e o mundo em que vivemos. Algumas interpretações foram feitas
individualmente, documento por documento, enquanto outras preferiu-se fazer por grupos de
documentos com certa afinidade, por exemplo: muitos dos documentos que se referiam à
desospitalização dentro da área de conhecimento “Reforma Psiquiátrica” problematizavam a
questão da desassistência imputada a muitos doentes mentais que haviam sido desospitalizados
em atendimento a Lei nº 10.216, de 06 de abril de 2001 que na época dispôs sobre a proteção e
os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redirecionou o modelo assistencial
em saúde mental vigente no Brasil, mas que ao propor a ressignificação da loucura na e pela
sociedade a partir da eliminação do modelo manicomial asilar predominante e da inserção do
“louco” no mundo “normal” se esqueceu de pensar e prover uma rede assistencial substitutiva
aos hospitais psiquiátricos que desse conta daquela nova demanda de saúde que havia surgido
em consequência daquele projeto antimanicomial defendido pelos reformistas da Saúde
Mental.
Esse grupo de documentos que interpretei, me permitiram deduzir que todo o processo
de desospitalização devia ser precedido e acompanhado de uma rede de serviços de saúde
capaz de substituir os serviços que anteriormente estavam sendo oferecidos pelos hospitais. Em
outros momentos interpretativos as pistas metodológicas que encontrei não foram pistas
daquilo que deveria ser feito, pelo contrário, foram anti-pistas, pistas daquilo que não se deve
fazer ao se pensar em implementar ou executar um processo de desospitalização. Em seguida
serão tecidos breves comentários sobre cada um dos documentos que para mim sugeriram pista
metodológicas sobre como deve ou não deve ser um processo de desospitalização. Ao final
deste item será apresentado um quadro contendo a relação das pistas e da anti-pistas
metodológicas identificadas nos textos dos documentos que interpretei.
56
Pistas relacionadas aos tipos de redes de serviços substitutivos que se espera serem
capazes de garantir a continuidade da assistência aos pacientes desospitalizados estão presentes
na tese “Políticas de saúde mental e os efeitos da emergência da Agenda de Álcool e
Outras Drogas: o caso do estado do Rio de Janeiro”. Ela afirma e reitera a necessidade de
“substituição da atenção hospitalar por dispositivos como os Centro de Atenção Psicossocial
(CAPS)” (DIAS, 2014, p.72) e avisa que “nos casos de desospitalização dos pacientes
provenientes de longas internações, a participação das residências terapêuticas nesse processo
é fundamental” (DIAS, 2014, p.41), ou seja, que os tipos de serviços substitutivos que se
deseja são dependentes do tipo de paciente e do período que os mesmos estiveram internados.
E também, uma rede que fosse capaz de substituir os “leitos de internação por serviços abertos,
de base territorial e comunitária, com a proposta de cuidados em saúde mental em seus
diversos graus de intensidade” (DIAS, 2014, p.13). “Uma rede substitutiva, que assegurasse
assistência integral e de qualidade” (RODRIGUES et al, 2011, p.3) como reivindica o artigo
“A comunidade como espaço de produção de saúde mental: contribuições da Psicologia
Comunitária ao processo de desinstitucionalização”; “uma rede comunitária” financiada e
implantada pelo SUS como deseja o artigo “Transtornos fóbico-ansiosos: abordagem
epidemiológica das internações hospitalares” (PAZ et al, 2013, p.139). Essa rede de serviços
substitutivos é apresentada no artigo “Crianças/adolescentes em quimioterapia
ambulatorial: implicações para a Enfermagem” como possível de ser “viabilizada por meio
do tratamento ambulatorial, hospital-dia, assistência domiciliar (home care) e redes de apoio”
(COSTA & LIMA, 2002, p.322), que oferece “uma ‘cesta’ de serviços para as pessoas que
tiveram alta de processos de internação psiquiátrica”40 (HAKLAI et al, 2011, p.231) conforme
o artigo “The mortality risk among persons with psychiatric hospitalizations”, serviços
capazes de “evitar internações indiscriminadas e de se ajustar a redução planejada de leitos
(DIAS, 2014, p.68) segundo o artigo “Políticas de saúde mental e os efeitos da emergência
da Agenda de Álcool e Outras Drogas: o caso do estado do Rio de Janeiro”.
Outra pista metodológica com possível aplicação aos processos de desospitalização
destaca a importância da escuta dos pacientes candidatos e de seus familiares. Segundo o artigo
“A recusa à desospitalização psiquiátrica: um estudo qualitativo” “há aquelas (pacientes)
que se recusam a ser desospitalizadas (MACHADO et al, 2005, p.1473). Para o artigo “esses
pacientes aparentam estar na contramão daquilo que lhes é outorgado como um suposto
benefício, em reconhecimento ao seu direito de convívio social” (RODRIGUES et al, 2005,
40
O texto em língua estrangeira é: “basket of services to the persons discharged from inpatient psychiatric
facilities”.
57
p.1473) sendo uma das razões para essa recusa que a proposta de desospitalização poderia soar
ao paciente como um impasse de difícil desfecho, como podemos observar neste relato
extraído do artigo: “colocam-me diante de uma escolha: ser soldado e provocar a minha
morte, ou permanecer aqui e ter salva a minha vida. Escolho a vida, se bem que esta não seja
também a solução” (RODRIGUES et al, 2005, p.1477). O que quer que seja, nós devemos
considerar esses e todos os outros motivos que os pacientes colocam como recusa à
desospitalização.
A família também deve ser escutada porque segundo o artigo “O modelo brasileiro
de assistência a pessoas com transtornos mentais: uma revisão sistemática da literatura”
ela “tem um papel relevante como parceira no cuidado” (LIMA & NOGUEIRA, 2013, p.135).
Devemos segundo esse mesmo artigo sempre fazer “algumas importantes perguntas: do que
precisa a família para se sentir parceira no processo de cuidado? Como a família vive o papel
de cuidador? Quais são as suas principais necessidades?” (LIMA & NOGUEIRA, 2013, p.135)
e entender que quando estamos tratando do “encaminhamento do paciente à família, o seu
posicionamento no sentido de levar ou não o paciente asilar para casa é decisivo no processo
de desospitalização” (CARNEIRO & ROCHA, 2004, p.71) como afirma o artigo “O processo
de desospitalização de pacientes asilares de uma instituição psiquiátrica da cidade de
Curitiba”.
Foi possível a identificação de pistas que tratassem dos objetivos do processo de
desospitalização. Pela tese “A Reforma Psiquiátrica no contexto do Movimento de Luta
Antimanicomial em João Pessoa - PB”, quem tivesse o interesse em promover a
desospitalização “consequentemente estava promovendo a reforma do modelo
hospitalocêntrico” (GOMES, 2013, p.107). Segundo o artigo “Desospitalização para cuidado
domiciliar: impactos clínico e econômico da linezolida” chegou à conclusão de que o
processo de desospitalização “ocasiona diminuição do risco de contrair infecções economia
com os custos da hospitalização, racionaliza a demanda dos leitos hospitalares, reduz os custos
da assistência, proporciona maior conforto para o paciente e sua família, além de tornar o
cuidado mais humanizado” (VASCONCELLOS et al, 2015, p.111). Para o artigo “Parceria
Atenção Básica SMS-SP e IOT-HC: passos para a desospitalização” quando o programa
Melhor em Casa realiza desospitalização ele “pode melhorar sua qualidade de vida,
consequentemente seu tratamento, liberando leitos hospitalares” (ALBUQUERQUE et al,
2015, p.1). “As crianças portadoras de mucopolissacaridose e a Enfermagem: uma
experiência de desospitalização da assistência” é um artigo que traz a partir da minha
interpretação dois blocos de objetivos, que da forma como estão escritos parecem ser apenas
58
"O valor do ato de desospitalização, tanto no que se refere aos pacientes quanto aos
profissionais e à instituição, traz vários benefícios, visto que o paciente tem redução
no tempo de tratamento e menor risco de infecção, os profissionais podem
desenvolver uma assistência individualizada ambulatorial e a instituição tem redução
de custos hospitalares, além da disposição de leitos para outras demandas"
(AZEVEDO et al , 2010, p.274).
Quanto às práticas, aos processos e aos procedimentos, outros artigos trouxeram pistas
a respeito. O artigo “O processo de desospitalização de pacientes asilares de uma
instituição psiquiátrica da cidade de Curitiba” afirma que, “ cada profissional possui suas
próprias ideias acerca do trabalho realizado junto aos pacientes” (CARNEIRO & ROCHA,
2004, p.69) acerca dos procedimentos necessários e sistemáticos para o processo de
desospitalização. E que uma das estratégias adotadas para a desospitalização consistia “na
concessão de licenças, que permitem que o paciente passe o fim de semana em casa e retorne
ao hospital” (CARNEIRO & ROCHA, 2004, p.71). O artigo “Parceria Atenção Básica SMS-
SP e IOT-HC: passos para a desospitalização” coloca que para que se ocorra uma
desospitalização responsável em tempo oportuno, os autores e sujeitos do processo devem
poder “pactuar ações e responsabilidades no processo de referência – contra referência
(ALBUQUERQUE et al, 2015, p.1). Para o artigo “Peculiaridades do atendimento
psicológico em domicílio e o trabalho em equipe” o programa deveria garantir a assistência
“orientando pacientes e familiares quanto a noções básicas de saúde e envolvimento nos
cuidados”, como também garantir “a orientação da família de pessoas fora de possibilidades
terapêuticas curativas” (LAHAN, 2004, p.3), considerando que a deficiência da rede de
serviços substitutivos, faz com que a participação das famílias no acolhimento e no tratamento
dos pacientes venha sendo cada vez mais exigida. Sendo assim, antes de mais nada “faz-se
necessária a reestruturação das crenças e das representações da família acerca do tratamento”
(COSTA & TREVISAN, 2012, p.608) conforme se lê no artigo “Mudanças psicossociais no
contexto familiar após a desospitalização do sujeito com transtornos mentais”. Pois seria
através da “educação permanente e o apoio matricial” (ARISTIDES et al, 2013, p.12), segundo
o artigo “O cuidado aos usuários com transtorno mental em tratamento com medicação
de depósito: percepções da equipe saúde da família” que avançaríamos rumo à
59
Quadro 4 – Relação das pistas e das anti-pistas sobre desospitalização encontradas nos documentos acadêmicos (continua).
hospitais-dia, os serviços de atenção domiciliar e outras redes de Ausência de construção de novas redes;
DE
Os pacientes podem recusar o processo; Os pacientes e famílias ficam desamparados pela rede de saúde
A família tem papel relevante como parceira do cuidado; e de cuidados;
Escutar a família sobre o que ela precisa para se sentir parceira no O processo de desospitalização não gera lucro para os paciente
processo do cuidado; e famílias;
Ouvir o posicionamento da família em levar ou não o paciente para As famílias só conseguem equipamentos tecnológicos e
casa. insumos via judicialização.
63
Quadro 4 – Relação das pistas e das anti-pistas sobre desospitalização encontradas nos documentos acadêmicos (continuação).
Racionalizar a demanda de leitos; Encurtar a assistência dos profissionais de saúde nos domicílios
Liberar os leitos hospitalares; e diminuir os internamentos hospitalares recorrentes;
E
Promover a ampliação da oferta de leitos; Permitir a assunção pelas famílias dos diversos custos materiais
Diminuir os custos da hospitalização. acarretados pela presença do doente no domicílio;
Possibilitar a redução da mão-de-obra técnica qualificada;
Reduzir o acesso dos clientes de planos e seguros de menores
valores à quantidade de atos realizados ou ao tipo de
procedimentos e tecnologias duras disponibilizados;
Evitar custos atinentes aos direitos trabalhistas e
previdenciários, transferindo-os ao trabalhador.
64
Quadro 4 – Relação das pistas e das anti-pistas sobre desospitalização encontradas nos documentos acadêmicos (conclusão).
Reestruturar as crenças e as representações das famílias sobre o Oferta de diferentes serviços para os distintos tipos de contratos
cuidado; firmados entre clientes e operadores;
E
Orientações de pacientes e famílias de noções básicas de saúde e Flexibilização e precarização do trabalho (vinculação com as
de envolvimento nos cuidados; “falsas cooperativas”, contratos temporários).
Orientações de famílias de pessoas fora de possibilidades
terapêuticas curativas;
Educação permanente;
Apoio matricial;
Processos de reabilitação psicossocial.
Fonte: o autor, 2016.
65
Antes de partimos para a análise final dos documentos oficiais selecionados, se faz
necessário duas curtas notas explicativas sobre os motivos da escolha do termo “oficiais”. Num
primeiro momento ficou-se na dúvida entre que termo usar, “oficiais” ou “legais”. Pensou-se
em usar os dois termos como sinônimos e como opção para que repetições na mesma sentença
fossem evitadas. Porém, quando se usou o termo “legais” em alternância com o termo
“oficiais”, durante as releituras dos escritos me fez suspeitar que se tratavam de coisas
diferentes; “legais” soava como leis procedentes do legislativo e não como os documentos
produzidos pelo executivo e disponibilizados no portal do Diário Oficial da União (DOU).
Outra razão para a escolha do termo “oficiais” foi a existência do mesmo termo no singular no
nome da fonte usada na pesquisa, o que na minha visão poderia ajudar o leitor na criação de
vínculo direto com a fonte de dados utilizada.
Cabe dizer que existem outros documentos oficiais 41 que não foram publicados no
DOU online mas que foram de suma importância para a pesquisa e foram usados por mim
durante os diálogos tratados durante a discussão dos dados. A análise dos documentos
“oficiais” também será realizada sob três pontos de vista: um olhar quantitativo que tratará de
algumas características macro presentes nessa relação de documentos; um olhar qualitativo que
se atentará para as características intrínsecas dessa mesma relação e um outro olhar, mais
funcionalístico, que conforme o exercício hermenêutico realizado no textos dos documentos
acadêmicos, buscará pistas metodológicas sobre como realizar um processo de
desospitalização em um hospital geral. Neste item um documento será analisado com mais
detalhamento que outros, pois se refere aos hospitais de uma forma geral sem os recortes
imputados por linhas de cuidados ou áreas de atenção: a Política Nacional da Assistência
Hospitalar.
41
Os documentos de que falo são: a Política Nacional de Humanização, os Cadernos de Atenção Domiciliar e o
Caderno HumanizaSUS para os Hospitais.
66
As características macro que foram analisadas sob o olhar quantitativo seguiram três
(3) das mesmas diretrizes da análise dos documentos acadêmicos: a distribuição temporal dos
documentos; a distribuição por tipo de documento, neste caso, se seriam Portarias, Leis,
Decretos, etc.; e a relação dos tipos de documentos por ano de sua publicação. Uma outra
análise sob o olhar quantitativo será apresentada no item “olhar qualitativo”, pois ela dependeu
de uma análise qualitativa prévia à análise quantitativa, qual seja, a distribuição temporal do
documento a partir de sua função específica, ou seja, aquilo que o documento oficial
estabelece.
Quanto à distribuição temporal tomou-se o período que o portal disponibilizava na
época, um período de vinte e cinco anos consecutivos, iniciando pelo ano de 1990,
coincidentemente ano da publicação da Lei Orgânica da Saúde (LOS) até o ano de 2015.
Retificando a assertiva anterior, talvez fosse mais coerente considerarmos apenas os anos cujos
documentos oficiais estivessem disponíveis na íntegra para leitura e download, já que os anos
de 2006 e 2007 ficaram inacessíveis para mim durante todos os momentos em que ela fora
realizada. Realizando essa subtração, ainda assim o período temporal considerado para análise
dos documentos oficiais fora dois anos maior que o período dos documentos acadêmicos.
Efetuou-se a média apenas como curiosidade sabendo-se que nada ela representaria
visto o aumento considerável no número dos documentos publicados nos três últimos anos do
período temporal considerado. Ao ser tomada a média não foram considerados os anos 2006 e
2007 visto não terem permitido o meu acesso aos documentos, conquanto considerou-se então
apenas vinte e três anos no total, subtraindo-se dos vinte e cinco anos relacionados no portal do
DOU menos os dois anos inacessíveis. Outro fator que justifica a irrelevância desse indicador,
a média, nesta pesquisa, foi a ausência de documentos publicados nos anos 1990, 1991, 1992,
1993, 1994, 1995, 1996, 1997, 1999, 2003, 2006, 2007 e 2010 frente aos onze documentos
publicados somente no ano de 2014. Comparando os volumes de documentos oficiais
publicados nos primeiros cinco anos, de 1990 a 1994 com os publicados nos últimos cinco
anos, 2001 a 2015 obtiveu-se uma relação de zero para trinta e seis. O Gráfico 6 apresenta a
distribuição dos cinquenta e cinco documentos oficiais que continham as sessenta e três
citações do termo “desospitalização”. Todos esses documentos se encontravam publicados em
apenas quarenta e oito periódicos.
67
Gráfico 6 – Distribuição temporal dos documentos oficiais disponíveis na íntegra para leitura e
download por ano de publicação.
12
11
10 10
8 8
6 6
5 5
4
2 2 2 2
1 1 1 1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
-2
Gráfico 7 – Distribuição percentual por tipo de documentos oficiais selecionados para análise.
PORTARIAS
1; 2% 1; 2% 2; 3%
RESOLUÇÕES
1; 2%
EXTRATOS DE TERMO ADITIVO DE 1; 2%
CONTRATO/CONVÊNIO
CONSULTAS PÚBLICAS
1; 2%
2; 3%
RELATÓRIOS DE AUDITORIA
PROCESSOS JUDICIAIS
TERMOS DE COOPERAÇÃO
6; 11%
PREGÕES ELETRÔNICOS
Gráfico 8 – Distribuição dos documentos tipo portarias, resoluções e extratos de termo aditivo
de contrato ou convênio pelos anos 1998, 2000 a 2002, 2004, 2009, 2011 a 2015.
12
1
10
1
8
4
6
9
4
3 7
4
5
2
1
2 2 2
1 1 1 1 1
0
1998 2000 2001 2002 2004 2009 2011 2012 2013 2014 2015
PORTARIAS R E SO L U Ç Õ E S E X T R AT O S D E T E R M O AD I T I V O
Quadro 5 – Relação das categorias das funções dos documentos oficiais com seus grupamentos
correspondentes (continua).
Quadro 5 – Relação das categorias das funções dos documentos oficiais com seus grupamentos
correspondentes (conclusão).
Gráfico 9 – Distribuição dos documentos por funções agrupadas pelos anos 1998, 2000 a
2002, 2004, 2009, 2011 a 2015.
R E N O V A Ç Ã O / P R O R R O G A Ç Ã O D E C O NV Ê NI O S 3 1 4
P U B L I C A Ç Ã O D E A T A S D E P L E NÁR I A E … 2
P R E M I A Ç Ã O D E E X P E R I Ê N C I A S D E G E ST ÃO … 1
I N S T I T U I Ç Ã O D E I N QU É R I T O S C I V I S … 2
H A B I L I T A Ç Ã O D E R E S I D Ê N C I A S T E R A P Ê U T I C AS 4 8 5
F I N A N C I M E N T O D E P R O G R AM AS D E … 3 1 1
E X C L U I T I P O D E E S T A B E L E C I M E NT O - … 1
E S T A B E L E C E D I R E T R I Z E S , R E QU I SI T O S E … 1 2 1
D I S P Õ E S O B R E R E D E S D E AT E NÇ ÃO … 1
D I S P Õ E S O B R E I N T E G R A Ç Ã O D E SO S … 1
D I S P Õ E S O B R E A R QU I T E T U R A P E NAL 1
1 1
C O NSU L T AS P Ú B L I C AS D E P O L Í T I C AS E … 1 1
A P R O V A Ç Ã O D E D I R E T R I Z E S , N O R M AS E … 1 2 1
A B R E P R E G Ã O E L E T R Ô NI C O 1 1
0 2 4 6 8 10 12 14 16 18
1998 1999 2000 2001 2002 2004 2005
Antes de partirmos para o próximo item onde buscaremos pistas metodológicas nos
oito documentos oficiais selecionados para análise sobre como fazer desospitalização nos
hospitais gerais, escolhi um documento para ser analisado com mais detalhamento que o
restante. Trata-se da Política Nacional de Atenção Hospitalar, a PNHOSP, instituída pela
Portaria nº 3.390 de 30 de dezembro de 2013. A escolha deste documento por mim se baseou
inicialmente porque ele traz orientações que “se aplicam a todos os hospitais, públicos ou
privados, que prestem ações e serviços de saúde no âmbito do SUS” (BRASIL, 2013) sobre
73
como devem ser prestadas essas ações e esses serviços de saúde. Também foram levados em
consideração outros dados que serão abaixo analisados.
Já em seu caput como também em seu Artigo 1º do Capítulo I que trata das
disposições gerais, a portaria reposiciona o hospital quando estabelece “as diretrizes para a
organização do componente hospitalar da Rede de Atenção à Saúde (RAS)” (BRASIL, 2013).
No seu Artigo 4º, o hospital passa a ser considerado um ponto de atenção “cuja missão e perfil
assistencial devem ser definidos conforme o perfil demográfico e epidemiológico da população
e de acordo com o desenho da RAS loco-regional, vinculados a uma população de referência
com base territorial definida” (BRASIL, 2013) e não mais um estabelecimento de saúde
independente e autônomo como culturalmente há décadas o vem sendo considerado pela
população mundial. Poderíamos entrar em uma discussão sobre o projeto neoliberal
imperialista americano e sua influência sobre o boom da indústria de internação hospitalar no
Brasil, mas este não é o lugar para isto, quem sabe em uma digressão nas notas de fim de texto.
Considerando os “considerando” do documento, percebeu-se que o mesmo é
atravessado por inúmeras outras portarias 42 que tratam de outras políticas e das redes de
atenção à saúde no âmbito do SUS. Entretanto, notou-se que em momento algum nos
“considerando” a Política Nacional de Humanização (PNH) do SUS foi sequer citada, apesar
dessa política ter sido o primeiro documento oficial a se referir ao processo de desospitalização
para quaisquer hospitais como um mecanismo obrigatório que visava buscar alternativas aos
serviços hospitalares; texto muito parecido com o presente na PNHOSP em seu artigo 16, item
III, onde a alta responsável deve ser garantida mediante a “implantação de mecanismos de
desospitalização, visando alternativas às práticas hospitalares, como as de cuidados
domiciliares pactuados na RAS” (BRASIL , 2013).
O Artigo 3º da portaria definiu o que seria o hospital para o SUS, que ações e serviços
de saúde por eles devem ser prestadas e qual o seu público alvo. Para esse artigo o hospital é
uma instituição complexa, “com densidade tecnológica especifica, de caráter multiprofissional
e interdisciplinar, responsável pela assistência aos usuários com condições agudas ou crônicas,
42
Portaria nº 1.559 de 01 de agosto de 2008 que institui a Política Nacional de Regulação (PNR); Portaria nº
4.279 de 30 de dezembro de 2010 que estabelece diretrizes para a organização das Redes de Atenção à Saúde
(RAS); Portaria nº 1.459 de 24 de junho de 2011 que institui a Rede Cegonha; Portaria n 1.600 de 7 de julho de
2011 que reformula a Política Nacional de Atenção às Urgências (PNAU) e institui a Rede de Atenção às
Urgências; Portaria 2.408 de 21 de outubro de 2011 que aprova a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) e
estabelece a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da
Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS); Portaria nº 3.088 de 23 de dezembro de
2011 que institui a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS); Portaria nº 793 de 24 de abril de 2012 que institui a
Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência; Portaria nº 252 de 19 de fevereiro de 2013 que institui a Rede de
Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas.
74
Item III faz referência ao termo como “mecanismos de desospitalização”, mas diferentemente
do texto muito similar contido na PNH não coloca os cuidados domiciliares como uma prática
alternativa preferencial. Essa seção é composta de nove artigos, treze parágrafos e três itens
nos quais encontrei importantes pistas metodológicas que serão relacionadas no item “olhar
funcionalístico” de forma muito parecida com o texto anterior “Analisando os documentos
acadêmicos”. O Artigo 8º fala da organização da assistência e destaca que a mesma deverá
atender às demandas da população, ou seja, que o planejamento das ações e dos serviços de
saúde que serão ofertados devem ser sob medida para os usuários (pacientes, familiares,
comunicantes e cuidadores). O Artigo 9º reitera a posição do hospital dentro de uma rede e que
sua atuação deve ser integrada tanto com os outros estabelecimentos de saúde como com as
políticas setoriais que os atravessam. O Artigo 10 trata do princípio da universalidade do
acesso ao SUS, que ele deve ser garantido de forma regulada e a partir dos critérios de risco e
de vulnerabilidade. Para isso é necessário que todos os hospitais tenham implementadas em
suas portas de entrada serviços de acolhimento com classificação de risco feitos a partir de
protocolos.
O Artigo 11 e seus nove parágrafos trazem uma série de dispositivos de cuidado que
também têm como objetivo, assim como o Artigo 10, a seguridade do acesso dos usuários às
ações e serviços de saúde prestados pelos hospitais, todavia com qualidade e segurança. Temos
como exemplo dos dispositivos de cuidado a clínica ampliada (§1º), as equipes
multiprofissionais de referência (§2º), a horizontalização do cuidado (§3º), o plano terapêutico
(§4º), o apoio matricial (§5º), e o gerenciamento de leitos (§6º). Esse último deve ter sua
efetiva ação realizada preferencialmente por meio da implantação de um Núcleo Interno de
Regulação (NIR) ou do Núcleo de Acesso e Qualidade Hospitalar (NAQH) que mais que
aumentar a ocupação dos leitos em decorrência de uma melhor utilização da capacidade
instalada deverão garantir a melhoria do atendimento aos pacientes. Outro núcleo também
surge como um dispositivo de cuidado, o Núcleo de Segurança do Paciente (NSP) que deverá
ser implantado nos moldes descritos na Resolução da Diretoria Colegiada da Anvisa – RDC nº
36.
Notou-se que duas categorias estiveram presentes por mais de uma vez nesses
dispositivos de cuidado. “Vínculo” foi uma delas: o vínculo entre a equipe, o usuário e os
familiares assegurado via implementação das equipes multiprofissionais de referência (§1º); o
vínculo entre os profissionais de diversas áreas e de diversos saberes que são formados dentro
dessas equipes multiprofissionais de referência e entre os profissionais das diversas equipes
(§2º); e o vínculo entre profissionais, usuários e familiares quando essas equipes
76
43
Onde estão os cegos, os surdos-mudos, os aleijados, os débeis-mentais, os estrangeiros? Não seria este um caso
de exclusão? A política não estaria infringindo o princípio da universalidade do acesso? Por que não garantir esse
direito a todos aqueles que se encontram em sofrimento presos a uma cama longe do seu meio e de sua família?
44
Aqui estou me referindo a prática médica que é hegemonicamente exercida nos serviços, totalitariamente nos
hospitais. Essa racionalidade da biomedicina, segundo Camargo Jr. (2003), é aquela “que realiza, em sua prática
diária, o esforço sistemático de objetivar a doença do sujeito, deslocando-a da pessoa enferma.
77
A Seção II traz sete artigos, seis parágrafos e oito itens. O Artigo 17 pontua as pautas
as quais a gestão dos hospitais deve se guiar, ele reitera alguns princípios do SUS como a
universalidade do acesso e o controle social além de valorizar a qualidade da assistência e a
eficiência e transparência na aplicação dos recursos financeiros. O Artigo 18 mais uma vez
registra que o hospital faz parte de uma rede e por isso a gestão da atenção hospitalar deve ser
definida em consonância com o desenho desta rede. O Artigo 19 faz menção à gestão
participativa, à ouvidoria e às pesquisas de satisfação do usuário como sendo dispositivos de
avaliação da gestão interna do hospital e da atenção hospitalar (§2º); fala também que a
ambiência hospitalar deverá adotar uma arquitetura inclusiva e com garantia de acessibilidade
(§3º); e ainda que os dados referentes à gestão e à atenção devem ser regularmente registrados
e atualizados nos sistemas oficiais de informação do SUS (§4º). O Artigo 20 estimula a
educação continuada da administração hospitalar para que ela adquira competências
específicas e torne-se mais profissionalizada. Com isso, diz o Artigo 21, pretende-se garantir
que a administração dos insumos, da infraestrutura, dos recursos financeiros e da força de
trabalho sejam direcionados para o cumprimento do papel que o hospital tem pactuado na
RAS. O Artigo 22 fecha o eixo da gestão tratando da forma como o hospital demandará
acréscimos de recursos na contratualização; eles são possíveis se, e somente se, forem
pactuados junto aos gestores do SUS e se forem para a ampliação ou para a reforma da
capacidade instalada e para a incorporação de tecnologias45.
A Seção III se refere ao eixo de formação, desenvolvimento e gestão da força de
trabalho e ela é composta de três artigos, cinco parágrafos e três itens. O Artigo 23 coloca uma
questão em pauta que na minha visão é de suma importância, o papel dos hospitais quanto à
educação em saúde 46 ; independente dos hospitais estarem certificados como Hospitais de
ensino (HE), eles, no caso os hospitais integrantes do SUS, devem participar de ações de
formação de suas equipes, de novos profissionais de saúde e de forma matricial para além dos
seus muros, para os trabalhadores dos demais pontos de atenção da RAS, como as equipes da
atenção domiciliar, por exemplo. O Artigo 24 relaciona as estratégias de valorização dos
trabalhadores que os hospitais deverão adotar: a avaliação de desempenho buscando a
participação dos trabalhadores e a corresponsabilização das equipes sem, entretanto, sequer se
referir em bonificações; a educação permanente que se efetiva através do aprender e do ensinar
45
Sobre quais tecnologias o Artigo se refere? Estariam e como estariam incluídas as tecnologias leves, ou como
diz Mehry as tecnologias relacionais?
46
Me pergunto sobre para quem seria a educação em saúde promovida pelos hospitais, apenas para a formação
extra corpo clínico ou também em relação para os cuidadores e os familiares e/ou grupos sociais?
78
preparados para a atuação hospitalar “pós-PNHOSP”. Entretanto não foi observado no item
referências às mudanças nos currículos escolares como um todo, do desenvolvimento infantil
ao nível superior “off Saúde”; e b) o Item XIV fala da necessidade de que sejam viabilizadas
parcerias entre o Ministério da Saúde e os organismos internacionais e o setor privado com
vistas ao fortalecimento da atenção hospitalar.
Os dois últimos capítulos, como na maioria dos documentos oficiais, trazem artigos e
suas subdivisões relacionados às disposições transitórias e finais. O Capítulo IV, das
disposições transitórias tem dois artigos e dois parágrafos. O primeiro artigo (Art. 33) dá uma
ideia de como vai ser o processo de implantação da PNHOSP: que de forma gradual, a partir
das novas contratualizações que deverão se enquadrar nas Redes Temáticas e respeitar os
Programas prioritários do SUS. O artigo seguinte (Art. 34) institui o Comitê Gestor da Atenção
Hospitalar (CGAH) que tem como competências estudar e aprofundar as discussões e o
aprimoramento dos eixos estruturantes dessa política e do modelo de financiamento da atenção
hospitalar. O Capítulo V, das disposições finais, faz menção aos termos contidos na Portaria nº
936, que as unidades hospitalares que têm certificado de excelência devem cumprir, se elas
estiverem prestando serviços ao SUS (Art. 35) e que a Secretaria de Atenção à Saúde (SAS)
publicará manuais e guias que detalharão como será a operacionalização da atenção hospitalar
no SUS “pós-PNHOSP”. E como todo documento oficial, esse foi assinado pelo então Ministro
Alexandre Rocha Santos Padilha.
47
O item 3.5. traz a seguinte informação: “(...) A Região Sudeste apresenta índices semelhantes ao da Europa
enquanto que a Região Norte tem índice de leitos por mil habitantes comparável com o do Sudeste da Ásia e
regiões da África. Essa situação traz consequências como a desassistência em locais com baixo índice de leitos, a
migração de pessoas com transtornos mentais entre os municípios e mesmo entre os Estados, gerando dificuldades
para o planejamento da atenção à saúde, para a formulação e condução da política de desospitalização. Por isto é
necessária a articulação da política entre os gestores estadual e os municipais, para que, ao lado da desativação de
leitos em hospitais psiquiátricos, ocorra também a regionalização e a distribuição mais uniforme dos leitos,
principalmente os de hospitais gerais.
48
Ao examinarmos o Cadastro de Estabelecimentos de Saúde (CNES) percebemos que na Região Metropolitana
do Estado do Rio de Janeiro, apenas treze (61,90%) dos vinte e um municípios possuem Atenção Domiciliar e
deles, apenas nove (69,02%) têm cobertura de 100% como preconizado pela legislação.
82
Da época da auditoria até o ano de 2016, ano em que este texto foi produzido, se contabilizam
doze anos a mais.
49
A Lei 10.216 de 6 de abril de 2001 dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos
mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental.
50
A Portaria nº 3.088 de 23 de dezembro de 2011 institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com
sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito
do Sistema Único de Saúde (SUS).
83
de referência (Art. 13). Esse documento analisado também trouxe anti-pistas para o processo
de desospitalização nos hospitais gerais, identificou-se que o gerenciamento dos leitos o
gerenciamento dos leitos, o aumento da ocupação dos leitos e a otimização da utilização da
capacidade instalada são tarefas exclusivas dos NIR e dos NAQH; não são tarefas relacionadas
ao processo de desospitalização (Art. 11§6º).
87
Quadro 6 – Relação das pistas e das anti-pistas sobre desospitalização encontradas nos documentos oficiais (continua).
Quadro 6 – Relação das pistas e das anti-pistas sobre desospitalização encontradas nos documentos oficiais (continuação).
Quadro 6 – Relação das pistas e das anti-pistas sobre desospitalização encontradas nos documentos oficiais (continuação).
fatores subjetivos e sociais; Priorização por meio de critérios que avaliem riscos e
vulnerabilidades; Identificar e divulgar os profissionais que são responsáveis pelo
cuidado do paciente nas unidades de internação, nos prontos socorros, nos
ambulatórios de especialidades e nos demais serviços; Garantia da continuidade de
uso de medicação; Disponibilidade de material médico hospitalar; Este paciente
deve ser cadastrado; Encaminhado aos programas de desospitalização com
acompanhamento ambulatorial ou domiciliar; Avaliar as necessidades singulares do
usuário; Avaliação global do usuário para a alta hospitalar responsável será
realizada pela equipe multidisciplinar horizontal com vistas a identificar as
estratégias mais adequadas e os respectivos riscos potenciais, considerados os
aspectos físicos, psicossociais e econômicos, além do ambiente familiar do
usuário.
90
Quadro 6 – Relação das pistas e das anti-pistas sobre desospitalização encontradas nos documentos oficiais (continuação).
Identificar como os mecanismos de capacitação em atenção à saúde
mental desospitalização têm contribuído para o alcance dos resultados
quanto à qualidade do atendimento às pessoas portadoras de transtornos
mentais (internadas nos hospitais gerais); Identificar boas práticas de
gestão (do processo de desospitalização); Desenvolver trabalho de
identificação da clientela vinculada à unidade, estabelecendo seu perfil e
diagnóstico epidemiológico, identificando os principais agravos à sua
saúde; planejando o processo de atenção para cada paciente de acordo
com suas peculiaridades; Desenvolver programas de desospitalização de
pacientes crônicos; Possuir implantados grupos de apoio aos portadores de
CO M PETÊ N CIA S
AT RI BUI Ç ÕE S
Quadro 6 – Relação das pistas e das anti-pistas sobre desospitalização encontradas nos documentos oficiais (continuação).
Quadro 6 – Relação das pistas e das anti-pistas sobre desospitalização encontradas nos documentos oficiais (continuação).
desospitalização.
P RAZ O S
E
Quadro 6 – Relação das pistas e das anti-pistas sobre desospitalização encontradas nos documentos oficiais (conclusão).
rede substitutiva;
CO NT R OLE
SO CI AL
Quando houver retaguarda de atenção domiciliar no território; Distribuição descontínua de medicamentos essenciais;
GA STO S
Destinado ao atendimento do usuário em cuidados prolongados. Distribuição intempestiva de medicamentos de alto custo;
E
Inicio esse texto trazendo uma breve dissertação sobre a necessidade de se ir buscar
dentro dos serviços de saúde substâncias que pudessem responder à pergunta da pesquisa:
Como fazer desospitalização em hospital geral?
A razão para essa busca nos documentos de grupos de profissionais de saúde que
trabalham com desospitalização em hospital geral não tem a intenção de levantar dúvidas
quanto a importância dos documentos acadêmicos e dos documentos oficiais tampouco sobre
as pistas metodológicas que eu consegui identificar e reunir ao analisá-los. A necessidade de se
continuar buscando respostas à pergunta da pesquisa, além de demonstrar o meu grau de
insatisfação com os achados, deve denotar, pretende-se, a concordância dele com a crítica que
Canguilhem fez ao método cientificista taylorista, que ao criar suas teorias em relação ao
trabalho ignorava o aspecto inventivo dos humanos (Canguilhem, 2001). Entretanto Taylor era
um engenheiro que, conforme afirma Barros, conhecia o mecanismo das máquinas e não do
“motor vivo” (Barros, 2009), o meio de “vida-trabalho” onde a tendência de cada sujeito
(profissional de saúde) está em renormatizá-lo (Canguilhem, 1990). Para esses dois autores é
durante os seus processos de trabalho, no caso dessa pesquisa, nos hospitais gerais, que eles (os
profissionais de saúde) se veem obrigados a lidar com um meio complexo no qual precisam
realizar movimentos operatórios instituídos e regulados com base nos seus próprios valores e
respondendo à complexidade do/para o meio em que trabalham.
São essas regulações próprias que disparam os movimentos operacionais dos
trabalhadores que fui à procura quando decidiu não se satisfazer apenas com os dados
encontrados nas análises dos documentos acadêmicos e oficiais. Se existe um grupamento de
profissionais de saúde operacionalizando um processo de desospitalização em um hospital
federal geral na cidade do Rio de Janeiro desde o ano 2011, é lá, se acredita, que poderemos
encontrar, se não as mais completas respostas à pergunta da pesquisa Como fazer
desospitalização em hospital geral?, no mínimo, processos, protocolos, rotinas, etc.
utilizados na prática do dia-a-dia.
Partiremos agora para a análise do último grupo de documentos, “documentos
operacionais”. Como facilitador do processo de busca de dados no campo da pesquisa
encontra-se o fato de eu estava o tempo todo inserido no meio, mais especificamente estar
atuando como coordenador da EADES desde o ano do seu surgimento. Não houve dificuldade
para se conseguir a autorização necessária junto à chefia imediata e à direção geral do Hospital
95
Neste item atentou-se para o número de documentos utilizados pela equipe como um
todo e sua distribuição temporal. Alguns dos documentos encontrados tinham versões de si
mesmos e esse dado também foi quantificado. As informações quantitativas sobre as classes
desses documentos também foi outro dado analisado por mim, mas por necessitarem de uma
prévia análise qualitativa serão apresentados no próximo item “olhar qualitativo”, da mesma
maneira como o foi feito nas análises dos documentos acadêmicos e oficiais.
Quanto à temporalidade dos documentos foram considerados três tipos de informação:
considerou-se na análise o ano em que os “documentos operacionais” foram implementados
pela equipe; os anos em que os mesmos continuaram a ser utilizados até o dia 31 de dezembro
de 2015, data limite que foi estabelecida por mim para as buscas dos “documentos
acadêmicos” nos portais BVS e Pubmed e dos “documentos oficiais” no portal do DOU; e o
ano em que deixaram de ser utilizados (ou não foram encontrados por mim nas pastas digitais
anuais, ou foram criados para uso específico com recorte temporal pré-definido). A partir
dessas análises foi criado o Quadro 9 que demonstra visualmente a temporalidade do uso dos
“documentos operacionais” usados pela EADES desde o ano de 2011. Ele traz células nas
96
Apenas dois documentos tiveram os seus primeiros e últimos anos de uso coincidindo.
A coincidência entre o ano de implementação e o ano de desuso da “Apresentação em
PowerPoint do Projeto EADES no II Encontro Científico da Enfermagem do Hospital Federal
de Bonsucesso da 75ª Semana da Enfermagem do Hospital Federal de Bonsucesso” faz
sentido, pois o documento foi produzido para ser utilizado em um evento específico. Entretanto
qual a razão para que o documento “Relatório Situacional Semanal” começasse e deixasse de
ser produzido no mesmo ano? Atender a uma demanda específica de instâncias
hierarquicamente superiores, em resposta a mudança de perfil de clientela, a própria falta de
necessidade pelo mesmo ter sido substituído ou ter sido superado por outro documento? É
possível conjecturarmos, mas não podemos perder o foco dessa pesquisa; não cabem esses
tipos de questionamentos visto nosso objetivo é simplesmente responder à pergunta: Como
fazer desospitalização em hospital geral?; e mais, para que qualquer aproximação dessa
ordem analítica fosse possível, outras técnicas de pesquisa necessitariam ser empregadas, o que
não vem ao caso.
nos dois primeiros anos de existência da equipe, 2011 e 2012, foram implementados a mesma
quantidade de documentos, três. O “Censo Diário” e o “Fichário de Dados do Paciente” que
foram implementados no ano de 2011 permanecia em uso pela EADES até o dia 31 de
dezembro de 2015, dia estabelecido por mim para e encerramento da busca de dados dessa
pesquisa. O documento “Planilha de Indicadores” não teve continuidade nos anos 2014 e 2015.
A mesma relação se observou quando foram analisados os três “documentos
operacionais” implementados pela equipe no ano de 2012: os documentos “Diário de Bordo” e
“Redes de Atenção à Saúde – RAS” continuaram a ser utilizados enquanto o documento
“Relatório de Gestão” não, esse não foi produzido no ano de 2015. Os anos seguintes, 2013,
2014 e 2015 foram anos com grande implementação de documentos pela EADES, com
destaque para o último ano onde foram implementados quinze novos “documentos
operacionais”, um avanço em mais de 100 % em relação ao ano anterior, 2014, onde foram
implementados sete novos “documentos operacionais”. Esse avanço em mais de 100% também
foi observado quando se analisou a quantidade de documentos novos implementados pela
equipe nos anos 2012 e 2013, saindo de três novos documentos implementados para oito,
respectivamente. Essa curva de crescimento, no volume de documentos novos implementados
pela EADES, pode ser melhor observada no Gráfico 10 a seguir.
16 15
14
12
10
8
8 7
4 3 3
2
0
2011 2012 2013 2014 2015
também pode nos demostrar que o trabalho da EADES veio se tornando com o tempo mais
fragmentado e compartimentalizado, e ainda (por que não?), que os velhos e novos serviços de
saúde continuam vinculados ao tradicional processo superburocratizado da Administração
Pública brasileira, e tantas outras possibilidades conjecturais. Para tanto, faz-se necessária uma
análise mais qualitativa, saber que categorias de “documentos operacionais” esses números
representam, saber ao que vieram e para que servem os documentos implementados, e também
para saber sobre a própria história equipe e sua atuação no dia-a-dia, pois algumas respostas só
serão entendidas ao examinarmos o contexto em que elas se encontram.
A análise qualitativa será apresentada no próximo item “olhar qualitativo” e seguirá
da mesma forma que nos textos anteriores se concentrando nas características intrínsecas dos
documentos que poderão estar presentes em apenas um ou em conjunto.
Ainda foram comparados o número de “documentos operacionais” implementados
pela EADES com o número daqueles que não estão mais sendo utilizados pela equipe (aqueles
que eu não consegui identificar sua continuidade de acordo com a metodologia de identificação
do ano de implementação, do período de continuidade e do último ano de uso conforme
descrito no início desse texto). A relação encontrada na análise foi de cinco para um, ou seja,
para cada cinco “documentos operacionais” implementados no período analisado um deixou de
ser utilizado. Ou então que dos 100% dos documentos implementados, 17% deixaram de ser
utilizados pela EADES. O Gráfico 10 traz essa relação.
6; 17%
IMPLEMENTADOS
EM DESUSO
30; 83%
DIGITAL
17; 47%
19; 53%
IMPRESSO
passo-a-passo, dia-a-dia, são documentos que também precisam estar facilmente à mão para
serem consultados quando necessário.
O único documento que foi classificado como “de circulação inexplicável em mídia
impressa” trata-se do “Fichário de Dados do Paciente”, um conjunto de sete páginas
numeradas e nomeadas, referentes a grupos específicos de informações a respeito do paciente
em acompanhamento com o objetivo de subsidiar o desenvolvimento das ações de saúde
desempenhadas pelos profissionais da EADES ao executarem o programa de desospitalização
do Hospital Federal de Bonsucesso; trata-se de um “banco de dados” na sua essência, segundo
minha interpretação. Por que a EADES se utiliza de um banco de dados em papel em pleno
Século XXI, considerando que o Ministério da Saúde possui há mais de duas décadas o
Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) 51 , responsável em
“desenvolver, pesquisar e incorporar tecnologias de informática que possibilitem a
implementação de sistemas e a disseminação de informações necessárias às ações de saúde” de
acordo com o decreto que o instituiu (BRASIL, 1991)?
Sempre que se analisou os documentos com um pouco mais de meticulosidade,
surgiram questionamentos como esse acima colocado; sabe-se que muitos desses
questionamentos podem em um primeiro momento parecerem não contribuírem na tentativa de
se responder à pergunta dessa pesquisa, ledo engano, há que se considerar muitos outros
aspectos para além do pragmatismo das rotinas, das diretrizes, dos protocolos em si, vide a
ocorrida durante a leitura e a análise dos “documentos acadêmicos” que por mais que a grande
maioria deles não se dirigisse estritamente às questões relacionadas ao modos operandi do
processo de desospitalização em hospital geral, excertos dos seus textos se apresentaram como
peças (objetivos e consequências, público-alvo, redes de serviços substitutivos,etc.) de um
grande quebra-cabeças (o programa de desospitalização completo).
A mesma experiência também pode ser vivenciada durante a leitura e a análise dos
“documentos oficiais” que contribuíram com mais pistas e anti-pistas sobre como fazer
desospitalização em hospital geral. O mesmo acontecerá a partir da leitura e da análise dos
“documentos operacionais” em curso e apresentados no item “olhar funcionalístico”.
51
O Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) surgiu em 1991 com a criação da
Fundação Nacional de Saúde (Funasa), pelo Decreto 100 de 16.04.1991, publicado no D.O.U. de 17.04.1991 e
retificado conforme publicado no D.O.U. de 19.04.1991. Na época, a Fundação passou a exercer a função de
controle e processamento das contas referentes à saúde que antes era da Empresa de Tecnologia e Informações da
Previdência Social (DATAPREV). Foi então formalizada a criação e as competências do DATASUS, que tem
como responsabilidade prover os órgãos do SUS de sistemas de informação e suporte de informática, necessários
ao processo de planejamento, operação e controle.
104
sua atuação passaram a ocupar os últimos lugares no mesmo campo do documento de 2014
sem alteração no texto, a não ser nos nomes dos integrantes da equipe e suas respectivas
categorias profissionais. Também se notou a inclusão de mais dois parágrafos nesse campo: o
primeiro parágrafo que explica sobre a composição multiprofissional da equipe e seu objeto de
trabalho; e o quarto parágrafo que descreve com um pouco mais de detalhe o trabalho da
EADES, trazendo ao conhecimento alguns dos seus objetivos e das suas atribuições.
Encontrou-se nos documentos dos três anos analisados um parágrafo atribuindo à
PNH um papel de orientadora das ações da EADES, em 2014 a EADES é inclusive definida
como um dispositivo da tal política que não é a única base jurídica-legal para os documentos
de 2012 e 2013 tampouco a única base do ordenamento jurídico normativo brasileiro para o
documento de 2014 que subsidia os trabalhos desenvolvidos pela equipe.
O campo “Metodologia de Trabalho” tem suas subdivisões que trazem informações
sobre o perfil da clientela, que aumenta de dois critérios no ano de 2012 para quatro no ano de
2013 e sete o ano de 2014; sobre o número de leitos onde a equipe atua, que também
aumentam, saindo de vinte em 2012 para setenta e dois em 2013 e 2014; sobre a dinâmica de
trabalho da EADES, que não sofreu alteração; e sobre as atividades que a equipe desempenha
no seu dia-a-dia, que assim como as duas primeiras subdivisões acima referidas, tiveram o seu
número aumentado quando foram acrescentadas no documento do ano de 2014 as visitas
domiciliares ou às redes de saúde externas quando necessário e as visitas de luto quando
solicitadas pela família.
Os campos “Conquistas e Realizações” e “Dificuldades” dos documentos dos anos
2013 e 2014 trazem quadros comparativos que demonstram o aumento do número de critérios
de inclusão de pacientes para acompanhamento pela equipe, o aumento do número dos leitos
hospitalares atendidos pela EADES, o aumento do número de indicadores utilizados e o
aumento da quantidade de profissionais e categorias profissionais, entretanto sem que tivesse
havido a reposição do profissional de Psicologia perdido no ano de 2013.
A subdivisão do campo “Dificuldades” no documento de 2014 teve três espaços
diferentes para serem descritas; dentre eles, um que relacionava seis ações do plano estratégico
para o ano de 2014 que deixaram de ser cumpridas pela falta do profissional agente
administrativo no corpo da equipe.
Quanto às páginas dos anexos referentes aos indicadores que a EADES gera durante
seu trabalho, contabilizou-se que no documento de 2012 eles foram catorze contra onze dos
documentos de 2013 de 2014. Dos indicadores apresentados nos três documentos analisados
apenas os que tratam do número de usuários que foram acompanhados pela EADES, do
106
número de usuários novos admitidos pela equipe, suas representações por gênero, seus
municípios de origem e CAP de origem quando oriundos do município do Rio de Janeiro se
encontram presentes. Dados sobre o sítio da doença, o tempo de permanência hospitalar e se o
primeiro diagnóstico foi realizado no HFB ou não aparecem exclusivamente no documento de
2012, enquanto dados relacionados aos critérios de inclusão, aos critérios de saída do hospital e
aos motivos de reinternação só aparecem nos documentos dos dois últimos anos analisados.
As duas versões do documento “Redes de Atenção à Saúde” contém os seguintes
mesmos campos: o campo que identifica o(a) paciente e seu local de moradia; o campo que
identifica a unidade de saúde e a equipe de referência; o campo que destaca o trajeto da casa
do(a) paciente até o local de trabalho da equipe de assistência externa de referência realizado a
pé; e o campo que traz informações sobre o processo burocrático que deverá ser cumprido
pelo(a) paciente ou seu responsável para conseguir o atendimento nos serviços referenciados.
Elas se diferem de duas formas: na quantidade e na qualidade, pois a primeira versão consta de
apenas um documento impresso enquanto na segunda versão são dois, um para o familiar
responsável e outro para ser anexado no prontuário único do paciente, destinado às equipes da
assistência, pois em um dos documentos da segunda versão existe um parágrafo cujo texto é
direcionado a elas.
Foram identificadas grandes diferenças durante a análise das oito versões do “Fichário
de Dados do Paciente”. A primeira versão foi implantada em 2011 e era composta de apenas
duas folhas com apenas dois campos de informações, o primeiro trazia informações que
identificavam o paciente, como seu nome completo e seu local de internação dentro do
hospital, e o segundo tratava do processo de internação em si, onde eram anotadas as
informações colhidas das evoluções e prescrições feitas pelos profissionais médicos e dos
registros feitos pelos técnicos de Enfermagem.
Ressalto que para essa pesquisa não interessou analisar o conteúdo dos escritos dos
profissionais da EADES, especialmente em atendimento às exigências do Comitê Nacional de
Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CONEP), pelo qual esse projeto de pesquisa, em
107
detrimento ao seu escopo e à sua metodologia, esteve isento de ser analisado. Buscou-se
apenas na leitura de alguns escritos entender a função de cada campo documental analisado e
perceber como o mesmo era apropriado pela equipe no desenvolver do programa de
desospitalização do HFB.
A segunda versão do documento em análise tem o título de “Dados Gerais do Usuário
Oncológico Internado na USE”, data do início do ano de 2012 e também, assim como a
primeira versão, é composta de apenas uma folha cuja página de frente tem campos impressos
para preenchimento ficando o espaço da página do verso exclusivo para as anotações referentes
aos processos de internação e de alta dos pacientes acompanhados. Sobre os campos para
preenchimento foram identificados aqueles relacionados à história da doença atual (que data
internou e com que diagnóstico, se veio de casa ou de outra unidade de saúde, se já faz algum
tratamento e com que médico), à família e à rede de cuidados (quem é o responsável familiar
pelo paciente e seus contatos, quem é o cuidador familiar e seus contatos, e que conflitos estão
aparecendo durante os cuidados, se existirem), à residência para os cuidados (em qual
município ou CAP fica o domicílio, seu endereço completo com CEP, e que pontos de
referência são úteis para facilitar o acesso das equipes que realizarão visitas domiciliares), e ao
processo de internação em curso (qual foi o motivo de internação, que procedimentos já foram
realizados, e quais aqueles que que se encontram em espera).
Apenas essa versão e a terceira versão possuem um logotipo da EADES, um desenho
de quatro mãos espalmadas dispostas em círculo dando a ideia de impulsão, uma
impulsionando a outra, como se tivessem espalmando uma peteca para o alto e para a frente.
A terceira versão do documento cuja período de implantação foi durante o início do
segundo semestre do ano de 2012 tem a mesma composição de campos para preenchimento da
versão anterior com algumas pequenas diferenças: não existe mais o campo relacionado aos
processos de internação em curso na folha de rosto; o título da folha de rosto passa a ser escrito
como “Dados Gerais do Usuário Internado na USE”, não mais restringindo o trabalho da
equipe aos usuários oncológicos; e são incluídas novas folhas com campos impressos
destinados às anotações sobre a “Evolução do Processo de Acompanhamento” pela equipe (a
data da anotação, que ação, solução e solicitação foram realizadas pela EADES, e qual
profissional as realizou).
A partir da quarta versão os documentos passaram a contar com um número maior de
páginas, algumas versões, como essa em análise, chegando a possuir dez folhas no total. E
essas folhas ganharam seus títulos e formas de numeração, na quarta e na quinta versões foram
utilizadas letras maiúsculas (A, B, C, ..., H, I, J) e nas consecutivas a elas, números arábicos,
108
alguns seguidos de letras minúsculas ou de um espaço sublinhado (1, 2a, ..., 3c, 4_). A folha
“A” ganha o título de “Histórico das Internações” com espaços para anotações referentes à data
de internação no hospital, à data de admissão pela EADES com seus critérios de inclusão, e à
data de saída do paciente do hospital com seu respectivo motivo de saída. As folhas “B” e “C”
são referentes à “Identificação do Usuário”, trazem campos para preenchimento sobre dados
gerais (quem é o(a) paciente, qual sua procedência, que doença(s) ele(a) já tem identificada(s),
e quem é o(a) responsável pelo(a) paciente de referência na família) e sobre algumas
informações sociais (endereço atual, endereço pós-alta, trabalho e emprego, e recursos
materiais). Todas as folhas a partir da folha “D”, excetuando-se a folha “E”, trazem campos
destinados às anotações referentes aos processos de internação e alta, cada uma sob um recorte
específico: a folha “D” é destinada às informações sobre os procedimentos realizados durante a
internação em curso podendo eles serem exames, pareceres e procedimentos, que foram
solicitados, estão agendados, ou mesmo, já foram realizados; a folha “F” mapeia os exames
realizados, sejam eles laboratoriais, imagéticos ou específicos e seus resultados encontrados; a
folha “G” traz espaços específicos para as anotações sobre as terapias medicamentosas
implementadas para analgesia, aquelas implementadas como antibioticoterapia e as outras
drogas de um modo geral; a folha “H” é destinada às informações sobre os cuidados de
Enfermagem que serão continuados após alta hospitalar no nível domiciliar, cuidados
relacionados às feridas com destaque para o registro das solicitações de avaliação e admissão à
“Comissão de Prevenção e Tratamento de Feridas” e ao “Ambulatório de Lesões de Pele”,
cuidados relacionados às ostomias e cuidados relacionados a outros dispositivos tecnológicos
como cateteres, drenos e cânulas; a folha “I” trata das atividades de “Educação em Saúde”
realizadas durante a internação, ações de educação cujos conteúdos estão relacionados aos
sistemas de saúde, aos direitos sociais e aos cuidados intradomiciliares, com espaço para
anotações sobre o que foi ensinado, quem ensinou e quem aprendeu, qual material foi utilizado
e quando aconteceu; a folha “J” traz o modelo de relatório de “Resumo de Alta” que a equipe
utiliza, modelo com campos que tratam das condições clínicas do(a) o(a) paciente no momento
da alta, das terapias medicamentosas que deverão ser continuadas, dos cuidados que também
deverão ser continuados, dos acompanhamentos ambulatoriais agendados e das redes de
cuidados estabelecidas; a folha “E” é justamente a folha específica dessa “Rede de Cuidados
Externa” estabelecida, com campos para a identificação da equipe de estratégia de Saúde da
Família de referência e dos responsáveis na Secretaria Municipal de Saúde ou CAP de
referência, como também, espaços para as anotações sobre as outras unidades de saúde ou de
apoio pertencentes a essa rede de atenção à saúde organizada.
109
Outra similitude observada foi que nessas três últimas versões, as letras maiúsculas
que identificavam as folhas deram lugares aos números, às vezes seguidos de letras ou mesmo
de um espaço sublinhado. A folha “1” que trata da identificação do(a) paciente e da cronologia
das suas internações ganhou em todas as três versões um espaço para anotações sobre a
movimentação do(a) paciente dentro do hospital: em que clínica, em que enfermaria e em que
leito ele(a) se encontra internado(a); entretanto alguns dados vieram sendo incluídos aos
poucos, por exemplo: na sexta versão foi acrescentado o nome da mãe do(a) paciente, na
sétima versão, a sua idade, e na oitava(8ª), o CID da AIH. A folha “2a” se refere aos “Dados
Sociais” do(a) paciente, com campos destinados às anotações relacionados à sua anamnese
110
como sua história patológica pregressa, sua história familiar, a história da sua doença atual, dos
seus itinerários diagnósticos e terapêuticos e das suas comorbidades e tratamentos em curso. A
folha “2b” da sexta versão corresponde à folha “2c” da sétima e oitava versões dos documentos
analisados e apresentam campos destinados às anotações dos “Recursos Físicos e Financeiros”
do(a)s pacientes como os campos que identificam o endereço do domicílio terapêutico, esse
presente apenas na sexta versão, campos que identificam as condições habitacionais do
endereço pós-alta e campos que relacionam a composição familiar do(a) paciente, todos
presentes nas três versões, e campos destinados às anotações referentes ao “Emprego e Renda”
(6ª versão) ou à “Situação Previdenciária/Trabalhista” (7ª e 8ª versões) do(a) paciente. A folha
“2b” da sexta versão possui campos que identificam o ciclo de vida no qual se encontra o(a)
paciente (criança, adolescente, adulto, idoso) e se o(a) mesmo(a) possui ou não documento de
identidade e CPF diferente da mesma folha “2b” da sétima e oitava versão que traz os campos
relacionados às “Demandas de Cuidados”, campos que na sexta versão se encontravam na
folha “6” do “Resumo de Alta”. A folha “2c” da sexta versão é destinada a construção do
“Genograma Familiar”, que não existe na sétima e oitava versões, que diferentemente da sexta
versão, possuem a folha “2d” que é destinada às anotações referentes aos “Cuidadores
Familiares”: seus nomes, seus contatos, suas idades, seus vínculos com a família, seus níveis
de escolaridade, suas experiências, medos e ansiedades. As folhas “3a” e “3b” em todas as três
versões trazem campos destinados às anotações relacionadas às “Redes Externas de Cuidados”.
Na sexta versão a folha “3a” apresenta campos específicos para os registros sobre as
equipes da Estratégia de Saúde da Família e seus contatos, as equipes das Secretarias
Municipais de Saúde ou Coordenações e seus contatos, e as equipes das outras unidades de
saúde e das unidades de apoio identificadas e referenciadas; campos que se modificam nas
últimas duas versões, em cujas folhas “3a” foram identificados apenas os campos referentes à
“Atenção Primária” e às “Outras Redes”. A folha “3b”, em todas as versões, é destinada às
anotações do processo de constituição de redes com campos destinados às anotações sobre os
contatos das redes identificadas e sobre as ações e os desdobramentos inerentes a esse
processo. A folha “4_” é o espaço destinado às anotações da “Evolução da Internação” e têm o
espaço sublinhado para preenchimento da ordem em que foram escritas: “4.1”, “4.2”, “4.3” e
assim por diante, tantas quantas se fizerem necessárias, a única diferença encontrada na sétima
e oitava versões é que nessas além das anotações sobre a “Evolução da Internação” existem
campos destinados às anotações sobre os “Motivos de Permanência” do(a) paciente no hospital
que podem ser clínico-biológicos, administrativos-processuais, sócio-estruturais e psico-
individuais.
111
que mais acrescentar pois o mesmo já foi analisado na parte desse texto que trata das
características “Uni-versão” e “Multi-versão”, assim como foram o “Fichário de Dados do(a)
Paciente” e o “Redes de Atenção à Saúde”. Sobre o “Relatório de Produção Mensal” e o
“Relatório de Produção Semanal” observou-se que ambos têm os mesmos campos
informativos, diferindo-se apenas quanto ao período analisado: o semanal compreende uma
semana de trabalho, de segunda-feira à sexta-feira, pode conter informações referentes a mais
de um mês, se a semana assim for constituída; e o mensal, um mês corrente, iniciando-se no
seu primeiro dia útil e terminando no seu último dia útil, independente do dia da semana que
esses dias possam cair.
Quanto aos campos de indicadores de produção tem-se aqueles referentes ao
quantitativo de usuário(a)s que foram admitido(a)s e receberam alta hospitalar, aqueles que
tratam dos critérios de admissão e de alta, aqueles destinados às anotações sobre as redes
estabelecidas e seus contatos (pessoas e telefones) e aqueles que relacionam o(a)s usuário(a)s
que permaneceram em acompanhamento pela equipe e todos os seus motivos de permanência
tanto os relacionados ao programa de desospitalização como os relacionados ao próprio
processo de internação.
Sobre o “Relatório de Visita Técnica” observou-se que o mesmo é numerado e
destinado às anotações sobre assuntos específicos relacionados às visitas que a equipe faz
durante o seu trabalho podendo estas visitas serem feitas a outras equipes externas de
assistência, às equipes gestoras das secretarias e coordenações de saúde, aos domicílios do(a)s
usuário(a)s em acompanhamento pela equipe, às equipes servidoras dos outros setores e aos
eventos científicos e cursos que os integrantes da EADES participam fora do hospital. Existem
campos que identificam se a visita técnica é programada, se é continuada ou se foi
extraordinária, campos destinados às anotações sobre o nome do local visitado, dos objetivos
da visita e dos resultados conquistados com ela, campos para as informações sobre a equipe
visitadora e a equipe receptora e suas rubricas, e um aviso em letras garrafais no final da
página onde se lê que caso a visita seja mandatória de um relatório mais detalhado que o
mesmo será produzido e encaminhado a posteriori.
O “Relatório Situacional Semanal” é um documento individual, ou seja, específico
para cada usuário(a) em acompanhamento pela EADES que contém os campos relacionados ao
estágio que o(a) usuário(a) se encontra no programa de desospitalização oferecido pela equipe,
às dificuldades que a equipe vem enfrentando no desenvolvimento de suas ações e aos motivos
de permanência do(a) usuário(a) no hospital sejam eles de origem clínica (paciente
apresentando pneumonia por bronco aspiração), processual (paciente aguardando avaliação de
113
especialista solicitada por parecer), econômica (paciente não tem recursos para comprar
material para curativo), psicológica (paciente em fase de negação da doença), etc.
O documento operacional “Planilha de Indicadores” é uma planilha em Excel
composta de cinco abas diferentes, onde cada aba corresponde a um grupo de indicadores
afins; a primeira aba traz campos relacionados à identificação do(a)s usuário(a)s
acompanhados pela EADES (sexo, idade, logradouro e número do domicílio, CEP, bairro,
município de origem, CAP de referência quando cabível, comorbidades existentes, tratamentos
em curso, profissão, renda mensal em salários mínimos e frações); a segunda aba traz campos
relacionados à temporalidade (data de nascimento do(a)s usuário(a)s, data de admissão do
hospital, data de admissão na EADES, data da alta administrativa pela EADES, data da saída
do hospital, tempo de internação medido em dias, data da reinternação quando cabível, tempo
de permanência com a EADES medido em dias, diferença temporal entre a admissão do(a)
usuário(a) no hospital e pela EADES medida em dias, tempo entre a saída do hospital e
reinternação medido em dias); a terceira aba traz campos relacionados ao processo de
internação em sim (motivos de internação, CID, motivos de admissão pela EADES, motivos de
saída do hospital, exames solicitados e realizados/cancelados, pareceres solicitados e
respondidos/cancelados, procedimentos solicitados e realizados/cancelados); a quarta aba traz
campos relacionados às redes de atenção à saúde (moradores do domicílio, familiar
responsável, médico de referência do hospital, equipe de Estratégia de Saúde da Família de
referência, contato pessoal nessa equipe, contato telefônico dessa equipe, equipe do Melhor em
Casa de referência quando cabível, contato pessoal nessa equipe, contato telefônico dessa
equipe); e a quinta aba traz campos relacionados ao processo de transferência dos cuidados
(cuidador 1, cuidador 2, seus contatos telefônicos e e-mails, se formal ou familiar, se
experiente em cuidar de pessoas, data agendada para o treinamento, se aprendeu, se precisou
de novo treinamento, quais insumos e quais tecnologias são necessários para a continuidade
dos cuidados).
Enquanto o documento “Planilha de Pendências e Urgências”, também uma planilha
em Excel, é produzido em todos os primeiros dias úteis semanais e traz campos destinados às
anotações das pendências em relação aos processos do programa de desospitalização
desenvolvido pela EADES para cada usuário(a) em acompanhamento e as urgências que
devem ser priorizadas naquela semana, ele ainda tem campos onde são nomeados os
responsáveis pela realização de cada tarefa solucionadora das pendências e urgências e a meta
temporal para a realização das mesmas.
114
gráficos, de citações e autores, eles têm design caprichado e aquele feito através da plataforma
Prezi, movimentos arrojados.
O “Apresentação em PowerPoint do Projeto EADES no III Encontro Científico da
Enfermagem do Hospital Federal de Bonsucesso da 76ª Semana da Enfermagem do Hospital
Federal de Bonsucesso” foi o primeiro documento dessa classe produzido pela equipe. O
evento que teve como tema “O protagonismo da Enfermagem no Processo de Cuidar” também
foi o primeiro evento científico que a EADES participou como convidada palestrante e o
documento foi estruturado de forma a apresentar a ações e os serviços de saúde desenvolvidos
pela equipe e suas metodologias de trabalho (público-alvo, tecnologias, atores envolvidos,
locais de atuação, critérios de elegibilidade, etc.). Referências teóricas e legais que
sustentavam o trabalho da EADES também foram incluídas no documento; estão presentes
citações de Camargo Jr., Wargas, Veras, Benevides, Wagner, Descamps, Martins, Mercklé e
Latour, e referências à Lei nº 8.142 de 1990, à Política Nacional de Humanização de 2004, à
Portaria SAS nº 2.527 de 2011 e à Portaria SAS nº 1.208 de 2013.
O documento “Apresentação em PowerPoint do DIADES – Documento
Interdisciplinar de Apoio à Desospitalização e Educação em Saúde” foi criado em 2014 para
apresentação da evolução do projeto de criação do documento acima referido em um dos
encontros entre as equipes multiprofissionais de assistência da neurocirurgia, de educação
continuada da Enfermagem e da EADES. É o primeiro documento que traz referências teóricas
às transições demográficas, epidemiológicas e sanitárias e se utiliza de uma ferramenta clássica
da Administração, o diagrama de causa e efeito (Diagrama de Ishikawa). Nele encontram-se
expostas as quatro páginas-piloto do DIADES em sua primeira (1ª) versão.
O “Apresentação em Prezi do Projeto EADES para a Divisão de Enfermagem
(DIENF)” foi desenvolvido para ser apresentado em 20 de março de 2015 na reunião de chefia
da Enfermagem, no auditório da Divisão de Enfermagem onde estavam presentes todo(a)s
o(a)s enfermeiro(a)s ocupantes dos cargos de chefia e de coordenação. O conteúdo está
dividido em quatro (4) partes que contam a história de surgimento da EADES, fazem
referência ao NADES e ao PAADES Neuro pela primeira vez, contam sobre o
desenvolvimento do DIADES e propõem uma parceria entre a equipe e a Enfermagem do
hospital para o desenvolvimento da metodologia de encaminhamento para treinamento do(a)s
cuidadore(a)s dos usuário(a)s em acompanhamento pela EADES. Repetiram-se as referências
teóricas relacionadas às mudanças dos perfis de crescimento populacional, de adoecimento e
morte e de respostas do setor Saúde frente às novas demandas. Acrescentaram-se referências
sobre educação em saúde, citou-se Pimont e o “Diretrizes de educação em saúde visando à
118
Com interferências gráficas sobre as palavras médico, médica e medicina onde foram
sobrepostas tarjas contendo o dizer “da saúde”. Segue-se a apresentação da equipe, seu
trabalho, sua constituição multiprofissional e as expertises de cada profissional, seus parceiros
pelo hospital, um breve relato do campo, a apresentação dos possíveis núcleos de estágio
dentro do hospital além da EADES e também de vinte e nove “Algumas Atividades” que o
estagiário poderá executar durante o seu período no campo. O último documento dessa classe é
o mais extenso e vai receber uma análise mais pormenorizada que todos os outros pois o
mesmo congrega a grande maioria dos trinta e seis documentos operacionais selecionados para
análise.
O “Apresentação em PowerPoint do Programa de Capacitação Profissional em
Desospitalização e Educação em Saúde” foi desenvolvido em atendimento a demanda da
Equipe Multiprofissional de Atenção Domiciliar (EMAD) do Instituto Fernandes Figueira
52
Fala de Tatiana Wargas durante reunião de grupo de estudos no Instituto de Medicina Social da UERJ, em
outubro de 2015.
121
(IFF) em aprender como a EADES conseguia fazer desospitalização sem oferecer o serviço de
Atenção Domiciliar; informação constante nos slides de apresentação do programa de
capacitação. O documento é composto de cento e sessenta e quatro slides, divididos em quatro
dias, onde as aulas teóricas epistemológicas e metodológicas estão sempre na parte da manhã e
as aulas práticas metodológicas e dialógicas no período da tarde. Mais uma vez observou-se
que o documento logo após a sua capa apresenta uma citação, a mesma citação de Foucault
presente na abertura do documento que apresentava a EADES como campo de estágio para os
residentes de Saúde Coletiva da UFRJ.
A primeira aula teórica epistemológica traz informações sobre a história da EADES,
mas diferentemente do que se viu no documento apresentado no I Encontro da Câmara Técnica
de Desospitalização e Atenção Domiciliar, o NADES ainda fazia parte do planejamento
estratégico da equipe para o ano de 2017, no ponto da linha do tempo onde o mesmo estava
inserido o que se leu foi a palavra “FUTURO”. Em seguida são discutidas as transições
demográfica, epidemiológica e sanitária, é apresentada outra linha do tempo contendo
referências ao uso do termo desospitalização presentes em artigos científicos, dissertações,
portarias, cadernos normativos oficiais e uma lei. Ainda são apresentados os conceitos de
educação em saúde de Pimont, da FUNASA e da BVS.
A primeira aula teórica metodológica traz informações a respeito da clientela
(público-alvo, beneficiários, pacientes elegíveis, critérios de inclusão e de exclusão), traz
informações sobre os locais de atuação da equipe, dentro e fora do hospital, traz o
“Fluxograma EADES e USE” e o “Fluxograma EADES e Enfermarias”, traz uma lista das
rotinas diárias e o “Fluxograma Captação” com suas sub-rotinas.
A primeira aula prática metodológica é composta de duas, a inicial onde o aluno
observa o integrante da EADES realizar o processo de captação seguindo os passos descritos
no “Fluxograma Captação” e a final quando o aluno realiza o processo sozinho.
A primeira aula prática dialógica serviu como um espaço de avaliação das aulas do
primeiro dia, mas também como um espaço de discussão sobre o desenvolvimento de um
contrato de cooperação técnica entra as duas instituições envolvidas (HFB e IFF).
A segunda aula teórica epistemológica é dividida em dois assuntos: Doenças Crônicas
e Redes de Atenção à Saúde. Ela se inicia apresentando um quadro que compara algumas
variáveis entre as condições agudas e as condições crônicas. Esse quadro foi extraído da obra
“As Redes de Atenção à Saúde” de Eugênio Vilaça Mendes, resultado de uma encomenda do
Ministério da Saúde à OMS, à OPAS e ao CONASS. Em seguida são apresentados dados
referentes aos custos e gastos e perdas globais com algumas doenças crônicas também
122
53
“Para Feuerwerker & Merhy (2008), a casa possibilita um novo ‘espaço de cuidado’ que ‘pode remeter a uma
identificação e proximidade do cuidador para além da função técnica e da instituição hospitalar’.” “A disputa se
faz então entre a ‘institucionalização’ da casa como um espaço de cuidado dominado pela racionalidade técnica (e
pelo predomínio das tecnologias duras e leve-duras na produção do cuidado) e a “desinstitucionalização” do
cuidado em saúde, havendo construção compartilhada do projeto terapêutico, ampliação da autonomia do
cuidador/família/usuário, ampliação da dimensão cuidadora do trabalho da equipe (e o predomínio das tecnologias
leves e leve-duras na produção do cuidado).”
124
IMPRESSOS EM GERAL 2
FOLDERES E CARTILHAS (MATERIAL INSTRUTIVO /
INFORMATIVO) 3
FLUXOGRAMAS 5
PROTOCOLOS E ROTINAS 7
APRESENTAÇÕES (REFERENCIAL TEÓRICO) 8
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9
70% 3 2
FLUXOGRAMAS
60%
50% 2
1 FOLDERES E CARTILHAS (MATERIAL
40% 2 INSTRUTIVO / INFORMATIVO)
2 2 3
30% IMPRESSOS EM GERAL
20% 3 1 2
10% RELATÓRIOS E PLANILHAS (INFORMAÇÕES
1 2 GERADAS)
0%
BANCO DE DADOS (INFORMAÇÕES
2011 2012 2013 2014 2015 INSERIDAS)
Parafraseando Camargo Jr., não pretendo que a concepção metodológica desse texto
seja “normativa; (...) não me cabe (e não me parece factível) prescrever critérios fixos e
definidos de demarcação” do que venha a ser fazer desospitalização em hospital geral,
pretendo apenas encontrar pistas metodológicas presentes nos documentos operacionais
utilizados pela equipe EADES para o e a partir do desenvolvimento do seu trabalho. Nem
todos os trinta e seis documentos operacionais selecionados para análise e discussão trouxeram
essas pistas, aqueles que sim, os descreverei em seguida.
O “Censo Diário” nos dá duas dicas metodológicas: temos que o médico da
assistência de referência deve ser sempre identificado assim como o seu contato telefônico e
que o(a) paciente continua sob supervisão da equipe EADES enquanto permanecer internado
no hospital, independentemente do cumprimento do programa de desospitalização
desenvolvido pela equipe.
128
Quadro 8 – Relação das pistas e das anti-pistas sobre desospitalização encontradas nos documentos oficiais (continua).
econômicas e sanitárias.
OBJETIVOS
E
132
Quadro 8 – Relação das pistas e das anti-pistas sobre desospitalização encontradas nos documentos oficiais (continuação).
internados no hospital;
PRÁTICAS,
de saúde de referência;
Os motivos de permanência do(a)s paciente(s) devem ser monitorados;
Devem ser acordadas com as equipes multiprofissionais da assistência
extra-hospital visitas domiciliares quando o(a)s paciente(s) em
acompanhamento receberem alta;
As reiternações devem ser monitoradas;
Devem ser verificadas se as visitas domiciliares acordadas estão sendo
realizadas;
Os cuidadores familiares devem ser acompanhados quando estiverem
prestando os cuidados no domicílio;
Podem acontecer visitas de luto.
133
Quadro 8 – Relação das pistas e das anti-pistas sobre desospitalização encontradas nos documentos oficiais (continuação).
ATRIBUIÇÕES
DE
Quadro 8 – Relação das pistas e das anti-pistas sobre desospitalização encontradas nos documentos oficiais (continuação).
Quadro 8 – Relação das pistas e das anti-pistas sobre desospitalização encontradas nos documentos oficiais (conclusão).
LEGAL*
Dar respostas às transições demográficas, epidemiológicas, Falta parque tecnológico em quantidade e qualidade adequada ao
econômicas e sanitárias. número de integrantes e às necessidades de serviço. Falta Sistema
ESTRUTURA
(RECURSOS
FÍSICOS)
de Informação.
Legenda: (*)A relação completa do arcabouço teórico-legal que substancia o trabalho da equipe EADES encontra-se no Anexo A - Arcabouço Teórico-Legal.
Fonte: o autor, 2016.
136
Figura 5 – PSI.
“
5.1 De angra à penha
algum detalhe do imenso processo burocrático desse errado, caso contrário eu iria ter
que abortar a ideia de subir para Araras e ficar de boréstia os primeiros quinze dias do
ano novo que se aproximava. E deu: o meu esquema de vacinação contra hepatite B
não havia soro convertido e com isso a médica do exame admissional me pediu para
repeti-lo o depois levá-lo para ela novamente. Eu ganhei o tempo que precisava.
Refiz o exame e o resultado foi o mesmo, nada de soro conversão. A médica
deixou passar, mas me fez prometê-la refazer o esquema da vacina. Segui então para a
escolha do campo de trabalho. Na época do concurso eu tinha optado por unidades
hospitalares que não tivessem emergência de portas aberta, mas na hora de tomar posse
não pude escolher, ou ficava no Serviço de Atenção Domiciliar (SAD) ou estava fora,
pois era a única vaga que tinha. A coordenação do SAD ficava no NERJ na Rua
México 128, Centro do Rio de Janeiro, mas eu não trabalharia ali no NERJ. Eu faria
parte da equipe do HFB, uma unidade com emergência de portas abertas, cuja base
operacional se encontrava em uma sala insalubre emprestada pela Coordenação de
Área Programática 3.1 (CAP 3.1)54 no bairro da Penha. Antes, porém, fui encaminhado
para uma semana de treinamento com a equipe do Hospital Federal do Andaraí (HFA),
outra unidade com emergência de portas abertas.
Ao chegar à base da Penha descobri que apenas eu e mais duas meninas (uma
técnica de Enfermagem e uma psicóloga) éramos os únicos profissionais vindos do
concurso de 2005 que haviam entrado no serviço, os únicos concursados em um ‘mar’
de contratados com vinculação CLT. Lá imperava a cultura gerencial ‘neo-neoliberal’55
54
O documento que deu origem ao Serviço de Atenção Domiciliar do Hospital Federal de Bonsucesso
foi o Termo de Cooperação 01/2006 assinado pelos então Secretário de Atenção à Saúde do Ministério
da Saúde, José Gomes Temporão e o Secretário Municipal de Saúde do Rio de Janeiro no dia 07 de abril
de 2006. Constituiu-se objeto do documento a implantação de Programa Piloto de Atenção Domiciliar no
Município do Rio de Janeiro, especificamente na Área Programática 3.1 cujo objetivo era o de promover
a Atenção Domiciliar em consonância com a resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(ANVISA) RDC nº11 de 26 de janeiro de 2006. Cabia ao Município do Rio de Janeiro sediar os
profissionais, garantir os medicamentos, encaminhar relatórios mensais de produção e de indicadores e
participar da coordenação. Ao Ministério, todo o resto: disponibilizar profissionais, veículos e
combustíveis, fornecer insumos em geral, desenvolver protocolos terapêuticos, promover diretrizes
assistenciais, oferecer capacitações e também, participar da coordenação.
55
A Professora Sulamis Dain ao proferir palestra em aula inaugural do Instituto de Medicina Social
(IMS) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) em 18 de março de 2015 sobre
financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS) classificou o movimento de incorporação de algumas
práticas de gestão da esfera privada pelos gestores da esfera pública como um movimento “neo-
neoliberal”. Como se estivéssemos vivendo uma segunda onda neoliberal. A primeira se reflete nas
práticas das privatizações e terceirizações, a esfera privada vendendo serviço para a esfera pública. A
onda “neo-neoliberal” passa a acontecer na esfera pública dentro dela mesma; o discurso e as práticas
voltadas para a produtividade, as metas, os bônus, os accountabilities, etc. O sociólogo Chistian Laval
em entrevista à Leonardo Cazes no jornal O Globo em virtude do lançamento da sua obra em parceria
141
das metas a bater e da avaliação de desempenho, éramos obrigados a realizar seis, e não
menos que seis visitas domiciliares por dia de trabalho. Tínhamos hora para sair, mas
não tínhamos para voltar, muitas vezes as trinta horas semanais viravam quarenta horas
ou mais. E a líder da base não perdoava se as metas não fossem batidas dia-a-dia,
semana-a-semana. Acima dela encontrava-se o coordenador: um rapaz que estava
cursando a faculdade de administração e que prestava serviço para uma firma que
prestava serviço para o NERJ. Eu era um concursado liderado por uma contratada
coordenada por um terceirizado. Diante de tanto assédio moral tratei de convencer meu
pai a fazer a sua cirurgia de hérnia inguinal, além da necessidade real da cirurgia, meu
pai há décadas vivia reclamando de dor e arrastando a sua perna direita ao andar, seria
uma boa estratégia de eu ficar alguns bons dias longe daquele lugar. O alívio durou
apenas quinze dias e eu depois não teve jeito, tive que voltar a trabalhar. Por estar em
estágio probatório, usaram e abusaram de mim.
Nas semanas seguintes me apareceu uma lombociatalgia desesperadora, e
nesse ínterim, semana sim, semana não, em casa de licença eu tinha que ficar.
Infelizmente a dor era muito forte e foi preciso que eu fizesse um exame de imagem.
Descobri que as dores e a sensação de que um ovo tinha sido colocado sob meu glúteo
direito não eram apenas de fundo psíquico, entre minhas vértebras L4 e L5 e S1 havia
hérnias discais medianas, as razões de tanta dor e de tanto alívio, pois elas se tornaram
minha chave escapatória quando não conseguia mais suportar as pressões do trabalho
no SAD.
com o filósofo Pierre Dardot parece reafirmar o que Dain colocou para a plenária naquela aula inaugural.
Segundo ele, “um sinal de que a racionalidade neoliberal avança é a extensão, na linguagem corrente e
na cultura, do léxico empresarial e da gestão”. Disponível em:
http://oglobo.globo.com/cultura/livros/crise-de-2008-reforcou-neoliberalismo-dizem-pensadores-
franceses-19094283 . Acesso em: 16 de abril de 2016.
142
cabia a cobertura de toda a baixada fluminense, da toda zona oeste e da parte da zona
norte que margeia a Avenida Brasil, chegávamos a fazer mais de oitenta quilômetros
por dia nos deslocando por grandes vias de tráfego pesado e entre as ruelas e becos das
comunidades até então não pacificadas.
A nossa líder que era uma enfermeira recém-formada engravidou no decorrer
daquele ano e se tornou uma pessoa mais sensível e mais flexível, não sei se por causa
da gravidez ou por causa das inúmeras vezes em que ela precisava se atrasar ou mais
cedo sair, por estar passando mal ou para ir ao pré-natal. Enquanto o ano corria,
corriam boatos de que a Secretaria Municipal de Saúde da Cidade do Rio de Janeiro
(SMS RIO) iria implantar um serviço parecido com o nosso, o que de fato ocorreu. De
uma hora para outra 90% dos funcionários contratados do SAD dos hospitais federais
rescindiram seus contratos e foram imediatamente aproveitados pelo serviço de atenção
domiciliar da Prefeitura do Rio de Janeiro, o Programa de Atenção Domiciliar do Idoso
(PADI), inclusive toda a coordenação central. À época esse foi um processo
administrativo que ocorrera por debaixo dos panos e de nossos próprios narizes sem
nenhuma publicidade e transparência. Dos vinte e oito profissionais de saúde que
compunham a base do HFB apenas eu e mais seis continuamos lá. De fato, apenas nós
seis e os motoristas de uma firma contratada pelo NERJ que sempre atrasava seus
pagamentos. E quando isso acontecia nos víamos obrigados a andar pelos bairros mais
quentes do Rio de Janeiro com o ar condicionado do carro desligado, pois a obrigação
do abastecimento dos veículos era dos motoristas que sem seus salários precisavam
economizar.
O ano de 2010 avançou assim com a gravidez da líder, e ela, antes do final do
ano, se viu obrigada a tirar sua licença maternidade. Os profissionais da base do HFB
não podendo ficar sem uma liderança me pressionaram a assumir essa posição, segundo
eles era melhor que alguém de dentro da própria equipe assumisse a liderança ao invés
de um estranho qualquer de viesse de fora ocupasse esse lugar. Aceitei o desafio
pensando apenas na equipe pois não haviam encargos compatíveis às reponsabilidades
do cargo que eu iria ocupar.
Nos apoiávamos em duas bases legais, uma Resolução da ANVISA56 e uma
Portaria da SAS57, ambas de 2006. Com a saída da antiga coordenação central do SAD
56
Resolução da Diretoria Colegiada – ANVISA – RDC nº 11 de 26 de janeiro de 2006.
57
Portaria – GM/MS – nº 2.520 de 19 de outubro de 2006.
143
no NERJ, o cargo foi ocupado por duas mulheres interinamente. Com a drástica
redução no número dos profissionais e a contínua procura dos pacientes pelo serviço
decidimos que seria uma boa estratégia os líderes se reunirem uma vez por semana para
tratar de assuntos operacionais, angariar ajudas e solucionar os problemas do dia-a-dia.
Chegamos a pensar um constituir uma Câmara Técnica (CT), inclusive instituída por
portaria ministerial, mas a CT não vingou.
58
Portaria – GM/MS – nº 2.029 de 24 de agosto de 2011.
59
Portaria – GM/MS – nº 2.527 de 27 de outubro de 2011.
144
para o Centro Administrativo São Sebastião (CASS) que também é conhecido como
“Piranhão” na tentativa de traçarmos em conjunto estratégias sobre como se dariam as
transferências de cuidados dos pacientes neuropatas entre o antigo SAD do HFB e o
PADI da rede municipal do Rio de Janeiro. Esse processo de transferência não se deu
de maneira rápida, o ano mudou e os últimos pacientes só receberam alta depois do
Carnaval.
Posso dizer que essa foi a primeira visita técnica da equipe, e o começo do
desenho de um dos três macroprocessos desempenhados hoje pela equipe EADES no
hospital: “Redes de Atenção à Saúde – RAS”. Esse nosso movimento foi reconhecido
como legítimo e válido, mas junto aos elogios recebemos um puxão de orelha da chefe
do NIR, nossa chefe. Segundo ela, nós não poderíamos nunca ter nos deslocado para
outra instituição de saúde sem os prévios conhecimento e endosso da direção, nós não
poderíamos representar o hospital sem uma autorização superior.
Chegou um momento em que não tínhamos mais pacientes, éramos sete
profissionais sem ter o que fazer. A diretora da DIMEA à época nos sugeriu que
iniciássemos o nosso trabalho de desospitalização pelos pacientes que mais
impactavam a emergência do hospital, setor que era (e ainda é) alvo constante de
críticas e matérias pejorativas na mídia e de processos de judicialização. O perfil dos
pacientes que mais impactavam a emergência foi percebido como sendo o dos
pacientes com doença oncológica avançada, muitos deles sem qualquer diagnóstico e
tantos outros sem possibilidade de tratamento e cura.
No início a nossa única ferramenta de trabalho era uma folha pautada onde
registrávamos o nome do paciente, o número do seu prontuário e o local de sua
internação, se na enfermaria feminina ou na enfermaria masculina da Unidade de
Suporte de Emergência (USE), mais o número do leito. No restante da folha nos
limitávamos a transcrever a última evolução médica que poderia ter sido feita naquele
mesmo dia, no dia anterior, há dois dias atrás, ou até mais; esse contexto em que
pacientes ficam sem visita médica na USE pode ser vivenciado até os dias de hoje e
com certa frequência. Informações sobre feridas e curativos entre outras eram colhidas
dos registros do(a)s enfermeiro(a)s e também anotadas na folha pautada. E sempre
quando as linhas impressas se esgotavam uma outra folha era grampeada à primeira ou
146
usávamos o verso, os cantos e as margens para escrever. A maioria dos pacientes eram
escolhidos por nós a partir de uma seleção feita previamente no censo da USE; outras
vezes recebíamos sugestões de pacientes diretamente da nossa chefia. E todos os dias,
no final da tarde, sempre a partir das 17h, após o movimento do NIR diminuir,
sentávamos com a nossa chefe e passávamos caso a caso, os resultados alcançados, as
dificuldades que havíamos encontrado e as soluções que tinham dado certo. Depois,
juntos traçávamos os planos das ações para o dia seguinte. Cabiam a nós como tarefas
saber em que ponto(s) do processo de internação dos pacientes se encontrava(m) os
problemas que paralisavam outros pontos do processo de internação (diagnóstico,
tratamento, cura), tais como: a) pareceres que não foram respondidos que na verdade
nem haviam sido pedidos apenas anotados como tal no campo das evoluções médicas
destinado às condutas; b) laudos de resultados de biópsias prontos há semanas que
continuavam sendo aguardados; c) gastrostomias suspensas por falta de assinatura do
responsável familiar no termo de ciência; d) o início de um novo ciclo de
antibioticoterapia porque o paciente não respondeu ao primeiro ou porque somente
depois que vem o resultado de alguma cultura com antibiograma é que se descobre a
droga mais indicada; e) a recusa da família em aceitar a transferência do seu familiar
para outra unidade hospitalar por ser mais distante que sua casa; entre muitos outros
motivos. Inclusive cogitou-se que os enfermeiros da EADES fossem os responsáveis
pelos treinamentos dos cuidadores e chegamos a reunir material impresso educativo
(folders, cartazes e cartilhas) sobre cada tipo de cuidado (gastrostomia, colostomia,
traqueostomia, feridas, etc.) e a montar uma caixa com kits de materiais para o
treinamento (seringa de 50 ml, gases e soro para o treinamento dos cuidados com a
gastrostomia, gases, soro e cadarço para o treinamento dos cuidados com a
traqueostomia, etc.), mas essa ideia foi abortada pois não fazia sentido sermos nós
enfermeiros da equipe EADES os treinadores dos cuidadores familiares visto que não
éramos nós aqueles que realizavam os cuidados diariamente.
Por falar em EADES, também é impossível precisar a data exata quando foi
decidido que não mais seríamos o Serviço de Apoio à Desospitalização, e sim a Equipe
de Apoio à Desospitalização e Educação em Saúde. Nem a data exata, nem o local
exato e nem na presença de quem. Sei que a ideia da mudança do nome partiu de mim,
147
eu tinha uma certa implicância com o SADES pois me remetia à nome de desinfetante
com cheiro de eucalipto bem forte e bem ruim. Com certeza eu me utilizei de outros
argumentos que não o anteriormente citado, pois realmente não fazia sentido sermos
chamados de serviço já que éramos uma equipe desenvolvendo certas atividades dentro
do NIR. Também contava a favor de todos esses argumentos o momento evolutivo em
que se encontrava o nosso fazer, ainda estávamos no comecinho, tateando às cegas os
caminhos a seguir, decidindo o que fazer durante o próprio fazer. Agora, o porquê da
expressão “Educação em Saúde” ter sido incluída no nome corre o grande risco de ter
sido apenas para que todas as letras da sigla EADES tivessem uma palavra
correspondente. E só depois terem sido criadas explicações lógicas como ‘não será
possível fazer desospitalização se não educarmos os cuidadores familiares para a
realização dos cuidados e os próprios pacientes para o autocuidado’. E tudo acabou
fazendo sentido. Tanto sentido que quando propus a criação do Núcleo de Apoio à
Desospitalização e Educação em Saúde (NADES) durante a reunião de apresentação da
EADES para a nova direção da DIMEA ouvimos da chefe do planejamento que não
seria uma boa ideia mudar de nome pois o nome EADES já tinha “pegado”, já estava
“na boca das pessoas”, já era “conhecido de todos”.
Aconteceu em um dos nossos atendimentos quando nos deparamos com a
seguinte situação: o paciente era jovem, ainda não tinha chegado aos cinquenta anos de
idade, tinha um câncer avançado de intestino que obstruída todo o percurso intestinal,
estava lúcido, deambulava, e queria morrer em casa. Quando ouvimos esse pedido do
paciente, ele se encontrava em uma maca de metal brilhante, asséptica, dura, reta e fria.
Ele tinha uma gastrostomia, ele tinha uma colostomia, ele tinha um cateter nasoenteral.
Ele sabia do seu estado terminal. Ele queria morrer em casa. Durante uns três dias, nós
da equipe EADES tentamos garantir o seu último desejo e fomos conversar com a
equipe médica do ambulatório de oncologia do hospital. Sem sucesso. Interpelações
como: ‘Quem vai garantir a analgesia dele em casa?’ Ou: ‘E como vamos nutri-lo se
ele não pode comer?’ Cheguei a propor usar a gastrostomia como local para
administração de medicamentos, mas nenhum médico queria comprar essa ‘briga’ junto
com a equipe EADES. E já que o destino traçado para o paciente era morrer em cima
de uma maca de metal brilhante, asséptica, dura, reta e fria, sozinho, longe da sua
família, propusemos deixá-lo pelo menos sentir o prazer da alimentação, poderíamos
oferecer uma dieta líquida e depois drená-la pela gastrostomia. Não, não e não. A todas
as nossas proposições a resposta era não. Na segunda-feira não tinha mais paciente.
148
Esse caso clássico de insucesso nos levou a produzir dois novos documentos de
trabalho: a) o “Relatório Situacional Semanal” onde fazíamos um breve relato do caso,
e informávamos a data e motivo da internação, as ações desempenhadas pela equipe
EADES e as dificuldades encontradas durante o processo de desospitalização, e os
motivos de permanência dos pacientes no hospital; e b) O primeiro “Estudo de Caso”
que seguia toda uma metodologia própria e era apresentado na forma de uma planilha.
Os relatórios eram produzidos todas as sextas-feiras e encaminhados para o e-mail da
diretora da DIMEA que passava os finais de semana ligando para os chefes de serviço e
solucionando todos os problemas que emperravam os processos de desospitalização dos
pacientes indicados por nós. Todas as segundas-feiras no meio da manhã eu passava na
sala da diretora da DIMEA e ela sentada na sua mesinha abarrotada de papéis, de
documentos, de processos, de bilhetes, de lembretes. Inclusive ela tinha colado na
parede um papel tamanho A4 com o meu nome escrito em letras garrafais e todos os
meus telefones pessoal e profissionais. Eu sentava em frente a ela que pedia café e
água. Ela terminava o que estava fazendo, seja lendo, escrevendo, telefonando, e já
pegava os relatórios que havíamos enviado na sexta-feira à tardinha por e-mail, todos
impressos e rabiscados, e ia caso a caso me dando as informações sobre as soluções e
decisões tomadas por ela junto aos chefes dos serviços. Poucos eram os problemas que
ela não conseguia resolver.
60
O Acórdão TCU nº 2.133/2005 firmou o entendimento de que o servidor submetido a dois ou mais
regimes de serviço que excedam a sessenta (60) horas semanais, fica impossibilitado de cumprir de
maneira legal e lícita os seus deveres funcionais.
150
61
A Portaria Interministerial (Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e Ministério da Saúde) nº
434 de 11 de novembro de 2013 autorizou o Ministério da Saúde a contratar mil quinhentos e setenta e
oito (1.578) profissionais, por tempo determinado, para atender necessidade temporária de excepcional
interesse público.
151
das famílias e dos comunicantes dos pacientes, com a identificação de uma equipe de
assistência à saúde externa ao HFB pudesse fazer visitas domiciliares aos pacientes por
nós encaminhados, com as orientações corretas sobre os direitos, sobre as garantias
sociais e sobre os sistemas de saúde, seu funcionamento e seus trâmites burocráticos,
etc.
Dessa vez não foi diferente. Marcamos uma reunião na sala de reuniões da
DIMEA para definirmos o futuro da EADES, nós os integrantes, a nossa nova chefe
imediata, a diretora da DIMEA e sua assessora, o vice-diretor e a chefe do
planejamento. Tudo continuou como antes, continuamos lotados no NIR e tivemos
nossos objetivos e nossas metodologias de trabalho, a precariedade do parque
tecnológico disponível para uso da equipe EADES e a quantidade insuficiente de
profissionais na equipe, também permaneceram e sem promessas de solução. Inclusive
também não conseguimos retomar a rotina de envio dos relatórios sobre os processos
de desospitalização dos pacientes acompanhados pela equipe EADES como fazíamos.
Em 15 de maio de 2014 a equipe EADES participou como apresentadora de
trabalho da I Mostra Científica da Enfermagem durante as comemorações da 75ª
Semana de Enfermagem do HFB. O tema do evento daquele ano era “O Protagonismo
da Enfermagem no Processo de Cuidar” e essa seria a primeira apresentação público-
científica sobre o trabalho que a equipe há três anos vinha desenvolvendo dentro do
hospital. Para participar do evento deveríamos ter feito uma inscrição e enviado um
resumo do trabalho nos moldes contidos no edital, entretanto, quando decidimos
participar, a data limite para a realização das inscrições havia passado há mais de uma
semana e nós nem tínhamos o resumo do trabalho conforme solicitado pelo edital.
Liguei para a sala da Educação Continuada de Enfermagem pedindo para participar,
mas a pessoa que me atendeu se limitou a repetir que o prazo para o envio dos
trabalhos havia expirado há tempos. Não me fiz de rogado e bati na porta da sala da
Educação Continuada de Enfermagem para tentar pessoalmente, olho-no-olho, incluir a
apresentação sobre o trabalho desenvolvido pela equipe EADES no evento. Consegui
pelo menos que a comissão organizadora levasse o meu caso para discussão e na
semana seguinte recebemos um telefonema confirmando nossa participação. Dividimos
a mesa com duas técnicas de Enfermagem do hospital que estavam apresentando suas
pesquisas de mestrado em Enfermagem e Fisioterapia. A plenária estava bastante
esvaziada, mas conseguimos fazer uma bela apresentação que conquistou quem
presente estava, inclusive a nova diretora de Enfermagem e sua vice representante, que
153
até hoje são nossas aliadas. De lá para cá, apresentações em eventos científicos e
encontros de trabalho tornaram-se uma constante no dia-a-dia da equipe EADES que as
incorporou como uma das suas atividades de rotina de trabalho. Durante os meses de
fevereiro e março de 2016 ocorreram quatro novas apresentações.
deveria estar naquela reunião, viu quem do hospital estava envolvido e achou que não
precisaria ficar; pareceu-me que o que ele quis dizer com o seu comportamento era que
ele confiava nas pessoas que estavam ali representando o hospital. Dessa reunião ficou
definido que a EADES seria, sim, um dos campos de estágio para Saúde Coletiva,
assim como, segundo opinião da coordenadora das residências do NERJ, para os
residentes de Enfermagem da Unirio que usavam o hospital como campo de estágio, os
residentes daquela residência que visava apenas às práticas clínica e cirúrgica.
Mas ainda assim foi preciso que a equipe EADES fosse no evento de
apresentação dos campos de estágio para os futuros R2 ocorrido nas instalações do
IESC em 14 de dezembro de 2015 para ‘vender’ a EADES como uma excelente
oportunidade de crescimento profissional. Eu preparei uma apresentação em
PowerPoint bem colorida e duas outras integrantes da equipe EADES foram
apresentar, levaram também alguns fôlderes para serem distribuídos entre os residentes.
Conseguimos colher frutos da apresentação, pois atraímos a atenção de duas candidatas
que no começo de 2016 foram nos visitar e nos conhecer e conhecer as possibilidades
de desenvolvimento dos residentes que o campo propiciava, uma delas quis ficar.
EADES fez uma palestra sobre o trabalho que desenvolve no HFB e o segundo dia
restrito aos representantes dos serviços de Atenção Domiciliar dos municípios do
Estado do Rio de Janeiro pois foi voltado exclusivamente para o desenvolvimento dos
trabalhos de construção de redes. O segundo encontro aconteceu no começo de março
desse ano (2016) e também foi voltado exclusivamente para o desenvolvimento dos
trabalhos de construção de redes só que dessa vez entre os representantes da Atenção
Básica (AB) e a da AD.
Numa das reuniões da CT, o hospital foi representado pelas técnicas de
Enfermagem que durante os debates e as conversas informais entre os profissionais
sobre as especificidades de cada serviço, acabou despertando o interesse da Equipe
Multiprofissional de Atenção Domiciliar (EMAD) do Instituto Fernandes Figueiras
(IFF) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) que pediu permissão para nos visitar. Era
uma visita de benchmarking, e eles queriam aprender como a gente era capaz de fazer
desospitalização sem fazer visita domiciliar.
Depois de horas falando e respondendo às perguntas de toda sorte, resolvi
propor que eu em nome da equipe EADES iria desenvolver o “Programa de
Capacitação Profissional em Desospitalização e Educação em Saúde” que seria
composto de quatro aulas com seis horas cada. Decidimos que seria uma aula por
semana, sempre às segundas-feiras, mas no meio do processo foi incluído a
participação da EMAD do IFF em um seminário interno do hospital que tratava de
redes de atenção à saúde intra-hospitalares e que a equipe EADES iria fazer uma
apresentação tentando responder à pergunta ‘Que rede temos, que rede queremos?’
Pouco tempo depois em janeiro de 2016 a EMAD do IFF voltou ao HFB para realizar
mais um dia de prática e nos fez prometê-los que sempre que eles precisassem de nós,
nós os receberíamos, pois eles estavam montando um projeto de serviço de
desospitalização nos moldes das práticas da nossa equipe.
pública. A diretora da DIENF não iria assinar uma escala de mentira e com isso os
plantões pagos continuadamente iriam acabar. Com isso parte do corpo da Enfermagem
iniciou uma campanha de repúdio à diretora da DIENF, e alegando assédio moral,
vestindo camisetas pretas, correram atrás dos seus direitos junto ao Sindisprev. O
diretor da DIGER exonerou a diretora da DIENF.
Em um belo fim de tarde eu estava esperando um amigo em uma das pontes
entre os blocos “E” e “F” do sétimo andar do campus da UERJ quando recebi um
telefonema da diretora da DIENF. Ela me explicando todos os acontecimentos recentes
que vinham acontecendo no HFB me perguntou se eu ainda estava precisando de
enfermeiros. ‘Sempre!’ – Respondi. Ela me informou que estava liberando duas
enfermeiras e iria me encaminhá-las para que pudéssemos conversar. Foi em novembro
que uma das enfermeiras entrou em contato comigo por telefone, marcamos um
encontro na sala da EADES, e durante o encontro conversamos seriamente por quase
uma hora. Elas toparam o desafio de trabalhar na EADES sabendo que o que não
faltava ali era trabalho e todos nós ficamos animados com o crescimento da equipe.
Para falar a verdade, alguns integrantes se disseram estar com um ‘pé atrás’ por serem
essas enfermeiras egressas de um cargo de chefia, o que poderia se tornar um problema
no dia-a-dia da EADES, já que não acreditávamos nesse tipo de hierarquia, pois nos
enxergávamos como iguais pertencentes de um mesmo grupo e cientes dos deveres e
compromissos a serem cumpridos.
62
Coloco a “afetação” como constitutiva das relações pesquisador/pesquisado (Saad, 2005), na qual há
formação e estabelecimento de relações que constituem essas dinâmicas. Sobretudo, estando atento para
os limites dos “afetos” e as possibilidades que me fizeram desencadear essa pesquisa. Construindo
relações a partir das oportunidades sociais para pensar o objeto da mesma forma que a antropóloga
Marilyn Strathern o faz, me utilizando da ficção como o processo de formação dos conhecimentos, dos
saberes e das escritas (Strathern, 2014).
63
Falo em campos, pois estou a todo o momento construindo uma escrita voltada para processos de
construção de objetos de análise a partir do referencial, ora documental, ora a partir das minhas
experiências dentro do hospital com a equipe EADES, ou mesmo como sujeito-acompanhante-filho-
cuidador. Os campos se constituem como processos de ação e de construção da problemática social da
desospitalização.
64
Chamo de artefatos todo o material que metodologicamente utilizei para encadear essa pesquisa. Como
os documentos, processo de construção da equipe, bem como a minha participação enquanto membro de
equipe que ao longo da dissertação dá vida a observação dentro de um hospital geral. Esses artefatos são
geradores de manifestações da desospitalização.
65
Destaco como os “campos” e os “artefatos” são processos de construção da desospitalização. No
entanto, essa desospitalização se dá sobre sujeitos. Desta forma, quando destaco uma prática, como a da
desospitalização, estou falando em processos formadores de sujeitos, numa perspectiva muito próxima
de Larissa Nadai (2012) que ao decifrar crimes e narrativas sobre estupro e atentado violento ao pudor,
nos mostra como que por trás dos papéis existem materialidades corporais e, sobretudo, os crimes são
constituídos e classificados como tais por conta de tal descrição e do processo de documentos. Desta
forma, ao falar de hospital e desospitalização, estou atento para práticas materializadas em sujeitos se
dando sob diferentes dinâmicas sociais. O que constitui até mesmo o “eu” como sujeito nessas relações.
Afinal de contas, eu estou sendo construído nesses processos.
161
Decerto que logo no início do meu curso de mestrado entrei em contato com o
livro da Annemarie Mol, The Body Multiple: ontology in medical practice (2002), um
belo trabalho que etnografa uma doença comum e seus percursos e percalços pelo
hospital. Eureka! Acabara de encontrar uma ideia para desenvolver minha dissertação.
Naquela época eu dizia que queria fazer uma etnografia sobre a desospitalização, seus
percursos e percalços pelo hospital, nos moldes da de Annemarie. Esse teria sido o meu
primeiro contato com a etnografia. Mas devido à minha assumida mal administração do
tempo e também ao meu posicionamento político-ideológico contra as “instâncias
atravessadoras de poder”, espaços de deliberação que do meu ponto de vista
atravancariam o progresso dessa produção epistemológica decidi por fazer uma
pesquisa que não prescindisse do ser humano no que tangem os contatos intervivos.
Deixei para traz o sonho de um trabalho de pesquisa no qual eu me encontraria
mergulhado no campo observando e me relacionando com as pessoas durante seus
processos de trabalho. Engavetei a ideia da etnografia da desospitalização e fui buscar
na análise de documentos uma metodologia a empregar.
162
Há pouco mais de dois meses e meio eu ainda acreditava que estar utilizando a
análise documental como o método principal dessa pesquisa. Vez ou outra a
categorizava como uma quase etnografia, mas toda vez que conversava como o meu
companheiro sobre os caminhos que eu estava percorrendo na escrita, ele me corrigia:
– “Você não está fazendo uma análise documental quase etnográfica, você está fazendo
uma etnografia de documentos. Assume isso!”66
66
O meu companheiro estava tentando me dizer que, a partir das leituras dos meus escritos e das nossas
conversas, o tipo de análise documental que eu estava fazendo era uma etnografia de documentos.
Citando trabalhos de seu conhecimento muito bons que utilizei em partes para o desenvolvimento
metodológico desse meu fazer etnográfico.
163
“
6.1 Eu como sujeito-paciente
Exatamente o ano não consigo precisar, mas me vem bem claro à memória a
imagem de quando ainda meus braços ficavam estendidos para o alto sempre que
minhas mãos estavam dadas as de meus pais. Eu era criado livre pelos quintais de
minha avó que iam até a beira do rio, passava o dia perseguindo as galinhas e comendo
frutas maduras tiradas do pé ou mesmo recolhidas pelo chão, direto, sem lavar. Semana
sim, semana não, uma caganeira me acometia. Minha mãe preparava litros de chá mate
e me fazia bebê-los com bolachas de água e sal. Nada mais eu poderia ingerir até que
minha caganeira parasse de vez. Tomei trauma de chá mate e de bolachas de água e sal.
Até que um dia uma vizinha contou para minha mãe que o pediatra da filha da vizinha
dela havia autorizado essa vizinha a dar refrigerante de cola no lugar do chá mate.
Bendita vizinha! Bendito pediatra! Bendito refrigerante de cola!
Outro momento bem corriqueiro na minha infância, quando minha mãe era
mais uma vez obrigada a assumir as ações de saúde dentro de casa sem precisar de
médico e de sistema público de saúde, eram as semanas sim, outras também, que eu
ficava ‘sem’ algum joelho ou ‘sem’ a ponta de algum dedão do pé. Era ela quem fazia
meus curativos todos os dias, me enfiava no banho morno quase frio até que as
coberturas de gase encharcassem ao ponto do seu próprio peso fazê-las soltar. Mas
aqueles pedacinhos que ficavam grudados e não saíam eram arrancados com requinte
de crueldade e em frações de segundos. Ela me fazia alguma pergunta que me fazia
pensar, (...), e já se iam aqueles pedacinhos que ficavam grudados. Eu só me dava conta
do requinte de crueldade quando a ferida ardia ou quando eu via o sangue no chão do
banheiro escorrendo em direção ao ralo.
Poucas eram as vezes, mesmo eu estando doente, que meus pais me levavam
ao médico, na maioria delas eles preferiam me levar para rezar. Meu pai me levava para
um centro kardecista e lá eu tomava passes e água fluidificada. Minha mãe gostava
mesmo era de uma boa roda de gira, de um perfumado banho de ervas e de uma
rezadeira sinistra capaz de tirar qualquer quebranto e de curar até espinhela caída.
Quando meus pais chegavam a me levar ao médico era porque eu estava realmente
muito mal, com febre altíssima, quase morrendo e geralmente a causa de tudo isso era
sempre uma maldita amigdalite bacteriana. Não entendo como não desenvolvi alguma
cardiopatia ou mesmo febre reumática pois eu tinha amigdalite de repetição
165
E agora bem recente foi ele de novo, só que dessa vez foi um câncer no alto da
cabeça e eu estava lá no dia seguinte levando ele ao banheiro andando sozinho bem
devagar para urinar. Esse processo mais recente será melhor detalhado no final desse
texto.
166
Era 1992 e o Sistema Único de Saúde (SUS) não havia completado ainda seus
dois anos de vida quando entrei para a faculdade de Enfermagem da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ). O curso levava na época apenas três e meio anos. As
aulas eram de segunda à sexta-feira das 7h às 17h, ou mais, sempre depois das aulas
presenciais ficávamos mais tempo na biblioteca estudando, pois não havia internet e
nem recurso financeiro para investir em cópias das sempre mais de quinhentas páginas
que cada “tijolão” daqueles no qual estudávamos devia carregar. Durante o curso de
Enfermagem fui presidente do Centro Acadêmico, fui representante estudantil nas
reuniões dos departamentos, fui estagiário de pesquisa, fui interno de Enfermagem. O
trabalho de conclusão do curso do qual fui um dos autores, queria saber se o(a)s
enfermeiro(a)s preceptores do Hospital Universitário Pedro Ernesto conheciam e o
quanto conheciam a e sobre a lei 67 que desde 1986 vinha regendo o seu exercício
profissional.
Foi lá também que fiz minha habilitação em Enfermagem Médico-Cirúrgica e
minha residência em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Geral de Adultos. Eu virei um
técnico altamente especializado pronto para ser absorvido pelo mercado de trabalho. E
fui. Em 1998 comecei a trabalhar para a Prefeitura do Rio de Janeiro e lá continuo até
hoje, não no mesmo lugar, não iria conseguir. Da assistência eu fui para a supervisão e
da supervisão para a auditoria e da auditoria eu voltei para a assistência. Também
trabalhei dois anos como enfermeiro para o Estado do Rio de Janeiro, mas não consegui
ficar e fui exonerado porque um dia saí do plantão e nunca mais voltei para trabalhar.
Em 2007 voltei para a universidade, duplamente. Eu tinha acreditado nas
promessas de excelentes empregos com altíssimos salários e decidi fazer pós-graduação
em saúde do trabalhador e em auditoria de sistemas de saúde ao mesmo tempo. Cheguei
a fazer viagens para a região de exploração de petróleo no norte fluminense, fiz
entrevistas de emprego em inglês e até cheguei a participar de dinâmica de grupo e
palestras motivadoras. Mas as promessas de excelentes empregos com altíssimos
salários ficaram só nas promessas.
67
A Lei nº 7.498 de 25 de junho de 1986 dispõe sobre a regulamentação do exercício da Enfermagem. E
o Decreto Nº 94.406 de 8 de junho de 1987 a regulamenta.
167
68
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt2029_24
_08_2011.html
169
69
Disponível em: http://www.vanguardia.com/deportes/futbol-sala/240558-futbol-park-y-dishospital-
exponen-el-lideratoen-la-copa-futsal-fifae http://www.vanguardia.com/deportes/futbol-sala/239956-
dishospital-se-quedo-con-la-victoria-ycon-el-liderato. Acesso em: 03 de maio de 2015.
70
Disponível em:
https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=5&cad=rja&uact=8&ved=0C
DcQFjAE&url=https%
3A%2F%2Fwww.compraspublicas.gob.ec%2FProcesoContratacion%2Fcompras%2FPC%2FbajarArchiv
o.cpe%3FArchivo%3Da ugCBeMHXsHXPBCnonZMoRSeziserSBM-4RapqIiU7g%2C&ei=fBBGVYH-
Eu3_sAT91YCYBw&usg=AFQjCNHaItDXRlNW7c7vJawpOCjgyyNA8w&sig2=ENTonhnjmZZjv4Uh
S3t5zg. Acesso em: 03 de maio de 2015.
71
Disponível em:
https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=6&ved=0CD4QFjAF&url=htt
ps%3A%2F%2Fwww.c
ompraspublicas.gob.ec%2FProcesoContratacion%2Fcompras%2FPC%2FbajarArchivo.cpe%3FArchivo
%3DtK3r7dcwWm0xA8 z2X8Ga4kkFhdQg_F5KexMAJ5-_p0A%2C&ei=fBBGVYH-
Eu3_sAT91YCYBw&usg=AFQjCNGyyAXwSSo1GETnSAK9pOxyETWYA&sig2=kIhUg4kN8wq-
a9Y6Hv_UsQ&cad=rjt. Acesso em: 03 de maio de 2015.
72
Disponível em: https://www.linkedin.com/pub/wilson-dishospital/74/a27/915?trk=pub-pbmap.
Acessado em 03 de maio de 2015. 11Disponível em: http://esehospitalsanrafael-leticia-
amazonas.gov.co/apc-aa-files/33666566386634323466333566633962/microsoft-wordverificacion-de-
requisitos-propuesta-02-de-2014.pdf. Acesso em 03 de maio de 2015.
171
havia sofrido, entretanto ao invés de uma linda menina, eram dois homens de terno e
gravata com o mesmo sorriso no rosto e com a mesma atitude de muita intimidade
puxando suas malinhas de rodinhas por todo o espaço do evento. O discurso agora era
diferente, mais pragmático, mais direto ao ponto. Eles haviam deixado um trabalho
científico sobre desospitalização na sala da coordenadora do SAD do INTO; e que era
muito bom; e que eu deveria lê-lo; e que era sobre um antibiótico que agora dá para ser
administrado em casa, uma revolução para a Desospitalização. Os dois me deram os
seus cartões e dessa vez eu me comprometi em ligar.
Para essa seção desenvolvi o texto “Zé Lélis vai ao hospital: roteirizando um
processo de desospitalização” que se encontra disponível para leitura na íntegra como
Apêndice A. Nele descrevi minhas observações e afetações durante o período em que
performei como sujeito-acompanhante-filho-cuidador do meu pai. Foram três dias
intercalados com duas noites em que permaneci dentro do hospital em espaços
diferentes dos que frequento no dia-a-dia do meu trabalho. Me inspirei na forma de
construção de roteiros e dividi o texto em “Atos” e “Cenas”. Cada “Ato” corresponde
173
um dos três dias que fiquei no hospital. O “I Ato” se refere ao dia da internação do meu
pai no hospital e é composto por dezesseis cenas. O “II Ato” conta o dia da cirurgia do
meu pai e tem treze cenas. O “III Ato” traz as estórias do dia da alta e tem dezoito
cenas. A Figura 8 abaixo ilustra essa experiência.
Figura 8 – O Idiota 2
7 DISCUSSÃO
73
Reflexão de Roberto DaMatta sobre o ofício do etnólogo proferida durante a conferência realizada em
novembro de 1973 no Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília (UnB) cujo título era
“O ofício do etnólogo, ou como ter anthropological blues”. Roberto Da Matta dizia que o antropólogo
teria que num primeiro momento fazer um esforço para transformar o exótico em familiar, para dar um
sentido lógico e coerente às práticas que está observando. Da mesma forma que ele deveria ao retornar
para sua sociedade exercitar a fórmula no sentido inverso, aprendendo a estranhar o familiar (Oliveira,
2007).
177
de maneira mais prática e instrumental. Afinal a ida ao campo da equipe EADES tinha
sido para pesquisar nos seus documentos operacionais como fazer desospitalização em
hospital geral, porque de uma forma ou de outra a equipe EADES já vinha fazendo
desospitalização em hospital geral desde agosto de 2011.
Sem dúvida alguma, ao analisarmos os documentos que a equipe EADES se
utiliza para trabalhar e produz a partir do seu trabalho, muitos conhecimentos
metodológicos sobre esse específico processo de desospitalização seriam (e foram)
adquiridos. E quais seriam os tipos de documentos operacionais responsáveis por
melhor descrever passo-a-passo os processos de desospitalização da equipe EADES, se
não os fluxogramas dos três macroprocessos que compõem o programa? Para cada
categoria de discussão havia um macroprocesso correspondente, e para cada
macroprocesso um fluxograma correspondente: a) o “Fluxograma Captação”; b) o
“Fluxograma Redes de Atenção à Saúde – RAS”; e c) o “Fluxograma Cuidados”. Será
a partir desses três fluxogramas (unidades de análise) que farei a discussão. Entretanto,
algumas vezes, me vi obrigado a recorrer a outras unidades de análise (documentos
operacionais) para encontrar sentidos e coerências nos meus achados, comprovar ou
não algumas das minhas ideias e trocar as velhas dúvidas pelas novas dúvidas.
Para construir o caminho discursivo desse texto me deixei ser influenciado
pelo artigo de Lowenkron e Ferreira (2014), e tomei-lhes emprestadas algumas das suas
“reading strategies” 74 as utilizando como sendo as variáveis analíticas para essa
discussão. Em alguns momentos ao me utilizar dessas “reading strategies” me vi
questionando o meu próprio trabalho, seu modus operandi e até mesmo sua eficácia, e
esses questionamentos serão apresentados na forma de perguntas no meio do texto para
que não perdessem sua espontaneidade e sua identidade, e o texto, sua fluidez e sua
verdade. Para diferenciá-los os formatei em itálico.
De antemão deixo claro que continuei me utilizando da dialética como
discurso, onde mais problematizei que expliquei. Entendo que isso foi possível pois
esse trabalho é uma dissertação de mestrado que, segundo Tobar e Yalour (2003), não
prescindiria que eu (o aluno), ao final, apresentasse um novo enfoque teórico,
constituísse um novo paradigma ou mesmo formulasse a última palavra sobre um
74
Para além das “reading strategies” “along the grain” e “against the grain”, as autoras nos
apresentam outras tantas maneiras de leitura. Olhar os brasões, os carimbos e as assinaturas é uma (1)
delas. Acompanhar o ir e vir do documento, o seu percurso e quem os manipula, um (1) outra maneira.
Identificar as estratégias de silenciamento e as disputas de poder contidas nos documentos, mais uma (1).
E quem faz os registros e quem é registrado, também (LOWENKRON; FERREIRA, 2014).
178
determinado tema, no meu caso, a Desospitalização. De todo modo, vez ou outra, não
permaneci na superfície das discussões e me aprofundei sempre quando precisei
levantar hipóteses, defender teses e/ou apresentar antíteses.
ipse litteris como o que está graficamente esquematizado nos documentos em discussão
ou fugirá ao controle?
Então, me pergunto, por que a escolha dos três fluxogramas para responder à
pergunta da pesquisa: Como fazer desospitalização em hospital geral? Teria eu me
tornado um profissional taylorista amante dos fluxogramas, das rotinas, dos
protocolos etc., característica que questiono o tempo todo e da qual tento me afastar
sempre que estou em ação/reação/proação?75
Enquanto sujeito-profissional de saúde que pensa a desospitalização como
uma desconstrução 76 do modus operandi de se fazer saúde que hoje se encontra
hegemonicamente disseminado pelos e nos hospitais, está mais que justificada a minha
preocupação.
O que talvez me assossegue um pouco é pensar que essa escolha de discutir
apenas essas três unidades dentre as mais de oitenta e tantas outras unidades de
análise77 seja uma potente estratégia para conquistar visibilidade e credibilidade pelos e
entre os profissionais “tayloristas” que encontro diariamente dentro do hospital e que
com eles tenho que trabalhar desenvolvendo o programa de desospitalização. Ao
apresentar um fluxograma, eu acredito, nós da equipe EADES estaríamos criando
materialidade78 para o processo de desospitalização, um processo que basicamente é
feito na base da conversa. Estaríamos, então, sendo reconhecidos como iguais, e ao nos
“tornarmos” um deles estaríamos sendo admitidos no seu sistema.
75
Me fiz essa pergunta um tanto quanto assustado comigo mesmo ao me lembrar do artigo de Barros
(2009) no qual é definido pela autora que o fluxograma seria “um conjunto de mecanismos construídos
para condicionar o trabalho humano a um jogo de mecanismos inanimados, no qual os sujeitos
envolvidos não poderiam expressar suas potencialidades e estariam o tempo todo se assujeitando às
regras heterodeterminadas (e heterodeterminantes, grifo meu).”
76
Me refiro ao pensamento filosófico de Jacques Derrida, cujo objetivo, segundo Meneses (2013), é
acreditado para promover o livre jogo, o cancelamento de opostos, a abolição das hierarquias instaladas.
E quando transposto/aplicado ao mundo da saúde e da doença, se daria através da humanização
hospitalar, da humanização do acolhimento em saúde.
77
Nas pesquisas realizadas nos bancos de dados públicos Pubmed, BVS e DOU e arquivos da equipe
EADES foram encontrados 137 documentos acadêmicos, 55 documentos oficiais e 36 documentos
operacionais. Dentre esses, após os processos de filtragem descritos no texto “Notas sobre o processo de
seleção dos documentos para análise”, foram selecionados 42 documentos acadêmicos, 11 documentos
oficiais e 34 documentos operacionais.
78
A necessidade da materialização do trabalho imaterial pelo Capital surgiu com o fim da bipolaridade
político-econômica entre Estados Unidos e União Soviética junto às transformações trazidas pela
robótica, a microeletrônica a as novas formas de gestão empresarial. O trabalho imaterial assumiu o
posto de objeto de muitas análises nas Ciências Sociais que retomaram as ideias de Marx para qualificar
essas transformações produtivas e gerenciais como uma nova fase do processo de valorização e de
acumulação capitalista (AMORIM, 2014).
180
Mas de onde veio a necessidade de ser criada essa materialidade? Por que foi
só em 2015 que esses fluxogramas foram criados? Teria sido uma demanda interna da
equipe EADES ou teria sido uma demanda vinda de alguém de fora da equipe? A
criação desses fluxogramas teria relação com a chegada de novos integrantes na
equipe ou com a mudança do corpo diretor do hospital? Foram algumas perguntas que
me fiz tentando entender minhas escolhas.
Destaco que nos três macroprocessos, “Captação”, “Redes de Atenção à Saúde
– RAS” e “Cuidados” o subprocesso do programa de desospitalização da equipe
EADES que compreende o maior número de ações é o subprocesso “Registro”.
Percebe-se ao analisá-los que para cada ação executada ou cumprida pelos integrantes
da equipe EADES está programada uma ação de registro correspondente a ela. A cada
ação segue-se uma outra ação que valida a primeira.
Por que sempre depois de cada ação executada vem uma ação de registro
cujo objetivo é registrar a ação executada? Qual o sentido de esse ir e vir entre cada
ação e a ação de registro que registra a ação?
Cheguei a considerar que o número das ações de registro tinha se dado
unicamente em detrimento da necessidade da equipe EADES em produzir provas do
seu trabalho, provas capazes de corporificar suas ações que são pautadas no
relacionamento79 e cujas práticas de trabalho são pautadas nas conversas 80 que se dão
entre os integrantes da equipe EADES e o(a)s pacientes, sua(s) família(s) e seu(s)
grupo(s) social(is), o(a)s cuidadore(a)s e os profissionais das equipes de assistência
intra e extra-hospital. Conversas fiadas, conversas informais e programadas, conversas
que acontecem na beira dos leitos, na sala da equipe, nos corredores do hospital, fora
do hospital, face-a-face, por telefone, via Whatsapp, e-mail, RAS, ofício, etc.81 Mas
também consegui perceber que essa estratégia de trabalho pode ter se dado em
79
Trato do relacionamento sobre dois pontos de vista: a) o relacionamento como uma tecnologia leve que
por se tratar de um trabalho-vivo em Saúde, como defende Merhy (2005), só tem materialidade em ato; e
b) o relacionamento como uma forma de cuidado que se dá através da escuta, do diálogo e do
reconhecimento do outro, segundo Koloroutis (2012).
80
Essas conversas de que falo no texto conversam com o que Machado et al. (2010), a partir das ideias
sobre humanização no atendimento à saúde, definem como conversa clínica. Uma conversa que como
forma de comunicação possibilita a constituição de um nexo intersubjetivo entre o profissional de saúde
e o usuário e que pressupõe a mútua aceita de compromissos. Segundo as autoras uma maior
comunicação resultaria na construção de espaços de participação e responsabilidades partilhadas no que
diz respeito à qualidade e humanização da atenção à saúde.
81
Para maiores detalhes voltar no texto “Notas sobre a história e as estórias da EADES”.
181
82
Lowenkron e Ferreira (2014), nos apresentam o jargão legal que diz que o que não está nos
documentos não está no mundo, ou seja, é necessário a existência de um instrumento cujo preenchimento
deve seguir certos padrões técnico-orientados e ser preenchido por uma pessoa legalmente instituída
desse poder para que qualquer investigação policial seja formalizada e oficializada. Mutatis mutandis,
poderíamos considerar que o que não está sendo registrado nos documentos operacionais da equipe
EADES por algum dos seus integrantes simplesmente não existe.
83
Talvez como nos aponta Capra, a formação e atuação dos profissionais da EADES possa estar calcada
no modelo biomédico de assistência, cuja influência encontra-se alicerçada no paradigma cartesiano,
segundo o qual o homem é concebido como um sistema mecanizado, de partes estanques e distintas.
(SILVA et al., 2008).
84
Observem a coluna “Quem?” das tabelas descritivas das etapas dos três fluxogramas disponíveis no
Anexo IV – Caderno de Documentos Operacionais.
182
85
Ler no item olhar qualitativo do texto “Analisando os documentos operacionais” as análises sobre os
documentos que descrevem as atribuições dos integrantes da equipe EADES.
86
Essa nova disciplina de que falo nada tem a ver com a garantia da formação do homem virtuoso de
Kant ou mesmo como os valores que Arendt nos convida a resgatar (CALDAS, 2010). Falo de uma
disciplina que surge de uma fragmentação dos saberes na saúde, constante do mundo moderno. Falo de
uma disciplina baseada no projeto democratizador do homem moderno proposto pelo antropólogo
argentino contemporâneo Nestor Garcia Canclini no qual ele (e a modernidade) se fia(m) nos saberes
especializados a fim de lograr(em) uma evolução racional e moral (SILVA, 2011).
87
Me refiro ao conceito kuhniano onde a incomensurabilidade ocupa o posto de uma das duas direções
principais por onde ocorre o progresso científico, oposta ao conceito de paradigma, responsável pela
proliferação de novas especialidades (MENDONÇA; VIDEIRA, 2007).
183
88
Como ainda não existe norma legal sobre o tema, tomam-se as Resoluções do Conselho Federal de
Medicina (CFM) como norteadoras. O conceito e requisitos mínimos do prontuário médico foram
estabelecidos pela Resolução CFM nº 1638/2002, cujo Art. 1º - o define com o documento único
constituído de um conjunto de informações, sinais e imagens registradas, geradas a partir de fatos,
acontecimentos e situações sobre a saúde do paciente e a assistência a ele prestada, de caráter legal,
sigiloso e científico, que possibilita a comunicação entre membros da equipe multiprofissional e a
continuidade da assistência prestada ao indivíduo. O prazo vintenário (20 anos), para preservação dos
prontuários em suporte papel, foi regulamentado pela Resolução CFM 1.821/07.
89
Para Foucault “O poder produz saber (...), não há relação de poder sem constituição correlata de um
campo de saber, nem saber que não suponha e não constitua ao mesmo tempo relações de poder”
(FOUCAULT, 2008). Essa citação foi extraída da obra Arqueologia do Saber de 1969, obra que se
relaciona e que aborda com maior evidência a relação entre saber e poder. De todo modo, sugiro ainda a
leitura de duas outras obras antecessoras a esta: O nascimento da clínica (1963) que aborda o
rastreamento e o surgimento do saber e do discurso médico; e As Palavras e as Coisas (1966) que
demonstra a construção da origem do discurso como objeto (BORDIN, 2014).
184
Figuras 11 – Colagem 3.
90
Ver na coluna “O quê?” das tabelas descritivas das etapas dos três (3) fluxograma disponível no Anexo
IV – Caderno de Documentos Operacionais.
91
Falo de uma demanda que vai além dos seus modelos explicativos pautados nas suas racionalidades
econômica e biomédica. Falo de uma demanda que não tenta separar nem isolar os problemas de saúde
dos problemas sociais. Falo de uma demanda construída cotidianamente, fruto de um inter-
relacionamento entre normas e práticas que orientam os diferentes atores envolvidos que formulem e
implementam políticas de saúde onde quer que seja. Falo de uma demanda parafraseando Pinheiro et al.
(2010). Sugiro reler as cenas 10, 11, 13 e 15 do Ato I, as cenas 6 e 10 do Ato II e a cena 18 do Ato III no
texto “Notas sobre a implicação afetação com os campos , os objetos artefatos e os como sujeitos”.
187
equipe EADES vai conversar com o(a)s paciente(s) e o(a)s acompanhante(s) na beira
do leito, desde então, é ela quem ocupa o lugar principal dessas conversas, salvo
quando a equipe EADES se coloca a escutar o que o(a)s paciente(s) tem a dizer a
respeito dos seus sentimentos, dos seus pensamentos, dos seus conhecimentos e dos
seus desejos 92 . Nesse momento me parece que é a voz do(a)s paciente(s) a voz
protagonista da vez. De todo modo, uma voz protagonista que para não ser silenciada
dependerá do outro, do registro do outro, do registro que o integrante da equipe
EADES vier a fazer sobre seus sentimentos, pensamentos, conhecimentos e desejos. E
é nesse momento que a equipe EADES corre o risco de se transformar em mais uma
“instância atravessadora de poder” reproduzindo aqueles antigos modelos hegemônicos
ainda operantes no hospital. Mais ainda, é preciso que discutamos sobre o que está por
traz desse interesse de se incluir as famílias e/ou os grupos sociais nos processos de
cuidado do(a)s paciente(s) que são atendido(a)s pelo programa de desospitalização da
equipe EADES.
Estaria a equipe atendendo unicamente à algumas prerrogativas dos
documentos oficiais93 utilizados como suporte legal ao seu trabalho? Ou a captação da
família e/ou do grupo social somente estaria respondendo às estratégias do mercado
na tentativa de racionalizar os gastos da assistência hospitalar, uma assistência cara
por excelência? Esse chamado das famílias e/ ou dos grupos sociais para participarem
dos processos de cuidados logo desde o início do processo de internação do(a)s
paciente(s) não poderia ser interpretado como uma preparação para a inadiável
transferência de uma responsabilidade que pela Constituição é do Estado? Não estaria
significando que o direito à saúde constitucionalmente garantido se transformaria em
um “problema de família” 94 /das famílias e/ou grupos sociais? De que adianta
92
Ao examinar a coluna “O quê?” da “Tabela descritiva das etapas do fluxograma Captação” disponível
no Anexo IV – Caderno de Documentos Operacionais, encontramos quatro (4) perguntas que são
apontadas para serem feita para o(a) paciente à beira do leito.
93
A Política Nacional de Atenção Hospitalar (PNHOSP) define em seu Artigo 16 que os mecanismos de
desospitalização dos hospitais tem o compromisso de garantir uma alta hospitalar responsável através da
constituição de redes de atenção à saúde (BRASIL, 2013). A Portaria que estabelece a organização dos
cuidados prolongados traz um capítulo inteiro sobre a alta responsável (Capítulo III) e seus objetivos
(BRASIL, 2012).
94
Fazer uma relação com o trabalho que Ferreira (2013) realizou no Setor de Descoberta de Paradeiros
(SDP) da Delegacia de Homicídios (DH) do Rio de Janeiro, no qual percebeu como as produções dos
registros de ocorrência feitos pelos policiais seriam responsáveis por transformar os desaparecimentos
como o problema de família e não de Estado. Risco semelhante que os integrantes da equipe EADES
correm ao realizarem os registros dos depoimentos das famílias e/ou dos grupos sociais no I Encontro
188
convocarmos a família se que o que está em foco for apenas conseguirmos responder
às três (3) perguntas universais da admissão da EADES em atendimento a uma
demanda puramente profissional?
Diante disso, chamo a atenção agora para as ações que identificam os “tipos
ideais” de pacientes são realizadas conjuntamente pelas equipes multiprofissionais da
assistência e EADES, que se utilizam de um escalonamento hierarquizado95. Quando
penso nos princípios contidos na Lei Orgânica da Saúde (LOAS), mais especificamente
no princípio que garante a universalidade do acesso ao sistema, me questiono se não
seria direito de todos os pacientes hospitalizados terem acesso ao programa de
desospitalização.
Se saúde é um direito de todos e um dever do Estado, teria direito esse mesmo
Estado, na figura dos seus representantes, negar direitos? Ou será que a escolha
desses “tipos ideais” de pacientes e a inclusão das suas famílias e/ ou dos seus grupos
sociais não seria apenas uma forma de esconder da nossa visão todo(a)s aquele(a)s
paciente(s) que coloca(m) em cheque a cientificidade das nossas disciplinas
biomedicalizantes e das nossas formas de trabalho em cujos problemas não
conseguimos intervir e dar respostas com o nosso suposto saber-poder, uma forma de
esconder da nossa visão todo(a)s aquele(a)s pacientes que “ninguém quer” ver? Uma
ação biopolítica96? Com que direito a equipe EADES decide quem tem ou não tem
direito de acesso às ações de saúde oferecidas pelo hospital?
Familiar Programado, risco em transformar o que seriam objetos de responsabilidade do Estado (os
problemas de saúde) em objetos de responsabilidade da família.
95
No documento operacional “Censo” encontramos quatro (4) critérios de admissão não-excludentes no
programa de desospitalização da equipe EADES, são eles: a) se o(a) paciente for portador de doença
oncológica; b) se o paciente for idoso; c) se o paciente estiver em internação prolongada; e d) se o
paciente foi encaminhado por algum(a) outro(a) profissional de saúde ou gestor(a). Sugiro leitura do
texto “Analisando os documentos operacionais”, especificamente a análise da metodologia de trabalho
do documento operacional “Relatório de Gestão”. E ainda, o item “Construindo a metodologia de
trabalho da EADES” presente no texto “Notas sobre a história e as estórias da EADES”.
96
Quando Caponi (2009) escreve sobre biopolítica e medicalização dos anormais, ela acrescenta aos
conceitos “Governo dos corpos” de Foucault e “Governo da vida” de Arendt, o conceito de “Vida nua”
de Agamben que fala de um governo dos corpos e das vidas às avessas, ou seja, um governo que opera
no sentido de excluir, de colocar para fora da lei, de abandonar “os anormais” (pessoas improdutivas?).
Um anti-governo (?). No meu entendimento, quando a equipe EADES faz a separação “do joio e do
trigo”, de quem tem perfil para ser admitido no seu programa de desospitalização ela está operando nos
dois sentidos: a) ela seleciona aqueles “corpos” e aquelas “vidas” que merecem ser governadas, e isso
acontece quando o(a)s pacientes que preenchem o perfil de atendimento pela equipe EADES são
admitidos e se tornam merecedores das ações da equipe; e b) ela retira da sua esfera de governabilidade
os mesmos “corpos” e “vidas” “anormais” “pós-governados” devolvendo-os para as suas famílias e/ou os
seus grupos sociais.
189
Figuras 12 – Colagem 4.
outra forma, passa a ter que pensar os processos de saúde como um continuum que
depende dos outros níveis de complexidade, dos outros equipamentos de saúde, dos
outros profissionais de saúde para acontecer97.
Nesse macroprocesso é estabelecido a primeira ruptura dos limites físicos do
hospital para além do material e do simbólico. A equipe EADES passa a trabalhar a
desospitalização do(a)s paciente(s) hospitalizados também fora do hospital, nos outros
níveis de complexidade, nos outros equipamentos de saúde, junto a outros profissionais
de saúde. Até então as ações da equipe EADES ou eram realizadas na Unidade de
Suporte de Emergência (USE) e nas enfermarias de internação do hospital ou eram
realizadas na sala da equipe no hospital.
Como funciona essa relação interinstitucional e interpessoal na prática?
Como acontece o primeiro acesso, com facilidade ou dificuldade? Que trâmites
burocráticos se colocam no caminho entre as parcerias estabelecidas entre as
pessoas? Os acordos são cumpridos integralmente como combinados? Se não, como
se dão as cobranças entre as partes envolvidas sendo que na maioria das vezes não há
qualquer gerência de uma parte sobre a outra?
Observei que para que se possa conseguir organizar redes de atenção à saúde
específicas e efetivas para cada paciente em acompanhamento pela equipe EADES,
muitas idas e vindas de informações, de vozes, de documentos e de pessoas precisam
acontecer e acontecem o tempo todo. É esse ziguezaguear pelos multi espaços que
torna possível que os nós das redes sejam atados, que os saberes circulem, e que o
continum da saúde aconteça. São quatro os subprocessos em que esses movimentos de
informações, de vozes, de documentos e de pessoas acontecem horizontalmente de
dentro do hospital para fora do hospital, e vice-versa: “Estabelecimento”,
“Formalização”, “Encaminhamento” e “Manutenção”.
Se o SUS é composto de uma rede hierarquizada 98 , por que tantas etapas
precisam ser cumpridas (subprocessos e ações) pelos integrantes da equipe EADES
para que uma rede de atenção à saúde seja organizada? Por que mesmo depois da
97
Podemos perceber o hospital como sendo mais um ponto de atenção na rede de atenção à saúde quando
nos atentamos para o Artigo 8º, o Artigo 12 e o Artigo 20 do Decreto nº 7.508 de 28 de junho de 2011
que regulamenta o SUS, e ainda quando nos atentamos para o Artigo 1º, o Artigo 6º, o Artigo 9º e o
Artigo 16 da Portaria 3.390 de 30 de dezembro de 2011 que institui a PNHOSP no SUS.
98
Desde a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) em 1988 que as
ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um
sistema único, vide o seu Artigo 198 (BRASIL, 1988).
191
que está escrito, tal prática permitiria que a equipe EADES conseguisse articular junto
à rede externa de assistência a primeira visita no domicílio do(a)s pacientes em até 48h
após a saída do(a)s paciente(s) do hospital.
Seria apenas mais uma das estratégias que os integrantes da equipe EADES
põem em prática visando dar materialidade às ações realizados durante o seu
trabalho? Como será que os profissionais da equipe multiprofissional da assistência
do hospital tomam ciência desse documento? Se eles tomam ciência desse documento,
eles o leem? E o lendo, conseguem atender à solicitação que é feita pela equipe
EADES que está em negrito sempre após as informações gerais sobre o(a)s paciente(s)
e a(s) rede(s) de assistência à saúde extra-hospital que o irá(ão) acolhê-los? Se não
leem, de qual(is) a(s) outra(s) estratégia(s) os integrantes da equipe EADES poderiam
se utilizar para que essa informação chegasse ao conhecimento de quem é de direito e
de responsabilidade e fosse reconhecida e respeitada?
Para terminar a discussão sobre o documento operacional “Redes de Atenção
de Saúde – RAS” trago à baila para a discussão a “cópia” que é entregue às famílias ou
aos grupos sociais ou mesmo o(a)s próprio(a)s paciente(s) quando lúcido(a)s. Esse
documento não funciona como um encaminhamento, serve apenas para informar às
famílias ou aos grupos sociais ou mesmo ao(à)s próprio(a)s pacientes quais instituições
e/ou órgão de assistência à saúde irão acolhê-los.
Por que o documento não se pretende mediador99 entre o hospital e as outras
equipes multiprofissionais da assistência extra-hospital, mas unicamente um
documento informativo? Como encaminhamento ele não seria um documento
facilitador para as famílias, os grupos sociais e o(a)s próprio(a)s paciente(s) durante
os processos de acessibilidade e acolhimento? Existiriam famílias que o utilizam como
um encaminhamento? Se sim, ele, para além do hospital, ganharia esse valor junto às
equipes multiprofissionais da assistência extra-hospital e acabaria garantindo maior
facilidade de acesso às famílias, aos grupos sociais e ao(à)s próprio(a)s pacientes?
Quem ou o quê validaria esse documento para além do hospital, junto às outras
esferas do sistema de saúde: seria o logotipo do hospital, seria a lista de instituições e
99
Me utilizo da ideia de Latour que Lowenkron e Ferreira (2014) apontam quando discutem sobre a
capacidade de mediação que os documentos possuem de transformar, traduzir, deslocar, distorcer e
modificar os sentidos ou elementos que ele supostamente carrega. Se o documento operacional “Redes
de Atenção de Saúde – RAS” que a equipe EADES produz e apenas o utiliza como instrumento de
informação tem outros “poderes mediadores”, como o “poder” de facilitar a garantia da universalidade
do acesso, por que não os utiliza?
193
de chegarem em suas residências vão primeiro dar um banho bem dado no(a)
amigo(a), trocar o seu curativo com delicadeza e ouvir o que ele(a) tem a dizer?
Figuras 13 – Colagem 5.
100
Sugiro rever no documento operacional “Fichário de Dados do(a) Paciente”, a ficha “Cuidadores”,
disponível no Anexo II – Caderno de Documentos Operacionais.
196
101
Essa mediação feita pelos integrantes da equipe EADES em favor do aprendizado em saúde do(a)s
cuidadore(a)s familiar(es), sob meu ponto de vista, desempenha duplo papel: a) de otimizar o processo
de aprendizado pois parte de um diagnóstico prévio de necessidades de cuidados continuados objetivos,
prestados direto ao corpo do(a)s paciente(s); e b) de impedir que outras necessidades, como de uma
cidadania mais ampla, recaiam no colo da instituição (MARTINS; CUENTRO, 2011).
102
Trago à baila dois (2) problemas sobre a qualificação e a desqualificação do conhecimento: a) quem
qualifica e/ou desqualifica; e b) o que essa qualificação e/ou desqualificação pode produzir. Sobre as
questões relacionadas a quem cabe, pode, sabe, quer qualificar, me utilizo dos conceitos de “expertise e
meta-expertise” e de “critérios e meta-critérios” trabalhados pelos. Enquanto para discutir os objetivos
e/ou os efeitos que essa qualificação/desqualificação podem alcançar, me apoio no trabalho de
Lowenkron e Ferreira (2014) que a partir de um trabalho de Stoler conseguem enxergar que diferentes
modos de silenciamento são operados através desses processos de qualificação e/ou de desqualificação
dos conhecimentos. Seria possível que um conhecimento que não seja biomédico tenha espaço dentro de
um hospital, me pergunto.
197
103
Apresento a crítica que Koloroutis (2012) faz das entregas de cuidados feitas pelo(a)s enfermeiro(a)s
(prática profissional de Enfermagem) em relação ao método do Cuidado Baseado no Relacionamento.
Ela chama à atenção para a mudança que ela vinha percebendo por todo os EUA em relação à visão
sobre os cuidados de saúde. Segundo ela, a Enfermagem americana estava saindo de uma visão
burocrática dos cuidados de saúde, baseada no cumprimento das tarefas, cuja meta seria a cura (cure) das
doenças e onde regras e rotinas determinariam os comportamentos dos profissionais para uma visão
holística (healing) onde o cuidado seria baseado no relacionamento e o comportamento dos profissionais
seria determinado por um pensamento crítico e de inovação.
198
104
Sugiro retornar ao texto “Notas sobre a implicação afetação com os campos, os objetos artefatos e os
como sujeitos”, mais especificamente na “Cena 3” e na “Cena 4” do “III Ato 23/03/2016 – o dia da alta”
presente no item “De volta ao campo: a estória de mim como o sujeito-acompanhante-filho-cuidador do
meu pai”. Essas duas (2) cenas ilustram como se dão os processos de aprendizado em saúde do(a)s
cuidador(es) dentro daquela unidade de internação do hospital, onde quem é leigo deve sair na hora dos
curativos e quem é da área deve ficar e preferencialmente já saber fazer.
105
É interessante continuar se apoiando na leitura de partes do texto “Notas sobre a implicação afetação
com os campos, os objetos artefatos e os como sujeitos”, mais especificamente na “Cena 14” do “I Ato
21/03/2016 – o dia da internação”. Ela nos faz pensar em uma enfermagem burocrática, avessa às
necessidades dos usuários, ignorante aos valores da instituição e às finalidades da profissão
(KOLOROUTIS, 2012). Como em pleno século XXI ainda encontramos uma enfermagem que ainda
baseia seu fazer no simples cumprimento de tarefas sem nenhum pensamento crítico sobre as regras,
hábitos e rotinas que determinam seu comportamento? Onde está a visão holística, para usarmos um
termo comum aos profissionais da área? Onde está a integralidade?
199
106
Heckert (2009) chama a atenção para que não pensemos a formação, a escuta e o cuidado sob a
perspectiva bancária problematizada por Paulo Freire no seu livro Pedagogia do Oprimido de 1978.
Segundo Freire, não haveria em um pólo um sujeito de suposto saber e, no outro pólo, um sujeito
destituído de saber. Esse bancarismo educador está ilustrado no texto “Notas sobre a implicação afetação
com os campos, os objetos artefatos e os como sujeitos”, mais especificamente na “Cena 15” do “III
Ato”.
200
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Gosto muito desse nome “considerações finais” pois ele me permite falar sem
ter que me preocupar em concluir absolutamente nada. Até porque, para mim, essa
pesquisa não acaba aqui. Primeiro porque eu continuarei performando o sujeito-
servidor público e participando dos processos de desospitalização no meu trabalho.
Segundo porque sempre existirão respostas diferentes das que já foram dadas à
pergunta dessa pesquisa: Como fazer desospitalização em hospital geral? E nenhuma
delas estará totalmente certa ou totalmente errada. Essa dissertação sim, ela tem um
prazo para ser finalizado, estando ela “pronta” ou não.
Apesar de eu sair dessa empreitada com mais questionamentos e dúvidas de
quando entrei, esse não é um fato que me entristece, pois em momento algum eu me
propus a criar um modelo típico-ideal de desospitalização, daquilo que seria o seu
modus operandi. Tampouco objetivei com essa pesquisa, ao analisar meus campos e
meu artefatos de trabalho e fazer marketing de mim mesmo. Tanto que uma das
maiores surpresas que tive ao desenvolvê-la foi poder colocar o meu próprio processo
de trabalho, a desospitalização que reproduzo dia-a-dia na roda para o jogo. Foi uma
experiência autocrítica muito dolorida, mas compensatoriamente enriquecedora.
Dada a grande quantidade de documentos que me utilizei não poderia ser de
outra maneira o resultado produzido, se não um volume extenso de páginas. Mesmo
assim, um volume extenso que não dá (e é para dar?) conta de responder de maneira
conclusiva à pergunta dessa pesquisa. Tão extenso também foi a variabilidade dos
documentos: acadêmicos, oficiais, operacionais, mnemônicos, públicos, privados,
físicos, digitais. Assim como as muitas metodologias criativas de construção de
narrativas que experimentei durante todo o processo.
Foi tomado muito cuidado quanto a organização dos textos através da
dissertação, isso para que o processo etnográfico pudesse ser (des)(re)construído aos
poucos durante o avançar da leitura. Os próprios textos se apropriaram de diferentes
estilos de escrita e de design aproximando o leitor dos mundos e dos moods criados por
mim. Cada texto se referindo a um processo etnográfico específico. Cada texto com o
seu respectivo corpus etnográfico. Cada texto se auto apresentando e auto
representando.
202
Quando escrevi os textos que tratam dos sujeitos eu me utilizei da ficção como
base para a criação dos mesmos e da estética da escrita de roteiros para descrever as
cenas da minha experiência imersiva no campo enquanto eu performava o sujeito-
acompanhante-filho-cuidador. Tomei o cuidado de ao criar materialidade para as
pessoas e os fatos, fazê-la de maneira que essas materializações estivessem plenas de
evidências simbólicas. Por mais que eu tentasse suavizar as bordas e as quinas e as
arestas das escritas sobre as análises dos documentos públicos inserindo nos textos
gráficos coloridos e quadros explicativos, penso que não consegui.
Certo é o fato de que um robusto e importante conjunto de conhecimentos
epistêmico, metodológico e praxiográfico 107 foi adquirido enquanto eu selecionava,
sistematizava, analisava e discutia os documentos, não necessariamente nessa ordem, e
muitas das vezes ziguezagueando, ou mesmo dando saltos entre uma e outra dessas
ações. Divido a partir de agora alguns dos meus conhecimentos adquiridos com essa
pesquisa. Tenho total convicção que outras pessoas vão chegar a outros conhecimentos
a partir da leitura desse mesmo material, algumas vão inclusive discordar de tudo ou de
partes do que escrevi aqui. E disso eu nunca duvidei.
Trarei à baila alguns pontos que gostaria de reintroduzir, reafirmar, reiterar e
reformular (por que não?). Da época da minha última escrita até hoje (15 de abril de
2016) algum tempo se passou. E eu deixei para escrever esse último texto bem próximo
do dia de entregar essa dissertação à banca porque ainda não havia me convencido de
que todo o restante da dissertação estivesse realmente “pronto”. Não foi por preguiça,
esquecimento ou irresponsabilidade que adiei tanto a escrita do último (?) texto, foi
porque não haveria verdade na minha escrita se eu tentasse fazer uma síntese final de
um trabalho que ainda se encontrava em processo de desenvolvimento.
Pois bem, na introdução dessa dissertação apresentei como que a
Desospitalização se tensiona com questões de ordem social, biológica e econômica. A
Desospitalização aparece como uma possível solução sanitária para os problemas que
essas questões (ou transições) colocam nas e para as sociedades. A articulação que o
Capital faz com a Desospitalização foi demonstrada de duas maneiras: a) como
metáfora, quando sinônimo de racionalização dos gastos através da oferta de serviços
domiciliares em alternativa aos serviços hospitalares; e b) retoricamente, como simples
transferência de custos (e das responsabilidades até então do Estado) para as famílias.
107
No sentido de fazer uma etnografia da práxis. Para entender sobre praxiografia sugiro a leitura do
livro The body multiple: ontology of medical practice de Annemarie Mol.
203
108
Política Nacional da Assistência Hospitalar instituída pela Portaria GM nº 3.390 de 30 de dezembro
de 2013.
204
109
Foi a primeira aula de Dialética da Dialética ministrada pelo André Mendonça. Eu estava escrevendo
essa dissertação e tentava entender um pouco mais dessa forma de discurso pois era ela a forma de
discurso que eu havia escolhido para dissertar. Eu não tinha lido o texto. Era um texto do Mészáros, e
Gonçalves num determinado momento declara ter entendido com o texto que as “saídas”, as “brechas”,
acabam saindo para o mesmo lugar. Que parecia que o Mercado era o criador das saídas e das brechas
que nós achávamos ter encontrado ou sido criadores. Que na verdade “tava tudo dominado!”.
206
REFERÊNCIAS
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eficácia do modelo assistencial. Revista de Saúde Pública, v. 31, n. 3, p. 288-295,
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Campinas: Editora da UNICAMP, 1990. 366 p.
MERHY, Emerson Elias. Saúde: a cartografia do trabalho vivo. 2 ed. São Paulo:
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Saúde Coletiva, v. 19, n. 3, p. 817-828, 2009.
PINHO, Márcia Andrade. Saúde mental, mudança social e discurso bioético: uma
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Saúde Coletiva, v. 19, n. 3, p. 817-828, 2009.
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TOBAR, Frederico. Como fazer teses em saúde pública: conselhos e ideias para
formular projetos e redigir teses e informes de pesquisas. 1 ed. Rio de Janeiro:
Editora Fiocruz, 2001.
215
I ATO
21/03/2016
O DIA DA INTERNAÇÃO
CENA 1
CENA 2
Meu pai chega quase meio dia. Vai abrindo a porta e com ele vem sua cuidadora. Ela já
queria logo saber que horas poderia ir embora pois o motorista estava nervoso lá na rua
pois não tinha lugar para estacionar. Segundo ele todos os estacionamentos da região
estavam lotados. Ofereço um café, ela recusa. (...) Começo a arrumar uma papelada
sem fim, arrumo tudo e depois desarrumo da mesma forma que acabei de arrumar.
Acho que eu estava nervoso. Era uma papelada sem fim, tudo para que eu pudesse fazer
o cadastro do meu pai como meu dependente nos devidos departamentos do Ministério
da Saúde e da Prefeitura do Rio de Janeiro. (...) Falei com a cuidadora que era para ela
ficar um pouco mais ali na sala da equipe EADES fazendo companhia para meu pai e
fui cumprir mais um procedimento burocrático.
CENA 3
CENA 4
CENA 5
CENA 6
De volta a sala do cadastro do HFB sou atendido por outra pessoa que me pede todos os
documentos novamente e as suas cópias, ela confere documento por documento e
depois leva para uma outra mulher que confere tudo novamente e depois carimba e
assina o formulário. O número de funcionários estava reduzido a menos da metade do
quantitativo que estava trabalhando quando fui lá pela primeira vez. Ela me traz um
protocolo. Eu pergunto quando o cadastro fica pronto. Ela me responde que não pode
precisar.
CENA 7
Já passava das 16h quando fui ao núcleo interno de regulação fazer a internação do meu
pai. A sala estava quente e duas mulheres estavam sentadas em baias à frente de
computadores. Sentei em frente a uma delas e entreguei a solicitação de AIH. A
primeira coisa que ela fez foi reclamar da velha mania dos médicos de não preencherem
todos os campos. Chamei a atenção dela para os tipos de campos que ele não havia
preenchido, os campos que traziam as informações sociais do meu pai. Ela parou por
um momento e disse que os campos que os médicos têm essa mania de esquecer de
preencher eram sempre os campos referentes às informações sociais dos pacientes. Eu
comentei que a sala estava quente e ela me falou que o ar condicionado estava com
defeito há tempos. Ela preenchia um cadastro no computador e em um determinado
momento parou e me perguntou se meu pai já tinha leito, pois não havia leito na clínica
que meu pai iria se internar. Eu fiquei sem saber o que fazer. Ela me perguntou se eu
sabia se a cirurgia dele estava agendada no mapa cirúrgico do dia seguinte. Eu disse que
não sabia. Um outro funcionário veio até ela e a lembrou que essa era a clínica que
nunca mandava o censo e o mapa cirúrgico para o NIR.
220
CENA 8
Vesti meu jaleco e assumi outro sujeito. Precisava resolver esse lance do leito para
internar o meu pai logo. Senão eu teria que ir dormir com meu pai na minha casa e
voltar no dia seguinte. Fui até uma técnica de Enfermagem e perguntei sobre leito vago,
ela me pediu para que falasse com um outro técnico que me perguntou o nome do meu
pai. Ele conferiu o nome do meu pai no mapa cirúrgico do dia seguinte e me confirmou
a existência de um leito reservado para ele sim.
CENA 9
De volta ao NIR com o leito do meu pai garantido terminei de fazer a sua internação. A
moça que me atendeu me deu uma pulseirinha branca de identificação e me pediu para
preencher os campos da AIH que o médico não havia preenchido.
CENA 10
Eu e emeu pai começamos a nos arrumar para subirmos para a enfermaria de vez, de
onde não sabíamos quando sairíamos novamente e nem como. Na bolsa que meu pai
levaria para a enfermaria haviam apenas um pijama, uma toalha de banho, um
casaquinho, seu material de higiene pessoal, um par de óculos e um par de chinelos.
Para mim um monte de artigos científicos impressos, alguns livros, papéis, caneta,
lápis, apontador e borracha. Eu tinha a intenção de passar a noite acordado estudando e
construindo o texto de discussão dessa dissertação. Antes de sairmos pela porta meu pai
me fala que quando tem alguém da família por perto que a gente se sente bem, que a
gente acreditava mais. E que quando não tinha ninguém da família, mesmo se
estivéssemos rodeados de gente, parecia que a gente estava sempre sozinho.
221
CENA 11
CENA 12
A enfermaria do meu pai é toda coberta de fórmica cinza, tem quatro janelas todas com
película que filtra a luminosidade. Tem dois aparelhos de ar refrigerado para a tristeza
de meu pai. Os leitos estão distribuídos a partir da esquerda da porta de entrada em
sentido horário, começando pelo 151 – 1 e terminando no 151 – 6. Enquanto eu
encaminhava meu pai para o seu leito chegava do centro cirúrgico o paciente que iria
ocupar o leito ao lado esquerdo do leito do meu pai. Mas o sistema eletrônico dessa
cama não estava funcionando e o paciente acabou mudando de lugar e o leito ao lado
esquerdo do meu pai acabou ficando vazio aquela noite. Eram cinco pacientes ao todo,
o único que ainda não havia operado era o meu pai. Apenas dois pacientes estavam com
acompanhante, e ambos eram do sexo feminino. A mãe do paciente recém-chegado da
cirurgia e a filha do paciente do leito 151 – 4.
CENA 13
Eu e meu pai fomos passar um tempo no hall dos elevadores do quinto andar, fazia um
calor daqueles que deixa seu pescoço melado de suor. E haviam mosquitos por todo o
lugar. Meu pai preferia o calor ao ar refrigerado da enfermaria e pelo hall permaneceu o
maior tempo que pode. Vez ou outra ele olhava pelo basculante do lugar de onde se
podia avistar a Igreja da Penha rodeada de favelas iluminadas. Entre uma porta e outra
do elevador haviam quatro contêineres, três deles eram azul marinho e serviam para
acondicionar resíduo comum e o único que era branco era destinado ao
acondicionamento dos resíduos infectados. As pessoas que usavam os elevadores
ficavam paradas ao lado desses contêineres. Eu sentei em um banco de madeira de
frente para as portas dos elevadores e tentei escrever. Meu pai sentou em uma cadeira
bege de fibra que ficava embaixo do basculante por onde ele às vezes olhava a vista do
lugar. Do hall de ladrilhos hidro hidráulicos avistávamos a entrada do centro cirúrgico
que era identificado por uma placa onde se lia ‘Centro Cirúrgico Dr. Vicente Villano’.
223
CENA 14
De volta à enfermaria meu pai se queixou de estar com sede. Fui falar com a técnica de
Enfermagem que com um sorriso no rosto me disse que a água dos pacientes era de
responsabilidade do serviço de Nutrição e que pelo adiantado da hora talvez não elas
não voltassem mais ali. Perguntei se eu iria ter que descer para comprar água para um
paciente que se encontrava com sede. E ela mais uma vez me disse que nada poderia
fazer. Um tempo depois a ceia chegou e com ela a água para aplacar a sede de meu pai.
CENA 15
CENA 16
II ATO
22/03/16
O DIA DA CIRURGIA
CENA 1
O dia começou às 5h40 com o barulho da porta da enfermaria sendo aberta bruscamente
e com o acender das luzes frias do teto na cara de todos sem nem ao menos um bom
dia. E é somente nessa hora que a técnica de Enfermagem desliga o alarme da bomba
infusora que apitou a madrugada inteira. Começam novamente as trocas dos frascos e
as testagens dos acessos venosos. A luz do dia ainda não consegue clarear os vidros
filmados das janelas ao ponto de podermos ver o céu através delas. A mesma técnica
que lamentou não poder ajudar a aplacar a sede do meu pai vem até a beira do seu leito
com outro pijama, um pouco maior e o orienta a logo tomar o seu banho sem deixar que
uma gota de água sequer molhe o seu cabelo. Aproveitei para dizer que ele sentiu frio e
que não haviam oferecido a ele um simples cobertor.
CENA 2
Às 7h partimos para o banho. No espaço do chuveiro havia uma hamper, uma cadeira
higiênica e um biombo de aço desmontado num dos cantos. O chuveiro tinha água
quente e também uma grossa camada de limo preto pelos buracos por onde a água saia.
Na área do banho existia uma barra de segurança que ficava distante do alcance do
chuveiro. Ou bem se segurava na barra ou bem se tomava o banho. O teto sobre a área
onde ficava a privada estava despencando.
226
CENA 3
Após o banho eu e meu pai trocamos de lugar, ele sentou na cadeira e eu na sua cama.
Entraram duas residentes de anestesiologia e foram com meu pai conversar. Ao me
verem de jaleco sentado na cama elas pensaram que eu era um profissional de saúde em
atuação e me perguntaram se eu estava consultando o paciente. Confirmei que era sim
um profissional de saúde, mas que ali eu estava performando o sujeito-acompanhante-
filho-cuidador. Elas fizeram muitas perguntas para o meu pai, mas ele respondia sem
saber o que todas aquelas perguntas significavam. Eu ajudei respondendo o que sabia,
elas explicaram tudo que estava programado para acontecer sem eu perguntar, depois
me deram a chance de mais dúvidas com elas tirar. Eu queria saber sobre o tempo do
procedimento pois precisava ir até minha casa, dar comida para os meus bichos e água
para as minhas plantas, tomar um bom banho e de roupa trocar. Elas saíram da
enfermaria.
CENA 4
CENA 5
Chego na sala da equipe EADES levando de volta tudo que tinha levado em excesso
para a enfermaria. A sandália do meu pai, a toalha de banho molhada, o pijama, a roupa
de rua dele e todos aqueles artigos científicos e livros para levei para estudar. Escovei
meus dentes, lavei meu rosto com água em abundância, fiz um café preto e retornei
para a enfermaria do meu pai.
CENA 6
CENA 7
Ao entrarmos na enfermaria vejo duas novas técnicas trocando os lençóis dos leitos.
Elas se utilizavam de uma técnica que unia as pontas do lençol usando luvas de
procedimento. Os lençóis vestiam mais fácil os colchões além de se manterem bem
esticados e presos aos colchões. Falo com uma delas sobre a falta de um travesseiro
para o meu pai, e mostro o que tive que fazer para improvisar. Ela me diz que ali
naquela enfermaria tinha travesseiros, mas que a quantidade existente não dava para
todos os pacientes daquele lugar. O que me chamou a atenção nesse discurso é que
tanto o paciente do leito 151 – 1 quanto o paciente do leito 151 – 5 estavam com dois
travesseiros cada um. Eu deixei o meu pai sozinho na enfermaria aguardando sua ida
para o centro cirúrgico e fui resolver alguns problemas fora do hospital.
228
CENA 8
na sala da minha chefe imediata do meu outro trabalho – interior – no meio da manhã
Chego correndo à sala da minha chefia imediata e ao abrir a porta encontro dois dos
auxiliares da minha equipe de plantão sentados lá dentro. Minha chefe entra em pouco
tempo depois, fecha a porta, mas não a tranca e começa uma reunião entre nós. Ela
mostra nossa avaliação e pede nossa assinatura de concordância no documento por ela
preenchido e assinado. Depois me diz que havia recebido um e-mail do Líderes
Cariocas com um calendário quanto à pactuação das minhas metas individuais a ser
cumprido por mim e por ela. A reunião continua, mas minha cabeça está lá no hospital.
Quando ela descobre a idade do meu pai diz que não acredita na minha coragem de
submetê-lo a um procedimento cirúrgico daqueles. Meu coração aperta com a
lembrança de que eu não tinha ficado com ele até que ele fosse encaminhado ao centro
cirúrgico, de não lhe ter dado um abraço apertado e de não lhe ter dito que muito o
amava. Passou pela minha cabeça de que ele não resistiria e de que eu nunca mais o
veria. Saí da sala da minha chefe aos prantos e fui para a minha casa fazer o que
precisava ser feito para depois voltar ao hospital e mais uma noite por lá ficar fazendo
companhia ao meu pai.
CENA 9
Entrei no corredor amarelo pálido e logo dei de cara com uma das técnicas que pela
manhã estava trocando os lençóis das camas. Eu já estava me preparando para a pior
notícia. Perguntei se o velho estava vivo e ela fez um sinal de positivo com a cabeça.
Respirei aliviado.
229
CENA 10
Ao entrar na enfermaria percebi que algo havia mudado. Meu pai estava agora no leito
151 – 3, aquele que tinha usado para dormir na noite anterior. O paciente do leito 151 –
5 também havia mudado de lugar, ele agora ocupava a posição que antes era a do meu
pai. Vou até o meu pai e o encontro dormindo com a cabeça toda enfaixada. Por cima
havia um cobertor que até a noite passada não existia. Na face dorsal da sua mão
esquerda um jelco estava ligado a um polifix de quatro vias e um frasco de soro vazio.
Eu cutuco seu ombro e chamo pelo seu nome. Ele abre os olhos, me vê e já reclama.
Me diz que não gostou nada do processo, que passou muito mal lá dentro, que sentiu
fortes dores de cabeça. Reclamou do capacete de atadura. Vejo que aproveitaram para
retirarem um outro sinal que existia perto da sua narina direita. Ele reclamou de novo,
mas era de sede. Eu chorei de alívio. Eu peguei o meu celular e fiz umas fotos do meu
pai, abri o meu Whatsapp e me comuniquei com todos aqueles que estavam longe
esperando por notícias. Eu chorava enquanto eu falava com as pessoas. Eu procurei
pelo corpo do meu pai o lugar de onde poderiam ter retirado a pele para o enxerto e não
encontrei. Recebi a visita da supervisora de Enfermagem que estava fazendo sua ronda
e veio saber se tudo estava bem com meu pai. Me disse que tinha ficado sabendo da
situação durante um encontro do grupo técnico de cuidados paliativos do hospital. Em
seguida entrou uma técnica de Enfermagem, a mesma que pela manhã trocava os
lençóis das camas e que me fizera o sinal positivo com a cabeça quando perguntei se
meu pai havia sobrevivido. Ela carregava uma bandeja de metal contendo uma seringa e
um frasco de soro com eletrólitos. A seringa ela usou para desentupir o acesso venoso.
Me disse que ele havia reclamado que eu não estava lá para esperá-lo voltar do centro
cirúrgico. Ele quis fazer xixi, fui buscar o patinho, ele tentou, mas não conseguiu.
Depois me pediu para ajudá-lo a vestir seu casaco de pijama. Depois me perguntou
várias vezes se tinham trazido os seus ‘dentes’ de volta. Respondi afirmativamente
todas as vezes, mas ele só acreditou quando abri a gaveta do seu armarinho e mostrei
que eles estavam lá.
230
CENA 11
Chegou o jantar e meu pai me pediu para ajudá-lo a sentar. Depois de acomodá-lo da
melhor forma possível apoiando seus pés na única cadeira que eu tinha para sentar eu
ofereci seu jantar. Abri a quentinha de alumínio que trazia uma sopa cremosa de cor
acinzentada. Dei para ele provar. Ele achou sem sal. Botei o sal que veio com o jantar.
Fiquei em pé na sua frente segurando a bandeja enquanto ele de colher em colher
levava o creme à sua boa. Ele comia com avidez. Eu o avisei para ir mais devagar. Ele
não quis me ouvir e continuou na mesma velocidade. Depois de comer toda a sopa
bebeu um suquinho de caixinha sabor maracujá tão rápido quanto havia comido toda a
sopa. Eu mais uma vez o avisei para ir mais devagar, que por causa da anestesia ele
poderia vomitar. Não demoraram dois minutos e ele me chamou com os dois olhos
arregalados e me disse que estava enjoado querendo vomitar. Foi o tempo de eu me
virar para o lado, pegar a lixeira do chão e colocá-la na sua frente que metade de tudo
que havia sido ingerido foi posto para fora.
CENA 12
Fui ao posto da Enfermagem pedir para ler o prontuário do meu pai. Eu queria saber
detalhes do procedimento cirúrgico e de onde eles tinham tirado o retalho de pele para
repor a parte do couro cabeludo que havia sido extirpada. Ao ler descobri que não havia
sido retirado retalho nem havia sido feito qualquer tipo de enxerto. Li sobre uma sobra
de couro cabeludo, mas não consegui entender mesmo assim. Aproveitei para
comunicar sobre o episódio do vômito do meu pai após o jantar.
231
CENA 13
III ATO
23/03/16
O DIA DA ALTA
CENA 1
Mais uma vez somos acordados com o acender das luzes frias do teto na nossa cara,
mas dessa vez esse acender vem acompanhado de um bom dia. Começaram novamente
as trocas dos frascos e a testagens dos acessos venosos. A mesma técnica de
Enfermagem que trocava os lençóis pela manhã veio com uma seringa que suspeito ser
de analgésico e novamente de forma brusca, acordou meu pai, saiu puxando seu braço
para ter acesso ao acesso venoso, engatou a seringa em uma das quatro vias do polifix e
empurrou o êmbolo com pressão dizendo aquele mesmo texto que seria só uma
beliscadinha para o meu pai. Meu pai reclamou gritando um “ai”. Depois me pediu para
mais uma vez pegar o patinho para ele tentar fazer um pouco de xixi. E mais uma vez
reclamou do polifix de quatro vias e do soro nele fixado. Ofereci o patinho, ele colocou
o pinto murcho dentro daquele coletor de urina de aço frio, fechou os olhos, forçou um
relaxamento, e só depois de alguns minutos naquela posição ele conseguiu o que vinha
querendo e tentando a tarde, a noite e a madrugada inteira. Ajudei meu pai com o café
da manhã. Ele estava com fome, mas não se animou com a comida que foi oferecida e
comeu apenas metade do pão com um quadradinho de queijo processado, e um pouco
de café com leite morno servido em um copo de plástico descartável. O açúcar veio em
sachês. Eu tive que adoçar o leite para o meu pai. Sai da enfermaria em direção a minha
sala prometendo a ele que logo voltaria. O dia já estava claro.
233
CENA 2
Enquanto esperava o café passar na cafeteira elétrica lavei meu rosto e escovei meus
dentes. Sentei na privada sem sucesso. Fui à sala da perícia médica que fica em frente
da sala da equipe EADES saber sobre cada etapa do processo burocrático que daqui a
pouco eu deveria me submeter. Liguei para o NIR pedindo para a secretária
providenciar o meu documento de solicitação de licença onde deviam constar o último
dia que eu havia trabalhado e a assinatura e o carimbo da minha chefia imediata.
CENA 3
Ao entrar no corredor amarelo pálido sou abordado pelo pai do paciente recém-chegado
do centro cirúrgico que havia me emprestado uma manta sintética na noite anterior me
avisando que aquela era a hora dos curativos e que os acompanhantes não poderiam
ficar nas enfermarias. Um segundo depois ele se lembrou que eu além de filho e
acompanhante do meu pai também era enfermeiro e funcionário daquele hospital e me
disse para esquecer o que tinha acabado de me falar pois a mim eles não iriam barrar a
entrada.
234
CENA 4
Ao entrar na enfermaria do leito do meu pai me deparo com a seguinte cena: a) todos os
pacientes estavam nos seus respectivos leitos; b) ao lado do leito do meu pai haviam
duas pessoas que eu não conhecia, um homem e uma mulher vestidos de jalecos
brancos e gorros e máscaras e luvas (residentes de medicina); c) no meio da enfermaria
havia um outro homem que ficava administrando os insumos de um carrinho de
curativos e se deslocando pelo espaço (técnico de Enfermagem); d) no centro da
enfermaria uma mulher coordenava a todos, era a chefe do serviço que ao me ver me
reconheceu. Ela olhou para mim e me perguntou como eu estava. Eu olhei para ela e a
agradeci pelo que ela havia feito pelo meu pai. Ela se virou para as duas pessoas que
estavam ao lado do leito do meu pai e disse que eu havia acabado de chegar; e que eu
era enfermeiro; e que era para abrir primeiro o curativo do meu pai na minha frente; e
que era para eu ver e aprender como cuidar; e que se estivesse tudo bem era para
providenciar a alta dele. Quando ouvi a palavra alta a minha única reação foi perguntar
se ela iria dar alta hoje para o meu pai. Será que eu tinha ouvido certo? Ela disse que
sim se estivesse tudo muito bem. As duas pessoas começaram a abrir o curativo do meu
pai assim que me postei ao lado delas. Foram desenrolando a atadura de crepom aos
poucos e dando uma puxadinha sempre que alguma parte se encontrava agarrada.
Depois da atadura começaram a retirar as compressas cirúrgicas e as gases. Poucas
eram aquelas que estavam agarradas pois eles haviam utilizado vaselina sólida na
confecção do curativo na sala de cirurgia. A medida em que as gases iam sendo
retiradas a ferida operatória ia surgindo e o sangue ia escorrendo. Era grande a
quantidade de sangue que escorria. Era grande a ferida operatória. No alto da cabeça
havia uma costura que vinha desde a parte de traz do crânio até a testa do meu pai. No
mínimo foram necessários vinte pontos ou mais. Quase toda a parte lateral direita do
crânio do meu pai estava com o osso aparente, foi dali que eles retiraram o tecido para
fazer o enxerto de pele no alto da cabeça, local onde o câncer estava. Essa feria
operatória, segundo esses dois residentes, estava muito linda e que o sangue que
escorria por ela era um bom sinal, pois segundo eles a ferida tinha que sangrar. O
curativo foi fechado com gases e compressas da mesma maneira que o que foi feito na
sala de cirurgia, e a cabeça novamente enrolada na atadura de crepom. Meu pai não
reclamou de dor em nenhum momento. Ele comemorou sua alta hospitalar. Eu não. Eu
235
não estava esperando pela alta do meu pai naquele dia. Inclusive havia combinado com
uma técnica de Enfermagem que foi indicada por uma amiga que também é técnica de
Enfermagem de ela passar aquela noite com meu pai para que eu pudesse ter tempo de
organizar minha casa para melhor recebê-lo e ter dele como cuidar. Também havia um
outro compromisso inadiável, eu iria no lançamento do livro de uma das integrantes da
minha banca de defesa, seria uma oportunidade de conhecer uma pessoa que até então
só havia me relacionado via e-mail. Eu pensava que a alta do meu pai, um senhor de
noventa e quatro anos de idade, só seria dada, no mínimo, 48h após a cirurgia, mas a
enfermaria é de curta-permanência e de alta rotatividade, o que só mais tarde eu vim a
entender. Outros pacientes também receberam alta no mesmo dia que meu pai e dos
cinco pacientes que lá estavam quando eu e o meu pai chegamos, apenas um ainda iria
ficar.
CENA 5
CENA 6
Já haviam retirado o soro, o polifix e o jelco que até então estavam acoplados ao dorso
da mão esquerda do meu pai. Retiraram assim que os residentes comunicaram a alta
para a equipe de Enfermagem. Ajudei-o a sentar na cama. Pedi para que esperasse um
pouco. Depois o ajudei a levantar e pedi para que ele esperasse mais uma pouco antes
de sair andando. Devagar nós fomos juntos em direção ao banheiro desviando do
carrinho de curativo que ainda circulava pelo espaço. Eu estava mais cauteloso com
meu pai que ele mesmo. Acho que fiquei impressionado com a ferida e com a
quantidade de sangue que escorreu. No banheiro eu o convenci a utilizar a cadeira
higiênica na hora do banho, era mais seguro. Retirei sua roupa e logo que ele sentou
começou a urinar em abundância. O chuveiro cheio de limo preto resolveu não
esquentar mais. Troquei do quente para o morno e do morno para o quente. Abri
bastante a torneira, mas ele não esquentou, fechei e abri novamente. A água não
esquentava de jeito algum, era água fria ou então não tinha banho. Fui aos poucos
molhando o corpo do meu pai, passei sabonete apenas nas suas pernas e nas suas costas.
Depois fui retirando a espuma com pequenas quantidades de água fria que trazia nas
minhas mãos em forma de concha. Pedi a ele para lavar o pinto murcho sozinho e bem
lavado. Vesti nele um pijama novo e voltei com ele caminhando devagar. A enfermaria
já estava ficando pronta para receber os novos pacientes. Deixei-o deitado e sai
‘correndo’ para a sala da equipe EADES para tentar me reorganizar. Eu tinha sido pego
de surpresa e tudo que tinha planejado e combinado para hoje eu ia precisaria rever,
replanejar e talvez desmarcar.
237
CENA 7
Ao retornar à sala da equipe EADES meus colegas de trabalho já estava lá. Comentei
com eles que meu pai já estava de alta com menos de 24h de pós-operatório. Uma
enfermeira me disse que lá onde ele estava era assim mesmo, alta rotatividade,
curtíssima permanência. Sentei em frente a um computador e por um momento me
desliguei do mundo, não sabia por onde começar a agir. Os integrantes da equipe
aproveitando minha presença na sala me fizeram solicitações em relação ao trabalho, a
alguns eu atendi, a outros eu agredi verbalmente. Eu teria que agendar o retorno do meu
pai no ambulatório. Eu teria que cancelar a vinda da cuidadora que eu havia contratado
para dormir com meu pai no hospital. Eu teria que encontrar outra cuidadora para
dormir com meu pai lá em casa. Eu teria que ir na farmácia pegar o antibiótico
prescrito. Eu teria que pedir na enfermaria material para fazer os curativos do meu pai
em casa. Eu teria que conseguir um laudo médico com CID para eu dar entrada na
minha licença na perícia. Eu teria que passar pela perícia para conseguir licença para
acompanhar meu pai. Eu teria que pedir no Serviço Social uma solicitação de
ambulância para levar o meu pai em casa. Eu teria que, chegando em casa, rapidamente
reorganizar a distribuição espacial dos móveis para transformar minha sala no quarto do
meu pai, ação que eu havia planejado para o período da manhã de amanhã. Mas decidi
continuar minha incursão participante como sujeito-acompanhante-filho-cuidador e fui
até a sala do Serviço Social no prédio ao lado fazer o meu cartão de acompanhante.
238
CENA 8
Entro na sala e uma menina de cabelos cacheados vem falar comigo. Não me lembro se
eu estava de jaleco. Segundos depois de dentro das portas anexas à recepção saem dois
assistentes sociais que trabalham em conexão com a equipe EADES, iniciam uma
conversação, digo que vim como filho e acompanhante para fazer o cartão de
acompanhante que dá direito às refeições no refeitório, eles continuaram conversando
como se estivéssemos bebendo chope na mesa de bar. Pego o “Cartão de
Acompanhante”, ele é um simples pedaço de papel ofício, tamanho 12 por 8 cm,
impresso preto e branco em impressora à laser, que contém o meu nome completo, o
nome do paciente, o local de internação, um código de barras e a data de validade que
se encerraria no dia 4 de abril de 2016, doze dias a mais que o dia da alta médica.
CENA 9
na recepção do contêiner onde fica o refeitório – interior – mais que meio dia
Eu deveria estar de jaleco pois sai entrando no contêiner como se fosse dono daquilo
tudo até que fui interceptado por um guardião. Ele disse boa tarde entrando na minha
frente com seu corpo. Eu disse que a tarde estava boa e que precisava falar com
algum(a) nutricionista. Ele me disse que para eu entrar ali primeiro tinha que passar por
ele. Eu perguntei se ele me permitiria falar com algum(a) nutricionista. Ele me
perguntou se eu já sabia onde era. Eu disse a ele que sim com a cabeça já estando na
metade da escada que levava à sala do(a)s nutricionistas.
239
CENA 10
Entro afoito na sala do(a)s nutricionistas. A sala parece um corredor. De um lado uma
bancada com computadores. Do outro lado um sofá e outras coisas que não consigo me
lembrar. Entro e me sento no sofá. De costas para mim haviam três nutricionistas cada
um em frente a um computador. Conto que meu pai está internado ali no hospital e que
recebeu alta médica. Digo que estou preocupado em saber se ele está recebendo as
dietas mesmo já estando de alta médica. O(a)s nutricionistas permanecendo de costas
para mim olhando para as telas dos computadores me responderam que era para eu ficar
tranquilo pois enquanto o paciente estivesse no hospital ele estaria recebendo todas as
dietas. Agradeci e desci para o refeitório.
CENA 11
verdura cozida, angu, feijão preto ralo e queimado. Provei tudo. Apenas provei. Fiquei
ali por algum tempo, mas nenhum acompanhante entrou. O refeitório estava vazio e
além de mim, da balconista e de mais duas pessoas que estavam comendo haviam
apenas as moscas. Quando entrou a primeira acompanhante eu observei como a
balconista iria atendê-la e se seria da mesma forma que havia me atendido, dizendo que
o cardápio estava afixado no vidro do balcão e que era para pegar uma de cada
quentinha e que ainda tinha o sorvete de sobremesa. Quando sai do refeitório e passei
pela fila do(a)s acompanhante ouvi alguma acompanhante dizer empolgada que a
sobremesa era sorvete.
CENA 12
Logo ao chegar na farmácia do hospital me deparei com um cartaz que dizia que a
distribuição dos medicamentos era exclusivamente para o(a)s paciente(s) que se
encontravam internados. Esperei alguém vir falar comigo. Uma mulher veio me
atender. Perguntei o que ela poderia fazer por um velhinho pobre que estava de alta e o
médico tinha prescrito cefalexina comprimido. Ela primeiro falou que seria muito
difícil poder me doar os comprimidos de cefalexina pois o que havia no estoque era
pouco e a prioridade era dos pacientes que estavam internados. Ela entrou e depois de
um tempo voltou com uma caixa me mostrando que haviam poucas unidades do
medicamento que eu havia solicitado, menos do que a quantidade prescrita. Fiz uma
cara de pobre coitado e reiterei a estória do velhinho que havia operado um câncer e era
muito pobrinho. Ela falou que ia ligar para o estoque e ver o que poderia fazer.
Enquanto eu esperava puxei assunto com outra funcionária da farmácia sobre a falência
do SUS. Disse ela que concordava comigo, que nunca em todo seu tempo de carreira
tinha viso o sistema tão falido como agora. A mulher voltou e me deu toda a medicação
que havia solicitado. Agradeci e me despedi. Segui para o NIR para pegar o documento
carimbado e assinado pelo meu chefe imediato que constava informações sobre o meu
último dia trabalhado. Sem ele não poderia dar entrada na licença para cuidar do meu
pai em casa.
241
CENA 13
Ao entrar na sala da perícia encontrei uma colega de trabalho que havia fraturado o
dedo de um dos pés. Era estava ali para renovar a sua licença médica. O seu pé estava
inchado e vermelho. Entreguei a papelada à recepcionista/secretária que foi checar no
computador se meu pai estava ou não cadastrado como meu dependente. Disse que
havia dado entrada no processo de cadastramento ontem à tarde. Ela localizou o nome
do meu pai como meu dependente no sistema. Entrei para a sala de consulta com uma
médica que já foi me avisando que o sistema estava ruim. Sobre sua mesa vi um tablet
com capa rosa claro. Ela me perguntou sobre meu pai. Eu expliquei sobre a cirurgia.
Ela me perguntou quantos dias eu iria querer de licença, e ainda me informou que por
ano corrido eram liberados apenas sessenta dias. Pedi a metade disso. Ela teve que
pegar o tablet com capa rosa claro para terminar o processo e mandar imprimir o meu
documento. Fomos juntos andando até à recepção onde ficava a impressora. Ela pegou
as duas cópias, as assinou e carimbou. Voltei ao NIR para deixar uma cópia do
documento afixada junto à minha folha de ponto.
CENA 14
Comecei a organizar todas as minhas coisas e do meu pai que estavam na sala da equipe
EADES desde segunda-feira. Arrumei quatro bolsas e sacolas de roupas, objetos de
higiene, calçados, livros e papéis. Pedi ao assistente social da equipe para fazer uma
solicitação de transporte para levar o meu pai até minha casa. Consegui combinar com
uma técnica de Enfermagem do meu outro trabalho para dormir com meu pai, marquei
com ela às 17h em ponto. Eu tinha pouco tempo para organizar tudo. Confirmei com
meu companheiro a ida ao lançamento do livro aquela noite. E voltei para a enfermaria
de curta permanência para pegar o meu pai. No caminho entreguei a solicitação de
transporte no setor de transportes e combinei que a hora da saída seria às 16h. Daria
tempo suficiente para chegar em casa antes da técnica de Enfermagem que iria dormir
com meu pai. Organizar a casa. Me organizar e sair.
242
CENA 15
Entrei na enfermaria do leito do meu pai e só encontrei dois dos antigos “moradores”,
aquele que na primeira noite toda hora se levantava para escarrar e o paciente do leito
151 – 4. Ele me cumprimentou e me deu o seu caderno para que eu lesse o que
escrevera. Ele havia retirado sua laringe e não poderia mais falar. No caderno ele
escreveu pedindo desculpas por ser muito agitado e também para que quem estivesse
lendo desligasse sua bomba infusora, aquela que o alarme apitava de tempos em
tempos, pois ele queria ir ao banheiro. Desliguei sua bomba e disse a ele que ele não
precisava se desculpar e aquilo que eu pudesse fazer por ele eu faria. Comecei a
organizar as coisas do meu pai. Iríamos embora em pouco tempo. Ajudei ele a retirar o
pijama do hospital e vestir sua roupa de rua, mas reparei que o seu curativo estava
muito sujo de sangue, inclusive o seu travesseiro. Toquei com meus dedos a parte do
curativo que estava suja pelo lado de fora e percebi que o sangue estava seco, imaginei
que havia sangrado por causa do curativo e depois havia parado. Mesmo assim decidi ir
atrás de um médico do setor. Nesse momento uma nutricionista entrou e foi até à
acompanhante do paciente do leito 151 – 4 para passar as orientações dos cuidados com
a produção e administração da dieta pela gastrostomia. Ela falava em tom professoral e
toda a enfermaria era capaz de ouvi-la. Ela falava de produtos que deviam ser
comprados na farmácia cujo preço não era caro. Lembro-me de um suplemento em pó
para ser misturado ao lanche da tarde todos os dias e que custava apenas entre trinta e
quarenta reais na farmácia. Ela explicou sobre todos os cuidados com a administração
da dieta pelo cateter da gastrostomia, mas não explicou sobre os cuidados com o
paciente antes, durante e depois da administração da dieta. Ela falou durante uns dez
minutos e sempre perguntava à acompanhante se estava entendendo. A acompanhante
não falou em momento algum durante todo o processo de orientação sobre a nutrição do
paciente.
243
CENA 16
Como não encontrei médicos da enfermaria de curta permanência no setor fui ao centro
cirúrgico na esperança de lá um deles encontrar. Precisava conversar sobre o
sangramento que havia extravasado o curativo e sujado o travesseiro de meu pai. Uma
senhora me atendeu na porta e entrou para saber se lá dentro ainda havia algum médico
da enfermaria de curta permanência. Ela retornou dizendo que todos já haviam ido
embora. Eu expliquei o meu caso, falei do meu pai, ela disse que tinha ouvido falar
sobre ele e entrou novamente voltando logo depois com a enfermeira que havia
acompanhado todo o procedimento cirúrgico. Ela me cumprimentou estendendo sua
mão direita. Eu a cumprimentei. Ela saiu de dentro do centro cirúrgico para conversar
comigo. Me contou tudo que havia acontecido, detalhadamente. Me falou que o
procedimento foi violento e que sangrou muito. Me disse que esse sangramento era
esperado por causa da região que é super vascularizada, porque tiveram que fazer uma
raspagem no osso do crânio e também por causa do tipo de pele do meu pai, super
friável. Disse que o curativo era simples, apesar de extenso. Que era para eu executá-lo
com técnica asséptica e apenas usar AGE, que não era para usar vaselina como os
médicos usaram no curativo da sala cirúrgica, pois eles usaram apenas para que o
primeiro curativo não agarrasse. Falou que qualquer coisa era para eu não pensar duas
vezes e trazer meu pai de volta direto ao centro cirúrgico que teria médico para avaliar.
Ela, no meio da conversa, me disse que achava que eu era da comissão de curativos
porque alguém havia dito isso ontem no centro cirúrgico durante a cirurgia do meu pai.
Eu disse que não era daquela comissão e que naquele momento eu estava ocupando a
posição de sujeito-acompanhante-filho-cuidador. O sujeito-profissional de saúde estava
fora.
244
CENA 17
Deixei meu pai na sala da ouvidoria que fica no térreo do prédio onde fica a sala da
equipe EADES. Fui até o setor de transportes e disse que já estávamos prontos para ir
embora. O profissional que me atendeu me avisou que a ambulância que meu iria leva
meu pai estava chegando de uma corrida. Avisei que iríamos aguardá-los na sala da
ouvidoria. Eu estava preocupado com a hora pois teria que chegar em casa antes da
técnica de Enfermagem que iria dormir com meu pai.
CENA 18
FIM.
”
245
REDES
EDUCAÇÃO EM SAÚDE
OUTROS ASSUNTOS
LEGISLAÇÃO GERAL
POLÍTICAS
CENSO EADES
Data da admissão pela Critério(s): [ 1 – doença oncológica / 2 – longa permanência / 3 – > 60 anos de idade / 4 – a pedido ]
EADES:
Data da saída: Motivo: [ 1 – alta melhorada / 2 – óbito / 3 – transferência para outra unidade / 4 – administrativo ]
Data da admissão pela Critério(s): [ 1 – doença oncológica / 2 – longa permanência / 3 – > 60 anos de idade / 4 – a pedido ]
EADES:
Data da saída: Motivo: [ 1 – alta melhorada / 2 – óbito / 3 – transferência para outra unidade / 4 – administrativo ]
Data da admissão pela Critério(s): [ 1 – doença oncológica / 2 – longa permanência / 3 – > 60 anos de idade / 4 – a pedido ]
EADES:
Data da saída: Motivo: [ 1 – alta melhorada / 2 – óbito / 3 – transferência para outra unidade / 4 – administrativo ]
2b DEMANDAS DE CUIDADOS
USUÁRIO(A):
CONDIÇÕES CLÍNICAS: marcar “S” para sim / “N” para não / Datar as realizações das ostomias
condição
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254
2c CUIDADORES
USUÁRIO
(A):
Motivo(s) da internação:
Cuidador(a) – 1:
Idade: Vínculo: ( ) formal / ( ) familiar
Telefone(s): E-mail:
Cuidador(a) – 1:
Idade: Vínculo: ( ) formal / ( ) familiar
Telefone(s): E-mail:
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255
Logradouro:
Nº: Complementos:
Pontos de referência:
Cabe leito hospitalar em algum cômodo? Cadeira de rodas circula pela casa?
Ocupação atual:
Anotações extras:
256
Atenção primária
Tipo: ( ) ESF / ( ) CSE / ( ) Posto de saúde / ( ) CMS / ( ) Policlínica / ( ) Melhor em casa
Nome:
Endereço:
TELEFONES: e-mail:
ACS: Enfermeiro(a):
Médico(a): Gerente/coordenador:
OUTRAS REDES (outras unidades de saúde e /ou de apoio e seus contatos – pessoas, telefones, e-mails)
257
PELO
FALEI COM /
DATA TELEFONE / E- SOBRE DESDOBRAMENTOS
QUE É
MAIL
258
4 __ ACOMPANHAMENTO EADES
Notações dos processos de internação + evolução diária + motivos de permanência (clínico-
biológicos + administrativos-processuais + sócio-estruturais + psico-individuais)
LEGENDA DADOS
259