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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro Biomédico
Instituto de Medicina Social

Cleber Michel Ribeiro de Macedo

A “clínica pastoral” dos psicólogos cristãos no Brasil

Rio de Janeiro
2017
Cleber Michel Ribeiro de Macedo

A “clínica pastoral” dos psicólogos cristãos no Brasil

Dissertação apresentada, como requisito parcial


para obtenção do título de Mestre, ao Programa de
Pós-Graduação em Saúde Coletiva da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Orientador: Prof. Dr. Horacio Federico Sívori

Rio de Janeiro
2017
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/CB/C

M141 Macedo, Cleber Michel Ribeiro de


A “clínica pastoral” dos psicólogos cristãos no Brasil / Cleber
Michel Ribeiro de Macedo. – 2017.
120 f.

Orientador: Horacio Federico Sívori.

Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado do Rio de


Janeiro, Instituto de Medicina Social.

1. Psicologia – Brasil - Teses. 2. Psicólogos - Teses. 3. Religião


– Teses. 4. Homossexualidade – Teses. I. Sívori, Horacio Federico.
II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Medicina
Social. III. Título.

CDU 159.9:2(81)

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
dissertação, desde que citada a fonte.

Assinatura Data
Cleber Michel Ribeiro de Macedo

A “clínica pastoral” dos psicólogos cristãos no Brasil

Dissertação apresentada, como requisito parcial


para obtenção do título de Mestre, ao Programa de
Pós-Graduação em Saúde Coletiva da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Aprovada em 23 de fevereiro de 2017.


Orientador:
Prof. Dr. Horacio Federico Sívori
Instituto de Medicina Social - UERJ
Banca examinadora:

Prof. ª Dra. Jane Araujo Russo


Instituto de Medicina Social – UERJ

Prof. Dr. Luiz Fernando Dias Duarte


Universidade Federal do Rio de Janeiro

Prof. Dr. Pedro Paulo Gastalho de Bicalho


Universidade Federal do Rio de Janeiro

Rio de Janeiro
2017
DEDICATÓRIA

Aos meus amores, Rodolfo, Maria, Bill e vô Davi.


AGRADECIMENTOS

Agradeço ao Professor Horacio Sívori, orientador deste trabalho, pela oportunidade,


acolhimento da proposta de pesquisa, orientação, sensibilidade e cafés.
Agradeço aos Professores –Jane Russo, Pedro Paulo Gastalho de Bicalho e Ricardo
Vieiralves pelas valiosas contribuições que ofereceram para o desenvolvimento deste trabalho,
em particular, no momento da qualificação.
Agradeço aos professores do CHS/IMS, que através de aulas e conversas contribuíram
para o desenvolvimento desta dissertação, no período de 2015 ao começo de 2017.
Agradeço aos professores que aceitaram o convite para participar da Banca – Jane
Russo, Pedro Paulo Gastalho de Bicalho e Luiz Fernando Dias Duarte; e como suplentes, Sérgio
Carrara, Martinho Braga e Rachel Aisengart.
Agradeço aos meus colegas de turma (Mestrado CHS/IMS 2015) pela oportunidade de
desfrutar da companhia, papos, dores e risadas em nosso percurso de mestrado – Angela
Figueiredo, Dayana Rosa, Philipe Diniz, Georgia Pereira, Mirani Barros, Luciana Ponte, Sarah
Pereira, Fernanda Loureiro, Cristiana Serra e Zeferino Barros.
Agradeço às muitas pessoas que conheci ao longo desse trajeto e que ofereceram
contribuições importantes para esta pesquisa. Seria impossível citar todos os nomes; dentre eles,
destaco os “psicólogos cristãos”, que gentilmente aceitaram falar sobre a sua vida profissional
comigo.

Agradeço à CAPES pela concessão da bolsa de pesquisa, que viabilizou a realização


desta.

Agradeço aos solícitos e gentis funcionários do IMS/UERJ – em especial as funcionárias


da Secretaria Acadêmica, Simone, Eliete e Silvia.
Agradeço aos meus amigos e familiares, que me acompanham e torcem pelo meu
melhor.
Agradeço a minha mãe e ao Rodolfo por toda compreensão, disponibilidade, amor e
carinho ao longo dessa jornada.
Deus? Uma superfície de gelo ancorada no riso. Isso era Deus. Ainda assim tentava agarrar-se
àquele nada, deslizava geladas cambalhotas até encontrar o cordame grosso da âncora e descia
em direção àquele riso. Tocou-se.
Hilda Hilst
RESUMO

MACEDO, Cleber Michel Ribeiro de. A “clínica pastoral” dos psicólogos cristãos no Brasil.
2017. 120f. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) – Instituto de Medicina Social,
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017.

Nesta dissertação indagamos acerca das características, condições e variantes da atual


expansão da chamada “psicologia cristã” no Brasil. Através da análise de publicações, fontes
documentais públicas e entrevistas, descrevemos a identidade heterogênea dos “psicólogos
cristãos”, seus principais agentes de articulação e propagação pelo país. Nesse universo,
destacamos o Corpo dos Psicólogos e Psiquiatras Cristãos (CPPC), a principal organização do
segmento no Brasil. Para discutir as propostas da “psicologia cristã”, exploramos a noção de
“clínica pastoral”, evocada nesse âmbito. Ela transcenderia o setting terapêutico, para operar
uma articulação entre clínica psicológica e pregação evangélica. Por fim, exploramos a
conflituosa relação entre “psicólogos cristãos” e os Conselhos de Psicologia, em virtude de
posicionamentos controversos acerca da homossexualidade – notoriamente defendidos por
Marisa Lobo e Rozangela Justino – ambas penalizadas pelos Conselhos de Psicologia.
Analisamos, nessas controvérsias, por um lado, a postura de determinados “psicólogos cristãos”
que, amparados em perspectivas deístas, subordinam o conhecimento científico a dogmas
religiosos; e por outro lado, a postura oficial dos Conselhos de Psicologia, em consonância com
uma perspectiva de Direitos Humanos, laica e de reconhecimento da Diversidade Sexual. A
despeito do impacto público dessa disputa, assim como a identidade de “psicólogo cristão”
admite diversas modulações, notam-se ainda divergências nesse universo acerca da questão
homossexual.

Palavras-chave: Psicólogos Cristãos. Evangélicos. Homossexualidade. Psicologia. Religião.


ABSTRACT

MACEDO, Cleber Michel Ribeiro de. The “pastoral clinic”of Christian psychologists in
Brazil. 2017. 120f. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) – Instituto de Medicina Social,
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017.

In this dissertation we inquire about the characteristics, conditions, variants and current
expansion of the field of "Christian Psychology" in Brazil. Through the analysis of publications,
public documentary sources and interviews, we describe the heterogeneous identity of Christian
psychologists, their main agents of articulation and propagation throughout the country. Within
this universe, we place special emphasis on the Corpo dos Psicólogos e Psiquiatras Cristãos
(CPPC)––the main organization of this segment in Brazil. In order to discuss the Christian
psychology approach, we explore the notion of "pastoral clinic" evoked in this context. This
construct transcends the therapeutic setting, to operate an articulation between Psychological
clinic and Protestant preaching. Finally, we explore the conflictive relationship between
Christian psychologists and their local Psychology Councils, generated by controversial stands
regarding homosexuality notoriously taken by Marisa Lobo and Rozangela Justino. In these
controversies, we analyze, on the one hand, the public stand taken by certain Christian
psychologists who, from a deistic perspective, subordinate scientific knowledge to religious
dogma; and, on the other hand, the official position of Psychology Councils, in line with a
secular Human Rights, and sexual diversity perspective. Despite the public impact of this
dispute––where, as the identity of Christian psychologists admits a variety of modulations––,
we highlight disagreements about the homossexual issue within this universe.

Keywords: Christian Psychologists. Protestants. Homosexuality. Psychology. Religion.


LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Dados percentuais de adesão dos brasileiros aos dois maiores segmentos
Religiosos no país......................................................................................... 32
Tabela 2 – Sede e distribuição regional do Corpo dos Psicólogos e Psiquiatras
Cristãos (CPPC) pelo Brasil......................................................................... 55
Tabela 3 – Divisão administrativa e organizacional do Corpo dos Psicólogos e
Psiquiatras Cristãos (CPPC)......................................................................... 55
Tabela 4 – Formas de se associar ao Corpo dos Psicólogos e Psiquiatras Cristãos
(CPPC).......................................................................................................... 56
Tabela 5 - Formas de filiação ao Corpo dos Psicólogos e Psiquiatras Cristãos
(CPPC).......................................................................................................... 57
Tabela 6 – Distribuição quantitativa dos membros plenos do Corpo dos
Psicólogos e Psiquiatras Cristãos (CPPC), conforme gênero e profissão.... 58
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABPC Associação Brasileira de Psicanálise Clínica


ABRACEH Associação de Apoio ao Ser Humano e à Família
ABRAPE Associação Brasileira de Psicólogos Espíritas
ABPT Associação Brasileira de Psicologia Transpessoal
ABUB Aliança Bíblica Universitária do Brasil
AIDS Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
ALERJ Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro
ANPOCS Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais
APA American Psychological Association
APAF Assembleia das Políticas, da Administração e das Finanças
APsaA American Psychoanalytic Association
CADEP Centro Acadêmico e Estudos de Psicanálise
CCJ Comissão de Constituição de Justiça
CEBs Comunidades Eclesiais de Base
CFP Conselho Federal de Psicologia
CIPT Centro de Integração Psicoteológica
CLAM Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos
CNCD/LGBT Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de
Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais
CONIC Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil
CPPC Corpo dos Psicólogos e Psiquiatras Cristãos
CRP Conselho Regional de Psicologia
CRP-MG Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais
CRP-RJ Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro
CRP-SP Conselho Regional de Psicologia de São Paulo
CRP-PR Conselho Regional de Psicologia do Paraná
DEM Democratas
DSM Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais
DST Doença Sexualmente Transmissível
ESP Escola Superior de Psicanálise
EUA Estados Unidos da América
GA Grupo de Amigos
GLBTT Gays, Lésbicas, Bissexuais, Transexuais e Trangêneros
GRAVAD Gravidez na adolescência: estudo multicêntrico sobre jovens, sexualidade e
reprodução no Brasil
GT Grupo de Trabalho
HIV Vírus da Imunodeficiência Humana
IBADERJ Instituto Bíblico da Assembleia de Deus do Rio de Janeiro
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IMS Instituto de Medicina Social
IPA International Psychoanalytical Association
IPV Internationale Psychoanalytische Vereinigung
ISC Instituto de Saúde Coletiva
ISER Instituto de Estudos da Religião
IURD Igreja Universal do Reino de Deus
LGBTs Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros e Travestis
MAC Museu de Arte Contemporânea
MEC Ministério da Educação
ONG Organização Não Governamental
PDC Projeto de Decreto Legislativo
PEN Partido Ecológico Nacional
PFL Partido da Frente Liberal
PL Projeto de Lei
PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PR Partido da República
PRB Partido Republicano Brasileiro
PSB Partido Socialista Brasileiro
PSC Partido Social Cristão
PSDB Partido da Social Democracia Brasileira
PSOL Partido Socialismo e Liberdade
PT Partido dos Trabalhadores
PUC Pontifícia Universidade Católica
PUC-Minas Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
PUC-Rio Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
PUC-RS Pontifícia Universidade do Rio Grande do Sul
RCC Renovação Carismática Católica
SBT Sistema Brasileiro de Televisão
Sic Segundo informações colhidas
SPOB Sociedade Psicanalítica Ortodoxa do Brasil
STF Supremo Tribunal Federal
TCC Terapia Cognitivo-Comportamental
UERJ Universidade do Estado do Rio de Janeiro
UFBA Universidade Federal da Bahia
UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
UNICAP Universidade Católica de Pernambuco
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.................................................................................................... 14
1 A PSICOLOGIA NO BRASIL............................................................................ 20
1.1 A Igreja católica e a psicologia no Brasil............................................................. 20
1.2 Os evangélicos e o campo “psi”............................................................................ 22
1.3 A psicanálise no Brasil......................................................................................... 24
1.4 A psicologia como profissão regulamentada e a sua “psicanalisação”............. 28
2 O CAMPO EVANGÉLICO NO BRASIL.......................................................... 32
2.1 Informações demográficas sobre o campo religioso no Brasil e o que elas
revelam.................................................................................................................. 32
2.2 Quem são os evangélicos no Brasil...................................................................... 35
2.3 A presença dos evangélicos no espaço público.................................................... 38
2.4 A presença dos evangélicos na política nacional................................................ 40
2.4.1 Novas cenas, velhos atores: eleições municipais de 2016....................................... 43
2.5 Os evangélicos e a homossexualidade................................................................. 45
3 O CORPO DOS PSICÓLOGOS E PSIQUIATRAS CRISTÃOS (CPPC)...... 50
3.1 Conexão psicologia-religião: os psicólogos evangélicos..................................... 50
3.2 A fundação do CPPC............................................................................................ 51
3.3 O que é o CPPC..................................................................................................... 52
3.4 A organização e instalação do CPPC pelo Brasil............................................... 54
3.5 A psiquiatria no CPPC: um componente minoritário....................................... 58
3.6 Psicoteo: pistas sobre a “clínica pastoral”.......................................................... 60
3.7 Carlos José Hernández e J. Harold Ellens.......................................................... 61
3.7.1 Carlos José Hernández: “o pai espiritual do grupo”................................................ 61
3.7.2 J. Harold Ellens: a influência que vem do Norte..................................................... 65
3.8 O CPPC e os evangélicos: crítica aos pentecostais............................................. 68
4 OS “PSICÓLOGOS CRISTÃOS” E A “CLÍNICA PASTORAL”.................. 71
4.1 “Psicólogos cristãos”: alguns apontamentos...................................................... 71
4.2 “Psicólogo cristão”: uma identidade em disputa............................................... 73
4.3 Profissionais do CPPC: um grupo heterogêneo de “psicólogos cristãos”......... 74
4.4 “Psicologia cristã”: estigma à espreita e nova frente de atuação...................... 79
4.5 Psicologia e religião e política na trajetória de uma “psicóloga cristã”............ 82
4.6 Polêmicas sobre homossexualidade: recusa da Diversidade Sexual................. 87
4.6.1 A homossexualidade no CPPC: controvérsias internas.......................................... 89
4.6.2 “Direcionada por Deus para ajudar as pessoas que estão homossexuais”............... 91
4.7 “Clínica Pastoral”: a conformação de um discurso........................................... 95
CONCLUSÃO...................................................................................................... 98
REFERÊNCIAS................................................................................................. 103

ANEXO A - Banner de divulgação do Congresso Nacional e Encontro Latino-


109
Americano do CPPC..........................................................................
ANEXO B - Banner de divulgação do Encontro “CPPC – sua história: a interface
110
ciência e fé”......................................................................................
ANEXO C - Divulgação da revista Psicoteologia.................................................. 111

ANEXO D - Capa da revista Psicoteo sobre “neurociência e fé”........................... 112

ANEXO E - Capa do livro “O Lugar do Sagrado na Terapia”................................ 113

ANEXO F - Capa do livro “Psicoteologia: aspectos básicos”................................ 114

ANEXO G - Banner de divulgação do Encontro do CPPC, “Qual a diferença


115
entre o psicólogo cristão e o não cristão..........................................
ANEXO H - Capa da revista Psicoteologia sobre “Ser psi e ser cristão”................ 116

ANEXO I - Divulgação de palestra da “psicóloga cristã” Marisa Lobo................. 117

ANEXO J - Divulgação do Congresso do Exodus em Curitiba.............................. 118

ANEXO L - Embalagem do DVD “Sexualidade debaixo da graça –


119
Homossexualidade: o que a Igreja precisa saber................................
ANEXO M - Capa da edição especial da revista Psicoteologia sobre
homossexualidade............................................................................ 120
14

INTRODUÇÃO

Destaca-se atualmente – tanto na cena pública brasileira quanto na internacional – o


engajamento de profissionais do campo “psi” 1 que na construção da sua identidade profissional
outorgam um lugar preponderante a sua confissão religiosa, particularmente a cristã. A maioria
dos psicólogos2 assim identificados se declara evangélico3. Muitos deles são membros do Corpo
dos Psicólogos e Psiquiatras Cristãos (CPPC), instituição eminentemente evangélica, que
possui alguns poucos filiados católicos (LIMA, 2004, p. 13; DEGANI-CARNEIRO, 2013, p.
63). Fundada em 1976, com sede no Rio de Janeiro, ela possui núcleos espalhados por todo o
país4. O CPPC é reconhecido por fazer essa aproximação explícita entre as diferentes teorias
“psi” e a perspectiva cristã (CARVALHO, 2007, p. 149) e pelo seu pioneirismo no meio
evangélico, onde desfruta de popularidade (DEGANI-CARNEIRO, 2013, p. 62) e prestígio.
Em que pese o ineditismo da proposta do CPPC, destacamos que no Brasil, o processo
de institucionalização da psicologia como profissão esteve atrelado, em diferentes escalas e
momentos do século XX, à religião, em especial à católica (RUSSO, 2002a, p. 37; DEGANI-
CARNEIRO, 2013, p. 14) e à protestante (CARVALHO, 2007; 2011). Esse fenômeno vai além
do fato de o primeiro curso de graduação em psicologia no país ter sido inaugurado na Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), em 1953. Tal iniciativa foi seguida pela
abertura de outras graduações em psicologia em faculdades congêneres distribuídas pelo Brasil,
como as universidades católicas do Rio Grande do Sul e de Pernambuco, respectivamente em
1953 e 1961 (DEGANI-CARNEIRO, 2013, p. 17). No país, ao longo de grande parte do século

1
O termo “psi” abarca de modo inespecífico as diversas vertentes da psiquiatria, psicanálise e psicologia
(RUSSO, 2002a, p.7).
2
Para maior fluência do texto aderimos ao uso convencionado da expressão “psicólogos cristãos”, para se referir
a psicólogos e psicólogas, embora reconheçamos que a psicologia é uma profissão eminentemente feminina,
composta 90% por mulheres no Brasil (http://www2.cfp.org.br/infografico/quantos-somos/ Acessado em
02/01/2017) . Do mesmo modo, as mulheres são maioria entre os filiados ao CPPC. Neste caso particular, o
coletivo gramatical ‘neutro’ de terminação masculina se refere, portanto, a “psicólogas cristãs”.
3
De acordo com Mafra (2001, p. 7), os critérios de classificação nesse campo religioso são múltiplos e ensejam
uma disputa nominativa interminável. Dada a visibilidade pública adquirida por esse segmento, forjou-se certo
consenso referendando o termo “evangélico” como categoria abrangente. Percebemos o uso indistinto dos
termos “evangélicos” e “protestantes” por parte de nossos entrevistados (todos pertencentes a essa confissão
cristã) para se referir às várias denominações contidas nesse segmento. No presente trabalho, além da adesão a
esse consenso, conforme se fizer necessário, especificar-se-á a tradição ou tipo de congregação à qual está se
referindo dentro desse universo – tradicional ou de missão, pentecostal e neopentecostal. Por vezes, em prol da
fluência do texto, os termos “evangélico” e “protestante” e seus derivados serão utilizados como sinônimos.
4
Fonte: www.cppc.org.br Acessado em 10/05/2015
15

XX, os seminários católicos e protestantes privilegiaram disciplinas como psicologia e


psicanálise na formação do seu corpo eclesiástico (SANCHIS, 2005, p. 30; CARVALHO, 2007,
p. 75).
O protagonismo evangélico entre os “psicólogos cristãos” faz parte de um fenômeno
mais abrangente. No Brasil segue em curso, desde o final da década de 1970, uma
transformação do cenário religioso nacional. O país, que até então era eminentemente católico
– mais de 90% da população compartilhava dessa confissão religiosa, passa a registrar um
aumento contínuo da proporção de evangélicos. Atualmente cerca de 23% da população se
declara evangélica – sendo particularmente expressivos os segmentos pentecostal e
neopentecostal (IBGE, 2010).
O aumento do número de fiéis evangélicos é acompanhado da presença crescente de
atores que declaram essa filiação religiosa no espaço público, como celebridades do mundo do
entretenimento e do esporte (GIUMBELLI, 2013, p. 19), além da expressiva atuação de
políticos de variadas denominações evangélicas no cenário nacional (VITAL; LOPES, 2013).
A partir dos últimos quarenta anos, semelhante visibilidade também é verificada nas profissões
“psi”, com o investimento crescente de evangélicos na sua formação de psicólogos e
psicanalistas (CARVALHO, 2007); e o surgimento de instituições que sob perspectivas cristãs
direcionam seus projetos acadêmicos e profissionais para essa área, com destaque para o CPPC
(CARVALHO, 2007, p. 147; DEGANI-CARNEIRO, 2013, p. 19).
No contexto atual de crescente politização da moral sexual, adquire visibilidade a
controvérsia em torno da atuação de “psicólogos cristãos” com relação à homossexualidade. A
despeito da existência de instrumentos de regulação da profissão de psicólogo, que prescrevem
uma perspectiva laica e científica acerca da questão – como, por exemplo, a Resolução CFP
01/1999 –, verifica-se a atuação de profissionais do segmento ‘psi-cristão’, que insistem em
subordinar a abordagem científica a seu dogma religioso no exercício da profissão de psicólogo.
Tal subordinação implica a promoção do que é chamado de “reorientação da
homossexualidade”; o que tem acarretado constantes embates entre “psicólogos cristãos” e os
Conselhos de Psicologia, bem como tentativas de intervenção na regulação profissional da
categoria profissional.
Nesta dissertação indagamos acerca das características, condições e variantes da atuação
dos “psicólogos cristãos” e da chamada “psicologia cristã” no Brasil. Através da análise de
publicações, fontes documentais públicas e entrevistas, investigamos a identidade heterogênea
dos “psicólogos cristãos”, os principais agentes de articulação e propagação da “psicologia
cristã” pelo país. Nesse universo, destacamos o Corpo dos Psicólogos e Psiquiatras Cristãos
16

(CPPC), a principal organização do segmento no Brasil. Para discutir as propostas da


“psicologia cristã”, exploramos a noção de “clínica pastoral”, evocada nesse âmbito. Por fim,
exploramos a conflituosa relação entre “psicólogos cristãos” e os Conselhos de Psicologia, em
virtude de posicionamentos controversos acerca da homossexualidade – notoriamente
defendidos por Marisa Lobo e Rozangela Justino – ambas penalizadas pelos Conselhos de
Psicologia.
Para compreender o universo descrito, a seguir explicamos algumas nuances relativas a
quatro categorias centrais desta pesquisa – “evangélicos”, “psicólogos cristãos”, “psicologia
cristã” e “clínica pastoral”.
Evangélicos – Os “psicólogos cristãos” que são foco deste trabalho são exclusivamente
evangélicos e o CPPC é formado em sua ampla maioria por profissionais com essa pertença
religiosa. Dado esse fato, justifica ressalvar, conforme destacado por diversos autores
(FRESTON, 1999; CARRARA, 2000; MARIANO, 2004; MENDONÇA, 2005; 2007), o quão
heterogêneo é o universo protestante, para não incorrer em estereótipos e generalizações pouco
fundamentadas. Carrara (2000, p. 360) alerta que, a despeito da pecha de “puritanos” que países
majoritariamente protestantes – como os Estados Unidos, o Reino Unido e a Alemanha –
carregam, esses mesmos países possuem uma legislação mais liberal em relação ao divórcio e
são lugares onde as minorias sexuais possuem maior visibilidade. O Brasil tem passado por
uma grande transformação do campo religioso, com destaque para o crescimento do número de
pessoas que se autodeclaram filiadas a alguma denominação evangélica em oposição à
diminuição da quantidade de pessoas que se autodeclaram católicas, que até a década de 1970
correspondiam a mais de 90% da população (IBGE, 2010).
“Psicólogos Cristãos” – Apesar do grau de notoriedade e de organização alcançado
pelos “psicólogos cristãos”, ressalvamos que há uma heterogeneidade de profissionais que se
identificam e são identificados sob a rubrica de “psicólogo cristão”. Essa identidade independe
de ‘validação’ institucional conferida por qualquer organização reguladora, seja religiosa,
profissional ou científica, para se afirmar. Tampouco esses profissionais ambicionam algum
tipo de ‘oficialização’ como ‘categoria profissional’ específica. Privilegiamos nesta pesquisa,
“psicólogos cristãos” pertencentes ao CPPC, assim como também destacamos profissionais que
compartilham dessa identidade, mas não pertencem a essa organização, como, por exemplo, a
paranaense Marisa Lobo. Entretanto, as entrevistas realizadas para esta dissertação ocorreram
apenas com “psicólogos cristãos” vinculados ao CPPC. Eles foram contatados por meio de seus
17

dados profissionais disponibilizados na página oficial da organização5 ou por indicação pessoal


de seus colegas psicólogos do próprio CPPC. Houve certa dificuldade em encontrar
profissionais da organização dispostos a ser entrevistados. Inicialmente, acessamos a
organização através do dispositivo “fale conosco” presente em sua página na web, após gentis
trocas de e-mails com membros da organização, não obtivemos êxito em conseguir possíveis
entrevistados junto ao CPPC. Em seguida, partimos para contatá-los individualmente via
telefone. De nove contatos realizados com esses psicólogos, por essa via e depois de algumas
dezenas de mensagens de whatsapp trocadas com alguns deles ao longo de três semanas, apenas
um “psicólogo cristão” gentilmente nos concedeu entrevista. De modo similar, apenas um dos
indicados por colegas da própria organização, aceitou cordialmente nos conceder entrevista.
Portanto, após troca de e-mails, telefonemas e mensagens via whatsapp, realizamos entrevistas
com dois “psicólogos cristãos” filiados ao CPPC.
“Psicologia cristã” – Destacamos a instabilidade do termo “psicologia cristã” dentre os
próprios “psicólogos cristãos” do Brasil, ao contrário dos EUA, onde instituições, publicações
e acadêmicos advogam em sua causa. No país, a “psicologia cristã” desfruta de uma posição
ambígua, em que para parcela dos “psicólogos cristãos” ela representa risco de estigmatização
Ao passo que, conforme verificamos, a “psicologia cristã” paira como possibilidade de se tornar
um discurso hegemônico nesse universo. Embora o CPPC seja reticente quanto a essa
abordagem, identificamos expressivas referências à “psicologia cristã” nas publicações da
organização, ainda que não sob essa rubrica.
“Clínica pastoral” – O escopo do que aqui chamamos de “clínica pastoral” transcende
o setting terapêutico. Seu principal lugar de afirmação é a cena pública. Destacamos quatro
elementos importantes dessa clínica: (1) seus principais agentes são os “psicólogos cristãos”,
assim como os que se identificam como pastor evangélico e psicólogo ou psicanalista; (2) a
produção de referenciais teóricos que articulam fontes “psi”e teológicas para afirmar uma teoria
psicológica, não necessariamente intitulada de “psicologia cristã”; (3) a incorporação de ritos
religiosos na sua prática profissional; e por fim, (4) as organizações que têm como um de seus
principais objetivos articular conceitos “psi” e cristãos e a adesão de profissionais identificados
a essa lógica.
Tanto a “psicologia cristã” quanto a “clínica pastoral” significam, sob a perspectiva de
uma política sexual democrática, uma ameaça para a afirmação da Diversidade Sexual, à

5
www.cppc.org.br
18

medida que sustentam a heterossexualidade como única alternativa legítima e saudável no


campo do comportamento e expressão sexual.
Esta dissertação é composta por quatro capítulos, conclusão e uma sessão de anexos. Os
dois primeiros capítulos compreendem aspectos contextuais da emergência do universo
analisado – os “psicólogos cristãos” evangélicos no Brasil. Nos capítulos seguintes, no terceiro
e no quarto, exploramos os tópicos que consideramos mais significativos acerca desse universo.
Na conclusão, atentamos para a compreensão da atuação desses profissionais no contexto atual.
Por fim, apresentamos em anexo um registro iconográfico acerca do tema.
No capítulo 1, abordamos a institucionalização do saber psicológico no Brasil.
Observamos por um lado, a relação entre psicologia e religião, a partir da conexão entre a Igreja
católica e a psicologia no país; e por outro lado, a aproximação do campo “psi” por parte dos
evangélicos. Em seguida, apontamos a importância da psicanálise na composição desse campo
e, por fim, a regulamentação e “psicanalisação” da psicologia no país.
No capítulo 2, abordamos o campo evangélico no Brasil, apresentamos informações
demográficas sobre o campo religioso no país e a análise desses dados por parte de
pesquisadores das ciências sociais. Examinamos quem são e como se organizam os evangélicos
no país. Destacamos a presença de líderes desse segmento religioso no espaço público e, em
particular, na política nacional. Por fim, apontamos um painel de diferentes perspectivas sobre
homossexualidade no âmbito evangélico.
No capítulo 3, abordamos a articulação entre psicologia e religião no campo evangélico,
com ênfase para a fundação do Corpo dos Psicólogos e Psiquiatras Cristãos (CPPC) – em que
consiste essa organização e como ela se organiza e se distribui pelo Brasil. Quanto à distribuição
por categoria profissional, assinalamos a existência de maior número de psicólogos filiados ao
CPPC, assim como a maior produção de trabalhos de psicologia em comparação ao reduzido
número de psiquiatras filiados à organização, tal como o limitado número de trabalhos de
psiquiatria desenvolvidos nesse âmbito. Dentro dessa perspectiva minoritária, demonstramos
como a psiquiatria é abordada no CPPC. Destacamos a revista Psicoteo, publicação impressa
semestral do CPPC, que retrata temas da “clínica pastoral”. Discutimos a influência de dois
autores especialmente reconhecidos como referências teórico-conceituais pelo CPPC desde a
sua fundação: o psiquiatra argentino Carlos José Hernández e o pastor e psicólogo
estadunidense J. Harold Ellens. Por fim, abordamos a relação do CPPC com o meio evangélico.
No capítulo 4, exploramos em que consiste a identidade dos “psicólogos cristãos”.
Observamos os efeitos dessa controvertida articulação em documentos e publicações dos
Conselhos de Psicologia. Assinalamos a heterogeneidade na definição e composição dos
19

“psicólogos cristãos” que integram o CPPC. Discutimos a “psicologia cristã” como um estigma
e simultaneamente possibilidade de se tornar uma frente hegemônica de atuação para os
“psicólogos cristãos” no país. Examinamos o caso da “psicóloga cristã” Marisa Lobo e os
conflitos dessa psicóloga com os Conselhos de Psicologia, acerca da questão homossexual.
Damos continuidade a essa discussão, focalizando controvérsias que envolvem outros
“psicólogos cristãos” e homossexualidade, com destaque para a regulamentação sobre o tema
estabelecida pelo CFP; assim como para o posicionamento e abordagens do CPPC e para o caso
Rozangela Justino. Por fim, explicamos em que consiste o conceito explorado por nós de
“clínica pastoral”.
Concluímos com o destaque de análises acerca desse universo de articulações entre
religião evangélica com psicologia e política partidária. Assim como para as implicações dessas
conexões para o âmbito da Diversidade Sexual e dos Direitos Humanos.
Finalizamos esta dissertação com os anexos, seção em que reunimos imagens que
oferecem uma perspectiva acerca da trajetória de atuação dos “psicólogos cristãos” e do CPPC
e que dialogam diretamente com tópicos dos capítulos 3 e 4. Essa iconografia é composta por
banners de divulgação de eventos desses profissionais; capas de edições da revista Psicoteo
(antiga Psicoteologia); e as capas das primeiras edições de dois livros icônicos para o CPPC,
ambos publicados pela própria organização.
20

1 A PSICOLOGIA NO BRASIL

1.1 A Igreja Católica e a psicologia no Brasil

A Psicologia, embora embasada em conceitos e práticas científicas faz parte de uma


rede de interesses, dos pesquisadores, do público e das agências de fomento (FERREIRA, 2005,
p. 14). Dentre as relações que compõem essa rede de interesses, destacamos as vinculações
entre os evangélicos e a psicologia, com a ressalva de que esse vínculo não inaugura a relação
entre religião e psicologia no país. No Brasil, a Igreja Católica desempenha importante papel
acerca do desenvolvimento dos saberes “psi” e da institucionalização da psicologia. É notória
a relação entre a Igreja Católica no Brasil e a psicologia, conexão que vai além do fato de o
primeiro curso de graduação em psicologia no país ter sido fundado numa instituição católica
– na PUC-RJ, em 1963 –, como veremos adiante.
Mesmo após a passagem do Império para a primeira República (1889), época em que
foi decretada a separação entre Igreja Católica e Estado (1890), algumas alianças entre o Estado
brasileiro e a Igreja Católica no país foram alimentadas. Mais de 20 anos após a separação com
o Estado, a Igreja brasileira, impelida pela sua própria percepção de enfraquecimento
institucional, começou a buscar por novas associações com o Estado. Um exemplo decorrente
dessas novas alianças é o Centro Dom Vital, criado em 1922, que formou uma importante
geração de intelectuais católicos que, posteriormente e por muitos anos, desempenhariam papel
proeminente na vida pública brasileira (CASANOVA, 1994, p. 117).
Em 1930, o golpe militar que alçou Getúlio Vargas ao poder também aproximou a Igreja
do Estado. Até 1960, a Igreja Católica brasileira, em geral, acompanhou o trajeto do país. Mas,
nos anos de 1970, com o regime militar em curso, emergiu a denominada “Igreja do Povo”, a
qual não apenas se tornou a principal força de oposição ao regime autoritário, como apoiou a
reconstituição da sociedade civil em detrimento ao Estado (CASANOVA, 1994, p. 118).
Casanova (1994, p. 119) atribui essa guinada na Igreja ao abismo criado pelo regime
autoritário entre o Estado e a sociedade civil, sendo a Igreja forçada a escolher entre os dois,
optando pela sociedade civil. O autor também destaca três pontos fundamentais para entender
a característica dessa transformação: 1) disputas por hegemonia dentro da Igreja; 2) a posição
21

da Igreja contra o Estado de Segurança Nacional6 e seu modelo de desenvolvimento econômico;


3) a “Igreja do Povo” e as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs).
Sanchis (2005, p. 29), a partir do depoimento de um frade7, que chegou ao Brasil em
1950, comenta que no contexto apresentado pelo religioso, está presente a necessária
reabilitação das ciências humanas no campo da religião e consequente formação de padres e
religiosos no campo que as compõem. Embora os textos da época falem mais em sociologia, na
verdade, naquele momento, a psicologia se tornaria fundamental nesse âmbito.
Os jesuítas de São Leopoldo, RS, instituíram em seu Colégio Cristo Rei, entre 1966 e
1970, o curso Christos Sacerdos destinado à consolidação de formadores, entre eles futuros
bispos. Esse curso visava articular as contribuições da sociologia, da teologia e da psicologia.
Entretanto, era dada maior ênfase à vivência psicanalítica do que à teologia. Em Belo Horizonte,
entre 1972 e 1974, funcionou o Centro de Integração Psicoteológica (CIPT), que mesclava
formação pastoral e terapia analítica ou psicológica, para religiosos e posteriormente aberto a
leigos (SANCHIS, 2005, p. 31).
Sanchis (2005, p. 33) aponta como uma das hipóteses para o encerramento dessa
instituição, a nova relação que se iniciava entre a Igreja e o Estado. A qual ele denomina de
“Brasil-Povo” – para Casanova (1994, p. 126), “Igreja do Povo”. Essa época é marcada pelas
comunidades de base e pela Teologia da Libertação. Sendo o “cultivo de si”, verificado na fase
anterior, visto como “coisa de burguesia”.
A partir de 1980, a sociologia tende a substituir a psicologia, os futuros padres tornam-
se mais orientados a preparação das respostas à situação das classes populares (pastoral popular)
do que para o que era considerado “problemas pessoais da classe média”. Sanchis (2005, p. 34-
35) reflete, a título de conclusão sobre esse período a que ele chama “Brasil-Povo”, acerca da

6
Estado que “emergiu, quer pelos Atos Institucionais, quer pela Constituição de janeiro de 1967, e que
"aperfeiçoou" o conceito de segurança nacional. Por esta Constituição, o Poder Executivo ficou com as
principais atribuições da segurança nacional, possibilitando ao Presidente da República, ad referendum do
Congresso Nacional, em casos de urgência, expedir decretos-leis sobre temas de segurança nacional.
Ampliaram-se também os poderes e as atribuições do Conselho de Segurança Nacional e das Forças Armadas”
(COIMBRA, 2000, p. 14).
7
Segundo Frei Claudio, carmelita holandês que viria a se engajar em uma experiência de psicologia pastoral no
Brasil, quando chegou ao país, em 1950, no âmbito da Igreja a convivência era sacralizada, uniformizada e sem
mudanças. “O sujeito tinha pouca chance de emergir”. Nessa entrevista, realizada em 2011, o frei explica que
por “sujeito” entende as condições de abertura para a identidade, autonomia, solidariedade, condições sem as
quais não pode se afirmar. Dessa forma, para uma “feliz restauração do Homo christianus era necessária à
competência das ciências do homem” (SANCHIS, 2005, p. 29).
22

importância dada pelos carismáticos8 à emoção, “não apenas à emoção em si, mas ao seu
gerenciamento (individual/coletivo) ritual”.
Nessa mesma época, constata-se uma modificação do relacionamento da Igreja com a
psicologia como disciplina e como profissão institucionalizada. A Igreja, institucionalmente e
através de seus agentes na base, que até então viabilizava a formação de parte dos seus quadros
nesse sentido, e em resposta ao contexto, volta-se do individual para o coletivo, passando, a
partir dos anos de 1980, a priorizar a sociologia. Registra-se também outra transformação nesse
âmbito, que conecta religião com saberes “psi” – o surgimento de organizações protestantes
atuando nessa área.

1.2 Os evangélicos e o campo “psi”

A presença evangélica no espaço público brasileiro se espraia para uma ampla gama de
segmentos, como o político, o cultural, o esportivo, dentre outros (GIUMBELLI, 2013, p. 19).
Nesse contexto, destacamos o interesse evangélico pela psicologia, segundo Degani-Carneiro
(2013, p. 21), verifica-se um crescente entusiasmo desse segmento religioso pelo estudo e
prática da psicologia nas últimas décadas, o que ocasionaria uma “modalidade singular de
interação entre os universos religioso e científico”.
Mas, ao que consta, esse interesse dos evangélicos pelo campo “psi” não se desenvolve
apenas no Brasil e data de mais de um século, tanto aqui como em outros países. A fim de
compreender essa relação é oportuno o exame do painel traçado pelo pesquisador Emílio
Nolasco de Carvalho sobre os evangélicos e as instituições de psicologia no Brasil (2007; 2011).
Carvalho (2011, p. 272) analisa que os investimentos protestantes no campo “psi” estiveram
atrelados a jogos sociais mais amplos que constituíram os projetos modernizadores e os modos
específicos de compor os campos acadêmico e religioso no país.
As questões relacionadas à ética, sublimação dos instintos sexuais e da educação
estiveram quase sempre na base dos empreendimentos de apropriação e difusão da psicanálise
no meio cristão. Na primeira metade do século XX, esses projetos estiveram frequentemente
associados aos discursos e práticas higienistas e aos conflitos da teologia cristã com as teorias

8
A Renovação Carismática ou o Pentecostalismo católico, como foi inicialmente conhecido, teve início em 1967
nos Estados Unidos. No Brasil, a renovação espalhou-se no começo da década de 1970. O movimento procura
oferecer uma abordagem inovadora às formas tradicionais de doutrinação e renovar práticas tradicionais dos ritos
e da mística da Igreja, mas sem desviar-se da Doutrina da Igreja Católica (RCC, 2011).
23

biodeterministas, como o evolucionismo darwiniano e as teorias da degenerescência. A


vinculação entre protestantismo e os discursos e práticas científicas do higienismo está
explicitamente presente nos cursos de formação dos seminários teológicos europeus e norte-
americanos, com os quais os seminários brasileiros se relacionavam desde o início do século
(CARVALHO, 2007, p. 75).
No século XIX, a chegada dos protestantes ao Brasil coincidiu com as transformações
de então, como a consolidação da República, a dissociação formal entre Estado e Igreja Católica
e os projetos civilizatórios centrados na educação e na saúde do povo. O projeto das primeiras
levas de missionários protestantes a se estabelecer no país, com ênfase na educação e na
civilidade, alinhava-se ao empenho igualitário e disciplinador que caracterizava os discursos
modernistas da época. Nesse contexto, o protestantismo, em contraste com o catolicismo,
parecia mais conectado aos novos ditames disciplinares da ciência (CARVALHO, 2011, p.
268).
O sectarismo protestante foi potencializado pela percepção negativa que os missionários
produziam acerca do povo brasileiro. Com isso, ressalva-se que não havia um projeto político
para a sociedade brasileira, mas um projeto missionário, com o objetivo de retirar os brasileiros
da “perdição católico-pagã” e salvá-los. Nesse contexto, os protestantes realizavam estudos que
acompanhavam as discussões europeias e norte-americanas que vigoraram até o final do século
XIX sobre temas relacionados à psicologia e à pedagogia, como o controle dos corpos e das
paixões, dentre outros (CARVALHO, 2011, p. 268).
A partir dos anos 1950, verifica-se o crescimento da aceitação da psicologia e da
psicanálise nos países majoritariamente protestantes e o surgimento de movimentos e
instituições acadêmicas religiosas relacionadas aos saberes psicológicos e psicanalíticos. No
Brasil, entre os anos 1960 e 1980, registra-se movimento semelhante, com o surgimento de
instituições que conectam protestantismo e saberes psicológico e psicanalítico. Como exemplo
dessas instituições têm-se, em 1965, o Centro Acadêmico e Estudos de Psicanálise (CADEP);
em 1968, a Escola Superior de Psicanálise (ESP); em 1976, o Corpo dos Psicólogos e
Psiquiatras Cristãos (CPPC) (CARVALHO, 2011, p. 269).
Desde meados dos anos 1990, o aumento dos investimentos protestantes no campo
“psi”, dentro e fora do meio acadêmico, tornou-se considerável. Um importante exemplo da
ampliação desse investimento foi a criação da Sociedade Psicanalítica Ortodoxa do Brasil
(SPOB), que em quatro anos já tinha cursos espalhados por todo o país. Outro exemplo
relevante diz respeito às transformações no mercado editorial. Essas transformações são
caracterizadas por uma maior abertura por parte dos fiéis evangélicos à literatura estadunidense
24

de autoajuda e à influência de profissionais “psi cristãos”, principalmente dos Estados Unidos


e da Europa e também pela proliferação de editoras cristãs, “criando um campo fértil para um
novo tipo de missionarismo, direcionado ao público leigo em geral e com foco nos movimentos
de aconselhamento psicológico cristão e de cura interior” (CARVALHO, 2011, p. 270).

1.3 A Psicanálise no Brasil

A divulgação e inserção da psicanálise9 em diferentes países marcou o ocidente no


decorrer do século XX. Não por acaso a história das profissões “psi” – psicologia, psiquiatria
e psicanálise – está atrelada à difusão da psicanálise (RUSSO, 2002a, p.7-8). Antes de nos
determos na regulamentação da psicologia e na proliferação dos cursos de graduação em
psicologia é importante a apreensão de certos aspectos da inserção e do estabelecimento da
psicanálise no país, mais especificamente no eixo Rio-São Paulo – tradicionais centros de
irradiação de novas tendências culturais e científicas no Brasil.
De acordo com o pesquisador argentino Plotkin (2009, p. 145), a psicanálise é um claro
exemplo de um sistema transnacional de pensamento. Criada em Viena no final do século XIX,
seu centro de produção e consumo mudou após a II Guerra. Esse deslocamento impactou não
apenas na psicanálise como um “corpo de pensamento” e um sistema de crenças, mas também
nas diferentes culturas em que ela se fixou e se desenvolveu.
Na Argentina e no Brasil a chegada da psicanálise deu-se através da medicina. O
contexto de entrada da psicanálise nos dois países deve ser compreendido em termos de crise
do paradigma positivista. No começo do século XX, a teoria da degenerescência era a principal
corrente na psiquiatria de ambos os países (PLOTKIN, 2009, p. 150). No Brasil, as três
primeiras décadas do século XX foram marcadas por intensas polêmicas em torno de um projeto
para a nação. O debate era perpassado por questões como o “aprimoramento da raça” e das
condições de vida da população brasileira (FACCHINETTI; PONTE, 2003, p. 60).
A psiquiatria movimentava-se nesse cenário, visando ganhar espaço como saber capaz
de contribuir para a solução dos problemas nacionais. À época, as perspectivas na psiquiatria
iam da concepção de determinismo racial à carência de atenção por parte do Estado, a fim de

9
Em linhas gerais, psicanálise é o termo criado por Sigmund Freud, em 1896, para se referir a um método
particular de psicoterapia, pautado na exploração do inconsciente, através da associação livre, por parte do
paciente, e da interpretação, por parte do psicanalista. Por extensão, atribui-se o nome de psicanálise ao:
tratamento conduzido de acordo com esse método; à disciplina fundada por Freud; e ao movimento psicanalítico
(ROUDINESCO; PLON, 1998, p. 603-605).
25

explicar a condição física e moral do brasileiro. Nesse contexto que a psicanálise começa a ser
difundida no país, atraindo o interesse de ambos os discursos, sendo utilizada como instrumento
de crítica à civilização europeia e de valorização de culturas periféricas, ao mesmo tempo em
que justificava a manutenção de controles sociais estabelecidos pelo sanitarismo
(FACCHINETTI; PONTE, 2003, p. 63).
Com a finalidade de acompanhar a introdução, disseminação e fixação da psicanálise
no Brasil, conduzimo-nos, privilegiadamente, pela interpretação da antropóloga Jane Russo
acerca desse tema no país (2002a; 2002b; 2005; 2009). Russo (2002b, p. 53) lista três diferentes
níveis de difusão da psicanálise no Brasil no período anterior aos anos de 1940: 1) difusão entre
os intelectuais de vanguarda que formavam o grupo modernista; 2) disseminação da teoria entre
a elite médico-psiquiátrica; 3) difusão da psicanálise junto ao público leigo em meio a um
interesse generalizado pela “questão sexual” – fenômeno similar ao observado na França e na
Argentina.
O médico baiano Juliano Moreira é considerado um dos precursores da psicanálise no
Brasil e, ao mesmo tempo, o introdutor da psiquiatria moderna no país – o alemão Emil
Kraepelin, principal expoente dessa psiquiatria, foi seu professor na Europa. O que, a princípio,
soa contraditório – a junção de uma psiquiatria eminentemente organicista com a psicanálise,
eminentemente psicológica – de fato, é um exemplo de como os saberes científicos europeus
são recebidos, traduzidos e assimilados no Brasil (RUSSO, 2002a, p. 15).
Quanto a essa fase de introdução da psicanálise no país, Russo (2002a, p. 20-21) destaca
duas características: o fato de uma doutrina, aparentemente subversiva, seduzir figuras
estabelecidas do campo médico e a vinculação desses pioneiros com projetos pedagógicos e
higiênicos. Nas primeiras décadas do século XX, o Rio de Janeiro, então capital do Brasil,
compartilhava com São Paulo a hegemonia cultural e econômica do país. Nesse sentido, houve
uma dupla emergência da psicanálise em ambas as cidades (RUSSO, 2009, p. 207).
No início do século XX, no Rio de Janeiro, onde o meio psiquiátrico já era estruturado,
a Psicanálise tardou a se apresentar como alternativa relevante à prática psiquiátrica em vigor
(RUSSO, 2002a, p. 25). Ainda assim, nessa época, foi esse mesmo establishment médico-
psiquiátrico que a divulgou e utilizou em formulações, escritos, conferências e, em alguns
casos, na prática clínica. Esses pioneiros, além do vínculo com a Academia Nacional de
Medicina, militavam na Liga Brasileira de Higiene Mental, o centro das teorias higiênicas e
eugenistas (RUSSO, 2005, p. 127).
Apesar do entusiasmo da elite médico-psiquiátrica com a psicanálise, essa teoria
permanecerá acessória na prática desses profissionais por um bom tempo. No Rio de Janeiro, o
26

treinamento oficial de psicanalistas iniciar-se-á apenas em 1948, o que conduzirá alguns jovens
psiquiatras a partirem para a Argentina em busca de formação10 (RUSSO, 2002a, p. 28).
Enquanto em São Paulo11, onde a psiquiatria era precariamente institucionalizada, o
estabelecimento da psicanálise se deu anteriormente, em 1936, com a chegada da psicanalista
12
Aldelheid Kock enviada pela International Psychoanalytical Association (IPA) (RUSSO,
2002a, p. 18). Enquanto no Rio de Janeiro, o movimento psicanalítico será marcado por seu
forte vínculo com a psiquiatria e pelos constantes “rachas” entre as instituições psicanalíticas,
em contraste com o movimento paulistano, que desde os seus primórdios já admitia
candidatos não médicos em seus quadros. A admissão destes candidatos, surpreendentemente,
conferia mais estabilidade ao movimento paulistano em detrimento do carioca (RUSSO,
2002a, p. 29). Nos anos de 1950, a psicanálise já era hegemônica no meio psiquiátrico norte-
americano. Semelhante predomínio da teoria freudiana é verificado na psiquiatria sul
americana na mesma época de proliferação das ditaduras militares no continente, a partir da
década de 1960. No Brasil, a psicanálise, que já se difundia desde os anos de 1930,
conquistou definitivamente a classe média urbana (RUSSO, 2002a, p. 38-39).

Russo (2002a, p. 39-40) apresenta alguns argumentos a fim de compreender a


convivência pacífica entre o “obscurantismo político” ocasionado pela ditadura militar
instaurada em 1964 e a busca por “liberação interior” representada pela demanda de
psicanalistas. Uma das reflexões sugere que a volta sobre si mesmo ocasionada pelo fechamento

10
Duarte (2002, p. 187) ao comentar o livro de Mariano Plotkin “Freud in the Pampas: the emergence and
development of a psychoanalytic culture in Argentina” (2001) destacará que, dentre outros aspectos, os
movimentos psicanalíticos internacionais implicaram diversos fluxos entre Argentina e Brasil, alguns diretos,
outros mediados pelos países metropolitanos.
11
Do final do século XIX ao início do século XX, São Paulo passou por importantes transformações sociais,
econômicas e políticas. As elites paulistas enriquecidas pela exportação do café começaram a se mudar para a
cidade de São Paulo. Reflexos da “modernidade”, como o “a fundação do segundo Banco do Brasil; a primeira
linha telegráfica; a organização do Banco Rural e Hipotecário; e a primeira estrada de ferro do país,
particularmente, agiram sobre o destino da cidade de São Paulo” (PEREIRA; PIRES, 2008, p. 22). Nesse
contexto de efervescência econômica e cultural, em São Paulo, na década de 1920, ocorreu um dos principais
eventos da história da arte no Brasil, a Semana de 22. Evento caracterizado pela insatisfação com a cultura
vigente, submetida a modelos importados, e a reafirmação de busca de uma arte ‘verdadeiramente brasileira’,
marcando a emergência do Modernismo Brasileiro. As manifestações artísticas dessa Semana foram muito mal
recebidas pela plateia formada pela elite paulista, o que viria a contribuir para a abertura do debate e para a
difusão das novas ideias em âmbito nacional (MAC, 2016). A psicanálise estava dentre as ideias difundidas
nesse período.
12
Associação “fundada em Nuremberg em 30 de março de 1910, por Sigmund Freud e Sandor Ferenczi, a
internacional freudiana chamou-se, a princípio, Internationale Psychoanalytische Vereinigung (IPV) até 1936,
data em que quase a totalidade dos psicanalistas da Europa continental exilou-se na Grã-Bretanha e nos Estados
Unidos. [E a associação] tornou-se anglófona assumindo oficialmente o nome de International Psychoanalytical
Association (IPA)” (ROUDINESCO; PLON, 1998, p. 384).
27

político conduziria as pessoas a uma busca interior, a uma “psicologização” em paralelo a uma
maior “despolitização”. Mas, como aponta a autora, tal explicação parece ser insuficiente para
abarcar a amplitude do fenômeno em questão.
Com a finalidade de melhor compreender esse fenômeno, é importante que não se perca
de vista, na mesma época, a disseminação da contracultura13, movimento que vicejava nos
países ricos do Ocidente:

A contracultura, enquanto ideologia que se disseminava entre os jovens dos grandes centros
urbanos, redimensionou e deslocou o que até então era considerado “político”, politizando
questões “menores”, ou não políticas, pela esquerda tradicional, tais como a sexualidade, as
relações entre os gêneros, as relações entre pais e filhos etc. Nesses tempos de micropolítica, a
opressão passa a ser vista com outros olhos” (RUSSO, 2002b, p. 40-41).

Outra reflexão propõe que o modelo econômico implantado na ditadura ocasionou


grande concentração de renda e, a partir do final dos anos 1960, a melhoria do nível de vida da
classe média. Russo (2002a, p. 41-42), nesse ponto, articula sua reflexão à do antropólogo
Gilberto Velho, para quem a conjuntura dos anos 1970, “reforçava o projeto individualizante
de família nuclear”.
A grande mobilidade dos setores médios dessa época impõe distanciamento em relação
ao mundo de origem, do indivíduo ou da família, assim como o contato com outros valores,
usos e costumes, não apenas distintos, mas mais modernos. O que é relevante para se pensar a
“psicologização” 14 desse segmento (RUSSO, 2002a).

A “psicologização”, ou a volta para dentro de si mesmo, pode ser interpretada como uma busca
“dentro de si” do que antes “estava fora” – parâmetros, regras, orientação. Essa busca requer o
“autoconhecimento”, levando o sujeito a colocar em questão sua personalidade, sua

13
A contracultura se caracteriza como “um movimento social de caráter fortemente libertário, com um forte
apelo junto à juventude de camadas médias urbanas e com uma prática e um ideário que colocavam em xeque,
alguns valores centrais da cultura ocidental, como a racionalidade. (...) a contracultura conseguia se firmar aos
olhos do Sistema e das oposições como um movimento profundamente questionador e catalisador (...) que
inaugurou, primeiro para os Estados Unidos e para alguns países da Europa e depois para alguns países de fora
do mundo desenvolvido uma cultura underground” (PEREIRA; 1986, p. 8-9).
14
A partir da análise do pensamento de Roger Bastide (1898 – 1874), sociólogo que contribuiu para a formação
do campo de estudos sobre religiosidade popular no Brasil e que incorporou uma dimensão “psicológica” em
suas análises, o antropólogo Luiz Fernando Dias Duarte (2005) nos apresenta algumas definições de
“psicologização”. O autor destaca dois registros nos quais é possível reconhecer uma “psicologização” na cultura
ocidental moderna: o primeiro, a atribuição geral de causalidade à realidade interior; o segundo, a sistematização
da busca de conhecimento sobre essa causalidade com os recursos da “ciência”. A laicização que marcou a
emergência da cultura ocidental moderna consistiu no deslocamento da interioridade para fora do campo
religioso, ensejando o surgimento da psicologia como a conhecemos hoje – um conhecimento “científico” sobre
a mente e a subjetividade. Posteriormente, passa-se a observar os fenômenos religiosos como fenômenos
“psicológicos”, invertendo a relação até então tradicional: da dimensão “psicológica” da religiosidade para um
pensamento “psicológico” sobre religiosidade (DUARTE, 2005, p. 174).
28

interioridade, pois é lá (e não “fora”, nas regras dadas “externamente”) que está a chave para um
comportamento saudável e ajustado (RUSSO, 2002a, p. 43).

Dessa forma, a “psicologização” não se restringe ao efeito da “despolitização”


ocasionada pela ditadura, podendo ser explicada tanto como um novo tipo de “politização”,
quanto como um efeito simbólico da conjuntura econômica concentradora de renda (RUSSO,
2002a, p. 43).
O antropólogo brasileiro Luiz Fernando Dias Duarte (2005, p. 167), pesquisador que
oferece importante contribuição acerca da discussão da “psicologização”, escreve que os
processos de “psicologização” em nossa cultura vão além dos agentes sociais envolvidos
essencialmente com os saberes acadêmicos do campo “psi”. O complexo sistema de difusão
dos saberes “psi”, organizado progressivamente desde meados do século XIX, envolve
diferentes atores, como “a arte de vanguarda, o direito penal, a pedagogia, a comunicação de
massa e as ciências sociais, que também contribuíram para esse fenômeno ainda em curso”.
Nessa época de expansão psicanalítica, a psicologia como profissão regulamentada – a
partir de 1962 –, se “psicanalisava” cada vez mais. Para compreendermos essa “psicanalisação”
é oportuno observar outras linhas de força que operavam, em grande parte, articuladas ao
desenvolvimento da psicanálise no Brasil.

1.4 A psicologia como profissão regulamentada e a sua “psicanalisação”

Data de 1923, a primeira tentativa de organizar um aprendizado de psicologia no Rio de


Janeiro, com a fundação do Laboratório de Psicologia da Colônia de Psicopatas do Engenho de
Dentro, que passou a ser dirigida pelo psicólogo polonês Waclaw Radecki a partir de 1924
(RUSSO, 2002a, p. 35). Em 1932, esse Laboratório foi transformado em Instituto de Psicologia
da Secretaria do Estado de Educação e Saúde Pública, sendo um de seus órgãos a Escola
Superior de Psicologia. O Instituto enfrentou alguns desafios, como a objeção a Radecki15 por

15
Quando Radecki veio para o Brasil por sofrer perseguição política na Polônia, vigorava por aqui o Estado
Novo (1930-1945) e com ele o recrudescimento do antissemitismo. Enquanto a Europa assistia à ascensão do
Nazismo, com a perseguição aos judeus e a outras minorias étnicas, no que iria culminar tragicamente com a II
Guerra. A maioria dos imigrantes poloneses de então ou eram judeus ou pertenciam a outras minorias. Nesse
contexto, no âmbito religioso brasileiro, prevalecia a orientação de que os judeus deveriam ser convertidos ao
catolicismo, pois representavam a negação da Igreja de Cristo. No país, formaram-se ordens religiosas como a de
Sion também com a missão de converter os judeus e que tinham com a tarefa de salvação. Ainda que, parte dos
católicos admitisse que, apesar das diferenças, os judeus deveriam ser defendidos de atitudes antissemitas
(BLAY, 2001, p. 140).
29

parte dos médicos, por esse ser um mero “psicólogo”, apesar de sua formação europeia, e a
oposição da intelectualidade católica, nesse momento, que não encarava positivamente o estudo
“materialista” da mente humana (RUSSO, 2002a, p. 35).
Além desses desafios, o funcionamento do Instituto de Psicologia da Secretaria do
Estado de Educação e Saúde Pública e de sua Escola Superior de Psicologia foram
inviabilizados pela falta de recursos. Em 1937, o Instituto foi incorporado à Universidade do
Brasil16, que já possuía um Departamento de Psicologia, ainda que a primeira graduação em
psicologia fosse surgir décadas depois (RUSSO, 2002a, p. 35).
Data do início dos anos 1950 a tramitação de projetos que visavam regulamentar a nova
profissão. Atendendo à movimentação existente, o Conselho Nacional de Educação solicita a
Associações e Institutos de Psicologia sugestões referentes à regulamentação. Apenas em
agosto de 1962, após muita luta envolvendo psicotécnicos, educadores e médicos, a lei nº 4.119,
que dispõe sobre os cursos de psicologia e a regulamentação da profissão17, foi sancionada. No
ensejo dessa regulamentação, o Conselho Nacional de Educação aprovou o parecer 403, que
estabelece o currículo mínimo e o tempo de duração do curso de psicologia (ESCH; JACÓ-
VILELA, 2012, p. 8).
Foram criados o Conselho Federal de Psicologia (CFP) e os Conselhos Regionais de
Psicologia (CRP) pela Lei nº 5.766, de 20 de dezembro de 1971, regulamentada pelo Decreto
79.822, de 17 de junho de 1977. Essa lei define que os Conselhos são dotados de personalidade
jurídica de direito público, autonomia administrativa e financeira. O CFP e os CRPs compõem
o Sistema Conselhos18. O Conselho Federal de Psicologia é o órgão supremo dos Conselhos
Regionais, com jurisdição em todo o território nacional e sede no Distrito Federal (CFP, 2016).

16
A Universidade do Brasil, com a reforma universitária iniciada em 1965, transformou-se na Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “A Era Vargas: dos anos 1920 a 1945 – Diretrizes do Estado Novo (1937 -
1945)”. Disponível em http://cpdoc.fgv.br/ Acessado em 30/09/2016.
17
Diferentemente da psicologia, a psicanálise não é uma profissão regulamentada no país. Desde a década de
1970, verifica-se a demanda pela regulamentação da psicanálise, principalmente por parte de organizações
cristãs. A maioria dos confrontos legislativos em torno dessa regulamentação procede da influência direta do
Centro Acadêmico e Estudos de Psicanálise (CADEP), movimento cristão ecumênico (CARVALHO, 2007, p.
124).
18
São atribuições do CFP dentre outras, elaborar seu regimento e aprovar os regimentos organizados pelos
Conselhos Regionais; orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de Psicólogo; expedir as
resoluções necessárias ao cumprimento das leis em vigor e das que venham modificar as atribuições e
competências dos profissionais de Psicologia; elaborar e aprovar o Código de Ética Profissional do Psicólogo;
funcionar como tribunal superior de ética profissional. Aos CRPs, dentre outras atribuições, cabe: orientar,
disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão em sua área de competência; zelar pela observância do código de
ética profissional, impondo sanções pela sua violação; funcionar como tribunal regional de ética profissional;
sugerir ao Conselho Federal as medidas necessárias à orientação e fiscalização do exercício profissional (CFP,
2016).
30

O primeiro curso superior de psicologia do país foi fundado no Rio de Janeiro em uma
instituição católica, vinculado à Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio), mas funcionando
na Santa Casa da Misericórdia, em 1953 (RUSSO, 2002a, p. 37). Assim como os cursos
inaugurados posteriormente a ele, também em organizações católicas19, PUC-RS (1953), PUC-
Minas (1959) e UNICAP (1961) (DEGANI-CARNEIRO, 2013, p. 17).
Desde a década de 1920, os católicos se organizavam, através da revista A Ordem (1921)
e do Centro Dom Vital (1922), com o propósito de ter uma atuação mais marcante no processo
decisório nacional. Decorrente dessa mobilização, em 1946, foi fundada a Pontifícia
Universidade Católica (PUC). Idealizada pelas lideranças católicas para formar a elite desse
segmento religioso, a universidade acabou servindo à educação das elites em geral (FGV-
CPDOC, 2016).
A oposição católica a Waclaw Radecki e a proposição da Igreja Católica em apropriar-
se dos discursos psicológicos e da formação dos psicólogos é notória. A isso podemos
acrescentar a observação feita por Degani-Carneiro (2013, p. 18) acerca desse contexto de que
há uma interferência específica da Igreja na psicologia, relacionado ao cuidado de si, à
interioridade e à vida em família como uma reação ao intenso processo modernizador
atravessado no período.
A maioria das primeiras turmas do curso de Psicologia (PUC-Rio) é composta por
mulheres e a estas é dada especial atenção em sua formação como futuras mães e esposas. A
influência do curso para além da esfera acadêmica se estendia, a ponto de o padre, que atuava
como diretor do curso, celebrar o casamento e batizar os filhos das alunas (DEGANI-
CARNEIRO, 2013, p. 18).
Entretanto, a aspiração de regulamentar a psicologia como profissão desvinculada da
tutela médica significava suprimir desse domínio a exclusividade da atividade clínica (ESCH;
JACÓ-VILELA, 2012, p. 8). Também significava, evidentemente, acionar disputas em torno
de fatias do mercado educacional e clínico que poderia ser ocupado pelos novos profissionais.
Pois, ao mesmo tempo em que se expandia e se “psicanalisava”, a psicologia se afastava de
suas origens psicotécnicas, privilegiando o atendimento clínico ou terapêutico como atividade
(RUSSO, 2002a, p. 44).
A aproximação com a psicanálise e o acirramento da disputa no mercado de trabalho,
configurar-se-á em um novo cenário: a relação entre os psicólogos com os psicanalistas das

19
No âmbito do investimento católico na psicologia no Brasil, também assinalamos a presença dos Salesianos
em Lorena, SP; onde eles fundaram o Laboratório de Psicologia Experimental, além de uma das primeiras
graduações em psicologia no país, no período compreendido entre as décadas de 1950 e 1970 (FERRAZ, 2014).
31

Sociedades oficiais que até o início da década de 1970 era razoavelmente amistosa irá
transformar-se. Russo (2002a, p. 45-46) chamará de uma “divisão sexual do trabalho clínico”
a configuração adquirida na partilha das funções estre os profissionais “psi” de então, com as
psicólogas, mulheres em sua maioria, ocupando-se do atendimento de crianças e se analisando
e aprimorando-se profissionalmente em cursos com e dos psicanalistas, homens em sua maioria.
No início dos anos de 1980, a psicóloga Fúlvia Rosemberg (1984, p. 7-8), instigada pela
presença maciça de mulheres na profissão de psicóloga, levanta algumas hipóteses para a
generificação dessa categoria profissional. Uma das opiniões da autora sobre a forte presença
de mulheres nos cursos de graduação de humanas, sem se restringir à psicologia, é a de que a
abertura dos cursos superiores às mulheres, ao invés de diversificar o leque de carreiras
possíveis, manteve a dicotomização masculino-feminina. Outras hipóteses da autora para a
escolha da psicologia pelas mulheres dizem respeito à opção por esse curso (assim como de
outras carreiras ditas femininas, como a enfermagem e demais ocupações do universo do
cuidado) pela eficiência do processo de socialização no reforçamento dos papéis sociais
dicotomizados; e pelos serviços que essa formação dicotomizada presta à manutenção de uma
estrutura de empregos segregacionista.
Ainda que a análise de Rosemberg (1984) refira-se a dados da década de 1970 e início
dos anos de 1980 ela permanece valiosa para refletirmos sobre a generificação do campo
profissional da psicologia no Brasil. Atualmente, a profissão de psicólogo continua sendo
exercida por ampla maioria de mulheres20. Pesquisa recente demonstra que o país possui
284.349 (duzentos e oitenta e quatro mil e trezentos e quarenta e nove) psicólogos21; sendo
quase 90% desse total de psicólogas22.

20
Degani-Carneiro (2013, p. 41) aponta que essa distribuição de gêneros se estende também ao universo dos
psicólogos evangélicos pesquisados por ele.
21
Mais da metade desse contingente (161.799 psicólogos) está concentrado na região sudeste do Brasil. “A
psicologia brasileira apresentada em números”. Disponível em http://www2.cfp.org.br/ Acessado em
21/01/2017.

Fonte: “A psicologia brasileira apresentada em números”. Disponível em http://www2.cfp.org.br/ Acessado


22

em 21/01/2017.
32

2 O CAMPO EVANGÉLICO23 NO BRASIL

2.1 Informações demográficas sobre o campo religioso no Brasil e o que elas revelam

Observa-se nas últimas décadas uma transformação no campo religioso no Brasil. O


perfil da filiação religiosa da população brasileira manteve como aspecto principal a hegemonia
da filiação à religião católica desde o primeiro recenseamento (1870) até a década de 1970. A
partir de então, verifica-se uma diminuição das pessoas que se auto declaram católicas e um
fenômeno inversamente proporcional em relação as que se declaram evangélicas, conforme é
possível conferir na tabela 1 24.

Tabela 1 - Dados percentuais de adesão dos brasileiros aos dois maiores segmentos
religiosos no país
Ano do Censo demográfico Católicos Evangélicos
1970 91,8% 5,2%
1980 89,0% 6,6%
1991 83,0% 9%
2000 73,6% 15,4%
2010 64,6% 22,2%
Fonte: O autor, 2016.

A partir do Censo Demográfico de 2000, o IBGE e o Instituto de Estudos da Religião


(ISER), em conjunto, desenvolveram a classificação de religiões, passando a fazer as
atualizações necessárias a cada Censo. Pesquisou-se a religião professada pela pessoa. Aquela
que não professou qualquer religião foi classificada como sem religião. À criança
impossibilitada de informar sua religião foi atribuída a religião da mãe (IBGE, 2010).
O Censo Demográfico do IBGE oferece um painel diversificado sobre as religiões no
Brasil, não se restringindo a católicos e evangélicos, disponibilizando informações sobre outras
filiações religiosas, como o espiritismo, o candomblé e a umbanda e sobre os sem religião. Nas

23
Ver nota nº 3.
24
Baseada nas informações disponibilizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (2010).
33

duas últimas décadas do século XX, a perda dos seguidores no conjunto dos cultos afro-
brasileiros é lenta, gradual e contínua (PIERUCCI, 2004, p. 25).
No entanto, optamos por não pormenorizar essas informações, privilegiando o contraste
mais expressivo que se dá entre católicos, segmento com o maior número de filiados e o que
tem perdido mais adeptos ao longo das últimas décadas; com evangélicos, que representam o
segundo maior grupo de religiosos e o que mais tem crescido em termos absolutos e percentuais
no mesmo período.
Antes de dar continuidade às interpretações sobre os dados produzidos pelo IBGE;
contudo, prosseguindo na seara das transformações do cenário religioso brasileiro, é
interessante ater-se à análise empreendida por Pierre Sanchis (1994) sobre o “Censo Evangélico
do Rio de Janeiro”, realizado pelo ISER em 1992 e à interpretação efetuada por Ronaldo de
Almeida e Paula Montero (2001) sobre a pesquisa a respeito do “Comportamento Sexual da
População Brasileira e Percepções do HIV/AIDS” realizada pelo Ministério da Saúde, em 1998.
Para Sanchis (1994), o Censo Evangélico do Rio de Janeiro de 1992 é revelador da
magnitude do desafio que o aumento dos pentecostais (ramo evangélico que mais cresce no país
desde meados do século XX) representa ao que poderia se chamar “cultura católico-brasileira”
25
. O estado do Rio de Janeiro ocupa um lugar representativo para se pensar a transformação
religiosa da sociedade brasileira, o estado tem o maior número percentual de evangélicos no
país, cerca de 50% da população fluminense declara-se filiada a alguma denominação
protestante (VITAL; LOPES, 2013).
O autor observa que a Igreja Católica está perdendo o seu caráter definidor hegemônico
da verdade e da identidade institucional no campo religioso brasileiro. No entanto, ressalva não
ser inédito o desafio de transformação que o pentecostalismo impõe ao catolicismo brasileiro.
Por exemplo, no interior da própria Igreja Católica sucessivas tentativas institucionais têm
acontecido no mesmo sentido, sendo a principal delas, a “romanização” 26
do fim do século
XIX e início do século XX (SANCHIS, 1994).
Dois aspectos são selecionados por Sanchis (1994) para se pensar a diferenciação entre
pentecostais e católicos, a identidade e a ética. Quanto à identidade pentecostal, o autor registra

25
Pierre Sanchis (1994) define o termo “cultura católico-brasileira” em dois aspectos: 1) como uma ideologia de
co-naturalidade entre o Brasil enquanto espaço historicamente criado e o catolicismo; 2) como uma estrutura
psicossocial que favorece, no campo religioso, a existência de identidades múltiplas, de um universo dominado
pelas mediações, de um espaço social só parcialmente submetido à ética.
26
O conceito de “romanização”, cunhado por Ruy Barbosa (1843-1929), “é indicativo de algo que está para além
da língua: aponta para tensões entre diferentes teologias e eclesiologias no interior do catolicismo brasileiro
desde a perspectiva da Teologia da Libertação comungada por Boff, Hoornaert e Beozzo, em um ambiente
historiográfico propício a novas abordagens, novos objetos e novos problemas” (AQUINO, 2013).
34

que esta demarca os campos e define uma adesão exclusiva. O fenômeno do batismo no
“Espírito Santo” estabelece uma ruptura, o fim da dispersão identitária. Nesse sentido, “a
conversão” introduz um elemento novo no Brasil. No ponto relativo à ética, assinala uma
suposta diferença dos pentecostais com o campo “católico-brasileiro”. No entanto, sem que o
autor explicite essa diferença, é possível inferir de seu ensaio, que tal distinção abarcaria o todo
da vida desses convertidos, o que se refletiria no âmbito privado e público.
A análise realizada por Almeida e Montero (2001, p. 92) pretende caracterizar a
configuração do campo religioso brasileiro a partir da pesquisa realizada pelo Ministério da
Saúde em todo o Brasil, a qual revela que 26% da população brasileira mudaram de religião.
Simultaneamente ao fluxo de pessoas nessa esfera, ocorreu também a multiplicação das
alternativas religiosas, com a sua máxima expressão entre os evangélicos.
A noção de “trânsito religioso”, trabalhada por esses autores, aponta, no mínimo, para
um duplo movimento: primeiro, para a circulação de pessoas pelas diversas instituições
religiosas; e em segundo, para a transformação das práticas e crenças reelaboradas nesse
processo de justaposições, no tempo e no espaço, de diversas pertenças religiosas (ALMEIDA;
MONTERO, 2001, p. 93).
Demograficamente, segundo a classe social, a maior parte das mudanças está
concentrada nas classes C e D; de acordo com a divisão regional do país, na região definida
como Sulx (Região Sul mais São Paulo e Rio de Janeiro) foi onde ocorreram a maioria dessas
mudanças. Desses dados, os autores destacam as informações relacionadas ao gênero – as
mulheres são as que mais mudam de religião e também representam o maior contingente de
pentecostais (63,7%), na Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) esse percentual chega a
80%, enquanto a proporção de mulheres na população brasileira é de 52,3% (ALMEIDA;
MONTERO, 2001, p. 97).
Além disso, os autores apontam dois movimentos concomitantes, a princípio
contraditórios, a partir dos dados apresentados: 1) Religiosidade exclusivista e espiritualidade,
que insere o fiel em outra rede de sociabilidade, desencadeando nele mudança de
comportamento; 2) Movimento direcionado à desfiliação ou a não identificação com nenhuma
instituição, que muitas vezes é acompanhada de desqualificação da vida religiosa (ALMEIDA;
MONTERO, 2001, p. 96).
Ambos os movimentos fazem parte de um mesmo fenômeno de trânsito religioso. O
primeiro desses movimentos apontado por Almeida e Montero (2001, p. 96) assemelha-se ao o
que Sanchis (1994) classificou como “identidade pentecostal”, ao falar da assunção de uma
identidade exclusiva após a conversão, que repercute na totalidade da organização social do
35

indivíduo. Quanto ao segundo movimento, os dados do Censo Demográfico 2010 ilustram o


componente qualitativo da afirmação, apontando para um aumento percentual do número das
pessoas sem religião, que passaram de 7,4% em 2000, para 8% em 2010.
A partir dos dados trazidos pelo Censo Demográfico de 2000, Pierucci (2004, p. 17)
avalia que três das principais religiões classificadas como tradicionais demonstram sinais de
exaustão em sua capacidade de reprodução ampliada, o catolicismo, a umbanda e o luteranismo,
sendo esta uma das denominações que compõem o bloco das igrejas tradicionais do
protestantismo.
Pierucci (2004, p. 19) afirma que esse declínio segue uma tendência mais geral, quase
uma lei que se repete em todas as grandes culturas religiosas: a de perder terreno. O mesmo
acontece com o hinduísmo na Índia, que perde espaço devido à expansão do Islam. Assim como
o catolicismo brasileiro perde terreno a cada avanço pentecostal. Para esse autor, o declínio das
filiações tradicionais nas sociedades contemporâneas, onde os indivíduos tendem a se separar
de seus antigos laços; deve-se ao fato de as pertenças sociais e culturais individuais, inclusive
as religiosas, tornarem-se opcionais e, mais que isso, revisáveis nessas sociedades (2004, p. 19).

2.2 Quem são os evangélicos no Brasil

Para responder a esse questionamento é necessário retomar um dado histórico que


remonta à origem desse segmento religioso, a Reforma Protestante. A Reforma, em síntese,
consiste em um movimento que rompeu a unidade do Cristianismo centrado pela Igreja de
Roma. Esse movimento é parte das grandes transformações econômicas, sociais, culturais e
políticas ocorridas na Europa nos séculos XV e XVI, que enfraqueceram a Igreja permitindo o
surgimento de novas doutrinas religiosas Protestantes (WEBER, 2015; SANTOS, 2016).
Portanto, são consideradas “históricas” ou “reformadas” as igrejas que surgiram após a rebelião
de Martinho Lutero (1483-1546), monge agostiniano e professor de teologia germânico, as
igrejas reformadas que contém em seus símbolos de fé os paradigmas fundamentais propostos
por Lutero e João Calvino (1509-1564), teólogo cristão francês (MENDONÇA, 2007, p. 161).
Freston (1999, p. 329) pontua o caráter paradoxal e polivalente do protestantismo, para
que não se incorra em generalizações indevidas ao se analisar um campo vasto e dinâmico como
o protestante. Para Mendonça (2007, p. 164) é possível entender o protestantismo como um
universo de ideias, contraditórias muitas vezes, e que o tornam um espaço permanente de
controvérsias frequentemente divisionistas. O autor acredita que, mais do que qualquer outra
36

religião, o protestantismo está constantemente sujeito às injunções de correntes filosóficas e das


mutações sociais.
Dado ao dinamismo que caracteriza os evangélicos no Brasil e à heterogeneidade desse
grupo, faz-se necessário discernir os períodos de implantação do protestantismo no país e as
variadas denominações que compõem esse segmento. Mendonça (2005, p. 52-66) estabelece
uma estrutura para a compreensão desse campo. Em linhas gerais, o autor distingue: 1) a
implantação do protestantismo no Brasil (1824-1916); 2) a entrada de teologias novas (1916-
1952); 3) o impacto do protestantismo (1952-1962); 4) a revolução neopentecostal (1962-
1983), conforme traçado no seguinte panorama.
1) (1824-1916) Até o final do século XIX todas as denominações protestantes tradicionais
ou históricas já estavam instaladas no Brasil. Os ingleses anglicanos, que constituem o
primeiro grupo chamado de missão, com a ressalva de que os próprios não se
consideram protestantes; os chamados “confederados” norte- americanos procedem
principalmente do sul dos Estados Unidos e incluem protestantes de praticamente todas
as denominações norte-americanas; Imigrantes protestantes alemães começaram a
chegar ao Brasil em 1824. As características que marcam os evangélicos dessa época no
país são o proselitismo; a promoção do crescimento das igrejas; e a necessidade de
“educar para civilizar” – causa óbvia na mentalidade missionária americana.
2) (1916-1952) Época de repercussão no protestantismo brasileiro do movimento
Evangelho Social, que consiste no abandono de toda teologia metafísica em favor de
uma teologia dedicada ao Reino de Deus nesse mundo, em lugar de uma meta
ultraterrena, com traços do marxismo. Esse Evangelho foi bloqueado no Brasil
enquanto corrente teológica, entretanto, um dos seus projetos relativos ao Reino de
Deus, os Centros Sociais, surgiu nas igrejas maiores. Atualmente, tal projeto é visto
como heresia, pois o Reino de Deus voltou a ser visto como algo que ultrapassa a
história. O Evangelho Social foi uma das expressões diretas do liberalismo teológico
protestante. Em contrapartida, o denunciado fundamentalismo surgiu como uma reação
também direta à acolhida dada pelo liberalismo aos preceitos e métodos da ciência
moderna, principalmente à influência crescente do evolucionismo darwiniano.
3) (1952-1962) Esse período é caracterizado pela transformação da paisagem e da
população brasileira, com grandes contingentes da população que em pouco tempo
passa de rural para urbana e industrial. Concomitante à migração geográfica ocorre
37

a migração religiosa, as pessoas passam a buscar religiões mais práticas e que tenham
a ver com o seu cotidiano. Registra-se a explosão pentecostal. Quanto aos seus
princípios, o pentecostalismo sustenta a salvação da alma, o batismo com o Espírito
Santo, a cura divina e a segunda vinda de Cristo. São mantidas doutrinas comuns ao
protestantismo histórico, como a salvação individual e o pré-milenarismo, assim
como o batismo. A novidade era a nova ênfase na cura divina e o exorcismo de
demônios.
4) (1962-1983) Como um desafio às igrejas protestantes históricas avança nesse período o
movimento carismático no interior delas mesmas, ocasionando divisões que produziram
as igrejas “renovadas” ou neopentecostais.
Mendonça (2005, p. 51) define que “o protestante é o homem que se sente liberto por
Cristo, segue exclusivamente a Bíblia, cultiva uma ética racional de desempenho para contribuir
para a glória de Deus e vive moralmente segundo os 10 mandamentos e os padrões da moral
burguesa vitoriana”. Em conformidade com as transformações no campo protestante, há
também uma metamorfose nas características que definem o que é ser evangélico, o ascetismo
intramundano, caracterizado pelo padrão moral de conduta rigoroso que se expressava numa
estética sóbria, atualiza-se, adequando-se ao espírito do tempo (VITAL; LOPES, 2013).
Tendo em vista o papel de destaque desempenhado pelo pentecostalismo na ampliação
do campo evangélico no Brasil, faz-se necessário conhecer esse ramo do protestantismo e as
implicações de sua “explosão”, conforme as palavras de Mendonça (2005, p. 61), no cenário
religioso brasileiro. Tradicionalmente, reconhece-se como o começo do movimento Pentecostal
o Avivamento ocorrido em 1906, em Los Angeles, EUA. O primeiro missionário pentecostal
chegou ao Brasil menos de uma década depois. Esse movimento é caracterizado pelo batismo
com o Espírito Santo, evidenciado pelos dons do Espírito: dom de línguas, curas, profecias,
interpretação de línguas, etc. (ATAÍDES, 2006).
O pentecostalismo clássico abrange as igrejas pioneiras: Congregação Cristã no Brasil
(1910) e Assembleia de Deus (1911). No plano teológico, enfatizam o dom de línguas
(glossolalia), conforme a ênfase doutrinária dessa religião. Ambas as igrejas foram fundadas
por europeus que se converteram ao pentecostalismo nos Estados Unidos. O segundo grupo de
igrejas pentecostais a se implantar no país foram a Igreja do Evangelho Quadrangular no Estado
de São Paulo (1953) – assim como as duas igrejas pioneiras, esta também foi fundada por
estrangeiros, no caso, dois norte-americanos, que iniciaram o seu trabalho focado na pregação
da cura divina, atraindo uma multidão – Brasil para Cristo (1955, SP), Deus é Amor (1962, SP)
e Casa da Benção (1964, MG). Nessas igrejas, a ênfase teológica foi atribuída à cura divina.
38

Essa vertente pentecostal destacou-se pelo intenso uso do rádio e pela pregação itinerante com
o emprego de tendas e lonas (Mariano, 2004, p. 123).
Mariano (2004, p. 121) destaca que o crescimento pentecostal é um fenômeno verificado
em vários países em desenvolvimento, abarcando o Sul do Pacífico, a África, o Leste e o
Sudeste da Ásia e sobretudo a América Latina, onde o Brasil se sobressai com milhões de
filiados. A exuberância das taxas que emanam do pentecostalismo, como o crescimento
contínuo a mais de meio século sobre um contingente já robusto de adeptos, sinaliza que as
igrejas pentecostais souberam aproveitar e explorar eficientemente os contextos
socioeconômicos, cultural, político e religioso nas últimas décadas no Brasil.
Nessa profusão de números, chama também a atenção a concentração de fiéis em um
número reduzido de denominações pentecostais. Apesar da elevada quantidade delas no país,
Assembleia de Deus, Congregação Cristã no Brasil e Universal do Reino de Deus (IURD),
juntas, reúnem 74% dos pentecostais – com destaque para a IURD do segmento denominado
neopentecostal (Mariano, 2004, p. 122).
O neopentecostalismo teve início nos anos de 1970. As principais igrejas desse ramo do
pentecostalismo foram fundadas por pastores brasileiros, a IURD (1977, RJ), a Internacional
da Graça de Deus (1980, RJ), a Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra (1976, GO) e a
Renascer em Cristo (1986, SP). No plano teológico caracterizam-se por enfatizar a guerra
espiritual contra o diabo e seus representantes na Terra e por pregar a Teologia da Prosperidade.
É a vertente que mais cresce no pentecostalismo e também se destaca como proprietária de
emissoras de TV e como produtora e difusora de televangelismo. Entre as pentecostais, as
igrejas neopentecostais mostram-se mais adaptadas à sociedade abrangente e seus valores,
interesses e práticas. Daí seus cultos centrados nas promessas de concessão divina de
prosperidade material, cura física e emocional (MARIANO, 2004, p. 123-124).

2.3 A presença dos evangélicos no espaço público

A expansão dos evangélicos nas últimas décadas consolida outro fenômeno que
ultrapassa as transformações ensejadas no campo religioso no Brasil – a presença de adeptos
desse ramo cristão no espaço público (com a ressalva de que não negamos a presença de
representantes de outros segmentos religiosos na cena pública). Entretanto, aqui destacamos
39

que tal postura difere da verificada em outras religiosidades, em particular pelo fragor com que
busca se afirmar.
Giumbelli (2013) realiza exame acerca dessa expressividade a partir de alguns aspectos
do catolicismo, das religiões afro-brasileiras e de alguns exemplos dessa presença evangélica.
O catolicismo por se firmar como religião majoritária, possui uma estrutura que permite ao
mesmo tempo interlocução com as altas esferas do poder político e penetração no cotidiano.
Historicamente o catolicismo foi assimilado como a “religião natural” dos brasileiros. O que
possibilita que ele seja tanto reverenciado publicamente como permaneça oculto pela
naturalidade de sua presença. As religiões afro-brasileiras sempre foram francamente
minoritárias. Na produção cultural é atribuído a esta religiosidade um lugar complementar ao
catolicismo quando se trata de evocar dimensões tradicionais e formadoras da nacionalidade
brasileira (GIUMBELLI, 2013, p. 19).
As religiões afro-brasileiras sofreram perseguições, inclusive oficiais, ao longo de sua
existência e tendo que lidar com um estigma de “déficit de civilização”. Sendo a elas atribuídas
a pecha de magia e feitiçaria. Ao contrário do catolicismo, tais práticas afro-brasileiras tiveram
que conquistar o estatuto de religião. Para isso, a via privilegiada foi sua associação com um
legado africano (GIUMBELLI, 2013, p. 20).
Quanto aos evangélicos, sua presença não assume a forma de uma “cultura nacional” e
tampouco de uma “cultura étnica”. Eles em geral não estão interessados em utilizar a história
ou a tradição para fundamentar a sua presença. “Sua visão orienta-se para o futuro. Referente
ao presente, o que se tem é uma busca de visibilidade” (GIUMBELLI, 2013, p. 21).
De acordo com esse autor, a manifestação e presença dos evangélicos contemplam todas
as áreas da sociedade, algumas com mais expressividade do que os católicos. Essa presença vai
da política partidária ao contraponto ao narcotráfico nas comunidades carentes de muitas
metrópoles. E na indústria cultural, em que as produções evangélicas, conhecidas como Gospel,
ultrapassam o espaço religioso. O autor argumenta que um fator que interferiu na escolha desses
casos foi a dimensão performática que assumem, a qual cumpre um duplo papel: de ocupar
posições e de proliferar referências (GIUMBELLI, 2013, p. 18).
Quanto a esses casos destacados por sua dimensão performática, Giumbelli (2013, p.
19-35) lista vários exemplos. Dentre eles, exorcismos pela televisão, que constituem
demonstração de poder, potencializados pela tela da televisão, e visam novos testemunhos da
força evangélica. Atletas de cristo, que ganharam visibilidade a partir dos anos de 1990. Nas
favelas e nos presídios, a conversão evangélica é amplamente conhecida como a alternativa
mais segura para aqueles que querem escapar do narcotráfico. Nos parques públicos e nos trens,
40

tais práticas inspiram-se em trechos bíblicos que relatam a reunião de fiéis e a ocorrência de
revelações Divinas.

2.4 A presença dos evangélicos na política nacional

Não é novidade a presença dos evangélicos na política partidária nacional.


Representantes desse segmento religioso estão presentes no cenário político brasileiro desde
1930, mesmo que de forma pequena e discreta, com a eleição de alguns protestantes históricos
para o Congresso (FRESTON, 1999, p. 335). No entanto, os evangélicos não inauguram a
relação entre Estado e religião no Brasil. O Estado brasileiro se tornou laico a partir da primeira
Constituição Republicana (1891), mas em muitos episódios depois disso teve na Igreja Católica
um importante interlocutor (VITAL; LOPES, 2013).
Uma vez que essa presença na política partidária remonta a mais de 80 anos e
conhecendo a notoriedade que esse segmento adquiriu nas últimas décadas, dentre alguns
questionamentos que são suscitados, um, em especial, se faz premente: o que diz respeito à
relação do protestantismo com a democracia no Brasil. Freston (1999, p. 332), aponta diferentes
fases dessa relação: até os anos de 1950, o protestantismo como parte da democratização da
sociedade. Entre os anos de 1960 e 1970, o protestantismo como baluarte da ditadura em
oposição à Igreja Católica, que se transformou em defensora da democracia. Para o autor, nos
anos de 1980, com exceção da Igreja Luterana, que contestava a repressão, as outras, em sua
maioria, pertenciam às camadas populares sem condições de protestar sem ficar expostos a todo
o peso da ditadura. E, por fim, nos anos de 1990, ele destaca o que considera a consolidação
democrática e imprevisibilidade no campo religioso brasileiro, com a produção de novas
variantes de relação entre religião e sociedade.
Freston (1999, p. 333) assinala a importância que o pentecostalismo pode ter para a
democracia, à medida que constrói identidades e qualidades associativas. No entanto, para o
autor, no Brasil, o surgimento da IURD, mais poderosa do que as outras igrejas, coloca isso em
xeque. A IURD, fundada no subúrbio carioca, em 1977, está presente em mais de 40 países.
Possui a terceira maior rede de televisão do país. Desse modo, desequilibra o meio evangélico
ao mesmo tempo em que o polariza, ao possuir poder na mídia, base política e amplos recursos
financeiros.
41

Há uma transformação no perfil da política partidária evangélica a partir da


redemocratização do país (1985), caracterizada pelo crescimento do número de políticos que
assumem essa identidade e pela mudança no perfil dessa presença. O incremento do número de
parlamentares evangélicos é constante desde 1986, mesmo a despeito de todos os escândalos
que atingiram a Frente Parlamentar Evangélica, como o “escândalo das sanguessugas” ou
“máfia das ambulâncias” (VITAL; LOPES, 2013).
Os pentecostais, que décadas antes da Constituinte (1987) tinham um posicionamento
tradicional de negação do mundo, avançaram no campo político e na mídia, sobretudo na
televisão. Segundo Vital e Lopes (2013, p. 41):

(...) o fato de que eles precisavam ocupar esses espaços para defender os valores institucionais
e, sobretudo – argumento que vigora até hoje -, os valores morais que primariam pela família.
Sendo assim, na perspectiva que defendem, eles precisariam se organizar para atuar contra
ativistas homossexuais e feministas, bem como contra os defensores da umbanda e do
candomblé.

Dentre os elementos dessa transformação, também é possível mencionar a política


corporativa de algumas grandes igrejas pentecostais: principalmente a Assembleia de Deus, a
Quadrangular e a IURD que passam a apresentar candidatos oficiais. A Assembleia de Deus e
a IURD, além disso, passaram a ter partidos políticos próprios, o Partido Ecológico Nacional
(PEN), desde 2012, e o Partido Republicano Brasileiro (PRB), desde 2005, respectivamente
(VITAL; LOPES, 2013, p. 47). Entretanto, de acordo com os autores, as lideranças políticas
evangélicas não possuem projetos que possam ser definidos como “projetos evangélicos de
poder”. A atuação política desse segmento é fortemente marcada pelas diferenças existentes
entre as denominações evangélicas, o que chama a atenção para o caráter não homogêneo do
grupo.
Em decorrência dessa heterogeneidade, surgiram fracassadas tentativas de unificação
em torno de uma entidade representativa dos protestantes, com o objetivo de disputar o
eleitorado, maximizar o poder de barganha e ocupar espaços na religião civil. “Há um inegável
sentimento transdenominacional que, no entanto, não resguarda os evangélicos das divisões à
medida que se aproximam do poder” (FRESTON, 1999, p. 336).
Ainda que não haja um projeto em comum entre os políticos evangélicos e suas filiações
pluripartidárias, a Frente Parlamentar Evangélica, popularmente denominada Bancada
Evangélica, alinha-se por um lado, para aprovação de propostas de interesse do grupo, como a
declaração de apoio ao impeachment da presidente Dilma Rousseff (DEPUTADOS, 2016) e
por outro, para interferir no andamento de propostas relacionadas à pauta de Lésbicas, Gays,
42

Bissexuais, Transgêneros e Travestis (LGBTs), como casamento igualitário e criminalização


da homofobia (VITAL; LOPES, 2013).
Considerando essa união dos políticos evangélicos em torno da obstrução de pautas
LGBTs na Câmara e os argumentos centrais utilizados pelos pentecostais para justificar sua
entrada maciça na cena política partidária – a defesa dos valores morais contra os ativistas dos
direitos homossexuais – é interessante recuperar um episódio de um momento histórico, a
atuação dos políticos protestantes acerca da demanda do movimento gay na Assembleia
Nacional Constituinte. Em 1987, foi instalada a Assembleia Nacional Constituinte, sendo a
nova Constituição brasileira promulgada em 1988. À época, a reivindicação do movimento gay
brasileiro, representado pelo Triângulo Rosa, grupo fundando em 1985 no Rio de Janeiro, que
ocupou um lugar de destaque no movimento gay brasileiro, era incluir a orientação sexual no
capítulo referente às garantias e aos direitos individuais na Constituição Federal. Tal demanda
não foi atendida, mas os debates ensejados em torno dessa luta ganharam a cena pública
(CÂMARA, 2002).
O movimento gay organizado, que encampava a luta pelo reconhecimento dos direitos
civis e, ao mesmo tempo, contra o preconceito, obteve apoio de importantes entidades da
sociedade civil. O que forçou os parlamentares a se posicionar acerca do tema (CÂMARA,
2002, p. 109). Na quase totalidade dos discursos desses parlamentares evangélicos e
conservadores, como Sandra Cavalcanti (PFL) 27, para ficar em alguns exemplos, há uma clara
associação entre “homossexualismo” com AIDS e outras doenças, criminalidade, má formação
congênita e pecado – ao que um dos deputados atribui a necessidade de leitura da Bíblia para
uma compreensão mais abrangente do “homossexualismo”. Em contraponto a esses
posicionamentos, alguns discursos afinados aos Direitos Humanos, em prol da pluralidade.
Dentre os favoráveis, destaca-se a atuação da deputada Benedita da Silva (PT) que, embora
protestante, não se alinhava a bancada evangélica e sustentava a lógica da defesa da
individualidade e do respeito humano, essa extensiva aos direitos de gays e lésbicas
(CÂMARA, 2002, p. 117). Nesse período, 1985-1988, a epidemia de AIDS, uma doença até
então pouco conhecida, era publicamente associada aos gays e a reação das autoridades
públicas, tanto no Brasil quanto em outros países, à epidemia foi lenta, o que contribuiu,
sobremaneira, para o agravamento desse cenário de disseminação da doença e de preconceitos
(VALLE, 2002, p. 193).

27
O PFL desde 2007 mudou o seu nome para Democratas (DEM).
43

A polêmica atuação de políticos evangélicos sobre a pauta da Diversidade Sexual não


está restrita a um contexto específico, nem é encampada apenas por políticos ligados a
determinadas denominações evangélicas e tampouco a filiação desses políticos se limita a
legendas partidárias oriundas de igrejas pentecostais, como o PEN e o PRB. Essa atuação
contrária às demandas dos Movimentos Homossexuais, por parte desses políticos, é difusa e
possui representação tanto no executivo quanto no legislativo; nas diferentes esferas, federal,
estadual e municipal.

2.4.1 Novas cenas, velhos atores: eleições municipais de 2016

As eleições municipais de 2016 foram marcadas pela eleição e reeleição de prefeitos


que publicizam sua vinculação religiosa. Alguns desses prefeitos suscitaram polêmicas que
ultrapassam a esfera de seus respectivos municípios e adquirem projeção nacional. Apontamos
como o exemplo mais significativo dessas repercussões a eleição de Marcelo Crivella, da Igreja
Universal do Reino de Deus, para prefeito do município do Rio de Janeiro – dada à relevância
da cidade. Nesse contexto, como demonstração da confluência entre universo religioso e
política partidária, mencionamos a reeleição de Josias Quintal de Oliveira para prefeito do
município de Santo Antônio de Pádua, RJ. Ambos os prefeitos já possuíam uma considerável
trajetória no meio político brasileiro.
A propósito da inédita eleição de um político da IURD, o Senador e bispo licenciado
Marcelo Crivella, para o topo do poder executivo de um município com a relevância do Rio de
Janeiro, o sociólogo Ricardo Mariano, autor do livro “Neopentecostais: Sociologia do Novo
Pentecostalismo no Brasil” (1999), em entrevista ao jornal O Globo28, destaca o caráter
simbólico dessa vitória, “já que o Rio é uma vitrine mundialmente conhecida”. O sociólogo
aponta a relevância dessa conquista para a polêmica IURD, pois essa é também “uma vitória de
um bispo da Igreja Universal, que é uma denominação controversa mesmo dentro do meio
evangélico, criticada por vários setores da mídia e por membros de movimentos feministas, do
ativismo LGBT, de defensores de Direitos Humanos”. Nessa entrevista, Mariano traça um
cenário de possíveis efeitos que políticos como Crivella podem ter à frente das prefeituras e

“Universal tem um projeto flexível de poder, diz autor do livro ‘Neopentecostais”, publicado em 04/11/2016.
28

Disponível em http://oglobo.globo.com/ Acessado em 05/11/2016.


44

destaca o poderio da IURD no cenário político brasileiro, que resvala em políticos do PT, PSDB
e PMDB e Ministros do STF.

Elas podem facilitar o acesso das igrejas em parcerias de políticas públicas na área social, podem
beneficiar igrejas em dificuldades com o código de edificação, podem flexibilizar leis de silêncio,
como a do PSIU que temos em São Paulo. O poder político serve a essas necessidades, por isso
as igrejas buscam essas influências, que não são novas. No Rio, havia o Cheque-Cidadão, que
era distribuído pelos pastores da Assembleia, o que era um duplo clientelismo: cooptava o apoio
evangélico dos pastores, e eles atraíam com os cheques mais gente às suas congregações. Na
inauguração do Templo de Salomão, quem estava presente na primeira fila? Dilma, Temer,
Alckmin, Haddad. Ministros do STF. Isso representa um poder imenso.

Quanto à questão homossexual29, em reportagem do jornal O Globo30, adversários


acusam Crivella de misturar política com religião, sendo refratário às políticas de gênero; além
de, ao ser questionado pelo jornal, o político não dar uma resposta precisa quanto à alocação de
recursos públicos para a Parada Gay. Outra reportagem do mesmo diário31 repercutiu as reações
de Movimentos LGBTs a declarações homofóbicas feitas por Crivella em seu livro
“Evangelizando a África” (2002). Das muitas reações publicadas nessa matéria, destacamos a
opinião do cientista político e professor da UFRJ, Paulo Baía, para quem, o livro de Crivella
reforça o estereótipo da ligação do político com a Universal. Contudo, Baía “crê que o
eleitorado que se sensibiliza com as questões de intolerância e preconceito contra homossexuais
já não vota no candidato do PRB”. Conforme a percepção de Baía e as evidências (as eleições
do bispo para o Senado e para a prefeitura), “Crivella sempre enfrentou essas reações e soube
se sair delas”. Em 21 de outubro de 2016 32, a Folha de São Paulo repercutiu o vídeo em que o
então candidato do PRB associa “tentativa de aborto a comportamento homossexual”. Para ele,
“gays merecem compreensão porque podem ser fruto de aborto mal sucedido”. Como
veremos

29
No ano de 2007, no contexto de aprovação na Câmara Federal do projeto de Lei 5003/2001, que “determina as
sanções às práticas discriminatórias em razão da orientação sexual das pessoas”, Marcelo Crivella, à época
Senador Federal, declarou em ocasiões públicas sua disposição em atuar contra a aprovação do projeto. Em
Audiência Pública realizada no Senado Federal, em outubro de 2007, Crivella proferiu: “Esse PL deve ser
barrado se não nesse Grupo de Trabalho, na Comissão de Direitos Humanos. Se não for aqui vai ser na Comissão
de Constituição de Justiça (CCJ); e se não for na CCJ, será no Plenário; e se não no Plenário, vamos a sanção do
presidente; e se ainda assim for preciso, vamos ao Supremo Tribunal Federal” (NATIVIDADE, 2008, p. 45).
30
Fonte: “A família deve ser mantida como ela é’ diz Crivella sobre casamento religioso de gays”, publicado em
09/09/2016. Disponível em http://oglobo.globo.com/ Acessado em: 10/01/2017.

Fonte: “Entidades reagem às afirmações de Crivella sobre gays e religiões”, publicado em 17/10/2016.
31

Disponível em http://oglobo.globo.com/ Acessado em 10/01/2017.


32
Fonte: “Em vídeo, Crivella ataca homossexuais”, publicado em 21/10/2016. Disponível em
http://politica.estadao.com.br/ Acessado em 10/01/2017.
45

no próximo tópico, tal postura de Crivella é afinada com a concepção da IURD em relação aos
homossexuais.
Atualmente no Brasil, um dos exemplos mais radicais dessa aproximação entre religião
e política partidária, vem do município de Santo Antônio de Pádua, no interior do estado do Rio
de Janeiro, onde o prefeito reeleito, Josias Quintal de Oliveira (PSB) 33, ex-secretário estadual
de Segurança Pública do governo de Anthony Garotinho (1999), no primeiro decreto de seu
novo mandato, recorreu “oficialmente” à ajuda divina. No decreto n. 01/2017, em tom
grandiloquente o prefeito considera que, “os desafios para a humanidade se tornam cada vez
mais difíceis, ante a falta de unidade entre as pessoas” e também que, “os perigos da corrupção
que pairam sobre os seguimentos (sic) públicos, somente se tornam impenetráveis em um
governo encouraçado, cujo Deus é o Senhor”, para justificar a decisão de “entregar a Deus o
destino do Governo do município” durante a sua gestão (2017-2020) 34.

2.5 Os evangélicos e a homossexualidade

Nesse tópico apresentamos distintas perspectivas de homossexualidade entre os


evangélicos. Autores com pesquisas nessa área – protestantismo e homossexualidade –
(NATIVIDADE; OLIVEIRA, 2013; MACHADO; PICCOLO, 2010; GOMES, 2006) apontam
que a produção sobre orientação sexual e religiões cristãs, em especial o protestantismo, é
modesta quando comparada àquela que se dedica aos cultos afro-brasileiros. Em linhas gerais,
essas análises sugerem uma constante rejeição religiosa à diversidade sexual em crenças cristãs.
Nas revisões de estudos sobre direitos LGBTs, realizada pelos autores (NATIVIDADE;
OLIVEIRA, 2013; MACHADO; PICCOLO, 2010), evidencia-se o conservadorismo católico e
evangélico, que bloqueia as demandas por reconhecimento de pessoas não heterossexuais. Ao
mesmo tempo, eles constatam uma complexificação desse cenário social, com a entrada em
cena de grupos minoritários, como as “igrejas inclusivas”.

33
Também do PSB, o prefeito eleito pelo volto popular e “designado por Deus”, Jairo Silveira Magalhães, do
Município de Guanambi, no interior da Bahia, em seu primeiro decreto à frente da prefeitura do município,
entregou a chave da cidade “ao Senhor Jesus Cristo”. Disponível em
http://procedebahia.com.br/guanambi/publicacoes Acessado em 10/01/2017. No dia seguinte o prefeito se
pronunciou a despeito de eventual mal entendido, dizendo que “foi inspirado no preâmbulo da Constituição, que
promulga a lei sob a proteção de Deus”. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/ Acessado em 10/01/2017.
34
Fonte: http://santoantoniodepadua.rj.gov.br/transparencia Acessado em 10/01/2017.
46

De acordo com Gomes (2006, p. 25-26), no protestantismo brasileiro, a teologia prática


reflete a práxis do pastor e vincula-se à tradição denominacional e ao discurso oficial de uma
determinada confissão protestante. As representações da sexualidade no protestantismo
brasileiro são impingidas por profissionais da fé, pastores e missionários – normalmente norte-
americanos ou lá formados, o que confere a esses atores um semblante de especialistas em
sexualidade humana, colocando-os como sexólogos insuspeitos perante uma massa de fiéis.
Consequentemente, conclui o autor, a pedagogia sexual do protestantismo brasileiro produz as
formas apresentadas pelo protestantismo puritano norte-americano: a sexualidade da norma,
sem nenhuma referência ao prazer, com a finalidade de zelar pela funcionalidade do matrimônio
e a procriação.
Machado e Piccolo (2010) em pesquisa35 sobre as relações de gênero; sexualidade e
família; percepções sobre diversidade sexual; direitos sociais; violência e homofobia;
DST/HIV/AIDS junto a lideranças religiosas evangélicas, católicas, espíritas, afro-brasileiras e
judaicas, encontraram obstáculos para o desenvolvimento de seu trabalho impostos por algumas
denominações religiosas, mais especificamente a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), a
Assembleia de Deus, a comunidade judaica e as lideranças religiosas com cargos no Poder
Legislativo.
A análise dos discursos das lideranças religiosas apresenta a importância das
perspectivas naturalistas (em resumo, sexualidade atrelada às expectativas de papel de gênero
atribuídas ao sexo fisiológico, com finalidade de procriação) nas concepções da sexualidade.
Com uma preocupação em distinguir “dois tipos” de homossexualidade, uma determinada por
fatores genéticos e psicológicos e outra caracterizada por uma escolha moral (MACHADO;
PICCOLO, 2010).
Entre os evangélicos, verificou-se acentuado apego à heteronormatividade no ramo
pentecostal, embora as interpretações para a homossexualidade sejam diversas. Entre os
protestantes históricos se encontrou concepções distintas da sexualidade humana e da
homossexualidade, o que tem ocasionado transformações nesse ramo evangélico. Como a
existência de um grupo de teólogos luteranos desenvolvendo uma teologia queer36 e o
surgimento das igrejas inclusivas (MACHADO; PICCOLO, 2010, p. 161).

35
A pesquisa, financiada pelo Ministério da Saúde, foi realizada na região metropolitana do Rio de Janeiro e em
duas cidades da região serrana do estado, Petrópolis e Teresópolis (MACHADO; PICCOLO, 2010, p. 20).
36
Conforme nota do tradutor de Butler (2000, p. 171), “o termo "queer" tem sido usado, na literatura anglo-
saxônica, para englobar os termos "gay" e "lésbica". Historicamente, queer é empregado para se referir, de forma
depreciativa, às pessoas homossexuais. Sua utilização pelos ativistas dos movimentos homossexuais constitui
uma tentativa de recuperação da palavra, revertendo sua conotação negativa original. Essa utilização renovada da
47

No ramo pentecostal, constatou-se a tendência das lideranças a apresentarem uma leitura


mais literal da Bíblia e de valorização do Antigo Testamento. Essa perspectiva sobre
sexualidade apresenta semelhanças com as dos judeus ortodoxos que referenciam as mesmas
escrituras. Entretanto, existem diferenças também entre os pentecostais, com algumas
lideranças destacando os aspectos espirituais e outras destacando aspectos biológicos,
psicológicos e também “problemas de caráter” (MACHADO; PICCOLO, 2010, p. 162).
Conforme a análise empreendida pela pesquisadora Fabíola Rohden e a equipe
GRAVAD (2005, p. 191), segundo os dados da pesquisa GRAVAD37, que não se restringe à
esfera religiosa, as mulheres são mais favoráveis à homossexualidade, com exceção das
pentecostais. Enquanto os homens se destacam por repudiar a homossexualidade, tal repúdio
também é maior entre os homens pentecostais. Grande número dos entrevistados considera que
homens que fazem sexo com outros homens “não tem vergonha” ou são “doentes”. Natividade
e Oliveira (2013, p. 42), que também comentaram essa pesquisa, chamam a atenção para o fato
de essa entrevista ter sido realizada com jovens entre 18 e 24 anos, demonstrando índices
expressivos de rejeição à homossexualidade em uma camada da população mais sensível aos
processos de modernização.
Marcelo Natividade e Leandro de Oliveira, antropólogos que há mais de uma década
pesquisam sobre homossexualidades e protestantismo no Brasil, possuem uma incontornável
obra (2004; 2005; 2008; 2009; 2010; 2013) para essa discussão. Os autores apresentam uma
compilação de dados e análises que contribuem para a compreensão da perspectiva evangélica
acerca de homossexualidade, a partir da interpretação da pesquisa quantitativa “Novo
Nascimento” (1998), que tinha como objetivo verificar o impacto da religião na vida pública e
privada de evangélicos do Rio de Janeiro, conduzida pelo ISER, e da pesquisa qualitativa e
quantitativa conduzida por Machado (1996) com católicos carismáticos e pentecostais. Nesse
painel analisado pelos autores, destacam-se de ambas as pesquisas, resistência a mudanças

palavra queer joga também com um de seus outros significados, o de "estranho". Os movimentos homossexuais
falam, assim de uma política queer ou de uma teoria queer”.
37
A pesquisa “Gravidez na adolescência: estudo multicêntrico sobre jovens, sexualidade e reprodução no Brasil”
(Pesquisa GRAVAD) foi realizada por três centros de pesquisa: Programa em Gênero, Sexualidade e Saúde, do
IMS/UERJ, Programa de Estudos em Gênero e Saúde, do ISC/UFBA, e Núcleo de Pesquisa em Antropologia do
Corpo e da Saúde da UFRGS (HEILBRON; GRAVAD, 2005). “A pesquisa GRAVAD versou sobre os seguintes
tópicos: história familiar e socialização para a sexualidade, primeiro namoro, as experiências de ficar, iniciação
sexual, relacionamentos afetivos e suas rupturas, moralidade sexual, práticas e repertório sexuais com parceiro
do sexo oposto ou do mesmo sexo, ocorrência ou não de gravidez e/ou aborto, e vivência da maternidade e
paternidade” (CLAM, 2005). A pesquisa foi realizada em três capitais, Porto Alegre, Rio de Janeiro e Salvador
com jovens entre 18 e 24 anos de idade.
48

sociais; conservadorismo religioso; rejeição da homossexualidade; maior “acolhimento” de


homossexuais na IURD; demonização da homossexualidade; e maior intenção punitiva a
homossexuais na Assembleia de Deus. O “acolhimento” percebido na IURD pode ser analisado
como uma estratégia para a maior incorporação de fiéis ao culto38 (NATIVIDADE;
OLIVEIRA, 2013, p. 40-41).
Sobre esse tipo de “acolhimento”, que se revela cruel, podendo também ser lido como
espécie de “homofobia pastoral”, Natividade e Oliveira (2009, p. 208), em outro momento, mas
em situação correlata com a demonstrada na pesquisa, fazem a seguinte colocação:

O acolhimento aos homossexuais é a face mais solar de uma estratégia política higienista,
agenciada no plano das micro relações cotidianas, que não atinge os sujeitos diretamente com a
ameaça da violência física, mas antagoniza e desqualifica sexualidades consideradas
indesejáveis. Esta forma de homofobia pastoral apresenta a desqualificação e o expurgar da
diferença como uma atitude ativa de cuidado e zelo para com o outro, consonante com a ética
cristã (NATIVIDADE; OLIVEIRA, 2009, p. 214).

Ao analisar discursos evangélicos e católico sobre homossexualidade, Natividade e


Oliveira (2004, p. 3-4) identificaram três inclinações em relação às concepções de
homossexualidade: um discurso afinado com o discurso pentecostal, a homossexualidade como
possessão demoníaca a ser solucionada na experiência religiosa; um discurso que porta uma
visão psicologizante da homossexualidade; e um discurso inclusivo, que reporta à ideia de ética
e de comportamento responsável independente de orientação sexual.
Natividade (2005, p. 248), partindo do estranhamento da noção de “cura” propagada na
mídia e na literatura evangélica, assinala que, de maneira geral, entre os evangélicos, a
homossexualidade é algo demoníaco, que atenta contra uma natureza divinamente ordenada, na
qual a heterossexualidade é a única possibilidade legítima, segundo os princípios de Deus. O
exame de literatura religiosa feito por Natividade (2008, p. 103) constata a presença de
conselhos e procedimentos para a libertação na sexualidade, sendo alguns, verdadeiros manuais
para a “cura do homossexualismo”, com instruções, técnicas específicas e exercícios práticos.
Nesse contexto religioso, a entrada em cena das igrejas inclusivas, ainda que
minoritárias, acrescenta mais diversidade à concepção protestante de homossexualidade. Essas
igrejas, que são normalmente chamadas de “igrejas gays”, diferenciam-se no campo religioso
mais amplo pela criação de cultos em que aos homossexuais é facultada a possibilidade de
ocuparem cargos eclesiais sem que seja necessária a ocultação de sua identidade sexual

38
Esse tipo de postura é amplamente afinada com as concepções públicas sobre homossexualidade do prefeito
eleito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (PRB), conforme destacado no tópico anterior.
49

(NATIVIDADE, 2010, p. 90). O autor comenta que estas igrejas parecem indicar a constituição
de um mundo social específico, onde as pessoas socializadas em religiões cristãs e que
compartilham de uma identidade LGBT podem constituir laços eletivos e permitir o
compartilhamento da sua dimensão íntima da vida, frequentemente vivenciados numa situação
de relativa clandestinidade, até que elas entrem para essas comunidades inclusivas. Sob uma
perspectiva dos direitos humanos, Natividade (2013, p. 37) destaca a emergência de novos
sujeitos de direitos e de novos fenômenos em múltiplos contextos, tal emergência sugere a
ampliação dos debates e um convite para que instituições religiosas repensem valores,
posicionamentos e atitudes.
A controvertida relação entre evangélicos e homossexualidade – embora esta não seja
homogênea – mostra-se igualmente polêmica no âmbito dos “psicólogos cristãos”. O
posicionamento público de “psicólogos cristãos” sobre homossexualidade ocasionam embates
com os Conselhos de Psicologia, por estar na contramão do prescrito por esses órgãos
reguladores acerca do tema.
50

3 O CORPO DOS PSICÓLOGOS E PSIQUIATRAS CRISTÃOS (CPPC) 39

3.1 Conexão psicologia-religião: os psicólogos evangélicos

Nos anos de 1970, iniciou-se na esfera religiosa brasileira uma transformação que,
segundo dados estatísticos, ainda estaria em andamento. Desde então tem diminuído o número
de católicos – embora continuem majoritários – acompanhado por um aumento contínuo do
número de evangélicos (IBGE, 2010), associado à emergência e fortalecimento expressivo de
um dos segmentos desse campo religioso, o pentecostalismo (MARIANO, 2004, p. 121;
MENDONÇA, 2005; 2007).
Concomitantemente, no contexto da ditadura militar, verifica-se por um lado uma
mudança na relação da Igreja Católica com o Estado. A “Opção pelo Povo” expressa o
privilégio desse vínculo, em detrimento da sua relação com o Estado autoritário (CASANOVA,
1994; SANCHIS, 2005). Nessa mesma época, constata-se uma modificação do relacionamento
da Igreja com a psicologia como disciplina e como profissão institucionalizada. A Igreja,
institucionalmente e através de seus agentes na base, que até então viabilizava a formação de
parte dos seus quadros nesse sentido, e em resposta ao contexto, volta-se do individual para o
coletivo, passando, a partir dos anos de 1980, a priorizar a sociologia (SANCHIS, 2005, p. 34-
35). Enquanto, por outro lado, desde os anos de 1960, percebe-se um crescente investimento
protestante na psicologia institucionalizada, tanto no surgimento de organizações que articulam
os saberes “psi” ao protestantismo quanto do crescente número de pastores e fiéis evangélicos
interessados em graduar-se em psicologia (CARVALHO, 2007; 2011; DEGANI-CARNEIRO,
2013).
Sobre essa conexão entre religião e psicologia, para Duarte et al (2006), nas igrejas
evangélicas ocorre um fortalecimento progressivo dos saberes e práticas psicológicas
fomentadas por missões internacionais de “aconselhamento cristão” e de “cura interior”. No

39
Tomamos como referência da história e forma de organização do Corpo dos Psicólogos e Psiquiatras Cristãos
(CPPC) as informações contidas na base de dados da própria instituição, disponível para consulta pública. No
website do CPPC são armazenadas informações sobre a organização, como seu estatuto e seu código de ética
próprios; boletins informativos; teses e artigos que abrangem temas diversos relacionados à saúde mental,
comportamento e teologia, de autoria dos seus próprios membros ou de autores externos referenciados por eles;
indicação de livros e DVDs relativos ao CPPC e a temas de interesse da organização e de seus membros; um link
que conduz a uma área do site restrita aos membros da instituição, acessada apenas a partir de senha pessoal;
agenda, em que informa data e local de suas próximas atividades e eventos; a relação dos seus membros plenos; e
um sistema de busca que localiza os profissionais associados à organização e os seus respectivos contatos
conforme sua região; dentre outros dados – Fonte: www.cppc.org.br Acessado em maio de 2015.
51

Brasil, essa psicologização acontece através de cursos destinados aos evangélicos, com o
objetivo de formar missões ministeriais interdenominacionais. Os principais aspectos desse
movimento são a “releitura da psicologia a partir da Bíblia e ênfase no caráter diretivo-
educacional e aconselhador de questões emocionais diversas” (2006, p. 19).
Esse contexto de transformação religiosa, em especial a efervescência evangélica e as
consequências desencadeadas por ela, particularmente no campo “psi”, é decisivo para a
emergência e posterior desenvolvimento do campo atual da “clínica pastoral”. O Corpo dos
Psicólogos e Psiquiatras Cristãos (CPPC), a mais representativa organização desse segmento
no Brasil, torna-se assim uma fonte privilegiada para a identificação, investigação e
compreensão da própria organização desses profissionais que conjugam identidade profissional
com confissão religiosa.

3.2 A fundação do CPPC

As repercussões que desencadeamos pelo fato de ousarmos existir jamais conheceremos


satisfatoriamente 40

Observamos com Duarte e Carvalho (2005, p. 495), que a fundação do Corpo dos
Psicólogos e Psiquiatras Cristãos (CPPC), em 1976, “coincide com um período de grande
difusão e institucionalização da psicologia e da psicanálise, com todas as intensas disputas
territoriais que isso implicou entre psiquiatras e psicólogos”. Em janeiro de 1976, a ideia do
CPPC teria surgido a partir de um evento sobre teologia e psicologia em Curitiba, com o
objetivo de desenvolver “estudos criativos sobre as relações das ciências psicológicas e a
teologia e filosofia hebraico-cristã”. Como marco histórico dessa fundação é mencionado o
41
Congresso Missionário da Aliança Bíblica Universitária do Brasil (ABUB) , que lançaria as
bases do que viria a ser o CPPC.

40
Fonte: “Interface acadêmica do CPPC”. Disponível em http://www.cppc.org.br Acessado em maio de 2015.

41
A Aliança Bíblica Universitária do Brasil (ABUB), fundada no final da década de 1950, é uma organização
missionária evangélica vinculada à International Fellowship of Evangelical Students (Comunidade Internacional
de Estudantes Evangélicos), que existe para compartilhar o “Evangelho de Jesus Cristo nas escolas e
universidades brasileiras, através da iniciativa dos próprios estudantes”. Complementa a missão da ABUB, “o
treinamento e formação de estudantes e profissionais, visando o testemunho cristão e o serviço à Igreja e à
sociedade”. Fonte: www.abub.org.br Acessado em 11/08/2016.
52

Conforme alguns membros que participaram da fundação da organização, o CPPC


despontou em virtude da “inquietação” presente na vida de jovens religiosos, uns estudantes e
outros recém-formados em psicologia ou psiquiatria. Esses profissionais se sentiam
marginalizados em seu âmbito profissional em decorrência de sua confessionalidade religiosa
evangélica (CARVALHO, 2007, p. 148).
No contexto da fundação do CPPC, seus pioneiros destacam as diferenças existentes
entre as distintas teologias e também das diferentes construções teóricas em psicologia “no
entendimento e processamento da relação psicologia-religião”. A partir dessa tensão, eles
consideram toda ciência e toda teologia “parciais”; e apontam a importância que desempenha a
biografia e a subjetividade de cada autor, teólogo ou psicólogo, nesse campo de estudos.
Salientam a existência de preconceitos de ambos os lados, do científico e do religioso, mas
acreditam que “a grande frequência de psicólogos hoje nos cursos de pós-graduação em ciências
da religião e de pastores cursando psicologia mostra uma confluência de interesses realmente
plural” 42.

3.3 O que é o CPPC

O CPPC se auto define institucionalmente em diversos documentos disponíveis para


consulta e em diferentes momentos desde a sua fundação. A organização se identifica como
entidade civil, de caráter educativo-científico, que funciona como fórum permanente de estudos
de questões das áreas da psicologia, psiquiatria, saúde e religião, congregando estudantes e
profissionais da área “psi”. Conforme informa Ageu Heringer Lisboa (2003), um dos
fundadores do CPPC e seu primeiro presidente (2003) 43, o CPPC não pretende ser uma central
única de psicólogos e psiquiatras cristãos no Brasil. Embora a organização não congregue a
totalidade dos “psicólogos cristãos” do país, é uma das instituições do segmento ‘psi-cristão’
mais destacada entre os evangélicos brasileiros44 (DEGANI-CARNEIRO, 2013, p. 62). Como

42
Fonte: “A aposta dos fundadores”. Disponível em www.cppc.org.br Acessado em 10/05/2015.
43
Disponível em www.cppc.org.br Acessado em 10/05/2015.
44
W destaca que o CPPC, além de popularidade, desfruta de prestígio. “É a instituição mais relevante no meio
‘psi-cristão’. Não há nenhum outro (instituto) de referência como o CPPC” – “W” é a designação que adotamos
para nos referir a um de nossos entrevistados, a fim de preservar a identidade do mesmo. W é “psicólogo
cristão”, evangélico e membro do CPPC.
53

reconhece o próprio CPPC, desde a sua fundação, a instituição se tornou um referencial para
estudantes de psicologia e psiquiatria procedentes do campo evangélico e também do católico45.
Entretanto, a auto definição também se pauta em negativas, em tom às vezes defensivo, que
mais negam do que afirmam uma possível identidade organizacional, como por exemplo, “o
CPPC não é e nem tem o intuito de transformar-se em uma igreja local. Nossas bases de fé
estão amplamente divulgadas em nossos estatutos”46. Para Carvalho (2007, p. 149):

Pelo menos dois aspectos devem ser aqui destacados quanto ao CPPC: trata-se de um movimento
que investe nas três áreas ‘psi’ (psiquiatria, psicologia e psicanálise) de modo intra-acadêmico e
não profissionalizante (não se propõe a “formar” profissionais, mas sim oferecer um espaço
coletivo e corporativo de estudos e de referências nacionais e internacionais), o que torna seu
quadro de membros majoritariamente constituído por estudantes e profissionais “psi”. Um outro
aspecto é que se trata de um movimento de aproximação explícita e oficial das bases teórico
conceituais ‘psi’ com a perspectiva cristã, de tal forma que a psicanálise é aqui ressignificada e
transformada em seus conceitos e teorias. Não se trata de compor uma dissidência da psicanálise,
mas uma variação interna que é inspirada em psicanalistas cristãos como Oskar Pfister47.

Lisboa (2003) 48, ao falar sobre a identidade e personalidade própria de cada núcleo do
CPPC49, afirma a heterogeneidade da organização; ao mesmo tempo em que expressa o seu
desejo de que a mesma “não sofra cisões por polarizações ideológicas ou hegemonia de uma
determinada orientação teórica”. O autor menciona as diferentes abordagens psicológicas dos
membros do CPPC e em seguida, coloca em evidência o caráter teísta da organização,
concluindo que “a genuína sabedoria vem da Palavra de Deus”.
O CPPC declara não possuir clínicas, nem estar subordinado a instituições religiosas ou
de qualquer natureza. Entretanto, informa possuir convênios com seminários e institutos

45
Fonte: “Interface acadêmica”. Disponível em www.cppc.org.br Acessado em 10/05/2015.

Fonte: “Diretrizes de funcionamento dos núcleos locais do CPPC”. Disponível em www.cppc.org.br Acessado
46

em 10/05/ 2015.
47
Oskar Pfister (1873-1956), pastor e psicanalista suíço, gostava de se apresentar como “Oskar Pfister, pastor em
Zurique” quando assinava as suas contribuições à psicanálise. Tinha boas relações com Freud, que sempre
confiou nele, apesar da desconfiança em relação à religião (ROUDINESCO; PLON, 1997, p. 588). A
psicanalista Karin Wondracek, membro proeminente do CPPC, traduziu o livro “Cartas entre Freud e Pfister –
um diálogo entre a psicanálise e a fé cristã” (2009) no Brasil (no original Psychoanalysis and Faith, dialogues
with the Reverend Oskar Pfister).
48
Disponível em www.cppc.org.br Acessado em 10/05/2015.
49
Os trabalhos nos núcleos locais do CPPC devem acontecer de forma autônoma, mas integrada na região na
qual está situado e também ao funcionamento geral do CPPC Nacional. Um núcleo para se constituir deve contar
com no mínimo 5 (cinco) profissionais interessados em reunir-se para discutir a relação da psicologia com a fé
cristã, sendo, no mínimo, 3 (três) deles, psicólogos. Fonte: “Diretrizes de funcionamento dos núcleos locais do
CPPC”. Disponível em www.cppc.org.br Acessado em 10/05/2015.
54

teológicos para elaboração e docência em cadeiras de aconselhamento e demais cadeiras ligadas


à psicologia e saúde mental.
A instituição promove regularmente reuniões, seminários, congressos e cursos. Nesses
encontros, que consistem em um misto de reunião científica com culto evangélico, a gênese do
CPPC na Aliança Bíblica Universitária do Brasil (ABUB) é evocada para justificar a
manutenção de certos princípios e ritos herdados dessa origem. Para que os seus eventos não
sejam “meras atividades de caráter científico”, fazem questão de que “o caráter cristão esteja
claramente manifesto através de expressões litúrgicas como, orações e leituras da Bíblia” 50
.
Nesses eventos, que ocasionalmente contam com a participação de convidados nacionais e
estrangeiros, são apresentados e discutidos trabalhos e casos clínicos, sob a perspectiva da
“clínica pastoral”. Educação, depressão, “sexualidade sadia” e “disfunção familiar” são alguns
dos temas tratados por eles, em sua maioria de autoria dos próprios membros do CPPC. São
alguns exemplos desses eventos, “Retratos urbanos: múltiplos olhares de humanização” e
“CPPC: sua história a interface ciência e fé” (ANEXO A e ANEXO B).

3.4 A organização e instalação do CPPC pelo Brasil

Passados 40 anos da fundação do CPPC, a organização iniciada em Curitiba, espalhou-


se por todas as regiões do Brasil. A organização tem sede na Cidade do Rio de Janeiro e possui
seis núcleos regionais distribuídos por todo o país, conforme a tabela 2 51. O CPPC é uma ONG
(LIMA: 2004, p. 33) e possui uma estrutura de governança, sancionada por seu estatuto social,
composta por Presidência; Secretaria executiva nacional; Vice-presidência regionais; Vice-
presidência de publicações; Vice-presidência financeira; Membros do Conselho fiscal e
assessorias, estruturada conforme exposto na tabela 3.

Fonte: “Diretrizes e funcionamento dos núcleos locais do CPPC”. Disponível em www.cppc.org.br Acessado
50

em 10/05/2015.

51
Todas as tabelas referentes às informações do CPPC foram baseadas em dados disponibilizados para consulta
pública pela própria organização em sua base www.cppc.org.br Acessada em 10/05/2015.
55

Tabela 2 - Sede e distribuição regional do Corpo dos Psicólogos e Psiquiatras Cristãos


(CPPC) pelo Brasil
Sede – Cidade do Rio de Janeiro
I. Região Sul
(RS, SC, PR)

II. Região de São Paulo


(SP)

III. Região Leste


(RJ, MG, ES)

IV. Região Centro-oeste


(DF, GO, MS, MT, TO)

V. Região Nordeste
(BA, SE, AL, PB, PE, RN, MA, CE, PI)

VI. Região Norte


(AM, AC, RR, RO, PA, AP)

Fonte: O autor, 2016.

Tabela 3 - Divisão administrativa e organizacional do Corpo dos Psicólogos e Psiquiatras


Cristãos (CPPC)
Presidência
Compete ao presidente, dentre outras coisas, representar a associação ativa e passivamente, em juízo e fora
dele; organizar e disciplinar os trabalhos gerais do CPPC.
Secretaria executiva nacional
Vice-presidência regional
Compete ao vice-presidente, dentre outras coisas, coordenar, organizar e disciplinar todas as atividades do
CPPC dentro de sua região de atuação.
Vice-presidência de publicações
Compete ao vice-presidente de publicações, dentre outras coisas, coordenar todas as atividades editoriais do
CPPC, zelando pela qualidade, sobriedade e ética das publicações.
Vice-presidência financeira
Compete ao vice-presidente financeiro, dentre outras coisas, manter sob sua guarda os valores recursos
financeiros do CPPC, depositando-os em estabelecimento bancário designado pela Diretoria Nacional.
Membros do Conselho fiscal
Compete ao Conselho fiscal, dentre outras coisas, fiscalizar a gestão financeira do CPPC.
Assessorias
Fonte: O autor, 2016.
56

A organização é aberta a receber propostas de novos filiados, que tem ao seu dispor um
formulário a ser preenchido e enviado on line no próprio website do CPPC. Para os interessados
em se associar é exigido que compartilhem da fé cristã e tenham formação profissional
compatível com os propósitos da organização ou sejam estudantes das respectivas áreas
(psicologia ou psiquiatria). Esse cadastro inicial é avaliado pela direção nacional do CPPC. Os
associados pagam uma taxa referente à anuidade52. Há três formas de se associar à organização,
conforme exposto na tabela 4. Após associado, há uma hierarquia de filiação ao CPPC;
estabelecida por diferentes status de membresia (LIMA, 2004, p. 49-50), conforme exposto na
tabela 5.

Tabela 4 - Formas de se associar ao Corpo dos Psicólogos e Psiquiatras Cristãos (CPPC)


Profissional
Estudante
Correspondente
Este tipo de associação apenas credencia a pessoa a receber as publicações do CPPC, mas não a caracteriza
como membro da instituição, diferente das outras duas formas.
Fonte: O autor, 2016.

52
Fonte: www.cppc.org.br Acessado em 10/05/2015.
57

Tabela 5 – Formas de filiação ao Corpo dos Psicólogos e Psiquiatras Cristãos (CPPC)


Membro Honorário
Pessoas que vierem a prestar relevantes serviços à associação e cujos nomes, propostos pela Diretoria
Nacional53, venham a ser aprovados em Assembleia Geral54. Os membros honorários recebem umcertificado
declarando sua categoria e são isentos do pagamento de qualquer taxa ou anuidade.
Membro Pleno
Membros profissionais que notoriamente contribuem para a promoção e o desenvolvimento da associação,
devendo ser indicados pela Diretoria Nacional e aprovados em Assembleia Geral.
Membro Profissional
Profissional de psicologia e psiquiatria, legalmente inscritos nos respectivos Conselhos de Classe.
Membro Estudante
Estudantes das áreas de psicologia e psiquiatria.
Correspondente
Qualquer pessoa interessada na atuação e em receber as publicações do CPPC*.
Membro Colaborador
Profissionais que, embora não inscritos nos Conselhos de psicologia ou medicina, tenham boa formação e
atuação idônea e ética no campo da saúde mental e sejam aprovados pela Diretoria Nacional.

Fonte: O autor, 2016.


*Correspondentes não são considerados membros, apenas apoiadores.

Conforme listagem disponibilizada no site do CPPC55, o número de mulheres filiadas


como membro pleno à organização é duas vezes superior ao número de homens com o mesmo
status de filiação. De acordo com os dados disponíveis, o total de 71 (setenta e um) membros
plenos, segundo o gênero e profissão, distribui-se atualmente como ilustrado na tabela 6.

53
A Diretoria Nacional é o órgão executivo do CPPC com poderes de planejar, coordenar e dirigir as atividades
da instituição. É composta dos seguintes cargos: presidente; vice-presidentes regionais; vice presidente de
publicações; e vice-presidente financeiro. Atualmente (no biênio 2015-2017) a presidência está a cargo de
Guilherme Falcão, psicólogo radicado em Curitiba. Fonte: Estatuto Social do CPPC disponível em
www.cppc.org.br Acessado em 10/05/2015.
54
A Assembleia Geral é o órgão soberano de deliberação do CPPC. Compete à Assembleia Geral, dentre outras
coisas, deliberar sobre as diretrizes e estratégias gerais da organização. Fonte: Estatuto Social do CPPC
disponível em www.cppc.org.br Acessado em 10/05/2015.
55
Apenas a listagem com o quantitativo dos membros plenos do CPPC está disponibilizada para consulta
pública. A totalidade de profissionais filiados à organização não consta em sua respectiva webpage.
58

Tabela 6 - Distribuição quantitativa dos membros plenos do Corpo dos Psicólogos e


Psiquiatras Cristãos (CPPC), conforme o gênero e a profissão
Profissão Mulheres Homens
Psicólogas (os) 47 18
Psiquiatras 0 6
Fonte: O autor, 2016.

Araújo (2011, p. 63) indica que, embora o CPPC seja composto majoritariamente por
mulheres, a direção da organização sempre esteve a cargo de homens ao longo do período
registrado por ela (36 anos). Entretanto, a autora afirma que há um desejo de mudança entre as
psicólogas do CPPC.

3.5 A psiquiatria no CPPC56: um componente minoritário

Verifica-se no CPPC a preponderância absoluta de membros psicólogos em comparação


à quantidade de psiquiatras na organização. A mesma proporção se verifica em relação às
citações e referências disponíveis na base de dados e publicações da organização, em que a
maioria é assinada por psicólogos. Contudo, no ensaio analisado em seguida, o psiquiatra
cristão Uriel Heckert formula um “chamado” para que a psiquiatria se volte para o cristianismo
a fim de sustentar sua prática científica.
Heckert assinala que a psiquiatria é uma ciência relativamente recente – ele a data do
final do século XVIII –, desenvolvida sem qualquer ligação com a religião. No entanto, o autor
acredita que há atualmente uma mudança de paradigma em curso, em que a religião aparece
com vigor e com interpretação psicologizada, “como todo conteúdo reprimido, a religião
irrompe anarquicamente”, em uma situação ambígua. Por um lado, o investimento maciço no
campo das neurociências; e por outro lado, a abertura de espaço para “práticas mágicas” sem o
devido rigor científico. Ele conclui assinalando o risco do cristianismo se tornar ultrapassado –
o que ele considera algo grave.

56
Tópico desenvolvido a partir do texto “Psiquiatria e Cristianismo”, assinado por Uriel Heckert, médico, mestre
em filosofia e doutor em psiquiatria, membro fundador e ex-presidente do CPPC e de trecho da entrevista
concedida por Heckert para a edição da revista Psicoteo dedicada à neurociência. Fontes: www.cppc.org.br e
Psicoteo. “Neurociência e fé”. Edição n. 55, ano XXIII, primeiro semestre de 2015.
59

Consonante a esse argumento, Heckert defende que, para o contínuo desenvolvimento


científico no campo da psiquiatria “se reafirmem os postulados do cristianismo”. Pois, de
acordo com o autor, “por esta via estará preservada a sustentação doutrinária para a expansão
das pesquisas e práticas científicas. Além do que se estará abrindo espaço para a incorporação
esclarecida dos elementos do sagrado que hoje se requer”. Nesse ponto o autor recorre a
seguinte citação de Harold Ellens, importante referência teórica do CPPC, para falar de
possibilidades de confluência entre psicologia e religião:

Vejo a teologia e a psicologia como perspectivas ou pontos de referência, com diferentes


universos de discursos, lidando com o mesmo assunto. Interagem em quatro níveis na busca pela
verdade, a respeito de seu objetivo: no nível teórico de suposições, conceitos e definição de
teoria, no de pesquisa metodológica, no banco de dados (que dados procurar, como procurar e
como aparecem) e nível de experiência clínica. Para concluir, seu tema comum é a condição
humana. Interseccionam-se, por isso, na antropologia que funciona ou se forma em todos os
níveis de intersecção acima citados57.

Heckert conclui seu artigo afirmando que o lugar de Deus, outrora ocupado pela ciência,
encontra-se vago devido às “limitações do campo científico”, e parte dessa reflexão para fazer
um “chamado urgente” à Bíblia, para que “não se corra o risco de perder a própria ciência”.
Em entrevista concedida à edição número 55 da revista Psicoteo (publicação semestral
do CPPC), ao ser perguntado sobre como discernir um delírio de um paciente psiquiátrico de
uma visão religiosa de um santo; Heckert remete ao sagrado, “o Evangelho dá à comunhão dos
cristãos, às práticas culturais em comum, pois aí se depuram inclinações e arroubos
individuais”. Em outra questão, ao ser citadas pesquisas que apontam os benefícios que a
maioria dos sistemas religiosos pode acrescentar à qualidade de vida dos seus participantes, o
entrevistador ressalva que diferentes religiões podem provocar bons efeitos nas pessoas e a
partir dessa observação, indaga “como fica a perspectiva de um cientista cristão58 quando entra
em contato com tais informações?”. Após ponderar sobre o “acúmulo considerável” de
evidências sobre os benefícios das práticas religiosas para a saúde física e emocional das
pessoas, o psiquiatra cristão reflete sobre “a quebra de preconceitos ainda existentes nos meios
acadêmicos”:

57
Ellens, J. H. Graça de Deus e Saúde Humana. Publicado pelo próprio CPPC em conjunto com a editora
Sinodal, São Leopoldo, RS, 1982.
58
Grifo nosso. Notamos que esta é a única vez que surge a expressão “cientista cristão” (p. 7), em algum
documento ou publicação do CPPC, dentre o material consultado. Assim como o termo “psiconeuroteologia” (p.
22), até então apenas verificado nessa mesma edição, n. 55 de 2015.
60

(...) não cabe à ciência definir a veracidade das crenças, nem estabelecer ou questionar doutrinas.
Como cristãos reformados, nós defendemos a autonomia dos campos da teologia e da ciência,
sem submissão e nem sobreposição. Os dados e constatações reunidos em cada área podem e
devem ser usados para esclarecer a outra (2015, p. 7).

Ao final dessa entrevista, ao ser perguntado sobre possíveis benefícios conquistados


pela prática da meditação, Heckert (2015, p. 7) reforça a hierarquia da palavra religiosa com
relação ao saber científico. Explica que “o crente não se fia nas descobertas científicas para
orientar sua fé. Ao contrário, em havendo contradição entre ambas (...) fica com os ensinos das
Escrituras”. Para finalizar, conclui para que se aprecie a ciência com moderação em oposição à
solidez dos textos sagrados.

3.6 Psicoteo: pistas sobre a “clínica pastoral”

A organização possui uma publicação impressa semestral, a revista Psicoteo,


anteriormente chamada Psicoteologia59 (previamente apresentada sobre a forma de boletim),
que em cada edição discute um tema central e artigos relacionados ao assunto eleito. A revista
nos oferece pistas do que definimos como “clínica pastoral”, ao entrecruzar referências do
Evangelho e psicológicas. Divulga-se que a revista é destinada a publicar trabalhos científicos
produzidos na interseção entre as ciências “psis” e a teologia (ANEXO C) priorizando a
produção de membros do CPPC, eventualmente textos de profissionais externos à organização
são aceitos. Na revista é comum a publicidade de cursos voltados ao aprimoramento de
profissionais “psi”, com a prevalência de ofertas direcionadas para a “terapia familiar” e ao
“aconselhamento pastoral familiar”.
Na Psicoteo é destacado que os pontos de vista e opiniões emitidas pelos autores são de
inteira e exclusiva responsabilidade deles. Entretanto, observamos um posicionamento e estilo
homogêneo na quase totalidade desses artigos. Temas ligados ao universo “psi” são abordados
sob á óptica de diferentes referenciais teóricos científicos e entremeados por citações bíblicas.
Por sua vez, os textos contribuem para estabelecer um quadro uniforme de concepções sobre

59
Por Psicoteologia tem se a aproximação entre saberes psi e teologia. “Psicoteologia” também é o título de um
dos livros publicados pelo próprio CPPC (1987) de J. Harold Ellens, pastor, teólogo e psicólogo estadunidense –
importante referência para a organização, que será abordado no tópico seguinte.
61

diferentes assuntos em conexão com o estabelecido pelo estatuto e compromisso de conduta


ética do CPPC60. Dentre as temáticas já abordadas pela revista, constam assuntos como
“Homossexualidade”, “As crises do terapeuta”, “Ser psi e ser cristão” e “Neurociência e fé” 61,
dentre outros (ANEXO D).

3.7 Carlos José Hernández e J. Harold Ellens62

As referências teóricas do início do CPPC se restringiam às publicações da ABUB


latino-americana; à revista Certeza; à “literatura progressista” produzida por autores cristãos,
em sua grande maioria estrangeiros, como o psiquiatra canadense John White; os psiquiatras
suíços Paul Tournier e Hans Bürki; o psiquiatra argentino-cubano Jorge Leon; os psiquiatras
argentinos Daniel Schipani e Carlos José Hernández; e do pastor, teólogo e psicólogo
estadunidense, J. Harold Ellens63·.

3.7.1 Carlos José Hernández: “o pai espiritual do grupo”

Quando se leva a sério a dimensão do sagrado, a terapia não será menos científica, mas é mais
integral e humana. C.J. Hernández (1986)

O psiquiatra argentino Carlos José Hernández participou da maioria dos congressos e


seminários do CPPC ao longo dos 40 anos de existência da organização. Segundo consta, o
argentino exerce papel de “pai espiritual do grupo”. No ensaio “A interface crença-ciência”,

60
O Compromisso de Conduta Ética do CPPC, dentre outros pontos, estabelece que, a vida do membro da
organização, “pessoal e profissional, será pautada nos valores do evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo, que
incluem principalmente o serviço ao meu semelhante e um estilo de vida simples, despojado e em prol dos
menos favorecidos.” Disponível em http://www.cppc.org.br/nossa-historia/conduta-etica/ Acessado em
11/07/2015.
61
Carvalho (2007, p. 92) informa que a neurociência tem sido um novo objeto de atenção dos cristãos.
62
Referências assíduas nos documentos disponíveis na base do CPPC (www.cppc.org.br). W confirma a
constante importância desses autores como fontes teórico-conceituais para a organização.
63
Fonte: www.cppc.org.br Acessado em 10/05/2015.
62

Hernández relata a sua trajetória até chegar ao CPPC. Menciona o desconforto vivido, por um
lado, por parte dos crentes que não acreditavam na ciência e por outro, dos acadêmicos que
desvalorizavam a sua fé. Em oposição à satisfação que encontrava nas reuniões do CPPC, em
que podia discutir temas científicos, além de poder confessar a sua fé, orar e cantar. Para ele o
CPPC é uma “instância para compartilhar as experiências vivenciadas na relação crença-
ciência”. Dessa forma a terapia seria um processo espiritual que procura reunir esses dois
âmbitos64·.
Hernández declara que uma das suas primeiras especulações no âmbito do CPPC foi a
de que há um “lugar sagrado na terapia”, o que, segundo sua percepção, seria “a consequência
de um saber científico”. Para ele, “o sagrado está em tensão com o método e o descobrimento
da relação ciência-religião”. No tópico intitulado “Assimetria e sinalização – graça é fé”, o autor
intercala linguagem teológica com teoria psicológica, relacionando “divindade trinitária” e
“ego”, com a finalidade de teorizar que um desenvolvimento pleno do ego requer uma
aproximação religiosa; definida por ele como uma “dança em torno do pai, do filho e do Espírito
Santo” 65.
Esse argumento inicial do “lugar do sagrado na terapia” deu origem a um livro com o
66
mesmo título, publicado no Brasil em 1986 (ANEXO E). Nessa obra, o autor destaca a
importância de o terapeuta considerar a presença da dimensão do “sagrado” na experiência do
paciente; sem desprezá-la como “superstição”, “misticismo” ou “fanatismo”. Até hoje o livro é
divulgado e comercializado no site da organização, que considera que “O lugar do sagrado na
terapia” representou “um salto na direção do mundo acadêmico”. Dada a sua relevância nesse
âmbito, destacamos alguns pontos desse trabalho de Hernández.
Ao longo desse livro67·, Hernández (1986) intercala pequenos capítulos (na média, cada
um possui no máximo duas páginas) abordando aspectos de teologia e psicologia, Freud e em
especial Jung68 (conceitos da obra jungiana como arquétipo, fantasias antecipatórias e símbolos

64
Fonte: www.cppc.org.br Acessado em 10/05/2015.
65
Fonte: www.cppc.org.br Acessado em 10/05/2015.
66
Hernández, C. J. O Lugar do Sagrado na Terapia. 1ª ed. São Paulo: Nascente/ CPPC, 1986.
67
No prefácio da 1ª edição, assinado pelo equatoriano C. René Padilla, teólogo protestante radicado em Buenos
Aires, lê-se “o autor demonstra que o paciente não só procura ser curado como também salvo; e a terapia que
necessita terá que ser intercalada com uma ciência que evite o psicologismo e que se abra para o mistério e para
a Graça de Deus”.
68
Carl Gustav Jung (1875- 1961), psiquiatra suíço, fundador da psicologia analítica, pastor protestante e adepto
do espiritismo (ROUDINESCO; PLON, 1997, p. 421- 424).
63

são recorrentes na escrita do psiquiatra argentino) são as referências do campo “psi” mais
utilizadas. O autor faz citações bíblicas e não segue o rigor comumente observado nas
publicações científicas, por exemplo, no uso das citações. Embora a catalogação sistemática
abarque psicoterapia e ontologia. Segundo ele, em sua proposta de trabalho:

Eu creio que Jesus Cristo é o senhor e minha crença impregna toda minha observação clínica.
Há uma permanente subjetividade que se adere em minha busca de recursos terapêuticos,
subjetividade que com certeza, está intimamente relacionada à atitude de fé a qual encaro meu
trabalho científico (p. 11).

Hernández (1986) curiosamente se utiliza de uma metáfora bélica para falar de sua
concepção de psicoterapia, o autor compara a “terapia em seu aspecto sagrado” a um carro de
guerra para um guerreiro, no sentido de que o veículo o conduz e o prepara para uma suposta
batalha (p. 24). A partir de sua experiência clínica, o autor destaca o que chama do “lugar
sagrado na terapia”. Apresenta alguns relatos, comenta episódios em que foi discriminado pela
equipe, tendo sido chamado de “pastorzinho”. Utilizando-se dessas experiências para afirmar
sua postura que consiste em detectar elementos que transcendam aspectos psicodinâmicos da
relação paciente-psicoterapeuta, os quais em tom religioso, ele denomina de “mistério” (p. 31).
Hernández (1986) recorre a Jung69 para falar de introspecção, o que ele considera ter estreita
ligação com o sagrado. Sem especificar o que ele define como espírito, escreve, “descobri
que quanto mais olhava dentro do meu próprio espírito e do espírito dos meus pacientes, via
estender-se diante de mim um mistério interior objetivo e infinito” (p. 40). Possivelmente, o
livro seja direcionado aos iniciados na aproximação entre psicologia e teologia; pois, assim
como “espírito”, a obra é permeada por termos comuns ao âmbito religioso, sem que o autor
especifique qual o significado ele atribui aos conceitos como “mistério”, “sagrado”,
“inconsciente sagrado” e “transcendente”.

Para ilustrar conexões entre teologia e psicoterapia, Hernández (1986) destaca que “a
psicodinâmica, ao indagar na interioridade do homem, descobre que há uma busca conjunta de
saúde e salvação”. O autor acredita que a psicologia possa “reparar rupturas intelectuais” e

69
Em publicação da American Psychological Association (APA) dedicada à relação entre psicologia, religião e
espiritualidade, no capítulo que discute o trabalho de Jung são apontadas vantagens em se trabalhar com essa
abordagem terapêutica. Dentre elas a de que essa teoria não compartimentaliza as vidas espiritual e psicológica
do paciente, o que permitiria o desenvolvimento de uma espiritualidade que não se baseia em nenhuma
instituição religiosa tradicional; além de permitir “a emergência de um Deus que não é ditado por nenhuma
teologia específica” (CORBETT, 2013). No entanto, ao contrário dessa prerrogativa, em Hernández (1986) essa
“emergência sagrada” está atrelada a uma teologia bem específica – o cristianismo.
64

“reconciliar” o rompimento entre as ciências naturais e a teologia (p. 47). Para ele, uma suposta
frustração ocasionada pela ilusão de se ter apostado no progresso da razão deva conduzir a uma
recuperação do passado arquetípico.
Assim como conceitos jungianos são atrelados aos teológicos, na argumentação de
Hernández (1986); formulações psicanalíticas como ego, id e castração (p. 84-85) são
transformadas pela própria leitura pastoral do autor em prol de sua proposta psicoterápica. Para
ele, a concepção de dinâmica70 de Freud é a afirmação de que a alma não é algo separado que
habita um corpo, mas, ao contrário, é a corporalidade que se expressa com todo seu imediatismo
nos conteúdos da psique.
Na concepção desse autor, a Bíblia possui um “parentesco natural com a psique do
homem”. Afirmação que ele justifica através da sugestão de um paralelo entre o complexo de
Édipo, conforme elaborado por Freud a partir do mito grego71, com o texto bíblico. Porque
segundo Hernández (1986), em linguagem enigmática, “o relato bíblico permitiria passar do
incesto como sintoma, que é a expressão de uma culpa que requer castigo, ao incesto como
sinal de culpa essencial do homem, culpa que é objeto da Graça” (p. 95). Nesse ponto, o autor
sinaliza que a sua aspiração ultrapassa a proposta de uma técnica “psicoterapêutica cristã”, ao
preconizar que toda técnica interaja com o espaço sagrado, pois isso “daria à criação do homem
maior objetividade” (p. 95).
No capítulo “O processo de ajuda” (p. 133), Hernández (1986) menciona que a
assimilação do conhecimento técnico do terapeuta a um poder místico, supera o cientificismo
do profissional, “recuperando um dinamismo arcaico próprio da espécie humana”. Utilizando-
se de linguagem religiosa coloquial, ele diz que o terapeuta se depara com experiências no
setting terapêutico que ultrapassam a compreensão permitida pela ciência. “Nesses momentos
o terapeuta se vê orando, rezando ou em súplicas: ajuda-me, meu Deus!”.

70
Em termos psicológicos, dinâmico é a “qualificação de um ponto de vista que considera os fenômenos
psíquicos como resultantes do conflito e da composição de forças que exercem certa pressão, sendo essas forças,
em última análise, de origem pulsional. Muitas vezes se tem enfatizado que a psicanálise substitui uma chamada
concepção estática do inconsciente por uma concepção dinâmica. Nos escritos de Freud, “dinâmico” qualifica
sobretudo o inconsciente, na medida em que exerce uma ação permanente, exigindo uma força contrária para lhe
interditar o acesso à consciência” (LAGACHE, 1998, p. 119-120).

71
Complexo de Édipo é uma noção tão central em psicanálise quanto a universalidade da interdição do incesto a
que está ligado (ROUDINESCO; PLON, 1997, p. 166-169). Em termos psicanalíticos, o Complexo de Édipo,
baseado no mito grego do Édipo-Rei, é “o conjunto organizado de desejos amorosos e hostis que a criança sente
em relação aos pais. Para os psicanalistas, ele é o principal eixo de referência da psicopatologia. A antropologia
psicanalítica procura encontrar a estrutura triangular desse complexo, afirmando a sua universalidade nas
culturas mais diversas, e não apenas naquelas em que predomina a família conjugal” (LAGACHE, 1998, p. 77-
81).
65

Para finalizar, Hernández (1986) traça uma sinopse do processo de ajuda, em que ele
acrescenta utilizar contribuições da psicologia social, psiquiatria dinâmica, da teologia cultural
e da antropologia bíblica. Ele considera que tanto o procedimento terapêutico quanto o rito
sagrado são aproximações válidas que “alcançam diferentes níveis no homem”. Ele conclui que
durante o processo de ajuda os dois níveis atuam simultaneamente: psicológico, de natureza
científica e o sagrado, de natureza espiritual.
No CPPC, essas concepções de Hernández estão presentes em vários artigos de autoria
de membros proeminentes da organização – para ficar em alguns, Lisboa, Heckert e Wondracek
–, através de citação direta do psiquiatra argentino ou incorporada à argumentação desses
autores, em que transparece a influência da apropriação teológica dos conceitos “psi” feita por
Hernández. As participações desse argentino em eventos do CPPC dão ao psiquiatra lugar
cativo no cânone da organização, por possibilitar a atualização e transmissão da sua “psicologia
cristã” junto aos membros do CPPC.

3.7.2 J. Harold Ellens: a influência que vem do Norte

É difícil avaliar quão diretivo um terapeuta pode ser com relação ao uso da oração, culto,
confissão de pecado ou fé (...). Certamente o terapeuta cristão sentirá autêntica necessidade de
tratar o cliente como um todo, para chegar a um pleno sentido de significado, motivação e
comportamento cristão apropriado. J. H. Ellens (1986)

A importância atribuída a Harold Ellens, pastor, teólogo e psicólogo estadunidense, fica


também evidente em várias referências a ele e seus livros nos documentos do CPPC. Embora
desfrute de prestígio na organização, e ocupe um lugar semelhante ao de Hernández no
repertório ‘psico-teológico’ do CPPC, a presença de Ellens no Brasil é menos frequente do que
a de seu colega argentino. Assim como Hernández, o estadunidense trabalha com conceitos
jungianos e psicanalíticos, mas, diferente do psiquiatra argentino, é patente em Ellens o
destaque para os fundamentos psicodinâmicos na sua abordagem terapêutica. Dada à relevância
desse psicólogo e teólogo no âmbito do CPPC, abordamos aqui aspectos do seu livro
“Psicoteologia: aspectos básicos” 72·.
Nesse breve volume (de apenas 48 páginas) publicado no Brasil pela Sinodal/CPPC, em
1986 (ANEXO F), Ellens (1986) tem o objetivo de abordar a relação entre a saúde humana e

72
Ellens, J. H. Psicoteologia: aspectos básicos. Sinodal/CPPC: São Paulo, 1986. No Brasil, o livro é uma
tradução do prefácio e três outros capítulos do livro original do autor “God’s grace and human health” (1982).
66

Deus. Considerado pelo CPPC como um livro que toca em aspectos mais acadêmicos tanto da
psicologia como da teologia, a obra possui citações bíblicas, orientação pastoral direcionada
aos psicoterapeutas e referências a conceitos de Freud e Jung, aqui também interpretados
segundo a leitura pastoral do autor.
Ellens (1986, p. 16) sustenta que “o relacionamento ontológico de uma pessoa com
Deus, bem como sua percepção deste relacionamento, afetam definitivamente o estado ou
qualidade de saúde dessa pessoa”. O livro é atravessado pelo argumento de que tanto as ciências
das profissões assistenciais (como por exemplo, a psicologia) como a teologia “conduzem
uniformemente ao reconhecimento de que a percepção e a experiência de nosso Deus de Graça
é a dinâmica central da cura" (p. 17), curiosamente ressalvando que nessa premissa não há
magia ou misticismo. O autor analisa psicodinamicamente trechos da Bíblia se utilizando de
categorias como “adolescência”, “psiquismo”, “ansiedade”, “stress”, “nervosismo” e
“angústia”.
Em sua abordagem psicoteológica, Ellens (1986, p. 26-27) atribui “o comportamento do
ego” de se voltar contra o poder e a autoridade a uma essência divina presente no humano. No
capítulo “O terapeuta cristão e a transferência” (p. 41-48), o autor reflete sobre as fontes cristãs
da ciência psicológica:

As fontes das ciências psicológicas vêm da antiguidade. O desenvolvimento da arte da


psicoterapia depende significativamente da igreja cristã primitiva e sua preocupação pela psique
humana. Esta primitiva prática integrava de maneira incipiente o processo psicológico e a
experiência cristã. Deve ser dito pelo menos, por exemplo, do confessionário católico-romano,
visto à luz da Bíblia e de Santo Agostinho, que seu valor reside nos efeitos psicoterápicos de
confrontação com a realidade, catarse, solução de ansiedade através de aceitação, confirmação
do eu e mudança de comportamento. Por isso Lutero era a favor de se preservar o confessionário
na prática protestante (p. 41).

Do mesmo modo que verificamos no trabalho de Hernández (1986), Ellens (1986)


interpreta conceitos psicanalíticos, a partir de sua leitura pastoral, em prol de sua proposta
terapêutica. O autor argumenta que tudo que é eficaz numa boa transferência73 será uma
experiência cristã que o paciente necessita desde o princípio. Para ele, a experiência cristã para

73
Em termos psicanalíticos, transferência “designa o processo pelo qual os desejos inconscientes se atualizam
sobre determinados objetos no quadro de certo tipo de relação estabelecida com eles e, eminentemente, no
quadro da relação analítica. Trata-se de uma repetição de protótipos infantis vivida com um sentimento de
atualidade acentuada” (LAGACHE, 1998, p. 514-522).
67

o cliente e a expressão cristã para o terapeuta dependem exclusivamente de que os processos


psicológicos sejam conduzidos a uma cura genuína (p. 43).
Para Ellens (1986, p. 44) “um terapeuta verdadeiramente cristão e zeloso é
repetidamente envolvido em relacionamentos de transferência e projeção74, nos quais a
distinção entre o saudável processo de ágape75 cristão e outros processos psicológicos
potencialmente prejudiciais dificilmente se mantêm claros”. O autor (1986, p. 45) destaca as
afinidades e diferenças nos processos de desenvolvimento psicológico e cristão:

(...) ágape é a procura, a todo custo, do que cura a pessoa necessitada e que promove seu
crescimento. O crescimento psicológico e crescimento em experiência cristã diferem em pontos
específicos, mas ambos caminham em direção ao objetivo da pessoa completa e totalmente
realizada. As diferenças específicas têm a ver com a técnica e com o conteúdo das verdades
descobertas e, portanto, podem ter efeitos terapêuticos distintos (1986, p. 45).

No tópico “O terapeuta cristão e o realismo terapêutico” (p. 45) Ellens afirma a


psicoterapia cristã, em oposição a uma moralização cristã, em que, segundo o autor – em um
dos poucos momentos em que ele inverte a hierarquia dogma/ciência – “o terapeuta cristão deve
insistir em que apenas a boa psicologia científica resulta em boa terapia cristã” (p. 45). Também
é sugerida a inclusão de biblioterapia com conceitos bíblicos, com o objetivo de adquirir
entendimento através da confissão e a afirmação de fé. Essa sugestão é seguida da advertência
de que, “o perigo desse processo é que as estruturas e afirmações cristãs passam a ser o processo
primário e que o verdadeiro processo psicológico passa a ser um recurso auxiliar. Isso
geralmente é contraproducente à psicoterapia” (p. 46).
O autor conclui relativizando o uso de elementos religiosos para situações específicas
no âmbito psicoterapêutico, ainda que não veja incompatibilidade entre esses procedimentos
com a psicologia:

Permanece a pergunta se oração, culto, comportamento litúrgico, instrução bíblica,


encorajamento à conversão ou ênfase na santificação, são necessários, úteis ou permissíveis na
terapia ou como parte dela. Tal técnica é perigosa, não porque careça de afinidade com o

74
Projeção “é um termo utilizado em um sentido muito geral em neurofisiologia e em psicologia para designar a
operação pela qual um fato neurológico ou psicológico é deslocado e localizado no exterior. No sentido
propriamente psicanalítico é a operação pela qual o sujeito expulsa de si e localiza no outro qualidades,
sentimentos, desejos e mesmo “objetos” que ele desconhece ou recusa nele” (LAGACHE, 1998, p. 373-380).
75
Conforme um dicionário bíblico, ágape “é o amor mais sublime, mais alto, é a palavra usada para expressar o
amor de Deus (ex. João 3:16). Este é o amor descrito em 1 Coríntios 13. Quando fala sobre o amor de Cristo usa-
se a palavra ágape, não fileo. Esta palavra descreve um amor desinteressado, de alguém que se dispõe a dar de si
mesmo sem esperar receber nada em troca. É o amor que leva alguém a oferecer a sua própria vida para salvar a
outros. Fonte: http://biblia.com.br/ Acessado em 18/11/2016.
68

empreendimento científico da psicologia ou com a área específica da psicoterapia, mas porque


os fenômenos religiosos agem sobre a patologia do cliente ou do terapeuta. Isso não significa
que estas técnicas devam ser proscritas (p. 47).

Por fim, apontamos que Psicoteologia, para além do título do livro de Ellens e da
publicação semestral do CPPC (agora Psicoteo), é um termo disseminado no meio evangélico
brasileiro. No país, algumas instituições desse segmento religioso oferecem cursos de
Psicoteologia para um público que não se restringe ao dos profissionais do âmbito “psi”76·.

3.8 O CPPC e os evangélicos: crítica aos pentecostais

Há predominância absoluta de membros evangélicos no CPPC, conforme ilustra trecho


de artigo sobre a interface acadêmico-teológica apontada pelos fundadores da organização,
“junto ao campo teológico, especialmente o protestante ou evangélico, praticamos um diálogo
que tem se mostrado frutificante. É que o psiquiatra e o psicólogo, (...) dispondo de instrumental
conceitual, de diagnóstico e de intervenção, tem muito a contribuir para a saúde emocional de
pessoas, famílias e grupos em geral” 77
. Há profissionais católicos filiados à organização,
embora essa confessionalidade não seja expressiva na totalidade de profissionais do CPPC
(LIMA, 2004, p. 13; DEGANI-CARNEIRO, 2013, p. 63).
O CPPC declara praticar um diálogo frutífero junto ao campo teológico, especialmente
ao evangélico. Com a ressalva de que a presença de psicólogos e psiquiatras cristãos é
conflituosa em meio à diversidade de pastores e posturas doutrinárias, por levantar suspeitas de
invasão do campo religioso ou é a de contribuir com a desintegração de valores dogmáticos.
No entanto, aponta que independente dessas suspeitas, algumas relações têm se estabelecido,
como nos programas de Aconselhamento Pastoral, que se utiliza de contribuições da psicologia
e medicina (LISBOA, 2003) 78.

76
No Brasil, são alguns exemplos de instituições que oferecem curso de Psicoteologia, a Universidade Cristã do
Brasil, a Igreja da Cidade e o Instituto Educare. Na Universidade Cristã do Brasil, o curso de Psicoteologia
também é chamado de Terapia Cristã e destina-se a um público amplo, compreendido entre “todos os cristãos
envolvidos com a tarefa de minimizar os sofrimentos do próximo: pastores; psicólogos, terapeutas holísticos,
Conselheiros e demais profissionais comprometidos com o cuidado e bem-estar integral do seu semelhante”.
Fonte: universidadecristadobrasil.org.br Acessado em 07/06/2016.
77
Disponível em www.cppc.org.br Acessado em 10/05/2015.
78
Disponível em www.cppc.org.br Acessado em 10/05/2015.
69

Além dessa suspeita de invasão do campo eclesial por profissionais “psi”, chama a
79
atenção no texto de Lisboa (2003) a crítica aos segmentos pentecostais, em especial aos
neopentecostais80. É destacada a delicadeza de algumas questões do ponto de vista ético e
doutrinário, que eles consideram potencialmente explosivas caso mal conduzidas: o que é
exemplificado com o caso de “movimentos de cura divida”, “cura interior” e “quebras de
maldições hereditárias”. Ressalvando que esses exemplos são apresentados como uma
psicologia divinamente inspirada e infalível, amparadas mais na “demonologia” do que na
Graça de Deus, baseando-se em métodos diretivos que desclassificam inteiramente o
conhecimento da psicologia profissional.
Tais considerações acerca dos pentecostais e neopentecostais são relativizadas com a
menção a grupos que buscariam uma aproximação com a psicologia científica, o que na
perspectiva do CPPC pode viabilizar uma cooperação produtiva. Como exemplo dessa possível
colaboração é citado Fábio Damasceno, apresentado como psiquiatra fluminense, oriundo do
meio pentecostal, “ex-dependente de drogas” e hoje pastor evangélico. Também é mencionada
a compreensão e convivência pacífica entre diferentes congregações evangélicas, bem como
evangélicos e psiquiatras; embora exista maior resistência por parte dos setores pentecostais e
neopentecostais, que interpretam a busca psicoterápica como abandono do evangelho e
desconsideração da ação do Espírito Santo (LISBOA, 2003) 81. O autor aborda em tom crítico
o investimento maciço de pastores evangélicos em cursos de psicanálise. Esses pastores
autodenominados “psicanalistas clínicos ou psicanalistas ortodoxos”, foram assuntos de outros
documentos do CPPC, além de terem mobilizado embates com o CFP.
Os confrontos entre essas sociedades e o CFP se dão em virtude da conexão entre
psicanálise e religião, além de um afã regulamentador da psicanálise por parte dessas
organizações evangélicas. Conforme Carvalho (2007), os embates jurídicos entre a Sociedade
Psicanalítica Ortodoxa do Brasil (SPOB), organização especialmente voltada para a formação
de pastores evangélicos, por um lado, o CFP, a Associação Brasileira de Psicanálise Clínica
(ABPC) e as demais sociedades psicanalíticas, por outro, focam no mesmo questionamento
estabelecido pela imprensa à época, a relação tida como “imprópria” entre psicanálise e religião
e as propostas de regulamentação da psicanálise. Segundo o autor, acerca da legitimidade dos

79
Disponível em www.cppc.org.br Acessado em 10/05/2015.
80
W ressalva a prevalência de evangélicos tradicionais no CPPC em detrimento à quantidade de pentecostais e
neopentecostais na organização.
81
Fonte: www.cppc.org.br Acessado em 10/05/2015.
70

cursos de formação, “desde 1998 a SPOB vem recebendo processos no Ministério Público,
movidos pelo CFP e pela ABPC, que acusam a instituição de “propaganda enganosa e abusiva”
(2007, p. 200-202).
71

4 OS “PSICÓLOGOS CRISTÃOS” E A “CLÍNICA PASTORAL”

4.1 “Psicólogos cristãos”: alguns apontamentos

A despeito de um consenso que estabeleça o que é ser “psicólogo cristão”, para além da
conjugação do pertencimento desses profissionais à categoria profissional de psicólogos e à
filiação religiosa cristã, apresentamos alguns elementos para o fomento dessa discussão
controvertida. Os “psicólogos cristãos” legalmente habilitados a atuar como “psicólogos” estão
subordinados ao CFP, esse órgão não legitima essa conexão de psicologia com religião,
estabelecida por esses profissionais82. Conforme ressalva a Resolução CFP 10/1997 83
, a
publicização do exercício e do título de profissional do psicólogo devem estar de acordo com
os critérios científicos estabelecidos pela Psicologia. Tampouco a psicologia como ciência
reconheça e aceite essa articulação. Dessa forma, as categorias de “psicólogo cristão” e
“psicologia cristã” e suas possíveis variantes não encontram respaldo na psicologia
regulamentada no Brasil.
Nesse atual contexto de aproximação entre psicologia e religião, destacamos a
recorrência da discussão sobre psicologia, laicidade e religião, na esfera da regulação
profissional dos psicólogos no Brasil. Em 2012, o CFP, em nota pública afirmou seu
reconhecimento de que a religiosidade e a fé estão presentes na cultura e participam na
constituição da dimensão subjetiva dos sujeitos. Portanto, segundo essa nota, com a intenção
de promover os direitos dos cidadãos à livre expressão da sua religiosidade, é que o “Código
de Ética Profissional da (o) Psicóloga (o) orienta que os serviços de Psicologia devem ser
realizados com base em técnicas fundamentados na ciência psicológica e não em preceitos
religiosos ou quaisquer outros alheios a esta profissão” 84.

82
Em 2012, o Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais (CRP-MG) notificou oficialmente a Diretoria
Nacional do Corpo dos Psicólogos e Psiquiatras Cristãos (CPPC), que a entidade deveria retirar do seu site a
associação entre os termos “psicólogo” e “cristão” e “psicologia cristã”. Em comunicado aos membros da
entidade, Karl Kepler, presidente do CPPC, informa que respondeu ao CRP-MG, argumentando que “psicologia
cristã” encontra-se no site apenas em uma menção crítica e que o Conselho não tem competência para controlar
associações civis, dessa forma não acatou a notificação (DEGANI-CARNEIRO, 2013, p. 65).
83
A Resolução CFP 10/1997 “estabelece critérios para a divulgação, a publicidade e o exercício profissional do
psicólogo, associados a práticas que não estejam de acordo com os critérios científicos estabelecidos no campo
da Psicologia”. Disponível em: http://site.cfp.org.br/resolucoes/resolucao-n-10-1997/ Acessado em 10/12/2016.
84
Fonte: “Nota pública do CFP de esclarecimento à sociedade e às (o) psicólogas (o) sobre psicologia e
religiosidade no exercício profissional”. Disponível em: http://site.cfp.org.br/nota-pblica-do-cfp-de-
72

85
Na Assembleia das Políticas, da Administração e das Finanças (APAF) do CFP, de
18 e 19 de maio de 2013, dentre outras medidas, aprovou-se um documento do GT Nacional
Laicidade e Psicologia (este GT foi criado na APAF de 2012) 86. No documento é reforçada a
defesa do Estado laico e afirmado o “direito à liberdade de consciência e de crença”, em
consonância com a Constituição de 1988. Dentre outros pontos, destacamos o que versa sobre
a competência dos Conselhos de Psicologia em garantir os direitos constitucionais; e o que
assegura o fundamento laico da psicologia, enquanto ciência, que não deve ser confundida com
o dogmatismo religioso:

XI. (...) compete ao Sistema Conselhos de Psicologia orientar, fiscalizar e disciplinar a categoria
para que os profissionais da Psicologia prestem serviços à sociedade. Num estado democrático
é obrigação das instituições que o compõem pautar suas ações pela garantia dos direitos
constitucionais. Esse é, portanto, o escopo maior que orienta as ações desse Sistema.
XII. Reconhecemos a importância da religião, da religiosidade e da espiritualidade na
constituição de subjetividades, particularmente num país com as especificidades do Brasil. Neste
sentido compreendemos que tanto a religião quanto a psicologia transitam num campo comum,
qual seja, o da produção de subjetividades, entendendo ser fundamental o estabelecimento de um
diálogo entre esses conhecimentos. Este fator requer da Psicologia toda cautela para que seus
conhecimentos, fundamentados na laicidade da ciência, não se confundam com os
conhecimentos dogmáticos da religião. Reconhecemos, também, que toda religião tem uma
dimensão psicológica e que, apesar da Psicologia poder ter uma dimensão espiritual, ela não tem
uma dimensão religiosa, o que nos remete à necessidade de aprofundarmos o debate da interface
da Psicologia com a espiritualidade e os saberes tradicionais e populares, além de buscarmos
compreender como a religião se utiliza da psicologia.87

Em 2015, o CFP lançou o curso on line “Laicidade” 88


, desenvolvido a partir dos
módulos “Fundamentos democráticos da laicidade”; “Laicidades: neutralidade e
pluriconfessionalidade”; e “Notas fundamentais da democracia laica pluriconfessional”, na

esclarecimento-sociedade-e-so-psiclogaso-sobre-psicologia-e-religiosidade-no-exerccio-profissional/ Acessado
em 15/10/2015.

85
A APAF é a instância deliberativa do Sistema Conselhos de Psicologia, que operacionaliza as decisões do
Congresso Nacional de Psicologia (CNP).
86
Dado coletado, por intermédio do professor da UFRJ e membro da diretoria executiva do CFP (gestão 2017-
2019), Pedro Paulo Bicalho, junto ao gerente de relações institucionais do CFP, Daniel Arruda Martins.
87
Disponível em: http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2014/02/Posicionamento-do-Sistema-Conselhos-de-
Psicologia-para-a-quest%C3%A3o-da-Psicologia-Religi%C3%A3o-e-Espiritualidade.pdf Acessado em
10/12/2016
88
Notamos que em 2013, em um dos vídeos da série, “Psicologia e Diversidade Sexual”, produzida pelo CFP,
intitulado “Estado Laico e Liberdade Religiosa”, também se discutiu sobre a relação entre laicidade, liberdade
religiosa e psicologia. Disponível em http://site.cfp.org.br/ Acessado em 10/12/2016.
73

plataforma OrientaPsi89, que pretende ser um espaço de debates e de expressão das opiniões da
categoria. No ano seguinte, em 2016, o Conselho Regional de São Paulo (CRP-SP) publicou
uma coleção de três volumes sobre o tema – “Psicologia, Laicidade e as Relações com a
Religião e a Espiritualidade” 90
. Essa compilação surgiu ao longo do processo do VIII
Congresso Nacional de Psicologia, em 2013, em que se discutiu que as ações de orientação e
fiscalização do exercício profissional, por parte dos Conselhos de Psicologia, “deveriam tomar
como um dos marcadores do caráter ético da atuação a laicidade da profissão”. Dessa forma se
afirmou a necessidade de criar espaços de diálogo e interface com a religião, a espiritualidade,
e os saberes tradicionais, a fim de marcar uma posição crítica frente às perspectivas
fundamentalistas.

4.2 “Psicólogo cristão”: uma identidade em disputa

Privilegiar os “psicólogos cristãos” evangélicos vinculados ao CPPC, como unidade de


análise de uma pesquisa que discute a articulação realizada entre psicologia e religião; não
implica desconsiderarmos a existência de outras denominações religiosas empenhadas em
empreendimento similar, tanto no Brasil quanto no exterior, considerando as respectivas
normas que regem a profissão de psicólogo em cada país.
Entre as instituições nacionais e estrangeiras que conectam psicologia com religião se
destacam no Brasil a Associação Brasileira de Psicólogos Espíritas (ABRAPE) com sede na
cidade de São Paulo (abrape.org.br); a Associação Brasileira de Psicologia Transpessoal
(ABPT), que oferece curso em psicologia tibetana budista e psicologia transpessoal
(www.abptranspessoal.com). Em Portugal, a Associação dos Psicólogos Católicos
(http://www.portaldasaudemental.pt/item/associacao-dos-psicologos-catolicos); na Colômbia,
Asociación de Psicólogos Católicos de Colombia
(https://podomatic.com/podcasts/psicatolicos); nos Estados Unidos, Christian Counselors
Directory, que sob o slogan “O maior e mais antigo diretório de profissionais cristãos de saúde

89
“OrientaPsi lança seu quinto curso Online: “Laicidade”, publicado em 09/10/2015. Disponível em
http://site.cfp.org.br/ Acessado em 10/12/2016.
90
Os três volumes que compõem essa coleção publicada em 2016 são: “Laicidade, Religião, Direitos Humanos e
Políticas Públicas” (V. 1); “Na Fronteira da Psicologia com os Saberes Tradicionais: Práticas e Técnicas” (V. 2);
e “Psicologia, Espiritualidade e Epistemologias Não Hegemônicas” (V. 3).
74

mental da internet” (The oldest and largest directory of Christian mental health professional
on the web) informa contar com mais de 6000 profissionais (christiantherapist.com).
Tampouco significa que consideremos como “psicólogos cristãos” exclusivamente
aqueles profissionais vinculados ao CPPC ou a qualquer outra instituição com os mesmos
propósitos. Não se trata aqui de chancelar “quem poderia ser chamado de ‘psicólogo cristão”
ou de agrupá-los em um grupo homogêneo. Mas de investigar – inclusive em suas variantes,
em que consiste essa identidade; quais suas referências teóricas; e como se estabelece a
organização institucional e a atuação desses profissionais em diferentes níveis.
Encontramos – não sem certa surpresa – psicólogos vinculados ao CPPC que rejeitam a
identidade de “psicólogo cristão”. Deparamo-nos com possíveis entrevistados que se negaram
a participar da pesquisa por considerarem a nomenclatura “psicólogo cristão” inadequada ou
em desacordo com sua identidade profissional; ainda que os seus respectivos contatos
profissionais estejam disponíveis para consulta pública no website do CPPC. Por outro lado, W
não problematizou a sua própria condição de “psicólogo cristão”, mas marcou diferença em
relação ao uso dessa identidade ao comentar sobre a psicóloga Marisa Lobo, “aquela psicóloga
do Paraná que se nomeava como uma ‘psicóloga cristã”.
Tanto no Brasil quanto em outros países, há registros de profissionais que se identificam
como “psicólogos cristãos” sem estar necessariamente vinculados a alguma organização que os
atribua essa “credencial”. Localizamos alguns exemplos de “psicólogos cristãos” no exterior
que se manifestam publicamente sem estar vinculados a qualquer instituição que os agrupe
como tais. Na Espanha, uma profissional oferece seus serviços por telefone, internet e
presencialmente (http://www.psicologiacristiana.com); na Argentina, dois psicólogos oferecem
seus serviços terapêuticos via internet sob o slogan “Orientação psicológica sem sair de casa,
nem de Jesus Cristo” (Orientación psicológica sin moverte de tu casa, ni de Jesus Cristo)
(http://www.psicristianosonline.com).

4.3 Profissionais do CPPC: um grupo heterogêneo de “psicólogos cristãos”

Um grupo de profissionais que assume uma confessionalidade religiosa e que dirige seu olhar
para o campo científico e acadêmico de um lado e para o campo religioso e teológico do outro
corre sérios riscos de mal entendidos 91

91
Fonte: “Interface acadêmica” do CPPC. Disponível em www.cppc.org.br Acessado em maio de 2015.
75

Para abordar a composição da identidade declarada dos “psicólogos cristãos” no Brasil,


conforme esses próprios profissionais, começamos por citar trecho da sugestiva “declaração de
fé” do CPPC. Para essa organização, o “psicólogo cristão” é o profissional que “crê na bíblia
como palavra inspirada por Deus; na Igreja, como comunidade terapêutica; e, no valor do
empreendimento científico como parte de busca da verdade, coexistindo com a revelação
bíblica” 92. Y93 nos fornece uma definição standard de como concebe o “psicólogo cristão”, em
que conceitos religiosos, como o “perdão”, surgem como ferramentas de que dispõe o psicólogo
para operar mudanças psicoterápicas no “comportamento destrutivo” do paciente:

Para mim, ser um psicólogo cristão, é ser uma pessoa comprometida com minha cátedra
acadêmica, valorizando todo o arcabouço científico adquirido e constituído e também
comprometido com minha fé que permeia tudo em mim; e na união desses saberes, utilizar tudo
a favor do indivíduo a minha frente que se encontra em conflito. Ser cristão é acreditar no ser
humano, no devir, no melhor em meio ao caos, numa segunda chance, na libertação que o perdão
traz à vida humana, na construção da pessoa em meio à fragmentação da alma/espírito… Enfim,
conceitos cristãos tão caros e valorosos que para mim são a cara da psicologia; e não é isso que
se propõe o processo terapêutico? Uma mudança de mente a fim de que chegando ao
entendimento, o indivíduo modifique seu comportamento destrutivo e passe a fazer-se bem?
(Entrevista concedida ao autor em 03/01/2017).

Não obstante, a identidade de “psicólogo cristão” seria uma “categoria cristalizada”


sequer no âmbito do próprio CPPC, onde ser “psicólogo cristão” também desencadeia
discussões e questionamentos, além de ser tema de eventos da organização (ANEXO G).
Reflexo dessa inquietação, um número do impresso semestral do CPPC, a revista Psicoteologia
(à época), tratou desse tema “Ser psi e ser cristão” 94
(ANEXO H). Na ocasião, uma das mais
proeminentes profissionais do CPPC, a psicóloga e psicanalista gaúcha Karin Wondracek
(2013, p. 8-13), reflete sobre a identidade dos “psicólogos cristãos”. A autora introduz o seu
argumento a partir de uma pergunta, segundo ela, corriqueira no CPPC, “como conjugar o ser
profissional e viver o cristianismo?” (p. 8).
Wondracek (2013, p. 8-9) destaca quatro diferentes posturas profissionais no trato com
a religião observadas por ela. Primeiro, a de colegas que valorizam mais a religião em
detrimento da “técnica”, referindo-se aos profissionais que se sentem mais à vontade no
ambiente religioso em comparação a ambientes profissionais e acadêmicos. Em contraste a esse

92
“Declaração de fé” do CPPC. Disponível em www.cppc.org.br Acessado em 15 de abr. de 2015.
93
“Y” é a designação que adotamos para nos referir a um de nossos entrevistados, a fim de preservar a
identidade do mesmo. Y é “psicólogo cristão”, evangélico e membro do CPPC.
94
Psicoteologia. Ano XXI – n. 53, 2013.
76

perfil, em segundo lugar, a psicóloga discorre sobre colegas em que a “trajetória cristã” já não
é mais visível em sua atuação. Classifica um terceiro tipo, o psicólogo “indiferente ao
religioso”, o que para ela seria uma versão secular da caracterização anterior. Por fim, em
quarto, descreve o “psicólogo hostil ao religioso”, que para ela são os profissionais e docentes
cuja atenção ao tema da religião é tratada de modo antagônico.
Acerca dessa “dupla condição” dos “psicólogos cristãos”, Wondracek (2013, p. 12)
discute os aspectos teológicos a partir da afirmação de três pontos, no escopo de uma sintaxe
peculiar, em que prima os substantivos compostos. Para a autora, a identidade desses
profissionais é de “dupla cidadania”, são “completamente humanos e em Cristo são
completamente filhos de Deus”, sem que qualquer dos termos seja adjetivado, considerados
ambos os substantivos em igualdade de condições. Ela estima que os “psicólogos cristãos” são
estudiosos de dois saberes, Psicologia e Teologia, em que ambas as disciplinas permanecem
substantivos, “sem amalgamentos nem compressões”. Em seguida, declara que “não precisam
ir para uma “psicologia cristã” (este como adjetivo)” ou “cristianismo psicológico (agora este
é o adjetivo)”, por serem simultaneamente cristãos e psicólogos.
Em outro tópico do ensaio, Wondracek (2013, p. 13) aponta articulações possíveis entre
psicologia e cristianismo. A autora propõe um “desvelamento da religiosidade escondida nas
teorias psi”, com o argumento de que assim como na psicanálise há a presença do religioso, em
outras teorias há essa presença “escondida ou reprimida” por elas terem sido formadas na visão
de mundo hebraico-cristã. Como exemplo, cita a psicanalista Betty Fuks95, que pesquisou a
presença do judaísmo na psicanálise e Marie Hoffman que, de acordo com Wondracek, apontou
como o cristianismo marcou a teoria e técnica de Winnicott96 e Ferenczi97.
No tópico 6 “Relação com associações de classe: conselhos de Davi e Pedro”,
Wondracek (2013, p. 14) critica os Conselhos de Psicologia por, segundo ela, não reconhecerem
a suposta “dupla cidadania” dos “psicólogos cristãos”. Para a autora, os Conselhos estão
baseados em “paradigmas reducionistas”, que em algumas situações conduziram à perseguição
de colegas pelo “simples fato de serem cristãos”. A autora esboça uma breve discussão sobre a
atuação dos “psicólogos cristãos”, segundo ela, “seres de dupla cidadania”, nos dois âmbitos,
profissional e religioso. Questiona qual a participação de seus colegas em Conselhos e

95
Fuks, Betty B. Freud e a Judeidade – a vocação do exílio. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.

O médico e psicanalista inglês Donald Woods Winnicott foi o fundador da “psicanálise para crianças” na Grã-
96

Bretanha (ROUDINESCO; PLON, 1997, p. 783-786).


97
Sandor Ferenczi, psiquiatra e psicanalista húngaro, desfrutava de prestígio junto a Freud e gostava de se
apresentar nos meios analíticos como “um astrólogo da corte” (ROUDINESCO; PLON, 1997, p. 232-235).
77

Sindicatos e recorre à citação Bíblica para falar da importância de os “psicólogos cristãos”


marcarem posição fora dos seus “redutos igrejeiros” e aprenderem a falar a linguagem da
academia.
Em outro ensaio da mesma edição, “Cristã ou psicóloga? Um testemunho de estudante”
(2013, p. 18-21), a doutora em psicologia, Esly Regina de Carvalho98, dá continuidade à
discussão sobre a identidade dos “psicólogos cristãos”. Entretanto, diferente do artigo de
Wondracek (2013), o registro de Carvalho parece mais subjetivo e a interseção entre discurso
psicológico e religioso cria uma zona de indefinição sobre ambas as perspectivas. Revela-se
então uma aparente contradição quando colocado em diálogo com o proposto por Wondracek
quanto à condição de “dupla cidadania” do “psicólogo cristão”. No texto de Carvalho (2013, p.
18-21), “psicólogo” é substantivo adjetivado por “cristão”. Nas palavras da autora:

A função do psicólogo cristão é de andar junto com o cativo, levando a luz da verdade do amor
de Cristo pelos corredores escuros do nosso passado e presente, para que, conhecendo-se e
limpando-se ele possa viver um futuro alumiado. Como psicólogos e cristãos precisamos
reconhecer, por um lado, que a psicologia secular é eficaz: há muito que podemos aprender e
aproveitar do conhecimento científico a respeito do humano, técnicas de intervenção terapêutica,
etc.; sabemos, no entanto, que é paliativo por si só, por não ter seu ponto de referência vital
firmado na Verdade da Redenção do Homem por Cristo (p. 19).

As reflexões de Wondracek e de Carvalho sobre o que significa ser “psicólogo cristão”


conduzem para diferentes concepções a respeito dessa identidade e posicionamentos acerca de
uma “psicologia cristã”, além de ensejarem novas considerações. No ensaio de Wondracek
(2013), a argumentação é construída em torno de uma tese de duplo pertencimento, em que ser
psicólogo e ser cristão são atribuições simultâneas e equivalentes de um mesmo indivíduo, nas
palavras dela “dois substantivos”. Ainda que lance mão de citações bíblicas para tecer algumas
considerações sobre a conexão psicologia e religião e a atuação dos “psicólogos cristãos” em
outros âmbitos, que não apenas o religioso; a autora não acena para a adesão a uma “psicologia
cristã”, respaldando-se na premissa da simultaneidade. Será que tal empreendimento é
alcançado na prática dos profissionais que, como Wondracek, se pretendem “seres de dupla
cidadania”? Já para Carvalho (2013), parece ficar evidente, ainda que a psicóloga não o
explicite nesses termos, que na locução “psicólogo cristão”, o adjetivo ‘cristão’ qualifica o
substantivo ‘psicólogo’. Ao considerar a psicologia científica como “paliativa”, a psicóloga traz
à luz uma concepção de que a eficácia buscada na psicoterapia só é passível de ser alcançada

98
Conforme assinalado por Carvalho (2007, p. 153), “Esly Carvalho mantinha fortes relações com os
‘psicólogos cristãos’ norte-americanos e com o Exodus. Esta psicóloga organizou no Brasil, em 1982, o I
Encontro Cristão de Homossexualidade”.
78

por outra via, o que em outras palavras seria a da “psicologia cristã”. A subordinação da
psicologia ao cristianismo que Carvalho (2013) professa também se evidencia quando ela diz,
“Deus nos há dado as ferramentas científicas para curarmos as dificuldades que enfrentamos e
a psicologia a sua contribuição” (p. 20).
Y, ao falar sobre sua filiação ao CPPC, destaca, com relação a esse pertencimento, a
relevância do componente teológico da organização. Ele comenta a oportunidade que o CPPC
oferece de poder vivenciar sua identidade religiosa em seu meio profissional, que contraria com
o “cerceamento” que ele sentia nesse meio enquanto cristão:

É interessante que em meio a um mundo onde se prega a liberdade de expressão e o direito a


professar o que bem deseja, como cristão sentia-me cerceado. As pessoas nos consideram
inteligentes, atuantes, engajados, mas quando descobrem que somos cristãos, algo se modifica e
somos considerados diferentes. Nos debates e encontros acadêmicos podemos falar sobre tudo
ou sobre qualquer coisa ou manifestação, mas temos que calar sobre nossas crenças e valores.
[No CPPC] encontrei um grupo de cabeças pensantes que levam a sério a dimensão espiritual do
indivíduo. Um grupo que posso chamar de corpo, pois tenho encontrado também camaradagem,
mas principalmente informação científica com qualidade e balizada no conhecimento científico,
mas que andam concomitantemente com minha fé cristã. Aqui pude e posso falar de minhas
inquietações e aspirações e ser compreendida como psicóloga e cristã, sem precisar negar algo
que me é tão caro, que são minhas crenças e valores cristãos. Compromisso com a qualidade
acadêmica e científica e com minha fé cristã (Entrevista concedida ao autor em 03/01/2017).

Em pesquisa que visa compreender o sentido apreendido pelas “psicólogas cristãs” que
se filiam ao CPPC, Araújo (2011) apresenta elementos similares aos apresentados por Y, que
contribuem para a discussão sobre a constituição da identidade desses profissionais. Para as
suas entrevistadas, o pertencimento ao CPPC relaciona-se ao desejo de encontrar um lugar,
onde a identidade pessoal e profissional possa ser aceita integralmente. Essa organização que
contém em seu nome a dimensão de uma unidade que agrega “psicólogos cristãos” (Corpo dos
Psicólogos Cristãos) é caracterizada pela identidade, pertença, compartilhamento e pela
integração. Quanto ao que as conduziu ao CPPC, as entrevistadas de Araújo (2011, p. 65-66)
citam sua necessidade de busca, movida pelo desejo de encontrar a identidade como cristã e
como profissional; além da possibilidade de integração entre ambas; de fazer parte de um
mesmo “corpo”, com a perspectiva de crescer, aparecer e continuar sendo um referencial.
Em relação à construção da identidade de “psicólogo cristão”, no discurso das
entrevistadas de Araújo (2011, p. 67) surgem expressões como identificação, unidade,
linguagem, nome e sentimento de família. Destacamos aí, o fator organizador desempenhado
pelo CPPC na conformação da identidade de “psicólogas cristãs” dessas profissionais que
buscam essa organização, com o objetivo de não apenas conjugar suas experiências como
cristãs e psicólogas, mas também de afirmar tais identidades publicamente.
79

4.4 “Psicologia cristã”: estigma à espreita e nova frente de atuação

Há no Brasil uma escassez de autores ou referências, tanto do meio acadêmico quanto


no âmbito dos “psicólogos cristãos”, que escrevam sob a rubrica da “psicologia cristã”, ainda
que existam adeptos desse conceito no país. Assim como são pouco visíveis os profissionais
que assumam trabalhar com essa concepção, inclusive entre os próprios “psicólogos cristãos”,
embora existam alguns entusiastas da ideia. Situação contrária a dos EUA, onde a Christian
psychology é publicizada e agrega além de profissionais do campo “psi”, enfermeiros,
assistentes sociais, pastores, capelães e teólogos. Duas organizações do segmento que atuam
naquele país são a Society for Christian Psychology (http://www.christianpsych.org) e a
Christian Association for Psychological Studies (http://www.caps.net). Baseados em artigos
das duas principais publicações desse segmento nos EUA (McFEE; MONROE, 2011) – The
Journal of Psychology and Theology e o The Journal of Psychology and Christianity –,
descrevemos a partir de autores estadunidenses do próprio campo em que consiste, para estes,
a “psicologia cristã”.
Para Roberts (2012), professor de Ética da Baylor University (Texas, EUA), a
“psicologia cristã” é a compreensão de muitos dos tópicos que os psicólogos de diferentes
épocas têm abordado. Para ele, os documentos originais do Cristianismo – os Livros do Novo
Testamento – contém essa psicologia em princípio. O autor destaca três conceitos encontrados
na psicologia que se originaram dessa fonte – o perdão; a noção paulina de Self dividido; e o
conceito Paulino-Augustiniano de fraqueza.
Roberts (2012) pondera que esses e outros conceitos psicológicos encontrados no Novo
Testamento são os que tradicionalmente têm fomentado o auto entendimento dos cristãos e
também é com eles que os pastores conduzem seus ensinamentos e aconselhamentos. Para esse
autor, a “psicologia cristã” é uma psicologia positiva, mas também uma psicologia negativa, à
medida que ela possui conceitos de disfunção. A despeito da afirmação dessa polaridade na
“psicologia cristã”, o que é fulcral para esse autor é o fato de todas as psicologias do século XX
serem parcialmente rivais do cristianismo. Em sua abordagem, elas possuem diferentes
objetivos, concepções de natureza e disfunção humana e diferentes intervenções.
Roberts (2012) apresenta razões para justificar a articulação de uma “psicologia cristã”.
Dentre elas, a ideia de uma “psicologia cristã” como profilaxia, para o autor a junção de
80

aspectos das teorias de Rogers99, Jung100, Kohut101 e outros com o Evangelho é nociva para a
própria comunidade cristã. Dessa forma, a sustentação da psicologia exclusivamente cristã
tenderia a proteger a Igreja contra a assimilação de visões de mundo rivais e a consequente
deformação de caráter da comunidade cristã. Por outro lado, o autor oferece uma justificativa
que ele considera mais positiva em prol da articulação de uma “psicologia cristã”, a de que uma
auto compreensão cristã é a matriz do trabalho de santificação. Segundo Roberts, a sua visão
sobre o valor da “psicologia cristã”, também se aplica a outras psicologias que se conectam a
religiões, como a “psicologia budista”, “psicologia hinduísta” e “psicologia islâmica”.
Conforme Watson (2011), professor de psicologia da Universidade do Tennessee, para
a “psicologia cristã”, o cristianismo e a psicologia contemporânea embora fundamentados em
diferentes padrões, não operam necessariamente em sistemas de racionalidade totalmente
incompatíveis. Esse autor, ao refletir sobre o futuro da “psicologia cristã”, aponta que os
cristãos envolvidos com essa concepção precisarão desenvolver conceitos e metodologias que
são úteis em promover classificação, atualização e tradução, enquanto simultaneamente evitam
a colonização, guetização e desinterpretação. Para isso, ele volta a destacar que todos os cristãos
envolvidos com essa psicologia devem direcionar os níveis de explanação, aconselhamento
bíblico e integração para criar conhecimento que seja útil na realização dos potenciais positivos
de cada perspectiva. Por fim, Watson destaca a importância da criação de uma única
racionalidade cristã sobre psicologia. Com a advertência de que a “psicologia cristã”
compreenda a importância de trabalhar fora dos limites de sua própria comunidade. Quanto a
isso, o autor aponta que a “psicologia cristã” deverá utilizar a Bíblia e os textos e tradições
cristãs de interpretação paradefinir uma crescente dinâmica e sofisticação dessa racionalidade.
Para McFee (2011), professor de aconselhamento psicológico na Eastern University
(Pensilvânia, EUA) e Monroe (2011), professor de aconselhamento e psicologia no Biblical
Seminary (Pensilvânia, EUA), as abordagens cristãs da psicologia não se limitam a construir
modelos. Pois, segundo esses autores, de fato muitos artigos nos dois principais jornais desse
campo – The Journal of Psychology and Theology e o The Journal of Psychology and
Christianity – consistem em promover insights e aconselhamento. Os mais óbvios são os que
apresentam técnicas específicas para o trabalho do terapeuta cristão.

99
Carl Rogers, psicólogo estadunidense (1902-1987), desenvolveu a “Abordagem Centrada na Pessoa”. Fonte:
https://www.carlrogers.org.br/acp Acessado em 20/11/2016.
100
Ver nota nº 68.
101
Psiquiatra e psicanalista norte-americano imigrou da Europa para os EUA. Em 1964, Kohut foi presidente da
American Psychoanalytic Association (APsaA) (ROUDINESCO; PLON, 1997, p. 435-438).
81

Observado esse entusiasmo por uma psicologia abertamente cristã em terras norte-
americanas – onde os profissionais além de se organizarem em torno dessa perspectiva, talvez
como –‘disciplina’ –, através de sociedades e publicações acadêmicas, planejam o futuro e
almejam a projeção da “psicologia cristã” para outras esferas –, hipotetizamos que a
circunspecção observada a respeito de uma “psicologia cristã” entre os “psicólogos cristãos”
no Brasil, deva-se à ameaça de estigmatização. No país, até o momento, a “psicologia cristã”
não obtém reconhecimento dos órgãos regulamentadores da profissão de psicólogo, nem do
meio acadêmico e científico. Tampouco as graduações de psicologia regulamentadas pelo
Ministério da Educação (MEC) oferecem disciplina similar a esta; assim como as Diretrizes
Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Psicologia, instituída pelo mesmo
ministério102, não estabelecem possíveis conexões entre psicologia e religião103. Essas normas
dificultam o vicejar de uma “psicologia cristã” em cena pública104. Assim como certa regulação
por parte dos próprios pares, que se opõem a essa psicologia, contribui para a cautela de alguns
adeptos dessa prática em expor-se além de seu nicho, mas coloca esse tema em discussão na
seara dos “psicólogos cristãos”105.
Quanto à questão de uma “psicologia cristã” no CPPC, em resposta negativa ao convite
para participar dessa pesquisa, uma psicóloga vinculada à organização argumentou, “não
trabalhar com ‘psicologia cristã”; que “no CPPC não existe um conceito de atuação”; e que “no
CPPC há uma “ética cristã” que liga os profissionais associados à organização”. Por outro lado,
W ao relatar suas impressões sobre o CPPC, pontua a existência de uma marca, que ele
identifica como não hegemônica, nessa organização, “a ideia meio grosseira de uma ‘psicologia
cristã”, a percepção em alguns momentos da “ideia que é uma falácia de uma ‘psicologia cristã”
e “a ideia tola de uma ‘psicologia cristã”. Os adjetivos nada lisonjeiros – “grosseira”, “falácia”
e “tola” – para designar “psicologia cristã”, ao mesmo tempo em que evidenciam a perspectiva

102
Fonte: http://www. http://portal.mec.gov.br/ Acessado em 28/11/2016.
103
No início de fevereiro de 2017, por conta da nomeação pelo prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, do
seu filho, Marcelo Hodge Crivella, para Secretário da Casa Civil, foi noticiado que o novo Secretário se formou
em “psicologia cristã” na Califórnia, EUA – sem que a informação fosse colocada em perspectiva quanto a
regulação profissional e científica da psicologia no Brasil. Fonte: “Crivella nomeia filho para Secretário da Casa
Civil”. Disponível em http://oglobo.globo.com/rio/crivella-nomeia-filho-como-secretario-da-casa-civil-
20861075 Acessado em 03/02/2017.
104
No Brasil, essa mesma regulamentação se aplica ao termo “psicólogo cristão”. No entanto, a apropriação
dessa expressão assume outro valor simbólico nesse campo, ao ponto de diversos profissionais e uma
organização específica, o CPPC, o utilizarem expressamente.
105
Pontos dessa discussão já foram antecipados com base em Wondracek (2013) e Carvalho (2013) em
“Profissionais do CPPC: um grupo heterogêneo de “psicólogos cristãos”.
82

contrária de W sobre tal psicologia; colocam em evidência a circulação do discurso sobre a


“psicologia cristã” entre os “psicólogos cristãos”. Para W, o contexto brasileiro atual e os
evangélicos que buscam os cursos de psicologia orientados por seus pastores fomentam de fato
uma “psicologia cristã” no país:

(...) eu acho que essa captura tem a ver com o momento da sociedade brasileira, de um
endurecimento não reflexivo que atinge todos os segmentos. E no CPPC o que há de mais
arriscado é essa ideia de uma psicologia cristã. Essa força ela está presente, tanto nos cursos
dessa leva de cristãos que chegam aos cursos de psicologia com essa perspectiva, orientados por
seus pastores. E há uma pequena disputa no CPPC, até onde eu percebo é localizado. Do que eu
percebo, do que já vi, que eu conversei, há uma compreensão de que a gente tem a nossa fé e a
gente tem a nossa ciência. E a gente transita entre elas na tensão que lhe é própria. Como, aliás,
a gente transita em todas as tensões. (...) mas a ideia (de uma psicologia cristã) é muito sedutora
(Entrevista concedida ao autor em 19/12/2016).

W assinalou a diferença entre a sua postura profissional, que ele afirma pautar na
psicologia social, portanto científica; e a atuação profissional de Marisa Lobo que, para ele,
“defende a tese de uma ‘psicologia cristã”. Não obstante, por um lado, constatada a reatividade
provocada pela possibilidade de ser vinculado a uma “psicologia cristã”, por outro lado,
constata-se a presença dessa concepção, de uma forma ou de outra, no universo dos
profissionais que conectam psicologia e religião. Ao verificarmos essa presença, não devemos
desconsiderar a possibilidade de essa perspectiva vir eventualmente a disputar certa hegemonia
no campo dos “psicólogos cristãos”. O que quer dizer, a imposição de uma “ideia tão sedutora”
(para muitos deles) de uma “psicologia cristã” no país e suas implicações. A mais ruidosa dessas
implicações ultrapassa sua própria esfera de atuação – é a tentativa de arbitrar sobre a
homossexualidade.

4.5 Psicologia e religião e política na trajetória de uma “psicóloga cristã”

Deus é o meu código de ética 106

Nesse contexto de conexões heterogêneas entre psicologia e religião e de afirmação da


identidade dos “psicólogos cristãos”, destaca-se no Brasil, a paranaense Marisa Lobo,

Slogan utilizado pela “psicóloga cristã” Marisa Lobo em folheto de divulgação do evento “Seminário de
106

Família”, conduzido por ela na Igreja Pentecostal Refúgio em Cristo (13/10/15) no subúrbio carioca (ANEXO I).
Disponível no website da própria psicóloga www.marisalobo.com.br Acessado em outubro de 2015.
83

evangélica filiada à Igreja Batista Bacacheri107em Curitiba108. Lobo é atualmente a profissional


mais popular desse segmento, notabilizada em âmbito nacional por sua presença expressiva na
internet; Lobo atua como psicóloga, teóloga evangélica e aspirante a uma vaga no legislativo –
além de oferecer cursos e proferir palestras acerca dos temas trabalhados em suas aulas em
diferentes congregações evangélicas por todo o país. Os títulos de alguns de seus cursos são
sugestivos das temáticas mais caras a sua atuação pública: “Desconstruindo a ideologia de
gênero” e “Reorientação cultural”. Fora sua vinculação religiosa e político partidária, não há
registros de que Marisa Lobo seja filiada a qualquer instituição que articule psicologia e
cristianismo e defina sua atuação como “psicóloga cristã”, como por exemplo o CPPC. Ao que
consta, a atribuição e publicização dessa identidade parte de iniciativa da própria profissional109.
Marisa Lobo está frequentemente envolvida em polêmicas em torno de propostas de
“reorientação sexual de homossexuais”110 ou “cura gay”, o que tem causado conflito com os
Conselhos de Psicologia e com o Ativismo pela Diversidade Sexual. Decorrente da afirmação
de Marisa Lobo, via internet, de que “atua como ‘psicóloga cristã’ e que, nesta condição, presta
atendimentos psicológicos a homossexuais que querem assumir a sua heterossexualidade” seu
registro profissional foi cassado em processo ético transcorrido no Conselho Regional de
Psicologia do Paraná (CRP-PR), em 2011. Em 2015, em 2ª instância, o CFP retificou a

107
A Igreja Batista Bacacheri foi sede do XIII Congresso Nacional de Sexualidade do Exodus Brasil –
representante no país da Exodus Global Alliance, organização internacionalmente conhecida por propor “cura
gay” utilizando-se de abordagens psi e teologia cristã (ANEXO J). Contudo, o nome da psicóloga não consta na
listagem de conferencistas do evento e não temos encontrado outros registros que vinculem publicamente Lobo a
essa controvertida organização. O Exodus Brasil possui escritório em Londrina, PR, cidade a 427 km de Curitiba
e está ligado a ministérios evangélicos em outras regiões do país (http://www.exodus.org.br Acessado em
12/12/2016).
108
Segundo informação de W, no meio Batista, as igrejas mais expressivamente conservadoras estão em
Curitiba. Para W, “Curitiba é o berço do conservadorismo no Brasil contemporâneo”. Ressalvamos que a
fundação do próprio CPPC se deu na capital paranaense, que entre 18 e 21 de maio de 2017 sediará o XX
Congresso Nacional da organização.
Atualmente, Curitiba é sede da operação Lava Jato, que investiga crimes de lavagem de dinheiro envolvendo
estruturas partidárias e grandes empreiteiras nacionais. A expressão “República de Curitiba”, atribuída ao ex-
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em conversa com a então presidente Dilma Rousseff interceptada pela
Polícia Federal, em referência à atuação do juiz Sergio Moro e aos investigadores da Lava Jato (“Expressão
‘República de Curitiba’ cria onda de orgulho regional no Paraná”, publicado em 29/03/2016 em
http://www1.folha.uol.com.br/ Acessado em 17/01/2017) foi apropriada com orgulho pelos apoiadores desse
juiz, comumente caracterizados como conservadores, no atual cenário político brasileiro.
109
Fonte: www.marisalobo.com.br
110
“Reorientação sexual de homossexuais”, “grupo de terapia reparativa” ou “ministérios de ex-gays”
frequentemente diferem em sua ênfase sobre os fatores psicológicos e a fé religiosa, mas essas propostas
compartilham a convicção de que a homossexualidade é um sinal de imaturidade e “disfunção” de gênero.
Conforme essas convicções, a homossexualidade seria passível de superação e “reorientação” à
heterossexualidade. Essas “terapias” proliferaram a partir dos anos de 1970 como reação à despatologização da
homossexualidade no âmbito da psiquiatria estadunidense (DEAN; LANE, 2001, p. 3, 33).
84

penalidade imposta à Lobo, com a imposição de “censura pública”, conforme previsto no


Código de Processamento Disciplinar da autarquia111. Na ocasião a pastora evangélica e
advogada de Marisa Lobo, Damares Alves, que também é “psicóloga cristã”112, alegou que as
acusações contra sua cliente se configurariam como “perseguição religiosa” 113
. Ambos os
processos inspiraram manifestações públicas, em defesa de Marisa Lobo, de personalidades
como, o Deputado pastor Marco Feliciano (PSC), o pastor carioca Silas Malafaia e o Senador
pastor Magno Malta (PR), que assina o prefácio de um dos livros de Marisa Lobo, “Psicopatas
da fé: manipuladores do evangelho” (2011), que aborda o tema de líderes religiosos que usam
sua autoridade espiritual para subjugar seus seguidores.
O slogan “Deus é o meu código de ética” utilizado por Lobo, em um dos convites para
suas palestras, traz explícita referência aos seus conflitos com os Conselhos de Psicologia. A
frase de efeito faz alusão ao instituído pelo Código de Ética do CFP que, na alínea “b” do artigo
2º das responsabilidades do psicólogo, “proíbe (o psicólogo de) induzir a convicções políticas,
filosóficas, morais, ideológicas, religiosas, de orientação sexual ou a qualquer tipo de
preconceito, quando do exercício de suas funções profissionais” (CFP, 2005).
Em sua página na internet114, Lobo informa ser especializada em Saúde Mental e
Direitos Humanos115e destaca sua atuação como psicóloga em várias audiências públicas que
tratam de questões controversas. Dentre essas audiências, Lobo lista sua participação em 18 na
“luta contra o aborto”; 28 na “luta contra a legalização das drogas”; e de 63 na “luta nacional
contra a ideologia de gênero”. Esta última temática também é abordada em um dos seus quatro

111
Fonte: Jornal do Federal. Ano XXVI, n. 111 – Agosto de 2015.

112
Após a retificação do CFP, Damares Alves publicou uma “carta aberta” em sua rede social, em que agradece
a todos que oraram e torceram por Marisa Lobo. Menciona ter se apresentado ao CFP no episódio do julgamento
como, "Sou Damares Alves, advogada terrivelmente cristã"
(https://www.facebook.com/dradamaresalves/posts/365023193705369 Acessado em 18/01/2017).
113
Fonte: http://noticias.gospelprime.com.br Acessado em 20/06/2015.
114
Fonte: www.marisalobo.com.br Acessado em 16/01/2017.
115
Segundo consta no currículo lattes de Marisa Lobo Franco Ferreira Alves – atualizado em 22/12/2016 –
ambas as especializações citadas pela profissional (Saúde Mental e Direitos Humanos, respectivamente uma
iniciada em 2010 e a outra em 2013) ainda não foram concluídas (http://lattes.cnpq.br/8917525132928932
Acessado em 16/01/2017). A mesma informação é verificada na página www.psicologamarisalobo.com.br
Acessada em 17/01/2017. Notamos que essas credenciais costumam ser evocadas para conferir legitimidade aos
argumentos de Lobo em seu posicionamento público, como por exemplo, em “Psicóloga diz que existem ex-
homossexuais e que eles sofrem dupla discriminação” (http://www2.camara.org.br Acessado em 17/01/2017);
“Em audiência pública, Feliciano diz que homossexualidade é “modismo” (publicado em 24/06/2015, na página
http://www.jb.com.br Acessado em 17/01/2017); “A Ideologia de Gênero sob à ótica judaico-cristã” (publicado
em 16/04/2015, na página http://www.colunasgospelmais.com.br Acessado em 17/01/2017).
85

livros, “Ideologia de gênero na educação”. Chama a atenção este livro carecer de referencial e
não possuir ISBN116. Essa omissão a respeito das convenções acadêmicas (bem como as
literárias e jurídicas) da propriedade intelectual afasta a obra de Marisa Lobo do campo
científico, enquanto a aproxima da prédica religiosa.
O ativismo de Marisa Lobo acerca do que ela denomina “ideologia de gênero” é
considerado pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) uma “confusão entre ciência e
religião”, que torna “o trabalho técnico-científico da Psicologia incongruente em seus próprios
parâmetros de confiabilidade e de validade e com a ética profissional estabelecida”. Em nota
de repúdio da Comissão de Direitos Humanos do CFP assinada por quinze membros da
respectiva comissão117, dentre outros pontos relevantes da nota, destacamos o que se refere a
essa miscelânea estabelecida pela “psicóloga cristã”:

Essa confusão é o que a psicóloga Marisa Lobo defende. Sua pedra angular é um conjunto de
fundamentos religiosos dogmáticos que desconsidera os fundamentos e uso adequados da grande
virada epistemológica do final do século XX que estabeleceu gênero como categoria de análise;
desconsidera também a ética profissional que, no Brasil e para todas as categorias profissionais,
constitucionalmente, devem se orientar pela régua do estado laico – considerar e respeitar a
diversidade religiosa e aos que não têm religião. Uma visão religiosa não pode se impor às outras
crenças nem falsear a produção técnica nem a produção científica, muito menos a ética
profissional.

Além de as declarações de lobo diferirem contundentemente da posição do CFP, a nota


de repúdio conclui destacando o quanto essas declarações sobre o tema merecem contestação
também no âmbito da defesa dos Direitos Humanos que fundamentam as éticas profissionais.
No contexto político-partidário, Marisa Lobo é Assessora Voluntária da Frente
Parlamentar Evangélica. Desde 2010, ela “oferece todo o seu conhecimento técnico na
elaboração de conteúdo para apoiar os Deputados Federais, ajudando-os a compreender e
denunciar projetos de leis cujo objetivo é a desconstrução da família e DEUS” 118
.

116
O ISBN - International Standard Book Number - é um sistema internacional padronizado que identifica
numericamente os livros segundo o título, o autor, o país, a editora, individualizando-os inclusive por edição.
Desde 1978, a Fundação Biblioteca Nacional representa a Agência Brasileira, com a função de atribuir o número
de identificação aos livros editados no país. Uma vez fixada a identificação, ela só se aplica àquela obra e edição,
não se repetindo jamais em outra (http://www. http://www.isbn.bn.br/).

“Nota de Repúdio da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia” emitida em


117

01/06/2016. Disponível em http://site.cfp.org.br/ Acessada em: 10/08/2016.


118
Disponível em http://marisalobo.com.br/http://marisalobo.com.br/convide-psic-marisa-lobo-para-seu-evento
Acessado em 27/01/2017.
86

Recentemente, filiada ao partido Solidariedade119, Marisa Lobo disputou a eleição legislativa


municipal de 2016 em Curitiba. Uma de suas propostas de campanha era a defesa do Projeto
Escola sem Partido120. Assim como havia disputado a eleição legislativa em âmbito estadual
(PR) em 2014, (sem obter êxito em nenhum dos intentos) pelo Partido Social Cristão (PSC) –
mesma legenda de outros políticos controversos, como Marco Feliciano e Jair Bolsonaro e seus
filhos.
Os Deputados Marco Feliciano, pastor evangélico, e Jair Bolsonaro, recém-convertido
à religião evangélica, são políticos publicamente notórios por suas posturas homofóbicas e
hostis a toda a agenda política de Direitos Humanos. Bolsonaro envolveu-se recentemente em
121
um imbróglio de ampla repercussão , quando proferiu agressões homofóbicas contra o
Deputado Federal Jean Wyllys122 (PSOL); o parlamentar do PSOL teria reagido a esse ataque
cuspindo em seu agressor. Tal reação ensejou julgamento por quebra de decoro parlamentar,
que segue em tramitação, contra Jean Wyllys. Não obstante, exemplo da conformação
heterogênea do campo evangélico no país, o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil
123
(CONIC) ·, em carta aberta endereçada ao Conselho de Ética da Câmara dos Deputados,
expressou solidariedade com o Deputado Jean Wyllys, condenando a conduta indecorosa do
Deputado do PSC. Nessa missiva é destacado o reconhecimento

ao relevante papel que o deputado Jean Wyllys desempenha ao promover reflexões e discussões
abertas e plurais. Jean Wyllys tem desempenhado um relevante protagonismo na promoção da
diversidade religiosa. Como organização religiosa ecumênica fomos convidados e convidadas

119
Um dos políticos mais notórios dessa legenda é o deputado federal por São Paulo, Sergio Olimpio Gomes,
conhecido como Major Olímpio e por integrar a chamada “bancada da bala”.
120
Projeto de lei 193/2016, de autoria do Senador pastor Magno Malta (PR-ES), que inclui entre as diretrizes e
bases da educação nacional o programa Escola sem Partido. Projeto que em linhas gerais visa impedir, o que o
seu autor e seus apoiadores consideram por um lado, a doutrinação política e ideológica em sala de aula; e por
outro, a usurpação do direito dos pais dos alunos sobre a educação moral e religiosa dos seus filhos
(https://www12.senado.leg.br Acessado em 15/01/2017).
121
Episódio ocorrido na ocasião da votação do Impeachment da Presidente Dilma Rousseff (PT) na Câmara dos
Deputados, em 17 de abril de 2016.
122
Jean Wyllys é o único Deputado Federal que afirma publicamente uma identidade gay e um dos poucos
parlamentares defensores dos direitos e reivindicações LGBT. O Deputado e Marisa Lobo, que o considera um
“analfabeto funcional” (“Resposta a Jean Wyllys e o movimento GLBTT” publicado em 11/09/2013, na página
http://www.colunasgospelmais.com.br Acessado em 17/01/2017) constantemente trocam agressões verbais pelas
redes sociais on line, motivadas pelo posicionamento antagônico de ambos sobre a homossexualidade.
123
O CONIC foi criado no ano de 1982, em Porto Alegre (RS), fruto de um longo processo de articulação entre
as igrejas Católica Apostólica Romana, Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, Episcopal Anglicana do
Brasil e Metodista. Hoje, com sede em Brasília (DF), o CONIC mantém entre os seus objetivos a promoção das
relações ecumênicas entre as igrejas e o fortalecimento do testemunho conjunto das igrejas-membro na defesa
dos Direitos Humanos. Fonte: http://www.conic.org.br
87

em diferentes ocasiões para mesas de diálogo sobre temas relacionados à orientação sexual.
Nessas experiências sempre nos chamou a atenção à atitude do parlamentar em acolher e ouvir
diferentes posições e de afirmar o diálogo como caminho para a superação das intolerâncias e
preconceitos (http://www.conic.org.br).

Os posicionamentos de Marisa Lobo acerca de temas como “gênero” e “sexualidade”


estão eminentemente respaldados na interpretação que a psicóloga faz de determinadas
concepções de cristianismo e não de qualquer discurso científico validado pelos Conselhos.
Essa atuação consiste em grande parte no que percebemos e Lobo afirma como “psicologia
cristã”. Entretanto, a valoração positiva dessa atuação não é unânime entre os “psicólogos
cristãos”.

4.6 Polêmicas sobre homossexualidade: recusa da Diversidade Sexual

Deus criou o homem e a mulher para prazer e procriação 124

Para muitos “psicólogos cristãos”, a homossexualidade é abordada conforme suas


interpretações religiosas, a despeito do arcabouço teórico científico acerca do tema e do
prescrito pelos órgãos reguladores da categoria profissional dos psicólogos no país. As mais
retumbantes polêmicas envolvendo esses profissionais versam sobre seus empreendimentos
moralizadores de “reversão da homossexualidade” ou “cura gay” 125.
A psicologia enquanto ciência e profissão representa uma das referências mais
autorizadas, no mundo ocidental, para discursar sobre e intervir com relação à subjetividade
humana. Psicólogos são profissionais com legitimidade para responder sobre uma variada gama
de condutas e o próprio fundamento da existência humana. Nesse ramo do conhecimento, falar
de subjetividade também é responder pela sexualidade (CASSAL; GARCIA; BICALHO, 2011,
p. 470).

124
Argumento utilizado pela “psicóloga cristã” Marisa Lobo para falar sobre um suposto interdito bíblico à
homossexualidade. Disponível no DVD protagonizado e comercializado por ela. “Sexualidade debaixo da graça
– Homossexualidade: o que a Igreja precisa saber” (2015). Na embalagem desse DVD, dentre outras
informações, há o registro em destaque da linha de atuação da psicóloga – “psicologia cristã” (ANEXO L).
125
É notória a discussão pública ocasionada pelas controvérsias sobre “cura gay”, as quais ultrapassam o âmbito
profissional, religioso, acadêmico e ativista. Nesse contexto mais amplo da questão, destacamos uma obra de
ficção que aborda o tema de maneira jocosa, o livro brasileiro “A vida não tem cura”, em que o leitor é
apresentado a uma boate gay – propriedade de uma igreja evangélica, que promove a polêmica cura. Mirisola,
Marcelo. A vida não tem cura. São Paulo: Editora 34, 2016.
88

Degani-Carneiro (2013, p. 66), em sua pesquisa sobre a interseção entre religiosidade e


a atuação profissional dos psicólogos no Brasil, aponta para um alinhamento crescente dos
Conselhos de Psicologia, a partir da década de 1990 – especialmente com a ascensão do grupo
“Cuidar da Profissão” na gestão do CFP, nessa época – com a pauta dos movimentos sociais
em favor dos Direitos Humanos.
Tal engajamento é notável nas questões sobre Diversidade Sexual e nas disputas
relativas à homossexualidade. Talvez, a maior expressão da aproximação dos Conselhos com a
agenda dos direitos humanos acerca desse tema seja a Resolução CFP 01/1999, que "estabelece
normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da orientação sexual". Esta
Resolução é produto de profunda discussão “com toda a categoria dos psicólogos e parte de
decisão da Organização Mundial da Saúde que afasta a homossexualidade do rol de
patologias”126. O documento reza:

Art. 1° – Os psicólogos atuarão segundo os princípios éticos da profissão notadamente aqueles


que disciplinam a não discriminação e a promoção e bem-estar das pessoas e da humanidade.
Art. 2°– Os psicólogos deverão contribuir, com seu conhecimento, para uma reflexão sobre o
preconceito e o desaparecimento de discriminações e estigmatizações contra aqueles que
apresentam comportamentos ou práticas homoeróticas. Art. 3° – os psicólogos não exercerão
qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem
adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados.
Parágrafo único - Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham
tratamento e cura das homossexualidades. Art. 4° – Os psicólogos não se pronunciarão, nem
participarão de pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a
reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de
qualquer desordem psíquica. Art. 5°– Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 6° – Revogam-se todas as disposições em contrário” (CONSELHO FEDERAL DE
PSICOLOGIA, 1999).

A resolução CFP 01/1999 tem sido utilizada inclusive em contextos que vão além da
regulação da prática de psicólogos no Brasil, no que se refere a questões relacionadas à
orientação sexual. Há, por exemplo, casos de autorização pela Justiça brasileira de adoção de
crianças por casais homoparentias, em grande parte, respaldados por esta resolução127. A CFP
01/1999 obteve repercussão nacional e internacional. A Resolução foi traduzida para o
espanhol, inglês e francês, além de ter sido divulgada em um congresso de Direitos Humanos
da American Psychological Association (APA), na Califórnia, EUA. O Brasil é o único país do
mundo com esse tipo de documento. Essa divulgação obteve grande repercussão e a partir de

Fonte: Ação Civil Pública 18794-17.2011.4.02.5101 – Memoriais CFP. Disponível em http://site.cfp.org.br/


126

Acessado em 12/12/2016.
127
Agradecemos ao professor Pedro Paulo Bicalho por esta informação.
89

então a APA organizou grupos de estudo para a elaboração de documentos de referência para
norte-americanos e canadenses. Outro desdobramento dessa repercussão foi a criação de um
grupo internacional acerca do tema, dentro da divisão de direitos humanos da APA
(KAHHALE, 2011, p. 23), do qual fez parte Pedro Paulo Gastalho de Bicalho, professor de
psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e atual membro da diretoria
executiva do CFP na gestão 2017-2019.
A chapa 23 – “Cuidar da Profissão: avançar a Psicologia com ética e cidadania” 128
–,
eleita para administrar o CFP no triênio 2017-2019, tem como um dos pontos de sua plataforma
a promoção e defesa de direitos das ditas minorias, questão expressa no item “Psicologia com
Princípios” 129:

Promover e defender a garantia de direitos, realizando ações conjuntas entre comissões regionais
e nacional de Direitos Humanos e outras entidades da Psicologia e da sociedade civil. Evidenciar
as diversas formas de exclusão vividas no cotidiano, como o racismo, a LGBTTfobia, o
machismo e a intolerância religiosa, a fim de construir ações que afirmem e promovam os direitos
de toda pessoa humana, explicitando a compreensão de que nossa categoria é marcada por
relações de gênero.

Em conflito com essa agenda, Marisa Lobo é a “psicóloga cristã” mais visivelmente
envolvida, hoje, em controvérsias sobre homossexualidade. Entretanto, outros “psicólogos
cristãos” também fomentam polêmicas públicas sobre a homossexualidade no país. O tema já
foi explorado em fóruns internos e publicações do CPPC e o caso da Missionária Rozangela
Justino é relevante para a compreensão dessas disputas.

4.6.1 A homossexualidade no CPPC: controvérsias internas

O Corpo dos Psicólogos e Psiquiatras Cristãos (CPPC) se posicionou contra a resolução


CFP 01/1999. Quanto a isso o CFP trabalhou em duas frentes: por um lado, discutindo
diretamente com esse grupo; por outro lado, realizando levantamento bibliográfico mais amplo
a fim de demonstrar a inexistência de pesquisa que classifique a homossexualidade como
patologia (KAHHALE, 2011, p. 23). Em 2013, em entrevista à revista Psicoteologia130 (p. 5-

128
Jornal do Federal. Ano XXVII, n. 114 – Dezembro, 2016.
129
Fonte: http://site.cfp.org.br/ Acessado em 10/12/2016.
130
Psicoteologia. II semestre de 2013. Ano XXI – n. 53.
90

7), Ageu Heringer Lisboa, membro fundador do CPPC, comemora, ainda que considere “tardia”
uma Nota de Esclarecimento emitida pelo CFP em 07/05/2013131. A Nota “Resolução do CFP
não impede atendimento a pessoas que queiram reduzir seu sofrimento psíquico causado por
sua orientação sexual” responde ante interpretações divergentes da Resolução CFP 01/1999.
Nela o CFP esclarece que a Resolução “não proíbe as (os) psicólogas (os) de atenderem pessoas
que queiram reduzir seu sofrimento psíquico causado por sua orientação sexual, seja ela homo
ou heterossexual, e nem tampouco, pretende proibir as pessoas de buscarem o atendimento
psicológico” e reitera o prescrito na Resolução CFP 01/1999. Para Lisboa (p. 6) essa Nota do
CFP repara o que ele considera uma lacuna, além de propor que ela seja incorporada à
Resolução CFP 01/1999.
Em uma edição exclusiva sobre homossexualidade da revista Psicoteologia132 (ANEXO
M), publicada no primeiro semestre de 2008, dentre os dez textos que abordam o assunto, um
deles é apresentado como “uma carta de um homossexual curado” (p. 32-34) endereçada aos
“psicólogos cristãos” e o outro de autoria de dois dos fundadores e ex-presidentes da instituição,
Uriel Heckert e Ageu Lisboa, e do presidente do CPPC à época, Karl Heinz Kepler, intitulado
“Pacto de não divisão” (p. 38), em que escrevem “A questão da homossexualidade não constitui
matéria básica de fé. Portanto, comprometemo-nos a não permitir que divergências em torno
dela nos dividam, abrindo cisões no CPPC” (p. 38).
Além dessa edição especial sobre homossexualidade da revista Psicoteologia, há
diversos artigos de autoria dos próprios membros do CPPC sobre o tema disponibilizados no
site da organização133, como “Homossexualidade no meio cristão”, “Homossexualidade: a
pessoa do homossexual em suas conexões sistêmicas”, “Cuidando de homossexuais
evangélicos: uma trajetória em três papéis”, “O homossexual de Romanos” e “O psicólogo
cristão saindo do armário”, dentre outros textos.
O chamado para um “pacto de não divisão” em torno do que eles consideram a “questão
da homossexualidade”, além de diferentes abordagens sobre o tema em seus próprios artigos,

131
Nota de Esclarecimento do CFP publicada em 07/05/2013. Disponível em http://site.cfp.org.br/ Acessada em
11/10/2016.

132
Psicoteologia. I semestre de 2008. Ano XXI – nº 42.

133
www.cppc.org.br
91

sinaliza para o quão controvertido o tema da homossexualidade é dentro do CPPC e para a


importância atribuída no âmbito dessa “clínica pastoral” à regulação da sexualidade134.
A psicóloga Rozangela Justino, à época vinculada ao CPPC135 (JUSTINO, 2005, p.
119), se notabilizou por sua atuação e difusão de psicoterapia para a “reversão da
homossexualidade” e consequentemente foi punida com “censura pública” pelo Conselho
Regional de Psicologia do Rio de Janeiro (CRP-RJ). Um profissional filiado à organização,
entrevistado por Lima (2004, p. 96), comenta que a homossexualidade se tornou uma questão
“maldita” para o CPPC e motivo para que “persigam” a organização, “não por causa de justiça,
mas do pressuposto religioso. É uma questão que a gente deve olhar de uma forma muito
cautelosa”.

4.6.2 “Direcionada por Deus para ajudar as pessoas que estão homossexuais” 136

O Conselho (Federal de Psicologia) fez aliança com um movimento politicamente organizado


que busca a heterodestruição e a desconstrução social através do movimento feminista e do
movimento pró-homossexualista, formados por pessoas que trabalham contra as normas e os
valores sociais (JUSTINO, 2009). 137

Em 2003, o Deputado pastor Edino Fonseca (PSC) apresentou à Assembleia Legislativa


do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ) o projeto de lei 717/2003, que propunha “criar um
programa de auxílio para pessoas que querem deixar a homossexualidade” 138
. Rozangela
Justino, que dizia atender “pessoas que voluntariamente queiram deixar a homossexualidade”
(JUSTINO, 2005, p. 119), foi uma das principais articuladoras do PL 171/2003. O polêmico
instrumento desencadeou reações do Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro (CRP-

134
Um psicólogo próximo ao CPPC informado dessa pesquisa nos alertou de que dificilmente os membros dessa
organização falam sobre esse tema com pessoas externas ao CPPC.
135
De acordo com Degani-Carneiro (2013, p.71), baseado em informações colhidas informalmente, Justino se
desligou do CPPC, porque a organização não a apoiou no período de seu processo ético e da controvérsia pública
em torno do mesmo.
136
Declaração de Rozangela Justino à Folha de São Paulo, um dos jornais de maior circulação no país.
“Psicóloga que diz “curar” gay vai a julgamento em Conselho”. Folha de São Paulo, 14 de julho de 2009.

137
A declaração foi concedida à imprensa no contexto de julgamento da profissional pelo Conselho Regional de
Psicologia do Rio de Janeiro (CRP-RJ), em agosto de 2009, em virtude de sua atuação em práticas conhecidas
por “reversão da homossexualidade” ou “cura gay”. revista Veja em 12/08/2009. Edição 2125, ano 42, nº 32.

Fonte: “Ser ou não ser, eis a polêmica”. Disponível em http://www.aids.gov.br/ publicado em 07/09/2003.
138

Acessado em 11/11/2016.
92

RJ), da Associação Nacional de Pesquisa e Pós Graduação em Ciências Sociais (ANPOCS) e


do Grupo Arco Íris de Conscientização Homossexual. Uma das críticas refere-se ao uso de
recursos públicos para essa finalidade, que além de contrariar os princípios do Estado laico,
representava uma violação aos Direitos Humanos (NATIVIDADE, 2008, p. 40). Em 2004, o
Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (CLAM) participou desse
movimento gerando um abaixo-assinado em que ressalva a falta de fundamentação científica e
o caráter fundamentalista de tal projeto139.
Por outro lado, também houve reações a não aprovação da proposta, principalmente de
segmentos religiosos através de protestos e cartas enviadas aos parlamentares. Justino assinou
um ensaio intitulado “Vitória do obscurantismo: injustiça, desigualdade e distorções por parte
do ativismo homossexual” que circulou por um grupo de e-mails. Para a Missionária, “outras
vitórias do movimento homossexual deveriam ser confrontadas, porque fomentavam um
crescimento sem precedentes da ‘sodomia’ no Brasil, favoreciam o aumento da ‘pedofilia’ e
‘abalavam a família cristã’, podendo levar ao ‘extermínio do heterossexual” (NATIVIDADE,
2008, p. 41).
Justino esteve vinculada a outras organizações que utilizam de ferramentas “psi”
articuladas a uma orientação cristã conservadora. Além de filiada ao CPPC, esteve à frente
como uma das fundadoras do Exodus Brasil140 (JUSTINO, 2005, p. 120). Esta organização
promete, conforme leitura singular da bíblia, “reversão sexual” a homossexuais que estejam em
conflito com o seu desejo sexual orientado a pessoas do mesmo sexo. De caráter
interdenominacional cristão, é uma organização internacional com sede central nos Estados
Unidos e com dezenas de outras unidades em vários países ao redor do mundo. Justino vincula-
se também à ABRACEH, essa organização alterou sua estratégia de apresentação ao longo dos
últimos anos. Inicialmente identificada como “Associação brasileira de apoio aos que desejam

139
Dentre os pontos destacados pelo CLAM estão: 1) Ao tratar apenas da transformação de homossexuais em
heterossexuais, excluindo aqueles que desejam assumir plenamente uma orientação homossexual e não o fazem
por forte pressão familiar e social, o projeto revela a incorporação sub-reptícia da ideia de a homossexualidade
ser uma patologia, distúrbio ou desvio, o que contraria o pronunciamento oficial de inúmeras associações
profissionais e organizações científicas em todo o mundo (Organização Mundial de Saúde, Associação
Psiquiátrica Americana, Associação Psicológica Americana, Conselho Federal de Psicologia, Associação
Brasileira de Antropologia, entre outras); 2) Carece, nesse sentido, de fundamentação científica, tanto do ponto
de vista médico, quanto psicológico e sociológico, estando sua proposição fortemente articulada a movimentos
religiosos de cunho fundamentalista que vêm procurando demonizar a homossexualidade; 3) Contraria
frontalmente os mais elementares princípios éticos, pois desconsidera o peso do preconceito, da intolerância e da
discriminação social no sofrimento que algumas pessoas manifestam em relação a sua orientação ou preferência
sexual, individualizando um problema que é antes de tudo social e político. Publicado em 15/08/2006.
Disponível em http://www.clam.org.br/campanhas-direitos/conteudo.asp?cod=1536 Acessado em 02/02/2017.
140
Conforme Carvalho (2007, p. 153), os investimentos do Exodus no Brasil estão entre os primeiros deste
movimento no mundo.
93

deixar a homossexualidade”, adotou o nome de “Associação de Apoio ao Ser Humano e à


Família”. (NATIVIDADE, 2011, p. 149). Outra organização a que Justino esteve associada é o
Grupo de Amigos (GA), em relação ao GA temos um interessante depoimento da psicóloga
sobre sua experiência. Nesse relato se destaca sua concepção deísta, em que a
heterossexualidade é concebida como ‘a sexualidade original’ de todos os indivíduos, vejamos:

A nossa preocupação, como psicólogo, ou instituição denominada ministério de apoio, não é


com a homossexualidade das pessoas; quando se oferece um espaço para elas serem acolhidas,
aceitas, amadas e respeitadas, elas vão mudando o que podem no tempo de cada um. É o que
temos visto nas associações de apoio no mundo inteiro. Muitas vão deixar o comportamento
homossexual; outras, o comportamento e o desejo homossexuais (orientação); outras, além do
comportamento e desejo homossexual vão desenvolver a heterossexualidade. Tenho percebido
que no fundo, aquele que procura um profissional e ministérios de apoio para deixar a
homossexualidade, deseja apoio para tirar a sua máscara homossexual (mascara a sua realidade
interina) e confirmar a sua heterossexualidade, tal como Deus o criou (JUSTINO, 2005, p. 120).

A notoriedade conquistada por Justino se deve em grande parte à exposição midiática


decorrente de seu posicionamento controverso acerca da questão homossexual. Ela foi tema de
reportagens e concedeu entrevistas a veículos de impressa de grande circulação nacional, como
a revista Veja, o jornal Folha de São Paulo e o principal telejornal do Sistema Brasileiro de
Televisão (SBT). Na totalidade dessas matérias é abordada a prática e o discurso da psicóloga
com relação a propostas de “reversão da homossexualidade” ou à “cura gay” e às consequentes
repercussões dessa atuação no âmbito profissional e na sociedade.
Segundo Justino, a sua abordagem psicoterapêutica consiste em tratar “aqueles que
voluntariamente queiram deixar a homossexualidade” (JUSTINO, 2005, p. 120). Nessa fala, o
advérbio de modo “voluntariamente” produz dois efeitos publicamente relevantes:
teoricamente, referencia a obsoleta questão da “homossexualidade ego-distônica” 141
,
juridicamente, responde ao estabelecido pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP),
respaldando-a juridicamente quanto a eventuais sanções ético-disciplinares. Não obstante,
Rozangela foi penalizada pelo Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro (CRP-RJ).
Após uma série de denúncias por parte do ativismo LGBT, Justino foi a primeira psicóloga a
ser punida com censura pública por descumprir o que prescreve a Resolução CFP 01/1999.
Nesse episódio, por Justino ser ré primária, não foi aplicada cassação ao seu registro de

141
“Homossexualidade ego-distônica” corresponde ao diagnóstico atribuído à pessoa tida como homossexual,
mas que esteja em sofrimento com sua atração sexual por pessoas do mesmo sexo e que gostariam de se ver
livres dessa condição (DUNKER; KYRILLOS NETO, 2011, p. 615). Esse diagnóstico passou a constar na
terceira versão do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM III), publicado em 1980, e foi
suprimido da versão revista do mesmo (DSM III-R) em 1987 (RUSSO, VENÂNCIO, 2006, p. 472).
94

psicóloga (BICALHO, 2009). Em 2009, Justino declarou através de carta aberta “à sociedade
brasileira”, disponibilizada em seu blog142·, que não mais atenderá às pessoas que
“voluntariamente desejam deixar a homossexualidade”.
Segundo Justino, em sua página on line, “inúmeros projetos de leis tramitam no
Congresso Nacional carregados da IDEOLOGIA DE GÊNERO (grifo da própria Justino) para
a destruição da família, liberação sexual, inclusive de crianças, e a imposição do aborto no
Brasil. Precisamos de mais missionários nesta missão” (sic). Na página inicial desse blog, ela
disponibiliza dados de duas contas correntes para que os que se identificam com “sua missão”
possam contribuir financeiramente. Junto a outros atores do campo religioso, do campo político
partidário, da educação e de outras arenas sociais, a psicóloga atribui à teoria de gênero143um
caráter ideológico que, dentre “outras ameaças” representadas por essa “ideologia”, contém a
“destruição da família cristã”.
Em 2013, tramitou pela Câmara dos Deputados Federais, o Projeto Decreto Legislativo
144
(PDC 234/11) , que visava sustar parte da Resolução CFP 01/1999, propondo legalizar
intervenções clínicas com o objetivo de “reverter” a homossexualidade na prática da profissão
de psicólogo, ou seja, autorizar a “cura gay” no Brasil. Essa circunstância trouxe de volta aos
holofotes o caso de Rozangela Justino e ensejou diversas discussões públicas acerca do tema.
Recentemente, Justino impetrou Mandado de Segurança em que dirige denúncia ao
Ministério Público Federal do Rio de Janeiro acerca da Resolução CFP 01/1999. Este Mandado
originou Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público Federal, que propunha anular a
Resolução CFP 01/1999. Segundo a alegação do Ministério Público, a CFP 01/1999 “fere os
Direitos Humanos e não permite o atendimento psicológico da população LGBT”.
Argumentação que para o CFP “beira o absurdo”, visto que o Ministério Público Federal
embasa no sofrimento dessas pessoas sua pretensão de suspender a CFP 01/1999 sem,
entretanto, perguntar como esse sofrimento é produzido. Quanto a esse aspecto, o CFP assinala
que o “sofrimento causado à essa população advém do preconceito da sociedade e da

142
Fonte: http://rozangelajustino.blogspot.com.br

143
A teoria de gênero, conforme proposta pelo Ministério da Educação (MEC), introduz a discussão sobre
identidade de gênero e orientação sexual nas escolas. Disponível em
http://portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/escola_protege/caderno5.pdf Acessado em 16/06/2016
144
Projeto de autoria do Deputado João Campos (PSDB), apresentado em 02/06/2011, que propõe sustar a
aplicação do parágrafo único do art. 3º e o art. 4º, da Resolução do Conselho Federal de Psicologia nº 1/999 de
23 de Março de 1999, que estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da orientação
sexual. Disponível em http://www.camara.gov.br/ Acessado em 21/04/2015.
95

dificuldade de inserção social que muitas vezes suportam, é de se concluir que ‘tratar’ a pessoa
do homossexual não importaria em solução”. Essa Ação foi considerada improcedente pelo
Juízo da 5ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro145.

4.7 “Clínica pastoral”: a conformação de um discurso

A “clínica pastoral” que destacamos transcende o setting terapêutico. Seu principal lugar
de afirmação é a cena pública. Essa clínica de que tratamos para discutir o fenômeno dos
“psicólogos cristãos” se diferencia do ‘aconselhamento cristão’, que também é chamado de
“clínica pastoral”, proposto por institutos bíblicos e teológicos146; ao passo que prescinde de
uma organização que ofereça essa formação. A “clínica pastoral” que aqui nos interessa consiste
de discursos que articulam teologia com psicologia e que são difundidos por profissionais que
compartilham, no mínimo, de uma das identidades do meio “psi”; ao contrário daqueles
institutos, onde é o status de pastor evangélico o que oferece a possibilidade do exercício de
‘aconselhamento’ promovido por eles.
Destacamos quatro elementos importantes na conformação da “clínica pastoral”: 1)
Seus principais agentes são os profissionais que reiteram a sua identidade de “psicólogo
cristão”; assim como os que declaram uma dupla condição – pastor evangélico e psicólogo ou
psicanalista – e o recurso a ambas simultaneamente para conferir legitimidade ao seu discurso
em diversas circunstâncias. 2) A produção de referenciais teóricos que articulam fontes “psi” e
teológicas para afirmar uma teoria psicológica, não necessariamente intitulada de “psicologia
cristã”; amparada na legitimidade conferida pela profissão de psicólogo, em diferentes
contextos. 3) A incorporação de ritos religiosos a sua prática profissional. E por fim, 4) as
organizações que têm como um de seus principais objetivos articular conceitos “psi” e cristãos
e a adesão de profissionais identificados a essa lógica.

Fonte: Ação Civil Pública 18794-17.2011.4.02.5101 – Memoriais CFP. Disponível em http://site.cfp.org.br/


145

Acessado em 12/12/2016.
146
Algumas instituições evangélicas, como o Instituto Bíblico da Assembleia de Deus do Rio de Janeiro
(IBADERJ) (http://www.ibaderj.com.br) e o Theologia Online Open University
(http://www.theologiaonline.org.br) utilizam a expressão “clínica pastoral” para se referir a um tipo de
aconselhamento cristão que pode tanto ser oferecido por psicólogos ou pastores, quanto por conselheiros, aos
fiéis religiosos que os busquem para tal finalidade. Essa “clínica pastoral” consiste no aconselhamento em
consonância com as concepções bíblicas e conforme a “orientação do Espírito Santo”.
96

Quanto aos principais agentes da “clínica pastoral”, destacamos os profissionais que


reiteram publicamente a sua identidade de “psicólogo cristão”, como Marisa Lobo, Rozangela
Justino (atualmente identificada como Missionária) e profissionais do CPPC. Também os que
declaram a dupla condição de pastor evangélico e psicólogo recorrendo a ambas
simultaneamente para conferir legitimidade ao seu discurso em circunstâncias distintas. Como
no caso do pastor e psicólogo carioca Silas Malafaia, que em diferentes contextos públicos, por
exemplo, em órgãos de imprensa e em redes sociais, polemiza principalmente sobre
sexualidade, ao sustentar seus argumentos eminentemente homofóbicos147. Assim como
pastores evangélicos que investem maciçamente na formação em psicanálise (CARVALHO,
2007).
Quanto às referências teóricas e a utilização e publicização desses conceitos,
sublinhamos a produção de obras por autores que aglutinam referências “psi” e dogmas. Nelas
se atribui peso idêntico aos dois referenciais – ou ainda é privilegiado o aspecto teológico –
para afirmar uma teoria psicológica. Essas teorias podem ser denominadas explicitamente de
“psicologia cristã” ou não. São referências, autores como o argentino José Carlos Hernández e
o estadunidense Harold Ellens; e textos publicados em periódicos como a revista Psicoteo.
Quanto à incorporação de ritos religiosos a sua prática profissional por parte desses psis,
mencionamos como exemplo os eventos do CPPC, em que os profissionais reunidos para
discutir temas pertinentes à organização, alternam exposição teórico-científica e citação de
casos clínicos com orações e cânticos religiosos. A um repórter do jornal Folha de São Paulo
que, ao passar incógnito por atendimento psicológico com Rozangela Justino, a ele foi
recomendada, pela então “psicóloga cristã”, orientação religiosa na igreja148. W relatou que
psicólogos, por ele conhecidos, oram na sua estratégia de intervenção profissional.

147
Uma nota de repúdio emitida pelo CFP sobre as declarações de Mafalaia obteve 25 mil “curtidas” na página
do Facebook da autarquia. Dentre outros pontos, na nota é observado que, o Conselho Federal de Psicologia
(CFP) “manifesta publicamente seu repúdio às declarações do pastor Silas Malafaia feitas em 03/02/2013,
durante um programa de entrevistas exibido pelo SBT. Em sua participação, o pastor evangélico agrediu a
perspectiva dos Direitos Humanos a uma cultura de paz e de uma sociedade que contemple a diversidade e o
respeito à livre orientação – objetos da atuação da Psicologia, que se pauta na defesa da subjetividade das
identidades. As declarações de Malafaia, que é graduado em Psicologia, afrontam a construção das lutas da
categoria ao longo dos anos pela defesa da diversidade. É lamentável que exista um profissional que defenda
uma posição de retrocesso que chega a ser quase inquisitório, colocando como vertentes do seu pensamento a
exclusão e o preconceito na leitura dos Direitos Humanos”. Disponível em http://www. http://site.cfp.org.br/
publicado em 07/02/2013. Acessado em 02/01/2017.

“Psicóloga que diz ‘curar gay’ vai a julgamento em Conselho”. Publicado em 14/07/2009 no Jornal Folha de
148

São Paulo. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/ Acessado em 15/10/2015.


97

Quanto às organizações que tenham como um de seus principais objetivos conectar


teologia e conceitos “psi”, além da adesão de profissionais identificados a essa lógica,
destacamos o CPPC, a principal organização a atuar nesse segmento no Brasil.
Na “clínica pastoral” prevalece a afirmação de uma postura ética própria, caracterizada
pelo empenho desses profissionais em subordinar os conceitos laicos e científicos da psicologia
ao dogma. Nesse contexto, sob a égide de determinadas interpretações do cristianismo, a
homossexualidade é alvo de investimento como algo a ser corrigido ou suprimido, conforme
ilustram os exemplos mencionados – Marisa Lobo, Rozangela Justino e Silas Malafaia.
98

CONCLUSÃO

No Brasil, as relações entre religião e psicologia possuem uma longa trajetória. Esta
remonta há mais de um século. Em especial quanto aos investimentos da Igreja católica e dos
evangélicos, em sua variedade denominacional, nos saberes “psi”. Destacamos esses atuais
investimentos no âmbito evangélico, onde seus principais agentes de atuação e propagação são
os “psicólogos cristãos”. Apontamos que esse imbricamento e sua publicização são marcados
por controvérsias entre os “psicólogos cristãos” com os Conselhos de Psicologia que sustentam
os princípios da laicidade e da psicologia científica. Tais polêmicas se referem, além da própria
junção entre cristianismo e psicologia, à atuação pública de alguns desses profissionais acerca
da questão homossexual.
No país, a existência de instrumentos públicos que, regulam ou possibilitam a regulação
da relação entre psicologia e religião, pautados no princípio da psicologia científica e da
laicidade; assim como as recorrentes publicações, eventos e cursos dos Conselhos de
Psicologia, que discutem essa temática, oferecem um painel representativo da dimensão que
essa questão tem adquirido no âmbito profissional da categoria. A despeito desse conjunto de
regulações e argumentações amplamente favoráveis à laicidade e cientificidade da psicologia,
persiste a efervescência de psicólogos e organizações que apostam na articulação entre
psicologia e religião, tanto em sua composição identitária, quanto em seu embasamento teórico
e na expressão de sua clínica, em especial os profissionais de segmentos evangélicos,
denominados de “psicólogos cristãos”.
Dentro desse universo ‘psico-teológico’ ou ‘psicológico confessional’, são os
“psicólogos cristãos” os profissionais mais notórios e organizados. Contudo, destacamos a
heterogeneidade de profissionais que se identificam e são identificados sob a rubrica de
“psicólogo cristão” e a percepção de disputa que existe em torno dessa nomenclatura, que
independe da ‘validação’ institucional conferida por qualquer organização reguladora, seja
religiosa, profissional ou científica, para se afirmar. Dessa forma, constatamos que, a despeito
da não existência de qualquer norma reguladora que ‘oficialize’ essa identidade e ou de
qualquer ambição por parte desses profissionais quanto a essa eventual ‘oficialização’; ser
“psicólogo cristão” consiste na afirmação de uma postura ética peculiar. Essa postura
corresponde ao esforço, por parte desses psicólogos, muitas vezes, em querer subordinar as
premissas laicas e científicas de sua profissão aos seus valores cristãos, para além do setting
terapêutico – na esfera pública.
99

Entretanto, a estridente atuação pública de “psicólogos cristãos”, como a da paranaense


Marisa Lobo, e as controvérsias instauradas com os Conselhos de Psicologia e o Ativismo pró
Diversidade Sexual, espelha o contrário de como alguns “psicólogos cristãos” querem ser
percebidos e reconhecidos pela opinião pública. Em enunciados emitidos entre os próprios
pares se evidencia uma estratégia de diferenciação e de colocar em xeque a identidade de
“psicólogos cristãos” de profissionais notadamente polêmicos; a quem eles se referem como,
“aquela que se nomeia ‘psicóloga cristã”, no caso de Marisa Lobo. Nessas circunstâncias, esses
psicólogos não querem ser comparados aos “psicólogos cristãos” reconhecidamente discutíveis.
Contudo, esses profissionais não desejam abrir mão de sua identidade de “psicólogo cristão” –
nesse caso, investida de valores como, seriedade e discrição –, ainda que a reiteração pública
dessa identidade seja uma marca comum a todos esses profissionais.
Nessa seara, foi surpreendente a negativa de uma possível entrevistada, que ao ser
convidada a participar da pesquisa, esboçou estranhamento diante da designação “psicólogo
cristão”. Embora ela seja filiada a um “Corpo de Psicólogos Cristãos”, que disponibiliza seu
nome e contato publicamente em página oficial na internet, junto com os de outros membros.
A profissional se recusou com tom desconfiado com relação a nossa ‘presunção’ acerca da sua
identidade profissional pública – “não conheço essa história de ‘psicóloga cristã’, sou uma
psicóloga que tem uma fé cristã”. Desse episódio, extraímos a hipótese de que alguns desses
profissionais que hesitam em se expor voluntariamente, a despeito das evidências sobre sua
identidade ‘profissional-religiosa’, temam virtual sanção imposta pelos Conselhos de
Psicologia, tanto em relação à questão da vinculação religião-psicologia quanto às polêmicas
acerca da homossexualidade. Isso apesar de termos apresentado a pesquisa em condição de
sigilo, sob a qual ela se encontraria resguardada.
A despeito de o CPPC desempenhar importante papel na conformação identitária de
muitos desses psicólogos e de se designar como um “Corpo” que reúne profissionais com
interesses em comum, também destacamos a diversidade entre os psicólogos da própria
organização. Em especial, no referente ao embasamento teórico que orienta a sua atuação
profissional. Não obstante, a divulgação de uma gama de possíveis referências teórico-
científicas e abordagens como, Psicanálise, Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC),
Psicodrama, Terapia de Família e Psicossomática, dentre outras; destacamos a “psicologia
cristã” como o referencial que perpassa o CPPC, quer seja como um estigma ou uma orientação
possível para os seus membros. Embora, o embasamento na “psicologia cristã” seja objeto de
controvérsia dentro da própria organização, destacamos o quão presente está essa concepção
em suas publicações e documentos públicos, ainda que não denominada explicitamente. Em
100

muitos textos de autoria de membros proeminentes do CPPC, assim como nos principais autores
referenciados pela organização, como o argentino Hernández e o estadunidense Ellens,
destacamos o que consideramos fulcral na “psicologia cristã” – a subordinação da ciência ao
dogma.
Nesse contexto, a negação pública do uso da “psicologia cristã” ilustra o temor em ser
estigmatizado, na medida em que essa concepção não encontra legitimidade na psicologia como
ciência e profissão; ao mesmo tempo em que ela é alardeada por profissionais polêmicos desse
universo, como Marisa Lobo e Rozangela Justino. Esta ex-filiada ao CPPC foi uma eminente
apoiadora do PDC 717/2003, em que há menção expressa a “terapias psicológicas cristãs”. No
entanto, conforme destacado por um de nossos entrevistados, há no interior do CPPC vozes,
“ainda que sejam minoritárias”, que advogam por uma “psicologia cristã”. Embora a
“psicologia cristã” não seja expressamente reconhecida no seio dessa organização – ela é
presente, como já destacado, em uma quantidade significativa de publicações e discursos
nativos. Alertamos ainda para a possibilidade de ela vir a se tornar hegemônica no universo dos
“psicólogos cristãos”, bem como para as implicações decorrentes dessa apropriação em termos
de regulação da sexualidade. Paira, nessa perspectiva, a afinação e fortalecimento de um
discurso pró “cura gay”, ensejados por uma latente “psicologia cristã” hegemônica.
A relevância do que concebemos como “clínica pastoral” para análise do difuso
fenômeno dos “psicólogos cristãos” implica a possibilidade de identificação da conexão entre
psicologia e proselitismo evangélico – que transborda o setting terapêutico. Entretanto, a
“clínica pastoral” não é apanágio dos profissionais identificados como “psicólogos cristãos”.
Tal clínica é verificável na atuação de outros profissionais desse âmbito, que buscam subordinar
a ciência ao dogma cristão, sem ser identificados ou identificarem-se como “psicólogos
cristãos”. Exemplo ilustrativo dessa atuação são os pastores evangélicos, que há décadas
investem maciçamente na formação psicanalítica.
Assim como a “psicologia cristã”, a “clínica pastoral” representa, sob o ponto de vista
de uma política sexual democrática, uma ameaça para a afirmação da Diversidade Sexual, ao
passo que promove a heterossexualidade como única alternativa legítima e saudável no campo
do comportamento e expressão sexual.
Apesar de toda a sorte de instrumentos reguladores, discussões e publicações em favor
da afirmação da Diversidade Sexual, “psicólogos cristãos” mais publicamente visíveis insistem
em uma abordagem moralizante da homossexualidade. Ainda que uma das consequências dessa
empreitada seja sua censura pública, além do risco de cassação do registro profissional –
punições que eles atribuem a uma suposta “perseguição religiosa” –, aplicada pelos Conselhos
101

de Psicologia. A controvérsia fomenta a notoriedade adquirida por essas profissionais perante


a opinião pública, como no caso de Rozangela Justino e Marisa Lobo. O compromisso dessas
profissionais com a “clínica pastoral” – definida acima como uma prática primordialmente
pública e proselitista – revela o lugar hierárquico do dogma na sua abordagem da moral sexual,
por sobre o paradigma científico e a regulação profissional da psicologia.
No contexto atual, assinalamos a discreta – mas, nem por isso menos significativa –
atuação de Justino, comparada ao período em que ela foi tema de reportagens e concedeu
entrevistas a veículos de imprensa. No presente, o aspecto da atuação mais visível de Justino é
o seu ativismo on line, em um blog, em que a Missionária, e não mais a psicóloga, segue
postando vídeos com depoimentos dos chamados ex-homossexuais. A “reorientação sexual de
homossexuais” continua sendo a principal bandeira do ativismo da Missionária, conforme
ilustram as suas postagens públicas sobre o tema149. A despeito de seu suporte ao Deputado
Edino Fonseca (PSC), propositor do Projeto de Lei 717/2003 à ALERJ – que defendia apoio
estatal a iniciativas religiosas que visavam à reorientação sexual de homossexuais, por meio de
terapias psicológicas cristãs – não verificamos ligações públicas de Justino com outros políticos
imbuídos de propósitos similares ao de Fonseca. Não obstante, sua mais recente investida contra
150
a Resolução CFP 01/1999 possuísse idêntico objetivo ao do PDC 234/2011 proposto à
Câmara dos Deputados, que tramitou concomitantemente a essa Ação e foi arquivado em
02/07/2013.
No campo político partidário, o atual destaque é Marisa Lobo, que tentou se eleger
Deputada Federal pelo Paraná em 2014 e vereadora em Curitiba em 2016, obtendo
respectivamente, 14.902 e 3.033 votos151, o que não foi suficiente para que ela assumisse uma
vaga no Poder Legislativo. Nesse âmbito, destacamos os constantes embates públicos entre
Lobo e o Deputado Jean Wyllys (PSOL), único parlamentar que afirma publicamente uma
identidade gay e um dos poucos defensores de pautas favoráveis aos LGBTs, e a ligação da
“psicóloga cristã”, por afinidade religiosa e ideológica, com políticos que ocupam cargos na

149
A mais recente dessas postagens, em 3 de outubro de 2016, é o vídeo “É possível mudar. Conheça a história
de Eduardo”. Disponível em http://rozangelajustino.blogspot.com.br/ Acessado em 25/01/2017.
150
Ação originada de denúncia de Rozangela Justino junto ao Ministério Público Federal do Rio de Janeiro e que
foi considerada improcedente pelo Juiz Federal da 5º vara (Firly Nascimento Filho) em 20/05/2013. Fonte: Ação
Civil Pública 18794-17.2011.4.02.5101 – Memoriais CFP. Disponível em http://site.cfp.org.br/ Acessado em
12/12/2016.
151
Disponível em http://www.eleicoes2014.com.br/ Acessado em 18/12/2016.
102

esfera federal, em especial – Pastor Marco Feliciano (PSC) e Jair Bolsonaro (PSC) – ambos
ostensivos oponentes de Wyllys (PSOL) na Câmara.
Vale registrar a expressiva votação popular angariada por esses políticos – Feliciano
obteve 398.087 votos e Bolsonaro 464.572 votos, tendo os dois sido, respectivamente o quarto
e terceiro candidatos a Deputado Federal mais votados em todo o país nas eleições de 2014 152.
Destacamos que essa vultosa eleição de ambos os candidatos153, aponta para a identificação de
uma ampla parcela do eleitorado com a postura e propostas tidas como conservadoras desses
políticos. Tais propostas154, além de encontrarem respaldo em parte da população, são
consonantes com temas prementes da “clínica pastoral” de determinados “psicólogos cristãos”.
Nesse contexto, a tentativa de regulação moral da sexualidade opera como pivô da conexão
entre política e psicologia com cristianismo. Em grande medida, essa regulação se dá sob a
égide de preceitos religiosos, que desconsideram o respeito às diferenças e liberdades
individuais, apropriando-se do caráter laico da democracia brasileira e da psicologia como
ciência e profissão de modos peculiares. Uma das versões recentes mais visíveis dessa atuação
se refere ao combate da chamada “ideologia de gênero” – uma das questões privilegiadas por
Marisa Lobo (inclusive tema de um dos seus livros)155 –, por Rozangela Justino e por políticos
com quem compartilham perspectivas moralizantes acerca da temática gênero e sexualidade.
Essas articulações entre política e psicologia com religião, bem como a rede estabelecida
por diferentes atores desses campos – além do respaldo encontrado por eles por parte da
sociedade brasileira – requer mais investigação no âmbito das ciências sociais e da psicologia.

152
Disponível em http://www.eleicoes2014.com.br/ Acessado em 18/12/2016.
153
Registramos também a significativa votação conquistada pelos filhos de Bolsonaro – Eduardo Bolsonaro para
Deputado Federal por São Paulo (2014), Carlos Bolsonaro para vereador pelo Munícipio do Rio de Janeiro
(2016) e de Flávio Bolsonaro para a Prefeitura do Rio de Janeiro (embora este não tenha sido eleito, tendo
perdido a eleição para o bispo da IURD, Marcelo Crivella) todos afinados com o discurso do pai, Jair Bolsonaro.
154
Dentre elas o PDC 395/2016, que “susta o Decreto nº 8.727, de 28 de abril de 2016, que "dispõe sobre o uso
do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da
administração pública federal direta, autárquica e fundacional." de autoria do Deputado Pastor Feliciano e o PDC
17/2015, que estabelece que “ficam sustados os efeitos do inteiro teor das Resoluções nº 11, de 18 de dezembro
de 2014, e nº 12, de 16 de janeiro de 2015, do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos
Direitos de Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais - CNCD/LGBT, da Secretaria de Direitos Humanos, ambas
publicadas na Seção 1 do Diário Oficial da União nº 48, de 12 de março de 2015” de autoria do Deputado Jair
Bolsonaro. Fonte: http://www.camara.gov.br/ Acessado em 24/01/2017. As Resoluções n. 11 e 12 tratam de
questões de identidade de gênero, orientação sexual e nome social no contexto do registro de ocorrência policial.
Ambas podem ser acessadas em http://www.sdh.gov.br/
155
Lobo, Marisa. A Ideologia de gênero na educação. Curitiba: Marisa Lobo Ministério, 2016.
103

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ANEXO A – Banner de divulgação do Congresso Nacional e Encontro Latino


americano do CPPC : “Retratos urbanos: múltiplos olhares de humanização”.

Fonte: Reprodução do banner de divulgação do XIX Congresso Nacional do CPPC e


IV Encontro Latino- americano do CPPC, realizado em Guararema, SP, em maio de
2015. Disponível em www.cppc.org.br. Acessado em setembro de 2016.
110

ANEXO B – Banner de divulgação do Encontro “CPPC – sua história: a interface ciência e


fé”

Tema caro à organização, a conexão que faz entre religião e os saberes psi; não raro é alvo
de questionamento e desconfiança pelo meio acadêmico.

Fonte: Reprodução do banner de divulgação do I Encontro do CPPC na Região do Grande


Rio (a parte inferior do material original, onde constam os números de telefone de alguns
profissionais foi omitida nesse fac- símile). Disponível em www.cppc.org.br Acessado em
outubro de 2015.
111

ANEXO C – Divulgação da revista Psicoteologia

Na contracapa de uma de suas próprias edições (edição n. 43). Nela é destacado o slogan
“Psicoteologia: onde a ciência psi e a fé cristã se encontram”, que traduz a tônica da
publicação e do próprio CPPC.

Fonte: Reprodução da divulgação da revista Psicoteologia presente na contracapa da sua


edição. 43, do ano XXI.
112

ANEXO D – Capa da revista Psicoteo sobre “neurociência e fé”

Edição em que consta entrevista com um dos fundadores e ex-presidente do CPPC, o


psiquiatra Uriel Heckert e ensaios que aproximam assuntos da neurociência com a
perspectiva cristã. Nessa edição aparecem termos como “cientista cristão” e
“neuropsicoteologia”.

Fonte: Reprodução da capa da revista Psicoteo do CPPC. I semestre de 2015. Ano XXIII – n.
55.
113

ANEXO E – Capa do livro “O Lugar do Sagrado na Terapia”

Livro do psiquiatra argentino Carlos José Hernández. Publicado no Brasil pelo próprio
CPPC (1986). O autor é referência constante nos documentos da organização que o
considera o “pai espiritual do grupo”. Para o CPPC, em nível organizacional, este livro
representa “um salto na direção do mundo acadêmico”.

Fonte: Reprodução da capa do livro “O Lugar do Sagrado na Terapia”. Nascente/ CPPC. 1ª


ed. São Paulo, 1986.
114

ANEXO F – Capa do livro “Psicoteologia: aspectos básicos”

Livro de J. Harold Ellens, pastor e psicólogo estadunidense. Nessa importante referência


para o CPPC, o autor busca abordar o relacionamento entre a saúde humana e Deus.
Psicoteologia é um conceito amplamente divulgado no meio evangélico brasileiro.

Fonte: Reprodução da capa do livro “Psicoteologia: aspectos básicos”. Sinodal/CPPC:


São Paulo, 1986.
115

ANEXO G – Banner de divulgação do Encontro do CPPC, “Qual a diferença entre


o Psicólogo cristão e o não cristão”

Tema importante para a discussão da identidade tanto da organização quanto


dos seus filiados.

Fonte: Reprodução do banner de divulgação do Encontro do CPPC Baixada Santista (o


número do telefone celular do coordenador, que estava presente no material original, foi
apagado nesse fac-símile). Disponível em www.cppc.org.br Acessado em novembro de 2015.
116

ANEXO H – Capa da revista Psicoteologia sobre “Ser psi e ser cristão”

O tema é recorrente no CPPC para se pensar a identidade da organização e de seus filiados.

Fonte: Reprodução da capa da revista Psicoteologia do CPPC. II semestre de 2013. Ano XXI
– n. 53
117

ANEXO I – Divulgação de palestra da “psicóloga cristã” Marisa Lobo

Nesse banner, Lobo utiliza a expressão “Deus é meu código de ética”, logo
abaixo de suas credenciais de psicóloga e conferencista.

Fonte: Fotocópia do folder divulgado na página da psicóloga cristã


www.marisalobo.com.br Acessado em outubro de 2015.
118

ANEXO J – Divulgação do Congresso do Exodus em Curitiba

O congresso foi realizado na Igreja Batista Bacacheri em Curitiba, a mesma igreja a que
Marisa Lobo é filiada.

Fonte: Fotocópia da divulgação do Congresso disponível no site


http://www.exodus.org.br Acessado em dezembro de 2016.
119

ANEXO L – Embalagem do DVD “Sexualidade debaixo da graça –


Homossexualidade: o que a Igreja precisa saber”

Em destaque sua linha de atuação – “Psicologia cristã”. O material é


protagonizado e comercializado por Marisa Lobo

Fonte: Reprodução da embalagem do DVD “Sexualidade debaixo da graça –


Homossexualidade: o que a Igreja precisa saber” (2015).
120

ANEXO M – Capa da edição especial da revista Psicoteologia sobre homossexualidade

Um dos temas mais polêmicos no que diz respeito à relação entre o CPPC e os Conselhos de
Psicologia. Note que, conforme registrado na capa, houve o II fórum interno na organização
para discutir a questão, resultando na publicação dessa edição especial.

Fonte: Reprodução da capa da revista Psicoteologia do CPPC. I semestre de 2008. Ano XXI
– n. 42.

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