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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro Biomédico
Instituto de Medicina Social

Adriana de Freitas Velloso

Da Homeopatia à Medicina Chinesa – A


Trajetória dos Pontos de Weihe

Rio de Janeiro
2003
Adriana de Freitas Velloso

Da Homeopatia à Medicina Chinesa – A


Trajetória dos Pontos de Weihe

Dissertação apresentada como


requisito parcial para obtenção
do título de Mestre em Saúde
Coletiva, ao Programa de Pós
graduação em Saúde Coletiva, do
Instituto de Medicina Social da
Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. Área de concentração:
Política, Planejamento e
Administração em Saúde Coletiva

Orientadora: Profa. Dra. Madel Therezinha Luz

Rio de Janeiro
2003
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/BIBLIOTECA CB/C

V441 Velloso, Adriana de Freitas.


Da Homeopatia à Medicina chinesa : a trajetória dos pontos
de Weihe / Adriana de Freitas Velloso. – 2003.
147f.

Orientadora : Madel Therezinha Luz.


Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Instituto de Medicina Social.

1. Homeopatia – Teses. 2. Acupuntura – Teses. 3. Medicina


chinesa – Teses. 4. Pontos de acupuntura – Teses. 5. Tratamento
homeopático – Teses. 6. Weihe, August, 1779- 1834 – Teses. 7.
Paracelsus, 1493-1541 – Teses. 8. Hahnemann, Samuel, 1755-
1843 – Teses. 9. Rademacher, Johann Gottfried – Teses. 10. La
Fuye, Roger de, 1890-1961 – Teses. 11. Pontos de Weihe. I.
Luz, Madel Therezinha. II. Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. Instituto de Medicina Social. III.Título.

CDU
Adriana de Freitas Velloso

Da Homeopatia à Medicina Chinesa – A Trajetória dos Pontos de Weihe

Dissertação apresentada, para obtenção


do título de Mestre em Saúde Coletiva,
ao Programa de Pós-Graduação em
Saúde Coletiva, do Instituto de Medicina
Social da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro. Área de concentração:
Política, Planejamento e Administração
em Saúde Coletiva.

Aprovado em _______________________________________________

Banca Examinadora: _________________________________________

_______________________________________________

Profa. Dra. Madel Therezinha Luz (DO/USP/78) (Orientador)


Professora Titular do IMS/UERJ

_______________________________________________

Profa. Dra. Jane Dutra Sayd (DO/IMS/UERJ/95)


Professora Adjunta do IMS/UERJ

____________________________________________________

Dra. Marilene Cabral do Nascimento (DO/UERJ/02)


Professora Colaboradora da ENSP/FIOCRUZ

____________________________________________________

Dra. Roseni Pinheiro (DO/IMS/UERJ/00)


Pesquisadora do IMS/UERJ

Rio de Janeiro
2003
Esta tese é inteiramente dedicada à memória de minha tia, Ione Saldanha, que
me ensinou a apreciar a arte da vida no simples e natural.
“O que nos importa não é tanto chegar a uma solução provisória, mas mostrar
que um problema merece ser colocado”
George Canguilhem
RESUMO

Da Homeopatia a Medicina Chinesa – A trajetória dos Pontos de Weihe

Esta dissertação de mestrado é um estudo de natureza sócio-histórico


que constrói a trajetória do sistema de Pontos de Weihe, um sistema médico
minoritário, cuja origem encontra-se na Homeopatia, porém, seu
desenvolvimento o levou de encontro a Acupuntura. Esse estudo tem como
objetivo inserir seu objeto de análise na discussão de questões pertinentes
ao desenvolvimento conceitual da Homeopatia. Sendo um sistema médico
complexo, a racionalidade médica homeopática possui seis dimensões, a
saber: morfologia (ou anatomia), dinâmica vital (ou fisiologia), doutrina,
diagnóstico, terapêutica e cosmologia. Destas, a dimensão da morfologia e
o exame físico da dimensão diagnóstica são compartilhados com a
biomedicina, enquanto, as demais, baseiam-se no paradigma vitalista, ainda
que nem todas tenham sido desenvolvidas conceitualmente e encontrem-se
apenas implícitas. Tal situação conferiu à Homeopatia a denominação de
racionalidade médica híbrida.
Este estudo parte do pressuposto que a Homeopatia é um sistema
médico ainda em construção e que deve caminhar para o desenvolvimento
conceitual de suas dimensões tendo como elemento norteador sua natureza
vitalista. Portanto, espera-se que, ao resgatar-se a história do sistema de
Pontos de Weihe, crie-se a possibilidade de repensar a morfologia
homeopática, de forma que, ela possa expressar o movimento da força vital
na saúde e no adoecimento. Espera-se, também, que, ao revelar uma
colaboração possível da Medicina Chinesa, racionalidade médica que
compartilha com a Homeopatia o paradima vitalista, abra-se a possibilidade
de repensar a base conceitual da dinâmica vital homeopática. Buscar uma
sistematização da dinâmica vital, ao mesmo tempo, compatível com o
paradigma vitalista e agregadora dos elementos centrais do pensamento
homeopático é passo importante no desenvolvimento desta racionalidade,
pois, permite que se parta de um mesmo esquema conceitual, e portanto, de
uma mesma base paradigmática, em direção a criação de outros sistemas
diagnósticos que concorram com o diagnóstico medicamentoso e o
confirmem.
Utilizou-se, como fontes primárias e secundárias para a construção
da trajetória dos Pontos de Weihe, artigos e livros de Weihe e seus
discípulos que, sofreram uma tradução livre do idioma original, o alemão,
para o português. O substrato conceitual empregado foram as reflexões de
George Canguilhem a respeito da história que se desvia dos obstáculos que
impedem sua linearidade, comprometendo a compreensão das descobertas
científicas como determinadas por suas condições de aparecimento,
transfigurando-as no aparecimento puro daquilo que deveria ser.

Palavras-Chaves: Homeopatia, Acupuntura, Pontos de Weihe,


Racionalidades Médicas, Paradigma Vitalista.
ABSTRACT

From Homeopathy to Chinese Medicine – The trajectory of Weihe


Points

This master’s degree dissertation is a study of social-historical nature


that builds the trajectory of the Weihe Points system, a minority medicine
system, whose origin is found in Homeopathy, however, its development
leads this system towards Acupuncture. Such study has the purpose of
inserting its objects of analysis in the discussion of the questions regarding
the conceptual development of Homeopathy. As a complex medical system,
the homeopathic medical rationality has six dimensions, i.e., morphology (or
anatomy), vital dynamic (or physiology), doctrine, diagnosis, therapeutics
and cosmology. From these, the morphologic dimension and the physical
exam are shared with biomedicine, whereas the remaining ones are based
on the vitalist paradigm, even though not all of them have been conceptually
developed, remaining only implicit. This situation gave Homeopathy the
denomination of hybrid medical rationality.
The present study starts with the premise that Homeopathy is a
medical system that is still being built and that should be directed towards
the conceptual development of its dimensions, having its vitalist nature as
guidance element. Nevertheless, it is expected that a possibility of rethinking
homeopathic morphology should be created insofar recovering the history of
the Weihe Points, in such a way that it might express the movement of the
vital force in sickness and in health. It is also expected that in revealing a
possible collaboration with Chinese Medicine – medical rationality that
shares with Homeopathy the vitalist paradigm -, it might open a window to
rethinking the conceptual base of homeopathic vital dynamic. Searching for a
systematization of the vital dynamic simultaneously compatible with the
vitalistic paradigm and capable of aggregating the central elements of the
homeopathic thought is a fundamental step in the development of such
rationality, for it allows us to start from the same conceptual scheme and,
therefore, from the same pragmatic base towards the creation of other
diagnosis systems, which concur with the medicamentous diagnosis and
confirm it.
As primary and secondary sources to the construction of the trajectory
of the Weihe Points, articles and books by Weihe and his disciples, freely
translated from its original language, German, to Portuguese, were used.
The conceptual substrata employed here were George Canguilhem’s
reflections concerning the history which diverge from the obstacles that
obstruct its linearity, compromising the comprehension of the scientific
discoveries as determined by its forthcoming conditions, transfiguring them
in the pure forthcoming of what they should be.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

QUADRO 1 26

TABELA 1 29

FIGURA 1 30

FIGURA 2 30

FIGURA 3 31

TABELA 2 32

FIGURA 4 48

FIGURA 5 54

FIGURA 6 54

FIGURA 7 54

FIGURA 8 91

FIGURA 9 92

FIGURA 10 92
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 10
INTRODUÇÃO 14
Dinâmica Vital e Diagnose 16

Homeopatia, Medicina Chinesa e o pensamento analógico 22

OBJETIVOS DO ESTUDO 35

ESTRATÉGIA METODOLÓGICA 40
O Estudo das Fontes 42

CAPÍTULO I – AS ORIGENS 48

O Homeopata Weihe 48

De Paracelsus a Hahnemann e Rademacher 52

CAPÍTULO II – A HOMEOPATIA EPIDÊMICA 70

O Pensamento de Weihe 70

O Caminho da Homeopatia Epidêmica 77

Os Alunos de Weihe 85

CAPÍTULO III – OS PONTOS DE WEIHE MUDAM DE PÁTRIA 95

O Fim da Homeopatia Epidêmica na Alemanha 95

França, Nova Pátria do Método de Weihe 102

CAPÍTULO IV – HOMEOSINATRIA, A SÍNTESE ELÉTRICA


A HOMEOPATIA E DA ACUPUNTURA 115
O Visionário Roger de la Fuÿe 115

O Programa de Pesquisa e Reforma do Sistema


de Pontos de Weihe por De la Fuÿe 120
CONCLUSÃO 133

FONTES PRIMÁRIAS E SECUNDÁRIAS 139


Livros 139

Periódicos 139

BIBLIOGRAFIA 143

Livros 143

Artigos, Periódicos e Monografias 146


10

APRESENTAÇÃO

Este estudo é fruto de indagações formuladas durante minha prática


médica homeopática. Buscava entender de forma dinâmica os fenômenos
1
descritos nas patogenesias homeopáticas e nos pacientes. Acreditava
poder correlacionar fenômenos/sintomas, aparentemente, não
correspondentes, mas que se manifestavam freqüentemente juntos em um
mesmo indivíduo, tanto nas experimentações patogenéticas, quanto na
clínica. Indagava-me se o nexo subjacente, de natureza vital, que
relacionava uma manifestação à outra, poderia ser identificado de forma
qualitativa e sistemática. Também, sentia falta de uma fisiologia – fisiologia
da saúde e do adoecimento – vitalista homeopática, que permitisse o
entendimento da totalidade dos sintomas objetivos e subjetivos numa
perspectiva da vida, em movimento contínuo, aproximando-se, na saúde,
ou afastando-se, no adoecimento, de um estado de equilíbrio dinâmico.
Comecei a me perguntar do porquê de não ter a Homeopatia desenvolvido
essa dimensão.
O diagnóstico medicamentoso homeopático depende do
conhecimento extenso da Matéria Médica Homeopática e conta com o
2
auxílio dos Repertórios . Essas ferramentas homeopáticas funcionam
como “banco de dados” de sintomas e medicamentos, mas não
apresentam correlações entre os fenômenos. Mesmo as Matérias Médicas
resumidas que procuram descrever a essência dos medicamentos, são
compilações dos sintomas patogenéticos mais característicos,
selecionados a partir de critérios de confiabilidade e hierarquização. Um
conjunto de características isoladas que leva a uma imagem estática do
medicamento, deixando de lado as relações entre fenômenos.

1
Patogenesias são as “experimentações” ou registros sistemáticos dos sintomas produzidos
pelas substâncias em seres humanos saudáveis. Os resultados dessas experimentações
somados à literatura toxicológica das substâncias e as curas clínicas efetuadas pelas mesmas
segundo o princípio homeopático formam as Matérias Médicas Homeopáticas.
2
Nos Repertórios estão projetadas referências cruzadas que compilam as listas de
medicamentos onde um sintoma específico foi localizado. O propósito do Repertório é
11

Estudos mais dinâmicos em Homeopatia devem sua existência à


associação da imagem do medicamento à experiência clínica e/ou
conhecimento exotérico de homeopatas que buscaram refletir sobre uma
totalidade integrada e em movimento constante. Contudo, como as
correlações observadas não apresentam fundamentação numa fisiologia
vitalista homeopática, o resultado desses estudos não alcança consenso no
campo.
Paralelamente, movida pela impressão de que acharia alguma
resposta aos meus questionamentos no estudo da medicina chinesa, uma
vez que já havia estabelecido contato com sua filosofia, enveredei pelo
curso de formação. Ao final de três anos, e já especialista em Acupuntura,
reencontrei a Prof. Madel Luz divulgando no III Simpósio Nacional de
Pesquisa Institucional em Homeopatia – SINAPHI – o início da terceira
etapa de seu projeto de pesquisa “Racionalidades Médicas”. Percebi ali a
chance de adquirir orientação metodológica necessária para o
desenvolvimento de estudo comparativo – esta era a proposta inicial de
estudo – de ambas racionalidades. Acompanhei seu grupo de pesquisa por
dois anos e, mais familiarizada com a linguagem da saúde coletiva,
ingressei no mestrado para o qual preparei essa dissertação.
Algumas conversas com a Prof. Madel Luz foram suficientes para
me despertar o interesse em pesquisar o sistema de Pontos do homeopata
alemão Weihe. Esse sistema centrava-se no diagnóstico de pontos
dolorosos na superfície corporal e, exatamente por esta característica,
pode ser absorvido pela Acupuntura, terapêutica da Medicina Chinesa
baseada em um sistema de meridianos que também se utiliza de pontos na
superfície do corpo. A pesquisa das fontes relativas ao sistema de Weihe
teve início antes mesmo do meu ingresso no mestrado, mas foi somente na
véspera da qualificação que tive certeza que poderia tomar o caminho
desse estudo, quando chegaram as minhas mãos as cópias de uma série
de artigos publicados entre os anos de 1885 e 1951, vindas da Alemanha.
Veio a qualificação do projeto e o nascimento de minha quarta filha,
uma semana depois. Nos três meses seguintes, enquanto me dedicava à

possibilitar que o homeopata reveja rapidamente as várias drogas conhecidas como produtoras
dos sintomas que estão sendo estudados num determinado caso.
12

maternidade, uma boa parte desse material estava sendo traduzido para o
português. Após esse período me dediquei a desenrolar a história dos
Pontos de Weihe, que finalmente apresento aqui.
Não poderia finalizar esta apresentação sem fazer alguns sinceros
agradecimentos àqueles que, se não me ajudaram diretamente na
execução dessa dissertação, me suportaram acadêmica e afetivamente.
Assim, a Erika Duniec e especialmente a Julia Briguitta por seu
trabalho profissional e rápido de tradução do alemão. Pelas necessárias
traduções para o francês de textos mais recentes, agradeço a Nicole, Vania
Petterson e também a Júlia Carvalho por sua desinteressada colaboração.
A Eliane Novato e Lenora Ramires, pelo trabalho de digitação das fitas de
tradução e a Elizabeth Oliveira pelo trabalho de revisão e ao meu tio Sérgio
pelo trabalho de digitalização e colocação das figuras no texto. Ao colega
Francis Treuherz, de Londres que com sua extensa biblioteca homeopática
me deu a primeira luz na busca das fontes e a Beate Schleh da biblioteca
do instituto Robert Bosch, Stuttgart, que prontamente atendeu meu pedido.
Ao colega Paulo Rosenbaum, por seu exemplo pessoal como
pesquisador da Homeopatia e por sua colaboração na pesquisa das fontes.
Ao professor Kenneth Rochel Camargo Jr. e Jane Sayd por terem
contribuído com suas obras, aulas, comentários e discussões para a
elaboração dessa dissertação. A professora Roseni Pinheiro que, com seu
projeto “Integralidade” me permitiu refletir sobre uma importante questão
para a Homeopatia e para a Medicina Chinesa. A todos os colegas do
Grupo de Pesquisa “Racionalidades Médicas”, pelo debate sempre
estimulante e particularmente a Marilene Cabral do Nascimento que, com
sua clareza, me esclareceu alguns conceitos desconhecidos até então para
mim.
A Madel Luz, minha orientadora, que deixa em mim a marca de ter
aberto uma brecha no mundo acadêmico para a discussão da saúde, da
cura e do movimento da vida, e, também, de ser formadora de pensadores
livres, capacitando os pesquisadores a colocar os instrumentos
metodológicos a serviço de novas idéias.
À minha família e amigos a quem privei, muitas vezes, da minha
dedicação e companhia nos dois últimos anos, particularmente, meus
13

filhos, André, Maria, Luiza e Clara e minha enteada Júlia. Finalmente


gostaria de expressar mais do que meu agradecimento, o meu amor,
sempre renovado por Ricardo, meu marido e companheiro de vida, que
além de me apoiar nas minhas escolhas, sempre que podia, buscava suprir
a minha ausência junto à família.
14

INTRODUÇÃO

Um diálogo entre a Homeopatia e a Medicina Chinesa pode ser


imaginado como relativamente fácil, pois compartilham um paradigma
vitalista fundamental. Não o será, entretanto, se houver empenho em não
reduzir as racionalidades a paralelismos superficiais. São duas tradições
médicas bastante distintas, uma ocidental e outra oriental. A Homeopatia,
com um pouco mais de 200 anos, encontra-se ainda numa fase de
3
estruturação de suas bases paradigmáticas , enquanto a Medicina
Chinesa fundamenta-se em prática milenar, transmitida, de geração em
geração, oralmente e pela escrita.

Se por um lado a Medicina Chinesa caracteriza-se pela


complexidade de sistemas diagnósticos e terapêuticos, desenvolvidos ao
longo de sua história, por outro a Homeopatia diferencia-se por ser uma
medicina centrada na terapêutica, em sua técnica de preparo de doses
infinitesimais e no diagnóstico medicamentoso.

Embora diferentes, o que se constata é que uma vez que a


Medicina Chinesa – assim como outras tradições médicas orientais – vem
se expandindo no Ocidente, ela o faz a partir de uma demanda crescente
da população por terapias reconhecidas como ‘naturais’, das quais, a
Homeopatia também faz parte. Assim, um grande número de pacientes da
Homeopatia conhece, ou mesmo se trata com a Acupuntura e o inverso
também é verdadeiro.

É provável que na atual conjuntura, onde, no nível das práticas,


sobretudo na prática dos profissionais, as diferenças tendem a diminuir,
seja evidente uma relação de complementaridade entre estas
racionalidades. Porém, no nível teórico, o diálogo só poderá ocorrer
quando as dimensões que compõem essas racionalidades médicas se
tornarem mais claras e definidas.

3
A eese respeito ler a dissertação : O Campo Médico Homeopático : década de 90, de
LAUCAS (1999).
15

O presente estudo é também fruto de um subprojeto do Grupo de


Pesquisa “Racionalidades Médicas“ do CNPq, em desenvolvimento no
Instituto de Medicina Social (IMS) da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ) desde 1992 4. Na primeira fase do projeto “Racionalidades
Médicas” (1992-1993), LUZ 5 elaborou a categoria de racionalidade médica,
bem como as dimensões que a compõem: morfologia ou anatomia
humana, fisiologia ou dinâmica vital humana, doutrina médica sobre o
adoecer e suas causas, sistema diagnóstico, terapêutica e cosmologia 6.
Na segunda fase foram levantadas as representações sobre saúde,
doença, corpo, tratamento, etc. para terapeutas e pacientes das diferentes
racionalidades. Em sua terceira fase, o projeto tornou-se um Grupo de
Pesquisa do CNPq e dividiu-se em vários subprojetos.

Este estudo voltou seu olhar para a possível construção do diálogo


entre as racionalidades que compartilham o paradigma vitalista, propondo
instrumentá-lo, levantando questões pertinentes à Homeopatia e à
Medicina Chinesa em suas relações com o princípio da vida.

Busca contribuir, para o fortalecimento da prática das medicinas do


sujeito, para que a médio ou mesmo longo prazo, um aprimoramento do
processo de implantação destas racionalidades no sistema público de
saúde brasileiro, possa acontecer.

Embora hoje tanto a Homeopatia como a Medicina Chinesa estejam


implantadas nos serviços de saúde e representem uma alternativa de
tratamento de baixo custo e alinhadas, idealmente, com a promoção da

4
Uma extensa produção de artigos, teses de mestrado e doutorado são o fruto dessa linha de
pesquisa, que podem ser encontradas nos periódicos Physis, Revista de Saúde Coletiva ou
Série Estudos em Saúde Coletiva, todas do IMS/UERJ, mas também em outras Revistas
Nacionais e Internacionais. Podem também ser acessados no site
www.racionalidadesmedicas.pro.br.
5
LUZ (1997)
6
Luz, define a dimensão da cosmologia como a que fundamenta as outras cinco e exprime “as
formas de concepção, representações e práticas sociais envolvendo temas socialmente
cruciais como vida, corpo, indivíduo ou pessoa, saúde, doença, e morte em cada cultura,
estabelecendo-se assim uma forte ligação, que transcende a racionalidade da ciência, entre
conhecimento ou saber médico e a própria sociedade em que emerge e se afirma
historicamente determinado sistema médico” ( trecho extraído do relatório de pesquisa do
Grupo de Pesquisa do CNPq Racionalidades Médicas – 3ª fase).
16

saúde, quando inseridas no sistema público, não se desenvolvem


plenamente, pois, suas especificidades, em nível de racionalidade, não são
consideradas7. Por especificidades entende-se o conjunto de suas
dimensões, sendo fundamental considerar, também na prática, cada uma
delas para que a racionalidade médica em questão apresente coerência e
consistência. São, portanto, tradições médicas específicas com
racionalidades diversas da biomedicina.

Conhecer e reconhecer o modus operandi de cada uma e seus


fundamentos significa permitir que a Homeopatia e a Medicina Chinesa
possam atingir seu potencial máximo de cura, preservação da vida humana
e expansão da vitalidade. A arte de curar fortalecida pela valorização de
outras racionalidades médicas poderá ajudar a conter a crescente
medicamentalização de sintomas e a conseqüente expansão das doenças
iatrogênicas.

Não se trata, entretanto, de estudar comparativamente as


racionalidades. Pretende-se, através da genealogia de uma proposta
terapêutica – o Sistema de Pontos de Weihe – alimentar o debate de temas
significativos para o desenvolvimento desses sistemas médicos. Pensar e
pesquisar, atualmente, a Homeopatia e a Medicina Chinesa é estratégia
necessária para o fortalecimento das racionalidades médicas que sofrem
pressão, sobre seus paradigmas básicos, no processo de adaptação ao
sistema médico vigente e à medicina hegemônica em nossa cultura.

Dinâmica Vital e Diagnose

As medicinas que compartilham o paradigma vitalista podem ser


caracterizadas, ainda que preliminarmente, como aquelas que consideram

7
Cabe ressaltar que hoje essas racionalidades tornaram-se especialidades e como as demais
estão inseridas no nível secundário de atenção à saúde e não no primário onde o potencial de
promover saúde seria plenamente aproveitado, pois, é na identificação prematura dos
desequilíbrios internos e no seu reequilíbrio também precoce, que reside a maior diferença
dessas medicinas vitalistas para a biomedicina.
17

todas as dimensões do sujeito doente, tratando-o dentro de sua realidade


complexa e dinâmica através de um princípio vital individual. Este, por sua
vez, é definido como uma força análoga ao que se denomina de “alma”,
mas sendo diferente dela, e também diferente dos fenômenos físico-
químicos, pela qual se explicam os fenômenos da vida 8.

Barthez (1734 – 1806), no final do século XVIII e início do XIX, lança


o “Ensaio para um novo Princípio para o Homem” ou “De Princípio Vitalis
Hominis”, onde explicita a aparente dicotomia entre corpóreo e o não
corpóreo 9 10
. Este princípio imaterial está na origem de todas as
manifestações materiais do ser vivo e só é alcançável indiretamente pelos
sinais e sintomas observáveis nos seres humanos. Em consonância com
as idéias de Barthez, Hahnemann declarava que este princípio só poderia
ser indiretamente revelado, pelo estudo dos fenômenos observados na
clínica e nas experimentações patogenéticas.

Segundo Machery, filósofo e historiador da ciência 11


, para
Canguilhem que mantém fidelidade ao “espírito do vitalismo”, poder-se-ia
distinguir dois vitalismos: um que forneceria resposta à questão da
fisiologia e a fundamentaria, tomando a questão por resposta. É o caso do
animismo e do vitalismo enquanto doutrinas 12
. E o outro, o “espírito do
vitalismo” que goza de posição privilegiada em relação a todas as teorias
possíveis: o de não ser teórico se não na aparência, o de ser no fundo a
preservação de um conceito, a vontade de perpetuar uma problemática.
Portanto, quando este estudo refere-se ao vitalismo está fazendo alusão ao
“espírito do vitalismo”, ou seja, à problemática que sua existência impõe.

8
CUVILLIER, H.L. apud ROSEMBAUM (1996, p.50).
9
ROSENBAUM, P. Homeopatia e Vitalismo(1996, p.61).
10
ROSENBAUM, P.(1996, p. 65) escreve sobre Barthez: “Segundo ele, importava menos
explicar o que é, e como é contituído este princípio vital, mas como ele pode ser demonstrado
no processo da experiência”.
11
MACHERY escreve no posfácio de CANGUILHEM, 2000, p. 296.
12
O Vitalismo existe enquanto escola filosófica e possui origens semelhantes ao Animismo.
Podemos considerar sua diferenciação a partir da formulação da hipótese do princípio vital de
Barthez (1772).
18

Para LUZ (1994), as medicinas que compartilham o paradigma


vitalista têm como categoria central a saúde, entendida como sinônimo de
equilíbrio ordenado (ou harmonia), caracterizando-as como medicinas da
arte de curar. Também se pode dizer que toda racionalidade médica
fundada no vitalismo tende a ter um modelo de medicina centrado em tipos
constitucionais, por estar centrada no adoecimento do indivíduo e não na
doença vista como entidade.

Os médicos – originalmente formados nas escolas biomédicas, onde


não foram capacitados a reconhecer a diversidade das manifestações
objetivas e subjetivas, e sim, a diagnosticar as doenças pela colheita dos
sintomas patognomônicos das mesmas, auxiliados, cada vez mais, pelos
exames complementares – quando nas escolas de formação homeopática,
devem aprender a reconhecer o processo de adoecimento peculiar a cada
paciente, através da observação de todos os fenômenos que individualizam
as doenças comuns, ou seja, devem reconhecer as circunstâncias e
condições que afetam ou modificam um sintoma quando diante deles 13.

Assim fazia Hahnemann, que depois se dedicou a ensinar sua


semiotécnica, verdadeira arte de investigação diagnóstica. Usava todos os
sentidos, inclusive, olfato e paladar, cheirando e provando substâncias e
secreções, algumas vezes bastante desagradáveis. Era um conhecedor
profundo dos fenômenos vitais, empregando o pensamento analítico para
este fim.

Na Medicina Chinesa, a dinâmica vital está descrita nos diferentes


processos de transformação do Qi. O Qi pode assumir variadas formas,
dependendo do seu estado de condensação ou dispersão, sendo a força
motriz de todos os processos fisiológicos. Portanto, é no nível da dimensão
da fisiologia dessas racionalidades que se encontra o paradigma vitalista
por elas compartilhado. O Qi da Medicina Chinesa e a força vital da
Homeopatia são a expressão máxima da vitalidade do ser humano.

13
Aqui se entende sintoma segundo a definição de HAHNEMANN (1996) : “ como qualquer
sinal de desvio em um estado prévio de saúde, perceptível ao paciente, aos que lhe cercam, ou
ao médico”.
19

Para a Medicina Chinesa as funções do corpo e da mente resultam


da interação de determinadas substâncias vitais. O Qi 14 é a base de tudo –
todas as outras substâncias vitais são manifestações do Qi, em vários
graus de materialidade, variando do completamente material, tal como os
fluidos corporais, para o totalmente imaterial, tal como a mente. Segundo o
filósofo chinês Zhang Zai (1020 – 1077 d.C.):

“O Grande Vazio consiste do Qi. O Qi condensa-se para


transformar-se em muitas coisas. Coisas necessariamente
se desintegram e retornam ao Grande Vazio“.

Similarmente, o diagnóstico chinês está baseado no princípio


fundamental de que os sinais e sintomas refletem a condição dos sistemas
internos. A correlação entre os sinais externos e os sistemas internos está
resumida na expressão: “Inspecione o exterior para examinar o interior”.
Um segundo princípio fundamental do diagnóstico chinês, também
15
encontrado na Homeopatia, é que “uma parte reflete o todo” . O
diagnóstico chinês do pulso é um exemplo deste princípio, na medida em
que muita informação sobre todo o organismo pode ser obtida com a

14
Este trabalho não se propõe à discutir as questões de linguagem que envolvem a tradução
dos termos chineses. Para este fim ler o artigo de BARSTED (2000) A Grama é Verde?
Linguagem e Pensamento na Medicina Clássica Chinesa.
15
Na Homeopatia encontramos este mesmo princípio presente nos sintomas chamados de
"keynotes". Esse tema foi esclarecido pelo Dr. Stuart Close em palestras ministradas no New
York Homoepathic Medical College entre os anos de 1909-13 e posteriormente reunidas e
publicadas em 1984 pela ed. B. Jain de New Delhi. O cap. XI foi traduzido e publicado pela
revista Selecta Homeophatica de jan-mar 1993 vol. 1.
O Dr. Close esclarece que o termo "keynote" foi introduzido pelo Dr. Henry
N.Guernsey, a propósito do seu sistema de prescrição "Keynote". Esse método nada mais é do
que o cumprimento da determinação de Hahnemann de dar atenção máxima aos sintomas
característicos e peculiares do caso. É um termo alusivo à música onde é definido como “ a
nota ou o tom básico a que a peça inteira se ajusta”. Comparando os sintomas dos
medicamentos observa-se que existe, em todo medicamento, diferenças peculiares em relação
a qualquer outro. Essas diferenças são os sintomas "keynotes". Um "keynote" é uma
generalização deduzida logicamente a partir dos sintomas particulares. Nas palavras do Dr.
Guernsey, no prefácio à primeira edição de sua obra sobre obstetrícia:
“... ele pretende apenas especificar algum sintoma marcadamente característico, que
se apresentará geralmente como sintoma diretor, e ao reportar-se ao Código de Sintomas ou a
Matéria Médica todos os outros estarão lá presentes se aquele estiver”.
Mas é importante compreender, como assinala, Stuart Close, que o keynote de um
caso pode ser, e comumente o é, uma combinação peculiar de sintomas e não um sintoma
isolado.
20

palpação de uma pequena secção da artéria radial. Assim, uma leitura


minuciosa, porém, pragmática dos fenômenos, é o fundamento dos
inúmeros sistemas diagnósticos desta racionalidade.

De forma semelhante, os médicos, alunos da Acupuntura, devem


aprender a reconhecer as alterações de saúde aprimorando o uso dos seus
sentidos – ausculta, palpação, visão, olfato e paladar – porém, aplicando-
os às técnicas semiológicas próprias da Medicina Chinesa, como a
pulsologia.

Portanto, reconhecidos e modalizados os fenômenos vitais, estes


são analisados segundo linhas de correspondência analógica, isto é,
localiza-se o relacionamento estabelecido entre os sintomas em vez de
explicar-lhe a causa. Cada sintoma e sinal possui um determinado
significado somente em relação aos outros. A Medicina Chinesa identifica,
portanto, padrões que indicam a desarmonia básica. Há vários métodos
utilizados para essa identificação de padrões. Esses métodos são
aplicados em diferentes situações e foram elaborados em diferentes
16
épocas do desenvolvimento da Medicina Chinesa . A maioria dos
fenômenos que se manifesta nos seres humanos, o faz, independente de
onde está o indivíduo, no Ocidente ou no Oriente. Portanto, para
reconhecer as manifestações é necessário conhecê-las, como o faz a
Medicina Chinesa e a Homeopatia, que voltam seu olhar para uma
totalidade sintomática como a descrita por Stuart Close 17, que:

16
Os vários modelos de padrões de identificação são:
Padrões de acordo com os 8 princípios – que levam ao reconhecimento de um padrão
yin ou yang;
Padrões de acordo com os 5 movimentos: madeira, fogo, terra, metal e água;
Padrões de acordo com as substâncias vitais:
Padrões de acordo com Qi, Sangue(Xue), e Fluidos Corpóreos (Jin Ye);
Padrões de acordo com os Sistemas Internos (Zang Fu);
Padrões de acordo com os Fatores Patogênicos;
Padrões de acordo com os meridianos;
Padrões de acordo com os 6 estágios;
Padrões de acordo com os 4 níveis;
Padrões de acordo com o Triplo Aquecedor (Sanjiao).
17
In SELECTA (1993, p.22)
21

“equivale a todos os sintomas do caso possíveis de serem


arranjados logicamente em um todo harmônico e consistente, que possua
um perfil, coerência e individualidade. Tecnicamente a totalidade é mais (e
pode ser menos) que a simples totalidade numérica dos sintomas”.

Por outro lado, a dimensão diagnóstica da Biomedicina evoluiu


muito, principalmente no que se refere ao avanço tecnológico, com muitos
exames complementares, bioquímicos, por imagens e até genéticos,
embora nas escolas médicas se ensine que a clínica é soberana. Esses
exames complementares necessários ao diagnóstico patológico da
Biomedicina e tão caros aos pacientes desta racionalidade, como
demonstrou a pesquisa de suas representações de tratamento18, têm para
os sistemas médicos baseados na terapêutica do adoecimento e não na
doença, um valor secundário.

As técnicas semiológicas da biomedicina não levam ao


conhecimento dos sinais e sintomas, no sentido em que o termo é
empregado nas medicinas chinesa e homeopática. Enquanto para a
Biomedicina sinais e sintomas são manifestações subjetivas ou objetivas
da patologia, as racionalidades que compartilham o paradigma vitalista
consideram muitas manifestações diferentes, muitas das quais não estão
relacionadas a um processo patológico específico. Por exemplo: ausência
de sede, incapacidade para tomar decisões, uma aparência apática dos
olhos, etc não seriam consideradas sinais e sintomas para a maioria dos
clínicos da escola biomédica.

Essa questão confunde a prática de muitos médicos, principalmente


daqueles que estão se introduzindo nas escolas homeopática e chinesa.
Eles precisam em uma mesma consulta produzir uma boa anamnese,
diagnosticar, com o uso inclusive dos exames complementares, tratar e
orientar os pacientes e na hierarquia das técnicas, muitas vezes, se
suprime total ou parcialmente, justamente o exame físico. Pode-se dizer
que na Homeopatia esse problema é mais grave, pois na Medicina Chinesa

18
Resultados apresentados pela segunda fase da pesquisa “Racionalidades Médicas”.
22

a tomada do pulso e a observação da língua são fundamentais ao


diagnóstico. Porém, na Homeopatia não se desenvolveu uma técnica de
exame físico própria. Embora muito se tenha escrito sobre a tomada do
caso, a maior ênfase é dada ao relato do paciente, pois os sintomas
subjetivos, como expressão do estado interior do organismo, ocupam a
posição de maior destaque, deixando em segundo plano os sintomas
objetivos automáticos ou involuntários. Essa conduta é obviamente
desencorajada nas boas escolas de Homeopatia e de Medicina Chinesa. O
bom exame físico, para essas racionalidades, é aquele que dá
confiabilidade aos sintomas subjetivos, aumentando a segurança no
diagnóstico homeopático ou chinês.

No caso da Homeopatia fica evidente o necessário desenvolvimento


de uma técnica de exame que atenda suas peculiaridades. Para esse
desenvolvimento cabe pensar sobre a dimensão da morfologia ou anatomia
homeopática que ainda hoje se baseia na mesma anatomia da
biomedicina, ou seja, uma morfologia que exclui o movimento e o
dinamismo vital.

Homeopatia, Medicina Chinesa e o pensamento analógico

Embora Hahnemann tenha empregado o pensamento analítico na


minuciosa tomada do caso e nas experimentações patogenéticas e não se
possa separar o pragmatismo da filosofia chinesa, é observada a presença
do pensamento analógico no núcleo central do conhecimento homeopático,
bem como no da Medicina Chinesa. O pensamento analógico é diferente
do pensamento causalista da medicina contemporânea, pois não se
preocupa em explicar os fenômenos, mas sim em apresentá-los segundo
os relacionamentos que estabelece com outros fenômenos.
23

Podemos observar hoje na prática da Homeopatia o freqüente


emprego da analogia. No estudo da Matéria Médica homeopática,
principalmente depois do advento da psicanálise, o uso de mitos e
símbolos na construção da imagem dos medicamentos tornou-se prática
comum entre grupos de homeopatas. O pensamento analógico também é
empregado quando, no estudo das substâncias medicamentosas, as
características bioquímicas, farmacológicas e botânicas são consideradas
correspondentes às características biológicas e psíquicas, humanizando-as
no intuito de contribuir com a formação da imagem do medicamento 19.
Esses exemplos não se situam, entretanto, tão no centro do núcleo
paradigmático do pensamento homeopático quanto o princípio da
Totalidade/Unidade e a própria Lei dos Semelhantes, onde a analogia está
marcadamente presente. A totalidade sintomatológica, como já foi visto, é
mais que a soma de todos os fenômenos manifestados. É a construção de
uma identidade, uma individualidade, que pode ser vista e reconhecida
como podemos reconhecer a identidade de um amigo. Assim se relaciona,
analogicamente, um grupo de sintomas à uma unidade – o sujeito.

Também de acordo com a Lei dos Semelhantes a droga que cura o


sujeito doente é capaz de produzir sintomas mórbidos semelhantes
àqueles que cura nos indivíduos sãos. Produz-se, portanto, em cada
patogenesia uma relação de fenômenos diferentes, análogos entre si
através de um mesmo princípio subjacente, um nexo vital, ou seja, o
desequilíbrio da força vital promovido pela substância em experimentação.

Para que se entenda de que forma o pensamento analógico se


insere no sistema médico homeopático recorreu-se ao esquema conceitual
descrito por Paul Unschuld (1995), professor do Instituto da História da
Medicina da Universidade de Munique. Esse esquema é usado no estudo
da Medicina Chinesa, o qual diferencia na estrutura dos sistemas médicos
duas dimensões conceituais qualitativamente diferentes. Um centro
paradigmático durável e o que ele chamou de “soft coating”. O centro

19
Este é o caso de Phosphorus, metalóide, que se extrai de ossos calcinados, sólido, flexível,
luminoso no escuro, transparente recém preparado e opaco depois de algum tempo. Possui as
seguintes modalidades: agravações dos sintomas no crepúsculo e à noite bem como melhoria
no escuro.
24

paradigmático de qualquer esquema conceitual médico consiste em um


paradigma básico aceito pelos criadores de um determinado sistema
terapêutico. Para esse autor, o paradigma básico supre o nexo causal
necessário para explicar a ocorrência das enfermidades. No presente
estudo o paradigma básico representa a interpretação sobre as origens das
enfermidades e do adoecimento, isto é, a “doutrina médica”.

Em “Mediar, Medicar,Remediar”, Jane Sayd (1998:65) aborda as


bases do critério de verdade do fundador da Homeopatia. A constatação de
que a medicina de sua época não funcionava e era iatrogênica, levaram-no
a fazer uma releitura de Hipócrates e seus conceitos, agregando-lhe o
processo de experimentação, através da observação sistemática dos
fenômenos. O estilo de pensamento homeopático foi, assim, se delineando
e dando forma às afirmações contidas no núcleo duro da racionalidade.
As doutrinas médicas da Homeopatia e da Medicina Chinesa
apresentam alguns princípios comuns e outros bem diferenciados, o que,
dada a distância cultural, é bastante compreensível. Se por um lado
observamos a existência em ambas racionalidades do emprego do
pensamento analógico e do princípio vitalista – que se desdobra em Força
Vital na Homeopatia e Qi na Medicina Chinesa – nos seus centros
paradigmáticos duráveis, por outro, utilizam princípios terapêuticos algumas
vezes antagônicos, como a cura pelos semelhantes na Homeopatia e a
cura pelos contrários na Medicina Chinesa 20.
Já o “soft coating” de um sistema médico consiste nas diversas
formas que um paradigma básico ou um de seus subparadigmas são
adaptados às diferentes condições em variadas sociedades. É “soft”
porque é flexível e sujeito a freqüentes modificações e “coating” porque se
trata de um conhecimento periférico ao paradigma básico.

20
Também encontramos, embora menos freqüente, o emprego do princípio de similitude na
MTC.
25

Podemos dizer, então, que no caso homeopático, o pensamento


analógico encontra-se tanto no centro paradigmático durável quanto em
seu soft coating 21.

Unschuld (1995), descreve dois paradigmas no centro durável da


Medicina Chinesa, também conhecidos em outras culturas. São o
paradigma das relações de causa e efeito entre fenômenos
correspondentes e o paradigma das relações de causa e efeito entre
fenômenos não correspondentes.

O paradigma de relação de causa e efeito entre fenômenos


correspondentes tem como princípio que os fenômenos do mundo visível e
invisível permanecem em mútua dependência através de suas associações
com certas linhas de correspondência e a manipulação de um elemento
específico em uma linha de correspondência pode influenciar outro
elemento da mesma linha.

Segundo Unschuld (1995), o paradigma de relação de causa e efeito


entre fenômenos não correspondentes baseia-se:

“... na observação que os fenômenos, sejam eles tangíveis ou


não, coexistem independentemente e que eles podem, sob certas
circunstâncias, exercer influência um sobre o outro, e esta pode
ser de natureza benéfica ou maléfica. Assim, homens e espíritos
dividem um ambiente onde são fenômenos separados com seus
direitos próprios e sem um relacionamento intrínseco. Sob certas
condições, os espíritos podem promover uma injúria aos homens e
vice-versa. Similarmente, seres humanos podem se relacionar com
muitos outros fenômenos, sejam eles vento, umidade, alimento, ou
germes. O ponto é que esses relacionamentos são simplesmente
temporários, recorrentes ou permanentemente encontrados entre
fenômenos individuais e a soma desses fenômenos constitui o
universo. Conseqüentemente, o paradigma de relação de causa e
efeito entre fenômenos não correspondentes contém o estímulo

21
No centro paradigmático durável encontra-se além da Lei dos Semelhantes o princípio da
Totalidade/Unidade, e no “soft coating” as demais formas analógicas citadas.
26

para identificar, e se possível, nunca mais medir relações


específicas entre fenômenos individuais, por isso pode sustentar
uma visão analógica do mundo. Esforços para explicar a posição
de um fenômeno em um todo abarcado sistema de
correspondência podem fomentar uma perspectiva orgânica mais
holística”.

Embora esses paradigmas sejam complementares, o primeiro é


preponderante na história da Medicina Chinesa. Esses paradigmas
dividem-se em subparadigmas conforme o quadro a baixo :

QUADRO 1

1- Paradigma de Relações de Causa e Efeito entre


Fenômenos Correspondentes

1.1 -Causado por Correspondência Mágica

1.1.1 - Mágica Homeopática

1.1.2 - Mágica de Contato

1.2 - Causado por Correspondência Sistemática

1.2.1- Correspondência Yin e Yang

1.2.2- Correspondência das Cinco Fases

2- Paradigma de Relações de Causa e Efeito entre


Fenômenos Não Correspondentes

2.1- Causado por Intervenção de Fenômeno Supranatural

2.1.1- Ancestrais

2.1.2- Espíritos e Demônios

2.1.3- Deus(es)

2.1.4- Lei Transcendental

2.2- Causado por Influência de Fenômenos Naturais


27

2.2.1- Comidas e Material

2.2.2- Ar, Vento

2.2.3- Neve, Umidade

2.2.4- Calor, Frio

2.2.5- Súbita Influência, Bactérias

2.2.6- Parasitas, Vírus Bebidas e outros

Segundo Unschuld (1985), desde os estudos de Frazer, no início


deste século, identificou-se dois conceitos de correspondência mágica –
mágica de contato e mágica homeopática 22. A mágica de contato se baseia
na noção que o contato entre dois elementos cria um relacionamento e que
a manipulação de um dos elementos, que agora se encontram
espacialmente separados, produz efeito visível sobre o outro. Nas
sociedades onde a mágica de contato é praticada, a posse de parte de
uma unha, do cabelo ou mesmo da placenta, por exemplo, traz consigo o
poder de influenciar o destino da pessoa da qual o objeto veio.

A mágica homeopática, em contraste, tem como princípio que


semelhante corresponde a semelhante. Acredita-se que um mal infligido
sobre a imagem de uma pessoa resulta em mal para a própria pessoa,
independente do fato que as duas possam estar separadas por grandes
distâncias. Também se acredita que, por exemplo, comer nozes faça bem
ao cérebro porque possuem aparências semelhantes.

As linhas da correspondência mágica são usualmente separadas


uma das outras e não podem exercer influência mútua sistemática. Já a
correspondência sistemática reconhece que não somente um, dois, ou um
número limitado de elementos formam uma linha de correspondência, mas
que a maioria, se não todas, das ocorrências naturais e conceitos abstratos
podem ser incorporados num único sistema de correspondência. Embora o
conceito de correspondência sistemática seja uma evolução no tempo do
conceito de correspondência mágica, o surgimento deste último não

22
FRAZER, J.G. – The Golden Bough (1926) apud UNSCHULD (1995 : 52)
28

engendrou o esquecimento da correspondência mágica, que ainda se


mantém viva na medicina Chinesa.

Considera-se que as doutrinas de yin yang e das Cinco Fases


tenham sido a base para o surgimento e elevação à predominância
conceitual na filosofia natural chinesa da ideologia de correspondência
sistemática. A doutrina do Yin e do Yang data aproximadamente de quatro
séculos a.C., apresentando todos os fenômenos evidenciáveis em duas
linhas básicas de correspondência complementar. Já a doutrina das Cinco
Fases foi iniciada por Tsou Yen (350 – 270), que selecionou o número
cinco – cuja representação milenar expressa o homem – como a base de
sua teoria de associação, correlacionando fenômenos naturais e cósmicos
com as manifestações dos seres humanos em cinco linhas de
correspondências. Os símbolos centrais de cada linha de correspondência
utilizados foram fenômenos bem tangíveis. São eles: metal, água, madeira,
fogo e terra.

A tabela 1, a seguir, apresenta sumariamente essas linhas de


correspondências dos Cinco Movimentos. A cada fase corresponde um
princípio subjacente não explicável quanto à causalidade, mas, ao qual
pertencem um número infinito de manifestações relacionadas
analogicamente.
29

TABELA I : RELAÇÃO DOS CINCO MOVIMENTOS23

MOVIMENTO MADEIRA FOGO TERRA METAL ÁGUA

COR Verde Vermelho Amarelo Branco Preto

ÓRGÃO Fígado Coração Baço-Pâncreas Pulmão Rim


Pericárdio
Int. Delgado
VÍSCERA Vesícula biliar Triplo Estômago Intestino Grosso Bexiga
Aquecedor

ORGÃO DOS Olhos Língua Boca Nariz Ouvido


SENTIDOS
Músculos Tec. Conjuntivo
TECIDO (Movimento e Vasos e músculos Pele e Pêlos Ossos e
Tendões) (volume) Medula

EMOCÃO Raiva Alegria Meditação Melancolia e Medo e


Tristeza Pavor

ESTAÇÃO Primavera Verão Canícula Outono Inverno

CLIMA Vento Calor Umidade Secura Frio

SABOR Ácido Amargo Doce Picante Salgado

PROCESSO Nascimento Crescimento Transformação Envelhecimento Morte


CORPORAL

SOM Grito Riso Canto Choro Gemido

MANIFESTA – Unhas Face Lábios Narina Cabelos


ÇÃO

HEMISFÉRIO Leste Norte Centro Oeste Sul


SUL

HEMISFÉRIO Oeste Sul Centro Leste Norte


NORTE

23
FONTE – Apostila do Instituto de Acupuntura do Rio de janeiro – CLÍNICA EM
MEDICINA TRADICIONAL CHINESA – 1997
30

A aplicação da teoria dos Cinco Movimentos à Medicina Chinesa se dá


em todas as dimensões desta racionalidade. A dimensão da dinâmica vital
se origina da relação entre as cinco linhas de correspondências, segundo
ciclos de diferentes seqüências. Essas seqüências proporcionam um
modelo básico dos relacionamentos fisiológicos entre os sistemas
orgânicos (chamados Sistemas Internos). Esses ciclos fisiológicos podem
se apresentar em estado harmônico (geração e dominação) ou
desarmônico (superdominância e contradominância), quando então se
manifestam os fenômenos mórbidos.

Fig. 1 Seqüência de geração24

Fig. 2 Seqüência de Controle25

24
MACIOCIA ( 1996 p. 27)
25
idem
31

Fig. 3 Seqüência de Contra-


26
dominância

Segundo o sistema de correspondência de Unschuld, pode-se dizer


que o subparadigma de correspondência mágica homeopática está
presente nas bases da Homeopatia, uma vez que identificamos um
princípio de semelhança entre os medicamentos e os indivíduos. Porém,
essa mágica homeopática é mais adequada para descrever a teoria das
Assinaturas de Paracelsus, que antecedeu a formulação da doutrina
homeopática, como se verá a seguir. Entende-se que o subparadigma de
correspondência sistemática adapta-se melhor à Homeopatia, pois, a partir
de Hahnemann se deu uma sistematização através do emprego do
experimento patogenético – o qual relacionava os fenômenos observados
com o desequilíbrio da força vital suscitado por um determinado
medicamento homeopático – o método experimental.

Também o paradigma de relação de causa e efeito entre fenômenos


não correspondentes encontra-se na origem aparente de muitos sintomas
homeopáticos. Circunstâncias que se relacionam com a manifestação do
paciente ou experimentando – no caso das patogenesias – seja por
desencadearem, agravarem ou gerarem a melhora do sintoma ou apenas
por se apresentarem concomitantes a ele.

Como já foi visto, tanto a Homeopatia quanto a Medicina Chinesa se


baseiam na observação dos fenômenos e de suas modalidades no ser
humano. Assim, a título de ilustração, a tabela 2 apresenta uma relação

26
MACIOCIA (1996, p.28)
32

dos sintomas de sonhos organizados por temas e padrões de adoecimento


da Medicina Chinesa. A cada linha de correspondência formada de
fenômenos – os sonhos – relacionados à padrões de adoecimento poder-
se-ia adicionar mais um elo – o medicamento homeopático capaz de
suscitá-los no homem são ou curá-los no enfermo.

TABELA 227

MOVIMENTO PADRÕES TEMAS


SONHADOS
Deficiência do Fome, Comida,
Qi do Baço e do Grandes
Estômago Refeições,
TERRA Tempestades,
Construção de
Casas e
Palácios,
Abismos,
Montanhas
Acúmulo de Úmidas e Ruínas
Umidade e Sensação de
Fleuma Peso Corporal,
Cantando,
Música, Tentar
Andar sem
Conseguir,
Pântanos e Lama
Estagnação do Cogumelos,
Qi do Fígado Árvores Altas,
Florestas,
Dificuldade para
Levantar,
Envenenamento,
Ferimentos

Ascensão do
MADEIRA Guerras, Brigas,
Fogo do Fígado
Combates,
Acesso de Raiva,
Discussões,
Devastação,
Suicídio, Morte,
27
FONTE – Apostila do Instituto de Acupuntura do Rio de Janeiro – CLÍNICA EM MEDICINA
TRADICIONAL CHINESA- 1997.
33

Animais
Raivosos
Acúmulo de
Fleuma
Obstruindo a
Vexames, Estar
Vesícula Biliar Desnudo em
Público, Estar
sem Sapatos,
Insultos,
Humilhações,
Quer Falar mas a
Voz Não Sai
Excesso de Yang Incêndios,
do Coração Audácia,
Enfrentar o
Perigo, Risos e
FOGO Gargalhadas
Deficiência de
Sangue no
Coração Fogo, Vulcões,
Fumaça,
Montanhas Altas,
Erupções
Vulcânicas,
Viagens
Longínquas,
Grandes Cidades
Deficiência do
Yang do Coração
Falta de
Proteção, Falta
de Agasalho,
Nevasca,
Inverno, Cidades
Escuras, Ruas
Desertas
Deficiência Do Qi Objetos de Metal,
do Pulmão Facas, Facadas,
Objetos Brancos,
Perseguição,
Medo, Guerras,
Morte, Vôos
METAL (Sonha que Está
Voando),
Dificuldade de
Passar em
Locais Estreitos,
Acúmulo de Claustrofobia
Fleuma no
34

Pulmão Vôos, Choro,


Lágrimas, Medo,
Sufocação,
Desertos, Países
Bárbaros, Estar
Sendo
Esmagado
Deficiência do Voar, Estar Fora
Yin do Rins do Corpo, Estar
em Pedaços,
ÁGUA Sonhos Eróticos,
Sonhos
Coloridos que
Mudam a Toda
Hora, Navios,
Deficiência do Peixe Colorido
Yang dos Rins
Medo, Pavor,
Rios, Mares,
Lagos, Oceanos,
Água Escura
(Negra), Se
Afogar, Estar
Imerso na Água,
Mergulhos,
Abismos,
Cachoeiras,
Inundações,
Castração

Assim, por exemplo, se encontra, na Matéria Médica Homeopática,


os sonhos com água de Natrum muriaticum, os sonhos eróticos de Ustilago
e os sonhos com fogo de Hepar sulphur.

Uma implicação importante do modelo de Unschuld encontra-se na


forma de pensarmos o desenvolvimento da Homeopatia. Este pode se dar
em duas direções. A primeira, na busca conceitual do centro paradigmático
básico (ou durável) da racionalidade e seus subparadigmas, isto é, o
legado de seu criador Samuel Hahnemann. A obra de Rosenbaum (2000),
“Homeopatia: medicina interativa, história lógica da arte de curar”, segue
esse caminho, investigando seus fundamentos epistemológicos, assim
35

como as particularidades de seus métodos e propósitos. A segunda, no


sentido de identificar os diferentes conceitos, categorias e práticas pós
hahnemannianas, isto é, novas propostas que contribuam para sua
validação constituindo um soft coating rico e plural. No soft coating
homeopático encontramos entre outros, as metodologias de estudo da
Matéria Médica e as formas de prescrição e escalas diferentes daquelas
elaboradas por Hahnemann. Porém, seja qual for a direção tomada, o
importante é pesquisar a Homeopatia, como assinala Rosenbaum (2001 :
27), e dar continuidade ao seu desenvolvimento científico.

Pela adoção desse esquema conceitual, que respeita o centro


paradigmático básico da Homeopatia pode-se desenvolver um programa
de novas pesquisas que, associadas às contribuições de ontem e de hoje,
minimize os confrontos ideológicos próprios do período pré-paradigmático
do campo médico homeopático como observado por Laucas (1999).

OBJETIVOS DO ESTUDO

Na Homeopatia a força (ou princípio) vital se encontra na dimensão


da dinâmica vital – ou fisiologia – de forma apenas implícita, e a dimensão
da morfologia, como observado por Luz, não foi desenvolvida, sendo a
disciplina da Anatomia sua referência para esta dimensão 28. Por outro lado,
os fenômenos investigados pertencem à dimensão da diagnose, na qual
também se insere a semiologia, que compreende um capítulo muito
relevante da Homeopatia. Contudo, a semiotécnica homeopática, isto é, a
técnica de investigação dos sintomas objetivos, não se desenvolveu mais

28
A dimensão da dinâmica vital, aparecia, na primeira fase do projeto Racionalidades Médicas
como incompleta. Foi observado que essa dimensão não se apresentava elaborada
teoricamente e, muito menos descrita nos livros clássicos homeopáticos. Não fosse a
Homeopatia uma medicina tão jovem, indefinições teóricas poderiam surpreender, mas com
apenas duzentos anos de existência, ainda há muito à construí-la enquanto racionalidade.
36

depois de Hahnemann 29. Ao contrário, retrocedeu no uso dos sentidos do


observador dos fenômenos em detrimento das novas técnicas de exames
complementares, sem que essa mudança trouxesse ganhos para o
diagnóstico medicamentoso. Essas observações levaram Luz 30
a chamar a
racionalidade médica homeopática de híbrida, composta por dimensões
que se orientam pelo princípio vital e dinâmico como a dinâmica vital
implícita e outras orientadas pela associação dos sintomas com a lesão,
como a morfologia e a diagnose 31.
Assim colocam-se algumas questões:

Será o relato do paciente dos sintomas subjetivos, suficiente para o


diagnóstico medicamentoso homeopático?

E se o paciente ainda não fala, é mudo, está em coma, tem


problemas de expressão etc?

É necessário desenvolver um exame físico homeopático que


complemente o relato do paciente e/ou familiar, ou mesmo, o substitua
quando este for impossível de ser realizado?

29
Samuel Hahnemann, o fundador da Homeopatia, nunca descuidou de fazer um exame clínico
preciso em seus pacientes. Até mesmo os novos e objetivos métodos diagnósticos, como na
época era a auscultação, tinham em Hahnemann, há muito tempo, achado seu pioneiro.

“Assim, por exemplo, relata um jovem paciente, o qual já tinha na Inglaterra sido
examinado por muitos médicos e que finalmente em 1837 procurou o Dr° Hahnemann,
então com 82 anos em Paris:’Hahnemann me examinou com tanta exatidão como eu
nunca dante tinha sido examinado por outros médicos. Ele... me colocou um
instrumento no peito e depois nas costas, e me auscultou de tal forma como dantes
nunca me tinha acontecido’”. (Seiler, 2001:cap 5: 6)

Também pelos próprios relatos clínicos de Hahnemann se sabe que ele, por exemplo, poderia
dedicar a um sintoma objetivo de um paciente no mínimo a mesma atenção que ele daria as
suas mais finas reações emocionais. Se os sintomas objetivos fossem característicos, eles
também desempenhavam um papel importante na escolha da medicação.
30
VI Seminário Racionalidades Médicas , 1997.
31
SAYD ( 1998) comenta :
“ E a revolução de Bichat, se trouxe uma nova compreensão do processo de
doença através da associação dos sintomas com a lesão, não permitiu nenhuma
inferência terapêutica: aspectos morfológicos relacionados ao processo de
adoecer e morrer não dão conta da dinâmica da vida e, portanto, não permitem
pensar processos de cura. A dinâmica vital, para a medicina nascente, era
obscura, como o demonstra a conhecida frase de Bichat, excessivamente
sintética para ser útil: ‘vida é o conjunto de princípios que resistem à morte’”.
37

É necessário conhecer a dinâmica clínica implícita no desequilíbrio


da vitalidade, isto é, compreender as relações específicas existentes entre
os fenômenos manifestados em um paciente e/ou experimentando? 32

Reconhecer uma morfologia dinâmica e vital e suas alterações no


processo de adoecimento faria da Homeopatia um sistema mais seguro e
completo?

Este estudo não pretende responder a essas perguntas, porém


anseia colocá-las em discussão. Para concretizar tal intento, volta seu olhar
ao mesmo tempo para fora e para dentro da Homeopatia, para o presente
e para o passado de sua prática.

O primeiro, o olhar para atualidade e para além da fronteira da


Homeopatia quer apenas inserir e contextualizar o objeto de análise na
discussão das questões levantadas. Assim, dirige-se para a Medicina
Chinesa praticada no Ocidente e mais especificamente no Brasil, e no Rio
de Janeiro. Aprecia o compartilhamento que esta fez e faz de categorias,
espaços – inclusive institucionais – e representações acerca do que é cura
e doença para terapeutas e pacientes com a Homeopatia, e também se
dirige para os processos, sob alguns aspectos semelhantes, pelos quais
passam os campos de uma e de outra racionalidades médicas.

Quando a Medicina Chinesa foi introduzida no Rio de Janeiro pelo


Sr. Frederico J. Spaeth, de Luxemburgo, em 1979, foi no espaço
institucional homeopático, no Instituto Hahnemanniano do Brasil, referência
da Homeopatia carioca e nacional. Lá o Sr. Spaeth ministrava curso de
formação em Medicina Chinesa, apoiado principalmente no ensino da
Acupuntura.

O Sr. Spaeth fora aluno e colaborador de Roger de la Fuye na


França, cujo nome está indelevelmente associado à criação da
Homeosinatria, uma síntese da Homeopatia com a Medicina Chinesa,

32
Hahnemann sempre se declarou contrário a essa idéia em uma postura de enfrentamento
explícito à medicina de sua época que buscava acima de tudo explicar as doenças mais do que
tratá-las. Chama-se atenção aqui que não se trata de interrogar as causas das manifestações,
mas sim, de um questionamento da necessidade de estabelecer relações analógicas entre os
fenômenos e se esse estabelecimento permitiria reconhecer qualitativamente um movimento
clínico.
38

como será visto a seguir. O Sr. Spaeth conhecia, portanto, a medicina de


Hahnemann e chegou inclusive a passar noções de Homeopatia para seus
alunos brasileiros. Assim, a aproximação entre os envolvidos nos vários
cursos homeopáticos e o de Acupuntura, do Instituto Hahnemanniano não
aconteceu por acaso. Estimulou-se a curiosidade daqueles médicos/alunos
em relação às diferentes práticas desenvolvidas no IHB e desse universo
emergiram possivelmente médicos e terapeutas simpatizantes dos dois
sistemas e mesmo alguns com a dupla formação.

Mais do que a convivência no mesmo espaço, as semelhanças nas


representações de cura e doença, como demonstrado na Segunda fase do
projeto Racionalidades Médicas, desempenharam um importante papel
nessa aproximação. Médicos e terapeutas, homeopatas ou acupunturistas
compartilham um imaginário vitalista, identificando adoecimento e cura com
desequilíbrio e equilíbrio.

Passados vinte anos da introdução da Acupuntura no Rio de


Janeiro, a luta no campo médico para a legitimação da Acupuntura como
especialidade seguia-se a já consolidada vitória do campo homeopático
pelo mesmo objetivo. Na atualidade os médicos das duas racionalidades,
através de suas instituições de representação política travam outra luta,
agora contra a prática por não médicos da Homeopatia e da Acupuntura.

Outro aspecto interessante da relação entre Homeopatia e Medicina


Chinesa que se verifica na prática atual é a permuta de pacientes em um
processo de referenciamento mútuo.

A Medicina Chinesa possui cinco ramos terapêuticos, a saber: a


acupuntura, a fitoterapia, a massoterapia, a dietética e os exercícios ou
práticas, sendo que destas, a única terapêutica medicamentosa é a
Fitoterapia chinesa, que é de difícil acesso, devido à necessidade de
importação das ervas. Esta dificuldade estimula o encaminhamento de
pacientes da Acupuntura para a Homeopatia e para a Fitoterapia nacional.

Hoje a Acupuntura é uma especialidade médica que vem tentando


marcar a diferença de sua abordagem em relação à Acupuntura praticada
por não médicos. Busca uma aproximação com a biomedicina através de
39

uma postura científica que despreza o que não é verificável 33. Embora não
seja uma postura consensual no campo da Acupuntura brasileira, possui
muita força política e está na origem da formulação das diretrizes e bases
da especialidade, solicitada pela Associação Médica Brasileira (AMB). Uma
Medicina Chinesa mais voltada para resolução dos quadros de doença do
que para o adoecimento do sujeito pode ser o resultado da postura médica
oficial, associada à exclusão das demais modalidades terapêuticas desta
recente especialidade, e do ingresso de um número considerável de novos
médicos/alunos de Acupuntura buscando adquirir a técnica natural de
“combate da dor” 34. Essa tendência leva, por vezes ao encaminhamento de
pacientes que chegam com queixas subjetivas, como os sintomas mentais
e gerais, para profissionais de outras especialidades, como a Homeopatia e
a Psiquiatria, por exemplo.

Também se encontra um número crescente de médicos homeopatas


nos cursos de pós-graduação em Acupuntura. Possivelmente motivados
pela orientalização do Ocidente 35
, buscam maior compreensão da
dinâmica energética dos sintomas, ou seja, uma fisiologia vital que
compreende analogicamente a relação dos fenômenos manifestos,
fomentando uma perspectiva orgânica mais holística, como aponta
Unschuld.

Quanto as categorias compartilhadas, serão expostas na introdução


desse estudo para que sirvam de trilho sobre o qual a trajetória dos Pontos
de Weihe percorrerá.

Conhecer a trajetória desse sistema médico minoritário mostra-se


portanto, oportuno para a identificação das questões e problemas
levantados quanto à morfologia, fisiologia e semiologia homeopáticas.
Assim, o segundo olhar, para dentro e para o passado da Homeopatia,
buscará conhecer sua origem, seu início na Homeopatia e seu

33
Movimento também observado no campo da Homeopatia.
34
É comum que esses novos médicos venham de outras especialidades médicas, como
Anestesia, Reumatologia e Ortopedia.
35
A esse respeito ler os artigos de Colin Campbell e de Octávio Velho no periódico Religião e
Sociedade de 1997 e o comentário de Jane Sayd na revista Physis.
40

desenvolvimento junto a praticantes europeus da Acupuntura, revelando


sínteses teóricas e práticas comuns e complementares, bem como seus
sucessos e fracassos, desvelando as incongruências de uma racionalidade
que nasce híbrida. Esse estudo remete mais uma vez a uma problemática
que mesmo com a derrocada da teoria de Weihe, nunca deixou de existir.

ESTRATÉGIA METODOLÓGICA

Diante do conhecimento da existência dos Pontos Dolorosos de Weihe,


uma série de questões emergiram no estudo, uma vez que, praticamente
nada se achava a esse respeito nos livros clássicos homeopáticos e
chineses.

No manual de Homeopatia do Dr. Nilo Cairo, popular entre pacientes e


prescritores leigos desde sua primeira edição na segunda década do
século XX , durante um período de sua publicação, apresentava ao final de
cada medicamento o ponto de Weihe correspondente, porém, sem constar
de nenhuma explicação quanto a sua origem e emprego. Também no
clássico ocidental de Medicina Chinesa, l’Acuponture Chinoise, de autoria
de Soulié de Morant constava, nas edições mais antigas – a 1ª edição data
de 1955 – uma lista de pontos de Weihe, na qual apareciam os
medicamentos homeopáticos relacionados aos pontos dos meridianos
chineses, sem haver, contudo, nenhuma outra informação a respeito do
método.

Como se deu a associação dos pontos chineses com os de Weihe?


Quando? A onde?Em que circunstâncias? Como nasceu esse método?
Quando se iniciou? Qual sua origem? Como se deu seu desenvolvimento
no campo homeopático? Essas e muitas outras questões foram surgindo e
a cada nova revelação maior interesse suscitava e mais era preciso revelar.
A primeira indagação que implicou, entretanto, na escolha da
metodologia foi o porque dos Pontos de Weihe não constarem da história
homeopática. Como e porque esse capítulo foi subtraído? Mesmo que
tenha sido considerado como um erro, ocultá-lo faz da história uma simples
41

crônica idealizada, onde os fatos são pinçados segundo uma visão


particular e isolada. Essa história que se desvia dos obstáculos que
impedem sua linearidade, compromete definitivamente a compreensão das
descobertas científicas como determinadas por suas condições de
aparecimento, transfigurando-as no aparecimento puro daquilo que deveria
ser.
Optou-se portanto, por fazer um estudo de natureza sócio-histórica
buscando nas reflexões de Georges Canguilhem o substrato conceitual
para “escrever uma outra história, que se preocupe em evidenciar um
verdadeiro sentido respeitando-se, ao mesmo tempo, a realidade dos
acontecimentos passados, uma história que revele a ciência como
constituição e como descoberta”.36
Segundo Machery, contrapondo-se à história analítica, regressiva e
estática, Canguilhem apresenta uma história crítica que objetiva “conferir
todo seu valor à idéia de uma história das ciências, buscando identificar,
por trás da ciência que encobre sua história, a história real que governa e
constitui a ciência” 37
. Para este filósofo e historiador das ciências a
deformação da história se dá quando se tomam ;

“fenômenos por conceitos e conceitos por teorias ... um


conceito é uma palavra mais a sua definição – o conceito tem uma
história; num certo momento dessa história, diz-se que ele é
formado: quando ele permite instituir um protocolo de observação,
e quando passa pela prática de uma sociedade – enquanto uma
teoria consiste na elaboração geral do que, por enquanto será
chamado de aplicações do conceito”.

Assim um conceito não depende para aparecer de um pano de fundo


teórico predeterminado, ao invés disso, “com o seu nascimento, descreve-
se também o aparecimento de um modo de pensar científico,

36
MACHERY, no posfácio intitulado ; A Filosofia da Ciência de Georges Canguilhem –
Epistemologia e História das Ciências. In CANGUILHEM, 2000, p. 276.
37
Idem
42

independentemente de toda elaboração teórica: a teoria pode coincidir,


coexistir com o conceito, mas não o determina” 38
. Partir do começo e
remontar à origem, significa dizer remontar à origem reflexiva, isto é,
resgatar “a permanência de uma questão e esclarecer seu sentido atual” 39.
Revelar a genealogia de uma idéia – os Pontos de Weihe – é revelar
também a persistência de um problema através da sucessão das teorias
homeopáticas ou da Medicina Chinesa. Ao lado deste problema estão os
conceitos, enquanto as teorias encontram-se junto as respostas. Assim
buscou-se partir das questões para escrever a história.

O fato de não se poder esclarecer o conceito pela teoria por ele


apoiada em um dado momento, não significa que este não possa ser
definido ou o problema que encerra seja desprovido de sentido. O que
existe é uma questão em busca de sentido, e é por isso que implica
fundamentalmente uma história.

O ESTUDO DAS FONTES

O estudo das fontes teve início em 1998, quando as primeiras cópias


foram fornecidas pela Prof. Madel Luz. Eram dois textos em francês de
Roger de la Fuye além da indicação de alguns nomes, tais como, Paul
Chiron, Rouy, Soulié de Morant e Fortier-Bernoville. Também foram
traduzidos do inglês textos do homeopata Dudgeon, biógrafo de
Hahnemann, do historiador Paul Unschuld e do homeosiniatra Jean Claude
Dubois. Data, igualmente, desta época, o início da pesquisa de fontes
originais de Weihe, na rede mundial de computadores, a Internet.
Primeiramente, foi feita uma pesquisa nas bases BIREME e MEDLINE
apenas pelo nome Weihe, uma vez que era o único nome conhecido, ao
mesmo tempo em que se entrava em duas listas internacionais de
Acupuntura, solicitando aos participantes alguma informação sobre o tema.

39
Idem
43

Foram recebidos muitos e-mails, porém em sua maioria continham


mais pedidos de informações sobre o sistema de Pontos de Weihe do que
indicações das fontes originais solicitadas. Um número pequeno deles
trazia contribuições acerca do tema, embora nenhuma orientação de onde
encontrar as fontes originais. Foi na pesquisa da base MEDLINE, entre
dezenas de títulos e autores contendo o nome Weihe, que se achou um
título de interesse. Tratava-se do livro “Die Weihe’schen Druckpunkte : Ihre
Beziehungen zur Akupunktur, Neuraltherapie und Homöopathie” de autoria
de Heinz Schoeler, publicado pela primeira vez em 1955, na Alemanha.
Descobriu-se rapidamente que entre saber o nome do livro e seu autor e
conseguir a publicação era um longo caminho.
De volta às listas de Acupuntura, agora em busca de outros autores,
entre eles Heinz Schoeler, recebeu-se, fortuitamente, de um homeopata e
colecionador de livros raros, a resposta de que era possuidor de alguns
livros de interesse, inclusive o do autor supracitado. Acertada sua compra,
o livro esperado chegou a seu destino em meados do ano de 1999.
Tratava-se de um pequeno livro que continha, além do texto em alemão,
algumas pranchas com desenhos dos Pontos de Weihe. Embora ainda
restasse traduzi-lo, seu valor já era visível ao final do texto. Ali estava a
fonte bibliográfica com alguns textos do próprio Weihe, do final do século
XIX, e de outros tantos da mesma época, ainda que a citação bibliográfica
fosse por demais abreviada.
À espera da tradução deste primeiro livro, empreendeu-se uma
pesquisa nas bibliotecas do Instituto Hahnemanniano do Brasil e do
Instituto de Acupuntura do Rio de Janeiro, levantando-se algum material de
interesse. No IHB, além de alguns livros e revistas, encontrou-se um
número considerável de monografias de final do curso de formação em
Homeopatia que abordavam aspectos comuns da Homeopatia e Medicina
Chinesa, incluindo os Pontos de Weihe, sem contudo, nenhuma mencionar
sua história e origem. Surpreendia o interesse que tal tema suscitava. Na
biblioteca do IARJ consegui-se um exemplar da obra de Soulié de Morant
contendo os pontos de Weihe com os correspondentes pontos chineses e
os medicamentos homeopáticos a eles relacionados.
44

Com a tradução finalizada, pode-se vislumbrar a ponta de um


iceberg. A primeira vista o autor, ele mesmo homeopata, apresentava o
sistema de Weihe como uma antevisão brilhante no que concernia à
morfologia dos pontos, mas também, como uma teoria tola e frágil.
Revelava pouco da sua concepção mas já apontava os motivos de seu
fracasso no meio homeopático. Restava, então, buscar sua história nas
fontes originais.
No primeiro semestre de 2000, já iniciado o mestrado, contactou-se
a biblioteca do Instituto Robert Bosch, em Stuttgart, entre outras bibliotecas
e livrarias virtuais, na tentativa de localizar os artigos listados no livro de
Heinz Schoeler. Foi com grata surpresa que se recebeu a notícia que se
encontravam no Instituto todos os papers procurados e que era viável o
envio de cópias. Como já foi dito, essas cópias chegaram ao seu destino na
véspera da qualificação. Tarde para serem contempladas no projeto, mas,
em tempo de se obter orientação quanto a seu uso na qualificação.
Do serviço de biblioteca do Instituto Robert Bosch também chegou a
informação do recente lançamento do livro “Die Weiheschen Druckpunkte :
Grunlagen und Praxis” de autoria do Dr. Seiler. Alguns meses depois
também esta fonte secundária foi incorporada neste estudo. As traduções
dos livros e dos artigos em alemão foram realizadas por Julia Briguitta,
austríaca, com formação em psicanálise e conhecedora do alemão arcaico.
Vale dizer que dado o desconhecimento inicial das dificuldades na
pesquisa das fontes e no manejo das bases de dados e pesquisas virtuais,
e dado o tempo necessário para envio e traduções do material, julga-se
que teria sido inviável a realização desse estudo caso a pesquisa das
fontes tivesse que ser realizada no período regular de dois anos de
mestrado.
Os textos enviados pelo Instituto Robert Bosch foram:

Do Dr. August Weihe


1- Praktische und theoretische Beiträge zur Einleitung in die
epidemiologische Behandlungsweise. Zeitschrift des Berliner
Vereines homöopathischer Aerzte V : Berlim, 1886.
45

2- Entgegnung. Allgemeine Homöopathische Zeitung, BD 121:


Leipzig, 1890.
3- Genius Epidemicus. Allgemeine Homöopathische Zeitung, Bd.
124: Leipzig, 1892.

Do Dr. Leeser
4- Inhalt des Vortrags des Dr. Leeser-Lübbeke in der
Morgensitzung der Central-vereins-Versammlung zu Hamburg am
10. August c. Allgemeine Homöopathische Zeitung, Bd 111, No.13:
Leipzig, 1885.
5- Die epidemische Heilmethode in ihrem Verhältnisse zur
Homöopathie. Allgemeine Homöopathische Zeitung, Bd 116, No. 9,
10, 11, 12, 13, 14,15, 16, 17, 18 : Leipzig, 1888.
6- Zur Frage der epidemischen Mittel. Allgemeine
Homöopathische Zeitung, Bd. 117 : Leipzig, 1888.
7- Rückblick auf die geschichtliche Entwickelung der
Weihe’schen Heilmethode. Allgemeine Homöopathische Zeitung, Bd
124, No. 5 u. 6 : Leipzig, 1892.
8- Der Nutzen der Weihe’schen Methode für die Kenntniss der
Arznei-mittellehre. Allgemiene Homöopathische Zeitung, Bd. 126,
No. 7 u. 8 : Leipzig, 1893.
9- Steht die Weihe’schen Methode innerhalb der Homöopathie?
Allgemeine Homöopathische Zeitung, Bd. 127, No. 11 u. 12 :
Leipzig,1893.
10- Offener Brief na Herrn Dr. Carl Köck in München. Allgemeine
Homöopathische Zeitung, Bd. 128 : Leipzig, 1894

Do Dr. H. Göhrum
11- Zur Anwendung der epidemischen Mittel. Allgemeine
Homöopathische Zeitung, Bd. 119 : Leipzig, 1889.
12- Die Weihe’sche Methode. Zeitschrift des Berliner Vereines
homöopathischer Aerzte : Berlim, 1891.
13- Epidemiologische Ecke. Allgemeine Homöopathische Zeitung,
August 1891/Juli 1892 : Leipzig, 1891/92.
46

14- Bericht. Allgemeine Homöopathische Zeitung, Bd. 124, No. 3


u. 4 : Leipzig, 1892.
15- Wann dürfen wir ein Mittel “epidemisch”nennen? . Allgemeine
Homöopathische Zeitung, Bd. 125, No. 11 u. 12 : Leipzig, 1892.
16- Die Referate iiber die Weihe’sche Methode. Allgemeine
Homöopathische Zeitung, Bd.126 : Leipzig, 1893.
17- Die Aufgaben der Epidemiologischen Gesellschaft und die
Prüfung am Gesunden. Allgemeine Homöopathische Zeitung, Bd
126, No. 5 u. 6 : Leipzig, 1893.
18- Die Weihe’sche Methode vor der Centralvereinsversammlung
in Bonn. Allgemeine Homöopathische Zeitung, Bd. 127 : Leipzig,
1893.

Do Dr. Kunkel
19- Aus der Praxis. Allgemeine Homöopathische Zeitung, Bd. 121
: Leipzig, 1890.

Do Dr. Alexander Villers


20- Referat über die Verwendung der Druckpunkte nach Dr.
Weihe. Allgemeine Homöopathische Zeitung, Bd. 127 : Leipzig,
1893.

Do Dr. Lorbacher
21- Noch einmal die Druckpunkt-therapie. Allgemeine
Homöopathische Zeitung, Bd. 126 : Leipzig, 1893.

Do Dr. J. Schier
22- Aus dem Rhein-Maingau-Verein homöopathischer Arzte.
Allgemeine Homöopathische Zeitung, Bd. 169 : Leipzig, 1921.

Do Dr. H. Schoeler
23- Das Hochpotenzproblem. Allgemeine Homöopathische
Zeitung, Bd. 195 : Leipzig, 1950.
47

Do Prof. de la Fuye
24- Über die Synthese von Homöopathie und Acupunktur.
Heilkunst 11, 403-409, 1951.

Destes artigos foram selecionados para tradução livre os três artigos


do Dr. August Weihe; os artigos acima enumerados 4, 5 e 7, do Dr. Leeser;
os artigos 15, e 17 do Dr. Göhrum; o artigo do Dr. Villers; e o artigo do Dr.
Lorbacher. Também o livro do Dr. Seiler teve os capítulos 1 ao 6 e 17 ao
21 selecionados e traduzidos. Cumpre destacar que as citações destes
textos foram traduzidas de forma a permitir a compreenção das mesmas.
Quanto as referências destas citações cabe ressaltar que não trazem os
números das páginas dos originais por dois motivos: primeiro porque estes
não encontravam-se visíveis nas cópias dos periódicos recebidas e
segundo que também os trechos e capítulos dos dois livros traduzidos
deste idioma tiveram suas numerações de páginas suprimidas na tradução
sendo a tarefa de identificá-las impossível para quem desconhece o idioma.

Além do material em alemão, outros livros e artigos em francês e


inglês foram pesquisados nas bibliotecas do Instituto Hahnemanniano do
Brasil e do Instituto de Acupuntura do Rio de Janeiro e constituíram uma
parte das fontes primárias e secundárias.
48

CAPÍTULO I - AS ORIGENS

O HOMEOPATA WEIHE

Fig. 4 August Weihe

Podemos considerar que a trajetória dos Pontos de Weihe se inicia


no ano de 1875, pelas mãos do Dr. August Weihe Junior (1840 –1896),
40
médico alemão , terceiro membro da tradição homeopática da família
Weihe. Seu avô, August Weihe Sênior (1779 - 1834), com cujo nome
Weihe fora batizado, foi aluno direto de Hahnemann e o primeiro médico
41
homeopata na região do Reno e Westfalen .

40
O pai de August Weihe Junior imigrou, quando jovem, para a Suécia onde Weihe nasceu.
Aos 12 anos, Weihe e sua família retornaram à Alemanha e se instalaram na cidade de
Herford.
41
O avô de Weihe era como botânico tão conhecido quanto como médico e era nesta condição
amigo de C. Von Bönninghausen (1785 – 1864) com quem mantinha uma viva correspondência
científica. Em 1827, quando diretor do Jardim Botânico de Münster, Bönninghausen, aos 42
anos, adoeceu de um grave mal chamado de Tísica Purulenta. Depois de 9 meses de doença
sua morte parecia inevitável e ele escreveu a seu amigo uma carta de despedida sem saber
que este tinha se tornado discípulo do método de cura homeopático, naquela época, ainda
desconhecido de Bönninghausen. O resultado desta correspondência foi a cura do mal através
de uma única dose de medicamento homeopático ( Pulsatilla) e a dedicação de Bönninghausen
49

Depois de estudar em diversas universidades alemãs e após o seu


tempo de assistente em Viena, Weihe tornou-se aluno de seu tio, Justus
Weihe (1808 – 1892), em Herford onde em 1868 abriu seu próprio
consultório.
Jovem e com sólidos conhecimentos, pressionado, em parte, pela
crise que passava a Homeopatia Clássica na Alemanha – comentada mais
42
adiante – e em parte por seus próprios males hereditários , Weihe
buscava novos caminhos a fim de aprimorar o método de cura
homeopático, como o fazem aqueles que após longos estudos percebem
as fronteiras do conhecimento e empenham-se em expandi-las.
Foi assim que se interessou pelo método de tratamento de Johann
Gottfried Rademacher (1772 – 1850), cuja escola debruçou-se sobre os
43
escritos de Hohenheim (1493 – 1541) destilando dos ensinamentos
cifrados de Paracelsus – cuja contribuição será tratada mais adiante -
44
material para uma medicina racional .
Além de Hahnemann e Rademacher, Weihe interessou-se por outros
sistemas vitalistas que emergiam em sua época:

“Nós não somos menos do que os seguidores de


Hahnemann e Rademacher sempre pretenderam ser, e diferimos
daqueles somente por um método algo divergente na descoberta
das substâncias curativas. Mas estamos até mesmo convencidos

à Homeopatia pelo resto de sua vida, tornando-se certamente o mais importante aluno direto
de Hahnemann.
42
O Dr. Weihe se empenhou na cura de seus próprios males crônicos e hereditários como
relata nessa passagem : “ Assim aconteceu também a mim que nos anos anteriores sofria tanto
e apesar de uma maneira de vida sólida e equilibrada, eu também tinha que carregar uma
considerável quantidade de gordura, consegui diminuir meu peso em cerca de 25 libras,
simplesmente através do uso de potências altas.” (Weihe, 1886)
Em outra passagem Weihe afirma : “Que eu agora já estou liberto de tudo
completamente, eu certamente não afirmo, porém, o que eu já consegui, me é
indescritivelmente muito e extraordinariamente valioso e eu ainda posso esperar mais coisas
do tempo futuro “ (Weihe, 1890).
43
Philippus Aureolus Theophrastus Bombast von Hohenheim era o nome de batismo de
Paracelsus que se rebatizou no início de sua carreira médica por volta de 1516.
44
A busca de uma medicina racional estava presente em Rademacher como o estava em
Hahnemann e posteriormente em Weihe, embora, esta influência não signifique adesão destes
às categorias de mecanicismo, dualismo e fragmentarismo.
50

que a nossa compreensão da essência da arte do processo de


cura pode se colocar, certamente, em harmonia com as opiniões
dos hidropatas e médicos naturalistas, com os importantes
achados do Prof. Jagërs, com os interessantes e inovadores
experimentos do Prof. Hugo Schulz e também com a Lei
45
Fundamental Biológica do Prof. Rudolf Arndt (Weihe, 1890) “.

Por outro lado, pode-se dizer que é muito improvável que o


descobridor do sistema dos pontos dolorosos tenha tido qualquer contato
e/ou conhecimento da medicina chinesa e da Acupuntura como apontam os
estudos das fontes levantadas, que incluem textos originais do próprio
Weihe – que teve apenas três textos publicados – e de seus primeiros
alunos.
Assim, através de múltiplas influências, Weihe desenvolve seu
trabalho. Quanto a sua tenacidade pode-se dizer que também não o
freavam as críticas dos colegas homeopatas, que a essa altura praticavam
uma Homeopatia em muito diferente da de Hahnemann. Quando a elas
dedicava sua atenção era de forma bastante ponderada como se pode
verificar em suas próprias palavras a respeito de sua atitude profissional :

“... eu peço gentilmente que também a mim seja dada a


confiança, pois eu sempre tive sérias intenções com minha
profissão, sempre estive me esforçando em procurar a verdade lá
onde eu a esperava encontrar (Weihe, 1890)”.

Weihe foi por diversas vezes interpelado, quando hesitou muito


tempo em fazer uma publicação, sabendo da incompletude e das

45
A respeito do Prof. Rudolf Arndt Weihe escreve :
“...cheguei agora à forte convicção que nada pode ser mais tolo do que esperar
uma cura rápida de qualquer real doença crônica com causa interna ... o mal
crônico, que está profundamente enraizado, e que já existia nos pais de maneira
similar, está intrinsecamente entremeado com nossa formação corporal inteira,
com nosso mais profundo ser moral e espiritual, estudar a esse respeito o livro
do Prof. Rudolf Arndt sobre neurastenia, objetivo é mais do que recomendável
para qualquer médico homeopata principalmente aquilo que é dito sobre
Stigmata Hereditatis suis Degenerationis (Weihe, 1890)”.
51

insuficiências ainda não resolvidas do seu sistema. Quando, finalmente em


1886, Weihe publica artigo intitulado “As Contribuições Práticas e Teóricas
Relativas à Introdução do Método de Tratamento Epidêmico” - o Método de
Weihe - na revista da Associação Berlinense de Médicos Homeopatas, o
faz sabendo que possivelmente não seria poupado da crítica por ainda não
divulgar seu método de escolha dos medicamentos :

“... se alguém não gostar ou se chocar, porque eu, nas


histórias de doentes relatadas, não disse nada sobre as
indicações que me fizeram e que me guiaram na escolha do
medicamento, quero dizer que eu o fiz propositalmente, porque
trata-se aqui de coisas que em parte ainda estão em
desenvolvimento e por isso ainda não estão maduras para se dar
uma descrição, um relatório claro e completo, sendo assim, me
reservo o direito de voltar a esse assunto em artigo posterior
(Weihe,1886) “.

A resposta da redação da referida revista homeopática é publicada


em seguida ao artigo e parece confirmar as suspeitas de Weihe :

“Nós publicamos este artigo, certamente muito


interessante para muitos dos nossos leitores com muito prazer,
porque vemos nele a possibilidade de iniciar um exame geral e
público dos métodos de tratamento muito comentados em nossos
círculos. Nós somente lamentamos que o senhor autor só nos
forneceu uma faceta sobre o seu método de tratamento e não a
fundamentação de suas indicações de maneira que , bem
dizendo, a natureza e o cerne da questão continuam
obscurecidos e incompreensíveis. Porém nós esperamos que ele
faça seguir esse artigo, logo um outro, o qual espalhará a
desejada luz esclarecedora sobre o método de tratamento
epidêmico, sua concepção e sua índole e que isso possibilite
uma crítica daquelas novas concepções as quais para nós e
certamente para a maioria dos médicos homeopatas pareciam
52

até agora inaceitáveis e pouco plausíveis, porque o fundador


deste ensinamento encobriu a verdadeira essência do mesmo
praticamente em uma total escuridão (Nota da redação inserida
no artigo de Weihe, 1886)”.

Porém mais intensas eram as críticas do campo médico de então.


Luz (1988), debruçou-se sobre o vitalismo homeopático enquanto
racionalidade concorrente e antagônica à razão científica moderna e
apresentou a dimensão real das dificuldades enfrentadas pelos dissidentes
desta razão nos séculos XVIII e XIX, tais como Hahnemann, Rademacher e
Weihe :

“ No final do século XVIII, as Academias e as Escolas das


Universidades européias tinham o poder de colocar sobre uma
teoria o selo da verdade, elevando, assim, seu autor (ou autores)
socialmente, em termos políticos e econômicos, ou, pelo
contrário, desqualificando-o junto à sociedade, às Cortes e aos
governos (em geral de Estados autoritários, fossem eles
parlamentares ou não), junto aos seus pares, o que talvez fosse
a pior punição. O charlatão essa figura desviante moral e herético
da ciência, é criação do século da razão. Desde esse momento, é
o pior epíteto que um cientista pode ouvir, pois implica
desmoralização e perda de status social e profissional ( Luz,
1988: 120)“.

DE PARACELSUS A HAHNEMANN E RADEMACHER

Para entendermos o teor das críticas lançadas sobre o Método de


Weihe por seus colegas homeopatas devemos compreender a natureza da
contribuição rademacheriana a esse sistema de cura e suas raízes
paracélsicas.
53

Seiler (2001) conta que por causa de um sucesso surpreendente


com uma substância curativa de Paracelsus, o crítico precoce da medicina
dogmática, Rademacher foi levado a retrabalhar com acuidade seus
escritos, concluindo:

“ Não sem esforço eu cheguei finalmente à convicção


deste homem não ser um fanfarrão, mas sim que funde em uma
46
unidade inseparável o ensinamento e a prática da Arte... ”.

Paracelsus, médico e alquimista suiço-alemão, teve sua carreira


associada indelevelmente à mudança, que durou mais de um século, da
alquimia em direção à ciência médica, tornando-se sua precursora. Embora
seus escritos tenham sido reverenciados por sucessivas gerações de
alquimistas, Paracelsus era mais médico do que adepto, e supõe-se que
passou comparativamente pouco tempo no laboratório. No coração de suas
crenças estava a noção de que cada ser humano, representando o
microcosmo, estava inelutavelmente ligado ao cosmo, ou macrocosmo;
qualquer coisa que afetasse um, teria efeito semelhante sobre o outro. A
saúde emanava de Deus, o “Grande Médico”, e a doença, tal como a via
Paracelsus, era apenas uma ruptura da harmonia celestial que existia
normalmente entre natureza e a humanidade, ou entre o macro e o
microcosmo. Para restabelecer a saúde, o médico precisaria restabelecer o
equilíbrio, mediante o uso de remédios químicos, que ele chamava de
arcanos. Nesses trabalhos o médico-alquimista também era obrigado a
confiar na mediação de influências tais como os raios estelares e o que
47
Paracelsus chamava vagamente de “o sopro de Deus” .

46
Rademacher, citado por Surya (1923: 253) apud Seiler ( 2001).
47
Segredo dos Alquimistas (1993 : p. 63-65).
54

Fig. 5 Samuel Hahnemann

Fig. 6 Rademacher

Fig. 7 Paracelsus

Paracelsus reconhecia sua crença no conceito grego dos quatro


elementos, mas asseverava que em outro nível o cosmo era formado de
três substâncias espirituais – a chamada trindade de mercúrio, enxofre e
sal – que ele chamava de três princípios, ou tria prima.
55

Segundo ele as três substâncias atribuíam a cada objeto sua


essência interior e sua aparência externa. Tal trindade alquímica definia
também a identidade humana. O enxofre corporificava a alma, considerada
como as emoções e os desejos; o sal representava o corpo; e o mercúrio
resumia o espírito, que incluía a imaginação, o juízo moral e as faculdades
mentais superiores.
Para Paracelsus, a conexão entre esses atributos e a alquimia era
evidente. Somente entendendo a natureza química dos tria prima o médico
poderia descobrir quais exatos arcanos seriam necessários para curar uma
doença específica. Portanto, a verdadeira missão da alquimia não era
buscar ouro ou prata, e sim servir à medicina.
Embora ele também acreditasse, como a maioria dos adeptos, que
a alquimia era “verdadeiramente um Dom de Deus”, e um processo místico
além de químico, foi na aplicação prática do arsenal de dados técnicos da
alquimia que ele deu suas principais contribuições.
Ele foi um dos primeiros a vislumbrar a verdadeira natureza da
circulação do sangue, que denominou seiva da vida. Mais de um século
depois William Harvey, o cientista a quem se atribui a descoberta da
circulação sangüínea, usaria uma analogia parecida. Paracelsus foi
também um dos primeiros médicos a tratar a epilepsia como doença e não
como sintoma de possessão demoníaca, ou como prova de loucura. Além
disso, estabeleceu a ligação entre a chamada doença dos mineiros, hoje
conhecida como silicose e a inalação de vapores metálicos. Até então,
dizia-se às vítimas dessa doença que seus sofrimentos eram infligidos
48
pelos demônios da montanha, como castigo por seus pecados .
Muitas foram as contribuições, inclusive para a Homeopatia, dessa
personalidade de língua afiada e contestadora. A lei das assinaturas, talvez
seja a mais famosa contribuição de Paracelsus no meio homeopático. A
seu respeito encontra-se em Rosenbaum(2000) as seguintes citações:

48
Paracelsus nasceu em uma aldeia suíça onde seu pai era médico rural. Com a morte de sua
mãe, ainda pequeno, pai e filho se mudaram para Villach, uma pequena cidade ribeirinha do
sul da Áustria, onde a mineração era uma das principais atividades. Estudioso, o garoto
freqüentou uma escola para analistas e supervisores de minas, que lhe proporcionou uma
experiência de primeira mão nos processos metalúrgicos da época, além de ajudá-lo a
perceber as doenças endêmicas entre os mineiros.
56

“Paracelsus também usava o princípio dos semelhantes


para desenvolver um modo de pensar dentro da medicina e tratar
seus pacientes“ (2000 : p.105).

“ Segundo Paracelsus, um dos métodos legítimos para


detectar a ação terapêutica de uma substância consistiria em
estabelecer uma analogia do seu aspecto morfológico com o órgão
ou função afetada no organismo enfermo “(Chapiel, 1886 apud
Rosenbaum, 2000: p.100)

Voltando a Rademacher, este publica depois de trabalhar


minuciosamente e, principalmente, após profundo e bem sucedido reexame
prático do seu recém-concebido sistema curativo paracélsico, em 1843 –
talvez não tão por acaso, no ano da morte de Hahnemann – a primeira
edição de seu “Ensinamentos de Cura por Experiência”. Nele tenta elucidar
os conhecimentos cifrados presentes na obra de Paracelsus, como sugere
o subtítulo: “justificativa aos intelectuais em relação aos ensinamentos
empíricos mal entendidos e passíveis de entendimento dos antigos
médicos secretos químicos e participação fiel do resultado de uma
experiência de 25 anos desse ensinamento à beira do leito do doente”.
Assim, os caminhos dos dois reformadores da medicina da totalidade
49
se separam pelos direcionamentos que deram às suas pesquisas.
Enquanto Rademacher buscava, nas profundezas da antiga sabedoria
secreta alquímica e esotérica, material útil para uma medicina da totalidade
racional tendo Paracelsus como figura chave, Hahnemann, com um pé em
terras novas, buscava suas bases na confirmação experimental, na nova
formulação da lei da Similitude e na descoberta do princípio das
dinamizações.

49
Entende-se por medicina da totalidade àquela que considera o paciente em sua totalidade
sintomática, ou seja, o tratamento é voltado para o conjunto das manifestações sintomáticas.
Esta prática médica está em antagonismo com a medicina que tem como princípio norteador
tratar sintomas específicos sem levar em conta o conjunto sintomatológico, por exemplo a
medicina das especialidades.
57

A percepção de Weihe de que ambos sistemas médicos eram


complementares foi compartilhada por outros homeopatas europeus
importantes do século XIX, como J. C. Burnett, A . Nebel e
antecipadamente divulgada B. Von Grauvogls (1801 – 1883 ), tendo este
último escrito :

“Realmente ... a concordância entre o ensinamento de


Hahnemann e Rademacher não é total, mas é tão surpreendente
que o equilíbrio algum dia necessariamente terá que acontecer.
Pelo lado homeopático se deveria agora também tentar saber e
constatar, de que uma substância curativa, muitas vezes, durante
muito tempo, se mostra muito indicada e curativa nas diversas
formas de doença, mas se isso ainda não aconteceu
universalmente, certamente se deve à condição de que uma
minoria de homeopatas vê como tarefa o estudo das circunstâncias
concomitantes e de uma maioria considerar a instrução de
Hahnemann de manter, principalmente, essas circunstâncias
50
concomitantes em vista, como um capricho” .

Rademacher, 17 anos mais novo do que Hahnemann, mantinha em


suas raras observações à respeito da Homeopatia uma respeitosa
distância. Não se comprometia com o princípio da similitude e nem com as
medicações dinamizadas, porém, sempre que acentuava o melhor efeito
das pequenas doses de medicamentos se referia a Paracelsus. Já este
tinha acentuado a importância de pequenas doses e também rejeitado o
princípio de tratamento alopático.
Hahnemann, por sua vez, cita duas curas de Rademacher feitas com
pequenas doses medicamentosas, uma com vinho e outra com Opium,
51
extraídas da renomada revista médica Hufeland’s Journal , onde

50
Von Grauvogl,citado por Leeser (1888).
51
Seiler em seu estudo nega ter encontrado qualquer referência a Rademacher na obra de
Hahnemann mas esta pode ser verificada na versão digital do programa Radar – ExLibris
Philosophy no livro de Hahnemann Organon of Medicine 6a. ed., na introdução do appendix .
58

Rademacher apresentou suas primeiras pequenas publicações e


Hahnemann também havia publicado seus antigos escritos.
A rejeição que Hahnemann tinha por Paracelsus, possivelmente, era
fruto de sua natureza racional e parte da estratégia, bem sucedida de
proteger a Homeopatia da má fama de medicina obscura :

“... enquanto Rademacher queria se ocupar de Hohenheim só


para si, Hahnemann de preferência não queria saber dele, pois, não
alimentava uma opinião muito positiva do ‘Fogo Fatuo’
vagabundeante, como certa vez se referiu a Paracelsus. A mania de
segredos de Hohenheim, às vezes, surrealista e fantástica, com a qual
ele – para sua proteção da inquisição, que naquela época ainda era
toda poderosa – do jeito dos alquimistas e dos secretos, escondia o
seu saber, era por demais contrastante com a ambição esclarecedora
de Hahnemann e contra sua veemente rejeição de toda e qualquer
52
especulação”.

Segundo Seiler (2001), Trinks, um antigo paciente e aluno, assim


como um posterior arquiinimigo de Hahnemann, parece já no ano de 1825
ter chamado a atenção do mesmo, que os traços fundamentais da
Homeopatia já eram achados em Paracelsus. Porém não é claro se Trinks
naquela época pôde apresentar para Hahnemann as hoje conhecidas e
bastantes inequívocas citações homeopáticas de Hohenheim. Hahnemann,
assim relata Trinks, retrucou de que isto lhe era, até aquela época,
53
totalmente desconhecido .

52
Haehl,(1922: 300) apud Seiler (2001).
53
Schlegel (1891) citado em Haehl,53 As citações homeopáticas de Paracelsus são hoje em dia
conhecidas :

“Então as essências dos medicamentos vão contra a doença, o que faz a


hepatite, também cura a hepatite, o medicamento que deve curar Paralisyn
deverá provir daquilo o qual o produziu(Paracelsus citado por Surya, 1923: 228
apud Seiler, 2001:11.2001)”;

“Um médico realmente verdadeiro... isto é Morbus Terebintus, ... isto é Morbus
Helleborus etc, e não ... isto é reumatismo, isto é coriza, isto é catarro ” (idem).

Em relação as doses de medicamentos diz :


59

E. Schlegel, importante médico homeopata e conhecedor de


Paracelsus entende a relação de Hohenheims com Hahnemann como uma
construção;

“...o pensamento da Similitude na medicina só se torna


claro, correto e frutífero a partir do momento onde ele é
compreendido e utilizado por Hahnemann; ... Ele coloca suas
frases corretamente formuladas como ensinamentos ao público
enquanto Paracelsus – uma mente da mesma forma genial e
profunda – aparece mais como um artista, o qual não deixa
ensinamentos técnicos de utilização prática, mas sim, leva um
54
talento pessoal consigo para a sepultura”.

Rosenbaum (2000 : p. 111-112), nos brinda com uma análise se não


definitiva, ao menos de grande sensibilidade uma vez que aborda o tema
da influência de Paracelsus em Hahnemann ressaltando seu universo
contraditório.

“ Embora reconhecesse o enorme valor da química aplicada, e


que muitas substâncias eram úteis na paliação de certos estados
patológicos, Hahnemann negava-se a admitir que precisaríamos
restringir o conhecimento destas a sua proximidade no ‘sistema
natural’, ou a seu parentesco taxionômico. Admite que pode haver,
de fato, analogias entre as evidências exteriores e físicas das
substâncias e os efeitos medicinais, mas não aceita a doutrina das

“Não é com o peso, mas sim com o que está além do peso que o medicamento
deve ser administrado, pois quem pode pesar o brilhar do sol ... Quem pesa o
Spiritum Arcanum (= alma da substância curativa)? Ninguém. É nele que está o
medicamento e não em nenhum outro mais pesado ... O medicamento deve ...
fazer um efeito tão forte sobre a doença como um fogo em cima de uma
fogueira... Uma faisquinha porém, é pesada o suficiente para queimar uma
floresta inteira, e a faisquinha é sem peso. Assim vocês também devem
entender a indicação do medicamento”. (Paracelsus, 1923: 300-301)
54
Schlegel (1891) citado em Haehl, (1922: 300) apud Seiler ( 2001).
60

assinaturas como uma realidade dada. Quer um programa de


investigação que as comprove ou as refute.
Neste sentido, Hahnemann vai rompendo com a episteme das
‘assinaturas ’ como uma construção de autoridade nas capturas
analógicas.
‘Os terapeutas atribuíram ao anis estrelado as mesmas
qualidades expectorantes que são possuídas pelas
sementes de anis, meramente porque as últimas têm
semelhança em paladar e odor com as cápsulas de
sementes da anterior e ainda algumas partes da árvore
(iliceum anisatum) , que produz essas cápsulas usadas
nas Ilhas Filipinas como um veneno para propósitos
suicidas : isto é o que eu chamo origem filosófica e
experimental da matéria médica! (Hahnemann, 1852 :
503). ‘
É claro que quem trabalha com similitudes tem necessariamente
de lidar com as assinalações (Foucault, 1966a). A diferença é que
as assinaturas que interessavam a Hahnemann eram de outra
natureza, não podiam ser botânicas porque eram subjetivas, eram
vivências, impossibilitando que estas fossem correlacionadas a
órgãos, sistemas fisiológicos ou patologias. Afirma que a ‘afinidade
botânica ‘, ou melhor, esta ‘botanização’ do sistema classificador
das enfermidades, não permite ‘inferências sobre similaridades de
ação’, já que as ‘similaridades externas’ eram superficiais e
insuficientes para conhecer possíveis efeitos medicinais. Aqui a
crítica à doutrina das assinaturas de Paracelsus aparece de modo
55
mais evidente”.

Rosenbaum (2000 : 112) acrescenta, entretanto, que segundo


Allendy (1937 : 194), Hahnemann usou no parágrafo 40 do Organon,
referências de Etmüller, principal discípulo de Paracelsus, revelando a

55
Rosenbaum, 2000: 111-112.
61

influência das grandes linhas de síntese paracelsiana sobre seu sistema


terapêutico.

Assim, o mesmo autor conclui :

“Hahnemann teve, portanto, uma dupla influência: foi modelado


pelo grande sistema médico de seu tempo, a iatroquímica, e, de
outro lado, estava profundamente impressionado pelas
proposições empíricas. Por isso, não se pode apresentar apenas
uma faceta de suas preocupações, uma vez que ela já está
comprometida com divisões. São contradições geradas por elas
que movimentam a história de suas proposições. “

O Método de Weihe – que guarda em si um capítulo esquecido,


julgado negativamente na história da Homeopatia – nos leva de volta a
Rademacher e também a raízes de conhecimentos interessantes que ainda
hoje merecem, ao menos, serem repensados. Segundo Seiler (2001), os
56
principais representantes destes conhecimentos como Burnett , Clarke e
Nebel, na virada do século XIX / XX alcançaram - não somente mas
também pela influência menosprezada de Rademacher sobre a
Homeopatia européia hahnemanniana - um alto nível terapêutico, o qual,
desde então não fora mais atingido.
O rígido veredicto de Hahnemann contra Paracelsus, tinha que
acertar Rademacher, sendo este representante do trabalho de Paracelsus
em sua essência e desviá-lo da doutrina hahnemanniana.
Na problemática mencionada por Schlegel – quanto a pouca clareza
nos escritos de Paracelsus – está a essência das dificuldades com as quais
o próprio Rademacher, e mais tarde todos os seus alunos, inclusive Weihe,
tinham que lutar em primeiro plano quando da transmissão dos seus
ensinamentos : as informações permaneciam, apesar de todos os esforços,
generalizadas demais, vagas demais, por demais limitadas à experiência

56
Também para além das fronteiras da Alemanha os sucessos de Rademacher tiveram um
grande efeito, como por exemplo, em cima de Burnett (1840 – 1901) que tinha nascido no
mesmo ano de Weihe e que tinha uma intimidade muito grande com o alemão.
62

individual do Mestre para que fossem transformadas não somente por


alunos geniais, mas também por aqueles alunos medianamente talentosos.
Faltavam a exatidão e o detalhamento das ordens de Hahnemann, as
quais garantiram a Homeopatia sua sobrevivência.
Quais eram então os ensinamentos de Rademacher? A Escola de
Rademacher classificava as doenças de acordo com sua curabilidade, isto
é, de acordo com os medicamentos que com elas se combinassem. Esse
procedimento era, também, encontrado em Paracelsus. A pesquisa do
medicamento adequado era absolutamente empírica, feita por observação
meticulosa à beira do leito do doente. E baseava-se, portanto, na
experiência de casos curados, como também em parte vemos na
Homeopatia, porém esta última construiu uma rica experimentação no
homem são, as patogenesias, pilar fundamental para o diagnóstico
medicamentoso homeopático. O próprio Rademacher entendia que
somente a sabedoria derivada de longos anos de experiência poderia
encurtar o difícil caminho da tentativa e erro na busca das substâncias
curativas. Em seu restrito quadro medicamentoso, aparecem em
concordância com a Homeopatia alguns sintomas modalizadores, como
neste exemplo citado por Seiler (2001):

“... um suspiro involuntário, o qual principalmente é efetuado por


aquele doente que está só, é descrito não como um sinal
específico, mas sim um sinal característico de adoecimento do
fígado – Chelidonium”.

Como a expressão “adoecimento do fígado” mostra, Rademacher


não fala em concordância com a Homeopatia hahnemanniana, mas,
novamente em paralelo com Paracelsus, de substâncias que fazem efeito
em cima de um determinado órgão. Estas substâncias são denominadas
substâncias orgânicas e assim diferenciadas das chamadas substâncias
universais. As áreas de efeito das substâncias universais não são
primariamente agregáveis a um determinado sistema orgânico. Mas não
existe, na prática, uma hierarquia de importância entre esses dois grupos
63

uma vez que também as substâncias orgânicas podem produzir um efeito


57
sistêmico . Também são descritas doenças mistas que requerem tanto
uma substância orgânica como uma universal, prática esta que também
remete originalmente a Paracelsus.
A fim de tornar seu sistema supervisionável, Rademacher limitou a
escolha de medicamentos a um pequeno número, de cuja eficiência e área
de atuação ele tornou seguras ao longo de sua prática. Assim, existem em
Rademacher somente três substâncias universais, a saber, Cobre, Ferrum
e Natrum nitricum.
Surya (1923), enxerga atrás desse número triangular – apesar de
Rademacher se manter em silêncio a esse respeito – uma variante do
triângulo paracélsico de Sulphur, Mercurius e Sal.
Também a quantidade das substâncias orgânicas de Rademacher
fica limitada a substâncias absolutamente necessárias e, sob o ponto de
vista homeopático, limitada a um número muito pequeno.
Outro aspecto fundamental dos ensinamentos de Rademacher é o
caráter epidêmico de suas prescrições. O artigo do Dr. Leeser, aluno de
Weihe, publicado semanalmente no jornal Allgemeine Homöopathische
Zeitung – Jornal Geral Homeopático – entre março e maio de 1888,
intitulado Die epidemische Heilmethode in ihrem Verhältnisse zur
Homöopathie – O Método de Cura Epidêmico em sua relação com a
58
Homeopatia – procurava explicar o Método de Weihe partindo de sua

57
Por efeito sistêmico entenda-se um efeito no organismo como um todo.
58
O método de Weihe era naquela época conhecido como o Método de Cura Epidêmico. Este
nome gerou a crítica publicada no Jornal Geral Homeopático do homeopata rademacheriano
Dr. Kunkel. Weihe responde em artigo de 1890 deste mesmo jornal da seguinte forma:

“O Sr. Colega Kunkel, se eu entendi bem, parece que se ofendeu que nós, ou seja,
meus amigos e eu, nomeamos as substâncias achadas através de nosso método de
epidêmicas. Eu não posso lhe tirar totalmente a razão na medida em que esta
denominação corresponde somente muito pouco à essência da coisa, porém,
podemos nos desculpar em relação a isso, pois nós não inventamos esta nomeação,
mas sim, a pegamos da literatura da escola de Rademacher aonde ela certamente
combina mais... por outro lado, a consciente nomeação tem para nós a vantagem
de nos trazer à lembrança, sempre, o parentesco de nossas experiências com
aquelas da escola de Rademacher e desta forma, nos protege de alguma maneira
da compreensão louca de que se trate, no nosso caso, de coisas totalmente novas à
parte e que estavam voando soltas no ar sem qualquer conexão com ensinamentos
há muito conhecidos e testados “ (Weihe, 1890).
64

origem em Rademacher e Hahnemann. Leeser (1888, n.10) explica que


uma categoria fundamental para entender Rademacher e, também,
Weihe,é a de Genius Epidemicus :

“Por Genius Epidemicus entendemos as temporalmente


diferentes influências atmosféricas e telúricas que influem ao
mesmo tempo sobre todos os organismos vivos. Para nós é
suficiente saber que este assim chamado Genius Epidemicus,
através de uma influência sobre o sistema nervoso, predispõe o
organismo de tal forma a que este fique receptivo aos malefícios a
ele dirigidos e que reaja a estes de determinada forma. Esses
malefícios, em parte internos e em parte externos, como por
exemplo, emoções, esforços, resfriados, machucados, miasmas,
etc, são somente o motivo para o desenvolvimento das referidas
doenças, ao que tem que se juntar à verdadeira causa da doença,
a disposição criada pelo Genius Epidemicus para o adoecimento a
fim de, então, poder desenvolver a doença. O Genius Epidemicus
altera primeiramente – de que maneira veremos mais tarde – uma
determinada parte do sistema nervoso trófico, com o que, os
órgãos alimentados pelo mesmo são então colocados em estado
de excitação. Esse estado de excitação dos órgãos referidos é o
que nós chamamos de disposição para o adoecimento “.

Para Rademacher se uma substância era capaz de tratar uma


doença que fora provocada por um Genius Epidemicus predominante, ela
também podia curar todos os casos de doença que foram causados pelo
mesmo Genius Epidemicus, não importando se esse adoecimento
apresentava-se em sua forma aguda ou não. Primeiramente ele
encontrava, empiricamente, a substância que curava uma doença
aparecida em uma determinada época. Depois ele a usava em todos os
casos que surgissem naquele período. Portanto, ele procedia em primeiro
lugar indutivamente e em seguida, dedutivamente, sendo que ele concluía
do caso real para o geral e do geral novamente para o individual.
65

Leeser (1888) descrevia o método de Rademacher como


generalizador, ao passo que a Homeopatia era individualizadora. Para ele,
enquanto a escola de Rademacher enfatizava o momento etiológico e o
usava como base para suas ações de cura, a Homeopatia tinha em vista o
efeito provocado pelo agente adoecedor sobre o indivíduo e em função
disso faz sua escolha sem levar em consideração o momento etiológico e o
caráter da doença dominante na época.
Apesar da orientação epidemiológica da Escola de Rademacher, a
observação cuidadosa de cada doente tinha papel fundamental e poderia
alterar a prescrição como pode-se ver no seguinte exemplo apresentado
por Seiler (2001):

“... em 1833 ele curou um agricultor que, após um golpe


financeiro, ficou inicialmente pensativo e depois manifestamente
demente. Ele o curou somente com a substância do fígado
Chellidonium, apesar do paciente não ter demonstrado nenhum
sintoma do órgão específico. ...(porém) na região predominava
naquela época, há algum tempo, uma quantidade tipo epidêmica
de doenças do fígado com seus transtornos acompanhantes de
ordem geral....Nux vomica até o momento tinha tido bons efeitos
em muitos casos ... e nesta situação poderia, sem dúvida, curar
um distúrbio do sistema nervoso central. Porém, de acordo com
sua experiência (Rademacher) uma demência geral totalmente
desenvolvida era mas amiúde de um adoecimento de fígado -
Chellidonium do que de um fígado - Nux vomica “.

Segundo Seiler (2001) os sucessos terapêuticos de Rademacher


impressionavam e interessavam, principalmente àqueles que estavam
preocupados com os rumos da Homeopatia clássica, mas, também,
aqueles médicos, como por exemplo, o jovem Weihe, que estavam
fascinados pelo moderno diagnóstico clínico – das ciências físicas e
naturais. Com seus bons resultados, Rademacher deixou não somente a
medicina tradicional, longe, atrás de si, mais ainda a assim chamada
Homeopatia crítico – científica, a qual procedia sob a forte influência da
66

medicina tradicional científica e que tratava cada vez mais somente com o
diagnóstico patológico–anatômico e com doses materiais.
Este era o estado da Homeopatia, na Alemanha, após a morte de
Hahnemann. Até mesmo o tio de Weihe que cresceu dentro da tradição
clássica da Homeopatia, se tornara favorável, ao menos, em parte, a essa
prática, uma vez que, em casos de artrite aguda costumava receitar
esquematicamente Bryonia e Hepar sulphur em baixas potências e
59
alternadamente . Este procedimento homeopático, que era ainda muito
rudimentar, mas de forma nenhuma inócuo, seu sobrinho criticava
severamente como sendo “alopatia camuflada “.
As melhores cabeças da geração alemã de homeopatas depois de
Hahnemann, como por exemplo, Hering já tinha há anos saído do clima
político limitador e da intolerância médica da restauração alemã para a
mais liberal dos Estados Unidos da América do Norte. Como outros, este
excelente médico homeopata trabalhava no tempo dos estudos de Weihe,
fora da Alemanha. Para completar o cenário homeopático da época deve-
se assinalar que os escritos de Hahnemann eram, então, raramente lidos
60
ou lidos com pouca exatidão, sendo que, a 6ª edição do Organon ficou
sem ser publicada até o século seguinte.
Se os homeopatas de então – final do século XIX – pudessem
61
corresponder à exigência de Hahnemann , também enfatizada por C. V.
Bönnighausen, de levar em consideração as circunstâncias acompanhantes
62
quando da escolha da substância curativa – a fim de se protegerem
contra enganos e inseguranças no diagnóstico medicamentoso – estariam
eles, segundo Leeser, e como vislumbrara, também, tempos atrás, o Sr.

59
Sem individualização do caso.
60
O Organon da arte de curar é a obra central do fundador da Homeopatia, Samuel
Hahnemann. Nele está contida praticamente toda a filosofia e doutrina deste sistema médico.
61
Detalhes sobre esse aspecto da doutrina homeopática podem ser encontrados nos
parágrafos 99 à 103 da 6ª edição do Organon .
62
Como circunstâncias acompanhantes, na investigação das doenças agudas, entende-se o
conjunto característico de seus sinais e sintomas ao longo de uma observação precisa de
vários casos durante uma epidemia em um dado tempo. Para Weihe e seus alunos esse
estudo homeopático das epidemias preconizado por Hahnemann coincidia quase que
totalmente, com o estudo do Genius Epidemicus.
67

Von Grauvogls, no caminho para a fundição da Homeopatia com os


ensinamentos de Rademacher.
Possivelmente, a hoje difundida categoria de Genius Epidemicus no
meio homeopático seja herança da influência rademacheriana sobre a
Homeopatia européia daquele tempo. Esse trecho do artigo de Leeser
(1888) parece indicá-lo:

“Que existe um Genius Epidemicus, como nos ensinou


Rademacher, é da mesma forma indiscutível como a existência da
Lei da Similitude de Hahnemann. Quem durante muito tempo
operou com substâncias epidêmicas, seja um rademacheriano ou
63
um homeopata , está permeado pela verdade do ensinamento do
Genius Epidemicus, da mesma forma como cada homeopata está
ou deveria estar convencido da verdade da Lei da Similitude. Por
isso se pode sem falta afirmar que, no fundo o Genius Epidemicus
sempre é, em primeira linha, o agente adoecedor em todas as
doenças, também naquelas assim chamadas miasmáticas e
64
contagiosas ”.

Em 1830 Rademacher atende um paciente que evidentemente


padecia de doença no fígado, porém não conseguira tratá-lo com sucesso
com nenhum dos medicamentos indicados para tal. A fim de achar um novo
ponto de apoio clínico volta a examinar o doente :

“Porém eu não achei nada a não ser no lado direito da área do


estômago uma mancha, a qual estava sob a pressão dos meus
65
dedos, mais sensível do que o resto do abdome “.

63
Vale aqui lembrar que Rademacher não era homeopata mas teve vários alunos homeopatas
como Weihe e até mesmo alguns críticos deste, como o Dr. Kunkel.
64
Chama a atenção a existência de uma única expressão Genius Epidemicus em todo o banco
de dados do programa ExLibris/RADAR. Trata-se de uma observação de C. Hering, em sua
Matéria Médica, no capítulo dedicado ao medicamento Apis melifica onde se lê: “it happened at
the time to correspond to the genius epidemicus in Berlin, but Wolf recommended it in all
intermittent fevers”.
65
Rademacher, 1843:146 apud Seiler, 2001: 16.
68

Rademacher presumia que a doença, paralelamente ao fígado


primariamente, talvez, tivesse abrangendo o estômago e deu como uma
substância efetiva para o estômago uma solução diluída de Calcarea
acidum que se mostrou também sem efeito. Teve a idéia de administrar as
substâncias do fígado e do estômago conjuntamente o que fez com que o
quadro da doença invertesse e o paciente se encontrasse no caminho de
sua recuperação.
Esperava então que os pontos dolorosos à pressão no epigástrio
direito se comprovassem como sinal objetivo da epidemia vigente,
permitindo reconhecer e tratar qualquer aparecimento posterior desta
doença. Infelizmente, os pacientes restantes dessa epidemia que
responderam igualmente bem à associação medicamentosa não
apresentavam esta dor à pressão.
Podendo, para o reconhecimento futuro dessa enfermidade indicar
somente o seu método de experimentação, Rademacher conclui resignado:

“... não há nada que eu lamente mais do que não poder dar ao
leitor nenhum único caso generalizado, o qual poderia servir para
um futuro re-reconhecimento. Com toda atenção eu não descobri
nenhum, e o relato de tais sintomas, os quais, não todos, mas em
grande número têm em comum muita febre, é para o futuro re-
66
reconhecimento inteiramente sem objetivo”.

O aluno de Rademacher, Kissel, critica severamente em seu “Manual


da Terapia Naturalista”, editado em 1853, esta imprecisão de seu mestre e
tenta compreender com mais clareza as áreas de indicações clínicas para
suas substâncias. Neste manual há descrições de casos clínicos
magistrais, que foram elaboradas já com uma precisão homeopática,
principalmente, por Löffler, colega de Kissel.

65
Seiler, 2001: 17.Rademacher (1843: 145) apud Seiler ( 2001).
66
idem
69

Este, em dois casos, achou no epigástrio direito uma dor à pressão


cujos pacientes se curaram pelo uso de duas substâncias combinadas,
sendo uma delas, Chelidonium, também presente no caso de Rademacher
relatado acima. Aqui entrou Weihe:

“...poderia ser a dor à pressão, justamente neste ponto acima do


lobo esquerdo do fígado, medicamentosamente específica para
67
Chelidonium? “.

67
Seiler (2001).
70

CAPÍTULO II – A HOMEOPATIA EPIDEMIOLÓGICA

O PENSAMENTO DE WEIHE

Antes que a pergunta de Weihe possa ser respondida, faz-se


necessária a compreensão do entendimento que Weihe fazia acerca do
significado de categorias essenciais do seu pensamento.
Dois textos foram selecionados das fontes primárias levantadas, por
serem as primeiras publicações, respectivamente do Dr. Leeser e do
próprio Dr. Weihe, nas quais se procura elucidar não exatamente o método
de cura Epidêmico, hoje conhecido apenas como Pontos de Weihe, mas
sua base conceitual. Vale dizer que em Weihe não se encontram conceitos
no sentido estrito do termo. O que temos em seus textos são
principalmente idéias. Tampouco ele as afirma com veemência e
autoridade como, por exemplo o fez Hahnemann. Confiança em seu
caminho e humildade ao indicar o grau de confirmação que teve das
mesmas, é o que nos transmitem as idéias de Weihe.
A forma como aqui serão apresentadas não é a mesma que se
encontra nos textos, onde as idéias aparecem entremeadas de longos
casos clínicos, nos quais, propositalmente, Weihe só divulgou a medicação,
e não seu método de medicar, pois, estava interessado em colocar em
68
julgamento para os leitores as explicações complementares, as teorias .
A seguir apresenta-se uma súmula dos pontos principais do
pensamento de Weihe, no estilo hahnemanniano, sob a forma de
parágrafos, no intuito de expor os núcleos conceituais básicos desse
69
pensamento .

68
É assim que Weihe chama suas idéias neste artigo (Weihe, 1886).
69
Nos parágrafos a seguir, as letras inclinadas estarão indicando termos e/ou expressões tal
qual aparecem nas traduções dos textos originais.
71

1 – Weihe entendia a lei das Similitudes como uma lei natural de


cura e, portanto, deveria se achar, sempre, na natureza medicamentos para
70
todas as doenças ( Leeser, 1885).

2 – Entendia que na base de todo adoecimento estava o Genius


Epidemicus, mesmo nas doenças ditas miasmáticas e contagiosas. E que o
71
mesmo podia se modificar sob influências cósmicas e telúricas
(Lesser,1885 ; Leeser, 1888).

3 – Reconhece que o melhor caminho para a identificação do


Simillimum é o da associação do conhecimento das substâncias
homeopáticas, com o método Epidêmico (Leeser, 1885).

4 – O método Epidêmico é capaz de identificar, pelas mudanças dos


pontos dolorosos, seja no doente, seja no indivíduo são, a mudança do
Genius Epidemicus (Leeser, 1885).

5 – Segundo a escola de Weihe, os pontos de dor, expressão do


Genius Epidemicus, corresponderiam aos gânglios isolados dos simpáticos
ou a partes dos mesmos, os quais são afetados diretamente pelos genius
epidemicus, cuja alteração levaria à sensibilização dos órgãos que são

70
Em uma passagem de seu artigo de 1892, Weihe advoga o uso do medicamento puro, i. e. ,
sem misturas :

“Porém, essas experiências nos ensinam também, que nós não precisamos, como
alquimistas que procuram desesperadamente o ouro, misturar nossas mais valiosas
medicações em composições químicas, mas sim, que sem esforço podemos
conseguí-las em infindável quantidade do campo, das florestas, e dos gramados.
Deus, diz Jesus Siracb (?), deixa o medicamento crescer da terra e a pessoa
inteligente não o desrespeita”.
71
A esse respeito Weihe diz em outro artigo de 1890 :

“Se quase todos os acontecimentos no planeta Terra podem, mais ou menos,


diretamente, serem relacionados com as influências do planeta Sol, então, a
suposição, não está tão distante, de que o caráter das constituições das doenças
epidêmicas parecido com o sentido de Rademacher podem ser influenciadas pelos
processos no sol, assim como o são as modificações climáticas, isso por enquanto,
claro que é uma hipótese que pode, no decorrer do tempo, facilmente ser
pesquisada em relação a sua veracidade”.
72

alimentados por esses gânglios com nervos simpáticos respectivamente


tróficos (Leeser, 1885).

6 – Weihe chama as substâncias curativas dos genius epidemicus de


substâncias do tempo. O reconhecimento dessas substâncias depende da
compreensão de que cada genius epidemicus se apresenta de forma
peculiar em um determinado tempo e local (Weihe, 1886).

7 – Por que tratar doenças crônicas com substâncias epidêmicas?


Para respondê-lo primeiro deve-se ter em mente o que é saúde para Weihe
(Weihe, 1886).

8 – Saúde é equivalente à força, mas força no sentido de movimento.


Movimento dos processos do organismo, ou seja, atividade do metabolismo
72
. Aquilo que aumenta o metabolismo dentro de determinados limites,
aumenta as forças que potencializam a vida e melhoram a saúde. Tudo que
toca os sentidos e mente de maneira agradável, também deixa o pulso
bater com mais vida e deixa circular o sangue mais rápido. O inverso
73
também é verdadeiro ( Weihe, 1886).

72
Nesse trecho do artigo de 1886 Weihe cita o Dr. Jäger : “Vida é movimento e quietude é
morte”, porém, não cita a fonte. Dá a entender que se trata de frase constantemente
empregada por esse professor, com quem trocava viva correspondência e a quem muito
admirava pelo trabalho pioneiro na área da terapêutica e da pesquisa que, entre outras coisas,
desenvolveu a chamada prova do vinho, que tinha como objetivo demonstrar a ação dos
medicamentos dinamizados. Sem defini-lo muito bem, Weihe enquadra o Prof. Dr. Jäger entre
aqueles que aderem aos princípios naturalistas, mas, sem confundi-lo com essa escola.
73
Assim;

“Uma notícia agradável e alegre aumenta a sensação de calor, aviva nosso espírito,
deixa que nossas bochechas fiquem com uma cor saudável vermelha, aumenta o
brilho dos nossos olhos. Por isso também se diz que a alegria nos torna mais bonitos
e, tudo que se faz com vontade e amor nos é muito mais fácil do que coisas que a
gente faz com maior ou menor má vontade. Quando nossas crianças brincam por
horas no inverno e no gelo, você não nota nada de cansaço nelas quando voltam
para casa. A atividade muscular considerável que elas desenvolveram nesse
período é reconhecida facilmente no grande apetite que elas agora apresentam. O
que aviva e estimula o metabolismo é ar fresco e limpo, principalmente aquele do
mar, das montanhas, das florestas, dos gramados e o aroma das flores e isso
quando você se movimenta minimamente. Por isso que os camponeses, os
caçadores, os jardineiros e os militares em geral, têm uma saúde melhor e uma
aparência mais fresca, mais saudável, têm um corpo mais forte do que a maioria das
outras profissões. Por outro lado, também é verdadeiro que exatamente o efeito
contrário, ou seja, uma diminuição do metabolismo acontece através de tudo que
73

9 – Por que não deveria ser a primeira tarefa de qualquer terapia


avivar, incentivar e estimular o metabolismo e os processos vegetativos do
organismo? Os hidropatas e naturistas têm esse objetivo (Weihe, 1886).

10 – O tratamento pode ser considerado como um trabalho da


natureza que estimula eliminações críticas que ocorrem, a partir, também,
do uso das substâncias homeopáticas e são acompanhadas pelo aumento
do metabolismo (Weihe, 1886).

11 – A doença crônica se transforma através do tratamento numa


febre aguda, pois a natureza é estimulada pelo tratamento e então ela
74
consegue combater a doença e ultrapassa-la (Scheve,1863: 111 apud
Weihe, 1886).

75
12 – O medicamento homeopático é por si só prazeroso quando
comparado com os alopáticos e mais prazeroso se torna à medida que leva
em consideração suas afinidades específicas com o organismo doente.

13 – A primeira ação percebida das substâncias temporais, em um


determinado local, em pacientes portadores de doenças crônicas é a
melhora da sensação geral do organismo, melhora da disposição, do
apetite etc (Weihe, 1886).

tem um efeito maléfico aos nossos sentidos e a nossa mente. Aí podemos incluir
preocupações, tristezas, melancolia, uma atividade corporal muito limitada em
lugares fechados, com cheiros de todo tipo. Compare-se a aparência de um
proletário fabril com aquela de uma população abastada (Weihe 1886) ”.
74
Weihe faz longa transcrição do livro “Fotos de Viagem Frenológicas ” do Dr. Gustav Scheve
de 1863, no qual ele descreve sua experiência pessoal como paciente do método de cura
naturalista. A intenção de Weihe era mostrar como os médicos naturalistas também dão grande
valor às eliminações críticas e que as mesmas se dão dentro de um metabolismo aumentado.
Aproveita também para dizer que a Homeopatia cura as doenças de forma mais agradável e
barata do que as curas feitas nos sanatórios e clínicas naturalistas. Também afirma que a
Homeopatia, ao menos aquela que se apoderou dos conhecimentos de Rademacher, se
baseia em leis naturais determinadas e pode, por isso, intitular-se uma terapia naturalista.
75
N.T. O adjetivo usado em alemão é luststoffe. O sentido aqui parece ser medicamento de
natureza agradável.
74

14 – Mas o que poderia ter como base dessa melhora, do bem estar
geral, do que um aumento do metabolismo? ( Weihe, 1886)

15 – Quando a medicação é adequada há diminuição dos depósitos


de gordura, o que é reflexo de um metabolismo aumentado ( Weihe, 1886).

16 – O aumento do metabolismo na função cardíaca torna o pulso


mais rápido, mais cheio e mais forte (Weihe, 1886).

17 – Weihe se mostra a favor de tratar profilaticamente os saudáveis,


ou melhor, aqueles que não são nominalmente doentes, mas carregam
suas doenças latentes. Disse que o fazia anualmente e acompanhava os
pacientes medindo-lhes a pulsação. Este tratamento, segundo o método
epidêmico de medicar, levava a uma melhora lenta e constante ( Weihe,
1886).

18 – Naqueles nominalmente doentes ou não, a medição da


pulsação servia de parâmetro para troca da medicação. Quando esta caía
aquele medicamento não mais estava agindo (Weihe, 1886).

19 – Weihe reconhece que apesar da ação da substância


medicamentosa na aceleração da circulação tenha sido por ele claramente
observada, suas pesquisas não foram efetuadas com o grau de exatidão
necessário (Weihe, 1886).

20 – Weihe afirma que, por suas observações, estava estritamente


relacionada à aceleração da circulação sangüínea, após a tomada do
medicamento específico, com as eliminações críticas, mesmo que não
estejam totalmente claros os detalhes do processo (Weihe, 1886).

21 – Pareceu-lhe claro que, nos estados de excitação patológicos,


cujas manifestações fossem dor ou distúrbio funcional de um ou mais
órgãos, como tal, não poderiam ser tiradas do organismo, mas sim,
75

necessitariam de um tipo de modificação, nomeada de materialização pelos


espíritas (Weihe, 1886).

22 – Na forma material uma dor existente pode ser eliminada


diretamente do organismo. Essa formação de matéria se dá mais
facilmente através daqueles órgãos que estão em estreito relacionamento
com o mundo exterior e cujas funções fisiológicas, também em condições
normais, são direcionadas para a formação de matéria e eliminação do
produto para o meio externo. Esses órgãos são a pele, as mucosas e os
rins, cabendo também aos nervos, os quais direcionam e ordenam essa
atividade de eliminação dos órgãos, uma energia específica (Weihe, 1886).

23 – O processo de cura poderia ser procurado em um desvio do


estado patológico cujo estímulo – deste desvio – seria da responsabilidade
dos nervos que comandam o processo de produção de matéria – muco,
transpiração, catarros, etc – de um determinado órgão de eliminação
(Weihe,1886).

24 – É provável que esse desvio do estímulo patológico para os


nervos que comandam as eliminações seja uma tendência e uma
capacidade que todo organismo possui naturalmente, em indivíduos fortes
ou com doenças brandas (Weihe, 1886).

25 – É provável também que uma tal tendência natural para tais


movimentos reflexivos seja favorecida por um aumento generalizado e
potencializado da energia de vida, aquele processo vegetativo que está em
contato com o metabolismo (Weihe, 1886).

26 - É possível que da mesma maneira que a febre das doenças


agudas é vista como uma manifestação da cura natural, seja necessária a
estimulação artificial de uma febre mediana para promover um desvio
natural dos estímulos patológicos, também em doenças crônicas e em
doenças sem febre (Weihe, 1886).
76

27 – Weihe estava convencido de que o poder de estimular tal febre


fisiológica, as medicações homeopáticas altamente diluídas, usadas
levando-se em consideração as relações temporais, locais e específicas,
têm. (Weihe, 1886).

28 – Weihe chama de febre fisiológica aquela provocada pelos


medicamentos homeopáticos, pois é igualável com a assim chamada febre
digestiva, e à atividade corporal que promove um batimento cardíaco
aumentado (Weihe, 1886).

29 – Uma febre fisiológica pode ser entendida como expressão de


um trabalho orgânico maior, necessário à eliminação de uma doença que
tenha sido herdada por uma série de gerações, e, portanto, necessita de
atividade orgânica enérgica e constante(Weihe,1886).

30 – As crises durante o processo de cura podem aparecer muito


agudamente, com energia e veemência, e ultrapassar as barreiras do
fisiológico, tomando por si um caráter de patologia mais ou menos aguda
(Weihe, 1886).

31 – É provável que o estímulo que serve de base para o desvio do


estado patológico crônico, suprimido com intensidade do órgão doente, não
possa ser assimilado fisiologicamente e imediatamente pelos órgãos de
eliminação; então, se apoiaria em outros órgãos saudáveis e os acertaria
com a força de um veneno, e os colocaria em um estado agudo de
inflamação, acompanhado de febre mais ou menos intensa, passando por
seus estágios naturais, junto com o trabalho de eliminação da pele, das
mucosas e rins, e assim, aos poucos, esse estímulo patológico crônico
seria dominado ( Weihe, 1886).

32 – Weihe concorda, com a escola de tendência naturalista do Dr.


Jäger, que a cura das doenças crônicas depende da retomada do caminho
inverso das doenças agudas que a sucederam. Mesmo que estas nunca
tenham sido apresentadas pelo paciente em questão, e sim, por seus
77

antecedentes familiares. Assim as doenças crônicas seriam formadas por


resíduos de sucessões de doenças agudas mal curadas (Weihe, 1886).

33 – Conclui que a verdadeira arte de curar está de acordo, em seu


jeito e seu caráter, com a cura naturalista. Apoiar o sistema de cura natural
do organismo talvez seja a única coisa que se poderia fazer. Esse objetivo
era, segundo Weihe, compartilhado por hidropatas, médicos naturalistas,
vegetarianos e os seguidores de Mesmer e Jäger. Dizia : “Felizmente não
estamos sozinhos” (Weihe, 1886).

34 – Para Weihe se conseguissem unificar estas diversas direções


terapêuticas naturalistas, se conseguissem criar um órgão literário conjunto,
acreditava que logo poderiam, pela união, apresentar um poder com o qual
adversários e governantes teriam que se deparar.

Pode-se tomar essas idéias como a base do pensamento de Weihe


e que o conduziram para a pesquisa dos pontos dolorosos.

O CAMINHO DE WEIHE

Depois de ter se familiarizado com os conhecimentos de


Hahnemann, por volta de 1860, Weihe começou, ainda durante o seu
tempo de estudos, a ler as exposições no Jornal Geral Homeopático de
médicos homeopatas como o Dr. E. Fischer de Weingarten e Bruckner, os
quais chamaram, primeiramente, sua atenção para Rademacher. O contato
com o Professor de Stuttgart e médico da corte Dr. G. V. Rapp deu-lhe o
76
conhecimento das estranhas e peculiares visões do Dr. Latz , assim

76
A respeito das idéias do Dr. Latz, Leeser (1888a) escreve :

“O Dr. Grauvogls conta em seu livro sobre homeopatia, no parágrafo 193 e


seguintes, uma história muito instrutiva sobre o efeito do Aconitum numa epidemia
de sarampo. Após ele ter visto durante a epidemia efeitos excepcionais desta
substância ele ficou sem saber o que fazer nas pós-doenças, ou seja, em doenças
que seguem essa doença principal e que, em casos mal cuidados ou descuidados,
78

como, através de uma viva troca de correspondência, com o primeiro – a


respeito das substâncias epidêmicas que um e outro estavam usando –
ampliou, juntamente com suas próprias observações, de forma
significativa, seus conhecimentos, levando-o à trilhar seu próprio
77
caminho .
Os homeopatas acima citados buscavam meios de harmonizar os
conhecimentos de Hahnemann e Rademacher. O caminho possível era
tentar equiparar a combinação terapêutica empírica de uma substância
orgânica e uma universal, da escola de Rademacher, pois isto não se
combinava com a Homeopatia clássica, com o efeito de uma substância
homeopática única.
Os primeiros passos na direção de tornar o método de Rademacher
complementar ao de Hahnemann, como visto, aconteceram antes mesmo
de estar desperto em Weihe esse interesse. Esses homeopatas percebiam
em Rademacher a capacidade de desenvolver curas artísticas, as quais só
aconteceriam, segundo entendiam, de acordo com a lei similia similibus
curantur. Para eles o ensinamento incompleto de Rademacher mostrava
numa pequena medida um relacionamento com a Homeopatia de
Hahnemann, pois acentuava o momento etiológico , ou seja, enfatizava
somente o que todos os casos que apareciam ao mesmo tempo tinham em

apareceram de forma grave em muitos pacientes e foi somente com a descoberta do


Dr. Latz, de que ‘em épocas diversas, diversas formas de adoecimento não são
curadas somente através de Cobre, Ferro e Salitre e também não somente através
de substâncias orgânicas, mas sim, freqüentemente, somente por substâncias
curativas que corresponderam no geral a uma forma de doença que apareceu
epidemicamente ‘, que ele saiu deste apuro “.

Ou seja, o Dr. Grauvogls deu para estes casos também o Aconitum com uma recuperação total
dos quadros das diferentes pós-doenças em poucos dias.
Portanto Aconitum se comportou aqui não somente como uma substância curativa no
sentido de Rademacher, mas também como um Simillimum no sentido hahnemanniano, pois,
de acordo com a lei das Similitudes, de todas as substâncias levadas em consideração, foi a
que melhor serviu.
77
Sobre essas correspondências Weihe (1890) conta :

“Durante a minha correspondência que durou vários anos com o falecido Prof. Rapp
aconteceu 6 vezes de nós ao mesmo tempo, durante um período de 4 a 6 meses,
podermos aproveitar as mesmas substâncias como epidêmicas... Destas
substâncias o Prof. Rapp achou 3 delas ... totalmente por si só... ele chegou à essas
substâncias à maneira dele e eu à minha maneira. As outras três eu as achei
primeiro e depois comuniquei ao Rapp e este pôde confirmar que estas substâncias
também na sua área – Rottweil – foram aproveitadas como realmente epidêmicas “.
79

comum. Entendiam que o homeopata reconhecia, imediatamente, pelo


complexo de sintomas a substância curativa correspondente, enquanto o
rademacheriano achava substância curativa parecida – pois para ser
curativa tinha que ser ao mesmo tempo simile – de forma indireta e
somente empiricamente. Portanto ambos tinham em mente o mesmo
78
objetivo .
Em 1868, já em seu próprio consultório, Weihe dá início a suas
primeiras experimentações no sentido de integrar os ensinamentos de
Rademacher e Hahnemann. Com a sorte de iniciante, ele teve, então, já no
mesmo ano, uma experiência muito bem sucedida, que lhe mostrou o
caminho através do uso da teoria do Genius Epidemicus. O próprio Weihe
conta com entusiasmo essa experiência:

“O Chelidonium também foi a melhor substância a qual eu


conscientemente usei como uma substância epidêmica e isto no
ano de 1868. Que bonitos e satisfatórios, foram naquela época, os
resultados conseguidos em comparação àqueles que alcancei
antes com o uso de Aconitum, Bryonia e Antimonium tartaricum.
Ainda muito tempo depois, eu não podia passar em nenhum
arbusto de Chelidonium sem que eu lhe dedicasse um olhar gentil
e agradecido. Eu era naquela época ainda jovem e extremamente
suscetível para todas as coisas boas e bonitas. Na juventude a
gente se chateia muito mais intensamente sobre qualquer
insucesso do que em anos posteriores, mas por outro lado,
também, nos alegramos muito mais por qualquer sucesso por
menor que seja ( Weihe, 1892)“.

79
Em 1869 foram duas epidemias , uma de Apis e outra de Kali
carbonicum e em 1870 usou-se como substância curativa Ferrum com
Quassia e mais tarde Belladonna. Nessas epidemias ele achou as
substâncias epidêmicas, em parte de acordo com o método empírico de

78
Leeser (1888b).
80

Rademacher e em parte através de seus conhecimentos de substâncias


homeopáticas. O Chelidonium, por exemplo, gozava de prestígio maior na
escola rademacheriana – na verdade, desde Paracelsus – do que na
Homeopatia, onde apesar de conhecida era pouco usada se comparada ao
medicamento Nux vomica, este muito indicado em muitos males, inclusive,
os hepáticos. Foi, portanto, diante deste primeiro caso Chelidonium que
Weihe pode refletir sobre os pontos dolorosos à pressão, inicialmente
achados em Rademacher e em Kissel.
Segundo Seiler (2001) Weihe se colocou algumas questões, tais
como: se a dor naquela região topográfica determinada poderia ser
medicamentosamente específica para Chelidonium? Se poderia comprovar
esse ponto de pressão, independente da situação epidêmica em todas as
enfermidades Chellidonium, fossem estas diagnosticadas pelo método
empírico de Rademacher ou pelo homeopático de Hahnemann? E se seria
possível, também para outras substâncias orgânicas, determinar tais
pontos?
Os exames posteriores comprovaram o pensamento de Weihe. De
fato, uma pequena zona em forma de pontos na borda inferior da
cartilagem costelar direita, na altura do epigástrio, estava regularmente
dolorida à pressão em seus pacientes Chellidonium.
Porém, ainda se tratava de uma idéia em construção. Por influência
de Kissel, discípulo de Rademacher, Weihe relacionava os pontos
dolorosos exclusivamente às substâncias orgânicas, assim como os
sintomas subjetivos. Às substâncias universais relacionava sintomas
objetivos.

No início do ano de 1872 houve uma epidemia, na qual lhe foi muito
útil Natrum nitricum com Nicotiana. Ao mesmo tempo ele próprio adoeceu e
teve sintomas que lhe pareceram, sob o ponto de vista homeopático, uma
indicação para Sepia e que realmente lhe serviu de maneira exemplar. Mais
tarde, durante a mesma epidemia, ajudou-o rapidamente e muito bem
contra uma tosse seca, que piorava após ele se deitar, uma dose de

79
Nas fontes primárias levantadas, as epidemias citadas não foram identificadas
nominalmente, mas apenas pelos medicamentos com os quais foram tratadas.
81

Natrum nitricum com Nicotiana. Partindo da idéia de que essas duas


potências curativas diversas – Sepia e Natrum nitricum com Nicotiana – no
seu efeito terapêutico eram de igual valor no decorrer da mencionada
epidemia, as usou alternadamente e sempre com o mesmo bom efeito.
Com essa experiência, Weihe comprovou empiricamente, pela primeira
vez, uma assim chamada igualdade terapêutica.
O Dr. Leeser (1891), considerava, por esse motivo, o ano de 1872,
como o ano de fundação do método de Weihe, apesar de que naquela
época ele não tinha ainda dado aos pontos dolorosos o valor significativo
que mais tarde teriam em seu sistema. Admitia Leeser, que acontecera a
Weihe, o mesmo que acontecia com muitos pesquisadores, de achar algo
totalmente diferente e mais importante do que procuravam inicialmente.
Weihe se dedicou, após essa data, à ampliação dessas assim
chamadas equivalências medicamentosas chegando a seguinte relação: a
uma substância orgânica equivaleria a combinação de uma substância
80
orgânica com uma inorgânica . O processo bastante trabalhoso de
descobrir as ditas equivalências levou alguns anos e envolveu várias
experiências clínicas e epidêmicas, antes mesmo de chegar a considerar
os pontos dolorosos como centrais e de grande relevância em seu método.
Foi só no verão de 1875 que Weihe descobriu, durante exame em
um paciente no qual buscava quaisquer pontos de apoio apalpando sua
barriga, dois pontos de dor de igual intensidade, na região do estômago e
81
acima do umbigo, o que nunca, até aquela data, havia acontecido .
Naquela ocasião lhe ocorreu se não haveria um ponto para uma
substância orgânica e outro para uma substância universal – inorgânica.
Foi, então, a partir dessa data que Weihe começou a examinar
rotineiramente qualquer paciente em relação a pontos de dor.
Weihe conseguiu achar, tanto em doentes como nos não
nominalmente doentes, pontos de dor principais, os quais em quase todas

80
Para ampliá-las o caminho adotado foi, inicialmente, ampliar o número de substâncias
consideradas universais. Weihe adotou temporariamente os sete arcanos do Dr. Latz por
indicação de Rapp. Não satisfeito, evoluiu para o uso da seguinte equivalência: uma substância
orgânica equivaleria a uma outra substância orgânica com uma inorgânica.
81
Até aquele momento os pontos eram classificados quanto a sua intensidade em principais e
secundários.
82

as pessoas, apareciam, numa determinada época, na mesma região


topográfica e também desapareciam da mesma forma. Descobriu também
que a mudança dos dois pontos de dor coincidia com a mudança do Genius
Epidemicus, o que o autorizou a concluir que a mudança desses dois
pontos principais de dor, em quase todas as pessoas, era uma
manifestação do mesmo Genius Epidemicus no organismo humano.
Leeser (1888g) conta a construção destas relações :

“Weihe foi capaz de perceber a qualidade do Genius Epidemicus


somente pelos pontos de dor, ele foi capaz de reconhecê-los, ou
seja, de construí-los. Esta relação constante de cada um dos
pontos de dor para determinadas substâncias curativas, ele só
pôde achar em um caminho totalmente empírico. Se ele tivesse
achado em uma determinada época, em todos pacientes, dois
pontos de dor que estavam em harmonia e cuja relação com a
substância única ainda não lhe era conhecida, ele procurava,
primeiramente, no caminho empírico a substância epidêmica.
Quando ele a tinha achado, ele a dava a diversos pacientes nos
quais ele havia descoberto esses dois pontos de dor harmoniosos.
Se ele visse, então, que em todos os pacientes com os mesmos
pontos de dor a substância epidêmica tinha alcançado o mesmo
bom efeito, sendo que não havia mais efeito nenhum quando
esses pontos de dor se modificavam, isto era para ele, então, a
comprovação de que a substância epidêmica tinha relações
constantes com aqueles dois pontos. Se esta constelação de
pontos de dor voltava, ele procurava descobrir através de quais
combinações de um universal com uma substância orgânica, a
substância epidêmica poderia ser substituída; Ele tentava em parte
novamente, só empiricamente, em parte com a ajuda dos
ensinamentos medicamentosos, ou seja, dos sintomas – por tanto
tempo – até que ele tivesse percebido, através da combinação de
duas substâncias o mesmo sucesso terapêutico que lhe era
conhecido pelas substâncias epidêmicas... Quando, então, a
epidemia findava e aparecia uma modificação relacionada somente
83

a um dos pontos de dor enquanto o outro permanecia constante,


era, no caminho da experimentação, muito fácil constatar se havia
se modificado o universal ou a substância orgânica “.

Por exemplo, quando numa epidemia de Bryonia, que correspondia


também a Acidum phosphoricum com Ranunculus, o genius epidemicus se
modificava, modificando um dos dois pontos de dor principais, de maneira
que, o novo genius epidemicus, com a nova constelação de pontos de dor,
necessitava de Veratrum ou da combinação de Acidum phosphoricum com
Ignatia, Weihe podia deduzir o ponto de dor de Acidum phosphoricum,
enquanto que o ponto de dor desaparecido, igualmente por dedução, tinha
uma relação constante com Ranunculus. Ao mesmo tempo era observável
o novo ponto relacionado, então, a Ignatia. Assim, ele pôde, passo a passo,
substituir um número cada vez maior de pontos desconhecidos por
conhecidos e também descobrir cada vez mais, novas combinações.
Leeser, na qualidade de aluno direto e de quem teve participação
ativa na divulgação do método, não se cansava de ressaltar o talento e
genialidade de seu mestre como demonstra esses dois trechos de seus
82
artigos de 1888 e 1892 respectivamente :

“... pode se ter aproximadamente uma idéia do esforço, da


perspicácia, do talento de observação e de combinação que foram
necessários por parte do descobridor para construir, com pedras
soltas, um sistema tão harmonioso, sem se falar dos grandes
esforços e das grandes dificuldades dos inúmeros experimentos
terapêuticos. Weihe realizou aqui um trabalho pioneiro no sentido
mais verdadeiro da palavra, pelo qual, a Homeopatia lhe deverá
ser eternamente grata“.

“Agora então os senhores podem pensar por si sós como,


passo a passo, o sistema de Weihe foi criado. Mesmo que o
próprio Weihe tenha insistido em dizer que um trabalho de

82
Leeser (1888g).
84

raciocínio propriamente dito foi feito muito pouco, eu penso que


os senhores podem, tendo em mãos tudo isso que foi dito,
estarem convencidos do contrário. Ou esta afirmação
corresponde totalmente ao seu jeito de ser extremamente
humilde ou então ele, como os gênios, e isso me faz lembrar um
dizer de Helmholtz – ‘ Não teve nem consciência do colossal
trabalho mental que ele desprendeu ‘ - considerando as sagazes
combinações como algo totalmente normal e achava que
qualquer outra pessoa poderia achar tudo isto tão bem quanto
ele“.

Para que se possa completar a visão geral do legado do Dr. Weihe


deve-se dizer que no que se refere às substâncias, ele procurou limitá-las a
83
um número supervisionável . Assim as substâncias chamadas universais,
todas inorgânicas, eram em número de 24 e as orgânicas em número de
84
120 . A cada universal ele relacionou teoricamente quatro substâncias
orgânicas, de acordo com o procedimento de Rademacher. Weihe tinha,
então, à sua disposição – através das 24 universais e, pressupondo que as
120 substâncias orgânicas seriam totalmente descobertas e relacionadas
85
aos pontos de dor – 2880 combinações medicamentosas que se
poderiam alcançar através de um tesouro medicamentoso de 144
substâncias. Concluindo, resta apenas mencionar que, pelos pontos de dor
não se achava nunca diretamente a substância epidêmica – substância
única – mas somente, indiretamente, através das similaridades

83
Durante suas correspondências com Rapp, este, em resposta a Weihe que reclamara da
dificuldade de se conhecer a substância epidêmica, motivou, primeiramente nele, a
necessidade de se diminuir o tesouro terapêutico homeopático, que estava crescendo
sobremaneira.
84
O conceito antigo de Rademacher de universale e de substância orgânica lentamente foi
perdido, e por outro lado ampliado, assim como a relação e o agrupamento original e muito
apreciado de Weihe dos medicamentos, no sentido de Rademacher como substâncias do
cérebro, da medula, do coração, dos rins, do fígado e do baço, etc, perderam mais e mais o
seu significado e a sua autorização (Lesser,1892).
85
A explicação, dada por Leeser para o estado ainda em construção do sistema baseava-se no
fato de que as epidemias em que aquelas substâncias se mostraram com efeito, não haviam
ainda em 1892 reaparecido, condição esta necessária para a correta identificação das
substâncias em relação aos pontos dolorosos.
85

terapêuticas. Destas igualdades existiam até 1888 aproximadamente 60, e


em 1892 elas alcançavam a casa das 90 combinações, na sua maioria
86
descobertas por Weihe . Embora o sistema de cura do Dr. Weihe não
estivesse totalmente acabado, os resultados positivos que o
fundamentavam, o descobrimento dos pontos de dor e as combinações de
substâncias eram quase que exclusivamente uma propriedade mental de
Weihe.
Segundo Leeser (1892), seus alunos só se propuseram a examinar
suas experiências e comprová-las e, em alguns casos, ampliá-las e
complementá-las. No início, foi muito difícil para Weihe ganhar seguidores
para o seu método. Faltava um elo de ligação com a Homeopatia de
Hahnemann. Em 1880 dirigiu a diversos colegas extensas correspondência
a esse respeito, recebendo de uma parte uma recusa mais ou menos clara
e de alguns ele não recebeu resposta nenhuma.

OS ALUNOS DE WEIHE

Foi justamente o pai do Dr. Leeser, o primeiro pessoalmente


interessado por seu método, como um velho rademacheriano e homeopata,
que reconhecera “a extensão daquelas idéias reformadoras e o grande
significado prático de seu método e que até o ano de sua morte em 1885,
usou com grande sucesso, quase que exclusivamente, em sua prática “.
Leeser, então, tomou conhecimento do método inicialmente por seu
pai e depois por correspondência com o próprio Weihe e procurava usá-lo
quando encontrava-se em Leipzig. Mas, somente quando praticava perto
de Herford, em Lübecke, em 1882, teve a possibilidade de ter diversos
encontros com Weihe e ser introduzido por ele pessoalmente no método e
nominalmente no descobrimento prático dos pontos de dor. Ao mesmo
tempo, Weihe entrou em contato com o Dr. Roerig em Paderbom, que,

86
Duas delas provinham de Rapp.
86

conseqüentemente, também tomou para si seu método de tratamento,


fundamentando sua prática nele.
Leeser proferiu algumas conferências divulgando o método de cura
de Weihe, assim chamado Epidêmico ou de Cura Específica Indireta, como
o próprio Weihe o nomeava. Em 1883, ele esteve na reunião da Associação
Central em Leipzig apresentando um caso de carcinoma epitelial no olho
curado de acordo com o método e também em 1885 na reunião de
Hamburgo. Weihe também fez algumas comunicações eventuais, de forma
que crescia lentamente o interesse em círculos cada vez maiores. Porém
não houve mais ninguém que se ocupasse com persistência e de forma
conseqüente do método. Mesmo que tantos fizessem uma tentativa inicial,
nas primeiras dificuldades que tinham para descobrirem os pontos de dor,
eles desistiam de se ocupar mais tempo. Como o método de Weihe foi visto
pela maioria dos homeopatas como um tratamento de cura especial e que
não tivesse nenhum tocante à Homeopatia de Hahnemann ou, no máximo
uma leve relação com a mesma, pareceu a Leeser necessário comprovar
que a mesma relação era estreita. Tomou, então, para si a tarefa e publicou
em 1888, na edição 116 do Jornal Geral Homeopático, um relatório
intitulado ‘O Método de Cura Epidêmico em sua Relação com a
Homeopatia ‘ – apresentado ao longo de nove semanas consecutivas, ou
seja, de 1º de março a 3 de maio – no qual tentou comprovar que as
substâncias de cura epidêmicas achadas através dos pontos de dor, de
fato, não são nada mais do que o Similimum escolhido de acordo com a lei
dos Semelhantes. O trecho a seguir é algo longo, mas se refere de forma
bastante pertinente ao objetivo central do dito relatório:

“... o método Epidêmico de Weihe não é de jeito nenhum como o


de Rademacher, um método generalizador, como possa parecer
de acordo com o nome, mas, ele também individualiza muito, como
o método de Hahnemann. Enquanto a Escola de Rademacher trata
com uma substância curativa que se mostrou, com efeito, um ou
vários doentes ao mesmo tempo e os procura curar, ou seja, é um
método puramente generalizador, o método de Weihe só dá a
mesma substância àqueles doentes os quais apresentam os
87

mesmos pontos de dor, assim, como de acordo com a lei dos


Semelhantes, iriam receber a mesma substância como Similimum,
porque eles apresentam os mesmos sintomas em comum, ou seja,
porque todos os seus sintomas, mesmo sendo divergentes entre si,
iriam corresponder a uma única substância homeopática. Se na
mesma época, em diversos doentes, aparecem inflamações da
garganta, reumatismo das articulações, dores de cabeça, diarréia
com vômito, pneumonia, ciática, etc, e nós achamos nestes
doentes os pontos de dor que indicam Veratrum, assim nós
também iremos reconhecer que em todos estes casos a indicação
exata homeopática também é o Veratrum, já que eles apresentam,
em maior ou menor grau, as particularidades características para
Veratrum – como: frio nas extremidades, grande fraqueza, queda
repentina de energia, desmaios quando do menor movimento,
aparecimento ou mesmo, uma piora das queixas por volta das 4 ou
5 horas da manhã, uma sede muito grande por bebidas frias, talvez
também transpiração fria, suadouro frio, principalmente na testa,
etc – mas enquanto um doente tem os sintomas da garganta, o
segundo tem nas extremidades e no tórax, o terceiro tem os
sintomas na cabeça, o quarto os sintomas gástricos, o quinto os
sintomas do peito, estão todos relacionados à dita substância num
grau bastante considerável. Porém, quem apresenta outros pontos
de dor diferentes da maioria dos doentes – o que acontece, não
raramente, em doentes crônicos– recebe uma outra substância
parecida que corresponda a esses seus pontos de dor e desta
forma, também, aos seus sintomas. A expressão substância
epidêmica só é para ser compreendida como um conceito
majoritário, quando se denomina como epidêmica aquela
substância que corresponde aos casos de doenças mais
freqüentes em uma determinada época. São justamente os pontos
de dor que decidem se um paciente está sob a influência de um
Genius Epidemicus que predomina temporariamente –
‘predominar’ é também um conceito majoritário – ou se ele está
88

fora da mesma, se ele talvez ainda esteja sob influência de um


Genius Epidemicus existente anteriormente (Leeser, 1888h)”.

Outro ponto importante para a aceitação dos homeopatas do método


de Weihe dizia respeito às mudanças freqüentes das medicações no
método epidêmico. Leeser considerou-a uma questão muito mais ligada à
prática do que à teoria. Em alguns casos, também no método epidêmico,
não acontecia mudança de medicação, o que valia muito mais para as
doenças crônicas do que para as agudas. Era aconselhável em cada caso
dar a medicação durante tanto tempo quanto o seu efeito fosse visível,
independente do Genius Epidemicus estar ou não ainda predominando. Se
em um determinado doente os pontos de dor anteriores continuavam
apesar do Genius Epidemicus mutante, isto era então um sinal de que o
novo Genius Epidemicus não teve influência sobre o seu estado, e,
portanto, não havia motivo para se abrir mão da substância que até aquele
momento fazia um bom efeito.
Ao concluir seu relatório, na sua última semana de publicação,
Leeser discorre quanto à natureza ao mesmo tempo individualizadora e
generalizadora do método de Weihe e usa como metáfora uma citação –
possivelmente de conhecimento popular, pois não refere sua origem – que
surpreendentemente, remete a uma máxima do taoísmo :

“A objeção de que o método Epidêmico de Weihe não preste


contas à individualização exigida por Hahnemann pode, portanto,
ser considerada totalmente nula. Na realidade ele é um método
tanto individualizador quanto homeopático específico, sem, porém,
se perder totalmente na individualização como este e sem
esquecer também o que é tão importante que é a generalização, a
compreensão do ponto de vista do conjunto com as circunstâncias
acompanhantes. Ele caminha também aqui na ‘dourada rua do
meio‘ (Leeser, 1888 j)”.
89

A nota da redação publicada após o relatório de Leeser dá a


dimensão das dificuldades ainda encontradas e as possivelmente
esclarecidas pelo relatório de Leeser :

“ Os leitores, assim como nós, certamente seguiram com


interesse as considerações do colega Leeser e lhe são por isso
muito gratos. Pois, dessa forma, certamente se jogou mais luz em
cima da questão e se facilitou a compreensão da mesma. Porém,
através da comprovação da relação do método Epidêmico com os
ensinamentos de Hahnemann e pelas vantagens que se
apresentam em relação ao descobrimento do Simillimum, se
facilitou a qualquer seguidor deste método de Hahnemann usar
estas valiosas ferramentas de ajuda quando do diagnóstico de
substâncias, sem, porém, ser infiel aos fundamentos da teoria de
Hahnemann. Porém, não podemos esconder que ainda existem
diversos pontos que não estão ainda de acordo com a mesma,
podemos então dizer:
1 – O uso de substâncias duplas e a mistura de duas
substâncias. Tomara que seja possível aos poucos achar os
efeitos de duas substâncias que se unem e, através disso, então,
abrir mão deste inconveniente.
2 – A mudança das substâncias, em casos crônicos, com a
mudança da constituição epidêmica. Isso se contrapõe por demais
a todas as regras vigentes em relação a isto, assim como as
experiências feitas e assim como as leis da Biologia. Mesmo que
se valorize muito alto a influência da constituição epidêmica já que
ela possa ter o poder de, em doenças muito longas e que estão
relacionadas freqüentemente com modificações orgânicas, em
cada mudança promover uma tal modificação, de forma que
também seja necessária uma mudança da substância, para isto,
até agora, não se tem nenhuma comprovação. O colega Leeser
também reconhece isso e procura se conformar com o fato de que
doenças crônicas sejam curadas pelo uso continuado de uma
única substância, e então resguarda, com isso, o ponto de vista
90

homeopático. Nós aceitamos isso muito bem. Com isso pelo


menos é criado um terreno no qual se pode continuar discutindo
sobre esta matéria. Também em relação aos pontos de pressão,
as substâncias a eles correspondentes precisam ainda de muito
esclarecimento. Até agora pelo menos, ainda não foi descoberto
por qual caminho Weihe os achou, se isto foi simplesmente o
acaso ou se tem uma lei que o fundamenta. Também seria
necessário, através de mais exames, reconhecer as linhas a fim de
se achar os pontos de pressão com certeza. Porém, para realizar
esses trabalhos, teria que se juntar um número de médicos em
diversas áreas para atuar de acordo com determinadas regras. Só
então seria possível de se solucionar a mui importante questão das
substâncias epidêmicas e de tornar as vantagens de seu uso um
bem comum de todos os médicos homeopatas. Nós consideramos
uma valiosa contribuição para isso o trabalho realizado pelo nosso
colega Leeser ( Leeser, 1888).”

Avaliando o efeito de seu relatório na compreensão por parte dos


homeopatas do método de Weihe na sua relação com a Homeopatia de
Hahnemann, Leeser faz em 1892 a seguinte colocação :

“... eu acredito ter construído a ponte entre o método de Weihe e


a Homeopatia de Hahnemann, enquanto eu mostrava aos médicos
homeopatas que Weihe conseguiu, de maneira brilhante e genial,
trazer a, há muito tempo procurada e a, há muito tempo faltante,
união dos ensinamentos de Hahnemann e de Rademacher
(Lesser,1892) “.

No outono de 1888, Weihe achou uma força exemplar para sua


causa no Dr. Hermann Göhrum de Stuttgart (1861 – 1945) o qual, com
persistência, acolheu o método e em pouco tempo tornou-se um ativo
colaborador. Göhrum fora assistente científico do Dr. Jäger e dirigira
interessantes experimentos neurofisiológicos do mesmo para comprovar o
91

efeito das potências altas homeopáticas. Deve-se a ele o descobrimento de


um grande número de novos pontos de dor e de similitudes terapêuticas
além do importante trabalho de descrição e apontamento exato e extenso
sobre os pontos de dor conhecidos até aquele momento . Esses assim
chamados índices de pontos, por ele detalhados e sistematizados,
permitem a prática atual por Seiler e seus colegas do diagnóstico de pontos
de pressão ligando-a diretamente com a escola de Weihe.

Fig. 8 Dr. Hermann Göhrum

87
Göhrum, assim como Leeser , leva um ano até sua primeira
publicação após ser introduzido ao método de Weihe. A primeira edição,
do índice de pontos data de 1889, mas, não existe mais. Finalmente, em
1903, Göhrum divulga sua lista de pontos ampliada e corrigida. Em 1891 foi
confeccionado um busto de gesso com os indicadores – os pontos de
pressão – nele gravados e enumerados. Parece que este busto de gesso
está também definitivamente perdido mas o Dr. Seiler obteve 3 fotografias
muito boas desse modelo que mostram as linhas auxiliares usadas naquela
época. A figura 9 reproduz uma destas fotografias enquanto que a figura 10

87
A contribuição de Göhrum ao Método de Weihe deveu-se, principalmente, ao seu trabalho
experimental, enquanto a de Leeser deveu-se ao desenvolvimento dos aspectos teóricos.
92

reproduz fotografia de um boneco chinês de madeira, usado no século XVII


para ensino, no qual encontram-se pintadas linhas representativas dos
meridianos chineses.

Fig. 9 Busto de gesso de Göhrum Fig. 10 Boneco de madeira chinês

O Dr. Göhrum era co-redator do Jornal Geral Homeopático e


introduziu neste uma coluna chamada “Esquina Epidêmica”, onde pôde
divulgar intensamente o método de Weihe.
As publicações engajadas e muito promissoras de Leeser e mais
tarde também de Göhrum, logo chamaram a atenção e despertaram um
93

vivo interesse entre os homeopatas alemães com relação ao método de


Weihe. Na primeira publicação de Göhrum, em 1889, ele relata suas
experiências com o medicamento Ledum palustre, o qual tinha identificado
através do ponto de pressão, de acordo com a técnica de Weihe, como
substância única epidêmica naquela época, em Stuttgart. Ele frisa que
durante aquele morbus stationarius dominado por Ledum, especialmente
em doenças com duração mais longa, assim como, em distúrbios de saúde
mais profundamente enraizados, poderiam ser indicadas também
substâncias totalmente diversas, conquanto que o indicador, isto é, o ponto
de pressão para tal substância estivesse nitidamente positivo. Esse tipo de
prescrição correspondia ao tratamento das doenças ditas crônicas
empregado pela Homeopatia clássica, com substâncias únicas. Aqui o
doente era visto na sua individualidade e tratado segundo os sintomas e o
ponto de pressão principal, que nesses casos não correspondiam ao
indicador da substância epidêmica Ledum.
Göhrum também descrevia um tipo de situação intermediária
possível, na qual, paralelamente, ao lado da substância epidêmica Ledum
complementarmente era indicada uma outra substância, esta inorgânica,
que com a primeira formaria uma substância dupla. O aumento de casos
nos quais se usavam a substância dupla durante uma epidemia indicava a
88
mudança do Genius Epidemicus e a transição para uma outra substância
epidêmica. Todo esse conteúdo teórico fora transmitido no bojo de curas
surpreendentes como a de um bebê de apenas 4 meses que sofria há um
mês de desinteria e vômitos e ao ser examinado encontrava-se “...
emagrecido, frio ao toque, com forte estomatite e aftas, lábios bastante
avermelhados e secos, com a pele rachada e extremamente ressecada e
há 12 horas está incapaz de engolir qualquer coisa. De acordo com os
pontos de dor são indicados Natrum muriaticum com Ledum palustre, e eu
89 90 91
dou no lugar a unidade Antimonium tartaricum 200C “ .

88
A substância epidêmica nova seria aquela que corresponderia, segundo o princípio de
equivalência terapêutica à substância dupla em questão.
89
Este é o caso de uma situação intermediária em que substância dupla Natrum muriaticum +
Ledum palustre equivale à substância Antimonium tartaricum.
90
Göhrum, 1889 apud Seiler (2001).
94

Em suas considerações a respeito do diagnóstico dos pontos de


pressão, Göhrum observa que este diagnóstico faz mais sentido em ser
feito em seguida à anamnese homeopática e logo após o exame clínico
objetivo. Com isso, enfatiza, com um peso um pouco diferente de Leeser,
mais uma vez, o caráter confirmatório do diagnóstico de Weihe. Quanto ao
exame de cada um dos indicadores – os pontos de pressão – de acordo
com Göhrum, deve ser feito “uma pressão uniforme e lenta”. A escola de
Weihe praticava seus exames de pontos de pressão tanto com o paciente
em pé como também deitado. Pressionar um número grande de pontos era,
de acordo com Göhrum, via de regra, não necessário, já que baseado no
conhecimento do Genius Epidemicus, na maioria das vezes já se soubesse
quais pontos naquele momento estariam em conjectura. Esta observação,
porém, deve ser assimilada com reserva, já que um exame que se limita
somente aos pontos epidêmicos, mesmo que tenha sido tão valioso no
caso descrito do bebê de Göhrum, também certamente deva apresentar as
suas ciladas.
Assim, em 23 de outubro de 1891 foi constituída em Frankfurt a
Sociedade Epidemiológica sob a direção de Leeser e Göhrum. Esta,
durante o seu curto tempo de glamour, finalmente deveria unir cerca de
duas dúzias de médicos da Alemanha e da Suíça.

91
Como o quadro do bebê que foi muito limitadamente descrito por Göhrum, não
necessariamente deixa pensar primariamente em Antimonium tartaricum, o diagnóstico
homeopático aconteceu provavelmente, em primeiro lugar, baseado na tendência acima
descrita e que naquela época no Genius Epidemicus, o qual também depois foi confirmado
através do método de pontos de pressão.
95

CAPÍTULO III – O SISTEMA DE WEIHE MUDA DE PÁTRIA

O FIM DA HOMEOPATIA EPIDEMIOLÓGICA NA ALEMANHA

Um fato que chama a atenção na reunião da fundação e nas


reuniões posteriores da Sociedade Epidemiológica foi a ausência de Weihe.
Seiler (2001) interpreta esta situação como possivelmente decorrente de
uma postura crítica de Weihe em relação à exposição precoce de seu
método, devido ao trabalho ativo e público de seus alunos. Se essa
situação realmente ocorreu, não causou nenhum prejuízo na reunião da
fundação, que transcorreu com discursos entusiasmados com os
descobrimentos de Weihe, e planos bastante ambiciosos para diversos
projetos de pesquisa. Também nas publicações da Sociedade não se
achou nenhum vestígio de tensão no relacionamento de Weihe com a
Sociedade Epidemiológica. Um outro motivo possível para sua ausência
seria uma condição de saúde que o impedisse de realizar viagens mais
longas.
Segundo Seiler (2001), mostram as atas das reuniões posteriores da
Sociedade Epidemiológica que aconteciam no decorrer dos trabalhos
práticos clínico e experimental, confusões e inseguranças em relação a
temas delicados como Genius Epidemicus, substâncias duplas e
equivalências terapêuticas, “... os quais não tinham nada a ver com o
princípio diagnóstico dos pontos de pressão ”.
Segundo Seiler (2001), esses desentendimentos levaram alguns
associados a criticar duramente o método, e logo aconteceram
desligamentos, como o deste colega de Munique, que na carta, a seguir em
tom bávaro, comunica sua saída:
96

“O método de Weihe é uma mistura de coisas não claras,


inseguranças, sim, até coisas erradas, que só têm como objetivo
turvar a terapia de Hahnemann e de jogar entre os seus discípulos
a semente da discórdia. ... Uma fundição da Escola de
Rademacher e da Homeopatia é por princípio não possível, ...Isto
não é Rademacher e também não é Homeopatia, ambos os
92
métodos são ’estropiados’ “ .

Göhrum, em seu pronunciamento de 27 de Dezembro de 1892 na


Sociedade Epidemiológica, comenta que estão novamente diante de
discussões infrutíferas, ou seja, uma briga pelo direito científico do método
de Weihe e uma briga, mais genérica, pela Epidemiologia. Numa outra
passagem desta mesma palestra cita a controvérsia que existia entre ele e
seu colega Haedicke com referência à denominação das substâncias
predominantemente indicadas, de acordo com o método de Weihe, de
‘substâncias curativas epidêmicas’. Esta situação acabou levando-o a
trocar a denominação para substâncias curativas temporariamente
predominantes. Göhrum justifica-se dizendo que na área da Epidemiologia
existia grande arbitrariedade valendo, então, sem qualquer preconceito e
amparando-se em experimentações fisiológicas e observações biológicas,
caminhar passo a passo para frente. Continua a defesa do método por ele
abraçado:

“... como nosso movimento está, cada vez mais, abrangendo um


círculo maior (nosso número de sócios subiu para duas dúzias) e
como não mais pode ser calado, tenta-se agora nos estigmatizar
publicamente como hereges, como comprova a solicitação de
Lorbacher do círculo Anhaltini-Saxônico. Isso, porém, nos
incomoda pouco; nós só podemos lamentá-lo no interesse da
verdade. Pois, diante de fatos objetivamente assegurados as
teorias têm que se calar (Görum, 1892)”

92
O termo estropiado encontra-se no texto de Lesser (1894:105) apud Seiler (2001).
97

Göhrum, de um modo geral, responde às críticas sinalizando que o


caminho a ser trilhado para se ultrapassar os obstáculos é o da
comprovação experimental dos pontos de dor, pois, este sempre que foi
93 94
tomado, deu frutos abençoados .
O Dr. Lorbacher, de Leipzig, se mantém na crítica ao método, e
principalmente à prática epidêmica e ao uso de substâncias duplas. Assim
ele escreve em 1893, no Jornal Homeopático Geral:

“... eu só fazia questão de promover uma discussão aberta por


partes não envolvidas sobre este movimento tão amplo na nossa
literatura jornalística dos novos tempos e de descobrir, através de
uma discussão, o que a mesma tem a ver com a Homeopatia de
Hahnemann, e quais utilidades que ela fornece para a mesma e
para isso, me pareceu que uma reunião, que uma negociação na
Associação Saxônica Anhaltini fosse o caminho mais apropriado e
esta é ainda até hoje a minha opinião ... Através da fundação da
Sociedade Epidemiológica e da publicação de trabalhos sobre o
tema em questão, o movimento entrou num novo estágio.
Antigamente, somente algumas esparsas e particulares
comunicações sobre o assunto se tornavam públicas. Também só
se conseguia ensinamento particular sobre isto. Agora, uma
associação de médicos tomou conta da questão e se fez
representante deste novo ensinamento e toma posição
publicamente. Fez sua tarefa, sua complementação e divulgação e
agora, uma outra associação de médicos - os quais também
pegaram o Similia Similibus como linha diretriz , cuja utilização os
seguidores dos novos epidemiólogos querem facilitar e
complementar através de seus trabalhos - se ocupam com esta
questão e querem tomar posição em relação a ela, o que é
certamente um direito seu e nenhum não partidário, pode nisto, ver
um posicionamento inimigo contra este movimento ... eu desde

93
Refere-se aqui as bem sucedidas experimentações homeopáticas, as chamadas
Patogenesias.
98

sempre defendi o princípio de que qualquer direcionamento dentro


da Homeopatia tem o seu direito de existir e deveria ser respeitado
por nós. Somente quando um elemento estranho, não combinante,
tenha sido introduzido, o qual não servisse para a fomentação e
aperfeiçoamento da mesma, especialmente quando,
principalmente a individualização seja ameaçada de ser colocada
em segundo plano, e um certo esquematismo parece se iniciar, me
levou convictamente a uma posição de afronta contrária e, este
perigo, pode se dizer o que quiser, não é impossível na terapia
epidêmica. É claro que os médicos treinados corretamente na
Homeopatia e no estudo medicamentoso não vão deixar de
examinar se a substância achada através dos pontos de
acupressão também corresponde ao Similia Similibus, todos
aqueles para os quais a escola homeopática ainda é uma relativa
terra incógnita ou aqueles que por causa de uma grande clínica
tenham falta de tempo de praticar este exame, irão, em seus
casos, na maioria das vezes, permanecer com as indicações
apuradas através dos pontos de acupressão e, no lugar de uma
necessária clareza de um médico formado cientificamente, iria
entrar um simples empirismo e um modelo padrão, fazer frente a
isso foi o motivo principal da minha solicitação.
Eu não estou absolutamente numa posição inimiga em relação à
questão e já esclareci anteriormente que considero os pontos de
acupressão uma valiosa ajuda para o diagnóstico medicamentoso
e acredito que, com isto, todos os médicos homeopatas irão
concordar assim, que o caminho tomado e recomendado, o
caminho de reconhecimento correto do colega Göhrum, traga uma
confirmação, através de exame em pessoas saudáveis, dos
achados empíricos. Tomara que depois também seja possível,
reduzir a um mínimo, a indicação considerada tão indecente por
muitos médicos homeopatas de duas substâncias intercambiáveis“.

94
Göhrum (1892).
99

Parece que o iminente estado de defesa se seguiu à rápida ofensiva


dos alunos de Weihe na difusão de seu método. Segundo Seiler (2001), o
pior golpe na reputação da Homeopatia Epidemiológica veio de um grupo
de médicos colegas que produziram um relatório após uma experiência de
dois anos.
Segundo Seiler (2001), o balanço relativamente negativo dizia que “o
lado técnico do método caracteriza o mesmo como não prático, e o esforço
que está relacionado ao mesmo, não compensa em relação àquilo que é
95
achado” . Göhrum e Leeser se defenderam bem dessa crítica, mas sua
rápida chegada ao público vingava, agora sem escapatória, a rápida
ofensiva e eles chegaram, então, repentinamente, a uma posição defensiva
que estava difícil de segurar. Assim Leeser e Göhrum parecem ter sido
bastante surpreendidos pelo fato, comprovado por qualquer trabalho clínico
mais profundo e certamente também através dos experimentos de Göhrum
com Pulsatilla, de que determinados pontos individuais de Weihe não
96
raramente também poderiam ser falso negativo .
Para Seiler (2001), a resposta a essa crítica foi a introdução de um
diagnóstico de mais de um ponto, porém, o uso quase exclusivo dos
indicadores duplos, foi uma reação exacerbada que substituíu
significativamente o diagnóstico de pontos únicos, e carregou desde o início
o selo de uma complicação do método de difícil solução. Quanto a Weihe,
mantinha-se fora das discussões e, em suas poucas publicações desta
época, tentava em tom de conciliação permanecer naquilo que julgava
fundamental. Apesar disso, a luta contra os seus ensinamentos deve ter
afetado profundamente este homem sensível que morreu prematuramente,
do coração, em 1o de outubro de 1896.
Apesar do silêncio que se estabeleceu na Alemanha sobre os pontos
de pressão, seus alunos continuaram trabalhando na melhoria prática do
método. Leeser e Göhrum abrem mão de um contínuo trabalho público até
1903 e se dedicam a pesquisar com mais exatidão o delicado problema do

95
A citação do relatório feita neste trecho da obra de Seiler remete para um texto de Leeser
1894:105
96
Falso negativo aqui, significa que o ponto doloroso não estaria presente apesar da vigência
do quadro sintomatológico.
100

Genius Epidemicus. Porém, o resultado mais importante desse


recolhimento de anos foi a complementação e finalização da lista de
Göhrum em 1903.
Esta nova publicação da Escola de Weihe teve, porém , na
Alemanha – ao contrário da aceitação positiva na França – um eco muito
pequeno, já que era fornecida restritamente somente a médicos
interessados.
Leeser e Göhrum ainda trabalharam juntos durante muitos anos sem
interrupção. Göhrum, além de co-editor do Jornal Geral Homeopático
também, paralelamente a seu trabalho com Leeser, cumpriu importante
função no fomento da Homeopatia, sendo o médico de família de Robert
Bosch. Mais tarde ele também foi docente e sócio da direção clínica do
Hospital Homeopático Robert Bosch em Stuttgart. Sua última publicação
data de 1941, uma vez que se manteve ativo até idade avançada, porém na
mesma ele não menciona, ao menos explicitamente, o método de Weihe.
Ele defende basicamente a opinião tolerante, de que diversas correntes
terapêuticas deveriam ter lugar uma ao lado da outra. A arte médica
97
deveria ser diversificada .
Leeser tornou-se um dos médicos mais procurados da Alemanha, e
sua fama ultrapassou essas fronteiras, a ponto de ter sob seus cuidados a
rainha da Romênia. Fundou em Bonn, no ano de 1920, o Círculo
Homeopático de Médicos de Rhein-Maingau-Vereins. De grande valor,
entretanto, para a sobrevivência do método dos pontos de pressão, foram
os inúmeros contatos por ele estabelecidos com médicos de vários pontos
da Europa e dentre eles particularmente com o médico suíço Antoine Nebel
Senior (1870 –1954).
Segundo Seiler (2001), o trabalho em conjunto com o muito talentoso
e jovem Dr. Nebel, esperançoso depositário do diagnóstico de pontos de
pressão no início do século XX, foi para Leeser um conforto nestes tempos
tão propensos à escuridão. Perdera seu filho médico na guerra, em 1918, e
adotara seu sobrinho, também médico, Otto Leeser ( 1888 – 1964), a quem

97
Göhrum (1936: 843) apud Seiler (2001).
101

acolhera em sua prática e fornecera criteriosa instrução homeopática. Otto


tornou-se mais conhecido que seu próprio tio através de amplos
ensinamentos sobre medicamentos que ministrara, e em 1922 separou-se
de seu tio, já que não se identificava mais com a prática de substâncias
98
duplas . Após este rompimento Otto Leeser se mostra inclinado a seguir a
99
assim chamada Escola Crítica Científica e, aparentemente, abandona o
diagnóstico de pontos de pressão de Weihe.
Leeser, que já envelhecera nos anos em que a Homeopatia Clássica
de Hahnemann lentamente alcançara o seu ponto histórico mundial mais
depressivo, permaneceu representante da Homeopatia de potências altas
e do diagnóstico dos pontos de pressão. Chama atenção, porém, que em
sua última publicação, um discurso de 1925 feito na Associação Central
Homeopática intitulado “Sobre a Arte de Curar”, Leeser não mais menciona
os princípios básicos de Rademacher como a epidemiologia e as
substâncias duplas. Por outro lado, defende fervorosamente a Homeopatia
Clássica de potências altas, denominando-a de “um monumento
indestrutível, cujo tamanho e poder sobrepuja qualquer coisa tida até hoje
100
na medicina” .
Leeser considera em seu testamento médico o diagnóstico de pontos
de pressão de Weihe, como sendo um importante desdobramento da
Homeopatia Clássica. A sensibilidade dos indicadores de Weihe era para
ele a expressão mais direta, mais objetiva de uma força vital
dinamicamente desequilibrada, seja por uma doença ou por uma potência
medicamentosa homeopática no sentido de Hahnemann. E então, também
para Leeser, a função mais importante dos pontos de pressão se tornara a
confirmação da escolha medicamentosa das substâncias diagnosticadas de
acordo com a Homeopatia Clássica como demonstra esse trecho de seu
discurso de 1925:

98
Leeser (1893/1: 51) apud Seiler (2001).
99
Esta escola tem como diretriz o uso de potências baixas visando sua adequação aos
conceitos da biologia e da fisiopatologia da escola médica tradicional.
100
Lesser (1925:18) apud Seiler (2001).
102

“O mais seguro e ideal é, portanto, a possibilidade de se


efetuar um controle, através dos pontos de dor, do Simillimum
escolhido. É uma importante vantagem para o médico, porque ele
pode, em qualquer momento, verificar se o medicamento por ele
escolhido continua sendo o Simillimum, ou se um outro Simillimum,
quase irreconhecível pelos poucos sintomas modificados e
101
subjetivos, entrou em seu lugar “ .

FRANÇA, NOVA PÁTRIA DO MÉTODO DE WEIHE

Com o desaparecimento do diagnóstico dos pontos de pressão da


Alemanha, que caminhou junto com a decadência da Sociedade
Epidemiológica, a responsabilidade de manter vivo o método de Weihe
ficou por conta dos homeopatas de língua francesa. O já citado Dr. Antoine
Nebel Sênior, do oeste da Suíça – que mantinha um intercâmbio científico
102
com os homeopatas da Alemanha – teve participação decisiva como
intermediador, levando os conhecimentos básicos do método da Alemanha
103
para a França .
Do seu relacionamento com os Drs. Leeser e Göhrum ficaram a
dedicatória que o primeiro fez , em seu “Sobre a Arte de Cura”, em
agradecimento ao meu querido amigo Dr. Antoine Nebel e a inclusão na
lista de Göhrum de um novo ponto de pressão, o de Sepia, descoberto por
Nebel. Nesta lista, além dos pontos originais de Weihe e este de Nebel,
encontram-se novos pontos, somente de Leeser e do próprio Göhrum.
O Dr. P. Chiron (1932), relata a uma audiência de jovens
homeopatas como tomou conhecimento do sistema de pontos de Weihe:

101
Leeser (1925: 20) apud Seiler (2001).
102
O Dr. Nebel , por exemplo, já havia publicado alguns artigos sobre o tratamento do Câncer
na Revista da Associação Berlinense de Médicos Homeopatas.
103
Seiler (2001).
103

“Em 1904 eu era assistente do Dr. Pierre Jousset, cuja idade


estava acima dos oitenta anos. ... Ele dirigia como um pesquisador
incansável, ainda naquela época, a Clínica Homeopática St.
Jacques em Paris, e era considerado, com razão, como a cabeça
dirigente da Homeopatia francesa. Muitos médicos franceses e
estrangeiros vinham à nossa clínica a fim de aprender com ele.
Uma manhã, nós tínhamos acabado de iniciar a visita rotineira
aos doentes, quando se aproximou um homem de baixa estatura.
Ele ainda era jovem, tinha atitudes bastante humildes, porém
possuía olhos muito vivazes que observavam atentamente. Com
sorriso amigável ele se apresentou: Dr. Nebel de Montreux, na
Suíça, médico homeopata. Disse que gostaria muito de participar
da visita médica, o que obviamente foi permitido e continuamos
juntos nossa ronda.
Um de nossos pacientes encontrava-se em um estado bastante
preocupante: anúria, anasarca, dificuldade de respirar e estados
delirantes, confirmando mais do que visivelmente nosso
diagnóstico de insuficiência cardíaca e dos rins progressiva e com
crises urêmicas. O Dr. Jousset sintetizou a história de sofrimento
do paciente na beira do leito e em seguida se dirigiu ao jovem
colega suíço: ‘O que o sr. acha deste caso? Qual a substância o sr.
acha indicada? ’
O Dr. Nebel não pediu muito tempo e examinou brevemente o
paciente. Para nossa surpresa ele colocou a ponta de seu dedo
indicador em um ponto do lado direito do tórax e fez forte pressão.
O paciente soltou um grito. ‘Causticum ‘, disse o Dr. Nebel. ‘Como,
por favor?’ – ‘ Causticum é a substância’, explicou Nebel e
descreveu o seu diagnóstico homeopático do caso. ‘Além disso o
ponto de Causticum é visivelmente positivo’.
O ponto de Causticum! – Comecei a retrabalhar todos os meus
poucos conhecimentos medicamentosos na minha memória mas
sem resultado. De um tal ponto, do qual deveria ter uma
importância tão central, eu nunca tinha antes lido ou escutado
algo... “.
104

O Dr. Nebel explicou aos interessados colegas franceses o método


de Weihe com um pouco mais de exatidão e entregou ao Dr. Jousset
também alguns exemplares da recém editada lista de pontos de Göhrum. O
vivaz interesse do Dr. Chiron virou exaltação quando ele, na próxima visita,
ouviu sobre o resultado da prescrição pretendida por Nebel : “ O estado de
nosso paciente tinha melhorado de maneira visível – a dificuldade
respiratória desaparecera e junto a isso houve uma micção elevada e uma
noite de sono tranqüilo. Um efeito de cura bastante convincente!”.
Também significativas foram as próprias experiências posteriores do
Dr. Chiron (1932) com o método de Weihe.

“...Por isso deixei amplamente de lado toda a difícil matéria


médica e me dediquei com bastante furor ao estudo dos Pontos de
Weihe. Passei, daí por diante, em cada exame de pacientes, a
pressionar toda região torácica e abdominal e prescrevia, quando
tinha uma mínima desconfiança de uma sensibilidade à pressão, o
medicamento do ponto correspondente. – Mas que decepção
terrível! Tantos pontos eu pressionava, o resultado correspondia às
minhas expectativas somente muito raramente. Por isso a minha
inicial exaltação tornou-se logo o contrário: este Weihe, que
embusteiro!...” .

“Somente anos mais tarde, depois que eu me dediquei


exaustivamente à matéria médica e depois de juntar
conhecimentos científicos e experiência clínica, eu voltei ao
método de Weihe e reconheci novamente seu valor indiscutível. Ao
contrário de antigamente, eu agora não tinha expectativas de que
ele deveria substituir meu conhecimento homeopático insuficiente,
mas sim, que se tratava de uma ajuda complementar quando da
escolha da substância... Para esta função o método de Weihe nos
é, em muitos casos, uma valiosa ajuda. Ele merece, meus jovens
colegas, vossa total atenção! “
105

Depois de sua primeira experiência positiva com os ensinamentos de


Nebel, que não se limitavam ao uso dos Pontos de Weihe, Chiron tornou-se
seu aluno. Mais tarde, como oficial sanitário na Primeira Guerra Mundial,
Chiron conhece o Dr. Rouy, com quem estudou a matéria médica, e para
quem apresentou a lista de pontos de Göhrum. O Dr. Rouy torna-se, então,
104
mais tarde, também aluno do Dr. Nebel e graças a ele, detalhes do
diagnóstico de pontos de pressão de Nebel se tornaram conhecidos. Rouy
publica um artigo na revista Homéopatie Moderne, em 1932, na mesma
edição especial dedicada aos Pontos de Pressão, no qual expõe as
peculiaridades da Escola de Nebel :

1- Quando, em um paciente, o ponto de pressão esperado para uma


determinada substância diagnosticada de acordo com a
Homeopatia Clássica, não está positivo, segundo Nebel, deve-se
usar, se existente, o nosódio do caso. Após seu uso o ponto de
pressão inicialmente esperado torna-se positivo quando, então, a
substância escolhida segundo critérios constitucionais fará efeito.

2- A escola de Nebel assumiu de forma limitada a prescrição de


substâncias duplas de acordo com Rademacher e, também o
Genius Epidemicus. Somente em casos raros os indicadores
105
duplos das substâncias únicas eram empregados. Assim, a
escola de Nebel representa o diagnóstico clássico de Weihe de
pontos únicos como confirmação da escolha de substâncias
homeopáticas. Contudo essa escola admitia a presença dos
indicadores duplos, eventualmente, quando mais nitidamente
positivos do que o ponto único.

104
O Dr. Rouy seria considerado, mais tarde, pelo Dr. Nebel seu filho espiritual (Rouy, 1951:10
apud Seiler, 2001).
105
Entenda-se por indicador duplo os pontos de pressão correspondentes às substâncias
duplas equivalentes à substância única – também chamada por Weihe de substância
epidêmica.
106

3- A escola de Nebel considerava as similitudes terapêuticas


somente como expressão de parentesco de substâncias.
Segundo Rouy essas substâncias, equivalentes em Weihe, para
Nebel correspondiam às substâncias “exteriorizantes” ou
“canalizadoras” da substância única. Estes canalizadores
também foram denominados de “satélites” da substância curativa
106 107
constitucional que combinava naquela época .

4- Quanto à técnica de pressão dos pontos, Rouy compara com o


tocar de um piano. Os indicadores eram inicialmente levemente
pressionados com o dedo indicador, como ao tocar piano e, em
seguida, se procederia a uma forte e repentina pressão e depois
se soltaria novamente. O resultado positivo seria a sensação
nítida de dor por parte do paciente que persistiria ainda por um
tempo maior, às vezes até mesmo por horas.

5- Finalmente, Rouy indica uma lista variante dos pontos de


pressão, bastante encurtada. Segundo Seiler (2001) esta é
menos exata e em alguns casos diferente quanto à localização da
lista de Göhrum, o que lhe deixa a impressão de que Rouy ou ele
mesmo não dominava o alemão, ou teve que confiar em uma lista
de Göhrum incompleta, inexata, até mesmo já traduzida para o
francês. Também era possível que as pequenas correções
conscientes da localização dos pontos, que eram somente
pequenas, porém, para a prática significavam desvios
importantes e consideráveis, correspondessem à Escola de
Nebel.

106
Segundo Seiler (2001) a maestria de Nebel era justamente entre outras coisas, que em curto
prazo ou de antemão, ele sabia prescrever, em caso de pacientes muito doentes, a substância
correta de alívio ou de incremento da eliminação para vencer as crises de eliminação que
apareciam depois da tomada de um bom medicamento homeopático. A justificativa era de que
nestes pacientes a espera do efeito último do medicamento, indicada em outras ocasiões,
significava risco de vida, prejuízo orgânico ou no mínimo impossível de se agüentar devido aos
fortes sintomas de eliminação.
107
Porém nem todos os satélites correspondiam as equivalências terapêuticas de Weihe.
Alguns possuíam apenas a função de canalizadores da substância única sem serem
indicadores duplos para a mesma.
107

No final de seu artigo, Rouy enfatiza que uma Homeopatia moderna e


eficiente deveria se limitar de forma igual por um lado, pelo tratamento
constitucional de substância única de Kent, que era, segundo ele, por
demais teórico e de uma só via e, por outro lado, pela Homeopatia
108
complexa que era por demais superficial . Só assim acreditava ser
possível fazer reviver novamente a matéria médica de Hahnemann, a base
da Homeopatia, e enriquecê-la com coisas novas.
Segundo Seiler (2001), Rouy se identificava com relativa nitidez com
a Homeopatia clássica de Kent, levada dos Estados Unidos para a Europa
pelo homeopata de Genebra, Dr. P. Schmidt (1896 – 1987),
aproximadamente no início dos anos 20. Porém Rouy não conseguiu
solidificar a escola de Homeopatia de substância única de orientação de
Nebel, como desejava na época de sua publicação, em 1932.
Um dos principais obstáculos foi exatamente a prática estabelecida
pelo próprio Dr. Nebel, já cedo, justamente na terapia de tumores malignos
109
– certamente a fim de tornar seu tratamento mais simples e melhor
compreensível – de experimentar substâncias canalizadoras
110
estandardizadas e compostas . Com essa prática ele se desviou do
caminho original, ou seja, a escolha bem elaborada de uma seqüência de
substâncias únicas, a qual, no entender do Dr. Seiler (2001) correspondia à
última posição da maneira de trabalhar de Hahnemann. Com esse desvio,
Nebel passo a passo abriu as portas para o uso de substâncias múltiplas,
principalmente para aqueles seus alunos menos versados na arte
diagnóstica do medicamento único que, como toda arte, não dispensa o
conhecimento técnico no caso da matéria médica. Uma Homeopatia
esquemática complexa e de receitas estandardizadas que só consegue

108
Por Homeopatia complexa entende-se a prática terapêutica que utiliza mais de um
medicamento homeopático ao mesmo tempo amplamente, difundida na França já naquela
época.
109
O Dr. Nebel ganhou bastante notoriedade no tratamento de tumores malignos, pelo uso dos
canalizadores, isto é, substâncias usadas para promover e/ou aliviar os processos de
eliminação nos doentes fragilizados pelo Câncer.
110
Nebel (1914 : 383) apud Seiler ( 2001).
108

esgotar muito parcialmente as possibilidades da homeopatia começa,


então, a dominar o cenário da Homeopatia francesa.
Também o Dr. Rouy não conseguiu resistir à essa tendência. Em sua
obra de 1951, ele se apresenta, apesar de todos os reconhecimentos
verbais a favor de Hahnemann, basicamente como representante da escola
de prescrições múltiplas de forma diferenciada, e que usa a Homeopatia
clássica de substâncias únicas somente raramente. O método de Weihe, de
acordo com sua opinião, pode ser muito bem usado para a indicação das
prescrições múltiplas. Esta forma de prescrição, onde ao diagnóstico da
constelação de pontos se segue o uso de mais do que somente dois
medicamentos, pode ser entendido como continuação do desenvolvimento
direto da prática de substâncias duplas de Rademacher.
O editor da revista Homéopathie Moderne era o renomado
homeopata francês, Dr. Fortier-Bernoville, que também dedicou muitos
anos de sua vida ao estudo do método de Weihe, e chegou à conclusão
que este seria muito útil se usado de forma algo diferenciada. Assim em
1932, dedicou edição especial sobre os pontos de Weihe quando foram
publicadas a palestra do Dr. Chiron e o artigo do Dr. Rouy.
Em sua contribuição na mencionada edição especial, Fortier-
Bernoville (1932), que estava também próximo à Nebel, enfatiza de início –
possivelmente com uma ponta de crítica ao Kentismo – de forma por
demais unilateral, o perigo ao qual a Homeopatia está exposta, ao
abandono praticado por determinadas escolas estrangeiras da clínica e do
exame físico. Para ele, o homeopata moderno teria, antes de tudo, de ser
também um bom clínico. O paciente não poderia de jeito nenhum somente
– apesar do seu significado central – ser examinado durante a conversa
com o médico, mas também, faria parte da consulta o exame físico na
maca, eventualmente amparado por aparelhos.
Em seguida ao exame clínico homeopático completo, seria o
momento ideal para o diagnóstico final, e freqüentemente decisivo, de
acordo com Weihe. Porém, neste mesmo discurso, Fortier-Bernoville
enfatizava a ainda existente limitação do método dos pontos de pressão e
apontava expressamente para a possibilidade de pontos de pressão, tanto
falso positivo como falso negativo. Ele também discutia, plenamente no
109

sentido de Weihe e de Rademacher, sobre a localização de pontos e


parentesco entre substâncias, complementada por uma listagem de alguns
pontos clínicos comprovados, com uma avaliação individual de sua
utilidade. Fortier-Bernoville julga criticamente a força de expressão dos
pontos de Weihe, principalmente, aqueles da parte inferior do abdome,
onde se encontram muito próximos uns dos outros e devido a ausência de
pontos de referência ósseos, são de difícil localização.
Com relação às similitudes terapêuticas de Weihe, Fortier-Bernoville
apontava, apoiando Rouy, somente para o fato de que uma substância
pode ser indicada não somente através de seu ponto único, mas também
através de dois ou até mesmo mais pontos diagnósticos, porém, este tema
não lhe valeu mais muitas palavras:

“Além do mais, o trabalho do famoso pesquisador alemão, neste


ponto, foi tão complicado e tão difícil de se realizar de maneira que
ficaria quase impossível colocar estes conhecimentos em prática.
O espírito germânico ama sobremaneira a pesquisa analítica
adiantada em todas as direções e não mede aqui nenhum esforço.
Nosso espírito latino, em contrapartida, valoriza no seu desejo a
lógica e a clareza mais do que o resultado prático “.

O Dr. Henri Duprat, o primeiro professor do Dr. P. Schmidt,


domiciliado em Genebra, mantinha proximidade com o Dr. Nebel e foi editor
de matéria médica importante que integrava, nos capítulos de cada
111
medicamento, também os pontos clássicos de Weihe . Ele se limitava a
apontar os indicadores únicos de Weihe, embora lhe fossem também
conhecidos os indicadores duplos. Quanto ao uso prático dos pontos de
Weihe, Duprat, ao contrário de Rouy, permaneceu sempre um unicista, um
homeopata de substância única, apesar de considerar a técnica de
112
drenagem . Em sua matéria médica e seu manual prático, Duprat não

111
O Dr. Duprat mencionara expressamente que não conseguira, naquela época, em lugar
nenhum achar a lista de pontos original de Göhrum.
112
Como técnica de drenagem entenda-se a técnica praticada por Nebel para alívio ou
incremento da eliminação.
110

forneceu indicações mais pormenorizadas de suas condutas, mas, acredita-


se que em essência correspondesse à antiga escola de Nebel descrita por
Rouy. Aparentemente ele também não conseguiu fazer valer sua escola,
uma vez que seu mais importante aluno, P. Schmidt encaminhou-se muito
113
cedo para a escola de Kent .
A lista de pontos na obra de 3 volumes de Duprat, publicada em
1947, na qual Nebel ainda escreveu o prefácio, são algo mais exatas do
que aquelas de Rouy, porém, mostram também alguns e não raros desvios
que estão em concordância com aqueles de Rouy, do original alemão.
O professor homeopata Dr. E. Bauer, fundador e diretor médico da
clínica Prasura em Arosa, Suíça, defende, como o mais importante e atual
representante do diagnóstico de Weihe, a opinião de que a lista de Duprat,
em vários pontos, é preferível à lista original de Göhrum. Bauer fora aluno
de P. Schmidt e explica porque ele não foi um bom amigo do método de
Weihe:

“Ele achava, pois, ter ouvido dizer que durante a epidemia de


gripe de 1918/19, diversos pontos de Weihe tinham mudado a sua
localização e por isso, as informações de Weihe e de seus amigos
114
não mais estariam corretas” .

Na verdade – como certamente um representante da escola de


115
Weihe quis comunicar – no tempo do pós-guerra, o Genius Epidemicus
tinha modificado e, com a mudança, seu ponto não mais se encontrava
sensível, e não os pontos de Weihe como tal, como mal compreendera o
Dr. Schmidt. Era porém em primeiro lugar, como relata Bauer:

113
Duprat (1932 : 87, 203) apud Seiler (2001).
114
Bauer (1988 : 110) apud Seiler (2001).
115
Possivelmente trata-se aqui do próprio Nebel, que também fez uma pequena monografia
sobre a epidemia de gripe de 1918/19.
111

“... um importante pedido de Pierre Schmidt, de ensinar a pura


Homeopatia de Hahnemann. Não se pode negar que o uso dos
pontos de Weihe para o iniciante traz consigo o perigo de atuar
menos minuciosamente quando da escolha do medicamento.
Também Pierre Schmidt conhecia um muito famoso e mais velho
colega homeopata, o qual mediante pêndulo, pontos de Weihe e
alguns sinais visíveis exteriormente, rapidamente chegava ao
diagnóstico medicamentoso. Não havia sucesso, disse-me meu
professor. Sobretudo naqueles casos, aparentemente muito
difíceis, para os quais Pierre Schmidt, jovem médico, chamou seu
116 117
colega para assessorá-lo “ .

Aqui se abre um profundo abismo entre a escola de Nebel, como


representante principal, naquela época, do diagnóstico de Weihe e a
Homeopatia de Kent clássica de Pierre Schmidt.
É fato que Nebel, paralelo ao diagnóstico de Weihe, cujos pontos
fracos ele aparentemente também conhecia, às vezes, e justamente em se
tratando de paciente com câncer, como “sinais visíveis exteriores”, como
eles são mencionados por Bauer, usava complementarmente um sistema
de finas nuances de sintomas nos lábios. Porém, de acordo com seu
próprio discurso, isso oferece dificuldades. Assim, por exemplo, é
característica de uma situação de Petrolium em um carcinoma de mama,
de acordo com Nebel, uma “coloração amarronzada dos lábios com leve
118
toque cianótico” . Também é fato, segundo Seiler (2001), apesar de
Nebel nunca ter publicado nada a respeito, de que Nebel, ao menos nos
anos tardios, usava um pêndulo como uma ferramenta de ajuda
119
diagnóstica .

116
Bauer (1988 :110) apud Seiler (2001)
117
O “muito famoso colega mais velho” como se pode imaginar, era o Dr. Nebel, confirmado por
Bauer indubitavelmente.
118
Nebel (1915 : 234, 232) apud Seiler (2001).
119
Segundo Seiler, que foi aluno de Bauer, ouviu deste a declaração de que Nebel tomou aulas
do conhecido Monge das Ervas, suíço de nome Küenzli sobre o diagnóstico com pêndulos.
112

Seiler (2001) faz uma avaliação crítica positiva da decisão, segundo


ele, historicamente necessária, tomada por Schmidt pois, os caminhos
então trilhados pelo Dr. Nebel levavam a um afastamento total da arte de
cura racional de Hahnemann:

“ ... que é permeada pela luz clara do esclarecimento e nos ameaça


de fugir novamente para a escuridão mística da medicina alquímica –
oculta, da qual naquela época Rademacher tirou as bases do sistema de
Weihe”.

Porém, permanece indubitável para o Dr. Seiler, que o Dr. Nebel, ao


contrário da impressão que o julgamento do Dr. Schmidt deixa, justamente
em pacientes problemáticos, tenha tido sucessos bastante consideráveis.
Principalmente na terapia de tumores malignos, ele, juntamente com
Burnett e seu amigo J. H. Clarke, se encontram no hall dos homeopatas
mais bem sucedidos de todos os tempos.
Burnett era, no mínimo, tanto quanto Nebel, influenciado por
Rademacher e por Paracelsus. A sua maneira de trabalho e a maneira de
trabalho do jovem Nebel eram muito parecidas, também ele prescrevia
sempre uma série de substâncias únicas complementares com o uso
120
prioritário de Nosódios . O Dr. Seiler, como entusiasmado defensor da
terapia acima mencionada, observa que é certamente justo que o
tratamento de tumores malignos, através de estimulação de forças
curativas próprias de cada paciente, seja considerado como a prova mais
dura para uma escola superior, não só da Homeopatia, mas de qualquer
terapia que leve em consideração a medicina holística. Para ele, quem
consegue curar câncer desta maneira, pode curar quase qualquer outra
coisa também. Por isso, considera que para Schmidt, o reconhecimento
aberto e sincero, feito a seu aluno Bauer, de que o tratamento
constitucional de potências altas de Kent era inadequado para a terapia de
casos de carcinomas manifestos, certamente foi bastante difícil :

120
O diagnóstico de pontos de pressão de Weihe, Burnett não conhecia.
113

“... Ele tem que se limitar aqui, principalmente, à profilaxia que é


logicamente, também muito importante. No melhor dos casos,
pode ser evitada a progressão de um malignoma: assim Schmidt
pôde, por exemplo, em um carcinoma grande e não operável, por
meio de diversos ciclos da substância constitucional Arsenicum
album na potência alta de Kent, alcançar uma estabilidade, sem
121
que o tumor progredisse mais por mais de 10 anos” .

As experiências de longos anos de Bauer como aluno de Schmidt,


confirmam essas possibilidades terapêuticas, bem como confirmam
também, por outro lado, as fronteiras mencionadas da forma de tratamento
de Kent. Seiler (2001) advoga que em se tratando de tumores malignos,
também pelo caminho da Homeopatia clássica poderia ser alcançado mais:

“Por meio de uma Homeopatia fundamentada racionalmente e


que trabalha somente com medicamentos únicos do jeito de
Burnett, Clarke e de Nebel, os quais amplamente correspondem ao
último estágio da técnica de trabalho de Hahnemann, podem, pelo
menos em casos isolados, alcançar, sem dúvida, regressões de
tumores ou até mesmo cura – Por que nós deveríamos abrir mão
desse potencial muito valioso e complementar?”.

Apesar das reservas de seu professor, Bauer examinou atentamente


o sistema dos pontos de pressão de Weihe, que lhe foi mostrado pelo filho
de Nebel, também médico homeopata e que carregava o mesmo nome do
pai. Ele concluiu que o método serve da melhor forma, também, para uso
na Homeopatia clássica de orientação de Kent. Tomado o caso de acordo
com Kent, ampara-se o diagnóstico medicamentoso com o diagnóstico dos
Pontos de Weihe. Dado o medicamento único, Bauer relata que em
minutos, o ponto de dor desaparece e caso isso não aconteça, o
Simillimum não foi dado e o exame do ponto de Weihe não foi feito
corretamente. Depois de realizada a primeira prescrição, portanto, o

121
Comunicação verbal do Dr. Bauer ao Dr. Seiler (2001)..
114

método de Weihe passa a ter a função de apontar, através do


reaparecimento do ponto de dor, o momento do paciente tomar uma
122
segunda dose . Ainda resta mencionar que na clínica Bircher, Bauer e
seus alunos, e entre eles Seiler, também utilizam o método de Weihe para
verificação do diagnóstico medicamentoso, feito segundo a técnica de sais
123
mistos originária de Kent . Para isso, utiliza-se tanto o ponto único,
quanto os dois indicadores dos dois medicamentos que formam o sal
medicamentoso.

122
Bauer (1986 : :240) apud Seiler (2001).
123
Alguns medicamentos homeopáticos podem ser considerados como substância dupla
natural, como por exemplo, Kali arsenicum, que pode ser diagnosticado a partir de sintomas
apresentados pelo paciente de Kali carbonicum e de Arsenicum album.
115

CAPÍTULO IV – HOMEOSINATRIA, A SÍNTESE ELÉTRICA DA


HOMEOPATIA E DA ACUPUNTURA

O VISIONÁRIO DR. ROGER DE LA FUYE

Nos anos de 1913 e 1914, o jovem pesquisador, sobrinho e herdeiro


do espírito visionário do escritor francês Jules Verne, o Dr. Roger de la
Fuye (1890 – 1961), empreende duas viagens, respectivamente para a
América do Norte e para o Japão, as quais abriram as portas da sua mente
124
para a medicina do Oriente .
O Dr. Seiler (2001) descreve como De la Fuye chegou à Medicina
Tradicional Chinesa. Ele conta que na primeira viagem para a América do
Norte, junto aos índios Stoney, que viviam ao norte de Rocky Mountains
sob condições ainda da idade da pedra, ele achou uma interessante pista
etnomédica: os homens médicos dessa tribo de índios, que pareciam
nitidamente mongolóides, com parentesco próximo dos Esquimós, tratavam
seus doentes com picadas de agulhas de pedra e extratos de plantas
diluídos. De la Fuye logo intuiu que ele tinha encontrado, nesta tribo
indígena, uma relíquia da forma pré-histórica da Acupuntura Chinesa, a
qual ele já naquela época conhecia de ouvir falar. Será que a população
arcaica americana, a qual originariamente tinha habitado a Ásia do Leste,
tinha já eventualmente trazido consigo esta técnica de tratamento durante a
idade da pedra, quando atravessaram a rota de Behring?
Segundo Seiler (2001), fontes históricas da China confirmam pelo
menos a tese de De la Fuye de uma idade bastante antiga da Acupuntura:
o legendário imperador amarelo Huang-Ti – por volta de 2640 ac. –

124
Introdução de Pierre Devaux em De la Fuye (1944).
116

recomendava a seus médicos, explicitamente, o uso de agulhas de metal


no lugar das agulhas de pedra, tradicionalmente usadas para a Acupuntura.
Disso se conclui que na China, no máximo no final da idade da pedra, já
havia existido uma Acupuntura praticada com agulhas de pedra. É bem
possível pensar que essa tradição ainda remete a tempos anteriores, pelo
menos até a média idade da pedra.
Que o conhecimento de uma medicina bioenergética, como base da
Acupuntura na Ásia do Leste, de fato remete, no mínimo, até à jovem idade
da pedra, sugerem também achados arqueológicos. Uma energia vital
cósmica que se manifesta em espirais e os centros de energia mais
importantes, isto é, os pontos de Acupuntura do corpo humano, parecem
ter sido bem conhecidos na cultura chinesa Yang-shao, que é da jovem
idade da pedra, e principalmente também, na cultura japonesa da mesma
época chamada Jomon. Aliás, é muito interessante que comprovações
arqueológicas correspondentes, também foram achadas na Europa do
125
Sudeste .
De la Fuye muito provavelmente não teve acesso a esses achados,
mas chegou, através de seus estudos da medicina e da filosofia natural do
Extremo Oriente, aos mesmos resultados. Apoiou-se principalmente nos
conhecimentos do japonês Sakurazawa. Este defendia explicitamente, a
opinião de que o movimento em espiral, como é caracterizado o
redemoinho da energia vital, de acordo com a medicina do Oriente para os
Chakras e/ou pontos de Acupuntura, poderia ser visto como princípio
126 127
básico fundamental da criação do homem .
Segundo Seiler (2001), Sakurazawa foi um dos primeiros a colocar o
princípio de criação feminino do Tao - ou em japonês Taikyoku - e a energia
vital cósmica do pensamento oriental em relação com o conceito de etéreo
do Ocidente. E, desta forma, ele abriu um caminho novo para um saber que

125
A esse respeito ler Seiler, Hp. Spirale, Lebensenergie und Matriarchat. In: emotion 10,
p.148-158. Volker Knapp-Diderichs Publikationen, Berlin, 1991.
126
Chakra é a denominação da medicina Ayuvédica praticada na Índia para os centros de
energia do homem. Este conceito foi parcialmente incorporado pela também milenar Medicina
Chinesa.
127
Sakurazawa (1931: 44) apud Seiler (2001).
117

acreditava ser originalmente comum aos seres humanos do Oriente e do


Ocidente, erguido sobre as bases do que chamou de Energia Vital da
Criação.
Fascinado pelos primeiros ensinamentos transmitidos acerca do
pensamento científico que ligava o Oriente com o Ocidente, De la Fuye
começou, então, a estudar paralelamente aos fundamentos histórico-
filosóficos naturais do Oriente, cada vez mais o uso prático da Acupuntura.
Sua intenção foi favorecida por ter sido a França o primeiro país da Europa
a abrir as portas para esta medicina, não apenas como uma curiosidade
exótica. Encontra-se em De la Fuye (1944:7), acerca da introdução da
Acupuntura na França a seguinte nota em pé de página:

“Este método terapêutico, ainda hoje praticado na China,


Japão e na Coréia, foi importado na Europa no século XVII pelos
nossos missionários da China. Mas, é somente em torno de 1816
que este método começou a ser divulgado na França, primeiro
com o Dr. Sarlandière, depois em 1825 com os Drs. Berlioz e
Cloquet, posteriormente em 1863 com o Cônsul Dabry, e enfim
hoje em dia com o Cônsul Soulié de Morant que deu preciosas
traduções condensadas em um ‘ Précis de la vraie Acupuncture
Chinoise’ , e os Drs. Sakurazawa, Nakayama, Thérèse Martiny,
Bonnet-Lamaire ...”.

Desta forma, as bases para o estabelecimento de uma séria


discussão prática da Acupuntura foram criadas pelo cônsul francês na
China, na segunda metade da década de 20, Georges Soulié de Morant (?
– 1955). Ele traduziu para o francês, na época dos estudos de De la Fuye,
alguns textos básicos muito importantes, mas de difícil acesso devido ao
idioma, da Medicina Chinesa.
O colaborador mais importante de Soulié de Morant foi o médico
homeopata Ferreyrolles. Graças a ele, interessantes observações em
relação a princípios homeopáticos da antiga Medicina Chinesa, entre eles
os que se baseavam no paradigma de correspondência mágica
homeopática – já descritos na introdução deste trabalho - nos textos de
118

Morant, foram evidenciados. Um dos mais remotos médicos da China, o


famoso Dr. Roa-Tro, conhecia por volta do ano de 175 d.c., aparentemente,
o princípio da similitude e prescrevia substâncias curativas preparadas à
128
semelhança dos nosódios homeopáticos . Estes medicamentos, a
exemplo da Homeopatia também eram prescritos em doses bastante
129
diluídas . De acordo com Ferreyrolles, os chineses possivelmente já
usavam antigamente o princípio homeopático, na forma de medicamentos
130
muito diluídos, que de outra forma seriam venenosos .
A técnica de tratamento combinando substâncias diluídas com um ou
no máximo dois pontos de acupuntura, usada por Roa-Tro, chamou a
atenção de De la Fuye, por ocasião de seus estudos médico-históricos para
131
a combinação da Acupuntura com a Homeopatia . Assim, ele começou a
dar ao estudo da Homeopatia, já desde muito cedo, uma grande
importância.
Mas foi Ferryrolles que, em 1929, em um notável artigo da revista
“L’Homéopathie Française”, chamou a atenção dos homeopatas para as
coincidências topográficas que existiam entre certos pontos de Weihe, que
naquela época, na França, eram bem conhecidos, e os pontos de
132
Acupuntura , colocando em pauta mais uma interessante correlação
entre a Medicina Chinesa e a Homeopatia. Mais do que Ferryrolles, que era
discreto em traçar paralelos entre as duas medicinas, Soulié de Morant
frisou em 1932, que esta concordância, de jeito nenhum, era puramente
topográfica, mas que valia no mínimo, também em parte, para as funções

128
De la Fuye (1947 1 :110) apud Seiler (2001).
129
Soulié de Morant (1941: 28) apud Seiler ( 2001).
130
Ferryrolles (1929:414) apud Seiler (2001).
131
O uso de um único ponto de acupuntura identificava Roa-Tro ainda como um representante
clássico da medicina da totalidade holística chinesa, isto é, uma prática terapêutica que
buscava tratar o conjunto dos sintomas como a totalidade sintomatológica da Homeopatia
ocidental.
132
De la Fuye (1944: 6).
119

terapêuticas dos pontos de Acupuntura e dos medicamentos homeopáticos


133
que lhes cabiam, de acordo com Weihe .
O homeopata parisiense L.F. Bonnet-Lemaire pesquisou estas
correlações, examinando 148 Pontos de Weihe, em relação à sua
concordância topográfica com os pontos de acupuntura. Além disso,
analisou comparativamente o quadro sintomatológico – portanto, o
potencial curativo – dos medicamentos correspondentes aos indicadores de
Weihe e os efeitos terapêuticos resultantes da punção dos pontos de
acupuntura.
Resultou deste estudo em 97 pontos - quase dois terços dos
indicadores de Weihe examinados - uma concordância topográfica total ou
aproximada com os pontos de acupuntura. Novamente em dois terços dos
pontos topograficamente concordantes (65), também havia concordância
134
clínica entre as funções dos pontos .
Segundo Seiler (2001), em seu exame independente de Bonnet-
Lemaire, De la Fuye chegou, em relação a 188 Pontos de Weihe por ele
conhecidos – o índice original de Göhrum, com 231 indicadores individuais,
também não estava a ele acessível – assim como seu conhecido colega,
em aproximadamente dois terços dos pontos (123), a uma concordância
topográfica com determinados pontos de acupuntura. Quanto à
concordância clínica entre as funções dos pontos topograficamente iguais,
o acupunturista De la Fuye se mostrou um tanto mais generosos do que o
homeopata Bonnet-Lemaire, encontrando-a em aproximadamente 80% dos
pontos.
É fácil concluir que tal concordância funcional é menos objetiva que
a topográfica. Porém, os resultados dos dois pesquisadores coincidiam
quanto ao fato de que uma nítida maioria de pontos de acupuntura estava
topograficamente de acordo com os indicadores de Weihe, e, portanto,
também poderiam parcialmente se achar entre eles paralelos funcionais.
Como acupunturista convicto De la Fuye perseguia, em suas
pesquisas preliminares, no início dos anos trinta, um objetivo bem mais

133
Bonnet-Lemaire (1936: 113) apud Seiler (2001).
134
Bonnet-Lemaire (1936: 150-153) apud Seiler (2001).
120

ambicioso do que o homeopata Bonnet-Lamaire. As bases da acupuntura,


isto é, o sistema de meridianos da Medicina Chinesa com seus pontos,
deveriam ser o ponto de partida de uma nova visão para os Pontos de
Pressão de Weihe.
Para De la Fuye, Leeser e Göhrum só puderam, de acordo com sua
opinião, dar apenas os primeiros passos para o desenvolvimento dos
pontos de Weihe na direção de um sistema de meridianos porque eles, no
desconhecimento do sistema de acupuntura, tateavam cegamente no
labirinto dos pontos do corpo ou, no melhor dos casos, se orientavam
baseados em critérios rudemente organotrópicos.
Somente a relação da matéria médica homeopática com a fisiologia
da Acupuntura, forneceria, segundo De la Fuye, a chave correta para a
estipulação de medicamentos individuais correspondentes aos pontos
bioenergéticos da superfície corporal. De la Fuye parte para uma ampla
revisão crítica do sistema de Weihe e coloca-o parcialmente sob uma nova
135
formulação. Assim nascia a Homeosinatria . Até aquele momento a
escola francesa tinha deixado o sistema clássico de Weihe, exceto por
pequenas e eventualmente nem propositais modificações da localização
dos pontos, totalmente intocável. Somente o jovem Nebel tinha
acrescentado quatro indicadores importantes, dos quais dois já tinham sido
136
incluídos por Göhrum em sua lista revisada de 1903 .

O PROGRAMA DE PESQUISA E DE REFORMA DO SISTEMA DE


WEIHE POR DE LA FUYE

135
Homeo de Homeopatia e sinatria se refere à denominação, à época de De la Fuye, da
medicina chinesa moderna. Um ponto homeosinátrico quer dizer que é, ao mesmo tempo,
homeopático e de aplicação pela Medicina Chinesa.
136
Os dois pontos de Nebel presente na lista de Göhrum são o indicador principal para Sepia
como já citado e um segundo indicador para Colocynthis apontado por De la Fuye. Os demais
pontos de Nebel correspondem a um novo ponto de Sepia (Bonnet-Lamaire, 1936:130) e o
ponto de Graphites também apontado por De la Fuye.
121

Em Seiler (2001) encontram-se os principais pontos do novo


programa de pesquisa e de reforma de De la Fuye. Primeiramente, a
possibilidade, que de jeito nenhum é óbvia, de uma ligação do sistema de
pontos de Weihe, preferencialmente diagnóstico, com o ensinamento da
Acupuntura que, de acordo com a compreensão usual, é
predominantemente terapêutico, tinha que ser fundamentada. De la Fuye
enfatizava com toda razão que também para a Medicina Chinesa a dor à
pressão ou a sensibilidade espontânea nos pontos de Acupuntura, em
conjunto com o diagnóstico do pulso, era um critério semiológico muito
importante para o julgamento constitucional energético. Assim ele disse:

“Há mais de 48 séculos, as medicinas do Extremo-Oriente, e


notadamente as chinesas, remarcaram o seguinte: o problema
funcional de um órgão determinado se acompanha sempre de
uma localização dolorosa muito precisa, e às vezes também,
muito distante do órgão doente, em um ou muitos pontos da pele.
Se encontrarão 787 pontos cutâneos, correspondendo aos
sintomas diversos, e religamos estes pontos uns aos outros por
linhas planas ou mesmo verticais, chamadas ‘meridianos’... A
Energia Vital, afirmam os chineses, circula ao longo de todos
estes meridianos, em sentidos diferentes (centrífugo ou
centrípeto), de acordo com os órgãos e passam de um a outro,
realizando assim, um circuito fechado... Cada um dos 14
meridianos comporta um número variável de pontos que,
agulhados com as agulhas metálicas (daí o nome de
Acupuntura), servem quer para tonificar, quer para acalmar, quer
para regularizar o órgão ou a função alterada ou doente. As
indicações destes pontos são fornecidas tanto pelo exame
clínico, quanto pelo estado do pulso radial, com 14, seis no pulso
esquerdo e oito no pulso direito, correspondendo cada um a um
dos 12 meridianos (sendo que dois são duplos como já visto) ...
(De la Fuye, 1944: 7, 8 e 9) ”.
122

O segundo ponto dizia respeito a se relacionar determinados


medicamentos a determinados pontos de Weihe como vinha sendo feito
pois, para De la Fuye, esta atitude deveria ser, sob o ponto de vista da
Medicina Chinesa, passível de reflexão. Se o quadro sintomatológico de
uma substância homeopática, cujo indicador de Weihe topograficamente
coincidia com um ponto de Acupuntura, não concordasse, pelo menos em
alguns aspectos importantes, com a fisiologia do referido ponto, a
substância homeopática, de acordo com De la Fuye, havia sido relacionada
de maneira errada. Por isso ela era eliminada de sua nova lista de pontos e
se possível era relacionada a um ponto que combinasse melhor. Tais
modificações, na definição de substâncias correspondentes aos pontos,
deveriam ainda passar por exames clínico-experimentais minuciosos.
Como já vista nas pesquisas anteriormente citadas, existia uma
correspondência funcional entre as ações de um número significativo de
pontos de Acupuntura e medicamentos homeopáticos. A correspondência
ocorria entre um ponto de Acupuntura, que concordava topograficamente
com um ponto de Weihe, e o medicamento relacionado a esse indicador.
Assim, para De la Fuye, cada ponto de Acupuntura fora do sistema de
137
Pontos de Weihe, era potencialmente, um novo ponto de pressão para o
qual também um medicamento homeopático poderia ser indicado,
tomando-se a fisiologia e a fisiopatologia energética milenar da Medicina
Chinesa como base. Este era o terceiro ponto do seu programa de
pesquisa e reforma.
Novos pontos homeosinátricos, assim, se originariam pelo
estabelecimento de relações de concordância, entre os sintomas mórbidos
dos pontos de Acupuntura com determinada substância homeopática.
Quando essa nova possibilidade, examinada clinicamente, obtinha sucesso
terapêutico, o novo ponto era incluído na lista de De la Fuye. Os novos
pontos homeosinátricos localizavam-se nas extremidades, áreas de grande
importância na Acupuntura, onde se encontra parte significativa da rede de
meridianos. Estas áreas não foram utilizadas no diagnóstico de Pontos de
Weihe e Nebel utilizou somente a região proximal de ombros e quadris.

137
Bonnet-Lamaire, 1936: 148 apud Seiler, 2001: cap 21.
123

De la Fuye resume assim suas descobertas:

“O controle dos 195 pontos de Weihe se estabelece assim: 153


são ‘fiéis’ e 105 correspondem exatamente aos pontos chineses.
Quanto aos pontos novos, ‘homeosinátricos’, foi possível
determinarmos 329, o que com os 153 pontos de Weihe ‘fiéis’,
compreende um total de 482 pontos utilizáveis, sendo que 434
estão situados sobre os meridianos chineses.
Bem entendido, que todos os medicamentos correspondentes a
esses pontos – sejam eles de Weihe ou sejam eles novos –
foram controlados não apenas por seu organotropismo ‘chinês’,
mas também, levando-se em conta sua ação tonificante e
calmante sobre as funções dos órgãos, realizando assim uma
superposição medicamentosa tão perfeita quanto possível sobre
a ação da Acupuntura nesses pontos. Esses remédios - como
esses pontos – merecem o qualitativo de ‘homeosinátricos’, como
fizemos ( De la Fuye, 1976:14)“.

Outro aspecto importante introduzido por De la Fuye, o quarto ponto, se


relaciona à possibilidade de se ter mais de um medicamento homeopático
em correspondência com um ponto de Acupuntura. Assim por exemplo, ao
ponto sete do meridiano do Coração estão relacionadas quatro substâncias
138
homeopáticas, isto é, Aconitum, Aurum, Crataegus e Spigelia .
Esta diversidade em relação a um único ponto correspondia em parte à
opinião de Ferreyrolles, que se colocava contrário ao estabelecimento de
um paralelo total entre os sintomas mórbidos de determinado ponto de
Acupuntura e o quadro sintomatológico da substância homeopática –
descrita na patogenesia – a ele correspondente. Assim, a opinião de
Ferryrolles, passaria a assumida resistência à Homeosinatria pois, este não
concordava com a idéia de De la Fuye de estabelecer uma
correspondência linear entre pontos de Acupuntura e substâncias
homeopáticas.

138
De la Fuye (1947 1: 115) apud Seiler (2001).
124

De forma ainda mais ampla, de acordo com De la Fuye, um


medicamento com uma grande quantidade de sintomas, como os
policrestos, corresponderia às diversas funções, de diferentes pontos de
Acupuntura, e conseqüentemente, a um número diverso de pontos. Assim,
por exemplo, para Lycopodium, tanto para o diagnóstico como para a
terapêutica pela Acupuntura, existem à disposição além do ponto clássico
de Weihe, confirmado por De la Fuye, ainda três outros pontos
homeosinátricos.
Com isso a Homeosinatria se aproxima da diferenciação, mas também,
em muitos pontos, da falta de clareza e da difícil praticidade da escola de
Weihe mais tardia. A campeã no sentido de número de pontos pertinentes
é, para De la Fuye, não a conhecida Pulsatilla, que tem não menos do que
12 equivalências de Weihe, mas sim um mutável e bastante diversificável
Phosphorus. A este, De la Fuye acrescentou ao ponto clássico por ele
comprovado e identificado com o ponto 16 do meridiano, conhecido como
Vaso da Concepção da Medicina Chinesa, ainda oito pontos de acupuntura,
139
que na maioria das vezes estão localizados em ambos os lados .
Os pontos clássicos de Weihe que não estavam em concordância com
nenhum ponto de acupuntura, também deveriam ser examinados em
relação a uma possível integração ao sistema de acupuntura terapêutico da
Homeosinatria. Portanto, era também válido que cada ponto de Weihe, fora
do sistema de pontos da Medicina Chinesa, fosse um novo ponto de
Acupuntura em potencial. Como critério para a utilização na Homeosinatria
de um ponto de Weihe localizado fora dos meridianos – e de seus pontos
extras – para o tratamento com acupuntura, De la Fuye utilizava em
primeiro lugar o parentesco funcional do ponto de Weihe existente com
pontos de acupuntura regulares e da vizinhança, os quais ele imaginava
podiam se interligar como anastomoses energéticas.
Assim acontecia com o indicador de Weihe para a substância Iodium,
que se localizava entre dois pontos clássicos do meridiano Vaso da
Concepção. Estes pontos no meridiano correspondem ambos a funções na

139
Segundo Seiler (2001), ao Phosphorus, no sistema de Göhrum, já se encontravam oito
equivalências medicamentosas.
125

digestão. Como Iodium, em seu quadro de sintomas, entre outros, também


está um grupo de sintomas relacionados com o sistema digestivo, De la
Fuye deixou que esse ponto de Weihe permanecesse na lista como
indicador para Iodium, bem como o incluiu em seu sistema de pontos de
Acupuntura.

Por fim, como quinto ponto importante no programa de pesquisa


e reforma de De la Fuye encontramos a Homeosinatria, não somente como
diagnóstico e terapêutica, mas também como amparo bilateral dos dois
métodos de terapia. Com isso, o homeopata dispõe, de um lado, da
possibilidade de colocar em prática, para comprovação de seu diagnóstico
de substância, a lista reformada pela Homeosinatria dos pontos de Weihe,
e por outro, da possibilidade de ampliar o efeito da medicação pelo uso
terapêutico, ou seja, pela acupuntura de um ou mais pontos.
Também o acupuntor poderia se valer dos pontos de Weihe - para ele
novos - no seu tratamento, bem como, segundo De la Fuye, poderia usar
os medicamentos homeopáticos que correspondessem aos pontos usados.
Este procedimento, porém, foi fortemente criticado por estimular uma
prática homeopática de "receita de bolo”.
Com isso, segundo Seiler (2001) a Homeosinatria sofre quase desde o
nascimento com a “doença francesa”, como era denominado o pluralismo
homeopático na Alemanha, ao invés de fomentar a Homeopatia Clássica de
substância única através dos parcialmente novos e valiosos pontos de
pressão identificados por De la Fuye.
A partir de 1934 De la Fuye começa a chamar a atenção, em
140
diversos congressos homeopáticos na França e na Suíça , para seu novo
sistema, anunciando que as semelhanças topográficas eram apenas uma
parte ínfima das relações que existiam entre os pontos. Agulhou os pontos
de Weihe reconhecidos como fiéis, como se fossem pontos chineses, e
apresentou em Lausanne, em 1935, as observações a esse respeito.
Recebeu muitas críticas como descreve:

140
Lyon 1934, Lausanne 1935, Nice 1936 e Marseille 1937.
126

“Enfrentamos, naquela época, muitas resistências e


lembramos que um dos autores supracitados nos acusou de
querer, de qualquer maneira, misturar dois métodos ‘ tão
dessemelhantes’ dizia ele, quanto ‘ a Alopatia e a Homeopatia’.
Para ele, as semelhanças ‘Weihianas e Chinesas’ que, porém,
141
ele tinha assinalado, eram simples coincidências . Outros
diziam: ‘Já que Weihe não achou pontos medicamentosos
sobre os membros, vocês estão perdendo o seu tempo!’.
Parecia realmente que Weihe teria estabelecido uma obra
definitiva e inviolável (De la Fuye, 1944:5)”.

Foi também a partir de 1934 que De la Fuye começou a mostrar seu


método mais específico para o tratamento dos casos rebeldes. Ele fazia a
introdução dos medicamentos homeopáticos nos pontos de Acupuntura
correspondentes. Impregnava a ponta da agulha, tanto com a tintura mãe
do medicamento, quanto com as diluições mais ou menos elevadas,
segundo o efeito desejado. Dizia ele:

“Se nós queremos realmente alcançar o vértice da síntese


homeosinátrica, o melhor é injetar, com uma agulha de prata
sobre os pontos sedativos e com uma agulha de ouro sobre os
pontos tonificantes, 5cm³ de uma diluição hahnemanniana do
medicamento correspondente ao ponto homeosinátrico. Foi
assim que as ciatalgias e outras afecções foram curadas por
injeções da terceira diluição decimal de Rhus tox. ou de Bryonia –
conforme o caso – sobre os pontos de Rhus tox. ou de Bryonia.
Mas esses aperfeiçoamentos da acupuntura por mais
interessantes que sejam, só atingem seu pleno efeito terapêutico
se adicionarmos a essas agulhas impregnantes a ação de uma
faísca de alta freqüência de qualidade especial: é a
Homeosinatria Diatérmica (De la Fuye, 1976:15)“.

141
Como já fora apontado anteriormente essa citação de De la Fuye refere-se à Ferryrolles.
127

Segundo De la Fuye (1944:12), a ação da Homeosinatria Diatérmica se


daria pela produção de uma espécie de ionização do medicamento
empregado, o qual penetraria e ficaria no organismo em doses
infinitesimais no ponto ‘reflexo’ escolhido.
Em 1937, 38 e 39 foi com a ajuda dos Drs. Rousseau e Cabanes que
De la Fuye começou a pesquisa das substâncias homeopáticas, cujos
sintomas cobriam melhor alguns pontos chineses enumerados por Soulié
de Morant, no seu “Précis de la vraie Acupuncture chinoise”, e tiveram que
estudar também aqueles pontos chineses indicados nas obras dos
cônsules Dabry – para a Medicina Chinesa – e Sarlandière – para a
medicina japonesa, além dos encontrados nas traduções do Dr. Chang de
Shangai, totalizando 400 pontos. Ainda relata em sua obra “L’Homéo-
Siniâtrie diathermique ou La Synthèse Electrique de la Médecine Chinoise
et de l’Homéopathie”, de 1944, que foi em 1938 que chegou à noção de
organotropismo do medicamento, tendo sido cada remédio estudado
levando-se em consideração sua ação tonificante ou calmante sobre o ou
os órgãos estudados, constituindo-se assim o ‘medicamento simillimum
tipo’ ou medicamento homeosinátrico.
Em 1939 suas pesquisas foram interrompidas devido ao serviço militar
de guerra. Retoma-as em 1941, de forma intensiva, e com a ajuda dos
médicos homeopatas Dr. Voisin de Annecy e principalmente do Dr. Dano
de Paris. Trabalharam na estipulação teórica e clínico-experimental de
medicamentos homeopáticos em relação aos pontos de acupuntura, que
até então não tinham sido descritos pela escola de Weihe. Então, em 1947,
foi finalmente editada sua obra principal: o Traité d’Ácupunture, em dois
tomos, cujo subtítulo era La Synthèse de l’Acupunture et de l’Homéopathie.
O homeopata alemão Heribert Schmidt (1914 – 1995), que
posteriormente morou na Suíça, estudou em 1950 junto de De la Fuye, em
Paris, a Homeosinatria, e editou em conjunto com este, sob o título Die
moderne Akupunktur - A Acupuntura Moderna - uma revisão e tradução
sintetizada, para o alemão, do Traité d’Acupunture. Mesmo assim, a
Homeosinatria não conseguiu se estabelecer firmemente nos países de
língua alemã. Além do mais, o próprio Schmidt trabalhava somente como
128

acupunturista clássico, e em sua obra tardia Konstitutionelle Akupunktur -


142
Acupuntura Constitucional – não fez mais menção à Homeosinatria .
De la Fuye, apesar de trabalhar em seu tratado com médicos
homeopatas, continuava se entendendo como acupunturista, porém, não
era fácil para ele achar um campo profissional adequado, pois como
representante de um pensamento que se estendia a mais de um sistema,
era difícil definir sua posição. Foi assim que ele abriu mão de suas
atividades no Hospital St. Jacques em Paris, porque sua Homeosinatria foi
143
taxada pela direção da Clínica como distanciada demais da homeopatia .
Também por parte da Acupuntura, conhecedores da matéria apresentavam
preconceitos, principalmente em relação ao aspecto terapêutico da
Homeosinatria.
De acordo com Ferryrolles – praticamente o verdadeiro descobridor da
concordância topográfica dos Pontos de Weihe com os da Medicina
Chinesa – existia entre o efeito terapêutico dos pontos de Acupuntura e a
área de efeito dos medicamentos homeopáticos a eles correspondentes,
segundo Weihe ou De la Fuye, sem dúvida, às vezes, uma concordância
parcial mais ou menos nítida, a qual, na maioria dos casos, era somente de
natureza superficial. Em caso algum se poderia falar de uma identidade
terapêutica do ponto de Acupuntura e da substância homeopática. Para
144
isso, os dois métodos seriam essencialmente diferentes demais . O uso
terapêutico da Homeosinatria estaria fundamentado em uma base
clinicamente pouco segura e também seria pouco apropriada para
complementar, de maneira sensata, a Homeopatia ou também a
145
Acupuntura .

142
De la Fuye, 1947 tomo 1: 58.
142
De la Fuye, 1947 tomo 1: 57.
142
Demarque, 1988: 115 apud Seiler, 2001: cap. 21.Seiler (2001).
143
De la Fuye (1947 tomo 1: 58) apud Seiler (2001).
144
De la Fuye (1947 tomo 1: 57) apud Seiler (2001).
145
Demarque (1988: 115) apud Seiler (2001).
129

Infelizmente De la Fuye oferecia em seus escritos – apesar de ser, sem


dúvida, um prático sério e um pesquisador eficaz – com freqüência, áreas
de ataque desnecessárias. Como muitos pioneiros, tinha a tendência de
super valorizar seu método e com isso arriscava que elementos básicos e
valiosos do mesmo fossem inutilmente desperdiçados. Assim, por exemplo,
a observação de De la Fuye, de que mesmo um acupunturista que não
tivesse tido antes um aprendizado homeopático, poderia, somente pelo
conhecimento da substância correspondente homeosinátrica aos pontos
por ele usados, emitir uma receita homeopática útil. Naturalmente este
comentário foi lenha na fogueira dos críticos, principalmente homeopáticos.
146
Segundo Demarque (1988:125) , também seu aluno e mais estreito
colaborador, Dano, tinha que se distanciar de tais exigências exclusivas
dos ensinamentos de De la Fuye. Porém, é importante ressaltar que esta
forte crítica a Homeosinatria se limita exclusivamente às suas exigências
terapêuticas, principalmente em relação à Homeopatia, onde ela, pelo
menos parcialmente, era legítima. Prescrever simplesmente, um punhado
de substâncias homeopáticas diversas, baseado na relação homeosinátrica
de alguns pontos sensíveis à pressão escolhidos para o tratamento de
acupuntura, é sob o ponto de vista clássico homeopático, certamente um
147
rude diletantismo .
O homeopata Henz Schoeler, publicou em 1955, o livro Die
Weihe’schen Druckpunkte : Ihre Beziehungen zur Akupunktur,
Neuraltherapie und Homöopathie – Os Pontos de Pressão de Weihe : suas
relações com a Acupuntura, Terapia Neural e Homeopatia – uma descrição
comparativa do método de Weihe. Em face de crescente popularidade da
síntese da Homeopatia com a Acupuntura, chamada de Homeosinatria por
Roger de la Fuye, Schoeler estudou os originais em alemão, publicados por
Weihe e seus discípulos, na intenção de trazer à público elementos para a
discussão do novo método, tanto nas rodas homeopáticas, quanto nas de
acupunturistas.

146
apud Seiler (2001).

147
Seiler (2001).
130

O que este autor assinalou foi que, a despeito das posições dos
médicos em relação às idéias de Weihe, deveria ser reconhecido que
Weihe, antes de Head e Mackenzie, descobriu as zonas reflexas organo-
específicas na superfície corporal. É fato que as teorias de Weihe foram
publicadas por Leeser em 1888, antes da publicação dos pesquisadores
ingleses, considerados os descobridores das zonas de Head, em 1889.
Schoeler dizia ser necessário abstrair das estranhas relações
medicamentosas dos pontos, para se achar, nos escritos de Weihe e
Leeser, as observações em relação aos pontos hiperálgicos que se
aproximavam muito das descobertas da neuro-patologia de seu tempo.
Como já apontado no parágrafo 5 dos núcleos conceituais básicos do
método epidêmico, os pontos de dor expressavam, segundo a teoria do
sistema de Weihe, estado de excitação dos gânglios simpáticos,
ocasionado pela influência do Genius Epidemicus sobre esses gânglios.
Assim, Schoeler (1955) cita Leeser (1888) para exemplificar a
semelhança de pensamento de Weihe e seus discípulos e as observações
de Head, Mackenzie, Soulié de Morant e v. Staa por ele percebida:

“ Como consequência desses estados de excitação dos gânglios,


nós temos uma alteração dos órgãos alimentados por fibras
tróficas transmitidas pelo sistema nervoso, os gânglios em
questão, e cuja alteração nós já conhecemos como uma
aumentada sensibilidade à excitação ou uma pré-disposição a
doenças. Caso então, um órgão tenha adoecido em razão dessa
sensibilidade a danos exteriores, e nós conseguimos equilibrar
pelo Simillimum, que primeiramente faz efeito diretamente no
gânglio excitado, e secundariamente, atua em cima do órgão
adoecido, este órgão consegue reaver sua capacidade repelindo o
dano exterior adquirido, voltando a sua normalidade.”

Schoeler também afirmou que antes de Weihe, Ling (1834) e Griffin


haviam conseguido detectar algumas relações de segmentos entre órgãos
e a pele. Falava de uma literatura abrangente sobre esse assunto que
131

148
englobava toda área da neuro-patologia e da neural terapia . Ele não se
admirava da concordância, observada por Bonnet-Lemaire e depois por De
la Fuye, entre os pontos de Weihe e os pontos chineses e concluía :

“Como todos os grandes descobridores do nosso planeta


conseguiram achar somente os mesmos continentes, os mesmos
mares, as mesmas serras, etc, assim também, os geógrafos de nossa
área corporal só podem achar os mesmos pontos hiperalgéticos”
(Schoeler, 1955).

Seiler (2001) acrescenta que a fisiologia da medicina atual conhece,


não somente as mais ou menos extensas zonas de reflexos orgânicos, mas
também, áreas de reflexo puntiformes, os assim chamados pontos de
Trigger ou “tender points”. Estes, porém, são usados apenas
terapeuticamente e não para diagnóstico. Sua relação com as camadas
mais profundas do organismo é pesquisada com mais exatidão somente
com relação a determinados grupos de músculos. Uma ligação ainda pouco
esclarecida, porém, bastante complexa em relação aos órgãos internos,
certamente é também presumida. Seiler (2001) conclui a este respeito que :

“As raízes do saber, através da projeção superficial dos órgãos


internos, provavelmente, tanto na medicina do ocidente como
também no oriente, estão longinquamente no passado da medicina
holística empírica. As relações de parentesco segmentais, que são
transmitidas através da medula, entre a superfície corporal e os
órgãos internos são pois, somente o aspecto melhor
compreensível da ciência natural materialista de um princípio muito
mais amplo da medicina holística : cada modificação no interior do
organismo tem um efeito em sua totalidade e se reflete, portanto,
também em sua superfície”.

148
Cita para a discussão mais aprofundada desse tema os seguintes autores: Hansen, v. Staa,
Dittmar Sturm, Veil, Siegmund, v. Puttkamer, Dicke, leube, Mozer entre outros.
132

A relação dos pontos de Weihe com a biomedicina através das


zonas de Head e dos pontos Trigger merece ser aprofundada e já se
encontra na acupuntura brasileira grupos de discussão que demonstram
interesse no tema.
Uma presença presumível dos pontos de Weihe na origem do
sistema diagnóstico da Eletroacupuntura representa um outro campo a
pesquisar. O Dr. Reinhold Voll (1909-1989), familiarizado com a Acupuntura
da Medicina Chinesa inventou o Diatérmicoacupuntor, um instrumento
desenhado para esquematizar e verificar a relação dos pontos de
acupuntura com seus órgãos e sistemas correspondentes. Pontos
específicos foram carregados com corrente direta de 8-10 microamperes
(aproximadamente 1 volt), resultando numa medida de resistência através
do meridiano de acupuntura. Existem 361 pontos clássicos de acupuntura
na superfície corporal, situados em várias localizações ao longo de 14
meridianos. Voll não só verificou a presença desses pontos como descobriu
centenas de outros. É, usualmente divulgado que Voll, afortunadamente,
descobriu que o medicamento homeopático, quando introduzido no circuito,
produzia uma mudança súbita na resistência dos pontos, tornando-o
crescentemente confidente em sua habilidade de diagnosticar e tratar uma
variedade de transtornos de saúde. Porém, o Dr. Voll mantinha uma viva
troca de correspondências com o Dr. Roger de la Fuye, o que também leva
a crer, que o conhecimento do método epidêmico do Dr. Weihe tenha
desempenhado um papel importante na gênese da Eletroacupuntura.
É, porém, indiscutível que o principal representante do diagnóstico
de Weihe, na atualidade, é o já mencionado Dr. Bauer da Suíça e seus
alunos. Contudo, futuros desdobramentos no sentido de verificar outras
contribuições teóricas e tecnológicas desse método necessitarão de
estudos posteriores.
133

CONCLUSÃO

A existência de pontos dolorosos na superfície corporal, como os


pontos de Weihe e os pontos dos meridianos chineses, expressa de forma
objetiva a subjetividade do paciente. A dor, entendida como sintoma
subjetivo primordial, ao apresentar-se espontaneamente em um
determinado ponto da pele, assinala na forma o desequilíbrio interno do
organismo. No caso dos pontos dolorosos, as alterações morfológicas
podem ser de caráter temporário ou definitivo e se prestam a uma leitura
dinâmica e objetiva do processo de adoecimento.
Não estaria então, justamente esse ponto de vista do paciente em
sofrimento físico, em falta no exame clínico homeopático? A subjetividade
do paciente é fundamental para esta racionalidade médica, que está
dimensionada para tratar doentes e não doenças. E, embora, a Homeopatia
parta da mesma fisiologia, anatomia e exame físico da Biomedicina, possui
concepções diferentes de corpo, saúde, doença e tratamento. Também
incorporou, ao contrário da ciência positivista, a sensibilidade, a intuição e a
emoção como meios legítimos de obtenção de conhecimento149. Portanto,
rever as dimensões da fisiologia, da morfologia, e da diagnose no que se
refere ao exame clínico, parece imperativo para o desenvolvimento da

149
Ver a esse respeito o prefácio de Marcos Queiroz em Luz (1996).
134

racionalidade médica homeopática. Assim, acredita-se que o exame clínico


homeopático deva ser orientado mais para refletir o ponto de vista do
doente e menos a objetividade fisiológica da biomedicina.
Segundo Canguilhem, a visão do doente é de quem sofre uma
alteração em seu estado de vida e esta percepção traz em si outro aspecto
relevante para a Homeopatia. Trata-se da noção de que o adoecimento é
uma condição qualitativamente diversa da saúde – e não uma alteração
quantitativa – conseqüência do desequilíbrio da força vital, que só pode ser
reparado pela escolha qualitativamente acertada da substância capaz de
promover o reequilíbrio.
Ao tomar-se a percepção de quem sofre alteração no seu estado de
vida, para caracterizar a perda da saúde, não significa descartar, nem muito
menos negar, a existência da condição latente das doenças. Mas o
potencial patológico, isto é, a doença não atualizada, não é condição
suficiente para a Homeopatia considerar o paciente livre do adoecimento.
De forma que, a definição de saúde como a vida no silêncio dos órgãos é
considerada incompleta e inadequada para a medicina de Hahnemann.
O adoecimento é um processo sutil, originalmente energético, mas
que, ao manifestar-se, pode fazê-lo através de pequenas alterações
funcionais, transitórias, sentidas pelos pacientes, seja como uma dor ou um
incômodo, seja por sintomas mentais ou gerais subjetivos. O homeopata é
treinado, portanto, para revelar com base na subjetividade do próprio
paciente, as manifestações do seu adoecimento, por vezes, até mesmo,
surpreendendo-o.
Porém, isto não quer dizer que o adoecimento é definido segundo o
ponto de vista do médico, que informa a seu paciente da existência de uma
doença. Trata-se da tarefa homeopática de revelar os fenômenos
presentes, decorrentes da desarmonia da força vital, àqueles que
naturalizaram seus sofrimentos ao ponto de não reconhecê-los quando se
manifestam, justificando as alterações de suas vidas inteiramente na
exterioridade – nas condições da vida moderna, no stress, na solidão, etc.
Por outro lado também, cabe ao homeopata, em alguns casos, permitir a
seu paciente resignificar doenças e limitações, integrando-as ao processo
135

da vida, ou seja, através da terapêutica, adaptar o doente a uma nova


ordem.
Elucidar a dor física para a discussão dos pontos dolorosos é uma
tarefa fundamental pois, se faz necessário determinar seu valor.
Canguilhem (2000), discute esta questão quando apresenta as concepções
de Leriche, para quem a dor é “a resultante do conflito entre um excitante e
o indivíduo todo “, contrapondo a idéia de que ela é apenas uma impressão
recolhida em um ponto do corpo, sem relação com a atividade do paciente
que a sente. A dor pode ser uma ilusão, e por isso não ter um valor
absoluto e definidor do transtorno fisiopatológico que lhe corresponde, mas
ainda sim é um sentido vital, algo que se passa ao nível da
unidade/totalidade do sujeito.
Os pontos dolorosos, tanto os de Weihe, quanto os chineses e os de
De la Fuye, sugerem, na análise de seu aparecimento espontâneo em um
paciente, um comportamento modificado do todo desse sujeito. Esta
concepção do ponto de dor como um sentido vital, mesmo que ilusório do
ponto de vista do fisiologista, confere-lhe valor de sintoma homeopático
geral, de alta hierarquia porque carregado ainda com o conteúdo do
imaginário do sujeito.
Outro elemento central de discussão neste estudo foi a aproximação
de duas racionalidades médicas. Não teria a Medicina Chinesa, com a
teoria dos meridianos e seus pontos, a medida que afirma a existência de
uma fisiologia energética não suficientemente elaborada pela Homeopatia,
um papel de colaboração relevante para o desenvolvimento conceitual da
dimensão da fisiologia da racionalidade homeopática?
Um ponto em comum e de grande importância para essa discussão
é o fato de que tanto a Homeopatia quanto a Medicina Chinesa dependem
da reação vital do organismo à um estímulo – seja esse estímulo as
potências homeopáticas ou as agulhas nos pontos de acupuntura – para
iniciar uma ação curativa. Portanto, ambos sistemas terapêuticos baseiam-
se na vitalidade do organismo, vitalidade essa que permeia cada célula e
cada espaço intercelular.
Trata-se de uma unidade viva e não apenas uma reunião de órgãos,
vísceras, e tecidos em aparelhos e sistemas. Compartilhar o paradigma
136

vitalista não significa, porém, que não exista, nas racionalidades em


questão, uma sistematização da idéia de unidade vital. Deve-se
sistematizar para melhor compreender a natureza do desequilíbrio interno e
permitir uma terapêutica mais eficaz.
A Medicina Chinesa sofreu ao longo do seu desenvolvimento um
processo de sistematização que permitiu uma elaboração conceitual da
dimensão da fisiologia. Ao confrontar seus vários sistemas diagnósticos,
baseados nas teorias fisiológicas, alcançou um bom nível de confiabilidade
diagnóstica e encontra-se a esse respeito mais desenvolvida do que a
Homeopatia. A medicina hahnemanniana, por outro lado, possui a
dimensão da terapêutica bastante desenvolvida embora, ainda tenha muito
que elaborar conceitualmente para ampliar sua confiabilidade diagnóstica.
Apesar de não se conhecer pesquisa a esse respeito, observa-se na
prática um baixo nível de coincidência entre os diagnósticos
medicamentosos – o único diagnóstico genuinamente homeopático – de
diferentes médicos homeopatas para um mesmo caso clínico.
Além do diagnóstico medicamentoso, também o diagnóstico da
patologia é considerado em Homeopatia, embora este último colabore
muito pouco para a escolha do medicamento. O que é determinante aqui é
o relato subjetivo do paciente fornecido na entrevista homeopática. Assim,
não existe outro sistema diagnóstico que concorra com o medicamentoso e
possa colocá-lo em cheque ou que sirva de contra prova.
Para que possa surgir novos sistemas diagnósticos é necessário
uma teoria fisiológica dos sintomas homeopáticos. Vale lembrar, mais uma
vez, que Hahnemann colocava-se energicamente contrário a essa idéia
pois, tomava qualquer elaboração conceitual nos termos da ciência
moderna, isto é, teorias explicativas da causa das doenças. Passados
duzentos anos, a medicina hegemônica da nossa cultura ainda trabalha
com o conceito de causalidade, mas esta não é em absoluto a única opção
existente. É dessa maneira que a aproximação com outra racionalidade
médica como a Medicina Chinesa que compartilha o mesmo paradigma, o
da vitalidade, pode colaborar. Novas opções conceituais, portanto, podem
ser estudadas e pensadas segundo as necessidades de desenvolvimento
da Homeopatia.
137

Apesar da afirmação da existência da força vital, de seu papel


determinante no adoecimento e na cura, e até mesmo da distinção de um
movimento de interiorização e ascendência da sintomatologia no
adoecimento e um movimento de exteriorização e descendência na cura,
uma teoria fisiológica homeopática que, correlacione de forma mais efetiva
o desequilíbrio qualitativamente específico da força vital com suas
manifestações no doente, deve ser desenvolvido. O desenvolvimento desta
dimensão geraria uma mesma base conceitual a partir da qual poderiam
surgir novos sistemas diagnósticos, ou mesmo a ampliação de algum
diagnóstico já praticado – por uma parcela da comunidade homeopática – à
medida que adquira respaldo científico.

Voltando-se a atenção para a utilização diagnóstica e terapêutica dos


pontos cutâneos dolorosos – sejam eles espontâneos, sejam provocados
pela pressão digital – praticada pela Medicina Chinesa, percebe-se que só
através de minuciosa e rigorosa observação dos doente, durante longo
período da história dessa racionalidade médica, e de dedicação paciente ao
trabalho empírico pôde ser construído o conhecimento dos pontos e
formulado o conceito dos meridianos. Assim, sob este perfil médico,
brotou o mapa de pontos sobre a superfície corporal no Oriente. E no
Ocidente onde se negligenciava a observação empírica, a descoberta,
praticamente dos mesmos pontos, só poderia acontecer no abrigo de uma
racionalidade médica que também privilegiava o minucioso e paciente
estudo empírico da totalidade dos fenômenos manifestados nos doentes e
experimentandos.

O Dr. Weihe, ignorando a Acupuntura pôde reinventá-la. Mas de certo


gastou muito do seu tempo na articulação da descoberta dos pontos com a
terapêutica medicamentosa e no desenvolvimento das teorias que seriam
rejeitadas após alguns anos de discussões pela comunidade homeopática
alemã. Apesar das críticas, Weihe manteve-se em seu caminho e angariou
simpatizantes e colaboradores que levaram seu sistema para a França
onde, pelo que mostra a história, os homeopatas sofriam menor
patrulhamento doutrinário pelos seus pares. De forma que, uma maior
138

permissividade conceitual permitiu nascer uma síntese, um tanto acrítica,


pode alguém dizer, mas ainda assim muito interessante, entre o método
Epidêmico e a Acupuntura.

Vale dizer, que o desenvolvimento do sistema de pontos dolorosos de


Weihe, mostrado nesse estudo, percorreu um caminho original até a
Medicina Chinesa, sempre na tentativa de buscar princípios terapêuticos
mais eficazes.

A trajetória dos pontos de Weihe guarda uma relação com a própria


Homeopatia no que diz respeito ao fato de levantarem questões e
problemas no meio médico onde nasceram. A Homeopatia, para a medicina
positivista, e o sistema de Weihe, para a própria Homeopatia, apresentaram
uma incômoda proposta de saída da idade de ouro. Para tal, deveria
mexer-se no mito guardião da ordem vigente e lançar-se na busca da
compreensão ampliada dos fatos da vida. Não fazê-lo pode, porém,
significar estagnação para a racionalidade médica dominante ou
enrijecimento dogmático e a perda da chance de revitalização.

Naquela época não foi possível avaliar e aprofundar a contribuição,


inovadora para a Homeopatia, que os pontos de Weihe traziam. Espera-se
que este estudo tenha resgatado a sua trajetória, e uma vez despertado o
interesse pelo desenvolvimento conceitual da Homeopatia, espera-se
também que a mesma seja, em algum momento, revisitada para o
necessário mergulho nas questões por ela levantadas.
139

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