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Rio de Janeiro
2013
Iara Costa Leite
Rio de Janeiro
2013
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/ BIBLIOTECA IESP
CDU 378.245
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta tese,
desde que citada a fonte.
_____________________________________________ _____________________
Assinatura Data
Iara Costa Leite
O envolvimento da EMBRAPA e do SENAI na Cooperação Sul-Sul: da indução à busca
pela retroalimentação
Tese apresentada, como requisito parcial para
a obtenção do título de Doutora, ao Programa
de Pós-Graduação em Sociologia e Ciência
Política, da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. Área de Concentração: Ciência
Política.
____________________________________________________
Prof. Dr. Carlos Roberto Sanchez Milani
Instituto de Estudos Sociais e Políticos - UERJ
____________________________________________________
Prof. Dr. José Flávio Sombra Saraiva
Universidade de Brasília
____________________________________________________
Profa. Dra. Letícia de Abreu Pinheiro
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
____________________________________________________
Profa. Dra. Miriam Gomes Saraiva
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro
2013
DEDICATÓRIA
Ao meu filho Samuel, por ter me proporcionado momentos preciosos de leveza e de alegria
durante esta empreitada.
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora, Maria Regina Soares de Lima, pela confiança e pelo apoio.
Aos professores e funcionários do IESP, pelo apoio e pela formação.
Aos professores, funcionários e alunos do Instituto de Relações Internacionais da
Universidade de Brasília, que me acolheram como professora substituta, permitindo que eu
me acercasse do meu objeto de estudo, além de terem me oferecido a valiosa oportunidade de
aprofundar meus conhecimentos sobre Economia Política, História das Relações
Internacionais e Organizações Internacionais, os quais viriam influenciar várias das reflexões
desta tese.
Aos alunos, professores, pesquisadores e funcionários de organizações que me
ofereceram preciosas oportunidades de intercambiar reflexões sobre os temas da Cooperação
Sul-Sul e da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento. Em especial, agradeço a:
Bruno Ayllón (IUDC); Monica Hirst (Di Tella); Alejandra Carrillo, Celia Almeida, Gracy
Rojas e José Paranaguá (Fiocruz); Roberta de Freitas (OPAS); Alberto Kleiman, Mauro
Figueiredo e Pollyana Kessy (Ministério da Saúde); Aline Soares, Ivone Alves e Luís
Carvalhal (MDS); Darana Souza, Fabio Veras, Karla Correa, Leisa Pearch, Mariana Hoffman
e Rathin Roy (IPC-IG); Bernabé Malacalza e Miguel Lengyel (Flacso Argentina); Renato
Baumann e Carlos Mussi (CEPAL); Márcio Corrêa (ABC); Francesco Pierri, Leonardo
Batista, Savio Costa e Thomas Patriota (MDA); Nathalie Beghin (INESC); Kjeld Jacobsen
(IDECRI); Rodrigo Pires (UCB); Adriana Abdenur, João Moura, Jurek Seifert, Paolo de
Renzio e Paulo Esteves (BRICS Policy Center); Miriam Faid (IHEID); Alex Shankland,
Jennifer Constantine, Katia Taela, Lidia Cabral e Liz Navas-Aleman (IDS); Eduarda Hamann
(Instituto Igarapé); Cristina Elsner e Melissa Andrade (Rede de Humanização do
Desenvolvimento); Guilherme Schmitz e João Brígido (IPEA); Carlos Aguilar, Nina Best e
Simon Ticehurst (Oxfam); Vanessa Coelho (UFRGS); Dan Bradley, Darren Evans, Max
Lombardo e Michael Ellis (DFID); Anna Postelnyak e Jason Li (Universidade de Toronto);
Alexandre Takahashi (JICA); Edu Tadeu (ABM); Alessandra Magagnin (Unesco); Rodrigo
Perpétuo e Stephania Aleixo (SMARI/PBH); Gonzalo Berron e Jean Tible (FES); General
Santos Cruz (Exército); Capitão Sergio Carrera (PMDF); Bianca Suyama, Elisa Camarote,
Ivone Souza, Luara Lopes e Melissa Pomeroy (Articulação SUL); Enrique Maruri e Nils
Sjard-Schulz (TT-SSC); Citlali Ayala, Gabriela Sanchez e Miguel Molina (Instituto Mora);
Jaqueline Rodas (Universidade de El Salvador); Lee Mackey (UCLA); Carolina de Castro
(Cirad); Deborah Barros (Universidade de British Columbia); Janis Van der Westhuizen
(Universidade de Stellenbosch); Clarisa Giaccaglia, Gladys Lechini e Gysela Pereyra
(Universidade de Rosario); Carl Gustav Lindén e Miguel Nino-Zarazua (WIDER/UNU); Lena
Johansson (SIDA); Laura Antoniazzi (ICONE); Carlos Aurélio de Faria, Pablo Souza e
Wilson Coelho (PUC-Minas); Danilo Marcondes e Emma Mawdsley (Universidade de
Cambridge); Peter Konijin (Knowing Emerging Powers); Luize Guimarães (OPM); Leticia
Cesarino (Universidade de Berkeley); Adriana Lombardo, André Dusi e Paulo Melo
(Embrapa); Celso França, Luciana Mancini, Milton Rondó e Pedro Henrique Barbosa (MRE);
Joana Amaral (Ministério da Educação); Ana Moreli (Caixa); Elodie Brun (CERI); Christiana
Stolte (GIGA); Dana de la Fontaine (Universidade de Kassel); Michelle Morais (SDH); Ana
Flávia Barros, Cristina Inoue, José Flávio Sombra Saraiva, Jorge Arbache, Kelly Silva, Luana
Seabra, Maria Izabel Valladão, Michele Dolcetti, Pio Penna, Thaís Fernandes e Rebecca
Borges (UnB); Laura Waibish e Vera Schattan (Cebrap); Fernanda Nanci (Unilassale); Carlos
Milani (IESP); Monica Solomón (UFSC); e por último, mas não menos importante, Letícia
Pinheiro (IRI/PUC-Rio).
A todos os funcionários da Embrapa, do Senai, de organizações internacionais e de
agências de cooperação que me receberam para entrevistas.
Aos amigos que me apoiaram durante todo este processo: Adi, Cris, Cla, David,
Delma, Jana, Kerby, Lilise, Rosa, Sheyla, Sil, Zé.
Aos meus familiares, aos familiares do meu filho, à Lucia e à Tia Ju, pelo apoio com o
Samuel.
Ao CNPq e aos meus pais, pelos auxílios concedidos.
Querer o bem com demais força, de incerto jeito, pode já estar sendo se querendo o mal por
principiar.
Guimarães Rosa
Parece ser destino de todos os períodos em transição que os reformadores estejam mais aptos
a lutar por uma teoria do que a resolver um problema... Eu não represento uma teoria. Eu
represento uma ansiedade.
David Mitrany
RESUMO
LEITE, Iara Costa. The involvement of EMBRAPA and SENAI in South-South Cooperation:
from induction to the search for feedback. 2013. 381 p. Tese (Doutorado em Ciência Política)
– Instituto de Estudos Sociais e Políticos, Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2013.
INTRODUÇÃO.................................................................................................... 21
1 COOPERAÇÃO SUL-SUL E COOPERAÇÃO PARA O
DESENVOLVIMENTO INTERNACIONAL: CONCEITOS, HISTÓRIA
E MARCOS INTERPRETATIVOS................................................................... 40
1.1 O que é Cooperação Sul-Sul?.............................................................................. 41
1.2 Breve histórico da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento......... 50
1.3 Uma história tentativa da Cooperação Sul-Sul................................................. 56
1.4 Marcos interpretativos da Cooperação Sul-Sul................................................. 71
1.4.1 Os princípios da CSS e o Sul místico..................................................................... 71
1.4.2 Teorias das relações internacionais: o Sul ausente................................................. 75
1.4.3 Elaborações das teorias sociais sobre a cooperação............................................... 78
1.4.4 Análise de política externa..................................................................................... 82
1.5 Considerações finais............................................................................................. 88
2 A PARTICIPAÇÃO DO BRASIL NA CTPD: DA INDUÇÃO EXTERNA
À POLITIZAÇÃO NA ARENA DOMÉSTICA................................................ 93
2.1 A evolução histórica do sistema brasileiro de cooperação técnica
internacional: determinantes e desafios............................................................. 95
2.1.1 O sistema brasileiro de CTI antes da criação da ABC........................................... 95
2.1.2 Os condicionantes e propósitos do envolvimento brasileiro na CTPD (anos 50 a
80)........................................................................................................................... 99
2.1.3 A criação da ABC.................................................................................................. 106
2.1.4 A tentativa de “itamaratização” da ABC e as questões legais da CTPD
brasileira................................................................................................................. 108
2.1.5 Outros avanços e desafios...................................................................................... 113
2.2 O perfil da Cooperação Sul-Sul para o Desenvolvimento brasileira e o
lugar da CTPD...................................................................................................... 117
2.3 O discurso oficial: princípios, propósitos, prioridades e abordagens.............. 134
2.4 Os condicionantes domésticos do processo decisório da CTPD brasileira:
instituições, grupos de interesses e estratégias................................................... 152
2.4.1 O Governo Cardoso................................................................................................ 159
2.4.2 O Governo Lula...................................................................................................... 170
2.4.3 O Governo Dilma................................................................................................... 185
2.5 Considerações finais............................................................................................. 187
3 O ENVOLVIMENTO DA EMBRAPA NA CTPD: MOBILIZAÇÃO
ESTRATÉGICA SEM ALINHAMENTO INSTITUCIONAL....................... 193
3.1 A evolução da inserção da Embrapa na cooperação internacional: da
recepção ao intercâmbio de conhecimentos....................................................... 195
3.2 A evolução do envolvimento da Embrapa na CTPD: da indução à busca
pela inserção estratégica...................................................................................... 201
3.2.1 A evolução do componente diplomático................................................................ 207
3.2.2 A evolução do componente humanitário................................................................ 214
3.2.3 A evolução do componente estratégico.................................................................. 219
3.3 Considerações finais............................................................................................. 234
4 O ENVOLVIMENTO DO SENAI NA CTPD: DESMOBILIZAÇÃO
ESTRATÉGICA COM ALINHAMENTO INSTITUCIONAL...................... 239
4.1 Cooperação recebida: histórico e avaliação....................................................... 241
4.2 Cooperação prestada: indução, inserção estratégica e desmobilização.......... 246
4.2.1 A evolução dos componentes diplomático e humanitário...................................... 256
4.2.2 A evolução do componente estratégico.................................................................. 266
4.3 Considerações finais............................................................................................. 283
CONCLUSÃO...................................................................................................... 288
REFERÊNCIAS.................................................................................................. 301
APÊNDICE A - Breve revisão do conceito de cooperação triangular............. 325
APÊNDICE B - Sistematização de informações sobre as primeiras
instituições do sistema brasileiro de Cooperação Técnica
Internacional.......................................................................... 327
APÊNDICE C - A evolução institucional-legal da ABC................................. 330
APÊNDICE D - Informações sobre o Grupo de Trabalho Interministerial
em Assistência Humanitária Internacional............................ 333
APÊNDICE E - Informações sobre o trâmite legislativo de instrumentos
que versam sobre a assistência alimentar brasileira.............. 335
APÊNDICE F - Considerações sobre a horizontalidade na CSS e na CTPD
brasileira................................................................................ 345
APÊNDICE G - Considerações sobre as relações da Embrapa com o
CGIAR................................................................................... 348
ANEXO A - Texto completo do Decreto nº
65.476.................................................................................... 350
ANEXO B - Acordos vigentes da CTPD envolvendo o Brasil.................. 353
ANEXO C - Decretos que dispõem sobre a gestão de projetos no âmbito
de acordos de cooperação técnica com organismos
internacionais......................................................................... 356
ANEXO D - Texto da Portaria MRE n. 555............................................... 364
ANEXO E - Parcerias com Organismos Internacionais para a Execução
da CTPD brasileira................................................................ 368
ANEXO F – Evolução das maiores contribuições brasileiras para
Organizações Internacionais e Bancos Regionais................. 369
ANEXO G - Perfil da Assistência Humanitária Brasileira......................... 370
ANEXO H - Número de iniciativas da CTPD brasileira coordenada pela
ABC por país......................................................................... 372
ANEXO I - Discurso do Presidente Lula durante a Solenidade de
Assinatura de Projetos de Cooperação Técnica entre a
República Federativa do Brasil e a Organização das Nações
Unidas para a Agricultura e Alimentação – FAO. Palácio
do Itamaraty, 14/02/2003....................................................... 374
ANEXO J - Laboratórios Virtuais e Projetos da Embrapa no Exterior..... 377
ANEXO K - Melhores práticas: cooperação recebida pelo Senai a partir
da década de 90..................................................................... 378
21
INTRODUÇÃO
1
Ambas os grupos foram formados com o fim de fortalecer a posição de países em desenvolvimento nas
negociações agrícolas no âmbito da OMC. Informações detalhadas sobre ambos os grupos podem ser acessadas
em OMC (2013).
2
A participação das exportações Sul-Sul nas exportações mundiais praticamente dobrou entre 2001 e 2011,
passando de 13% para quase 25% (UNCTAD, 2013). O comércio Sul-Sul é apontado como o segmento mais
dinâmico do comércio mundial, tendo seu valor total crescido a uma média anual de 19,3% (17,5% se o
comércio com a China for excluído) na última década, ao passo que as exportações dos países em
desenvolvimento para países de renda alta cresceram a média de 11% ao ano (BANCO MUNDIAL, 2013a).
3
Os Investimentos Estrangeiros Diretos Sul-Sul passaram de 25% dos investimentos globais em 2007 para 34%
em 2010 (AYKUT, 2011).
4
Na definição do Comitê de Assistência ao Desenvolvimento (CAD) da Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), a qual será abordada no Capítulo 1, a AOD refere-se a doações e
empréstimos concessionais oficiais a países em desenvolvimento que tenham como objetivo central promover o
desenvolvimento e o bem-estar nesses países. Os fluxos de AOD também incluem a chamada “cooperação
técnica” – desembolsos para educação e treinamento de nacionais de países em desenvolvimento e pagamentos
feitos a consultores, assessores, professores e administradores, incluindo equipamentos, que atuem em países em
desenvolvimento (CAD, 2013a). Os desembolsos de AOD que tiveram como origem governos dos países do Sul,
ou os chamados “novos parceiros do desenvolvimento”, passou de 1,7% dos fluxos mundiais de assistência em
1995 para 12% em 2008. Neste ano, a AOD oferecida pela Arábia Saudita (US$ 5,6 bilhões) foi maior do que as
contribuições realizadas por 15 dos 23 países que integram o CAD; a AOD oferecida pela China (US$ 3,8
bilhões) foi maior que as realizadas por 11 países do CAD; e a Coreia do Sul e a Turquia, cada um, destinaram
mais AOD do que quatro países do DAC. Ao todo, os quatro países contribuíram com US$ 11 bilhões no ano de
2008 (PARK, 2011).
5
O Sul global não se refere a categoria geográfica, mas ao agrupamento de países em desenvolvimento (países
de renda média e países de renda baixa). O mesmo vale para o caso do “Norte”, agrupamento dos países
desenvolvidos ou de renda alta. Para mais detalhes sobre essas classificações, ver BANCO MUNDIAL (2013b).
22
Boa parte dos estudos sobre as relações Sul-Sul realizados por acadêmicos brasileiros
vem sublinhando o papel das parcerias e coalizões com outros países emergentes6 e em
desenvolvimento na busca pela autonomia em relação às grandes potências, em especial os
Estados Unidos, e por mudanças na geografia internacional do poder e na governança global
em favor dos países em desenvolvimento (ALTEMANI, 2006; LIMA, 2005a, 2008; LIMA;
HIRST, 2006; OLIVEIRA; ONUKI, 2013; OLIVEIRA, 2005; PECEQUILO, 2008;
SARAIVA, M., 2007; VIGEVANI; CEPALUNI, 2007). Por seu turno, estudos focados na
Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (CID) ou, mais particularmente, na
cooperação técnica prestada pelo Brasil a outros países em desenvolvimento,7 apontam seu
papel como instrumento para o estreitamento de laços econômicos e políticos com outros
países e regiões em desenvolvimento e para a projeção internacional do Brasil (BARBOSA,
P., 2011; CERVO, 1992; IGLESIAS PUENTE, 2010; LIMA, 2010; VALLER FILHO, 2007).
Com relação aos determinantes da guinada recente da política externa brasileira para o
Sul, apontam-se fatores estruturais, como o unilateralismo norte-americano no pós-11 de
setembro (ALDEN; VIEIRA, 2005; OLIVEIRA, 2005; VIGEVANI; CEPALUNI, 2007), e
domésticos, destacando-se a relação entre a aproximação com outros países em
desenvolvimento e elaborações tradicionais do Partido dos Trabalhadores (PT) (ALMEIDA,
P., 2004), as quais, por sua vez, convergem com visões autonomistas da diplomacia brasileira
(LIMA, 2005a; SARAIVA, M., 2007, 2010; VIGEVANI; CEPALUNI, 2007).
Apesar de não possuírem características econômicas, sociais e políticas homogêneas, os países do Sul
compartilham de um conjunto de vulnerabilidades e desafios no que se refere ao seu desenvolvimento (PNUD,
2004), o que se configura como uma das razões para a referência a eles como categoria analítica.
6
Os atributos comuns dos países emergentes ou “novas potências” são: reação ao status quo, marcado por
valores ocidentais e pelo liberalismo; insatisfação geopolítica; compartilhamento de trajetória histórica direta ou
indiretamente ligada ao Movimento dos Não-Alinhados, à diplomacia terceiro-mundista e à Nova Ordem
Econômica Mundial; e pertencimento a grupo intermediário de países no que se refere à renda per capita
(MILANI, 2012d).
7
Ver Nota 4. O diplomata brasileiro Iglesias Puente (2010, p. 74) define a Cooperação Técnica Internacional
(CTI) como “Um processo multidisciplinar e multissetorial que envolve, normalmente, um país em
desenvolvimento e outro(s) ator(es) internacionais (país ou organização multilateral), os quais trabalham juntos
para promover, mediante programas, projetos ou atividades, a disseminação e transferência de conhecimentos,
técnicas, experiências bem-sucedidas e tecnologias, com vistas à construção e desenvolvimento de capacidades
humanas e institucionais do país em desenvolvimento, despertando-lhe, dessa forma, a necessária autoconfiança
que contribua para o alcance do desenvolvimento sustentável, com inclusão social, por meio da gestão e
funcionamento eficazes do Estado, do sistema produtivo, da economia e da sociedade em geral”. Iglesias Puente
diferencia a CTI de outras modalidades da CID: assistência humanitária, ajuda alimentar, cooperação financeira
e cooperação científica e tecnológica. O CAD não inclui a cooperação científica e tecnológica como modalidade
da AOD, a qual engloba a transferência de tecnologias destinadas à solução de problemas elementares do
desenvolvimento, classificada pelo CAD como cooperação técnica.
23
10
O governo brasileiro resistiu, por exemplo, à introdução da graduação na CID, que pregava que o foco da
comunidade de doadores deveria ser os países de menor desenvolvimento relativo. Conforme veremos no
Capítulo 2, com a introdução da graduação o governo brasileiro passaria a ter de arcar com custos crescentes
para receber cooperação, além de ter de se comprometer a replicar a cooperação recebida em terceiros países em
momento subsequente. O governo brasileiro também resistiu a diretrizes que demandavam foco nas chamadas
Necessidades Humanas Básicas (NHBs), as quais se afastavam de perspectivas do desenvolvimento defendidas
tradicionalmente pelas elites brasileiras (crescimento econômico e desenvolvimento científico e tecnológico).
11
Essa interpretação baseia-se na premissa de que a OCDE responde aos interesses dos países mais poderosos.
Não obstante, o poder de definição de agenda por parte da OCDE, assim como outras burocracias internacionais
em geral, resulta, em grande medida, do conhecimento acumulado em temas específicos do desenvolvimento. O
mesmo vale para o Banco Mundial, outra organização central na produção de conhecimentos sobre a efetividade
da CID. O papel do conhecimento na produção das normas internacionais é amplamente explorado pela literatura
sobre as organizações internacionais. Ver, por exemplo, BARNETT; FINNEMORE, 2004; HAAS, 1990; e, no
caso específico da OCDE, MARTENS; JACOBI, 2010.
12
Os estudos sobre a efetividade da CID foram tradicionalmente realizados, em think tanks especializados no
tema do desenvolvimento internacional e em organizações internacionais, por economistas e por especialistas em
áreas diversas do desenvolvimento (no âmbito dos chamados “estudos do desenvolvimento”). Os principais
debates giraram em torno de como garantir que CID promovesse, de fato, o desenvolvimento dos países
recipiendários, particularmente dos países menos desenvolvidos (localizados atualmente, na sua maioria, na
África Subsaariana). Uma das razões centrais apontadas para a ineficácia da CID seria o fato de ser utilizada
como instrumento de influência econômica e geopolítica dos países doadores, em detrimento das reais
necessidades dos recipiendários. A incidência de interesses próprios por parte dos doadores – inclusive no caso
25
coadune com visão tradicional sustentada pela diplomacia brasileira e pelos países do Sul
Global nas suas relações com o Norte (em especial nas suas relações com as grandes
potências), ela vai ao encontro da própria visão sobre a CTPD como instrumento de política
externa.
Entretanto, a incidência de interesses sobre a CTPD brasileira é vista como não
deletéria ao desenvolvimento dos países parceiros, na medida em que: basear-se-ia em
interesses de cunho político e identificados com aqueles sustentados pelos países em
desenvolvimento como um todo; por ainda ser país em desenvolvimento e contar com
recursos restritos para a prestação de cooperação, o Brasil focaria sua ação no apoio ao
desenvolvimento de capacidades institucionais dos países parceiros. Esse foco, por sua vez,
converge com uma segunda ideia emanada do paradigma tradicional da CID: a visão de que a
cooperação técnica, ao focar o fortalecimento de capacidades que tendem a se autossustentar
após a retirada do apoio externo, promove a autonomia dos países parceiros.
Do ponto de vista do Brasil como prestador de CTPD, embora o discurso ressalte seus
custos reduzidos,13 a questão é que boa parte das instituições nacionais que são convocadas a
de organizações internacionais, que disputam acesso a recursos que garantam a continuidade e a expansão de
suas atividades – levaria à competição entre eles por resultados rápidos, desconsiderando a construção de
processos que garantam a sustentabilidade das iniciativas e gerando altos custos de transação devido a
duplicação de esforços e absorção das burocracias dos países recipiendários por uma série de missões e
atividades de prestação de contas. Segundo estimativas, mais de 80 mil projetos de cooperação são executados
anualmente por pelo menos 56 doadores com 197 agências bilaterais e 263 agências multilaterais. Em 2007, foi
realizada uma média de 263 missões por país, tendo os oficiais responsáveis dos países recipiendários dedicado
entre um terço e metade de sua jornada de trabalho para se reunir com doadores (KHARAS; MAKINO; JUNG,
2011). No que se refere aos interesses comerciais dos países doadores, seus efeitos deletérios ao
desenvolvimento dos recipiendários resultariam do direcionamento de créditos concessionais para o
financiamento de projetos sobrevalorizados, com pouco impacto sobre o desenvolvimento e gerando aumento do
endividamento externo dos recipiendários. Dois acordos internacionais limitaram a orientação comercial da
ajuda: o Acordo de Helsinki (1991), negociado sob a liderança da OCDE; e recomendação emitida em 2001,
após reunião de alto nível do CAD/OCDE, pela desvinculação da ajuda (empréstimos concessionais vinculados à
compra de equipamentos e bens dos países doadores) a países menos desenvolvidos. Nenhum desses acordos,
contudo, tocou nos temas da assistência técnica e da ajuda alimentar (LANCASTER, 2007a). A Declaração de
Paris (2005), também negociada sob os auspícios do CAD/OCDE, reiterou o compromisso da recomendação de
2001 para a diminuição das práticas da ajuda vinculada, além de ter convocado os países recipiendários a se
apropriarem da ajuda por meio da elaboração de planos nacionais de desenvolvimento e, os países doadores, a se
alinharem a esses planos.
13
Em 2005, ano marcado pelo auge do revigoramento orçamentário da ABC no período analisado pelo
diplomata Iglesias Puente (1995-2005), o orçamento do MRE representou 0,4% do orçamento da União, ao
passo que a ABC teve 2,4% do orçamento do MRE. Isso significa que, naquele ano, o orçamento para a CTPD
absorveu 0,009% do orçamento da União. Donde o diplomata conclui que “a cooperação técnica é, por natureza,
menos onerosa do que outras modalidades de cooperação para o desenvolvimento. No caso brasileiro, a CTPD é
relativamente modesta no que se refere ao item ‘equipamentos’ [...] e não envolve doações financeiras [...].
Portanto, representa custos muito pequenos, de impacto marginal no orçamento público” (IGLESIAS PUENTE,
2010, p. 250). O cálculo realizado por Iglesias Puente, contudo, não computou horas técnicas e outros gastos
realizados pelas instituições brasileiras implementadoras da CTPD.
26
implementá-la, e que cobrem parte substantiva dos seus custos,14 possui estrutura voltada a
promoção do desenvolvimento doméstico. Isso não havia impedido que essas instituições se
envolvessem na prestação de cooperação de forma pontual e “autônoma” no passado. Na
década de 2000, contudo, entidades brasileiras passaram a receber demandas exponenciais em
razão da divulgação crescente de suas experiências no âmbito externo e da elevação destas a
instrumento de política externa. Com isso, instalou-se conflito entre as estruturas e os
regimentos internos de tais entidades, que limitam sua atuação ao desenvolvimento
doméstico, e a necessidade de disponibilizarem volume crescente de seus recursos humanos
para a promoção do desenvolvimento internacional.
Por um lado, embora a busca pelo desenvolvimento nacional se configure como
baluarte central da diplomacia brasileira, os benefícios da CTPD para o mesmo aparecem de
forma difusa no discurso diplomático, o que dificulta alinhamento com as missões das
instituições envolvidas na implementação da CTPD brasileira. Por outro lado, essas próprias
instituições deixam de ser reativas às demandas recebidas da ABC e passam a desenhar
estratégias para triar ou mesmo para induzir demandas que guardem relação com seus
próprios objetivos, no que acabam entrando em conflito com instâncias decisórias, com outras
instituições implementadoras e com premissas relacionadas ao paradigma tradicional da CID.
Esse paradigma, contudo, está em processo de transição em razão de uma conjunção
de fatores: a crise econômica que atinge os países desenvolvidos, comprometendo sua
capacidade de seguir financiando organizações que coadunam com tal paradigma; a
emergência da China e de outros países do Sul como atores relevantes na promoção do
desenvolvimento internacional, mas que não compartilham das bases normativas do
paradigma tradicional da CID; o apelo crescente, por um lado, de estudos apontando que este
paradigma pode criar ou alimentar dinâmicas que comprometem o desenvolvimento
autônomo de países recipiendários15, e, por outro, da Cooperação Sul-Sul (CSS) como modelo
alternativo ao “assistencialismo” que seria característico de tal paradigma.16
14
Segundo estimativas da ABC, em média mais de 80% dos custos das iniciativas de CTPD sob sua coordenação
seriam cobertos pelas entidades nacionais que prestam cooperação por meio de cessão de horas-técnicas de seus
funcionários, disponibilização de infraestrutura para realização de cursos de capacitação e fornecimento de
equipamentos, entre outros. A ABC responsabiliza-se por gastos com passagens, diárias, materiais de
capacitação e equipamentos (IGLESIAS PUENTE, 2010).
15
Ver, por exemplo, MOYO, 2009.
16
Ver MAWDSLEY, 2012.
27
17
Por politização da CTPD será entendida a proliferação de atores domésticos, governamentais e não
governamentais, que se interessam e disputam acesso ao processo decisório da CTPD. A nota 8 contém breve
enumeração dos fatores que contribuíram para a emergência da politização da política externa no Brasil de forma
geral.
28
18
Adotou-se, aqui, a expressão utilizada pela EMBRAPA para referência a ações “desinteressadas” de apoio ao
desenvolvimento internacional, no sentido de que o Brasil, como país de maior nível de desenvolvimento
relativo, teria obrigação moral de ajudar os mais pobres, retribuindo a eles a cooperação recebida de países mais
ricos no passado.
30
Nesse sentido, acredito que esta tese vem complementar pesquisas realizadas por
outros acadêmicos brasileiros na tentativa de entender as adaptações institucionais realizadas
pelas agências responsáveis pela condução da política externa no contexto da diversificação
temática e geográfica da inserção externa do Brasil.19 O foco não será apenas o Itamaraty, mas
também a forma como dois parceiros privilegiados da CTPD brasileira, EMBRAPA e SENAI,
perceberam e se adaptaram institucionalmente à convocatória para atuarem como agentes da
política externa brasileira.
A primeira hipótese que norteia esta tese é que, ainda que EMBRAPA e SENAI
tenham sido convocadas pela diplomacia brasileira para atuarem como agentes de política
externa, ao buscarem se colocar de forma mais proativa no processo decisório da CTPD
entraram em conflito com:
a) a ABC, que como viu-se herdou aspectos normativos do paradigma
tradicional da CID, colocando-se de forma contrária à incidência de interesses
de ordem econômica na CTPD brasileira, incidência esta que também é
repudiada pelo discurso diplomático brasileiro;
b) o MRE, que se coloca como espécie de “poder moderador” na definição
do “interesse nacional” e que, no caso da CTPD, acabou se pautando mais pelo
objetivo de atingir propósitos diplomáticos do que de garantir a eficácia das
iniciativas em campo, para a qual seria necessário maior planejamento e
envolvimento das agências implementadoras nas decisões relacionadas a novas
iniciativas.20 Ainda assim, esses conflitos teriam sido mitigados pelo fato de
EMBRAPA e SENAI, além de terem acumulado conhecimento sobre dezenas
de países com os quais o Itamaraty não mantinha tradição contínua de
relacionamento, serem percebidos pelo MRE como agentes que coadunam com
19
Esse é o foco, por exemplo, das pesquisas conduzidas pela Rede Expansão, Renovação e Fragmentação das
Agendas e Atores da Política Externa (Rede AAPE). Ver PINHEIRO; MILANI, 2012. Ver também: FARIA,
2012; FARIA, NOGUEIRA; LOPES, 2012; SALOMÓN; NUNES, 2007; VIGEVANI, 2006.
20
Corrêa (2010, p. 39-41) assinala a existência de “segregação de funções entre o segmento político e
operacional da prática da cooperação internacional”. Apesar de os técnicos (nível operacional) se envolverem
diretamente no planejamento e na execução das ações, reunindo conhecimentos sobre o que funciona e sobre o
que não funciona, possuem baixa incidência sobre o processo decisório. As instâncias políticas atuariam em
nível abstrato, enunciando princípios e compromissos (não intervenção, respeito aos valores locais, promoção do
progresso dos beneficiários etc.) que não seriam necessariamente coerentes com as iniciativas de cooperação. O
diálogo escasso entre as duas esferas acabaria por limitar “o adensamento dos debates sobre a efetividade da
cooperação para o desenvolvimento, bem como a evolução das percepções e das estratégias que a norteiam,
restringindo, em consequência, o potencial de proposição de um novo paradigma para esse indispensável
instrumento de intercâmbio entre as nações”.
31
21
O texto em língua estrangeira é: “[...] as more profitable and viable than the expansion of ties with the South”.
22
O termos constituency será usado para referir à base social, institucional/burocrática e eleitoral de apoio a
determinada política pública. Amplamente falando, o termo se refere a “qualquer grupo coeso de indivíduos
ligados por identidades compartilhadas, laços culturais, valores, interesses e lealdades comuns” (MILANI,
2012b, p. 38, nota 4).
33
centro de suas análises, e diferentemente das perspectivas que tendem a ver a política externa
como fruto de um suposto “interesse nacional”, é introduzido o papel da interação entre
ideias, instituições e interesses na formação da política da CID nos países doadores.
Resgatando-se a complexidade de seus determinantes domésticos, deixa de ter sentido
entendê-la sob o prisma das motivações (egoísmo x altruísmo).
Complexidade adicional se impõe quando se tenta entender a interação entre
determinantes domésticos na conformação da cooperação em países que ainda não contam
com políticas, sistemas e aparatos burocráticos consolidados para elaborarem objetivos claros
em frentes de ação externa marcadas pela crescente ampliação setorial e geográfica. Essa
lacuna abre, sem dúvida, espaço para a influência de grupos que acumulem conhecimentos
sobre setores e países específicos, embora o acesso ao processo decisório seja também
permeado por outras dinâmicas, tanto domésticas quanto globais.
O segundo capítulo buscou mapear a evolução histórica da interação entre
determinantes externos (evolução normativa do paradigma da CID, contexto econômico
global) e domésticos (instituições, ideias, interesses) na configuração do envolvimento
brasileiro na CTPD. As narrativas oficiais acerca da CTPD como instrumento de política
externa são contrastadas com o que parece ter sido uma postura histórica reativa do Itamaraty
em relação a uma agenda que não lhe era prioritária, mas cuja apropriação se tornou
imperativa diante do alinhamento entre pressões externas e domésticas por um maior
engajamento do Brasil na seara. Essas pressões, embora presentes há décadas, adquiriram
maior visibilidade nos anos 2000, com a confluência entre o lançamento dos Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio (ODMs), a crise das abordagens tradicionais à cooperação, a
brecha aberta na esfera internacional para a atuação de países emergentes e o fato de a CTPD
ter se tornado um dos baluartes centrais da inserção internacional do Brasil durante o Governo
Lula. Esse cenário abriu espaço não apenas para maior participação de outros atores nacionais
na cooperação, mas também para tentativas inéditas de mapear, sistematizar e publicar ações e
gastos, alimentando o interesse de diversos setores da sociedade brasileira pelo estudo e pela
prática da CTPD.
A contraposição entre o discurso e a alocação da CTPD brasileira sob a coordenação
da ABC revela, porém, a inexistência de estratégias claras, algo que é natural diante da
apropriação recente do tema pela política externa, de uma cultura de administração pública
marcada pela falta de planejamento (e de estratégias que se sustentem, ainda que com arranjos
pontuais, através das administrações presidenciais) e de disputas crescentes por recursos e
36
pela definição do “interesse nacional” ocasionadas pela politização das agendas da política
externa, da CTPD e da CSS na arena doméstica.
Os estudos de caso sobre duas das agências mais atuantes na CTPD brasileira,
EMBRAPA e SENAI (capítulos 3 e 4, respectivamente), revelam o caráter historicamente
induzido de seu envolvimento na matéria. Nas primeiras décadas de sua existência, as
experiências de ambas as instituições passaram a ser projetadas no âmbito internacional ao
serem divulgadas por publicações e em espaços funcionais de compartilhamento de
conhecimentos construídos no âmbito de organizações e redes funcionais internacionais. A
eleição de suas experiências como válidas para outros países em desenvolvimento foi
possível, em grande medida, graças ao fato de elas próprias terem sido construídas com o
apoio de organismos internacionais e de países desenvolvidos, que em seguida as replicavam
em outros países em desenvolvimento. A partir do Governo Cardoso, no caso do SENAI, e do
Governo Lula, no caso da EMBRAPA, o envolvimento dessas entidades na CTPD passa a
ganhar correspondência com o discurso diplomático e a ser induzida, em maior medida, pela
diplomacia brasileira, aumentando a divulgação de suas experiências no exterior, gerando
aumento exponencial de demandas e promovendo estruturações internas que lhes permitissem
responder a tais demandas de forma mais eficiente e eficaz.
A qualificação de funcionários em CTI, a abertura de vagas específicas para
profissionais de relações internacionais, a busca pela centralização interna de recepção e
triagem de demandas no âmbito de estruturas marcadas pela abordagem federativa e a
tentativa de traçarem estratégias próprias de resposta a demandas recebidas por canais
diplomáticos configuram exemplos de guinadas institucionais importantes realizadas pela
EMBRAPA e pelo SENAI. Essas transformações, embora impulsionadas pelo aumento
exponencial de demandas por suas experiências, contribuíram para o aprimoramento de suas
respectivas estruturas institucionais voltadas para cooperação internacional de forma mais
ampla.
Ainda que a expansão do envolvimento da EMBRAPA e do SENAI na CTPD tenha
sido induzida pela diplomacia brasileira, sua atuação mais proativa no processo decisório, em
busca da utilização da CTPD como instrumento para equacionar desafios e elevar
oportunidades identificadas em seus respectivos planejamentos estratégicos, gerou fricções
pontuais com instâncias decisórias. Estas, contudo, foram amainadas pelo fato de ambas as
instituições serem vistas, pelo MRE, como compartilhando de suas visões tradicionais sobre o
desenvolvimento, focadas nas dimensões do crescimento econômico e do desenvolvimento
37
crescentes. Assim, passa a ser construída coesão entre setores da sociedade, do Estado e da
burocracia brasileira em torno da necessidade de se promoverem as relações da Indústria com
outros países em desenvolvimento, o que pode levar a remobilização da atuação do SENAI na
vertente Sul-Sul.
Já a vertente Sul-Sul da atuação da EMBRAPA se assenta em consensos mais frágeis,
dada a polarização entre agronegócio e agricultura familiar no Brasil e dentro da própria
estatal. Essa polarização é alimentada pela polarização histórica, na arena global, entre atores
que defendem o crescimento econômico e atores que defendem a justiça social como motores
do desenvolvimento, polarização que vem se acirrando no contexto da emergência da China
como protagonista no desenvolvimento internacional.
Tendo em vista o objetivo de mapear as principais dinâmicas políticas que
condicionam a CTPD brasileira, foi seguido, sempre que possível, o desenho de pesquisa
proposto por Lancaster (2007a), buscando-se compreender a política doméstica da CTPD
brasileira em quatro vertentes: ideias, instituições, interesses e sistema nacional. Devido à
fragmentação burocrática da CTPD brasileira, optou-se por focar a sua vertente formal,
centrada na ABC/MRE. Com base em fontes oficiais, trabalhos produzidos por diplomatas
(identificados enquanto tais ao longo da tese) e por acadêmicos, jornais, análise legislativa e
outras informações agregadas pela autora durante estada de quatro anos da autora em Brasília
(eventos, reuniões, conversas informais) foi possível mapear os principais pontos e tensões
dentro de cada uma das dimensões elencadas. Tais fontes também contribuíram para que se
agregassem os principais dados disponíveis sobre o perfil da CTPD brasileira, os quais foram
contrapostos ao discurso oficial sobre as prioridades para que se pudesse entender a incidência
de instituições e de grupos de interesses específicos.
Para os estudos de caso sobre EMBRAPA e SENAI foram consultados seus
regimentos internos, planejamentos estratégicos, guias de Cooperação Internacional e
materiais diversos disponíveis nas suas respectivas páginas da internet (notícias, informes).
No caso da EMBRAPA, esse material foi complementado com a leitura de trabalhos de
conclusão de curso e outros artigos de autoria de pesquisadores da empresa, bem como dos
registros dos debates sobre a EMBRAPA Internacional realizados na Câmara dos Deputados.
Também foram realizadas entrevistas semiestruturadas, em diversos momentos, com
funcionários da SRI e da UNINTER. Não foram entrevistados técnicos das respectivas
unidades descentralizadas da EMBRAPA e do SENAI. Nesse sentido, as posições dos
funcionários de suas sedes, localizadas em Brasília, foram tratadas como posições
39
O termo “Cooperação Sul-Sul” (CSS) vem sendo usado, talvez com recorrência
inédita, por governos, organizações internacionais e entidades da sociedade civil. Em geral ele
é usado para se referir ao estreitamento de relações entre países em desenvolvimento em
diversas matérias e eixos – formação de coalizões de geometrias múltiplas, barganha coletiva
em negociações multilaterais, arranjos regionais de integração, cooperação para o
desenvolvimento, intercâmbio de políticas, cooperação científica e tecnológica, fluxo de
comércio e de investimentos privados etc.
Em particular, uma das modalidades da CSS, a Cooperação Técnica entre Países em
Desenvolvimento (CTPD), assumiu dimensão central nas narrativas globais sobre a CSS a
partir da realização da Conferência de Buenos Aires, em 1978. Tendo em vista que a
dimensão da Cooperação Técnica Internacional (CTI) foi historicamente concebida e
regulada, pelo Comitê de Assistência para o Desenvolvimento da Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (CAD/OCDE), como parte da Assistência Oficial
para o Desenvolvimento (AOD), há uma tendência de se tomar a parte pelo todo – quer dizer,
de se entender a CSS como modalidade da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento
(CID).
O objetivo deste capítulo é resgatar as múltiplas dimensões históricas da CSS e tentar
dar sentido a elas tendo como base elaborações da teoria social sobre a cooperação, por um
lado, e abordagens focadas na análise de política externa, por outro. Acredita-se que o diálogo
com (e entre) os conhecimentos produzidos pelas Ciências Sociais é fundamental para uma
compreensão mais abrangente das dinâmicas políticas e sociais que influenciam a cooperação
internacional, indo além do viés tecnicista que costuma informar o conhecimento (e as
práticas regulatórias) produzido por organizações internacionais e pelos estudos do
desenvolvimento acerca da CID e da CSS.23 A adequada compreensão dos objetivos e
23
A falta de integração entre os conhecimentos produzidos sobre a CID e a CSS e outros estudos sobre
cooperação se insere no problema mais amplo da fragmentação das Ciências Sociais. Apesar de estudarem
fenômenos iguais ou similares, sociólogos, psicólogos, antropólogos, internacionalistas, cientistas políticos e
especialistas em desenvolvimento possuem programas de pesquisas próprios, os quais não necessariamente
dialogam entre si. Com isso, as hipóteses levantadas por cada um desses programas, circunscritas a áreas e
subáreas específicas, parecem limitadas em escopo. Nesse cenário, a temática da cooperação, embora abordada
com frequência extraordinária pelas diversas áreas e subáreas das Ciências Sociais, deixa de se tornar objeto de
41
“[…] cooperação econômica e política entre países em desenvolvimento [...]. Cooperação Sul-Sul é um termo
amplo usado para descrever diversos tipos de cooperação entre países em desenvolvimento. Os mais
teorias abrangentes, o que acaba obliterando a sua própria importância como fenômeno social (SULLIVAN,
SNYDER; SULLIVAN, 2008).
24
Tomaram-se como base metodológica de formação de conceitos os trabalhos de Gerring (2001) e Goertz
(2005), embora não tenha sido possível aplicar todos os passos propostos pelos autores.
42
significativos são: cooperação entre Estados em desenvolvimento em negociações multilaterais com os países
desenvolvidos; promoção do comércio Sul-Sul; desenvolvimento de associações políticas e econômicas
regionais e a provisão de assistência para o desenvolvimento” (BOBIASH, 1992, p. 6, tradução nossa).25
“[...] cooperação política que objetiva reforçar as relações bilaterais e/ou a formar coalizões nos foros
multilaterais para obter maior poder de negociação conjunto em defesa de seus interesses [dos países
periféricos]. Baseia-se no pressuposto de que é possível criar uma consciência cooperativa que permita aos
países do Sul reforçar a sua capacidade de negociação com o Norte, por meio da aquisição de maior margem de
manobra internacional, para afrontar e resolver os problemas comuns. Como [...] a ideia de cooperação Sul-Sul é
muito ampla e multifacetada, [...] é conveniente adjetivá-la para lhe conferir maior precisão. Deste modo pode-se
abordá-la e objetivá-la em variadas dimensões, entre as quais se destacam a econômica-comercial, a técnica e
científico-tecnológica, a acadêmica e a diaspórica” (LECHINI, 2009, p. 67, tradução nossa). 26
“[...] qualquer iniciativa cooperativa entre dois ou mais países em desenvolvimento; pode ser realizada por
instituições governamentais, organizações não governamentais, universidades, profissionais independentes,
acadêmicos e pesquisadores” (MORAIS, 2009, p. 39, tradução nossa).27
“[…] uma ampla estrutura de colaboração entre países do Sul nos domínios político, econômico, social, cultural,
ambiental e técnico. Envolvendo dois ou mais países em desenvolvimento, pode acontecer em bases bilaterais,
regionais, sub-regionais ou inter-regionais. Países em desenvolvimento compartilham conhecimentos,
capacidades, competências e recursos para atingir seus objetivos de desenvolvimento por meio de esforços
concertados. Desenvolvimentos recentes da cooperação Sul-Sul ocorreram na forma de volume crescente de
comércio Sul-Sul, fluxos Sul-Sul de investimento estrangeiro direto, movimentos em direção à integração
regional, transferências tecnológicas, compartilhamento de soluções e especialistas e outras formas de
intercâmbio” (PNUD, 2011b, tradução nossa).28
“[…] países do Sul, muitos deles pobres, ajudando uns ao outros por meio do compartilhamento de
conhecimentos e capacidades técnicas ou econômicas para facilitar o desenvolvimento” (PNUD, 2011a, tradução
nossa).29
25
O trecho em língua estrangeira é: “[…] economic and political co-operation among developing countries […].
South-South co-operation is a broad term used to describe diverse types of co-operation among developing
countries. The more significant are: co-operation among developing states in multilateral negotiations with the
developed countries; promotion of South-South trade; the development of regional political and economic
associations, and the provision of development assistance.”
26
O trecho em língua estrangeira é: “[...] cooperación política que apunta a reforzar las relaciones bilaterales y/o
a formar coaliciones en los foros multilaterales, para obtener mayor poder de negociación conjunto, en defensa
de sus intereses. Se basa en el supuesto que es posible crear uma conciencia cooperativa que les permita a los
países del Sur reforzar su capacidad de negociación con el Norte, a través de la adquisición de mayores márgenes
de manobra internacional, para afrontar y resolver los problemas comunes. Como [...] la idea de cooperación
Sur-Sur es muy amplia y multifacética, [...] es conveniente adjetivarla, para darle mayor precisión. De este modo
puede abordarse y objetivarse en variadas dimensiones, entre las cuales se destacan la económica-comercial, la
técnica y científico-tecnológica, la académica y la diaspórica.”
27
O trecho em língua estrangeira é: “[…] any cooperative initiative between two or more developing countries;
it may be carried out by governmental institutions, non-governmental organizations, universities, independent
professionals, scholars, and researchers.”
28
O trecho em língua estrangeira é: “a broad framework for collaboration among countries of the South in the
political, economic, social, cultural, environmental and technical domains. Involving two or more developing
countries, it can take place on a bilateral, regional, subregional or interregional basis. Developing countries share
knowledge, skills, expertise and resources to meet their development goals through concerted efforts. Recent
developments in South-South cooperation have taken the form of increased volume of South-South trade, South-
South flows of foreign direct investment, movements towards regional integration, technology transfers, sharing
of solutions and experts, and other forms of exchanges.”
29
. O trecho em língua estrangeira é: “[…] countries of the South, many of them poor, helping each other by
sharing technical or economic knowledge and skills to facilitate development.”
43
“[…] compartilhamento de conhecimentos e recursos entre – tipicamente – países de renda média com o objetivo
de identificar práticas efetivas” (TT-SSC, 2011a, tradução nossa).30
Um primeiro elemento que se pode destacar, com base na amostragem das definições,
é que, enquanto algumas delas não precisam o sentido da palavra “cooperação”, outras a
substituem por termos correlatos: “colaboração”, “compartilhamento”, “transferência”,
“trocas”. Mas, afinal, o que é cooperação? Quais são os critérios necessários e suficientes para
que determinada relação seja classificada como cooperativa?
Fenômenos cooperativos são estudados tradicionalmente por várias disciplinas das
Ciências Sociais. A partir de revisão e sistematização de trabalhos produzidos pela Psicologia
e pela Sociologia que se dedicaram ao tema, Marwell e Schmitt (1975) apontam que quase
todos coincidem no tratamento da cooperação como um conjunto de relações entre
comportamentos e suas consequências, sendo seus dois os seus elementos básicos: o
comportamento voltado para objetivos; e a existência de recompensas para cada uma das
partes envolvidas.32 Nota-se, portanto, que o elemento da troca é essencial a qualquer
processo cooperativo, sendo que os objetivos e recompensas envolvidos podem ser de
natureza material ou imaterial (prestígio, reconhecimento).
Conforme será visto mais adiante, aplicando-se tais elementos à análise da CSS é
possível começar a dar sentido a processos de troca envolvendo entidades socialmente
organizadas baseadas nos países do chamado “Sul global”.33 Porém, cabe ressaltar, de
antemão, que os diversos contatos entre países em desenvolvimento podem ser qualificados
30
O trecho em língua estrangeira é: “[…] sharing of knowledge and resources between – typically – middle-
income countries with the aim of identifying effective practices.”
31
O trecho em língua estrangeira é: “[…] an exchange of expertise between governments, organizations and
individuals in developing nations.”
32
Ao explorar os elementos necessários para determinada relação ser qualificada como “cooperação
internacional”, Milner (1992; 1997), baseando-se no trabalho de Marwell e Schmitt (1975), entre outros, afirma
que ambos os elementos elencados – objetivos e recompensas – estariam presentes na definição de cooperação
internacional como coordenação de políticas. Na subseção 1.4.2., porém, questiona-se em que medida a
definição de cooperação internacional como coordenação de políticas é suficiente para explicar a diversidade da
CSS.
33
Para a definição de Sul Global, ver Nota 5.
44
como cooperativos apenas se ambas as partes se sentirem recompensadas pela relação; trata-
se, portanto, de uma questão empírica, e não de um pressuposto.
Um segundo elemento que se pode notar, com base na análise da amostragem de
definições de CSS apresentadas no Quadro 1, é que nem todas elas incorporam a dimensão
das relações econômicas Sul-Sul (comércio e investimentos). Uma dificuldade para se
classificarem essas relações como CSS advém da própria falta de consenso em torno da
classificação das práticas mercadológicas como cooperativas. Por um lado, as Ciências
Sociais tendem a encarar essas práticas como pautadas pela lógica da competição.34 Por outro
lado, no caso das relações econômicas envolvendo países do Sul pressupõe-se, muitas vezes,
que as trocas comerciais e financeiras entre eles seriam motivadas pela solidariedade e
escapariam, portanto, da esfera competitiva do mercado – algo que não necessariamente se
verifica em bases empíricas, conforme será visto mais adiante.
Partindo de definição ampla de cooperação como processo de troca, envolvendo
objetivos e recompensas, poder-se ia considerar que o fluxo de bens, serviços e investimentos
privados entre os países em desenvolvimento se constitua como modalidade da CSS. Como já
foi dito, contudo, em que medida determinada relação é cooperativa é uma questão empírica,
e a própria percepção sobre os ganhos advindos dela varia dentro dos Estados parceiros.
Definições mais restritas da chamada “Cooperação Econômica entre Países em
Desenvolvimento” (CEPD) a entendem como associada à ação dos governos, seja na vertente
da promoção de investimentos e do comércio, seja na vertente de sua regulação e da
coordenação de políticas econômicas entre países em desenvolvimento.35 De todo modo,
ainda que essas definições excluam ações autônomas e espontâneas do setor privado,
prevenindo dilatação excessiva do conceito de CSS, o estreitamento de laços comerciais e de
investimentos entre países do Sul é tema que tanto integra a agenda do desenvolvimento
34
Essa ideia se baseia no entendimento de que o projeto da modernidade teria sido fundado em três pilares
regulatórios: o pilar do Estado, caracterizado por relações verticais; o pilar do mercado, caracterizado por
relações horizontais e competitivas; e o pilar da comunidade, pautado por relações horizontais e colaborativas
(SANTOS, B., 2000). Vários trabalhos vêm apontando, contudo, que essa caracterização não mais permitiria
adequada compreensão das dinâmicas que operam nos três pilares (ver, por exemplo, DOMINGUES, 2004). No
caso das análises dedicadas à interação entre entes mercadológicos, aponta-se, por exemplo, que a necessidade
de promover a inovação vem favorecendo a formação de pools entre empresas de um mesmo setor, de forma a
fazer frente ao risco de não aceitação de um novo produto pelo mercado (ver, por exemplo, Castells, 1999).
35
Alguns elementos da CEPD levantados pela Secretaria-Geral Iberoamericana (SEGIB, 2008, p. 16), com base
em revisão de relatórios e declarações produzidos por organizações e fóruns internacionais, são: CSS
estabelecida no âmbito do comércio e das finanças; objetivo de dinamizar as correntes econômicas para
promover crescimento e desenvolvimento sustentável; combinação de assistência técnica com coordenação de
políticas econômicas; associação a estratégias de desenvolvimento e à integração regional.
45
36
Para uma definição e proposta de categorização de foreing aid, ver MORGENTHAU, 1962.
37
Ver, por exemplo, BUSS; FERREIRA, 2010b.
38
O trecho em língua estrangeira é: “The promoters would seem rather to have been certain political and
intellectual circles in ‘developed’ countries, who found in the word ‘assistance’, as in the word
46
‘underdeveloped’, a hint of condescension and were anxious to spare the feeling of Third World countries, and
especially of former colonies which had recently attained independence and whose newborn nationalism was
thought to be highly sensitive and ready to take offense at anything even vaguely reminiscent of their former
dependent status.”
39
Contribuições para grandes ONGs internacionais e para ONGs ativas na promoção do desenvolvimento
também são contabilizadas como AOD pelo CAD, ao passo que subsídios oficiais ao setor privado são
contabilizados como “outros fluxos oficiais”, não como AOD (CAD, 2008).
40
Embora o CAD reconheça a dificuldade de se acessarem, de forma objetiva, as reais intenções dos doadores,
tornar o propósito do desenvolvimento elemento central da definição de AOD tem por objetivo excluir fluxos
relativos, entre outros, a: ajuda militar, iniciativas de combate ao terrorismo, gastos com componentes ostensivos
das missões de paz e pesquisas não destinadas à resolução de problemas elementares dos países em
desenvolvimento (CAD, 2008).
47
Além dos fluxos financeiros, também são contabilizados gastos com cooperação
técnica, que incluem desembolsos com treinamento e equipamentos em áreas relevantes para
o desenvolvimento nos níveis técnico, secundário e terciário,43 sejam eles realizados no país
doador ou no país recipiendário; e custos administrativos dos programas, inclusive aqueles
relacionados à contratação de consultores e de outros funcionários do país doador. Por fim, o
CAD também contabiliza como AOD perdão de dívidas, assistência humanitária, gastos com
refugiados abrigados pelo país doador e programas de conscientização sobre o
desenvolvimento internacional realizados no país doador (CAD, 2008).44
Embora tenha o mérito de ser operacionalizável, proporcionando bases comuns para a
contabilização, comparação e análise dos dados fornecidos pelos países que reportam ao
CAD, a AOD não esgota o campo da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento
(CID), que engloba também: a cooperação oficial oferecida pelos países que não fazem parte
do CAD; e a chamada “assistência privada para o desenvolvimento”, realizada por ONGs,
organizações religiosas, empresas e fundações, entre outros.45
Alguns autores e instituições vêm optando por utilizar o termo “Cooperação Sul-Sul
para o Desenvolvimento” (CSSD) para referência ao engajamento de países em
41
Para uma explicação detalhada sobre a medição de concessionalidade adotada pelo CAD, ver ECOSOC, 2008.
42
No caso dos empréstimos concessionais, o CAD exclui da contabilização da AOD empréstimos concedidos a
prazos iguais ou inferiores a um ano, baseando-se na premissa de que não gerariam impactos sobre o
desenvolvimento (CAD, 2008).
43
Segundo Domergue (1968), as bolsas de estudos oferecidas a alunos provenientes de países em
desenvolvimento eram, a princípio, consideradas instrumentos de difusão cultural. Posteriormente passaram a
considerados modalidade de cooperação técnica. É muito difícil, porém, separar promoção cultural de
cooperação para o desenvolvimento. O CAD afirma não contabilizar como AOD programas culturais cujos
propósitos centrais sejam a promoção da cultura e dos valores dos países doadores. Contabiliza-se, por exemplo,
o fluxo de recursos relativo a museus, bibliotecas, escolas de artes e música e centros esportivos, ao passo que se
excluem patrocínios a concertos e a atletas (CAD, 2008).
44
Segundo estimativas, de cada US$ 100 contabilizados como AOD, apenas US$ 18,8 chegariam, de fato, aos
países beneficiários (KHARAS, 2009).
45
Para mais informações sobre a ajuda privada para o desenvolvimento ver: KHARAS, MAKINO; JUNG, 2011;
WORTHINGTON; PIPA, 2011.
48
46
Ver, por exemplo, ECOSOC, 2008.
47
Corrêa (2010) enumera outros fatores que impediriam maior articulação dos interesses dos países em
desenvolvimento no que se refere à agenda da CID: a heterogeneidade de suas respectivas realidades
econômicas, sociais e culturais; a predominância de pautas elaboradas pelos doadores tradicionais, que limita a
capacidade dos países em desenvolvimento de discutirem suas próprias abordagens ao desenvolvimento; e
49
Deveriam os países do Sul contabilizar como CSSD toda espécie de fluxos com
objetivo declarado de promover o desenvolvimento em sentido amplo e para ambas as partes
(incluindo, por exemplo, a cooperação em Ciência e Tecnologia) ou apenas aqueles fluxos
voltados para a resolução de problemas primários do desenvolvimento dos países
recipiendários, conforme sugere o CAD? O que é um problema primário de desenvolvimento?
Iniciativas de cooperação envolvendo tecnologias de ponta, como o programa espacial
conjunto Brasil-China, podem ser entendidas como CSSD? Qual critério de concessionalidade
seria mais apropriado para medir os fluxos financeiros que acontecem na forma de
empréstimos?
Do ponto de vista político, outras questões se impõem. Como capacitar e convencer
toda a burocracia dos países em desenvolvimento sobre a necessidade de realizarem a
contabilização da CSSD, seguindo critérios precisos, quando esses países enfrentam tantos
outros desafios domésticos? E, uma vez que os dados referentes aos gastos com cooperação
dos países em desenvolvimento passem a ser publicados, como garantir a aprovação de
programas em bases plurianuais (necessária para garantir a efetividade das iniciativas de
cooperação) e como justificá-los perante a opinião pública doméstica?
Acredita-se ser fundamental, como ponto de partida, resgatar as dimensões
elementares das dinâmicas cooperativas que, como foi apontado, só podem ser enquadradas
enquanto tais se os seus resultados forem considerados satisfatórios por ambas as partes.
Conforme será discutido mais adiante, esse grau de satisfação pode ser avaliado de várias
formas, ao contrário do que nos fazem crer definições de CSS que restringem seu
entendimento ao compartilhamento ou à troca de conhecimentos entre os países do Sul. Antes
de se revisitarem marcos interpretativos que possam contribuir para explicar a CSS, é
necessário antes entender as trajetórias da CID e da CSS, bem como suas convergências e
divergências. Passa-se a isso nas próximas seções (1.2 e 1.3).
carências em formação profissional na matéria, inexistência de bases estatísticas e restrições orçamentárias nos
países em desenvolvimento, impedindo que seus formuladores de políticas se façam representar de forma
adequada nos múltiplos foros internacionais.
50
Embora possua antecedentes que remontam pelo menos ao século XIX e à primeira
metade do século XX,48 a CID se constituiu em bases permanentes apenas na segunda metade
do século XX, em contexto marcado inicialmente, por um lado, pela descolonização e pela
emergência da Guerra Fria e, por outro, por fase de crescimento econômico mundial sem
precedentes.49
Se, a princípio, a CID se configurou como expediente temporário no âmbito da disputa
bipolar, posteriormente evoluiu para a formação de um regime internacional, respaldado na
profissionalização das agências prestadoras de cooperação e na emergência de constituencies
pró-desenvolvimento internacional dentro dos países desenvolvidos (Lancaster, 2007a). Tal
regime se transformou ao longo das décadas, acompanhando a constituição e a expansão de
burocracias nacionais e internacionais que se ocupam do tema,50 a evolução do conceito de
desenvolvimento e avaliações acerca das formas mais eficazes de promovê-lo. Ao longo dessa
trajetória, aparentemente condicionada por aspectos técnicos, a dimensão política sempre se
fez presente – seja no enquadramento dos problemas, seja na definição de quais agentes
estariam aptos a oferecer soluções.
Nas décadas de 40 e 50, a CID era predominantemente bilateral51 e tinha como foco a
melhoria da infraestrutura dos países em desenvolvimento (SAGASTI; ALCADE, 1999).
48
Lancaster (2007a) destaca como antecedentes da ajuda a emergência da assistência humanitária moderna no
fim do século XIX, as pequenas quantidades de assistência das potências europeias para o desenvolvimento de
suas colônias no período entre guerras e assistência norte-americana a países latino-americanos no início da II
Guerra Mundial. Domergue (1968), por seu turno, afirma que as origens da assistência técnica remontam à
Antiguidade, mencionando, entre outros, contatos entre os impérios babilônico e egípcio.
49
Sagasti e Alcade (1999) afirmam que a expansão econômica vivida durante a “idade de ouro do capitalismo”
teria sido acompanhada pela expansão da generosidade das nações mais ricas em relação às mais pobres e,
consequentemente, da cooperação internacional. Kuhnen (1987) adiciona que os esforços iniciais para promover
o desenvolvimento internacional aconteceram em contexto marcado pelo desejo de harmonia no pós-II Guerra
Mundial e por um sentimento de obrigação moral dos países ricos em relação aos mais pobres.
50
Estimativas apontam que haveria no mundo 197 agências bilaterais e 263 agências multilaterais encarregadas
da AOD. Conhece-se apenas um caso de agência multilateral que tenha sido encerrada desde o fim da II Guerra
Mundial: o Banco de Desenvolvimento Nórdico (KHARAS; MAKINO; JUNG, 2011).
51
Marco na emergência da CID bilateral no período pós II Guerra Mundial, o Programa do Ponto IV, proposto
por Truman, teve sua execução autorizada pelo Congresso dos EUA em 1950, com a promulgação da Lei do
Desenvolvimento Internacional (BLACK, 1968). Em 1948 havia sido lançado o primeiro Programa de
Assistência Técnica da ONU, transformado no Expanded Technical Assistance Programme em 1949
(DOMERGUE, 1968). Esse programa adquiriu relevo mais do ponto de vista simbólico, por ter conferido papel à
ONU na agenda do desenvolvimento, do que operacional, já que seu orçamento era baixo (US$ 20 milhões em
1951, apresentando crescimento modesto ao longo dos anos). Os doadores mostraram preferência, desde o início,
51
por canalizar seus recursos, no âmbito multilateral, por meio das instituições de Bretton Woods, baseadas no
sistema de voto proporcional (WEISS et al., 2010). Essa tendência se sustenta até os dias atuais. Segundo dados
referentes período 2000-2008, os recursos aplicados no Sistema ONU totalizaram US$ 93,2 bilhões, ao passo
que os destinados ao Grupo Banco Mundial totalizaram US$ 249,2 bilhões (CORRÊA, 2010).
52
O primeiro economista a se voltar contra as abordagens econométricas ao desenvolvimento foi Gunnar
Myrdal, que no livro Economic theory and under-developed regions (1957) afirmou que a produção de
conhecimento sobre o desenvolvimento demandava também análise abrangente das relações sociais (KUHNEN,
1987).
53
Domergue (1968) considera que o Plano Marshall foi o primeiro exemplo de programa deliberado de
assistência técnica em escala internacional, por ter se voltado para a exportação de técnicas e know-how norte-
americano com o fim de acelerar a produtividade europeia. Uma vez alcançados os objetivos, em alguns anos, o
Plano Marshall cessou. Criou-se, assim, a expectativa de que a experiência do Plano Marshall poderia ser
replicada na promoção do desenvolvimento nos países mais pobres.
54
A particularidade da trajetória dos países de desenvolvimento resultante da pressão populacional foi apontada
pelo economista japonês Shigeru Ishikawa em 1967, com a publicação do livro Economic Development in Asian
Perspective, que influenciaria algumas elaborações da II Década do Desenvolvimento da ONU (KUHNEN,
1987). A incorporação da temática do crescimento demográfico à CID havia se concretizado já nos anos 50 e 60.
No âmbito da AOD, a Suécia destinou fundos para iniciativas de planejamento familiar em países em
desenvolvimento no fim dos anos 50. Em 1968, os EUA designaram fundos para a matéria junto à agência de
cooperação do país (USAID), abrindo espaço para o engajamento de outros doadores em um tema até então
considerado sensível (LANCASTER, 2007a).
52
O foco em projetos baseados nas NHBs foi fruto da convergência de diversos fatores.
Cabe mencionar a influência do livro Small is beautiful (1973), do economista britânico
Ernest Schumacher. Schumacher rejeitava a prosperidade baseada na industrialização – que
estaria levando à corrupção de modelos não-materialistas -, em prol de iniciativas locais
baseadas em tecnologias simples e na assistência técnica, que não criariam relações de
dependência e tornaria as pessoas livres (PUPAVAC, 2010). Ideia semelhante havia sido
difundida, já no início da década de 60, pela campanha Freedom from hunger, da Organização
das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), que popularizou, junto aos
círculos da CID, o provérbio chinês “dê um peixe a um homem faminto e você o alimentará
por um dia. Ensine-o a pescar, e você o estará alimentando pelo resto da vida"
(LANCASTER, 2007a).
Embora os próprios governos dos países beneficiados pela ajuda rejeitassem a
abordagem das NHBs,55 ela se tornou dominante por ter influenciado toda uma geração de
profissionais ligados a agências de desenvolvimento internacional;56 por ter coincidido com a
preocupação de que o desenvolvimento desigual e a pobreza levassem a frustração e
radicalização na periferia, ameaçando o progresso dos países industrializados; e por demandar
menos recursos em contexto marcado pelos primeiros sinais de desaceleração econômica nos
países industrializados.
Quando esta desaceleração se consumou, após o segundo choque do petróleo, ela
somou-se à emergência de governos conservadores em vários países desenvolvidos e levou a
55
A resistência dos governos do Sul à abordagem das NHBs e aos clusters de desenvolvimento rural devia-se ao
fato de priorizarem crescimento rápido das áreas urbanas, onde estavam estabelecidas as elites que os apoiavam
(LANCASTER, 2007a). A teoria da dependência, muito popular nesses países na época, não entendia que a
fonte das desigualdades estaria na industrialização per se, mas no imperialismo das grandes potências
(PUPAVAC, 2010).
56
Pupavac (2010, p. 63-64) explica por que, na sua avaliação, as ideias de Schumacher ganharam tamanha
popularidade entre os profissionais das agências de cooperação dos países industrializados: “O trabalho da ajuda
internacional apoiou-se na experiência administrativa colonial, assim como em uma jovem geração de
trabalhadores da ajuda pós-independência. A ênfase do Small is Beautiful de Schumacher no desenvolvimento
espiritual e na tecnologia não industrial casa com a sua visão romântica e antimoderna. A geração mais jovem
dos trabalhadores da ajuda pós-independência foi inspirada pela ampliação da solidariedade internacional. E
ainda havia um elemento, também, do escape romântico do mundano, do ativismo político desapontado em casa
para o ativismo mais glamoroso, menos responsável no exterior quando a contracultura pós-1968 rejeitou as
massas industriais em casa em prol do ideal romântico do campesinato rural pré-moderno” (o texto em língua
estrangeira é:“International aid work drew upon colonial administrative experience, as well as a younger
generation of post-independence aid workers. Schumacher’s Small is Beautiful’s emphasis on spiritual
development and non-industrial technology fits with their romantic anti-modern vision. The younger generation
of post-independence aid workers was inspired by a broadening of international solidarity. And yet there was an
element, too, of the romantic escape from mundane, disappointed political activism at home to more glamorous,
less accountable activism abroad when the post-1968 counter-culture rejected the industrial masses at home for
the romantic ideal of the pre-modern rural peasant”).
54
uma diminuição de fundos destinados à ajuda, considerada ineficaz. Este processo, conhecido
como “donor fatigue”, ancorou-se na constatação de que, depois de três décadas de esforços,
a ajuda não teria atingido o objetivo de levar o desenvolvimento aos países mais pobres
(SAGASTI; ALCADE, 1999). No âmbito multilateral, somas crescentes passaram a ser
destinadas, a partir dos anos 80, aos programas de ajuste estrutural, predominando o
entendimento de que o investimento estrangeiro direto, não a ajuda, levaria ao
desenvolvimento dos países do Sul.
Muitos acreditavam que esse entendimento se tornaria dominante com o fim da Guerra
Fria e que, tendo a prática da AOD emergido no contexto da disputa bipolar, o fim desta
levaria ao fim daquela. Não obstante, a CID havia se enraizado, ao longo das décadas, em
amplos setores da sociedade civil organizada, bem como nas burocracias das agências de
cooperação e dos organismos internacionais, de modo que o fim da Guerra Fria foi marcado
pela introdução de uma miríade de outros temas na CID: a promoção de transições
econômicas (economia de mercado) e políticas (democratização) nos antigos regimes
socialistas e na África Subsaariana; a prevenção de conflitos; e os temas discutidos nas
conferências sociais dos anos 90 (meio-ambiente, população, mulher etc.), a maior parte das
quais haviam culminado com promessas, mas não com compromissos concretos, de
financiamento por parte dos países desenvolvidos (LANCASTER, 2007a).57
O ano 2000, por fim, foi marcado pelo lançamento dos Objetivos de Desenvolvimento
do Milênio (ODMs),58 que representaram, de certa forma, releitura da perspectiva das NHBs,
mas os primeiros, diferentemente das últimas, basearam-se menos em imperativos morais e
mais em no enfoque dos direitos. Diante da constatação de que a realização dos ODMs, até
2015, exigiria não apenas recursos financeiros adicionais, mas também sua aplicação racional,
foi lançada em 2005 a Agenda de Paris sobre Efetividade da Ajuda, contendo princípios que,
57
Para uma revisão detalhada dos temas e processos negociadores que integraram as conferências sociais
realizadas no âmbito da ONU nos anos 90, ver ALVES, 2001.
58
Os oito ODMs são: erradicar a pobreza extrema e a fome; atingir o ensino básico universal; promover a
igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres; reduzir a mortalidade infantil; combater o HIV/AIDS, a
malária e outras doenças; garantir a sustentabilidade ambiental; estabelecer uma parceria mundial para o
desenvolvimento. O lançamento dos ODMs representou o culminar de um processo que havia avançado durante
os anos 90, com: a realização das conferências sociais da ONU, cada uma das quais propôs objetivos e metas de
acompanhamento em áreas específicas (ALVES, 2001); a publicação de um relatório do CAD, em 1996
(Shaping the 21st Century: the contribution of development cooperation), estabelecendo sete metas de
desenvolvimento a serem alcançadas (LANCASTER, 2007a).
55
uma vez seguidos pela comunidade de doadores e recipiendários, garantiriam que os recursos
canalizados pela CID tivessem impactos reais sobre o desenvolvimento.59
Por se tratar de agenda extraída das lições aprendidas, ao longo das décadas, pelos
doadores tradicionais, e também pelo seu caráter restrito (já que seguiu não incorporando, por
exemplo, a temática do comércio internacional) e tecnicista,60 a legitimidade da Agenda de
Paris foi questionada por analistas e por doadores emergentes. Para entender como estes
países perceberam tal agenda, contudo, é necessário apreender antes a trajetória da CSS, que
condiciona em grande medida as visões e práticas sustentadas por países do Sul no seu
engajamento CID como “prestadores”. A evolução de três modalidades da CSS será focada na
próxima seção: o que se decidiu nominar “Cooperação Política entre Países em
Desenvolvimento” (CPPD), entendida como o somatório das forças entre países em
desenvolvimento em busca de reformas na governança global (AYLLÓN, 2011; LECHINI,
2009);61 e as já referidas Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento (CTPD) e
Cooperação Econômica entre Países em Desenvolvimento (CEPD).
59
Os princípios elencados na Declaração de Paris são: apropriação, baseada no desenho de estratégias nacionais
de desenvolvimento ancoradas nos parlamentos e eleitorados nacionais; alinhamento dos doadores a essas
estratégias; harmonização da ação da comunidade de doadores dentro de cada país; abordagem baseada em
resultados, com objetivos claros e mensuração e monitoramento do progresso; e responsabilidade mútua (mutual
accountability), de doadores e recipiendários, na busca dos objetivos estabelecidos (CAD, 2013b). Para uma
análise sobre a origem e a evolução recente do paradigma da agenda de efetividade da ajuda, ver MAWDSLEY;
SAVAGE; KIM, 2013.
60
Baseando-se no trabalho de Djikstra e Komives (2010), Mawdsley, Savage e Kim (2014) lembram que a
dimensão política do desenvolvimento (influência de interesses e instituições nos países doadores e
recipiendários, desacordos sobre a definição de desenvolvimento e caminhos para atingi-lo e desequilíbrios de
poder), embora latente em eventos que abordam o tema da efetividade da ajuda, raramente é reconhecida em
pronunciamentos e na documentação de tais eventos.
61
A CPPD seria se configuraria em algo semelhante ao que Lima (2010, p. 164) chama de “coalizão”, que
“implica na articulação de posições comuns em arenas de negociação no plano global ou regional”. A autora
diferencia as coalizões dos “arranjos cooperativos”, os quais envolvem “a troca entre as partes de bens materiais,
simbólicos e ideacionais”. Para exemplificar essa diferenciação, compara o Fórum BRIC com o Fórum IBAS. O
primeiro, na perspectiva da política externa brasileira, seria uma coalizão “para a defesa de posições comuns na
arena financeira global”, mas ela não necessariamente se estenderia a outras questões ou se transformaria em
arranjo cooperativo. O IBAS, por seu turno, além de coalizão seria arranjo cooperativo, pois inclui “vasta gama
de intercâmbios técnicos e comerciais e a cooperação com outros países de menor desenvolvimento relativo”.
56
62
A dilatação do significado de CSS, a lacuna de estudos empíricos históricos sobre o tema e carência de
registros impede que se trace sua história de forma fidedigna. No caso específico da CTPD, este último problema
foi constatado por Cervo (1994, p. 46), que tentou, no início da década de 90, agregar dados sobre o
envolvimento brasileiro na matéria. Foram identificados 695 projetos, mas sua documentação “era
frequentemente incompleta, dificultando o estudo da cooperação prestada pelo Brasil a países da América
Latina, Caribe e África negra”. O diplomata brasileiro Iglesias Puente (2010, p. 84), também nota que a
“ausência de dados e estatísticas sobre a CTPD é um dos problemas encontrados para analisar sua dimensão e
progresso. [...] Muitos PED [países em desenvolvimento] simplesmente não dispõem de registro consolidado das
ações, volumes e destinatários. Quando existente, esse registro mostra-se deficiente e incompleto [...].”
63
Segundo Lechini (2009), o termo “Terceiro Mundo” foi criado pelo economista francês Alfred Sauvy em
1952, em paralelismo ao termo “terceiro estado”, designando os países que não se alinhavam a bloco algum no
âmbito da disputa bipolar (para esclarecimentos mais detalhados sobre a origem e o significado do termo
“Terceiro Mundo”, bem como crítica ao caráter excessivamente simplista e difuso dessa elaboração, ver LYON,
1974). A autora também afirma que o primeiro registro de uso do termo “Sul” teria acontecido no dia 28 de
junho de 1954, com a Proclamação do Pansha Shila de coexistência pacífica, assinada pelos então chefes de
Governo de China e Índia (respectivamente, Chu em Lai e Jawarhalal Nehru) após as guerras entre Coreia e
Indochina.
64
O ingresso do termo “Sul” no vocabulário das relações internacionais remonta à independência dos países
asiáticos e africanos, mas o termo teria começado a ser utilizado de modo mais enfático pelo “Norte” em 1980,
com a publicação do relatório da Comissão Independente sobre Problemas Internacionais do Desenvolvimento
ou Diálogo Norte-Sul ou Comissão Brandt (LECHINI, 2009).
65
De acordo com cronologia da CSS elaborada pela SEGIB (2008), um ano antes de Bandung, em 1954, teria
sido registrada a primeira ação sob a modalidade Sul-Sul: o oferecimento de cooperação pela Tailândia a países
do Sudeste Asiático.
57
Nesses primeiros anos de articulação entre países do Sul, a cooperação entre eles
sofria pelo menos três restrições: o número reduzido de participantes;66 a limitação temática;
e, principalmente, a baixa complementaridade entre suas economias. Embora os comunicados
resultantes de conferências reunindo representantes dos países em desenvolvimento, desde
Bandung, mencionem a necessidade de se promover a cooperação econômica e técnica entre
eles,67 a concretização da CSS se limitou, em grande medida, à união contra o imperialismo e
o racismo e a favor do pacifismo, do multilateralismo, da autodeterminação e da igualdade
entre as nações – no âmbito, portanto, da CPPD.
O estabelecimento da UNCTAD em 1964, ao mesmo tempo em que representou
alargamento da aliança entre os países do Sul, agregou à agenda da CSS consenso em torno
do comércio internacional como instrumento de promoção do desenvolvimento econômico.
Mesmo países considerados aliados incondicionais dos países industrializados passaram a
demandar mudanças nas relações econômicas internacionais (MENON, 1980).68
Logo na primeira reunião da UNCTAD os países latino-americanos se juntaram aos
asiáticos e africanos para formar a maior coalizão terceiro-mundista no âmbito das Nações
66
Em Bandung, reuniram-se representantes de 29 países asiáticos e africanos, ao passo que apenas 25
representantes compareceram à Conferência de Belgrado, considerada, no entanto, de escopo geográfico mais
amplo por conta da presença de representante de um país latino-americano: Cuba. Como lembra o diplomata
brasileiro Valler Filho (2007), o MNA se expandiu rapidamente com a associação dos países que se tornavam
independentes, consolidando-se como movimento com a realização de sucessivas conferências sobre
desenvolvimento.
67
O primeiro item do Comunicado Final de Bandung, intitulado “Cooperação Econômica”, contempla, por
exemplo, os seguintes elementos: assistência técnica mútua; ação coletiva para estabilização dos preços e
demanda internacional do comércio de commodities; diversificação da pauta de exportações via estímulo ao
processamento nacional de matérias-primas; desenvolvimento da infraestrutura necessária para o avanço do
comércio regional, como as ligações mercantes e ferroviárias e o estabelecimento de bancos de fomento e
seguradoras nacionais e regionais; formulação de políticas comuns em matéria de petróleo; apoio à energia
nuclear para fins pacíficos; e consultas prévias para a elaboração de posições comuns em fóruns internacionais a
fim de promover o interesse econômico mútuo (CONFERÊNCIA AFRO-ASIÁTICA, 1955).
68
Outro evento que marcou a união entre os países do Sul nos anos 60, como lembra Lechini (2009), foi a
criação da Organização de Solidariedade com os Povos de América Latina, Ásia e África (OSPAAAL) em
Havana em 1966.
58
Unidas, o Grupo dos 77 (G77). A princípio, porém, suas atividades também se restringiram a
barganhas coletivas vis-à-vis os países industrializados (novamente, a CPPD). A cooperação
comercial entre países em desenvolvimento viria se institucionalizar apenas em 1988, com o
estabelecimento do Sistema Global de Preferências Comerciais entre Países em
Desenvolvimento.
Ainda assim, vale sublinhar que a agenda da UNCTAD representou marco histórico
não apenas para a CSS, mas também para a CID, na medida em que os países do Sul passaram
a disputar abertamente os modelos de cooperação então vigentes. Para eles, esses modelos se
assentavam em bases assistencialistas, condicionais e conectadas a interesses dos países
doadores, pouco contribuindo para seu desenvolvimento econômico, o qual demandaria a
reestruturação do comércio internacional. Essa crítica foi veiculada, em contexto marcado
pela deterioração dos termos de troca, pelo mote “Trade, not Aid” (IGLESIAS PUENTE,
2010), ou “Trade is better than aid” (CORRÊA, 2010).
Domergue (1968) lembra que a própria OCDE havia reconhecido, em documento
publicado em 1961, que a produção de bens a níveis superiores da capacidade de absorção dos
mercados internos dos países desenvolvidos, amparada pela cooperação técnica e financeira
oferecida pelos países desenvolvidos, demandaria medidas adicionais voltadas para o
equilíbrio do comércio. Reconhecia-se, portanto, a contradição entre a prestação de
assistência técnica e financeira e práticas protecionistas dos países desenvolvidos. Segundo o
documento, elaborado na verdade pelo mesmo autor,
69
O texto em língua estrangeira é: “It would indeed be absurd to enable the under-valorised countries to produce
greater quantities of goods than their national market can absorb, if complementary measures for the
organisation of trade were not taken at intervals to restore the balance of the international market. In other words,
it is clear that if technical assistance and financial assistance attain their essential purpose, which is to develop
agricultural and industrial productions of the under-valorised countries, the balance of international trade ceases
to be more or less static and becomes definitely dynamic. It would be a strange contradiction on the part of the
‘developed’ countries to consider countries to which they give their technical assistance as ‘competitors’ against
whom they must defend themselves by means of quotas and/or protective tariffs.”
59
70
Na visão de Corrêa (2010), a prática do livre comércio entre países desenvolvidos e em desenvolvimento teria
se materializado de forma seletiva, tendo os EUA e a Europa Ocidental priorizado países asiáticos por razões
geopolíticas e por produzirem bens de menor valor agregado (que, portanto, não ameaçariam setores relevantes e
o bem-estar nos países desenvolvidos).
71
Essas iniciativas integração regional entre países em desenvolvimento se inserem na chamada “primeira onda
do regionalismo”, que engloba acordos e organizações criados entre o pós-guerra e o início dos anos 80. Esses
arranjos foram classificados como promotores de um regionalismo “fechado”, pautado pela busca de incentivos
especiais para a industrialização dos países em desenvolvimento, que não se consideravam em condições de
igualdade para concorrer com os industrializados no âmbito de negociações multilaterais mais amplas, como o
GATT (HERZ; HOFFMANN, 2004).
60
72
Conforme informações levantadas por Iglesias Puente (2010), o governo cubano contava com programas de
CSS desde 1961, tendo estabelecido ações, ao longo de sua história, em 154 países. As ações aconteceram em
várias vertentes (cooperação técnica, cooperação científica, educacional, cultural, doações financeiras e ajuda
humanitária), mas com concentração em áreas em que o país atingiu maiores progressos (saúde, educação e
esportes). O país se destacava na cooperação técnica pelo envio de amplos contingentes de médicos e
professores, especialmente a países alinhados com o bloco socialista (MORAIS, 2009), embora esse viés
ideológico tenha sido atenuado com o fim da Guerra Fria (IGLESIAS PUENTE, 2010). Já a China, que havia se
tornado doador desde o início dos anos 50, foi protagonista no financiamento de projetos de larga escala, como a
ferrovia Tanzânia-Zâmbia, construída no fim da década de 60. No que se refere à cooperação técnica, uma das
frentes de atuação privilegiadas foram os projetos de assistência agrícola, ferramenta de promoção do regime
maoísta (CHIN; FROLIC, 2007).
73
Amsden (2004) afirma que um dos fatores fundamentais para a emergência dos chamados “New Industrialized
Countries” (NICs) teria sido uma forte atuação do setor público na captação de conhecimentos e tecnologias
necessários para alavancar o processo de desenvolvimento. Embora a autora não apresente reflexões sobre a
relação entre esse fator e a CSS, vale lembrar que, nos anos 70, a inovação migrava, nos países do Norte, do
setor público para o setor privado. Uma das apostas de entusiastas da CSS, que se sustenta até os dias atuais, era
a de que os governos dos países do Sul, ao contrário do setor privado dos países do Norte, estariam dispostos a
compartilhar tecnologias com outros países. O caso da atuação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(EMBRAPA) na CSS, que será abordado no Capítulo 3, mostra que esse raciocínio nem sempre se confirma na
prática. A empresa transfere apenas tecnologias de domínio público a outros países em desenvolvimento; as
tecnologias mais avançadas, as quais muitas vezes são produzidas em parcerias com o setor privado (inclusive
com multinacionais), são transferidas a terceiros mediante pagamento de royalties.
61
os próprios países do Sul, comprometendo a sua “identidade” como bloco monolítico (LIMA,
2010).74
A criação da Organização dos Países Produtores e Exportadores de Petróleo (OPEP) e
o primeiro choque do petróleo (1973) se constituíram como baluartes da mobilização coletiva
entre países em desenvolvimento que, em posse de um importante instrumento de poder,
passaram a agregar maior capacidade de barganha nas relações com os países industrializados
(LECHINI, 2009). Além disso, boa parte das receitas extraordinárias geradas na forma dos
chamados “petrodólares” seria transferida para outros países em desenvolvimento na forma de
empréstimos a taxas de juros baixas ou mesmo negativas, representando marco da cooperação
financeira entre países em desenvolvimento,75 embora seus efeitos negativos sobre o balanço
de pagamentos dos países que dependiam da importação de petróleo, e não exportavam
commodities em larga escala, já se fizessem presentes naquele momento.76
Com o fracasso do Diálogo Norte-Sul, a CSS na forma de barganhas coletivas no
âmbito multilateral passou a ceder espaço para a busca por uma efetiva cooperação técnica e
econômica entre países em desenvolvimento. No âmbito multilateral, a CTPD, antes discutida
em conferências mais amplas, passa a ganhar âmbitos de discussões e estruturas burocráticas
específicas. Em 1974, foi criada a Unidade Especial de CTPD do PNUD,77 à qual coube
74
Uma das obras a se dedicar ao tema do estreitamento de laços entre os países do Sul em função da
“hierarquização” entre eles foi o volume “South-South relations in a chanding world order”, editado por Jerker
Carlsson (1980). Os autores que publicaram nesse livro utilizam o termo “relações Sul-Sul”, pois veem as
diferenciações emergentes entre os países do Sul como fonte de novas assimetrias, conforme será discutido mais
adiante (Subseção 1.4.1).
75
Outras iniciativas de cooperação financeira entre países em desenvolvimento haviam sido lançadas
anteriormente. O Fundo do Kuwait para o Desenvolvimento Econômico Árabe, estabelecido em 1961, foi o
primeiro da espécie estabelecido por um país em desenvolvimento. Em meados da década de 70, seriam criados
o Banco de Desenvolvimento Islâmico e o Banco Árabe para o Desenvolvimento Econômico (ECOSOC, 2008).
Tais iniciativas, motivadas em grande medida por propósitos diplomáticos (busca de apoio para a causa
palestina), concediam quantidades modestas de financiamentos concessionais especialmente para a África e
Oriente Médio, sendo que Israel, em resposta, também começou a destinar ajuda em defesa da sua política,
especialmente na África. Somas modestas também foram concedidas por países como a África do Sul, Índia,
Nigéria e Brasil como meio para afirmarem sua liderança regional, defenderem seus interesses e apoiarem
diásporas (LANCASTER, 2007a).
76
O primeiro choque do petróleo afetou negativamente os países que não contavam com commodities
exportáveis que lhes permitissem fazer frente aos custos crescentes da importação do petróleo, contribuindo,
assim, para aprofundar as assimetrias entre os níveis de desenvolvimento dos países do Sul. Lyon (1974) lembra
que os países árabes recusaram exportar petróleo, a preços concessionais, para os países africanos que sofriam
com os efeitos do choque. Diante das críticas a essa postura, em particular as realizadas pelos governos de
Etiópia e Gana, os países árabes contrapropuseram os chamados “soft loans” (empréstimos a taxas de 1% e
carência mínima de três anos) e a criação de um banco especial de desenvolvimento para “ajudar” os países
africanos a superar suas dificuldades econômicas.
77
Em 2003, a Unidade Especial de CTPD do PNUD foi renominada Unidade Especial para a Cooperação Sul-
Sul.
62
liderar a organização da Conferência das Nações Unidas sobre Cooperação Técnica entre
Países em Desenvolvimento que reuniria em Buenos Aires, em 1978, delegações de 138
países.78 O resultado da conferência foi a adoção, por consenso, do Plano de Ação para
Promover e Implementar a CTPD, que havia resultado de cinco anos de debates detalhados
sobre o tema (ONU, 1978). O plano, cuja implementação seria monitorada pela Unidade
Especial de CTPD do PNUD, continha 38 recomendações destinadas a atores nacionais,
regionais e globais, as quais contemplavam basicamente a necessidade de os países em
desenvolvimento: registrarem e partilharem informações sobre suas capacidades, técnicas e
experiências; estabelecerem e fortalecerem ligações institucionais e físicas necessárias para o
compartilhamento de recursos; identificarem e concretizarem oportunidades de cooperação,
com foco nas necessidades dos países menos desenvolvidos (PNUD, 2004).
A Conferência de Buenos Aires é também apontada como o baluarte da chamada
“cooperação horizontal”, conceito que emergiu no contexto das frustrações com os modelos
de cooperação então vigentes e da conscientização dos países em desenvolvimento de que
“deveriam ser parceiros integrais no processo de solução de seus problemas, e não apenas
recipiendários passivos de ajuda externa” (PLONSKY apud IGLESIAS PUENTE, 2010, p.
77). Consoante os princípios básicos do movimento terceiro-mundista (respeito à soberania e
não ingerência, independência econômica e igualdade de direitos), valorizou-se o papel dos
governos dos países do Sul na organização da CTPD, embora se prevendo suporte de outras
organizações públicas e privadas e dos doadores tradicionais (IGLESIAS PUENTE, 2010).
No âmbito da cooperação econômica, os marcos da CSS foram o Programa de Arusha
(1979)79 e o Programa de Ação de Caracas (1981),80 que continham recomendações sobre o
estreitamento de ligações em vários setores, com foco no comércio e no estabelecimento do
Sistema Geral de Preferências Comerciais entre Países em Desenvolvimento, como
ferramenta de promoção de uma nova ordem econômica mundial. Ainda nesse momento,
contudo, avalia-se que, em geral, persistiam limitações à concretização da CSS como
78
A criação da Unidade Especial foi antecedida, em 1972, pela Resolução n. 2.974 da Assembleia Geral das
Nações Unidas, que determinou a criação de um grupo de trabalho para propor medidas que permitissem
contornar as limitações para a implementação da CTPD em âmbito regional e internacional (VALLER FILHO,
2007).
79
O nome completo do programa era Arusha Programme for Collective Self-Reliance and Framework for
Negotiations.
80
O Programa de Ação de Caracas foi adotado durante a Conferência de Alto Nível sobre Cooperação
Econômica entre Países em Desenvolvimento.
63
81
Para uma descrição detalhada das barreiras que impediam o avanço da CEPD, ver SAKSENA, 1985.
82
O rationale da construção de capacidades como veículo para a autossustentabilidade, caracterizado por viés
excessivamente tecnicista, é dominante nas reflexões sobre a CTI em geral. A ABC, por exemplo, elabora a
questão da seguinte maneira: “Considerando-se que a carência de instituições adequadamente capacitadas
constituía o principal empecilho para o desenvolvimento, a cooperação internacional deveria, portanto, conceder
prioridade à capacitação institucional (‘institution building’). A existência de instituições nacionais capacitadas
tecnicamente (em administração pública, em planejamento, em ciência e tecnologia, em gestão de programas
governamentais, etc.) foi trabalhada como condição essencial para que os esforços empreendidos tivessem
continuidade posteriormente e para que os países recipiendários adquirissem a desejada autonomia” (ABC,
2013c).
64
Lechini (2006, p. 313) atribui a desmobilização da CSS nos anos 80, em geral, e a
incapacidade de ação coordenada dos países em desenvolvimento diante da crise da dívida,
em particular, não apenas à sua fragilidade econômica e às investidas realizadas pelos países
desenvolvidos para negociarem bilateralmente com credores privados, mas também ao fato de
a CSS ter se calcado em projeto de “natureza geral”, em “ampla esfera de ação” e na premissa
falaciosa de que os países em desenvolvimento “tinham mais coisas em comum do que
possuíam na realidade e que todas as soluções podiam ser aplicadas uniformemente com o
mesmo êxito” (tradução nossa).83
A heterogeneidade entre os países do Sul, que havia se configurado como
determinante para a própria prevalência do caráter idealista e reformista do terceiro-
mundismo,84 viria se tornar cada vez mais profunda com a crise da dívida e dos modelos de
desenvolvimento liderados pelo Estado, com os efeitos desiguais da globalização e com o
retorno à democracia em alguns países (LIMA, 2010).
Conforme aponta o Quadro 2, se consultarmos o número de eventos multilaterais que
contribuíram para impulsionar e definir a CSS ao longo das décadas, veremos que, de fato,
sua desmobilização se verifica nos anos 80 e primeira metade dos anos 90 (apenas um evento
registrado), em relação à década de 70 (sete eventos registrados).
83
O texto em língua estrangeira é: “tenían más cosas en común de las que poseían en realidad y que todas las
soluciones podían ser aplicadas uniformemente con el mismo éxito.”
84
Nas palavras de Lima (2010, p.156): “[...] a grande heterogeneidade econômica e política dos seus
componentes [...] criava um problema de coordenação da ação coletiva, bem como a necessidade de se evitarem
questões políticas que pudessem dividir aquele conjunto heterogêneo de países. Exatamente pela
heterogeneidade da coalizão Sul, suas propostas seguiam uma linha essencialmente principista e reformista,
restringindo-se ao universo da agenda do desenvolvimento e do regime de comércio internacional. Era a situação
comum à qual estavam submetidos aqueles países – a localização geográfica no hemisfério Sul e a dependência e
subordinação econômica às potência constituídas – a única convergência entre eles.”
65
85
A emergência de governos progressistas foi particularmente marcante na América Latina, embora tenha
acontecido também em outras partes do mundo (caso, por exemplo, do governo do social-democrata Thabo
Mbeki na África do Sul). Para mais informações sobre a emergência de governos progressistas na América
Latina, ver, por exemplo, PANIZZA, 2006.
67
considera que alguns países do Sul teriam aprendido com as experiências passadas, buscando
aprofundar a cooperação funcional em várias áreas, como democracia, justiça social,
comércio e investimentos, meio-ambiente e segurança.
Essa nova fase é marcada também pela emergência de coalizões unindo as potências
emergentes, como o IBAS e o BRICS, que incluem dimensões de cooperação econômica e de
cooperação setorial – apesar de essas dimensões não produzirem resultados tão imediatos
quanto a modalidade mais tradicional de CSS: a coordenação no âmbito multilateral em prol
de reformas na governança econômica e política global (CPPD).
Nessa nova fase, a CSS também escapou das mãos do Sul, passando a ser incorporada
cada vez mais pelo discurso e pela prática dos doadores tradicionais. Na busca por modelos
alternativos de desenvolvimento, agências como o Banco Mundial, cuja atuação se viu
questionada pelos efeitos sociais negativos do modelo anterior,86 passam a valorizar a agenda
da CSS por meio da difusão das chamadas “boas práticas” entre os países em
desenvolvimento (MORAIS, 2009).
A CSS também passou a ser incorporada como pilar fundamental de atuação das
agências de cooperação dos países desenvolvidos, configurando a chamada “cooperação
triangular”, que envolve, grosso modo, a transferência de “boas práticas” de um país em
desenvolvimento para outro país em desenvolvimento, com o apoio de um país desenvolvido
(ou de uma organização internacional).87 Nesse processo são introduzidas, além de recursos e
metodologias do Norte, novas prioridades geográficas, possivelmente contribuindo para
reverter a tendência histórica, identificada por Iglesias Puente (2010, p. 84-85) e pelo
ECOSOC (2008), de concentração da CTPD no entorno regional do país doador do Sul.88
Por fim, um traço relevante nesta última fase da CSS diz respeito à elevação, talvez
sem precedentes, da vertente da CEPD. Dois exemplos que vão nessa direção, no âmbito
latino-americano, são a Petroamérica (SEGIB, 2008) e a iniciativa para a Integração da
86
Os questionamentos à atuação do Banco Mundial se inserem em críticas mais amplas aos efeitos desiguais da
globalização incorporadas, por exemplo, pelo Fórum Social Mundial e pelos protestos que passariam a marcar as
reuniões da OMC e do G8.
87
O Apêndice 1 traz uma breve revisão do conceito de cooperação triangular.
88
Segundo o ECOSOC (2008, p. 17-18), o fator geográfico é dominante na alocação da CSSD bilateral como um
todo, embora haja exceções (casos da China e do Brasil, no último caso em vista de países de língua portuguesa
se constituírem como destino preferencial da cooperação técnica brasileira). O foco da alocação da CSSD na
região onde se localiza o país doador resultaria de similaridades culturais e linguísticas, de maior entendimento
acerca das necessidades dos vizinhos, de oportunidades comerciais, de custos menores e de iniciativas voltadas
para a integração regional serem menos financiadas pelo Norte.
68
89
Para uma análise dos determinantes da integração produtiva asiática, ver: MEDEIROS, 2011.
90
Alden (2012) lembra, de forma mais precisa, que o ano de 1996 marca virada em relação à tradição histórica
de ação mais política por parte da China na África. Com a visita do então presidente chinês (Jiang Zemin) ao
continente africano naquele ano, as relações passaram a abranger também aspectos econômicos. O baluarte da
cooperação chinesa com a África é o Fórum de Cooperação China-África (FOCAC, na sigla em inglês), cuja
primeira reunião de cúpula foi realizada nos anos 2000. A cooperação oferecida pela China está para muito além
da definição tradicional de AOD. Conforme dados apresentados pelo ministro do Comércio da China na IV
Reunião sobre Efetividade da Ajuda (Coreia do Sul, 2011), apenas 0,06% do PIB chinês é direcionado a setores
como educação, saúde e saneamento; a maior parte dos fluxos, destinada a infraestrutura e construção, tem como
origem corporações e bancos (MAWDSLEY; SAVAGE; KIM, 2013).
91
Referindo-se às relações entre China e África, Alden (2012) afirma que “a China revigorou o debate sobre o
desenvolvimento e trouxe experiência real prática ao continente, e demonstrou que podem se transformar não em
seis gerações ou mesmo em uma geração, mas agora”. A análise converge com avaliação mais ampla realizada
por Corrêa (2010, p. 36), segundo o qual: “A ausência de resultados contundentes das iniciativas de cooperação
financeira e técnica dos países doadores, dos organismos internacionais e das instituições financeiras regionais e
multilaterais ao longo de sucessivas décadas no sentido de erradicar a pobreza no planeta, foi percebida e
entendida pelos países em desenvolvimento como um sinal de que o progresso econômico poderia vir mais
rapidamente com investimentos produtivos e ampliação de infraestruturas. O fenômeno relativamente recente
dos vultosos investimentos dos países asiáticos na África, por exemplo, bem como a valorização dos preços dos
produtos de base, têm gerado perspectivas de crescimento econômico e da renda nacional com participação mais
intensa dos governos dos países que se beneficiam dessa nova conjuntura e que se desdobram ao nível político,
com a progressiva erosão do poder de influência dos países desenvolvidos”.
69
predatório),92 sua ação foi determinante para a introdução, na segunda década dos anos 2000,
de nova mudança de paradigma na CID. Um dos sinais dessa mudança são os recentes
esforços, por parte dos doadores tradicionais, de reformularem suas estruturas domésticas de
cooperação. A Agência Canadense de Cooperação (CIDA), por exemplo, foi incorporada ao
Departamento de Relações Externas e Comércio Internacional do país como meio para
“elevar o perfil do desenvolvimento internacional na política externa canadense”, “pensar o
desenvolvimento de maneira ampla” (buscando agregar componentes comerciais,
diplomáticos e de desenvolvimento em uma estratégia coerente)93 e diminuir a fragmentação
da ajuda canadense (num raciocínio baseado não apenas em termos de eficiência
administrativa, mas também como mecanismo para a redução da carga de compromissos
burocráticos imposta aos países parceiros na execução dos projetos) (INGRAM; BHUSHAN,
2013).94
É importante ressaltar que, além de as transformações institucionais em países do
CAD acontecerem em contexto de crescente atratividade de modelos dos países emergentes –
que relacionam comércio, investimentos, financiamento concessional e assistência técnica –,
elas avançam em contexto também marcado pela crise financeira global, levando à
emergência de discursos que sublinham o papel dos interesses nacionais e promovem maior
integração entre a ajuda e outras políticas (por exemplo, comércio, investimentos e
migrações). Destaca-se, em particular, a incorporação do setor privado a iniciativas de
cooperação, focando o crescimento econômico, a produtividade industrial e a geração de
riquezas (MAWDSLEY; SAVAGE; KIM, 2013).
Esse processo vem reverberando no próprio CAD que, se a princípio negligenciou a
agenda da CSS na Agenda de Paris (2005) e posteriormente buscou socializar os doadores
92
Por exemplo, ao participar da IV Reunião de Alto Nível sobre Efetividade da Ajuda (Coreia do Sul, 2011), a
secretária de Estado dos EUA, Hilary Clinton, discursou no sentido de alertar a comunidade de recipiendários
em relação a doadores que estariam mais interessados em extrair seus recursos do que em construir suas
capacidades. Essa postura foi interpretada como hipócrita por vários analistas, os quais vêm apontando que não
se pode culpar apenas os doadores, na medida em que cabe também aos governantes africanos tomar decisões
que beneficiem suas respectivas comunidades (ver, por exemplo: ALDEN, 2012; GLENNIE, 2012).
93
Ao avaliar que a Coreia do Sul, recipiendário importante da ajuda canadense no passado, é hoje um dos
parceiros comerciais mais relevantes do país, Ingram e Bhuschan (2013) concluem que interesses comerciais e
aqueles relacionados ao desenvolvimento de longo prazo não devem ser interpretados como contraditórios, mas
trabalhados de forma coerente em uma única política que possa equilibrar estratégias de curto e longo prazos.
94
A reforma da CIDA teria sido inspirada na reforma realizada pela Dinamarca nos anos 90, com a incorporação
da Agência Dinamarquesa de Cooperação ao Ministério das Relações Exteriores – levando, ao contrário do que
se costuma imaginar, a aumento dos recursos direcionados à cooperação (superando a meta dos 0,7% do PIB) e a
melhoria da qualidade da ajuda oferecida pelo país (INGRAM; BHUSHAN, 2013).
70
95
Essa transição pode ser verificada, por exemplo, no estabelecimento do Grupo de Estudo China-CAD em 2009
(MAWDSLEY, 2013), voltado para a troca de conhecimentos e de experiências sobre promoção do crescimento
e redução da pobreza em países em desenvolvimento, bem como no papel da assistência na conquista desses
objetivos. Também teve reflexo na mudança da localização geográfica da realização das reuniões de alto nível
sobre efetividade da ajuda. Enquanto as duas primeiras foram realizadas na Europa (Roma e Paris,
respectivamente), as duas últimas foram realizadas em países do “Sul” global (Acra e Busan, respectivamente).
Na interpretação de Mawdsley, Savage e Kim (2014), a definição de Busan (Coreia do Sul) como abrigo para a
realização da última reunião foi simbólica por se tratar de um país recém-incorporado ao CAD, mas ao mesmo
tempo por sinalizar mudança no paradigma da ajuda e nas normas do desenvolvimento pelo fato de o modelo de
desenvolvimento coreano ter se calcado mais no crescimento econômico e no investimento em infraestrutura do
que na redução da pobreza em si ou em abordagem baseada nos direitos.
96
A plataforma Better Aid, por exemplo, defende que os direitos humanos, a redução da pobreza, a igualdade de
gêneros, a justiça social e a sustentabilidade ambiental devem formar os pilares de um novo sistema de
cooperação (MAWDSLEY; SAVAGE; KIM, 2013).
71
Ao longo das últimas páginas viu-se que a prática da CSS se desdobrou historicamente
em três modalidades básicas: cooperação política (barganha coletiva no âmbito multilateral),
cooperação técnica e cooperação econômica. Pela trajetória histórica discutida na seção 1.3,
nota-se que houve predominância da primeira modalidade na primeira fase (anos 50-meados
dos anos 70), da segunda modalidade na segunda fase (meados dos anos 70-meados dos anos
90), e da terceira modalidade na terceira fase (meados dos anos 90 até os dias atuais), embora
aqui a cooperação política em prol da reforma da governança global e a CTPD ainda sejam
dinâmicas relevantes.
Mas será que a CSS possui características próprias que a diferencia das relações
Norte-Sul e Norte-Norte? Nesta seção serão revisitadas algumas visões e marcos
interpretativos da CSS e da cooperação internacional, apontando suas lacunas e propondo um
marco que, ao combinar elaborações da teoria social e de análise de política externa, busque
agregar novos sentidos à complexidade das trocas envolvidas na CSS.
97
Como mudanças nos regimes internacionais, em geral, são baseadas em barganhas, pode-se afirmar com
segurança que os países do Sul não dominarão completamente a definição da nova agenda, seja porque eles
próprios apresentam práticas e valores discrepantes entre si, seja porque há fortes pressões globais para que as
conquistas realizadas em Paris e em Acra sejam mantidas. No primeiro caso, há analistas que propõem que faria
mais sentido entender as práticas e valores da comunidade de governos doadores levando-se em consideração a
clivagem Ocidental-Oriental (não a clivagem Norte-Sul). Assim, as práticas e valores característicos da
cooperação chinesa apresentariam padrões comuns ao modelo japonês, por exemplo (GLENNIE, 2012). No
segundo caso, vale mencionar, a título de ilustração, a agenda da transparência da cooperação que, além de ter
ocupado espaço de relevo nas discussões de Busan, baseia-se em mecanismos globais mais amplos, como a
Parceria do Governo Aberto (MAWDSLEY; SAVAGE; KIM, 2013).
72
quais os países mais ricos deveriam assumir liderança no estímulo ao desenvolvimento dos
mais pobres; e às teorias da modernização, (expressas, por exemplo, na obra do economista
Walt Rostow), que se baseavam em modelos econométricos e centrados na transferência de
receituários extraídos da experiência dos países desenvolvidos para os países em
desenvolvimento (KUHNEN, 1987).
Teóricos como Samir Amin passaram a apontar que o desenvolvimento deveria ser
estudado como um movimento histórico, quer dizer, que o progresso dos países desenvolvidos
não seria fenômeno ontologicamente primitivo, mas teria ele próprio gerado retrocesso no
desenvolvimento dos países da periferia do sistema capitalista. Essa noção foi incorporada na
América Latina pela Escola da Dependência, para a qual o subdesenvolvimento não seria
estágio do desenvolvimento, mas produto da expansão do sistema capitalista pelo mundo
(KUHNEN, 1987).
Um dos caminhos para se libertarem do subdesenvolvimento seria estimular trocas
econômicas e tecnológicas entre os países do Sul, âmbito em que imperaria a solidariedade
em torno do objetivo comum do desenvolvimento. Essa atuação coletiva (collective self-
reliance) contribuiria para que os países do Sul se libertassem de relações desiguais,
promovendo seu desenvolvimento autônomo e aumentando seu poder de barganha vis-à-vis os
países do Norte (BOBIASH, 1992; MORAIS, 2009; OGWU, 1982a).
Não obstante, os próprios governos dos países do Sul, embora incorporassem em seus
discursos o suposto caráter diferencial da CSS, baseado nos princípios da horizontalidade e da
não-ingerência, relutavam em priorizar a CSS em detrimento da Cooperação Norte-Sul
(CNS). Com efeito, todos os comunicados resultantes dos eventos que marcaram a
mobilização terceiro-mundista apontavam o caráter complementar, e não substitutivo, da CSS
em relação à CNS. Nos anos 2000, essa visão de complementaridade foi reforçada pela
incorporação da CSS nas agendas dos doadores tradicionais e pelo fortalecimento e expansão
de iniciativas triangulares ou envolvendo múltiplos parceiros mencionada na Seção 1.3.
Na verdade, as visões que afirmavam o caráter distintivo da CSS não se baseavam em
evidências empíricas, mas em expectativas de que as relações entre os países em
desenvolvimento seriam neutras e despidas de motivações imperialistas. O rationale básico é
que, como foram colônias e sofreram intervenções externas as mais variadas no passado,
sendo o caso recente mais emblemático o das condicionalidades atreladas aos programas de
ajuste estrutural, os novos doadores não fariam o mesmo com seus homólogos sulinos.
73
Ainda assim, tais abordagens, além de terem contribuído para questionar a premissa de
que a maior similaridade entre os níveis de desenvolvimento dos países do Sul levaria a
relações mais simétricas entre eles, elas foram representativas por terem incorporado às suas
análises a ação dos países semiperiféricos. Com isso, afastaram-se da tendência dominante,
nas teorias de relações internacionais, de tomar como objeto de análise apenas as grandes
potências e/ou os países industrializados.
Um segundo desafio dessas teorias, talvez ainda mais grave do ponto de vista
analítico, relaciona-se à tendência de aplicarem ideias extraídas da análise empírica dos países
desenvolvidos do Ocidente à análise da política externa e da inserção internacional dos países
em desenvolvimento. Esse desafio foi identificado por Neuman (1998, p. 2) ao afirmar que
[...] a corrente dominante da Teoria de RI [Relações Internacionais] – realismo
(clássico), neorrealismo e neoliberalismo – é essencialmente [...] eurocêntrica,
originada em larga medida nos Estados Unidos e fundada, quase exclusivamente, no
que acontece ou aconteceu no Ocidente. Se o que é publicado serve de medida,
então a maior parte dos teóricos de RI acredita que estudar apenas a experiência
ocidental é empiricamente suficiente para estabelecer leis gerais sobre o
comportamento de indivíduos, grupos ou estados, independentemente da época ou
de sua localização geográfica. Poucos olham para o Terceiro Mundo para buscar
98
evidências para os seus argumentos (tradução nossa).
98
O texto em língua estrangeira é: “[...] mainstream IR [International Relations] Theory – (classical) realism,
neorealism, and neoliberalism – is essentially Eurocentric […], originating largely in the United States and
founded, almost exclusively, on what happens or happened in the West. If the published record is any measure,
then most IR theorists believe that studying the Western experience alone is empirically sufficient to establish
general laws of individual, group, or state behavior irrespective of the point in time or the geographical location.
Few look to the Third World to seek evidence for their arguments.”
99
A ideia converge com a seguinte afirmação de Lima (1990, p. 10): “Como ocorre em outros campos de
pesquisa, os estudos de relações internacionais muito têm a ganhar com a fertilização mútua de diferentes
orientações teóricas e visões de especialistas de diversas áreas”.
75
como mais adequada, mas de tentar, ao agregar e contrapor variada gama de correntes teóricas
à análise da política externa dos países em desenvolvimento e da CSS, dar conta de suas
complexidades e de suas particularidades, apontando-se dissonâncias e consonâncias em
relação aos paradigmas dominantes.
100
O texto em língua estrangeira é: “A general theory of international politics is necessarily based on the great
powers.”
101
Lancaster (2007a) cita como exemplo da aplicação da Teoria Realista o trabalho de Liska (1960), focado na
análise da ajuda norte-americana. Para uma interpretação da CSSD brasileira a partir da perspectiva do
Neorealismo Clássico, ver: DE LA FONTAINE; SEIFERT, 2010.
76
102
O texto em língua estrangeira é: “This book is about how cooperation has been, and can be, organized in the
world political economy when common interests exist. [...] Because I begin with acknowledged common
interests, my study focuses on relations among the advanced market-economy countries, where such interests are
manifold. These countries hold views about the proper operation of their economies that are relatively similar –
at least in comparison with the differences that exist between them and most less developed countries, or the
nonmarket planned economies. They are engaged in extensive relationships of interdependence with one
another; in general, their governments’ policies reflect the belief that they benefit from these ties. Furthermore,
they are on friendly political terms; thus political-military conflicts between them complicate the politics of
economic transactions less than they do in East-West relations.”
103
O texto em língua estrangeira é: “Cooperation occurs when actors adjust their behavior to the actual or
anticipated preferences of others, through a process of policy coordination. To summarize more formally,
intergovernmental cooperation takes place when the policies actually followed by one government are
regarded by its partners as facilitating realization of their own objectives, as the result of a process of
policy coordination.”
77
Embora tal interdependência, no caso das relações Sul-Sul, possa existir entre países
que possuam trajetória histórica marcada por contatos estreitos (como no âmbito das relações
de vizinhança), não se pode presumir que ela exista em qualquer iniciativa de CSS. Isso
significa que interpretar a CSS como coordenação de políticas pode fazer sentido em alguns
contextos, mas não em outros. As relações econômicas e de segurança, que constituem
tradicionalmente o cerne da configuração da interdependência nas relações internacionais, não
podem ser tomadas como dadas no caso das relações Sul-Sul que, conforme o visto na Seção
1.3, são historicamente marcadas pela indiferença (ou não cooperação), a despeito de
sucessivas tentativas, fundadas em grande medida na vontade política dos mais altos
dirigentes dos países do Sul, de estreitar laços entre países em desenvolvimento para além da
barganha coletiva no âmbito multilateral.104
A prevalência histórica da indiferença nas relações Sul-Sul levanta questionamentos a
respeito da capacidade da Teoria Neoliberal de explicar a diversidade dos fenômenos
relacionados à CSS, tendo em vista que tal teoria se funda no raciocínio de que os Estados são
constrangidos a cooperar porque, se não o fizerem, haverá conflito entre eles (dilema do
prisioneiro). Esse mesmo raciocínio, que impera nas tentativas de se aplicar a tese da
interdependência à explicação da CID (em que a ajuda é entendida como mecanismo para
equacionar problemas relacionados a fluxos migratórios ou ao terrorismo, por exemplo), é
igualmente insuficiente para explicar a CSSD, embora do ponto de vista normativo tal
raciocínio possa fazer sentido.105 Como explicar, então, a cooperação entre países que se
104
Em linha similar, Oliveira e Onuki (2013, p. 9-10) argumentam, ao questionarem em que medida a tese da
interdependência seria útil para explicar por que Índia e Brasil optaram por formar o IBAS, que “Em nenhuma
dimensão a tese se sustenta. [O] Brasil tem nível baixo de interdependência com ambos os países em quaisquer
das esferas das relações internacionais, seja ela de segurança, econômica, societal e assim por diante.” Para os
autores, “O acordo trilateral nasce, a bem da verdade, a partir de uma confluência em duas dimensões
fundamentais, quais sejam a dimensão simbólica e a dimensão de poder. No plano simbólico, Índia e África do
Sul são dos estados pivôs de regiões em desenvolvimento. [...] No plano de poder, o que está em jogo é o poder
de barganha relativa que o IBAS dá ao Brasil no jogo do plano global.”
105
Sobre a abordagem liberal à CID, ver, por exemplo: DEGNBOL-MARTINUSSEN; ENGBERG-
PEDERSEN, 2003; KAUL; GRUNBERG; STERN, 1999; LANCASTER, 2007a. O primeiro par de autores
menciona o chamado “interesse próprio iluminado”(“enlightened self-interest”), que mescla obrigações morais e
interesses dos países doadores na busca da constituição de uma larga base de apoio à ajuda. A formulação
clássica dessa ideia, que teria sido realizada pelo Relatório Pearson (1969) e avançada pela Comissão Brandt
(1977) e pelo Relatório da Comissão do Sul (1990), é a de que “[...] os países do Norte e do Sul são tão
interdependentes que a ampla transferência de recursos para os países pobres beneficiaria estes países, e no longo
prazo também se constituiria como pré-requisito para o bem-estar e crescimento contínuos nos países ricos
industrializados” (DEGNBOL-MARTINUSSEN; ENGBERG-PEDERSEN, 2003, p. 10, tradução nossa). Se o
raciocínio da interdependência fosse aplicado à elaboração das políticas de CSSD, esperar-se-ia que os doadores
emergentes priorizassem o direcionamento de seus recursos para aqueles países com os quais possuem forte
78
A Segunda Guerra Mundial levou a uma mudança no foco de estudo das Ciências
Sociais, que passaram a se voltar para o entendimento das condições que levam indivíduos e
grupos a optarem pela competição ou pela cooperação (MARWELL; SCHMITT, 1975). É
nesse marco que se insere o posterior surgimento da Teoria dos Jogos e suas variações, as
quais por sua vez informam a Teoria Neoliberal das relações internacionais.
Autores que realizaram revisão e sistematização da literatura produzida pela
Sociologia, pela Psicologia Social e pela Antropologia sobre as dinâmicas de conflito e
cooperação entre indivíduos e grupos apontam que, ao contrário do que as perspectivas
baseadas na Teoria dos Jogos fazem crer, competição e cooperação não são necessariamente
conceitos polares; ausência de cooperação não significa presença de conflito (MARWELL;
SCHMITT, 1975; MAY; DOOB, 1937; NISBET, 1968). Nas palavras de May e Doob (1937,
p. 5): “Seria um erro [...] chamar competição e cooperação de conceitos polares; já que o
oposto de ‘competitivo’ não é sempre ‘cooperativo’, mas pode ser ‘não competitivo’, e ‘não
cooperativo’ pode ser o oposto de ‘cooperativo’” (tradução nossa).106
Essa constatação, que parece trivial, acaba levando a questionamentos substantivos a
respeito da capacidade das abordagens baseadas na Teoria dos Jogos de explicarem a
cooperação entre países que não se relacionam em contextos marcados pela interdependência
(ou interação estratégica) – isto é, em contextos em que ausência de cooperação não implica
necessariamente presença de conflito.
relação de interdependência. No caso do Brasil, conforme será visto no Capítulo 2, identificou-se que um
acadêmico e um diplomata propuseram, com efeito, que a CTPD brasileira fosse direcionada justamente no
sentido de diminuir os impactos negativos da interdependência. Essas sugestões demonstram que há percepção
de que a CTPD brasileira não estaria sendo direcionada para lidar com questões relacionadas à interdependência.
106
O texto em língua estrangeira é: “It would be a mistake [...] to call competition and cooperation polar
concepts; for the opposite of ‘competitive’ is not always ‘cooperative’ but may be ‘uncompetitive’; and
‘uncooperative’ may be the contrast to ‘cooperative’.”
79
107
Esse cenário pode catalisar competição entre doadores por prestígio, transformando a ajuda em instrumento
de busca por hegemonia. Esse tema foi tratado, por exemplo, por Silva (2008) ao analisar, com base em
elaborações provenientes da teoria da dádiva (gift), do antropólogo Marcel Mauss, a cooperação oferecida pela
comunidade de doadores ao Timor Leste. Para uma revisão da literatura da Antropologia do Desenvolvimento
sobre a CID, incluindo reflexões acerca do desafio analítico para que essa literatura suceda em explicar a CSS
(representada pelo caso da CTPD Brasil-África em Agricultura do Brasil), ver: CESARINO, 2012.
80
a outra, existe expectativa de recompensa, mas a natureza dessa recompensa não pode ser
objeto de estipulação ou barganha antecipadas (BLAU, 1964).108 No caso da cooperação
oferecida pelos doadores emergentes, a natureza das recompensas esperadas é ainda mais
difusa, já que os diversos propósitos atrelados à ajuda ainda não se encontram suficientemente
articulados em uma política coerente de cooperação e na existência de burocracias
consolidadas na matéria, conforme será visto na próxima subseção (1.4.4).
O que importa, por ora, é chamar a atenção para a ideia de que fornecer ajuda a um
país mais pobre, o que se daria no âmbito da CSSD, pode se tornar importante mecanismo
iniciador das relações entre países do Sul. Nisso, análise aqui proposta converge com
elaborações do discurso oficial brasileiro acerca da concepção da CTPD como instrumento
para o “estreitamento de laços” com outros países em desenvolvimento (ver Capítulo 2). Não
obstante, para que essas relações tenham continuidade ao longo do tempo, é necessário que
todas as partes envolvidas se vejam recompensadas. Há quem aponte, ainda, que quanto mais
simétricos forem os benefícios alcançados, melhor será o desempenho das partes engajadas
em relações cooperativas.109
Acredita-se que, uma vez que a CSSD engatilhe processo de recompensas mútuas
entre os países envolvidos, as trocas entre eles tendem a se repetir, a se aprofundar e a se
ampliar ao longo do tempo, produzindo uma verdadeira situação de interdependência. Desta
situação, por sua vez, podem resultar níveis mais avançados de cooperação, no âmbito do que
Keohane (1984) chama de “coordenação de políticas” (ver Diagrama 2).
108
Pode-se dizer que a cooperação, nessas situações, manifesta-se de forma tácita. Apesar de reconhecer que a
cooperação internacional pode se dar de forma tácita, Milner (1992; 1997) também a reduz à coordenação de
políticas, além de basear-se na premissa de que as partes se relacionam em um contexto de interação estratégica.
109
Ver, por exemplo, MAY; DOOB, 1937. Na literatura de Relações Internacionais, a questão dos “ganhos
absolutos x ganhos relativos” foi amplamente explorada pelos debates entre Neoliberais e Neorealistas, com os
últimos apontando que o fato de a análise de ganhos pelos atores envolvidos na relação se dar do ponto de vista
relativo levaria a percepção de sua assimetria por uma das partes, impedindo que a cooperação se sustentasse no
longo prazo. Os primeiros, por sua vez, insistiam que um país poderia aceitar ganhar menos em uma área para
ganhar mais em outra. Para uma breve revisão sobre esses debates, ver NOGUEIRA; MESSARI, 2005. A
SEGIB (2008, p. 16) considera que a “equidade”, entendida como a distribuição equitativa dos benefícios
(medidos em termos de geração de capacidades críticas para o desenvolvimento) e como a distribuição
proporcional dos custos entre os parceiros (seguindo as possibilidades de cada um deles), é um dos princípios da
CSS.
81
110
A OCDE, instituição muito pouco estudada pela literatura de Relações Internacionais, é uma organização
internacional sui generis por basear suas normativas em intercâmbio e aprendizado entre pares (peer learning)
provenientes de áreas funcionais específicas, raramente utilizando-se instrumentos de coerção (enforcement)
para que suas normativas sejam cumpridas pelos Estados-membros – daí a referência a ela como um “tigre sem
dentes” (“toothless tiger”). Para informações detalhadas sobre a operação da OCDE, bem como sobre seu papel
na formação das políticas domésticas em áreas variadas dos seus Estados-membros, ver MARTENS; JAKOBI,
2010.
82
central, aliás, das teorias do mainstream das relações internacionais.111 Para entender a
cooperação oferecida pelos doadores emergentes, é necessário compreender também suas
dinâmicas políticas internas, tema da próxima subseção.
111
Uma das lacunas centrais das teorias do mainstream das relações internacionais é tratar o Estado como uma
caixa-preta, deixando de levar em consideração os determinantes domésticos da ação externa, em uma tentativa
de demonstrar que a disciplina das Relações Internacionais teria objeto de estudo próprio, que não poderia ser
apreendido pela Ciência Política.
112
Para mencionar alguns: ALLISON; ZELIKOW, 1999; MILNER, 1997; PUTNAM, 1988.
113
Lancaster (2007) menciona que um dos poucos trabalhos relevantes sobre influência da política doméstica na
CID era o de Vernon Ruttan (1996), mas seu foco era apenas os EUA. Iglesias Puente (2010) menciona o
trabalho de Colin (2001) que, baseando-se em esquema de análise de política externa proposto por Rosenau
(1972), busca identificar como elementos de ordem doméstica e externa se combinam para produzir decisões
relacionadas à cooperação acadêmica e científica prestada por seis países: Estados Unidos, França, Suécia,
Canadá, Espanha e Japão.
114
Em vez de partir da ideia de “motivação”, que “envolve indivíduos e pode ser difícil de observar”, Lancaster
(2007a, p. 12-13), trabalha com a ideia de “propósitos” – “os objetivos amplos que os governos doadores
buscaram atingir com a sua ajuda, evidente não apenas no que eles disseram sobre quais eram os seus objetivos,
mas também nas decisões feitas sobre sua quantidade, alocação por país e uso” (tradução nossa). A dificuldade
de se acessarem motivações dos Estados foi abordada por um dos teóricos do mainstream das Relações
Internacionais, Alexander Wendt. Ele afirma que “Conquanto a cooperação seja puramente instrumental – um
Estado ajuda outro Estado apenas porque sua própria segurança está ameaçada também, por exemplo –, então ela
é egoísta. Por outro lado, se um Estado ajuda outro porque se identifica com ele, a ponto de mesmo quando a sua
própria segurança não está ameaçada ele percebe uma ameaça ao Self, então está agindo com base no interesse
coletivo. A motivação é notoriamente difícil de ser medida, um problema agravado quando os atores possuem
motivações mistas [...]. Como sabemos que uma explicação egoísta da cooperação é verdadeira se não sabemos
se um ator é de fato egoísta?” (WENDT, 1999, p. 240, tradução nossa).
83
A ajuda externa constitui gasto público de tamanho significativo, repetido ano após
ano. Como tal, é periodicamente revisada (e frequentemente influenciada) por uma
variedade de elementos dentro dos poderes Executivo e Legislativo dos países que
fornecem ajuda. Além disso, é frequentemente objeto de debate pelo público e de
críticas, ataques e pressões de grupos organizados – representando tanto interesses
públicos quanto interesses privados – em países doadores. Todos esses grupos
podem e frequentemente influenciam os propósitos da ajuda. Finalmente, governos
que dão ajuda devem eles próprios criar coalizões de apoio para a ajuda externa
dentro das suas legislaturas e públicos para manter os gastos com ajuda através do
tempo. Os eleitorados dessas coalizões, por sua vez, esperam que suas agendas
políticas se reflitam nos programas de ajuda. Como resultado, os propósitos da ajuda
são frequentemente tanto resultado do que acontece dentro das fronteiras do governo
doador quanto do que acontece fora delas (LANCASTER, 2007a, p. 4, tradução
nossa).115
115
O texto em língua estrangeira é: “Foreign aid constitutes a public expenditure of significant size, repeated
year after year. As such, it is periodically reviewed (and often influenced) by a variety of elements within the
executive and legislative branches of aid-giving governments. Further, it is frequently the subject of debate by
the public as well as criticism, attack, and pressures from organized groups – representing both public and
private interests – in donor countries. All these groups can and often do influence the purposes of aid. Finally,
aid-giving governments themselves must create coalitions of support for foreign aid within their legislatures and
publics to sustain aid expenditures over time. The constituents of these coalitions in turn expect their political
agendas to be reflected in aid programs. As a result, the purposes of aid are frequently as much the result of what
happens inside of a donor government’s borders as what happens outside them.”
84
Realizar análise semelhante no caso dos doadores emergentes enfrenta, porém, alguns
desafios, sendo o mais elementar deles, como já foi dito, a inexistência de dados consolidados
(incluindo séries históricas) sobre a CSSD.116 Isso dificulta bastante a produção de análises
sobre a evolução do perfil da CSSD por setor e destino para que se possa verificar em que
medida, por exemplo, uma mudança de partido no governo produziu mudanças na política da
cooperação.
Alguns trabalhos, contudo, vêm realizando avanços substantivos ao buscarem entender
a estrutura e os agentes envolvidos no desenho e na implementação dos programas de
cooperação em doadores do Sul (ver, por exemplo, AGRAWAL, 2007; BRAUDE;
THANDRAYAN; SIDIROPOULOS, 2008; DE LA FONTAINE; SEIFERT, 2010;
LANCASTER, 2007b; MILANI, 2012d; ROWLANDS, 2008; VAZ; INOUE, 2007). A
grande dificuldade encontrada por vários desses estudos refere-se à dispersão dos programas
em várias agências, dada a inexistência de políticas consolidadas na matéria.
Uma descoberta fundamental foi realizada por De la Fontaine (2012) ao analisar, com
base no modelo de mudança de política externa proposto por Hermann (1990), os
determinantes da expansão recente da cooperação oferecida por África do Sul, Brasil e Índia.
Segundo a autora, os chefes de Governo dos três países (respectivamente, Thabo Mbeki, Luiz
Inácio Lula da Silva e Manmohan Singh), bem como agências ligadas ao Poder Executivo que
atuam em temas técnicos específicos, configuraram-se como atores centrais nesse processo,
ocupando o lugar de liderança que teria sido exercido, até a década de 90, pelos seus
respectivos ministérios das Relações Exteriores.117
O peso de chefes de Governo na agenda da cooperação coaduna com a abordagem
proposta por Migdal (1972), que trata as escolhas realizadas pelos altos líderes políticos (top
leaders) como determinante doméstico central da política externa dos países em
desenvolvimento. O autor critica a transposição de modelos que se baseiam em evidências
relacionadas às grandes potências, como o do processo organizacional ou o da política
burocrática (barganha), ao processo decisório da política externa nos países do então chamado
“Terceiro Mundo”. Para ele, diferentemente das potências, esses países não contariam com
116
Vale ressaltar, contudo, que Brasil e China publicaram recentemente os primeiros dados consolidados sobre
sua cooperação prestada (ver: IPEA, 2010; CHINA, 2011). Dados referentes a número mais amplo de doadores
do Sul foram agregados e publicados, por exemplo, em: ECOSOC, 2008; e OCDE, 2012a; 2012b.
117
As informações sobre o trabalho de De la Fontaine (2012) formam coletadas por meio de conversa com a
autora.
85
118
O texto em língua estrangeira é: “In third world states […] information does not travel a consistent route
along which it is acted upon by many actors. In some cases, the relative lack of complexity and coherence in the
bureaucracies often translates itself into much paper shuffling but with the end result that the top leaders act
upon the information much as it appeared at the state’s input-contact point. At other times, information is
suppressed, changed, or distorted but not in a consistent manner over time, since there are much less regular
routes for information to take once it has been received. This is not to say that the quality of information is any
better or worse for leaders in third world states. Rather, the changes in the information they receive are much
more randomized. For the researcher, there would be little gained in understanding or predictability in focusing
on organizational process in such states.”
86
Em razão disso o autor propõe que a análise da política externa dos países do Terceiro
Mundo se concentre nos altos líderes (top leaders), incluindo seus valores e objetivos em
determinado momento. Tais objetivos seriam de três tipos no caso desses países: objetivos
relacionados a mudanças internas, com a política externa sendo usada como meio para
garantir a coerência e a estabilidade doméstica, a deslegitimação da oposição etc.; objetivos
relacionados a mudanças subsistêmicas, em busca da transformação da posição do Estado em
relação a outros países de sua região; e objetivos relacionados à sua relação com as potências
e superpotências (MIGDAL, 1972).
Embora o próprio Migdal reconheça variação no grau de coerência e de autonomia
burocrática entre os países em desenvolvimento, e apesar do fato de que, desde a publicação
de seu artigo, tenha havido avanços no que se refere à estruturação burocrática e social da
política externa nos países em desenvolvimento, acredita-se que sua abordagem pode ainda
assim ser válida para explicar os determinantes domésticos de frentes emergentes (não
tradicionais) de política externa. Este é, sem dúvida, o caso dos países em que a prestação de
CID ganhou relevo e/ou se tornou prioritária em anos recentes.
Por outro lado, há que se levar em consideração condicionantes externos da
emergência histórica e atual do tema na agenda dos países em desenvolvimento. Conforme se
verificou nas seções 1.2 e 1.3, organizações internacionais configuraram-se, ao longo das
décadas, como atores centrais na arquitetura internacional da CID. Embora muitos encarem
tais organizações como representantes da vontade dos Estados mais poderosos – coadunando
com visões emanadas da Teoria da Estabilidade Hegemônica120 -, é importante lembrar que,
como burocracias, elas também podem se tornar verdadeiras indutoras do comportamento dos
Estados ao acumularem competência em áreas específicas e ao se colocarem como defensoras
de princípios valorizados pela “comunidade” internacional. Em momentos de crises que se
119
O texto em língua estrangeira é: “Without the basis that gives structure to the bargaining process, the
bargaining model is inapplicable. The greater the degree of social and political institutionalization, the more will
the model help explain foreign policy. But where leaders are not significantly differentiated on the basis of the
power of their organizations; where leaders receive common information, rather than separate flows of
information through various organizations; and where leaders cannot draw on segments of a differentiated and
organized public, then there is little to be gained by the researcher in employing the bargaining model.”
120
Para um resumo dos principais debates sobre a Teoria da Estabilidade Hegemônica, ver: KRASNER, 1995. O
debate central gira em torno da liderança hegemônica como necessária para garantir o bem comum (sendo ele
definido com base em valores liberais) ou como meio para emanar valores do hegemon.
87
contribuirá para a efetividade das ações no que se refere ao desenvolvimento dos países
parceiros é, contudo, uma questão ainda em aberto.
De todo modo, e retomando a linha argumentativa desenvolvida na subseção 1.4.3,
cabe ressaltar aqui que a pluralização dos atores envolvidos e/ou interessados na CSSD traz
também uma pluralidade de objetivos e de possibilidades de recompensas, embora o fato de se
tratarem de frentes não tradicionais de política externa tornem ambos os elementos bastante
difusos. Não obstante, se é verdade que o determinante central da expansão recente da CSSD,
do ponto de vista dos doadores, foi a vontade política dos altos líderes (top leaders), vale
perguntar em que medida esse processo tende a se aprofundar em torno de arranjos funcionais
e setoriais de cooperação e, portanto, a se sustentar diante de mudanças de governo e de
transformações no cenário econômico desses países. A sustentabilidade do engajamento na
CSSD, certamente, dependerá do grau de institucionalização burocrática e social do tema nos
países de origem dos recursos.
A Cooperação Sul-Sul (CSS) foi concebida desde o que é tido como seu marco
fundacional, a Conferência de Bandung (1955), a partir de uma ampla gama de modalidades,
as quais foram tipologizadas neste capítulo em três frentes principais: a Cooperação Técnica
entre Países em Desenvolvimento (CTPD); a Cooperação Econômica entre Países em
Desenvolvimento (CEPD); e a Cooperação Política entre Países em Desenvolvimento
(CPPD).
Por um lado, a carência histórica de laços funcionais/setoriais entre países do Sul, bem
como a heterogeneidade entre esses países, acabou contribuindo para que a CPPD se tornasse
a modalidade historicamente dominante de CSS. Por outro lado, a incorporação da CTPD pela
arquitetura da CID contribuiu para promover, em alguma medida, o seu avanço. A evolução
dessa arquitetura, nos anos 70, para abordagem focada na Cooperação Técnica Internacional
(CTI) e no combate à pobreza gerou resistências entre os governos dos países recipiendários.
Estes seguiram almejando um desenvolvimento focado na industrialização e no comércio,
encarando a ajuda fornecida a grupos que lutavam por direitos políticos e sociais como
mecanismo de ingerência em seus assuntos domésticos. O estabelecimento de práticas
condicionadas de ajuda, encampadas nos anos 80 pelos programas de ajuste estrutural,
89
aprofundou ainda mais a resistência dos países do Sul ao que interpretaram como novas
tentativas de imposição de modelos de desenvolvimento fundados em experiências que lhes
eram extrínsecas.
A Teoria da Dependência, que captou desde o princípio a diversidade das modalidades
da CSS (para muito além da CID), pecou inicialmente pelo excesso de normativismo, o que é
esperado diante do fato de que os laços limitados entre os países do Sul não permitiam
vislumbrar, em bases empíricas, em que medida as relações entre eles seriam, de fato,
diferentes das tradicionais relações Norte-Sul. Porém, com a emergência de diversos países do
Sul, na transição dos anos 60 para os anos 70, dependentistas que haviam a princípio
celebrado a CSS passaram a denunciar o que seria uma atuação igualmente predatória por
parte daquele grupo de países. Essa dinâmica foi analisada pela Teoria do Sistema Mundo ao
detectar a existência de um terceiro grupo de países no sistema capitalista global: os países da
chamada “semiperiferia”. Diante do diagnóstico de que esses países tendiam a operar, em suas
relações com a periferia, de forma similar aos países centrais, muitos analistas optaram por
abandonar a expressão “Cooperação Sul-Sul” e adotar o termo “relações Sul-Sul”.
Apesar do aprofundamento de laços comerciais e de investimentos entre países do Sul
nos anos 70, avalia-se que, em geral, barreiras estruturais impediram que essas relações
evoluíssem para uma real configuração de interdependência. Nesse sentido, buscou-se
entender em que medida reflexões teóricas sobre a cooperação internacional oferecidas pelo
mainstream da disciplina de Relações Internacionais poderiam complementar as abordagens
dependentistas à CSS. Foi nesse momento que ficou claro o caráter distintivo da CSS não
apenas em relação à Cooperação Norte-Sul, mas especialmente em relação à Cooperação
Norte-Norte. Todo o edifício da Teoria Neoliberal das Relações Internacionais está fundado
na premissa de que os países que optam racional e egoisticamente por cooperar exibem
padrões similares de relações Estado-sociedade-mercado e interagem em um ambiente
estratégico, marcado pela interdependência econômica e pela existência de laços funcionais
em áreas diversas relacionadas ao desenvolvimento e à segurança. Nesse contexto, a
coordenação de políticas surge como caminho racional.
Esse raciocínio, que toma a parte pelo todo ao entender a cooperação internacional
apenas como coordenação de políticas, é admitidamente fundado em evidências empíricas
sobre as relações entre os países desenvolvidos, o que torna problemático aplicá-lo de forma
indiscriminada à CSS. Aqui, a preponderância histórica da indiferença, expressa na carência
de laços funcionais e de concepções compartilhadas acerca das interações Estado-sociedade-
90
mercado, aponta que a cooperação resultou muito mais de vontade política de líderes
específicos do que do processo bottom-up característico da trajetória de estreitamento de laços
entre os países desenvolvidos. Não é à toa, portanto, que a cooperação política entre países em
desenvolvimento no âmbito multilateral (barganha coletiva) foi a modalidade que mais se
destacou nas primeiras décadas da CSS.
Para melhor compreender a cooperação entre os países do Sul optou-se, então, por
subir para um nível mais genérico, em busca de elementos e dinâmicas gerais que
caracterizam as relações de cooperação entre grupos e indivíduos. Revisitando trabalhos
produzidos por cientistas sociais, identificou-se que a existência de objetivos e de
recompensas configura-se como elemento essencial das dinâmicas cooperativas, as quais
devem ser analisadas a partir de um conjunto de relações entre comportamentos e suas
consequências.
Com base nesses mesmos trabalhos, foi possível compreender que a CSSD, em vez
resultar necessariamente de relações de interdependência já constituídas (como propugnam as
abordagens liberais à CID), pode se configurar como mecanismo iniciador de relações, as
quais tendem a evoluir para arranjos institucionalizados desde que engatilhem processos
reiterados de trocas em áreas variadas. Essas trocas, conforme aponta a Teoria Social,
normalmente englobam provisão de serviços distintos por cada parte, constatação esta que nos
leva a dois questionamentos.
Em primeiro lugar, questionamento em relação à premissa normativa que marca a
retórica sobre a CSS: a ideia de que ela, necessariamente, baseia-se na busca de objetivos
comuns ou compartilhados. Conforme apontam os trabalhos sobre dinâmicas cooperativas
gerais abordados neste capítulo, as partes envolvidas podem trabalhar em busca de um
objetivo comum, mas em geral cada parte busca um objetivo particular, que pode ser material
ou não. Nisto, as abordagens sociais à cooperação se aproximam do rationale, que será
explorado no Capítulo 2, de que a cooperação técnica oferecida pelo Brasil a outros países em
desenvolvimento seria instrumento de busca de finalidades não próprias.
Em segundo lugar, pergunta-se em que medida as trocas de cunho indireto
características das relações de caridade podem evoluir, de fato, para o estreitamento de laços
com países contemplados pela cooperação, já que o objetivo central do doador, naquelas
relações, é angariar o reconhecimento de outros doadores (ou competir com eles). Por um
lado, sem que exista reciprocidade entre os parceiros, a CSSD deixa de apresentar potencial
para engatilhar processo de recompensas mútuas entre as partes diretamente envolvidas na
91
buscar entender quais eram os seus próprios objetivos nesse processo e a se estruturar
internamente para agregar e triar informações recebidas por meio de seu crescente contato
com o ambiente internacional. Essas dimensões serão exploradas nos capítulos 3 e 4, que
analisam, respectivamente, os casos da EMBRAPA e do SENAI.
Explorar em que medida o envolvimento expansivo dos doadores emergentes na
CSSD, engatilhado pela vontade política, está se enraizando em setores específicos de suas
respectivas sociedades e burocracias é crucial para compreendermos se a “ajuda” oferecida
tende a evoluir para processos reiterados de trocas que permitam, de fato, uma expansão e
aprofundamento da CSS no médio e longo prazos, garantindo, portanto, sua sustentabilidade
para além de governos específicos.
93
121
Marcovitch (1994) também detalha o papel da cooperação internacional no estabelecimento da Fundação
Getúlio Vargas e do aprimoramento institucional de outras universidades brasileiras na busca pela integração
entre o conhecimento produzido por elas e a criação de nichos de competitividade em setores específicos.
122
A institucionalização da CTI na arquitetura global teve como marcos a aprovação da Resolução n.200/1948
da Assembleia Geral das Nações Unidas, que decidiu pela dotação de recursos humanos e financeiros para o
apoio a programas de desenvolvimento econômicos dos países subdesenvolvidos, no âmbito do conceito de
“assistência técnica” (ver AGNU, 1948), culminando com o estabelecimento do Programa das Nações Unidas de
Assistência Técnica (no original, United Nations Expanded Program of Technical Assistance), em 1949; e do
anúncio do Programa do Ponto IV em 1949, o qual foi seguido do estabelecimento da Administração de
Cooperação Técnica no Departamento de Estado dos EUA em 1950. Domergue (1968) lembra que a “assistência
técnica” já era prática antiga das relações internacionais, mas a expressão ainda não havia sido cunhada e a
prática só teria assumido importância mundial, tornando-se objeto de estudos e de discussões acadêmicas,
políticas, burocráticas e midiáticas, apenas a partir dos anos 50.
96
123
É importante lembrar que o Brasil, assim como a América Latina em geral, não se constituía como foco da
política externa dos EUA. Como lembra Corrêa (2010), os recursos distribuídos pela Agência de Segurança
Mútua dos EUA, criada em 1952, concentraram-se nos países do chamado “cinturão de contenção do
socialismo”, quais sejam, Coreia do Sul, Filipinas, Índia, Irã, Jordânia, Paquistão, Tailândia, Taiwan e Vietnã.
Com a expansão dos movimentos socialistas na América Latina nos anos 50 e 60, os EUA estabeleceram
programas de desenvolvimento para a região, mas os recursos eram modestos se comparados aos direcionados a
Europa, Ásia e Oriente Médio. Ainda segundo o autor, os bilhões de dólares norte-americanos investidos na
ajuda a países africanos, asiáticos e latino-americanos, à exceção dos países que eram estrategicamente
relevantes para a contenção do comunismo, tiveram pouco impacto real sobre seu desenvolvimento, conforme
demonstraria a persistência dos índices de pobreza nos mesmos.
124
Os detalhes sobre a evolução institucional do sistema formal brasileiro de CTI nas primeiras décadas estão
disponíveis no Apêndice B.
125
Há registros internos do MRE que mostram a preocupação com o fato de o sistema brasileiro de cooperação
ter passado, com a reforma de 1969, a responder a duplo comando – por um lado, o MRE, por outro, o
Ministério do Planejamento (VALLER FILHO, 2007, p. 77).
126
O texto completo do Decreto nº 65.476 está disponível no Anexo A. Todos os decretos mencionados neste
capítulo podem ser acessados na base on-line da Casa Civil “Portal Legislação Federal do Brasil”.
127
O diplomata Valler Filho (2007, p. 106) afirma que a diplomacia desempenhou papel de relevo ao acumular
arcabouço teórico e conceitual sobre a CTI entre os anos 30 e o ano de reforma do sistema brasileiro (1969), mas
reconhece que sua interface junto ao MRE, expressa no fato de as delegações serem chefiadas por diplomatas,
acontecia também por questões de ordem prática, relacionadas ao fato de que “o domínio da língua estrangeira
era confinado a uma elite que havia viajado, ou estudado fora do país.”
97
do Ponto IV e pelo CONTAP. As funções desempenadas pela CNAT, que estavam sob a
órbita do MRE, foram completamente extintas.
Ficou previsto que o Ministério do Planejamento reuniria as competências centrais no
sistema brasileiro de CTI, quais sejam: a convocação de reuniões periódicas para exame
colegiado das solicitações e de assuntos gerais de cooperação técnica (com o MRE devendo
sempre fazer-se representar); a decisão sobre quais órgãos e especialistas deveriam participar
dessas reuniões, conforme a área em exame; a definição e demanda direta ou indireta, no
último caso por meio do Instituto de Planejamento Econômico e Social ou centros de
pesquisas do governo, por estudos técnicos que informariam as reuniões.
Embora a aprovação de ambas as instituições (Ministério do Planejamento e MRE)
fosse necessária para que qualquer solicitação nacional de cooperação técnica fosse
encaminhada a organismos e agências internacionais, em alguns casos – entendimentos e
acordos operacionais estabelecidos diretamente por órgãos especializados, como o Conselho
Nacional de Pesquisas, a Comissão Nacional de Pesquisas, a Comissão Nacional de Energia
Nuclear e o Centro Nacional de Recursos Humanos nos campos de sua competência, com
congêneres estrangeiros ou internacionais – bastaria pronunciamento do Ministério do
Planejamento, ouvido o MRE.
Agências setoriais desempenhariam papel ativo no sistema brasileiro de CTI,
colocando suas demandas particulares por meio da indicação, ao Ministério do Planejamento,
de pontos focais estabelecidos na administração direta e indireta sob sua jurisdição.128 A esses
pontos focais caberia a programação setorial, a formulação e análise de projetos e o
acompanhamento de sua execução. Ao Ministério do Planejamento caberia a elaboração de
um Plano Básico de CTI contendo projetos prioritários, bem como a avaliação periódica,
direta ou indireta, dos programas em curso no país.
Se, nas primeiras décadas, o instrumento central para a captação da CTI eram os
chamados “Acordos Básicos de Cooperação Técnica”, nos anos 70, seguindo diretiva de
associação da CTI à captação de ciência e tecnologia, houve sua substituição pelos “Acordos
Básicos de Cooperação Técnica, Científica e Tecnológica”, em consonância com os planos
nacionais básicos de desenvolvimento científico e tecnológico (CERVO, 1994).
128
Segundo o diplomata Valler Filho (2007), a criação desses pontos focais em órgãos da administração pública
direta e indireta representa a origem da posterior criação de secretarias, subsecretarias e coordenadorias
internacionais em diversos órgãos públicos no Brasil.
98
129
A colocação da política externa brasileira a favor do desenvolvimento econômico teve uma de suas
elaborações centrais no trabalho de Araújo Castro, chanceler de João Goulart. Segundo ele, a busca do
desenvolvimento econômico deve se constituir como objetivo de Estado, voltado para a construção da influência
do Brasil sobre o ambiente internacional, pois o país não conta com capacidades econômicas e militares
suficientes para garanti-la; “o caminho mais rápido, mais direto para o fortalecimento de seu poder Nacional é o
próprio caminho de seu desenvolvimento econômico e expansão industrial” (Amado, 1982 apud Lima, 2005b, p.
6).
130
A marginalização dos países de renda média na CTI veio com a introdução dos critérios de graduação, que
atingiu particularmente seu acesso a créditos concessionais, mas também seu acesso à cooperação técnica, que
passou a exigir contrapartidas nacionais de, no mínimo, 50% dos custos das iniciativas. Enquanto a graduação
foi justificada pela necessidade moral de focar nos países mais necessitados, além de embasada no raciocínio de
que as contrapartidas nacionais favoreceriam maior apropriação por parte dos recipiendários, o diplomata
Iglesias Puente (2010, p. 82) lembra que muitos a interpretam como resultado da competição dos países ricos
com os países emergentes: “Quanto às motivações da graduação há aqueles que defendem o ponto de vista de
que os PED [países em desenvolvimento] que atingiram determinado nível de progresso teriam adquirido
condições de competir em determinadas áreas, sobretudo no setor produtivo (agricultura e manufaturas), com
alguns dos países doadores. Portanto, teriam de ser ‘graduados’, pois qualquer ajuda adicional por eles recebida
seria prejudicial aos interesses dos doadores.”
131
Nas palavras de Cervo (1994, p. 43): “O dilema entre cooperação técnica ou científica e tecnológica que se
colocava nos anos setenta e oitenta espelhava a complexa realidade nacional: um país de grandes possibilidades
e ao mesmo tempo de necessidades existenciais elementares não satisfeitas. Pretendia-se avançar pelos
sofisticados mecanismos da cooperação tecnológica, mas não se podia deixar de carregar o fardo de uma miséria
social que persistia e que, entretanto, poderia ser aliviada pela ‘assistência’ técnica ou pela ‘transferência’ de
conhecimento.” Mais adiante, o autor esclarece que: “Evitava-se o extremo de vincular a CTI a programas
assistenciais, mesmo porque o país havia rechaçado tal filosofia décadas anteriores” (Ibid., p. 52). Essas
reflexões dão a entender que as iniciativas de cooperação voltadas para o equacionamento de problemas sociais
eram percebidas como pautadas por uma lógica assistencialista, ao passo que as que objetivavam contribuir para
o desenvolvimento científico e tecnológico seriam eficazes na busca de um desenvolvimento autônomo.
99
governo naquele momento. Na verdade, o Brasil havia se inserido apenas de forma marginal
no sistema internacional de cooperação técnica nas décadas anteriores, inclusive por não se
localizar em região geográfica de relevância no contexto da Guerra Fria.132 Ainda assim, a
diminuição de recursos internacionais destinados à CTI, acompanhada pela graduação do
Brasil, atingiu o sistema brasileiro que havia sido desenhado para aprimorar a eficácia e a
eficiência na recepção de aportes externos.
132
Ver Nota 123. Segundo dados levantados por Cervo (1994), até 1983 o Brasil teria se beneficiado com apenas
0,7% da cooperação recebida do PNUD, proporção que seria semelhante no que diz respeito à cooperação
bilateral recebida.
133
Um observador diplomático não oficial, Bezerra de Menezes, foi enviado para a Conferência de Bandung no
mesmo momento em que o então presidente Café Filho realizava visita de Estado a Portugal. A postura do Brasil
era de alinhamento a este país em relação às questões coloniais. Diante da demanda indiana pelo fim do controle
português sobre os territórios de Goa, Daman e Diu, Café Filho respondeu que o Brasil ficaria ao lado de
Portugal em qualquer disputa mundial (DÁVILA, 2010, p. 27).
134
Embora a PEI tenha sido interpretada pelo Governo Castello Branco como uma política de viés ideológico
(CERVO; BUENO, 1992), ela guardava relação com elemento de cunho pragmático: a diversificação da matriz
produtiva brasileira. A industrialização levaria, naturalmente, a questionamentos sobre a vantagem do
alinhamento com os EUA e a divergências entre os interesses dos dois países (BANDEIRA, 1997). No que se
refere à África, contudo, José Flávio Sombra Saraiva (2012, p. 42) lembra que, durante o Governo Castello
Branco, a ênfase da PEI na cooperação política e econômica com o continente foi substituída por enfoque
geopolítico simplificado, que via no continente “lugar vulnerável às influências comunistas”, devendo o Brasil
“contribuir para a ‘imunização’ da região atlântica.” Referindo-se à política externa brasileira para a África
durante o período militar como um todo, Lechini (2006) afirma que o enfoque pragmático, baseado na busca pela
diversificação dos parceiros comerciais, seria justificado pelo princípio da solidariedade Sul-Sul, mas lembra que
o Brasil buscava também construir alianças que lhe permitissem elevar sua voz em questões globais. A
diplomacia cultural, assim como a cooperação técnica e acadêmica, seriam usadas como instrumento de
aproximação do Brasil com os países africanos.
100
135
Como lembra Lima (2005a, p. 12-13): “Nos anos 60, o Brasil era considerado um dos ‘influentes’ no grupo
dos países do Sul, em função de atributos estruturais, como tamanho e força econômica, bem como daqueles
relacionados ao desempenho de seus representantes nos foros mundiais. Em 1967, o representante brasileiro,
embaixador Azeredo da Silveira, que viria a ser o chanceler do general Geisel, foi eleito presidente do Grupo dos
77 para a Segunda Conferência da UNCTAD em 1968 em Nova Deli. Naquele mesmo período, o desempenho
brasileiro obteve o terceiro lugar em influência positiva, abaixo da Índia e do Chile, no âmbito da UNCTAD.”
136
Citando trabalho de Selcher (1976), Pinheiro (2007) lembra que o Brasil chegou a figurar na lista de seis
países, que constava em resolução de 1973 assinada por 17 países africanos, que sofreriam sanções econômicas e
diplomáticas caso mantivesse seu apoio ao regime sul-africano do Apartheid.
101
Isso significa que, diferentemente do que afirma o diplomata Valler Filho (2007, p.
68), para o qual “os primeiros experimentos de cooperação prestada pelo Brasil a terceiros
países” datam do início da década de 70, o que aconteceu neste momento foi que a prática da
CTPD brasileira começou a ganhar interface junto ao MRE, com a assinatura dos primeiros
acordos de cooperação técnica entre o Brasil e outros países em desenvolvimento.137
Na análise de Valler Filho (2007, p. 68), que destaca explicitamente os propósitos da
ação diplomática brasileira em relação à CTPD nos anos 70, a assinatura dos acordos de
cooperação técnica entre o Brasil e outros países em desenvolvimento aconteceu em contexto
em que
[...] a diplomacia brasileira passaria a utilizar as ações de cooperação internacional
com motivos políticos, a fim de assegurar e difundir a imagem do País, não
apenas na América Latina, mas também com ênfase na nova fronteira africana, em
função do processo de independência das antigas colônias.
Mais adiante o diplomata reitera os elementos acima e adiciona novos elementos aos
propósitos da CTPD brasileira naquele momento, contrastando-os, novamente, aos propósitos
relacionados à cooperação recebida:
Enquanto a cooperação técnica recebida era vista como propulsora do
desenvolvimento e de mudanças estruturais no Brasil, a cooperação prestada pelo
País passaria a representar um instrumento de política externa, com objetivos
específicos, contribuindo para o estreitamento dos vínculos políticos, culturais e
137
Mais adiante o diplomata Valler Filho (2007, p. 75) qualifica a afirmação ao fazer afirmar que “a partir de
1969, procurou-se [...] estruturar um programa de cooperação técnica brasileira ao exterior” (grifo nosso). Esse
programa teve início em 1971, com a assinatura de acordo com o Paraguai (Acordo sobre a Realização de um
Programa de Cooperação Técnica; Assunção, 05/05/1971). No mesmo ano foram assinados acordos, ainda, com
Colômbia (Acordo Relativo à Execução de Projetos de Cooperação Técnica; Brasília, 08/06/1971); Trinidad e
Tobago (Acordo Relativo à Criação de uma Comissão Mista de Cooperação Técnica, Econômica e Comercial;
Port of Spain, 09/11/1971); e Guiana (Aide Mémoire sobre Cooperação Técnica; Georgetown, 11/11/1971). Em
1972, foram assinados acordos com Benin, Camarões, Colômbia, Costa do Marfim, Guatemala, Senegal, Togo;
em 1973, com Egito, Quênia, Venezuela e Zaire; em 1974, com Gabão, Gana e México; em 1975, com Kuwait,
Peru, República Dominicana, Uruguai (o Anexo B traz a lista completa de acordos vigentes de CTPD entre o
Brasil e outros países em desenvolvimento). Ainda de acordo com Valler Filho (Ibid.), a partir da assinatura
desses primeiros acordos instituições como a EMBRAPA, a Fiocruz, o SENAI, o Sebrae e os ministérios da
Saúde e da Educação passariam a ser convocadas para prestar CTPD. Não obstante, conforme veremos com mais
detalhes no caso do SENAI, foi possível identificar iniciativas de prestação de cooperação anteriores à assinatura
de tais acordos. É possível que o mesmo tenha acontecido no caso da Fiocruz e/ou de outras entidades do setor
de Saúde no Brasil, tendo em vista o engajamento ativo tradicional de sanitaristas brasileiros em redes e órgãos
internacionais que tratam da matéria.
102
138
Na avaliação de Corrêa (2010, p. 90), a graduação acabou introduzindo relações de assimetria entre os países
do Sul; os mais desenvolvidos passariam a ser vistos como “irmãos mais velhos”, que deveriam orientar os
países menos desenvolvidos.
103
Sul” (IGLESIAS PUENTE, 2010, p. 31, grifo nosso), verificando-se aumento exponencial das
demandas por experiências brasileiras.
Conforme análise de documentação realizada por Cervo (1994), dos 694 projetos de
CTPD registrados até 1989 envolvendo o Brasil, dois tiveram início nos anos 60, 26 nos anos
70 e os demais nos anos 80 (depois, portanto, da realização da Conferência de Buenos Aires).
Dois terços dos projetos (475) tiveram como destino América Latina e Caribe; 171, África;
37, Ásia; e 11, Europa. Além disso, o Brasil figurava como prestador na maior parte dos
projetos regionais do PNUD e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) – 68 e
105 projetos, respetivamente -, a maior parte dos quais havia sido iniciada nos anos 80
(apenas 36 projetos do PNUD haviam sido iniciados antes da década de 80).
Os desafios econômicos enfrentados pelo Brasil nos anos 80 não impediram, portanto,
que a CTPD avançasse, principalmente no entorno regional,139 embora Iglesias Puente (2010)
avalie que, de modo geral, o tema tenha sido relegado a segundo plano diante dos fundos
exíguos levantados para financiar ações mais efetivas.140 Nesse período, a CTPD brasileira foi
financiada, em grande medida, por organismos internacionais que haviam se comprometido a
apoiar a CTPD na Conferência de Buenos Aires. Destacavam-se, em particular, arranjos
triangulares envolvendo o PNUD e o Banco Mundial, sendo que as contrapartidas brasileiras
aconteciam por meio da cessão de horas técnicas pelas instituições cooperantes nacionais
(IGLESIAS PUENTE, 2010).
Apesar de o acesso a conhecimentos e tecnologias dos países desenvolvidos ter
adquirido dimensão renovada com o abandono do ideal de “potência emergente” e a
reafirmação do Brasil como país em desenvolvimento durante o Governo Figueiredo, o
envolvimento do país na CTPD seria condicionado: pelo avanço do PABA; pelo efeito
inercial do ativismo diplomático nos anos 70 em prol do estreitamento de laços do Brasil com
outros países em desenvolvimento; pela paulatina divulgação externa de pesquisas e
experiências vinculadas a instituições brasileiras como a EMBRAPA, a Fiocruz, o Sebrae e o
SENAI, bem como pela participação de técnicos brasileiros dessas entidades em seminários
internacionais; e, por fim, pela repercussão crescente da crise econômica mundial sobre a
139
Outros países do Sul, como Índia, Coreia do Sul e Tailândia, também seguiram tendência de concentrar sua
CTPD no entorno regional, no caso, a Ásia (IGLESIAS PUENTE, 2010, p. 82).
140
A razão para os parcos fundos levantados para a CTPD seria o efeito negativo da crise econômica mundial
sobre as contribuições dos países desenvolvidos junto à ONU, que por sua vez teria conduzido ao
aprofundamento da graduação (IGLESIAS PUENTE, 2010).
104
economia brasileira, que “condicionaria [...] a política externa do Governo Figueiredo a voltar
sua atenção à cooperação Sul-Sul” (VALLER FILHO, 2007, p. 77).
Relacionado ao último condicionante, Valler Filho (2007) lembra que a busca de
mercados para produtos de maior valor agregado e para serviços brasileiros, particularmente
na América Latina e na África meridional, tornou-se cada vez mais imperativa diante da
necessidade de se equilibrar o balanço de pagamentos, afetado pelos gastos crescentes com a
importação de petróleo e pelo protecionismo dos países desenvolvidos. Não fica claro,
contudo, como a CTPD apoiava exatamente esse processo. Eram promovidas ações que
tivessem relação direta com os objetivos econômicos brasileiros ou se tratava de uma relação
indireta – quer dizer, buscando-se, por meio da CTPD, criar uma imagem positiva do Brasil
nos países que compravam ou poderiam eventualmente se tornar compradores dos bens e
serviços brasileiros?
Vale ressaltar que o Brasil não era visto exatamente como um país “popular” entre os
movimentos terceiro-mundistas. A diversificação da matriz produtiva nacional havia
conduzido à internacionalização dos negócios brasileiros rumo aos países em
desenvolvimento. Esse processo, que teve como um dos casos de destaque a atuação da
Petrobras em países africanos, difundiam certa percepção do Brasil como país semiperiférico,
que tendia a reproduzir a “exploração” dos países mais pobres pelos mais ricos ao basear seus
padrões de comércio em trocas de produtos manufaturados por commodities (no caso,
petróleo).141 É possível, nesse sentido, que o envolvimento crescente na CTPD tenha
respondido à busca pela preservação da imagem do Brasil diante do avanço da presença de
suas empresas em outros países em desenvolvimento – uma espécie, portanto, de
responsabilidade corporativa levada a cabo com recursos financeiros e humanos públicos.
Mas será que o caráter instrumental da CTPD brasileira teria se realizado na prática?
As avaliações são díspares. Enquanto Cervo (1994) avalia que ela contribuiu para o país
atingir o objetivo de fortalecer suas relações políticas e econômicas junto aos países
recipiendários, Iglesias Puente (2010, p. 104) afirma que a inexistência de
[...] qualquer integração e coordenação entre a política de cooperação técnica a
países em desenvolvimento e outras políticas de promoção da presença brasileira no
exterior [...] gerava a impressão na SUBIN e no MRE de que o país não estava
desfrutando de eventuais benefícios paralelos da cooperação prestada, sobretudo na
área comercial.
141
Sobre o papel da Petrobras na exploração do petróleo em Angola, ver: PINHEIRO, 2007. Para uma visão do
Brasil como país semiperiférico nas suas relações com a África, com destaque para as relações com a Nigéria,
ver: FORREST, 1982; HOFFMANN, 1982; OGWU, 1982b.
105
A prestação de cooperação técnica não era, porém, prioritária para a política externa
brasileira. Em geral, a postura predominante do governo brasileiro parece ter sido uma de
insatisfação em relação à graduação do país na arquitetura global da CTI. Seguindo a
prioridade conferida ao desenvolvimento nacional, a frente dominante na CTI era a de
captação de experiências e tecnologias externas que apoiassem o modelo de desenvolvimento
que se desejava promover – um modelo liderado pelo Estado, com foco em projetos de grande
escala e em consonância com os Planos Nacionais de Desenvolvimento.
Intensas negociações haviam sido conduzidas para convencer os doadores
internacionais a utilizarem apenas a mediação diplomática na realização de iniciativas, as
quais deveriam focar áreas prioritárias definidas pelo governo brasileiro. Graças a esse
esforço, o diplomata Valler Filho (2007) considera que foi possível alcançar maior eficácia
nos efeitos da CTI recebida sobre o desenvolvimento nacional.
Enquanto os benefícios da CTPD para o desenvolvimento brasileiro são tratados de
forma difusa pela literatura, o mesmo não se verifica no caso da avaliação da CTI recebida.
Conforme concluiu Cervo (1994), por exemplo, ao avaliar projetos realizados pelo PNUD no
Brasil,142 seus impactos teriam sido positivos no desenvolvimento dos setores agrícola,
industrial e de engenharias e no que se refere à capacitação de pessoal, disseminação de bem-
estar social e avanço em setores estratégicos de desenvolvimento.143
Tais impactos, porém, teriam decrescido nos anos 80 em vista de vários fatores, entre
eles: a crise econômica no Brasil; o avanço da graduação pelos doadores tradicionais
142
O PNUD foi, nos anos 70, a principal fonte multilateral da cooperação técnica recebida pelo Brasil, levando o
país a ocupar o quarto lugar entre os beneficiários de seus programas de cooperação. Outras fontes multilaterais
relevantes foram o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), o Fundo de População das Nações
Unidas (FNUAP) e a OEA (VALLER FILHO, 2007, p. 72-73).
143
No caso dos dois primeiros programas quinquenais do PNUD (1972-76; 1977-81), o segundo implementado
já sob a modalidade “execução nacional” (envolvendo, portanto, contrapartidas brasileiras), destaca-se, por
exemplo, seu papel no avanço da indústria aeronáutica, telecomunicações, correios, transportes, programa
nuclear, programas universitários de pós-graduação, pesos e medidas, controle da qualidade do aço, sistema
nacional de patentes, normalização técnica e sistema nacional de controle de qualidade de drogas e
medicamentos, além da consolidação de centros de pesquisas, como unidades da EMBRAPA destinadas a
pesquisas em trigo (Passo Fundo), soja (Londrina), pecuária de leite (Coronel Pacheco) e pecuária de corte
(Campo Grande), o CETEC-MG, o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), o Instituto de
Tecnologias de Alimentos de Campinas (ITAL), entre outros (CERVO, 1994). Marcovitch (1994, p. 58) também
avalia de forma positiva o papel da cooperação internacional no estabelecimento de “instituições que
contribuíram decisivamente para a elevação das competitividades estrutural, setorial e empresarial nacionais”,
embora assinale que se tratem de iniciativas sobre as quais é necessário saber mais para que se retire delas
aprendizados que possam ser transferidos a outras iniciativas. Partido do pressuposto de que a AOD só tem
resultados se alocada “de forma adequada na constituição de competências em âmbitos estrutural, setorial e
empresarial” e de que a relação universidade-empresa-Estado é fundamental para o aproveitamento sustentável
da cooperação recebida, Markovitch (Ibid., p. 53) avalia, contudo, que o papel da empresa como propulsora da
inovação teria sido pouco enfatizada na CTI recebida pelo Brasil.
106
(inclusive o PNUD), com consequente diminuição dos recursos aportados para o Brasil; a
crescente absorção dos recursos da ONU com suas próprias atividades burocráticas;144 a
tendência de concentração nos recursos da CID em iniciativas emergenciais de combate à
miséria e à pobreza (CERVO, 1994); e a multiplicação de demandas domésticas pela
cooperação recebida, especialmente a partir da promulgação da Constituição de 1988,
acompanhada pela dificuldade de articulação para concepção e estabelecimento de prioridades
(MARCOVITCH, 1994).
144
Corrêa (2010, p. 29) adiciona, nesse ponto, que “a constituição de uma imensa burocracia internacional” é
“fortemente criticada pelos seus custos e por uma alegada limitação em sua capacidade de atingir seus
objetivos.” Weiss et al. (2010) esclarecem que a proliferação de agências, fundos, programas, comissões e
comitês no âmbito da ONU, ao longo das décadas, gerou uma rede institucional complexa e marcada pela
sobreposição e pela duplicação de iniciativas. Para os autores, a função do sistema ONU no desenvolvimento
internacional é menos relevante pelo seu impacto operacional do que pela sua centralidade na produção de ideias
e princípios que contribuem para gerar consensos internacionais, particularmente no que se refere ao ideal do
“desenvolvimento humano sustentável”.
107
Em 1996, a ABC deixou de ser ligada à FUNAG e foi absorvida pela estrutura da
Secretaria Geral de Relações Exteriores do MRE, cabendo a indicação de seu diretor ao
chanceler e permitindo-se que seus quadros fossem formados por técnicos externos. Seguindo
o Artigo 14º do Decreto nº 2.070, de 13 de novembro de 1996, as funções da agência
passariam a ser:
I- coordenar, negociar, aprovar, acompanhar e avaliar, em âmbito nacional, a
cooperação para o desenvolvimento em todas as áreas de conhecimento, recebida de
outros países e organismos internacionais e aquela entre o Brasil e países em
desenvolvimento;
II- administrar recursos financeiros nacionais e internacionais alocados a projetos e
atividades de cooperação para o desenvolvimento por ela coordenados.
108
145
O Apêndice C sistematiza informações sobre os decretos que estabeleceram e modificaram a localização, a
competência e outras disposições relativas à ABC desde que foi criada.
146
A análise de Cervo (1994) sobre o rationale diplomático brasileiro das “finalidades não próprias” converge
com a análise geral de Domergue (1968) de que os interesses do país que doa não são da mesma natureza da
assistência. O último autor acrescenta que o recipiendário quase sempre está informado desses interesses e os
aceita, mas que tenta fazer o possível para não deixar que eles levem a intervenções “intoleráveis” em seus
assuntos domésticos.
109
último caso facilitada por sua estrutura mundial) 147 –, pensada a princípio como transitória,
acabou se firmando em vista da persistência de desafios financeiros e legais à prestação de
cooperação.
Tal intermediação, porém, não aconteceu sem conflitos. No início dos anos 2000,
decisões emitidas por órgãos judiciários e de controle no Brasil questionaram a não adesão da
ABC a leis nacionais trabalhistas e licitatórias. Embora tenham sido direcionadas à
cooperação multilateral recebida,148 tais decisões, que parecem ter convergido com a
insatisfação do MRE com o protagonismo do PNUD na operacionalização da CTPD
brasileira, inauguraram período de crise no sistema brasileiro de CTI como um todo.
Em resposta, o MRE buscou inserir a ABC na sua estrutura funcional e metodológica
(“itamaratização” ou “despenudização” da ABC) por meio da criação da Subsecretaria Geral
de Cooperação e da realização de concursos públicos para preencher os quadros da agência.
Contudo, seguindo as regras internas de progressão funcional os oficiais e assistentes de
chancelaria lotados na ABC em 2005 deixaram a agência dois anos depois. Assim, a partir de
2007, boa parte do quadro funcional da ABC voltou a ser preenchida por profissionais
contratados pelo PNUD, desta vez seguindo harmonização de suas normas com a legislação
brasileira e a normatização da cooperação recebida por meio de reforma e aprovação de
instrumentos contendo dispositivos sobre negociação e gestão de projetos e contratação de
consultores (IGLESIAS PUENTE, 2010).149
Para lidar com os desafios criados pela inexistência de estrutura internacionalizada da
ABC, a partir de 2004 teve início o estabelecimento, em algumas embaixadas brasileiras, dos
147
Diferentemente da ABC, que não possui estrutura internacionalizada e sofre limitações legais à realização de
gastos no exterior, o PNUD está presente em mais de 150 países, o que confere maior alcance e abrangência às
iniciativas de CTPD (BARBOSA, P., 2011).
148
Em vista da adesão do Brasil ao Consenso de Washington e de seus efeitos negativos sobre as contratações
públicas, a dimensão que assumiu maior importância dentro da ABC nos anos 90 foi a cooperação técnica
multilateral recebida, implementada com altas contrapartidas nacionais (em torno de 80% dos recursos) e voltada
para a contratação de serviços e bens seguindo regras simplificadas (IGLESIAS PUENTE, 2010).
149
O instrumento central que regulamentou o envolvimento brasileiro na CTI foi o Decreto nº 5.151, de 22 de
julho de 2004, que substituiu o Decreto nº 3.751, de 2001 (ver Anexo C). As disposições presentes nesses
decretos são relativas à gestão de projetos realizados no âmbito de acordos com organismos internacionais, e não
são feitas menções explícitas à CTPD. Tendo em vista que a CTPD brasileira é, em geral, operacionalizada por
meio de acordos com organismos internacionais, nota técnica preparada a partir de demanda da Consultoria de
Orçamento e Fiscalização Financeira do Núcleo de Integração Nacional e Meio Ambiente da Câmara dos
Deputados entendeu que tais disposições são válidas também para a CTPD (ver: RODRIGUES; MACEDO;
BATISTA JUNIOR, 2012).
.
110
150
Segundo Cabral e Weinstock (2010), foram estabelecidos NCTs em: Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau,
Mali, Moçambique, Quênia e São Tomé e Príncipe e Timor Leste. Iglesias Puente (2010) afirma que foram
estabelecidos NCTs nos PALOPs, no Haiti e no Timor Leste.
151
Segundo o diplomata Valler Filho (2007, p. 96), o aumento da CTPD brasileira teria acompanhado o maior
ativismo do Brasil em organismos internacionais, visível a partir do fim dos anos 80, quando o país retorna ao
Conselho de Segurança das Nações Unidas (jan./1988-dez./1989). Posteriormente o Brasil integraria o mesmo
em três períodos não consecutivos (jan./1993-dez./1994; jan./1998-dez./1999; jan./2004-dez./2005), retomando o
pleito de se tornar membro permanente do órgão. No caso da aproximação com a América Latina e Caribe,
destaca a CTPD seria um dos instrumentos para promover a liderança brasileira junto aos países da região.
152
De acordo com o diplomata Iglesias Puente (2010), a redemocratização também teria oferecido impulso
renovado à CTPD brasileira. O I Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República, em capítulo sobre
relações exteriores, teria trazido pontos específicos sobre a necessidade de se incentivar a cooperação técnica
como meio para abrir potencialidades em âmbitos geográficos com os quais o Brasil compartilha afinidades
geográficas, históricas e culturais (âmbitos regional e sub-regional, mas também com ênfase na África).
111
153
Nas palavras do diplomata Pedro Henrique Barbosa (2011, p. 36): “A cooperação brasileira para o
desenvolvimento internacional não está desprovida de qualquer embasamento jurídico ou em desacordo com
normas mundiais. De fato, desde a Cúpula do Milênio de 2000, o compromisso global dos Estados de
cooperarem e se ajudarem mutuamente na promoção do desenvolvimento vem sendo reafirmado em diversas
conferências e documentos formais. Retoma-se, de certa forma, o pensamento em vigor na época da confecção
da Carta das Nações Unidas, que preceitua, em seus artigos 55 e 56, a cooperação em prol do desenvolvimento.”
154
Ver Anexo D.
155
Dados referentes aos anos de 2003 a 2010 mostram que em 2009 e em 2010 outras agências, além do PNUD,
passaram a manter parcerias com a ABC para a execução da CTPD brasileira. São elas: Organização das Nações
Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO); Programa Mundial de Alimentos (PMA), Instituto
Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA); Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime
(UNODC); Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA); e Organização Internacional do
Trabalho (OIT). Ver Anexo E.
112
Nota-se que nenhum dos incisos acima dispõe explicitamente sobre a prestação de
cooperação técnica, que poderia, contudo, se enquadrar no terceiro item (“prestação de
serviços diplomáticos”). O inciso V, que costuma aparecer no Diário Oficial da União quando
a saída de funcionários da administração pública federal que tomam parte em missões de
CTPD é publicada, fala sobre “intercâmbio cultural, científico ou tecnológico”, não sobre
“transferência” de tecnologias ou conhecimentos.
Tampouco há clareza acerca das condições necessárias para que se dê consecução às
iniciativas de CTPD. Embora alguns diplomatas afirmem que a existência de Acordos Básicos
de Cooperação Técnica, sujeitos a aprovação do Congresso, é sine qua non (BARBOSA, P.,
2011; IGLESIAS PUENTE, 2010; VALLER FILHO, 2007), mesmo no caso de iniciativas
coordenadas pela ABC admite-se o início da prestação de cooperação sem a existência de tais
acordos – desde que o país recipiendário possua representação diplomática brasileira e esteja
negociando acordo básico de cooperação com o governo brasileiro (ABREU, 2012).
Estas situações, por envolverem algum tipo de mediação de organizações do Sistema
ONU, são justificadas juridicamente pela existência do Acordo Básico de Assistência Técnica
entre os Estados Unidos do Brasil e a Organização das Nações Unidas, suas Agências
Especializadas e a Agência Internacional de Energia Atômica, de 29 de dezembro de 1964. As
disposições desse acordo, contudo, centram-se na recepção de cooperação técnica da ONU
pelo Brasil.
Na interpretação de consultoria legislativa elaborada em 2012, as iniciativas de CTPD
devem estar calcadas não apenas em acordos básicos de cooperação, mas também em atos
complementares aprovados pela ABC e contendo detalhes sobre o projeto. O entendimento
que prevaleceu tradicionalmente é de que os atos complementares dispensariam aprovação do
Congresso por decorrerem de tratado previamente aprovado por ele, mas tratados e acordos
ratificados nos últimos anos estão incluindo cláusulas no sentido de que quaisquer ajustes que
113
300
256
200 181
153
100
69
0 23 19
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
156
O FBC foi criado em 1995 e teve suas atividades iniciadas em 1996, mediante a transferência da soma de
US$ 300 mil do governo brasileiro para o fundo. Como se tratam de recursos limitados, devido ao fato de o
114
governo brasileiro preferir atuar diretamente pela via bilateral, as ações de CTPD do FBC foram implementadas
por meio de atividades pontuais, com concentração nos países caribenhos e centro-americanos, mas também se
registrando ações na Bolívia e no Equador. A OEA se coloca como mediadora entre a demanda e a oferta de
CPTD entre os países latino-americanos, mas não contribui com recursos para a execução das ações, as quais são
algumas vezes financiadas pelo BID (IGLESIAS PUENTE, 2010).
157
O mesmo desafio incide sobre uma das alternativas de financiamento aventadas por Iglesias Puente (2010),
que seria a transferência de recursos para execução pelas embaixadas brasileiras. Estas são regidas por
mecanismo de realização de despesas correntes dos postos no exterior, mas ainda assim devem ser observados os
prazos anuais de execução financeira.
115
Iglesias Puente (2010) com base em análise de informações referentes ao período 1995-2005,
possuem prazo de execução longo, de dois anos em média, mas em muitos atingindo quatro
ou cinco anos.
A demorada execução da CTPD se deve a uma série de fatores, entre eles: desafios
variados nos países recipiendários (instabilidade institucional, recursos humanos insuficientes,
falta de coordenação interna, não cumprimento de contrapartidas); deficiências da própria
ABC em termos de recursos humanos, financeiros e metodológicos; e falta de disponibilidade
imediata de funcionários ligados às instituições executoras brasileiras (IGLESIAS PUENTE,
2010).
Esforços em frentes diversas vêm sendo envidados para contornar os obstáculos que
atingem a oferta da CTPD brasileira. Em primeiro lugar, há tendência a executar ações com o
suporte de consultores. Na verdade, como lembra Iglesias Puente (2010), desde 2005 a ABC
havia estabelecido banco de consultores voltado para agilizar a implementação da CTPD.
Incidia, contudo, o rationale segundo o qual a entrega da cooperação por funcionários
públicos seria mais efetiva na promoção do desenvolvimento de outros países dado o real
interesse dos funcionários públicos em apoiar o estabelecimento de capacidades
autossustentáveis.158 É claro, também, que a alocação de funcionários públicos brasileiros na
execução da CTPD envolve custos menores, já que as horas-técnicas são cedidas pela
instituição de origem desses funcionários. Não obstante, alguns estudos apontam que tal
alocação poderia comprometer a efetividade da CTPD brasileira, tendo em vista a
disponibilidade reduzida dos funcionários públicos em vista de se encontrarem absorvidos
com atividades domésticas.159 Como os estudos de caso desta tese apontarão (Capítulos 3 e 4),
também se constitui como elemento desafiador o fato de o envolvimento de funcionários e
técnicos brasileiros na CTPD não se basear necessariamente em alinhamento claro com as
missões e com as prioridades estratégicas de suas respectivas instituições de origem.
Além da utilização de consultores para a execução da CTPD brasileira, passou-se
também a se estimular maior envolvimento de organizações da sociedade civil, de
universidades e de Centros de Pesquisa na implementação e acompanhamento das ações. Isso
contribui não apenas para agilizá-las, mas também para ampliar a base de apoio doméstica a à
158
Segundo tal raciocínio, o envolvimento de consultores privados na implementação da CTPD favoreceria a
criação de uma “indústria da miséria”, à qual interessaria supostamente manter a dependência dos países
beneficiados em relação à cooperação recebida para continuar alimentando o fluxo de recursos para suas
atividades.
159
Ver: ANDRADE, M., 2008; LEITE; SUYAMA; POMEROY, 2013; SOUZA, 2007.
116
160
O envolvimento de ONGs brasileiras na CTPD acontece, ainda, em contexto marcado pela restrição crescente
de seu acesso a recursos internacionais de CTI. Tal restrição se deve a uma série de fatores, entre eles a
tendência de doadores tradicionais de privilegiarem a alocação de seu orçamento por meio de organizações do
setor privado. Para mais informações os determinantes e impactos da reconfiguração recente da ajuda oferecida
por doadores tradicionais sobre o financiamento internacional a ONGs brasileiras, ver MASAGÃO, 2011.
161
Segundo Iglesias Puente (2010), a partir de meados de 1996 a ABC passou a oferecer treinamento interno em
elaboração de projetos e análise e enquadramento das demandas recebidas. O objetivo era aprimorar o
referencial dos quadros da agência na formulação das iniciativas de CTPD. Com esse mesmo objetivo chegou-se
a aventar a possibilidade de a ABC ser transformada em uma agência executiva, em vez de as ações serem
executadas por outras entidades nacionais.
162
A capacitação para atuação em ambientes interculturais é uma transformação relevante na CTPD brasileira,
na medida em que tendia a prevalecer a crença de que, por virem de um país multicultural e marcado pela
cordialidade, os técnicos brasileiros não precisariam de treinamento prévio para se comunicarem adequadamente
com técnicos de outros países.
163
Ver: ABC, 2013d.
164
Segundo Iglesias Puente (2010), a lacuna maior da ABC em termos de gestão da informação seria a questão
dos custos dos projetos, dificultada pela inexistência de cômputo dos gastos realizados por instituições nacionais
parceiras; pela não realização de muitas das ações seguindo planos originários de execução financeira; e pelo
processamento da execução financeira ao longo da duração dos projetos seguindo as regras do PNUD, não
havendo sistematização de gastos anuais.
117
Por fim, vale mencionar que a ABC liderou, junto ao Instituo de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA), à Casa Civil e à Secretaria de Assuntos Estratégicos, a primeira
sistematização dos dados referentes ao engajamento brasileiro na CSSD, incluindo ações
realizadas de forma autônoma por entidades da administração pública federal e outras
modalidades além da CTPD. Os resultados desse levantamento serão apresentados na próxima
seção e complementados com dados específicos sobre iniciativas coordenadas pela ABC.
aprofundamento da graduação e a não expor políticas setoriais nacionais, bem como os gastos
públicos referentes a elas.165
No caso específico do CAD, há resistência à incorporação de normas geradas sem a
participação e aprovação do governo brasileiro, além do que aderir a elas implicaria dar
transparência aos desembolsos totais relativos à prestação de cooperação, um tema sensível
diante do fato de o Brasil ainda ser um país em desenvolvimento. No caso da cooperação
financeira realizada na forma de créditos às exportações, tal sensibilidade é ainda maior pelo
fato de os desembolsos serem de maior vulto (Tabela 1), de seus detalhes não serem de acesso
público166 e de serem condicionados à compra de bens e serviços brasileiros – o que mostraria
que, na prática, a maior parte dos gastos brasileiros com a prestação de cooperação é
vinculada.167
165
Para mais informações sobre as relações do Brasil com a OCDE, ver: COZENDEY, 2007; SANCHEZ, 2008.
166
Respondendo solicitação parlamentar, relatório de consultoria legislativa a respeito do financiamento às obras
de integração física na América do Sul afirmou que “não foi possível a obtenção de dados detalhados relativos
aos financiamentos concedidos pelo BNDES aos países sul-americanos ou às empresas brasileiras envolvidas em
projetos de exportação de bens e serviços de engenharia para esses países, devido à legislação sobre o sigilo
bancário” (BORGES, 2008, p. 4).
167
Conforme apontou representante do BNDES por ocasião do lançamento do relatório “Cooperação brasileira
para o desenvolvimento internacional: 2005-2009”, realizado em Brasília em dezembro de 2010, a entidade não
considera que suas atividades possam ser enquadradas como “cooperação financeira”. Isso porque o BNDES
aplica taxas de mercado em suas operações, além do que empréstimos concessionais para promoção de
exportações seriam proibidos pela OMC. Em relação ao primeiro ponto, sabe-se, porém, que o Comitê de
Financiamento e Garantia das Exportações (COFIG) devolve parte da taxa de juros às instituições que tomaram
empréstimos junto ao BNDES; dependendo da equalização aplicada e de outras condições, o empréstimo pode
ser enquadrado como concessional ou subsidiado. Em relação ao segundo ponto, subsídios às exportações
realizados por meio da ajuda bilateral vinculada são usados como instrumento de lobbies atuantes dentro dos
países doadores para terem acesso a recursos subsidiados para a promoção de suas exportações sem correrem o
risco de que tais práticas impliquem em consequências jurídicas no âmbito da OMC (FERREIRA, 2009). Para
uma breve apresentação da estrutura institucional brasileira relacionada à cooperação financeira, ver: CABRAL,
L., 2011.
119
168
Embora a expressão usada pelo relatório seja “cooperação técnica, científica e tecnológica”, contabilizaram-
se apenas iniciativas de cooperação técnica. A cooperação em ciência e tecnologia pressupõe que dois parceiros
se juntam para produzir inovações (não se trata, portanto, de adaptar tecnologias, mas de produzir novas
tecnologias). A OCDE também exclui a modalidade “cooperação científica e tecnológica” da contabilização da
AOD. Sendo assim, será adotado aqui apenas o termo “cooperação técnica” ou CTPD, e não “cooperação
técnica, científica e tecnológica”.
121
9,80% 5,36%
Bolsas de Estudos
8,72% Humanitária
Cooperação Técnica
80,00%
70,00%
Bolsas de Estudos
60,00%
50,00% Humanitária
40,00%
Cooperação Técnica
30,00%
Contribuições para
20,00% organismos internacionais
10,00%
0,00%
2005 2006 2007 2008 2009
169
Apesar de apontar que o grau de contribuição de um país por meio de vias multilaterais seria indicativo de
menor incidência de interesses na ajuda, Lancaster (2007a) considera que essa opção também se relaciona com
as capacidades do país doador para contribuir pela via bilateral, que é mais cara e demanda mais recursos
humanos. O que é interessante no caso de países com baixa capacidade de cooperar pela forma bilateral, como os
países nórdicos (os quais em termos relativos foram os únicos a superarem a marca de 0,7% de seu PIB para a
ajuda externa), é que essa capacidade limitada favoreceu tanto o engajamento em esquemas multilaterais ou
multistakeholder (por exemplo, Noruega, Suécia e Dinamarca financiaram conjuntamente a construção de um
hospital na Coreia do Sul durante a Guerra da Coreia) quanto o envolvimento de outros atores domésticos (setor
privado, ONGs) no financiamento e na execução de projetos coordenados por seus respectivos governos.
170
O Anexo F consolida os dados sobre a evolução das principais contribuições do Brasil a organismos
internacionais e a bancos regionais.
171
O relatório também fornece mais detalhes sobre o perfil da assistência humanitária por modalidade e por
destino (ver Anexo G).
123
172
Ver Apêndice D.
173
Ver Apêndice E.
174
Em nota à imprensa referente ao lançamento do armazém, o MRE afirma que sua instalação, sugerida pelo
então chanceler Celso Amorim e chancelada pelo GTI-AHI, responde ao propósito de “dar maior celeridade à
assistência humanitária internacional prestada pelo Brasil, de forma a tornar disponível estoque permanente de
14 toneladas de alimentos para doação a populações eventualmente atingidas por calamidades e desastres
naturais” (MRE, 2009).
175
Custos Administrativos Associados respondem por 28% dos gastos com cooperação técnica; Equipamentos
de Naturezas Diversas, 3% (IPEA; ABC, 2010).
124
176
Segundo o diplomata Iglesias Puente (2010, p. 188), o Brasil resistiu inicialmente a contribuir para o Fundo
Especial da CPLP, mas a partir de 2000 passou a contribuir com US$ 200 mil por ano. Com a criação da
Reunião de Pontos Focais de Cooperação da CPLP, em agosto de 2002, viabilizou-se a execução de várias
iniciativas, mas a maior parte delas é implementada de forma “autônoma” (quer dizer, bilateralmente entre o
Brasil e cada Palop), embora com “ingredientes de caráter regional no âmbito da CPLP”.
177
O diplomata Iglesias Puente (2010, p. 189-190) recorda que foi criado, em 1993, o Comitê de Cooperação
Técnica (CCT), órgão de assessoramento do Grupo Mercado Comum e responsável pela análise de ofertas e
demandas de cooperação técnica que tenham o bloco como beneficiário. O objetivo seria promover a integração
entre os países do Mercosul em duas frentes: a coordenação do desenvolvimento científico e tecnológico e o
aumento e diversificação da oferta de bens e serviços, harmonizando padrões de qualidade seguindo normas
internacionais. As ações do CCT, as quais são implementadas com o apoio de uma série de organizações e
doadores internacionais (BID, União Europeia, Fundo Pérez Guerrero, OEA, FAO, UNIDO, Alemanha, Japão,
França, Coreia do Sul e Itália), contemplam áreas como cooperação aduaneira, medidas fitossanitárias, normas
técnicas, estatísticas, reuniões trabalhistas, administração pública (com foco no fortalecimento das instituições do
bloco), comércio eletrônico, defesa do consumidor, agropecuária, saúde, meio-ambiente e educação. Na análise
do diplomata, o papel indutor do Brasil junto ao CCT é reduzido, já que o país atuaria conjuntamente com os
outros membros na identificação de áreas, nas negociações e no acompanhamento, sendo co-recipiendário de
muitas das ações.
125
de renda média baixa (42%), seguidos dos países de renda média alta (34%) e dos países de
renda baixa (21%) (Gráfico 4).178
Tabela 2 - Distribuição dos recursos da cooperação técnica brasileira por região, 2005-
2009 (R$ valores correntes)
2005 2006 2007 2008 2009 Total
África 9.175.787,60 3.431.599,01 4.232.961,75 16.496.816,93 31.511.939,11 64.849.104,40
178
O CAD/OCDE costuma, em seus peer reviews, tecer críticas a países que destinam a maior parte de sua ajuda
a países de renda média, e não aos “mais necessitados” (países de renda baixa). O perfil da distribuição da ajuda
por nível de renda dos recipiendários é normalmente tratado como indicador de propósito – quanto mais um país
coopera com países de renda média, maior seria a incidência de interesses próprios. Pelo menos dois
questionamentos podem ser feitos a esse rationale. Em primeiro lugar, sabe-se que parlamentos de vários países
doadores questionam a alocação da ajuda oferecida por seus respectivos governos a países de renda média
(principalmente aos “emergentes”), considerados concorrentes. Em segundo lugar, determinações em prol do
foco em países de renda baixa basearam-se em dados que mostravam que a maior parte dos pobres estava nesses
países. Não obstante, conforme apontaram Kanbur e Sumner (2011), houve mudanças recentes na geografia da
pobreza, estimando-se que 72% dos pobres vivam nos países de renda média. Subsistem, contudo, empecilhos
diversos à alocação da ajuda para os países de renda média, inclusive o fato de os doadores terem menor controle
sobre ela (EYBEN; LISTER, 2004).
126
Renda baixa
21%
Renda
média alta
34%
Renda média
baixa
42%
179
Segundo Iglesias Puente (2010, p. 193-194), a viabilidade jurídica das iniciativas de cooperação triangular, as
primeiras das quais envolveram o Brasil e Japão, foi questionada pelo fato de o acordo básico de cooperação
técnica entre os dois países não contemplar iniciativas em terceiros países. Se, a princípio, justificou-se a
triangulação com base em interpretações de que as ações seriam em sua grande maioria executada no Brasil, sem
compromissos financeiros e formais com terceiros, posteriormente notou-se que essa interpretação impediria o
avanço do programa de cooperação entre Brasil e Japão. A solução encontrada foi, então, calcar as iniciativas de
cooperação triangular nos instrumentos bilaterais existentes entre os países envolvidos, fórmula que acabou
sendo adotada em outras iniciativas de CTPD envolvendo o Brasil.
127
180
De acordo com Iglesias Puente (2010, p. 192), a crise haitiana (2004) configurou-se como catalizador central
da ampliação do envolvimento brasileiro na cooperação triangular.
181
Desse total, 49% do orçamento vieram do MRE; 25%, do Ministério da Saúde; e 20%, da Fiocruz. Ações
específicas incluem prevenção, diagnóstico e controle de doenças (HIV/AIDS, malária, febre amarela, Doença
de Chagas), saúde materna e infantil e gerenciamento de recursos humanos de hospitais e clínicas (IPEA; ABC,
2010).
128
Quadro 3 - Alocação setorial da CPTD brasileira coordenada pela ABC segundo fontes
diversas
Fonte Período de referência Ranking da alocação setorial
ABREU, 2012* 2003-ago/2012 Agricultura – 24%
Saúde – 18%
Educação – 11%
Meio Ambiente – 7%
Segurança Pública – 7%
Administração Pública – 5%
Energia – 5%
Desenvolvimento social – 3%
Ciência e Tecnologia – 2%
Cooperação técnica – 1%
Desenv. Urbano – 1%
Indústria – 1%
Planejamento – 1%
Comunicações – 1%
Cultura – 1%
Esporte – 1%
Trabalho – 1%
Transportes – 1%
Defesa Civil – 1%
Infraestrutura – 1%
Pecuária – 1%
Outros – 4%
BRASIL, 2011a* 2003-2010 Agricultura – 21,86%
Saúde – 16,28%
Educação – 12,12%
Meio Ambiente – 7,43%
Segurança Pública – 6,28%
Administração Pública – 5,4%
Desenv. Social – 5,31%
Energia – 3,36%
Desenv. Urbano – 2,39%
Trabalho – 2,3%
Indústria – 1,91%
Gerenciamento Coop – 1,95%
Cultura – 1,68%
Ciência e Tecnologia – 1,68%
Comunicações – 1,24%
Justiça – 1,24%
Planejamento – 1,15%
Outros – 5,93%
BARBOSA, P., 2011*** 2006-2010 Agropecuária – 18%
Saúde – 16%
Educação – 10%
Segurança pública – 9%
Administração pública – 8%
Multidisciplinar – 8%
Meio ambiente – 7%
Planejamento e Desenv. Social – 7%
Energia – 3%
Indústria – 2%
Trabalho – 2%
Cultura – 1%
Ciência e Tecnologia – 1%
Cooperação técnica – 1%
Comunicações – 1%
Outros – 6%
IGLESIAS PUENTE, 2010*** 1995-2005 Agropecuária – 20,74%
Saúde – 15,55%
Meio Ambiente – 8,52%
Desenv. Social – 7,59%
Adm. Pública – 7,22%
Educação – 6,67%
129
Quadro 4 - Distribuição dos recursos da ABC por regiões segundo fontes diversas
Fonte Período de referência Ranking da alocação geográfica
BARBOSA, P., 2011 2006-2010 América Latina e Caribe – 38,66%
África – 53,58%
Ásia e Oriente Médio – 7,76%
IGLESIAS PUENTE, 2010 1995-2005 África – 52%
América do Sul – 15,2%
Ásia, Oriente Médio e Leste
Europeu – 23,2%
América Central e Caribe – 9,6%
MRE, 2007 Não identificado África – 52,01%
América do Sul – 18,36%
Caribe – 15,56%
Ásia e Oceania – 9,79%
América Central – 3,23%
CPLP – 0,67%
Oriente Médio – 0,01%
Países Árabes – 0,01%
CTPD por meio de projetos (que demandam maiores investimentos), ao passo que na América
Latina e Caribe predominam iniciativas pontuais (IGLESIAS PUENTE, 2010). No período
analisado por Iglesias Puente (1995-2005), África e Timor-Leste concentraram a maior parte
dos recursos da ABC destinados à CTPD (70%), ao passo que a América Latina aparece com
maior concentração de ações (67%).
Considerando a evolução histórica da distribuição geográfica entre 1995 e 2005,
Iglesias Puente (2010) apresenta os seguintes dados:
a) em termos de número de iniciativas, a região da América Central e
Caribe apareceu à frente durante o período 1995-1996 (38%), seguida de
África (31%) e de América do Sul (25%);
b) no período 1997-2001, América Central e Caribe continuou
predominando (39%), a América do Sul assumiu o segundo lugar (35%),
seguida da África (22%). Este continente, porém, assumiu a dianteira no
volume de recursos empregados na CTPD nesse período (a partir de 2001
havendo impulso também à cooperação com países africanos não lusófonos),
destacando-se ainda volume crescente de recursos destinados ao Timor-Leste a
partir de 2000;182
c) por fim, a África seguiu predominando, no período 2002-2005, em
termos de recursos, seguida de Timor-Leste. Em termos de número de ações, a
África assume o destino principal da CTPD brasileira (35%), seguida de
América do Sul (34%) e América Central e Caribe (27%), no último caso
destacando-se, a partir de 2004, volume crescente de ações no Haiti, país que
ultrapassa Cuba como destino das mesmas a partir de 2005.
182
A primeira missão da ABC ao Timor Leste aconteceu em 1999, chefiada pela então Coordenadora Geral da
ABC, Alice Pessoa Abreu, após o plebiscito que decidiu pela independência do país. Na ocasião, foram definidas
áreas prioritárias em parceria com a Administração Transitória das Nações Unidas no país (VALLER FILHO,
2007, p. 108).
132
comerciais com os EUA, tornando-se o Brasil país atrativo, por exemplo, pelo respeito à
autodeterminação dos povos. A reação da ABC teria sido “imediata”183 e, três meses depois,
foi enviada missão multidisciplinar a oito países (Antígua e Barbuda, Bahamas, Barbados,
Dominica, São Cristóvão e Névis, São Vicente e Granadinas e Trinidad e Tobago), por meio
das quais se negociaram acordos básicos de cooperação, diagnosticaram-se demandas em
diferentes áreas e definiram-se prioridades: Defesa Civil (capacitação em gerenciamento de
desastres e treinamento de pessoal), Saúde (elaboração de programas nacionais de prevenção,
controle e tratamento de HIV/AIDS, treinamento de pessoal em vacinação e imunização,
criação de sistemas nacionais de informação que servissem de base para a elaboração de
políticas nacionais de Saúde) e Agricultura (capacitação em técnicas de irrigação e manejo de
recursos hídricos, aprimoramento das culturas de frutas tropicais e de mandioca).184
Cruzando-se dados setoriais e regionais mais atualizados, nota-se que as áreas
predominantes na CTPD brasileira por região são: com a África, Agricultura, Saúde e
Educação e Treinamento Vocacional; com as Américas, Saúde, Agricultura e Meio-
Ambiente; com o conjunto Ásia, Oceania, Europa e Oriente Médio, Treinamento Vocacional
e Educação, Agricultura e Justiça (Tabela 3).
Meio-Ambiente 13% 5% 5%
Administração 9% 4% 5%
Pública
183
A resposta imediata da ABC a essas demandas pode denotar a incidência da chamada “estratégia
autonomista” sobre a alocação da CTPD brasileira. Segundo Lima (2005b, p. 18), essa estratégia tende a
privilegiar relações com países “que tenham interesses semelhantes e se disponham a resistir às imposições das
potências dominantes”.
184
Trataram-se dos três setores que tinham enviado representantes à primeira missão técnica, quais sejam:
Ministério da Saúde, Secretaria Nacional de Defesa Civil do Ministério da Integração Nacional e EMBRAPA
(VALLER FILHO, 2007).
133
Energia 6% 5% -
Desenv. Social 5% 2% 5%
Indústria 2% 1% N/S
Segurança Pública - - 5%
Trabalho 2% 2% 3%
Desenv. Urbano - 3% -
Justiça - - 11%
Cooperação Técnica - - 8%
Comunicações - 2% 3%
Legislativo - - 3%
Defesa Civil 2% - -
Planejamento - 2% -
Transportes 2% - -
Esportes - 2% -
Cultura - 2% -
Pecuária - 1% -
Outros 9% 7% -
185
O Anexo K traz a lista completa do número de ações isoladas e projetos por país.
134
lista dos principais recipiendários da cooperação brasileira por volume de recursos, embora
em colocações inferiores.
fonte que mais se aproxima de um documento de política (white paper), apresenta mistura de
propósitos morais com propósitos diplomáticos ligados à elevação do Brasil como país-chave
na provisão de bens públicos globais. Não obstante, disputas em relação a quais modelos e
políticas de desenvolvimento seriam mais adequados para o Brasil e para outros países
também estão implícitas no discurso do COBRADI, apesar da tônica geral de conciliação
entre democracia, crescimento econômico, inclusão social e sustentabilidade ambiental.
O Prefácio do relatório, assinado pelo então presidente Lula, tem início com a
constatação do reconhecimento internacional “às grandes transformações promovidas no
âmbito social e econômico, que permitiram que milhões de brasileiros rompessem os grilhões
da pobreza e da exclusão”. Tais transformações, relacionadas à “consolidação do regime
democrático” e à “estratégia de crescimento econômico inclusivo”, teriam sido comprovadas
pelo fato de o Brasil ter “atingido” e “superado”, “muito antes do prazo estabelecido”, “várias
das metas relacionadas à redução da pobreza” estabelecidas no âmbito dos ODMs (ABC;
IPEA, 2010, p. 9).186
Em seguida, o nota-se a necessidade de se levarem os progressos nacionais a “países
com dificuldades semelhantes” com base no seguinte argumento:
[...] em um mundo cada vez mais interdependente, a paz, a prosperidade e a
dignidade humana não dependem apenas de ações em âmbito nacional e a
cooperação para o desenvolvimento internacional é peça-chave para o
estabelecimento de uma ordem internacional mais justa e pacífica (Ibid., p. 7).
186
Embora ateste que a meta, espontaneamente estipulada pelo governo brasileiro, de reduzir até 2015 a pobreza
a um quarto do nível identificado em 1990 tenha sido atingida em 2007 e superada em 2008, o último relatório
de acompanhamento dos ODMs no Brasil publicado antes da publicação do COBRADI não incluiu dados sobre
a população rural dos estados de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. Ver: IPEA, 2010.
136
187
Para uma breve discussão acerca da horizontalidade na CSS e, em particular, na CTPD brasileira, ver
Apêndice F.
137
188
Note-se que em momento algum o COBRADI faz referência a um dos princípios centrais da diplomacia
brasileira: o pragmatismo. O diplomata Iglesias Puente (2010) afirma que o pragmatismo se concretiza, na CTPD
brasileira, na ausência de condicionalidades políticas. Ainda assim, nota-se que o discurso oficial sobre a CTPD
não soluciona, de maneira clara e inequívoca, a contradição entre o pragmatismo, voltado para a consecução de
139
O objetivo último da CTPD brasileira é mais uma vez enunciado, desta vez
destacando-se o aspecto do crescimento econômico: promover o “desenvolvimento integral
dos parceiros, que impulsione mudanças estruturais em suas economias, levando a um
crescimento sustentável que garanta, igualmente, inclusão social e respeito ao meio ambiente”
(Ibid., p. 33).
Os mecanismos e a abordagem da CTPD brasileira ganham conteúdo detalhado,
desenhando-se mais claramente as percepções acerca das condições que garantiriam a eficácia
das iniciativas “mesmo em contextos desafiadores em termos políticos, econômicos ou
sociais”: “é possível realizar atividades de elevado conteúdo socioeconômico [...] desde que
haja disposição e vontade política”189 e “compromisso em conceber, de forma conjunta com o
país parceiro, iniciativas ancoradas no desenvolvimento efetivo das capacidades locais”, que
“fortalece o exercício da apropriação e potencializa a autoestima dos beneficiários diretos dos
programas e projetos” (IPEA; ABC, 2010, p. 33).
Mais adiante, mencionam-se dois fatores adicionais que contribuiriam para a eficácia
da cooperação brasileira: o fato de ela fazer “uso das boas práticas de desenvolvimento
econômico e social – testadas e bem-sucedidas em âmbito nacional”; e sua adaptação a países
objetivos relacionados ao desenvolvimento brasileiro, e o que é enunciado como objetivo último da CTPD
brasileira: promover o desenvolvimento de outros países.
189
A questão que se coloca aqui é: quais são os critérios utilizados para definir se determinado país tem ou não
vontade política para se desenvolver? O critério utilizado tradicionalmente pelo CAD é a existência de planos
nacionais e setoriais de desenvolvimento. Escrevendo em 1968, contudo, Domergue (1968) já constatava a
fragilidade desse critério. Partindo do pressuposto de que a ajuda surte efeito apenas se suplementar esforços
locais (do contrário, gera novas formas de colonialismo), o autor considera que pode haver esforços locais sem
um plano formal, da mesma forma que pode haver plano formal, muitas vezes estabelecido em contextos onde
inexistem bases estatísticas confiáveis (fazendo com que o plano se assente em objetivos irrealistas), sem que
exista uma máquina para implementá-lo. Além disso, muitos países elaborariam planos apenas como para
obterem assistência. Diante desses fatores, Domergue conclui que planos formais podem ser relevantes para
guiar a mobilização das pessoas, mas é esta mobilização que faria a diferença, não os planos em si.
140
190
O diplomata Iglesias Puente (2010, p. 57) esclarece que a incidência de motivações históricas e culturais na
CTPD brasileira relaciona-se não apenas ao passado colonial comum, mas também, em parte, às relações de
vizinhança, as quais requerem políticas voltadas para a resolução de problemas comuns. Neste último caso fica
um pouco mais clara a elaboração sobre como a CTPD brasileira pode contribuir para o enfrentamento de
desafios ao desenvolvimento dos parceiros envolvidos, inclusive o Brasil.
191
As limitações orçamentárias também explicariam por que o Brasil não é doador líquido de recursos, o que por
sua vez se configura como elemento explicativo adicional da recusa da expressão “doador” pelo governo
brasileiro. O diplomata Iglesias Puente (2010, p. 33) converge com o COBRADI ao afirmar que as limitações
orçamentárias fizeram com que a CTPD brasileira se concentrasse no compartilhamento de técnicas e de
conhecimentos. Em vista de seus baixos impactos no orçamento público em um quadro marcado por carências
dentro do Brasil, a CTPD seria “instrumento bastante assimilável pela sociedade”. O diplomata Pedro Henrique
Barbosa (2011, p. 35-36) segue esse mesmo raciocínio ao afirmar que a CTPD brasileira não desvia recursos que
poderiam ser utilizados para a resolução de problemas internos na medida em que é pouco onerosa (por não
incluir alocação ostensiva de recursos financeiros e doações de equipamentos).
141
Fonte: A autora, 2013, com base em análise discursiva de IPEA; ABC, 2010.
143
O COBRADI, cujo discurso é mais amplo (englobando outras modalidades para além
da CTPD), centra-se menos na dimensão do fortalecimento institucional dos países parceiros
– que não deixa, contudo, de ser mencionada – e mais nos impactos da cooperação sobre os
beneficiários finais (as populações). Reconhece-se que esses impactos também podem ser
atingidos por meio do fortalecimento das capacidades de organizações internacionais e de
outros grupos, conforme se pode presumir a partir da própria definição de desenvolvimento
adotada pelo COBRADI (ver Seção 2.2).
As informações acerca das diretrizes e das prioridades da CGPD/ABC também são
mais precisas (o que não significa que sejam mais coerentes que aquelas mencionadas, de
forma mais difusa, no COBRADI). São elas:
Diretrizes
A partir de 2004, a CGPD brasileira tem-se pautado pelas seguintes diretrizes:
144
Prioridades
À luz das atuais orientações governamentais, a CGPD concentrou suas ações com
base nas seguintes prioridades:
• compromissos assumidos em viagens do Presidente da República e do
Chanceler;
• países da América do Sul;
• Haiti;
• países da África, em especial os Palops, e Timor-Leste;
• demais países da América Latina e Caribe;
• apoio à CPLP; e
• incremento das iniciativas de cooperação triangular com países
desenvolvidos (através de suas respectivas agências) e organismos internacionais
(ABC, 2013b).
O diplomata Iglesias Puente (2010) reconhece que a preferência da ABC por projetos
e programas com maior alcance de resultados, em detrimento de ações pontuais e isoladas,
nem sempre é realizada na prática. Para ele, a falta de planejamento – dificultada, inclusive,
pela prioridade conferida a compromissos assumidos pelo presidente e pelo chanceler, que
será discutida mais adiante – e a carência de recursos humanos e financeiros na ABC
acabariam favorecendo a pulverização das iniciativas e a limitação de seus impactos sobre os
países receptores.192
Em relação às prioridades geográficas apresentadas na página da ABC, nota-se que
não se apresenta lista específica de países. Para tentar verificar quais países são prioritários na
prática das iniciativas da CTPD coordenadas pela ABC, e em que medida o número de
projetos com os quais são contemplados converge com o lugar ocupado por eles ou por suas
respectivas regiões nas prioridades da ABC, cruzou-se o ranking dessas prioridades com
dados mais recentes sobre o número de projetos realizados com cada país (presumindo-se que
os países de interesse prioritário para a política externa brasileira sejam aqueles que abriguem
192
Para Iglesias Puente (2010, p. 242), a CTPD brasileira deveria “privilegiar programas com enfoques setoriais
mais amplos, o que demandaria um planejamento estratégico multidisciplinar cuidadoso junto ao país
recipiendário, inclusive para privilegiar ações com maiores efeitos multiplicadores. Isso raras vezes se verifica.
As ações de cooperação brasileira com Angola, Timor-Leste e Haiti constituem, ainda que de forma não
absoluta, exceções nesse sentido.”
145
Quadro 5 – Grau de correspondência entre a alocação dos projetos coordenados pela ABC
por país e o ranking das prioridades geográficas da agência
País Número de Projetos
Peru 38
El Salvador 33
Cuba 32
México 32
Colômbia 26
Haiti 26
Equador 21
Bolívia 20
Paraguai 20
República Dominicana 20
146
Uruguai 19
Moçambique 18
São Tomé e Príncipe 16
Suriname 16
Venezuela 16
Argentina 15
Panamá 14
Costa Rica 13
Guatemala 12
Honduras 12
Cabo Verde 11
Nicarágua 11
Timor Leste 9
Belize 8
Guiana 8
Guiné Bissau 8
Angola 7
Argélia 7
Jamaica 6
Benin 5
Congo 5
República Democrática do Congo 5
Senegal 5
Chile 4
Gana 4
Tanzânia 4
Barbados 3
Quênia 3
Afeganistão 2
Camarões 2
Namíbia 2
Nigéria 2
Zâmbia 2
Botsuana 1
Burkina Faso 1
Líbano 1
Libéria 1
Togo 1
Zimbábue 1
África do Sul 0
Antígua e Barbuda 0
Bahamas 0
Burundi 0
Chade 0
Comores 0
Costa do Marfim 0
Djibuti 0
Dominica 0
Egito 0
Eritreia 0
Etiópia 0
Gabão 0
Gâmbia 0
Granada 0
Guiné Conacri 0
Guiné Equatorial 0
Lesoto 0
Líbia 0
Madagascar 0
Malaui 0
Mali 0
Marrocos 0
Maurícia 0
147
Mauritânia 0
Níger 0
República Centro-Africana 0
Ruanda 0
Santa Lúcia 0
São Cristóvão Névis 0
São Vicente e Granadinas 0
Serra Leoa 0
Seychelles 0
Somália 0
Suazilândia 0
Sudão 0
Sudão do Sul 0
Trinidad e Tobago 0
Tunísia 0
Uganda 0
Legenda: Verde: correspondência alta; amarelo: correspondência média; vermelho: nenhuma correspondência.
Fonte: A autora, 2013, com base em dados disponíveis em ABREU, 2012.
Nota-se, portanto, que não há coerência completa entre o ranking das prioridades
geográficas estabelecidas na página da ABC e a efetivação dos projetos sob sua coordenação.
A correspondência limitada entre o discurso e a prática da CTPD brasileira no que se refere à
sua distribuição geográfica pode denotar falta de planejamento e/ou maior incidência de
outros critérios sobre as decisões acerca de quais países serão contemplados pela CTPD
brasileira.
Segundo o diplomata Iglesias Puente (2010), apenas 20% das demandas que chegaram
à ABC no período por ele analisado (1995-2005) foi efetivada. No processo de triagem, que
seguiria o padrão desenhado no Diagrama 3, a maior parte das demandas não chegaria à etapa
de negociação devido a uma série de fatores, entre eles: a insuficiência de recursos humanos
dentro da ABC para processar todos os pedidos; a impossibilidade de identificar ou mobilizar
entidades brasileiras que possam atender a solicitações específicas;193 e a inexistência de
recursos, no país demandante, que possam ser oferecidos como contrapartida.
A baixa disponibilidade de recursos brasileiros para ações bilaterais de CTPD acaba se
configurando, portanto, como condicionante do foco em iniciativas com parceiros que tenham
condição de assumir parte dos custos de implementação das iniciativas em termos financeiros,
humanos e de infraestrutura – condição esta que ao mesmo tempo se configuraria, na lógica
da ABC, como indicativo de comprometimento real e de apropriação da cooperação recebida.
193
Sobre esse ponto, o diplomata também chama a atenção, mais adiante, para o fato de que há também recusa
das instituições em atender demandas cuja eficácia requerem planejamento e análise cuidadosos (Puente, 2010:
241).
148
Essa reflexão coaduna com aquela realizada por Iglesias Puente (2010, p. 243-244) ao
afirmar que
poderia parecer difícil explicar alguns critérios de alocação da CTPD em termos
políticos-geográficos. A título de exemplo, um país como El Salvador foi
contemplado, no período analisado (1995-2005), com nada menos do que 26 ações
de cooperação técnica brasileira, enquanto o Paraguai, vizinho e sócio no
MERCOSUL, recebeu apenas 16 (e assim mesmo com quase metade das ações nos
últimos 3 anos do intervalo). Outros países centro-americanos, como Honduras e
Panamá, tiveram, no mesmo período, participação quase inexpressiva. Não consta
que as relações políticas do Brasil com El Salvador, certamente importantes e
positivas, se situem em patamares especialmente superiores aos dos outros países
citados.
A principal resposta está na lógica da demanda, que tem tido papel fundamental na
cooperação técnica brasileira e na sua retroalimentação em decorrência do êxito
inicial alcançado. El Salvador soube fazer muito bom uso das iniciativas de
cooperação técnica brasileiras, inclusive por sua capacidade de absorção da
cooperação, além de seu nível de desenvolvimento relativo, superior ao de outros
países da área. Com isso, demandou novas ações que tiveram boa receptividade
entre as instituições cooperantes brasileiras, em vista do progresso obtido.
Nas páginas anteriores Iglesias Puente (Ibid., p. 2014) lembra também que, apesar de
em 1995 terem sido elaborados planos e programas baseados para América do Sul, América
Central e Caribe, África, Ásia, Oriente Médio e Leste Europeu, eles foram feitos em bases
anuais (e não plurianuais), não contemplaram planejamento com base em critérios setoriais e
responderam mais a demandas recebidas do que a “determinações e considerações prévias de
políticas prioritárias para áreas ou países”.
A definição das prioridades geográficas seguiria, assim, “padrões genéricos”, posto
que a América Latina e Caribe inclui mais de 30 países e a África, mais de 50. Nesse sentido,
Iglesias Puente (Ibid., p. 243) se pergunta se a ótica da demanda garantiria, por si só, “a
consecução de programas coerentes e efetivos”. E, uma vez que os programas não sejam
efetivos, questiona em que medida eles contribuiriam para atender, de fato, aos interesses da
política externa brasileira.
No que se refere às prioridades temáticas, a participação do MRE “não é muito
determinante” (Ibid., p. 246). Aponta-se, aqui, o papel das “injunções da oferta”, com a
concentração em setores específicos respondendo a “campos em que o Brasil acumulou
150
Nota-se, de fato, que há coincidência entre os setores que mais recebem e os setores
que mais prestam cooperação. Dados apresentados pelo diplomata Valler Filho (2007),
referentes aos anos de 2005, mostram o seguinte ranking: Formação Profissional e Educação
(33%); Agricultura (16%); Social/Educação (16%); Administração Pública, Transporte e
Energia (13%); Indústria (7%).
Uma das razões para tal coincidência é que organismos internacionais, que se colocam
como mediadores entre a demanda e oferta de CTPD, replicam projetos que realizam em
determinado país em desenvolvimento em terceiros. O mesmo acontece no caso dos doadores
bilaterais tradicionais, conforme será discutido com mais detalhes nos casos da EMBRAPA e
do SENAI (capítulos 3 e 4).
O que importa sublinhar, por ora, é que, como foi dito na Seção 2.1, o PNUD assumiu
mandato central na mediação entre a demanda e a oferta da CTPD e no próprio sistema
brasileiro de CTI. Segundo o diplomata Iglesias Puente (2010, p. 148), a organização possui
“prioridades e visões próprias” sobre a CTPD, as quais se refletem nos critérios utilizados
pela organização para auditoria e monitoramento dos projetos guarda-chuva. Isso não
significa que haja “ingerência na negociação, eleição de parceiros e prioridades, condução e
implementação da cooperação brasileira”, mas o diplomata defende que, tendo em vista que
se alocam recursos públicos brasileiros para tais iniciativas, as avaliações deveriam ser
comandadas por critérios de interesse público e da política externa brasileira, com parâmetros
definidos pelas autoridades competentes.
151
Argumento semelhante foi feito pelo Embaixador Marco Cesar Naslausky, diretor da
ABC entre abril de 2001 e novembro de 2003, ao defender, também em entrevista realizada
por Iglesias Puente (Ibid., p. 332), o “[c]ompartilhamento das experiências e práticas
brasileiras, mais ligadas à nossa capacidade de gerar soluções próprias, do que propriamente a
práticas adquiridas de países mais desenvolvidos que o nosso”.
Não obstante, conforme será visto na próxima seção, as razões elencadas acima para a
dissociação entre a prática e o discurso sobre as prioridades e as diretrizes da CTPD brasileira,
ainda que relevantes, não são suficientes para explicar todo o processo decisório relacionado à
alocação orçamentária e das ações da ABC; é necessário se levar em conta, também,
condicionantes políticos domésticos relacionados à mobilização de instituições e de grupos de
interesses em torno da CTPD brasileira. Isso significa que, mesmo a ABC estando dentro da
estrutura do MRE, a definição de países e setores prioritários não é processo autônomo e
insulado. O diplomata Iglesias Puente (2010, p. 34) reconhece a questão en passant ao
mencionar “tendência de que [as demandas pela CTPD brasileira] sejam induzidas pelas
entidades nacionais cooperantes” e, mais adiante, ao apontar atuação “relevante” das
instituições cooperantes brasileiras sobre as “injunções da oferta” (Ibid., p.246).
152
quais, por sua vez, eram condicionadas pelas percepções sobre o cenário externo e sobre a
possibilidade de o Brasil se inserir nele de forma mais ou menos proativa. Em períodos
marcados pela percepção de diminuição das margens manobra internacional do Brasil,
contudo, a CTPD brasileira não se desmobilizou, o que mostra a força dos condicionantes
externos e mesmo “paradiplomáticos” na agenda, embora os últimos não pareçam ter
historicamente operado de forma espontânea e em bases estratégicas claras. Em suma, a
agenda da CTPD no Brasil, apesar de envolver instituições nacionais há décadas, sofreu
flutuações na agenda do MRE e teve sua continuidade influenciada historicamente, em grande
medida, por condicionantes externos.
A despeito de tais flutuações, o diplomata Valler Filho (2007) afirma que o MRE
acumulou arcabouçou teórico e conceitual sobre a CTI desde os anos 30, embora a exposição
de visão “própria” sobre a CTPD ter acontecido apenas em 2002, em discurso realizado pelo
então Diretor-Geral da ABC, Embaixador Marco César Meira Naslausky, durante a XV
Reunião de Diretores de Cooperação Internacional da América Latina e Caribe.
A concepção de cooperação apresentada na ocasião – baseada em “relação entre
iguais”, parceria, objetivos comuns, “princípios e valores universais”, “disposição de tomada
de decisão conjunta”, “transparência de ações e mútua subordinação para o alcance dos
resultados pretendidos” – passaria a moldar e a inspirar as participações subsequentes de
representantes oficiais brasileiros em reuniões internacionais (VALLER FILHO, 2007, p. 49).
Nota-se, nesse discurso, a presença de uma mistura de elementos identificados tanto
com a CSS quanto com a agenda da efetividade da ajuda do CAD. Não se deve, contudo,
negligenciar o peso do arcabouço ideacional sustentado tradicionalmente pelo MRE na forma
como percebe e eventualmente tria demandas pela CTPD brasileira. Além da prevalência de
percepção, convergente com a própria identidade Sul-Sul, de que a autonomia brasileira e de
outros países em desenvolvimento estaria relacionada ao crescimento econômico e ao avanço
científico e tecnológico, tal arcabouço contempla, ao mesmo tempo, a visão do soft power
como mecanismo de projeção e de busca pelo reconhecimento internacional pelas
experiências nacionais de desenvolvimento.
Devido ao fato de o Brasil não acumular capacidades tradicionais que o classifiquem
como grande potência, o país seguiria atributos típicos de uma potência média, buscando
irradiar e influenciar “outros países, particularmente em dimensões culturais, políticas
públicas voltadas para o desenvolvimento e padrões de organização social que possam servir
154
como modelos a serem imitados e copiados pelos países de menor desenvolvimento relativo”.
(Lima, 2010, p. 155).
Contudo, assim como diretrizes específicas da política externa brasileira, as políticas
públicas que serão projetadas no âmbito internacional variam de governo a governo. Essa
variação pode ser explicada, em parte, pela abordagem proposta por Midgal (1972) sobre o
papel indutor central dos top leaders na definição da política externa dos países em
desenvolvimento (Subseção 1.4.4).
No caso específico do Brasil, o papel da Presidência da República na política externa
vem sendo analisada tanto pela literatura que explora a chamada “diplomacia presidencial”,194
quanto por aquela voltada para entender as bases constitucionais e infraconstitucionais que
embasariam tal influência. Apesar de a Constituição de 1988, assim como sua antecessora
(1967), não “designar literalmente o poder competente para a formulação da política externa”
(SANCHEZ; DA SILVA; CARDOSO; SPÉCIE, 2006, p. 129), segundo a legislação que rege
as atribuições e o funcionamento do MRE, cuja competência inclui “programas de cooperação
internacional”, cabe ao ministério “auxiliar o Presidente da República na formulação da
política exterior do Brasil” (BRASIL, 2010, grifo nosso). Vale lembrar, ainda, que o Artigo
84 da Constituição brasileira afirma que compete ao presidente da República nomear
ministros, inclusive o chanceler.
Como foi apontado na Seção 2.3, os compromissos assumidos pelo chanceler e pelo
presidente em viagens internacionais aparecem posicionados no topo das prioridades da
CGPD/ABC, o que significa “admissão explícita do peso da agenda diplomática na CTPD”
(IGLESIAS PUENTE, 2010, p. 245). Visitas presidenciais ou ministeriais podem condicionar
tanto a escolha do país recipiendário quanto das áreas temáticas (Ibid.).
Um segundo mecanismo de incidência da Presidência da República sobre as diretrizes
da CTPD brasileira poderia ser a atribuição de nomear o diretor da ABC. Enquanto o decreto
que ligou a ABC à Secretaria Geral das Relações Exteriores do MRE (Decreto nº 2.070, de 13
de novembro de 1996) afirmava, no seu Artigo 53, que caberia ao chanceler nomear o diretor
da ABC, o Decreto nº 3.959, de 10 de outubro de 2001, afirma que tal atribuição seria do
presidente da República. A partir de 2003, porém, os decretos que aprovaram a estrutura
regimental do MRE não incluíram designação literal a respeito de tal competência.195
194
Ver, por exemplo: CASON; POWER, 2009; VIGEVANI; CEPALUNI, 2007; PRETO, 2006; RIBAS;
FARIA, 2011.
195
Ver Apêndice C.
155
196
As considerações do diplomata Iglesias Puente (2010) em relação à incidência presidencial sobre a CTPD
coadunam, portanto, com a percepção do MRE de que a política externa deveria ser política de Estado (ver
DANESE, 1999).
197
A avaliação de Iglesias Puente (2010) sobre a instrumentalidade da CTPD na busca de apoio para pleitos
brasileiros em foros internacionais converge com a leitura da atuação dos doadores tradicionais que retira do
trabalho de Palmer, Wohlander e Morgan (2002). Ao analisarem 21 países do CAD, esses autores afirmam que a
CID é usada como instrumento de influência, fazendo com que os recipiendários atuem de modo condizente com
a vontade dos doadores, promovendo, por exemplo, sistemas políticos e econômicos similares aos seus. Iglesias
156
recipiendários aos pleitos brasileiros não seria, contudo, colocado como contrapartida
obrigatória à CTPD recebida do Brasil, mas viria da percepção, se houver, de que o Brasil
contribui de alguma forma para a realização de seus próprios objetivos (IGLESIAS PUENTE,
2010).
O diplomata Pedro Henrique Barbosa (2011, p. 22) confirma essa leitura ao afirmar
que “[e]mbora desprovida de componentes ideológicos e comerciais, a CTPD brasileira
atende, ainda que indiretamente, a outros objetivos da política externa nacional.” Por ser
potência emergente, “disposta a buscar espaço crescente no cenário internacional”, o Brasil
recorreria a “diversos meios para expandir sua capacidade de atrair outras nações para
posições e propostas de interesse específico”. A projeção da CTPD brasileira, nesse sentido,
seria um meio eficiente, baseado no poder brando, de atrair outros países em um sistema
internacional “crescentemente multipolar e globalizado”.
Em particular, aponta-se a relação entre a CTPD e a busca de apoio a pleitos e a
candidaturas brasileiras junto a organismos internacionais. No primeiro caso, destaca-se a
relação entre a CTPD oferecida pelo Brasil e o pleito do país para ocupar vaga permanente no
Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU). A partir de 2005, emissários do governo
brasileiro teriam sido enviados a vários países para buscar tal apoio, sendo o compromisso
internacional do Brasil com o combate à fome e à pobreza, por meio da CTPD, citado nessas
missões como parte integrante das credenciais do país para justificar o pleito. A partir de
2006, a ABC empreenderia missões de prospecção a países com os quais o Brasil ainda não
possuía iniciativas de CTPD (como países africanos não lusófonos e do Oriente Médio),
sendo que alguns deles haviam recebido sinalização, nas missões realizadas em 2005, de que
receberiam delegação da ABC. Quase todos os países recipiendários apoiaram o pleito
brasileiro, à exceção de Nicarágua, Costa Rica, Haiti e Jamaica, comprometidos com a
proposta da Comunidade do Caribe (CARICOM) sobre a reforma do CSNU (IGLESIAS
PUENTE, 2010).
Processo semelhante aconteceu no caso da candidatura de José Graziano da Silva à
FAO, que também recebeu apoio da maior parte dos países recipiendários da CTPD brasileira.
Em particular, “pesou muito na escolha [do candidato à FAO] dos países” a negociação de
projetos brasileiros na área agrícola, como o Mais Alimentos África (BARBOSA, P., 2011, p.
Puente (Ibid., 88-89) ressalta, porém, que esse processo nem sempre se dá com base em escolhas racionais, quer
dizer, calculando-se as ações com base em recursos limitados e escolhendo aquelas que permitam alcançar o
melhor resultado com o mínimo de recursos.
157
111).198 Ao refletir sobre a candidatura de Graziano e sobre sua eleição, o diplomata Pedro
Henrique Barbosa (Ibid., p. 110-111) afirma que
A candidatura brasileira insere-se na busca de crescente protagonismo e de espaço
para os interesses pátrios nos grandes foros de decisão mundiais. O país reconhece-
se cada vez mais como potência emergente e considera que, junto com outros países
em desenvolvimento, pode contribuir para a resolução de problemas nas mais
diversas áreas da política internacional. A eleição também reflete o reconhecimento
global da extensa experiência que o Brasil detém tanto no setor agrícola como
também, mais especificamente, no campo da segurança alimentar e da erradicação
da fome. Potência agropecuária há décadas, o país destaca-se como grande produtor
de diversos produtos, muitos dos quais commodities. Ademais, de forma altruísta,
gratuita e incondicional, transfere suas técnicas e tecnologias para países em
desenvolvimento e de menor desenvolvimento relativo através de seus programas de
cooperação técnica. Logo, o Brasil consolida-se como um ator atraente no cenário
global.
198
Mais recentemente, a eleição do candidato brasileiro Roberto Azevêdo à OMC também foi relacionada à
CTPD brasileira, já que ele havia percorrido, em busca de votos, vários países da África, América Central e
Caribe acompanhado de diretores da ABC. Segundo o Azevêdo, contudo, a ABC o acompanhou para “identificar
as opiniões desses governos sobre as cooperações técnicas já em andamento” (AGOSTINI, 2013).
158
Infere-se, por essa citação, que propósitos econômicos teriam incidência limitada
sobre a CTPD brasileira, o que não significa que não existam ganhos econômicos decorrentes
dela. O diplomata Pedro Henrique Barbosa (2011, p. 102), por um lado, converge com esse
raciocínio ao mostrar que os dez principais beneficiários da alocação orçamentária da ABC
entre 2005 e 2010 (por ordem alfabética, Angola, Cabo Verde, Cuba, Guatemala, Guiné-
Bissau, Haiti, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Timor Leste e Uruguai) estreitaram
relações comerciais com o Brasil. Ressalta, contudo, que “não se trata de relação de causa e
efeito, inclusive porque a CTPD brasileira não gira em torno de objetivos comerciais”.
Por outro lado, Barbosa (Ibid., p. 102) afirma que a CTPD é utilizada como
instrumento para manter um bom relacionamento com países que comprem bens brasileiros,
ou que possuam investimentos brasileiros em seus territórios, e nos quais o ambiente de
negócios costuma ser afetado por “turbulências internas e interferências políticas”. A partir
desta consideração pode-se, portanto, inferir que propósitos econômicos se fazem, ainda que
de forma reativa e não estratégica, presentes em decisões relacionadas à distribuição
geográfica da CTPD brasileira.
As reflexões apresentadas acima acerca dos propósitos da CTPD brasileira confirmam
a visão, apresentada na Subseção 2.1.4, de suas “finalidades não próprias” (CERVO, 1994).
Também confirmam a ideia mais ampla, apresentada no Capítulo 1, de que, nas relações de
cooperação, cada parceiro costuma prover um serviço distinto (CTPD em troca de apoio a
pleitos brasileiros ou CTPD como mecanismo de preservação dos interesses econômicos
brasileiros nos países em desenvolvimento).
Não obstante, conforme será abordado nas próximas subseções, a alocação setorial e
geográfica da CTPD brasileira não resulta apenas de decisões tomadas, de maneira insulada,
199
Logo adiante, Iglesias Puente (2010, p. 247-248) dá a entender que a exceção seria a área de energia e
biocombustíveis: “Com a nova divisão temática estabelecida pela direção do Itamaraty na ABC, desde 2007,
pretende-se facilitar a coordenação das ações e a mobilização das instituições cooperantes. Essa divisão temática
será mais efetiva se servir como interface de coordenação com áreas específicas do Ministério. Apenas a título
ilustrativo, na área de cooperação energética e de biocombustíveis, parece já haver esforço de coordenação entre
as instâncias cooperativas (ABC e DCT) e a área temática do MRE (Departamento de Energia).”
159
pelo MRE. A agenda da CTPD sofreu forte politização na arena doméstica brasileira durante
o Governo Lula – um processo cujas raízes remontam pelo menos ao Governo Cardoso -, com
um número cada vez maior de instituições e grupos de interesses se mobilizando em torno da
agenda e disputando acesso ao processo decisório. Embora essa politização seja encarada pelo
MRE como desafiadora – na medida em que dificultaria a elaboração de uma política de
Estado na matéria -, o maior envolvimento da Presidência da República e de outras
instituições e grupos de interesses domésticos na CTPD contribuiu para despertar e alimentar
o interesse público pela prestação de cooperação técnica e de outras modalidades de
cooperação, assim como pela própria forma como o Brasil recebe cooperação. A maior
apropriação da CTPD por entidades domésticas variadas, ainda que tenha alimentado a
dispersão institucional das ações, contribuiu para avançar em relação à tendência histórica de
maior incidência de condicionantes externos sobre a agenda e também para alimentar
consensos em torno da necessidade de construção de uma política pública na matéria.
200
Em entrevista realizada por Iglesias Puente (2010) com os diretores da ABC entre 1995 e 2005, foi-lhes
perguntado se a ABC seguia prioridades pré-estabelecidas pela diplomacia brasileira e em que medida tais
prioridades eram condicionadas por visitas presidenciais e ministeriais. Ambos os embaixadores que dirigiram a
ABC durante o Governo Cardoso concordam na leitura de que a agência não se condicionava a visitas
presidenciais e ministeriais, mas implementava programas de longo prazo com países considerados prioritários
pelo MRE.
160
Segundo o Embaixador Elim Saturnino Ferreira Dutra, diretor da ABC entre março de
1995 e fevereiro de 2001, o ranking das prioridades geográficas recebidas do então chanceler
Lampreia foi, respectivamente: América do Sul; América Central, Caribe e México; PALOPs;
outros países africanos com os quais o Brasil possuía relação mais estreita (Nigéria, África do
Sul e Namíbia são nomeados a título de exemplo); demais países africanos; Ásia, Oriente
Médio e Europa Oriental. Posteriormente, com a independência do Timor, o país foi incluído
no rol das prioridades geográficas (IGLESIAS PUENTE, 2010).
De acordo com o Embaixador Marco Cesar Naslausky, diretor da ABC entre abril de
2001 e novembro de 2003, a ABC trabalhava a partir de algumas prioridades políticas, as
quais por sua vez envolviam prioridades temáticas. As prioridades geográficas eram América
do Sul, PALOPs e Timor, ao passo que as temáticas ligavam-se aos campos de atuação mais
tradicionais: Agricultura, Saúde, Formação de Mão-de-Obra e, em menor medida, Meio-
Ambiente (Ibid.).
Analisando discursos diplomáticos gerais realizados durante o Governo Cardoso,
Iglesias Puente (2010) afirma que o uso do termo “cooperação técnica” aparece de forma mais
consistente nas referências aos PALOPs e ao Timor-Leste. Em geral, o termo “cooperação”
era utilizado de forma ampla (denotando “diálogo”, “aproximação”, “coordenação”,
“concertação” e “integração”), e a alusão a outras modalidades do engajamento externo
brasileiro, como difusão cultural, promoção cultural e cooperação científica e tecnológica, era
mais frequente.
No caso do Timor, Iglesias Puente (2010, p. 231) cita o discurso do então chanceler
Celso Lafer durante cerimônia de inauguração do Centro de Formação Profissional
estabelecido no país em parceria com o SENAI (2002), que teria se tratado de uma “das
poucas oportunidades em que a CTPD assumiu papel verdadeiramente importante no discurso
diplomático em toda a era FHC [Fernando Henrique Cardoso]”:
O Brasil tem feito da cooperação entre países em desenvolvimento pedra angular de
sua política de cooperação técnica no exterior. Apesar de nossos limitados recursos,
temos buscado maximizar os meios disponíveis, humanos e materiais, em benefício
de cada um e de todos os nossos parceiros.
Ainda assim, pode-se dizer que a CTPD brasileira durante o Governo Cardoso, ao
acompanhar frentes estabelecidas pela agenda diplomática brasileira, bem como a
mobilização de setores domésticos específicos, configurou-se como passo relevante para a
politização da agenda no Brasil.
Em termos geográficos, a cooperação com Cuba acompanhou esforços, iniciados
durante a Gestão Itamar Franco, de reintegrar o país à OEA (HIRST; PINHEIRO, 1995).
Fernando Henrique Cardoso, que havia tecido críticas constantes ao embargo americano a
Cuba, promoveu a assinatura de acordos nas áreas médica, agrícola, turismo, intercâmbio
acadêmico e profissional (VIGEVANI; OLIVEIRA; CINTRA, 2003). Quer dizer, a CTPD
brasileira foi utilizada como instrumento para a reinserção cubana no contexto hemisférico.
201
Em alguns âmbitos, como o da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica, houve referência a
modalidade mais específica da cooperação, no caso a cooperação em ciência e tecnologia (IGLESIAS PUENTE,
2010).
162
Tal objetivo estava relacionado, de forma mais ampla, à estratégia da “autonomia pela
integração”, calcada na atualização do universalismo da política externa brasileira e na
promoção de participação internacional mais ativa do Brasil com vistas a maior influência
sobre o desenho da nova ordem global. Essa estratégia respondia a percepção de
entrelaçamento entre interesses nacionais e interesses globais e entre a resolução de
problemas domésticos e o ativismo na governança global. O poder limitado brasileiro
demandava, nesse contexto, articulação com outros Estados, de modo a construir regimes
mais favoráveis aos interesses brasileiros, permitindo consequentemente, que o país ampliasse
sua autonomia nas relações externas ou “o poder de controle sobre o seu destino”
(VIGEVANI; OLIVEIRA; CINTRA, 2003, p. 37).
A estratégia da “autonomia pela integração” respondeu a mudanças sistêmicas,
aprofundadas com o fim da Guerra Fria, que conduziram à emergência de novos temas e à
complexificação da agenda internacional. Tratava-se de temas em relação aos quais a
burocracia do MRE não possuía conhecimento aprofundado, mas que impactavam
crescentemente a imagem internacional do Brasil, em vista do “monitoramento” da mídia
internacional, e as próprias políticas nacionais, dado o entrelaçamento entre as normas
produzidas no âmbito de regimes internacionais específicos e as normas internas. Esse
contexto contribuiu para abrir caminho para a participação de outros atores na política externa
brasileira. No que se refere, particularmente, ao papel da diplomacia presidencial, ela foi
pensada como meio para informar a opinião pública nacional e internacional a respeito dos
avanços em curso no país em temáticas variadas (LAFER, 2000).202
Ao cunhar o termo “autonomia pela participação”, o embaixador Gelson Fonseca
Júnior (1998) defendia afastamento da posição dominante brasileira durante a Guerra Fria,
baseada em atitude de distância em relação a temas polêmicos e resguardando o país de
alinhamentos indesejáveis (“autonomia pela distância”). Com base em valores nacionais,
202
Nas palavras do ex-chanceler Celso Lafer (2000, p. 265), baseadas nas elaborações do Embaixador Sergio
Danese (1998): “O tempo da mídia é também um tempo on line. Provoca, no Brasil e no mundo, a repercussão
imediata do peso dos eventos nas percepções coletivas. Esta repercussão fragmenta a agenda da opinião pública,
leva ao monitoramento e a reações constantes aos sinais do mercado e da vida política. Conseqüentemente, cria
um ambiente de excessiva concentração no momento presente, em detrimento da necessária atenção às suas
implicações futuras. O foco nos eventos e a falta de foco nos processos, provenientes da natureza do tempo da
mídia, é um desafio constante para a construção do soft-power da credibilidade internacional do país – um
desafio que adquire outra magnitude para o Brasil no sistema internacional pós-Guerra Fria, com a
internalização do mundo na realidade brasileira. Daí, por exemplo, a importância da diplomacia presidencial e
das reuniões de cúpula, que vêm sendo conduzidas pelo presidente Fernando Henrique Cardoso e que são uma
expressão da diplomacia aberta, criando eventos que permitem transmitir e informar a opinião pública – interna e
internacional – sobre o significado dos processos em andamento no país” (grifos do autor).
163
203
Como lembra Cervo (2002, p. 14), a busca por esses objetivos já se fazia presente no discurso da primeira
Administração Cardoso: “A diplomacia de Cardoso reforçou sua credibilidade com a nova face que exibiu. No
transcurso dos cinqüenta anos da ONU, em 1995, cobrou sua função reguladora das relações internacionais
mediante a criação de um corpus jurídico que não seja uma hipocrisia para as grandes potências. Cabe apenas à
ONU sacrificar com legitimidade o princípio da soberania e da autodeterminação quando a defesa da paz e dos
direitos humanos o requeiram. Cabe-lhe, por outro lado, reordenar o mundo para um ambiente de justiça e
eqüidade social. No embalo da democracia e da promoção dos direitos humanos, a visão kantiana da paz e da
justiça global contaminou portanto o discurso da diplomacia brasileira nos anos noventa, em contraste com o
realismo político do comportamento das grandes potências.”
204
Nas palavras do Embaixador Paulo Roberto Campos Tarisse da Fontoura (1999, p. 214-215):
“Diferentemente dos anos 60, quando a contribuição brasileira envolvia apenas a cessão de militares [...], nos
164
anos 90 o aporte brasileiro ganhou novo impulso, visto que, além da cessão de militares [...], colocou à
disposição da Organização [das Nações Unidas] civis e policiais procedentes dos Três Poderes e dos
Estados/Distrito Federal [...]”.
205
Antes disso, como vimos, um fundo especial no valor de US$ 3,1 milhões havia sido aprovado, com recursos
orçamentários adicionais dos anos 1997-1998. Esses recursos não entraram no orçamento da ABC, mas foram
diretamente alocados pelo MRE por meio de projeto guarda-chuva criado junto ao PNUD com duração de quatro
anos (Puente, 2010).
165
Com efeito, no exato momento em que o Brasil começava a cooperar com outros
países na estruturação de programas similares ao Programa Nacional de DST/AIDS
disputava-se com os EUA, no âmbito da OMC, o contencioso das patentes. Promover
políticas similares em outros países, portanto, era meio para garantir aliados e encrustar, nos
regimes internacionais, normas que legitimassem, diante da opinião pública internacional,
processos que estavam em curso no Brasil e que projetavam imagem de compromisso com os
direitos humanos.
No caso da CTPD em Meio-Ambiente, tema que também havia “manchado” (assim
como os direitos humanos) a imagem do Brasil nas décadas anteriores,206 menções no
discurso diplomático presidencial já eram visíveis no primeiro mandato de Cardoso. Em
discurso realizado por ocasião da abertura da Sessão Especial da Assembleia Geral das
Nações Unidas sobre Meio-Ambiente e Desenvolvimento, em junho de 1997, o então
presidente afirmou: “Temos experiência em diversas áreas de interesse da preservação
ambiental, que podemos oferecer a nossos parceiros” (CARDOSO, 1997, apud IGLESIAS
PUENTE, 2010, p. 231).
O tema da Educação também já estava presente no discurso diplomático do primeiro
mandato de Cardoso. O presidente mencionou-o em 1998, quando propôs, em jantar de
Chefes de Estado e de Governo dos países da CPLP, que a cooperação em educação se
tornasse o objetivo central da comunidade (IGLESIAS PUENTE, 2010). Particularmente no
que se refere à exportação do Programa Alfabetização Solidária pela ONG Alfasol, a
existência de estudos empíricos permite agregar, à busca de projeção de políticas públicas
nacionais e ao fortalecimento da língua portuguesa, outras nuances a respeito de dimensões
políticas, domésticas e externas, vinculadas à CTPD brasileira.
O Programa Alfabetização Solidária havia sido estabelecido no Brasil em 1997 e, em
um momento em que o país ainda possuía milhões de adultos analfabetos, o programa recebeu
uma série de prêmios internacionais. Ele foi considerado, por exemplo, uma das experiências
de maior sucesso na alfabetização mundial pela Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) em 2003 e boa prática pelo Banco Mundial em
2004 (MORAIS, 2005).
A UNESCO foi a organização que conferiu a maior parte dos prêmios ao Programa
Alfabetização Solidária. A forma como a organização seleciona experiências candidatas a
206
Para a evolução da postura brasileira em relação ao regime internacional do Meio-Ambiente, ver: LAGO,
2006.
167
por essa forte ligação política seria duvidoso que tal financiamento fosse oferecido
pelo Ministério das Relações Exteriores. A evidência para isso é que, desde o início
da administração Lula em 2003 e a consequente mudança do partido governante, a
AAPAS não pôde iniciar um segundo projeto com Moçambique (tradução nossa).207
208
Não se pode, contudo, inferir daí a incidência de propósitos econômicos sobre a diplomacia brasileira – já que
o governo não respondeu a mobilização do setor privado nacional, mas buscou, ao contrário, despertar o
interesse pela retomada da internacionalização dos negócios brasileiros no continente africano. De todo modo, as
dimensões econômicas da política externa brasileira convergiram, durante o Governo Cardoso, com propósitos
diplomáticos tradicionais do país, focados mais na busca pelo desenvolvimento nacional do que nas dimensões
clássicas de segurança que costumam ser identificadas com elementos diplomáticos da cooperação oferecida
pelos doadores tradicionais.
170
(LIMA, 2005a) e para a busca de relação mais equilibrada com os países desenvolvidos
(BARBOSA, P., 2011). Como consequência, intensificou-se a participação em fóruns
multilaterais e adotou-se postura mais assertiva em relação à reforma da arquitetura política e
econômica global (BARBOSA, P., 2011; VIGEVANI; CEPALUNI, 2007).
O meio preferencial para a obtenção de tal objetivo foi o estreitamento de laços e o
estabelecimento de coalizões com outros países em desenvolvimento (VIGEVANI;
CEPALUNI, 2007). Essa aproximação com países do Sul, reconhecida por acadêmicos e
diplomatas como tendo sido iniciada no governo anterior em resposta a dinâmicas sistêmicas
(ALDEN; VIEIRA, 2005; BARBOSA, P., 2011; IGLESIAS PUENTE, 2010; VIGEVANI;
CEPALUNI, 2007), foi, não obstante, aprofundada durante o Governo Lula. A participação e
o ativismo em prol do estabelecimento de mecanismos regionais e inter-regionais de
cooperação – União das Nações Sul-Americanas (UNASUL), Comunidade dos Estados
Latino-Americanos e Caribenhos, Cúpula América do Sul-África, Cúpula América do Sul-
Países Árabes – e de coalizões de geometria variável (IBAS, BRICS, G20 comercial) são
apontados como indicativo do aprofundamento da guinada para o Sul durante o Governo
Lula. Essa guinada avançou após a crise financeira de 2008, percebida como promotora do
alargamento das brechas para posição mais assertiva do Brasil no cenário internacional.
A política externa do Governo Lula teria marcado, assim, passagem da “autonomia
pela participação” para a “autonomia pela diversificação”. Entendida como “a adesão [...] aos
princípios e normas internacionais por meio de alianças Sul-Sul”, a autonomia pela
diversificação basear-se-ia na crença de que essas alianças “reduzem as assimetrias nas
relações externas com países poderosos e aumentam a capacidade negociadora internacional”
(VIGEVANI; CEPALUNI, 2007, p. 283).
Nessa passagem, a política externa do Governo Lula teria resgatado tradição
diplomática autonomista, oposta à tradição de alinhamento à ordem estabelecida e, portanto,
aos seus players centrais, principalmente os EUA. Ao fazê-lo, teria se aproximado de visões
da política externa do Governo Geisel, em que o estreitamento bilateral e multilateral de laços
com outros países em desenvolvimento também era visto como meio para conquistar a
autonomia do país nas relações econômicas e políticas internacionais (CARDOSO;
MIYAMOTO, 2012). Condicionantes domésticos (democracia e horizontalização da política
externa brasileira) e externos (globalização, emergência de agendas relacionadas à low
politics) teriam, contudo, impedido o resgate do modelo econômico autárquico característico
dos anos 70 (LIMA; HIRST, 2006; VIGEVANI; CEPALUNI, 2007).
172
209
O Embaixador Celso Amorim foi nomeado chanceler; o Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, Secretário-
Geral de Relações Exteriores do MRE (2003-2009) e, posteriormente, ministro-chefe da Secretaria de Assuntos
Estratégicos da Presidência da República; e Marco Aurélio Garcia, quadro do PT, Assessor Especial de Relações
Internacionais da Presidência da República, neste caso contrariando, como lembram Vigevani e Cepaluni (2007)
tendência histórica de a vaga ser ocupada por diplomatas.
173
210
Um exemplo é o engajamento em assuntos relacionados à segurança e à defesa, pelos quais o PT teria sido o
único partido a se interessar. Maria Helena de Castro Santos (2004) aponta, contudo, que esse interesse na
verdade não veio diretamente do partido, mas do Deputado José Genoíno.
174
De fato, ao mesmo tempo em que buscou consolidar a posição do Brasil como global
trader, sendo a América Latina e a África espaços preferenciais para tanto (BARBOSA, P.,
2011), o Governo Lula inovou ao incluir a agenda social na política externa brasileira (LIMA;
HIRST, 2006). Em ambos os casos o engajamento na CTPD desempenhou papel de relevo,
embora o discurso diplomático do Governo Lula – que passou a contemplar referências
explícitas e inéditas ao papel da “cooperação internacional para o desenvolvimento e para a
paz” e menções específicas ao tema da CTPD mais numerosas, particularmente no segundo
mandato (IGLESIAS PUENTE, 2010) – a apresente como relacionada a uma diplomacia
orientada por perspectiva humanista.
No que se refere à agenda social, vale lembrar que ela já estava presente na CTPD
brasileira durante o Governo Cardoso, quando iniciativas relacionadas à transferência do
Programa Bolsa Escola começaram a despontar (Subseção 2.4.1). Não obstante, tais
iniciativas não encontravam correspondência com o discurso diplomático brasileiro,
diferentemente do que ocorreu durante o Governo Lula – quando a dimensão social passa a
assumir, de fato, relevo no discurso e na prática da CTPD brasileira.
Não se pode inferir, contudo, que a “vontade política” emanada da diplomacia
presidencial e da base partidária do Governo Lula se configure como determinante único da
exportação de programas sociais por meio da CTPD. Aqui, o caso do Programa Bolsa Família
é emblemático. Sem negar o papel desempenhado pelo presidente Lula na sua difusão
internacional, é importante notar que a criação do Bolsa Família no Brasil havia sido apoiada
financeira e tecnicamente pelo Banco Mundial, organização que passou a promover o
compartilhamento do programa com outros países em desenvolvimento. O mesmo aconteceu
no caso do Departamento de Desenvolvimento Internacional do Reino Unido (DFID), que
depois de contribuir para o avanço do programa no Brasil (por meio de assistência técnica
direta e contratação de consultores) forneceu apoio técnico e financeiro para seu
compartilhamento com países africanos. Ambas as organizações produziram extensa
documentação sobre a experiência do Bolsa Família na literatura internacional sobre
programas de transferência de renda, além de terem patrocinado a realização de eventos com a
participação de delegados brasileiros, o que gerou grande difusão internacional de
informações sobre o programa (LEITE; SUYAMA; POMEROY, 2013; MORAIS, 2010).
Embora o próprio Lula tenha incluído a experiência do Bolsa Família nos discursos
realizados em suas viagens a outros países em desenvolvimento, sua exportação para outros
países em desenvolvimento não parece ter respondido a estratégia clara emanada do PT. Vale
175
lembrar que o baluarte das políticas sociais do programa do partido era o Programa Fome
Zero, que acabou perdendo importância nos primeiros anos do Governo Lula com a
centralidade adquirida pelo Bolsa Família.211 Entendendo a exportação de políticas como
mecanismo para fortalecê-las dentro do país de origem (policy lending), Morais (2011)
acredita que, como o Bolsa Família já era suficientemente forte dentro do Brasil, sua
exportação não respondeu àquele objetivo. O ativismo presidencial, e os determinantes
externos já elencados em particular, parecem ter sido dominantes.
O mesmo não se pode dizer, contudo, em relação à exportação do Programa Fome
Zero para outros países em desenvolvimento. É precisamente aqui que, acredita-se, teria
operado transformação profunda da agenda da CSSD brasileira durante o Governo Lula, em
direção a conformação de estratégia englobando iniciativas de cunho emergencial, baseadas
no lema “a fome não pode esperar”, mas incluindo a cooperação técnica, com a incorporação
do conceito da “assistência humanitária sustentável”, e financeira, no âmbito dos chamados
“mecanismos inovadores de financiamento ao desenvolvimento”.212
Essa estratégia produziu impactos sobre o desenho institucional mais amplo do MRE,
para além da estrutura da ABC. Destaca-se, aqui, ligada à Secretaria-Geral do ministério, a
criação da Coordenação-Geral de Ações Internacionais de Combate à Fome (CGFOME) em
2004, mesmo ano em que Lula liderou, em Nova York, o lançamento da “Ação Global contra
a Fome e a Pobreza”. Segundo informações disponíveis na página do MRE (2013),
A Coordenação-Geral de Ações Internacionais de Combate à Fome (CGFOME)
trata das ações de prestação de cooperação humanitária internacional do Governo
Brasileiro, do tema da segurança alimentar e nutricional, tanto em sua vertente
211
Matéria publicada na Folha de S. Paulo sobre os dez anos do Bolsa Família lembra que, no dia 31 de março
de 2003, em seminário sobre o Fome Zero, o então vice-presidente do Banco Mundial para a América Latina,
David de Ferranti, se opôs à distribuição de cartões a serem obrigatoriamente utilizados na compra de alimentos,
afirmando que os pobres sabiam fazer boas escolhas e que caberia a eles decidir sobre a utilização da renda
recebida do governo. Segundo a matéria, a opinião de Ferranti estava alinhada com a unificação de ações de
combate à pobreza em programa de renda focado nos “mais miseráveis”, receita “consensual na agenda
neoliberal de Washington”, bem como com ideias defendidas por Antonio Palocci, então ministro da Fazenda, e
seu secretário de Política Econômica, Marcos Lisboa. Este, procedente de centro que tinha o Banco Mundial
entre seus financiadores, o Instituto de Estudos de Trabalho e Sociedade (IETS), havia coordenado, durante a
campanha eleitoral, um documento cujas ideias foram veementemente atacadas no PT: a “Agenda Perdida”, que
defendia reformas liberais na economia e ações sociais focalizadas (PATU, 2013).
212
O lançamento da Ação Global contra a Fome e a Pobreza (2004) foi seguida da criação de uma divisão dentro
do MRE a cargo dos chamados “mecanismos inovadores de financiamento ao desenvolvimento”, prevendo
taxação aos setores beneficiados pela globalização e sua alocação para os setores excluídos dela. Um dos meios
para isso foi a taxação a passagens aéreas, com a transferência desses recursos financeiros para a Central de
Compras de Medicamento contra HIV, Tuberculose e Malária (Cicom). O governo brasileiro, contudo, não pôde
contribuir para essa iniciativa da maneira como havia inicialmente previsto, pois a Procuradoria-Geral da Receita
considerou a transferência de arrecadações realizadas dentro do Brasil para o exterior como inconstitucional. Foi
encontrado outro mecanismo para fazer essa transferência por meio do Tesouro Nacional (SCHUTTE, 2011).
176
213
Segundo Cotta (2009 apud MORAIS, 2010), existem três visões a respeito da proteção social no Brasil e de
sua relação com as transferências condicionadas de renda: a que foca os direitos à assistência social, a que foca o
gasto social e a que foca a segurança alimentar. O Fome Zero seria sustentado por esta última visão, embora sua
coalizão de apoio, que inclui organizações da sociedade civil e a Secretaria de Segurança Alimentar e
Nutricional do Ministério de Desenvolvimento Social (MDS), tenha encampado outras visões posteriormente.
Nas palavras de Morais (2010, p. 150): “De acordo com essa visão a segurança alimentar e nutricional é a
primeira e principal questão que deve ser enfrentada pelas políticas de proteção social no Brasil. Ela foi
compartilhada pela coalizão que dominou o primeiro ano da administração Lula e que depois foi substituída pela
coalizão do Bolsa Família. Apesar de os integrantes da ‘coalizão da segurança alimentar’ terem argumentado que
as transferências de renda eram limitadas e que não permitiam o empoderamento do povo, agora ela aceita o
Bolsa Família como parte do Fome Zero, que foi transformado em uma estratégia mais ampla, de longo prazo”
(tradução nossa).
177
também se configurou como determinante (PATRIOTA; PIERRI, 2013). Por outro lado,
propósitos morais relacionados à erradicação global da fome aparecem mesclados com
propósitos diplomáticos ligados à projeção de poder brando (soft power), em que a exportação
do Fome Zero para outros países em desenvolvimento se configura como mecanismo para
projetar imagem de liderança responsável e para o Brasil influenciar mais a governança global
do que ser influenciado por ela. Neste caso, coaduna-se com a visão da autonomia pela
participação, já imperante no MRE desde o Governo Cardoso, embora tal visão passe a ser
influenciada, durante o Governo Lula, por viés mais progressista, ressaltando-se o papel do
Estado e da mobilização social nas políticas públicas e fazendo-se frente a ideias,
identificadas com a governança erigida com base no receituário neoliberal nos anos 90, que
ressaltariam o papel do mercado na promoção do desenvolvimento.
Esse viés progressista também marcou, durante o Governo Lula, o aprofundamento da
mobilização da coalizão da Saúde,214 que seguiu ocupando espaço relevante na agenda da
CTPD brasileira, como demonstram os avanços realizados na cooperação em Saúde no âmbito
da UNASUL e da CPLP.215 No entanto, a coalizão da Saúde, particularmente durante a
214
A interação entre propósitos morais, de policy lending e diplomáticos (soft power), e entre determinantes
externos e domésticos, também fica clara na mobilização da coalizão da Saúde na CTPD brasileira, conforme
pode ser apreendido na seguinte reflexão de especialistas no tema: “De um ponto de vista internacional, as
conquistas da reforma sanitária brasileira, ainda que parciais, fazem do sistema de saúde do Brasil, uma
experiência ímpar, sobretudo no contexto latino-americano. Sob a voga neoliberal, a região experimentou
processos mais ou menos generalizados de privatização de serviços e de retração de políticas sociais. No campo
da saúde, isso proporcionava forte crítica ao enquadramento da saúde, como direito e objeto de responsabilidade
pública. Assim, ao defender seus princípios, a reforma da saúde, no Brasil, operou de forma contrária à maré
liberalizante do período, e o SUS [Sistema Único de Saúde], público, universal e gratuito, apresentou-se como
uma experiência em boa medida isolada em seus termos doutrinários. Tendo em vista esse cenário de isolamento
relativo e as resistências internas, no início do século XXI, o sanitarista Sérgio Arouca propôs um movimento de
resistência e renovação da reforma sanitária. Arouca, então Secretário de Gestão Participativa do Ministério da
Saúde, sugeria, entre outros aspectos, que o debate sobre a reforma brasileira fosse retomado também a partir de
uma ótica internacional. Essa sua iniciativa resultou no esboço de um Programa de Difusão e Intercâmbio sobre
Reforma Sanitária, de 2003, concebido como uma proposição conjunta do Ministério da Saúde e da
Representação da Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS) no
Brasil. Para a Representação da OPAS/OMS, tratava-se de mobilizar a cooperação técnica internacional, de
modo a promover reformas universalistas no setor da saúde, reafirmando a dimensão pública do direito à saúde,
bem como estimulando laços de solidariedade e mecanismos para o intercâmbio de conhecimentos e
experiências. Com esse desenho, a proposta correspondia às orientações da Oficina Central da OPAS, em
Washington, em acordo com diretrizes da OMS. De fato, a partir de 2003, a OPAS passara a enfatizar o
desenvolvimento de projetos de cooperação técnica centrados nos países, bem como o estímulo para que
políticas de saúde internacional fossem melhor incorporadas às agendas dos Estados nacionais. Ao Ministério da
Saúde, haveria a possibilidade de divulgar a proposta doutrinária e organizacional de seu sistema de saúde, tendo
em vista o reconhecimento internacional da experiência brasileira como uma política social modelar. Essa
percepção se alinhava às orientações mais recentes da política externa brasileira, que conferia especial atenção à
formação de blocos de aliança, nos marcos da Cooperação Sul-Sul, em particular com os países africanos de
língua oficial portuguesa; com os países vizinhos latino-americanos; e com países da iniciativa IBAS” (PIRES-
ALVES; PAIVA; SANTANA, 2012, p. 444-445).
215
Ver: ALMEIDA, C. 2010; BUSS; FERREIRA, 2010a.
178
segunda metade do segundo Governo Lula, passou a ter de disputar o acesso ao processo
decisório devido ao protagonismo conferido a (e conquistado por) iniciativas centradas no
desenvolvimento rural stritu censu na CTPD brasileira.
Além disso, outros grupos dentro do Brasil aprenderam com a mobilização,
profissionalização e articulação em torno da CTPD lideradas pela Saúde, sendo um de seus
eixos centrais - que coaduna com o desejo, expresso no discurso de posse de Amorim, de que
a política externa brasileira fosse coerente com a promoção da participação popular nas
políticas domésticas - a promoção da participação de organizações e de movimentos sociais
na política externa brasileira. Na Saúde, isso havia acontecido, por exemplo, por meio do
envolvimento, na prestação de cooperação, de setores da sociedade civil que haviam sido
ativos na construção do Programa Nacional de HIV.216
Dinâmicas semelhantes passaram a ser incorporadas por iniciativas de segurança
alimentar envolvendo ações coordenadas pela ABC,217 mas especialmente ações coordenadas
pela CGFOME,218 em que a participação social, além de pensada como mecanismo para
fortalecer a prática dentro do Brasil e na arquitetura global,219 também é vista como
mecanismo para fortalecer uma base de apoio (constituency) interna ao engajamento crescente
do Brasil na CSSD.
Uma sequência de eventos e processos, durante o Governo Lula e com continuidade
no Governo Dilma, aponta para o avanço do elemento do combate à fome – com destaque
216
Ver: LIMA; CAMPOS, 2010.
217
Destaca-se, aqui, o projeto intitulado “Implantação de bancos comunitários de sementes e capacitação para o
resgate, multiplicação, armazenamento e uso de sementes tradicionais/crioulas em áreas de agricultura familiar”,
que tem como parceiros brasileiros a Secretaria Geral da Presidência da República, o Instituto Brasileiro de
Análises Sociais e Econômicas (Ibase), o Movimento Camponês Popular (MCP) e o Movimento das Mulheres
Camponesas (MMC). Essa iniciativa é inovadora por ter movimentos sociais locais sul-africanos e
moçambicanos, apoiados pelos brasileiros, como executores.
218
A partir de 2012 o MRE passou a contar com entrada orçamentária (20RE) para financiar a participação de
organizações da sociedade civil brasileira na assistência humanitária, em diálogos internacionais e em fóruns
relacionados ao tema da segurança alimentar e nutricional. O Conselho Nacional de Segurança Alimentar
(Consea), em particular, foi convidado em diversas ocasiões para apresentar a experiência de participação social
nas políticas brasileiras de segurança alimentar em diálogos com outros países em desenvolvimento. O Consea
também integra o Comitê Gestor de uma das iniciativas centrais coordenadas pela CGFOME: o Programa de
Aquisição de Alimentos África (PAA-África).
219
Uma das críticas marcantes à governança multilateral centra-se na sua baixa legitimidade procedimental.
Além de ressalvas em relação ao voto ponderado (casos do FMI e do Banco Mundial), ao controle decisório
pelos Estados mais fortes (caso do Conselho de Segurança da ONU) e à não consideração do tamanho da
população de cada país no seu peso de voto, há também críticas dirigidas à exclusão de representantes que não os
dos Estados (BARNETT; FINNEMORE, 2004).
179
220
O discurso completo do presidente Lula na ocasião está disponível no Anexo I.
180
221
O Fórum Brasil-África, organizado pelo MRE em coordenação com o Grupo de Embaixadores Africanos em
Brasília, foi realizado em Fortaleza em junho de 2003 e abordou os seguintes temas: Política e Questões Sociais;
Economia e Comércio; Educação e Cultura. Segundo Lechini (2006), o “discurso culturalista”, centrado na
relevância da cultura africana para a formação social brasileira e na dívida com o continente por conta da
escravidão (ver Nota 226), foi dominante entre os funcionários brasileiros presentes na reunião. Em relação ao
contexto externo, é importante recordar que três anos antes, em 2000, a China havia realizado a primeira cúpula
do FOCAC (ver Nota 90).
222
Enquanto o presidente Lula realizou seis viagens ao continente durante seus dois mandatos, tendo visitado 23
países africanos, Fernando Henrique Cardoso havia visitado apenas dois países (BRUN; MUXAGATO, 2012).
223
Ver: PATRIOTA, 2011.
224
O comércio Brasil-África aumentou 233,88% durante o governo Lula, mas esse aumento foi inferior ao
observado no comércio Brasil-Ásia, sem incluir a China (384,02%), no comércio Brasil-China (669,49%) e no
comércio Brasil-Oriente Médio (255,85%) (BRUN; MUXAGATO, 2012).
225
O Investimento Externo Direto do Brasil na África passou de US$ 69 milhões em 2001 para US$ 214 bilhões
em 2009. No caso da África Subsaariana, contudo, houve queda de US$ 281 milhões em 2001 para US$ 124
milhões em 2009 (BANCO MUNDIAL; IPEA, 2011).
226
O discurso culturalista começou a se fazer presente na política externa brasileira nos anos 60 e 70, conferindo
relevância simbólica ao continente africano pela sua influência na construção do Brasil (SARAIVA, F., 1997).
181
229
Uma das exceções identificadas por Iglesias Puente (2010), em artigo de autoria de Celso Amorim, é a
referência à cooperação técnica em Educação, Meio-Ambiente e Saúde no âmbito da Organização do Tratado de
Cooperação Amazônica (OTCA).
183
230
A relação entre a fome e a pobreza e a Saúde foi elaborada pelo discurso dos chamados “determinantes
sociais da saúde” (ver: BUSS; FERREIRA, 2010a, 2010b). Sua incorporação pelo discurso diplomático sobre a
CTPD durante o Governo Lula é indicativa da incidência da coalizão da Saúde sobre tal discurso.
184
231
Nas palavras de um diplomata: “De forma mais enfática que FHC [Fernando Henrique Cardoso], Lula buscou
aproximação com outros países em desenvolvimento. Prova disso é a quantidade de postos abertos ao longo de
sua gestão. Em oito anos, o número de novas embaixadas e consulados ultrapassou 200, grande parte dos quais
em países em desenvolvimento, sobretudo latino-americanos, caribenhos e africanos. Durante o Governo
Cardoso, em função de restrições orçamentárias e de sucessivas crises internacionais e internas, houve o
fechamento de diversos postos no exterior, sobretudo em países, cujo relacionamento bilateral é pequeno. Lula
reabriu esses postos e criou novos. Atualmente, todos os países latino-americanos e caribenhos possuem
embaixadas Brasileiras. Ajudou nesse processo de expansão de postos o aumento do número de diplomatas
brasileiros selecionados por meio de concurso público. Entre 2006 e 2010, ao invés de tradicionalmente abrir
cerca de 30 vagas para o Instituto Rio Branco, foram criadas turmas com pouco mais de cem alunos anualmente.
A carreira diplomática foi igualmente valorizada por sucessivos reajustes salariais” (BARBOSA, P., 2011, p.
103).
185
desenvolvimento, razão pela qual a CTPD, por contar com base mais ampla de recursos
humanos oriundos de outras instituições nacionais, tornou-se mecanismo central para
viabilizar o trabalho das novas embaixadas.
Durante o Governo Dilma, transformações que já haviam tido início nos últimos anos
do Governo Lula – com as contingências geradas pelos efeitos da crise de 2008 sobre a
economia brasileira e os impactos negativos da emergência da China sobre a diversificação da
matriz produtiva nacional -, aprofundaram-se e ficaram mais visíveis no desenho das
diretrizes da política externa brasileira, inclusive em função da diferença de perfil entre os
dois mandatários (MOROSINI; CORNETET, 2013; VEIGA; RIOS, 2011).
Embora reconhecendo os avanços macroeconômicos e sociais no Brasil, Dilma
defendeu, em discurso geral de política externa, que ainda persistem problemas domésticos
fundamentais que demandam a atenção prioritária da administração pública – como a pobreza
extrema e a perda de competitividade da indústria brasileira -, e que seu equacionamento
dependeria da expansão das trocas econômicas e de conhecimentos internacionais
(ROUSSEFF, 2011).
A clivagem Norte-Sul foi reformulada no discurso diplomático da presidenta em torno
do direito de defesa dos países emergentes na busca pela valorização artificial de suas moedas
diante da expansão monetária nos EUA e em outros países desenvolvidos (MOROSINI;
CORNETET, 2013) e, posteriormente, em torno da defesa do multilateralismo e da
liberalização comercial. Os objetivos do desenvolvimento econômico voltaram, assim, a
ocupar lugar de destaque na orientação da política externa brasileira, com recuo em iniciativas
voltadas para aumentar o prestígio internacional (VEIGA; RIOS, 2011).
A presidenta conferiu menor importância ao papel da autonomia nacional na busca do
desenvolvimento brasileiro, reiterando que o último, ao qual a política externa deve servir,
depende da expansão de laços internacionais: “A política externa de um país é mais do que
sua projeção na cena internacional. Ela é também um componente essencial de um projeto
nacional de desenvolvimento, sobretudo em um mundo cada vez mais interdependente”
(ROUSSEFF, 2011).
186
Seguindo tais prioridades, a política externa do Governo Dilma passou a focar a busca
de novos mercados para os investimentos e as exportações brasileiras, particularmente as de
maior valor agregado; e a identificação e mobilização de capacidades, conhecimentos e
experiências externas que pudessem contribuir para o fortalecimento da inovação no Brasil
(caso do Programa Ciências sem Fronteiras, por exemplo).
Na vertente Sul-Sul, o discurso diplomático geral da nova gestão re-focou a ação
externa brasileira na América do Sul, apontando a “inescapável interdependência” e
propósitos econômicos, ligados ao fato de a região ter se convertido em “polo dinâmico do
crescimento mundial”. No caso da África, a presidenta ressaltou a dimensão da “cooperação
econômica” e das potencialidades do continente devido a suas capacidades populacionais (800
milhões de habitantes) e das riquezas de seu território (ROUSSEFF, 2011).
Em relação ao Haiti, país prioritário na CTPD do Governo Lula, enquanto a princípio
o discurso da presidente Dilma reiterava o compromisso brasileiro, embora apontando que a
transição democrática seria fator essencial para a reconstrução (ROUSSEFF, 2011), em
discurso posterior o país caribenho nem sequer foi mencionado (ROUSSEFF, 2012).
Paralelamente, o discurso diplomático presidencial passou a conferir maior relevo às relações
do Brasil com países de nível de desenvolvimento similar ou superior ao brasileiro.
Essas transformações parecem sugerir que a nova administração esteja focando
iniciativas de cooperação que gerem ganhos mais visíveis para o Brasil, em detrimento
daquelas cujos ganhos sejam difusos. A priorização da abertura de mercados e de parcerias
que promovam a inovação no Brasil levam a crer que, em vez de se basear em aposta em
ganhos futuros a serem obtidos pela busca de liderança junto aos demais países do Sul Global,
o novo governo vem buscando ganhos mais imediatos para o desenvolvimento brasileiro –
seja em relações pautadas por ligações contratuais claras (cooperação econômica), seja em
relações em contextos nos quais a interdependência se manifesta de forma inequívoca e em
que a não cooperação tem maior potencial de engendrar conflitos (entorno regional).
As prioridades do novo governo levaram a transformações no engajamento brasileiro
na CTPD, sendo sua primeira expressão o congelamento do orçamento da ABC em 2011,
depois de ter triplicado entre 2008 e 2010. Tal decisão aconteceu no âmbito de
contingenciamentos mais amplos no orçamento nacional de 2011, que atingiram
principalmente gastos com passagens e diárias da administração pública federal (BRASIL,
2011b).
187
A política externa brasileira teve como dimensão central, desde os anos 30, a
promoção do desenvolvimento nacional. Em contexto marcado pela prevalência da visão do
desenvolvimento como avanço industrial e científico e tecnológico, a captação de cooperação
técnica passou a ser vista como elemento crucial. Foi desenhada, a partir dos anos 50, uma
estrutura nacional de captação de CTI no âmbito do MRE, a qual foi reformada e transmitida,
em 1969, ao Ministério do Planejamento. Nesse contexto, estruturaram-se as primeiras
unidades internacionais dentro de diversas instituições brasileiras integradas ao sistema
nacional de CTI.
188
O avanço do desenvolvimento nacional, nos anos 70, acompanhado pelo fim da idade
de ouro do capitalismo, pela introdução da graduação e da abordagem das Necessidades
Humanas Básicas e pela transição da inovação para o setor privado nos países desenvolvidos,
levou a uma diminuição da captação da cooperação técnica para o modelo de
desenvolvimento que se desejava alimentar, culminando com o redesenho do sistema de
cooperação técnica internacional e com sua retransmissão para o MRE em 1987.
Paralelamente, a CTPD ganhava maior centralidade no âmbito da agenda global de
CTI e de CID. Os países do Sul, no contexto de desmobilização do Diálogo Norte-Sul,
passaram a complementar a cooperação política com o apoio mútuo nos âmbitos econômico e
técnico, mas, enquanto possuíam deficiências de cunho estrutural para promover a cooperação
econômica, no caso da cooperação técnica o sistema desenhado para promovê-la, centrado no
PNUD, acabou sendo capturado pela dinâmica da graduação (com os mais desenvolvidos se
vendo na tarefa de “ajudar” os menos desenvolvidos).
Foi nesse contexto que, em 1987, a ABC foi criada. Em vista de seus impactos difusos
sobre o desenvolvimento nacional, a CTPD nunca se constituiu como área prioritária para o
MRE, que não foi capaz de elaborar uma política na matéria. O apoio operacional do PNUD,
visto a princípio como transitório, segue até os dias atuais, fortalecido pela inexistência de
planejamento estratégico, quadros fixos e um marco legal.
Durante o Governo Cardoso, a CTPD começou a emergir como instrumento de
política externa na busca pela “autonomia pela participação”, contribuindo para projetar
avanços nacionais em áreas diversas do desenvolvimento. Esse governo também marcou o
início da mobilização doméstica em torno do tema, particularmente no caso da Saúde, mas
também nos casos da Educação e do Meio-Ambiente, com a busca pela elevação de suas
políticas como “boas práticas” no âmbito internacional. A transferência de políticas,
conhecimentos e experiências setoriais para outros países em desenvolvimento, assim como
uma maior proatividade nas relações com organismos internacionais, passou a ser vista como
mecanismo para que o Brasil ficasse menos sujeito a normas internacionais criadas sem a sua
participação. Prevalecia, contudo, a ideia de que o país deveria manter baixo perfil nesses
processos, seja pela percepção de inexistência de recursos suficientes para sustentá-los, seja
pela prevalência de outras prioridades na política externa brasileira (principalmente a busca
pela credibilidade macroeconômica).
Durante o Governo Lula, a CTPD adquiriu instrumentalidade inédita para a política
externa brasileira. A exportação de políticas para outros países em desenvolvimento passou a
189
ser utilizada por grupos de apoio ao presidente como mecanismo para fortalecer experiências
nacionais de desenvolvimento centradas na dimensão social e redistributiva, de modo que as
conquistas obtidas pela administração petista não fossem comprometidas por alterações no
cenário político doméstico e pelo neoliberalismo, percebido como força dominante no âmbito
global.
Inaugurou-se, assim, profunda ruptura com as concepções sobre o desenvolvimento
sustentadas tradicionalmente pelo Itamaraty. Não obstante, experiências focadas no
entendimento do desenvolvimento como crescimento econômico e avanço tecnológico não
foram abandonadas; ao contrário, como demonstram os casos do SENAI e da EMBRAPA,
que serão desenvolvidos nos próximos capítulos, a diplomacia presidencial elevou sua
participação na política externa brasileira.
Diante da alocação crescente de recursos financeiros e humanos para a CTPD – e de
sua publicização em um país ainda marcado por carências domésticas -, o próprio MRE
passou a tentar entender melhor quais seriam os ganhos da cooperação prestada para o Brasil.
As dimensões do soft power, do apoio ao pleito brasileiro para uma vaga permanente no
Conselho de Segurança nas Nações Unidas e da conquista de votos para candidatos brasileiros
a organizações internacionais foram apontados como ganhos. Ganhos econômicos também
foram apontados, embora no viés da não intencionalidade.
A expansão sem precedentes da CTPD brasileira durante a administração Lula
respondeu, em grande medida, à busca pelo reconhecimento internacional (principalmente das
potências) pelas experiências nacionais de desenvolvimento e pelo pleito por maior
protagonismo do Brasil na governança global. A dimensão dos ganhos indiretos, portanto,
sobressaiu; mostrando que o Brasil estava avançando em várias áreas do desenvolvimento
(como atestavam os selos de boas práticas e o interesse crescente por suas experiências por
outros países em desenvolvimento), o país se diferenciava em relação aos menos
desenvolvidos, demonstrando aptidão para ser incluído no rol de líderes internacionais. Ao
mesmo tempo, diferenciava-se em relação às potências tradicionais ao falar em nome dos
países em desenvolvimento (a prova disso seria o apoio dado por esses países a candidatos e a
pleitos brasileiros) e ao agregar atributos de uma nova liderança, disposta a arcar com os
custos de promoção dos bens públicos globais em direção a uma nova ordem política e
econômica internacional – centrada na cooperação, não no imperialismo econômico e na
guerra.
190
base de apoio ao governo; e o fato de a agenda da AOD estar passando por fase de
desmobilização no cenário global.
Seguindo o desenho de pesquisa proposto por Lancaster (2007a), este capítulo buscou
compreender a política doméstica da CTPD brasileira em quatro vertentes: ideias, instituições,
interesses e sistema nacional. Devido à fragmentação burocrática da CTPD brasileira, optou-
se por focar a sua vertente formal, centrada na ABC/MRE. Foram identificados os seguintes
condicionantes domésticos e tensões:
a) Ideias: papel do Brasil no mundo (aspirações: reconhecimento, soft
power x desenvolvimento nacional); definição do desenvolvimento
(crescimento econômico e avanço científico e tecnológico x sustentabilidade
ambiental, justiça e participação social); liderança do Estado no
desenvolvimento nacional; legitimidade da CTPD (não existem pesquisas de
opinião sobre o tema no país; envolvimento de dezenas de entidades nacionais
do governo e da sociedade na implementação ampliando base de apoio x
questionamento dentro dessas mesmas entidades e/ou pelos partidos opositores
ao governo; elites a favor das relações com o Norte, vistas como mais
lucrativas);
b) Instituições: papel da Presidência da República no estabelecimento das
diretrizes da política externa; visitas presidenciais e ministeriais (chanceler
definido pela Presidência) encabeçando a lista de prioridades da ABC; poder
de designação do diretor da ABC (não fica clara nos decretos recentes
referentes à estrutura regimental do MRE); peso da CTPD e de setores e
regiões específicos no discurso diplomático; acordos bilaterais de cooperação
submetidos ao Congresso, mas ajustes complementares não; papel do
Congresso na aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias, cujo projeto é
elaborado pela Presidência da República; inexistência de Legislação específica
sobre alocação de recursos humanos e financeiros e o papel do Ministério
Público em fiscalizar a aplicação das leis e zelar pelo patrimônio nacional;
c) Interesses: a internacionalização do Poder Executivo Federal e a
importância conferida a cada ministério por cada presidente da República;
papel crescente das ONGs, movimentos sociais, universidades e centros de
pesquisas na busca pela elevação de propósitos morais; o papel das coalizões
da Saúde e da Segurança Alimentar; setor privado ainda com baixa incidência
192
232
Segundo o Artigo 2º da Lei nº 5.851, as finalidades da EMBRAPA são: “I – promover, estimular, coordenar e
executar atividades de pesquisa, com o objetivo de produzir conhecimentos e tecnologia para o desenvolvimento
agrícola do País; II - dar apoio técnico e administrativo a órgãos do Poder Executivo, com atribuições de
formulação, orientação e coordenação das políticas de ciência e tecnologia no setor agrícola. Parágrafo único. É
facultado à Empresa desempenhar suas atividades mediante convênios ou contratos com entidades públicas ou
privadas, nacionais, estrangeiras ou internacionais” (BRASIL, 1972).
194
233
A crise alimentar do início dos anos 70 resultou de condições climáticas anormais em contexto marcado por
tendência mundial de aumento populacional. O Japão dependia da importação de 60% dos grãos consumidos
internamente (JICA, 2009). No caso da soja, a vulnerabilidade japonesa ficou patente com o embargo à
exportação do produto pelo Governo Nixon em 1973, em razão da queda na produção do grão naquele ano e do
aumento de seus preços. O Japão, dependente da importação da soja americana, passou, então, a buscar novos
parceiros (como o Brasil) como meio para diversificar sua dependência externa da importação de soja e de outros
produtos agrícolas essenciais. Foi nesse contexto que a segurança alimentar emergiu como tema central da
política japonesa de cooperação (LANCASTER, 2007a).
234
A cooperação técnica recebida pelo Brasil em sojicultura é anterior à parceria com o Japão. Em 1963, o
Programa da Soja do Departamento de Fitotecnia da Universidade de Viçosa, criado em 1958, foi incluído em
convênio entre a Universidade Rural de Minas Gerais e a Universidade de Purdue (Indiana, EUA)
(MARCOVITCH, 1994). A parceria entre a EMBRAPA e a Agência Japonesa de Cooperação (JICA) em
pesquisa agropecuária segue até os dias atuais. Um dos acordos recentes, mencionado em audiência pública na
Câmara dos Deputados pelo então presidente da EMBRAPA, Pedro Arraes (2009-2012), está proporcionando a
introdução dos genes DREB e AREB à cultura do milho no Brasil, conferindo ao cultivar mais resistência à seca
e às altas temperaturas no contexto das mudanças climáticas. Segundo Arraes, os genes “foram licenciados para
a EMBRAPA sem custo” (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2010).
235
Na década de 70 o Brasil era importador líquido de alimentos. Justamente por ter feito a transição para
exportador líquido de alimentos em menos de 30 anos, o Brasil se tornou referência para países que estão
buscando o desenvolvimento de sua cadeia agrícola.
236
Em 1974, 15% dos pesquisadores possuíam título de mestrado e 2% de doutorado (ANDRADE, J., 1985).
Atualmente 18% dos pesquisadores da EMBRAPA possuem título de mestrado, 75% de doutorado, ao passo que
7% dos pesquisadores são pós-doutores (EMBRAPA, 2013b). A Nota 237 traz mais detalhes sobre a evolução da
distribuição de títulos ao longo dos anos. Segundo um dos funcionários da SRI entrevistados durante o processo
de elaboração desta tese, a maior parte dos candidatos às vagas da EMBRAPA que demandam titulação mínima
197
sanar essa carência de qualificação, desde o início das atividades da EMBRAPA em 1973, foi
enviar seus pesquisadores para programas de pós-graduação no Brasil e no exterior, criando-
se toda uma estrutura de incentivos para estimular a sua saída.237
A capacitação no exterior, seguida de período de adaptação dos conhecimentos
adquiridos à realidade brasileira, é percebida como determinante para o aumento da
produtividade agropecuária no Brasil e do volume de suas exportações. Na avaliação da
pesquisadora da EMBRAPA Lynette Lobo (2010), além de ter contribuído para a introdução
de novas tecnologias à agropecuária brasileira, a capacitação de pesquisadores no exterior, ao
longo dos anos 80, foi fundamental para a ampliação de parcerias e para a captação de
recursos junto a universidades e organismos internacionais.
Em um segundo momento, a partir dos anos 90, o acúmulo de conhecimentos por
parte dos pesquisadores da EMBRAPA teria levado a transição da importação de
conhecimentos para modelo baseado no intercâmbio com centros de pesquisas de países
de Mestrado são doutores. Diante dessa mudança de perfil, a capacitação de pesquisadores da EMBRAPA no
exterior migrou da pós-graduação strictu sensu para pós-doutoramentos ou capacitações específicas de curta
duração, as quais por vezes são realizadas no Brasil por meio da contratação de consultores estrangeiros. O
funcionário disse desconhecer casos em que tais capacitações sejam financiadas com recursos externos. A
maioria dos pesquisadores, segundo ele, se capacita com bolsas da própria EMBRAPA e, em alguns casos, do
CNPq.
237
De acordo com funcionário da SRI entrevistado durante a elaboração desta tese, os pesquisadores enviados
para especialização no exterior, além de continuarem recebendo seus salários, tinham seus estudos custeados
pela EMBRAPA e recebiam auxílio-manutenção. Os recursos vinham, em alguns casos, de empréstimos
contraídos junto a agências internacionais, como o Banco Mundial. Jairo Andrade (1985) afirma que 77% dos
empregados incorporados ao Programa de Pós-Graduação da EMBRAPA foram treinados no Brasil nos três
primeiros anos após a criação da estatal, ao passo que nos cinco anos posteriores, com o aumento do número de
mestres e dos pleitos pela obtenção de doutorado, a parcela dos capacitados no exterior subiu para 34%. No que
se refere à estrutura de incentivos, o Plano de Cargos e Salários elaborado à época previa, por exemplo, que
pesquisadores que completassem sua pós-graduação seriam recompensados com ascensão funcional a patamares
de carreira que permitissem promoções horizontais subsequentes mais amplas. O autor afirma que o Programa de
Pós-Graduação foi bem-sucedido ao inverter positivamente o quadro técnico-científico da EMBRAPA (passando
a porcentagem de mestres e doutores em 1974 de, respectivamente, 15% e 2%, para 62% e 21% em julho de
1985) e ao gerar taxas de retorno altíssimas medidas em termos de rentabilidade social no nível do produtor
rural. Não obstante, identificaram-se os seguintes obstáculos à eficácia plena e à sustentabilidade do programa:
diminuição dos incentivos para capacitação, com perda dos salários reais dos pesquisadores a partir de 1979,
afetando particularmente os funcionários mais especializados e com salários mais altos e gerando grande
potencial de êxodo dos mesmos; concentração excessiva das especializações em certas áreas em detrimento de
outras; baixa diversificação dos referenciais teóricos entre os pesquisadores; depreciação do capital humano
intelectual diante das adversidades políticas e orçamentárias, que geraram descontinuidades no Programa de
Capacitação Contínua, inclusive com impedimentos do Ministério da Agricultura a viagens de pesquisadores da
EMBRAPA ao exterior, mesmo as financiadas com recursos internacionais; contradição entre o modelo de
pesquisa concentrado da EMBRAPA e os modelos de pesquisas difusos adotados pelas universidades onde seus
pesquisadores haviam sido treinados; contradição entre a ideologia dos pesquisadores, favoráveis aos pequenos
produtores, e os produtos de suas pesquisas.
198
238
Isso não significa que a EMBRAPA tenha deixado de ser contemplada com iniciativas de cooperação
recebida. Um exemplo recente é o Projeto de Apoio ao Desenvolvimento de Tecnologias Agropecuárias
(PRODETAB, 1997-2005), financiado pelo Banco Mundial e pelo governo brasileiro, que levou ao
estabelecimento de um sistema competitivo para a alocação de recursos para projetos de Pesquisa e
Desenvolvimento, ampliando o envolvimento de produtores e organizações comunitárias na sua concepção e
execução. Outro projeto de cooperação recebida mais recente é o Programa de Inovação Tecnológica e Novas
Formas de Gestão da Pesquisa Agropecuária (Agrofuturo, 2007-2012). Financiado pelo BID e pelo governo
brasileiro, o Agrofuturo tem como objetivo o aprimoramento da competitividade, eficiência e equidade do setor
agropecuário brasileiro, contemplando também ações de fortalecimento da cooperação técnico-científica nos
âmbitos regional e internacional (MAGALHÃES, 2008).
239
Na reunião da Diretoria Executiva, realizada no dia 24 de março de 1997, decidiu-se aprovar a criação de um
“programa de treinamento de pesquisadores em tecnologia de ponta ou temática em centros internacionais de
P&D e o desenvolvimento de pesquisas prioritárias para a EMBRAPA em parceria com cientistas estrangeiros”
(EMBRAPA, 2012c).
240
O Anexo J contém um mapa identificando os laboratórios virtuais e os projetos da EMBRAPA no exterior.
199
241
O LABEX Coreia do Sul introduziu um diferencial em relação à instalação dos demais LABEX, pois foram
implantados dois laboratórios, um em cada país (LOBO, 2010).
200
Prevalece, ainda, a percepção de que a instalação dos LABEX teria contribuído para
dar maior visibilidade internacional à EMBRAPA e angariar o reconhecimento de sua
competência em matéria de pesquisa agrícola. Isso não significa que não haja obstáculos a
serem enfrentados. Em março de 2010, a SRI organizou oficina sobre estratégias de
cooperação internacional da EMBRAPA, voltada, entre outros, para estabelecer novos
modelos de coordenação e integração entre os laboratórios virtuais e as unidades da empresa
(RODRIGUES, 2010).
Em geral, a cooperação com países desenvolvidos é vista como instrumento de
promoção da autonomia nacional, ao ter contribuído para que o Brasil migrasse, em menos de
trinta anos, de importador para exportador líquido de alimentos, passando a liderar
mundialmente a exportação de uma série de produtos agropecuários. Essa percepção vai ao
encontro do discurso da ABC sobre o papel da CTI recebida no desenvolvimento brasileiro,
mas contrasta com a percepção dominante no COBRADI e em algumas análises sobre a
dimensão Sul-Sul na política externa brasileira (ver Capítulo 2), nas quais predomina o
entendimento de que o modelo tradicional de cooperação compromete a autonomia nacional.
Diferentemente das iniciativas da EMBRAPA voltadas para a transferência de
tecnologias para países de menor desenvolvimento relativo, as quais serão analisadas na
próxima seção, o intercâmbio de conhecimentos com instituições de países de maior nível
relativo de desenvolvimento não foi induzido, nem tem a ABC como intermediária. Segundo
um dos funcionários da SRI entrevistados durante a elaboração desta tese, tal intercâmbio
responderia aos interesses da própria EMBRAPA, relacionados à cooperação científica e
tecnológica, o mesmo sendo válido para seu envolvimento em redes interinstitucionais
internacionais, como o Grupo Consultivo de Pesquisa Agrícola Internacional (CGIAR, na
sigla em inglês), do qual o Brasil faz parte desde 1984.242
Nos anos 2000, ganhou relevância uma terceira linha de atuação internacional da
EMBRAPA (somando-se à cooperação recebida e ao intercâmbio de conhecimentos): a
242
O Apêndice G traz informações sobre a relação do Brasil com o CGIAR.
202
prestação de cooperação sob a coordenação da ABC (Quadro 3). Dados referentes à CTPD
brasileira por região entre os anos de 2005 e 2012 (que não explicitam se a distribuição refere-
se ao volume de recursos ou ao número de ações) apontam que a Agricultura lidera na
cooperação com a África (26%) e aparece em segundo lugar na cooperação com as Américas
(19%) e com Ásia, Oceania, Europa e Oriente Médio (18%) (Quadro 4).
Conforme também foi notado no Capítulo 2, apesar da prevalência do setor agrícola na
CTPD brasileira durante o Governo Cardoso, o discurso diplomático desse período tratava a
cooperação internacional de forma mais abrangente, com poucas referências à CTPD, além de
as menções mais frequentes ao tema destacarem os setores de HIV/AIDS, Educação e Meio-
Ambiente (IGLESIAS PUENTE, 2010).
Foi apenas durante o Governo Lula que a predominância da Agricultura na prestação
de cooperação pelo Brasil ganhou correspondência com o discurso diplomático, elaborado no
âmbito do combate à fome e à pobreza como vertente da política externa brasileira. Ao
mesmo tempo em que refletiu avanços domésticos na área, tal discurso convergiu com a re-
emergência dos temas da segurança alimentar e do combate à pobreza na agenda global –
fruto do lançamento dos Objetivos do Milênio no contexto pós-neoliberal, da reconstrução do
consenso global em torno relação entre desenvolvimento e segurança no contexto pós-11 de
setembro e, em particular, da crise alimentar global que emergiu na segunda metade dos anos
2000.
Contribuir para a segurança alimentar nas áreas de maior concentração da fome,
situadas, em grande medida, no domínio rural da África Subsaariana, emerge não apenas
como expressão de solidariedade, mas também como mecanismo para a projeção de
experiências nacionais que permitam que o Brasil, ao influenciar os modelos de
desenvolvimento agrícola de outros países, busque aliados para defender suas próprias
experiências de críticas internas e externas. 243
Nesse contexto, o engajamento da EMBRAPA na cooperação com outros países em
desenvolvimento, até então dominado por iniciativas interinstitucionais244 e/ou
243
A questão, que será retomada mais adiante, é que as discussões sobre o modelo brasileiro polarizaram-se
dentro do próprio país (agronegócio x agricultura familiar), com reflexo na cooperação prestada. Do ponto de
vista dos movimentos sociais brasileiros, o governo brasileiro estaria exportando um modelo focado do
agronegócio, contradizendo o discurso da inclusão social. O tema foi discutido em seminário realizado em
Brasília em maio de 2012 sobre a cooperação Brasil-África em agricultura (ver: FUTURE AGRICULTURES,
2013).
244
Cooperação direta entre a EMBRAPA e instituições homólogas de outros países, sem envolver
necessariamente a ABC ou o MRE. Também se refere a esse tipo de cooperação como “paradiplomática”
(EMBRAPA, 2009).
206
245
A “política de criação das campeãs nacionais” ou de “promoção da competitividade de grandes empresas de
expressão internacional” foi iniciada durante o segundo mandato de Lula. Segundo levantamento realizado pelo
Estado de S. Paulo, por meio dessa política o BNDES injetou cerca de R$ 18 bilhões nos frigoríficos JBS e
Marfrig, na Lácteos Brasil (LBR), na Oi e na Fibria. O jornal aponta que duas das empresas que receberam
recursos do BNDES, a LBR e o Marfrig, estavam em situação financeira delicada. Em entrevista ao jornal em
2013, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, realizou a seguinte consideração acerca da política: “é uma
agenda que foi concluída. É uma política que tinha méritos e chegou até onde poderia ir. Até porque o número de
setores em que o Brasil tem competitividade para projetar empresas eficientes no cenário internacional é
relativamente limitado a commodities e algumas pseudocommodities. E já fizemos isso nesses setores:
petroquímica, celulose, frigoríficos, parte da siderurgia, suco de laranja, cimento. Não enxergo outros setores
com o mesmo potencial. Nos últimos anos, o BNDESPar tem se concentrado no fomento a novas empresas em
setores intensivos em inovação tecnológica. Vejo um potencial interessante no complexo saúde e no setor
farmacêutico. Há vários anos, o BNDESPar já vem trabalhando na área de tecnologia da informação. Também
há iniciativas importantes nas empresas supridoras de capital. Essa agenda combina desenvolvimento e inovação
e é a tônica da política que vem sendo praticada nos últimos anos” (LANDIM; LEOPOLDO; TEREZA, 2013).
246
Para mais informações sobre as tendências e desafios ao desenvolvimento agrícola mundial, ver: OCDE;
FAO, 2011.
207
247
Em resposta a tais questionamentos, a Assessoria de Comunicação da EMBRAPA passou a publicar, a partir
de 1997, o Balanço Social EMBRAPA, definido à época pelo seu então diretor-presidente, Alberto Duque
Portugal, como “um manifesto quantitativo e qualitativo dos compromissos da Empresa” com o equacionamento
das disparidades sociais brasileiras (EMBRAPA, 2012a). Segundo Lobo (2010, p. 27), tratava-se de demonstrar
aos gestores, legisladores e à sociedade brasileira as razões de existência da empresa, já que a “renda gerada com
a venda de sementes básicas de cultivares desenvolvidas pela empresa não representa 5% do orçamento total”.
Lobo (Ibid.) resume brevemente como essa tarefa, assumida pelos técnicos da Secretaria de Gestão e Estratégia
da EMBRAPA, evoluiu ao longo do tempo: ela teve início com a utilização de “uma amostra de tecnologias,
208
avaliada com metodologias de análise multidimensional de impactos, para demonstrar por que vale a pena
investir em pesquisa agropecurária. [...] Em 1997, foi apurado apenas o impacto econômico das tecnologias em
termos de aumento da renda nacional e de economia e redução de custos de produção. Estes impactos
econômicos passaram a ser detalhados para incluir incrementos de produtividade, redução de custos, expansão
da produção em novas áreas, agregação de valor e também os custos da tecnologia e seu custo-benefício. Em
seguida, para cada tecnologia foram incorporados impactos sociais, como emprego, renda, saúde, gestão e
administração, além de impactos ambientais, que consideram o alcance da tecnologia, sua eficiência tecnológica,
a conservação ambiental e qualidade do produto. Por fim, a metodologia passou a avaliar os impactos do
desenvolvimento e da adoção da tecnologia sobre o conhecimento, sobre os processos de capacitação e
aprendizagem, bem como impactos político-institucionais, seja na formulação de políticas públicas, nas relações
com outras instituições e na própria imagem da EMBRAPA”.
248
A afirmação de Magalhães (2008), pesquisador da EMBRAPA, contrasta com consideração realizada por um
diplomata, segundo o qual a decisão de abrir escritório em Gana foi da própria EMBRAPA, com o objetivo de
“aumentar sua atuação na cooperação técnica horizontal no continente africano, sua primeira finalidade, mas
também de facilitar a venda de serviços a países africanos” seguindo “demandas por consultorias e treinamentos
de países da região” (IGLESIAS PUENTE, 2010, p. 257).
249
Posteriormente, decidiu-se pelo estabelecimento da chamada “EMBRAPA Américas” no Panamá, que
apoiaria iniciativas no México, na América Central e Caribe e na Região Andina em três pilares: plataforma de
pesquisa e desenvolvimento, transferência de tecnologia e negócios tecnológicos. O formato dessa “extensão” da
EMBRAPA seria distinto do dos LABEX, voltados para tecnologia de ponta, e dos “escritórios” instalados na
África e na Venezuela, voltados para transferência de tecnologia (RODRIGUES, 2009).
209
250
Nas palavras do diplomata Pedro Henrique Barbosa (2010, p. 95, Nota 147): “A abertura de um escritório da
EMBRAPA na Venezuela deveu-se a uma ação estratégica do Governo Lula de reaproximação política com
aquele país, que apresenta sérias dificuldades para aperfeiçoar sua estrutura rural e garantir o abastecimento do
mercado interno. O país é, inclusive, grande importador de alimentos do Brasil. O excessivo superávit brasileiro
com o país passou a incomodar a elite política venezuelana, preocupada com a assimetria da parceria bilateral.
Com a EMBRAPA na Venezuela, entre outros projetos, permite-se desenvolver a agricultura local e diminuir a
dependência do país de importações de alimentos”.
251
Conforme esclareceu especialista na cooperação agrícola da EMBRAPA com a África entrevistado durante a
elaboração desta tese, a menção à questão das mudanças climáticas relaciona-se com a expectativa de que a
cooperação com países africanos contribuísse para diversificar o banco de germoplasma da EMBRAPA,
desenvolvendo-se cultivares resistentes à seca.
210
Isso não significa que a relação entre a CTPD prestada à África e os interesses
econômicos tenha se materializado, desde o início, como estratégia articulada com o setor
211
Essas afirmações apontam para o fato de que a CTPD prestada pela EMBRAPA à
África, pelo menos durante os primeiros anos do segundo Governo Lula, não estava ancorada
na sua relação com o setor privado ou com a bancada ruralista. Na verdade, o desenho e
divulgação de estratégia ligando a cooperação técnica ao componente dos negócios
internacionais, inclusive os negócios da própria empresa (patentes e venda de sementes), iam
contra o discurso predominante de política externa, que repudiava quaisquer ligações entre a
cooperação prestada pelo Brasil a países menos desenvolvidos e componentes econômicos, na
212
tentativa de demonstrar que a atuação brasileira na matéria seria distinta da atuação dos países
mais poderosos, conforme aponta o próprio discurso do COBRADI e da ABC (Capítulo 2).
Para além de eventuais interesses particulares da EMBRAPA, havia também
preocupação com a eficácia de suas ações em campo, no que a empresa convergia com
percepções dominantes no quadro técnico da ABC. O potencial de retroalimentação das lições
aprendidas junto à “alta política” era, contudo, limitado, gerando fricções entre a EMBRAPA
e a diplomacia brasileira.
Ao acumular aprendizados em campo, a EMBRAPA começou a tentar atuar de forma
mais proativa junto à ABC no desenho das iniciativas, ao mesmo tempo em que houve sinais
de despriorização interna de projetos induzidos pela “alta política” que não tivessem potencial
de eficácia (em termos de sustentabilidade do apoio oferecido ao país parceiro) e/ou que não
encontrassem respaldo no planejamento estratégico da empresa, que será analisado mais
adiante.
Um exemplo claro foi a desmobilização em torno do projeto de abertura da
EMBRAPA África, sediada em Gana. Pensado a princípio como ponto focal de todas as ações
da empresa no continente, o escritório teve suas operações restritas em 2011, por decisão da
Secretaria de Relações Internacionais da EMBRAPA (SRI), à atuação em Gana. No primeiro
semestre de 2012, a SRI determinou o retorno ao Brasil do coordenador do escritório, no que
entrou em conflito com as instâncias diplomáticas. Em entrevista que concedeu assim que
chegou ao Brasil, esse pesquisador afirmou:
A EMBRAPA ainda vai ter que lidar com o Itamaraty sobre essa questão, porque, na
realidade, a EMBRAPA África é um projeto de termos de cooperações entre os dois
governos, ou seja, era para ser EMBRAPA África em Gana. Portanto, não caberia à
EMBRAPA mudar isto, apenas ao governo federal, pois é um programa de governo,
e não uma iniciativa isolada da EMBRAPA. Então isso ainda vamos ter que resolver
(LOPES, L., 2012).
252
Além disso, nenhum funcionário da sede da EMBRAPA mencionou, durante a coleta das entrevistas, a
possibilidade de seguimento do projeto em Gana; parecia de fato estar havendo um conflito entre a empresa e o
MRE por conta da decisão autônoma da SRI de restringir as operações do escritório instalado em Gana ao país.
Em entrevista concedida após o seu retorno ao Brasil, o então coordenador da EMBRAPA Gana, Leovegildo
Lopes (2012), disse que o plano era que o projeto de Gana fosse convertido em um projeto estruturante de
produção de leite. Não fica claro, contudo, se esse novo projeto estava sendo articulado junto à Secretaria de
Relações Internacionais da EMBRAPA (SRI) ou se era fruto de articulações realizadas de forma autônoma pelo
então coordenador em Gana, que disse ter interesse na iniciativa por integrar o Centro Nacional de Pesquisa de
Gado e Leite da EMBRAPA (Minas Gerais). Ao mesmo tempo, segundo especialista na cooperação da
EMBRAPA com a África entrevistado durante a elaboração desta tese, o Council for Scientific and Industrial
Research (CSIR), de Gana, tem acordo assinado com a EMBRAPA e investiu na reforma do prédio para receber
213
a instalação do escritório da empresa – razões pelas quais não poderia haver esvaziamento total da atuação da
EMBRAPA no país.
253
Em artigo publicado em 2007 por dois pesquisadores da EMBRAPA, fica claro que a atuação da empresa
África, naquele momento, não era pensada a partir da lente da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento
(CID), mas sim da cooperação em Ciência e Tecnologia (embora se fale em “transferência de conhecimentos”, o
que constitui modalidade da cooperação técnica, e não da cooperação científica e tecnológica). Os autores
mencionam que a Ciência e Tecnologia estava se tornando instrumento da política externa brasileira no
fortalecimento da colaboração Sul-Sul, identificam a oportunidade de financiamento do Norte e afirmam que a
Constituição brasileira considera sua transferência como instrumento essencial para acelerar o crescimento
econômico. Com base nesse raciocínio, e em diagnósticos sobre a situação da agricultura no continente, ficou
definido que a atuação da EMBRAPA África agregaria três componentes: “a- Transferência, teste e adaptação de
Tecnologias tropicais agrícolas, bem como compartilhamento de experiências em parceria desenvolvida com o
setor público e privado e programas organizacionais para desenvolvimento institucional; b- Intermediação de
organizações do agronegócio brasileiro e o setor privado africano; c- Estratégias de comunicação e informação,
compartilhando experiências da EMBRAPA na relação com as partes interessadas, mídia e programas de
comunicação institucional” (GALERANI; BRAGANTINO, 2007, p. 1392, tradução nossa).
214
254
Os funcionários da EMBRAPA que participam de missões de curta duração no exterior acumulam funções
desempenhadas dentro e fora do país, sem receberem incentivos econômicos ou funcionais para isso (eles
recebem apenas diárias da ABC para custeio de alimentação, hospedagem e transporte local). Apenas os
pesquisadores enviados para coordenar unidades da EMBRAPA no exterior são contemplados com um auxílio
além do salário, que segue valores da ONU para expatriados (tabela ISIC), pago pela ABC, além de serem
contemplados com medidas de progressão funcional.
255
A dimensão da competição com outros países emergentes na África foi mencionada pelo então presidente da
EMBRAPA, Pedro Arraes (2009-2012), em audiência pública na Câmara dos Deputados: “[...] existe uma série
de oportunidades que têm de ser aproveitadas. Outras nações do BRIC, a exemplo da China, estão mais
agressivas, e o Brasil tem de ficar atento e ocupar os espaços [...]” (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2010).
216
Mais adiante, o V Plano Diretor aponta a “grande demanda por geração e transferência
de novas tecnologias voltadas para a produção, em países novos, emergentes e
competitivos” (Ibid., p. 12, grifo nosso) como oportunidade diante do aumento da demanda
mundial por alimentos e da restrição à expansão da fronteira agrícola nas regiões temperadas.
Contudo, o documento não detalha quais seriam esses países nem como tal oportunidade
deveria influenciar o engajamento da EMBRAPA na CTPD, e não foi possível identificar a
existência ou acessar documentos internos da empresa sobre o assunto.
Em trabalho publicado em 2008, o pesquisador da EMBRAPA Bonifácio Magalhães
afirmou que, a despeito do crescente reconhecimento e demanda internacional pelas
realizações da EMBRAPA em agricultura tropical, a empresa ainda não possuía estratégia
bem definida para nortear a tomada de decisão de acordo com a “importância estratégica que
os potenciais países cooperantes possam representar para a agricultura brasileira”
(MAGALHÃES, 2008, p. 47).
Tal constatação, porém, parece ter sido realizada em um contexto em que os
funcionários da empresa estavam cada vez mais absorvidos por demandas múltiplas, sem
dispor de tempo para refletir sobre engajamento mais proativo na CTPD. Além disso,
predominava, no discurso de funcionários da SRI, a formulação de que, sendo o envolvimento
da empresa na CTPD resultante de induções diplomáticas, a responsabilidade em relação à
inexistência de um sistema com prioridades caberia à ABC.
Ainda assim, a EMBRAPA acumulou experiências e lições aprendidas em campo que
posteriormente passaram a ser retroalimentadas em uma estratégia mais clara por parte da
empresa. Uma das lições aprendidas diz respeito à necessidade de adaptação das técnicas e
tecnologias às realidades particulares de cada parceiro. A semelhança em termos de clima e
solos, por si só, não é suficiente para garantir a eficácia e sustentabilidade da cooperação
agrícola. Isso significa que a EMBRAPA não pode trabalhar com “pacotes tecnológicos” e
que cada projeto deve ter desenho particular, com base em qualificação cuidadosa da
demanda e em planejamento baseado em estudos que considerem impactos socioeconômicos,
cadeias de produção local, políticas públicas e acesso a crédito.
Relacionado a esse aprendizado, fortaleceu-se a percepção de que as condições que
teriam garantido o “sucesso” da EMBRAPA no Brasil, em contexto de interação entre
tecnologia, instituições, vontade política e acesso a crédito, entre outros, não necessariamente
217
256
Nas palavras de Magalhães (2008, p. 33-34): “Num possível exercício de cooperação Sul-Sul, vale a pena
refletir sobre os movimentos da África do Sul, da China e da Índia. Esses países, à semelhança do Brasil,
investiram pesadamente em ciência e tecnologia para o agronegócio e são parceiros ideais para o
estabelecimento de cooperação mútua. É interessante ao Brasil, por exemplo, germoplasmas de citros e soja dos
quais a China é reconhecidamente o centro de origem. Aos chineses, arroz de sequeiro, amendoim e outras
plantas originárias do ambiente brasileiro. Os indianos querem conhecer os processos de produção agrícola
brasileiros e os avanços na agricultura familiar. Com a África do Sul, o interesse brasileiro é nas raças de
caprinos altamente produtivas e o deles na alta produtividade da nossa pecuária de carne.”
257
Uma das iniciativas mencionadas por Magalhães (2008), no caso dos países latino-americanos, foi o
Consórcio Iniciativa Amazônica para a Conservação e Uso Sustentável dos Recursos Naturais, parceria entre
institutos de pesquisa agropecuária da região que busca de soluções para problemas comuns (cultivo da batata,
alho, agricultura orgânica, bicudo do algodoeiro, recuperação de áreas degradadas, agricultura de precisão e
plantio direto), além de contemplar o apoio a países que não contam com um sistema de pesquisa agropecuária.
218
entrevistado durante a elaboração desta tese, permite que a EMBRAPA entre em contato com
informações estratégicas sobre uma ampla gama de países em desenvolvimento, as quais
podem ser retroalimentadas em estratégia futura de atuação na vertente Sul-Sul. O
Marketplace se configura, ainda, como mecanismo para o fortalecimento da centralização da
cooperação prestada pelas diversas unidades da empresa na SRI, buscando formalizar e
racionalizar a triagem das demandas e limitar tanto o envolvimento autônomo das unidades da
EMBRAPA na CTPD, quanto a incidência apenas da “alta política” nos processos decisórios.
260
Conforme foi apontado por um dos funcionários da SRI entrevistados durante a elaboração desta tese, a
criação da SRI se insere em processo de reestruturação interna do sistema de gestão da EMBRAPA, voltada para
melhorar a eficiência e eficácia no processo decisório e na execução das atividades da empresa. Em 2008,
Bonifácio Magalhães (2008, p. 20), pesquisador da EMBRAPA, havia mencionado que “a falta de uma dotação
orçamentária e planejada e específica por parte do Governo” estava impedindo uma “atuação plena” da
EMBRAPA. Em termos de recursos humanos, seu diagnóstico foi o seguinte: “A operacionalização da
cooperação técnica internacional na EMBRAPA não tem sido fácil. A maior inquietação é que a Empresa não
tem uma estrutura operacional à altura da missão que recebe do Governo. Há um número muito reduzido de
técnicos da equipe responsável por um sistema de cooperação cada vez mais demandante. A equipe da
Assessoria de Relações Internacionais da EMBRAPA é tão reduzida que conta apenas um técnico para acordos
bilaterais com países desenvolvidos da América do Norte, Europa e Ásia, um para relações multilaterais, um
para acordos com América Latina e um para acordos com a África” (Ibid., p. 21-22).
220
261
Como já foi mencionado, os cursos oferecidos em parceria com o CECAT integram um dos quatro
instrumentos da atuação da EMBRAPA na CSS: os programas de construção de capacidades. Atualmente, além
de contar com portfolio de cursos oferecidos em bases regulares, como o Programa de Treinamento para
Terceiros Países (parceria com a JICA), desenham-se cursos sob demanda e cursos específicos para os projetos
estruturantes (DUSI, 2012).
262
Ver: GREGIO, 2012.
221
263
Como ressaltou o então presidente da EMBRAPA, Pedro Arraes (2009-2012), em audiência pública na
Câmara dos Deputados, ao se referir aos “pequenos projetos da ABC”: A propósito, o Ministro Farani deu um
exemplo muito característico, o do Afeganistão. O Afeganistão pede uma ajuda, faz-se uma viagem para lá de 10
dias, prepara-se um diagnóstico e identifica-se, por exemplo, que eles precisam de um apoio mínimo para iniciar
o cultivo de soja, e a EMBRAPA vai lá, junto com a ABC, dar esse impulso. Então, são projetos mínimos, e
tentamos não fazer muitos porque eles tiram um pouco o nosso foco. Só os fazemos, na verdade, quando há
necessidade política importante (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2010).
222
264
Para mais informações sobre o Fundo Nacala, ver: BATISTA, 2012; BRITO, 2012.
265
Segundo um dos funcionários da SRI entrevistados durante a elaboração desta tese, o plano da SRI é
transferir iniciativas de curto prazo para planejamento e execução direta por outras organizações integrantes do
Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária.
223
266
Ainda segundo esse entrevistado, a EMBRAPA busca trabalhar cada vez menos com ações isoladas, tentando
inserir iniciativas de capacitação dentro de projetos de cooperação técnica maiores, ainda que nem todos sejam
estruturantes.
224
Figura 2 - P
Posicionam
mento estratéégico da EM
MBRAPA
Fonte: EMBR
RAPA, 2008.
Quadro
Q 7-O
Oportunidaddes e ameaçças à EMBR
RAPA diantte de tendên
ncias consollidadas
PRIINCIPAIS OP PORTUNIDA ADES PRINCIPAIS AMEA AÇAS
Valorização crescente e suubstancial aum mento da Investimeentos insuficieentes em recuursos humanoss e
demanda, asssociados à muultiplicação dee parcerias infra-estrrutura para o desenvolvimen
d nto de PD&I nas
n
nacionais e innternacionais,, por pesquisaa orientada áreas de fronteira
f do co
onhecimento.
para a reduçãão dos impactos negativos das d mudançass
climáticas soobre a produçãão agropecuária e o uso Engessammento institucional da EMB BRAPA e das
sustentável ddos recursos naturais (água, solo, demais in
nstituições púb
blicas integranntes do SNPA
A.
sol, vegetaçãão e fauna).
Risco de obsolescênciaa da infra-estrrutura laborato
orial
Aumento da demanda por PD&I orientaada para a de PD&II agropecuáriaa do Brasil.
exploração suustentável doss biomas brasiileiros e para o
desenvolvimmento da produução agropecu uária das Falta de capacidade
c organizacional ppara respondeer ao
diversas regiões, em basess simultaneam
mente crescimento da demanda.
225
competitivas e ecoeficientes.
Baixo comprometimento dos produtores, dos atores
Aumento da demanda por tecnologias voltadas para a políticos e da sociedade brasileira com o uso
produção de agroenergia, inclusive em áreas sustentável da biodiversidade.
degradadas.
Continuidade do contingenciamento de recursos
Aumento da demanda por tecnologias voltadas para o públicos para a EMBRAPA e para as demais
aproveitamento sustentável da biodiversidade instituições públicas integrantes do SNPA.
brasileira e para o desenvolvimento de bioprodutos
(fármacos, fitoterápicos, cosméticos, etc.). Gestão do conhecimento ineficaz.
Aumento das exigências do mercado por Risco de perda do protagonismo do Brasil em geração
rastreabilidade e certificação e por alimentos com de tecnologias voltadas para a agroenergia.
elevado padrão de qualidade.
Desarticulação dos principais atores na área de
Surgimento de um novo mercado de PD&I que produção de agroenergia e biocombustíveis.
demande tecnologias orientadas para a redução dos
custos ambientais e dos custos de produção em Ausência ou inadequação de legislação referente à
sistemas integrados e rotacionados. preservação ou à utilização dos diferentes biomas
brasileiros.
Ambiente favorável à formação de novos arranjos
institucionais e redes de PD&I com maiores Intensificação das dificuldades institucionais e
flexibilidade e agilidade das organizações de PD&I. restrições legais à execução de pesquisas e ao
estabelecimento de parcerias.
Ampliação da demanda de PD&I para a diversificação
de produtos e a agregação de valor. Risco de evasão dos melhores talentos e perda de
massa crítica em áreas estratégicas para a EMBRAPA
Aproveitamento de áreas degradadas para o ou para o País.
desenvolvimento de sistemas produtivos integrados e
rotacionados.
267
A EMBRAPA e o DFID estão negociando uma iniciativa chamada “Climate Smart Agriculture”, que será
desenvolvida em três países africanos: Gana, Moçambique e Tanzânia. Sobre a experiência do DFID na
prestação de cooperação em iniciativas sustentáveis de agricultura, ver: DFID, 2011.
227
“[...] cumprimentamos a área das Relações Exteriores “Quando [...] o Deputado Silas diz que a cooperação
por esse esforço no sentido de levar para outros internacional vai afugentar um pouco os pesquisadores
irmãos nossos o conhecimento que não possuem. E, ou vai competir com a nossa demanda interna, acho
efetivamente, em muitos casos, sobretudo no que se que não é bem assim, que não é uma relação direta,
refere a países com maiores dificuldades, eles mas sempre lembramos — e sempre cito esse dado —
precisam disso para substituir a produção de droga a questão do pessoal. [...] Vejam que a Samsung,
pela de alimentos. Portanto, é uma medida empresa privada coreana, possui nos seus quadros
fundamental. Sem dúvida, a EMBRAPA é motivo de 15.000 pesquisadores, e outro dia, li na revista Veja
extraordinário orgulho para nós.” que a L’Oreal, empresa privada francesa, tem 3.200
pesquisadores. Enquanto isso, sou informado de que a
Menciona risco de a cooperação internacional EMBRAPA tem 2.200.” (continua na próxima célula)
“afugentar” e competir com demanda interna (esta fala
não foi reproduzida nota taquigráfica; o trecho foi “O Presidente Lula, no início do seu Governo usou a
extraído da resposta do Deputado Paulo Piau) seguinte expressão: ‘O Brasil deve voltar os olhos
para a África’. E foi criticado. Tive a oportunidade de
ir a Angola há dois anos e realmente vi que o
Presidente tinha toda a razão. Se pensarmos, o etanol
jamais vai virar uma commodity, porque ninguém vai
mudar a matriz energética se for ficar na dependência
de outros. Já não querem depender da OPEP. Se for
depender do Brasil, não avança [...]. Então, a África
tem terra, não tem tecnologia, não tem mão de obra
preparada, mas é realmente uma extensão do que
podemos fazer para fazer com que o etanol,
especificamente, vire realmente uma commodity e
entre na matriz energética. Isso é possível. Então, acho
que todos esses são argumentos para que possamos
avançar nessa cooperação internacional e
evidentemente na internacionalização da
EMBRAPA.”
“[...] é claro que estamos neste projeto de “Na verdade, isso tudo é muito novo. Estamos em um
internacionalizar a EMBRAPA, e eu fico também processo novo. Não só as universidades, como
preocupado, porque ela representa oitenta e tantos por também as empresas estaduais de pesquisa,
cento na América Latina e alguma coisa significativa obviamente, têm de ser envolvidas. Estamos tentando
também na África. E as nossas universidades? Por que criar mecanismos no próximo ano para facilitar isso.
elas também não estão em um processo de Ainda não estávamos organizados o suficiente dentro
cooperação, de busca de interesses comuns?” da EMBRAPA. Então nós nos organizamos. O
objetivo é abrir frente. Inclusive, há algumas coisas
que não são missão da EMBRAMA. São muito mais
missão de uma universidade do que da própria
EMBRAPA. Há coisas, como a extensão rural, que
outras empresas têm muito mais condição e
competência de fazer do que a própria EMBRAPA.”
230
“[...] quanto àqueles dois tratores produzidos no Brasil “Em relação às patentes e ao que a EMBRAPA ganha
mostrados pelo Dr. Pedro, é preciso lembrar que com isso, eu gostaria de colocar uma questão que acho
talvez o componente tecnológico brasileiro seja muito muito importante. O MIT, Instituto de Tecnologia de
pequeno, mas, pelo menos, eles foram montados aqui, Massachusetts, nos Estados Unidos, que talvez seja
já geraram algum emprego para o Brasil. Outro um dos institutos com maior número de patentes e
reflexo muito grande que podemos ter é relativo a essa licenças no mundo inteiro, arrecada 17% de seu
parte de negócio. Quer dizer, quando precisamos orçamento com isso. O resto é bancado pelo governo,
importar uma máquina para mexer com mármore ou por fundos públicos.”
com madeira, vamos à Itália ou à Alemanha buscar. E
a afinidade cultural que a África tem com o Brasil é,
na verdade, uma oportunidade. Ninguém recebe nada
se não doar alguma coisa. A vida é assim. Acho que
esses são argumentos que vêm fortalecer essa proposta
da EMBRAPA. Eu sou capitalista. Não sou
comunista, evidentemente. Acho que devemos
privilegiar o esforço individual das pessoas, a
competência. Mas deve haver instrumentos de
regulação para que realmente essas diferenças não
sejam tão grandes entre países, entre pessoas. O custo,
hoje, para a EMBRAPA é insignificante: um milhão e
meio de dólares. Nessa cooperação internacional, é
claro que queremos ampliar o orçamento para que
tenhamos mais proveito. Gostaria de fazer uma
pergunta ao Presidente, para que isso seja embasado,
embora ele tenha tocado em alguma coisa nesse
sentido. O que isso pode significar para nós, em
termos de mais royalties e mais patentes, com a
internacionalização da EMBRAPA, já que o sistema
deve buscar cada vez mais sua autossuficiência para
não onerar muito a sociedade? Acho que esse é um
aspecto que também podemos ter como argumento do
avanço desse projeto. Há o lado social. A África passa
fome, e o Brasil, como qualquer país, tem
responsabilidade nisso. Mas queremos mais do que
isso. Queremos desenvolvimento. O que o Brasil pode
ganhar em relação a negócios — o senhor falou em
negócio tecnológico —, nessa internacionalização da
EMBRAPA?”
“Tenho uma preocupação muito grande com a “Deputado, nós temos um grande programa em
agricultura familiar. Tenho dito muitas vezes que acho agricultura familiar. Isso já está bastante equilibrado.
que a EMBRAPA se dedica pouco à agricultura Vemos a agricultura como um todo. O próprio
familiar e muito à grande agricultura. Se nos últimos Presidente falou disso em sua posse. O Brasil é um
30 anos nós tivéssemos nos dedicado a colocar a país plural, e temos de trabalhar com essa pluralidade.
ciência e a tecnologia a serviço do pequeno e feito a Procuramos trabalhar com essa pluralidade da melhor
reforma agrária — deveria ter sido concluída, mas não forma possível. Agora, existem várias coisas que não
foi —, imaginem o quanto este País teria se são tecnológicas, com a agricultura familiar, com
desenvolvido, o quanto ele teria de segurança assentamentos. São questões que fogem... O
alimentar! Aproveito esta oportunidade para dizer conhecimento existe, mas não conseguimos levar esse
que... Participei da elaboração do programa da nossa conhecimento aos produtores. E esse também não é o
candidata Dilma Rousseff. Uma das coisas que papel da EMBRAPA. A EMBRAPA não é uma
fizemos questão de colocar ali foi que a nossa empresa de extensão rural. O Congresso Nacional tem
EMBRAPA deve se orientar cada vez mais para a um papel fundamental para resolver muitos desses
agricultura familiar, inclusive nos países que fazem problemas: fortalecer a extensão rural pública do
parte dessa cooperação. Estive agora no Chile, Brasil. E uma coisa que acho extremamente
participando de um seminário da rede de alimentação importante é que nós nos inserimos. Nós criamos um
231
América Latina, o que vai ser muito importante para o Brasil. [...] Temos também
uma atuação que estamos começando a organizar na questão de negócios
tecnológicos. Aqui também a medida provisória tem um impacto importante, porque
alguns países próximos ao Brasil usam nossos materiais, caso do Paraguai, o maior
exemplo disso. E não temos um escritório lá para facilitar, vamos dizer, a
arrecadação desses royalties que voltam para a ciência da EMBRAPA, voltam para
os projetos de pesquisa. Então, essa é outra coisa que também estamos organizando,
porque há interesse da iniciativa privada externa de utilizar alguns dos
conhecimentos que a EMBRAPA tem, e não temos por que não repassar isso, desde
que possamos ser recompensados, para continuarmos fazendo pesquisas para o
futuro. A ideia que tentei colocar aqui foi o porquê da internacionalização da
EMBRAPA. A EMBRAPA já tem intensa atividade no exterior, e isso vai causar
uma flexibilização muito grande para todos nós. Os acordos e triangulações que
temos de fazer são complicados, e, na realidade, até aumentam a nossa soberania
nacional, porque nós é que temos o controle maior dessas interações e do recurso
que venha a ser aplicado, ou por captação externa ou mesmo do nosso País
(CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2010).
Em julho de 2012, mês seguinte à aprovação do novo estatuto, Pedro Arraes foi
reconduzido à Presidência da EMBRAPA, destacando os seguintes pontos na atuação externa
da empresa durante sua gestão: o novo estatuto; a expansão da rede de laboratórios virtuais da
EMBRAPA, com a abertura de duas novas representações do LABEX Europa (Reino Unido e
Alemanha) e dos LABEX Coreia, China e Japão (em fase de implantação); a mudança
estratégica da cooperação técnica, incentivando projetos estruturantes (a atuação em
Moçambique e em El Salvador foi destacada); e a criação da Plataforma Brasil-África e
Brasil-América Latina e Caribe como “novos instrumentos de cooperação, capazes de captar
recursos internacionais e de mobilizar as competências brasileiras, centro-americanas e
africanas em projetos pontuais, mas importantes” (ESTEVES, 2012b).
Dois meses depois da sua recondução à Presidência da EMBRAPA, contudo, Arraes
pediu sua exoneração do cargo – ou, conforme apontou matéria sobre o episódio, “foi
afastado de forma nebulosa” (MAIA, 2012). Seu secretário de Relações Internacionais,
Francisco Basílio, também foi exonerado. Alegou-se que preceitos legais e estatutários não
teriam sido seguidos na criação da EMBRAPA Internacional, já que a decisão não passou
pelo Conselho de Administração da empresa (CONSAD). De acordo com o Blog “Garganta
Profunda EMBRAPA”, contudo, seguiu-se a praxe relacionada à abertura de unidades da
empresa no exterior, com as decisões sendo tomadas pela Diretoria e submetidas ao
CONSAD posteriormente (GARGANTA PROFUNDA EMBRAPA, 2012b). Na avaliação da
mesma fonte, o fato de o novo presidente da empresa, Maurício Antônio Lopes, e o novo
secretário de Relações Internacionais, Marcio Porto, possuírem background na FAO,
apontaria que “[d]aqui em frente quem manda é a FAO, e o partido político que já tomou
posse lá” (Id., 2012a).
234
Já matéria publicada pela Carta Capital apontou a incidência das seguintes dinâmicas
e/ou conflitos: o fato de Pedro Arraes ser primo de Eduardo Campos (Governador de
Pernambuco pelo PSB) e de sua gestão ter sido marcada por “excessiva independência em
relação ao comando do ministério”; a tentativa de limitar tal independência, como ordem
vinda da Casa Civil em 2011 para que o processo de seleção para diretores baseado em
critérios técnicos fosse extinto e para que o mandato de três anos deixasse de ser garantido;
disputas internas alimentadas pelo aumento do orçamento da empresa; críticas crescentes de
entidades ligadas à agricultura familiar acerca do peso excessivo dos interesses do
agronegócio na condução da estatal; observações feitas por empresários em torno do
enfraquecimento da empresa em relação às pesquisas desenvolvidas pelo setor privado; a
polarização dentro da empresa entre demandas sociais e “jogos capitalistas” (sic.), como
apontam as críticas realizadas pelos movimentos sociais, como o MST, em relação às
parcerias da empresa com grandes multinacionais (MAIA, 2012). A matéria esclarece,
também, que o ministro da Agricultura, apesar de ter extinguido a EMBRAPA Internacional,
estaria trabalhando para “recriar o braço internacional em novas bases jurídicas” (Ibid.).
e na América Latina. A maior clareza por parte da empresa em relação aos ganhos esperados
com essa relação no que se refere ao avanço científico e tecnológico e à promoção de seus
negócios internacionais parece, com efeito, coadunar com os dois objetivos centrais da
política externa de Dilma: o avanço científico e tecnológico e a exportação de bens de maior
valor agregado. Ao mesmo tempo, contudo, compromissos assumidos com a base de apoio
tradicional ao governo petista parecem ter impedido que o apoio presidencial ao processo de
internacionalização da EMBRAPA avançasse de forma linear.
Por outro lado, no âmbito das políticas públicas nacionais, Dilma passou a enfatizar a
necessidade de se criar uma estatal voltada para a extensão rural como mecanismo para
garantir a socialização efetiva dos conhecimentos gerados pela EMBRAPA e por outros
institutos brasileiros de pesquisa agrícola. Essa dimensão, já ressaltada pela Gestão Arraes
(2009-2012), ganhou força com o seu sucessor, Maurício Lopes, o qual afirmou em artigo
publicado na imprensa, ao apoiar a criação da nova estatal, que o que falta não é tecnologia,
mas condições que garantam seu uso eficiente pelos pequenos produtores (LOPES, M., 2013).
O avanço de uma política de extensão rural nacional contribuirá certamente para arrefecer a
polarização entre a pequena e a grande agricultura no Brasil.
Os efeitos dessa polarização não vêm se restringindo, contudo, ao âmbito doméstico.
O recuo, ainda que temporário ou aparente, do lançamento da EMBRAPA Internacional
parece resultar da mobilização de grupos dentro da empresa identificados com a pequena
agricultura, os quais se viram fortalecidos pela incidência crescente da coalizão da Segurança
Alimentar sobre a política externa brasileira (Capítulo 2). A maior expressão dessa
polarização foi a mobilização de movimentos rurais brasileiros junto a homólogos
moçambicanos e japoneses contra o Pro-Savana, culminando com o envio de uma carta aos
governos dos três países denunciando irregularidades no programa e a “total ausência de um
debate público profundo, amplo, transparente e democrático” no seu planejamento e gestão
(UNAC et al, 2013). Isso significa que, embora a EMBRAPA, sob a Gestão Arraes, tenha
conseguido construir e fortalecer o diálogo com a “alta política” brasileira na CTPD, o
alinhamento interno e o diálogo com todos os setores domésticos interessados na cooperação
agrícola com a África ainda se colocaram como desafios.
A busca por mecanismos que permitissem que a estatal capitalizasse seu protagonismo
involuntário na CTPD brasileira a favor das oportunidades e desafios elencados no seu
planejamento estratégico apontam maior clareza em relação aos dois componentes
elementares para que suas relações com outros países, do Sul ou do Norte, fossem
238
da estabilidade política em países que haviam passado por crises políticas e institucionais
(IGLESIAS PUENTE, 2010), passou a ser objeto de maior apropriação pelo governo
brasileiro. Como foi visto no Capítulo 2, a apropriação da CTPD pelo governo brasileiro
sofreu aprofundamento e expansão durante o Governo Lula. O SENAI, em particular,
inauguraria, ainda durante o Governo Cardoso, a introdução de projetos de maior envergadura
na CTPD brasileira, os quais adquiriram maior centralidade, durante o segundo Governo Lula,
com os chamados “projetos estruturantes”.
Assim como no caso da EMBRAPA, o envolvimento do SENAI na CTPD,
diferentemente da recepção de cooperação, não resultou de estratégia própria da organização,
sendo induzido por outros agentes (organismos e agências internacionais e, posteriormente,
em maior medida, MRE e Presidência da República). Igualmente, se a princípio o SENAI
reagiu a demandas diplomáticas impulsionado pelo sentimento de reconhecimento de suas
experiências, e de orgulho por ser convidado a desempenhar papel de relevo da política
externa brasileira, posteriormente a instituição, ao se deparar com dificuldades em campo e
com uma estrutura interna insuficiente para garantir a eficácia e a efetividade de um conjunto
cada vez mais amplo de ações, passou a demonstrar insatisfação com a dissociação entre as
esferas decisórias e implementadoras da CTPD brasileira.
Ao mesmo tempo, porém, o aumento exponencial das demandas, somado à
sensibilidade à imagem internacional, induziu uma série de reformas internas no SENAI que
levaram em consideração lições aprendidas tanto na cooperação recebida como na prestada,
de modo a padronizar procedimentos e a qualificar diretores e executores em gestão de
projetos de cooperação. Ao avançar nesse processo de profissionalização interna, o SENAI
passou a influenciar os métodos de trabalho da própria ABC, apesar de não ter sucedido
plenamente na projeção de seus próprios interesses, tendo em vista o princípio da não
vinculação da CTPD com interesses econômicos. Não obstante, tal processo de
profissionalização tem grande potencial de impactar positivamente o engajamento
internacional do SENAI em geral, inclusive no que se refere à melhor absorção da cooperação
recebida e a um envolvimento mais ativo nas redes funcionais de intercâmbio do qual faz
parte.
Este capítulo tem como objetivo entender a evolução da percepção do SENAI acerca
da cooperação prestada, contrapondo-a à percepção dominante em relação à cooperação
recebida. Na primeira parte será discutido o papel da cooperação recebida pelo SENAI,
apontando o reconhecimento de seus benefícios para o desenvolvimento industrial brasileiro.
241
seus técnicos por meio de parcerias com instituições estrangeiras. O primeiro acordo
internacional voltado para o desenvolvimento de competências foi assinado em 1954, na área
têxtil (SENAI, 2010).268
Na área tecnológica, alguns dos marcos da cooperação recebida foram: a Escola
SENAI Suíço-Brasileira, instalada em São Paulo no início dos anos 70 e resultante de parceria
com a Swisscontact (especializada em formação na área de mecânica de precisão); o Centro
de Tecnologia de Soldagem (Rio de Janeiro, 1986), formatado com o apoio do instituto
alemão de soldagem SLV; a dotação do Centro de Tecnologia Euvaldo Lodi (Rio de Janeiro)
com equipamentos de ponta, como a ilha de usinagem comandada por robô para a formação
de mão-de-obra no setor de metalurgia doada pelo governo italiano nos anos 80; a escola de
formação em cervejaria de Vassouras, estabelecida nos anos 90 por meio de parceria com os
alemães, conferindo aos técnicos formados diploma reconhecido internacionalmente (trata-se
da única escola de formação no ramo estabelecida na América Latina, com grande influxo de
estudantes estrangeiros); e a construção mais recente (2006) do simulador de lastro e
emergência mais moderno do mundo, que simula condições adversas à estabilidade de
plataformas petrolíferas marinhas, com a transferência de tecnologia escocesa (SENAI, 2007).
A instalação de centros voltados para pesquisa e desenvolvimento tecnológico com
apoio de Alemanha, Canadá, Japão, França, Itália e EUA durante os anos 80, em período
marcado por forte recessão econômica no Brasil, é avaliada como tendo desempenhado papel
fundamental para que o SENAI chegasse aos anos 90 preparado para assessorar a indústria
brasileira no campo da tecnologia de processos, de produto e de gestão (SENAI, 2012b).
A mesma avaliação é feita em relação ao papel da cooperação recebida pela instituição
como um todo, destacando-se sua importância não apenas no âmbito nacional, mas também
na sua projeção internacional. Conforme consta no texto de apresentação do manual
“Cooperação Internacional do SENAI: uma parceria estratégica”, assinada pelo então diretor-
geral do SENAI/DN, José Manuel de Aguiar Martins:
As histórias do SENAI e da cooperação internacional no Brasil estão diretamente
relacionadas. A ação coordenada entre parceiros internacionais desempenhou papel
fundamental em todo o processo de fortalecimento institucional, de formação de
quadros e de desenvolvimento tecnológico da instituição. Por meio de parcerias e
projetos, foi possível alcançar nosso padrão de excelência internacional.
268
Ver também: SENAI, 2012b. Não foi possível obter mais detalhes sobre esse primeiro acordo.
243
As ações de cooperação técnica com países industrializados, levadas a cabo por meio
de acordos interinstitucionais ou governamentais, contemplam capacitação de quadros
técnicos, docentes e administrativos por especialistas estrangeiros e acesso a equipamentos
laboratoriais não disponíveis no Brasil. Além dos aportes realizados em termos de tecnologias
industriais – por exemplo, nas áreas de artes gráficas (Alemanha e Itália), alimentos e bebidas
(Alemanha, Canadá, Espanha, França e Portugal), mecânica automotiva (Alemanha e França),
gás natural (Canadá), madeira e mobiliário (Alemanha, Canadá e Espanha), mecatrônica
(Alemanha e Japão) -, a cooperação recebida contribuiu com metodologias inovadoras de
ensino, gestão e melhoria da competitividade das pequenas e médias empresas. Com isso,
possibilitaram-se a adaptação e o desenvolvimento de novas tecnologias, bem como sua
transferência à indústria nacional em diversos cenários econômicos, fortalecendo assim o
desempenho do SENAI junto ao setor produtivo (Ibid.).269
Segundo informações disponíveis na página do SENAI, desde sua criação a instituição
firmou 48 parcerias com 29 países e um organismo internacional, tendo captado 10.804 horas
de consultoria e capacitado 3.654 pessoas no Brasil por peritos internacionais (SENAI,
2012b).270 Atualmente, projetos do SENAI recebem aportes de oito países e três organismos
internacionais em diferentes áreas – alimentos e bebidas, automação, automobilística,
cerâmica, construção civil, metalomecânica, meio-ambiente, refrigeração, têxtil e vestuário
etc. (SENAI, 2012a).
De acordo com o SENAI, a disseminação dos impactos de conhecimentos e
tecnologias aplicadas transferidos por parceiros internacionais os mais variados (agências de
cooperação de países desenvolvidos, instituições não governamentais e organismos
internacionais, tais como OIT, BID, ONUDI e UNESCO) foi possível graças à existência de
269
O Anexo K contém informações sistematizadas sobre algumas das melhores práticas da cooperação recebida
pelo SENAI nos anos 90.
270
Segundo balanço de atividades realizadas em 2010, o SENAI encerrou o ano “com um total de 48 parcerias
internacionais firmadas com 24 países e 29 projetos internacionais em desenvolvimento. Por meio da cooperação
recebida com foco em inovação, o SENAI recebeu o apoio de 44 peritos internacionais, que proporcionaram
capacitação a 3.712 pessoas, entre profissionais e alunos do SENAI e de empresas. Já na cooperação prestada, o
SENAI ampliou sua atuação internacional com a implantação de 10 centros de formação profissional no exterior
em parceria com a Agência Brasileira de Cooperação – ABC. Durante o ano, o SENAI recebeu 73 representantes
de instituições estrangeiras em visitas técnicas. Sessenta e cinco técnicos foram enviados em missões
prospectivas ao exterior organizadas pelo Departamento Nacional para conhecer tecnologias inovadoras e trocar
experiências relativas às suas atividades.” (SENAI, 2011, p. 54).
244
271
Segundo o Guia de Cooperação Internacional do SENAI: “A prospecção de parcerias requer, primeiramente,
visão institucional clara dos objetivos e das necessidades a serem atendidas e para o que a constituição da
almejada parceria é essencial, levando-se em conta a existência de limitações dos recursos e das capacidades de
que dispõem as instituições para responder a desafios complexos, incentivando sinergias e complementaridades.
Por essa razão, a construção de parcerias tem se tornado elemento cada vez mais presente nas estratégias e
políticas institucionais nos mais variados campos. O estabelecimento de parcerias passa, em seguida, pela
identificação de contrapartes habilitadas, em razão de suas capacidades e disposição em cooperar, e pela
consideração de atributos como confiabilidade, credibilidade, aptidão e sentido de compromisso com as
finalidades e o escopo da cooperação almejada. A esse processo se segue uma etapa de negociação em que são
postos em perspectiva os incentivos e os custos decorrentes da parceria e definidas as condições, as
responsabilidades e acordados os papéis e responsabilidades de cada parte.” (SENAI, 2010, p. 37). As diretrizes
específicas para elaboração de projetos estão disponíveis na mesma publicação.
272
Segundo o Artigo 19º do Regimento Interno do SENAI, que estabelece as competências do Conselho
Nacional, cabe a ele: “o) autorizar a realização de acordos com os órgãos internacionais de assistência técnica,
visando à formação de mão-de-obra e ao aperfeiçoamento do pessoal docente e técnico do SENAI e das
empresas contribuintes” (SENAI, 2009e, p. 18).
245
273
O instrumento é o Projeto de Cooperação Internacional, que engloba a definição da área contemplada
(identificação e definição do problema; objetivos gerais e específicos; metas; cronograma das atividades; riscos;
orçamento; cronograma de desembolso), a identificação de parceiros, a elaboração de mecanismos de
coordenação, supervisão e avaliação (indicadores de acompanhamento) (SENAI, 2010).
274
O SENAI envia participantes para as Olimpíadas do Conhecimento desde 1981, sendo que nos últimos quatro
anos a instituição passou a se destacar ao obter colocações importantes (segundo e terceiro lugares) na
competição. Segundo funcionário do SENAI entrevistado durante o processo de elaboração desta tese, quando
detectam áreas em que não são competitivos costumam buscar parceiro internacional, normalmente contratando
peritos estrangeiros, para aprimorar a participação de técnicos do SENAI nas olimpíadas.
246
Tecnológica (Cefet). Em alguns casos apoiadas por órgãos públicos (Ministério do Trabalho e
Emprego, Ministério da Educação e Cultura), as atividades de cooperação com países em
desenvolvimento abarcam ensino profissionalizante, políticas de capacitação,
desenvolvimento de recursos humanos e formação de formadores vocacionais em áreas
diversas (IGLESIAS PUENTE, 2010).
O setor é um dos dominantes na prestação de cooperação pelo Brasil. De acordo com
relatório publicado em 2007, os gastos com a CTPD em qualificação profissional apareceram
em primeiro lugar, com 22,4% da alocação orçamentária da ABC (MRE, 2007). Em termos
de número de ações, o setor apareceu em 7º lugar entre os anos de 1995 e 2005 (6,11%)
(IGLESIAS PUENTE, 2010). Como os dados mais recentes levantados passaram a agregar
qualificação profissional junto a outras iniciativas em Educação, não é possível saber
exatamente qual foi a evolução da participação do setor na CTPD brasileira a partir de 2006.
No que se refere ao setor Educação como um todo, entre 2006-2010 ele aparece em terceiro
lugar em termos de número de ações (BARBOSA, P., 2011). A mesma colocação foi
verificada em dados referentes aos anos de 2003 a 2012 (11%) (ABREU, 2012) e ao período
2003-2010 (12,12%) (BRASIL, 2011a), embora não se especifique se tais porcentagens
referem-se ao número de ações ou à alocação orçamentária da ABC.275
Em artigo publicado em 2008, o então diretor da ABC, Embaixador Luiz Henrique
Pereira da Fonseca, deu a entender que os projetos realizados em parceria com o SENAI
lideravam os gastos da agência com a CTPD: “Em termos de volume de recursos investidos
pela cooperação brasileira, o grande tema de trabalho segue sendo o da formação profissional,
como consequência da implantação de diversos centros criados com o apoio do SENAI”
(PEREIRA DA FONSECA, 2008, p. 74, tradução nossa).276
O alto volume de recursos alocados para tais centros se deve ao fato de que iniciativas
envolvendo o SENAI, além de não contarem com contrapartida em termos de horas-técnicas –
quer dizer, a ABC paga os salários dos técnicos do SENAI em missão no exterior, tendo em
vista que o regimento da instituição não prevê alocação internacional de seus recursos
humanos e financeiros -,277 incluem não apenas a prestação de cooperação técnica, mas
275
Todos os dados mencionados neste parágrafo estão compilados na Tabela 4 (Capítulo 2).
276
O texto em língua estrangeira é:“En términos de volumen de recursos invertidos por la cooperación brasileña,
el gran tema de trabajo sigue siendo el de la formación profesional, como consecuencia de la implantación de
diversos Centros, creados con el apoyo del SENAI.”
277
Segundo funcionário do SENAI entrevistado durante a elaboração desta tese, a ideia de a ABC cobrir custos
com as horas técnicas dos funcionários cedidos pelo SENAI para missões de CTPD responderia também à busca
248
por uma estrutura de incentivos que: estimulasse as regionais a enviarem funcionários para o exterior, garantindo
recursos para a contratação de substitutos durante o período das missões; e não gerasse custos adicionais para o
Sistema Indústria, sob pena de seus dirigentes recusarem o envolvimento do SENAI na CTPD.
278
Segundo o guia de cooperação internacional do SENAI,“[t]ipicamente, os projetos envolvem a concepção de
todo um sistema de formação profissional, incluindo seu desenho institucional, a elaboração de metodologias de
ensino e desenhos curriculares, a concepção de modelos de gestão institucional, a construção e equipagem de
centros de treinamento, a capacitação de multiplicadores e formadores e o acompanhamento técnico-pedagógico
dos cursos” (SENAI, 2010, p. 54).
279
Ver também: SENAI, 2012b. Algumas das instituições cuja criação foi inspirada no modelo do SENAI foram:
o Serviço Nacional de Aprendizagem (SENA), estabelecido na Colômbia em 1957; o Instituto Nacional de
Cooperação Educativa (INCE), criado na Venezuela em 1959; o Serviço Nacional de Aprendizagem em
Trabalho Industrial (SENATI), estabelecido no Peru em 1961; o Instituto Nacional de Aprendizagem (INA),
estabelecido na Costa Rica em 1965; o Serviço Equatoriano de Capacitação Profissional (SECAP), estabelecido
em 1966; o Instituto Nacional de Capacitação Profissional (INACAP), estabelecido no Chile em 1966; o Serviço
Nacional de Formação de Mão-de-Obra (FOMO), estabelecido na Bolívia em 1972; e o Instituto de Formação e
Aperfeiçoamento Profissional (IFAP), estabelecido no início dos anos 80 em Cabo Verde.
280
Voltado para o intercâmbio de experiências por meio da pesquisa, documentação e divulgação das atividades
das instituições de formação profissional dos Estados-membro da OIT nas Américas e Espanha, o CINTERFOR
coordena atualmente a maior rede do mundo na matéria, formada por mais de 60 instituições de 27 países da
América Latina, Caribe e Europa (CINTERFOR, 2013). O SENAI é membro do CINTERFOR desde a criação
249
dessa rede, em 1963, e é bastante ativo nos seus trabalhos. Em 2010, por exemplo, desenvolveu projetos e
atividades isoladas de apoio institucional com diversas instituições homólogas latino-americanas – SECAP
(Equador), SENATI (Peru), SENA (Colômbia), INA (Costa Rica), INTECAP (Guatemala), Instituto de
Formação Técnico Profissional (INFOTEP, República Dominicana) e Colégio Nacional de Educação
Profissional Técnica (CONALEP, México) -, além de ter participado de eventos sobre CSS organizados pela
rede, com destaque para o apoio à sustentabilidade das pequenas e médias empresas (SENAI, 2011).
281
Segundo funcionário do SENAI entrevistado durante a elaboração deste tese, foi estabelecida escola do
SENAI em Taguatinga (DF) apenas para receber e capacitar técnicos estrangeiros. Não se sabe, porém, quando
exatamente essa escola foi inaugurada, nem quando e por quais motivos teve suas atividades encerradas.
282
Conforme dados internos da JICA, obtidos durante entrevista realizada com funcionário da agência, a
capacitação de profissionais do SENAI nesse primeiro projeto teve duração de mais de dez anos (mar./1962-
nov./1973). Segundo esse funcionário, a razão para o estreitamento precoce de laços entre a JICA e o SENAI-
MG se deve à tradição dos investimentos diretos japoneses no estado. A parceria mencionada entre a JICA e o
SENAI-MG foi antecedida por iniciativas bilaterais pontuais que tiveram início com o envio, em 1959, de um
engenheiro agrônomo japonês para oferecer capacitação ao Brasil na área de irrigação. Essas inciativas, assim
como o primeiro projeto de cooperação com o SENAI, antecederam a própria existência de um instrumento
jurídico de cooperação bilateral, o qual viria ser estabelecido apenas em 1970, com a assinatura do Acordo
Básico para Cooperação Técnica Brasil-Japão (JICA, 2011).
283
Segundo dados internos da JICA, acessados durante entrevista realizada com funcionário da agência, Angola
foi o primeiro país africano contemplado pelo TCTP (1989). Esses dados internos, contudo, não incluem
registros detalhados sobre a nacionalidade dos técnicos capacitados pelo TCTP.
284
Se, a princípio, a triangulação envolvendo Brasil e Japão restringia-se a missões de identificação e a
treinamentos dados por brasileiros a nacionais de terceiros países, a partir de 2005 a parceria entre os dois países
expandiu seu escopo para englobar projetos e programas nos PALOPs, Timor-Leste, América Latina e outros
250
países africanos (IGLESIAS PUENTE, 2010, p. 194). Segundo funcionário da JICA entrevistado durante a
elaboração desta tese, no caso das parcerias triangulares abarcando o SENAI e a JICA, a transição do TCTP para
a realização de projetos conjuntos em terceiros países aconteceu em 2007, no âmbito do Programa para o
Fortalecimento do Sistema de Saúde por meio do desenvolvimento de recursos humanos do Hospital Josina
Machel e em outros serviços de saúde e revitalização da atenção primária à saúde em Angola (ProFORSA), com
o SENAI envolvido na capacitação de profissionais, especialmente mecânicos, responsáveis pela manutenção de
equipamentos do hospital. O que nos pareceu interessante nessa iniciativa é que, ao envolver múltiplos parceiros
brasileiros – além do SENAI, o Ministério da Saúde e a Fiocruz, entre outros -, poderia se configurar como
laboratório para maior coordenação entre as múltiplas agências implementadoras da CTPD brasileira em campo.
Outro expoente desse novo modelo de colaboração do SENAI com a JICA foi a parceria, a princípio sob
coordenação da ABC, para o estabelecimento conjunto de centros de capacitação em Angola e no Equador. Não
obstante, conforme será visto mais adiante, o corte de orçamento da ABC comprometeu o envolvimento desta
agência nas iniciativas, que teriam seguimento com o SENAI prestando serviços diretamente à JICA.
285
O CNTL atua em quatro frentes dentro do Brasil, auxiliado pela estrutura capilarizada do SENAI:
disseminação de informação, capacitação de profissionais e assessoria técnica e tecnológica. Segundo publicação
do SENAI, “[o]s Projetos de Demonstração em Planta procuram capacitar consultores e profissionais da
indústria dos setores metal-mecânico, agroindustrial e de polímeros, na metodologia de implantação de
programas de técnicas de produção mais limpa em plantas industriais. Esses programas têm o acompanhamento
dos consultores do CNTL, que desenvolvem o trabalho de maneira periódica e sistemática em parceria com os
profissionais designados pela empresa” (SENAI, 2010, p. 64).
251
de 40 alunos locais foram capacitados), focada nos seguintes setores: borrachas, biscoitos e
massas, tintas, papel e embalagem, papel reciclado, sabões e perfumaria, fósforos. Como
resultado, menciona-se a implementação da produção mais limpa em sete plantas-piloto
industriais em Maputo (SENAI, 2010).
O maior envolvimento do SENAI na CTPD a partir do fim dos anos 90 e,
particularmente, na década de 2000, aconteceu em contexto marcado pela elevação do papel
do setor privado na promoção do desenvolvimento internacional. O Plano de Ação de Buenos
Aires, aprovado em 1978, havia mencionado, no item 17, a necessidade de fortalecimento da
CSS em áreas convergentes com as atividades do SENAI – emprego, desenvolvimento de
recursos humanos e industrialização (ONU, 1978). No entanto, é possível que, em vista dos
recursos reduzidos para a implementação do plano (IGLESIAS PUENTE, 2010) e da
prevalência no âmbito da ONU, naquele momento, de ações voltadas para a chamada “Ação
Afirmativa Internacional” (WEISS et al., 2010),286 o PNUD e outras organizações funcionais
das Nações Unidas tenham privilegiado o apoio ao fortalecimento de instituições públicas.
Mesmo no caso de iniciativas em que o SENAI se colocava como recipiendário (Seção 4.1),
nota-se que envolveram com maior frequência parceiros dos países desenvolvidos (agências
de cooperação e instituições homólogas ao SENAI) do que organizações do Sistema ONU.287
Posteriormente, contudo, a abordagem onusiana ao desenvolvimento internacional
retomou o reconhecimento o papel do setor privado na promoção do desenvolvimento
internacional, e a tradicional tensão entre regulação estatal e abordagens orientadas para o
286
Segundo Weiss et al. (2010), embora as abordagens dos órgãos e agências da ONU ao desenvolvimento não
sejam homogêneas, havendo concepções múltiplas e contraditórias, seria possível identificar quatro fases básicas
na evolução do trabalho da ONU voltado para o desenvolvimento internacional: Capitalismo do Estado Nacional
(1945-62); Ação Afirmativa Internacional (1962-81); Retorno ao Neoliberalismo (1981-89); e Desenvolvimento
Sustentável (a partir de 1989). O paradigma da ação afirmativa internacional teria sido marcado pela preferência
regulação pública das atividades econômicas privadas transnacionais, em benefícios dos pobres, suplantado o
modelo anterior, marcado pelo apoio à infraestrutura como estímulo ao crescimento econômico liderado pelo
setor privado.
287
Há, porém, exceções. Além da OIT, no âmbito da qual o CINTERFOR atuou desde sua criação, em 1963,
para promover o intercâmbio interinstitucional de experiências entre as organizações filiadas, outra organização
da ONU que apoiou o fortalecimento da Indústria nesse período foi a ONUDI. A primeira iniciativa de
cooperação envolvendo essa organização e um parceiro brasileiro foi uma iniciativa triangular, voltada para o
processamento de manga no Senegal (1980). A partir do fim dos anos 80, houve iniciativas consecutivas em que
parceiros ligados à indústria brasileira, inclusive o SENAI, foram contemplados por iniciativas de cooperação
com a organização (ONUDI, 2013). Segundo funcionário do escritório da ONUDI no Brasil entrevistado durante
o processo de elaboração desta tese, a cooperação do Brasil com a ONUDI foi interrompida entre 2007 e 2011,
período em que o governo brasileiro deixou de contribuir com o organismo. As contribuições foram retomadas
posteriormente, tendo por base estratégia dupla de, por um lado, influenciar as regras no multilateralismo por
meio da projeção de experiências nacionais e, por outro, promover o intercâmbio de informações voltado para o
apoio à inovação no Brasil.
252
mercado teria perdido força (WEISS et al., 2010). Um dos marcos nesse sentido foi o
Consenso de Monterrey, resultante da Conferência Internacional sobre Financiamento ao
Desenvolvimento (2002), que afirmou a responsabilidade de todos os agentes, doadores e
recipiendários, Estados e mercados, na promoção do desenvolvimento internacional.
Como já foi dito, foi nesse contexto mais amplo que a prestação de cooperação pelo
SENAI a países em desenvolvimento ganhou relevo nos últimos anos. No período analisado
por Iglesias Puente (1995-2005), a formação profissional aparecia em oitavo lugar na
realização de projetos (11 projetos, 4,2% do total) e em quinto lugar na realização de
atividades isoladas (22 atividades, 7,9% do total). Embora não tenha disponibilizado os dados
da série histórica por área, o diplomata afirma que houve crescimento na educação e na
formação profissional, com iniciativas realizadas especialmente na África e no Timor-Leste,
na segunda fase do período por ele analisado (1997-2001).288 Na fase seguinte (2001-2005) o
aumento das ações voltadas para formação profissional teria sido “notável” (IGLESIAS
PUENTE, 2010).289
As modalidades de atuação do SENAI em outros países em desenvolvimento,
totalizando ações em 26 países da América Latina e Caribe, África lusófona e Timor Leste
(dados de 2010), incluem: oferta de cursos, treinamentos e estágios; serviços e assessoria
técnica para instituições congêneres em planejamento, estruturação e implantação de Centros
de Formação Profissional; formação de docentes, gestores e técnicos de instituições e
empresas (SENAI, 2010).
O carro-chefe da cooperação brasileira em formação profissional são os Centros de
Formação Profissional, apontados como possivelmente os “casos de maior destaque da CTPD
brasileira em termos de resultados, efetividade e impactos sociais relevantes” (IGLESIAS
PUENTE, 2010, p. 165).290 Conforme mostra o Quadro 10, a instalação dos centros em outros
288
Outras áreas que experimentaram crescimento em número de ações no período 1997-2001 foram Meio-
Ambiente, Agropecuária, que continuou liderando a lista, e Saúde, que assumiu o segundo lugar (IGLESIAS
PUENTE, 2010).
289
Outras áreas que tiveram aumento em número de iniciativas no período 2001-2005 foram Desenvolvimento
Social, Administração Pública e, novamente, Meio-Ambiente (IGLESIAS PUENTE, 2010).
290
O diplomata parece basear sua avaliação da efetividade dos centros de formação profissional apenas no
Centro do Cazenga, Angola, o único entregue à gestão local até a publicação de seu livro. Isso fica claro mais
adiante na sua obra, quando, ao afirmar que ações bem-sucedidas de cooperação são aquelas que as tornam
dispensáveis no momento subsequente, com o parceiro dando continuidade ao projeto de forma autônoma,
Iglesias Puente (2010) avalia positivamente o caso de Cazenga. O diplomata reconhece, porém, que a
inexistência de sistemática uniforme e métodos consolidados de mensuração dos produtos finais obtidos com as
iniciativas impossibilita avaliação fidedigna sobre a eficácia da CTPD brasileira.
253
291
Segundo informativo do SENAI (2009a), o convênio teria possibilitado parceria para a construção de um
centro de capacitação do SENAI na Guatemala, além de prever a construção de novos centros, até 2010, em
quatro países (Haiti, Jamaica, Moçambique e São Tomé e Príncipe) e considerar centros já instalados (como
Cabo Verde, Guiné-Bissau, Paraguai e Timor Leste) e outras iniciativas em educação profissional e tecnológica
envolvendo o SENAI na Colômbia, no Peru e no Marrocos.
292
O texto em língua estrangeira é: “[...] el caso del SENAI llega a ser emblemático en lo que respecta al carácter
benéfico que puede obtenerse de la cooperación recibida […] además de servir como modelo referencial de
innovación y de calidad en el dominio de la formación profesional para la creación de instituciones congéneres
en otros países en desarrollo.”
254
Ministro Marco Farani out. 2008 a ago. 2012 “Acumulam-se histórias de sucesso,
dentre as quais se destacam os
excelentes resultados da parceria da
ABC com o Serviço Nacional de
Aprendizagem Industrial (SENAI)
para a instalação de Centros de
Formação Profissional binacionais.
Em razão da exitosa experiência dos
Centros em outros continentes, têm
sido negociados projetos similares
com Guatemala, Haiti e Jamaica, os
quais deverão ser firmados e
executados ao longo de 2010.”
(ABC, 2010a, p. 8)
Fonte: A autora, 2013.
293
Então diretor da ABC, o Embaixador Pereira da Fonseca (2008, p. 74), ao refletir sobre o estabelecimento dos
centros de capacitação do SENAI no exterior, fez a seguinte afirmação: “Quem sabe se entre os milhares de
trabalhadores formados por esses Centros surgirá um que venha exercer a liderança sindical, a representatividade
política ou inclusive chegue ao mais elevado cargo do país, como ocorreu no Brasil com a eleição do Presidente
Lula. É de conhecimento geral que o Presidente Lula sempre demonstrou especial apreço e gratidão por ter
aprendido o ofício de metalúrgico em um centro de formação profissional do SENAI.”
257
294
Em vista de a política externa brasileira se pautar, há décadas, pelo objetivo de promover o desenvolvimento
brasileiro, a promoção da internacionalização das empresas brasileiras foi tratada como propósito diplomático.
Essa abordagem contrasta com aquela proposta por Lancaster (2007a), que analisa a política da cooperação de
países desenvolvidos e para a qual propósitos diplomáticos aparecem relacionados à dimensão da segurança.
295
Ver Nota 297. Avanços mais recentes da agenda da construção de Estados no âmbito das missões de paz
podem ser identificados no resultado de trabalho realizado por grupo de peritos convocados pelo Secretário-
Geral da ONU, Ban Ki-moon, em que a revitalização econômica aparece no rol das cinco áreas centrais para o
apoio à construção de uma paz estável em países egressos de conflitos (ONU, 2013).
296
O português é falado por menos de 10% da população timorense, apesar de ser um dos dois idiomas oficiais
do país. Para uma leitura crítica das iniciativas brasileiras e portuguesas voltadas para o fortalecimento do
Português no Timor-Leste, bem como, de forma mais geral, das iniciativas voltadas para a construção do Estado
no país, ver: SILVA, 2012.
258
297
As operações de paz de terceira geração, ou operações de paz multidisciplinares, ou ainda operações de
consolidação da paz (no inglês, peace building), emergiram nos anos 90 focando ações voltadas basicamente
para o desenvolvimento social e econômico de países egressos de conflitos. Executadas na sequência da
assinatura de um acordo de paz, tais ações objetivam fortalecer o processo de reconciliação nacional por meio de
implementação de projetos destinados a recompor as estruturas institucionais, a recuperar a infraestrutura física e
a ajudar na retomada da atividade econômica (FONTOURA, 1999). Para mais informações sobre a inserção do
Brasil nesse novo modelo, ver Nota 204.
298
A primeira missão da ABC ao Timor-Leste aconteceu em 1999, quando se definiram as áreas com potencial
para a prestação de cooperação técnica pelo Brasil. Em julho de 2000, o governo brasileiro assinou protocolo de
cooperação técnica com a UNTAET. Finalmente, em janeiro de 2005 foi promulgado o Acordo Básico de
Cooperação Técnica entre o Brasil e a República Democrática de Timor-Leste (ABC, 2005).
259
ainda não existia. (DUTRA apud IGLESIAS PUENTE, 2010, p. 327-328, grifos
nossos).
Pelo menos três pontos chamam a atenção no trecho acima. Em primeiro lugar, como
já foi mencionado, a ideia do estabelecimento do primeiro centro do SENAI em um país em
desenvolvimento não parece ter sido concebida pelo MRE, já que o então diretor da ABC dá a
entender que teve de galgar o apoio do próprio ministério para a iniciativa. O centro do
Cazenga teria sido idealizado por Dutra depois de ter realizado visita a Angola e de ter
participado de inauguração, em São Paulo, de centro móvel de capacitação, evento que havia
contado com a presença do presidente Fernando Henrique Cardoso e do então ministro de
Trabalho de Angola.
Vale resgatar, contudo, o contexto mais amplo em que as articulações para o
estabelecimento do primeiro centro aconteceram. Em 1998, havia acontecido na Bahia o
seminário “Fortalecimento da Capacidade Institucional dos PALOPs”, do qual emergiu a
proposta de criação de um centro regional de excelência em desenvolvimento empresarial,
aprovada em 2000 pelo Conselho de Ministros da CPLP, que decidiram que o centro seria
implantado em Luanda (VALLER FILHO, 2007). Nessa mesma ocasião, a ideia foi avançada
com a incorporação da vertente da capacitação profissional no discurso realizado por
Fernando Henrique Cardoso durante a III Conferência da CPLP, expressando o desejo de
ampliar a cooperação na matéria (IGLEIAS PUENTE, 2010, p. 227).
Em segundo lugar, nota-se que, ao contrário do discurso oficial de que a cooperação
brasileira responderia a demandas, isso não se verifica no caso do centro do Cazenga, com o
seu idealizador tendo de realizar trabalho de convencimento junto às próprias autoridades
angolanas. Não obstante, o fato de ter sido induzida pelo então diretor da ABC não significou
que os impactos da iniciativa tenham sido menores.
Por último, nota-se a percepção de que, a princípio, a CTPD brasileira não estaria
ligada à diplomacia presidencial e ministerial, o que, segundo o Embaixador Dutra, constituía
ativo importante na busca de engajamento de longo prazo com outros países em
desenvolvimento.
Após a implementação do centro em Angola, e paralelamente à implantação do centro
de capacitação profissional do Timor, ambos os países egressos de conflito e diante da tarefa
da reinserção social de ex-combatentes, formou-se claramente discurso de política externa em
que o papel do SENAI é visto como um dos pilares da CTPD brasileira voltada para a
261
construção de uma paz estável. O SENAI também incorporou esse rationale, como fica claro
nas elaborações da própria instituição em relação aos centros angolano e timorense:
O Centro de Formação Profissional Brasil-Angola, na cidade de Cazenga, merece
menção. Esse projeto deu músculo à reconstrução nacional de Angola pela
formação e reciclagem de mão de obra desmobilizada em função da guerra civil
que perdurou por mais de 40 anos. De 1999 a 2006, mais de 3.000 angolanos foram
formados pelo Centro nas áreas de mecânica diesel, construção civil, eletricidade,
vestuário e informática. [...]
O discurso da CTPD como instrumento da diplomacia para a paz foi mantido durante
o Governo Lula, com o pleito a vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU
assumindo maior relevo na agenda da política externa brasileira. Com efeito, a estratégia
central de busca de apoio internacional para tal pleito baseou-se no argumento de que a
segurança internacional demanda iniciativas que promovam o desenvolvimento de países
frágeis e/ou egressos de conflitos, e que o governo brasileiro estaria atuando de maneira
destacada na matéria.
Com base nesse rationale (embora ele não seja o único, conforme será visto adiante), a
agenda diplomática passou a desempenhar papel protagônico na indução da criação de novos
centros em países egressos de conflitos, quais sejam: Guiné-Bissau, Haiti e Moçambique.
Paralelamente, outros países de língua portuguesa (Cabo Verde e São Tomé e Príncipe) foram
contemplados com projetos de capacitação profissional envolvendo o SENAI, o que
confirmaria também a incidência do propósito de fortalecimento da CPLP. Ao mesmo tempo,
desenvolvimento empresarial e formação profissional viriam concentrar a maior parte das
ações conjuntas desenvolvidas no âmbito da CPLP (IGLESIAS PUENTE, 2010).
Outra vertente diplomática ligada à atuação do SENAI aparece relacionada à CTPD
como ferramenta de integração regional e de promoção da estabilidade política em países sul-
americanos, garantindo assim a segurança do Brasil e preservando seus interesses,
particularmente em países fronteiriços. O caso da cooperação com o Paraguai é emblemático.
O diplomata Iglesias Puente (2010, p. 176) inclui o país na lista daqueles que receberam
cooperação do Brasil com base nos propósitos de promover da estabilidade regional e de
preservar os interesses brasileiros:
A cooperação horizontal brasileira foi chamada a atuar nos esforços coordenados
pelo Brasil juntamente com a Argentina com vistas à promoção da estabilização
262
política na Bolívia, no Paraguai e no Equador, após crises políticas vividas por esses
países entre 2001 e 2005. [...] Muitas das ações e temas em que se processa a
cooperação técnica brasileira com países da região refletem interesses recíprocos
(tanto do país parceiro quanto do Brasil) como a própria questão ambiental, o
controle fitossanitário e outras áreas em que o elemento fronteiriço está presente.
Por exemplo, ações de desenvolvimento social no Paraguai e na Bolívia, em regiões
de densa migração brasileira, ou, ainda, a questão da mineração no Suriname,
também por conta da presença de garimpeiros brasileiros na área da fronteira
comum.
299
Segundo publicação da ABC (2006, p. 8), “[o] Centro de Hernandarias vem contribuindo muito para o
desenvolvimento do mercado de trabalho local. Além de ter sido um projeto muito bem sucedido em sua
concepção e execução, acredita-se que ele seja também exemplar para a cooperação sul-sul pelo fato de a
formação profissional constituir uma das mais valiosas formas de cooperação que qualquer país pode oferecer a
outro, porquanto o seu efeito multiplicador em termos de benefícios para uma economia local costuma ser maior
do que qualquer outra iniciativa, na medida em que produz mão-de-obra qualificada, ou seja, um dos mais
importantes fatores de produção.”
263
300
A recusa de instalação de centro na Etiópia deveu-se a avaliação de inexistência de interesses comerciais
brasileiros no país. No caso da Venezuela, a negativa teria sido motivada pelo fato de Hugo Chávez ter impedido
o diretor do SENAI de participar de reunião oficial com delegação brasileira. A razão para a escolha da
Guatemala teria sido a disponibilidade de recursos, inclusive da União Europeia, que já possuía um centro na
área de hotelaria instalado no país. No caso da Jamaica, foram levados em consideração o fato de o SENAI não
ter nenhum projeto no Caribe e de o país contar com instituições de formação profissional estruturadas.
264
301
Mais detalhes sobre a cooperação do SENAI com o Panamá estão disponíveis em: SENAI, 2009a, 2009c,
2007.
265
Como será visto na próxima subseção, o SENAI qualificou sua atuação em países em
desenvolvimento ao somar, à crescente familiaridade com gestão de projetos de cooperação,
facilitada pela mentalidade do setor privado característica da instituição, o acúmulo de
experiência em campo e iniciativas de profissionalização interna seguindo critérios e métodos
próprios de inserção internacional. Constatar-se-á, porém, que expectativas da instituição ao
se engajar na CSS, em suas variadas vertentes, não foram percebidas como tendo sido
concretizadas. Esse sentimento de frustração, somado ao fato de o SENAI ter sido convocado,
durante o Governo Dilma, para ampliar sua atuação dentro do Brasil, gerou desmobilização de
esforços que vinham sendo direcionados para estruturar a prestação da cooperação a outros
países em desenvolvimento.
Como ponto de partida para compreender como o SENAI concebeu e percebeu seu
envolvimento na crescente na CTPD foram revisadas as suas publicações institucionais,
buscando-se identificar propósitos e estratégias. Na publicação “Cooperação internacional:
uma parceria estratégica”, não há separação clara entre os objetivos da atuação do SENAI
como receptor e como prestador de cooperação. O guia fala, amplamente, nos “objetivos do
SENAI no exterior”, quais sejam:
- Fortalecimento da imagem de organização empreendedora, com padrão
internacional de atendimento.
- Troca de conhecimentos e atualização tecnológica.
- Divulgação de tecnologias brasileiras
- Apoio à internacionalização de empresas brasileiras (SENAI, 2010, p. 54)
Na segunda parte desse trecho, nota-se que a cooperação recebida seria aquela
realizada no âmbito de “convênios e atividades que aportam conhecimento e tecnologia para o
desenvolvimento da indústria brasileira”, ao passo que se dá a entender que a cooperação
prestada estaria relacionada a “acordos de cooperação que ampliam seu [do SENAI] espaço
de atuação”. Quer dizer, esta vertente parece ser interpretada como diferente da cooperação
recebida por não aportar conhecimentos e tecnologias que contribuam para o desenvolvimento
da Indústria brasileira, embora seja vista como possibilitando expansão da atuação
internacional do SENAI, assim como o estreitamento de laços com instituições homólogas em
outros países em desenvolvimento.
No caso das relações com entidades homólogas de outros países latino-americanos, o
intercâmbio de experiências foi valorizado pelo SENAI no âmbito da crise econômica
mundial iniciada em 2008 e da busca pelo estímulo à inserção do trabalho decente no centro
das políticas de recuperação econômica, reduzindo a incidência de gastos sociais de
emergência. Segundo publicação do SENAI (2009b), em junho de 2009 a OIT lançou o Pacto
Mundial para o Emprego com o objetivo de orientar as políticas de estímulo à recuperação
econômica e de criar novos postos de trabalho nos países-membros. A mesma publicação
menciona estudo conduzido pelo CINTERFOR/OIT e pela Comissão Econômica para a
América Latina (CEPAL), que constatou que a crise levou ao aumento do desemprego nos
países latino-americanos, à exceção de Brasil e Peru.
Nesse contexto, o Sistema S patrocinou a 39ª Reunião do Cintefor, realizada em
Brasília em 2009, ocasião em que se promoveram diálogos com atores sociais e
governamentais para políticas de restabelecimento do emprego na América Latina e Caribe. O
encontro reuniu representantes de cerca de 70 organizações de formação profissional,
empregadores e trabalhadores da região, além de Espanha, Alemanha e Geórgia, com o
objetivo de implementar ações coordenadas de cooperação e intercâmbio para minimizar os
efeitos da crise no mercado de trabalho. Vale mencionar, porém, que, conforme destacou na
ocasião o chefe da UNINTER, Frederico Lamego, essa iniciativa como esta não são
269
intermediadas pelos governos, mas sim realizadas diretamente entre as próprias organizações
(cooperação interinstitucional) (Ibid.).
Durante a reunião, o SENAI firmou acordos em matéria de educação profissional com
instituições homólogas, alguns voltados para oferecer experiências bem-sucedidas de
educação profissional e inovação tecnológica, outros buscando levar para o SENAI
tecnologias com potencial de agregar valor à instituição. Um exemplo foi o acordo firmado
com o Serviço Nacional de Aprendizagem da Colômbia (SENA), voltado para o intercâmbio
de conhecimentos e tecnologias em artes gráficas, madeira, couro e calçados (Ibid.).302 As
relações do SENAI com o SENA haviam sido abordadas da seguinte maneira por informativo
do SENAI (2008b, p. 3):
A parceria com o Sena insere-se na estratégia permanente do SENAI de promover a
troca de experiências e tecnologias sobre novos métodos e filosofias de trabalho e de
gestão. Para o diretor-geral do SENAI Nacional, José Manuel de Aguiar Martins, o
Sena tem muitos exemplos que devem ser seguidos. “O esforço de informatização
de todos os processos de ensino e a metodologia de se trabalhar o aprendizado dos
alunos de forma individualizada e por projeto, além do modelo de certificação de
competência, são exemplos de iniciativas que podemos incorporar em nosso dia-a-
dia.” Ainda segundo o diretor-geral, “a cooperação internacional entre as
organizações justifica-se dada a complementaridade de interesses.” [...] Segundo
José Martins, “a cooperação com o SENA contribui para fortalecer a imagem
institucional do SENAI como entidade de referência internacional em educação
profissional e inovação tecnológica”.
Nota-se, portanto, que havia expectativas claras, por parte do SENAI, de benefícios
imediatos (acesso a conhecimentos e tecnologias colombianas) e difusos (fortalecer a projeção
internacional do SENAI) na parceria com a Colômbia, e o aspecto dos benefícios mútuos é
ressaltado. Observa-se, ainda, o apoio do então diretor-geral da organização à iniciativa.
No que se refere ao papel desempenhado pelo diretor-geral do SENAI, funcionários da
organização entrevistados durante a elaboração desta tese apontaram que seu
comprometimento e liderança seriam determinantes centrais do grau de engajamento do
SENAI na CTPD. José Martins, que ocupou o posto entre 2000 e 2010, teria sido um
entusiasta da atuação da organização como prestadora de cooperação a países de menor
desenvolvimento relativo.
302
Os contatos que culminaram com esse acordo tiveram início em outubro de 2008, quando diretores do
Departamento Nacional e dos Departamentos Regionais de Goiás, Santa Catarina e Pernambuco estiveram em
Bogotá e Medellín para identificar oportunidades de cooperação. A previsão inicial era de que o projeto referente
ao setor gráfico fosse apoiado pelo SENAI-SP, que também atuaria na área do couro e calçados em conjunto
com SENAI-PB. As ações na área de madeira seriam apoiadas pela ABC e ficariam a cargo do SENAI-RS. A
cooperação com a Colômbia também incluiria o estabelecimento de um centro de binacional de formação
profissional na cidade colombiana de Letícia, fronteira com Tabatinga, com equipes didáticas móveis voltadas
para áreas prioritárias da região, como mecânica de motores, refrigeração e eletricidade residencial (SENAI,
2008b).
270
303
Ver também: SENAI, 2007.
304
O potencial de os ganhos esperados se realizarem dependeria, contudo, de que as experiências adquiridas por
indivíduos específicos fossem retroalimentadas em estratégias institucionais, o que por sua vez dependeria de
alinhamento institucional prévio, com as equipes que permaneceram no Brasil devidamente informadas e
alinhadas com o seu envolvimento de suas respectivas regionais na CTPD. De forma mais ampla, um primeiro
passo nesse sentido pode ter sido dado com a contratação de consultoria externa, em 2011, voltada para captar a
percepção da CNI sobre o papel da prestação de cooperação técnica, cujos resultados apoiariam a formação de
opinião institucional sobre o tema.
271
Capacitação em Cabo Verde: “No que diz respeito ao Brasil [o Centro] demonstra a
competência do corpo técnico do SENAI-CE ao oferecer oportunidade de conhecimento a
outros países” (SENAI, 2008a, p. 4).
Por fim, argumentou-se que tais objetivos seriam atingidos sem que implicassem em
gastos por parte do SENAI, já que, como já foi abordado neste capítulo, a instituição atua na
CTPD em parceria com a ABC, que financia custos com viagens, treinamentos, infraestrutura
e horas-técnicas dos técnicos do SENAI cedidos para as missões.
Aliados a esses propósitos, de cunho menos tangível, identificaram-se expectativas de
ganhos materiais relacionados à prestação de consultorias pela instituição (que será objeto de
análise mais adiante) e à promoção de vendas de equipamentos e de insumos produzidos pela
Indústria brasileira, apoiando sua internacionalização. Segundo publicação do SENAI (2008a,
p. 5),
[n]o caso das ações de cooperação prestadas a países em desenvolvimento, o SENAI
contribui para que o Brasil fortaleça suas relações com nações amigas, para gerar
oportunidades de negócios e favorecer a instalação de empresas no exterior. Em
Praia [capital cabo-verdiana], Amorim confirmou essa estratégia. Segundo ele, Cabo
Verde é uma potencial porta de entrada para empresas e produtos brasileiros não
apenas no mercado africano, mas também europeu.
Ao que parece, contudo, tal estratégia foi liderada, inicialmente, pela própria
diplomacia brasileira, e não pela Indústria como setor. A incidência de propósitos econômicos
havia sido reconhecida pelo idealizador do primeiro centro do SENAI estabelecido em um
país em desenvolvimento, Embaixador Elim Saturnino Ferreira Dutra, chefe da ABC entre
1995 e o início de 2001, o qual no entanto afirma que tais interesses viriam das próprias
instituições implementadoras da CTPD. Ao responder à pergunta “É possível considerar haver
possibilidade de ganhos econômicos, não necessariamente imediatos, mas, sobretudo de longo
prazo, para o Brasil com a CTPD, ao atuar como ponta de lança para iniciativas futuras ou
essa possibilidade não se aplica ao caso da cooperação horizontal brasileira?”, Dutra afirmou:
A cooperação, seja ela horizontal seja vertical, como sabemos é também um
poderoso mecanismo de pré-investimento. Não pressupões ganhos imediatos, caso
em que deixaria de ser cooperação, mas pode ser a semente de futuros ganhos, sem
que isso tenha qualquer conotação pejorativa. A EMBRAPA, o SENAI, e inúmeras
outras instituições envolvidas na cooperação horizontal brasileira podem
realizar negócios, vender bens e serviços a partir de um projeto de cooperação.
Isto pode ocorrer, de modo geral, com qualquer tipo de cooperação que envolva a
transferência de tecnologia desenvolvida pelo país doador. Lembro-me que o
SENAI estudava a possibilidade de vender unidades móveis para Angola, a
EMBRAPA, igualmente, possui produtos patenteados que podem ser
negociados, para citar apenas duas das mais conhecidas entidades que colaboram
com os programas brasileiros (DUTRA apud IGLESIAS PUENTE, 2010, p. 329,
grifos nossos).
272
O diplomata Iglesias Puente (2010) identificou que, apesar de a CTPD brasileira não
ser guiada por ganhos econômicos imediatos, o estabelecimento do Centro de Formação
Profissional em Angola despertou o interesse por produtos brasileiros utilizados no projeto,
com início de importação de alguns materiais por entidades angolanas, embora em escala
reduzida. No entanto, segundo funcionário do SENAI entrevistado durante a elaboração desta
tese, a organização não havia avaliado, até o momento da coleta da entrevista, em 2012, se
sua atuação na CTPD teria gerado impactos sobre a venda das máquinas e insumos brasileiros
utilizados durante os trabalhos de capacitação. Um segundo funcionário chegou a mencionar,
em entrevista coletada pela autora desta tese em 2010, que houve centros de capacitação que
receberam máquinas chinesas, em vista de as brasileiras não possuírem especificações de
tomada adequadas aos países recipiendários.
Depoimentos como estes apontam que a atuação do SENAI na CTPD não se baseou
em estratégia clara por parte da Indústria brasileira. O discurso acerca dos possíveis
benefícios no que se refere à sua inserção internacional parece ter sido elaborado, com efeito,
no âmbito de trabalho de convencimento interno, buscando a aquiescência do Conselho
Nacional do SENAI e da CNI aos crescentes chamados diplomáticos.
Segundo publicação do SENAI (2010, p. 36), é praxe que ganhos econômicos sejam
vislumbrados no processo de análise de demandas, e a instituição só daria uma posição em
relação às mesmas após o “conhecimento de oportunidades para a oferta da cooperação” e
considerando-se “a estratégia, os interesses e a política da própria instituição, bem como a
disponibilidade de recursos e de capacidade de oferta”.305 Não obstante, analisando-se o plano
estratégico publicado pela CNI em 2006, momento em que as demandas diplomáticas levadas
ao SENAI ainda eram limitadas, não se identifica estratégia clara nem para o seu engajamento
na CTPD, nem para o engajamento internacional do Sistema Indústria em geral. Nessa
305
Segundo o discurso institucional, os passos que integram o processo decisório são: (1) a demanda, realizada
por meio da ABC ou diretamente por instituições congêneres de outros países, é encaminhada à UNINTER; (2) a
demanda é analisada e discutida com possíveis regionais executoras; (3) a demanda é apresentada ao Conselho
Nacional para deliberação; (4) o documento de projeto é assinado pelas partes (SENAI, 2010). Foi verificado,
por meio de entrevistas, que: em relação ao item (1), as demandas realizadas com a mediação da ABC eram cada
vez mais frequentes, com solicitações diretas ao SENAI reduzidas em virtude de os solicitantes estarem
informados de que o SENAI não tinha fundos próprios para a execução de projetos; em relação ao item (2), a
UNINTER, antes de contatar o Departamento Regional com perfil adequado, avaliava rapidamente a demanda,
priorizando países que abrigavam filiais de indústrias brasileiras, e confirmava o interesse à ABC. Em seguida a
UNINTER buscava um dos 27 departamentos regionais do SENAI que, por sua estrutura federativa, teriam
autonomia para definir se tinham ou não interesse em participar, quais técnicos seriam enviados e a estrutura de
incentivos ligadas a esse envio. A localização do departamento competente se daria por cruzamento entre as
demandas e a especialidade das escolas instaladas no Brasil. Segundo publicação do SENAI (2009c), a
diversidade socioeconômica e industrial brasileira, aliada à competência técnica dos especialistas, qualificaria o
SENAI a atuar em variada e crescente gama de ações no exterior.
2733
publiicação, os objetivos
o e as diretrizees desenhad
dos para gu
uiar as repreesentações nacionais e
unidaades estaduuais que com
mpõem a CN
NI, o SESI, o SENAI e o IEL, resstringem-se,, em grandee
mediida, ao âmbbito domésstico. Confo
forme mostrra a figura abaixo, a missão e a visão doo
Sisteema Indústrria aparecem
m restritos ao âmbito
o doméstico
o, com a ddinâmica in
nternacionall
preseente em apeenas um pon
nto (“alavanncar parceriias nacionaiis e internaccionais” com
mo pilar daa
atuaçção sistêmicca).
Fonte: CNI,
C 2006.
Embora não forneça maiores detalhes, a mesma publicação afirma que o SENAI
recebeu em 2010 demandas de capacitação profissional de empresas que atuam nos setores de
mineração e construção civil no exterior, tais como a Vale e a Queiroz Galvão. Em outras
publicações e entrevistas coletadas identificaram-se iniciativas de prestação de serviços do
SENAI a empresa brasileira no setor de transportes em Ruanda; à empresa catarinense Krona
276
306
No caso da Tanzânia foi identificado, por meio de entrevistas com funcionário do SENAI, que o contato da
Petrobras com a instituição teria seguido indicação da Embaixada brasileira no país. No caso da Embraer,
mencionou-se que teria procurado o SENAI em meados de 2012, após ter constatado perda de mercados em
países em desenvolvimento por não oferecer contrapartidas sociais. Em particular, a empresa havia deixado de
vender Supertucanos para o Peru, cujo governo optou pela compra de aviões da Coreia do Sul que, além oferecer
preços compatíveis com os da Embraer, atendeu às cláusulas de retorno social demandadas pelo Peru.
277
307
Segundo funcionário do SENAI entrevistado durante a elaboração desta tese, em razão de o SENAI ser
estruturado em base federativa (ver Nota 305), cada Departamento Regional teria autonomia para definir os
valores das horas-técnicas de seus respectivos funcionários e a estrutura de incentivos relacionada ao seu envio
(o técnico do SENAI no Timor-Leste responsável pelas atividades de coordenação e de prestação de contas, por
exemplo, recebe aditivo no seu salário). O que o Departamento Nacional faz é indicar valores e direcionar o
perfil dos técnicos (inclusive divulgando internamente documento que apresenta os atributos necessários, como
empatia, planejamento, liderança, sociabilidade, interculturalismo e domínio de línguas), mas o Departamento
Regional pode acatá-los ou não.
278
308
Segundo publicação do SENAI (2009b, p. 10), o objetivo do memorando de entendimento assinado entre o
SENAI e a INWENT, assinado por ocasião da 39ª Reunião Cintefor, seria gerar “formação continuada e
aperfeiçoamento de especialistas e executivos para o desenvolvimento social e econômico do Brasil e de países
beneficiários da cooperação técnica alemã.”
279
309
A princípio cem alunos seriam contemplados em cada iniciativa. O curso de língua inglesa, realizado à
distância, foi concluído em 2010, com duração de 11 meses, enquanto a parceria com o Instituto Cervantes tinha
previsão de capacitar profissionais, selecionados principalmente entre os que atuavam em parcerias com países
de língua espanhola, até meados de 2011 (SENAI, 2009d).
280
Figura 4: Mapeamento
M o de países prioritários
p para a atuaação do SEN
NAI
no
n eixo Sul--Sul
Fonte: SENA
A, 2012.
Apeesar de ter buscado geerir e profiissionalizar sua participação na C
CSS, a avalliação
dominante entre os enntrevistadoss do SENA
AI a respeito
o do envolv
vimento da instituição nessa
vertente dda cooperaação, em todas as suas mod
dalidades - diplomáático-human
nitária
(estabeleciimento de centros
c de capacitaçãoo em paísees frágeis e/ou
e egressoos de confl
flitos),
interinstituucional (inteercâmbio dee conhecimeentos com instituições homólogas de outros países
p
em desenvvolvimento) e estratégiica (atuaçãoo na cooperração e na prestação
p dde serviços como
mecanismoo de geraçãão de receittas para o S
SENAI e de
d promoção
o da internaacionalização da
indústria brasileira) -, foi de inefiicácia e de iineficiência.
No caso das iniciativas induzidas pela diplo
omacia brassileira, quesstões estruturais
internas (im
mpossibiliddade de aten
nder a demaandas cresceentes, apesaar da profisssionalização
o e do
aumento ddo número de
d funcionáários da UN
NINTER dee nove para doze), a inncompatibillidade
entre a neecessidade de planejaamento cui dadoso de ações e o tempo di
diplomático e as
dificuldadees encontraddas em cam
mpo criaram
m empecilho
os para a traansferência dos centross para
a gestão loocal (o único centro traansferido fooi o do Cazeenga, Angola). Com issso, suscitou
u-se a
percepção de que os recursos
r hum SENAI estarriam sendo alocados em
manos do S m iniciativaas que
não estavam
m trazendo a autossusttentabilidadde esperada.
No caso de inniciativas vo
oltadas paraa o intercâm
mbio de con
nhecimentoos, no âmbiito do
CINTERFO
OR, foi meencionado que
q o SENA
AI estaria see benefician
ndo pouco das experiêências
de outros países, preedominando
o iniciativaas de prestaação de co
ooperação. PPor um lado, o
SENAI nãão podia arccar com custos relativvos ao deslo
ocamento de técnicos de outros países
p
281
para o Brasil; por outro, quando técnicos do SENAI eram deslocados para o exterior as
atividades deveriam necessariamente ser pontuais (evitando longas estadas no exterior), e a
instituição demandante deveria assumir custos relativos a tais deslocamentos, ao passo que o
SENAI cedia as horas-técnicas dos enviados.
No que se refere à prestação de serviços, as expectativas do SENAI foram frustradas
pela lentidão das negociações resultante da baixa familiaridade da instituição com contratos
internacionais, da instabilidade institucional dos parceiros e da não disposição das empresas
brasileiras de arcarem com os custos dos serviços de qualificação profissional oferecidos. No
caso de empreiteiras brasileiras com investimentos na África, foi apontando que sua atuação
sazonal e o fato de contarem com esquemas próprios de capacitação configurariam fatores
impeditivos para a contratação de serviços prestados pelo SENAI.
Embora os critérios do Plano de Negócios tenham continuado a ser utilizados quando
os serviços ou a cooperação do SENAI eram solicitados, a UNINTER acabou recuando da
proatividade na sua implementação em 2012. Isso resultou não apenas das já variáveis
elencadas, mas também da emergência de novas diretrizes para a atuação do SENAI no plano
nacional. Essas diretrizes já haviam sido antecipadas pelo Planejamento Estratégico do
Sistema Indústria de 2006, que elegeu o âmbito doméstico como privilegiado para captação
de recursos em vista da alta demanda latente por educação profissional no Brasil.310
Segundo funcionário do SENAI entrevistado durante a elaboração desta tese, com o
lançamento do Programa Nacional de Educação Técnica (PRONATEC), em 2011, a
instituição, então responsável por 60% das vagas que integram a iniciativa, foi convocado
pelo governo brasileiro a praticamente dobrar o número de matrículas no ensino profissional
(de 2,3 milhões para 4 milhões de matrículas) até 2014.311 A partir do momento em que o
governo começou a cobrir os custos de remanejamento e ampliação das vagas, o SENAI
310
Conforme consta no documento, “[h]á necessidade de o Brasil matricular anualmente 2,25 milhões de pessoas
(atualmente a matrícula é de 590 mil). Apenas 12% dos estudantes de nível médio se formam em ensino
profissionalizante. Esse percentual é bem inferior ao de países com o mesmo nível de desenvolvimento que o
Brasil, como a Argentina (20%), Chile (30%) e Coreia do Sul (35%). As matrículas no ensino médio que
alcançam hoje 53% da população de 15 a 18 anos devem crescer até atingir a universalização. Essa tendência já
se verifica após o esforço empreendido em anos anteriores pela universalização do ensino fundamental” (CNI,
2006, p. 97).
311
Segundo funcionário do SENAI entrevistado durante a elaboração desta tese, a instituição adquiriu
empréstimo em condições favoráveis junto ao BNDES para modernizar as escolas existentes e para construir
mais de 70 novas unidades. Planejava-se, ainda, investir em educação à distância. Para garantir que os alunos
que ocupassem essas vagas no futuro possuíssem domínio satisfatório dos conhecimentos adquiridos no ensino
básico, a agenda de atuação doméstica do SESI também estava sendo reformulada, de modo a priorizar o
domínio de Português e Matemática.
282
312
Nesse novo contexto, entrevistado do SENAI afirmou, por exemplo, que uma empresa mineira atuante no
setor de construção no México havia entrado em contato com um Departamento Regional para solicitar serviços
de consultoria internacional, mas a proposta foi declinada por não contarem mais com estrutura disponível para
atenderem a esse tipo de demanda.
313
A CNI também passou apoiar iniciativas como a criação da Empresa Brasileira de Pesquisas Industriais
(Embrapi) e o financiamento ou prospecção, junto ao setor privado brasileiro, de mais de mil bolsas do Programa
Ciências sem Fronteiras.
314
Um dos funcionários do SENAI entrevistados mencionou, contudo, que a instituição foi afetada pela crise
europeia e pela diminuição de recursos para editais para os quais estava submetendo projetos.
315
Além de diretor-geral do SENAI, Rafael Lucchesi é diretor de Educação e Tecnologia da CNI.
283
internacional do SENAI, dadas as expectativas criadas nos parceiros em torno dos centros de
capacitação. Mencionou-se, por exemplo, a deterioração das percepções sobre o Brasil nos
países parceiros, expressa em artigo da imprensa moçambicana dizendo que o Brasil promete,
mas não faz.
Nesse contexto, a UNINTER decidiu levar adiante, mesmo sem a coordenação e o
apoio orçamentário da ABC, parcerias em processo de negociação prevendo aportes de
recursos de terceiros, com os técnicos do SENAI sendo contratados na modalidade “prestação
de serviços”. Dois exemplos mencionados por entrevistado foram as parcerias com a JICA
para o estabelecimento de centros de capacitação em terceiros países e as negociações com
um empresário sul-africano para a instalação de uma escola em Soweto (África do Sul).
316
Para uma breve análise dos desafios à guinada protecionista no que se refere à promoção da competitividade
da Indústria brasileira, ver: RICUPERO, 2012.
317
Está previsto, no artigo 3º da resolução que instituiu o GTEX, que o grupo, no exercício de suas atribuições,
“poderá solicitar a cooperação de outros órgãos, entidades públicas, organizações da sociedade civil e empresas
privadas, quando estiver em pauta matéria de sua esfera de atuação” (CAMEX, 2012).
287
ineficácia da cooperação prestada por eles há décadas. Esses grupos, contudo, tampouco veem
com bons olhos a vinculação da ABC ao MRE, embora as opiniões expressas por
embaixadores e ex-chanceleres quando do anúncio da nova agência também demonstrem
preocupação de que o elemento da solidariedade seja comprometido com a retirada da ABC
de sua estrutura (BARBOSA, R., 2013; FLECK, 2013).
As críticas ao modus operandi da ABC e as resistências à sua possível transferência
para o MDIC não podem ser qualificadas como a-políticas, na medida em que acontecem em
contexto marcado por número crescente de setores da sociedade e do governo brasileiro que
passaram a se organizar, a se articular e a se capacitar para suceder na disputa por recursos
públicos nacionais voltados para a promoção do desenvolvimento internacional em suas
diversas dimensões.
No que concerne ao SENAI, em particular, e à coalizão da Indústria, mais
amplamente, o risco é que seu engajamento Sul-Sul se centre na política de abertura de
mercados para produtos brasileiros de maior valor agregado, mantendo intacta a
predominância da importações de commodities dos países parceiros, o que levaria o Brasil a
reproduzir, nas suas relações com outros países em desenvolvimento, pautas assimétricas de
comércio. A saída, já vislumbrada, seria promover investimentos brasileiros nesses países.
Em ambos os casos – política comercial e de investimentos – o objetivo, no que concerne à
CTPD, parece ser utilizá-la como instrumento de demonstração de responsabilidade
corporativa. As questões que se colocam, aqui, são se/por que essa frente deve ser financiada
com recursos públicos e se será configurada como paliativo para o não cumprimento de
obrigações básicas, como o pagamento de impostos e a criação de emprego decente, pelo
empresariado brasileiro atuante em outros países em desenvolvimento.
288
CONCLUSÃO
CGFOME. Além disso, o reforço orçamentário da ABC seria acompanhado por disputas
crescentes pelos seus recursos, em contexto marcado pela ampliação dos grupos organizados
domésticos interessados em participar não apenas da implementação de iniciativas, mas
também de seu processo decisório. Em vista da impossibilidade de todos esses grupos terem
acesso aos recursos da ABC, e da inexistência de uma política estruturada e transparente na
matéria, muitos deles, baseando-se em compromissos internacionais gerais e específicos
assumidos pelo Brasil, passaram a se profissionalizar e a se articular com outros setores do
governo e com agências da ONU e de países desenvolvidos para darem consecução a
iniciativas que consideravam prioritárias na busca do fortalecimento nacional e internacional
de políticas de desenvolvimento focadas nos aspectos da sustentabilidade ambiental, da
justiça e da participação social.
Essa mobilização de setores domésticos os mais variados em torno das agendas da
CTPD e de outras modalidades da cooperação brasileira para o desenvolvimento internacional
– contribuições para organismos internacionais e assistência humanitária, mas também sendo
acompanhadas por questionamentos crescentes em relação à cooperação financeira – levou a
conscientização sem precedentes sobre o tema no Brasil, além de ter contribuído para elevar
visões progressistas de desenvolvimento tradicionalmente marginalizadas na pauta
diplomática.
Alimentada também pelo interesse crescente da comunidade internacional por
experiências brasileiras de desenvolvimento (no contexto da busca pela consecução dos
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e da emergência da China como ator central da
CID) e pelo levantamento, sistematização e publicação de dados, tal mobilização não incluiu
apenas instituições diretamente envolvidas na prática da cooperação, mas também ONGs,
universidades e institutos de pesquisas, muitos dos quais passaram a se envolver na prática da
cooperação, mas também a se dedicarem a estudos sobre o tema e a pressionarem pela
construção de uma política pública na matéria.
Essa construção enfrenta, porém, desafios relacionados à fragmentação institucional, à
polarização doméstica em torno de modelos de desenvolvimento, à inexistência de marco
jurídico prevendo o apoio ao desenvolvimento internacional e ao próprio fato de o Brasil
ainda ser um país em desenvolvimento. Este último fator, embora pouco apontado por líderes
que defendem a “causa” do desenvolvimento internacional, não é nada trivial. Com efeito,
setores dentro das próprias instituições de origem desses líderes, e das entidades
implementadoras da CTPD brasileira de maneira em geral, questionam a alocação crescente
293
embora não imediata, do engajamento diplomático brasileiro na CSS. Como esse engajamento
não havia sido ancorado em ampla base de apoio setorial, burocrático e social, necessária para
pressionar a “alta política” a seguir engajada na CSS, desmobilizava-se a alocação de recursos
públicos e privados para sua promoção. Via-se, portanto, comprometido o próprio potencial
de a CTPD e de outras modalidades de prestação de cooperação pelo Brasil de catalisarem a
ampliação e aprofundamento dos laços do país com outros países em desenvolvimento,
fortalecendo as relações de interdependência e conduzindo à real institucionalização da CSS
na agenda externa do país.
Acredita-se, porém, que o envolvimento crescente de atores do governo e da sociedade
brasileira na CTPD e em outras modalidades da CSS pode contribuir para essa
institucionalização desde que os atores envolvidos construam uma base estratégica sólida de
inserção. Construir estratégias significa basear e institucionalizar escolhas em objetivos,
prioridades e resultados esperados, com indicadores que permitam monitoramento, avaliação
e comunicação, em múltiplos níveis (interno, com suas respectivas constituencies e com a
sociedade em geral), dos resultados em termos de eficiência e de eficácia das ações não
apenas para grupos específicos, mas para o desenvolvimento brasileiro em suas diversas
vertentes e para o desenvolvimento dos países com os quais o Brasil coopera.
Esta tese buscou compreender como dois dos agentes nacionais mais envolvidos na
CTPD brasileira, EMBRAPA e SENAI, perceberam a alocação crescente de seus recursos
para a promoção do desenvolvimento internacional e se ajustaram institucionalmente para
responder às demandas de forma mais eficaz e racionalizada, conjugando aprendizados
reunidos em campo com seus próprios objetivos estratégicos. Trata-se de duas instituições
que compartilham de uma série de características:
a) possuem missões restritas ao desenvolvimento doméstico;
b) estruturaram-se e desenvolveram-se com o suporte da cooperação
recebida, reconhecendo o papel dessa cooperação no cumprimento de suas
respectivas missões;
c) incorporaram, ainda que em graus variados, a gestão por resultados às
suas atividades;
d) foram estruturadas a partir de visões de desenvolvimento centradas no
crescimento econômico e no avanço científico e tecnológico;
295
tornar laboratório para a diversificação das fontes financeiras e para o acesso a tecnologias
japonesas que sejam de interesse do SENAI (seguindo modelo estabelecido pela parceria com
a Agência Alemã de Cooperação no Peru).
Por outro lado, a capacidade da EMBRAPA de agir de forma estratégica pode ser
comprometida por estar mais sujeita a alterações no cenário político do país, pela polarização
entre Agronegócio e Agricultura Familiar, pela maior rotatividade de quadros responsáveis
pelas Relações Internacionais e por uma memória institucional mais frágil. Em todas essas
características, a EMBRAPA difere do SENAI, cuja estrutura institucional de Relações
Internacionais é mais coesa, baseada em sistemas internos de gestão da informação mais
avançados e com menor rotatividade de quadros.
Em ambos os casos, contudo, o aprofundamento da participação na CTPD, em
particular, e na CSS, em geral, apresenta tensões com outras instituições nacionais brasileiras
que disputam acesso aos recursos públicos e que defendem modelos de desenvolvimento
baseados na justiça e participação social, na sustentabilidade ambiental e na perspectiva dos
direitos. As tensões da maior proatividade da EMBRAPA e do SENAI na CTPD com tais
instituições revelaram-se maiores e mais profundas do que as tensões com o MRE, que
coaduna com lógicas de desenvolvimento que considera mais próximas das que vê
representadas na atuação da EMBRAPA e do SENAI (crescimento econômico e
desenvolvimento científico e tecnológico).
Diante do exposto, nota-se que os desafios enfrentados pela EMBRAPA e pelo SENAI
no que se refere à sustentabilidade de seu engajamento na CTPD, em particular, e na CSS, em
geral, convergem com desafios mais amplos relativos ao desenvolvimento nacional e à
política externa brasileira: como conjugar esforços para sanar desafios imediatos ao
desenvolvimento com estratégias de médio e de longo prazos? Como conjugar agendas
domésticas de desenvolvimento com a agenda do desenvolvimento internacional e da CSS?
Como reconciliar agendas setoriais de desenvolvimento com a agenda da política externa
brasileira em contexto marcado pela sua politização? Como conjugar as múltiplas dimensões
do desenvolvimento (crescimento econômico, avanço científico e tecnológico,
sustentabilidade e inclusão social) em estratégias coerentes de desenvolvimento e de política
externa? Como conjugar a busca do reconhecimento pelas experiências nacionais de
desenvolvimento pelas grandes potências, para a qual a CTPD se tornou instrumento
diplomático, com a necessidade de equacionar os desafios enfrentados por essas mesmas
299
ambientais e que ao mesmo tempo não reproduzam, nas relações externas, as práticas
imperialistas e proselitistas das grandes potências. Estas são, contudo, ideias que ainda
precisam ser amadurecidas em pesquisas futuras.
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318
Ver, por exemplo: SEGIB, 2008.
319
Ver: FORDELONE, 2009; TT-SSC, 2010.
326
320
O texto em língua estrangeira é: “Lo atractivo de la cooperación triangular es que se encuentra en una fase de
experimentación y en ese sentido yo creo que hay una agenda de investigación tremendamente interesante, y por
último porque la cooperación triangular es una de las apuestas de la cooperación española, y en ese sentido nos
hace falta también realizar una pedagogía de la cooperación triangular a nuestros agentes del sistema de
cooperación, ya no pensando sólo en la AECID sino en otros actores como las universidades (que llevamos
muchos años triangulando sin saberlo), institutos de investigación, los sindicatos, la cooperación descentralizada,
es decir que necesitamos hacer un trabajo de formación, de investigación, de pedagogía, para entender en qué
consiste la cooperación triangular.”
327
Previdência Social
- Representante do Ministério de
Minas e Energia
- Representante do Ministério da
Saúde
- Representante do Ministério da
Educação e Cultura
- Presidente do Conselho
Nacional de Pesquisa.*
Escritório Técnico - Deliberar sobre a prioridade dos projetos e Conselho de Coordenadores
de Coordenação ajustes de assistência técnica do Ponto IV no presidido pelo Representante
dos Projetos e Brasil; Brasileiro junto ao Ponto IV.
Ajustes - Apreciar os projetos e ajustes
Administrativos administrativos em discussão; Composição do Conselho de
do Ponto IV - Examinar as formas de financiamento e Coordenadores:
recursos orçamentários destinados aos - Representante Brasileiro junto
Criado em 1959 projetos e ajustes de assistência técnica; ao Ponto IV;
(Decreto nº 45.660) - Submeter à aprovação do Representante - Representante do MRE;
Brasileiro junto ao Ponto IV, mediante - Representante do Ministério da
Extinto em 1969 parecer circunstanciados, os projetos e ajustes Fazenda;
(Decreto nº 65.476) a serem executados; - Coordenadores dos projetos e
- Acompanhar e fiscalizar a execução dos ajustes de Administração
Representação projetos e ajustes de assistência técnica a Específica;
Brasileira do Ponto cargo dos diferentes ministérios; - Representante do DASP;
IV - Elaborar o relatório anual sobre as atividades - Diretor Executivo designado
do Ponto IV no Brasil, a ser submetido à pelo Representante Brasileiro
consideração do Presidente da República. junto ao Ponto IV e responsável
por: assistir o Conselho e o
Representante Brasileiro junto ao
Ponto IV na apreciação dos
projetos e ajustes submetidos a
exame; coordenar as atividades
de administração geral; dirigir e
orientar os trabalhos técnicos a
cargo dos Setores.
(Decreto nº 56.979) de conta especial aberta junto ao Banco Governo Brasileiro para a
Central a ser suprida por recursos atribuídos Coordenação do Programa de
Extinto em 1969 pelo Governo Federal, recursos provenientes Assistência Técnica (Ponto IV).
(Decreto nº 65.476) de doações ou empréstimos da Aliança para o Competirá a ele: na qualidade de
Progresso, postos à sua disposição pela AID, gestor dos recursos, movimentar
Ministério do BID e outras agências internacionais de a conta especial, autorizando as
Planejamento e cooperação técnica, e outros recursos operações financeiras que se
Coordenação colocados à sua disposição por instituições tornarem necessárias; participar,
Econômica nacionais. como interveniente, dos
- Aprovar a programação geral da aplicação convênios firmados no quadro do
dos recursos disponíveis; Programa de Cooperação Técnica
- Aprovar a aplicação dos recursos em moeda da Aliança para o Progresso, a
estrangeira, provenientes da AID, do BID e fim de que se mantenha perfeita
demais agências financeiras da Aliança para o coordenação na aplicação de
Progresso; recursos nacionais e estrangeiros;
- Fixar critérios para a aplicação dos recursos, representar ativa e passivamente
de conformidade com as diretrizes da o CONTAP, exercendo todas as
programação nacional de cooperação técnica. funções que lhe forem a
- Receber relatórios periódicos sobre a administração dos recursos.
aplicação dos recursos recebidos, em caráter
de doação, pelas entidades beneficiadas Composição: Representantes da
- Autorizar destaque de até 2% dos recursos Superintendência do
da conta para custeio de despesas com o Desenvolvimento do Nordeste
acompanhamento da execução e avaliação de (SUDENE); do Escritório do
projetos e serviços de auditoria, bem como Governo Brasileiro para a
para sua administração. Coordenação do Programa de
Assistência Técnica (Ponto IV); e
da Comissão de Coordenação da
Aliança para o Progresso
(COCAP).
Na área de suas respectivas
jurisdições competirá à SUDENE
e ao Escritório para Coordenação
do Programa de Assistência
Técnica (Ponto IV) conceder
prioridades, aprovar e
acompanhar a execução dos
projetos desde que enquadrados
na programação geral.
ABC dotada de autonomia financeira, a ser exercida por meio de fundo contábil
denominado “Fundo Especial de Cooperação Técnica” (FUNEC)
Fica previsto que o Diretor Geral da ABC seria designado pelo Ministro das
Relações Exteriores e que este também poderia nomear, entre pessoas do quadro
de servidores do MRE ou portadoras de habilitação técnica, os ocupantes dos
cargos de Coordenador Geral, Coordenadores e Gerentes.
Decreto n. 3.959, de 10 de A ABC segue vinculada à Secretaria-Geral de Relações Exteriores e suas
outubro de 2001, Aprova a competências são mantidas.
estrutura regimental do
MRE A competência de nomear o Diretor-Geral da ABC (entre ocupantes de cargo de
Ministro de Primeira Classe ou de Ministro de Segunda Classe da Carreira de
Diplomata) passa a ser do Presidente da República, mantendo-se a disposição de
que o ministro das Relações Exteriores pode nomear, entre pessoas do quadro de
servidores do MRE ou portadoras de habilitação técnica, os ocupantes dos cargos
de Coordenador Geral, Coordenadores e Gerentes.
Decreto n. 5.032, de 5 de A ABC é vinculada à Subsecretaria-Geral de Cooperação e Comunidades
abril de 2004, Aprova a Brasileiras no Exterior, que também inclui o Departamento das Comunidades
estrutura regimental do Brasileiras no Exterior; o Departamento de Promoção Comercial e o Departamento
MRE. Cultural.
Não é explicitado a quem cabe nomear o Diretor Geral da ABC, mas mantém-se a
disposição de que o ministro das Relações Exteriores pode nomear, entre pessoas
do quadro de servidores do MRE ou portadoras de habilitação técnica, os
ocupantes dos cargos de Coordenador Geral, Coordenadores e Gerentes.
Decreto n. 5.979, de 6 de A ABC é vinculada à Subsecretaria-Geral de Cooperação e Promoção Comercial
novembro de 2006, (ao lado do Departamento de Promoção Comercial e do Departamento Comercial),
Aprova a Estrutura com a mesma função e mantendo-se as mesmas disposições do decreto anterior.
regimental do MRE
332
A posição do nosso partido é favorável à [...] foi exatamente no Governo do Presidente Lula
aprovação da medida provisória em discussão e em que mudou o conceito do Brasil para o exterior.
processo de votação neste instante, mas é
importante colocar, de forma muito clara [...] a Hoje a posição do Brasil é um dos pontos mais
posição do Democratas com relação à própria bem avaliados pelas pesquisas internas e também
política externa da administração petista. Ela por meio da repercussão externa. O Brasil, não
talvez seja a marca mais negativa da gestão do somente pelo nosso bom futebol, pelo nosso bom
então Presidente Lula, porque, de certo modo, carnaval, é reconhecido hoje como uma potência
passou a mão na cabeça de muitos ditadores, foi econômica emergencial, como o país da
muito condescendente com regimes que prosperidade e das oportunidades
extrapolavam [...] os limites democráticos.
Evidentemente, em relação a esse ponto da política [...] eu quero discordar da posição do Democratas
externa, deve ser colocada, de forma muito e dizer que esta medida provisória é importante,
enfática, a nossa rejeição a essa postura relevante ao prestar solidariedade
condescendente por parte do Governo brasileiro.
Deputado, digo também que a solidariedade não
Sr. Presidente, com relação à medida provisória, tem ideologia. Ao incluirmos Cuba, que, para
336
que autoriza a doação de alimentos por parte do mim, está dentro dos critérios elencados pelo
Governo brasileiro a diversas nações que têm Governo, sem prejuízo de um debate maior, creio
relações com o Brasil, nós votaremos pela sua que estamos ajudando não o governo de Cuba, mas
aprovação, conforme o acordo celebrado, inclusive o povo de Cuba. Da mesma forma, nós estamos
com a participação do nosso Líder, Deputado ajudando o povo do Haiti, não necessariamente o
Antonio Carlos Magalhães Neto. Governo do Haiti.
Agora, há de se ressaltar neste instante que temos Em relação aos nossos problemas internos, o
de adotar um critério claro e objetivo sobre quais programa brasileiro de combate à pobreza foi
países devem merecer essas chamadas ajudas reconhecido pela ONU e foi uma das grandes
humanitárias e não ficar, a partir da própria marcas do Governo do Presidente Lula.
discussão em plenário, incluindo outro país a partir
da iniciativa individual de um Parlamentar. O Brasil, hoje, é o país das grandes produções de
grãos, da agricultura, e será ainda mais forte nessa
Fome existe no Brasil. Existem milhões de relação. Então, temos um dever moral, ético, de
brasileiros passando fome. Evidentemente, o Brasil ajudar os países, sobretudo os vizinhos, que muitas
não vai negar, de forma alguma, ajuda humanitária vezes, em alguns momentos de crise - é o caso de
a países que precisam, mas temos que fazer essa Cuba, que tem a sua agricultura detonada quando
reflexão. passam os furacões -, precisam de solidariedade
Recentemente, estabeleceu-se uma grande imediata.
discussão no Brasil a respeito da quantidade de
miseráveis, de pessoas que estão abaixo da linha
de pobreza. Foi feito um levantamento recente a
respeito do volume de recursos e de alimentos
doados, em valores financeiros, pelo Brasil a
governos estrangeiros. Chegou-se a um patamar de
3 bilhões de reais nos últimos 4 anos, sem nenhum
critério objetivo.
A política externa brasileira tem de ser feita pelo [...] o Deputado Fernando Coruja, ao falar
Congresso, pelo Executivo, pela União. Na própria favoravelmente à medida provisória, questionou o
Constituição brasileira, o art. 4º diz que essa projeto de lei de minha relatoria. É exatamente
política deve ser feita de maneira a haver para situações como esta que o projeto de lei, em
cooperação entre os povos. Então, não há como ser situação extrema, de calamidade, de ameaça séria
contra a doação eventual de alimentos a países aos direitos humanos, em situação social limite,
como Haiti, Guatemala, Zimbábue, Bolívia e autoriza o Executivo a tomar as atitudes imediatas
outros, que enfrentaram problemas até de sem a edição de uma medida provisória.
catástrofes naturais. Temos de aprovar esta
matéria. Esta medida provisória está trancando a pauta. Ela
vai ser votada hoje, mas ainda tem de ir para o
[...] o Governo pretende também - e já há um Senado. Só que ela perde a validade amanhã,
337
projeto tramitando aqui nesta Casa - obter repito. Isso fundamenta a importância do projeto
autorização para fazer isso sem lei. Ele quer uma que eu apresentei.
lei genérica, para não necessitar mais de medida
provisória ou de qualquer instrumento legislativo O fundamento do projeto que eu relatei está aqui
para fazer isso. Nós nos posicionamos contrários a na medida provisória. Essa doação de alimentos
essa ideia, na Comissão de Constituição e Justiça e para assistência humanitária é uma ação do
de Cidadania. Governo brasileiro em articulação com a ONU; é
uma ação de assistência humanitária; é uma ação
Há um longo debate, inclusive com o Deputado social necessária. A diplomacia hoje não se realiza
José Genoíno, que está aqui na frente, exatamente apenas com aqueles assuntos que eram
porque há este instrumento, medida provisória, que considerados tradicionais; ela se realiza nesse tipo
pode ser utilizado em casos excepcionais, quando de ação.
há catástrofe. Uma previsão genérica não é boa,
porque exclui o Congresso Nacional da decisão. [...] a solidariedade social é um valor essencial da
Esquerda, principalmente quando se trata de
Apesar de votarmos a favor, queremos chamar a atender às pessoas necessitadas em situação de
atenção para o fato de que o Governo atual tem calamidade, em situação limite. Esse valor
caminhado sobre a linha tênue de uma política que, essencial da Esquerda, da solidariedade
apesar de atender os mais fracos internacional, está materializado nesta medida
internacionalmente, visa, em nosso entendimento, provisória sobre doação de alimentos para
tentar fortalecer a figura do Presidente num assistência humanitária. Os países aqui listados -
determinado bloco internacional, até com Haiti, El Salvador, Guatemala, Bolívia, Zimbábue,
conotação de perspectiva eleitoral em âmbito Palestina, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São
internacional, às vezes, assemelhada ao Bolsa- Tomé e Príncipe, Timor-Leste - são países
Família. Tem de ser feito, mas não pode ser carentes, com a população pobre.
utilizado com perspectiva eleitoral, e sim
acompanhado com outras ações para melhorar
educação e saúde, no âmbito nacional, e para
fortalecer aspectos como direitos humanos e
outros, no âmbito internacional. Não pode ser
apenas uma doação de alimentos descolada de
outros instrumentos de política internacional.
OUTROS DEPOIMENTOS
[...] é importante que possamos manifestar, a cada dia, que a solidariedade é fundamental nas relações
humanas e entre os países. Também devemos aprender com o pobre. Quando chega mais gente à casa de
um pobre, ele coloca mais água na panela de feijão, para poder dividir com todos que ali estão. É assim
que o Brasil faz.
Temos problemas aqui? Temos, mas há irmãos nossos em outros países, que também estão necessitando
de ajuda. Isso é solidariedade. E, para aqueles que acreditam e têm fé, está na palavra de Deus, que
sempre nos chama para acolhermos o estrangeiro, amparar aquele que efetivamente necessita de ajuda
humanitária.
O Brasil, em todos os momentos, sempre tem-se revelado como país que cuida dessa relação
humanitária, da solidariedade humana e social. Então, não vejo razão para que não votemos
favoravelmente a essa medida provisória.
Também quero dizer que medidas provisórias perdem a eficácia devido ao processo de obstrução que
acontece aqui. Muitas vezes não queremos votar e terminamos deixando para o final, para que a medida
provisória perca a eficácia.
Nesse sentido, considero importante a aprovação dessa medida provisória como testemunho de que o
340
Brasil é solidário com os países que enfrentam calamidades, fome, violação de direitos. Solidariedade,
ajuda humanitária é algo que não podemos esquecer. O espírito de generosidade é fundamental na vida
do ser humano; se perdê-lo, ele se torna igual a um animal.
A Medida Provisória nº 481, que perderá sua eficácia no dia 10, na verdade, já produziu seus efeitos. O
Brasil já destinou 100 mil toneladas de feijão, 100 mil toneladas de milho, 50 mil toneladas de arroz e 10
mil toneladas de leite em pó.
Esta semana estive numa cidade do interior de São Paulo, e o Prefeito me disse que a população ao redor
de uma obra lamentava que ela estivesse terminando. Ele foi indagar por que e descobriu que as crianças
ficavam contentes com a atividade daquela obra porque os operários destinavam o resto das marmitas a
elas. Estado de São Paulo! Imagine, então, Sr. Presidente, o que acontece quando estamos, de uma certa
maneira, dando o encaminhamento dessa posição.
O PTB encaminha a posição "sim", mas, particularmente, denuncio essa questão extremamente
importante, e digo que esta medida já destinou mais de 351 toneladas de alimentos a outros países e,
quando precisam de alimentação, a algumas cidades do Brasil e, nesse ponto, não vamos apreciar a
medida provisória.
[...] essa medida provisória perde a sua eficácia no dia de amanhã, e ela certamente não será votada pelo
Senado. E votada ou não votada, a vontade do Executivo já foi cumprida.
[...] no Brasil nós temos mais de 10 milhões de pessoas que não têm acesso a nenhum alimento. Vários
Estados do País vivem, por intermédio das suas Prefeituras, pedindo suprimentos e cestas básicas para
sua população.
Portanto, Sr. Presidente, atender à população internacional, tudo bem, mas que se atenda também à
população brasileira que está em dificuldade
Eu me inscrevi para falar contra esta medida provisória porque acho que ela já exerceu os seus efeitos.
Ela já aconteceu!
Temos de ser solidários às nações amigas, temos de ser realmente companheiros de todos os povos; mas
primeiro temos de olhar para os nossos. E no Brasil, Deputado Maurício Rands, ainda temos muita gente
passando fome, vivendo abaixo da linha da pobreza.
Sei - porque participei dele - que este Governo tirou milhões de brasileiros da pobreza extrema, mas
ainda não tirou uma grande parcela que ganha abaixo de R$70,00 por mês. Isso faz com que pensemos e
nos preocupemos sobre se está chegando alimento para essas pessoas.
Há dificuldades para atender esses brasileiros. Quando me inscrevi, foi justamente para destacar minha
preocupação com os brasileiros que ainda não têm o suficiente para comer. Aliás o suficiente não, o
mínimo.
Tenho minhas dúvidas se nossa preocupação com a realidade internacional que estamos vivendo é muito
boa para o País. Isso nos dá um sentimento de alegria e orgulho nacional, mas, eventualmente, estamos
deixando de atender o brasileiro mais pobre, que realmente precisa desses alimentos.
Por isso, Sr. Presidente, estou fazendo esta fala para alertar no sentido de que tomemos cuidado. Somos
uma nação em desenvolvimento, estamos crescendo, progredindo, mas ainda temos pessoas que
precisam, e muito, desses alimentos.
Sei que o Haiti e vários outros países precisam de muitos recursos. Não custa nada ceder um pouco para
eles, mas não podemos nos esquecer jamais dos brasileiros que também passam fome, que são uma
grande parcela da nossa população.
341
Evidentemente, sobre o posicionamento político a uma matéria dessas, ninguém, em sã consciência, será
contra a doação de alimentos, principalmente porque, neste momento, no planeta Terra, entre cada 6
bilhões e 700 milhões de pessoas, 1 bilhão de pessoas passa fome. E, na América, nos 35 países, 50
milhões de pessoas passam fome.
Mas a minha observação é para acrescentar que o Brasil deve contribuir, como um dos maiores
produtores de alimento do mundo, não só para alimentar os povos dos países mais pobres, mas também
para dar condições ao povo brasileiro de alimentar-se.
A proposta a que estou dando entrada hoje, uma PEC - Proposta de Emenda Constitucional -, é pela não
incidência de tributos em todos os tipos de alimentos, desde a matéria-prima, insumos, sementes, todas
as etapas de produção de alimento, até o produto final industrializado no comércio interno do País. Com
isso, iniciaríamos um processo de transferência de renda para a população mais pobre do País.
Quero parabenizar o Deputado Maurício Rands, Relator da matéria, pelo relatório. Conheço seu trabalho.
Minha palavra não é de contrariedade total, é para agregar, chamar a atenção para aquilo que votamos
aqui - que eu, pessoalmente, entendi desnecessário; o alimento é um direito do brasileiro.
Eu gostaria de ter o apoio da Casa para votarmos o mais rapidamente possível essa PEC que estou
encaminhando hoje, com o apoio do número necessário de Parlamentares desta Casa.
Participei de um grande evento em São Paulo, com o Deputado Nazareno Fonteles, que preside a Frente
Parlamentar de Combate à Fome da América Latina e do Caribe, uma grande Frente, que tem o apoio da
FAO e da ONU - Organização das Nações Unidas.
[...] começamos a cometer o mesmo erro que os Estados Unidos da América do Norte cometeram com a
América Latina e a América como um todo.
Temos, na América Latina, 50 milhões de pessoas pobres, países com baixo desenvolvimento - inclusive
grande parte do interior do Brasil está nessa condição. Agora, estamos mundiais na política
internacional, olhando para África e para outras regiões do mundo.
Quero dizer que a responsabilidade para com os países mais pobres do mundo é daqueles que os
exploraram, principalmente a Inglaterra, a França, a Alemanha, a Holanda. Esses países exploraram a
maior parte desses países no mundo - a África, uma parte do sudeste asiático e inclusive alguns países da
América Latina.
Acontece que o Brasil, que está começando a fazer política internacional, deveria ter foco. Qual é o foco
do Brasil? A América Latina. A América, para o Brasil, para os americanos, para 1 bilhão de pessoas
que moram no continente americano, são 35 países onde há 50 milhões de pessoas pobres. Inclusive o
índice de pobreza e de miséria no Brasil é crítico. Há lugares que não têm água encanada, não têm
esgoto, não têm escola, não têm posto de saúde.
Penso que o Brasil está agindo como se fosse uma nação do Primeiro Mundo, o que não somos. Não
tenho complexo de inferioridade, sei exatamente onde é o meu lugar.
Não é o caso dessa medida provisória, porque ela é uma medida humanitária que trata de alimentos. O
Brasil produz muito alimento e pode dar comida para quem quiser. Não há problema em doarmos
alimentos porque temos em quantidade e abundância, mas, para a política interna, é preciso uma decisão
do Congresso para tirar os impostos dos alimentos e dos medicamentos. Assim estaremos fazendo uma
grande justiça, além de dar continuidade aos nossos programas sociais e compensatórios.
Quanto à política internacional, o Brasil não tem dívida nenhuma para com nenhum país, porque ele
nunca foi colonizador, mas colonizado. O Brasil foi colonizado pelos portugueses e hoje é uma Nação
342
independente e soberana, que tem uma economia grande, mas não tem uma renda per capita suficiente.
Quem sabe então é preciso priorizar isso para entidades nacionais, fundos sociais de solidariedade, para
outros programas, mas não para outros países.
[...] a palavra "solidariedade" não tem lado. Desde que se tenha valores intrínsecos na sua formação
cristã, moral e social, não tem aquele que não vá, de alguma maneira, procurar contribuir para minimizar
o sofrimento do seu semelhante.
Eu já disse aqui várias vezes que para chegar a esta Casa exerci o mandato de Vereador e por 2 vezes de
Prefeito no interior de São Paulo, uma cidade pequena. Outros Prefeitos e ex-Prefeitos no Norte,
Nordeste, sabem que o orçamento é pequeno, nem sempre consegue-se atender a todas as demandas,
principalmente da população de baixa renda, com as parcerias, seja federal, seja estadual. Em alguns
momentos, minha esposa, que era Presidenta Voluntária do Fundo Social de Solidariedade, organizava
jantares típicos - japoneses, espanhóis, árabes, italianos - fazia a "noite italiana", a "noite árabe". Vendia
os convites, buscava a doação daquilo que ia ser usado no jantar e a receita desses convites era utilizada
imediatamente na compra de medicamentos, cobertores. Tratavam-se, enfim, de reivindicações e
demandas da população a que a Prefeitura, naquele momento, não tinha orçamento para atender.
Sr. Presidente, digo isso porque fome é algo que a pessoa sente naquele momento. Ela precisa comer
para matar a fome, não pode esperar 2, 3, 4 dias.
Quando um país tem condições de ser solidário com outro, tem de dar todo apoio, sim. Mas, nessa
questão, há 2 quesitos que não posso deixar de mencionar. O primeiro é que meu querido amigo Relator,
Deputado Maurício Rands, disse que ainda há bastantes alimentos armazenados na CONAB. Ora, a
medida provisória é de fevereiro, mas fome ocorre todos os dias. Portanto, que se apresse, de alguma
maneira, a entrega desses alimentos para nossos irmãos de outros países, que necessitam de ajuda.
Também, na linha do que comentou há pouco o Deputado Dr. Ubiali, que é médico o jornal Diário do
Nordeste, em matéria recente, noticia que o Brasil, embora tenha avançado - é bom que reconheçamos
isso -, ainda possui quase 12 milhões de brasileiros passando fome.
Devemos, sim, ser solidários com quem está sofrendo; devemos, sim, dividir o pão e a riqueza, quando
podem ser divididos, mas sem jamais deixar de priorizar nossos irmãos brasileiros que, na minha visão,
devem ter prioridade nas ações do Governo.
[...] estamos votando aqui matéria vencida. Há só mesmo o simbolismo de que teve o apoio do
Congresso esse gesto de solidariedade do povo brasileiro, praticado pelo Sr. Presidente da República, por
meio de medida provisória. O primeiro ponto a condenar é este: que tenha sido feito por medida
provisória. O Congresso Nacional não se negaria a votar, em regime de urgência urgentíssima, matéria
desse caráter, desde que estivesse devidamente justificada.
Pois bem, aqui, agora, estamos desconstituindo o nosso arcabouço jurídico. São mercadorias
apreendidas, muitas por razões justas e outras nem tanto - por isso, ainda sujeitas à apreciação judicial.
Nós estamos autorizando que o Sr. Presidente da República possa também fazer cortesia com o chapéu
alheio, usando estoques eventualmente apreendidos ainda carentes de decisão judicial.
De modo que não podemos aceitar o relatório como é proposto. Desta forma, teremos que votar contra,
para impedir que se concretize esse absurdo proposto no art. 2º.
343
Relator, Sr. Presidente, gostaria de usar do direito de sanar algumas dúvidas com o Relator. É claro que a
intenção aqui é ótima.
Então, trata-se de limitar no tempo. E é claro que, havendo necessidade, poderia vir outra lei.
A segunda coisa diz respeito às determinações dos produtos aqui. Eu tenho uma séria dúvida, porém eu
acho que fica resolvida com a fixação no tempo dessa atividade, que é o impacto que isso pode ter no
preço desses produtos no mercado interno. Acho até que essas quantidades não são razoáveis a ponto de
causar impacto, de aumentar os preços no mercado interno. Fixando o prazo, acho que essa parte está
resolvida.
Finalmente, é que nós só tomamos conhecimento desses produtos graças ao relatório de V.Exa., porque o
anexo que acompanha a medida provisória, como está dito na medida provisória, não foi distribuído ao
Plenário.
Temos o destaque para votação em separado da Emenda nº 1. Como disse V.Exa., ela é praticamente
redundante. Ela assegura que essa doação será feita, desde que não falte aqui para atender as tragédias
internas do Brasil, que, às vezes, acontecem.
Peço a V.Exa. que aceite essa emenda. Eu retirarei o destaque, se V.Exa. aceitar, e faremos uma votação
simbólica.
LUIS CARLOS HEINZE - O.k., eu aceito. Dá para incorporar no relatório a questão do prazo. E
podemos já determinar: como a nova safra ocorre só a partir de março do ano que vem, então nós
fixamos de agora até fevereiro, 28 fevereiro, para a doação.
MIRO TEIXEIRA - Se V.Exa. quiser, eu até acho que pode ser mais generoso: pode ser até o fim do
ano que vem. Tem que ter um prazo, por causa da safra. Os especialistas em produção agrícola é que
podem dizer o que é mais sensato. (Pausa.) É mais sensato até a próxima safra. Pronto. Então ficaremos
até 12 meses depois da conversão em lei da medida provisória. Pronto.
Obviamente, os países aqui listados - República do Haiti, República de El Salvador, Guatemala, Bolívia,
República do Zimbábue, Territórios Ocupados da Palestina, República de Angola, República de Cabo
Verde, República da Guiné-Bissau, República de Moçambique, República Democrática de São Tomé e
Príncipe e República do Timor-Leste - merecem a nossa solidariedade, o nosso apoio, por meio da ação
da nossa diplomacia, os benefícios que possamos transferir para atender as suas necessidades. Mas
discordamos da forma como essa medida provisória vem e do quantitativo que será doado: 100 mil
toneladas de feijão, 100 mil toneladas de milho, ou equivalente industrializado, até 50 mil toneladas de
arroz e até 10 mil toneladas de leite. Isso representa 30 mil caminhões de 10 toneladas. Trinta mil
caminhões de 10 toneladas, Sr. Presidente.
Nós, que sabemos que ainda existem em nosso País, infelizmente, os bolsões de pobreza, as populações
periféricas, aquelas que ainda vivem mergulhadas na necessidade, na fome, às vezes, endêmica,
gostaríamos que essa medida provisória fosse mais bem esclarecida. Sabemos que 30 mil caminhões de
10 toneladas encerram também o alimento de que as nossas populações necessitam. Eu, como
democrata, mas acima de tudo como uma pessoa de religião firme, acho que devemos fazer essas
doações. Essas ajudas humanitárias são realmente positivas para o nosso País no cenário das grandes
nações. Mas queremos ver esse estudo mais aprofundado, para que parte expressiva dessas doações não
falte na mesa daqueles que têm mais necessidade, os nossos irmãos brasileiros.
[...] um passo importante para o novo papel que o Brasil cumpre na ordem internacional, representa uma
344
No decorrer do prazo regimental, foram apresentadas à Comissão Mista incumbida de emitir parecer
sobre a matéria quatro emendas, que oferecem redações alternativas, acrescem e suprimem dispositivos
da MPV nº 481, de 2010. São autores dessas emendas os seguintes Parlamentares: da Emenda nº 1, o
Deputado Indio da Costa, que acrescenta parágrafo ao art. 1º da medida provisória, condicionando a
doação à não ocorrência no território nacional de eventos adversos ou situação de insegurança alimentar;
da Emenda nº 2, o nobre Deputado Antonio Carlos Mendes Thame, que também acrescenta parágrafo ao
art. 1º, para atribuir à Controladoria-Geral da União a fiscalização e o controle da saída e da destinação
dos produtos doados; da Emenda nº 3, também o Deputado Antonio Carlos Mendes Thame, que suprime
o parágrafo único do art. 2º, eliminando a autorização de doação para outras nações em situação de
insegurança alimentar de quantitativo autorizado, mas eventualmente não demandado pelos países
beneficiados pela MPV; e da Emenda nº 4, o Deputado Indio da Costa, que altera a redação do art. 2º,
incluindo as Comissões de Agricultura e de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados e do Senado
Federal entre as instituições a serem ouvidas quando da definição dos quantitativos de estoques a serem
doados a cada beneficiário.[...]
Estamos tratando de bens fungíveis: arroz, feijão, e uma boa parte deles bens perecíveis, tão perecíveis
que não interessa nem ao ordenamento jurídico nem ao Poder Judiciário que eles apodreçam, podendo
ter uma destinação muito mais nobre, que é a responsabilidade de solidariedade internacional de um
grande País, o Brasil. Em segundo lugar, tratando-se de bens fungíveis, são substituíveis.
[...] confirmadas essas intenções e boas práticas solidárias, até porque a solidariedade deve existir para os
outros.
ZONTA (PP-SC)
O primeiro é sobre o trabalho executado pelo Deputado Luis Carlos Heinze, do Partido Progressista, um
conhecedor profundo da produção agrícola e também da questão de mercado e seu abastecimento. S.Exa.
tem consciência disso. Agradeço ao Deputado Luis Carlos Heinze, que, em seu relatório, acaba também
incluindo as etapas de produção de alimentos no Brasil.
O terceiro comentário: isso está acontecendo porque o nosso produtor brasileiro - que muitos não querem
que continue produzindo; portanto, votaram contra a iniciativa do Código - está produzindo alimentos
em quantidade, gerando excedentes inclusive. Gerando excedentes!
Então, vamos deixar o nosso agricultor continuar preservando o meio ambiente, mas, acima de tudo,
produzindo. E que se permita esse tipo de apoio humanitário a países que não tenham autossuficiência na
produção de alimentos. Que fique bem claro isso também.
[...] eu acho que a matéria ficou devidamente esclarecida, dado o gesto humanitário e observado o
acatamento, por parte do Relator, da sugestão dos colegas em relação a definir que os problemas
nacionais sejam prioritários quanto a receber as doações. Há necessidade de ocupar os estoques de
alimentos que temos no Brasil com urgência, voltá-los ao atendimento humanitário.
A horizontalidade vem sendo apontada pela literatura sobre a CSS como princípio e
como característica que a diferencia da cooperação tradicional. Ao refletir sobre o tema da
horizontalidade, a Secretaria-Geral Iberoamericana (SEGIB, 2008, p. 16, tradução nossa)
afirma que
[a] Cooperação Sul-Sul exige que os países colaborem entre si em termos de
parceiros. Isso significa que, para além das diferenças nos níveis de
desenvolvimento relativo entre eles, a colaboração se estabelece de maneira
voluntária e sem que nenhuma das partes vincule sua participação ao
321
estabelecimento de condições.
O país com maior nível de desenvolvimento relativo (e, portanto, com maior
conhecimento e domínio do tema, mais recursos e categorias analíticas e instrumentais)
tenderia, naturalmente, a incidir mais na definição de prioridades. Nesse sentido, o uso do
termo “parceria”, em detrimento dos termos “prestador” e “recipiendário”, teria “caráter
marcadamente retórico” (Ibid., p. 115). Iglesias Puente (Ibid., p. 85) considera que a
321
O texto em língua estrangeira é: “La Cooperación Sur-Sur exige que los países colaboren entre sí en términos
de socios. Esto significa que, más allá de las diferencias en los niveles de desarrollo relativo entre ellos, la
colaboración se establece de manera voluntaria y sin que ninguna de las partes ligue su participación al
establecimiento de condiciones.”
346
Mais adiante, Corrêa (Ibid., p. 93) adiciona que uma real cooperação horizontal
envolveria uma postura em que seus atores estivessem “intelectualmente preparados para
‘ouvir’, ‘perguntar’ e ‘conhecer’, antes de ‘concluir’ ou ‘oferecer’”. Para verdadeiro
intercâmbio Sul-Sul, seriam necessários: níveis de desenvolvimento e qualificação dos
agentes públicos em níveis similares; e capacidade de definir prioridades e de planejar
políticas (Ibid., p. 95). O autor afirma, ainda, que
[...] o fato de existir uma vontade política de atuar de forma respeitosa não é
suficiente para assegurar um equilíbrio na relação de cooperação. Quando se trata de
atuar em países em desenvolvimento com grandes deficiências de capacitação
técnica e de organização institucional, os países provedores de cooperação Sul-Sul
enfrentam os mesmo dilemas dos países doadores. Como, por exemplo, desenvolver
todas as etapas do ciclo de um projeto em total equilíbrio de participação das duas
partes cooperantes, quando não existem interlocutores com o mesmo nível de
capacidade? Trata-se de um desafio que se inicia ao nível operacional, mas que
rapidamente pode chegar à esfera política e criar situações delicadas (Ibid., p. 96-
97).
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Revogado pelo Decreto de 25 de abril de 1991 Dispõe sôbre as atividades de cooperação técnica
Texto para impressão internacional e dá outras providências.
DECRETAM:
§ 1º As reuniões previstas neste Artigo serão precedidas dos estudos técnicos pertinentes,
promovidos pelo Ministério do Planejamento e Coordenação Geral, diretamente ou através do
Instituto de Planejamento Econômico e Social, bem como, nas áreas das respectivas competências
especificadas pelo Conselho Nacional de Pesquisas, Comissão Nacional de Pesquisas, Comissão
Nacional de Energia Nuclear e Centro Nacional de Recursos Humanos.
351
Art. 4º Os órgãos competentes para tratar dos assuntos de cooperação técnica internacional
são, no Ministério do Planejamento e Coordenação Geral, a Subsecretaria de Cooperação
Econômica e Técnica Internacional (SUBIN) e, no Ministério das Relações Exteriores, a Divisão de
Cooperação Técnica.
Art. 5º Dentro do prazo de trinta dias, a contar da publicação dêste Decreto, os demais
Ministérios deverão indicar ao Ministério do Planejamento e Coordenação Geral a repartição
competente, nos diferentes órgãos da Administração direta e indireta sob sua jurisdição, para tratar
de cooperação técnica internacional, nos têrmos do Art. 3º.
Art. 7º Fica extinta a Comissão Nacional de Assistência Técnica (CNAT), criada, no Ministério
das Relações Exteriores, pelo Decreto nº 28.799, de 27 de outubro de 1950, modificada pelos
Decretos nºs 54.251 e 56.548, respectivamente de 2 de setembro de 1964 a 8 de julho de 1965.
Parágrafo único. Ficam revogados os Decretos nºs. 34.763, de 9 de dezembro de 1953, que
aprovou o Regulamento da CNAT, e 54.251-A, de 2 de setembro de 1964, que o alterou.
Art. 9º Fica extinto o Conselho de Cooperação Técnica da Aliança para o Progresso (CONTAP),
criado pelo Decreto nº 56.979, de 1 º de outubro de 1965.
Art. 10. Os servidores públicos requisitados pelo Escritório do Governo Brasileiro para a
Coordenação do Programa de Assistência Técnica (Ponto IV) e pelo Conselho de Cooperação
Técnica da Aliança para o Progresso (CONTAP) passam a disposição do Ministério do Planejamento
e Coordenação Geral.
Art. 12. Êste Decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em
contrário.
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O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da
Constituição,
DECRETA:
Art. 1º Os órgãos e as entidades da Administração Pública Federal direta e indireta deverão observar
os procedimentos estabelecidos neste Decreto para fins de gestão de projetos, no âmbito dos
acordos e instrumentos congêneres de cooperação técnica com organismos internacionais.
I - objetivo;
II - justificativas;
IV - plano de trabalho;
V - orçamento.
Art. 3º Além das informações exigidas no artigo anterior, o projeto de cooperação está sujeito, ainda,
às seguintes formalidades:
I - aprovação pelo Ministro de Estado setorial ou por autoridade com prerrogativa equivalente, ou
dirigente máximo de autarquia, fundação ou empresa , ouvido, previamente, o respectivo órgão de
assessoramento jurídico; e
II - publicação, em extrato, no Diário Oficial da União, que será providenciada pelo órgão ou entidade
beneficiário da cooperação, até vinte e cinco dias a contar das assinaturas, contendo os seguintes
elementos:
d) valor pactuado;
e) valor a ser transferido no exercício corrente e em cada um dos subseqüentes, se for o caso;
h) data de assinatura; e
Art. 4º Os serviços técnicos especializados e consultorias somente serão contratados para execução
de atividades com prazo determinado e desde que, prévia e comprovadamente, não possam ser
desempenhadas por servidores do órgão ou da entidade.
§ 1º Nas contratações de que trata o caput deste artigo, deverá constar cláusula vinculando
obrigatoriamente o profissional contratado às atividades direta e exclusivamente ligadas ao objeto ou
pactuado no instrumento de cooperação técnica, sendo vedado o seu desvio para o exercício de
outras atividades.
Art. 5º Os contratos de que trata este Decreto devem observar os princípios da legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Parágrafo único. Os extratos dos contratos deverão conter, dentre outras informações, o objeto da
contratação, o valor do contrato e a identificação dos signatários, e serão publicados no Diário Oficial
da União, no prazo de até vinte e cinco dias, a contar das respectivas assinaturas, por iniciativa dos
órgãos e das entidades a que se destina a prestação de serviços.
Parágrafo único. Para fins de aplicação das tabelas de que trata o caput, observar-se-ão as funções
a serem desempenhadas e os requisitos exigidos para o seu exercício.
Art. 8º As contratações de consultoria e serviços de que trata este Decreto serão realizadas segundo
as seguintes modalidades:
358
Art. 9º Os serviços de consultoria por produto somente poderão ser pagos após aceitação do produto
ou de suas etapas pelos órgãos e entidades para o qual foram prestados os serviços.
Parágrafo único. Compete aos gerentes de que trata o caput definir a programação orçamentária e
financeira do projeto, por exercício, bem assim responder pela sua execução e regularidade.
Art. 14. É vedada a contratação, a qualquer título, de servidores ativos da Administração Pública
Federal, Estadual, do Distrito Federal ou Municipal, direta ou indireta, bem como de empregados de
suas subsidiárias e controladas, no âmbito dos acordos de cooperação técnica ou instrumentos
congêneres, ressalvadas as situações previstas no art. 37, inciso XVI, da Constituição Federal.
Art. 15. As atividades desenvolvidas pelos contratados serão comprovadas mediante relatórios
periódicos de desempenho, nos termos estabelecidos no contrato de prestação de serviços.
359
Art. 16. Os valores pagos aos contratados, a qualquer título, relativos ao exercício anterior, serão
relacionados por natureza e beneficiários e informados pelos órgãos e entidades à qual foram
prestados os serviços, até o mês de fevereiro, à Secretaria da Receita Federal do Ministério da
Fazenda e ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS.
Art. 17. Fica instituída, consoante as Resoluções nos 44/211 e 53/192, da Assembléia Geral das
Nações Unidas, a aplicação da modalidade de execução nacional para a gestão de projetos de
cooperação técnica internacional, definida como a sistemática de implementação de projetos cuja
direção técnica e coordenação operacional das atividades são de responsabilidade dos órgãos e das
entidades executores, sendo sua gestão administrativa, orçamentária, financeira, contábil e
patrimonial realizada sob o controle do Governo brasileiro.
§ 1º A modalidade de execução nacional de que trata o caput deste artigo será implementada por
unidade unificada de administração de projetos, sob responsabilidade da Agência Brasileira de
Cooperação, a ser regulamentada no prazo de cento e vinte dias.
§ 2º Em casos específicos, poderá ser adotada outra modalidade de execução de projeto, desde que
autorizada pelo Ministério das Relações Exteriores.
Art. 18. Os órgãos ou as entidades que vierem a firmar acordo de cooperação técnica ou
instrumentos congêneres com organismos internacionais dos quais o Brasil faça parte deverão
negociar, previamente, a taxa de administração a ser calculada sobre os recursos objeto de
aplicação, ficando esta limitada em até cinco por cento para os projetos implementados sob a
modalidade de execução nacional.
Art. 19. Compete aos órgãos do Sistema de Controle Interno do Poder Executivo Federal auditar e
fiscalizar o cumprimento das disposições contidas neste Decreto.
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O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso VI, alínea
"a", da Constituição,
DECRETA:
Art. 1o Este Decreto estabelece os procedimentos a serem observados pelos órgãos e pelas
entidades da Administração Pública Federal direta e indireta, para fins de celebração de atos
complementares de cooperação técnica recebida, decorrentes de Acordos Básicos firmados entre o
Governo brasileiro e organismos internacionais cooperantes, e da aprovação e gestão de projetos
vinculados aos referidos instrumentos.
Parágrafo único. A taxa de administração a ser fixada junto aos organismos internacionais
cooperantes fica limitada em até cinco por cento dos recursos aportados pelos projetos a serem
implementados sob a modalidade de Execução Nacional.
§ 3o A critério do Ministério das Relações Exteriores, em casos específicos, poderá ser adotada outra
modalidade de execução de projeto.
§ 5o No caso de o projeto de cooperação técnica internacional ser custeado totalmente com recursos
orçamentários da União, a participação do organismo ou agência internacional deverá se dar
mediante prestação de assessoria técnica ou transferência de conhecimentos.
IV - a vigência;
§ 3o O produto de que trata o § 2o deverá ser registrado e ficar arquivado no órgão responsável pela
gestão do projeto.
§ 4o A consultoria de que trata o caput deverá ser realizada por profissional de nível superior,
graduado em área relacionada ao projeto de cooperação técnica internacional.
§ 5o Excepcionalmente será admitida a seleção de consultor técnico que não preencha o requisito de
escolaridade mínima definido no § 4o, desde que o profissional tenha notório conhecimento da
matéria afeta ao projeto de cooperação técnica internacional.
§ 7o As atividades do profissional a ser contratado para serviços técnicos de consultoria deverão estar
exclusiva e obrigatoriamente vinculadas aos objetivos constantes dos atos complementares de
cooperação técnica internacional.
§ 10. O órgão ou a entidade executora nacional providenciará a publicação no Diário Oficial da União
do extrato do contrato de consultoria até vinte e cinco dias a contar de sua assinatura.
Art. 5o A contratação de consultoria de que trata o art. 4o deverá ser compatível com os objetivos
constantes dos respectivos termos de referência contidos nos projetos de cooperação técnica e
362
efetivada mediante seleção, sujeita a ampla divulgação, exigindo-se dos profissionais a comprovação
da habilitação profissional e da capacidade técnica ou científica compatíveis com o trabalho a ser
executado.
§ 2o Os serviços técnicos de consultoria deverão ser definidos com objetividade e clareza, devendo
ficar evidenciadas as qualificações específicas exigidas dos profissionais a serem contratados, sendo
vedado o seu desvio para o exercício de outras atividades.
§ 3o A autorização para pagamento de serviços técnicos de consultoria será concedida somente após
a aceitação do produto ou de suas etapas pelo órgão ou pela entidade executora nacional
beneficiária.
§ 4o O órgão ou a entidade executora nacional informará, até o último dia útil do mês de março, à
Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda e ao Instituto Nacional do Seguro Social -
INSS os valores pagos a consultores no ano-calendário imediatamente anterior.
Art. 8o Compete aos órgãos do Sistema de Controle Interno do Poder Executivo Federal auditar e
fiscalizar o cumprimento das disposições contidas neste Decreto.
Art. 9o O Ministério das Relações Exteriores baixará normas complementares à execução deste
Decreto.
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A PRESIDENTA DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso VI,
alínea “a”, da Constituição,
DECRETA:
Art. 1º O art. 5º do Decreto nº 5.151, de 22 de julho de 2004, passa a vigorar com a seguinte
redação:
“Art. 5o ............................................................................................................................................
..............................................................................................................................................................
§ 5º A Secretaria da Receita Federal do Brasil estabelecerá, em ato normativo próprio, a forma, o prazo e
as condições para o cumprimento da obrigação acessória a que se refere o § 4º.” (NR)
DILMA ROUSSEFF
Guido Mantega
Dispõe sobre os procedimentos operacionais a serem adotados pelo Diretor Nacional, pelos
Coordenadores e Gerentes dos Projetos implementados com a parceria do Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
Considerando, igualmente, que a política externa brasileira prioriza a cooperação Sul-Sul, como
instrumento seguro para atingir desenvolvimento sustentável, elevação do nível e da qualidade
de vida das populações;
aos limites de recursos estabelecidos para cada modalidade; aos documentos de licitação; aos
procedimentos licitatórios e à avaliação das propostas;
Solicitação de Cotação;
Solicitação de Proposta;
ii. divulgação do Aviso de Licitação com antecedência mínima de 30 [trinta] dias da abertura
das propostas.
d) o orçamento do subprojeto beneficiado deve prever recursos para a execução da ação a ser
implementada, não podendo ser ultrapassado
e) os Termos de Referência devem ser redigidos de forma clara, concisa, objetiva, contendo
todas as informações necessárias ao bom entendimento do objeto sob licitação, de forma a
propiciar maior qualidade na elaboração da proposta a ser apresentada, no processo e na
seleção da proposta mais vantajosa sob os aspectos técnicos e de preço, quando se aplicar.
366
a) os produtos a serem solicitados terão duração de até 12 meses consecutivos, podendo ser
prorrogado, no máximo, por igual período, e se referem a estudos técnicos, de pesquisa;
planejamento;
b) a consultoria de que trata o item anterior, a ser requisitada a pessoa física, deverá ser
realizada por profissional de nível superior, titulado por meio de curso especializado ou pós-
graduação, cuja qualificação profissional seja inerente ao trabalho a ser realizado ou por
consultor técnico que comprove grande conhecimento da matéria afeta ao projeto de
cooperação técnica internacional;
f.1. autorização, pelo Diretor Nacional ou Coordenador do Projeto PNUD, para a contratação do
consultor;
f.3. publicação do referido Termo de Referência em jornal de grande circulação e qualquer outra
forma de divulgação;
h) nesses casos, o processo se dará pela identificação e indicação do profissional pela instituição
parceira. A homologação da escolha será de competência do Diretor Nacional ou do
Coordenador do Projeto, após análise do "curriculum vitae" e sua adequação aos trabalhos a
serem realizados. O pagamento do consultor, em qualquer dos casos constantes das letras f),
g) e h) acima, será decorrente de contrato assinado pelo Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento, no âmbito de Projeto específico de cooperação, implementado com a parceria
do PNUD
j) a interrupção de um contrato por produto poderá ocorrer por decisão do Diretor Nacional do
Projeto do PNUD ou por solicitação do contratado. Reger-se-á, em ambos os casos pelo Manual
de Execução de Projetos de CTPD, do PNUD.
CELSO AMORIM
368
35.000.0000,00
30.000.0000,00
25.000.0000,00
20.000.0000,00
USD
15.000.0000,00
10.000.0000,00
5.000.0000,00
0,00
2003 2004 2005 2006
6 2007 2008 20009 2010
Projetos eem parceria com o FAO 2.259.887,01
Projetos eem parceria com a PMA 5.294.117,65
Projetos eem parceria com a IICA 1.180. 000,00 757.647,06
6
Projetos eem parceria com o UNODC 1.437. 552,50
Projetos eem parceria com o OTCA 75.867,65
Projetos eem parceria com o OIT 2.261. 556,00 757.647,06
6
Projetos eem parceria com a PNUD 2.014.979,,19 829.736,44 1.1132.447,605.308.50
08,033.579.212,946
6.801.538,2114.3266.571,928.124.745,2
Fonte: FARA
ANI, 2011.
369
300
250
200
R$ milhões
150
100
50
0
2005 2006 2007 2008 2009
Mercosul 1,2 76,8 98 128,5 127
Nações Unidas 55,1 49,2 33,2 46 62,2
OPAS/OMS 52 50,7 39,6 17,3 15,8
OEA 8 12,3 11,4 11,7 17
FAO 0 70,5 12,3 11,3 9
OIT 0 17,5 9,1 5,2 0
AIEA 0 9,8 7,5 5 14,4
Ásia; 16,44%
América Latina e
Caribe; 76,27%
Cooperação
financeira
21%
Doações em
espécie
(suprimentos)
66%
1,39% 1,43%
1,32%
1,83% Nicarágua
2,53%
7,35% 3,48% Equador
3,94% Peru
Argentina
Jamaica
4,03%
21,59%
Guiné Bissau
Bolívia
8,97%
Paraguai
Organizações internacionais
10,07% Honduras
Território palestino
19,21%
Haiti
12,84% Cuba
Demais países
ANEXO H - Número de iniciativas da CTPD brasileira coordenada pela ABC por país
Guiné Conacri 0 1
Libéria 1 0
Malaui 0 3
Mauritânia 0 2
Moçambique 18 2
Namíbia 2 0
Nigéria 2 0
Quênia 3 0
República Democrática 5 0
do Congo
São Tomé e Príncipe 16 3
Senegal 5 3
Sudão 0 1
Tanzânia 4 0
Togo 1 0
Tunísia 0 1
Zâmbia 2 0
Zimbábue 1 0
Total África 110 35
Afeganistão 2 0
Armênia 0 2
China 0 2
Líbano 1 0
Palestina 0 6
Tailândia 0 2
Timor Leste 9 0
República de Fiji 0 1
Total Ásia, Europa 12 13
Oriental, Oceania e
Oriente Médio
Fonte: A autora, 2013, com base em ABREU, 2012.
374
Ministros de Estado,
Não é fácil acabar com a fome. E eu acredito que a FAO, mais do que
ninguém, depois do grande encontro de Roma, em 1996, quando 112
Chefes de Estado se comprometeram a acabar com a fome em 2015, e,
hoje, a constatação é que nós estamos longe de acabar com a fome em
2015. A previsão, agora, pelo pouco caso daqueles que assumiram o
compromisso e que não o fizeram, é que agora, possivelmente, pelos
375
Eu estou convencido que é preciso dinheiro para acabar com a fome. Mas,
eu estou mais convencido, ainda, de que o dinheiro é apenas uma parte
dos problemas, ou uma parte do problema. É preciso que haja, sobretudo,
determinação política do governante mas, também, determinação política
de cada ser humano da face da terra, que se envergonhe de estar
comendo, na sua casa ou num restaurante, sabendo que bem próximo
dele tem uma criança em algum lugar do mundo morrendo porque não
consumiu as calorias e as proteínas necessárias.
Eu sei que muita gente gostaria que eu já tivesse acabado com a fome, no
Brasil. Tem gente que, quando nós anunciamos o projeto, no dia seguinte
já estava cobrando: "Não acabou com a fome ainda?".
O que eu posso garantir à direção da FAO é que durante 24 horas por dia
todos os membros do meu Governo, e se puder contribuir para que todas
as pessoas sensatas deste país ajam como o Governo, é que nós
estaremos tomando cada decisão pensando em como fazer chegar o
alimento na casa de uma pessoa.
E ele não foi feito pelo Governo, ou como peça de um candidato. O Projeto
Fome Zero foi elaborado sob a coordenação do Ministro Graziano que, na
época, era meu assessor no Instituto de Cidadania, mas envolveu grande
parte das pessoas que, neste país, um dia, se preocuparam com a fome.
Obrigado.
377
322
A parceria entre as duas organizações também contempla um segundo projeto, intitulado Desenvolvimento de
Recursos Humanos para a Indústria Têxtil e de Confecção nas Áreas de Marketing, Administração, Design e
Tecnologia. Ver: SENAI/DN 2010.
381