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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Ciências Sociais


Instituto de Estudos Sociais e Políticos

Iara Costa Leite

O envolvimento da EMPRAPA e do SENAI na Cooperação Sul-Sul: da


indução à busca pela retroalimentação

Rio de Janeiro
2013
Iara Costa Leite

O envolvimento da EMBRAPA e do SENAI na Cooperação Sul-Sul: da indução à busca


pela retroalimentação

Tese apresentada, como requisito parcial para


a obtenção do título de Doutora, ao Programa
de Pós-Graduação em Sociologia e Ciência
Política, da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. Área de Concentração: Ciência
Política.

Orientadora: Profa. Dra. Maria Regina Soares de Lima

Rio de Janeiro
2013
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/ BIBLIOTECA IESP

L533 Leite, Iara Costa.


O envolvimento da EMBRAPA e do SENAI na Cooperação Sul-
Sul: da indução à busca pela retroalimentação / Iara Costa Leite. -
2013.
381 f.

Orientador: Maria Regina Soares de Lima.


Tese (doutorado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
Instituto de Estudos Sociais e Políticos.

1. Cooperação internacional – Países do Mercosul - Teses. 2.


Politica externa – Brasil – Teses. 3. Organizações Internacionais –
Teses. 4. Ciência Política – Teses. I. Lima, Maria Regina Soares de.
II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Estudos
Sociais e Políticos. III. Título.

CDU 378.245

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta tese,
desde que citada a fonte.

_____________________________________________ _____________________
Assinatura Data
Iara Costa Leite
O envolvimento da EMBRAPA e do SENAI na Cooperação Sul-Sul: da indução à busca
pela retroalimentação
Tese apresentada, como requisito parcial para
a obtenção do título de Doutora, ao Programa
de Pós-Graduação em Sociologia e Ciência
Política, da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. Área de Concentração: Ciência
Política.

Aprovada em 14 de novembro de 2013.


Banca Examinadora:
____________________________________________________
Profa. Dra. Maria Regina Soares de Lima (Orientadora)
Instituto de Estudos Sociais e Políticos - UERJ

____________________________________________________
Prof. Dr. Carlos Roberto Sanchez Milani
Instituto de Estudos Sociais e Políticos - UERJ

____________________________________________________
Prof. Dr. José Flávio Sombra Saraiva
Universidade de Brasília

____________________________________________________
Profa. Dra. Letícia de Abreu Pinheiro
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

____________________________________________________
Profa. Dra. Miriam Gomes Saraiva
Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Rio de Janeiro
2013
DEDICATÓRIA

Ao meu filho Samuel, por ter me proporcionado momentos preciosos de leveza e de alegria
durante esta empreitada.
AGRADECIMENTOS

À minha orientadora, Maria Regina Soares de Lima, pela confiança e pelo apoio.
Aos professores e funcionários do IESP, pelo apoio e pela formação.
Aos professores, funcionários e alunos do Instituto de Relações Internacionais da
Universidade de Brasília, que me acolheram como professora substituta, permitindo que eu
me acercasse do meu objeto de estudo, além de terem me oferecido a valiosa oportunidade de
aprofundar meus conhecimentos sobre Economia Política, História das Relações
Internacionais e Organizações Internacionais, os quais viriam influenciar várias das reflexões
desta tese.
Aos alunos, professores, pesquisadores e funcionários de organizações que me
ofereceram preciosas oportunidades de intercambiar reflexões sobre os temas da Cooperação
Sul-Sul e da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento. Em especial, agradeço a:
Bruno Ayllón (IUDC); Monica Hirst (Di Tella); Alejandra Carrillo, Celia Almeida, Gracy
Rojas e José Paranaguá (Fiocruz); Roberta de Freitas (OPAS); Alberto Kleiman, Mauro
Figueiredo e Pollyana Kessy (Ministério da Saúde); Aline Soares, Ivone Alves e Luís
Carvalhal (MDS); Darana Souza, Fabio Veras, Karla Correa, Leisa Pearch, Mariana Hoffman
e Rathin Roy (IPC-IG); Bernabé Malacalza e Miguel Lengyel (Flacso Argentina); Renato
Baumann e Carlos Mussi (CEPAL); Márcio Corrêa (ABC); Francesco Pierri, Leonardo
Batista, Savio Costa e Thomas Patriota (MDA); Nathalie Beghin (INESC); Kjeld Jacobsen
(IDECRI); Rodrigo Pires (UCB); Adriana Abdenur, João Moura, Jurek Seifert, Paolo de
Renzio e Paulo Esteves (BRICS Policy Center); Miriam Faid (IHEID); Alex Shankland,
Jennifer Constantine, Katia Taela, Lidia Cabral e Liz Navas-Aleman (IDS); Eduarda Hamann
(Instituto Igarapé); Cristina Elsner e Melissa Andrade (Rede de Humanização do
Desenvolvimento); Guilherme Schmitz e João Brígido (IPEA); Carlos Aguilar, Nina Best e
Simon Ticehurst (Oxfam); Vanessa Coelho (UFRGS); Dan Bradley, Darren Evans, Max
Lombardo e Michael Ellis (DFID); Anna Postelnyak e Jason Li (Universidade de Toronto);
Alexandre Takahashi (JICA); Edu Tadeu (ABM); Alessandra Magagnin (Unesco); Rodrigo
Perpétuo e Stephania Aleixo (SMARI/PBH); Gonzalo Berron e Jean Tible (FES); General
Santos Cruz (Exército); Capitão Sergio Carrera (PMDF); Bianca Suyama, Elisa Camarote,
Ivone Souza, Luara Lopes e Melissa Pomeroy (Articulação SUL); Enrique Maruri e Nils
Sjard-Schulz (TT-SSC); Citlali Ayala, Gabriela Sanchez e Miguel Molina (Instituto Mora);
Jaqueline Rodas (Universidade de El Salvador); Lee Mackey (UCLA); Carolina de Castro
(Cirad); Deborah Barros (Universidade de British Columbia); Janis Van der Westhuizen
(Universidade de Stellenbosch); Clarisa Giaccaglia, Gladys Lechini e Gysela Pereyra
(Universidade de Rosario); Carl Gustav Lindén e Miguel Nino-Zarazua (WIDER/UNU); Lena
Johansson (SIDA); Laura Antoniazzi (ICONE); Carlos Aurélio de Faria, Pablo Souza e
Wilson Coelho (PUC-Minas); Danilo Marcondes e Emma Mawdsley (Universidade de
Cambridge); Peter Konijin (Knowing Emerging Powers); Luize Guimarães (OPM); Leticia
Cesarino (Universidade de Berkeley); Adriana Lombardo, André Dusi e Paulo Melo
(Embrapa); Celso França, Luciana Mancini, Milton Rondó e Pedro Henrique Barbosa (MRE);
Joana Amaral (Ministério da Educação); Ana Moreli (Caixa); Elodie Brun (CERI); Christiana
Stolte (GIGA); Dana de la Fontaine (Universidade de Kassel); Michelle Morais (SDH); Ana
Flávia Barros, Cristina Inoue, José Flávio Sombra Saraiva, Jorge Arbache, Kelly Silva, Luana
Seabra, Maria Izabel Valladão, Michele Dolcetti, Pio Penna, Thaís Fernandes e Rebecca
Borges (UnB); Laura Waibish e Vera Schattan (Cebrap); Fernanda Nanci (Unilassale); Carlos
Milani (IESP); Monica Solomón (UFSC); e por último, mas não menos importante, Letícia
Pinheiro (IRI/PUC-Rio).
A todos os funcionários da Embrapa, do Senai, de organizações internacionais e de
agências de cooperação que me receberam para entrevistas.
Aos amigos que me apoiaram durante todo este processo: Adi, Cris, Cla, David,
Delma, Jana, Kerby, Lilise, Rosa, Sheyla, Sil, Zé.
Aos meus familiares, aos familiares do meu filho, à Lucia e à Tia Ju, pelo apoio com o
Samuel.
Ao CNPq e aos meus pais, pelos auxílios concedidos.
Querer o bem com demais força, de incerto jeito, pode já estar sendo se querendo o mal por
principiar.
Guimarães Rosa

Parece ser destino de todos os períodos em transição que os reformadores estejam mais aptos
a lutar por uma teoria do que a resolver um problema... Eu não represento uma teoria. Eu
represento uma ansiedade.
David Mitrany
RESUMO

LEITE, Iara Costa. O envolvimento da EMBRAPA e do SENAI na Cooperação Sul-Sul: da


indução à busca pela retroalimentação. 2013. 381 p. Tese (Doutorado em Ciência Política) –
Instituto de Estudos Sociais e Políticos, Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2013.

Por envolver número crescente de atores domésticos, a participação do Brasil na


Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento (CTPD) representa domínio
privilegiado para se compreenderem oportunidades e desafios à institucionalização da
Cooperação Sul-Sul nas relações exteriores do país. Além de contarem com competência
setorial, instituições implementadoras da CTPD brasileira passaram a reunir conhecimentos
sobre países com os quais o Brasil não mantinha ligações históricas estreitas e contínuas,
aumentando seu potencial de influência sobre as diretrizes da política externa. Ao mesmo
tempo, boa parte dessas instituições possui estrutura voltada para o desenvolvimento
doméstico, conflitando com a alocação crescente de seus recursos para a promoção do
desenvolvimento internacional. Por um lado, embora a busca pelo desenvolvimento nacional
seja baluarte da diplomacia brasileira, os benefícios da CTPD para o mesmo aparecem de
forma difusa no discurso diplomático. Por outro lado, agências implementadoras passaram a
desenhar estratégias para triar ou induzir demandas, alimentando divergências com
instituições decisórias e implementadoras que sustentavam visões distintas sobre o
desenvolvimento e a inserção internacional do Brasil. O objetivo geral desta tese é entender os
determinantes do envolvimento do Brasil na CTPD e os impactos da alocação crescente de
recursos oficiais brasileiros para a promoção do desenvolvimento internacional sobre a
formulação da política externa brasileira. A análise será aprofundada por meio de estudo dos
casos de duas agências protagonistas na CTPD brasileira: a Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (EMBRAPA) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI). Seu
envolvimento na CTPD apresenta trajetória semelhante na medida em que induzido,
inicialmente, por doadores tradicionais e, posteriormente, como maior ênfase, pela diplomacia
brasileira. Durante o Governo Lula, diante do volume crescente de demandas, EMBRAPA e
SENAI, identificados tradicionalmente com modelos de desenvolvimento focados no
crescimento econômico e no avanço científico-tecnológico, fortaleceram suas divisões de
Relações Internacionais e buscaram influenciar o processo decisório da CTPD considerando
lições aprendidas em campo e elementos de seus respectivos planejamentos estratégicos. Não
obstante, com a entrada do Governo Dilma e as novas prioridades do desenvolvimento e da
política externa, essas instituições divergiram na avaliação da instrumentalidade da CTPD. A
vertente Sul-Sul se desmobilizou no SENAI, mas continuou relevante na EMBRAPA, o que
pode guardar relação com a maior competitividade do setor agrícola brasileiro e com a
capacidade da EMBRAPA de mobilizar fontes alternativas de recursos humanos e financeiros
para implementar ações. Porém, a polarização entre agronegócio e agricultura familiar dentro
da empresa, alimentada pela sua polarização na sociedade brasileira e fora do país,
comprometeu o alinhamento institucional em torno do caráter estratégico de sua atuação na
CTPD.

Palavras-chave: Cooperação técnica entre países em desenvolvimento. Cooperação Sul-Sul.


Cooperação internacional para o desenvolvimento. Política externa brasileira.
Embrapa. Senai. Organizações internacionais.
ABSTRACT

LEITE, Iara Costa. The involvement of EMBRAPA and SENAI in South-South Cooperation:
from induction to the search for feedback. 2013. 381 p. Tese (Doutorado em Ciência Política)
– Instituto de Estudos Sociais e Políticos, Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2013.

For involving a growing number of domestic actors, Brazil’s participation in Technical


Cooperation among Developing Countries (TCDC) represents a privileged field for
understanding opportunities and challenges to the institutionalization of South-South
Cooperation in the country’s foreign affairs. Besides gathering sectorial expertise,
implementing institutions of Brazilian TCDC began gathering knowledge on countries with
which Brazil did not maintain close and continuous historical relations, thus enhancing their
potential to influence foreign policy guidelines. At the same time, most of such institutions’
framework targets at domestic development, conflicting with growing allocation of their
resources to the promotion of international development. On the one hand, although the
search for national development is a bulwark of Brazilian diplomacy, the benefits of TCDC to
the former are diffusely accounted for in the diplomatic discourse. On the other hand,
implementing agencies started designing strategies to sort or to induce demands, feeding
divergences with decision-making and implementing institutions holding different views on
development and on Brazil’s participation in international affairs. The aim of this dissertation
is to understand the drivers of Brazil’s involvement in TCDC and the impacts of growing
allocation of Brazilian official resources to the promotion of international development over
the design of Brazilian foreign policy. The analysis will be deepened through case studies of
two protagonist agencies in Brazilian TCDC: the Brazilian Agricultural Research Corporation
(EMBRAPA) and the National Industrial Training Service (SENAI). Their involvement in
TCDC presents similar paths since it was initially induced by traditional donors and later,
with greater emphasis, by Brazilian diplomacy. During the Lula administration, faced with a
growing number of demands, Embrapa and Senai, traditionally identified with development
models focused at economic growth and scientific and technological advance, have
strengthened their International Relations departments and tried to influence TCDC decision-
making considering lessons learnt in field and elements presented in their respective strategic
plans. However, with the arrival of the Dilma administration and new development and
foreign policy priorities, such institutions have diverged in the assessment of TCDC’s
instrumentality. The South-South arena was demobilized in SENAI, but continued to be
relevant in EMBRAPA, something that can bear a relation with greater competitiveness of the
Brazilian agricultural sector and EMBRAPA’s capacity of mobilizing alternative human and
financial resources to implement actions. Nonetheless, polarization among agribusiness and
family farming inside the corporation, fed by its polarization in Brazilian society and outside
the country, has compromised institutional alignment around its strategic action in TCDC.

Keywords: Technical cooperation among developing countries. South-south cooperation;


International development cooperation. Brazilian foreign policy. Embrapa. Senai.
International organizations.
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Amostragem de definições de Cooperação Sul-Sul..................................... 41


Quadro 2 - Eventos multilaterais que contribuíram para impulsionar e definir a
CSS............................................................................................................... 64
Quadro 3 - Alocação setorial da CPTD brasileira coordenada pela ABC segundo
fontes diversas.............................................................................................. 128
Quadro 4 - Distribuição dos recursos da ABC por regiões segundo fontes diversas..... 130
Quadro 5 - Grau de correspondência entre a alocação dos projetos coordenados pela
ABC por país e o ranking das prioridades geográficas da
agência.......................................................................................................... 145
Quadro 6 - Laboratórios virtuais da Embrapa no exterior.............................................. 198
Quadro 7 - Oportunidades e ameaças à Embrapa diante de tendências consolidadas.... 224
Quadro 8 - Sistematização dos principais debates realizados na Câmara dos
Deputados durante audiência pública sobre a criação da Embrapa
Internacional (06/12/2010)........................................................................... 229
Quadro 9 - Cursos oferecidos pelo Senai no âmbito do TCTP...................................... 250
Quadro 10 - Comentários sobre o envolvimento do Senai na CTPD realizados por ex-
diretores da ABC (1995-2012)..................................................................... 253
Quadro 11 - Informações sobre os centros de formação profissional estabelecidos por
parceria entre Senai e ABC em outros países em desenvolvimento............ 254
Quadro 12 - Diretrizes gerais da cooperação internacional do Senai .............................. 267
Quadro 13 - Instrumentos legais, atribuições e composição das primeiras instituições
brasileiras voltadas para a CTI..................................................................... 327
Quadro 14 - Instrumentos legais relativos à configuração institucional da ABC............ 330
Quadro 15 - Debates e considerações realizados durante a tramitação das Medidas
Provisórias nº 481/2010 e nº 519/2010 na Câmara dos Deputados............. 335
Quadro 16 - Nome do acordo de cooperação vigente por país e data de assinatura........ 353
Quadro 17 - Sistematização de informações sobre projetos de cooperação recebida
pelo Senai..................................................................................................... 378
LISTA DE DIAGRAMAS

Diagrama 1 - A Cooperação Sul-Sul para o Desenvolvimento como interseção entre


a Cooperação Internacional para o Desenvolvimento e a Cooperação
Sul-Sul...................................................................................................... 48
Diagrama 2 - A CSSD como possível mecanismo iniciador de modalidades mais
avançadas de cooperação.......................................................................... 81
Diagrama 3 - O processo político da CTPD brasileira: da diplomacia ao desenho
operacional............................................................................................... 148
LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Número de ações de CTPD sob a coordenação da ABC iniciadas por


ano, 2003-2010......................................................................................... 113
Gráfico 2 - Participação de cada modalidade da CSSD brasileira no total, 2005-
2009.......................................................................................................... 121
Gráfico 3 - Evolução anual da participação de cada modalidade da CSSD
brasileira, 2005-2009................................................................................ 121
Gráfico 4 - Distribuição dos recursos da cooperação técnica brasileira por nível de
renda dos destinatários, 2005-2009 (%)................................................... 126
Gráfico 5 - Volume de recursos alocados por organismo internacional para a
execução da CTPD brasileira, 2003-2010 (US$)..................................... 368
Gráfico 6 - Contribuições do Brasil para organismos internacionais, 2005-2009...... 369
Gráfico 7 - Distribuição da assistência humanitária brasileira por região, 2005-
2009.......................................................................................................... 370
Gráfico 8 - Detalhamento dos gastos da assistência humanitária brasileira, 2005-
2009.......................................................................................................... 370
Gráfico 9 - Alocação da assistência humanitária brasileira por nível de renda do
país de destino, 2005-2009....................................................................... 371
Gráfico 10 - Distribuição da assistência humanitária brasileira por país, 2005-2009.. 371
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Mapa estratégico tentativo sobre a CTPD brasileira elaborado a partir de


análise de discurso do Cobradi...................................................................... 142
Figura 2 - Posicionamento estratégico da Embrapa....................................................... 224
Figura 3 - Mapa estratégico do Sistema Indústria 2006-2010....................................... 273
Figura 4 - Mapeamento de países prioritários para a atuação do Senai no eixo Sul-
Sul.................................................................................................................. 280
Figura 5 - Mapa dos laboratórios virtuais e projetos da Embrapa no exterior............... 377
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Desembolsos com a cooperação brasileira para o desenvolvimento


internacional por modalidade, 2005-2009..................................................... 118
Tabela 2 - Distribuição dos recursos da cooperação técnica brasileira por região,
2005-2009 (R$ valores correntes)................................................................. 125
Tabela 3 - Alocação setorial da CTPD brasileira por região, 2005-ago/2012............... 132
Tabela 4 - Ranking dos maiores recipiendários dos recursos da ABC, 2005-jul/2010.. 134
Tabela 5 - Distribuição de acordos de cooperação internacional envolvendo a
Embrapa por região....................................................................................... 202
Tabela 6 - Distribuição de projetos e atividades de CTPD por áreas temáticas, 1995-
2005............................................................................................................... 204
Tabela 7 - Número de projetos e atividades isoladas da CTPD brasileira por país....... 372
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABC Agência Brasileira de Cooperação


AOD Assistência Oficial para o Desenvolvimento
BID Banco Interamericano de Desenvolvimento
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
BRICS Agrupamento Brasil-Rússia-Índia-China-África do Sul
CAD Comitê de Assistência ao Desenvolvimento
CAMEX Câmara de Comércio Exterior
CECAT Embrapa Estudos e Capacitação
CEPAL Comissão Econômica para a América Latina
CEPD Cooperação Econômica entre Países em Desenvolvimento
CGFOME Coordenação-Geral de Ações de Combate à Fome
CGIAR Grupo Consultivo de Pesquisa Agrícola Internacional
CGPD Coordenação-Geral de Cooperação Técnica entre Países em
Desenvolvimento
CIAT Centro Internacional de Agricultura Tropical (Colômbia)
CID Cooperação Internacional para o Desenvolvimento
CIDA Agência Canadense de Cooperação
CINTERFOR Centro Interamericano para o Desenvolvimento do Conhecimento
em Formação Profissional
CNA Confederação Nacional da Agricultura
CNAT Comissão Nacional de Assistência Técnica
CNI Confederação Nacional da Indústria
CNLT Centro Nacional de Tecnologias Limpas do Senai
COBRADI Cooperação Brasileira para o Desenvolvimento Internacional
CONSAD Conselho de Administração da Embrapa
CONTAP Conselho de Cooperação Técnica da Aliança para o Progresso
CPLP Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
CPPD Cooperação Política entre Países em Desenvolvimento
CSS Cooperação Sul-Sul
CSSD Cooperação Sul-Sul para o Desenvolvimento
CTI Cooperação Técnica Internacional
CTPD Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento
DFID Departamento para o Desenvolvimento Internacional do Reino
Unido
ECOSOC Conselho Econômico e Social das Nações Unidas
EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
ENAP Escola Nacional de Administração Pública
FAO Organização para Alimentação e Agricultura das Nações Unidas
FGV Fundação Getúlio Vargas
FOCAC Fórum de Cooperação China-África
FUNAG Fundação Alexandre Gusmão
FUNEC Fundo Especial de Cooperação Técnica
G20 Grupo dos 20 da OMC ou grupo formado pelos ministros das
Finanças e chefes dos Bancos Centrais das maiores economias do
mundo
G77 Grupo dos 77 da UNCTAD
GATT Acordo Geral de Tarifas e Comércio
GIZ Agência Alemã de Cooperação
GTEX Grupo Técnico para Estudos Estratégicos de Comércio Exterior
GTI-AHI Grupo de Trabalho Interministerial em Assistência Humanitária
Internacional
IBAS Fórum de Diálogo Índia, Brasil e África do Sul
IEL Instituto Evaldo Lodi
INA Instituto Nacional de Aprendizagem (Costa Rica)

INTECAP Instituto Técnico de Capacitação e Produtividade (Guatemala)


INWENT Formação e Aperfeiçoamento Profissional Internacional (agência do
Ministério de Cooperação Econômica e do Desenvolvimento da
Alemanha)
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
JICA Agência Japonesa de Cooperação
LABEX Laboratórios Virtuais da Embrapa no Exterior
MDIC Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio
MNA Movimento dos Não Alinhados
MRE Ministério das Relações Exteriores
NCTs Núcleos de Cooperação Técnica
NHBs Necessidades Humanas Básicas
NICs Novos Países Industrializados
NOEI Nova Ordem Econômica Mundial
OCDE Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
ODMs Objetivos de Desenvolvimento do Milênio
OEA Organização dos Estados Americanos
OIs Organizações Internacionais
OIT Organização Internacional do Trabalho
OMS Organização Mundial da Saúde
ONG Organização Não Governamental
ONU Organização das Nações Unidas
ONUDI Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial
OPAS Organização Pan-Americana de Saúde
OPEP Organização dos Países Produtores e Exportadores de Petróleo
OTCA Organização do Tratado de Cooperação Amazônica
PABA Plano de Ação de Buenos Aires
PALOPs Países de Língua Oficial Portuguesa
PIB Produto Interno Bruto
PMA Programa Mundial da Alimentação
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PNUMA Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
PRODECER Programa de Cooperação Nipo-Brasileiro para o Desenvolvimento
Agrícola dos Cerrados
PRONATEC Programa Nacional de Educação Técnica
PT Partido dos Trabalhadores
SECAP Serviço Equatoriano de Capacitação Profissional
SEGIB Secretaria-Geral Iberoamericana
SENA Serviço Nacional de Aprendizagem (Colômbia)
SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
SENATI Serviço Nacional de Aprendizagem em Trabalho Industrial (Peru)
SESI Serviço Social da Indústria
SNPA Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária
SNPP Serviço Nacional de Promoção Profissional (Paraguai)
SRI Secretaria de Relações Internacionais da Embrapa
SUBIN Subsecretaria de Cooperação Econômica e Técnica Internacional
TCTP Programa de Treinamento para Terceiros Países da JICA
TVCT Corporação de Treinamento Técnico e Vocacional (Arábia Saudita)
UECSS Unidade Especial de Cooperação Sul-Sul do PNUD
UNASUL União das Nações Sul-Americanas
UNCTAD Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura
UNINTER Unidade de Relações Internacionais do Senai
UNODC Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime
UNTAET Administração Transitória das Nações Unidas no Timor Leste
USAID Agência de Cooperação dos Estados Unidos
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.................................................................................................... 21
1 COOPERAÇÃO SUL-SUL E COOPERAÇÃO PARA O
DESENVOLVIMENTO INTERNACIONAL: CONCEITOS, HISTÓRIA
E MARCOS INTERPRETATIVOS................................................................... 40
1.1 O que é Cooperação Sul-Sul?.............................................................................. 41
1.2 Breve histórico da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento......... 50
1.3 Uma história tentativa da Cooperação Sul-Sul................................................. 56
1.4 Marcos interpretativos da Cooperação Sul-Sul................................................. 71
1.4.1 Os princípios da CSS e o Sul místico..................................................................... 71
1.4.2 Teorias das relações internacionais: o Sul ausente................................................. 75
1.4.3 Elaborações das teorias sociais sobre a cooperação............................................... 78
1.4.4 Análise de política externa..................................................................................... 82
1.5 Considerações finais............................................................................................. 88
2 A PARTICIPAÇÃO DO BRASIL NA CTPD: DA INDUÇÃO EXTERNA
À POLITIZAÇÃO NA ARENA DOMÉSTICA................................................ 93
2.1 A evolução histórica do sistema brasileiro de cooperação técnica
internacional: determinantes e desafios............................................................. 95
2.1.1 O sistema brasileiro de CTI antes da criação da ABC........................................... 95
2.1.2 Os condicionantes e propósitos do envolvimento brasileiro na CTPD (anos 50 a
80)........................................................................................................................... 99
2.1.3 A criação da ABC.................................................................................................. 106
2.1.4 A tentativa de “itamaratização” da ABC e as questões legais da CTPD
brasileira................................................................................................................. 108
2.1.5 Outros avanços e desafios...................................................................................... 113
2.2 O perfil da Cooperação Sul-Sul para o Desenvolvimento brasileira e o
lugar da CTPD...................................................................................................... 117
2.3 O discurso oficial: princípios, propósitos, prioridades e abordagens.............. 134
2.4 Os condicionantes domésticos do processo decisório da CTPD brasileira:
instituições, grupos de interesses e estratégias................................................... 152
2.4.1 O Governo Cardoso................................................................................................ 159
2.4.2 O Governo Lula...................................................................................................... 170
2.4.3 O Governo Dilma................................................................................................... 185
2.5 Considerações finais............................................................................................. 187
3 O ENVOLVIMENTO DA EMBRAPA NA CTPD: MOBILIZAÇÃO
ESTRATÉGICA SEM ALINHAMENTO INSTITUCIONAL....................... 193
3.1 A evolução da inserção da Embrapa na cooperação internacional: da
recepção ao intercâmbio de conhecimentos....................................................... 195
3.2 A evolução do envolvimento da Embrapa na CTPD: da indução à busca
pela inserção estratégica...................................................................................... 201
3.2.1 A evolução do componente diplomático................................................................ 207
3.2.2 A evolução do componente humanitário................................................................ 214
3.2.3 A evolução do componente estratégico.................................................................. 219
3.3 Considerações finais............................................................................................. 234
4 O ENVOLVIMENTO DO SENAI NA CTPD: DESMOBILIZAÇÃO
ESTRATÉGICA COM ALINHAMENTO INSTITUCIONAL...................... 239
4.1 Cooperação recebida: histórico e avaliação....................................................... 241
4.2 Cooperação prestada: indução, inserção estratégica e desmobilização.......... 246
4.2.1 A evolução dos componentes diplomático e humanitário...................................... 256
4.2.2 A evolução do componente estratégico.................................................................. 266
4.3 Considerações finais............................................................................................. 283
CONCLUSÃO...................................................................................................... 288
REFERÊNCIAS.................................................................................................. 301
APÊNDICE A - Breve revisão do conceito de cooperação triangular............. 325
APÊNDICE B - Sistematização de informações sobre as primeiras
instituições do sistema brasileiro de Cooperação Técnica
Internacional.......................................................................... 327
APÊNDICE C - A evolução institucional-legal da ABC................................. 330
APÊNDICE D - Informações sobre o Grupo de Trabalho Interministerial
em Assistência Humanitária Internacional............................ 333
APÊNDICE E - Informações sobre o trâmite legislativo de instrumentos
que versam sobre a assistência alimentar brasileira.............. 335
APÊNDICE F - Considerações sobre a horizontalidade na CSS e na CTPD
brasileira................................................................................ 345
APÊNDICE G - Considerações sobre as relações da Embrapa com o
CGIAR................................................................................... 348
ANEXO A - Texto completo do Decreto nº
65.476.................................................................................... 350
ANEXO B - Acordos vigentes da CTPD envolvendo o Brasil.................. 353
ANEXO C - Decretos que dispõem sobre a gestão de projetos no âmbito
de acordos de cooperação técnica com organismos
internacionais......................................................................... 356
ANEXO D - Texto da Portaria MRE n. 555............................................... 364
ANEXO E - Parcerias com Organismos Internacionais para a Execução
da CTPD brasileira................................................................ 368
ANEXO F – Evolução das maiores contribuições brasileiras para
Organizações Internacionais e Bancos Regionais................. 369
ANEXO G - Perfil da Assistência Humanitária Brasileira......................... 370
ANEXO H - Número de iniciativas da CTPD brasileira coordenada pela
ABC por país......................................................................... 372
ANEXO I - Discurso do Presidente Lula durante a Solenidade de
Assinatura de Projetos de Cooperação Técnica entre a
República Federativa do Brasil e a Organização das Nações
Unidas para a Agricultura e Alimentação – FAO. Palácio
do Itamaraty, 14/02/2003....................................................... 374
ANEXO J - Laboratórios Virtuais e Projetos da Embrapa no Exterior..... 377
ANEXO K - Melhores práticas: cooperação recebida pelo Senai a partir
da década de 90..................................................................... 378
21

INTRODUÇÃO

As relações Sul-Sul tornaram-se um dos aspectos centrais da economia política


internacional no século XXI. Embora as conexões entre países em desenvolvimento não sejam
fenômeno novo, sua ampliação e aprofundamento recentes, alimentados pela emergência de
diversos países em desenvolvimento, provocou explosão sem precedentes de estudos e de
referências políticas e midiáticas ao tema e às suas consequências para o reordenamento
global.
O estreitamento das relações Sul-Sul é atestado, na prática, pela proliferação de
coalizões envolvendo países em desenvolvimento, como o Fórum de Diálogo Índia, Brasil e
África do Sul (IBAS), o agrupamento Brasil-Rússia-Índia-China-África do Sul (BRICS) e
grupos reunindo países em desenvolvimento no âmbito da Organização Mundial do Comércio
(OMC), como o G20 e o Cotton-4,1 bem como pelo aumento do comércio,2 dos
investimentos3 e dos fluxos de Assistência Oficial para o Desenvolvimento (AOD)4 entre
países do chamado “Sul global”.5

1
Ambas os grupos foram formados com o fim de fortalecer a posição de países em desenvolvimento nas
negociações agrícolas no âmbito da OMC. Informações detalhadas sobre ambos os grupos podem ser acessadas
em OMC (2013).
2
A participação das exportações Sul-Sul nas exportações mundiais praticamente dobrou entre 2001 e 2011,
passando de 13% para quase 25% (UNCTAD, 2013). O comércio Sul-Sul é apontado como o segmento mais
dinâmico do comércio mundial, tendo seu valor total crescido a uma média anual de 19,3% (17,5% se o
comércio com a China for excluído) na última década, ao passo que as exportações dos países em
desenvolvimento para países de renda alta cresceram a média de 11% ao ano (BANCO MUNDIAL, 2013a).
3
Os Investimentos Estrangeiros Diretos Sul-Sul passaram de 25% dos investimentos globais em 2007 para 34%
em 2010 (AYKUT, 2011).
4
Na definição do Comitê de Assistência ao Desenvolvimento (CAD) da Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), a qual será abordada no Capítulo 1, a AOD refere-se a doações e
empréstimos concessionais oficiais a países em desenvolvimento que tenham como objetivo central promover o
desenvolvimento e o bem-estar nesses países. Os fluxos de AOD também incluem a chamada “cooperação
técnica” – desembolsos para educação e treinamento de nacionais de países em desenvolvimento e pagamentos
feitos a consultores, assessores, professores e administradores, incluindo equipamentos, que atuem em países em
desenvolvimento (CAD, 2013a). Os desembolsos de AOD que tiveram como origem governos dos países do Sul,
ou os chamados “novos parceiros do desenvolvimento”, passou de 1,7% dos fluxos mundiais de assistência em
1995 para 12% em 2008. Neste ano, a AOD oferecida pela Arábia Saudita (US$ 5,6 bilhões) foi maior do que as
contribuições realizadas por 15 dos 23 países que integram o CAD; a AOD oferecida pela China (US$ 3,8
bilhões) foi maior que as realizadas por 11 países do CAD; e a Coreia do Sul e a Turquia, cada um, destinaram
mais AOD do que quatro países do DAC. Ao todo, os quatro países contribuíram com US$ 11 bilhões no ano de
2008 (PARK, 2011).
5
O Sul global não se refere a categoria geográfica, mas ao agrupamento de países em desenvolvimento (países
de renda média e países de renda baixa). O mesmo vale para o caso do “Norte”, agrupamento dos países
desenvolvidos ou de renda alta. Para mais detalhes sobre essas classificações, ver BANCO MUNDIAL (2013b).
22

Boa parte dos estudos sobre as relações Sul-Sul realizados por acadêmicos brasileiros
vem sublinhando o papel das parcerias e coalizões com outros países emergentes6 e em
desenvolvimento na busca pela autonomia em relação às grandes potências, em especial os
Estados Unidos, e por mudanças na geografia internacional do poder e na governança global
em favor dos países em desenvolvimento (ALTEMANI, 2006; LIMA, 2005a, 2008; LIMA;
HIRST, 2006; OLIVEIRA; ONUKI, 2013; OLIVEIRA, 2005; PECEQUILO, 2008;
SARAIVA, M., 2007; VIGEVANI; CEPALUNI, 2007). Por seu turno, estudos focados na
Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (CID) ou, mais particularmente, na
cooperação técnica prestada pelo Brasil a outros países em desenvolvimento,7 apontam seu
papel como instrumento para o estreitamento de laços econômicos e políticos com outros
países e regiões em desenvolvimento e para a projeção internacional do Brasil (BARBOSA,
P., 2011; CERVO, 1992; IGLESIAS PUENTE, 2010; LIMA, 2010; VALLER FILHO, 2007).
Com relação aos determinantes da guinada recente da política externa brasileira para o
Sul, apontam-se fatores estruturais, como o unilateralismo norte-americano no pós-11 de
setembro (ALDEN; VIEIRA, 2005; OLIVEIRA, 2005; VIGEVANI; CEPALUNI, 2007), e
domésticos, destacando-se a relação entre a aproximação com outros países em
desenvolvimento e elaborações tradicionais do Partido dos Trabalhadores (PT) (ALMEIDA,
P., 2004), as quais, por sua vez, convergem com visões autonomistas da diplomacia brasileira
(LIMA, 2005a; SARAIVA, M., 2007, 2010; VIGEVANI; CEPALUNI, 2007).

Apesar de não possuírem características econômicas, sociais e políticas homogêneas, os países do Sul
compartilham de um conjunto de vulnerabilidades e desafios no que se refere ao seu desenvolvimento (PNUD,
2004), o que se configura como uma das razões para a referência a eles como categoria analítica.
6
Os atributos comuns dos países emergentes ou “novas potências” são: reação ao status quo, marcado por
valores ocidentais e pelo liberalismo; insatisfação geopolítica; compartilhamento de trajetória histórica direta ou
indiretamente ligada ao Movimento dos Não-Alinhados, à diplomacia terceiro-mundista e à Nova Ordem
Econômica Mundial; e pertencimento a grupo intermediário de países no que se refere à renda per capita
(MILANI, 2012d).
7
Ver Nota 4. O diplomata brasileiro Iglesias Puente (2010, p. 74) define a Cooperação Técnica Internacional
(CTI) como “Um processo multidisciplinar e multissetorial que envolve, normalmente, um país em
desenvolvimento e outro(s) ator(es) internacionais (país ou organização multilateral), os quais trabalham juntos
para promover, mediante programas, projetos ou atividades, a disseminação e transferência de conhecimentos,
técnicas, experiências bem-sucedidas e tecnologias, com vistas à construção e desenvolvimento de capacidades
humanas e institucionais do país em desenvolvimento, despertando-lhe, dessa forma, a necessária autoconfiança
que contribua para o alcance do desenvolvimento sustentável, com inclusão social, por meio da gestão e
funcionamento eficazes do Estado, do sistema produtivo, da economia e da sociedade em geral”. Iglesias Puente
diferencia a CTI de outras modalidades da CID: assistência humanitária, ajuda alimentar, cooperação financeira
e cooperação científica e tecnológica. O CAD não inclui a cooperação científica e tecnológica como modalidade
da AOD, a qual engloba a transferência de tecnologias destinadas à solução de problemas elementares do
desenvolvimento, classificada pelo CAD como cooperação técnica.
23

Não obstante, em contexto marcado pela emergência de novos temas na agenda


internacional e, no âmbito doméstico brasileiro, pela politização e pela horizontalização da
política externa,8 o engajamento do Brasil nas relações Sul-Sul apresenta configurações cada
vez mais complexas. A elevação da diplomacia presidencial, bem como a mobilização de
organizações da sociedade civil, governos subnacionais, ministérios, setor privado e outros
grupos em torno de assuntos internacionais, levanta questionamentos a respeito de como a
interação entre esses atores e o Ministério das Relações Exteriores (MRE) afeta a elaboração,
a eficácia e a sustentabilidade das diretrizes da política externa brasileira e da definição
daquilo que se configura tradicionalmente como seu vetor central: a busca pelo
desenvolvimento nacional.
Por envolver dezenas de atores dos três Poderes, níveis da federação e setores da
sociedade – Organizações Não-Governamentais (ONGs), movimentos sociais, empresas,
universidades –, a Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento (CTPD)9 representa
domínio privilegiado para se compreenderem oportunidades e desafios à inserção
internacional do Brasil colocados pela interação crescente entre o Itamaraty e outros atores
domésticos. Esses atores, muitos dos quais interagiam há décadas na esfera internacional –
integrando redes funcionais, recebendo cooperação técnica e/ou envolvendo-se na CTPD -,
passaram a ser cada vez mais convocados, a partir do fim dos anos 90, para atuarem como
agentes da política externa brasileira. Além de contarem com competência técnica não
disponível de forma consolidada nos quadros diplomáticos, essas entidades também passaram
a acumular conhecimentos acerca do contexto econômico, social, legal, político e institucional
de dezenas de países com os quais o governo brasileiro não mantinha ligações históricas
8
A politização da política externa brasileira emergiu de forma mais clara nos anos 90, em contexto de
aprofundamento da globalização, da redemocratização e da crise do modelo baseado na substituição de
importações. O insulamento burocrático do Ministério das Relações Exteriores (MRE), garantido nas décadas
anteriores por agenda limitada de inserção externa (baseada no foco na proteção da indústria e na busca pelo
tratamento diferencial no regime de comércio), viu-se questionado, ou tornou-se disfuncional, pela proliferação
das disputas sobre a definição do interesse nacional em contexto marcado pelos crescentes impactos
distributivos, redistributivos e regulatórios resultantes da emergência de novos temas e atores na governança
global (LIMA, 2000, 2005a; LIMA; HIRST, 2006; SANCHEZ; DA SILVA; CARDOSO; SPÉCIE, 2006). Nesse
contexto outros atores do Poder Executivo, além do MRE, passaram a se ocupar cada vez mais de temas
específicos da agenda externa brasileira, processo ao qual se deu o nome de “horizontalização da política
externa” (FRANÇA; SANCHEZ, 2009). Também aumentou o número de grupos e cidadãos que passaram a se
ver afetados pelas decisões de política externa, com consequente ampliação do interesse pelo tema e de pressões
por maior transparência no processo decisório (MILANI, 2012b).
9
Para a definição de cooperação técnica, ver notas 4 e 7. A CTPD será tomada, neste trabalho, como interface
entre a CID e a Cooperação Sul-Sul (CSS). Conforme será visto com mais detalhes no Capítulo 1, embora os
termos CSS e CTPD sejam confundidos, a CSS é mais ampla, englobando também intercâmbios em diversas
áreas para além da cooperação técnica (como ciência e tecnologia, acordos de comércio e barganha coletiva no
âmbito multilateral).
24

estreitas e contínuas, aumentando seu potencial de influência sobre as diretrizes da política


externa.
No entanto, o envolvimento exponencial de entidades domésticas na CTPD brasileira,
bem como a elevação de uma temática tradicionalmente identificada como vertente da CID a
instrumento de política externa, não veio sem controvérsias. O sistema formal brasileiro de
Cooperação Técnica Internacional (CTI), que em 1987 teve sua coordenação retransmitida do
Ministério do Planejamento para o MRE, com a criação da Agência Brasileira de Cooperação
(ABC), herdou aspectos normativos e procedimentais relacionados ao paradigma tradicional
da CID, emanado, em grande medida, da Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE). Apesar de o Brasil jamais ter feito parte dessa organização, e de o
governo brasileiro ter historicamente resistido a algumas de suas diretrizes,10 interpretando-as
como instrumento utilizado pelos países mais ricos para impedir o desenvolvimento dos
emergentes,11 elas influenciaram a entidade que assumiu papel central na CTPD desde o fim
dos anos 70 e na própria concepção e operacionalização da CTPD brasileira: o Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
Uma das premissas centrais do paradigma dominante da CID assenta-se na ideia de
que a incidência de interesses políticos e econômicos por parte dos países doadores impacta
negativamente o desenvolvimento dos países recipiendários, especialmente daqueles menos
desenvolvidos e que contam com bases institucionais mais frágeis.12 Embora essa ideia

10
O governo brasileiro resistiu, por exemplo, à introdução da graduação na CID, que pregava que o foco da
comunidade de doadores deveria ser os países de menor desenvolvimento relativo. Conforme veremos no
Capítulo 2, com a introdução da graduação o governo brasileiro passaria a ter de arcar com custos crescentes
para receber cooperação, além de ter de se comprometer a replicar a cooperação recebida em terceiros países em
momento subsequente. O governo brasileiro também resistiu a diretrizes que demandavam foco nas chamadas
Necessidades Humanas Básicas (NHBs), as quais se afastavam de perspectivas do desenvolvimento defendidas
tradicionalmente pelas elites brasileiras (crescimento econômico e desenvolvimento científico e tecnológico).
11
Essa interpretação baseia-se na premissa de que a OCDE responde aos interesses dos países mais poderosos.
Não obstante, o poder de definição de agenda por parte da OCDE, assim como outras burocracias internacionais
em geral, resulta, em grande medida, do conhecimento acumulado em temas específicos do desenvolvimento. O
mesmo vale para o Banco Mundial, outra organização central na produção de conhecimentos sobre a efetividade
da CID. O papel do conhecimento na produção das normas internacionais é amplamente explorado pela literatura
sobre as organizações internacionais. Ver, por exemplo, BARNETT; FINNEMORE, 2004; HAAS, 1990; e, no
caso específico da OCDE, MARTENS; JACOBI, 2010.
12
Os estudos sobre a efetividade da CID foram tradicionalmente realizados, em think tanks especializados no
tema do desenvolvimento internacional e em organizações internacionais, por economistas e por especialistas em
áreas diversas do desenvolvimento (no âmbito dos chamados “estudos do desenvolvimento”). Os principais
debates giraram em torno de como garantir que CID promovesse, de fato, o desenvolvimento dos países
recipiendários, particularmente dos países menos desenvolvidos (localizados atualmente, na sua maioria, na
África Subsaariana). Uma das razões centrais apontadas para a ineficácia da CID seria o fato de ser utilizada
como instrumento de influência econômica e geopolítica dos países doadores, em detrimento das reais
necessidades dos recipiendários. A incidência de interesses próprios por parte dos doadores – inclusive no caso
25

coadune com visão tradicional sustentada pela diplomacia brasileira e pelos países do Sul
Global nas suas relações com o Norte (em especial nas suas relações com as grandes
potências), ela vai ao encontro da própria visão sobre a CTPD como instrumento de política
externa.
Entretanto, a incidência de interesses sobre a CTPD brasileira é vista como não
deletéria ao desenvolvimento dos países parceiros, na medida em que: basear-se-ia em
interesses de cunho político e identificados com aqueles sustentados pelos países em
desenvolvimento como um todo; por ainda ser país em desenvolvimento e contar com
recursos restritos para a prestação de cooperação, o Brasil focaria sua ação no apoio ao
desenvolvimento de capacidades institucionais dos países parceiros. Esse foco, por sua vez,
converge com uma segunda ideia emanada do paradigma tradicional da CID: a visão de que a
cooperação técnica, ao focar o fortalecimento de capacidades que tendem a se autossustentar
após a retirada do apoio externo, promove a autonomia dos países parceiros.
Do ponto de vista do Brasil como prestador de CTPD, embora o discurso ressalte seus
custos reduzidos,13 a questão é que boa parte das instituições nacionais que são convocadas a

de organizações internacionais, que disputam acesso a recursos que garantam a continuidade e a expansão de
suas atividades – levaria à competição entre eles por resultados rápidos, desconsiderando a construção de
processos que garantam a sustentabilidade das iniciativas e gerando altos custos de transação devido a
duplicação de esforços e absorção das burocracias dos países recipiendários por uma série de missões e
atividades de prestação de contas. Segundo estimativas, mais de 80 mil projetos de cooperação são executados
anualmente por pelo menos 56 doadores com 197 agências bilaterais e 263 agências multilaterais. Em 2007, foi
realizada uma média de 263 missões por país, tendo os oficiais responsáveis dos países recipiendários dedicado
entre um terço e metade de sua jornada de trabalho para se reunir com doadores (KHARAS; MAKINO; JUNG,
2011). No que se refere aos interesses comerciais dos países doadores, seus efeitos deletérios ao
desenvolvimento dos recipiendários resultariam do direcionamento de créditos concessionais para o
financiamento de projetos sobrevalorizados, com pouco impacto sobre o desenvolvimento e gerando aumento do
endividamento externo dos recipiendários. Dois acordos internacionais limitaram a orientação comercial da
ajuda: o Acordo de Helsinki (1991), negociado sob a liderança da OCDE; e recomendação emitida em 2001,
após reunião de alto nível do CAD/OCDE, pela desvinculação da ajuda (empréstimos concessionais vinculados à
compra de equipamentos e bens dos países doadores) a países menos desenvolvidos. Nenhum desses acordos,
contudo, tocou nos temas da assistência técnica e da ajuda alimentar (LANCASTER, 2007a). A Declaração de
Paris (2005), também negociada sob os auspícios do CAD/OCDE, reiterou o compromisso da recomendação de
2001 para a diminuição das práticas da ajuda vinculada, além de ter convocado os países recipiendários a se
apropriarem da ajuda por meio da elaboração de planos nacionais de desenvolvimento e, os países doadores, a se
alinharem a esses planos.
13
Em 2005, ano marcado pelo auge do revigoramento orçamentário da ABC no período analisado pelo
diplomata Iglesias Puente (1995-2005), o orçamento do MRE representou 0,4% do orçamento da União, ao
passo que a ABC teve 2,4% do orçamento do MRE. Isso significa que, naquele ano, o orçamento para a CTPD
absorveu 0,009% do orçamento da União. Donde o diplomata conclui que “a cooperação técnica é, por natureza,
menos onerosa do que outras modalidades de cooperação para o desenvolvimento. No caso brasileiro, a CTPD é
relativamente modesta no que se refere ao item ‘equipamentos’ [...] e não envolve doações financeiras [...].
Portanto, representa custos muito pequenos, de impacto marginal no orçamento público” (IGLESIAS PUENTE,
2010, p. 250). O cálculo realizado por Iglesias Puente, contudo, não computou horas técnicas e outros gastos
realizados pelas instituições brasileiras implementadoras da CTPD.
26

implementá-la, e que cobrem parte substantiva dos seus custos,14 possui estrutura voltada a
promoção do desenvolvimento doméstico. Isso não havia impedido que essas instituições se
envolvessem na prestação de cooperação de forma pontual e “autônoma” no passado. Na
década de 2000, contudo, entidades brasileiras passaram a receber demandas exponenciais em
razão da divulgação crescente de suas experiências no âmbito externo e da elevação destas a
instrumento de política externa. Com isso, instalou-se conflito entre as estruturas e os
regimentos internos de tais entidades, que limitam sua atuação ao desenvolvimento
doméstico, e a necessidade de disponibilizarem volume crescente de seus recursos humanos
para a promoção do desenvolvimento internacional.
Por um lado, embora a busca pelo desenvolvimento nacional se configure como
baluarte central da diplomacia brasileira, os benefícios da CTPD para o mesmo aparecem de
forma difusa no discurso diplomático, o que dificulta alinhamento com as missões das
instituições envolvidas na implementação da CTPD brasileira. Por outro lado, essas próprias
instituições deixam de ser reativas às demandas recebidas da ABC e passam a desenhar
estratégias para triar ou mesmo para induzir demandas que guardem relação com seus
próprios objetivos, no que acabam entrando em conflito com instâncias decisórias, com outras
instituições implementadoras e com premissas relacionadas ao paradigma tradicional da CID.
Esse paradigma, contudo, está em processo de transição em razão de uma conjunção
de fatores: a crise econômica que atinge os países desenvolvidos, comprometendo sua
capacidade de seguir financiando organizações que coadunam com tal paradigma; a
emergência da China e de outros países do Sul como atores relevantes na promoção do
desenvolvimento internacional, mas que não compartilham das bases normativas do
paradigma tradicional da CID; o apelo crescente, por um lado, de estudos apontando que este
paradigma pode criar ou alimentar dinâmicas que comprometem o desenvolvimento
autônomo de países recipiendários15, e, por outro, da Cooperação Sul-Sul (CSS) como modelo
alternativo ao “assistencialismo” que seria característico de tal paradigma.16

14
Segundo estimativas da ABC, em média mais de 80% dos custos das iniciativas de CTPD sob sua coordenação
seriam cobertos pelas entidades nacionais que prestam cooperação por meio de cessão de horas-técnicas de seus
funcionários, disponibilização de infraestrutura para realização de cursos de capacitação e fornecimento de
equipamentos, entre outros. A ABC responsabiliza-se por gastos com passagens, diárias, materiais de
capacitação e equipamentos (IGLESIAS PUENTE, 2010).
15
Ver, por exemplo, MOYO, 2009.
16
Ver MAWDSLEY, 2012.
27

O objetivo geral desta tese é entender os determinantes e os impactos, sobre o desenho


da política externa brasileira na vertente Sul-Sul, da disponibilização crescente de recursos
brasileiros (humanos e financeiros) para a CTPD em contexto marcado: pela persistência de
desafios ao desenvolvimento brasileiro; pela politização da CTPD e de outras modalidades da
CID prestada pelo Brasil na arena doméstica;17 e pela crise do paradigma tradicional da CID
no âmbito global. Especificamente, buscar-se-á compreender e mapear:
a) as trajetórias históricas gerais da CID e da CSS, buscando entender
como a CTI e a CTPD adquiriam centralidade no discurso e na prática de
agências que se ocupam do tema do tema do desenvolvimento internacional;
b) determinantes históricos, domésticos e externos, da elevação do Brasil
como provedor de cooperação técnica, bem como as percepções diplomáticas
sobre essa elevação;
c) a evolução da arquitetura brasileira da CTI, incluindo suas normas,
ideias, perfil, desenho institucional e processos decisórios;
d) instituições e grupos de interesses disputando acesso à CTPD brasileira
a partir do Governo Cardoso;
e) desafios e oportunidades, trazidos pelo envolvimento crescente de
entidades nacionais na CTPD, para a institucionalização política, burocrática e
social da CSS no Brasil – entendida, de forma ampla, como o alargamento e
aprofundamento das trocas entre entidades socialmente organizadas (oficiais e
não oficiais) brasileiras e suas homólogas situadas em países em
desenvolvimento.

A análise será aprofundada, agregando-se dimensões institucionais e ideacionais


particulares das agências implementadoras, por meio do estudo dos casos de duas entidades
protagonistas da CTPD brasileira: a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(EMBRAPA) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI). Trata-se de duas
agências que apresentam trajetórias semelhantes por:
a) terem sido contempladas pela cooperação recebida desde sua criação, a
qual é reconhecida institucionalmente (assim como, no caso da EMBRAPA, a

17
Por politização da CTPD será entendida a proliferação de atores domésticos, governamentais e não
governamentais, que se interessam e disputam acesso ao processo decisório da CTPD. A nota 8 contém breve
enumeração dos fatores que contribuíram para a emergência da politização da política externa no Brasil de forma
geral.
28

cooperação científica e tecnológica com países de maior desenvolvimento


relativo) como fundamental para atingirem suas respectivas missões, limitadas
pelos seus regimentos ao desenvolvimento brasileiro em suas respectivas áreas
de atuação (Agricultura e Indústria);
b) terem sido estruturadas, em bases federativas, a partir de visões
tradicionais do desenvolvimento (calcadas na busca pela autonomia nacional
por meio do crescimento econômico, da inovação científica e tecnológica e do
papel de liderança desempenhado pelo Estado), mas terem passado a buscar, a
partir dos anos 90, atualizar esses modelos, encampando a dimensão da
sustentabilidade e da inclusão social, inclusive como meio para justificarem a
origem pública de suas receitas (lembrando que, no caso do SENAI, o acesso a
receitas, ainda que de origem privada, é garantido por lei);
c) terem tido seu envolvimento na CTPD induzido, inicialmente, por redes
funcionais internacionais e por doadores tradicionais que lhe haviam prestado
cooperação e, posteriormente (no caso da EMBRAPA, a partir do Governo
Lula; no segundo caso do SENAI, a partir do Governo Cardoso, com
continuidade e expansão durante o Governo Lula), pela diplomacia brasileira –
MRE e/ou Presidência da República.

Três qualificações são necessárias ao caráter indutor da diplomacia brasileira sobre o


envolvimento recente da EMBRAPA e do SENAI na CTPD brasileira. Em primeiro lugar,
significa reconhecer que esse envolvimento não foi induzido, ao menos a princípio, por
interesses privados organizados com os quais essas instituições costumam ser relacionadas.
No caso da EMBRAPA, havia oposição inicial da bancada ruralista, que via a atuação
crescente da estatal na CTPD como apoiando a emergência de competidores externos ao
Agronegócio brasileiro; no caso do SENAI, não havia coesão inicial, entre setores da
Indústria, em relação à vertente da internacionalização para outros países em
desenvolvimento.
Em segundo lugar, não significa que condicionantes externos tenham deixado de
operar. As experiências das duas instituições foram, com efeito, cada vez mais divulgadas por
organismos internacionais e agências de desenvolvimento, contribuindo para alargar o
interesse de vários países em desenvolvimento por elas. Como as elites de muitos desses
países encaram o crescimento econômico e o desenvolvimento científico e tecnológico como
29

pilares centrais do desenvolvimento, as experiências da EMBRAPA e do SENAI tornaram-se


atrativas para elas.
Em terceiro lugar, dizer que EMBRAPA e SENAI tiveram seu envolvimento na CTPD
induzido pela diplomacia brasileira não implica que aquelas entidades não tenham, ao
aceitarem a convocatória para atuar como agentes diplomáticos, buscado ganhos próprios com
essas ações. Esses ganhos, contudo, foram vislumbrados por indivíduos específicos e não
resultaram nem de alinhamento institucional interno – para o qual seria necessário que os
diversos setores da EMBRAPA e do SENAI tivessem clareza sobre como a relação com
países de menor desenvolvimento relativo contribuiria para o cumprimento de suas
respectivas missões -, nem de estratégias claras de ação, na medida em que essas instituições
reuniam, a princípio, poucas informações sobre os países aos quais passariam a oferecer
cooperação.
Não obstante, diante do volume crescente de recursos humanos disponibilizados, de
lições aprendidas em campo e de desafios relacionados à construção de alinhamento interno,
EMBRAPA e SENAI passaram a buscar incidir mais ativamente sobre o processo decisório
da CTPD, de modo a garantir que esta apoiasse o equacionamento de desafios e o avanço das
oportunidades vislumbrados nos seus respectivos planejamentos estratégicos. A busca por
maior incidência sobre o processo decisório foi acompanhada por transformações nas
percepções e nas expectativas sustentadas pelas duas instituições em relação aos componentes
humanitários,18 diplomáticos e estratégicos do seu envolvimento na CTPD.
Mesmo que esse envolvimento, diferentemente de suas relações com os países
desenvolvidos (por meio da cooperação recebida e, no caso da EMBRAPA, também da
cooperação científica e tecnológica), não tenha emanado de suas respectivas missões, mostrar-
se-á que as demandas crescentes por suas experiências contribuíram para promover a
institucionalização da cooperação internacional dentro de suas respectivas estruturas. Isso
aconteceu com o aprimoramento da gestão da cooperação internacional por meio do
fortalecimento de seus respectivos órgãos de Relações Internacionais – a Secretaria de
Relações Internacionais da EMBRAPA (SRI) e a Unidade de Relações Internacionais do
SENAI (UNINTER) -, do lançamento de manuais e da capacitação de técnicos e gestores
envolvidos na matéria.

18
Adotou-se, aqui, a expressão utilizada pela EMBRAPA para referência a ações “desinteressadas” de apoio ao
desenvolvimento internacional, no sentido de que o Brasil, como país de maior nível de desenvolvimento
relativo, teria obrigação moral de ajudar os mais pobres, retribuindo a eles a cooperação recebida de países mais
ricos no passado.
30

Nesse sentido, acredito que esta tese vem complementar pesquisas realizadas por
outros acadêmicos brasileiros na tentativa de entender as adaptações institucionais realizadas
pelas agências responsáveis pela condução da política externa no contexto da diversificação
temática e geográfica da inserção externa do Brasil.19 O foco não será apenas o Itamaraty, mas
também a forma como dois parceiros privilegiados da CTPD brasileira, EMBRAPA e SENAI,
perceberam e se adaptaram institucionalmente à convocatória para atuarem como agentes da
política externa brasileira.
A primeira hipótese que norteia esta tese é que, ainda que EMBRAPA e SENAI
tenham sido convocadas pela diplomacia brasileira para atuarem como agentes de política
externa, ao buscarem se colocar de forma mais proativa no processo decisório da CTPD
entraram em conflito com:
a) a ABC, que como viu-se herdou aspectos normativos do paradigma
tradicional da CID, colocando-se de forma contrária à incidência de interesses
de ordem econômica na CTPD brasileira, incidência esta que também é
repudiada pelo discurso diplomático brasileiro;
b) o MRE, que se coloca como espécie de “poder moderador” na definição
do “interesse nacional” e que, no caso da CTPD, acabou se pautando mais pelo
objetivo de atingir propósitos diplomáticos do que de garantir a eficácia das
iniciativas em campo, para a qual seria necessário maior planejamento e
envolvimento das agências implementadoras nas decisões relacionadas a novas
iniciativas.20 Ainda assim, esses conflitos teriam sido mitigados pelo fato de
EMBRAPA e SENAI, além de terem acumulado conhecimento sobre dezenas
de países com os quais o Itamaraty não mantinha tradição contínua de
relacionamento, serem percebidos pelo MRE como agentes que coadunam com

19
Esse é o foco, por exemplo, das pesquisas conduzidas pela Rede Expansão, Renovação e Fragmentação das
Agendas e Atores da Política Externa (Rede AAPE). Ver PINHEIRO; MILANI, 2012. Ver também: FARIA,
2012; FARIA, NOGUEIRA; LOPES, 2012; SALOMÓN; NUNES, 2007; VIGEVANI, 2006.
20
Corrêa (2010, p. 39-41) assinala a existência de “segregação de funções entre o segmento político e
operacional da prática da cooperação internacional”. Apesar de os técnicos (nível operacional) se envolverem
diretamente no planejamento e na execução das ações, reunindo conhecimentos sobre o que funciona e sobre o
que não funciona, possuem baixa incidência sobre o processo decisório. As instâncias políticas atuariam em
nível abstrato, enunciando princípios e compromissos (não intervenção, respeito aos valores locais, promoção do
progresso dos beneficiários etc.) que não seriam necessariamente coerentes com as iniciativas de cooperação. O
diálogo escasso entre as duas esferas acabaria por limitar “o adensamento dos debates sobre a efetividade da
cooperação para o desenvolvimento, bem como a evolução das percepções e das estratégias que a norteiam,
restringindo, em consequência, o potencial de proposição de um novo paradigma para esse indispensável
instrumento de intercâmbio entre as nações”.
31

o modelo de desenvolvimento defendido tradicionalmente pela diplomacia


brasileira (centrado no crescimento econômico e no desenvolvimento científico
e tecnológico);
c) outras instituições implementadoras e grupos de interesses, que também
passaram a se organizar e a se articular, inclusive junto à Presidência da
República, para projetar modelos alternativos de desenvolvimento na esfera
internacional, focados na perspectiva dos direitos, da participação e da inclusão
social – e, portanto, mais alinhados com os princípios da CID e com a retórica
oficial brasileira da não incidência de interesses econômicos sobre a CTPD.

A segunda hipótese é que o envolvimento da EMBRAPA e do SENAI na CTPD, em


particular, e na CSS, em geral, assim como o de outros agentes brasileiros, só será sustentável
se essas entidades tiverem clareza institucional em relação aos ganhos esperados e à
relevância a eles atribuída na busca da consecução de seus respectivos objetivos estratégicos,
bem como daqueles relacionados aos setores aos quais estão ligados. Isso significa que a CSS
só será sustentável se não emanar apenas da vontade diplomática, mas também de arranjos
funcionais e setoriais que permitam fundar a guinada para o Sul em dinâmicas que conduzam
ao aprofundamento da interdependência entre o Brasil e outros países em desenvolvimento.
Esta hipótese coaduna tanto com trabalhos produzidos por especialistas em CSS
quanto com trabalhos que refletiram sobre a CTPD brasileira em particular. No primeiro caso,
conforme apontou uma das grandes especialistas no tema da CSS, Gladys Lechini (2006), a
razão central para esta vertente da cooperação internacional não ter resistido a períodos de
viradas no cenário político e econômico foi o fato de ter se baseado em projeto amplo, e não
em áreas temáticas e em objetivos precisos.
No segundo caso, destaca-se o trabalho de Gonçalves (2011) que, ao analisar os casos
do envolvimento do SENAI e da ONG Alfabetização Solidária na CTPD, concluiu que
[...] a existência de concreta de interesses políticos, financeiros, comerciais e
institucionais não significa algo ruim para a CSS brasileira. Ao contrário, a
existência de objetivos e preferências por parte destas organizações – embora não
seja o único elemento, pois é necessário vontade política e apoio do Governo –
contribui para que esta política se concretize e seja sustentável a longo prazo.
Destacamos, assim, que a participação destes atores sociais na cooperação brasileira,
não se resume à mera tecnicidade, está em grande medida relacionada a uma decisão
estratégica destas organizações que visualizam na cooperação brasileira a
possibilidade de auferir benefícios, o que as motiva, por conseguinte a participar
desta política governamental, fortalecendo e sustentando tal iniciativa.
(GONÇALVES, 2011, p. 152).
32

Ao mesmo tempo, acredita-se que a clareza em relação aos ganhos para o


desenvolvimento brasileiro em áreas específicas pode ser fundamental para equacionar um
dos desafios centrais à sustentabilidade do engajamento brasileiro na CSS: seus custos para os
cofres públicos e para as instituições cooperantes em contexto marcado pela existência de
desafios elementares ao desenvolvimento nacional e também, como lembram Lima e Hirst
(2006, p. 37), pela persistência de visão, entre as elites brasileiras, de que as relações com os
países desenvolvidos são “[...] mais lucrativas e viáveis do que a expansão de laços com o
Sul” (tradução nossa).21
O rationale que informa esta tese se afasta, portanto, da visão de que a incidência de
interesses morais por parte dos “doadores” é suficiente para garantir a eficácia da cooperação.
Entende-se que, por envolver recursos humanos e financeiros em contexto marcado pela
persistência de desafios elementares ao desenvolvimento nacional, a promoção do
desenvolvimento internacional demanda a construção de ampla base de apoio doméstica que
garanta fluxo multianual e planejado de recursos, vislumbrando-se benefícios para todos os
parceiros envolvidos, bem como para suas respectivas constituencies.22 Esta tese aproxima-se,
portanto, mais de visões centradas na dimensão “ganha-ganha” e identificadas com a
perspectiva da CSS, do que de premissas relacionadas ao paradigma tradicional da CID,
embora considere-se que as visões emanadas deste paradigma possam inspirar a busca de
metodologias de trabalho que permitam monitorar e avaliar os impactos das iniciativas de
cooperação sobre o desenvolvimento dos países parceiros.
O foco desta tese, contudo, não será nas relações entre o Brasil e países específicos.
Embora qualquer relação cooperativa, para se ampliar e se sustentar ao longo do tempo,
dependa de ambas as partes a verem como recompensadora, considera-se que entender e
equacionar os desafios domésticos ao engajamento brasileiro é fundamental, já que se espera
que entidades baseadas no país (públicas e privadas) assumam boa parte dos custos
(financeiros e humanos) envolvidos na CTPD e em outras modalidades da CSS. Isso significa
que, se a CSS não estiver ancorada em amplas bases sociais, institucionais e burocráticas
domésticas, alterações nos cenários políticos e econômicos levarão à sua desmobilização. A
sustentabilidade, contudo, é necessária tanto para garantir a eficácia da CTPD em contextos

21
O texto em língua estrangeira é: “[...] as more profitable and viable than the expansion of ties with the South”.
22
O termos constituency será usado para referir à base social, institucional/burocrática e eleitoral de apoio a
determinada política pública. Amplamente falando, o termo se refere a “qualquer grupo coeso de indivíduos
ligados por identidades compartilhadas, laços culturais, valores, interesses e lealdades comuns” (MILANI,
2012b, p. 38, nota 4).
33

mais frágeis, quanto para permitir o aprofundamento do estreitamento de laços funcionais e


setoriais do Brasil com outros países do Sul.
Esta tese está dividida em quatro capítulos. As duas primeiras partes do primeiro
capítulo explorarão os conceitos e as trajetórias históricas da CID, focando a Assistência
Oficial para o Desenvolvimento (AOD), e da CSS, focando três modalidades: a Cooperação
Política entre Países em Desenvolvimento; a Cooperação Econômica entre Países em
Desenvolvimento; e a Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento. Veremos que a
CID e a CSS são duas dimensões que, embora com suas particularidades, emergem ambas no
contexto da descolonização e da Guerra Fria e cruzam-se desde o início com a pressão
coletiva crescente por papel mais ativo dos países desenvolvidos na promoção do
desenvolvimento internacional. O rationale para tal pressão se baseou fundamentalmente no
abandono de percepções econométricas ao desenvolvimento global, resgatando-se suas
dimensões históricas e afirmando-se a ideia de que o desenvolvimento dos países mais ricos
só teria sido possível graças à exploração dos países mais pobres.
A pressão coletiva dos países em desenvolvimento por uma ordem global menos
assimétrica, contudo, não ia necessariamente ao encontro da evolução do paradigma da CID.
A introdução da abordagem das Necessidades Humanas Básicas (NHBs), nos anos 70,
contradizia o modelo de desenvolvimento dominante buscado pelos países do Sul, centrado na
dimensão do crescimento econômico. A “ajuda” dos países mais ricos era vista como
insuficiente, ou mesmo como paliativo, diante da persistência de práticas, como as barreiras
ao comércio, que seguiam prejudicando o desenvolvimento dos países do Sul.
Paralelamente, a CSS evoluiria de sua tradicional dimensão política (apoio mútuo no
contexto multilateral) para a prestação crescente de cooperação técnica e econômica entre
países em desenvolvimento, a primeira alimentada pela gestação de estrutura, no âmbito do
PNUD, para promovê-la. No entanto, o estreitamento de laços funcionais e econômicos entre
os países em desenvolvimento, à exceção de alguns arranjos regionais de integração, seria
comprometido por restrições de cunho estrutural, as quais voltariam a se aprofundar nos anos
80. Nos anos 2000, a CSS volta não apenas a se remobilizar em suas três vertentes (com
destaque para a emergência sem precedentes da vertente econômica), mas a influenciar o
próprio regime internacional da CID (ou a sua crise).
Na terceira parte do primeiro capítulo serão revisitados marcos teóricos que refletiram
sobre as relações Sul-Sul, sobre a cooperação internacional e sobre a cooperação em geral, de
modo a explorar elementos que definam e expliquem algumas particularidades da CSS,
34

focando uma de suas modalidades: a Cooperação Sul-Sul para o Desenvolvimento. Serão


apresentadas, em primeiro lugar, as abordagens dominantes à análise da CSS, inspiradas na
teoria da dependência, que entraram em voga com a percepção da impossibilidade de os
países em desenvolvimento terem suas demandas atendidas pelos países mais ricos no
contexto do esgotamento do Diálogo Norte-Sul (década de 70). A saída para os países do Sul
seria buscar uma autonomia coletiva, estreitando laços econômicos, políticos e culturais entre
eles como mecanismo para promover um desenvolvimento menos desigual e menos
dependente. Na prática, porém, como foi captado pela teoria do sistema-mundo, observava-se
que novas desigualdades estavam emergindo entre os próprios países em desenvolvimento,
com tendência de os países da semiperiferia reproduzirem práticas assimétricas nas suas
relações com os países da periferia.
Em geral, contudo, as teorias de relações internacionais refletem pouco sobre as
relações entre países em desenvolvimento, seja pelo foco nas relações entre as grandes
potências/países desenvolvidos, seja pelo pressuposto de que a cooperação entre os Estados
emerge não como alternativa, mas como imperativo diante da interdependência (quer dizer, a
cooperação só é possível quando a não-cooperação gera conflitos entre os Estados). Como a
expansão geográfica e temática das relações Sul-Sul se dá, muitas vezes, entre parceiros cuja
relação histórica é marcada antes pela indiferença do que pelo conflito, considerou-se
necessário somar, às teorias tradicionais das relações internacionais, abordagens sociais que
permitissem explicar processos cooperativos anteriores à vertente da “coordenação de
políticas”, em ambientes que não são naturalmente marcados pela interação estratégica.
Nesse sentido, a prestação de cooperação emerge como ferramenta iniciadora de
relações que podem evoluir para uma real situação de interdependência e para arranjos
institucionalizados de cooperação desde que as partes envolvidas possuam objetivos claros e
se sintam reiteradamente recompensadas por tais relações. As recompensas mútuas, porém,
são de natureza complexa, podendo incluir aspectos não materiais (como o reconhecimento)
ou ainda recompensas de terceiros (no caso, da própria comunidade de doadores
internacionais).
Tal complexidade torna-se ainda maior quando aplicam-se as abordagens sociais à
cooperação internacional e à análise das relações entre os Estados, compostos por uma
miríade de grupos que disputam pelo acesso às decisões de política externa. Neste ponto,
diferentemente das perspectivas dominantes, que exploram a correlação entre cooperação
técnica e desenvolvimento (IGLESIAS PUENTE, 2010) e não colocam a política externa no
35

centro de suas análises, e diferentemente das perspectivas que tendem a ver a política externa
como fruto de um suposto “interesse nacional”, é introduzido o papel da interação entre
ideias, instituições e interesses na formação da política da CID nos países doadores.
Resgatando-se a complexidade de seus determinantes domésticos, deixa de ter sentido
entendê-la sob o prisma das motivações (egoísmo x altruísmo).
Complexidade adicional se impõe quando se tenta entender a interação entre
determinantes domésticos na conformação da cooperação em países que ainda não contam
com políticas, sistemas e aparatos burocráticos consolidados para elaborarem objetivos claros
em frentes de ação externa marcadas pela crescente ampliação setorial e geográfica. Essa
lacuna abre, sem dúvida, espaço para a influência de grupos que acumulem conhecimentos
sobre setores e países específicos, embora o acesso ao processo decisório seja também
permeado por outras dinâmicas, tanto domésticas quanto globais.
O segundo capítulo buscou mapear a evolução histórica da interação entre
determinantes externos (evolução normativa do paradigma da CID, contexto econômico
global) e domésticos (instituições, ideias, interesses) na configuração do envolvimento
brasileiro na CTPD. As narrativas oficiais acerca da CTPD como instrumento de política
externa são contrastadas com o que parece ter sido uma postura histórica reativa do Itamaraty
em relação a uma agenda que não lhe era prioritária, mas cuja apropriação se tornou
imperativa diante do alinhamento entre pressões externas e domésticas por um maior
engajamento do Brasil na seara. Essas pressões, embora presentes há décadas, adquiriram
maior visibilidade nos anos 2000, com a confluência entre o lançamento dos Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio (ODMs), a crise das abordagens tradicionais à cooperação, a
brecha aberta na esfera internacional para a atuação de países emergentes e o fato de a CTPD
ter se tornado um dos baluartes centrais da inserção internacional do Brasil durante o Governo
Lula. Esse cenário abriu espaço não apenas para maior participação de outros atores nacionais
na cooperação, mas também para tentativas inéditas de mapear, sistematizar e publicar ações e
gastos, alimentando o interesse de diversos setores da sociedade brasileira pelo estudo e pela
prática da CTPD.
A contraposição entre o discurso e a alocação da CTPD brasileira sob a coordenação
da ABC revela, porém, a inexistência de estratégias claras, algo que é natural diante da
apropriação recente do tema pela política externa, de uma cultura de administração pública
marcada pela falta de planejamento (e de estratégias que se sustentem, ainda que com arranjos
pontuais, através das administrações presidenciais) e de disputas crescentes por recursos e
36

pela definição do “interesse nacional” ocasionadas pela politização das agendas da política
externa, da CTPD e da CSS na arena doméstica.
Os estudos de caso sobre duas das agências mais atuantes na CTPD brasileira,
EMBRAPA e SENAI (capítulos 3 e 4, respectivamente), revelam o caráter historicamente
induzido de seu envolvimento na matéria. Nas primeiras décadas de sua existência, as
experiências de ambas as instituições passaram a ser projetadas no âmbito internacional ao
serem divulgadas por publicações e em espaços funcionais de compartilhamento de
conhecimentos construídos no âmbito de organizações e redes funcionais internacionais. A
eleição de suas experiências como válidas para outros países em desenvolvimento foi
possível, em grande medida, graças ao fato de elas próprias terem sido construídas com o
apoio de organismos internacionais e de países desenvolvidos, que em seguida as replicavam
em outros países em desenvolvimento. A partir do Governo Cardoso, no caso do SENAI, e do
Governo Lula, no caso da EMBRAPA, o envolvimento dessas entidades na CTPD passa a
ganhar correspondência com o discurso diplomático e a ser induzida, em maior medida, pela
diplomacia brasileira, aumentando a divulgação de suas experiências no exterior, gerando
aumento exponencial de demandas e promovendo estruturações internas que lhes permitissem
responder a tais demandas de forma mais eficiente e eficaz.
A qualificação de funcionários em CTI, a abertura de vagas específicas para
profissionais de relações internacionais, a busca pela centralização interna de recepção e
triagem de demandas no âmbito de estruturas marcadas pela abordagem federativa e a
tentativa de traçarem estratégias próprias de resposta a demandas recebidas por canais
diplomáticos configuram exemplos de guinadas institucionais importantes realizadas pela
EMBRAPA e pelo SENAI. Essas transformações, embora impulsionadas pelo aumento
exponencial de demandas por suas experiências, contribuíram para o aprimoramento de suas
respectivas estruturas institucionais voltadas para cooperação internacional de forma mais
ampla.
Ainda que a expansão do envolvimento da EMBRAPA e do SENAI na CTPD tenha
sido induzida pela diplomacia brasileira, sua atuação mais proativa no processo decisório, em
busca da utilização da CTPD como instrumento para equacionar desafios e elevar
oportunidades identificadas em seus respectivos planejamentos estratégicos, gerou fricções
pontuais com instâncias decisórias. Estas, contudo, foram amainadas pelo fato de ambas as
instituições serem vistas, pelo MRE, como compartilhando de suas visões tradicionais sobre o
desenvolvimento, focadas nas dimensões do crescimento econômico e do desenvolvimento
37

científico e tecnológico. Estas dimensões passaram a ganhar novo relevo, particularmente


durante o Governo Dilma, na política externa brasileira.
Contudo, a passagem de postura reativa para postura proativa da EMBRAPA e do
SENAI (e, posteriormente, dos setores que representam) no que se refere ao seu engajamento
na CTPD e em outras vertentes da CSS não foi bem recebida por outras entidades
implementadoras da CTPD brasileira. Estas instituições, que defendem perspectivas de
desenvolvimento focadas nas dimensões dos direitos, da participação e da inclusão social,
também haviam passado a se mobilizar, a se capacitar e a se articular para disputar acesso ao
processo decisório da CTPD e de outras modalidades do envolvimento brasileiro na CID
(como assistência humanitária e contribuições para organismos internacionais).
A conclusão, por fim, buscará resumir as principais descobertas da tese e entender,
ainda que de forma preliminar (já que se trata de processo ainda em curso), por que, apesar
das inúmeras semelhanças no engajamento da EMBRAPA e do SENAI na CTPD, essas
instituições divergiram no que se refere à análise do caráter instrumental da CTPD para o
cumprimento de suas respectivas missões com a emergência do Governo Dilma.
Enquanto a vertente Sul-Sul se desmobilizou no SENAI (seja no âmbito da CTPD,
seja no âmbito dos negócios internacionais, seja no âmbito do intercâmbio de conhecimentos
com outros países do Sul), ela continuou relevante no caso da EMBRAPA. A discrepância
entre os níveis de desenvolvimento tecnológico brasileiros na Agricultura e na Indústria se
configura como fator explicativo, assim como a capacidade de cada uma das instituições de
mobilizar fontes alternativas de recursos humanos e financeiros para sua atuação na vertente
Sul-Sul.
Por um lado, a internacionalização da EMBRAPA em direção a outros países em
desenvolvimento é alimentada pelo fato de a empresa ser especializada em tecnologias
agrícolas tropicais, de as terras agricultáveis estarem concentradas em regiões tropicais
(particularmente na África Subsaariana) e de ter sido capaz de mobilizar parceiros domésticos
e externos, públicos e privados, para dar seguimento à sua atuação. Por outro lado, em
contexto marcado pela perda da competitividade da Indústria brasileira, o SENAI passou a
valorizar a captação e a compra de tecnologias de outros países desenvolvidos, além de ter
tido sua estrutura voltada, durante o Governo Dilma, para a promoção da educação técnica e
da inovação industrial no âmbito doméstico.
Não obstante, a necessidade de abrir novos mercados como ferramenta adicional para
promover a competitividade da Indústria brasileira vem agregando consensos domésticos
38

crescentes. Assim, passa a ser construída coesão entre setores da sociedade, do Estado e da
burocracia brasileira em torno da necessidade de se promoverem as relações da Indústria com
outros países em desenvolvimento, o que pode levar a remobilização da atuação do SENAI na
vertente Sul-Sul.
Já a vertente Sul-Sul da atuação da EMBRAPA se assenta em consensos mais frágeis,
dada a polarização entre agronegócio e agricultura familiar no Brasil e dentro da própria
estatal. Essa polarização é alimentada pela polarização histórica, na arena global, entre atores
que defendem o crescimento econômico e atores que defendem a justiça social como motores
do desenvolvimento, polarização que vem se acirrando no contexto da emergência da China
como protagonista no desenvolvimento internacional.
Tendo em vista o objetivo de mapear as principais dinâmicas políticas que
condicionam a CTPD brasileira, foi seguido, sempre que possível, o desenho de pesquisa
proposto por Lancaster (2007a), buscando-se compreender a política doméstica da CTPD
brasileira em quatro vertentes: ideias, instituições, interesses e sistema nacional. Devido à
fragmentação burocrática da CTPD brasileira, optou-se por focar a sua vertente formal,
centrada na ABC/MRE. Com base em fontes oficiais, trabalhos produzidos por diplomatas
(identificados enquanto tais ao longo da tese) e por acadêmicos, jornais, análise legislativa e
outras informações agregadas pela autora durante estada de quatro anos da autora em Brasília
(eventos, reuniões, conversas informais) foi possível mapear os principais pontos e tensões
dentro de cada uma das dimensões elencadas. Tais fontes também contribuíram para que se
agregassem os principais dados disponíveis sobre o perfil da CTPD brasileira, os quais foram
contrapostos ao discurso oficial sobre as prioridades para que se pudesse entender a incidência
de instituições e de grupos de interesses específicos.
Para os estudos de caso sobre EMBRAPA e SENAI foram consultados seus
regimentos internos, planejamentos estratégicos, guias de Cooperação Internacional e
materiais diversos disponíveis nas suas respectivas páginas da internet (notícias, informes).
No caso da EMBRAPA, esse material foi complementado com a leitura de trabalhos de
conclusão de curso e outros artigos de autoria de pesquisadores da empresa, bem como dos
registros dos debates sobre a EMBRAPA Internacional realizados na Câmara dos Deputados.
Também foram realizadas entrevistas semiestruturadas, em diversos momentos, com
funcionários da SRI e da UNINTER. Não foram entrevistados técnicos das respectivas
unidades descentralizadas da EMBRAPA e do SENAI. Nesse sentido, as posições dos
funcionários de suas sedes, localizadas em Brasília, foram tratadas como posições
39

institucionais. Analisando-se a evolução das percepções dos funcionários entrevistados e do


discurso oficial das duas instituições sobre cooperação internacional foi possível notar
mudanças claras na avaliação das recompensas obtidas em relação às expectativas iniciais em
torno da CTPD e ajustes nos seus respectivos objetivos.
A escolha e a comparação dos casos foram realizadas com base no método da
similaridade (most-similar method) (GERRING, 2001), buscando-se explorar, ainda que de
maneira preliminar, quais variáveis causais explicariam por que as duas instituições, apesar de
compartilharem de várias características no que se refere à evolução de seu engajamento na
CTPD, atribuíram a ele importância díspar no que se refere à consecução de seus respectivos
objetivos estratégicos.
40

1 COOPERAÇÃO SUL-SUL E COOPERAÇÃO INTERNACIONAL PARA O


DESENVOLVIMENTO: CONCEITOS, HISTÓRIA E MARCOS
INTERPRETATIVOS

O termo “Cooperação Sul-Sul” (CSS) vem sendo usado, talvez com recorrência
inédita, por governos, organizações internacionais e entidades da sociedade civil. Em geral ele
é usado para se referir ao estreitamento de relações entre países em desenvolvimento em
diversas matérias e eixos – formação de coalizões de geometrias múltiplas, barganha coletiva
em negociações multilaterais, arranjos regionais de integração, cooperação para o
desenvolvimento, intercâmbio de políticas, cooperação científica e tecnológica, fluxo de
comércio e de investimentos privados etc.
Em particular, uma das modalidades da CSS, a Cooperação Técnica entre Países em
Desenvolvimento (CTPD), assumiu dimensão central nas narrativas globais sobre a CSS a
partir da realização da Conferência de Buenos Aires, em 1978. Tendo em vista que a
dimensão da Cooperação Técnica Internacional (CTI) foi historicamente concebida e
regulada, pelo Comitê de Assistência para o Desenvolvimento da Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (CAD/OCDE), como parte da Assistência Oficial
para o Desenvolvimento (AOD), há uma tendência de se tomar a parte pelo todo – quer dizer,
de se entender a CSS como modalidade da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento
(CID).
O objetivo deste capítulo é resgatar as múltiplas dimensões históricas da CSS e tentar
dar sentido a elas tendo como base elaborações da teoria social sobre a cooperação, por um
lado, e abordagens focadas na análise de política externa, por outro. Acredita-se que o diálogo
com (e entre) os conhecimentos produzidos pelas Ciências Sociais é fundamental para uma
compreensão mais abrangente das dinâmicas políticas e sociais que influenciam a cooperação
internacional, indo além do viés tecnicista que costuma informar o conhecimento (e as
práticas regulatórias) produzido por organizações internacionais e pelos estudos do
desenvolvimento acerca da CID e da CSS.23 A adequada compreensão dos objetivos e

23
A falta de integração entre os conhecimentos produzidos sobre a CID e a CSS e outros estudos sobre
cooperação se insere no problema mais amplo da fragmentação das Ciências Sociais. Apesar de estudarem
fenômenos iguais ou similares, sociólogos, psicólogos, antropólogos, internacionalistas, cientistas políticos e
especialistas em desenvolvimento possuem programas de pesquisas próprios, os quais não necessariamente
dialogam entre si. Com isso, as hipóteses levantadas por cada um desses programas, circunscritas a áreas e
subáreas específicas, parecem limitadas em escopo. Nesse cenário, a temática da cooperação, embora abordada
com frequência extraordinária pelas diversas áreas e subáreas das Ciências Sociais, deixa de se tornar objeto de
41

recompensas envolvidos em relações cooperativas, os quais se tornam ainda mais complexos


quando se abre a “caixa-preta” dos Estados “doadores”, é crucial não apenas para descrevê-la,
mas também para se buscarem meios factíveis para o seu aprimoramento.
Embora focado na análise da interseção entre a CID e a CSS – aqui referida como
“Cooperação Sul-Sul para o Desenvolvimento” (CSSD) -, o capítulo buscará explorar sua
relação com outras modalidades da CSS e com dinâmicas mais amplas das relações Sul-Sul e
da cooperação internacional.
Na primeira seção serão apresentadas e analisadas algumas definições de CSS,
buscando-se extrair possíveis mínimos denominadores comuns e explorar conexões com a
definição de AOD. Em seguida será traçada uma breve história da CID e da CSS,
compreendendo-se a trajetória de seus respectivos sentidos e modalidades e apontando-se as
convergências (e divergências) entre as duas áreas. Na última parte, será explorado o marco
central utilizado para interpretar a CSS, baseado nas abordagens dependentistas, apontando
suas lacunas e buscando supri-las com reflexões oriundas das teorias das relações
internacionais, da teoria social e da análise de política externa.

1.1 O que é Cooperação Sul-Sul?

Em busca de uma definição de Cooperação Sul-Sul (CSS), um bom ponto de partida é


selecionar uma amostragem de definições para tentar extrair mínimos denominadores comuns
e possíveis modalidades.24 Conforme apontam as definições abaixo (Quadro 1), originárias de
trabalhos acadêmicos e de organizações internacionais, o único consenso que parece existir
em relação à CSS, ao menos à primeira vista, é a referência a dinâmicas cooperativas
envolvendo países em desenvolvimento.

Quadro 1- Amostragem de definições de Cooperação Sul-Sul

“[…] cooperação econômica e política entre países em desenvolvimento [...]. Cooperação Sul-Sul é um termo
amplo usado para descrever diversos tipos de cooperação entre países em desenvolvimento. Os mais

teorias abrangentes, o que acaba obliterando a sua própria importância como fenômeno social (SULLIVAN,
SNYDER; SULLIVAN, 2008).
24
Tomaram-se como base metodológica de formação de conceitos os trabalhos de Gerring (2001) e Goertz
(2005), embora não tenha sido possível aplicar todos os passos propostos pelos autores.
42

significativos são: cooperação entre Estados em desenvolvimento em negociações multilaterais com os países
desenvolvidos; promoção do comércio Sul-Sul; desenvolvimento de associações políticas e econômicas
regionais e a provisão de assistência para o desenvolvimento” (BOBIASH, 1992, p. 6, tradução nossa).25

“[...] cooperação política que objetiva reforçar as relações bilaterais e/ou a formar coalizões nos foros
multilaterais para obter maior poder de negociação conjunto em defesa de seus interesses [dos países
periféricos]. Baseia-se no pressuposto de que é possível criar uma consciência cooperativa que permita aos
países do Sul reforçar a sua capacidade de negociação com o Norte, por meio da aquisição de maior margem de
manobra internacional, para afrontar e resolver os problemas comuns. Como [...] a ideia de cooperação Sul-Sul é
muito ampla e multifacetada, [...] é conveniente adjetivá-la para lhe conferir maior precisão. Deste modo pode-se
abordá-la e objetivá-la em variadas dimensões, entre as quais se destacam a econômica-comercial, a técnica e
científico-tecnológica, a acadêmica e a diaspórica” (LECHINI, 2009, p. 67, tradução nossa). 26

“[...] qualquer iniciativa cooperativa entre dois ou mais países em desenvolvimento; pode ser realizada por
instituições governamentais, organizações não governamentais, universidades, profissionais independentes,
acadêmicos e pesquisadores” (MORAIS, 2009, p. 39, tradução nossa).27

“[…] uma ampla estrutura de colaboração entre países do Sul nos domínios político, econômico, social, cultural,
ambiental e técnico. Envolvendo dois ou mais países em desenvolvimento, pode acontecer em bases bilaterais,
regionais, sub-regionais ou inter-regionais. Países em desenvolvimento compartilham conhecimentos,
capacidades, competências e recursos para atingir seus objetivos de desenvolvimento por meio de esforços
concertados. Desenvolvimentos recentes da cooperação Sul-Sul ocorreram na forma de volume crescente de
comércio Sul-Sul, fluxos Sul-Sul de investimento estrangeiro direto, movimentos em direção à integração
regional, transferências tecnológicas, compartilhamento de soluções e especialistas e outras formas de
intercâmbio” (PNUD, 2011b, tradução nossa).28

“[…] países do Sul, muitos deles pobres, ajudando uns ao outros por meio do compartilhamento de
conhecimentos e capacidades técnicas ou econômicas para facilitar o desenvolvimento” (PNUD, 2011a, tradução
nossa).29

25
O trecho em língua estrangeira é: “[…] economic and political co-operation among developing countries […].
South-South co-operation is a broad term used to describe diverse types of co-operation among developing
countries. The more significant are: co-operation among developing states in multilateral negotiations with the
developed countries; promotion of South-South trade; the development of regional political and economic
associations, and the provision of development assistance.”
26
O trecho em língua estrangeira é: “[...] cooperación política que apunta a reforzar las relaciones bilaterales y/o
a formar coaliciones en los foros multilaterales, para obtener mayor poder de negociación conjunto, en defensa
de sus intereses. Se basa en el supuesto que es posible crear uma conciencia cooperativa que les permita a los
países del Sur reforzar su capacidad de negociación con el Norte, a través de la adquisición de mayores márgenes
de manobra internacional, para afrontar y resolver los problemas comunes. Como [...] la idea de cooperación
Sur-Sur es muy amplia y multifacética, [...] es conveniente adjetivarla, para darle mayor precisión. De este modo
puede abordarse y objetivarse en variadas dimensiones, entre las cuales se destacan la económica-comercial, la
técnica y científico-tecnológica, la académica y la diaspórica.”
27
O trecho em língua estrangeira é: “[…] any cooperative initiative between two or more developing countries;
it may be carried out by governmental institutions, non-governmental organizations, universities, independent
professionals, scholars, and researchers.”
28
O trecho em língua estrangeira é: “a broad framework for collaboration among countries of the South in the
political, economic, social, cultural, environmental and technical domains. Involving two or more developing
countries, it can take place on a bilateral, regional, subregional or interregional basis. Developing countries share
knowledge, skills, expertise and resources to meet their development goals through concerted efforts. Recent
developments in South-South cooperation have taken the form of increased volume of South-South trade, South-
South flows of foreign direct investment, movements towards regional integration, technology transfers, sharing
of solutions and experts, and other forms of exchanges.”
29
. O trecho em língua estrangeira é: “[…] countries of the South, many of them poor, helping each other by
sharing technical or economic knowledge and skills to facilitate development.”
43

“[…] compartilhamento de conhecimentos e recursos entre – tipicamente – países de renda média com o objetivo
de identificar práticas efetivas” (TT-SSC, 2011a, tradução nossa).30

“[…] um intercâmbio de competências entre governos, organizações e indivíduos em países em


desenvolvimento” (TT-SSC, 2011b, tradução nossa)31

Um primeiro elemento que se pode destacar, com base na amostragem das definições,
é que, enquanto algumas delas não precisam o sentido da palavra “cooperação”, outras a
substituem por termos correlatos: “colaboração”, “compartilhamento”, “transferência”,
“trocas”. Mas, afinal, o que é cooperação? Quais são os critérios necessários e suficientes para
que determinada relação seja classificada como cooperativa?
Fenômenos cooperativos são estudados tradicionalmente por várias disciplinas das
Ciências Sociais. A partir de revisão e sistematização de trabalhos produzidos pela Psicologia
e pela Sociologia que se dedicaram ao tema, Marwell e Schmitt (1975) apontam que quase
todos coincidem no tratamento da cooperação como um conjunto de relações entre
comportamentos e suas consequências, sendo seus dois os seus elementos básicos: o
comportamento voltado para objetivos; e a existência de recompensas para cada uma das
partes envolvidas.32 Nota-se, portanto, que o elemento da troca é essencial a qualquer
processo cooperativo, sendo que os objetivos e recompensas envolvidos podem ser de
natureza material ou imaterial (prestígio, reconhecimento).
Conforme será visto mais adiante, aplicando-se tais elementos à análise da CSS é
possível começar a dar sentido a processos de troca envolvendo entidades socialmente
organizadas baseadas nos países do chamado “Sul global”.33 Porém, cabe ressaltar, de
antemão, que os diversos contatos entre países em desenvolvimento podem ser qualificados

30
O trecho em língua estrangeira é: “[…] sharing of knowledge and resources between – typically – middle-
income countries with the aim of identifying effective practices.”
31
O trecho em língua estrangeira é: “[…] an exchange of expertise between governments, organizations and
individuals in developing nations.”
32
Ao explorar os elementos necessários para determinada relação ser qualificada como “cooperação
internacional”, Milner (1992; 1997), baseando-se no trabalho de Marwell e Schmitt (1975), entre outros, afirma
que ambos os elementos elencados – objetivos e recompensas – estariam presentes na definição de cooperação
internacional como coordenação de políticas. Na subseção 1.4.2., porém, questiona-se em que medida a
definição de cooperação internacional como coordenação de políticas é suficiente para explicar a diversidade da
CSS.
33
Para a definição de Sul Global, ver Nota 5.
44

como cooperativos apenas se ambas as partes se sentirem recompensadas pela relação; trata-
se, portanto, de uma questão empírica, e não de um pressuposto.
Um segundo elemento que se pode notar, com base na análise da amostragem de
definições de CSS apresentadas no Quadro 1, é que nem todas elas incorporam a dimensão
das relações econômicas Sul-Sul (comércio e investimentos). Uma dificuldade para se
classificarem essas relações como CSS advém da própria falta de consenso em torno da
classificação das práticas mercadológicas como cooperativas. Por um lado, as Ciências
Sociais tendem a encarar essas práticas como pautadas pela lógica da competição.34 Por outro
lado, no caso das relações econômicas envolvendo países do Sul pressupõe-se, muitas vezes,
que as trocas comerciais e financeiras entre eles seriam motivadas pela solidariedade e
escapariam, portanto, da esfera competitiva do mercado – algo que não necessariamente se
verifica em bases empíricas, conforme será visto mais adiante.
Partindo de definição ampla de cooperação como processo de troca, envolvendo
objetivos e recompensas, poder-se ia considerar que o fluxo de bens, serviços e investimentos
privados entre os países em desenvolvimento se constitua como modalidade da CSS. Como já
foi dito, contudo, em que medida determinada relação é cooperativa é uma questão empírica,
e a própria percepção sobre os ganhos advindos dela varia dentro dos Estados parceiros.
Definições mais restritas da chamada “Cooperação Econômica entre Países em
Desenvolvimento” (CEPD) a entendem como associada à ação dos governos, seja na vertente
da promoção de investimentos e do comércio, seja na vertente de sua regulação e da
coordenação de políticas econômicas entre países em desenvolvimento.35 De todo modo,
ainda que essas definições excluam ações autônomas e espontâneas do setor privado,
prevenindo dilatação excessiva do conceito de CSS, o estreitamento de laços comerciais e de
investimentos entre países do Sul é tema que tanto integra a agenda do desenvolvimento

34
Essa ideia se baseia no entendimento de que o projeto da modernidade teria sido fundado em três pilares
regulatórios: o pilar do Estado, caracterizado por relações verticais; o pilar do mercado, caracterizado por
relações horizontais e competitivas; e o pilar da comunidade, pautado por relações horizontais e colaborativas
(SANTOS, B., 2000). Vários trabalhos vêm apontando, contudo, que essa caracterização não mais permitiria
adequada compreensão das dinâmicas que operam nos três pilares (ver, por exemplo, DOMINGUES, 2004). No
caso das análises dedicadas à interação entre entes mercadológicos, aponta-se, por exemplo, que a necessidade
de promover a inovação vem favorecendo a formação de pools entre empresas de um mesmo setor, de forma a
fazer frente ao risco de não aceitação de um novo produto pelo mercado (ver, por exemplo, Castells, 1999).
35
Alguns elementos da CEPD levantados pela Secretaria-Geral Iberoamericana (SEGIB, 2008, p. 16), com base
em revisão de relatórios e declarações produzidos por organizações e fóruns internacionais, são: CSS
estabelecida no âmbito do comércio e das finanças; objetivo de dinamizar as correntes econômicas para
promover crescimento e desenvolvimento sustentável; combinação de assistência técnica com coordenação de
políticas econômicas; associação a estratégias de desenvolvimento e à integração regional.
45

quanto se relaciona à própria cooperação internacional, cuja sustentabilidade, conforme será


visto mais adiante, depende do estabelecimento de laços de interdependência econômica, e
não apenas política, entre os países do Sul.
A formação de coalizões entre países em desenvolvimento no âmbito multilateral
tampouco é explicitamente reconhecida por todas as definições como modalidade de CSS,
embora seja marcante na sua história (ver Seção 1.3) – daí a definição elaborada por Lechini
(2009) se centrar nesse elemento. Segundo a mesma autora (LECHINI, 2006; 2007), o próprio
termo “Cooperação Sul-Sul” foi criado, nos anos 70, no âmbito das articulações em torno da
Nova Ordem Econômica Mundial (NOEI) e da busca pelo fortalecimento da capacidade de
negociação coletiva dos países em desenvolvimento, vis-à-vis os países do Norte, nos temas
relacionados ao desenvolvimento e ao comércio.
Um quarto elemento presente nas definições elencadas no Quadro 1 é que a palavra
“assistência” aparece apenas na primeira definição, como uma das modalidades da CSS.
Apesar disso, a comunidade de especialistas e practitioners do desenvolvimento internacional
tende a enquadrar a CSS a partir das lentes da chamada “Assistência Oficial para o
Desenvolvimento” (AOD), uma das categorias do que se convencionava chamar, no passado,
de “foreign aid”, que inclui também a ajuda militar.36
A difusão do termo “cooperação”, em detrimento do termo “assistência”, remonta a
resolução de 1959 da Assembleia Geral das Nações Unidas (Resolução 1383) recomendando
a substituição do termo “assistência técnica” pelo termo “cooperação técnica”. Enquanto
alguns autores e organizações ressaltam que tal mudança terminológica teria atendido a
reivindicações dos países do Sul para que a ajuda deixasse de ser vinculada a interesses
político-estratégicos e passasse a ser fonte de trocas e interesses mútuos,37 segundo Domergue
(1968) os países em desenvolvimento não parecem ter sido os promotores daquela mudança
terminológica. Nas suas palavras,
Os promotores parecem ter sido [...] certos círculos políticos e intelectuais dos
países “desenvolvidos”, os quais viam na palavra “assistência”, assim como na
palavra “subdesenvolvido”, um tom de condescendência e estavam ansiosos para
poupar o sentimento dos países do Terceiro Mundo, especialmente de ex-colônias
que haviam acabado de conquistar sua independência e cujo nacionalismo recém-
nascido era encarado como altamente sensível e pronto para se ofender diante de
qualquer coisa reminiscente, ainda que de maneira vaga, do seu status prévio de
dependência (DOMERGUE, 1968:13-14, tradução nossa).38

36
Para uma definição e proposta de categorização de foreing aid, ver MORGENTHAU, 1962.
37
Ver, por exemplo, BUSS; FERREIRA, 2010b.
38
O trecho em língua estrangeira é: “The promoters would seem rather to have been certain political and
intellectual circles in ‘developed’ countries, who found in the word ‘assistance’, as in the word
46

Para o Domergue (1968), o uso do termo “cooperação” pressupõe que as partes


estejam no mesmo nível, cada uma possuindo um conhecimento particular que a outra deseja
adquirir (talvez, com base nesse raciocínio, uma das definições do Quadro 1 refira-se à CSS
como cooperação entre países de renda média). Já o uso da palavra “assistência” remeteria
não apenas a uma relação desigual, em que uma parte dá e a outra recebe, em que uma parte
sabe e a outra não sabe, mas também a uma relação em que a parte que recebe não coopera,
quer dizer, não utiliza a assistência para complementar esforços locais. Domergue conclui
que, embora os objetivos da “cooperação” e da “assistência” possam ser os mesmos, a escolha
do termo mais apropriado deveria ser feita caso a caso.
No caso da OCDE, seu Comitê de Assistência Técnica, criado em 1960, foi
renominado Comitê de Cooperação Técnica um ano depois, mas manteve-se o termo
“assistência para o desenvolvimento” na nomenclatura do Comitê de Assistência para o
Desenvolvimento (CAD) (DOMERGUE, 1968). Seguindo os critérios correntes deste comitê,
são quatro os elementos necessários e suficientes para que determinado fluxo se configure
como Assistência Oficial para o Desenvolvimento (AOD):
a) sua origem deve ser uma agência do setor público (incluindo governos
subnacionais);
b) seu destino devem ser os países que compõem a lista de recipiendários
do CAD (países em desenvolvimento) ou agências multilaterais, ou ainda
algumas ONGs;39
c) o objetivo central declarado deve ser a promoção do desenvolvimento
econômico e bem-estar;40

‘underdeveloped’, a hint of condescension and were anxious to spare the feeling of Third World countries, and
especially of former colonies which had recently attained independence and whose newborn nationalism was
thought to be highly sensitive and ready to take offense at anything even vaguely reminiscent of their former
dependent status.”
39
Contribuições para grandes ONGs internacionais e para ONGs ativas na promoção do desenvolvimento
também são contabilizadas como AOD pelo CAD, ao passo que subsídios oficiais ao setor privado são
contabilizados como “outros fluxos oficiais”, não como AOD (CAD, 2008).
40
Embora o CAD reconheça a dificuldade de se acessarem, de forma objetiva, as reais intenções dos doadores,
tornar o propósito do desenvolvimento elemento central da definição de AOD tem por objetivo excluir fluxos
relativos, entre outros, a: ajuda militar, iniciativas de combate ao terrorismo, gastos com componentes ostensivos
das missões de paz e pesquisas não destinadas à resolução de problemas elementares dos países em
desenvolvimento (CAD, 2008).
47

d) ser realizado na forma de doações (dinheiro, bens ou serviços), ou


empréstimos a taxa de concessionalidade igual ou superior a 25%41 e
concedidos durante prazo superior a um ano.42

Além dos fluxos financeiros, também são contabilizados gastos com cooperação
técnica, que incluem desembolsos com treinamento e equipamentos em áreas relevantes para
o desenvolvimento nos níveis técnico, secundário e terciário,43 sejam eles realizados no país
doador ou no país recipiendário; e custos administrativos dos programas, inclusive aqueles
relacionados à contratação de consultores e de outros funcionários do país doador. Por fim, o
CAD também contabiliza como AOD perdão de dívidas, assistência humanitária, gastos com
refugiados abrigados pelo país doador e programas de conscientização sobre o
desenvolvimento internacional realizados no país doador (CAD, 2008).44
Embora tenha o mérito de ser operacionalizável, proporcionando bases comuns para a
contabilização, comparação e análise dos dados fornecidos pelos países que reportam ao
CAD, a AOD não esgota o campo da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento
(CID), que engloba também: a cooperação oficial oferecida pelos países que não fazem parte
do CAD; e a chamada “assistência privada para o desenvolvimento”, realizada por ONGs,
organizações religiosas, empresas e fundações, entre outros.45
Alguns autores e instituições vêm optando por utilizar o termo “Cooperação Sul-Sul
para o Desenvolvimento” (CSSD) para referência ao engajamento de países em

41
Para uma explicação detalhada sobre a medição de concessionalidade adotada pelo CAD, ver ECOSOC, 2008.
42
No caso dos empréstimos concessionais, o CAD exclui da contabilização da AOD empréstimos concedidos a
prazos iguais ou inferiores a um ano, baseando-se na premissa de que não gerariam impactos sobre o
desenvolvimento (CAD, 2008).
43
Segundo Domergue (1968), as bolsas de estudos oferecidas a alunos provenientes de países em
desenvolvimento eram, a princípio, consideradas instrumentos de difusão cultural. Posteriormente passaram a
considerados modalidade de cooperação técnica. É muito difícil, porém, separar promoção cultural de
cooperação para o desenvolvimento. O CAD afirma não contabilizar como AOD programas culturais cujos
propósitos centrais sejam a promoção da cultura e dos valores dos países doadores. Contabiliza-se, por exemplo,
o fluxo de recursos relativo a museus, bibliotecas, escolas de artes e música e centros esportivos, ao passo que se
excluem patrocínios a concertos e a atletas (CAD, 2008).
44
Segundo estimativas, de cada US$ 100 contabilizados como AOD, apenas US$ 18,8 chegariam, de fato, aos
países beneficiários (KHARAS, 2009).
45
Para mais informações sobre a ajuda privada para o desenvolvimento ver: KHARAS, MAKINO; JUNG, 2011;
WORTHINGTON; PIPA, 2011.
48

desenvolvimento como prestadores de cooperação.46 A CSSD representaria, assim, a


interseção entre campos da CSS e da CID (Diagrama 1).

Diagrama 1- A Cooperação Sul-Sul para o Desenvolvimento como interseção entre


a Cooperação Internacional para o Desenvolvimento e a Cooperação
Sul-Sul

Fonte: A autora, 2013.

Subsistem, contudo, empecilhos técnicos e políticos para a operacionalização dessa


dimensão da CSS. À dificuldade de se medirem fluxos não oficiais de cooperação, própria da
CID em geral, soma-se, conforme foi apontando pelo Conselho Econômico e Social das
Nações Unidas (ECOSOC, 2008), a inexistência, nos países em desenvolvimento, de bases
nacionais para contabilização de iniciativas oficiais, de critérios compartilhados a respeito
dessa contabilização e de um órgão internacional que colete informações e coordene ações.47

46
Ver, por exemplo, ECOSOC, 2008.
47
Corrêa (2010) enumera outros fatores que impediriam maior articulação dos interesses dos países em
desenvolvimento no que se refere à agenda da CID: a heterogeneidade de suas respectivas realidades
econômicas, sociais e culturais; a predominância de pautas elaboradas pelos doadores tradicionais, que limita a
capacidade dos países em desenvolvimento de discutirem suas próprias abordagens ao desenvolvimento; e
49

Deveriam os países do Sul contabilizar como CSSD toda espécie de fluxos com
objetivo declarado de promover o desenvolvimento em sentido amplo e para ambas as partes
(incluindo, por exemplo, a cooperação em Ciência e Tecnologia) ou apenas aqueles fluxos
voltados para a resolução de problemas primários do desenvolvimento dos países
recipiendários, conforme sugere o CAD? O que é um problema primário de desenvolvimento?
Iniciativas de cooperação envolvendo tecnologias de ponta, como o programa espacial
conjunto Brasil-China, podem ser entendidas como CSSD? Qual critério de concessionalidade
seria mais apropriado para medir os fluxos financeiros que acontecem na forma de
empréstimos?
Do ponto de vista político, outras questões se impõem. Como capacitar e convencer
toda a burocracia dos países em desenvolvimento sobre a necessidade de realizarem a
contabilização da CSSD, seguindo critérios precisos, quando esses países enfrentam tantos
outros desafios domésticos? E, uma vez que os dados referentes aos gastos com cooperação
dos países em desenvolvimento passem a ser publicados, como garantir a aprovação de
programas em bases plurianuais (necessária para garantir a efetividade das iniciativas de
cooperação) e como justificá-los perante a opinião pública doméstica?
Acredita-se ser fundamental, como ponto de partida, resgatar as dimensões
elementares das dinâmicas cooperativas que, como foi apontado, só podem ser enquadradas
enquanto tais se os seus resultados forem considerados satisfatórios por ambas as partes.
Conforme será discutido mais adiante, esse grau de satisfação pode ser avaliado de várias
formas, ao contrário do que nos fazem crer definições de CSS que restringem seu
entendimento ao compartilhamento ou à troca de conhecimentos entre os países do Sul. Antes
de se revisitarem marcos interpretativos que possam contribuir para explicar a CSS, é
necessário antes entender as trajetórias da CID e da CSS, bem como suas convergências e
divergências. Passa-se a isso nas próximas seções (1.2 e 1.3).

carências em formação profissional na matéria, inexistência de bases estatísticas e restrições orçamentárias nos
países em desenvolvimento, impedindo que seus formuladores de políticas se façam representar de forma
adequada nos múltiplos foros internacionais.
50

1.2 Breve histórico da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento

Embora possua antecedentes que remontam pelo menos ao século XIX e à primeira
metade do século XX,48 a CID se constituiu em bases permanentes apenas na segunda metade
do século XX, em contexto marcado inicialmente, por um lado, pela descolonização e pela
emergência da Guerra Fria e, por outro, por fase de crescimento econômico mundial sem
precedentes.49
Se, a princípio, a CID se configurou como expediente temporário no âmbito da disputa
bipolar, posteriormente evoluiu para a formação de um regime internacional, respaldado na
profissionalização das agências prestadoras de cooperação e na emergência de constituencies
pró-desenvolvimento internacional dentro dos países desenvolvidos (Lancaster, 2007a). Tal
regime se transformou ao longo das décadas, acompanhando a constituição e a expansão de
burocracias nacionais e internacionais que se ocupam do tema,50 a evolução do conceito de
desenvolvimento e avaliações acerca das formas mais eficazes de promovê-lo. Ao longo dessa
trajetória, aparentemente condicionada por aspectos técnicos, a dimensão política sempre se
fez presente – seja no enquadramento dos problemas, seja na definição de quais agentes
estariam aptos a oferecer soluções.
Nas décadas de 40 e 50, a CID era predominantemente bilateral51 e tinha como foco a
melhoria da infraestrutura dos países em desenvolvimento (SAGASTI; ALCADE, 1999).

48
Lancaster (2007a) destaca como antecedentes da ajuda a emergência da assistência humanitária moderna no
fim do século XIX, as pequenas quantidades de assistência das potências europeias para o desenvolvimento de
suas colônias no período entre guerras e assistência norte-americana a países latino-americanos no início da II
Guerra Mundial. Domergue (1968), por seu turno, afirma que as origens da assistência técnica remontam à
Antiguidade, mencionando, entre outros, contatos entre os impérios babilônico e egípcio.
49
Sagasti e Alcade (1999) afirmam que a expansão econômica vivida durante a “idade de ouro do capitalismo”
teria sido acompanhada pela expansão da generosidade das nações mais ricas em relação às mais pobres e,
consequentemente, da cooperação internacional. Kuhnen (1987) adiciona que os esforços iniciais para promover
o desenvolvimento internacional aconteceram em contexto marcado pelo desejo de harmonia no pós-II Guerra
Mundial e por um sentimento de obrigação moral dos países ricos em relação aos mais pobres.
50
Estimativas apontam que haveria no mundo 197 agências bilaterais e 263 agências multilaterais encarregadas
da AOD. Conhece-se apenas um caso de agência multilateral que tenha sido encerrada desde o fim da II Guerra
Mundial: o Banco de Desenvolvimento Nórdico (KHARAS; MAKINO; JUNG, 2011).
51
Marco na emergência da CID bilateral no período pós II Guerra Mundial, o Programa do Ponto IV, proposto
por Truman, teve sua execução autorizada pelo Congresso dos EUA em 1950, com a promulgação da Lei do
Desenvolvimento Internacional (BLACK, 1968). Em 1948 havia sido lançado o primeiro Programa de
Assistência Técnica da ONU, transformado no Expanded Technical Assistance Programme em 1949
(DOMERGUE, 1968). Esse programa adquiriu relevo mais do ponto de vista simbólico, por ter conferido papel à
ONU na agenda do desenvolvimento, do que operacional, já que seu orçamento era baixo (US$ 20 milhões em
1951, apresentando crescimento modesto ao longo dos anos). Os doadores mostraram preferência, desde o início,
51

Esse foco se baseava no entendimento do desenvolvimento econômico como crescimento da


renda nacional, a ser atingido por meio de rápida industrialização. Seguindo interpretações
baseadas na experiência dos países desenvolvidos e fundadas em abordagens econométricas,52
a causa do subdesenvolvimento era atribuída à escassez de capital e de conhecimentos
técnicos para a industrialização, cabendo aos doadores, como havia acontecido no caso do
Plano Marshall, suprir tais lacunas (KUHNEN, 1987; MORGENTHAU, 1962).53 A
transferência de recursos era, por seu turno, vinculada à compra de bens e serviços do país
doador, justificada com base na necessidade de obtenção de apoio doméstico para a
assistência (SAGASTI; ALCADE, 1999).
As décadas de 60 e 70 foram marcadas por várias transformações na arquitetura da
CID. Algumas delas foram: a pressão dos países em desenvolvimento, articulada no âmbito
da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), para que
a cooperação se efetivasse também no âmbito comercial (ver seção 1.3); o aumento dos
recursos canalizados via instituições multilaterais; a designação de fundos oficiais para o
planejamento familiar, calcada na ideia de que a pressão populacional nos países em
desenvolvimento tornava os desafios ao seu desenvolvimento particulares em relação àqueles
enfrentados pelos países desenvolvidos no passado.54
Além disso, esse período é marcado pela publicação de uma série de obras de
economistas atribuindo o fracasso do modelo anterior à negligência do setor agrícola na

por canalizar seus recursos, no âmbito multilateral, por meio das instituições de Bretton Woods, baseadas no
sistema de voto proporcional (WEISS et al., 2010). Essa tendência se sustenta até os dias atuais. Segundo dados
referentes período 2000-2008, os recursos aplicados no Sistema ONU totalizaram US$ 93,2 bilhões, ao passo
que os destinados ao Grupo Banco Mundial totalizaram US$ 249,2 bilhões (CORRÊA, 2010).
52
O primeiro economista a se voltar contra as abordagens econométricas ao desenvolvimento foi Gunnar
Myrdal, que no livro Economic theory and under-developed regions (1957) afirmou que a produção de
conhecimento sobre o desenvolvimento demandava também análise abrangente das relações sociais (KUHNEN,
1987).
53
Domergue (1968) considera que o Plano Marshall foi o primeiro exemplo de programa deliberado de
assistência técnica em escala internacional, por ter se voltado para a exportação de técnicas e know-how norte-
americano com o fim de acelerar a produtividade europeia. Uma vez alcançados os objetivos, em alguns anos, o
Plano Marshall cessou. Criou-se, assim, a expectativa de que a experiência do Plano Marshall poderia ser
replicada na promoção do desenvolvimento nos países mais pobres.
54
A particularidade da trajetória dos países de desenvolvimento resultante da pressão populacional foi apontada
pelo economista japonês Shigeru Ishikawa em 1967, com a publicação do livro Economic Development in Asian
Perspective, que influenciaria algumas elaborações da II Década do Desenvolvimento da ONU (KUHNEN,
1987). A incorporação da temática do crescimento demográfico à CID havia se concretizado já nos anos 50 e 60.
No âmbito da AOD, a Suécia destinou fundos para iniciativas de planejamento familiar em países em
desenvolvimento no fim dos anos 50. Em 1968, os EUA designaram fundos para a matéria junto à agência de
cooperação do país (USAID), abrindo espaço para o engajamento de outros doadores em um tema até então
considerado sensível (LANCASTER, 2007a).
52

promoção do desenvolvimento econômico. A industrialização só seria sustentável se estivesse


ancorada no desenvolvimento das áreas rurais, que forneceriam alimentos, trabalho e capital
para o setor industrial, além de absorverem produtos industriais locais e gerarem divisas em
moeda estrangeira, por meio de exportações agrícolas, necessárias para a importação de
equipamentos e insumos industriais (KUHNEN, 1987).
Baseando-se nessas novas concepções, particularmente nas veiculadas no livro
Transforming traditional agriculture (Theodore Schultz, 1964), foram elaboradas estratégias
de desenvolvimento agrícola para os países em desenvolvimento no âmbito da chamada
“Revolução Verde”. Embora a rápida disseminação de sementes mais apropriadas a climas
tropicais e áridos, associada a programas de irrigação e uso de fertilizantes e pesticidas, tenha
levado ao aumento da produtividade agrícola, seus custos sociais foram altos diante da
prevalência de estruturas agrárias desiguais na maior parte dos países em desenvolvimento
(FAO, 2000).
Paralelamente, começava-se a se questionar em que medida o modelo ocidental de
desenvolvimento deveria servir de base para os demais países. Em contexto marcado pelo
desemprego e pelo subemprego em massa, bem como pela emergência dos movimentos
estudantis e ambientalistas nos países industrializados, muitos economistas passaram a
recomendar deslocamento no foco das políticas públicas, passando a produção de bens de fim
a meio para garantir o emprego. A CID acompanhou esse movimento, influenciada por
recomendações da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para a priorização de
atividades intensivas em trabalho (PUPAVAC, 2010).
Em missões enviadas a vários países em desenvolvimento, a OIT constatou que o
problema, ali, não seria a falta de trabalho, mas a renda obtida (KUHNEN, 1987). Essa
perspectiva, associada à insatisfação com os custos sociais da Revolução Verde, contribuiu
para deslocar o debate internacional para a questão da pobreza, entendendo-se que o
crescimento do PIB não garantiria, por si só, a inclusão social.
O baluarte central do deslocamento da CID de intervenções voltadas para o estímulo
ao crescimento de longo prazo para o combate à pobreza foi a abordagem das Necessidades
Humanas Básicas (NHBs). Liderada pelo Banco Mundial e pelos EUA, essa abordagem
preconizava a adoção de políticas inter-setoriais, envolvendo financiamentos a educação e
saúde básicas, estradas, esgoto etc., que beneficiassem os pobres, a maior parte dos quais
estava concentrada em áreas rurais dos países em desenvolvimento (LANCASTER, 2007a).
53

O foco em projetos baseados nas NHBs foi fruto da convergência de diversos fatores.
Cabe mencionar a influência do livro Small is beautiful (1973), do economista britânico
Ernest Schumacher. Schumacher rejeitava a prosperidade baseada na industrialização – que
estaria levando à corrupção de modelos não-materialistas -, em prol de iniciativas locais
baseadas em tecnologias simples e na assistência técnica, que não criariam relações de
dependência e tornaria as pessoas livres (PUPAVAC, 2010). Ideia semelhante havia sido
difundida, já no início da década de 60, pela campanha Freedom from hunger, da Organização
das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), que popularizou, junto aos
círculos da CID, o provérbio chinês “dê um peixe a um homem faminto e você o alimentará
por um dia. Ensine-o a pescar, e você o estará alimentando pelo resto da vida"
(LANCASTER, 2007a).
Embora os próprios governos dos países beneficiados pela ajuda rejeitassem a
abordagem das NHBs,55 ela se tornou dominante por ter influenciado toda uma geração de
profissionais ligados a agências de desenvolvimento internacional;56 por ter coincidido com a
preocupação de que o desenvolvimento desigual e a pobreza levassem a frustração e
radicalização na periferia, ameaçando o progresso dos países industrializados; e por demandar
menos recursos em contexto marcado pelos primeiros sinais de desaceleração econômica nos
países industrializados.
Quando esta desaceleração se consumou, após o segundo choque do petróleo, ela
somou-se à emergência de governos conservadores em vários países desenvolvidos e levou a

55
A resistência dos governos do Sul à abordagem das NHBs e aos clusters de desenvolvimento rural devia-se ao
fato de priorizarem crescimento rápido das áreas urbanas, onde estavam estabelecidas as elites que os apoiavam
(LANCASTER, 2007a). A teoria da dependência, muito popular nesses países na época, não entendia que a
fonte das desigualdades estaria na industrialização per se, mas no imperialismo das grandes potências
(PUPAVAC, 2010).
56
Pupavac (2010, p. 63-64) explica por que, na sua avaliação, as ideias de Schumacher ganharam tamanha
popularidade entre os profissionais das agências de cooperação dos países industrializados: “O trabalho da ajuda
internacional apoiou-se na experiência administrativa colonial, assim como em uma jovem geração de
trabalhadores da ajuda pós-independência. A ênfase do Small is Beautiful de Schumacher no desenvolvimento
espiritual e na tecnologia não industrial casa com a sua visão romântica e antimoderna. A geração mais jovem
dos trabalhadores da ajuda pós-independência foi inspirada pela ampliação da solidariedade internacional. E
ainda havia um elemento, também, do escape romântico do mundano, do ativismo político desapontado em casa
para o ativismo mais glamoroso, menos responsável no exterior quando a contracultura pós-1968 rejeitou as
massas industriais em casa em prol do ideal romântico do campesinato rural pré-moderno” (o texto em língua
estrangeira é:“International aid work drew upon colonial administrative experience, as well as a younger
generation of post-independence aid workers. Schumacher’s Small is Beautiful’s emphasis on spiritual
development and non-industrial technology fits with their romantic anti-modern vision. The younger generation
of post-independence aid workers was inspired by a broadening of international solidarity. And yet there was an
element, too, of the romantic escape from mundane, disappointed political activism at home to more glamorous,
less accountable activism abroad when the post-1968 counter-culture rejected the industrial masses at home for
the romantic ideal of the pre-modern rural peasant”).
54

uma diminuição de fundos destinados à ajuda, considerada ineficaz. Este processo, conhecido
como “donor fatigue”, ancorou-se na constatação de que, depois de três décadas de esforços,
a ajuda não teria atingido o objetivo de levar o desenvolvimento aos países mais pobres
(SAGASTI; ALCADE, 1999). No âmbito multilateral, somas crescentes passaram a ser
destinadas, a partir dos anos 80, aos programas de ajuste estrutural, predominando o
entendimento de que o investimento estrangeiro direto, não a ajuda, levaria ao
desenvolvimento dos países do Sul.
Muitos acreditavam que esse entendimento se tornaria dominante com o fim da Guerra
Fria e que, tendo a prática da AOD emergido no contexto da disputa bipolar, o fim desta
levaria ao fim daquela. Não obstante, a CID havia se enraizado, ao longo das décadas, em
amplos setores da sociedade civil organizada, bem como nas burocracias das agências de
cooperação e dos organismos internacionais, de modo que o fim da Guerra Fria foi marcado
pela introdução de uma miríade de outros temas na CID: a promoção de transições
econômicas (economia de mercado) e políticas (democratização) nos antigos regimes
socialistas e na África Subsaariana; a prevenção de conflitos; e os temas discutidos nas
conferências sociais dos anos 90 (meio-ambiente, população, mulher etc.), a maior parte das
quais haviam culminado com promessas, mas não com compromissos concretos, de
financiamento por parte dos países desenvolvidos (LANCASTER, 2007a).57
O ano 2000, por fim, foi marcado pelo lançamento dos Objetivos de Desenvolvimento
do Milênio (ODMs),58 que representaram, de certa forma, releitura da perspectiva das NHBs,
mas os primeiros, diferentemente das últimas, basearam-se menos em imperativos morais e
mais em no enfoque dos direitos. Diante da constatação de que a realização dos ODMs, até
2015, exigiria não apenas recursos financeiros adicionais, mas também sua aplicação racional,
foi lançada em 2005 a Agenda de Paris sobre Efetividade da Ajuda, contendo princípios que,

57
Para uma revisão detalhada dos temas e processos negociadores que integraram as conferências sociais
realizadas no âmbito da ONU nos anos 90, ver ALVES, 2001.
58
Os oito ODMs são: erradicar a pobreza extrema e a fome; atingir o ensino básico universal; promover a
igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres; reduzir a mortalidade infantil; combater o HIV/AIDS, a
malária e outras doenças; garantir a sustentabilidade ambiental; estabelecer uma parceria mundial para o
desenvolvimento. O lançamento dos ODMs representou o culminar de um processo que havia avançado durante
os anos 90, com: a realização das conferências sociais da ONU, cada uma das quais propôs objetivos e metas de
acompanhamento em áreas específicas (ALVES, 2001); a publicação de um relatório do CAD, em 1996
(Shaping the 21st Century: the contribution of development cooperation), estabelecendo sete metas de
desenvolvimento a serem alcançadas (LANCASTER, 2007a).
55

uma vez seguidos pela comunidade de doadores e recipiendários, garantiriam que os recursos
canalizados pela CID tivessem impactos reais sobre o desenvolvimento.59
Por se tratar de agenda extraída das lições aprendidas, ao longo das décadas, pelos
doadores tradicionais, e também pelo seu caráter restrito (já que seguiu não incorporando, por
exemplo, a temática do comércio internacional) e tecnicista,60 a legitimidade da Agenda de
Paris foi questionada por analistas e por doadores emergentes. Para entender como estes
países perceberam tal agenda, contudo, é necessário apreender antes a trajetória da CSS, que
condiciona em grande medida as visões e práticas sustentadas por países do Sul no seu
engajamento CID como “prestadores”. A evolução de três modalidades da CSS será focada na
próxima seção: o que se decidiu nominar “Cooperação Política entre Países em
Desenvolvimento” (CPPD), entendida como o somatório das forças entre países em
desenvolvimento em busca de reformas na governança global (AYLLÓN, 2011; LECHINI,
2009);61 e as já referidas Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento (CTPD) e
Cooperação Econômica entre Países em Desenvolvimento (CEPD).

59
Os princípios elencados na Declaração de Paris são: apropriação, baseada no desenho de estratégias nacionais
de desenvolvimento ancoradas nos parlamentos e eleitorados nacionais; alinhamento dos doadores a essas
estratégias; harmonização da ação da comunidade de doadores dentro de cada país; abordagem baseada em
resultados, com objetivos claros e mensuração e monitoramento do progresso; e responsabilidade mútua (mutual
accountability), de doadores e recipiendários, na busca dos objetivos estabelecidos (CAD, 2013b). Para uma
análise sobre a origem e a evolução recente do paradigma da agenda de efetividade da ajuda, ver MAWDSLEY;
SAVAGE; KIM, 2013.
60
Baseando-se no trabalho de Djikstra e Komives (2010), Mawdsley, Savage e Kim (2014) lembram que a
dimensão política do desenvolvimento (influência de interesses e instituições nos países doadores e
recipiendários, desacordos sobre a definição de desenvolvimento e caminhos para atingi-lo e desequilíbrios de
poder), embora latente em eventos que abordam o tema da efetividade da ajuda, raramente é reconhecida em
pronunciamentos e na documentação de tais eventos.
61
A CPPD seria se configuraria em algo semelhante ao que Lima (2010, p. 164) chama de “coalizão”, que
“implica na articulação de posições comuns em arenas de negociação no plano global ou regional”. A autora
diferencia as coalizões dos “arranjos cooperativos”, os quais envolvem “a troca entre as partes de bens materiais,
simbólicos e ideacionais”. Para exemplificar essa diferenciação, compara o Fórum BRIC com o Fórum IBAS. O
primeiro, na perspectiva da política externa brasileira, seria uma coalizão “para a defesa de posições comuns na
arena financeira global”, mas ela não necessariamente se estenderia a outras questões ou se transformaria em
arranjo cooperativo. O IBAS, por seu turno, além de coalizão seria arranjo cooperativo, pois inclui “vasta gama
de intercâmbios técnicos e comerciais e a cooperação com outros países de menor desenvolvimento relativo”.
56

1.3 Uma história tentativa da Cooperação Sul-Sul62

No contexto da Guerra Fria e dos movimentos de descolonização, os países do


chamado “Sul global” passaram a ser tratados, e também a se verem, como parte de grupo
específico, cujo objetivo comum seria a promoção do seu desenvolvimento e a defesa de sua
soberania. Alguns marcos nesse sentido foram:
a) o discurso de posse de Truman em 1949 que, ao assumir para seu
governo o papel de resolver os problemas das “áreas subdesenvolvidas”,
conferiu, de forma inédita, unidade aos países que faziam parte delas
(ESCOBAR, 1995 apud MORAIS, 2009);
b) o surgimento dos próprios termos “Terceiro Mundo” e “Sul” em
meados dos anos 50;63
c) a realização, em 1955, da Conferência Afro-Asiática (ou Conferência
de Bandung), a primeira conferência internacional levada a cabo sem a
presença de representantes de EUA, URSS e Europa (MORAIS, 2009). Esse
evento também catalisou a difusão do termo “Sul” (LECHINI, 2009),64 além de
ter originado os princípios do não alinhamento (VALLER FILHO, 2007);65

62
A dilatação do significado de CSS, a lacuna de estudos empíricos históricos sobre o tema e carência de
registros impede que se trace sua história de forma fidedigna. No caso específico da CTPD, este último problema
foi constatado por Cervo (1994, p. 46), que tentou, no início da década de 90, agregar dados sobre o
envolvimento brasileiro na matéria. Foram identificados 695 projetos, mas sua documentação “era
frequentemente incompleta, dificultando o estudo da cooperação prestada pelo Brasil a países da América
Latina, Caribe e África negra”. O diplomata brasileiro Iglesias Puente (2010, p. 84), também nota que a
“ausência de dados e estatísticas sobre a CTPD é um dos problemas encontrados para analisar sua dimensão e
progresso. [...] Muitos PED [países em desenvolvimento] simplesmente não dispõem de registro consolidado das
ações, volumes e destinatários. Quando existente, esse registro mostra-se deficiente e incompleto [...].”
63
Segundo Lechini (2009), o termo “Terceiro Mundo” foi criado pelo economista francês Alfred Sauvy em
1952, em paralelismo ao termo “terceiro estado”, designando os países que não se alinhavam a bloco algum no
âmbito da disputa bipolar (para esclarecimentos mais detalhados sobre a origem e o significado do termo
“Terceiro Mundo”, bem como crítica ao caráter excessivamente simplista e difuso dessa elaboração, ver LYON,
1974). A autora também afirma que o primeiro registro de uso do termo “Sul” teria acontecido no dia 28 de
junho de 1954, com a Proclamação do Pansha Shila de coexistência pacífica, assinada pelos então chefes de
Governo de China e Índia (respectivamente, Chu em Lai e Jawarhalal Nehru) após as guerras entre Coreia e
Indochina.
64
O ingresso do termo “Sul” no vocabulário das relações internacionais remonta à independência dos países
asiáticos e africanos, mas o termo teria começado a ser utilizado de modo mais enfático pelo “Norte” em 1980,
com a publicação do relatório da Comissão Independente sobre Problemas Internacionais do Desenvolvimento
ou Diálogo Norte-Sul ou Comissão Brandt (LECHINI, 2009).
65
De acordo com cronologia da CSS elaborada pela SEGIB (2008), um ano antes de Bandung, em 1954, teria
sido registrada a primeira ação sob a modalidade Sul-Sul: o oferecimento de cooperação pela Tailândia a países
do Sudeste Asiático.
57

d) e a constituição do Movimento dos Não-Alinhados (MNA) na


Conferência de Belgrado (1961), que marcou a convergência, entre os países
do Sul, acerca da necessidade de defenderem sua autonomia, recém-
conquistada no caso de muitos, diante de novas aventuras colonialistas da
Guerra Fria.

Nesses primeiros anos de articulação entre países do Sul, a cooperação entre eles
sofria pelo menos três restrições: o número reduzido de participantes;66 a limitação temática;
e, principalmente, a baixa complementaridade entre suas economias. Embora os comunicados
resultantes de conferências reunindo representantes dos países em desenvolvimento, desde
Bandung, mencionem a necessidade de se promover a cooperação econômica e técnica entre
eles,67 a concretização da CSS se limitou, em grande medida, à união contra o imperialismo e
o racismo e a favor do pacifismo, do multilateralismo, da autodeterminação e da igualdade
entre as nações – no âmbito, portanto, da CPPD.
O estabelecimento da UNCTAD em 1964, ao mesmo tempo em que representou
alargamento da aliança entre os países do Sul, agregou à agenda da CSS consenso em torno
do comércio internacional como instrumento de promoção do desenvolvimento econômico.
Mesmo países considerados aliados incondicionais dos países industrializados passaram a
demandar mudanças nas relações econômicas internacionais (MENON, 1980).68
Logo na primeira reunião da UNCTAD os países latino-americanos se juntaram aos
asiáticos e africanos para formar a maior coalizão terceiro-mundista no âmbito das Nações

66
Em Bandung, reuniram-se representantes de 29 países asiáticos e africanos, ao passo que apenas 25
representantes compareceram à Conferência de Belgrado, considerada, no entanto, de escopo geográfico mais
amplo por conta da presença de representante de um país latino-americano: Cuba. Como lembra o diplomata
brasileiro Valler Filho (2007), o MNA se expandiu rapidamente com a associação dos países que se tornavam
independentes, consolidando-se como movimento com a realização de sucessivas conferências sobre
desenvolvimento.
67
O primeiro item do Comunicado Final de Bandung, intitulado “Cooperação Econômica”, contempla, por
exemplo, os seguintes elementos: assistência técnica mútua; ação coletiva para estabilização dos preços e
demanda internacional do comércio de commodities; diversificação da pauta de exportações via estímulo ao
processamento nacional de matérias-primas; desenvolvimento da infraestrutura necessária para o avanço do
comércio regional, como as ligações mercantes e ferroviárias e o estabelecimento de bancos de fomento e
seguradoras nacionais e regionais; formulação de políticas comuns em matéria de petróleo; apoio à energia
nuclear para fins pacíficos; e consultas prévias para a elaboração de posições comuns em fóruns internacionais a
fim de promover o interesse econômico mútuo (CONFERÊNCIA AFRO-ASIÁTICA, 1955).
68
Outro evento que marcou a união entre os países do Sul nos anos 60, como lembra Lechini (2009), foi a
criação da Organização de Solidariedade com os Povos de América Latina, Ásia e África (OSPAAAL) em
Havana em 1966.
58

Unidas, o Grupo dos 77 (G77). A princípio, porém, suas atividades também se restringiram a
barganhas coletivas vis-à-vis os países industrializados (novamente, a CPPD). A cooperação
comercial entre países em desenvolvimento viria se institucionalizar apenas em 1988, com o
estabelecimento do Sistema Global de Preferências Comerciais entre Países em
Desenvolvimento.
Ainda assim, vale sublinhar que a agenda da UNCTAD representou marco histórico
não apenas para a CSS, mas também para a CID, na medida em que os países do Sul passaram
a disputar abertamente os modelos de cooperação então vigentes. Para eles, esses modelos se
assentavam em bases assistencialistas, condicionais e conectadas a interesses dos países
doadores, pouco contribuindo para seu desenvolvimento econômico, o qual demandaria a
reestruturação do comércio internacional. Essa crítica foi veiculada, em contexto marcado
pela deterioração dos termos de troca, pelo mote “Trade, not Aid” (IGLESIAS PUENTE,
2010), ou “Trade is better than aid” (CORRÊA, 2010).
Domergue (1968) lembra que a própria OCDE havia reconhecido, em documento
publicado em 1961, que a produção de bens a níveis superiores da capacidade de absorção dos
mercados internos dos países desenvolvidos, amparada pela cooperação técnica e financeira
oferecida pelos países desenvolvidos, demandaria medidas adicionais voltadas para o
equilíbrio do comércio. Reconhecia-se, portanto, a contradição entre a prestação de
assistência técnica e financeira e práticas protecionistas dos países desenvolvidos. Segundo o
documento, elaborado na verdade pelo mesmo autor,

Seria de fato absurdo capacitar os países em desenvolvimento a produzir


quantidades de bens acima da capacidade de absorção de seu mercado interno se
medidas complementares para a organização do comércio não fossem tomadas em
bases periódicas para restaurar o equilíbrio do mercado internacional. Em outras
palavras, é claro que se a assistência técnica e a assistência financeira atingirem seu
propósito essencial, que é desenvolver as produções agrícola e industrial dos países
em desenvolvimento, o equilíbrio do comércio internacional deixa de ser mais ou
menos estático e se torna definitivamente dinâmico. Seria uma estranha contradição
da parte dos países “desenvolvidos” considerarem os países aos quais fornecem
assistência técnica como “competidores” em relação aos quais eles devem se
defender por meio de quotas e/ou tarifas protecionistas (DOMERGUE 1961 apud
DOMERGUE, 1968, p. 42, tradução nossa).69

69
O texto em língua estrangeira é: “It would indeed be absurd to enable the under-valorised countries to produce
greater quantities of goods than their national market can absorb, if complementary measures for the
organisation of trade were not taken at intervals to restore the balance of the international market. In other words,
it is clear that if technical assistance and financial assistance attain their essential purpose, which is to develop
agricultural and industrial productions of the under-valorised countries, the balance of international trade ceases
to be more or less static and becomes definitely dynamic. It would be a strange contradiction on the part of the
‘developed’ countries to consider countries to which they give their technical assistance as ‘competitors’ against
whom they must defend themselves by means of quotas and/or protective tariffs.”
59

No entanto, os países desenvolvidos não reconheciam a reestruturação do comércio


como modalidade da AOD. As discussões acerca da eliminação de barreiras comerciais
aconteciam em outros âmbitos, e não teria sido possível construir consensos, entre os
doadores, acerca da necessidade de integrar a UNCTAD a políticas de assistência
(DOMERGUE, 1968). Segundo Corrêa (2010, p. 90), a UNCTAD, que se propunha a fazer a
ponte entre as agendas da assistência e do comércio, então discutida no âmbito do Acordo
Geral de Tarifas e Comércio (GATT), não agregava poder normativo suficiente para tanto; os
países desenvolvidos incidiam sobre o PNUD, de modo que fossem priorizados seus
interesses em determinados temas do desenvolvimento, desenhado uma espécie de “cordão
sanitário” para manter as duas agendas separadas.70 Além disso, o modelo de substituição de
importações, prevalecente nos países em desenvolvimento nos anos 60 e 70, focava a
utilização da assistência como meio para apoiar a industrialização, não para estimular o
comércio. Isso tornava a comunidade do desenvolvimento cética em relação à utilização da
assistência como veículo de estímulo ao comércio, posição que seria alterada apenas nos anos
80 (LANGTON, 2007 apud CORRÊA, 2010, p. 25).
Paralelamente, ainda nos anos 60, a CSS avançaria no âmbito regional e sub-regional,
com a emergência dos primeiros arranjos de integração envolvendo países em
desenvolvimento: Mercado Comum da América Central (1960); Associação Latino-
Americana de Livre-Comércio (1960); Organização da União Africana (1963); União
Econômica e Aduaneira da África Central (1964); Associação das Nações do Sudeste Asiático
(1967); Pacto Andino (1969).71 Contudo, devido à carência de infraestrutura (comunicações e
transportes) ligando os países que formavam esses arranjos, bem como à sua base produtiva
similar, a cooperação econômica, destinada a gerar economias de escala no âmbito das
estratégias de industrialização, não se concretizou nos níveis esperados (OHIORHENUA;
RATH, 2000).

70
Na visão de Corrêa (2010), a prática do livre comércio entre países desenvolvidos e em desenvolvimento teria
se materializado de forma seletiva, tendo os EUA e a Europa Ocidental priorizado países asiáticos por razões
geopolíticas e por produzirem bens de menor valor agregado (que, portanto, não ameaçariam setores relevantes e
o bem-estar nos países desenvolvidos).
71
Essas iniciativas integração regional entre países em desenvolvimento se inserem na chamada “primeira onda
do regionalismo”, que engloba acordos e organizações criados entre o pós-guerra e o início dos anos 80. Esses
arranjos foram classificados como promotores de um regionalismo “fechado”, pautado pela busca de incentivos
especiais para a industrialização dos países em desenvolvimento, que não se consideravam em condições de
igualdade para concorrer com os industrializados no âmbito de negociações multilaterais mais amplas, como o
GATT (HERZ; HOFFMANN, 2004).
60

Diante das limitações mencionadas, a modalidade de CSS que se efetivou de forma


marcante, nessa primeira fase, foi o apoio mútuo entre os países em desenvolvimento na arena
multilateral (a CPPD), com destaque para as articulações que culminaram com a aprovação da
Declaração pelo Estabelecimento da NOEI em 1974. Contribuíram para tanto o alargamento
do número de países em desenvolvimento representados na ONU (ocasionado pelo avanço do
processo de descolonização) e a liderança exercida por estadistas como Jawaharlal Nehru
(Índia), Julius Nyerere (Tanzânia), Mao Zedong (China), Luis Echeverría (México) e
Mahathir bin Mohamad (Malásia) (MORAIS, 2009), bem como as próprias articulações no
âmbito do MNA e da UNCTAD (VALLER FILHO, 2007).
Com o avanço dos anos 70, o apoio mútuo no contexto do Diálogo Norte-Sul foi
suplementado pela difusão de iniciativas de cooperação técnica e econômica entre os países
em desenvolvimento (SAKSENA, 1985), antes pontuais e ligadas principalmente à atuação de
Cuba e da China.72 A atuação dos países do Sul como bloco nas relações internacionais
passava, assim, da reclamação para a ação (MENON, 1980). Fundamental para isso teria sido
a própria diferenciação entre os países do Sul introduzida pelo que Amsden (2004) chama de
emergência do “resto”. Somente com o avanço de alguns países do Sul, expressos em termos
de crescimento do PIB, das exportações e da renda per capita, seria possível concretizar a
CTPD e a CEPD.73 Ao mesmo tempo, porém, essa diferenciação introduziria assimetrias entre

72
Conforme informações levantadas por Iglesias Puente (2010), o governo cubano contava com programas de
CSS desde 1961, tendo estabelecido ações, ao longo de sua história, em 154 países. As ações aconteceram em
várias vertentes (cooperação técnica, cooperação científica, educacional, cultural, doações financeiras e ajuda
humanitária), mas com concentração em áreas em que o país atingiu maiores progressos (saúde, educação e
esportes). O país se destacava na cooperação técnica pelo envio de amplos contingentes de médicos e
professores, especialmente a países alinhados com o bloco socialista (MORAIS, 2009), embora esse viés
ideológico tenha sido atenuado com o fim da Guerra Fria (IGLESIAS PUENTE, 2010). Já a China, que havia se
tornado doador desde o início dos anos 50, foi protagonista no financiamento de projetos de larga escala, como a
ferrovia Tanzânia-Zâmbia, construída no fim da década de 60. No que se refere à cooperação técnica, uma das
frentes de atuação privilegiadas foram os projetos de assistência agrícola, ferramenta de promoção do regime
maoísta (CHIN; FROLIC, 2007).
73
Amsden (2004) afirma que um dos fatores fundamentais para a emergência dos chamados “New Industrialized
Countries” (NICs) teria sido uma forte atuação do setor público na captação de conhecimentos e tecnologias
necessários para alavancar o processo de desenvolvimento. Embora a autora não apresente reflexões sobre a
relação entre esse fator e a CSS, vale lembrar que, nos anos 70, a inovação migrava, nos países do Norte, do
setor público para o setor privado. Uma das apostas de entusiastas da CSS, que se sustenta até os dias atuais, era
a de que os governos dos países do Sul, ao contrário do setor privado dos países do Norte, estariam dispostos a
compartilhar tecnologias com outros países. O caso da atuação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(EMBRAPA) na CSS, que será abordado no Capítulo 3, mostra que esse raciocínio nem sempre se confirma na
prática. A empresa transfere apenas tecnologias de domínio público a outros países em desenvolvimento; as
tecnologias mais avançadas, as quais muitas vezes são produzidas em parcerias com o setor privado (inclusive
com multinacionais), são transferidas a terceiros mediante pagamento de royalties.
61

os próprios países do Sul, comprometendo a sua “identidade” como bloco monolítico (LIMA,
2010).74
A criação da Organização dos Países Produtores e Exportadores de Petróleo (OPEP) e
o primeiro choque do petróleo (1973) se constituíram como baluartes da mobilização coletiva
entre países em desenvolvimento que, em posse de um importante instrumento de poder,
passaram a agregar maior capacidade de barganha nas relações com os países industrializados
(LECHINI, 2009). Além disso, boa parte das receitas extraordinárias geradas na forma dos
chamados “petrodólares” seria transferida para outros países em desenvolvimento na forma de
empréstimos a taxas de juros baixas ou mesmo negativas, representando marco da cooperação
financeira entre países em desenvolvimento,75 embora seus efeitos negativos sobre o balanço
de pagamentos dos países que dependiam da importação de petróleo, e não exportavam
commodities em larga escala, já se fizessem presentes naquele momento.76
Com o fracasso do Diálogo Norte-Sul, a CSS na forma de barganhas coletivas no
âmbito multilateral passou a ceder espaço para a busca por uma efetiva cooperação técnica e
econômica entre países em desenvolvimento. No âmbito multilateral, a CTPD, antes discutida
em conferências mais amplas, passa a ganhar âmbitos de discussões e estruturas burocráticas
específicas. Em 1974, foi criada a Unidade Especial de CTPD do PNUD,77 à qual coube

74
Uma das obras a se dedicar ao tema do estreitamento de laços entre os países do Sul em função da
“hierarquização” entre eles foi o volume “South-South relations in a chanding world order”, editado por Jerker
Carlsson (1980). Os autores que publicaram nesse livro utilizam o termo “relações Sul-Sul”, pois veem as
diferenciações emergentes entre os países do Sul como fonte de novas assimetrias, conforme será discutido mais
adiante (Subseção 1.4.1).
75
Outras iniciativas de cooperação financeira entre países em desenvolvimento haviam sido lançadas
anteriormente. O Fundo do Kuwait para o Desenvolvimento Econômico Árabe, estabelecido em 1961, foi o
primeiro da espécie estabelecido por um país em desenvolvimento. Em meados da década de 70, seriam criados
o Banco de Desenvolvimento Islâmico e o Banco Árabe para o Desenvolvimento Econômico (ECOSOC, 2008).
Tais iniciativas, motivadas em grande medida por propósitos diplomáticos (busca de apoio para a causa
palestina), concediam quantidades modestas de financiamentos concessionais especialmente para a África e
Oriente Médio, sendo que Israel, em resposta, também começou a destinar ajuda em defesa da sua política,
especialmente na África. Somas modestas também foram concedidas por países como a África do Sul, Índia,
Nigéria e Brasil como meio para afirmarem sua liderança regional, defenderem seus interesses e apoiarem
diásporas (LANCASTER, 2007a).
76
O primeiro choque do petróleo afetou negativamente os países que não contavam com commodities
exportáveis que lhes permitissem fazer frente aos custos crescentes da importação do petróleo, contribuindo,
assim, para aprofundar as assimetrias entre os níveis de desenvolvimento dos países do Sul. Lyon (1974) lembra
que os países árabes recusaram exportar petróleo, a preços concessionais, para os países africanos que sofriam
com os efeitos do choque. Diante das críticas a essa postura, em particular as realizadas pelos governos de
Etiópia e Gana, os países árabes contrapropuseram os chamados “soft loans” (empréstimos a taxas de 1% e
carência mínima de três anos) e a criação de um banco especial de desenvolvimento para “ajudar” os países
africanos a superar suas dificuldades econômicas.
77
Em 2003, a Unidade Especial de CTPD do PNUD foi renominada Unidade Especial para a Cooperação Sul-
Sul.
62

liderar a organização da Conferência das Nações Unidas sobre Cooperação Técnica entre
Países em Desenvolvimento que reuniria em Buenos Aires, em 1978, delegações de 138
países.78 O resultado da conferência foi a adoção, por consenso, do Plano de Ação para
Promover e Implementar a CTPD, que havia resultado de cinco anos de debates detalhados
sobre o tema (ONU, 1978). O plano, cuja implementação seria monitorada pela Unidade
Especial de CTPD do PNUD, continha 38 recomendações destinadas a atores nacionais,
regionais e globais, as quais contemplavam basicamente a necessidade de os países em
desenvolvimento: registrarem e partilharem informações sobre suas capacidades, técnicas e
experiências; estabelecerem e fortalecerem ligações institucionais e físicas necessárias para o
compartilhamento de recursos; identificarem e concretizarem oportunidades de cooperação,
com foco nas necessidades dos países menos desenvolvidos (PNUD, 2004).
A Conferência de Buenos Aires é também apontada como o baluarte da chamada
“cooperação horizontal”, conceito que emergiu no contexto das frustrações com os modelos
de cooperação então vigentes e da conscientização dos países em desenvolvimento de que
“deveriam ser parceiros integrais no processo de solução de seus problemas, e não apenas
recipiendários passivos de ajuda externa” (PLONSKY apud IGLESIAS PUENTE, 2010, p.
77). Consoante os princípios básicos do movimento terceiro-mundista (respeito à soberania e
não ingerência, independência econômica e igualdade de direitos), valorizou-se o papel dos
governos dos países do Sul na organização da CTPD, embora se prevendo suporte de outras
organizações públicas e privadas e dos doadores tradicionais (IGLESIAS PUENTE, 2010).
No âmbito da cooperação econômica, os marcos da CSS foram o Programa de Arusha
(1979)79 e o Programa de Ação de Caracas (1981),80 que continham recomendações sobre o
estreitamento de ligações em vários setores, com foco no comércio e no estabelecimento do
Sistema Geral de Preferências Comerciais entre Países em Desenvolvimento, como
ferramenta de promoção de uma nova ordem econômica mundial. Ainda nesse momento,
contudo, avalia-se que, em geral, persistiam limitações à concretização da CSS como

78
A criação da Unidade Especial foi antecedida, em 1972, pela Resolução n. 2.974 da Assembleia Geral das
Nações Unidas, que determinou a criação de um grupo de trabalho para propor medidas que permitissem
contornar as limitações para a implementação da CTPD em âmbito regional e internacional (VALLER FILHO,
2007).
79
O nome completo do programa era Arusha Programme for Collective Self-Reliance and Framework for
Negotiations.
80
O Programa de Ação de Caracas foi adotado durante a Conferência de Alto Nível sobre Cooperação
Econômica entre Países em Desenvolvimento.
63

estratégia de redefinição da divisão internacional de trabalho e de industrialização. Barreiras


físicas, tecnológicas, institucionais e financeiras continuaram impedindo que os próprios
países em desenvolvimento atendessem a demandas mútuas por bens intermediários e de
capital,81 desafios que viriam se tornar ainda mais profundos nos anos 80, com o retrocesso
nas taxas de crescimento em boa parte dos países do Sul (SAKSENA, 1985).
Foi nesse cenário que a CTPD se tornou modalidade dominante da CSS, apesar de
Iglesias Puente (2010) considerar que seu avanço tenha sido modesto em relação à sua
presença crescente no discurso das Nações Unidas (com sucessivas resoluções aprovadas, nos
anos seguintes à Conferência de Buenos Aires, conclamando o apoio global à CTPD). Quer
dizer, a CTPD não se firmou como frente preferencial apenas por se basear no ideal da
construção de capacidades institucionais como mecanismo de autossustentabilidade,82 mas
também porque, em cenário adverso para o avanço da CEPD, era viável e barata, pois que
baseada, em grande medida, na disponibilização de recursos humanos vinculados a
instituições públicas dos países em desenvolvimento.
Em geral, contudo, os anos 80 e boa parte dos 90 são vistos como marcados pela
desmobilização da CSS. Isso ocorreu, por um lado, devido à premência de esforços voltados
para solucionar a crise da dívida externa em contexto caracterizado ainda, no caso dos latino-
americanos, pela transição democrática e pela erosão do modelo de desenvolvimento baseado
na substituição de importações. Por outro lado, a emergência de novo modelo de
desenvolvimento, focado no ajuste neoliberal, acabou levando os países do Sul a competir
pela recepção de investimento estrangeiro direto, interrompendo décadas de mobilização
conjunta pela reforma da ordem econômica mundial que, assim como as próprias iniciativas
de CSS, havia se calcado na centralidade do Estado como motor do desenvolvimento. Por
fim, a queda da URSS veio questionar o rationale central do movimento terceiro-mundista: a
busca de autonomia diante da disputa bipolar (MORAIS, 2009). Nas palavras de Lima
(2005b, p. 14-15),

81
Para uma descrição detalhada das barreiras que impediam o avanço da CEPD, ver SAKSENA, 1985.
82
O rationale da construção de capacidades como veículo para a autossustentabilidade, caracterizado por viés
excessivamente tecnicista, é dominante nas reflexões sobre a CTI em geral. A ABC, por exemplo, elabora a
questão da seguinte maneira: “Considerando-se que a carência de instituições adequadamente capacitadas
constituía o principal empecilho para o desenvolvimento, a cooperação internacional deveria, portanto, conceder
prioridade à capacitação institucional (‘institution building’). A existência de instituições nacionais capacitadas
tecnicamente (em administração pública, em planejamento, em ciência e tecnologia, em gestão de programas
governamentais, etc.) foi trabalhada como condição essencial para que os esforços empreendidos tivessem
continuidade posteriormente e para que os países recipiendários adquirissem a desejada autonomia” (ABC,
2013c).
64

A eliminação do contrapoder soviético, cujo desafio ao poder norte-americano no


período anterior funcionara como um elemento de barganha para os países do Sul,
esfacelou a coalizão do Terceiro Mundo. De fato, com o desaparecimento do mundo
socialista, a crise fiscal e da dívida, a erosão dos modelos de desenvolvimento, o
próprio conceito de Terceiro Mundo deixou de existir, assim como a capacidade de
ação coletiva dos países do Sul.

Lechini (2006, p. 313) atribui a desmobilização da CSS nos anos 80, em geral, e a
incapacidade de ação coordenada dos países em desenvolvimento diante da crise da dívida,
em particular, não apenas à sua fragilidade econômica e às investidas realizadas pelos países
desenvolvidos para negociarem bilateralmente com credores privados, mas também ao fato de
a CSS ter se calcado em projeto de “natureza geral”, em “ampla esfera de ação” e na premissa
falaciosa de que os países em desenvolvimento “tinham mais coisas em comum do que
possuíam na realidade e que todas as soluções podiam ser aplicadas uniformemente com o
mesmo êxito” (tradução nossa).83
A heterogeneidade entre os países do Sul, que havia se configurado como
determinante para a própria prevalência do caráter idealista e reformista do terceiro-
mundismo,84 viria se tornar cada vez mais profunda com a crise da dívida e dos modelos de
desenvolvimento liderados pelo Estado, com os efeitos desiguais da globalização e com o
retorno à democracia em alguns países (LIMA, 2010).
Conforme aponta o Quadro 2, se consultarmos o número de eventos multilaterais que
contribuíram para impulsionar e definir a CSS ao longo das décadas, veremos que, de fato,
sua desmobilização se verifica nos anos 80 e primeira metade dos anos 90 (apenas um evento
registrado), em relação à década de 70 (sete eventos registrados).

Quadro 2 – Eventos multilaterais que contribuíram para impulsionar e definir a CSS


Ano Evento Contribuições
1964 1ª Reunião da UNCTAD A UNCTAD é criada para integrar comércio e
(Suíça) desenvolvimento. Realiza ações de Cooperação Técnica
que impulsionam, por sua vez, a Cooperação Econômica

83
O texto em língua estrangeira é: “tenían más cosas en común de las que poseían en realidad y que todas las
soluciones podían ser aplicadas uniformemente con el mismo éxito.”
84
Nas palavras de Lima (2010, p.156): “[...] a grande heterogeneidade econômica e política dos seus
componentes [...] criava um problema de coordenação da ação coletiva, bem como a necessidade de se evitarem
questões políticas que pudessem dividir aquele conjunto heterogêneo de países. Exatamente pela
heterogeneidade da coalizão Sul, suas propostas seguiam uma linha essencialmente principista e reformista,
restringindo-se ao universo da agenda do desenvolvimento e do regime de comércio internacional. Era a situação
comum à qual estavam submetidos aqueles países – a localização geográfica no hemisfério Sul e a dependência e
subordinação econômica às potência constituídas – a única convergência entre eles.”
65

entre Países em Desenvolvimento (CEPD), especialmente


nas áreas de comércio, finanças e tecnologia.

Na ocasião é criado também o G77, a maior coalizão de


países em desenvolvimento ligada ao sistema das Nações
Unidas (atualmente integrada por 133 países). Entre suas
funções está tanto a promoção da cooperação técnica
quanto da cooperação econômica entre países em
desenvolvimento.
1974 29º Período de Sessões da Nasce, como dependência especial do PNUD, a Unidade
Assembleia Geral das Especial de CTPD. Entre suas funções se destacam a
Nações Unidas (EUA) promoção e defesa da CSS; e a canalização e inovação dos
mecanismos que permitam que os países membros do
PNUD possam participar de iniciativas trilaterais e Sul-Sul
dentro do sistema das Nações Unidas.
1976 5ª Conferência de Chefes O MNA nasce formalmente em Belgrado em 1961.
de Estado e de Governo Integrado originalmente por 25 países, em 1976 os países
dos Países Não-Alinhados membros somam 86. Atualmente formam parte desse
(Sri Lanka) movimento 116 países. Durante a conferência de 1976,
aprova-se um primeiro Programa de Ação para a CEPD.
1976 Conferência sobre Acordam-se medidas para facilitar a implementação dos
Cooperação Econômica Programas de Ação para a Cooperação Econômica
entre Países em surgidos nos marcos do MNA e do G-77.
Desenvolvimento
(México)
1976 31º Período de Sessões da Chamado à Unidade Especial de CTPD do PNUD para
Assembleia Geral das que comece a preparar a Conferência de Buenos Aires.
Nações Unidas (EUA)
1977 32º Período de Sessões da Lança resolução que fixa como objetivos da CTPD, quais
Assembleia Geral das sejam: a promoção da capacidade nacional e coletiva dos
Nações Unidas (EUA) países em desenvolvimento para valerem-se de meios
próprios; o aumento da capacidade criadora desses países
para resolver esses problemas de desenvolvimento.
1978 Conferência das Nações 138 países adotam por consenso o Plano de Ação de
Unidas sobre CTPD Buenos Aires ou Plano para Promover e Realizar a CTPD
(Argentina)
1979 1ª Sessão do Comitê de Primeira das reuniões que passariam a contar com a
Alto Nível das Nações presença de representantes de alto nível de todos dos
Unidas para a Revisão da países que integram o PNUD. Essas reuniões, celebradas a
CTPD (EUA) cada dois anos, passam a abordar todas as questões
intergovernamentais que afetam a CTPD.
1981 Conferência de Alto Nível Aprovação do Programa de Ação de Caracas para a
sobre Cooperação Cooperação Econômica entre Países em Desenvolvimento.
Econômica entre Países
em Desenvolvimento
Caracas (Venezuela)
1995 9ª Sessão do Comitê de Elaboram-se as “Novas Diretrizes da CTPD”, que
Alto Nível das Nações incluem: o conceito de Países-Pivô ou países em
Unidas para a Revisão da desenvolvimento que, em virtude de suas capacidades e
CTPD (EUA) experiência em promover a CSS, assumem papel de
líderes na promoção e aplicação da CTPD (22 países
assumem esse papel inicialmente); a promoção de uma
maior integração entre a CTPD e a CEPD.
2000 Reunião de Chefes de Acorda-se convocar, para 2003, a I Conferência de Alto
Estado e de Governo do Nível sobre CSS. Busca identificar formas de fortalecer e
G77 (Cuba) expandir a cooperação entre países em desenvolvimento.
2002 Conferência Internacional Nasce para dar o cumprimento financeiro aos
sobre o Financiamento compromissos contraídos pelos doadores tradicionais com
para o Desenvolvimento os ODMs. Entre suas consequências está o aumento da
66

(México) AOD mundial, mas também a concentração da AOD em


países mais pobres. O deslocamento dos países de renda
média como receptores da AOD contribui para
impulsionar sua participação na CSS.
2003 Conferência de Alto Nível Examina a Cooperação Sul-Sul no marco da Cooperação
sobre CSS ou 1ª Cúpula Internacional. Estabelece novas diretrizes para estreitar a
do Sul (Marrocos) cooperação econômica e social entre países em
desenvolvimento.
2005 Conferência de Alto Nível Impulsiona-se o Plano de Doha, por meio do qual se
sobre CSS ou 2ª Cúpula detalham as iniciativas que deveria permitir o estímulo ao
do Sul (Qatar) aumento da CSS em todas as regiões do mundo e em todas
as suas modalidades.
2006 14ª Cúpula do MNA A declaração final considera insuficiente a AOD mundial
(Cuba) e insta a aproveitar ao máximo o potencial da CSS.
2007 62º Período de Sessões da Revisão mais recente e exaustiva da CSS no marco da
Assembleia Geral das cooperação internacional. Insta-se uma maior integração
Nações Unidas. 15º entre a CTPD e a CEPD.
Período de Sessões do
Comitê de Alto Nível para
a Cooperação Sul-Sul
(EUA)
Nota: Diferentemente da tabela original, esta tabela inclui apenas registros de eventos multilaterais. Os eventos
regionais e bilaterais relacionados à CSS foram excluídos porque na tabela original foram registrados
apenas aqueles referentes à América Latina.
Fonte: SEGIB, 2008.

Conforme também mostra a cronologia apresentada no Quadro 2, a segunda metade


dos anos 90 e, particularmente, os anos 2000, marcaram a retomada das discussões sobre a
CSS no âmbito multilateral. A insatisfação com os impactos sociais dos programas de ajuste
estrutural e a emergência de governos progressistas em vários países do Sul foram alguns dos
fatores que contribuíram para isso (MORAIS, 2009),85 além da sua própria recuperação
econômica, que permitiu atuação mais proativa no cenário internacional. Iglesias Puente
(2010, p. 84) também lembra que os novos desafios trazidos pelo aprofundamento da
globalização levaram os países em desenvolvimento a buscarem novas formas de se inserir na
arena internacional, sendo a CTPD considerada “um dos mecanismos inovadores de
interdependência, para minimizar os riscos da globalização e fazer melhor uso das
oportunidades trazidas em seu bojo”.
Embora tenha resgatado o rationale da união em barganhas no âmbito multilateral –
exemplificado nas articulações, no âmbito da OMC, em prol do equilíbrio entre proteção das
patentes e o direito à saúde ou da abertura comercial dos países desenvolvidos para os
produtos agrícolas (G20) -, a CSS não se restringiu de forma alguma a isso. Lechini (2007)

85
A emergência de governos progressistas foi particularmente marcante na América Latina, embora tenha
acontecido também em outras partes do mundo (caso, por exemplo, do governo do social-democrata Thabo
Mbeki na África do Sul). Para mais informações sobre a emergência de governos progressistas na América
Latina, ver, por exemplo, PANIZZA, 2006.
67

considera que alguns países do Sul teriam aprendido com as experiências passadas, buscando
aprofundar a cooperação funcional em várias áreas, como democracia, justiça social,
comércio e investimentos, meio-ambiente e segurança.
Essa nova fase é marcada também pela emergência de coalizões unindo as potências
emergentes, como o IBAS e o BRICS, que incluem dimensões de cooperação econômica e de
cooperação setorial – apesar de essas dimensões não produzirem resultados tão imediatos
quanto a modalidade mais tradicional de CSS: a coordenação no âmbito multilateral em prol
de reformas na governança econômica e política global (CPPD).
Nessa nova fase, a CSS também escapou das mãos do Sul, passando a ser incorporada
cada vez mais pelo discurso e pela prática dos doadores tradicionais. Na busca por modelos
alternativos de desenvolvimento, agências como o Banco Mundial, cuja atuação se viu
questionada pelos efeitos sociais negativos do modelo anterior,86 passam a valorizar a agenda
da CSS por meio da difusão das chamadas “boas práticas” entre os países em
desenvolvimento (MORAIS, 2009).
A CSS também passou a ser incorporada como pilar fundamental de atuação das
agências de cooperação dos países desenvolvidos, configurando a chamada “cooperação
triangular”, que envolve, grosso modo, a transferência de “boas práticas” de um país em
desenvolvimento para outro país em desenvolvimento, com o apoio de um país desenvolvido
(ou de uma organização internacional).87 Nesse processo são introduzidas, além de recursos e
metodologias do Norte, novas prioridades geográficas, possivelmente contribuindo para
reverter a tendência histórica, identificada por Iglesias Puente (2010, p. 84-85) e pelo
ECOSOC (2008), de concentração da CTPD no entorno regional do país doador do Sul.88
Por fim, um traço relevante nesta última fase da CSS diz respeito à elevação, talvez
sem precedentes, da vertente da CEPD. Dois exemplos que vão nessa direção, no âmbito
latino-americano, são a Petroamérica (SEGIB, 2008) e a iniciativa para a Integração da

86
Os questionamentos à atuação do Banco Mundial se inserem em críticas mais amplas aos efeitos desiguais da
globalização incorporadas, por exemplo, pelo Fórum Social Mundial e pelos protestos que passariam a marcar as
reuniões da OMC e do G8.
87
O Apêndice 1 traz uma breve revisão do conceito de cooperação triangular.
88
Segundo o ECOSOC (2008, p. 17-18), o fator geográfico é dominante na alocação da CSSD bilateral como um
todo, embora haja exceções (casos da China e do Brasil, no último caso em vista de países de língua portuguesa
se constituírem como destino preferencial da cooperação técnica brasileira). O foco da alocação da CSSD na
região onde se localiza o país doador resultaria de similaridades culturais e linguísticas, de maior entendimento
acerca das necessidades dos vizinhos, de oportunidades comerciais, de custos menores e de iniciativas voltadas
para a integração regional serem menos financiadas pelo Norte.
68

Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA). No âmbito asiático, a integração produtiva já


vinha se configurando como prática de relevo há décadas,89 apesar de, como se viu nas
páginas anteriores, diagnóstico geral sobre a CEPD até os anos 80 indique restrições
estruturais ao seu avanço.
Em particular, destaca-se, nos anos 2000, a emergência da China como ator central na
agenda do desenvolvimento internacional – com destaque para seus investimentos crescentes
em infraestrutura na África –,90 incorporando e difundindo práticas que rompem com o
“monopólio” das ideias sobre o desenvolvimento internacional capitaneado pelo “cartel dos
doadores ocidentais” (ALDEN, 2012).
A emergência da China como ator de peso na promoção do desenvolvimento
internacional veio associada à crescente insatisfação de governos de países africanos com o
que veem como tentativas sucessivas dos doadores tradicionais de lhes imporem modelos de
desenvolvimento (insatisfação que converge com a própria identidade Sul-Sul) e a
questionamentos sobre a capacidade desses modelos de produzirem resultados no curto
prazo.91
A despeito das inúmeras tentativas de deslegitimar a ajuda oferecida pela China e por
outros doadores do Sul (apontando-se questões de direitos humanos e ações de cunho

89
Para uma análise dos determinantes da integração produtiva asiática, ver: MEDEIROS, 2011.
90
Alden (2012) lembra, de forma mais precisa, que o ano de 1996 marca virada em relação à tradição histórica
de ação mais política por parte da China na África. Com a visita do então presidente chinês (Jiang Zemin) ao
continente africano naquele ano, as relações passaram a abranger também aspectos econômicos. O baluarte da
cooperação chinesa com a África é o Fórum de Cooperação China-África (FOCAC, na sigla em inglês), cuja
primeira reunião de cúpula foi realizada nos anos 2000. A cooperação oferecida pela China está para muito além
da definição tradicional de AOD. Conforme dados apresentados pelo ministro do Comércio da China na IV
Reunião sobre Efetividade da Ajuda (Coreia do Sul, 2011), apenas 0,06% do PIB chinês é direcionado a setores
como educação, saúde e saneamento; a maior parte dos fluxos, destinada a infraestrutura e construção, tem como
origem corporações e bancos (MAWDSLEY; SAVAGE; KIM, 2013).
91
Referindo-se às relações entre China e África, Alden (2012) afirma que “a China revigorou o debate sobre o
desenvolvimento e trouxe experiência real prática ao continente, e demonstrou que podem se transformar não em
seis gerações ou mesmo em uma geração, mas agora”. A análise converge com avaliação mais ampla realizada
por Corrêa (2010, p. 36), segundo o qual: “A ausência de resultados contundentes das iniciativas de cooperação
financeira e técnica dos países doadores, dos organismos internacionais e das instituições financeiras regionais e
multilaterais ao longo de sucessivas décadas no sentido de erradicar a pobreza no planeta, foi percebida e
entendida pelos países em desenvolvimento como um sinal de que o progresso econômico poderia vir mais
rapidamente com investimentos produtivos e ampliação de infraestruturas. O fenômeno relativamente recente
dos vultosos investimentos dos países asiáticos na África, por exemplo, bem como a valorização dos preços dos
produtos de base, têm gerado perspectivas de crescimento econômico e da renda nacional com participação mais
intensa dos governos dos países que se beneficiam dessa nova conjuntura e que se desdobram ao nível político,
com a progressiva erosão do poder de influência dos países desenvolvidos”.
69

predatório),92 sua ação foi determinante para a introdução, na segunda década dos anos 2000,
de nova mudança de paradigma na CID. Um dos sinais dessa mudança são os recentes
esforços, por parte dos doadores tradicionais, de reformularem suas estruturas domésticas de
cooperação. A Agência Canadense de Cooperação (CIDA), por exemplo, foi incorporada ao
Departamento de Relações Externas e Comércio Internacional do país como meio para
“elevar o perfil do desenvolvimento internacional na política externa canadense”, “pensar o
desenvolvimento de maneira ampla” (buscando agregar componentes comerciais,
diplomáticos e de desenvolvimento em uma estratégia coerente)93 e diminuir a fragmentação
da ajuda canadense (num raciocínio baseado não apenas em termos de eficiência
administrativa, mas também como mecanismo para a redução da carga de compromissos
burocráticos imposta aos países parceiros na execução dos projetos) (INGRAM; BHUSHAN,
2013).94
É importante ressaltar que, além de as transformações institucionais em países do
CAD acontecerem em contexto de crescente atratividade de modelos dos países emergentes –
que relacionam comércio, investimentos, financiamento concessional e assistência técnica –,
elas avançam em contexto também marcado pela crise financeira global, levando à
emergência de discursos que sublinham o papel dos interesses nacionais e promovem maior
integração entre a ajuda e outras políticas (por exemplo, comércio, investimentos e
migrações). Destaca-se, em particular, a incorporação do setor privado a iniciativas de
cooperação, focando o crescimento econômico, a produtividade industrial e a geração de
riquezas (MAWDSLEY; SAVAGE; KIM, 2013).
Esse processo vem reverberando no próprio CAD que, se a princípio negligenciou a
agenda da CSS na Agenda de Paris (2005) e posteriormente buscou socializar os doadores

92
Por exemplo, ao participar da IV Reunião de Alto Nível sobre Efetividade da Ajuda (Coreia do Sul, 2011), a
secretária de Estado dos EUA, Hilary Clinton, discursou no sentido de alertar a comunidade de recipiendários
em relação a doadores que estariam mais interessados em extrair seus recursos do que em construir suas
capacidades. Essa postura foi interpretada como hipócrita por vários analistas, os quais vêm apontando que não
se pode culpar apenas os doadores, na medida em que cabe também aos governantes africanos tomar decisões
que beneficiem suas respectivas comunidades (ver, por exemplo: ALDEN, 2012; GLENNIE, 2012).
93
Ao avaliar que a Coreia do Sul, recipiendário importante da ajuda canadense no passado, é hoje um dos
parceiros comerciais mais relevantes do país, Ingram e Bhuschan (2013) concluem que interesses comerciais e
aqueles relacionados ao desenvolvimento de longo prazo não devem ser interpretados como contraditórios, mas
trabalhados de forma coerente em uma única política que possa equilibrar estratégias de curto e longo prazos.
94
A reforma da CIDA teria sido inspirada na reforma realizada pela Dinamarca nos anos 90, com a incorporação
da Agência Dinamarquesa de Cooperação ao Ministério das Relações Exteriores – levando, ao contrário do que
se costuma imaginar, a aumento dos recursos direcionados à cooperação (superando a meta dos 0,7% do PIB) e a
melhoria da qualidade da ajuda oferecida pelo país (INGRAM; BHUSHAN, 2013).
70

emergentes, de forma paternalista, em suas próprias normas (2006/2007), passou finalmente a


revê-las de modo a incorporar as práticas dos doadores emergentes (MAWDSLEY, 2013). 95
Esta transição ficou visível durante a IV Reunião de Alto Nível sobre Efetividade da Ajuda,
realizada em Busan (Coreia do Sul) no fim de 2011, com o deslocamento da agenda da
efetividade da ajuda para a agenda efetividade do desenvolvimento.
Se os representantes da sociedade civil que participaram do processo preparatório e da
própria reunião esperavam que a efetividade do desenvolvimento fosse baseada em enfoque
dos direitos,96 o novo paradigma promoveu a elevação do papel do setor privado e do
crescimento econômico no desenvolvimento internacional, com foco do financiamento ao
desenvolvimento. Caminhou-se, assim, para abordagem que vai além do enfoque tradicional
na AOD, abrindo-se a discussão para englobar créditos oficiais às exportações e outros
mecanismos de investimentos públicos voltados para a promoção do desenvolvimento
internacional (MAWDSLEY; SAVAGE; KIM, 2013). Essas transformações, que marcam
uma “crise de identidade da AOD” e a suposta emergência de um paradigma “pós-ajuda”,
vêm ecoando sobre a própria definição da agenda de desenvolvimento pós-2015, buscando-se
ressaltar, por exemplo, o papel do empreendedorismo público nessa agenda, mas também a
necessidade de atualização dos mecanismos de governança na matéria (XU; CARREY, 2013).
O fato de práticas capitaneadas por alguns dos doadores emergentes estarem
influenciando crescentemente a agenda do desenvolvimento internacional é demonstrativo da
relevância da CSS na agenda da CID em sua fase atual. Esse processo acontece em conjuntura
marcada, ainda, pelos impactos negativos da crise financeira sobre os países desenvolvidos, os
quais tradicionalmente serviam de base de sustentação para uma ampla rede de burocracias e
entidades privadas engajadas na CID. Isso significa que está em curso uma reestruturação
profunda da arquitetura da CID, com países que passam a disponibilizar somas crescentes

95
Essa transição pode ser verificada, por exemplo, no estabelecimento do Grupo de Estudo China-CAD em 2009
(MAWDSLEY, 2013), voltado para a troca de conhecimentos e de experiências sobre promoção do crescimento
e redução da pobreza em países em desenvolvimento, bem como no papel da assistência na conquista desses
objetivos. Também teve reflexo na mudança da localização geográfica da realização das reuniões de alto nível
sobre efetividade da ajuda. Enquanto as duas primeiras foram realizadas na Europa (Roma e Paris,
respectivamente), as duas últimas foram realizadas em países do “Sul” global (Acra e Busan, respectivamente).
Na interpretação de Mawdsley, Savage e Kim (2014), a definição de Busan (Coreia do Sul) como abrigo para a
realização da última reunião foi simbólica por se tratar de um país recém-incorporado ao CAD, mas ao mesmo
tempo por sinalizar mudança no paradigma da ajuda e nas normas do desenvolvimento pelo fato de o modelo de
desenvolvimento coreano ter se calcado mais no crescimento econômico e no investimento em infraestrutura do
que na redução da pobreza em si ou em abordagem baseada nos direitos.
96
A plataforma Better Aid, por exemplo, defende que os direitos humanos, a redução da pobreza, a igualdade de
gêneros, a justiça social e a sustentabilidade ambiental devem formar os pilares de um novo sistema de
cooperação (MAWDSLEY; SAVAGE; KIM, 2013).
71

para a promoção do desenvolvimento internacional se vendo na condição de influenciar, em


maior medida,97 suas normas, princípios e procedimentos de ação.

1.4 Marcos interpretativos da Cooperação Sul-Sul

Ao longo das últimas páginas viu-se que a prática da CSS se desdobrou historicamente
em três modalidades básicas: cooperação política (barganha coletiva no âmbito multilateral),
cooperação técnica e cooperação econômica. Pela trajetória histórica discutida na seção 1.3,
nota-se que houve predominância da primeira modalidade na primeira fase (anos 50-meados
dos anos 70), da segunda modalidade na segunda fase (meados dos anos 70-meados dos anos
90), e da terceira modalidade na terceira fase (meados dos anos 90 até os dias atuais), embora
aqui a cooperação política em prol da reforma da governança global e a CTPD ainda sejam
dinâmicas relevantes.
Mas será que a CSS possui características próprias que a diferencia das relações
Norte-Sul e Norte-Norte? Nesta seção serão revisitadas algumas visões e marcos
interpretativos da CSS e da cooperação internacional, apontando suas lacunas e propondo um
marco que, ao combinar elaborações da teoria social e de análise de política externa, busque
agregar novos sentidos à complexidade das trocas envolvidas na CSS.

1.4.1 Os princípios da CSS e o Sul místico

Nos anos 60 começaram a emergir abordagens dependentistas ao desenvolvimento


internacional como resposta às teorias do desenvolvimento internacional harmônico, para as

97
Como mudanças nos regimes internacionais, em geral, são baseadas em barganhas, pode-se afirmar com
segurança que os países do Sul não dominarão completamente a definição da nova agenda, seja porque eles
próprios apresentam práticas e valores discrepantes entre si, seja porque há fortes pressões globais para que as
conquistas realizadas em Paris e em Acra sejam mantidas. No primeiro caso, há analistas que propõem que faria
mais sentido entender as práticas e valores da comunidade de governos doadores levando-se em consideração a
clivagem Ocidental-Oriental (não a clivagem Norte-Sul). Assim, as práticas e valores característicos da
cooperação chinesa apresentariam padrões comuns ao modelo japonês, por exemplo (GLENNIE, 2012). No
segundo caso, vale mencionar, a título de ilustração, a agenda da transparência da cooperação que, além de ter
ocupado espaço de relevo nas discussões de Busan, baseia-se em mecanismos globais mais amplos, como a
Parceria do Governo Aberto (MAWDSLEY; SAVAGE; KIM, 2013).
72

quais os países mais ricos deveriam assumir liderança no estímulo ao desenvolvimento dos
mais pobres; e às teorias da modernização, (expressas, por exemplo, na obra do economista
Walt Rostow), que se baseavam em modelos econométricos e centrados na transferência de
receituários extraídos da experiência dos países desenvolvidos para os países em
desenvolvimento (KUHNEN, 1987).
Teóricos como Samir Amin passaram a apontar que o desenvolvimento deveria ser
estudado como um movimento histórico, quer dizer, que o progresso dos países desenvolvidos
não seria fenômeno ontologicamente primitivo, mas teria ele próprio gerado retrocesso no
desenvolvimento dos países da periferia do sistema capitalista. Essa noção foi incorporada na
América Latina pela Escola da Dependência, para a qual o subdesenvolvimento não seria
estágio do desenvolvimento, mas produto da expansão do sistema capitalista pelo mundo
(KUHNEN, 1987).
Um dos caminhos para se libertarem do subdesenvolvimento seria estimular trocas
econômicas e tecnológicas entre os países do Sul, âmbito em que imperaria a solidariedade
em torno do objetivo comum do desenvolvimento. Essa atuação coletiva (collective self-
reliance) contribuiria para que os países do Sul se libertassem de relações desiguais,
promovendo seu desenvolvimento autônomo e aumentando seu poder de barganha vis-à-vis os
países do Norte (BOBIASH, 1992; MORAIS, 2009; OGWU, 1982a).
Não obstante, os próprios governos dos países do Sul, embora incorporassem em seus
discursos o suposto caráter diferencial da CSS, baseado nos princípios da horizontalidade e da
não-ingerência, relutavam em priorizar a CSS em detrimento da Cooperação Norte-Sul
(CNS). Com efeito, todos os comunicados resultantes dos eventos que marcaram a
mobilização terceiro-mundista apontavam o caráter complementar, e não substitutivo, da CSS
em relação à CNS. Nos anos 2000, essa visão de complementaridade foi reforçada pela
incorporação da CSS nas agendas dos doadores tradicionais e pelo fortalecimento e expansão
de iniciativas triangulares ou envolvendo múltiplos parceiros mencionada na Seção 1.3.
Na verdade, as visões que afirmavam o caráter distintivo da CSS não se baseavam em
evidências empíricas, mas em expectativas de que as relações entre os países em
desenvolvimento seriam neutras e despidas de motivações imperialistas. O rationale básico é
que, como foram colônias e sofreram intervenções externas as mais variadas no passado,
sendo o caso recente mais emblemático o das condicionalidades atreladas aos programas de
ajuste estrutural, os novos doadores não fariam o mesmo com seus homólogos sulinos.
73

As visões que particularizam a CSS em relação à CNS também se baseiam na ideia de


que a proximidade de condições estruturais entre os países do Sul levaria a eficácia maior da
replicação de modelos entre eles. Contudo, apesar de os problemas que atingem os países em
desenvolvimentos serem similares, as oportunidades e desafios à mudança política variam,
condicionados a ideologias, lobbies e aparatos burocráticos específicos (MORAIS, 2009).
Isso significa que uma iniciativa que tenha tido impactos positivos sobre o desenvolvimento
de determinado país do Sul não necessariamente terá os mesmos impactos em outro país em
desenvolvimento.
Também ligado à premissa da homogeneidade entre os países do Sul está o
pressuposto de que as relações entre eles seriam despidas de dinâmicas de poder e de
interesses. Estudos empíricos sobre a CSS apontam o contrário: que considerações políticas e
comerciais influenciam, também, a atuação dos doadores emergentes (BOBIASH, 1992;
ECOSOC, 2008; ROWLANDS, 2008).
A teoria do sistema-mundo proposta por Immanuel Wallerstein (2004), ao agregar
dimensão intermediária às relações entre centro e periferia – a semiperiferia – já havia
contribuído para questionar o pressuposto da homogeneidade entre os países do Sul. Segundo
o autor, a atuação dos Estados localizados na semiperiferia, ao moderar as contradições
econômicas e políticas entre centro e periferia, serviria como ferramenta de preservação da
ordem capitalista.
As implicações desse raciocínio para as relações Sul-Sul foram exploradas de forma
mais profunda por Jerker Carlsson (1982). O autor aponta que, da mesma maneira que as
relações tradicionais entre centro e periferia, o expansionismo da semiperiferia, o qual
apresenta as particularidades de ser liderado pelo Estado e favorecido em contextos de
contração da economia global, seria influenciado por pressões econômicas estruturais
(expansão dos investimentos estrangeiros diretos como garantia de acesso a matérias-primas e
como ferramenta para superar limitações do mercado doméstico e práticas restritivas de
importação por parte dos países de destino dos investimentos), com efeitos igualmente
deletérios sobre as economias periféricas.
De maneira geral, abordagens baseadas no sistema-mundo pecaram por reduzir a
análise da atuação externa dos Estados da semiperiferia aos interesses das classes capitalistas
dominantes e à reação a pressões estruturais externas, deixando de levar em consideração,
como aponta Lima (1990), tanto o escopo diversificado de seus interesses quanto o caráter
situacionalmente específico dos recursos de poder em geral.
74

Ainda assim, tais abordagens, além de terem contribuído para questionar a premissa de
que a maior similaridade entre os níveis de desenvolvimento dos países do Sul levaria a
relações mais simétricas entre eles, elas foram representativas por terem incorporado às suas
análises a ação dos países semiperiféricos. Com isso, afastaram-se da tendência dominante,
nas teorias de relações internacionais, de tomar como objeto de análise apenas as grandes
potências e/ou os países industrializados.
Um segundo desafio dessas teorias, talvez ainda mais grave do ponto de vista
analítico, relaciona-se à tendência de aplicarem ideias extraídas da análise empírica dos países
desenvolvidos do Ocidente à análise da política externa e da inserção internacional dos países
em desenvolvimento. Esse desafio foi identificado por Neuman (1998, p. 2) ao afirmar que
[...] a corrente dominante da Teoria de RI [Relações Internacionais] – realismo
(clássico), neorrealismo e neoliberalismo – é essencialmente [...] eurocêntrica,
originada em larga medida nos Estados Unidos e fundada, quase exclusivamente, no
que acontece ou aconteceu no Ocidente. Se o que é publicado serve de medida,
então a maior parte dos teóricos de RI acredita que estudar apenas a experiência
ocidental é empiricamente suficiente para estabelecer leis gerais sobre o
comportamento de indivíduos, grupos ou estados, independentemente da época ou
de sua localização geográfica. Poucos olham para o Terceiro Mundo para buscar
98
evidências para os seus argumentos (tradução nossa).

Na próxima subseção será explorado, de maneira sucinta, como a corrente dominante


(mainstream) das teorias de relações internacionais explica a cooperação internacional,
questionando, com base em breve análise de suas premissas, sua capacidade de explicar a
CSS e, em particular, a CSSD. A intenção, contudo, não é jogar fora a água com o bebê. As
teorias de relações internacionais, ainda que geradas em outros contextos, podem contribuir
para explicar uma série de eventos relacionados à política externa dos países em
desenvolvimento (inclusive porque os tomadores de decisão nesses países costumam ser
socializados pelos paradigmas dominantes) e a certos aspectos da CSS. Elas podem, porém,
ser complementadas com outras perspectivas, ainda que estas também tenham sido geradas
em países desenvolvidos do Ocidente.99 Não se trata de tomar esta ou aquela perspectiva

98
O texto em língua estrangeira é: “[...] mainstream IR [International Relations] Theory – (classical) realism,
neorealism, and neoliberalism – is essentially Eurocentric […], originating largely in the United States and
founded, almost exclusively, on what happens or happened in the West. If the published record is any measure,
then most IR theorists believe that studying the Western experience alone is empirically sufficient to establish
general laws of individual, group, or state behavior irrespective of the point in time or the geographical location.
Few look to the Third World to seek evidence for their arguments.”
99
A ideia converge com a seguinte afirmação de Lima (1990, p. 10): “Como ocorre em outros campos de
pesquisa, os estudos de relações internacionais muito têm a ganhar com a fertilização mútua de diferentes
orientações teóricas e visões de especialistas de diversas áreas”.
75

como mais adequada, mas de tentar, ao agregar e contrapor variada gama de correntes teóricas
à análise da política externa dos países em desenvolvimento e da CSS, dar conta de suas
complexidades e de suas particularidades, apontando-se dissonâncias e consonâncias em
relação aos paradigmas dominantes.

1.4.2 Teorias das relações internacionais: o Sul ausente

Baseada na ideia de que os Estados se relacionam em contexto anárquico caracterizado


por um estado de guerra, a teoria mais tradicional das Relações Internacionais, o Realismo
Estrutural (ou Neorealismo), trata a cooperação internacional como um fenômeno temporário
– ligado, por exemplo, à formação de alianças entre Estados na tentativa de dissuadir o
expansionismo de terceiros. Essa teoria, contudo, não provê marco interpretativo nem para as
relações Norte-Sul nem para as relações Sul-Sul. Nas palavras do maior expoente do
Realismo Estrutural, Kenneth Waltz (1976, p. 73): “Uma teoria geral da política internacional
é necessariamente baseada nas grandes potências”.100 A atuação de países que não sejam
potências, sejam eles desenvolvidos ou não, é tratada como mero resultado das decisões dos
grandes.
Vale mencionar, contudo, que isso não significa que não existam abordagens,
inspiradas na Teoria Realista, à CID ou à CSSD. Para elas, a ajuda externa é instrumental, um
meio para garantir a segurança e aumentar o poder dos Estados doadores, reduzindo, por
exemplo, a influência do comunismo ou do terrorismo (LANCASTER, 2007a).101
A Teoria Neoliberal (ou Neoinstitucionalista) das relações internacionais, embora
parta dos mesmos pressupostos da teoria realista – racionalidade e egoísmo dos Estados e
interação em um ambiente anárquico -, acredita que eles não levam necessariamente ao
conflito. Em contexto marcado pela interdependência e pela interação estratégica (em que a
maximização dos ganhos de um Estado depende não apenas das suas escolhas, mas também
das escolhas de outros Estados), e em que os Estados buscam não apenas a sua segurança,

100
O texto em língua estrangeira é: “A general theory of international politics is necessarily based on the great
powers.”
101
Lancaster (2007a) cita como exemplo da aplicação da Teoria Realista o trabalho de Liska (1960), focado na
análise da ajuda norte-americana. Para uma interpretação da CSSD brasileira a partir da perspectiva do
Neorealismo Clássico, ver: DE LA FONTAINE; SEIFERT, 2010.
76

mas também o progresso econômico e o bem-estar de suas respectivas populações, a


cooperação emerge como o caminho mais racional.
A Teoria Neoliberal é, contudo, marcada por pelo menos duas lacunas. Em primeiro
lugar, uma lacuna de escopo empírico, na medida em que se baseia em evidências apenas
sobre as relações entre os países industrializados. Logo nas primeiras páginas do livro que
viria influenciar boa parte do pensamento sobre a cooperação nas relações internacionais,
“After hegemony: cooperation and discord in the world political economy”, Robert Keohane
esclare:
Este livro é sobre como a cooperação tem sido, e pode ser, organizada na economia
política mundial quando interesses comuns existem. [...] Porque eu começo com
interesses comuns reconhecidos, meu estudo enfoca as relações entre os países de
economia de mercado avançada, onde tais interesses são múltiplos. Esses países
sustentam visões sobre a operação apropriada de suas economias que são
relativamente similares – pelo menos em comparação com as diferenças que existem
entre eles e a maior parte dos países menos desenvolvidos, ou das economias
planificadas centralizadas. Eles estão engajados em relações extensivas de
interdependência uns com os outros; em geral, as políticas de seus governos refletem
a crença de que eles se beneficiam com essas ligações. Além disso, eles se
relacionam em bases políticas amigáveis; portanto, conflitos político-militares entre
eles complicam a política das transações econômicas menos que o fazem nas
relações Leste-Oeste (KEOHANE, 1984, p. 6, tradução nossa).102

Em segundo lugar, Keohane e seus seguidores reduzem a cooperação internacional ao


que seria, na verdade, uma de suas modalidades; ela é tratada como um processo de
coordenação de políticas entre países cujas relações são marcadas pela interdependência. Nas
suas palavras:
A cooperação ocorre quando os atores ajustam seu comportamento às preferências
atuais ou antecipadas de outros por meio de um processo de coordenação de
políticas. Para resumir de modo mais formal, a cooperação intergovernamental
ocorre quando as políticas atualmente seguidas por um governo são
consideradas por seus parceiros como facilitando a realização de seus próprios
objetivos, como resultado de um processo de coordenação de políticas
(KEOHANE, 1984, p. 51-52, grifo do autor, tradução nossa).103

102
O texto em língua estrangeira é: “This book is about how cooperation has been, and can be, organized in the
world political economy when common interests exist. [...] Because I begin with acknowledged common
interests, my study focuses on relations among the advanced market-economy countries, where such interests are
manifold. These countries hold views about the proper operation of their economies that are relatively similar –
at least in comparison with the differences that exist between them and most less developed countries, or the
nonmarket planned economies. They are engaged in extensive relationships of interdependence with one
another; in general, their governments’ policies reflect the belief that they benefit from these ties. Furthermore,
they are on friendly political terms; thus political-military conflicts between them complicate the politics of
economic transactions less than they do in East-West relations.”
103
O texto em língua estrangeira é: “Cooperation occurs when actors adjust their behavior to the actual or
anticipated preferences of others, through a process of policy coordination. To summarize more formally,
intergovernmental cooperation takes place when the policies actually followed by one government are
regarded by its partners as facilitating realization of their own objectives, as the result of a process of
policy coordination.”
77

Embora tal interdependência, no caso das relações Sul-Sul, possa existir entre países
que possuam trajetória histórica marcada por contatos estreitos (como no âmbito das relações
de vizinhança), não se pode presumir que ela exista em qualquer iniciativa de CSS. Isso
significa que interpretar a CSS como coordenação de políticas pode fazer sentido em alguns
contextos, mas não em outros. As relações econômicas e de segurança, que constituem
tradicionalmente o cerne da configuração da interdependência nas relações internacionais, não
podem ser tomadas como dadas no caso das relações Sul-Sul que, conforme o visto na Seção
1.3, são historicamente marcadas pela indiferença (ou não cooperação), a despeito de
sucessivas tentativas, fundadas em grande medida na vontade política dos mais altos
dirigentes dos países do Sul, de estreitar laços entre países em desenvolvimento para além da
barganha coletiva no âmbito multilateral.104
A prevalência histórica da indiferença nas relações Sul-Sul levanta questionamentos a
respeito da capacidade da Teoria Neoliberal de explicar a diversidade dos fenômenos
relacionados à CSS, tendo em vista que tal teoria se funda no raciocínio de que os Estados são
constrangidos a cooperar porque, se não o fizerem, haverá conflito entre eles (dilema do
prisioneiro). Esse mesmo raciocínio, que impera nas tentativas de se aplicar a tese da
interdependência à explicação da CID (em que a ajuda é entendida como mecanismo para
equacionar problemas relacionados a fluxos migratórios ou ao terrorismo, por exemplo), é
igualmente insuficiente para explicar a CSSD, embora do ponto de vista normativo tal
raciocínio possa fazer sentido.105 Como explicar, então, a cooperação entre países que se

104
Em linha similar, Oliveira e Onuki (2013, p. 9-10) argumentam, ao questionarem em que medida a tese da
interdependência seria útil para explicar por que Índia e Brasil optaram por formar o IBAS, que “Em nenhuma
dimensão a tese se sustenta. [O] Brasil tem nível baixo de interdependência com ambos os países em quaisquer
das esferas das relações internacionais, seja ela de segurança, econômica, societal e assim por diante.” Para os
autores, “O acordo trilateral nasce, a bem da verdade, a partir de uma confluência em duas dimensões
fundamentais, quais sejam a dimensão simbólica e a dimensão de poder. No plano simbólico, Índia e África do
Sul são dos estados pivôs de regiões em desenvolvimento. [...] No plano de poder, o que está em jogo é o poder
de barganha relativa que o IBAS dá ao Brasil no jogo do plano global.”
105
Sobre a abordagem liberal à CID, ver, por exemplo: DEGNBOL-MARTINUSSEN; ENGBERG-
PEDERSEN, 2003; KAUL; GRUNBERG; STERN, 1999; LANCASTER, 2007a. O primeiro par de autores
menciona o chamado “interesse próprio iluminado”(“enlightened self-interest”), que mescla obrigações morais e
interesses dos países doadores na busca da constituição de uma larga base de apoio à ajuda. A formulação
clássica dessa ideia, que teria sido realizada pelo Relatório Pearson (1969) e avançada pela Comissão Brandt
(1977) e pelo Relatório da Comissão do Sul (1990), é a de que “[...] os países do Norte e do Sul são tão
interdependentes que a ampla transferência de recursos para os países pobres beneficiaria estes países, e no longo
prazo também se constituiria como pré-requisito para o bem-estar e crescimento contínuos nos países ricos
industrializados” (DEGNBOL-MARTINUSSEN; ENGBERG-PEDERSEN, 2003, p. 10, tradução nossa). Se o
raciocínio da interdependência fosse aplicado à elaboração das políticas de CSSD, esperar-se-ia que os doadores
emergentes priorizassem o direcionamento de seus recursos para aqueles países com os quais possuem forte
78

situam em um contexto marcado pela indiferença e, mais especificamente, a CSSD? Acredita-


se que a Teoria Social, que tradicionalmente se ocupa de dinâmicas de cooperação entre
indivíduos e grupos, pode ser útil na tarefa.

1.4.3 Elaborações das teorias sociais sobre a cooperação

A Segunda Guerra Mundial levou a uma mudança no foco de estudo das Ciências
Sociais, que passaram a se voltar para o entendimento das condições que levam indivíduos e
grupos a optarem pela competição ou pela cooperação (MARWELL; SCHMITT, 1975). É
nesse marco que se insere o posterior surgimento da Teoria dos Jogos e suas variações, as
quais por sua vez informam a Teoria Neoliberal das relações internacionais.
Autores que realizaram revisão e sistematização da literatura produzida pela
Sociologia, pela Psicologia Social e pela Antropologia sobre as dinâmicas de conflito e
cooperação entre indivíduos e grupos apontam que, ao contrário do que as perspectivas
baseadas na Teoria dos Jogos fazem crer, competição e cooperação não são necessariamente
conceitos polares; ausência de cooperação não significa presença de conflito (MARWELL;
SCHMITT, 1975; MAY; DOOB, 1937; NISBET, 1968). Nas palavras de May e Doob (1937,
p. 5): “Seria um erro [...] chamar competição e cooperação de conceitos polares; já que o
oposto de ‘competitivo’ não é sempre ‘cooperativo’, mas pode ser ‘não competitivo’, e ‘não
cooperativo’ pode ser o oposto de ‘cooperativo’” (tradução nossa).106
Essa constatação, que parece trivial, acaba levando a questionamentos substantivos a
respeito da capacidade das abordagens baseadas na Teoria dos Jogos de explicarem a
cooperação entre países que não se relacionam em contextos marcados pela interdependência
(ou interação estratégica) – isto é, em contextos em que ausência de cooperação não implica
necessariamente presença de conflito.

relação de interdependência. No caso do Brasil, conforme será visto no Capítulo 2, identificou-se que um
acadêmico e um diplomata propuseram, com efeito, que a CTPD brasileira fosse direcionada justamente no
sentido de diminuir os impactos negativos da interdependência. Essas sugestões demonstram que há percepção
de que a CTPD brasileira não estaria sendo direcionada para lidar com questões relacionadas à interdependência.
106
O texto em língua estrangeira é: “It would be a mistake [...] to call competition and cooperation polar
concepts; for the opposite of ‘competitive’ is not always ‘cooperative’ but may be ‘uncompetitive’; and
‘uncooperative’ may be the contrast to ‘cooperative’.”
79

Uma contribuição central da Teoria Social para o estudo da cooperação é o seu


entendimento com um processo complexo de troca – para além do ideal dos objetivos comuns
-, no qual cada indivíduo/grupo provê ao outro um serviço que pode ser similar, mas com
frequência é distinto (DEUTSCH, 1953; HOMANS, 1961). A CSS no âmbito das
negociações multilaterais (CPPD) seria um exemplo em que as partes envolvidas proveem
serviços similares umas às outras – votando a favor ou contra determinada resolução na
Assembleia Geral das Nações Unidas, por exemplo. Ao contrário, quando um doador
emergente oferece cooperação e recebe em troca vantagens comerciais (recompensa material)
ou reconhecimento (recompensa intangível), estamos falando do segundo caso.
Além disso, as trocas podem ser diretas, abrangendo apenas as partes envolvidas na
cooperação, ou indiretas, caso em que um doador não busca o reconhecimento do
recipiendário, mas de terceiros – por exemplo, de outros doadores (BLAU, 1964).107 No caso
da atuação de Brasil e Índia em países em conflito (ou egressos de conflitos), como
Afeganistão e Haiti, a perspectiva das trocas indiretas agregaria ao componente da
solidariedade Sul-Sul uma nova dimensão: o objetivo de apresentar às potências tradicionais,
e à comunidade internacional em geral, um novo modelo de atuação que soma a dimensão do
desenvolvimento ao componente ostensivo das missões de paz. Uma vez que essa
demonstração se concretize, quer dizer, que sejam vistos como bem-sucedidos na busca por
uma paz estável em países frágeis, Brasil e Índia podem eventualmente reunir apoio, inclusive
das grandes potências, para ocuparem assentos permanentes no Conselho de Segurança da
ONU (frente clara na política externa de ambos os países). O protagonismo crescente
desempenhado por alguns doadores do Sul na CID também pode ser visto, sob a ótica dos
ganhos indiretos, como ferramenta de projeção internacional de imagem de Estados que
realizaram avanços relevantes em termos de desenvolvimento.
Por fim, considera-se necessário destacar o elemento da reciprocidade, tido como
mecanismo iniciador de interações sociais. Em relações que estão se iniciando, a retribuição
de benefícios recebidos se coloca como condição para que as trocas continuem acontecendo e
para que, no longo prazo, se institucionalizem. Porém, diferentemente das trocas econômicas,
baseadas em contratos, as trocas sociais criam obrigações difusas; se uma pessoa faz um favor

107
Esse cenário pode catalisar competição entre doadores por prestígio, transformando a ajuda em instrumento
de busca por hegemonia. Esse tema foi tratado, por exemplo, por Silva (2008) ao analisar, com base em
elaborações provenientes da teoria da dádiva (gift), do antropólogo Marcel Mauss, a cooperação oferecida pela
comunidade de doadores ao Timor Leste. Para uma revisão da literatura da Antropologia do Desenvolvimento
sobre a CID, incluindo reflexões acerca do desafio analítico para que essa literatura suceda em explicar a CSS
(representada pelo caso da CTPD Brasil-África em Agricultura do Brasil), ver: CESARINO, 2012.
80

a outra, existe expectativa de recompensa, mas a natureza dessa recompensa não pode ser
objeto de estipulação ou barganha antecipadas (BLAU, 1964).108 No caso da cooperação
oferecida pelos doadores emergentes, a natureza das recompensas esperadas é ainda mais
difusa, já que os diversos propósitos atrelados à ajuda ainda não se encontram suficientemente
articulados em uma política coerente de cooperação e na existência de burocracias
consolidadas na matéria, conforme será visto na próxima subseção (1.4.4).
O que importa, por ora, é chamar a atenção para a ideia de que fornecer ajuda a um
país mais pobre, o que se daria no âmbito da CSSD, pode se tornar importante mecanismo
iniciador das relações entre países do Sul. Nisso, análise aqui proposta converge com
elaborações do discurso oficial brasileiro acerca da concepção da CTPD como instrumento
para o “estreitamento de laços” com outros países em desenvolvimento (ver Capítulo 2). Não
obstante, para que essas relações tenham continuidade ao longo do tempo, é necessário que
todas as partes envolvidas se vejam recompensadas. Há quem aponte, ainda, que quanto mais
simétricos forem os benefícios alcançados, melhor será o desempenho das partes engajadas
em relações cooperativas.109
Acredita-se que, uma vez que a CSSD engatilhe processo de recompensas mútuas
entre os países envolvidos, as trocas entre eles tendem a se repetir, a se aprofundar e a se
ampliar ao longo do tempo, produzindo uma verdadeira situação de interdependência. Desta
situação, por sua vez, podem resultar níveis mais avançados de cooperação, no âmbito do que
Keohane (1984) chama de “coordenação de políticas” (ver Diagrama 2).

108
Pode-se dizer que a cooperação, nessas situações, manifesta-se de forma tácita. Apesar de reconhecer que a
cooperação internacional pode se dar de forma tácita, Milner (1992; 1997) também a reduz à coordenação de
políticas, além de basear-se na premissa de que as partes se relacionam em um contexto de interação estratégica.
109
Ver, por exemplo, MAY; DOOB, 1937. Na literatura de Relações Internacionais, a questão dos “ganhos
absolutos x ganhos relativos” foi amplamente explorada pelos debates entre Neoliberais e Neorealistas, com os
últimos apontando que o fato de a análise de ganhos pelos atores envolvidos na relação se dar do ponto de vista
relativo levaria a percepção de sua assimetria por uma das partes, impedindo que a cooperação se sustentasse no
longo prazo. Os primeiros, por sua vez, insistiam que um país poderia aceitar ganhar menos em uma área para
ganhar mais em outra. Para uma breve revisão sobre esses debates, ver NOGUEIRA; MESSARI, 2005. A
SEGIB (2008, p. 16) considera que a “equidade”, entendida como a distribuição equitativa dos benefícios
(medidos em termos de geração de capacidades críticas para o desenvolvimento) e como a distribuição
proporcional dos custos entre os parceiros (seguindo as possibilidades de cada um deles), é um dos princípios da
CSS.
81

Diagrama 2 – A CSSD como possível mecanismo iniciador de modalidades mais


avançadas de cooperação

Fonte: A autora, 2013.

Entender a CSS como um processo complexo de trocas é fundamental diante do


surgimento de abordagens que buscam tratá-la como fenômeno baseado em trocas
simplificadas, como a troca de conhecimentos (knowledge exchange) ou de políticas (policy
exchange). O Banco Mundial e agências da ONU vêm insistindo em apontar que o caráter
diferencial da CSS em relação à CNS se basearia nessas dimensões. Essa avaliação assenta-se
na ideia de que, diferentemente dos doadores tradicionais, os doadores do Sul não imporiam
condições à ajuda por eles oferecidas, o que contribuiria para um processo de aprendizado
mais horizontal, fundado em relação de confiança entre os parceiros. Sem desmerecer essa
avaliação, e sem desconsiderar a relevância do intercâmbio internacional de conhecimentos e
de políticas na promoção do desenvolvimento, acredita-se, contudo, que esses elementos não
podem ser tratados como definidores da CSS. Por um lado, o intercâmbio de conhecimentos e
de políticas é característico de dinâmicas de cooperação que acontecem, tradicionalmente, no
âmbito Norte-Norte, como aqueles que se dão entre os países que integram a OCDE.110 Por
outro lado, a CSS, como se viu ao longo desta subseção e da Seção 1.3, engloba trocas que
vão além de tal intercâmbio.
Apesar de as abordagens baseadas na Teoria Social contribuírem para captar de forma
mais adequada a complexidade da CSS, não é recomendável transplantá-las automaticamente
à análise dos Estados, sob o risco de se conferir a eles condições antropomórficas – falha

110
A OCDE, instituição muito pouco estudada pela literatura de Relações Internacionais, é uma organização
internacional sui generis por basear suas normativas em intercâmbio e aprendizado entre pares (peer learning)
provenientes de áreas funcionais específicas, raramente utilizando-se instrumentos de coerção (enforcement)
para que suas normativas sejam cumpridas pelos Estados-membros – daí a referência a ela como um “tigre sem
dentes” (“toothless tiger”). Para informações detalhadas sobre a operação da OCDE, bem como sobre seu papel
na formação das políticas domésticas em áreas variadas dos seus Estados-membros, ver MARTENS; JAKOBI,
2010.
82

central, aliás, das teorias do mainstream das relações internacionais.111 Para entender a
cooperação oferecida pelos doadores emergentes, é necessário compreender também suas
dinâmicas políticas internas, tema da próxima subseção.

1.4.4 Análise de política externa

Embora haja uma variedade de estudos sobre os determinantes domésticos da política


externa,112 poucos trabalhos se debruçaram sobre o tema da CID, em geral, e sobre a CSSD,
em particular. Em livro publicado em 2007, Carol Lancaster realizou trabalho inédito ao
abordar os determinantes domésticos das políticas de cooperação de cinco países: EUA,
Japão, França, Alemanha e Dinamarca.113 Em busca de respostas para a pergunta “por que os
países oferecem ajuda?”, a autora considerou insuficientes teorias que partem de premissas
sobre a motivação dos Estados (altruístas ou egoístas)114 e buscou complexificar a questão ao
propor abordagem que leva em conta a influência de elementos da política doméstica dos
doadores. A autora justifica sua abordagem da seguinte forma:

111
Uma das lacunas centrais das teorias do mainstream das relações internacionais é tratar o Estado como uma
caixa-preta, deixando de levar em consideração os determinantes domésticos da ação externa, em uma tentativa
de demonstrar que a disciplina das Relações Internacionais teria objeto de estudo próprio, que não poderia ser
apreendido pela Ciência Política.
112
Para mencionar alguns: ALLISON; ZELIKOW, 1999; MILNER, 1997; PUTNAM, 1988.
113
Lancaster (2007) menciona que um dos poucos trabalhos relevantes sobre influência da política doméstica na
CID era o de Vernon Ruttan (1996), mas seu foco era apenas os EUA. Iglesias Puente (2010) menciona o
trabalho de Colin (2001) que, baseando-se em esquema de análise de política externa proposto por Rosenau
(1972), busca identificar como elementos de ordem doméstica e externa se combinam para produzir decisões
relacionadas à cooperação acadêmica e científica prestada por seis países: Estados Unidos, França, Suécia,
Canadá, Espanha e Japão.
114
Em vez de partir da ideia de “motivação”, que “envolve indivíduos e pode ser difícil de observar”, Lancaster
(2007a, p. 12-13), trabalha com a ideia de “propósitos” – “os objetivos amplos que os governos doadores
buscaram atingir com a sua ajuda, evidente não apenas no que eles disseram sobre quais eram os seus objetivos,
mas também nas decisões feitas sobre sua quantidade, alocação por país e uso” (tradução nossa). A dificuldade
de se acessarem motivações dos Estados foi abordada por um dos teóricos do mainstream das Relações
Internacionais, Alexander Wendt. Ele afirma que “Conquanto a cooperação seja puramente instrumental – um
Estado ajuda outro Estado apenas porque sua própria segurança está ameaçada também, por exemplo –, então ela
é egoísta. Por outro lado, se um Estado ajuda outro porque se identifica com ele, a ponto de mesmo quando a sua
própria segurança não está ameaçada ele percebe uma ameaça ao Self, então está agindo com base no interesse
coletivo. A motivação é notoriamente difícil de ser medida, um problema agravado quando os atores possuem
motivações mistas [...]. Como sabemos que uma explicação egoísta da cooperação é verdadeira se não sabemos
se um ator é de fato egoísta?” (WENDT, 1999, p. 240, tradução nossa).
83

A ajuda externa constitui gasto público de tamanho significativo, repetido ano após
ano. Como tal, é periodicamente revisada (e frequentemente influenciada) por uma
variedade de elementos dentro dos poderes Executivo e Legislativo dos países que
fornecem ajuda. Além disso, é frequentemente objeto de debate pelo público e de
críticas, ataques e pressões de grupos organizados – representando tanto interesses
públicos quanto interesses privados – em países doadores. Todos esses grupos
podem e frequentemente influenciam os propósitos da ajuda. Finalmente, governos
que dão ajuda devem eles próprios criar coalizões de apoio para a ajuda externa
dentro das suas legislaturas e públicos para manter os gastos com ajuda através do
tempo. Os eleitorados dessas coalizões, por sua vez, esperam que suas agendas
políticas se reflitam nos programas de ajuda. Como resultado, os propósitos da ajuda
são frequentemente tanto resultado do que acontece dentro das fronteiras do governo
doador quanto do que acontece fora delas (LANCASTER, 2007a, p. 4, tradução
nossa).115

Apesar de reconhecer uma diversidade de propósitos atrelados à ajuda, Lancaster


(2007a) propõe uma tipologia baseada em três propósitos gerais: propósitos diplomáticos,
propósitos econômicos e propósitos relacionados ao desenvolvimento dos recipiendários. O
desenho de sua pesquisa parte do discurso sobre esses propósitos (que fica mais evidente no
caso de países elaboram e publicam políticas de ajuda – os chamados White Papers),
buscando entender em que medida o que acontece na prática (em termos de distribuição da
ajuda por setores e países e dos termos atrelados à ajuda oferecida) reflete uma combinação de
quatro tipos de determinantes domésticos dos países doadores:
a) ideias: valores e visões compartilhados; relações Estado-sociedade-
mercado; papel do doador no mundo, atitudes públicas diante da legitimidade e
uso da ajuda;
b) instituições políticas: quem tem acesso às decisões? Quem decide?
Quem veta? Quais sãos os interesses organizados? Como se expressam?;
c) interesses: organizações privadas, redes informais, agências
governamentais que apoiam cada grupo de propósitos;
d) e sistemas nacionais: como os governos se organizam para gerenciar a
ajuda? Os programas e políticas são fragmentados ou unificados? Em qual
lugar da hierarquia política as decisões acontecem?.

115
O texto em língua estrangeira é: “Foreign aid constitutes a public expenditure of significant size, repeated
year after year. As such, it is periodically reviewed (and often influenced) by a variety of elements within the
executive and legislative branches of aid-giving governments. Further, it is frequently the subject of debate by
the public as well as criticism, attack, and pressures from organized groups – representing both public and
private interests – in donor countries. All these groups can and often do influence the purposes of aid. Finally,
aid-giving governments themselves must create coalitions of support for foreign aid within their legislatures and
publics to sustain aid expenditures over time. The constituents of these coalitions in turn expect their political
agendas to be reflected in aid programs. As a result, the purposes of aid are frequently as much the result of what
happens inside of a donor government’s borders as what happens outside them.”
84

Realizar análise semelhante no caso dos doadores emergentes enfrenta, porém, alguns
desafios, sendo o mais elementar deles, como já foi dito, a inexistência de dados consolidados
(incluindo séries históricas) sobre a CSSD.116 Isso dificulta bastante a produção de análises
sobre a evolução do perfil da CSSD por setor e destino para que se possa verificar em que
medida, por exemplo, uma mudança de partido no governo produziu mudanças na política da
cooperação.
Alguns trabalhos, contudo, vêm realizando avanços substantivos ao buscarem entender
a estrutura e os agentes envolvidos no desenho e na implementação dos programas de
cooperação em doadores do Sul (ver, por exemplo, AGRAWAL, 2007; BRAUDE;
THANDRAYAN; SIDIROPOULOS, 2008; DE LA FONTAINE; SEIFERT, 2010;
LANCASTER, 2007b; MILANI, 2012d; ROWLANDS, 2008; VAZ; INOUE, 2007). A
grande dificuldade encontrada por vários desses estudos refere-se à dispersão dos programas
em várias agências, dada a inexistência de políticas consolidadas na matéria.
Uma descoberta fundamental foi realizada por De la Fontaine (2012) ao analisar, com
base no modelo de mudança de política externa proposto por Hermann (1990), os
determinantes da expansão recente da cooperação oferecida por África do Sul, Brasil e Índia.
Segundo a autora, os chefes de Governo dos três países (respectivamente, Thabo Mbeki, Luiz
Inácio Lula da Silva e Manmohan Singh), bem como agências ligadas ao Poder Executivo que
atuam em temas técnicos específicos, configuraram-se como atores centrais nesse processo,
ocupando o lugar de liderança que teria sido exercido, até a década de 90, pelos seus
respectivos ministérios das Relações Exteriores.117
O peso de chefes de Governo na agenda da cooperação coaduna com a abordagem
proposta por Migdal (1972), que trata as escolhas realizadas pelos altos líderes políticos (top
leaders) como determinante doméstico central da política externa dos países em
desenvolvimento. O autor critica a transposição de modelos que se baseiam em evidências
relacionadas às grandes potências, como o do processo organizacional ou o da política
burocrática (barganha), ao processo decisório da política externa nos países do então chamado
“Terceiro Mundo”. Para ele, diferentemente das potências, esses países não contariam com

116
Vale ressaltar, contudo, que Brasil e China publicaram recentemente os primeiros dados consolidados sobre
sua cooperação prestada (ver: IPEA, 2010; CHINA, 2011). Dados referentes a número mais amplo de doadores
do Sul foram agregados e publicados, por exemplo, em: ECOSOC, 2008; e OCDE, 2012a; 2012b.
117
As informações sobre o trabalho de De la Fontaine (2012) formam coletadas por meio de conversa com a
autora.
85

burocracias autônomas e coerentes e com padrões e rotinas regularizadas que permitissem a


absorção, processamento e transmissão das informações para níveis superiores, garantindo
influência sistemática, sustentável e substantiva daquelas burocracias no processo decisório.
Nas palavras do autor,
Nos países do Terceiro Mundo […] as informações não percorrem uma rota
consistente ao longo da qual vários atores dão seguimento a elas. Em alguns casos, a
relativa ausência de complexidade e coerência nas burocracias se traduz com
frequência em excesso de papeis, mas o resultado final é que os altos líderes, em
grande medida, agem sobre as informações da forma como chegam ao ponto de
contato de entrada do Estado. Em outros casos, informações são suprimidas,
mudadas ou distorcidas, mas não de modo consistente através do tempo, já que
existem muito menos rotas regulares para seguimento das informações uma vez que
sejam recebidas. Isso não é para dizer que a qualidade das informações é melhor ou
pior for líderes em Estados do Terceiro Mundo. Em vez disso, as mudanças nas
informações que recebem são muito mais aleatórias. Para o pesquisador, haveria
pouco ganho no entendimento ou previsibilidade ao focar o processo organizacional
em tais Estados (MIGDAL, 1972, p. 516, tradução nossa).118

A existência de uma rede de burocracias autônomas e coerentes também seria pré-


requisito para que o segundo modelo, o da barganha, operasse da maneira prevista, quer dizer,
para que os líderes dessas organizações baseassem sua influência no processo decisório nas
próprias organizações que chefiam. Tal influência também é construída com base na relação
dessas organizações e de seus líderes com o eleitorado (constituencies), mas o fato de as
sociedades dos países do Terceiro Mundo serem menos diferenciadas limitaria a capacidade
de determinados grupos de se constituírem como fonte de poder organizado. As coalizões
acabariam sendo mais frouxas e dependentes de interações que se estabelecem em
determinado momento, não de estruturas pré-existentes que garanta algum tipo de papel
padronizado aos barganhadores. Nas palavras de Migdal (1972, p. 519),
Sem a base que confere estrutura ao processo de barganha, o modelo da barganha é
inaplicável. Quanto maior o grau de institucionalização social e política, mais o
modelo ajuda a explicar a política externa. Mas onde os líderes não são
diferenciados com base no poder de suas organizações; onde os líderes recebem
informações comuns, em vez de fluxos separados de informações por meio de várias
organizações; e onde os líderes não podem recorrer a segmentos de um público

118
O texto em língua estrangeira é: “In third world states […] information does not travel a consistent route
along which it is acted upon by many actors. In some cases, the relative lack of complexity and coherence in the
bureaucracies often translates itself into much paper shuffling but with the end result that the top leaders act
upon the information much as it appeared at the state’s input-contact point. At other times, information is
suppressed, changed, or distorted but not in a consistent manner over time, since there are much less regular
routes for information to take once it has been received. This is not to say that the quality of information is any
better or worse for leaders in third world states. Rather, the changes in the information they receive are much
more randomized. For the researcher, there would be little gained in understanding or predictability in focusing
on organizational process in such states.”
86

diferenciado e organizado, então há pouco a ser ganhado pelo pesquisador ao


empregar o modelo da barganha (tradução nossa).119

Em razão disso o autor propõe que a análise da política externa dos países do Terceiro
Mundo se concentre nos altos líderes (top leaders), incluindo seus valores e objetivos em
determinado momento. Tais objetivos seriam de três tipos no caso desses países: objetivos
relacionados a mudanças internas, com a política externa sendo usada como meio para
garantir a coerência e a estabilidade doméstica, a deslegitimação da oposição etc.; objetivos
relacionados a mudanças subsistêmicas, em busca da transformação da posição do Estado em
relação a outros países de sua região; e objetivos relacionados à sua relação com as potências
e superpotências (MIGDAL, 1972).
Embora o próprio Migdal reconheça variação no grau de coerência e de autonomia
burocrática entre os países em desenvolvimento, e apesar do fato de que, desde a publicação
de seu artigo, tenha havido avanços no que se refere à estruturação burocrática e social da
política externa nos países em desenvolvimento, acredita-se que sua abordagem pode ainda
assim ser válida para explicar os determinantes domésticos de frentes emergentes (não
tradicionais) de política externa. Este é, sem dúvida, o caso dos países em que a prestação de
CID ganhou relevo e/ou se tornou prioritária em anos recentes.
Por outro lado, há que se levar em consideração condicionantes externos da
emergência histórica e atual do tema na agenda dos países em desenvolvimento. Conforme se
verificou nas seções 1.2 e 1.3, organizações internacionais configuraram-se, ao longo das
décadas, como atores centrais na arquitetura internacional da CID. Embora muitos encarem
tais organizações como representantes da vontade dos Estados mais poderosos – coadunando
com visões emanadas da Teoria da Estabilidade Hegemônica120 -, é importante lembrar que,
como burocracias, elas também podem se tornar verdadeiras indutoras do comportamento dos
Estados ao acumularem competência em áreas específicas e ao se colocarem como defensoras
de princípios valorizados pela “comunidade” internacional. Em momentos de crises que se

119
O texto em língua estrangeira é: “Without the basis that gives structure to the bargaining process, the
bargaining model is inapplicable. The greater the degree of social and political institutionalization, the more will
the model help explain foreign policy. But where leaders are not significantly differentiated on the basis of the
power of their organizations; where leaders receive common information, rather than separate flows of
information through various organizations; and where leaders cannot draw on segments of a differentiated and
organized public, then there is little to be gained by the researcher in employing the bargaining model.”
120
Para um resumo dos principais debates sobre a Teoria da Estabilidade Hegemônica, ver: KRASNER, 1995. O
debate central gira em torno da liderança hegemônica como necessária para garantir o bem comum (sendo ele
definido com base em valores liberais) ou como meio para emanar valores do hegemon.
87

relacionam ao seu âmbito de atuação, as burocracias internacionais buscam re-enquadrar


problemas e oferecer novas soluções cuja consecução passará por sua atuação, permitindo
assim que a organização continue existindo. A escolha das novas soluções que serão adotadas
depende, contudo, da sua factibilidade, a qual por sua vez pode se relacionar à distribuição de
poder na esfera internacional em determinado momento (BARNETT; FINNEMORE, 2004).
Essa abordagem, conforme será aprofundado no caso brasileiro (Capítulo 2), é válida
para explicar o papel historicamente desempenhado tanto pelo CAD/OCDE na CID quanto
pelo PNUD na CSS. No Esta última organização, como foi visto, assumiu mandato central na
promoção da CTPD em 1974, com a criação da Unidade Especial de CTPD, em contexto
marcado pela emergência de vários países do Sul (e pela desaceleração econômica no Norte).
Quatro anos depois seria realizada a Conferência de Buenos Aires, e o seu Plano de Ação
viria ser implementado nos anos 80, já em contexto marcado pelo enfraquecimento do
movimento terceiro-mundista e pela desaceleração econômica em vários países do Sul, a qual,
por sua vez, limitou o aprofundamento da cooperação econômica e funcional entre eles. Em
2004, em contexto marcado pela reemergência de vários países do Sul, a Unidade Especial de
CTPD foi renominada Unidade Especial de CSS. Ao fazê-lo, o PNUD buscou atualizar suas
atividades em relação à diversificação das práticas da CSS no século XXI e trazer para o seu
âmbito de ação, portanto, outras modalidades da CSS (para além da CTPD).
Paralelamente, várias organizações e agências que tiveram sua atuação questionada
pela crise do neoliberalismo e pela emergência da China passaram a incorporar cada vez mais
em seu discurso e em sua prática a CSS, em busca da reconstrução de sua legitimidade como
atores do desenvolvimento internacional. A crise financeira que atingiu os países
desenvolvidos a partir de 2008 agregou àquele fator a necessidade de se buscarem fontes
alternativas de recursos. Nesse contexto, diversas organizações internacionais e outras
agências atuantes na CID passaram a difundir, crescentemente, experiências de
desenvolvimento dos países do Sul como “boas práticas”, difusão esta que se configura como
mecanismo central de geração de demandas.
Não se pode, contudo, dizer que os países em desenvolvimento se colocaram de forma
passiva nesse processo. Instituições e grupos de interesses os mais variados passaram e a se
mobilizar em torno da prestação de CID dentro de países doadores do Sul, articulando-se
junto a organismos internacionais ou a outros doadores tradicionais para exportar políticas ou
experiências para outros países em desenvolvimento como mecanismo para fortalecê-las
dentro do país de origem e/ou na própria governança global. Em que medida esse processo
88

contribuirá para a efetividade das ações no que se refere ao desenvolvimento dos países
parceiros é, contudo, uma questão ainda em aberto.
De todo modo, e retomando a linha argumentativa desenvolvida na subseção 1.4.3,
cabe ressaltar aqui que a pluralização dos atores envolvidos e/ou interessados na CSSD traz
também uma pluralidade de objetivos e de possibilidades de recompensas, embora o fato de se
tratarem de frentes não tradicionais de política externa tornem ambos os elementos bastante
difusos. Não obstante, se é verdade que o determinante central da expansão recente da CSSD,
do ponto de vista dos doadores, foi a vontade política dos altos líderes (top leaders), vale
perguntar em que medida esse processo tende a se aprofundar em torno de arranjos funcionais
e setoriais de cooperação e, portanto, a se sustentar diante de mudanças de governo e de
transformações no cenário econômico desses países. A sustentabilidade do engajamento na
CSSD, certamente, dependerá do grau de institucionalização burocrática e social do tema nos
países de origem dos recursos.

1.5 Considerações finais

A Cooperação Sul-Sul (CSS) foi concebida desde o que é tido como seu marco
fundacional, a Conferência de Bandung (1955), a partir de uma ampla gama de modalidades,
as quais foram tipologizadas neste capítulo em três frentes principais: a Cooperação Técnica
entre Países em Desenvolvimento (CTPD); a Cooperação Econômica entre Países em
Desenvolvimento (CEPD); e a Cooperação Política entre Países em Desenvolvimento
(CPPD).
Por um lado, a carência histórica de laços funcionais/setoriais entre países do Sul, bem
como a heterogeneidade entre esses países, acabou contribuindo para que a CPPD se tornasse
a modalidade historicamente dominante de CSS. Por outro lado, a incorporação da CTPD pela
arquitetura da CID contribuiu para promover, em alguma medida, o seu avanço. A evolução
dessa arquitetura, nos anos 70, para abordagem focada na Cooperação Técnica Internacional
(CTI) e no combate à pobreza gerou resistências entre os governos dos países recipiendários.
Estes seguiram almejando um desenvolvimento focado na industrialização e no comércio,
encarando a ajuda fornecida a grupos que lutavam por direitos políticos e sociais como
mecanismo de ingerência em seus assuntos domésticos. O estabelecimento de práticas
condicionadas de ajuda, encampadas nos anos 80 pelos programas de ajuste estrutural,
89

aprofundou ainda mais a resistência dos países do Sul ao que interpretaram como novas
tentativas de imposição de modelos de desenvolvimento fundados em experiências que lhes
eram extrínsecas.
A Teoria da Dependência, que captou desde o princípio a diversidade das modalidades
da CSS (para muito além da CID), pecou inicialmente pelo excesso de normativismo, o que é
esperado diante do fato de que os laços limitados entre os países do Sul não permitiam
vislumbrar, em bases empíricas, em que medida as relações entre eles seriam, de fato,
diferentes das tradicionais relações Norte-Sul. Porém, com a emergência de diversos países do
Sul, na transição dos anos 60 para os anos 70, dependentistas que haviam a princípio
celebrado a CSS passaram a denunciar o que seria uma atuação igualmente predatória por
parte daquele grupo de países. Essa dinâmica foi analisada pela Teoria do Sistema Mundo ao
detectar a existência de um terceiro grupo de países no sistema capitalista global: os países da
chamada “semiperiferia”. Diante do diagnóstico de que esses países tendiam a operar, em suas
relações com a periferia, de forma similar aos países centrais, muitos analistas optaram por
abandonar a expressão “Cooperação Sul-Sul” e adotar o termo “relações Sul-Sul”.
Apesar do aprofundamento de laços comerciais e de investimentos entre países do Sul
nos anos 70, avalia-se que, em geral, barreiras estruturais impediram que essas relações
evoluíssem para uma real configuração de interdependência. Nesse sentido, buscou-se
entender em que medida reflexões teóricas sobre a cooperação internacional oferecidas pelo
mainstream da disciplina de Relações Internacionais poderiam complementar as abordagens
dependentistas à CSS. Foi nesse momento que ficou claro o caráter distintivo da CSS não
apenas em relação à Cooperação Norte-Sul, mas especialmente em relação à Cooperação
Norte-Norte. Todo o edifício da Teoria Neoliberal das Relações Internacionais está fundado
na premissa de que os países que optam racional e egoisticamente por cooperar exibem
padrões similares de relações Estado-sociedade-mercado e interagem em um ambiente
estratégico, marcado pela interdependência econômica e pela existência de laços funcionais
em áreas diversas relacionadas ao desenvolvimento e à segurança. Nesse contexto, a
coordenação de políticas surge como caminho racional.
Esse raciocínio, que toma a parte pelo todo ao entender a cooperação internacional
apenas como coordenação de políticas, é admitidamente fundado em evidências empíricas
sobre as relações entre os países desenvolvidos, o que torna problemático aplicá-lo de forma
indiscriminada à CSS. Aqui, a preponderância histórica da indiferença, expressa na carência
de laços funcionais e de concepções compartilhadas acerca das interações Estado-sociedade-
90

mercado, aponta que a cooperação resultou muito mais de vontade política de líderes
específicos do que do processo bottom-up característico da trajetória de estreitamento de laços
entre os países desenvolvidos. Não é à toa, portanto, que a cooperação política entre países em
desenvolvimento no âmbito multilateral (barganha coletiva) foi a modalidade que mais se
destacou nas primeiras décadas da CSS.
Para melhor compreender a cooperação entre os países do Sul optou-se, então, por
subir para um nível mais genérico, em busca de elementos e dinâmicas gerais que
caracterizam as relações de cooperação entre grupos e indivíduos. Revisitando trabalhos
produzidos por cientistas sociais, identificou-se que a existência de objetivos e de
recompensas configura-se como elemento essencial das dinâmicas cooperativas, as quais
devem ser analisadas a partir de um conjunto de relações entre comportamentos e suas
consequências.
Com base nesses mesmos trabalhos, foi possível compreender que a CSSD, em vez
resultar necessariamente de relações de interdependência já constituídas (como propugnam as
abordagens liberais à CID), pode se configurar como mecanismo iniciador de relações, as
quais tendem a evoluir para arranjos institucionalizados desde que engatilhem processos
reiterados de trocas em áreas variadas. Essas trocas, conforme aponta a Teoria Social,
normalmente englobam provisão de serviços distintos por cada parte, constatação esta que nos
leva a dois questionamentos.
Em primeiro lugar, questionamento em relação à premissa normativa que marca a
retórica sobre a CSS: a ideia de que ela, necessariamente, baseia-se na busca de objetivos
comuns ou compartilhados. Conforme apontam os trabalhos sobre dinâmicas cooperativas
gerais abordados neste capítulo, as partes envolvidas podem trabalhar em busca de um
objetivo comum, mas em geral cada parte busca um objetivo particular, que pode ser material
ou não. Nisto, as abordagens sociais à cooperação se aproximam do rationale, que será
explorado no Capítulo 2, de que a cooperação técnica oferecida pelo Brasil a outros países em
desenvolvimento seria instrumento de busca de finalidades não próprias.
Em segundo lugar, pergunta-se em que medida as trocas de cunho indireto
características das relações de caridade podem evoluir, de fato, para o estreitamento de laços
com países contemplados pela cooperação, já que o objetivo central do doador, naquelas
relações, é angariar o reconhecimento de outros doadores (ou competir com eles). Por um
lado, sem que exista reciprocidade entre os parceiros, a CSSD deixa de apresentar potencial
para engatilhar processo de recompensas mútuas entre as partes diretamente envolvidas na
91

relação e para evoluir, portanto, para verdadeiros arranjos setoriais e funcionais de


cooperação.
Por outro lado, basear-se em objetivos indiretos pode comprometer a adaptação de
iniciativas para o contexto de cada parceiro, favorecendo abordagens baseadas na exportação
de modelos e indo, portanto, contra dois aspectos centrais da identidade Sul-Sul: a luta pela
liberdade na definição de modelos próprios de desenvolvimento e a confiança engendrada por
uma percepção de maior horizontalidade nas relações Sul-Sul. Eventuais lacunas entre a
retórica e a prática da CSS podem, assim, impactar negativamente a percepção a respeito das
recompensas mútuas, afetando, mais uma vez, o potencial de que a CSSD evolua para o
estabelecimento de mecanismos setoriais/funcionais e de arranjos institucionalizados de
cooperação no longo prazo.
Entender as bases elementares das relações de cooperação – a existência de objetivos e
recompensas – quando se analisam as relações entre os Estados não é, contudo, tarefa simples.
Os Estados não podem ser tratados como entidades antropomórficas, na medida em que
comportam uma variedade de instituições e de grupos de interesses competindo pelo acesso
ao processo decisório. No caso dos doadores emergentes, desvendar quais são os objetivos e
recompensas relacionados à expansão recente do seu engajamento na CSSD é tarefa ainda
mais complexa, tendo em vista que esses países ainda não possuem bases burocráticas e
sociais consolidadas na matéria.
Nesse contexto, é crucial compreender o que os altos líderes destes países, bem como
suas bases domésticas de apoio, almejavam com a expansão da CSSD. Este ponto será
discutido no próximo capítulo, que abordará o caso do Brasil, mas não sem antes entender a
trajetória histórica do envolvimento do país na CID, com foco na CTI e na CTPD. Essa
trajetória, que foi marcada por uma confluência entre determinantes globais (evolução da
arquitetura global da CID, inclusão crescente de instituições nacionais em mecanismos
regionais e globais de intercâmbio de conhecimentos em áreas específicas) e domésticos
(configuração de um sistema nacional voltado para centralizar a captação e prestação de
cooperação e, ligado a ele, ideias relacionadas ao desenvolvimento e ao lugar do Brasil no
mundo), evoluiu, durante o Governo Lula, para uma elevação inédita da CTPD como
instrumento da política externa brasileira.
O envolvimento exponencial de algumas instituições nacionais na CTPD, com a
necessidade de disponibilizarem volume crescente de recursos humanos para propósitos que
lhes eram extrínsecos (propósitos diplomáticos), fez com que essas instituições passassem a
92

buscar entender quais eram os seus próprios objetivos nesse processo e a se estruturar
internamente para agregar e triar informações recebidas por meio de seu crescente contato
com o ambiente internacional. Essas dimensões serão exploradas nos capítulos 3 e 4, que
analisam, respectivamente, os casos da EMBRAPA e do SENAI.
Explorar em que medida o envolvimento expansivo dos doadores emergentes na
CSSD, engatilhado pela vontade política, está se enraizando em setores específicos de suas
respectivas sociedades e burocracias é crucial para compreendermos se a “ajuda” oferecida
tende a evoluir para processos reiterados de trocas que permitam, de fato, uma expansão e
aprofundamento da CSS no médio e longo prazos, garantindo, portanto, sua sustentabilidade
para além de governos específicos.
93

2 A PARTICIPAÇÃO DO BRASIL NA CTPD: DA INDUÇÃO À


POLITIZAÇÃO NA ARENA DOMÉSTICA

Embora o envolvimento do Brasil na Cooperação Sul-Sul para o Desenvolvimento


(CSSD) seja mais antigo do que a emergência do tema nas agendas nacional e global, traçar
sua trajetória histórica é praticamente impossível diante da fragmentação institucional de suas
diversas modalidades, da insuficiência de registros e de produção acadêmica ainda incipiente
sobre o tema. Não obstante, no que se refere à Cooperação Técnica entre Países em
Desenvolvimento (CTPD), o crescente interesse político e social pelo tema levou à produção
de estudos diplomáticos e acadêmicos que permitem entender a evolução histórica dos
determinantes para a sua constituição em um dos baluartes centrais da política externa
brasileira durante o Governo Lula.
O objetivo deste capítulo é compreender a evolução da política doméstica da CTPD
brasileira levando em consideração seus aspectos institucionais, legais, operacionais,
decisórios e ideacionais. O argumento central é que a horizontalização da política externa
brasileira, em geral, e a politização da CTPD na arena doméstica, em particular, fizeram com
que a CTPD deixasse de ser condicionada apenas por atores externos, em alguns casos com a
intermediação do Itamaraty, e passasse a ser disputada por outros grupos de interesses
domésticos. Essas disputas levaram a questionamentos sobre: os princípios que regem a ação
da Agência Brasileira de Cooperação (ABC) – diplomacia baseada na solidariedade,
orientação por demandas, adaptação das experiências brasileiras, não imposição de
condicionalidades, desvinculação de interesses comerciais ou ânimo de lucro e não ingerência
(ABREU, 2012); a própria estrutura formal da CTPD brasileira, localizada dentro do MRE,
mas operacionalizada pelo PNUD; e a formulação dos propósitos e das prioridades
geográficas e temáticas da CTPD brasileira.
A primeira seção traçará a evolução histórica do sistema formal brasileiro de CTI,
voltado, a princípio, para captar conhecimentos e recursos que apoiassem o desenvolvimento
nacional em setores específicos. O Ministério do Planejamento tornou-se a instituição central
nessa etapa, e apenas no contexto de graduação do Brasil como receptor de cooperação, nos
anos 80, o Itamaraty volta a assumir a agenda, já absorvida, em grande medida, pela CTPD.
Em vista de limitações políticas, financeiras e legais não foi possível montar um sistema
autônomo na matéria, e o PNUD se tornou a agência central na operacionalização da CTPD
brasileira. Apesar de avanços obtidos em várias frentes, eles foram insuficientes para
94

equacionar os desafios mencionados, que persistem diante da fragmentação institucional da


CTPD brasileira e da inexistência de uma política para o desenvolvimento internacional.
A segunda seção levantará os dados disponíveis sobre o perfil setorial e geográfico da
CSSD oferecida pelo Brasil, focando na CTPD, enquanto a parte seguinte buscará entender
em que medida o discurso e as prioridades estabelecidas pela ABC encontram
correspondência, de fato, na alocação setorial e geográfica da CTPD brasileira. Ainda que a
agência não coordene todas as iniciativas oficiais, limitou-se a análise à sua atuação em vista
da existência de dados públicos mais detalhados relativos à cooperação prestada sob sua
coordenação, bem como do fato de o mandato da agência na seara encontrar bases legais
claras. Foi possível notar que não há total correspondência entre o discurso sobre as
prioridades geográficas e o número de projetos realizados em cada país, o que aponta para a
inexistência de estratégia e planejamentos claros por parte do Ministério das Relações
Exteriores (MRE), mas também para a incidência de outras instituições e grupos de interesses
domésticos sobre o processo decisório da CTPD.
Na seção seguinte, busca-se entender quais instituições e grupos de interesses incidem,
e com quais propósitos, sobre o processo decisório da CTPD brasileira. Ainda que não exista
política estruturada na matéria, foi possível identificar propósitos relacionados ao uso da
CTPD como ferramenta para o fortalecimento da liderança regional e global brasileira, seja
conquistando apoio para pleitos diplomáticos (como apoio a candidaturas brasileiras a
organismos internacionais), seja contribuindo para fortalecer experiências nacionais de
desenvolvimento dentro e fora do Brasil. Subseções específicas analisarão a evolução da
CTPD brasileira durante os governos Cardoso, Lula e Dilma, tentando mostrar como as
prioridades estabelecidas por cada Presidência, bem como os grupos que se mobilizaram
durante cada administração, reagindo ou não a tais prioridades, incidiram sobre a definição da
agenda da CTPD brasileira.
95

2.1 A evolução histórica do sistema brasileiro de cooperação técnica internacional:


determinantes e desafios

2.1.1 O sistema brasileiro de CTI antes da criação da ABC

O Brasil começou a se inserir no sistema internacional de cooperação técnica, como


recipiendário, nos anos 30. A criação da Universidade de São Paulo, em 1934, é tida como
marco por ter contemplado o apoio de professores estrangeiros no seu desenho e no seu
estabelecimento (MARKOVITCH, 1994).121 A década de 30 marcou também a colocação da
política externa a serviço do desenvolvimento nacional, sendo seguida, nos anos 40, pela
proliferação de iniciativas envolvendo financiamento e assistência técnica externos.
Negociações com os Estados Unidos levaram, por exemplo, à obtenção de apoio para o
desenvolvimento da infraestrutura nacional básica (caso da instalação da Companhia
Siderúrgica Nacional) e à formulação e implantação de diretrizes voltadas para o
desenvolvimento econômico, culminando com acordo prevendo o estabelecimento da
Comissão Mista Brasil-Estados Unidos para o Desenvolvimento Econômico em 1951
(VALLER FILHO, 2007).
Acompanhando avanços no planejamento do desenvolvimento nacional, em que o
apoio externo se apresentava como elemento-chave, bem como avanços na institucionalização
da CTI na arquitetura global,122 o sistema brasileiro na matéria foi estruturado a partir de
1950, com a criação, no âmbito do MRE, da Comissão Nacional de Assistência Técnica
(CNAT). Nos anos seguintes, esse sistema se complexificou com a criação, em 1959 e em
1965, respectivamente, do Escritório Técnico do Ponto IV, ligado à representação brasileira

121
Marcovitch (1994) também detalha o papel da cooperação internacional no estabelecimento da Fundação
Getúlio Vargas e do aprimoramento institucional de outras universidades brasileiras na busca pela integração
entre o conhecimento produzido por elas e a criação de nichos de competitividade em setores específicos.
122
A institucionalização da CTI na arquitetura global teve como marcos a aprovação da Resolução n.200/1948
da Assembleia Geral das Nações Unidas, que decidiu pela dotação de recursos humanos e financeiros para o
apoio a programas de desenvolvimento econômicos dos países subdesenvolvidos, no âmbito do conceito de
“assistência técnica” (ver AGNU, 1948), culminando com o estabelecimento do Programa das Nações Unidas de
Assistência Técnica (no original, United Nations Expanded Program of Technical Assistance), em 1949; e do
anúncio do Programa do Ponto IV em 1949, o qual foi seguido do estabelecimento da Administração de
Cooperação Técnica no Departamento de Estado dos EUA em 1950. Domergue (1968) lembra que a “assistência
técnica” já era prática antiga das relações internacionais, mas a expressão ainda não havia sido cunhada e a
prática só teria assumido importância mundial, tornando-se objeto de estudos e de discussões acadêmicas,
políticas, burocráticas e midiáticas, apenas a partir dos anos 50.
96

junto ao programa, e do Conselho de Cooperação Técnica da Aliança para o Progresso –


(CONTAP),123 vinculado ao então Ministério do Planejamento e Coordenação Econômica.124
No fim da década de 60, o sistema brasileiro de CTI sofreu reformas destinadas a
aprimorar a integração entre as demandas domésticas, expressas nas prioridades identificadas
nos planos nacionais e setoriais de desenvolvimento, e a oferta internacional da cooperação
técnica. Ao então Ministério de Planejamento e Coordenação Geral, por meio da
Subsecretaria de Cooperação Econômica e Técnica Internacional (SUBIN), coube estabelecer
e coordenar a política interna de cooperação técnica, elaborando prioridades e
compatibilizando-as com o plano global do governo, enquanto a formulação da política
externa de cooperação técnica, negociação de instrumentos básicos e encaminhamento de
solicitações ficaram a cargo do MRE, por meio da Divisão de Cooperação Técnica
(IGLESIAS PUENTE, 2010).125
O decreto que reformou o sistema brasileiro de CTI – Decreto nº 65.476, de 21 de
outubro de 1969126 – não foi claro acerca das funções exatas a serem desempenhadas pelo
MRE no que se refere à “política externa de cooperação técnica”, dando a entender que ele
desempenharia funções meramente protocolares127 diante de pautas colocadas pela SUBIN,
que absorveu funcionários e assumiu as funções antes desempenhadas pelo Escritório Técnico

123
É importante lembrar que o Brasil, assim como a América Latina em geral, não se constituía como foco da
política externa dos EUA. Como lembra Corrêa (2010), os recursos distribuídos pela Agência de Segurança
Mútua dos EUA, criada em 1952, concentraram-se nos países do chamado “cinturão de contenção do
socialismo”, quais sejam, Coreia do Sul, Filipinas, Índia, Irã, Jordânia, Paquistão, Tailândia, Taiwan e Vietnã.
Com a expansão dos movimentos socialistas na América Latina nos anos 50 e 60, os EUA estabeleceram
programas de desenvolvimento para a região, mas os recursos eram modestos se comparados aos direcionados a
Europa, Ásia e Oriente Médio. Ainda segundo o autor, os bilhões de dólares norte-americanos investidos na
ajuda a países africanos, asiáticos e latino-americanos, à exceção dos países que eram estrategicamente
relevantes para a contenção do comunismo, tiveram pouco impacto real sobre seu desenvolvimento, conforme
demonstraria a persistência dos índices de pobreza nos mesmos.
124
Os detalhes sobre a evolução institucional do sistema formal brasileiro de CTI nas primeiras décadas estão
disponíveis no Apêndice B.
125
Há registros internos do MRE que mostram a preocupação com o fato de o sistema brasileiro de cooperação
ter passado, com a reforma de 1969, a responder a duplo comando – por um lado, o MRE, por outro, o
Ministério do Planejamento (VALLER FILHO, 2007, p. 77).
126
O texto completo do Decreto nº 65.476 está disponível no Anexo A. Todos os decretos mencionados neste
capítulo podem ser acessados na base on-line da Casa Civil “Portal Legislação Federal do Brasil”.
127
O diplomata Valler Filho (2007, p. 106) afirma que a diplomacia desempenhou papel de relevo ao acumular
arcabouço teórico e conceitual sobre a CTI entre os anos 30 e o ano de reforma do sistema brasileiro (1969), mas
reconhece que sua interface junto ao MRE, expressa no fato de as delegações serem chefiadas por diplomatas,
acontecia também por questões de ordem prática, relacionadas ao fato de que “o domínio da língua estrangeira
era confinado a uma elite que havia viajado, ou estudado fora do país.”
97

do Ponto IV e pelo CONTAP. As funções desempenadas pela CNAT, que estavam sob a
órbita do MRE, foram completamente extintas.
Ficou previsto que o Ministério do Planejamento reuniria as competências centrais no
sistema brasileiro de CTI, quais sejam: a convocação de reuniões periódicas para exame
colegiado das solicitações e de assuntos gerais de cooperação técnica (com o MRE devendo
sempre fazer-se representar); a decisão sobre quais órgãos e especialistas deveriam participar
dessas reuniões, conforme a área em exame; a definição e demanda direta ou indireta, no
último caso por meio do Instituto de Planejamento Econômico e Social ou centros de
pesquisas do governo, por estudos técnicos que informariam as reuniões.
Embora a aprovação de ambas as instituições (Ministério do Planejamento e MRE)
fosse necessária para que qualquer solicitação nacional de cooperação técnica fosse
encaminhada a organismos e agências internacionais, em alguns casos – entendimentos e
acordos operacionais estabelecidos diretamente por órgãos especializados, como o Conselho
Nacional de Pesquisas, a Comissão Nacional de Pesquisas, a Comissão Nacional de Energia
Nuclear e o Centro Nacional de Recursos Humanos nos campos de sua competência, com
congêneres estrangeiros ou internacionais – bastaria pronunciamento do Ministério do
Planejamento, ouvido o MRE.
Agências setoriais desempenhariam papel ativo no sistema brasileiro de CTI,
colocando suas demandas particulares por meio da indicação, ao Ministério do Planejamento,
de pontos focais estabelecidos na administração direta e indireta sob sua jurisdição.128 A esses
pontos focais caberia a programação setorial, a formulação e análise de projetos e o
acompanhamento de sua execução. Ao Ministério do Planejamento caberia a elaboração de
um Plano Básico de CTI contendo projetos prioritários, bem como a avaliação periódica,
direta ou indireta, dos programas em curso no país.
Se, nas primeiras décadas, o instrumento central para a captação da CTI eram os
chamados “Acordos Básicos de Cooperação Técnica”, nos anos 70, seguindo diretiva de
associação da CTI à captação de ciência e tecnologia, houve sua substituição pelos “Acordos
Básicos de Cooperação Técnica, Científica e Tecnológica”, em consonância com os planos
nacionais básicos de desenvolvimento científico e tecnológico (CERVO, 1994).

128
Segundo o diplomata Valler Filho (2007), a criação desses pontos focais em órgãos da administração pública
direta e indireta representa a origem da posterior criação de secretarias, subsecretarias e coordenadorias
internacionais em diversos órgãos públicos no Brasil.
98

Seguindo modelo de desenvolvimento nacional calcado no crescimento econômico,129


tal diretiva não pôde, contudo, se realizar plenamente no âmbito da captação da CTI devido a
vários fatores inter-relacionados: a participação crescente do setor privado na produção
científica e tecnológica nos países desenvolvidos, colocando empecilhos à sua transferência
na forma de assistência; o ocaso da idade de ouro do capitalismo, atingindo principalmente o
acesso dos países de renda média à assistência; a introdução da graduação;130 a emergência do
paradigma das Necessidades Humanas Básicas (NHBs) na arquitetura global da CID, com
foco primordial no combate à pobreza; a persistência de desafios primários ao
desenvolvimento no Brasil. Conforme será visto mais adiante, o processo de democratização
viria aprofundar ainda mais os conflitos entre um modelo voltado para o fortalecimento do
sistema nacional de ciência e tecnologia e calcado na busca da autonomia nas relações
internacionais, e o foco nos problemas sociais, com a busca de tecnologias voltadas para o
equacionamento de desafios elementares ao desenvolvimento, como saúde e alimentação.131
Importa, por ora, salientar que o amadurecimento do sistema brasileiro de CTI foi
acompanhado pela desmobilização externa da agenda de desenvolvimento que interessava ao

129
A colocação da política externa brasileira a favor do desenvolvimento econômico teve uma de suas
elaborações centrais no trabalho de Araújo Castro, chanceler de João Goulart. Segundo ele, a busca do
desenvolvimento econômico deve se constituir como objetivo de Estado, voltado para a construção da influência
do Brasil sobre o ambiente internacional, pois o país não conta com capacidades econômicas e militares
suficientes para garanti-la; “o caminho mais rápido, mais direto para o fortalecimento de seu poder Nacional é o
próprio caminho de seu desenvolvimento econômico e expansão industrial” (Amado, 1982 apud Lima, 2005b, p.
6).
130
A marginalização dos países de renda média na CTI veio com a introdução dos critérios de graduação, que
atingiu particularmente seu acesso a créditos concessionais, mas também seu acesso à cooperação técnica, que
passou a exigir contrapartidas nacionais de, no mínimo, 50% dos custos das iniciativas. Enquanto a graduação
foi justificada pela necessidade moral de focar nos países mais necessitados, além de embasada no raciocínio de
que as contrapartidas nacionais favoreceriam maior apropriação por parte dos recipiendários, o diplomata
Iglesias Puente (2010, p. 82) lembra que muitos a interpretam como resultado da competição dos países ricos
com os países emergentes: “Quanto às motivações da graduação há aqueles que defendem o ponto de vista de
que os PED [países em desenvolvimento] que atingiram determinado nível de progresso teriam adquirido
condições de competir em determinadas áreas, sobretudo no setor produtivo (agricultura e manufaturas), com
alguns dos países doadores. Portanto, teriam de ser ‘graduados’, pois qualquer ajuda adicional por eles recebida
seria prejudicial aos interesses dos doadores.”
131
Nas palavras de Cervo (1994, p. 43): “O dilema entre cooperação técnica ou científica e tecnológica que se
colocava nos anos setenta e oitenta espelhava a complexa realidade nacional: um país de grandes possibilidades
e ao mesmo tempo de necessidades existenciais elementares não satisfeitas. Pretendia-se avançar pelos
sofisticados mecanismos da cooperação tecnológica, mas não se podia deixar de carregar o fardo de uma miséria
social que persistia e que, entretanto, poderia ser aliviada pela ‘assistência’ técnica ou pela ‘transferência’ de
conhecimento.” Mais adiante, o autor esclarece que: “Evitava-se o extremo de vincular a CTI a programas
assistenciais, mesmo porque o país havia rechaçado tal filosofia décadas anteriores” (Ibid., p. 52). Essas
reflexões dão a entender que as iniciativas de cooperação voltadas para o equacionamento de problemas sociais
eram percebidas como pautadas por uma lógica assistencialista, ao passo que as que objetivavam contribuir para
o desenvolvimento científico e tecnológico seriam eficazes na busca de um desenvolvimento autônomo.
99

governo naquele momento. Na verdade, o Brasil havia se inserido apenas de forma marginal
no sistema internacional de cooperação técnica nas décadas anteriores, inclusive por não se
localizar em região geográfica de relevância no contexto da Guerra Fria.132 Ainda assim, a
diminuição de recursos internacionais destinados à CTI, acompanhada pela graduação do
Brasil, atingiu o sistema brasileiro que havia sido desenhado para aprimorar a eficácia e a
eficiência na recepção de aportes externos.

2.1.2 Os condicionantes e propósitos do envolvimento brasileiro na CTPD (anos 50 a 80)

A Política Externa Independente (PEI), avançada em contexto marcado pela


diversificação da matriz produtiva brasileira, impulsionou a universalização das relações
internacionais do Brasil e o estreitamento de laços com outros países em desenvolvimento. No
âmbito específico da Cooperação Política entre Países em Desenvolvimento (CPPD), o Brasil,
que não havia participado dos seus primeiros eventos-marco (Conferência de Bandung,
1955;133 Conferência de Belgrado, 1961), engajou-se nas coalizões terceiro-mundistas em
1964, com a fundação do G77 no âmbito da UNCTAD.
134
Nos anos seguintes, apesar da retórica de rompimento com a PEI, o governo
brasileiro retomaria suas posições econômicas tanto no âmbito bilateral, buscando abrir

132
Ver Nota 123. Segundo dados levantados por Cervo (1994), até 1983 o Brasil teria se beneficiado com apenas
0,7% da cooperação recebida do PNUD, proporção que seria semelhante no que diz respeito à cooperação
bilateral recebida.
133
Um observador diplomático não oficial, Bezerra de Menezes, foi enviado para a Conferência de Bandung no
mesmo momento em que o então presidente Café Filho realizava visita de Estado a Portugal. A postura do Brasil
era de alinhamento a este país em relação às questões coloniais. Diante da demanda indiana pelo fim do controle
português sobre os territórios de Goa, Daman e Diu, Café Filho respondeu que o Brasil ficaria ao lado de
Portugal em qualquer disputa mundial (DÁVILA, 2010, p. 27).
134
Embora a PEI tenha sido interpretada pelo Governo Castello Branco como uma política de viés ideológico
(CERVO; BUENO, 1992), ela guardava relação com elemento de cunho pragmático: a diversificação da matriz
produtiva brasileira. A industrialização levaria, naturalmente, a questionamentos sobre a vantagem do
alinhamento com os EUA e a divergências entre os interesses dos dois países (BANDEIRA, 1997). No que se
refere à África, contudo, José Flávio Sombra Saraiva (2012, p. 42) lembra que, durante o Governo Castello
Branco, a ênfase da PEI na cooperação política e econômica com o continente foi substituída por enfoque
geopolítico simplificado, que via no continente “lugar vulnerável às influências comunistas”, devendo o Brasil
“contribuir para a ‘imunização’ da região atlântica.” Referindo-se à política externa brasileira para a África
durante o período militar como um todo, Lechini (2006) afirma que o enfoque pragmático, baseado na busca pela
diversificação dos parceiros comerciais, seria justificado pelo princípio da solidariedade Sul-Sul, mas lembra que
o Brasil buscava também construir alianças que lhe permitissem elevar sua voz em questões globais. A
diplomacia cultural, assim como a cooperação técnica e acadêmica, seriam usadas como instrumento de
aproximação do Brasil com os países africanos.
100

mercados em outros países em desenvolvimento, quanto no âmbito multilateral, exercendo


liderança na UNCTAD e, posteriormente, nas negociações do GATT, em busca de um regime
internacional de comércio que refletisse os interesses dos países em desenvolvimento (LIMA,
2000).135 O engajamento político do Brasil no movimento terceiro-mundista seguiria,
contudo, limitado, conforme demonstra a sustentação de posição ambígua no âmbito
multilateral, ao apoiar resoluções anticolonialistas de cunho geral e ao se opor ou se abster em
resoluções que condenavam expressamente o colonialismo de determinadas nações
(PINHEIRO, 2007).
Esta posição seria revista apenas em 1974, após o primeiro choque do petróleo,136
marcando aprofundamento da guinada em direção ao estreitamento de laços com outros países
em desenvolvimento. O “pragmatismo responsável” de Geisel, com efeito, teria sido o
período em que o terceiro-mundismo se manifestou na política externa brasileira de forma
mais visível (VIGEVANI; CEPALUNI, 2007).
No que se refere à CTPD, diversas entidades brasileiras já estavam engajadas de forma
esporádica nela, direta ou indiretamente, desde pelo menos a década de 50. A criação da
ONU, da Organização dos Estados Americanos (OEA) e de outras organizações regionais e
globais havia catalisado o surgimento de uma série de organismos funcionais que difundiam
experiências relacionadas ao desenvolvimento em áreas específicas. Ao oferecerem
cooperação técnica a instituições brasileiras diversas, tais organismos tomavam contato e
promoviam experiências brasileiras no âmbito internacional, que posteriormente passariam a
ser objeto de “demandas”. Por seu cunho interinstitucional, esse processo acontecia
frequentemente de forma paralela ao MRE e sem que as contrapartes brasileiras envolvidas se
baseassem em visões estratégicas próprias ao se envolverem direta ou indiretamente na
prestação de cooperação técnica a instituições homólogas de outros países em
desenvolvimento.

135
Como lembra Lima (2005a, p. 12-13): “Nos anos 60, o Brasil era considerado um dos ‘influentes’ no grupo
dos países do Sul, em função de atributos estruturais, como tamanho e força econômica, bem como daqueles
relacionados ao desempenho de seus representantes nos foros mundiais. Em 1967, o representante brasileiro,
embaixador Azeredo da Silveira, que viria a ser o chanceler do general Geisel, foi eleito presidente do Grupo dos
77 para a Segunda Conferência da UNCTAD em 1968 em Nova Deli. Naquele mesmo período, o desempenho
brasileiro obteve o terceiro lugar em influência positiva, abaixo da Índia e do Chile, no âmbito da UNCTAD.”
136
Citando trabalho de Selcher (1976), Pinheiro (2007) lembra que o Brasil chegou a figurar na lista de seis
países, que constava em resolução de 1973 assinada por 17 países africanos, que sofreriam sanções econômicas e
diplomáticas caso mantivesse seu apoio ao regime sul-africano do Apartheid.
101

Isso significa que, diferentemente do que afirma o diplomata Valler Filho (2007, p.
68), para o qual “os primeiros experimentos de cooperação prestada pelo Brasil a terceiros
países” datam do início da década de 70, o que aconteceu neste momento foi que a prática da
CTPD brasileira começou a ganhar interface junto ao MRE, com a assinatura dos primeiros
acordos de cooperação técnica entre o Brasil e outros países em desenvolvimento.137
Na análise de Valler Filho (2007, p. 68), que destaca explicitamente os propósitos da
ação diplomática brasileira em relação à CTPD nos anos 70, a assinatura dos acordos de
cooperação técnica entre o Brasil e outros países em desenvolvimento aconteceu em contexto
em que
[...] a diplomacia brasileira passaria a utilizar as ações de cooperação internacional
com motivos políticos, a fim de assegurar e difundir a imagem do País, não
apenas na América Latina, mas também com ênfase na nova fronteira africana, em
função do processo de independência das antigas colônias.

Os objetivos da cooperação passariam, então, a ser duplos. Enquanto cooperação


prestada, seria instrumento de política externa que visava ao mesmo tempo objetivos
políticos e econômicos. Afirmava-se o Brasil como potência emergente,
estreitamente vinculado à promoção de exportações e abrindo mercado para
consultores e equipamentos brasileiros. E como cooperação recebida, tanto
multilateral quanto bilateral, com o objetivo de trazer para o País tecnologia e
conhecimentos necessários aos projetos nacionais de desenvolvimento (grifos
nossos).

Mais adiante o diplomata reitera os elementos acima e adiciona novos elementos aos
propósitos da CTPD brasileira naquele momento, contrastando-os, novamente, aos propósitos
relacionados à cooperação recebida:
Enquanto a cooperação técnica recebida era vista como propulsora do
desenvolvimento e de mudanças estruturais no Brasil, a cooperação prestada pelo
País passaria a representar um instrumento de política externa, com objetivos
específicos, contribuindo para o estreitamento dos vínculos políticos, culturais e

137
Mais adiante o diplomata Valler Filho (2007, p. 75) qualifica a afirmação ao fazer afirmar que “a partir de
1969, procurou-se [...] estruturar um programa de cooperação técnica brasileira ao exterior” (grifo nosso). Esse
programa teve início em 1971, com a assinatura de acordo com o Paraguai (Acordo sobre a Realização de um
Programa de Cooperação Técnica; Assunção, 05/05/1971). No mesmo ano foram assinados acordos, ainda, com
Colômbia (Acordo Relativo à Execução de Projetos de Cooperação Técnica; Brasília, 08/06/1971); Trinidad e
Tobago (Acordo Relativo à Criação de uma Comissão Mista de Cooperação Técnica, Econômica e Comercial;
Port of Spain, 09/11/1971); e Guiana (Aide Mémoire sobre Cooperação Técnica; Georgetown, 11/11/1971). Em
1972, foram assinados acordos com Benin, Camarões, Colômbia, Costa do Marfim, Guatemala, Senegal, Togo;
em 1973, com Egito, Quênia, Venezuela e Zaire; em 1974, com Gabão, Gana e México; em 1975, com Kuwait,
Peru, República Dominicana, Uruguai (o Anexo B traz a lista completa de acordos vigentes de CTPD entre o
Brasil e outros países em desenvolvimento). Ainda de acordo com Valler Filho (Ibid.), a partir da assinatura
desses primeiros acordos instituições como a EMBRAPA, a Fiocruz, o SENAI, o Sebrae e os ministérios da
Saúde e da Educação passariam a ser convocadas para prestar CTPD. Não obstante, conforme veremos com mais
detalhes no caso do SENAI, foi possível identificar iniciativas de prestação de cooperação anteriores à assinatura
de tais acordos. É possível que o mesmo tenha acontecido no caso da Fiocruz e/ou de outras entidades do setor
de Saúde no Brasil, tendo em vista o engajamento ativo tradicional de sanitaristas brasileiros em redes e órgãos
internacionais que tratam da matéria.
102

comerciais do País na dimensão Sul-Sul. O objetivo principal desse mecanismo, na


época, seria o de afirmar o Brasil como potência emergente, mediante a
demonstração de sua capacidade tecnológica. A cooperação técnica veio a ser
ainda oportuna na abertura de vias de entendimento com países em
desenvolvimento, em especial os da América Latina e da África, e na promoção de
exportações. Esperava-se, também, com essa política, conseguir o aprofundamento
das relações com outros países em desenvolvimento, a fim de facilitar a
articulação conjunta dos países do Terceiro Mundo nos foros internacionais
(Valler Filho, 2007, p. 75, grifos nossos).

Nesse contexto, o MRE começaria a mediar a recepção de demandas e o contato com


instituições brasileiras – casos, por exemplo, da negociação de convênios envolvendo
Eletrobras, Mobral, EMBRAPA, SENAI, Centro de Instrução Almirante Graça Aranha
(CIAGA) e Banco Nacional da Habitação (BNH). No que se refere ao perfil da CTPD
prestada na década de 70 são mencionados, ainda, o oferecimento de estágios a funcionários
africanos de alto nível e o foco nas ex-colônias portuguesas, com a estruturação de “planos de
contingência” e oferecimento de bolsas de estudos a seus nacionais (VALLER FILHO, 2007,
p. 69).
Além da incidência do rationale da prestação de cooperação técnica em busca de
benefícios econômicos e políticos – que fica claro nas citações acima –, é possível que
houvesse expectativa, por parte do governo brasileiro, de que o país também tivesse acesso,
por meio da cooperação horizontal, a tecnologias oriundas de outros países do Sul de maior
desenvolvimento relativo. Talvez esta seja uma das razões pelas quais o Brasil teria exercido,
na avaliação de Iglesias Puente (2010), papel ativo nas discussões sobre a CTPD no âmbito
das Nações Unidas ou, na avaliação de Cervo (1994), papel de destaque na demanda para que
o PNUD fosse dotado de meios para estimular a CTPD. Não obstante, a arquitetura
multilateral da CTI evoluía para o foco na prestação de cooperação a países de menor
desenvolvimento relativo, de modo que a agenda da cooperação horizontal acabou sendo
capturada pela graduação, deixando de estimular, portanto, o espírito de reciprocidade.138
De todo modo, o contexto internacional continuava demandando, e de forma
crescente, o engajamento do Brasil na CTPD. As experiências de desenvolvimento do país
eram cada vez mais conhecidas e bem conceituadas entre os doadores tradicionais e entre os
países recipiendários (CERVO, 1994). Após a aprovação do Plano de Ação de Buenos Aires
(PABA), o Brasil foi “chamado [...] a também contribuir nos esforços de cooperação Sul-

138
Na avaliação de Corrêa (2010, p. 90), a graduação acabou introduzindo relações de assimetria entre os países
do Sul; os mais desenvolvidos passariam a ser vistos como “irmãos mais velhos”, que deveriam orientar os
países menos desenvolvidos.
103

Sul” (IGLESIAS PUENTE, 2010, p. 31, grifo nosso), verificando-se aumento exponencial das
demandas por experiências brasileiras.
Conforme análise de documentação realizada por Cervo (1994), dos 694 projetos de
CTPD registrados até 1989 envolvendo o Brasil, dois tiveram início nos anos 60, 26 nos anos
70 e os demais nos anos 80 (depois, portanto, da realização da Conferência de Buenos Aires).
Dois terços dos projetos (475) tiveram como destino América Latina e Caribe; 171, África;
37, Ásia; e 11, Europa. Além disso, o Brasil figurava como prestador na maior parte dos
projetos regionais do PNUD e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) – 68 e
105 projetos, respetivamente -, a maior parte dos quais havia sido iniciada nos anos 80
(apenas 36 projetos do PNUD haviam sido iniciados antes da década de 80).
Os desafios econômicos enfrentados pelo Brasil nos anos 80 não impediram, portanto,
que a CTPD avançasse, principalmente no entorno regional,139 embora Iglesias Puente (2010)
avalie que, de modo geral, o tema tenha sido relegado a segundo plano diante dos fundos
exíguos levantados para financiar ações mais efetivas.140 Nesse período, a CTPD brasileira foi
financiada, em grande medida, por organismos internacionais que haviam se comprometido a
apoiar a CTPD na Conferência de Buenos Aires. Destacavam-se, em particular, arranjos
triangulares envolvendo o PNUD e o Banco Mundial, sendo que as contrapartidas brasileiras
aconteciam por meio da cessão de horas técnicas pelas instituições cooperantes nacionais
(IGLESIAS PUENTE, 2010).
Apesar de o acesso a conhecimentos e tecnologias dos países desenvolvidos ter
adquirido dimensão renovada com o abandono do ideal de “potência emergente” e a
reafirmação do Brasil como país em desenvolvimento durante o Governo Figueiredo, o
envolvimento do país na CTPD seria condicionado: pelo avanço do PABA; pelo efeito
inercial do ativismo diplomático nos anos 70 em prol do estreitamento de laços do Brasil com
outros países em desenvolvimento; pela paulatina divulgação externa de pesquisas e
experiências vinculadas a instituições brasileiras como a EMBRAPA, a Fiocruz, o Sebrae e o
SENAI, bem como pela participação de técnicos brasileiros dessas entidades em seminários
internacionais; e, por fim, pela repercussão crescente da crise econômica mundial sobre a

139
Outros países do Sul, como Índia, Coreia do Sul e Tailândia, também seguiram tendência de concentrar sua
CTPD no entorno regional, no caso, a Ásia (IGLESIAS PUENTE, 2010, p. 82).
140
A razão para os parcos fundos levantados para a CTPD seria o efeito negativo da crise econômica mundial
sobre as contribuições dos países desenvolvidos junto à ONU, que por sua vez teria conduzido ao
aprofundamento da graduação (IGLESIAS PUENTE, 2010).
104

economia brasileira, que “condicionaria [...] a política externa do Governo Figueiredo a voltar
sua atenção à cooperação Sul-Sul” (VALLER FILHO, 2007, p. 77).
Relacionado ao último condicionante, Valler Filho (2007) lembra que a busca de
mercados para produtos de maior valor agregado e para serviços brasileiros, particularmente
na América Latina e na África meridional, tornou-se cada vez mais imperativa diante da
necessidade de se equilibrar o balanço de pagamentos, afetado pelos gastos crescentes com a
importação de petróleo e pelo protecionismo dos países desenvolvidos. Não fica claro,
contudo, como a CTPD apoiava exatamente esse processo. Eram promovidas ações que
tivessem relação direta com os objetivos econômicos brasileiros ou se tratava de uma relação
indireta – quer dizer, buscando-se, por meio da CTPD, criar uma imagem positiva do Brasil
nos países que compravam ou poderiam eventualmente se tornar compradores dos bens e
serviços brasileiros?
Vale ressaltar que o Brasil não era visto exatamente como um país “popular” entre os
movimentos terceiro-mundistas. A diversificação da matriz produtiva nacional havia
conduzido à internacionalização dos negócios brasileiros rumo aos países em
desenvolvimento. Esse processo, que teve como um dos casos de destaque a atuação da
Petrobras em países africanos, difundiam certa percepção do Brasil como país semiperiférico,
que tendia a reproduzir a “exploração” dos países mais pobres pelos mais ricos ao basear seus
padrões de comércio em trocas de produtos manufaturados por commodities (no caso,
petróleo).141 É possível, nesse sentido, que o envolvimento crescente na CTPD tenha
respondido à busca pela preservação da imagem do Brasil diante do avanço da presença de
suas empresas em outros países em desenvolvimento – uma espécie, portanto, de
responsabilidade corporativa levada a cabo com recursos financeiros e humanos públicos.
Mas será que o caráter instrumental da CTPD brasileira teria se realizado na prática?
As avaliações são díspares. Enquanto Cervo (1994) avalia que ela contribuiu para o país
atingir o objetivo de fortalecer suas relações políticas e econômicas junto aos países
recipiendários, Iglesias Puente (2010, p. 104) afirma que a inexistência de
[...] qualquer integração e coordenação entre a política de cooperação técnica a
países em desenvolvimento e outras políticas de promoção da presença brasileira no
exterior [...] gerava a impressão na SUBIN e no MRE de que o país não estava
desfrutando de eventuais benefícios paralelos da cooperação prestada, sobretudo na
área comercial.

141
Sobre o papel da Petrobras na exploração do petróleo em Angola, ver: PINHEIRO, 2007. Para uma visão do
Brasil como país semiperiférico nas suas relações com a África, com destaque para as relações com a Nigéria,
ver: FORREST, 1982; HOFFMANN, 1982; OGWU, 1982b.
105

A prestação de cooperação técnica não era, porém, prioritária para a política externa
brasileira. Em geral, a postura predominante do governo brasileiro parece ter sido uma de
insatisfação em relação à graduação do país na arquitetura global da CTI. Seguindo a
prioridade conferida ao desenvolvimento nacional, a frente dominante na CTI era a de
captação de experiências e tecnologias externas que apoiassem o modelo de desenvolvimento
que se desejava promover – um modelo liderado pelo Estado, com foco em projetos de grande
escala e em consonância com os Planos Nacionais de Desenvolvimento.
Intensas negociações haviam sido conduzidas para convencer os doadores
internacionais a utilizarem apenas a mediação diplomática na realização de iniciativas, as
quais deveriam focar áreas prioritárias definidas pelo governo brasileiro. Graças a esse
esforço, o diplomata Valler Filho (2007) considera que foi possível alcançar maior eficácia
nos efeitos da CTI recebida sobre o desenvolvimento nacional.
Enquanto os benefícios da CTPD para o desenvolvimento brasileiro são tratados de
forma difusa pela literatura, o mesmo não se verifica no caso da avaliação da CTI recebida.
Conforme concluiu Cervo (1994), por exemplo, ao avaliar projetos realizados pelo PNUD no
Brasil,142 seus impactos teriam sido positivos no desenvolvimento dos setores agrícola,
industrial e de engenharias e no que se refere à capacitação de pessoal, disseminação de bem-
estar social e avanço em setores estratégicos de desenvolvimento.143
Tais impactos, porém, teriam decrescido nos anos 80 em vista de vários fatores, entre
eles: a crise econômica no Brasil; o avanço da graduação pelos doadores tradicionais

142
O PNUD foi, nos anos 70, a principal fonte multilateral da cooperação técnica recebida pelo Brasil, levando o
país a ocupar o quarto lugar entre os beneficiários de seus programas de cooperação. Outras fontes multilaterais
relevantes foram o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), o Fundo de População das Nações
Unidas (FNUAP) e a OEA (VALLER FILHO, 2007, p. 72-73).
143
No caso dos dois primeiros programas quinquenais do PNUD (1972-76; 1977-81), o segundo implementado
já sob a modalidade “execução nacional” (envolvendo, portanto, contrapartidas brasileiras), destaca-se, por
exemplo, seu papel no avanço da indústria aeronáutica, telecomunicações, correios, transportes, programa
nuclear, programas universitários de pós-graduação, pesos e medidas, controle da qualidade do aço, sistema
nacional de patentes, normalização técnica e sistema nacional de controle de qualidade de drogas e
medicamentos, além da consolidação de centros de pesquisas, como unidades da EMBRAPA destinadas a
pesquisas em trigo (Passo Fundo), soja (Londrina), pecuária de leite (Coronel Pacheco) e pecuária de corte
(Campo Grande), o CETEC-MG, o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), o Instituto de
Tecnologias de Alimentos de Campinas (ITAL), entre outros (CERVO, 1994). Marcovitch (1994, p. 58) também
avalia de forma positiva o papel da cooperação internacional no estabelecimento de “instituições que
contribuíram decisivamente para a elevação das competitividades estrutural, setorial e empresarial nacionais”,
embora assinale que se tratem de iniciativas sobre as quais é necessário saber mais para que se retire delas
aprendizados que possam ser transferidos a outras iniciativas. Partido do pressuposto de que a AOD só tem
resultados se alocada “de forma adequada na constituição de competências em âmbitos estrutural, setorial e
empresarial” e de que a relação universidade-empresa-Estado é fundamental para o aproveitamento sustentável
da cooperação recebida, Markovitch (Ibid., p. 53) avalia, contudo, que o papel da empresa como propulsora da
inovação teria sido pouco enfatizada na CTI recebida pelo Brasil.
106

(inclusive o PNUD), com consequente diminuição dos recursos aportados para o Brasil; a
crescente absorção dos recursos da ONU com suas próprias atividades burocráticas;144 a
tendência de concentração nos recursos da CID em iniciativas emergenciais de combate à
miséria e à pobreza (CERVO, 1994); e a multiplicação de demandas domésticas pela
cooperação recebida, especialmente a partir da promulgação da Constituição de 1988,
acompanhada pela dificuldade de articulação para concepção e estabelecimento de prioridades
(MARCOVITCH, 1994).

2.1.3 A criação da ABC

Quando a Agência Brasileira de Cooperação (ABC) foi criada, em 1987, o sistema


internacional da CTI, bem como a inserção brasileira no mesmo, estava em transição,
afetando toda a estrutura nacional que havia sido criada no fim dos anos 60, centrada no
Ministério do Planejamento, para receber a cooperação. Em contexto marcado pela redução
progressiva da capacidade financeira da SUBIN, a partir de 1979, o MRE voltaria a assumir
as funções centrais no sistema brasileiro de CTI, permanecendo as ligadas à cooperação
financeira a cargo da Secretaria de Assuntos Internacionais (Seain) do Ministério do
Planejamento. A transferência das funções relacionadas à CTI para o MRE teria refletido,
também, a concepção da CTPD como instrumento de política externa (IGLESIAS PUENTE,
2010).
A ABC, vinculada inicialmente à Fundação Alexandre Gusmão (FUNAG), absorveu
os recursos humanos da extinta SUBIN (Ibid.) e contou, desde o início, com coordenação para
tratar especificamente da CTPD (ABC, 2013b). Previa-se que a agência teria autonomia
financeira, a qual seria exercia por meio do Fundo Especial de Cooperação Técnica (FUNEC),
que reuniria recursos líquidos ou em espécie coletados no país ou no exterior. Caberia à ABC
co-financiar e oferecer apoio financeiro direto a programas e atividades de cooperação

144
Corrêa (2010, p. 29) adiciona, nesse ponto, que “a constituição de uma imensa burocracia internacional” é
“fortemente criticada pelos seus custos e por uma alegada limitação em sua capacidade de atingir seus
objetivos.” Weiss et al. (2010) esclarecem que a proliferação de agências, fundos, programas, comissões e
comitês no âmbito da ONU, ao longo das décadas, gerou uma rede institucional complexa e marcada pela
sobreposição e pela duplicação de iniciativas. Para os autores, a função do sistema ONU no desenvolvimento
internacional é menos relevante pelo seu impacto operacional do que pela sua centralidade na produção de ideias
e princípios que contribuem para gerar consensos internacionais, particularmente no que se refere ao ideal do
“desenvolvimento humano sustentável”.
107

(Decreto nº 94.973, de 25 de setembro de 1987) e, à alta direção do MRE, formular a política


de cooperação. A ligação da captação de CTI com a captação de cooperação em ciência e
tecnologia permaneceu como objetivo, expresso no fato de o Diretor-Executivo da ABC
acumular também a função de chefe do Departamento de Cooperação Técnica, Científica e
Tecnológica (IGLESIAS PUENTE, 2010).
A previsão de autonomia financeira da ABC, porém, não se realizou. A agência havia
herdado desafios básicos do sistema anterior, particularmente no que se refere à escassez de
recursos humanos especializados e financeiros e à inexistência de marco regulatório
autorizando o uso de recursos públicos para a promoção do desenvolvimento internacional.
Poucos anos depois, o FUNEC foi extinto (Ibid.).
Apesar dos limites domésticos ao avanço do sistema brasileiro da CTPD, operariam,
mais uma vez, “pressões” internacionais para que o país assumisse liderança na matéria. Em
1995, junto a outros 21 países, o Brasil foi elevado à condição de “país-pivô” pelo Comitê de
Alto Nível das Nações Unidas para a Cooperação Sul-Sul. Segundo Iglesias Puente (Ibid., p.
83),
[...] a esses países emergentes e “graduados”, que se beneficiaram em certa medida
da cooperação tradicional oferecida pelos países do Norte, da qual souberam tirar
proveito razoável (sobretudo no entender dos países desenvolvidos), cabia então
desempenhar novo papel: ser protagonistas na cooperação Sul-Sul. Não por outra
razão foi instituído em 1995 o conceito de “países-chave” na CTPD.

Em 1996, a ABC deixou de ser ligada à FUNAG e foi absorvida pela estrutura da
Secretaria Geral de Relações Exteriores do MRE, cabendo a indicação de seu diretor ao
chanceler e permitindo-se que seus quadros fossem formados por técnicos externos. Seguindo
o Artigo 14º do Decreto nº 2.070, de 13 de novembro de 1996, as funções da agência
passariam a ser:
I- coordenar, negociar, aprovar, acompanhar e avaliar, em âmbito nacional, a
cooperação para o desenvolvimento em todas as áreas de conhecimento, recebida de
outros países e organismos internacionais e aquela entre o Brasil e países em
desenvolvimento;
II- administrar recursos financeiros nacionais e internacionais alocados a projetos e
atividades de cooperação para o desenvolvimento por ela coordenados.
108

2.1.4 A tentativa de “itamaratização” da ABC e as questões legais da CTPD brasileira

Seguindo reformas realizadas dentro da estrutura do MRE, a localização institucional


da ABC sofreu três modificações na década de 2000. Em 2004, ela foi integrada à
Subsecretaria Geral de Cooperação e Comunidades Brasileiras no Exterior (Decreto nº 5.032,
de 5 de abril de 2004), suprimindo-se sua segunda competência; em 2006, à Subsecretaria-
Geral de Cooperação e Promoção Comercial (Decreto nº 5.979, de 6 de dezembro de 2006); e
finalmente, em 2010, à Subsecretaria-Geral de Cooperação, Cultura e Promoção Comercial
(Decreto nº 7.304, de 22 de setembro de 2010). 145
A absorção da ABC por órgãos também responsáveis pela promoção cultural e
comercial pode jogar luz sobre visões do MRE acerca dos propósitos da CTPD brasileira. A
própria criação da agência no âmbito do Itamaraty teria refletido, como foi visto, o ideal da
CTPD como instrumento de política externa (IGLESIAS PUENTE, 2010) ou a busca de
“finalidades não próprias”, voltadas para a criação e aprofundamento de laços econômicos,
tecnológicos e culturais com outros países em desenvolvimento (CERVO, 1994).146 Embora
as reformas na estrutura regimental do MRE possam ter refletido busca de maior alinhamento
entre a CTPD brasileira e políticas de promoção da presença do país no exterior, a
coordenação entre ações de CTPD e a política de promoção comercial seguiria limitada
(IGLESIAS PUENTE, 2010), conforme se verá com maior detalhes na Seção 2.4.
Os princípios da cooperação técnica brasileira haviam herdado um rationale segundo
o qual a incidência de interesses, principalmente econômicos, seria fator impeditivo da
efetividade das iniciativas do ponto de vista dos países recipiendários. A ABC se erigiu com
base nesse rationale em vista de ter sido criada com o apoio do PNUD, organização que havia
recebido, por meio do PABA, mandato para atuar como entidade coordenadora da CTPD.
Segundo o diplomata Iglesias Puente (2010), a intermediação operacional do PNUD –
ao qual foram atribuídas funções ligadas à contratação temporária de profissionais, sua
formação e capacitação, a metodologia e a implementação das ações brasileiras de CTPD (no

145
O Apêndice C sistematiza informações sobre os decretos que estabeleceram e modificaram a localização, a
competência e outras disposições relativas à ABC desde que foi criada.
146
A análise de Cervo (1994) sobre o rationale diplomático brasileiro das “finalidades não próprias” converge
com a análise geral de Domergue (1968) de que os interesses do país que doa não são da mesma natureza da
assistência. O último autor acrescenta que o recipiendário quase sempre está informado desses interesses e os
aceita, mas que tenta fazer o possível para não deixar que eles levem a intervenções “intoleráveis” em seus
assuntos domésticos.
109

último caso facilitada por sua estrutura mundial) 147 –, pensada a princípio como transitória,
acabou se firmando em vista da persistência de desafios financeiros e legais à prestação de
cooperação.
Tal intermediação, porém, não aconteceu sem conflitos. No início dos anos 2000,
decisões emitidas por órgãos judiciários e de controle no Brasil questionaram a não adesão da
ABC a leis nacionais trabalhistas e licitatórias. Embora tenham sido direcionadas à
cooperação multilateral recebida,148 tais decisões, que parecem ter convergido com a
insatisfação do MRE com o protagonismo do PNUD na operacionalização da CTPD
brasileira, inauguraram período de crise no sistema brasileiro de CTI como um todo.
Em resposta, o MRE buscou inserir a ABC na sua estrutura funcional e metodológica
(“itamaratização” ou “despenudização” da ABC) por meio da criação da Subsecretaria Geral
de Cooperação e da realização de concursos públicos para preencher os quadros da agência.
Contudo, seguindo as regras internas de progressão funcional os oficiais e assistentes de
chancelaria lotados na ABC em 2005 deixaram a agência dois anos depois. Assim, a partir de
2007, boa parte do quadro funcional da ABC voltou a ser preenchida por profissionais
contratados pelo PNUD, desta vez seguindo harmonização de suas normas com a legislação
brasileira e a normatização da cooperação recebida por meio de reforma e aprovação de
instrumentos contendo dispositivos sobre negociação e gestão de projetos e contratação de
consultores (IGLESIAS PUENTE, 2010).149
Para lidar com os desafios criados pela inexistência de estrutura internacionalizada da
ABC, a partir de 2004 teve início o estabelecimento, em algumas embaixadas brasileiras, dos

147
Diferentemente da ABC, que não possui estrutura internacionalizada e sofre limitações legais à realização de
gastos no exterior, o PNUD está presente em mais de 150 países, o que confere maior alcance e abrangência às
iniciativas de CTPD (BARBOSA, P., 2011).
148
Em vista da adesão do Brasil ao Consenso de Washington e de seus efeitos negativos sobre as contratações
públicas, a dimensão que assumiu maior importância dentro da ABC nos anos 90 foi a cooperação técnica
multilateral recebida, implementada com altas contrapartidas nacionais (em torno de 80% dos recursos) e voltada
para a contratação de serviços e bens seguindo regras simplificadas (IGLESIAS PUENTE, 2010).
149
O instrumento central que regulamentou o envolvimento brasileiro na CTI foi o Decreto nº 5.151, de 22 de
julho de 2004, que substituiu o Decreto nº 3.751, de 2001 (ver Anexo C). As disposições presentes nesses
decretos são relativas à gestão de projetos realizados no âmbito de acordos com organismos internacionais, e não
são feitas menções explícitas à CTPD. Tendo em vista que a CTPD brasileira é, em geral, operacionalizada por
meio de acordos com organismos internacionais, nota técnica preparada a partir de demanda da Consultoria de
Orçamento e Fiscalização Financeira do Núcleo de Integração Nacional e Meio Ambiente da Câmara dos
Deputados entendeu que tais disposições são válidas também para a CTPD (ver: RODRIGUES; MACEDO;
BATISTA JUNIOR, 2012).
.
110

chamados “Núcleos de Cooperação Técnica” (NCTs).150 Essa iniciativa, que também


respondeu a decisões judiciais e de órgãos de controle que consideraram irregular a
contratação de consultores do PNUD para suporte operacional temporário em campo, seguiu o
esquema dos Setores de Promoção Comercial (SECOMs), permitindo seleção pública de
assistentes técnicos locais (Ibid., 2010). Ainda assim, avalia-se que o desempenho satisfatório
das funções desempenhadas por esses quadros seja comprometido por contratos de curto
prazo (CABRAL; WEINSTOCK, 2010).
Anos antes do estabelecimento dos NCTs havia tido lugar outra inovação que costuma
passar despercebida pelos estudos sobre a CTPD brasileira: o envio de técnicos de agências
nacionais cooperantes para missões de longa duração. Iniciativas envolvendo o SENAI no
Timor Leste inauguraram a prática, depois seguida pela EMBRAPA e pela Fiocruz, que
passaram a disponibilizar quadros permanentes em campo para projetos prioritários.
As reformas na estrutura da CTPD brasileira aconteceram em contexto marcado pela
retomada, a partir de meados dos anos 90, da aproximação com América Latina e África Essa
retomada foi condicionada por: busca de construção de liderança junto aos países latino-
americanos, de apoio para o pleito brasileiro para ocupar vaga permanente no Conselho de
Segurança da ONU (VALLER FILHO, 2007)151 e da difusão da língua portuguesa, eixo
fortalecido pela criação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) em 1996; 152
pressões internacionais por maior engajamento dos países-pivô na prestação de CTI; avaliação
positiva dos países recipiendários em relação às experiências anteriores de cooperação com o
Brasil; difusão da CTPD brasileira pela ABC em fóruns regionais e internacionais
(IGLESIAS PUENTE, 2010); e compromissos internacionais assumidos pelo Brasil no que se
que se refere à promoção do desenvolvimento internacional, como aqueles resultantes do

150
Segundo Cabral e Weinstock (2010), foram estabelecidos NCTs em: Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau,
Mali, Moçambique, Quênia e São Tomé e Príncipe e Timor Leste. Iglesias Puente (2010) afirma que foram
estabelecidos NCTs nos PALOPs, no Haiti e no Timor Leste.
151
Segundo o diplomata Valler Filho (2007, p. 96), o aumento da CTPD brasileira teria acompanhado o maior
ativismo do Brasil em organismos internacionais, visível a partir do fim dos anos 80, quando o país retorna ao
Conselho de Segurança das Nações Unidas (jan./1988-dez./1989). Posteriormente o Brasil integraria o mesmo
em três períodos não consecutivos (jan./1993-dez./1994; jan./1998-dez./1999; jan./2004-dez./2005), retomando o
pleito de se tornar membro permanente do órgão. No caso da aproximação com a América Latina e Caribe,
destaca a CTPD seria um dos instrumentos para promover a liderança brasileira junto aos países da região.
152
De acordo com o diplomata Iglesias Puente (2010), a redemocratização também teria oferecido impulso
renovado à CTPD brasileira. O I Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República, em capítulo sobre
relações exteriores, teria trazido pontos específicos sobre a necessidade de se incentivar a cooperação técnica
como meio para abrir potencialidades em âmbitos geográficos com os quais o Brasil compartilha afinidades
geográficas, históricas e culturais (âmbitos regional e sub-regional, mas também com ênfase na África).
111

Objetivo do Milênio nº 8, os quais confeririam algum embasamento jurídico no engajamento


brasileiro na matéria (BARBOSA, P., 2011).153
Instituições governamentais e não governamentais também passariam a pressionar
pelo cumprimento de compromissos anteriores assumidos pelo Brasil, seja no âmbito
internacional, como a adesão à Carta das Nações Unidas, seja no âmbito doméstico,
baseando-se aqui no fato de a Constituição prever como princípio, no seu Artigo 4º, a
“cooperação entre os povos para o progresso da humanidade”.
Não obstante, a prestação de CTPD permaneceria baseada em normas genéricas,
incidindo sobre eles normas gerais da administração pública nacional, como as Leis de
Diretrizes Orçamentárias e a Lei das Licitações (IGLESIAS PUENTE, 2010). Portaria do
MRE publicada em 2008 (Portaria nº 555)154 proporcionou avanços na regulamentação da
CTPD, embora restritos aos procedimentos operacionais relativos a projetos implementados
pela ABC em parceria com o PNUD. Ao mesmo tempo em que esta organização não é a única
com a qual a ABC mantém parcerias para a implementação da CTPD brasileira,155 um número
crescente de atores oficiais brasileiros passaria a se envolver em iniciativas de CTPD de
forma autônoma.
Decretos que dispõem sobre a estrutura regimental do MRE afirmam, contudo, que a
ABC figura como entidade competente na coordenação e administração dos recursos
financeiros voltados para toda e qualquer iniciativa oficial de CTI, inclusive a prestada. Ao
mesmo tempo, o decreto que dispõe sobre afastamento do país de servidores civis da
Administração Pública Federal (Decreto nº 1.387, de 7 de fevereiro de 1995) afirma, em
Artigo 1º, que:
O afastamento do País de servidores civis de órgãos e entidades da Administração
Pública Federal, com ônus ou com ônus limitado, somente poderá ser autorizado nos
seguintes casos [...]:

153
Nas palavras do diplomata Pedro Henrique Barbosa (2011, p. 36): “A cooperação brasileira para o
desenvolvimento internacional não está desprovida de qualquer embasamento jurídico ou em desacordo com
normas mundiais. De fato, desde a Cúpula do Milênio de 2000, o compromisso global dos Estados de
cooperarem e se ajudarem mutuamente na promoção do desenvolvimento vem sendo reafirmado em diversas
conferências e documentos formais. Retoma-se, de certa forma, o pensamento em vigor na época da confecção
da Carta das Nações Unidas, que preceitua, em seus artigos 55 e 56, a cooperação em prol do desenvolvimento.”
154
Ver Anexo D.
155
Dados referentes aos anos de 2003 a 2010 mostram que em 2009 e em 2010 outras agências, além do PNUD,
passaram a manter parcerias com a ABC para a execução da CTPD brasileira. São elas: Organização das Nações
Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO); Programa Mundial de Alimentos (PMA), Instituto
Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA); Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime
(UNODC); Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA); e Organização Internacional do
Trabalho (OIT). Ver Anexo E.
112

I- negociação ou formalização de contratações internacionais que,


comprovadamente, não possam ser realizadas no Brasil ou por intermédio de
embaixadas, representações ou escritórios sediados no exterior;
II- missões militares;
III- prestação de serviços diplomáticos;
IV- serviço ou aperfeiçoamento relacionado com a atividade fim do órgão ou
entidade, de necessidade reconhecida pelo Ministro de Estado;
V- intercâmbio cultural, científico ou tecnológico, acordado com interveniência do
Ministério das Relações Exteriores ou de utilidade reconhecida pelo Ministro de
Estado;
VI- bolsas de estudo para curso de pós-graduação stricto sensu.

Nota-se que nenhum dos incisos acima dispõe explicitamente sobre a prestação de
cooperação técnica, que poderia, contudo, se enquadrar no terceiro item (“prestação de
serviços diplomáticos”). O inciso V, que costuma aparecer no Diário Oficial da União quando
a saída de funcionários da administração pública federal que tomam parte em missões de
CTPD é publicada, fala sobre “intercâmbio cultural, científico ou tecnológico”, não sobre
“transferência” de tecnologias ou conhecimentos.
Tampouco há clareza acerca das condições necessárias para que se dê consecução às
iniciativas de CTPD. Embora alguns diplomatas afirmem que a existência de Acordos Básicos
de Cooperação Técnica, sujeitos a aprovação do Congresso, é sine qua non (BARBOSA, P.,
2011; IGLESIAS PUENTE, 2010; VALLER FILHO, 2007), mesmo no caso de iniciativas
coordenadas pela ABC admite-se o início da prestação de cooperação sem a existência de tais
acordos – desde que o país recipiendário possua representação diplomática brasileira e esteja
negociando acordo básico de cooperação com o governo brasileiro (ABREU, 2012).
Estas situações, por envolverem algum tipo de mediação de organizações do Sistema
ONU, são justificadas juridicamente pela existência do Acordo Básico de Assistência Técnica
entre os Estados Unidos do Brasil e a Organização das Nações Unidas, suas Agências
Especializadas e a Agência Internacional de Energia Atômica, de 29 de dezembro de 1964. As
disposições desse acordo, contudo, centram-se na recepção de cooperação técnica da ONU
pelo Brasil.
Na interpretação de consultoria legislativa elaborada em 2012, as iniciativas de CTPD
devem estar calcadas não apenas em acordos básicos de cooperação, mas também em atos
complementares aprovados pela ABC e contendo detalhes sobre o projeto. O entendimento
que prevaleceu tradicionalmente é de que os atos complementares dispensariam aprovação do
Congresso por decorrerem de tratado previamente aprovado por ele, mas tratados e acordos
ratificados nos últimos anos estão incluindo cláusulas no sentido de que quaisquer ajustes que
113

acarretem encargos ao patrimônio nacional sejam submetidos ao Congresso (RODRIGUES;


MACEDO; BATISTA JUNIOR, 2012).

2.1.5 Outros avanços e desafios

O número de ações de CTPD sob a coordenação da ABC iniciadas anualmente cresceu


exponencialmente entre 2003 e 2010 (Gráfico 1), o que foi possível graças ao reforço
orçamentário da agência e à maior diversificação de suas fontes de financiamento iniciada nos
anos 90. A fonte mais tradicional era a captação de recursos financeiros junto a organismos
internacionais como o BID, o Banco Mundial, a Organização das Nações Unidas para
Agricultura e Alimentação (FAO), a Organização dos Estados Americanos (OEA), a
Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), o PNUD, a Organização das Nações Unidas
para o Desenvolvimento Industrial (ONUDI) e a União Europeia (IGLESIAS PUENTE,
2010).
Gráfico 1 – Número de ações de CTPD sob a coordenação da ABC
iniciadas por ano, 2003-2010
700
600 590
500
400 413

300
256
200 181
153
100
69
0 23 19
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Fonte: BARBOSA, P., 2011.

Em 1995 e 1996, com a extinção do FUNEC, a CTPD brasileira contou


temporariamente com o apoio de recursos da FUNAG, e novos mecanismos de financiamento
foram buscados. No biênio foram negociados, por exemplo, a criação do Fundo Brasileiro de
Cooperação (FBC) junto à OEA,156 o Acordo de Uso de Peritos da CTPD junto à FAO e o

156
O FBC foi criado em 1995 e teve suas atividades iniciadas em 1996, mediante a transferência da soma de
US$ 300 mil do governo brasileiro para o fundo. Como se tratam de recursos limitados, devido ao fato de o
114

programa conjunto de cooperação técnica Brasil-BID (PCCT), mas essas iniciativas


priorizaram a realização de atividades pontuais (IGLESIAS PUENTE, 2010).
Paralelamente, o MRE determinou que os recursos não utilizados nos projetos de
cooperação multilateral recebida fossem aplicados em um fundo (Fundo de rendimentos
PNUD) cujos rendimentos seriam alocados, a partir de 1998, para iniciativas de CTPD. Esse
mecanismo, que se tornou central no financiamento da CTPD brasileira, tem a vantagem de
permitir alocação de recursos de origem pública, mas não orçamentários, no âmbito de
iniciativas multianuais (em geral de 5 anos) conhecidas como “guarda-chuva” (instrumentos
firmados entre a ABC e o PNUD para implementar programas e projetos de CTPD do Brasil),
contornando assim as limitações impostas pela legislação nacional no que se refere à
execução anual de despesas. Sua desvantagem está relacionada ao fato de que impõe
monitoramento e avaliação das iniciativas seguindo parâmetros estabelecidos pelo PNUD, não
por critérios estabelecidos pelo governo brasileiro (IGLESIAS PUENTE, 2010).
As ações de CTPD com os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOPs)
também ganharam reforço orçamentário no biênio 1997-1998, com a aprovação de fundo
especial de US$ 3,1 milhões, que poderia ser aplicado por um prazo de quatro anos. Em 2000,
R$ 2,5 milhões seriam destinados, por meio de emenda parlamentar ao orçamento, a ações de
cooperação técnica com países da CPLP. Em ambos os casos, trataram-se de recursos que não
entraram no orçamento da ABC, mas que foram destinados pelo próprio MRE por meio de
projeto guarda-chuva específico criado junto ao PNUD (IGLESIAS PUENTE, 2010).
A partir de 2002, a CTPD coordenada pela ABC voltou a contar também com recursos
orçamentários ordinários, contrariando tendência anterior em que o orçamento da agência
custeava apenas gastos administrativos e contrapartidas da cooperação recebida bilateral. A
desvantagem dessa modalidade de financiamento, novamente, é que deve ser alocada com
base na legislação nacional da execução anual, com os recursos não utilizados tendo de ser
devolvidos aos cofres públicos ao fim de cada ano.157 A execução anual constitui-se como
desafio porque as iniciativas brasileiras de CTPD, segundo cálculos feitos pelo diplomata

governo brasileiro preferir atuar diretamente pela via bilateral, as ações de CTPD do FBC foram implementadas
por meio de atividades pontuais, com concentração nos países caribenhos e centro-americanos, mas também se
registrando ações na Bolívia e no Equador. A OEA se coloca como mediadora entre a demanda e a oferta de
CPTD entre os países latino-americanos, mas não contribui com recursos para a execução das ações, as quais são
algumas vezes financiadas pelo BID (IGLESIAS PUENTE, 2010).
157
O mesmo desafio incide sobre uma das alternativas de financiamento aventadas por Iglesias Puente (2010),
que seria a transferência de recursos para execução pelas embaixadas brasileiras. Estas são regidas por
mecanismo de realização de despesas correntes dos postos no exterior, mas ainda assim devem ser observados os
prazos anuais de execução financeira.
115

Iglesias Puente (2010) com base em análise de informações referentes ao período 1995-2005,
possuem prazo de execução longo, de dois anos em média, mas em muitos atingindo quatro
ou cinco anos.
A demorada execução da CTPD se deve a uma série de fatores, entre eles: desafios
variados nos países recipiendários (instabilidade institucional, recursos humanos insuficientes,
falta de coordenação interna, não cumprimento de contrapartidas); deficiências da própria
ABC em termos de recursos humanos, financeiros e metodológicos; e falta de disponibilidade
imediata de funcionários ligados às instituições executoras brasileiras (IGLESIAS PUENTE,
2010).
Esforços em frentes diversas vêm sendo envidados para contornar os obstáculos que
atingem a oferta da CTPD brasileira. Em primeiro lugar, há tendência a executar ações com o
suporte de consultores. Na verdade, como lembra Iglesias Puente (2010), desde 2005 a ABC
havia estabelecido banco de consultores voltado para agilizar a implementação da CTPD.
Incidia, contudo, o rationale segundo o qual a entrega da cooperação por funcionários
públicos seria mais efetiva na promoção do desenvolvimento de outros países dado o real
interesse dos funcionários públicos em apoiar o estabelecimento de capacidades
autossustentáveis.158 É claro, também, que a alocação de funcionários públicos brasileiros na
execução da CTPD envolve custos menores, já que as horas-técnicas são cedidas pela
instituição de origem desses funcionários. Não obstante, alguns estudos apontam que tal
alocação poderia comprometer a efetividade da CTPD brasileira, tendo em vista a
disponibilidade reduzida dos funcionários públicos em vista de se encontrarem absorvidos
com atividades domésticas.159 Como os estudos de caso desta tese apontarão (Capítulos 3 e 4),
também se constitui como elemento desafiador o fato de o envolvimento de funcionários e
técnicos brasileiros na CTPD não se basear necessariamente em alinhamento claro com as
missões e com as prioridades estratégicas de suas respectivas instituições de origem.
Além da utilização de consultores para a execução da CTPD brasileira, passou-se
também a se estimular maior envolvimento de organizações da sociedade civil, de
universidades e de Centros de Pesquisa na implementação e acompanhamento das ações. Isso
contribui não apenas para agilizá-las, mas também para ampliar a base de apoio doméstica a à

158
Segundo tal raciocínio, o envolvimento de consultores privados na implementação da CTPD favoreceria a
criação de uma “indústria da miséria”, à qual interessaria supostamente manter a dependência dos países
beneficiados em relação à cooperação recebida para continuar alimentando o fluxo de recursos para suas
atividades.
159
Ver: ANDRADE, M., 2008; LEITE; SUYAMA; POMEROY, 2013; SOUZA, 2007.
116

CTPD brasileira. No caso particular de organizações da sociedade civil, seu envolvimento


crescente pode também estar resultando do entendimento de que cooperar apenas com
governos nem sempre é garantia de que os benefícios da cooperação serão realmente
socializados.160
Buscou-se, ainda, avançar em atividades de capacitação de funcionários da ABC161 e
daqueles oriundos das agências implementadoras nacionais. A iniciativa mais relevante é o
Programa de Capacitação em Cooperação Técnica Internacional desenhado em parceria com a
Escola Nacional de Administração Pública (ENAP) e a Agência Alemã de Cooperação (GIZ).
Destinado prioritariamente a gestores da ABC, a assessores internacionais e a dirigentes e
técnicos envolvidos na CTI, o programa tem como objetivos familiarizar os participantes com
a teoria e a prática da CID, incluindo suas modalidades, atores, aspectos políticos e
normativos, processos e metodologias (como gestão por resultados e atuação em ambientes
interculturais).162
A ABC também avançou em termos de gestão e acesso à informação com a
sistematização e divulgação de dados sobre suas ações por setor e por destino,163 embora o
acesso público a documentos de projetos, desembolsos para iniciativas específicas e relatórios
de acompanhamento e avaliação continue restrito.164 Sob a gestão do Embaixador Fernando
Abreu, que tomou posse em outubro de 2012, a ABC também deu início à elaboração de um
manual interno de boas práticas.

160
O envolvimento de ONGs brasileiras na CTPD acontece, ainda, em contexto marcado pela restrição crescente
de seu acesso a recursos internacionais de CTI. Tal restrição se deve a uma série de fatores, entre eles a
tendência de doadores tradicionais de privilegiarem a alocação de seu orçamento por meio de organizações do
setor privado. Para mais informações os determinantes e impactos da reconfiguração recente da ajuda oferecida
por doadores tradicionais sobre o financiamento internacional a ONGs brasileiras, ver MASAGÃO, 2011.
161
Segundo Iglesias Puente (2010), a partir de meados de 1996 a ABC passou a oferecer treinamento interno em
elaboração de projetos e análise e enquadramento das demandas recebidas. O objetivo era aprimorar o
referencial dos quadros da agência na formulação das iniciativas de CTPD. Com esse mesmo objetivo chegou-se
a aventar a possibilidade de a ABC ser transformada em uma agência executiva, em vez de as ações serem
executadas por outras entidades nacionais.
162
A capacitação para atuação em ambientes interculturais é uma transformação relevante na CTPD brasileira,
na medida em que tendia a prevalecer a crença de que, por virem de um país multicultural e marcado pela
cordialidade, os técnicos brasileiros não precisariam de treinamento prévio para se comunicarem adequadamente
com técnicos de outros países.
163
Ver: ABC, 2013d.
164
Segundo Iglesias Puente (2010), a lacuna maior da ABC em termos de gestão da informação seria a questão
dos custos dos projetos, dificultada pela inexistência de cômputo dos gastos realizados por instituições nacionais
parceiras; pela não realização de muitas das ações seguindo planos originários de execução financeira; e pelo
processamento da execução financeira ao longo da duração dos projetos seguindo as regras do PNUD, não
havendo sistematização de gastos anuais.
117

Por fim, vale mencionar que a ABC liderou, junto ao Instituo de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA), à Casa Civil e à Secretaria de Assuntos Estratégicos, a primeira
sistematização dos dados referentes ao engajamento brasileiro na CSSD, incluindo ações
realizadas de forma autônoma por entidades da administração pública federal e outras
modalidades além da CTPD. Os resultados desse levantamento serão apresentados na próxima
seção e complementados com dados específicos sobre iniciativas coordenadas pela ABC.

2.2 O perfil da Cooperação Sul-Sul para o Desenvolvimento brasileira e o lugar da


CTPD

Em vista do interesse nacional e internacional crescente pela participação do Brasil na


Cooperação Sul-Sul para o Desenvolvimento (CSSD), a ABC e outras entidades do governo
federal realizaram esforços sem precedentes para coletar e sistematizar dados referentes aos
desembolsos oficiais realizados em diversas modalidades. Esse processo respondeu também à
expansão e à diversificação da cooperação prestada pelo Brasil, levando à necessidade de sua
quantificação como passo necessário tanto para a elaboração de uma política na matéria,
seguindo diretrizes da política externa brasileira, quanto para se buscarem meios para dotá-la
de maior eficácia (IPEA; ABC, 2010).
Diante desse cenário, o MRE propôs à Presidência da República a realização do
primeiro levantamento, referente aos desembolsos realizados entre os anos de 2005 e 2009.
Em janeiro de 2010 foi firmada parceria entre o MRE, por meio da ABC, e o IPEA, com o
apoio da Casa Civil, levando ao estabelecimento de pontos focais nas instituições que
demonstraram interesse em participar do levantamento e de reuniões destinadas a aprofundar
o entendimento coletivo sobre a Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (CID) e
consolidar a metodologia (Ibid.).
Embora tenha havido preocupação em levantar dados de forma que se permitisse
comparabilidade com quantificações referentes à cooperação prestada pelos doadores
tradicionais, questões políticas e técnicas impediram que a CSSD brasileira fosse
sistematizada seguindo parâmetros estabelecidos pelo Comitê de Assistência ao
Desenvolvimento (CAD/OCDE). Entre fatores políticos de cunho mais geral, destaca-se
cautela do próprio MRE em relação às relações do Brasil com a OCDE, de modo a não
comprometer a liderança exercida junto aos países em desenvolvimento, a não gerar um
118

aprofundamento da graduação e a não expor políticas setoriais nacionais, bem como os gastos
públicos referentes a elas.165
No caso específico do CAD, há resistência à incorporação de normas geradas sem a
participação e aprovação do governo brasileiro, além do que aderir a elas implicaria dar
transparência aos desembolsos totais relativos à prestação de cooperação, um tema sensível
diante do fato de o Brasil ainda ser um país em desenvolvimento. No caso da cooperação
financeira realizada na forma de créditos às exportações, tal sensibilidade é ainda maior pelo
fato de os desembolsos serem de maior vulto (Tabela 1), de seus detalhes não serem de acesso
público166 e de serem condicionados à compra de bens e serviços brasileiros – o que mostraria
que, na prática, a maior parte dos gastos brasileiros com a prestação de cooperação é
vinculada.167

Tabela 1 - Desembolsos da cooperação brasileira para o desenvolvimento internacional


por modalidade, 2005-2009

Modalidade Total de Desembolsos (US$ constantes)


COBRADI (cooperação técnica e educacional, 1.608.395.117
assistência humanitária e contribuições para
organismos internacionais)

Perdão de Dívidas 474.230.000

Assistência alimentar 349.256.000

Financiamento às exportações 1.742.830.918

Fonte: FARANI, 2011.

165
Para mais informações sobre as relações do Brasil com a OCDE, ver: COZENDEY, 2007; SANCHEZ, 2008.
166
Respondendo solicitação parlamentar, relatório de consultoria legislativa a respeito do financiamento às obras
de integração física na América do Sul afirmou que “não foi possível a obtenção de dados detalhados relativos
aos financiamentos concedidos pelo BNDES aos países sul-americanos ou às empresas brasileiras envolvidas em
projetos de exportação de bens e serviços de engenharia para esses países, devido à legislação sobre o sigilo
bancário” (BORGES, 2008, p. 4).
167
Conforme apontou representante do BNDES por ocasião do lançamento do relatório “Cooperação brasileira
para o desenvolvimento internacional: 2005-2009”, realizado em Brasília em dezembro de 2010, a entidade não
considera que suas atividades possam ser enquadradas como “cooperação financeira”. Isso porque o BNDES
aplica taxas de mercado em suas operações, além do que empréstimos concessionais para promoção de
exportações seriam proibidos pela OMC. Em relação ao primeiro ponto, sabe-se, porém, que o Comitê de
Financiamento e Garantia das Exportações (COFIG) devolve parte da taxa de juros às instituições que tomaram
empréstimos junto ao BNDES; dependendo da equalização aplicada e de outras condições, o empréstimo pode
ser enquadrado como concessional ou subsidiado. Em relação ao segundo ponto, subsídios às exportações
realizados por meio da ajuda bilateral vinculada são usados como instrumento de lobbies atuantes dentro dos
países doadores para terem acesso a recursos subsidiados para a promoção de suas exportações sem correrem o
risco de que tais práticas impliquem em consequências jurídicas no âmbito da OMC (FERREIRA, 2009). Para
uma breve apresentação da estrutura institucional brasileira relacionada à cooperação financeira, ver: CABRAL,
L., 2011.
119

Em termos técnicos, aderir às normas do CAD demandaria esforços burocráticos em


uma área que não é naturalmente tida como prioritária para o governo brasileiro. Aqui, os
desafios são semelhantes aos enfrentados pelos atores públicos brasileiros em outros comitês
da OCDE: capacidade limitada de mobilização e participação qualificada, inclusive em razão
de orçamento limitado para participar em reuniões internacionais, e deficiência do domínio do
inglês, entre outros.
O primeiro levantamento definiu a Cooperação Brasileira para o Desenvolvimento
Internacional como
[...] a totalidade de recursos investidos pelo governo federal brasileiro, totalmente a
fundo perdido, no governo de outros países, em nacionais de outros países em
território brasileiro, ou em organizações internacionais com o propósito de
contribuir para o desenvolvimento internacional, entendido como o fortalecimento
das capacidades de organizações internacionais e de grupos ou populações de outros
países para a melhoria de suas condições socioeconômicas (IPEA; ABC, 2010, p.
11)

Além da restrição a transferências realizadas a fundo perdido (que levou à exclusão de


créditos concessionais), três elementos podem ser destacados nessa definição e na forma
como foi operacionalizada. Em primeiro lugar, em relação à origem dos recursos, a definição
a restringiu aos recursos alocados apenas por entidades do governo federal brasileiro ou
ligadas a ele. Na prática 66 instituições, entre uma estimativa de mais de uma centena delas
envolvidas na prestação de CID, concordaram em participar do levantamento. Desembolsos
realizados por governos subnacionais, que também fazem parte da cooperação oficial para o
desenvolvimento internacional, não foram contabilizados, nem a assistência privada (realizada
de forma autônoma por empresas, ONGs, universidades etc.).
Em segundo lugar, em relação ao destino dos recursos, foram incluídas apenas
entidades oficiais (governos; organizações e bancos regionais e internacionais) e nacionais de
outros países em território brasileiro (estudantes e refugiados). Não foram contabilizadas,
portanto, contribuições oficiais realizadas a entidades não governamentais ou a empresas
baseadas nos países recipiendários. Vale mencionar, também, que, diferentemente do CAD,
que restringe o destino dos recursos aos países em desenvolvimento, o relatório “Cooperação
Brasileira para o Desenvolvimento Internacional” (COBRADI) também incluiu fluxos que
tiveram países de renda alta como destino.
Por fim, na parte da definição referente ao propósito, nota-se: a declaração do
objetivo de “contribuir para o desenvolvimento internacional”, embora ele possa vir atrelado a
outros propósitos (já que a definição não diz “apenas com o propósito de contribuir para o
120

desenvolvimento internacional”); a definição de desenvolvimento como “o fortalecimento das


capacidades de organizações internacionais e de grupos ou populações de outros países para a
melhoria de suas condições socioeconômicas”. De maneira mais ampla que a abordagem
defendida pelo MRE e pela ABC ao desenvolvimento internacional, que destaca o papel dos
governos centrais e do fortalecimento institucional, a definição do COBRADI reconhece o
papel desempenhado, também, pelas organizações internacionais e, de forma implícita, por
organizações da sociedade.
Com base nos critérios elencados, chegou-se a um volume total de
US$ 1.608.395.117,85 em valores constantes, referentes a recursos humanos, físicos e
financeiros alocados entre 2005 e 2009. Enquanto, em 2005, o valor investido foi de
US$ 242.943.425,95, em 2009 os desembolsos atingiram US$ 362.210.063,08.
Dados publicados nesse primeiro relatório permitem visualizar a evolução histórica e
algumas informações sobre o perfil dos gastos por modalidades, quais sejam: técnica;168
bolsas de estudos para estudantes oriundos de outros países em desenvolvimento (neste caso
foram excluídas as bolsas concedidas a estudantes oriundos de países desenvolvidos);
assistência humanitária; e contribuições para organizações internacionais e para bancos
regionais.
A participação da última modalidade no total dos desembolsos no período é dominante
(Gráfico 2) e, embora sua participação no total tenha diminuído (Gráfico 3), as contribuições
para organismos internacionais em valores absolutos aumentaram durante o período – o que
segundo o relatório reflete o papel crescente do Brasil junto às organizações internacionais e
aos bancos regionais.

168
Embora a expressão usada pelo relatório seja “cooperação técnica, científica e tecnológica”, contabilizaram-
se apenas iniciativas de cooperação técnica. A cooperação em ciência e tecnologia pressupõe que dois parceiros
se juntam para produzir inovações (não se trata, portanto, de adaptar tecnologias, mas de produzir novas
tecnologias). A OCDE também exclui a modalidade “cooperação científica e tecnológica” da contabilização da
AOD. Sendo assim, será adotado aqui apenas o termo “cooperação técnica” ou CTPD, e não “cooperação
técnica, científica e tecnológica”.
121

Gráfico 2 – Participação de cada modalidade da CSSD brasileira no total,


2005-2009

9,80% 5,36%
Bolsas de Estudos

8,72% Humanitária

Cooperação Técnica

76,13% Contribuições para


organismos internacionais

Fonte: IPEA; ABC, 2010.

Gráfico 3 – Evolução anual da participação de cada modalidade da CSSD


brasileira no total, 2005-2009
90,00%

80,00%

70,00%
Bolsas de Estudos
60,00%

50,00% Humanitária

40,00%
Cooperação Técnica
30,00%
Contribuições para
20,00% organismos internacionais
10,00%

0,00%
2005 2006 2007 2008 2009

Fonte: ABC; IPEA, 2010.

Teoricamente o nível de contribuição realizada por determinado doador por meio de


organizações internacionais seria inversamente proporcional à incidência de interesses – quer
dizer, quanto mais um país contribuir para o desenvolvimento internacional pela via
multilateral, menor seria seu interesse de usar a ajuda como instrumento para a consecução de
122

objetivos diplomáticos ou econômicos próprios (LANCASTER, 2007a).169 Na prática,


contudo, esse rationale é questionável pela existência das contribuições condicionadas
(earmarked contributions), por meio das quais o país doador vincula os aportes realizados a
organismos multilaterais a iniciativas por ele pré-determinadas. Embora o primeiro relatório
sobre a cooperação brasileira para o desenvolvimento internacional tenha levantado,
sistematizado e dado publicidade inédita a dados sobre a contribuição do Brasil para
organismos internacionais e bancos regionais,170 não trouxe dados consolidados sobre o tipo
de contribuição (earmarked ou unearmarked).
Conforme aponta o Gráfico 3, as vertentes que apresentaram maior crescimento
relativo no período foram cooperação técnica e assistência humanitária. O relatório considera
que o fato de os gastos com ambas as modalidades ter sextuplicado no período “constitui um
sinal inequívoco da crescente importância que o Brasil vem atribuindo à cooperação
internacional, em um marco global de desenvolvimento econômico e social” (IPEA; ABC,
2010, p. 19).
No caso da assistência humanitária, em 2005 57,98% dos gastos oficiais brasileiros na
matéria eram realizados pela via multilateral, ao passo que em 2009 97,23% foram feitos pela
via bilateral.171 O relatório mostra, ainda, que a assistência humanitária foi a modalidade que
mais cresceu no período analisado, com os desembolsos em valores constantes realizados em
2009 representando valor de mais de 58 vezes maior que os realizados em 2005, passando de
0,31% para 12,02% do total de desembolsos realizados (Ibid.).
Esse aumento, bem como os fluxos relacionados à assistência alimentar oferecida pelo
Brasil (Tabela 1), guardam relação com melhorias nas capacidades legais, institucionais e
operacionais brasileiras na matéria, quais sejam: a criação, em 2004, da Coordenação-Geral
de Ações de Combate à Fome (CGFOME), ligada ao Gabinete da Secretaria Geral de

169
Apesar de apontar que o grau de contribuição de um país por meio de vias multilaterais seria indicativo de
menor incidência de interesses na ajuda, Lancaster (2007a) considera que essa opção também se relaciona com
as capacidades do país doador para contribuir pela via bilateral, que é mais cara e demanda mais recursos
humanos. O que é interessante no caso de países com baixa capacidade de cooperar pela forma bilateral, como os
países nórdicos (os quais em termos relativos foram os únicos a superarem a marca de 0,7% de seu PIB para a
ajuda externa), é que essa capacidade limitada favoreceu tanto o engajamento em esquemas multilaterais ou
multistakeholder (por exemplo, Noruega, Suécia e Dinamarca financiaram conjuntamente a construção de um
hospital na Coreia do Sul durante a Guerra da Coreia) quanto o envolvimento de outros atores domésticos (setor
privado, ONGs) no financiamento e na execução de projetos coordenados por seus respectivos governos.
170
O Anexo F consolida os dados sobre a evolução das principais contribuições do Brasil a organismos
internacionais e a bancos regionais.
171
O relatório também fornece mais detalhes sobre o perfil da assistência humanitária por modalidade e por
destino (ver Anexo G).
123

Relações Exteriores do MRE; o estabelecimento do Grupo de Trabalho Interministerial em


Assistência Humanitária Internacional (GTI-AHI) em 2006;172 aprovação de legislação
específica na matéria;173 e a inauguração do Armazém Humanitário Internacional no
Aeroporto do Galeão em 2009.174
A CTPD também apresentou avanços quantitativos relevantes, tanto em termos
absolutos quanto em termos relativos. Segundo o levantamento, os gastos realizados com essa
modalidade praticamente triplicaram entre 2005 e 2009, passando de US$ 17,76 milhões para
US$ 48,88 milhões em valores constantes aproximados, representando aumento de 7,22%
para 13,49% dos desembolsos totais do período (IPEA; ABC, 2010).
O interesse internacional crescente pelos avanços no desenvolvimento brasileiro,
principalmente em áreas relacionadas aos ODMs, bem como a maior visibilidade das
experiências nacionais ocasionada pela diplomacia presidencial do Governo Lula e pela
participação crescente de atores setoriais diversos em fóruns internacionais, configuram como
determinantes para o aumento dos gastos. O diplomata Iglesias Puente (2010, p. 246),
contudo, constatou a inexistência de “esforço sistemático” na busca de adequação entre as
áreas temáticas da CTPD e os ODMs.
O relatório detalhou os dados referentes à CTPD por tipo de gastos (treinamentos e
capacitações, custos administrativos associados e equipamentos) e por meio de entrega
(bilateral e multilateral). No primeiro caso, predominaram os gastos com treinamentos e
capacitações (69%),175 enquanto no segundo caso foi dominante a entrega por meios bilaterais
(92%), que incluiu também as contrapartidas brasileiras realizadas em projetos triangulares.
Embora sem dados consolidados, outras modalidades também são apontadas no relatório:
iniciativas estruturantes ou pontuais; e ligadas a umas ou a outras, missões técnicas, estágios,
treinamentos, redes de informação, doações de materiais.

172
Ver Apêndice D.
173
Ver Apêndice E.
174
Em nota à imprensa referente ao lançamento do armazém, o MRE afirma que sua instalação, sugerida pelo
então chanceler Celso Amorim e chancelada pelo GTI-AHI, responde ao propósito de “dar maior celeridade à
assistência humanitária internacional prestada pelo Brasil, de forma a tornar disponível estoque permanente de
14 toneladas de alimentos para doação a populações eventualmente atingidas por calamidades e desastres
naturais” (MRE, 2009).
175
Custos Administrativos Associados respondem por 28% dos gastos com cooperação técnica; Equipamentos
de Naturezas Diversas, 3% (IPEA; ABC, 2010).
124

No que se refere ao destino das ações o relatório tampouco apresenta dados


consolidados por país, sublinhando, contudo, que alguns dos parceiros bilaterais mais
relevantes seriam Argentina (8%); Guiné-Bissau (6%); Angola, Cuba, Moçambique e Timor
Leste (4% cada). Na cooperação técnica realizada pela via multilateral, destaca os
desembolsos realizados junto à OPAS e à OMS (16%) e ao Programa Conjunto das Nações
Unidas sobre HIV/AIDS (11%).
No que se refere à CPLP (destino de mais de 20% dos desembolsos), o apoio bilateral
predomina, com os recursos destinados por meio do bloco constituindo apenas 2% do volume
total.176 O mesmo se verifica no caso do Mercosul (destino de 15% dos desembolsos).
Segundo o levantamento, “apesar de existirem diversos programas e projetos [...] realizados
por intermédio do Mercosul como bloco econômico, o que prevalece é o investimento do
Brasil em cada país-membro, individualmente (Argentina, Paraguai e Uruguai)” (IPEA; ABC,
2010, p. 36).177 Por outro lado, desde 2006 o Mercosul encabeça a lista dos desembolsos
realizados pelo Brasil na modalidade “contribuições para organismos internacionais” (ver
Anexo F), com predominância dos recursos alocados por meio do Fundo de Convergência
Estrutural do bloco (FOCEM), que lidera o volume de recursos nessa modalidade (R$ 430
milhões) no período analisado, ou 30% do total das contribuições.
Em termos regionais, o relatório mostra que a América e Latina e Caribe foi o destino
mais relevante da cooperação técnica no período, seguida da África Subsaariana (Tabela 2).
Em relação ao nível de renda dos países recipiendários, a maior parte tem como destino países

176
Segundo o diplomata Iglesias Puente (2010, p. 188), o Brasil resistiu inicialmente a contribuir para o Fundo
Especial da CPLP, mas a partir de 2000 passou a contribuir com US$ 200 mil por ano. Com a criação da
Reunião de Pontos Focais de Cooperação da CPLP, em agosto de 2002, viabilizou-se a execução de várias
iniciativas, mas a maior parte delas é implementada de forma “autônoma” (quer dizer, bilateralmente entre o
Brasil e cada Palop), embora com “ingredientes de caráter regional no âmbito da CPLP”.
177
O diplomata Iglesias Puente (2010, p. 189-190) recorda que foi criado, em 1993, o Comitê de Cooperação
Técnica (CCT), órgão de assessoramento do Grupo Mercado Comum e responsável pela análise de ofertas e
demandas de cooperação técnica que tenham o bloco como beneficiário. O objetivo seria promover a integração
entre os países do Mercosul em duas frentes: a coordenação do desenvolvimento científico e tecnológico e o
aumento e diversificação da oferta de bens e serviços, harmonizando padrões de qualidade seguindo normas
internacionais. As ações do CCT, as quais são implementadas com o apoio de uma série de organizações e
doadores internacionais (BID, União Europeia, Fundo Pérez Guerrero, OEA, FAO, UNIDO, Alemanha, Japão,
França, Coreia do Sul e Itália), contemplam áreas como cooperação aduaneira, medidas fitossanitárias, normas
técnicas, estatísticas, reuniões trabalhistas, administração pública (com foco no fortalecimento das instituições do
bloco), comércio eletrônico, defesa do consumidor, agropecuária, saúde, meio-ambiente e educação. Na análise
do diplomata, o papel indutor do Brasil junto ao CCT é reduzido, já que o país atuaria conjuntamente com os
outros membros na identificação de áreas, nas negociações e no acompanhamento, sendo co-recipiendário de
muitas das ações.
125

de renda média baixa (42%), seguidos dos países de renda média alta (34%) e dos países de
renda baixa (21%) (Gráfico 4).178

Tabela 2 - Distribuição dos recursos da cooperação técnica brasileira por região, 2005-
2009 (R$ valores correntes)
2005 2006 2007 2008 2009 Total
África 9.175.787,60 3.431.599,01 4.232.961,75 16.496.816,93 31.511.939,11 64.849.104,40

América 8.794.629,51 13.564.475,75 14.109.590,85 21.128.322,18 32.639.746,54 90.236.764,84


Latina e
Caribe

Oceania 283.052,03 2.089.396,84 143.756,38 3271.262,6 642.031,66 2.200.963,91

América do 463.512.90 680.400,34 143.756,38 271.262,63 642.031,66 2.200.963,91


Norte

Europa 343.911,99 541.726,74 407.445,88 558.225,84 1.048.016,79 2.899.327,24

Ásia 207.330,61 217.118,80 76.255,45 337.712,43 656.321,39 1.494.738,68

Norte da 41.766,56 373.589,30 256.051,50 313.362,57 519.750,28 1.505.520,21


África e
Oriente
Médio

Organizações 2.131.168,70 2.291.960,16 2.688.775,28 4.731.467,09 8.982.563,31 20.825.934,54


Internacionais

Outros/Não- 6.314.550,65 9.609.881,76 11.359.201,68 13.880.040,01 16.153.049,12 57.316.723,22


especificados

Total 27.755.710,55 32.801.148,70 35.599.271,59 58.738.112,72 97.744.759,99 252.639.001,55


Fonte: IPEA; ABC, 2010.

178
O CAD/OCDE costuma, em seus peer reviews, tecer críticas a países que destinam a maior parte de sua ajuda
a países de renda média, e não aos “mais necessitados” (países de renda baixa). O perfil da distribuição da ajuda
por nível de renda dos recipiendários é normalmente tratado como indicador de propósito – quanto mais um país
coopera com países de renda média, maior seria a incidência de interesses próprios. Pelo menos dois
questionamentos podem ser feitos a esse rationale. Em primeiro lugar, sabe-se que parlamentos de vários países
doadores questionam a alocação da ajuda oferecida por seus respectivos governos a países de renda média
(principalmente aos “emergentes”), considerados concorrentes. Em segundo lugar, determinações em prol do
foco em países de renda baixa basearam-se em dados que mostravam que a maior parte dos pobres estava nesses
países. Não obstante, conforme apontaram Kanbur e Sumner (2011), houve mudanças recentes na geografia da
pobreza, estimando-se que 72% dos pobres vivam nos países de renda média. Subsistem, contudo, empecilhos
diversos à alocação da ajuda para os países de renda média, inclusive o fato de os doadores terem menor controle
sobre ela (EYBEN; LISTER, 2004).
126

Gráfico 4 - Distribuição dos recursos da cooperação técnica brasileira por


nível de renda dos destinatários, 2005-2009 (%)
Renda alta
3%

Renda baixa
21%
Renda
média alta
34%

Renda média
baixa
42%

Fonte: IPEA; ABC, 2010

Em relação à cooperação triangular, o relatório não trouxe dados específicos; os


desembolsos brasileiros na matéria foram contabilizados na modalidade “cooperação
bilateral”, seguindo o próprio enquadramento jurídico das iniciativas triangulares.179 Os
seguintes pontos são apresentados no relatório a respeito do envolvimento brasileiro na
cooperação triangular:
a) um engajamento crescente na modalidade, baseado no rationale de que
“permite ampliar a escala o impacto da cooperação Sul-Sul”, na medida em
que “unem-se os esforços dos dois parceiros externos, favorecendo a
otimização do uso de recursos financeiros, humanos e de infraestrutura” e
permitindo a execução de “projetos de maior envergadura” (IPEA; ABC, 2010,
p. 33-34);
b) a demanda por parcerias com o Brasil por países desenvolvidos e OIs
como demonstração do “reconhecimento explícito da excelência e da

179
Segundo Iglesias Puente (2010, p. 193-194), a viabilidade jurídica das iniciativas de cooperação triangular, as
primeiras das quais envolveram o Brasil e Japão, foi questionada pelo fato de o acordo básico de cooperação
técnica entre os dois países não contemplar iniciativas em terceiros países. Se, a princípio, justificou-se a
triangulação com base em interpretações de que as ações seriam em sua grande maioria executada no Brasil, sem
compromissos financeiros e formais com terceiros, posteriormente notou-se que essa interpretação impediria o
avanço do programa de cooperação entre Brasil e Japão. A solução encontrada foi, então, calcar as iniciativas de
cooperação triangular nos instrumentos bilaterais existentes entre os países envolvidos, fórmula que acabou
sendo adotada em outras iniciativas de CTPD envolvendo o Brasil.
127

efetividade operacional da cooperação técnica internacional que vem sendo


engendrada pelo país” (Ibid., p. 34);
c) a diversidade setorial das iniciativas, que incluem: combate ao trabalho
infantil, aviação civil, educação e capacitação profissional, saúde (prevenção e
controle de malária), produção de biocombustíveis, modernização de processos
legislativos, administração pública, meio-ambiente (como preservação de
recursos hídricos), combate à fome e à pobreza, agricultura, regeneração de
áreas urbanas, biossegurança, governo eletrônico e sociedade da informação,
esportes, relações trabalhistas, reforço da infraestrutura (Ibid.);
d) A diversidade de parceiros envolvidos, sendo os principais deles
Alemanha, Argentina, Canadá, Espanha, Estados Unidos e França (Ibid.).180

O relatório tampouco trouxe dados sistematizados acerca da alocação setorial da


CTPD brasileira. O único dado apresentado refere-se ao setor “Saúde”, que representou 9%
dos gastos totais realizados no período 2005-2009 (R$ 24 milhões),181 tendo passado de
R$ 2,78 milhões em 2005 para R$ 13,8 milhões em 2009. A elevação dos gastos é atribuída
ao aumento da demanda de outros países “tendo em vista o desenvolvimento relativamente
recente de uma política de saúde pública gratuita e universal no Brasil e à visibilidade
alcançada pelo país nos fóruns internacionais sobre o tema” (IPEA; ABC, 2010, p. 38).
Com base em dados disponíveis em outras fontes e referentes apenas à alocação
orçamentária da ABC para a CTPD, é possível identificar a prevalência dos seguintes setores:
Agricultura, Saúde e Educação (inclusive Treinamento Profissional). O Quadro 3 agrega e
compara dados oficiais apresentados por diferentes fontes e referentes a períodos particulares.
Nota-se que outros setores que apresentam relevância, além dos mencionados, são Meio
Ambiente, Administração Pública, Segurança Pública e, com maior variação,
Desenvolvimento Social e Energia.

180
De acordo com Iglesias Puente (2010, p. 192), a crise haitiana (2004) configurou-se como catalizador central
da ampliação do envolvimento brasileiro na cooperação triangular.
181
Desse total, 49% do orçamento vieram do MRE; 25%, do Ministério da Saúde; e 20%, da Fiocruz. Ações
específicas incluem prevenção, diagnóstico e controle de doenças (HIV/AIDS, malária, febre amarela, Doença
de Chagas), saúde materna e infantil e gerenciamento de recursos humanos de hospitais e clínicas (IPEA; ABC,
2010).
128

Quadro 3 - Alocação setorial da CPTD brasileira coordenada pela ABC segundo fontes
diversas
Fonte Período de referência Ranking da alocação setorial
ABREU, 2012* 2003-ago/2012 Agricultura – 24%
Saúde – 18%
Educação – 11%
Meio Ambiente – 7%
Segurança Pública – 7%
Administração Pública – 5%
Energia – 5%
Desenvolvimento social – 3%
Ciência e Tecnologia – 2%
Cooperação técnica – 1%
Desenv. Urbano – 1%
Indústria – 1%
Planejamento – 1%
Comunicações – 1%
Cultura – 1%
Esporte – 1%
Trabalho – 1%
Transportes – 1%
Defesa Civil – 1%
Infraestrutura – 1%
Pecuária – 1%
Outros – 4%
BRASIL, 2011a* 2003-2010 Agricultura – 21,86%
Saúde – 16,28%
Educação – 12,12%
Meio Ambiente – 7,43%
Segurança Pública – 6,28%
Administração Pública – 5,4%
Desenv. Social – 5,31%
Energia – 3,36%
Desenv. Urbano – 2,39%
Trabalho – 2,3%
Indústria – 1,91%
Gerenciamento Coop – 1,95%
Cultura – 1,68%
Ciência e Tecnologia – 1,68%
Comunicações – 1,24%
Justiça – 1,24%
Planejamento – 1,15%
Outros – 5,93%
BARBOSA, P., 2011*** 2006-2010 Agropecuária – 18%
Saúde – 16%
Educação – 10%
Segurança pública – 9%
Administração pública – 8%
Multidisciplinar – 8%
Meio ambiente – 7%
Planejamento e Desenv. Social – 7%
Energia – 3%
Indústria – 2%
Trabalho – 2%
Cultura – 1%
Ciência e Tecnologia – 1%
Cooperação técnica – 1%
Comunicações – 1%
Outros – 6%
IGLESIAS PUENTE, 2010*** 1995-2005 Agropecuária – 20,74%
Saúde – 15,55%
Meio Ambiente – 8,52%
Desenv. Social – 7,59%
Adm. Pública – 7,22%
Educação – 6,67%
129

Formação Profissional – 6,11%


Multidisciplinar – 5,74%
Energia e Biocombustíveis – 4,44%
Indústria – 2,04%
Transportes – 3,33%
Mineração – 2,22%
Relações Trabalhistas – 1,3%
Tecnologia da Informação – 1,11%
Desenv. Empresarial – 0,74%
Desenv. Rural – 0,74%
Turismo – 0,55%
Outros – 5,37%
MRE, 2007** Não identificado Qualificação profissional – 22,4%
Saúde – 18,79%
Agricultura e Pecuária – 14.86%
Educação – 10,23%
Desenv. Social – 6,7%
Legislativo – 6,41%
Meio Ambiente – 4,29%
Energia – 3,72%
Esporte – 2,11%
Planejamento Urbano – 1,97%
Administração – 1,36%
Cultura – 0,97%
Defesa Civil – 0,91%
Outros – 5,25%
Notas: * Não esclarece se distribuição se refere a distribuição dos recursos da ABC ou ao número de iniciativas
**Distribuição setorial por gastos da ABC
***Distribuição setorial por número de iniciativas (ações isoladas e projetos somados)

Mais relevante do que identificar a prevalência de setores específicos seria entender a


evolução histórica da participação em cada um deles, pois assim poder-se-ia abrir caminho
para se compreender a evolução das prioridades e das instituições e grupos de interesses
incidindo sobre o destino dos recursos gerenciados pela ABC. Não obstante, embora todas as
fontes elencadas no quadro se baseiem em dados da ABC, em geral elas não incluem séries
históricas anuais nem esclarecem quais subsetores são contabilizadas dentro de cada setor.
O diplomata Iglesias Puente (2010) destaca a seguinte evolução durante o período em
que analisou a CTPD brasileira (1995-2005):
a) no período 1995-1996 o ranking de ações era encabeçado pela
Agropecuária, seguida de Administração Pública, Transportes, Energia e
Saúde;
b) no período 1997-2001 a Agropecuária continuou liderando, e a Saúde
assumiu o segundo lugar (com presença em todas as áreas geográficas),
identificando-se ainda crescimento de ações na área Ambiental (temática que
predomina na América do Sul, segundo o autor devido ao “contexto
amazônico”), na Educação e na Formação profissional (com concentração na
África e no Timor-Leste);
130

c) no período 2002-2005 a Agropecuária continuou liderando, seguida da


Saúde, que começa a ganhar maior relevo com o programa DST/AIDS
(estabelecido com países lusófonos e latino-americanos e, em 2003-04,
também com países africanos não lusófonos). Formação Profissional,
Administração Pública e Meio Ambiente continuam representativos,
observando-se aumento de ações em Desenvolvimento Social e início da
presença de ações em Tecnologia da Informação e Biocombustíveis.

Dando seguimento à análise de Iglesias Puente (2010), o diplomata Pedro Henrique


Barbosa (2011), ao reunir e sistematizar dados referentes ao período 2006-2010, constata
novas mudanças, com destaque para o maior número de ações em Segurança Pública. De fato,
enquanto nos dados apresentados pelo primeiro, referentes ao período 1995-2005, o setor não
aparece na contabilização, nos dados levantados junto à ABC por Barbosa (2011) ações em
Segurança Pública passam a ocupar o quarto lugar em termos de número de ações,
ultrapassando iniciativas realizadas nos setores de Meio Ambiente e de Administração
Pública, por exemplo.
Em termos da alocação dos recursos da ABC por região, a África lidera, seguida da
América Latina como um todo (Quadro 4).

Quadro 4 - Distribuição dos recursos da ABC por regiões segundo fontes diversas
Fonte Período de referência Ranking da alocação geográfica
BARBOSA, P., 2011 2006-2010 América Latina e Caribe – 38,66%
África – 53,58%
Ásia e Oriente Médio – 7,76%
IGLESIAS PUENTE, 2010 1995-2005 África – 52%
América do Sul – 15,2%
Ásia, Oriente Médio e Leste
Europeu – 23,2%
América Central e Caribe – 9,6%
MRE, 2007 Não identificado África – 52,01%
América do Sul – 18,36%
Caribe – 15,56%
Ásia e Oceania – 9,79%
América Central – 3,23%
CPLP – 0,67%
Oriente Médio – 0,01%
Países Árabes – 0,01%

É importante salientar que o número de ações não é necessariamente proporcional ao


volume de recursos financeiros distribuídos por região. Os custos operacionais da CTPD com
África e Ásia são mais elevados devido ao maior volume de despesas com deslocamento
humano, de materiais e de equipamentos. Em ambos os continentes predomina a entrega da
131

CTPD por meio de projetos (que demandam maiores investimentos), ao passo que na América
Latina e Caribe predominam iniciativas pontuais (IGLESIAS PUENTE, 2010). No período
analisado por Iglesias Puente (1995-2005), África e Timor-Leste concentraram a maior parte
dos recursos da ABC destinados à CTPD (70%), ao passo que a América Latina aparece com
maior concentração de ações (67%).
Considerando a evolução histórica da distribuição geográfica entre 1995 e 2005,
Iglesias Puente (2010) apresenta os seguintes dados:
a) em termos de número de iniciativas, a região da América Central e
Caribe apareceu à frente durante o período 1995-1996 (38%), seguida de
África (31%) e de América do Sul (25%);
b) no período 1997-2001, América Central e Caribe continuou
predominando (39%), a América do Sul assumiu o segundo lugar (35%),
seguida da África (22%). Este continente, porém, assumiu a dianteira no
volume de recursos empregados na CTPD nesse período (a partir de 2001
havendo impulso também à cooperação com países africanos não lusófonos),
destacando-se ainda volume crescente de recursos destinados ao Timor-Leste a
partir de 2000;182
c) por fim, a África seguiu predominando, no período 2002-2005, em
termos de recursos, seguida de Timor-Leste. Em termos de número de ações, a
África assume o destino principal da CTPD brasileira (35%), seguida de
América do Sul (34%) e América Central e Caribe (27%), no último caso
destacando-se, a partir de 2004, volume crescente de ações no Haiti, país que
ultrapassa Cuba como destino das mesmas a partir de 2005.

Além do Haiti, a partir de 2005 há aprofundamento da CTPD brasileira com países de


língua inglesa do Caribe Oriental. Segundo o diplomata Valler Filho (2007, p. 99-100), é
possível que as ações brasileiras desenvolvidas no Haiti tenham despertado a atenção
daqueles países pela CTPD brasileira. Ao mesmo tempo, o diplomata afirma que expediente
emitido após a primeira missão realizada pelo MRE àqueles países em julho de 2005
identificou seu desejo de diversificar seu relacionamento, muito pautado pelos vínculos

182
A primeira missão da ABC ao Timor Leste aconteceu em 1999, chefiada pela então Coordenadora Geral da
ABC, Alice Pessoa Abreu, após o plebiscito que decidiu pela independência do país. Na ocasião, foram definidas
áreas prioritárias em parceria com a Administração Transitória das Nações Unidas no país (VALLER FILHO,
2007, p. 108).
132

comerciais com os EUA, tornando-se o Brasil país atrativo, por exemplo, pelo respeito à
autodeterminação dos povos. A reação da ABC teria sido “imediata”183 e, três meses depois,
foi enviada missão multidisciplinar a oito países (Antígua e Barbuda, Bahamas, Barbados,
Dominica, São Cristóvão e Névis, São Vicente e Granadinas e Trinidad e Tobago), por meio
das quais se negociaram acordos básicos de cooperação, diagnosticaram-se demandas em
diferentes áreas e definiram-se prioridades: Defesa Civil (capacitação em gerenciamento de
desastres e treinamento de pessoal), Saúde (elaboração de programas nacionais de prevenção,
controle e tratamento de HIV/AIDS, treinamento de pessoal em vacinação e imunização,
criação de sistemas nacionais de informação que servissem de base para a elaboração de
políticas nacionais de Saúde) e Agricultura (capacitação em técnicas de irrigação e manejo de
recursos hídricos, aprimoramento das culturas de frutas tropicais e de mandioca).184
Cruzando-se dados setoriais e regionais mais atualizados, nota-se que as áreas
predominantes na CTPD brasileira por região são: com a África, Agricultura, Saúde e
Educação e Treinamento Vocacional; com as Américas, Saúde, Agricultura e Meio-
Ambiente; com o conjunto Ásia, Oceania, Europa e Oriente Médio, Treinamento Vocacional
e Educação, Agricultura e Justiça (Tabela 3).

Tabela 3 - Alocação setorial da CTPD brasileira por região, 2005-ago/2012


Setor Região
Américas do Sul, do África Ásia, Oceania,
Norte e Central e Europa e Oriente
Caribe Médio
Agricultura 19% 26% 18%

Saúde 20% 22% 5%

Meio-Ambiente 13% 5% 5%

Treinamento 11% 14% 29%


Vocacional e
Educação

Administração 9% 4% 5%
Pública

183
A resposta imediata da ABC a essas demandas pode denotar a incidência da chamada “estratégia
autonomista” sobre a alocação da CTPD brasileira. Segundo Lima (2005b, p. 18), essa estratégia tende a
privilegiar relações com países “que tenham interesses semelhantes e se disponham a resistir às imposições das
potências dominantes”.
184
Trataram-se dos três setores que tinham enviado representantes à primeira missão técnica, quais sejam:
Ministério da Saúde, Secretaria Nacional de Defesa Civil do Ministério da Integração Nacional e EMBRAPA
(VALLER FILHO, 2007).
133

Energia 6% 5% -

Desenv. Social 5% 2% 5%

Indústria 2% 1% N/S

Segurança Pública - - 5%

Trabalho 2% 2% 3%

Desenv. Urbano - 3% -

Justiça - - 11%

Cooperação Técnica - - 8%

Comunicações - 2% 3%

Legislativo - - 3%

Defesa Civil 2% - -

Planejamento - 2% -

Transportes 2% - -

Esportes - 2% -

Cultura - 2% -

Pecuária - 1% -

Outros 9% 7% -

Fonte: A autora, 2013, com base em ABREU, 2012.

Em termos de destino da CTPD brasileira sob a coordenação da ABC, dados


divulgados em 2012 (ABREU, 2012) apontam que os seguintes países apresentam número de
ações (projetos e iniciativas isoladas) superiores a 20: Peru (42); Haiti (36); El Salvador (34);
Cuba (32); Paraguai (29); Colômbia (28); Equador (26); Bolívia (25); República Dominicana
(23); Suriname (22); Moçambique (20); e Uruguai (20).185
Em termos de volume de recursos, como se pode visualizar na Tabela 4, os principais
destinatários da CTPD brasileira entre 2005 e julho de 2010 foram países de língua
portuguesa e/ou frágeis ou egressos de conflitos. Vale mencionar, ainda, que Moçambique,
Cabo Verde e Angola figuram entre os chamados “leopardos africanos”, o grupo de países
que vêm experimentando crescimento alto e acelerado de longo prazo no continente africano
(ARBACHE; PAGE, 2008). Paraguai e Uruguai, ambos do Mercosul, também aparecem na

185
O Anexo K traz a lista completa do número de ações isoladas e projetos por país.
134

lista dos principais recipiendários da cooperação brasileira por volume de recursos, embora
em colocações inferiores.

Tabela 4 - Ranking dos maiores recipiendários dos recursos da ABC, 2005-jul/2010


País Gastos realizados pela ABC (em US$)
Moçambique 4.007.276,80
Timor-Leste 3.849.373,05
Guiné-Bissau 3.663.076,03
Haiti 3.328.468,68
Cabo Verde 2.485.591,09
Paraguai 1.891.868,68
Guatemala 1.617.114,72
São Tomé e Príncipe 1.773.788,96
Angola 1.208.871,91
Uruguai 828.201,41
Cuba 735.181,58
Fonte: BRASIL, 2011a.

Dados apresentados pelo diplomata Pedro Henrique Barbosa (2011), referentes à


distribuição de recursos da ABC para o período 2005-2010, confirmam o ranking acima:
Moçambique aparece em primeiro lugar (16%), seguido de Timor Leste (15%), Guiné Bissau
(14%), Haiti (13%), Cabo Verde (10%), Paraguai (8%), Guatemala (6%), São Tomé e
Príncipe (7%), Angola (5%) e Cuba (3%).
Esta seção buscou levantar os principais dados disponíveis sobre a CSSD brasileira,
focando o perfil da CTPD por setor e países e regiões de destino. Em vista da não
disponibilidade de dados públicos detalhados sobre o perfil da cooperação técnica oferecida
pelas entidades que participaram do levantamento Cooperação Brasileira para o
Desenvolvimento Internacional, agregaram-se informações sobre a alocação setorial e
geográfica dos recursos e iniciativas sob a coordenação da ABC. Resta saber se, e em que
medida, o perfil da CTPD brasileira coaduna com o discurso e com as prioridades
estabelecidas pelo governo. Este é o tema da próxima seção.

2.3 O discurso oficial: princípios, propósitos, prioridades e abordagens

Analisando-se os propósitos do engajamento brasileiro na CSSD, em geral, e na


CTPD, em particular, nota-se que o discurso do relatório Cooperação Brasileira para o
Desenvolvimento Internacional (COBRADI), focado inicialmente nesta seção por se tratar da
135

fonte que mais se aproxima de um documento de política (white paper), apresenta mistura de
propósitos morais com propósitos diplomáticos ligados à elevação do Brasil como país-chave
na provisão de bens públicos globais. Não obstante, disputas em relação a quais modelos e
políticas de desenvolvimento seriam mais adequados para o Brasil e para outros países
também estão implícitas no discurso do COBRADI, apesar da tônica geral de conciliação
entre democracia, crescimento econômico, inclusão social e sustentabilidade ambiental.
O Prefácio do relatório, assinado pelo então presidente Lula, tem início com a
constatação do reconhecimento internacional “às grandes transformações promovidas no
âmbito social e econômico, que permitiram que milhões de brasileiros rompessem os grilhões
da pobreza e da exclusão”. Tais transformações, relacionadas à “consolidação do regime
democrático” e à “estratégia de crescimento econômico inclusivo”, teriam sido comprovadas
pelo fato de o Brasil ter “atingido” e “superado”, “muito antes do prazo estabelecido”, “várias
das metas relacionadas à redução da pobreza” estabelecidas no âmbito dos ODMs (ABC;
IPEA, 2010, p. 9).186
Em seguida, o nota-se a necessidade de se levarem os progressos nacionais a “países
com dificuldades semelhantes” com base no seguinte argumento:
[...] em um mundo cada vez mais interdependente, a paz, a prosperidade e a
dignidade humana não dependem apenas de ações em âmbito nacional e a
cooperação para o desenvolvimento internacional é peça-chave para o
estabelecimento de uma ordem internacional mais justa e pacífica (Ibid., p. 7).

O Prefácio também apresenta os princípios que pautam a cooperação brasileira, bem


como suas características: a “não indiferença”; “o respeito à soberania e a defesa da
autodeterminação”; a não imposição de condicionalidades; a não incidência de “objetivos
políticos imediatistas”; a especialização, por contar com o “engajamento de órgãos e
entidades públicos, universidades e organizações da sociedade civil”; seu caráter
participativo, na medida em que “inclui os países parceiros desde a fase de negociação, que
adaptam e contextualizam as ações para a realidade local”; e a “troca entre semelhantes, com
mútuos benefícios e responsabilidades”, em detrimento da relação tradicional entre
“doadores” e “recebedores” (Ibid., p. 7).
Reconhece-se , porém, que o “modelo” brasileiro ainda está “em construção” e que
ainda precisa ser debatido de forma mais ampla, embora presuma-se que a “política de

186
Embora ateste que a meta, espontaneamente estipulada pelo governo brasileiro, de reduzir até 2015 a pobreza
a um quarto do nível identificado em 1990 tenha sido atingida em 2007 e superada em 2008, o último relatório
de acompanhamento dos ODMs no Brasil publicado antes da publicação do COBRADI não incluiu dados sobre
a população rural dos estados de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. Ver: IPEA, 2010.
136

cooperação internacional para o desenvolvimento” seja necessariamente “integrada aos


objetivos da política externa brasileira.” Esta não deve estar “sujeita às prioridades de cada
governo”, mas deve “contar com uma ampla base de apoio no Estado e na sociedade civil”
(Ibid., p. 7).
O Prefácio do COBRADI conclui afirmando que o objetivo da CID brasileira é
“contribuir com o movimento de renovação da agenda do desenvolvimento no século XXI”,
entendendo-se que os modelos mais adequados nessa empreitada são aqueles que conjuguem
“crescimento econômico com inclusão social e prosperidade nacional com sustentabilidade e
estabilidade global” (Ibid., p. 7).
A Apresentação do relatório, assinada pelos então presidente do IPEA e diretor da
ABC - respectivamente, Marcio Pochmann e Marco Farani -, segue a mesma lógica. Inicia
reiterando os “progressos” nacionais (“crescimento econômico com inclusão social
crescente”; reforço mútuo entre a “redução progressiva das desigualdades e o compromisso
comum com a plena vigência da democracia”; “fortalecimento do mercado interno” e
“execução e políticas públicas firmes e transparentes”, tidos como determinantes do
“enfrentamento das desigualdades de renda e de promoção de oportunidades, cujo resultado
mais eloquente é a migração de milhões de brasileiros do nível de pobreza extrema para a
classe média”) e enunciando a previsão de que o país alcançará todos os ODMs em 2015.
Embora se reconheça a persistência de desafios ao desenvolvimento nacional, considera-se
que há vontade política e condições tanto para superá-las quanto para “contribuir para o
progresso social e econômico de outros povos” (Ibid., p. 9).
A Apresentação do COBRADI adiciona, aos propósitos, princípios e metodologias
elencados no Prefácio, que a cooperação brasileira: é guiada por um “espírito de
solidariedade” e pelo senso de “responsabilidade coletiva”, de acordo com o qual “a
incapacidade de qualquer país em alcançar os ODM configura um fracasso de toda a
comunidade internacional”; dá-se “a partir do compartilhamento de conhecimentos,
experiências bem-sucedidas e oferta de insumos de diversas naturezas”; baseia-se no “saber
acumulado”, em “experiências disponíveis em inúmeras instituições nacionais” e na
“capacidade brasileira de replicar boas práticas”; é horizontal187 e “tem demonstrado
resultados positivos no apoio à correção de assimetrias sociais e econômicas presentes em
outras nações”; atende às “reais necessidades” dos países parceiros, “sem condicionalidades”;

187
Para uma breve discussão acerca da horizontalidade na CSS e, em particular, na CTPD brasileira, ver
Apêndice F.
137

funda-se em diretrizes estabelecidas por uma “diplomacia independente, sem subserviência e


respeitosa de seus parceiros” e, evocando discurso do então chanceler Celso Amorim,
coerente com “valores fundamentais da nação brasileira – a paz, o pluralismo, a tolerância e a
solidariedade”. (IPEA; ABC, 2010, p. 9).
A solidariedade e a não condicionalidade são apresentados como: alternativa aos
paradigmas tradicionais da CID, tidos como ineficazes na “superação das causas estruturais da
pobreza e da fome no mundo”; paradigmas que devem guiar os países em desenvolvimento ao
assumirem “a responsabilidade de propor novos caminhos”. Identifica-se janela de
oportunidade para que os países em desenvolvimento liderem a revisão de “velhos conceitos e
estratégias”, tendo em vista: seu “amadurecimento político e econômico”, que “lhes assegura
autonomia para conceber estratégias de desenvolvimento[...] de longo prazo [...] a partir das
necessidades específicas de suas respectivas sociedades”; e sua “atuação cada vez mais
assertiva no âmbito das diferentes vertentes de cooperação internacional” (Ibid., p. 9).
O envolvimento brasileiro em ampla gama de países, áreas, modalidades setoriais
(científico-tecnológica, técnica, educacional, econômica, assistência humanitária) e
geométricas (bilaterais, regionais e multilaterais) é atribuído: à “dimensão global da política
externa brasileira”; ao “compromisso de contribuir para a promoção do desenvolvimento
global, com ênfase na América Latina, África e Ásia”; à incorporação da atuação no exterior à
rotina de “um número cada vez maior de instituições nacionais do setor público ou da
sociedade civil organizada”; e à apreensão da “promoção do desenvolvimento de forma
holística, sem priorizar nichos específicos decorrentes de interesses unilaterais” (IPEA; ABC,
2010, p. 10).
Por fim, a Apresentação conclui asseverando que o “objetivo último” da cooperação
brasileira é “promover mudanças estruturais sustentadas nos processos de desenvolvimento
social e econômico das nações parceiras do Brasil”. Citando novamente discurso do então
chanceler sobre a necessidade de os avanços tecnológicos e a acumulação de riquezas serem
acompanhados pelo fim da fome, da pobreza, das epidemias, da discriminação, da injustiça,
do autoritarismo e do desarmamento nuclear, promovendo-se o desenvolvimento sustentável e
o comércio justo e livre, a apresentação encerra afirmando que o “Brasil luta para fazer desses
ideias uma realidade” (Ibid., p. 10).
O Sumário Executivo do relatório confirma que a “presença do país em debates acerca
das mais variadas questões e no compartilhamento de boas práticas” responde ao “caráter
universalista da inserção internacional do Brasil” e à “percepção da necessidade de promover
138

o tema do desenvolvimento na agenda internacional.” Não obstante, diverge da Apresentação


do relatório ao falar sobre o impacto “potencial”, não comprovado, da cooperação brasileira
sobre o desenvolvimento de outros países, dada a semelhança entre seus desafios econômicos
e sociais. Devido a esse “potencial impacto”, o Sumário Executivo afirma que a cooperação
“passou a ser reconhecida como instrumento de política externa” (Ibid., p. 11).
A segunda seção do relatório (“Evolução da cooperação brasileira para o
desenvolvimento internacional”) afirma, mais uma vez, que a cooperação brasileira “tem sido
movida por princípios alinhados às visões de relações equânimes e de justiça social,
constituindo-se em um importante instrumento de política externa”. Embora reconheça
pontualmente o papel da estabilidade econômica e financeira na “crescente consistência e
visibilidade à cooperação brasileira”, há destaque maior a outros fatores, quais sejam: “O
fortalecimento dos movimentos sociais, a consolidação da democracia, a reforma
constitucional, a reformulação e a consolidação de políticas sociais” (Ibid., p. 16). O sucesso
das últimas seria atestado pelo crescente reconhecimento internacional, conforme se nota no
seguinte trecho:
De fato, o Brasil acumulou significativos resultados na implementação de suas
políticas sociais. À medida que estas se ampliavam e se consolidavam internamente,
o governo recebia crescentes pedidos para compartilhar suas experiências e boas
práticas com países parceiros. A repercussão positiva dessas políticas, por sua vez,
garantiu ao Brasil crescente reconhecimento internacional, consolidado, sobretudo,
ao longo da primeira década do século XXI” (Ibid., p. 16)

A Subseção 3.3, que versa especificamente sobre a cooperação técnica, científica e


tecnológica com outros países em desenvolvimento, joga mais luz sobre os propósitos
brasileiros ao afirmar que “a atuação do governo brasileiro é balizada fundamentalmente pela
missão de contribuir para o adensamento de suas relações com os países em
desenvolvimento” (IPEA; ABC, 2010, p. 32).
O ideal da “diplomacia solidária”, bem a sua definição, são explicitados: o Brasil
“coloca à disposição de outros países em desenvolvimento as experiências e conhecimentos
de instituições especializadas nacionais, com o objetivo de colaborar na promoção do
progresso econômico e social de outros povos” (Ibid., p. 32).
A subseção reitera princípios da diplomacia brasileira (respeito à soberania e não
intervenção)188 e da cooperação técnica (sem fins lucrativos, desvinculada de interesses

188
Note-se que em momento algum o COBRADI faz referência a um dos princípios centrais da diplomacia
brasileira: o pragmatismo. O diplomata Iglesias Puente (2010) afirma que o pragmatismo se concretiza, na CTPD
brasileira, na ausência de condicionalidades políticas. Ainda assim, nota-se que o discurso oficial sobre a CTPD
não soluciona, de maneira clara e inequívoca, a contradição entre o pragmatismo, voltado para a consecução de
139

comerciais, horizontal, sem imposições ou condicionalidades políticas), sendo a última


voltada para “compartilhar nossos êxitos e melhores práticas nas áreas demandadas pelos
países parceiros” (Ibid., p. 32).
Mais adiante, substitui-se o termo “compartilhamento” pelo termo “trocas de
experiências e de conhecimentos”, que resulta do “sentimento de solidariedade recíproca entre
os povos” e traz benefícios mútuos na medida em que
[...] beneficia não somente os países parceiros das instituições cooperantes
brasileiras, mas também as últimas, já que nesse processo ninguém sabe tanto que
não tenha algo a aprender, nem tão pouco que não tenha algo a ensinar (Ibid., p. 33).

O objetivo último da CTPD brasileira é mais uma vez enunciado, desta vez
destacando-se o aspecto do crescimento econômico: promover o “desenvolvimento integral
dos parceiros, que impulsione mudanças estruturais em suas economias, levando a um
crescimento sustentável que garanta, igualmente, inclusão social e respeito ao meio ambiente”
(Ibid., p. 33).
Os mecanismos e a abordagem da CTPD brasileira ganham conteúdo detalhado,
desenhando-se mais claramente as percepções acerca das condições que garantiriam a eficácia
das iniciativas “mesmo em contextos desafiadores em termos políticos, econômicos ou
sociais”: “é possível realizar atividades de elevado conteúdo socioeconômico [...] desde que
haja disposição e vontade política”189 e “compromisso em conceber, de forma conjunta com o
país parceiro, iniciativas ancoradas no desenvolvimento efetivo das capacidades locais”, que
“fortalece o exercício da apropriação e potencializa a autoestima dos beneficiários diretos dos
programas e projetos” (IPEA; ABC, 2010, p. 33).
Mais adiante, mencionam-se dois fatores adicionais que contribuiriam para a eficácia
da cooperação brasileira: o fato de ela fazer “uso das boas práticas de desenvolvimento
econômico e social – testadas e bem-sucedidas em âmbito nacional”; e sua adaptação a países

objetivos relacionados ao desenvolvimento brasileiro, e o que é enunciado como objetivo último da CTPD
brasileira: promover o desenvolvimento de outros países.
189
A questão que se coloca aqui é: quais são os critérios utilizados para definir se determinado país tem ou não
vontade política para se desenvolver? O critério utilizado tradicionalmente pelo CAD é a existência de planos
nacionais e setoriais de desenvolvimento. Escrevendo em 1968, contudo, Domergue (1968) já constatava a
fragilidade desse critério. Partindo do pressuposto de que a ajuda surte efeito apenas se suplementar esforços
locais (do contrário, gera novas formas de colonialismo), o autor considera que pode haver esforços locais sem
um plano formal, da mesma forma que pode haver plano formal, muitas vezes estabelecido em contextos onde
inexistem bases estatísticas confiáveis (fazendo com que o plano se assente em objetivos irrealistas), sem que
exista uma máquina para implementá-lo. Além disso, muitos países elaborariam planos apenas como para
obterem assistência. Diante desses fatores, Domergue conclui que planos formais podem ser relevantes para
guiar a mobilização das pessoas, mas é esta mobilização que faria a diferença, não os planos em si.
140

com “realidades semelhantes, e com os quais o Brasil compartilha de aspectos históricos e


culturais”.190 Por esta razão, os países prioritários são os sul-americanos e os de língua
portuguesa (Ibid., p. 35).
A Subseção 3.3 também define a “abordagem estrutural” – “ações que possam
desenvolver capacidades individuais e institucionais com resultados sustentáveis nos países
beneficiados, em contraposição a projetos pontuais, cujos impactos são mais limitados” – e a
valoriza por: aumentar “o impacto social e econômico sobre o público-alvo da cooperação”;
assegurar “maior sustentabilidade dos resultados”; facilitar “a mobilização de instituições
brasileiras para a implementação de diferentes componentes dos programas/projetos”, criar
“espaço para a mobilização de parcerias triangulares com outros atores internacionais” (Ibid.,
p. 33).
Por fim, a subseção versa sobre o papel histórico desempenhado pelo Brasil, três
décadas antes, ao somar-se a outras regiões em desenvolvimento no “reconhecimento da
cooperação técnica horizontal”. No caso brasileiro, tal papel teria sido desempenhado por
meio da busca de “mecanismos que permitissem otimizar a mobilização de recursos humanos
e materiais do país para o exterior”, seguindo “um caminho diferente dos países doadores
tradicionais”. Reconhece-se, contudo, que tal opção não foi motivada apenas por uma base
principista, mas também por questões de cunho prático, tendo em vista o contexto de
“limitação de recursos orçamentários”, que “impunha restrições em termos das modalidades
operacionais que poderiam ser adotadas” (IPEA; ABC, 2010, p. 33).191
A Figura 1 busca sistematizar os principais elementos identificados no discurso do
COBRADI. Tendo em vista os objetivos estabelecidos, esperar-se-ia que o governo brasileiro
desenhasse um amplo programa de cooperação, priorizando demandas que levassem

190
O diplomata Iglesias Puente (2010, p. 57) esclarece que a incidência de motivações históricas e culturais na
CTPD brasileira relaciona-se não apenas ao passado colonial comum, mas também, em parte, às relações de
vizinhança, as quais requerem políticas voltadas para a resolução de problemas comuns. Neste último caso fica
um pouco mais clara a elaboração sobre como a CTPD brasileira pode contribuir para o enfrentamento de
desafios ao desenvolvimento dos parceiros envolvidos, inclusive o Brasil.
191
As limitações orçamentárias também explicariam por que o Brasil não é doador líquido de recursos, o que por
sua vez se configura como elemento explicativo adicional da recusa da expressão “doador” pelo governo
brasileiro. O diplomata Iglesias Puente (2010, p. 33) converge com o COBRADI ao afirmar que as limitações
orçamentárias fizeram com que a CTPD brasileira se concentrasse no compartilhamento de técnicas e de
conhecimentos. Em vista de seus baixos impactos no orçamento público em um quadro marcado por carências
dentro do Brasil, a CTPD seria “instrumento bastante assimilável pela sociedade”. O diplomata Pedro Henrique
Barbosa (2011, p. 35-36) segue esse mesmo raciocínio ao afirmar que a CTPD brasileira não desvia recursos que
poderiam ser utilizados para a resolução de problemas internos na medida em que é pouco onerosa (por não
incluir alocação ostensiva de recursos financeiros e doações de equipamentos).
141

comprovadamente à consecução de tais objetivos – para o que seria necessário transformar


cada uma das ideias contidas no relatório em critérios, metas e indicadores.
Sabe-se, contudo, que a CTPD brasileira não acontece com base em planejamento
estratégico que contemple visão geral, objetivos específicos por país (incluindo programação
setorial) e indicadores de acompanhamento. A fragmentação das iniciativas em dezenas de
países, setores e entidades implementadoras configura-se como elemento desafiador, mas
mesmo no caso de iniciativas conduzidas sob a coordenação da ABC tal desafio também se
faz presente.
142

Figura 1 - Mapa estratégico tentativo da CSSD brasileira elaborado a partir de


análise de discurso do COBRADI

Fonte: A autora, 2013, com base em análise discursiva de IPEA; ABC, 2010.
143

Informações disponíveis na página da ABC convergem, em grande medida, com o


discurso do COBRADI. A CTPD brasileira é percebida: como “instrumento capaz de produzir
impactos positivos sobre populações, alterar e elevar níveis de vida, modificar realidades,
promover o crescimento sustentável e contribuir para o desenvolvimento social”; e como
instrumento de política externa por “assegurar presença positiva e crescente em países e
regiões de interesse primordial”. Reitera-se, contudo, que o fim último da CTPD brasileira é
“lograr o desenvolvimento sustentável, a elevação do nível e da qualidade de vida das
populações com mais justiça social” (ABC, 2013b).
Notam-se, no entanto, algumas diferenças no discurso da ABC em relação ao discurso
do COBRADI. Em primeiro lugar, a ABC reconhece o papel da CTI, em geral – quer dizer,
sem diferenciar a vertente tradicional da vertente Sul-Sul -, na catalisação de mudanças
estruturais nos sistemas produtivos, na superação de restrições ao crescimento e na promoção
da autonomia dos países que a recebem. Em segundo lugar, o elemento da troca de
conhecimentos não é explicitado; fala-se sobre “transferência de conhecimentos”,
confirmando, porém, suas bases não comerciais sem fins lucrativos. Em terceiro lugar, o
fortalecimento institucional dos parceiros, identificado com modelo não assistencialista, tem
centralidade no discurso da ABC – “condição fundamental para que a transferência e a
absorção de conhecimentos sejam efetivas” –, fazendo-se presente na própria missão da
Coordenação Geral de Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento (CGPD/ABC):
[...] contribuir para o adensamento das relações do Brasil com os países em
desenvolvimento, para a ampliação dos seus intercâmbios, geração, disseminação e
utilização de conhecimentos técnicos, capacitação de seus recursos humanos e para
o fortalecimento de suas instituições (Ibid.).

O COBRADI, cujo discurso é mais amplo (englobando outras modalidades para além
da CTPD), centra-se menos na dimensão do fortalecimento institucional dos países parceiros
– que não deixa, contudo, de ser mencionada – e mais nos impactos da cooperação sobre os
beneficiários finais (as populações). Reconhece-se que esses impactos também podem ser
atingidos por meio do fortalecimento das capacidades de organizações internacionais e de
outros grupos, conforme se pode presumir a partir da própria definição de desenvolvimento
adotada pelo COBRADI (ver Seção 2.2).
As informações acerca das diretrizes e das prioridades da CGPD/ABC também são
mais precisas (o que não significa que sejam mais coerentes que aquelas mencionadas, de
forma mais difusa, no COBRADI). São elas:
Diretrizes
A partir de 2004, a CGPD brasileira tem-se pautado pelas seguintes diretrizes:
144

• priorizar programas de cooperação técnica que favoreçam a intensificação


das relações do Brasil com seus parceiros em desenvolvimento, principalmente com
os países de interesse prioritário para a política exterior brasileira;
• apoiar projetos vinculados, sobretudo a programas e prioridades nacionais de
desenvolvimento dos países recipiendários;
• canalizar os esforços de CGPD para projetos de maior repercussão e âmbito
de influência, com efeito multiplicador mais intenso;
• privilegiar projetos com maior alcance de resultados;
• apoiar, sempre que possível, projetos com contrapartida nacional e/ou com
participação efetiva de instituições parceiras;
• estabelecer parcerias preferencialmente com instituições genuinamente
nacionais.

Prioridades
À luz das atuais orientações governamentais, a CGPD concentrou suas ações com
base nas seguintes prioridades:
• compromissos assumidos em viagens do Presidente da República e do
Chanceler;
• países da América do Sul;
• Haiti;
• países da África, em especial os Palops, e Timor-Leste;
• demais países da América Latina e Caribe;
• apoio à CPLP; e
• incremento das iniciativas de cooperação triangular com países
desenvolvidos (através de suas respectivas agências) e organismos internacionais
(ABC, 2013b).

O diplomata Iglesias Puente (2010) reconhece que a preferência da ABC por projetos
e programas com maior alcance de resultados, em detrimento de ações pontuais e isoladas,
nem sempre é realizada na prática. Para ele, a falta de planejamento – dificultada, inclusive,
pela prioridade conferida a compromissos assumidos pelo presidente e pelo chanceler, que
será discutida mais adiante – e a carência de recursos humanos e financeiros na ABC
acabariam favorecendo a pulverização das iniciativas e a limitação de seus impactos sobre os
países receptores.192
Em relação às prioridades geográficas apresentadas na página da ABC, nota-se que
não se apresenta lista específica de países. Para tentar verificar quais países são prioritários na
prática das iniciativas da CTPD coordenadas pela ABC, e em que medida o número de
projetos com os quais são contemplados converge com o lugar ocupado por eles ou por suas
respectivas regiões nas prioridades da ABC, cruzou-se o ranking dessas prioridades com
dados mais recentes sobre o número de projetos realizados com cada país (presumindo-se que
os países de interesse prioritário para a política externa brasileira sejam aqueles que abriguem

192
Para Iglesias Puente (2010, p. 242), a CTPD brasileira deveria “privilegiar programas com enfoques setoriais
mais amplos, o que demandaria um planejamento estratégico multidisciplinar cuidadoso junto ao país
recipiendário, inclusive para privilegiar ações com maiores efeitos multiplicadores. Isso raras vezes se verifica.
As ações de cooperação brasileira com Angola, Timor-Leste e Haiti constituem, ainda que de forma não
absoluta, exceções nesse sentido.”
145

o maior número de projetos, e não de iniciativas isoladas). Para viabilizar o exercício,


excluíram-se as prioridades elencadas na página da ABC para as quais não havia dados
consolidados disponíveis (compromissos assumidos pelo presidente ou pelo chanceler; apoio
à CPLP; cooperação triangular).
Os seguintes critérios foram estabelecidos para analisar o cruzamento das
informações: pela ordem de prioridade, os países da América do Sul ocupariam o topo (entre
31 e 40 projetos); em seguida viria o Haiti (entre 21 e 30 projetos); em seguida os PALOPs
(entre 11 e 20 projetos); e, por fim inseriram-se os demais países africanos junto aos demais
países da América Central e Caribe (1-10 projetos).
Estabeleceram-se, então, três categorias de resultados:
a) verde para países que recebem número de projetos coerentes com o
lugar ocupado por eles ou por suas respectivas regiões nas prioridades da ABC;
b) amarelo para países que fazem parte da lista de prioridades geográficas
da ABC, recebem algum projeto, mas sem haver coerência entre o número de
projetos recebidos e o lugar ocupado por eles ou por suas respectivas regiões
no ranking das prioridades;
c) vermelho para países que não estão na lista das prioridades geográficas
da ABC, mas que ainda assim são contemplados com um ou mais projetos; e
para países fazem parte de regiões apresentadas como prioritárias, mas que
ainda assim não são contemplados com projeto algum.

Os resultados podem ser visualizados no Quadro 5. Países que não se enquadraram


em nenhuma dessas categorias foram excluídos, quais sejam, os que não estão na lista de
prioridades geográficas da ABC e que não são contemplados com projeto algum. Estes
apareceriam em verde na tabela, mas foram excluídos para facilitar sua visualização.

Quadro 5 – Grau de correspondência entre a alocação dos projetos coordenados pela ABC
por país e o ranking das prioridades geográficas da agência
País Número de Projetos
Peru 38
El Salvador 33
Cuba 32
México 32
Colômbia 26
Haiti 26
Equador 21
Bolívia 20
Paraguai 20
República Dominicana 20
146

Uruguai 19
Moçambique 18
São Tomé e Príncipe 16
Suriname 16
Venezuela 16
Argentina 15
Panamá 14
Costa Rica 13
Guatemala 12
Honduras 12
Cabo Verde 11
Nicarágua 11
Timor Leste 9
Belize 8
Guiana 8
Guiné Bissau 8
Angola 7
Argélia 7
Jamaica 6
Benin 5
Congo 5
República Democrática do Congo 5
Senegal 5
Chile 4
Gana 4
Tanzânia 4
Barbados 3
Quênia 3
Afeganistão 2
Camarões 2
Namíbia 2
Nigéria 2
Zâmbia 2
Botsuana 1
Burkina Faso 1
Líbano 1
Libéria 1
Togo 1
Zimbábue 1
África do Sul 0
Antígua e Barbuda 0
Bahamas 0
Burundi 0
Chade 0
Comores 0
Costa do Marfim 0
Djibuti 0
Dominica 0
Egito 0
Eritreia 0
Etiópia 0
Gabão 0
Gâmbia 0
Granada 0
Guiné Conacri 0
Guiné Equatorial 0
Lesoto 0
Líbia 0
Madagascar 0
Malaui 0
Mali 0
Marrocos 0
Maurícia 0
147

Mauritânia 0
Níger 0
República Centro-Africana 0
Ruanda 0
Santa Lúcia 0
São Cristóvão Névis 0
São Vicente e Granadinas 0
Serra Leoa 0
Seychelles 0
Somália 0
Suazilândia 0
Sudão 0
Sudão do Sul 0
Trinidad e Tobago 0
Tunísia 0
Uganda 0
Legenda: Verde: correspondência alta; amarelo: correspondência média; vermelho: nenhuma correspondência.
Fonte: A autora, 2013, com base em dados disponíveis em ABREU, 2012.

Nota-se, portanto, que não há coerência completa entre o ranking das prioridades
geográficas estabelecidas na página da ABC e a efetivação dos projetos sob sua coordenação.
A correspondência limitada entre o discurso e a prática da CTPD brasileira no que se refere à
sua distribuição geográfica pode denotar falta de planejamento e/ou maior incidência de
outros critérios sobre as decisões acerca de quais países serão contemplados pela CTPD
brasileira.
Segundo o diplomata Iglesias Puente (2010), apenas 20% das demandas que chegaram
à ABC no período por ele analisado (1995-2005) foi efetivada. No processo de triagem, que
seguiria o padrão desenhado no Diagrama 3, a maior parte das demandas não chegaria à etapa
de negociação devido a uma série de fatores, entre eles: a insuficiência de recursos humanos
dentro da ABC para processar todos os pedidos; a impossibilidade de identificar ou mobilizar
entidades brasileiras que possam atender a solicitações específicas;193 e a inexistência de
recursos, no país demandante, que possam ser oferecidos como contrapartida.
A baixa disponibilidade de recursos brasileiros para ações bilaterais de CTPD acaba se
configurando, portanto, como condicionante do foco em iniciativas com parceiros que tenham
condição de assumir parte dos custos de implementação das iniciativas em termos financeiros,
humanos e de infraestrutura – condição esta que ao mesmo tempo se configuraria, na lógica
da ABC, como indicativo de comprometimento real e de apropriação da cooperação recebida.

193
Sobre esse ponto, o diplomata também chama a atenção, mais adiante, para o fato de que há também recusa
das instituições em atender demandas cuja eficácia requerem planejamento e análise cuidadosos (Puente, 2010:
241).
148

Diagrama 3 - O processo político da CTPD brasileira: da diplomacia ao desenho


operacional

Nota: O processo-padrão contemplaria as seguintes etapas: as oportunidades de cooperação são


identificadas por meio de uma série de canais – visitas presidenciais, representações
diplomáticas ou reuniões das Comissões Mistas (Comistas), por exemplo; em seguida as
demandas são encaminhadas para a ABC, que identifica e entra em contato com as
instituições brasileiras que possuem competência no tema da demanda; os funcionários da
ABC e representantes dessas instituições e do país beneficiário discutem a viabilidade da
iniciativa em reuniões técnicas; caso se conclua que a iniciativa é viável, é produzido e
assinado Ajuste Complementar ao Acordo de Cooperação já existente entre o país e o Brasil;
desenho e assinatura do Documento de Projeto, que estabelece atividades, cronogramas e
responsabilidades de cada parceiro.
Fonte: CABRAL; WEINSTOCK, 2010.

A carência de diálogo e coordenação entre a ABC e as unidades geográficas e


temáticas do MRE também é apontada como impedindo a incidência de critérios políticos
claros na alocação das ações. A exceção seria o caso dos PALOPs, que contariam com maior
planejamento e coordenação interna no MRE devido à sua interface com a CPLP (IGLESIAS
PUENTE, 2010).
A chamada “lógica da demanda” é apresentada por diplomatas, ainda, como um dos
fatores que explica por que a CTPD brasileira, apesar de apresentada como “instrumento de
política externa”, não acompanha necessariamente as prioridades geográficas estabelecidas
pelo MRE. Nas palavras de Pedro Henrique Barbosa (2011, p. 118-119):
149

Curiosamente, no período em que a prioridade à América do Sul foi claramente


estabelecida como diretriz - desde 2004 -, a participação da região na CTPD
brasileira em termos de recursos empregados ainda é menor do que a africana. Esse
dado reflete a força, mesmo que inercial, da lógica da demanda na CTPD brasileira,
que tem tido papel fundamental na cooperação técnica brasileira e na sua
retroalimentação em decorrência do êxito inicial alcançado. A força dessa lógica
diminui o papel do Itamaraty na definição das prioridades temáticas e geográficas.

Essa reflexão coaduna com aquela realizada por Iglesias Puente (2010, p. 243-244) ao
afirmar que
poderia parecer difícil explicar alguns critérios de alocação da CTPD em termos
políticos-geográficos. A título de exemplo, um país como El Salvador foi
contemplado, no período analisado (1995-2005), com nada menos do que 26 ações
de cooperação técnica brasileira, enquanto o Paraguai, vizinho e sócio no
MERCOSUL, recebeu apenas 16 (e assim mesmo com quase metade das ações nos
últimos 3 anos do intervalo). Outros países centro-americanos, como Honduras e
Panamá, tiveram, no mesmo período, participação quase inexpressiva. Não consta
que as relações políticas do Brasil com El Salvador, certamente importantes e
positivas, se situem em patamares especialmente superiores aos dos outros países
citados.

A principal resposta está na lógica da demanda, que tem tido papel fundamental na
cooperação técnica brasileira e na sua retroalimentação em decorrência do êxito
inicial alcançado. El Salvador soube fazer muito bom uso das iniciativas de
cooperação técnica brasileiras, inclusive por sua capacidade de absorção da
cooperação, além de seu nível de desenvolvimento relativo, superior ao de outros
países da área. Com isso, demandou novas ações que tiveram boa receptividade
entre as instituições cooperantes brasileiras, em vista do progresso obtido.

Nas páginas anteriores Iglesias Puente (Ibid., p. 2014) lembra também que, apesar de
em 1995 terem sido elaborados planos e programas baseados para América do Sul, América
Central e Caribe, África, Ásia, Oriente Médio e Leste Europeu, eles foram feitos em bases
anuais (e não plurianuais), não contemplaram planejamento com base em critérios setoriais e
responderam mais a demandas recebidas do que a “determinações e considerações prévias de
políticas prioritárias para áreas ou países”.
A definição das prioridades geográficas seguiria, assim, “padrões genéricos”, posto
que a América Latina e Caribe inclui mais de 30 países e a África, mais de 50. Nesse sentido,
Iglesias Puente (Ibid., p. 243) se pergunta se a ótica da demanda garantiria, por si só, “a
consecução de programas coerentes e efetivos”. E, uma vez que os programas não sejam
efetivos, questiona em que medida eles contribuiriam para atender, de fato, aos interesses da
política externa brasileira.
No que se refere às prioridades temáticas, a participação do MRE “não é muito
determinante” (Ibid., p. 246). Aponta-se, aqui, o papel das “injunções da oferta”, com a
concentração em setores específicos respondendo a “campos em que o Brasil acumulou
150

experiência suficiente e ostenta domínio completo e até mesmo níveis de excelência”


(BARBOSA, P., 2011, p. 118-119).
Com efeito, há tendência generalizada de se encarar o foco da CTPD brasileira em
determinados setores como resultante do avanço realizado por instituições nacionais
específicas, elas próprias contempladas com a CTI. A definição da alocação setorial da CTPD
brasileira é vista como “natural”, fruto de um processo técnico, a-político e/ou de retribuição,
conforme fica claro no próprio discurso da ABC (2013c):
O estágio de desenvolvimento alcançado pelo Brasil, entre diversos países que
vinham se beneficiando intensamente da cooperação internacional nas últimas
décadas, fez com que algumas instituições brasileiras fossem demandadas com
crescente intensidade tanto por países interessados na sua experiência quanto por
organismos internacionais. Neste particular, o Governo brasileiro, reconhecendo a
importância que a CTI havia representado para o desenvolvimento nacional,
considerou que o Brasil deveria dar um retorno compatível com os benefícios dela
obtidos e colocou sua experiência à disposição dos países interessados.

Nota-se, de fato, que há coincidência entre os setores que mais recebem e os setores
que mais prestam cooperação. Dados apresentados pelo diplomata Valler Filho (2007),
referentes aos anos de 2005, mostram o seguinte ranking: Formação Profissional e Educação
(33%); Agricultura (16%); Social/Educação (16%); Administração Pública, Transporte e
Energia (13%); Indústria (7%).
Uma das razões para tal coincidência é que organismos internacionais, que se colocam
como mediadores entre a demanda e oferta de CTPD, replicam projetos que realizam em
determinado país em desenvolvimento em terceiros. O mesmo acontece no caso dos doadores
bilaterais tradicionais, conforme será discutido com mais detalhes nos casos da EMBRAPA e
do SENAI (capítulos 3 e 4).
O que importa sublinhar, por ora, é que, como foi dito na Seção 2.1, o PNUD assumiu
mandato central na mediação entre a demanda e a oferta da CTPD e no próprio sistema
brasileiro de CTI. Segundo o diplomata Iglesias Puente (2010, p. 148), a organização possui
“prioridades e visões próprias” sobre a CTPD, as quais se refletem nos critérios utilizados
pela organização para auditoria e monitoramento dos projetos guarda-chuva. Isso não
significa que haja “ingerência na negociação, eleição de parceiros e prioridades, condução e
implementação da cooperação brasileira”, mas o diplomata defende que, tendo em vista que
se alocam recursos públicos brasileiros para tais iniciativas, as avaliações deveriam ser
comandadas por critérios de interesse público e da política externa brasileira, com parâmetros
definidos pelas autoridades competentes.
151

O PNUD, assim como outras organizações, é percebido como indutor de iniciativas da


CTPD brasileira por embaixadores que dirigiram a ABC. O Embaixador Elim Saturnino
Ferreira Dutra, diretor da ABC entre março de 1995 e fevereiro de 2001, critica a reprodução
de projetos de cooperação recebida pelo Brasil em outros países. Em entrevista concedida a
Iglesias Puente (2010, p. 329-330), afirma que:
Na verdade, eu acho que o que o Brasil tem de melhor a oferecer como cooperação
não é a que ele recebeu, mas a que desenvolveu por seus próprios meios, para
resolver seus problemas específicos, a partir ou não da cooperação recebida dos
países desenvolvidos. São exatamente os conhecimentos desenvolvidos para
solucionar os nossos problemas, as soluções criativas, que melhor se prestam para
ser transferidos para países em estágio de desenvolvimento semelhante ou de menor
nível de desenvolvimento, que enfrentam problemas que já enfrentamos e
solucionamos. Acho que essa é a essência da cooperação dita sul-sul, pela qual
travamos “sangrentas” batalhas no PNUD, em NY, numa época em que falar neste
tipo de cooperação era considerado uma blasfêmia pelo próprio PNUD e pelos
doadores. A primeira pessoa que entendeu a importância da cooperação sul-sul, ou
seja, entre países em desenvolvimento, foi Maloch Brown, quando assumiu o PNUD
[1999], e depois de muita discussão em plenário.

Argumento semelhante foi feito pelo Embaixador Marco Cesar Naslausky, diretor da
ABC entre abril de 2001 e novembro de 2003, ao defender, também em entrevista realizada
por Iglesias Puente (Ibid., p. 332), o “[c]ompartilhamento das experiências e práticas
brasileiras, mais ligadas à nossa capacidade de gerar soluções próprias, do que propriamente a
práticas adquiridas de países mais desenvolvidos que o nosso”.
Não obstante, conforme será visto na próxima seção, as razões elencadas acima para a
dissociação entre a prática e o discurso sobre as prioridades e as diretrizes da CTPD brasileira,
ainda que relevantes, não são suficientes para explicar todo o processo decisório relacionado à
alocação orçamentária e das ações da ABC; é necessário se levar em conta, também,
condicionantes políticos domésticos relacionados à mobilização de instituições e de grupos de
interesses em torno da CTPD brasileira. Isso significa que, mesmo a ABC estando dentro da
estrutura do MRE, a definição de países e setores prioritários não é processo autônomo e
insulado. O diplomata Iglesias Puente (2010, p. 34) reconhece a questão en passant ao
mencionar “tendência de que [as demandas pela CTPD brasileira] sejam induzidas pelas
entidades nacionais cooperantes” e, mais adiante, ao apontar atuação “relevante” das
instituições cooperantes brasileiras sobre as “injunções da oferta” (Ibid., p.246).
152

2.4 Os condicionantes domésticos do processo decisório da CTPD brasileira:


instituições, grupos de interesses e estratégias

O lugar ocupado pelas agências de cooperação no aparato estatal constitui-se como um


dos indicadores utilizados para a análise sobre quais propósitos incidem sobre a CID oferecida
por determinado país. Instâncias localizadas no âmbito de ministérios de Relações Exteriores
apontariam a relevância de propósitos diplomáticos; no âmbito de pastas relacionadas a áreas
econômicas, de propósitos econômicos; autônomas, de propósitos relacionados ao
desenvolvimento internacional. Na prática, porém, sabe-se que tais propósitos se misturam em
vista da operação de outros condicionantes institucionais e políticos domésticos nos países
doadores (LANCASTER, 2007a).
Abordagens que foram elaboradas a partir de evidências empíricas sobre os doadores
tradicionais, contudo, não podem ser transplantadas, sem prévia reflexão, à análise dos
doadores emergentes. Por terem eles próprios dado origem e/ou se engajado no tema da
prestação da CID há décadas, os doadores tradicionais contam com política mais clara na
matéria, com aparatos burocráticos (que recebem e triam informações) consolidados e
profissionalizados e com bases sociais e grupos de interesses organizados em torno do tema.
Isso não significa, contudo, que as decisões tomadas pelos doadores tradicionais sejam
sempre mais racionais ou mesmo que a cooperação oferecida por eles seja mais efetiva, mas o
tema da CID, apesar de sofrer ajustes, tem certa continuidade nas suas respectivas agendas
externas – uma das condições necessárias, embora não suficiente, para a efetividade das
ações.
No caso brasileiro, esperar-se-ia que, por estar submetida ao MRE, a ABC
incorporasse propósitos diplomáticos nas decisões sobre a alocação da CTPD. Com efeito,
como foi discutido nas seções anteriores deste capítulo, a CTPD brasileira é oficialmente
percebida como instrumento de política externa, prevalecendo ainda a ideia de que o MRE é
“o órgão centralizador na formulação e execução dessa política” (VALLER FILHO, 2007, p.
108).
É necessário, porém, qualificar tal afirmação. Conforme também foi apontado, o
MRE, além de ter perdido espaço para o Ministério do Planejamento na agenda da CTI entre
1969 e 1987, foi historicamente reativo à agenda da CTPD. Essa agenda, que emergiu com
maior força no cenário global com o avanço dos anos 70, ocupava lugar de maior ou menor
relevo na agenda da política externa brasileira dependendo das diretrizes de cada governo – as
153

quais, por sua vez, eram condicionadas pelas percepções sobre o cenário externo e sobre a
possibilidade de o Brasil se inserir nele de forma mais ou menos proativa. Em períodos
marcados pela percepção de diminuição das margens manobra internacional do Brasil,
contudo, a CTPD brasileira não se desmobilizou, o que mostra a força dos condicionantes
externos e mesmo “paradiplomáticos” na agenda, embora os últimos não pareçam ter
historicamente operado de forma espontânea e em bases estratégicas claras. Em suma, a
agenda da CTPD no Brasil, apesar de envolver instituições nacionais há décadas, sofreu
flutuações na agenda do MRE e teve sua continuidade influenciada historicamente, em grande
medida, por condicionantes externos.
A despeito de tais flutuações, o diplomata Valler Filho (2007) afirma que o MRE
acumulou arcabouçou teórico e conceitual sobre a CTI desde os anos 30, embora a exposição
de visão “própria” sobre a CTPD ter acontecido apenas em 2002, em discurso realizado pelo
então Diretor-Geral da ABC, Embaixador Marco César Meira Naslausky, durante a XV
Reunião de Diretores de Cooperação Internacional da América Latina e Caribe.
A concepção de cooperação apresentada na ocasião – baseada em “relação entre
iguais”, parceria, objetivos comuns, “princípios e valores universais”, “disposição de tomada
de decisão conjunta”, “transparência de ações e mútua subordinação para o alcance dos
resultados pretendidos” – passaria a moldar e a inspirar as participações subsequentes de
representantes oficiais brasileiros em reuniões internacionais (VALLER FILHO, 2007, p. 49).
Nota-se, nesse discurso, a presença de uma mistura de elementos identificados tanto
com a CSS quanto com a agenda da efetividade da ajuda do CAD. Não se deve, contudo,
negligenciar o peso do arcabouço ideacional sustentado tradicionalmente pelo MRE na forma
como percebe e eventualmente tria demandas pela CTPD brasileira. Além da prevalência de
percepção, convergente com a própria identidade Sul-Sul, de que a autonomia brasileira e de
outros países em desenvolvimento estaria relacionada ao crescimento econômico e ao avanço
científico e tecnológico, tal arcabouço contempla, ao mesmo tempo, a visão do soft power
como mecanismo de projeção e de busca pelo reconhecimento internacional pelas
experiências nacionais de desenvolvimento.
Devido ao fato de o Brasil não acumular capacidades tradicionais que o classifiquem
como grande potência, o país seguiria atributos típicos de uma potência média, buscando
irradiar e influenciar “outros países, particularmente em dimensões culturais, políticas
públicas voltadas para o desenvolvimento e padrões de organização social que possam servir
154

como modelos a serem imitados e copiados pelos países de menor desenvolvimento relativo”.
(Lima, 2010, p. 155).
Contudo, assim como diretrizes específicas da política externa brasileira, as políticas
públicas que serão projetadas no âmbito internacional variam de governo a governo. Essa
variação pode ser explicada, em parte, pela abordagem proposta por Midgal (1972) sobre o
papel indutor central dos top leaders na definição da política externa dos países em
desenvolvimento (Subseção 1.4.4).
No caso específico do Brasil, o papel da Presidência da República na política externa
vem sendo analisada tanto pela literatura que explora a chamada “diplomacia presidencial”,194
quanto por aquela voltada para entender as bases constitucionais e infraconstitucionais que
embasariam tal influência. Apesar de a Constituição de 1988, assim como sua antecessora
(1967), não “designar literalmente o poder competente para a formulação da política externa”
(SANCHEZ; DA SILVA; CARDOSO; SPÉCIE, 2006, p. 129), segundo a legislação que rege
as atribuições e o funcionamento do MRE, cuja competência inclui “programas de cooperação
internacional”, cabe ao ministério “auxiliar o Presidente da República na formulação da
política exterior do Brasil” (BRASIL, 2010, grifo nosso). Vale lembrar, ainda, que o Artigo
84 da Constituição brasileira afirma que compete ao presidente da República nomear
ministros, inclusive o chanceler.
Como foi apontado na Seção 2.3, os compromissos assumidos pelo chanceler e pelo
presidente em viagens internacionais aparecem posicionados no topo das prioridades da
CGPD/ABC, o que significa “admissão explícita do peso da agenda diplomática na CTPD”
(IGLESIAS PUENTE, 2010, p. 245). Visitas presidenciais ou ministeriais podem condicionar
tanto a escolha do país recipiendário quanto das áreas temáticas (Ibid.).
Um segundo mecanismo de incidência da Presidência da República sobre as diretrizes
da CTPD brasileira poderia ser a atribuição de nomear o diretor da ABC. Enquanto o decreto
que ligou a ABC à Secretaria Geral das Relações Exteriores do MRE (Decreto nº 2.070, de 13
de novembro de 1996) afirmava, no seu Artigo 53, que caberia ao chanceler nomear o diretor
da ABC, o Decreto nº 3.959, de 10 de outubro de 2001, afirma que tal atribuição seria do
presidente da República. A partir de 2003, porém, os decretos que aprovaram a estrutura
regimental do MRE não incluíram designação literal a respeito de tal competência.195

194
Ver, por exemplo: CASON; POWER, 2009; VIGEVANI; CEPALUNI, 2007; PRETO, 2006; RIBAS;
FARIA, 2011.
195
Ver Apêndice C.
155

O diplomata Iglesias Puente (2010) considera, por um lado, que a incidência


presidencial e do chanceler sobre a agenda é desejável do ponto de vista da instrumentalidade
da CTPD para a política externa brasileira. Por outro lado, aponta que tal incidência impacta
negativamente a eficácia das ações em campo devido à falta de previsibilidade no que
concerne à sua preparação, necessária tanto para a mobilização planejada das instituições
cooperantes quanto para o estabelecimento de programas com enfoques setoriais baseados em
planejamento estratégico multidisciplinar para cada país recipiendário. Consequentemente, a
tendência é que prevaleçam ações de pequena dimensão e dispersas, limitando, portanto, a
“efetividade teleológica” da CTPD brasileira – quer dizer, os reais impactos sobre o
desenvolvimento dos países parceiros.196
Não obstante, diplomatas brasileiros reconhecem que a CTPD brasileira vem
sucedendo na contribuição para o estreitamento de laços do Brasil com outros países em
desenvolvimento e para a projeção internacional do país, relacionada a objetivo clássico da
diplomacia brasileira: a construção de legitimidade, credibilidade e liderança do país ou soft
power (BARBOSA, P., 2011; IGLESIAS PUENTE, 2010; VALLER FILHO, 2007). Nessa
busca, a promoção da estabilidade política e institucional, seja nos países vizinhos, seja em
países egressos de conflitos, é apontada como critério na alocação da CTPD brasileira. Países
como Bolívia, Equador, Guiné-Bissau, Haiti, Paraguai e Timor-Leste teriam, com efeito,
recebido missões da ABC após passarem por crises políticas. A CTPD brasileira representa,
assim,
Esforço significativo de promoção não somente de desenvolvimento econômico e
social, mas com consequências sobre os objetivos gerais de pacificação e de
estabilização política. Essa dimensão gera impactos não apenas sobre as relações
bilaterais, mas também em termos de projeção internacional, e de credibilidade e
liderança continental (IGLESIAS PUENTE, 2010, p. 259).

Uma segunda dimensão diplomática da CTPD brasileira, relacionada em parte à


primeira, é sua instrumentalidade como exercício de influência sobre países parceiros, em
busca de eventual apoio ou predisposição favorável dos países recipiendários a apoiar
posições do Brasil em foros e em organismos internacionais.197 O apoio dos países

196
As considerações do diplomata Iglesias Puente (2010) em relação à incidência presidencial sobre a CTPD
coadunam, portanto, com a percepção do MRE de que a política externa deveria ser política de Estado (ver
DANESE, 1999).
197
A avaliação de Iglesias Puente (2010) sobre a instrumentalidade da CTPD na busca de apoio para pleitos
brasileiros em foros internacionais converge com a leitura da atuação dos doadores tradicionais que retira do
trabalho de Palmer, Wohlander e Morgan (2002). Ao analisarem 21 países do CAD, esses autores afirmam que a
CID é usada como instrumento de influência, fazendo com que os recipiendários atuem de modo condizente com
a vontade dos doadores, promovendo, por exemplo, sistemas políticos e econômicos similares aos seus. Iglesias
156

recipiendários aos pleitos brasileiros não seria, contudo, colocado como contrapartida
obrigatória à CTPD recebida do Brasil, mas viria da percepção, se houver, de que o Brasil
contribui de alguma forma para a realização de seus próprios objetivos (IGLESIAS PUENTE,
2010).
O diplomata Pedro Henrique Barbosa (2011, p. 22) confirma essa leitura ao afirmar
que “[e]mbora desprovida de componentes ideológicos e comerciais, a CTPD brasileira
atende, ainda que indiretamente, a outros objetivos da política externa nacional.” Por ser
potência emergente, “disposta a buscar espaço crescente no cenário internacional”, o Brasil
recorreria a “diversos meios para expandir sua capacidade de atrair outras nações para
posições e propostas de interesse específico”. A projeção da CTPD brasileira, nesse sentido,
seria um meio eficiente, baseado no poder brando, de atrair outros países em um sistema
internacional “crescentemente multipolar e globalizado”.
Em particular, aponta-se a relação entre a CTPD e a busca de apoio a pleitos e a
candidaturas brasileiras junto a organismos internacionais. No primeiro caso, destaca-se a
relação entre a CTPD oferecida pelo Brasil e o pleito do país para ocupar vaga permanente no
Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU). A partir de 2005, emissários do governo
brasileiro teriam sido enviados a vários países para buscar tal apoio, sendo o compromisso
internacional do Brasil com o combate à fome e à pobreza, por meio da CTPD, citado nessas
missões como parte integrante das credenciais do país para justificar o pleito. A partir de
2006, a ABC empreenderia missões de prospecção a países com os quais o Brasil ainda não
possuía iniciativas de CTPD (como países africanos não lusófonos e do Oriente Médio),
sendo que alguns deles haviam recebido sinalização, nas missões realizadas em 2005, de que
receberiam delegação da ABC. Quase todos os países recipiendários apoiaram o pleito
brasileiro, à exceção de Nicarágua, Costa Rica, Haiti e Jamaica, comprometidos com a
proposta da Comunidade do Caribe (CARICOM) sobre a reforma do CSNU (IGLESIAS
PUENTE, 2010).
Processo semelhante aconteceu no caso da candidatura de José Graziano da Silva à
FAO, que também recebeu apoio da maior parte dos países recipiendários da CTPD brasileira.
Em particular, “pesou muito na escolha [do candidato à FAO] dos países” a negociação de
projetos brasileiros na área agrícola, como o Mais Alimentos África (BARBOSA, P., 2011, p.

Puente (Ibid., 88-89) ressalta, porém, que esse processo nem sempre se dá com base em escolhas racionais, quer
dizer, calculando-se as ações com base em recursos limitados e escolhendo aquelas que permitam alcançar o
melhor resultado com o mínimo de recursos.
157

111).198 Ao refletir sobre a candidatura de Graziano e sobre sua eleição, o diplomata Pedro
Henrique Barbosa (Ibid., p. 110-111) afirma que
A candidatura brasileira insere-se na busca de crescente protagonismo e de espaço
para os interesses pátrios nos grandes foros de decisão mundiais. O país reconhece-
se cada vez mais como potência emergente e considera que, junto com outros países
em desenvolvimento, pode contribuir para a resolução de problemas nas mais
diversas áreas da política internacional. A eleição também reflete o reconhecimento
global da extensa experiência que o Brasil detém tanto no setor agrícola como
também, mais especificamente, no campo da segurança alimentar e da erradicação
da fome. Potência agropecuária há décadas, o país destaca-se como grande produtor
de diversos produtos, muitos dos quais commodities. Ademais, de forma altruísta,
gratuita e incondicional, transfere suas técnicas e tecnologias para países em
desenvolvimento e de menor desenvolvimento relativo através de seus programas de
cooperação técnica. Logo, o Brasil consolida-se como um ator atraente no cenário
global.

Na visão de diplomatas brasileiros fica clara, portanto, a incidência de uma mistura de


propósitos “altruístas” (contribuir para o desenvolvimento dos recipiendários sem a imposição
de condicionalidades) com propósitos diplomáticos (elevar o Brasil à condição de potência
por meio do fornecimento de bens públicos globais) na CTPD brasileira, no que convergem
com o discurso do COBRADI (Seção 2.3). A mistura desses dois grupos de propósitos
coaduna, ainda, com a ideia de um “auto-interesse esclarecido [...], capaz de abrir mão de
ganhos no curto prazo para obter benefícios no médio e longo prazos” (LIMA, 2008, p. 64). O
diplomata Valler Filho (2007, p. 47) confirma esse rationale ao afirmar que os interesses
projetados na CTPD brasileira não se restringem aos imperativos do presente (“conviver com
o mundo real”), mas respondem também às “exigências de um projeto reformista e de longo
prazo, que possa contribuir para a emergência de um mundo em que a paz esteja
fundamentada em um processo crescente de igualdade e solidariedade.”
Em relação aos propósitos econômicos, o diplomata Iglesias Puente (2010, p. 33-34)
nota que, embora haja declaração aberta dos ganhos de ordem política no discurso
diplomático brasileiro, o mesmo não acontece no que se refere a objetivos relacionados à
vertente econômica, inclusive para não se comprometer o discurso da “natureza não comercial
da CTPD”. Para ele, é possível buscar sinergias nas duas matérias, sem levar a vinculação
comercial obrigatória, mas essa busca ainda seria prática limitada dentro do MRE. Nas suas
palavras,

198
Mais recentemente, a eleição do candidato brasileiro Roberto Azevêdo à OMC também foi relacionada à
CTPD brasileira, já que ele havia percorrido, em busca de votos, vários países da África, América Central e
Caribe acompanhado de diretores da ABC. Segundo o Azevêdo, contudo, a ABC o acompanhou para “identificar
as opiniões desses governos sobre as cooperações técnicas já em andamento” (AGOSTINI, 2013).
158

Há quem possa imaginar cenários em que as demandas dos países recipiendários


possam ser induzidas pelo governo brasileiro, no sentido de obter algum ganho
comercial ou econômico. De acordo com os dados disponíveis, essa hipótese não
corresponde, entretanto, à realidade, até mesmo em razão do aspecto [...] relativo à
coordenação, ainda pequena, entre as ações de CTPD e a política de promoção
comercial do Itamaraty. Os eventuais ganhos decorrentes nessa área são
consequência natural da presença de instituições cooperantes no país recipiendário e
não necessariamente fruto de desígnios pré-estabelecidos (IGLESIAS PUENTE,
2010, p. 247).199

Infere-se, por essa citação, que propósitos econômicos teriam incidência limitada
sobre a CTPD brasileira, o que não significa que não existam ganhos econômicos decorrentes
dela. O diplomata Pedro Henrique Barbosa (2011, p. 102), por um lado, converge com esse
raciocínio ao mostrar que os dez principais beneficiários da alocação orçamentária da ABC
entre 2005 e 2010 (por ordem alfabética, Angola, Cabo Verde, Cuba, Guatemala, Guiné-
Bissau, Haiti, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Timor Leste e Uruguai) estreitaram
relações comerciais com o Brasil. Ressalta, contudo, que “não se trata de relação de causa e
efeito, inclusive porque a CTPD brasileira não gira em torno de objetivos comerciais”.
Por outro lado, Barbosa (Ibid., p. 102) afirma que a CTPD é utilizada como
instrumento para manter um bom relacionamento com países que comprem bens brasileiros,
ou que possuam investimentos brasileiros em seus territórios, e nos quais o ambiente de
negócios costuma ser afetado por “turbulências internas e interferências políticas”. A partir
desta consideração pode-se, portanto, inferir que propósitos econômicos se fazem, ainda que
de forma reativa e não estratégica, presentes em decisões relacionadas à distribuição
geográfica da CTPD brasileira.
As reflexões apresentadas acima acerca dos propósitos da CTPD brasileira confirmam
a visão, apresentada na Subseção 2.1.4, de suas “finalidades não próprias” (CERVO, 1994).
Também confirmam a ideia mais ampla, apresentada no Capítulo 1, de que, nas relações de
cooperação, cada parceiro costuma prover um serviço distinto (CTPD em troca de apoio a
pleitos brasileiros ou CTPD como mecanismo de preservação dos interesses econômicos
brasileiros nos países em desenvolvimento).
Não obstante, conforme será abordado nas próximas subseções, a alocação setorial e
geográfica da CTPD brasileira não resulta apenas de decisões tomadas, de maneira insulada,

199
Logo adiante, Iglesias Puente (2010, p. 247-248) dá a entender que a exceção seria a área de energia e
biocombustíveis: “Com a nova divisão temática estabelecida pela direção do Itamaraty na ABC, desde 2007,
pretende-se facilitar a coordenação das ações e a mobilização das instituições cooperantes. Essa divisão temática
será mais efetiva se servir como interface de coordenação com áreas específicas do Ministério. Apenas a título
ilustrativo, na área de cooperação energética e de biocombustíveis, parece já haver esforço de coordenação entre
as instâncias cooperativas (ABC e DCT) e a área temática do MRE (Departamento de Energia).”
159

pelo MRE. A agenda da CTPD sofreu forte politização na arena doméstica brasileira durante
o Governo Lula – um processo cujas raízes remontam pelo menos ao Governo Cardoso -, com
um número cada vez maior de instituições e grupos de interesses se mobilizando em torno da
agenda e disputando acesso ao processo decisório. Embora essa politização seja encarada pelo
MRE como desafiadora – na medida em que dificultaria a elaboração de uma política de
Estado na matéria -, o maior envolvimento da Presidência da República e de outras
instituições e grupos de interesses domésticos na CTPD contribuiu para despertar e alimentar
o interesse público pela prestação de cooperação técnica e de outras modalidades de
cooperação, assim como pela própria forma como o Brasil recebe cooperação. A maior
apropriação da CTPD por entidades domésticas variadas, ainda que tenha alimentado a
dispersão institucional das ações, contribuiu para avançar em relação à tendência histórica de
maior incidência de condicionantes externos sobre a agenda e também para alimentar
consensos em torno da necessidade de construção de uma política pública na matéria.

2.4.1 O Governo Cardoso

Os embaixadores que dirigiram a ABC durante o Governo Cardoso encaram as visitas


presidenciais e ministeriais realizadas naqueles anos como mecanismo para dar visibilidade a
iniciativas de longo prazo que já estavam em curso.200 Quer dizer, a incidência do MRE teria
sido maior do que a incidência da Presidência da República naqueles anos. De fato, como será
visto nesta subseção, o tema da CTPD era pouco mencionado no discurso de Fernando
Henrique Cardoso. Ainda assim, durante a sua administração observa-se a emergência de
estratégias mais claras e de grupos de interesses organizados em torno do tema, alguns dos
quais tiveram acesso ao processo decisório graças à sua proximidade com a Presidência da
República ou à convergência de suas respectivas agendas com diretrizes da política externa
brasileira daquele momento.

200
Em entrevista realizada por Iglesias Puente (2010) com os diretores da ABC entre 1995 e 2005, foi-lhes
perguntado se a ABC seguia prioridades pré-estabelecidas pela diplomacia brasileira e em que medida tais
prioridades eram condicionadas por visitas presidenciais e ministeriais. Ambos os embaixadores que dirigiram a
ABC durante o Governo Cardoso concordam na leitura de que a agência não se condicionava a visitas
presidenciais e ministeriais, mas implementava programas de longo prazo com países considerados prioritários
pelo MRE.
160

Segundo o Embaixador Elim Saturnino Ferreira Dutra, diretor da ABC entre março de
1995 e fevereiro de 2001, o ranking das prioridades geográficas recebidas do então chanceler
Lampreia foi, respectivamente: América do Sul; América Central, Caribe e México; PALOPs;
outros países africanos com os quais o Brasil possuía relação mais estreita (Nigéria, África do
Sul e Namíbia são nomeados a título de exemplo); demais países africanos; Ásia, Oriente
Médio e Europa Oriental. Posteriormente, com a independência do Timor, o país foi incluído
no rol das prioridades geográficas (IGLESIAS PUENTE, 2010).
De acordo com o Embaixador Marco Cesar Naslausky, diretor da ABC entre abril de
2001 e novembro de 2003, a ABC trabalhava a partir de algumas prioridades políticas, as
quais por sua vez envolviam prioridades temáticas. As prioridades geográficas eram América
do Sul, PALOPs e Timor, ao passo que as temáticas ligavam-se aos campos de atuação mais
tradicionais: Agricultura, Saúde, Formação de Mão-de-Obra e, em menor medida, Meio-
Ambiente (Ibid.).
Analisando discursos diplomáticos gerais realizados durante o Governo Cardoso,
Iglesias Puente (2010) afirma que o uso do termo “cooperação técnica” aparece de forma mais
consistente nas referências aos PALOPs e ao Timor-Leste. Em geral, o termo “cooperação”
era utilizado de forma ampla (denotando “diálogo”, “aproximação”, “coordenação”,
“concertação” e “integração”), e a alusão a outras modalidades do engajamento externo
brasileiro, como difusão cultural, promoção cultural e cooperação científica e tecnológica, era
mais frequente.
No caso do Timor, Iglesias Puente (2010, p. 231) cita o discurso do então chanceler
Celso Lafer durante cerimônia de inauguração do Centro de Formação Profissional
estabelecido no país em parceria com o SENAI (2002), que teria se tratado de uma “das
poucas oportunidades em que a CTPD assumiu papel verdadeiramente importante no discurso
diplomático em toda a era FHC [Fernando Henrique Cardoso]”:
O Brasil tem feito da cooperação entre países em desenvolvimento pedra angular de
sua política de cooperação técnica no exterior. Apesar de nossos limitados recursos,
temos buscado maximizar os meios disponíveis, humanos e materiais, em benefício
de cada um e de todos os nossos parceiros.

Ao mencionar as relações com a América Latina, contudo, o discurso diplomático não


fazia alusões à cooperação técnica. Enquanto no caso da América do Sul e do Mercosul o
161

termo “cooperação” era utilizado intercambiada com termo “integração”,201 no caso da


América Central e Caribe há referências específicas à participação brasileira no Programa
Especial de apoio à Recuperação Econômica de Cuba, país que encabeçava a lista de
recipiendários das ações de cooperação técnica do Brasil com a região (IGLESIAS PUENTE,
2010).
Iglesias Puente (2010) considera que a não correspondência entre o progressivo
crescimento do número de ações entre 1997 e 2001 em todas as áreas geográficas e as parcas
referências à CTPD no discurso diplomático durante o Governo Cardoso apontaria percepção
restrita em relação à sua instrumentalidade para a política externa brasileira. Como fatores
limitadores a essa instrumentalidade, Barbosa (2011, p. 110) menciona os impactos negativos
das adversidades econômicas sobre a diversificação das relações entre os países em
desenvolvimento e sobre o próprio orçamento da ABC, embora reconheça que a CTPD tenha
contribuído para promover a presença econômica brasileira nesses países:
[...] durante o Governo Cardoso, o Brasil e o mundo passaram por um período de
turbulência econômica. Além das crises em grandes países em desenvolvimento,
como o Brasil em 1999, muitos Estados passaram por processos de reestruturação
econômica de acordo com os preceitos neoliberais, estando, portanto, despreparados
para incrementar seus laços comerciais. Isso fica evidente ao se constatar que, entre
1994 e 2003, houve retrocesso ou crescimento exíguo das trocas comerciais
brasileiras com alguns países. A CTPD brasileira, por mais que contribua
indiretamente para a promoção da presença econômica e comercial brasileira nos
países em desenvolvimento, tinha sua instrumentalidade limitada não só pelo
contexto turbulento que viviam os parceiros do Brasil, como também pelas próprias
limitações orçamentárias da ABC.

Ainda assim, pode-se dizer que a CTPD brasileira durante o Governo Cardoso, ao
acompanhar frentes estabelecidas pela agenda diplomática brasileira, bem como a
mobilização de setores domésticos específicos, configurou-se como passo relevante para a
politização da agenda no Brasil.
Em termos geográficos, a cooperação com Cuba acompanhou esforços, iniciados
durante a Gestão Itamar Franco, de reintegrar o país à OEA (HIRST; PINHEIRO, 1995).
Fernando Henrique Cardoso, que havia tecido críticas constantes ao embargo americano a
Cuba, promoveu a assinatura de acordos nas áreas médica, agrícola, turismo, intercâmbio
acadêmico e profissional (VIGEVANI; OLIVEIRA; CINTRA, 2003). Quer dizer, a CTPD
brasileira foi utilizada como instrumento para a reinserção cubana no contexto hemisférico.

201
Em alguns âmbitos, como o da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica, houve referência a
modalidade mais específica da cooperação, no caso a cooperação em ciência e tecnologia (IGLESIAS PUENTE,
2010).
162

Tal objetivo estava relacionado, de forma mais ampla, à estratégia da “autonomia pela
integração”, calcada na atualização do universalismo da política externa brasileira e na
promoção de participação internacional mais ativa do Brasil com vistas a maior influência
sobre o desenho da nova ordem global. Essa estratégia respondia a percepção de
entrelaçamento entre interesses nacionais e interesses globais e entre a resolução de
problemas domésticos e o ativismo na governança global. O poder limitado brasileiro
demandava, nesse contexto, articulação com outros Estados, de modo a construir regimes
mais favoráveis aos interesses brasileiros, permitindo consequentemente, que o país ampliasse
sua autonomia nas relações externas ou “o poder de controle sobre o seu destino”
(VIGEVANI; OLIVEIRA; CINTRA, 2003, p. 37).
A estratégia da “autonomia pela integração” respondeu a mudanças sistêmicas,
aprofundadas com o fim da Guerra Fria, que conduziram à emergência de novos temas e à
complexificação da agenda internacional. Tratava-se de temas em relação aos quais a
burocracia do MRE não possuía conhecimento aprofundado, mas que impactavam
crescentemente a imagem internacional do Brasil, em vista do “monitoramento” da mídia
internacional, e as próprias políticas nacionais, dado o entrelaçamento entre as normas
produzidas no âmbito de regimes internacionais específicos e as normas internas. Esse
contexto contribuiu para abrir caminho para a participação de outros atores na política externa
brasileira. No que se refere, particularmente, ao papel da diplomacia presidencial, ela foi
pensada como meio para informar a opinião pública nacional e internacional a respeito dos
avanços em curso no país em temáticas variadas (LAFER, 2000).202
Ao cunhar o termo “autonomia pela participação”, o embaixador Gelson Fonseca
Júnior (1998) defendia afastamento da posição dominante brasileira durante a Guerra Fria,
baseada em atitude de distância em relação a temas polêmicos e resguardando o país de
alinhamentos indesejáveis (“autonomia pela distância”). Com base em valores nacionais,

202
Nas palavras do ex-chanceler Celso Lafer (2000, p. 265), baseadas nas elaborações do Embaixador Sergio
Danese (1998): “O tempo da mídia é também um tempo on line. Provoca, no Brasil e no mundo, a repercussão
imediata do peso dos eventos nas percepções coletivas. Esta repercussão fragmenta a agenda da opinião pública,
leva ao monitoramento e a reações constantes aos sinais do mercado e da vida política. Conseqüentemente, cria
um ambiente de excessiva concentração no momento presente, em detrimento da necessária atenção às suas
implicações futuras. O foco nos eventos e a falta de foco nos processos, provenientes da natureza do tempo da
mídia, é um desafio constante para a construção do soft-power da credibilidade internacional do país – um
desafio que adquire outra magnitude para o Brasil no sistema internacional pós-Guerra Fria, com a
internalização do mundo na realidade brasileira. Daí, por exemplo, a importância da diplomacia presidencial e
das reuniões de cúpula, que vêm sendo conduzidas pelo presidente Fernando Henrique Cardoso e que são uma
expressão da diplomacia aberta, criando eventos que permitem transmitir e informar a opinião pública – interna e
internacional – sobre o significado dos processos em andamento no país” (grifos do autor).
163

inclusive os que pautavam a tradição diplomática, acreditava-se que a diplomacia brasileira


poderia introduzir perspectivas originais e, com base nelas, incidir sobre a governança global.
Tratava-se, ainda, de aproveitar as oportunidades inauguradas pela interdependência e pela
diminuição do peso das capacidades militares sobre o desenho da ordem global para
influenciá-lo por meio da projeção de atributos relacionados ao poder brando (ABDENUR,
1994 apud VIGEVANI; OLIVEIRA; CINTRA, 2003).
O objetivo de reformar as estruturas da governança global, que incluiu o pleito pelo
assento de membro permanente no CSNU, veio acompanhado, particularmente no segundo
mandato de Cardoso, da denúncia das assimetrias internacionais, da busca pela atenuação do
unilateralismo norte-americano no contexto pós-11 de setembro e da reiteração do objetivo de
buscar uma ordem fundada na cooperação, na não ingerência e no direito internacional
(VIGEVANI; OLIVEIRA; CINTRA, 2003).203
As crises no sistema financeiro internacional, e seus impactos negativos sobre os
países em desenvolvimento, levaram à incorporação da percepção de uma “globalização
assimétrica” ao discurso diplomático como fundamento para a busca de meios inovadores
para sua correção, tornando-a mais solidária (IGLESIAS PUENTE, 2010). Não havia
referências explícitas, contudo, ao princípio da solidariedade nos discursos oficiais relativos
ao tema da CTPD brasileira (BARBOSA, P., 2011).
Transformações nas visões sobre a inserção internacional do Brasil no pós-Guerra Fria
tiveram, ainda que de forma inicialmente incipiente, impactos sobre o engajamento do país na
CTPD. Respondendo a avanços normativos globais relacionados ao reconhecimento de
iniciativas voltadas para a promoção do desenvolvimento e da construção de Estados (state
building) – os quais foram consolidados com a publicação do relatório “Uma Agenda para a
Paz” (BOUTROS-GHALI, 1992) e com a emergência das chamadas “missões de
consolidação da paz” –,.a participação brasileira em missões de paz passou a contemplar, nos
anos 90, a participação de civis.204

203
Como lembra Cervo (2002, p. 14), a busca por esses objetivos já se fazia presente no discurso da primeira
Administração Cardoso: “A diplomacia de Cardoso reforçou sua credibilidade com a nova face que exibiu. No
transcurso dos cinqüenta anos da ONU, em 1995, cobrou sua função reguladora das relações internacionais
mediante a criação de um corpus jurídico que não seja uma hipocrisia para as grandes potências. Cabe apenas à
ONU sacrificar com legitimidade o princípio da soberania e da autodeterminação quando a defesa da paz e dos
direitos humanos o requeiram. Cabe-lhe, por outro lado, reordenar o mundo para um ambiente de justiça e
eqüidade social. No embalo da democracia e da promoção dos direitos humanos, a visão kantiana da paz e da
justiça global contaminou portanto o discurso da diplomacia brasileira nos anos noventa, em contraste com o
realismo político do comportamento das grandes potências.”
204
Nas palavras do Embaixador Paulo Roberto Campos Tarisse da Fontoura (1999, p. 214-215):
“Diferentemente dos anos 60, quando a contribuição brasileira envolvia apenas a cessão de militares [...], nos
164

A partir da atuação no Timor Leste, o aspecto da CTPD brasileira começaria a ser


ressaltado, ainda que de forma indireta, pelo discurso diplomático, apontando-se que o Brasil
estaria contribuindo, por meio da projeção de experiências nacionais de desenvolvimento em
áreas variadas, para a construção de uma paz estável. Conforme destacou o presidente
Fernando Henrique Cardoso na cerimônia de posse do chanceler Celso Lafer, em janeiro de
2001, ao referir-se a viagem recém-realizada à Ásia:
[...] pude confirmar, mais uma vez, o grande interesse despertado pelo Brasil, [...]
por nossa experiência em educação, em saúde, em ciência e tecnologia. [...] Tive a
satisfação de comprovar a capacidade do Brasil de dar contribuição efetiva a um
processo de construção nacional, como o que está ocorrendo no Timor-Leste
(Cardoso 2001 apud IGLESIAS PUENTE, 2010, p. 230-231).

Outro elemento relevante do Governo Cardoso, com efeitos visíveis sobre a


apropriação CTPD por setores nacionais, foi o interesse crescente despertado pela política
externa na sociedade brasileira – empresariado, sindicatos, ONGs, Congresso e opinião
pública (VIGEVANI; OLIVEIRA; CINTRA, 2003). A constituição da CPLP em 1996 foi
acompanhada pelo engajamento de atores nacionais os mais diversos na cooperação,
incluindo ONGs, universidades, empresas e o Congresso Nacional, conforme atestou o
próprio presidente Fernando Henrique Cardoso em discurso proferido durante a III
Conferência de Chefes de Estado e de Governo da CPLP (Maputo, jul./2000). Graças à
constituição da Frente Parlamentar Brasil-África, em 1999, foi possível a aprovação de
emenda parlamentar ao Orçamento da União autorizando aporte adicional de recursos da
ordem de R$ 2,5 milhões para financiar a cooperação técnica com países da CPLP entre 2000
e 2004 (IGLESIAS PUENTE, 2010).205
A exportação do Programa Bolsa Escola para países latino-americanos e africanos,
realizada por meio de parceria entre a ONG Missão Criança e a ABC, também constituiu
exemplo do engajamento da sociedade brasileira na política externa brasileira durante o
Governo Cardoso, com impactos sobre a alocação da CTPD. Criada pelo Senador Cristovam
Buarque em 1998, a ONG apoiou a criação de pilotos do programa a partir de 2001,

anos 90 o aporte brasileiro ganhou novo impulso, visto que, além da cessão de militares [...], colocou à
disposição da Organização [das Nações Unidas] civis e policiais procedentes dos Três Poderes e dos
Estados/Distrito Federal [...]”.
205
Antes disso, como vimos, um fundo especial no valor de US$ 3,1 milhões havia sido aprovado, com recursos
orçamentários adicionais dos anos 1997-1998. Esses recursos não entraram no orçamento da ABC, mas foram
diretamente alocados pelo MRE por meio de projeto guarda-chuva criado junto ao PNUD com duração de quatro
anos (Puente, 2010).
165

começando por São Tomé e Príncipe (RESPONSABILIDADESOCIAL.COM, 2003), como


instrumento para legitimar e fortalecer o programa dentro do Brasil (MORAIS, 2010).
Iniciativas de CTPD envolvendo o Programa Bolsa Escola foram categorizadas pela
ABC no Setor “Desenvolvimento Social”, que passaria a experimentar aumento no número de
ações no período 2002-2005, conforme foi apontado na Seção 2.2. Contudo, o
Desenvolvimento Social não estavam no rol dos setores mais mencionados pelo discurso
diplomático presidencial durante a Gestão Cardoso; as menções mais frequentes aconteceram
nas áreas de combate ao HIV/AIDS (principalmente no segundo mandato), Educação e Meio-
ambiente (IGLESIAS PUENTE, 2010). Como também foi mencionado na Seção 2.2, estes
três setores apresentaram crescimento, em termos de número de ações, no período 1997-2001,
com destaque para a Saúde, que passa do quinto (1995-1996) para o segundo lugar, atrás da
Agropecuária (note-se que este setor, apesar de encabeçar o número de ações, tampouco era
objeto de menção no discurso diplomático do Governo Cardoso).
Uma das menções explícitas ao tema da Saúde pelo presidente Fernando Henrique
Cardoso aconteceu no já referido discurso realizado na III Conferência da CPLP, em 2000,
ocasião em que afirmou que o Brasil “está convencido de que a cooperação entre os países em
desenvolvimento é caminho dos mais valiosos na luta contra a AIDS” (CARDOSO 2000,
apud IGLESIAS PUENTE, 2010, p. 231).
Segundo Barbosa (2011, p. 77), a Fiocruz, durante o Governo Cardoso, foi a
instituição nacional
[...] relativamente mais requisitada para participar da ação diplomática brasileira,
sobremodo em função do reconhecimento internacional do Programa Nacional de
DST e AIDS, do crescimento da produção de medicamentos genéricos no país e da
atuação paradigmática do Brasil na Conferência da Organização Mundial do
Comércio, em Doha, em 2001, em defesa do direito dos países em desenvolvimento
de recorrer ao mecanismo do licenciamento compulsório de fármacos -
popularmente conhecido como “quebra de patente” -, previsto no acordo TRIPS, em
casos de grave ameaça à saúde pública do país.

Esta citação reconhece claramente a incidência de propósitos diplomáticos na


replicação do Programa Nacional de DST/AIDS, indo de encontro a visões tecnicistas, que
costumam interpretar a CTPD brasileira como resultante do “sucesso” de experiências
nacionais específicas, atestado pelo seu reconhecimento internacional. Não se pode, contudo,
despolitizar uma matéria que encontra relação direta com propósitos mais amplos da
diplomacia brasileira: a busca pela constituição de regimes internacionais mais favoráveis aos
interesses nacionais.
166

Com efeito, no exato momento em que o Brasil começava a cooperar com outros
países na estruturação de programas similares ao Programa Nacional de DST/AIDS
disputava-se com os EUA, no âmbito da OMC, o contencioso das patentes. Promover
políticas similares em outros países, portanto, era meio para garantir aliados e encrustar, nos
regimes internacionais, normas que legitimassem, diante da opinião pública internacional,
processos que estavam em curso no Brasil e que projetavam imagem de compromisso com os
direitos humanos.
No caso da CTPD em Meio-Ambiente, tema que também havia “manchado” (assim
como os direitos humanos) a imagem do Brasil nas décadas anteriores,206 menções no
discurso diplomático presidencial já eram visíveis no primeiro mandato de Cardoso. Em
discurso realizado por ocasião da abertura da Sessão Especial da Assembleia Geral das
Nações Unidas sobre Meio-Ambiente e Desenvolvimento, em junho de 1997, o então
presidente afirmou: “Temos experiência em diversas áreas de interesse da preservação
ambiental, que podemos oferecer a nossos parceiros” (CARDOSO, 1997, apud IGLESIAS
PUENTE, 2010, p. 231).
O tema da Educação também já estava presente no discurso diplomático do primeiro
mandato de Cardoso. O presidente mencionou-o em 1998, quando propôs, em jantar de
Chefes de Estado e de Governo dos países da CPLP, que a cooperação em educação se
tornasse o objetivo central da comunidade (IGLESIAS PUENTE, 2010). Particularmente no
que se refere à exportação do Programa Alfabetização Solidária pela ONG Alfasol, a
existência de estudos empíricos permite agregar, à busca de projeção de políticas públicas
nacionais e ao fortalecimento da língua portuguesa, outras nuances a respeito de dimensões
políticas, domésticas e externas, vinculadas à CTPD brasileira.
O Programa Alfabetização Solidária havia sido estabelecido no Brasil em 1997 e, em
um momento em que o país ainda possuía milhões de adultos analfabetos, o programa recebeu
uma série de prêmios internacionais. Ele foi considerado, por exemplo, uma das experiências
de maior sucesso na alfabetização mundial pela Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) em 2003 e boa prática pelo Banco Mundial em
2004 (MORAIS, 2005).
A UNESCO foi a organização que conferiu a maior parte dos prêmios ao Programa
Alfabetização Solidária. A forma como a organização seleciona experiências candidatas a

206
Para a evolução da postura brasileira em relação ao regime internacional do Meio-Ambiente, ver: LAGO,
2006.
167

prêmios é, contudo, enviesada; aceitam-se apenas candidaturas enviadas pelos governos


nacionais, aos quais cabe eleger qual iniciativa será inscrita (quer dizer, a relação da
instituição que lidera determinada experiência e o governo central é fundamental). O júri não
ter acesso à experiência em si, mas apenas ao material apresentado no ato da candidatura.
Além disso, a UNESCO confere prêmios a quase 50% dos inscritos e pelo fato de (Ibid.).
Os sucessivos prêmios recebidos pelo Programa Alfabetização Solidária foram
considerados selos do sucesso do programa e, com base nisso, ele começou a ser exportado
para outros países a partir de 2000; ao mesmo tempo, a exportação da experiência
consolidaria a imagem do programa como “boa prática”. Embora se tenda a atribuir
neutralidade a esse processo com base no rationale de que a experiência foi demandada,
compreender quais foram os canais por meios dos quais determinado país tomou contato com
a experiência posteriormente demandada, bem como o próprio processo de triagem de
demandas dentro da ABC, é crucial para se compreender a incidência de instituições e de
grupos de interesses específicos sobre a CTPD brasileira.
A exportação do Alfabetização Solidária, inaugurada no Timor Leste em 2000, é
apresentada pela ONG AlfaSol como consequência dos resultados positivos de suas
atividades no Brasil, os quais teriam chamando a atenção de entidades públicas timorenses,
consequentemente gerando demanda por ela. Mais especificamente, isso teria acontecido após
visita de Xanana Gusmão ao Brasil (GONÇALVES, 2011). Em 2000, representantes do
governo moçambicano também vieram ao Brasil, tendo havido orientação do governo
brasileiro para que visitassem a experiência do Alfabetização Solidária. No ano seguinte, foi
assinado ajuste complementar para a implementação do programa em Moçambique
(MORAIS, 2005).
Mais uma vez, as questões que se colocam são: como se define a agenda de visitas a
experiências brasileiras quando da vinda de autoridades de outros países ao Brasil? Uma vez
recebidas demandas diversas, qual delas terá acesso aos recursos da ABC? Trata-se, sem
dúvida, de processo que extrapola tanto visões tecnicistas da CTPD brasileira (segundo as
quais o reconhecimento internacional por si só seria suficiente para explicar o seu perfil
setorial), quanto a visão de haveria política de Estado na matéria, comandada pelo MRE. No
caso específico da AlfaSol, Michelle Morais (2005, p. 29) joga luz sobre a última questão ao
afirmar que
[...] as relações próximas entre a AAPAS [Associação de Apoio ao Programa
Alfabetização Solidária] e a administração Cardoso no Brasil […] garantiram à
AAPAS influência política suficiente para obter financiamento do governo federal
para os projetos de cooperação com Moçambique e com outros países. Se não fosse
168

por essa forte ligação política seria duvidoso que tal financiamento fosse oferecido
pelo Ministério das Relações Exteriores. A evidência para isso é que, desde o início
da administração Lula em 2003 e a consequente mudança do partido governante, a
AAPAS não pôde iniciar um segundo projeto com Moçambique (tradução nossa).207

Uma terceira questão que se coloca é: quais são as consequências da partidarização da


CTPD brasileira sobre a eficácia das iniciativas do ponto de vista da promoção do
desenvolvimento nos países parceiros? Como a experiência do Alfabetização Solidária
também demonstrou, a instrumentalização da CTPD brasileira realizada com base em
alinhamento entre propósitos diplomáticos (projetar avanços nas políticas públicas nacionais
no cenário internacional e contribuir ativamente para a produção de normas em áreas
específicas no âmbito global) e propósitos relacionados ao fortalecimento de experiências
brasileiras identificadas com governos específicos, conjugada ao pressuposto de que, dadas as
similaridades entre os países do Sul, experiências podem ser replicadas em outros países,
acabou limitando a sustentabilidade da iniciativa.
Vale mencionar que um dos desafios à sustentabilidade do Programa Alfabetização
Solidária em Moçambique foi o fato de ter sido exportado na forma de “pacote”, inclusive
com o envio de materiais didáticos preparados no Brasil, sem adaptação às condições locais, e
ao português, de Moçambique (MORAIS, 2005). Por se tratar de experiência nova para a
AlfaSol, é compreensível que houvesse desafios, mas a questão é que lições aprendidas em
campo por determinadas organizações acabam não sendo retroalimentadas em iniciativas
futuras, já que viradas no cenário político e nas prioridades de cada gestão podem
comprometer a continuidade de ações de cooperação.
Por fim, um último viés da CTPD brasileira durante o Governo Cardoso que convém
ser ressaltado foi sua associação com o projeto de consolidação do Brasil como global trader
– projeto este que, conforme aponta Lima (2005b), embasa tradicionalmente imaginário
sustentado pelas elites diplomáticas brasileiras no que se refere à diversificação das relações
externas do país.
Em termos setoriais, conforme será abordado com mais detalhes no Capítulo 4, as
iniciativas envolvendo o SENAI foram implementadas com base nesse imaginário, o que não
significa que ele tenha dado origem a estratégia e a planos de ação claros. Iniciativas que
207
O texto em língua estrangeira é: “[...] the close relations between AAPAS and the Cardoso administration in
Brazil [...] assured to AAPAS enough political leverage to obtain funding within the federal government for the
cooperation projects with Mozambique and other countries. If it was not for this strong political link, it is
doubtful that such funding would have been provided by the Ministry of Foreign Affairs. The evidence for this is
that, since the beginning of the Lula administration in 2003 and the resulting change of the governing party,
AAPAS has not been able to initiate a second project with Mozambique.”
169

tiveram a entidade como parceira também marcaram a emergência de projetos de maior


envergadura, ou estruturantes, na CTPD brasileira (IGLESIAS PUENTE, 2010).
Em termos geográficos, a integração regional, pensada durante o Governo Cardoso
como instrumento para inserção competitiva do Brasil no cenário mundial, foi promovida por
iniciativas de CTPD (BARBOSA, P., 2011). No caso da África – e relacionado a vertente que
extrapola a CTPD -, o próprio envio de contingente brasileiro para a missão de paz em Angola
(UNAVEM III, ago./95-jul./2009) foi pensado como meio para incentivar a retomada do
interesse das empresas brasileiras pelo continente (VIGEVANI; OLIVEIRA; CINTRA, 2003;
VALLER FILHO, 2007). Aqui, diferentemente da ação de cunho mais reativo detectada no
fim da introdução deste capítulo – alocação geográfica da CTPD brasileira definida com base
no critério de preservação de negócios já existentes de empresas brasileiras em outros países
em desenvolvimento –, nota-se a (re)emergência de rationale de cunho mais prospectivo por
parte do MRE.208
Como foi visto ao longo desta subseção, nota-se avanço claro, ainda que incipiente, da
CTPD na agenda do MRE, da Presidência da República e de outras entidades governamentais
e não governamentais brasileiras durante o Governo Cardoso. Não obstante, conforme
lembram diplomatas que refletiram sobre a trajetória histórica da CTPD brasileira (IGLESIAS
PUENTE, 2010; BARBOSA, P., 2011), a ABC sofria limitações orçamentárias. Prevalecia,
naquele governo, a visão de que o ativismo era incompatível com a escassez de recursos
humanos, financeiros, bélicos e políticos no Brasil (VIGEVANI; CEPALUNI, 2007).
Em contexto marcado por fortes restrições orçamentárias, a relutância em ampliar o
envolvimento brasileiro na CTPD fica clara na seguinte reflexão de um dos chanceleres do
Governo Cardoso, o Embaixador Luiz Felipe Lampreia, em relação às demandas crescentes
dos PALOPs pela cooperação brasileira:
É preciso que se diga que a CPLP deve ter uma vertente de cooperação. Mas, o
Brasil não está em condições de desenvolver um grande esforço de ajuda externa,
pela simples razão de que o Brasil tem uma população carente muito grande, um
déficit social, e não pode dar aos outros povos um apoio significativo, antes de dar
atenção prioritária ao seu próprio povo. (ROSA, 2006 apud IGLESIAS PUENTE,
2010, p. 250).

208
Não se pode, contudo, inferir daí a incidência de propósitos econômicos sobre a diplomacia brasileira – já que
o governo não respondeu a mobilização do setor privado nacional, mas buscou, ao contrário, despertar o
interesse pela retomada da internacionalização dos negócios brasileiros no continente africano. De todo modo, as
dimensões econômicas da política externa brasileira convergiram, durante o Governo Cardoso, com propósitos
diplomáticos tradicionais do país, focados mais na busca pelo desenvolvimento nacional do que nas dimensões
clássicas de segurança que costumam ser identificadas com elementos diplomáticos da cooperação oferecida
pelos doadores tradicionais.
170

De acordo com o diplomata Iglesias Puente (2010), essa posição é marcadamente


distinta da sustentada pelo chanceler do Governo Lula Embaixador Celso Amorim, que,
respondendo a resistências domésticas à cooperação do Brasil com o Haiti, afirmou que, a
despeito de o Brasil ser “um país com enormes carências sociais”, como demonstram “os
próprios brasileiros de origem mais humilde”, “[n]ão é preciso ser rico para ser solidário”
(AMORIM, 2011a, p. 88). A próxima subseção se centrará nas dimensões políticas
domésticas da CTPD brasileira durante o Governo Lula.

2.4.2 O Governo Lula

Diversos trabalhos centrados na análise da política externa do Governo Lula


apontaram fatores que explicariam suas rupturas e/ou continuidades em relação ao Governo
Cardoso. Por um lado, as continuidades seriam reflexo dos princípios basilares da política
externa brasileira, estabelecidos na Constituição (solução pacífica de controvérsias,
autodeterminação dos povos e não ingerência, entre outros), de trajetórias políticas domésticas
(como a democratização) e de elementos que se mantiveram constantes na configuração do
ambiente externo – contexto pós-Guerra Fria, unilateralismo norte-americano no pós-11 de
setembro, desafios ao avanço da Rodada Doha (ALDEN; VIEIRA, 2005; BARBOSA, P.,
2011; VIGEVANI; CEPALUNI 2007).
Por outro lado, apesar de ter mantido o pilar da estabilidade macroeconômica, o
Governo Lula teria rompido com o pilar da liberalização econômica, o qual passou a ser
encarado de forma mais crítica, questionando-se seus reais benefícios para o desenvolvimento
nacional em contexto marcado por assimetrias internacionais (BARBOSA, P., 2011; LIMA,
2005a; VIGEVANI; CEPALUNI, 2007). Mais amplamente, os diagnósticos e os meios para
se atingirem objetivos perenes da política externa brasileira – desenvolvimento, autonomia e
maior projeção do Brasil no cenário internacional – passariam a ser percebidos de maneira
distinta durante o Governo Lula.
Enquanto o Governo Cardoso partiria do diagnóstico de que o Brasil não possuiria
capacidades para agir de forma unilateral, voltando-se para a busca da credibilidade, da
promoção da concorrência e da participação nas normas e instituições multilaterais, o
Governo Lula partiria de avaliação de abertura de oportunidades para a contra hegemonia
171

(LIMA, 2005a) e para a busca de relação mais equilibrada com os países desenvolvidos
(BARBOSA, P., 2011). Como consequência, intensificou-se a participação em fóruns
multilaterais e adotou-se postura mais assertiva em relação à reforma da arquitetura política e
econômica global (BARBOSA, P., 2011; VIGEVANI; CEPALUNI, 2007).
O meio preferencial para a obtenção de tal objetivo foi o estreitamento de laços e o
estabelecimento de coalizões com outros países em desenvolvimento (VIGEVANI;
CEPALUNI, 2007). Essa aproximação com países do Sul, reconhecida por acadêmicos e
diplomatas como tendo sido iniciada no governo anterior em resposta a dinâmicas sistêmicas
(ALDEN; VIEIRA, 2005; BARBOSA, P., 2011; IGLESIAS PUENTE, 2010; VIGEVANI;
CEPALUNI, 2007), foi, não obstante, aprofundada durante o Governo Lula. A participação e
o ativismo em prol do estabelecimento de mecanismos regionais e inter-regionais de
cooperação – União das Nações Sul-Americanas (UNASUL), Comunidade dos Estados
Latino-Americanos e Caribenhos, Cúpula América do Sul-África, Cúpula América do Sul-
Países Árabes – e de coalizões de geometria variável (IBAS, BRICS, G20 comercial) são
apontados como indicativo do aprofundamento da guinada para o Sul durante o Governo
Lula. Essa guinada avançou após a crise financeira de 2008, percebida como promotora do
alargamento das brechas para posição mais assertiva do Brasil no cenário internacional.
A política externa do Governo Lula teria marcado, assim, passagem da “autonomia
pela participação” para a “autonomia pela diversificação”. Entendida como “a adesão [...] aos
princípios e normas internacionais por meio de alianças Sul-Sul”, a autonomia pela
diversificação basear-se-ia na crença de que essas alianças “reduzem as assimetrias nas
relações externas com países poderosos e aumentam a capacidade negociadora internacional”
(VIGEVANI; CEPALUNI, 2007, p. 283).
Nessa passagem, a política externa do Governo Lula teria resgatado tradição
diplomática autonomista, oposta à tradição de alinhamento à ordem estabelecida e, portanto,
aos seus players centrais, principalmente os EUA. Ao fazê-lo, teria se aproximado de visões
da política externa do Governo Geisel, em que o estreitamento bilateral e multilateral de laços
com outros países em desenvolvimento também era visto como meio para conquistar a
autonomia do país nas relações econômicas e políticas internacionais (CARDOSO;
MIYAMOTO, 2012). Condicionantes domésticos (democracia e horizontalização da política
externa brasileira) e externos (globalização, emergência de agendas relacionadas à low
politics) teriam, contudo, impedido o resgate do modelo econômico autárquico característico
dos anos 70 (LIMA; HIRST, 2006; VIGEVANI; CEPALUNI, 2007).
172

As visões do Governo Lula sobre a inserção internacional do Brasil também são


apresentadas como convergentes com ideais do PT (ALMEIDA, P., 2004, 2005; VIGEVANI;
CEPALUNI, 2007), cuja influência na política externa teria sido materializada
institucionalmente com a posição assumida por diplomatas e outros quadros pertencentes ao
partido ou identificados com suas visões em alguns cargos-chave da burocracia brasileira.209
Paralelamente, manteve-se a alocação de alguns embaixadores em postos de relevo
(VIGEVANI; CEPALUNI, 2007) e, principalmente, conservou-se o perfil de pastas que
haviam conquistado atribuições de relevo na política externa brasileira em gestões anteriores,
como os ministérios da Fazenda e do Planejamento.
Ideais tradicionais do PT também se refletiram no discurso diplomático do Governo
Lula, que passou a conferir maior ênfase a uma globalização mais justa e inclusiva
(BARBOSA, P., 2011) e à defesa de direitos sociais, permitindo maior equilíbrio entre
Estados e populações (VIGEVANI; CEPALUNI, 2007). De maneira coerente com tais ideais,
estimulou-se, no âmbito doméstico, a democratização da política externa, com perspectiva de
maior abertura para a participação de outros atores na definição do “interesse nacional”.
Ambos os aspectos foram sinalizados nas palavras introdutórias do Embaixador Celso
Amorim (2011b, p. 13) ao tomar posse, em 2003, como ministro das Relações Exteriores:
Com a eleição do Presidente Lula, o povo brasileiro expressou de forma inequívoca
o desejo de ver realizada uma profunda reforma política e social, dentro de um
marco pacífico e democrático, com ampla participação popular na condução dos
assuntos do Estado. Coerentemente com os anseios manifestados nas urnas, o Brasil
terá uma política externa voltada para o desenvolvimento e para a paz, que buscará
reduzir o hiato entre nações ricas e pobres, promover o respeito da igualdade entre
os povos e a democratização efetiva do sistema internacional. Uma política externa
que seja um elemento essencial do esforço de todos para melhorar as condições de
vida do nosso povo, e que esteja embasada nos mesmos princípios éticos,
humanistas e de justiça social que estarão presentes em todas as ações do Governo
Lula.

Convoco todos os diplomatas e servidores do Ministério das Relações Exteriores a


participarem ativamente deste grande projeto. A política externa não é só
responsabilidade do Itamaraty, ou mesmo do Governo. Ela envolve a sociedade
como um todo. Para definir o interesse nacional em cada situação concreta,
reforçarei a coordenação com outros órgãos governamentais e com os diversos
setores sociais – trabalhadores, empresários, intelectuais – e entidades da sociedade
civil.

209
O Embaixador Celso Amorim foi nomeado chanceler; o Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, Secretário-
Geral de Relações Exteriores do MRE (2003-2009) e, posteriormente, ministro-chefe da Secretaria de Assuntos
Estratégicos da Presidência da República; e Marco Aurélio Garcia, quadro do PT, Assessor Especial de Relações
Internacionais da Presidência da República, neste caso contrariando, como lembram Vigevani e Cepaluni (2007)
tendência histórica de a vaga ser ocupada por diplomatas.
173

Não se pode, contudo, afirmar que os ideais tradicionais do PT se configuraram como


determinante único das diretrizes da política externa do Governo Lula. Em primeiro lugar
porque, como vimos, tais diretrizes fortaleceram processos já iniciados nos anos anteriores e
calcados em transformações no cenário doméstico e internacional, em busca de uma
participação mais proativa do Brasil em variada gama de temas internacionais – participação
esta que demandaria estreitamento de relações com outros atores nacionais com experiência e
competência em temas específicos. Em segundo lugar, porque ocupar cargos de liderança na
burocracia não transformaria automaticamente a ossatura institucional do MRE, marcada por
ideologias e rotinas próprias. Por fim, mas não menos importante, porque as ideias
tradicionais sobre relações internacionais do PT haviam sido gestadas em contexto distinto,
marcados pela própria posição ocupada pelo partido como movimento social (sindicalismo),
cujas articulações transnacionais tinham por objetivo a luta pelos direitos sociais, pela
democracia e contra o imperialismo norte-americano, visto como apoiador da ditadura no
Brasil.
Na verdade, ao assumir o governo o PT passou por um processo de aprender fazendo
(learn by doing) no que se refere à política externa. Por um lado, grupos e indivíduos
específicos do PT tiveram peso em certas agendas da política externa, 210 as quais nem sempre
foram ao encontro de ideias tradicionais do partido. Em alguns casos, como a liderança
assumida pelo Brasil na Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti
(MINUSTAH) ou o envolvimento crescente do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES) no apoio à internacionalização dos negócios brasileiros, houve
oposição de setores próprio PT, que interpretaram essas iniciativas como indicações de que o
governo brasileiro estaria assumindo a mesma posição imperialista criticada pelo partido
desde sua fundação.
Na análise de Westhuizen (2013), esse perfil duplo da política externa brasileira
refletiria atributos típicos de uma potência média, com a busca por compromissos de classe
(class compromisse) que proporcionem a superação de divergências domésticas por meio da
intermediação de demandas contraditórias da sociedade – demandas pela redistribuição,
incorporadas na política externa pelo ideal da solidariedade Sul-Sul, por um lado; e demandas
pela liberalização do mercado, por outro.

210
Um exemplo é o engajamento em assuntos relacionados à segurança e à defesa, pelos quais o PT teria sido o
único partido a se interessar. Maria Helena de Castro Santos (2004) aponta, contudo, que esse interesse na
verdade não veio diretamente do partido, mas do Deputado José Genoíno.
174

De fato, ao mesmo tempo em que buscou consolidar a posição do Brasil como global
trader, sendo a América Latina e a África espaços preferenciais para tanto (BARBOSA, P.,
2011), o Governo Lula inovou ao incluir a agenda social na política externa brasileira (LIMA;
HIRST, 2006). Em ambos os casos o engajamento na CTPD desempenhou papel de relevo,
embora o discurso diplomático do Governo Lula – que passou a contemplar referências
explícitas e inéditas ao papel da “cooperação internacional para o desenvolvimento e para a
paz” e menções específicas ao tema da CTPD mais numerosas, particularmente no segundo
mandato (IGLESIAS PUENTE, 2010) – a apresente como relacionada a uma diplomacia
orientada por perspectiva humanista.
No que se refere à agenda social, vale lembrar que ela já estava presente na CTPD
brasileira durante o Governo Cardoso, quando iniciativas relacionadas à transferência do
Programa Bolsa Escola começaram a despontar (Subseção 2.4.1). Não obstante, tais
iniciativas não encontravam correspondência com o discurso diplomático brasileiro,
diferentemente do que ocorreu durante o Governo Lula – quando a dimensão social passa a
assumir, de fato, relevo no discurso e na prática da CTPD brasileira.
Não se pode inferir, contudo, que a “vontade política” emanada da diplomacia
presidencial e da base partidária do Governo Lula se configure como determinante único da
exportação de programas sociais por meio da CTPD. Aqui, o caso do Programa Bolsa Família
é emblemático. Sem negar o papel desempenhado pelo presidente Lula na sua difusão
internacional, é importante notar que a criação do Bolsa Família no Brasil havia sido apoiada
financeira e tecnicamente pelo Banco Mundial, organização que passou a promover o
compartilhamento do programa com outros países em desenvolvimento. O mesmo aconteceu
no caso do Departamento de Desenvolvimento Internacional do Reino Unido (DFID), que
depois de contribuir para o avanço do programa no Brasil (por meio de assistência técnica
direta e contratação de consultores) forneceu apoio técnico e financeiro para seu
compartilhamento com países africanos. Ambas as organizações produziram extensa
documentação sobre a experiência do Bolsa Família na literatura internacional sobre
programas de transferência de renda, além de terem patrocinado a realização de eventos com a
participação de delegados brasileiros, o que gerou grande difusão internacional de
informações sobre o programa (LEITE; SUYAMA; POMEROY, 2013; MORAIS, 2010).
Embora o próprio Lula tenha incluído a experiência do Bolsa Família nos discursos
realizados em suas viagens a outros países em desenvolvimento, sua exportação para outros
países em desenvolvimento não parece ter respondido a estratégia clara emanada do PT. Vale
175

lembrar que o baluarte das políticas sociais do programa do partido era o Programa Fome
Zero, que acabou perdendo importância nos primeiros anos do Governo Lula com a
centralidade adquirida pelo Bolsa Família.211 Entendendo a exportação de políticas como
mecanismo para fortalecê-las dentro do país de origem (policy lending), Morais (2011)
acredita que, como o Bolsa Família já era suficientemente forte dentro do Brasil, sua
exportação não respondeu àquele objetivo. O ativismo presidencial, e os determinantes
externos já elencados em particular, parecem ter sido dominantes.
O mesmo não se pode dizer, contudo, em relação à exportação do Programa Fome
Zero para outros países em desenvolvimento. É precisamente aqui que, acredita-se, teria
operado transformação profunda da agenda da CSSD brasileira durante o Governo Lula, em
direção a conformação de estratégia englobando iniciativas de cunho emergencial, baseadas
no lema “a fome não pode esperar”, mas incluindo a cooperação técnica, com a incorporação
do conceito da “assistência humanitária sustentável”, e financeira, no âmbito dos chamados
“mecanismos inovadores de financiamento ao desenvolvimento”.212
Essa estratégia produziu impactos sobre o desenho institucional mais amplo do MRE,
para além da estrutura da ABC. Destaca-se, aqui, ligada à Secretaria-Geral do ministério, a
criação da Coordenação-Geral de Ações Internacionais de Combate à Fome (CGFOME) em
2004, mesmo ano em que Lula liderou, em Nova York, o lançamento da “Ação Global contra
a Fome e a Pobreza”. Segundo informações disponíveis na página do MRE (2013),
A Coordenação-Geral de Ações Internacionais de Combate à Fome (CGFOME)
trata das ações de prestação de cooperação humanitária internacional do Governo
Brasileiro, do tema da segurança alimentar e nutricional, tanto em sua vertente

211
Matéria publicada na Folha de S. Paulo sobre os dez anos do Bolsa Família lembra que, no dia 31 de março
de 2003, em seminário sobre o Fome Zero, o então vice-presidente do Banco Mundial para a América Latina,
David de Ferranti, se opôs à distribuição de cartões a serem obrigatoriamente utilizados na compra de alimentos,
afirmando que os pobres sabiam fazer boas escolhas e que caberia a eles decidir sobre a utilização da renda
recebida do governo. Segundo a matéria, a opinião de Ferranti estava alinhada com a unificação de ações de
combate à pobreza em programa de renda focado nos “mais miseráveis”, receita “consensual na agenda
neoliberal de Washington”, bem como com ideias defendidas por Antonio Palocci, então ministro da Fazenda, e
seu secretário de Política Econômica, Marcos Lisboa. Este, procedente de centro que tinha o Banco Mundial
entre seus financiadores, o Instituto de Estudos de Trabalho e Sociedade (IETS), havia coordenado, durante a
campanha eleitoral, um documento cujas ideias foram veementemente atacadas no PT: a “Agenda Perdida”, que
defendia reformas liberais na economia e ações sociais focalizadas (PATU, 2013).
212
O lançamento da Ação Global contra a Fome e a Pobreza (2004) foi seguida da criação de uma divisão dentro
do MRE a cargo dos chamados “mecanismos inovadores de financiamento ao desenvolvimento”, prevendo
taxação aos setores beneficiados pela globalização e sua alocação para os setores excluídos dela. Um dos meios
para isso foi a taxação a passagens aéreas, com a transferência desses recursos financeiros para a Central de
Compras de Medicamento contra HIV, Tuberculose e Malária (Cicom). O governo brasileiro, contudo, não pôde
contribuir para essa iniciativa da maneira como havia inicialmente previsto, pois a Procuradoria-Geral da Receita
considerou a transferência de arrecadações realizadas dentro do Brasil para o exterior como inconstitucional. Foi
encontrado outro mecanismo para fazer essa transferência por meio do Tesouro Nacional (SCHUTTE, 2011).
176

emergencial quanto estrutural, bem como dos temas de redução do risco de


desastres, do diálogo com a sociedade civil, Fórum Social Mundial,
desenvolvimento agrário, pesca artesanal e Instituto Social Brasil-Argentina. A
Coordenação realiza interlocução sobre esses temas com a Organização das Nações
Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o Fundo Internacional para o
Desenvolvimento Agrícola (FIDA), o Programa Mundial de Alimentos (PMA), o
Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), o Fundo das
Nações Unidas para a Infância (UNICEF), entre outros.

A CGFOME foi formalmente implantada em 2004, como a interface internacional


do Fome Zero, para coordenar a política externa brasileira na área de segurança
alimentar e nutricional, desenvolvimento rural e cooperação humanitária
internacional, por meio de ações que buscam a sustentabilidade social, econômica e
ambiental. Até 2003, as operações humanitárias do Brasil eram pontuais e as
agendas de segurança alimentar e combate à fome não constituíam prioridade de
Governo. Com o lançamento do Programa Fome Zero, elevou-se o debate à esfera
federal, delegando mais responsabilidades ao Estado pela erradicação da fome e da
pobreza. A política externa brasileira refletiu essa mudança e buscou promover a
estratégia do Fome Zero a nível internacional.

A exportação de experiências brasileiras voltadas para a inclusão social por meio do


direito à alimentação foi pensada como mecanismo para fortalecer esse direito dentro do
Brasil, algo que não é trivial diante da prevalência tradicional de visões sobre
desenvolvimento focadas no crescimento econômico (inclusive no próprio MRE). Isso
significa que, em vez de a solidariedade relacionada às ações de combate à fome resultarem
de traço cultural brasileiro, sua exportação foi pensada como mecanismo para fortalecer uma
cultura de solidariedade e de direitos dentro do Brasil, indo além das práticas assistencialistas
repudiadas historicamente pelas visões diplomáticas nacionais sobre a CTI.
O fortalecimento da coalizão da segurança alimentar e nutricional no Brasil213
alimentou e foi alimentado pela promoção internacional do Fome Zero por meio da CSSD,
mas não se pode afirmar que a ideia de policy lending – exportação de políticas como
mecanismo para seu fortalecimento dentro do Brasil – esgote os determinantes relacionados à
centralidade conferida ao tema da segurança alimentar na agenda da política externa
brasileira. Por um lado, a re-emergência do tema da segurança alimentar na agenda global

213
Segundo Cotta (2009 apud MORAIS, 2010), existem três visões a respeito da proteção social no Brasil e de
sua relação com as transferências condicionadas de renda: a que foca os direitos à assistência social, a que foca o
gasto social e a que foca a segurança alimentar. O Fome Zero seria sustentado por esta última visão, embora sua
coalizão de apoio, que inclui organizações da sociedade civil e a Secretaria de Segurança Alimentar e
Nutricional do Ministério de Desenvolvimento Social (MDS), tenha encampado outras visões posteriormente.
Nas palavras de Morais (2010, p. 150): “De acordo com essa visão a segurança alimentar e nutricional é a
primeira e principal questão que deve ser enfrentada pelas políticas de proteção social no Brasil. Ela foi
compartilhada pela coalizão que dominou o primeiro ano da administração Lula e que depois foi substituída pela
coalizão do Bolsa Família. Apesar de os integrantes da ‘coalizão da segurança alimentar’ terem argumentado que
as transferências de renda eram limitadas e que não permitiam o empoderamento do povo, agora ela aceita o
Bolsa Família como parte do Fome Zero, que foi transformado em uma estratégia mais ampla, de longo prazo”
(tradução nossa).
177

também se configurou como determinante (PATRIOTA; PIERRI, 2013). Por outro lado,
propósitos morais relacionados à erradicação global da fome aparecem mesclados com
propósitos diplomáticos ligados à projeção de poder brando (soft power), em que a exportação
do Fome Zero para outros países em desenvolvimento se configura como mecanismo para
projetar imagem de liderança responsável e para o Brasil influenciar mais a governança global
do que ser influenciado por ela. Neste caso, coaduna-se com a visão da autonomia pela
participação, já imperante no MRE desde o Governo Cardoso, embora tal visão passe a ser
influenciada, durante o Governo Lula, por viés mais progressista, ressaltando-se o papel do
Estado e da mobilização social nas políticas públicas e fazendo-se frente a ideias,
identificadas com a governança erigida com base no receituário neoliberal nos anos 90, que
ressaltariam o papel do mercado na promoção do desenvolvimento.
Esse viés progressista também marcou, durante o Governo Lula, o aprofundamento da
mobilização da coalizão da Saúde,214 que seguiu ocupando espaço relevante na agenda da
CTPD brasileira, como demonstram os avanços realizados na cooperação em Saúde no âmbito
da UNASUL e da CPLP.215 No entanto, a coalizão da Saúde, particularmente durante a

214
A interação entre propósitos morais, de policy lending e diplomáticos (soft power), e entre determinantes
externos e domésticos, também fica clara na mobilização da coalizão da Saúde na CTPD brasileira, conforme
pode ser apreendido na seguinte reflexão de especialistas no tema: “De um ponto de vista internacional, as
conquistas da reforma sanitária brasileira, ainda que parciais, fazem do sistema de saúde do Brasil, uma
experiência ímpar, sobretudo no contexto latino-americano. Sob a voga neoliberal, a região experimentou
processos mais ou menos generalizados de privatização de serviços e de retração de políticas sociais. No campo
da saúde, isso proporcionava forte crítica ao enquadramento da saúde, como direito e objeto de responsabilidade
pública. Assim, ao defender seus princípios, a reforma da saúde, no Brasil, operou de forma contrária à maré
liberalizante do período, e o SUS [Sistema Único de Saúde], público, universal e gratuito, apresentou-se como
uma experiência em boa medida isolada em seus termos doutrinários. Tendo em vista esse cenário de isolamento
relativo e as resistências internas, no início do século XXI, o sanitarista Sérgio Arouca propôs um movimento de
resistência e renovação da reforma sanitária. Arouca, então Secretário de Gestão Participativa do Ministério da
Saúde, sugeria, entre outros aspectos, que o debate sobre a reforma brasileira fosse retomado também a partir de
uma ótica internacional. Essa sua iniciativa resultou no esboço de um Programa de Difusão e Intercâmbio sobre
Reforma Sanitária, de 2003, concebido como uma proposição conjunta do Ministério da Saúde e da
Representação da Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS) no
Brasil. Para a Representação da OPAS/OMS, tratava-se de mobilizar a cooperação técnica internacional, de
modo a promover reformas universalistas no setor da saúde, reafirmando a dimensão pública do direito à saúde,
bem como estimulando laços de solidariedade e mecanismos para o intercâmbio de conhecimentos e
experiências. Com esse desenho, a proposta correspondia às orientações da Oficina Central da OPAS, em
Washington, em acordo com diretrizes da OMS. De fato, a partir de 2003, a OPAS passara a enfatizar o
desenvolvimento de projetos de cooperação técnica centrados nos países, bem como o estímulo para que
políticas de saúde internacional fossem melhor incorporadas às agendas dos Estados nacionais. Ao Ministério da
Saúde, haveria a possibilidade de divulgar a proposta doutrinária e organizacional de seu sistema de saúde, tendo
em vista o reconhecimento internacional da experiência brasileira como uma política social modelar. Essa
percepção se alinhava às orientações mais recentes da política externa brasileira, que conferia especial atenção à
formação de blocos de aliança, nos marcos da Cooperação Sul-Sul, em particular com os países africanos de
língua oficial portuguesa; com os países vizinhos latino-americanos; e com países da iniciativa IBAS” (PIRES-
ALVES; PAIVA; SANTANA, 2012, p. 444-445).
215
Ver: ALMEIDA, C. 2010; BUSS; FERREIRA, 2010a.
178

segunda metade do segundo Governo Lula, passou a ter de disputar o acesso ao processo
decisório devido ao protagonismo conferido a (e conquistado por) iniciativas centradas no
desenvolvimento rural stritu censu na CTPD brasileira.
Além disso, outros grupos dentro do Brasil aprenderam com a mobilização,
profissionalização e articulação em torno da CTPD lideradas pela Saúde, sendo um de seus
eixos centrais - que coaduna com o desejo, expresso no discurso de posse de Amorim, de que
a política externa brasileira fosse coerente com a promoção da participação popular nas
políticas domésticas - a promoção da participação de organizações e de movimentos sociais
na política externa brasileira. Na Saúde, isso havia acontecido, por exemplo, por meio do
envolvimento, na prestação de cooperação, de setores da sociedade civil que haviam sido
ativos na construção do Programa Nacional de HIV.216
Dinâmicas semelhantes passaram a ser incorporadas por iniciativas de segurança
alimentar envolvendo ações coordenadas pela ABC,217 mas especialmente ações coordenadas
pela CGFOME,218 em que a participação social, além de pensada como mecanismo para
fortalecer a prática dentro do Brasil e na arquitetura global,219 também é vista como
mecanismo para fortalecer uma base de apoio (constituency) interna ao engajamento crescente
do Brasil na CSSD.
Uma sequência de eventos e processos, durante o Governo Lula e com continuidade
no Governo Dilma, aponta para o avanço do elemento do combate à fome – com destaque

216
Ver: LIMA; CAMPOS, 2010.
217
Destaca-se, aqui, o projeto intitulado “Implantação de bancos comunitários de sementes e capacitação para o
resgate, multiplicação, armazenamento e uso de sementes tradicionais/crioulas em áreas de agricultura familiar”,
que tem como parceiros brasileiros a Secretaria Geral da Presidência da República, o Instituto Brasileiro de
Análises Sociais e Econômicas (Ibase), o Movimento Camponês Popular (MCP) e o Movimento das Mulheres
Camponesas (MMC). Essa iniciativa é inovadora por ter movimentos sociais locais sul-africanos e
moçambicanos, apoiados pelos brasileiros, como executores.
218
A partir de 2012 o MRE passou a contar com entrada orçamentária (20RE) para financiar a participação de
organizações da sociedade civil brasileira na assistência humanitária, em diálogos internacionais e em fóruns
relacionados ao tema da segurança alimentar e nutricional. O Conselho Nacional de Segurança Alimentar
(Consea), em particular, foi convidado em diversas ocasiões para apresentar a experiência de participação social
nas políticas brasileiras de segurança alimentar em diálogos com outros países em desenvolvimento. O Consea
também integra o Comitê Gestor de uma das iniciativas centrais coordenadas pela CGFOME: o Programa de
Aquisição de Alimentos África (PAA-África).
219
Uma das críticas marcantes à governança multilateral centra-se na sua baixa legitimidade procedimental.
Além de ressalvas em relação ao voto ponderado (casos do FMI e do Banco Mundial), ao controle decisório
pelos Estados mais fortes (caso do Conselho de Segurança da ONU) e à não consideração do tamanho da
população de cada país no seu peso de voto, há também críticas dirigidas à exclusão de representantes que não os
dos Estados (BARNETT; FINNEMORE, 2004).
179

para o eixo da segurança alimentar e nutricional e da agricultura familiar, mas contemplando


também outras áreas – na agenda da política externa e da CSSD brasileiras:
a) A assinatura de projetos de cooperação técnica entre o Brasil e a FAO
já no segundo mês do Governo Lula, ocasião em que o então presidente: fez
várias referências ao Programa Fome Zero, mas ressaltou também o papel do
crescimento econômico, da geração de empregos e da melhoria da educação e
da saúde na promoção do desenvolvimento; sublinhou que acabar com a fome
não é projeto pessoal ou partidário, mas “compromisso ético, moral, cristão”; e
afirmou o desejo de que iniciativas semelhantes ao Fome Zero fossem levadas
a cabo em todo o planeta (LULA DA SILVA, 2003);220
b) A exportação do Programa Fome Zero para países latino-americanos no
período em que José Graziano da Silva, mentor do programa, liderou o
Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome (2003-
2004) e, posteriormente, ao assumir o escritório regional da FAO para a
América Latina e Caribe (2006) e a direção-geral da organização (2011);
c) O anúncio da criação de um fundo fiduciário trilateral em 2003, durante
a 58ª Sessão de Abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, em
setembro de 2003, conhecido posteriormente como Fundo IBAS de Combate à
Fome e à Pobreza, o qual não foi criado no âmbito da ABC, mas por meio de
parceria com o PNUD;
d) O lançamento da “Ação Global contra a Fome e a Pobreza” em Nova
York em 2004;
e) Seguindo a criação da CGFOME, em 2004, uma série de avanços em
termos legais, logísticos e institucionais (coordenação interministerial) na
assistência humanitária prestada pelo Brasil (ver Seção 2.2), promovendo-se
ainda o envolvimento de organizações da sociedade;
f) A realização do Diálogo Brasil-África em Segurança Alimentar,
Combate à Fome e Desenvolvimento Rural em 2010, no marco do qual
iniciativas subsequentes, como o Programa Mais Alimentos África e o
Programa de Aquisição de Alimentos África (PAA-África), foram
desenvolvidas.

220
O discurso completo do presidente Lula na ocasião está disponível no Anexo I.
180

Tendo em vista que iniciativas voltadas para a segurança alimentar tendem a se


concentrar nos países mais atingidos pelo problema da fome, é de se esperar, como aconteceu
na prática, que a África Subsaariana se tornasse região prioritária da cooperação oferecida
pelo Brasil. Ao mesmo tempo, a “virada para a África” como um todo – anunciada durante a
campanha presidencial (SARAIVA, F., 2002), visível já no primeiro ano do Governo Lula
com a realização do Fórum Brasil-África221 e expressa no número substantivo de visitas
realizadas pelo presidente ao continente222 - foi acompanhada pela mobilização da coalizão de
afrodescendentes no Brasil223 e por tentativas de aprofundar o engajamento do empresariado
brasileiro no comércio224 e nos investimentos225 direcionados ao continente. A ligação entre
todas essas dimensões da cooperação Brasil-África foi resumida por José Flávio Sombra
Saraiva (2012) como fruto de junção equilibrada entre idealismo e realismo.
Assim como no caso do Governo Cardoso, a presença da CTPD no discurso
diplomático brasileiro durante o Governo Lula foi marcante nas relações com a África, mas
apresentando pelo menos três elementos que particularizam o discurso e a prática da CTPD
em relação ao governo anterior: o discurso da reparação de dívida com o continente;226 o
apoio para que o continente assumisse responsabilidades na busca de respostas para seus
problemas; a ampliação das ações de CTPD com a África, com países africanos que não são

221
O Fórum Brasil-África, organizado pelo MRE em coordenação com o Grupo de Embaixadores Africanos em
Brasília, foi realizado em Fortaleza em junho de 2003 e abordou os seguintes temas: Política e Questões Sociais;
Economia e Comércio; Educação e Cultura. Segundo Lechini (2006), o “discurso culturalista”, centrado na
relevância da cultura africana para a formação social brasileira e na dívida com o continente por conta da
escravidão (ver Nota 226), foi dominante entre os funcionários brasileiros presentes na reunião. Em relação ao
contexto externo, é importante recordar que três anos antes, em 2000, a China havia realizado a primeira cúpula
do FOCAC (ver Nota 90).
222
Enquanto o presidente Lula realizou seis viagens ao continente durante seus dois mandatos, tendo visitado 23
países africanos, Fernando Henrique Cardoso havia visitado apenas dois países (BRUN; MUXAGATO, 2012).
223
Ver: PATRIOTA, 2011.
224
O comércio Brasil-África aumentou 233,88% durante o governo Lula, mas esse aumento foi inferior ao
observado no comércio Brasil-Ásia, sem incluir a China (384,02%), no comércio Brasil-China (669,49%) e no
comércio Brasil-Oriente Médio (255,85%) (BRUN; MUXAGATO, 2012).
225
O Investimento Externo Direto do Brasil na África passou de US$ 69 milhões em 2001 para US$ 214 bilhões
em 2009. No caso da África Subsaariana, contudo, houve queda de US$ 281 milhões em 2001 para US$ 124
milhões em 2009 (BANCO MUNDIAL; IPEA, 2011).
226
O discurso culturalista começou a se fazer presente na política externa brasileira nos anos 60 e 70, conferindo
relevância simbólica ao continente africano pela sua influência na construção do Brasil (SARAIVA, F., 1997).
181

de língua portuguesa passando a ser contemplados de forma mais expressiva (IGLESIAS


PUENTE, 2010).227
Em viagem à África do Sul, em novembro de 2003, Lula afirmou que Angola e
Moçambique seriam prioritários no âmbito da CPLP, confirmando o que havia sido dito pelo
chanceler Amorim em seu discurso de posse, em que justificou tal prioridade pelo fato de tais
países serem egressos de conflitos internos (IGLESIAS PUENTE, 2010). Aqui, observa-se
que o Governo Lula deu continuidade, embora com maior aprofundamento e qualificação, a
um processo que havia sido iniciado no governo anterior, conforme se viu na Subseção 2.4.1.
Com o lançamento da “Ação Global contra a Fome e a Pobreza”, construiu-se discurso
claro vinculando desenvolvimento e segurança internacional. O palco central para o
detalhamento e operacionalização desse discurso, contudo, não foi a África, mas o Haiti, onde
o elemento da cooperação técnica também apareceu de forma explícita e reiterada no discurso
diplomático do Governo Lula. A relação entre desenvolvimento e segurança também
informou o seguimento da atuação brasileira no Timor Leste, onde, de acordo com Iglesias
Puente (2010), as ações de CTPD mantiveram-se crescentes, embora com menor visibilidade
no discurso diplomático.
Ao ressaltar a relação entre os dois temas, o governo brasileiro demonstrou capacidade
de acompanhar os debates internacionais sobre o tema da paz, marcados pela passagem da
dimensão ostensiva para a valorização da dimensão do desenvolvimento, coadunando, por um
lado, com a lógica da autonomia pela participação do Governo Cardoso. Por outro lado,
realizou-se releitura de um traço marcante na diplomacia brasileira: a “mediação entre os
fracos e os fortes” (LIMA, 2005b, p. 7),228 tendo em vista a junção, em uma mesma estratégia,
da prioridade tradicional da política externa dos “fracos” nas relações Norte-Sul, o
desenvolvimento, com a prioridade tradicional das grandes potências, a segurança.
O maior ativismo na construção da paz internacional, porém, afastou-se da “estratégia
da credibilidade” que teria dominado o Governo Cardoso, baseada em postura defensiva e na
premissa da “insuficiência de poder” (LIMA, 2005b, p. 18). Afastou-se, ainda, da própria
227
O apoio brasileiro à busca por modelos de desenvolvimentos próprios pelo continente africano coaduna com o
“renascimento africano” nos anos 2000, marcado pela busca do controle do próprio destino por lideranças do
continente, conforme demonstra o lançamento da Nova Parceria para o Desenvolvimento Africano (NEPAD) em
2001 (SARAIVA, F., 2012).
228
A “mediação entre os fracos e os fortes”, expressa tradicionalmente na política externa brasileira no âmbito
das negociações comerciais, passou também a marcar a atuação do Brasil em áreas relacionadas à segurança
internacional; a construção da paz passa a ser vista como garantia dos interesses comuns, sem contradição com
interesses particulares do Brasil, posto que o país ainda possuiria insuficientes capacidades militares para impor
os seus próprios interesses, erigindo-se a cooperação técnica e humanitária como mecanismo central de atuação.
182

tradição de pragmatismo da política externa brasileira, na medida em demonstrou-se


disposição de arcar com parte custos relacionados a um bem público global, a paz, ao mesmo
tempo buscando um benefício claro com isso: a conquista por assento permanente no
Conselho de Segurança da ONU (VIGEVANI; CEPALUNI, 2007).
A disposição de arcar com os custos da liderança internacional, abandonando a
preferência tradicional da diplomacia brasileira por uma posição de bandwagoning
(SARAIVA, M., 2010), também fica clara no que se refere à prioridade máxima da política
externa brasileira durante o Governo Lula: o Mercosul e a América do Sul. Aqui, também,
houve número crescente de ações de CTPD, embora, assim como no Governo Cardoso, elas
não tenham encontrado correspondência no discurso diplomático do período, no qual
prevalecem referências gerais à integração e referências particulares à cooperação econômica
(infraestrutura e investimentos) (IGLESIAS PUENTE, 2010).229
Iglesias Puente (2010), contudo, nota uma diferença marcante no discurso diplomático
do Governo Lula em relação ao seu antecessor no que se refere às relações com os vizinhos: a
menção à necessidade de “solidariedade” e de “generosidade”. É no entorno regional,
precisamente, que a lógica da interdependência opera e em que pragmatismo e altruísmo
aparecem interligados, conforme fica claro na seguinte declaração realizada por Marco
Aurélio Garcia ao defender que o Brasil arcasse com os custos da integração regional: “Não
queremos que o país seja uma ilha de prosperidade em meio a um mundo de miseráveis.
Temos que ajudá-los sim. Essa é uma visão pragmática” (GARCIA, 2009 apud SARAIVA,
M., 2010, p. 51).
Porém, como apontaram os dados apresentados nas Seções 2.2 e 2.3, a prioridade das
relações com a América do Sul não se refletiram plenamente na alocação orçamentária e de
projetos coordenados pela ABC. Essa dissonância não passou despercebida por um analista
que, em artigo publicado em 2012, apontou a necessidade de que o Paraguai, país com o qual
o Brasil possui relações de interdependência inequívocas (interesses econômicos crescentes
envolvendo setores brasileiros no país, com impactos negativos sobre processos políticos
domésticos; questões relacionadas a Itaipu; tráfico de drogas e armas, com impacto sobre a
segurança pública nas cidades brasileiras), seja mais contemplado pela cooperação brasileira.
Segundo ele,

229
Uma das exceções identificadas por Iglesias Puente (2010), em artigo de autoria de Celso Amorim, é a
referência à cooperação técnica em Educação, Meio-Ambiente e Saúde no âmbito da Organização do Tratado de
Cooperação Amazônica (OTCA).
183

apesar de seus terríveis índices de desigualdade e miséria, o Paraguai recebe menos


ajuda humanitária brasileira que a Nicarágua, Guiné-Bissau ou Equador e nem
sequer figura entre os dez primeiros receptores de cooperação técnica oriunda do
Brasil. [...] O Brasil nunca teve uma política séria para compensar a assimetria com
o Paraguai. Desenvolvê-la não seria altruísmo nem uma “diplomacia da
generosidade”, mas puro cálculo por interesse próprio (SPEKTOR, 2012).

Sugestão semelhante de foco da CTPD brasileira em âmbitos nos quais a


interdependência opere de forma inequívoca também foi realizada, em 2010, por um
diplomata:
[...] poder-se-ia considerar [...] a implementação de ações de CTPD brasileira com
outros objetivos, como combater o tráfico de drogas, evitar migrações e/ou conflitos
que causem instabilidades políticas regionais em áreas geográficas de interesse do
país, contribuir para o combate ao terrorismo, impedir agressões ao meio ambiente
que possam ter efeitos climáticos danosos no Brasil, garantir o fluxo regular de
produtos de que o país necessite etc. (AVELLAR, 2010 apud BARBOSA, P., 2011,
p. 121).

É possível que o aumento de ações no setor “Segurança Pública” no período 2005-


2010, que passou a figurar em quarto lugar na prestação de cooperação sob a coordenação da
ABC (Seção 2.2), tenha relação com a incorporação do elemento da interdependência na
CTPD brasileira. O setor, porém, não foi citado no discurso diplomático do Governo Lula.
Iglesias Puente (2010) destaca a presença dos seguintes temas nesse discurso: meio-ambiente;
educação; formação profissionalizante; agricultura e desenvolvimento rural; HIV, malária e
relação da Saúde com a fome e a pobreza;230 combate à fome.
Apesar da ênfase inequívoca dada pela CTPD brasileira durante o Governo Lula à
agenda social e ao componente redistributivo das políticas públicas, em consonância com
avanços domésticos nas áreas de segurança alimentar e nutricional e da agricultura familiar
durante sua administração, agentes implementadores percebidos como baluartes de um
modelo de desenvolvimento focado no crescimento econômico, e cuja presença na prática da
CTPD já se destacava no Governo Cardoso, não deixaram de ser citados durante o Governo
Lula pelo então presidente, por seu chanceler Celso Amorim e por diretores da ABC no
período. Foi o caso, conforme veremos com mais detalhes nos capítulos 3 e 4, da EMBRAPA
e do SENAI.
Embora o próprio presidente Lula não tenha deixado de valorizar a presença da
EMBRAPA e do SENAI nos países em desenvolvimento, nem de ressaltar o papel do

230
A relação entre a fome e a pobreza e a Saúde foi elaborada pelo discurso dos chamados “determinantes
sociais da saúde” (ver: BUSS; FERREIRA, 2010a, 2010b). Sua incorporação pelo discurso diplomático sobre a
CTPD durante o Governo Lula é indicativa da incidência da coalizão da Saúde sobre tal discurso.
184

crescimento econômico, do avanço científico e tecnológicos e da geração de empregos no


desenvolvimento brasileiro e internacional, isso aconteceu em conflito com o modelo de
desenvolvimento defendido pela base social de apoio ao presidente.
Por seu turno, o MRE, mais identificado tradicionalmente com o aspecto do
crescimento econômico, não deixou de reconhecer a importância do tema do combate à fome
e da participação social na cooperação brasileira. Diplomatas apontaram, contudo, a
necessidade de maior coordenação e de não se perder de vista que a política externa brasileira
deve se pautar não apenas por aspectos normativos, mas também pela busca do “interesse
nacional”. Os seguintes trechos são elucidativos desse posicionamento:
[...] a diplomacia brasileira tem-se mostrado capaz de perceber o quão crucial é o
combate à fome e à miséria no plano externo, e quão essencial é desenvolver
políticas cuja implementação atende ao interesse nacional (VALLER FILHO, 2007,
p. 54).

As críticas formuladas quanto ao “monopólio” por parte do Itamaraty continham, de


fato, elementos procedentes, na medida em que a sociedade, ao refletir sobre temas
que lhe eram afetos, passaria a opinar sobre a escolha dos projetos, tanto na
qualidade de demandante, quanto na de prestadora de cooperação. Por outro, no
entanto, esqueciam-se de que a cooperação internacional é uma política de Estado,
que necessita de um órgão normatizador, capaz de balizar as ações no longo prazo e
administrar as relações burocráticas entre os diversos órgãos governamentais. No
equilíbrio entre a centralização e a participação é que deve ser entendida a essência
da política de cooperação (Ibid., p. 108-109).

No entanto, as ressalvas diplomáticas à expansão, dispersão e politização da CTPD


brasileira durante o Governo Lula, fundadas na resistência à influência de circunstâncias
políticas sobre a agenda da política externa brasileira, foram de certa maneira compensadas
pela visibilidade doméstica e externa conferida ao MRE durante o Governo Lula com: a
abertura ou reabertura de dezenas de Embaixadas brasileiras em países em desenvolvimento;
a criação de centenas de novas vagas; e os sucessivos reajustes salariais conferidos aos
funcionários da carreira diplomática.231 A expansão do quadro diplomático, contudo, foi
insuficiente para acompanhar a expansão da rede diplomática brasileira nos países em

231
Nas palavras de um diplomata: “De forma mais enfática que FHC [Fernando Henrique Cardoso], Lula buscou
aproximação com outros países em desenvolvimento. Prova disso é a quantidade de postos abertos ao longo de
sua gestão. Em oito anos, o número de novas embaixadas e consulados ultrapassou 200, grande parte dos quais
em países em desenvolvimento, sobretudo latino-americanos, caribenhos e africanos. Durante o Governo
Cardoso, em função de restrições orçamentárias e de sucessivas crises internacionais e internas, houve o
fechamento de diversos postos no exterior, sobretudo em países, cujo relacionamento bilateral é pequeno. Lula
reabriu esses postos e criou novos. Atualmente, todos os países latino-americanos e caribenhos possuem
embaixadas Brasileiras. Ajudou nesse processo de expansão de postos o aumento do número de diplomatas
brasileiros selecionados por meio de concurso público. Entre 2006 e 2010, ao invés de tradicionalmente abrir
cerca de 30 vagas para o Instituto Rio Branco, foram criadas turmas com pouco mais de cem alunos anualmente.
A carreira diplomática foi igualmente valorizada por sucessivos reajustes salariais” (BARBOSA, P., 2011, p.
103).
185

desenvolvimento, razão pela qual a CTPD, por contar com base mais ampla de recursos
humanos oriundos de outras instituições nacionais, tornou-se mecanismo central para
viabilizar o trabalho das novas embaixadas.

2.4.3 O Governo Dilma

Durante o Governo Dilma, transformações que já haviam tido início nos últimos anos
do Governo Lula – com as contingências geradas pelos efeitos da crise de 2008 sobre a
economia brasileira e os impactos negativos da emergência da China sobre a diversificação da
matriz produtiva nacional -, aprofundaram-se e ficaram mais visíveis no desenho das
diretrizes da política externa brasileira, inclusive em função da diferença de perfil entre os
dois mandatários (MOROSINI; CORNETET, 2013; VEIGA; RIOS, 2011).
Embora reconhecendo os avanços macroeconômicos e sociais no Brasil, Dilma
defendeu, em discurso geral de política externa, que ainda persistem problemas domésticos
fundamentais que demandam a atenção prioritária da administração pública – como a pobreza
extrema e a perda de competitividade da indústria brasileira -, e que seu equacionamento
dependeria da expansão das trocas econômicas e de conhecimentos internacionais
(ROUSSEFF, 2011).
A clivagem Norte-Sul foi reformulada no discurso diplomático da presidenta em torno
do direito de defesa dos países emergentes na busca pela valorização artificial de suas moedas
diante da expansão monetária nos EUA e em outros países desenvolvidos (MOROSINI;
CORNETET, 2013) e, posteriormente, em torno da defesa do multilateralismo e da
liberalização comercial. Os objetivos do desenvolvimento econômico voltaram, assim, a
ocupar lugar de destaque na orientação da política externa brasileira, com recuo em iniciativas
voltadas para aumentar o prestígio internacional (VEIGA; RIOS, 2011).
A presidenta conferiu menor importância ao papel da autonomia nacional na busca do
desenvolvimento brasileiro, reiterando que o último, ao qual a política externa deve servir,
depende da expansão de laços internacionais: “A política externa de um país é mais do que
sua projeção na cena internacional. Ela é também um componente essencial de um projeto
nacional de desenvolvimento, sobretudo em um mundo cada vez mais interdependente”
(ROUSSEFF, 2011).
186

Seguindo tais prioridades, a política externa do Governo Dilma passou a focar a busca
de novos mercados para os investimentos e as exportações brasileiras, particularmente as de
maior valor agregado; e a identificação e mobilização de capacidades, conhecimentos e
experiências externas que pudessem contribuir para o fortalecimento da inovação no Brasil
(caso do Programa Ciências sem Fronteiras, por exemplo).
Na vertente Sul-Sul, o discurso diplomático geral da nova gestão re-focou a ação
externa brasileira na América do Sul, apontando a “inescapável interdependência” e
propósitos econômicos, ligados ao fato de a região ter se convertido em “polo dinâmico do
crescimento mundial”. No caso da África, a presidenta ressaltou a dimensão da “cooperação
econômica” e das potencialidades do continente devido a suas capacidades populacionais (800
milhões de habitantes) e das riquezas de seu território (ROUSSEFF, 2011).
Em relação ao Haiti, país prioritário na CTPD do Governo Lula, enquanto a princípio
o discurso da presidente Dilma reiterava o compromisso brasileiro, embora apontando que a
transição democrática seria fator essencial para a reconstrução (ROUSSEFF, 2011), em
discurso posterior o país caribenho nem sequer foi mencionado (ROUSSEFF, 2012).
Paralelamente, o discurso diplomático presidencial passou a conferir maior relevo às relações
do Brasil com países de nível de desenvolvimento similar ou superior ao brasileiro.
Essas transformações parecem sugerir que a nova administração esteja focando
iniciativas de cooperação que gerem ganhos mais visíveis para o Brasil, em detrimento
daquelas cujos ganhos sejam difusos. A priorização da abertura de mercados e de parcerias
que promovam a inovação no Brasil levam a crer que, em vez de se basear em aposta em
ganhos futuros a serem obtidos pela busca de liderança junto aos demais países do Sul Global,
o novo governo vem buscando ganhos mais imediatos para o desenvolvimento brasileiro –
seja em relações pautadas por ligações contratuais claras (cooperação econômica), seja em
relações em contextos nos quais a interdependência se manifesta de forma inequívoca e em
que a não cooperação tem maior potencial de engendrar conflitos (entorno regional).
As prioridades do novo governo levaram a transformações no engajamento brasileiro
na CTPD, sendo sua primeira expressão o congelamento do orçamento da ABC em 2011,
depois de ter triplicado entre 2008 e 2010. Tal decisão aconteceu no âmbito de
contingenciamentos mais amplos no orçamento nacional de 2011, que atingiram
principalmente gastos com passagens e diárias da administração pública federal (BRASIL,
2011b).
187

Em resposta ao congelamento do orçamento da ABC, seu novo diretor a partir de


2012, Embaixador Fernando José Marroni de Abreu, buscou planejar melhor as ações da
agência. Além da elaboração do manual de boas práticas (Subseção 2.1.5), tal tendência
apareceu consolidada na previsão de distribuição dos gastos da ABC para o período 2012-
2015, com países da América Latina e Caribe – os quais costumam oferecer contrapartidas
maiores às iniciativas de CTPD – encabeçando a lista, com previsão orçamentária de US$ 40
milhões (priorizando-se iniciativas isoladas). Em seguida aparece o continente africano, com
previsão de US$ 36 milhões (priorizando-se projetos estruturantes e os países de língua
portuguesa), e, por fim, Ásia, Oceania e Oriente Médio, com US$ 4,5 milhões (ABREU,
2012).
Ao mesmo tempo, privilegiou-se a alocação do orçamento da ABC para o
cumprimento de compromissos assumidos pelo governo anterior. Parcerias triangulares e
envolvendo múltiplos parceiros (multistakeholder) também passaram a ser valorizadas,
principalmente em iniciativas com o continente africano.
Conforme será visto com mais detalhes nos capítulos sobre a EMBRAPA e o SENAI,
muitas das transformações da CTPD brasileira durante o Governo Dilma convergiram com
lições aprendidas pelas agências implementadoras. Paralelamente, o congelamento do
orçamento da ABC alimentou o envolvimento autônomo de instituições nacionais na CTPD,
principalmente pela via das contribuições a organismos internacionais.

2.5 Considerações finais

A política externa brasileira teve como dimensão central, desde os anos 30, a
promoção do desenvolvimento nacional. Em contexto marcado pela prevalência da visão do
desenvolvimento como avanço industrial e científico e tecnológico, a captação de cooperação
técnica passou a ser vista como elemento crucial. Foi desenhada, a partir dos anos 50, uma
estrutura nacional de captação de CTI no âmbito do MRE, a qual foi reformada e transmitida,
em 1969, ao Ministério do Planejamento. Nesse contexto, estruturaram-se as primeiras
unidades internacionais dentro de diversas instituições brasileiras integradas ao sistema
nacional de CTI.
188

O avanço do desenvolvimento nacional, nos anos 70, acompanhado pelo fim da idade
de ouro do capitalismo, pela introdução da graduação e da abordagem das Necessidades
Humanas Básicas e pela transição da inovação para o setor privado nos países desenvolvidos,
levou a uma diminuição da captação da cooperação técnica para o modelo de
desenvolvimento que se desejava alimentar, culminando com o redesenho do sistema de
cooperação técnica internacional e com sua retransmissão para o MRE em 1987.
Paralelamente, a CTPD ganhava maior centralidade no âmbito da agenda global de
CTI e de CID. Os países do Sul, no contexto de desmobilização do Diálogo Norte-Sul,
passaram a complementar a cooperação política com o apoio mútuo nos âmbitos econômico e
técnico, mas, enquanto possuíam deficiências de cunho estrutural para promover a cooperação
econômica, no caso da cooperação técnica o sistema desenhado para promovê-la, centrado no
PNUD, acabou sendo capturado pela dinâmica da graduação (com os mais desenvolvidos se
vendo na tarefa de “ajudar” os menos desenvolvidos).
Foi nesse contexto que, em 1987, a ABC foi criada. Em vista de seus impactos difusos
sobre o desenvolvimento nacional, a CTPD nunca se constituiu como área prioritária para o
MRE, que não foi capaz de elaborar uma política na matéria. O apoio operacional do PNUD,
visto a princípio como transitório, segue até os dias atuais, fortalecido pela inexistência de
planejamento estratégico, quadros fixos e um marco legal.
Durante o Governo Cardoso, a CTPD começou a emergir como instrumento de
política externa na busca pela “autonomia pela participação”, contribuindo para projetar
avanços nacionais em áreas diversas do desenvolvimento. Esse governo também marcou o
início da mobilização doméstica em torno do tema, particularmente no caso da Saúde, mas
também nos casos da Educação e do Meio-Ambiente, com a busca pela elevação de suas
políticas como “boas práticas” no âmbito internacional. A transferência de políticas,
conhecimentos e experiências setoriais para outros países em desenvolvimento, assim como
uma maior proatividade nas relações com organismos internacionais, passou a ser vista como
mecanismo para que o Brasil ficasse menos sujeito a normas internacionais criadas sem a sua
participação. Prevalecia, contudo, a ideia de que o país deveria manter baixo perfil nesses
processos, seja pela percepção de inexistência de recursos suficientes para sustentá-los, seja
pela prevalência de outras prioridades na política externa brasileira (principalmente a busca
pela credibilidade macroeconômica).
Durante o Governo Lula, a CTPD adquiriu instrumentalidade inédita para a política
externa brasileira. A exportação de políticas para outros países em desenvolvimento passou a
189

ser utilizada por grupos de apoio ao presidente como mecanismo para fortalecer experiências
nacionais de desenvolvimento centradas na dimensão social e redistributiva, de modo que as
conquistas obtidas pela administração petista não fossem comprometidas por alterações no
cenário político doméstico e pelo neoliberalismo, percebido como força dominante no âmbito
global.
Inaugurou-se, assim, profunda ruptura com as concepções sobre o desenvolvimento
sustentadas tradicionalmente pelo Itamaraty. Não obstante, experiências focadas no
entendimento do desenvolvimento como crescimento econômico e avanço tecnológico não
foram abandonadas; ao contrário, como demonstram os casos do SENAI e da EMBRAPA,
que serão desenvolvidos nos próximos capítulos, a diplomacia presidencial elevou sua
participação na política externa brasileira.
Diante da alocação crescente de recursos financeiros e humanos para a CTPD – e de
sua publicização em um país ainda marcado por carências domésticas -, o próprio MRE
passou a tentar entender melhor quais seriam os ganhos da cooperação prestada para o Brasil.
As dimensões do soft power, do apoio ao pleito brasileiro para uma vaga permanente no
Conselho de Segurança nas Nações Unidas e da conquista de votos para candidatos brasileiros
a organizações internacionais foram apontados como ganhos. Ganhos econômicos também
foram apontados, embora no viés da não intencionalidade.
A expansão sem precedentes da CTPD brasileira durante a administração Lula
respondeu, em grande medida, à busca pelo reconhecimento internacional (principalmente das
potências) pelas experiências nacionais de desenvolvimento e pelo pleito por maior
protagonismo do Brasil na governança global. A dimensão dos ganhos indiretos, portanto,
sobressaiu; mostrando que o Brasil estava avançando em várias áreas do desenvolvimento
(como atestavam os selos de boas práticas e o interesse crescente por suas experiências por
outros países em desenvolvimento), o país se diferenciava em relação aos menos
desenvolvidos, demonstrando aptidão para ser incluído no rol de líderes internacionais. Ao
mesmo tempo, diferenciava-se em relação às potências tradicionais ao falar em nome dos
países em desenvolvimento (a prova disso seria o apoio dado por esses países a candidatos e a
pleitos brasileiros) e ao agregar atributos de uma nova liderança, disposta a arcar com os
custos de promoção dos bens públicos globais em direção a uma nova ordem política e
econômica internacional – centrada na cooperação, não no imperialismo econômico e na
guerra.
190

Paralelamente, o Brasil, incorporando modelo alinhado com valores ocidentais em


vista da combinação entre democracia, crescimento econômico e justiça social, colocava-se
como contraponto à China, embora as relações com esse país tenham sido marcadas, durante a
maior parte do Governo Lula, mais pelo alinhamento (já que se via essa aliança como meio
para abalar as estruturas políticas e econômicas globais de forma mais imediata) do que por
disputas.
O Governo Dilma, contudo, deixou de priorizar o engajamento brasileiro na CTPD,
seja em razão da personalidade da nova presidenta (que, como economista, valoriza o cálculo
instrumental e repudia ações centradas na busca de reconhecimento), seja em razão de uma
nova leitura do contexto internacional, visto como limitador à ação internacional mais
proativa do Brasil. Durante o seu governo, houve clara tentativa de circunscrever a expansão
da CTPD, ao passo que o desenvolvimento nacional, e suas interfaces na política externa por
meio da cooperação científica e tecnológica e da internacionalização da economia brasileira,
adquiriram nova centralidade.
Não obstante, a nova administração não sucedeu em desmobilizar os grupos de
interesses que se haviam formado em torno da CTPD. Ainda que o envolvimento crescente de
entidades nacionais na CTPD tenha respondido, a princípio, à insuficiência de recursos
humanos e financeiros na própria ABC, muitas das entidades implementadoras passaram a
pleitear sua inclusão, também, no processo decisório. A profissionalização e qualificação
internas, bem como o maior ativismo em redes e fóruns internacionais setoriais,
configuraram-se como mecanismos centrais para a busca de incidência sobre as decisões
acerca de com quais países e, principalmente, em que áreas específicas e cooperar. A
capacidade de incidência das agências implementadoras também pareceu variar, de forma
direta, com o grau de vínculos políticos entre elas e a Presidência da República e/ou o MRE.
O fortalecimento de setores específicos durante o Governo Lula, com destaque para as
coalizões da Saúde, da Segurança Alimentar e Nutricional e da Agricultura Familiar, é
indicativo de que a CTPD começou a ganhar raízes na sociedade e nas instituições brasileiras.
Ainda assim, pelo menos três fatores levam a questionamentos acerca de em que medida essa
interface social e institucional da CTPD brasileira é forte o suficiente para garantir que ela se
converta em política de Estado: o fato de tais coalizões se centrarem em lideranças
específicas, e não em um verdadeiro alinhamento institucional interno; o fato de Dilma
pertencer ao mesmo partido de seu sucessor, o que leva a crer que o engajamento oficial na
CTPD não pôde ser totalmente desmobilizado em razão de compromissos assumidos com a
191

base de apoio ao governo; e o fato de a agenda da AOD estar passando por fase de
desmobilização no cenário global.
Seguindo o desenho de pesquisa proposto por Lancaster (2007a), este capítulo buscou
compreender a política doméstica da CTPD brasileira em quatro vertentes: ideias, instituições,
interesses e sistema nacional. Devido à fragmentação burocrática da CTPD brasileira, optou-
se por focar a sua vertente formal, centrada na ABC/MRE. Foram identificados os seguintes
condicionantes domésticos e tensões:
a) Ideias: papel do Brasil no mundo (aspirações: reconhecimento, soft
power x desenvolvimento nacional); definição do desenvolvimento
(crescimento econômico e avanço científico e tecnológico x sustentabilidade
ambiental, justiça e participação social); liderança do Estado no
desenvolvimento nacional; legitimidade da CTPD (não existem pesquisas de
opinião sobre o tema no país; envolvimento de dezenas de entidades nacionais
do governo e da sociedade na implementação ampliando base de apoio x
questionamento dentro dessas mesmas entidades e/ou pelos partidos opositores
ao governo; elites a favor das relações com o Norte, vistas como mais
lucrativas);
b) Instituições: papel da Presidência da República no estabelecimento das
diretrizes da política externa; visitas presidenciais e ministeriais (chanceler
definido pela Presidência) encabeçando a lista de prioridades da ABC; poder
de designação do diretor da ABC (não fica clara nos decretos recentes
referentes à estrutura regimental do MRE); peso da CTPD e de setores e
regiões específicos no discurso diplomático; acordos bilaterais de cooperação
submetidos ao Congresso, mas ajustes complementares não; papel do
Congresso na aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias, cujo projeto é
elaborado pela Presidência da República; inexistência de Legislação específica
sobre alocação de recursos humanos e financeiros e o papel do Ministério
Público em fiscalizar a aplicação das leis e zelar pelo patrimônio nacional;
c) Interesses: a internacionalização do Poder Executivo Federal e a
importância conferida a cada ministério por cada presidente da República;
papel crescente das ONGs, movimentos sociais, universidades e centros de
pesquisas na busca pela elevação de propósitos morais; o papel das coalizões
da Saúde e da Segurança Alimentar; setor privado ainda com baixa incidência
192

sobre a CTPD; papel do MRE na preservação de interesses privados brasileiros


fora do país;
d) Sistema nacional: ABC localizada dentro da estrutura do MRE; pouca
comunicação entre a ABC e outras divisões do MRE; influência operacional e
metodológica do PNUD; arranjos de operacionalização alternativos com outros
organismos internacionais; amplitude das prioridades geográficas; número de
projetos realizados em cada país não corresponde necessariamente a lugar
ocupado pelo país ou pela região onde se encontra no ranking das prioridades
geográficas; prioridades setoriais, se existem, não aparecem na lista de
prioridades da ABC; tendência de indução de demandas por setores
específicos, sendo a proximidade da instituição indutora com o MRE e/ou com
a Presidência da República variável relevante para o acesso aos recursos da
ABC.

Os próximos dois capítulos buscarão entender, em particular, como duas entidades


implementadoras privilegiadas da CTPD brasileira, EMBRAPA (Capítulo 3) e SENAI
(Capítulo 4), foram inseridas e se inseriram no quadro político doméstico da cooperação
técnica com outros países em desenvolvimento, considerando-se ainda condicionantes
externos (o papel indutor desempenhado pelos doadores tradicionais). Ambos os capítulos
seguirão estruturas semelhantes, buscando entender as missões dessas organizações, o papel
da cooperação recebida em sua estruturação e a evolução de seu engajamento da CTPD,
levando-se aqui em consideração percepções acerca de propósitos humanitários, diplomáticos
e estratégicos vinculados a esse engajamento.
193

3 O ENVOLVIMENTO DA EMBRAPA NA CTPD: MOBILIZAÇÃO


ESTRATÉGICA SEM ALINHAMENTO INSTITUCIONAL

A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) foi instituída pela Lei


nº 5.851 (07/12/1972) como empresa pública de direito privado vinculada ao Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento (BRASIL, 1972). Efetivamente criada em 26 de abril
de 1973, sua finalidade aparece restrita à promoção do desenvolvimento agrícola brasileiro na
vertente científica e tecnológica, sendo sua atuação em colaboração com entidades
internacionais prevista como uma das ferramentas para a consecução de tal objetivo. 232
A EMBRAPA é formada por Unidades Administrativas ou Unidades Centrais,
situadas no edifício-sede em Brasília, e por Unidades de Pesquisa e de Serviços ou Unidades
Descentralizadas, distribuídas em todo o território brasileiro. Estas últimas contemplam
Unidades de Serviço (5), Unidades de Pesquisa de Produtos (14), Unidades de Pesquisa de
Temas Básicos (11) e Unidades de Pesquisa Ecorregionais (17) (EMBRAPA, 2013e). Além
disso, a EMBRAPA coordena o Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária (SNPA),
formado por universidades e outras instituições públicas (federais e estaduais) e privadas que
produzem pesquisas em diversos campos científicos relacionados à agropecuária
(EMBRAPA, 2013d).
A cooperação internacional, que esteve presente desde a criação da EMBRAPA,
integra a própria razão de ser da empresa, já que a inserção em redes internacionais é crucial
para a promoção do desenvolvimento científico e tecnológico. Paralelamente, a estatal atua,
desde pelo menos os anos 80, em iniciativas de Cooperação Técnica entre Países em
Desenvolvimento (CTPD), embora apenas recentemente, durante o Governo Lula, tais
iniciativas tenham ganhado maior visibilidade e assumido dimensão de instrumentalidade na
política externa brasileira. Conforme destacou um diplomata, durante o Governo Lula a
EMBRAPA “passou a figurar entre as instituições brasileiras que mais serviram como
instrumento de política externa” (BARBOSA, P., 2011, p. 77).

232
Segundo o Artigo 2º da Lei nº 5.851, as finalidades da EMBRAPA são: “I – promover, estimular, coordenar e
executar atividades de pesquisa, com o objetivo de produzir conhecimentos e tecnologia para o desenvolvimento
agrícola do País; II - dar apoio técnico e administrativo a órgãos do Poder Executivo, com atribuições de
formulação, orientação e coordenação das políticas de ciência e tecnologia no setor agrícola. Parágrafo único. É
facultado à Empresa desempenhar suas atividades mediante convênios ou contratos com entidades públicas ou
privadas, nacionais, estrangeiras ou internacionais” (BRASIL, 1972).
194

Diferentemente das iniciativas voltadas para capacitação dos pesquisadores da


EMBRAPA no exterior, intercâmbio de conhecimentos e parcerias para prospecção e
desenvolvimento conjunto de novas tecnologias e negócios internacionais (que acontecem nas
vertentes Norte-Sul e Sul-Sul), o envolvimento da EMBRAPA na CTPD resultou, em grande
medida de indução externa – seja de entes internacionais (agências de cooperação
internacional de países desenvolvidos ou organismos e redes internacionais), seja de entes
domésticos (Presidência da República e Ministério das Relações Exteriores). Quer dizer, o
envolvimento da EMBRAPA na CTPD não resultou, a princípio, de percepção institucional
própria sobre o papel dessa modalidade de engajamento internacional no cumprimento de sua
missão.
A convocação da EMBRAPA para atuar como agente diplomático, durante o Governo
Lula, foi inicialmente bem recebida pela estatal, mas o aumento exponencial de demandas
levadas a ela passou a gerar resistências internas, tendo em vista a necessidade de
disponibilizar número crescente de recursos humanos para a promoção do desenvolvimento
internacional. Não obstante, o acúmulo de lições aprendidas em campo, bem como o avanço
institucional interno, levou a maior proatividade da empresa no desenho de projetos e no
processo decisório relacionado à CTPD.
A EMBRAPA passou, assim, a buscar capitalizar seu protagonismo involuntário na
seara para alcançar objetivos em áreas de atuação consideradas prioritárias pela empresa na
busca da construção e consolidação de sua liderança nacional e internacional em pesquisa
agropecuária tropical. Se o reconhecimento internacional da empresa como modelo a ser
seguido por outros países contribuiu para gerar vontade política para a realização de uma série
de reformas que já se faziam necessárias para aprimorar o cumprimento de sua missão, a
polarização crescente, dentro e fora da empresa, entre agronegócio e agricultura familiar
acabou impedindo que elas fossem levadas adiante.
O objetivo deste capítulo é levantar as lições aprendidas pela EMBRAPA na prestação
de cooperação ao longo do Governo Lula, analisando em que medida convergem para
engajamento sustentável e eficaz da empresa na CTPD. A argumentação desenvolvida está
baseada em três premissas acerca do engajamento sustentável da EMBRAPA na CTPD: a
premissa de que ele depende da formação de uma percepção institucional acerca dos
benefícios dessas iniciativas para o desenvolvimento agrícola nacional e internacional; a
premissa de que ele é essencial para garantir a efetividade das ações; a premissa de que ele é
195

fundamental para garantir a prestação de cooperação em bases plurianuais, resistindo,


portanto, a flutuações nos cenários político e econômico domésticos brasileiros.
O capítulo foi estruturado em três partes. Em primeiro lugar, traça-se a evolução do
papel da EMBRAPA como receptora de recursos e de tecnologias de países de maior
desenvolvimento relativo, ressaltando-se a percepção interna sobre os benefícios positivos da
cooperação internacional, inclusive na modalidade do intercâmbio de conhecimentos, no
cumprimento da missão da empresa. A segunda seção aborda a evolução do papel da
EMBRAPA na CTPD, buscando captar transformações, durante os governos Lula e Dilma, no
que se refere à relação da empresa com os componentes diplomáticos, humanitários e
estratégicos da CTPD brasileira. Por fim, as considerações finais sumarizam o conteúdo do
capítulo, apontando avanços e desafios à sustentabilidade do envolvimento da EMBRAPA na
CTPD.

3.1 A evolução da inserção da EMBRAPA na cooperação internacional: da


recepção ao intercâmbio de conhecimentos

O envolvimento em iniciativas de cooperação internacional esteve presente nas


atividades da EMBRAPA desde sua criação. Conforme apontou um dos funcionários da
Secretaria de Relações Internacionais da estatal (SRI) entrevistados durante a elaboração desta
tese, esse envolvimento aconteceu, em um primeiro momento, por meio da recepção de
cooperação técnica e financeira e pelo envio de pesquisadores para especialização em nível de
mestrado e doutorado em universidades europeias e norte-americanas.
No primeiro caso, a iniciativa que tem sido apontada com maior destaque é o
Programa de Cooperação Nipo-Brasileiro para o Desenvolvimento Agrícola dos Cerrados
(PRODECER), que resultou de acordo firmado, em 1974, entre os então presidente do Brasil,
Ernesto Geisel, e primeiro-ministro japonês, Kakuei Tanaka. Iniciado em 1979 e encerrado
em 2001, o PRODECER baseou-se em projeto-piloto que “desenvolveu” 345 mil hectares,
com investimentos japoneses totalizando US$ 648 milhões, ficando a contraparte técnica
brasileira a cargo do Centro de Pesquisa Agropecuária dos Cerrados da EMBRAPA (JICA,
2009). Considerada uma das maiores conquistas da ciência agrícola do século XX, a
“emergência” do cerrado rendeu a dois engenheiros agrônomos brasileiros, Edson Lobato e
Alysson Paolinelli, o Prêmio Mundial da Alimentação em 2006.
196

Ao contrário do pressuposto segundo o qual iniciativas motivadas pelo altruísmo do


país doador produziriam impactos maiores sobre o desenvolvimento do país recipiendário, a
parceria Brasil-Japão teve eficácia resultante de engajamento de longo prazo, o qual foi
possível graças ao fato de ter sido ancorada em interesses estratégicos claros de ambas as
partes. Enquanto ela interessava ao Japão por conta da sua vulnerabilidade diante dos efeitos
da redução global da produção de grãos, como a soja, a partir de 1972,233 no caso do Brasil
realizava-se esforço nacional para a constituição de sistemas setoriais articulando ciência e
tecnologia com estratégias de desenvolvimento nacional.234 A dinamização da produção
agropecuária, a ser atingida por meio da estruturação de um Sistema Nacional de Pesquisa na
matéria, era vista como fundamental para expandir a oferta de alimentos, as exportações e a
renda dos produtores (EMBRAPA, 2006), em contexto marcado pela busca da autonomia
nacional na produção de alimentos.235
Além da recepção de cooperação técnica e financeira, considerava-se essencial, para o
avanço da pesquisa agropecuária, o envio de pesquisadores para especialização no exterior.
Dados referentes ao ano de 1972 sobre o quadro dos pesquisadores ligados ao Ministério da
Agricultura, que viriam ser absorvidos pela EMBRAPA após a sua criação, mostram que
10,7% deles eram mestres e 0,3%, doutores (ANDRADE, J., 1985).236 O meio prioritário para

233
A crise alimentar do início dos anos 70 resultou de condições climáticas anormais em contexto marcado por
tendência mundial de aumento populacional. O Japão dependia da importação de 60% dos grãos consumidos
internamente (JICA, 2009). No caso da soja, a vulnerabilidade japonesa ficou patente com o embargo à
exportação do produto pelo Governo Nixon em 1973, em razão da queda na produção do grão naquele ano e do
aumento de seus preços. O Japão, dependente da importação da soja americana, passou, então, a buscar novos
parceiros (como o Brasil) como meio para diversificar sua dependência externa da importação de soja e de outros
produtos agrícolas essenciais. Foi nesse contexto que a segurança alimentar emergiu como tema central da
política japonesa de cooperação (LANCASTER, 2007a).
234
A cooperação técnica recebida pelo Brasil em sojicultura é anterior à parceria com o Japão. Em 1963, o
Programa da Soja do Departamento de Fitotecnia da Universidade de Viçosa, criado em 1958, foi incluído em
convênio entre a Universidade Rural de Minas Gerais e a Universidade de Purdue (Indiana, EUA)
(MARCOVITCH, 1994). A parceria entre a EMBRAPA e a Agência Japonesa de Cooperação (JICA) em
pesquisa agropecuária segue até os dias atuais. Um dos acordos recentes, mencionado em audiência pública na
Câmara dos Deputados pelo então presidente da EMBRAPA, Pedro Arraes (2009-2012), está proporcionando a
introdução dos genes DREB e AREB à cultura do milho no Brasil, conferindo ao cultivar mais resistência à seca
e às altas temperaturas no contexto das mudanças climáticas. Segundo Arraes, os genes “foram licenciados para
a EMBRAPA sem custo” (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2010).
235
Na década de 70 o Brasil era importador líquido de alimentos. Justamente por ter feito a transição para
exportador líquido de alimentos em menos de 30 anos, o Brasil se tornou referência para países que estão
buscando o desenvolvimento de sua cadeia agrícola.
236
Em 1974, 15% dos pesquisadores possuíam título de mestrado e 2% de doutorado (ANDRADE, J., 1985).
Atualmente 18% dos pesquisadores da EMBRAPA possuem título de mestrado, 75% de doutorado, ao passo que
7% dos pesquisadores são pós-doutores (EMBRAPA, 2013b). A Nota 237 traz mais detalhes sobre a evolução da
distribuição de títulos ao longo dos anos. Segundo um dos funcionários da SRI entrevistados durante o processo
de elaboração desta tese, a maior parte dos candidatos às vagas da EMBRAPA que demandam titulação mínima
197

sanar essa carência de qualificação, desde o início das atividades da EMBRAPA em 1973, foi
enviar seus pesquisadores para programas de pós-graduação no Brasil e no exterior, criando-
se toda uma estrutura de incentivos para estimular a sua saída.237
A capacitação no exterior, seguida de período de adaptação dos conhecimentos
adquiridos à realidade brasileira, é percebida como determinante para o aumento da
produtividade agropecuária no Brasil e do volume de suas exportações. Na avaliação da
pesquisadora da EMBRAPA Lynette Lobo (2010), além de ter contribuído para a introdução
de novas tecnologias à agropecuária brasileira, a capacitação de pesquisadores no exterior, ao
longo dos anos 80, foi fundamental para a ampliação de parcerias e para a captação de
recursos junto a universidades e organismos internacionais.
Em um segundo momento, a partir dos anos 90, o acúmulo de conhecimentos por
parte dos pesquisadores da EMBRAPA teria levado a transição da importação de
conhecimentos para modelo baseado no intercâmbio com centros de pesquisas de países

de Mestrado são doutores. Diante dessa mudança de perfil, a capacitação de pesquisadores da EMBRAPA no
exterior migrou da pós-graduação strictu sensu para pós-doutoramentos ou capacitações específicas de curta
duração, as quais por vezes são realizadas no Brasil por meio da contratação de consultores estrangeiros. O
funcionário disse desconhecer casos em que tais capacitações sejam financiadas com recursos externos. A
maioria dos pesquisadores, segundo ele, se capacita com bolsas da própria EMBRAPA e, em alguns casos, do
CNPq.
237
De acordo com funcionário da SRI entrevistado durante a elaboração desta tese, os pesquisadores enviados
para especialização no exterior, além de continuarem recebendo seus salários, tinham seus estudos custeados
pela EMBRAPA e recebiam auxílio-manutenção. Os recursos vinham, em alguns casos, de empréstimos
contraídos junto a agências internacionais, como o Banco Mundial. Jairo Andrade (1985) afirma que 77% dos
empregados incorporados ao Programa de Pós-Graduação da EMBRAPA foram treinados no Brasil nos três
primeiros anos após a criação da estatal, ao passo que nos cinco anos posteriores, com o aumento do número de
mestres e dos pleitos pela obtenção de doutorado, a parcela dos capacitados no exterior subiu para 34%. No que
se refere à estrutura de incentivos, o Plano de Cargos e Salários elaborado à época previa, por exemplo, que
pesquisadores que completassem sua pós-graduação seriam recompensados com ascensão funcional a patamares
de carreira que permitissem promoções horizontais subsequentes mais amplas. O autor afirma que o Programa de
Pós-Graduação foi bem-sucedido ao inverter positivamente o quadro técnico-científico da EMBRAPA (passando
a porcentagem de mestres e doutores em 1974 de, respectivamente, 15% e 2%, para 62% e 21% em julho de
1985) e ao gerar taxas de retorno altíssimas medidas em termos de rentabilidade social no nível do produtor
rural. Não obstante, identificaram-se os seguintes obstáculos à eficácia plena e à sustentabilidade do programa:
diminuição dos incentivos para capacitação, com perda dos salários reais dos pesquisadores a partir de 1979,
afetando particularmente os funcionários mais especializados e com salários mais altos e gerando grande
potencial de êxodo dos mesmos; concentração excessiva das especializações em certas áreas em detrimento de
outras; baixa diversificação dos referenciais teóricos entre os pesquisadores; depreciação do capital humano
intelectual diante das adversidades políticas e orçamentárias, que geraram descontinuidades no Programa de
Capacitação Contínua, inclusive com impedimentos do Ministério da Agricultura a viagens de pesquisadores da
EMBRAPA ao exterior, mesmo as financiadas com recursos internacionais; contradição entre o modelo de
pesquisa concentrado da EMBRAPA e os modelos de pesquisas difusos adotados pelas universidades onde seus
pesquisadores haviam sido treinados; contradição entre a ideologia dos pesquisadores, favoráveis aos pequenos
produtores, e os produtos de suas pesquisas.
198

desenvolvidos e de países com nível de desenvolvimento similar ao brasileiro.238 O baluarte


desse novo modelo foi a abertura de laboratórios virtuais da EMBRAPA no exterior
(LABEX) a partir de 1998 (Quadro 6), seguindo voto unânime dos membros da Diretoria
Executiva da EMBRAPA.239
Os laboratórios, que recebem a designação de “virtuais” por não contarem com
recursos físicos e humanos próprios, compartilhando recursos das instituições parceiras, têm
como objetivo dar seguimento ao monitoramento de avanços internacionais das fronteiras do
conhecimento agropecuário, aprimorando a capacidade de prospecção de inovações
tecnológicas e identificando oportunidades de cooperação com entidades públicas e privadas
(EMBRAPA, 2009; LOBO, 2010).240

Quadro 6 – Laboratórios virtuais da EMBRAPA no exterior

Instituição/País Ano de início Áreas de pesquisa Principais resultados


Serviço de 1998 - Nanotecnologia - Sequenciamento da bactéria
Pesquisa Agrícola - Recursos genéticos Xylella fastidiosa via parceria
do Departamento - Sanidade animal entre a Fapesp e o UDA/ARS
de Agricultura - Mudança climática - Coleta e sistematização de
(USDA/ARS) - Utilização de novos produtos informações referentes aos
Maryland, EUA agrícolas padrões de controle sanitário do
- Modelagem rebanho bovino brasileiro
- Controle integrado de pragas - Adaptação de modelo
- Agricultura de precisão computacional para solos
-Segurança alimentar argilosos.
Agropolis 2001 - Tecnologia avançada - Inserção de pesquisadores da
Montpellier, França - Tecnologia agroalimentar e EMBRAPA em projetos da
agroindustrial Comissão Europeia, liderados
- Tecnologia de conservação e pelo Cirad, sobre agricultura
manejo sustentável do meio sustentável no mundo
ambiente - Negociação e reconhecimento
da propriedade intelectual do
Banco Ativo de Germoplasma

238
Isso não significa que a EMBRAPA tenha deixado de ser contemplada com iniciativas de cooperação
recebida. Um exemplo recente é o Projeto de Apoio ao Desenvolvimento de Tecnologias Agropecuárias
(PRODETAB, 1997-2005), financiado pelo Banco Mundial e pelo governo brasileiro, que levou ao
estabelecimento de um sistema competitivo para a alocação de recursos para projetos de Pesquisa e
Desenvolvimento, ampliando o envolvimento de produtores e organizações comunitárias na sua concepção e
execução. Outro projeto de cooperação recebida mais recente é o Programa de Inovação Tecnológica e Novas
Formas de Gestão da Pesquisa Agropecuária (Agrofuturo, 2007-2012). Financiado pelo BID e pelo governo
brasileiro, o Agrofuturo tem como objetivo o aprimoramento da competitividade, eficiência e equidade do setor
agropecuário brasileiro, contemplando também ações de fortalecimento da cooperação técnico-científica nos
âmbitos regional e internacional (MAGALHÃES, 2008).
239
Na reunião da Diretoria Executiva, realizada no dia 24 de março de 1997, decidiu-se aprovar a criação de um
“programa de treinamento de pesquisadores em tecnologia de ponta ou temática em centros internacionais de
P&D e o desenvolvimento de pesquisas prioritárias para a EMBRAPA em parceria com cientistas estrangeiros”
(EMBRAPA, 2012c).
240
O Anexo J contém um mapa identificando os laboratórios virtuais e os projetos da EMBRAPA no exterior.
199

(BAC banana), desenvolvido


junto ao Cirad-INIBAP
- Apoio à negociação de Acrodo
Técnico com a Associação de
Produtores de Batata para
realização de pesquisas no
Brasil
- Articulação com pesquisadores
franceses em áreas de interesse
comum (biotecnologia de café,
cacau, algodão e bioinformática)
- Projeto de valorização do
pseudo fruto do caju, em
parceria com o Benin
Universidade de 2006 - Genômica da banana Não identificados
Wageningen, - Uso sustentável dos biomas
Holanda Cerrados, Pantanal e
Amazônia
Instituto 2009 - Pontencial dos Não identificados
Rothamsted, Reino semioquímicos de plantas e
Unido insetos no majeno de pragas
nocivas à agricultura
Agência de 2009 - Produção de embriões in Não identificados
Desenvolvimento vitro de bovinos e suínos
Rural da Coreia do - Isolamento e cultivo de
Sul (RDA)241 células somáticas
- Criopreservação de embriões
e óvulos
- Genomas
- Clonagem por transferência
nuclear
- Produção de animais
transgênicos
Chinese Academy 2011 - Recursos e melhoramentos Não identificados
of Agricultural genéticos
Sciences (CAAS), - Biocombustíveis e
China agroenergia
- Processamento de alimentos
- Produção animal
- Agroecologia
- Pastagens
Centro Acordo - Desenvolvimento de -
Internacional assinado em tecnologia genética para
Japonês para 2012 culturas de soja com tolerância
Pesquisas em à degradação do ambiente
Ciências Agrícolas global.
(Jircas), Tsukuba, - Aquicultura em condições
Japão controladas
- Monitoramento agrícola por
satélite
- Estudos estratégicos para
desenvolvimento sustentável
de áreas rurais.
Fonte: A autora, 2012, com base em EMBRAPA, 2009; GREGIO, 2011; LÔBO, 2009; LOBO, 2010; MORENO,
2006; SILVEIRA, 2012.

241
O LABEX Coreia do Sul introduziu um diferencial em relação à instalação dos demais LABEX, pois foram
implantados dois laboratórios, um em cada país (LOBO, 2010).
200

A instalação dos LABEX ampliou o treinamento de quadros empresa, somando, às


tradicionais práticas de envio de pesquisadores para pós-graduação no exterior, o envio de
seus pesquisadores mais experientes para universidades e centros de excelência científica
internacionais em agropecuária (EMBRAPA, 2012c). Ao mesmo tempo, tal instalação
aconteceu em contexto de escassez de recursos para dar seguimento aos investimentos
massivos com a formação de técnicos da EMBRAPA no exterior (LOBO, 2010), bem como
dos altos custos para a realização de pesquisa de ponta no Brasil, que demandaria importação
de equipamentos caros e autorizações para uma série de reuniões internacionais para o
desenho e avaliação de projetos (EMBRAPA, 2012c).
De qualquer modo, a percepção dominante é que a instalação dos LABEX só teria sido
possível graças ao acúmulo de conhecimentos por pesquisadores da EMBRAPA e à ascensão
da empresa como líder mundial na produção de conhecimento científico e tecnológico em
agricultura tropical. Estabeleceu-se, assim, complementaridade entre esse conhecimento e
aquele produzido por instituições consolidadas nos países desenvolvidos, especializados em
agricultura de clima temperado. O modelo, portanto, seria baseado em relação de troca
(IZIQUE, 2008) ou, como afirmou o ex-presidente da EMBRAPA, Pedro Arraes (2009-
2012), “ganha-ganha” (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2010), com os pesquisadores
envolvidos deixando “de ser receptores de informações para serem parceiros na geração de
novos conhecimentos em áreas como biotecnologia, segurança alimentar, agricultura de
precisão, nanotecnologia, transgenia e alterações climáticas globais” (EMBRAPA, 2012c).
Nenhum dos documentos consultados ou funcionários entrevistados questionou a
relevância dos LABEX e da cooperação com países desenvolvidos no que se refere aos
benefícios para o desenvolvimento agrícola brasileiro. Essa cooperação seria insumo
fundamental para o cumprimento da raison d’etré da empresa – o desenvolvimento e
disseminação de tecnologias agropecuárias no território brasileiro. Nas palavras uma
pesquisadora da EMBRAPA, referindo-se a balanço preliminar dos LABEX realizado poucos
anos depois das primeiras iniciativas,
[...] o sistema deflagrou notável mobilização e parceria institucional, que tem
propiciado ganhos em eficiência no processo da pesquisa, na medida em que as
instituições passam a compartilhar experiências (ganho mútuo de competência), a
maximizar o uso dos recursos institucionais (reduzindo custos), a aumentar a sua
produtividade e capacidade inovadora (fortalecendo-se institucionalmente) e a gerar
conhecimentos e inovações técnicas mais factíveis e, portanto, com maiores chances
de incorporação efetiva aos sistemas de produção (LOBO, 2010, p. 32).
201

Prevalece, ainda, a percepção de que a instalação dos LABEX teria contribuído para
dar maior visibilidade internacional à EMBRAPA e angariar o reconhecimento de sua
competência em matéria de pesquisa agrícola. Isso não significa que não haja obstáculos a
serem enfrentados. Em março de 2010, a SRI organizou oficina sobre estratégias de
cooperação internacional da EMBRAPA, voltada, entre outros, para estabelecer novos
modelos de coordenação e integração entre os laboratórios virtuais e as unidades da empresa
(RODRIGUES, 2010).
Em geral, a cooperação com países desenvolvidos é vista como instrumento de
promoção da autonomia nacional, ao ter contribuído para que o Brasil migrasse, em menos de
trinta anos, de importador para exportador líquido de alimentos, passando a liderar
mundialmente a exportação de uma série de produtos agropecuários. Essa percepção vai ao
encontro do discurso da ABC sobre o papel da CTI recebida no desenvolvimento brasileiro,
mas contrasta com a percepção dominante no COBRADI e em algumas análises sobre a
dimensão Sul-Sul na política externa brasileira (ver Capítulo 2), nas quais predomina o
entendimento de que o modelo tradicional de cooperação compromete a autonomia nacional.
Diferentemente das iniciativas da EMBRAPA voltadas para a transferência de
tecnologias para países de menor desenvolvimento relativo, as quais serão analisadas na
próxima seção, o intercâmbio de conhecimentos com instituições de países de maior nível
relativo de desenvolvimento não foi induzido, nem tem a ABC como intermediária. Segundo
um dos funcionários da SRI entrevistados durante a elaboração desta tese, tal intercâmbio
responderia aos interesses da própria EMBRAPA, relacionados à cooperação científica e
tecnológica, o mesmo sendo válido para seu envolvimento em redes interinstitucionais
internacionais, como o Grupo Consultivo de Pesquisa Agrícola Internacional (CGIAR, na
sigla em inglês), do qual o Brasil faz parte desde 1984.242

3.2 A evolução do envolvimento da EMBRAPA na CTPD: da indução à busca pela


inserção estratégica

Nos anos 2000, ganhou relevância uma terceira linha de atuação internacional da
EMBRAPA (somando-se à cooperação recebida e ao intercâmbio de conhecimentos): a

242
O Apêndice G traz informações sobre a relação do Brasil com o CGIAR.
202

transferência de tecnologia para países de menor desenvolvimento relativo. A predominância


dos países em desenvolvimento como parceiros internacionais da EMBRAPA, em iniciativas
de intercâmbio ou de transferência de tecnologias, é evidenciada por dados apresentados por
Lobo (2010) comparando a porcentagem de acordos por região no fim dos anos 90 e em 2008.
Conforme mostra a Tabela 5, houve aumento da participação de acordos assinados com
África e América Latina e Caribe e diminuição da participação daqueles firmados com Europa
e da América do Norte.

Tabela 5 - Distribuição de acordos de cooperação internacional envolvendo a EMBRAPA


por região
Ano Região
Europa América do América Latina e Ásia e Oceania África
Norte Caribe
1997-2000 39% 28% 19% 11% 3%
2008 19% 5% 54% 11% 11%
Fonte: LOBO, 2010.

A EMBRAPA não é a única agência implementadora nacional envolvida na CTPD


brasileira em Agropecuária, mas estimativas apontam que seria parceira em 65% dos projetos
executados sob a coordenação da ABC em matéria de agricultura tropical (SILVEIRA, 2009).
As iniciativas contemplam transferência de tecnologias para produção de culturas alimentares,
fibras e biocombustíveis (etanol e biodiesel), intercâmbio de germoplasma e apoio ao
fortalecimento de instituições homólogas voltadas para pesquisa e desenvolvimento
(MAGALHÃES, 2008).
Galerani e Bragantini (2007) notam a demanda crescente pela tecnologia agrícola
tropical por países africanos, que representavam em 2007 mais de 60% das demandas pela
cooperação da EMBRAPA. Nesse ano, a empresa possuía acordos com 23 países africanos
(ao passo que o número de países latino-americanos, asiáticos e europeus mantendo acordos
com a EMBRAPA era de, respectivamente, catorze, seis e oito). As demandas dos países
africanos centravam-se basicamente em tecnologias agrícolas e pecuárias, mas também
incluíam temas como implementação de sistemas de sementes, pesquisa institucional e
programas de extensão, planos de desenvolvimento institucionais e parcerias com o setor
privado.
O envolvimento da EMBRAPA na CTPD se dá por meio de quatro instrumentos
principais: projetos pequenos, de curto-prazo, focados em ações de construção de
capacidades; programas de construção de capacidades, com cursos oferecidos em bases
regulares ou sob demanda pelo Centro de Estudos e Capacitação em Agricultura Tropical
203

(CECAT); o Innovation MarketPlace, iniciativa financiada por vários doadores e focada em


parcerias voltadas para o desenvolvimento de pesquisas que apoiem pequenos agricultores da
África, América Latina e Caribe; Projetos Estruturantes, de longo prazo, baseados em três
pilares – desenvolvimento institucional, programas de construção de capacidades e validação
de tecnologias (DUSI, 2012).
A prestação de cooperação da EMBRAPA a países de menor desenvolvimento relativo
não é nova. Embora não se tenha tido acesso a registros internos que precisem quando tais
iniciativas teriam tido início, funcionários da SRI entrevistados durante a elaboração desta
tese afirmaram que elas remontariam ao início dos anos 80. A informação converge com o
processo mais amplo de divulgação no exterior, por agências internacionais, das experiências
e tecnologias brasileiras no contexto pós-Conferência de Buenos Aires, gerando demandas
crescentes de outros países em desenvolvimento por elas (Capítulo 2).
Nessa primeira fase, a atuação de organismos internacionais ou agências de
cooperação que haviam prestado cooperação para EMBRAPA parece ter se configurado como
condicionante central para seu envolvimento posterior na CTPD. Exemplos que coadunam
com essa hipótese são: o caso do BID, agência que havia apoiado a criação e a estruturação da
EMBRAPA (CABRAL, I., 2005; EMBRAPA, 2006) e que, em 1987, financiou a primeira
iniciativa de prestação de cooperação, envolvendo a estatal, a um país latino-americano – o
projeto de apoio ao Centro Nacional de Tecnologia Agropecuária e Florestal de El Salvador
(BARBOSA, P., 2011); e o caso da Agência Japonesa de Cooperação (JICA), que a partir de
1985 passou a estabelecer, com instituições brasileiras que haviam sido contempladas pela sua
cooperação, parcerias triangulares no âmbito do Programa de Treinamento para Terceiros
Países (TCTP, na sigla em inglês) (ABC; JICA, 2010). No caso particular da EMBRAPA,
segundo documentação interna da JICA acessada durante a elaboração desta tese, em 1996 foi
registrado o primeiro envolvimento de uma unidade da empresa (EMBRAPA Hortaliças) em
treinamento oferecido a outros países em desenvolvimento (International Training Course on
Vegetable Crops Production).
Isso não significa que o governo brasileiro tenha necessariamente se colocado de
forma passiva nesse processo, embora a carência de registros (ou a impossibilidade de acessá-
los) não permita afirmar exatamente qual era o rationale informando o envolvimento da
EMBRAPA na CTPD nessa primeira fase. Como foi notado no Capítulo 2, a política externa
brasileira foi marcada, nos anos 70, pela projeção de imagem de potência emergente e, até o
início dos anos 80, pela busca do arrefecimento dos efeitos do choque do petróleo sobre o
204

balanço de pagamentos brasileiro. Envolver agências voltadas para o avanço científico e


tecnológico na CTPD, como a EMBRAPA, pode ter se configurado como mecanismo de
demonstração da capacidade tecnológica do Brasil e de impulso para a exportação de serviços
de consultoria e de bens de maior valor agregado (no caso, equipamentos agrícolas). De todo
modo, com o avanço dos anos 80, década em que a EMBRAPA teria começado a se envolver
na CTPD, os desafios estruturais que atingiram uma série de países em desenvolvimento com
os quais a matriz produtiva brasileira guardava relação de complementaridade podem ter
comprometido tal estratégia, ao mesmo tempo em que a captação de cooperação voltou a
assumir maior peso na agenda externa brasileira.
Dados reunidos pelo diplomata Iglesias Puente (2010) apontam que, desde o período
inicial do recorte de sua pesquisa – o biênio 1995-1996 -, a Agropecuária já predominava
entre os setores de prestação de CTPD pelo Brasil. O setor seguiu liderando nos demais
períodos analisados (1997-2001; 2002-2005), tendo representado, em todo o período (1995-
2005), 20,74% de todas as iniciativas coordenadas pela ABC (atividades isoladas e projetos
somados); e 23,4% dos projetos (Tabela 6).

Tabela 6 – Distribuição de projetos e atividades de CTPD por áreas temáticas, 1995-2005


Projetos Atividades
Áreas Temáticas Número % Áreas Temáticas Número %
Agropecuária 61 23,4 Agropecuária 51 18,3
Saúde 43 16,5 Saúde 41 14,7
Meio Ambiente 29 11,1 Multidisciplinar 31 11,1
Educação 24 9,2 Desenvolvimento Social 25 9
Administração Pública 20 7,7 Formação Profissional 22 7,9
Desenvolvimento Social 16 6,1 Administração Pública 19 6,8
Energia e Biocombustíveis 11 4,2 Meio Ambiente 13 6,1
Formação Profissional 11 4,2 Energia e Biocombustíveis 13 4,7
Indústria 8 3,1 Educação 12 4,3
Transportes 5 1,9 Tecnologia da Informação 4 1,4
Relações Trabalhistas 4 1,5 Indústria 3 1,1
Desenvolvimento Rural 4 1,5 Turismo 3 1,1
Tecnologia da Informação 2 0,8 Relações Trabalhistas 16 1,1
Outros 13 5 Outros 16 5,7
Total 261 100 Total 279 100
Fonte: IGLESIAS PUENTE, 2010.
Como foi apontado no Capítulo 2, a atualização dos dados realizada pelo diplomata
Pedro Henrique Barbosa (2010), referente aos anos de 2006 a 2010, mostra queda na
participação total das ações de agropecuária (18%), que seguiram, no entanto, liderando a
205

prestação de cooperação sob a coordenação da ABC (Quadro 3). Dados referentes à CTPD
brasileira por região entre os anos de 2005 e 2012 (que não explicitam se a distribuição refere-
se ao volume de recursos ou ao número de ações) apontam que a Agricultura lidera na
cooperação com a África (26%) e aparece em segundo lugar na cooperação com as Américas
(19%) e com Ásia, Oceania, Europa e Oriente Médio (18%) (Quadro 4).
Conforme também foi notado no Capítulo 2, apesar da prevalência do setor agrícola na
CTPD brasileira durante o Governo Cardoso, o discurso diplomático desse período tratava a
cooperação internacional de forma mais abrangente, com poucas referências à CTPD, além de
as menções mais frequentes ao tema destacarem os setores de HIV/AIDS, Educação e Meio-
Ambiente (IGLESIAS PUENTE, 2010).
Foi apenas durante o Governo Lula que a predominância da Agricultura na prestação
de cooperação pelo Brasil ganhou correspondência com o discurso diplomático, elaborado no
âmbito do combate à fome e à pobreza como vertente da política externa brasileira. Ao
mesmo tempo em que refletiu avanços domésticos na área, tal discurso convergiu com a re-
emergência dos temas da segurança alimentar e do combate à pobreza na agenda global –
fruto do lançamento dos Objetivos do Milênio no contexto pós-neoliberal, da reconstrução do
consenso global em torno relação entre desenvolvimento e segurança no contexto pós-11 de
setembro e, em particular, da crise alimentar global que emergiu na segunda metade dos anos
2000.
Contribuir para a segurança alimentar nas áreas de maior concentração da fome,
situadas, em grande medida, no domínio rural da África Subsaariana, emerge não apenas
como expressão de solidariedade, mas também como mecanismo para a projeção de
experiências nacionais que permitam que o Brasil, ao influenciar os modelos de
desenvolvimento agrícola de outros países, busque aliados para defender suas próprias
experiências de críticas internas e externas. 243
Nesse contexto, o engajamento da EMBRAPA na cooperação com outros países em
desenvolvimento, até então dominado por iniciativas interinstitucionais244 e/ou

243
A questão, que será retomada mais adiante, é que as discussões sobre o modelo brasileiro polarizaram-se
dentro do próprio país (agronegócio x agricultura familiar), com reflexo na cooperação prestada. Do ponto de
vista dos movimentos sociais brasileiros, o governo brasileiro estaria exportando um modelo focado do
agronegócio, contradizendo o discurso da inclusão social. O tema foi discutido em seminário realizado em
Brasília em maio de 2012 sobre a cooperação Brasil-África em agricultura (ver: FUTURE AGRICULTURES,
2013).
244
Cooperação direta entre a EMBRAPA e instituições homólogas de outros países, sem envolver
necessariamente a ABC ou o MRE. Também se refere a esse tipo de cooperação como “paradiplomática”
(EMBRAPA, 2009).
206

induzidas/mediadas por organismos internacionais, passou a responder também claramente a


demandas do governo brasileiro, capitaneadas por uma mistura de propósitos diplomáticos –
conforme confirmado por funcionário da EMBRAPA entrevistado durante a elaboração desta
tese, obtenção de apoio para o pleito brasileiro a vaga de membro permanente do Conselho de
Segurança da ONU e, posteriormente, à candidatura de José Graziano da Silva à Diretoria-
Geral da FAO – e solidários – prestação de cooperação como mecanismo para fortalecer a
liderança brasileira na revisão da ordem econômica e política global, democratizando-a e
contribuindo para elevar o desenvolvimento dos países do Sul na agenda internacional.
Uma terceira dimensão, menos mencionada, diz respeito ao apoio governamental ao
fortalecimento da liderança mundial de empresas brasileiras.245 No caso da EMBRAPA, tal
apoio teve como marcos a aprovação de seu Programa de Fortalecimento e Crescimento (PAC
da EMBRAPA, 2008) e de seu novo estatuto (aprovando a criação da EMBRAPA
Internacional em 2012), em conjuntura marcada por oportunidades econômicas advindas de
projeções de continuidade da expansão dos preços e da demanda global por alimentos e da
concentração das terras agricultáveis nas regiões em desenvolvimento, particularmente na
África Subsaariana.246
No restante desta seção, buscar-se-á analisar como os componentes diplomáticos,
humanitários e estratégicos do envolvimento da EMBRAPA na CTPD foram percebidos pela
estatal ao longo do segundo Governo Lula e da primeira metade do Governo Dilma. Buscar-
se-á ainda apontar, com base nas lições aprendidas em campo pela empresa e em mudanças
organizacionais voltadas para o fortalecimento de sua inserção internacional, alterações no
discurso e na prática do envolvimento da EMBRAPA na CTPD.

245
A “política de criação das campeãs nacionais” ou de “promoção da competitividade de grandes empresas de
expressão internacional” foi iniciada durante o segundo mandato de Lula. Segundo levantamento realizado pelo
Estado de S. Paulo, por meio dessa política o BNDES injetou cerca de R$ 18 bilhões nos frigoríficos JBS e
Marfrig, na Lácteos Brasil (LBR), na Oi e na Fibria. O jornal aponta que duas das empresas que receberam
recursos do BNDES, a LBR e o Marfrig, estavam em situação financeira delicada. Em entrevista ao jornal em
2013, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, realizou a seguinte consideração acerca da política: “é uma
agenda que foi concluída. É uma política que tinha méritos e chegou até onde poderia ir. Até porque o número de
setores em que o Brasil tem competitividade para projetar empresas eficientes no cenário internacional é
relativamente limitado a commodities e algumas pseudocommodities. E já fizemos isso nesses setores:
petroquímica, celulose, frigoríficos, parte da siderurgia, suco de laranja, cimento. Não enxergo outros setores
com o mesmo potencial. Nos últimos anos, o BNDESPar tem se concentrado no fomento a novas empresas em
setores intensivos em inovação tecnológica. Vejo um potencial interessante no complexo saúde e no setor
farmacêutico. Há vários anos, o BNDESPar já vem trabalhando na área de tecnologia da informação. Também
há iniciativas importantes nas empresas supridoras de capital. Essa agenda combina desenvolvimento e inovação
e é a tônica da política que vem sendo praticada nos últimos anos” (LANDIM; LEOPOLDO; TEREZA, 2013).
246
Para mais informações sobre as tendências e desafios ao desenvolvimento agrícola mundial, ver: OCDE;
FAO, 2011.
207

3.2.1 A evolução do componente diplomático

O envolvimento da EMBRAPA na CTPD durante o Governo Lula foi marcado, a


princípio, pela reação a demandas interpostas pelo MRE e pela Presidência da República,
embora as agências de cooperação dos países desenvolvidos e as organizações internacionais
ainda tenham desempenhado papel relevante na divulgação da experiência e das tecnologias
da empresa no exterior, bem como no financiamento de sua transferência a países menos
desenvolvidos.
Por meio de entrevistas e conversas informais, foi possível identificar que, com o
passar do tempo, formou-se um sentimento dúbio por parte dos funcionários e pesquisadores
em relação à convocatória para atuarem em missões em países mais pobres. Por um lado, eles
sustentam forte sentimento de orgulho por terem se tornado braço diplomático da inserção
internacional do Brasil. Esse sentimento de orgulho é complementado por três expressões ou
expectativas de reconhecimento. Em primeiro lugar, a transferência de tecnologia é vista
como marco da superação da dependência brasileira de recursos humanos estrangeiros. Esse
sentimento é forte particularmente entre os funcionários mais antigos da EMBRAPA, que
tiveram a maior parte de suas carreiras marcada pela convivência com consultores
estrangeiros, contratados por organizações do sistema ONU, os quais trabalhavam no
Ministério da Agricultura e Pecuária do Brasil e em agências ligadas a ele. Em segundo lugar,
funcionários mais identificados com a missão social da EMBRAPA no Brasil parecem
enxergar, no engajamento da empresa com países mais pobres, oportunidade para
fortalecerem sua ideologia dentro da empresa, de modo que suas pesquisas passem a
beneficiar o pequeno produtor e as comunidades rurais brasileiras. Em terceiro lugar, a
convocação governamental para a EMBRAPA atuar na transferência de tecnologias para
terceiros é vista, em geral, como expressão do reconhecimento da empresa em contexto
marcado, desde os anos 90, pelo questionamento acerca da eficiência e eficácia econômica e
social de suas atividades no âmbito doméstico.247

247
Em resposta a tais questionamentos, a Assessoria de Comunicação da EMBRAPA passou a publicar, a partir
de 1997, o Balanço Social EMBRAPA, definido à época pelo seu então diretor-presidente, Alberto Duque
Portugal, como “um manifesto quantitativo e qualitativo dos compromissos da Empresa” com o equacionamento
das disparidades sociais brasileiras (EMBRAPA, 2012a). Segundo Lobo (2010, p. 27), tratava-se de demonstrar
aos gestores, legisladores e à sociedade brasileira as razões de existência da empresa, já que a “renda gerada com
a venda de sementes básicas de cultivares desenvolvidas pela empresa não representa 5% do orçamento total”.
Lobo (Ibid.) resume brevemente como essa tarefa, assumida pelos técnicos da Secretaria de Gestão e Estratégia
da EMBRAPA, evoluiu ao longo do tempo: ela teve início com a utilização de “uma amostra de tecnologias,
208

Por outro lado, embora a EMBRAPA tenha promovido transformações em sua


estrutura interna para se adequar às novas demandas (Subseção 4.3.3), com o passar do tempo
foi se formando na empresa uma percepção de que as decisões tomadas pelo MRE e pela
Presidência da República (aqui referidas como decisões da “alta política”), estariam
desconsiderando a real viabilidade operacional e técnica de sua implementação – e, em última
instância, comprometendo a própria efetividade das iniciativas.
Três iniciativas induzidas pela “alta política” foram: o Programa de Apoio ao
Desenvolvimento do Setor Algodoeiro nos Países do Cotton-4 (Benin, Burkina Faso, Chade e
Mali), que teve início em 2009 e resultou de demanda levada à estatal pelo MRE (ABC,
2010b); e a abertura de escritórios da EMBRAPA em Gana (sede da EMBRAPA África) em
2006, seguindo “recomendações” recebidas do MRE e do Gabinete da Presidência da
República para a criação de um escritório de trabalho na África (MAGALHÃES, 2008, p.
39),248 e na Venezuela, pensada, a princípio, como embrião da EMBRAPA América Latina,
com negociações iniciadas em 2008249 e seguindo “ação estratégica do Governo Lula de
reaproximação política com aquele país” (BARBOSA, P., 2011, 95, Nota 147).
Além do propósito de contribuir para o desenvolvimento de outros países do Sul, essas
três iniciativas contemplaram forte componente diplomático, respectivamente: estreitar laços
com aliados na disputa brasileira contra os subsídios ao algodão praticados pelo governo
norte-americano; oferecer apoio in loco para ações de combate à fome e à pobreza no

avaliada com metodologias de análise multidimensional de impactos, para demonstrar por que vale a pena
investir em pesquisa agropecurária. [...] Em 1997, foi apurado apenas o impacto econômico das tecnologias em
termos de aumento da renda nacional e de economia e redução de custos de produção. Estes impactos
econômicos passaram a ser detalhados para incluir incrementos de produtividade, redução de custos, expansão
da produção em novas áreas, agregação de valor e também os custos da tecnologia e seu custo-benefício. Em
seguida, para cada tecnologia foram incorporados impactos sociais, como emprego, renda, saúde, gestão e
administração, além de impactos ambientais, que consideram o alcance da tecnologia, sua eficiência tecnológica,
a conservação ambiental e qualidade do produto. Por fim, a metodologia passou a avaliar os impactos do
desenvolvimento e da adoção da tecnologia sobre o conhecimento, sobre os processos de capacitação e
aprendizagem, bem como impactos político-institucionais, seja na formulação de políticas públicas, nas relações
com outras instituições e na própria imagem da EMBRAPA”.
248
A afirmação de Magalhães (2008), pesquisador da EMBRAPA, contrasta com consideração realizada por um
diplomata, segundo o qual a decisão de abrir escritório em Gana foi da própria EMBRAPA, com o objetivo de
“aumentar sua atuação na cooperação técnica horizontal no continente africano, sua primeira finalidade, mas
também de facilitar a venda de serviços a países africanos” seguindo “demandas por consultorias e treinamentos
de países da região” (IGLESIAS PUENTE, 2010, p. 257).
249
Posteriormente, decidiu-se pelo estabelecimento da chamada “EMBRAPA Américas” no Panamá, que
apoiaria iniciativas no México, na América Central e Caribe e na Região Andina em três pilares: plataforma de
pesquisa e desenvolvimento, transferência de tecnologia e negócios tecnológicos. O formato dessa “extensão” da
EMBRAPA seria distinto do dos LABEX, voltados para tecnologia de ponta, e dos “escritórios” instalados na
África e na Venezuela, voltados para transferência de tecnologia (RODRIGUES, 2009).
209

continente africano (MAGALHÃES, 2008), projetando assim políticas brasileiras na matéria;


corrigir assimetrias no comércio com a Venezuela250 e contribuir para a integração regional
em agricultura.
Do ponto de vista da EMBRAPA, em entrevista concedida em 2008, o então diretor-
presidente, Silvio Crestana (2005-2009), ressaltou que, enquanto o modelo de troca era
predominante nas relações da EMBRAPA com o Norte, nas relações com o Sul a posição
brasileira seria de “liderança”, baseada na “hegemonia científica e tecnológica do Brasil”. Nas
suas palavras: “Não há exatamente troca tecnológica, embora exista alguma forma de
cooperação em investigações nas áreas de mudança climática e biodiversidade, entre outras. O
interesse na pesquisa é secundário” (IZIQUE, 2008).251
Predominariam dois propósitos nas relações da EMBRAPA com países do Sul:
promover os negócios internacionais e, no caso de países mais pobres, a cooperação
“humanitária” – entendida pela EMBRAPA como aquela cooperação que é “desinteressada”.
À época, a atuação da EMBRAPA na Venezuela, que seria avançada com a inauguração de
um “escritório de negócios tecnológicos”, foi apresentada como exemplo da primeira linha de
ação, no contexto dos esforços do país para reduzir sua alta dependência na importação de
alimentos. O escritório aberto em Gana também seguiria tal modelo, ao passo que a atuação
em Moçambique, Angola e Guiné-Bissau pertenceria ao domínio da “cooperação
humanitária”, com financiamento de terceiros (as agências mencionadas foram Banco
Mundial, BID, Fundação Gates e JICA) (IZIQUE, 2008).
Em relação ao escritório estabelecido em Gana, o Guia de Relações Internacionais da
EMBRAPA ressalta, contudo, o elemento diplomático e o propósito de promover o
desenvolvimento agrícola africano:
Em conformidade com a política externa do governo brasileiro de aproximação
e cooperação com outros países africanos, foi criado, em 2006, um Projeto de
Cooperação Técnica para a África (EMBRAPA África) em Acra, capital de Gana. A
finalidade do projeto é auxiliar, promover e fomentar o desenvolvimento social e

250
Nas palavras do diplomata Pedro Henrique Barbosa (2010, p. 95, Nota 147): “A abertura de um escritório da
EMBRAPA na Venezuela deveu-se a uma ação estratégica do Governo Lula de reaproximação política com
aquele país, que apresenta sérias dificuldades para aperfeiçoar sua estrutura rural e garantir o abastecimento do
mercado interno. O país é, inclusive, grande importador de alimentos do Brasil. O excessivo superávit brasileiro
com o país passou a incomodar a elite política venezuelana, preocupada com a assimetria da parceria bilateral.
Com a EMBRAPA na Venezuela, entre outros projetos, permite-se desenvolver a agricultura local e diminuir a
dependência do país de importações de alimentos”.
251
Conforme esclareceu especialista na cooperação agrícola da EMBRAPA com a África entrevistado durante a
elaboração desta tese, a menção à questão das mudanças climáticas relaciona-se com a expectativa de que a
cooperação com países africanos contribuísse para diversificar o banco de germoplasma da EMBRAPA,
desenvolvendo-se cultivares resistentes à seca.
210

o crescimento econômico dos países africanos por meio do compartilhamento de


conhecimentos e de experiências no campo da pesquisa agropecuária (EMBRAPA,
2009, p. 40, grifos nossos).

No que se refere aos negócios internacionais, outra vertente da atuação internacional


da EMBRAPA, vale mencionar que eles ficam a cargo da Secretaria de Negócios da empresa
(SNE), cabendo à SRI articular e coordenar apenas as atividades de cooperação internacional.
Com efeito, nos documentos elaborados pela SRI, bem como nas considerações realizadas
pelos seus funcionários, a dimensão dos negócios tecnológicos não é mencionada,
predominando a narrativa de que empresa seria apenas um braço diplomático do MRE,
restringindo-se à execução de iniciativas identificadas, priorizadas e financiadas pela ABC.
Isso não significa que não exista relação entre a CTPD prestada pela EMBRAPA e os
negócios internacionais da empresa. A princípio, contudo, essa relação era mais clara no que
se refere às parcerias entre a EMBRAPA e instituições homólogas no Cone Sul, vistas como
mecanismo para potencializar a comercialização de produtos e serviços gerados pela empresa
e por organizações vinculadas ao Sistema Nacional de Agropecuária (SNPA). Com efeito, no
caso da Venezuela, era este modelo que se desejava reproduzir. Foi identificado, ali, potencial
para o cultivo de três milhões de hectares de cerrados. Caso fosse realizado o plano do
governo venezuelano de incorporar um milhão de hectares de cerrados ao processo produtivo
da soja, isso abriria mercado de um milhão de sacas de sementes, equivalendo a um valor
entre US$ 1 milhão e US$ 1,7 milhão em royalties (RODRIGUES, 2008).
No caso da atuação em países africanos, os negócios não diretamente da EMBRAPA,
mas de agentes ligados à cadeia brasileira do agrogronegócio, foram mencionados, em 2010,
pelo então presidente da EMBRAPA, Pedro Arraes (2009-2012), em audiência pública
realizada na Câmara dos Deputados. Ao citar o caso particular do Cotton-4, Arraes fez
referências também, ao cunho diplomático e moral da ação:
[...] na cooperação técnica, entre os projetos estruturantes de que falei, está o
chamado Cotton-4, aquela briga que tivemos com os Estados Unidos, em que países
africanos ficaram ao lado do Brasil, e o Brasil se comprometeu a apoiar [o] Mali, um
país pequeno. Esse projeto é voltado para pequenos produtores de algodão. Aí estão
os algodões coloridos, algumas cultivares públicas que a EMBRAPA tem, e estão
indo muito bem lá. O interessante é que junto com isso, vai o nosso trator vermelho,
da Massey Ferguson, bem como outras coisas. Também potencializa, vamos dizer
assim, a própria indústria associada aos conhecimentos que têm a EMBRAPA e
outras instituições brasileiras que trabalham com agricultura (Câmara dos
Deputados, 2010).

Isso não significa que a relação entre a CTPD prestada à África e os interesses
econômicos tenha se materializado, desde o início, como estratégia articulada com o setor
211

privado ou com a bancada ruralista. Três depoimentos confirmam essa constatação. Em


entrevista concedida em 2008, o diretor de Exportações da Dedini Indústria de Base (empresa
brasileira que produz máquinas e unidades completas para os setores de etanol e alimentos)
afirmou que, apesar de os projetos realizados pela EMBRAPA em Angola, Moçambique e
Nigéria terem despertado o interesse do empresariado local pelos produtos da Dedini, faltava
maior sinergia entre o setor público e o privado – quer dizer, a EMBRAPA e o empresariado
brasileiro estariam atuando de forma isolada (EXMANN, 2008).
Em segundo lugar, referindo-se ao Programa de Desenvolvimento Agrícola das
Savanas de Moçambique (Pró-Savana), que envolve a EMBRAPA, entre outras instituições,
Arraes afirmou, em audiência pública na Câmara dos Deputados em 2010, que:
Há duas semanas, a Senadora Kátia Abreu foi com os produtores rurais lá [no
Corredor de Nacala, região de Moçambique onde o Pró-Savana está sendo
desenvolvido]. A princípio, eles pensaram: “Ah, vai competir com o Brasil.” Mas,
chegaram lá e viram que pode ser uma grande oportunidade para brasileiros
produzirem alguma coisa lá (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2010).

Mais recentemente um pesquisador da EMBRAPA que chefiou seu escritório em


Gana afirmou que a empresa vinha tentando justamente convencer o agronegócio brasileiro
sobre a importância do desenvolvimento africano para o desenvolvimento brasileiro. Nas suas
palavras:
Nós tínhamos um debate, no qual vários líderes do agronegócio brasileiro estavam
cobrando uma posição da EMBRAPA, imaginando que ela está na África criando
concorrentes ao agronegócio brasileiro. De forma alguma. Se nós conseguirmos
fazer a África produzir comida para si própria, significa que ela vai deixar de
importar alimentos, passando, assim, a ter reservas para importar a tecnologia
brasileira. E tecnologia eu falo de uma maneira geral: genética, tecnologia agrícola,
conhecimento, nossos equipamentos, como maquinários, tratores, implementos
agrícolas, plantio direto em solos tropicais - que só nós dominamos. Hoje o Brasil
goza desse prestígio da marca Brasil. Em qualquer área agrícola, o pequeno produtor
reconhece que o trator fabricado no Brasil dura sete anos a mais do que o mesmo
modelo fabricado no Canadá. A nossa chapa de aço usada na construção desses
suplementos é muito mais forte do que na Europa e na América do Norte (LOPES,
L., 2012)

Essas afirmações apontam para o fato de que a CTPD prestada pela EMBRAPA à
África, pelo menos durante os primeiros anos do segundo Governo Lula, não estava ancorada
na sua relação com o setor privado ou com a bancada ruralista. Na verdade, o desenho e
divulgação de estratégia ligando a cooperação técnica ao componente dos negócios
internacionais, inclusive os negócios da própria empresa (patentes e venda de sementes), iam
contra o discurso predominante de política externa, que repudiava quaisquer ligações entre a
cooperação prestada pelo Brasil a países menos desenvolvidos e componentes econômicos, na
212

tentativa de demonstrar que a atuação brasileira na matéria seria distinta da atuação dos países
mais poderosos, conforme aponta o próprio discurso do COBRADI e da ABC (Capítulo 2).
Para além de eventuais interesses particulares da EMBRAPA, havia também
preocupação com a eficácia de suas ações em campo, no que a empresa convergia com
percepções dominantes no quadro técnico da ABC. O potencial de retroalimentação das lições
aprendidas junto à “alta política” era, contudo, limitado, gerando fricções entre a EMBRAPA
e a diplomacia brasileira.
Ao acumular aprendizados em campo, a EMBRAPA começou a tentar atuar de forma
mais proativa junto à ABC no desenho das iniciativas, ao mesmo tempo em que houve sinais
de despriorização interna de projetos induzidos pela “alta política” que não tivessem potencial
de eficácia (em termos de sustentabilidade do apoio oferecido ao país parceiro) e/ou que não
encontrassem respaldo no planejamento estratégico da empresa, que será analisado mais
adiante.
Um exemplo claro foi a desmobilização em torno do projeto de abertura da
EMBRAPA África, sediada em Gana. Pensado a princípio como ponto focal de todas as ações
da empresa no continente, o escritório teve suas operações restritas em 2011, por decisão da
Secretaria de Relações Internacionais da EMBRAPA (SRI), à atuação em Gana. No primeiro
semestre de 2012, a SRI determinou o retorno ao Brasil do coordenador do escritório, no que
entrou em conflito com as instâncias diplomáticas. Em entrevista que concedeu assim que
chegou ao Brasil, esse pesquisador afirmou:
A EMBRAPA ainda vai ter que lidar com o Itamaraty sobre essa questão, porque, na
realidade, a EMBRAPA África é um projeto de termos de cooperações entre os dois
governos, ou seja, era para ser EMBRAPA África em Gana. Portanto, não caberia à
EMBRAPA mudar isto, apenas ao governo federal, pois é um programa de governo,
e não uma iniciativa isolada da EMBRAPA. Então isso ainda vamos ter que resolver
(LOPES, L., 2012).

As entrevistas colhidas com funcionários da SRI convergem na atribuição da


desmobilização da iniciativa ao fato de ter sido induzida pela diplomacia brasileira,252 embora

252
Além disso, nenhum funcionário da sede da EMBRAPA mencionou, durante a coleta das entrevistas, a
possibilidade de seguimento do projeto em Gana; parecia de fato estar havendo um conflito entre a empresa e o
MRE por conta da decisão autônoma da SRI de restringir as operações do escritório instalado em Gana ao país.
Em entrevista concedida após o seu retorno ao Brasil, o então coordenador da EMBRAPA Gana, Leovegildo
Lopes (2012), disse que o plano era que o projeto de Gana fosse convertido em um projeto estruturante de
produção de leite. Não fica claro, contudo, se esse novo projeto estava sendo articulado junto à Secretaria de
Relações Internacionais da EMBRAPA (SRI) ou se era fruto de articulações realizadas de forma autônoma pelo
então coordenador em Gana, que disse ter interesse na iniciativa por integrar o Centro Nacional de Pesquisa de
Gado e Leite da EMBRAPA (Minas Gerais). Ao mesmo tempo, segundo especialista na cooperação da
EMBRAPA com a África entrevistado durante a elaboração desta tese, o Council for Scientific and Industrial
Research (CSIR), de Gana, tem acordo assinado com a EMBRAPA e investiu na reforma do prédio para receber
213

a própria EMBRAPA tenha participado da definição da localização do escritório, conforme


apontam as seguintes palavras de um de seus pesquisadores:
Frente a essa convocação governamental [recomendações recebidas do MRE e do
Gabinete da Presidência da República para tomar providências necessárias para a
criação de um escritório de trabalho da EMBRAPA na África], a EMBRAPA
iniciou levantamento para selecionar o país e a instituição africana que iria acolher o
Escritório da Empresa. O resultado final indicou Gana e a capital desse país, Acra,
como o local mais adequado para o estabelecimento desse ponto focal. Contribuíram
para essa decisão parâmetros técnicos, estratégicos e políticos do Governo brasileiro
e da própria EMBRAPA. As principais razões que levaram à escolha de Gana como
sede da EMBRAPA África foram: i) a estabilidade política do País; ii) a adoção do
inglês como língua oficial, portanto de maior abrangência que os países de língua
portuguesa; iii) existência de relações diplomáticas estabelecidas com o Governo
brasileiro; e iv) Acordo Básico para cooperação técnico-científica assinado desde
1974 (MAGALHÃES, 2008, p. 39).

Embora houvesse familiaridade relativa, por parte da EMBRAPA, sobre diagnósticos


acerca de oportunidades e desafios ao desenvolvimento agrícola africano à época das
negociações para o estabelecimento do escritório, depois da sua instalação foram identificadas
complicações técnicas e custos operacionais para coordenar todas as ações do continente
africano a partir de uma única unidade. Com isso, perdeu força dentro da estatal a ideia de
manter o escritório de Gana como “EMBRAPA África”. Conforme apontou especialista nas
relações da EMBRAPA com a África entrevistado durante a elaboração desta tese, a
rotatividade de quadros dentro da empresa também pode ter contribuído para essa
desmobilização, já que os indivíduos que haviam se concertado com a diplomacia brasileira
para o estabelecimento da EMBRAPA África deixaram de fazer parte dos quadros
responsáveis pelas Relações Internacionais com o início da nova gestão da empresa, em
2009.253

a instalação do escritório da empresa – razões pelas quais não poderia haver esvaziamento total da atuação da
EMBRAPA no país.
253
Em artigo publicado em 2007 por dois pesquisadores da EMBRAPA, fica claro que a atuação da empresa
África, naquele momento, não era pensada a partir da lente da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento
(CID), mas sim da cooperação em Ciência e Tecnologia (embora se fale em “transferência de conhecimentos”, o
que constitui modalidade da cooperação técnica, e não da cooperação científica e tecnológica). Os autores
mencionam que a Ciência e Tecnologia estava se tornando instrumento da política externa brasileira no
fortalecimento da colaboração Sul-Sul, identificam a oportunidade de financiamento do Norte e afirmam que a
Constituição brasileira considera sua transferência como instrumento essencial para acelerar o crescimento
econômico. Com base nesse raciocínio, e em diagnósticos sobre a situação da agricultura no continente, ficou
definido que a atuação da EMBRAPA África agregaria três componentes: “a- Transferência, teste e adaptação de
Tecnologias tropicais agrícolas, bem como compartilhamento de experiências em parceria desenvolvida com o
setor público e privado e programas organizacionais para desenvolvimento institucional; b- Intermediação de
organizações do agronegócio brasileiro e o setor privado africano; c- Estratégias de comunicação e informação,
compartilhando experiências da EMBRAPA na relação com as partes interessadas, mídia e programas de
comunicação institucional” (GALERANI; BRAGANTINO, 2007, p. 1392, tradução nossa).
214

Nesse contexto, em vez de atender a demandas interpostas pela “alta política”, a


EMBRAPA passou a buscar qualificá-las, de modo a contribuir para sua eficiência e eficácia
em campo. Um exemplo nesse sentido foi a reação da empresa a demanda recebida
oficialmente do MRE, no início de 2012, pela instalação de uma fazenda-modelo em Trinidad
e Tobago, a qual contemplaria projetos envolvendo todos os países do CARICOM. Segundo
funcionário da SRI entrevistado durante a elaboração desta tese, a iniciativa que teria sido
anunciada, um ano antes, pelo chanceler Antonio Patriota em uma reunião do bloco, sem ter
consultado antes a EMBRAPA a respeito da viabilidade do projeto. De acordo com esse
mesmo funcionário, a contraproposta da EMBRAPA à ABC, baseada na percepção de que
seria impossível instalar uma fazenda-modelo que contemplasse as particularidades de todos
os países do bloco, foi que o projeto focasse o desenvolvimento institucional e capacitação
para desenvolver as potencialidades de cada país.
Esse maior ativismo da EMBRAPA no desenho dos projetos induzidos pela
diplomacia brasileira guarda relação com aprendizados acumulados em campo pela empresa,
os quais serão mais detalhados na próxima subseção.

3.2.2 A evolução do componente humanitário

A princípio, como já foi apontado, as parcerias da EMBRAPA com países menos


desenvolvidos foram pensadas pela empresa como pautadas por viés “humanitário”. Tratava-
se de retribuir a cooperação recebida pela empresa aos países mais pobres, como foi atestado
por alguns dos entrevistados e pelo ex-presidente da EMBRAPA, Pedro Arraes (2009-2012),
em audiência pública na Câmara dos Deputados, ocasião em que também ressaltou o viés
instrumental dessa atuação para a política externa brasileira e esclareceu a origem dos
recursos:
[...] vou falar agora um pouquinho sobre a cooperação técnica, que tem aumentado
bastante. Essa cooperação é o objeto da intensa parceria que a EMBRAPA tem com
a ABC. Obviamente, a EMBRAPA, a exemplo de outras empresas brasileiras, hoje é
usada como instrumento de cooperação externa do Brasil, um instrumento da
política externa brasileira, e ajuda os outros países. Como exemplo disso, citei o
capim brachiaria, que melhoramos aqui junto com os centros internacionais. Na
minha opinião, temos até a obrigação moral de retornar a brachiaria melhorada, para
que também aqueles países que quase não têm o que comer possam utilizar de algo
que foi tirado de sua biodiversidade. Na verdade, não tiramos diretamente recursos
para essa cooperação técnica. Esses recursos são de projetos feitos em conjunto com
a ABC. Todo o custeio é obtido através desse projeto, com exceção, obviamente, do
215

tempo que o pesquisador fica lá. Se o pesquisador ficar em Moçambique 15 dias, o


pagamento de seu salário, obviamente, é feito com recursos da EMBRAPA. Mas é o
mesmo recurso, porque tudo aqui tem como fonte o Tesouro Nacional (CÂMARA
DOS DEPUTADOS, 2010).

O viés humanitário, porém, foi re-significado na segunda metade do segundo Governo


Lula em função de dificuldades de adaptar as experiências brasileiras em países mais frágeis,
da inexistência de uma estrutura de incentivos adequada,254 da premência da agenda
doméstica/local nas unidades da empresa e da priorização de iniciativas, pela SRI, com maior
possibilidade de eficácia e/ou que guardassem relação com o planejamento estratégico da
empresa.
Novamente, funcionários da EMBRAPA tendem a atribuir a atuação “humanitária” a
demandas diplomáticas, e não às prioridades da própria empresa, embora alguns deles
reconheçam a legitimidade de seu engajamento na CTPD como meio para se atingir
finalidades extrínsecas – no caso, a projeção internacional do Brasil, vista como benéfica para
o desenvolvimento agrícola de outros países se comparada à ação da China e de grandes
conglomerados da indústria de sementes, como a Monsanto e a Syrgenta.255
Fato é, contudo, que a ação “humanitária” escapa à missão da EMBRAPA, não sendo
mencionada diretamente nos principais documentos que delineiam seu planejamento
estratégico. Assinada pelo então diretor-geral, Silvio Crestana, a apresentação do V Plano-
Diretor da EMBRAPA, por exemplo, menciona no parágrafo introdutório o aumento da
demanda internacional pela agricultura tropical competitiva desenvolvida no Brasil, mas
apenas para atestar a “trajetória de sucesso” da empresa. O parágrafo que conclui a
apresentação, por seu turno, ressalta a missão da empresa como parceira no desenvolvimento
do Brasil:
Com suas estratégias de longo e médio prazos definidas, a EMBRAPA espera
continuar prestando serviços relevantes à sociedade no futuro próximo, de modo que
possa dar contribuições significativas para o desenvolvimento sustentável da
agricultura brasileira, além de ampliar a competitividade e a inclusão social nas

254
Os funcionários da EMBRAPA que participam de missões de curta duração no exterior acumulam funções
desempenhadas dentro e fora do país, sem receberem incentivos econômicos ou funcionais para isso (eles
recebem apenas diárias da ABC para custeio de alimentação, hospedagem e transporte local). Apenas os
pesquisadores enviados para coordenar unidades da EMBRAPA no exterior são contemplados com um auxílio
além do salário, que segue valores da ONU para expatriados (tabela ISIC), pago pela ABC, além de serem
contemplados com medidas de progressão funcional.
255
A dimensão da competição com outros países emergentes na África foi mencionada pelo então presidente da
EMBRAPA, Pedro Arraes (2009-2012), em audiência pública na Câmara dos Deputados: “[...] existe uma série
de oportunidades que têm de ser aproveitadas. Outras nações do BRIC, a exemplo da China, estão mais
agressivas, e o Brasil tem de ficar atento e ocupar os espaços [...]” (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2010).
216

diversas regiões produtoras do País. Trata-se de nobre compromisso e


responsabilidade com o futuro da Nação (EMBRAPA, 2008, p. 4, grifo nosso).

Mais adiante, o V Plano Diretor aponta a “grande demanda por geração e transferência
de novas tecnologias voltadas para a produção, em países novos, emergentes e
competitivos” (Ibid., p. 12, grifo nosso) como oportunidade diante do aumento da demanda
mundial por alimentos e da restrição à expansão da fronteira agrícola nas regiões temperadas.
Contudo, o documento não detalha quais seriam esses países nem como tal oportunidade
deveria influenciar o engajamento da EMBRAPA na CTPD, e não foi possível identificar a
existência ou acessar documentos internos da empresa sobre o assunto.
Em trabalho publicado em 2008, o pesquisador da EMBRAPA Bonifácio Magalhães
afirmou que, a despeito do crescente reconhecimento e demanda internacional pelas
realizações da EMBRAPA em agricultura tropical, a empresa ainda não possuía estratégia
bem definida para nortear a tomada de decisão de acordo com a “importância estratégica que
os potenciais países cooperantes possam representar para a agricultura brasileira”
(MAGALHÃES, 2008, p. 47).
Tal constatação, porém, parece ter sido realizada em um contexto em que os
funcionários da empresa estavam cada vez mais absorvidos por demandas múltiplas, sem
dispor de tempo para refletir sobre engajamento mais proativo na CTPD. Além disso,
predominava, no discurso de funcionários da SRI, a formulação de que, sendo o envolvimento
da empresa na CTPD resultante de induções diplomáticas, a responsabilidade em relação à
inexistência de um sistema com prioridades caberia à ABC.
Ainda assim, a EMBRAPA acumulou experiências e lições aprendidas em campo que
posteriormente passaram a ser retroalimentadas em uma estratégia mais clara por parte da
empresa. Uma das lições aprendidas diz respeito à necessidade de adaptação das técnicas e
tecnologias às realidades particulares de cada parceiro. A semelhança em termos de clima e
solos, por si só, não é suficiente para garantir a eficácia e sustentabilidade da cooperação
agrícola. Isso significa que a EMBRAPA não pode trabalhar com “pacotes tecnológicos” e
que cada projeto deve ter desenho particular, com base em qualificação cuidadosa da
demanda e em planejamento baseado em estudos que considerem impactos socioeconômicos,
cadeias de produção local, políticas públicas e acesso a crédito.
Relacionado a esse aprendizado, fortaleceu-se a percepção de que as condições que
teriam garantido o “sucesso” da EMBRAPA no Brasil, em contexto de interação entre
tecnologia, instituições, vontade política e acesso a crédito, entre outros, não necessariamente
217

estariam presentes nos países que demandam a transferência de tecnologia da empresa.


Segundo um pesquisador da EMBRAPA, embora a atuação “humanitária”, atendendo
demandas voltadas para a produção de culturas alimentares, encontre respaldo na Constituição
Brasileira,
[...] as dificuldades encontradas para desenvolver tais atividades são marcantes.
Depara-se constantemente com problemas estruturais nos países recebedores da
cooperação, tais como a ausência de infra-estrutura mínima como água, energia
constante, estradas e ausência de mercado consumidor para escoamento da
produção. Some-se a isso as dificuldades conjunturais como a fragilidade nas redes
de apoio financeiro para dar sustentação às iniciativas, a carência de base
institucional dos contrapartes para dar andamento às atividades planejadas e a
necessidade de capacitação do corpo técnico disponível (MAGALHÃES, 2008, p.
16).

As percepções e aprendizados sustentados por pesquisadores da EMBRAPA acerca do


seu envolvimento na CTPD geram questionamentos à maior parte dos estudos e visões sobre a
Cooperação Sul-Sul para o Desenvolvimento (CSSD), segundo os quais as soluções
desenvolvidas em países em desenvolvimento seriam replicáveis em outros países em
desenvolvimento. Ao mesmo tempo, levam a questionamentos sobre a efetividade da
dispersão das iniciativas em dezenas de países comandada pela “alta política” e ancorada no
ideal do demand-driven.
Já a percepção em relação à cooperação da EMBRAPA com países de renda média é
distinta. Neste caso, ressaltam-se os benefícios mútuos, reais ou potenciais, de iniciativas
realizadas em parceria com países como a África do Sul, a China e a Índia,256 além de
iniciativas conjuntas com países latino-americanos.257 A abertura posterior de laboratórios
virtuais na China (2011) e na Coreia (2009), mencionada na Seção 2.1, assim como a
expansão da iniciativa intitulada “Africa-Brazil Agricultural Innovation Marketplace” para
incluir, também, países da América Latina e Caribe (no que a iniciativa foi renominada

256
Nas palavras de Magalhães (2008, p. 33-34): “Num possível exercício de cooperação Sul-Sul, vale a pena
refletir sobre os movimentos da África do Sul, da China e da Índia. Esses países, à semelhança do Brasil,
investiram pesadamente em ciência e tecnologia para o agronegócio e são parceiros ideais para o
estabelecimento de cooperação mútua. É interessante ao Brasil, por exemplo, germoplasmas de citros e soja dos
quais a China é reconhecidamente o centro de origem. Aos chineses, arroz de sequeiro, amendoim e outras
plantas originárias do ambiente brasileiro. Os indianos querem conhecer os processos de produção agrícola
brasileiros e os avanços na agricultura familiar. Com a África do Sul, o interesse brasileiro é nas raças de
caprinos altamente produtivas e o deles na alta produtividade da nossa pecuária de carne.”
257
Uma das iniciativas mencionadas por Magalhães (2008), no caso dos países latino-americanos, foi o
Consórcio Iniciativa Amazônica para a Conservação e Uso Sustentável dos Recursos Naturais, parceria entre
institutos de pesquisa agropecuária da região que busca de soluções para problemas comuns (cultivo da batata,
alho, agricultura orgânica, bicudo do algodoeiro, recuperação de áreas degradadas, agricultura de precisão e
plantio direto), além de contemplar o apoio a países que não contam com um sistema de pesquisa agropecuária.
218

“Agricultural Innovation Marketplace”), podem ter representado a retroalimentação do


aprendizado/percepção de que cooperar com países de maior desenvolvimento relativo seria
mais benéfico para o Brasil.
Isso não significa que a EMBRAPA tenha deixado de atuar em iniciativas com países
menos desenvolvidos, mas certamente passou a deixar de fazê-lo de forma bilateral. Aqui, o
engajamento em iniciativas trilaterais e/ou apoiadas por parceiros múltiplos
(multistakeholder), bem como o componente interinstitucional (com a EMBRAPA
restringindo sua atuação à cooperação com instituições homólogas), foi fortalecido. Além do
Pró-Savana, que será discutido na próxima subseção, outro expoente dessa nova inserção da
empresa na CTPD e, mais amplamente, na CSSD, é já referido “Agricultural Innovation
Marketplace”, iniciativa da EMBRAPA258 voltada para o apoio a projetos conjuntos, com
foco no desenvolvimento de pesquisas voltadas para pequenos produtores, entre suas unidades
e instituições congêneres nos países africanos (e, posteriormente, latino-americanos). A
iniciativa, porém, não se restringe à pesquisa, reunindo ampla gama de atores envolvidos na
geração do conhecimento sobre agricultura – pesquisa, academia, extensão, setor privado,
ONGs, produtores e políticos (DUSI, 2012).
Enquanto vários pesquisadores da EMBRAPA reconhecem os benefícios potenciais da
iniciativa, por não se restringir a mera transferência de conhecimentos e envolver o
desenvolvimento conjunto de tecnologias e intercâmbio de germoplasma, outros apontam que
o potencial dos resultados ainda é muito inferior aos obtidos no âmbito dos LABEX, já que as
pesquisas desenvolvidas no âmbito do Marketplace contariam com menos recursos
financeiros (os projetos não podem ultrapassar US$ 80 mil)259 e humanos (na medida em que
envolvem apenas um pesquisador de cada país, sendo que as instituições dos países parceiros
não aportariam tanto conhecimento à EMBRAPA quanto as instituições dos parceiros mais
desenvolvidos).
Ainda assim, não se pode negar a relevância da iniciativa, na medida em que,
conforme destacou especialista na cooperação da EMBRAPA com países africanos
258
Segundo funcionário da EMBRAPA entrevistado durante a elaboração desta tese, a ideia do Marketplace veio
com a nova gestão da EMBRAPA, a partir de 2009, e o retorno de pesquisadores que haviam participado de
iniciativas similares em organismos internacionais.
259
Sobre o financiamento inicial do Marketplace, o então presidente da EMBRAPA, Pedro Arraes, esclareceu,
em audiência pública na Câmara dos Deputados, que “a ABC entrou com um pouquinho, 200 mil dólares do
Brasil, e contamos com algo em torno de 2,5 milhões de dólares do Banco Mundial, do DFID, do IFAD, do
FARA, organizações internacionais, que acreditaram nessa ideia e alocaram os recursos. Aí, passamos 80 mil
dólares, 70 mil dólares, dependendo do projeto, para o pesquisador africano fazer isso em seu país” (CÂMARA
DOS DEPUTADOS, 2010).
219

entrevistado durante a elaboração desta tese, permite que a EMBRAPA entre em contato com
informações estratégicas sobre uma ampla gama de países em desenvolvimento, as quais
podem ser retroalimentadas em estratégia futura de atuação na vertente Sul-Sul. O
Marketplace se configura, ainda, como mecanismo para o fortalecimento da centralização da
cooperação prestada pelas diversas unidades da empresa na SRI, buscando formalizar e
racionalizar a triagem das demandas e limitar tanto o envolvimento autônomo das unidades da
EMBRAPA na CTPD, quanto a incidência apenas da “alta política” nos processos decisórios.

3.2.3 A evolução do componente estratégico

O aumento exponencial das demandas pela CTPD da EMBRAPA durante o Governo


Lula levou à aprovação de uma série de medidas com vistas ao aprimoramento da estrutura
operacional da empresa de planejamento e implementação da cooperação. Conforme será
visto nesta subseção, muitas dessas medidas foram guiadas por metas mais amplas ligadas à
inserção nacional e internacional da EMBRAPA, previstas no seu planejamento estratégico –
indo além, portanto, do objetivo de melhorar capacidades com vistas ao atendimento de
demandas recebidas do governo brasileiro e de agências internacionais ou governos de países
em desenvolvimento pela transferência de tecnologias agropecuárias para países mais pobres.
Uma primeira medida relevante foi a criação, em 2009, da Secretaria de Relações
Internacionais (SRI), que substituiu a então Assessoria de Relações Internacionais (ARI),
conferindo-lhe maior autonomia e mais recursos humanos e financeiros.260 No âmbito
específico da CSS, cabe à SRI, unidade central da EMBRAPA, receber as demandas da ABC,

260
Conforme foi apontado por um dos funcionários da SRI entrevistados durante a elaboração desta tese, a
criação da SRI se insere em processo de reestruturação interna do sistema de gestão da EMBRAPA, voltada para
melhorar a eficiência e eficácia no processo decisório e na execução das atividades da empresa. Em 2008,
Bonifácio Magalhães (2008, p. 20), pesquisador da EMBRAPA, havia mencionado que “a falta de uma dotação
orçamentária e planejada e específica por parte do Governo” estava impedindo uma “atuação plena” da
EMBRAPA. Em termos de recursos humanos, seu diagnóstico foi o seguinte: “A operacionalização da
cooperação técnica internacional na EMBRAPA não tem sido fácil. A maior inquietação é que a Empresa não
tem uma estrutura operacional à altura da missão que recebe do Governo. Há um número muito reduzido de
técnicos da equipe responsável por um sistema de cooperação cada vez mais demandante. A equipe da
Assessoria de Relações Internacionais da EMBRAPA é tão reduzida que conta apenas um técnico para acordos
bilaterais com países desenvolvidos da América do Norte, Europa e Ásia, um para relações multilaterais, um
para acordos com América Latina e um para acordos com a África” (Ibid., p. 21-22).
220

elaborar os projetos de cooperação e entrar em contato com as unidades descentralizadas da


empresa para sua execução.
A SRI foi estruturada em três coordenadorias: a Coordenadoria de Intercâmbio de
Conhecimentos (CIC), responsável pela cooperação científica interinstitucional bilateral e
multilateral; a Coordenadoria de Cooperação Técnica (CCT), voltada para a transferência de
tecnologias, em parceria com a ABC, para países em desenvolvimento, inclusive o
Marketplace; e a Coordenadoria de Projetos Estruturantes (CPE), responsável pela elaboração
de projetos estruturantes e especiais, pelo desenvolvimento de atividades de prospecção de
financiamentos internacionais para iniciativas de interesse da EMBRAPA e pela coordenação
da elaboração e gerenciamento da execução de projetos de investimento financiados por
agências internacionais (EMBRAPA, 2013c).
Além de ter triplicado o número de seus funcionários, contemplando não apenas as
áreas voltadas para a CTPD, mas também áreas de interesse da EMBRAPA (intercâmbio de
conhecimentos e prospecção de financiamentos internacionais), a SRI buscou aprimorar a
qualificação de quadros na área de relações internacionais, com medidas como a realização
pela primeira vez, em 2010, de concurso público com vagas específicas para a área de
cooperação internacional.
Outra iniciativa voltada para lidar com o crescimento exponencial das demandas pelo
engajamento na CTPD foi o estabelecimento de cursos oferecidos em bases regulares,
sobrepondo-se à realização de capacitações específicas para cada demanda recebida. Esses
cursos passaram a ser realizados por meio de parceria entre a SRI e a EMBRAPA Estudos e
Capacitação (CECAT), unidade central da empresa criada em dezembro de 2009 no âmbito
do PAC da EMBRAPA.261
Por ter sido inaugurado pelo presidente Lula por ocasião da realização do Fórum de
Diálogo Brasil-África em Segurança Alimentar (maio de 2010),262 o CECAT pode ser visto
como mais um expoente das reformas institucionais realizadas na EMBRAPA para agilizar a
capacitação destinada a países de menor desenvolvimento relativo. Não obstante, as
atribuições centrais da nova unidade guardam relação com busca mais ampla de reforço

261
Como já foi mencionado, os cursos oferecidos em parceria com o CECAT integram um dos quatro
instrumentos da atuação da EMBRAPA na CSS: os programas de construção de capacidades. Atualmente, além
de contar com portfolio de cursos oferecidos em bases regulares, como o Programa de Treinamento para
Terceiros Países (parceria com a JICA), desenham-se cursos sob demanda e cursos específicos para os projetos
estruturantes (DUSI, 2012).
262
Ver: GREGIO, 2012.
221

institucional para aprimorar as ações da empresa no Brasil e no exterior, conforme aponta a


página da unidade:
A EMBRAPA Estudos e Capacitação é responsável por articular a elaboração de
cenários prospectivos globais que permitam a identificação de tendências de
demandas científico-tecnológicas. Estes resultados irão subsidiar o planejamento e a
programação da pesquisa, assim como a formulação de políticas públicas
relacionadas ao desenvolvimento tecnológico da agricultura brasileira. Serão
privilegiados os trabalhos em rede, buscando estimular a criação e o fortalecimento
de equipes transdisciplinares e multi-institucionais. No âmbito dos programas de
capacitação, a EMBRAPA Estudos Estratégicos e Capacitação atuará de maneira
integrada com as demais Unidades da EMBRAPA, somando esforços para mapear
demandas, identificar complementaridades, articular oportunidades e mobilizar
competências para construir a “agenda de capacitação da EMBRAPA”, focada em
compartilhamento e transferência de conhecimentos e tecnologias (EMBRAPA,
2012b).

Paralelamente ao aprimoramento institucional, a EMBRAPA passou a restringir os


canais de recepção de demandas e de interlocução em projetos com países em
desenvolvimento. Se, anteriormente, a empresa acatava demandas expressas por diferentes
canais e voltadas para atuação em diferentes áreas nos países em desenvolvimento, a SRI
afirma só receber demandas da ABC, trabalhar apenas com instituições congêneres nos países
parceiros e, no caso de ações isoladas, atender apenas aquelas relacionadas a necessidade
política de relevo.263
Além disso, a EMBRAPA passou a restringir as expectativas domésticas e
internacionais em relação à sua atuação. A princípio, o discurso da atuação na África,
continente do qual recebe a maior parte das demandas, era bastante ambicioso, como se pode
observar no trecho abaixo, referente à instalação do escritório em Gana:
Lá, os cientistas brasileiros vão trabalhar no desenvolvimento de programas e
projetos que contribuam de maneira efetiva para a estabilidade socioeconômica, a
segurança alimentar, a redução da pobreza e a produção de alimentos, fibras e
energia naquele continente, ampliando uma ação de cooperação técnica que já
ocorre com nove países africanos. [...] Pesquisadores com larga experiência em
planejamento e gestão de projetos agrícolas já estão trabalhando para articular os
interesses de produtores e governos africanos, de empresas de desenvolvimento
rural e de fornecedores de insumos e tecnologias para a organização das
cadeias produtivas necessárias ao crescimento da agricultura tropical na África, o
que abre grandes perspectivas de negócios para as indústrias brasileiras de insumos,
processamento e logística (EMBRAPA, 2007, p. 6, grifos nossos).

263
Como ressaltou o então presidente da EMBRAPA, Pedro Arraes (2009-2012), em audiência pública na
Câmara dos Deputados, ao se referir aos “pequenos projetos da ABC”: A propósito, o Ministro Farani deu um
exemplo muito característico, o do Afeganistão. O Afeganistão pede uma ajuda, faz-se uma viagem para lá de 10
dias, prepara-se um diagnóstico e identifica-se, por exemplo, que eles precisam de um apoio mínimo para iniciar
o cultivo de soja, e a EMBRAPA vai lá, junto com a ABC, dar esse impulso. Então, são projetos mínimos, e
tentamos não fazer muitos porque eles tiram um pouco o nosso foco. Só os fazemos, na verdade, quando há
necessidade política importante (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2010).
222

Posteriormente, o discurso foi calibrado, ressaltando-se que a EMBRAPA tem papel


específico, restrito ao apoio a instituições homólogas em outros países por meio de demandas
interpostas pela ABC. Nas palavras do atual diretor-geral da empresa, Pedro Arraes (2012):
“A missão da EMBRAPA não é fazer projetos de desenvolvimento, mas ajudar a gerar
insumos para projetos. Muitos acham que a EMBRAPA pode tudo, até ir à Lua”.
Ainda como parte de esforços para calibrar o papel da EMBRAPA na CTPD, outra
tendência marcante foi o recuo da liderança da empresa em projetos de desenvolvimento
agrícola realizados em outros países. A empresa passou a estimular que a ABC buscasse
novos parceiros para liderarem iniciativas, o que aconteceu no caso do Pró-Savana. Por
sugestão da EMBRAPA, a ABC contratou a FGV-Projetos para elaborar o Plano Diretor da
iniciativa, criar o fundo que a financiará (Fundo Nacala)264 e estimular o engajamento de
múltiplos atores, particularmente do setor privado, na iniciativa. À EMBRAPA caberia apenas
o fortalecimento do Instituto Agrícola de Moçambique (IAM).
Por fim, a EMBRAPA também começou a estruturar prioridades próprias, de modo a
favorecer iniciativas com maior potencial de eficácia em termos de sustentabilidade no país
recipiendário. O maior expoente dessa proatividade teria sido a transição de um engajamento
pontual em iniciativas isoladas (voltadas para a construção de capacidades por meio do envio
de especialistas a outros países ou treinamentos realizados na EMBRAPA) para o foco nos
chamados “projetos estruturantes”, de longo prazo, os quais englobam três componentes:
desenvolvimento institucional, programas de construção de capacidades e validação de
tecnologias (DUSI, 2012).265
Segundo o coordenador de projetos estruturantes da EMBRAPA, André Dusi (2012),
essa transição respondeu à necessidade de redesenho da estratégia da SRI diante do aumento
da demanda internacional pela cooperação da EMBRAPA durante o Governo Lula. Ao
mesmo tempo, pode-se afirmar que tal foco, segundo constatou um dos funcionários da
EMBRAPA entrevistados durante a elaboração desta tese, resulta de aprendizado, com base

264
Para mais informações sobre o Fundo Nacala, ver: BATISTA, 2012; BRITO, 2012.
265
Segundo um dos funcionários da SRI entrevistados durante a elaboração desta tese, o plano da SRI é
transferir iniciativas de curto prazo para planejamento e execução direta por outras organizações integrantes do
Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária.
223

no acúmulo de lições aprendidas em campo, de que quanto mais contínua a ação de


cooperação, mais efetivo é o seu resultado.266
Embora haja projetos estruturantes em curso no Mali (Cotton-4) e no Senegal (Arroz),
a EMBRAPA parece estar priorizando o engajamento em Moçambique, que se baseia em três
projetos complementares: o Plataforma, parceria com a Agência dos Estados Unidos para o
Desenvolvimento Internacional (USAID), voltado para o fortalecimento do sistema de
inovação agrícola (planejamento, coordenação, monitoramento e avaliação das atividades de
pesquisa e transferência de tecnologia); parceria com a JICA, o Pró-Savana, programa de
desenvolvimento regional com horizonte de 20 anos, englobando melhoria de capacidades de
pesquisa e extensão e de infraestrutura com vistas à promover o crescimento da produção
agrícola (consumo interno e exportações); e o Segurança Alimentar, também em parceria com
a USAID, voltado para fortalecer a produção de hortaliças por pequenos produtores.
Esses projetos estão inseridos em contexto de amadurecimento das relações da
EMBRAPA não apenas com a ABC, mas também com as agências de cooperação de países
desenvolvidos. Segundo relataram funcionários da empresa, diferentemente dos projetos
triangulares realizados pela EMBRAPA no passado, em que os parceiros dos países
desenvolvidos a viam como mera executora de ações (na forma de subcontratações), a
empresa estaria atualmente agindo de forma mais “soberana”, impondo condições e
participando ativamente do desenho dos projetos. Isso resultaria, segundo um dos
entrevistados, de amadurecimento mais geral da participação brasileira em fóruns
internacionais, como G20 e o BRICS, mas também de lições aprendidas em campo.
Ao mesmo tempo, a EMBRAPA reconhece as vantagens de trabalhar em parcerias
triangulares e com parceiros múltiplos (multistakeholder). Além de contribuírem com
recursos humanos e financeiros, necessários para complementar os recursos internos da
empresa, organismos internacionais e agências de cooperação de países desenvolvidos
aportam conhecimentos sobre a realidade dos países recipiendários, necessários para o
desenho de iniciativas que se baseiem em entendimento claro das demandas e das
características locais.
É possível que parcerias envolvendo doadores tradicionais também tenham sido
impulsionadas por dois fatores adicionais: de forma mais ampla, uma maior pressão das

266
Ainda segundo esse entrevistado, a EMBRAPA busca trabalhar cada vez menos com ações isoladas, tentando
inserir iniciativas de capacitação dentro de projetos de cooperação técnica maiores, ainda que nem todos sejam
estruturantes.
224

constituenccies doméstticas dos paaíses desennvolvidos peela diminuição do voluume de reccursos


para a coopperação bilateral com o Brasil, em
m função daa emergência econômiica do país; e, no
caso particcular da EM
MBRAPA, a necessidaade de busscar parceirros que apoortem recurrsos e
conhecimeentos na bussca da realiização da vvisão de futturo da emp
presa vis-à--vis as princcipais
oportunidaades e ameaaças identificcadas no seeu planejamento estratégico (Figurra 2 e Quadrro 7).

Figura 2 - P
Posicionam
mento estratéégico da EM
MBRAPA

Fonte: EMBR
RAPA, 2008.

Quadro
Q 7-O
Oportunidaddes e ameaçças à EMBR
RAPA diantte de tendên
ncias consollidadas
PRIINCIPAIS OP PORTUNIDA ADES PRINCIPAIS AMEA AÇAS
Valorização crescente e suubstancial aum mento da Investimeentos insuficieentes em recuursos humanoss e
demanda, asssociados à muultiplicação dee parcerias infra-estrrutura para o desenvolvimen
d nto de PD&I nas
n
nacionais e innternacionais,, por pesquisaa orientada áreas de fronteira
f do co
onhecimento.
para a reduçãão dos impactos negativos das d mudançass
climáticas soobre a produçãão agropecuária e o uso Engessammento institucional da EMB BRAPA e das
sustentável ddos recursos naturais (água, solo, demais in
nstituições púb
blicas integranntes do SNPA
A.
sol, vegetaçãão e fauna).
Risco de obsolescênciaa da infra-estrrutura laborato
orial
Aumento da demanda por PD&I orientaada para a de PD&II agropecuáriaa do Brasil.
exploração suustentável doss biomas brasiileiros e para o
desenvolvimmento da produução agropecu uária das Falta de capacidade
c organizacional ppara respondeer ao
diversas regiões, em basess simultaneam
mente crescimento da demanda.
225

competitivas e ecoeficientes.
Baixo comprometimento dos produtores, dos atores
Aumento da demanda por tecnologias voltadas para a políticos e da sociedade brasileira com o uso
produção de agroenergia, inclusive em áreas sustentável da biodiversidade.
degradadas.
Continuidade do contingenciamento de recursos
Aumento da demanda por tecnologias voltadas para o públicos para a EMBRAPA e para as demais
aproveitamento sustentável da biodiversidade instituições públicas integrantes do SNPA.
brasileira e para o desenvolvimento de bioprodutos
(fármacos, fitoterápicos, cosméticos, etc.). Gestão do conhecimento ineficaz.

Aumento das exigências do mercado por Risco de perda do protagonismo do Brasil em geração
rastreabilidade e certificação e por alimentos com de tecnologias voltadas para a agroenergia.
elevado padrão de qualidade.
Desarticulação dos principais atores na área de
Surgimento de um novo mercado de PD&I que produção de agroenergia e biocombustíveis.
demande tecnologias orientadas para a redução dos
custos ambientais e dos custos de produção em Ausência ou inadequação de legislação referente à
sistemas integrados e rotacionados. preservação ou à utilização dos diferentes biomas
brasileiros.
Ambiente favorável à formação de novos arranjos
institucionais e redes de PD&I com maiores Intensificação das dificuldades institucionais e
flexibilidade e agilidade das organizações de PD&I. restrições legais à execução de pesquisas e ao
estabelecimento de parcerias.
Ampliação da demanda de PD&I para a diversificação
de produtos e a agregação de valor. Risco de evasão dos melhores talentos e perda de
massa crítica em áreas estratégicas para a EMBRAPA
Aproveitamento de áreas degradadas para o ou para o País.
desenvolvimento de sistemas produtivos integrados e
rotacionados.

Ampliação da integração inter e intra-regional de


negócios em escala global, com aumento da inserção
externa do Brasil como ator global na produção de
alimentos, bioenergéticos e bioprodutos.

Forte aumento da demanda por produtos nutracêuticos


e orgânicos.
Fonte: EMBRAPA, 2008.

Embora não tenha sido possível acessar ou mesmo verificar a existência de


documentos que vinculem as prioridades da EMBRAPA, elencadas no seu Plano Diretor, com
suas decisões no que se refere a iniciativas de CTPD, um dos entrevistados mencionou
determinações internas da SRI para que os quadros envolvidos direcionassem a maior parte de
seu tempo à realização de iniciativas prioritárias. É possível, assim, que a empresa tenha
passado a priorizar (ou mesmo a induzir) iniciativas que guardassem relação com os desafios
e oportunidades ligados à busca pela sua elevação e consolidação como empresa-líder
mundial na produção de tecnologias sustentáveis para produção de alimentos, fibra e
agroenergia.
226

A busca pelo fortalecimento da sustentabilidade da agricultura brasileira, por exemplo,


pode guardar relação com o engajamento em iniciativas triangulares e com múltiplos
parceiros realizadas em países menos desenvolvidos e voltadas para o apoio a práticas
sustentáveis de agricultura. Parcerias realizadas com atores comprometidos com essa
temática, como o DFID,267 podem ser promissoras não apenas no que se refere ao contato com
novas metodologias, mas também em relação ao fortalecimento doméstico de práticas
sustentáveis por meio da transferência e aprimoramento de experiências já desenvolvidas pela
EMBRAPA no Brasil. Quer dizer, se a EMBRAPA começa a se projetar internacionalmente
como empresa comprometida com o meio-ambiente, isso pode contribuir para favorecer
maior comprometimento dos diversos agentes nacionais com práticas agrícolas sustentáveis
dentro do Brasil. Tratar-se-ia, portanto, de um processo clássico de “policy lending” –
exportar experiências como mecanismo para fortalecê-las dentro do Brasil -, mas ao mesmo
tempo agregando os componentes da disposição de aprimorar políticas e práticas domésticas
no que se refere à agricultura sustentável e da expansão de parcerias que aportem novas
receitas e conhecimentos para a empresa.
A relação entre a CTPD e a visão estratégica da empresa fica clara quando, ao
defender novas práticas de governança como caminho necessário para que a EMBRAPA
mantivesse seu relevo, tendo como cenário o ano de 2030, o ministro de Agricultura, Pecuária
e Desenvolvimento, Mendes Ribeiro Filho, fez a seguinte reflexão:

Cabe ressaltar que o investimento em pesquisa pública pelos países industrializados


é similar ao que investem todos os países em desenvolvimento no mesmo setor,
estimado em US$ 12 bilhões. Países industrializados como Austrália e Japão
investem parcela maior do seu PIB agrícola em pesquisa agropecuária pública do
que o Brasil. E a arquitetura do financiamento público, inicialmente com uma
correspondência quase biunívoca entre o público e o nacional, hoje tem o nacional
com o internacional e o público com o privado em uma arquitetura porosa e criativa.
Uma demonstração disso é o recente acordo que firmei com o Reino Unido, onde a
EMBRAPA apoiará o desenvolvimento agrícola de pequenos produtores de países
africanos, através de projetos de pesquisa e desenvolvimento com instituições irmãs
na África, América Latina e Caribe, algo previsto como resultado da Rio+20 e que o
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento já está praticando (RIBEIRO
FILHO, 2012).

O caso da agroenergia, um dos pontos elencados no Plano Diretor da EMBRAPA,


também pode apontar amadurecimento estratégico da atuação da empresa na CTPD. Em
entrevista concedida recentemente, pesquisador da empresa que atuava na África afirmou que,

267
A EMBRAPA e o DFID estão negociando uma iniciativa chamada “Climate Smart Agriculture”, que será
desenvolvida em três países africanos: Gana, Moçambique e Tanzânia. Sobre a experiência do DFID na
prestação de cooperação em iniciativas sustentáveis de agricultura, ver: DFID, 2011.
227

no contexto da busca brasileira pelo desenvolvimento do etanol como commodity energética


mundial, há esforços para a identificação de países onde o cultivo da cana-de-açúcar possa ser
introduzido. Essa identificação estaria a cargo da Fundação Getúlio Vargas que, nas palavras
do pesquisador,
[...] manda um time para esses países e eles fazem o primeiro levantamento de
viabilidade técnico-econômica. Quando é possível atuarmos junto com a FGV, nós
atuamos. Quando não, eles vão primeiro e nós entramos posteriormente. É uma
parceria específica para essa questão do etanol, e não só para a África. São jovens
agrônomos e engenheiros florestais, que vão pelo interior dos países, coletando
amostras de solo, informações metereológicas, dados econômicos e conversando
com as autoridades. Se os governos desses países decidem partir para a segunda
etapa, começamos o plantio de cana, planejamento de infraestrutura etc. (LOPES, L.,
2012).

Na África, o pesquisador (Ibid.) mencionou o caso da Etiópia, país tido como


estratégico pela alta dependência de importação da gasolina consumida, pela vontade política
doméstica de diminuir essa dependência com a introdução da cana-de-açúcar e do etanol e da
existência de infraestrutura básica (cinco usinas de açúcar no país). Em entrevistas coletadas
junto a outros funcionários da EMBRAPA, foi possível identificar, com efeito, um “ânimo”
maior em relação à cooperação oferecida pela empresa à Etiópia, embora o tema específico do
etanol não tenha sido mencionado.
Ainda referente à cooperação em agroenergia, outro caso mencionado pelo então
presidente da EMBRAPA, Pedro Arraes, em audiência pública na Câmara dos Deputados, foi
o Quênia: “Quanto ao sorgo sacarino, se conseguirmos instalar alguma coisa lá que possa
produzir etanol, será extremamente importante para o Brasil, porque o etanol teria condições
de se tornar uma commodity. E o Quênia não competiria com o Brasil” (CÂMARA DOS
DEPUTADOS, 2012).
No que se refere à parceria com a FGV, ela pode ser vista como expressão particular
de uma busca mais geral da EMBRAPA de promover novos tipos de governança para
aprimorar os sistemas nacionais de ciência, tecnologia e inovação ligados à agropecuária
brasileira. Embora não tenha sido possível investigar mais a fundo este aspecto, é possível que
a limitação das capacidades da EMBRAPA para atuar na cooperação com países menos
desenvolvidos, paralelamente ao aumento exponencial das demandas, tenha pressionado a
empresa a estabelecer ou a aprofundar laços não apenas com agentes internacionais, mas
também com agentes domésticos (como a FGV Agro e organizações vinculadas ao SNPA).
De forma indireta, isso poderia contribuir para fortalecer o novo patamar de governança
228

buscado pela empresa e, consequentemente, a eficácia e eficiência na produção e transferência


de tecnologias dentro do próprio território brasileiro.
Indo além de elementos relacionados no Plano Diretor da EMBRAPA, foi possível
identificar que, apesar de quadros da empresa divergirem sobre seu engajamento na CTPD,
ele trouxe benefícios indiretos para a empresa em vários âmbitos. Ao contribuir para conferir
maior visibilidade internacional a tecnologias agropecuárias desenvolvidas no Brasil, o
envolvimento crescente da entidade na CTPD gerou vontade política para avançar nas
articulações necessárias para a institucionalização da vertente internacional da empresa e para
a aprovação de medidas já perseguidas anteriormente, como o PAC da EMBRAPA e a criação
do CECAT e da EMBRAPA Internacional.
No último caso, contudo, a polarização dentro e fora da empresa em relação aos
modelos de desenvolvimento que devem ser buscados (desenvolvimento social x
desenvolvimento científico e tecnológico; agricultura familiar x agronegócio; soberania x
entreguismo) acabou impedindo a formação de consensos elementares a respeito da atuação
internacional da EMBRAPA.
Por meio de medida provisória editada por Lula (MP 504/2010), havia-se dado início à
alteração do estatuto da EMBRAPA para permitir a abertura de unidades da empresa no
exterior, sendo que a sede da EMBRAPA Internacional seria estabelecida em Delaware, EUA
(MAIA, 2012). O novo estatuto foi discutido, no fim de 2010, em audiência pública das
comissões de Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural, Ciência e Tecnologia,
Comunicação e Informática e Relações Exteriores e de Defesa da Câmara dos Deputados, e o
relator da MP, deputado Paulo Piau (PMDB-MG), se mostrou favorável a ela.
Essa ocasião foi particularmente relevante, do ponto de vista da CTPD, para que o
então presidente da EMBRAPA, Pedro Arraes, e o então diretor da ABC, Marco Farani,
pudessem prestar contas a respeito do volume crescente de recursos humanos e financeiros
alocados para a promoção do desenvolvimento agropecuário de outros países. Trechos da fala
de Arraes na ocasião já foram trazidos ao longo deste capítulo, e o Quadro 8 contém as
principais colocações realizadas pelos deputados presentes, bem como as respostas a elas. A
expressão de propósitos diplomáticos, econômicos e humanitários é visível.
229

Quadro 8 - Sistematização dos principais debates realizados na Câmara dos Deputados


durante audiência pública sobre a criação da EMBRAPA Internacional
(06/12/2010)

CONSIDERAÇÕES REALIZADAS POR RESPOSTAS


DEPUTADOS
Deputado Silas Brasileiro (PMDB-MG) Deputado Paulo Piau (PMDB-MG)

“[...] cumprimentamos a área das Relações Exteriores “Quando [...] o Deputado Silas diz que a cooperação
por esse esforço no sentido de levar para outros internacional vai afugentar um pouco os pesquisadores
irmãos nossos o conhecimento que não possuem. E, ou vai competir com a nossa demanda interna, acho
efetivamente, em muitos casos, sobretudo no que se que não é bem assim, que não é uma relação direta,
refere a países com maiores dificuldades, eles mas sempre lembramos — e sempre cito esse dado —
precisam disso para substituir a produção de droga a questão do pessoal. [...] Vejam que a Samsung,
pela de alimentos. Portanto, é uma medida empresa privada coreana, possui nos seus quadros
fundamental. Sem dúvida, a EMBRAPA é motivo de 15.000 pesquisadores, e outro dia, li na revista Veja
extraordinário orgulho para nós.” que a L’Oreal, empresa privada francesa, tem 3.200
pesquisadores. Enquanto isso, sou informado de que a
Menciona risco de a cooperação internacional EMBRAPA tem 2.200.” (continua na próxima célula)
“afugentar” e competir com demanda interna (esta fala
não foi reproduzida nota taquigráfica; o trecho foi “O Presidente Lula, no início do seu Governo usou a
extraído da resposta do Deputado Paulo Piau) seguinte expressão: ‘O Brasil deve voltar os olhos
para a África’. E foi criticado. Tive a oportunidade de
ir a Angola há dois anos e realmente vi que o
Presidente tinha toda a razão. Se pensarmos, o etanol
jamais vai virar uma commodity, porque ninguém vai
mudar a matriz energética se for ficar na dependência
de outros. Já não querem depender da OPEP. Se for
depender do Brasil, não avança [...]. Então, a África
tem terra, não tem tecnologia, não tem mão de obra
preparada, mas é realmente uma extensão do que
podemos fazer para fazer com que o etanol,
especificamente, vire realmente uma commodity e
entre na matriz energética. Isso é possível. Então, acho
que todos esses são argumentos para que possamos
avançar nessa cooperação internacional e
evidentemente na internacionalização da
EMBRAPA.”

Deputado Paulo Piau (PMDB-MG) Pedro Arraes (Presidente da EMBRAPA)

“[...] é claro que estamos neste projeto de “Na verdade, isso tudo é muito novo. Estamos em um
internacionalizar a EMBRAPA, e eu fico também processo novo. Não só as universidades, como
preocupado, porque ela representa oitenta e tantos por também as empresas estaduais de pesquisa,
cento na América Latina e alguma coisa significativa obviamente, têm de ser envolvidas. Estamos tentando
também na África. E as nossas universidades? Por que criar mecanismos no próximo ano para facilitar isso.
elas também não estão em um processo de Ainda não estávamos organizados o suficiente dentro
cooperação, de busca de interesses comuns?” da EMBRAPA. Então nós nos organizamos. O
objetivo é abrir frente. Inclusive, há algumas coisas
que não são missão da EMBRAMA. São muito mais
missão de uma universidade do que da própria
EMBRAPA. Há coisas, como a extensão rural, que
outras empresas têm muito mais condição e
competência de fazer do que a própria EMBRAPA.”
230

Deputado Paulo Piau (PMDB-MG) Pedro Arraes (presidente da EMBRAPA)

“[...] quanto àqueles dois tratores produzidos no Brasil “Em relação às patentes e ao que a EMBRAPA ganha
mostrados pelo Dr. Pedro, é preciso lembrar que com isso, eu gostaria de colocar uma questão que acho
talvez o componente tecnológico brasileiro seja muito muito importante. O MIT, Instituto de Tecnologia de
pequeno, mas, pelo menos, eles foram montados aqui, Massachusetts, nos Estados Unidos, que talvez seja
já geraram algum emprego para o Brasil. Outro um dos institutos com maior número de patentes e
reflexo muito grande que podemos ter é relativo a essa licenças no mundo inteiro, arrecada 17% de seu
parte de negócio. Quer dizer, quando precisamos orçamento com isso. O resto é bancado pelo governo,
importar uma máquina para mexer com mármore ou por fundos públicos.”
com madeira, vamos à Itália ou à Alemanha buscar. E
a afinidade cultural que a África tem com o Brasil é,
na verdade, uma oportunidade. Ninguém recebe nada
se não doar alguma coisa. A vida é assim. Acho que
esses são argumentos que vêm fortalecer essa proposta
da EMBRAPA. Eu sou capitalista. Não sou
comunista, evidentemente. Acho que devemos
privilegiar o esforço individual das pessoas, a
competência. Mas deve haver instrumentos de
regulação para que realmente essas diferenças não
sejam tão grandes entre países, entre pessoas. O custo,
hoje, para a EMBRAPA é insignificante: um milhão e
meio de dólares. Nessa cooperação internacional, é
claro que queremos ampliar o orçamento para que
tenhamos mais proveito. Gostaria de fazer uma
pergunta ao Presidente, para que isso seja embasado,
embora ele tenha tocado em alguma coisa nesse
sentido. O que isso pode significar para nós, em
termos de mais royalties e mais patentes, com a
internacionalização da EMBRAPA, já que o sistema
deve buscar cada vez mais sua autossuficiência para
não onerar muito a sociedade? Acho que esse é um
aspecto que também podemos ter como argumento do
avanço desse projeto. Há o lado social. A África passa
fome, e o Brasil, como qualquer país, tem
responsabilidade nisso. Mas queremos mais do que
isso. Queremos desenvolvimento. O que o Brasil pode
ganhar em relação a negócios — o senhor falou em
negócio tecnológico —, nessa internacionalização da
EMBRAPA?”

Deputado Nazareno Fonteles (PT-PI) Pedro Arraes (presidente da EMBRAPA)

“Tenho uma preocupação muito grande com a “Deputado, nós temos um grande programa em
agricultura familiar. Tenho dito muitas vezes que acho agricultura familiar. Isso já está bastante equilibrado.
que a EMBRAPA se dedica pouco à agricultura Vemos a agricultura como um todo. O próprio
familiar e muito à grande agricultura. Se nos últimos Presidente falou disso em sua posse. O Brasil é um
30 anos nós tivéssemos nos dedicado a colocar a país plural, e temos de trabalhar com essa pluralidade.
ciência e a tecnologia a serviço do pequeno e feito a Procuramos trabalhar com essa pluralidade da melhor
reforma agrária — deveria ter sido concluída, mas não forma possível. Agora, existem várias coisas que não
foi —, imaginem o quanto este País teria se são tecnológicas, com a agricultura familiar, com
desenvolvido, o quanto ele teria de segurança assentamentos. São questões que fogem... O
alimentar! Aproveito esta oportunidade para dizer conhecimento existe, mas não conseguimos levar esse
que... Participei da elaboração do programa da nossa conhecimento aos produtores. E esse também não é o
candidata Dilma Rousseff. Uma das coisas que papel da EMBRAPA. A EMBRAPA não é uma
fizemos questão de colocar ali foi que a nossa empresa de extensão rural. O Congresso Nacional tem
EMBRAPA deve se orientar cada vez mais para a um papel fundamental para resolver muitos desses
agricultura familiar, inclusive nos países que fazem problemas: fortalecer a extensão rural pública do
parte dessa cooperação. Estive agora no Chile, Brasil. E uma coisa que acho extremamente
participando de um seminário da rede de alimentação importante é que nós nos inserimos. Nós criamos um
231

escolar da América Latina. Estava presente o departamento de transferência de tecnologia na


representante do PMA da América Latina, José EMBRAPA, que não existia. Estamos nos integrando
Antonio. Podemos ver que uma das grandes atrações nas redes, junto com as cooperativas, com as
desses países com o Brasil é exatamente ver o nosso associações, com os sindicatos rurais [...].”
avanço na agricultura familiar com estímulo público.
Eu digo que é a empresa mais importante. Há Ministro Marco Farani (diretor da ABC)
experiências interessantíssimas em relação às
hortaliças, à fruticultura. [...] Mas vejo essa “[...] nós temos trabalhado não somente com a
preocupação com o agronegócio, nesse sentido do EMBRAPA, levando pesquisadores da empresa para o
grande. A fim de cumprir o que esta Casa aprovou — exterior, por meio de projetos de cooperação técnica,
eu me dediquei muito a isso nesses 3 anos. A mas também com o Ministério do Desenvolvimento
alimentação foi colocada como direito social na Agrário. Muitos projetos com o MDA levam nossa
Constituição, em seu art. 6º. Acho que é preciso usar tecnologia da agricultura familiar, nossos programas
essa vocação, essa expertise que a EMBRAPA de agricultura familiar. Recentemente, nós assinamos
acumulou para proteger a biodiversidade. Nós não com o FNDE, por exemplo, no que se refere à
temos de comer só milho e feijão. Não temos de merenda escolar, um acordo de cooperação trilateral
produzir boi, que é o que mais polui o planeta, com a com o Programa Mundial de Alimentos. Com a
questão do aquecimento global, como alguns estudos participação do PMA, vamos transferir esse
da FAO mostram, invadindo a Amazônia. Temos de conhecimento para países africanos. Assinamos
produzir mais carne branca, mais peixe, mais fruta, também um acordo com a FAO, com o FNDE —
mais verdura, mais legumes para o nosso povo ABC/FNDE/FAO — para transferência do programa
adoecer menos. As estatísticas do Ministério da Saúde de merenda escolar para os países da América do Sul,
mostram que 50% em média das doenças não por meio da Diretoria da FAO para a América Latina,
transmissíveis são causadas pela falta de uma por intermédio do Sr. José Graziano, que por acaso
alimentação saudável. Nesse sentido, apresentei uma hoje é o nosso candidato à Direção-Geral da FAO. É o
emenda para incentivar a plantação de hortaliças este candidato do Governo brasileiro. Naquela
ano, como um experimento para o Piauí. Vejo que oportunidade a ABC assinou com cinco países
existe muita coisa boa. Com a ideia das hortas africanos o memorando de entendimento para
escolares, da ponte entre a agricultura familiar e a transferir o Programa de Aquisição de Alimentos —
alimentação escolar, com esse novo instrumento PAA para esses países com recursos da própria ABC.
legislativo que temos, poderemos dar um passo muito Isso vai facilitar a penetração do Brasil por projetos de
grande. Por isso, parabenizo-o pelo que tem feito, mas cooperação técnica, projetos que são altruístas, como
lhe digo que ando preocupado com o rumo que está eu falei, mas que, na verdade, são instrumentos de
sendo tomado. Precisamos investirmos mais, tanto nas política, instrumentos, de poder do Brasil, de
parcerias internacionais, quanto em nível local, para afirmação do poder e também, como o Sr. Pedro
colocar a ciência e o conhecimento a serviço dos Arraes informou, de captação de conhecimento, de
pequenos. Assim, teremos o campo mais desenvolvimento de novos conhecimentos, de
desenvolvido, as cidades menos inchadas, uma pesquisa de novos cultivares, de doenças que, às
sociedade mais justa e mais tranquila. Os que ganham vezes, são desconhecidas no Brasil. Eu acho que essa
mais e os que ganham menos pelo menos terão menos inserção é fundamental, porque o conhecimento, no
medo uns dos outros, e terminaremos tendo uma vida fundo, é de todos, e quanto mais estivermos
com mais paz. A EMBRAPA terá todo o meu apoio. envolvidos na produção de conhecimento, mais o
Contribuirei no que puder para avançar nessa direção, Brasil vai ganhar, não somente como ator virtuoso e
em relação a recursos e à expansão da capacidade. solidário no cenário internacional, mas também com
Mas lembro que, a meu ver, esse é o eixo prioritário novos conhecimento, etc.”
para a segurança alimentar e nutricional em nosso País
e para o cumprimento constitucional do direito à Deputado Paulo Piau (PMDB-MG)
alimentação.”
“O Brasil precisa caminhar com segurança. O mundo
hoje caminha na escala, infelizmente. Mas o Brasil
não vai ser diferente do Mercado Comum Europeu
nem dos Estados Unidos ou da Ásia. Podemos até
sonhar com um modelo diferente. Nós sonhamos com
um modelo diferente sim, mas lamentavelmente um
banco escala hoje indústria e serviços. Está-se unindo
tudo e formando grandes conglomerados. Estamos
aqui discutindo a união dos frigoríficos. O maior
frigorífico do mundo hoje está aqui conosco. Foram
juntando peças e assim por diante. Digo até num tom
de lamento que não sou favorável a essa concentração
232

de renda. Nós temos que ter um modelo um pouco


diferenciado, mas o mundo nos espreme nesse sentido.
Queria apenas citar essa realidade. Se a
internacionalização da EMBRAPA for um
instrumento para diminuirmos essas distâncias e evitar
que o Brasil seja uma colônia tecnológica, um País de
montagem, e corremos o risco de caminhar para lá se
não tivermos cuidados nessa área, que aprovemos a
medida provisória para o bem não da EMBRAPA,
mas para o bem do nosso Brasil.”

Fonte: A autora, 2013, com base em CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2010.

Em junho 2012, foi publicado decreto autorizando a criação da EMBRAPA


Internacional e prevendo que a empresa “[...] poderá exercer qualquer das atividades
integrantes de seu objeto social fora do território nacional, mediante a instalação de unidades
internacionais” (BRASIL, 2012, Art. 2º, parágrafo único). O estatuto foi inédito, entre as
instituições públicas brasileiras, por ir além da promoção do desenvolvimento agrícola
nacional ao elencar os objetivos da EMBRAPA, quais sejam:
I - facilitar e acelerar a solução de problemas, a busca de oportunidades e o
fortalecimento da agricultura brasileira, no que se refere a ações internacionais;
II - planejar, orientar, promover a execução, executar e supervisionar atividades de
pesquisa e desenvolvimento, transferência de tecnologia agropecuária e de incentivo aos
talentos nacionais para produzir conhecimentos tecnológicos que fortalecem a
agricultura brasileira e a dos países em desenvolvimento; e
III - arrecadar e administrar os recursos recebidos de organizações nacionais e
internacionais como doação, e os recursos oriundos de contratos específicos de pesquisa
e desenvolvimento, transferência de tecnologia e capacitação a título de licenciamento de
propriedade intelectual e de know how de propriedade da EMBRAPA (BRASIL, 2012,
Art. 5º, grifo nosso).

Em entrevista após a publicação do novo estatuto, o então presidente da empresa,


Pedro Arraes, afirmou que o “novo estatuto vai permitir à EMBRAPA trabalhar com mais
agilidade fora do território nacional, principalmente na área científica, além das atividades de
cooperação técnica apoiadas pela Agência Brasileira de Cooperação e de negócios”
(ESTEVES, 2012a, grifo meu).
Arraes havia ressaltado, em audiência na Câmara dos Deputados em 2010, a
importância da EMBRAPA Internacional para avançar na cooperação científica e nos
negócios na América Latina. Nas suas palavras:
Ainda dentro da cooperação científica, temos aqui outros tipos de atuação. Atuamos,
por meio do IICA, do PROCISUR, do PROCITRÓPICOS, onde existe uma série de
plataformas para o Cone Sul e para a região tropical da América, na agricultura
familiar, na agricultura orgânica, na sustentabilidade ambiental, na qualidade da
cadeia, no salto tecnológico competitivo e na questão de gestão na pesquisa, que é
muito importante. Então, são ações que fazemos juntamente com os países vizinhos.
E, com essa medida provisória, esperamos efetivamente poder avançar mais aqui na
233

América Latina, o que vai ser muito importante para o Brasil. [...] Temos também
uma atuação que estamos começando a organizar na questão de negócios
tecnológicos. Aqui também a medida provisória tem um impacto importante, porque
alguns países próximos ao Brasil usam nossos materiais, caso do Paraguai, o maior
exemplo disso. E não temos um escritório lá para facilitar, vamos dizer, a
arrecadação desses royalties que voltam para a ciência da EMBRAPA, voltam para
os projetos de pesquisa. Então, essa é outra coisa que também estamos organizando,
porque há interesse da iniciativa privada externa de utilizar alguns dos
conhecimentos que a EMBRAPA tem, e não temos por que não repassar isso, desde
que possamos ser recompensados, para continuarmos fazendo pesquisas para o
futuro. A ideia que tentei colocar aqui foi o porquê da internacionalização da
EMBRAPA. A EMBRAPA já tem intensa atividade no exterior, e isso vai causar
uma flexibilização muito grande para todos nós. Os acordos e triangulações que
temos de fazer são complicados, e, na realidade, até aumentam a nossa soberania
nacional, porque nós é que temos o controle maior dessas interações e do recurso
que venha a ser aplicado, ou por captação externa ou mesmo do nosso País
(CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2010).

Em julho de 2012, mês seguinte à aprovação do novo estatuto, Pedro Arraes foi
reconduzido à Presidência da EMBRAPA, destacando os seguintes pontos na atuação externa
da empresa durante sua gestão: o novo estatuto; a expansão da rede de laboratórios virtuais da
EMBRAPA, com a abertura de duas novas representações do LABEX Europa (Reino Unido e
Alemanha) e dos LABEX Coreia, China e Japão (em fase de implantação); a mudança
estratégica da cooperação técnica, incentivando projetos estruturantes (a atuação em
Moçambique e em El Salvador foi destacada); e a criação da Plataforma Brasil-África e
Brasil-América Latina e Caribe como “novos instrumentos de cooperação, capazes de captar
recursos internacionais e de mobilizar as competências brasileiras, centro-americanas e
africanas em projetos pontuais, mas importantes” (ESTEVES, 2012b).
Dois meses depois da sua recondução à Presidência da EMBRAPA, contudo, Arraes
pediu sua exoneração do cargo – ou, conforme apontou matéria sobre o episódio, “foi
afastado de forma nebulosa” (MAIA, 2012). Seu secretário de Relações Internacionais,
Francisco Basílio, também foi exonerado. Alegou-se que preceitos legais e estatutários não
teriam sido seguidos na criação da EMBRAPA Internacional, já que a decisão não passou
pelo Conselho de Administração da empresa (CONSAD). De acordo com o Blog “Garganta
Profunda EMBRAPA”, contudo, seguiu-se a praxe relacionada à abertura de unidades da
empresa no exterior, com as decisões sendo tomadas pela Diretoria e submetidas ao
CONSAD posteriormente (GARGANTA PROFUNDA EMBRAPA, 2012b). Na avaliação da
mesma fonte, o fato de o novo presidente da empresa, Maurício Antônio Lopes, e o novo
secretário de Relações Internacionais, Marcio Porto, possuírem background na FAO,
apontaria que “[d]aqui em frente quem manda é a FAO, e o partido político que já tomou
posse lá” (Id., 2012a).
234

Já matéria publicada pela Carta Capital apontou a incidência das seguintes dinâmicas
e/ou conflitos: o fato de Pedro Arraes ser primo de Eduardo Campos (Governador de
Pernambuco pelo PSB) e de sua gestão ter sido marcada por “excessiva independência em
relação ao comando do ministério”; a tentativa de limitar tal independência, como ordem
vinda da Casa Civil em 2011 para que o processo de seleção para diretores baseado em
critérios técnicos fosse extinto e para que o mandato de três anos deixasse de ser garantido;
disputas internas alimentadas pelo aumento do orçamento da empresa; críticas crescentes de
entidades ligadas à agricultura familiar acerca do peso excessivo dos interesses do
agronegócio na condução da estatal; observações feitas por empresários em torno do
enfraquecimento da empresa em relação às pesquisas desenvolvidas pelo setor privado; a
polarização dentro da empresa entre demandas sociais e “jogos capitalistas” (sic.), como
apontam as críticas realizadas pelos movimentos sociais, como o MST, em relação às
parcerias da empresa com grandes multinacionais (MAIA, 2012). A matéria esclarece,
também, que o ministro da Agricultura, apesar de ter extinguido a EMBRAPA Internacional,
estaria trabalhando para “recriar o braço internacional em novas bases jurídicas” (Ibid.).

3.3 Considerações finais

O envolvimento da EMBRAPA na cooperação internacional passou, ao longo das


décadas, por inúmeras transformações. Se, a princípio, ele se restringia à recepção de recursos
financeiros e de conhecimentos, evoluiu posteriormente para modelo de intercâmbio com
instituições homólogas de países com maior nível de desenvolvimento. O baluarte desse novo
modelo foi a instalação dos LABEX em países desenvolvidos a partir da segunda metade dos
anos 90 e, a partir do fim dos anos 2000, também em países do Sul global.
Além disso, nos anos 80 a EMBRAPA passou a atuar na prestação de cooperação
respondendo, em grande medida, a indução de agências internacionais que lhe haviam
oferecido cooperação ou de redes interinstitucionais integradas pela empresa. Durante o
Governo Lula, o envolvimento da EMBRAPA na CTPD passou a ser utilizado como
instrumento de política externa. Em contexto marcado pelo aumento exponencial de
demandas pelas experiências e conhecimentos desenvolvidos pela empresa, buscou-se
capitalizá-las com vistas à obtenção de objetivos diplomáticos.
235

Diante do volume crescente de demandas levadas à estatal, seus funcionários e


pesquisadores, entusiasmados a princípio com a convocação para atuarem como agentes
diplomáticos, depararam-se com pelo menos três desafios: a dissociação entre a necessidade
de alocarem volume crescente de recursos humanos para a CTPD e a missão da empresa,
restrita à produção de conhecimentos e tecnologia voltados para o desenvolvimento agrícola
brasileiro; obstáculos institucionais, financeiros e logísticos à eficácia de sua atuação nos
países menos desenvolvidos; e a insuficiência inicial de canais de diálogo com a “alta
política” que permitissem a retroalimentação das lições aprendidas e sua incidência sobre o
processo decisório relacionado a novas iniciativas de CTPD.
Não obstante, o acúmulo de experiências em campo e a maior institucionalização da
cooperação internacional dentro da EMBRAPA, impulsionada pelo número exponencial de
demandas recebidas por sua cooperação, qualificou-a a atuar de forma mais proativa nas suas
relações com a “alta política” brasileira e com parceiros internacionais. Por um lado, a
empresa passou a valorizar outras vertentes de atuação no âmbito Sul-Sul, como o
intercâmbio de conhecimentos e a cooperação em ciência e tecnologia com países do Sul de
maior desenvolvimento relativo, como China e países latino-americanos. Por outro lado, no
que se refere às relações com os países menos desenvolvidos, passou a calibrar suas funções,
buscando restringir seu apoio à estruturação de instituições homólogas, estimular o
envolvimento de outras instituições brasileiras e priorizar projetos estruturantes apoiados por
doadores tradicionais.
No caso de projetos pontuais, passou-se a priorizar ações desenvolvidas no âmbito do
Marketplace, também apoiada por doadores tradicionais. Além de racionalizar a transferência
de tecnologias desenvolvidas pelas diversas unidades da empresa a países africanos e latino-
americanos, o Marketplace permitiu que a EMBRAPA passasse a tomar contato ativo com
informações sobre dezenas de outros países em desenvolvimento, cuja retroalimentação
contribuirá certamente para promover seu engajamento estratégico na CTPD. Além disso, a
iniciativa promoveu o acesso a recursos financeiros e a novas metodologias de agências
internacionais, no que se insere no marco da busca por uma “governança criativa” que permita
à EMBRAPA aprimorar sua inserção nacional e internacional como empresa líder na
produção de tecnologias agrícolas tropicais. Iniciativa da própria EMBRAPA, o Marketplace
conta com o apoio da ABC e de outras instituições do governo brasileiro, apontando que a
empresa sucedeu na busca por maior incidência sobre os processos decisórios da CTPD
brasileira.
236

A passagem de postura reativa para postura proativa em relação a demandas que


passaram a ser mediadas durante o Governo Lula, em maior medida, pela Presidência da
República e pelo MRE, representa a emergência da reivindicação, por parte da EMBRAPA,
por maior participação nos processos decisórios da política externa brasileira. Nesse processo,
conflitos com o âmbito diplomático, que não possui tradição de dividir com outros agentes
domésticos a condução dos assuntos relativos à política externa, são esperados.
Não obstante, a transição para a maior incidência da EMBRAPA nos processos
decisórios da CTPD brasileira parece ter sido relativamente fluida, tendo em vista que o
próprio MRE não possuía conhecimento acumulado sobre a CTPD em Agropecuária e sobre
dezenas de parceiros com os quais o Brasil estabeleceria relações mais estreitas. Também
parece ter predominado, dentro do MRE, a percepção de alinhamento da EMBRAPA com o
modelo de desenvolvimento defendido tradicionalmente pelo ministério, focado no
crescimento econômico e na dimensão científica e tecnológica.
A EMBRAPA, contudo, não pode ser vista como unidade de análise. A polarização
histórica, dentro e fora do Brasil, entre crescimento econômico/avanço tecnológico e
desenvolvimento social, potencializada no âmbito doméstico pela emergência da coalizão da
segurança alimentar e nutricional durante o Governo Lula, vem alimentando disputas,
existentes na estatal desde sua criação, entre a ideologia de boa parte de seus pesquisadores,
favoráveis aos pequenos produtores, e os produtos de suas pesquisas, vistos como favoráveis
ao agronegócio.
Em vista da percepção predominante de que a EMBRAPA responde aos interesses do
agronegócio brasileiro, muitos tendem a encarar seu envolvimento na CTPD brasileira como
tendo sido determinado por interesses privados. Ao contrário, este capítulo buscou demonstrar
que tal envolvimento respondeu, historicamente, a induções externas e, durante o Governo
Lula, a induções da “alta política” brasileira. O envolvimento crescente da EMBRAPA na
CTPD brasileira conflitou com a opinião prevalecente na bancada ruralista, que se opunha à
transferência de tecnologias para países menos desenvolvidos, temendo o apoio à emergência
de novos concorrentes internacionais ao Agronegócio brasileiro. No fim do Governo Lula,
contudo, setores da bancada ruralista passaram a apoiar a criação da EMBRAPA
Internacional, e a própria Confederação Nacional da Agricultura (CNA) começou a se
envolver em iniciativas de CTPD coordenadas pela ABC no continente africano.
O Governo Dilma, apesar de ter limitado a expansão do orçamento da ABC voltado
para a CTPD, não parece ter se oposto ao seguimento dos trabalhos da EMBRAPA na África
237

e na América Latina. A maior clareza por parte da empresa em relação aos ganhos esperados
com essa relação no que se refere ao avanço científico e tecnológico e à promoção de seus
negócios internacionais parece, com efeito, coadunar com os dois objetivos centrais da
política externa de Dilma: o avanço científico e tecnológico e a exportação de bens de maior
valor agregado. Ao mesmo tempo, contudo, compromissos assumidos com a base de apoio
tradicional ao governo petista parecem ter impedido que o apoio presidencial ao processo de
internacionalização da EMBRAPA avançasse de forma linear.
Por outro lado, no âmbito das políticas públicas nacionais, Dilma passou a enfatizar a
necessidade de se criar uma estatal voltada para a extensão rural como mecanismo para
garantir a socialização efetiva dos conhecimentos gerados pela EMBRAPA e por outros
institutos brasileiros de pesquisa agrícola. Essa dimensão, já ressaltada pela Gestão Arraes
(2009-2012), ganhou força com o seu sucessor, Maurício Lopes, o qual afirmou em artigo
publicado na imprensa, ao apoiar a criação da nova estatal, que o que falta não é tecnologia,
mas condições que garantam seu uso eficiente pelos pequenos produtores (LOPES, M., 2013).
O avanço de uma política de extensão rural nacional contribuirá certamente para arrefecer a
polarização entre a pequena e a grande agricultura no Brasil.
Os efeitos dessa polarização não vêm se restringindo, contudo, ao âmbito doméstico.
O recuo, ainda que temporário ou aparente, do lançamento da EMBRAPA Internacional
parece resultar da mobilização de grupos dentro da empresa identificados com a pequena
agricultura, os quais se viram fortalecidos pela incidência crescente da coalizão da Segurança
Alimentar sobre a política externa brasileira (Capítulo 2). A maior expressão dessa
polarização foi a mobilização de movimentos rurais brasileiros junto a homólogos
moçambicanos e japoneses contra o Pro-Savana, culminando com o envio de uma carta aos
governos dos três países denunciando irregularidades no programa e a “total ausência de um
debate público profundo, amplo, transparente e democrático” no seu planejamento e gestão
(UNAC et al, 2013). Isso significa que, embora a EMBRAPA, sob a Gestão Arraes, tenha
conseguido construir e fortalecer o diálogo com a “alta política” brasileira na CTPD, o
alinhamento interno e o diálogo com todos os setores domésticos interessados na cooperação
agrícola com a África ainda se colocaram como desafios.
A busca por mecanismos que permitissem que a estatal capitalizasse seu protagonismo
involuntário na CTPD brasileira a favor das oportunidades e desafios elencados no seu
planejamento estratégico apontam maior clareza em relação aos dois componentes
elementares para que suas relações com outros países, do Sul ou do Norte, fossem
238

estabelecidas em bases genuinamente cooperativas: objetivos e recompensas esperadas. A


sustentabilidade da cooperação em quaisquer de suas dimensões, contudo, dependerá da
percepção futura de realização das expectativas, inclusive por parte de instituições dos países
parceiros, e do entendimento de que essas expectativas respondem não apenas aos objetivos
particulares, mas também a dimensões mais amplas do desenvolvimento, incluindo as
vertentes social, econômica e ambiental.
239

4 O ENVOLVIMENTO DO SENAI NA CTPD: DESMOBILIZAÇÃO


ESTRATÉGICA COM ALINHAMENTO INSTITUCIONAL

Criado em 1942 pelo Decreto-Lei n. 4.048, o Serviço Nacional de Aprendizagem


Industrial (SENAI) assumiu a tarefa de, sob a direção da Conferência Nacional da Indústria
(CNI) e com recursos oriundos de contribuição mensal prestada por estabelecimentos
industriais, “organizar e administrar, em todo o país, escolas de aprendizagem para
industriários” (BRASIL, 1942). Segundo consta na página da organização, sua missão, que
aparece restrita ao âmbito doméstico, é:“Promover a educação profissional e tecnológica, a
inovação e a transferência de tecnologias industriais, contribuindo para elevar a
competitividade da indústria brasileira” (SENAI, 2012c).
Essa missão é cumprida por meio de uma estrutura, integrante do Sistema Indústria
(do qual fazem parte também a CNI; o Serviço Social da Indústria – SESI; e o Instituto
Euvaldo Lodi – IEL), que abrange um Departamento Nacional (SENAI/DN), sediado em
Brasília, e 27 Departamentos Regionais instalados em todos os estados da federação brasileira
e no Distrito Federal, com atendimento diferenciado de acordo com as necessidades locais.
Atualmente o SENAI é
o maior complexo de educação profissional e tecnológica da América Latina,
qualificando mais de 2,3 milhões de trabalhadores brasileiros a cada ano. Também
apoia empresas em 28 áreas industriais, por meio da formação de recursos humanos
e da prestação de serviços técnicos e tecnológicos, como consultoria e assistência ao
setor produtivo, laboratoriais, pesquisa aplicada e informação tecnológica (SENAI,
2012d).

A organização reconhece que a cooperação internacional, a princípio dominada por


modelo voltado para a recepção de conhecimentos e recursos de parceiros sediados em países
desenvolvidos, foi instrumento fundamental para que aprimorasse o desenvolvimento de suas
finalidades do âmbito doméstico e atingisse patamar de destaque internacional.
Já nos anos 50, o SENAI começou a servir de modelo para a criação de instituições
homólogas em outros países em desenvolvimento. Durante décadas, contudo, seu
envolvimento na Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento (CTPD) foi pontual,
marcado pela dimensão interinstitucional e fomentado, em grande medida, por organismos e
por agências internacionais.
A partir do Governo Cardoso, a exportação das experiências nacionais de educação
vocacional, utilizada como instrumento da chamada “diplomacia para a paz” e de promoção
240

da estabilidade política em países que haviam passado por crises políticas e institucionais
(IGLESIAS PUENTE, 2010), passou a ser objeto de maior apropriação pelo governo
brasileiro. Como foi visto no Capítulo 2, a apropriação da CTPD pelo governo brasileiro
sofreu aprofundamento e expansão durante o Governo Lula. O SENAI, em particular,
inauguraria, ainda durante o Governo Cardoso, a introdução de projetos de maior envergadura
na CTPD brasileira, os quais adquiriram maior centralidade, durante o segundo Governo Lula,
com os chamados “projetos estruturantes”.
Assim como no caso da EMBRAPA, o envolvimento do SENAI na CTPD,
diferentemente da recepção de cooperação, não resultou de estratégia própria da organização,
sendo induzido por outros agentes (organismos e agências internacionais e, posteriormente,
em maior medida, MRE e Presidência da República). Igualmente, se a princípio o SENAI
reagiu a demandas diplomáticas impulsionado pelo sentimento de reconhecimento de suas
experiências, e de orgulho por ser convidado a desempenhar papel de relevo da política
externa brasileira, posteriormente a instituição, ao se deparar com dificuldades em campo e
com uma estrutura interna insuficiente para garantir a eficácia e a efetividade de um conjunto
cada vez mais amplo de ações, passou a demonstrar insatisfação com a dissociação entre as
esferas decisórias e implementadoras da CTPD brasileira.
Ao mesmo tempo, porém, o aumento exponencial das demandas, somado à
sensibilidade à imagem internacional, induziu uma série de reformas internas no SENAI que
levaram em consideração lições aprendidas tanto na cooperação recebida como na prestada,
de modo a padronizar procedimentos e a qualificar diretores e executores em gestão de
projetos de cooperação. Ao avançar nesse processo de profissionalização interna, o SENAI
passou a influenciar os métodos de trabalho da própria ABC, apesar de não ter sucedido
plenamente na projeção de seus próprios interesses, tendo em vista o princípio da não
vinculação da CTPD com interesses econômicos. Não obstante, tal processo de
profissionalização tem grande potencial de impactar positivamente o engajamento
internacional do SENAI em geral, inclusive no que se refere à melhor absorção da cooperação
recebida e a um envolvimento mais ativo nas redes funcionais de intercâmbio do qual faz
parte.
Este capítulo tem como objetivo entender a evolução da percepção do SENAI acerca
da cooperação prestada, contrapondo-a à percepção dominante em relação à cooperação
recebida. Na primeira parte será discutido o papel da cooperação recebida pelo SENAI,
apontando o reconhecimento de seus benefícios para o desenvolvimento industrial brasileiro.
241

Em seguida, buscar-se-á analisar a evolução dos propósitos diplomáticos/humanitários e


estratégicos relacionados ao envolvimento do SENAI na CTPD. Seja como parceiro da ABC,
seja como prestador de serviços internacionais, a percepção dominante da instituição foi de
frustração por não ter obtido os resultados esperados, mesmo depois de ter desenhado Plano
de Negócios justificando com base em critérios claros, inclusive diante da Indústria, a
alocação crescente de seus recursos em outros países em desenvolvimento.
A emergência de novas prioridades do desenvolvimento nacional e da política externa
durante o Governo Dilma, acompanhada pela troca do diretor-geral do SENAI, levou a
instituição a voltar seus esforços para o equacionamento de desafios domésticos, notadamente
a expansão do ensino profissionalizante. No que se refere à dimensão externa, o apoio à
inovação se tornou a vertente central da atuação do SENAI. Conforme será apontado nas
considerações finais deste capítulo, embora essas novas prioridades tenham proporcionado
maior alinhamento da política externa brasileira com seu objetivo clássico central – a
promoção desenvolvimento nacional -, podem comprometer a continuidade de projetos
iniciados na gestão anterior, frustrando as expectativas dos parceiros em torno deles e o
próprio estreitamento de laços com outros países em desenvolvimento, o qual também se
impõe como agenda prioritária para a Indústria brasileira no contexto da reprimarização das
exportações nacionais.

4.1 Cooperação recebida: histórico e avaliação

A cooperação internacional esteve presente desde os primórdios da criação do SENAI.


O engenheiro suíço e então referência em questões de ensino profissional, Roberto Mange, foi
um dos protagonistas nesse processo. Chegando ao Brasil em 1913, a convite da Escola
Politécnica de São Paulo, Mange influenciou gerações de engenheiros brasileiros que viriam
ocupar altos cargos na burocracia e nas empresas públicas (BRYAN, 1983). O suíço foi
também o principal mentor da criação, em 1930, do Centro Ferroviário de Ensino e Seleção
Profissional da Estrada de Ferro Sorocabana, tido como “marco inicial de toda a evolução de
conceitos e métodos da formação profissional do SENAI” (SENAI, 2007, p. 7).
Em contexto marcado pela aceleração do processo de industrialização e pela instalação
do SENAI em todo o território nacional, a organização começou a buscar a capacitação de
242

seus técnicos por meio de parcerias com instituições estrangeiras. O primeiro acordo
internacional voltado para o desenvolvimento de competências foi assinado em 1954, na área
têxtil (SENAI, 2010).268
Na área tecnológica, alguns dos marcos da cooperação recebida foram: a Escola
SENAI Suíço-Brasileira, instalada em São Paulo no início dos anos 70 e resultante de parceria
com a Swisscontact (especializada em formação na área de mecânica de precisão); o Centro
de Tecnologia de Soldagem (Rio de Janeiro, 1986), formatado com o apoio do instituto
alemão de soldagem SLV; a dotação do Centro de Tecnologia Euvaldo Lodi (Rio de Janeiro)
com equipamentos de ponta, como a ilha de usinagem comandada por robô para a formação
de mão-de-obra no setor de metalurgia doada pelo governo italiano nos anos 80; a escola de
formação em cervejaria de Vassouras, estabelecida nos anos 90 por meio de parceria com os
alemães, conferindo aos técnicos formados diploma reconhecido internacionalmente (trata-se
da única escola de formação no ramo estabelecida na América Latina, com grande influxo de
estudantes estrangeiros); e a construção mais recente (2006) do simulador de lastro e
emergência mais moderno do mundo, que simula condições adversas à estabilidade de
plataformas petrolíferas marinhas, com a transferência de tecnologia escocesa (SENAI, 2007).
A instalação de centros voltados para pesquisa e desenvolvimento tecnológico com
apoio de Alemanha, Canadá, Japão, França, Itália e EUA durante os anos 80, em período
marcado por forte recessão econômica no Brasil, é avaliada como tendo desempenhado papel
fundamental para que o SENAI chegasse aos anos 90 preparado para assessorar a indústria
brasileira no campo da tecnologia de processos, de produto e de gestão (SENAI, 2012b).
A mesma avaliação é feita em relação ao papel da cooperação recebida pela instituição
como um todo, destacando-se sua importância não apenas no âmbito nacional, mas também
na sua projeção internacional. Conforme consta no texto de apresentação do manual
“Cooperação Internacional do SENAI: uma parceria estratégica”, assinada pelo então diretor-
geral do SENAI/DN, José Manuel de Aguiar Martins:
As histórias do SENAI e da cooperação internacional no Brasil estão diretamente
relacionadas. A ação coordenada entre parceiros internacionais desempenhou papel
fundamental em todo o processo de fortalecimento institucional, de formação de
quadros e de desenvolvimento tecnológico da instituição. Por meio de parcerias e
projetos, foi possível alcançar nosso padrão de excelência internacional.

A experiência adquirida pela cooperação permitiu ao SENAI compartilhar seu


conhecimento, replicar experiências e apoiar a capacitação e formação de docentes e
a estruturação de centros de formação profissional e tecnológica. A cooperação
internacional representa, assim, um instrumento efetivo de atualização de

268
Ver também: SENAI, 2012b. Não foi possível obter mais detalhes sobre esse primeiro acordo.
243

conhecimentos e tecnologias em sintonia com as demandas atuais e futuras da


indústria brasileira (SENAI, 2010, p. 10).

As ações de cooperação técnica com países industrializados, levadas a cabo por meio
de acordos interinstitucionais ou governamentais, contemplam capacitação de quadros
técnicos, docentes e administrativos por especialistas estrangeiros e acesso a equipamentos
laboratoriais não disponíveis no Brasil. Além dos aportes realizados em termos de tecnologias
industriais – por exemplo, nas áreas de artes gráficas (Alemanha e Itália), alimentos e bebidas
(Alemanha, Canadá, Espanha, França e Portugal), mecânica automotiva (Alemanha e França),
gás natural (Canadá), madeira e mobiliário (Alemanha, Canadá e Espanha), mecatrônica
(Alemanha e Japão) -, a cooperação recebida contribuiu com metodologias inovadoras de
ensino, gestão e melhoria da competitividade das pequenas e médias empresas. Com isso,
possibilitaram-se a adaptação e o desenvolvimento de novas tecnologias, bem como sua
transferência à indústria nacional em diversos cenários econômicos, fortalecendo assim o
desempenho do SENAI junto ao setor produtivo (Ibid.).269
Segundo informações disponíveis na página do SENAI, desde sua criação a instituição
firmou 48 parcerias com 29 países e um organismo internacional, tendo captado 10.804 horas
de consultoria e capacitado 3.654 pessoas no Brasil por peritos internacionais (SENAI,
2012b).270 Atualmente, projetos do SENAI recebem aportes de oito países e três organismos
internacionais em diferentes áreas – alimentos e bebidas, automação, automobilística,
cerâmica, construção civil, metalomecânica, meio-ambiente, refrigeração, têxtil e vestuário
etc. (SENAI, 2012a).
De acordo com o SENAI, a disseminação dos impactos de conhecimentos e
tecnologias aplicadas transferidos por parceiros internacionais os mais variados (agências de
cooperação de países desenvolvidos, instituições não governamentais e organismos
internacionais, tais como OIT, BID, ONUDI e UNESCO) foi possível graças à existência de

269
O Anexo K contém informações sistematizadas sobre algumas das melhores práticas da cooperação recebida
pelo SENAI nos anos 90.
270
Segundo balanço de atividades realizadas em 2010, o SENAI encerrou o ano “com um total de 48 parcerias
internacionais firmadas com 24 países e 29 projetos internacionais em desenvolvimento. Por meio da cooperação
recebida com foco em inovação, o SENAI recebeu o apoio de 44 peritos internacionais, que proporcionaram
capacitação a 3.712 pessoas, entre profissionais e alunos do SENAI e de empresas. Já na cooperação prestada, o
SENAI ampliou sua atuação internacional com a implantação de 10 centros de formação profissional no exterior
em parceria com a Agência Brasileira de Cooperação – ABC. Durante o ano, o SENAI recebeu 73 representantes
de instituições estrangeiras em visitas técnicas. Sessenta e cinco técnicos foram enviados em missões
prospectivas ao exterior organizadas pelo Departamento Nacional para conhecer tecnologias inovadoras e trocar
experiências relativas às suas atividades.” (SENAI, 2011, p. 54).
244

convênios nacionais entre suas unidades e universidades, sindicatos, associações profissionais


e centros de pesquisa (SENAI, 2010).
De modo geral, afirma-se que o SENAI se engaja como receptor de cooperação
internacional por iniciativa própria, por meio de propostas oriundas do seu Conselho
Nacional, da Direção Nacional, dos Departamentos Regionais ou da Unidade de Relações
Internacionais (UNINTER). A triagem das demandas é feita com base em diretrizes e em
critérios técnicos e políticos,271 e sua formalização está vinculada a aprovação prévia do
Conselho Nacional do SENAI (Ibid.).272
Lições resultantes do envolvimento do SENAI na cooperação internacional ao longo
das décadas apontam para a constatação de que o grau de eficácia da cooperação recebida
depende de:
a) atrelar-se a cultura de desenvolvimento institucional, com fundos e
comunicação transversal (esta exercida por meio de instrumentos tais como
folhetos, newsletters e websites);
b) desenvolver-se no âmbito de estrutura de prestação de contas
(accountability) que, além de permitir acompanhamento dos desembolsos
realizados, confere visibilidade ao impacto das iniciativas de cooperação
internacional;
c) inserir-se em contexto de articulação em rede, abarcando ampla gama
de atores, evitando duplicação de esforços e garantindo a complementaridade
entre suas competências, o intercâmbio de conhecimento, a construção de
reputação coletiva e, consequentemente, o maior impacto das iniciativas;

271
Segundo o Guia de Cooperação Internacional do SENAI: “A prospecção de parcerias requer, primeiramente,
visão institucional clara dos objetivos e das necessidades a serem atendidas e para o que a constituição da
almejada parceria é essencial, levando-se em conta a existência de limitações dos recursos e das capacidades de
que dispõem as instituições para responder a desafios complexos, incentivando sinergias e complementaridades.
Por essa razão, a construção de parcerias tem se tornado elemento cada vez mais presente nas estratégias e
políticas institucionais nos mais variados campos. O estabelecimento de parcerias passa, em seguida, pela
identificação de contrapartes habilitadas, em razão de suas capacidades e disposição em cooperar, e pela
consideração de atributos como confiabilidade, credibilidade, aptidão e sentido de compromisso com as
finalidades e o escopo da cooperação almejada. A esse processo se segue uma etapa de negociação em que são
postos em perspectiva os incentivos e os custos decorrentes da parceria e definidas as condições, as
responsabilidades e acordados os papéis e responsabilidades de cada parte.” (SENAI, 2010, p. 37). As diretrizes
específicas para elaboração de projetos estão disponíveis na mesma publicação.
272
Segundo o Artigo 19º do Regimento Interno do SENAI, que estabelece as competências do Conselho
Nacional, cabe a ele: “o) autorizar a realização de acordos com os órgãos internacionais de assistência técnica,
visando à formação de mão-de-obra e ao aperfeiçoamento do pessoal docente e técnico do SENAI e das
empresas contribuintes” (SENAI, 2009e, p. 18).
245

d) trabalhar com projetos e orçamentos detalhados,273 cujo impacto


dependerá: do respeito a dispositivos constitucionais, leis e normas nacionais,
bem como o regimento do SENAI; do foco no aprimoramento das áreas de
educação profissional e tecnológica; da viabilidade econômica e tecnológica
com potencial de autossustentabilidade; do envolvimento do maior número
possível de Departamentos Regionais;
e) ser acompanhada e registrada por meio de relatórios qualitativos
(atividades) e quantitativos (financeiro), os quais oferecem às partes e a outros
interessados informações sobre o desenvolvimento das atividades, utilização de
recursos, influência de questões políticas, obstáculos enfrentados e impactos
gerados (SENAI, 2010).
Para o SENAI, a cooperação recebida foi, por um lado, elemento fundamental para o
reconhecimento internacional de suas experiências. Essa dimensão é clara também no caso da
prestação de cooperação para outros países em desenvolvimento (objeto de análise da
próxima seção), e também na participação cada vez mais destacada de professores e alunos da
instituição nas chamadas “Olimpíadas do Conhecimento” (Worldskills).274 Embora ainda de
forma pontual, a preparação para participação no evento faz parte do rol de atividades
contempladas por projetos de cooperação recebida, como no caso do “Companheiros do
Dever”, em que a contraparte francesa apoiou a preparação de técnicos em panificação do
Centro de Formação Profissional Américo Renné Giannetti (SENAI-MG) que iriam participar
do evento (SENAI, 2010).
Por outro lado, o SENAI também reconhece de maneira inequívoca a importância da
cooperação recebida para o incremento da competitividade industrial brasileira, vertente que
se viu fortalecida com a crise atual da indústria brasileira em contexto marcado, por um lado,
pela crise financeira nos países desenvolvidos e, por outro, pela emergência econômica da
China.

273
O instrumento é o Projeto de Cooperação Internacional, que engloba a definição da área contemplada
(identificação e definição do problema; objetivos gerais e específicos; metas; cronograma das atividades; riscos;
orçamento; cronograma de desembolso), a identificação de parceiros, a elaboração de mecanismos de
coordenação, supervisão e avaliação (indicadores de acompanhamento) (SENAI, 2010).
274
O SENAI envia participantes para as Olimpíadas do Conhecimento desde 1981, sendo que nos últimos quatro
anos a instituição passou a se destacar ao obter colocações importantes (segundo e terceiro lugares) na
competição. Segundo funcionário do SENAI entrevistado durante o processo de elaboração desta tese, quando
detectam áreas em que não são competitivos costumam buscar parceiro internacional, normalmente contratando
peritos estrangeiros, para aprimorar a participação de técnicos do SENAI nas olimpíadas.
246

No âmbito externo, o envolvimento da organização em iniciativas de intercâmbio de


conhecimentos foi revalorizado com a recessão global, que trouxe para o centro da agenda
internacional as políticas de criação de emprego. Na reunião do G20 realizada em Pittsburgh
em 2009, líderes das principais economias do mundo concordaram em implementar planos de
recuperação que priorizassem o crescimento do trabalho, sendo a capacitação profissional
uma das ferramentas identificadas como fundamentais para tanto (G20, 2009). Como
resultado desse compromisso, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) liderou a
elaboração da estratégia de treinamento do G20, intitulada “A skilled workforce for strong,
sustainable and balanced growth”. Esse documento, publicado em 2010, buscou, entre
outros, agregar experiências dos países do grupo que pudessem servir como plataforma de
cooperação internacional (OIT, 2010). A experiência do SENAI foi uma das mencionadas, o
que pode gerar induções externas ao seu envolvimento em iniciativas voltadas para o
intercâmbio internacional de conhecimentos em matéria de educação vocacional.
Essa não se configuraria, contudo, como dinâmica nova no que se refere ao
envolvimento do SENAI em redes internacionais de intercâmbio de conhecimentos. A
indução externa, conforme será visto na próxima seção, configurou-se tradicionalmente como
condicionante central para o envolvimento da instituição na Cooperação Técnica entre Países
em Desenvolvimento (CTPD), o qual remonta aos anos 50, quando o SENAI se tornou
modelo para o estabelecimento de instituições similares em países em desenvolvimento.
Durante décadas a participação do SENAI na CTPD aconteceu, em grande medida, como
resultado da divulgação de sua experiência por organismos e agências internacionais, ao passo
que a partir do Governo Cardoso começou a haver maior apropriação da exportação das
experiências brasileiras de educação vocacional como instrumento de integração regional e de
projeção diplomática do Brasil no âmbito internacional.

4.2 Cooperação prestada: indução, inserção estratégica e desmobilização

O envolvimento do Brasil na CTPD em formação profissional tem como parceiras


centrais entidades privadas de interesse público, em especial as que integram o chamado
“Sistema S” (com destaque para o SENAI e para o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas
Empresas – Sebrae), além de escolas técnicas como o Centro Federal de Educação
247

Tecnológica (Cefet). Em alguns casos apoiadas por órgãos públicos (Ministério do Trabalho e
Emprego, Ministério da Educação e Cultura), as atividades de cooperação com países em
desenvolvimento abarcam ensino profissionalizante, políticas de capacitação,
desenvolvimento de recursos humanos e formação de formadores vocacionais em áreas
diversas (IGLESIAS PUENTE, 2010).
O setor é um dos dominantes na prestação de cooperação pelo Brasil. De acordo com
relatório publicado em 2007, os gastos com a CTPD em qualificação profissional apareceram
em primeiro lugar, com 22,4% da alocação orçamentária da ABC (MRE, 2007). Em termos
de número de ações, o setor apareceu em 7º lugar entre os anos de 1995 e 2005 (6,11%)
(IGLESIAS PUENTE, 2010). Como os dados mais recentes levantados passaram a agregar
qualificação profissional junto a outras iniciativas em Educação, não é possível saber
exatamente qual foi a evolução da participação do setor na CTPD brasileira a partir de 2006.
No que se refere ao setor Educação como um todo, entre 2006-2010 ele aparece em terceiro
lugar em termos de número de ações (BARBOSA, P., 2011). A mesma colocação foi
verificada em dados referentes aos anos de 2003 a 2012 (11%) (ABREU, 2012) e ao período
2003-2010 (12,12%) (BRASIL, 2011a), embora não se especifique se tais porcentagens
referem-se ao número de ações ou à alocação orçamentária da ABC.275
Em artigo publicado em 2008, o então diretor da ABC, Embaixador Luiz Henrique
Pereira da Fonseca, deu a entender que os projetos realizados em parceria com o SENAI
lideravam os gastos da agência com a CTPD: “Em termos de volume de recursos investidos
pela cooperação brasileira, o grande tema de trabalho segue sendo o da formação profissional,
como consequência da implantação de diversos centros criados com o apoio do SENAI”
(PEREIRA DA FONSECA, 2008, p. 74, tradução nossa).276
O alto volume de recursos alocados para tais centros se deve ao fato de que iniciativas
envolvendo o SENAI, além de não contarem com contrapartida em termos de horas-técnicas –
quer dizer, a ABC paga os salários dos técnicos do SENAI em missão no exterior, tendo em
vista que o regimento da instituição não prevê alocação internacional de seus recursos
humanos e financeiros -,277 incluem não apenas a prestação de cooperação técnica, mas

275
Todos os dados mencionados neste parágrafo estão compilados na Tabela 4 (Capítulo 2).
276
O texto em língua estrangeira é:“En términos de volumen de recursos invertidos por la cooperación brasileña,
el gran tema de trabajo sigue siendo el de la formación profesional, como consecuencia de la implantación de
diversos Centros, creados con el apoyo del SENAI.”
277
Segundo funcionário do SENAI entrevistado durante a elaboração desta tese, a ideia de a ABC cobrir custos
com as horas técnicas dos funcionários cedidos pelo SENAI para missões de CTPD responderia também à busca
248

também o apoio à construção ou a reformas dos espaços de instalação dos centros de


capacitação, bem como a compra das máquinas e equipamentos utilizados nos mesmos.278
De acordo com funcionário do SENAI entrevistado durante a elaboração desta tese, no
caso de iniciativas envolvendo países mais frágeis o orçamento para reformas e aparelhagem
(compra de equipamentos) dos centros costuma vir da ABC (caso, por exemplo, de Guiné-
Bissau, que ofereceu contrapartida de apenas US$ 9 mil), mas há casos em que os
recipiendários oferecem contrapartidas (por exemplo, Guatemala, em que governo local
construiu o prédio do centro de capacitação) ou em que o projeto é apoiado por um terceiro
(caso de São Tomé e Príncipe, em que as instalações do centro foram construídas com
recursos da Líbia).
Assim como no caso da EMBRAPA, a experiência do SENAI ganhou projeção
internacional inédita nas administrações brasileiras recentes, mas o envolvimento da entidade
na CTPD é anterior. Já no fim dos anos 50, quando sua presença havia se expandido em quase
todo o território nacional brasileiro, o SENAI, cuja experiência passou a ser difundida
internacionalmente por entidades internacionais, tornou-se modelo para a criação de
instituições homólogas em países latino-americanos e africanos (SENAI, 2010).279 Um dos
mecanismos centrais para a difusão da experiência do SENAI na América Latina foi a criação
em 1963, no âmbito da OIT, do Centro Interamericano de Pesquisas e Documentação sobre
Formação Profissional – renominado Centro Interamericano para o Desenvolvimento do
Conhecimento em Formação Profissional (CINTERFOR) em 2007.280

por uma estrutura de incentivos que: estimulasse as regionais a enviarem funcionários para o exterior, garantindo
recursos para a contratação de substitutos durante o período das missões; e não gerasse custos adicionais para o
Sistema Indústria, sob pena de seus dirigentes recusarem o envolvimento do SENAI na CTPD.
278
Segundo o guia de cooperação internacional do SENAI,“[t]ipicamente, os projetos envolvem a concepção de
todo um sistema de formação profissional, incluindo seu desenho institucional, a elaboração de metodologias de
ensino e desenhos curriculares, a concepção de modelos de gestão institucional, a construção e equipagem de
centros de treinamento, a capacitação de multiplicadores e formadores e o acompanhamento técnico-pedagógico
dos cursos” (SENAI, 2010, p. 54).
279
Ver também: SENAI, 2012b. Algumas das instituições cuja criação foi inspirada no modelo do SENAI foram:
o Serviço Nacional de Aprendizagem (SENA), estabelecido na Colômbia em 1957; o Instituto Nacional de
Cooperação Educativa (INCE), criado na Venezuela em 1959; o Serviço Nacional de Aprendizagem em
Trabalho Industrial (SENATI), estabelecido no Peru em 1961; o Instituto Nacional de Aprendizagem (INA),
estabelecido na Costa Rica em 1965; o Serviço Equatoriano de Capacitação Profissional (SECAP), estabelecido
em 1966; o Instituto Nacional de Capacitação Profissional (INACAP), estabelecido no Chile em 1966; o Serviço
Nacional de Formação de Mão-de-Obra (FOMO), estabelecido na Bolívia em 1972; e o Instituto de Formação e
Aperfeiçoamento Profissional (IFAP), estabelecido no início dos anos 80 em Cabo Verde.
280
Voltado para o intercâmbio de experiências por meio da pesquisa, documentação e divulgação das atividades
das instituições de formação profissional dos Estados-membro da OIT nas Américas e Espanha, o CINTERFOR
coordena atualmente a maior rede do mundo na matéria, formada por mais de 60 instituições de 27 países da
América Latina, Caribe e Europa (CINTERFOR, 2013). O SENAI é membro do CINTERFOR desde a criação
249

Segundo funcionário do SENAI entrevistado durante o processo de elaboração desta


tese, a prestação de cooperação acontecia predominantemente por meio do envio, aos países
demandantes, de especialistas que pudessem contribuir para o desenho de projetos voltados
para a criação de instituições homólogas ao SENAI. Posteriormente, a modalidade
prevalecente passou a ser a recepção de delegações estrangeiras para capacitação em solo
brasileiro.281
Também como no caso da EMBRAPA, um dos impulsos centrais para a prestação de
cooperação veio na sequência de parcerias voltadas para a cooperação recebida pelo SENAI.
Um exemplo foram as parcerias com a JICA. Em 1962, o primeiro projeto de cooperação
bilateral Brasil-Japão contribuiu para a capacitação de técnicos do Centro de Treinamento de
Técnica Industrial de Tecelagem do SENAI-MG (JICA, 2011).282 Na década de 80, com o
início do Programa de Treinamento para Terceiros Países (TCTP, na sigla em inglês) da
JICA, o SENAI foi a primeira instituição brasileira convidada a contribuir com a capacitação
de técnicos latino-americanos e, posteriormente, de países africanos de língua portuguesa283 e
do Timor-Leste. Conforme mostra o Quadro 9, as duas unidades do SENAI envolvidas no
TCTP foram contempladas, anteriormente, pela cooperação recebida da JICA nas mesmas
áreas que seriam posteriormente objeto de triangulação.284

dessa rede, em 1963, e é bastante ativo nos seus trabalhos. Em 2010, por exemplo, desenvolveu projetos e
atividades isoladas de apoio institucional com diversas instituições homólogas latino-americanas – SECAP
(Equador), SENATI (Peru), SENA (Colômbia), INA (Costa Rica), INTECAP (Guatemala), Instituto de
Formação Técnico Profissional (INFOTEP, República Dominicana) e Colégio Nacional de Educação
Profissional Técnica (CONALEP, México) -, além de ter participado de eventos sobre CSS organizados pela
rede, com destaque para o apoio à sustentabilidade das pequenas e médias empresas (SENAI, 2011).
281
Segundo funcionário do SENAI entrevistado durante a elaboração deste tese, foi estabelecida escola do
SENAI em Taguatinga (DF) apenas para receber e capacitar técnicos estrangeiros. Não se sabe, porém, quando
exatamente essa escola foi inaugurada, nem quando e por quais motivos teve suas atividades encerradas.
282
Conforme dados internos da JICA, obtidos durante entrevista realizada com funcionário da agência, a
capacitação de profissionais do SENAI nesse primeiro projeto teve duração de mais de dez anos (mar./1962-
nov./1973). Segundo esse funcionário, a razão para o estreitamento precoce de laços entre a JICA e o SENAI-
MG se deve à tradição dos investimentos diretos japoneses no estado. A parceria mencionada entre a JICA e o
SENAI-MG foi antecedida por iniciativas bilaterais pontuais que tiveram início com o envio, em 1959, de um
engenheiro agrônomo japonês para oferecer capacitação ao Brasil na área de irrigação. Essas inciativas, assim
como o primeiro projeto de cooperação com o SENAI, antecederam a própria existência de um instrumento
jurídico de cooperação bilateral, o qual viria ser estabelecido apenas em 1970, com a assinatura do Acordo
Básico para Cooperação Técnica Brasil-Japão (JICA, 2011).
283
Segundo dados internos da JICA, acessados durante entrevista realizada com funcionário da agência, Angola
foi o primeiro país africano contemplado pelo TCTP (1989). Esses dados internos, contudo, não incluem
registros detalhados sobre a nacionalidade dos técnicos capacitados pelo TCTP.
284
Se, a princípio, a triangulação envolvendo Brasil e Japão restringia-se a missões de identificação e a
treinamentos dados por brasileiros a nacionais de terceiros países, a partir de 2005 a parceria entre os dois países
expandiu seu escopo para englobar projetos e programas nos PALOPs, Timor-Leste, América Latina e outros
250

Quadro 9 - Cursos oferecidos pelo SENAI no âmbito do TCTP


Período Curso Unidade do SENAI Antecedente
envolvida
1985-1989 e 1990-1994 International Training Course on SENAI-MG Cooperação bilateral
Applied Electronic recebida da JICA na
Circuit/Microcomputer mesma área pelo
SENAI-MG entre
março de 1979 e
março de 1984.
2003-2007 International Training Course on SENAI-SP (São Cooperação bilateral
Manufacturing Automation Systems Caetano) recebida da JICA na
mesma área pelo
SENAI-SP (São
Caetano) entre 1990
e 1995.
Fonte: A autora, 2013, com base em documentação interna da JICA.

Outro exemplo de triangulação subsequente a iniciativa de cooperação recebida pelo


SENAI teve início com a implantação do Centro Nacional de Tecnologias Limpas do Brasil
(CNTL, SENAI-RS, 1995), no âmbito do programa de apoio à criação de Centros Nacionais
de Produção de Energia Limpa (NCPC, na sigla em inglês), coordenado pela Organização das
Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (ONUDI) e pelo Programa das Nações
Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Integrado à Rede ONUDI/PNUMA de Produção
mais Limpa, o CNTL vem atuando não apenas dentro do Brasil, mas também em outros
países.285 Além de ter se tornado hub de difusão de conceitos e metodologias de produção
limpa para os outros países do Mercosul, Chile e Equador, o CNTL apoiou a criação do
Centro de Produção Mais Limpa de Moçambique e a capacitação do seu corpo técnico (mais

países africanos (IGLESIAS PUENTE, 2010, p. 194). Segundo funcionário da JICA entrevistado durante a
elaboração desta tese, no caso das parcerias triangulares abarcando o SENAI e a JICA, a transição do TCTP para
a realização de projetos conjuntos em terceiros países aconteceu em 2007, no âmbito do Programa para o
Fortalecimento do Sistema de Saúde por meio do desenvolvimento de recursos humanos do Hospital Josina
Machel e em outros serviços de saúde e revitalização da atenção primária à saúde em Angola (ProFORSA), com
o SENAI envolvido na capacitação de profissionais, especialmente mecânicos, responsáveis pela manutenção de
equipamentos do hospital. O que nos pareceu interessante nessa iniciativa é que, ao envolver múltiplos parceiros
brasileiros – além do SENAI, o Ministério da Saúde e a Fiocruz, entre outros -, poderia se configurar como
laboratório para maior coordenação entre as múltiplas agências implementadoras da CTPD brasileira em campo.
Outro expoente desse novo modelo de colaboração do SENAI com a JICA foi a parceria, a princípio sob
coordenação da ABC, para o estabelecimento conjunto de centros de capacitação em Angola e no Equador. Não
obstante, conforme será visto mais adiante, o corte de orçamento da ABC comprometeu o envolvimento desta
agência nas iniciativas, que teriam seguimento com o SENAI prestando serviços diretamente à JICA.
285
O CNTL atua em quatro frentes dentro do Brasil, auxiliado pela estrutura capilarizada do SENAI:
disseminação de informação, capacitação de profissionais e assessoria técnica e tecnológica. Segundo publicação
do SENAI, “[o]s Projetos de Demonstração em Planta procuram capacitar consultores e profissionais da
indústria dos setores metal-mecânico, agroindustrial e de polímeros, na metodologia de implantação de
programas de técnicas de produção mais limpa em plantas industriais. Esses programas têm o acompanhamento
dos consultores do CNTL, que desenvolvem o trabalho de maneira periódica e sistemática em parceria com os
profissionais designados pela empresa” (SENAI, 2010, p. 64).
251

de 40 alunos locais foram capacitados), focada nos seguintes setores: borrachas, biscoitos e
massas, tintas, papel e embalagem, papel reciclado, sabões e perfumaria, fósforos. Como
resultado, menciona-se a implementação da produção mais limpa em sete plantas-piloto
industriais em Maputo (SENAI, 2010).
O maior envolvimento do SENAI na CTPD a partir do fim dos anos 90 e,
particularmente, na década de 2000, aconteceu em contexto marcado pela elevação do papel
do setor privado na promoção do desenvolvimento internacional. O Plano de Ação de Buenos
Aires, aprovado em 1978, havia mencionado, no item 17, a necessidade de fortalecimento da
CSS em áreas convergentes com as atividades do SENAI – emprego, desenvolvimento de
recursos humanos e industrialização (ONU, 1978). No entanto, é possível que, em vista dos
recursos reduzidos para a implementação do plano (IGLESIAS PUENTE, 2010) e da
prevalência no âmbito da ONU, naquele momento, de ações voltadas para a chamada “Ação
Afirmativa Internacional” (WEISS et al., 2010),286 o PNUD e outras organizações funcionais
das Nações Unidas tenham privilegiado o apoio ao fortalecimento de instituições públicas.
Mesmo no caso de iniciativas em que o SENAI se colocava como recipiendário (Seção 4.1),
nota-se que envolveram com maior frequência parceiros dos países desenvolvidos (agências
de cooperação e instituições homólogas ao SENAI) do que organizações do Sistema ONU.287
Posteriormente, contudo, a abordagem onusiana ao desenvolvimento internacional
retomou o reconhecimento o papel do setor privado na promoção do desenvolvimento
internacional, e a tradicional tensão entre regulação estatal e abordagens orientadas para o

286
Segundo Weiss et al. (2010), embora as abordagens dos órgãos e agências da ONU ao desenvolvimento não
sejam homogêneas, havendo concepções múltiplas e contraditórias, seria possível identificar quatro fases básicas
na evolução do trabalho da ONU voltado para o desenvolvimento internacional: Capitalismo do Estado Nacional
(1945-62); Ação Afirmativa Internacional (1962-81); Retorno ao Neoliberalismo (1981-89); e Desenvolvimento
Sustentável (a partir de 1989). O paradigma da ação afirmativa internacional teria sido marcado pela preferência
regulação pública das atividades econômicas privadas transnacionais, em benefícios dos pobres, suplantado o
modelo anterior, marcado pelo apoio à infraestrutura como estímulo ao crescimento econômico liderado pelo
setor privado.
287
Há, porém, exceções. Além da OIT, no âmbito da qual o CINTERFOR atuou desde sua criação, em 1963,
para promover o intercâmbio interinstitucional de experiências entre as organizações filiadas, outra organização
da ONU que apoiou o fortalecimento da Indústria nesse período foi a ONUDI. A primeira iniciativa de
cooperação envolvendo essa organização e um parceiro brasileiro foi uma iniciativa triangular, voltada para o
processamento de manga no Senegal (1980). A partir do fim dos anos 80, houve iniciativas consecutivas em que
parceiros ligados à indústria brasileira, inclusive o SENAI, foram contemplados por iniciativas de cooperação
com a organização (ONUDI, 2013). Segundo funcionário do escritório da ONUDI no Brasil entrevistado durante
o processo de elaboração desta tese, a cooperação do Brasil com a ONUDI foi interrompida entre 2007 e 2011,
período em que o governo brasileiro deixou de contribuir com o organismo. As contribuições foram retomadas
posteriormente, tendo por base estratégia dupla de, por um lado, influenciar as regras no multilateralismo por
meio da projeção de experiências nacionais e, por outro, promover o intercâmbio de informações voltado para o
apoio à inovação no Brasil.
252

mercado teria perdido força (WEISS et al., 2010). Um dos marcos nesse sentido foi o
Consenso de Monterrey, resultante da Conferência Internacional sobre Financiamento ao
Desenvolvimento (2002), que afirmou a responsabilidade de todos os agentes, doadores e
recipiendários, Estados e mercados, na promoção do desenvolvimento internacional.
Como já foi dito, foi nesse contexto mais amplo que a prestação de cooperação pelo
SENAI a países em desenvolvimento ganhou relevo nos últimos anos. No período analisado
por Iglesias Puente (1995-2005), a formação profissional aparecia em oitavo lugar na
realização de projetos (11 projetos, 4,2% do total) e em quinto lugar na realização de
atividades isoladas (22 atividades, 7,9% do total). Embora não tenha disponibilizado os dados
da série histórica por área, o diplomata afirma que houve crescimento na educação e na
formação profissional, com iniciativas realizadas especialmente na África e no Timor-Leste,
na segunda fase do período por ele analisado (1997-2001).288 Na fase seguinte (2001-2005) o
aumento das ações voltadas para formação profissional teria sido “notável” (IGLESIAS
PUENTE, 2010).289
As modalidades de atuação do SENAI em outros países em desenvolvimento,
totalizando ações em 26 países da América Latina e Caribe, África lusófona e Timor Leste
(dados de 2010), incluem: oferta de cursos, treinamentos e estágios; serviços e assessoria
técnica para instituições congêneres em planejamento, estruturação e implantação de Centros
de Formação Profissional; formação de docentes, gestores e técnicos de instituições e
empresas (SENAI, 2010).
O carro-chefe da cooperação brasileira em formação profissional são os Centros de
Formação Profissional, apontados como possivelmente os “casos de maior destaque da CTPD
brasileira em termos de resultados, efetividade e impactos sociais relevantes” (IGLESIAS
PUENTE, 2010, p. 165).290 Conforme mostra o Quadro 10, a instalação dos centros em outros

288
Outras áreas que experimentaram crescimento em número de ações no período 1997-2001 foram Meio-
Ambiente, Agropecuária, que continuou liderando a lista, e Saúde, que assumiu o segundo lugar (IGLESIAS
PUENTE, 2010).
289
Outras áreas que tiveram aumento em número de iniciativas no período 2001-2005 foram Desenvolvimento
Social, Administração Pública e, novamente, Meio-Ambiente (IGLESIAS PUENTE, 2010).
290
O diplomata parece basear sua avaliação da efetividade dos centros de formação profissional apenas no
Centro do Cazenga, Angola, o único entregue à gestão local até a publicação de seu livro. Isso fica claro mais
adiante na sua obra, quando, ao afirmar que ações bem-sucedidas de cooperação são aquelas que as tornam
dispensáveis no momento subsequente, com o parceiro dando continuidade ao projeto de forma autônoma,
Iglesias Puente (2010) avalia positivamente o caso de Cazenga. O diplomata reconhece, porém, que a
inexistência de sistemática uniforme e métodos consolidados de mensuração dos produtos finais obtidos com as
iniciativas impossibilita avaliação fidedigna sobre a eficácia da CTPD brasileira.
253

países em desenvolvimento foi reiteradamente reconhecida e sublinhada por todos os


diplomatas que ocuparam a direção da ABC entre 1995 e 2012. A atuação internacional do
SENAI também recebeu elogios de diplomatas que ocuparam cargos mais altos dentro do
MRE. Então subsecretário-geral de Cooperação e Promoção Comercial do MRE, o
Embaixador Ruy Nogueira, ao justificar sua participação em evento de celebração de
convênio entre o SENAI e o MRE,291 afirmou que “[a] política externa brasileira deve muito à
CNI e ao SENAI” (SENAI, 2009a, p. 5).

Quadro 10 - Comentários sobre o envolvimento do SENAI na CTPD realizados por ex-


diretores da ABC (1995-2012)
Nome Período de gestão Comentários sobre o SENAI
Embaixador Elim Saturnino Ferreira mar. 1995 a fev. 2001 Referindo-se ao Centro de Formação
Dutra Profissional do Cazenga, Angola:
“[...] um exemplo maravilhoso de
cooperação sul-sul [...]” (DUTRA
apud IGLESIAS PUENTE, 2010, p.
327).
Embaixador Marco Cesar Naslausky abr. 2001 a nov. 2003 “O projeto [de formação de mão-de-
obra de Cazenga] havia sido
pioneiro nessa área [de formação de
mão-de-obra]...” (NASLAUSKY
apud IGLESIAS PUENTE, 2010, p.
331).
Embaixador Lauro Barbosa da Silva nov. 2003 a ago. 2006 “Entendo fundamental replicar
Moreira projetos de CTPD brasileira bem-
sucedidos, como, por exemplo, na
área de formação profissional [...] É
o caso dos projetos originados em
Angola (Centro de Formação
Profissional de Cazenga...) [...]”
(MOREIRA apud IGLESIAS
PUENTE, 2010, p. 332).
Embaixador Luiz Henrique Pereira ago. 2006 a out. 2008 “[...] o caso do SENAI chega a ser
da Fonseca emblemático no que se refere ao
caráter benéfico que se pode obter
da cooperação recebida […], além
de servir como modelo referencial
de inovação e de qualidade no
dominio da formação profissional
para a criação de instituições
congêneres em outros países em
desenvolvimento” (PEREIRA DA
FONSECA, 2008, p. 70-71,
tradução nossa)292

291
Segundo informativo do SENAI (2009a), o convênio teria possibilitado parceria para a construção de um
centro de capacitação do SENAI na Guatemala, além de prever a construção de novos centros, até 2010, em
quatro países (Haiti, Jamaica, Moçambique e São Tomé e Príncipe) e considerar centros já instalados (como
Cabo Verde, Guiné-Bissau, Paraguai e Timor Leste) e outras iniciativas em educação profissional e tecnológica
envolvendo o SENAI na Colômbia, no Peru e no Marrocos.
292
O texto em língua estrangeira é: “[...] el caso del SENAI llega a ser emblemático en lo que respecta al carácter
benéfico que puede obtenerse de la cooperación recibida […] además de servir como modelo referencial de
innovación y de calidad en el dominio de la formación profesional para la creación de instituciones congéneres
en otros países en desarrollo.”
254

Ministro Marco Farani out. 2008 a ago. 2012 “Acumulam-se histórias de sucesso,
dentre as quais se destacam os
excelentes resultados da parceria da
ABC com o Serviço Nacional de
Aprendizagem Industrial (SENAI)
para a instalação de Centros de
Formação Profissional binacionais.
Em razão da exitosa experiência dos
Centros em outros continentes, têm
sido negociados projetos similares
com Guatemala, Haiti e Jamaica, os
quais deverão ser firmados e
executados ao longo de 2010.”
(ABC, 2010a, p. 8)
Fonte: A autora, 2013.

Conforme demonstra o Quadro 11, os centros de capacitação construídos em outros


países em desenvolvimento por meio de parceria com o SENAI, três dos quais tiveram seus
trabalhos iniciados durante o segundo Governo Fernando Henrique Cardoso, passaram a ser
estabelecidos em lista crescente de países em desenvolvimento durante o Governo Lula.
Segundo funcionário do SENAI entrevistado durante o processo de elaboração desta tese, em
2008 a organização recebeu de uma só vez do então subsecretário de Cooperação e Promoção
Comercial do MRE, Ruy Nogueira, demanda para o estabelecimento de cinco novos centros.

Quadro 11 - Informações sobre os centros de formação profissional estabelecidos por parceria


entre SENAI e ABC em outros países em desenvolvimento

País Unidade do Detalhes Resultados e status


SENAI
envolvida
Angola SENAI-SP - Centro inaugurado em 1999. - Mais de 4 mil angolanos foram
(Cazenga) - Áreas: mecânica diesel e de automóveis, formados pelo Centro
construção civil, eletricidade, hidráulica, - Projeto transferido para gestão local
vestuário e informática. pelo Instituto Nacional de Emprego e
- Centro com capacidade para ofertar até Formação Profissional de Angola
1,5 mil módulos de formação profissional (Inefop) em 2005
por ano.
- Projeto implementado em três fases. A
primeira contemplou o treinamento de
formadores angolanos no Brasil
(14/09/1998 a 30/11/1999), o lançamento
do Centro e o início dos cursos
(15/01/2000); na segunda e na terceira
fases ampliou-se a oferta de cursos,
seguimento da transferência de
metodologias e de recursos didáticos,
com foco, na terceira, na organização dos
procedimentos técnico-administrativos de
coordenação e de gestão do centro,
permitindo que atendesse a empresas
como meio de autossustentação.
Timor-Leste SENAI-SP - Centro inaugurado em 2000. - Entre 2002 e 2010, 1,6 mil alunos
(Becora) - Áreas: marcenaria, eletricidade, concluíram os cursos oferecidos pelo
hidráulica, construção civil, mecânica de Centro.
motocicletas, reparação de - Encerramento da quarta fase previsto
eletrodomésticos, carpintaria, costura para o fim de 2012, com possível
255

industrial, panificação e informática. extensão de mais um ano de projeto para


- Foco atual: capacitação de jovens e assegurar transição para gestão local.
adultos para o mercado de trabalho e para
o desenvolvimento de seu próprio
negócio.
Paraguai SENAI-PR - Centro inaugurado em 2002. - Formou mais de 10 mil jovens
(Hernandarias) - Áreas: mecânica geral, mecânica diesel, paraguaios, realizou 660 cursos, com taxa
metal-mecânica, construção civil, de reconversão profissional estimada em
eletricidade, refrigeração, aparelhos 65% (dados de 2010).
eletrodomésticos, eletroeletrônica e - Transferência para gestão local, pelo
informática. Serviço Nacional de Promoção
- Conta com cerca de 40 profissionais, Profissional do Paraguai (SNPP), prevista
que oferecem cursos a uma média de 300 para 2010. Foi adiada para dezembro de
alunos por dia. 2012 por demanda do governo paraguaio.
Cabo Verde SENAI-CE - Centro inaugurado em 2008. - Formação de 200 jovens por mês.
(Praia) - Áreas: alimentos, construção civil, - Projeto interrompido devido a
instalação hidrossanitária, eletricidade, divergências com governo cabo-verdiano
informática e serralheria por conta de sua autorização ao uso do
espaço e do maquinário do centro, antes
de sua transferência para gestão local,
pela Agência Luxemburguesa de
Cooperação
Guiné-Bissau SENAI-SP - Centro inaugurado em 2009. - A ABC está avaliando permanência por
- Áreas: construção civil, eletricidade, mais seis meses, pois governo não teria
costura industrial, mecânica de condições de assumir a gestão local do
manutenção de automóveis, informática, centro neste momento.
marcenaria, serralheria e refrigeração
Guatemala SENAI-SC - Centro inaugurado em 2012. - Projeto finalizado após a inauguração do
(Huehuetenango) - Áreas: alimentos, automotiva, centro e transferido à gestão do Instituto
metalmecânica e eletroeletrônica. Técnico de Capacitação e Produtividade
(INTECAP), sem período de transição.
Jamaica SENAI-MG - Projeto iniciado em outubro de 2010, - Devido a restrições orçamentárias do
(Portmore) quando técnicos do SENAI levantaram MRE e do governo jamaicano, não foi
dados in-loco para a instalação do Centro. possível dar continuidade à compra de
- Em novembro de 2011 gestores equipamentos e à capacitação. Previsão
jamaicanos foram capacitados em Belo de finalização da cooperação para o fim
Horizonte. de 2012.
- Áreas: construção civil, serralheria,
soldagem, hidráulica e gás, eletricidade,
telecomunicações, refrigeração,
marcenaria, informática; apoio a
infraestrutura hoteleira.
- Identificada necessidade de reforma das
estruturas existentes do parceiro local
(HEART - Human Employment anda
Resource Training) para adequação das
instalações, melhoria de laboratórios,
oficinas e salas de aula. Reformas
realizadas.
Haiti SENAI-RS - Áreas: construção civil, eletricidade, - Iniciativa descontinuada após o
(Jacmel) costura, marcenaria, metalurgia e terremoto. Existe a possibilidade de
mecânica. retomada do projeto, que encareceu
devido a necessidade de estrutura
antissísmica, com possível financiamento
da Arábia Saudita.
Moçambique SENAI-BA - Áreas: processamento de alimentos, - Terreno foi desapropriado para receber a
(Maputo) principalmente frutas. escola e equipamentos já foram
comprados.
São Tomé e SENAI-PE - Áreas: automotiva, alimentícia, -
Príncipe construção civil e informática
Fonte: A autora, 2013, com base em publicações do SENAI e da ABC e em entrevistas com funcionários do
SENAI.
256

Além de o envolvimento crescente do SENAI na CTPD ter acontecido em contexto


global marcado pelo reconhecimento do setor privado na promoção do desenvolvimento
internacional, ele parece ter sido condicionado por determinantes domésticos de ordens
variadas: a convergência da atuação do SENAI com o modelo de desenvolvimento sustentado
tradicionalmente pela diplomacia brasileira, focado no aspecto do crescimento econômico e
no papel da industrialização como ferramenta de promoção de autonomia nas relações
internacionais; a busca por um assento no Conselho de Segurança da ONU; a história de vida
do presidente Lula, que aprendeu o ofício de metalúrgico em escola do SENAI;293 e o
estímulo à internacionalização de empresas brasileiras.
Na próxima seção buscar-se-á entender os componentes diplomáticos/humanitários e
estratégicos relacionados à atuação do SENAI na CTPD. Também buscar-se-á compreender a
evolução da percepção do SENAI em relação a tais componentes, apontando como a
instituição passou de postura reativa a demandas diplomáticas para postura proativa,
estabelecendo estratégias e critérios para a prospecção e triagem de demandas, com base na
experiência acumulada em campo e em sua profissionalização interna.

4.2.1 A evolução dos componentes diplomático e humanitário

Segundo informações disponíveis na página do SENAI (2012a), a atuação da entidade


em outros países em desenvolvimento “constitui importante elemento de apoio à política
externa do governo brasileiro.” Embora a atuação do SENAI na vertente Sul-Sul não se
restrinja, conforme será visto mais adiante, a parcerias coordenadas pela ABC, considera-se
esta frente como a principal modalidade de seu envolvimento na CSS (SENAI, 2010).
Assim como no caso da EMBRAPA, nota-se, a princípio, forte incidência de
propósitos diplomáticos nas ações do SENAI em outros países em desenvolvimento. Com o
acúmulo de conhecimento em campo e a profissionalização interna da instituição, houve

293
Então diretor da ABC, o Embaixador Pereira da Fonseca (2008, p. 74), ao refletir sobre o estabelecimento dos
centros de capacitação do SENAI no exterior, fez a seguinte afirmação: “Quem sabe se entre os milhares de
trabalhadores formados por esses Centros surgirá um que venha exercer a liderança sindical, a representatividade
política ou inclusive chegue ao mais elevado cargo do país, como ocorreu no Brasil com a eleição do Presidente
Lula. É de conhecimento geral que o Presidente Lula sempre demonstrou especial apreço e gratidão por ter
aprendido o ofício de metalúrgico em um centro de formação profissional do SENAI.”
257

ampliação da gama de propósitos, com o SENAI passando a tentar influenciar processos


decisórios sobre a localização dos centros, por vezes entrando em choque com a ABC.
Quatro vertentes diplomáticas foram identificadas na agenda Sul-Sul do SENAI: a
vertente humanitária, ligada a atuação em países frágeis e/ou egressos de conflito e com forte
relação com a busca de apoio para o pleito brasileiro de ocupar assento permanente no
Conselho de Segurança da ONU; a vertente do fortalecimento da língua portuguesa; a vertente
da promoção da integração regional; e a vertente do suporte à internacionalização de empresas
brasileiras,294 esta última menos presente no discurso presidencial/diplomático em vista
possivelmente de sua contradição com o princípio da desvinculação da cooperação técnica
brasileira de interesses econômicos.
A vertente humanitária, já presente na política externa do Governo Cardoso, fica clara
com a atuação do SENAI junto a países frágeis e/ou egressos de conflitos, majoritariamente
de língua portuguesa, refletindo cruzamento entre necessidades locais relacionadas à agenda
de construção de Estados e a oferta de experiências brasileiras em matérias específicas. Vale
mencionar que, diferentemente dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, a agenda de
construção de Estados reconhece o papel do setor privado e da educação vocacional.295
Em termos de alocação geográfica, dados levantados por Iglesias Puente (2010)
apontam que a CTPD brasileira em formação profissional foi mais expressiva, entre os anos
analisados (1995-2005), no continente africano (terceiro lugar, 11,5%), assumindo o segundo
lugar (junto ao setor agropecuário), atrás apenas do setor “Educação” (26,1%), na cooperação
com países asiáticos.
No caso do Timor-Leste, país que durante o Governo Cardoso chegou a concentrar,
em certos momentos (2001-2002), 41% dos recursos da CTPD brasileira, o objetivo de
reintrodução da língua portuguesa296 somou-se à vertente da “diplomacia para a paz” (Ibid.),

294
Em vista de a política externa brasileira se pautar, há décadas, pelo objetivo de promover o desenvolvimento
brasileiro, a promoção da internacionalização das empresas brasileiras foi tratada como propósito diplomático.
Essa abordagem contrasta com aquela proposta por Lancaster (2007a), que analisa a política da cooperação de
países desenvolvidos e para a qual propósitos diplomáticos aparecem relacionados à dimensão da segurança.
295
Ver Nota 297. Avanços mais recentes da agenda da construção de Estados no âmbito das missões de paz
podem ser identificados no resultado de trabalho realizado por grupo de peritos convocados pelo Secretário-
Geral da ONU, Ban Ki-moon, em que a revitalização econômica aparece no rol das cinco áreas centrais para o
apoio à construção de uma paz estável em países egressos de conflitos (ONU, 2013).
296
O português é falado por menos de 10% da população timorense, apesar de ser um dos dois idiomas oficiais
do país. Para uma leitura crítica das iniciativas brasileiras e portuguesas voltadas para o fortalecimento do
Português no Timor-Leste, bem como, de forma mais geral, das iniciativas voltadas para a construção do Estado
no país, ver: SILVA, 2012.
258

com ações de estabilização e de fortalecimento do Estado independente do Timor-Leste no


contexto das chamadas “operações de paz de terceira geração”.297
Uma vez que os timorenses optaram pela independência do país, em agosto de 1999,
foi estabelecida a Administração Transitória das Nações Unidas no Timor-Leste (UNTAET,
na sigla em inglês), liderada pelo brasileiro Sergio Vieira de Mello entre 2000 e 2002, quando
a independência da República Democrática do Timor-Leste foi formalmente restaurada. A
participação do Brasil nos esforços de paz realizados no âmbito da UNTAET contribuiu para
consolidar nova etapa no engajamento do país em missões de paz por ter agregado, ao envio
de contingentes militares e policiais, iniciativas de cooperação técnica em diversas áreas
(Administração Pública, Agricultura, Educação, Formação Profissional, Justiça e Saúde), e
por ter envolvido instituições dos três Poderes e níveis da Federação na busca pelo
fortalecimento institucional, econômico e social do Timor-Leste.298
Foi nesse contexto que se inaugurou em Becora, em 2000, o Centro de Formação
Profissional, Capacitação Empresarial e Promoção Social, destinado a capacitar a mão-de-
obra local no âmbito dos esforços de reconstrução do país. Com o apoio do SENAI-SP, a
estrutura física do centro, estabelecido nas antigas instalações de um centro de formação local
que havia sido destruído pelas milícias pró-Indonésia, foi restaurada por soldados
desmobilizados como parte da primeira etapa da cooperação oferecida pelo SENAI ao Timor-
Leste.
Segundo dados de 2010, desde 2002, quando começaram a ser oferecidos cursos em
diversas áreas (construção civil, marcenaria, costura industrial, hidráulica, eletricidade,
panificação, mecânica de motocicletas, reparação de eletrodomésticos e informática), 1,6 mil
alunos tiveram o ciclo de capacitação concluído. O centro, que passou a contar, a partir de
setembro de 2005, com presença ininterrupta de dois técnicos do SENAI (ABC, 2005), foca
atualmente o estímulo ao empreendedorismo de jovens e adultos (SENAI, 2010).

297
As operações de paz de terceira geração, ou operações de paz multidisciplinares, ou ainda operações de
consolidação da paz (no inglês, peace building), emergiram nos anos 90 focando ações voltadas basicamente
para o desenvolvimento social e econômico de países egressos de conflitos. Executadas na sequência da
assinatura de um acordo de paz, tais ações objetivam fortalecer o processo de reconciliação nacional por meio de
implementação de projetos destinados a recompor as estruturas institucionais, a recuperar a infraestrutura física e
a ajudar na retomada da atividade econômica (FONTOURA, 1999). Para mais informações sobre a inserção do
Brasil nesse novo modelo, ver Nota 204.
298
A primeira missão da ABC ao Timor-Leste aconteceu em 1999, quando se definiram as áreas com potencial
para a prestação de cooperação técnica pelo Brasil. Em julho de 2000, o governo brasileiro assinou protocolo de
cooperação técnica com a UNTAET. Finalmente, em janeiro de 2005 foi promulgado o Acordo Básico de
Cooperação Técnica entre o Brasil e a República Democrática de Timor-Leste (ABC, 2005).
259

A cooperação do SENAI com o Timor-Leste havia sido antecedida pela inauguração,


em 1999, do Centro de Formação Profissional Brasil-Angola, no Cazenga, também executado
pelo SENAI-SP e transferido para a gestão do parceiro local, o Instituto Nacional de Emprego
e Formação Profissional de Angola (Inefop), em 2005. É interessante notar que, embora
posteriormente a cooperação do SENAI em parceria com a ABC tenha passado a ser referida
como “instrumento da política externa brasileira” – no âmbito da chamada “diplomacia para a
paz” -, o centro do Cazenga, o primeiro estabelecido fora do Brasil, pareceu resultar de ação
autônoma do então diretor da ABC, Embaixador Elim Saturnino Ferreira Dutra, e não de
estratégia diplomática clara ou de estratégia da Indústria brasileira. É o que dá a entender a
fala de Dutra, ao responder à seguinte pergunta: “Em que medida as ações e programas
estabelecidos na CTPD tendiam a se adaptar e a ser condicionados às exigências do contexto
político bilateral, das circunstâncias da agenda diplomática, como visitas presidenciais ou
ministeriais?”. Segundo o Embaixador, que exemplifica sua percepção ao discorrer sobre a
origem da cooperação do SENAI em Angola,
[o]s programas de CTPD, como é natural, se adaptavam às exigências do contexto
político bilateral. Mas eu creio que, mais do que isto, o que sempre procuramos, ao
negociar um programa, era identificar as áreas prioritárias que o país parceiro havia
estabelecido e esperava receber a cooperação de longo prazo. Às vezes estas áreas
eram óbvias para nós e para eles, outras vezes não tanto. De toda maneira, dependia
de vontade e disposição do país de receber cooperação brasileira. Podia dar
prioridade a outro tipo de tecnologia, desenvolvido por outro país. O caso da
cooperação com Angola, por exemplo, na área de formação profissional, teve tantas
nuances que daria para escreve ruma tese. Culminou com o Centro de Formação
Profissional do Cazenga, um exemplo maravilhoso de cooperação sul-sul, mas
custou muita negociação em Angola e no Brasil, com autoridades do Ministério
(céticos ou simplesmente desinteressados), com a empresa privada, FIESP,
Mercedes Bens, SENAI, etc. E com os próprios angolanos, que em princípio não
acreditavam que nós fossemos capazes de desenvolver um projeto tão sofisticado,
que no início era inclusive móvel (um centro móvel) e depois se tornou um grande
centro de aprendizado, com uma gigantesca unidade móvel (ônibus e pavilhão
desmontável). Este projeto não foi solicitado pelos angolanos nem estava nos
planos iniciais da ABC. Surgiu de uma visita minha a Angola, onde vi o
problema que o país estava enfrentando para reinserir na sociedade soldados
desmobilizados e sem qualquer formação profissional, e da visita, que fiz no
Brasil ao SENAI, em São Paulo, onde vi uma das unidades móveis, usadas para
treinar eletricistas brasileiros no interior do país. Daí começou todo um projeto
que foi crescendo e se tornando cada vez mais ambicioso.

Em princípio, a ABC não se condicionava à agenda diplomática, como visitas


presidenciais e ministeriais. Até porque os programas que procurávamos
desenvolver e o relacionamento que queríamos com países recebedores da
cooperação eram necessariamente de longo prazo. A ideia nunca foi desenvolver
um ou dois projetos, era desenvolver o programa. (...) [O]s Centros de Formação
Profissional de Angola, depois o do Paraguai e do Timor, foram trabalhos de
anos. (...) [N]ós trabalhávamos numa estratégia a longo prazo, mandando
missões, discutindo programas, e desenvolvendo projetos em todos os países
considerados prioritários pelo Itamaraty e com quem podíamos fazer isto. As visitas
presidenciais ou ministeriais eram usadas pela ABC ou para mostrar o que já vinha
fazendo, ou para tentar iniciar um programa, que por alguma razão, ou obstáculo,
260

ainda não existia. (DUTRA apud IGLESIAS PUENTE, 2010, p. 327-328, grifos
nossos).

Pelo menos três pontos chamam a atenção no trecho acima. Em primeiro lugar, como
já foi mencionado, a ideia do estabelecimento do primeiro centro do SENAI em um país em
desenvolvimento não parece ter sido concebida pelo MRE, já que o então diretor da ABC dá a
entender que teve de galgar o apoio do próprio ministério para a iniciativa. O centro do
Cazenga teria sido idealizado por Dutra depois de ter realizado visita a Angola e de ter
participado de inauguração, em São Paulo, de centro móvel de capacitação, evento que havia
contado com a presença do presidente Fernando Henrique Cardoso e do então ministro de
Trabalho de Angola.
Vale resgatar, contudo, o contexto mais amplo em que as articulações para o
estabelecimento do primeiro centro aconteceram. Em 1998, havia acontecido na Bahia o
seminário “Fortalecimento da Capacidade Institucional dos PALOPs”, do qual emergiu a
proposta de criação de um centro regional de excelência em desenvolvimento empresarial,
aprovada em 2000 pelo Conselho de Ministros da CPLP, que decidiram que o centro seria
implantado em Luanda (VALLER FILHO, 2007). Nessa mesma ocasião, a ideia foi avançada
com a incorporação da vertente da capacitação profissional no discurso realizado por
Fernando Henrique Cardoso durante a III Conferência da CPLP, expressando o desejo de
ampliar a cooperação na matéria (IGLEIAS PUENTE, 2010, p. 227).
Em segundo lugar, nota-se que, ao contrário do discurso oficial de que a cooperação
brasileira responderia a demandas, isso não se verifica no caso do centro do Cazenga, com o
seu idealizador tendo de realizar trabalho de convencimento junto às próprias autoridades
angolanas. Não obstante, o fato de ter sido induzida pelo então diretor da ABC não significou
que os impactos da iniciativa tenham sido menores.
Por último, nota-se a percepção de que, a princípio, a CTPD brasileira não estaria
ligada à diplomacia presidencial e ministerial, o que, segundo o Embaixador Dutra, constituía
ativo importante na busca de engajamento de longo prazo com outros países em
desenvolvimento.
Após a implementação do centro em Angola, e paralelamente à implantação do centro
de capacitação profissional do Timor, ambos os países egressos de conflito e diante da tarefa
da reinserção social de ex-combatentes, formou-se claramente discurso de política externa em
que o papel do SENAI é visto como um dos pilares da CTPD brasileira voltada para a
261

construção de uma paz estável. O SENAI também incorporou esse rationale, como fica claro
nas elaborações da própria instituição em relação aos centros angolano e timorense:
O Centro de Formação Profissional Brasil-Angola, na cidade de Cazenga, merece
menção. Esse projeto deu músculo à reconstrução nacional de Angola pela
formação e reciclagem de mão de obra desmobilizada em função da guerra civil
que perdurou por mais de 40 anos. De 1999 a 2006, mais de 3.000 angolanos foram
formados pelo Centro nas áreas de mecânica diesel, construção civil, eletricidade,
vestuário e informática. [...]

O objetivo do projeto [Centro de Formação Profissional Brasil-Timor Leste] é a


capacitação de mão de obra timorense nas áreas de construção civil, marcenaria,
costura industrial, hidráulica, eletricidade, panificação, mecânica de motocicletas,
reparação de eletrodomésticos e informática, com vistas a introduzir no mercado
de trabalho timorense profissionais para atuarem ativamente na reconstrução
do país (SENAI, 2010, p. 71-73, grifos nossos).

O discurso da CTPD como instrumento da diplomacia para a paz foi mantido durante
o Governo Lula, com o pleito a vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU
assumindo maior relevo na agenda da política externa brasileira. Com efeito, a estratégia
central de busca de apoio internacional para tal pleito baseou-se no argumento de que a
segurança internacional demanda iniciativas que promovam o desenvolvimento de países
frágeis e/ou egressos de conflitos, e que o governo brasileiro estaria atuando de maneira
destacada na matéria.
Com base nesse rationale (embora ele não seja o único, conforme será visto adiante), a
agenda diplomática passou a desempenhar papel protagônico na indução da criação de novos
centros em países egressos de conflitos, quais sejam: Guiné-Bissau, Haiti e Moçambique.
Paralelamente, outros países de língua portuguesa (Cabo Verde e São Tomé e Príncipe) foram
contemplados com projetos de capacitação profissional envolvendo o SENAI, o que
confirmaria também a incidência do propósito de fortalecimento da CPLP. Ao mesmo tempo,
desenvolvimento empresarial e formação profissional viriam concentrar a maior parte das
ações conjuntas desenvolvidas no âmbito da CPLP (IGLESIAS PUENTE, 2010).
Outra vertente diplomática ligada à atuação do SENAI aparece relacionada à CTPD
como ferramenta de integração regional e de promoção da estabilidade política em países sul-
americanos, garantindo assim a segurança do Brasil e preservando seus interesses,
particularmente em países fronteiriços. O caso da cooperação com o Paraguai é emblemático.
O diplomata Iglesias Puente (2010, p. 176) inclui o país na lista daqueles que receberam
cooperação do Brasil com base nos propósitos de promover da estabilidade regional e de
preservar os interesses brasileiros:
A cooperação horizontal brasileira foi chamada a atuar nos esforços coordenados
pelo Brasil juntamente com a Argentina com vistas à promoção da estabilização
262

política na Bolívia, no Paraguai e no Equador, após crises políticas vividas por esses
países entre 2001 e 2005. [...] Muitas das ações e temas em que se processa a
cooperação técnica brasileira com países da região refletem interesses recíprocos
(tanto do país parceiro quanto do Brasil) como a própria questão ambiental, o
controle fitossanitário e outras áreas em que o elemento fronteiriço está presente.
Por exemplo, ações de desenvolvimento social no Paraguai e na Bolívia, em regiões
de densa migração brasileira, ou, ainda, a questão da mineração no Suriname,
também por conta da presença de garimpeiros brasileiros na área da fronteira
comum.

No caso da CTPD Brasil-Paraguai envolvendo o SENAI, deve-se ressaltar também os


elementos da integração econômica e do suporte à internacionalização de empresas
brasileiras. No último ano do Governo Cardoso (2002), inaugurou-se o terceiro centro do
SENAI em um país em desenvolvimento: o Centro de Formação Profissional Brasil-Paraguai,
em Hernandarias, executado pelo SENAI-PR, em parceria com o Serviço Nacional de
Promoção Profissional do Paraguai (SNPP). O centro de Hernandarias, apontado pela ABC
(2006; 2010a) como exemplo de CSS por sua dimensão estruturante e por seus efeitos
multiplicadores,299 é avaliado positivamente pelo SENAI (2010, p. 71) por ter fomentado
“novas vocações econômicas regionais pela formação de mão de obra especializada para
garantir maior entrelaçamento econômico entre o Brasil e demais países do MERCOSUL.”
O SENAI admite ainda, nesse caso, relação entre a cooperação oferecida pela
instituição, financiada com recursos públicos, e a presença de filiais de empresas brasileiras
no país, com a mão-de-obra treinada sendo posteriormente absorvida por elas, embora
raciocínios de cunho mais estritamente diplomático, como evitar a migração de paraguaios
para o Brasil, também estejam presentes no discurso de funcionários da Unidade de Relações
Internacionais (UNINTER/SENAI) entrevistados durante a elaboração desta tese.
Convocado como agente promotor da diplomacia para a paz e/ou da integração
regional, o SENAI não relutou contra a missão que lhe foi atribuída, ao menos a princípio.
Uma das dinâmicas que pode ter contribuído para a construção de sinergias entre SENAI e
MRE foi a convergência da atuação do SENAI com os modelos de desenvolvimento e de
projeção internacional sustentados tradicionalmente pela diplomacia brasileira, focados no

299
Segundo publicação da ABC (2006, p. 8), “[o] Centro de Hernandarias vem contribuindo muito para o
desenvolvimento do mercado de trabalho local. Além de ter sido um projeto muito bem sucedido em sua
concepção e execução, acredita-se que ele seja também exemplar para a cooperação sul-sul pelo fato de a
formação profissional constituir uma das mais valiosas formas de cooperação que qualquer país pode oferecer a
outro, porquanto o seu efeito multiplicador em termos de benefícios para uma economia local costuma ser maior
do que qualquer outra iniciativa, na medida em que produz mão-de-obra qualificada, ou seja, um dos mais
importantes fatores de produção.”
263

aspecto do crescimento econômico, no papel da industrialização como ferramenta de


promoção de autonomia e na inserção do Brasil como global trader.
Em particular, há de se adicionar que, conforme funcionário entrevistado durante a
elaboração desta tese, o SENAI pôde incidir sobre a localização de parte dos centros de
capacitação quando recebeu do então Subsecretário-Geral de Cooperação, Cultura e
Promoção Comercial do MRE, Ruy Nogueira, pedido para a construção de cinco centros em
agosto de 2008, a serem entregues até 2010. Enquanto recusou a proposta de estabelecimento
de centros na Etiópia e na Venezuela, o SENAI aceitou a proposta do MRE de estabelecer
centros onde não havia interesses da indústria brasileira (casos do Haiti e São Tomé e
Príncipe), acatou projeto em Moçambique, país com concentração crescente de investimentos
brasileiros, e teve a liberdade de definir a localização de mais dois centros na América Latina
e Caribe – Guatemala e Jamaica.300
Não obstante, assim como no caso da EMBRAPA, o acúmulo de experiências em
campo pelo SENAI – que passou a identificar interesses próprios e da Indústria brasileira na
CTPD – e o aumento do contato com a ABC, em função da maior frequência de demandas
pela instalação de centros em outros países em desenvolvimento, começou a gerar atritos
entre as duas instituições. Isso ficou claro durante a negociação sobre a localização do Centro
de Formação Profissional Brasil-Moçambique. Enquanto o SENAI insistia que o centro fosse
estabelecido ao norte do país, área de concentração de investimentos realizados por empresas
brasileiras, a ABC, com base no argumento da desvinculação da cooperação técnica brasileira
de interesses econômicos, determinou que o centro fosse estabelecido na capital, Maputo. Na
avaliação de funcionário do SENAI entrevistado durante a elaboração desta tese, a decisão da
ABC seria expressão de propósitos diplomáticos, os quais poderiam acabar se chocando com
os impactos da CTPD na promoção do desenvolvimento moçambicano, tendo em vista que
estaria privilegiando a instalação de estrutura física com bandeira brasileira hasteada em
detrimento do componente da capacitação e do acesso ao mercado de trabalho.
Um segundo atrito entre as duas instituições aconteceu no caso de iniciativa com o
Panamá. Em 2007, o SENAI, que havia vencido licitação para oferecer serviços de
consultoria ao Instituto Nacional de Formação Profissional para o Desenvolvimento Humano

300
A recusa de instalação de centro na Etiópia deveu-se a avaliação de inexistência de interesses comerciais
brasileiros no país. No caso da Venezuela, a negativa teria sido motivada pelo fato de Hugo Chávez ter impedido
o diretor do SENAI de participar de reunião oficial com delegação brasileira. A razão para a escolha da
Guatemala teria sido a disponibilidade de recursos, inclusive da União Europeia, que já possuía um centro na
área de hotelaria instalado no país. No caso da Jamaica, foram levados em consideração o fato de o SENAI não
ter nenhum projeto no Caribe e de o país contar com instituições de formação profissional estruturadas.
264

do país (Inadeh) para a construção e capacitação de docentes e gestores de três centros


tecnológicos (ambiental, em parceria com o SENAI-PR; soldagem, em parceria com o
SENAI-RJ; e construção civil, em parceria com o SENAI-SP) voltados para o apoio à
ampliação do Canal do Panamá,301 teve pedido de cooperação recusado pela ABC. Mesmo
tendo o pedido sido formalizado pelo Embaixador do país no Brasil, na interpretação da ABC
o SENAI teria “induzido a demanda”, conforme foi colocado por entrevista realizada com
funcionário da última organização.
Casos como os elencados contribuíram para alimentar, no SENAI, percepção de
dissociação entre as instâncias decisórias e as implementadoras da CTPD brasileira. Do ponto
de vista da UNINTER, os objetivos diplomáticos não estariam calcados em estratégia clara. A
aposta na busca do apoio para que o Brasil ocupasse vaga no Conselho de Segurança da ONU
estaria levando a pressões pela rápida execução de iniciativas, sem o devido planejamento e
estratégia de sustentabilidade, o que em última instância comprometeria a efetividade e a
eficácia da CTPD brasileira. Quebrou-se, assim, um dos pontos centrais de sinergia entre o
SENAI e as instâncias decisórias brasileiras, que dizia respeito à busca por uma cooperação
diferenciada da tradicional, no sentido de desenhar projetos seguindo adaptação às
necessidades locais e de priorizar a transferência de conhecimentos em detrimento da
estrutura material, garantindo assim sua sustentabilidade.
Outro ponto de atrito entre SENAI e ABC resultou da percepção de ingerência da
última dentro do SENAI, com a agência buscando estabelecer contatos diretos com seus
Departamentos Regionais, em vez de manter a UNINTER como intermediária. O mesmo
aconteceu no caso da EMBRAPA, em que foram noticiados contatos diretos da ABC com
suas unidades, sem a mediação da SRI.
Funcionários do SENAI entrevistados durante a elaboração desta tese adicionaram que
a instabilidade institucional nos países recipiendários também teve impacto negativo sobre a
sustentabilidade dos projetos, ao mesmo tempo em que seguiram reconhecendo facilidades
encontradas nas parcerias com a ABC em relação aos outros projetos executados pela
instituição em países em desenvolvimento. O acesso a passaporte oficial pelos técnicos que
implementam as iniciativas, bem como o apoio em campo das Embaixadas brasileiras, foram
mencionados como fatores que garantiriam maior legitimidade institucional às ações
executadas e menor risco aos técnicos em campo.

301
Mais detalhes sobre a cooperação do SENAI com o Panamá estão disponíveis em: SENAI, 2009a, 2009c,
2007.
265

Os conflitos com a ABC foram mitigados, ainda, pelo atendimento de outras


demandas levadas à agência pelo SENAI, como no caso do estabelecimento de um Centro de
Tecnologias Ambientais no Peru, parceria entre a GIZ, o Serviço Nacional de Adestramento
em Trabalho Industrial (SENATI/Peru) e o SENAI-BA. Segundo entrevista concedida por
funcionários do SENAI, a organização teria intermediado desejo existente de ambas as partes
(Peru e Alemanha) em vista do interesse de acessar a tecnologia alemã que seria aportada ao
centro e de estreitar relações com o Peru, país de maior desenvolvimento relativo e com maior
potencial de benefícios mútuos. A UNINTER não deixou, contudo, de levar em consideração
argumentos de cunho mais estritamente diplomáticos. A cooperação ambiental com o Peru,
fonte do Rio Amazonas, é vista também como mecanismo para mitigar efeitos, no Brasil, da
poluição do rio no país andino.
Nota-se, nesse sentido, esforço do SENAI em justificar seu acesso a recursos públicos
da CTPD brasileira, por meio da ABC, com base em raciocínio que não leva em consideração
apenas os interesses da instituição, mas interesses nacionais mais amplos. O fato de a
UNINTER ser composta por quadros formados em Relações Internacionais pode ter
contribuído para a construção desse rationale, promovendo sinergias com a diplomacia
brasileira e o próprio diálogo com o MRE.
Por outro lado, aspectos da mentalidade do setor privado também incidiram sobre as
elaborações do SENAI sobre a CTPD brasileira, ressaltando-se a necessidade de planejamento
estratégico, com acompanhamento e avaliação das ações e profissionalização dos quadros
envolvidos. Conforme será aprofundado na próxima subseção, essa mentalidade acabou
influenciando metodologias de trabalho da própria ABC e, segundo funcionários da
UNINTER entrevistados, a incidência do SENAI em projetos coordenados pela agência teria
sido facilitada por deficiências na sua estrutura jurídico-institucional da ABC, como a alta
rotatividade de seus quadros, que impediriam o acúmulo de competências setoriais internas.
O cruzamento da mentalidade internacionalista com a mentalidade do setor privado
nas elaborações do SENAI sobre a CTPD e, mais amplamente, sobre a cooperação
internacional, pode ser verificada no seguinte trecho do Manual de Relações Internacionais da
instituição, elaborado sob a supervisão de professor do Instituto de Relações Internacionais da
Universidade de Brasília:
A internacionalização das atividades de organizações e empresas representa, no
presente, uma possibilidade ou, para muitas delas, um desdobramento necessário de
um processo de irradiação de interesses, busca de oportunidades e diversificação de
parcerias. Não se trata, contudo, de um movimento inercial que deva transcorrer
natural e espontaneamente segundo estratégias e recursos mobilizados no plano da
atuação doméstica e, em dado momento, redirecionados para a consecução de
266

objetivos na esfera internacional. Ao contrário, ao mesmo tempo em que atesta o


amadurecimento e descortina novos desafios institucionais, a projeção, no campo
internacional, de uma organização é decisão eminentemente política e que requer
planejamento, recursos e instrumentos de gestão adequados às características,
estruturas e dinâmicas do meio internacional e ao trato com a imensa diversidade de
interlocutores, fóruns, marcos normativos e interesses nele presentes. É crescente o
número de organizações públicas e privadas que têm voltado atenção e esforços para
o campo da cooperação internacional, impelidas por um legítimo sentido de
oportunidade e também estimuladas pela projeção internacional de que usufrui o
Brasil e que se faz acompanhar de expectativas e demandas de parte de seus
interlocutores externos. Responde a esse interesse igualmente a percepção de um
mundo cada vez mais interdependente no que tange às possibilidades de ação diante
dos desafios que as sociedades confrontam nos planos do desenvolvimento
socioeconômico e da sustentabilidade ambiental. [...] Assim, descortinam-se novas
possibilidades e agendas, dado o variado espectro de interesses canalizados para e
pela cooperação internacional, mas também desafios decorrentes da valoração
política que lhe é atribuída. Esse saudável interesse pela cooperação internacional
deve encontrar correspondência na preocupação em conhecer seus fundamentos
teóricos, expressões concretas, os instrumentos básicos de planejamento, gestão e
avaliação de iniciativas com os quais se possam construir estratégias coerentes e
consentâneas com a complexidade que é inerente ao ambiente internacional (SENAI,
2010, p. 15-16).

Como será visto na próxima subseção, o SENAI qualificou sua atuação em países em
desenvolvimento ao somar, à crescente familiaridade com gestão de projetos de cooperação,
facilitada pela mentalidade do setor privado característica da instituição, o acúmulo de
experiência em campo e iniciativas de profissionalização interna seguindo critérios e métodos
próprios de inserção internacional. Constatar-se-á, porém, que expectativas da instituição ao
se engajar na CSS, em suas variadas vertentes, não foram percebidas como tendo sido
concretizadas. Esse sentimento de frustração, somado ao fato de o SENAI ter sido convocado,
durante o Governo Dilma, para ampliar sua atuação dentro do Brasil, gerou desmobilização de
esforços que vinham sendo direcionados para estruturar a prestação da cooperação a outros
países em desenvolvimento.

4.2.2 A evolução do componente estratégico

Ao mesmo tempo em que foi chamado a desempenhar missão diplomática, no âmbito


da prestação de CTPD, o SENAI, como entidade representante dos interesses da Indústria
brasileira, desenvolveu objetivos e métodos próprios de atuação, tendo por base, por um lado,
a mentalidade de gestão do setor privado e, por outro, a profissionalização de seu
envolvimento na cooperação internacional e o acúmulo de experiências em campo.
267

Como ponto de partida para compreender como o SENAI concebeu e percebeu seu
envolvimento na crescente na CTPD foram revisadas as suas publicações institucionais,
buscando-se identificar propósitos e estratégias. Na publicação “Cooperação internacional:
uma parceria estratégica”, não há separação clara entre os objetivos da atuação do SENAI
como receptor e como prestador de cooperação. O guia fala, amplamente, nos “objetivos do
SENAI no exterior”, quais sejam:
- Fortalecimento da imagem de organização empreendedora, com padrão
internacional de atendimento.
- Troca de conhecimentos e atualização tecnológica.
- Divulgação de tecnologias brasileiras
- Apoio à internacionalização de empresas brasileiras (SENAI, 2010, p. 54)

Conforme mostra o Quadro 12, as diretrizes gerais da cooperação internacional do


SENAI tampouco apresentam especificidades da atuação da organização no que se refere à
vertente Sul-Sul.

Quadro 12 – Diretrizes gerais da cooperação internacional do SENAI


• Promover a constante atualização tecnológica do SENAI, antecipando tendências e oportunidades de
atendimento à indústria.
• Ser operacionalizada e gerenciada por projetos.
• A negociação de acordos e projetos deve considerar as políticas e estratégias de desenvolvimento e de
internacionalização da indústria brasileira.
• Os projetos devem buscar projetar a imagem do SENAI no Brasil e no exterior.
• Os projetos, para ser passíveis de execução, devem: (1) Observar e respeitar os dispositivos
constitucionais, as leis e normas nacionais e dos sistemas que regem as relações políticas com outros
países, o regimento do SENAI e as normas institucionais vigentes; (2) Ter como foco o aprimoramento
das áreas de educação profissional, inovação e de tecnologia; (3) Ser viáveis econômica e
tecnologicamente com potencial de sustentabilidade técnica e financeira; (4) Envolver o maior número
possível de Departamentos Regionais da organização; (5) Considerar as especificidades e a capacidade
de atendimento dos Departamentos Regionais.
Fonte: SENAI, 2009a.

Já na página do SENAI na internet esclarece-se, de forma implícita, que a cooperação


recebida e a prestada aconteceriam ambas no âmbito de redes voltadas para a correção das
assimetrias internacionais:
Por trás da excelência dos serviços prestados pelo SENAI, da permanente
atualização da organização e da projeção de sua atuação para além das fronteiras do
País encontra-se um sólido grupo de parceiros internacionais. Essa grande rede de
articulações permuta tecnologia, informações e conhecimento em um movimento
268

que busca corrigir as desigualdades entre países que se encontram em diferentes


níveis de desenvolvimento social e econômico.

Seja por meio de convênios e atividades que aportam conhecimento e tecnologia


para o desenvolvimento da indústria brasileira, seja por meio de acordos de
cooperação que ampliam seu espaço de atuação, o SENAI se mantém em
permanente sintonia com instituições ligadas à educação profissional em todo
mundo (SENAI, 2012a).

Na segunda parte desse trecho, nota-se que a cooperação recebida seria aquela
realizada no âmbito de “convênios e atividades que aportam conhecimento e tecnologia para o
desenvolvimento da indústria brasileira”, ao passo que se dá a entender que a cooperação
prestada estaria relacionada a “acordos de cooperação que ampliam seu [do SENAI] espaço
de atuação”. Quer dizer, esta vertente parece ser interpretada como diferente da cooperação
recebida por não aportar conhecimentos e tecnologias que contribuam para o desenvolvimento
da Indústria brasileira, embora seja vista como possibilitando expansão da atuação
internacional do SENAI, assim como o estreitamento de laços com instituições homólogas em
outros países em desenvolvimento.
No caso das relações com entidades homólogas de outros países latino-americanos, o
intercâmbio de experiências foi valorizado pelo SENAI no âmbito da crise econômica
mundial iniciada em 2008 e da busca pelo estímulo à inserção do trabalho decente no centro
das políticas de recuperação econômica, reduzindo a incidência de gastos sociais de
emergência. Segundo publicação do SENAI (2009b), em junho de 2009 a OIT lançou o Pacto
Mundial para o Emprego com o objetivo de orientar as políticas de estímulo à recuperação
econômica e de criar novos postos de trabalho nos países-membros. A mesma publicação
menciona estudo conduzido pelo CINTERFOR/OIT e pela Comissão Econômica para a
América Latina (CEPAL), que constatou que a crise levou ao aumento do desemprego nos
países latino-americanos, à exceção de Brasil e Peru.
Nesse contexto, o Sistema S patrocinou a 39ª Reunião do Cintefor, realizada em
Brasília em 2009, ocasião em que se promoveram diálogos com atores sociais e
governamentais para políticas de restabelecimento do emprego na América Latina e Caribe. O
encontro reuniu representantes de cerca de 70 organizações de formação profissional,
empregadores e trabalhadores da região, além de Espanha, Alemanha e Geórgia, com o
objetivo de implementar ações coordenadas de cooperação e intercâmbio para minimizar os
efeitos da crise no mercado de trabalho. Vale mencionar, porém, que, conforme destacou na
ocasião o chefe da UNINTER, Frederico Lamego, essa iniciativa como esta não são
269

intermediadas pelos governos, mas sim realizadas diretamente entre as próprias organizações
(cooperação interinstitucional) (Ibid.).
Durante a reunião, o SENAI firmou acordos em matéria de educação profissional com
instituições homólogas, alguns voltados para oferecer experiências bem-sucedidas de
educação profissional e inovação tecnológica, outros buscando levar para o SENAI
tecnologias com potencial de agregar valor à instituição. Um exemplo foi o acordo firmado
com o Serviço Nacional de Aprendizagem da Colômbia (SENA), voltado para o intercâmbio
de conhecimentos e tecnologias em artes gráficas, madeira, couro e calçados (Ibid.).302 As
relações do SENAI com o SENA haviam sido abordadas da seguinte maneira por informativo
do SENAI (2008b, p. 3):
A parceria com o Sena insere-se na estratégia permanente do SENAI de promover a
troca de experiências e tecnologias sobre novos métodos e filosofias de trabalho e de
gestão. Para o diretor-geral do SENAI Nacional, José Manuel de Aguiar Martins, o
Sena tem muitos exemplos que devem ser seguidos. “O esforço de informatização
de todos os processos de ensino e a metodologia de se trabalhar o aprendizado dos
alunos de forma individualizada e por projeto, além do modelo de certificação de
competência, são exemplos de iniciativas que podemos incorporar em nosso dia-a-
dia.” Ainda segundo o diretor-geral, “a cooperação internacional entre as
organizações justifica-se dada a complementaridade de interesses.” [...] Segundo
José Martins, “a cooperação com o SENA contribui para fortalecer a imagem
institucional do SENAI como entidade de referência internacional em educação
profissional e inovação tecnológica”.

Nota-se, portanto, que havia expectativas claras, por parte do SENAI, de benefícios
imediatos (acesso a conhecimentos e tecnologias colombianas) e difusos (fortalecer a projeção
internacional do SENAI) na parceria com a Colômbia, e o aspecto dos benefícios mútuos é
ressaltado. Observa-se, ainda, o apoio do então diretor-geral da organização à iniciativa.
No que se refere ao papel desempenhado pelo diretor-geral do SENAI, funcionários da
organização entrevistados durante a elaboração desta tese apontaram que seu
comprometimento e liderança seriam determinantes centrais do grau de engajamento do
SENAI na CTPD. José Martins, que ocupou o posto entre 2000 e 2010, teria sido um
entusiasta da atuação da organização como prestadora de cooperação a países de menor
desenvolvimento relativo.

302
Os contatos que culminaram com esse acordo tiveram início em outubro de 2008, quando diretores do
Departamento Nacional e dos Departamentos Regionais de Goiás, Santa Catarina e Pernambuco estiveram em
Bogotá e Medellín para identificar oportunidades de cooperação. A previsão inicial era de que o projeto referente
ao setor gráfico fosse apoiado pelo SENAI-SP, que também atuaria na área do couro e calçados em conjunto
com SENAI-PB. As ações na área de madeira seriam apoiadas pela ABC e ficariam a cargo do SENAI-RS. A
cooperação com a Colômbia também incluiria o estabelecimento de um centro de binacional de formação
profissional na cidade colombiana de Letícia, fronteira com Tabatinga, com equipes didáticas móveis voltadas
para áreas prioritárias da região, como mecânica de motores, refrigeração e eletricidade residencial (SENAI,
2008b).
270

Nestes casos (iniciativas de cunho diplomático/humanitário envolvendo o SENAI), o


discurso institucional destaca o aspecto da retribuição – cooperar com os menos
desenvolvidos porque os mais desenvolvidos cooperaram com o SENAI -, identificando-se
ainda percepção de que receber chamados diplomáticos representaria reconhecimento das
experiências desenvolvidas ao longo das décadas pela instituição. Nas palavras do então
presidente da CNI e do Conselho Nacional do SENAI, Armando Monteiro Neto,
[é] muito importante que o governo brasileiro possa, ao reconhecer a qualidade do
SENAI, fazê-la presente em todo o processo de inserção da política externa
brasileira de cooperação. Para nós é um orgulho participar desse suporte [...]
(SENAI, 2009a, p. 3).

Outros rationales se somaram aos elencados acima, inclusive como forma de


convencer os membros do Conselho Nacional do SENAI a autorizar número crescente de
missões envolvendo funcionários da instituição em países carentes de base industrial.
Segundo quadros do SENAI e da CNI entrevistados durante a elaboração desta tese, parte dos
benefícios esperados estaria relacionada à melhoria no traquejo das equipes envolvidas nas
iniciativas (CTPD como mecanismo de oxigenação), particularmente aquelas oriundas de
departamentos regionais com menor nível de internacionalização.303 Foi apontado, por
exemplo, que a atuação do SENAI-PE em São Tomé e Príncipe seria mecanismo para
promover sua familiarização com o ambiente internacional. As competências adquiridas
seriam retroalimentadas posteriormente, com o fortalecimento interno da regional no que se
refere à internacionalização ao receber de volta coordenadores com experiência acumulada
em outros países em desenvolvimento.304
Também foi mencionada a busca por prestígio, baseada em percepção estratégica de
que, ao atuar em outros países, o SENAI estaria consolidando a imagem da instituição como
referência mundial em educação profissional e fortalecendo a posição e o reconhecimento da
competência do SENAI, inclusive de seus departamentos regionais, no cenário internacional
(Marca Brasil). A projeção dos departamentos regionais fica clara nas palavras proferidas pelo
diretor-regional do SENAI-CE, Roberto Macêdo, durante a inauguração do Centro de

303
Ver também: SENAI, 2007.
304
O potencial de os ganhos esperados se realizarem dependeria, contudo, de que as experiências adquiridas por
indivíduos específicos fossem retroalimentadas em estratégias institucionais, o que por sua vez dependeria de
alinhamento institucional prévio, com as equipes que permaneceram no Brasil devidamente informadas e
alinhadas com o seu envolvimento de suas respectivas regionais na CTPD. De forma mais ampla, um primeiro
passo nesse sentido pode ter sido dado com a contratação de consultoria externa, em 2011, voltada para captar a
percepção da CNI sobre o papel da prestação de cooperação técnica, cujos resultados apoiariam a formação de
opinião institucional sobre o tema.
271

Capacitação em Cabo Verde: “No que diz respeito ao Brasil [o Centro] demonstra a
competência do corpo técnico do SENAI-CE ao oferecer oportunidade de conhecimento a
outros países” (SENAI, 2008a, p. 4).
Por fim, argumentou-se que tais objetivos seriam atingidos sem que implicassem em
gastos por parte do SENAI, já que, como já foi abordado neste capítulo, a instituição atua na
CTPD em parceria com a ABC, que financia custos com viagens, treinamentos, infraestrutura
e horas-técnicas dos técnicos do SENAI cedidos para as missões.
Aliados a esses propósitos, de cunho menos tangível, identificaram-se expectativas de
ganhos materiais relacionados à prestação de consultorias pela instituição (que será objeto de
análise mais adiante) e à promoção de vendas de equipamentos e de insumos produzidos pela
Indústria brasileira, apoiando sua internacionalização. Segundo publicação do SENAI (2008a,
p. 5),
[n]o caso das ações de cooperação prestadas a países em desenvolvimento, o SENAI
contribui para que o Brasil fortaleça suas relações com nações amigas, para gerar
oportunidades de negócios e favorecer a instalação de empresas no exterior. Em
Praia [capital cabo-verdiana], Amorim confirmou essa estratégia. Segundo ele, Cabo
Verde é uma potencial porta de entrada para empresas e produtos brasileiros não
apenas no mercado africano, mas também europeu.

Ao que parece, contudo, tal estratégia foi liderada, inicialmente, pela própria
diplomacia brasileira, e não pela Indústria como setor. A incidência de propósitos econômicos
havia sido reconhecida pelo idealizador do primeiro centro do SENAI estabelecido em um
país em desenvolvimento, Embaixador Elim Saturnino Ferreira Dutra, chefe da ABC entre
1995 e o início de 2001, o qual no entanto afirma que tais interesses viriam das próprias
instituições implementadoras da CTPD. Ao responder à pergunta “É possível considerar haver
possibilidade de ganhos econômicos, não necessariamente imediatos, mas, sobretudo de longo
prazo, para o Brasil com a CTPD, ao atuar como ponta de lança para iniciativas futuras ou
essa possibilidade não se aplica ao caso da cooperação horizontal brasileira?”, Dutra afirmou:
A cooperação, seja ela horizontal seja vertical, como sabemos é também um
poderoso mecanismo de pré-investimento. Não pressupões ganhos imediatos, caso
em que deixaria de ser cooperação, mas pode ser a semente de futuros ganhos, sem
que isso tenha qualquer conotação pejorativa. A EMBRAPA, o SENAI, e inúmeras
outras instituições envolvidas na cooperação horizontal brasileira podem
realizar negócios, vender bens e serviços a partir de um projeto de cooperação.
Isto pode ocorrer, de modo geral, com qualquer tipo de cooperação que envolva a
transferência de tecnologia desenvolvida pelo país doador. Lembro-me que o
SENAI estudava a possibilidade de vender unidades móveis para Angola, a
EMBRAPA, igualmente, possui produtos patenteados que podem ser
negociados, para citar apenas duas das mais conhecidas entidades que colaboram
com os programas brasileiros (DUTRA apud IGLESIAS PUENTE, 2010, p. 329,
grifos nossos).
272

O diplomata Iglesias Puente (2010) identificou que, apesar de a CTPD brasileira não
ser guiada por ganhos econômicos imediatos, o estabelecimento do Centro de Formação
Profissional em Angola despertou o interesse por produtos brasileiros utilizados no projeto,
com início de importação de alguns materiais por entidades angolanas, embora em escala
reduzida. No entanto, segundo funcionário do SENAI entrevistado durante a elaboração desta
tese, a organização não havia avaliado, até o momento da coleta da entrevista, em 2012, se
sua atuação na CTPD teria gerado impactos sobre a venda das máquinas e insumos brasileiros
utilizados durante os trabalhos de capacitação. Um segundo funcionário chegou a mencionar,
em entrevista coletada pela autora desta tese em 2010, que houve centros de capacitação que
receberam máquinas chinesas, em vista de as brasileiras não possuírem especificações de
tomada adequadas aos países recipiendários.
Depoimentos como estes apontam que a atuação do SENAI na CTPD não se baseou
em estratégia clara por parte da Indústria brasileira. O discurso acerca dos possíveis
benefícios no que se refere à sua inserção internacional parece ter sido elaborado, com efeito,
no âmbito de trabalho de convencimento interno, buscando a aquiescência do Conselho
Nacional do SENAI e da CNI aos crescentes chamados diplomáticos.
Segundo publicação do SENAI (2010, p. 36), é praxe que ganhos econômicos sejam
vislumbrados no processo de análise de demandas, e a instituição só daria uma posição em
relação às mesmas após o “conhecimento de oportunidades para a oferta da cooperação” e
considerando-se “a estratégia, os interesses e a política da própria instituição, bem como a
disponibilidade de recursos e de capacidade de oferta”.305 Não obstante, analisando-se o plano
estratégico publicado pela CNI em 2006, momento em que as demandas diplomáticas levadas
ao SENAI ainda eram limitadas, não se identifica estratégia clara nem para o seu engajamento
na CTPD, nem para o engajamento internacional do Sistema Indústria em geral. Nessa

305
Segundo o discurso institucional, os passos que integram o processo decisório são: (1) a demanda, realizada
por meio da ABC ou diretamente por instituições congêneres de outros países, é encaminhada à UNINTER; (2) a
demanda é analisada e discutida com possíveis regionais executoras; (3) a demanda é apresentada ao Conselho
Nacional para deliberação; (4) o documento de projeto é assinado pelas partes (SENAI, 2010). Foi verificado,
por meio de entrevistas, que: em relação ao item (1), as demandas realizadas com a mediação da ABC eram cada
vez mais frequentes, com solicitações diretas ao SENAI reduzidas em virtude de os solicitantes estarem
informados de que o SENAI não tinha fundos próprios para a execução de projetos; em relação ao item (2), a
UNINTER, antes de contatar o Departamento Regional com perfil adequado, avaliava rapidamente a demanda,
priorizando países que abrigavam filiais de indústrias brasileiras, e confirmava o interesse à ABC. Em seguida a
UNINTER buscava um dos 27 departamentos regionais do SENAI que, por sua estrutura federativa, teriam
autonomia para definir se tinham ou não interesse em participar, quais técnicos seriam enviados e a estrutura de
incentivos ligadas a esse envio. A localização do departamento competente se daria por cruzamento entre as
demandas e a especialidade das escolas instaladas no Brasil. Segundo publicação do SENAI (2009c), a
diversidade socioeconômica e industrial brasileira, aliada à competência técnica dos especialistas, qualificaria o
SENAI a atuar em variada e crescente gama de ações no exterior.
2733

publiicação, os objetivos
o e as diretrizees desenhad
dos para gu
uiar as repreesentações nacionais e
unidaades estaduuais que com
mpõem a CN
NI, o SESI, o SENAI e o IEL, resstringem-se,, em grandee
mediida, ao âmbbito domésstico. Confo
forme mostrra a figura abaixo, a missão e a visão doo
Sisteema Indústrria aparecem
m restritos ao âmbito
o doméstico
o, com a ddinâmica in
nternacionall
preseente em apeenas um pon
nto (“alavanncar parceriias nacionaiis e internaccionais” com
mo pilar daa
atuaçção sistêmicca).

Figura 3 – Mapa estratégico


e ddo Sistema Indústria
I 20
006-2010

Fonte: CNI,
C 2006.

Em geraal, o Planejaamento Estrratégico do


o Sistema In
ndústria disscorre de fo
orma poucoo
detallhada sobree o papel daa dimensãoo internacional, que ap
parece diluíído no meio
o de outross
temaas, como no trecho abaiixo:
Entrre as oportuniidades do amb
biente econôm
mico, o docum mento assinalla a tendênciaa
cresccente no merrcado da terceirização de serviços (com
mo aqueles prestados
p peloo
Sisteema) e o cresscimento acen
ntuado da dem
manda por sererviços e prod
dutos da CNI,,
inclu
usive por fort
rtalecimento das
d cadeias produtivas e rredução de offerta do setorr
públlico.

Instiitucionalmentee, nota-se maior


m dispon
nibilidade dee recursos públicos
p paraa
entid
dades privadaas (repassáveiis por meio de
d convênios, fundos públiicos) e maiorr
274

possibilidade no desenvolvimento de parcerias e mesmo alianças com entidades


internacionais (CNI, 2006, p. 45, grifo nosso).

A menção a parcerias internacionais aparece relacionada, por um lado, à necessidade,


premente em todos os cenários considerados acerca da evolução do Brasil e da indústria
nacional durante os dez anos seguintes, de dirigir esforços para a sustentabilidade financeira
do Sistema Indústria. Tais parcerias são consideradas como oportunidade diante do risco de
redução dos recursos (por causa da previsão de redução do nível da atividade econômica ou
por fragmentação do sistema de organização da indústria) e da constatação de que a
arrecadação prevista em lei seria insuficiente para o atendimento das demandas pelos serviços
do Sistema Indústria. Por outro lado, um dos objetivos estratégicos prevê desenvolvimento e
implementação de “programas e metodologia de prestação de serviços voltados à promoção
de negócios, incluindo comércio exterior e internacionalização – para empresas industriais”
(Ibid., p. 47).
Na seção sobre o SENAI, a dimensão internacional aparece de forma mais frequente,
mas a visão relacionada à sua atuação (Visão 2010 do SENAI), diferentemente da
EMBRAPA, não aparece relacionada à busca pela liderança internacional, embora ressalte-se
o objetivo de que se atinja padrão internacional de referência:
Consolidar-se como o líder nacional em educação profissional e tecnológica, e ser
reconhecido como indutor da inovação e da transferência de tecnologias para a
indústria brasileira, atuando com padrão internacional de excelência (Ibid., p. 53,
grifos nossos).

Além disso, a atuação internacional do SENAI é apresentada de forma descritiva,


conforme se pode notar nos trechos a seguir.
Na educação profissional, na certificação e na inovação tecnológica, a entidade
associa-se também a empresas públicas e agências internacionais em acordos de
cooperação técnica e científica (Ibid., p. 56).

O SENAI desenvolve programas em 29 áreas tecnológicas diferentes, formando


recursos humanos para diversos setores econômicos e prestando serviços técnicos e
tecnológicos, como atividades laboratoriais, pesquisa aplicada e informação
tecnológica. A entidade mantém projetos de cooperação internacional com mais de
40 países de todos os continentes e 10 organismos internacionais (Ibid., p. 97).

Não se discute de maneira explícita e detalhada o papel da internacionalização do


SENAI na busca pelo equacionamento dos desafios enfrentados pela instituição: receitas
insuficientes, aumento da competição na oferta de formação profissional e obsolescência de
equipamentos. Apenas no primeiro caso foi possível identificar, como oportunidade, um fator
ligado à dimensão internacional: a previsão de crescimento da demanda por prestação de
275

serviços pelo setor industrial no contexto da inserção crescente do produto manufaturado


brasileiro nos mercados internacionais (Ibid.).
Em relação a essa previsão, a questão que se coloca no âmbito do objeto de estudo
desta tese é: a identificação dessa oportunidade guardaria relação com o engajamento
crescente do SENAI na CTPD? Em entrevista realizada com funcionário da instituição, foi
possível identificar que, de fato, tal engajamento também foi pensado como mecanismo de
fortalecimento da reputação do SENAI junto às empresas brasileiras, configurando-se como
entidade de apoio aos seus esforços de internacionalização – o que, por sua vez, coaduna com
a necessidade de a organização angariar receitas adicionais.
Com efeito, nota-se que a instituição, após expandir seus projetos em parceria com a
ABC, passou de fato a ser mais procurada por empresas brasileiras atuando no exterior.
Marco nesse sentido foi o estabelecimento do Centro Integrado de Formação Tecnológica
(Cinfotec) em Luanda em 2008, resultante de parceria do Centro Integrado de Manufatura e
Tecnologia (Cimatec, SENAI-BA) com a Odebrecht, em cumprimento de cláusulas sociais
integrantes do contrato assinado entre a empresa e o governo angolano. No ano seguinte, nova
parceria da empresa, desta vez com o apoio do SENAI-MS (Dourados) e da ETH Bioenergia
(empresa controlada pela Odebrecht em associação com a japonesa Sojitz Corporation),
resultou na capacitação de dezenas de técnicos da Companhia de Bionergia de Angola
(Biocom) em operação industrial de fabricação de açúcar e álcool e cogeração de energia
elétrica (SENAI, 2009f).
O balanço de ações do SENAI referente ao ano de 2010 confirma o impacto da
inserção internacional crescente da instituição, de forma ampla, sobre o aumento da procura
por seus serviços por empresas brasileiras atuantes no exterior:
Durante o ano, o SENAI recebeu 73 representantes de instituições estrangeiras em
visitas técnicas. Sessenta e cinco técnicos foram enviados em missões prospectivas
ao exterior organizadas pelo Departamento Nacional para conhecer tecnologias
inovadoras e trocar experiências relativas às suas atividades.

O crescimento das ações do SENAI no exterior tem chamado a atenção de grandes


empresas brasileiras com operações na América Latina e na África, bem como de
instituições estrangeiras de formação internacional (SENAI, 2011, p. 54).

Embora não forneça maiores detalhes, a mesma publicação afirma que o SENAI
recebeu em 2010 demandas de capacitação profissional de empresas que atuam nos setores de
mineração e construção civil no exterior, tais como a Vale e a Queiroz Galvão. Em outras
publicações e entrevistas coletadas identificaram-se iniciativas de prestação de serviços do
SENAI a empresa brasileira no setor de transportes em Ruanda; à empresa catarinense Krona
276

Tubos e Conexões em São Tomé e Príncipe; à Petrobrás na Tanzânia; à ARG, empresa


mineira, em iniciativa ligada à construção civil na Guiné Equatorial; e à Embraer na África.306
Também foi possível detectar demandas por consultorias diretas recebidas pelo
SENAI de empresas e instituições públicas de outros países, como a moçambicana S&T,
contratada pela Vale para administrar o pessoal que trabalha na exploração de minas no país
(SENAI, 2007); e a Corporação de Treinamento Técnico e Vocacional (TVTC, na sigla em
inglês), organização pública responsável pela formação profissional na Arábia Saudita, a qual
havia iniciado negociações e trocas de missões com as regionais do SENAI em Minas, São
Paulo e Santa Catarina com vistas à capacitação de quadros docentes e gerenciais e a suporte
na construção de 200 escolas no país (SENAI, 2011).
Segundo entrevistas colhidas junto a funcionários do SENAI, a expectativa de que as
consultorias internacionais se configurassem como fonte adicional de receitas para os
departamentos regionais levou à busca de gestão desse mercado pela UNINTER, com
mapeamento de potenciais clientes na América Latina e na África. De um total de 18 clientes
identificados, nove foram contatados, mas apenas dois contratos foram fechados. Diante desse
cenário e de outras variáveis que serão elencadas mais adiante, o SENAI recuou da postura
mais proativa que estava galgando na vertente Sul-Sul. A instituição continuou atendendo a
demandas empresariais para se fortalecer como parceiro da Indústria brasileira, mas a visão
que passou a predominar foi a de que o baixo número de contratos obtidos não justificava
manutenção de estrutura de captação.
Além disso, a expansão da atuação do SENAI em países africanos, seja com empresas
brasileiras, seja em iniciativas oficiais, não foi bem avaliada pelos funcionários entrevistados
em vista das instabilidades encontradas em campo, bem como da falta de preparo dos técnicos
da instituição para lidar com esses contextos. Essa percepção foi identificada mesmo no caso
da cooperação com países situados ao Norte da África. Aqui, um exemplo citado foram as
negociações com a TVCT (Arábia Saudita), consideradas lentas e que acabaram sendo
comprometidas pela Primavera Árabe. No que se refere à cooperação prestada a países
carentes de base industrial, como Guiné-Bissau e Timor-Leste, notou-se pelas entrevistas que

306
No caso da Tanzânia foi identificado, por meio de entrevistas com funcionário do SENAI, que o contato da
Petrobras com a instituição teria seguido indicação da Embaixada brasileira no país. No caso da Embraer,
mencionou-se que teria procurado o SENAI em meados de 2012, após ter constatado perda de mercados em
países em desenvolvimento por não oferecer contrapartidas sociais. Em particular, a empresa havia deixado de
vender Supertucanos para o Peru, cujo governo optou pela compra de aviões da Coreia do Sul que, além oferecer
preços compatíveis com os da Embraer, atendeu às cláusulas de retorno social demandadas pelo Peru.
277

a expectativa de impactos mensuráveis, própria da mentalidade do setor privado, acabou


entrando em conflito com o caráter dilatado do tempo diplomático.
Vale mencionar, porém, que a passagem da prestação pontual de cooperação para a
necessidade de resposta do SENAI ao aumento exponencial das demandas por projetos de
cunho estruturante levou a um processo interno de profissionalização em várias frentes
relativas à cooperação internacional. Um primeiro passo nesse sentido veio com a decisão de
manter dois funcionários trabalhando em campo durante a implantação dos centros de
capacitação, acompanhada de estrutura de incentivos que permitisse tornar essa atuação
atrativa para um número crescente de departamentos regionais (por exemplo, oferecendo
cargos de confiança aos coordenadores locais).307
A UNINTER também passou a recolher e a sistematizar, por meio de mecanismo on-
line implantado em 2010, as informações sobre a cooperação prestada e recebida pelos
Departamentos Regionais, de forma a promover o intercâmbio de ações e experiências
internacionais, a otimizar oportunidades e parcerias (SENAI, 2010) e a evitar duplicação de
iniciativas. Com a implantação do sistema, o SENAI passou a enviar para a ABC relatórios
bimestrais sobre as iniciativas implementadas em parceria com a agência, contendo gastos
realizados, número de professores e de gestores envolvidos e número de pessoas capacitadas.
Segundo funcionário do SENAI entrevistado durante a elaboração desta tese, um dos
objetivos do envio periódico dos relatórios seria manter a UNINTER como instituição
interlocutora junto à ABC, prevenindo contatos diretos com as regionais.
Em terceiro lugar, relacionado à expansão do envolvimento dos Departamentos
Regionais na prestação de cooperação, o Departamento Nacional do SENAI consolidou em
2010 modelo de execução de projetos de cooperação técnica internacional (prestada ou
recebida), com a elaboração de ferramentas como o Manual de Execução de Projetos, o
Relatório de Progresso e Modelos e Métodos de Elaboração de Projetos e com iniciativas de
capacitação a colaboradores em âmbito nacional (SENAI, 2011).
Esse processo culminou com o lançamento, em 2010, do manual “Cooperação
Internacional do SENAI: uma Parceria Estratégica”, com o objetivo de orientar o

307
Segundo funcionário do SENAI entrevistado durante a elaboração desta tese, em razão de o SENAI ser
estruturado em base federativa (ver Nota 305), cada Departamento Regional teria autonomia para definir os
valores das horas-técnicas de seus respectivos funcionários e a estrutura de incentivos relacionada ao seu envio
(o técnico do SENAI no Timor-Leste responsável pelas atividades de coordenação e de prestação de contas, por
exemplo, recebe aditivo no seu salário). O que o Departamento Nacional faz é indicar valores e direcionar o
perfil dos técnicos (inclusive divulgando internamente documento que apresenta os atributos necessários, como
empatia, planejamento, liderança, sociabilidade, interculturalismo e domínio de línguas), mas o Departamento
Regional pode acatá-los ou não.
278

planejamento das iniciativas internacionais do SENAI em sintonia com o contexto mundial da


cooperação e com a política e diretrizes internas. Nesse sentido, o manual versou sobre
tendências, perspectivas e referenciais teóricos sobre cooperação internacional, abarcando
ainda itens sobre negociação, planejamento e gestão de projetos e boas práticas da cooperação
recebida e prestada pela instituição desde os anos 90, com indicação de lições aprendidas
(SENAI, 2010).
No que se refere ao componente de capacitação, de acordo com funcionário do SENAI
entrevistado durante a elaboração desta tese, uma vez definidos pelas regionais os técnicos a
serem cedidos para missões de CTPD, sua preparação ficaria a cargo da UNINTER. Essa
preparação seria realizada por meio de visita de funcionário dessa unidade ao Departamento
Regional de origem dos técnicos, voltada para esclarecimento de questões burocráticas e de
postura em campo.
Além disso, foi executado, em 2010, o Programa de Formação de Gestores em
Projetos Internacionais, em parceria com a INWENT, organização alemã voltada para a
capacitação internacional de recursos humanos em CID (SENAI, 2011). Nove Departamentos
Regionais executores de projetos internacionais participaram da primeira edição do curso,
realizado na Alemanha. Conforme destacado pelo diretor da UNINTER, Frederico Lamego,
na ocasião da assinatura da parceria com a INWENT, o impulso para essa iniciativa, que
também engloba profissionalização da cooperação recebida,308 veio do aumento do
engajamento do SENAI na CSS:
Estamos desenvolvendo vários projetos internacionais na África e na América
Latina [...] e precisamos profissionalizar nossa atuação internacional já que temos de
saber lidar com diferentes culturas, novos parceiros e conciliar as metas de cada
projeto (SENAI, 2009b, p. 10).

Funcionário do SENAI entrevistado durante a elaboração desta tese apontou, ainda,


que o Programa de Formação de Gestores em Projetos Internacionais viria ser embrião de
curso desenhado posteriormente pela ABC, em parceria com a ENAP e a Agência de
Cooperação Alemã (GIZ), para aprimorar a qualificação de outras entidades implementadores
da CTPD brasileira.
No âmbito da inserção internacional crescente do SENAI, iniciativas voltadas para o
fortalecimento das chamadas “competências transversais” de colaboradores também foram

308
Segundo publicação do SENAI (2009b, p. 10), o objetivo do memorando de entendimento assinado entre o
SENAI e a INWENT, assinado por ocasião da 39ª Reunião Cintefor, seria gerar “formação continuada e
aperfeiçoamento de especialistas e executivos para o desenvolvimento social e econômico do Brasil e de países
beneficiários da cooperação técnica alemã.”
279

realizadas. Marco nesse sentido foi a realização do programa “SPEAKSENAI”, em parceria


com o British Council, e do Programa de Formação em Língua Espanhola, em parceria com o
Instituto Cervantes (SENAI, 2011).309 Essas iniciativas, segundo publicação do SENAI
(2009d), teriam resultado da necessidade de acompanhar avanços tecnológicos em
publicações estrangeiras, interpretar manuais e participar de eventos internacionais, como o
Worldskills. Embora não tenha sido possível identificar em que medida elas guardariam
relação com o aumento das demandas pelo engajamento do SENAI na CTPD, é possível que a
expansão da atuação internacional do SENAI, no âmbito Sul-Sul, tenha contribuído para
fortalecer consenso interno quanto à necessidade de equacionamento das barreiras linguísticas
enfrentadas pela instituição.
Por fim, mas não menos importante, a UNINTER deu início, em 2011, à elaboração de
Plano de Negócios contendo mapeamento de países prioritários e definindo estratégias de
ação. Segundo funcionário do SENAI entrevistado durante a elaboração desta tese, enquanto,
no caso da gestão de iniciativas financiadas por empresas brasileiras, tal plano guiaria ações
de cunho prospectivo, no caso das iniciativas demandadas pela ABC a ideia seria guiar as
respostas da instituição seguindo critérios pré-definidos. O resultado dessa priorização pode
ser visto na figura abaixo, em que, com base em 13 critérios, 25 países em desenvolvimento
foram eleitos prioritários para a atuação do SENAI no eixo Sul-Sul.

309
A princípio cem alunos seriam contemplados em cada iniciativa. O curso de língua inglesa, realizado à
distância, foi concluído em 2010, com duração de 11 meses, enquanto a parceria com o Instituto Cervantes tinha
previsão de capacitar profissionais, selecionados principalmente entre os que atuavam em parcerias com países
de língua espanhola, até meados de 2011 (SENAI, 2009d).
280

Figura 4: Mapeamento
M o de países prioritários
p para a atuaação do SEN
NAI
no
n eixo Sul--Sul

Fonte: SENA
A, 2012.
Apeesar de ter buscado geerir e profiissionalizar sua participação na C
CSS, a avalliação
dominante entre os enntrevistadoss do SENA
AI a respeito
o do envolv
vimento da instituição nessa
vertente dda cooperaação, em todas as suas mod
dalidades - diplomáático-human
nitária
(estabeleciimento de centros
c de capacitaçãoo em paísees frágeis e/ou
e egressoos de confl
flitos),
interinstituucional (inteercâmbio dee conhecimeentos com instituições homólogas de outros países
p
em desenvvolvimento) e estratégiica (atuaçãoo na cooperração e na prestação
p dde serviços como
mecanismoo de geraçãão de receittas para o S
SENAI e de
d promoção
o da internaacionalização da
indústria brasileira) -, foi de inefiicácia e de iineficiência.
No caso das iniciativas induzidas pela diplo
omacia brassileira, quesstões estruturais
internas (im
mpossibiliddade de aten
nder a demaandas cresceentes, apesaar da profisssionalização
o e do
aumento ddo número de
d funcionáários da UN
NINTER dee nove para doze), a inncompatibillidade
entre a neecessidade de planejaamento cui dadoso de ações e o tempo di
diplomático e as
dificuldadees encontraddas em cam
mpo criaram
m empecilho
os para a traansferência dos centross para
a gestão loocal (o único centro traansferido fooi o do Cazeenga, Angola). Com issso, suscitou
u-se a
percepção de que os recursos
r hum SENAI estarriam sendo alocados em
manos do S m iniciativaas que
não estavam
m trazendo a autossusttentabilidadde esperada.
No caso de inniciativas vo
oltadas paraa o intercâm
mbio de con
nhecimentoos, no âmbiito do
CINTERFO
OR, foi meencionado que
q o SENA
AI estaria see benefician
ndo pouco das experiêências
de outros países, preedominando
o iniciativaas de prestaação de co
ooperação. PPor um lado, o
SENAI nãão podia arccar com custos relativvos ao deslo
ocamento de técnicos de outros países
p
281

para o Brasil; por outro, quando técnicos do SENAI eram deslocados para o exterior as
atividades deveriam necessariamente ser pontuais (evitando longas estadas no exterior), e a
instituição demandante deveria assumir custos relativos a tais deslocamentos, ao passo que o
SENAI cedia as horas-técnicas dos enviados.
No que se refere à prestação de serviços, as expectativas do SENAI foram frustradas
pela lentidão das negociações resultante da baixa familiaridade da instituição com contratos
internacionais, da instabilidade institucional dos parceiros e da não disposição das empresas
brasileiras de arcarem com os custos dos serviços de qualificação profissional oferecidos. No
caso de empreiteiras brasileiras com investimentos na África, foi apontando que sua atuação
sazonal e o fato de contarem com esquemas próprios de capacitação configurariam fatores
impeditivos para a contratação de serviços prestados pelo SENAI.
Embora os critérios do Plano de Negócios tenham continuado a ser utilizados quando
os serviços ou a cooperação do SENAI eram solicitados, a UNINTER acabou recuando da
proatividade na sua implementação em 2012. Isso resultou não apenas das já variáveis
elencadas, mas também da emergência de novas diretrizes para a atuação do SENAI no plano
nacional. Essas diretrizes já haviam sido antecipadas pelo Planejamento Estratégico do
Sistema Indústria de 2006, que elegeu o âmbito doméstico como privilegiado para captação
de recursos em vista da alta demanda latente por educação profissional no Brasil.310
Segundo funcionário do SENAI entrevistado durante a elaboração desta tese, com o
lançamento do Programa Nacional de Educação Técnica (PRONATEC), em 2011, a
instituição, então responsável por 60% das vagas que integram a iniciativa, foi convocado
pelo governo brasileiro a praticamente dobrar o número de matrículas no ensino profissional
(de 2,3 milhões para 4 milhões de matrículas) até 2014.311 A partir do momento em que o
governo começou a cobrir os custos de remanejamento e ampliação das vagas, o SENAI

310
Conforme consta no documento, “[h]á necessidade de o Brasil matricular anualmente 2,25 milhões de pessoas
(atualmente a matrícula é de 590 mil). Apenas 12% dos estudantes de nível médio se formam em ensino
profissionalizante. Esse percentual é bem inferior ao de países com o mesmo nível de desenvolvimento que o
Brasil, como a Argentina (20%), Chile (30%) e Coreia do Sul (35%). As matrículas no ensino médio que
alcançam hoje 53% da população de 15 a 18 anos devem crescer até atingir a universalização. Essa tendência já
se verifica após o esforço empreendido em anos anteriores pela universalização do ensino fundamental” (CNI,
2006, p. 97).
311
Segundo funcionário do SENAI entrevistado durante a elaboração desta tese, a instituição adquiriu
empréstimo em condições favoráveis junto ao BNDES para modernizar as escolas existentes e para construir
mais de 70 novas unidades. Planejava-se, ainda, investir em educação à distância. Para garantir que os alunos
que ocupassem essas vagas no futuro possuíssem domínio satisfatório dos conhecimentos adquiridos no ensino
básico, a agenda de atuação doméstica do SESI também estava sendo reformulada, de modo a priorizar o
domínio de Português e Matemática.
282

passou a equacionar, no âmbito doméstico, o desafio de expandir suas receitas, deixando de


encarar como oportunidade a ampliação de seu engajamento Sul-Sul, seja na vertente “.ORG”
(CTPD), seja na vertente “.COM” (prestação de serviços de consultoria internacional em
países em desenvolvimento).312
No âmbito internacional, o SENAI passou a priorizar a agenda da inovação, na busca
pelo avanço da competitividade industrial brasileira. Com boa parte dos recursos da
instituição alocados para o aprimoramento e construção de dezenas de institutos de pesquisa
aplicada e inovação em território brasileiro, a UNINTER teve sua estrutura central voltada
para a vertente denominada “.TEC”, orientada para a identificação e compra de tecnologias de
ponta nas áreas de especialização dos institutos, como laser e polímeros.313
Nesse contexto, as relações com países desenvolvidos, seja com instituições de
referência em tecnologia aplicada à indústria (MIT, universidades de Harvard, Standford e
Cambridge, Instituto Fraunhofer, entre outros), seja em busca de financiamento de pesquisas
(por exemplo, submissão de projetos a editais da União Europeia),314 adquiriram centralidade
nas relações internacionais do SENAI. Essa nova priorização, que aconteceu após a troca no
comando do SENAI, em 2011, com a entrada de Rafael Lucchesi,315 levou a diluição da
participação proativa que vinha sendo galgada no âmbito da CSS, em prol da priorização da
vertente “.TEC”.
Paralelamente, como foi visto no Capítulo 2, houve congelamento do orçamento da
ABC para a CTPD, e projetos de grande porte, como os dos centros de capacitação, foram
paralisados. Embora a UNINTER tenha reconhecido a importância atribuída às novas
prioridades internacionais do SENAI, a paralisação de iniciativas de CTPD que já estavam em
curso não foi bem recebida por duas razões: pelo fato de o SENAI e a ABC já terem alocado
volume substantivo de recursos humanos e financeiros para tais iniciativas; e pelos impactos
negativos da paralisação sobre a eficácia de projetos iniciados e sobre a própria imagem

312
Nesse novo contexto, entrevistado do SENAI afirmou, por exemplo, que uma empresa mineira atuante no
setor de construção no México havia entrado em contato com um Departamento Regional para solicitar serviços
de consultoria internacional, mas a proposta foi declinada por não contarem mais com estrutura disponível para
atenderem a esse tipo de demanda.
313
A CNI também passou apoiar iniciativas como a criação da Empresa Brasileira de Pesquisas Industriais
(Embrapi) e o financiamento ou prospecção, junto ao setor privado brasileiro, de mais de mil bolsas do Programa
Ciências sem Fronteiras.
314
Um dos funcionários do SENAI entrevistados mencionou, contudo, que a instituição foi afetada pela crise
europeia e pela diminuição de recursos para editais para os quais estava submetendo projetos.
315
Além de diretor-geral do SENAI, Rafael Lucchesi é diretor de Educação e Tecnologia da CNI.
283

internacional do SENAI, dadas as expectativas criadas nos parceiros em torno dos centros de
capacitação. Mencionou-se, por exemplo, a deterioração das percepções sobre o Brasil nos
países parceiros, expressa em artigo da imprensa moçambicana dizendo que o Brasil promete,
mas não faz.
Nesse contexto, a UNINTER decidiu levar adiante, mesmo sem a coordenação e o
apoio orçamentário da ABC, parcerias em processo de negociação prevendo aportes de
recursos de terceiros, com os técnicos do SENAI sendo contratados na modalidade “prestação
de serviços”. Dois exemplos mencionados por entrevistado foram as parcerias com a JICA
para o estabelecimento de centros de capacitação em terceiros países e as negociações com
um empresário sul-africano para a instalação de uma escola em Soweto (África do Sul).

4.3 Considerações finais

Assim como a EMBRAPA, o SENAI foi estruturado e desenvolveu suas atividades no


território brasileiro, desde sua criação, com o suporte da cooperação recebida, percebida pela
instituição como tendo sido fundamental para o desempenho de sua missão: a promoção da
competitividade da Indústria brasileira. Com o processo recente de profissionalização em
cooperação internacional analisado neste capítulo, o SENAI passou a qualificar tal percepção,
reconhecendo que a adaptação e o impacto de experiências e conhecimentos de parceiros
externos dependem da existência de instituições robustas e de políticas setoriais, intersetoriais
e nacionais de desenvolvimento.
Uma década depois de sua criação, o SENAI começou a servir de modelo para o
estabelecimento de instituições homólogas em outros países em desenvolvimento. Se, a
princípio, as iniciativas de prestação de cooperação aconteciam no âmbito interinstitucional,
em grande medida alimentada pela difusão internacional do modelo do SENAI por redes,
organismos e agências internacionais, a partir da Gestão Cardoso a diplomacia brasileira
passou a se apropriar de forma mais clara das experiências nacionais de capacitação
profissional, instrumentalizando-as em prol de objetivos de política externa: alargar e
aprimorar a participação do Brasil na promoção da paz internacional, buscando apoio para
que o país ocupasse vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU; e promover a
integração regional e a internacionalização econômica.
284

Durante o Governo Lula, deu-se continuidade e expandiu-se o envolvimento do


SENAI na CTPD brasileira. O aumento das demandas levadas à instituição, bem como o
acúmulo de experiências em campo, levou à profissionalização do envolvimento da
instituição na cooperação internacional, com a busca pela homogeneização de procedimentos
de gestão de projetos e a capacitação do corpo gestor e executivo da organização na matéria.
Esse processo culminou com a elaboração de um Plano de Negócios estabelecendo países
prioritários a partir de critérios claros para a triagem das demandas recebidas da ABC e para
ações de cunho prospectivo junto a empresas brasileiras com investimentos diretos em outros
países em desenvolvimento.
Também como no caso da EMBRAPA, o sentimento de orgulho do SENAI ao ser
convocado para se tornar agente da política externa brasileira e a identificação de
oportunidades difusas, relacionadas à CTPD como caminho para o fortalecimento de sua
imagem no âmbito internacional e doméstico, cedeu espaço para a insatisfação com um
processo decisório que não considerava a restrição de sua missão ao desenvolvimento
nacional e suas limitações estruturais para responder a demandas crescentes de forma eficaz.
Nesse contexto, o SENAI passou de um envolvimento reativo a um envolvimento proativo na
CTPD, em busca de maior clareza em relação a objetivos e recompensas esperados e da
instrumentalização de sua atuação Sul-Sul a favor do equacionamento dos desafios
enfrentados pela instituição.
No entanto, as expectativas de ganhos materiais em relação à vertente Sul-Sul,
notadamente no que se refere à busca de receitas adicionais, não foram percebidas pela
instituição como tendo sido atingidas. A disputa crescente entre diversos setores da sociedade
e do governo brasileiro pelo acesso aos recursos da ABC, o discurso oficial de repúdio à
incidência de interesses materiais na CTPD brasileira, as dificuldades encontradas em campo
e a convocação, durante o Governo Dilma, para que a instituição voltasse seus esforços para o
PRONATEC e para a captação de tecnologias em países desenvolvidos levaram à
desmobilização do ativismo do SENAI nas vertentes “.ORG” (CTPD) e “.COM” (prestação
de serviços a empresas brasileiras atuantes em países em desenvolvimento).
É importante ressaltar, contudo, que o aumento das demandas de outros países em
desenvolvimento por experiências de qualificação profissional contribuiu para promover o
aprimoramento institucional do SENAI em matéria de cooperação internacional, com o
desenvolvimento de métodos de trabalho que passariam a influenciar a própria ABC, além de
285

prometerem impactar positivamente a captação de cooperação internacional pelo SENAI e seu


engajamento internacional em geral.
Um dos impactos internos mais visíveis do seu envolvimento crescente na CTPD foi a
maior institucionalização do tema da cooperação internacional dentro da organização,
promovendo sinergias entre os Departamentos Regionais e elevando, dentro do Sistema
Indústria, o papel da UNINTER, que a partir de 2011 passaria a se responsabilizar também
pelas Relações Internacionais do IEL e do SESI. A necessidade de estruturação interna para
responder a demandas crescentes acabou contribuindo, assim, para que o SENAI realizasse
reformas que acabaram contribuindo para a busca do equacionamento de um dos desafios
centrais apontados no Planejamento Estratégico do Sistema Indústria 2006-2010: a falta de
sinergia entre as regionais e entre as organizações do Sistema Indústria (CNI, 2006).
Quando a incorporação de práticas voltadas para aprimorar a gestão da CTPD e da
prestação de serviços a empresas brasileiras atuantes em países em desenvolvimento começou
a atingir maturação, em 2011, a estrutura do SENAI foi voltada para equacionar desafios
domésticos ao desenvolvimento no contexto da perda de competitividade da Indústria
brasileira. Isso significa que a agenda da CTPD passou a ser percebida, dentro da instituição e
também pelo Governo Dilma, como concorrente com a agenda do desenvolvimento nacional.
A absorção dos técnicos do SENAI pela agenda doméstica não deixaria espaço, assim, para
sua atuação na CTPD.
O fato de o envolvimento do SENAI na CTPD não ter sido objeto de planejamento
estratégico prévio, englobando componentes de monitoramento e avaliação de impacto sobre
o desenvolvimento internacional e o desenvolvimento doméstico, pode também ter
contribuído para a desmobilização do tema no Governo Dilma. Esse governo, assim como o
SENAI, caracteriza-se pela busca da gestão por resultados e pela escolha estratégica de
caminhos mais eficazes e eficientes para promover o desenvolvimento brasileiro. Nisso, tanto
o SENAI quanto a nova administração presidencial se chocam com o caráter difuso das
metodologias de trabalho da diplomacia brasileira.
A atuação do SENAI na CSS, na vertente oficial ou na vertente privada, pode, no
entanto, ser objeto de remobilização em vista do consenso crescente em torno da necessidade
de abrir mercados para produtos de maior valor agregado como mecanismo para garantir que
a competitividade da Indústria não seja comprometida pela guinada protecionista na política
286

comercial brasileira.316 Conforme é de conhecimento da própria UNINTER, há evidências de


que empresas brasileiras estejam perdendo acesso a mercados em países em desenvolvimento
por não oferecerem contrapartidas sociais. O envolvimento do SENAI na CSS se destaca
nessa direção justamente por promover a qualificação da mão-de-obra local, contribuindo
para fomentar o empreendedorismo e o crescimento econômico, sem os quais países
altamente dependentes da CID não formarão uma base fiscal que lhes permita construir
políticas públicas sustentáveis e efetivas.
É possível que estratégia nessa direção esteja sendo gestada no âmbito do Grupo
Técnico para Estudos Estratégicos de Comércio Exterior (GTEX), criado em 2012 pelo
Conselho de Ministros da Câmara de Comércio Exterior (CAMEX) e incluindo subgrupos
voltados para elaborar propostas sobre política de comércio exterior para África, Ásia e
América Latina (CAMEX, 2012). O subgrupo África, herdeiro de articulações galgadas com a
criação do Grupo África no âmbito do Programa Brasil Maior, convidou instituições ativas na
CTPD brasileira (coordenadoras e implementadoras) para participarem de suas reuniões,317 o
que sinaliza busca de sinergias entre a política comercial e a CTPD brasileira. O anúncio, em
maio de 2013, da criação de uma nova ABC pela presidente Dilma, incorporando vertentes de
cooperação, comércio e investimentos na África e na América Latina (ROUSSEFF, 2013),
pode ser indicativo da força desse grupo e da busca de incidência da coalizão da Indústria
sobre a CTPD brasileira.
Porém, a possibilidade de que a ABC migrasse do MRE para o Ministério de
Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), noticiada pela imprensa brasileira
(PARAGUASSU, 2013), não foi bem recebida nem pelo MRE nem por diversos setores da
sociedade brasileira. Enquanto o MRE procura manter uma das poucas atribuições da política
externa que conseguiu manter sob sua liderança formal, setores domésticos mobilizados em
torno do tema da CID temem que a agenda da CTPD brasileira seja “aprisionada” pelo setor
privado, assim como percebem ser o caso da agenda da cooperação financeira. Suas críticas se
fiam na própria retórica oficial da não incidência de interesses econômicos sobre a CTPD
brasileira e em visões, até recentemente dominantes na arquitetura global da CID, que
encaram a incidência de interesses por parte dos doadores tradicionais como determinante da

316
Para uma breve análise dos desafios à guinada protecionista no que se refere à promoção da competitividade
da Indústria brasileira, ver: RICUPERO, 2012.
317
Está previsto, no artigo 3º da resolução que instituiu o GTEX, que o grupo, no exercício de suas atribuições,
“poderá solicitar a cooperação de outros órgãos, entidades públicas, organizações da sociedade civil e empresas
privadas, quando estiver em pauta matéria de sua esfera de atuação” (CAMEX, 2012).
287

ineficácia da cooperação prestada por eles há décadas. Esses grupos, contudo, tampouco veem
com bons olhos a vinculação da ABC ao MRE, embora as opiniões expressas por
embaixadores e ex-chanceleres quando do anúncio da nova agência também demonstrem
preocupação de que o elemento da solidariedade seja comprometido com a retirada da ABC
de sua estrutura (BARBOSA, R., 2013; FLECK, 2013).
As críticas ao modus operandi da ABC e as resistências à sua possível transferência
para o MDIC não podem ser qualificadas como a-políticas, na medida em que acontecem em
contexto marcado por número crescente de setores da sociedade e do governo brasileiro que
passaram a se organizar, a se articular e a se capacitar para suceder na disputa por recursos
públicos nacionais voltados para a promoção do desenvolvimento internacional em suas
diversas dimensões.
No que concerne ao SENAI, em particular, e à coalizão da Indústria, mais
amplamente, o risco é que seu engajamento Sul-Sul se centre na política de abertura de
mercados para produtos brasileiros de maior valor agregado, mantendo intacta a
predominância da importações de commodities dos países parceiros, o que levaria o Brasil a
reproduzir, nas suas relações com outros países em desenvolvimento, pautas assimétricas de
comércio. A saída, já vislumbrada, seria promover investimentos brasileiros nesses países.
Em ambos os casos – política comercial e de investimentos – o objetivo, no que concerne à
CTPD, parece ser utilizá-la como instrumento de demonstração de responsabilidade
corporativa. As questões que se colocam, aqui, são se/por que essa frente deve ser financiada
com recursos públicos e se será configurada como paliativo para o não cumprimento de
obrigações básicas, como o pagamento de impostos e a criação de emprego decente, pelo
empresariado brasileiro atuante em outros países em desenvolvimento.
288

CONCLUSÃO

A politização da Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento (CTPD) na


arena doméstica brasileira, iniciada durante o Governo Cardoso e aprofundada durante os
Governos Lula e Dilma, levou à proliferação de disputas em torno do processo decisório e a
questionamentos acerca dos propósitos e da eficácia do desenho institucional constituído a
partir de 1987, com a criação da Agência Brasileira de Cooperação (ABC). O fato de ABC e
de as primeiras instituições voltadas para a Cooperação Técnica Internacional (CTI) no Brasil
terem sido submetidas à coordenação formal do Ministério das Relações Exteriores (MRE)
não significa, porém, que a trajetória histórica relativa ao processo decisório da CTPD
brasileira seja marcada pelo insulamento diplomático a dinâmicas e a atores externos e
domésticos.
No que se refere à Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (CID), em geral,
o objetivo tradicional central do MRE, assim como do Ministério do Planejamento (entidade
responsável pela coordenação do sistema brasileiro de Cooperação Técnica Internacional
entre 1969 e 1987), era atrair recursos humanos e financeiros para apoiar o desenvolvimento
de setores específicos dentro do Brasil, priorizando visões de desenvolvimento centradas nos
aspectos do crescimento econômico e do avanço científico e tecnológico.
Não obstante, com o avanço dos anos 70 e o início dos anos 80, a possibilidade de que
tal objetivo fosse alcançado se viu cada vez mais limitada por uma série de fatores: o
esgotamento da “idade de ouro do capitalismo”, diminuindo o fluxo de recursos dos países
mais desenvolvidos para os menos desenvolvidos; a introdução da graduação e da perspectiva
das Necessidades Humanas Básicas (NHBs) na arquitetura internacional da CID, perspectiva
fortalecida, no âmbito doméstico brasileiro, pela prevalência de obstáculos primários ao
desenvolvimento e pela pressão crescente de organizações públicas e da sociedade civil pelo
seu equacionamento; a migração da inovação do setor público para o setor privado nos países
desenvolvidos, gerando altos custos para sua transferência para o Brasil.
Paralelamente, em contexto marcado pela emergência dos países produtores e
exportadores de petróleo e dos New Industrialized Countries (NICs) e pelo esgotamento do
Diálogo Norte-Sul, os países em desenvolvimento expandiram e aprofundaram a cooperação
entre eles para além da barganha coletiva no âmbito multilateral (Cooperação Política entre
Países em Desenvolvimento - CPPD), buscando também o estreitamento de laços econômicos
289

e funcionais entre eles. Ao contrário da vertente da Cooperação Econômica entre Países em


Desenvolvimento (CEPD), enfraquecida por obstáculos estruturais que viriam se aprofundar
nos anos 80 e 90 com a crise da dívida externa e a emergência do ideário neoliberal, a CTPD
avançou no contexto pós-Conferência de Buenos Aires, a despeito de o ocaso do movimento
terceiro-mundista ter desmobilizado a busca dos países do Sul pelo estreitamento de laços
funcionais entre eles.
Apesar dessa desmobilização, a agenda da CTPD, encampada por doadores
tradicionais (organismos internacionais e algumas agências de cooperação dos países
desenvolvidos), seguiria expandindo, influenciada, em grande medida, por pelo menos três
visões emanadas pelo paradigma tradicional da CID: a visão de que a cooperação técnica seria
ferramenta eficaz na promoção do desenvolvimento internacional pelo foco no fortalecimento
de capacidades institucionais, que se autossustentariam após a retirada do apoio
(diferentemente da cooperação financeira, percebida como favorecendo relações de
dependência dos recipiendários com os doadores); a visão de que a Cooperação Sul-Sul (CSS)
seria mais eficaz do que a Cooperação Norte-Sul por conta da maior similaridade entre os
países do Sul; a visão de que os países do Sul de maior desenvolvimento relativo (nominados
“países-pivô” em meados dos anos 90) deveriam apoiar os países de menor desenvolvimento
relativo. Graduados, aqueles países passariam não apenas a cobrir parcela cada vez maior dos
custos da cooperação recebida, mas também a se comprometer a replicá-la em terceiros.
O MRE não se colocou, contudo, de forma totalmente passiva diante da emergência da
agenda da CTPD na cooperação internacional. Nos anos 70, o envolvimento brasileiro na
matéria foi pensado como ferramenta para a busca de objetivos materiais e não materiais
(prestígio), quais sejam: preservar a imagem internacional do Brasil; fortalecer posições
defendidas pelo país em foros internacionais; abrir mercados para bens e serviços brasileiros;
e demonstrar capacidade tecnológica, buscando a afirmação do Brasil como potência
emergente. A concepção da CTPD como instrumento para a busca de finalidades não
próprias, contudo, se deu de forma difusa, sem acompanhamento que permitisse afirmar como
e em que medida a CTPD estaria, de fato, contribuindo para a realização dos objetivos
esperados. A percepção dominante no MRE e no Ministério do Planejamento era de que os
benefícios esperados, particularmente no âmbito comercial, não estavam sendo atingidos.
Ao contrário da CTPD, a cooperação recebida é percebida como tendo atendido, de
maneira inequívoca, ao objetivo central da política externa brasileira: a promoção do
desenvolvimento nacional. Na visão diplomática, seus impactos positivos em setores
290

considerados estratégicos para o desenvolvimento (agricultura, indústria e engenharias, por


exemplo) e no “bem-estar nacional” teriam sido possíveis graças à sua centralização no MRE,
possibilitando a racionalização da captação de conhecimentos externos conforme as linhas
prioritárias do desenvolvimento nacional.
O abandono da afirmação do Brasil como potência emergente, a partir do Governo
Figueiredo, reconduziu a recepção de cooperação técnica ao centro das reivindicações
brasileiras. Apontaram-se, contudo, dificuldades para manter seus impactos com o avanço dos
anos 80 devido aos crescentes gastos realizados pelo PNUD com sua própria burocracia, à
multiplicação de setores demandando a recepção de cooperação técnica no contexto da
redemocratização e à falta de articulação entre os setores público e privado no estímulo à
inovação.
A despeito da prevalência da percepção de que a CTPD teria impactos difusos sobre o
desenvolvimento nacional, pressões internas e externas para a expansão do envolvimento de
entidades brasileiras na matéria tiveram seguimento nos anos 80, dada a divulgação crescente
de experiências brasileiras no exterior no contexto pós-Conferência de Buenos Aires e o
aumento da participação daquelas entidades em redes funcionais internacionais. Além disso, a
dimensão Sul-Sul da inserção internacional do Brasil seguiria imperativa diante do
protecionismo dos países desenvolvidos e da busca pelo equilíbrio do balanço de pagamentos.
Depois de passar por período de desmobilização na agenda do MRE, a CTPD, a partir
da segunda metade dos anos 90, passou a ganhar maior relevo na diplomacia brasileira,
estimulando-se ações que guardassem relação com outras frentes da política externa:
diplomacia cultural e difusão da língua portuguesa, no contexto da criação da CPLP;
promoção da integração regional e das relações econômicas com outros países em
desenvolvimento, no contexto da busca pela afirmação do Brasil como global trader;
promoção da liderança brasileira na provisão de bens públicos regionais e globais,
notadamente por meio da mediação de crises políticas regionais e da maior participação em
missões de paz; busca pela projeção de experiências de desenvolvimento no exterior como
mecanismo de demonstração dos avanços nacionais e de influência sobre a governança global
em áreas específicas; e, finalmente, relacionado ao último ponto, busca de apoio para pleitos
brasileiros relacionados à reforma da governança política e econômica global.
Embora durante o Governo Cardoso a CTPD tenha ocupado pouco espaço no discurso
diplomático presidencial, temas como Saúde, Meio-Ambiente, Educação e Capacitação
Profissional foram mencionados. Durante esse governo alguns grupos de interesses
291

começaram a se mobilizar em torno da agenda da CTPD, notadamente aqueles ligados à


afirmação da Saúde como direito, no contexto da quebra das patentes; à Educação, no
contexto da criação da CPLP, que também alimentou a organização de grupos de
afrodescendentes e a mobilização do Congresso Nacional em torno da cooperação com países
africanos; também relacionado à Educação, o tema do Desenvolvimento Social, no contexto
da busca pela projeção externa do Programa Bolsa Escola como mecanismo para fortalecê-lo
dentro do Brasil; ao Meio-Ambiente, no contexto da busca pela projeção dos avanços
nacionais na matéria.
Outros entes nacionais, além do MRE, começaram a se apropriar da agenda da CTPD,
deixando sua participação na mesma de ser induzida apenas por entes externos. Essa
mobilização de grupos de interesses domésticos em torno do tema da CTPD, que se expandiu
durante o Governo Lula, não necessariamente ganhou interface na ABC, apesar do reforço
orçamentário da agência durante seu governo. Ao contrário, notou-se fragmentação crescente
da agenda da CTPD tendo em vista que: muitos grupos de interesses não se limitavam ao
tema da cooperação técnica stritu censu; algumas organizações passaram a alocar orçamentos
próprios para suas ações de CTPD; a própria arquitetura da ABC passaria por processo de
transição na primeira metade da década de 2000, catalisada por decisões de órgãos judiciais e
de controle relacionadas à não incidência da legislação nacional (trabalhista e licitatória) nas
contratações de consultores e serviços relacionados à cooperação técnica recebida.
Essas decisões, que convergiram com insatisfação do MRE em relação à incidência
metodológica e normativa do PNUD na CTPD brasileira, levaram a reformas com vistas a
inserir a ABC na estrutura funcional do MRE. O Itamaraty, contudo, não foi bem sucedido na
busca pela coordenação e direcionamento diplomático da CTPD brasileira. Por um lado, os
quadros diplomáticos não expandiram na proporção necessária para suprir a ampliação
exponencial de temas e países com os quais foram estabelecidas ou restabelecidas relações
diplomáticas. Além disso, devido às regras de progressão funcional do MRE, os quadros que
passaram a lotar a ABC a partir de 2005 começaram a assumir postos fora do país poucos
anos depois, e funcionários contratados pelo PNUD voltaram a ocupar a agência.
Por outro lado, o processo decisório da CTPD passou a ser crescentemente permeado,
durante o Governo Cardoso e com seguimento durante o Governo Lula, por determinações da
Presidência da República. O Governo Lula conferiu relevância inédita à prestação de
cooperação na agenda da política externa brasileira, com destaque para o tema do combate à
fome e à pobreza, que ganhou interface institucional no Itamaraty com a criação da
292

CGFOME. Além disso, o reforço orçamentário da ABC seria acompanhado por disputas
crescentes pelos seus recursos, em contexto marcado pela ampliação dos grupos organizados
domésticos interessados em participar não apenas da implementação de iniciativas, mas
também de seu processo decisório. Em vista da impossibilidade de todos esses grupos terem
acesso aos recursos da ABC, e da inexistência de uma política estruturada e transparente na
matéria, muitos deles, baseando-se em compromissos internacionais gerais e específicos
assumidos pelo Brasil, passaram a se profissionalizar e a se articular com outros setores do
governo e com agências da ONU e de países desenvolvidos para darem consecução a
iniciativas que consideravam prioritárias na busca do fortalecimento nacional e internacional
de políticas de desenvolvimento focadas nos aspectos da sustentabilidade ambiental, da
justiça e da participação social.
Essa mobilização de setores domésticos os mais variados em torno das agendas da
CTPD e de outras modalidades da cooperação brasileira para o desenvolvimento internacional
– contribuições para organismos internacionais e assistência humanitária, mas também sendo
acompanhadas por questionamentos crescentes em relação à cooperação financeira – levou a
conscientização sem precedentes sobre o tema no Brasil, além de ter contribuído para elevar
visões progressistas de desenvolvimento tradicionalmente marginalizadas na pauta
diplomática.
Alimentada também pelo interesse crescente da comunidade internacional por
experiências brasileiras de desenvolvimento (no contexto da busca pela consecução dos
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e da emergência da China como ator central da
CID) e pelo levantamento, sistematização e publicação de dados, tal mobilização não incluiu
apenas instituições diretamente envolvidas na prática da cooperação, mas também ONGs,
universidades e institutos de pesquisas, muitos dos quais passaram a se envolver na prática da
cooperação, mas também a se dedicarem a estudos sobre o tema e a pressionarem pela
construção de uma política pública na matéria.
Essa construção enfrenta, porém, desafios relacionados à fragmentação institucional, à
polarização doméstica em torno de modelos de desenvolvimento, à inexistência de marco
jurídico prevendo o apoio ao desenvolvimento internacional e ao próprio fato de o Brasil
ainda ser um país em desenvolvimento. Este último fator, embora pouco apontado por líderes
que defendem a “causa” do desenvolvimento internacional, não é nada trivial. Com efeito,
setores dentro das próprias instituições de origem desses líderes, e das entidades
implementadoras da CTPD brasileira de maneira em geral, questionam a alocação crescente
293

de seus recursos humanos e financeiros para a promoção do desenvolvimento internacional.


Essas entidades muitas vezes não contam com recursos suficientes nem para atenderem suas
respectivas missões, restritas à promoção do desenvolvimento nacional em áreas específicas,
o que limita a capacidade de comprometimento institucional com as iniciativas de CTPD,
particularmente aquelas que demandam engajamento multianual. Isso significa que se as
instituições implementadoras da CTPD brasileira, bem como suas respectivas constituencies,
não tiverem clareza sobre como a promoção do desenvolvimento internacional contribui para
a realização de suas respectivas missões no Brasil, alterações nos cenários político e
econômico conduzirão, facilmente, à desmobilização de seu envolvimento na CTPD.
As abordagens que se tornaram canônicas na explicação da persistência da cooperação
internacional basearam-se na constatação de que o altruísmo sustentado por lideranças
específicas não é capaz de garantir a continuidade da cooperação entre os Estados ao longo do
tempo. A construção de regimes internacionais envolvendo os países desenvolvidos foi
possível graças às redes de interdependência econômica entre eles e ao fato de suas
respectivas burocracias compartilharem e atualizarem, de forma conjunta, consensos básicos
em torno de políticas setoriais específicas. Embora mantenham pressupostos clássicos da
teoria de relações internacionais relacionados à racionalidade e ao egoísmo dos Estados, as
abordagens neoinstitucionalistas afastam-se das realistas ao afirmarem que os Estados buscam
não apenas a sua própria segurança em um mundo anárquico, mas também o bem-estar de
suas respectivas populações; o apego excessivo à soberania, em nome da “segurança
nacional”, seria deletéria ao desenvolvimento.
Ao contrário, vários setores no Brasil, da esquerda e da direita, ainda coadunam com a
visão terceiro-mundista de que a soberania é essencial para o desenvolvimento do país, e de
que o que o impediu, historicamente, foi a violação de sua soberania por agentes públicos e
privados sediados em países mais poderosos, os Estados Unidos em particular, e por
organizações internacionais que teriam sido constituídas com base nos seus interesses. Assim,
as relações Sul-Sul foram pensadas pela diplomacia brasileira como mecanismo para
fortalecer a autonomia do país nas relações internacionais – seja atraindo aliados para seus
pleitos e para seus modelos de desenvolvimento, seja permitindo que o país contrabalançasse
as assimetrias nas suas relações com o Norte (por exemplo, proporcionando abertura de
mercados para produtos de maior valor agregado produzidos no Brasil).
Não obstante, como apontam alguns momentos da história da política externa
brasileira, mudanças no cenário econômico global e doméstico conduziam à desmobilização,
294

embora não imediata, do engajamento diplomático brasileiro na CSS. Como esse engajamento
não havia sido ancorado em ampla base de apoio setorial, burocrático e social, necessária para
pressionar a “alta política” a seguir engajada na CSS, desmobilizava-se a alocação de recursos
públicos e privados para sua promoção. Via-se, portanto, comprometido o próprio potencial
de a CTPD e de outras modalidades de prestação de cooperação pelo Brasil de catalisarem a
ampliação e aprofundamento dos laços do país com outros países em desenvolvimento,
fortalecendo as relações de interdependência e conduzindo à real institucionalização da CSS
na agenda externa do país.
Acredita-se, porém, que o envolvimento crescente de atores do governo e da sociedade
brasileira na CTPD e em outras modalidades da CSS pode contribuir para essa
institucionalização desde que os atores envolvidos construam uma base estratégica sólida de
inserção. Construir estratégias significa basear e institucionalizar escolhas em objetivos,
prioridades e resultados esperados, com indicadores que permitam monitoramento, avaliação
e comunicação, em múltiplos níveis (interno, com suas respectivas constituencies e com a
sociedade em geral), dos resultados em termos de eficiência e de eficácia das ações não
apenas para grupos específicos, mas para o desenvolvimento brasileiro em suas diversas
vertentes e para o desenvolvimento dos países com os quais o Brasil coopera.
Esta tese buscou compreender como dois dos agentes nacionais mais envolvidos na
CTPD brasileira, EMBRAPA e SENAI, perceberam a alocação crescente de seus recursos
para a promoção do desenvolvimento internacional e se ajustaram institucionalmente para
responder às demandas de forma mais eficaz e racionalizada, conjugando aprendizados
reunidos em campo com seus próprios objetivos estratégicos. Trata-se de duas instituições
que compartilham de uma série de características:
a) possuem missões restritas ao desenvolvimento doméstico;
b) estruturaram-se e desenvolveram-se com o suporte da cooperação
recebida, reconhecendo o papel dessa cooperação no cumprimento de suas
respectivas missões;
c) incorporaram, ainda que em graus variados, a gestão por resultados às
suas atividades;
d) foram estruturadas a partir de visões de desenvolvimento centradas no
crescimento econômico e no avanço científico e tecnológico;
295

e) buscaram atualizar suas visões de desenvolvimento para encampar os


aspectos social e ambiental em suas atividades, inclusive como mecanismo
para continuarem justificando a origem pública de suas receitas;
f) baseiam-se em modelos federativos de organização, com unidades
especializadas espalhadas em todo o território brasileiro;
g) tiveram seu envolvimento na CTPD induzido, inicialmente, por
doadores tradicionais e por redes funcionais das quais fazem parte há décadas
(como o CGIAR, do qual a EMBRAPA faz parte desde os anos 80; e o
CINTERFOR, do qual o SENAI faz parte desde os anos 60);
h) tiveram seu envolvimento na CTPD induzido, posteriormente, pela
diplomacia brasileira, identificando-se interfaces no discurso presidencial
desde o Governo Cardoso, no caso do SENAI, e desde o Governo Lula, no
caso da EMBRAPA;
i) não tiveram o seu envolvimento inicial na CTPD apoiado por interesses
setoriais organizados;
j) fortaleceram suas respectivas divisões de Relações Internacionais (a
SRI, no caso da EMBRAPA; e a UNINTER, no caso do SENAI) em resposta
ao aumento das demandas por suas experiências;
k) buscaram se qualificar e se profissionalizar na gestão da cooperação
internacional por meio de capacitações realizadas em parceria com doadores
tradicionais e com ABC e da elaboração e lançamento de guias sobre
cooperação internacional;
l) buscaram melhorar a comunicação interna e externa sobre o seu
envolvimento crescente na CTPD por meio da publicação de informes em suas
respectivas páginas na internet e publicações internas (como a Folha da
EMBRAPA e o informativo SENAI Brasil) e do estabelecimento de contatos
mais frequentes entre suas sedes, em Brasília, e suas unidades regionais;
m) demonstram forte sensibilidade aos impactos dos projetos que
desenvolvem sobre o desenvolvimento dos países recipiendários;
n) aprenderam que esses impactos dependem de planejamento cuidadoso e
de engajamento multianual, particularmente no caso dos países menos
desenvolvidos;
296

o) buscaram focar sua ação, em países menos desenvolvidos, em projetos


estruturantes, no âmbito dos quais contam com funcionários em campo
ininterruptamente;
p) aprenderam que as iniciativas são mais eficientes e eficazes em países
de maior desenvolvimento relativo e estabilidade política, os quais podem
oferecer contrapartidas, onde os impactos são mais imediatos e com os quais a
dimensão ganha-ganha da cooperação aparece de forma mais visível;
q) buscaram incidir de forma mais ativa sobre o processo decisório da
CTPD com base nas lições aprendidas e no ajuste de objetivos e recompensas
esperados, desenhando prioridades próprias e demandando planejamento mais
cuidadoso das ações, no que por vezes entraram em choque com a ABC e com
o MRE;
r) tiveram choques com a ABC por conta de contatos diretos realizados
pela agência com suas unidades regionais, sem mediação de suas respectivas
divisões internacionais;
s) enfrentam o desafio de diversificar suas fontes de financiamento, e o
envolvimento na CTPD foi pensado como mecanismo possível tanto para
contribuir para seu equacionamento quanto para promover negócios
internacionais, embora no caso da EMBRAPA esses objetivos apareçam de
forma mais velada.

Apesar de tantas características em comum, EMBRAPA e SENAI responderam de


maneira distinta às novas prioridades estabelecidas a partir de 2011 pelo Governo Dilma,
embora nenhuma das duas agências, temendo a diminuição dos impactos de seus respectivos
projetos, tenha recebido bem a racionalização do orçamento da ABC. No caso do SENAI, a
percepção dominante é de que a entidade, apesar de ter elaborado um Plano de Negócios com
critérios objetivos e priorizações para triar demandas recebidas da ABC e buscar parcerias
com empresas brasileiras atuantes em países em desenvolvimento, estava obtendo resultados
insatisfatórios em todas as vertentes de seu envolvimento na CSS: intercâmbio de
conhecimentos, CTPD ou prestação de serviços a empresas brasileiras. Com o lançamento do
PRONATEC, e a prioridade conferida à missão de promover o desenvolvimento tecnológico
industrial no Brasil, os recursos do SENAI foram voltados para o âmbito nacional e, no
âmbito externo, para a vertente de captação e compra de tecnologias de ponta.
297

No caso da EMBRAPA, além da vertente Norte-Sul, a vertente Sul-Sul continuou


sendo valorizada em todas as suas dimensões: intercâmbio de conhecimentos com outros
países em desenvolvimento, seja por meio do CGIAR, seja por meio dos novos LABEX
estabelecidos em países do Sul (China e Coreia); projetos estruturantes, a maior parte dos
quais realizados com o apoio de recursos de terceiros; e as iniciativas pontuais, racionalizadas
no âmbito do Marketplace, também apoiado com recursos de terceiros e passando a envolver
institutos de pesquisas latino-americanos, além de africanos.
Embora a EMBRAPA, assim como o SENAI, conte com quadros limitados para a
implementação de iniciativas de CTPD, a estatal foi mais proativa, por um lado, em galgar
parceiros internacionais para financiar suas atividades e, por outro, em envolver outros
parceiros nacionais, como a FGV-Agro e outras organizações ligadas ao Sistema Nacional de
Pesquisa Agropecuária (SNPA). Com isso, a empresa diversificou as fontes de recursos
humanos e financeiros voltados para a CTPD, prevenindo-se de críticas de que a promoção do
desenvolvimento internacional estaria acontecendo em detrimento da promoção do
desenvolvimento no âmbito doméstico. Além disso, o caráter estratégico das relações da
EMBRAPA com outros países em desenvolvimento é mais óbvio, dado fato de ser
especializada em tecnologias ligadas à agricultura tropical e de as terras agricultáveis
mundiais se concentrarem em regiões tropicais, particularmente na África Subsaariana.
O futuro do envolvimento das duas agências na CTPD e na CSS está, contudo, em
aberto. Por um lado, assim como a Indústria brasileira em geral, o SENAI, diferentemente da
EMBRAPA, é mais voltado para dentro e menos adaptado a parcerias internacionais (para
além da recepção da cooperação) e a parcerias público-privadas. Não obstante, consensos
estão sendo galgados em torno da relevância do papel dessas parcerias na promoção da
inovação, assim como em torno da necessidade de abrir mercados como mecanismo adicional
para garantir a competitividade da Indústria brasileira.
Neste último caso, o fato de empresas brasileiras exportadoras de produtos de maior
valor agregado estarem perdendo mercado em países em desenvolvimento, entre outros, por
não oferecerem contrapartidas sociais, pode levar a remobilização da atuação do SENAI na
vertente Sul-Sul. Em vista dos altos custos envolvidos no estabelecimento de seus centros de
capacitação em outros países em desenvolvimento, pode haver diversificação de suas fontes
de financiamento por meio de parcerias com empresas brasileiras e com parceiros
internacionais. Aqui, os projetos para o estabelecimento de centros de capacitação que estão
sendo negociados com a JICA, sem contrapartidas de recursos públicos brasileiros, podem se
298

tornar laboratório para a diversificação das fontes financeiras e para o acesso a tecnologias
japonesas que sejam de interesse do SENAI (seguindo modelo estabelecido pela parceria com
a Agência Alemã de Cooperação no Peru).
Por outro lado, a capacidade da EMBRAPA de agir de forma estratégica pode ser
comprometida por estar mais sujeita a alterações no cenário político do país, pela polarização
entre Agronegócio e Agricultura Familiar, pela maior rotatividade de quadros responsáveis
pelas Relações Internacionais e por uma memória institucional mais frágil. Em todas essas
características, a EMBRAPA difere do SENAI, cuja estrutura institucional de Relações
Internacionais é mais coesa, baseada em sistemas internos de gestão da informação mais
avançados e com menor rotatividade de quadros.
Em ambos os casos, contudo, o aprofundamento da participação na CTPD, em
particular, e na CSS, em geral, apresenta tensões com outras instituições nacionais brasileiras
que disputam acesso aos recursos públicos e que defendem modelos de desenvolvimento
baseados na justiça e participação social, na sustentabilidade ambiental e na perspectiva dos
direitos. As tensões da maior proatividade da EMBRAPA e do SENAI na CTPD com tais
instituições revelaram-se maiores e mais profundas do que as tensões com o MRE, que
coaduna com lógicas de desenvolvimento que considera mais próximas das que vê
representadas na atuação da EMBRAPA e do SENAI (crescimento econômico e
desenvolvimento científico e tecnológico).
Diante do exposto, nota-se que os desafios enfrentados pela EMBRAPA e pelo SENAI
no que se refere à sustentabilidade de seu engajamento na CTPD, em particular, e na CSS, em
geral, convergem com desafios mais amplos relativos ao desenvolvimento nacional e à
política externa brasileira: como conjugar esforços para sanar desafios imediatos ao
desenvolvimento com estratégias de médio e de longo prazos? Como conjugar agendas
domésticas de desenvolvimento com a agenda do desenvolvimento internacional e da CSS?
Como reconciliar agendas setoriais de desenvolvimento com a agenda da política externa
brasileira em contexto marcado pela sua politização? Como conjugar as múltiplas dimensões
do desenvolvimento (crescimento econômico, avanço científico e tecnológico,
sustentabilidade e inclusão social) em estratégias coerentes de desenvolvimento e de política
externa? Como conjugar a busca do reconhecimento pelas experiências nacionais de
desenvolvimento pelas grandes potências, para a qual a CTPD se tornou instrumento
diplomático, com a necessidade de equacionar os desafios enfrentados por essas mesmas
299

experiências e por suas instituições de origem? Como conjugar desenvolvimento, cooperação


e soberania?
Vários acadêmicos brasileiros especializados em análise de política externa vêm
apontando tensões mais amplas com as quais alguns dos dilemas aqui levantados convergem:
a possível tensão entre a expansão de atores envolvidos na política externa brasileira e a
capacidade do Estado de sustentar ações internacionais consistentes (PINHEIRO; MILANI,
2012); as tensões entre o “público” e o “privado” que emergem da pluralização da política
externa brasileira e o “sentido nem sempre convergente dos interesses em jogo” (MILANI,
2012c, p. 43-44); a tensão entre a necessidade de estreitar laços de cooperação e a prevalência
de forte componente soberanista na cultura política brasileira (LIMA, 2005b); a tensão entre a
necessidade de renovar a agenda da diplomacia brasileira na busca pelo equacionamento de
desafios elementares ao desenvolvimento, como a desigualdade social e a segurança pública,
e sua orientação tradicional para um modelo que aprofundou tais desafios em nome da busca
pela autonomia das “elites nacionais em seu afã industrializante” (SPEKTOR, 2013); e, por
fim, a tensão entre idealismo e pragmatismo na ação diplomática brasileira (LIMA, 2005b).
Acredita-se que uma das possíveis respostas para tais dilemas possa estar na busca por
um entendimento mais aprofundado acerca da relação entre internacionalização e
desenvolvimento. Os países considerados mais desenvolvidos hoje não são grandes potências.
Nenhum dos países que se lançaram e que insistiram na aventura de se tornarem grandes
potências conseguiu sustentar modelos de desenvolvimento baseados na igualdade social. A
despeito do ativismo tradicional da diplomacia brasileira nos foros internacionais,
particularmente nos econômicos, e da internacionalização de alguns setores nacionais, o
Brasil é um país historicamente voltado para dentro. A internacionalização equilibrada de
diversos entes ligados aos três pilares do desenvolvimento – Estado, mercado e sociedade –,
para a qual o fortalecimento institucional das Relações Internacionais é fundamental, pode ser
salutar para o desenvolvimento nacional e para que a política externa brasileira se ancore em
bases burocráticas e sociais sólidas, ficando, portanto, menos sujeita a alterações no cenário
político e econômico do país). Ao mesmo tempo, o Brasil não está naturalmente fadado a ser
grande potência. Descobrir qual é o ponto ótimo da relação entre internacionalização e
desenvolvimento em frentes diversas e, com base nisso, promover ações planejadas e arranjos
inovadores de governança, diversificando parcerias e fontes de recursos e ampliando e
valorizando a dimensão do intercâmbio de conhecimentos, pode ser fundamental para
promover modelos de desenvolvimento que conjuguem dimensões econômicas, sociais e
300

ambientais e que ao mesmo tempo não reproduzam, nas relações externas, as práticas
imperialistas e proselitistas das grandes potências. Estas são, contudo, ideias que ainda
precisam ser amadurecidas em pesquisas futuras.
301

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325

APÊNDICE A – Breve revisão do conceito de cooperação triangular

A cooperação triangular (ou trilateral, ou ainda tripartite) é tratada como modalidade


da CID ou mesmo, em alguns casos, como modalidade da CSS.318 Em sentido restrito, a
cooperação triangular acontece pela via oficial, com um país de renda média fornecendo
expertise, ao passo que um país de renda alta ou um organismo internacional financiaria sua
transferência e um país de renda baixa receberia a cooperação. Isso, porém, nem sempre se
confirma na prática, já que:
a) ambos os parceiros oferentes podem contribuir tanto com expertise
quanto com recursos financeiros, e o recipiendário pode ser um país de renda
média (caso da parceria entre SENAI e GIZ no Peru abordada no Capítulo 4)
b) pode haver cooperação triangular envolvendo apenas parceiros em
desenvolvimento (caso do Fundo IBAS de Combate à Fome e à Pobreza);
c) pode haver cooperação entre agentes não governamentais e/ou
iniciativas engajando mais de três parceiros (multistakeholder), as quais
também vêm sendo classificadas como “triangulares” (caso do projeto Honra e
Respeito a Bel Air, liderado pela ONG brasileira Viva Rio em uma favela em
Porto Príncipe, Haiti, contando com o apoio do BID, de governos dos países
industrializados e de parceiros não governamentais, como a ONG Norwegian
Church Aid.319

Quer dizer, em sentido amplo a cooperação triangular refere-se a qualquer iniciativa de


CID que conte com três ou mais parceiros, sejam eles entes oficiais ou não. É nesse sentido
mais amplo que Ayllón (2013b, tradução nossa) se refere à riqueza da cooperação triangular e
à necessidade de construção de uma agenda de pesquisas que contemple toda essa
diversidade. Nas suas palavras:
O atrativo da cooperação triangular é que se encontra em uma fase de
experimentação e nesse sentido acredito que há uma agenda de pesquisa bastante
interessante, e por último porque a cooperação triangular é uma das apostas da
cooperação espanhola, e nesse sentido nos faz falta também realizar uma pedagogia
da cooperação da cooperação triangular a nossos agentes do sistema de cooperação,
não pensando apenas na AECID mas em outros atores como as universidades (que

318
Ver, por exemplo: SEGIB, 2008.
319
Ver: FORDELONE, 2009; TT-SSC, 2010.
326

triangulamos há muitos anos sem sabê-lo), institutos de pesquisa, sindicatos, a


cooperação descentralizada, quer dizer, precisamos fazer um trabalho de formação,
de pesquisa, de pedagogia, para entender em que consiste a cooperação triangular.320

Para mais informações sobre a definição, características, vantagens e desafios da


cooperação triangular, ver, por exemplo: AYLLÓN, 2013a; FORDELONE, 2009.

320
O texto em língua estrangeira é: “Lo atractivo de la cooperación triangular es que se encuentra en una fase de
experimentación y en ese sentido yo creo que hay una agenda de investigación tremendamente interesante, y por
último porque la cooperación triangular es una de las apuestas de la cooperación española, y en ese sentido nos
hace falta también realizar una pedagogía de la cooperación triangular a nuestros agentes del sistema de
cooperación, ya no pensando sólo en la AECID sino en otros actores como las universidades (que llevamos
muchos años triangulando sin saberlo), institutos de investigación, los sindicatos, la cooperación descentralizada,
es decir que necesitamos hacer un trabajo de formación, de investigación, de pedagogía, para entender en qué
consiste la cooperación triangular.”
327

APÊNDICE B - Sistematização de informações sobre as primeiras instituições do


sistema brasileiro de Cooperação Técnica Internacional

Quadro 13 – Instrumentos legais, atribuições e composição das primeiras instituições


brasileiras voltadas para a CTI
Instituição, Anos Atribuições Composição, presidência e
de Criação e de secretariado técnico
Extinção e
Vinculação
Comissão - Estudar problemas relativos à participação Presidência: MRE (Vice-
Nacional de do Brasil em programas de assistência técnica Presidência: Secretário-Geral
Assistência das Nações Unidas e, eventualmente, da Adjunto para Assuntos
Técnica (CNAT) Organização dos Estados Americanos; Econômicos)
- Fazer o levantamento das necessidades
Criada em 1950 brasileiras em matéria dessa assistência Secretariado Técnico e
(Decreto nº técnica e preparar planos e programas para Administrativo: Divisão de
28.799), obtenção de auxílio técnico de tais Cooperação Econômica e
regulamentada em organizações; Técnica/MRE
1953 (Decreto nº - Estudar as possibilidades de contribuição
34.763) e brasileira para programas cooperativos, de Composição (11 membros
reestruturada em assistência técnica, examinando as facilidades nomeados pelo Presidente da
1964 (Decreto nº disponíveis em órgãos públicos federais, República mediante indicação do
54.251) organizações estaduais, autarquias e Ministro das Relações Exteriores;
sociedades privadas de interesse público; representantes de outros órgãos
Extinta em 1969 - Estabelecer normas para contratos de de interesse poderiam ser
(Decreto nº 65.476) prestação de serviços de assistência técnica da convidados):
sua competência, superintender sua execução - Chefes das seguintes divisões
Ministério das e estabelecer critérios para intercâmbio de do MRE: Divisão de
Relações Exteriores bolsistas e técnicos dentro dos programas Conferências, Organismos e
internacionais de assistência técnica; Assuntos Gerais; Divisão de
- Disseminar documentação informativa sobre Cooperação Intelectual; Divisão
as facilidades de assistência técnica da Organização dos Estados
disponíveis em outros países ou em Americanos
organizações internacionais e sobre - Secretário-Executivo das
contribuição brasileira para atividades de Comissões e Conselho do
assistência técnica. Ministério da Agricultura;
- Diretor da Assessoria de
Cooperação Internacional da
Superintendência do
Desenvolvimento do Nordeste
(representante também do
Ministério Extraordinário para a
Coordenação dos Organismos
Regionais)
- Coordenador da Comissão de
Coordenação da Aliança para o
Progresso, que representa
igualmente o Ministério
Extraordinário para o
Planejamento e Coordenação
Econômica
- Presidente da Comissão
Nacional de Energia Nuclear;
- Presidente da Comissão
Permanente de Direito Social, do
Ministério do Trabalho e
328

Previdência Social
- Representante do Ministério de
Minas e Energia
- Representante do Ministério da
Saúde
- Representante do Ministério da
Educação e Cultura
- Presidente do Conselho
Nacional de Pesquisa.*
Escritório Técnico - Deliberar sobre a prioridade dos projetos e Conselho de Coordenadores
de Coordenação ajustes de assistência técnica do Ponto IV no presidido pelo Representante
dos Projetos e Brasil; Brasileiro junto ao Ponto IV.
Ajustes - Apreciar os projetos e ajustes
Administrativos administrativos em discussão; Composição do Conselho de
do Ponto IV - Examinar as formas de financiamento e Coordenadores:
recursos orçamentários destinados aos - Representante Brasileiro junto
Criado em 1959 projetos e ajustes de assistência técnica; ao Ponto IV;
(Decreto nº 45.660) - Submeter à aprovação do Representante - Representante do MRE;
Brasileiro junto ao Ponto IV, mediante - Representante do Ministério da
Extinto em 1969 parecer circunstanciados, os projetos e ajustes Fazenda;
(Decreto nº 65.476) a serem executados; - Coordenadores dos projetos e
- Acompanhar e fiscalizar a execução dos ajustes de Administração
Representação projetos e ajustes de assistência técnica a Específica;
Brasileira do Ponto cargo dos diferentes ministérios; - Representante do DASP;
IV - Elaborar o relatório anual sobre as atividades - Diretor Executivo designado
do Ponto IV no Brasil, a ser submetido à pelo Representante Brasileiro
consideração do Presidente da República. junto ao Ponto IV e responsável
por: assistir o Conselho e o
Representante Brasileiro junto ao
Ponto IV na apreciação dos
projetos e ajustes submetidos a
exame; coordenar as atividades
de administração geral; dirigir e
orientar os trabalhos técnicos a
cargo dos Setores.

Setores: Saúde; Educação;


Agricultura; Assuntos Diversos;
Administração Geral (incumbe
todas as atividades da Secretaria,
expediente, bem como
mecanografia e serviços de
comunicações.). Os setores terão
Assessores Técnicos designados
pelo Representante Brasileiro
junto ao Ponto IV mediante
proposta do Diretor Executivo.
Cabe aos Setores de Saúde,
Educação, Agricultura e Assuntos
Diversos, o estudo dos projetos e
ajustes a serem apreciados pelo
Conselho.
Conselho de - Obter e gerir recursos para o financiamento Presidência: Ministro
Cooperação de programas e projetos de cooperação técnica Extraordinário para o
Técnica da e ajuda de capital a eles relacionada Esses Planejamento e Coordenação
Aliança para o recursos: serão aplicados em complementação Econômica (ou representante por
Progresso aos do Programa de Cooperação Técnica da ele designado).
(CONTAP) Aliança para o Progresso, em conformidade
com metas e princípios estabelecidos na Carta Secretário-Executivo: Diretor-
Criado em 1965 de Punta del Este; serão aplicados por meio Executivo do Escritório do
329

(Decreto nº 56.979) de conta especial aberta junto ao Banco Governo Brasileiro para a
Central a ser suprida por recursos atribuídos Coordenação do Programa de
Extinto em 1969 pelo Governo Federal, recursos provenientes Assistência Técnica (Ponto IV).
(Decreto nº 65.476) de doações ou empréstimos da Aliança para o Competirá a ele: na qualidade de
Progresso, postos à sua disposição pela AID, gestor dos recursos, movimentar
Ministério do BID e outras agências internacionais de a conta especial, autorizando as
Planejamento e cooperação técnica, e outros recursos operações financeiras que se
Coordenação colocados à sua disposição por instituições tornarem necessárias; participar,
Econômica nacionais. como interveniente, dos
- Aprovar a programação geral da aplicação convênios firmados no quadro do
dos recursos disponíveis; Programa de Cooperação Técnica
- Aprovar a aplicação dos recursos em moeda da Aliança para o Progresso, a
estrangeira, provenientes da AID, do BID e fim de que se mantenha perfeita
demais agências financeiras da Aliança para o coordenação na aplicação de
Progresso; recursos nacionais e estrangeiros;
- Fixar critérios para a aplicação dos recursos, representar ativa e passivamente
de conformidade com as diretrizes da o CONTAP, exercendo todas as
programação nacional de cooperação técnica. funções que lhe forem a
- Receber relatórios periódicos sobre a administração dos recursos.
aplicação dos recursos recebidos, em caráter
de doação, pelas entidades beneficiadas Composição: Representantes da
- Autorizar destaque de até 2% dos recursos Superintendência do
da conta para custeio de despesas com o Desenvolvimento do Nordeste
acompanhamento da execução e avaliação de (SUDENE); do Escritório do
projetos e serviços de auditoria, bem como Governo Brasileiro para a
para sua administração. Coordenação do Programa de
Assistência Técnica (Ponto IV); e
da Comissão de Coordenação da
Aliança para o Progresso
(COCAP).
Na área de suas respectivas
jurisdições competirá à SUDENE
e ao Escritório para Coordenação
do Programa de Assistência
Técnica (Ponto IV) conceder
prioridades, aprovar e
acompanhar a execução dos
projetos desde que enquadrados
na programação geral.

Atribuições do Banco Central:


por intermédio do Fundo Geral
de Agricultura e Indústria
(FUNAGRI), contabilizar
movimento de recursos
depositados na conta do
CONTAP, enviar mensalmente
ao Conselho o balancete e
realizar serviços de auditoria
relativos à utilização dos
recursos.
Nota: * O Decreto nº 54.251 modificou a composição da CNAT, que passou a ser: Chefes das seguintes divisões
do MRE: Nações Unidas, Conferências, Organismos e Assuntos Gerais e Divisão da OEA; Secretário-
Executivo das Comissões e Conselho do Ministério da Agricultura; Diretor da Assessoria de Cooperação
Internacional da SUDENE, que representa igualmente o Ministério Extraordinário para o Planejamento e
Coordenação Econômica; Presidente da CNEN; Presidente da Comissão Permanente de Direito Social, do
Ministério do Trabalho e Previdência Social; Representante do Ministério de Minas e Energia;
Representante do Ministério da Saúde; Representante do MEC O Decreto n. 45.548 (1965) incluiu o
presidente do Conselho Nacional de Pesquisa como membro da CNAT.
Fonte: A autora, 2013, com base em consultas à Legislação Federal.
330

Apêndice C- A evolução institucional-legal da ABC

Quadro 14 – Instrumentos legais relativos à configuração institucional da ABC


Número do instrumento Detalhes
Decreto nº 94.973, de 25 A ABC é criada como agência integrada à estrutura da Fundação Alexandre
de setembro de 1987, Gusmão (FUNAG/MRE), absorvendo funcionários da extinta SUBIN/SEPLAN,
Aprova o estatuto da cujas competências (promoção de negociações bilaterais e multilaterais, para efeito
Funag. Modificações de colaboração externa com o país, no tocante a comércio e a cooperação técnico-
introduzidas pelo Decreto científica) haviam sido transferidas para o MRE no ato de sua extinção (Decreto n.
nº 618, de 1992. 94.159, de 31 de março de 1987).

ABC dotada de autonomia financeira, a ser exercida por meio de fundo contábil
denominado “Fundo Especial de Cooperação Técnica” (FUNEC)

Mandato: Cabe à ABC, no âmbito do Sistema de Cooperação Técnica


Internacional, cujo órgão central é o MRE, operar programas de cooperação
técnica em todas as áreas do conhecimento, entre o Brasil e outros países e
organismos internacionais, nos termos da política externa brasileira (o Decreto n.
618 dá nova redação, adicionando “operar programas e projetos de cooperação
técnica” e suprimindo “nos termos da política externa brasileira”)

Competências gerais: coletar e gerar, para o FUNEC, recursos líquidos ou em


espécie no país ou no exterior; assumir obrigações de co-financiamento; fornecer
apoio financeiro direto a programas e atividades de cooperação.

Competências específicas: articular órgãos e entidades nacionais, estrangeiras e


internacionais, públicos e privados, inclusive instituições de ensino e pesquisa,
para participação em programas de cooperação técnica; promover e organizar a
participação de empresas privadas em programas de cooperação técnica; celebrar
convênios internos; propor e coordenar programas de cooperação técnica e
executar os programas aprovados pelo MRE; acompanhar e avaliar a execução dos
programas de cooperação técnica; assessorar o Departamento de Cooperação
Científica, Técnica e Tecnológica do MRE no exame da viabilidade e dos
resultados de programas de cooperação técnica; assessorar tecnicamente o órgão
central de planejamento da União no processo de elaboração orçamentária, no
tocante aos projetos e atividades de cooperação técnica internacional a serem
desenvolvidos pelos demais Ministérios; analisar, em conjunto com os Ministérios
responsáveis pela formulação de planos e políticas globais e setoriais, o mérito dos
projetos e atividades de cooperação técnica internacional, possibilitando ao MRE
negociação de Programa Global de Cooperação com as respectivas fontes
externas; processar, difundir e repassar aos destinatários os dados referentes à
oferta e à demanda de cooperação internacional; selecionar ou apontar instituições
e pessoal técnico habilitados a participarem de projetos de cooperação técnica
internacional; organizar cursos, estágios e visitas de missões; administrar os
recursos humanos, materiais e financeiros à sua disposição; e organizar ações
ligadas ao Voluntariado Internacional.

A administração superior da ABC será exercida pelo Conselho de Administração,


que terá por finalidade definir as diretrizes da Agência, estabelecer prioridades
para a execução dos programas de cooperação técnica e acompanhar a execução
desses programas. Esse Conselho seria integrado pelo Presidente da FUNAG,
pelos Subsecretários-Gerais e pelo Chefe do Departamento de Cooperação
Científica, Técnica e Tecnológica do MRE.

O Diretor-Executivo da ABC, que a princípio seria o Chefe do Departamento de


Cooperação Científica, Técnica e Tecnológica do MRE, deveria ser assessorado
331

por um Grupo Técnico Consultivo (GTC) de cunho interinstitucional, a ser


composto por ministérios e instituições ligados às atividades de cooperação técnica
(o decreto não fornece mais detalhes sobre quais instituições deveriam formar o
GTC).

As funções atribuídas ao Diretor-Executivo da ABC foram: elaborar o projeto de


regimento interno da ABC, dirigir a agência, praticando os atos necessários à sua
administração, submeter ao Conselho Curador, por intermédio do presidente da
FUNAG, o relatório anual e a prestação de contas anual, propor modificações do
estatuto e editar normas de organização relativas à ABC.

Em decreto posterior (Decreto n. 618, de 1992), adiciona-se que a ABC: deveria


desenvolver suas atividades em estreita coordenação com o Departamento de
Cooperação Científica, Técnica e Tecnológica do MRE; seria dirigida por um
diretor-executivo. E revoga-se a disposição de que o Diretor-Executivo da ABC
seria o Chefe do Departamento de Cooperação Científica, Técnica e Tecnológica
do MRE.
Decreto n. 2.070, de 13 de A ABC é vinculada à Secretaria-Geral das Relações Exteriores com as seguintes
novembro de 1996, competências: coordenar, negociar, aprovar, acompanhar e avaliar, em âmbito
Aprova a estrutura nacional, a cooperação para o desenvolvimento em todas as áreas do
regimental do MRE conhecimento, recebida de outros países e organismos internacionais e aquela
entre o Brasil e países em desenvolvimento; administrar recursos financeiros
nacionais e internacionais alocados a projetos e atividades de cooperação para o
desenvolvimento por ela coordenados.

Fica previsto que o Diretor Geral da ABC seria designado pelo Ministro das
Relações Exteriores e que este também poderia nomear, entre pessoas do quadro
de servidores do MRE ou portadoras de habilitação técnica, os ocupantes dos
cargos de Coordenador Geral, Coordenadores e Gerentes.
Decreto n. 3.959, de 10 de A ABC segue vinculada à Secretaria-Geral de Relações Exteriores e suas
outubro de 2001, Aprova a competências são mantidas.
estrutura regimental do
MRE A competência de nomear o Diretor-Geral da ABC (entre ocupantes de cargo de
Ministro de Primeira Classe ou de Ministro de Segunda Classe da Carreira de
Diplomata) passa a ser do Presidente da República, mantendo-se a disposição de
que o ministro das Relações Exteriores pode nomear, entre pessoas do quadro de
servidores do MRE ou portadoras de habilitação técnica, os ocupantes dos cargos
de Coordenador Geral, Coordenadores e Gerentes.
Decreto n. 5.032, de 5 de A ABC é vinculada à Subsecretaria-Geral de Cooperação e Comunidades
abril de 2004, Aprova a Brasileiras no Exterior, que também inclui o Departamento das Comunidades
estrutura regimental do Brasileiras no Exterior; o Departamento de Promoção Comercial e o Departamento
MRE. Cultural.

Apenas a primeira função da ABC é mantida: coordenar, negociar, aprovar,


acompanhar e avaliar, em âmbito nacional, a cooperação para o desenvolvimento
em todas as áreas do conhecimento, recebida de outros países e organismos
internacionais e aquela entre o Brasil e países em desenvolvimento.

Mantém-se a disposição de que o diretor da Agência Brasileira de Cooperação


deve ser cargo privativo de Ministro de Primeira Classe ou de Ministro de
Segunda Classe da Carreira de Diplomata.

Não é explicitado a quem cabe nomear o Diretor Geral da ABC, mas mantém-se a
disposição de que o ministro das Relações Exteriores pode nomear, entre pessoas
do quadro de servidores do MRE ou portadoras de habilitação técnica, os
ocupantes dos cargos de Coordenador Geral, Coordenadores e Gerentes.
Decreto n. 5.979, de 6 de A ABC é vinculada à Subsecretaria-Geral de Cooperação e Promoção Comercial
novembro de 2006, (ao lado do Departamento de Promoção Comercial e do Departamento Comercial),
Aprova a Estrutura com a mesma função e mantendo-se as mesmas disposições do decreto anterior.
regimental do MRE
332

Decreto n. 7.304, de 22 de A Subsecretaria-Geral de Cooperação e Promoção Comercial é renominada


setembro de 2010, Aprova Subsecretaria-Geral de Cooperação, Cultura e Promoção Comercial. A ABC, bem
a estrutura regimental do como os dois demais departamentos mencionados, continuam vinculados a ela.
MRE
Nova redação é dada no que se refere à competência da ABC (novidades
destacadas em itálico): planejar, coordenar, negociar, aprovar, executar,
acompanhar e avaliar, em âmbito nacional, programas, projetos e atividades de
cooperação para o desenvolvimento em todas as áreas do conhecimento, recebida
de outros países e organismos internacionais e aquela prestada pelo Brasil a países
em desenvolvimento, incluindo ações correlatas no campo da capacitação para a
gestão da cooperação técnica e disseminação de informações.

As demais disposições são mantidas.


Fonte: A autora, 2013, com base em consulta à Legislação Federal.
333

APÊNDICE D - Informações sobre o Grupo de Trabalho Interministerial em Assistência


Humanitária Internacional

Segundo o decreto de criação do Grupo de Trabalho Interministerial em Assistência


Humanitária Internacional (GTI-AHI), seu estabelecimento responde à “importância de se
aprimorar a coordenação entre os órgãos do Governo Federal responsáveis pela assistência
humanitária internacional, conforme a Carta Humanitária e Normas Mínimas de Resposta
Humanitária em Situação de Desastre” (BRASIL, 2006); e à
[...] necessidade de se instituir, na legislação vigente, autorização para que o Poder
Executivo possa, de forma permanente, empreender ações humanitárias com a
finalidade de proteger, evitar, reduzir ou auxiliar outros países ou regiões que se
encontrem, momentaneamente ou não, em estado de calamidade pública ou
situações de emergência, de risco iminente ou grave ameaça à vida, à saúde, à
proteção dos direitos humanos ou humanitários de sua população, respeitando a
cultura e os costumes locais dos beneficiários (Ibid.).

O GTI-AHI, que tem como objetivos coordenar esforços brasileiros e formular


propostas de projetos de lei na matéria autorizando ações lato sensu, é composto por
representantes:
a) Casa Civil;
b) do MRE (responsável pela coordenação do GTI-AHI, pela designação
dos representantes dos demais órgãos indicados por seus respectivos titulares,
pela convocação das reuniões e pela articulação com países e organismos
especializados das Nações Unidas);
c) do Ministério da Defesa;
d) do Ministério da Justiça (servidor pertencente aos quadros funcionais da
Secretaria Nacional de Segurança Pública);
e) do Ministério da Fazenda (servidor pertencente aos quadros funcionais
da Secretaria da Receita Federal);
f) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (servidor
pertencente aos quadros funcionais da Companhia Nacional de
Abastecimento);
g) do Ministério da Saúde;
h) do Ministério da Integração Nacional (servidor pertencente aos quadros
funcionais da Secretaria nacional de Defesa Civil);
334

i) do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome; da


Secretaria Geral da Presidência da República;
j) do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República;
k) do Ministério da Educação;
l) do Ministério do Desenvolvimento Agrário;
m) do Ministério das Comunicações;
n) e da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da
República.
335

APÊNDICE E - Informações sobre o trâmite legislativo de instrumentos que versam


sobre a assistência alimentar brasileira

As discussões legislativas sobre a assistência humanitária brasileira realizada na forma


de doações de alimentos (ou assistência alimentar) avançaram com o trâmite das Medidas
Provisórias nº 481/2010 e nº 519/2010, a última convertida em lei em 2011 (Lei nº 12.429, de
20 de junho de 2011). O instrumento principal, cuja tramitação não avançou no Congresso
Nacional, era o Projeto de Lei nº 737/2007, mas ele foi considerado inconstitucional já que,
ao autorizar o Executivo a empreender ações de assistência humanitária, sem aprovação
legislativa prévia, o projeto iria contra o Artigo 49º da Constituição. Não obstante, nova
redação dada à Lei 12.429, por meio da Lei. n.12.688, de 2012, aponta que se está chegando a
algo próximo do que era pretendido pelo PL 737, embora ainda no âmbito restrito da ajuda
alimentar.
Foram sistematizados, no quadro abaixo, alguns dos debates realizados durante o
trâmite das medidas provisórias mencionadas, que se converteram em lei com o apoio de
coalizão favorável à compra de estoques de alimentos pela União como mecanismo de
garantia de preços mínimos. Identifica nos debates, ainda, o componente da solidariedade,
reconhecida como valor sustentado não apenas pela esquerda brasileira, mas também pelo
próprio Congresso e pelo povo brasileiro.

Quadro 15 - Debates e considerações realizados durante a tramitação das Medidas Provisórias


nº 481/2010 e nº 519/2010 na Câmara dos Deputados
Argumentos da oposição Argumentos da coalizão do governo
MENDONÇA FILHO (DEM-PE) VICENTE CANDIDO (PT-SP)

A posição do nosso partido é favorável à [...] foi exatamente no Governo do Presidente Lula
aprovação da medida provisória em discussão e em que mudou o conceito do Brasil para o exterior.
processo de votação neste instante, mas é
importante colocar, de forma muito clara [...] a Hoje a posição do Brasil é um dos pontos mais
posição do Democratas com relação à própria bem avaliados pelas pesquisas internas e também
política externa da administração petista. Ela por meio da repercussão externa. O Brasil, não
talvez seja a marca mais negativa da gestão do somente pelo nosso bom futebol, pelo nosso bom
então Presidente Lula, porque, de certo modo, carnaval, é reconhecido hoje como uma potência
passou a mão na cabeça de muitos ditadores, foi econômica emergencial, como o país da
muito condescendente com regimes que prosperidade e das oportunidades
extrapolavam [...] os limites democráticos.
Evidentemente, em relação a esse ponto da política [...] eu quero discordar da posição do Democratas
externa, deve ser colocada, de forma muito e dizer que esta medida provisória é importante,
enfática, a nossa rejeição a essa postura relevante ao prestar solidariedade
condescendente por parte do Governo brasileiro.
Deputado, digo também que a solidariedade não
Sr. Presidente, com relação à medida provisória, tem ideologia. Ao incluirmos Cuba, que, para
336

que autoriza a doação de alimentos por parte do mim, está dentro dos critérios elencados pelo
Governo brasileiro a diversas nações que têm Governo, sem prejuízo de um debate maior, creio
relações com o Brasil, nós votaremos pela sua que estamos ajudando não o governo de Cuba, mas
aprovação, conforme o acordo celebrado, inclusive o povo de Cuba. Da mesma forma, nós estamos
com a participação do nosso Líder, Deputado ajudando o povo do Haiti, não necessariamente o
Antonio Carlos Magalhães Neto. Governo do Haiti.

Agora, há de se ressaltar neste instante que temos Em relação aos nossos problemas internos, o
de adotar um critério claro e objetivo sobre quais programa brasileiro de combate à pobreza foi
países devem merecer essas chamadas ajudas reconhecido pela ONU e foi uma das grandes
humanitárias e não ficar, a partir da própria marcas do Governo do Presidente Lula.
discussão em plenário, incluindo outro país a partir
da iniciativa individual de um Parlamentar. O Brasil, hoje, é o país das grandes produções de
grãos, da agricultura, e será ainda mais forte nessa
Fome existe no Brasil. Existem milhões de relação. Então, temos um dever moral, ético, de
brasileiros passando fome. Evidentemente, o Brasil ajudar os países, sobretudo os vizinhos, que muitas
não vai negar, de forma alguma, ajuda humanitária vezes, em alguns momentos de crise - é o caso de
a países que precisam, mas temos que fazer essa Cuba, que tem a sua agricultura detonada quando
reflexão. passam os furacões -, precisam de solidariedade
Recentemente, estabeleceu-se uma grande imediata.
discussão no Brasil a respeito da quantidade de
miseráveis, de pessoas que estão abaixo da linha
de pobreza. Foi feito um levantamento recente a
respeito do volume de recursos e de alimentos
doados, em valores financeiros, pelo Brasil a
governos estrangeiros. Chegou-se a um patamar de
3 bilhões de reais nos últimos 4 anos, sem nenhum
critério objetivo.

Então, eu queria chamar a atenção da Casa, do


Plenário, dos Parlamentares tanto da Oposição
quanto do Governo para o fato de que há que se
estabelecer uma linha clara de atuação nessa
matéria, para que esta Casa não delibere em cima
da hora, incluindo ou excluindo países a partir de
iniciativa individual.

Para concluir, quero externar a posição do


Democratas, a favor da matéria no que toca às
reflexões críticas a respeito da política externa.
Deixamos muito claro o posicionamento do
Democratas, rejeitando muitas das atuações que
foram tocadas pelo Ministério das Relações
Exteriores, principalmente na gestão do então
Ministro Celso Amorim.

FERNANDO CORUJA (PPS-SC) JOSÉ GENOÍNO (PT-SP)

A política externa brasileira tem de ser feita pelo [...] o Deputado Fernando Coruja, ao falar
Congresso, pelo Executivo, pela União. Na própria favoravelmente à medida provisória, questionou o
Constituição brasileira, o art. 4º diz que essa projeto de lei de minha relatoria. É exatamente
política deve ser feita de maneira a haver para situações como esta que o projeto de lei, em
cooperação entre os povos. Então, não há como ser situação extrema, de calamidade, de ameaça séria
contra a doação eventual de alimentos a países aos direitos humanos, em situação social limite,
como Haiti, Guatemala, Zimbábue, Bolívia e autoriza o Executivo a tomar as atitudes imediatas
outros, que enfrentaram problemas até de sem a edição de uma medida provisória.
catástrofes naturais. Temos de aprovar esta
matéria. Esta medida provisória está trancando a pauta. Ela
vai ser votada hoje, mas ainda tem de ir para o
[...] o Governo pretende também - e já há um Senado. Só que ela perde a validade amanhã,
337

projeto tramitando aqui nesta Casa - obter repito. Isso fundamenta a importância do projeto
autorização para fazer isso sem lei. Ele quer uma que eu apresentei.
lei genérica, para não necessitar mais de medida
provisória ou de qualquer instrumento legislativo O fundamento do projeto que eu relatei está aqui
para fazer isso. Nós nos posicionamos contrários a na medida provisória. Essa doação de alimentos
essa ideia, na Comissão de Constituição e Justiça e para assistência humanitária é uma ação do
de Cidadania. Governo brasileiro em articulação com a ONU; é
uma ação de assistência humanitária; é uma ação
Há um longo debate, inclusive com o Deputado social necessária. A diplomacia hoje não se realiza
José Genoíno, que está aqui na frente, exatamente apenas com aqueles assuntos que eram
porque há este instrumento, medida provisória, que considerados tradicionais; ela se realiza nesse tipo
pode ser utilizado em casos excepcionais, quando de ação.
há catástrofe. Uma previsão genérica não é boa,
porque exclui o Congresso Nacional da decisão. [...] a solidariedade social é um valor essencial da
Esquerda, principalmente quando se trata de
Apesar de votarmos a favor, queremos chamar a atender às pessoas necessitadas em situação de
atenção para o fato de que o Governo atual tem calamidade, em situação limite. Esse valor
caminhado sobre a linha tênue de uma política que, essencial da Esquerda, da solidariedade
apesar de atender os mais fracos internacional, está materializado nesta medida
internacionalmente, visa, em nosso entendimento, provisória sobre doação de alimentos para
tentar fortalecer a figura do Presidente num assistência humanitária. Os países aqui listados -
determinado bloco internacional, até com Haiti, El Salvador, Guatemala, Bolívia, Zimbábue,
conotação de perspectiva eleitoral em âmbito Palestina, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São
internacional, às vezes, assemelhada ao Bolsa- Tomé e Príncipe, Timor-Leste - são países
Família. Tem de ser feito, mas não pode ser carentes, com a população pobre.
utilizado com perspectiva eleitoral, e sim
acompanhado com outras ações para melhorar
educação e saúde, no âmbito nacional, e para
fortalecer aspectos como direitos humanos e
outros, no âmbito internacional. Não pode ser
apenas uma doação de alimentos descolada de
outros instrumentos de política internacional.

No geral, nosso partido, o PPS, está a favor desta


medida provisória e vota "sim" a esta questão, que
diz respeito à medida provisória.

Quero chamar a atenção para o último fato: houve


uma demora absurda na apresentação deste
relatório. A medida provisória foi editada em 10 de
fevereiro, e o relatório está sendo entregue hoje. É
inócua a votação dessa medida provisória, porque
ela caducará amanhã, dia 10. Repito, é inócua esta
votação, é um faz de conta. Ela funciona como um
decreto lei. O Governo já doou os alimentos.
Portanto, fazemos aqui um papel até ridículo,
hilário, votando aquilo que não precisa ser votado,
discursando sobre aquilo que não precisa de
discurso. [...]

Muitos falam no princípio da solidariedade e que a


esquerda tem por princípio a defesa da
solidariedade. Acho que a solidariedade é um
princípio muito solidificado hoje dentro das
relações internacionais, inclusive na questão dos
chamados direitos humanos.
Por isso, sempre que um país vê outro em
dificuldade, evidentemente, mesmo que haja
dificuldades internas, não pode se contrapor à
dificuldade do outro e deve trabalhar para ajudar
338

aqueles que têm dificuldades. Por isso que estamos


votando a favor da medida provisória.
O Relator aproveitou para incluir uma emenda, um
acréscimo, já avançando nisso e procurando
colocar a possibilidade de que o Executivo tenha
liberdade para doar outros alimentos. Isso é uma
prática ruim, inadequada.

Ontem, tivemos um longo debate aqui sobre as


medidas provisórias, o enxerto, o jabuti, a tentativa
de incrementar as medidas provisórias e aproveitar
o discurso, dizendo que a pessoa não pode ficar
contra dar alimento. Mas, por trás disso, há um
outro jogo de colocar outros pontos.

Nós queremos chamar atenção, entretanto, para o


fato de, como há um projeto do Governo
tramitando aqui, não podemos dar uma autorização
tipo cheque em branco. Não podemos permitir que
o Governo faça, por decreto, doações em qualquer
circunstância e em qualquer ocasião, porque isso é
perigoso.

A política internacional tem de ser feita pelo


Congresso, pelo Executivo e pelo Judiciário,
inclusive, pelos vários Poderes. É uma política da
União, que não pode ser feita só pelo Executivo,
muito menos apenas pelo Presidente da República.
[...]

Há uma sensação no ar de que a política externa da


Presidência da República está avançando para uma
política muito personalista do Presidente. Não é
uma política do Brasil.

Ontem se vangloriavam aqui de que é uma política


externa excelente, adequada, mas hoje mesmo se
percebeu que o Brasil teve algumas derrotas no
cenário internacional, por exemplo, com essas
novas restrições feitas ao Irã.

Há um certo abuso daquilo que a política externa


brasileira tem que fazer: que ela tem que se
aproximar dos mais frágeis e da política
internacional. Dizem que o Brasil tem um papel de
liderança, mas às vezes dá a sensação de que o
Presidente da República está numa jornada um
pouco solo de ganhar prestígio também
internacionalmente, acenando para a possibilidade
de, saindo da Presidência, ocupar determinado
cargo.

Na Comissão de Constituição e Justiça, fiz um


debate um pouco em tom de pilhéria, mas tudo o
que tem ironia e pilhéria tem verdade. Às vezes
essa política parece uma bolsa família
internacional, nos moldes do Bolsa Família
implementado no Brasil, que tem o nosso apoio.
Mas essa iniciativa deve vir junto com outros
programas, porque não basta dar comida. Diz a
339

Bíblia que não se pode dar só o peixe, tem-se que


ensinar a pescá-lo. Portanto, não basta dar comida;
tem-se que dar educação, saúde, emprego, cultura,
possibilidade de crescimento. E não basta dar
comida para trocar por voto - muitas vezes o ato
ganha essa conotação.

Quando se trata do âmbito internacional, se for


para dar comida para trocar por apoio, a coisa foge
um pouco do princípio estabelecido no art. 4º da
Constituição: a colaboração entre os povos. O
Brasil, na política internacional, tem que tomar
esse caminho.

É importante chamar a atenção para o fato de que


o Brasil se comporta mal em outras áreas. Por
exemplo, a questão de direitos humanos [...].

A política de direitos humanos do Brasil é


absolutamente inadequada quando prestigia
movimentos como a prisão de presos políticos em
Cuba; quando prestigia a posição do ditador da
Venezuela; quando prestigia os desmandos que há
no Irã, inclusive com relação a eleições. Aliás, essa
questão de ludibriar a lei nas eleições também está
muito forte aqui no Brasil por parte de setores do
Governo, e isso tem que ser condenado
veementemente.

Então, seria importante que o Brasil tivesse uma


política externa que não desse apenas comida. Não
basta dar comida. Mais importante que a comida,
que a saúde e a educação é a liberdade. A
liberdade é o maior valor que o homem pode ter, e
nela estão incluídos os direitos humanos, que são
desprestigiados por este Governo.

OUTROS DEPOIMENTOS

LUIZ COUTO (PT-PB)

[...] é importante que possamos manifestar, a cada dia, que a solidariedade é fundamental nas relações
humanas e entre os países. Também devemos aprender com o pobre. Quando chega mais gente à casa de
um pobre, ele coloca mais água na panela de feijão, para poder dividir com todos que ali estão. É assim
que o Brasil faz.

Temos problemas aqui? Temos, mas há irmãos nossos em outros países, que também estão necessitando
de ajuda. Isso é solidariedade. E, para aqueles que acreditam e têm fé, está na palavra de Deus, que
sempre nos chama para acolhermos o estrangeiro, amparar aquele que efetivamente necessita de ajuda
humanitária.

O Brasil, em todos os momentos, sempre tem-se revelado como país que cuida dessa relação
humanitária, da solidariedade humana e social. Então, não vejo razão para que não votemos
favoravelmente a essa medida provisória.

Também quero dizer que medidas provisórias perdem a eficácia devido ao processo de obstrução que
acontece aqui. Muitas vezes não queremos votar e terminamos deixando para o final, para que a medida
provisória perca a eficácia.

Nesse sentido, considero importante a aprovação dessa medida provisória como testemunho de que o
340

Brasil é solidário com os países que enfrentam calamidades, fome, violação de direitos. Solidariedade,
ajuda humanitária é algo que não podemos esquecer. O espírito de generosidade é fundamental na vida
do ser humano; se perdê-lo, ele se torna igual a um animal.

ARNALDO FARIA DE SÁ (PTB-SP)

A Medida Provisória nº 481, que perderá sua eficácia no dia 10, na verdade, já produziu seus efeitos. O
Brasil já destinou 100 mil toneladas de feijão, 100 mil toneladas de milho, 50 mil toneladas de arroz e 10
mil toneladas de leite em pó.

Esta semana estive numa cidade do interior de São Paulo, e o Prefeito me disse que a população ao redor
de uma obra lamentava que ela estivesse terminando. Ele foi indagar por que e descobriu que as crianças
ficavam contentes com a atividade daquela obra porque os operários destinavam o resto das marmitas a
elas. Estado de São Paulo! Imagine, então, Sr. Presidente, o que acontece quando estamos, de uma certa
maneira, dando o encaminhamento dessa posição.

O PTB encaminha a posição "sim", mas, particularmente, denuncio essa questão extremamente
importante, e digo que esta medida já destinou mais de 351 toneladas de alimentos a outros países e,
quando precisam de alimentação, a algumas cidades do Brasil e, nesse ponto, não vamos apreciar a
medida provisória.

ARNALDO FARIA DE SÁ (PTB-SP)

[...] essa medida provisória perde a sua eficácia no dia de amanhã, e ela certamente não será votada pelo
Senado. E votada ou não votada, a vontade do Executivo já foi cumprida.

[...] no Brasil nós temos mais de 10 milhões de pessoas que não têm acesso a nenhum alimento. Vários
Estados do País vivem, por intermédio das suas Prefeituras, pedindo suprimentos e cestas básicas para
sua população.

Portanto, Sr. Presidente, atender à população internacional, tudo bem, mas que se atenda também à
população brasileira que está em dificuldade

DR. UBIALI (Bloco/PSB-SP)

Eu me inscrevi para falar contra esta medida provisória porque acho que ela já exerceu os seus efeitos.
Ela já aconteceu!
Temos de ser solidários às nações amigas, temos de ser realmente companheiros de todos os povos; mas
primeiro temos de olhar para os nossos. E no Brasil, Deputado Maurício Rands, ainda temos muita gente
passando fome, vivendo abaixo da linha da pobreza.

Sei - porque participei dele - que este Governo tirou milhões de brasileiros da pobreza extrema, mas
ainda não tirou uma grande parcela que ganha abaixo de R$70,00 por mês. Isso faz com que pensemos e
nos preocupemos sobre se está chegando alimento para essas pessoas.

Há dificuldades para atender esses brasileiros. Quando me inscrevi, foi justamente para destacar minha
preocupação com os brasileiros que ainda não têm o suficiente para comer. Aliás o suficiente não, o
mínimo.

Tenho minhas dúvidas se nossa preocupação com a realidade internacional que estamos vivendo é muito
boa para o País. Isso nos dá um sentimento de alegria e orgulho nacional, mas, eventualmente, estamos
deixando de atender o brasileiro mais pobre, que realmente precisa desses alimentos.

Por isso, Sr. Presidente, estou fazendo esta fala para alertar no sentido de que tomemos cuidado. Somos
uma nação em desenvolvimento, estamos crescendo, progredindo, mas ainda temos pessoas que
precisam, e muito, desses alimentos.
Sei que o Haiti e vários outros países precisam de muitos recursos. Não custa nada ceder um pouco para
eles, mas não podemos nos esquecer jamais dos brasileiros que também passam fome, que são uma
grande parcela da nossa população.
341

LUIZ CARLOS HAULY (PSDB-PR)

Evidentemente, sobre o posicionamento político a uma matéria dessas, ninguém, em sã consciência, será
contra a doação de alimentos, principalmente porque, neste momento, no planeta Terra, entre cada 6
bilhões e 700 milhões de pessoas, 1 bilhão de pessoas passa fome. E, na América, nos 35 países, 50
milhões de pessoas passam fome.

Mas a minha observação é para acrescentar que o Brasil deve contribuir, como um dos maiores
produtores de alimento do mundo, não só para alimentar os povos dos países mais pobres, mas também
para dar condições ao povo brasileiro de alimentar-se.

A proposta a que estou dando entrada hoje, uma PEC - Proposta de Emenda Constitucional -, é pela não
incidência de tributos em todos os tipos de alimentos, desde a matéria-prima, insumos, sementes, todas
as etapas de produção de alimento, até o produto final industrializado no comércio interno do País. Com
isso, iniciaríamos um processo de transferência de renda para a população mais pobre do País.

Quero parabenizar o Deputado Maurício Rands, Relator da matéria, pelo relatório. Conheço seu trabalho.
Minha palavra não é de contrariedade total, é para agregar, chamar a atenção para aquilo que votamos
aqui - que eu, pessoalmente, entendi desnecessário; o alimento é um direito do brasileiro.

Eu gostaria de ter o apoio da Casa para votarmos o mais rapidamente possível essa PEC que estou
encaminhando hoje, com o apoio do número necessário de Parlamentares desta Casa.

Participei de um grande evento em São Paulo, com o Deputado Nazareno Fonteles, que preside a Frente
Parlamentar de Combate à Fome da América Latina e do Caribe, uma grande Frente, que tem o apoio da
FAO e da ONU - Organização das Nações Unidas.

Vamos trabalhar internamente como estamos trabalhando mundialmente.

Isenção de impostos dos alimentos no Brasil, já!

[...] começamos a cometer o mesmo erro que os Estados Unidos da América do Norte cometeram com a
América Latina e a América como um todo.

Temos, na América Latina, 50 milhões de pessoas pobres, países com baixo desenvolvimento - inclusive
grande parte do interior do Brasil está nessa condição. Agora, estamos mundiais na política
internacional, olhando para África e para outras regiões do mundo.

Quero dizer que a responsabilidade para com os países mais pobres do mundo é daqueles que os
exploraram, principalmente a Inglaterra, a França, a Alemanha, a Holanda. Esses países exploraram a
maior parte desses países no mundo - a África, uma parte do sudeste asiático e inclusive alguns países da
América Latina.

Acontece que o Brasil, que está começando a fazer política internacional, deveria ter foco. Qual é o foco
do Brasil? A América Latina. A América, para o Brasil, para os americanos, para 1 bilhão de pessoas
que moram no continente americano, são 35 países onde há 50 milhões de pessoas pobres. Inclusive o
índice de pobreza e de miséria no Brasil é crítico. Há lugares que não têm água encanada, não têm
esgoto, não têm escola, não têm posto de saúde.

Penso que o Brasil está agindo como se fosse uma nação do Primeiro Mundo, o que não somos. Não
tenho complexo de inferioridade, sei exatamente onde é o meu lugar.

Não é o caso dessa medida provisória, porque ela é uma medida humanitária que trata de alimentos. O
Brasil produz muito alimento e pode dar comida para quem quiser. Não há problema em doarmos
alimentos porque temos em quantidade e abundância, mas, para a política interna, é preciso uma decisão
do Congresso para tirar os impostos dos alimentos e dos medicamentos. Assim estaremos fazendo uma
grande justiça, além de dar continuidade aos nossos programas sociais e compensatórios.

Quanto à política internacional, o Brasil não tem dívida nenhuma para com nenhum país, porque ele
nunca foi colonizador, mas colonizado. O Brasil foi colonizado pelos portugueses e hoje é uma Nação
342

independente e soberana, que tem uma economia grande, mas não tem uma renda per capita suficiente.

JORGINHO MALULY (DEM-SP)

Quem sabe então é preciso priorizar isso para entidades nacionais, fundos sociais de solidariedade, para
outros programas, mas não para outros países.

[...] a palavra "solidariedade" não tem lado. Desde que se tenha valores intrínsecos na sua formação
cristã, moral e social, não tem aquele que não vá, de alguma maneira, procurar contribuir para minimizar
o sofrimento do seu semelhante.

Eu já disse aqui várias vezes que para chegar a esta Casa exerci o mandato de Vereador e por 2 vezes de
Prefeito no interior de São Paulo, uma cidade pequena. Outros Prefeitos e ex-Prefeitos no Norte,
Nordeste, sabem que o orçamento é pequeno, nem sempre consegue-se atender a todas as demandas,
principalmente da população de baixa renda, com as parcerias, seja federal, seja estadual. Em alguns
momentos, minha esposa, que era Presidenta Voluntária do Fundo Social de Solidariedade, organizava
jantares típicos - japoneses, espanhóis, árabes, italianos - fazia a "noite italiana", a "noite árabe". Vendia
os convites, buscava a doação daquilo que ia ser usado no jantar e a receita desses convites era utilizada
imediatamente na compra de medicamentos, cobertores. Tratavam-se, enfim, de reivindicações e
demandas da população a que a Prefeitura, naquele momento, não tinha orçamento para atender.

Sr. Presidente, digo isso porque fome é algo que a pessoa sente naquele momento. Ela precisa comer
para matar a fome, não pode esperar 2, 3, 4 dias.

Quando um país tem condições de ser solidário com outro, tem de dar todo apoio, sim. Mas, nessa
questão, há 2 quesitos que não posso deixar de mencionar. O primeiro é que meu querido amigo Relator,
Deputado Maurício Rands, disse que ainda há bastantes alimentos armazenados na CONAB. Ora, a
medida provisória é de fevereiro, mas fome ocorre todos os dias. Portanto, que se apresse, de alguma
maneira, a entrega desses alimentos para nossos irmãos de outros países, que necessitam de ajuda.

Também, na linha do que comentou há pouco o Deputado Dr. Ubiali, que é médico o jornal Diário do
Nordeste, em matéria recente, noticia que o Brasil, embora tenha avançado - é bom que reconheçamos
isso -, ainda possui quase 12 milhões de brasileiros passando fome.

Devemos, sim, ser solidários com quem está sofrendo; devemos, sim, dividir o pão e a riqueza, quando
podem ser divididos, mas sem jamais deixar de priorizar nossos irmãos brasileiros que, na minha visão,
devem ter prioridade nas ações do Governo.

Nosso encaminhamento é, portanto, favorável.

JOÃO ALMEIDA (PSDB-BA)

[...] estamos votando aqui matéria vencida. Há só mesmo o simbolismo de que teve o apoio do
Congresso esse gesto de solidariedade do povo brasileiro, praticado pelo Sr. Presidente da República, por
meio de medida provisória. O primeiro ponto a condenar é este: que tenha sido feito por medida
provisória. O Congresso Nacional não se negaria a votar, em regime de urgência urgentíssima, matéria
desse caráter, desde que estivesse devidamente justificada.

Pois bem, aqui, agora, estamos desconstituindo o nosso arcabouço jurídico. São mercadorias
apreendidas, muitas por razões justas e outras nem tanto - por isso, ainda sujeitas à apreciação judicial.
Nós estamos autorizando que o Sr. Presidente da República possa também fazer cortesia com o chapéu
alheio, usando estoques eventualmente apreendidos ainda carentes de decisão judicial.

A solidariedade é um sentimento coletivo de todo o Parlamento e de todos nós, brasileiros. Ninguém se


negará a apreciar com a urgência devida uma doação de alimentos, uma ação qualquer do Governo
brasileiro, melhor, do povo brasileiro, feita por intermédio do seu Governo, com a urgência que a
situação exige.

De modo que não podemos aceitar o relatório como é proposto. Desta forma, teremos que votar contra,
para impedir que se concretize esse absurdo proposto no art. 2º.
343

MIRO TEIXEIRA (PDT-RJ)

Relator, Sr. Presidente, gostaria de usar do direito de sanar algumas dúvidas com o Relator. É claro que a
intenção aqui é ótima.

Primeira preocupação que eu tenho: tem prazo determinado?

Então, trata-se de limitar no tempo. E é claro que, havendo necessidade, poderia vir outra lei.

A segunda coisa diz respeito às determinações dos produtos aqui. Eu tenho uma séria dúvida, porém eu
acho que fica resolvida com a fixação no tempo dessa atividade, que é o impacto que isso pode ter no
preço desses produtos no mercado interno. Acho até que essas quantidades não são razoáveis a ponto de
causar impacto, de aumentar os preços no mercado interno. Fixando o prazo, acho que essa parte está
resolvida.

Finalmente, é que nós só tomamos conhecimento desses produtos graças ao relatório de V.Exa., porque o
anexo que acompanha a medida provisória, como está dito na medida provisória, não foi distribuído ao
Plenário.

Temos o destaque para votação em separado da Emenda nº 1. Como disse V.Exa., ela é praticamente
redundante. Ela assegura que essa doação será feita, desde que não falte aqui para atender as tragédias
internas do Brasil, que, às vezes, acontecem.

Peço a V.Exa. que aceite essa emenda. Eu retirarei o destaque, se V.Exa. aceitar, e faremos uma votação
simbólica.

LUIS CARLOS HEINZE - O.k., eu aceito. Dá para incorporar no relatório a questão do prazo. E
podemos já determinar: como a nova safra ocorre só a partir de março do ano que vem, então nós
fixamos de agora até fevereiro, 28 fevereiro, para a doação.

MIRO TEIXEIRA - Se V.Exa. quiser, eu até acho que pode ser mais generoso: pode ser até o fim do
ano que vem. Tem que ter um prazo, por causa da safra. Os especialistas em produção agrícola é que
podem dizer o que é mais sensato. (Pausa.) É mais sensato até a próxima safra. Pronto. Então ficaremos
até 12 meses depois da conversão em lei da medida provisória. Pronto.

FRANCISCO RODRIGUES (DEM-RR)

Obviamente, os países aqui listados - República do Haiti, República de El Salvador, Guatemala, Bolívia,
República do Zimbábue, Territórios Ocupados da Palestina, República de Angola, República de Cabo
Verde, República da Guiné-Bissau, República de Moçambique, República Democrática de São Tomé e
Príncipe e República do Timor-Leste - merecem a nossa solidariedade, o nosso apoio, por meio da ação
da nossa diplomacia, os benefícios que possamos transferir para atender as suas necessidades. Mas
discordamos da forma como essa medida provisória vem e do quantitativo que será doado: 100 mil
toneladas de feijão, 100 mil toneladas de milho, ou equivalente industrializado, até 50 mil toneladas de
arroz e até 10 mil toneladas de leite. Isso representa 30 mil caminhões de 10 toneladas. Trinta mil
caminhões de 10 toneladas, Sr. Presidente.

Nós, que sabemos que ainda existem em nosso País, infelizmente, os bolsões de pobreza, as populações
periféricas, aquelas que ainda vivem mergulhadas na necessidade, na fome, às vezes, endêmica,
gostaríamos que essa medida provisória fosse mais bem esclarecida. Sabemos que 30 mil caminhões de
10 toneladas encerram também o alimento de que as nossas populações necessitam. Eu, como
democrata, mas acima de tudo como uma pessoa de religião firme, acho que devemos fazer essas
doações. Essas ajudas humanitárias são realmente positivas para o nosso País no cenário das grandes
nações. Mas queremos ver esse estudo mais aprofundado, para que parte expressiva dessas doações não
falte na mesa daqueles que têm mais necessidade, os nossos irmãos brasileiros.

MAURÍCIO RANDS (PT-PE)

[...] um passo importante para o novo papel que o Brasil cumpre na ordem internacional, representa uma
344

legislação de solidariedade aos povos atingidos por convulsões

Os programas denominados Política de Garantia de Preços Mínimos - PGPM e Programa de Aquisição


de Alimentos - PAA suportarão as despesas decorrentes das doações.

No decorrer do prazo regimental, foram apresentadas à Comissão Mista incumbida de emitir parecer
sobre a matéria quatro emendas, que oferecem redações alternativas, acrescem e suprimem dispositivos
da MPV nº 481, de 2010. São autores dessas emendas os seguintes Parlamentares: da Emenda nº 1, o
Deputado Indio da Costa, que acrescenta parágrafo ao art. 1º da medida provisória, condicionando a
doação à não ocorrência no território nacional de eventos adversos ou situação de insegurança alimentar;
da Emenda nº 2, o nobre Deputado Antonio Carlos Mendes Thame, que também acrescenta parágrafo ao
art. 1º, para atribuir à Controladoria-Geral da União a fiscalização e o controle da saída e da destinação
dos produtos doados; da Emenda nº 3, também o Deputado Antonio Carlos Mendes Thame, que suprime
o parágrafo único do art. 2º, eliminando a autorização de doação para outras nações em situação de
insegurança alimentar de quantitativo autorizado, mas eventualmente não demandado pelos países
beneficiados pela MPV; e da Emenda nº 4, o Deputado Indio da Costa, que altera a redação do art. 2º,
incluindo as Comissões de Agricultura e de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados e do Senado
Federal entre as instituições a serem ouvidas quando da definição dos quantitativos de estoques a serem
doados a cada beneficiário.[...]

Estamos tratando de bens fungíveis: arroz, feijão, e uma boa parte deles bens perecíveis, tão perecíveis
que não interessa nem ao ordenamento jurídico nem ao Poder Judiciário que eles apodreçam, podendo
ter uma destinação muito mais nobre, que é a responsabilidade de solidariedade internacional de um
grande País, o Brasil. Em segundo lugar, tratando-se de bens fungíveis, são substituíveis.

CHICO ALENCAR (PSOL-RJ)

[...] confirmadas essas intenções e boas práticas solidárias, até porque a solidariedade deve existir para os
outros.

ZONTA (PP-SC)

[...] queria fazer três registros em relação à Medida Provisória nº 519.

O primeiro é sobre o trabalho executado pelo Deputado Luis Carlos Heinze, do Partido Progressista, um
conhecedor profundo da produção agrícola e também da questão de mercado e seu abastecimento. S.Exa.
tem consciência disso. Agradeço ao Deputado Luis Carlos Heinze, que, em seu relatório, acaba também
incluindo as etapas de produção de alimentos no Brasil.

O segundo comentário é para destacar o gesto do Governo, em uma atitude humanitária.

O terceiro comentário: isso está acontecendo porque o nosso produtor brasileiro - que muitos não querem
que continue produzindo; portanto, votaram contra a iniciativa do Código - está produzindo alimentos
em quantidade, gerando excedentes inclusive. Gerando excedentes!

Então, vamos deixar o nosso agricultor continuar preservando o meio ambiente, mas, acima de tudo,
produzindo. E que se permita esse tipo de apoio humanitário a países que não tenham autossuficiência na
produção de alimentos. Que fique bem claro isso também.

[...] eu acho que a matéria ficou devidamente esclarecida, dado o gesto humanitário e observado o
acatamento, por parte do Relator, da sugestão dos colegas em relação a definir que os problemas
nacionais sejam prioritários quanto a receber as doações. Há necessidade de ocupar os estoques de
alimentos que temos no Brasil com urgência, voltá-los ao atendimento humanitário.

Encaminhamos favoravelmente à aprovação do relatório do nosso Relator, Deputado Luis Carlos


Heinze.
Fonte: A autora, 2013, com base em pesquisa na página da Câmara dos Deputados.
345

APÊNDICE F – Considerações sobre a horizontalidade na CSS e na CTPD brasileira

A horizontalidade vem sendo apontada pela literatura sobre a CSS como princípio e
como característica que a diferencia da cooperação tradicional. Ao refletir sobre o tema da
horizontalidade, a Secretaria-Geral Iberoamericana (SEGIB, 2008, p. 16, tradução nossa)
afirma que
[a] Cooperação Sul-Sul exige que os países colaborem entre si em termos de
parceiros. Isso significa que, para além das diferenças nos níveis de
desenvolvimento relativo entre eles, a colaboração se estabelece de maneira
voluntária e sem que nenhuma das partes vincule sua participação ao
321
estabelecimento de condições.

Nota-se que, para a organização, a horizontalidade não está relacionada à simetria


entre os níveis de desenvolvimento dos países parceiros, mas ao caráter voluntário da
cooperação e ao não estabelecimento de condicionalidades.
O diplomata brasileiro Iglesias Puente (2010, p. 75) lembra que o termo CTPD é
“quase sinônimo” de “cooperação técnica horizontal” e de “Cooperação Sul-Sul”. Na sua
leitura, a horizontalidade está relacionada à igualdade entre os parceiros, mas para ele é muito
difícil que a horizontalidade plena seja realizada na prática da CTPD, tendo em vista as
diferenças no nível de desenvolvimento dos parceiros:
[...] embora justificável quanto ao aspecto teleológico, [a ideia de horizontalidade]
não é [...] inteiramente precisa, pois a horizontalidade completa na cooperação para
o desenvolvimento não parece finalmente alcançável. Mesmo na inter-relação entre
países em desenvolvimento é difícil imaginar que se consiga reproduzir na prática,
muito além do discurso, a igualdade entre as partes. Na cooperação técnica, haverá,
quase sempre, a tendência de se reproduzir, ainda que em menor escala do que no
arquétipo tradicional, algum tipo de verticalidade na inter-relação entre prestador e
recipiendário. Dessa realidade não pode fugir nem mesmo [...] o padrão da
cooperação técnica brasileira.

O país com maior nível de desenvolvimento relativo (e, portanto, com maior
conhecimento e domínio do tema, mais recursos e categorias analíticas e instrumentais)
tenderia, naturalmente, a incidir mais na definição de prioridades. Nesse sentido, o uso do
termo “parceria”, em detrimento dos termos “prestador” e “recipiendário”, teria “caráter
marcadamente retórico” (Ibid., p. 115). Iglesias Puente (Ibid., p. 85) considera que a

321
O texto em língua estrangeira é: “La Cooperación Sur-Sur exige que los países colaboren entre sí en términos
de socios. Esto significa que, más allá de las diferencias en los niveles de desarrollo relativo entre ellos, la
colaboración se establece de manera voluntaria y sin que ninguna de las partes ligue su participación al
establecimiento de condiciones.”
346

utilização do termo “parceria” só faria sentido no caso de uma cooperação “genuinamente


horizontal”, quer dizer, “aquela que pressupõe intercâmbio efetivo e recíproco de
conhecimentos entre as duas partes”. Para ele, esse tipo de cooperação ocorre entre países do
Sul de maior desenvolvimento relativo. Ainda assim, nas relações do Brasil com países de
menor desenvolvimento relativo o diplomata afirma que a CTPD brasileira é inovadora por
negociar, identificar interesses dos parceiros, promover sua participação no desenho e utilizar
a lógica da demanda sempre que possível.
O Coordenador-Geral de Cooperação Técnica Multilateral da ABC, Marcio Corrêa
(2010, p. 51), converge com Iglesias Puente (2010) ao afirmar que, por seu caráter
heterogêneo, a CSS pode apresentar casos que
[...] praticamente reproduzem uma situação típica “Norte-Sul”, em que um país em
desenvolvimento é muito mais avançado do que o seu “parceiro”, como casos em
que tem lugar o intercâmbio de experiências entre os países com nível semelhante de
desenvolvimento. O caráter horizontal das relações de cooperação Sul-Sul seria um
de seus princípios condutores, mas realisticamente não pode ser considerado como
presente em todas as situações, uma vez que os enormes desníveis existentes entre
os países em desenvolvimento resultam em situações onde o país cooperante assume
um papel mais protagonista do que o país parceiro da iniciativa de cooperação.

Mais adiante, Corrêa (Ibid., p. 93) adiciona que uma real cooperação horizontal
envolveria uma postura em que seus atores estivessem “intelectualmente preparados para
‘ouvir’, ‘perguntar’ e ‘conhecer’, antes de ‘concluir’ ou ‘oferecer’”. Para verdadeiro
intercâmbio Sul-Sul, seriam necessários: níveis de desenvolvimento e qualificação dos
agentes públicos em níveis similares; e capacidade de definir prioridades e de planejar
políticas (Ibid., p. 95). O autor afirma, ainda, que
[...] o fato de existir uma vontade política de atuar de forma respeitosa não é
suficiente para assegurar um equilíbrio na relação de cooperação. Quando se trata de
atuar em países em desenvolvimento com grandes deficiências de capacitação
técnica e de organização institucional, os países provedores de cooperação Sul-Sul
enfrentam os mesmo dilemas dos países doadores. Como, por exemplo, desenvolver
todas as etapas do ciclo de um projeto em total equilíbrio de participação das duas
partes cooperantes, quando não existem interlocutores com o mesmo nível de
capacidade? Trata-se de um desafio que se inicia ao nível operacional, mas que
rapidamente pode chegar à esfera política e criar situações delicadas (Ibid., p. 96-
97).

Lideranças e estudiosos da CTPD brasileira em Saúde também refletiram sobre o


conceito da horizontalidade. Celia Almeida, (2010, p. 27) contrapõe horizontalidade à
verticalidade relacionada a “transferências unilaterais de ‘pacotes prontos’”, característica de
práticas tradicionais da ajuda. Diferentemente, a CSS se baseia na “[...] ênfase contínua no
347

intercâmbio de experiências, aprendizagem conjunta, compartilhamento de resultados e


responsabilidades com parceiros nacionais e internacionais.”
No que se refere à cooperação oferecida pelo Brasil, Almeida (Ibid., p. 32) relaciona a
horizontalidade, “postura política e estratégica”, à democratização e à participação social,
sendo a política social o resultado da articulação entre diversos grupos dentro do país.
Coerentemente com essa experiência, a cooperação brasileira envolveria ampla gama de
atores e decisões multinível.
Analisando o discurso dos ajustes complementares relacionados à CTPD do Brasil
com os PALOPs em Saúde, Torronteguy (2010) aponta que a horizontalidade é apenas
formal, pois na prática a postura do Brasil seria de ajuda, não de cooperação. Isso porque os
termos utilizados nesses ajustes são relacionados à transferência de experiências e
competências do Brasil para os parceiros, e não ao seu intercâmbio, o que faz com que a
cooperação brasileira acabe sendo de mão única.
Apesar disso, o autor valoriza o uso do termo “cooperação”, e não “ajuda”, pelo
discurso oficial brasileiro, o que “[...] implica assumir uma gramática de horizontalidade, de
pertencimento a uma mesma realidade [...]” (Ibid., p. 66). Também considera positiva a
metodologia da CTPD brasileira da horizontalidade por não envolver condicionalidades e
endividamento dos parceiros e por seu grande potencial para gerar sustentabilidade nas ações
em razão, entre outros, do foco no desenvolvimento de capacidades institucionais locais e de
sua coerência com os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.
Enquanto o caráter voluntário e desvinculado da CTPD brasileira coadunaria com o
princípio da horizontalidade elaborado pela SEGIB (2008), a metodologia da escuta das
necessidades do país parceiro convergiria com um segundo princípio da CSS: o princípio do
consenso. Quer dizer, a execução das ações de CSS devem acontecer a partir de negociações
comuns, como aquelas que ocorrem no âmbito de comissões mistas.
348

Apêndice G – Considerações sobre as relações da EMBRAPA com o CGIAR

Criado em 1971, o CGIAR promove o intercâmbio de conhecimentos entre institutos


agrícolas de várias partes do mundo (CGIAR, 2013). A importância da integração da
EMBRAPA a essa rede foi apontada por um diplomata brasileiro ao afirmar que ela
[...] permitiu a incorporação de novas variedades ao acervo genético do país e de
grande relevância ao agronegócio nacional. Diversas variedades de frutas, arroz,
feijão, milho, trigo e forrageiras - bracchiaria e panicum -, importantes cultivos para
o agronegócio nacional, também são exemplos dessa interação (BARBOSA, P.,
2011, p. 68).

A atuação da EMBRAPA junto ao grupo também engloba iniciativas Sul-Sul, mas na


vertente da cooperação científica e tecnológica. O exemplo mencionado pelo diplomata
constituiu-se, com efeito, na base Sul-Sul, como lembrou em 2010 o então presidente da
EMBRAPA, Pedro Arraes (2009-2012):
No caso dos centros internacionais de pesquisa agropecuária cujo modelo é o do
CGIAR, temos diversos projetos desenvolvidos, tanto de pesquisa quanto de
treinamento. Tivemos incorporação de novas variedades ao acervo genético do país,
algo de grande importância para o agronegócio brasileiro. Precisamos desse acesso a
germoplasma, o que obtemos por intermédio desses centros internacionais. Aqui,
dois exemplos, um mais específico, no caso de forrageiras, bracchiaria e panicum
aqui —, são espécies originárias da África. Eles foram mandados para esses centros
internacionais com que trabalhamos, no caso específico, o centro localizado na
Colômbia, o CIAT, e hoje eles dão suporte para esse rebanho todo que nós temos
(CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2012).

Exemplo mais recente de intercâmbios no âmbito do CGIAR foi a assinatura, em julho


de 2012, de acordos entre a EMBRAPA e o Instituto Internacional de Pesquisa de Arroz
(IRRI, na sigla em inglês), localizado nas Filipinas; e o Centro Internacional de Agricultura
Tropical (CIAT), localizado na Colômbia. Os acordos foram assinados no âmbito da iniciativa
EMBRAPA-CGIAR Xchange, que almeja fortalecer a cooperação científica em tópicos
específicos e apresenta modelo semelhante ao dos LABEX, na medida em que prevê alocação
de um pesquisador brasileiro em cada instituição com a qual foi assinado acordo por período
de dois anos, podendo haver renovação no terceiro ano (RODRIGUES, 2012).
Segundo Arraes, o envolvimento da EMBRAPA em redes e iniciativas de cooperação
científica e tecnológica, incluindo os LABEX, convênios com centros internacionais e os
PROCIs (PROCITRÓPICOS e PROCISUR) custa por volta de US$ 1,5 milhão ao ano. Esses
recursos são alocados para as viagens e para o estabelecimento de centros internacionais. Em
349

2009, o montante, de US$ 1,1 milhão, equivaleu a 0,136% do orçamento da EMBRAPA


daquele ano (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2010).
350

Anexo A - Texto completo do Decreto nº 65.476

Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos

DECRETO No 65.476, DE 21 DE OUTUBRO DE 1969.

Revogado pelo Decreto de 25 de abril de 1991 Dispõe sôbre as atividades de cooperação técnica
Texto para impressão internacional e dá outras providências.

Os Ministros da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar, usando das


atribuições que lhes confere o artigo 3º do Ato Institucional nº 16, de 14 de outubro de 1969,
combinado com o Art. 83, item II, da Constituição, e na forma do que dispõe o Art. 39 do Decreto-lei
nº 200, de 25 de fevereiro de 1967,

DECRETAM:

Art. 1º Compete ao Ministério do Planejamento e Coordenação Geral estabelecer a política


interna de cooperação técnica e coordenar a sua execução, inclusive pela definição de prioridades e
pela sua compatibilização com o plano global de governo. Ao Ministério das Relações Exteriores cabe
a formulação da política externa de cooperação técnica, a negociação dos seus instrumentos básicos
e o encaminhamento das solicitações aos organismos internacionais públicos e as agências de
governos estrangeiros.

Art. 2º As solicitações de cooperação técnica só serão encaminhadas a qualquer organismo


internacional ou agência de govêrno estrangeiro após prévia aprovação pelos Ministérios do
Planejamento e Coordenação Geral e das Relações Exteriores, no campo da competência respectiva
de cada um, na forma do Art. 3º dêste Decreto.

Parágrafo único. O Ministério do Planejamento e Coordenação Geral, através da Subsecretária


de Cooperação Econômica e Técnica Internacional (SUBIN), elaborará o calendário dentro do qual
serão recebidos os pedidos de cooperação técnica formulados pelas instituições interessadas.

Art. 3º Para os fins previstos no Artigo anterior, o Ministério do Planejamento e Coordenação


Geral promoverá, pelo seu órgão competente, a realização de reuniões periódicas onde se
procederá, de forma colegiada, ao exame das solicitações submetidas a sua aprovação, bem como
de assuntos gerais de cooperação técnica. Nessas reuniões, em que o Ministério das Relações
Exteriores sempre se fará representar; estarão também presentes, a juízo do Ministério do
Planejamento e Coordenação Geral, representantes dos órgãos da Administração federal, direta e
indireta, setorial e regionalmente responsáveis pela matéria ou pela área em que se inscreverem as
solicitações em exame, bem como, na qualidade de assessores, outros órgãos e especialistas cuja
audiência se faça necessária.

§ 1º As reuniões previstas neste Artigo serão precedidas dos estudos técnicos pertinentes,
promovidos pelo Ministério do Planejamento e Coordenação Geral, diretamente ou através do
Instituto de Planejamento Econômico e Social, bem como, nas áreas das respectivas competências
especificadas pelo Conselho Nacional de Pesquisas, Comissão Nacional de Pesquisas, Comissão
Nacional de Energia Nuclear e Centro Nacional de Recursos Humanos.
351

§ 2º Poderão ser dispensados do processamento de aprovação interna e de negociação


externa previstos neste Decreto os entendimentos e acordos operacionais estabelecidos diretamente
pelos órgãos especializados citados no parágrafo anterior, nos campos de sua competência, com, os
congêneres estrangeiros ou internacionais, mediante pronunciamento nesse sentido do Ministério do
Planejamento e Coordenação Geral, ouvido o Ministério das Relações Exteriores.

Art. 4º Os órgãos competentes para tratar dos assuntos de cooperação técnica internacional
são, no Ministério do Planejamento e Coordenação Geral, a Subsecretaria de Cooperação
Econômica e Técnica Internacional (SUBIN) e, no Ministério das Relações Exteriores, a Divisão de
Cooperação Técnica.

Art. 5º Dentro do prazo de trinta dias, a contar da publicação dêste Decreto, os demais
Ministérios deverão indicar ao Ministério do Planejamento e Coordenação Geral a repartição
competente, nos diferentes órgãos da Administração direta e indireta sob sua jurisdição, para tratar
de cooperação técnica internacional, nos têrmos do Art. 3º.

Parágrafo único. As repartições indicadas deverão estar capacitadas, diretamente ou mediante


o apoio técnico de outros setores especializados, para decidir sôbre a programação setorial da
cooperação técnica recebida, formular e analisar projetos e acompanhar a sua execução.

Art. 6º O Ministério do Planejamento e Coordenação Geral promoverá a elaboração do Plano


Básico de Cooperação Técnica Internacional, contendo os projetos prioritários das principais
instituições nacionais, bem como, diretamente ou através de organismos públicos ou privados de
reconhecida competência, a avaliação periódica dos programas de cooperação técnica internacional
em curso no país.

Art. 7º Fica extinta a Comissão Nacional de Assistência Técnica (CNAT), criada, no Ministério
das Relações Exteriores, pelo Decreto nº 28.799, de 27 de outubro de 1950, modificada pelos
Decretos nºs 54.251 e 56.548, respectivamente de 2 de setembro de 1964 a 8 de julho de 1965.

Parágrafo único. Ficam revogados os Decretos nºs. 34.763, de 9 de dezembro de 1953, que
aprovou o Regulamento da CNAT, e 54.251-A, de 2 de setembro de 1964, que o alterou.

Art. 8º Fica extinto o Escritório do Govêrno Brasileiro para a Coordenação do Programa de


Assistência Técnica (Ponto IV), criado pelo Decreto nº 45.660, de 30 de março de 1959, revisto pelo
Decreto nº 50.420, de 7 de abril de 1961.

Parágrafo único. As atribuições do referido Escritório passam a Subsecretaria de Cooperação


Econômica e Técnica Internacional (SUBIN) do Ministério do Planejamento e Coordenação Geral.

Art. 9º Fica extinto o Conselho de Cooperação Técnica da Aliança para o Progresso (CONTAP),
criado pelo Decreto nº 56.979, de 1 º de outubro de 1965.

§ 1º Passam a Subsecretaria de Cooperação Econômica e Técnica Internacional (SUBIN) do


Ministério do Planejamento e Coordenação Geral as funções previstas para o CONTAP pelos Artigos
1º, 2º, 3º, 5º, 6º e 9º do mencionado Decreto, as quais poderão ser desempenhadas por um
Secretário-Executivo, designado pelo Ministro do Planejamento e Coordenação Geral.

§ 2º Caberá ao Ministro do Planejamento e Coordenação Geral o ato de autorização a que se


refere o Art. 9º do Decreto nº 56.979, de 1º de outubro de 1965.

§ 3º Fica mantida a competência da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste


(SUDENE) para conceder prioridades, aprovar e acompanhar a execução de projetos, na área da sua
jurisdição, desde que enquadrados na programação nacional, conforme os têrmos do Artigo 7º do
mesmo Decreto.
352

Art. 10. Os servidores públicos requisitados pelo Escritório do Governo Brasileiro para a
Coordenação do Programa de Assistência Técnica (Ponto IV) e pelo Conselho de Cooperação
Técnica da Aliança para o Progresso (CONTAP) passam a disposição do Ministério do Planejamento
e Coordenação Geral.

Art. 11. A partir de 1º de janeiro de 1970, a contabilização a que se refere o § 1º do Artigo 3º do


Decreto número 56.979, de 1º de outubro de 1965, passará a ser feita pela Subsecretaria de
Cooperação Econômica e Técnica Internacional (SUBIN) do Ministério do Planejamento Coordenação
Geral, e a auditoria correspondente pela Inspetora Geral de Finanças do mesmo Ministério,
comunicando-se os resultados da mesma ao Banco Central do Brasil.

Art. 12. Êste Decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em
contrário.

Brasília, 21 de outubro de 1969; 148º da Independência e 81º da República.

AUGUSTO HAMANN RADEMAKER GRÜNEWALD


Aurélio de Lyra Tavares
Márcio de Souza e Mello
José de Magalhães Pinto
Hélio Beltrão

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 22.10.1969


353

ANEXO B - Acordos vigentes da CTPD envolvendo o Brasil

Quadro 16 – Nome do acordo de cooperação vigente por país e data de assinatura


País Titulo do acordo Data da Assinatura
Afeganistão Acordo Básico de Cooperação Científica e 02/02/2010
Técnica
África do Sul Acordo de Cooperação Técnica 25/07/2003
Acordo de Cooperação Econômica, Científica e 11/06/80
Angola Técnica

Acordo Básico de Cooperação Científica e 13/08/81


Arábia Saudita Técnica
Argélia Acordo Básico de Cooperação Científica e 28/04/77
Técnica
Acordo de Cooperação Científica, Tecnológica e 03/06/81
Técnica
Acordo de Cooperação Técnica 09/04/96
Argentina
Acordo de Cooperação Técnica 07/11/72
Benin

Acordo Básico de Cooperação Técnica, 16/12/96


Bolívia Científica e Tecnológica
Botsuana Acordo de Cooperação Técnica 06/04/2009
Burkina Faso Acordo de Cooperação Técnica 30/08/2005
Cabo Verde Acordo Básico de Cooperação Científica e 28/04/77
Técnica
Acordo de Cooperação Técnica 14/11/72
Camarões

Acordo Básico de Cooperação Científica, 26/07/90


Chile Técnica e Tecnológica
Acordo de Cooperação Científica e Técnica 25/03/82
China
Acordo Básico de Cooperação Técnica 13/12/72
Colômbia
Acordo de Cooperação Técnica e Científica 27/10/72
Costa do Marfim
Acordo de Cooperação Técnica entre o Governo 22/09/1997
Costa Rica da República Federativa do Brasil e o Governo
da República da Costa Rica
Acordo de Cooperação Científica , Técnica e 18/03/87
Cuba Tecnológica
Acordo de Cooperação Técnica e Científica 31/01/73
Egito
Acordo de Cooperação Técnica, Científica e 20/05/86
El Salvador Tecnológica
Acordo Básico de Cooperação Técnica 09/02/82
Equador
354

Acordo Básico de Cooperação Técnica e 07/11/1974


Gabão Científica
Acordo de Cooperação Técnica e Científica entre 14/10/75
o Governo da República Federativa do Brasil e o
Governo da República Gabonesa
Acordo Básico de Cooperação Técnica e 07/11/74
Gana Científica
Acordo de Cooperação Técnica de 09 de fevereiro de
Guatemala 1972, publicado no
Diário Oficial, de 20
de março de 1972
Acordo Básico de Cooperação Científica e de 16 de junho de
Técnica entre o Brasil e a Guatemala 1976. Promulgado
pelo Decreto nº 77,
de 11 de outubro de
1976, em 01 de
fevereiro de 1979
Acordo Básico de Cooperação Técnica 29/01/82
Guiana
Acordo Básico de Cooperação Técnica e 18/05/78
Guiné Bissau Científica
Acordo Básico de Cooperação Científica e 15/10/82
Haiti Técnica
Acordo Básico de Cooperação Científica e 11/06/76
Honduras Técnica
Acordo de Cooperação Econômica e Técnica 11/05/77
Iraque
Acordo Básico de Cooperação Técnica 12/03/62
Israel
Acordo de Cooperação Técnica 28/08/97
Jamaica
Acordo de Cooperação 25/03/75
Kuwait
Acordo de Cooperação Técnica (em negociação)
Líbano
Acordo de Cooperação Cultural, Científica e 07/10/81
Mali Técnica
Acordo de Cooperação Científica, Técnica e 10/04/84
Marrocos Tecnológica entre o Governo da República
Federativa do Brasil e o Governo do Reino do
Marrocos
Acordo Básico de Cooperação Técnica e de 24 de julho de
México Científica 1974. Promulgado
pelo Decreto nº
75.888, de 20 de
junho de 1975, em 24
de junho de 1975
Acordo para Implementação do Projeto 10/04/80
Moçambique "Implantação de um Centro de Formação
Profissional para Escritórios e Administração"
em Moçambique
Acordo Geral de Cooperação 15/09/81
Acordo de Cooperação Científica, Técnica e 01/06/89
Tecnológica
355

Acordo Básico de Cooperação Técnica 07/03/95


Namíbia
Acordo Básico de Cooperação Técnica 01/04/87
Nicarágua
Acordo de Cooperação Econômica, Científica e 10/01/79
Nigéria Técnica
Acordo de Cooperação Técnica (em negociação)
Palestina
Acordo Básico de Cooperação Científica e 09/04/81
Panamá Técnica
Acordo Básico de Cooperação Técnica 27/10/87
Paraguai
Acordo Básico de Cooperação Técnica e 08/10/75
Peru Científica
Acordo de Cooperação Técnica 02/02/73
Quênia
Acordo de Cooperação Técnica, Científica e 08/02/85
República Dominicana Tecnológica
Acordo de Cooperação Científica, Técnica e
Rússia Tecnológica (em negociação)
Acordo Geral de Cooperação entre o Governo da 26/06/84
São Tomé e Príncipe República Federativa do Brasil e o Governo da
República Democrática de São Tomé e Príncipe
Cooperação Brasil-Senegal Programa de Ação 24/03/76
Senegal para 1976
Acordo Básico de Cooperação Técnica 21/11/72
Acordo Básico de Cooperação Científica e 22/06/76
Suriname Técnica
Acordo de Cooperação Técnica e Científica 12/09/84
Tailândia
Acordo Básico de Cooperação Técnica e 03/01/72
Togo Científica entre o Governo da República
Federativa do Brasil e o Governo da República
Togolesa
Acordo Básico de Cooperação Científica e 12/06/75
Uruguai Técnica
Convênio Básico de Cooperação Técnica 20/02/73
Venezuela
Acordo de Cooperação Técnica e Científica 28/02/73
Zaire
Acordo de Cooperação Técnica Em negociação
Zimbábue
Fonte: A autora, 2013, com base em informações disponíveis na página da ABC (2013a)
356

ANEXO C- Decretos que dispõem sobre a gestão de projetos no âmbito de acordos de


cooperação técnica com organismos internacionais

Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos

DECRETO Nº 3.751, DE 15 DE FEVEREIRO DE 2001.

Dispõe sobre os procedimentos a serem


observados pela Administração Pública Federal
Revogado pelo Decreto nº 5.151, de 2004 direta e indireta, para fins de gestão de projetos,
no âmbito dos acordos de cooperação técnica com
organismos internacionais.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da
Constituição,

DECRETA:

Art. 1º Os órgãos e as entidades da Administração Pública Federal direta e indireta deverão observar
os procedimentos estabelecidos neste Decreto para fins de gestão de projetos, no âmbito dos
acordos e instrumentos congêneres de cooperação técnica com organismos internacionais.

Art. 2º A celebração de instrumentos de cooperação técnica internacional de que trata o artigo


anterior depende de prévia aprovação do competente documento de projeto por parte da Agência
Brasileira de Cooperação do Ministério das Relações Exteriores, que deverá conter, no mínimo, as
seguintes informações:

I - objetivo;

II - justificativas;

III - metas a serem atingidas;

IV - plano de trabalho;

V - orçamento.

Art. 3º Além das informações exigidas no artigo anterior, o projeto de cooperação está sujeito, ainda,
às seguintes formalidades:

I - aprovação pelo Ministro de Estado setorial ou por autoridade com prerrogativa equivalente, ou
dirigente máximo de autarquia, fundação ou empresa , ouvido, previamente, o respectivo órgão de
assessoramento jurídico; e

II - publicação, em extrato, no Diário Oficial da União, que será providenciada pelo órgão ou entidade
beneficiário da cooperação, até vinte e cinco dias a contar das assinaturas, contendo os seguintes
elementos:

a) resumo do objeto do projeto de cooperação técnica;


357

b) crédito pelo qual correrá a despesa;

c) número e data do empenho da despesa;

d) valor pactuado;

e) valor a ser transferido no exercício corrente e em cada um dos subseqüentes, se for o caso;

f) taxa de administração aplicada;

g) prazo de vigência do instrumento;

h) data de assinatura; e

i) identificação dos signatários.

Art. 4º Os serviços técnicos especializados e consultorias somente serão contratados para execução
de atividades com prazo determinado e desde que, prévia e comprovadamente, não possam ser
desempenhadas por servidores do órgão ou da entidade.

§ 1º Nas contratações de que trata o caput deste artigo, deverá constar cláusula vinculando
obrigatoriamente o profissional contratado às atividades direta e exclusivamente ligadas ao objeto ou
pactuado no instrumento de cooperação técnica, sendo vedado o seu desvio para o exercício de
outras atividades.

§ 2º Os serviços técnicos especializados e consultorias deverão ser definidos com objetividade e


clareza, devendo ficar evidenciadas as qualificações específicas exigidas dos profissionais a serem
contratados.

§ 3º O contrato de prestação de serviços técnicos especializados e de consultorias deverá


estabelecer critérios e forma de apresentação dos trabalhos a serem desenvolvidos.

Art. 5º Os contratos de que trata este Decreto devem observar os princípios da legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Art. 6º As contratações de serviços técnicos especializados e de consultorias deverão ser compatíveis


com as atribuições e os objetivos gerais e específicos constantes dos respectivos instrumentos de
cooperação técnica e efetivadas mediante processo seletivo simplificado, sujeito a ampla divulgação,
exigindo-se dos profissionais a comprovação da habilitação profissional e da capacidade técnica ou
científica compatíveis com os trabalhos a serem executados.

Parágrafo único. Os extratos dos contratos deverão conter, dentre outras informações, o objeto da
contratação, o valor do contrato e a identificação dos signatários, e serão publicados no Diário Oficial
da União, no prazo de até vinte e cinco dias, a contar das respectivas assinaturas, por iniciativa dos
órgãos e das entidades a que se destina a prestação de serviços.

Art. 7º As tabelas de remuneração a serem observadas integrarão os respectivos acordos ou


instrumentos congêneres, conterão os respectivos valores mensais, diários e por hora, relacionando
os requisitos de titulação, qualificação e experiência profissional.

Parágrafo único. Para fins de aplicação das tabelas de que trata o caput, observar-se-ão as funções
a serem desempenhadas e os requisitos exigidos para o seu exercício.

Art. 8º As contratações de consultoria e serviços de que trata este Decreto serão realizadas segundo
as seguintes modalidades:
358

I - consultoria por produto;

II - serviços técnicos não continuados; e

III - serviços continuados em Unidade de Gerenciamento de Projetos - UGP.

§ 1º Aplica-se a modalidade de consultoria por produto à contratação de profissional especializado


pelo tempo necessário à realização de trabalho técnico específico, observado o contexto e a vigência
do projeto ao qual esteja vinculado.

§ 2º A modalidade de serviços técnicos não continuados refere-se à contratação de profissional


especializado para suporte à consecução do projeto pelo prazo de até doze meses, improrrogável,
podendo haver nova contratação do mesmo profissional, por igual período, observada carência
mínima de três meses e a vigência do respectivo projeto.

§ 3º Aplica-se a modalidade de serviços continuados em UGP à contratação de profissionais para


coordenação e apoio administrativo às atividades do projeto pelo prazo máximo correspondente a sua
vigência.

Art. 9º Os serviços de consultoria por produto somente poderão ser pagos após aceitação do produto
ou de suas etapas pelos órgãos e entidades para o qual foram prestados os serviços.

Art. 10. As contratações de consultorias para a prestação de serviços continuados em UGP


obedecerão ao quantitativo de pessoal previsto para esse fim no instrumento de cooperação técnica.

§ 1º As UGP serão responsáveis pelo planejamento, coordenação, implementação e


acompanhamento das atividades dos projetos de cooperação técnica internacional.

§ 2º Em caso de extensão da vigência do instrumento de cooperação técnica, admitir-se-á a


prorrogação do prazo do contrato de prestação de serviços por até o mesmo período da prorrogação,
observado o disposto no § 2o do art. 8o.

Art. 11. Os órgãos e as entidades executores de projetos de cooperação técnica internacional


designarão os responsáveis pelo seu gerenciamento, devendo estes ser integrantes dos seus
quadros de pessoal efetivo ou ocupantes de cargos em comissão.

Parágrafo único. Compete aos gerentes de que trata o caput definir a programação orçamentária e
financeira do projeto, por exercício, bem assim responder pela sua execução e regularidade.

Art. 12. Os quantitativos de profissionais técnicos especializados e de apoio, a serem utilizados no


projeto, serão estabelecidos por exercício, devendo essa informação ser publicada, por iniciativa do
órgão ou da entidade beneficiária da cooperação no Diário Oficial da União, até trinta dias antes do
início da execução e, anualmente, no mês de dezembro do exercício anterior.

Art. 13. As contratações de serviços observarão a programação orçamentária e financeira constante


do instrumento de cooperação técnica.

Art. 14. É vedada a contratação, a qualquer título, de servidores ativos da Administração Pública
Federal, Estadual, do Distrito Federal ou Municipal, direta ou indireta, bem como de empregados de
suas subsidiárias e controladas, no âmbito dos acordos de cooperação técnica ou instrumentos
congêneres, ressalvadas as situações previstas no art. 37, inciso XVI, da Constituição Federal.

Art. 15. As atividades desenvolvidas pelos contratados serão comprovadas mediante relatórios
periódicos de desempenho, nos termos estabelecidos no contrato de prestação de serviços.
359

Art. 16. Os valores pagos aos contratados, a qualquer título, relativos ao exercício anterior, serão
relacionados por natureza e beneficiários e informados pelos órgãos e entidades à qual foram
prestados os serviços, até o mês de fevereiro, à Secretaria da Receita Federal do Ministério da
Fazenda e ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS.

Art. 17. Fica instituída, consoante as Resoluções nos 44/211 e 53/192, da Assembléia Geral das
Nações Unidas, a aplicação da modalidade de execução nacional para a gestão de projetos de
cooperação técnica internacional, definida como a sistemática de implementação de projetos cuja
direção técnica e coordenação operacional das atividades são de responsabilidade dos órgãos e das
entidades executores, sendo sua gestão administrativa, orçamentária, financeira, contábil e
patrimonial realizada sob o controle do Governo brasileiro.

§ 1º A modalidade de execução nacional de que trata o caput deste artigo será implementada por
unidade unificada de administração de projetos, sob responsabilidade da Agência Brasileira de
Cooperação, a ser regulamentada no prazo de cento e vinte dias.

§ 2º Em casos específicos, poderá ser adotada outra modalidade de execução de projeto, desde que
autorizada pelo Ministério das Relações Exteriores.

Art. 18. Os órgãos ou as entidades que vierem a firmar acordo de cooperação técnica ou
instrumentos congêneres com organismos internacionais dos quais o Brasil faça parte deverão
negociar, previamente, a taxa de administração a ser calculada sobre os recursos objeto de
aplicação, ficando esta limitada em até cinco por cento para os projetos implementados sob a
modalidade de execução nacional.

Art. 19. Compete aos órgãos do Sistema de Controle Interno do Poder Executivo Federal auditar e
fiscalizar o cumprimento das disposições contidas neste Decreto.

Art. 20. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 15 de fevereiro de 2001; 180º da Independência e 113º da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO


Celso Lafer
Pedro Malan
Martus Tavares

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 16.2.2001

Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos

DECRETO Nº 5.151, DE 22 DE JULHO DE 2004.

Dispõe sobre os procedimentos a serem observados


pelos órgãos e pelas entidades da Administração
Pública Federal direta e indireta, para fins de
celebração de atos complementares de cooperação
técnica recebida de organismos internacionais e da
aprovação e gestão de projetos vinculados aos
referidos instrumentos.
360

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso VI, alínea
"a", da Constituição,

DECRETA:

Art. 1o Este Decreto estabelece os procedimentos a serem observados pelos órgãos e pelas
entidades da Administração Pública Federal direta e indireta, para fins de celebração de atos
complementares de cooperação técnica recebida, decorrentes de Acordos Básicos firmados entre o
Governo brasileiro e organismos internacionais cooperantes, e da aprovação e gestão de projetos
vinculados aos referidos instrumentos.

Parágrafo único. A taxa de administração a ser fixada junto aos organismos internacionais
cooperantes fica limitada em até cinco por cento dos recursos aportados pelos projetos a serem
implementados sob a modalidade de Execução Nacional.

Art. 2o Será adotada a modalidade de Execução Nacional para a implementação de projetos de


cooperação técnica internacional custeados, no todo ou em parte, com recursos orçamentários da
União.

§ 1o A Execução Nacional define-se como a modalidade de gestão de projetos de cooperação técnica


internacional acordados com organismos ou agências multilaterais pela qual a condução e direção de
suas atividades estão a cargo de instituições brasileiras ainda que a parcela de recursos
orçamentários de contrapartida da União esteja sob a guarda de organismo ou agência internacional
cooperante.

§ 2o Na Execução Nacional a coordenação dos projetos de cooperação técnica internacional é


realizada por instituição brasileira, sob a responsabilidade de Diretor Nacional de Projeto e o
acompanhamento da Agência Brasileira de Cooperação do Ministério das Relações Exteriores,
conforme se estabelecer em regulamento.

§ 3o A critério do Ministério das Relações Exteriores, em casos específicos, poderá ser adotada outra
modalidade de execução de projeto.

§ 4o Na cooperação prestada pelo Brasil a países em desenvolvimento será adotada outra


modalidade de execução de projeto.

§ 5o No caso de o projeto de cooperação técnica internacional ser custeado totalmente com recursos
orçamentários da União, a participação do organismo ou agência internacional deverá se dar
mediante prestação de assessoria técnica ou transferência de conhecimentos.

§ 6o Os produtos decorrentes da assessoria técnica ou transferência de conhecimentos deverão estar


explicitados nos documentos de projeto de cooperação técnica internacional quer sejam total ou
parcialmente financiados com recursos orçamentários da União.

Art. 3o A celebração de ato complementar para a implementação de projetos de cooperação técnica


internacional depende de prévia aprovação da Agência Brasileira de Cooperação do Ministério das
Relações Exteriores.

§ 1o O ato complementar de cooperação técnica internacional estabelecerá:

I - o objeto, com a descrição clara e precisa do que se pretende realizar ou obter;

II - o órgão ou a entidade executora nacional e o organismo internacional cooperante e suas


respectivas obrigações;

III - o detalhamento dos recursos financeiros envolvidos;


361

IV - a vigência;

V - as disposições relativas à auditoria independente, contábil e de resultados;

VI - as disposições sobre a prestação de contas;

VII - a taxa de administração, quando couber; e

VIII - as disposições acerca de sua suspensão e extinção.

§ 2o O órgão ou a entidade executora nacional deverá encaminhar a minuta de ato complementar à


Agência Brasileira de Cooperação acompanhada de pronunciamento técnico e jurídico.

§ 3o O órgão ou a entidade executora nacional providenciará a publicação, em extrato, de ato


complementar no Diário Oficial da União, até vinte e cinco dias a contar da data de assinatura.

Art. 4o O órgão ou a entidade executora nacional poderá propor ao organismo internacional


cooperante a contratação de serviços técnicos de consultoria de pessoa física ou jurídica para a
implementação dos projetos de cooperação técnica internacional, observado o contexto e a vigência
do projeto ao qual estejam vinculados.

§ 1o Os serviços de que trata o caput serão realizados exclusivamente na modalidade produto.

§ 2o O produto a que se refere o § 1º é o resultado de serviços técnicos especializados relativos a


estudos técnicos, planejamentos e projetos básicos ou executivos, pareceres, perícias e avaliações
em geral, treinamento e aperfeiçoamento de pessoal.

§ 3o O produto de que trata o § 2o deverá ser registrado e ficar arquivado no órgão responsável pela
gestão do projeto.

§ 4o A consultoria de que trata o caput deverá ser realizada por profissional de nível superior,
graduado em área relacionada ao projeto de cooperação técnica internacional.

§ 5o Excepcionalmente será admitida a seleção de consultor técnico que não preencha o requisito de
escolaridade mínima definido no § 4o, desde que o profissional tenha notório conhecimento da
matéria afeta ao projeto de cooperação técnica internacional.

§ 6o O órgão ou a entidade executora nacional somente proporá a contratação de serviços técnicos


de consultoria mediante comprovação prévia de que esses serviços não podem ser desempenhados
por seus próprios servidores.

§ 7o As atividades do profissional a ser contratado para serviços técnicos de consultoria deverão estar
exclusiva e obrigatoriamente vinculadas aos objetivos constantes dos atos complementares de
cooperação técnica internacional.

§ 8o A proposta de contratação de serviços técnicos de consultoria deverá estabelecer critérios e


formas de apresentação dos trabalhos a serem desenvolvidos.

§ 9o Os consultores desempenharão suas atividades de forma temporária e sem subordinação


jurídica.

§ 10. O órgão ou a entidade executora nacional providenciará a publicação no Diário Oficial da União
do extrato do contrato de consultoria até vinte e cinco dias a contar de sua assinatura.

Art. 5o A contratação de consultoria de que trata o art. 4o deverá ser compatível com os objetivos
constantes dos respectivos termos de referência contidos nos projetos de cooperação técnica e
362

efetivada mediante seleção, sujeita a ampla divulgação, exigindo-se dos profissionais a comprovação
da habilitação profissional e da capacidade técnica ou científica compatíveis com o trabalho a ser
executado.

§ 1o A seleção observará os princípios da legalidade, impessoalidade, publicidade, razoabilidade,


proporcionalidade e eficiência, bem como a programação orçamentária e financeira constante do
instrumento de cooperação técnica internacional.

§ 2o Os serviços técnicos de consultoria deverão ser definidos com objetividade e clareza, devendo
ficar evidenciadas as qualificações específicas exigidas dos profissionais a serem contratados, sendo
vedado o seu desvio para o exercício de outras atividades.

§ 3o A autorização para pagamento de serviços técnicos de consultoria será concedida somente após
a aceitação do produto ou de suas etapas pelo órgão ou pela entidade executora nacional
beneficiária.

§ 4o O órgão ou a entidade executora nacional informará, até o último dia útil do mês de março, à
Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda e ao Instituto Nacional do Seguro Social -
INSS os valores pagos a consultores no ano-calendário imediatamente anterior.

§ 4o O órgão ou a entidade executora nacional informará à Secretaria da Receita Federal do


Brasil, do Ministério da Fazenda, os valores pagos a consultores no ano-calendário imediatamente
anterior. (Redação dada pelo Decreto nº 7.639, de 2011)

§ 5º A Secretaria da Receita Federal do Brasil estabelecerá, em ato normativo próprio, a forma, o


prazo e as condições para o cumprimento da obrigação acessória a que se refere o § 4º. (Incluído pelo
Decreto nº 7.639, de 2011)

Art. 6o O órgão ou a entidade executora nacional designará o Diretor Nacional de Projeto de


cooperação técnica internacional, que deverá ser integrante de quadro de pessoal efetivo ou
ocupante de cargo em comissão.

Parágrafo único. Compete ao Diretor Nacional de Projeto:

I - definir a programação orçamentária e financeira do projeto, por exercício;

II - responder pela execução e regularidade do projeto; e

III - indicar os responsáveis pela coordenação do projeto, quando couber.

Art. 7o É vedada a contratação, a qualquer título, de servidores ativos da Administração Pública


Federal, Estadual, do Distrito Federal ou Municipal, direta ou indireta, bem como de empregados de
suas subsidiárias e controladas, no âmbito dos projetos de cooperação técnica internacional.

Art. 8o Compete aos órgãos do Sistema de Controle Interno do Poder Executivo Federal auditar e
fiscalizar o cumprimento das disposições contidas neste Decreto.

Art. 9o O Ministério das Relações Exteriores baixará normas complementares à execução deste
Decreto.

Art. 10. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 11. Revoga-se o Decreto no 3.751, de 15 de fevereiro de 2001.

Brasília, 22 de julho de 2004; 183o da Independência e 116o da República.


363

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA


Celso Luiz Nunes Amorim
Guido Mantega

Este texto não substitui o publicado no DOU de 23.7.2004

Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos

DECRETO Nº 7.639, DE 8 DE DEZEMBRO DE 2011.

Altera o art. 5º do Decreto nº 5.151, de 22 de julho


de 2004, que dispõe sobre os procedimentos a
serem observados pelos órgãos e pelas entidades
da administração pública federal direta e indireta,
para fins de celebração de atos complementares
de cooperação técnica recebida de organismos
internacionais e da aprovação e gestão de
projetos vinculados aos referidos instrumentos.

A PRESIDENTA DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso VI,
alínea “a”, da Constituição,

DECRETA:

Art. 1º O art. 5º do Decreto nº 5.151, de 22 de julho de 2004, passa a vigorar com a seguinte
redação:

“Art. 5o ............................................................................................................................................

..............................................................................................................................................................

§ 4o O órgão ou a entidade executora nacional informará à Secretaria da Receita Federal do Brasil,


do Ministério da Fazenda, os valores pagos a consultores no ano-calendário imediatamente anterior.

§ 5º A Secretaria da Receita Federal do Brasil estabelecerá, em ato normativo próprio, a forma, o prazo e
as condições para o cumprimento da obrigação acessória a que se refere o § 4º.” (NR)

Art. 2º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 8 de dezembro de 2011; 190º da Independência e 123º da República.

DILMA ROUSSEFF
Guido Mantega

Este texto não substitui o publicado no DOU de 9.12.2011


364

ANEXO D – Texto da Portaria MRE n. 555

Portaria MRE nº 555 de 10/10/2008 (Federal)

Data D.O.: 16/10/2008

Dispõe sobre os procedimentos operacionais a serem adotados pelo Diretor Nacional, pelos
Coordenadores e Gerentes dos Projetos implementados com a parceria do Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

O MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, no uso de suas atribuições, Considerando que as


ações de Cooperação Técnica Prestada a Países em Desenvolvimento CTPD, implementadas pela
Agência Brasileira de Cooperação (ABC), do Ministério das Relações Exteriores (MRE),
constituem importante instrumento de política externa, do qual o Brasil se tem servido para
assegurar presença positiva e crescente nos países e regiões de interesse primordial;

Considerando, igualmente, que a política externa brasileira prioriza a cooperação Sul-Sul, como
instrumento seguro para atingir desenvolvimento sustentável, elevação do nível e da qualidade
de vida das populações;

Considerando a necessidade imperiosa de implementar subprojetos e atividades isoladas,


destinados à consecução dos objetivos da cooperação técnica a ser desenvolvida nesses países;

Considerando a peculiaridade dessa execução, que se desenvolve descentralizadamente em


território nacional e internacional, com a parceria de instituições brasileiras e de países
recipiendários da cooperação;

Considerando a necessidade de regulamentar as ações administrativo-financeiras que regem a


implementação das atividades de cooperação técnica internacional prestada pelo Brasil, resolve
baixar as seguintes disposições:

Art. 1º Na execução de subprojetos e atividades isoladas dos Projetos implementados com a


parceria do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), na área de
cooperação técnica Sul-Sul, os procedimentos operacionais a serem adotados pelo Diretor
Nacional, pelos Coordenadores e Gerentes desses instrumentos deverão observar:

a elaboração dos subprojetos e atividades isoladas, respeitadas as suas respectivas


conceituações, deverá obedecer às normas e procedimentos fixados no Manual de Elaboração
de Projetos da Agência Brasileira de Cooperação (ABC);

a Coordenação Geral de Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento (CGPD/ABC)


poderá contratar serviços técnicos e de consultoria de pessoa física ou jurídica para a
elaboração, execução e avaliação dos subprojetos e atividades isoladas, no âmbito dos Projetos
implementados em parceria com organismos internacionais, observado o contexto e a vigência
do Projeto ao qual estejam vinculados;

a operacionalização desses subprojetos e atividades isoladas, no tocante aos aspectos


administrativos e financeiros será regida da seguinte forma:
365

Relativamente à contratação de pessoa jurídica, realizar-se-á, preliminarmente, processo


licitatório desenvolvido em completa consonância com o Manual de Convergência de Normas
Licitatórias do PNUD (publicado no Diário Oficial da União de 23 de julho de 2004, aprovado
pelo Tribunal de Contas da União) aplicadas a Projetos de cooperação técnica internacional;

os processos licitatórios devem ser executados observados os princípios básicos da legalidade,


isonomia, probidade administrativa, vinculação ao instrumento de convocação, publicidade e
julgamento objetivo;

as modalidades de licitação, contidas no Manual citado, devem ser rigorosamente observadas,


relativamente aos requisitos legais;

aos limites de recursos estabelecidos para cada modalidade; aos documentos de licitação; aos
procedimentos licitatórios e à avaliação das propostas;

são as modalidades seguintes:

Solicitação de Cotação;

Solicitação de Proposta;

Concorrência c.1. Solicitação de Cotação:

Entre interessados do ramo pertinente ao seu objeto Requisitos:

i. envio a um número mínimo de 5 (cinco) licitantes, com antecedência mínima de 5 (cinco)


dias;

ii. necessidade de recebimento de, pelo menos, 3 (três) propostas válidas;

iii. critério de classificação de acordo com o menor preço;

iv. objeto de especificação e cognição simples e direta.

c.2. Solicitação de Proposta Entre interessados na área de especialização.

Requisitos: divulgação do Aviso de Licitação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias da


abertura das propostas.

c.3. Concorrência Ato público entre quaisquer interessados.

Requisitos : i.exigência da fase inicial de habilitação preliminar em que o licitante comprove


possuir os requisitos mínimos de qualificação para a execução do objeto;

ii. divulgação do Aviso de Licitação com antecedência mínima de 30 [trinta] dias da abertura
das propostas.

d) o orçamento do subprojeto beneficiado deve prever recursos para a execução da ação a ser
implementada, não podendo ser ultrapassado

e) os Termos de Referência devem ser redigidos de forma clara, concisa, objetiva, contendo
todas as informações necessárias ao bom entendimento do objeto sob licitação, de forma a
propiciar maior qualidade na elaboração da proposta a ser apresentada, no processo e na
seleção da proposta mais vantajosa sob os aspectos técnicos e de preço, quando se aplicar.
366

Relativamente ao recrutamento de pessoa física, realizar-se-á contratação na modalidade de


execução de produtos, a ser regida pelo estabelecido no Manual de Execução Nacional de
Projetos de CTPD, do PNUD, que estabelece todos os procedimentos administrativos e
financeiros da cooperação sul-sul, no âmbito dos projetos internacionais.

a) os produtos a serem solicitados terão duração de até 12 meses consecutivos, podendo ser
prorrogado, no máximo, por igual período, e se referem a estudos técnicos, de pesquisa;
planejamento;

elaboração e avaliação de subprojetos; treinamento; organização de eventos; aperfeiçoamento


de pessoal; pareceres; perícias; concepção e elaboração de programas informatizados; e

de procedimentos administrativos, financeiros, orçamentários e de controle, indispensáveis à


execução dos subprojetos/atividades isoladas;

b) a consultoria de que trata o item anterior, a ser requisitada a pessoa física, deverá ser
realizada por profissional de nível superior, titulado por meio de curso especializado ou pós-
graduação, cuja qualificação profissional seja inerente ao trabalho a ser realizado ou por
consultor técnico que comprove grande conhecimento da matéria afeta ao projeto de
cooperação técnica internacional;

c) a proposta de contratação de serviços técnicos de consultoria deverá estabelecer critérios e


formas de apresentação dos trabalhos a serem desenvolvidos;

d) os consultores desempenharão suas atividades de forma temporária e em absoluto estado de


autonomia, sem subordinação jurídica à Agência Brasileira de Cooperação (ABC), do Ministério
das Relações Exteriores (MRE);

e) a contratação do consultor deverá ser compatível com os objetivos constantes dos


respectivos termos de referência, nos quais estarão expressos com simplicidade e clareza,
minimamente, o objeto da contratação, a qualificação profissional esperada, o período de
contratação e os critérios de avaliação do processo seletivo;

f) a seleção do consultor observará os princípios da legalidade, impessoalidade, publicidade,


razoabilidade e eficiência, bem como a programação orçamentária e financeira constante do
instrumento de cooperação técnica. Os procedimentos operacionais a serem seguidos deverão
observar:

f.1. autorização, pelo Diretor Nacional ou Coordenador do Projeto PNUD, para a contratação do
consultor;

f.2. elaboração do respectivo Termo de Referência com detalhamento do propósito da


contratação, descrição das atividades a serem desenvolvidas, produtos esperados, qualificação
profissional do consultor, data do início e término do produto; critério de avaliação;

f.3. publicação do referido Termo de Referência em jornal de grande circulação e qualquer outra
forma de divulgação;

f.4. recebimento, análise das propostas e seleção do candidato;

f.5. homologação da seleção pelo Diretor Nacional ou Coordenador;

f.6. elaboração e assinatura do contrato pelo PNUD e pelo beneficiário;


367

g) considerando a necessidade imperiosa de alta qualificação e larga experiência, a contratação


poderá recair sobre profissional a ser indicado por instituição parceira executora, que deverá
contar com a sua colaboração na implementação dos trabalhos sob sua responsabilidade;

h) nesses casos, o processo se dará pela identificação e indicação do profissional pela instituição
parceira. A homologação da escolha será de competência do Diretor Nacional ou do
Coordenador do Projeto, após análise do "curriculum vitae" e sua adequação aos trabalhos a
serem realizados. O pagamento do consultor, em qualquer dos casos constantes das letras f),
g) e h) acima, será decorrente de contrato assinado pelo Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento, no âmbito de Projeto específico de cooperação, implementado com a parceria
do PNUD

i) os contratos na modalidade de produto poderão, excepcionalmente, ser objeto de aditamento


nos casos em que haja necessidade de dilação do prazo de vigência ou quando for necessário
atribuir serviço complementar, de modo a possibilitar a conclusão do produto solicitado, ou,
ainda, com vistas a agregar a execução de trabalhos afins, desde que aprovado pelo Diretor
Nacional do Projeto. Como disciplinado no art. 1º, Item II, a, os contratos poderão ter duração
de até 12 meses consecutivos, renováveis, no máximo, por igual período;

j) a interrupção de um contrato por produto poderá ocorrer por decisão do Diretor Nacional do
Projeto do PNUD ou por solicitação do contratado. Reger-se-á, em ambos os casos pelo Manual
de Execução de Projetos de CTPD, do PNUD.

l) é vedada a contratação, a qualquer título, de servidores ativos da Administração Pública


Federal, Estadual, do Distrito Federal ou Municipal, direta ou indireta, bem como de
empregados de suas subsidiárias e controladas;

m) além da modalidade de contratação prevista, o Diretor do Projeto ou seu Coordenador


poderá autorizar a prestação de serviços eventuais, para produtos ou tarefas específicas, desde
que respeitado o limite de até 3 meses consecutivos de execução de trabalho e de valor até
US$ 1,500.00 mensais, observada a taxa de câmbio do PNUD.

Relativamente às aquisições de bens, será realizado, preliminarmente, processo licitatório em


completa consonância com o Manual de Convergência de Normas Licitatórias do PNUD
(publicado no Diário Oficial da União de 23 de julho de 2004, aprovado pelo Tribunal de Contas
da União) aplicadas a Projetos de cooperação técnica internacional.

Art. 2º Os órgãos do Sistema de Controle Interno do Poder Executivo Federal, através da


Secretaria Federal de Controle, no exercício de suas atribuições, auditarão e fiscalizarão o
cumprimento das disposições contidas nesta Portaria.

Art. 3º A presente Portaria entrará em vigor no dia da sua assinatura.

CELSO AMORIM
368

ANEXO E- Parcerrias com Orrganismos Innternacionaais para a Ex


xecução da CTPD brassileira

Gráfico 5 – Volume de recursoss alocados ppor organism


mo internaciional para a execução da
d
CTPD brrasileira, 20
003-2010 (U
US$)
40.000.0000,00

35.000.0000,00

30.000.0000,00

25.000.0000,00

20.000.0000,00
USD

15.000.0000,00

10.000.0000,00

5.000.0000,00

0,00
2003 2004 2005 2006
6 2007 2008 20009 2010
Projetos eem parceria com o FAO 2.259.887,01
Projetos eem parceria com a PMA 5.294.117,65
Projetos eem parceria com a IICA 1.180. 000,00 757.647,06
6
Projetos eem parceria com o UNODC 1.437. 552,50
Projetos eem parceria com o OTCA 75.867,65
Projetos eem parceria com o OIT 2.261. 556,00 757.647,06
6
Projetos eem parceria com a PNUD 2.014.979,,19 829.736,44 1.1132.447,605.308.50
08,033.579.212,946
6.801.538,2114.3266.571,928.124.745,2

Fonte: FARA
ANI, 2011.
369

ANEXO F – Evolução das maiores contribuições brasileiras para Organizações


Internacionais e Bancos Regionais

Gráfico 6 – Contribuições do Brasil para organismos internacionais,


2005-2009
350

300

250

200
R$ milhões

150

100

50

0
2005 2006 2007 2008 2009
Mercosul 1,2 76,8 98 128,5 127
Nações Unidas 55,1 49,2 33,2 46 62,2
OPAS/OMS 52 50,7 39,6 17,3 15,8
OEA 8 12,3 11,4 11,7 17
FAO 0 70,5 12,3 11,3 9
OIT 0 17,5 9,1 5,2 0
AIEA 0 9,8 7,5 5 14,4

Fonte: IPEA; ABC, 2010.


370

ANEXO G - Perfil da Assistência Humanitária Brasileira

Gráfico 7 - Distribuição da assistência humanitária


brasileira por região, 2005-2009

África; 7,26% Oceania; 0,02%

Ásia; 16,44%

América Latina e
Caribe; 76,27%

Fonte: ABC; IPEA (2010)

Gráfico 8 – Detalhamento dos gastos da assistência humanitária


brasileira, 2005-2009

Custos Horas técnicas Passagens e Materiais/equipam


administrativos 0% diárias entos
associados 0,02% 6%
7%

Cooperação
financeira
21%
Doações em
espécie
(suprimentos)
66%

Fonte: ABC; IPEA (2010)


371

Gráfico 9 - Alocação da assistência humanitária brasileira por nível de renda do país de


destino, 2005-2009
Renda baixa Renda média‐baixa Renda média‐alta Renda alta

2009 35,20% 25,20% 39,60%

2008 28,30% 37,10% 34,60%

2007 7,20% 81,40% 11,30%

2006 14,20% 75,50% 10,30%

2005 6,20% 93,80%

Fonte: ABC; IPEA (2010)

Gráfico 10 – Distribuição da assistência humanitária brasileira por país, 2005-2009

1,39% 1,43%
1,32%
1,83% Nicarágua
2,53%
7,35% 3,48% Equador
3,94% Peru
Argentina
Jamaica
4,03%
21,59%
Guiné Bissau
Bolívia
8,97%
Paraguai
Organizações internacionais

10,07% Honduras
Território palestino
19,21%
Haiti
12,84% Cuba
Demais países

Fonte: ABC; IPEA (2010)


372

ANEXO H - Número de iniciativas da CTPD brasileira coordenada pela ABC por país

Tabela 7 – Número de projetos e atividades isoladas da CTPD


brasileira por país
País/Bloco Projetos Atividades isoladas
Argentina 15 0
Belize 8 0
Bolívia 20 5
Chile 4 1
Colômbia 26 2
Costa Rica 13 0
El Salvador 33 1
Equador 21 5
Guatemala 12 5
Guiana 8 2
Honduras 12 3
México 32 1
Nicarágua 11 2
Panamá 14 0
Paraguai 20 9
Peru 38 4
Suriname 16 6
Uruguai 19 1
Venezuela 16 2
Total América do Sul 338 49
CARICOM 0 30
Bahamas 0 1
Barbados 3 1
Cuba 32 3
Dominica 0 2
Granada 0 6
Haiti 26 10
Jamaica 6 2
República Dominicana 20 3
Santa Lúcia 0 6
São Cristóvão Névis 0 2
São Vicente e 0 7
Granadinas
Trinidad e Tobago 0 6
Total Caribe 87 79
Outros América do 0 167
Norte, Sul, Central e
Caribe
Defesa
Regional 1 13
África do Sul 0 1
Angola 7 4
Argélia 7 0
Benin 5 0
Botsuana 1 1
Burquina Faso 1 1
Cabo Verde 11 4
Camarões 2 1
Congo 5 0
Etiópia 0 1
Gana 4 2
Guiné Bissau 8 4
373

Guiné Conacri 0 1
Libéria 1 0
Malaui 0 3
Mauritânia 0 2
Moçambique 18 2
Namíbia 2 0
Nigéria 2 0
Quênia 3 0
República Democrática 5 0
do Congo
São Tomé e Príncipe 16 3
Senegal 5 3
Sudão 0 1
Tanzânia 4 0
Togo 1 0
Tunísia 0 1
Zâmbia 2 0
Zimbábue 1 0
Total África 110 35
Afeganistão 2 0
Armênia 0 2
China 0 2
Líbano 1 0
Palestina 0 6
Tailândia 0 2
Timor Leste 9 0
República de Fiji 0 1
Total Ásia, Europa 12 13
Oriental, Oceania e
Oriente Médio
Fonte: A autora, 2013, com base em ABREU, 2012.
374

ANEXO I – Discurso do Presidente Lula durante a Solenidade de Assinatura de Projetos


de Cooperação Técnica entre a República Federativa do Brasil e a
Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação – FAO.
Palácio do Itamaraty, 14/02/2003

Meu caro Diretor Geral da FAO, Jaques Diouf,

Demais representantes da FAO presentes neste ato,

Ministros de Estado,

Meus amigos da imprensa,

O combate à fome só vai acontecer de verdade, no mundo, quando a


fome for transformada num problema político. E, quando falo num
problema político, não é o de filiar os famintos a um partido. Quando falo
em um problema político quero dizer quando os famintos começarem a
preocupar os governantes.

Um faminto, a pessoa que está desnutrida e com fome, não tem


sindicatos, não tem partido político. Muitas vezes, não tem nem
representantes no Parlamento, de uma Câmara de Vereadores a uma
Câmara de Deputados. Às vezes, são levados para votar, tratados como
se não fossem seres humanos.

Eu sempre achei que combater a fome precisa, em primeiro lugar,


convencer os que comem a estender a mão para os que não comem. E eu
sei que é difícil uma pessoa que levanta de manhã e toma o seu belo café,
almoça e janta todo dia, ter preocupação com alguém que está passando
fome, que às vezes está muito distante ou que, às vezes, está próximo,
mas está dentro de um lugar em que as pessoas quase não conseguem
ver.

Eu diria que combater a fome é uma combinação entre a ação política do


Estado, a ação de solidariedade da sociedade, mas, sobretudo, em alguns
casos, é necessário mexer com a mente e com os corações das pessoas
que podem mais porque têm mais poder aquisitivo.

Não é fácil acabar com a fome. E eu acredito que a FAO, mais do que
ninguém, depois do grande encontro de Roma, em 1996, quando 112
Chefes de Estado se comprometeram a acabar com a fome em 2015, e,
hoje, a constatação é que nós estamos longe de acabar com a fome em
2015. A previsão, agora, pelo pouco caso daqueles que assumiram o
compromisso e que não o fizeram, é que agora, possivelmente, pelos
375

parâmetros do encontro de 1996, em Roma, teria que se esperar 2050


para acabar com a fome.

Eu estou convencido que é preciso dinheiro para acabar com a fome. Mas,
eu estou mais convencido, ainda, de que o dinheiro é apenas uma parte
dos problemas, ou uma parte do problema. É preciso que haja, sobretudo,
determinação política do governante mas, também, determinação política
de cada ser humano da face da terra, que se envergonhe de estar
comendo, na sua casa ou num restaurante, sabendo que bem próximo
dele tem uma criança em algum lugar do mundo morrendo porque não
consumiu as calorias e as proteínas necessárias.

Eu sei que muita gente gostaria que eu já tivesse acabado com a fome, no
Brasil. Tem gente que, quando nós anunciamos o projeto, no dia seguinte
já estava cobrando: "Não acabou com a fome ainda?".

E eu confesso que não dá para quantificar a hora e o momento em que


nós vamos acabar com a fome, no Brasil. O que dá para afirmar, aos
membros da FAO, presentes nesse ato, é que nós precisamos transformar
a fome no mais elementar dos direitos humanos, em todo o planeta terra.
Porque, enquanto o problema da fome for apenas dos que estão com
fome, nós não iremos resolver a questão da fome.

O que eu posso garantir à direção da FAO é que durante 24 horas por dia
todos os membros do meu Governo, e se puder contribuir para que todas
as pessoas sensatas deste país ajam como o Governo, é que nós
estaremos tomando cada decisão pensando em como fazer chegar o
alimento na casa de uma pessoa.

E não existe uma única fórmula. É preciso a economia do país voltar a


crescer, é preciso gerar empregos, é preciso fazer reforma agrária, é
preciso melhorar a educação, é preciso melhorar a saúde.

E nós temos clareza: possivelmente, o nosso projeto de combate à fome


não seja o mais perfeito do mundo. Mas eu duvido que no mundo tenha
um mais perfeito que o nosso.

E ele não foi feito pelo Governo, ou como peça de um candidato. O Projeto
Fome Zero foi elaborado sob a coordenação do Ministro Graziano que, na
época, era meu assessor no Instituto de Cidadania, mas envolveu grande
parte das pessoas que, neste país, um dia, se preocuparam com a fome.

Há 40 dias atrás, ou há 2 meses atrás, alguém poderia dizer: "Bom, mas


esse projeto de combate à fome é uma peça política do candidato Lula".
Não era quando eu era candidato e não é agora. O combate à fome é um
compromisso ético, moral, cristão. É, sobretudo, uma profissão de fé, de
estender as mãos para aqueles que não tiveram as mesmas
376

oportunidades que eu tive. É o mínimo que se espera de um Governo, é o


mínimo que se espera de um homem público.

Lamentavelmente, a elite brasileira e, dentro da elite brasileira, até


grandes setores da nossa gloriosa imprensa, estão acostumados com
outro tipo de Governo: um Governo em que todos os recursos públicos
disponíveis são feitos para atender a demanda daqueles que,
necessariamente, não deveriam precisar do Estado.

E nós queremos fazer o contrário. Nós queremos utilizar todo o potencial


que o Estado tiver para fazer políticas públicas, na tentativa de devolver
para o povo cada centavo em forma de um benefício qualquer que
signifique, para ele, ser tratado com dignidade e com o respeito que todo
ser humano tem.

Eu sou um sonhador. Por natureza, eu sou sonhador. E eu acredito que


haverá um dia, no Planeta Terra, governantes que, ao invés de querer
produzir uma bala para matar alguém, esteja disposto a incentivar a
plantar um pé de feijão, para salvar alguém.

O dia que nós conseguirmos isso, a humanidade terá chegado ao paraíso


tão sonhado, que todos nós buscamos.

Obrigado.
377

ANEXO J – Laboratórios Virtuais e Projetos da EMBRAPA no Exterior

Figura 5 – Mapa dos laboratórios virtuais e projetos da EMBRAPA no exterior

Fonte: EMBRAPA, 2013a.


378

ANEXO K – Melhores práticas: cooperação recebida pelo SENAI a partir da década de 90

Quadro 17 – Sistematização de informações sobre projetos de cooperação recebida pelo


SENAI
Iniciativa e Instituições Áreas Objetivos Resultados
Parceiras contempladas
Melhoria de Qualidade - Peças em Ligas de - Aumentar a - Crescimento bastante
para a Tecnologia de Alumínio competitividade significativo das competências
Fundição nas Pequenas - Fundição em internacional das técnicas das contrapartes, o que
e Médias Indústrias de Coquilha pequenas e médias levou a um maior nível de
Fundição no Brasil - Fundição Sob indústrias de qualidade da formação profissional
Pressão fundição no Brasil; e acadêmica dos técnicos das
JICA e Centro - Fundição de - Elevar o nível dos indústrias participantes do projeto.
Tecnológico de Fundição Precisão serviços de - A promoção de cursos,
Marcelino - Processo Cera treinamento e seminários e palestras bem como o
Corradi (SENAI/MG/ Perdida assistência técnica desenvolvimento de consultorias às
CETEFMC) - Areias oferecidos pelo indústrias de fundição promoveram
Aglomeradas com SENAI/CETEF às salto qualitativo nas empresas
Resina pequenas e médias assistidas. Como resultado
- Fusão e indústrias de imediato, os fundidos produzidos
Tratamento Térmico fundição a fim de pelas indústrias participantes do
de Ligas Ferrosas apresentar projeto alcançaram níveis de
- Mecanização de competitividade qualidade competitiva exigidos
Fundição internacional; pelo mercado internacional.
- Elevar o nível - O número de atendimento técnico
técnico das oferecido pelo SENAI/CETEF às
contrapartes, para pequenas e médias indústrias
que possam aumentou.
responder às - Sustentabilidade: o corpo técnico
necessidades das do SENAI/CETEF e das indústrias
pequenas e médias que participaram do projeto
indústrias na área de continuou a buscar o seu
fabricação de aprimoramento por meio de cursos
produtos de de mestrado e doutorado; o
fundição; SENAI/CETEF manteve o
- Elevar a qualidade atendimento às indústrias
dos serviços de participantes
treinamento para do projeto e passou a atender
fabricação de outras novas indústrias, que
produtos de passaram a buscar apoio técnico
fundição; necessário para o seu
- Elevar a qualidade desenvolvimento;
dos cursos e existem planos de manutenção
treinamentos preventiva para todos os
oferecidos pelo equipamentos fornecidos pelo
SENAI/CETEF às governo do Japão e que todos eles
pequenas e médias se
indústrias de encontram em perfeito estado de
fundição operação, sendo que até o
momento não houve necessidade
de manutenções que pudessem
envolver significativas quantias
financeiras.
- O projeto alcançou seu objetivo
estratégico.
379

A demanda por serviços técnicos e


tecnológicos teve um aumento
significativo dentro das áreas de
abrangência do projeto.
COMPETIR - Confecção - Apoiar o aumento - Colaboração integrada e
- Construção civil da produtividade e participativa das instituições
GTZ, SENAI e Sebrae - Couro e calçados competitividade das envolvidas e de seus clientes
- Laticínios indústrias de (considerada a mais extensa e
- Embalagens pequeno porte dos complexa experiência de
- Moveleiro nove estados do cooperação
Nordeste. técnica internacional vivenciada
- Articular cadeias e por seus parceiros, brasileiros e
arranjos produtivos alemães)
locais, envolvendo - Capacitação de aproximadamente
empresas de pequeno 1,7 mil técnicos do SENAI e do
porte, inserindo-as SEBRAE e de 41 mil provenientes
de forma dinâmica e de empresas (cursos, workshops,
integrada no visitas técnicas, consultorias)
desenvolvimento - Mais de 12 mil empresas
regional. beneficiadas.
- Produção de 124 documentos em
forma de livros, material didático,
pesquisas, mapeamento,
diagnóstico, artigos, dissertações
de mestrado.
- Realização de 527 workshops nas
cadeias da construção civil, couro
e calçados, confecção e laticínios.
- Formação de Núcleos Regionais
de Gestão nas cadeias de laticínios
e de construção civil,
congregando empresários de todos
os estados do Nordeste
- Engajamento de universidades da
região no oferecimento de cursos
de capacitação, análises
laboratoriais e inclusão de novas
disciplinas na sua grade curricular
Programa Nacional de Refrigeração - Disseminar - Capacitação e certificação de
Formação de Mecânicos práticas mais de 21 mil mecânicos em
Refrigeristas ambientalmente todos os estados brasileiros.
(PROKLIMA) corretas quanto à - Adesão dos 27 Departamentos
manutenção de Regionais do SENAI ao projeto.
GTZ e SENAI equipamentos - Elaboração de 45 kits
de refrigeração, didáticos móveis para uso
Projeto integrante do evitando a emissão exclusivo das atividades
Programa Nacional de de gases que - Distribuição de mais de 22 mil
Eliminação de CFC, destroem a camada manuais de boas práticas.
coordenado pelo de ozônio
Ministério do Meio - Divulgar
Ambiente do Brasil, no procedimentos
âmbito do Protocolo de corretos na escolha e
Montreal. manipulação dos
gases novos;
Cursos de Boas Práticas cuidados necessários
em Refrigeração na reoperação de
realizados pelas escolas sistemas que utilizam
do SENAI, com repasse óleo sintético;
de recursos do Fundo importância da
Multilateral do Protocolo brasagem na
380

de Montreal pela GTZ. montagem dos


. sistemas de
refrigeração para
evitar vazamento de
fluidos refrigerantes;
- Capacitar docentes
na condução dos
cursos de
refrigeração;
Sistemas de Têxtil (segmentos Fortalecer o - Oferecimento regular de cursos
Gerenciamento e de educação, SENAI/CETIQT nas áreas de Desenho de Fio,
Tecnologias Modernas credenciamento de como centro de Tecido Plano e de Malha e
para laboratórios, excelência Estamparia Convencional e
o Aprimoramento do desenvolvimento de nas áreas de Auxiliado
SENAI/CETIQT e a produtos, aplicação tecnologias por Computador; Colorimetria
Indústria Têxtil e de de informática, avançadas para Aplicada e Formulação
Confecção Brasileira informação) melhor atender às Computadorizada de Receitas de
necessidades atuais Cores; Automação de Tinturarias e
UNIDO e Centro de do setor têxtil e de Cozinhas de Cores; Processos e
Tecnologia da Indústria confecção brasileira. Sistemas de Beneficiamento
Química e Têxtil Têxtil.
(CETIQT/SENAI/RJ)322 - Consultoria na concepção,
organização e instalação do curso
de graduação em Engenharia
Industrial Têxtil oferecido pelo
SENAI/CETIQT desde março de
1998
- Credenciamento junto ao
INMETRO/RBC dos laboratórios
de Colorimetria Aplicação e
Ensaios Químicos
- Mais de 140 empresas atendidas
na área de colorimetria, otimização
de processos de acabamento,
ensaios químicos e elaboração de
estampas têxteis
- Reforço do acervo d as
bibliotecas do SENAI/CETIQT,
com aquisição de cerca de 410
publicações e outros materiais
didáticos e assinatura de 16 títulos
de periódicos.
- Avaliação do uso da tecnologia
de engomagem de 11 empresas.
- Realização de rês seminários
e um simpósio.
Formação Profissional e Mobiliário Desenvolvimento - 16 técnicos do Cetemo treinados
Assistência Técnica à das capacidades do no Canadá;
Indústria do Cetemo - 7 técnicos canadenses recebidos
Mobiliário e Madeira no Cetemo;
- Doação de equipamentos ao
École Quebecoise du Cetemo: estação de CAD,
Meuble et du Bois Ouvré equipamentos diversos;
(Canadá) e Centro - Cursos implantados/realizados
Tecnológico do com base no projeto: Operador de

322
A parceria entre as duas organizações também contempla um segundo projeto, intitulado Desenvolvimento de
Recursos Humanos para a Indústria Têxtil e de Confecção nas Áreas de Marketing, Administração, Design e
Tecnologia. Ver: SENAI/DN 2010.
381

Mobiliário Máquinas para Madeira, Desenho


(Cetemo/SENAI/RS) de
Móveis e Prototipista de Móveis;
A partir da década de Gerenciamento da Produção;
1990 o projeto foi Diversos cursos de treinamento
estendido para outras - Mais de 400 alunos capacitados;
regiões brasileiras - Mais de 5 mil empresas
beneficiadas.
Companheiros do Dever Construção civil - Qualificar jovens - Satisfação e resolução de
profissionais para o problemas crônicos na construção
Association Ouvrière des mercado; civil, tais como fissuras,
Compagnons du Devoir - Inserir jovens infiltrações, produtividade,
du profissionais desperdícios de materiais e
Tour de France qualificados no segurança;
(AOCDTF) e Centro de mercado de trabalho - Treinamento de longa duração da
Formação Profissional da mão de obra e adaptado as
Fábio de Araújo Motta construção civil; necessidades das empresas do setor
(SENAI/Uberlândia) - Diminuir acidentes da construção civil.
de trabalho na
construção civil.
Fonte: A autora, 2013, com base em seleção e sistematização de informações disponíveis em SENAI, 2010.

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