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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

INSTITUTO UNIVERSITÁRIO DE PESQUISAS DO RIO DE JANEIRO


Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais

RONALD VIZZONI GARCIA

ESCOLHAS INSTITUCIONAIS PARA A REDUÇÃO DE CUSTOS DE


TRANSAÇÃO POLÍTICOS NA OFERTA DE POLÍTICAS PÚBLICAS
EM DIREITOS HUMANOS:
GOVERNOS MUNICIPAIS BRASILEIROS, 2009-2012

RIO DE JANEIRO
2018
RONALD VIZZONI GARCIA

Escolhas institucionais para a redução de Custos de Transação Políticos na


oferta de políticas públicas em direitos humanos:
governos municipais brasileiros, 2009-2012

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em


Ciência Política do Instituto Universitário de Pesquisas do
Rio de Janeiro, da Universidade Candido Mendes, como
requisito parcial à obtenção do título de Doutor em
Ciência Política.

Área de Concentração: Ciência Política

Orientador: Prof. Dr. Antonio José Junqueira Botelho


Coorientador: Prof. Dr. Glauco da Silva Aguiar

RIO DE JANEIRO
2018
Catalogação na Publicação
Biblioteca Central
Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro - IUPERJ
Bibliotecário responsável: Paulo César do Prado – CRB-7 7131

G216e Garcia, Ronald Vizzoni.


Escolhas institucionais pra a redução de Custos de
Transação Políticos na oferta de políticas públicas em
direitos humanos: governos municipais brasileiros, 2009-
2012 / Ronald Vizzoni Garcia. -- Rio de Janeiro, 2019.
198 f. : il.

Tese (Doutorado em Ciência Política) – Instituto


Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, 2019.
Orientação de: Antônio José Junqueira Botelho

1. Desenho institucional 2. Políticas públicas 2. Direitos


humanos 3. Ciência Política 4. Brasil I. Universidade
Candido Mendes II. Título.

CDU 378:352(043.2)”2009/2012”
RONALD VIZZONI GARCIA

Escolhas institucionais para a redução de Custos de Transação Políticos na


oferta de políticas públicas em direitos humanos:
governos municipais brasileiros, 2009-2012

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em


Ciência Política do Instituto Universitário de Pesquisas do
Rio de Janeiro, da Universidade Candido Mendes, como
requisito parcial à obtenção do título de Doutor em
Ciência Política.

__________________________________________________
Prof. Dr. Antonio José Junqueira Botelho (Orientador)
Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro/UCAM

__________________________________________________
Prof. Dr. Glauco da Silva Aguiar (Coorientador)
Fundação CESGRANRIO

__________________________________________________
Prof. Dr. Antônio Marcelo Jackson Ferreira da Silva
Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP)

__________________________________________________
Profa. Dra. Celia Regina do Nascimento de Paula
Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro/UCAM

__________________________________________________
Profa. Dra. Erica Simone Almeida Resende
Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro/UCAM
Escola Superior de Guerra (ESG)

RIO DE JANEIRO
2018
Aos meus pais, Ronaldo e Lourdes, à minha filha Jade e à minha esposa Patricia.
AGRADECIMENTOS

Reza a lenda, nos corredores dos cursos de mestrado e doutorado, que o trabalho de
feitura da tese é um esforço exclusivo do autor. Em termos de escrita e responsabilidade pelo
que ali está, o raciocínio é correto, mas nada é mais enganoso sobre o processo que leva do
início ao fim da tese. Muitas são as pessoas que tornaram a concretização desse esforço em
algo que pudesse passar do devaneio solitário a algo concreto, que pudesse dialogar com o
mundo acadêmico.
Minha adesão ao tema começa antes. A rápida passagem pelo Núcleo de Estudos de
Políticas Públicas em Direitos Humanos (NEPP-DH), da UFRJ, foi decisiva para abraçar o
tema dos direitos humanos. Devo agradecer ao professor Vantuil Pereira, pelos comentários à
minha apresentação sobre secretarias estaduais de direitos humanos, em evento no Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IFCS/UFRJ). Aos
professores Luiz Antônio Cunha e Celi Scalon, pelo exemplo de duas gerações diferentes de
professores titulares que engrandecem o campo das ciências sociais. Ao professor Ricardo
Rezende Figueira, que pude entrevistar e aprender a como estruturar, de forma consistente,
um grupo de pesquisa com dados de violações de direitos humanos – como é o Grupo de
Pesquisa sobre Trabalho Escravo Contemporâneo. Devo, ao professor Marcelo Coutinho, o
estímulo a ingressar no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ) e o
interesse por política internacional, bem como seus brilhantes comentários no seminário de
tese. Aos professores Elídio A. B. Marques, Cristina Ayoub Riche, Joana Domingues Vargas,
Alexander Zhebit, Eliane Amorim (CRMM e CRM) e Mariléia V. Profirio, agradeço o trato
sempre respeitoso e a oportunidade de participar de diversos eventos e discussões que me
permitiram crescer. No NEPP-DH, pude conhecer uma pessoa de quem ouvia falar desde
meus 15 anos de idade, como exemplo de uma geração ímpar de ativistas políticos, Victória
Grabois, fundadora e dirigente do Grupo Tortura Nunca Mais/RJ. Uma honra para mim.
Na decania do Centro de Filosofia e Ciências Humanas, da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (CFCH/UFRJ), devo agradecer ao professor Marcelo de Macedo Corrêa e
Castro, pelo exemplo de abertura intelectual e compromisso com a universidade pública. A ele
e à professora Rejane Almeida, agradeço a possibilidade de participar das discussões de seu
grupo de pesquisa. Sempre tive a impressão de estar em débito com tudo o que aprendi
naquelas conversas. À professora Lilia Guimarães Pougy, devo o grato estímulo intelectual,
de uma mente sempre arguta à dinâmica institucional da universidade; devo também a
compreensão por todos os transtornos que uma tese pode trazer na vida funcional de um
servidor público. À professora Ludmila Fontenele Cavalcanti, com quem recentemente pude
trabalhar mais de perto e aprender muito sobre serviço social e questões relativas à violência
contra a mulher. À Larissa Gaspar Alves, sem a qual essa tese jamais existiria, pela ajuda com
os trâmites burocráticos, que me permitiram terminar este trabalho. Eu sou muito grato pelo
carinho e inúmeras conversas com: Hiran Roedel, Valdete Viana Tavares, Pedro Barreto,
Fernanda Estevam, Meri Toledo, Inêz Facino, professor Paulo César Castro, Myrian Teixeira
Gomes, Antônio Carlos Mendonça, Tibita, Marcelo e Daniel.
Sou grato ao professor Antonio José Junqueira Botelho, pela recepção de meu trabalho
e seu esforço, como orientador. Ao meu coorientador, professor Glauco Aguiar
(CESGRANRIO), sou extremamente grato pela acolhida, compreensão e confiança. Agradeço
às professoras Erica Almeida Resende e Celia Regina do Nascimento de Paula, que muito me
honraram ao participarem da minha banca. Devo, ao professor Antônio Marcelo Jackson,
muitas palavras de estímulo e a gratidão por aceitar o convite para participar da banca.
O grupo de colegas vai deixar saudade: Ana Carolina Silva, Gislene Santos de
Oliveira, Gylcilene Storino, Claudio, Claudio Alfradique, em especial meus camaradas de
aventuras regressivas: Solange Makrakis e Marcos Tavares Pedro (o “Marcos Pedro”). São
amizades pelas quais sou grato, imensamente, grato de ter. Na linha de frente do apoio
institucional, agradeço à Nerilene Ribeiro da Costa Moreira, Graziela Pando, Selma Marinho,
Fátima Fernandes e Jéssica Leite Soares, pessoas sem as quais o trabalho acadêmico, no
IUPERJ, não teria êxito algum. Pessoas que enfrentam situações difíceis e dão o seu melhor
em profissionalismo e dedicação.
Colaboraram com a organização dos dados e deram sugestões de melhoria do texto
desta tese: Marina Vivas, Paulo Moreira, Luciane Chiadreti, Luiz André Zardo, Antonio
Etevaldo e Leandro Marino.
Os suportes familiar/técnico de Hugo Dantas, Iara Regina, Rosana Santos e Angélica
foram ajudas incalculáveis. André Veras, coordenador que tão bem me recebeu e acolheu nos
cursos de MBA, em que lecionamos; todos merecem meus agradecimentos.
Os debates acalorados do “povo de humanas”, do nono andar da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ), reunidos, virtual e presencialmente, no “U9”, me ajudaram
a compreender questões políticas e conceituais e a manter um pouco de sanidade em tempos
de escassez. Não vou citar nomes, pois correria o risco de cometer alguma injustiça. Ainda, do
“povo da UERJ”, não posso esquecer meu amigo de longa data e profunda admiração.
Ao mestre Hamilton e a todos os meus amigos da Sociedade Taoista do Brasil, meus
agradecimentos pela compreensão em me afastar e demorar mais tempo do que imaginava
para regressar.
De minha família, vou precisar de muitas vidas para agradecer ao meu pai, Ronaldo
Garcia, e à minha mãe, Maria de Lourdes Vizzoni Garcia (in memoriam), por tudo o que
fizeram para que meu doutorado chegasse ao fim. Eles acreditaram em mim, quando nem eu
mesmo era capaz disso.
À pequena Jade, milagre de minha vida, que sempre me emociona. A gratidão por
umas letras digitadas no teclado para me fazer lhe dar atenção. Isso quando não roubava o
teclado ou o celular e saía correndo, sabendo que eu iria em seu encalço.
Minha esposa, Patricia Regina Santos Garcia, é, provavelmente, a pessoa que mais foi
penalizada por esta tese. Obrigado por ser a companheira de valor que é. Parceira em uma
aventura em busca de uma vida simples e feliz.
A única atitude intelectual digna de uma criatura superior é a de uma calma e fria compaixão
por tudo quanto não é ele próprio. Não que essa atitude tenha o mínimo cunho de justa e
verdadeira; mas é tão invejável que é preciso tê-la.
Fernando Pessoa

O meu passado é tudo quanto não consegui ser. Nem as sensações de momentos idos me são
saudosas: o que se sente exige o momento; passado este, há um virar de página e a história
continua, mas não o texto.
Fernando Pessoa
RESUMO

Estudo quantitativo sobre o efeito da existência, tempo de maturação e grau de autonomia do


OGMDH para a provisão de políticas públicas municipais. O que foi chamado de “Órgão
Gestor Municipal de Direitos Humanos” (OGMDH) compreende: secretarias exclusivas de
direitos humanos, secretarias em conjunto com outras áreas, setor subordinado a outra
secretaria, órgãos ligados ao gabinete do prefeito ou órgãos da administração indireta para a
gestão de sua atuação no campo dos direitos humanos nos executivos municipais. O problema
central da tese é investigar o efeito do OGMDH sobre a oferta de políticas públicas em
direitos humanos. Atribui-se aos OGMDH a capacidade de reduzir os custos de transação
políticos (CTP) para a provisão dessas políticas públicas. Os OGMDH têm sua ação
dimensionada em cinco elementos: 1) existência em relação aos municípios que não possuem;
2) tempo de maturação; 3) grau de autonomia administrativa; 4) maior provisão de políticas
públicas voltadas para grupos em situação de vulnerabilidade social (em especial: idosos,
crianças e adolescente, deficientes, público LGBT, negros e mulheres), em comparação com
políticas universalistas; 5) maior alocação de recursos em funções relacionadas com “direitos
da cidadania” e “assistência social”. A presença de um OGMDH, em um município,
particularmente os mais antigos e autônomos (ou vinculados à assistência social), propiciaria
maior facilidade política e institucional do executivo local em incorporar políticas públicas
em direitos humanos. O estudo quantitativo foi realizado com o universo dos municípios
brasileiros, com os dados relativos aos anos da gestão municipal de 2009-2012, a partir da
Pesquisa de Informações Básicas Municipais, do IBGE. Os resultados confirmam a existência
de efeitos relevantes dos OGMDH.

Palavras-chave: direitos humanos, municípios, políticas públicas, institucionalismo, escolha


racional, custos de transação políticos.
ABSTRACT

Quantitative study about the effect of existence, maturation time and degree of autonomy of
the MMBHR for the provision of municipal public policies. What was called "Municipal
Management Body of Human Rights" (MMBHR) comprises: exclusive secretariats of human
rights, secretariats in conjunction with other areas, subordinate sector to another secretariat,
bodies linked to the mayor's office or indirect administration bodies to the management of
their performance on human rights field in municipal executives. The central problem of the
thesis is to investigate the effect of the MMBHR about the offer of public policies on human
rights. It's attributed to the MMBHR the ability to reduce the political transaction costs (PTC)
for the provision of these public policies. The MMBHR have their action dimensioned in five
elements: 1) existence in relation to the municipalities that do not have it; 2) maturation time;
3) degree of administrative autonomy; 4) greater provision of public policies focused on
groups in social vulnerability situation (in particular: elderly, children and adolescents, the
disabled, LGBT public, black people and women) in comparison with universalist policies; 5)
greater allocation of resources in functions related to "citizenship rights" and “social
assistance”. The presence of an MMBHR, in a municipality, particularly the oldest and
autonomous ones (or linked to social assistance), would provide a greater political and
institutional facility of the local executive in incorporate public policies on human rights. The
quantitative study was carried out with the universe of Brazilian municipalities, with the data
related to the years of municipal management of 2009-2012, based on the Survey of Basic
Municipal Information, from IBGE (Brazilian Institute of Geography and Statistics). The
results confirm the existence of relevant effects of the MMBHR.

Keywords: human rights, municipalities, public policies, institutionalism, rational choice,


political transaction costs.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Quadro 1: Problemas e variáveis da tese...................................................................... 11


Quadro 2: Hipóteses da tese.......................................................................................... 18
Quadro 3: Problemas relacionados aos direitos humanos, segundo argumento e
posição............................................................................................................................... 26
Quadro 4: Distribuição dos países, segundo adesão aos 10 principais tratados
internacionais de direitos humanos, 2006........................................................................ 32
Quadro 5: Distribuição dos municípios, por ano, segundo alterações na condição de
OGMDH, Brasil, 2009, 2011 e 2014............................................................................... 90
Quadro 6: Componente do IMV – Crianças e Adolescentes........................................... 98
Quadro 7: Componente do IMV – Deficientes.............................................................. 99
Quadro 8: Componente do IMV – Idosos...................................................................... 99
Quadro 9: Componente do IMV – Mulheres (gênero)................................................... 100
Quadro 10: Componente do IMV – Racial................................................................... 100
Quadro 11: Componente do IMV – LGBT..................................................................... 101
Quadro 12: Componente do IMU – Político e/ou Informação....................................... 103
Quadro 13: Componente do IMU – Civil........................................................................ 103
Quadro 14: Componente do IMU – Ambiental............................................................. 104
Quadro 15: Componente do IMU – Social, Educação e Cultura.................................... 104
Quadro 16: Componente do IMU – Econômico............................................................. 105
Quadro 17: Componente do IMU – Saúde..................................................................... 105
Quadro 18: Distribuição de tipos de órgãos gestores por áreas de políticas públicas.... 119
Quadro 19: Variáveis de controles ou hipóteses substantivas dos modelos................... 128
Quadro 20: Variáveis explicadas nos modelos............................................................... 130
Quadro 21: Variáveis de OGMDH e referencial teórico............................................... 132
Quadro 22: Distribuição de variáveis pelos modelos...................................................... 134
Quadro 23: Modelo IMV................................................................................................. 138
Quadro 24: Modelo IMV-1 Ajustado............................................................................... 139
Quadro 25: Modelo IMV-2.............................................................................................. 140
Quadro 26: Modelo IMV-2 Ajustado............................................................................... 141
Quadro 27: Modelo IMU-1............................................................................................. 143
Quadro 28: Modelo IMU-1 Ajustado.............................................................................. 143
Quadro 29: Modelo IMU-2............................................................................................. 143
Quadro 30: Modelo IMU-2 Ajustado.............................................................................. 144
Quadro 31: Modelo AR-1................................................................................................ 146
Quadro 32: Modelo AR-1 Ajustado................................................................................. 147
Quadro 33: Modelo AR-2................................................................................................ 148
Quadro 34: Modelo AR-2 Ajustado................................................................................. 149
LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1: Proliferação regional de NHRI, 1960-2008................................................. 36


Gráfico 2: Crescimento global dos NHRI e regimes eleitorais, 1960-2005................. 36
Gráfico 3: Número de municípios com orçamento próprio e políticas específicas para a
população em situação de vulnerabilidade, segundo tipo de política, Brasil, 2008........ 88
Gráfico 4: Distribuição de públicos dos OGMDH, 2011................................................ 89
Gráfico 5: Distribuição dos municípios, por ano, segundo condição de OGMDH, Brasil,
2009, 2011 e 2014................................................................................................. 91
Gráfico 6: Distribuição dos municípios, segundo área à qual o setor está subordinado,
Brasil, 2011...................................................................................................................... 92
Gráfico 7: Histograma de IMV........................................................................................ 106
Gráfico 8: Histograma de IMU........................................................................................ 107
Gráfico 9: Grau de cobertura FINBRA, de 2009 a 2012.................................................. 109
Gráfico 10: Histograma de AR........................................................................................ 111
Gráfico 11: Distribuição dos municípios, segundo porte populacional, Brasil, 2012..... 112
Gráfico 12: Histograma da taxa de urbanização............................................................ 114
Gráfico 13: Distribuição dos municípios por regiões geográficas................................... 115
Gráfico 14: Distribuição das respostas de capacidade administrativa............................. 118
Gráfico 15: Distribuição das conferências de políticas públicas – respostas múltiplas.... 122
LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Distribuição dos municípios, segundo condição do OGMDH, Brasil, 2012... 95


Tabela 2: Divisão da população por porte....................................................................... 113
Tabela 3: Estatística descritiva das variáveis contínuas.................................................. 135
Tabela 4: Frequência das variáveis qualitativas............................................................... 136
LISTA DE SIGLAS

ACNUDH – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos


AR – Alocação de Recursos
CNM – Confederação Nacional dos Municípios
CTP – Custos de Transação Políticos
DCP – Direitos Civis e Políticos
DESC – Direitos Econômicos Sociais e Culturais
DH – Direitos Humanos
ECT – Economia dos Custos de Transação
FPM – Fundo de Participação dos Municípios
IBAM – Instituto Brasileiro de Administração Municipal
ICC – International Coordinating Committee of National Institutions for Promotion and
Protection of Human Rights
IMU – Índice de Meios em Políticas Públicas Universais
IMV – Índice de Meios para Políticas Públicas para Grupos Vulneráveis
IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano
ISS – Imposto Sobre Serviços
LGBT – Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais
MUNIC – Pesquisa de Informações Básicas Municipais
NEI – Nova Economia Institucional
NHRI – National Human Rights Institutions
OGMDH – Órgão Gestor Municipal em Direitos Humanos
ONU – Organização das Nações Unidas
PC do B – Partido Comunista do Brasil
PDT – Partido Democrático Trabalhista
PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PNDH – Programa Nacional de Direitos Humanos
PNV – Planta Genérica de Valores
PPA – Plano Plurianual de Ação
PR – Partido da República
PRB – Partido Republicano Brasileiro
PSB – Partido Socialista Brasileiro
PSC – Partido Social Cristão
PT – Partido dos Trabalhadores
PTC – Partido Trabalhista Cristão
PTN – Partido Trabalhista Nacional
SEPPIR – Secretaria de Promoção da Igualdade Racial
SDH – Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República
SHRI – Subnational Human Rights Institutions
SPM – Secretarias de Política Para Mulheres
SUAS – Sistema Único de Assistência Social
SUS – Sistema Único de Saúde
TEP – Teoria da Escolha Pública
TER – Teoria da Escolha Racional
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................ 01
Municípios e as polêmicas em torno de direitos humanos................................................ 04
Hipóteses........................................................................................................................... 09
Variáveis explicadas e sua construção............................................................................... 11
Outros fatores intervenientes............................................................................................. 13
Metodologia....................................................................................................................... 16
Resultados esperados......................................................................................................... 17
Estrutura da tese................................................................................................................. 20

1 DIREITOS HUMANOS: CONCEPÇÃO E INSTITUIÇÕES ............. 21


1.1 A TRAJETÓRIA HETEROGÊNEA DO FENÕMIENO DOS DH............................ 21
1.2 DIFERENTES POSIÇÕES....................................................................................... 24
1.3 ESTADOS E DIREITOS HUMANOS...................................................................... 30
1.4 INSTITUIÇÕES DOMÉSTICAS.............................................................................. 33
1.5 A COORDENAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS NO BRASIL.............................. 37

2 CTP COMO EXPLICAÇÃO DOS EFEITOS DOS OGMDH.............. 42


2.1 INSTITUCIONALISMOS, RACIONALIDADE E CTP......................................... 45
2.1.1 Institucionalismos e NEI.......................................................................................... 45
2.1.2 Racionalidade........................................................................................................... 51
2.1.3 A NEI e os Custos de Transação............................................................................. 55
2.1.4 Governança, hierarquia e desenho institucional..................................................... 57
2.1.5 Custos de Transação Políticos..................................................................... 60
2.1.6 Maturação das transações e compromissos........................................................... 64
2.1.7 Gasto público e municípios...................................................................................... 65
2.1.8 Grupos vulneráveis e CTP...................................................................................... 68
2.2 ELEMENTOS INSTITUCIONAIS ADICIONAIS.................................................. 70
2.2.1 Executivos e provisão de políticas públicas............................................................ 70
2.2.2 Participação local...................................................................................................... 73
2.2.3 Capacidade administrativa..................................................................................... 75
2.3 CRÍTICA DA TEORIA DA ESCOLHA PÚBLICA................................................. 77
2.4 ESTUDOS ANTECEDENTES................................................................................... 81
2.4.1 Estudo do IBAM sobre prefeituras e direitos humanos........................................... 81
2.4.2 Estudo quantitativo com órgãos gestores municipais do CE................................... 82

3 VARIÁVEIS DOS MODELO.................................................................. 85


3.1 FONTE DOS DADOS................................................................................................. 87
3.2 OGMDH NAS MUNIC.............................................................................................. 87
3.3 ASSISTÊNCIA SOCIAL NOS SETORES SUBORDINADOS E OS GRUPOS
VULNERÁVEIS............................................................................................................... 92
3.4 MUNICÍPIO E COMPLEXIDADE DA GESTÃO................................................... 95
3.5 IMV – ÍNDICE DE MEIOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA GRUPOS
VULNERÁVEIS............................................................................................................... 97
3.6 ÍNDICES PARA GRUPOS VULNERÁVEIS DESCARTADOS............................... 101
3.7 IMU – ÍNDICE DE MEIOS EM POLÍTICAS PÚBLICAS UNIVERSAIS................ 102
3.8 HARMONIZAÇÃO DE PESOS INTERNOS DO IMV E IMU............................... 105
3.9 ALOCAÇÃO DE RECURSOS EM SUBFUNÇÕES SELECIONADAS.................. 107
3.10 VARIÁVEIS DE CONTROLE................................................................................ 111
3.10.1 Tamanho da população......................................................................................... 112
3.10.2 Taxa de urbanização............................................................................................. 113
3.10.3 Regiões do Brasil.................................................................................................... 115
3.11 HIPÓTESES SUBSTANTIVAS (ELEMENTOS INSTITUCIONAIS
ADICIONAIS)................................................................................................................... 116
3.11.1. Capacidade administrativa.................................................................................. 116
3.11.2 Secretarias exclusivas de assistência social sem a presença de OGMDH.............. 119
3.11.3 Participação local.................................................................................................. 120
3.11.4 Pertencimento ao partido do Executivo federal................................................... 123
3.11.5 Proximidade partidária com o Executivo federal................................................... 123

4 CARACTERIZAÇÃO DOS MODELOS E DISCUSSÃO DOS


RESULTADOS........................................................................................ 125
4.1 VARIÁVEIS E MODELOS....................................................................................... 126
4.2 ESTATÍSTICAS DESCRITIVAS............................................................................. 134
4.3 RESULTADOS DOS MODELOS............................................................................. 137
4.3.1 Modelos IMV............................................................................................................ 138
4.3.2 Modelos IMU............................................................................................................ 142
4.3.3. Modelos AR............................................................................................................. 147
4.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................... 152

CONCLUSÃO.............................................................................................. 156

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................... 164

APÊNDICE: APRESENTAÇÃO GRÁFICA DOS


MODELOS................................................................................................... 175
INTRODUÇÃO

Esta tese põe em evidência as escolhas institucionais dos governos municipais e sua
relação com a maior ou menor oferta de políticas públicas em direitos humanos. Essas
escolhas de governo se dão em torno da possibilidade de adotar, ou não, órgãos gestores de
políticas públicas relacionadas aos direitos humanos, no desenho da sua estrutura de governo
local. Em que medida, então, a existência e de um órgão gestor existente no governo local
impacta a quantidade de políticas públicas em direitos humanos no mesmo município? Que
outros fatores têm relevância nessa oferta e em que grau?
Antes de prosseguir com essas questões, é necessário esclarecer o que são esses órgãos
gestores e os diferentes tipos aqui tratados, como: “secretarias exclusivas de direitos
humanos”, “secretarias em conjunto com outras áreas”, “setor subordinado a outra secretaria”,
“órgãos ligados ao gabinete do prefeito” ou “órgãos da administração indireta”. Uma
secretaria de direitos humanos, sem mencionar outra área de atuação de governo, é uma
“secretaria exclusiva”, já uma secretaria de direitos humanos e assistência social ou uma
secretaria de direitos humanos, saúde e educação são exemplos de “secretarias em conjunto
com outras áreas”. No desenho do organograma da estrutura de governo, pode haver órgãos
que não estejam na estrutura de secretariado, sendo diretamente “ligados ao gabinete do
prefeito” ou pertencendo à “administração indireta” e, assim, são estratégias quase opostas de
desenho institucional. No primeiro caso, a escolha é trazer o órgão gestor para o centro da
gestão, no gabinete do prefeito; na administração indireta, o privilégio cabe à descentralização
em relação ao governo. Em relação aos órgãos gestores estudados, via de regra, os órgãos da
administração indireta são autarquias. Nesse sentido, um “conselho de direitos humanos”,
com status de autarquia, seria um exemplo de “órgão da administração indireta”.
A forma mais presente de órgão gestor de direitos humanos, no período estudado, é
um tipo mais baixo, hierarquicamente, nos organogramas de governo: o “setor subordinado a
outra secretaria”. Uma subsecretaria de direitos humanos que pertence a uma secretaria de
assistência social é um exemplo desse tipo de órgão gestor. Ao longo desta tese, denominam-
se essas opções institucionais como OGMDH, Órgão Gestores Municipais em Direitos
Humanos1. Ao colocar esse desenho de estruturas institucionais em análise, se quer verificar

1
Deve-se grifar que essa sigla não existe em nenhum outro trabalho. Sua criação se tornou necessária para a
operacionalidade desta tese. A classificação pertence ao IBGE e à sua Pesquisa de Informações Básicas
1
se tais escolhas propiciam um aumento na oferta de políticas públicas relacionadas com os
direitos humanos.
A omissão e a ação deletéria do Estado em efetivar direitos são pontos centrais do
debate sobre direitos humanos, em países como o Brasil, reconhecidos, inclusive, pelo Estado
brasileiro, em diferentes momentos. Dentre os principais problemas, estão questões que
prescindem da cooperação e atuação dos governos subnacionais, estados e municípios.
Enquanto o governo federal sofre pressões externas, os governos subnacionais podem adiar
ações efetivas, livrando-se dos seus custos orçamentários e dependendo da temática dos
custos políticos.
No caso específico dos municípios, o quadro é particularmente mais complexo. Por
um lado, cada vez mais o município é visto como lócus de governo com maior capacidade
para implementação de políticas públicas, mesmo que sejam gestadas pelo governo federal
e/ou estadual. Por outro lado, a definição de sua atuação específica varia muito no campo dos
direitos humanos, de políticas mais constitucionalizadas a políticas públicas de livre
implementação (GERSHON et al., 2005; SOUSA et al., 2015).
A ideia de que os Órgãos Gestores Municipais em Direitos Humanos (OGMDH)
possam incrementar a oferta de políticas públicas em direitos humanos não é autoevidente;
precisa ser verificada com dados empíricos dos municípios, pois não há qualquer obrigação
legal de uma prefeitura instituir tal estrutura de governo. Trata-se de uma livre escolha dos
gestores municipais, já que os municípios, sem os OGMDH, poderiam ter maior provisão de
políticas públicas, em direitos humanos, independentemente da existência destes.
Nesse sentido, seriam governos com estruturas menores, capazes de ofertar mais
políticas públicas e, assim, se ter um estado menor, potencialmente, com mais resultados na
efetivação de direitos. O raciocínio sobre essas estruturas de governo pode ser pensado,
também, na direção inversa. Os OGMDH não representam apenas maiores estruturas e gastos,
eles reduzem Custos de Transação Políticos (CTP) e propiciam a maior oferta de políticas
públicas para a efetivação de direitos humanos. O capítulo 2 trata da base conceitual relativa
aos Custos de Transação Políticos.
Em termos conceituais, o presente trabalho parte de premissas da Nova Economia
Institucional (NEI), que valorizam o papel das instituições. Particularmente, o conceito de
“custos de transação” e seu emprego para instituições de governo geram os Custos de

Municipais (MUNIC). A expressão utilizada na publicação da MUNIC de 2011 foi: “órgão gestor da política de
direitos humanos”, sem o uso de qualquer sigla (IBGE, 2012, p. 84). A sigla OGMDH foi uma adaptação a partir
desse uso de termos pelo IBGE.
2
Transação Políticos, que, na economia, são aqueles não relativos à produção de um produto
ou serviço, mas que existem e influenciam na sua produção. Os custos de fazer cumprir um
contrato de fornecedores, por exemplo, não são considerados custos de produção, mas
interferem diretamente nos seus resultados. No caso da política, as relações de confiança e
interação entre os atores sociais e as entidades de governo são bons exemplos de CTP.
Seguindo essa linha de raciocínio, os Órgãos Gestores Municipais em Direitos Humanos são
entendidos como meios adotados pelos governos locais para reduzirem Custos de Transação
Políticos. Ao criar Órgãos Gestores Municipais em Direitos Humanos, não só aumentam o
tamanho do governo, mas também sinalizam uma agenda e seus compromissos, abrindo-se,
então, um espaço institucional de interlocução entre atores estatais e não estatais interessados
nesse tipo de política pública.
No caso brasileiro, os municípios são a unidade de governo mais próxima da
população, que, pelo desenho de responsabilidades do pacto federativo, atuam em
praticamente todas as áreas de políticas públicas em direitos humanos. Não que o façam por
meio apenas de políticas públicas de sua exclusiva elaboração, financiamento e execução; ao
contrário, o pacto federativo brasileiro tem caminhado para esforços coordenativos a fim de
que as políticas públicas federais e estaduais tenham, na sua ponta de execução, o
compromisso do governo local (ABRUCIO, 2005; ARRETCHE, 2004; MACHADO, 2010).
Entretanto, há pouca discussão, no campo da ciência política, sobre a descentralização para a
esfera local dessa provisão de serviços públicos, como aponta Ricardo Ceneviva (2012, p. 7):

Em suma, a produção acadêmica na área de ciência política que procura investigar


as causas, as características e os efeitos da descentralização tende a destacar o
protagonismo do sistema eleitoral, dos partidos políticos e do sistema partidário,
mas parecem negligenciar as consequências – e os resultados – da política de
descentralização. E, mais importante, esses trabalhos sobre a descentralização
explicam quase exclusivamente o nível de descentralização fiscal – medido como
parcela dos gastos executados e receitas coletadas pelos governos subnacionais –,
não há de fato muitos trabalhos devotados à análise da descentralização dos serviços
públicos, tais como saúde, educação, assistência social de uma perspectiva da
ciência política, apesar do peso dessas áreas na composição dos gastos públicos.

Na literatura de ciência política relativa às políticas públicas, o escasso estudo da


descentralização de serviços públicos, recorrentemente, atribui resultados subótimos à falta de
qualidade gerencial dos municípios (CENEVIVA, 2012; ARRETCHE, 2004). Sem descartar
a importância desse fator, procura-se, nesta tese, uma abordagem que entenda o
comportamento dos municípios como atores dotados de autonomia e racionalidade. Nesse
lugar comum citado, o comportamento dos municípios parece sempre irracional, diante das

3
inúmeras vantagens que teriam em aperfeiçoar sua gestão. Paradoxalmente, os mesmos
municípios que são atrasados e irracionais, em algumas, não o são para outras políticas
públicas. Nesse sentido, verificar como o desenho e as escolhas institucionais afetam esses
resultados é uma das contribuições da NEI que ajuda a entender a situação dos governos
locais.
No caso específico da seleção de uma literatura acadêmica sobre o tema dos direitos
humanos, a situação mais frequente é o uso da expressão “direitos humanos” para fazer parte
do título do artigo e das considerações iniciais, mas as reflexões não vão além da constatação
de que aquela política pública, a que se refere o artigo acadêmico, é, também, um “direito
humano”2. O aumento ou a diminuição da presença de trabalhos que partem de um uso tão
largo do termo em relação aos municípios não permitem medir, ao longo do tempo, se as
prefeituras estão mais receptivas à temática dos direitos humanos ou não. O que se demonstra
nos resultados desta tese é a diminuição dos Custos de Transação Políticos (CTP) e se verifica
uma crescente adesão a uma agenda de políticas públicas em direitos humanos por parte dos
municípios brasileiros no período estudado.

Municípios e as polêmicas em torno de direitos humanos

Ao ingressar no campo de estudos sobre os direitos humanos, o pesquisador depara-se


com uma série de polêmicas em torno do tema. Assim, mesmo que seu interesse seja na
construção de uma pesquisa sobre realidades locais, municípios e com inferências
quantitativas, oferta de políticas públicas, o pesquisador vai se deparar com questões que vão
de debates filosóficos às relações internacionais. Nesse sentido, investir na construção do
objeto desta tese passou, também, por delimitar posições necessárias frente a tais debates.
Uma primeira questão diz respeito à proposição de que o desenvolvimento histórico
dos direitos humanos é universal e extensível a todas as culturas. Parte considerável do debate
filosófico, em torno dos direitos humanos, diz respeito à sua origem no Ocidente e à
possibilidade de “tradução” para países e culturas não ocidentais. No debate contemporâneo,
como se apresenta no capítulo 1, há uma disputa entre posições que advogam a necessidade

2
Tal comentário não é feito para desmerecer a importância dessas contribuições, mas visa à constatação, de que
a literatura acadêmica sobre direitos humanos é bem mais reduzida, do que o uso corrente do termo possa fazer
parecer em uma primeira busca do termo.
4
de um “fundamento último”, razão, espécie, evolução, Deus e as críticas a essa posição. A
opção desta tese é colocar um alinhamento com a posição mais crítica à necessidade de um
sustentáculo, para a existência e expansão dos direitos humanos. Vertente “não essencialista”,
para Luiz Eduardo Soares (2006), os direitos humanos são uma construção histórica e
problemática das sociedades ocidentais, mas que podem ser um recurso, pragmaticamente
válido, para a vida política atual.
A posição escolhida permite contornar os impasses presentes nas outras formas de
defesa dos direitos humanos, como prescindir de um fundamento último. Não se resume à
denúncia do poder ou à necessidade de respeito às diferenças, ao mesmo tempo em que
reconhece a precariedade e a origem histórica dos direitos humanos no Ocidente. Enfim, a
afirmação dos direitos humanos resulta de conquistas políticas e institucionais e não apenas da
construção de um consenso no debate filosófico-conceitual. Corrobora essa defesa a
lembrança de Norberto Bobbio (2004) de não haver prova de que, em momentos de maior
consenso nos valores liberais, não se tenham produzidos contextos de maior respeito aos
direitos do indivíduo. Ao contrário, conforme o autor, a orquestração dos acordos
internacionais veio em um momento histórico de crise de paradigmas filosóficos. Tal
posicionamento é significativo no interior desta tese, pois qualifica a importância das
instituições e da ação política para a produção desse artefato histórico e cultural, que é a
efetivação de direitos humanos, não remetendo sua legitimidade ou subsistência a outros
campos do saber e da ação humana.
Outra polêmica que circunda o tema é a passagem da defesa de direitos do indivíduo
para um conjunto de direitos mais amplos, que dizem respeito a grupos e coletividades. A
origem dos direitos civis e políticos remonta ao liberalismo político e sua defesa do indivíduo
frente ao poder do Estado e da tirania de maiorias. Esse legado histórico do Ocidente produz a
ideia de Estado de Direito, que assegura uma série de liberdades fundamentais ao indivíduo.
As origens dos direitos humanos confundem-se com o pensamento liberal e ocidental nas
restrições do uso do poder para oprimir e perseguir indivíduos e grupos minoritários.
Inicialmente, concentradas em diferenças políticas e religiosas, até chegar, nos últimos dois
séculos3, em torno do reconhecimento de diferenças identitárias.
A passagem das garantias individuais à proteção de identidades de grupos sociais não
é algo inconteste e imediato (DONNELLY, 2013). As lutas dos movimentos feministas,
negros, quilombolas, LGBTs, de pessoas com deficiência, idosos, ciganos, comunidades

3
Séculos XX e XXI (em curso).
5
indígenas, de crianças e adolescentes, de juventude, dentre outros, são exemplos dessa
dinâmica de ampliação de direitos. Dentro das abordagens que dão ênfase aos direitos
humanos, há autores que defendem uma visão mais restrita do leque que compõe os direitos
humanos (DONNELLY, 2013). Boaventura de Souza Santos considera essa escolha de
“direitos humanos de baixa intensidade”, como correlata à "democracia de baixa intensidade”
(SANTOS, 2001, p. 254). O mesmo autor defende uma visão intercultural e emancipatória
dos direitos humanos. Nesta tese, são investigadas, tanto a oferta de políticas públicas mais
universalistas, que não têm como foco um grupo identitário específico, quanto os grupos
específicos em situações de maior vulnerabilidade social, relacionada com aspecto de
desvantagem social frente à sua identidade coletiva. Nos problemas e hipóteses colocados,
está presente uma questão sobre a predominância, ou não, de um tipo de política pública sobre
o outro na atuação dos Órgãos Gestores Municipais em Direitos Humanos (OGMDH).
Na discussão dos resultados da tese, recusando uma das hipóteses testadas, conclui-se
que essa oposição de tipos de políticas públicas não é consistente; os OGMDH aumentam a
oferta dos dois tipos, universalista e para grupos com uma identidade específica, com valores
muito próximos.
Uma dimensão adicional para perceber a ampliação do perímetro dos direitos humanos
é constatar que a sua agenda se expandiu dos direitos civis e políticos (DCP) para um
conjunto maior de direitos relacionados com as bases materiais e socioculturais (DESC), tema
este polêmico com a formação de dois comitês específicos, um para cada conjunto de direitos,
no âmbito das Organizações das Nações Unidas (ONU). Nos indicadores de políticas públicas
desta tese, são utilizadas políticas públicas relacionadas a DCP e a DESC. Tal debate é
importante neste estudo, pois se opta por uma definição mais abrangente do que possa ser
“política pública em direitos humanos”, abrangendo a efetividade de direitos a indivíduos e
coletividades. Nesse sentido, renuncia-se a uma abordagem mais conservadora, que traduz os
direitos humanos só como os direitos individuais ligados às liberdades civis e políticas, como
a origem do liberalismo político.
Outra seara complexa que circunda o tema dos direitos humanos é a dos tratados
internacionais e sua efetividade. É muito interessante que, no pós-segunda guerra, tenham
surgido tratados e instituições de monitoramento e promoção dos direitos humanos jamais
vistos. Grande parte da força da temática dos direitos humanos advém de um cenário
internacional de cobrança, entre países, da efetividade dos compromissos assumidos
internacionalmente. Países de grande extensão e federalistas, como o Brasil, têm uma situação

6
particular nesse cenário, pois grande parte da cobrança recai sobre o governo central, que
precisa da colaboração das subunidades nacionais. Democracias federalistas e de grande
extensão, como Brasil e Estados Unidos, representam um problema específico nessa discussão
(PEGRAM, 2010).
Parte do debate brasileiro sobre a efetividade dos direitos humanos é uma discussão
sobre as iniciativas do governo federal e a importância da adesão de governos subnacionais
(ALMEIDA, 2011). Nesse sentido, a coordenação entre diferentes governos é sempre um
ponto a ser levantado. No federalismo brasileiro, que inclui os municípios como ente
federativo e agente local de muitas políticas sociais, essa combinação/superposição de níveis
de governos abre mais possibilidades de protagonismo para as administrações locais. Soma-se
a isso o fato de que alguns municípios brasileiros são grandes capitais com governos
complexos e destaques internacionais como “players” de um mundo globalizado (WOLMAN,
2014).
Esse debate é particularmente crucial, pois enseja a possibilidade de inclusão de uma
série de elementos a serem investigados, que geram assimetrias de resultados entre os
municípios brasileiros. Há tanto fatores societais, como: tamanho populacional,
desenvolvimento regional e urbanização, quanto aspectos institucionais, como: capacidade
administrativa, sociedade civil organizada e relações político-partidárias entre o poder federal
e os municípios.
Os direitos humanos estão formalmente na agenda do Executivo federal, desde a volta
da democracia. Já em 1985, em discurso de abertura dos trabalhos da Organização das Nações
Unidas, o então presidente, José Sarney, declarava (COMPARATO, 2005):

Os direitos humanos adquirem uma dimensão fundamental, estreitamente ligada à


própria prática da convivência e do pluralismo. (…) Com orgulho e confiança, trago
a esta Assembleia a decisão de aderir aos Pactos Internacionais das Nações Unidas
sobre Direitos Civis e Políticos, à Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos
ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, e sobre Direitos Econômicos, Sociais
e Culturais. Com essas decisões, o povo brasileiro dá um passo na afirmação
democrática do seu Estado e reitera, perante si mesmo e perante a Comunidade
Internacional, o compromisso solene com os princípios da Carta da ONU e com a
promoção da dignidade humana.

Como se constata em nosso processo de redemocratização, a opção pela adesão a


mecanismos internacionais de promoção e proteção aos direitos humanos foi parte do
processo de construção de um novo Estado, pelo menos, no aspecto normativo e discursivo.
Tal qual em outros países, os discursos chegam anos, ou décadas, antes de ocorrer o
acolhimento jurídico concreto.
7
O maior amparo legal e a efetividade das leis relativas aos direitos humanos tornam-se
mais consistentes quando o Estado estabelece uma agenda para os gestores de políticas
públicas. Tal processo possui ganhos efetivos, a partir de 1993, com a participação brasileira
na Conferência Mundial de Direitos Humanos, em Viena, no governo Itamar Franco, quando
começa a ganhar força a ideia de que deveria existir um programa nacional de direitos
humanos (ALVES, 2009).
Com o governo Fernando Henrique Cardoso, em 1996, é criado o primeiro Programa
Nacional de Direitos Humanos e, em 1999, é criada a Secretaria de Direitos Humanos, ambos
no Ministério da Justiça. O primeiro secretário do programa foi José Gregório, que
permaneceu até o ano seguinte, sendo substituído pelo sociólogo Paulo Sérgio Pinheiro. Em
2002, é produzido o segundo Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH II4), ainda no
último ano do segundo mandato do governo Fernando Henrique Cardoso (PINHEIRO;
MESQUITA NETO, 1997, 1998).
No primeiro ministério do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, a Secretaria de
Direitos Humanos ganha status de secretaria especial, vinculada à Presidência da República,
equivalente a um ministério; algo que só existe no Brasil e foi mantido até o governo da
presidenta Dilma Rousseff, apenas com retirada do termo “especial”5.
Deve-se destacar que, em 2003, surge o Programa Nacional de Educação em Direitos
Humanos, criado a partir de um comitê específico e consultas regionais, visando a dar
desdobramento à promoção dos valores associados aos direitos humanos, nos diferentes
âmbitos em que possa ser entendida a educação formal e informal.
Em 2010, surge o terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3), que
ganha densidade de propostas, mais abrangentes e estruturadas, especificação de órgãos
federais responsáveis por cada elemento e parcerias institucionais necessárias, refletindo a
própria mudança de governo.
No Brasil, sucessivos governos federais, desde a abertura democrática, têm
caminhado, com maior ou menor grau de empenho, na tentativa de dar efetividade a esses
compromissos internacionais. Sempre presente, também, é a preocupação em estabelecer uma
cooperação entre os entes federativos, em suas ações. A solução para a inexistência de uma
instituição doméstica responsável por monitorar e promover os direitos humanos na federação
foi a criação de um “quase” ministério ou uma secretaria, com “status” de ministério, que
4
A numeração das siglas dos três PNDH utilizada nesta tese segue o padrão adotado nos documentos oficiais
(PNDH I e II e PNDH 3).
5
No governo Temer (2016-2018), os direitos humanos são devolvidos à estrutura do Ministério da Justiça;
meses depois, novamente retomados, com status e terminologia de ministério.
8
pudesse induzir e coordenar iniciativas pelo cumprimento das diretrizes do programa. Tal
inciativa esbarra nos custos de conseguir apoio e capacidade de implementação na sociedade e
demais atores da federação.
Os municípios, por sua vez, vêm ganhando protagonismo cada vez maior na execução
de políticas públicas. Nesta tese, investiga-se não apenas uma política pública específica, mas
dezenas; não se parte da perspectiva da arena internacional ou dos programas federais, mas da
oferta dessas pelos mais de cinco mil municípios brasileiros. Assim, tem-se a possibilidade de
mensurar a adesão dos municípios a esse conjunto de políticas públicas em direitos humanos
e, mais do que isso, de estabelecer o nexo de causalidade entre o desenho institucional das
escolhas do governo municipal e a maior oferta e adesão aos direitos humanos.

Hipóteses

A pergunta que se busca responder nesta tese é: importam os OGMDH para a melhor
provisão de políticas públicas em direitos humanos? A hipótese geral é a de que municípios
com OGMDH têm melhor oferta de políticas públicas em direitos humanos do que os que não
possuem.
Entre os tipos de OGMDH existentes, aqueles com mais autonomia – “secretarias
exclusivas de direitos humanos”, “secretarias em conjunto com outras áreas”, “órgãos ligados
ao gabinete do prefeito” ou “órgãos da administração indireta”, menos os submetidos
hierarquicamente no organograma da gestão municipal – têm melhores resultados de oferta de
políticas do que os OGMDH que são um “setor subordinado a outra secretaria” isoladamente?
A ideia de isoladamente (ou não) advém de uma estratégia comum de se vincular à assistência
social, muito verificada, considerando os casos em que tal vínculo ocorre.
Nos casos em que há menos autonomia, como setores subordinados a outra secretaria,
mas que se encontram vinculados à assistência social, também têm melhores resultados de
oferta de políticas? Nessas duas situações, tem-se maior autonomia administrativa, seja pelo
tipo de OGMDH, ou da autonomia e recursos já existentes na assistência social. Enfim, maior
autonomia pelo tipo de OGMDH ou pelo vínculo com a assistência social favorece a uma
maior oferta de políticas públicas em direitos humanos? A hipótese aponta para as vantagens
tanto do tipo mais autônomo, quanto da vinculação com a assistência social.

9
Outro problema específico estudado diz respeito ao tempo de existência de um
OGMDH, conforme registros em dados do período para 2009 e 2011. Os OGMDH que já
existiam em 2009 e continuaram a existir em 2011 têm resultados melhores do que os só
encontrados em 2011? A hipótese é de que há mais oferta com maior tempo de existência do
OGMDH.
Sobre políticas para grupos vulneráveis e universalistas, o OGMDH apresentará maior
efeito em políticas focalizadas para grupos vulneráveis do que em políticas universais? A
expectativa, hipótese, é de que sim.
Também há uma investigação sobre a capacidade de relacionar a presença de um
OGMDH com a alocação de recursos orçamentários, com a hipótese de que tal efeito existe.
Dessa forma, entende-se como problema principal deste trabalho identificar a
existência de OGMDH e estabelecer se o mesmo aumenta a oferta de políticas públicas em
direitos humanos ou não, pois a hipótese geral é afirmativa.
Outro problema específico a ser resolvido com relação aos tipos de OGMDH que
possuem mais autonomia é saber se eles ou os subordinados vinculados à assistência social
possuem um efeito maior quando o assunto é a oferta de políticas públicas em direitos
humanos. A hipótese em relação a essa questão diz que mais autonomia aumenta a oferta.
Se os OGMDH mais consolidados, identificados em 2009, têm maior efeito sobre as
políticas públicas em direitos humanos do que os registrados apenas em 2011, é mais um dos
questionamentos realizados, com a hipótese de que o maior tempo traz um resultado maior
quando o assunto são variáveis dependentes.
As três variáveis (existência, autonomia/assistência social e maturidade do OGMDH)
têm maior efeito sobre políticas públicas em direitos humanos, voltadas para grupos
vulneráveis do que as de perfil universalista? Problema específico trazido com a hipótese de
que se espera maior oferta de políticas públicas para grupos vulneráveis com a presença de
tais variáveis de OGMDH.
Por fim, temos o seguinte problema específico sobre alocação de recursos: essas três
variáveis (existência, autonomia/assistência social e maturidade do OGMDH) têm efeito de
incremento para maior alocação de recursos orçamentários dos municípios nas funções
selecionadas? Como hipótese, existe a ideia de que se espera maior incremento orçamentário
com a presença das variáveis de OGMDH citadas.
Esse conjunto de questionamentos investigativos é o roteiro de pesquisa dos
problemas desta tese (quadro 1). As hipóteses respondem afirmativamente a todas às

10
perguntas; ou seja, os OGMDH fazem a diferença e importam, seja pela existência, tipo de
maior autonomia/vínculo a uma área mais institucionalizada ou tempo.

Quadro 1: Problemas e variáveis da tese

PROBLEMAS VAR. EXPLICATIVA VAR. EXPLICADA

Não
Existência
Sim IMU

Em 2009
OGMDH IMV
Tempo
IMPORTAM?
Em 2011

- Setor subordinado AR
sem assistência social
- OGMDH com maior
autonomia
Tipo
- Setor subordinado
com assistência social
Fonte: o autor.

Pode-se, agora, expor a construção das variáveis explicadas, que aparecem no quadro
1: o “Índice de Meios em Políticas Públicas Universais” (IMU), o “Índice de Meios para
Políticas Públicas para Grupos Vulneráveis” (IMV) e “Alocação de Recursos” (AR), a seguir.

Variáveis explicadas e sua construção

De forma sintética, denominam-se políticas públicas em direitos humanos todas


aquelas voltadas para a efetivação de tais direitos. Essa definição torna quase toda política
pública uma política pública em direitos humanos, salvo as que não tratam de direitos ou de
seres humanos, o que faria o objeto desta tese inapreensível em termos empíricos. A solução
encontrada foi analisar, por meio do escrutínio dos dados municipais disponíveis, nas
11
Pesquisas de Informações Básicas Municipais (MUNIC), do IBGE, e nas edições realizadas
nos anos de 2011 e 2012, os capítulos relativos aos direitos humanos e às outras áreas de
governo.
O levantamento procurou dividir o conjunto encontrado em políticas de corte mais
universalista e políticas voltadas para grupos específicos, constituindo, assim, dois índices:
um, para políticas universalistas – Índice de Meios em Políticas Públicas Universais (IMU) –,
e outro, para grupos de políticas públicas especificas – Índice de Meios para Políticas Públicas
para Grupos Vulneráveis (IMV).
O Índice de Meios em Políticas Públicas Universais (IMU) é composto de 26 políticas
públicas, assim distribuídas: “política e/ou informação” (5 itens), “civil” (5 itens), ambiental
(4 itens), “social, educação e cultura” (5 itens), “econômico” (3 itens) e “saúde” (4 itens). O
Índice de Meios para Políticas Públicas para Grupos Vulneráveis (IMV) é composto de 38
políticas públicas relacionadas com grupos identitários: “criança e adolescente” (9 itens),
“deficientes” (11 itens), “idosos” (7 itens), “LGBT (6 itens), “racial” (3 itens) e “mulheres” (2
itens).
A distinção entre políticas de tom mais universalista para as de grupos específicos não
é rígida; por exemplo, “crianças”, “adolescentes” e “idosos” foram considerados grupos
identitários, mas são, também, fases do desenvolvimento de todos os seres humanos. Existem,
em relação aos temas “crianças e adolescentes” e “idosos”, todo um acúmulo de movimentos,
instituições da sociedade organizada e pautas de reinvindicações, que permitem que se
apresentem de forma identitária e não apenas como fase biológica da vida.
A valorização da demarcação de grupos na composição do IMV pelo aspecto
identitário não é por acaso, busca verificar se a existência de OGMDH favorece a redução de
CTP para esse tipo de política pública, que mobiliza grupos organizados específicos.
Um elemento que deve ser considerado é a desproporção com que contribui cada parte
que compõe os dois índices, como resultado dos dados empiricamente disponíveis. Só para
ilustrar, o baixo número de perguntas relativas às políticas públicas para mulheres, gênero, em
boa medida, se deve ao fato de a MUNIC, de 2009, ter uma seção específica sobre o tema.
Infelizmente, esses dados não puderam ser incluídos, uma vez que fariam o registro
da variável explicada, antes da principal variável explicativa, os OGMDH, de 2011. Para
reduzir tais distorções do tamanho com que cada parte do índice participa do mesmo, cada
parte do índice foi transformada em uma média para cada município e, dessas médias, de cada

12
parte do índice para aquele município foi extraída uma média geral, que corresponde ao IMV
ou IMU para aquele município.
Adicionalmente aos dois índices criados, foi construída a variável Alocação de
Recursos (AR), para o orçamento per capita por funções específicas relacionadas com direitos
humanos e/ou assistência social. Optou-se por uma média dos quatro anos de governo
estudados, a partir da seleção de duas funções dos orçamentos de todos os municípios:
“assistência social” e “direitos da cidadania”, com o somatório dividido pelos habitantes do
município. Lembrando que, embora a legislação imponha a necessidade da prestação de
contas, nem sempre os municípios a fazem e, quando fazem, nem sempre é dentro do prazo
legal. Caso o município tenha apresentado só dois anos, foram extraídos e somados os valores
pesquisados para esses dois anos, divididos pelo número de anos apresentados no período,
dois anos e, finalmente, pelo número de habitantes.
Não foram utilizados apenas valores de “direitos da cidadania”, direitos humanos,
pois 4.788 municípios apresentam empenho de gastos em “direitos da cidadania” igual a zero,
o que, por si só, já é um dado bastante contundente. Subsidiariamente, recorreu-se a rubricas
da assistência social em afinidade com os direitos humanos, sendo tais valores a maior base
sobre a qual se cria a variável AR. Aqueles municípios que, depois de todos esses
procedimentos, possuíam valor igual a zero foram retirados. A ideia de incluir a alocação de
recursos orçamentários é verificar se a existência dos OGMDH favorece à redução dos CTP,
também em termos de recursos orçamentários.

Outros fatores intervenientes

É contraintuitivo supor que a existência do OGMDH explique, sozinha, o então


volume de provisão de políticas públicas; evidentemente, outros fatores precisam ser
pensados nas suas relações de causalidade com a provisão de políticas públicas em direitos
humanos. No capítulo 3, são apresentadas e discutidas essas variáveis e as de OGMDH, que
têm poder explicativo sobre a provisão de políticas públicas. Na ausência de uma literatura
específica robusta, que ofereça hipóteses a serem investigadas, este trabalho se valeu de
literaturas conexas para destacar elementos que podem ser mais relevantes. Foram pensados
fatores societais, institucionais e partidários.

13
No caso de variáveis societais, estão, em tela, o tamanho da população, as regiões do
Brasil e o nível de urbanização, comumente mencionadas ao se pensar uma política pública de
escala com diversos municípios, nacionalmente. Tais variáveis têm, em comum, o fato de
serem elementos dados socialmente e com características que, dificilmente, serão alteradas em
alguns anos.
A rigor, a definição dos estados que compõem uma região brasileira carrega um
componente aleatório; sem desprezar o fato de terem sido considerados o passado histórico, a
geografia, o clima e os componentes sociais, ao se definir, normativamente, os estados que
compõem cada região. Tendo esse ponto em mente, não é difícil aceitar a ideia de que,
dificilmente, nos próximos anos, não haverá alteração significativa da composição dessas
regiões e do grau de unidade de cada uma. Deve-se indicar, também, que, diferentemente de
estados e municípios, elas não possuem grau administrativo, procuram denotar apenas
sensibilidade às diferenças internas que aproximam os estados.
No caso do tamanho populacional de um município e sua população urbana e rural,
ambos os fatores são sensíveis a grandes variações nas atividades econômicas, seja por
políticas públicas de estímulo, seja pela depressão de atividades. A criação de novos estados e
municípios, desmembrados de um anterior, é uma alteração bem mais drástica e rápida dessas
variáveis, que ocorre com relativa frequência, principalmente em municípios, mas em um
quantitativo pouco expressivo para sua magnitude total.
Essas variáveis societais, pela sua natureza pouco volátil, são as variáveis “de
controle”, por excelência, dos modelos desta tese. Já os demais fatores podem ser um
componente explicativo adicional, pois têm uma característica composta, mas de hipóteses
alternativas, substantivas, que precisam ser controladas, para que a dimensão dos efeitos dos
OGMDH transpareça, permitindo comparações sobre em que medida um ou outro aspecto é
eficaz para a promoção de um número maior de políticas públicas em direitos humanos. Os
elementos elencados são: capacidade administrativa do governo local, participação local, da
sociedade organizada, e relações com a assistência social.
Quando dois municípios têm capacidades burocráticas muito distintas, traduzidas nos
seus recursos administrativos, é esperado que possam eleger e implementar políticas públicas
muito distintas. Mais interessante é que essas capacidades podem variar, consideravelmente,
de uma área de política pública para outra. A estratégia adotada para lidar com essas possíveis
assimetrias foi recorrer à capacidade de constituir cadastros e informatizá-los em uma área
central para qualquer município: impostos. para tanto, foram levados em consideração

14
cadastros e informatização destes para: ISS, Imposto Sobre Serviços, IPTU, Imposto Predial e
Territorial Urbano, e Planta Genérica de Valores, onde estão estabelecidos os valores
unitários de metro quadrado de terreno e de construção do município.
Vale notar que não se dirigiu o foco para o quanto se arrecada com esses impostos, o
município pode até insertar seus cidadãos, mas o que se mirou foi a capacidade de construir
esses instrumentos em uma questão das mais sensíveis administrativamente, a capacidade de
ter instrumentos para arrecadar impostos. O esforço resultou na constituição de três perfis
bem demarcados dos municípios que têm todos os cadastros e informatizados; até os que
possuem apenas um cadastro. Tal análise origina três perfis bem distintos de municípios, pela
combinação da possibilidade de ter o cadastro, de um a três elementos situados, e da
combinação da informatização dos mesmos, conforme será abordado no capítulo 3 desta tese.
Um elemento muito celebrado na literatura internacional de associativismo e cultura
cívica é a capilaridade com que a sociedade se organiza, localmente, para se relacionar com
instituições de governo (PUTNAM, 2015). No Brasil, o debate ganhou relevo nos estudos em
torno das conferências de políticas públicas, suas potencialidades e consequências
(AVRITZER, 2012; POGREBINSCHI, 2012; POGREBINSCHI; SANTOS, 2011);
ressaltando toda uma expectativa em relação ao quanto a sociedade pode ser decisiva, na
combinação de mecanismos de participação direta, com mecanismos de democracia
representativa. Foram incluídos 20 diferentes tipos de conferência de políticas públicas locais
de 2010-2014, sendo que dois anos estão dentro do período estudado e dois anos, em seguida.
Uma contingência dos dados disponíveis, que não resulta em maiores consequências, pois o
que se quer medir não é a capacidade de “fazer” conferências, mas a capilaridade social
preexistente para que aconteçam.
Além dessas, foi testado se a assistência social, exclusivamente, não seria capaz de
explicar a maior oferta de políticas públicas em direitos humanos. A escolha da assistência
social não é aleatória, pois salta aos olhos a forte presença do uso do tipo de OGMDH “setor
subordinado a outra secretaria”, na sua expressiva maioria, vinculados a ela. Tal fato parece
denotar uma estratégia dos municípios de se valerem de uma área mais institucionalizada e,
com políticas públicas muito afeitas, para implementar uma área de políticas públicas menos
institucionalizadas, como a de direitos humanos. A assistência social, por sua vez, em seu
processo de institucionalização, introduz uma crítica muito forte ao “assistencialismo” e, em
seu lugar, passa a discutir efetivação de “direitos”; mais ainda, ao introduzir noções como

15
“situação de risco” e “vulnerabilidade”, aponta para públicos e políticas públicas que
coincidem com os de direitos humanos.
Como hipótese de controle da possibilidade dos resultados dos OGMDH serem só um
epifenômeno da atuação dos órgãos gestores de assistência social, foram introduzidas mais
três variáveis: uma, para “secretarias exclusivas de assistência social, que não possuem
OGMDH”, e outras duas, para “setores subordinados vinculados com a assistência social” e
“setores subordinados sem vínculo com a assistência social”.
Por fim, temos as variáveis relativas às relações partidárias em torno do Executivo
federal e a oferta de políticas públicas em direitos humanos pelos prefeitos eleitos pelos
mesmos partidos. A inclusão das variáveis partidárias de pertencimento do prefeito eleito ao
partido do Executivo federal, Partido dos Trabalhadores, e da proximidade da sua base pela
participação na coligação de partidos formada para sua eleição, foi a forma empírica
encontrada para verificar se tal influência é decisória relativa aos vínculos partidários.

Metodologia

A metodologia utilizada são seis modelos de regressão linear clássica, Quadrados


Mínimos Ordinários (MQO) ou OLS (do inglês Ordinary Least Squares), para o IMU, o IMV
e o AR. Trata-se de um tipo de regressão linear que procura encontrar o melhor ajuste para
um conjunto de dados, tentando minimizar a soma dos quadrados das diferenças entre o valor
estimado e os dados observados, resíduos.
São, no total, seis modelos, dois para cada variável resposta; nos três primeiros
modelos, um para cada variável resposta, opera-se com a variável OGMDH, que corresponde
à existência ou não de um OGMDH no município. Nos três modelos seguintes, essas duas
variáveis são substituídas por: “Autonomia”, que corresponde a todos os tipos de OGMDH,
menos os setores subordinados a outra secretaria; “Setor subordinado vinculado à assistência
social” e “Setor subordinado não vinculado à assistência social”. A substituição de variável
ocorre para, em um primeiro momento, testar a validade da existência de uma OGMDH e, nos
três modelos seguintes, os demais tipos mais autônomos, “Autonomia”, tipos subordinados e
o peso da vinculação com a assistência social.

16
Também se utiliza a variável “Maduro”, como relativa ao tempo de existência do
OGMDH, nos seis modelos. Essas são as variáveis explicativas da tese, sendo as demais
hipóteses substantivas ou de controle, bem como outras variáveis, repetidas em todos os seis
modelos deste trabalho.

Resultados esperados

O quadro 2 faz a síntese das hipóteses centrais, trazendo ideias relacionadas ao que se
espera, como, por exemplo, que os municípios com OGMDH sejam em maior número do que
aqueles que não têm. Assim, os que tiverem OGMDH serão os que possuem mais autonomia
e vínculos com a assistência social, além de alocação de recursos maior com relação aos que
não possuem. O tempo de existência descrito é o de 2009-2011 e IMV e IMU aparecem no
quadro como políticas públicas universalistas e grupos vulneráveis.

17
Quadro 2: Hipóteses da tese

Município Ter
RESULTADOS ESPERADOS
OGMDH
MAIOR QUE

Tem OGMDH Não tem

Tipo de OGMDH

Maior Autonomia/Vinculado Não tem


à Assistência Social

Tempo de existência do OGMDH

2009 2011

Pol. Públicas Universalistas / Grupos Vulneráveis

IMV IMU

Alocação de Recursos (DH/AS)

Com OGMDH = Maior Sem OGMDH - Menor


Alocação de Recursos Alocação de Recursos
Fonte: o autor.

As conclusões obtidas, a partir dos resultados, oferecem uma qualificação da


importância institucional dos OGMDH, inusitada, na definição analítica do alcance do seu
efeito específico sobre a oferta de políticas públicas em direitos humanos. Para além da
simples contabilidade de hipóteses aceitas ou rejeitadas, tem-se uma demarcação do grau da
sua contribuição em conjunto com outros fatores importantes. A hipótese central sobre a
importância dos OGMDH foi aceita integralmente para as políticas públicas universalistas e
para grupos vulneráveis.
No caso da alocação de recursos, tal efeito só foi identificado nos tipos específicos,
modelos tipo 2, mas, nesse caso, é até surpreendente que tenha sido constatado. Em relação
aos recursos orçamentários, há evidências das mais surpreendentes: os modelos AR foram os
de mais baixa capacidade de predição dos modelos como um todo, capacidade oriunda, em
boa medida, da ação das variáveis societais. É muito significativo que se encontre algum
resultado de OGMDH em relação à AR; mais interessante ainda é que as três variáveis
18
institucionais que restaram no ajuste do modelo tenham sido: “Subordinado vinculado à AS”,
“Autonomia” e “Secretarias exclusivas de AS sem OGMDH”, sendo todas as demais de corte
societal.
Quanto à hipótese de que os OGMDH fossem mais eficientes para prover políticas
públicas de grupos identitários em situação de vulnerabilidade do que políticas universalistas,
tal oposição entre um tipo de política e outra se mostrou inconsistente. Na verdade, os
OGMDH apresentam melhoria da oferta para ambos: nos modelos tipo 1, com uma única
variável para todos os OGMDH, o efeito foi ligeiramente superior para as políticas de corte
universalista; nos modelos tipo 2, o resultado se inverte, favorecendo os grupos vulneráveis,
mas também de forma ligeiramente superior. Tais dados corroboram a ideia de que essa
oposição não é, nas práticas da gestão pública local, algo incisivo e que seja levado em
consideração como um jogo de soma zero. Ou seja, o maior aumento de políticas para grupos
vulneráveis não resulta em um esmaecimento de políticas universalistas, ao contrário.
A importância dos grupos vulneráveis e sua relação com o tempo de existência de um
OGMDH, presente desde 2009, foi estabelecida, mas isso não foi identificado para o IMU. O
ideal é que esse tempo de maturação tivesse um registro mais longo de anos ou décadas, mas,
mesmo assim, nesse curto espaço, 2009-2011, já foi possível identificar um resultado positivo
em relação às políticas voltadas para grupos vulneráveis.
Quanto aos tipos de OGMDH, aqueles “subordinados vinculados à assistência social”
se mostraram bastante exitosos, no caso de IMU e IMV, com resultados ligeiramente
melhores do que os tipos com mais autonomia. A relação se inverte, em AR, o que ratifica a
hipótese de que maior autonomia, mesmo que seja por meio de associação com outra área que
possui afinidades, intensifica os efeitos dos OGMDH, uma autonomia feita de “empréstimo”.
Efeito bom para as áreas de direitos humanos e assistência social, pois esta última, sem a
presença dos OGMDH, não aponta para uma afirmação de uma agenda de políticas públicas
em direitos humanos, com a mesma força e, no caso da alocação de recursos orçamentários, o
efeito de ter um OGMDH é superior ao de uma secretaria exclusiva de assistência social sem
OGMDH.
Resumindo, os OGMDH têm efeito sobre a redução de CTP para a ampliação da
oferta de políticas públicas em direitos humanos. Nesta tese, pode-se estabelecer o vínculo
entre oferta de políticas públicas em direitos humanos e OGMDH, por meio da redução dos
CTP, havendo uma clara adesão maior dos municípios que possuem OGMDH, aos
compromissos com uma agenda de direitos humanos.

19
Estrutura da tese

Esta tese está estruturada em quatro capítulos. No capítulo 1, é feito um panorama


sucinto de polêmicas em torno da definição dos direitos humanos e as instituições para sua
defesa e monitoramento, desde o surgimento da ONU. No pós-guerra, vários países recém-
democráticos passaram a lidar com pressões internas e externas, em torno dos direitos
humanos. Essa rápida localização reforça a importância de estudos no âmbito das instituições
locais, principalmente pelos posicionamentos adotados nesta tese, nesse debate maior, que
apontam para a valorização da política e das instituições.
O capítulo 2 discute a possibilidade da ação racional dos municípios, ao optarem pelo
uso de OGMDH em seu desenho institucional como redutor de CTP.
No capítulo 3, apresentam-se as variáveis explicativas, de controle ou de hipóteses
substantivas, e as variáveis explicadas: o IMV, o IMU e a variável Alocação de Recursos
(AR).
No capítulo 4 e último, são apresentados os modelos e suas regressões, seus resultados
e a discussão das hipóteses mediante a interpretação dos dados gerados.
Finalmente, a conclusão faz um apanhado das discussões levantadas e as
consequências dos resultados obtidos para a relevância dos OGMDH e das políticas públicas
em direitos humanos. Esta tese também apresenta um apêndice de gráficos sobre os resíduos
dos seis modelos.

20
1 DIREITOS HUMANOS: CONCEPÇÃO E INSTITUIÇÕES

O presente capítulo aborda a temática dos direitos humanos, em sua trajetória,


pretensão de universalidade e fundamentação, evidenciando elementos que corroboram as
ideias contidas na afirmação moderna dos direitos humanos, em diversos momentos,
anteriores ao mundo moderno. A enunciação de uma “teoria dos direitos humanos” passaria,
portanto, pela explicitação desse legado, mas esse debate amplia-se, quando se pensa a
tradutibilidade, ou não, dos direitos humanos para outras culturas. Em tela, o repertório dessas
culturas em torno de alguma noção de dignidade da pessoa ou de elementos que dificultam a
incorporação de novos valores. Considerando que tal polêmica é melhor conduzida quando se
abordam as várias possibilidades de defesa dos direitos humanos, utiliza-se, aqui, uma
contribuição sintética de Luiz Eduardo Soares.
Em seguida, localiza-se o debate sobre as experiências internacionais e a criação de
mecanismos de monitoramento e expansão dos direitos humanos, partindo do cenário
internacional até a definição do enquadramento do Brasil e suas instituições. Depois, discute-
se o papel dos Estados Nacionais e suas instituições domésticas relacionadas aos sistemas
internacional e regional de direitos humanos.
Finalmente, aborda-se a especificidade do caso brasileiro, que se relaciona com a
dinâmica federativa e o lugar destinado aos municípios nessa dinâmica. O objetivo deste
capítulo é apontar para um duplo movimento; de um lado, os temas relativos aos direitos
humanos ganham destaque cada vez maior na agenda política; por outro, a busca de
mecanismos domésticos para dar efetividade aos direitos humanos. No caso do Brasil, isso se
expressa na coordenação federativa e na busca de compromisso dos governos subnacionais.

1.1 A TRAJETÓRIA HETEROGÊNEA DO FENÕMIENO DOS DH

Tornou-se lugar comum, na literatura de direitos humanos, a rápida filiação do


surgimento do tema às contribuições que evocam a noção de Estado de Direito, fundamentada
pelo liberalismo político. Essa é uma atuação estratégica na proteção do indivíduo frente às
ameaças do arbítrio e da tirania, pois, tendo o pensamento liberal, como leitmotiv, o apelo à

21
defesa das garantias individuais, nada mais justo tal associação imediata entre direitos
humanos e os mecanismos institucionais, que primam pela limitação do poder no Estado de
Direito. Todavia, a “história dos direitos humanos é mais antiga e rica” (POOLE, Hilary et al.,
2007).
Existe um tipo de contribuição, na literatura de direitos humanos, que visa a dar conta
dessa historicidade, em obras como: A afirmação histórica dos direitos humanos, de Fábio
Konder Comparato (2003), que oferece uma visão do desenvolvimento das ideias filosóficas e
jurídicas; História social dos direitos humanos, de José Damião de Lima Trindade (2002),
com uma abordagem baseada em modos de produção marxista; A invenção dos direitos
humanos, de Lynn Hunt (2009)6, que descreve a expansão da sensibilidade do indivíduo para
com os abusos físicos e a criação de uma empatia. Em comum, esses autores identificam, na
narrativa histórica, a construção de uma causalidade para a importância presente dos direitos
humanos.
Nessa visão, a trajetória de constituição do campo contemporâneo da instituição dos
direitos humanos passa, pelo pensamento grego, na ideia de “cidadão” da pólis, chegando à
República Romana, com os avanços do direito e da participação na res pública. Até então, a
“noção” de cidadão é muito limitada, abrangendo um número pequeno de pessoas, com os
diferentes povos inseridos na mesma categoria de “bárbaros” (POOLE, Hilary et al., 2007).
Em um segundo momento, o cristianismo, com a ideia de um deus único, ao qual o
gênero humano se filia, representa mais um avanço. Até então, permanecia, mesmo no
monoteísmo, a ideia de que a divindade elege seu povo em detrimento dos demais, como a
noção de “povo escolhido” no judaísmo. No pensamento medieval, as tentativas de
conciliação entre o racionalismo greco-romano e a fé cristã, sobretudo a noção de uma lei
natural que deveria reger as relações humanas, abrem margem para a ideia de direito natural e
natureza humana, tão cara ao pensamento contratualista, de tempos depois. Entretanto, o
mundo medieval era um mundo eivado de hierarquias: de gênero, nascimento e relações de
vassalagem de todo tipo (POOLE, Hilary et al., 2007).
Com o abandono da “idade das trevas” e o advento do iluminismo, abre-se a defesa da
secularização do poder, da tolerância religiosa. A base intelectual é a ideia de que o indivíduo
é tomado como base do contrato social e de toda a legitimidade política. No século XVII, com
a Guerra Civil Inglesa, coroa-se esse processo. O segundo Tratado do Governo de J. Locke,

6
Deve-se destacar, também, o esforço de tradução para o português, empreendido pelo Núcleo de Estudos da
Violência (NEV), da Universidade de São Paulo (USP), de obras de referência do Programa de Direitos
Humanos da ONU.
22
embora escrito bem antes dos fatos revolucionários, é a base conceitual desse novo mundo
constitucional, que surge com o Bill of Rights (1689), que é o início da derrocada do Antigo
Regime.
No continente, a derrocada institucional seria marcada pelas revoluções Americana e
Francesa, com a participação das classes populares. Claro que esses projetos revolucionários
ainda têm muitas limitações: escravidão (EUA), participação das mulheres e voto censitário
(voto limitado por renda e propriedade). A própria expansão europeia se dá com as guerras de
Napoleão, em prejuízo da república francesa. Os dois séculos seguintes são momentos de luta
das classes populares contra os abusos e as limitações das noções burguesas de direitos e
liberdades; são as “classes perigosas”.
A despeito das diferenças que possam ser encontradas na literatura, todos parecem
compartilhar o mesmo entusiasmo com o desenvolvimento histórico, como bem exemplifica a
seguinte passagem da obra de Comparato (2003, p. 50):

Pois bem, a compreensão da dignidade suprema da pessoa humana e de seus


direitos, no curso da História, tem sido, em grande parte, o fruto da dor física e do
sofrimento moral. A cada grande surto de violência, os homens recuam,
horrorizados, à vista da ignomínia que afinal se abre claramente diante de seus
olhos; e o remorso pela torturas, pelas mutilações em massa, pelos massacres
coletivos e pelas explorações aviltantes faz nascer nas consciências, agora
purificadas, a exigência de novas regras de uma vida mais digna para todos.

O autor fez correlação dessa expansão da sensibilidade humana com um movimento


sincrônico das “descobertas científicas ou invenções técnicas”, e a razão disso seria de
natureza biológica e evolutiva (COMPARATO, 2003, p. 50):

Uma das explicações possíveis para isso parte da verificação de que o movimento
constante e inelutável de unificação da humanidade atravessa toda a História e
corresponde, até certo ponto, ao próprio sentido da evolução vital. [...] A elevação
progressiva das espécies vivas ao nível do ser humano foi seguida de um processo
de convergência da humanidade sobre si mesma; ou seja, à biosfera geral sucede a
antroposfera.

Hunt corrobora essa visão, tendo o mesmo otimismo frente à expansão dos direitos
humanos (HUNT, 2009, p. 32):

Meu argumento depende da noção de que ler relatos de tortura ou romances


epistolares teve efeitos físicos que se traduziram em mudanças cerebrais e tornaram
a sair do cérebro como novos conceitos sobre a organização da vida social e política.
Os novos tipos de leitura (e de visão e audição) criaram novas experiências
individuais (empatia), que por sua vez, tornaram possíveis novos conceitos sociais e
políticos (os direitos humanos).

23
O que não parece tematizado pelos autores é que a simples descrição de uma narrativa
histórica a partir de pressupostos evolutivos, ou não, acaba por não colocar, em destaque,
aspectos problemáticos dessa trajetória (POPPER; GUTIERRE, 2000). Na presente tese, dá-
se mais valor àquelas discussões que possam enfrentar a temática dos direitos humanos como
uma construção histórica, problemática, inacabada e pluralista (TOSI, 2005, p. 7):

A compreensão desta trajetória histórica é fundamental para poder enfrentar a


discussão sobre o alcance universal dos direitos humanos, ou seja, acerca da
possibilidade de sua “expansão” para outros povos e culturas que não passaram por
esse mesmo processo histórico. No contexto desta reconstrução, nota-se também a
existência de um pluralismo teórico e ideológico nas diferentes formas de abordar os
Direitos Humanos: perspectivas diferentes, às vezes contrastantes, que fazem parte
do debate crítico sobre a legitimação dos direitos humanos que ainda continua na
contemporaneidade.

Sem a pretensão de endossar uma visão simplista sobre a história e a construção de


causalidades, busca-se, neste trabalho, descortinar as alteridades e diferenças em torno das
concepções de direitos humanos que podem perpassar o debate. Não se trata de uma busca por
uma explicação, superior ou final da dimensão dos direitos humanos, pois, da pluralidade e
indeterminação do conceito, nasce o momento histórico, que será percorrido pela prática
institucional.

1.2 DIFERENTES POSIÇÕES

No próprio processo de expansão marítima e comercial e o posterior colonialismo e


neocolonialismo, do novo mundo, por países europeus, fomentaram-se reflexões sobre a
relação entre as culturas e o status que deve gozar o “outro”. O etnocentrismo e o
evolucionismo são duas respostas iniciais e justificadoras desses empreendimentos coloniais,
e a antropologia também surge a serviço da tradução e do controle dos povos conquistados. O
experimento radical de alteridade e tradução de outras culturas leva a antropologia, nas suas
correntes contemporâneas, a repudiar e desqualificar a suposição de superioridade cultural do
“Ocidente”.
É possível localizar elementos, em culturas não ocidentais, que remetam a
similaridades com a noção de dignidade humana, que possibilitam falar em elementos afeitos

24
aos “direitos humanos”, em outras culturas (SEN, 2000; PANIKKAR, 2004). O exercício
também pode ser realizado na direção inversa, ao enfatizar a singularidade de uma cultura e
sua intraduzibilidade nos termos de outras culturas e contextos, como faz François Julien, para
a cultura chinesa (2009). Para o presente trabalho, entretanto, ambas as perspectivas são
perigosas. Há o risco provável do etnocentrismo em percorrer as diversas culturas,
catalogando elementos que se correlacionam com a “teoria dos direitos humanos”, sem levar
em consideração a dinâmica dos contextos singulares em que estão inseridos e dotados de
significado. Nesse sentido, tal construção de argumento, muitas vezes, só vislumbra aspectos
favoráveis, mas o inverso é, igualmente, perigoso, pois torna o conceito de cultura algo
estático e fatalista, e cultura não é destino (DONNELLY, 1984).
Independentemente de traços culturais e filosóficos anteriores, os direitos humanos se
tornam um conjunto de compromissos mais destacados com o avanço do pensamento liberal e
o surgimento do direito e estado modernos (ELIAS, 1993), em sociedades em que a noção de
indivíduo claramente se separa do Estado e da religião. Assim como as relações econômicas
podem ser expandidas para contextos fora do berço cultural do capitalismo, outros aspectos
civilizatórios também podem. A expansão dos direitos humanos é o resultado de dinâmicas
políticas institucionais e não de determinismos culturais, exclusivamente, favoráveis ou
desfavoráveis.
Estabelecida essa origem histórica e datada dos direitos humanos, as disputas em torno
dos fundamentos da sua validade e universalidade tornam-se um problema, que exige
posicionamento. Na academia, nos meios políticos, nos documentos de organismos
internacionais, passando pelos debates públicos, múltiplas estratégias argumentativas vão
sendo mobilizadas em argumentos favoráveis e críticos aos direitos humanos e sua
normatização. De forma bastante sintética, Luiz Eduardo Soares apresenta sete respostas
relacionadas com a justificativa de adesão aos direitos humanos (SOARES, 2006). No quadro
a seguir, montado a partir da exposição do autor, expõem-se essas sete posições (“respostas”),
suas consequências para os direitos humanos e limitações, que tornam problemática a posição
adotada. A sétima corresponde à posição do autor, a partir da assimilação das críticas às
respostas anteriores:

25
Quadro 3: Problemas relacionados aos direitos humanos, segundo argumento e posição
Posição Argumento(s) Direitos Humanos Problema(s)
Prescinde da aceitação da
religião. Não aberta à
“Somos todos filhos de Devemos amar e respeitar
Teológica comprovação racional. Na
um mesmo deus”. o próximo.
história, existem conflitos por
intolerância religiosa.

Todos têm a mesma A igualdade biológica não se


Laica/ natureza humana. A espécie deve perpetuar traduz em iguais normas e
Biológica “Somos animais de sua existência. posições sociais. Não há
uma mesma espécie”. consenso sobre essas questões.

O uso da razão fornece A razão é usada como “deus


os recursos para se Pelo uso da razão, mundano” para prometer algo
Razão chegar a escolhas estabeleceremos meios de transcendente, um juízo
justas sobre o convívio convivência adequados. universal. Acaba excludente
em sociedade. como a religião.

A sociedade evolui
Os direitos humanos são Não há acordo sobre a adesão a
como a natureza, são
um patrimônio da um padrão de sociedade. Em
processos análogos. A
evolução histórica. Uma nome de critérios evolutivos,
“seleção natural”
Evolução dinâmica entre acaso e pode-se desrespeitá-los. É
favorece a
necessidade que seleciona problemática a redução da
sobrevivência dos
as experiências mais história humana a uma evolução
arranjos sociais mais
vantajosas para a espécie. biológica.
aptos.

A ressalva é válida, dada a


necessidade de falar a partir de
contextos reais. Esquece que os
“Moralidade e poder A igualdade formal do direitos humanos servem para
Marxista/
são duas faces da Estado burguês mascara a ampliar as condições dos
Nietzschiana
mesma moeda”. dominação de classe. indivíduos em democracias.
Ignorar isso, em muitos casos,
pode revelar cumplicidade com
tiranias.

26
Não há como escapar ao
Os direitos humanos Não há possibilidade de
etnocentrismo. Quando se
são valores integrantes valores universais, o que
defende o respeito às diferenças,
da cultura ocidental. existem são diferentes
Antropológica também se faz em nome de
Suas tentativas de culturas. No lugar dos
valores ocidentais. O próprio
universalização são direitos humanos, deve-se
relativismo pluralista é uma obra
etnocêntricas. respeito às diferenças.
do Ocidente.

Nossa cultura não é


Os direitos humanos são
superior às demais.
um produto provisório,
Não há substrato É a posição defendida pelo autor
precário e problemático
divino, racional, para sair de uma postura passiva
Não da conflituosa história do
evolutivo, histórico ou e, ao mesmo tempo, acolhendo
essencialista Ocidente. Eles podem ser
racional que possa os impasses das posições
aceitos como parte dos
justificar essa anteriores.
diálogos entre culturas ou
pretensão de
não.
superioridade.
Fonte: quadro elaborado pelo autor, a partir de Soares (2006).

A consolidação e a exposição dessas sete posições resumem o percurso mutável,


diverso e tenso dos valores associados aos direitos humanos, ao longo dos séculos. Não se
trata de um processo de superação, etapa por etapa, mas um repertório de posições críticas e
favoráveis aos direitos humanos.
Podem-se agrupar as quatro primeiras posições a partir de um ponto comum: tentam
localizar algum elemento substancial que valide os direitos humanos. Apelar para religião,
razão, unidade biológica da espécie e evolução da sociedade são recursos argumentativos, que
procuram estabelecer uma base comum que valide os direitos humanos, conforme abordado
mais à frente.
A abordagem marxista/nietzschiana é, na verdade, uma crítica ao caráter abstrato e
ideológico dos direitos humanos. Durante a Guerra Fria, o uso ideológico dos direitos
humanos era corrente entre as superpotências, mas, após esse período, não há evidência que
denote o fim de tal possibilidade de uso ideológico. Organizações Não Governamentais
(ONGs), como a Anistia Internacional e a Human Rights Watch, são, regulamente, acusadas
da mesma forma pelos governos que são alvos de suas denúncias. Soares, com propriedade,
identifica que limitar os direitos humanos a seus abusos ideológicos faz parecer que tais
mecanismos institucionais de defesa de grupos marginalizados e de indivíduos frente ao poder
dos Estados e suas maiorias são pouco importantes. Sua crítica, implicitamente, aponta para
as tentativas de desconsiderar a falta de liberdades nos países do socialismo real, por
ideólogos marxistas ortodoxos (SOARES, 2006).
As duas últimas abordagens, antropológica e não essencialista, seguem outra
27
perspectiva, tendo, em comum, a crítica ao colonialismo e às suas tentativas etnocêntricas de
justificar relações de dominação. A perspectiva não essencialista absorve a contradição mais
citada do relativismo antropológico, a incapacidade de relativizar a si mesmo, pois critica os
valores ocidentais a partir de uma matriz de compromissos (e valores) também ocidentais.
Esta última posição pode ser vista, portanto, como uma não posição: abre mão de todos os
pressupostos que poderiam fundamentar sua superioridade no debate, para assumir seu ponto
de vista ocidental, reconhecendo sua precariedade/historicidade, sem nenhuma pretensão de
aceitação prévia por outras culturas. Nesse sentido, sai da busca de uma essência/substância
filosófica para o terreno da ética e da política. A aceitação de uma agenda dos direitos
humanos é a construção política de compromissos éticos com base em valores ocidentais;
portanto precária, histórica e controversa.
É importante perceber que as quatro primeiras argumentações associadas aos direitos
humanos apontam para determinações últimas, que legitimam sua defesa. Já a última
abordagem, defendida por Soares como não essencialista, abre mão desse imperativo de uma
justificativa conceitual que encerre o debate. Sem dúvida, credora do neopragmatismo de
Richard Rorty, essa posição gera ataques, como os de José Augusto Lindren Alves, que vê, na
retórica “pós-moderna”, um sinal de enfraquecimento da defesa dos direitos humanos e que,
nas mãos de tiranos, pode servir de álibi para atrocidades. A principal debilidade da
argumentação de Rorty é basear os direitos humanos em uma abordagem mais “feminina” e
em sentimentos individuais de empatia (solidariedade) com o outro e suas diferenças. Para
Alves, esse tipo de abordagem pode ter seu valor em determinadas situações, mas tem, como
principal problema, aniquilar a noção de direito (ALVES, 1999, p. 13).
Na mesma linha, o jurista Fábio Konder Comparato critica o positivismo jurídico de
Norberto Bobbio (2004) e sua recusa em fundamentar os direitos humanos em qualquer
pressuposto transcendente, concluindo assim:

[...] na ausência de uma razão justificativa exterior e superior ao sistema jurídico, um


regime de terror, imposto por autoridades estatais investidas segundo as regras
constitucionais vigentes, e que exercem seus poderes dentro da esfera formal de sua
competência, não encontra outra razão justificativa ética, senão a sua própria
subsistência.
Ora, é justamente aí que se põe, de forma aguda, a questão do fundamento dos
direitos humanos, pois a sua validade deve assentar-se em algo mais profundo e
permanente que a ordenação estatal, ainda que esta se baseie numa Constituição
formalmente promulgada. A importância dos direitos humanos é tanto maior, quanto
mais louco ou celerado o Estado (COMPARATO, 1998. p. 6).

A crítica dos dois autores coincide em um ponto: sem legitimidade conceitual, os

28
direitos humanos correm risco político de serem atacados nas práticas institucionais. Sua
segurança jurídica, sua normatividade frente a tiranos e sua abrangência internacional estão
ameaçados.
Outros conceitos como “democracia” e “mercado” carecem da mesma exatidão ou
consenso; todavia, não se alega, com a mesma veemência, ameaças a sua existência empírica.
Norberto Bobbio, no livro citado por Comparato, critica duramente a busca pelo “fundamento
absoluto” dos direitos humanos, que, como a “demonstração de um teorema”, faça cessar o
debate e estabeleça o consenso. Bobbio considera que tal desiderato é desmentido pela
experiência histórica, elencando três teses: a primeira, nos momentos em que havia mais
consenso entre eruditos sobre os fundamentos dos direitos do homem, não há prova de que
tenham sido mais respeitados; a segunda, no momento de crise desses fundamentos, muitos
governos puderam se reunir em torno da criação da ONU e da Declaração Universal dos
Direitos Humanos; a terceira, a construção desse consenso político-internacional fez com que
“a fundamentação” dos direitos humanos perdesse “grande parte do seu interesse” (BOBBIO,
2004, p. 42-43).
Para o autor, essa busca de fundamento é uma postura conservadora que retorna ao
debate para demonstrar a incompatibilidade entre os direitos civis e políticos e a incorporação
de novos direitos, notadamente, os sociais. A argumentação é simples: os direitos civis e
políticos estabelecem restrições ao poder Estatal (liberdade negativa) e são centrados no
indivíduo; já os direitos sociais e outros mais recentes requerem a atuação ativa do Estado
(liberdade positiva) e nem sempre são balizados no indivíduo. Podem ser atribuídos a grupos
sociais ou mesmo de interesse mais difuso, como proteção do meio ambiente, por exemplo.
Para os conservadores, essas contradições apontam para a necessidade de voltar à essência do
que constitui os direitos humanos. Para autores como Soares, Rorty e Bobbio, as contradições
permanecem como elementos para a construção de um artefato humano e histórico; um
produto da dinâmica da política e do direito. No presente trabalho, é reconhecido que a
extensão desse debate extrapola o escopo da pesquisa, portanto, para fins operacionais da
construção do objeto desta tese, são privilegiadas as abordagens não essencialistas, que
permitem vislumbrar a construção de políticas públicas em direitos humanos como um
problema não atrelado a qualquer determinação última fora das instituições políticas.
Nesse sentido, a definição de políticas públicas segue a mesma plasticidade da
definição do que sejam os direitos humanos. Com uma diferença essencial: via de regra, são
ações do Estado para corrigir violações e dar efetividade a direitos já positivados em leis

29
nacionais, que recepcionam a ratificação de tratados internacionais. Um deslocamento do
debate de teoria nos campos ético, político e jurídico para o contexto das instituições e prática
de Estado. Essa institucionalização, por meio do direito internacional, visa a gerar garantias
contra maiorias eventuais e comportamentos oportunistas (COUTO, 2005).
No final do capítulo 2, serão abordados dois estudos, um deles desenvolvido pelo
Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM), que mostra como não há clareza na
ponta de atuação das instituições locais sobre o que sejam os direitos humanos, sendo a
polissemia dos termos parte dos problemas e das disputas. O que não se acredita, nesta tese, é
que as soluções para tal variação de entendimentos advenham de uma solução conceitual com
pretensões de universalismo, que, em última instância, só oferece mais uma abordagem
criticável. Ao contrário, as deliberações internacionais nasceram em momentos de desacordos
teóricos, mas de tarefas históricas e institucionais desafiadoras.

1.3 ESTADOS E DIREITOS HUMANOS

Até o advento do fim da Segunda Grande Guerra, conceitos como “cidadania” e


“direitos humanos” eram, em termos práticos, sinônimos, resultantes da comunidade política
de um país em torno de seu Estado de Direito. O Holocausto e a experiência da ascensão do
Nazismo mudaram esse quadro de referências.
Em Origens do totalitarismo, Arendt (2013) procura demonstrar o surgimento de um
novo patamar no pensamento sobre direitos humanos, partindo de um inventário da condição
dos apátridas e das minorias étnicas no período entre guerras. Para a autora, esses grupos são
um problema para o Estado-nação, os chamados “povos sem Estado”. Assim, os instrumentos
que procuravam dar conta das questões desses grupos, como o Tratado das Minorias, a
Declaração dos Direitos do Homem e a Liga das Nações, não foram capazes de garantir os
direitos desses cidadãos, pois seriam respeitados, desde que fossem cidadãos de algum
Estado. A ideia de respeito aos direitos humanos não era negada em si, mas condicionada à
soberania de algum Estado garantidor. Como, nesses grupos específicos, a condição em
relação a pertencimento a um Estado era, via de regra, irregular, nada podia ser feito
(ARENDT, 2013).
Os próprios Estados da época encontraram, nessa lacuna, um instrumento político

30
poderoso, como negar a nacionalidade às minorias. Na Alemanha, por exemplo, uma
legislação estabelecia que, no caso dos judeus que emigrassem para outros países, esses
perdiam, automaticamente, a nacionalidade alemã. Outro instrumento era a “repatriação”, ou
seja, a possibilidade de expulsar estrangeiros não desejados e/ou em situação irregular, para
seus países de origem. Em muitos casos, isso era um dos piores castigos, uma sentença de
provável morte. Para além de uma “lacuna”, um “esquecimento” constitucional, tratava-se de
uma forma de lidar com elementos nocivos. O exemplo da Guerra Civil Espanhola povoava o
imaginário de todos os governos, demonstrando como estrangeiros poderiam ter participação
significativa em contextos domésticos (ARENDT, 2013).
Resumindo, até a Segunda Guerra, os direitos humanos eram vinculados à noção de
soberania do Estado contemporâneo e a ideia de “humanidade” era reguladora, mas sem muita
concretude no universo cotidiano dos Estados. Com o advento dos governos totalitários, as
suas lógicas de apontar para o conjunto da nação, em detrimento dos interesses dos indivíduos
particulares, põem a nu esse problema. A atitude partia da negação da soberania aos
indesejados, depois, a separação física do resto da sociedade e, por fim, o aniquilamento
daqueles que não foram reclamados como parte de um Estado. A busca da homogeneidade em
torno de um Estado, seja como construção de um sentimento nacional ou como engenharia de
instituições, torna os direitos humanos no “o direito a ter direito”, algo subversivo:

A razão pela qual comunidades políticas altamente desenvolvidas, como as antigas


cidades-Estado ou os modernos Estado-nações, tão frequentemente insistem na
homogeneidade étnica é que esperam eliminar, tanto quanto possível, essas
distinções e diferenciações naturais e onipresentes que, por si mesmas, despertem
silencioso ódio, desconfiança e discriminação, porque mostram com impertinente
clareza aquelas esferas onde o homem não pode atuar e mudar à vontade, isto é, os
limites do artifício humano. O ‘estranho’ é um símbolo assustador pelo fato da
diferença em si, da individualidade em si, e evoca essa esfera onde o homem não
pode atuar nem mudar e na qual tem, portanto, uma definida tendência a destruir. Se
um negro numa comunidade branca é considerado nada mais do que um negro,
perde, justamente com o seu direito a igualdade, aquela liberdade de ação
especificamente humana: todas as ações são agora explicadas como consequências
‘necessárias’ de certas qualidades do ‘negro’; ele passa a ser determinado exemplar
de uma espécie animal, chamada homem. Coisa muito semelhante sucede aos que
perderam todas as suas qualidades políticas distintas e se tornaram seres humanos e
nada mais. Sem dúvida, onde quer que uma civilização consiga eliminar ou reduzir
ao mínimo o escuro pano de fundo das diferenças, o seu fim será a completa
petrificação; será punida, por assim dizer, por haver esquecido que o homem é
apenas o senhor, e não o criador do mundo (ARENDT, 2013, p. 335).

A autora estabelece o vínculo entre a defesa dos direitos humanos em escala


internacional e o perigo que representam Estados homogeneizantes, que buscam anular suas
clivagens sociais e políticas internas. Tal deslocamento dos direitos humanos só é possível

31
com um esmaecimento da noção de soberania nacional. Na arena internacional, surge a
possibilidade de pactos e acordos internacionais e sistemas de controle dos mesmos.
O processo de construção de garantias e criação de mecanismos institucionais que
afirmem os direitos humanos, entre os Estados, ganha relevo após Segunda Guerra Mundial7.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, da ONU (1948), e os subsequentes pactos:
Internacional dos Direitos Civis e Políticos e Internacional sobre os Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais, ambos criados em 19668, são a tradução da criação de instrumentos
formais. A esses se seguiram diversos tratados internacionais, detalhando e especificando a
larga abrangência dos direitos humanos, bem como a criação do Sistema Internacional de
Proteção aos Direitos Humanos e versões regionais, como o Sistema Interamericano de
Proteção aos Direitos Humanos, com suas respectivas cortes, que podem acolher e julgar
denúncias de violações de direitos humanos. O sintomático desse processo é o grau de
ratificação dos dez principais tratados de direitos humanos, conforme se pode visualizar no
quadro a seguir.

Quadro 4: Distribuição dos países, segundo adesão aos 10 principais tratados


internacionais de direitos humanos, 2006
Tratados internacionais de direitos humanos N %

Convenção sobre os Direitos da Criança 191 100,0


Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de:
Discriminação contra as Mulheres 183 95,8
Discriminação Racial 170 89,0
Pacto Internacional sobre:
Direitos Civis e Políticos 156 81,7
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais 153 80,1
Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos Cruéis e Degradantes 141 73,8
Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança sobre:
O envolvimento de crianças em conflitos armados 107 56,0
Prostituição infantil e pornografia infantil 107 56,0
Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos 105 55,0
Visando a abolição da pena de morte 57 29,8
Protocolo Facultativo à Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as
79 41,4
Formas de Discriminação contra as Mulheres

Fonte: Office of the United Nations High Commissioner for Human Rights, 2006.

7
O período não é um acaso, reflete uma percepção de que, depois da experiência do Holocausto e o tratamento
dos Estados Nacionais aos apátridas, as garantias aos direitos fundamentais não deveriam ficar só a cargo dos
respectivos Estados. Organismos multilaterais deveriam ter instrumentos para frear essas violações (ARENDT,
2013).
8
Ambos passam a vigorar em 1976. No Brasil, são incorporados, no arcabouço jurídico, somente a partir de
1991 e 1992, respectivamente.
32
Encontra-se uma expressiva participação dos estados em celebrar instrumentos
internacionais relativos aos direitos humanos. Tal constatação não deve ensejar otimismo,
conforme será visto na próxima seção.
Um último ponto, antes de se passar à próxima seção, é relativo à classificação dos
direitos humanos em gerações de direitos. Criada por Karel Vasak (1963), que, em 1979,
estabeleceu uma classificação dos direitos humanos em gerações. Os direitos humanos de
primeira geração seriam os direitos de liberdade, compreendendo os direitos civis e políticos.
Os direitos humanos de segunda geração constituiriam os direitos econômicos, sociais e
culturais. De terceira geração, são os relativos ao meio ambiente, uma saudável qualidade de
vida, progresso, paz, autodeterminação dos povos e outros direitos difusos. Posteriormente,
estabeleceu-se a quarta geração de direitos, referida aos direitos tecnológicos, tais como o
direito de informação e o biodireito. As possibilidades de classificação são importantes para
finalidades analíticas. Em termos jurídicos e políticos, esses direitos são considerados
universais, indivisíveis, interacionados e interdependentes (PIOVESAN, 2004).
Evidentemente, tanto a classificação em gerações e “indivisibilidade”, por exemplo, são
normatividades e simplificações, que sempre podem ser confrontadas com a diversidade das
experiências de implementação de políticas públicas.

1.4 INSTITUIÇÕES DOMÉSTICAS

É importante ressaltar que, ao ratificarem instrumentos internacionais de direitos


humanos, os países podem incorporar esses dispositivos às suas legislações internas, ou, pelo
menos, comprometer-se a respeitar os compromissos assumidos internacionalmente.
Evidentemente, ter um direito acolhido no ordenamento jurídico nacional não é suficiente
para torná-lo realidade, caso não haja estabelecimento de todas as competências legais e
instituições necessárias para a sua efetiva concretude. A grande adesão aos acordos
internacionais relaciona-se com os custos baixos e os retornos em legitimidade dessa opção,
tanto em países com grande adesão aos direitos humanos, como para grandes transgressores.
Afinal, representava uma sinalização inicial, que remetia à apresentação de resultados mais
concretos para tempos futuros (COLE; RAMIREZ, 2013).
Na literatura sobre os resultados da ratificação de tratados de direitos humanos, o

33
efeito dessa medida é, frequentemente, nulo ou quase nulo. Fala-se em “dissociação”
(decoupling) entre as normas e as práticas, como uma característica inerente a esses tratados.
Para autores mais pessimistas, essa medida é totalmente dissociada das boas práticas, pois
investe de legitimidade e simbolismo governos criticados por suas condutas, sem grandes
custos iniciais de implementação, como o chamado “paradoxo das promessas vazias”
(HAFNER-BURTON; TSUTSUI, 2005).
Esses tratados são mais efetivos quando existe monitoramento externo e interno, com
a divulgação de abusos, mas os resultados podem variar conforme o direito em questão. Como
exemplos, destaca-se o estudo de Ramirez e Cole (2013), que identificaram melhores
resultados para indicadores relacionados com a “integridade física” do que com os “direitos
civis e políticos”, quando existem instituições domésticas de direitos humanos, como a
National Human Rights Institutions (NHRI), independentemente do tipo adotado.
Em relação ao surgimento dessas importantes instituições, deve-se ressaltar que, nos
organismos multilaterais, como a ONU, sempre esteve presente a preocupação com as
instituições domésticas, que devem dar efetividade e monitoramento aos direitos humanos.
Em 1978, a Comissão dos Direitos do Homem promoveu o Seminário sobre Instituições
Nacionais e Locais para a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos, em Genebra, com o
objetivo de orientar e estimular o processo, que se encontrava em curso, de criação de
instituições nacionais ao longo da década de 1980. O processo culmina, em 1991, com o
Workshop Internacional de Instituições Nacionais para a Promoção e Proteção dos Direitos
Humanos, resultando nos “Princípios de Paris”, depois transformados em resolução da
Assembleia Geral da ONU (Res. 48/134, de 20/12/1993). Além de afirmarem, nos
“princípios”, a importância estratégica de instituições nacionais, também são estabelecidas as
responsabilidades desejadas:

Apresentar recomendações, propostas e relatórios sobre qualquer matéria relativa


aos direitos humanos (incluindo disposições legislativas e administrativas e qualquer
situação de violação dos direitos humanos) ao Governo, parlamento ou qualquer
outro organismo competente;
Promover a conformidade das leis e práticas adotadas a nível nacional com as
normas internacionais de direitos humanos;
Estimular a ratificação e aplicação das normas internacionais;
Contribuir para os processos de apresentação de relatórios ao abrigo dos
instrumentos internacionais;
Auxiliar na formulação e execução dos programas de ensino e investigação no
domínio dos direitos humanos e promover a sensibilização do público para as
questões de direitos humanos através da informação e da educação;
Cooperar com as Nações Unidas, instituições regionais e instituições nacionais de
outros países (ACNUDH, 1995).

34
Muito se avançou em torno de normas gerais relativas ao trabalho e à função das
instituições nacionais de direitos humanos (NHRI), mas tais avanços são suficientemente
flexíveis para abarcar uma diversidade empírica expressiva, não acarretando, com isso, um
consenso conceitual em torno de sua definição.
Algumas características podem ser percebidas em relação a essas instituições: são
organismos citados em constituições ou em leis especiais; são criadas com funções específicas
de direitos humanos, o que exclui as mais genéricas e sem amparo legal; são, via de regra, de
caráter administrativo, excluindo-se instituições específicas do Legislativo e do Judiciário.
Em termos muito gerais e empíricos, podem ser classificadas em dois tipos: ombudsman
(“ouvidorias”) e comissões de direitos humanos (ACNUDH, 1995).
Via de regra, a literatura sobre NHRI classifica em três tipos as instituições domésticas
de direitos humanos: 1) ombudsman clássico, sem poder de investigação, originário dos
países escandinavos; 2) ombudsman de direitos humanos, com poder de investigação,
presente no Sul da Europa, na América Latina (Defensor del Pueblo) e em ex-membros do
bloco socialista do Leste Europeu; 3) comissões de direitos humanos, presentes em Estado da
Commonwealth, democráticos ou não (PEGRAM, 2010).
De imediato, podem-se afirmar duas grandes tendências presentes: as democracias
possuem o ombudsman clássico e as democracias mais recentes optam por comissões de
direitos humanos. Em sua análise, Thomas Pegram chama a atenção para o fato de que, na
literatura de “transição à democracia”, essa opção institucional é explicada, primeiramente,
por processos políticos domésticos. Entretanto, o fenômeno é mais denso e complexo,
atravessando diversas regiões do globo. No gráfico 1, percebe-se o volume de crescimento de
NHRI e sua dimensão global.

35
Gráfico 1: Proliferação regional de NHRI, 1960-2008

Fonte: PEGRAM, 2010, p. 752.

É de se perceber a possibilidade de existência de NHRI em países não democráticos,


com eleições livres e demais características de uma poliarquia. Pode-se falar em duas ondas
internacionais, com proximidade no tempo, de caráter global e com a difusão de modelos
institucionais nacionais. O gráfico 2 expõe essas duas expansões: dos países com NHRI e com
regimes eleitorais.

Gráfico 2: Crescimento global dos NHRI e regimes eleitorais, 1960-2005

Fonte: PEGRAM, 2010, p. 752.

36
A consolidação de diversos NHRI pelo mundo propiciou a produção de estudos sobre
seu impacto nas políticas públicas, inclusive na América Latina. Russell Shekha (2012)
aponta a relação entre ratificação, combinada com a existência de democracia e sociedade
civis fortes como impactantes sobre o gasto e a ampliação de políticas públicas de direitos
humanos, principalmente, para grupos vulneráveis.

Embora os estudos que examinam os DESCs mostrem uma relação contraditória


com a ratificação do tratado, a evidência é amplamente positiva ao colocar que os
tratados, especialmente os aliados a regimes democráticos e às sociedades civis
fortes, promovem a extensão de direitos para as populações em situação de risco,
tais como as crianças. As melhorias nas condições de trabalho e saúde, e a redução
da desigualdade de acesso, associada à ratificação do tratado, sugerem níveis mais
elevados de gastos sociais e uma potencial redução na desigualdade de renda.
Portanto, supõe-se que as ratificações do tratado influenciem positivamente o
aumento dos níveis de gastos com a saúde e a educação, mas não têm qualquer
efeito sobre os níveis de bem-estar e seguridade social. As ratificações do tratado
não terão efeito algum na seguridade social e no bem-estar devido à resiliência
histórica com relação às políticas de curto prazo e a mudanças e choques
econômicos, uma vez que são associadas às reduções na desigualdade de renda
nacional (SHEKHA, 2012, p. 43, tradução nossa9).

Em relação à América Latina, o mesmo autor descreve a expansão nas demandas de


NHRI de direitos civis e políticos, para englobar cada vez mais direitos econômicos sociais e
culturais, evidenciando, assim, como os Estados implementam suas políticas públicas. O caso
brasileiro oferece uma posição bastante singular, devido à forma como os pesquisadores
classificam a existência de uma possível instituição nacional de defesa dos direitos humanos,
ou seja, pelo desenho dessa instituição, como pode ser conferido na próxima seção.

1.5 A COORDENAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS NO BRASIL

A posição ocupada pelo Brasil, nos estudos sobre o impacto de NHRI, é controversa,
para não dizer inexata. Shekha (2012) considera que a Secretaria de Direitos Humanos (SDH),
da Presidência da República, como sendo nossa NHRI, desde 1998, mas, de fato, só em
dezembro de 2013, tornou-se ouvidoria nacional de DH. A Secretaria de Direitos Humanos
abriga a Comissão da Verdade e é responsável pela articulação interministerial e intersetorial
de DH, além de ter trabalhado em conjunto com as Secretarias de Política Para Mulheres
(SPM), a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) e outros ministérios, como o

9
Todas as traduções são livres e do autor desta tese, a partir da passagem citada.
37
da Justiça, muito relacionados com a temática, até 2016 (ano em que essas secretarias
passaram a compor um único Ministério dos Direitos Humanos, após breve subordinação,
como secretaria, ao Ministério da Justiça). Todavia, a SDH da Presidência da República não
possui a autonomia de mandato e orçamento, esperada de uma NHRI. Enquanto as NHRI se
concentram na produção de relatórios, investigações (quando têm esse poder) e na educação
em direitos humanos, as funções da SDH se assemelham mais a de um órgão executor e
articulador de políticas públicas, não as de um órgão que deveria, com a ajuda da sociedade,
controlar e cobrar do Estado o cumprimento de dispositivos legais nacionais, em consonância
com deliberações internacionais.
Em outro posicionamento sobre a classificação do Brasil, há o de Pegram (2010), para
o qual o Chile, o Brasil e os EUA são casos negativos, em que não existem NHRI. Muitas
respostas são especuladas pelo autor, mas, no caso dos dois últimos países, a tese aventada é a
de que possuem grande extensão geográfica e são federalistas, onde podem ter-se criado
condições para a existência de ouvidorias dos estados, mas não em nível nacional.
(PEGRAM, 2010, p. 759). A análise de Pegram faz muito sentido para os EUA, com o grau de
autonomia que os estados têm para definir, por exemplo, a legislação penal.
No caso brasileiro, essa definição de papéis não é tão precisa, ainda mais com a
inclusão de um terceiro elemento: o município. São, portanto, três os entes federativos, com
um jogo de indefinição de papéis em diversas políticas públicas (cf. capítulo 2). Há, também,
outro elemento que pode ser relacionado: o surgimento do protagonismo de diversas cidades,
como players internacionais em direitos humanos. Tal questão remete a um problema central
desse tipo: Qual a importância das instituições de direitos humanos nas subunidades nacionais
(Subnational Human Rights Institutions – SHRI), sobretudo, em países com federalismo?
Andrew Wolman destaca o papel que os governos subnacionais vêm tendo, tanto na
ONU (WOLMAN, 2014), quanto entre países federalistas (WOLMAN, 2013). Neste último
trabalho citado, o Brasil, em um conjunto de 27 países federalistas, figura entre os países que
possuem instituições de direitos humanos subnacionais, mas sem serem membros do
organismo da ONU para essas instituições (nacionais, mas com a presença de alguns
subnacionais)10. Sobre o Brasil, são citadas comissões dos estados de São Paulo, Rio de
Janeiro, Ceará e Minas, que funcionam como SHRI ou ouvidorias específicas de grupos
vulneráveis. O autor cita a existência de uma ouvidoria nacional para receber denúncias de
violação de direitos de grupos vulneráveis (WOLMAN, 2014, p. 448).

10
International Coordinating Committee of National Institutions for Promotion and Protection of Human Rights
(ICC).
38
Em resumo, os trabalhos de Shekha, Pegram e Wolman são completamente díspares
em termos de precisão sobre como classificar o Brasil. Mais do que uma simples escolha por
maior precisão, tal dado oferece um indicador do quanto é singular a realidade do Estado
brasileiro para tratar de políticas públicas em direitos humanos.
O que se pode inferir desse quadro mais geral é que, enquanto no plano internacional,
desde o surgimento da ONU, no pós-guerra, foi sendo montada uma arquitetura de
monitoramento de defesa dos direitos humanos e as questões mais filosóficas sobre a
abrangência e o conteúdo do tema deram espaço para deliberações e debates sobre a
efetividade de tratados e instituições de direitos humanos. Com essa constatação histórica, não
se nega que componentes de disputas entre países e grupos estejam presentes nos embates e
deliberações internacionais em torno de interesses diversos. O interessante é reconhecer que, a
despeito de todas as dificuldades que as relações internacionais oferecem, foi possível a
criação de tais sistemas. Os sistemas internacionais e regionais de direitos humanos têm seu
papel, sua imparcialidade e sua efetividade questionados com frequência, mas, apesar das
resistências, tais sistemas conseguem oferecer constrangimentos às violações e ajudam a
difundir bandeiras relacionadas à expansão de direitos. Para fins desta tese, o que se quer
denotar é que diversos países, entre eles o Brasil, passam a ter que lidar com pressões
relativas aos direitos humanos que combinam esforços domésticos e internacionais.
Para o Brasil, que emerge com a redemocratização, o cenário que se apresenta é de
cobranças internas, da capilaridade da sociedade organizada e externa. Tal qual outros países,
em situação semelhante, como demonstra Pegram, o Estado brasileiro teve que lidar muito
rapidamente com essas pressões, além de ter uma condição continental e federalista que não
ajudou muito. A Constituição de 1988, ao mesmo tempo em que atualiza para a ordem
constitucional doméstica o conjunto de contribuições dos direitos humanos, não deixa muito
claro como serão atingidos objetivos democráticos e sociais, especialmente a delimitação da
atuação de cada ente federativo. Wolman mostra que, já em escala internacional, cidades
começam a atuar como players importantes de direitos humanos. No caso brasileiro, não
chegamos a esse protagonismo internacional, ainda, mas, cotidianamente, prefeitos organizam
sua gestão e precisam decidir como lidar com essa temática.
Possíveis apelos retóricos à parte, não há mecanismo institucional capaz de fazer com
que os diferentes órgãos da União e as subunidades nacionais convirjam nas suas políticas
públicas nos direitos humanos como um conjunto definido. Em se pensando por áreas de
atuação, diversas políticas públicas, como as das áreas da saúde, educação e assistência social,

39
possuem restrições e incentivos para que diferentes esferas de governo colaborem.
Tal trajetória atípica resultou em uma situação singular, na XI Conferência Nacional
de Direitos Humanos, em 2004. O texto base da mesma apresentava, como tema único, a
criação de um “sistema nacional de direitos humanos”. A proposta foi duramente criticada por
Hélio Bicudo, Paulo de Mesquita Neto e Guilherme A. de Almeida, em artigo na Folha de S.
Paulo (2004).

O Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana e, depois, a Secretaria


Especial de Direitos Humanos foram iniciativas importantes. Mas esses órgãos têm
sua ação limitada pelos interesses do Estado, tanto no campo administrativo, como,
e, sobretudo, no campo político. Já é tempo de criarmos um órgão com autonomia
diante do poder estatal (mandato certo aos seus responsáveis), provendo-o de
estrutura e de meios orçamentários adequados à sua atividade. Já é hora de
construirmos uma instituição nacional de direitos humanos, dotada de mandato
amplo, com previsão orçamentária e, um requisito fundamental, com independência
e autonomia em relação ao poder público.
As instituições nacionais têm caráter consultivo, não integram o Poder Judiciário
nem o Poder Legislativo. Podem ter uma ligação com o Executivo, mas são
independentes dele. A estrutura e o funcionamento das instituições nacionais de
direitos humanos são reguladas pelos "Princípios de Paris" [...].

A crítica dos autores contrapõe a proposta de um “sistema” de direitos humanos à


criação de um NHRI no Brasil, seguindo os padrões internacionais. A experiência
internacional aponta para um órgão de monitoramento e ação jurídica, enquanto a trajetória
institucional recorrente aponta para a noção de “sistema”. Há um processo de
constitucionalização das políticas públicas que, ao mesmo tempo, diminui as preocupações
eleitorais de curto prazo, desse ou daquele governo, em favor de um federalismo cooperativo
(ABRUCIO; FRANZESE, 2007). A ideia de criar um sistema de direitos humanos não
reaparecerá nos anos seguintes, com a mesma franqueza de formulação, mas o problema a ser
enfrentado permanece.
O problema de como instituir capacidades de coordenação entre a União e as
subunidades reaparece nos textos dos planos nacionais de direitos humanos. Na primeira
versão do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH I), é explícita a preocupação com
a necessidade de compromisso de diversas arenas institucionais, incluídos os governos
subnacionais; ao mesmo tempo, reconhecendo a incapacidade destes de “diminuir o
desrespeito diário aos direitos humanos no Brasil”, ao ponto de necessitarmos de uma
“mutação cultural” das “práticas dos governos” e “da própria sociedade” (BRASIL, PNDH 3,
anexo 2, p. 188). Segundo Paulo Sérgio Pinheiro e Paulo de Mesquita Neto, “o governo
federal passou a cobrar dos governos estaduais e municipais, do Congresso Nacional, do
Judiciário e da sociedade, a devida participação na sua implementação” (PINHEIRO;
40
MESQUITA NETO, 1998, p. 118).
O PNDH II, no final do segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso,
ampliou o escopo de grupos sociais vulneráveis, identificados nas políticas públicas, bem
como incorporou direitos culturais econômicos, sociais e coletivos.
No PNDH 3, do final do segundo governo Lula (2010), suas linhas de continuidade
são claras em definir qual a relação do governo federal com as subunidades nacionais:

O Poder Executivo tem papel protagonista de coordenação e implementação do PNDH, mas


faz-se necessária a definição de responsabilidades compartilhadas entre a União, estados,
municípios e Distrito Federal na execução de políticas públicas, tanto quanto a criação de
espaços de participação e controle social nos Poderes Judiciário e Legislativo, no Ministério
Público e nas Defensorias, em ambiente de respeito, proteção e efetivação dos Direitos
Humanos. O conjunto dos órgãos do Estado – não apenas o Executivo Federal – deve estar
comprometido com a implementação e monitoramento do PNDH 3.

O autoconstituído “protagonismo de coordenação” do Executivo federal é diretamente


vinculado à sua dependência da construção de uma rede de “responsabilidades
compartilhadas” com as subunidades nacionais, com os poderes da República e com a
sociedade. Colocado o problema dessa forma, abre-se margem para que, em diversas
temáticas, os diagnósticos sobre os motivos de uma determinada política pública não atinjam
êxito e ela seja identificada com a detecção das falhas de coordenação na busca do
“comprometimento com a implementação”, por parte do “conjunto dos órgãos do Estado”.
O cômputo geral dessa equação é nítido: o Brasil nem tem uma NHRI clássica, nem
um “sistema” semelhante a outras políticas públicas mais constitucionalizadas, como saúde,
educação e assistência social. A agenda de direitos humanos, pela sua própria definição,
atravessa essas áreas e abrange outras políticas menos constitucionalizadas, e os estados e
municípios precisam lidar com essas demandas. Um caminho escolhido por muitos é a adoção
de algum órgão gestor de direitos humanos como desenho institucional propício para interagir
com demandas e fluxos. Ao organizar suas gestões, os prefeitos precisam dar conta dessas
questões e, no caso dos municípios, os OGMDH são os elementos institucionais, no âmbito
do Executivo local, que vão lidar com o peso dessas contradições e incertezas.
Neste capítulo, demonstrou-se como a definição de direitos humanos é polêmica e
fonte de disputas. Optou-se por uma definição não essencialista dos direitos humanos como
um artefato humano em disputa. O importante dessa definição é que ela não ancora a defesa
dos direitos humanos em uma realidade ou argumento que se estabeleça antes ou fora da
política e das instituições.
No terreno das instituições e tratados internacionais, percebe-se que a simples adesão
41
formal aos acordos internacionais não garante sua efetividade. Entram em cena as opções
domésticas de instituições para monitorar e acompanhar o avanço (ou não) dos direitos
humanos, em cada país. Por fim, na variedade de instituições domésticas, países federalistas
são um elemento controverso nas classificações de NHRI.
A posição do Brasil não é clara, nas classificações sobre o tema, e, em geral, países
continentais e federalistas apresentam dificuldades de nacionalizar o NHRI. Uma solução
alternativa é oferecida pelo exemplo de áreas como: saúde, educação e assistência social, mas
é uma solução criticada. As três versões do PNDH tentaram estabelecer algum marco
normativo que orientasse os entes federativos; em especial, o PNDH 3 tenta estabelecer um
papel de coordenação das iniciativas para o governo federal. Só que essa iniciativa não tem
poder de constranger os outros entes a participarem colaborativamente, criarem programas
próprios que replicam programas federais ou mesmo, singelamente, se omitirem nas políticas
públicas que lhes forem mais convenientes, abrindo margem para uma série de iniciativas
nem sempre bem sucedidas.
No caso dos municípios, há especial relevância para que atuem em políticas públicas,
em diversos campos; inclusive naqueles em que não estão, explicitamente, obrigados, por lei,
a agir. Já, no caso das grandes cidades, existem até exemplos internacionais de destaque para
a temática dos direitos humanos.
Tal cenário abre margem para um campo de escolhas e experiências institucionais
diversificado nas gestões locais. A fundamentação teórica da possibilidade dos OGMDH tem
um efeito positivo sobre a oferta de políticas públicas e é tema do próximo capítulo. A NEI e
os CTP são a explicação encontrada, neste trabalho, para entender a possibilidade de os
OGMDH impactarem a maior oferta de políticas públicas em direitos humanos na gestão
local.

42
2 CTP COMO EXPLICAÇÃO DOS EFEITOS DOS OGMDH

Este capítulo apresenta como a escolha de ter um OGMDH tem consequências para a
oferta de políticas públicas, destacando as explicações e as causas que fundamentam os
efeitos dos OGMDH, como parte do desenho institucional da gestão local. Tais efeitos são
explicados pela redução de Custos de Transação Políticos (CTP), na oferta de políticas
públicas de sua temática, em oposição às teses simplistas que qualificam essas iniciativas
apenas como crescimento do Estado, por meio do autointeresse de burocratas e políticos.
Para tanto, abordam-se as vertentes institucionalistas, tanto do neoinstitucionalismo,
quanto outras abordagens próximas, como a Nova Economia Institucional (NEI) e a Teoria da
Escolha Pública (TEP), enfatizando o conceito de racionalidade, para entender os pontos
centrais da contribuição da NEI. No caso específico da provisão de políticas públicas, os
conceitos de racionalidade limitada e comportamento oportunista ajudam a apontar para os
contextos de incerteza, em que os custos de transação se tornam relevantes como fator
explicativo e em que a presença dos OGMDH pode reduzir os CTP.
No repertório oferecido pela NEI, existe a noção de “custos de transação”, que
fundamenta a Economia dos Custos de Transação (ECT). Esse conceito, apropriado para
instituições políticas, com a definição de suas especificidades, dá origem aos Custos de
Transação Políticos (CABALLERO; ARIAS, 2013), cuja contribuição é um elemento-chave
para compreender como os OGMDH podem fazer a diferença na gestão local. Os custos de
transação, na economia e na política, estão associados à ineficiência da racionalidade limitada
e ao comportamento oportunista. O que as instituições oferecem, por esse meio, é uma forma
de lidar com esses dois elementos, mas, no caso da política, tais custos são bem mais difíceis
de serem contornados, conforme será visto.
Particular atenção merece a ideia de hierarquia; as considerações sobre sua
importância fundamentam a hipótese de que os OGMDH, com mais autonomia, favorecem
melhores efeitos sobre a oferta de políticas públicas, ou seja, quanto mais autonomia mais
efetividade para reduzir custos de transação. No mesmo veio de argumentação em favor da
posição hierárquica no desenho institucional da gestão, abre-se a possibilidade do uso da
“autonomia emprestada” de outra área de governo com afinidades de ações; no caso, a
assistência social. Um OGMDH de menor poder hierárquico (setor subordinado a outra
secretaria) pode ter bons resultados se associado a uma secretaria com mais recursos, que

43
possua interesse estratégico nessas políticas públicas.
Outra variável importante é o tempo de existência de um determinado desenho
institucional, possibilitando sucessivas interações, que permitem, aos atores, estabelecer
compromissos. Essa governança, ao longo do tempo, permite a formação de efeitos de
coordenação maiores, pois as instituições e seu desenho institucional desempenham um papel
importante nos resultados.
Esperam-se resultados maiores, também, para a provisão de recursos orçamentários, já
que a existência de um OGMDH, seu grau de autonomia e seu tempo de existência favorecem
a maior alocação de recursos. O ponto principal desta tese é mostrar que a simples existência
de OGMDH propicia o aumento da oferta de políticas públicas em direitos humanos e maior
alocação de recursos.
Além de explicar os CTP e sua relação com as hipóteses da tese, neste capítulo, são
apresentados alguns backgrounds teóricos, que informam hipóteses com elementos
institucionais alternativos à importância do OGMDH, testadas na parte empírica: a
importância do Executivo federal e sua coalizão para a provisão de políticas públicas, a
participação local e seu impacto nas políticas públicas e a capacidade administrativa. Não se
trata exatamente de abordá-las como teses rivais, com potencial explicativo, mas como outros
elementos institucionais que devem ser mesurados e controlados em uma explicação
multicausal do desenho institucional.
Outro aspecto diz respeito ao perfil de políticas públicas: espera-se maior provisão
para aquelas com públicos identitários específicos, do que para as que possuem perfil
universalista. Tal hipótese tem elementos comuns com a TEP, com grupos de interesse bem
organizados, conseguindo agilizar suas agendas, em relação a grupos maiores e mais
dispersos. No caso especifico desta tese, trata-se de uma agenda de direitos que prescinde de
efetividade.
A terceira parte do capítulo faz um breve apanhado das contribuições da TEP, tendo-a
como veio de argumentação teórica que embasa boa parte dos comentários críticos, na vida
política, à existência de estruturas como os OGMDH. Os entusiastas da “escolha pública”
entenderão esses resultados como uma confirmação da expansão do poder de burocracias e
políticos sobre a liberdade do cidadão comum. Nesta tese, considera-se que não há elementos
para tantas conclusões; o que se pode afirmar é a conclusão mais pessimista de que OGMDH
representariam estruturas parasitárias, sem alcance nas políticas públicas, e que, portanto,
poderiam ser feitas “mais com menos”, o que não se sustenta com base neste estudo.

44
A hipótese de os OGMDH não terem efeito positivo sobre a atuação do Estado advém
da aplicação dos pressupostos neoclássicos às instituições políticas, a Teoria da Escolha
Pública. No debate acadêmico, os argumentos mais contundentes sobre políticas públicas em
direitos humanos (e políticas sociais, em geral) são de que, por mais desejáveis que possam
ser, elas representam um ônus orçamentário para a sociedade como um todo, o que, em algum
momento, vai comprometer as contas públicas, empurrando a sociedade e o Estado para
crises, que, por suas vezes, afetam os públicos diretos das políticas públicas. Os OGMDH
seriam um efeito direto das pressões de interesses próprio de grupos políticos e de burocratas,
interessados em controlar fatias maiores do orçamento.
Sem desmerecer a importância da análise do autointeresse de segmentos políticos e
burocráticos, a NEI evita tomar esses pontos como um preceito dogmático, que induz a ideia
de que um Estado menor é sempre melhor. Como alternativa, vem à luz a análise dos CTP nas
relações Estado e sociedade. Pelos próprios pressupostos da NEI, é difícil argumentar que a
dinâmica dos CTP seja de igual peso e impacto em todas as situações de implementação de
políticas públicas, que permitam diagnósticos e posicionamentos unilaterais, como tende a
fazer a Teoria da Escolha Pública (TEP). Ao invés de pensar a intervenção do Estado, trata-se
de pensar a qualidade e feitos das relações Estado/sociedade (DIXIT, 2003).
Na quarta e última parte do capítulo, são apresentados dois estudos antecessores com
OGMDH, que, em muito, ajudaram a reflexão desta tese.

2.1 INSTITUCIONALISMOS, RACIONALIDADE E CTP

2.1.1 Institucionalismos e NEI

Esta tese privilegia o estudo das instituições e como sua dinâmica pode afetar o
comportamento dos atores políticos. As abordagens que se destacam, na ciência política e em
outros campos, para o estudo de instituições, são os chamados neoinstitucionalismos:
histórico, sociológico e da escolha racional – uma classificação, quase canônica, popularizada

45
pelo artigo de Hall e Taylor (2003)11. Cabe ressaltar, ainda, que Hall e Taylor falam de uma
quarta vertente, o “institucionalismo econômico”, centrado na “teoria da firma” e “custos de
transação”, que, claro, corresponde aos trabalhos da NEI. Por compartilhar os mesmos
princípios de um comportamento utilitarista, presentes no neoinstitucionalismo da escolha
racional, os autores – e, neste trabalho, concorda-se com essa escolha – optam por manter a
tripla classificação, filiando essa vertente aos demais institucionalismos da escolha racional.
Essa abordagem, a NEI, será tratada mais à frente.
Essas vertentes do neoinstitucionalismo se desenvolveram na segunda metade do
século XX, em oposição ao estrutural-funcionalismo e sua ênfase nas relações entre
comportamento individual e a estrutura social. A diferenciação entre o “antigo” e o “novo”
institucionalismo visa, justamente, a diferenciar as abordagens behavioristas (antigas) das
novas (IMMERGUT, 1998; PERES, 2008). Qual dessas três abordagens poderia explicar
como os municípios, com e sem OGMDH, ofertam políticas públicas em direitos humanos?
O neoinstitucionalismo histórico destaca a ênfase explicativa nas trajetórias das
instituições no tempo. Sua origem são os trabalhos de Brian Arthur (1990) e Paul A. David
(1985, 1994), na história econômica, que contrariam as premissas de eficiência da teoria
econômica neoclássica. Os neoclássicos afirmam que a atividade econômica, baseada em
recursos, tende a rendimentos decrescentes de escala, o que leva o mercado a atingir um ponto
de equilíbrio nos preços entre diferentes produtores. Os autores argumentam que esse
raciocínio não é válido para segmentos intensivos em conhecimento, pois o mesmo parte de
um momento inicial, em que várias alternativas produtivas são possíveis, sem a previsão de
qual prevalecerá. Após a escolha inicial, que pode ser motivada até por um evento
contingente, a continuidade no tempo opera com a produção de feedbacks positivos ou
autorreforço, conduzindo a uma situação de lock-in, ou seja, de irreversibilidade.
Um dos pontos de afirmação metodológica dessa abordagem é perceber que uma
mesma escolha institucional pode ter resultados distintos, em diferentes contextos locais, dada
a força dos constrangimentos estruturais herdados; a mudança viria por conjunturas críticas
(critical conjuctures), em que alternativas/escolhas se abrem como possibilidades

11
A classificação de Hall e Taylor (2003) é, possivelmente, a mais citada, mas não a única. Guy Peters (2011)
apresenta uma classificação mais extensa nas ciências sociais: “Normative Institutionalism”, “Rational Choice
Institutionalism”, “Historical Institutionalism”, “Empirical Institutionalism”, “New Institutional Economics”,
“Sociological Institutionalism”, “Interest Representation Institutionalism” e “International Institutionalism”. A
classificação de Peters se referencia em mapear as abordagens que vão se formando em torno de determinados
objetos de estudo, oferecendo uma ótima percepção de como o institucionalismo ampliou seu raio de influência e
agendas de pesquisas, nas três últimas décadas. Todavia, para os objetivos deste trabalho, não acrescenta muito à
classificação canônica de Hall e Taylor.
46
(BERNARDI, 2012).
O institucionalismo histórico é mais limitado em estabelecer a relação entre instituição
e comportamento dos atores, por uma razão simples: seus principais postulados sobre o
quanto “as instituições importam” as colocam como fatores explicativos de muitas decisões e
comportamentos. Ou seja, elas não poderiam, ao mesmo tempo, figurar como explicadas
pelos comportamentos dos atores, pois seriam, simultaneamente, resultado e causa
(DIERMEIER; KREHBIEL, 2003). Mais do que isso, não existe unidade teórica sobre a
ontologia do comportamento dos atores; pode-se recorrer tanto a uma abordagem
maximizadora, quanto à culturalista para a explicação de trajetórias históricas (HALL;
TAYLOR, 2003).
Pelas características do objeto de estudo desta tese, não faz sentido uma abordagem
estrutural e histórica, pois se trata de dinâmicas recentes e fluídas de governos, mudanças e
experimentações que não possuem uma longa dinâmica no federalismo brasileiro, nem de
outros países. Assim, não faz sentido perceber essas diferenças de preferências dos municípios
como resultado de uma longa trajetória institucional de acúmulos, que reforçam tal trajetória,
argumento forte dos estudos de path dependence, característicos do neoinstitucionalismo
histórico (SALES, 2006; BERNARDI, 2012).
Outra forma possível de inserir o institucionalismo histórico seria entender as opções
por ter OGMDH e fazer uma provisão maior de políticas públicas, como elementos de um
conjunto resultado de determinações maiores e de longo prazo, referentes às trajetórias das
instituições. Tal visão só faz sentido em uma abordagem que combine institucionalismo
histórico e ator racional, como, por exemplo, em North e Pierson (BERNARDI, 2012), o que
explicaria que, em todos os diferentes contextos locais, os atores agissem com a mesma
tendência.
Não se pretende ignorar que fatores macroestruturais, como urbanização, tamanho de
população e diferenças regionais, tradições associativistas e processos de constituição de uma
burocracia local (com eficiência pelo menos mínima), podem interagir com o modelo, pois
essas e outras variáveis são nele controladas (capítulo 3). O que se investiga é como um
aspecto microinstitucional pode ou não ter um efeito específico sobre provisão de políticas
públicas. O institucionalismo histórico não prevê elementos analíticos capazes de captar tais
determinações como relevantes; sua ênfase é na força dos componentes estruturais específicos
de cada contexto sobre as trajetórias institucionais (IMMERGUT, 1998; SKOCPOL, 2008).
Por sua vez, o neoinstitucionalismo sociológico parte das diferenças de valores e

47
crenças dos atores, para entender suas preferências, enfatizando o entendimento de como o
compartilhamento de códigos, valores e percepções, por parte dos atores, gera cenários em
que os mesmos atribuem significados às suas escolhas, a partir de um repertório cultural
(HALL; TAYLOR, 2003). Diferentemente do cálculo utilitarista (escolha racional), em que as
preferências são exógenas, nessa abordagem, as preferências são endógenas: as instituições,
mais do que conformar um ambiente de disposição de incentivos e punições, impactam,
diretamente, na formação de suas preferências e identidades; são elaboradas como algo mais
abrangente, que envolvem símbolos, mapas cognitivos, modelos morais etc. Ou seja, as
noções de “instituição” e “cultura” se interpenetram (HALL; TAYLOR, 2003).
Um segundo contraponto diz respeito à noção de “legitimidade” como elemento
norteador da origem e mudança de instituições. Os atores não estariam presos às regras de
eficiência do utilitarismo; estariam mais convictos a performar seus papéis sociais e a busca
de escolhas institucionais que se relacionariam com esse processo, o qual pretende ampliar
sua legitimidade social (HALL; TAYLOR, 2003).
Esse tipo de abordagem estabeleceria o nexo causal entre crenças, por um lado, e
resultados da oferta de políticas públicas em direitos humanos, por outro, por meio do registro
dos valores e interpretação das crenças que utilizam para dar sentido às suas ações. Pode-se
alcançar oferta maior de políticas públicas mesmo quando esse não é um objeto declarado nas
crenças dos atores? Ou, nos termos da “escolha racional”, pode a provisão de políticas
públicas ser uma consequência, não antecipada, das interações dos atores? Mesmo quando
esse efeito não é pretendido, explicitamente, em suas crenças?
Em que situações o estudo das crenças dos atores é um componente importante e em
quais, não é? Em contextos de incerteza, saber as crenças que orientam comportamentos ajuda
a compreender como as preferências foram estabelecidas (CAMPOS; BORSANI;
AZEVEDO, 2016). Naqueles em que a incerteza dá lugar ao conflito distributivo, o debate
sobre o compartilhamento de valores e ideias torna-se problemático, como afirma Marcus
Melo (2004, p. 172):

Onde a incerteza sobre causalidade é importante, crenças causais são cruciais. Sem
dúvida, crenças e preferências conduzem à ação. Contudo, em questões altamente
distributivas nas quais os resultados das decisões estão claros para muitos atores, o
papel das ideias é muito mais problemático.

O argumento sobre a validade das crenças e seu compartilhamento como fator causal é
sempre bem-vindo em situações de incerteza. Racionalidade limitada, comportamentos
oportunistas e custos de transação são, também, elementos característicos de tais situações. A
48
própria NEI vai lançar mão de conceitos como “mapas mentais” (NORTH, 1998), para criticar
abordagens só baseadas na escolha racional, sem abrir mão inteiramente da mesma.
Tradicionalmente, essas variáveis endógenas seriam mais bem percebidas em um estudo
qualitativo. Um melhor estudo qualitativo sobre os gestores locais de direitos humanos aponta
na direção inversa de uma hipótese substantiva que pudesse ser investigada. Nos estudos
conduzidos pelo Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM), percebe-se que não
há muito consenso sobre a atuação em direitos humanos, por parte dos gestores municipais;
quanto mais o compartilhamento de crenças e/ou valores comuns que pudessem gerar uma
hipótese substantiva a ser estudada.
O institucionalismo da escolha racional, na ciência política, nasce dos estudos
Legislativos americanos no final dos anos 1970. Dado o ambiente de barganha e incerteza das
votações, seria intuitivo um ambiente de alta volatilidade das preferências e imprevisibilidade
disseminada, conforme atestado pelos pressupostos da teoria da escolha pública e da escolha
social (BUCHANAN; TULLOCK, 1962; ARROW, 1963; BORSANI, 2004), que são
referências angulares na aproximação entre a escolha racional e o estudo das instituições
políticas. Empiricamente, não é o que esses estudos constatam; deveria ser problemático
manter maiorias estáveis nas votações, mas estas ocorrem com impressionante estabilidade
(SHEPSLE, 2006).
No institucionalismo da escolha racional, parte-se do entendimento de que as
instituições funcionam como regras, formais e informais, para os atores, que podem ser
indivíduos ou organizações com comportamento unitário e adotam comportamento guiado
pela racionalidade instrumental de maximizar seus interesses. A instituição fornece, a esses
atores, a possibilidade de interagirem com certa estabilidade e duração intertemporal,
permitindo, ao longo do tempo, que mudem suas estratégias a partir da interação com os
demais, tal como em um jogo, conforme definição de Shepsle (2006. p. 24):

Uma instituição é como um roteiro que nomeia os atores, seus respectivos


repertórios comportamentais (ou estratégias), a sequência em escolhem entre eles, a
informação que possuem quando fazem suas seleções e o resultado originado pela
combinação de escolhas do ator. Uma vez que adicionamos as avaliações de
resultados feitas pelos atores a essa mistura – preferências de ator –, transformamos
um modelo do jogo em um jogo propriamente dito.

Ao colocarem os atores racionais, como parte das instituições, e as regras e os


constrangimentos, para suas estratégias, tem-se uma superposição com boa parte das
abordagens da NEI. Como já se verificou, o problema desse comportamento racional são as

49
situações de incerteza em que o conflito distributivo não está claro. Esse é o ponto de
separação dos trabalhos da NEI, que operam com custos de transação em cenários mais
incertos, e os trabalhos do institucionalismo da escolha racional, operando com cenários
institucionais onde as estratégias dos atores podem ser mais facilmente percebidas, pelo
suporte das regras institucionais. Nos termos da NEI, segundo as palavras de North (1990, p.
69):

A minha teoria das instituições é construída a partir da teoria do comportamento


humano combinada com a teoria de custos de transação. E quando as combinamos,
entendemos por que as instituições existem e qual papel elas desempenham no
funcionamento das sociedades.

A NEI dá ampla aplicação ao conceito de custos de transação para explicar as


dinâmicas institucionais; ao mesmo tempo, aceitando as premissas da escolha racional como
uma possibilidade de explicação de parte do comportamento humano. A maior promoção de
políticas públicas pelos municípios, com determinados tipos de OGMDH, pode não ser o
objetivo estratégico inicial dos prefeitos, mas sua escolha gera consequências para a oferta de
políticas públicas. Boa parcela da criação de ministérios e cargos para acomodar coalizão é
criticada, por parte dos analistas, e senso comum, como parte da expansão do gasto público e
ineficiência estatal. Esta tese não alcança a questão da eficiência (resultados com impacto
positivo) das políticas públicas, mas a coloca na expansão da oferta de tais políticas, como
uma externalidade positiva desse processo político-partidário. Como os municípios fazem
esse efeito, antecipado ou não antecipado, de incremento dessas políticas públicas
específicas? Um componente explicativo institucional valioso são os OGMDH, por reduzirem
os níveis de incerteza (CTP) entre atores estatais e sociais, para que as políticas públicas
possam existir. Como é possível medir isso? Mapeando todas as principais causas e separando
o efeito específico dos OGMDH.
Nesse momento, cabe um exemplo hipotético, que torne o raciocínio menos abstrato:
um prefeito pode criar uma secretaria de direitos humanos ou direitos humanos e assistência
social, para acomodar interesses de um membro da coligação que o elegeu, sem que haja
grandes expectativas do Executivo municipal quanto à maior oferta de políticas públicas; mas
a existência desse elemento institucional, no desenho da gestão, gera efeitos de coordenação e
sinalização para atores dentro e fora da gestão, que podem se mobilizar em torno desse novo
espaço institucional, incluindo as pretensões do secretário e do staff burocrático e político. As
instituições oferecem estruturas que condicionam os atores racionais e reduzem incertezas.
50
Argumentando na direção oposta, também é bem aceitável, em uma abordagem da
escolha racional, que um membro da coalização seja acomodado em um cargo e que essa
ampliação da máquina pública (mais uma secretaria) não resulte em mais políticas públicas
para a população em geral, apenas em um crescimento do tamanho do governo (OSBORNE,
1993) e no uso predatório dos recursos públicos (BUCHANAN; TULLOCK, 1962; OLSON,
2009). São visões de que o tamanho do Estado e da atuação política na gestão pública aponta
para resultados deletérios, que fornecem subsídios para a rejeição das hipóteses investigadas
nesta tese. Em verdade, essa é a hipótese “nula” da pesquisa empírica, produzida neste
trabalho: o desenho institucional, relativo aos OGMDH, é correspondente a injunções de outra
natureza, sem impacto para a provisão de políticas públicas em direitos humanos.
Na seção seguinte, são explicitados os conceitos em torno da noção de racionalidade,
elemento central, tanto para a NEI como para outras abordagens que problematizam a escolha
racional.

2.1.2 Racionalidade

Três pontos são pertinentes sobre o conceito de racionalidade aqui empregado: 1) os


limites do reducionismo da racionalidade instrumental; 2) os pressupostos para o uso de tal
abordagem; 3) a diferença entre racionalidade substantiva e limitada.
Por racionalidade instrumental se entende a adequação entre meios e fins. Tal relação
parece simplória, mas não é, pois existem teorias e explicações, nas ciências sociais, que
abdicam da noção de ator, como, por exemplo, o funcionalismo e as teorias da modernização.
Por outro lado, também são possíveis teorias que abdicam ou põem sob suspeita a noção de
racionalidade, como, por exemplo, a psicanalítica, além de conceitos, como “instinto de
imitação” (Gabriel Tarde), “falsa consciência” (Friederich Engles), “pulsões inconscientes”
(Sigmund Freud), “habitus” (Pierre Bourdieu), “cultura nacional” (Gabriel Almond e Sidney
Verba), e forças, como “resistência à mudança” ou “inércia” (TSEBELIS, 1998. p. 34-38).
Uma abordagem racional envolve a aceitação de dois tipos de premissas: coerência
interna entre preferências e crenças (racionalidade fraca) e exigência de validação externa
(racionalidade forte). A primeira implica a aceitação de: “1) a impossibilidade de crenças ou
preferências contraditórias; 2) a impossibilidade de crenças intransitivas e 3) obediência aos

51
axiomas do cálculo de probabilidades” (TSEBELIS, 1998, p. 38). A segunda implica os
seguintes fatores:

1. As estratégias são, mutuamente, ótimas em equilíbrio ou, em equilíbrio os


jogadores obedecem às prescrições da teoria dos jogos.
2. Em equilíbrio, as probabilidades aproximam-se das frequências objetivas.
3. Em equilíbrio, as crenças aproximam-se da realidade objetiva.

Percebe-se que a necessidade de se estar “em equilíbrio” é constante, o que se deve a


dois motivos: o primeiro é que a “escolha racional não pode descrever atos dinâmicos”; o
segundo é que a noção de equilíbrio se traduz na situação em que nenhum ator tem incentivos
para se desviar da sua estratégia, existindo a possibilidade, dependendo do jogo, de haver
mais de um equilíbrio (TSEBELIS, 1998, p. 41-42).
O conceito de racionalidade instrumental permite aos estudos dessa vertente explicar
por que indivíduos, imersos em mesmos sistemas de valores e contexto social, podem optar
por estratégias diferentes. Muitas das abordagens da escolha racional advogam permitir o
acesso aos microfundamentos da ação coletiva. Percebe-se que todo o fundamento da
operação está no processo de agregação de preferências individuais a partir da ideia de
racionalidade instrumental. Os partidários da teoria da escolha racional consideram tal
simplificação do comportamento humano uma qualidade de seus estudos, pois evitariam a
existência de “caixas-pretas” indecifráveis, permitindo que tais estudos atendam ao princípio
lógico da “navalha de Occam”: a parcimônia, que implica utilizar as premissas estritamente
necessárias para explicar um fenômeno.
Evidente que a aceitação normativa não se impõe sobre a comunidade científica e duas
possibilidades se abrem. A primeira é considerar a racionalidade instrumental um tratamento
heurístico, pesquisando-se “como se” o comportamento humano fosse assim. Tal redução
permitiria uma aproximação do mundo real, logicamente estruturada, mesmo que errada em
alguns de seus pontos. Tsebelis (1998, p. 44) considera essa opção equivocada, pois, ao
admitir pressupostos irrealistas, também se tornam imprecisas as conclusões. A segunda
possibilidade, adotada neste trabalho, é entender a racionalidade instrumental como um
“subconjunto” do comportamento humano e especificar em que tipo de situações é válido o
seu uso. Sendo assim, não se descartam outras abordagens, mas a escolha racional seria mais
indicada para:

[...] situações em que a identidade e os objetivos dos atores são estabelecidos, e as


regras da interação são precisas e conhecidas pelos atores em interação. À medida
que os objetivos dos atores tornam-se confusos, ou à medida que as regras da

52
interação tornam-se mais fluídas e imprecisas, as explicações da escolha racional
irão tornar-se menos aplicáveis (TSEBELIS, 1998, p. 45).

Tsebelis (1998. p. 45-50) oferece cinco argumentos para que a teoria da escolha
racional seja considerada: 1) relevância das questões de informação (atores buscam mais
informação, proporcional ao grau de disputa entre eles); 2) aprendizado (atores adéquam suas
estratégias por tentativa e erro); 3) heterogeneidade de indivíduos (há tendência de equilíbrio
entre tipos de indivíduos mais e menos sofisticados – “efeito de saturação”); 4) seleção
natural (descartadas outras hipóteses, pode-se adotar um enfoque evolucionista adaptativo); 5)
estatística (a escolha racional pode errar no comportamento de indivíduos específicos, mas
acerta no comportamento médio). Para o autor, nenhum desses argumentos é plenamente
satisfatório, mas a combinação de todos fortalece a aceitação dos pressupostos da escolha
racional.
Aqueles que escolhem estratégias irrealistas, por lógica, são penalizados nas interações
com outros atores, mesmo que isso ocorra em um processo de aprendizado ao longo do
tempo. Essa situação oferece incentivos para adequarem suas estratégias ao mundo real, ou
permanecem sendo penalizados, fazendo com que tal contingente vá se tornando,
estatisticamente, residual, se mantido o arcabouço institucional.
Na nota 29 de Jogos ocultos, Tsebelis enfatiza o uso da palavra “sistemática”, ao
defender que a teoria da escolha racional é a melhor (e única) abordagem com “componentes
sistemáticos de tomada de decisão” (1998, p. 49). O autor considera que o estudo da
racionalidade de processos de tomada de decisão tomou dois caminhos. O primeiro
representado pela contribuição de Tversky e Kahneman (KAHNEMAN, 2012), que, a partir
das contribuições das neurociências, aponta falhas no comportamento dos indivíduos como
maximizadores. Esses autores deram as bases para o que hoje é conhecido como economia
comportamental (LISBOA, 2015). O segundo caminho são os trabalhos desenvolvidos a partir
da obra de H. Simon (2010), sobre a noção de racionalidade limitada, em que os indivíduos
não fazem a opção que lhes pareça a melhor, mas aquela que seja “suficientemente boa”. Para
Tsebelis, as duas vertentes não representam alternativas à teoria da escolha racional, mas
apresentam situações e limites aos seus pressupostos. Levando em conta a combinação dos
cinco argumentos em seu favor, em contextos de tomada de decisões sistemáticas, a teoria não
tem, para o autor, rival equivalente. Por razões muito semelhantes, o institucionalismo da
escolha racional e a NEI vão, em boa medida, para seus autores, manter os pressupostos do
indivíduo maximizador; ao mesmo tempo em que evidenciam os limites dessa abordagem e o

53
papel das instituições na diminuição de incertezas e dos “dilemas da ação coletiva”
(BORSANI, 2004).
Uma crítica frequente aos adeptos da escolha racional é a de que os mesmos acabam
explicando a origem das instituições pelos resultados que apresentam em solucionar
problemas de ação coletiva. Paradoxalmente, adeptos dos “microfundamentos” e de teorias da
ação produzem um argumento de corte “funcionalista”, como bem sintetizam Hall e Taylor
(2003, p. 215):

[...] trata-se de abordagem não raro retrospectiva: a origem de uma instituição dada é
explicada em larga medida pelos efeitos da sua existência. Ainda que seja possível
que esses efeitos contribuam para a permanência da instituição, não se deve
confundir a explicação dessa permanência com a explicação da origem da
instituição. Tendo em vista que o mundo social oferece numerosos exemplos de
consequências não intencionais, remontar das consequências às origens é um
caminho perigoso. Depois, é uma abordagem demasiado “funcionalista”. Com
frequência ela postula que as instituições existentes são as mais eficientes,
considerando-se as condições iniciais que poderiam ser mobilizadas em termos
realistas para cumprir a tarefa visada. Em certos casos, os numerosos exemplos de
ineficiência apresentados por tantas instituições permanecem sem explicação.

Pode-se, também, citar Baert (1997, p. 9):

De forma similar à tendência do funcionalismo em seu período inicial de legitimar


as práticas existentes, a teoria da escolha racional é invocada frequentemente como
deus ex machina, sugerindo que as pessoas vivem no “melhor de todos os mundos
possíveis” de Leibniz ou Voltaire (ou, ao menos, no mais racional).

Esclarecidas as reduções implícitas e os limites do uso de uma abordagem da escolha


racional, destaca-se que não é condição que os atores conheçam todas as consequências de
suas escolhas, nem dos demais, levando ao terceiro ponto pertinente a essa escolha teórica: a
diferença entre racionalidade substantiva e limitada.
A racionalidade substantiva corresponde a uma situação em que os atores têm domínio
das informações suficientes para preverem, antecipadamente, as consequências de suas ações.
H. Simon (2010) explica que os atores, mesmo sendo racionais, lidam com limitações no
controle de informações, seja por questões neurofisiológicas, que limitam a capacidade de
acúmulo e decodificação, seja pelos constrangimentos do uso da linguagem. A racionalidade
limitada não seria um problema relevante em contextos de interações simples e previsíveis,
como, por exemplo, em leilões ou no mercado financeiro; mas, naqueles ambientes
complexos que geram incertezas, evidenciando o conceito de racionalidade limitada (FIANI,
2002), será uma clara relação entre existência de tal racionalidade e comportamento
oportunista por parte dos atores. Assim, esses dois elementos são centrais para a teoria dos
54
custos de transação (FIANI, 2002, 2003). Após essa exposição do conceito de racionalidade
limitada, a seguir destacam-se os custos de transação e a NEI.

2.1.3 A NEI e os Custos de Transação

Até 1937, as abordagens econômicas não consideravam relevantes outros custos que
não os custos de produção; foi Ronald Coase (1937) quem destacou a importância dos custos
de transação para a economia, considerando-os como todos os custos que um agente tem que
arcar para levar um bem ou serviço ao mercado, excluindo-se os custos de produção. Ele os
divide em: “custos de busca e de informação” (existência do produto, seu menor preço e sua
funcionalidade); “custos de barganha” (negociação com o comprador) e “custos de
policiamento” (garantias de que o comprador não romperá com a transação e mecanismos de
punição). Tais custos justificam que existam empresas e que elas internalizem partes inteiras
do processo produtivo (FIANI, 2002), facilitando, assim, a cooperação que indivíduos, por si,
não conseguiriam realizar no mercado.
A Nova Economia Institucional (NEI), nos trabalhos de Douglas North e O.
Williamson, chama a atenção para os custos de transação, como sentido para a existência de
instituições e da impossibilidade de pensar os atores sem os constrangimentos que os
incentivos e as sanções institucionais oferecem. Para North, as instituições representam regras
e limitações à conduta dos indivíduos e das organizações. Com base em seus “mapas mentais”
(ideologia), os atores percebem a “estrutura de incentivos” construída nesse cenário
institucional (NORTH, 1990); ponto em que North reconhece que apenas a visão de
indivíduos autointeressados dos neoclássicos não é suficiente para explicar a ação humana.
Nesta tese, considera-se que sua abordagem coincide com a de Tsebelis, no sentido de
entender a ação racional como um subconjunto da ação humana. North não rejeita, como um
todo, o comportamento maximizador, mas aponta limitações, procura circunscrever os limites
de seu uso, tal como Tsebelis.
North chama a atenção para o quanto são “esperanças ingênuas e normativas” de poder
criar instituições “eficazes”, sem entender o que realmente elas são (1998, p. 30). No campo
político, a relação entre políticos eleitos e funcionários da burocracia não é apenas de
colaboração. A burocracia tende a criar maior especialização e domínio das informações, tal

55
qual o modelo weberiano, enquanto políticos tendem a aumentar os mecanismos de controle
sobre as mesmas (NORTH, 1998, p. 22):

Consequentemente, em geral os órgãos públicos não possuem as características de


eficiência que existiriam em uma estrutura de custo de transação zero. Estão atados
não só pelas restrições impostas pela necessidade de evitar que diversos grupos de
interesse sejam ‘traídos’, mas também pelas sérias limitações de sua liberdade de
adotar políticas eficazes, que elevariam os custos de fiscalização.

Muitas vezes, criando estruturas sobrepostas, com funcionários de maior confiança


para exercer as mesmas atividades de órgãos públicos já existentes, os grupos políticos e
demais organizações investem na aquisição de “habilidades” e “conhecimentos”; bem como
atuam direcionando “investimentos públicos” em áreas de “suas perspectivas de
sobrevivência” (NORTH, 1998).
O autor faz uma distinção entre instituições e organizações: instituições são aquelas
indispensáveis para entender a forma de operacionalização do Estado, pois estruturam as
relações sociais; organizações são agrupamentos de indivíduos que compartilham os mesmos
objetivos e são criados com o propósito de atuar no interior das instituições, tentando influir
no seu comportamento, atuando como firmas no mercado e partidos nos sistemas eleitorais
(NORTH, 1990). Oliver Williamson (1975, 1985, 1989, 1991) é, em boa medida, quem mais
valoriza essa atuação, sendo citado, pelos autores da NEI, inclusive propagando terminologias
como NEI e Economia dos Custos de Transação (ECT). A sua relação com outras vertentes do
pensamento econômico e das ciências sociais oscila com o tempo, bem como a narrativa sobre
o “panteão” de referências que influenciaram sua obra (FERNÁNDEZ; PESSALI, 2003).
A assimetria de informação entre os atores torna o comportamento oportunista, ou
seja, quando os atores utilizam a ausência de uma racionalidade limitada em seu proveito, um
risco presente. Assim, uma das partes de uma negociação pode usar a falta de informação
alheia em benefício próprio. A simples existência de contratos formais ou informais não
garante que todas as situações estejam especificadas ou que as partes cumpram até o fim o
que está designado. Todo o esforço de coordenar a ação das partes envolvidas gera custos
relativos à transação e a ECT trata da compreensão microeconômica desses custos, partindo
da ideia de que a economia não é um ambiente de competição perfeito (equilíbrio geral
Arrow-Debreu), em todas as suas transações, em que consumidores e firmas ajustem suas
expectativas e maximizem bem-estar. A ECT ganha relevância ao estudar as transações e
melhores formas de redução de custos naquelas situações de mercado em que a racionalidade
é limitada (WILLIAMSON, 1985).
56
2.1.4 Governança, hierarquia e desenho institucional

Willianson denomina “estrutura de governança” os mecanismos para lidar com os


custos de transação, pois ela enseja um esforço de coordenação dos atores econômicos. O
autor considera que não exista um tipo de estrutura de governança superior aos demais; a
utilidade advém da adequação do tipo de governança às características da transação em
questão (WILLIAMSON, 1991). São considerados três tipos de estrutura de governança:
mercado, hierárquica e híbrida: a de mercado ocorre por meio de ajustes entre preços e
remuneração; a hierárquica é quando se internalizam as atividades para dentro da
organização; a híbrida é uma combinação das duas anteriores (WILLIAMSON, 1985).
Curiosamente, reduzir custos de transação pode ter um trade-off com outros custos, ou seja,
pode elevar os outros (WILLIAMSON, 1975).
Dentro dessa abordagem institucional, as instituições determinam as regras do jogo e
condicionam os comportamentos individuais. Para ficar nos dois tipos extremos de
governança: a de mercado favorece a maximização de interesses e a livre barganha entre os
atores; a hierárquica favorece relações repetidas ao longo do tempo.
Para Gary Miller, a hierarquia é a autoridade de um ator de forma incompleta e
assimétrica para dirigir as atividades de outros. Por exemplo, os direitos de empregados, de
forma geral, são vagos e, ainda mais, suas atividades. Por meio do vínculo salarial, eles dão ao
empregador o direito de definir tarefas, padrões de desempenho, condições de trabalho e ditar
códigos de condutas. Diferentemente das condições de mercado, chefes e subordinados
podem passar anos desenvolvendo habilidades de relacionamento, que vão muito além das
condições de mercado dos salários e produtividade, no que Miller coincide com North.
Ambos não negam a existência de interesses, mas percebem outros fatores permeando as
relações sociais, como crenças e valores. Para Miller, a hierarquia é sinônimo de eficiência,
quando permite explorar a potencialidade da liderança política, ideológica e de definição de
objetivos, no lugar da simples manipulação gerencial e/ou incentivos econômicos (MILLER,
1993).
Conforme foi destacado, a simples eleição de um determinado tipo de governança não
garante a solução de custos de transação específicos (WILLIAMSON, 1975, 1991). No caso

57
do desenho institucional de uma gestão pública local, maior status na hierarquia formal é um
fator de poder político; na incerteza e opacidade política, mais poder na hierarquia formal é
algo concreto.
A indicação de que a hierarquia possui relação com os custos de transação é um
argumento muito preciso ao se referir a um grupo menor de OGMDH (428); porém com mais
autonomia, na sua forma. Como se assevera no próximo capítulo, há uma excepcionalidade
em relação a direitos humanos, no período estudado: a forte presença de setores subordinados
a outra secretaria; nesse quadro, a majoritária vinculação com as secretarias de assistência
social. Cabe ressaltar que essa é uma situação diferenciada em relação ao que ocorre em
outras áreas de políticas públicas e seus tipos de órgãos gestores. Uma hipótese a ser testada é
se a vinculação com a assistência social ajuda a compensar o baixo poder hierárquico desses
OGMDH.
Para além dessa possibilidade, testa-se uma hipótese substantiva alternativa de que os
resultados dos OGMDH não são um epifenômeno da atuação da assistência social. Os setores
subordinados são estudados, separadamente, em relação ao seu vínculo com a assistência
social, além de serem verificados os desempenhos das secretarias exclusivas de assistência
social, que não possuem OGMDH em seu município. Havendo bom desempenho para a
assistência social sem os OGMDH, os resultados podem ser explicados como independentes
da presença destes.
Considera-se que tanto o desempenho dos OGMDH mais autônomos, quantos os
vinculados à assistência social remetem ao mesmo fator explicativo conceitual, à hierarquia
no desenho institucional. Em ambos, o acesso aos recursos advindos do maior poder
hierárquico explica os resultados, seja pelo tipo de OGMDH ou pela associação com a
assistência social. A situação de maior autonomia ou não, com maior poder dentro da
hierarquia, relaciona-se à ideia de desenho institucional.
O termo “desenho institucional” é largamente utilizado em textos institucionalistas;
muitas vezes, sem descrições conceituais precisas (MEYER, 2012, p. 65):

Apesar do aumento no interesse pelo “desenho institucional”, ainda há uma


ambiguidade considerável no que diz respeito ao significado deste termo.
Frequentemente, ele é usado de forma tão ampla que é difícil distingui-lo de
conceitos estabelecidos como mudança social, reforma ou formulação de políticas.
[...] A dependência/domínio do desenho nas ciências sociais corresponde ao
prevalecimento de um raciocínio ad hoc e de um senso fraco de conhecimento
genuíno nesse aspecto.

Esse termo pode ser usado para descrever as regras e os modos de existência de:
58
sistemas de governo, sistemas eleitorais e partidários, relações Executivo-Legislativo e
formato de atuação de agências estatais, como, por exemplo, o Banco Central e outras
agências reguladoras (SILVA, 2011; BONIS, 2016). Em geral, se referem a uma série de
escolhas sobre a forma como essas instituições existem e sua dinâmica de transações com
outras instituições e atores. Ao resenhar o debate sobre desenho institucional, E. R. Alexander
observa três níveis, macro, meso e micro, como uma distinção analítica que, em termos
empíricos, são um contínuo. O nível macro são aquelas abordagens das instituições e, no
plano dos “escritos constitucionais”, as nacionais e supranacionais. Em nível meso, tem-se o
desenho institucional de redes de instituições relativas ao planejamento e implementação de
estruturas e processos; são as instituições que, por leis e regulações, desenvolvem e
implementam políticas públicas, programas, projetos e planos. Em nível micro, estão as
relações intra-organizacionais, subunidades, pequenas unidades formais ou semiformais,
processos e interações, comitês, equipes, forças-tarefas, grupos e afins (ALEXANDER, 2005,
p. 217). É, neste nível, que se pode localizar a atuação dos OGMDH, como uma parte menor
de uma unidade, que é a gestão do Executivo municipal.
Neste trabalho, não interessa abordar os aspectos do desenho institucional
predeterminados por amparo legal e comuns aos municípios; todos possuem Executivo e
Legislativo, mas não têm um Judiciário específico. Nesse sentido, prefeitos podem construir
vários padrões de relação com o Legislativo, mas nenhum pode decretar o seu fim, ou, ainda,
criar uma “Justiça Municipal”. Tais aspectos comuns ao desenho institucional de todos os
municípios não são significativos para o debate em torno dos OGMDH.
Por desenho institucional da gestão municipal, refere-se, neste trabalho, às opções de
hierarquia e definição de tipos de formato do órgão gestor, ao se estabelecer a estrutura
administrativa (e, consequentemente, política) de governo local. Diz respeito à parte do
ordenamento da estrutura administrativa que não está predeterminado em lei. Em termos mais
empíricos, para esta tese, “desenho institucional” são as escolhas do nível hierárquico, tipo de
órgão gestor e relação funcional com outras áreas de governo. Razoável ter em mente que as
escolhas de OGMDH não são os únicos fatores que norteiam a maior ou a menor provisão de
políticas públicas em direitos humanos; no modelo construído nesta tese, essa escolha de
desenho institucional interage com outros fatores explicativos, quer de ordem societária e de
ordem institucional (partidária ou não).

59
2.1.5 Custos de Transação Políticos

Murray J. Horn, em The political economy of public administration: institutional


choice in the public sector (1995), esmiúça uma série de fatores que podem ser considerados
em relação aos custos de transação no setor público, para criação, execução, monitoramento e
avaliação de políticas públicas. Sua obra é uma referência da literatura de custos de transação
para o setor público, com foco principal na importância desses custos para escolhas
institucionais, principalmente aquelas que envolvem o Legislativo, as agências reguladoras e a
criação de taxas, bem como legisladores, administradores públicos e eleitores (HORN, 1995,
p. 8). Uma primeira preocupação são as incertezas e os conflitos nas relações Executivo-
Legislativo, somando-se a isso a manutenção dos compromissos e benefícios de uma política
pública ao longo do tempo. O controle da burocracia, seja pelos gestores e políticos, seja
pelos beneficiários de políticas públicas, constitui outro custo de transação. Um último custo
de transação diz respeito ao alcance dos custos de uma política pública para a sociedade e a
apropriação privada de seus benefícios (HORN, 1995).
O autor argumenta que determinada escolha institucional reflete os compromissos da
coalizão de governo sobre a concepção do setor público, pois é feita com critérios de custos
de transação. A maneira de lidar esses custos de transação traduz as condições em que podem
resolver questões de compromisso no interior da coalizão. Isso é, o projeto institucional do
setor público é objeto de negociação, porque tanto funcionários públicos (políticos e
burocratas) quanto grupos de interesse estão conscientes de que um desenho institucional
influencia o conteúdo e a implementação de políticas (GALLEGO-CALDERÓN, 1999, p. 6).
Gallego-Calderón (1999) aponta limitações na abordagem de Horn. Em primeiro lugar,
uma gama expressiva de variáveis atua na definição de custos de transação no setor público,
um conjunto mais estrutural (regras eleitorais, relação institucional do Executivo-Legislativo,
sistema de governo, organização territorial do Estado etc.); outro conjunto é mais contingente,
como a distribuição de recursos políticos, pelo resultado das eleições, por exemplo. Soma-se a
isso o fato de que Horn foca muito no processo de deliberação sobre políticas públicas, não
dando destaque aos custos de transação presentes em seu processo de implementação. O
cálculo político dos atores, mesmo no parlamento, vai bem além dessa instituição,
considerando outras instituições e domínios políticos, que incidem sobre suas preferências e
incertezas. As preferências, também, podem ser influenciadas pela ideologia dos atores e por

60
seus recursos, como reputação, informação e autoridade legítima, que, de formas condicionais
e/ou incondicionais, alteram as estruturas de incentivo de outros atores (GALLEGO-
CALDERÓN, 1999, p. 13). Neste trabalho, se reconhece a validade da crítica feita a Horn,
passando, em seguida, à distinção de Dixit sobre o setor público.
Avinash Dixit (2012) identifica as diferenças do setor público em três elementos
principais. O primeiro é a “multiplicidade de principais”, nas estruturas principal-agente
(EISENHARDT, 2015), em que as estruturas da máquina pública são permeadas pela
presença de diferentes grupos de interesse capazes de influenciar as políticas públicas, tendo
resultados, em muitas situações não cooperativas, e resultados subótimos, como o mais
comum da atuação pública. O segundo aspecto, que se liga ao primeiro, é a “multiplicidade de
tarefas”, em que a administração pública conduz a uma série de ações e funções com metas e
objetivos nem sempre de fácil mensuração ou de coexistência harmônica. O terceiro fator,
citado pelo autor, é a "falta de competitividade". Boa parte das atividades do setor público não
tem uma situação de mercado, mesmo que fossem concedidas à iniciativa privada, por meio
de privatizações; isso não afastaria o risco de comportamento oportunista por parte das firmas,
dado, por exemplo, a existência de monopólios naturais. Por último, destaca-se a “motivação
dos agentes”, um ponto já mencionado sobre a NEI e que, na análise do setor público, ganha
especial significado. Entretanto, não só motivações materiais são relevantes em uma estrutura
de governo local, questões de crenças ideológicas, status e legitimidade também são
elementos a serem considerados nos processos de decisão, planejamento e implementação de
políticas públicas.
Deve-se ressaltar que, apoiado em estudos econométricos, Dixit rejeita a oposição
mercado versus Estado; polaridade que, via de regra, endossa a receita de que quanto menos
Estado, melhor. O autor prefere a qualidade da ação do Estado, no lugar de tal oposição, pois,
havendo eficiência, a sociedade tolera um Estado maior (DIXIT, 2003, p. 115-116). Esse
ponto traz mais destaque para as formas de melhor se decidir e organizar as políticas públicas,
sendo a composição dos CTP um tema central nessa perspectiva.
Caballero e Arias dão seis motivos para os CTP serem mais elevados do que na
economia. Primeiro, os direitos de propriedade são muito mais claros e seguros, na economia,
pois os agentes já os possuem de maneira ilimitada e, na política, a competição inclui a luta
pela autoridade, que pode ser mudada. Em segundo lugar, as partes contratantes são muitas
(múltiplos principais) e nem sempre podem ser identificadas com clareza; muitos contratos
políticos não são nem formais, nem explícitos, partindo de acordos verbais e/ou tácitos. Em

61
terceiro, a informação, no mundo político, é mais opaca, pouco clara e difícil de observar e
medir, sendo a assimetria uma parte relevante nessas transações, bem como a subjetividade
dos atores. Em quarto, a questão da ação coletiva, que, muitas vezes, tem uma vasta gama de
inter-relações de transações. Enquanto mercados econômicos possuem mecanismos para
alongar os prazos (como os mercados de capitais); no político, decisões eleitorais de curto
prazo têm implicações que só serão percebidas em longo prazo. O quinto motivo é o fato de
que as forças de seleção e de aprendizagem são mais lentas na política, pois as instituições
tendem ao status quo sempre que se apresentam retornos crescentes, dificultando mudanças e
correções, mesmo quando novas situações as fazem necessárias. A autoridade tem papel
relevante para evitar esses processos de mudança e as estruturas de incentivos institucionais,
francamente, podem contribuir para a mudança. Finalmente, em sexto, a maioria dos contratos
e transações na política não possui mecanismos para cobrança do cumprimento de promessas.
As políticas públicas são afetadas, pois exigem medidas tomadas ao longo do tempo, com
base em acordos firmados (CABALLERO; ARIAS, 2013, p. 17).
Em suma, as diferenças de custos de transação na política apontam para dificuldades
maiores para o setor público que tem de medir resultados e definir objetivos dentro de uma
estrutura de governança muito mais complexa (PERES, 2007, p. 58). A noção de custos de
transação é um conceito estratégico para a NEI, fornecendo uma explicação de como as
instituições afetam a economia. Não foi difícil perceber que o setor público tem
especificidades e que o conceito seria apropriado também para o “mercado político”12,
(CABALLERO; ARIAS, 2013, p. 4). A presente tese se relaciona, mais especificamente, com
os custos de transação políticos e sua relação com as políticas públicas, conforme destacado a
seguir.
Em relação às políticas públicas, Caballero e Arias (2013) fazem um inventário das
posições e contribuições dos CTP em um conjunto de seis pontos principais: 1) a abordagem
considera as interações políticas como um conjunto de relações contratuais (explícitas ou
implícitas), as políticas públicas são transações entre atores da política; 2) as instituições são
as regras do jogo político, com efeitos para os resultados das políticas públicas, como
estruturas de incentivos para os atores; 3) as estruturas de governança são fundamentais para
se entender a relação entre instituições e resultado; 4) os CTP são mais elevados no mundo
político e a eficiência das instituições políticas é algo mais complexo do que na economia; 5)
em tempos recentes, há uma visão de progresso das políticas públicas, pensadas como uma

12
Programa de pesquisa que tem origem na abordagem da Teoria da Escolha Pública.
62
série de transações políticas intertemporais; 6) torna-se central o papel do credible
commitment (compromisso crível) e do reputational capital (capital de reputação)
(CABALLERO; ARIAS, 2013, p. 5).
A síntese do programa oferecido por Caballero e Arias é bastante extensa, com várias
zonas compartilhadas com a TER, outras vertentes do institucionalismo e a NEI, sendo a
discussão de CTP alimentada por todas essas áreas. Esses seis pontos, portanto, não serão
sempre encontrados, ou aceitos, em todos os trabalhos de CTP, havendo, por exemplo, estudos
sobre Executivo e políticas públicas que não mencionam explicitamente os CTP. Para fins
desta tese, tais pontos oferecem um bom repertório para o enquadramento da problemática
dos efeitos de OGMDH sobre a oferta de políticas públicas em direitos humanos. Os dois
primeiros itens são pilares da escolha racional; o terceiro é o cerne da NEI e ECT; o quarto
trata das especificidades dos CTP; o quinto e o sexto itens podem ser vistos como a
introdução do tempo (como no institucionalismo histórico) e/ou de jogos repetidos (como na
teoria dos jogos).
Sobre os três últimos itens, Spiller e Tommasi (2007) oferecem um ponto de apoio
reconhecido por Caballlero e Arias. Sobre os elementos que podem compor os CTP, os
autores dão um mapeamento complementar ao que já foi mencionado:

- O número e a coesão dos atores políticos envolvidos;


- O grau de irreversibilidade dos ativos envolvidos na política;
- O padrão intertemporal de recompensas para os atores;
- A duração dos intercâmbios políticos envolvidos;
- A facilidade com que o desempenho pode ser medido;
- A urgência com que a política precisa ser implementada;
- O grau em que os benefícios desta política beneficiam interesses amplos ou estreitos.

As contribuições não se excluem; em ambas, aparece a preocupação em como os


atores políticos diminuem suas incertezas quanto à racionalidade limitada e a eventuais
comportamentos oportunistas, dando maior complexidade às transações políticas.
Nesta parte, foi possível verificar que os autores variam nas definições dos elementos
relacionados com os CTP. Pode existir uma abordagem mais estrutural, como a de Horn, até
abordagens mais recentes que localizem as dificuldades dos CTP na implementação (e não só
na deliberação) de políticas públicas ao longo do tempo. Via de regra, todos os autores citados

63
tentam traçar uma delimitação de diferenças entre mercado/sociedade e setor público com
seus condicionamentos no mundo político (DIXIT, 2012). Não é objetivo deste trabalho traçar
uma tipologia para cada município e política especifica, com a caracterização dos CTP
envolvidos. O que se oferece é uma qualificação dos determinantes da estrutura de
governança em que os OGMDH se inscrevem para ampliar a provisão de políticas públicas.

2.1.6 Maturação das transações e compromissos

A intertemporalidade, citada por Caballero e Arias, não é coincidência, pois os autores


se valem da contribuição de Spiller e Tommasi. E esse é um ponto particularmente importante
para este trabalho. A hipótese de que OGMDH já existentes em 2009 (não necessariamente
criados nesse ano) têm mais efeitos do que os verificados só a partir de 2011 se vale,
justamente, da possibilidade de os atores estruturarem relações de confiança, a partir de
transações que se mantêm no tempo (PUTNAM, 2010).
O argumento é o mesmo de jogos repetidos, com sucessivas rodadas, em teoria dos
jogos. A limitação é que não emerge dessa discussão uma teoria que dê conta das estratégias
dos atores relacionadas com os custos subjacentes à transação envolvida em uma determinada
estrutura institucional, como argumenta North (1990, p. 83):

Embora a teoria dos jogos demonstre os ganhos de cooperação e as deserções em


inúmeros contextos, ela não nos fornece uma teoria dos custos subjacentes de
transação, e de que maneira esses custos são alterados por diferentes estruturas
institucionais.

A qualidade das políticas públicas depende da capacidade de realizar transações, ao


longo do tempo, necessárias para desenvolver e se manter. O processo de elaboração de
políticas, nas democracias modernas, pode ser entendido como um processo de barganhas e
trocas entre vários atores políticos. Algumas dessas trocas são consumadas, enquanto que, em
muitos outros casos, ações ou recursos são transacionados por promessas futuras dos mesmos.
Questões de credibilidade e capacidade de fazer cumprir os acordos políticos são cruciais para
se envolver nessas transações intertemporais (SCARTASCINI; STEIN; TOMMASI, 2013).
O grande problema do tipo e situação analisada e seus custos de transação é o fato de
ser mais comum os atores políticos atuarem a partir de seus interesses de curto prazo. Pierson
(2000) destaca que uma parte dos analistas da escolha racional vincula a permanência das
64
instituições no tempo a sua capacidade funcional de resolver problemas de ação coletiva e
alcançar melhores resultados, sem ressaltar que tal linha de argumentação pode ser usada,
conforme o caso, mas que deve ser completada. Nem sempre os resultados são visíveis em
longo prazo, e os decisionmakers também erram ao definir desenhos institucionais
(PIERSON, 2000, p. 480). Abre-se, assim, a possibilidade de contingência, aprendizagem e
trajetórias evolucionárias. A simples funcionalidade racional do desenho da instituição parece
limitada até para que os acordos de longo prazo existam. Em muitos casos, pode parecer
racional fazer acordos de longo prazo; pode-se também quebrá-los, o que os torna
inexequíveis já de início (PIERSON, 2000, p. 480).

O ponto crucial aqui é o que os economistas chamam de “inconsistência de tempo”.


Pode ser racional para um ator fechar um acordo, mas igualmente racional rompê-lo,
posteriormente. Entretanto, como os outros reconhecerão o risco, esse acordo inicial
não será possível.

No caso específico dos OGMDH, esse veio de argumentação favorece a compreensão


lógica da hipótese de que aqueles identificados em 2009 possam ter uma provisão maior de
políticas em direitos humanos. Repare-se que não se está falando de OGMDH criados em
2009 versus outros criados em 2011; esses são apenas os anos em que a MUNIC fez o
levantamento da existência dos mesmos e nada impede que parte dos que foram constatados
em 2009 já existisse há mais tempo. Em uma situação limite, um OGMDH contado em 2011
pode ter sido criado no dia seguinte ao envio das informações da MUNIC ao IBGE, em 2009.
O fator da existência de uma instituição que reduz CTP, no tempo, favorece a
superação de empecilhos à oferta de políticas públicas. Isso é resultado da expansão da
interação dos atores no tempo, bem como sucessivas interações, solução de dúvidas sobre
compromissos, aperfeiçoamento de contratos e transações podem resultar em acúmulo de
expertise e compromissos entre as partes.

2.1.7 Gasto público e municípios

Gasto público é um debate que, recorrentemente, remete à eficiência das instituições.


O núcleo comum das teorias aqui empregadas tem explicações relevantes para a ineficiência
das instituições e a teoria da escolha racional foca na solução de problemas de ação coletiva,
que podem gerar instituições ineficientes. Muitas vezes, como já dito, confundem-se os
65
motivos da criação com a justificativa da permanência das instituições: resolver dilemas de
ação coletiva (HALL; TAYLOR, 2003). A NEI, partindo de premissas muito próximas da
TER, tem seu foco na explicação dos subótimos recorrentes do mundo real, pela superação
dos custos de transação. North (1998), por exemplo, abre mão da ideia de eficiência
paretiana13, em favor de um realismo histórico.
É interessante notar que, no debate econômico, as variáveis ligadas à política têm
ampla (para não dizer consagrada) participação na constituição de explicações sobre a
expansão do gasto público. Em evidência, o argumento de que o arranjo político pode
representar um gasto a mais, seja qual for a sua característica. Rezende faz uma seleção das
teorias nesse campo (2006, p. 276):

A política e as instituições políticas desempenham papel decisivo para compreender


o diversificado conjunto de mecanismos que produzem a expansão da interferência
governamental via políticas públicas. Nos modelos contemporâneos, fatores tais
como regimes políticos, sistemas eleitorais, federalismo, accountability, tamanho do
legislativo, desenho institucional das regras fiscais e orçamentárias, estrutura do
legislativo, poder de veto do executivo, tipos de sufrágio, configuração dos distritos
eleitorais, e poder de iniciar legislação passaram a adquirir considerável status na
explicação das teorias da economia política contemporânea.

Foge ao escopo desta tese detalhar todas as teorias resenhadas por Flávio Rezende,
mas, via de regra, partem da premissa de que atores políticos tendem a aumentar os gastos, em
benefício de seus interesses, conforme não encontrem, ou possam contornar, barreiras
institucionais. Longe de pôr em dúvida que as instituições políticas importam para a expansão
do gasto público, o que se quer, neste trabalho, é investigar se a hipótese mais modesta de que
a existência de um OGMDH favorece a maior alocação de recursos para políticas públicas em
direitos humanos. Dentre os elementos destacados por Rezende, para enfatizar a importância
da política e das instituições, o arranjo federalista é um ponto crucial para o contexto de
atuação dos municípios brasileiros.
A Constituição Federal de 1988 ampliou o leque de direitos a serem perseguidos na
ordem institucional e reestruturou o pacto federativo. Os municípios ganharam status de ente
federativo, com Executivo e Legislativo próprios, e à União coube a maior parte das
competências exclusivas (defesa interna e externa, política de meios de comunicação,
políticas macroeconômicas, energia e demais setores estratégicos). No caso de políticas
públicas como saúde, educação e assistência social, optou-se por compartilhamento de
responsabilidades entre os entes federativos (MACHADO, 2014). Nesse cenário, cooperar

13
Situação na qual é impossível alocar um recurso para melhorar a situação de um agente, sem piorar a de outro.
66
com a União, em suas políticas, é uma opção, tanto quanto atuar como veto player, com
políticas públicas próprias divergentes ou inconsistentes em relação às propostas pela União.
O período entre 1988 e meados dos anos 1990 é caracterizado, por Abrucio, pela adoção de
comportamentos predatórios de um federalismo “compartimentalizado ou autárquico”
(ABRUCIO; FRANZESE, 2007).
O período seguinte foi marcado por uma série de medidas que recompuseram os
recursos da União, limitaram os gastos de estados e municípios e estabeleceram o
fortalecimento do papel de coordenação da União na condução de diversas políticas públicas
nacionais com a responsabilidade compartilhada com as subunidades. O instrumento de
aporte de recursos privilegiados para a indução desse efeito de coordenação nacional são as
“transferências intergovernamentais discricionárias”, compreendendo convênios, contratos de
repasse e os “incentivos financeiros federais”. Esse instrumento é diverso das “transferências
intergovernamentais livres”, que não possuem condicionalidades de execução para serem
repassadas e permitem às unidades subnacionais a livre alocação desses recursos
(MACHADO, 2014).
Analisando os dados da Secretaria de Orçamento Federal, para os “incentivos
financeiros federais” em saúde educação e assistência social, entre 2005 e 2008, João A.
Machado ratifica o quanto as transferências discricionárias se tornaram estratégicas (2014, p.
339):

Em um primeiro plano, tais dados mostram que o volume de recursos transferidos


nessa modalidade, para que estados e municípios executem políticas públicas
sociais, cresceu 15 vezes em termos nominais, entre 1995 e 2008, saltando de 2%
para 6% das receitas totais da União. Já as transferências federais obrigatórias, no
mesmo período, cresceram apenas sete vezes, passando de 16,2% para 19,2% [...].
Enquanto proporção das receitas totais da União, o incremento das transferências
obrigatórias para governos subnacionais foi da ordem de 18,5%, enquanto o das
discricionárias no setor social correspondeu a 160,9%.

Segundo o mesmo estudo, a capacidade de execução direta da União cai e os repasses


a entidades, sociedades civis e autarquias governamentais permanecem estáveis
(MACHADO, 2014, p. 339):

Em um segundo plano, os dados da SOF permitem constatar que as transferências


discricionárias para estados e municípios passaram a constituir a principal
modalidade de execução das despesas da União com políticas sociais, no período
entre 1995 e 2008, quando passaram de 18,3% para 57,7% dos gastos com as
mesmas. A execução direta pelo governo federal caiu de 79,2% para 40,0% e a
execução por meio de entidades privadas e outras governamentais manteve-se
estabilizada entre 2,5% e 2,4.

67
Do que foi dito em relação aos repasses e às relações da União e municípios decorrem
duas preocupações neste trabalho: sobre os recursos destinados às funções orçamentárias de
direitos humanos (e assistência social, como se verá no capítulo 4), e sobre o quanto a esfera
de influência político-partidária do governo federal pode favorecer à adoção de políticas
públicas em direitos humanos.
Não tem muito rendimento analítico discutir se com recursos próprios ou da União,
salvo que se esse recurso funcione como um indutor discricionário de uma maior adesão às
políticas públicas em direitos humanos, dadas as redes de relações político-partidárias na
destinação de recursos discricionários. O que oferece duas importantes variáveis de controle
relativos aos vínculos partidários (cf. capítulo 3).
O importante é enfatizar como a pauta de direitos humanos, vasta por definição, ganha
destaque, ao mesmo tempo em que municípios são cada vez mais convocados a desempenhar
papel estratégico na execução de políticas públicas. A existência de um OGMDH favorece a
maior alocação de recursos em rubricas de direitos humanos e assistência social. Espera-se
um maior volume pelo efeito da existência do OGMDH, do seu tempo de existência e da sua
maior autonomia, sobretudo, nas políticas voltadas para grupos vulneráveis.

2.1.8 Grupos vulneráveis e CTP

Conforme destacado no capítulo 1, a pauta de reivindicações em torno dos direitos


humanos é histórica, muito ampla e fonte de disputas. Nas últimas décadas, vem se
destacando por conjuntos de reivindicações de grupos identitários, que, neste trabalho, são
chamados de “grupos vulneráveis”; deixando claro que “vulnerabilidade” é um conceito
introduzido da epidemiologia que não se refere a indivíduos vulneráveis em si, mas em
situações de vulnerabilidade. Seu emprego vem denotar diferenças que não se resumem a
maior ou menor renda, tendo, no debate das políticas públicas, muito a ver com a estruturação
da assistência social e o uso de termos como risco, perigo e vulnerabilidade social, sem muitas
especificações conceituais (KAZTMAN, 2000; JANCZURA, 2012; MONTEIRO, 2012)14. É
razoável supor que a gestão pública tenha dificuldades de compreender as especificidades e
dar concretude às políticas demandadas por grupos tão heterogêneos (por exemplo, crianças e

14
Cf. capítulo 3.
68
adolescentes, mulheres, negros, indígenas, ciganos, população LGBT, deficientes e assim por
diante).
Uma forma de tentar equacionar essa multidimensionalidade e os públicos diversos
das políticas públicas em direitos humanos é apostar no caráter transversal, no interior da
gestão pública. Em sendo um conjunto de políticas públicas pulverizadas por toda a gestão,
métodos administrativos e planejamento deveriam garantir a perseguição desses objetivos
(NATALINO, 2009b). O problema é enfrentado nos documentos oficiais e acadêmicos de
direitos humanos, com apelos e constatações da necessidade da “intersetorialidade”,
“transversalidade” ou “matricialidade” tais direitos (NATALINO, 2009b).
Adeptos da teoria da escolha racional, da TEP e da NEI veem, nesse tipo de
normatividade do interesse coletivo, a condição ideal para o free rider (OLSON, 2009). É do
interesse de todos os segmentos da gestão; pelo mesmo motivo, cada segmento espera que os
demais tomem suas inciativas. A existência de um OGMDH serve para lidar com os CTP em
geral, mas pode ter particular importância para os grupos vulneráveis. As mesmas abordagens,
em especial a TEP, veem na existência do OGMDH a possibilidade de uma arena para a
atuação de grupos de interesses. Nunca é demais realçar que não são apenas interesses e
demandas, mas direitos garantidos em leis, que, pela questão do free rider, correm o risco de
não serem perseguidos com efetividade pela administração pública. Não só a condição de
vulnerabilidade é importante, mas também sua percepção como grupo com uma identidade de
demandas próprias e organizadas. Ou seja, para que atuem como grupo de interesse de suas
demandas, é necessário que se constituam como ator social.
Há um debate sobre universalização e focalização de políticas sociais, como atitudes
opostas, que não devem ser confundidas com a extensão de direitos a grupos vulneráveis e
identitários. Para Celia Kerstenetzky (2006), os dois procedimentos não são excludentes:
explicitada se a política social adota uma noção mais distributiva (“espessa”) de justiça,
voltada para uma condição de maior igualdade de condições entre os indivíduos, ou mais de
mercado (“fina”), voltada para atenuar, residualmente, os efeitos das “falhas de mercado”,
ambos os tipos podem ser combinados. O fato de, nesta tese, se apontar uma hipótese sobre a
validade dos OGMDH para o benefício de grupos vulneráveis não é a aposta em um
esvaziamento de políticas universalistas. Tal oposição não se justifica, pois, como bem coloca
a autora, a combinação das mesmas depende do tipo de sociedade em questão:

Em uma sociedade onde o déficit de universalidade dos direitos legalmente


garantidos seja baixo, onde oportunidades de realização sejam razoavelmente
equânimes, a necessidade de focalização nesse segundo sentido será menos
69
importante. Em contraste, em uma sociedade muito desigual, as políticas sociais
terão necessariamente um componente de “focalização”, se quiserem aproximar o
ideal de direitos universais a algum nível decente de realização. Portanto, nesse
segundo sentido de focalização, esta emerge do interior de uma concepção
republicana de direitos de cidadania. A focalização seria um requisito da
universalização de direitos efetivos, compatível com o princípio da retificação ou da
reparação e, portanto, também com a concepção de justiça social rawlsiana, em que
liberdades formais para se converterem em liberdades reais requerem distribuição
reparatória de oportunidades (KERSTENETZKY, 2006, p. 571).

Neste trabalho, atribui-se que a simples iniciativa de criar um OGMDH é um forte


indicador de que o município pode ter, como consequência, a possibilidade de viabilizar
políticas públicas em direitos humanos, para além daquelas que a administração pública
fragmentada tradicional poderia fazê-las. Os OGMDH podem, também, oferecer
sensibilização e sinalização da agenda de políticas públicas locais, para que demais setores da
gestão venham a incorporar tais políticas, dificultando ou constrangendo a adoção de
estratégias de free rider.
O estabelecimento de um OGMDH representaria um esforço de coordenação
específico em direitos humanos para grupos vulneráveis. Ponto que, inclusive, coincide não
só com os pressupostos da NEI, como também com a ideia de grupos de interesse mobilizados
por suas agendas, tema tão caro à TEP, com a importante diferença de que se trata de uma
agenda de políticas públicas que traduzem direitos.

2.2 ELEMENTOS INSTITUCIONAIS ADICIONAIS

2.2.1 Executivos e provisão de políticas públicas

A preocupação com os OGMDH coloca, em questão, a estrutura do Executivo e a


relação entre o chefe e seu secretariado. O foco, neste trabalho, é perceber que, uma vez
criados, os OGMDH têm impacto sobre a provisão e resultados de políticas públicas. Para
tanto, pode-se usar a literatura sobre a organização de Executivos nacionais como recurso
para pensar os locais. Um primeiro ponto a ser destacado sobre a coalização de governo e a
estrutura do Executivo é que qualquer coalizão de governo cria ou mantém estruturas com
expectativas de que possam ser úteis aos seus interesses. Moe e Caldwell (1994) chamam a

70
atenção para a distinção entre a burocracia existente (“engrenagens herdadas”) e a que os
governos Executivos têm livre escolha para instituir (“engrenagens criadas”) (MOE;
CALDWELL, 1994; FIGUEIREDO, 2004). Os OGMDH são, portanto, um exemplo de
“estrutura criada”.
Os estudos sobre presidência americana denotam a criação de um emaranhado de
agências federais, nas complexas relações entre burocracia política e pública (FIGUEIREDO,
2004). Em um estudo com 141 agências da administração federal, criadas entre 1879 e 1988,
Wood e Bohte (2004) demonstraram que o design administrativo e as questões relativas aos
custos de transação em torno de cada agência possuem relação direta com as expectativas das
coalizões, que lhes deram origem. Enfim, mesmo as burocracias públicas são resultantes, em
alguma medida, de expectativas políticas, que condicionam seus custos de transação e
desenho institucional. Tomam-se, neste trabalho, as conclusões de Wood e Boehte como
indicadoras da relação direta entre formação de governos (e suas coalizões) e a tradução
destas em “engrenagens criadas” na burocracia para a gestão de políticas públicas. O
argumento dos autores reforça a ideia de que as “engrenagens criadas”, nesse caso, os
OGMDH, têm relação com coalizões, que possuem expectativas de retornos futuros. Todavia,
esse é um quadro de racionalidade limitada, incerteza, podendo ou não ter maiores impactos
sobre a provisão de políticas públicas em direitos humanos. O motivo é, conforme já
explicado, a diferença entre os custos de transação para criar o OGMDH e os de adesão à
agenda de direitos humanos.
O governo federal no período é, particularmente, importante. O raciocínio encontra
abrigo na literatura de ciência política (MELO; SOUZA; DE SOUSA BONFIM, 2015, p.
680):

A literatura apresenta evidências ainda de que o alinhamento partidário com o


presidente da República ou com o governador tende a afetar positivamente as
chances dos prefeitos manterem-se no poder. Uma das explicações seria que os
investimentos e gastos dos governos estadual e federal favoreceriam a gestão do
prefeito, por beneficiar a população do município.

No ciclo dos dois governos Lula, anteriores, e no primeiro governo Dilma, ampliou-se
o número de ministérios (ou secretarias de governo) que se relacionam com grupos
vulneráveis e direitos humanos. Além disso, os prefeitos que tomaram posse em 2009,
assistiram, em 2010, a uma eleição presidencial marcada por discussões do PNDH 3
(ADORNO, 2010). O tema dos direitos humanos tornou-se, no debate nacional, um divisor de
águas ideológico, sendo possível que administrações locais petistas tenham replicado essa
71
marca do governo federal e suas políticas públicas.
Até certo limite, é possível fazer comparações sobre a formação de Executivos
municipais, com a literatura mais robusta sobre presidencialismo e suas coalizões de
sustentação e o impacto sobre a agenda de políticas públicas. Estudos sobre formação de
“gabinetes presidenciais” apontam na mesma direção, no debate em torno do
“presidencialismo de coalizão”. As regras proporcionais dificultam um Executivo cujo partido
tenha maioria; o que leva a um esforço de construção de uma coalizão. Esse elemento é
importante para entender a sua relação com prefeitos em busca de recursos federais.
A organização do Executivo tem relação direta com a coalizão que o elegeu e/ou lhe
dá sustentação política (ABRANCHES, 1988; FIGUEIREDO; LIMONGI, 1998; NETO,
2006; SANTOS, 2006). As diferenças, nessa literatura, ficam na caracterização de tais
governos como coalizões ou cooptações, como, por exemplo, que a cooptação seria o oposto
da coalizão (NETO, 2000). Pode-se mencionar, ainda, os custos políticos para se manter a
disciplina partidária encontrada nos estudos em relação a Legislativos brasileiros sobre
votações (FIGUEIREDO; LIMONGI, 1998; SANTOS, 2006).
A alta fragmentação partidária propiciada pelo sistema eleitoral brasileiro e o aumento
de partidos efetivos no Congresso Nacional, tendo, como resultado, a incapacidade da eleição
de uma bancada majoritária do partido do presidente, apontam para a necessidade de
coalizões de governo (FIGUEIREDO; LIMONGI, 1999). A partir desse cenário, autores,
como Amorim Neto (2000), relacionam a proporcionalidade da presença dos partidos da
coalizão de governo, no ministério, e acesso a recursos do poder Executivo, ao apoio
prestado, no Legislativo, em defesa das matérias de interesse do Executivo. Conclui-se que
coalizão de governo, organização do Executivo e acesso a recursos para políticas públicas são
elementos, intrinsecamente, articulados no plano federal (NETO; BORSANI, 2004). Mas e a
seleção das políticas públicas?
Freitas (2013) sustenta que não existe uma agenda de políticas, exclusiva, do partido e
do presidente, mas sim uma agenda de políticas do Executivo, construída por meio de
cooperação. Os partidos da coalizão, e não apenas o partido do presidente, têm um papel
importante na coordenação da atuação no Legislativo. Em outro trabalho, Tsebelis, Freitas e
Araújo (2016, p. 8) são enfáticos na relação entre base de apoio da coalizão e agenda de
políticas e recursos para políticas públicas:

Estas evidências sugerem que o pacto que sustenta o acordo político entre os
partidos que aceitam integrar o governo – assumindo todos os riscos embutidos
nessa escolha – é baseado na expectativa desses autores de formular e implementar
72
políticas o mais próximo possível do seu ponto ideal de policy. Isso não significa
assumir que todos os partidos que ocupam o gabinete tenham uma agenda de
políticas bem definida, nem que as consequências dessas políticas sejam sempre
positivas, mas que o acordo de cooperação política envolve transferência de recursos
para a execução de políticas públicas.

Note-se aí uma cadeia de relações relacionadas à oferta de políticas públicas desde o


plano federal, passando pela composição de ministérios, até as bases locais dos membros da
coalizão. Mariana Batista encontrou evidências empíricas, entre 2004-2010, de que o partido
do ministro ser o mesmo partido do parlamentar colabora para maior liberação de recursos de
emendas parlamentares; e, em menor grau, para os demais partidos da coalizão (BATISTA,
2015). Tais evidências corroboram a combinação de mecanismos de coordenação política e
vínculos partidários.
Essas preocupações são incorporadas, neste trabalho, na parte empírica, com a
operacionalização de variáveis de controle, relacionadas ao Executivo local, ser do mesmo
partido do Executivo nacional (Partido dos Trabalhadores) ou da coligação que o elegeu. São
os prefeitos eleitos pelo PT, ou os partidos da coligação que elegeu Dilma, melhores
ofertantes de políticas públicas em direitos humanos? Uma explicação alternativa à
importância dos OGMDH? Controlando esses efeitos, espera-se que o efeito líquido da opção
pelo OGMDH possa ser melhor mensurado. Esse ponto é muito interessante, pois pode
diferenciar se a escolha institucional (OGMDH) tem consequências em si ou se é apenas um
efeito relativo a algo maior, a formação de cadeias de apoio político-partidário entre os níveis
de governo. As estruturas criadas do OGMDH serviriam para operacionalizar essas relações
partidárias

2.2.2 Participação local

Criadas na Era Vargas, Lei nº 378, de 13 de janeiro de 1937, inicialmente, para mapear
as demandas locais de saúde, as Conferências Públicas são locais de participação e decisão de
políticas públicas, com tema definido e participantes do governo e da sociedade. Na norma
legal citada, ficou especificado que seriam convocadas pelo Presidente da República e
contariam com a participação de representantes de governo dos três níveis da Federação e de
representantes dos grupos sociais afins aos temas abordados. Ao longo do tempo, as
conferências são convocadas por decreto presidencial e realizadas pelos ministérios ou
73
secretarias da área, com apoio do conselho pertinente. Elas oferecem “as principais instâncias
de proposição de novas diretrizes de políticas públicas para compor o Plano Plurianual de
Ação (PPA) do governo e de monitoramento e avaliação das ações governamentais nas três
esferas da Federação” (PETINELLI, 2011, p. 231). São essas políticas locais que podem
oferecer um forte indício da sociedade organizada nos municípios.
A ênfase na relação entre conferências nacionais e políticas públicas federais tem
eclipsado, na literatura, sua importância local. Como exemplo, em um trabalho sobre essas
conferências e os grupos minoritários, Tamy Pogrebinschi afirma um ponto que pode ser
estendido às conferências locais (até porque estão associadas).

Ao permitir que mulheres vocalizem as demandas de mulheres, que índios


expressem as preferências de índios, ou que negros defendam os interesses de
negros, as conferências nacionais propiciam que uma representação mais justa seja
obtida por meio de uma presença que muitas vezes parece não caber nos partidos
políticos ou em cotas nos parlamentos. Ao facultar que mulheres índias deliberem
sobre políticas de saúde na condição de mulheres e de índias, ou que negros jovens
deliberem sobre políticas de educação na condição de negros e de jovens, as
conferências nacionais propiciam que a inclusão não seja objeto de barganha, não
tenha valor de moeda, nem tenha o custo da cooptação. Ao permitir que mulheres,
índios ou negros afirmem a sua identidade como grupos, por meio do
compartilhamento de experiências, perspectivas e valores que transcendem divisões
de classe ou cisões ideológicas, as conferências nacionais redefinem o sentido e a
prática da igualdade política (POGREBINSCHI, 2012, p. 9).

Ao comentar a literatura sobre democracia participativa e associá-la à experiência das


conferências de políticas públicas, Enild Silva (2009, p. 9-10) resume a reflexão sobre esse
impacto para a democracia:

Assim, alguns países da América do Sul passaram a criar ou a fortalecer arranjos


institucionais de participação social na gestão pública, visando diminuir a distância
entre o Estado e a sociedade. A aposta de fundo dessa estratégia repousa na crença
de que os arranjos participativos, ao congregarem representantes da sociedade civil e
dos governos para discutir as políticas públicas, ampliariam o controle social sobre
as instituições estatais, ao mesmo tempo em que aumentariam a influência da
sociedade na definição das prioridades governamentais.

Outro fator que merece destaque é a centralidade das políticas públicas de direitos
humanos na produção de propostas das conferências. Uma parte delas chega ao Legislativo
federal, com a possibilidade de ser positivada em leis. O importante trabalho de Pogrebinschi
e Santos (2011) relaciona a produção legislativa do Congresso Nacional com a recepção das
diretrizes aprovadas em “conferências nacionais de políticas públicas”, no período de 1988 a
2009. Os autores fizeram um levantamento dessa produção, a partir das diretrizes oriundas das
conferências, com o resultado submetido a um filtro qualitativo, para determinar se sua
74
orientação coincidia com a diretriz equivalente.
Em seu levantamento, Pogrebinschi e Santos obtiveram um impressionante resultado
da participação do tema “direitos humanos” no conjunto da base de dados (em torno de 80%
da produção legal no Brasil), tanto em projetos de lei e propostas de emendas constitucionais,
quanto em leis e emendas constitucionalizadas aprovadas e sancionadas. Para os autores, tal
resultado deve-se mais à “transversalidade” dos temas, em direitos humanos, do que a
“legisladores 'inspirados'”; mas, mesmo assim, “estaremos diante de algo verdadeiramente
avassalador, pois estamos falando de 51 leis aprovadas a partir de processos participativos e
deliberativos” (POGREBINSCHI; SANTOS, 2011, p. 285-286).
Vale destacar que as conferências nacionais, por eles estudadas, quase sempre, são
precedidas de outras conferências em subunidades nacionais, que encaminham delegados e
propostas à nacional. Essa participação institucional é relevante, também, para a realidade
local, sendo uma forma de a capilaridade social influenciar a oferta de políticas públicas.
Para operacionalizar esse elemento explicativo referente à participação da sociedade
organizada em conferências, foi incluída, no modelo, uma variável sobre conferências de
políticas públicas locais. A participação institucional, em conferências locais, é um bom
preditor da oferta de políticas públicas em direitos humanos?
Essa variável é muito importante, pois oferece uma dimensão do peso da sociedade
organizada local e a possível separação do seu efeito líquido da contribuição dada pelos
OGMDH. A capilaridade da sociedade local, quando existe, se mobiliza em torno de
oportunidades de influir nas agendas de políticas públicas, como as que são representadas
pelas conferências de políticas públicas. Esse elemento institucional permite dimensionar a
presença da organização social e relacioná-la com a oferta de políticas públicas em direitos
humanos na gestão municipal.

2.2.3 Capacidade administrativa

O poder da burocracia de tomar decisões em interesse próprio é uma discussão que


abrange da obra de Weber até as considerações da TEP, que será discutida em uma sessão
específica. O que esta seção enfoca é outro elemento institucional: a capacidade operacional,
administrativa, de cada município. Nesse sentido, dois municípios podem ter a mesma agenda

75
de políticas públicas, mas diferentes meios para colocá-la em prática, já que a capacidade
administrativa da gestão municipal é algo de difícil mensuração empírica. Entendendo
capacidade administrativa como “a busca de instrumentos voltados para aumentar o
desempenho dos organismos públicos com vista à obtenção de resultados e à satisfação do
cidadão que utiliza os serviços públicos” (SOUZA; CARVALHO, 1999, p. 188), é razoável
supor que, de município para município, de área de gestão para outra área, devem existir
variações diversas desse tipo de capacidade. Conceitualmente, é necessário buscar um
pressuposto que oriente uma escolha de indicadores empíricos válida para todos os tipos de
municípios.
Na teoria política, o “estado mínimo”, como o “Estado Guarda Noturno” proposto por
Nozick, é aquele que recolhe impostos e tem o monopólio legítimo da violência. Monopólio
da violência não cabe apenas aos municípios, mas existem impostos que são específicos,
como IPTU e ISS. Repare-se que não se está buscando medir os recursos próprios dos
municípios; é de conhecimento geral que muitos municípios obtêm seus recursos,
basicamente, do Fundo de Participação dos Municípios e de transferências governamentais,
enquanto outros, de Produto Interno Bruto mais elevado, têm receitas próprias expressivas.
Essas diferenças não interessam neste trabalho, pois não tem como objetivo demonstrar se a
ação dos municípios ocorre com essa ou aquela fonte de recursos.
Em questão, tem-se a capacidade de organização administrativa para arrecadação de
cada município como uma referência conceitual boa para se referir à capacidade
administrativa. Se o município tem boa capacidade para criar e atualizar instrumentos
administrativos de arrecadação de impostos, supõe-se que também o possa fazer para
diferentes políticas públicas. O município pode até optar por dar isenção de impostos, mas,
mesmo assim, os instrumentos para definição do que está sendo isentado podem ser mais
robustos ou não.
Com esse elemento institucional, abre-se a possibilidade de análise da importância dos
meios de operacionalização das políticas públicas. É certo que o caminho escolhido foi de um
indicador que não infere diretamente nos recursos de cada política pública; todavia, recorrer
aos instrumentos arrecadatórios do município é um pressuposto bastante razoável, na ausência
de possibilidade da minúcia de cada política pública ou área de governo na sua atuação em
questões de direitos humanos.

76
2.3 CRÍTICA DA TEORIA DA ESCOLHA PÚBLICA

As hipóteses desta tese dialogam criticamente com a Teoria da Escolha Pública (TEP).
A escolha pública se notabilizou por produzir uma crítica ferrenha à atuação política de
segmentos burocráticos e políticos, proclamada em nome de “interesses coletivos” e/ou do
“bem comum”, mas que só traduzia interesses próprios. O charme do instrumental analítico da
public choice é aplicar as categorias analíticas da economia neoclássica às instituições
políticas. Ponto que, em boa medida, é uma característica comum com a NEI, só que com
conclusões muito distintas.
A escolha pública analisa objetos típicos da ciência política, como: decisões do
Legislativo, regras eleitorais, grupos de interesse, partidos políticos e segmentos burocráticos,
buscando entender como o comportamento autointeressado dos indivíduos, atuando nesses
grupos, corrobora a produção de bens e decisões coletivas. Uma vez gerada a decisão, o
esforço da TEP é demonstrar o quanto ela representa não um “interesse maior”, mas
consequências deletérias para outros grupos sociais. Esses grupos maximizam seus interesses
no uso das regras institucionais para produzir decisões convenientes. Uma parte da TEP se
dedica à “economia constitucional”, estudando impacto de regras institucionais sobre a vida
econômica.
A TEP nasce em oposição à hegemonia da contribuição de Keynes. A partir do fim da
Segunda Guerra, o Estado é identificado como capaz de impulsionar a economia e
proporcionar políticas de bem-estar, pois sua presença traria equilíbrio, diante das falhas do
mercado. Nessa perspectiva, não há contradição entre processo democrático, políticas
públicas e atores sociais e estatais. A presunção do controle público e democrático da atuação
de uma elite tecnocrática seria um dos pilares do Estado de Bem Estar (BORSANI, 2004, p.
104). Ao longo dos anos 1960 e 1970, uma série de críticos do keynesianismo e do Estado de
Bem Estar elaboram suas teses, sendo a escolha pública uma dessas contribuições outrora
minoritárias.
A obra fundadora da TEP é Calculus of consent, de James Buchanan e Gordon Tullock
(1962), mas outros trabalhos e autores também merecem destaque, como: An economic theory
of democracy, de Anthony Downs (1957), The logic os colletive action, de Mancur Olson
(1965), e The theory of political coalitions, de William Riker (1962). A produção e os temas
da escola são bem diversificados, não sendo necessário fazer um inventário de tal

77
contribuição, nesta seção. Um ponto nevrálgico deve ser destacado em relação aos temas
debatidos nesta tese: a relação entre gasto público, grupos de interesse e políticas públicas. em
que a sociedade organizada, os políticos em cargos públicos e os burocratas se encontram. A
TEP vai ser marcante em mostrar o quanto essa atuação desfavorece a liberdade individual e
produz um Estado cada vez mais oneroso:

A primeira e principal preocupação de análise da TEP neste tema [teoria da


burocracia] tem sido o aumento da burocracia e do orçamento público. Na medida
em que o orçamento público [...] constitui um nexo entre recursos financeiro do
Estado e o logro de determinadas políticas públicas, ele ocupa um lugar central no
processo político (BORSANI, 2004, p. 119).

Em relação ao tema específico da burocracia, na visão de Niskanen, por exemplo, os


burocratas tendem a aumentar os custos de dar efetividade às decisões políticas, pois os
políticos não têm como saber seus reais custos e monitorar o cumprimento de suas decisões. A
burocracia usa seu poder de agenda para, em tese, dar cumprimento a decisões de Estado,
favorecer seus próprios interesses. Os burocratas procuram maximizar as vantagens de seus
cargos, em nome, em última instância, do interesse do cidadão comum; o interessante é que
esse aumento de gasto recai sobre o contribuinte e cidadão. No âmbito da sociedade
organizada, as considerações da TEP não são mais otimistas do que em relação à política.
Mancur Olson desenvolveu seu argumento em relação à atuação de grupos
organizados, de interesse ou de pressão, como sendo coletividades com uma agenda de
interesses compartilhados, que atuam para pressionar governos na obtenção de leis e decisões
favoráveis as suas demandas. Classicamente, os lobbys mais estudados de grupos de interesse
são os empresariais e os sindicais, mas essa classificação também pode incluir, por exemplo:

[...] as associações de profissionais (advogados, médicos, arquitetos etc.), de


funcionários públicos e de consumidores, os grupos em defesa dos animais e do
meio ambiente, dos direitos da mulher, das minorias étnicas, dos homossexuais, os
grupos a favor ou contra a proibição de venda de armas etc. (BORSANI, 2004, p.
114).

Olson identifica que o interesse generalizado, em uma ação coletiva, não é o suficiente
para que ela ocorra. Há a oportunidade de não se comprometer com os custos e se beneficiar
dos resultados, agindo como free rider, “carona”. Para que a ação coletiva ocorra, é preciso
que existam mecanismos de coerção e/ou o oferecimento de incentivos seletivos a indivíduos
ou grupos, para que não desertem da participação. O argumento de Olson, se, por um lado,
explica por que demandas de ampla aceitação, muitas vezes, não geram ação coletiva em seu
favor; por outro lado, seu argumento, também, favorece a explicação de que grupos menores,
78
mas com bons incentivos, conseguem se mobilizar e capturar agendas e decisões da máquina
pública. Grupos que se colocam próximos aos tomadores de decisão exercem pressões sobre
os mesmos, gerando benefícios, para os grupos, sem uma geração de riqueza ou valor, apenas
se valem da sua capacidade de atuação como grupos de pressão, também chamados de rent
seeking (OLSON, 2009).
No seio da escolha pública, tem-se a contribuição de Buchanan, que retoma a tradição
contratualista, particularmente a visão de Hobbes, do conflito de todos contra todos,
esperando maximizar suas possibilidades. Com essa perspectiva, o contrato viria após os
indivíduos alcançarem um equilíbrio natural, em que os custos para manter sua posição ou
melhorá-la são menores do que o seu retorno; nesse momento, então, os homens aceitam o
contrato social. A política em sociedade se estabelece por trocas semelhantes ao mercado e as
leis para viabilizá-las são de duas naturezas: constitucionais, que estabelecem as regras
decisórias, que deveriam ser decididas por consenso ou mecanismos que se aproximem disso,
e as regras cotidianas, mais próximas dos interesses imediatos dos indivíduos (BUCHANAN;
TULLOCK, 1962). A TEP também vai se notabilizar pela crítica ao parlamento em fazer leis
que atendam aos interesses da sociedade.
A TEP compartilha com a Escolha social, de Kenneth Arrow, as discussões sobre o
“paradoxo do voto” e o “poder de agenda”. Resgatando comentários do Marques de
Condorcet, tais escolas de pensamento consideram que a ordem e a forma como são
encaminhadas as votações alteram sensivelmente os resultados e isso é produzido pela
alteração da composição de maiorias, segundo suas preferências. O “poder de agenda” é
justamente a discricionariedade que certos atores têm para estabelecer essas dinâmicas. No
parlamento, uma forma de lidar com as incertezas do voto é a prática do chamado logrolling,
que corresponde à negociação entre grupos de parlamentares com interesse na aprovação de
diferentes leis. Ou seja, um grupo cede apoio em leis de interesse de outro grupo, em favor de
receber apoio em votações de seus interesses. Como sempre pode surgir uma situação de
melhor barganha, a lei da maioria, que, por si só, já concentra uma opressão sobre setores
minoritários, corre o risco de ser uma artificialidade instável (BORSANI, 2004).
Assim como o comportamento maximizador não é a única possibilidade de
comportamento humano, mas um subconjunto deste, as possibilidades de comportamento de
burocratas e políticos pela TEP precisam ser analisadas em que contextos favorecem ou não
sua presença, sobretudo, pelo condicionamento de variáveis institucionais. As “patologias”
identificadas na vida pública pela TEP são possibilidades a serem verificadas.

79
O institucionalismo fortalece a perspectiva das instituições, como resposta aos
determinismos presentes nas abordagens estritamente estruturais e sociológicas. Sem incorrer
em novos determinismos, essa é uma estratégia teórica correta. A política, sendo capaz de
mudar a sociedade e as instituições, faz uma grande diferença: “Existe, portanto, uma relativa
autonomia da política, de um lado, em relação às estruturas econômicas e sociais, de outro,
em relação aos grupos de interesse que buscam influenciar as decisões políticas” (BRESSER-
PEREIRA, 2010, p. 19). E, assim, continua Bresser, em sua crítica à TEP, com base na noção
de “autonomia da política”, procurando precisar os limites e constrangimentos da mesma:

A ideia da autonomia relativa é importante porque ela permite que compreendamos


melhor a política – a arte de argumentar e fazer acordos para governar, o processo
através do qual cidadãos e oficiais públicos empreendem a construção política da
sociedade civil, da nação e principalmente do Estado. O conceito de autonomia
relativa da política e a ideia da construção política do Estado não implicam
voluntarismo político. De um lado, a palavra autonomia não significa que os oficiais
públicos ou o governo possam impor sua vontade à sociedade, significa apenas que
gozam de certa liberdade de decidir; de outro lado, a palavra relativa assinala que a
autonomia é incompleta, que a política enfrenta restrições (constraints) estruturais
que são sociais (o poder das classes e grupos sociais) e econômicas (as regras do
funcionamento das economias capitalistas). Os oficiais públicos competentes e os
cidadãos capazes que atuam na sociedade civil e na nação conhecem essas restrições
e as levam em consideração na sua ação, mas não se submetem a elas (BRESSER-
PEREIRA, 2010, p. 137).

Em sendo consequente às premissas da escolha pública, deveria haver uma enorme


presença de apoio partidário, ou burocrático e/ou movimentação de grupos de interesse, com
consequente aumento de gasto público. Este trabalho tem a hipótese de controle partidário e
de participação local; o OGMDH não é um órgão da burocracia mais permanente e estável de
carreira, pertence às “engrenagens criadas”, embora, para atuar, precise da capacidade
administrativa e burocrática. Diferentemente da TEP, a NEI dá ênfase às instituições e aos
CTP para reduzir incertezas e comportamentos oportunistas. Para a TEP, a autonomia do
estado é sempre em autointeresse de grupos, com riscos para a liberdade individual; para a
NEI, tais possibilidades existem, mas não são únicas. Nesse sentido, a NEI incorpora a
contribuição da escolha racional e as críticas da TEP, sem se limitar ao seu reducionismo.
A defesa da autonomia da política no lugar da unilateralidade das patologias
advogadas pela TEP oferece um quadro conceitual próximo, com flexibilidade investigativa,
para perceber potencialidades na institucionalidade criada e não apenas sua crítica em favor
de mecanismos de mercado ou a simples redução do tamanho e da atuação do Estado. A
seguir, dois estudos empíricos importantes sobre municípios e gestão de políticas públicas em
direitos humanos.
80
2.4 ESTUDOS ANTECEDENTES

2.4.1 Estudo do IBAM sobre prefeituras e direitos humanos

Em 2002, O Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM), por meio de seu


Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania, realizou, em conjunto com a Fundação Ford, o
Programa Gestão Municipal em Direitos Humanos (GERSHON et al., 2005). Em linhas
gerais, o projeto tinha dois objetivos: capacitar a gestão municipal, por meio de oficinas, e
criar as condições para um selo de “melhores práticas” em direitos humanos no município.
Como resultado desses esforços, foi produzido um amplo diagnóstico sobre gestão e políticas
públicas de direitos humanos. Examinando os PNDH I e II e os sete planos estaduais de
direitos humanos, encontraram um quadro comum:

 Imprecisão e superposição de papéis entre Estado e sociedade;


 Fragmentação das políticas e ações por públicos prioritários;
 Dificuldade de conceituar direitos humanos, com noções que possam se
“traduzir” em “planejamento e política”.

Parte do esforço de análise passou por trabalhos de campo e entrevistas em


profundidade, com gestores nas cidades com perfis avançados e distintos de
institucionalização de direitos humanos de Campinas (SP), Porto Alegre (RS), Rio de Janeiro
(RJ) e São José de Tapera (AL). Sobre a concepção de políticas públicas em direitos humanos,
de acordo com a pesquisa, há as seguintes visões presentes entre os gestores:

 Uma parte acredita que a defesa e a promoção dos direitos humanos são
responsabilidade de qualquer política pública. Todas as secretarias devem
desenvolver essas políticas públicas, inclusive com ações transversais.
Incapazes de separar política de direitos de qualquer outra política social.
 Outra parcela resolvia a questão conceitual pela adoção de um arranjo

81
institucional específico. A divergência interna ficava pela opção proposta:
coordenadoria vinculada ao gabinete do prefeito ou secretaria autônoma e
paralela às existentes.
 Um terceiro grupo, não desconsiderando a transversalidade do tema, via a
necessidade de política específica, “identificada e reconhecida, em geral por
meio de orientação das ações para benefício de alguns públicos específicos, já
definidos em pactos e programas de direitos”.
 Os demais consideram o “discurso dos direitos humanos muito abstrato”,
difícil de incorporar, em termos práticos, à gestão, ou acreditam que o tema
deveria ser destinado apenas às agendas do governo federal e dos estaduais;
especificamente, no tema da segurança pública.

A equipe do programa reconhece que trabalha com a ideia “de não existir uma única
política de direitos humanos, mas várias”, recusando o “maniqueísmo” de ter que se escolher
entre, exclusivamente, direitos humanos como “política social” ou, “exclusivamente, uma
política específica”. A conclusão da equipe foi substituir a ideia de um selo por mais oficinas e
capacitações em uma rede intermunicipal, que pudessem fomentar o debate e ter efeito
pedagógico. Criar o selo seria assumir, implicitamente, a equivalência de que qualquer
política social constituiria uma política em direitos humanos. O que seria um equívoco, pois
nem toda política social é eficiente em reduzir a “marginalidade”, garante a “socialização de
bens e serviços públicos e a concretização da inter-relação entre direitos e autonomia”
(GERSHON et al., 2005).
As dificuldades e disputas conceituais em torno da definição dos direitos humanos
estão presentes neste trabalho. Desenvolver as políticas públicas em direitos humanos é um
desafio que não encontra respostas unívocas nas administrações locais.

2.4.2 Estudo quantitativo com órgãos gestores municipais do CE

Deve-se registrar, em 2015, a publicação do primeiro artigo que analisa os resultados


da MUINC de 2011, na parte relativa aos direitos humanos, intitulado “Mecanismos de gestão
municipal e promoção dos direitos humanos”, de Magda Cristina Souza, Patricia Verônica P.

82
S. Lima e Ahmad Saeed Khan, na Revista de Administração Pública. Os autores dissecam os
dados para os 184 municípios do estado do Ceará, constituindo um índice por agregação,
“Índice Gestão Municipal dos Direitos Humanos”, com 53 variáveis (indicadores) da
MUNIC, divididos em cinco dimensões: órgão gestor; programas e ações; direitos humanos e
legislação municipal; conselhos municipais de direitos humanos. Os resultados permitiram
aos autores dividir os municípios em três clusters, criando, ao final, um quadro de correlação
entre os três clusters e nove indicadores sociais e vitais15.
Duas críticas metodológicas devem ser feitas. A primeira é que a simples agregação de
variáveis não garante consistência estatística na formulação de um indicador (motivo pelo
qual se utiliza o Alpha de Cronbach nesta tese). A segunda é que a correlação, como os
autores reconhecem, não aponta relação de causalidade, sendo medida em pares de variáveis,
não permitindo medir, com exatidão, o efeito causal de cada variável na interação com as
demais (motivo pelo qual se utiliza a análise de regressão nesta tese). A despeito de questões
metodológicas, os autores chegam a conclusões explícitas:

Esse resultado não é suficiente para estabelecer uma relação significativa entre
variáveis ou uma relação de causalidade entre a adoção de instrumentos de gestão
municipal dos direitos humanos e indicadores socioeconômicos, mas reforça a
necessidade de um posicionamento mais contundente das prefeituras quanto à
inclusão da gestão dos direitos humanos na agenda municipal no Ceará (SOUSA;
KHAN; LIMA, 2015, p. 1005).

Deve-se ressaltar, a despeito das críticas, a importância do trabalho realizado e suas


diferenças em relação à maioria dos estudos da área. Via de regra, centrados no Executivo
federal e, quando o fazem, em relação aos municípios, o fazem por meio de estudos
qualitativos de políticas públicas específicas, relacionadas aos direitos humanos. O estudo
citado permite uma visão mais analítica, macroscópica e comparativa da gestão de políticas
públicas, em direitos humanos, nos municípios do Ceará, contribuindo, assim, para uma
cultura de avaliação de resultados (evidências) nas políticas públicas em direitos humanos.
Os estudos aqui relatados ainda são um tema incipiente de pesquisa. Oferecem, em um
primeiro momento, uma comparação de importância do assunto; simultaneamente,
apresentam resultados que apontam para a necessidade de estudos de mais envergadura
conceitual e empírica.
No presente capítulo, deu-se ênfase ao aporte teórico para a compreensão da atuação

15
Mortalidade até 5 anos de idade (por mil crianças nascidas vivas); índice de Gini; porcentagem de vulneráveis
à pobreza; de crianças vulneráveis à pobreza; grau de formalização dos ocupados – 18 anos ou mais (%); IDH –
M; IDHM – Educação; IDHM – Longevidade; IDHM – Renda.
83
dos municípios como atores políticos na provisão de políticas públicas em direitos humanos.
Após exposição das três principais vertentes do neoinstitucionalismo, deu-se privilégio, como
opção conceitual ao neoinstitucionalismo, à noção de racionalidade, à NEI e aos CTP.
A ideia central, desta tese, é de que os OGMDH são capazes de reduzir CTP. Na
economia, os custos de transação estão diretamente ligados à racionalidade limitada e ao
comportamento oportunista; na política e no setor público, também, porém tal relação ganha
contornos mais dramáticos. Os direitos de propriedade não são bem demarcados como no
setor privado (CABALLERO; ARIAS, 2013); o setor público encontra-se sob a interação de
múltiplos “principais” e tarefas diversas, sem competidores, na maioria delas (DIXIT, 2012).
As questões relativas à informação e ao interesse dos atores são mais opacas, pois grande
parte das dificuldades encontra-se em manter as transações acertadas ao longo do tempo
(SPILLER; TOMMASI, 2007; CABALLERO; ARIAS, 2013).
A hipótese central, deste trabalho, é que existe uma diferença significativa na provisão
de políticas públicas por municípios que têm OGMDH e, ao contrário do esperado, o
resultado é significativo e favorável para os municípios com OGMDH. Esse resultado tende a
ser mais intenso com OGMDH com mais autonomia e/ou tempo de existência, que denotam
mais poder dentro do desenho institucional da gestão municipal; os que existem há mais
tempo tiveram condições de aprendizado e repetidas transações com diferentes atores. Tal
efeito é mais sentido no campo das políticas públicas em direitos humanos, voltadas para
grupos vulneráveis e alocação de recursos orçamentários em despesas afins. As políticas, para
grupos específicos, encontram um lugar institucional no desenho da gestão para transacionar
suas demandas. Conforme argumentos anteriores, é esperado que haja mobilização maior da
gestão para as políticas públicas em direitos humanos. Enfim, mesmo que adotados por
motivos não relacionados com eficiência das políticas públicas, a existência de OGMDH é um
bom indicador de adesão a uma agenda de políticas públicas em direitos humanos.

84
3 VARIÁVEIS DOS MODELOS

Este capítulo se dedica à operacionalização das variáveis explicadas (IMU, IMV e


AR) e explicativas (OGMDH, controle e hipóteses substantivas). As duas principais variáveis
explicadas são índices: um relativo às políticas públicas para grupos vulneráveis (“IMV –
Índice de Meios de Políticas Públicas para Grupos Vulneráveis”) e outro para políticas
públicas universalistas (“IMU – Índice de Meios em Políticas Públicas Universais”).
Realizados a partir do levantamento de políticas públicas elencadas nas MUNIC 2011 e 2012,
esses índices ajudam a dimensionar a oferta de políticas em direitos humanos. Não se trata de
medir os resultados e o impacto da existência dessas políticas públicas, mas saber se os
OGMDH são responsáveis pelo incremento das mesmas.
Além desses dois índices, foi criada uma variável relativa a recursos orçamentários. A
partir do somatório da alocação de tais recursos, empenhados em duas funções selecionadas –
“assistência social” e “direitos humanos” –, tal variável é chamada, neste trabalho, de
“Alocação de Recursos” (AR). A ideia é dimensionar se os OGMDH são capazes de aumentar
os recursos orçamentários relacionados à temática dos direitos humanos.
Depois de expor as variáveis explicadas, o presente capítulo tem, por objetivo,
descrever as questões que cercam a definição das variáveis de controle, hipóteses substantivas
e os OGMDH. Em um primeiro momento, tem-se que os municípios são muito diversos entre
si e a provisão de políticas públicas pode ser influenciada por diversos fatores, que podem ser
pensados como causas explicativas. O foco desta tese é a escolha de desenho institucional de
ter ou não ter OGMDH e suas consequências para a provisão de políticas públicas
universalistas e para grupos vulneráveis; bem como a alocação de recursos orçamentários.
Algumas variáveis do modelo (as sociodemográficas), para efeito de distinção
conceitual, serão chamadas de “variáveis de controle”. Ou seja, elas não têm interesse
específico para a teoria em análise, mas aumentam a homogeneidade entre os segmentos das
variáveis explicativas, que interessam, conceitualmente, para o problema e as hipóteses desta
tese. As variáveis de controle retiram efeitos “espúrios” que outras variáveis possam ter sobre
a análise em questão. Nessas variáveis, estão incluídos o tamanho da população, sua taxa de
urbanização e a região geográfica a que pertence o município. As dinâmicas de ocupação e
organização do território têm efeitos sobre a dinâmica dos municípios e consequente oferta de
políticas públicas em direitos humanos.

85
Além dessas variáveis de controle, no sentido rigoroso do tema, há outras variáveis
que não correspondem às hipóteses deste trabalho, mas são explicações institucionais e
políticas para a maior provisão de políticas públicas. Não partem do desenho institucional dos
OGMDH, mas oferecem outros elementos a serem controlados e comparados. Neste sentido,
são chamadas de hipóteses substantivas ou alternativas, sendo resultado de imputações
teórico-conceituais mais caras à análise institucional.
No campo das condições institucionais em que se dá a provisão de políticas públicas,
destacam-se, neste trabalho, duas variáveis institucionais: “capacidade administrativa”,
construída por meio de três perfis de cadastro e informatização de IPTU, ISS e Planta
Genérica de Valores, e “participação local”, baseada na realização de conferências de
políticas públicas locais, como forma de operacionalizar a relação da sociedade organizada
local com a municipalidade. Considerando a ação das secretarias de assistência social como
hipótese substantiva, alternativa, para a provisão de políticas públicas em direitos humanos,
os resultados dos OGMDH seriam um epifenômeno dessa atuação. Para controlar essa
hipótese substantiva, cria-se uma variável das secretarias exclusivas de assistência social, que
não possuem OGMDH. E, finalmente, opta-se pelas conferências municipais como um
elemento que confere relevância à participação da sociedade organizada nas políticas públicas
locais. Esses elementos serão explicados, em pormenores, neste trabalho.
Além disso, há outras variáveis que não correspondem às hipóteses deste trabalho, mas
são explicações políticas para a maior provisão de políticas públicas, não pelo desenho
institucional dos OGMDH, mas pelas vinculações e relações político-partidárias entre os
municípios e o Executivo federal: “pertencimento ao partido do Executivo federal” e
“proximidade partidária com o Executivo federal”. Tais hipóteses apontam para a importância
político-partidária do governo federal na promoção de políticas públicas, em torno dos
direitos humanos, expressa no pertencimento do prefeito ao Partido dos Trabalhadores ou à
coligação que elegeu a ex-presidente Dilma Rousseff (eleição de 2010).
Controlados e “filtrados” os efeitos de outros fatores intervenientes, percebem-se o
impacto da presença e o desenho dos OGMDH. Na discussão sobre seus diferentes tipos,
empiricamente pesquisados, pode-se destacar a importância do vínculo com a assistência
social, como mencionado, para o tipo de maior número entre os OGMDH: “setor subordinado
a outra secretaria” e os motivos dessa proximidade. Em tela, o conceito de “vulnerabilidade” e
os esforços desenvolvidos pela assistência social na formulação de políticas públicas.

86
3.1 FONTE DOS DADOS

A fonte principal dos dados sobre OGMDH e provisão de políticas públicas são as
edições da Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC), que tem sua origem em
1999. Trata-se de um levantamento detalhado de informações sobre as instituições
municipais, em sua estrutura, composição e funcionamento; em particular, da prefeitura. É
uma rica fonte de informação sobre diferentes setores, políticas e serviços da municipalidade
(IBGE, 2016), que, em tese, ocorre anualmente, com edições registradas em 1999, 2001 a
2002, 2004 a 2006, 2008 a 2009 e 2011 a 2015. O instrumento de coleta de dados é flexível
para a introdução de novos temas ou suplementos, que possam contribuir para que entidades
estatais e privadas tenham subsídios para a tomada de decisão, ressaltando que sua
abrangência é nacional e engloba todos os municípios brasileiros. Além desses, a MUNIC
engloba o Distrito Federal (Brasília) e o Distrito Estadual de Fernando de Noronha, PE, que,
por não se tratarem de municípios e representarem uma situação muito específica, foram
excluídos das bases de dados deste trabalho. A unidade de análise é o município e o principal
respondente (informante) é a prefeitura e seus diversos setores, por meio de entrevistas com
os gestores (IBGE, 2016).
Como fruto do esforço permanente de atualização da pesquisa, inclusive com relação
ao amplo escopo dos temas por ela tratados, desde a sua primeira edição, em 1999, os dados
estatísticos e cadastrais que ora compõem sua base de informações constituem um conjunto
relevante de indicadores de avaliação e monitoramento do quadro institucional e
administrativo das cidades brasileiras. Tais indicadores expressam, de forma clara e objetiva,
não só a oferta e a qualidade dos serviços públicos locais, como também referências
consistentes sobre a capacidade dos gestores municipais em atender às populações.

3.2 OGMDH NAS MUNIC

Na edição dos seus dez anos de existência, a MUNIC de 2009 incorporou três temas
inéditos: saúde, direitos humanos e política de gênero, “sendo os dois últimos resultantes de

87
convênio institucional firmado entre o IBGE, a Secretaria de Direitos Humanos da
Presidência da República e a Secretaria de Políticas para as Mulheres” (MUNICIPAIS, 2009,
p. 25). O tema dos direitos humanos aparece nos anos de 2011 e 2014, mas, em 2009,
encontra-se a primeira definição de OGMDH, como: “órgãos gestores de direitos humanos
são estruturas administrativas instituídas para coordenação ou execução de políticas
orientadas à realização de direitos de toda a população”. Note-se que, nessa primeira
definição, é aberta a possibilidade de apenas existir a “coordenação” de políticas públicas.
Isso se traduz nas possibilidades empíricas do instrumento de coleta: secretarias exclusivas de
direitos humanos, secretarias em conjunto com outras áreas, subsecretarias, órgãos ligados ao
gabinete do prefeito ou órgãos da administração indireta. O primeiro levantamento forneceu
informações relevantes sobre a presença nos estados e regiões, se há ou não orçamento
próprio e “políticas específicas para a população em situação de vulnerabilidade sob
responsabilidade de órgão gestor” (MUNICIPAIS, 2009, p. 148), conforme o gráfico a seguir,
extraído do relatório da MUNIC:

Gráfico 3: Número de municípios com orçamento próprio e políticas específicas para a


população em situação de vulnerabilidade, segundo tipo de política, Brasil, 2008

Fonte: IBGE – Pesquisa de Informações Básicas Municipais (2009).

A única opção do instrumento de coleta de dados que não faz referência a um grupo
específico é a de “Educação em direitos humanos”, que pode se referir a iniciativas dentro e
fora da rede de ensino, bem como a públicos das mais variadas idades e características
(presidiários, por exemplo). Pode-se perceber uma vocação para a focalização de ações em

88
grupos vulneráveis, com destaque para dois grupos geracionais, “Idosos” e “Crianças e
adolescentes”, que ultrapassam o número de mil municípios, seguidos de “Pessoas com
deficiência” e “Mulheres”, e, com menor presença, “Promoção da igualdade racial”, “LGBTs”
(128 municípios) e “Ciganos” (48 municípios), lembrando que um mesmo município poderia
responder a mais de uma opção.
Os demais temas são respondidos por municípios que possuem ou não um OGMDH;
conforme ressaltado, ter um OGMDH não é condição obrigatória para promoção de políticas
públicas em direitos humanos. Em momento algum, o texto de análise das MUNIC,
independentemente do ano da pesquisa, faz o cruzamento dos dados de municípios que têm ou
não OGMDH.
Na MUNIC de 2011, o tema dos direitos humanos reaparece e, com ele, uma nova
contagem dos OGMDH; configura-se o período de maior expansão. Houve mudança,
também, no instrumento de coleta de dados, inclusive na parte sobre os públicos diretos dos
OGMDH, conforme o gráfico a seguir:

Gráfico 4: Distribuição de públicos dos OGMDH, 2011

Fonte: IBGE – Pesquisa de Informações Básicas Municipais (2011).

Passou a ser incluída a “População em situação de rua”, desapareceu a opção


“Educação em direitos humanos”, que foi deslocada para outra pergunta, e se deu a opção de
“Nenhum dos itens”. “Crianças e adolescentes”, “Idosos” e “Pessoas com deficiência” são as
três respostas com maior volume de presença, todas ultrapassam os dois mil municípios. Em

89
201416, já em um novo mandato de prefeitos e vereadores, o número de OGMDH cai no seu
total (em relação a 2011, mas não em relação a 2009), mas aumentam as secretarias
exclusivas e em conjunto (em relação a 2009 e 2011), o decréscimo vem pela diminuição do
tipo, mas com menos autonomia (“setor subordinado a outra secretaria”).
O quadro a seguir permite captar como cada forma/possibilidade institucional oscilou
nas três edições citadas da MUNIC. Na primeira coluna, tem-se a distribuição de escolhas
feitas no ano de 2009. A coluna “ano”, ao lado, apresenta duas linhas de anos (2011 e 2014),
que podem ser seguidas, horizontalmente, para saber quais as modificações de uma
determinada opção feita em 2009. A diagonal do quadro (cor preta de fundo) oferece a
informação dos municípios que não mudaram de forma ao longo do tempo. O que se percebe,
com muita facilidade, é que a mudança de forma impera, em detrimento da permanência.

Quadro 5: Distribuição dos municípios, por ano,


segundo alterações na condição de OGMDH, Brasil, 2009, 2011 e 2014
Não Setor subordinado Secretaria municipal Secretaria Órgão da
Setor subordinado
Situação em 2009 Ano possui diretamente à chefia do em conjunto com municipal administração
à outra secretaria
estrutura executivo outras políticas exclusiva indireta

2011 2352 1563 96 118 23 4


Não possui estrutura 4157
2014 2455 1223 87 289 99 3
Setor subordinado à outra 2011 237 851 27 63 16 0
1194
secretaria 2014 568 463 15 104 43 0
Setor subordinado diretamente à 2011 31 61 38 7 2 0
139
chefia do executivo 2014 67 46 7 14 5 0
Secretaria municipal em 2011 2 31 2 20 4 0
59
conjunto com outras políticas 2014 16 20 0 17 6 0
2011 0 4 0 3 8 0
Secretaria municipal exclusiva 15
2014 3 3 0 5 4 0
2011 1 0 0 0 0 0
Órgão da administração indireta 1
2014 0 1 0 0 0 0

Fonte: IBGE – Pesquisa de Informações Básicas Municipais (2009, 2011 e 2014).

Denota-se grande plasticidade institucional no tempo, o que faz, dessas variáveis


explicativas, as variáveis que, de forma mais rápida, podem ser alteradas. Para a criação de
um OGMDH, basta uma decisão de governo sobre a formação do seu secretariado e órgão de
gestão; para alterá-lo, formalmente, é necessário apenas outro ato de governo. Em relação às
variáveis de controle, essas são as que estão mais diretamente ligadas à decisão política e de
rápida implementação e revisão, sendo um fator importante para a análise dos resultados
encontrados.
Como demonstrado, no período estudado (2009-2012), os “setores subordinados a
outra secretaria” são, em 2011, 2.510 municípios. A MUNIC de 2014 mostra que, na gestão

16
Essa edição foi publicada em conjunto com a Pesquisa de Informações Básicas Estaduais (ESTADIC), do
mesmo ano.
90
seguinte ao período estudado nesta tese, o número de municípios sem OGMDH aumentou
(passou de 2.623, em 2011, para 3.109 municípios. em 2014), ao mesmo tempo em que
aumentaram o número de secretarias exclusivas (53, em 2011, para 157 municípios, em 2014)
e de secretarias conjuntas (211, em 2011, para 429 municípios, em 2014). A queda mais
expressiva foi, justamente, da mais presente “Setor subordinado a outra secretaria (2.510, em
2011, para 1.756 municípios, em 2014), conforme gráfico a seguir, denotando o momento
ímpar do período estudado (maior expansão de OGMDH) e das hipóteses levantadas sobre o
tempo e a importância de opções de OGMDH mais autônomas. As outras duas formas com
mais autonomia caem, mas não na mesma proporção: “Setor subordinado diretamente à chefia
do Executivo” (163 municípios, em 2011, para 109, em 2014) e “Órgão da administração
indireta” (4 municípios, em 2011, para 3, em 2014).

Gráfico 5: Distribuição dos municípios, por ano,


segundo condição de OGMDH, Brasil, 2009, 2011 e 2014

Fonte: IBGE – Pesquisa de Informações Básicas Municipais (2009, 2011 e 2014).

Deve-se destacar que muitos desses setores subordinados podem ter relações com duas
ou mais áreas englobadas pela secretaria a que se encontram vinculados, como, por exemplo,
ser uma “subsecretaria de direitos humanos” de uma “secretaria municipal de saúde, educação
e assistência social”. Por esse motivo, o questionário da MUNIC permitiu múltiplas respostas,
com esmagadora prevalência da assistência social, nesse universo, conforme o gráfico 6:

91
Gráfico 6: Distribuição dos municípios,
segundo área à qual o setor está subordinado, Brasil, 2011

Fonte: IBGE – Pesquisa de Informações Básicas Municipais (2011).

Essa forte vinculação entre assistência social e direitos humanos não se dá por acaso,
tem forte relação com a própria forma como se organiza a assistência social e sua relação com
grupos vulneráveis e em situação de risco, conforme observado a seguir.

3.3 ASSISTÊNCIA SOCIAL NOS SETORES SUBORDINADOS E OS GRUPOS


VULNERÁVEIS

Não é difícil entender a aproximação dos direitos humanos da área da assistência


social; a Lei nº 12.435, de 6 de julho de 201117, que dispõe sobre a organização da assistência
social, conceitua a sua atenção básica como:

[...] proteção social básica: conjunto de serviços, programas, projetos e benefícios da


assistência social que visa a prevenir situações de vulnerabilidade e risco social por meio do
desenvolvimento de potencialidades e aquisições e do fortalecimento de vínculos familiares
e comunitários;

A “proteção social especial”, por sua vez, se encarrega do enfrentamento das situações
de violação de direitos. Ou seja, no campo dos DESC, os direitos humanos e a assistência
social têm os mesmos objetivos. Em nível municipal, isso fica mais evidente, pois os
municípios não administram a segurança pública nem o sistema carcerário, que englobam

17
Altera a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993.
92
políticas públicas muito associadas aos DCP. O próprio relatório da MUNIC de 2011, aventa
essa hipótese:

Cumpre observar, preliminarmente, que a conceituação de direitos humanos e das ações


desenvolvidas e serviços prestados pelo Estado é entendida pela sociedade de uma forma
mais ampla e difusa do que o rigor técnico e formal recomendaria. Assim, a análise dos
resultados deve considerar que os responsáveis pelas administrações municipais podem ter
respondido aos questionamentos sobre as estruturas administrativas de direitos humanos a
partir de tal compreensão ampliada desses direitos, referindo-se em parte a estruturas de
serviços de amparo e proteção que não tenham sido explicitamente desenhados, tendo como
base os princípios de não discriminação, universalidade, interdependência, inter-relação e
indivisibilidade característicos de uma política de direitos humanos (IBGE, 2012, p. 84).

Como previsível, além dos tipos de direitos, existe superposição também nos públicos
específicos de muitas das políticas públicas, definidos em torno da noção de que estejam em
contextos de “risco” e/ou “vulnerabilidade social”. O problema é que a política nacional de
assistência social emprega esses conceitos sem defini-los:

A necessidade de esclarecimento conceitual evidencia-se no uso que os órgãos


governamentais fazem destes conceitos, como, por exemplo, o que se constata na Política
Nacional de Assistência Social.
Essa política, apesar de evoluir em muitos sentidos, não traz uma conceituação de
vulnerabilidade social, nem mesmo de risco social, de maneira clara. Até apresenta, muitas
vezes, os dois conceitos como sinônimos, gerando confusão no seu emprego [...]
(JANCZURA, 2012, p. 302).

Ambos os conceitos têm um uso polissêmico em diversas áreas das ciências naturais e
humanas (MONTEIRO, 2012); o “risco” se relaciona com situações de perigo, emergências.
Para Giddens, o risco pressupõe o perigo, mas o que vai diferenciá-lo é o fato de não permitir
total consciência da sua existência (1990, p. 42). A emergência de uma “sociedade de risco”,
para os autores da “modernidade reflexiva”, corresponde ao avanço desse risco de difícil
controle (BECK; NASCIMENTO, 2011). Entretanto, não é objetivo do presente trabalho
refletir sobre essa calculabilidade para o mundo contemporâneo.
Já a vulnerabilidade diz respeito aos recursos materiais e imateriais que os indivíduos
dispõem para lidar com essas situações, independentemente delas ocorrerem ou não, como
bem define Kaufman:

A vulnerabilidade é entendida como o desajuste entre ativos e a estrutura de oportunidades,


provenientes da capacidade dos atores sociais de aproveitar oportunidades em outros
âmbitos socioeconômicos e melhor sua situação, impedindo a deterioração em três
principais campos: os recursos pessoais, os recursos de direitos e os recursos em relações
sociais (apud MONTEIRO, 2012, p. 33).

93
Quando se fala, neste trabalho, em “grupo vulnerável”, não se identificam os
indivíduos do grupo como “portadores” da vulnerabilidade, mas sim os grupos que
construíram uma identidade coletiva, reivindicam direitos e políticas públicas e que vivem em
contextos de vulnerabilidade social. O conceito de “vulnerabilidade social” foi apropriado da
epistemologia, nos anos 1990, para exprimir análises sobre a pobreza que não focassem
apenas na dimensão econômica do fenômeno, mas como resultado desta e de uma teia de
causalidades, multidimensional e contextual, por definição. É nesse sentido que se opera com
a noção de “grupos vulneráveis”, nesta tese (MONTEIRO, 2012).
A definição de segmentos que poderiam ser postos entre os grupos vulneráveis é bem
extensa. Optou-se, então, por aqueles segmentos que estão mais presentes em dados
disponíveis para todos os municípios, ou parte significativa. Por exemplo, evitaram-se dados
que se relacionassem à “questão indígena”; não que o tema seja de importância menor, mas
porque é geograficamente concentrado: o escopo de decisão de suas principais reivindicações
foge ao alcance de ação dos municípios, em geral, e, em muitos casos, os dados estão em
conjunto com os outros grupos étnicos raciais; particularmente, o movimento negro. Outro
tema que não foi abordado é o das políticas de “verdade” e/ou “reparação”, em relação aos
mortos e desaparecidos na ditadura civil militar de 1964. Mais uma vez, o escopo foge muito
ao município (embora algumas capitais tenham constituído comissões da verdade) e o tema da
memória do período é presente nos dados relativos à “Educação em direitos humanos”. Pode-
se citar, também, o exemplo de: ciganos, população de rua e egressos do sistema prisional,
como grupos com dados mais escassos e de abrangência nacional relativa. Os dados sobre
juventude, com essa terminologia, são escassos, podendo ter sobreposição com os dados sobre
“Crianças e adolescentes”. Enfim, os grupos pesquisados são: crianças e adolescentes, racial
ou étnico, população LGBT, idosos, pessoas com deficiência e mulheres (políticas de gênero).
Para rodar os modelos de regressão, as variáveis de tipos de OGMDH são colocadas
todas agrupadas em uma única variável, “OGMDH”, mais a variável “Maduro”, relativa aos
OGMDH já existentes em 2009. A variável “Maduro” está presente nos seis modelos de
regressão e a variável “OGMDH”, apenas nos três primeiros (tipo 1), que depois é substituída
por três outras variáveis de OGMDH. Uma variável relativa a todos os tipos de OGMDH,
exceto “Setor subordinado a outra secretaria”, que têm, em comum, maior poder hierárquico e
consequente autonomia no desenho institucional da gestão municipal, sendo nomeada como
“Autonomia”. As duas variáveis correspondentes aos “Setores subordinados a outra

94
secretaria” são nomeadas de “Subordinado”, com a distinção entre as duas se possui ou não
vínculo com a assistência social.
O uso da variável “OGMDH” permite testar a validade do desenho institucional dos
OGMDH e a importância da existência ou não destes, independentemente do tipo. Em um
segundo momento, são rodados os mesmos três modelos, com a substituição da variável
“OGMDH” por “Autonomia” (todos os tipos menos os Subordinados), “Setor subordinado
vinculado à AS” e “Setor subordinado não vinculado à AS”. A divisão dos subordinados em
relação à assistência social permite avaliar sua importância na provisão de políticas públicas
em direitos humanos pelos mesmos, além de precisar o impacto da assistência social e das
formas mais autônomas de OGMDH. A tabela a seguir apresenta a frequência por município
das variáveis de OGMDH:

Tabela 1: Distribuição dos municípios, segundo condição do OGMDH, Brasil, 2012


Variável N %

OGMDH 2947 53,0


Maduro 1413 25,4
Autonomia 431 7,7
Subordinado vinculado à AS 2445 43,9
Subordinado não vinculado à AS 65 1,2

Fonte: IBGE – Pesquisa de Informações Básicas Municipais (2012).

Conforme apresentado, a variável “Subordinado” é a mais expressiva, com superlativa


presença dos tipos vinculados à assistência social. A variável “Maduro” é a que possui a
maior presença depois de “Subordinado”, valendo apena lembrar que ele contém OGMDH de
todos os tipos. Os mais autônomos e subordinados não vinculados à assistência social
comparecem com os segmentos menos representados.

3.4 MUNICÍPIO E COMPLEXIDADE DA GESTÃO

A forma como se organiza o governo tem forte relação com as atividades que deve
desempenhar (FIGUEIREDO, 2004). Em sendo uma federação composta pela União, estados
95
e municípios, é de se esperar que a Constituição Federal delimitasse as competências
específicas de cada ente federativo, de forma que não houvesse atribuições difusas de
responsabilidades entre os membros da federação (ARRETCHE, 2002); mas foi exatamente o
inverso que se deu. O artigo 23, da Constituição Federal de 1988, dispõe sobre as
responsabilidades comuns e solidárias dos entes federativos; seu parágrafo único determina
que legislação complementar deve fixar as atribuições de cada ente federativo e as formas de
custeio. Várias normatizações legais sobre áreas sociais (saúde, educação, assistência social,
dentre outros) vêm introduzindo mecanismos de coordenação e definição de fontes de custeio
dessas responsabilidades, diminuindo as zonas de indefinição (ABRUCIO; FRANZESE,
2007). Todavia, no caso dos direitos humanos, a imprecisão dos papéis dos entes federativos
permanece em muitas políticas públicas específicas.
Em sendo o ordenamento legal impreciso quanto à competência de cada ente
federativo para políticas públicas em direitos humanos, outros critérios se somam para
determinar a complexidade da gestão local. É parcimonioso que o grau de complexidade e o
tamanho da máquina pública devam guardar alguma correlação com o tamanho da população
do município e a complexidade de seus serviços (se predomínio de área rural ou urbana, por
exemplo).
Um exemplo desse raciocínio é que a Confederação Nacional de Municípios, em uma
cartilha direcionada a prefeitos, faz a sugestão de que, em municípios com até 50 mil
habitantes, pode-se fazer um bom trabalho com o gabinete do prefeito e mais quatro
secretarias: de governo, infraestrutura, educação e cidadania. Esta última seria responsável
por: “saúde, desenvolvimento social, meio ambiente, proteção às minorias, atendimento à
criança, adolescente e idoso”. Em municípios com até 10 mil habitantes, a sugestão é de que
as quatro seriam reduzidas para uma secretaria “de governo”, com as justificativas de reduzir
os gastos com pessoal e evitar risco de atividades legalmente deletérias à gestão desses
municípios menores. Curioso é que, logo a seguir, cita-se a identificação de uma das causas da
proliferação de secretarias e a solução para o problema:

O governo federal é useiro e vezeiro em exigir que os Municípios tenham


“secretarias” para poder receber recursos. O prefeito pode até criá-las para atender à
exigência, mas não precisa provê-las com cargos, carros, telefone, secretários e tudo
o mais que a instalação de uma secretaria exige. Não há impedimento legal para que
um “SUPER SECRETÁRIO” responda por várias secretarias e, assim, atende-se à
exigência sem gastar (CNM, 2012, p. 51-52).

96
A explicação para a elevação do número de secretarias não contempla a realidade
endógena e eventuais demandas por um secretariado maior. A explicação da demanda
exógena, advinda do governo federal, é verossímil, mas não suficiente para explicar o
fenômeno, não cabendo, na abordagem desta tese, responder a tal questão. O importante do
relato é a percepção sobre o grau de liberdade na definição do tamanho dos secretariados
locais. Em síntese, não há restrições significativas sobre a forma como os governos locais
devem se organizar para governar e executar políticas públicas, principalmente, no que tange
à formação de seus secretariados e demais órgãos.
A seguir, apresentam-se as variáveis de controle, que servem como hipóteses
alternativas e complementares ao efeito dos OGMDH, ressaltando que a decisão sobre uma
parte muito específica do desenho institucional da gestão municipal, relativa aos direitos
humanos, é o componente explicativo mais fácil de ser alterado e modificado em seus efeitos.
Nesse sentido, para que sua influência se torne identificável, outros fatores precisam ser
cotejados pelo modelo de explicação.

3.5 IMV – ÍNDICE DE MEIOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA GRUPOS


VULNERÁVEIS

A partir de um levantamento dos dados disponíveis nas MUNIC de 2011 foram


levantadas aquelas variáveis que poderiam ser indicadores de políticas públicas para direitos
humanos. Prioritariamente, se operou com variáveis de seção “direitos humanos” (MUNIC –
2011), mas, subsidiariamente, utilizaram-se duas perguntas relativas ao tema da parte de
educação e habitação.
Algumas variáveis não são originalmente dummy (binário: sim/não), mas comportam
alguma resposta a mais, como, por exemplo, “não aplicável”. Analisou-se, caso a caso, se a
transformação em dummy afetaria os resultados e, via de regra, não se encontrou caso em que
se pudesse operar uma mudança de resultado significativa na transformação da variável em
dummy. Por fim, chegou-se a um índice com 38 itens, com Alpha de Cronbach de 0,852,
onde a exclusão de nenhum item melhoraria o indicador.
Os grupos vulneráveis são divididos em: criança e adolescente; idosos, pessoas com
deficiência; mulheres (gênero); racial e LGBT. A estratégia de trabalhar com um índice
97
sintético, agregando todos os grupos vulneráveis, advém da desigual disponibilidade de dados
sobre cada um deles. Um pressuposto, que está implícito na construção do índice de
agregação de diferentes grupos vulneráveis, mas que não pode ser verificado nesta pesquisa, é
que a maior oferta de políticas públicas, para um grupo de vulneráveis, pode significar, em
alguma escala de tempo, sensibilização e estímulo para a ampliação de demandas e a
promoção de políticas para outros grupos. A seguir, o exame dos componentes de cada grupo
do indicador.

Quadro 6: Componente do IMV – Crianças e Adolescentes


Dummy
Bloco na
Ano Variável Descrição na
Munic
munic?
Medidas de:
A493 Enfrentamento à Violência Letal contra Crianças e Adolescentes Não
A496 Enfrentamento ao Trabalho Infantil Não
Enfrentamento à Violência, Abuso e Exploração Sexual contra Crianças e
A497 Não
Adolescentes
Direitos A498 Enfrentamento ao Turismo Sexual com Crianças e Adolescentes Não
2011
Humanos A494 Lazer para Crianças e Adolescentes Não
A495 Amparo a Crianças e Adolescentes Desabrigados Não
A499 Atendimento às Crianças e Adolescentes com Deficiência Não
A500 Atendimento às Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte Não

A508 Plano Municipal de Atendimento Socio-educativo Sim


Fonte: o autor, com base em dados do IBGE (2012).

É o segundo grupo mais expressivo dentro do indicador com nove itens; deve-se grifar
a presença de temas relativos aos direitos civis de crianças e adolescentes, seja daquele que
cumpre medidas socioeducativas, quanto do que é vítima de algum tipo de violência.

98
Quadro 7: Componente do IMV – Deficientes
Bloco na Dummy
Ano Variável Descrição na munic?
Munic

Medidas de garantia/melhoria da Acessibilidade a Espaços Públicos de Esporte e


A511 Não
Lazer para Portadores de Deficiência
Medidas de Garantia/melhoria da Acessibilidade ao Transporte Público para
A512 Não
Portadores de Deficiência
A513 Medidas de Distribuição de Órteses e Próteses para Portadores de Deficiência Não

Medidas de Geração de Trabalho e Renda ou Inserção no Mercado de Trabalho


Direitos A514 Não
para Portadores de Deficiência
Humanos
Adaptação de Espaços Culturais, Artísticos e Desportivos para Facilitar o Ingresso,
A525 Sim
Locomoção e Acomodação de Pessoas com Deficiência ou Mobilidade Reduzida
2011
Lei Municipal que Assegura o Ingresso de Cães-guia para Pessoas com Deficiência
A528 Sim
Visual em Espaços Culturais, Artísticos e Desportivos
A527 Lei Municipal de Cotas para Pessoas com Deficiência no Mercado de trabalho Sim

Levantamento de demanda habitacional com identificação de pessoas com


Habitação A255 Não
deficiência
Legislação sobre Escolas Aptas a Receber Pessoas com Deficiência na Rede
A187 Sim
Municipal - existência
Educação
A165 Medidas para aumentar número de itens de acessibilidade nas escolas Sim
A167 Existência da formação continuada de professores na educação especial Sim
Fonte: o autor, com base em dados do IBGE (2012).

É o maior grupo dentro do indicador com 11 itens, deve-se grifar a presença de temas
relativos aos direitos, acessibilidade e adaptação de espaços.

Quadro 8: Componente do IMV – Idosos


Bloco na Dummy
Ano Variável Descrição na munic?
Munic

A517 Medidas de Enfrentamento à Violência contra o Idoso Não


A518 Medidas de Promoção de Saúde do Idoso Não
A520 Garantia/melhoria de acessibilidade de transporte público para idoso. Não
Medidas de Garantia/melhoria de Acessibilidade a Espaços Públicos de Esporte e Lazer
Direitos A519 Não
ao Idoso
2011 Humanos
Lei Municipal de Concessão de Meia-entrada para Maiores de 65 Anos nos Espetáculos
A526 Culturais, Artísticos e Eventos Desportivos Promovidos ou Subsidiados pela Não
administração direta e/ou indireta
A521 Medidas para Capacitar Cuidadores de Idosos Não
Habitação A252 Levantamento de demanda habitacional com Identificação de Idosos Não

Fonte: o autor, com base em dados do IBGE (2012).

É o quarto maior grupo do índice, mas, levando em consideração que, no grupo


LGBT, três perguntas se referem à existência de leis, esse quarto lugar pode ser relativizado.
Embora seja pequeno o número de perguntas, elas remetem tanto à DCP, quanto à DESC.

99
Quadro 9: Componente do IMV – Mulheres (gênero)
Bloco na Dummy
Ano Variável Descrição na munic?
Munic

Levantamento de demanda habitacional com Identificação de


Habitação A254 Não
Mulheres Chefes de Família
2011
Existência na rede municipal de ensino de capacitação de
Educação A190 Sim
professores sobre Gênero

Fonte: o autor, com base em dados do IBGE (2012).

Uma hipótese que se pode aventar é que a menor porção de perguntas presentes nessa
MUNIC, relativas a esse grupo, se deve ao caso de não se repetir a secção relativa à política
para mulheres, presente na MUNIC de 2009. Esses dados de 2009 não foram usados, pois não
permitiriam o confronto estatístico com dados de OGMDH só registrados em 2009.
Resumindo, não foram utilizados esses dados, pois o efeito teria antecedência a uma das
possíveis causas.

Quadro 10: Componente do IMV – Racial


Bloco na Dummy
Ano Variável Descrição na munic?
Munic

Direitos
A 490 Programas ou ações de Promoção da Igualdade Racial Sim
Humanos
Existência na rede municipal de ensino de capacitação de professores
2011 Educação A191 Sim
sobre Raça e Etnia
Levantamento de demanda habitacional com Identificação de Pessoas por
Habitação A253 Não
Raça/etnia Negra o Indígena

Fonte: o autor, com base em dados do IBGE (2012).

Conforme mencionado no capítulo anterior, existem perguntas que fazem menção à


questão indígena e outras questões, entendendo-se por bem agrupá-las para que compusessem
um mesmo grupo. A primeira pergunta é de uma abrangência suprema, enquanto as outras
duas, advindas de partes diferentes da MUNIC, particularizam-se em dois temas específicos.

100
Quadro 11: Componente do IMV – LGBT

Bloco na Dummy
Ano Variável Descrição na munic?
Munic

A192 Programas ou ações para Enfrentar Violência contra LGBT Sim

Lei Municipal que Combate a Discriminação de Lésbicas, Gays, Bissexuais,


A529 Sim
Direitos Travestis e Transexuais
Humanos Lei Municipal de Reconhecimento de Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais,
A530 Sim
Travestis e Transexuais
2011
Lei Municipal de Reconhecimento de Nome Social Adotado por Travestis e
A531 Sim
Transexuais
Existência na rede municipal de ensino de capacitação de professores sobre
A191 Sim
Educação Sexual.
Educação
Medidas para manutenção de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais
A170 Sim
nas escolas

Fonte: o autor, com base em dados do IBGE (2012).

Grupo com uma presença expressiva de perguntas relacionadas a se evitar que haja
violação da integridade física e que tenha a garantia de reconhecimento social, por meio da
existência de leis e medidas locais. A inclusão da pergunta sobre a “existência na rede
municipal de ensino de capacitação de professores sobre “Educação Sexual” é um tanto o
quanto arbitrária. Levou-se em consideração que o grupo de mulheres já possui uma pergunta
sobre educação de gênero e que essa seria a melhor pergunta relacionada ao tema da
orientação sexual.

3.6 ÍNDICES PARA GRUPOS VULNERÁVEIS DESCARTADOS

Foi estudada a possibilidade de um índice específico para assistência social. Apenas


no caso da seção “assistência social” (MUNIC 2012) não se incluíram essas variáveis, pois
envolviam uma classificação própria do SUAS, Sistema Único de Assistência Social, em
baixa (proteção básica), média complexidade (proteção especial) e alta complexidade; onde a
opção que informa a não aplicabilidade está relacionada a essa classificação. Estudou-se a
possibilidade de um índice só com a atenção básica da assistência social; mesmo nesse caso.
existem municípios, para os quais a variável é “não aplicável”. Nesse caso, rejeitou-se a
transformação em variável dummy e desistiu-se da criação do índice.

101
Outro índice específico, que poderia ter sido criado, é o de acessibilidade do prédio da
prefeitura. Com treze itens, o índice alcançou um espetacular coeficiente Alpha de Cronbach
de 0,997. Todavia, o indicador foi recusado por uma questão anterior a sua consistência
estatística. As condições de acessibilidade do prédio da prefeitura não, necessariamente, se
relacionam com uma política pública deliberada do governo, que possui ou não um OGMDH.
Ela pode ter sido “herdada” de outra gestão, que tenha reformado o prédio. Não sendo,
portanto, uma escolha de governo. Não parece factível que algum governo mande retirar as
condições de acessibilidade do prédio da prefeitura, por se tratar de uma administração
anterior. Mas que isso pode mesmo ser um resultado contingente da escolha de um prédio
alugado que, por acaso, tenha ou não essas condições de acessibilidade.

3.7 IMU – ÍNDICE DE MEIOS EM POLÍTICAS PÚBLICAS UNIVERSAIS

A dinâmica seguida para constituição do IMU foi a mesma que a do IMV. As


diferenças ficam pelo uso de um número maior de variáveis da MUNIC 2012. Inicialmente,
foram selecionadas trinta e duas variáveis e um coeficiente Alpha de Cronbach de 0,695. Com
a exclusão dos itens que poderiam melhorar o índice, chegou-se a vinte e oito itens com
coeficiente de 0,713. Procurou-se classificar esses itens pela divisão clássica entre: DCP e
DESC, especificando a que tipo de direito específico o item se refere.
Questões ambientais foram classificadas como parte dos DESC, embora, como vistos,
são tidos como direitos de terceira geração. Não há nada inesperado na maior presença de
direitos civis do que políticos nos DCP. Menos surpresa ainda para a prevalência de DESC
sobre DCP. Direitos relacionados à liberdade de organização e expressão estão resguardados
na Constituição Federal e nas garantias jurídicas, restando margens estreitas para políticas
públicas locais. Em relação aos DESC, é nas políticas sociais e de assistência social que o
município vem se destacando como ente federativo mais próximo ao cidadão. Além disso, o
repertório de variáveis é afetado pela possibilidade de disponibilidade dos dados a partir da
inclusão ou não de um tema nas diversas edições da MUNIC. Algo expresso, no exemplo, de
perguntas sobre políticas para mulheres, nas MUNIC de 2009 e 2011. Lembrando que o IMU
só é utilizado como resultado agregado de seus itens. A seguir, o quadro das variáveis
escolhidas.

102
Quadro 12: Componente do IMU – Político e/ou Informação
Dummy
Bloco na
Ano Variável Direito Variável na
Munic
munic?

Direitos DCP - Político e Existência na rede municipal de ensino de capacitação de


2011 A489 Sim
Humanos Informação. professores sobre Educação em direitos humanos
DCP - Político e A página da prefeitura, na internet, tem disponibilizado acesso à
A116 Não
Informação. ouvidoria e serviços de atendimento ao cidadão.
A110 A página na internet da prefeitura (situação) Não
2012 Informática A127 A prefeitura desenvolve política ou plano de inclusão digital Sim
A127 DCP – Informação A prefeitura desenvolve política ou plano de inclusão digital Não
A prefeitura garante no município acesso através de conexão via
A140 Sim
Wi-Fi (internet sem fio)

Fonte: o autor, com base em dados do IBGE (2013).

A existência de ouvidorias e a capacitação de professores foram consideradas como


informativos, pois podem propiciar demandas relativas a direitos. As demais perguntas se
relacionam com o tema da inclusão digital e da disponibilidade de acesso a informações na
Internet; medidas básicas para que se caminhe, por exemplo, para mais experiências de “e-
gov”, com maior transparência e participação por meio de possibilidades virtuais.

Quadro 13: Componente do IMU – Civil


Bloco na
Ano Variável Direito Descrição
Munic

A488 Programa ou ações de proteção de pessoas ameaçadas de morte


Direitos DCP
A483 Programa e ações de combate ao trabalho forçado
Humanos Civil
2011 A484 Programa ou ações de combate ao sub-registro civil de nascimento
A168 DCP Medidas de combate à discriminação nas escolas
Educação
A169 Civil Medidas de combate à violência nas escolas

Fonte: o autor, com base em dados do IBGE (2012).

As ações voltadas para o combate ao sub-registros de nascidos vivos são pedra angular
para que o cidadão exerça seus direitos e possa, por exemplo, ser alvo de “buscas ativas” de
programas sociais. As quatro demais perguntas giram em torno da integridade física, combate
à discriminação e trabalho forçado, temas clássicos dos direitos civis.

103
Quadro 14: Componente do IMU – Ambiental
Bloco na Dummy na
Ano Direito Variável Descrição
Munic munic?

Plano Municipal de Redução de Riscos (lei 11445/2007 –


Habitação A335 Sim
diretrizes para saneamento básico)
2011
A460 Legislação que trate de coleta seletiva de lixo Sim
DESC -Ambiental Saneamento
A355 Plano municipal de saneamento básico Sim
Plano de Contingência ou Emergência para casos de desastres
2012 Meio Ambiente A494 Sim
ambientais

Fonte: o autor, com base em dados do IBGE (2012).

Na parte de ambiental, incluíram-se as questões relativas a saneamento e coleta de


lixo. Há algo de arbitrário nessa escolha, pois poderiam estar na parte relativa à saúde, mas tal
opção diz respeito ao fato de que suas externalidades vão além da saúde de uma população
específica, com alcances mais difusos. Deve-se destacar a presença de uma pergunta sobre
desastres ambientais, tema que, com relativa frequência, ocupa o noticiário e está diretamente
associado à administração de cidades.

Quadro 15: Componente do IMU – Social, Educação e Cultura


Parte da Dummy na
Ano Direito Variável Descrição
Munic munic?

2011 A257 Levantamento de demanda habitacional de dependentes por família Não


Habitação
2011 A256 Levantamento de demanda habitacional por renda per capita Não
DESC – Social
Direitos
2011 A487 Programa de Reinserção de Egressos do Sistema Prisional Sim
Humanos
2012 DESC – Cultura Cultura A171 Legislação municipal de proteção ao patrimônio cultural Sim
2012 DESC – Social Transportes A153 Existência de plano municipal de transportes Sim

Fonte: o autor, com base em dados do IBGE (2012 e 2013).

Nessa parte, optou-se por colocar as perguntas sobre políticas públicas relativas a
planos municipais identificadas com direitos sociais, bem como a questão mais universalista
sobre cadastro habitacional, além de uma pergunta sobre patrimônio cultural.
A pergunta sobre egressos do sistema prisional pode gerar dúvidas se não pertenceria à
parte de grupos vulneráveis. Parece evidente que a condição de egresso do sistema prisional
comporta vulnerabilidades, mas não há uma identidade coletiva, expressa em movimentos
sociais, em torno da questão; inclusive porque, para pertencer a ela, basta ter passado pelo
sistema penitenciário, ou seja, qualquer adulto pode se enquadrar, satisfeita a condição. Para a
classificação no IMU, foi considerado que grupos vulneráveis têm discussões sobre população
carcerária e a vulnerabilidade de seus grupos, especialmente movimentos de gênero e de
104
igualdade racial. Ou seja, para fins dessa classificação, entendeu-se que egresso do sistema
prisional era uma classificação (mais) universalista (qualquer egresso) e que poderiam existir
outras perguntas sobre grupos vulneráveis e sua condição de egresso do sistema prisional (por
exemplo: idosos, pessoas com deficiência, LGBT, gênero e/ou racial).

Quadro 16: Componente do IMU – Econômico


Parte da Dummy na
Ano Direito Variável Descrição
Munic munic?
A334 Ações voltadas para associativismo e microcrédito Não
DESC –
2012 A. Social Ações voltadas para qualificação profissional e
Econômico A332 Não
intermediação de mão de obra
A333 Ações voltadas para empreendimentos Não
Fonte: o autor, com base em dados do IBGE (2013).

Nessa parte, foram incluídas três perguntas diretamente ligadas à geração de renda e
ao microcrédito.

Quadro 17: Componente do IMU – Saúde


Dummy
Bloco na
Ano Direito Variável Descrição na
Munic
munic?

2011 Saúde A211 Plano Municipal de saúde Sim

A346 Lei municipal de segurança alimentar e nutricional Não


DESC –
Seg.
2012 Saúde
Alimentar Câmara ou instância governamental intersetorial de segurança
A357 Sim
alimentar e nutricional (decreto 7.272/2010)
A370 Plano de segurança alimentar e nutricional Sim
Fonte: o autor, com base em dados do IBGE (2012 e 2013).

Optou-se por agregar duas perguntas gerais sobre saúde com segurança alimentar,
dada a relação intrínseca entre as duas áreas.

3.8 HARMONIZAÇÃO DE PESOS INTERNOS DO IMV E IMU

Não é difícil perceber que há uma desproporção na composição das partes


componentes, tanto do IMV, quanto do IMU, algumas comparecem com apenas duas

105
respostas das políticas públicas e outras, com muito mais elementos. Para dar conta dessa
desproporção, foi obtida uma média dentro de cada parte do indicador e, depois, uma média
geral, que se torna o índice. Dessa forma, se uma parte do índice tinha duas perguntas e outra,
oito perguntas, caso fosse feita a simples agregação de unidades, esta seria quatro vezes maior
do que a que comparece com duas perguntas. A partir dessa composição de médias, ambas
têm o mesmo peso no indicador. A seguir, os histogramas de IMV e IMU.

Gráfico7: Histograma de IMV

Fonte: o autor, com base em dados do IBGE (2012).

106
Gráfico 8: Histograma de IMU

Fonte: o autor, com base em dados do IBGE (2012 e 2013).

Os dois indicadores se aproximam de uma curva normal, apenas com algumas


assimetrias bastante razoáveis. Optou-se por não realizar mais transformações buscando
padrões simétricos, o que dificultaria o caráter intuitivo do indicador. A seguir, a terceira
variável resposta.

3.9 ALOCAÇÃO DE RECURSOS EM SUBFUNÇÕES SELECIONADAS

Um indicador de processos em políticas públicas é o de “Alocação de recursos (AR)”.


Evidentemente que não há relação imediata do tamanho do gasto com a qualidade das
políticas públicas, mas, para o objetivo deste trabalho, era importante separar a parte do
orçamento dos municípios que se relacionam mais diretamente com os direitos humanos
(independentemente da origem das receitas).
Na contabilidade pública, os três níveis de governo adotam a classificação em funções
e subfunções, para especificar em que área alguma ação de um governo vai ser realizada e seu
recurso específico. A classificação em vigor, para os três níveis de governo, é a normatizada

107
pela Portaria no 42, de 14 de abril de 1999, do antigo Ministério do Orçamento e Gestão
(MOG). A subfunção trata-se de um nível de agregação imediatamente inferior à função, que,
diferente desta, não está relacionada à competência institucional do órgão, mas sim à
finalidade da ação governamental em si. Considera-se, neste trabalho, que as duas funções
mais relacionadas com as políticas públicas de direitos humanos são “Assistência Social” e
“Direitos da Cidadania”. A função “Assistência Social” é composta pelas subfunções:
“Assistência ao Idoso”; “Assistência ao Portador de Deficiência”; “Assistência à Criança e ao
Adolescente”; “Assistência Comunitária”. A função “Direitos da Cidadania” se divide em:
“Custódia e Reintegração Social”; “Direitos Individuais, Coletivos e Difusos”; “Assistência
aos Povos Indígenas”. Nos dados do FINBRA (Finanças do Brasil), constam as subfunções:
“Outras despesas na função Assistência Social” e “Outras despesas na função Direitos da
Cidadania”. Para fins deste trabalho, excluíram-se os valores relativos à subfunção “Outras
despesas na função Assistência Social” e manteve-se a mesma subfunção em relação a
Direitos da Cidadania, por se tratar da função por excelência dos direitos humanos. A escolha
da Assistência Social deu-se pela quantidade de OGMDH que são setores subordinados a ela
e a exclusão da subfunção “Outras despesas”, no caso da Assistência Social, ocorre pelo risco
de corresponder a gastos que, em nada, dizem respeito a direitos humanos. Na função
“Direitos da Cidadania”, tal possibilidade é menor, por isso, foram mantidos os valores dessa
subfunção.
Pela “Lei de Responsabilidade Fiscal”, a União deve promover, até o dia 30 de junho
de cada ano, a consolidação das contas das unidades federativas do exercício anterior e
divulgá-las; os municípios devem enviar suas contas até 30 de abril. A Secretaria do Tesouro
Nacional concentra esses dados sobre estados, municípios e Distrito Federal e, em termos
práticos, parte significativa dos municípios envia seus dados depois do prazo previsto em lei.
Esse fluxo de dados gera sucessivas atualizações e, mesmo assim, ocorreram casos de
municípios que não enviam os dados relativos aos quatro anos de exercício do mandato. O
gráfico a seguir mostra o grau de cobertura dos quatro anos estudados, com atualização em
14/01/2014.

108
Gráfico 9: Grau de cobertura FINBRA, de 2009 a 2012

Fonte: o autor, com base em dados do FINBRA.

Para lidar com essa característica da apresentação dos dados, optou-se por somar os
valores apresentados, por cada município, no intervalo de 2009 a 2012, nas funções
selecionadas, e dividir pelo número de anos em que apresentou suas contas. Por exemplo, se o
município só tem dados disponíveis para dois anos, somaram-se esses valores e dividiu-se por
dois. 25 municípios não apresentaram prestação de contas em nenhum dos anos do período;
29, em apenas um ano; 95, em dois anos; 302, em três anos, e os demais 5.112 apresentaram
nos quatro anos. Dessa forma, acredita-se que a média dos anos com dados válidos apresenta
perda de informação pouco relevante.
Nos dados até 2012, os relatórios do FINBRA possuíam uma metodologia de
exposição; a partir de 2013, ela foi modificada para permitir um acompanhamento mais
minucioso do que foi efetivamente gasto e em que funções. Nos relatórios até 2012, só é
possível ver os registros, por funções e subfunções do orçamento empenhado, sem a certeza
de que o gasto foi efetivo. Em consulta ao “fale conosco”, em 11/08/2016, foi feita a consulta
sobre a veracidade desse raciocínio, que foi prontamente respondida, em 30/08/2016, eentre
outros esclarecimentos, nos seguintes termos:

109
Conforme os informes gerais sobre a pesquisa dos dados acima, para esse período de 2009
a 2012, não é possível saber com exatidão quais os montantes efetivamente pagos para cada
função ou subfunção. O valor mais próximo disponível no Siconfi é da despesa liquidada.
Sugerimos a pesquisa nas páginas dos tribunais de contas competentes na Internet, que
podem ter disponíveis os valores efetivamente pagos para cada função e subfunção.

A perspectiva de visitar os sites de todos os tribunais de conta estaduais e as múltiplas


possibilidades de diferentes resultados serem encontrados tornou essa possibilidade algo
descartado no trabalho de investigação. Considerou-se que apenas o empenho do gasto é um
indicador satisfatório (não o melhor) para os fins deste trabalho; ou seja, verificar o impacto
da existência de OGMDH na provisão de políticas públicas. Evidente que outras funções
colaboram com o gasto mais geral em políticas públicas, que podem ser relacionadas com
direitos humanos e que o melhor indicador seria o gasto efetivo. Parcimoniosamente, fica-se
com o que é possível e mais viável.
A ideia inicial era viabilizar regressões distintas para cada função e subfunção.
Infelizmente, 4.788 municípios apresentam empenho de gastos em “Direitos da Cidadania”
igual a zero, o que, por si só, já denuncia o quanto as políticas públicas em direitos humanos
são atrofiadas e dependentes de outras pastas para se viabilizar. Em termos estatísticos, a
função “Direitos da Cidadania” é um evento relativamente raro demais para ser a variável
resposta de uma regressão linear. A solução para equacionar essa questão foi somar todos os
valores de “Assistência Social” e “Direitos da Cidadania”, convencionando-se o nome de
“Alocação de Recursos” (AR) para essa variável.
Tomou-se a decisão de trabalhar com os municípios que possuem algum orçamento
alocado nas funções citadas. Ocorre que, mesmo com a soma de valores advindos da
assistência social e direitos da cidadania, ainda existiam 24 municípios no total. Destes, 11
não possuem OGMDH, 12 são setor subordinado e uma secretaria municipal em conjunto
com outra. Tal decisão corrigiu, sensivelmente, o papel dos OGMDH em relação à alocação
de recursos, como se verá nos resultados. Por fim, para não perder o caráter intuitivo e, ao
mesmo tempo, amenizar as distorções de distribuições dos valores da variável, optou-se por
trabalhar com o valor per capita de AR. A seguir, histogramas da distribuição de AR (per
capita).

110
Gráfico 10: Histograma de AR

Fonte: o autor, com base em dados do FINBRA.

O resultado ainda guarda assimetria, porém optou-se por mantê-lo, tendo em vista a
maior intuitividade da leitura dos resultados. Os testes feitos com o uso de logaritmo, nessa
variável, melhoram os resultados dos modelos da mesma, mas não alteraram os resultados
substantivos para as hipóteses desta tese. Nesse sentido, preferiu-se um modelo de mais fácil
percepção.

3.10 VARIÁVEIS DE CONTROLE

Varáveis de controle são aquelas não relacionadas com as hipóteses de interesse, mas
que apresentam efeito sobre as variáveis explicativas e resposta de um modelo. Elas
representam importantes fatores intervenientes nos efeitos das variáveis deste estudo e
precisam ser “filtradas”, para que se tenha o efeito líquido, preciso, das variáveis. Em uma
equação de regressão, elas desempenham esse papel (CHATTERJEE; HADI, 2015).
Na ausência de uma literatura de regressões de políticas públicas em direitos humanos,
que dê conta das especificidades do arranjo institucional brasileiro, subsidiariamente,
111
recorreu-se à literatura mais geral de políticas públicas e/ou indicadores sociais. As variáveis
selecionadas foram: tamanho da população, taxa de urbanização e regiões do Brasil,
examinadas a seguir, na ordem mencionada.

3.10.1 Tamanho da população

Há grandes diferenças de tamanho de população nos mais de cinco mil municípios


brasileiros, sendo uma referência importante para o estabelecimento do grau de disparidade da
gestão pública local. Conforme o gráfico a seguir, tem-se um número de 3.895 municípios,
com até vinte mil habitantes; 287 cidades, com mais de cem mil habitantes; e, na condição
intermediária, 1.054 municípios. Ou seja, realidades muito diversas.

Gráfico 11: Distribuição dos municípios, segundo porte populacional, Brasil, 2012

Fonte: IBGE – Pesquisa de Informações Básicas Municipais (2013).

A dinâmica demográfica brasileira tem suas origens na ocupação do litoral e posterior


interiorização. Os diversos estímulos e dinâmicas da economia favoreceram a formação de
adensamentos populacionais e as possibilidades de exercício da cidadania (DE CASTRO,
2003, p. 9):

O espaço brasileiro é marcado por fortes disparidades: de povoamento, de atividades


produtivas, de distribuição de renda, de educação, de equipamentos sociais etc., além de ser
recortado em unidades federativas – estados e municípios – de tamanhos muito variados.
Esta diferenciação existe também em relação à disponibilidade de equipamentos sociais à
disposição da sociedade e em relação às características dos espaços políticos que reúnem as
condições essenciais para que a cidadania seja exercida.
112
Entre a primeira metade do século XX e os anos 1960, o país passou pela mais rápida
urbanização conhecida até então. A rápida elevação da população brasileira, entre 1940 e
2005, só é contrastada com a recente queda da taxa de fecundidade e seu impacto sobre a
pirâmide etária, com redução dos jovens e maior expectativa de vida (BRITO, 2008). Todos
esses aspectos têm impacto na dinâmica local de políticas públicas (PAIVA; WAJNMAN,
2005) e são relevantes na composição de orçamento e estrutura de programas. As diferenças
de tamanho da população são um resultado elementar dessas dinâmicas, mas não o único
fator.
Para lidar com a desproporção de tamanho populacional entre municípios, testou-se,
em um primeiro momento, a possibilidade do uso de logaritmo, mas, depois, utilizaram-se
variáveis dummies (quatro ao total), para diferentes portes de municípios, conforme quadro
abaixo:

Tabela 2: Divisão da população por porte

Municípios População
Porte 1 3.914 Até 20.000
Porte 2 1.043 20.001 - 50.000
Porte 3 35 50.001 -100.000
Porte 4 283 Mais que 100.000

Fonte: o autor, com base em dados do IBGE (2012).

Tal opção permite um olhar mais diferenciado para os municípios agrupados pela
realidade do seu tamanho populacional, com resultados de inferência mais intuitiva do que se
fosse usada a transformação por logaritmo.

3.10.2 Taxa de urbanização

Outro fator que deve ser considerado é a taxa de urbanização, que corresponde à
porcentagem da população urbana sobre a total. Conforme o gráfico seguinte, o que se tem é
uma distribuição bem próxima de uma normal, excetuando os 350 municípios com taxa zero,
ou seja, ausência de população urbana.
113
Gráfico 12: Histograma da taxa de urbanização

Fonte: o autor.

Dois municípios podem ter o mesmo número de habitantes e taxas muito divergentes
de urbanização, o que se reflete nas suas atividades econômicas, perfil da população e
demandas por serviços públicos. Um ambiente mais urbano tem uma dinâmica política mais
ligada a aspectos da modernidade; embora a expansão e a modernização das atividades
econômicas do campo favoreçam a uma relativização das diferenças campo-cidade, a
diferenciação ainda é muito expressiva para a população rural brasileira. Os conflitos em
torno da propriedade rural e as denúncias constantes de trabalho escravo e/ou infantil são mais
agudos no campo.
A literatura de ciência política, classicamente, entende a existência de patrimonialismo
e clientelismo, no meio rural e oligárquico, e a maior demanda por bens públicos, relacionada
aos contextos de modernização e urbanização (LEAL, 2012). Estudos mais contemporâneos
complexificam as combinações de cenários em que se pode dar a política oligárquica e
clientelista (LEAL, 2012); todavia, a urbanização e o desenvolvimento econômico ainda são
uma variável das mais relevantes, combinada a outros fatores, como a competição eleitoral
(BORGES, 2010). “Nas localidades que, ao contrário, ostentam níveis mais elevados de renda
e urbanização, o eleitorado demanda bens e serviços públicos de melhor qualidade.” (MELO;
SOUZA; DE SOUSA BONFIM, 2015, p. 678)

114
3.10.3 Regiões do Brasil

As regiões do Brasil revelam profundas diferenças sociais e econômicas. Um grupo de


munícipios que participa de um contexto de proximidade, com vantagens e desvantagens para
seu desenvolvimento econômico, social e político, deve ser levado em consideração. Essa
distinção pode ser feita em muitos níveis (mesorregiões e estados, por exemplo), mas optou-
se por regiões, por oferecerem um panorama mais macroscópico e terem possibilidade de
investigação sistemática de seus dados.
Indicadores de renda, escolaridade e atividade econômica, dentre outros, denotam
disparidades regionais marcantes no Brasil (NETO, 2009). Além das referências
sociodemográficas, outros fatores relacionados à máquina pública local podem se relacionar à
provisão de políticas públicas, como se vê a seguir.
No gráfico abaixo, verifica-se que as regiões com mais municípios são Nordeste e
Sudeste, devendo tal fato, em parte, às respectivas dinâmicas, com populações numerosas,
fazendo com que houvesse divisões de municípios. Já na região Norte (que possui a menor
quantidade de municípios), os municípios têm uma extensão territorial bem grande e
consequente espalhamento populacional.

Gráfico 13: Distribuição dos municípios por regiões geográficas

Fonte: o autor, com base em dados do IBGE (2012).

115
3.11 HIPÓTESES SUBSTANTIVAS (ELEMENTOS INSTITUCIONAIS
ADICIONAIS)

Corresponde àquelas variáveis que devem ser controladas para melhor aferição dos
efeitos dos OGMDH sobre políticas públicas em direitos humanos, que se originam de
contribuições teóricas mais substantivas da ciência política e áreas afins. Nesta tese, elas
podem ser subdivididas em dois tipos: as institucionais e as político-partidárias.

3.11.1. Capacidade administrativa

Uma primeira tentativa pensada foi usar um indicador de gestão existente: o IDG –
Índice de Descentralização da Gestão, utilizado pelo Ministério do Desenvolvimento Social
para o Programa Bolsa Família, pela sua abrangência nacional, atualização de dados e
crescente importância no campo das políticas públicas.
Demoveu-se a ideia de uso desse indicador por ele favorecer municípios com
populações menores, em detrimento aos de maior população. Sua função é bem específica: a
de monitorar a capacidade dos municípios de atualizar os dados de cadastro e
condicionalidades do programa Bolsa Família (ESTRELLA; RIBEIRO, 2008). Um efeito
disso é que um município como São Paulo tem resultados muito inferiores (0,7), por exemplo,
em relação a municípios pequenos do Vale do Jequitinhonha, MG, esse indicador oscila em
torno de 0,9, dependendo do período e do município em questão. Resumindo, o indicador é
mais alto em um município muito pobre, mas pequeno e organizado o suficiente para pontuar
alto nas condicionalidades do programa Bolsa Família; já um município como São Paulo tem
mais dificuldade de pontuar. A lógica é válida para o programa citado, mas não enfoca o que
se pretende para o controle das condições mínimas de atuação da burocracia local.
O tamanho do funcionalismo local poderia ser outro indicador, mas esse número pode
ser mal dimensionado entre setores de políticas públicas diferentes. Além disso, maior número
de funcionários não se traduz, automaticamente, em maior capacidade operacional,
provavelmente, reflete o contrário. No que tange a recursos humanos, entre os três níveis da
federação, o funcionalismo municipal é o que possui piores resultados em termos de:
qualificação, tempo no emprego, salários “e ainda são os principais encarregados em executar
116
as políticas descentralizadas” (PIZZOLATO, 2014, p. 36); sem mencionar que os resultados
da ação do município nem sempre correspondem à atuação de seu funcionalismo. Têm-se, em
mente, processos de terceirização de funções, uso de consultores externos, bem como a
contratação de entidades privadas, nas chamadas parcerias-público-privadas. Um indicador
que lidasse com essa dimensão de terceirizações e parcerias também não seria garantia de
aumento da “capacidade administrativa” (BRITO, 2005; ALVARENGA, 2005; KISSLER;
HEIDEMANN, 2006).
As possibilidades de diferenças de capacidades operacionais de diversos setores para
execução de políticas públicas orientaram a decisão, neste trabalho, para a busca de um
indicador mínimo da capacidade do município; não relativo, obrigatoriamente, ao seu gestor
no período, mas característico das capacidades administrativas. Nesse sentido, deve denotar
desenvolvimento de recursos administrativos, independentemente do apoio de entidades
privadas, ou não, atender a interesses municipais mais prementes. Esse indicador não se deve
localizar em uma política pública específica, tem que ter centralidade na administração local.
Quanto à operacionalidade do indicador, o questionário da MUNIC oferece subsídios,
utilizando-se, assim, os dados da edição de 2012. Na parte de “Recursos para Gestão
Pública”, há um item de “cadastro de IPTU e ISS”, em que se encontra um bloco de seis
perguntas: “A prefeitura possui cadastro imobiliário? É informatizado? A prefeitura possui
Planta Genérica de Valores?18 É informatizada? A prefeitura dispõe de cadastro para cobrança
do ISS? É informatizado?”. Essas seis perguntas originam seis variáveis binárias, que foram
analisadas em termos de perfis de gestão municipais.
O próprio relatório da MUNIC corrobora a ideia de que as máquinas administrativas
municipais vêm se modernizando, sobretudo, em seus instrumentos arrecadatórios e que isso
se relaciona com as crescentes funções em que o município é chamado a atuar:

O aumento das atribuições municipais, por outro lado, vem forçando estes entes federados a
implementarem uma série de processos de modernização e racionalização de suas máquinas
administrativas, com vistas a garantir o aumento de sua capacidade arrecadatória, assim
como o cumprimento das suas crescentes funções (IBGE, 2013, p. 44).

Cada resposta “sim” vale um ponto no indicador. Na seção metodológica, as


características estatísticas dessa forma de agregação aditiva de variáveis são esclarecidas
detalhadamente.

18
Texto do questionário da MUNIC 2012: “A Planta Genérica de Valores permite fixar previamente os valores
básicos unitários dos terrenos e das edificações, expressos por metro quadrado de área, o que, por sua vez,
possibilita obter uma melhor justiça fiscal na medida em que padroniza e uniformiza os critérios de apuração do
valor venal dos imóveis, base para a cobrança do IPTU e das transações imobiliárias” (IBGE, 2013, p. 252).
117
O gráfico a seguir mostra a divisão dos municípios pelos resultados possíveis. Deve-se
atentar para o fato de que a mediana é “seis”; ou seja, 3.215 municípios têm nota máxima no
conjunto das seis perguntas da variável. Após essa maioria, há uma graduação de resultados;
ou seja, a larga maioria tem todos os recursos, mas existe também uma variação apreciável
nos demais municípios.

Gráfico 14: Distribuição das respostas de capacidade administrativa

Fonte: MUNIC 2011 (IBGE, 2012).

Com esses resultados, foi possível identificar três perfis bem distintos de municípios,
destacados abaixo:
• Possui os 3 cadastros informatizados;
• Possui os 3 cadastros, mas pelo menos 1 deles não é informatizado;
• Não possui pelo menos um dos 3 cadastros.

Esses três perfis passam a compor um pull de variáveis dummies para controlar a
capacidade administrativa, permitindo controlar seus efeitos sobre a existência dos OGMDH
na promoção de políticas públicas em direitos humanos.

118
3.11.2 Secretarias exclusivas de assistência social sem a presença de OGMDH

Nos dados já apresentados sobre a distribuição dos OGMDH, sobressai muito a


presença dos “setores subordinados a outra secretaria”, que, em tese, conforme explicado no
capítulo 2, são formas de organização com menos poder dentro do desenho institucional. Um
pressuposto investigado, neste trabalho, é a de que os municípios vinculam esses setores,
geralmente, à assistência social, dada a afinidade de públicos e políticas públicas e ao estágio
mais institucionalizado de tais políticas, se comparadas ao grau incipiente dos direitos
humanos. A fraqueza hierárquica do OGMDH “setor subordinado” seria compensada pela
vinculação com uma área com mais recursos institucionais e materiais, que possui interesses
afeitos às políticas e aos públicos almejados em direitos humanos.
Essa estratégia ganha indícios, por exemplo, na comparação com a presença de setores
subordinados em outras áreas de gestão de políticas públicas. O quadro a seguir compara
cultura, assistência social, segurança pública, meio ambiente, educação, saúde e direitos
humanos; só em direitos humanos, os setores subordinados a outra secretaria chegam a mais
de 45%, ficando em segundo lugar o meio ambiente, com apenas 13,1%.

Quadro 18: Distribuição de tipos de órgãos gestores por áreas de políticas públicas
MEIO DIREITOS
CULTURA ASSISTÊNCIA SEGURANÇA EDUCAÇÃO SAÚDE
AMBIENTE HUMANOS
2012 SOCIAL 2012 PÚBLICA 2012 2011 2011
2012 2011
% % % % % % %
Não possui estrutura 3,5 ,1 77,1 11,5 ,1 ,1 47,1
Órgão da
administração indireta 2,1 ,1 ,4 ,9 ,0 ,3 ,1
Secretaria municipal
em conjunto com
outras política
63,9 21,1 2,8 45,2 45,3 11,2 3,8
Secretaria municipal
exclusiva 13,5 72,5 3,5 24,8 52,0 85,8 1,0
Setor subordinado à
chefia do executivo 4,3 3,6 8,5 4,5 2,4 2,5 2,9
Setor subordinado a
outra secretaria
12,7 2,6 7,6 13,1 ,2 ,2 45,1

Fonte: o autor, com base em dados do IBGE (2012 e 2013).

O quadro também ajuda a perceber o grau de institucionalização das secretarias de


assistência social, em que a forma “exclusiva” chega aos impressionantes 72,5 de presença
entre os tipos existentes, uma realidade de institucionalização quase que avessa da encontrada
119
em direitos humanos. A assistência social só perde, na presença desse tipo de secretaria
exclusiva, para a saúde (85,8%), sem sombra de dúvidas, uma área de complexidade de
recursos e grau de institucionalização superior a todas as outras. O Sistema Único de Saúde
(SUS) acaba servindo de referência, por exemplo, para o Sistema Único de Assistência Social
(SUAS).
Essa estratégia de valorização do “setor subordinado” não se apresenta em uma área
menos presente nas gestões municipais que é a segurança pública. Simplesmente, 77,1% não
possuem qualquer órgão de gestão; todavia, o “setor subordinado” comparece com apenas
7,6%, sendo o segundo tipo mais presente.
Tamanha importância e afinidade da área de assistência social oferece uma hipótese
substantiva que precisa ser controlada, de que a área seria, por si mesma, o fator interveniente
definitivo nas políticas públicas em direitos humanos. Caso o raciocínio seja correto, a
presença ou não de OGMDH deveria ser irrelevante. Nesse sentido, foi criada uma variável
composta das secretarias exclusivas de assistência social, em municípios que não possuem
OGMDH, como forma de testar essa hipótese substantiva rival, correspondendo a variável ao
total de 1.931 municípios.

3.11.3 Participação local

Um grupo de trabalhos de pesquisa vem realçando a relação entre dispositivos de


participação direta e sua interação com os canais legislativos e de formulação de políticas
públicas. Em destaque, nessa literatura, têm-se as Conferências Nacionais de Políticas
Públicas, que, em muitos casos, são precedidas por conferências estaduais e municipais,
inclusive como processo de eleição de delegados e/ou formulação de propostas para a
conferência nacional. Via de regra, as conferências nacionais são convocadas por ministérios
e secretarias do governo federal, mais diretamente ligados ao setor especifico do assunto
abordado. As conferências, além de espaços de negociação e troca com segmentos
organizados da sociedade, conferem legitimidade às resoluções tomadas, diante de outras
possibilidades de veto (SILVA, 2009; PETINELLI, 2011; PETINELLI et al., 2011;
POGREBINSCHI; SAMUELS, 2012; POGREBINSCHI; SANTOS, 2011). No caso

120
específico das Conferências Nacionais de Direitos Humanos, de 1996 a 2008, foram
realizadas 11, no total.
Na operacionalização de uma variável sobre as conferências municipais, utilizam-se os
dados disponíveis, somente na MUNIC de 2014; a partir de uma pergunta que remetia às
conferências realizadas pelo governo municipal, nos últimos quatro anos. Tem-se aí uma
possibilidade de viés para a presente pesquisa, que se ocupa do período de 2009-2012, mas o
questionário remete ao período de 2011-2014; dois anos dentro do período pesquisado e dois
anos já sob outra administração municipal. Cabe ressaltar que, embora haja protagonismo do
governo municipal, as conferências locais são, em muitos casos, induzidas pelo governo
federal. E que, não sendo apenas um fórum administrativo, para serem realizadas, necessitam
de um tecido social associativo preexistente. Enfim, mesmo com um recorte temporal, metade
posterior ao período estudado, ainda assim, a variável corresponde a um bom indicador da
interação entre o tecido associativo e o poder local.
A variável que se utiliza neste trabalho corresponde a um índice obtido pelo soma de
20 variáveis binárias a respeito da existência de conferências municipais. São elas:
Conferência(s) Municipal(is): de Direitos Humanos; de Direitos ou políticas para a Criança e
o Adolescente; de Direitos ou políticas para o Idoso; de Direitos ou políticas para Lésbicas,
Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais; de Direitos ou políticas para as Mulheres; de
Direitos ou políticas para Pessoas com Deficiência; de Direitos ou políticas para a Igualdade
Racial; de Direitos ou políticas para a População em Situação de Rua; de Direitos ou políticas
para Povos e Comunidades Tradicionais; de Direitos ou políticas para a Juventude; de
Assistência Social; de Cidades; de Ciência, Tecnologia e Inovação; municipal(is) de Cultura;
de Educação; de Esporte; de Meio Ambiente; de Saúde; de Segurança Alimentar e
Nutricional; de Segurança Pública. O gráfico a seguir apresenta a frequência das conferências
municipais de políticas públicas.

121
Gráfico 15: Distribuição das conferências de políticas públicas – respostas múltiplas

Fonte: o autor, com base em dados do IBGE (2015).

O grande destaque vem da “Assistência Social”, com 5.038 municípios, seguida de


“Saúde” e “Crianças e Adolescentes”. Há uma clara relação entre maior institucionalização do
tema e maior número de políticas públicas locais. O número de conferências em direitos
humanos (435) é relativamente pequeno, visto que já existiram 11 nacionais (todas fora do
período estudado). Todavia, esse número deve ser relativizado, com a lembrança de que o
tema esteve presente em quase todas as conferências, principalmente, de grupos vulneráveis
específicos. No total, são 27.276 conferências de políticas públicas municipais em quatro
anos.
Outras possibilidades para medir a participação da sociedade foram tentadas com
conselhos e comitês. As informações são também da MUNIC de 2014, com a diferença de
que continham o ano de criação do conselho ou comitê e número de reuniões. Foram
considerados apenas os que tinham sido criados até 2012 e com, pelo menos, uma reunião nos
últimos 12 meses. Também se tentou fazer variáveis de contagem, separando conselhos e
comitês universalistas e de grupos vulneráveis, mas, em nenhuma das tentativas, o coeficiente
Alpha de Cronbach chegou sequer à marca de 0,6. No total, foram utilizados 23 itens, com
diferentes combinações. Os conselhos são: Política Urbana; Transportes; Cultura; Patrimônio
122
Cultural; Assistência Social; Segurança Nutricional e Alimentar; Segurança Pública; Meio
Ambiente; de Direitos Humanos, da Criança e Adolescente; Igualdade Racial; Idosos,
Deficientes; LGBT; Juventude; Tutelar. Os comitês são: Fórum da Agenda 21 (local); de
Liberdade Religiosa; Orçamento Participativo; Sub-Registro Civil de Nascidos Vivos;
Trabalho Rural.

3.11.4 Pertencimento ao partido do Executivo federal

Uma hipótese que não se pode perder de vista é o quanto as estruturas partidárias são
disseminadoras de políticas públicas. De 2004 para a eleição de 2008, o PT cresceu 36%,
elegendo o Executivo municipal de 564 municípios. A variável utilizada foi “Partido que o
prefeito se elegeu” (variável A6 da parte de informações sobre o prefeito, MUNIC, 2009),
sendo transformada em uma binária, com 1, para o PT, e zero, para os demais partidos.
Registra-se uma pequena alteração na variável “Partido atual”, de menos quatro prefeituras.
Todavia, considerou-se infinitesimal o impacto dessa diferença, bem como a necessidade de
investigar caso a caso. São, no total, 564 municípios, com prefeitos eleitos pelo Partido dos
Trabalhadores, no período estudado.

3.11.5 Proximidade partidária com o Executivo federal

Seguindo a lógica da variável de “Pertencimento ao partido do Executivo federal”,


acrescentou-se uma variável de controle para dar conta de um efeito mais amplo dos partidos
que se alinharam com o governo federal petista, desde o primeiro turno das eleições
presidenciais. A variável utilizada foi a mesma, transformada em uma binária, com valor 1,
para os partidos da coligação (menos o PT), e zero, para os demais partidos (PT, inclusive).
Foram contados todos os prefeitos de partidos da coligação eleita, menos os já citados do PT,
totalizando 2.099 prefeitos.
A coligação “Para o Brasil seguir Mudando”, além do PT, tem como integrantes os
seguintes partidos: Partido Republicano Brasileiro (PRB); Partido Democrático Trabalhista

123
(PDT); Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB); Partido Trabalhista Nacional
(PTN); Partido Social Cristão (PSC); Partido da República (PR); Partido Trabalhista Cristão
(PTC); Partido Socialista Brasileiro (PSB); Partido Comunista do Brasil (PC do B)19.
O presente capítulo oferece embasamento para as opções feitas em torno da
operacionalização de variáveis explicativas, de controle e hipóteses substantivas.
Estabelecem-se as variáveis que devem ser controladas para que as hipóteses em torno da
existência de OGMDH, seu tempo de maturação (existência em 2009) e maior grau de
autonomia e vínculo com a assistência social possam ser mais bem dimensionadas em seus
efeitos. A saber, em torno da provisão de políticas públicas em direitos humanos
universalistas e para grupos vulneráveis.
O próximo capítulo faz a explanação em relação às escolhas operacionais e conceituais
em torno desses dois índices: IMU e IMV e AR.

19
Disponível em: <http://divulgacand2010.tse.jus.br/divulgacand2010>. Acesso em: 23 jul. 2016.

124
4 CARACTERIZAÇÃO DOS MODELOS E DISCUSSÃO DOS
RESULTADOS

O presente capítulo tem, por objetivo, apresentar os modelos de regressão utilizados


para testar as hipóteses desta tese e apresentar seus resultados. Verifica-se a significância dos
efeitos das variáveis relativas aos OGMDH sobre as variáveis explicadas: “IMV”, “IMU” e
“AR”, controlados por variáveis de controle ou de hipóteses alternativas. Os seis modelos
trabalhados são regressões lineares múltiplas, estimadas pelo método de Mínimos Quadrados
Ordinários (MQO). Essa abordagem estatística é utilizada para saber se as hipóteses colocadas
sobre o desenho institucional dos OGMDH têm impacto sobre a oferta de políticas públicas
e/ou alocação de recursos em direitos humanos.
Para além do rigor com o tratamento técnico dos elementos da regressão, é
importante não perder os nexos de causalidade construídos na elaboração das hipóteses. Não é
difícil entender que existe um elo entre reflexão teórica e empírica. O avanço de uma
literatura especializada produz a inclusão de novas variáveis e o afastamento de outras por
serem, conceitualmente e empiricamente, rejeitadas. Por sua vez, as disponibilidades de
modelagem dos dados constrangem limites à operacionalização de variáveis conceituais;
limites que, com o tempo, podem ser expandidos com a melhoria das fontes estatísticas. Por
sua vez, no debate metodológico, também são oferecidos tratamentos para cada elemento que
possa gerar viés em um modelo de regressão, a partir dos diagnósticos do modelo.
Os problemas investigados, nesta tese, orientam a construção desses modelos, que
podem ser traduzidos nas cinco perguntas a seguir:
1) A existência de OGMDH aumenta a oferta de políticas públicas em direitos
humanos?
2) Os tipos de OGMDH que possuem mais autonomia, ou subordinados, vinculados à
Assistência Social, têm um efeito maior para a oferta de políticas públicas em
direitos humanos?
3) Os OGMDH mais consolidados, identificados em 2009, têm maior efeito sobre as
políticas públicas em direitos humanos do que os registrados apenas em 2011?
4) Essas três variáveis (existência, autonomia/assistência social e maturidade do
OGMDH) têm maior efeito sobre políticas públicas em direitos humanos voltadas
para grupos vulneráveis (IMV) do que as de perfil universalista (IMU)?

125
5) Essas três variáveis (existência, autonomia/assistência social e maturidade do
OGMDH) têm efeito de incremento para a maior alocação de recursos
orçamentários dos municípios em recursos alocados nas funções selecionadas?

Inicialmente, tem-se a descrição das variáveis relacionadas com sua arquitetura teórica
e as hipóteses aos problemas estudados nos modelos. Na parte subsequente, expõem-se as
estatísticas descritivas das variáveis, passando à apresentação dos modelos, diagnósticos e
interpretação de seus resultados.

4.1 VARIÁVEIS E MODELOS

Nesta seção, são descritas as variáveis empregadas nos modelos de investigação, bem
como sua fundamentação teórica.
O método de análise dos dados empíricos é o da “Regressão Linear Múltipla” para
inferir as relações entre fenômenos estudados: IMV, IMU e AR e os demais fatores
explicativos (variáveis sobre OGMDH) e de controle. Tal relação pode ser traduzida,
matematicamente, na equação, ou modelo, que relaciona a variável resposta ou variável
dependente a uma ou mais variáveis explicativas ou preditoras, conforme se verifica na
equação abaixo:

Yi = 0 + 1.X1i + 2.X2i +i


onde é a variável resposta ou explicada.
..., , , ..., são os coeficientes das respectivas variáveis auxiliares
, , ..., são as variáveis auxiliares.

Variável explicada, resposta ou dependentei = 0 + 1.Variável Explicativa1i + 2.Variável


Explicativa2i +Erro.

O subscrito “i” refere-se à unidade de análise; no caso da presente tese, são os 5.554
municípios brasileiros. “Erro” se refere a elementos não determinados pelo modelo e pode ser
mais bem entendido como “desvios” do comportamento médio predito pela equação. Um bom

126
modelo é aquele em que esse erro não tem um comportamento sistemático, que indique algum
tipo de determinação não captada pelo modelo, demonstrando a diferença entre os valores
observados e os valores preditos de Y, chamados de resíduos do modelo (FIGUEIREDO
FILHO et al., 2011, p. 49). “0”, ou beta, se refere ao “intercepto” ou ‘constante”, em que o
eixo da variável explicada é perpassado pela reta de regressão linear; em outros termos: valor
de Y quando X1 e X2 tem o valor de zero. Ele pode ser também representado por um “”, ou
alpha, sendo o valor mínimo que a variável resposta parte antes do efeito das variáveis
explicativas sobre o resultado. O coeficiente de regressão “” “representa a mudança
observada em Y associada ao aumento de uma unidade em X” (FIGUEIREDO FILHO et al.,
2011, p. 49). Cada variável independente, portanto, tem um beta.
A regressão estatística oferece a possiblidade de examinar se a oferta de políticas
públicas em direitos humanos universalistas (IMU), para grupos vulneráveis (IMV) e a
Alocação de Recursos do orçamento (AR) são aumentadas pelos OGMDH (pela sua
existência, seu nível de autonomia/assistência social e sua maturidade). Para entender os
condicionantes, que também podem agir como fatores explicativos da maior oferta de
políticas públicas em direitos humanos (IMV, IMU e AR), estabeleceram-se as seguintes
variáveis de controle e hipóteses substantivas alternativas (conforme descritas no capítulo 3):
De características societárias (controle): “Tamanho da população”, “Nível de
urbanização” e “Regiões do Brasil”.
De características institucionais (hipóteses substantivas): “Capacidade administrativa”,
“Participação local” e “Secretarias exclusivas de assistência social sem OGMDH”.
De características partidárias (hipóteses substantivas): “Pertencimento ao partido do
Executivo federal” e “Proximidade partidária com o Executivo federal”.
Apresenta-se, a seguir, quadro com as variáveis explicativas, presentes nos modelos.
Têm-se quadros específicos para as variáveis resposta (dependentes) e preditivas
(independentes), lembrando que as variáveis de controle e as hipóteses substantivas são, em
termos estatísticos, variáveis preditivas ou independentes. A denominação “de controle” ou
“hipótese substantiva” advém da construção teórica do modelo. As variáveis de controle se
referem àquelas que não têm uma explicação causal direta sobre o fenômeno em questão, mas
que aumentam a homogeneidade da amostra incluída na equação, permitindo uma medição
mais precisa do efeito das variáveis explicativas de interesse. As hipóteses substantivas se
referem àquelas possíveis explicações alternativas, às hipóteses construídas neste trabalho.

127
Sua inclusão, no modelo, permite testar tal relevância, bem como controlar o efeito líquido
dos OGMDH; no caso desta tese, as três variáveis relativas aos OGMDH.

Quadro 19: Variáveis de controles ou hipóteses substantivas dos modelos


Variável de Operacionalização Importância
controle ou
Hipótese
substantiva
Tamanho da Divisão da população em O tamanho da população é uma
população quatro tipos de portes de variável chave na definição de
municípios por número de políticas públicas e de
habitantes: Até 20.000; 20.001 organização da gestão local.
- 50.000; 50.001 -100.000 e Quanto maior a população,
mais de 100.000. Tal maior é o adensamento de
transformação em variáveis demandas e sua diversidade. É
qualitativas permitiu corrigir a esperado que municípios
distribuição desigual da maiores provejam um número
variável contínua, ao mesmo maior de políticas públicas em
tempo propiciar uma leitura direitos humanos.
mais direcionada aos
municípios por seu tamanho
populacional.
Nível de Taxa de urbanização Quanto maior a urbanização
urbanização maior a diversidade societal e
estilos de vida. A dinâmica
urbana favorece uma sociedade
mais organizada, que vocalize
mais suas demandas.
Regiões de Vetor de binárias O Brasil é formado por
Brasil “Nordeste”, “Sudeste”, “Sul”, diferentes ritmos de
“Centro-Oeste”. A região desenvolvimento de atividades
“Norte” corresponde ao valor econômicas e estruturação da
do beta referente. Adota-se tal vida social. É esperado que
procedimento, ao se decompor existam diferenças de recursos
uma variável categórica (como e oportunidades entre as
as cinco regiões do Brasil, por regiões do Brasil. Essas
exemplo), em um conjunto de diferenças influenciam a
variáveis binárias (dummies), demanda e oferta de políticas
para evitar o fenômeno públicas em direitos humanos.
conhecido na literatura como
“dummy trap”20.
Capacidade Cadastro e informatização de Definiu-se um patamar mínimo
administrativa IPTU, ISS e Planta Genérica de burocracia que pudesse ser
de Valores (“A prefeitura comum a todos os municípios:
possui cadastro imobiliário? É a capacidade de constituir

20
Enfim, evitar que as cinco variáveis binárias das categorias da variável original, por construção, gerem uma
correlação perfeita entre elas. Caso as cinco fossem colocadas no modelo, haveria uma dummy a mais.
128
informatizado? A prefeitura instrumentos para cobrar
possui Planta Genérica de impostos. Foi constituído um
Valores? É informatizada? A índice com seis dummies,
prefeitura dispõe de cadastro referentes a instrumentos de
para cobrança do ISS? É atualização de cadastros de
informatizado?”). Como arrecadação de IPTU e ISS.
somatório dessas dummies, foi
utilizado o Alpha de
Cronbach21. O que atesta
consistência interna dos
elementos. Valor obtido foi de
0,80. A ideia inicial de usar
essa variável como somatório
esbarrou na distribuição
irregular da variável. Optou-se
por identificar três perfis
(variáveis categóricas) bem
distintos de municípios.
Destacam-se três tipos:
- Possui os 3 cadastros
informatizados (3.161 casos);
- Possui os 3 cadastros, mas
pelo menos 1 deles não é
informatizado (983 casos);
- Não possui pelo menos um
dos 3 cadastros (1.426 casos).
Secretarias Foram selecionadas aquelas Uma forma de medir se os
exclusivas de secretarias que não possuem resultados dos OGMDH não
assistência nenhum OGMDH em seu seriam apenas um reflexo da
social sem município. No total, são 1.931 atuação mais institucionalizada
OGMDH municípios. da assistência social. As
secretarias de assistência social
exclusivas são o tipo de órgão
gestor mais presente, com mais
de 70% delas.
Participação Conferências locais de Os municípios que possuem
local políticas públicas. Foi formado uma capilaridade de
um índice com 20 conferências organizações na sociedade
locais, a partir da agregação de podem ter forte influência na
dummies. Alpha de Cronbach oferta de políticas públicas em
desse índice é de 0,78. direitos humanos. Uma
consistente literatura vem
estudando o impacto dessa
mobilização da sociedade
sobre instituições políticas
(POGREBINSCHI; SANTOS,
2011; AVRITZER, 2012).

21
Conforme explicado no capítulo 3, o Alpha de Cronbach analisa as consistências internas dos elementos que
compõem o indicador. Sua variação é de 0-1; quanto mais perto do 1, mais consistente é o indicador.
129
Pertencimento Prefeitos eleitos pelo Partido No período, houve, no
ao partido do dos Trabalhadores (PT) Executivo federal, a instituição
Executivo de secretarias com status de
federal ministério, relacionados aos
direitos humanos e a terceira
versão do PNDH. O programa
institui o governo Executivo
federal como responsável pela
coordenação das metas do
PNDH 3. Inclusive, em muitas
das suas metas, os municípios
são instados a cooperar. Supõe-
se que a relação do Partido dos
Trabalhadores com seus
prefeitos possa ter
impulsionado a oferta de
políticas públicas em direitos
humanos, seguindo as
diretrizes e metas do PNDH 3
(BATISTA, 2015; FREITAS;
ARAÚJO, 2016).
Proximidade Prefeitos de partidos da O mesmo raciocínio hipotético
partidária com coligação de Dilma Rousseff dos prefeitos do Partido dos
o Executivo (2010), com a exceção dos Trabalhadores estendido aos
federal prefeitos eleitos pelo PT. demais partidos que
participaram da coligação que
elegeu Dilma Rousseff para o
Executivo federal (BATISTA,
2015; FREITAS; ARAÚJO,
2016).
Fonte: o autor.

A seguir, quadro explicativo com as variáveis resposta, comuns aos modelos de


regressão.

Quadro 20: Variáveis explicadas nos modelos


Variável
resposta
Operacionalização
(explicada ou
dependente)
Agregação de políticas públicas em direitos humanos, voltadas para
IMV
públicos identitários em situações de vulnerabilidade. Espera-se que os
(Índice de Meios
OGMDH tenham maior efeito sobre a oferta de políticas públicas em
para Políticas
direitos humanos, pois permitem que esses grupos tenham um espaço
Públicas para
institucional para direcionar suas demandas. Sem a presença de algum
Grupos
espaço institucional semelhante ao OGMDH, suas demandas encontram-
Vulneráveis)
se dispersas por toda a gestão. O que abre margem para que cada
130
segmento se comporte como um free rider, valorizando seus interesses e
agendas próprias, deixando, em segundo plano, a demanda desses grupos.
O IMV é composto de 38 variáveis referentes às políticas públicas em
direitos humanos, voltadas para públicos específicos, sendo 11 para
deficientes, 9 para crianças e adolescentes, 6 para população LGBT, 7
para idosos, 3 para questão racial e 2 para questões de gênero. O Alpha de
Cronbach do IMV é de 0,85, sendo importante para o entendimento da
consistência interna dos elementos que compõem o indicador por
agregação. Para equilibrar os diferentes pesos de cada público, foi feita
uma média, público a público, para cada município e, finalmente, uma
média entre essas médias.
Políticas públicas em direitos humanos, agregadas sem um público-alvo
mais restrito. Espera-se que municípios com OGMDH tenham maior
oferta dessas políticas do que os que não possuem. O índice é composto
IMU
de 28 variáveis referentes às políticas públicas em direitos humanos.
(Índice de Meios
Sendo 6 em direitos “políticos e/ou informação”, 5 em direitos civis, 4 em
em Políticas
direitos ambientais, 5 em direitos sociais, 1 em cultura (patrimônio), 3 em
Públicas
direitos econômicos e 4 em direito à saúde. O Alpha de Cronbach do
Universais)
IMU é de 0,71. Para equilibrar os diferentes pesos de cada segmento, foi
feita uma média, segmento a segmento, para cada município e,
finalmente, uma média entre essas médias.
Junção de recursos alocados em funções de “Direitos da Cidadania” e
“Assistência Social”, divididos em duas categorias. Esse valor é uma
média dos anos em que o município apresentou contas ao Tesouro
Nacional (FINBRA) nas funções selecionadas. Por exemplo, se um
município só apresentou contas em 2009 e 2010, os valores selecionados
de “Assistência Social” e “Direitos da Cidadania” (das prestações de
contas) são somados e divididos por dois. Caso o município tenha
AR apresentado contas para os quatro anos, divide-se por quatro.
(Alocação de Considera-se, neste trabalho, que as duas funções mais relacionadas com
Recursos) as políticas públicas de direitos humanos são “Assistência Social” e
“Direitos da Cidadania”. A inciativa de usar também dados da assistência
social advém do fato de 4.788 municípios apresentarem empenho de
gastos em “Direitos da Cidadania” igual a zero. Foram excluídos os
municípios que, mesmo depois da agregação das duas funções,
mantiveram valor igual a zero. Como forma adicional de tentar minimizar
as grandes distorções de distribuição da variável, ela foi operacionalizada
com AR per capita dos municípios que alocaram de fato recursos.
Fonte: o autor.

A seguir, quadro com as variáveis relativas aos OGMDH utilizadas nos modelos de
regressão.

131
Quadro 21: Variáveis de OGMDH e referencial teórico
Variável
explicativa
Referencial Teórico
(independente ou
preditiva)
Possuir um OGMDH reduz custos de transação políticos (CTP).
Esses custos podem ser:
 Conflitos nas relações Executivo-Legislativo (HORN, 1995).
 A manutenção dos compromissos e benefícios de uma política
pública de longo do tempo (HORN, 1995; SPILLER; TOMMASI,
2007).
 O controle da burocracia, seja pelos gestores e políticos, seja dos
beneficiários de políticas pública (HORN, 1995).
 Alcance dos custos de uma política pública para a sociedade e a
apropriação privada de seus benefícios (HORN, 1995; SPILLER;
TOMMASI, 2007).
 A multiplicidade de principais e tarefas dificultando a mensuração
de resultados (DIXIT, 2012; CABALLERO; ARIAS, 2013;
SPILLER; TOMMASI, 2007).
 A falta de competidor para a maioria das suas atividades, como
nos mercados (DIXIT, 2012).
 Mecanismos de motivação dos atores para ação coletiva (DIXIT,
2012; CABALLERO; ARIAS, 2013; SPILLER; TOMMASI,
2007).
 Os direitos de propriedade são muito mais claros e seguros na
economia. A maioria dos contratos e transações na política não
OGMDH
possui mecanismos para cobrança do cumprimento de promessas
(CABALLERO; ARIAS, 2013).
 A informação, no mundo político, é mais opaca, pouco clara e
difícil observar e medir (CABALLERO; ARIAS, 2013).
 As forças de seleção e de aprendizagem são mais lentas na política
(CABALLERO; ARIAS, 2013).
 Progresso das políticas públicas pode ser pensado como uma série
de transações políticas intertemporais (CABALLERO; ARIAS,
2013; SPILLER; TOMMASI, 2007).
 Torna-se central o papel de credible commitment (compromissos
com credibilidade) e do reputational capital (capital de reputação)
(CABALLERO; ARIAS, 2013; SPILLER; TOMMASI, 2007).
 O grau de irreversibilidade dos ativos envolvidos na política
(SPILLER; TOMMASI, 2007).
 A urgência com que a política precisa ser implementada
(SPILLER; TOMMASI, 2007; PIERSON, 2000).
Ao se colocar, no desenho institucional, um dos cinco tipos de
OGMDH, a gestão municipal cria um lócus onde podem ser
transacionados esses custos entre os atores políticos, dentro e fora
da mesma.

132
SUBORDINADO Duas variáveis criadas para permitir comparar o efeito de OGMDH
COM E SEM do tipo subordinado a outra secretaria, com os resultados dos
VÍNCULOS demais tipos agrupados na variável Autonomia. A partir da divisão
COM A em duas variáveis de ter ou não vínculo com a Assistência Social,
ASSISTÊNCIA pode-se medir o peso desta para o sucesso do desempenho destes
SOCIAL (SPOSATI, 2007; MONTEIRO, 2012).
A existência temporal permite que se criem compromissos entre os
atores envolvidos. A inteiração recorrente entre os atores pode
MADURO diminuir CTP (SPILLER; TOMMASI, 2007; CABALLERO;
ARIAS, 2013; SCARTASCINI; STEIN; TOMMASI, 2013;
PIERSON, 2000).
Uma posição hierarquicamente superior, no desenho institucional,
denota mais recursos de governança para lidar com CTP
AUTONOMIA
(WILLIAMSON, 1991; MILLER, 1993; MOE; CALDWELL,
1994).
Fonte: o autor.

O quadro a seguir retrata o pertencimento dessas diferentes variáveis de OGMDH nos


modelos. Apresenta os seis modelos, dois para cada variável resposta resultantes da
combinação das três variáveis explicadas: IMV, IMU e AR, combinadas com as quatro
variáveis de desenho institucional dos OGMDH (Autonomia e Subordinado com e sem
vínculo com a Assistência Social), acrescentou-se o algarismo “2” ao nome desses modelos
(IMV-2, IMU-2 e AR-2). Estas três variáveis são substituídas nos modelos “1” pela variável
OGMDH (IMV-1, IMU-1 e AR-1) com a finalidade explicada de se ter a dimensão total do
impacto dos OGMDH. A variável “Maduro” é utilizada tantos nos modelos “1” e “2”, pois ela
se refere ao tempo de maturação e não ao tipo de OGMDH.

133
Quadro 22: Distribuição de variáveis pelos modelos
Função da Modelo
IMV1 IMV2 IMU1 IMU2 AR1 AR2
Variável VAR
OGMDH X X X
Maduro X X X X X X
EXPLICATIVAS Autonomia X X X
DE OGMDH Subordinado vinculado à
X X X
AS
Subordinado não
X X X
vinculado à AS
X X X X X X
Tamanho da população
X X X X X X
CONTROLE
(societais)
Nível de urbanização X X X X X X
X X X X X X
Regiões de Brasil
X X X X X X
X X X X X X
Grau de capacidade
X X X X X X
administrativa
HIPÓTESES X X X X X X
SUBSTANTIVAS Participação local X X X X X X
(institucionais)
Secretarias exclusivas
de assistência social X X X X X X
sem OGMDH
Pertencimento ao
partido do Executivo X X X X X X
HIPÓTESES
federal
SUBSTANTIVAS
(partidárias) Proximidade partidária
com o Executivo X X X X X X
federal
Fonte: o autor.

Com essa estratégia, pode-se separar o efeito dos OGMDH como um todo e, ao
mesmo tempo, com os modelos de tipo 2, introduzir especificações sobre os tipos de
OGMDH. A seguir, a seção destinada às estatísticas descritivas.

4.2 ESTATÍSTICAS DESCRITIVAS

Nos capítulos 3 e 4, são especificadas as variáveis explicativas de controle e hipóteses


substantivas (capítulo 3) e variáveis explicadas (capítulo 4). A partir da orientação de
Chatterjee (2006), a primeira fase do estudo consistiu na análise descritiva das variáveis

134
selecionadas, objetivando calcular a Média, Mediana e Desvio-Padrão, a construção dos
respectivos histogramas. Evidentemente, tal procedimento refere-se às variáveis contínuas,
que permitem esse tipo de transformação. Variáveis dummy (binárias) e, em maior ou menor
medida, as variáveis contínuas, que foram obtidas por meio de agregação de dummies, ou
seja, de contagem, não permitem esse tipo de manipulação (as dummy) ou podem ser mais
pobres, estatisticamente, para o rigor desses processos.
A seguir, a tabela 3 apresenta a estatística descritiva para as variáveis contínuas.

Tabela 3: Estatística descritiva das variáveis contínuas

Variáveis Média Mediana Desvio-Padrão


IMV 12,8 12,0 6,3
IMU 9,7 9,0 3,7
AR 65,4 49,7 57,5
Nível de
urbanização 48,5 48,2 26,8
Participação local 4,9 4,0 3,1
Fonte: o autor.

O objetivo do conhecimento desses valores da estatística descritiva de tais variáveis é


permitir a identificação de assimetrias que possam comprometer a qualidade dos resultados. A
variável “AR” é a de maior assimetria e, em estudos preliminares, foi transformada para log,
mas tal transformação pouco alterou a qualidade dos modelos; por fim, optou-se por mantê-la
por ser de mais fácil interpretação. A variável “Participação local” apresenta distribuição
ligeiramente mais simétrica que “Nível de urbanização”, sendo uma variável quantitativa
construída por contagem e agregação de dummies (20, no total). Optou-se por não a
transformar, pelas mesmas razões, decisão ainda mais robusta, dada a sua distribuição mais
simétrica.
A preocupação maior, nesta tese, recai sobre a variável-resposta: “como regra geral, o
pesquisador deve começar transformando a sua variável dependente e, se julgar necessário,
deve transformar as variáveis independentes” (FIGUEIREDO FILHO et al., 2011). As
assimetrias nas distribuições das demais variáveis não parecem tão graves e mudá-las poderia
impactar na sua interpretação mais intuitiva.
O “Tamanho populacional” e a “Capacidade administrativa” eram duas variáveis
contínuas (população) ou de contagem (capacidade administrativa), que, por apresentarem
135
assimetrias notórias, foram transformadas em variáveis qualitativas. No caso da população,
permitindo separar o impacto dos municípios de realidades absolutamente distintas. Algo
semelhante, em menor grau, ocorre com os três perfis criados em capacidade administrativa.
A tabela 4 apresenta as frequências das variáveis qualitativas, que apresentam uma
variedade de artifícios estatísticos muito mais limitada do que as variáveis contínuas.

Tabela 4: Frequência das variáveis qualitativas


Variáveis Frequência
OGMDH 2.935
Maduro 1.403
Autonomia 431
Setor subordinado vinculado à AS 2.510
Setor subordinado não vinculado à AS 65
Secretarias exclusivas de assistência social sem 1.931
OGMDH
Tamanho da população Até 20.000 3.914
20.001 - 50.000 1.043
50.001 -100.000 325
Mais que 100.000 283
Regiões do Brasil Norte 449
Nordeste 1.791
Sudeste 1.665
Sul 1.184
Centro-Oeste 465
Capacidade administrativa Possui os 3 cadastros 3.161
informatizados
Possui os 3 cadastros, mas 983
pelo menos 1 deles não é
informatizado
Não possui pelo menos 1 dos 1.426
3 cadastros
Pertencimento ao partido do Executivo federal 564
Proximidade partidária com o Executivo federal 2.975
Fonte: o autor.

Nesta seção, apresentou-se a estatística descritiva de como se comportam as variáveis


componentes do modelo e as transformações que algumas delas sofreram. Na próxima seção,
são apresentados os resultados dos modelos. No apêndice, encontram-se os gráficos utilizados
para mostrar que os resíduos dos modelos possuem uma distribuição, que não aponta para
uma distribuição aleatória, validando os pressupostos da regressão linear e seus resultados.

136
4.3 RESULTADOS DOS MODELOS

Nesta seção, são apresentados os modelos escolhidos e os modelos ajustados dos


mesmos; o ajuste é feito observando aspectos teóricos, combinados com os resultados
estatísticos e quais variáveis fazem sentido remover ou não. A retirada de variáveis não
relevantes pode acarretar aumento do poder de explicação do modelo e do significado de seus
betas (estimativas) por variável.
Para tornar mais intuitivo, dividiu-se a análise dos resultados pelos modelos divididos
por variáveis explicadas. Na primeira coluna, tem-se o valor relativo aos betas; na segunda
coluna, o desvio padrão da variável; nas terceira e quarta colunas, a estatística F e p-valor,
medidas utilizadas para verificar a significância da variável, no modelo. Os valores dos betas
indicam o impacto da variável (explicativa, controle ou hipótese substantiva) na variável
resposta; o quanto sua presença é capaz de aumentar a variável resposta na sua escala de
medida. Cada modelo possui significância de ANOVA (0,000) e seus respectivos R2 e
R2ajustado, que levam em consideração o número de variáveis do modelo. A validade do
modelo é dada pelo poder de explicação como um todo da variação de resultados, analisados a
seguir.

137
4.3.1 Modelos IMV

Quadro 23: Modelo IMV-1

Erro- Estatistica
Variáveis explicativas Coeficiente p-valor significância
padrão do Teste

Intercepto 13,13 1,05 12,50 0,000 ***


OGMDH 3,47 0,60 5,82 0,000 ***
Maduro 1,40 0,45 3,06 0,002 **
Sec. Exc de AS sem OGMDH -0,24 0,62 -0,39 0,694
Porte populacional (Ref: até 20 mil hab.)
De 20.001 a 50.000 hab. 7,41 0,51 14,66 0,000 ***
De 50.001 a 100.000 hab. 13,58 0,84 16,14 0,000 ***
Mais de 100.000 hab. 21,54 0,96 22,40 0,000 ***
Nível de urbanização 0,08 0,01 7,62 0,000 ***
Região (Ref: Norte)
Nordeste 4,59 0,73 6,31 0,000 ***
Sudeste -0,77 0,77 -0,98 0,328
Sul 3,70 0,79 4,70 0,000 ***
Centro-oeste 8,69 0,94 9,31 0,000 ***
Capacidade administrativa (Ref: Não possui os 3 cadastros)
Possui os 3 cadastros, mas pelo menos 1 deles não é 3,25
informatizado 0,58 5,59 0,000 ***
Possui os 3 cadastros informatizados 4,23 0,50 8,56 0,000 ***
Participação Local 0,66 0,06 10,26 0,000 ***
Proximidade partidária com o executivo federal 0,23 0,39 0,60 0,546
Pertencimento ao partido do executivo federal 1,27 0,65 1,98 0,048 *

(Significância = ‘***’ 0.001 ‘**’ 0.01 ‘*’ 0.05) - R2: 0.3104, R2 ajustado: 0.3084

No modelo completo de IMV-1, duas variáveis são estatisticamente não significativas:


“Secretaria exclusiva de assistência social sem OGMDH” e “Proximidade partidária com o
Executivo federal”. A primeira tem, por estratégia, verificar se a assistência social não seria
responsável pelos resultados em direitos humanos; independentemente da existência de
OGMDH. A segunda verifica se fazer parte da base que compôs a candidatura vitoriosa, em
2010, para o Executivo federal, incrementava a oferta de políticas públicas. Em termos
conceituais, faz todo sentido que tais variáveis sejam excluídas do modelo ajustado.
Destaca-se que as duas principais variáveis de OGMDH são bem validadas para
compor o modelo ajustado, onde serão mais bem analisadas. O modelo completo tem R2 de
0,31, algo bastante razoável para regressões em ciências sociais, significando que suas
variáveis podem ser preditivas de mais de um terço do comportamento da variável explicada,
o IMV.

138
Quadro 24: Modelo IMV-1 Ajustado
Erro- Estatistica do
Variáveis explicativas Coeficiente p-valor significância
padrão Teste

Intercepto 13,07 0,91 14,36 0,000 ***


OGMDH 3,65 0,39 9,32 0,000 ***
Maduro 1,40 0,45 3,08 0,002 **
Porte populacional (Ref: até 20 mil hab.)
De 20.001 a 50.000 hab. 7,40 0,51 14,65 0,000 ***
De 50.001 a 100.000 hab. 13,59 0,84 16,15 0,000 ***
Mais de 100.000 hab. 21,55 0,96 22,41 0,000 ***
Nível de urbanização 0,08 0,01 7,60 0,000 ***
Região (Ref: Norte)
Nordeste 4,59 0,73 6,30 0,000 ***
Sudeste -0,80 0,77 -1,03 0,302
Sul 3,72 0,79 4,73 0,000 ***
Centro-oeste 8,67 0,93 9,28 0,000 ***
Capacidade administrativa (Ref: Não possui os 3 cadastros)
Possui os 3 cadastros, mas pelo menos 1 deles não é informatizado 3,25 0,58 5,59 0,000 ***
Possui os 3 cadastros informatizados 4,24 0,49 8,58 0,000 ***
Participação Local 0,66 0,06 10,28 0,000 ***
1,39 0,61 2,28 0,023 *
Pertencimento ao partido do executivo federal

(Significância = ‘***’ 0.001 ‘**’ 0.01 ‘*’ 0.05) - R2: 0.3104, R2 ajustado: 0.3086

Os modelos 1 têm a finalidade principal de testar a hipótese da importância da


existência dos OGMDH, que foi plenamente confirmado para IMV. O beta de 3,65 atingido
pela variável OGMDH só é superado por variáveis societais e o perfil mais completo de
capacidade administrativa. No caso das variáveis societais, elas traduzem um cenário de
assimetrias, dado que muda lentamente. O modelo aponta que o incremento dos processos de
urbanização (beta de 0,07) tem um poder muito baixo para a ampliação da oferta de políticas
públicas em direitos humanos.
Das variáveis institucionais, só aqueles municípios que possuem todos os cadastros
informatizados (4,24) têm um efeito superior para a ampliação da oferta. A participação em
conferências de políticas públicas, que visa medir o impacto da capilaridade social,
comparece com um incremento de 0.66 do IMV, muito abaixo do otimismo da literatura de
conferências (MILLER, 1993; POGREBINSCHI; SANTOS, 2011; AVRITZER, 2012;
POGREBINSCHI, 2012). A variável institucional de cunho partidário (“Pertencimento ao
partido do Executivo federal”), um tema tão estudado nos processos de transferências de
recursos, tem efeito líquido, para esse indicador, de 1,39. É possível que esse tipo de política
pública não seja o canal mais eleito para tal tipo de relação (BATISTA, 2004), lembrando que
a outra variável partidária nem foi, estatisticamente, significativa.

139
A variável de OGMDH “Maduro” também oferece um valor considerável de beta
1,39, significando que a simples existência do OGMDH, entre 2009 e 2011, já oferece um
incremento de mais de uma unidade no IMV (SCARTASCINI; STEIN; TOMMASI, 2013).
Os bons desempenhos das variáveis de OGMDH (OGMDH e Maduro) e “capacidade
administrativa” já oferecem fortes indícios sobre a importância das escolhas institucionais e
sua relação direta com a redução de CTP (CABALLERO; ARIAS, 2013; DIXIT, 1998;
WILLIAMSON; MASTEN, 1999; SPILLER; TOMMASI, 2007). Os modelos 2 têm, por
objetivo central, testar as diferenças entre tipos de OGMDH e assistência social.

Quadro 25: Modelo IMV-2


Erro- Estatistica
Variáveis explicativas Coeficiente p-valor significância
padrão do Teste

Intercepto 13,09 1,05 12,48 0,000 ***


Subordinado vinculado à AS 3,54 0,61 5,80 0,000 ***
Maduro 1,38 0,45 3,05 0,000 **
Autonomia 3,43 0,86 3,97 0,000 ***
Sec. Exc de AS sem OGMDH -0,22 0,61 -0,36 0,720
Porte populacional (Ref: até 20 mil hab.)
De 20.001 a 50.000 hab. 7,41 0,51 14,65 0,000 ***
De 50.001 a 100.000 hab. 13,59 0,84 16,13 0,000 ***
Mais de 100.000 hab. 21,56 0,97 22,33 0,000 ***
Nível de urbanização 0,08 0,01 7,61 0,000 ***
Subordinado não vinculado à AS 2,32 1,78 1,30 0,190
Região (Ref: Norte)
Nordeste 4,60 0,73 6,29 0,000 ***
Sudeste -0,76 0,77 -0,98 0,330
Sul 3,71 0,79 4,69 0,000 ***
Centro-oeste 8,70 0,93 9,30 0,000 ***
Capacidade administrativa (Ref: Não possui os 3 cadastros)
3,25 0,58 5,59 0,000 ***
Possui os 3 cadastros, mas pelo menos 1 deles não é informatizado
Possui os 3 cadastros informatizados 4,23 0,49 8,56 0,000 ***
Participação Local 0,66 0,06 10,27 0,000 ***
Proximidade partidária com o executivo federal 0,24 0,39 0,61 0,540
Pertencimento ao partido do executivo federal 1,28 0,64 1,98 0,050 *

(Significância = ‘***’ 0.001 ‘**’ 0.01 ‘*’ 0.05) R2: 0.3106, R2 ajustado: 0.3083

Também no modelo completo de IMV-2 as duas variáveis que não são


estatisticamente significativas são: “Secretaria exclusiva de assistência social sem OGMDH”
e “Proximidade partidária com o Executivo federal”, com a mesma consideração de ajuste do
modelo anterior e exclusão de duas variáveis. A novidade desse modelo tipo 2 sãos as
variáveis de OGMDH subordinados e vinculados ou não à assistência social; enquanto os
vinculados à assistência têm beta ligeiramente superior até ao dos modelos de maior
autonomia, os não vinculados não foram considerados de resultado significativo e optou-se

140
por excluí-los do modelo. Algo que, somado ao que também ocorreu com as secretarias de
assistência social exclusivas, mas sem OGMDH, aponta na direção de, por um lado, reforçar a
importância da inteiração institucional entre direitos humanos e assistência social; por outro,
permitir recusar a hipótese substantiva, pelo menos em relação ao IMV, de que os resultados
de direitos humanos sejam um epifenômeno causado pela atuação institucional da assistência
social.

Quadro 26: Modelo IMV-2 Ajustado


Erro- Estatistica do
Variáveis explicativas Coeficiente p-valor significância
padrão Teste

Intercepto 13,06 0,91 14,34 0,000 ***


Subordinado vinculado à AS 3,63 0,40 8,99 0,000 ***
Maduro 1,42 0,45 3,12 0,000 **
Autonomia 3,52 0,73 4,79 0,000 ***
Porte populacional (Ref: até 20 mil hab.)
De 20.001 a 50.000 hab. 7,41 0,51 14,66 0,000 ***
De 50.001 a 100.000 hab. 13,61 0,84 16,17 0,000 ***
Mais de 100.000 hab. 21,60 0,97 22,39 0,000 ***
Nível de urbanização 0,08 0,01 7,62 0,000 ***
Região (Ref: Norte)
Nordeste 4,63 0,73 6,34 0,000 ***
Sudeste -0,77 0,77 -1,00 0,320
Sul 3,77 0,79 4,79 0,000 ***
Centro-oeste 8,69 0,93 9,30 0,000 ***
Capacidade administrativa (Ref: Não possui os 3 cadastros)
Possui os 3 cadastros, mas pelo menos 1 deles não é informatizado 3,25 0,58 5,59 0,000 ***
Possui os 3 cadastros informatizados 4,25 0,49 8,59 0,000 ***
Participação Local 0,66 0,06 10,29 0,000 ***
Pertencimento ao partido do executivo federal 1,42 0,61 2,32 0,020 *

(Significância = ‘***’ 0.001 ‘**’ 0.01 ‘*’ 0.05) - R2: 0.3102, R2 ajustado: 0.3084

Os resultados apontam na direção da importância da assistência social para os tipos


subordinados terem um resultado ainda melhor do que os tipos mais autônomos (3,6 e 3,5,
respectivamente). Validando a hipótese de que mais autonomia, seja pelo tipo de OGMDH,
seja pela vinculação com uma secretaria mais institucionalizada com políticas e públicas,
como ocorre com a assistência social, nos municípios, é um elemento de forte impulso na
oferta de políticas públicas em direitos humanos (WILLIAMSON, 1975; MILLER, 1993;
DIXIT, 1998). Novamente, sobressai a importância de variáveis societais, com as quais se
opera muito lentamente. Nível de urbanização possui uma capacidade extremamente limitada,
no modelo (0,08). Em relação às variáveis institucionais “Participação local” e
“Pertencimento ao partido do Executivo federal”, ficam muito aquém das contribuições de
efeito das escolhas de desenho institucional e de capacidade administrativa. O menor

141
desempenho, entre essas, fica para a variável “Maduro” (1,42), melhorando, em mais de um
ponto, o fato de o OGMDH já existir em 2009.
Em resumo, em relação aos modelos IMV 1 e 2, a importância da existência dos
OGMDH foi constatada, particularmente, nos seus tipos mais autônomos ou vinculados à
assistência social. Variáveis de controle, de corte societal, evidenciaram seu peso na
assimetria entre os municípios, sendo correto controlá-las. Os processos de urbanização têm
fraco impacto positivo sobre a oferta de políticas públicas. As variáveis de hipóteses
substantivas, em sua grande maioria (exceção para “Proximidade partidária com o Executivo
federal”), evidenciaram sua importância. No caso de capacidade administrativa, de até maior
relevância do que as variáveis de OGMDH, em seu perfil mais completo. Os resultados
menos expressivos ficam por conta da “Participação local” a variável ”Pertencimento ao
partido do Executivo federal”.

4.3.2. Modelos IMU

Os modelos IMU são relativos ao índice desta tese que trata das políticas de corte mais
universalistas em seu público-alvo; nas hipóteses, espera-se que os OGMDH tenham um bom
desempenho, mas não na mesma proporção que apresentaram em IMV.

142
Quadro 27: Modelo IMU-1
Erro- Estatistica
Variáveis explicativas Coeficiente p-valor significância
padrão do Teste

Intercepto 17,45 0,79 22,01 0,000 ***


OGMDH 3,07 0,45 6,78 0,000 ***
Maduro 0,64 0,34 1,86 0,060
Sec. Exc de AS sem OGMDH -0,33 0,46 -0,71 0,480
Porte populacional (Ref: até 20 mil hab.)
De 20.001 a 50.000 hab. 6,30 0,38 16,48 0,000 ***
De 50.001 a 100.000 hab. 12,32 0,64 19,36 0,000 ***
Mais de 100.000 hab. 18,82 0,73 25,87 0,000 ***
Nível de urbanização 0,06 0,01 7,43 0,000 ***
Região (Ref: Norte)
Nordeste 2,12 0,55 3,84 0,000 ***
Sudeste 2,26 0,58 3,87 0,000 ***
Sul 3,18 0,60 5,32 0,000 ***
Centro-oeste 7,16 0,71 10,13 0,000 ***
Capacidade administrativa (Ref: Não possui os 3 cadastros)
Possui os 3 cadastros, mas pelo menos 1 deles não é informatizado 2,48 0,44 5,63 0,000 ***
Possui os 3 cadastros informatizados 3,66 0,37 9,80 0,000 ***
Participação Local 0,53 0,05 10,88 0,000 ***
Proximidade partidária com o executivo federal 0,42 0,30 1,41 0,160
Pertencimento ao partido do executivo federal 1,68 0,49 3,45 0,000 ***

(Significância = ‘***’ 0.001 ‘**’ 0.01 ‘*’ 0.05) - R2: 0.3573, R2 ajustado: 0.3555

Nesse modelo, a variável “Maduro” não se revela significativa e está na mesma


situação, repetindo o desempenho dos modelos IMV; a variável de proximidade partidária e
as secretarias exclusivas de assistência social, sem OGMDH, também não apresentam
resultados significativos.

Quadro 28: Modelo IMU-1 Ajustado


Erro- Estatistica
Variáveis explicativas Coeficiente p-valor significância
padrão do Teste

Intercepto 17,43 0,69 25,31 0,000 ***


OGMDH 3,48 0,28 12,30 0,000 ***
Porte populacional (Ref: até 20 mil hab.)
De 20.001 a 50.000 hab. 6,30 0,38 16,49 0,000 ***
De 50.001 a 100.000 hab. 12,41 0,64 19,52 0,000 ***
Mais de 100.000 hab. 18,99 0,72 26,27 0,000 ***
Nível de urbanização 0,06 0,01 7,38 0,000 ***
Região (Ref: Norte)
Nordeste 2,19 0,55 3,98 0,000 ***
Sudeste 2,27 0,58 3,90 0,000 ***
Sul 3,23 0,59 5,43 0,000 ***
Centro-oeste 7,13 0,71 10,09 0,000 ***
Capacidade administrativa (Ref: Não possui os 3 cadastros)
Possui os 3 cadastros, mas pelo menos 1 deles não é informatizado 2,48 0,44 5,63 0,000 ***
Possui os 3 cadastros informatizados 3,67 0,37 9,81 0,000 ***
Participação Local 0,54 0,05 11,01 0,000 ***
Pertencimento ao partido do executivo federal 1,91 0,46 4,13 0,000 ***

(Significância = ‘***’ 0.001 ‘**’ 0.01 ‘*’ 0.05) - R2: 0.3566, R2 ajustado: 0.3551

143
Hipótese confirmada em parte; por um lado, o beta de OGMDH é significativo e
ligeiramente inferior ao registrado em IMV1(3,48 contra 3,65), indicando que os OGMDH
também possuem relevância para políticas públicas de corte universalista, mas diferindo da
hipótese específica da tese, que esperava resultado inferior ao atingido em políticas para
grupos vulneráveis, um beta 0,17 superior. Por outro lado, a variável “Maduro” não só tem
um beta baixo, como também não significativo; o maior tempo de existência não tem impacto
sobre políticas universalistas, que se pudesse comprovar.
Aponta melhor resultado para políticas com grupos em situação de vulnerabilidade,
mas a diferença não é tão expressiva. As demais variáveis repetem o desempenho do modelo
anterior, com ligeiro fortalecimento da variável partidária. As variáveis societais e
institucionais repetem o desempenho dos IMV, também, nesse modelo.

144
Quadro 29: Modelo IMU-2
Erro- Estatistica do
Variáveis explicativas Coeficiente p-valor significância
padrão Teste

Intercepto 17,77 0,80 22,16 0,000 ***


Subordinado vinculado à AS 3,20 0,46 6,92 0,000 ***
Maduro 0,56 0,34 1,63 0,100
Autonomia 2,82 0,65 4,31 0,000 ***
Sec. Exc de AS sem OGMDH -0,24 0,47 -0,51 0,610
Porte populacional (Ref: até 20 mil hab.)
De 20.001 a 50.000 hab. 6,38 0,39 16,55 0,000 ***
De 50.001 a 100.000 hab. 12,36 0,64 19,37 0,000 ***
Mais de 100.000 hab. 18,87 0,73 25,76 0,000 ***
Nível de urbanização 0,06 0,01 7,27 0,000 ***
Subordinado não vinculado à AS 2,62 1,35 1,94 0,050 .
Região (Ref: Norte)
Nordeste 1,87 0,56 3,34 0,000 ***
Sudeste 2,04 0,59 3,44 0,000 ***
Sul 2,93 0,60 4,85 0,000 ***
Centro-oeste 6,94 0,71 9,71 0,000 ***
Capacidade administrativa (Ref: Não possui os 3 cadastros)
Possui os 3 cadastros, mas pelo menos 1 deles não é informatizado 2,39 0,44 5,38 0,000 ***
Possui os 3 cadastros informatizados 3,60 0,38 9,55 0,000 ***
Participação Local 0,52 0,05 10,68 0,000 ***
Proximidade partidária com o executivo federal 0,43 0,30 1,43 0,150
Pertencimento ao partido do executivo federal 1,70 0,49 3,46 0,000 ***

(Significância = ‘***’ 0.001 ‘**’ 0.01 ‘*’ 0.05) - R2: 0.3557, R2 ajustado: 0.3536

Mais uma vez, a exclusão da variável “Maduro” repete-se, não significativa,


estatisticamente, do modelo IMV-2, com as variáveis: “Secretarias exclusivas sem OGMDH”,
”Subordinado” e “Proximidade partidária”. A variável de OGMDH “Sem vínculo com a
assistência social” encontrou nível de significância menor (0,1), mas, devido à sua
importância nas hipóteses testadas, optou-se por mantê-la no modelo ajustado.

145
Quadro 30: Modelo IMU-2 Ajustado
Erro- Estatistica do
Variáveis explicativas Coeficiente p-valor significância
padrão Teste

Intercepto 17,41 0,69 25,26 0,000 ***


Subordinado vinculado à AS 3,56 0,30 12,04 0,000 ***
Autonomia 3,25 0,55 5,93 0,000 ***
Porte populacional (Ref: até 20 mil hab.)
De 20.001 a 50.000 hab. 6,30 0,38 16,48 0,000 ***
De 50.001 a 100.000 hab. 12,41 0,64 19,52 0,000 ***
Mais de 100.000 hab. 19,02 0,73 26,21 0,000 ***
Nível de urbanização 0,06 0,01 7,41 0,000 ***
Subordinado não vinculado à AS 2,70 1,30 2,08 0,040 *
Região (Ref: Norte)
Nordeste 2,18 0,55 3,95 0,000 ***
Sudeste 2,27 0,58 3,90 0,000 ***
Sul 3,23 0,59 5,43 0,000 ***
Centro-oeste 7,12 0,71 10,08 0,000 ***
Capacidade administrativa (Ref: Não possui os 3 cadastros)
Possui os 3 cadastros, mas pelo menos 1 deles não é informatizado
2,48 0,44 5,63 0,000 ***
Possui os 3 cadastros informatizados 3,67 0,37 9,82 0,000 ***
Participação Local 0,54 0,05 11,02 0,000 ***
Pertencimento ao partido do executivo federal 1,92 0,46 4,14 0,000 ***

(Significância = ‘***’ 0.001 ‘**’ 0.01 ‘*’ 0.05) - R2: 0.3568, R2 ajustado: 0.3551

Nesse modelo, a superioridade dos tipos subordinados aos autônomos é um pouco


mais acentuada (3,56 e 3,25, respectivamente), o que ressalta a importância de ambos e dos
argumentos em favor de mais autonomia e institucionalização. Os resultados, ainda assim, não
são ligeiramente melhores do que o desempenho no modelo IMV-2, apontando para a
confirmação da hipótese sobre maior oferta de políticas vulneráveis, nesse tipo de modelo,
com a ressalva de que o incremento não é tão maior. Resumindo, considerando os modelos
“1” de IMV e IMU, há um ligeiro desempenho melhor para políticas universalistas. No caso
dos modelos “2”, quando estão em análise tipos específicos de OGMDH, o desempenho para
grupos vulneráveis é ligeiramente maior, inclusive com a validade da variável de
“Subordinados não vinculados à assistência social”, em grau menor de confiança (0,5). Em
síntese, quando não se consideram os OGMDH na mesma variável, os resultados para grupos
vulneráveis são melhores; à exceção dos tipos “Subordinados não vinculados à assistência
social”, que só apresentam resultados válidos para políticas universalistas.
Pelo que foi explicitado, é possível recusar a hipótese de que os OGMDH tenham um
impacto expressivo para grupos vulneráveis, hipótese inicial da tese. Ao mesmo tempo, é
possível perceber que há um efeito ligeiramente superior para esses grupos, nos tipos com
mais autonomia ou vinculados à assistência social; o que é um resultado interessante, quando
se pensa na importância de escolhas institucionais.
146
O tempo de existência não se mostrou uma variável preditora boa para esse modelo,
não confirmando a hipótese sobre a importância da maturação dos processos institucionais
(SCARTASCINI; STEIN; TOMMASI, 2013).
Mais uma vez, as variáveis de OGMDH e capacidade administrativa mostram um
desempenho apreciável, que, muitas vezes, não recebe a devida atenção no debate. Os custos
de transação políticos podem ser mais bem enfocados, quando pensados em conjunto com as
escolhas e os desenhos institucionais que a gestão pública precisa lidar.

4.3.3. Modelos AR

Os modelos AR foram de mais difícil operacionalização. A ideia inicial era de


trabalhar com o orçamento alocado pelos municípios em direitos humanos, mas a intenção
esbarrou na realidade de pouco mais de 80 municípios, em um universo de mais de 5.500,
alocarem algum recurso na função “Direitos da cidadania”; o que, por si só, já é um dado.
Enfatize-se que alocação não significa que o recurso vá ser empregado e, mais longe ainda, vá
ser bem gasto. Testaram-se várias formas de lidar com a variável explicada como qualitativa
(emprego de uma regressão logit), bem como seu valor bruto ou na forma de log. Por mais
que algumas escolhas aumentem a capacidade do modelo como um todo, tal diferença de
resultados não teve grandes apelos para as hipóteses da tese e, principalmente, para o
comportamento das variáveis de OGMDH; o que, por si só, é mais um dado conclusivo. O
problema não se encontra na maior ou menor sofisticação do tratamento das variáveis, mas na
própria realidade do momento de institucionalização de políticas públicas em direitos
humanos. O poder de predição desses modelos se posiciona acima dos 12%, algo
relativamente modesto.

147
Quadro 31: Modelo AR-1
Erro- Estatistica
Variáveis explicativas Coeficiente p-valor significância
padrão do Teste

Intercepto 45,50 4,18 10,88 0,000 ***


OGMDH 5,23 2,38 2,20 0,028 *
Maduro 1,71 1,80 0,95 0,341
Sec. Exc de AS sem OGMDH 4,43 2,43 1,82 0,068 .
Porte populacional (Ref: até 20 mil hab.)
De 20.001 a 50.000 hab. -30,23 2,01 -15,05 0,000 ***
De 50.001 a 100.000 hab. -40,75 3,33 -12,25 0,000 ***
Mais de 100.000 hab. -48,72 3,81 -12,80 0,000 ***
Nível de urbanização 0,25 0,04 6,23 0,000 ***
Subordinado não vinculado à AS -6,51 6,81 -0,96 0,339
Região (Ref: Norte)
Nordeste -0,37 2,92 -0,13 0,898
Sudeste 19,18 3,08 6,22 0,000 ***
Sul 19,79 3,15 6,29 0,000 ***
Centro-oeste 35,68 3,73 9,57 0,000 ***
Capacidade administrativa (Ref: Não possui os 3 cadastros)
Possui os 3 cadastros, mas pelo menos 1 deles não é informatizado -4,47 2,31 -1,93 0,053 .
Possui os 3 cadastros informatizados -3,84 1,97 -1,95 0,051 .
Participação Local 0,26 0,26 1,02 0,310
Proximidade partidária com o executivo federal -1,94 1,55 -1,25 0,211
Pertencimento ao partido do executivo federal -2,00 2,55 -0,78 0,434

(Significância = ‘***’ 0.001 ‘**’ 0.01 ‘*’ 0.05) - R2: 0.127, R2 ajustado: 0.1243

No modelo 1, a variável OGMDH demonstra seu efeito líquido significativo. A


variável “Maduro” não apresentou resultados consistentes e foi retirada do modelo ajustado; a
relativa aos tipos “Subordinados não vinculados à assistência social” também não foi
significativa.
Nas variáveis institucionais, a “Participação local” foi retirada do modelo; as de
“Capacidade administrativa” foram mantidas, mas com significância de 0,1, descendo a 90%
para ser inserida. O mesmo para as secretarias de assistência social exclusivas, sem a presença
de um OGMDH. As duas variáveis partidárias também não foram significativas.

148
Quadro 32: Modelo AR-1 Ajustado
Erro- Estatistica
Variáveis explicativas Coeficiente p-valor significância
padrão do Teste

Intercepto 49,48 3,42 14,46 0,000 ***


Porte populacional (Ref: até 20 mil hab.)
De 20.001 a 50.000 hab. -29,69 1,99 -14,94 0,000 ***
De 50.001 a 100.000 hab. -40,01 3,27 -12,23 0,000 ***
Mais de 100.000 hab. -47,10 3,60 -13,07 0,000 ***
Nível de urbanização 0,26 0,04 6,38 0,000 ***
Região (Ref: Norte)
Nordeste 0,52 2,89 0,18 0,860
Sudeste 19,23 3,03 6,34 0,000 ***
Sul 19,66 3,12 6,30 0,000 ***
Centro-oeste 36,10 3,72 9,70 0,000 ***
Capacidade administrativa (Ref: Não possui os 3 cadastros)
Possui os 3 cadastros, mas pelo menos 1 deles não é informatizado -4,56 2,31 -1,97 0,050 *
Possui os 3 cadastros informatizados -4,11 1,96 -2,09 0,040 *

(Significância = ‘***’ 0.001 ‘**’ 0.01 ‘*’ 0.05) - R2: 0.1251, R2 ajustado: 0.1235

Com o modelo ajustado, percebe-se a perda de significância das variáveis “OGMDH”


e das “Secretarias exclusivas de assistência social, sem OGMDH”. O modelo passa a ser
composto pelas variáveis societais, com forte peso para as regiões e resultados negativos para
o porte da população e capacidade administrativa, além de urbanização ter efeito reduzido
positivo (0,26).
Com base nesses resultados, é possível inferir que variáveis institucionais têm baixo
poder explicativo para a alocação desse tipo de recurso. No modelo AR-2, tem-se a
importância dos OGMDH, nesse contexto em que variáveis institucionais explicam pouco de
um modelo, que, por si só, é de baixíssima capacidade preditiva.

149
Quadro 33: Modelo AR-2
Erro- Estatistica do
Variáveis explicativas Coeficiente p-valor significância
padrão Teste

Intercepto 45,53 4,18 10,88 0,000 ***


Subordinado vinculado à AS 5,09 2,41 2,11 0,030 *
Maduro 1,69 1,80 0,94 0,350
Autonomia 6,30 3,42 1,84 0,070 .
Sec. Exc de AS sem OGMDH 4,45 2,43 1,83 0,070 .
Porte populacional (Ref: até 20 mil hab.)
De 20.001 a 50.000 hab. -30,22 2,01 -15,04 0,000 ***
De 50.001 a 100.000 hab. -40,78 3,33 -12,25 0,000 ***
Mais de 100.000 hab. -48,86 3,82 -12,79 0,000 ***
Nível de urbanização 0,25 0,04 6,21 0,000 ***
Região (Ref: Norte)
Nordeste -0,30 2,92 -0,10 0,920
Sudeste 19,19 3,08 6,22 0,000 ***
Sul 19,83 3,15 6,30 0,000 ***
Centro-oeste 35,72 3,73 9,58 0,000 ***
Capacidade administrativa (Ref: Não possui os 3 cadastros)
Possui os 3 cadastros, mas pelo menos 1 deles não é informatizado -4,48 2,31 -1,94 0,050 .
Possui os 3 cadastros informatizados -3,85 1,97 -1,96 0,050 .
Participação Local 0,26 0,26 1,01 0,310
Proximidade partidária com o executivo federal -1,94 1,55 -1,25 0,210
Pertencimento ao partido do executivo federal -2,01 2,55 -0,79 0,430
Subordinado não vinculado à AS -1,24 7,05 -0,18 0,860

(Significância = ‘***’ 0.001 ‘**’ 0.01 ‘*’ 0.05) - R2: 0.08157, R2 ajustado: 0.07873

A substituição da variável “OGMDH”, no modelo 2, pelas outras variáveis de tipos de


OGMDH, introduziu algumas mudanças pontuais nos resultados. A variável de secretarias
exclusivas sem OGMDH tornou-se significativa (0,1); por fim, a variável “Maduro”, as duas
variáveis partidárias e subordinado não vinculado à assistência social não foram
significativos, também, para esse modelo.

150
Quadro 34: Modelo AR-2 Ajustado

Erro- Estatistica do
Variáveis explicativas Coeficiente p-valor significância
padrão Teste

Intercepto 43,09 3,81 11,31 0,000 ***


Subordinado vinculado à AS 6,00 2,28 2,63 0,010 **
Autonomia 7,14 3,31 2,16 0,030 *
Sec. Exc de AS sem OGMDH 4,89 2,35 2,08 0,040 *
Porte populacional (Ref: até 20 mil hab.)
De 20.001 a 50.000 hab. -30,58 1,97 -15,53 0,000 ***
De 50.001 a 100.000 hab. -40,98 3,25 -12,60 0,000 ***
Mais de 100.000 hab. -48,52 3,62 -13,41 0,000 ***
Nível de urbanização 0,24 0,04 6,08 0,000 ***
Região (Ref: Norte)
Nordeste 0,49 2,90 0,17 0,870
Sudeste 18,57 3,00 6,18 0,000 ***
Sul 18,85 3,07 6,14 0,000 ***
Centro-oeste 34,83 3,68 9,46 0,000 ***

(Significância = ‘***’ 0.001 ‘**’ 0.01 ‘*’ 0.05) - R2: 0.1255, R2 ajustado: 0.1237

As duas variáveis de OGMDH mantêm sua participação no modelo: autonomia (beta


de 7,1 com significância de 0,1) e subordinado vinculado à assistência social (6,0 com
significância de 0,01), sendo valores superiores aos das secretarias de assistência social
exclusivas, sem OGMDH (4,8 com significância de 489); o que é interessante, visto que a
maior parte da composição desses orçamentos é oriunda da assistência social. As demais
variáveis do modelo são as de corte societal, um dado surpreendente, se for levado em
consideração todo caráter ainda incipiente da institucionalização dos OGMDH frente ao nível
em que já se encontra a assistência social, principalmente, nos municípios. A presença de
OGMDH é mais impactante para o aumento da alocação de recursos orçamentários nas
funções selecionadas de assistência social do que qualquer outra variável institucional. É
aceita a hipótese de que os OGMDH incrementam a alocação de recursos, com a ressalva de
que tal resultado só foi verificado com a separação em diferentes tipos de OGMDH. Não foi
encontrada prova para a hipótese do tempo de maturação dos OGMDH ter efeitos para a
alocação de recursos.

151
4.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O problema central desta tese é identificar se os OGMDH têm efeitos sobre a provisão
de políticas públicas em direitos humanos. Nos modelos utilizados, há uma resposta
afirmativa, lembrando que as hipóteses testadas nascem de uma condição em que os
municípios têm muita autonomia para implementar políticas públicas em direitos humanos,
podendo fazê-lo com o desenho institucional de gestão que lhes for conveniente ou, inclusive,
não estabelecer órgão gestor para tanto. Existia uma ausência de conhecimento em relação aos
efeitos de escolhas institucionais sobre políticas públicas.
A literatura de direitos humanos, por sua vez, se concentra em relações internacionais
e atuação do Executivo federal brasileiro; salvo dois trabalhos apresentados ao final do
capítulo 2, esse objeto não é estudado de forma abrangente e analítica, predominando estudos
de caso, como parte de uma realidade fragmentada, de políticas públicas específicas. O que se
faz, nesta tese, é, a partir do levantamento das formas empíricas de órgão gestor identificadas
pelo IBGE, a elaboração de modelos que busquem identificar o efeito específico dos órgãos
gestores locais na oferta dessas políticas públicas. A hipótese principal é a de que eles
produzem, sim, impactos nessa oferta, recusando uma leitura pessimista e redutora da Teoria
da Escolha Pública, em favor de uma apropriação dos Custos de Transação Políticos para
interpretar os resultados.
As demais questões e hipóteses, deste trabalho, esmiúçam outros aspectos do
problema central, como: os diferentes tipos de OGMDH (mais autonomia e vínculo com a
assistência social) e seu tempo de maturação (existentes em 2009 e presentes em 2011), além
de arguir sobre a possiblidade de um trade off entre políticas de caráter mais universalistas e
aquelas voltadas para grupos específicos. Por fim, se indagou sobre a possiblidade de os
OGMDH aumentarem o incremento de alocação de recursos orçamentários.
Os OGMDH elevam a oferta de políticas públicas e seus tipos com mais autonomia ou
vinculados à assistência social, aumentam, mais ainda, essa oferta. Os OGMDH favorecem
políticas para grupos específicos, um impacto verificado, também, na alocação de recursos
orçamentários.
O efeito dos OGMDH foi identificado em todos os modelos, com única ressalva para
os modelos AR, onde só se encontraram resultados nos de tipo “2”, reforçando o
entendimento de que a existência de OGMDH é uma opção institucional que, no período

152
estudado, favoreceu a redução de CTP. Tal hipótese não havia sido validada por nenhum
estudo anterior. Cada vez que um prefeito escolhe um desenho institucional com a presença
de um OGMDH, dá passos concretos para a ampliação da oferta de políticas públicas em
direitos humanos. Mais relevante, entretanto, é o fato de ser uma decisão de custos muito
baixos, capaz de ser tomada com muita velocidade pelas administrações locais.
Ao incluir, na sua gestão, um OGMDH, aumenta o beta de IMV, para 3,65, e IMU,
para 3,48, a única variável institucional que poderia render um resultado superior é a que diz
respeito à capacidade administrativa. Aprimorar instrumentos administrativos de arrecadação
é uma medida que prefeitos podem tomar, independentemente do seu impacto sobre políticas
públicas, e que são bem mais delicadas de execução do que o uso do desenho institucional da
gestão, com a criação de OGMDH. Ao instituir o OGMDH, o prefeito sinaliza para seu staff
um compromisso com aquela agenda; ao mesmo tempo em que cria um espaço de elaboração
e articulação de políticas públicas no interior da gestão. Para os atores sociais, abre-se um
canal de interlocução em torno da agenda de políticas públicas em questão.
Em relação ao orçamento (Modelo AR2), os tipos com autonomia chegam ao beta de
7,14 (0,05 de significância) e, com vínculo à assistência social, um resultado de 6,00 (0,01 de
significância). Tal resultado supera o das secretarias de assistência social sem a presença de
um OGMDH, porém não se deve esquecer que a quase totalidade dos recursos dessa variável
explicada provém da assistência social. O que se pode concluir disso? Que os tipos com mais
liberdade hierárquica de OGMDH favorecem a ampliação de recursos na assistência social, se
comparados com aquelas secretarias que não os possuem.
Quanto aos tipos de OGMDH, o fato de um tipo ser subordinado com vínculos com a
assistência social é tão ou mais importante do que ter mais autonomia. Na verdade, é um
“empréstimo de recursos e autonomia” de uma área mais consolidada e com afinidade, no
caso, a assistência social. Nesse sentido, apenas na alocação de recursos os resultados dos
tipos autônomos superam os subordinados com vínculo com a assistência social. Um modo de
pensar tal questão é entendê-la como uma forma de tirar vantagens de caminhos institucionais
já percorridos, de “queimar etapas”, em um processo de institucionalização.
O mais interessante é que, se a assistência social abrevia caminhos institucionais para
os OGMDH, os mesmos favorecem a provisão de políticas públicas de interesse mútuo e, na
alocação de recursos, são mais influentes do que secretarias exclusivas sem OGMDH,
conforme já mencionado; são horizontes que se fortalecem em termos de institucionalização
de tais políticas.

153
A noção de tempo de maturação do OGMDH só pode ser verificada para políticas
públicas voltadas para grupos vulneráveis. Em parte, a pretensão teórica esbarra no parco
registro, apenas a partir de 2009. Para que a ideia de maturação seja estudada com mais
consistência, seria ideal que fosse delimitada por um período maior de anos, passando por
diferentes gestores.
A hipótese de maior efeito dos OGMDH sobre políticas para grupos vulneráveis se
mostrou coerente, quando se pensa os diferentes tipos de OGMDH (modelos tipo “2”); porém
a dimensão dessa diferença não é muito expressiva. A presença dos OGMDH, na verdade,
favorece políticas universalistas e para vulneráveis, não parece retratar um quadro de oposição
em que ou se pratica políticas com foco ou mais universalistas. Na oferta de políticas públicas
em direitos humanos, os atores envolvidos não fazem, pelo menos no período estudado, uma
distinção rígida entre diferentes públicos-alvo de políticas públicas. Na “criatividade” da
escassez de recursos, não cabe veto ou lista de prioridades de políticas públicas. Pode-se
conjecturar que, na expectativa de maior institucionalização e legitimidade, todas as políticas
públicas que forem possíveis serão perseguidas. A ideia que norteia a hipótese deste trabalho,
em favor de uma maior presença de políticas para grupos vulneráveis, parte de um raciocínio
sobre grupos de interesse (OLSON, 1965). Para a maioria dos municípios brasileiros e seus
OGMDH esse não é um cenário factível.
A alocação de recursos é a hipótese que, desde sua concepção, parecia a mais difícil de
ser validada. Recursos em direitos humanos parece uma etapa de institucionalização para o
futuro e, de fato, o é. O interessante é que, mesmo com fraca dotação orçamentária direta, os
OGMDH conseguem ter efeito sobre a alocação de recursos em áreas afins; no caso estudado,
a assistência social.
A variável de capacidade administrativa, depois dos OGMDH, foi a variável
institucional com maior efeito sobre a provisão de políticas públicas, o que leva a pensar
sobre a necessidade de governos investirem em seus instrumentos de gestão. Governos,
minimamente, capacitados para a gestão de arrecadação de impostos tendem a ter mais
capacidades administrativas para o incremento da sua provisão em políticas públicas.
As variáveis relacionadas com vínculos partidários e participação social são
relativamente decepcionantes em seus resultados, em face do muito que acentuam sua
importância. A variável partidária de proximidade do Executivo federal mostrou-se inócua e a
de pertencimento como mais efetiva para políticas públicas universalistas, sendo ambas não
significativas para a alocação de recursos. Nesse universo de discussões institucionalistas, os

154
OGMDH comparecem como fator importante para a redução dos custos políticos de
transação.
Neste capítulo, foram apresentadas as estatísticas descritivas das variáveis dos
modelos, os modelos em si e seus resultados. Os resultados confirmam a importância dos
OGMDH para a maior oferta de políticas públicas em direitos humanos. Sua interpretação
colabora para a importância de questões sobre o desenho institucional da gestão e fatores
relacionados aos custos de transação políticos. Não se encontraram evidências que dessem
substância a argumentos que interpretam a criação de OGMDH como aumento de custos, sem
maiores consequências. Todos os resultados vão na direção inversa: desenho institucional e
CTP são elementos importantes, com efeitos sobre a atuação de governos na oferta de
políticas públicas. No caso dos OGMDH, estes representam fator importante e de fácil
efetivação com resultados para o gestor local.

155
CONCLUSÃO

Esta tese realizou um estudo quantitativo que relaciona o impacto de escolhas


institucionais com a oferta de um conjunto de políticas públicas em direitos humanos: a
escolha, por parte de prefeitos, de ter um órgão gestor de políticas públicas em direitos
humanos. A revisão da literatura sobre o tema, até a presente data, não havia atingido
resultados que dessem conta de um leque tão amplo dessas políticas, tendo como universo o
conjunto dos municípios brasileiros. A seguir, pode-se observar a conclusão sobre a exposição
dos resultados apresentados no capítulo 4 e sua relação com os problemas e as hipóteses da
tese.
O problema central levantado é relacionado à efetividade dos OGMDH para a
ampliação da oferta de políticas públicas em direitos humanos. Ao criar um OGMDH, o
governo local aponta um espaço institucional e uma escolha de agenda, surgindo, desse ponto
de partida, iniciativas que não seriam incrementadas sem essa escolha de desenho
institucional da gestão. Em termos conceituais, opera para a redução dos custos de transações
para a promoção de uma agenda de políticas públicas em direitos humanos.
Os modelos de tipo 1, usando uma variável única para todos os OGMDH,
apresentaram os betas de IMV, para 3,65, e IMU, para 3,48. O índice de políticas para grupos
vulneráveis aumenta 3,65 de sua unidade, quando existe algum tipo de OGMDH no
município. No caso das políticas universalistas, o valor é um pouco menor, 3,48, mas produz
um efeito muito próximo. No caso da alocação de recursos, AR, a variável do modelo 1 não
foi significativa, mas sim os tipos de maior autonomia, do modelo 2: um beta de 6,00, para
“setores subordinados com vínculo com a assistência social”, e de 7,00, para secretaria
exclusiva de direitos humanos. Por esses resultados, mesmo não sendo os únicos, já se
verifica a importância de um OGMDH.
Mas as questões investigadas ainda vão além: compara-se o tipo mais presente entre os
OGMDH, no período, que são os subordinados a outra secretaria, com aqueles que possuem
mais autonomia, como, por exemplo, uma subsecretaria de direitos humanos, em uma
secretaria de educação. Testou-se, também, a importância estratégica de muitos setores
subordinados, então, se vincularem à assistência social, por sua afinidade de públicos e
portfólio de políticas públicas.

156
As leituras dos resultados dos modelos apontam que tanto os tipos com mais
autonomia, quanto a presente escolha por vínculo de setor subordinado com a assistência
social, aumentam significativamente a oferta de políticas públicas. Nos modelos tipo 2, os
“setores subordinados OGMDH à assistência social” tiveram beta de 3,63, IMV, e 3,56, IMU;
já, nos mesmos modelos, os OGMDH de maior “autonomia” tiveram beta de 3,52, IMV, e
3,25, IMU. Nota-se que os OGMDH importam e, mais do que isso, a escolha do seu tipo
impacta o tamanho da ampliação da ação em direitos humanos.
Foi investigado, também, se as maturações de processos institucionais favorecem
melhores resultados da provisão de políticas públicas em direitos humanos, com bases em
dados disponíveis sobre a existência de OGMDH, em 2009 e 2011, um período extremamente
breve. O desejável seria um período maior, que pudesse passar por diferentes gestões locais.
Ainda assim, foi identificado efeito no que diz respeito às políticas públicas para grupos
vulneráveis: no modelo tipo 1, seu beta foi de 1,40 e, para o tipo 2, de 1,42. Uma
possibilidade é que os elementos empíricos disponíveis para medir tal noção teórica não se
fizeram presentes na sua melhor qualidade, ficando, então, para investigações futuras.
Outra questão abordada foi se o incremento de políticas públicas em direitos humanos
ocorre da mesma forma ou não, tanto para grupos identitários, em situação de vulnerabilidade,
como em políticas universalistas. Testou-se, ainda, se a formação de um OGMDH favorecia
um incremento maior de políticas públicas para grupos vulneráveis. A hipótese inicial era de
que existiria um trade off, motivado por grupos de interesse por políticas identitárias em torno
dos OGMDH criados, mas que não foi confirmada. Uma especulação que pode ser feita é de
que boa parte dos municípios está muito distante de um cenário de institucionalização de
grupos de interesse em torno de políticas públicas identitárias. Em um cenário de escassez de
recursos de toda a natureza, os OGMDH apostam nas políticas públicas que são viáveis,
independentemente de uma hierarquização de preferências. Em verdade, não se trata de ver
uma oposição entre políticas focais e universalistas, mas o avanço de ambas as agendas em
direitos humanos, na tentativa de não deixar uma lacuna no aspecto orçamentário das políticas
públicas. No que tange à alocação de recursos, foi identificado o mesmo diagnóstico, modelos
AR2, inclusive com resultados mais expressivos para os tipos dotados de mais autonomia.
A ordem de construção do texto seguiu um itinerário ao mesmo tempo amplo, como o
tema dos direitos humanos suscita, e demarcado ao que a construção de uma investigação
empírica sobre a realidade local dos municípios brasileiros demanda.

157
No capítulo 1, abordaram-se as concepções, os debates, as experiências internacionais
e a criação de mecanismos de monitoramento e expansão dos direitos humanos. No que diz
respeito às concepções e à necessidade ou não de um elemento conceitual que fundamente a
existência dos direitos humanos, optou-se por uma abordagem “não essencialista”, que
permite sair do impasse se os “direitos humanos” são “universalmente” aplicáveis ou não.
Nesse sentido, remete-se o debate para o campo da política e da construção de instituições,
perspectiva alinhada aos objetivos desta tese, de discutir o resultado de um desenho
institucional específico. Nas relações internacionais, os avanços foram grandes, desde 1945,
na produção de compromissos, tratados internacionais e sistemas de proteção e promoção dos
direitos humanos, embora haja muitas críticas sobre a efetividade de diferentes países em
cumprir tais acordos. Das frustrações, ou otimismo comedido, com os tratados internacionais,
seguiu-se em direção às investigações sobre as instituições domésticas, NHRI. Cabe ressaltar
que países de grandes dimensões e federalistas têm uma dificuldade a mais em se localizarem
nesse debate; somando-se a isso o fato de que muitas metrópoles estão se tornando players
internacionais.
No Brasil, as subunidades nacionais vivem um quadro de dilemas institucionais em
torno de suas obrigações e os meios de realizá-las. Por uma via, são apontadas como omissas
e/ou diretamente ligadas à perpetuação de violações dos direitos humanos; o que, em muitas
situações, é a mais pura exatidão. Por outra, é na melhora de suas políticas públicas e na
atuação da máquina administrativa que se encontram os caminhos institucionais e políticos
para uma melhor efetividade dos direitos do cidadão. Enquanto o governo federal é o foco das
pressões internacionais e nacionais em relação aos direitos humanos, boa parte das soluções
requer o esforço das subunidades.
Tal especificidade relaciona-se com a dinâmica federativa e o lugar destinado aos
municípios nessa dinâmica, em podem ser constatadas duas direções: de um lado, os temas
relativos aos direitos humanos ganham destaque cada vez maior na agenda política; por outro
lado, há a urgência de mecanismos domésticos para dar efetividade aos direitos humanos. Sua
composição vai de políticas públicas mais constitucionalizadas e organizadas em torno da
ideia de sistema, como a assistência social, saúde e educação, até políticas públicas que sejam
de livre escolha e, assim, implementações por parte dos municípios, inclusive com a hipótese
de superposição de diferentes programas, em diversos níveis federativos. Resta um problema
teórico: em que sentido órgãos gestores locais podem ajudar a enfrentar os problemas da
gestão local de políticas públicas em direitos humanos?

158
No capítulo 2, buscou-se atender a uma lacuna sobre a reflexão teórica e em como os
custos de transação políticos (CTP) podem ser o elemento que explique essa maior
contribuição dos OGMDH (WILLIAMSON, 1975; NORTH, 1998; FIANI, 2002; SPILLER;
TOMMASI, 2007; CABALLERO; ARIAS, 2013). Após exposição das três principais
vertentes do institucionalismo, tornou-se coerente, com o objeto de pesquisa, a opção
conceitual pelo institucionalismo da escolha racional conjugada ao conceito de Custos de
Transação Políticos (CTP), da NEI. Nesse sentido, foram tecidas considerações sobre os CTP
e como a transação política envolve custos mais elevados e difíceis de serem contornados. Tal
abordagem possibilitou entender o impacto dos OGMDH pela sua existência, a importância
de seus tipos com mais autonomia, mais livres na hierarquia do desenho institucional, ou da
presença de vínculo com a assistência social, apropriação da institucionalização já existente
em uma área próxima, que oferece, aos OGMDH, uma possibilidade de acesso a mais
recursos e poder institucional. Ou seja, nada mais é do que a ascensão hierárquica, a
autonomia, emprestada de uma área com grande afinidade de políticas públicas. Enquanto
que, para a assistência social, a aproximação de direitos humanos favorece unidade legítima
como sistema de proteção social, para a efetivação de direitos, afastando-se, portanto, da
marca do passado assistencialista e filantrópico (SPOSATI, 2007). Essa vantagem, para a
provisão de políticas públicas, se faz presente inclusive no incremento da alocação de
recursos.
O nexo de causalidade entre a presença dos tipos de OGMDH e as políticas públicas e
alocação de recursos reside no papel desempenhado pelos OGMDH para a redução dos CTP.
O argumento é que o desenho institucional das “engrenagens burocráticas criadas”, no caso,
os OGMDH, favorece a diminuição de custos de informação, de negociação, de ação coletiva,
de monitoramento, ou seja, custos de transação, sinalizando, na estrutura de governo, um
“lócus” para “tratar do assunto” de direitos humanos. Pela investigação aqui presente, é
correta a ideia de que OGMDH com mais autonomia, menos veto e mais tempo de existência,
este último aspecto apenas no caso específico de grupos vulneráveis, sejam capazes de
influenciar mais a provisão de políticas públicas em direitos humanos e a alocação de
recursos.
A ampliação das “engrenagens criadas” por prefeitos e o tamanho de secretariados e
ministérios recebe fortes críticas no debate público. A Confederação Nacional dos Municípios
(CNM) diz, em uma de suas cartilhas, que o governo federal é “useiro e vezeiro”, em solicitar
que os municípios criem secretarias para poder celebrar convênios. No caso dos direitos

159
humanos, os OGMDH seriam tão somente isso? Um “penduricalho” burocrático para
perseguir recursos? Não é raro encontrar estudos sobre municípios que apontem ineficiência
no gasto público; muitas vezes, em conjunto com a expansão desses por fatores,
primordialmente, políticos. Nas abordagens sobre gestão pública, é possível evidenciar o
apelo à “intersetorialidade”, à “matricialidade” e à “transversalidade”, como “remédios”
normativos para a ineficiência da máquina pública. Em tela, a possibilidade de que “toda” a
máquina pública assuma as políticas públicas “transversais” de direitos humanos. A Teoria da
Escolha Racional e a Nova Economia Institucionalista oferecem recursos conceituais
satisfatórios para entender essa proposta como um caminho aberto a comportamentos
oportunistas e problemas de CTP.
Enquanto isso, formam-se opiniões em torno do “mantra” sobre a necessidade de
diminuir o tamanho do Estado para melhorá-lo. A “proliferação” de direitos, nas definições
plásticas de direitos humanos, em suas várias gerações, passa a ser sinônimo de expansão do
Leviatã e de seu peso sobre a sociedade. Essa pauta de direitos é objeto de ataques
conservadores, que veem, na crescente proliferação de direitos substantivos, não
necessariamente ligados ao indivíduo, um problema que subverte a “essência” dos direitos
humanos na sua concepção original. O agigantamento dos Estados, para responder às
liberdades positivas, pode se tornar uma ameaça para a manutenção das liberdades negativas.
O problema pede uma abordagem mais analítica e menos impressionista. Pelos dados
apresentados, os OGMDH não são setores abastados de recursos na gestão pública e as
motivações para sua criação podem ter explicações das mais diversas, mas necessitam de
componentes relacionados à ação do Estado, políticas públicas, para vingarem. O tema não foi
tratado em minúcia nesta tese, mas pode-se aventar que se relacionem com a engenharia da
coalizão de governo e suas expectativas. Independentemente dos motivos da origem do
OGMDH, sua existência tem consequências para a dinâmica das políticas públicas.
No capítulo 2, também foram apresentados estudos antecedentes, relevantes para a
pesquisa sobre OGMDH, como o promovido pelo IBAM e pela Fundação Ford, que oferecem
boa visibilidade sobre o tamanho dessa confusão na cabeça dos gestores locais, sem conseguir
estabelecer uma definição básica de direitos humanos, mas se dividindo em opiniões sobre a
necessidade de criação de uma secretaria de governo versus órgão de assessoria ligado ao
gabinete do prefeito. Na mente dos próprios gestores, não há clareza sobre questões
conceituais e práticas para a oferta de políticas públicas em direitos humanos. A presente
contribuição também se insere no parco conjunto de trabalhos acadêmicos que escrutinam, de

160
forma sistemática, os dados da Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC/IBGE).
O que impressiona é que, um levantamento detalhado de informações sobre as instituições
municipais, em sua estrutura, composição e funcionamento, em particular, da prefeitura, não
seja “escrutinado” com mais empenho pelo universo acadêmico.
No capitulo 3, foram operacionalizadas variáveis relativas aos OGMDH e outras
vertentes que controlam o efeito líquido dos OGMDH. Buscaram-se, portanto, causas
societais, políticas e institucionais, chamadas de “variáveis de controle”, um tratamento
necessário para que os OGMDH possam ser explicados nos seus efeitos específicos, em que
foram mensurados elementos sociodemográficos, como tamanho da população e nível de
urbanização, atributos mínimos da administração local, na sua função mais básica, que é ter
instrumentos para recolher tributos, como IPTU e ISS. Há, também, o vínculo de
pertencimentos político-partidários, em relação aos partidos do Executivo federal, no período
estudado, e, nos mecanismos de participação da sociedade organizada nas políticas públicas
locais, as conferências municipais. O coeficiente de regressão apresenta o efeito líquido de
uma variável, separando de todos os demais efeitos considerados no modelo da regressão,
tomando-se os municípios como se fossem exatamente idênticos, em todas as outras variáveis
do modelo.
Sobre as variáveis institucionais, deve-se destacar que, depois do efeito dos OGMDH,
a capacidade administrativa foi o elemento que mais efeito teve para a provisão de políticas
públicas. As variáveis institucionais mais cortejadas no debate acadêmico não tiveram o
mesmo desempenho nessas políticas: a de pertencimento ao Executivo federal foi a mais
particularmente expressiva; a de proximidade com a coligação de eleição do Executivo
federal mostrou-se não significativa; a de participação local, embora significativamente
positiva, via de regra, teve baixo efeito frente a outras variáveis.
No mesmo capítulo, foram operacionalizadas as variáveis explicadas: IMU, IMV e
AR, sendo três índices criados para políticas universalistas, grupos vulneráveis e recursos
orçamentários. Nos dois primeiros, IMU e IMV, foi feito um levantamento dos dados
disponíveis nas pesquisas MUNIC, edições de 2011 e 2012, e categorização das mesmas, com
resultado desproporcional entre os elementos internos, que comporiam os índices. Para
equalizar o peso de cada elemento, foi obtida uma média por elemento e, depois, uma média
do índice, ajustando-se, assim, o peso de cada componente interno de cada índice, cada
componente correspondendo a uma pergunta (dado) da MUNIC. A composição final é a
seguinte: Índice de Meios em Políticas Públicas Universalistas (IMU), composto de 28

161
elementos: 6 de direitos políticos e informação, 5 de direitos civis, 4 de ambiental, 5 de
direitos sociais, 1 de cultura (patrimônio), 3 de direitos econômicos e 4 de saúde; e Índice de
Meios para Políticas Públicas para Grupos Vulneráveis (IMV), com 38 elementos: 11 de
deficientes, 9 de crianças e adolescente, 6 de LGBT, 7 de idosos, 3 de racial e 2 para gênero.
Sobre a variável Alocação de Recursos (AR), os dados utilizados foram obtidos a
partir da prestação de contas dos municípios brasileiros, FINBRA. Os recursos somados
foram alocados em subfunções de “Direito da Cidadania” e “Assistência Social”, sendo feito
o somatório de valores de cada município, dividido pelo número de anos apresentados pelo
município no período de 2009-2012 (valores de 0-4 anos), mas se trata apenas da alocação do
recursos, sem a garantia de que o gasto tenha sido efetivo. Cabe destacar, também, que a
utilização de recursos da assistência social deve-se ao fato de 4.788 municípios não terem
nenhum recurso alocado na rubrica “Direitos da Cidadania”.
Os seis modelos de regressão, testando o poder explicativo do OGMDH, nas variáveis
de OGMDH pesquisadas, encontraram efeitos significativos nas variáveis explicadas para
políticas universalistas, de grupos vulneráveis e referentes à alocação de recursos no
orçamento. Esta tese valida os OGMDH como um forte preditor institucional de maior oferta
de políticas públicas em direitos humanos, contribuição rara em uma área de investigação
carente de contribuições.
Cabe ressaltar que esta pesquisa foi apenas uma primeira aproximação teórico-
empírica de um tema que oferece uma agenda a ser desbravada por estudos futuros, podendo
ser, facilmente, expandida para os estados e às relações do governo federal com as
subunidades. Em relação às causas da criação e difusão de OGMDH, falta um esforço teórico-
metodológico para melhor abordagem dos resultados das políticas públicas identificadas e a
atribuição de causalidade desses efeitos a cada um dos entes federativos.
Mesmo se tratando de um horizonte de pesquisa ainda tão pouco esquadrinhado,
podem-se arriscar algumas prescrições para políticas públicas (policy prescriptions), como
sugestões para a constituição de uma agenda de pesquisa aplicada futuramente.
A primeira é que, nas últimas décadas, boa parte do debate sobre a efetivação de
direitos e a constituição de uma espécie de “estado de bem-estar” tardia, ou, em termos mais
contemporâneos, da criação de uma rede de proteção social e de direitos, muito interditada
por demarcações ideológicas de disputas partidárias, não traduz, com exatidão, as diferenças
encontradas na oferta de políticas públicas em direitos humanos nos governos locais. Por um
lado, os prefeitos de partidos alinhados com políticas públicas de direitos humanos não fazem

162
tudo o que gostariam, segundo suas convicções; por outro, prefeitos menos afeitos ao tema
podem negligenciar por completo tais políticas, até mesmo por aspectos legais e pragmáticos
das disputas. Os direitos humanos são um assunto do Estado e não uma escolha eventual de
um governo, por isso a agenda da pesquisa pode ser alargada e aprofundada, quando se vai
para os aspectos que podem constranger e limitar essas políticas de Estado.
A segunda é que os órgãos gestores de direitos humanos têm feito muito com bem
pouco. A respeito da baixa alocação de recursos, os OGMDH têm sido lócus de redução de
custos de transação. É preciso conhecer esses recursos de forma mais consistente e analítica, o
que pode ensejar a replicação de políticas públicas e a sinergia de iniciativas de municípios
geograficamente próximos e/ou com problemas comuns.
A terceira tem a ver com uma falsa oposição entre “canais institucionais”, ligados à
máquina pública versus sociedade organizada. Os OGMDH são um exemplo de que, mesmo
quando a participação local é baixa, é possível fazer muito em termos de políticas públicas,
principalmente, na articulação entre atores estatais e não estatais. Opor uma coisa a outra, ou,
ainda, colocar como pré-requisito que só pode haver atuação efetiva e democrática do Estado,
onde proliferam atores da sociedade civil, é reduzir muito a complexidade de situações e
trajetórias institucionais as mais diversas. Como apontado no capítulo 2, não se trata de opor
Estado ao mercado ou à sociedade, mas de entender as suas relações.
Os OGMDH demonstram, de forma eloquente, como um tema que escapa ao campo
de interesse de muitas agendas de pesquisa pode ser responsável por resultados em políticas
públicas que superam, em muito, outros aspectos mais cotejados no debate acadêmico. Não
por acaso, a psicologia e a economia comportamental têm ganhado espaço acadêmico,
demonstrando falhas de cognição não desprezíveis em políticas públicas; e, em particular,
com políticas públicas associadas aos direitos humanos, não seria diferente.

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174
APÊNDICE: APRESENTAÇÃO GRÁFICA DOS MODELOS

O presente apêndice apresenta graficamente o comportamento dos modelos. O


objetivo é verificar se os resíduos, não explicados por cada modelo, possuem predominância
de comportamento aleatório, denotando a existência ou não de pontos influentes que possam
propiciar distorções de um modelo. Em nenhum dos modelos foi encontrado fator
determinante que pudesse comprometer toda a análise. Evidentemente que o modelo com
menor eficácia explicativa (AR) possui os resultados mais destoantes, mas, com todas as
premissas e escolhas conceituais, ainda assim, seus resultados são aceitáveis.
São utilizados os seguintes gráficos:
- Gráfico de dispersão dos valores ajustados versus resíduos do modelo – utilizado
para verificar se há algum comportamento diferenciado dos resíduos de acordo com os valores
dos ajustados. Verifica possível heterocedasticidade (variância não constante).
- Gráfico de probabilidade normal – útil para avaliar a normalidade dos resíduos.
Desejável que se aproximem de uma reta.
- Gráfico Scale-Location – avaliando homocedasticidade.
- Gráfico da distância de Cook – avalia a presença de pontos influentes.
- Gráfico de dispersão da ordem das observações versus resíduos padronizados do
modelo – válido para representar o grau de aleatoriedade dos resíduos observados, frente aos
padronizados.

175
Modelos IMV

MODELO IMV-1:
IMV ~ OGMDH + Tamanho da População (porte) + Nível de Urbanização + Regiões do
Brasil + Capac. Adm. + Participação local + Pertencimento ao partido do Exec. fed.

Gráficos do Modelo IMV-1

176
MODELO IMV-2:
IMV ~ Subordinado AS + Autonomia + Tamanho da População (porte) + Nível de
Urbanização + Subordinado não vinc. AS + Regiões do Brasil + Capac. Adm. + Conferências
+ Pertencimento ao partido do Exec. fed.

Gráficos do Modelo IMV-2

177
Modelos IMU

MODELO IMU-1:
IMU ~ OGMDH + Tamanho da População (porte) + Nível de Urbanização + Regiões do
Brasil + Capac. Adm. + Conferências + Pertencimento ao partido do Exec. fed.

Gráficos do Modelo IMU-1

178
MODELO IMU-2:
IMU ~ Subordinado AS + Autonomia + Tamanho da População (porte) + Nível de
Urbanização + Subordinado não vinc. AS + Regiões do Brasil + Capac. Adm. + Conferências
+ Pertencimento ao partido do Exec. fed.

Gráficos do Modelo IMU-2

179
Gráficos Modelos AR

MODELO AR-1: Gasto per capita por porte


AR ~ Tamanho da População (porte) + Nível de Urbanização + Regiões do Brasil +
Capac. Adm.

Gráficos do Modelo AR-1

180
MODELO AR-2: Gasto per capita por porte
AR ~ Subordinado AS + Autonomia + Sec. Exc. AS sem OGMDH + Tamanho da População
(porte) + Nível de Urbanização + Regiões do Brasil + Capac. Adm.

Gráficos do Modelo AR-2

181

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