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A ABOLIÇÃO PREVIA E A CRIAÇÃO DA COLONIA AGRICOLA PELA

CONDESSA DO RIO NOVO – ESTUDO DE CASO

Célio César de Aguiar Lima


Programa de Pós Graduação em História da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro1
professor.aguiar@hotmail.com

A CONDESSA DO RIO NOVO E A COLONIA AGRICOLA, ATUAL BAIRRO


DE VILA ISABEL, TRÊS RIOS – RJ

A referência mais remota sobre o território do município de Três Rios data


do início do século XIX, quando Antônio Barroso Pereira obteve, por
requerimento de 16 de setembro de 1817, "terras de sesmaria no sertão entre
os rios Paraíba e Paraibuna". É no teor da concessão da referida sesmaria,
exarada pela coroa portuguesa, que se identifica a origem da primeira toponímia
do município. Entre-Rios. Dentro do seu patrimônio territorial, Antônio Barroso
Pereira fundou cinco fazendas: a fazenda Cantagalo, a mais importante, e as
fazendas Piracema, Rua-Direita, Boa União e Cachoeira, todas dependentes da
primeira.
A 23 de junho de 1861 foi inaugurada a rodovia União-Indústria (que ligava
Petrópolis a Juiz de Fora) e que passava pelas terras da fazenda Cantagalo.
Essa rodovia contou com grande colaboração do fazendeiro Antônio Barroso
Pereira e, por esse motivo, o imperador Pedro II agraciou-lhe, em 1852, com o
título honorífico Barão de Entre-Rios. Ainda em sua homenagem à estação

1
Trabalho apresentado a Disciplina de TÓPICOS ESPECIAIS – PROPRIEDADES E DIREITO DE ACESSO,
SÉCULOS XVIII E XIX – Prof.ª DRª MARINA MONTEIRO MACHADO.
rodoviária local, foi dado o nome de Estação de Entre-Rios. Com o batismo da
estação não tardou que o pequeno povoado, formado às margens da rodovia,
passasse a ser conhecido como Entre-Rios. Em 1867, os trilhos da Estrada de
Ferro D. Pedro II chegaram à região e, tal a rodovia, essa ferrovia recebeu o
importante apoio do Barão que, falecido em 1862, transmitiu a fazenda
Cantagalo para sua filha Mariana Claudina Pereira de Carvalho, feita Condessa
do Rio Novo em 1880.
Viúva e sem filhos, a Condessa, falecida a 05 de junho de 1882, em
Londres, onde se encontrava em tratamento de saúde, deixou a fazenda
Cantagalo para a obra assistencial que planejara em Paraíba do Sul, a Casa de
Caridade, com a recomendação de que "as terras próximas à Estação de Entre-
Rios", poderiam ser aforadas para os que ali quisessem residir. Tratava com
essa recomendação de garantir recursos perpétuos àquela futura casa de
assistência social. Somada à movimentação que já se fazia sentir pela rodovia e
pela ferrovia, a oportunidade do aforamento de terras veio, sobremaneira,
efetivar um relativo progresso para o local, já reconhecido como importante
entroncamento rodoferroviário. A 13 de agosto de 1890, o povoado de Entre-
Rios foi elevado a segundo distrito de Paraíba do Sul.
Mariana Claudina Barroso Pereira de Carvalho, a Condessa do Rio Novo
(Três Rios, 1816 - Londres, 5 de junho de 1882) foi uma fazendeira brasileira.
Ela recebeu o título de condessa após enviuvar-se de José Antônio Barroso de
Carvalho, primeiro barão e visconde do Rio Novo. A Condessa do Rio Novo foi
uma abolicionista e benemérita notável. Em 1881 não somente libertou todos os
seus escravos, mais de quatrocentas pessoas, como criou, em sua fazenda
Cantagalo (Paraíba do Sul), a Colônia Nossa Senhora da Piedade, para garantir
a distribuição de lotes de terras aos seus libertos. Também construiu duas
escolas para os filhos de seus ex-escravos e para os de outras famílias
desfavorecidas de fortuna. Seus gestos atraíram a admiração dos clubes
emancipadores e de importantes abolicionistas, como Joaquim Nabuco e José
do Patrocínio.
À Mariana é atribuída a criação da primeira reserva ecológica da região,
no distrito de Bemposta, numa área em que ela proibiu a instalação de "casas
de negócios ou outras quaisquer indústrias". O Hospital Nossa Senhora da
Piedade, de Paraíba do Sul, que presta atendimento hospitalar, bem como a
Casa de Caridade, que promove educação de meninos e meninas
desemparados, nasceram da vontade da Condessa, deixada por testamento. No
ano de 1884, em Ouro Preto, então a capital da província de Minas Gerais, em
sua homenagem foi fundada a Sociedade de Libertos Condessa do Rio Novo. A
Condessa do Rio Novo Faleceu em Londres, no ano de 1882. A Condessa é tida
como ícone nos municípios de Paraíba do Sul e de Três Rios por ter distribuído,
antes de morrer, seus bens e terras a mais de 300 escravos que tinha, que
também ganharam alforria seis anos antes da Lei Áurea.
A liberdade e o acesso à terra foram conseguidos pelos escravos da
Fazenda de Cantagalo através do testamento da proprietária, Mariana Claudina
Pereira de Carvalho, Condessa do Rio Novo, que a herdara de sua mãe, a
Baronesa de Entre Rios, viúva de Antonio Barroso Pereira Jr., Barão de Entre
Rios. Era uma extensa área de terras entre os rios Paraíba, Piabanha e
Paraibuna. A sede localizava-se na atual cidade de Três Rios.
A Condessa deixou, entre outros legados, a Fazenda de Cantagalo para
a Irmandade de Nossa Senhora da Piedade, que foi fundada em Paraíba do Sul,
de acordo com as determinações existentes no testamento. Os libertos
formariam, naquela fazenda, uma colônia agrícola sob a denominação de Nossa
Senhora da Piedade, onde seriam estabelecidas duas escolas para a educação
dos menores da colônia e da circunvizinhança. Foram distribuídos lotes de terras
aos adultos para o cultivo de cereais, para a sua subsistência, e lotes de
cafezais. A metade do café produzido pertenceria aos libertos e a outra metade
à Irmandade. A administração e o governo da colônia ficaram sob a
responsabilidade da mesa da respectiva Irmandade e a fiscalização seria feita
pelo Juiz de Direito e pelo presidente da Câmara Municipal, para manter a
ordem, a disciplina, a regularidade dos serviços e a fiscalização da receita e da
despesa.
Segundo Guimarães (1994), o atual bairro de Vila Isabel o maior e o mais
populoso da cidade recebendo esse nome em homenagem à Princesa Isabel –
filha de D. Pedro II –, que aboliu a escravidão. Na época o bairro era formado
por escravos que foram alforriados após a morte da Condessa do Rio Novo, a
qual deixou suas terras aos escravos, em seu testamento no ano de 1882,
influenciada pelas ideias positivistas e abolicionistas. Os libertos formaram nesta
fazenda uma Colônia Agrícola sob dominação e administração da Irmandade de
Nossa Senhora da Piedade, que devido a má administração, foi responsável pela
desagregação da Colônia Agrícola ocorrida em1932. Em 1940 a Colônia
Agrícola começou a receber atenção especial da cidade. O prefeito da época,
Dr. Walter Gomes Francklin, investiu na iluminação pública e na expansão da
rede elétrica. A colônia começou a crescer a partir de 1949 quando a então
Colônia Agrícola recebeu o nome de bairro Vila Isabel em 1951.
Após a abolição, inúmeras tentativas foram feitas para esquecer, apagar
ou transformar a herança africana em nosso país, em todos os aspectos, até
mesmo no aspecto biológico. Seguindo então a “onda” embranquecedora, o
nome do bairro Colônia foi trocado para Vila Isabel. Uma homenagem à “princesa
redentora”. Tal troca sofreu algumas críticas por não terem pensado no nome da
Condessa do Rio Novo. Afinal, a cidade de Três Rios surgira a partir do seu
testamento e a libertação dos escravos da fazenda de Cantagalo através do
mesmo documento. (INNOCENCIO, 2015, p.193)
Segundo Motta (1996, p. 39), obter domínio sobre a terra possibilitava
outras prerrogativas. Entre elas, podemos citar a de dominar os homens, que
nela habitavam ou que desejassem habitar. Inicialmente, aqueles fazendeiros,
não mediam e nem demarcavam as suas terras, pois limitar o território
significaria não apenas se subordinar à Coroa; como também diminuir o seu
poder sobre os posseiros e os seus vizinhos. “Ser senhor de terras significava,
antes de mais nada, ser senhor – e era sobretudo este domínio senhorial que
não podia ser medido ou limitado”.2
A extensão do poder senhorial era possibilitada pela existência de matas
virgens, que poderiam ser ocupadas por fazendeiros ou lavradores, isto é, que
poderiam ser disputadas com os senhores que tentariam impedir esse acesso a
terceiros. As coisas e as pessoas tinham que permanecer sob o domínio, de fato
ou potencialmente, daqueles senhores citados anteriormente. A política agrária
que permaneceu por todo o século XIX consistia em conflitos diários e lutas pelo
acesso à terra, pois não havia legislação agrária brasileira, o que permaneceu
até 1850. Antes disso, desde 1822 com o fim do sistema de sesmarias,
recorriam-se constantemente aos artigos das Ordenações Filipinas.3

2 SAINT HILAIRE, Auguste de. Viagem pelas Províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Belo
Horizonte, Itatiaia, São Paulo: USP, 1975, p. 43. (apud, MOTTA, op. cit., p. 38-39)
3 IDEM
Naquela época, para se tornar senhor e possuidor de terras, os
interessados deveriam ocupá-las, exercer um poder efetivo, praticar atos
possessórios (cultivo; edificação de benfeitorias) para assegurar, na prática, o
direito e legitimidade sobre elas, não somente disputá-las na justiça colocando-
se como proprietários. (MOTTA, 1996, p. 57) Motta (1996, p. 70)4 afirma que, na
região de Paraíba do Sul, revelava-se uma sociedade rural extremamente
complexa no século XIX.
O Marquês de São João Marcos, que não mediu e nem demarcou as suas
terras, presenciou o apossamento sucessivo entre pequenos e grandes
posseiros (sesmeiro com situação de comisso) e arrendou outra grande parte
delas. Outros fazendeiros ficavam do lado de pequenos posseiros, procurando
limitar o desejo de expansão de seus pares, fazendo com que a pequena gleba
apossada fosse transformada em marco territorial das terras de outrem. Os
pequenos posseiros, aproveitando os embates, utilizavam o argumento de que
teriam sido os primeiros a cultivarem as referidas terras.
Nesses jogos de poder, Motta (1996, p. 90) também percebe que, os
trabalhadores arrendatários se autodenominavam assim, para demonstrar a sua
autonomia perante os senhores, pois como agregados ficava enfatizada a sua
condição de dependência. Até a década de 1850 existiam terras devolutas e
matas virgens na região. Sendo assim, os fazendeiros, como também, outros
agentes sociais buscavam expandir os limites das terras originais ou ter acesso
a elas.
Os grandes fazendeiros eram, na verdade, os posseiros que a lei tentava
beneficiar e legalizar; embora também dela se beneficiassem os muitos
pequenos posseiros. Sendo assim, a lei permitia uma “[...] possibilidade de
democratizar o acesso à terra, ao salvaguardar os interesses dos lavradores que
haviam ocupado pequenas parcelas de terras, antes da aprovação da lei”.5

4 IBIDEM
5 Para maior entendimento sobre a legitimização das terras e os significados da Lei de 1850,
vide: (MOTTA, p. 204-227) - MOTTA, Márcia Maria Menendes Motta. Nas Fronteiras do Poder:
Conflitos de Terra e Direito Agrário no Brasil de Meados do Século XIX. Campinas: Tese de
Doutorado apresentada ao departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas da Unicamp, 1996.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Camila Righi. O papel do Plano Diretor na organização espacial das
cidades: o caso do município de Três Rios. 2012. 131 f. Dissertação (Mestrado
em Ambiente Construído) - Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora,
2012.
GUIMARAES, Irene Lopez. História do Bairro de Vila Isabel. Três Rios, 1994.
INNOCENCIO, Isabela Torres de Castro. Liberdade e acesso à terra: Fazenda
de Cantagalo – Paraíba do Sul. 13f. Tese (Mestrado em História Social) -
Universidade Severino Sombra. Vassouras, 2002. Disponível em:
http://www.uss.br/pages/revistas/revistacaminhosdahistoria/revistaeletronica/ar
quivos/liberdade.swf. Acesso em: 13 de jan. 2016.
INNOCENCIO, Isabela Torres Castro. Memória de Afrodescendentes no Vale do
Paraíba: de colônia agrícola Nª Sª da Piedade a bairro de Vila Isabel. Lugar de
memória, história e esquecimento em Três Rios, 1882-1951. 371f. Tese
(Doutorado em Memória Social) – Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro, 2015. Disponível em: http://edmundomonte.com.br/wp-
content/uploads/2015/12/UNIRIO-Tese-de-Doutorado-ISABELA-TORRES-DE-
CASTRO-INNOCENCIO.pdf, Acesso em: 04 de dez. 2016.
RIBEIRO, Rosângela de Fátima Campos. Três Rios – (RJ) – A Crise dos Anos
80 e o Mito da “Esquina do Brasil”. 128p. Tese (Mestrado em Geografia) -
Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2009. Disponível em:
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cp132930.pdf. Acesso em: 25
de fev. 2016.
MOTTA, Márcia Maria Menendes Motta. Nas Fronteiras do Poder: Conflitos de
Terra e Direito Agrário no Brasil de Meados do Século XIX. Campinas: Tese de
Doutorado apresentada ao departamento de História do Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas da Unicamp, 1996.
ANEXO I

O TESTAMENTO DA CONDESSA DO RIO NOVO

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