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HISTÓRIAS FLUMINENSES

ENGENHO GERICINÓ
Guilherme Peres

Pertencente a freguesia de São João Baptista de Merity, e relacionado na


estatística realizada no Rio de Janeiro, durante o governo do marquês de
Lavradio entre os anos de 1769 e 1779, o engenho de açúcar da fazenda
Gericinó ou (Jerexinó), revelava ser propriedade de D. Maria de Andrade
que, com seus 37 escravos, produzia 7 caixas de açúcar e 2 pipas de
aguardente.
Situado na serra que deu origem a seu nome, esse engenho
fazia parte da grande sesmaria doada a Braz Cubas, provedor da Fazenda
Real em 1568, de “3.000 braças de testada pela costa do mar, e 9.000 de
fundos, pelo rio Merity, correndo pela piaçaba da aldeia de Jacotinga”.
Grandes latifúndios conforme o de Cristóvão de Barros, governador
do Rio de Janeiro e “comandante das três naus que Portugal enviou em
auxílio à Mem de Sá”, também recebeu imensas doações de terras na região
de Magé, sendo posteriormente retalhadas e transformadas em fazendas,
para atender a crescente população da cidade, no abastecimento de víveres:
açúcar, cereais, frutas, farinha de mandioca, aguardente etc.
Sua história se inicia com as terras recebidas com os sobejos
que se formaram “entre o Engenho na Pavuna (ou Pabuna) e Gericinó por
José Pereira Sarmento em 1680”, anexando ainda uma fração de terra,
doada em 1603 ao vigário Martins Fernandes.

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Em solo fértil, o colonizador venceu as intempéries e os
pântanos para desdobrar um “cinturão verde”, que durante três séculos,
contribuiu de modo significativo com o longo ciclo econômico da cana de
açúcar.
Estendendo-se da baia de Guanabara até essa Serra, diz
Mattoso Maia Forte, “havia magníficos engenhos de açúcar e aguardente,
servidos por numerosa escravatura com esplêndidas residências, entre eles
o da Covanca, Pavuna, São Matheus, Palmeiras e Gericinó”.
Ao situarmos esta fazenda ao pé da Serra de Gericinó, vamos
encontrá-la na carta topográfica da Capitania do Rio de Janeiro “Feita por
ordem do Conde da Cunha, Capitão General e Vice Rey do Estado do
Brasil, por Manoel Vieira Leão, Sargento Mor e Governador da Fortaleza
do Castelo de São Sebastião da Cidade do Rio de Janeiro em o ano de
1767”, Início de uma série de engenhos que se estendiam nas fraldas desta
Serra, a partir das nascentes do rio Pavuna, e que segundo monsenhor
Pizarro, nascia “entre charcos e pantanais” existentes “entre as fazendas
do Retiro e Gericinó”, seguindo-se o de: São Matheus (hoje parte de
Nilópolis), da Cachoeira ou “caxueira” (Mesquita) e Machambomba (Nova
Iguaçu).
Após o domínio de D. Maria de Andrade, vamos descobrir o
engenho de Gericinó, segundo Maia Forte nas mãos do Visconde de
Barbacena, Felisberto Caldeira Brant, revelando durante sua gestão, uma
visão mais ampla das atividades desse engenho.
O marquês de Barbacena, Felisberto Caldeira Brant, neto de
Felisberto Caldeira Brant, contratador de diamantes em São João d’El-Rei,
era filho de Gregório Caldeira Brant e D. Anna Francisca de Oliveira Horta
ambos de Minas Gerais, cujo consórcio gerou o marquês e seu irmão
Ildefonso Caldeira Brant, o visconde de Gericinó.
Este não deixou descendente, mas o marquês casou-se com D.
Anna Constança de Souza Menezes Cardoso, natural da Bahia, e tiveram
três filhos: Dona Anna Constança Caldeira Brant, Pedro Caldeira Brant, o
conde de Iguassú, que se casou com D. Cecília Rosa de Araujo Vahia, filha
dos condes de Sarapuhí e, tendo enviuvado, casou-se com D. Maria Isabel
de Bragança, filha de D. Pedro I com a marquesa de Santos, e finalmente o
“nosso” visconde de Barbacena, Felisberto Caldeira Brant, possuindo nessa
região “uma área de 18,7km2”.
Nos registros de uma data de terra em 1854, pertencentes ao padre
Inácio Coelho Borges e seus irmãos, com 180 braças de frente e 1500 nos
fundos, “no lugar chamado engenhoca”, vamos encontrar essas terras, ao
Norte com a fazenda Gericinó, ao Sul com as terras realengas, a Leste com a
fazenda do Engenho Novo da Piedade, e a Oeste com as terras de Eugênia
Theodoro de Araújo. Dona Eugênia era “senhora e possuidora de uma data
de terras com 60 braças de frente e 1500 de fundos herdada de seu pai, o
alferes Joaquim Alves de Araújo”. É esta a senhora herdeira do engenho da

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“Caxueira”, hoje em Mesquita, e deixada na lembrança de suas águas
formadoras do rio Sarapuí: o canal Dona Eugênia.
Segundo Noronha Santos, a fazenda Gericinó possuía “vastas
pastagens, muitas qualidades de madeiras, confortável casa de moradia e
na Serra do Gericinó uma cachoeira. D. Pedro I costumava freqüentá-la,
e vimos há tempos uma carta que lhe dirigiu o primeiro marquês de
Barbacena sobre o projeto de viagem ao local e providencias dada por
Antonio Félix. Este Antonio Felix, de que trata o documento guardado no
Arquivo Municipal, foi de certo o progenitor do comendador e capitão
Antonio Félix Cabral e Mello, proprietário da fazenda do Cabral”.

CONTRATO
Ao consultarmos os registros provenientes do arquivo publicado pelos
Anais da Biblioteca Nacional, vol. 108, encontramos através do arrolamento
de seus bens, parte do patrimônio existente nessa fazenda, constando de um
contrato com validade de seis anos, feito entre o Visconde, como dono da
fazenda de Gericinó e Geraldo Antônio Pimentel, na qualidade de
administrador, no ano de 1860. Esse contrato demonstra que o visconde, ao
fazer uma viagem para fora do Brasil, nomeia para administrador o Sr.
Pimentel, deixando como seus procuradores o cunhado, senhor visconde de
Barbacena e seu sobrinho, senhor capitão José Tomas de Almeida Pereira
Valente.
Além do engenho “moente e corrente”, foram arrolados
noventa e quatro escravos de ambos os sexos, noventa cabeças de gado
vacum, trinta e seis ovelhas, três cavalos e mulas, obrigando-se o
contratante a pagar ao contratador o valor de 10%, sobre o faturamento
líquido durante um ano.
À firma José Antônio Pinheiro Bastos & Cia.,
estabelecida à Rua das Violas n. 2, na cidade do Rio de Janeiro, “deixa
ordens” para abastecer a fazenda com “mantimentos, ferragens, remédios,
pano de algodão, baeta, mantos, e tudo aquilo que for preciso para seu
custeio”, ficando também encarregado de pagar aos “empregados
assalariados”.
O contrato previa ainda que, se por fatalidade, “um surto de
cólera atacar os escravos”, ou o “mal do gado”, “que Deus tal não
permita”, o visconde levaria em consideração esta calamidade no reajuste
anual com o Sr. Pimentel, obrigando, entretanto o administrador a tratar a
escravatura, “o melhor que puder” e usar uma rígida disciplina, para evitar
perdas “devidas e fugidas”.

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ESCRAVOS

Ao arrolar o patrimônio
referente aos cativos, ao gado e
demais criações, vemos que os
bens do visconde eram opulentos
para os padrões da época, especialmente na Baixada Fluminense onde
proliferavam os pequenos engenhos de açúcar, e engenhocas produtoras de
aguardente, cujo número de escravos não passavam de quarenta. Com um
plantel de 94 escravos, e mais trabalhadores assalariados, podemos ter uma
idéia da grande atividade econômica que esta fazenda desenvolvia na região.
Possuindo uma área de 18.7km2, “para esse engenho já eram alugados, em
1862, escravos da fazenda Santa Cruz”.
Antes de comentar o contrato que temos em mãos, queremos
lembrar que a situação do escravo no início do século XIX representava
aproximadamente 50% da população brasileira, na segunda metade diminuía
para 16 %, e em 1888, ano da abolição, apenas 5 %.
No final do século XVIII, a produção mineradora encontrava-se
em total declínio e os grandes produtores de açúcar voltaram-se para o
plantio de café. Com o mercado consumidor em expansão na Europa e nos
Estados Unidos, a elite escravocrata brasileira da região sudeste, investiu
nesse novo produto que exigia apenas terra e mão de obra desqualificada,
representada pelos cativos, transformada em altos rendimentos.
Apesar da pressão inglesa para extinção do tráfico a partir de
1810, interessada em substituir o trabalho escravo pelo trabalho livre,
criando assim um mercado consumidor para seus produtos industrializados,
o governo brasileiro deu pouca atenção a essas exigências. O trabalho
escravo era mais lucrativo e a longa herança cultural escravocrata, era aceita
como instituição nacional.
Considerando pirataria, qualquer navio encontrado que
transportasse cativos para o Brasil, a Lei Bill Aberdeen votado pelo
Parlamento inglês em 1845, trouxe conseqüências desastrosas para esse
comércio. A partir de então, o valor dos escravos subia de preço a cada ano,
premido também pela necessidade de atender a expansão das lavouras
cafeeira, e agravada pela Lei Eusébio de Queiroz, que a partir de 1850
extinguiu definitivamente o tráfico internacional de escravos.
O valor de um escravo do sexo masculino, com idade entre 15 a
30 anos, passou a valer a partir dessa Lei, entre 500 a 600 mil réis. Dez anos
mais tarde, como veremos na relação de escravos pertencente ao visconde,
esse valor oscilava entre 1500 e 2000 contos de réis, dependendo da idade e
profissão.

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A possibilidade de empregar mão de obra livre encontrou forte
resistência, entretanto, sem opção para atender a produção nos engenhos e
lavouras, o fazendeiro foi buscar nos escravos alforriados, mulatos, índios e
brancos pobres, a opção de dar continuidade a produção como assalariados,
sendo a eles destinados as tarefas mais perigosas, onde seu afastamento por
acidente ou morte, minimizaria o prejuízo, resguardando o escravo por seu
valor.
As regiões do País que apresentavam uma economia em
decadência, como o nordeste açucareiro ou o sudeste minerador, após a Lei
Eusébio de Queirós contribuíram para o tráfico interno, vendendo para as
lavouras de café, a mão de obra escrava ociosa, o que não ajudou diminuir o
preço do escravo em contínua ascensão.
Voltando a comentar o contrato feito pelo Visconde de Santo
Amaro que temos em mãos, especialmente em relação ao preço dos
escravos, vemos que este valor dependia da idade, e sua profissão. As
“crias”, ao alcançar o primeiro ano de vida, eram cotadas em 100 mil réis, e
assim iam dobrando a cada ano.
Os diversos ofícios vão desfilando diante dos nossos olhos,
assim como a idade, acompanhados dos respectivos valores. Enfadonho
seria citar todos os 94 nomes, idades e suas profissões, detendo-nos apenas
nos cativos que mais nos chamaram atenção.

VALOR DOS ESCRAVOS

Entre os escravos de maior valor temos Zacarias, 25 anos com a


profissão de “carreiro falquejador”(carpinteiro), cujo preço alcançava a
quantia de 2.000$000. Segue-se na relação em ordem decrescente. Uma
mulher: Justiniana, com a idade de 18 anos, dominando os ofícios de
costureira e “roça”, cotada em 1.800$000. Augusta, 24 anos, “mucama,
cozinha, lava”: 1.800$00. E assim os valores vêem decrescendo de acordo
com a atividade de produção e, a partir dos 30 anos quando a força de
trabalho já não correspondia a expectativa do rendimento, cuja duração
média de vida de era de 50 anos. Romana, 24 anos, “faz manteiga e
queijos”, 1.700$00. Manoel Nagô, com a mesma profissão de Zacarias:
falquejador, (carpinteiro) e serrador alcançava apenas o valor de 500$00, em
conseqüência, talvez, da idade de 40 anos. Bernardo de 12 anos “campeiro”
devia ser vigia e tocador de gado, valia 800$00.
Os servos envelheciam prematuramente devido a rudeza do
trabalho. Expostos diariamente às intempéries do campo e subalimentados
contraiam frequentemente doenças que os deixavam com seqüelas.
Encontramos aqui Josefa Mina, com a idade de 50 anos, destinada ao
“serviço do paiol”, sem cotação de preço, pois era cega. José Maria, 50
anos, “serviço do paiol”, cego. Domingos, “penhor e fole”, 45 anos, cego.

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Antonia, com idade desconhecida, pois a relação menciona apenas, “velha”,
sem cotação, se refere apenas a sua atividade: “criadeira de perús”.
A Lei dos Sexagenários, só votada em 1885, às portas da
Abolição, é mais uma página de crueldade gerada pela elite escravocrata, do
que um benefício. Concedia a libertação de todos os escravos com mais de
sessenta anos, devendo estes trabalhar mais três anos, ou pagassem uma
indenização a seus senhores de 100 mil réis. Nessa idade, mesmo liberto,
cansado e doente, não teria condições de sustentar-se fora da fazenda, onde
deixara toda sua vida. Nessa época o elitista e insuspeito Rui Barbosa
escrevia: “O velho cativo, pela debilidade do corpo enfermo, pela
tendência irresistível de costumes inveterados, por laços de família, pelas
infinitas relações impalpáveis que afeiçoam a velhice a terra... está preso
à fazenda onde encaneceu. Em regra, portanto, o liberto sexagenário, não
deixa nem deixará a casa do senhor”.
Além dos cativos contidos no relatório, o visconde relaciona
um grande número de bois de carro, gado, carneiros, animais de montaria e
carga, formas de barro e de madeira para açúcar, pipas para transporte de
aguardente, balanças, enxadas, machados, peças de carpinteiro, mesas de
jogo, quadro de santos, relógio, louças etc. Deixa também para cobrança,
sob a responsabilidade do administrador, o aluguel “dos pretos que andam
trabalhando na estrada de Iguassú” a soldo do Governo da Província:
“sendo os cabouqueiros a 24$000 e os outros a 15$000 por mês, cuja
cobrança deve-se realizar logo que o Governo Provincial efetive o
pagamento”.
Segundo Noronha Santos, parte do local que existiu a fazenda
de Gericinó, é hoje propriedade do Exército, que a adquiriu em 1907 a
Alexandrino Pires Coelho por 600 contos de réis, destinando-a juntamente
com a de Sapopemba (Deodoro), incluída na compra “para a construção de
uma Vila Militar e um campo de treinamento”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

SANTOS, Noronha –“Memória Acerca dos Limites do Distrito Federal


com o Estado do Rio de Janeiro”.

“Revista da Sociedade de Geographia”


Imprensa Nacional, RJ - 1919

PEIXOTO – Ruy Afrânio, - “Imagens Iguaçuanas”


Ed. do Autor, S/D

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MAIA FORTE – José Mattoso “Memória da Fundação de Iguassú”
Tip. Jornal do Comércio – 1933 RJ

SCISSÍNIO, ALAÔR EDUARDO – “Dicionário da Escravidão”


Léo Cristiano Editorial – 1997 – RJ.

COARACY, VIVALDO -- “O Rio de Janeiro no Século Dezessete”


José Olympio Editora – 1965 – RJ

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