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Nomeado para cônsul-geral da Rússia no Brasil, o barão Georg Heinrich von Langsdorff
chegou ao Rio de Janeiro em 1813. Acumulando o cargo de encarregado de negócios, ainda
encontraria tempo para sua atividade favorita no campo da pesquisa científica visitando
freqüentemente a então Biblioteca Real, fazendo excursões pelos arredores da cidade e
coletando para estudo, espécimes minerais, vegetais e animais.
Numa dessas excursões visitou a Baixada Fluminense através do Porto de Estrela,
penetrando a subida da serra pelo Caminho do Inhomirim. Encantado com a região cercada de
montanhas, florestas, córregos e pássaros canoros, interessou-se pela compra de uma fazenda
denominada Mandioca, situada à margem desse caminho, de propriedade do sargento-mor
Manoel Joaquim de Oliveira Malta e sua mulher Marina Ludovina Freire, o que foi efetuada em
28 de setembro de 1816 pelo preço de Rs. 3:600$000, divididos em quatro prestações.
Ponto de partida para o interior do Brasil, o porto fluvial de Estrela ficava às margens do
Rio Inhomirim e era alcançado através da Baia de Guanabara, iniciando-se a viagem no Cais
dos Mineiros, situado nas proximidades da atual Praça Mauá. Ali chegando, o transporte era
feito em animais de cela, integrando-se a centenas de tropas que constantemente circulavam no
caminho calçado de pedras ainda no início do século XIX, em busca da subida da serra onde se
situava a fazenda.
Von Spix e von Martius, dois cientistas alemães interessados no estudo da geografia,
etnografia, botânica e zoologia, chegaram ao Rio de Janeiro em 1817. Percorrendo o país,
deixaram seus relatos no livro “Viagem pelo Brasil”, registrando referências sobre esta fazenda
e seu proprietário.
“Nosso amigo cônsul geral von Langsdorff, comprara uma grande propriedade pouco
antes de nossa chegada ao Rio de Janeiro, que se localizava ao norte da baia, no caminho para
Minas Gerais, e começara ali uma plantação de mandioca, construindo também para si uma casa
juntamente com outras dependências necessárias à fazenda. De bom grado aceitamos o convite
para visitar em sua companhia esta nova criação, sobre cuja vasta riqueza em aspectos históricos
naturais ele nos fizera um interessante relato. Devido a grande freqüência de passageiros que se
locomovem entre a capital e Minas Gerais, partem diariamente vários barcos para Porto da
Estrela, entre 11 e 12 horas logo que os ventos fazem favoráveis; chegando lá à tardinha”.
No desembarque, os viajantes se surpreendiam com o constante reboliço dos tropeiros:
“Porto da Estrela é um porto comum ao Rio de Janeiro e a província de Minas Gerais. Ali se
vêem longas tropas de mulas carregadas de caixas e bagagens chegarem do interior e para lá
retornarem”. E descrevem seu povoado: “cujas casas mal construídas e baixas, na verdade
barracos, formavam uma rua irregular na confluência do pequeno Saracuruna com o
Inhomirim”.
Após pernoitarem no povoado, o guia providenciou “os cavalos e as mulas necessárias à
nossa viagem”. Deixando o vilarejo com seu burburinho “tomamos a estrada, que se dirige ao
norte, para Minas”. Chegando à tardinha ao pé da serra, entraram em terras do Barão. “O Sr.
Langsdorff começara recentemente a desbravar as terras desta fazenda. Na estrada havia um
rancho espaçoso para acomodar as freqüentes caravanas de Minas, uma taberna de aguardente,
um moinho para o preparo da farinha de milho turco e uma pequena casa para o proprietário
construída no estilo da região. Essa pequena sede da fazenda possui alguns cômodos erguidos
sobre terra fresca, despidos de qualquer adorno e com janelas de grades ou contra-ventos; de um
dos lados da casa, o telhado avança alguns pés além das paredes, apoiando-se em pilares e num
muro baixo, formando o alpendre”.
Cercada por uma cadeia de montanhas cobertas de florestas, Langsdorff tentava aplicar
técnicas agrícolas européias em solo brasileiro, importando arados que se mostraram
impraticáveis devido a inclinação do solo, e o excesso de raízes. “O negro trabalha de maneira
mais conveniente e fácil com a enxada do que seria possível com o arado”. Spix e Martius
continuam narrando os investimentos aplicados pelo Barão: “Embora nosso hospitaleiro
fazendeiro contasse no início somente com uns vinte negros, ele suprira não só a necessidade de
sua casa com as plantações de milho e mandioca, como também já enviava seus produtos para a
venda na cidade”.
Através de seu diário, ficou constatado que Langsdorff não permitia a derrubada da
floresta através de queimadas, o que levaria um rápido esgotamento do solo. Em sua lavoura
plantava desde mandioca, legumes, frutas e até algodão. Segundo o viajante alemão Ritter von
Schaffer que visitou a fazenda “havia também uma lavoura de café que quando parti do Brasil,
possuía 25.000 pés”.
Diversificando com a pecuária iniciou a criação de jumentos, cavalos, bois, ovelhas,
aves, coelhos e cabras. Além dessas atividades realizava estudos de zoologia, entomologia,
geologia, etnografia e botânica, especializando-se em classificar samambaias e borboletas, das
quais possuía centenas de espécimes catalogadas.
Em fins de 1820, Santo Antônio de Sá, uma pequena aldeia situada no fundo da Baia de
Guanabara, assistiu uma das últimas cenas dramáticas da viagem dos primeiros imigrantes
destinados a criação de uma colônia na Província do Rio de Janeiro denominado Morro
Queimado, futura Nova Friburgo. Originários da Suíça, do cantão de Fribourg, viajaram para
este país, centenas de famílias dispostas a “fazer a América”, em direção aos assentamentos
dessas terras. Durante oitenta dias atravessando o oceano, sofreram a companhia “do enjôo, da
diarréia e da morte! Nos sete veleiros que partiram da Holanda, conduzindo de início um total
de 2013 passageiros, sucumbiram e tiveram o oceano por túmulo 311 deles”, diz Rafael Luiz de
Siqueira Jaccoud em seu livro “Os Colonos”.
Ao desembarcarem no Rio de Janeiro, foram transportados em pequenos barcos até
Itamby, “pequeno porto fluvial, próximo à foz do rio Macacu, onde havia sido improvisado um
hospital para receber os colonos doentes”. Em seguida foram transferidos para o convento de
São Boaventura na Vila de Santo Antônio de Sá, já desativado quer pela decadência da
construção que ameaçava desabar, quer pelo surto de malária conhecida como ”febres de
macacu”, que começava fazer suas primeiras vítimas.
Ali o anjo da morte continuou estendendo suas azas “sobre aquela pobre gente durante
seis meses. As doenças contraídas na Holanda, a bordo dos navios e na baixada paludosa do
Macacu, ainda fizeram várias vítimas. Naquele interregno morreram mais 131 colonos, fora os
35 que foram sepultados na Vila de Macacu, inclusive o padre Joseph Aeby que se afogou no
rio quando nele se banhava”, registra Rafael Jacoud
A péssima qualidade das terras destinadas à agricultura, prenunciava a má qualidade de
vida que os esperavam. Um representante de seu país que veio visitá-los ficou chocado com o
que viu: “Não sei a que atribuir a escolha tão infeliz do local da Colônia, se a ignorância ou ao
desleixo... essas terras não tem para nós, nenhum valor, mas os pobres colonos as tornarão
cultiváveis e as aproveitarão, pois a miséria os obrigará a tal”.
A COLONIA DO BARÃO
O FRACASSO
A história da imigração para o Brasil é contemplada com episódios que vezes por outra
surpreendem os pesquisadores. As colônias de parcerias criadas em território fluminense
durante a metade do século XIX, eram o ensaio para a mão-de-obra assalariada nas fazendas de
café, antecipando-se a escassez de mão-de-obra escrava em conseqüência da proibição do
tráfego negreiro.
Um lote de cartas desse período enviadas por imigrantes alemães, instalados nas fazendas
de café do Rio de Janeiro, foi encontrada por Débora Bedocchi Alves do Instituto de História
Ibérica da Universidade de Colônia, e estavam publicadas nos jornais da cidade de Rudolstadt
entre os anos de 1852 e 1853.
O estranho dessas cartas é que todas são de elogios ao sistema de parceria, na qual o
imigrante estava preso a cláusulas contratuais durante cinco ou seis anos, período longo em que
frequentemente explodiam conflitos de interesses pessoais e coletivos entre os colonos e o
fazendeiro. Um exemplo disso é a revolta de colonos suíços em Ibicabas, província de São
Paulo quando, segundo o Dr. Heuber enviado ao Brasil pelos cantões suíços para examinar a
situação de seus compatriotas, revelou que várias cartas que chegaram à Suíça “não eram
escritas livremente pelos colonos, mas sim pelo controle de um empregado da fazenda. As
cartas com notícias negativas não eram remetidas”.
Citando um exemplo de Thomas Davatz, que relata em seu próprio livro, (escrito
posteriormente na volta à Europa), “ter tido suas cartas rasuradas e censuradas pelo diretor da
colônia de Ibicabas. Apesar de tal intimidação os colonos continuaram fazendo queixas de sua
miséria. Mas como estas cartas não chegavam à suíça, delas o público nunca tomou
conhecimento”.
Pertencente ao senador Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, a fazenda Ibicabas foi
uma das pioneiras na substituição da mão-de-obra escrava no Brasil. Iniciando um sistema de
parceria, fez vir da Europa imigrantes alemães e suíços, financiando suas passagens incluídas no
contrato, e resgatadas durante os anos trabalhados na fazenda. A cada família cabia
determinados pés de café que pudesse cultivar, colher e beneficiar. A grandiosidade da fazenda
é avaliada pelo número de colonos registrados no início da segunda metade século XIX, quando
ali se concentravam cerca de mil pessoas entre alemães, suíços e portugueses.
Administrando uma firma denominada Vergueiro & Cia., foram importados em escala
crescente, colonos não só destinados ao trabalho em sua fazenda, mas também distribuídos a
outros fazendeiros desde que cobertas as despesas acrescida de considerável juro. Colônias de
parceria passaram a existir nas comarcas de Campinas, Mogi-Mirim, Taubaté e municípios de
Jundiaí e Ubatuba. “Na província do Rio de Janeiro, também havia desses colonos em 5
fazendas, a maioria deles proveniente da Turíngia e do Holstein”
Uma das cláusulas do contrato previa que: “A companhia Vergueiro & Cia. Compromete-
se a por à disposição do colono, um terreno adequado no qual ele possa plantar aquilo que lhe é
necessário para seu sustento”. Entretanto nem todos os fazendeiros cumpriam o acordo.
Oferecendo terras impróprias para a lavoura ou locais distantes do cafezal, era uma das muitas
queixas dos colonos que iria contribuir para a revolta que os rondava.
Segundo Tschudi, “as famílias eram obrigadas a pagar despesas de viagem marítima e
terrestre, manutenção etc., acrescida dos respectivos juros. Se acontecia morrerem os mais
velhos, os filhos, mesmo ainda menores, ficavam entregue a arbitrariedade do fazendeiro. Os
juros de 6% a que eram obrigados, acumulavam-se assustadoramente... Não é, portanto, de
admirar que famílias honestas e laboriosas vivessem esmagadas sob o peso de tantas dívidas”.
Além de toda essa exploração sobre os colonos, a companhia cobrava a “taxa por
cabeça”, “que era estipulado em 10 mil réis por adulto e 5 mil réis por menor de 10 anos que
entrasse no país por intermédio da dita firma”
A revolta era esperada a qualquer momento. “A primeira sublevação teve lugar na
fazenda Nova Olinda, no município de Ubatuba. As reclamações do cônsul da Suíça no Rio de
Janeiro Sr. H. David, tiveram como conseqüência a intervenção do Governo Imperial, que
ordenou a transferência dos colonos suíços para a colônia Santa Leopoldina, na Província do
Espírito Santo... O Governo Imperial indenizou os fazendeiros da maior parte dos gastos que
tiveram”.
O movimento de maior revolta, porém deu-se na fazenda Ibicaba pertencente ao Senador
Vergueiro. No final de 1856, liderado pelo mestre-escola suíço Tomáz Davatz, os colonos
armados tentaram apoderar-se da fazenda, tendo sido seus proprietários feitos reféns para
negociarem os termos de novo contrato, sendo necessário a intervenção de tropas do exército
imperial para acalmar os ânimos. “Felizmente não chegaram as últimas, pois as tropas teriam
sido vencidas, se não contassem com reforços consideráveis”.
Baseada em uma contabilidade questionável, o clima de insubordinação foi se agravando
até explodir este levante liderado pelo este suíço, que voltou para a Europa onde denunciou os
falsos contratos e as más condições de vida dos colonos, “quando vários jornais alemães e
suíços passaram a fazer uma propaganda contrária a emigração para o Brasil”, ficou consenso
rejeitar a política imigratória para este país.
Os principais cabeças do motim foram expulsos da fazenda tentando afasta-los dos
colonos, mas o sistema de parceria sofreu um retrocesso, fazendo com que desde então
diminuísse o fluxo de imigração de colonos pertencentes a esses dois paises. (143)
COLONIAS FLUMINENSES
RELATÓRIOS DA PROVÍNCIA
Durante as nossas pesquisas, depois de consultar vários autores que historiaram esta
região, encontramos os únicos rastros substanciais que podíamos confiar: os Relatórios da
Província do Rio de Janeiro. Na edição de 1852, em um capítulo dedicado a esta atividade que
então se iniciava intitulado: “colonização”; abre-se o parágrafo com o seguinte texto: “com
agradável notícia que vão felizmente medrando entre nós as sãs idéias em matéria de
colonização”. Após descrever o motivo de júbilo que envolve o governo, relaciona o
aparecimento de alguns fazendeiros que “promovem a substituição do serviço escravo pelo de
braços livres”, cita os “ricos fazendeiros do município de Valença”: o “visconde de Baependy,
os veadores Braz Carneiro Belens, Nicolau Antonio Vale Nogueira da Gama e o marquez de
Valença”.
Autorizando vir da Europa “em fins do ano passado, uma porção de famílias de colonos
suissos e alemães”, regidos por um contrato cujas condições eram assinadas “antes de
embarcarem na Europa e desconhecendo ainda completamente o meio e as condições do país
onde se engajavam, eram geralmente redigidos em proveito próprio exclusivo do empregador, e
não raro com acentuada má fé. Além disto, a coexistência nas fazendas lado a lado de escravos,
que ainda formavam a grande massa dos trabalhadores, não podia ser muito atraente para eles”,
diz Caio Prado Junior em “História Econômica do Brasil”. Estipulava o contrato que o
contratante devia pagar-lhes as passagens “até a Corte, e todas as mais despesas de transportes
dali até o ponto de seu destino”. Obrigando-se também a fornecer-lhes acomodações “logo que
cheguem as suas fazendas” assim como víveres e medicamentos.
Os contratos se estendiam por artigos e parágrafos, nos quais pinçamos alguns, por achar
mais interessante: Ao colono era entregue certo número de pés de café para tratar, colher e
beneficiar os frutos, recebendo também uma porção do terreno “para plantação da horta e de
cereais para seu sustento”.
Deveriam “viverem socegadamente”; indenizarem os proprietários “dos adiantamentos
que fizeram, quer com o seu transporte, quer com alimentos, curativo, vestuário, ou outras
cousas que possam necessitar”. Não praticarem qualquer tipo de comércio. Não se afastarem da
fazenda abandonando seus afazeres enquanto estiverem devendo ao contratante etc.etc.
E quanto aos direitos, cabia consumir os gêneros que fossem plantados e colhidos por ele
e seus familiares, repassando ao fazendeiro metade do excedente comerciado. Que no valor do
café colhido e beneficiado enviado ao mercado, seriam descontados o uso das máquinas de
beneficiamento, transporte, comissão do vendedor, e o saldo líquido divididos entre o colono e o
proprietário.
O mesmo Relatório assinala a chegada dos primeiros colonos alemães, para trabalharem
no sistema de parceria destinados às fazendas fluminenses. Originários de Hamburgo, aportaram
no Rio de Janeiro em 6 de maio de 1852, conduzidos pela barca “Princess Louise”. Com 54 dias
de viagem, e o número de 173 imigrantes, “todos protestantes”, falecendo durante a viagem
nove pessoas entre crianças e adultos. Eram contratados pelo veador Nicolau Antonio Nogueira
Valle da Gama proprietário da fazenda Independência, situada no município de Valença.
No dia 17 do mesmo mês, depois de uma viajem de 65 dias na barca “Catharina”,
desembarcaram 149 imigrantes, dos quais faleceram 4 crianças. Originários também de
Hamburgo, vieram contratados pelo barão de Baependy, dono da fazenda “Santa Rosa”, no
mesmo município, empregando “para com eles bastante generosidade, perdoando-lhes as
despesas de sustento e o transporte desde o Porto da Estrela até o lugar do seu destino”.
Junto a essa embarcação, aportava também a barca “Lorenz” com 185 passageiros dos
quais faleceram 4 crianças e nasceram 3, destinados à fazenda “Santa Justa” de propriedade do
veador Braz Carneiro Belens, no referido município.
Chegados de Hamburgo no dia 12 do mesmo mês, pela barca “Colonist” com 66 dias de
viagem desembarcaram 173 passageiros dos quais nasceram duas crianças, sem nenhum
falecimento. Todos destinados à fazenda das “Coroas” de propriedade do marques de Valença,
“situada a 25 léguas de distância da cidade de Valença”.
A única referência que temos sobre a colônia “Martim de Sá” fomos encontrar no
Relatório da Província no ano de 1854, sendo esta pertencente a José Cardoso de Menezes,
seguido de um lacônico texto registrando o número de: “66 indivíduos engajados em Hamburgo
e situada na fazenda daquele nome no município de Paraty, que ocupa a ponta da Joatinga. Os
empresários desejam vende-lo ao governo”.
Quanto a fazenda Santa Rosa, encontramos no Relatório referente ao ano de 1857, um
registro assinalando que esta colônia “pertence ao gentilhomem visconde de Baependy que a
fundou, igualmente em maio de 1852, na fazenda desse nome. Conta com 128 colonos dos quais
65 homens e 63 mulheres” entre as 34 crianças menores de 12 anos.
Estas fazendas colonizadas por este sistema, são confirmadas no Relatório da Província
do Rio de Janeiro do ano de 1854, quando registra: “Pelo sistema de parceria, como V. Ex. sabe,
nesta província as colônias de Independência, Santa Justa, Coroas, Santa Rosa e Martim de
Sá”.
Fechamos aqui o círculo de localização das cinco fazendas onde foram criadas as
colônias de parceria em substituição ao trabalho escravo, referentes às cartas enviadas para a
Alemanha, e publicadas no jornal local como incentivo à emigração. Apesar do otimismo
contido nelas, concluímos que este sistema iniciado pelo senador Vergueiro em São Paulo e
imitado por fazendeiros na província fluminense, resultou após dez anos de tentativas em
completo fracasso.
AS CARTAS
CARTAS SUSPEITAS
Escritas entre os anos de 1852 e 1853, estas cartas foram publicadas na mesma época nos
“Folhetos para Emigrantes” e no “Suplemento do Semanário”, ambos propriedade de Günther
Fröbel, dono também de uma agencia de imigração. Mais tarde Fröbel fundou um novo jornal, o
“Allgemeine Auswaderungs - Zeitung” (Jornal Geral de Emigração) que junto com o “Jornal
Alemão de Emigração”, se tornariam os jornais especializados neste assunto “mais importante
da Alemanha no decorrer do século XIX”, diz Débora Bedocchi.
Além disto, sua editora publicava livros de viagem, guias etc., contando com auxílio de
homens que conheciam os países de destino dos alemães: Hermann Blumenau, Friederich
Gerstacker e Fritz Müler, afirmando através de editorias, que “não pretendiam incentivar a
imigração, mas sim ajudar e orientar os seus compatriotas que já haviam tomado tal decisão”,
deixando transparecer entretanto, o progresso empresarial de seus negócios
Segundo Fröbel escrevendo em um dos folhetos: “a imigração para as fazendas de café
era a única opção para os mais pobres, pois no caso, a quantia a ser despendida tanto para a
passagem marítima quanto para a viajem por terra e ainda para a acomodação e alimentação era
adiantada pelos fazendeiros”. Citando as vantagens oferecidas “pelo governo brasileiro ao
emigrante alemão”, aconselhava a iniciar “a viagem através do porto de Hamburgo” indicando
“os nomes dos corretores do navio, (Sr. Knöhr e Burchardt); preços e tipos de contrato de
emigração (Sr. Kleudgen)”, recomendando a leitura “dos livros de Hermann Blumenau e do Dr.
Schmidt para aqueles que desejem maiores informações sobre “o maravilhoso e abençoado
país”.
Débora Bedocchi, que examinou na Alemanha os jornais da época, suspeita que Fröbel,
agente de emigração e dono destes meios de comunicação, manipulava as informações a serviço
de seus interesses econômicos, parecendo a ela, entretanto, ser “difícil acreditar que ele tentasse
“enganar” os emigrantes com o intuito de vender um número maior de passagens. Será que
podemos afirmar que especularam com os emigrantes como, por exemplo, as companhias de
navegação e seus corretores que viviam do transporte de “mercadoria-humana”, ou foram
ambos movidos por um ideal maior?”.
Hoje é extremamente temeroso autenticar a veracidade dessas cartas escritas com
espontaneidade. Teriam sido elas censuradas pelo próprio Fröbel ou pelos fazendeiros
fluminenses, “filtrando” as missivas enviadas das fazendas fluminenses como acontecia em
Ibicabas, no intuito de incentivar a colonização a serviço de seus interesses, em substituição a
mão de obra escrava?
OUTRAS COLONIAS
Valão dos Veados; situada à margem de “Dois Rios” no município de São Fidélis, tendo
o empresário Eugenio Aprisco da Veiga criado uma Sociedade denominada “Colônia Agrária
do Vallão dos Veados”, oferecendo ações no “valor de 100$00 cada uma”, nomeando uma
diretoria composta de seis membros “a qual tratou logo de dar princípio a execução do seu
sistema: ligar o colono ao solo tornando-o proprietário, mediante uma renda módica”
estabelecendo na colônia um “depósito de trabalhadores livres, a fim de que os fazendeiros das
circunvizinhanças possam ali contratar os serviços de que precisarem”. A Sociedade propunha
oferecer “engenho de açúcar e máquinas para outros produtos, percebendo o estabelecimento
pelo uso delas”. Finaliza dizendo que esta população colonial que em 1832, época em foi criada,
era de 235 indivíduos, compunha-se até 1852 de 309 colonos.
Floresta; propriedade do conselheiro Barreto Pedroso que mandou vir da suíça “por
intermédio do cônsul geral do Brasil na Bélgica, uma porção de colonos que pretende empregar
na sua fazenda situada no termo de Itaguaí, paróquia de São Pedro e São Paulo”.
Pedra Lisa; fundada em 12 léguas de terras doadas pelo governo imperial por decreto
de 21 de janeiro de 1842, “para o fim de se estabelecerem colônias agrícolas e industriais”...
“Ficam elas entre os fundos do sertão do Nogueira e as férteis margens do rio Itabapuana,
estende-se para o centro pelo Carangola, sertão do Pury e do Pomba até as divisas do município
de Cantagalo e da província de Minas Gerais”.
Com destino a esta colônia aportaram no Rio de Janeiro 130 colonos, seguindo para
Pedra Lisa aonde chegaram em 30 de janeiro de 1844 “sem que encontrassem aí construídas
habitações para moradia”, além de amargarem a falta de “bagagem, máquinas e ferramentas
detidas na alfândega”, sendo-lhes entregues meses depois quase inutilizadas. Com a dispersão
das famílias, esta colônia teve vida efêmera, com mútuas acusações entre o governo e o
empresário.
Colônia do Nelis: Concedida pelo governo provincial meia légua de terras ao empresário
belga Ludgero José Nelis, que “se estavam demarcando na Pedra Lisa, a fim de se estabelecer
nela uma colônia agrícola”, obrigando-o por contrato “de 10 de maio de 1843, a mandar vir da
Bélgica, ou da Alsácia, 125 colonos para ali se ocuparem na lavoura e cultura das terras”.
Adiantando o pagamento das passagens dos colonos, o governo também se comprometia a
construir casas para suas residências, o que seria mais tarde reposto por Nelis em 3 prestaçãos.
“No intento de animar a colonização, estabeleceu-se que se o empresário desempenhasse bem
seus compromissos seria auxiliado nas despesas de transporte dos colonos de Niterói a Campos,
e com distribuição de casais de animais para começo da criação”.
Com a falta de cumprimento dos contratos de ambas as partes, agravado por conflitos
relativo “a exagerada pretensão dos colonos, relativamente ao pagamento de salários,
motivaram graves desinteligência que deram em resultado a retirada destes, com exceção de 10
que ali ficaram”, tendo o mesmo fim da colônia da Pedra Lisa.
São Julião - na fazenda do mesmo nome. Seu proprietário Julião Baptista Coqueiro,
mandou contratar na cidade do Porto 116 colonos para empregá-los em seu engenho de açúcar
“moente e corrente, com grande cultura de cana e de mantimentos. Tem já começada uma
plantação de café que será aumentada”, situada às margens do rio Imbé, “com meia légua de
frente e uma de fundo, no termo de Campos”.
O contrato original foi assinado na Corte no dia 22 de abril de 1851 “com João Joaquim
Correa de Brito, capitão da galera Nova-Subtil”, comprometendo-se o proprietário a pagar a este
as passagens, em prestações, durante três anos e “a entregar aos colonos metade de todos os
lucros da fazenda, depois de divididas as despesas de seu custeio” obrigando-se a fornecer-lhes
“médico e botica”.
São Paulo – Propriedade do Dr. Antonio Ribeiro de Castro, foi fundada nesta fazenda em
1856, “à margem do norte das cachoeiras do rio Muriaé, em Campos”, a colônia São Paulo.
Mandando vir da Ilha de São Miguel “36 indivíduos”, contava em 1860, segundo o Relatório
daquele ano, com 28 famílias com um total de 131 pessoas.
Dedicado lavoura de cana de açúcar que abastecia o engenho, e a cultura de gêneros
alimentícios, estes colonos “vivem satisfeitos, e o proprietário da fazenda procura todos os
meios de melhorar-lhes a sorte, favorecendo a construção de casas, e em outros objetos do
serviço da lavoura”, afirma o Relatório.
NOVA TENTATIVA
POSFÁCIO
O processo das migrações é um estudo apaixonante que revela uma valiosa compreensão
das relações culturais e econômicas entre dois países. O presente ensaio é apenas uma
contribuição aos que se dedicam ao assunto, seguindo um retrospecto histórico de seu início no
Brasil durante o século XIX, e procurando examinar as raras fontes existentes em relação ao Rio
de Janeiro.
Por meio delas podemos observar a tentativa de substituir a mão-de-obra escrava pelo
trabalho assalariado nas regiões cafeeiras. “A fazenda fluminense, como as do vale do Paraíba e
as dos primeiros tempos em São Paulo, formava uma unidade fechada, suficiente, quase
autárquica” assinala Sérgio Buarque de Holanda, e acrescenta: “a estrutura dessas propriedades
fundava-se tão profundamente no braço escravo, que mal se podia conceber nelas o emprego
proveitoso de trabalhadores europeus”.
Alcançando a última fase da economia escravocrata, o café iniciaria na segunda metade
do século XIX uma experiência com o trabalho do imigrante, em um sistema de parceria
introduzido nas fazendas do senador Nicolau Vergueiro, em Ibicabas, São Paulo, cujo fracasso
não impede afirmar que foi o que facilitou a substituição do trabalho escravo para o trabalho
assalariado. “Utilizou-se também um sistema de empreitada. Por essa maneira o empreiteiro
recebia um pedaço de terra, obrigando-se a restituí-la plantada de cafeeiros passados quatro
anos. Aí recebia então do proprietário 400 réis por pé de café. Participaram desse sistema,
principalmente nos trabalhos de arroteamento do terreno, elementos alemães”.
Em conclusão muito sucinta esses resultados são bastante significativos, não apenas por
terem ampliado nossos conhecimentos a respeito da imigração em solo fluminense durante o
período monárquico, como as contribuições econômicas e culturais que elas trouxeram e
semearam, abrindo caminhos para novas linhas de investigação, revelando fontes até aqui
inéditas ou pouco utilizadas.