Você está na página 1de 2

SAINT-HILAIRE

Auguste de Saint-Hilaire, botânico francês, chegou ao brasil em 1816 com


o duque de Luxemburgo, embaixador extraordinário da França, percorrendo
várias províncias do Brasil e colhendo milhares de espécies vegetais para estudo.
Regressou à França em julho de 1822, publicando em 1824 o primeiro volume
de uma coleção de nove tomos intitulada “Flora Brasília e Meridionalis”.
Observador minucioso, Saint-Hilaire registrou em seu diário, preciosas
informações para o estudo do Brasil em fins do período colonial. Vamos
acompanha-lo ao deixar o Rio de Janeiro, em busca da serra do Tinguá através
da Baixada Fluminense.
“Depois de sair da cidade passamos em frente a São Cristóvão. O caminho
é belo, bastante uniforme, embora aberto em terreno arenoso. A direita passa-se
a pouca distancia da baia de que as vezes se tem perspectivas; à esquerda divisa-
se um vale, acidentado por colinas e cheio de chácaras, terrenos lavradios e
pastos. Ao longe alçam-se os cumes da serra da Tijuca, cujas encostas estão
cobertas mata virgem...Até aqui não deixei de encontrar pedestres e cavalheiros.
Negros a puxarem as mulas, descarregadas que pela manhã, haviam conduzido
transportando provisões: pontas de gado, vara de porcos tangidos por mineiros
avançavam lentamente para a cidade, levantando turbilhões de poeira.
A cada momento passávamos à frente de alguma venda apinhada de
escravos com homens livres. Milicianos fardados de Zuarte, calça branca e
capacete à cabeça, iam render os camaradas no posto que lhes foram designado,
enquanto outros voltavam por motivo de saúde”.
Após percorrer 4 léguas, Saint-Hilaire adentra a Baixada Fluminense e
vamos encontrá-lo na paróquia de Santo Antônio de Jacutinga “hospedado” na
casa de um morador local: “ali me instalei com a permissão do dono sob uma
espécie de telheiro onde se guardavam plantas e carros, e onde nos afundamos
até o tornozelo na poeira e no esterco. À noite, o dono da casa fez-me oferecer
café e convidou-me para dormir em casa., agradeci, pois acabava de cear, e
minha cama já estava arrumada na varanda”.
Em seguida o viajante observa os inúmeros engenhos cercado de canaviais
que vai encontrando pelo caminho, em terrenos baixos e úmidos como convém à
cultura da cana. Possuir um engenho é estar no alto da escala social, significa ter
boa alimentação, escravos, posses etc. “Em casa usa roupa de brim, tamancos,
calças mal amarradas e não põe gravata... mas se monta o cavalo e sai, é preciso
que o vestuário lhe corresponda a importância e então enverga o jaleco, as
calças, as botas luzidias, usa esporas de prata, cavalga, sela muito bem tratada. É
sempre necessário um pagem negro, fardado com uma espécie de libré.
Empertiga-se, ergue a cabeça, fala com voz forte e tom imperioso, que indica o
homem muito acostumado a mandar em muitos escravos”.
Adentrando a região do Iguassú, deslumbra-se com a floresta que
circundava o vale. Coberta de matas, seus rios de águas claras e piscosas,
permitiam a navegação até o porto, responsável pelo seu crescimento até tornar-
se Vila em 1833. “O trecho que percorri até atingir Aguassú (sic), é menos
habitado do que o que atravessei ontem. Coberto de mata, torna-se cada vez
mais montanhoso. Aguassú sede de paróquia, não é vila propriamente dita, mas
conta algumas mercearias e armarinhos bem sortidos, bonitas vendas, algumas
ferrarias que a constante passagem de mineiros, torna mais necessárias do que
qualquer outras oficinas”.
Subindo as serras do Tinguá, Estrela e Viúva pelo Caminho do Comércio,
que partia do porto de Iguassú, e só seria calçada em 1837, o botânico registra
que “para se alcançar o ponto mais elevado da serra da Estrela não se leva
menos de duas horas, quando se sobe com as mulas carregadas. O caminho foi
aberto em ziguezague, com bastante arte. Construíram-se pequenas pontes para a
passagem dos regatos e nos lugares onde os desabamentos são de se temer, as
terras foram escoradas”.
Do alto da serra vislumbra a baia de Guanabara, e o verde luxuriante é
novamente motivo de deslumbramento, descobrindo casinhas salpicadas pelo
caminho, de trabalhadores responsáveis por sua manutenção. “No horizonte
longínquo avista-se o fundo da baia rodeada de montanhas vaporosas...com as
ilhas a surgirem de seu seio, e o Pão de Açúcar ereto, como sentinela, à sua
entrada majestosa...As casinholas construídas de distância em distância para os
homens que trabalham na estrada, dão variedade a paisagem e lembram certas
vistas das montanhas da Suíça”.
Despenhadeiros e cascatas são surpresas constantes ao nosso viajante. Sob
pontes passam córregos que vão engrossar outros até se precipitarem em
ruidosas cachoeira formadores de rios caudalosos. ”Depara-se ao viajante com
uma ponte de madeira, construída de modo pitoresco, sustentada por dois
maciços de alvenaria. Sob a ponte vêem-se rochedos entre os quais passa um
regato precipitando-se no vale em forma de espuma, logo se escondendo entre as
árvores. Era desse mesmo riacho que ouvíamos ruídos alguns momentos antes, e
é ele o formador do rio Sant’Ana, que segundo me contaram, deságua no mar”.

Você também pode gostar