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“FAZENDO A AMÉRICA”
ALGUMAS HISTÓRIAS DE COLONOS E AVENTUREIROS
EM TERRITÓRIO FLUMINENSE
Guilherme Peres
Em fins de 1820, Santo Antônio de Sá, uma pequena aldeia situada no fundo da
Baia de Guanabara, assistiu a uma das últimas cenas dramáticas da viagem dos
primeiros imigrantes destinados à criação de uma colônia na Província do Rio de
Janeiro denominado Morro Queimado, futura Nova Friburgo. Originários da Suíça, do
cantão de Fribourg, viajaram para lá, centenas de famílias dispostas a “fazer a
América”, em direção aos assentamentos dessas terras. Durante oitenta dias
atravessando o oceano, sofreram a companhia “do enjôo, da diarréia e da morte! Nos
sete veleiros que partiram da Holanda, conduzindo de início um total de 2013
passageiros, sucumbiram e tiveram o oceano por túmulo 311 deles”, diz Rafael Luiz de
Siqueira Jaccoud em seu livro “Os Colonos”.
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Ao desembarcarem no Rio de Janeiro, foram transportados em pequenos barcos
até Itamby, “pequeno porto fluvial, próximo à foz do rio Macacu, onde havia sido
improvisado um hospital para receber os colonos doentes”. Em seguida foram
transferidos para o convento de São Boaventura na Vila de Santo Antônio de Sá, já
desativado, quer pela decadência da construção que ameaçava desabar, quer pelo surto
de malária conhecida como ”febres de Macacu”, que começava a fazer suas primeiras
vítimas.
Ali o anjo da morte continuou estendendo suas asas “sobre aquela pobre gente
durante seis meses. As doenças contraídas na Holanda, a bordo dos navios e na
baixada paludosa do Macacu, ainda fizeram várias vítimas. Naquele interregno
morreram mais 131 colonos, fora os 35 que foram sepultados na Vila de Macacu,
inclusive o padre Joseph Aeby que se afogou no rio quando nele se banhava”, registra
Rafael Jacoud
A péssima qualidade das terras destinadas à agricultura prenunciava a má
qualidade de vida que os esperava. Um representante de seu País que veio visitá-los
ficou chocado com o que viu: “Não sei a que atribuir a escolha tão infeliz do local da
Colônia, se à ignorância ou ao desleixo... essas terras não têm para nós, nenhum valor,
mas os pobres colonos as tornarão cultiváveis e as aproveitarão, pois a miséria os
obrigará a tal”.
A COLÔNIA DO BARÃO
O FRACASSO
A história da imigração para o Brasil é contemplada com episódios que vez por
outra surpreendem os pesquisadores. As “colônias de parcerias” criadas em território
fluminense durante a metade do século XIX eram o ensaio para a mão-de-obra
assalariada nas fazendas de café, antecipando-se à escassez de mão-de-obra escrava em
conseqüência da proibição do tráfego negreiro.
Um lote de cartas desse período enviado por imigrantes alemães, instalados nas
fazendas de café do Rio de Janeiro, foi encontrado por Débora Bedocchi Alves do
Instituto de História Ibérica da Universidade de Colônia, e estavam publicadas nos
jornais da cidade de Rudolstadt entre os anos de 1852 e 1853.
O estranho dessas cartas é que todas são de elogios ao sistema de parceria, na
qual o imigrante estava preso a cláusulas contratuais durante cinco ou seis anos, período
longo em que frequentemente explodiam conflitos de interesses pessoais e coletivos
entre os colonos e o fazendeiro. Um exemplo disso é a revolta de colonos suíços em
Ibicabas, província de São Paulo, quando, segundo o Dr. Heuber enviado ao Brasil
pelos Cantões suíços para examinar a situação de seus compatriotas, revelou que várias
cartas que chegaram à Suíça “não eram escritas livremente pelos colonos, mas sim pelo
controle de um empregado da fazenda. As cartas com notícias negativas não eram
remetidas”.
Citando um exemplo de Thomas Davatz, que relata em seu próprio livro, (escrito
posteriormente na volta à Europa), “ter tido suas cartas rasuradas e censuradas pelo
diretor da colônia de Ibicabas. Apesar de tal intimidação os colonos continuaram
fazendo queixas de sua miséria. Mas como estas cartas não chegavam à Suíça, delas o
público nunca tomou conhecimento”.
Pertencente ao senador Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, a fazenda Ibicabas
foi uma das pioneiras na substituição da mão-de-obra escrava no Brasil. Iniciando um
sistema de parceria, fez vir da Europa imigrantes alemães e suíços, financiando suas
passagens incluídas no contrato, e resgatadas durante os anos trabalhados na fazenda. A
cada família cabia determinados pés de café que pudesse cultivar, colher e beneficiar. A
grandiosidade da fazenda é avaliada pelo número de colonos registrados no início da
segunda metade século XIX, quando ali se concentravam cerca de mil pessoas entre
alemães, suíços e portugueses.
Administrando uma firma denominada Vergueiro & Cia., foram importados em
escala crescente, colonos não só destinados ao trabalho em sua fazenda, mas também
distribuídos a outros fazendeiros desde que cobertas as despesas acrescida de
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considerável juro. Colônias de parceria passaram a existir nas comarcas de Campinas,
Mogi-Mirim, Taubaté e municípios de Jundiaí e Ubatuba. “Na província do Rio de
Janeiro, também havia desses colonos em 5 fazendas, a maioria deles proveniente da
Turíngia e do Holstein”
Uma das cláusulas do contrato previa que: “A companhia Vergueiro & Cia.
Compromete-se a por à disposição do colono, um terreno adequado no qual ele possa
plantar aquilo que lhe é necessário para seu sustento”. Entretanto nem todos os
fazendeiros cumpriam o acordo. A oferta de terras impróprias para a lavoura ou locais
distantes do cafezal era uma das muitas queixas dos colonos que iria contribuir para a
revolta que os rondava.
Segundo Tschudi, “as famílias eram obrigadas a pagar despesas de viagem
marítima e terrestre, manutenção etc., acrescidas dos respectivos juros. Se acontecia
morrerem os mais velhos, os filhos, mesmo ainda menores, ficavam entregue à
arbitrariedade do fazendeiro. Os juros de 6% a que eram obrigados, acumulavam-se
assustadoramente... Não é, portanto, de admirar que famílias honestas e laboriosas
vivessem esmagadas sob o peso de tantas dívidas”.
Além de toda essa exploração sobre os colonos, a companhia cobrava a “taxa por
cabeça”, “que era estipulado em 10 mil réis por adulto e 5 mil réis por menor de 10 anos
que entrasse no país por intermédio da dita firma”
A revolta era esperada a qualquer momento. “A primeira sublevação teve lugar na
fazenda Nova Olinda, no município de Ubatuba. As reclamações do cônsul da Suíça no
Rio de Janeiro Sr. H. David tiveram como conseqüência a intervenção do Governo
Imperial, que ordenou a transferência dos colonos suíços para a colônia Santa
Leopoldina, na Província do Espírito Santo... O Governo Imperial indenizou os
fazendeiros da maior parte dos gastos que tiveram”.
O movimento de maior revolta, porém deu-se na fazenda Ibicaba, pertencente ao
Senador Vergueiro. No final de 1856, liderado pelo mestre-escola suíço Tomáz Davatz,
os colonos armados tentaram apoderar-se da fazenda, tendo sido seus proprietários
feitos reféns para negociarem os termos de novo contrato, sendo necessário a
intervenção de tropas do exército imperial para acalmar os ânimos. “Felizmente não
chegaram as últimas, pois as tropas teriam sido vencidas, se não contassem com
reforços consideráveis”.
Baseada em uma contabilidade questionável, o clima de insubordinação foi se
agravando até explodir este levante liderado pelo este suíço, que voltou para a Europa
onde denunciou os falsos contratos e as más condições de vida dos colonos, “quando
vários jornais alemães e suíços passaram a fazer uma propaganda contrária a emigração
para o Brasil”, ficou consenso rejeitar a política imigratória para este país.
Os principais cabeças do motim foram expulsos da fazenda tentando afastá-los dos
colonos, mas o sistema de parceria sofreu um retrocesso, fazendo com que desde então
diminuísse o fluxo de imigração de colonos pertencentes a esses dois paises. (143)
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COLÔNIAS FLUMINENSES
RELATÓRIOS DA PROVÍNCIA
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uso das máquinas de beneficiamento, transporte, comissão do vendedor, e o saldo
líquido divididos entre o colono e o proprietário.
Famílias européias eram atraídas por falsa propaganda de riqueza em terras Fluminenses
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Estas fazendas colonizadas por este sistema são confirmadas no Relatório da
Província do Rio de Janeiro do ano de 1854, quando registra: “Pelo sistema de parceria,
como V. Ex. sabe, nesta província as colônias de Independência, Santa Justa, Coroas,
Santa Rosa e Martim de Sá”.
Fechamos aqui o círculo de localização das cinco fazendas onde foram criadas as
colônias de parceria em substituição ao trabalho escravo, referentes às cartas enviadas
para a Alemanha, e publicadas no jornal local como incentivo à emigração. Apesar do
otimismo contido nelas, concluímos que este sistema iniciado pelo senador Vergueiro
em São Paulo e imitado por fazendeiros na província fluminense, resultou após dez anos
de tentativas em completo fracasso.
AS CARTAS
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caiadas e cobertas com telhas e possuem 4 aposentos. Comemos diariamente a nossa
carne; usamos também semanalmente 3 quilos de toucinho, a mesma quantidade de
açúcar, além dos demais legumes. Ignoramos tributos e temos a esperança que em
poucos anos pagar como nosso trabalho o custo da nossa travessia”.
Ainda da Colônia Santa Justa, encontramos na carta assinadas por Chistian Mab,
relatando que após uma viagem de 67 dias por mar e desembarcando no Rio de Janeiro,
seguiu viagem até Porto da Estrela. “Não tivemos que nos preocupar com alojamento e
alimentação pois o administrador da colônia do nosso senhor já estava nos esperando. A
viagem terrestre foi um tanto penosa, mas com o acolhimento amistoso que
encontramos, logo a esquecemos”.
Após a chegada, Chistian revela que caiu doente por um mal que ataca “mais ou
menos todos os recém chegados: o mal do clima”, afirmando que durante esse período,
não passou nenhuma necessidade, “recebi as refeições da mesa do proprietário e a
minha esposa podia buscar quanto alimento desejasse”. Foram entregues a essa família
1000 pés de café para colheita, entretanto, afirma Christian: “não acreditem que sejamos
escravos; não só vivemos como homens livres, mas também despreocupados. As
despesas da nossa viagem esperamos pagar logo”.
A alimentação diária entregue pelo fazendeiro consistia em meio-quilo de carne, e
por semana 2 quilos de toucinho e 1 quilo de açúcar acompanhados de legumes. Quanto
às bebidas só havia aguardente. “Se queremos beber cerveja, temos que ir até Petrópolis,
a 10 milhas de distância onde há cervejarias alemãs”.
CARTAS SUSPEITAS
Escritas entre os anos de 1852 e 1853, estas cartas foram publicadas na mesma
época nos “Folhetos para Emigrantes” e no “Suplemento do Semanário”, ambos
propriedade de Günther Fröbel, dono também de uma agencia de imigração. Mais tarde
Fröbel fundou um novo jornal, o “Allgemeine Auswaderungs - Zeitung” (Jornal Geral
de Emigração) que junto com o “Jornal Alemão de Emigração”, se tornariam os jornais
especializados neste assunto “mais importante da Alemanha no decorrer do século
XIX”, diz Débora Bedocchi.
Além disto, sua editora publicava livros de viagem, guias etc., contando com
auxílio de homens que conheciam os países de destino dos alemães: Hermann
Blumenau, Friederich Gerstacker e Fritz Müler, afirmando através de editorias, que
“não pretendiam incentivar a imigração, mas sim ajudar e orientar os seus compatriotas
que já haviam tomado tal decisão”, deixando transparecer entretanto, o progresso
empresarial de seus negócios
Segundo Fröbel escrevendo em um dos folhetos: “a imigração para as fazendas de
café era a única opção para os mais pobres, pois no caso, a quantia a ser despendida
tanto para a passagem marítima quanto para a viagem por terra e ainda para a
acomodação e alimentação era adiantada pelos fazendeiros”. Citando as vantagens
oferecidas “pelo governo brasileiro ao emigrante alemão”, aconselhava a iniciar “a
viagem através do porto de Hamburgo” indicando “os nomes dos corretores do navio,
(Sr. Knöhr e Burchardt); preços e tipos de contrato de emigração (Sr. Kleudgen)”,
recomendando a leitura “dos livros de Hermann Blumenau e do Dr. Schmidt para
aqueles que desejem maiores informações sobre “o maravilhoso e abençoado país”.
Débora Bedocchi, que examinou na Alemanha os jornais da época, suspeita que
Fröbel, agente de emigração e dono destes meios de comunicação, manipulava as
informações a serviço de seus interesses econômicos, parecendo a ela, entretanto, ser
“difícil acreditar que ele tentasse “enganar” os emigrantes com o intuito de vender um
número maior de passagens. Será que podemos afirmar que especularam com os
emigrantes como, por exemplo, as companhias de navegação e seus corretores que
viviam do transporte de “mercadoria-humana”, ou foram ambos movidos por um ideal
maior?”.
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Hoje é extremamente temeroso autenticar a veracidade dessas cartas escritas com
espontaneidade. Teriam sido elas censuradas pelo próprio Fröbel ou pelos fazendeiros
fluminenses, “filtrando” as missivas enviadas das fazendas fluminenses como acontecia
em Ibicabas, no intuito de incentivar a colonização a serviço de seus interesses, em
substituição a mão de obra escrava?
OUTRAS COLÔNIAS
Pedra Lisa; fundada em 12 léguas de terras doadas pelo governo imperial por
decreto de 21 de janeiro de 1842, “para o fim de se estabelecerem colônias agrícolas e
industriais”... “Ficam elas entre os fundos do sertão do Nogueira e as férteis margens
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do rio Itabapuana, estende-se para o centro pelo Carangola, sertão do Pury e do Pomba
até as divisas do município de Cantagalo e da província de Minas Gerais”.
Com destino a esta colônia aportaram no Rio de Janeiro 130 colonos, seguindo
para Pedra Lisa aonde chegaram em 30 de janeiro de 1844 “sem que encontrassem aí
construídas habitações para moradia”, além de amargarem a falta de “bagagem,
máquinas e ferramentas detidas na alfândega”, sendo-lhes entregues meses depois quase
inutilizadas. Com a dispersão das famílias, esta colônia teve vida efêmera, com mútuas
acusações entre o governo e o empresário.
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Ali chegaram em 15 de agosto de 1856, 55 pessoas contratadas em Portugal, fazendo
um total de 17 famílias, ao juntar-se com mais algumas que já se encontravam.
Destinavam-se a plantação de cana e “produtos de gêneros alimentícios, como informa
o proprietário”, afirmando que os colonos “tem tirado bons lucros com seu trabalho”.
Os conflitos, porém são percebidos através da reclamação do comendador
revelando que “não está satisfeito com alguns deles, por se terem tornado desordeiros,
irreverentes e infratores do contrato; achando-se resolvido a despedi-los, conservando
os melhores, e a mandar contratar outros de boa conduta”.
São Paulo – Propriedade do Dr. Antonio Ribeiro de Castro, foi fundada nesta
fazenda em 1856, “à margem do norte das cachoeiras do rio Muriaé, em Campos”, a
colônia São Paulo. Mandando vir da Ilha de São Miguel “36 indivíduos”, contava em
1860, segundo o Relatório daquele ano, com 28 famílias com um total de 131 pessoas.
Dedicados à lavoura de cana de açúcar que abastecia o engenho, e a cultura de
gêneros alimentícios, estes colonos “vivem satisfeitos, e o proprietário da fazenda
procura todos os meios de melhorar-lhes a sorte, favorecendo a construção de casas, e
em outros objetos do serviço da lavoura”, afirma o Relatório.
NOVA TENTATIVA
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Aos colonos seriam destinados estes lotes escolhidos livremente “pagando à vista
o preço fixado ou à prazo, adicionando 20% feito em cinco prestações”. Previa também
que o colono que ali não fizesse dentro do prazo de dois anos, “morada habitual e
cultura efetiva”, perderia o direito ao lote, sendo este “vendido em hasta pública”.
Uma junta composta de oito membros nomeada pelo governo administraria a
colônia, com o objetivo de construir “um edifício especial onde se recolham
provisoriamente os colonos recém-chegados até receberem seus respectivos lotes”.
Teriam o direito de receber nesta ocasião “as sementes mais necessárias para as
primeiras plantações destinadas ao seu sustento, e bem assim os instrumentos agrários
de que precisarem”.
No artigo final datado de 19 de janeiro de 1867, o regulamento determinava que
às colônias que se fundassem dentro deste critério “seria proibido sob qualquer pretexto
a residência de escravos”, sós ou com família.
Não sabemos o destino destas colônias, seu êxito ou fracasso. Sabemos apenas
que o trabalho assalariado medrou durante o final do século XIX, constituindo daí em
diante a relação de trabalho entre o capital e a mão-de-obra assalariada.
POSFÁCIO
FONTES BIBLIOGRÁFICAS:
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