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ORIGENS SOCIAIS DOS INDUSTRIAISTÊXTEIS DO

VALE DO PARAÍBAPAULISTA

FABIO RICCI*

Introdução

A origem social dos industriais no Brasil tem sido objeto de análise de vários
autores.(DEAN, 1971: 25-87; BRESSER PEREIRA, 143-164) O ponto de partida para
a análise está na constatação de que é no vínculo do produto básico de exportação com o
comércio exterior que surgem os efeitos de encadeamento para outras atividades.
Decorre daí que a origem social dos empresários industriais residisse no comércio do
café, pois sendo o comércio exterior o setor dinâmico do sistema, é no seu
comportamento que está a chave do processo de crescimento dessa etapa.(FURTADO,
1981:142). O capital comercial investia em atividades industriais como forma de
diversificação de seus interesses, assim como surgiram explicações que apontam uma
vinculação direta do capital dos cafeicultores às atividades industriais, além daquela dos
imigrantes.
As referências sobre as origens sociais dos empresários no Brasil são aquelas
constituídas de pesquisas cuja base geográfica se concentram em grandes empresários
de São Paulo e proximidades. Recentemente essas pesquisas tem se ampliado
significativamente, com novas pesquisas e estudos.

De fato, a questão não está totalmente respondida. Pesquisas realizadas por estudiosos
de outras regiões e analisando casos específicos tem obtido outros resultados.
Barbosa( 2006) pesquisando o setor calçadista de franca demostra um processo
evolutivo de pequeno artesão para manufatura e grande indústria. Os empresários do
setor são de origem humilde, brasileiros e descendestes de italianos.
Brandão(2012)aponta a origem de imigrantes pobres para os empresários industriais
pioneiros de Ribeirão Preto. Pesquisa recente de Jacques Marcovitch(2003;2008;2009)

*
Doutor história econômicaFFLCH-USP;UNITAU-Universidade de Taubaté-Programa de pós-graduação
em desenvolvimento regional
amplia as pesquisas e traz dados intrigantes que se acrescentam às anteriores. Ele nos
mostra vários empresários cujas origens estão em outros países que não a Itália Por que
nos referimos à Itália? Porque esta é origem da maioria dos empresários imigrantes
indicados pelas pesquisas da região da capital de São Paulo.

Visando contribuir com essa discussão fizemos uma pesquisa documental, tomando por
base atas de fundação das empresas sobre as empresas têxteis pioneiras na região do
Vale do Paraíba no Estado de São Paulo.
Nosso ponto de análise é o de que a lógica do capital, que é a sua reprodução, buscando
otimizar a geração de excedentes e as condições objetivas para a sua aplicação é que
levaram ao investimento em atividades industriais. Portanto, os agentes econômicos
detentores de algum capital buscaram investir nessas atividades.

As indústrias pesquisadas

A partir dessa definição, analisaremos os acionistas e capitais das indústrias têxteis da


região. As empresas das quais obtivemos a lista de acionistas foram a Companhia
Taubaté Industrial (1891, 1910), Malharia Nossa Senhora da Conceição (1909, 1918),
Sociedade Anônima Jacarehy Industrial (1911), Companhia de Tecidos de Malha
“Filhinha” S/A (1911), Companhia Fiação e Tecelagem Guaratinguetá (1914, 1920) e a
Companhia Industrial Limitada de Caçapava (1912).
A Malharia Nossa Senhora da Conceição foi uma empresa limitada desde sua fundação
até 1909. Foi seu fundador Luiz Simon, um descendente de franceses cujo pai era de
origem judaica, que exercia em Jacareí a profissão de comerciante de jóias. Ela estava
em operação quando, em 1885, foi vendida para um grupo de fazendeiros:Dr. Joaquim
Ribeiro de Mendonça, Coronel Delfino Martins de Siqueira, Barão de Santa Branca e
Alfredo Alberto Ribeiro de Mendonça.(PACHECO E CHAVES,1888)Os motivos da
venda foram as dificuldades encontradas por Luiz Simon, em razão de uma sociedade
mal estabelecida com seu irmão Leon que, usando recursos da sociedade montara,
somente em seu nome, uma fábrica no Rio de Janeiro. Tal situação motivou um longo
processo que levou Luiz Simon à situação de penúria até sua morte, em 1921. Em 1898
a empresa foi vendida à Ferraz Fester& Cia, que julgamos seria a empresa de João
Ferraz, pois o mesmo assume a gerência da fábrica.(LENCIONE, 1999)
Em 1901, porém sem muita exatidão, foi adquirida por imigrantes alemães, com capital
da Empresa Theodore-Wille, passando sua razão social a "Hoffmann, Ahlgrenn e Cia.",
adotando como nome de fantasia "Fábrica de Meias Hoffmann-Jacarehy”. Esses
imigrantes eram prepostos de Theodore-Wille. A empresa operou com capital fechado
até 1909, quando então passou a sociedade anônima, permanecendo, no entanto, a
Hoffmann e Cia. como sócia majoritária, possuindo 2.120 das 2.500 ações da
Companhia, ou seja, 84,8%. Os outros acionistas eram todos estrangeiros.
Em 1918 ocorre uma aparente grande modificação no controle acionário da Companhia,
quando passam a ser os maiores acionistas o Coronel Marcelino de Carvalho com
42,68% das ações, o filho de imigrantes Ernesto Diederichsen com 24,00%, a empresa
francesa, com sede em Paris, Scheitlin&Co. com 27,4% e o Brasilianische Bank
fürDeutschland-SP com 5,72%, perfazendo 99,8% das ações da empresa.( AGE
22/05/1918)
Dos novos acionistas, Dean nos informa que Ernesto Diederichsen era de família de
fazendeiros, imigrantes de segunda ou terceira geração.(DEAN,1971) Após concluir que
a Primeira Guerra Mundial foi ruim para os investimentos germânicos no Brasil, pois
havia por parte dos aliados interesse em bloqueá-los, Dean descreve casos em que, para
manter-se em atividade, os empresários germânicos agiam de maneira discreta e esperta,
fazendo uso de prepostos. Aponta Diederichsen como um desses empresários que
mantinham ligações políticas de grande valia como o caso em que “ a família
Rodrigues Alves lhe serviu de fachada em sua companhia elétrica de Rio
Claro.”DEAN, 1971:111.
Pode haver ocorrido esse caso com a Malharia, em que o coronel Antonio Marcelino de
Carvalho, residente em São Paulo, maior acionista da empresa (42,68% das ações) e
membro efetivo do conselho fiscal, não participa de sua diretoria. Para diretores, foram
eleitos os acionistas Ernesto Diederichsen e Ernesto Freitas Junior.
A mesma ata indica que o diretor presidente, Richard A. Erbrich, demitiu-se e vendeu
suas ações, e Hugo Spiro também apresentou seu pedido de demissão “Em vista do
estado atual das nossas relações internacionais e principalmente, atendendo-se ao
deplorável acontecimento ocorrido no mês de janeiro, no seio de nossa fábrica.”
Na firma de importação e exportação Theodore-Wille, Diederichsen foi gerente
comercial, e seu preposto na Malharia N. Senhora da Conceição, da qual a firma era
parte majoritária desde 1901, com os Hoffmann. Diederichsen permaneceu à frente da
Malharia até 1946.
Como vemos, a modificação acionária resultou na continuação do capital estrangeiro no
controle da companhia, enquanto imigrantes permaneciam na sua direção.Por isso,
somos levados a crer que a mudança no perfil acionário foi aparente, fazendo com que
os acionistas estrangeiros tivessem menor visibilidade dada a conjuntura política do
período.
Concluímos que a Malharia Nossa Senhora da Conceição passou do controle de
acionistas locais ligados às atividades urbanas, para fazendeiros locais e por fim, para o
controle do capital por imigrantes e empresas estrangeiras do ramo comercial.
Passemos então à Companhia Taubaté Industrial - CTI. O capital inicial da empresa foi
de 500:000$000 e suas 2.500 ações distribuídas entre seus subscritores, de tal maneira
que seis deles detinham 78,64% das ações.
A pesquisa nos revelou as seguintes informações:
O acionista Arthur Ferreira Torres, detentor de 20% do capital subscrito, não aparece na
formação da primeira diretoria e se retira do capital acionário da empresa já em 1892.
Suas ações foram adquiridas em 1895 pela família Castro. A mesma família da Fábrica
de Tecidos Santo Antonio, de São Luiz do Paraitinga. Dessa forma, o capital acionário
pode ser considerado tanto de agricultores tradicionais (embora, como vimos, não
necessariamente cafeicultores, uma vez que, pelo menos no início da década de 1880,
produziam algodão, café e milho) como de industriais, já que a atividade industrial,
embora não bem sucedida, já fazia parte dos interesses dos investimentos da família.
Como dissemos anteriormente, nada indica que a fundação da CTI tenha feito parte de
qualquer movimento especulativo gerado pelo encilhamento. O capital, minoritário, do
Banco Popular de Taubaté, na verdade era de captação regional. O Banco foi adquirido
pelo Banco Popular de Guaratinguetá já em 1892. Porém, observamos que o seu
presidente era o mesmo Dr. Rodrigo Nazareth de Souza Reis. Ele que, com seu banco,
detinham 23,4% do capital.
San-Martin, ao estudar a empresa, afirma que: “Há casos, e muitos, em que deixou de
haver intermediação do comércio na arregimentação dos capitais para a indústria. A
Companhia Taubaté Industrial é um exemplo. Alicerçou-se sobre os capitais do
café.”(SAN-MARTIN, 1990: 109-10)
Indicando a seguir como acionistas os cafeicultores Antonio Marcondes de Moura, João
Affonso Vieira, Antonio Afonso Moreira, Pedro Moura Alcântara, Victoriano Eugênio
Marcondes Varella e Joaquim Lopes Chaves. Este último também era político, tendo
sido vereador, deputado e senador. Além desses, também classificou como capital
cafeeiro José Francisco Monteiro, médico formado em Leipzig, filho do Visconde de
Tremembé, que foi grande cafeicultor e proprietário das fazendas "Campos de São
Roque" e "Buquira", e Fernando de Mattos, engenheiro formado em Paris, por ser
membro de família de grandes cafeicultores. A soma dos capitais desses acionistas
correspondiam a apenas 12,8% do total de ações.
Por outro lado, observamos a ausência de dois dos seis maiores acionistas do
empreendimento na sua análise: Valdemar Bertelsen e José Antonio Carneiro de Souza,
que subscreveram 12% e 10,4% das ações, respectivamente.
Valdemar Bertelsen, dinamarquês, era comerciante do ramo de tecidos no Rio de
Janeiro e amigo de Félix Guisard. (BERINGS,1971:42)Foi ele o primeiro diretor
comercial da companhia, assumindo o comando das vendas no Rio de Janeiro. Portanto,
podemos considerar 12% do capital como comercial. Note-se que o comércio da capital
era então o maior mercado e ponto central de distribuição para o Brasil.
José Antonio Carneiro de Souza era português. Foi industrial em Taubaté, onde fundou
uma refinaria de açúcar. Inventou uma máquina a vapor para refinação de açúcar,
recebendo patente de invenção do imperador D. Pedro II.(PASSARELLI, 1996: 160-1.
Aqui temos, portanto, o capital de pequeno industrial local e de imigrante.
Por outro lado, podemos considerar que José Francisco Monteiro e Fernando de Mattos,
embora parentes de cafeicultores, podem ter sido motivados a investirem na indústria
por outras razões. Ambos estudaram na Europa. Esta pode ter sido a razão de
visualizarem na indústria boas possibilidades de investimento. Graham (1973:195-
224)mostra a atração que a industrialização européia, como possibilidade de progresso,
exercia sobre os estrangeiros que para lá se dirigiam para estudar.
O engenheiro Fernando de Mattos foi o construtor dos prédios da fábrica e teve a
remuneração de seu trabalho transformada em capital acionário. Isso foi favorável para
a empresa, pois diminuiu os custos iniciais do empreendimento. Associada ao
engenheiro Fernando de Mattos, temos a Companhia Norte Paulista e a Companhia
Edificadora Progresso, de sua propriedade. Estas empresas foram as responsáveis pela
construção de vários casarões na cidade e concessionária de serviço público de
saneamento. Somando-se a Fernando de Mattos o médico José Francisco Monteiro,
temos 7% dos capitais para profissionais liberais, urbanos, portanto.
Não podemos considerar o capital financeiro como exclusivamente de cafeicultores,
muito embora seus diretores pudessem sê-lo. Foi o caso da ligação da família Rodrigues
Alves com o Banco Popular de Guaratinguetá. Apesar de considerarmos a sua captação
como local ou, no máximo, regional, a mesma não se dava exclusivamente com os
recursos dos fazendeiros, pois as atividades urbanas, em especial o comércio,
movimentavam parcela dos recursos regionais.
Félix Guisard, filho de imigrantes franceses, era natural de Minas Gerais, onde recebeu
educação no Seminário de Diamantina. Transferiu-se com a família para o Rio de
Janeiro e trabalhou na Fábrica de Tecidos de Pau Grande, estabelecimento em que
chegou a exercer o cargo de gerente. Foi diretor técnico fundador da CTI e depois seu
presidente, permanecendo à frente da empresa até sua morte, ocorrida em 1941.Ele e
sua família possuíam 16,0% das ações.
Após essas considerações, podemos caracterizar os primeiros acionistas da CTI assim:
Fazendeiros: 32,8%; Profissionais liberais: 7,0%; Capital financeiro local 12,2%;
Capital comercial:Rio de Janeiro - nacional 12,0%; Capital de pequeno industrial:
10,4%; Industriários/Poupança familiar: 16,0%; Capitalistas locais 9,6%.
Como vemos, o capital inicial da CTI foi formado pela combinação de investidores do
setor agrícola cafeeiro, de profissionais liberais, do capital financeiro nacional, do
capital da pequena indústria, do setor comercial da capital federal e, no caso dos capitais
da família Guisard, de poupanças familiares.
Vale ressaltar que a CTI nasce com forte ligação com a capital federal, o Rio de Janeiro.
LEVY, (1986: 27-40).
Como vimos o controle acionário da CTI alterou-se em 1900 e em 1910, passando o
capital comercial estrangeiro a representar 50% do capital acionário no primeiro
momento e 70% em 1910, compondo-se aqui com o capital financeiro inglês. Em 1900,
a influência do capital comercial estrangeiro foi mais efetiva na distribuição, com a filial
inglesa da casa Edward Ashworth, no Rio de Janeiro, sendo também responsável pelo
direcionamento dos investimentos na diversificação e ampliação da produção. A partir
de 1911, com o falecimento do presidente-fundador, Rodrigo Nazareth de Souza Reis, a
companhia passa a ser não só controlada mas dirigida por ingleses até 1930.
Outra empresa da qual obtivemos alguns dados foi a Sociedade Anônima Jacarehy
Industrial - SAJI. O capital inicial da companhia foi de 300:000$000, dividido em 1.500
ações.(Ata da Assembléia Constituinte, 16/11/1911)
O acionista principal, com dois terços das ações, e presidente da companhia, Manoel
Lopes Leal, era português e morador em Jacareí, onde desenvolvia atividades industriais
tradicionais, no setor de destilação de álcool e refinação de açúcar.
Da família Mercadante, que possuía 25,66% das ações, Nicolau Mercadante era italiano
de Torraca, província de Salerno. Ele chegou a Jacareí com seu irmão Pedro na década
de 1870. Ali exerceu a profissão de funileiro, fabricando tachos, objetos de cobre
fundido e alambiques. Abolicionista, era considerado especialista em fugas de escravos.
Sorteado na loteria, estabeleceu uma grande casa comercial na rua de Baixo. Com o
restante do dinheiro, passou a fazer empréstimos às pessoas da cidade. Foi tesoureiro
(1912-1919) e vice-provedor (1929-1930) da Santa Casa de Misericórdia de Jacareí, o
que explicaria aalocação de recursos da SAJI destinados à doação para a Santa Casa de
Misericórdia no valor de 1:000$000 por ano.(Ata AGO 20/1/1917; 24/1/1918;
27/1/1920; 25/1/1921)
Os demais acionistas da família Mercadante eram filhos de Nicolau Mercadante.
Felício Mercadante era italiano, dono do primeiro curtume de Jacareí. Antonio Jordão
Mercadante integrou-se mais efetivamente a SAJI. Foi sócio, gerente e depois
presidente da companhia. José Jordão Mercadante foi vereador e juiz de paz da cidade
por longo período.
O major José Bonifácio de Mattos, natural de Caçapava, foi proprietário de um dos
principais estabelecimentos comerciais de Jacareí, depois de 1895 passou a investir em
atividades urbanas. Foi concessionário de energia elétrica de Jacareí, inaugurando o
serviço pioneiro na região em 1895, a partir de uma usina térmica. Os demais acionistas,
num total de cinco, dos quais não obtivemos informações, possuíam 7,34% do capital
acionário da empresa. Como vemos, a SAJI foi uma empresa cujo capital, em toda sua
existência, foi eminentemente urbano. Na primeira fase, houve a associação do capital
do pequeno industrial com o capital comercial, ambos locais; posteriormente, os
proprietários eram de origem comercial.
A Companhia de Tecidos de Malha “Filhinha” S/A passou em 1911 ao controle
acionário de empresas financeiras estrangeiras e de investidores imigrantes da cidade de
São Paulo, que se associaram aos antigos proprietários, J. Copinger-Walshe, também
imigrantes, residentes em Jacareí, que passam a ser acionistas minoritários, com 25%
das ações.(Ata AGE 25/10/1911)
Em 1922, o controle acionário é totalmente assumido por investidores paulistanos. Os
acionistas Eustachio N. Patounas, diretor gerente, com 1350 ações, correspondentes a
54,0% e A.P. Maluf, com 495 e 19,8% e Wadih Pedro Maluf, com 350 e 14,0%
respectivamente, detinham 87,8% das ações da empresa.( Ata AGO 16/2/1922)
Como vemos, os investidores dessa companhia estavam ligados aos interesses da capital
paulista com unidades produtivas no interior do Estado.
Na Companhia Fiação e Tecidos Guaratinguetá, tivemos a predominância entre seus
primeiros acionistas do capital dos agricultores e comerciantes da cidade.(Ata
Assembléia de Constituição 27/3/1914)
Para uma visualização mais clara das atividades podemos agrupar o capital da empresa
conforme sua origem, na agricultura, comércio, bancos locais e capitalistas paulistanos.
Da distribuição das ações, algumas informações são evidentes.A primeira é que se
tratou de uma indústria fundada com capital local. O total de capital dos agricultores,
comerciantes da cidade e poupanças familiares perfazem 74,3% de todo o capital. Se
considerarmos a captação do Banco Popular como de alcance local ou, no máximo, de
cidades próximas, e acrescermos ao anterior, chegaremos a 87,6% de capital local. Esse
número é ainda subestimado, pois entre os outros cinco acionistas possuidores de 10,7%
de capital, dos quais não obtivemos informações, podíamos contar com outros
investidores locais, o que aumentaria ainda mais o índice acima.
Entre os investidores locais, destaca-se a família Rodrigues Alves, que detinha 31,3%
das ações, sem no entanto participar da diretoria, exceto Benedito Rodrigues Alves,
suplente do conselho fiscal. Porém, a família está presente em outras atividades do setor
urbano- industrial, como a concessão para exploração da energia elétrica.( Ata AGO
24/4/1911) Portanto a diretoria da CFT Guaratinguetá dividia-se em agricultores e
comerciantes locais. (Ata Assembléia de Constituição 27/3/1914)
A única exceção é SecondoBiola, diretor técnico, residente em São Paulo e possuidor de
apenas 1,6% das ações. Isso vem comprovar a estreita dependência dos investidores em
relação ao diretor técnico devido à precariedade, ainda em 1914, das condições de
manutenção e assistência técnica dos equipamentos.
Em 23/11/1918, houve a renúncia da diretoria, por força da mudança do controle
acionário. A nova diretoria passou a ser composta por: Presidente: Dr. Carlos de
Campos; Vice-Presidente: Alberto Abreu; Gerente comercial: Alfredo Montenegro;
Sub-gerente comercial: Dr. Raul Cintra e Gerente técnico industrial: Augusto
Schmuziger.( Ata AGE 25/11/1918)
Não obtivemos informações sobre esses acionistas. No entanto, essa gestão foi efêmera,
destacando-se, no entanto, a entrada do acionista Augusto Schmuziger, que ficaria à
frente da empresa até o final da década de 1930. Isso é confirmado com a nova
composição acionária quando o mesmo assume a presidência da Companhia.(Lista dos
senhores acionistas da Companhia Fiação e Tecidos Guaratinguetá, D.O.E., 20/7/1920)
A Diretoria da CFT Guaratinguetá passou a ser composta por: Presidente: Augusto
Schmuziger; Vice-presidente: Benedito Rodrigues Alves; Diretor Técnico: Pietro
Cappio.
Temos que, a partir de 1920, o capital da família Rodrigues Alves reduz-se a 14,38%,
passando o controle acionário para capitalistas industriais vindos da cidade de São
Paulo. Foram incorporadas as firmas A. Corezzi&Comp e Crespi & Conti. (Ata AGE
19/6/1920)Na direção técnica da fábrica continuava um imigrante. O total das ações dos
investidores paulistanos alcançava 64,25%.
Com relação à Companhia Industrial Limitada de Caçapava, é possível saber quais eram
os interessados nas suas atividades, mesmo não tendo ela operado. Não obtivemos a
proporção das ações dos seus trinta e nove acionistas.A primeira diretoria da
Companhia era composta pelo Major José de Almeida Teles, Francisco Wichan,
Benedito Gurgel do Amaral, Dr. José Pereira de Matos e José de Siqueira.( Translado da
Escritura de Constituição da Companhia Industrial Limitada de Caçapava. D.O.E.,
21/12/1912)
Na escritura, José Pereira de Matos aparece como procurador de nove acionistas, dos
quais seis residentes na cidade de São Paulo. Dois desses acionistas, com sobrenome
Pereira de Matos eram proprietários; outros três, negociantes, e um agricultor.
Natural de Portugal, José Pereira de Matos nasceu em 11 de março de 1872 e faleceu
em São Vicente em 29 de julho de 1956. Formado em Direito pela Faculdade de São
Paulo, permaneceu por longo período em Caçapava, exercendo vários cargos públicos.
O major José de Almeida Teles representou por procuração dois acionistas, ambos
lavradores, sem indicação de origem. Natural de São José dos Campos, passou a residir
em Caçapava em 1884, onde iniciou suas atividades como comerciante de fazendas e
armarinhos, depois, comissário de café, fazendeiro e industrial.
O secretario José Tomás de Siqueira, natural de Caçapava, aparece como procurador de
dois acionistas, sendo um farmacêutico de Mogi das Cruzes. Começou suas atividades
como servidor da Estrada de Ferro Central do Brasil, depois comerciante e agricultor.
Francisco Wichan era provavelmente de São Paulo ou Rio de Janeiro, com experiência
no setor têxtil. Deduzimos isso porque encontramos seu nome em um pedido de
incentivos fiscais para organizar uma fábrica de flanelas em Guaratinguetá. (Ata de
14/9/1911). Empreendimento não levado a efeito, mas que indica ser catalizador do
interesse de investidores locais.
Podemos observar em Caçapava que o interesse na atividade industrial, em sua maioria,
era de pessoas ligadas às atividades urbanas.

Conclusão
Após as considerações anteriores, podemos apontar algumas evidências quanto às
origens étnico- sociais dos empresários na região do vale do Paraíba no estado de São
Paulo.
Primeiramente, devemos observar que as indústrias instaladas na região antes da
Primeira Guerra Mundial contaram com a predominância do capital originado nas
atividades urbanas locais e no capital acumulado nas atividades agrícolas, notadamente
o café. A Malharia Nossa Senhora da Conceição, a Sociedade Anônima Jacarehy
Industrial e a Companhia de Tecidos de Malha “Filhinha” S/A, tiveram o capital inicial
investido gerado nas atividades urbanas, mesmo quando das mudanças do controle do
capital acionário, exceto na Malharia, que teve um período, de 1885 a 1898, com
controle acionário de fazendeiros.
Em relação à CTI, a maior parte dos investidores também era de origem urbana. A CFT
Guaratinguetá foi a única empresa organizada antes da Primeira Guerra Mundial e que
continuava em operação em 1930 contando com predominância de capital de origem
agrícola. Porém, algumas observações devem ser feitas. A Companhia não obteve êxito
em sua instalação antes da Primeira Guerra, sendo reorganizada logo após, alterando a
composição acionária, passando assim a ser majoritário o capital vindo de investidores
da cidade de São Paulo.
Outro aspecto a ser observado é a quase totalidade de imigrantes ou descendentes de
imigrantes na direção técnica das fábricas. O diretor-técnico da Companhia de Tecidos
de Malha “Filhinha” e da CTI, como vimos, João Ferraz e Felix Guisard, eram
brasileiros, porém, filhos de imigrantes e tinham experiência e tradição no setor.
Assim, é confirmada no Vale do Paraíba Paulista a afirmação de Warren Dean, de que
os empresários brasileiros veio da elite rural ou dos imigrantes europeus urbanizados.
Embora não controlassem efetivamente as indústrias, os cafeicultores com seus
investimentos legitimavam a opção industrial como alternativa para o processo de
crescimento regional e os imigrantes ou seus descendentes viabilizavam, no
gerenciamento da produção, os empreendimentos.
Quanto a situação dessas indústrias ao final da década de 1920, o controle acionário
mostram investidores originários de São Paulo ou do Rio de Janeiro, cidades que
possuíam maior dinamismo industrial no país, com predomínio de estrangeiros,
demonstrando uma forte ligação com casas comerciais que tinham interesse em manter
uma base de distribuição operacionalmente mais eficiente, utilizando fabricantes no
Brasil. Destacamos a ausência complata de investidores vindos das classes populares,
mostrando uma decadência econômica e de empreendedores na região. O poucoi
dinamismo econômico da região do Vale do paraíba, que convivia com a decadência da
atividade cafeeira explica essa ausência.

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Ata AGE 19/6/1920. D.O.E., 20/7/1920, p. 4404.
Translado da Escritura de Constituição da Companhia Industrial Limitada de Caçapava.
D.O.E., 21/12/1912, pp. 5275-5277.
Ata AGO 20/1/1917, D.O.E., 24/1/1917, p. 374;
Ata AGO 24/1/1918, D.O.E., 29/1/1918, p. 630;
Ata AGO 27/1/1920, D.O.E., 5/2/1920, p. 801:
Ata AGO 25/1/1921, D.O.E., 12/2/1921, p. 978.
Lista de Acionistas. D.O.E. 5/5/1909, p. 1557.
Ata AGE 22/5/1918, D.O.E., 25/5/1918, p. 1701.CTI Jornal nº 3, 15/6/1937, p. 3.
Centro de Documentação e Pesquisa Histórica-UNITAU.

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