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UMA VISITA À MAGÉ

NO FINAL DO SÉCULO XIX


Guilherme Peres

Alfredo Moreira Pinto, autor do “Dicionário Geographico do Brazil”


escrito entre 1867 e 1889, realizou uma visita a Magé, que ele registra em
uma reportagem publicada no “Jornal do Commercio”, do Rio de Janeiro,
em 1898. Após uma longa descrição da viagem e sua chegada àquela
cidade, onde conta com detalhes a vida econômica e social de seus
moradores, ainda abalados com os acontecimentos de 1893, quando as
forças da Marinha, a mando do almirante Custódio José de Mello,
“levantadas contra o poder da República”, invadiram a cidade através do
porto da Piedade, sob o toque de “saque e degola”, implantando o terror,
depredando e saqueando o comércio e residências, estuprando e “violando
donzelas”.
Ao embarcar na barca “ao lado da Companhia Ferry”, no centro do
Rio de Janeiro, Moreira Pinto navega em busca do fundo da Baia de
Guanabara, e descreve as várias ilhas que vão desfilando em sua passagem,
detendo-se com comentários na Ilha de Paquetá, onde lembra que ali foi o
lugar de refúgio do “venerando José Bonifácio, de 1832 a 1838, e do ilustre
Evaristo da Veiga”. Recorda que serviu de cenário ao romance “A
Moreninha, mimoso romance do meu saudoso mestre Dr. Joaquim Manoel
de Macedo”.
Ao se aproximar do porto, descreve-o como um lugar ermo e “notável
pela sua extrema fealdade. Do mar não se avista o povoado por interpor-se
o morro da Piedade”. Registra a existência das oficinas da Estrada de Ferro
de Teresópolis, “umas três vendas, 37 casas e uma capelinha da invocação
de Sant`Ana. Está edificada sobre charcos, onde abundam caranguejos,com
que se alimenta a população”.
Ali se iniciava essa Estrada de Ferro, “cujos trabalhos foram
inaugurados em outubro de 1895, sendo aberto o tráfego da Piedade a Raiz
da Serra”, percorrendo até Magé sobre uma região “ora charcosa, ora
arenosa, abundando nesta, as pitangueiras, as goiabeiras e os cajueiros”.
Depois de atravessar uma ponte de ferro sobre o rio Magé, depara com
uma cidade “de feio aspecto... toda cercada de pântanos, o que torna seu
clima insalubre e doentio”. Acha sua topografia irregular constando de
becos e vielas. “Tem apenas três ruas largas e compridas, sendo as demais
pouco extensas e estreitas, todas elas sujas, tortuosas e sem calçamento,
nem iluminação, nem passeios”.

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As casas térreas e assobradadas são todas de “gosto antigo e muito
danificadas”. Ao percorrer a Rua da Matriz, “a principal da cidade, larga e
arborizada”, descreve a cidade como sendo “feia, triste e decadente”. Sem a
presença da fábrica de tecidos “ela seria um amontoado de ruínas”,
justificando seu estado “pelas perdas e torturas por que passou com a
entrada das forças legais e dos revoltosos. Importantes casas comerciais
ficaram completamente destruídas, existindo apenas hoje, os seus vastos
armazéns vazios, com a carcaça das armações deterioradas por incríveis
danificações. Contaram-me fatos horrorosos, cenas canibais, que por
patriotismo não menciono”.
Comenta a ausência de teatros, mercados, esgoto e água canalizada.
“A população é abastecida pela água conduzida em pipas de duas fontes:
do Emiliano e do Manoel da Costa, pagando-se por barril 60 réis”. Em
relação aos habitantes que “flutuavam” em torno das ruas, descreve a
população masculina como sendo “dividida em três categorias: operários e
comerciantes pescadores e vagabundos. Estes últimos são compostos de
indivíduos casados ou amasiados, cujas mulheres ou amantes trabalham na
fábrica, enquanto eles vivem a “flanar” pelas ruas e aglomeram-se nas
vendas a provocar distúrbios, que são freqüentes”.
Ainda traumatizados pelos atos de vandalismo que varreu a cidade
pelos revoltosos, e em seguida pelas forças legalistas que justificaram sua
violência acreditando que com aqueles, teriam sido coniventes; seus
habitantes estavam naquele momento entregues a própria sorte, tornando-se
uma cidade segregada. Mostrando-se intolerante com esse estado de
declínio emocional e econômico, Moreira Pinto registra: “em geral, pode-se
dizer que a população não só da cidade como do município, é
excessivamente indolente”.

A MATRIZ

Surpreso com a Igreja Matriz, a define como “alta e de bonito


aspecto, é um templo grande limpo e decente”, entretanto, ao tecer
detalhes, diz que “sua fachada não obedece a ordem alguma de arquitetura,
tem três janelas e a porta de entrada. A direita fica-lhe a única torre que
possui, e abaixo dela uma janela e uma porta que conduz ao coro”.
Adentrando no seu interior, revela que: “se não é rico por obras de
talha, é, todavia bem ornado e com altares dourados”. Descreve o altar-mor
com a imagem de N. Sra. da Piedade; e logo abaixo no centro: o Coração
de Jesus. Registra cinco altares com diversas imagens, e cita outras em seus
respectivos nichos.
Os cemitérios mencionados são: um nos fundos da matriz, e um “na
cidade, pertencente à extinta irmandade de N. Sra. da Piedade”. Das
Capelas filiais cita apenas a “do Bom Fim, situada no alto do morro do
mesmo nome”.

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FÁBRICA DE TECIDOS

Ao mencionar a fabrica de tecidos existente na região, chama-a de


“importante prédio” situada no “fim da Rua Dr. Siqueira. É um vasto e belo
edifício, com acomodações apropriadas e vantajosas condições técnicas”.
Contando com 160 teares movidos a vapor, ali trabalhavam 350 operários
produzindo 140.000 metros de fazenda.
Situada numa “viela curta e estreita”, impropriamente denominada
de Praça Municipal, achava-se a Câmara Municipal. Alojada em um grande
prédio contendo cinco portas no pavimento térreo “e no sobrado cinco
janelas, acima das quais estão as Armas do Estado e o monograma da
municipalidade. Na sala das seções existe o retrato do Dr. Siqueira e o
busto em mármore de Aureliano de Souza Oliveira Coutinho, visconde de
Sepetiba, ali colocado em gratidão dos mageenses, pela construção do
canal para a cidade, quando presidia a então província do Rio de Janeiro”.
Ao lado da Câmara, encontra uma casa que serve de cadeia
chamando-a de “pardieiro imundo e asqueroso, exalando um cheiro fétido e
nauseabundo que ameaça desabar”. Surpreendente o registro de duas linhas
de vagões que percorrem a cidade até o porto, pertencentes a duas
empresas, a de Reis & C., e a Antonio Marques, fazendo ponto final na
praça comendador Guilherme “Onde carregam e descarregam as lanchas”,
provavelmente rodando sobre trilhos e de tração animal.
Reclamando do calor, diz que: “o clima da cidade como de toda a
Baixada do Rio de Janeiro é insalubre, reinando em diversos lugares febres
intermitentes”, citando as regiões de “Guapy, Suruy e Raiz da Serra, onde
as febres fazem mais devastações”.
Registra a grande quantidade de “excelente farinha” que produz o
município “cuja principal lavoura é a da mandioca”, sendo considerável a
produção de “lenha, aves domésticas e ovos, exportados pelo porto de
Suruhy, Guapy, Estrela, Mauá, Magé e Piedade”.
Relaciona três escolas públicas existentes “sendo duas do sexo
feminino, freqüentada por 100 alunas e uma do masculino, freqüentada por
60 alunos. A população da cidade é de 3.000 habitantes e a dos distritos de
seis a sete mil”.
“Tem a cidade de Magé, 12 ruas, 2 praças, 2 médicos, 1 advogado
formado, dois provisionados, 1 pharmácia, 1 hotel, 2 padarias, 1 sapateiro,
15 vendas e 350 prédios”.
Ao término de sua narrativa, Moreira Pinto chama “a atenção do
viajante para três flagelos, que o hão de atormentar ao procurar esta cidade:
o caíque, o hotel e os mosquitos”.

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