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ROMEU DE AVELAR

ANTOLOGIA
DE
CONTISTAS
ALAGOANOS

DEPARTAMENT0 DE CIENCIA E CULTURA


MACEIO- ALAGOAS
I 97 -
ANTOLOGIA
DE

CONTISTAS
ALAGOANOS
e
Hüdson K. P Conuto
Protessor tugués IFAL
SIAPE 1690338
ALFREDO BRANDÃO

Alfredo de Barros Loureiro


médico do Exército, escritor de Brandão foi tenente-coronel
sólida cultura literária e
cientifica, historiógrafo,
Suas obras, notadamente jornalista, folclorista e contista
Viçosa de Alagoas e A escrita pré-
istórica do Brasil, lhe deram uma posiço de grande
que dentro e fora da desta
província, sendo até hoje procuradase
comentadas pelos estudiosos.
Modesto, arredío, homem ver-
dadeiramente de província, apesar da vida agitada e
que teve na mocidade auxiliar acadêmico do corpo doandeja
-

Hos-
pital Militar de São Bento, na Canmpanha de
adjunto da Canudos; médico
expedição-Rondon,
em Mato
Grosso; das
ções do Paraná, Janeiro, São Paulo e Recife- guarni-
Rio de
amava
sobretudo a sua querida cidadezinha
sembléie ), onde se natal, Viçosa (hoje As-
recolhia para estudar, escrever,
e
recordar, como êle dizia, "as
investigar
reminiscências da minha in-
fancia, quase tôda escoada na solidão dessas
matas".
Mereceram elogios especiais os seus estudos
Sóbre a
Geografia Botânica de Alagoas e Os Negros na História de
Alagoas, êste último apresentadc ao 1°
Congresso Afro-Bra-
sileiro do Recife.
Suas produções, quer
meras e valiosas. Podemos
científicas, quer literárias, são inú-
citar, afora a sua intensa
ração- estudos, artigos, crônicas, etc., em jornais colabo-
do seu
Estado e do País- as seguintes:
Palestras e
Tabagismo (Bahia, 1902),
Conferências (Tipografia Econômica, Viçosa-
Alagoas, 1918), Amor e Sofrimento (Romance publicado no
Correio de Viçosa), Viçosa em Revista
(Peça dramática re-
presentada no Teatro Carlos Gomes), Viçosa de Alagoas (Im-
prensa Industrial, Recife, 1914), A Escrita prehistórica do
Brasil (Civilização Brasileira S. A.
Noites de Paraguai, com o
Editôra, Rio, 1937).
pseudônimo de Aldebar
Lonbrard,
São Paulo, 1927) e Crónicas Alagoanas (Casa Ramalho Edi.
o conto O Tes0uro do
tora, Maceió, 1939), de onde extraimos
Tabuleiro
Alfh edo Brandão era mais narrador que contista. Suas
histórias, porém, tomam um certo calor e colorido no
senvolver da ação, fazendo o leitor interessar-se vivamen
te pelo remate
Nasceu em Viçosa a 19 de fevereiro de 1874 e faleceu em
Maceió a 6 de janeiro de 1944
Era filho do coronel Teotônio Torquato Brarndão, senhor
de Barros Lou-
do engenho Barro Branco, e de D Francisca
reiro Brandão

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OTESOURO DO T ABU L E I RO

Eo velho Rodomiro começou:


Nesse tempo eu morava na
vila do Riacho do Alt0, mais
ou menos umas trinta
léguas distante da capital.
Voces, Os moços de hoje, uue recostados nas poltronas
macias dos trens ou nos
assentos estufados dos automóveis,
devoranm léguas e
léguas, enquanto se fuma
odem, de modo algum, avaliar o que era um cigarro, não
ies caminhos, viajar-se por aqu¿-
principalmente em tempo de
chuva, atoleiros, rios cheios, camalhões inverno, com
nas estradas,
picios nas ladeiras e mais a ameaça do preci-
dores c ladrões de cavalos. bacamarte dos saltea-
Ah! Como os tempos
mudaram e que bela coisa é o
Tesso! pro-
Mas, como ia dizendo, pela era de
iachão do Alto. Casa 70, eu negociava em
nolhadCs
afreguezada, bem sortida, de sêcos e
Vndia muito. Nos sábados,
vcta do balcão ficava cheia de entã0, depois da feira, a ga-
mil réis, de patacões de
cédulas de dez tostões e cinco
Muitas
prata, de moedas de níquel e cobre.
vezes, pelo meio da
notas amarelas de vinte mil dinheirama, apareciam algumas
réis, novinhas em fölha, com a
igura daqueie bom D. Pedro II, a
hale e console das saudades do quem Deus, lá no céu, em-
Brasil.
Por ésse tempo, frei Caetano de
1a missão Missina veio
fazer a san-
ia formiga de
pOvoado
e o se encheu de tanta
gente que só pare-
Correiça0 num roçado de mandiocas
Durante os quinze dias de novas.
pregação, vendi tudo o
n a loja. Empurrei a
matutaua o que prestava eo que ti-
prestava, Não ficou um só alcaide, que não
Depois que o missionário se foi limpei as
pratileiras.
novo sortimentoe segui embora, tratei de fazer
para Maceió, A casa
:naracs &Cia. cstava esperando uma barcaça Almeida Gui-
de chita, d
tecife, e cu tive de demorar nais alguns dias.
Voce não calcula a beleza dos pradões, me dizia o
relho Almeida é de enlouquerer os matutos
E pela cabeça já me vinha a idéia de passar a cruzado a
hita que fôsse de pataca o côvado. Sabem os senhores como
se negocia lá pelo interior? Com certeza náo sabem, pois vou
iar uma amostra:
Quero um corte de chita, seu capitão
Devo dizer, entre parêntese, que pelo norte o senhor de
engenho ou negociante que escapar de coronel é capitão na
erta
Eu olho o matuto de cima a baixo: chapéu nôvo de ouri-
uri. camisa lavada de morim, abotoaduras de missangas, cal
(as de riscado e sapatos de couro de porco.
Está endinheirado, o caora. Com certeza vendeu ago-
ra mesmo algumas sacas de algodão.
E cssim pensando, vou ver o que tenho de mais ordiná-
o em chita e coloco em cima do balcão.
Chi que pano vasado!... E uma cueira; êste nem
ce graça.
Porem eu, pacientemente, desenrolo a peça de chita e
coloco contra a luz e contesto:
-Ora, Zé Antônio, bicho do mato é mesmo um não sei
que diga, é besta que só aruá. Eu querendo fazer de você
ente Pois olhe, no domingo passado, minha mulher foi
a missa com um vestido desta chita e causou admiração.
Logo depois a senhora do juiz de direito, mandou me preve-
nir que guardasse um corte para ela. Já estava esquecido.
E enrolando a peça:
Isto aqui não é para o seu beiço; pérolas não são para
/orcos E depois, se minha mulher soubesse que a sua cam-
iembe poderia ter um vestido igual ao dela...
matuto ficou encamarramuado, apalpa os bolsos da
calça, faz tinir as moedas e responde com arrogância:
-Eu sou pobre, mas não rcaro despesa para vestir do
oom e do melhor a minha cabocia. Se a mulher de seu capi-
Lã0 tem um vestido assim por que a minha também não pode
Ler?
E dessa vez, ainda que eu pedisse dez tostões por um
Ovado. o corte de chita ia mes.o

Mas valha-me Deus! fez c velho Rodomiro coçando a


cabeça, quando a gente trata de coisas da profissâo se esque-

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ce de tudo.. . E eu que ia contar aos senhores a história do
tesouro do tabuleiro.
Uma tarde, estando ainda em Maceió, aguardando a che-
gada da tal barcaça, recebi um bilhete do meu sogro que me
participava estar a minha dona por instantes a dar å luZ O
meu primogênito. Não quis saber de mais nada. Fretei uma
canoa no pôrto da Levada, cheguei a Coqueiro Sêc0, aluguei
m cavalo e eis-me a esquipar, tabuleiro em fora, demandan-
do a minha terra, Conhecem o tabuleiro das Mazitas? E uma
vasta cha descampada, coberta apenas de capim-assu. De
longe em longe, um moital de cajueiros, depois os garranchos
de árvores enfesadas, Os ouricuris com as frondes esfarra
padas, parecem uns pobres diabos envoltos em esteiras
Ihas
Era a primeira vez que eu viajava, à noite, por essas pa-
ragens. E logo agora que vinha só. .. Meu almocreve, o Ma-
noel Tabocas, aquële que me havia levado o bilhete, ficara
om Coqueiro Sêco com o cava:o estrompado. Tempo de lua
chcia e o tabuleiro estava todo branco de claridade... A es-
trada, larga, plana, convidava a correr, Uma légua, duas lé-
guas, três léguas. Nem uma fazenda, nem uma casa, nem viva
alma. O deserto, o silêncio, a estrada alva, ora se alongando
em estirão, ora se dobrando em meias curvas. A lua, bem
por cima de minha cabeça, ia andando, andando, como se ti-
vesse apostando carreira comigo. Ás vezes o esvoaçar dos
norcegos e o grito agoureiro da curuja me faziam estreme-
cer até Os ossos.
Não sou dos mais medrosos e o meu espirito preocupa-
do achava-se pouco apto para se pör em contato com apari-
ões ou visagens, mas o tal rasga-mortalha a gemer o seu pio
ispero como o romper de madapulão nôvo e gomado... Pa-
recia que o demo da coruja me acompanhava.
E nada de casa, nada de gente.
Lembrei-me das histórias que me havia contado o Tabo-
cas, his:ória de assombramento estrompidias que se passa-
a m mesmo naquelas estradas.
- Mentiradas, dizia com Os meus botões, para me tran-
mentiradas daquele diabo; era a cachaça que 1he
qüilizar,
1ervia na cabeça e soltava-lhe a língua.
Mas, & meu pesar, olhava para todos os lados; a estrada,
adiante, infindável, parecia varar o horizonte; atrás era uma
enorme cauda branca, a retorcer-se, estremecendo à poeira
evantada pelas patas do meu cavalo. A direita e à esquerda,
o campo se extendia, brando, silencioso, cheio de mistérios.

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raquiticos, como aðes cor
sempre os mesmos cajueirOs
em noites de
cOvados QuandO andares pelos campoS
s folhas de cima são
uar, n o te iludas conm as jurubebas, vento
baixo sáo alvas c o m o leite,
se 0
verdesescuras, de
as
fantasmas, ora negTOS, ora bran-
Sopra, elas se te afiguram
acalmava-me, pensando nestas palavras
cOS Sorria-me e observador Porém ju-
de um meu tio, um velho sertanista,
o génio máu
rubeb era planta mandigueira do Jurupara,
dos caetes
das histórias de malas-
E vinha-nme de mdvo a lembrança
sombrudos
Estes canminhos, meu patråo, dissera-me o Tabocas,
tabuleiro
Juando uma vez descansavamos naquele mesnmo

claro sol que o bom


såo borns de se andar, assim como éste
do céu, c o m é s s e s
e u s nOs envia, enm todo ésse Uzulaniento
imbiribas altas De noite.
passaros a gargallharenn pelas
encruzilhadas ficam cheias
orem. se é tenpo de chuva, csSas
ce vuliOs pretos que correm s lamuriando à luz avermelha-
da dos relämpagos, Sa0 Os defuntos negros dos Palmares,
ujos CSsOS espalhados por ésses campos, na0 sei onde vão
buscar a carne desapareeida e tomam figura de gente. Dés
ses não tenha médo. Fogem dos brancos como o diabo da
cruz Uma vez, o compadre Geraldo, que era alvaçao assim
como o senhor, pegeu um temporal na Bôca da Mata, ali nas
proximidades do Pilar, Parou num ranch0 de roçado para
deixar passar a chuva, e o que viu, entio, na abertura da
queimada, meu Pai do Ceu, meu Santissimo Sacramento do
Altar! Eu ne gosto de contar essas cOSas.
Era umn
oando de negros, todos de màos e pés decepados, dansando
entre cs carvões e as cinzas da queimadura! Meu compadre
eraldo quis fugir, mas o ruid que fëz, foram êles que cor
reram que só uma vara de qeixadns, mas, conm un chôro
Lão desadorado que u mata tóda estreneceu. No verão,
pelas noites estreladas, o que aparece såo as almas dos cabo
CiOs Livre-se delas, patr.io; aos catuzos como eu, nda f
zem, mas se encontranm um branco, vingani-se do que lhes
izeram os portugueses. O pior ie tudo que se ve neSses ta-
uleircs, é nas noites de lua sao os fantasSmas d
ainda nais antiga, de uima raça forte e ná, má como os ho-
gente
mens dc hoje, tâo ruinm que Deus, uma só noite, destruiu a
todos Andam agora a penar e a
aperreiar os vivos Nenm
depois de mortos, os caes! Olhe, patrào, doutra vez lhe
contarei a históra das Mazitas,. Moravaam
aquium pouco
adiante. Agorä, a tarde ja vai caindo; vanmos dar comida aos

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cavalos, montar e puxar um pouco para ver se atravessanmos
ainda com dia éstes lugares malassonmbrados

Achava-me.
justaente, na travessia das Mazitas Con
stultei o meu relogio: os ponteiros mareavam certinho meia
oite Hora maldita dos fantasmas E veio-me a intuição de
ue alguma coisa ia me aparecer, Parei unn pouco indeciso
Não seria melhor voltar? Ogi! Que vergonha!
Dei novamente de redeas toquei a galope,
Teria andado assim um quarto de hora, quando me
pa-
receu ver adiante, no meio da estrada, um homem parado,
móvel, empunhando um longo e grosso bordão
Até que enfim encontro um companlheiro de viagem
murmurei; é com certeza algum tropeiro que está tomando
alento da grande caminhada.
E &ssim pensando, diminuí a marcha do cavalo e fut
parar a quatro passos do desconhecido.
Boa noite, amigo.
O homem nao respondeu ao meu cumprimento e conti
nuou imóvel. Observei-0, miuciosamente, e foi entâo que
lhe notei o estranho traje: os pés estavam calçndos numa es
pécie de sandálias de salto alto e eram ajustadasS no meio de
umas correias que se enrolavam nas pernas até Os joelhos
Vestia uns calções curtoS que che gavam, apenas, ao meio das
cOxas e uma túnica vermelha com bordaduras prateadas e
coberta na altura do peito por uma cota de malhas, tecida de
ics de metal. Na cabeça uma espécie de capacete, tambénm
prateado, terminando no alto por uma plumagem negra.
Tinha na mão direita uma arma estranha, como essas
lanças ou azagáias que, ainda hoje se vêem nas gravuras anti-
as, terminadas em pontas de flecha, com um arredondado
Cie caa:. lado, formando uma acha dupla.
Alto e corpolento, o seu talhe era como o de um gigante.
Porém o que mais me impres:sionou foi o olhar - m olhar
fixo, vidrado, imóvel, como se ctivesse a ver alguma coisa
ao longe- um olhar que nao era de gente viva, que não era
de gente déste nmundo. Nisso o meu cavalo, que parecia
ambém examinar o esquisito m rsonagem, deu para recuar,
bufando, gingando, com as oreihus de pé, tésas que nem dois
espétos. A mim, o médo me tomara de tal maneira que os
cabelos se me arrepiarame um suor fri0 percorreu-me as

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as mãos ao ar-
Costas. Para nã0 cair, agarrei-mc com ambas
ão da sela.
descreveu uma
Sentindo as rédeas abandonadas, o cavalo
tomou a es-
curva pelo mato, para não roçar pelo fantasma,
trada mais adiante, e desabalou numa carreira louca,
como

de um furacão. No
se fôsse arrebatado nas asas invisíveis
ferindo o solo, tiravamn
galope infernal, Os cascos do animal,
debaixo do
um som retumbante na solidão. Parecia que por
entanto
chão tudo era ôco Soprava um vento séco, mas no
cu estava coberto de suor gelado. E a
luz do luar, tão branca,
estendido sô-
lão nevada, que só parecia um imenso lençol
bre o capinzal. Muito adiante, C meu coração descançou-
ouvira vozes humanas, vira longe tremular uma fogueira
e
distinto. Era
a medida que me aproximava tudo se tornava
afastado da
i m pouso de almocreves, à direita, um pouco
cstrada. Entôrno à fogueira, sacas de açúcar e cangalhas.
Sobre encerados, uma meia duzie de homens, uns assentados
e outros estirados.
Dirigi-me a êles, mas uma voz encolerizada me gritou:
Passe de largo, seu vagabundo!
Camarada, camarada, retorqui enm tom de súplica.
Não queremos histórias, ponha-se ao fresco quanto
antes
Ouvi o ruído de gatilhos que se armavam.
Nova carreira através o tabuleiro. Depois notei que o
meu cavalo mancava. Apeei-me para aliviar o nobre animal
e fui puxando-o pelas rédeas. Felizmente as primeiras barras
á vinham quebrando e dai a pouco o sol apareceu. Acabara
o tabuleiro e uma descida começava. Lá em baixo alvejava
uma moradia, grande, alegre, com estrebarias, currais e altas
árvores frondosas

Esse sujeito que o patrão encontrou, era o feitor das


Mazitas, sem tirar nem põr, -

afirmou o Manoel Tabocas,


quando lhe contei as aventuras de minha viagem noturna
muita gente já tem se encontrado com o maldito. Meu pai o
viu, seguramente, umas cinco rezes, mas, como sermpre leva-
va consigo um corisco macho nenhum mal lhe aconteceu. Já
a coisa não se deu assim com o compadre Geraldo, a monta-
ria de!e se desembestou por tal forma que o foi atirar num
grotão, quebrou um braço e ficcu aleijado para tôda a vida.

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Olhe que foi u1na felicidade sOU OAValo baver
rO0uAdo, patr O
dizen: que o cavalo ó um aninnl estipido! 'T'onho
mim que é mais inteligente do que todos nos, e, em ese para
ra
tando de estronmpidias coisas do outrO mund0, 6 0
e
primeiro
a dar p:ra tras, Se o sernhor tivese tocado no tal feitor, calr
ihe-ia desgraça na cert: quando chegaSSe em OASa, en0ontra
ria a dona morta e o pequeno por nascer Mas ntln diss
aconteru, que Deus é grande.
Alinal, quem eram ess'3 Mazitas de qlo voc6 tanto
ne tem falado?
Unas almas danadas q|ue undam penando as maldados
que fizTam, As Mazitas eram quatro, Viveram hú milhares
de anos e o seu palácio ficav no tabuleiro, junto
onde o senhor econtrou o feitor
n0 pont
Que é que você está aí falar om palicio?
Digo a verdade. Houve m tenpo em (quo o tabuløiro
cra u n ilha toda cercada pelo mar, töda de pomares, do pa
lácios e de castelos
Ah! nã0 nutou 0 senhor quo por quo
S paragens passou a maldição de Deus? No solo ó voget
Capim, e ésse tão duro, de folha táo rijas, tio cortantes, (ques
s alimirins na0 o mastigam tiem mesmo com fome de três
dias. J provou Os cajus? Nao uxperimente, porque o travor
que lhe deixarao nas goclas serú capaz, cdo lho sufocar por
duas horas. Sim, em tudo aquilo está impressn n cólera di
vina. as, também, que (quer o senhor? Pai do Cóu é bom,
é misericordioso, porém a crintura humana abuNa tanto da
bondade que só chuva de cnxofre e saliva do mar pura des-
ruir a todos. O palácio das Mazitas se orguia junto ao mar
Até altas horas da noite os claríes dos archotes envermclhe-
ciam as grandes janclas escanearadas, Ea musica do festiran
saia deniro das árvores, macia vaporosa como um sonho,
rolava sóbre as úguas e perdia-se por entre us scmbras da
i1oite ivansa. E as taças de uro, transhordavam de vinho
perfumdo e as danças e os banquetes Se prolongavam pela
noite cm fora.
Depois as quatro irmas cantavam, e a musica das vozes
COmbiadas cra tão meiga, tä0 1cpassada de ternura,. . Mu
novas, muito lindas, parecia (que
no brilho quente dos seus
tolhos icgros havia a chama do inferno e a atraçäo das pro
iundid1des. Moços que as vissem, imoços que chegassem a
havia lascívia das
eijur aquéles lábios vermelh0s onde
a
as amassem
iaras e doçura do mel de abelhas, moçOs que
um dia, dos seus encantos ficavam presos para o resto de
ida. então podiam, à vontaue, chorar as maes e as espo-

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visto partir. Nunca mais voltariam, nunca
sas que os haviam
mais!. das
do banquete, das músicas,
Madrugada velha, depois lon-
de vinhos capitosos e da
danças e da volúpia dos beijos, criados para o suh-
eram levados pelos
ga noitada de amor, de
es ordens do feitor, depois
terrâneo do palácio e ali, sob
vestes ricas,
dobrões de ouro, de suas
despojados dos seus
como bois no ma-
norrianm abatidos a golpes de i.achados,
as ondas
tadouro. Quando o sol se erguia sôbre o horizonte,
outro banquete começava, o
verdes levavam cadáveres e um
panquete dos tubarões e
dos lobos do mar.
o chôro das viuvaS aban-
Mas o grito das m es desoladas,
um dia ao céu, e
donadas, o pranto dos órfãos, chegaram
caminho. Uma vez, uma gran-
quando Deus tarda, já vem em
de noite caiu das alturas. As
estr las desapareceram do céu
e trovões encheram a terra.
As
e chuva e relâmpago e raios
ondas do mar subiram roncando, cobriram a ilha, os palácios
desabaram e as Mazitas e todos OS seuS servidores desapare-
ceram no abism10
Muitos anos o mar rolou raivoso sóbre estas regiões.
um dia afastou-se entediedo, e onde era a ilha dos
porém
amores ficou o tabuleiro de terra sáfra onde só medram her-
vas e arbustos daninhos. Está ai tôda a história das Mazitas,
terminuu o TabOcas.
O velho Rodomiro fêz uma pausa, sacou o binga da algi-
beira, t1rou uma grossa pitada, sorveu-a com estrondo, lim-
pou as ventas e o bigode com um lenço vermelho de chita, e
falou ainda:
Dirão os senhores que noje ninguém acredita em se
melhantes coisas, e, moços inieligentes, explicarão os fatos
sem invocarem o maravilhoso: as Mazitas não passariam de
umas 1eles rameiras; os palácios eramn tabernas de cachaça à
margem do caminho e os figurões que vinnam de longe trocar
as suas riquezas pelos beijos das pérfidas, deviam ser incau-
tos almocreves, carregaðdores de sacas de algod o, de milho
e de açúcar, com algumas patacas de cobre no fundo dos
seus bornais. Perfeitamente, meus jovens amigos, mas o tal
1eitor, o fantasma do tabuleiro, que eu vi, que eu vi com
stes oihos que a terra fria há de comer? Alguma figura de
reizado ou de chegança, que voltava, b bada, da função?
Diante disso eu podia dar a história por terminada e ex-
plicada. Resta porém um epílog, e a prova dêsse fim trágico
OS senhores encontrarão no meu aspecto miserável, na minh?
risteza, na minha pobreza.

28
O Manoel Tabocas, que ao tempo me sabia abastado,
aproximou-se de mim um dia e quase em segrédo me falou
Conheço alguém que sabe onde se acha oculto o te
souro dias Mazitas Veja que é uma boa
obra desenterrá-lo,
não para aliviar as almas daquelas bruxas,
que bem merecem
o fogo do infern0, mas digam lá o que quiserem, o dinhei-
ro é un bom amigo. E agora que vamos ficando
Se o
patrão quisesse arriscar
velhos
um pouco das economias

A feiticeira da ladeira do Pilar. uma veliha cabocla que


uando fumava liamba dava para adivinhar as coisas escon-
didas, se propós, mediante um conto de réis, colocado em
mãos de gente séria, nos fornecer todos os detalhes sôbre o
tesouro das Mazitas Caso fôssem falsos os sinais indicados,
eu podcria retomar o meu dinheiro
Fechado o negócio, deu-me as primeiras indicações: uma
palmeira alta e esguia- a maior árvore do tabuleiro. Deveria
cavar duas braças em frente, par2 o lado em que o sol nasce.
A principio encontraria cinco varas de terra branca, depois
outro 1anto de terra amarela, ainda depois mais dez varas de
terra vermelha, em seguida um2 grossa camada de barro
verde, mais em baixo grande quantidade de areia fina como
a do mare por último um calçamento de tijolos cozidos
Essa obra de alvenaria, era a cúpola do palácio das Ma-
zitas. Então restava sòmente perfurá-la, e assim se descia
ustamente sóbre a sala das riquezas- cinqüenta fôrmas de
barro, grandes como as que se uzam, hoje, nos engenhos,
para fermnentar a garapa, tôdas cheias de dobrões de ouro,
moedas quadradas daquele tempo, do tamanho e da espes-
sura de uma mão
Arranjei trabalhadores e material; mandei construir um
ascensor rústico, de madeira, e desfarcei o negócio declaran-
do que 1a cavar um poço para tirar àgua e montar perto um
pouso
Logo de coméço encontrei uma camada de terra branca,
Mas os
depois a terra amarela, depois a de barro vermelho.
Os almocreves e
o dinheiro se esgotava,
empos C o r r i a n e
curiosos para ver a
OS negOciantes, de passagem, paravan

CScavaCao

29
meritória está fazendo
Senhor o O mal
Que obra Deus Ihe
Deixe estar que pa-
deste tabuleiro é a falta d'água.
rará. não e r a sem ter-
Eu, entretanto, começava a desanimar;
aproximando-me das bordas
do poço procurava
r o r que
Com o olhar sondar a profundidade .

o que está lá
-Coragem, patrão!- dizia o Tabocas-
por baixo compensará as canceiras
camada de
as camadas de terra verde e a
Vieram depois de tintureiro,
u m a porta
areia fina. A bôca do buraco parecia
terra retirada.
tal era a variedade de côres da
fundo da cavidade, agitaram
Um dia os trabalhadores, do
sinal de alarme. Puxou-se
o
repetidas vezes a corda, dando
ascenscr e os homens chegaram à superficie do solo, pálidos,
entrecortada pelo mêdo. Haviam en-
ässustados, com a voz
tinham ouvidO, vindo
contrado a camada de alvenaria, mas
ruído tão grande, tão profundo, que se diria
ce baixo, um
de mar. Alguns traziam,
como pro-
Passar por ali u m braço
cozidos.
t a . fragmentos grossos de tijolos
Gente fraca, gente medroza disse o Tabocas, apostro-
é ter coragem.
iando-ops pois eu vou mOstrar a vocês o que
meteu-se no a scensore or
E armando-se de um alvião,
ouvímo-lo ferir
denou que o fizessem baixar Minutos depois
alvenaria com a ponta do instrumento.
a
Vai bem? - lhe gritei, debruçando-me.
vendo a
Sim. Perfurei a camada de alvenaria, estou
mais
sala do tesouro, estou vendo as förmas de ouro, desçam
O ascensor.
corda ao aparelho, mas de
Fêz-se o que êle pedia, deu-se
repente um grito de horror, um grito rouco, um grito de su
prema angústia se fêz ouvir, do fundo da escavação:
São elas, as Mazitas! As Mazitas! Socorro, patrão! Soo-
Corro, minha gente, acudam-me todos, acudam-me pelo amor

de Deus!. . .

Procuramos, quanto antes, fazer subir o ascensor, mas


nesse momento as paredes do poço estremeceram e desaba-
e um ruido abafado,
ram, aS cordas do aparelho se partiram
om grande nuvem de poeira se elevou até nós.

Ah! Nunca se deve tentar o céu com ambições desme-


didas. Para que pensei, um dia, possuir aquêle tesouro mal-
fadado?O homem deve contentar-se com o que Deiis Ihe con-

30
cede Aquela riqueza tinha sido o fruto do crime,
desenterrá-la do fundo da terra? para que
Parti para longe e desde então tenho
e desgraçada.
passado vida pobre
Hoje, o que mais me acabrunha é a lembrança
do Tabocas. Ás vezes,
quando vou adormecendo, parece-me
ouvir-Jhe ainda a voz aflitiva a
gritar-me do fundo do poço:
Socorro! Patrão, Socorro, acuda-me, pelo amor de
Deus.

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