Você está na página 1de 47

MANUEL BANDEIRA

o mito revisitado (uma leitura intertextual da poética da modernidade)

PR~MIO MANUEL BANDEIRA - INL

59
32m

Rober to Sarmento Lima


't b tempo brasileirolMinC/PRÓ-MEMÓRIA INSTITUTO NACIONAL DO LIVRO
I. (

MANUEL BANDEIRA: O MITO


REVISITADO
(UMA LEITU RA INTER.TEXTUAL DA POÉTICA
DA MODERNIDADE ) .
B1OC, R/\ 1•1/\

m,tio de
ROBFRTO SARMbNTO UMA. nac;c ido cm 11 de
Departam ento
1956. cm Maccio, Alagoas, é Professor J\%istente do
ral de Ala-
de Letrns Clássicns e Vern ácula s. da Universidade Fede
Brac; ileira /\
goas ( UFA l ). onde ensina , desde 1978. Literatu ra
ic;a e a crít1cr1
partir de então, vem dedi cando-se ao ensino, à pesqu
ensaio<.,: Rea-
!iteraria. tend o já publ icado , ent re outro s, os seguintes
ação Hoje . de
lidade r metá fora C'm Eça de Queirós ( revista Educ
novidade ( F- o-
Palmas. Para ná. 1980) ; Mod ernismo: o projeto da
lha de Letra s, periódico do Departam ento de Letra
s da UF AL. n<?
1. 1982 ): Literatura , metalinguagem e ideologia
(Folha de Letras
nº 2. 1981 ) : Produção, distribuição e consumo
: uma contribuição
m, n9 I 5.
para a análise do discurso (Revista Scientia ad Sapi entia
Edufal. 1985 ).
ileiro de
Como conferencista, participou do VII Congresso Bras
nal de Litera-
Teoria e Crítica Literárias e III Seminário Internacio
em Campi-
tura. promovidos pela Universidade Federal da Paraíba,
ico-ideológi-
na Grande. em 1984, com o trabalho As relações estét
publicad o na
cas do texto literário, depois transformado em ensaio,
Revista Scientia ad Sapientiam, da UFAL.
a sua pri-
MANUEL BANDEIRA: O MITO REVISITADO é
o no Con-
meira publicação em livro - resultado do prêmio obtid
tuto Nacio-
curso Especial Manuel Bandeira, promovido pelo Insti
da Cultura, em
nal do Livro/Fundação PRó-MEMóRIA/Ministério
1986, em homenagem ao centenário do Poeta.

Fic~a Catalográfica elabor!l;da pela Equipe de


Pesq
. / .,,,.,
uis.a da. ORDECC
'

·,
Lima , Roberto Sarmento
L 732 Manuel Bandeira: o mito revisitado (uma leitura
Sarmento
mter textual da poética da Modernidade) , Roberto
Instituto
Lima . - Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro; Brasília:
Nacional do Livro, 1987.
52. p.
1. Lit eratura brasileira ·- ensaio l. Títul o
CDU 82-4 (81)
CDD D869
ROBl RIOSARM[HlO UMA

MANUEL BANDEIRA: O MITO


REVISITADO
l M I\ 1 1 l ll HA 1~1 1 R Tl \ ll \l íl \ POCIK \ O\
\ 101)1 R,1 n \Dí 1

PRf ~110 \1 \ ' l l l l3J\ '\ Dl· IR I\ - l~ L

J J .MJ'ü llRA!)lLc lRO


( lllll o 11pu10 teum:u e f111unceiro do
MI t\ ( Pl{ O Ml·Mú Rl A
Jl\'> J I Jl JO \ \tlONA L DO LI VRO
1{ 111 dl' J,111u1u B1a'11lla, 1987
Programação Textual : do Autor

lho· ·
Pla nejam ento Editorial: Kátia de Carva

Capa: Elisabcth Lafaycttc

ET FA L
Btbff11feef BeMJiflei Mente
N*
ô
r >ata
-
11. o?. r1,

Dir eitos reservados à


DA.
EDIÇÕES TEMPO BRASILEIRO LT
s
Ru a Gago Coutinho, 61 - Laranjeira 205-5949
.:
Caixa Postal, 16.099 - ZC-01 - Tel
Rio de Janeiro - RJ - Brasil
CEP 22.221
ISBN - 82-202-0002-7
Foi feito depósito legal
lBIBLIO~CA. El f ALj

SUMÁRIO

l" TRODL C .'.\ O


. . . . . . . . . . .... 7
DEFI'-: IÇ \O Dr MODERNO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

O CODIGO DO DFSCE:JTRAMEN TO ONTOPOÉTICO 15


3 . 1. Pala, ra. ,·c,culo do mundo . ..... .. .. . . .. . . . .
15
O problema da linguagem entre os gregos .. . .. . 16
Rep,.c, entação e Modernidade ... . ...... . . . . . 17

4. A MODER'.\ IDADE OU A ASCEN SÃO DO SIMULA-


CRO . . .. .. .. ..... . . ... .. . . · · . · . · · · · · .. · · · ')~
4. 1. A cri~e da Metafísi~a . ... . . .. ... .. . . . ... . . .
4 .2 . R iuc.kl:1irc: a sacralidadc pelo avesso . .. ... . . .

5. MANUE L BA~ DEIRA: O MITO REV ISITADO . . . . . :q


5 . 1. Mi10: a infánc;a da história .. .. .. . ..... . .. . . .
5. 2. Polifonia. intcrtcxtualid adc e metalingu~gcm .. . .

6. CONCLUSÃ O

7. REFERf:N CIAS BIBLIOGRAr:I CAS .. . . . . . .. . . . . .. . 51


( f~IOTECA -E TF Ai]

1. INTRODUÇÃO

l:. comum ouvir, no âmbito da crítica literária, que a estética


moderna. quaisquer que sejam as suas manifestações - literatura.
pintura. música - . resulta de um longo processo de maturação para
o qual concorre, de um lado. a lição do passado e, de outro. a
propensão do artista. testemunha do seu tempo, para a renovação
das formas. Com isso quer-se dizer. mais exatamente, que nenhum
momento da cultura - para fazer uso de um termo mais geral e
abrangente - brota, ou nasce. a partir de um total esvaziamento
de fórmulas anteriores. Ao contrário. é ainda na vivência mesma
dessa<; fórmulas que germinam as condições necessárias para o seu
em elhecimento e superação.
Todavia: a história literária. ao apresentar a evolução dos es-
tilos. tem-no feito com base num mero confronto, como se as rela-
ções entre eles fossem un icamente de contigüidade. Não foram os
modernistas de primeirn hora os denunciadores da exaustão da lingua-
gem parnas:ana e: ao mesmo tempo, os seus diluidores. com a pro-
posta de uma estética que fosse coerente com os novos tempos. com
o avanço tecnológico e com a velocidade? Não demonstraram. dessa
forma. os revolucionários modernistas um forte desejo de desagre-
gação do passado literário? Não deixaram transparecer um senti-
mento de rebeldia. rumo à construção de uma nova ordem que fosse
consen tânea com o espírito do início do século XX, então vivendo
o fervor que acompanhava as conquistas materiais, tais como o
advento do cinema, da fotografia?. . . Tem sido essa a lição. En-
tretanto, o sinal da mudança já estava presente na transgressão de
um Baudelaire, um Rimbaud, que - mesmo filiados a um estilo,
o Simbolismo, que refletia o sentimento de decadência, tipicamente
fin :5.5.ccular, de morbidez e desalento - empreenderam, talvez pela
primeira vez em arte, a maior ação de ruptura com o passado. do

7
, nt,dn I r'-1, 1tn ,linda f.11 ia rn jp:irtc <-e lcva rm nç; C'll ()r
qn1 1 llll l
. ,rnm ,,,11n lrln ,1 cpnca llH'< c111,1. que conc;olid,'l J Cli<;;i
c.1dll 'H,ll()
ruptura . .
)
( • ~,mbrih,mn. cnqunnto 111ov1mcntn orga1117ado. não fo, dev,_
,. . d
1 . , "lm'cnnio 1101 ,cuc; contemporancoc;. , e a111 ,
a não O t.'- <i Uff-
ll l\ lllll11 l ,, '
C'ICílll' llll'llll', c;;al\'o e.e o ~ cc;;gn tarmoc; da e,~~ c_,ta _1111~a de tempo que
(' ,ul(,ç:1 cm e.cu pr~1u170 entre o J a, na:tani <;mo e O Moder-
,., ,m(' \ fiei que um cc;ttlo te1~ha de ser en~cnd,do deslocado de liCU
contc\ tc, cc;;pacio-tcmporal: nao se trata d1sc;o. ao contrário. é
conflu~ncia entre o pa rt;cular - a ins~rção do estilo no seu tem;~
rsp;:-cifK't1 _ e O geral - . a sua cap~c,dade de di ?logar com outra,;;
cr(iras _ que reside o ra io de atuaçao de um estil o, um autor. um
mo, imento. Infelizmente. parece. ao menos em sua maior parte. a
cnt1ca tem privileg' ado a primeira opção. isto é. tem feito da tira-
nia C-l1nologica a camisa-de-força das manifestações culturai5. Sot
essa perspectiva. por exemplo. Machado de Assis é ora um román-
t;co. ora um realista. impedindo-se de ver no romancista toda uma
, érie de elemen tos que faz dele um autor moderno. A opção crítica
conciliadora. c·omo a que colocamos ac· ma: repara, corrige a miopia
imposta pela linearidade historiográfica.
Se é verdade que um estilo contém. além dos seus ingredieme5
específicos e tipificadores. um raio de ação que ultrapassa os seus
limites espacia:s, é verdade. então, que o Simbolismo. a despeito
de- sua feição evanescente, comporta elementos que vão permitir a
pas,agem para a contemporan eidade. Assim, o Simbolismo frances
pode ser compreendido como o momento estético inaugural da mo-
dernidade. Mas que elementos são esses? Em primeiro lugar. a ten-
déncia para a auto-ref erencialidade do texto poético. assunto que
será dis-:utido mais adiante quando, então: será definido o termo
moderno.
Manuel Bandeira. o Autor que este trabalho focaliza. semprc-
demonstrou. ao lado de uma atitude refinada no que diz respeito
à seleção dos temas, uma predisposição muito acentuada para a
compreensão do seu próprio fazer. Não ignorava, por exemplo. que'
a poe~ia é uma produção humana e, por~ isso mesmo, objetific:w5o
do homem na medida cm que o produto traz as marcas do própriL'
ato de produzir, marcado que é pela si tuação cm que se insere:

Vo u lançar a teoria do poeta sórdido.


Poeta sórdido ·
Aque le em cuja poesia há a marca suja da vida.
("Nova Poética", Belo Belo)

8
l 11113LIQ.!ECA_- ETf ALj
r m out, a, palav1 a,. Ba11de11 a fr, com que um de seu. . asc;un-
to, fosse o ato de criar . atit ude mod erna que inva
dirá maci çamente
a at lc deste século. Ver-se-á que. descon tadas as
difercnçac; essa
fcn lam bem uma iniciativa do Simb olismo. moti
vo por que é necec;-
~a, t::1 uma leitura intertcxtual dos autores desses
dois mom entoc;
Outro elemento. fulcro da análise. é a tend ência
para a deHa-
cralh.ação do fazer poético. recurso a que os si
mbolistas. rcc;pon-
dcndo ao processo de mass ificação e reificação impo
sto pelo capita-
lic;mo. recorreram à saciedade - fo rma não só de
marginali nr-se.
mas de alhear-se da linguagem quotidiana de uma
sociedade capa?
de diluir o senti do legítimo do hum ano. Os moderno
s, completa ndo
essa linha de ação . restaurarão o significado do
trabalho artís tico.
numa expressão conivent e com o momento atua l. para
o que o Sim-
bolismo represent ou port a de entra da. malgrado
a incompreensão
histórica desse mov imento. Quase sempre enca rado
a partir de uma
visão unilateral mente estetizante. não lhe detectara
m o essencial -
a crític a da artic ulação entre a palavra e a reali dade
instaurad a no
próprio discu rso poético. que. de meio. passou a
ser um fim em
si mesm o. Mas preferiram ver no Simbolismo. com
o aspecto fund a-
mental. o que ele tem de orna mental: jogo de fone
m as, aliterações
e musicalidade ...
Estabelecida: assim , a pont e entre o mod erno -
agora sem definição e por isso prestand o-se a vário term o ate
s usos - e os
seus antepassados imediato s. os simb olistas, torn
a-se mais com pre-
ensível a opção por uma leitura intertextual, o que
evita setorizaç &s
que só têm prejudicado a visão global do fenômen
o. Caso contrá-
rio. a poes ia de cunh o meta lingüístico, como a de
Manuel B~ndei-
ra. que será estudada aqui , não passaria de um
episó dio fortu ito.
cujas raízes seria m enga nosa mente entendid as com
o uma idiossin-
cra ~ia mod ern ista. É justament e para reva lorizar
as relações entre
o~ vários textos. de diferentes époc as e lugan.'s.
qur se impõe essa
visfo ampl 'ada , além do que, por esses meios .
mdh or se define.
no ca1io em quc5.tão. o co mpo rtam ento estilí stico
que aqui se quer
destucar : o di1ic urso da mo<.krnid:1<.k , momento em
que n co1v,cicn -
cia do faí'er poético é ekv ada ;', condiç:10 de ekm
ento diferencia-
do, junto n trnd içfío lit erária .

9
2. DEFINIÇÃO DE MODERNO

. O Simbolismo. francês pode ser entendido - desde que des-


poJado de sua habitual caracterização como um estilo contrário à
objeti\idade do Realismo - como o momento estético inaugural da
modernidade . quando se dá a ruptura com a tradição literária. isto
é. o aro poético enquanto representação da realidade é posto em
xeque. Estavam. então. sendo dados os primeiros golpes contra o
verismo em literatura, contra a capacidade realista da mímesis re-
produtora do real. O poema já não valia pelo que podia figurar; o
poema passaria a ser o assunto do poema_. não só explicitamente.
corno implicitamente_. ao exibir-se, no tecido literário. a substância
v:tal da construção poética_. alheia, por isso mesmo_. à representação
da realidade.
Pela primeira vez, de forma consciente e sistematizada , a poe-
sia abria uma reflexão sobre o seu próprio fazer, por meio de urna
auro-reflexão. A estranheza da linguagem, batizada comumente de
hermetismo, era o sinal da reação: o que se buscava eram as rela-
ções íntimas en tre a necessidade do lir'smo e a realidade, a justifi-
cativa do poema. a ~ua razão de ser. Por isso, Baudelaire1 desmon-
tando a sintaxe e a lógica tradicionais, idealizou as suas "corrcs-
pondt ncias". através das quais o mundo físico e o metafísico dialo-
gavam entre si. É como se perguntasse: o que é poesia? qual o
característico da sua linguagem que, sabe-se, é distinta não só dn
linguagem referencial. comum, mas também dos outros códigos ar-
tísticos? A questão, colocada explícita e/ ou implicitamente, inco-
modava os leitores acostumados às descrições exteriores, parnasia-
nas, a respei to de um vaso chinês ou de uma estátua de mulher.
Não se pode. entretanto, tentar entender esse estádio da evo-
lução da poesia, se esta não for confrontada com o seu contexto.
qu e tornou possível o código da ruptura. Viv ia-se, então, o alto
capitalismo, o crescimen to do processo de industrialização e o con-
li
seqüente agravamento da luta de classes cujos sintomas são, de or-
dinário. amortecidos pela ação da ideologia segundo a qual a ne-
cessidade do progresso é a justificativa para qualquer ação social.
O Real'smo. apoiado no Positivismo, dava sinais de exaustão; a
literatura. promovida à condição de documento e arma de combate
contra as estruturas sociais doentes. recuava na sua missão. O irra-
cionalismo filosófico via Schopet~hauer e Nietzsche despontava,
an unciando o clima de decadência que teve, como contrapartida, a
inic'ativa da festa da "belle époque": queria viver-se o momento
dc1 ilusão. das imagens fugidias. O pontilhismo da pintura impres-
sionista bem ilustrou essa nova concepção da vida.
Por outro lado. a industrialização possibilitou o aparecimento
da reprodução mecânica: o disco, a fotografia, o cinema. Arte eru-
dita e arte reprodutível, massificada, cheirando a kitsch, passaram
a duelar, fazendo cair. no dizer de Walter Benjamin, a aura que
envolvia a obra única, a que não resvalou nas malhas do mercado
cap:talista. A possibilidade de também industrializar-se a cultura
já não era uma promessa sem fundamento. "As almas e os objetos
foram assumidos e guiados, no agir cotidiano, pelos mecanismos do,
interesse. da produtividade." (Bosi, 1977, p. 142.) A mão invisível
do capital afetou as relações da poesia com a sociedade; a própria
opção. desde o Parnasianismo, por um código que beira o aristo-
crático. tentando alhear-se no refúgio à torre-de-marfim, já é, como
diz Alfredo Bosi (1977) , um meio de a poesia resistir.
Inserida no contexto da sociedade capitalista, então em seu
apogeu, a poesia recusa-se a transformar-se em mercadoria, tocada
ainda pelo alfvo sentimento de que a arte e a sociedade são antí-
podas. Mera ilusão de ótica se, a partir dessa concepção, se vê o
ato literário como algo íntocado pelo social. Mas foi este o resul-
tado: recrudesceu a tendência elitista da "arte pela arte", slogan que
só se sustenta dentro de uma visão ingenuizadora das coisas, a qual ,
entretanto, tem prevalecido, ancorada pelo aparelho escolar univer-
sitár:o, que veicula a crítica do tipo intrínseca. Isso bem reflete a
ação do discurso ideológico sobre outros discursos, como o literário.
Compreendida como "pura", a poesia tem sido envolvida pela falsa
noção de que patina em terreno próprio e autônomo. Aliás, o re-
curso da metalinguagem, que faz com que a poesia ponha em evi-
dência o seu fazer, reflete esse ideal: desprovida de um referente
externo ( o social explícito, por exemplo) , a poesia faz do ato lite-
rário o seu assunto, artifício pelo qual ainda é possível dialogar com
a sociedade.
Não obstante o misticismo que envolveu a tendência da auto-
r~flexão, o Simbolismo empreendeu um movimento novo na poe-
S,a: pôs e_m crise a representação, a articulação entre o real e o
texto. A lmguagem tinha que ser necessariamente a da estranheza,
12
pl'11, não e, a. nfmal . c,trnnha cc;c;a nova artK ulaç~o'' 1'J'ã0 ec;t,1v·1 :1
pl',l e.ia qm.' rt ndo fugir ao ,ctrat1c;mo. cm huc;ca do mcfá \.cl. da c;u-
F,C,tà0. da, ' l t'11 t ,pf'THlência,"? E como toda forma de conhecr-
mcnto p:-ic,c,, pela h1WllíH'( m cc;c;a foi a primeira a f.Cr n2rcd1da.
1
l l '-1.... nlu1 1d I Se não ,e queria maic; representar. já não era ma e;

P("'-1' cl a pintura e, ata dos ohjctoc; /\o contrário. cc;t,mulava-c;e a


\'l°'ha a conc,c1cnc1a p1 imit1va anterior à fal a e a lóg, a Jc;c;o era
def innn a mente moderno, pois a recusa à lógica tradicional condu-
z a a um "momento instaurador de uma ruptura com relação ao
m0dclo li tera rio oitocentista .. (Barbosa. 1983. p 21 ) . real11 tnc.lo-c;e
m' S1mholi,mo . este momento.
ÍB!BLIOTECA~ETF
-·-- . .. ----- ·--
iíl

3. O CúDIGO DO DESCE NTRAMENTO


ONTOPOÉTICO

Como se viu no capítulo anterior, o Simbolismo constitui o pri-


meiro momento sistematicamente organizado de pesquisa da val:-
dade do próprio discurso de que se serve. É nisto que consiste a sua
modernidade: pôr a nu o tecido textual para, através dele, inves-
tigar as relações entre a palavra e o real. Apesar do seu caráter de
novidade. pois: instaurada a tentativa de deslindamento dessas re-
lações. o que os simbolistas querem conquistar é o que de mais
misterioso se coloca no próprio ato da escritura poética - o que
é poesia? - : não é com o Simbolismo que nasce a preocupação
de resolver o problema existente entre a palavra e o extralingüísti-
co. Isso vem de mais longe; trata-se, antes de tudo, de um posicio-
namento em face da vida que os gregos antigos já tinham levantado
e. à maneira deles, denunciado. A consciência de que a realidade
e o conhecimento da realidade pelo homem são instâncias media-
tizadas pela palavra tem conduzido, ao longo da história, a dis-
cussões nem sempre pacíficas. A literatura, como uma ação reco-
nhecidamente inerente à área da linguagem, não raro tem percorri-
do, junto à ação da filosofia - especificamente da filosofia da lin-
guagem - , o caminho intrincado desse problema .

3 . 1 . Palavra, veíc ulo do m undo

Inicialm ente cumpre registrar, aqui, como süo entendidas as


relações entre o discurso e o real sobre ~ qual o _primeiro inc'. de.
Nunca são inocentes essas relações , vale dizer, os liames entre am-
bos os termos são oriundo s da necessidade de interação comunit á-
ria . Por isso é que se pode insistir_ - e . n,unca ~ demais - que o
slogan "arte pela arte" é, no mímmo, ns1vel, v:sto que a p~1lavrn
nunca investe em si mesma e por si mesma, mas sempre visa a,

15
pr1 0 11ll'1lni.,, um dl,t 111a1 ft rio /\. v1<-âo opO', ta a de que é p<rsÍ'ld
a " pu 1o n" d:-i pa h1vrn encontra j!ua.n<l a. pn ncí palrnentc cm
trn1,.,, 1ln)!ii1,t1 l ,,.._ '\. ,10 pm au-1 <.o P"de-<,c ler. na<, pala ~ra\ fm;,1,
dn Cm \ cl dr / 111Ru1 , t1< a ( ;('ra , de ) éW"IWrc. o ap0 '> c1ent 1' 10, ~
c<;,a conccpcâo ":1 1 rn piií, tirn tem por ÍJ íll (.O e verdade 1 rn ,,bje·,,
a ltnc.ua cnn, 1dc1ada cm ,i mc,ma e. por 1,1 mec,ma .. ( 1977 P 271)
1 cnn a ccnt 1ada na arhitrn n cdadc do si~no hnj!üíst1co I e"a
\ i, àl"' tem "ºº 1p.ualm cnte c"ltendida a teor a da literatur a. A P" n-
c1 p10. pa1 a p.a1ant11 c,tat uto de u cntif1c1dade as ,recenteme_nte. fun-
dada, c1Lncia, da. linguage m. mas. "IObretud o. por obvia<, ra7oe~ ·de()-
}c,g1ca, - ai., qu e obc:.curccem o caráter emi nenteme nte -;oc1al da
pa1a\ 1a. cm gc1ai rcif cada e man ipu lada pelas classes dom·nan •;-;
<;Oh (' capitahc;mo para a manutenção do \tatu s quo - ; essa teoPa
aprnfundou-, c à medida que se aprofundaram e c;e tornaram ac•r_
rada, a<; contrad ições sociais. A palavra não foge; apesar de seu
poder mediatizador das ações numa sociedad e, ao fetichismo que
autonomiza o objeto. a coisa, em detrimento do homem. seu pro-
dutor. Consolidada a crença na arbitrar;edade do signo lingüístico.
palavra e mundo tornam-se departamentos confinados a áreas es-
tanques e mutuamente indiferentes. O elo que os une, segundo Saus-
sn rc. é o da mera convencionalidade.

3 . 2 . O problema da linguagem entre os gregos

A verificação das relações entre a palavra e a realidade nem


sempre foi unáni me e pacífica. Tomando como ponto de panida a
filosofia ocidental. nascida entre os gregos antigos, podem-se d:stin-
gutr dois momentos de investigação do real: o que foi explicado
pelos pré-socráticos. nos séculos VII e VI a.C. , e o que corres-
ponde ao período socrático, cujas figuras centrais foram Platão e
Aristóteles. Qualq uer tentativa, aliás, de se compreender a literarura
moderna. sem o conhec:mento da contribuição dos gregos à forma-
ção do pensame nto ocidental, resultará frustrada, já que a com-
preensão da totalidade precede a compreensão das partes. Além do
mais. a significação do moderno , que estamos tentando decifrar. i
inseparável do legado da tradição.
Falar em filosofia remete sempre ao problema do sócio-po hti-
co. e, de tal forma essas áreas se interpen etram, torna-se até redun-
dante insistir nes\a integraçã o. Seria redundante, entretanto. se a di-
vi são social do trabalho tivesse mil agrosamente deixado de afet:u

1 A rb1tra rit>dadc do '> tgno lingu 1'> tico para Sau~-;urr, implicn u imoti, .,,•.iü
w trt: o !>ign 1f1 cunt L: e o -.1gn1f1cado A,.,im . n uo h íl\ Cmlo , mr uln 1uw ..il
1:11trc a pala\l a L: o rdc1cntc, ab'>trni i>C a l1 ngun dn ,odcJHLk e d;, hh , l, rt.1.

16
essa área. Foi, inclu sive, com a construção
de cidades-estado e,
conseqüe ntemente. com o desenvolvim ento do
modo de produção
cscr:1vagista, que o foco de investigação filos ófca
sofreu suas pri-
meiras alte r~ç~es. Pois bem, com os pré-socr
áticos, qu e viveram
antes da sof1st1cação das cidades., o foco de aten
ção era o mundo.
sobretud o o mundo físico; assim , instauraram-
se diversas cosmolo-
g'.as. c?no ~xpli~ação da realidad e circundante.
A essa época,. c·ên-
cia e _t1losofia nao eram atividades disti
ntas, uma vez que o mundo
e_ra visto con}o uma unidade. Tales de Mileto,
por exemplo, inve s-
tigando a _on~m do cosmos, afirmou que tudo
provinha da água.
E t31 cxpl:caçao. aparentemente inocente, não
era casual: tendo vi-
vido na Ásia Menor, numa cidade litorânea onde
o mar era local
de trabalho. arena das transações comerciais, ' Tales observou
a água era fonte e origem do universo , mesmo que
que não tivesse to-
mado consciênc:a de que o mar como local de
cionava a percepção das coisas. trabalho lhe condi-
Se com os pré-socráticos o cerne da explicaç
ão do universo
reca ía essencialmente sobre o mundo físico, a part
ir do período so-
crático. século V a.C., concomitante com o dese
nvolvimento eco-
nômico e militar de Atenas, transfere-se a aten
ção para a cidade e,
com isso , altera-se o enfoque filosófico: das
cosmologias passa-se
p&ra a antropologia, pois agora a preocupação
é o homem inserido
na pólis. Com os sofistas, que iniciam o novo
período da filosofia
grega. a unidade cosmológica dicotomiza-se, em
virtu
cimento da divisão do trabalho, em logos e phys de do recrudes-
is, termos que, de
difícil tradução , passam a significar pares opostos
e irreconciliáve:s:
conceito e realidade; razão e natureza ; palavra
e coisa. Logos pre-
domina sobre physis: a razão controla o mundo.
Nasce, pois, a fi-
losofia grega metafísica, notadamente dualista,
marca de todo o
pensamento que a partir daí s~ desen~o~v~u.
Platão filósofo desse penodo, d1v1dm o mun .
do em d01s: o
mundo das ' Idéias supremas. perfeitas, e o mundo
da cópia, o mundo
em que vive o homem. Tal oposição acentuou-se
no período medie-
val-cristão: logos é o Verbo divino, e physis, ~
mundo t~rreno. No
Renascimento. alvorecer da Idade Moderna, epoc
a dommada pela
tfrnica e pel ~ ciência, palavra e coisa tenderaTI?
,
um dista nciamento. A parf r do século XVII, .c~da vez mais , a
m1cia-se a episteme
clássica a era da R epresentação. (Foucault, 198
' 1)

3. 3. R epresenta ção e Modernidade

Em literatura, a representação , coi~cide com


a interpretação
liter al do conceito aristotélico de m1mes1s, segu
ndo o qual a arte
imita a realidad e. É preciso lembrar , a esta altu
ra, que a era da

17
dcrnidadc _ aqui definida, como~ já foi ,dito antes ' ª Part.
111 O 'b · especifica de Baud 1 .ir dos
imbolistas franceses., da contn tmçao ~ razao ~ por que n e a1re
S
onstit ui uma ·
fissura na ·
repre sen açao, , -
C d 'd d ~ ' unca e de-
mais insistir. · ~
represen~açao e m_o ernr a e sao termos de
valia. dado O seu carater globahzador, para se entender d grande
movimento de evolução do chamado passado literár•io orava nte
0 par a
ruptura desse passado. a
Em que consiste a representação? Termo cunhado por 1.
Fouca ult (1981 ), ao estudar as diversas fases do saber .~ che1
representação correspon~e ao mome~to. em que, acentuad~c~ entaI,
sição entre logos e physzs, o saber class1co começa a formar- ºP~-
losofia e ciência que, entret os pré-socrát icos - na investigas: · Fi-
, . . t· Çao do
mundo f1s1co - ,. apresend avam-se m 1mam ente unidos , não so, se
separam: compartimentan o-se, como tam b,em se colocam
. ' mco. . A F'l1osof'ia Modema, de recorte carte em• um
sistema h1erarq . -matemático. Assi siano'
. ento f'1s1co
so . do do conhec1m
b o pnma
n:1sce
.,. . ,• • - . m, as
c1enc ias matem aticas 1mpo em seu estatu to gnos1 ológic o à filos f'
levando o par filosofia-ciência a experimentar a prevalência doº ia~
cionalismo sobre o empirismo, das ciências exatas sobre as natur~~
da filosofia, enquanto velho tronco do saber, sobre a ciência en~
-
quanto conhecimento particular e setorizado. O aparato do c~nhe
cimento identifica-se com a crescente sofisticação da sociedade eu-
ropéia pré-capitalista. Palavra e mundo começam a sofrer uma
contínua separação, já que, erigida a palavra à condição de nomear
cientificamente a realidade, por tudo perpassa a marca da represen-
tação no sentido dramático do termo_. numa palavra, a marca da
convencionalidade. E os saberes dessa época confirmam isso: a opo-
a
sição logos e physis desloca-se de sua dimensão ontológica para
e
sua dimensão epistemológica. Opõem-se agora filosofia (logos)
ciência (physis) , com o predomínio da primeira sobre a segunda.
Nesse contexto, nasce a Lógica de Port-Royal, no século XVII,
centrada, como não poderia deixar de ser, nessa visão dualista:

ti;
palavra representa a coisa, sem que, entretanto, a palavra recon~
tua historicamente a coisa. Afinal, na esteira de Port-Royal, drra -
1

mais tarde Saussure: o que une o significante ao significad? é


a
convencionalidade, isto é, a vitória da thései (relação convenc10nal)
sobre a physei (relação natural).
. Outro saber dessa época, segundo Foucault, é a Análise das
Riquezas, que tem como cerne a teoria da moeda como represen-
tação do valor, relação essa que expulsa, é óbvio , as implicações ~ , a
entre O valor e o trabalho ' pelas quais se comp reend em nao so
- das nque· zas como também a gênese da acumulaça~o do_
pro_duçao
cap~al. Nesse caso, são ignorados os liames íntimos entre ª proà
duçao de bens e a apropriação desses bens, uma vez que falta

18
f BfBLIOT
.. - L:CA - ETFALf
.._. ... --- ........ ........___.
,....

.\nalisc das Riqueias a di mcmão histórica, impossível na cpiliteme


clas~1ca.
Entretanto. ainda no interior dessa cpistemc, dá-se u~ a 1s~u-

rn na Representação. Copérnico e Galileu defendem a teoria helio-
cêntrica em detrimento da geocêntrica. Não é a Terra o centro do
l:niYerso. mas o Sol. em torno do qual giram a Terra e os outros
planetas. em círculos elípticos. Com isso são abalados os /d?gm~s
rcfü1iosos; a estaticidade da sociedade feudal é, então, precana, fa-
cil ~de ser dissolvida. De repente. o deslocament o da posição cen-
tral do Universo para a posição periférica provoca um descentra-
rr:ento ontológico do Sujeito, que prenuncia a episteme moderna.
Pode-se constatar. dessa forma. que não há, entre as epistemes. o
corte desejado por Michel Foucault ( 1981). Ao contrário, entre
elas dá-se uma legítima intercomunicação.
Foucault, em As palavras e as coisas, abre sua "arqueologia do
saber'' com a iconização da Representação, numa análise demorada
do quadro As Meninas, de Velázquez, com que exemplifica o pe-
ríodo do saber clássico. Para Foucault, o legítimo sujeito (objeto)
do quadro não são as meninas - a infanta Margarida, filha de
Felipe IV: rei da Espanha) e as damas de companhia que circun-
dam a princesa -. mas sim o próprio rei e a rainha, que aparecem
obliquamente na composição, refletidos num espelho situado à frente
do espectador. Segundo Foucault, na episteme clássica, dá-se a elisão
do Sujeito, ou seja: o Sujeito foge à própria representação. Mutatis
mutandis. o homem. como sujeito do saber, permanece elíptico. Só
ganharia dimensão histórica no século XVIII e no XIX, quando. des-
coberta a História: a Análise das Riquezas se transformaria em Eco-
nomia Política, e a Gramática de Port-Royal cederia terreno à Gra-
mática Histórica e à Filologia.
Indo além de Foucault, podemos sustentar, neste trabalho. a
idéia de que, na verdade, era a Representação que estava sendo
golpeada através da semiose exposta em As Meninas. A obra-prima
de Velázquez não seria, assim, um ícone da Representação. mas da
ruptura com a Representaçã o, o que é bem diferente. O Sujeito
fu giria. sim, à representação, não por lhe faltar dimensão histórica
- como se essa falta fosse um dado natural -, mas por seu des-
centramento ontológico, em virtude da complexidade de uma so-
ciedade que opera entre o homem e a realidade a mais brutal das
separações, através da alienação do trabalho.
É no interior da Representação que nasce o seu contrário, a
Modernidad e. que vai acusar a pequenez do homem, a sua desva-
lorização. a sua fragmentação - temas que. sem exagero algum,
estão comprovadamente cm Kafka , Ca mus, Proust, em Picasso. em
Manuel Bandeira. só para citar alguns nomes. Note-se, porém. que
essa desvalorização do homem, longe de ser um termo depreciativo

19
" 1íl ,m)(kl nidtu k . t< lJH'nac: o rc ,~,, o d,1 c:i t
nn fi m1'' It 1 11 11 111 d I h
ílll'll l nn llP\ 'l I.('\( Jl"'I"
( ,.( f l IT \lllÍ HltC ., pari 1 ( 1C 1-, ..ºf}
, / >, ,, r ·,1 ( 1 1
r,,n qut I t , JJ;iln pn 1,,Htn\ ,lmcntc o <:ig1_'. fi c~cln
do h_11m 1n(I Jr
trnh nlh, !'HW, t l ,11ltn nn 1hr11 d,, conc;c11 1!H' Hl
dn ,irt ,c;l,1 m d rr,n
qnt dl'J' ''""d c1 de dcn, t',. \é'lt p1Pt ma1 ahm
rnt 11 c; 11 ,1 tcm,111 , n 1
,1 iJi, l lll' ' lw ,,fl' l ll l'tn 1 ,nc1C'<hdc- e n
4 qu nt1 cl 1,1110
\) '-l'l'Uh' , 1, que pH', 1<k a fnr maç:in d,1 cpic:
tcmc m d rn 1
a r 11111 d,, 11 ;111,f ,, maçCw, <;()~1:lt«;, prn\.-OC:t<h'
rrl.1 R:vo luç t () f n
du,11 11 l pl ln a,l'c111;,ân e.ln mod o de proclu",t
n h11r g11c, •r ali t 1
, .... 11mb L111 rc..t1\haça 1-,r a f1lo, of1:1
cm v.ir1,1c; cl1r1.:çc°lcc; () 'ron )
l°\'1 l 1(,, ,1f rn. tal cnmn crn cn tcmhdn cnt, e oc;
~rcgoc; e att. o ui,
, \ 11. dn 1dc com ,1, c1ênc1ac; a C\pli :aça o da n,1tu
rc,,1 e do homem
.\gi:-, ra a c1cnc1a predomina c;ohrc a fil oc;of
ia C,1d a c1ên 1 v II d _
:,unl" :u a c;ua maneira. o descentramcnto ontológic
o do <iuJ ito.
() Po,;,itn rnnn. ao sepa rar o c;ujei to do conh eci men
to do e hJe'o
J\" ~('nhcci men to. para gara ntir a " neutralid
ade.. cien tíf ca autono-
rrnza ç1 objeto. o que levou Durkhcim a di?er que
oc; fatoc; c;ocia 1,
dc, cnam <:cr analisad os como coisa'i. isto é. desp
ojá-toe; da c;ub=e-
tn 1d<.1dc. O Mar xism o. numa posição obvia mente
contrária. acen•ua
0 h qori cismo. tomando como prin
cípio a prim azia do ser c;oc ai
<:obre a consciência: com isso, acusa a al ienação
do trabalho. ">t-
ruação cm que grande parte da humanidade do Suje
ito se perde na
ot-jcto que do produtor se separa , graças à divi
são soci al do tra-
balho. impo sta pela socie dade capitalista. Por sua
vez. o Ei·olucio-
ni,m o, destronando a concepção bíblica da origem
do hom em. tira-o
da pos·ção de destaque e superioridade na esca la
zoológica. -~ Pc;z-
canálisc, por outro lado. revela que o apar
el ho psíquico hum an0
r,ão é uma regiã o pura: entre o consciente e o
inco nsciente ha o
superego . que são os costumes, a sociedade. a
educação qu.:- s.:
instalam na constit uição do Sujeito. Por fim , a
Lingiiísrica. :i J.:
extração saussuri ana. expulsou o sujei to da cons
trução t~'ür .:-~1.
"optando" pela análise da língua em prej uízo da
fala .
A era da modernidade assiste. assim, ao deslocam
ento do h..."-
mem da sua posição de agente do conhecimento
; obnubila Jú p.:t...,
discurso c:ient1f1co. o Sujeito, como elemento criad
or. vai "l.'r um-
bem no plan o da expressão literária , subm etido
a um q th.''-t ll, :,.1-
n1tntu yue vai 11 adu, ir-!:,C atrnv ~" da ml'laling
uagt'll\, rei..'llf' l' d~
que '-t' , J J !:,L'Jv1 1 a poe!:,·a para e>.por o seu ti..' l'idn
dt·sga~t~Hk' \ . .,
rtl::i~oe') t·nt 1e o poe ta e a ~ocie dadc ~ão d~ ini.
.' L'L ta :, i.· ~-l,n(hh,
advu n Ju UL'!:,l'onl 1ança com que o imagina, io
I.' ab"l' t, 1dl, p~\l, ,
d1!:.Lu1~0!:, corrent e!:, pe}o!:, !:,logam, ideo lôgico" .•
\ fnrm aÇ,ll' d.t ' l)-
r1e<l.1dt bu1 gul.'!:,il a que enge ndrou o codigo do dr ~ct·n tram~ll tt,
or.wpuL t1Lü 1111plka ne1:e~-., a11amc 11tc. pai a a dirai..·ta dt) ,~·u
g1 a111J 1deulogtLO cult u1ai, foi Ilias i1H.:dita" de ri Pll'-
pü~l'.l andu pu1 UJII 11 o vo co nt:L'1to de L'd uca~·üo afct:
.•prl' ~~Ül), ª" q u.u, .
1111 ine, it:\\ L'l tlll' l\
20
1
1~ ~l ~~T_ECA - E rf AL )
1c o terreno da pnc,in Prn is<..<\ podc-"'e dizer, se
quisermo<; ampliar
o raio de ação lfo modernidade, que foi a partir da estét
ica român-
tica - que substituiu a teoria da mímesis. a imitatio cláss
ica, pela
teori a da c\prc,,ão - que se deu a corro são da soberania
do Su-
jeito . antes entroni7a do pelo Hu mani smo e pelo Renascim
direção à perifer·a do ~istc ma. ento. em
O devaneio . o sonho, a fu ga do real histórico são sintomas
que. entre o homem e a nova sociedade, há mais opo<iições de
que se-
r1elh,rnças . A recorrência à individualid ade, ao "gên
io", é o retrato
da noYa ordem comunitária. que, a partir de então, tem
regulado e
priYatizado não só a esfera da economia, como também
a área dos
sentimentos e paixões. A modernidade, com o advento
da Histó-
ria. presencia a homologia verificada entre o mundo da econ
omia e
o mundo da cultura. O hom em passa: então , a questiona
r sua po-
sição dentro do real, e. com isso. seu trabalho é igualment
e posto
em questão.

21
1inpu ~~ :ÊiFÃ-íl
-- ...,

4. A l\1ODERNIDADE OU A ASCENSÃO
DO SIMULACRO

Aqui tem sido caracterizado o período da modernidade, que


tem início. em literatura, a partir dos simbolistas franceses, como
o período em que o mundo da representação, o mundo da cópia, é
ameaçado. E é ameaça do em duas direções: externa, porque dá-se
a recusa da poesia de reproduzir o modelo pré-fixado, de tornar-se
um ícone da realidade; e interna, visto que a revolução se inicia na
própria palavra : no instrumento através do qual a representação
trz.nsformava o espaço da poesia no espaço do Semelhante, cópia
do Mesmo . cujas relações eram de submissão, entrega, nunca de
dissimil:tude. Outra é a tarefa da modernidade: pelo desseme\hante,
promover o desequilíbrio da distinção sagrada essência / aparência,
tarefa que inclui sobretudo a reversão do platonismo (Deleuze,
l 974 ).

4 . l . A crise da Metafísica

O sistema platônico, que ~em vigorado_ no ~ci~entei ven~ :n•


contrando. desde os finai s do seculo XlX, dias d1f1ce1s de conv1ven-
cia e concilia ção com a nova . ord~1~ social. A_ sociedade for!ada à
sombra da Revolu ção e do Ilumin1 smo deteriorou .as re\~\ÇOes de
identificação com as idéias de Platão: Desde a Gré~1a Antiga, ten~-
se acompanhado o seu modelo dualista de con!\ec1mer~to da . r~t~ll-
dade. De um )ado, o mundo ideal que, com 1~ 111st~l~1çao dcfm1t1va
du cri stianismo. passou a ser o mundo celestrnl , <.hvmo; de outro,
colocado em situação de inferior idade, o mundo humano, natural-
mente impelieito, desde a Queda da ~'il~ge~ia . ,. .
c:n
Já para a sociedade burguesa, a d1st111ça o se resolve_ tu mo~
igualmente hierarq uizados: o senhor e o tra balhador. Hcgd -- qui.;

23
,r , l'l1n,,deindn <) . idi\11,0 1 dr ~f! un1., rntJ < , ) l!rt1n dr.
d n,
r 1"ll1l te en
·
1,tn o prmnmrnto Tlc> () ndc ~n ó,
..,, 1c-n f ,, .,,
1 1·• ,l1 1 ,
n cc1 1, en H
dn l liq ó, in n,
' cn m () adve nt o
4 -.r, n •' ()( 1t' llll -
JIJ<;f Í Í(
allrnd01 . Na , ua r f'IJo,nr, 11
I Pril,
C' 'l Ul ...,..,, , ~ nlw 1 t1 ah
,nrntc 1 ('f"l(1 ,1ç an 1..c ' N (

cn• 11t ra cl1çao ent re <)<; 1..IJ ()n , ri/( 10


)~
1 l. 1
t
Hr ~r l n,t m nl nu qu e n
l ,wr1,1
11

1., , ac ,ma . ro rtanto. da Hi<;t, en
rraltlri nc, nl\ cl <.fa c; cn n,c
he
1c
c1
11
do
na
co mo tal pela c;ociedade • nadn,1 -1
r,
ç,.,,1,<11 1.·c, nq ua ntl 1 rcc nn
.. t
e. na
-
o ,e e 1eva co mo c;er hu r11.
qu cn t cm en
n~ida ri (,du- e. c()n,e l ha do r) . ao contrário • cr a íll; ]nr.
namc n tc. o tra ba n
C' t' 'i\' 'tl (l (nwdc1 ~--
,o br cp on do -se ao se nh or no nível da con,c,en
]1hcr da dc . , .
r ~'Cf' da ·, da Cl"' íl d 1.ç õ- o . qu e Ih e e, pr op na . de prod uz ir obJeto,·
e 3 a•ran - bo ra H cgc I repr es ente um ava nç.o _ po,, .
Em ele-
r ~0 du ...,· nt..~d1ça- o. cons1'd erad a pe1a 1og
cu ltu ra , ,ca. . ,
an sto telica um defe110
' 0 u a c(1 ,
de análi se _ d
meto do ª'"
dr -ac11X"m10 at1 ponto cen tra l do se u sobretudo no
• á
ao mo d e I o pl ato
A
,rc '
o.
e,· .... de certa forma.. prdeso 'd ' . f ace da re al,'d ade soc ·ial. Aind
qut
s em
o âmbito do tra balho ~
, 1 eia
c0 i1ce-nr a autonomia as ido
ge lia na ten h a ati ng
cue ., "'efle'-. : ão he me ns em so ciedade - . man-
içõ es en tre os ho
T"'Und0 da , contrad de qu e o mund o é deter mi nad o
ad o à co nc ep çã o
ti:~-,e. ainda. lig
p~·a1: ideias. de re-
en te. po rta nt o. a co nc epção platônica da real ida
Basicam s homens .
is pla no s: o mu nd o das Idéias e o mundo do
du1-<;c a do
o da op os içã o log os / ph ysis, a diferença entre
C.:-m~ prolonga me nt za çõ es entre os dois pólos, fazend
o
su ste nta hie ra rq ui
r ,ae a! e o real in e ao Mes mo . No entanto.
a en-
Se me lha nt e se su bo rd
c. . ni que o nhecimento revolucionou
essa rela-
Hi stó ria na ár ea do co
• rc1d;_ da
plo . sa lie nto u. am pl ian do e criticando o sistema
ç~r Mar>... por exem so cia is nã o se es tabelecem aurono-
co nt rad içõ es
de Hegel que as ma s entre as classes saciai
~ c>m
nív el da s co ns ci ên cia s,
r amenie no lh ador é nega da pela alien
:wü,) :1
a lib erd ad ~ do tra ba
luta. que sp oj ad o do s meios de produçjo t'
ao ve r-s e de
ou~ de ~e ~ubmete , ba lho . Ti rando o véu que obscttrt'1.
't'
lta do do 5,e u tra
d propno re!>u da realidad e, Mar x rec up era
l) sc-n -

co nc ret a e me dia ta
a percepção
ob sta nte . co m su a cr íti ca . tenha cont rit-iu,d l)
11do du humano não ch am ar de descent rn ment L) l)ll
lL'-
5,e co nv en cio no u
p_u'.ª C' 4ue aqui co loc aç ão periféri ca do ho111c :tl
111 til'
jen o ou !>ej a , a
~o:_rico do Su qu
1 oc..e,!>o do tra bí:! lho , do
qual se separn e com ( l
am bJto do P . teil\
. As sim po r so br e es 'ia ba se desan11011iosa
~i.u_u em co nfino ton ism o porquanto
enfrcntandL Hl '
do pla ~
rnicio ª dr H' H
. ru tur
·o<


ão
d· , · d d co nt em' por·1,. 11c·1 co' mo a qm, ,·1nrc r
,
urna anal,~e co r"J .~1.1 u sacie a e 1 ·)'
u
J l d'f ' . se ria m e
as e
111e s111as a, n· :ll,l t
'i.Clllali:1 111 Ma1x e : nge s. 1 ·cllm ente
e11trt o homem e a sua rea lidade. . '• 111 11 :1
A a1t e , 11e sse co 1l! • .
1 , len a qu e
0
.
lo rç os am e11 te pa ss:1 1 Pº , , e
- l!·1
., ex "
rtd tf ,,11çao de !)t us co1l . ··1os p Ot'. i a co rre ta ('0111pn•l'IIS ,H ) '
. CCi

2A
lações entre arte e sociedade passa pela necessidade da superação
da ~etafísica" (Tavares d' Amaral, 1984, p. 123). E foi no Ro-
mant1smo que começou a se delinear essa redefinição, apesar da
falta de uma consciência teórica que sustentasse o projeto de críti-
ca às implicações mútuas que se estabelecem entre o texto literário
e a sociedade. Como foi dito no capítulo anterior, os temas român-
ticos como a evasão no tempo e no espaço e a busca do isolamento
do poeta são 1 na verdade, respostas às novas formas de conduta no
meio social. À cultura burguesa que reprimiu a sexualidade, demo-
cratizou o ensino e privatizou o capital corresponde uma postura
ideológica de rejeição ao convívio da cidade; daí a procura do
campo. da natureza, numa época distante - a Idade Média primi-
tiva - em que a industrialização ainda não tinha aparecido.
A poesia simbolista, vivendo as contradições inerentes ao de-
senvolvimento do capitalismo em seu apogeu, problematiza, de forma
consciente e programática, a aridez dos novos tempos, ao menos
para a arte, encontrando, sobretudo em Baudelaire, o seu mais sig-
nificativo porta-voz.

4 . 2. Baudelaire: a sacralidade pelo avesso

Em Fleurs du Mal, publicado em 1857, Baudelaire abre a dis-


cussão sobre a poesia anti-realista. Seu poema Corresp~ndances,
considerado pórtico do Simbolismo, põe em relevo a funçao da pa-
lavra no novo contexto:

L Nature est un Temple ou de vivants piliers


L!issent parfois sortir de confuse~ paroles;
L'homme y passe à travers des forets ~e- symboles
Qui l'observent avec des regards fam1hers.

0 homem como se pode constatar, já não domina ,º


'
;ót~?
1 se transforma numa "floresta de sim o os .
verbal que, .pa~a e \ heza a instalar-se no texto literário moder-
Essa é a pnmeua es ran - de que o código corrente, através da
no, ª.mparad~ ?ª c??c:[iª~eflete a articulação literatura/realidade.
sua smtaxe l~g1ca, Jª, . ,d de "confusas palavras" que, en-
Por isso.. o discurso e co;sti~~tuºreza e não do mundo da Cultura.
tretanto, parecem brotar a - é interessante observar que, atra-
Além do idealismo d~ concepçao, uer destruir, é, todavia, por vias
vés do próprio platomsmo que s~c~sso de corrosão do sistema pia-
platônicas que se mo~ta esse t~:e est un Temple" vem coberta d_e
tônico. A passagem
sacralidade: La aNautTzação
percebam-se 11 de maiúsculas que absolut1-

25
70111 0, lrt m0, e n rcc-01 rência a um vocabulário nitidame t
\ic(l ~ ~ 0 ,cn n 11m n nova versão do mu _
1
- . gm ndo dac; Idé ia~ in~ e n:' q·
30 hc,m l m que amda nao atm as essc"ncia
. c;? , ce~,1ve1
Pc•t 0ulr0 lodo . venf1ca-sc o esforço
de Baudelaire em r
d,1..cur, (, rC'ol1'1a rc no do 1ogos; parece
0
, . d N t que o poeta fetuc:ar
1'u,ca d~da a pre, a1cnc ia a a ureza, a consc1e ." .
nc1a primitivrances
ten0r ~ fala e a' log1ca. N'1sso .Baude_ la1re
. e; mod a an-a
d1,t1n,:w de lo~<"H e phys1s, d1coto m1a ern o: r~mpe com
em que o primeiro ter ,
,{'1'cran0 .\ ~ atu rez a ( pl1ys1.s ) , aqu . mo e
. , i, no text o mo derno é m
que 0 Homem t logos ) , isto e, da-se , ~
a reversao da Represe , a1or
Baudelatrc tona. pms. o mundo conw ntação
l''- p-c-socraucos :
unidade, com o o desejaram

Comme de longs écbos qui de loin se con


fondent
Dans une ténébreuse et profonde unité,
\" aste com me la nuit et comme la clar
té,
Les parfums. les couleurs et les sons se rép
ondent.
(Grifo nosso.)
'\ um mundo regi do pela sensibilida
de e não pela lógica - ní-
tida rejeição do primado do log os ( de certa forma essa foi uma
imc1atl\ a romântica) - , é natural que
as vias de acesso ao conhe-
cimento das coisas não coin cidam pre
ferencialmente com a razão,
n.a~ sim com as sensações físicas
que, pela própria ausênc ia de
ogo, como elemento definidor e determ
inante, se misturam e se
füe5,clam O cosmo s, por isso , é, ago
ra, caos: perfum es, cores e
som, 5,e correspondem, o que indica, com
muita clareza , que a per-
ccpfrãG já não é med iatizada pela inte
ligência . É , assim, a ricória
do ~,mulacro sobre o íco ne, figura da
Representação.
Copia da cópia: o simulacro sempre foi
gm . 1. e arredio à reproduçã o, a que não considerado algo mar-
se submete, pois interess_a
ao sistc'.ma social ( o Mesmo ) a
confo rmação ( a Semelhança) . St-
mu bcr o. déssa forma , é sinônim o
de rebeldi a de transgressão. Par a
o p1 opno Pla tão o artista perten '
ce ao reino do simulacro - nnt- . .
1:.H,.:m du um tação - ; por isso ,
dado o distanciamento entre o _:ll'-
tl'-U i e'. l:1 ldc'.1a, é que aquele
deveria ser exp ulso da República., Af_:ts-
u.rn do atraves de sua obra, a percep
ção do mundo das essr tK\t \S,
P:' ª ahmema~·a o das paixões e pela rup
tura com o dom ínio tia rn-
:tíiO o ar11s1a subverte a
hierarquia , o respeito à origem , n onk
sucial e o equihbi io entre o homem e m
o seu meio. Ocf t·mkndl, n
unidade e não a hierarquia ; aspiran
do a um mundo em qul· ns
1,em,açoe& desbancum a razão, Baudel
aire tran sgri de o rôdi~o ~ln
~{tp i tSe ntaç au, conduzindo, pela poe
sia, no tlesct111trll mt' ll f<> tio .\ ii:
Jl. . //o,
ll tt rn1;dida meb ma cm que me taforiza II rcnúm:in 1\l) qt1 l' dl
2(,
1~J~uorEÇ~
~I!~!-J
rnis humano existe no homem, que é a sua capacidade de lingua-
n
gem lógica e orgamzada:
.

11 est des parfums frais comme des chairs d'enfants,


Doux comme les hautbois, verts comme les prairies,
- Et d'autres, corrompus, riches et triomphants,

Ayant l'expansion des choses infinies,


Comme l'ambre, le musc, le benjoin et l'encens,
Qui chantent les transports de l'esprit et des sens.

O que Baudelaire denuncia é o homem alienado, fragmentado,


sob o capitalismo. A sua forma de rejeitar a sociedade contempo-
rânea - que não abre espaço para o lúdico (pois não gera lucros,
a não ser em alguns casos, como, por exemplo, o da indústria cul-
tural) - aparece sob as vestes do hermetismo., do simbolismo e
do sensorialismo, que negam o predomínio da inteligência e do ra-
cionalismo. O mais surpreendente é que Baudelaire, numa constru-
ção platônica, destrona o platonismo, ao contrário do seu inspira-
dor, o místico sueco Emmanuel Swedenborg, para quem a ascensão
ao mundo das Idéias, pela ascese, é o único meio de apreensão das
essências. "Aí uma diferença fundamental entre Baudelaire e Swe-
denborg; enquanto este deseja alcançar a totalidade em Deus, o
poeta francês concebe seu idealismo desligado da idéia de céu ou
de divindade. A 'plenitude' alcançada pelo homem supõe a sua in-
tegração no mundo que o rodeia." (Gomes, 1985, p. 36)
Com Baudelaire é questionada a posição do sujeito criador:
tematiza a Queda em uma versão satânica, símbolo de sua rejeição
ao idealismo cristão, numa franca atitude contrária à de Sweden-
borg, como já ficou claro. Nesse sentido, também, Baudelaire pode
ser considerado moderno, por não evocar mais, à maneira dos ro-
mânticos, o paraíso cristão, representado pelo culto à natureza. A
sua visão de mundo é a do homem que perdeu irremediavelmente
o paraíso:

Gloire et louange à toi, Satan, dans les hauteurs


Du Ciel, ou tu régnas, et dans les profondeurs
De l'Enfer, ou, vaincu, tu rêves en silence!
Fais que mon âme un jour, sous l'arbre de Science,
Pres de toi se repose, à l'heure ou sur ton front,
Comme un Temple nouveau ses rameaux s'épandront!
( "Priere")

27
ÍB IBUO~ C~ _- ~-~ AL)

Ti l\'IANt;EL BAN DEIRA : O MITO REVISITA


DO

A linguagem da poesia compartilha da linguagem


medida em que amb os - poesia e mito - "sus do mito na
pend em'' a ordem
h1storico-social. isto é, rompem mom entaneam ente
com essa ordem.
Ademais . essas duas linguagens recuperam as orige
ns de um mun-
do pre-categorial que. recolocado em um contexto
preciso. funciona
em teri:nos de sua singularidad e. Como o mito:
a poesia descreve .
contranamente ao temp o histórico: que é linea
r e irrev ersível. um
tem po cíclico, de reto rno. de volta às origens.
Para compreender-
se melh or o paralelo entre a poesia e o mito.
é necessári o. antes,
reconstituir os caminhos que o mito percorre.

5 l . Mito : a infância da história

Assunto controvertido no âmbito da filosofa e da


social. o mito , entretanto. pode ser analisado a part antropologia
de- vista: 1 . o mito como conhecimento imp ir de três pontos
erfeito, porq ue não
validado cientificamente, de uma realidade; 2. o
mito enquanto co-
nhec imento autônomo. paralelo a outros tipos
e modalidades de
conhecimento . tais com o o científico, o filosófico
; 3. o mito como
regulador e controla dor de formas sociais de cond
uta. Aqui: precisa-
mente. vai-nos interessa r, sobretud o, a segunda acep
ção. Nesse caso,
o mito não é um a fo rm a de conh ecimento infer
ior à racionalidade
científica. à lógica; mantém, ao contrário , uma
"validade originá-
ria e primária e se coloca em um plano diferente
mas dotado de
igual dignidade" (Ab~ag nano, 1982, ~- 64~).
, . . ,
A verd ade do mito - sem sentir-se tnfen onz
ada a verdade
científica - é aquela que, de ordinário, é igua
lmente atribuída à
poesia, que instaura, atra vés do seu discurso_ espe
~ífico, ~11na outra
reali dad e, cuja vero ssimilhança, para ser_acella,
11é\º.
sariamente ser confront ada com a realidade cmp prec isa, _neces-
' mca, extc1wr ao
texto. Por exemplo: para que "Marília de Dirceu" po<i<;a ~cr ohJctr,
de fru ição estética. o leitor, decerto, deverá convcncc r-~c de que
Dirceu represent a cfctivél mcnte um pastor árcade, e não o seu cria-
dor. Tomás Antônio Gonzaga, que, coincidentemcntc, fez de <iuac:i
liras um roteiro sentimental e autobiográfico. O desconhecimento
por parte do leitor, da história do inconfide nte não prejudicará ;
fruição desse texto, visto que o que vai interessar é a verdade do
pastor Dirceu. e não outra coisa.
A poesia, assim como o mito, dentro de sua relativa autono-
mia, alheia-se, num recorte, do tempo histórico, do realmente vivido}
e cria uma realidade que, só através de uma abstração, pode ser
considerada. de fato, autônoma. Não cabe aqui discutir se é possí-
vel ou desejável reconhecer, na poesia, um terreno autônomo; cabe.
entretanto, adiantar que a poesia, sendo uma linguagem , partidpa
da história, da sociedade, de que não se separa e sem a qual não
se realiza. Assim, podemos entender a autonomia do poético como
especificidade e não como independência.
Foi por reconhecer similitudes entre a poesia e o mito, enquan-
to forma autônoma de conhecimento de uma realidade que o tempo
histórico pôs à margem, que o Romantismo empreendeu o retorno
das origens da comunidade ideal, contrastante com a sociedade con-
temporânea, burguesa. A recuperação de um tempo primordial -
que para os românticos foi a Idade Média, momento da formação
das nacionalidades européias - corresponde ao anelo mítico de
reviver, contrariamente ao curso do tempo histórico, uma época
sagrada, no sentido de que, com a reconstrução do mito, se proce-
de a uma fundação, pois o mito é "a narrativa de uma criação:
conta-nos de que modo algo, que não era, começou a ser" (Bran-
dão, 1986, p. 36).
Para a sociedade industrial, em cujo contexto o fantástico.
oposto definitivamente ao mundo sério dos negócios, significa a
ruptura com a lógica do sistema, mito é algo inferior, depreciado.
Não raro recorre-se ao termo para menosprezar ou, ainda, para
sugerir o mundo periférico do imaginário, reprimido e transfigurado
sempre que constituir ameaça à "normalidade" da vida social. E.
nesse caso, o mito, como um camaleão que se transmud a para
adaptar-se ao meio - o mito como regulador social -, passa a
assumir um outro significado. Exemplos disso são, hoje, o Carnaval
( é também uma volta, cíclica, à festa da abundância, com que,
numa época remota, se comemorava a fertilidade da Natureza) e
o Natal (a volta a um tempo de origem, o início do cristianismo) .
Essas comemorações, sejam sagradas, sejam profanas, atém de re-
presentarem uma tentativa de retorno a determinadas cosmologias.
produzem , na sociedade industrializada, efeitos diversos: servc111
para anestesiar o homem oprimido do burgo, promovendo, co111
30
1550 a sua integração com o meio em que
.
vive; servem , também.
para gerar novas fo_rmas de consum
o e de conformação ideológica.
Manuel Ban dei ra rec upe ra o seu tem
po mítico, ao recuperar
a sua infância

Quando eu tinh a seis anos


Ganhei um porquinho-da-índia.
( ... )
- O meu porquinho-da-índia foi a
minha primeira namorada.
("Porquinho-da-índia", Libertinagem
)
o que comprova as relações entre a
poesia e o mito, pois ambos,
rompendo com o tempo profano, atra
vessam-no em direção a um
esp~~otempo que não pôd e ser destruí
do e que, a cad a leitura, é
rev1v1do e recuperado.
(?utro pon to de con tato entre a poesia
e o mito - além dessa
capacidade de transcender a história
- é a sua inesgotabilidade,
ou seja , a sua singularidade, a sua ind
ividualidade, ou, como já foi
dito, a sua especificidade ou autonomia
. O "eu ", no poema acima,
é nm eu que não se confunde com nen
hum outro; o "porquinho-da-
índia" é este , e apenas este, e não
aquele. A leitura, como o rito
que atualiza o mito, atualiza o texto
literário, conferindo-lhe, inclu-
sive , novas significações, que variarã
o conforme o horizonte de ex-
pectativas do leitor, em diferentes
tempos e lugares; mas, ainda
assim, os referentes textuais serão
se;npre os mesmos, pois são
marcas de enunciação, determinadas
pelo contexto em que foram
produzidas. É na dialética do mes mo
e do outro que nasce o texto
literário. Como compreender melhor
essa afirmação?
Segundo Alfredo Bosi ( 1977), o disc
urso poético comporta,
em sua própria estrutura, a combin
ação do "eterno retorno" com
a irreversibilidade do tempo histórico.
Jogos do significante verbal ,
por exemplo, compreendem oscilações
de ritmo ( da sílaba forte par a
a sílaba fra ca) , de timbre ( da vogal
aberta para a vogal fec had a),
de duração ( da sílaba longa par a a síla
ba breve) , etc. Essas variân-
cias da forma P'oética - tão natura
is quanto as oscilações entre a
noite e o dia, o verão e o inverno, a
semente e o fruto - reprodu-
zem O "mesmo" con tra o qual a hist
ória se desenvolve. Não é a
contradição a condição necessária, aliá
s, par a qu~ a his:óri~ evo-
lua? O discurso mitopoétic o nada faz
senao refletir o pro pno mo-
vim ento da sociedade que , negand o o
"eterno retorno" '. del~ s_e serve
muitas vezes par a a justificação de
s:~~ pr?,gramas 1d~olog1cos. É
assim, por exemplo, que o carnaval
h~e:.a . as emoçoes, e tudo,
nessa festa, é permitido, até mesmo
a v1olencia.

31
. . poesia e mito são expressões de um mesmo fen~
Assim orn
eno:
"A form a do poema ( ... ) talvez seja uma sob .
de esquemas corporais antiqüíssimos. o que . ~evivência
uma função coesiva · nas comum·dades arcaicasJar cxerceu
se com funções análogas, no produto poético ind~P.: duz_
"Mas não se perca de vista., por amor desorde ivdi uai,
d na o aos
, .
efeitos 1nag1cos d
o poema, o cara, ter eterminado
histórico. da consciência que o organ;zou ... " :
(Bosi. 1977, p. 122-3)

5 . 2 . Poli fo nia, intertextualidade e metalinguagem

Selecionamos, para o estudo do mito na poesia de Manuel B _


an
dcira. marca de sua mo d erm.d ad e, o texto "M aça- " , contido na "Lira
dos Cinqüent'anos":
Por um lado te vejo como um seio murcho
Pelo outro como um ventre de cujo umbigo pende ainda
o cordão placentário
És vermelha como o amor divino
Dentro de ti em pequenas pevides
Palpita a vida prodigiosa
Infinitamente
E quedas tão simples
Ao lado de um talher
Num quarto pobre de hotel
Nas sociedades arcaicas, ditas primitivas, o mito não era enca-
rado como ilusão, mentira - tal como se dá numa perspectiva as-
sumida pela sociedade industrial - , mas como revelação, no_ sentido
sagrado do termo, compreensão de sua própria história. A htera!ur3
da modernidade, querendo dialogar com a tradição para golp~a-la:
0
tenta reconstituir o sentido primevo do termo, por dois motI~ : ·
primeiro, porque, assim, recupera uma linguagem anterio~ à cisao
log:-1s/ physis, com a fito de ver o mundo (no caso, a poesia) como
uma unidade ainda não ameaçada· segundo porque de outro modo,
· ' ' ' ·' ue ·1
o m1 t_~ P?de ser reatualizado, para inseri-lo na História, Jª q ró-
consci encia do poeta moderno desde Baudelaire ' aberta pela P •,
. 0 es1.1
pna sociedade que a oprime não aceita mais considerar ª P ·
· •

como ª1go ·isolad o, scçarado do' fazer humano no seu signi'f'icado maisao
amplo. Aparentement e, trata-se de uma contradição: retorna-se

32
,nill'' cnq uat~to ta\ pa~·a introdu71 -lo
na Histór ia? É que, desvestido
dl' prcconcc1tos, o nnt o revela a sua
face mais sin cera; e, por isso
n,l'smL"1, pode ser rcp c~,s~do, rc-situ ado
, sem que lhe seja dado um
(arat_cr menor, dcptcci_atwo . lsso é,
pois, igualm ent e válido para a
poesta que. como .º mtt o, sofre a mc:
um d1scurso ma rgina\. :ima pena, a de ser con<;id erad:i
Quanto ao pri meiro motivo acima
adu zid o, convém lembrar _
(Oí ll(' fic?u regbtrado nos
capítul os anteriores - que os simbol
os prt mL 1ro~ modernos. tentando rec istas,
up era r uma ling uagem anterior à
fala e a logtca . Yo\ta1 am-se para os
tempos sagrados, os tem pos da
cr1açà~,. os t_cmpos primordiais, poi
s julgava m que, assim, se recupe-
raria o ~ent1do pleno da poesia ,
ameaçada pelos tempos bistórico-
socia1s que só veem o mito ( e a poe
sia, é bom insistir) como men-
nra cu ilusão. Daí a impossibilida
de ~te se utilizar uma expressão
lne::ana como a que vigorou durant
e a era da representação. A sa1da
tm b.iscar, no lugar da reprodução,
a sugestão, através de sensaçõ~.s
ftsi cas, de cores e sons que se cor
respondessem. Essa a nova simbo-
logia para se ap resent ar a realida
de; algo que foge completam ente
à logica em seu sentido tra dicional.
Era necessária, pois, uma nova
postura diante do texto literário, um
a postura que, rejeitando o dis-
curso concatenado , temporal, se abr
isse
do mundo. O mito - tal como apa para uma nova compreens ão
rece - é revitalizado, sem per-
der. contudo, sua dimensão prime
ira.
Fingin do entrar numa cosmologia,
a poesia . seus meios expressivos, sua a poesia simbolista reinventa
lógica interna e sua capacidade
de dialogar com a História. Baude
laire é exemplo nítido: o sata-
nismo , em que investe, é a marca
da
poeta; daí o mito da cr:ação ser atra sociedade que marginaliza 0
vessado por seu demonismo. E
por isso que , no capítulo anterior,
chamamos a ação poética de Bau-
delaire de sacra/idade pelo avesso:
é ''sacra" a sua atitude na me-
dida em que recupera o mito -
narrativa de uma criação; "p do
avesso'' porque o mito se reveste de
uma dimensão nova, a satànica.
para a qual a atenção é dirigida
através de um. estranho canto de
louvor: ··G\oi re et louangc à toi, Sat
an". Não sena moderno o textü
se o mito tivesse '.,Ído recu{:crudo
nos mesmos term os em que. nC\o
se sab e quando, foi concebido . O
mi_to _da cria~ão - criaçâo da
poesia , tema primordi al ( princi pal
e p~·1
texto ímpar: "F ais que mo n ámc un me1ro) - msc rc-sc nt~m Clm -
JOLtr, sous l'arbre de Scicncc, /
Pres de toi se repose".
Ass im Ba udelair e chocou sua épo .
ca e sofreu um prnccsso _.1 u-
dicial: a s~cicdade de ent ão não ace
itava a nova rou?ngcm dl1 mitl),
porque , enq uan to fat or de cont role
soc ial, era _qu~st1onn~ln _I.' :11n_~:1-
çado em sua mtegridad e. A der roc
ada do mito p0t krt :1 1nrl_us~_\·~·
signifi car o início da derrocada do
sistem a que o preserva . A Sl)L tl -

33
dndl' dn tipn cnpitnl1c;tn. pot exemplo,
não c;c c;cntc seg ura com tr 10
foi mnÇ l)l'' e mudnnçnc;, po1c.. tem con
c;ciê ncia ao mcno<; nq rJc,
dl'ntt de yt1l' n,w l1clH'1a Lha nccc; para urn a
nrnnlh) . \ , 0\1,1 ao cam , cm opo siçã nov~ cnaçan 11,)
o ao cosmo.;; con<;titu1dc ,
rnrda de, a, usl,l 11h)Lk1 110 e vista com c.l csc onf 1ança e te.mor Por
J!-"(' ª" l'l)" llW f.l' llt,1!-. !-cgu11 Jo
o ponto de '.l <ita dcc,sc1 soc1cuddc.. ,
dn un ~'-'' rctoçada!--. t1,m sf1gur ada5, 11 10
mas apc na<i rcv 1v1das pelo<:, ri-
to" que tem o pode, de 10111a1 m,
mit os 1mm vivos e c,oc1alm cntL
ú'l1 " ~tente~. A pL1c~1a mo
dc, na, ao con trari o, retoma as eosm
gi<" pJ t .1 Lllc-l a~ CVL)IU tr cm J1rc olo-
çao a vcrdauci1a~ uc. alo wgw \, p >-
mt ~~a de ruma e destruição .
~ t ) texto · 1 \l açà , d e Ma nuel Bandeira, que vam
cha , e dt1 pro blema com eça mesmo pel os focal1Lar, ,i
o título. A ico nogral1a b1b l1ca
lt'm n.. prc..-.entado, ali ave ~
ua imagem da maçã, o fr uto frv 1b1u
aquele que Deu s disse ser da árvore o,
da ciência do Bem e do ~1a l
macL:;~1, d ao Homem. Ass im, restaria
ao hom em desfrutar das de-
licia~ do paraírn, sem que isso o leva
sse a indagar a razão das coi-
sas. a conhecé-1as; ao contrario, foi-
lhe destinada, como preço da
frui;:ào e do gozo, uma vida de ingenu
idade e inconsciência. A maçã,
müma mente ligada ao mito da árvore
contido da narraç ão b1bbca
do G~nes is, é o ponto àe inte rseção
entre o proble ma da irnanencia
e o problema da transccnd~ncia . Antes
de provar em do fru to proi-
bido, o homem e a mulher viviam ade
ridos à Natureza, em estado
de animal idad e. Com a desobediência
à Lei , comendo do fruto, che-
ga-se ao problema da transcendência
, isto é, o homem e a mu lher
experimentam a passagem da animalida
de para a hominizaçiio: ul-
trap assam o plano da Natureza para o
da Cultura, momento em que
são reveladas as suas ide ntidades, seg
uindo-se-lhes um estado de pu-
dor an tes desconhec ido .
A palavra (ou, se quisermos amplia
r o termo, o disc urso ) é
nitidamente um produt o cultural: é a
maçã depois da prim eira mor-
dida. Pertence ao domínio do faze r hum
ano coletivo. social, já que
não existe soc iedade sem língua e, mu
ito menos. língua sc'm soci?-
dade. A necessi dade da comuni caç ão
lingüística nasceu. nns socieda -
des históric as, a part ir da necessidad
e do trab alho hum ano. meio
pel o qual o hümem sup era - ou tran
scc m.k - sua condiç úo de
anima l. É pelo traba lho que ~e dese nvo
lvem a rac ionalidade t' a ca-
pa.cidade de comunicação verbal cnt
rn os seres hum anos. C'l11oca r
em pólos sepa rados e eqüidis ta ntes o
tral)(I//J o e a língua ~ quc·brar.
através dessa setori zação, uma relação
historicament e indi ssoc invd .
Lín gua é caminho para o <·&nh ecinien
to da rca lidad~, pois a pnhwrn
é veíc ulo do mundo . A sua separação
, aliás, é o qm' tem cnr:\~'ll'-
rizado a abordagem feti chis ta da linguag
e m, seg und a a qunl n hngua.
como categoria social, é vista como
categoria suprn- historicn. 1Llt in
34
e acima da sociedade. Vimos, no Capítulo 2 deste trabalho como as
teorias lingüísticas, a partir do seu pioneiro Saussure tê~ tentado
por razões i?col~gi~as, reificar a condição s~cial da p~lavra. '
Pelo mito b1bhco, a palavra - a capacidade de nomear as coi-
sas - foi dada ao homem por Deus: eis um ancestral da visão
idealista das teorias sobre a linguagem. Mas até aí fa ltava ao homem
o poder de conhece r, no sentido de apreender conscientemente a rea-
lidade. A maçã ainda estava no escuro. Com o ato de desobedi ên-
cia. que lbe valeu, ao mesmo tempo, a transcendência e a decadência,
sendo. por isso, condenado ao trabalho, o homem conquistou sua
humanidade e, a partir daí, foi capaz de produzir cultura.
A maçã é, pois, o símbolos do logos com que o mundo é repre-
sentado, é nomeado , recebe significados. A maçã é a palavra e é 1
poesia; é conhecim ento e é reflexão. Para uma sociedad e autoritár ia,
centrada na figura do Pai - não é à toa que pátria tem a mesma
raiz de pai - , a conquista da maçã representa acima de tudo uma
ameaça, que deve ser, no melhor estilo, banida, proscrita. Segundo
o mito de que estamos tratando, foi r,ot isso mesmo que o homem,
vivenciando a Queda, foi forçado a abandonar o paraíso.
Manuel Bandeira, inscrevendo-se na poética da modernidade, vai
realizar uma crítica da linguagem poétka, através do mito ressusci-
tado. Por isso é que a vivência da modernidade é inseparável de
uma atitude metalingüística. Trazendo o mito à tona, como fez Bau-
delaire - daí a leitura intertextual, aqui, ser operacional, porque
elucidativa - , Bandeira associa-o à história, como veremos em se-
guida, através da revitalização do conceito de mímesis. Nesse caso,
a mímesis aristotélica não é, segundo a interpretação literal que tem
vulgarmente prevalecido, a simples imitação da coisa, pela qual texto
e realidade se articulam sem conflito, mas a imitação do processo,
a qual evidencia os mecanismos por que! se dá a ação mimética. À
primeira imitação, Lima ( 1980) chamou de mímesis da repre~e~ta-
ção e à segunda, de mímesis da produção . A presença desta ultima
é o que caracteri za o texto literário m~derno , como ,é o caso ~o
poema "Maçã", que ora analisamos._ As~1m, , o que esta e~n ques~ao
não é a coisa maçã, pois o texto nao visa a reprcsentaçao, ~' sm~,
ao processo pelo qual se investiga o ato de usar a palavra, simboli-
zada pela coisa maçã. . , . _
o poema ::;e inicia com um paralelo que preside a cons1deraçao
do objeto maçã:

Por um lado te vejo como um seio murcho .


Pelo out ro como um ventre de cujo umbi~o. pende amda o
cordão olacentano

35
o "'bJcto maç,1 . a imagem m1t1ca e,c?lh1da por Ban~cira. dcs-
d"'1'r,l , , l'lll du l '- pcr,rc-cl\\ ª' que e-e or cx.m fro~talmcn .:
no qu . .
d rc,rl' th' à P('~t, ,'io O\' pp~cn ador. ,ia cnunc1açao . a dupla
., , ã J
"' "~chmda cm dtw, tempo, pelo, dois adJun los adverbia1c;
que m,-
c,am os , cf'o, . ''P"'r um lado" e ''pelo outro" É como se a m'--'m
a
maçã c.-;rn·esc-e sendo submetida à apreciação de dois oh,;c
rvadore,
di~tmtl",s. na realidade. e o poeta que assume. amb1valen temen
te. 0
~eu c(1ntato .:om o objeto. para exauri-lo em sua integndad e
d.: pro-
duçà(1 de s1gmf1cados . Aqui pode -se refo1çar algo
que já fo1 di~o
ant\"'~ : o discurso poetico. como o discurso mític o, romf e
com ~
tcmp--' h s,ori.:0. : >e assim não o fosse, seria impossível conceber.
po1
c"\cmplo. as duas image ns. opost as entre si, de um mesm o ser:
"'-.vmo
um seio murcho" e "como um ventr e de cujo umbigo pend
e amda
o cordão placentário ".
~ianuel Bandeira. como se pode perceber, não se limitou a
tra-
,·ar o contato com o objet o unicamente pela via da representa
ção.
segundo a qual o discurso poético incid e sobre a realid ade
exterior
e, como se fosse um espelho, integra-a ao texto, refletindo-
a. Pela
m1111csi~ da represt'mação desap arece a intervenção
explicita do poeta
enquanto construtor da representação, isto é, enquanto agent
e da
desrealizaç ão do real. No caso em questão, o poeta denu
ncia sua
prese nça e a natur eza do seu papel , evidencian do sua capac
idade de
represemar , de produzir metáforas ; tal atitude pode ser ~onst
arada
no modo corno constrói as imagens, tíç ica da mimesis da produ
ção.
Ao apomar-se como emissor efetivo da enunciação, Manuel Band
ein
acusa seu estatuto de sujeito do discurso: isso acontece no mem
ento
em que, opondo-se ao objeto (marcado gráfica e sintaticamente
pdo
pronome oblíquo átono ·'te·•) , apresenta-se como sujâiO
da açà0
(na forma "vejo.. , primeira pesso a verbal). Entre o enunciado
r e o
objeto interp õe-se a marca do fingimento poético - a prepo
si'lào
acidental ··como·', de matiz comparativ o, que int roduz os predi
c1ti-
vos do objet a, "seio murcho" e "vent re", metáforas presentes
no~
dois versos inicia is.
Isso signifi ca dizer que, nas seqüências "por um lado te \ cjo
..
e ··pelo outro" ( tamb ém te vejo), o objeto maçã ainda se const
'n a
como tal, ou seja, o referen te maçã apena s desloca-se do mund
o t'X-
terior para o texto li terári o atrav és da mera repre sentação, conw
se
o texto fo~!)e um espelho que refletisse a coisu, simétrica ao discu
rso.
~o e~ta_nto, mais adian te, instaurando-se a magia do discurso
pot' tico.
J!)tO e, instaura ndo-se o fin gime nto poético, como diz Fern:-
ido P c'S-
s?a, são produ zidas as metáforas que vão nomear objeto lll:1ç:1.
vrndo do mund o cxtravcrba l. Assim , a maçu, deixa ndoOde st'r
:1 ll\:1, ú
ontologica ment e definid a na realidade exter ior ao ll'xto , torn:1
-~t'.
pelo processo de de!:i rcaliz:ic;ão, um "seio murcho" e u111 "wnt
rç",

36

qur pa<;sn m sc1 a versão poética do objeto maçã. Por c;ua ve1. o
pocta. at, n, r1., da _fo1 ma vc1 hal "vejo". denun cia-se como o rc~pon-
~a\'cl rela produçao dessa<; mctáfni ac;, dec;mont::tndo o~ hac;tidor( <; da
tecelagem, ou seja, o próprio ato de tecer.
Fssr procrs..c;o pode ser assim visuali zado:

-~ - - - - - - - - - -
MAÇÃ POET,\ ME f /\f·ÜflN-, PROO Ul lfJA~

Por um lado te , cjo como um seio murcho


Pelo outro
como um Yc ntre de cujo umbigo.•
- - - - -1-
M1mesis da
Represen uição Mímesis da Produçã o

Desnudados os meios pelos quais o objeto foi desrealizado. ca-


be-nos agora investigar a teia de significados que se desencadeou
com a produ ção das metáfo ras. A palavra - maçã - coloca-se em
estada de temno , pois experiencia dois momentos conflitantes e opos-
tos entre si: é ,norte ("seio mun;ho") e vida ("ventre de cujo um-
bigo ... ·,). A pausa que interro mpe a leitura do primeiro verso -
linearmente o de menor extens ão nessa estrofe - e antecede a do
segundo contribui também para marcar essas oposições, que consti-
tuem verdadeiros limites à percepção do objeto. Confro ntando -se o
segundo verso com o primeiro, verific a-se que, naquele, além de sua
maior extensão sintagmática, que simula o movim ento flácido do
cordão umbili cal - símbolo da vida - , é de grande poder suge-S-
tivo o emprego do advérbio "ainda", que prolon ga o estado de ger-
minação, confer indo à ação verbal "pende" um aspecto de duração.
contin uidade, em franco contraste com o primeiro verso, que exprime
urna imagem acabada, resultado irreversível.
Assim , resumindo, as oposições entre os dois Ycrsos iniciais do
poema podem ser assim esquematizadas:
] . paralelismo dos adjuntos adverbiais: "por um lado'' --e.. "pelo
outro"
2. paralelismo das imagens: "seio murcho" #- ''ventr e <.k cujo
umbi go pende ai nda o cordão placentário"
3 . assimetria espácio-temporal: verso 1 < verso 1
Ao situar-se o poeta, cuja presença, segundo o quadro-resum o.
é den unciada pela forma verbal "vejo", como elemento interm ecli,frio
entre o objeto maçã, saído da realida d~ cxtrav crb:11, e as mctâforas

J7
ln, rdo , qun ' ,., ohw1,, ' tfcqc•;ilt1.a. é dt(m ont c1d_,,., dC
1 \
f'I 1"'< Jli .. u11,,. , cnc , ac:, 101 . 0
' l ,ll, dr , 11,\nn <iA n pr
n p~:.,t,,1,c
ri, qlll Jlll('I (ll .. qn C:Cf "º' 8 u"r" m ,c: lpena<: ~nU :tp nç
Ltr a p r
eh llll' ,d,' rJnh li l m que " mnd d,) dctc !'"'" ª a
inin, -<:
\ qn f' r rt"'l\. l ,c.1, dl' pr f'(lU \an de metaíorac: dic:t ':;l
Ct1 Pl
"f',\<:.trmda, () ICllO . d f
r lt'\ C.l u,u I n•' r -, ,l l ("1111() ' H'

alf:um , , , ,h 1111, de l <.pa~,,tcmp~' problcmat 11ador. d


,rl Jl,,,
tranc . r rn e/rufo na _
1

, "'ltl '\ , ,. '''- J,tn ,, prt' u ,<.n . .10 C('n


-d, ,. 'fJl , p,,d 'l. 1'11cl dr <.Lr o l.Cnlrn
d,., pwti'cma. funct n·
ohJcto e..., '1Ue,tão.
C(lm , kih , ,,,u rmnJo uma , 01 que rôc o
\. lh nc'I r (' P• ,,, ur J PL1r 1\<-{ l e que l) oh1c
to m2çà n.1n r de 'e;
entre , 1 \ r- 1._
um, ,, "~ drf 10111 , a. m,1, , ar ac;. c0mht1n tc,
dcc0mp , . -.e
"h' , "1trc nJ,, ,,w cop1J, de " maçã... po,, que. ao
" oh, , " 11 1r,a,:cn" mutuamente C\cludc
r,tc, , negam o p ,,p, '" m _
o.
dr (Jfü Ih"'' p,,d tna , e, , ir çara a rcprc.. . cn taçã
A.,,1m. a nod umdadc é 111c omp at 11 e/ com
a 1111111t'{'' da rt•pr f-
p,·1 1"'º· J \<;ocia-"c a m~t.lling.uag
cm. a LraH· , d,1 qual '\!
\U 0 , ao . .
da rnctaforJ enq uan to proc c,,o de l' ln, truçã )
8 .. , ,h. , ..k,~w ntJg rm
d, d , ..... , l pod1cn ~ a pratica da moc.krni
dadc. cm que ,e líl<;crcv.:
, lc, ando o ,u 1c11o
M:.n u.. B.i . . l'll ,t. poc-~c cm cri<;c c~~c disc urso -,l' dJ
a: e ..... ,11, ,h a ,ofr c1 um deçce111ra111e11to. isto é, a dc<;p oj.1r
in1va na li rica trad1-
po~1.. , ._Jtor tJ11;.1. dcmiurgica. que o car::icter
o arremessa cm umJ
c101. t"~' a a . . .,um11 a con~cil?ncia do jogo. que
ccrt, 1"-1...:--llt .rnça. poi, ~ na mont agem
tb (meta ) linguagem qu~
mund ~ pala , , a ~e :irtic ulam . Poesia. sob
essa pcrs i:;ccti\a. niio .:
r~ul taao , l f:ue r ,e, e ofic ina. E nisso a e:..p
criência modern.1 e d1J-
nwua m,:nll' t'po ,ta à da trad ição. já que esta
é arred ia a qu..1lqu~ r
1:11.t 'c1 c:11c13 d ,cul \t\ a que com prom
eta a integridade d1 com po. . 1-
ç"'o qut t J t) me!> mo tempo, meio e fim
. Aliás, a defi111çjl1 J.1
bson, segunJt, ,1 ~u.11
fu11~ ão pt1t'l1c:.i dJ Jingu:.igem, por Ron11n J ako
n t'fü.1gt·m e' um frm em si mesmo. coincide
com es'\a , i~.il, trJ-
en tretanto. e..,,,. m1..xll
u 1

d .. 101rnl !JCct·t ::1 da pot:\ta A mod erni dade fa7,


de: \t'r o~c1h11 e 11,w I dt o chnl'ar -\e ..:om
as nm ª"' npc 11~111..·1.1, JJ
lmgu .1gem cu, \c.-U u~u e~tético
plk'-ii.1 l' ,1..•u l l·
Nu poem.1 " Mü~•n ' 1 Manuel íl a11<.l ei 1a fa , d,1
tcrl11L UIUI

r~!I \ l ' l llll lht1 L'l lllH> l ) ,lllll) J d1vi1w


111
Dt·"> tttt •1 " JltHlge 111 pond o i1 nu111 a t·~tr ofl' de u m ..,,) H ' t ,tl l\lt
L1~s 1111 1 Llo ,tllf luo 4ut· d rntk
ta , mu i t o 11H11-i -iuµe 'lll\ ,l ,t t\uç. i 1..' \ 1
111
ui, \.'IIIH'l,llll ll ,l tll\''
p, e.';!,,f \,t 4UL utc.ltt fhtl,l\ 1 d L'tll l q t1 ~.to h,l , aq
1
i I i \tl,
" <1,,..t u, uu1 ~ p1 ltllt:l l º" , t'l 'lll')
lt•Jl !)il11 4uc 1>•·11 > .1 dn pol' ll1 1, qu.tt l '- ·
j ' '- 1..lll
fll 11111!111, LUfl ( tl<J LO ll\ U O I)Jt: to , lld~l 1,1111 ,1 l ' \ jh'l'I t ll \ , l 1..' I l'
'

3k
fiança. O sentimento. agora. é de confirmação: retoma-se o símbolo
~acralizado. enfeixa ndo-o numa frase próxim a do clichê, que não
desperta a curiosid ade do leitor, nem cria surpresas. É como se, dessa
forma. houvesse o poeta procurado propositadamente um efeito de
ruptura com o insohto gerado na primeira estrofe : às metáforas ou-
~ada~ sucede. pois, o restabelecimento da caimaria, marcado sinta-
ocamclllc pc1a comparativa "como··, que impõe uma relação de as-
soc1açàJ entre as partes nucleares da fiese, através de um vínculo
~1log1st1co. prvpno da lógica formal. Se vermelha; logo, amor divino.
O verso que se confund e com a segunda estrofe tem o poder
iiurnno de anular o choque da primeira e~:trofe. O ritmo decai, ama-
ciado ~ela frcqüencia dos sons fechados e é!nasalados; o próprio iso-
lamento do verso no espaço em branco denota solidão e, no con-
junto. e a un .ca estrofe Jc um verso só; portanto, destituído de outro:
que lne taça eco, parecendo uma voz solitária, prestes a apagar-se~
luslQm enre porque é outra voz, não a Jo poeta, sujeito da enuncia-
ção, mas a de toda urna tradição que procura , a todo o custo, evitar
a sua própria consumição.
Depois da análise do romance de Dostoiévski, feita por Mikhatl
Bakhtm e, dificilm ente a teoria da literatura pode ficar indiferente à
pohfoma de um texto literário, que dialoga , ainda que implicitamen-
te, com outros textos, com outras vozes. O poema "Maçã", ao en-
veredar pelo caminho da investigação do sentido da poesia no mun-
do moderno, teve que abrir um diálogo com outros textos e com
outras épocas. Por isso, não há lugar para uma leitura unificante,
mas, necessa riamente, para uma leirura imertextual - e esta, aqui,
é apenas uma das possibilidades.
Sendo assim, como não reconhecer, na primeira estrofe de
"Maçã' ', uma voz moderna e, na segunáa, a voz da tradição? São,.
na verdade, dois espaçotempos que se cruzam e dialoga m entre s1
no mesmo texto. A v.:.-z moderna é reconhecidamente plural, admite
várias persi:;ectivas ("como seio murcho"j"como um ventre . . . " ); a
voz da tradição é monologai, autoritária ( "como o amor divino" ) .
"No discurso monológico cada seqüênc ia é determinada pela prece-
dente, numa relação de causalidade" (Pcrrone-Moisés, 1978, p. 61):
assim, o adjetivo "vermelha", na segunda estrofe, prepara , sem sur-
presas, a comparação ''como o amor divino". A estrofe poderia ser
lida de outro modo: "porque (és) vermelha, és como o amor divino" .
De outra forma: a voz polifônica, constituindo-se de uma maior
liberdad e expressional, rejeita definitivamente os clichês de lírica da
tradição ao promover transgressões no nível do tecido lingüístico--
poético e, conseqüentemente, no níve_l _de articulaç~o _entre a reali-
dade e o texto. Assim, levando o su1e1to da enuncia çao a perder a
posição central de articulador da matéria poética, conduz, através da

39
à ,ad missãof de ma. ,is de urna voz nos liin·t i cs cto d·is.
. t . ~xtualidadc' .. Jª se. co me nto u de s
in c11ç,
om isso, da-se , con ordme ' O centran1emo
. C . 1 11te ra tur a mo de rna · _
curso ·tico do Sujett.o, opera o pc a · nao se . d
s vozes' pelas q ua1.s O Sa •
, . , .·
o!l loPot ~r an a, um ca , ma s va ua
- urna voz sob d o d'.Ire1to . ao ce ntro que a fil osofia .de u-
1111 1e pe r e - oc1 111 1
. -10 se estilhaça e , 1a separa ça o en tre ph ysis e lo a
1e1 na _su a ge ne se, pe
_ respo nsável, gos
_ Jhe tin ha ga ra nti do . B
aq ui po de mo s, en tão , dis tinguir 110 po ema de Man ueI an.
At é , 'd
qu e : e c1
.
u~ am , ~~ 1 mt 1 o e~ tado de oposição· de
de ira duas vozes i
_ad ?g- o, se Joga para a imlag~ção
can od o
um lado, .ª voz qu e, u_s
z a trn 1çao, por natureza mo
no!
e O qu est 10 na me nto ; e a vo
tra ovgo~'
~e ~ec h~ pa ra .~ dú vi~a, procura silenciar a ou
que, inc isi va,
m e1r a e tra ns1 t1v a e mq u1 etadora; a segunda ' rans1-.· int
Por isso, a pn . ba11za · d ora. O mono,10go tem sido his to nc .
tiva e apare ute rne
-
nte
d
gJO d a rac10 . na1·1dade social qu e t a-
quo, io-a
mente a expressao o status 'd l a~ · dos num modelo sócent
t 1xa
1_ e~ ogem
absorve r os cul_turemas e os ncia ao discurso totalitário vem sal
grega, em cujo âmbit o 'se c~~
de
político determinado. A ten pó iis
e a im pia nta çã o da
engano, desd niz ação do logocentrismo. Ne~se
pr im eir a ve z, da en tro
gitou, pela tendida, a princípio, como
meio de
, na sce a Re tór ica en
conte xio
so cia l e, po ste rio rm en te, como um aparelho es-
persuasão e control e
ere nc ia a lin gu ag em no seu uso quotidiano da lin-
tilístico que dif , dessa forma, que, na sua ori
gem
m fins lite rár ios . Vê -se
guagem co com uma nítida expressão
utilitá~
ssã o est éti ca se co nf un dia
a expre ção do co-
de um a me sm a mo eda. A crescente especializa
ria, faces
e red un do u em su a fra gm entação e aparente autono-
nh eci mento, qu de ssa s duas áreas da comunicação
ge nd ro u o iso lam en to
mi a. é qu e en
verba l. lifonia, vem tentar obstruir
o
e mo de rna , atr av és da po
A atitud de sua
o qu e ac om pa nh a a ind ividuali za ção do homem e
artificialism tru mento moderno mais caract
e-
o diá log o é, ass im , o ins
lin guagem; literatura como poiesis, isto é,
res ga tar o sen tid o da
rístico para se sig nificações, de modo a trans-
e hu m an a pr od uto ra de
como atividad ar- se em um objeto, exterior
à
pr ia pr od uç ão e ins tal
cend::r a pró metalinguagem são os meios
,
A int ert ex tua lid ad e e a
própria ação. da operacional rumo à corros~o
pro mo ve r um a gu ina
portanto, de se m a qual se dialoga, para nao
çã o de lit era tur a, co
da velha concep perá-la..
ê-la de vis ta, r.ias co ntr a a qu al se ergue, para su
pe rd
Ba nd eir a, em an áli se , dn -se esse dupl o movim en -
No poema de mi to sagrado do Verb o, me-
int ert cx to bíb lic o, o
ta: releva-se, pelo ra (" amor divino "), s~bdmetc~~
tra dic ion al da lit era tu
táfora da visão mu rch o/ ventre" ), media a pe
o de va lor es ("s eio
do-o a um a revisã
mo").
me taling uage m ( "te vejo co

40

:&!&±
ll ltrapns~n<lo, po1~, o momento inicial a di alética das vozes
. Mamh.'I 13:rndc,ra caminha pa, a o cl1ma x do poema:

Dentro tk ti L' lll pequenas pevides


Palpita a vid a prodigiosa
l nf.nitamcntc

Manuel Bandeira recupera, assim, o sentido primitivo de poiesis


que. cm ~ua gêne~c. não se desligava da ação do conhecimento, que
era da ordem do mi to enquanto explicação mágica do mundo, mas
arrectia à log1ca e à racionalidade própria~ das sociedades que pos-
teriormente operaram a brutal cisão entre logos e physis. Por isso,
a poesia e. de ordinário, considerada uma atividade avessa ao âm-
bito dos negocios e da razão - suspensão e desvio. Na sua origem,
era um fazer de que se apropriavam os oráculos, sacerdotes e vi-
dentes. cujas formas de elocução beiravam, pelo tom misterioso que
as caracterizava, o lúdico e o fantasioso. Essa visão, presente na
estrofe acima. vem marcada por termos intimamente associados ao
vocabulário litúrgico: ''Palpita a vida prodigiosa/ Infinitamente".
O significado tradicionalmente conferido à atividade poética, re-
vivido por Bandeira no texto em análise, tem, no senso comum, uma
possibilidade de confirmação. É fácil encontrarmos em dicionários,
paralelamente a definições mais técnicas, expressões do tipo: "Entu-
siasmo criador, inspiração; aquilo que desperta o sentimento do belo;
o que há de elevado ou comovente nas pessoas ou nas coisas; en-
canto, graça, atrativo". (Ferre:ra, 1975, p. 1105) Daí decorre a le-
gitimação da versão platônica do poeta possuído/possesso que obs-
curece por completo a ser da ação literária como trabalho humano,
através do qual a palavra ultrapassa o seu estado denotativo a partir
de uma seleção e combinação de signos conscientemente dirigidas
pelo poeta, construtor de imagens e metáforas.
A degradação histórica em torno do trabalho 1 tem contribuído
enormemente para a sua aniquilação Ciemântica na esfera da arte,
ao tempo em que. compensadoramente, tem sido revalidada a con-
ct pção original. Ademais, "toda a poesia da antigüidade é simulta-
neamente ritual, divertimento, arte, invenção de enigmas, doutrina,
persuasão, feitiçaria, adivinh ação, profecia e competição" (Huizinga,
1980, p. 134 ). Dada a acumulação de funções em sua origem, a
poesia parece fa dada, se encarada sob a ótica da sociedade indus-
trial, à crescente deterioração de seu prestígio, tal como ocorre em
culturemas paralelos como o mito, o sonho, o imaginário. Cabe, en-

1 A palavra trabalho deriva da forma latina tripa/ium, instrumento de tor-


tura usad o cont ra os escravos na Roma Antiga.

41
trcta nto, ao poeta moderno reintegrar a poe
sia
qua l emerge e na qual procura aconchegar-se à
. morada social d
Já na sociedade burgues a constituída, os rom
nizaram a poesia .
como a umc , . f " .
ant1 cos ª
' a orm a de conhec im , que entr
atraves da va lon~ · ~ d
aç~o o su1e ··
,1t?. cna ·
dor ento das
fora m os responsave1s pela rev1vif1cação da _ 0 vate e~s~cias0-
0
design ~' _gen 10 _,
. , .
ao subst1tm rem , por exemp1o, a teon.a da imitação açao . m1toPoet, ica,
, s1.
clas cos, pela teon.a da expressao, ~ ' vigente e
balança. Nao ~ f 01. , 1
em que O sentim t , ntre os,
para as lendas gennam ,., . que se votaram para os misten
a toa ' .os em.,~
eno
o f'1e1 da
.
cas ou para o clima exó
entais. Na verdade estavam, com isso, definind tico d \,\!Jevais,
. o a sua os contos ori-
poesia; estavam operando a sua meta1mgu .
agem. Estaria conc
deira ratificando essa posição'! M epça~O de
anuet Ban-
Na última estrofe de "Maçã" é dada a resposta
deira um observador direto da modernidade: que f
az de Ban-

E quedas tão simples


Ao lado de um talher
Num quarto pobre de hotel

A conjunção que inicia a estrofe tem um


sativo, contrastivo, pois introduz a voz que evidente matiz adve _
, no primeiro verso ;
poema, contrapôs "seio murcho" ( imagem
da deterioração) a "ven0-
tre" ( imagem do sagra~o ~ .. Considerado, entã
o, o jogo de imagens
que se armou desde o m1c1O do texto, perc
ebe-se o movimento cí-
clico da construção. A inserção da maçã num
novo contexto, repre-
sentado pelo "quarto pobre de hotel", atrib
ui-se ao desvelamento de
algo que pretende, num ato antropofágico,
deglutir o símbolo mítico
"maçã", servindo-se da exposição do seu lado
vil ("seio murchd').
Iniciando o texto, pois , através de uma ante
visão dos fatos - se
é que é possível falar de cortes temporais, flas
hbacks , em se tratando
de lírica -, Manuel Bandeira torna, no enta
nto , mais rica e enigmá-
tica sua composição, onde as vozes se cortam
num espaçotempo in-
definido e impreciso e duelam entre si, à
procura de uma resposta
que rompa a expectativa criada ao longo do
texto.
Huizinga (1980) aponta, como componente
sia, a sua relação com o enigma, a ausência essencial da poe·
de clareza e de causa-
lidade. Aliás, "o excesso de clareza", diz Hui
siderado uma falha técnica", desde os gregos
zinga (p. 150) , cm~- :'é
antigos . A poesia sen,a
então como a esfinge : "Decifra-me ou te dev
oro". A linguagem poe-
tiea, necessariamente cifrada é um desafio
à lógica tradicional;_ e
disso não se livraram os po~tas da modern
. a, idade, pois , afin~l, nao
se pode f ug1r natureza pro, pna
. d ~ l't , . que e a sua
a expressao
maior ou menor aderência ao hermetismo. O 1 erana, f i
que se transformou 0
42
0 111ndo pelo qual essa expressão se articula com a realidade: os mo-
dernos procurara m, a parti r da ruptura com a concepção mágica,
reintegrar a poesia à convivência comunitária, da qual era separada
e com a qual era estranhamente posta cm posição antagônica.
O tema da Queda, presente cm Baudelaire, não é sinal de in-
feriorização da poesia cm face de sua redefinição no contexto da
sociedade industrial, de que Pan s, no dizer do poeta francês, cons-
titui um símbolo; o tema da Queda é, antes, um passo para a releí-
tura da poesia nas limites do mundo moderno, do qual não se eleva,
ja que a relação entre ambos não é de hierarquia, mas de simetria:
"Ao lado de um talher". A maçã, que conheceu momentos de glória
e mistificação, de que gozava, experimenta agora o seu lugar no
mundo dos homens, do quotidiano: "Num quarto pobre de hotel".
O diálogo instaurado no texto não tem, contudo, ponto final; ao
contrário, incentiva, como já foi dito, o retorno ao primeiro verso,
com que se efetiva o movimento cíclico. Não seria isso - o que
também já foi colocado - o matiz rebelde do "eterno retorno",
com que a linguagem poética contraria o ritmo irreversível do tempo
histórico? Não seria a permanência, no discurso moderno, das for-
mas radicais e originais da mitopoesia?
Manuel Bandeira fabrica, assim, as ressonâncias das cosmolo-
gias em que physis não se subordinava a logos; trata, antes de tudo,
da convivência do mito com a história num terreno - o poético -
cujos limites são da ordem do ritmo subjetivo, da melodia e da im-
plicação mútua da linha com o novelo. A separação entre eles, aliás,
é que tem servido à sociedade montada numa rígida divisão do tra-
balho, pela qual o lúdico é confinado a um departamento irreme-
diavelmente fechado em si mesmo, que a crítica imanente e textua~
lista tem denominado, segundo uma perspectiva ingenuizadora e, por
isso, perversa, de Arte pela Arte. Sob esse emblema disfarça-se uma
falsa totalidade, a que compromete as genuínas relações entre a poe-
sia e a sociedade. A tarefa do poeta moderno tem sido invariavel-
mente a reconstituição dessas ligações perigosas: abrir a maçã ao
meio e investigar-lhe os meandros.

43
-- ·- -

6. CONCLUSÃO

A maçã. em Manuel Bandeira, sofre a ação dos


novos tempos,
deteriora-se . é exposta em sua parte mais íntim
a ("Dentro de ti em
pequenas pevi des" ) para reinventar-se sem deix
ar de ser maçã -
problemática a ser enfrentada por toda a poes
ia da modernidade. A
saíd a mais freqüente para fugir ao impasse tem
sido - equivoca-
mente pela sua parcialidade - o artifício form
al, de que é teste-
mun ha o próprio Bandeira em sua tentativa
de adequação a esses
novos tem pos:

Esto u farto do lirismo comedido


do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de
ponto
expediente protocolo e manifestações de
apreço ao Sr. Diretor
("Poética", Libertinagem)

ou a síntese conteúdo / forma:

João Gostoso era carregador de feira livre e mor


ava no
morro da Babilônia num barracão sem núm ero
Uma noit e ele chegou no bar Vinte de Novemb
ro
Bebeu
Can tou
D ançou
Depois se ati rou na Lagoa Rodrigo de Frei tas e morreu
afogado .
( "Poema tirado de uma notícia de jarnal", Libc
rtinn g~m)

45
São manifestações de rejeição à sacrali?ade comuns a toda a
arte pós-romântica. A poesia desloca-s~, ~ss1m, dos focos tradicio-
. de interesse - a Natureza, a Infancrn, a Mulher, o . Amor _
na1s ~ d
para, mesmo que esses temas nao esapareçam~ um. reg1str? mar-
cado pelo quot!di~10 e p~lo qu/e. ap_arentemente nao seJa considerado
digno de constituir matena poettca.

Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do


horizonte?
- O que eu vejo é o beco.
("Poema do beco", Estrela da Manhã)

Nota-se, pela leitura desses textos, o ideal perseguido por Ma-


nuel Bandeira e pelos modernos de escapar da convencionalidade,
ao mesmo tempo em que o poeta se serve dos signos desgastados.
Bandeira conseguiu harmonizar, ao longo de sua obra, os elementos
dispostos em tempos e espaços distintos, evidência de que o texto
literário não se esgota no momento de sua produção/leitura, mas
caminha sempre rumo à sua revitalização e transformação. Essa ca-
racterística do produto literário pode indubitavelmente estender-se a
outros produtos culturais. A capacidade de conviver com o clichê
para transfigurá-lo em uma recriação metalingüística pode ser exem-
plificada:
Eu vi uma rosa
- Uma rosa branca
Sozinha no galho.
No galho? Sozinha
No jardim, na rua.
Sozinha no mundo.
Em torno, no entanto,
Ao sol de mei-dia,
Toda a natureza
Em formas e cores
E sons esplendia.
Tudo isso era excesso.
A graça essencial,
Mistério inefável
- Sobrenatural -
Da vida e do mundo,
Estava ali na rosa
Sozinha no galho.
46
l BIBLIOTECA . E. l f f4. Lj
Sozinha no tempo.

Tão pura e modesta


Tão perto do chão, '
Tão longe na glória
Da mística altura,
Dir-se-ia que ouvisse
Do arcanjo invisível
As palavras santas
De outra Anunciação.
("Eu vi uma rosa", Lira dos Cinqüent'anos)

Tomando por base os pontos-chave discutidos neste trabalho,


podemos apontar no poema acima os aspectos centrais do tema
aqui
enfocado - a releitura do mito na poética da modernidade:
1 . A caracterização do texto moderno compreende, acima de
tudo, a discussão em torno do fazer literário na atualidade.
Para
isso, concorre a aventura de, no próprio tecido poético, de natur
eza
ficcional, utilizar-se o recurso da metalinguagem, que tanto se dá
ex-
plicitamente, quanto implicitamente. No último caso - de relaçã
o
mais sutil - , metáfora e metalinguagem coincidem, coexistem,
pois
o código, vivenciando um questionamento, é a própria mensagem
,
para utilizarmos os termos com que Roman Jakobson formulou
as
funções da linguagem com base nos elementos constituintes do
cir-
cuito da comunicação. O ser moderno deriva, desse modo, da
to-
mada de consciência acerca da articulação texto /realidade, desde
que
se recuse, a princípio, a posição tradicional da mímesis aristotélica
,
típica da era da representação. No poema acima, como em "Maç
ã",
que já foi analisado, Manuel Bandeira recorre à postura de
quem
se coloca como construtor da linguagem poética:

Eu vi uma rosa

A "rosa" é o símbolo literário tradicionalmente escolhido para


representar o amor ( quando vermelha) e, por ~ontigüidad~, a
mu-
lher. Entretanto, no texto em questão, desprovido de erotismo
(a
rosa é branca), o termo "rosa" não concerne, a nenhum desse
s. re-
ferentes. Aqui , trata-se, mais uma vez, d~ m~tafora do ato de
_cn~r:
a folha branca, antes da aventura da escnta, e um espaço de cnaça
o.
Toda a natureza
Em formas e cores
E sons esplendia.

47
Novamen te impõe-se a imagcria da lírica da tradição que faL
da ''rosa·· 0 símbolo sacrali zado:
A graça essencial.
Mistério inefável
- Sobrenatural -
Da vida e do mundo,
Estava ali na rosa

Todavia. Manue l Bandeira rejeita a aura do objeto poético, re-


tirando -lhe _ como a fizeram os simbolistas franceses desde Baude-
laire _ 0 caráter de inacessibilidade e_ purez~. A rosa, como a maçã:
toca o qu otidiano, reclamando sua c1dadama:

Tão pura e modesta,


Tão perto do chão,
Tão longe na glória
Da mística altura

A poesia na modernidade vivencia o tema da Queda , perpas-


sado pela consciência da arte no contexto do mundo burguês-capi-
talista. Assim como "as flores do mal", de que participa o spleen
baudelairiano , a "rosa" é a flor-discurso que, inserida na história,
sofre o peso do sentimento de perda - do paraíso - , o que gerou
uma nova sensibilidade e percepção. Portanto, a "rosa" já não é a
rosa a rosa a rosa.
2. Com a redefinição do poético a partir do diálogo com a
tradição, que é superada e transcodificada, opera-se, igualmente, a
redefinição do foco pelo qual o Sujeito - agente criador - arti-
cula o texto com a realidade, mod :ficando suas relações com o pro-
duto, porque são outras suas relações com a sociedade. Sob o capi-
talismo . tornam -se acirrados esses liames; alienado no âmbito da
divisão social do trabalho, o poético marginaliza-se e encerra-se na
torre-d e-marfim , com que os parnasianos e os simbolistas represen·
taram o seu desterro da república. Bandeira denuncia isso muito bem:

Sozinha no mundo.

Sozinha no tempo.

. O te~a do isolamento - tão freqüe nte na obra de Manuel Ban-


deira - e menos uma idiossincrasia, uma escolha particular, que~:1
represe ntação ale~órica do individualismo econômico em sua versao
poética , que invadiu a literatura desde os primeiros românticos. A

48
, akm1ação d,, " ~u,10··. rntn:t~nt o. não ;mpediu 0 \uJ ·1to de yre,cn
"-'ª' 0 ,tu proprin dt,(\. nt·amcmo. r <'1~ a arte. T\:damrndo um e'--
pa,1.1 auh1n1.~ nn t 1. \ l lu1.,, o h1 d, a"rao cql.l1"-a um fim cm ~1 mc'-m
o
~ A m(xh.rn1dad1. r rc\1dc, a,ç,1m. à ruptura com a mimP
.Jif da
rtrn ' <ntaca,l l '-pePw da rcahdadl. Jª que tc~to e mundo não ite
apre'-~ntam ma1, cm f ranl ,1 \1mctna Oc,dc os \1mbolistas a pala-.ra
d1. ordem '- u 1ar um c\paç o autonomo. forma pela qual se cre atrn-
p ~ a cham ada poc\ ia pura· . o mais alto s1mbolo do narc1s1,mo numd
, cx-1edade qu1. aliena o home m de seu trabalho. A relaçã o entre o
homem e o mund o e aspcra e obliqua: ~ noYo, tempos são avessos
a linguagem m1topoet1ca :

Dir-se-ia que ouvisse


Do arcan10 mvis1vel
As palavras santas
De owra A 111111ciação.

O simples reviver do mito - linguagem próxim a da poética por


traduzir magicamen te a real idade - é mero pretexto para a sua ani-
quilação. re~ullado do conflito de vozes que se cruza m no espaç o-
tempo da poesia .
A modern idade é o momento em que o simulacro ascend e à
cand1çâo. historicamente dcsva loriz:i da. de romfer com a primazia
da cópia perante um modelo prJ-estabclccido. O própr io Manu
e\
Bandeira. num poema homónimo. jogou. ou brincou, com o seu pró-
prio fantasma ·

Manuel Bandeira
( Souza Bandeira.
O nome inteiro
Tinha Carneiro) .

Eu me interro go:
Man uel Bandeira,
Qua nt a be\teirn!
Olha uma cow,a
Por qut: ni\o ou1,a
A~ inar log.o
Manu el de Soun1?
("'Man uel Bande11 a", Mafu ,\ do Malu11~0)
Para o poeta o e">pelho ">Ímbo ln <_la rcp~·e..,~nt,:çüo - j;\ n:'ln
~ 0 confo rt ável apoio do artbta que confi.1 na 11n1ta,nu. O
pol.'tn. a
partir do seu próprio nome, que se ~ac1ali/l)ll l' tH!lHll lll ) nomê lk
maneira, a própria identidade, chegando ao
Poeta, questiona, dessa ~ d .
auge a que se possa chegar : a n~gaçao e s1 mesmo.
o que faz de Manuel B~nde~·a ~~ poeta moderno é a sua ca-
pacidade de instaura~, no tecido htera~10, ~ re_cuperação da possibi-
lidade de fazer poesia º? mund~ ~ostil e m~iferente ao lirismo. A
criação da utopia tem sido explicitada atraves de um discurso es-
pecífico e diferenciado dos discur!os correntes, obrigando a poesia
a auto-reflexionar-se. O que se poe, de fato, em questão é a natu-
reza do processo da linguagem poética, para o qual se abre a dis-
cussão da sempre nova indagação - o que é poesia? -, levando 0
texto literário , através de sua metalinguagem, a fazer do processo
como tal a sua rede de significações e, enfim, o seu próprio tema
- razão de permanência e travessia.

'50
[~ IBLIOTECÂ-E T ·-~1
- .. F AL

7. REFERtNCIAS BIBLIOGRAFICAS

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. 2:. ed. São Paulo,


Mestre Jou, 1982.
BARBOSA, João Alexandre. "A modernidade do romance". O livro
do seminário: ensaios. Bienal Nestlé de Literatura Brasileira 1982.
São Paulo, L. R. Editores Ltda., 1983.
BAUDELAIRE, Charles. As flores do mal. Tradução e notas de
Ivan Junqueira. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1985. (Poesia
de todos os tempos).
BENJAMIN, Walter. "A obra de arte na época de suas técnicas de
reprodução" . - - - et alii. Textos escolhidos. 2. ed. São Pau-
lo, Abril Cultural, 1983. (Os Pensadores).
BOSI, Alfredo. O ser e o tempo da poesia. São Paulo, Cultrix &
Editora da Universidade de São Paulo, 1977.
BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia grega. Petrópolis, Vozes,
1986.
CORBISIER, Roland. Introdução à filosofia. São Paulo, Civilização
Brasileira, 1983.
DELEUZE, Gilles. "Platão e o simulacro". - - - . Lógica do sen-
tido. Tradução de Luiz Roberto Salinas Fortes. São Paulo, Pers-
pectiva, 1972.
ELIADE, Mircea. Mito e realidade. Tradução de Pola Civelli. São
Paulo, Perspectiva, 1974.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da lín-
gua portuguesa. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1975.
FOUCAULT, Michel. A s palavras e as coisas; uma arqueologia das
ciências humanas. Tradução de Salma Tannus Muchail. 2. ed.
São Paulo, Martins Fontes, 1981.
GOMES, Álvaro Cardoso. A estética simbolista; seleção de textos,
comentários, introdução geral, bibliografias e índice de nomes.
Tradução dos textos antologiados por Eliane Fittipaldi Pereira.
São Paulo, Cultrix, 1985.
51
'
Hl ,Ili"'\(, \ Jnhnn Hom o lud, m . o jogo comopelemento da cuJ-
s-
. J> 1 M .
,ro ao aulo. Pu P ➔
tur.i 1 1d111. w de Jnao au o , ontc 11

1080
e modernhlade ; form as das somb ras
l l~1A . Lu,ç, t l1ç,ta H1111cc;i\ 980.
.. 1 J
Rw de Janeiro. ( Jraa .
e _
() comrolc do 1magi11á1 ro; 1a7ão e imaginação no Ocid
n
tr Sà(' Paul o. Bra~il icnsc. 1984.
mito e sua ex-
LOPES. Ed,\ ard & C \ N ll AL. Edu ardo PcfiucJa. O
1

prer;r;âo na /, terat ura hispano-amerk ana. São


Paul o. Duas Ci-
dades. 1982.
PERRO~l:-.M OISÉS. Leila. Texto, crítica, escritura
. São Paulo, Áti-
ca. 1<rs. (Ensaios; V. 11 . 45 )
ROSSI-L .\~1)1. Ferr uccio . A linguagem como traba
lho e como me, .
s. Tra-
cado . uma teoria da produção e da alienação lingüística
EL, 1985.
dução de Aurora Fornoni Bernardini. São Paulo, DIF
S.\CSSCR E. Ferdinand de. Curso de li11güística
geral. Tradução df
. 8. ed.
.\ntonio Chelini, José Paulo Paes e Izidoro Blikstein
São Paulo. Cultrix, 1977.
uma visão his-
TA \ "ARES D'AMARAL. Márcio. Arte e sociedade ;
INL, 1984
tórico-filosófica. Rio de Janeiro, Antares & Brasília,

52

Você também pode gostar