Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
LITERATURA BRASILEIRA II
se debruça este livro é, sem dúvida, um dos mais
importantes de nossas Letras.
O percurso aqui traçado inicia com o pré-
-Modernismo, no fim do século XIX, e os
movimentos de vanguarda que influenciaram
a estética do Modernismo brasileiro, passa
pela Semana de Arte Moderna de 1922, seus
antecedentes, seus desdobramentos e manifestos,
e percorre as três grandes fases do Modernismo
no país, incluindo a prosa dos anos 30, o ensaismo
social e a geração de 45. São discutidos, entre
outros, autores como Lima Barreto, Augusto
dos Anjos, Mario de Andrade, Manuel Bandeira,
Oswald Andrade, Cecilia Meireles, Carlos
Drummond Andrade, Graciliano Ramos, João
Cabral de Melo Neto, Clarice Lispector e Guimarães
Rosa, contextualizando-os historicamente no
desenvolvimento da literatura brasileira moderna.
Trata-se, assim, de um convite para o (re)
conhecimento da alma e do corpo cultural do
Brasil e de nosso povo, por meio do veículo verbal,
multitemporal e surpreendente da literatura.
André Gardel
André Gardel
Apresentação 9
2 As vanguardas europeias 19
2.1 Vanguardas: origens e sentidos 19
2.2 O Futurismo 21
2.3 O Expressionismo 22
2.4 O Cubismo 23
2.5 O Dadaísmo 24
2.6 O Surrealismo 25
Gabarito 123
Referências 129
Apresentação
O momento da literatura brasileira sobre o qual nos debruçamos neste livro é, talvez, o mais
importante de nossas Letras. Não só pelo fato de se tratar de um período que gerou nossos maio-
res autores de todos os tempos, mas, também, por essa produção quase toda buscar responder à
demanda geral de um país que tinha como projeto se configurar dentro da modernidade, empe-
nhando-se em harmonizar sua voz nacional, nem que fosse em contracanto, com a orquestra das
nações modernas e civilizadas.
Só para termos uma ideia da grandeza do momento a que nos referimos, é o período em que
poetas como Augusto dos Anjos, Manuel Bandeira, Murilo Mendes, Vinicius de Moraes, Cecília
Meireles, Carlos Drummond de Andrade, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Jorge de Lima,
João Cabral de Melo Neto concebem suas obras. E, na prosa, Lima Barreto, Euclides da Cunha,
Graciliano Ramos, Clarice Lispector, Guimarães Rosa, Mário e Oswald de Andrade delineiam seus
geniais textos inventivos.
Nosso percurso começa definindo o “Momento pré-moderno no Brasil”, em que estilos pós-
-românticos se desdobram numa ambiência sociocultural fortemente Belle Époque, num sincre-
tismo que pavimenta as bases para a revolução modernista. Pois, pouco a pouco, “As vanguardas
europeias” adentram nosso universo artístico, trazendo a maior parte do instrumental técnico,
ampliando as visões de mundo que se consolidarão a partir dos anos 1920. Será “A fase heroica: a
Semana de 1922 e os principais manifestos”, em que os artistas definitivamente colocarão em xeque
o passadismo literário, devorando as múltiplas novidades das rupturas vanguardistas.
Por fim, na terceira fase modernista, que se entremostra com “João Cabral e a Geração de
45”, com “A ficção depois de 45 (o romance experimental): Clarice Lispector” e com “A obra expe-
rimental de Guimarães Rosa”, temos um balanço das primeiras conquistas do Modernismo, com
um espírito mais universalizante e existencial, abrindo já perspectivas para as possibilidades de
uma arte pós-modernista.
Assim, fazemos um convite a você, leitor, para uma viagem muito especial: a de (re)conhe-
cimento da alma do Brasil e do corpo cultural do nosso povo, por meio do ágil veículo verbal,
multitemporal e mágico da literatura.
Bom proveito!
1
O momento pré-moderno no Brasil
1 Entre os poetas árcades mineiros, destacam-se Cláudio Manuel da Costa (1729-1789) e Tomás Antonio Gonzaga
(1744-1810). Eles são autores que estudaram em Coimbra e que, influenciados pelas ideias enciclopedistas e pela inde-
pendência dos EUA, participaram da Inconfidência Mineira, demonstrando essa consciência da nacionalidade.
12 Literatura brasileira II
2 A Belle Époque traduz a nova sensibilidade urbana que surge no final do século XIX, em sintonia com os avanços tecnoló-
gicos. No Brasil, corresponde ao período que vai da Proclamação da República, em 1889, até a Semana de Arte Moderna,
em 1922.
O momento pré-moderno no Brasil 13
Vandalismo
Meu coração tem catedrais imensas,
Templos de priscas e longínquas datas,
Onde um nume de amor, em serenatas,
Canta a aleluia virginal das crenças.
Na ogiva fúlgida e nas colunatas
Vertem lustrais irradiações intensas
Cintilações de lâmpadas suspensas
E as ametistas e os florões e as pratas.
[...]
Nessa estrofe do poema “Confusão”, o autor estetiza, ainda segundo Queiroz (1999, p. 102),
o “drama da identidade”. Essa estetização tem por base a leitura dos elementos dionisíacos e a ideia
de pluralidade que apresenta em seu livro Luz Mediterrânea.
Pré-Modernismo
(BOSI, 1994, p. 306)
Creio que se pode chamar pré-modernista (no sentido forte de premonição dos temas vivos em
22) tudo o que, nas primeiras décadas do século, problematiza a nossa realidade social e cultural.
O grosso da literatura anterior à “Semana” foi, como é sabido, pouco inovador. As obras, pon-
tilhadas pela crítica de “neos” – neoparnasianas, neossimbolistas, neorromânticas – traíam o
marcar passo da cultura brasileira em pleno século da Revolução Industrial. Essa literatura
já foi vista, em suas várias direções, nas páginas dedicadas aos epígonos do Realismo e do
O momento pré-moderno no Brasil 17
Simbolismo. No caso dos melhores prosadores regionais, como Simões Lopes e Valdomiro
Silveira, poder-se-ia acusar um interesse pela terra diferente do revelado pelos naturalistas
típicos, isto é, mais atento ao registro dos costumes e à verdade da fala rural; mas, em última
análise, tratava-se de uma experiência limitada, incapaz de desvencilhar-se daquele conceito
mimético de arte herdado ao Realismo naturalista.
Caberia ao romance de Lima Barreto e de Graça Aranha, ao largo ensaísmo social de Euclides,
Alberto Tôrres, Oliveira Viana e Manuel Bonfim, e à vivência brasileira de Monteiro Lobato o
papel histórico de mover as águas estagnadas pela Belle Époque, revelando, antes dos moder-
nistas, as tensões que sofria a vida nacional.
[...]
Dicas de estudo
Para novas abordagens acerca do Pré-Modernismo e seus autores mais representativos,
recomendamos:
• o livro de Walnice Nogueira Galvão, No Calor da Hora (São Paulo: Ática, 1994). É uma
leitura imprescindível para quem deseja entender melhor a Guerra de Canudos. Nesse
ensaio, a autora faz uma leitura da recepção jornalística que o episódio teve na época, em
diferentes cidades brasileiras. Além disso, o volume reúne as reportagens feitas no local
da guerra;
• a peça Os Sertões, dirigida por José Celso Martinez Corrêa. Encenado em amplos espaços
com tonalidades épicas, o espetáculo dialoga outras artes como a música, o vídeo, a dança,
o circo, e com a própria biografia de Euclides da Cunha. Pode ser vista em quatro DVDs
lançados em 2007;
• o filme Policarpo Quaresma: herói do Brasil, com o ator Paulo José no papel do herói, di-
rigido por Paulo Thiago. Trata-se de um roteiro construído com base no romance Triste
Fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto.
Atividades
1. Por quais motivos podemos afirmar que o momento pré-moderno, no Brasil, foi um período
de sincretismo estilístico na literatura brasileira?
vanguardas, como atesta a leitura feita por Teles: “Toda vanguarda sempre se caracteriza pela sua
agressividade, manifestada no antilogismo, no culto a valores estranhos (o negrismo dos cubistas),
os poderes mágicos, a beleza da anarquia, o instantaneísmo, o dinamismo, a imaginação sem fio”
(TELES, 1985, p. 82).
Ao assumir tais valores, as vanguardas traduzem os estilos de vida e uma certa estética
do choque, da agressão, que tem muito a ver com o comportamento e a sensibilidade urbana
moderna, que começaram a ser produzidas a partir de fins do século XIX. Assim sendo, é im-
portante ressaltar que as estéticas de vanguardas assumiram importantes papéis na formação
do homem contemporâneo.
O sentido das correntes de vanguardas europeias pode ser dimensionado no fato de elas re-
fletirem, na maioria das vezes, o ritmo de vida fragmentado e as mutações oriundas da percepção
apressada dos centros urbanos. Essas vanguardas traduzem, com os seus gritos e as suas palavras
de ordem, uma outra sensibilidade, que se configura a partir do advento da chamada Belle Époque,
quando foram criadas novas maneiras de ler o mundo. Alia-se a isso a presença das máquinas e dos
inventos surgidos no início do século XX – o telégrafo, o telefone, o automóvel, a lâmpada elétrica,
o cinema, o avião – e que fizeram aumentar a fé no progresso e na ciência.
Referindo-se à Belle Époque e aos seus desdobramentos estéticos durante o século XX, diz o
autor de Vanguarda Europeia e Modernismo Brasileiro: “É a época das boêmias literárias, como as
de Mont-martre e Munique. Dessa literatura de cafés e boulevards, de transição pré-vanguardista,
é que vão se originar os inúmeros –ismos que marcarão o desenvolvimento de todas as artes neste
século” (TELES, 1985, p. 39).
Na leitura que empreende acerca do sincretismo literário que ocorreu no final do século
XIX, Teles é bastante didático ao tecer filiações entre as estéticas daquele contexto e seus desdobra-
mentos. Desdobramentos que vão dar nas propostas das vanguardas. Segundo ele,
[...] as várias tendências literárias do fim do século podem perfeitamente agru-
par-se em torno de duas estéticas fundamentais: a do simbolismo, com que o
decadentismo e o neoclassicismo guardam afinidades temático-expressivas; e a
do naturismo, a que se ligam tendências reveladas pelos manifestos socialistas
e unanimistas, e que vai evoluir no sentido do aparecimento da vanguarda com
o manifesto de Marinetti. (TELES, 1985, p. 40)
Com base nessa leitura, veremos a seguir os cinco principais movimentos de vanguarda
que marcaram a Europa no início do século XX e que foram fundamentais para a consolidação
do projeto da modernidade no Brasil. Comecemos, pois, pelo Futurismo, corrente de vanguarda
italiana que influenciou diversos autores de nosso Modernismo, como, por exemplo, Oswald e
Mário de Andrade.
As vanguardas europeias 21
2.2 O Futurismo
O Futurismo tem origem em 1909, quando o jornal parisiense Le Figaro publica o Manifesto
Futurista, de Filippo Tommaso Marinetti. O manifesto surpreende os meios artísticos e intelectuais
europeus pelo seu radicalismo e pela forma violenta de suas proposições1.
Como o próprio título sugere, Futurismo é uma corrente de vanguarda que descarta o passa-
do. Esse descarte se dá em prol de uma luta agressiva, em que as ideias de movimento e velocidade
são o combustível para a criação artística. São ideias inovadoras, que surgem em sintonia com o
desejo de destruir, como podemos ler no fragmento número 11 do Manifesto Futurista:
A Itália foi durante muito tempo o grande mercado das quinquilharias. Nós
queremos desembaraçá-la dos museus inumeráveis que a cobrem de inumerá-
veis cemitérios. [...] Museus cemitérios! [...] Idênticos verdadeiramente no seu
sinistro acotovelamento de corpos que não se conhecem. ... (MARINETTI apud
TELES, 1985, p. 92)
Atentos à percepção urbana e tecnológica do início do século XX, os futuristas são respon-
sáveis pela destruição da sintaxe e pela inclusão, no texto, de sinais da matemática, ao invés da
pontuação. A consolidação da estética futurista se dá mais nos campos da literatura e da pintura.
Seu líder Marinetti escreve que autores como Walt Whitman2 e Zola3 são os precursores referenciais
para a sua escola.
Segundo Annateresa Fabris (1994, p. 19), “o movimento de Marinetti é nuclear para a
compreensão de uma estratégia básica da vanguarda que funde em sua ação arte e estética,
práxis e teoria”.
1 Segundo Teles, “esse manifesto foi no mesmo ano publicado no Jornal de Notícia, da Bahia, em 30 de dezembro de 1909,
tendo, no entanto, passado despercebido” (TELES, 1985, p. 85).
2 Walt Whitman (1819-1892) – poeta norte-americano, cantor da democracia e do progresso da humanidade, de uma
América idealizada e moderna. Louvou a liberdade do corpo, da alma e da política, expressas em versos brancos extensos,
prosaicos e vigorosos. É considerado, por muitos críticos, o maior poeta dos Estados Unidos.
3 Émile Zola (1840-1902) – escritor francês naturalista, cuja obra mais conhecida é Germinal (1885), romance que trata da
vida dos mineradores na França.
22 Literatura brasileira II
3ª – De 1919 em diante
• Nesta última fase, o Futurismo passa a ser porta-voz do fascismo italiano.
A seguir, apresentamos as quatro primeiras vontades publicadas por Marinetti em 1909.
2.3 O Expressionismo
Embora tenha surgido por volta de 1910, o Expressionismo “tornou-se conhecido no mun-
do depois de 1918, quando os seus adeptos agiram como propagandistas da revolução republicana
e socialista na Alemanha” (CARPEAUX, 1968, p. 81). Foi o primeiro movimento de vanguarda a
perceber e lutar contra os aspectos trágicos do mundo técnico moderno, ao contrário do Futurismo,
que cantava a máquina e suas qualidades intrínsecas como se fossem as novas deusas vitais de uma
segunda natureza, a da tecnologia.
Crendo na obra de arte como expressão do mundo interior do artista, o Expressionismo é
um movimento de vanguarda que possui fortes conotações sociais. Para o artista expressionista,
a realidade atroz e o sentido trágico da vida são pressupostos para a criação de uma arte que, de
forma contestatória, descarta os conceitos de belo e feio.
O Expressionismo “antecipou claramente alguns aspectos essenciais do Surrealismo” (TELES,
1985, p. 105). Assim como acontecerá com o Surrealismo, as propostas dos expressionistas atingem
As vanguardas europeias 23
Fonte: MUNCH, Edvard. O grito.1910. Têmpera sobre tela, 83 x 66 cm. Museu Munch, Oslo, Noruega.
A terra é uma paisagem imensa que Deus nos deu [...] Assim, o universo do
artista expressionista torna-se visão. Ele não vê, mas percebe. Ele não descreve,
acumula vivências. Ele não reproduz, ele estrutura (gestaltet). Ele não colhe,
ele procura. Agora não existe mais a cadeia dos fatos: fábricas, casas, doença,
prostitutas, gritaria e fome. Agora existe a visão disso. Os fatos têm significado
somente até o ponto em que a mão do artista os atravessa para agarrar o que se
encontra além deles. [...] (KASIMIR apud TELES, 1985, p. 111)
2.4 O Cubismo
O Cubismo é uma corrente de vanguarda que influenciou fortemente duas artes: a pintu-
ra e a poesia. Surgido em 1907, com Picasso e seu quadro Les Demoiselles d’Avignon, o Cubismo
opõe-se à objetividade e sua direção é contrária à arte realista. Além de Picasso, na pintura cubista
podemos destacar os nomes de Mondrian, Braque e Picabia.
Na literatura, sobressaem, dentre outros, Apollinaire e Blaise Cendrars. Este último, cos-
mopolita e viajante, autor de Poesia em Viagem, conheceu o Brasil na década de 20 e influenciou
autores do nosso Modernismo, como Oswald de Andrade e Manuel Bandeira.
4 Thomas Mann (1875-1955) – escritor alemão, cuja obra mais conhecida é A Montanha Mágica (1924). Ganhou o Prêmio
Nobel de Literatura em 1929.
5 Hermann Hesse (1877-1962) – romancista alemão de cultuados livros como Demian (1919) e O Lobo da Estepe (1927).
Um dos autores prediletos de Clarice Lispector, Hesse seduz o leitor rebelde e abissal na sua fase de formação. Ganhou o
Prêmio Goethe e o Prêmio Nobel de Literatura em 1946.
24 Literatura brasileira II
2.5 O Dadaísmo
De dimensões internacionais e urbanas, o Dadaísmo surge em 1916, em Zurique, como um
não à guerra. Os dadaístas criam uma estética que atira na decadência da civilização e nos perigos
que a guerra produz: a instabilidade, o medo, o desprezo pelo outro, o silêncio que angustia e cria
monstros. Por isso os dadaístas expressam e reproduzem a negação, produzindo tais sentimentos
em seus textos fragmentados e fora da ordem gramatical.
Segundo Tristan Tzara, o líder dadaísta, a palavra dadá não possui uma significação plena.
O nome de batismo do movimento que lançou vários manifestos foi encontrado casual-
mente. O Dadaísmo nega o paradigma social e sua força opressora, sendo considerado “o mais
radical movimento intelectual dos últimos tempos” (TELES, 1985, p. 131).
Os manifestos do Dadaísmo nem sempre apresentam coerência gramatical. Suas frases des-
denham, na maioria das vezes, da ordem sintática e da produção do sentido, como podemos obser-
var, a seguir, no fragmento que abre o Manifesto do Senhor Antipirina: “Dadá é nossa intensidade:
quem levanta as baionetas sem consequência a cabeça sumatral do bebê alemão; Dadá é a vida
sem pantufas nem paralelos; quem é contra e pela unidade e decididamente contra o futuro [...]”
(TZARA apud TELES, 1985, p. 135).
Quando consegue fugir da desordem e produzir algum sentido, o texto dadaísta pode tor-
nar-se agressivo, como demonstra o segundo fragmento do mesmo Manifesto: “Dadá permanece
no quadro europeu das fraquezas, no fundo é tudo merda, mas nós queremos doravante cagar
em cores diferentes para ornar o jardim zoológico da arte de todas as bandeiras dos consulados”
(TZARA apud TELES, 1985, p. 135).
2.6 O Surrealismo
Na cronologia das vanguardas europeias, o Surrealismo é o último movimento a lançar o
seu manifesto. Isso acontece em 1924, quando o poeta francês André Breton lança o Manifesto do
Surrealismo. Por esse motivo, Walter Benjamin diz ser esse movimento de vanguarda “o último
instantâneo da inteligência europeia” (BENJAMIN, 1993, p. 21).
O manifesto de Breton critica a atitude realista e vê o homem como um sonhador definitivo
(BRETON apud TELES, 1985, p. 174), assumindo a importância do sonho e do imaginário como
espaços da produção do saber e do sentido. Irônico e sucinto, o autor afirma: “Cara imaginação,
o que eu amo, aprecio, sobretudo em você, é que você não perdoa” (BRETON apud TELES, 1985,
p. 175). Essa crítica é extensiva, dentre outros gêneros, ao romance de estilo informativo, aos seus
narradores donos das chaves do real e às suas convincentes descrições com apelos de verdade.
Assim como o Dadaísmo, o Surrealismo propõe a destruição da ordem social. Apesar disso,
a divergência entre os dois movimentos é visível, já que os surrealistas desejam recriar a sociedade
a partir de novos paradigmas estéticos e sociais. Também ao contrário do Dadaísmo – estética de
vanguarda cuja influência se restringe mais ao universo da literatura –, a arte surrealista repercutiu
em diferentes domínios da produção artística e recebeu forte influência da obra de Freud.
Na literatura surrealista destacam-se os seguintes autores: André Breton, Louis Aragon e
Paul Éluard. No teatro, Antonin Artaud figura como a grande referência que norteará as artes
cênicas do século XX. Nas artes plásticas, os nomes mais importantes são os de Salvador Dalí, De
Chirico e Joan Miró. No cinema, Luis Buñuel destaca-se como o diretor mais representativo da es-
tética surrealista, chegando a dirigir um de seus filmes, Um Cão Andaluz (1928), em parceria com
o pintor Salvador Dalí.
Em ensaio que trata das produções de Breton e Miró, Octávio Paz nos “narra”, de forma
poética, o modo como vê os dois artistas. Acerca do pintor surrealista, o poeta e crítico mexicano
capta uma percepção dialógica entre a oralidade e a visibilidade, e diz: ele “escutava com os olhos
muito abertos e um sorriso de lua camponesa extraviada na cidade” (PAZ, 1991, p. 220). De André
Breton, brota uma percepção oral: “A voz de Breton era profunda e rítmica; lia devagar e com leves
modulações litúrgicas” (PAZ, 1991, p. 222).
Afirmando que Miró “pintava como uma criança de cinco mil anos de idade”, Paz conclui o
seu ensaio com as seguintes palavras: “Para Breton, as Constelações de Miró literalmente ilumina-
vam as obscuras relações entre a história e a criação artística” (PAZ, 1991, p. 222-223).
26 Literatura brasileira II
Manifesto do Surrealismo
(BRETON, 1985, p. 174-176)
Tão longe vai a crença na vida, no que a vida tem de mais precário, a vida real entenda-se, que,
por fim, esta crença se perde. O homem, este sonhador definitivo, dia a dia mais insatisfeito
com sua sorte, passa em revista, a custo, os objetos de que foi levado a fazer uso, aos quais
dispensou sua incúria, ou seu esforço, quase sempre seu esforço, pois que ele consentiu em
trabalhar, pelo menos não lhe repugnou tentar uma oportunidade (aquilo que ele chama sua
oportunidade!) Uma grande moderação é presentemente seu quinhão: ele sabe as mulheres
que possuiu, em que aventuras ridículas se meteu; sua riqueza ou sua pobreza de nada lhe ser-
vem, em relação a elas ele permanece como o garoto que acaba de nascer e, quanto à aprovação
de sua consciência moral, eu creio que ele prescinde dela facilmente. Se ele conserva alguma
lucidez, só pode se voltar então para sua infância que, por mais mascarada que tenha sido pelo
cuidado dos moralistas, daqueles que querem tudo muito bem feito, não lhe parece menos
cheia de encantos. Lá, a ausência de todo rigor conhecido deixa-lhe a perspectiva de vários
caminhos percorridos ao mesmo tempo; ele se enraíza nesta ilusão; quer saber apenas da faci-
lidade momentânea, extrema, de todas as coisas. Cada manhã, crianças partem sem inquie-
tude. Tudo está perto, as piores condições materiais são excelentes. Os bosques são brancos ou
pretos, não se dormirá jamais.
Mas é verdade que não se ousaria ir tão longe, não se trata apenas da distância. As ameaças
acumulam-se, concede-se, abandona-se uma parte do terreno a conquistar. Essa imaginação
que não conhece limites, só lhe é permitida exercitá-la de acordo com as leis de uma utilidade
arbitrária; ela é incapaz de assumir por muito tempo este papel secundário, inferior e, por volta
dos 20 anos, prefere, geralmente, abandonar o homem a seu destino sem luz.
[...]
Cara imaginação, o que eu amo, aprecio, sobretudo em você, é que você não perdoa.
[...]
Resta a loucura, “a loucura que nos prende”, disseram bem. Essa ou a outra... Cada um sabe,
com efeito, que os loucos só devem seu internamento a um pequeno número de atos legal-
mente repreensíveis, e que, na falta destes atos, sua liberdade (o que se vê de sua liberdade)
não estaria em jogo. Que eles sejam, numa medida qualquer, vítimas de sua imaginação estou
pronto a concordar, no sentido de que ela os impele à inobservância de certas normas, fora das
quais o gênero se sente visado, o que todo homem é pago para saber. Mas o profundo despren-
dimento, desapego de que eles dão testemunho em relação à crítica que lhes fazemos, quiçá
aos corretivos diversos que lhes são infringidos, permite supor que eles sentem um grande
conforto na imaginação, que eles se comprazem bastante com seu delírio, para suportar que
esse delírio só seja válido para eles. E, de fato, as alucinações, as ilusões etc., não constituem
uma fonte de prazer negligenciável. A sensualidade mais ordenada ali se enquadra e eu sei que
eu domesticaria muitas noites essa mãozinha bonita que, nas últimas páginas de G’Intelligence,
de Taine, se entrega a curiosos delitos. As confidências dos loucos, eu passaria a vida a provo-
cá-las. São pessoas de uma honestidade escrupulosa e cuja inocência só é comparável à minha.
As vanguardas europeias 27
Foi preciso que Colombo partisse com loucos para descobrir a América. E vejam como essa
loucura se corporificou e durou.
Não será o temor da loucura que nos forçará a hastear a bandeira da imaginação a meio pau.
O processo da atitude realista demanda ser estudado, após o processo da atitude materialista.
Esta, mais poética, além disso, do que a precedente, implica por parte do homem num orgu-
lho, decerto, monstruoso, mas não numa nova e mais completa queda, num novo declínio.
Convém ver nisso, antes de tudo, uma feliz reação contra alguma tendência irrisória do espiri-
tualismo. Enfim, ela não é incompatível com uma certa elevação de pensamento.
Ao contrário, a atitude realista, inspirada no positivismo, de Santo Tomás a Anatole France,
tem um ar hostil a todo arrojo intelectual e moral. Tenho horror a ela, pois é feita de mediocri-
dade, de ódio e suficiência sem atrativo. É ela que engendra, hoje, estes livros ridículos, estas
peças insultuosas. [...]
Dicas de estudo
Para novas abordagens acerca das vanguardas europeias, suas obras e seus autores mais re-
presentativos, recomendamos:
• UM CÃO andaluz. Produção e direção de Luis Buñel. Roteiro de Luis Buñel e Salvador
Dalí. França, 1929. 16 min. Esse filme é codirigido por Salvador Dalí e apresenta temas
e mecanismos relacionados aos sonhos. Como obra de vanguarda, desafia o espectador.
Suas imagens e seus ritmos misturam prazer estético com uma percepção cortante que
pode causar angústia. Ao modo surrealista, trata-se de uma arte que dialoga com a esfera
dos instintos;
• Obra do compositor Arnold Schoenberg. Além de teórico, era um músico cuja comple-
xidade harmônica e inventiva possibilitou a criação de um dos mais revolucionários es-
tilos musicais do século XX: o dodecafonismo7. Conheça um pouco mais da obra em:
<http://www.casadamusica.com/pt/artistas-e-obras/compositores/s/schoenberg-arnold/
#tab=0>. Acesso em: 20 jul 2018.
• SANT’ANNA. Desconstruir Duchamp: arte na hora da revisão. Rio de Janeiro: Vieira e
Lent, 2003. O livro lança um olhar sobre a arte nos últimos 150 anos, questionando con-
ceitos como vanguarda, arte moderna, arte pós-moderna e arte contemporânea.
7 O dodecafonismo é fruto da atonalidade e da música serial. Ao invés de usar um tom determinado para compor – dó, ré,
lá etc. –, trabalhando com as diferentes alturas de sons da escala tonal, a música atonal de ordem serial e dodecafônica se
ocupa de todos os 12 graus da escala cromática – dó, dó sustenido, ré, ré sustenido etc. Com isso, há uma perfeita igualdade
no uso de todos os graus da escala, da mesma forma que na pintura expressionista, preocupada mais com a cor do que com
a linha, pois as cores expressam melhor os sentimentos subjetivos, não existe a perspectiva clássica, na qual um elemento
fica à frente dos outros. A hierarquia dos elementos da perspectiva clássica atuaria assim para insistir na comparação entre
música e pintura, de modo semelhante ao da organização dramática das alturas na música tonal. No serialismo dodecafô-
nico atonal, ao contrário, a intensidade da emoção expressiva se espalha por igual pelas notas, que podem se alternar nos
timbres e nos modos de combinações, a partir da construção de uma série básica cromática de sons.
28 Literatura brasileira II
Atividades
1. Como explicar o caráter agressivo e demolidor da maioria dos movimentos de vanguarda?
Neste capítulo, adentraremos em uma das zonas centrais do universo da modernidade: va-
mos estudar o Modernismo brasileiro! Inicialmente, abordaremos a sua fase heroica, que acontece
na segunda década do século XX. O marco histórico desse momento é a Semana de Arte Moderna
de 1922. Veremos, com isso, os antecedentes e os fatos que ocorreram durante momento tão signi-
ficativo de nossa história literária contemporânea.
O movimento modernista criou, segundo um dos seus ideólogos mais celebrados, o poeta e
ensaísta Mário de Andrade, “um estado de espírito nacional” (ANDRADE, 1972c, p. 231). Estudar
esse período da nossa historiografia literária significa, portanto, ler os múltiplos textos que a cons-
trução da modernidade produziu no Brasil, em sintonia com as ideias de arte e nação.
É nosso objetivo atentar para a produção e a recepção desses escritos modernos e seus dife-
rentes gêneros estéticos, sejam os manifestos de cunho político e cultural, sejam os documentos ou
os textos críticos. Vamos conhecer as propostas estéticas e culturais inseridas nos principais ma-
nifestos da primeira fase Modernista: Pauliceia Desvairada e A Escrava que não é Isaura, de Mário
de Andrade (1893-1945), e o Manifesto da Poesia Pau-Brasil e o Manifesto Antropófago, de Oswald
de Andrade (1890-1954).
Além de manifestos dos dois principais ideólogos dialéticos de nosso Modernismo, vamos
conhecer, também, os manifestos dos artistas de direita: o Verde-Amarelismo e o Grupo Anta,
entre outros.
Essa “revelação” teria um preço. Ela seria um marco no contexto que antecede a Semana,
sendo assim relida por Bosi (1994, p. 333):
[...] o fato cultural mais importante antes da Semana e que serviu de barômetro
da opinião pública paulista em face das novas tendências foi a exposição de
Anita Malfatti em dezembro de 1917. Quem lhe deu, paradoxalmente, certo
relevo foi Monteiro Lobato que a criticou de modo injusto e virulento em um
artigo intitulado “Paranoia ou Mistificação?”.
Concebendo a Semana de Arte Moderna como “construção de uma ruptura”, o ensaísta
Evando Nascimento entrevê duas faces no Brasil no início do século XX. Segundo ele, “a oficialida-
de cultural era perfeitamente harmônica com o atraso econômico do país” (NASCIMENTO, 2002,
p. 31). Exemplo dessa harmonia é o poeta parnasiano Olavo Bilac, citado por Nascimento, e suas
campanhas educacionais de conotação cívica. Acerca da polêmica causada pela exposição de Anita
e do texto “Paranoia ou Mistificação?”, ele diz:
No caso de Anita estão, pela primeira vez, defrontados publicamente no Brasil
dois valores radicalmente distintos. Um é o valor representativo do conser-
vadorismo cultural da época; as palavras de Monteiro Lobato reproduzem os
parâmetros de uma estética acadêmica que entendia a pintura como reprodução
direta da natureza. Outro é o valor absolutamente novo, expresso nos quadros
de Anita, de uma arte que atende a seus próprios princípios, não tendo um
compromisso fotográfico com os objetos da realidade natural (NASCIMENTO,
2002, p. 34)
Esse “valor absolutamente novo” está em sintonia com os movimentos da vanguarda euro-
peia do início do século XX e circula como ideia viajante pelas reuniões dos intelectuais e das elites
nos salões urbanos, nas quais ocorriam atividades artísticas e gastronômicas. Mário de Andrade
destaca, dentre outras, a reunião da Rua Lopes Chaves, em São Paulo. Segundo ele, “essa reunião
precedeu mesmo a Semana de Arte Moderna” (ANDRADE, 1972c, p. 239).
Depois de Anita, em 1917, foi a vez do escultor Victor Brecheret, em 1919, causar polêmica,
mas com uma recepção diferente. Lobato dessa vez não repudia o trabalho do artista que estudou
em Roma, e se junta a Di Cavalcanti, Oswald de Andrade e Menotti del Picchia, entre outros artis-
tas e produtores, para saudá-lo.
O lançamento da revista O Pirralho, criada por Oswald de Andrade e Emílio de Menezes, a
realização desses dois eventos das artes plásticas aos quais aludimos e uma série de vários outros
episódios pontuais e menores, acontecidos durante a chamada fase heroica da nossa modernidade,
contribuíram para atingirmos o marco que funda o Modernismo brasileiro: a Semana de Arte
Moderna de 1922.
passado nacional e soube louvar, de modo crítico e seletivo, a tradição literária brasileira.
Apesar de ser considerado conciliatório no universo estético, o poeta, nos momentos de maior
radicalidade e desejo de mudança, rompe com essa tradição, por estar inserido no contexto
das reverberações da fase heroica de nosso Modernismo. Isso fica claro na autoavaliação feita
pelo autor em 1942, três anos antes de sua morte: “O Modernismo, no Brasil, foi uma ruptura,
foi um abandono de princípios e de técnicas consequentes, foi uma revolta contra o que era a
inteligência nacional” (ANDRADE, 1972c, p. 235).
A seguir estudaremos dois textos publicados por Mário de Andrade, que podem ser lidos
como manifestos da modernidade brasileira: Pauliceia Desvairada (1922) e A Escrava que não é
Isaura (1925).
pensar; os surrealistas, ao contrário, têm como proposta trazer à tona, para a realidade, as forças da
palavra que vem do subconsciente profundo, sem essa arrumação do intelecto.
Sua biógrafa, Maria Augusta Fonseca, e parte da crítica sugerem explicações para o silêncio
ao qual o poeta foi relegado: “Oswald arreganhou os dentes de antropófago à mentalidade coloni-
zada que atrofiou e ainda atrofia o país” (FONSECA, 2007, p. 22). “Oswald nunca pôde subordinar
seu espírito a cânones métricos e aos parâmetros semânticos que lhes são correlatos” (CAMPOS,
1978, p. 19).
Poeta que viajou à Europa e manteve contato com autores representativos das vanguardas
europeias, Oswald atuou em várias frentes. Publicou poesia, romance, teatro e ensaio. As memó-
rias, os diários e os manifestos ocupam grande parte da sua produção estética e literária.
A seguir, conheceremos dois dos principais manifestos do nosso Modernismo, publica-
dos por Oswald de Andrade: “Manifesto da Poesia Pau-Brasil” (1924) e “Manifesto Antropófago”
(1928), os quais, segundo a perspectiva de alguns críticos, “formam uma peça única, o segundo
estando contido fundamentalmente no primeiro” (CAMPOS, 1978, p. 48).
shakespeareana2 em “Tupy or not tupy, that is the question”. Afora isso, destacam a alegria e o humor
como traço crítico do nosso caráter (“A alegria é a prova dos nove”). A seguir, destacamos alguns
dos trechos do referido manifesto.
Só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.
[…]
Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago. […]
[…] Sem nós a Europa não teria sequer a sua pobre Declaração dos Direitos do
Homem. […]
Nunca fomos catequizados. Vivemos através de um direito sonâmbulo. Fizemos
Cristo nascer na Bahia. Ou em Belém do Pará.
Mas nunca admitimos o nascimento da lógica entre nós. Contra o Padre Vieira.
Autor do nosso primeiro empréstimo, para ganhar comissão. O rei analfabeto
dissera-lhe: ponha isso no papel mas sem muita lábia. Fez-se o empréstimo.
Gravou-se o açúcar brasileiro. Vieira deixou o dinheiro em Portugal e nos trou-
xe a lábia. […]
Nunca fomos catequizados. Fizemos foi Carnaval. O índio vestido de senador
do Império. Fingindo de Pitt. Ou figurando nas óperas de Alencar cheio de bons
sentimentos portugueses […]
Já tínhamos o comunismo. Já tínhamos a língua surrealista. A idade de ouro.
[…].
Antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felici-
dade. […]
Nesses trechos podemos observar a crítica que o autor empreende ao processo da nossa co-
lonização política e cultural, nas referências diretas aos portugueses e ao padre Vieira. Trata-se da
aplicação prática do conceito de antropofagia, que – ao reproduzir simbólica e culturalmente o ato
explícito realizado por tribos indígenas antropófagas, espalhadas pelo Brasil no momento histórico
de achamento de nossas terras pelos europeus, de devorar os inimigos para adquirir suas forças
físicas e espirituais –, ao invés de negar a diferença, quer incorporá-la, filtrando apenas o que nos
possa ser útil para enriquecermos nossa sociedade e cultura. A antropofagia é o desejo do outro,
do “que não é meu”.
2 A máxima é “to be or not to be, that is the question”, cujo significado literal em português é “ser ou não ser, eis a ques-
tão”, e está inserida em um dos vários solilóquios que ocorrem na arquifamosa tragédia Hamlet, do autor inglês William
Shakespeare, considerado por muitos críticos como o centro do Cânone Literário Ocidental. A máxima, hoje em dia, já se
transformou em bordão popular. Os solilóquios foram importantes para que, no palco elizabetano, pudesse ser expressa
a psicologia profunda do personagem teatral, que, usando essa técnica, apresenta diretamente para a plateia o que
ocorre em sua alma. Nesse aspecto, Shakespeare introduz procedimentos modernos de concepção literária do homem,
que perde muito de seu traço caricatural e ganha em densidade existencial. Oswald de Andrade, ao parodiar a expressão,
está ampliando, de modo genial, a questão existencial para o âmbito do cultural e do nacional, além de exercitar seu
conceito de antropofagia.
36 Literatura brasileira II
Para muitos de vós a curiosa e sugestiva exposição que gloriosamente inauguramos hoje, é uma
aglomeração de “horrores”. Aquele Gênio supliciado, aquele homem amarelo, aquele carna-
val alucinante, aquela paisagem invertida se não são jogos da fantasia de artistas zombeteiros,
são seguramente desvairadas interpretações da natureza e da vida. Não está terminado o vosso
espanto. Outros “horrores” vos esperam. Daqui a pouco, juntando-se a esta coleção de dispara-
tes, uma poesia liberta, uma música extravagante, mas transcendente, virão revoltar aqueles que
reagem movidos pelas forças do Passado. Para estes retardatários a arte ainda é o Belo.
Nenhum preconceito é mais perturbador à concepção da arte que o da Beleza. Os que ima-
ginam o belo abstrato são sugestionados por convenções forjadoras de entidades e conceitos
estéticos sobre os quais não pode haver uma noção exata e definitiva. Cada um que se interro-
gue a si mesmo e responda que é a beleza? Onde repousa o critério infalível do belo? A arte é
independente deste preconceito. É outra maravilha que não é a beleza. É a realização da nossa
integração no Cosmos pelas emoções derivadas dos nossos sentidos, vagos e indefiníveis sen-
timentos que nos vêm das formas, dos sons, das cores, dos tatos, dos sabores e nos levam à
unidade suprema com o Todo Universal. Por ela sentimos o Universo, que a ciência decompõe
e nos faz somente conhecer pelos seus fenômenos. Por que uma forma, uma linha, um som,
uma cor nos comovem, nos exaltam e transportam ao universal? Eis o mistério da arte, inso-
lúvel em todos os tempos, porque a arte é eterna e o homem é por excelência o animal artista.
O sentimento religioso pode ser transmudado, mas o senso estético permanece inextinguível,
A fase heroica: a Semana de 1922 e os principais manifestos 37
como o Amor, seu irmão imortal. O Universo e seus fragmentos são sempre designados por
metáforas e analogias, que fazem imagens. Ora, esta função intrínseca do espírito humano
mostra como a função estética, que é a de idear e imaginar, é essencial à nossa natureza.
A emoção geradora da arte ou a que esta nos transmite é tanto mais funda, mais universal
quanto mais artista for o homem, seu criador, seu intérprete ou espectador. Cada arte nos deve
comover pelos seus meios diretos de expressão e por eles nos arrebatar ao Infinito.
A pintura nos exaltará, não pela anedota, que por acaso ela procure representar, mas principal-
mente pelos sentimentos vagos e inefáveis que nos vêm da forma e da cor.
Que importa que o homem amarelo ou a paisagem louca, ou o Gênio angustiado não sejam o
que se chama convencionalmente reais? O que nos interessa é a emoção que nos vem daquelas
cores intensas e surpreendentes, daquelas formas estranhas, inspiradoras de imagens e que
nos traduzem o sentimento patético ou satírico do artista. Que nos importa que a música
transcendente que vamos ouvir não seja realizada segunda as fórmulas consagradas? O que
nos interessa é a transfiguração de nós mesmos pela magia do som, que exprimirá a arte do
músico divino. É na essência da arte que está a Arte. É no sentimento vago do Infinito que está
a soberana emoção artística derivada do som, da forma e da cor. Para o artista a natureza é
uma “fuga” perene no Tempo imaginário. Enquanto para os outros a natureza é fixa e eterna,
para ele tudo passa e a Arte é a representação dessa transformação incessante. Transmitir por
ela as vagas emoções absolutas vindas dos sentidos e realizar nesta emoção estética a unidade
com o Todo é a suprema alegria do espírito.
Se a arte é inseparável, se cada um de nós é um artista mesmo rudimentar, porque é um criador
de imagens e formas subjetivas, a Arte nas suas manifestações recebe a influência da cultura
do espírito humano.
Toda a manifestação estética é sempre precedida de um movimento de ideias gerais, de um
impulso filosófico, e a Filosofia se faz Arte para se tornar Vida. Na Antiguidade Clássica o
surto da arquitetura e da escultura se deve não somente ao meio, ao tempo e à raça, mas prin-
cipalmente à cultura matemática, que era exclusiva e determinou a ascendência dessas artes
da linha e do volume. A própria pintura dessas épocas é um acentuado reflexo da escultura.
No Renascimento, em seguida à perquirição analítica da alma humana, que foi a atividade
predominante da Idade Média, o humanismo inspirou a magnífica floração da pintura, que
na figura humana procurou exprimir o mistério das almas. Foi depois da filosofia natural do
século XVII que o movimento panteístico se estendeu à Arte e à Literatura e deu à natureza a
personificação que raia na poesia e na pintura da paisagem. Rodin não teria sido o inovador,
que foi na escultura, se não tivesse havido a precedência da biologia de Lamarck e Darwin.
O homem de Rodin é o antropoide aperfeiçoado.
E eis chegado o grande enigma que é o precisar as origens da sensibilidade na arte moderna.
Este supremo movimento artístico se caracteriza pelo mais livre e fecundo subjetivismo. É uma
resultante do extremado individualismo que vem vindo na vaga do tempo há quase dois séculos
até se espraiar em nossa época, de que é feição avassaladora.
Desde Rousseau o indivíduo é a base da estrutura social. A sociedade é um ato da livre von-
tade humana. E por este conceito se marca a ascendência filosófica de Condillac e da sua escola.
O individualismo freme na Revolução Francesa e mais tarde no romantismo e na Revolução Social
de 1848, mas a sua libertação não é definitiva. Esta só veio quando o darwinismo triunfante desen-
cadeou o espírito humano das suas pretendidas origens divinas e revelou o fundo da natureza e as
suas tramas inexoráveis. O espírito do homem mergulhou neste insondável abismo e procurou a
essência das coisas. O subjetivismo mais livre e desencantado germinou em tudo. [...]
38 Literatura brasileira II
Dicas de estudo
Para novas abordagens acerca de “A fase heroica: a Semana de 1922 e os principais manifes-
tos”, suas obras e seus autores mais representativos, recomendamos:
• assistir ao filme Eternamente Pagu (1988), de Norma Bengel. Com roteiro do poeta
Geraldo Carneiro, o filme narra a vida da escritora, jornalista e militante política Patrícia
Galvão (Carla Camurati) e apresenta temas e questões relacionados ao Modernismo bra-
sileiro. O filme nos mostra as relações afetivas da escritora com Oswald de Andrade, apre-
sentando as principais personagens do contexto da nossa modernidade, como a pintora
Tarsila do Amaral e o poeta Mário de Andrade, entre outros;
• ouvir a música erudita do compositor Heitor Villa-Lobos, participante carioca da Semana
de Arte Moderna. Além da audição de sua música, cujos temas incluem elementos da
alma nacional e do folclore brasileiro, sugerimos o filme Villa-Lobos – uma vida de paixão
(2001). Dirigido por Zelito Viana, e tendo os atores Antonio Fagundes e Marcos Palmeira
nos papéis do músico, em diferentes momentos de sua vida, o longa traz na sua belíssima
trilha sonora “Trenzinho do caipira” e uma mostra de outros clássicos do músico que
influenciou nossa música posterior, popular e erudita. Como exemplo, o compositor Tom
Jobim, um dos criadores da Bossa Nova;
• ler as cartas de Mário de Andrade, um escritor que gostava muito de escrever cartas.
Correspondeu-se com os escritores e com os intelectuais mais representativos do Brasil nas
quatro primeiras décadas do século XX. Muitas dessas cartas estão publicadas, como as que
Mário trocou com Manuel Bandeira, Álvaro Lins, Henriqueta Lisboa, Fernando Sabino e
Murilo Rubião.
Além dessas, sugerimos dois livros: A Lição do Amigo, cartas de Mário de Andrade a Carlos
Drummond de Andrade, anotadas pelo destinatário (Rio de Janeiro: José Olympio, 1982)
e Cartas de Mário de Andrade a Luís da Câmara Cascudo, organizado por Veríssimo de
Melo (Belo Horizonte; Rio de Janeiro: Villa Rica, 1991).
Atividades
1. Qual a importância histórica e estética, para as Letras nacionais, da fase heroica de nosso
Modernismo?
2. Faça um comentário crítico acerca das duas tendências estéticas e ideológicas dos anos 1920
que nortearam a publicação dos manifestos modernistas.
4
A obra de Manuel Bandeira
Neste capítulo vamos conhecer a obra de um dos autores mais representativos do nosso
Modernismo e de toda a literatura brasileira: Manuel Bandeira (1886-1968). Nascido em Recife
(PE), e tendo vivido a maior parte de sua vida no Rio de Janeiro, o autor de Estrela da Vida Inteira1
atuou em várias frentes.
Bandeira exerceu as mais diferentes formas e gêneros literários e estéticos. Publicou poemas,
crônicas, ensaios, letras de música, críticas, traduções, biografias e até escreveu um Guia de Ouro
Preto. Publicou, além dos seus dez livros de poesia, várias antologias poéticas. Lecionou na antiga
Faculdade de Filosofia do Rio de Janeiro, a então capital federal; participou do debate intelectual
do seu tempo pela constante presença na mídia, seja na Rádio Ministério da Educação, seja nos jor-
nais brasileiros (principalmente do Rio, de Minas, de Pernambuco e de São Paulo), como atesta a
“Cronologia de Manuel Bandeira”, por ele mesmo escrita para a 1ª edição de Estrela da Vida Inteira
(BANDEIRA, 1986, p. 21-34).
O poeta menor2 entrou, em 1940, para a Academia Brasileira de Letras. Chegou a candida-
tar-se para o cargo de deputado federal pelo Partido Socialista, na década de 50, e exerceu, ainda,
o cargo de conselheiro do Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. No século
XXI, Manuel Bandeira vira nome de praça e de galeria no mezanino do Palácio Austregésilo de
Athayde, da Academia Brasileira de Letras, no centro do Rio de Janeiro.
Desse homem múltiplo e moderno, interessa-nos, sobretudo, o artista que exerceu com
maestria a sua produção literária e cultural. Manuel Bandeira foi, principalmente no seu primeiro
livro, Cinza das Horas (1917), influenciado pelas estéticas do Parnasianismo e do Simbolismo. Mas
uma ruptura lenta, definitiva, começa a se concretizar em Carnaval (1919) e inscreve-se irreversí-
vel a partir de Ritmo Dissoluto (1924), o seu terceiro livro. “O esforço de romper com a dicção entre
parnasiana e simbolista de Cinza das Horas foi plenamente logrado enquanto fez de Bandeira um
dos melhores poetas do verso livre em português, e, a partir de Ritmo Dissoluto, talvez o mais feliz
incorporador de motivos e termos prosaicos à literatura brasileira” (BOSI, 1994, p. 361).
“Dono talvez da dicção mais sutil do nosso Modernismo” (CAMPOS, 2004a, p. 116), esse
poeta do verso livre foi se aproximando e, ao mesmo tempo, tecendo fugas em relação aos poetas
modernos. Esse comportamento ambíguo concretiza-se, por exemplo, na postura de Bandeira em
relação a eventos definitivos para o nosso Modernismo, como a Semana de Arte Moderna.
1 Esse volume foi lançado pela editora José Olympio, em 1966, quando o poeta completou 80 anos. Contém, o referido
livro, toda a produção poética do autor pernambucano e os textos que ele traduziu de poetas fundamentais para o cânone
literário ocidental, como Goethe, Rilke e Lorca, entre outros.
2 “Manuel Bandeira chamou-se um dia ‘poeta menor’. Fez por certo uma injustiça a si próprio, mas deu, com essa
notação crítica, mostras de reconhecer as origens psicológicas da sua arte: aquela atitude intimista dos crepuscu-
lares do começo do século que ajudaram a dissolver toda a eloquência pós-romântica, pela prática de um lirismo
confidencial, autoirônico [...]” (BOSI, 1994, p. 360 -361).
40 Literatura brasileira II
Andorinha
Andorinha lá fora está dizendo:
- “passei o dia à toa, à toa!”
Andorinha, andorinha, minha cantiga é mais triste! Passeia a vida
à toa, à toa...
Segundo Mário, no contexto estético dos anos 1930, Bandeira é o poeta “que mais prescinde
do som”. De ouvido atento a esse som, o poeta paulista lê nos versos modernos de Bandeira uma
áspera rítmica:
Manuel Bandeira lembra esses amantes bem casados que, depois de tanta con-
vivência, acabam se parecendo fisicamente um com o outro. Assim a rítmica
dele acabou se parecendo com o físico de Manuel Bandeira. Rara uma doçura
franca de movimento. Ritmo todo de ângulos, incisivo, em versos espetados,
entradas bruscas, sentimento em lascas, gestos quebrados, nenhuma ondulação.
(ANDRADE, 1972a, p. 28-29)
Na “Introdução” que escreve para a edição de Estrela da Vida Inteira (poesias reunidas e
poemas traduzidos), em parceira com Gilda de Mello e Souza, Antonio Candido refere-se “aos dois
polos da Arte, isto é, o que adere estritamente ao real e o que procura subvertê-lo por meio de uma
deformação voluntária” (CANDIDO; SOUZA, 1986, p. 10). Segundo o crítico, a leitura da poesia
de Bandeira engloba esses “dois polos”, como “expressões válidas da sua personalidade literária”. No
polo em que a perspectiva de aderir “ao real” se torna mais aparente, podemos destacar o seguinte
poema do livro Belo Belo (BANDEIRA, 1986, p. 179):
O bicho
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Na busca da fusão complementar dos opostos, partimos agora para um exemplo em que o
“polo” contrário – ou seja, aquele no qual, segundo Antonio Candido, o poeta “procura” subverter
o real “por meio de uma deformação voluntária” – se entremostra melhor. Nesse “polo” estariam
os textos que mais se voltam para os aspectos subjetivos e imaginários da condição humana, em
sintonia com as esferas do lirismo, do erotismo, dos afetos. Ao referir-se a essas esferas na poesia de
Bandeira, diz Candido: “O seu lirismo amoroso engloba o jogo erótico mais direto e, simultanea-
mente, as fugas mais intelectualizadas da louvação” (CANDIDO; SOUZA, 1986, p. 11). Leiamos o
poema a seguir, do livro Belo Belo (BANDEIRA, 1986, p. 185):
42 Literatura brasileira II
Arte de amar
Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus — ou fora do mundo.
A união desses dois polos na poesia de Manuel Bandeira é assim lida: “Vida e morte se
opõem para se unirem numa unidade dinâmica, por entre o céu e o inferno da existência de todo
dia” (CANDIDO; SOUZA, 1986, p. 11). Oscilando entre esses dois “polos”, Bandeira cria uma poé-
tica na qual o cotidiano e seus elementos mais simples – seja uma maçã no quarto de dormir ou o
personagem da feira livre na notícia do jornal – se fazem presentes, sem recorrer à grandiloquência
de linguagem nem à rigidez das formas.
Da sua morada simples no morro do Curvelo, no Rio de Janeiro, o poeta lê o elemento humil-
de do cotidiano que começa a adentrar a sua poesia moderna. Para Bandeira, “o mais profundo é o
mais cotidiano, com a intimidade capaz de captar e viver as sutilezas do meio em seus costumes e
sentimentos artísticos, em suas influências estrangeiras incorporadas [...]” (GARDEL, 1996, p. 41).
“Tomando um traço distintivo da forma de expressão madura do poeta – a simplicidade natural –,
ele investiga as relações desse traço estilístico com a atitude de humildade diante da vida e da poe-
sia, tentando descobrir, pela contextualização, suas determinações históricas, seus vínculos com a
tradição literária” [...] (ARRIGUCCI JR., 1990, p. 15).
E, de fato, um dos núcleos temáticos das crônicas de Manuel Bandeira dialoga, direta ou
indiretamente, com o passado do Brasil Colônia, como as festas religiosas, o patrimônio artístico
nacional, as cidades históricas mineiras, visto sob perspectiva moderna. Referindo-se à primeira
edição do livro Crônicas da Província do Brasil, de 1937, diz Otávio Tarquínio de Sousa (apud
GUIMARÃES, 2006, p. 253): “A primeira qualidade deste livro, que constitui até certo ponto
uma surpresa e lhe dá o maior encanto – é a sua unidade. Coleção de crônicas, estudos e peque-
nos ensaios, não tem nunca o leitor a impressão de colcha de retalhos. [...] Tudo se concilia, tudo
se ajusta [...]”.
No mesmo andamento da leitura de Tarquínio de Souza, “Stefan Baciu procurou agrupá-las
em ‘cinco conjuntos’: sobre costumes e paisagens locais; crítica de literatura, artes plásticas e mú-
sica; memórias; de viagem; e fatos diversos” (GUIMARÃES, 2006, p. 253). Além desses agrupa-
mentos temáticos, é interessante ressaltarmos a unidade de procedimentos estéticos acionada pelo
poeta na construção de suas crônicas. Bandeira incorpora elementos da poesia na escrita do texto
para jornal. Opera, com isso, uma ruptura de gênero, como pode ser lida no texto “Romance do
beco”. Essa crônica aponta, no título, para outro gênero e traz em seu corpo o “Poema do beco” do
livro Estrela da Manhã (BANDEIRA, 1986, p. 121);
Poema do beco
Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte?
— O que eu vejo é o beco.
A paisagem da Glória, assim como outros bairros do Rio de Janeiro, é um dos espaços ca-
riocas mais presentes na escrita de Bandeira. Na crônica “A festa de N. S. da Glória do Oiteiro”, ele
confirma a sua relação memorial com o referido bairro e assinala temas relacionados às questões
da nacionalidade. Diz o autor (BANDEIRA apud GUIMARÃES, 2006, p. 80): “Lembro-me bem
do largo da Glória e da praia da Lapa da minha meninice: um desenho de Debret. Desapareceu
o casarão do mercado que servia de caserna e despertou o interesse público quando abrigou por
algum tempo as jagunças e os jaguncinhos trazidos de Canudos3”.
Na leitura dessas crônicas, podemos entrever o diálogo que o autor promove entre o Rio de
Janeiro e os demais centros culturais do país.
É como se Bandeira, ao enviar suas crônicas sobre o Rio para os jornais dos
estados que deram origem aos principais regionalismos, estivesse querendo
mostrar e revelar ao Brasil a verdadeira face de Dionísio surgida da alma do Rio
de Janeiro de todos nós: com um pé na África, com outro nas formas estéticas e
modos de relacionamento provincianos, com os braços abertos para o mundo,
com a cabeça voltada para o Brasil e com um rebolado de samba amaxixado no
andar. (GARDEL, 1996, p. 46)
3 Canudos é um município do sertão da Bahia onde aconteceu, em 1897, o massacre de uma população estimada entre
10 e 25 mil habitantes. Essa guerra se deu entre as tropas republicanas, enviadas do Rio de Janeiro, e os rebeldes nordes-
tinos, liderados pelo beato Antonio Conselheiro. Como jornalista de O Estado de S. Paulo, o escritor Euclides da Cunha foi
testemunha desse triste episódio da nossa história, e com base nas reportagens que publicou na época, escreveu depois
um dos mais belos e pungentes livros de nossa literatura: Os Sertões (1902).
44 Literatura brasileira II
Pelo músico Francisco Mignone, o poeta Manuel Bandeira teve outros títulos musicados,
como: “Dentro da noite”, “D. Janaína”, “O menino doente” e “Pousa a mão na minha testa”. Além
desses autores citados no Itinerário..., destacam-se como parceiros do poeta os seguintes músi-
cos: Camargo Guarnieri, Ari Barroso, José Siqueira, Lorenzo Fernandez, Vieira Brandão e Helza
Cameu, dentre outros.
Merece ser ressaltado o interesse que Bandeira sempre demonstrou pela música popular co-
mercial de massas, cujo representante máximo nos anos 1920, na capital do país, foi o compositor
Sinhô, conhecido à época como o nosso rei do samba. Ao utilizar-se de trechos de letras de canções
oriundas desse universo popular em seus poemas, sob o procedimento técnico modernista da co-
lagem, sem qualquer preconceito, Bandeira vai de encontro à proposta do nacionalismo musical
de câmara modernista, que preconizava apenas o uso do popular de origem folclórica, anônima e
não comercial, para ser incorporado pela linguagem erudita dos intelectuais modernistas em seus
projetos de criação de uma arte moderna brasileira.
É bom frisar que Bandeira foi o poeta mais musicado por esse mesmo nacionalismo musical
modernista, afirmação que soa, aparentemente, como um paradoxo. É que o poeta pernambucano
“mal-carioquizado”, em suas próprias palavras, dizia que não havia nada no mundo de que gostasse
mais do que de música. Fato que só acentua a sua dialética e autonomia diante do Modernismo
mais ortodoxo, as aproximações e fugas às quais nos referimos anteriormente, pois demonstra o
quanto as ricas possibilidades latentes no princípio poético da linguagem de Bandeira não pode-
riam caber em dogmas nacionalistas modernistas.
Como letrista, Bandeira mantém os elementos básicos de sua estética, acentuando a leveza
de sua dicção, que incorpora o coloquial ao literário sem perder em densidade significativa. O le-
trista da canção aprofunda alguns procedimentos estéticos comuns ao poeta, como o uso artístico
e criativo de chavões surrados; a reciclagem das frases feitas e lugares-comuns que voltam, depois
de filtrados por sua poesia, a circular na linguagem cotidiana, refrescados com novos sentidos.
Bissextos Contemporâneos (1946). O poeta que biografou vários dos nossos poetas românticos es-
creveu também textos fundamentais para a compreensão da arte brasileira e, principalmente, da
nossa poesia (BANDEIRA, 1986, p. 21-34).
Dentre as obras que se voltam para esse universo poético, destacam-se Autoria das Cartas
Chilenas, Apresentação da Poesia Brasileira e “A versificação em língua portuguesa”. Neste último
texto, escrito para a Enciclopédia Delta Larousse e publicado em 1956, Manuel Bandeira cita o poeta
francês Louis Aragon, mas tem por base as obras de autores brasileiros e portugueses, de diferentes
contextos e estilos literários. Além de sua própria poética, Bandeira cita Camões, Sá de Miranda,
Bocage, Gonçalves Dias, Castro Alves, Alberto de Oliveira, Olavo Bilac, Cassiano Ricardo, Murilo
Mendes e Jorge de Lima, dentre outros (BANDEIRA, 1960, p. 3.239).
Além dos dicionários de rimas, esse estudo é elaborado com base em três textos pioneiros: o
Tratado de Versificação Portuguesa, de Antonio Feliciano de Castilho, estudo publicado “para uso
das escolas” em Lisboa, em 1858; o Tratado de Versificação, de Olavo Bilac e Guimaraens Passos,
publicado em 1905; e A Arte de Fazer Versos, de Osório Duque-Estrada – o poeta e crítico autor do
Hino Nacional Brasileiro (BANDEIRA, 1960, p. 3.249).
No desenvolvimento dos núcleos temáticos concernentes à versificação, o poeta do Carnaval
destaca os seguintes temas: “O verso e seus apoios rítmicos. – A rima. – A aliteração. – O encadea-
mento. – O paralelismo. – O acróstico. – O número fixo de sílabas. – A estrofação. – Os poemas de
forma fixa. – O verso livre” (BANDEIRA, 1960, p. 3.239).
Ao referir-se a alguns tipos de versos bastante utilizados por ele próprio na sua poética mo-
derna, diz Bandeira: “Os versos que não rimam são chamados brancos ou soltos; os que estão fora
da medida, quadrados”. Mas ele só cita um poema inteiro seu – “Chama e fumo”4 – quando se refere
à “vilanela” (BANDEIRA, 1960, p. 3.248):
A vilanela, forma francesa, é uma variedade da composição em tercetos.
Constrói-se sobre duas rimas. O primeiro e o terceiro versos são, alternadamen-
te, o último verso dos demais tercetos, e ambos juntos os dois últimos versos
do quarteto final. Como se pode ver em “Chama e fumo”, de Manuel Bandeira:
4 O referido poema foi escrito em Teresópolis, em 1911, e publicado no primeiro livro do poeta, A Cinza das Horas, de 1917,
cuja edição de 200 exemplares foi “custeada pelo autor” (BANDEIRA, 1986, p. 9-10).
46 Literatura brasileira II
Bandeira escreve ainda que não destruíra os seus poemas porque o próprio Mário o “con-
venceu” daquela “ilusão”. E continua nessa escrita em torno do primeiro encontro dos dois poetas
e da narrativa dessa amizade que muito contribuiu para a construção da nossa modernidade lite-
rária. Diz o poeta (BANDEIRA, 1977, p. 63): “O encontro em casa de Ronald de Carvalho prolon-
gou-se numa amizade que se fortaleceu através de assídua correspondência. Durante anos nenhum
dos dois não escrevia poema que não submetesse à crítica do outro, e creio que esta dupla corrente
de juízos muito serviu à depuração de nossos versos”.
Acerca da sua ausência na Semana de Arte Moderna de São Paulo, evento que funda o
Modernismo brasileiro em 1922, e do qual Mário é um dos seus expoentes, Bandeira é direto,
confirmando o que falamos anteriormente a respeito de sua não ortodoxia modernista, embora
confesse dívida ao movimento (BANDEIRA, 1977, p. 65): “Também não quisemos, Ribeiro Couto
e eu, ir a São Paulo por ocasião da Semana de Arte Moderna. Nunca atacamos publicamente os
mestres parnasianos e simbolistas, nunca repudiamos o soneto nem, de um modo geral, os versos
metrificados e rimados. Pouco me deve o movimento; o que eu devo a ele é enorme”.
Senhores,
A comoção com que neste momento vos agradeço a honra de me ver admitido à Casa de
Machado de Assis não se inspira somente na simpatia daqueles amigos que a meu favor sou-
beram inclinar os vossos espíritos. Inspira-se também na esfera das sombras benignas, a cujo
calor de imortalidade amadurece a vocação literária.
[...]
Estimulava-me a recordação do gênio tutelar desta Academia, o qual, entre outras advertên-
cias de sutil entendimento em matéria de poesia, chamara a minha atenção para a boa quali-
dade das rimas “ligadas ao assunto”. Estimulava-me a lição, no Externato Pedro II, de alguns
mestres que foram vossos confrades e dos mais eminentes: Silva Ramos, que me iniciou em
versar como matéria viva e não antigualha didática a linguagem dos velhos clássicos por-
tugueses; José Veríssimo, que me abriu os olhos para ver em nossos poetas românticos os
de mais rico e sincero sentimento que já tivemos; Ramiz Galvão, meu primeiro professor de
grego; João Ribeiro, com quem posso dizer que aprendi a discernir o verdadeiro conceito
da tradição, que jamais foi incompatível com as aventuras fascinantes do espírito. O afeto
presente dos amigos vivos, a saudade dos mestres desaparecidos são motivos que nos levam
lisonjeiramente à indulgência para conosco. Só depois de eleitos começamos a sofrer o peso da
responsabilidade que nos incumbe. Só então sentimos em cheio que esta é verdadeiramente a
5 Trecho inicial do discurso de posse do poeta na Academia Brasileira de Letras, no Rio de Janeiro, em 1940.
48 Literatura brasileira II
Casa de Machado de Assis, simbolizado no nome do autor de Brás Cubas o que ela representa
de tradição gloriosa para o nosso povo. Não se trata de uma conclusão a que cheguemos por
avaliação pessoal: ela se impõe aos eleitos diante das manifestações de regozijo e carinho com
que os envolvem desde logo os seus parentes, os seus amigos, alguns perdidos de vista desde
a infância, simples relações e numerosas simpatias que eles desconheciam. A opinião pública
como que sente obscuramente o papel que a esta Casa cumpre em nossa vida intelectual.
A quem entra nesta Companhia não pode tal movimento de confiança deixar de influir as
mais severas razões de modéstia. A essa responsabilidade de ordem geral se e acrescenta outra:
a de pronunciar o elogio de um homem – o meu patrono –, a cuja nobreza de inteligência e de
coração não se fez ainda toda a justiça.
[...]
Dicas de estudo
• MANUEL BANDEIRA: o habitante de Pasárgada. Direção de Fernando Sabino e David
Neves. Rio de Janeiro: Biscoito Fino, 1959. 9 min. Trata-se de uma adaptação do filme
O Poeta do Castelo, com argumento e direção de Joaquim Pedro de Andrade. Em preto e
branco, a belíssima obra retrata o cotidiano poético e solitário do autor, com imagens do
seu apartamento e do centro do Rio de Janeiro em 1959.
• OLIVEIRA, Juca de. Manuel Bandeira por Juca de Oliveira. Rio de Janeiro: Luz da
Cidade, 2004. 1 CD-ROM. Lançado pelo selo Luzes da Cidade, a obra contém 36 poemas
do autor pernambucano, destacando-se textos clássicos como “Tereza”, “Irene no céu”,
“Pneumotórax” e “Evocação do Recife”. O ator Paulo Autran e a atriz Cacilda Becker tam-
bém gravaram poemas de Manuel Bandeira. Uma nova edição de 50 poemas escolhidos
pelo autor saiu em 2008 pela editora Cosac Naify, incluindo CD com textos na voz do
próprio poeta;
• BANDEIRA, Manoel. Crônicas inéditas I. Organização de Júlio Castañon Guimarães. São
Paulo: Cosac Naify, 2008. O livro possui organização, posfácio e notas de Júlio Castañon
Guimarães e foi lançado em 2008, pela editora Cosac Naify. Como o próprio título anun-
cia, tratam-se de textos inéditos, que foram publicados na imprensa brasileira entre 1920
e 1931 e lançados 40 anos após a morte do autor. Dentre os temas mais abordados nessas
crônicas repletas de poesia, destacam-se o estilo moderno da vida carioca nos anos 1920,
o cinema falado, o primeiro arranha-céu do Rio, os personagens pitorescos da cidade e as
artes, principalmente a música e a poesia.
Atividades
1. Apesar de ser um poeta de destaque no contexto na Semana de Arte Moderna de São Paulo,
Manuel Bandeira não participou do referido evento. Por quê?
A obra de Mário de Andrade (1893-1945) é uma das mais importantes e inovadoras do nos-
so Modernismo. Nascido em São Paulo, onde viveu a maior parte de sua vida, o autor de Pauliceia
Desvairada morou no Rio de Janeiro e fez várias viagens pelo país, na busca de entender a realidade
nacional e dialogar com a cultura brasileira.
Neste capítulo, vamos conhecer algumas das faces mais criativas do artista múltiplo e ino-
vador que é Mário de Andrade. Conheceremos o poeta moderno e o ficcionista autor de clássicos
narrativos como Amar, Verbo Intransitivo e Macunaíma. Estudaremos o teórico da música moder-
nista de câmara, o turista aprendiz do Brasil e suas viagens etnográficas, como também o missivista missivista: pessoa
que escreve cartas.
compulsivo e o homem público preocupado com a arte e a educação do seu país.
Esse poema, “Eu sou trezentos”, faz parte do livro Remate de Males1, publicado por Mário
de Andrade em 1930. Segundo o crítico João Luis Lafetá (LAFETÁ, 1982, p. 17), o volume reúne
textos que foram
[...] escritos durante os Anos 20, em diversos estilos: desde o vanguardismo dos
primeiros poemas até a lírica equilibrada e contida que ele fazia então, passando
pela fase do nacionalismo literário. “Eu sou trezentos” alude a essa diversidade
1 Esse título remete a um encontro do poeta com um senhor nortista, na viagem feita à região Norte, em 1927, conforme
ele registra em seu livro O Turista Aprendiz: “Perguntei aonde ele ia. – Pra Remate de Males, sim senhor” (ANDRADE, 2002,
p. 93).
50 Literatura brasileira II
Publicado após os quatro primeiros livros de poesia de Mário de Andrade (Há uma Gota de
Sangue em Cada Poema, Pauliceia Desvairada, Losango Caqui e Clã do Jabuti), o livro Remate de Males
contém “composições de intenso lirismo, que mostram a habilidade técnica a que o autor já chega-
ra àquela época, eliminando qualquer gratuidade que houvesse nos seus primeiros versos” (LAFETÁ,
1982, p. 18).
Essa gratuidade pode ser aferida no primeiro livro do poeta paulista2, ainda preso, no ge-
ral, a resquícios da estética parnasiana e simbolista-decadentista. A partir de Pauliceia Desvairada
(1922) – o seu segundo volume de poemas e o primeiro livro de nossa poesia moderna –, Mário de
Andrade conquista o verso livre3 e, sob a influência das vanguardas europeias, cria uma maneira
inovadora de ler a cidade que o cerca: “Essa nova maneira de ser desvairada que a cidade assume
traduz uma sintaxe feita de ritmos da palavra e do pensamento, da música, dos ruídos da cidade,
da sua plasticidade. Isso imprime na sua superfície fronteiras dançantes” (SOUSA, 1995, p. 162).
Para que o leitor tenha a dimensão de tais fronteiras dançantes e, também, das associações
livres de imagens e de sons criadas pelo poeta, leremos a seguir o poema “Inspiração”, cuja epígrafe
estabelece diálogo com a tradição literária portuguesa, por meio da citação de Fr. Luís de Sousa4,
em pleno processo de construção de nossa modernidade (ANDRADE apud LAFETÁ, 1982, p. 14):
Inspiração
5.2 O ficcionista
Além dos poemas, dos diários, das cartas, das crônicas e dos contos, Mário de Andrade é
um autor cuja obra de ficção apresenta as formas do romance e da rapsódia5. Como contista, ele
publicou dois livros: Primeiro Andar (1926) e Belazarte (1934), além dos Contos Novos, que apare-
cem nas suas Obras Completas. Como romancista, destaca-se o seu livro Amar, Verbo Intransitivo
(1927), no qual o autor faz “o uso de conceitos psicanalíticos” (LAFETÁ, 1982, p. 34) e incorpo-
ra elementos da linguagem expressionista. O livro possui um enredo “muito simples” (LAFETÁ,
1982, p. 34): “Souza Costa, rico industrial e fazendeiro paulistano, contrata Elza [...] uma professo-
ra de alemão de 35 anos, com a finalidade aparente de ensinar alemão aos filhos, mas na verdade
com a missão de seduzir e iniciar sexualmente o adolescente Carlos, filho mais velho da família”.
Ao narrar as aulas que a professora profere para o seu aluno, Mário cria o clima de desvio e
sedução que acontece entre ambos, trazendo para o seu romance as ideias que a psicanálise acabara
de apresentar, por meio da obra de Freud. Na leitura que faz do romance, Lafetá aborda, principal-
mente, a culpa que atinge de modo sutil os personagens (LAFETÁ, 1982, p. 35):
Ocorre aqui um “esquecimento” semelhante ao que Freud chama de ato falho,
isto é, algo de reprimido que vem à tona sob outra forma, e isso de maneira
inconsciente para a pessoa que o comete. No caso, o ato falho consiste em que o
sentimento de culpa por estarem fazendo algo “às escondidas” desperta o desejo
de revelar o “segredo” (para livrar-se da culpa) [...].
Na cena a seguir, vemos como um clima de sensualidade e afeto se instala entre a professora
e o aluno adolescente (ANDRADE apud LAFETÁ, 1982, p. 37): “Botou a cara gostosa no colo dela,
aonde nascem os aromas que atarantam. Lhe beijou as roupas. Depois sentiu um medo grande
dela, vergonha desmedida, se refugiou dela nela. Pra se esconder. Fräulein sufocou-o contra o pei-
to, com os seus braços enrolados”.
5.3 Macunaíma
Em 1942, Mário de Andrade profere uma conferência – O Movimento Modernista –, no
Rio de Janeiro, iniciada da seguinte forma: “Manifestado especialmente pela arte, mas manchando
também com violência os costumes sociais e políticos, o movimento modernista foi o prenuncia-
dor, o preparador e por muitas partes o criador de um estado de espírito nacional” (ANDRADE,
1972c, p. 231).
E é justamente o desejo de criação de um estado de espírito nacional o ideário que move e
permeia toda a obra de Mário de Andrade, nas mais diferentes formas e gêneros estéticos a que
se dedicou. Sob essa perspectiva, destaca-se Macunaíma, texto no qual a manifestação e a síntese
desse “estado de espírito nacional” parece surgir com mais vigor, a ponto de ser considerado “sua
obra-prima, uma narrativa de estrutura inovadora, ao nível do enredo, da caracterização das per-
sonagens e do estilo” (LAFETÁ, 1982, p. 43).
5 Justaposição e síntese criativa de fragmentos de cantos épicos, tradicionais e populares de um país. O termo rapsódia
é oriundo da linguagem da música, adaptado aqui ao universo literário com o intuito de abarcar a exuberância criativa
da narrativa marioandradina, que não se restringe apenas a um gênero e a um estilo definido, e sim ao entrecruzamento,
paródico e criativo, de vários.
52 Literatura brasileira II
Lançado em 1928, um pouco depois da publicação dos contos de Primeiro Andar (1926),
do romance Amar, Verbo Intransitivo (1927), e após a viagem que o poeta fez à região Nordeste do
Brasil em 1927, o livro Macunaíma é uma rapsódia. A narrativa é centrada na vida do “herói sem
nenhum caráter”, que vive com a mãe e os irmãos “às margens do mítico rio Uraricoera” (LAFETÁ,
1982, p. 43). Em tom irreverente, fazendo colagens e paródias de lendas, mitos, textos parnasianos,
canções folclóricas e populares, o narrador nos conta, de modo mágico-poético, sem encadeamen-
to linear discursivo, a saga cheia de peripécia de Macunaíma, que acaba, mais tarde, indo para São
Paulo atrás de um amuleto encantado, para depois, por fim, voltar para o interior, morrer e virar
constelação... Juntando, assim, numa mesma ambiência mítica e crítica, a riqueza cultural híbrida
dos universos urbano, rural e selvagem do Brasil.
Segundo o crítico Haroldo de Campos, o livro “foi escrito de um jato: em seis dias” (CAMPOS,
2004e, p. 167), embora tenha havido mais três redações posteriores. Para a obra, Mário escreveu
dois prefácios, mas não publicou nenhum. Em ensaio que serviu de prefácio às edições espanhola e
francesa do livro, o poeta das Galáxias estuda “a imaginação estrutural” e cita o prefácio inédito de
1926, escrito pelo próprio autor (ANDRADE apud CAMPOS, 2004e, p. 171-172):
O que me interessou por Macunaíma foi incontestavelmente a preocupação
em que vivo de trabalhar e descobrir o mais que possa a entidade nacional dos
brasileiros. [...] Pois quando matutava nessas coisas topei com Macunaíma no
alemão de Koch-Grünberg. E Macunaíma é um herói surpreendentemente sem
caráter. (Gozei) Vivi de perto o ciclo das façanhas dele [...] Este livro afinal não
passa de uma antologia do folclore brasileiro.
Campos nos ensina que, para escrever o seu Macunaíma, Mário de Andrade consultou o
segundo volume da obra do naturalista alemão Koch-Grünberg, que “abrange mitos cosmogôni-
cos e lendas de heróis, contos, fábulas de animais e narrações humorísticas” (CAMPOS, 2004e, p.
172) do mundo indígena latino-americano. Ainda segundo Campos, ao trabalhar a linguagem da
prosa, o poeta brasileiro criou uma “fala nova”, cuja oralidade parece refletir o caráter e o discurso
do povo brasileiro. Diz o crítico (CAMPOS, 2004e, p. 179):
Uma das riquezas de Macunaíma é justamente essa “fala nova” (“impura” se-
gundo os padrões castiços de Portugal), feita de um amálgama de todos os
regionalismos, mescla dos modos de dizer dos mais diferentes rincões do país,
com incrustações de indigenismos e africanismos, atravessada por ritmos repe-
titivos de poesia popular e desdobrada em efeitos de sátira [...].
6 A música de câmara clássica se distingue da música orquestral ou coral pelo seu caráter intimista, executada por um
conjunto com pequeno número de componentes. A formação mais conhecida e tradicional de música de câmara é o
quarteto de cordas.
A obra de Mário de Andrade 53
literatos, buscavam conceber uma arte autenticamente brasileira, oriunda de fonte popular. No seu
livro Ensaio Sobre a Música Brasileira, o poeta paulista desenvolve as principais linhas de pensa-
mento que serviram de base teórica para a produção erudita de câmara modernista.
E o que Mário de Andrade indica como programa para o nacionalismo musical? Que os
compositores devem, para criarem suas peças, beber na fonte da música folclórica brasileira, anô-
nima e rural, misturando-a com a sofisticação europeia clássico-romântica de suas formações eru-
ditas. O produto seria uma música estilizada que apresentaria a fisionomia oculta de um Brasil
puro e autêntico, fortificado pela alta cultura europeia, repleta de história e tradição, gerando,
assim, uma arte nacional a um só tempo primitiva e elevada, definidora da nação e servindo para
exportação de uma cultura brasileira no mesmo nível da do resto dos países civilizados.
Contudo, o projeto de Mário deixa conscientemente de lado a música popular urbana co-
mercial de massas, que está se impondo no mercado musical, que se propaga pela novidade da
mídia do rádio, das festas populares, dos shows e encontros musicais pelas ruas, que representa a
ascensão e a lenta inserção das classes pobres no universo segregado das grandes cidades. Por sua
forte carga erótica, irônica, lúdica, híbrida – produto da troca e incorporação de gêneros musicais
de várias nacionalidades, que gera o samba, o maxixe, a marchinha, gêneros dotados de uma raiz
brasileiríssima inquestionável –, rebelde a qualquer passividade diante de um projeto imposto de
cima para baixo, a música de um Sinhô, Noel Rosa, Pixinguinha, Heitor dos Prazeres, Caninha,
Ismael Silva não se encaixaria na proposta marioandradina.
O povo homogêneo e sem contradições, bom e rústico, passível de conceber uma arte pura
para ser utilizada pelos compositores eruditos é, antes de tudo, produto de uma idealização com
fins políticos e sociais. A música miscigenada e heterogênea dos operários, marginais, descami-
sados, negros, subempregados do espaço urbano, ligada à dança e à crítica social, não caberia em
tal projeto nacional populista. O que motivava Mário era a construção de uma cultura modernista
para a nação que, inevitavelmente, teria a mediação dos intelectuais, o filtro erudito. No entanto,
sua paixão pela música era tamanha que, em sua privacidade, conhecia e adorava todo o can-
cioneiro urbano comercial de massas, o mesmo que renegou como componente de base para a
construção de sua idealizada música nacionalista de câmara. Atitude que não cabe no conceito de
contradição, pois, na verdade, o poeta, mais de uma vez, afirmou que tinha que subjugar seu gosto
pessoal em nome da construção de uma alma, considerada por ele a melhor para o Brasil.
7 No curto prefácio que escreve em 1943 para O Turista Aprendiz – livro que deixou inédito –, Mário de Andrade assume
estar “resolvido a [...] escrever um livro modernista, provavelmente mais resolvido a escrever que a viajar” (ANDRADE,
2002, p. 49). Daí porque esse diário, ao estabelecer inusitadas relações entre a natureza e a cultura, pode ser lido como a
escritura dos espaços culturais pelos quais o antropólogo transita.
54 Literatura brasileira II
a Amazônia (onde o poeta descobre a elegância discreta das índias) e o Nordeste (onde o pesquisa-
dor dos ritmos brasileiros ouve a música – e se encanta profundamente, como se tivesse encontra-
do o elo perdido da brasilidade – do coquista8 Chico Antônio, além de trocar informações estéticas
com o poeta potiguar Henrique Castriciano).
No texto introdutório que escreve para O Turista Aprendiz, a pesquisadora Telê Porto Ancora
Lopez diz: “O confessional do diário e o referencial pertencente ao dado de viagem, embora filtra-
dos pela arte, ainda permanecem com elementos do real, dado o hibridismo do gênero mas a seu
lado, firme, intromete-se a ficção” (LOPEZ, 2002, p. 31).
Em maio de 1927, com o seu livro Macunaíma em fase de redação, Mário de Andrade deixa
São Paulo em direção ao Rio de Janeiro. Da então capital do país, o poeta partiria rumo às regiões
Norte e Nordeste do Brasil. Na viagem à região Norte, o poeta passa por Belém do Pará, vai até o
Peru, e navega pelo Rio Madeira, chegando à Bolívia (ANDRADE, 2002, p. 51). Na região Nordeste,
Mário de Andrade viaja pelos estados do Rio Grande do Norte e da Paraíba, permanecendo por
mais tempo em Natal, onde o historiador e folclorista Luís da Câmara Cascudo o hospeda, colo-
cando-o em contato com a arte e a cultura potiguares.
No diário poético e etnográfico que resulta dessas viagens, o antropólogo modernista no-
meia pessoas, registra os elementos da cultura e escreve os exageros e as surpresas da paisagem,
atento às manifestações artísticas e etnográficas da vida local. Nessa escrita, Mário de Andrade
aciona uma leitura comparativa entre os elementos rústicos e os inovadores da vanguarda, o dado
primitivo e a referência moderna. No trânsito por esses espaços, o antropólogo aprendiz move-se
entre a raiz e a antena, com o intuito de apreender e conceber um Brasil em sua totalidade, em sua
máxima abrangência estética e cultural.
8 O nome admite variações como coqueiro ou tocador de coco e designa o artista popular que canta, acompanhado ao
ganzá, as suas narrativas e reflexões poéticas. Trata-se de uma arte sofisticadíssima na qual palavra, ritmo e melodia se
entrelaçam numa dinâmica musical apenas aparentemente simples, pois se apresenta cheia de sutis modulações semân-
ticas e sonoras. De origem africana, é também nome de dança.
A obra de Mário de Andrade 55
Essa paixão pelo Brasil o transforma em uma das principais personalidades públicas da nossa cul-
tura, e pode ser assim relembrada (LAFETÁ, 1982, p. 5): “como lembra Sérgio Milliet11, o amor
sexual ou platônico é inteiramente sublimado pelo poeta no amor à cidade de São Paulo e ao Brasil,
que ele conheceu muito bem, principalmente através de estudo”.
Esse conhecimento do Brasil se dá também através das viagens etnográficas que o autor
empreendeu às cidades históricas de Minas Gerais, ao Amazonas e ao Nordeste12 – “Nordeste de
impaciente amor sem metáforas” (“A meditação sobre o Tietê”). Além da publicidade proporcio-
nada por essas viagens, a atuação do poeta como homem público pode ser aferida nos cargos que
ele assumiu e que estão relacionados ao universo das artes, da educação e da cultura (LAFETÁ,
1982, p. 5).
Sempre preocupado com as questões culturais e educacionais, Mário de Andrade é nomea-
do, em 1934, diretor do Departamento de Cultura do Município de São Paulo. Dois anos depois,
ele colabora na criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Ainda na década
de 30, o autor afasta-se do Departamento de Cultura paulista e passa a ser catedrático de Filosofia
e História da Arte e diretor do Instituto de Artes da Universidade do Distrito Federal, no Rio de
Janeiro (LAFETÁ, 1982, p. 10). É a época do exílio carioca de Mário.
Na então capital do país, o poeta colabora com a programação cultural do ministro Gustavo
Capanema e trabalha como consultor técnico do Instituto Nacional do Livro (ANDRADE, 1983,
p. 10). Reside, em 1939, na Rua Santo Amaro, no bairro da Glória, num prédio onde existe hoje
uma placa informando a antiga residência do autor de Macunaíma.
11 Crítico, poeta, tradutor e professor. Criou, com Mário de Andrade e Paulo Duarte, o Departamento de Cultura de
São Paulo.
12 Nas duas viagens ao Nordeste, Mário de Andrade foi hóspede de Câmara Cascudo na cidade de Natal. Com o histo-
riador e folclorista potiguar, manteve importante correspondência acerca de questões estéticas e culturais brasileiras.
As cartas trocadas entre os dois foram reunidas, pelo escritor Veríssimo de Melo, no livro Cartas de Mário de Andrade a
Luís da Câmara Cascudo (Villa Rica, 1991).
A obra de Mário de Andrade 57
Dicas de estudo
Para outras abordagens acerca da obra de Mário de Andrade, recomendamos:
• MACUNAÍMA. Direção de Joaquim Pedro de Andrade. Rio de Janeiro: Difilm, 1969. 108
min. Relançado em DVD em 2006, o filme tem os atores Grande Otelo e Paulo José nos
principais papéis e possibilita uma gama de leituras relacionadas a temas díspares como a
luta armada, o Tropicalismo13, as ideias de arte, identidade e nação, sem perder o foco no
roteiro original, que possui no folclore brasileiro a sua base;
• MEDINA, Tete; GRIZOLLI, Paulo Afonso. Mário de Andrade – Poesia e som. Rio de
Janeiro: Festa; PolyGram, 1971. 1 LP. Gravado por Tete Medina e Paulo Afonso Grizolli
em 1971, pela gravadora Polygram, a obra é composta de 14 textos do poeta paulis-
ta, como “Ode ao burguês”, “O poeta come amendoim” e um fragmento do “Prefácio
Interessantíssimo”, entre outros;
• UM SÓ coração. Direção de Carlos Manga. Criação de Maria Adelaide Amaral e Alcides
Nogueira. Rio de Janeiro: Rede Globo, 2004. 54 episódios. Com roteiro de Maria Adelaide
Amaral e Alcides Nogueira, a minissérie comemora os 450 anos de fundação da cidade de
São Paulo e apresenta o contexto da Semana de Arte Moderna e seus participantes. Mário
de Andrade aparece como personagem nessa obra cujo roteiro é voltado para as questões
da modernidade e da realidade nacional.
Atividades
1. Que relações podemos tecer entre Mário de Andrade, poeta moderno, e Mário de Andrade,
antropólogo das viagens etnográficas?
2. Por que as cartas escritas por Mário de Andrade podem ser consideradas como documentos
históricos e culturais?
13 Movimento artístico e cultural influenciado pelas estéticas de vanguardas e pela cultura de massas, cujos principais
representantes são os poetas compositores Caetano Veloso, Torquato Neto, Tom Zé e Gilberto Gil. As obras de Glauber
Rocha (no cinema) e José Celso Martinez Corrêa (no teatro) também contribuíram muito para a conformação estética e
ideológica geral do movimento.
6
A obra de Oswald de Andrade
Oswald de Andrade (1890-1953) foi um dos autores que mais contribuiu para a construção
do nosso Modernismo e, de modo geral, para a inovação da literatura no Brasil. Nascido em São
Paulo, onde passou a maior parte de sua vida, o autor do Manifesto Antropófago cursou Direito e
teve forte atuação jornalística. Filho de uma família rica, fez várias viagens à Europa, tendo con-
tatos reveladores e atualizantes com as obras de nomes representativos da arte e das vanguardas
europeias, como o poeta Blaise Cendrars1.
Do mesmo modo que os poetas modernos Manuel Bandeira e Mário de Andrade, Oswald
de Andrade também ambiciona conceber uma alma artística e cultural moderna para a nação
brasileira. Sob essa perspectiva, sua obra apresenta temas nacionalistas e de reminiscências de sua
trajetória política e existencial, com uma concepção formal que entrelaça técnicas de construção de
vanguarda com elementos típicos da cultura popular.
Neste capítulo vamos conhecer a produção de vanguarda do verdadeiro ponta de lança do
Modernismo brasileiro, cuja obra completa, copilada em 24 volumes, abrange diferentes formas e
gêneros literários. Desses gêneros, estudaremos a poesia do Pau-Brasil e o romance experimental
Serafim Ponte Grande, além da sua produção dramatúrgica e dos manifestos posteriores à fase he-
roica do Modernismo.
1 Poeta suíço cubista que teve importante função em nosso Modernismo, ao visitar o Brasil na década de 1920. Di-
vulgando os preceitos do primitivismo nas artes, descortinou para os nossos artistas as potencialidades contidas nas
expressividades dos povos primitivos aqui presentes – principalmente africanos –, formadores de nossa riqueza étnica
e cultural.
62 Literatura brasileira II
Poesia Pau-Brasil foi também membro do Partido Comunista na década de 1930 e chegou a ser
candidato a deputado federal em 1950.
Ainda segundo a referida biógrafa, Oswald de Andrade estreia na imprensa em 1909 como
repórter e redator do Diário Popular. Funda depois, junto com o poeta Emílio de Menezes, a revista
O Pirralho e, após o fechamento desta, passa a escrever no Jornal do Comércio e em outros jornais
e revistas.
6.2 O poeta
Escapulário
No Pão de Açúcar
De Cada Dia
Dai-nos, Senhor
A poesia
De cada dia
Com esse poema de apenas cinco versos curtos, Oswald de Andrade abre o seu livro Pau-
-Brasil, de 1924. O texto parece anunciar a síntese da relação entre poesia, história e religião, que
permeia o volume. De forma crítica e irreverente, o poeta escreve contra a verborragia domi-
nante nos salões e na literatura do início do século XX e contra uma doença que atingia a grande
eloquência: oratória maioria dos literatos daquele contexto: “o mal da eloquência”. Esse “mal” caracteriza-se pela
rebuscada e vazia.
criação de um texto repleto de floreios estéticos e de ideias que se repetem, sem originalidade
(CAMPOS, 1978, p. 12).
escapulário: tira O título do poema – “Escapulário” – desloca da esfera da religiosidade para o universo da es-
de pano que os
religiosos usam no tética um vocábulo praticamente em desuso. Com esse deslocamento semântico, o poeta amplifica
pescoço e que pende
sobre o peito.
toda a carga religiosa e política que o vocábulo continha, propondo, por meio de uma reciclagem
da linguagem, outras formas de ler o mundo.
A ideia contida na expressão reciclagem da linguagem define bem o perfil da poesia os-
waldiana, caracterizada sobretudo pelo uso da paródia e pelas noções de visualidade e corte, que
fundamentam a arte moderna, sob influência, principalmente, da linguagem do cinema. Além do
mais, a releitura devoradora da história e dos textos da tradição são procedimentos recorrentes
da poesia de Oswald de Andrade, como podemos perceber no poema a seguir, que faz parte dos
“Poemas menores”, do livro Primeiro Caderno do Aluno de Poesia Oswald de Andrade (ANDRADE,
1978b, p. 177):
Erro de português
Quando o português chegou
Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português
A obra de Oswald de Andrade 63
Deixemos o português. Voltemos ao livro Pau-Brasil e seu “estilo de síntese violenta” (BOSI,
1994, p. 359). No prefácio escrito por Paulo Prado para o primeiro livro de poemas de Oswald, afir-
ma o autor de Retrato do Brasil: “A Poesia ‘Pau-Brasil’ é, entre nós, o primeiro esforço organizado
para a libertação do verso brasileiro” (PRADO, 1978, p. 69). Tal “esforço” em prol da liberdade esté-
tica se desdobrará numa atitude existencial libertária, aproximando arte e vida, como foi comum às
propostas de algumas das mais importantes correntes de vanguarda europeia. E será retomado, em
outro contexto cultural e político, pela geração da poesia marginal brasileira nos anos 1970 e 1980.
Vivenciando o contexto repressivo dos anos da Ditadura Militar, os poetas convencional-
mente chamados de marginais resgataram o humor e a alegria da poesia de Oswald, com o intuito
de construir um discurso intencionalmente mais comunicativo e pop, menos literário. O livre uso
criativo da linguagem rápida e coloquial da rua, incorporando a inventividade da gíria, sem temer
o palavrão; a reciclagem de clichês da letra da canção popular; as paródias e recriações de textos de
origens diversas; os diálogos com códigos de linguagens da mídia foram procedimentos da poesia
marginal herdados, de modo direto ou indireto, da estética de Oswald.
Referindo-se à poesia de Oswald de Andrade e sua noção de antropofagia, o poeta Geraldo
Carneiro2 (CARNEIRO, 1995, p. 60) diz que
Oswald virou a mesa. E fundou a possibilidade de um outro olhar. Fundou a
possibilidade metafórica da devoração do discurso do colonizador. E talvez pela
primeira vez o Brasil tenha tido a possibilidade de olhar para si sem a ideali-
zação maluquete dos românticos ou sem o sentimento de exílio dos poetas da
Arcádia do século XVIII.
6.3 O romancista
Dentre os vários gêneros a que se dedicou Oswald de Andrade, em sua vasta produção li-
terária e cultural, o romance se destaca de modo especial e fecundo. Sua estreia na prosa se dá em
1922, com a obra Os Condenados. O livro, que mistura dados biográficos do autor com elementos
ficcionais, “tem capa assinada por Victor Brecheret. A narrativa descontínua que Oswald adota traz
a linguagem ágil da rua. Por meio dela vai cosendo os flagrantes dramáticos do mundo da prosti-
tuição, da vida amorosa, dos gestos suicidas” (FONSECA, 2007, p. 127).
Além de Os Condenados, dois outros livros merecem especial atenção, por sua radicalidade
de proposta estética, dentre os títulos da prosa romanesca de Oswald de Andrade: Memórias
Sentimentais de João Miramar (1924) e Serafim Ponte Grande (1933). Merece destaque, também,
a recepção dessas duas obras. Serafim Ponte Grande foi desdenhado pela crítica literária “durante
quase quatro décadas” (FARINACCIO, 2001, p. 19). Somente após a morte do autor os seus textos
em prosa começaram a ganhar visibilidade; principalmente após a releitura que Haroldo e Augusto
de Campos – os poetas concretos de São Paulo – fizeram acerca da obra do poeta antropófago.
2 Sintonizado com o contexto da poesia marginal das décadas de 1970 e 1980, Geraldo Carneiro estudou Letras e
publicou livros de poemas.
64 Literatura brasileira II
Com base na leitura de um texto crítico de Haroldo de Campos, “Serafim: um grande não-li-
vro”, o ensaísta de Serafim Ponte Grande e as Dificuldades da Crítica Literária afirma (FARINACCIO,
2001, p. 51):
Para Haroldo de Campos, o Serafim de Oswald, como Tristam de Sterne, é um
livro que põe em discussão a sua estrutura. Essa é sua característica maior.
Conforme estruturado, Serafim pode realizar a crítica do gênero romance, da
escrita considerada “artística”, da prosa em geral, posto estar investido de uma
função metalinguística. Trata-se de um livro que realiza a própria crítica, a
partir da citação, sempre em chave paródica, de diversos tipos catalogados de
prosa (a carta, o diário, o livro de viagem, a memória, o ensaio etc.), sem que,
por outro lado, chegue a eleger algumas dessas formas como esquema narrativo
principal. [...] Agenciando o que Haroldo denomina “operação metonímica”,
Oswald constrói um livro a partir da colagem [...] de pedaços de livros já inven-
tariados no acervo literário padrão.
Nesse primeiro livro da crítica dedicado ao estudo do romance Serafim Ponte Grande, o
autor afirma que “a técnica ocorre no nível da arquitetura geral da obra”, e que “os pedaços ou
amostras de diversos livros possíveis são combinados de maneira sempre inusual, contra os nexos
mais previsíveis da lógica romanesca” (FARINACCIO, 2001, p. 51).
“Serafim é a personagem que se define justamente por aquilo que faz, e não por sua psi-
cologia.” (FARINACCIO, 2001, p. 79); assim como o mar – personagem que inunda o romance
de quando em vez –, Serafim age, urra. O mesmo mar em cujas águas o nosso “herói” – fortale-
cido – personifica-se, como no cinematográfico fragmento a seguir que encerra um Intermezzo
(ANDRADE, 2005, p. 84).
[...] Lá fora o mar. De par em par. Ela baixou a cabeça. Perdeu a sintaxe do cora-
ção e as calças.
— Nunca julguei que fosses tão forte!
Serafim vai à janela e qual Narciso vê, no espelho das águas, o forte de Copacabana.
(grifos do original)
O livro pelo qual Oswald de Andrade declarou a sua predileção, semanas antes de morrer,
possui em sua narrativa alguns dados biográficos do autor e imagens de suas memórias misturados
com elementos da ficção. O volume abre com uma declaração irreverente, que anuncia os procedi-
mentos paródicos e antropofágicos utilizados pelo autor: “Direito de ser traduzido, reproduzido e
deformado em todas as línguas – São Paulo – 1933” (ANDRADE, 2005, p. 36). No final do roman-
ce experimental, outra informação sugere as reescritas por que o texto passou: “Este livro foi escrito
de 1929 (era de Wall Street e Cristo) para trás” (ANDRADE, 2005, p. 163).
6.4 O dramaturgo
Devido às noções de corte, de visibilidade e rapidez características da sua produção, Oswald
de Andrade foi um dos autores em que a obra literária mais sofreu transcodificações para o universo
de linguagem das artes cênicas e do cinema. O próprio romance Serafim Ponte Grande, desdenhado
pela crítica, esquecido pelas editoras e aparentemente sem enredo, ganhou, além de adaptação teatral,
uma versão cinematográfica baseada no romance homônimo e dirigida por Artur Omar em 1971.
A obra de Oswald de Andrade 65
Inspirados pelas reflexões e atitudes das vanguardas europeias, a produção de nossos mo-
dernistas traduz a ordem dual que regia o contexto sociopolítico então vigente: de um lado, os ma-
nifestos assinados por artistas e grupos de cunho conservador e de direita; de outro, os manifestos
publicados por artistas e grupos com ideologias esquerdistas e que expressam o desejo de ruptura
com a ordem vigente.
Dentre os manifestos assinados por artistas e grupos de direita destaca-se o já citado Nhenaçu
Verde Amarelo, que valoriza as nossas raízes culturais e que representa o grupo Verde-Amarelo e o
Grupo Anta, liderados por Plínio Salgado.
“Em fins de 1927, em plena polêmica com o grupo Verde-Amarelo e com o da Anta, nas-
ce um novo movimento impulsionado por Oswald de Andrade, o da Antropofagia” (FONSECA,
2007, p. 204). Em 1928, Oswald publica o Manifesto Antropófago, texto em que potencializa as
ideias contidas no Manifesto da Poesia Pau-Brasil, de 1924. Se neste manifesto o poeta radicaliza no
uso formal – por meio de frases curtas, com cunho de máximas, sem conexão lógico-linear, com
autonomia de fragmentos poéticos – para apresentar suas ideias primitivistas sobre a brasilidade,
no Manisfesto Antropófago a floresta engole a escola e o Brasil primitivo, bárbaro, impõe-se sobre
o civilizado.
No manifesto de 1924, o pau-brasil é o objeto-totem símbolo da nacionalidade. Por ter sido
a árvore da época da colonização que foi nosso primeiro produto de exportação, serve como me-
táfora da atitude que devemos tomar com nossa produção literária, feita agora para se exportada e
não mais submissa às estéticas estrangeiras, impostas ainda pelos nossos colonizadores culturais.
No processo presente no manifesto de 1928, da Antropofagia, por sua vez, Oswald vai mais fundo
e afirma que devemos agir, em relação à produção artística brasileira diante do que recebemos do
estrangeiro, como os primitivos índios canibais do Brasil agiam com seus inimigos: realizando um
ritual de absorção das forças e qualidades dos mesmos, por meio de sua devoração, após a qual
saíam reciclados e fortalecidos.
Acerca das polêmicas entre as ideias esquerdistas e do comportamento rebelde de Oswald
de Andrade diante dos artistas representantes da direita, diz a biógrafa do poeta (FONSECA, 2007,
p. 216):
As tentativas verde-amarelas malograram porque somente aprendiam e expres-
savam o pitoresco, o exotismo superficial, o cenário mais do que o homem.
Cantava-se o papagaio, a palmeira, a floresta, exploravam-se algumas lendas,
mas não se ia ao fundo realmente brasileiro. Antropofagia foi uma vontade de
entrosar a alma nacional no corpo nacional. E conquanto abusasse do humor e
recorresse a soluções fáceis [...] alguma coisa de importante se fez então.
A obra de Oswald de Andrade como cronista tem seu ápice criativo – envolvendo polêmica
artística, crítica cultural, colunismo social, pinceladas filosóficas precisas, reflexões sobre a história
imediata, cotidiana – nas curtas páginas que escreveu para o jornal carioca Correio da Manhã, na
seção Telefonema, entre 1943 e 1953. Por ter sido a sua colaboração mais regular, num momento de
maior maturidade e reflexão do poeta que foi considerado o mais sarcástico, endiabrado e implaca-
velmente crítico dos modernistas, tais crônicas e artigos são documentos riquíssimos, cheios de força
inventiva e ironia, de nossa vida política, social, econômica, filosófica, literária e cultural do período.
A obra de Oswald de Andrade 67
Falação3
(ANDRADE, 1978a, p. 76-77)
3 “Este poema-programa é uma redução, com alterações, do Manifesto da Poesia Pau-Brasil, publicado no Correio da
Manhã, Rio de Janeiro, 18/03/1924. Mostra como Oswald de Andrade não distinguia entre liguagem da nação e linguagem
da crítica – entre linguagem-objeto e metalinguagem – nos seus manifestos modernistas. As fronteiras entre poesia e
prosa são aqui também abolidas.” (ANDRADE, 1978a, p. 76).
68 Literatura brasileira II
Século vinte. Um estouro nos aprendimentos. Os homens que sabiam tudo se deformaram
como babéis de borracha. Rebentaram de enciclopedismo.
A poesia para os poetas. Alegria da ignorância que descobre. Pedr’Álvares.
Uma sugestão de Blaise Cendrars: — Tendes as locomotivas cheias, ides partir. Um negro
gira a manivela do desvio rotativo em que estais. O menor descuido vos fará partir na direção
oposta ao vosso destino.
Dicas de estudo
Para outras abordagens acerca da obra de Oswald de Andrade, recomendamos:
• O HOMEM do Pau-Brasil. Direção de Joaquim Pedro de Andrade. Rio de Janeiro:
Embrafilme, 1982. 112 min. Esse longa é baseado na vida e na obra do escritor “endiabra-
do, brincalhão e crítico” (Maria Augusta Fonseca), que funda a modernidade brasileira e
cuja postura irreverente vai de encontro às verdades da política, dos costumes e da moral
que sedimentaram a sociedade brasileira nas primeiras décadas do século XX. No filme,
Oswald de Andrade é representado simultaneamente por um ator (Flávio Galvão) e por
uma atriz (Ítala Nandi), num roteiro que faz referências ao “matriarcado antropófago
como regime político do país” (Joaquim Pedro de Andrade);
A obra de Oswald de Andrade 69
• ANDRADE, Oswald. Ouvindo Oswald. Brasília: Funarte, 1999. 1 CD-ROM. Com coor-
denação literária do poeta concreto Augusto de Campos e produção musical de seu filho
Cid Campos, a obra reúne 52 poemas e dois manifestos do poeta moderno e traz, entre
outros, trechos do seu Manifesto Antropófago. Além do próprio Oswald, participam mais
oito poetas: Augusto de Campos, Décio Pignatari, Haroldo de Campos, Arnaldo Antunes,
Lenora de Barros, Omar Khouri, Paulo Miranda e Walter Silveira;
• VELOSO, Caetano. Escapulário. Oswald de Andrade e Caetano Veloso. In: ______. Joia.
Rio de Janeiro: Philips, 1975. Faixa 134.
• CAZUZA. Balada do Esplanada. Oswald de Andrade e Cazuza. In: ______. Só se for a dois.
Produção de Ezequiel Neves e Jorge Guimarães. Rio de Janeiro: Philips; Universal Music, 1987.
Faixa 11 5.
• NUNES, Benedito. Oswald Canibal. São Paulo: Perspectiva, 1979. (Coleção Elos, v. 26).
Esse pequeno ensaio do filósofo Benedito Nunes foi publicado na Coleção Elos, da edi-
tora Perspectiva, em 1979. O texto sintetiza a importância da antropofagia para a arte e a
cultura brasileira, no contexto da modernidade, e suas conexões com as vanguardas euro-
peias. A reflexão brilhante e sucinta do autor paraense demonstra como, em vez de negar
a diferença, a antropofagia propõe a sua incorporação, filtrando o que possa ser útil para
a construção da sociedade e da cultura brasileira. Nessa perspectiva, a antropofagia é lida
como o desejo da diferença, do outro, do “que não é meu”.
Atividades
1. Faça um comentário explicando a mudança de postura da crítica diante do livro Serafim
Ponte Grande.
4 Essa faixa está disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=jAtW9Tf1ySc>. Acesso em: 23 jul. 2018.
5 Essa faixa está disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=AIO0zpCXBro>. Acesso em: 23 jul. 2018.
7
Segundo momento modernista:
estabilização da consciência criadora
nacional (a poesia)
1 O adjetivo rilkeano refere-se ao poeta alemão Rainer Maria Rilke, cuja poética caracteriza-se pelo hermetismo místico
e pela temática da solidão existencial.
72 Literatura brasileira II
[...]
Atendendo ao apelo do anjo da poesia, Carlos Drummond nasceu na pacata Itabira (MG).
Lá viveu a sua infância, transferindo-se depois para Belo Horizonte e, nos anos 1930, para o Rio de
Janeiro. A vivência e a raiz mineira perpassam toda a obra do autor e serviram de matéria poética
recorrente em livros como Boitempo (1968), Menino Antigo (1876) e A Paixão Medida (1980), além
do citado Alguma Poesia. Nessas obras o poeta recria uma memória afetiva repleta de procedimen-
tos irônicos, como podemos ler no poema a seguir (DRUMMOND DE ANDRADE, 2002, p. 71):
2 De origem francesa, a palavra gauche significa “esquerdo”. Em sentido figurado, quer dizer acanhado, o ser às aves-
sas, que está à margem, meio sem jeito.
Segundo momento modernista: estabilização da consciência criadora nacional (a poesia) 73
Cidadezinha qualquer
Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar.
Carlos Vieira
Produziu uma obra cuja qualidade e extensão – mais de 50 volumes
em verso e prosa – serve de referência para toda a poética moder-
na do século XX, para toda a produção contemporânea. Obra que
influenciou autores e movimentos estéticos díspares como o poeta
João Cabral de Melo Neto, pertencente à chamada Geração de 45, o
Tropicalismo e a geração da Poesia Marginal dos anos 1970 e 1980,
além de letristas como Antônio Cícero e Cazuza.
3 Em contato com o grupo modernista de São Paulo, Carlos Drummond publica, em 1928, na Revista de Antropofagia,
o poema “No meio do caminho”. O texto provoca enorme escândalo literário devido ao seu uso especial da forma livre,
recorrendo a recursos de repetição e de oralidade, além da concisão sugestiva da reflexão existencial e metapoética de
seu conteúdo, elementos que foram considerados pelos críticos tradicionalistas como apoéticos.
74 Literatura brasileira II
Poeta profundamente religioso, Jorge de Lima deixa envolver-se pela sarça ar-
dente da oratória. Imbuído da certeza de que é preciso engenho e fé para romper
as fronteiras do indizível, o poeta aceita atuar como médium, elemento de liga-
ção entre o sagrado da inspiração e o profano do poema.
É importante salientar que, apesar dos temas e das linguagens com tons místicos, o dis-
curso poético de Jorge de Lima não é redundante nem de cunho salvacionista. Exemplar do
domínio técnico do poeta ao tratar da temática religiosa é o texto a seguir. Nele, o eu poético
conecta a sua porção mística com a dimensão sensorial e subjetiva do homem no mundo mo-
derno (LIMA, 2006, p. 89):
Poema do cristão
Porque o Sangue do Cristo
jorrou sobre meus olhos,
a minha visão é universal
e tem dimensões que ninguém sabe.
Os milênios passados e os futuros
não me aturdem, porque nasço e nascerei,
porque sou uno com todas as criaturas,
com todos os seres, com todas as coisas
que eu decomponho e absorvo com os sentidos
e compreendo com a inteligência
transfigurada em Cristo.
Tenho todos os movimentos alargados.
Sou ubíquo: estou em Deus e na matéria;
sou velhíssimo e apenas nasci ontem,
estou molhado dos limos primitivos,
e ao mesmo tempo ressoo as trombetas finais,
compreendo todas as línguas, todos os gestos, todos os signos,
tenho glóbulos de sangue das raças mais opostas.
Posso enxugar com um simples aceno
o choro de todos os irmãos distantes.
Posso estender sobre todas as cabeças um céu unânime e estrelado.
Chamo todos os mendigos para comer comigo,
e ando sobre as águas como os profetas bíblicos.
Não há escuridão mais para mim.
Publicado em 1953, a obra Invenção de Orfeu, seu último e mais cultuado livro, apresenta
predominância, segundo a crítica, de procedimentos técnicos criativos de vanguarda como a inter-
textualidade e a paródia. Almejando escrever a história espiritual da humanidade em Invenção de
Orfeu, a voz lírica do poema de Jorge de Lima “quer ser todos os poetas em um (Dante, Camões,
Virgílio, Homero, Ovídio, John Donne, Rimbaud, Gerard Manley Hopkins), que está em julgamen-
to” (CARPINEJAR, 2005, p. 4). Nessa obra polifônica, “as linguagens esotérica, onírica e confessio-
nal misturam-se com as descobertas da psicanálise, que possibilitaram a apropriação literária do
fluxo livre da consciência, da escrita automática, da enumeração caótica, das técnicas de montagem
e colagem.” (LEAL, 2005, p. 7).
Segundo momento modernista: estabilização da consciência criadora nacional (a poesia) 75
Pré-história
Mamãe vestida de rendas
Tocava piano no caos.
Uma noite abriu as asas
Cansada de tanto som,
Equilibrou-se no azul,
De tonta não mais olhou
Para mim, para ninguém!
Cai no álbum de retratos.
A incidência de informações míticas, oníricas, imaginárias postula uma forma estética es-
pecífica, como podemos apreender no poema “Panorama”: “Uma forma elástica sacode as asas no
espaço/ e me infiltra a preguiça, o amor ao sonho” (MENDES, 1959, p. 17). Além de surrealista, a
poesia desse mineiro de Juiz de Fora apresenta uma temática até então ausente da poética moderna
brasileira: a religiosidade.
Contudo, trata-se de uma poética religiosa que não propõe dogmas nem liturgias. A escrita
de Murilo Mendes se volta para um mundo no qual o sujeito traça relações de filiação da história
do cotidiano com um plano atemporal, como sugere o livro Tempo e Eternidade: “Eu sou da raça do
Eterno/ Fui criado no princípio” (MENDES, 1959, p. 123).
Além de buscar em sua poética uma visão física da eternidade (CAMPOS, 2004g, p. 69),
o tema da religiosidade traz também, na obra de Murilo Mendes, a necessidade ética e estética
de transformação existencial. Um desejo de transformação do particular em universal que põe
em cena ideias de totalidade, universalidade, ubiquidade, que, segundo o crítico João Alexandre
Barbosa (BARBOSA, 1986, p. 36), fundamentam o projeto poético da modernidade. Busca perene
por transformações que se entremostram em vários textos do autor e, mais especificamente, no
final do poema “Mapa” (MENDES, 1959, p. 37):
[...]
estou no ar,
na alma dos criminosos, dos amantes desesperados,
no meu quarto modesto da praia de Botafogo,
no pensamento dos homens que movem o mundo,
nem triste nem alegre, chama com dois olhos andando,
sempre em transformação.
Pegadas fortes do estilo romântico-simbolista surgem nos dois poemas que ganham o
mesmo título – “Romantismo”, do livro Mar Absoluto. Num deles lemos um eu poético que diz
(MEIRELES, 1973, p. 50):
Soneto da fidelidade
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Para o poeta moderno Manuel Bandeira (2005, p. 251), Vinicius de Moraes é um autor de
múltiplas características literárias e que possui “o fôlego dos românticos, a espiritualidade dos sim-
bolistas, a perícia dos parnasianos (sem refugar, como estes, as sutilezas barrocas), e, finalmente,
homem bem do seu tempo, a liberdade [...] dos modernos”. A seguir, leremos um texto do poeta
carioca no qual o fôlego dos românticos é expresso no sentimento de nacionalidade, e a espiritua-
lidade dos simbolistas é sugerida nos gestos e lágrimas paternos. A forma e a liberdade do poe-
ma complementam a faceta moderna que Manuel Bandeira apreendeu na poética de Vinicius de
Moraes (2005a, p. 94):
Segundo momento modernista: estabilização da consciência criadora nacional (a poesia) 79
Pátria minha
A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.
A máquina do mundo4
(DRUMMOND DE ANDRADE, 1978, p. 197-198)
4 No ano 2000, esse poema de Carlos Drummond de Andrade foi selecionado por um grupo de críticos e escritores
brasileiros como o melhor poema brasileiro de todos os tempos, em matéria do jornal Folha de S. Paulo.
80 Literatura brasileira II
Dicas de estudo
Para outras abordagens acerca das obras dos poetas mais representativos do segundo mo-
mento modernista, recomendamos:
• POETA de sete faces. Direção e roteiro de Paulo Thiago. Rio de Janeiro: Rio Filme, 2002.
94 min.
• VINICIUS. Direção de Miguel Faria Jr., Rio de Janeiro: 1001 Filmes, 2005. 122 min.
O primeiro filme é baseado na vida e na obra de Carlos Drummond de Andrade, com
direção de Paulo Thiago, e traz o ator Carlos Gregório no papel do poeta. O segundo é
uma cinebiografia do poeta Vinicius de Moraes, com direção de Miguel Faria. O longa
apresenta as múltiplas faces de Vinicius – poeta, músico, cronista, diplomata, amante,
dramaturgo... – e contém depoimentos marcantes de intelectuais como Ferreira Gullar,
Antonio Candido, Chico Buarque, entre outros;
• QUATRO séculos de poesia brasileira por Paulo Autran. Rio de Janeiro: Luz da cidade,
2002. 1 CD-ROM. Idealizado e produzido por Paulinho Lima, o CD traça o percurso poé-
tico nacional do Barroco ao Modernismo, do qual podemos destacar poemas de Cecília
Meireles, Vinicius de Moraes e Carlos Drummond de Andrade;
• CANÇADO, Jose Maria. Os Sapatos de Orfeu: biografia de Carlos Drummond de Andrade.
Rio de Janeiro: Biblioteca Azul, 2012.
• KAZ, Leonel. Drummond frente e verso: fotobiografia Carlos Drummond de Andrade.
Rio de Janeiro: Alumbramento, 1989.
• CASTELLO, José. Vinicius de Moraes: o poeta da paixão. São Paulo: Cia das Letras, 1994.
Atividades
1. Quais são as diferenças mais evidentes que podemos localizar entre as principais poéticas do
segundo momento modernista?
Neste capítulo vamos conhecer a produção literária de um período que ficou conhecido na
historiografia da literatura brasileira como o Romance Moderno de 1930. Para isso, objetivamos
refletir acerca das duas vertentes básicas que fundamentam a prosa de ficção da segunda fase mo-
dernista: o romance social nordestino e o romance intimista.
Com esse intuito, analisaremos as obras de alguns dos mais importantes ficcionistas e cro-
nistas do período: Rachel de Queiroz, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Erico Verissimo, Jorge
Amado, Lúcio Cardoso e Marques Rabelo.
Afirmando, com uma frase de efeito paradoxal, que era mais jornalista do que escritora,
Rachel de Queiroz, em suas memórias, fala-nos de suas primeiras leituras e nos auxilia a trilhar os
caminhos que levam à sua criação. Ao relembrar o universo intelectual de sua infância, no qual ha-
via muita ideologia política, apresenta o ambiente literário em que foi criada. “A biblioteca materna
formada por Eça, Balzac, Machado, Alencar e Flaubert, dentre outros, teve forte influência na for-
mação da escritora. Sua mãe idem: era leitora de Gorki e dos russos do final do século” (SOARES,
1993, p. 10).
As condições sociais e existenciais do sertanejo na região Nordeste, além de uma certa
inquietação relacionada à passagem do tempo, são temas recorrentes nos escritos de Rachel de
Queiroz. “A reflexão sobre o tempo é, ao mesmo tempo, sua grande contribuição literária e sua dor
fundamental. A lucidez, muitas vezes desconfortável, sobre o fluir do tempo, acompanhou Rachel
desde seus primeiros escritos” (HOLLANDA, 2004, p. 16).
A crônica “Felicidade”, publicada em 1955, serve de exemplo da temática temporal: “Nessa
nudez, nesse despojamento de tudo, dê-lhes Deus um inverno razoável que sustente o legume, um
pouco de água e não pedem mais nada. De que é que eles gostam? [...] Namoram sobriamente e,
se apreciam mulher, como é natural, pouco falam nisso” (QUEIROZ apud HOLLANDA, 2004,
p. 146). Vejamos a seguir, na conclusão da crônica “Um alpendre, uma rede, um açude”, de 1947,
como os temas do sertanejo e do tempo se imbricam num mesmo contexto: “O chão não se acaba
– e afinal de contas só do chão precisa o homem, para sobre ele andar enquanto vivo e no seu seio
repousar depois de morto” (QUEIROZ apud HOLLANDA, 2004, p. 106).
Assim como Rachel de Queiroz, o escritor José Lins do Rego (1901-1957) é um dos nomes
mais representativos da prosa moderna dos anos 1930 e têm os sertanejos da região Nordeste como
base contextual e temática da sua escritura.
Descendente de senhores de engenho, o romancista soube fundir numa lingua-
gem de forte e poética oralidade as recordações da infância e da adolescência
com o registro intenso da vida nordestina colhida por dentro, através dos pro-
cessos mentais de homens e mulheres que representam a gama étnica e social da
região. (BOSI, 1994, p. 398)
Composta por mais de vinte títulos, repletos de figurações dos engenhos da cana-de-açúcar
e da fé nordestina, a obra de José Lins do Rego se deixa atravessar, também, por referências à cultu-
ra do povo. Suas páginas apresentam signos da história do cangaço, da religiosidade popular e do
ciclo da cana-de-açúcar. O registro memorialístico e a observação das pessoas e dos fatos estão na
“gênese” da obra do autor e se desdobram, reincidentes, na sua produção posterior.
A gênese do ciclo inicial da sua obra, formado por Menino de Engenho, Doidinho,
Banguê, O Moleque Ricardo e Usina, é, portanto, dupla, a memória e a obser-
vação, sendo a primeira responsável pela carga afetiva capaz de dinamizar a
segunda e dar-lhe aquela crispação que trai o fundo autobiográfico: e, de fato, a
leitura de Meus Verdes Anos, história veraz da infância do escritor, logo nos faz
reconhecer pontos nodais do romance de estreia, Menino de Engenho. (BOSI,
1994, p. 398)
A prosa dos anos 30 85
1 Albert Camus (1913-1960) nasceu na Argélia, mas é reconhecido como um escritor francês. É autor de um clássico da
literatura existencialista do século XX: o romance O Estrangeiro.
86 Literatura brasileira II
Angústia apresenta poucos diálogos. Chama a atenção do leitor a presença de vários insetos
e animais, como pulgas, ratos, cobras, grilos, formigas, gato, papagaio, cujas presenças metaforizam
a dimensão instintiva do ser humano. O romance é um livro no qual o narrador confessa a sua
angústia afetiva: “O amor para mim sempre fora uma coisa dolorosa, complicada e incompleta”
(RAMOS, 1986, p. 106).
Nesse terceiro romance de Graciliano Ramos, o leitor é bastante solicitado. Numa narrativa
em que a voz do narrador se detém frequentemente em signos inusitados como, por exemplo, as
paredes, as frases inconclusas e a presença de várias elipses, a recorrência a esses procedimentos
torna o texto às vezes meio enigmático e mais denso. Tais recursos utilizados pelo autor possibi-
litam a surpresa, o inusitado, exigindo um amplo repertório e a participação constante do leitor.
Jorge Amado filia-se também às formas da cultura popular que se expressam nos causos orais
da tradição sertaneja e nos folhetos de cordel. Acerca dessas questões, podemos ler (DUARTE,
1996, p. 79): “é preciso ressaltar o ineditismo de um romance cujo herói é negro, pobre e favelado.
Acrescente-se a isso a condição de ganhar a vida no trabalho braçal, seja nas plantações de tabaco
ou no cais do porto”.
Noite2
(VERISSIMO, 2005)
Sempre cito “O Continente”, primeiro volume da trilogia O Tempo e o Vento, quando me per-
guntam qual o livro do meu pai que prefiro. Mas tenho outro favorito, um romance curto, um
anti-O Tempo e o Vento, que as pessoas às vezes esquecem. Talvez porque eu tenha acompa-
nhado sua feitura mais de perto. Noite foi todo escrito na praia de Torres, e me lembro de ficar
esperando para ler cada lauda assim que saía da máquina de escrever que o pai colocava sobre
a mesa depois do almoço e na qual trabalhava a tarde inteira.
Segundo a tradição de Torres, na época, nas manhãs ia-se para a Praia Grande, de tarde fica-
va-se em casa ou ia-se jogar bola e tomar banho de mar na Guarita. Durante muitos dias, adiei
meu programa da tarde para ficar lendo as páginas do Noite ainda quentes do forno, ouvindo
do pai a advertência de que faltavam as correções no que eu estava lendo. Ele batia à máquina
com os dez dedos, com grande rapidez, deixando amplos espaços entre as linhas. Depois revi-
sava o que tinha escrito, cortava ou acrescentava palavras e linhas, e copiava a página cor-
rigida. Li o Noite nas suas várias versões, a “crua” e a pronta. É um livro sombrio, apesar de
escrito num verão ensolarado. A ação se passa numa única noite, em que um homem perdido
numa cidade que não reconhece, pois perdeu até a memória, é levado por duas figuras diabó-
licas num mergulho às entranhas da noite e da cidade, que é ao mesmo tempo um mergulho
na sua própria alma cheia de culpas reais ou imaginárias, também não identificadas. O pai
escreveu em Solo de Clarineta, seu livro de memórias, que não pretendeu fazer mais do que um
exercício literário, insistindo que não escreveu a novela “para exorcizar nem mesmo cutucar
fantasmas que porventura assombrassem a casa do meu ser” mas muita gente não acreditou
nisso, interpretou o simbolismo do livro de várias maneiras ou simplesmente não gostou. Eu
acho que é um dos livros mais bem escritos do autor – e posso atestar que o estado da sua alma,
naquele verão de Torres, não tinha nada de sombrio.
Ou será que tinha? Escrevi acima que Noite era um anti-O Tempo e o Vento para dar uma ideia
do seu tamanho, em contraste com os três volumes alentados da trilogia. Mas também foi um
anti-O Tempo e o Vento no sentido de ser uma manobra diversionista do autor, para protelar
o começo da obra que precisava escrever, “O Arquipélago”, a parte final da trilogia. Que só foi
terminar anos depois. E na qual, aí sim, na cena da reconciliação de Floriano Cambará com o
pai, ele exorcizou um fantasma.
Atividades
1. Estabeleça um comentário a respeito dos principais traços que distinguem os textos literá-
rios de José Lins do Rego e de Lúcio Cardoso.
2 Esse texto foi escrito por Luís Fernando Verissimo, filho do escritor Erico Verissimo, e publicado na seção “Artigos” do
site criado pelo Governo Estadual do RS, em 2005, em comemoração ao centenário de nascimento de Erico Verissimo.
O título do texto refere-se à novela Noite, por ele publicada em 1954.
9
O ensaísmo social
Neste capítulo, vamos adentrar em um universo com o qual a nossa arte moderna dialo-
gou com frequência, desde as suas origens, nos primórdios do século XX: o ensaio sociológico
e estético, que tem como temas principais a formação do Brasil e a busca de definição de uma
identidade nacional.
Ao abordarmos essa produção ensaística de tons reflexivos e referenciais, nosso objetivo é
localizar a importância do texto de raiz socioantropológica para o delineamento de um perfil cul-
tural do povo brasileiro, específico do pensamento modernista. Partindo de tal proposta, podemos
destacar três nomes e suas respectivas obras mais importantes: Paulo Prado, autor de um pungente
ensaio sobre a tristeza brasileira, Retrato do Brasil; Sérgio Buarque de Holanda, que concebe um
dos livros fundamentais para pensarmos a nossa brasilidade, Raízes do Brasil, no qual surge o
conceito-chave de homem cordial; e Gilberto Freyre, criador do ideário luso-tropicalista, no arqui-
famoso Casa-Grande & Senzala.
A performance estética de Paulo Prado, a sua atuação intelectual no início do século no apo-
geu do nosso primeiro Modernismo, tem suas bases no cruzamento de dois eixos formativos de
nossa intelectualidade moderna: um, de origem interna, situa a sua obra como um desdobramento
da ensaística nacionalista, de fundo sociológico e cientificista, de fins do século XIX; o outro, colo-
ca-o como homem antenado com as novidades das vanguardas europeias, suas reflexões estéticas
de ruptura e busca de novidade (DUTRA, 2000, p. 237):
homem de sobrenome ilustre, de família da aristocracia paulista, intelectual
refinado, com circulação nos meios intelectuais parisienses, de onde se ori-
gina sua amizade com o poeta Blaise Cendrars, participante ativo das hostes
modernistas de 1922, discípulo intelectual, em idade madura, do historiador
Capistrano de Abreu, partner de Monteiro Lobato na Revista do Brasil, colabo-
rador de Mário de Andrade e Alcântara Machado na Revista Nova, Paulo Prado,
ao lado de outros nomes integrantes da intelectualidade brasileira de então,
viveu intensamente o período entre os anos de 1900 e 1922-1928.
Foi no ano de 1928 que Paulo Prado publicou o seu livro Retrato do Brasil, tendo como fonte
de inspiração o livro A Estética da Vida, de Graça Aranha. O ensaio é repleto de jogos intertextuais
com outras obras literárias, filosóficas, históricas, trazendo, inclusive, citações em francês. A obra
O ensaísmo social 93
dialoga, por exemplo, com trechos da Carta de Caminha, com um tratado escrito por Gabriel
Soares e com o texto crítico de Sílvio Romero. Paulo Prado se apropria de termos colhidos nas
obras de filósofos do porte de um Nietzsche, faz alusões a poetas românticos como Byron e Hugo
e estrutura, a fim de interpretar nosso passado, da seguinte forma o seu livro:
I – A Luxúria;
II – A Cobiça;
III – A Tristeza;
IV – O Romantismo.
Retrato do Brasil é um livro provocativo, registrando aspectos de nossa história e tradição
sob novo viés, como a impressão edênica que a nudez das mulheres indígenas despertou no ima-
ginário europeu, ou quando chama, sem meias palavras, de medíocre o livro Suspiros Poéticos e
Saudades, de Gonçalves de Magalhães, publicado em 1836. O ensaio de Paulo Prado teve a seguinte
recepção crítica (BOSI, 1994, p. 376):
o estudo, brilhante e fluente, desdobra-se em três partes nas quais se apontam
seguidamente a luxúria, a cobiça e a tristeza, paixões aviltadoras que marcaram
o índio, o português e o negro e teriam sido responsáveis pela doença típica do
povo brasileiro: o romantismo. A análise histórica é impiedosa, carregando nas
tintas que dão cor à tese, avesso ao meufanismo que se seguiu à Independência. meufanismo:
orgulho exagerado
em torno da ideia de
A seguir, leremos um trecho de Retrato do Brasil no qual o autor aborda a “indigência in- pátria.
telectual” do nosso passado colonial, critica a prática escravista e lança um rápido foco sobre a
problemática dos sertões brasileiros (PRADO, 1928, p. 93).
O desequilíbrio das inteligências representava as incertezas sociais e políticas
do momento histórico. O século XVIII no Brasil-colônia tinha sido o prolonga-
mento da indigência intelectual da metrópole. A escravidão agravava com a sua
ação deletéria a prematura senilidade, que aparentavam os grandes centros po-
pulosos. Pelos sertões tinham desaparecido as tradições seculares que promo-
veram, no período heroico, a descoberta, o povoamento e a exploração do país.
lúcida, aborda um fato determinante de nossa colonização, como demonstra o seguinte trecho
(HOLANDA, 1979, p. 3):
a tentativa de implantação da cultura europeia em extenso território, dotado de
condições naturais, se não adversas, largamente estranhas à sua tradição mile-
nar, é, nas origens da sociedade brasileira, o fato determinante e mais rico em
consequências. Trazendo de países distantes nossas formas de convívio, nossas
instituições, nossas ideias, e timbrando em manter tudo isso em ambiente mui-
tas vezes desfavorável e hostil, somos ainda hoje uns desterrados em nossa terra.
Reverberando os sentidos do fato de sermos uns desterrados em nossa terra, o ensaísta vai
se deter nas consequências históricas disso, localizando a cultura e os eventos que reafirmam as
ordens hierárquicas que nos controlam, a injustiça social advinda das noções de hierarquia e de
hereditariedade que ainda hoje nos perseguem. Segundo o autor (HOLANDA, 1979, p. 7),
toda hierarquia funda-se necessariamente em privilégios. E a verdade é que,
bem antes de triunfarem no mundo as chamadas ideias revolucionárias, portu-
gueses e espanhóis parecem ter sentido vivamente a irracionalidade específica,
a injustiça social de certos privilégios, sobretudo dos privilégios hereditários.
No capítulo II de Raízes do Brasil, intitulado “Trabalho & Aventura”, o autor deixa claro
que a exploração dos trópicos não levou em conta uma metodologia ou algum processo racional,
mas, ao contrário, diz Sérgio Buarque de Holanda, “fez-se antes com desleixo e certo abandono”
(HOLANDA, 1979, p. 13). Referindo-se aos primórdios de nossa colonização, o autor afirma:
nas formas de vida coletiva podem assinalar-se dois princípios que se combatem
e regulam diversamente as atividades dos homens. Esses dois princípios encar-
nam-se nos tipos do aventureiro e do trabalhador.
Na reflexão crítica de Raízes do Brasil, o colonizador não está relacionado ao tipo do tra-
balhador. Segundo o seu autor, “o que o português vinha buscar era, sem dúvida, a riqueza, mas
riqueza que custa ousadia, não riqueza que custa trabalho” (HOLANDA, 1979, p. 18).
O capítulo V da obra máxima de Sérgio Buarque de Holanda chama-se “O Homem Cordial”
e tece relações entre as heranças da nossa colonização e nossas ações comportamentais. A defini-
ção do homem cordial brasileiro, um dos momentos capitais do livro, toca na alma de nosso povo:
é o que age com o coração, aparentemente de maneira afetiva, preso a marcas familiares e pessoais
primárias, sem a polidez da ética aristocrática ou a impessoalidade do pragmatismo das relações
capitalistas (CANDIDO, 1979, p. 18):
O “homem cordial” não pressupõe bondade, mas somente o predomínio dos
comportamentos de aparência afetiva, inclusive suas manifestações externas,
não necessariamente sinceras nem profundas, que se opõem aos ritualismos da
polidez. O “homem cordial” é visceralmente inadequado às relações impessoais
que decorrem da posição e da função do indivíduo, e não da sua marca pessoal
e familiar, das afinidades nascidas na intimidade dos grupos primários.
O ensaísmo social 95
1 Marc Bloch foi um historiador francês do século XX, considerado o maior medievalista de todos os tempos.
2 Lucien Febvre e Fernand Braudel foram importantes historiadores franceses do século XX.
3 Jules Michelet foi um historiador francês do século XIX, a quem Roland Barthes dedicou um livro publicado em 1954.
96 Literatura brasileira II
Além dessas diferentes faces, o autor de Casa-Grande & Senzala foi, antes de tudo, um an-
tropólogo que procurou “entender o caráter e a formação do brasileiro a partir da rotina doméstica
da casa grande” (VELOSO, 1999, p. 152). A eleição desse olhar para a rotina faz o autor optar pela
inclusão da diferença, apresentando as múltiplas vozes do cotidiano da Colônia em suas especifi-
cidades, sem hierarquias, enriquecendo mais ainda a sua compreensão do objeto, que é mostrado
em toda a sua complexidade (VELOSO, 1999, p. 150): “segundo palavras de Gilberto Freyre, ele se
coloca no ponto de vista ‘do homem, do adulto, do branco, mas também do menino, da mulher, do
indígena, do negro, do afeminado e do escravo’”.
Assim, podemos perceber que o trabalho de apreensão do ser nacional buscado pela estética
modernista, por seus autores mais geniais – que souberam incorporar os procedimentos técnicos
de criação das vanguardas europeias, colocando-os a serviço de uma revisão de nossa cultura, de
nossa língua literária e de nossa história política e social –, tem como complemento incontornável
os estudos de nossa ensaística moderna. Por sua forte base antropológica e sociológica, esses en-
saios acabaram por gerar, sem preconceitos ou ufanismos, um perfil mais duradouro e verdadeiro,
porque fincado na história e na cultura da alma de nosso povo.
Alega-se, e com razão, que Euclides da Cunha, nos seus ensaios sobre a formação social do
Brasil, concede importância exagerada ao problema étnico, parecendo não ter atinado com a
extensão e a profundidade da influência da chamada “economia agrário-feudal” sobre a vida
brasileira. Ou seja: despreza o sistema monocultor, latifundiário e escravocrata na análise da
nossa patologia social; e exalta a importância do processo biológico – a mistura de raças –
como fator, ora de valorização, ora de deterioração regional e nacional.
5 Trecho inicial da “conferência lida na Biblioteca do Ministério das Relações Exteriores, Rio de Janeiro, em 29 de
outubro de 1940. Publicada pela Casa do Estudante do Brasil, em 1941. Incluída no livro Perfil de Euclides e outros perfis,
publicado em 1944” (FREYRE, 2018).
O ensaísmo social 97
São recentíssimos, aliás, os estudos que vão estabelecendo o primado do fator cultural – inclu-
sive o econômico – entre as influências sociais e de solo, de clima, de raça, de hereditariedade
de família, que concorreram para a formação da sociedade brasileira, em geral, e, particular-
mente, para as suas formas agrárias ou pastoris caracterizadas pelo latifúndio, pela exclusivi-
dade de produção e pelo trabalho escravo ou semiescravo, com todos os seus concomitantes
psicológicos de agricultura sem amor profundo à terra.
Não nos deve espantar que a Euclides da Cunha – a quem faltavam estudos rigorosamente
especializados de antropologia física e cultural ainda mais que os de geologia, nos quais nos
informou uma vez Arrojado Lisboa, a mim e a Rodrigo Mello Franco de Andrade, ter o autor
de Os Sertões recebido forte auxílio técnico de Orville Derby – impressionasse de modo par-
ticular o aspecto étnico, ou ostensivamente étnico, da geografia humana do Brasil. Nem que,
nos seus ensaios, resvalasse como resvalou, em mais de uma página eloquente, no pessimismo
dos que descreem da capacidade dos povos de meio-sangue – ou de vários sangues – para se
afirmarem em sociedades equilibradas e em organizações sólidas de economia, de governo
e de caráter nacional. Descrença baseada em fatalismo de raça. Em determinismo biológico.
Não é de espantar, porque dos contemporâneos de Euclides da Cunha, o próprio Nina
Rodrigues, com estudos especializados de antropologia (e cujo diagnóstico de psiquiatra do
caso do Conselheiro, Euclides seguiu muito de perto), não escapou a exageros etnocêntricos na
análise e na interpretação da nossa sociedade. Exageros que seriam seguidos por largos anos,
quase sem retificação, por vários discípulos do sábio maranhense; e retomados pelo Professor
Oliveira Vianna em obra erudita, publicada depois de 1920, quando no Museu Nacional já
se esboçara, com Lacerda, a tendência, depois acentuada pelo Professor Roquette Pinto, no
sentido de reabilitar-se experimentalmente o mestiço brasileiro, vítima de preconceitos cienti-
ficistas com aparência de verdades antropológicas.
Tais preconceitos foram gerais no Brasil intelectual de 1900: envolveram às vezes o próprio
Silvio Romero, cuja vida de guerrilheiro de ideias está cheia de contradições. Só uma exceção
se impõe de modo absoluto: a de Alberto Torres, o primeiro, entre nós, a citar o Professor
Franz Boas e suas pesquisas sobre raças transplantadas. Outra exceção: a de Manuel Bomfim,
turvado, entretanto, nos seus vários estudos, por uma como mística indianista ou indianófila
semelhante à de José de Vasconcellos, no México.
Daí não nos surpreender o pendor melancólico de Euclides para o fatalismo de raça. Aquele
seu – “ante as conclusões do evolucionismo, ainda quando reaja sobre o produto o influxo de
uma raça superior, repontam vivíssimos estigmas da inferior... de modo que o mestiço é, quase
sempre, um desequilibrado... um decaído sem a energia física dos ascendentes selvagens, sem
a altitude intelectual dos ascendentes superiores” (Os Sertões, 3.ª ed., p. 109) – é bem caracte-
rístico dos seus momentos de fatalismo étnico. Vê-se que Euclides da Cunha se viu às vezes
arrastado pelo que considerava a antropologia científica na sua expressão única e definitiva, a
acreditar na incapacidade do mestiço: incapacidade biológica, fatal.
Mas o certo é que não se extremou em místico de qualquer teoria de superioridade de raça.
O perfil que traça do sertanejo não é de um devoto absoluto de tal superioridade. Nem é fácil
de conceber que um homem como Euclides da Cunha, animado do culto da personalidade
humana tanto quanto do entusiasmo pelos planos arrojados de socialização dos grupos regio-
nais ou nacionais, pudesse ser hoje o etnocentrista desdobrado em totalitarista que entreveem
nele alguns críticos de belas-letras, para quem a caracterização psicológica dos indivíduos e
dos povos é um jogo fácil, ao sabor de caprichosos de momento ou de entusiasmo doutrinário
de ocasião.
98 Literatura brasileira II
Em Euclides da Cunha, o pessimismo diante da miscigenação não foi absorvente. Não o afas-
tou de todo da consideração e da análise daquelas poderosas influências sociais a cuja sombra
se desenvolveram, no Brasil, condições e formas feudais de economia e de vida já mortas na
Europa ocidental; traços aparentemente cacogênicos mas, na realidade, de patologia social,
que o isolamento de população, no sertão e mesmo nas proximidades do litoral, conservaria
até aos nossos dias. Aqueles fazendeiros do sertão que o escritor conheceu a usufruírem “para-
sitariamente as rendas das terras dilatadas, sem divisas fixas”, eram bem o prolongamento,
no espaço e no tempo, dos sesmeiros da colônia. Uns e outros, senhores de escravos ou de
semiescravos “perdidos nos arredores e mucambos”. Semiescravos, os dos sertões “cuidando a
vida inteira, fielmente, os rebanhos que lhes não pertencem”. (Os Sertões, 3.ª ed., p. 122). [...]
Dicas de estudo
• RAÍZES do Brasil: uma cinebiografia de Sérgio Buarque de Holanda. Direção de Nelson
Pereira dos Santos. Rio de Janeiro: Rio Filme, 2003. 148 min. Dirigido por Nelson Pereira
dos Santos, o longa traça um perfil afetivo e histórico do autor e contém depoimentos de
intelectuais como Antonio Candido. Na longa seção dedicada aos familiares, destacam-se
as presenças do cantor e compositor Chico Buarque de Holanda, filho mais famoso do
referido historiador, além de suas filhas cantoras Miúcha e Cristina Buarque de Holanda.
• GIUCCI, Guillermo; LARRETA, Enriqueta. Gilberto Freyre: uma biografia cultu-
ral – a formação de um intelectual brasileiro: 1900-1936. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2007. Nesse volume, os autores narram a vida intelectual de Gilberto Freyre
de 1900 a 1936.
Atividades
1. De que modo Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, estrutura seu pensamento
para apresentar o nosso processo de colonização?
2. Segundo a crítica contemporânea, qual é a contribuição que Gilberto Freyre traz às ciências
sociais, em relação aos antigos paradigmas das pesquisas científicas?
10
João Cabral e a Geração de 45
Neste capítulo, vamos estudar a produção estética de uma geração que marcou a poesia
brasileira do século XX: a Geração de 45. Essa geração de poetas não deu continuidade às ideias de
ruptura e inovação inauguradas em 22, mas alguns dos seus representantes dialogaram, de algum
modo, com poetas modernos representativos de 30, além de apresentarem, como veremos, outras
referências estéticas.
Um de nossos objetivos será entender as razões pelas quais há, na Geração de 45, um retor-
no à artesania verbal, uma recuperação pouco crítica do formalismo excessivo do verso tradicional.
E, com essa finalidade, vamos nos deter na produção de alguns de seus poetas mais representativos.
Contudo, nosso destaque maior será dado à poesia de João Cabral de Melo Neto, autor
que pertence, cronologicamente, à Geração de 45, mas com uma poética que rompe totalmen-
te com a estetização dessa geração, apresentando características únicas dentro do panorama
da poesia brasileira moderna.
No segundo artigo publicado no Diário Carioca, a crítica de João Cabral se detém agora
na relação entre a segunda e a terceira gerações. Nesse texto, o poeta ressalta o sentido de filiação
com a tradição literária da Geração de 45, em contraponto com a anterior, representada por auto-
res como Carlos Drummond de Andrade e Murilo Mendes – dois poetas cujas influências foram
fundamentais para a construção poética de João Cabral. Com isso, já insinuava a diferença de ca-
minhos trilhados por sua poesia e a da Geração de 45 (MELO NETO, 1994, p. 744):
pois a diferença entre os problemas que enfrentam os poetas de 1945 e os
poetas que, em livros publicados em 1930 ou suas imediações fixaram os
caminhos que a poesia brasileira até hoje vem seguindo, parece-me radical.
Somente tendo-se essa diferença em mente é possível compreender o processo
da obra desses poetas mais jovens: a dependência em que eles estão de uma
tradição, curta porém viva e atuante no momento em que penetraram na vida
literária, e os esforços no sentido do alargamento dessa tradição de vinte anos
que têm, inegavelmente, realizado em seus livros de poemas os escritores que
se revelaram por volta de 1945.
Ainda no segundo artigo para o Diário Carioca, João Cabral ressalta a impossibilidade de re-
volta e de ruptura da Geração de 45, e aponta o dilema no qual se encontravam os poetas que escre-
viam naquele contexto estético. Segundo o autor de Museu de Tudo (MELO NETO, 1994, p. 745),
os poetas de 1945 encontraram já uma determinada poesia brasileira, em ple-
no funcionamento, com a qual era impossível não contar. [...] O poeta dessa
geração de 1945, ao inaugurar a sua obra, tinha de escrever para aquela sensibi-
lidade, sem o que sua voz não seria percebida; mas tinha também de descobrir
seu timbre próprio, dentro do conjunto daquelas vozes mais velhas, sem o que
nenhuma atenção lhe seria concedida.
Como conclusão, o poeta dá ênfase a um fato estético bem importante para a compreen-
são da Geração de 45: “há um traço bem sintomático em todos esses poetas de 1945; todos par-
tem da experiência de um poeta mais antigo” (MELO NETO, 1994, p. 746). No terceiro artigo
publicado no Diário Carioca, João Cabral pinça ainda mais uma característica polêmica dessa
Geração: uma “certa tendência estetizante” (MELO NETO, 1994, p. 749). A crítica contemporâ-
nea interpreta tal tendência como uma certa “nostalgia restauradora de cânones pré-modernis-
tas” (CAMPOS, 2004, p. 78).
1 Hilda Hilst (1930-2004) é uma autora representativa dentre os nomes destacados pela crítica moderna ao referir-se
à chamada Geração 45. Além de poeta, Hilda Hilst produziu uma extensa obra de ficção, na qual destacam-se livros de
contos, novelas e peças de teatro. O seu livro Com os Meus Olhos de Cão e Outras Novelas (1986) é um dos textos mais
densos e criativos de nossa literatura, em torno da subjetividade feminina do final do século XX.
João Cabral e a Geração de 45 101
Em entrevista em que se posiciona em relação à poesia dessa geração, João Cabral afir-
ma: “da minha geração, destaco Ledo Ivo, que considero o maior de todos” (MELO NETO,
1972, p. 5). Com a palavra, então, o poeta maior de todos, que chama de social a poesia de João
Cabral (IVO, 2002):
[...] a gente se assemelhava no essencial: o poema encarado como um objeto
verbal, a poesia obedecendo a leis e não-leis, porque mesmo quando você faz
uma transgressão está dentro de um sistema. Demos muita importância à parte
construtiva, composicional da poesia. Era uma geração formalista, que foi ro-
tulada de 45 dois anos depois de aparecidos os poetas, ou seja, quando ainda
estavam quase no começo. Depois, cada um escolheu um caminho. Um poeta
subjetivo, quase surrealista, como João Cabral, foi cultivar a poesia social... Os
melhores dessa época mudaram. Os que não mudaram desapareceram. Mas foi
uma geração muito unida, tínhamos até uma pequena editora.
Arnaldo Carvalho
à ideia de escola literária; nessa perspectiva,
nada tenho a ver com a escola de 45 e com
seu ideário estético, formulado, aliás, por um
pequeno grupo dentre os nascidos em 1920 e
adjacências” (MELO NETO apud SECCHIN,
1999, p. 325).
Esclarecida a noção de geração poética,
devolvamos a palavra novamente ao poeta;
agora, para que saibamos algo a respeito das
inusitadas influências de sua poética. Diz o
autor de O Cão sem Plumas: “nenhum poeta, nenhum crítico, nenhum filósofo exerceu sobre mim
a influência que teve Le Corbusier2. Durante muitos anos ele significou para mim lucidez, clari-
dade, construtivismo. Em resumo: o predomínio da inteligência sobre o instinto” (MELO NETO,
1972, p. 4).
Não é por acaso que quando João Cabral (1920-1999) lançou, em 1942, Pedra do Sono – o
seu primeiro livro de poemas –, a obra tenha causado tanto impacto em nossa literatura. Mesmo
que este seu primeiro livro esteja ainda atravessado por elementos surrealistas – uma estética in-
corporada em nossas letras pela obra de Murilo Mendes, uma das primeiras influências de João
Cabral –, já traz, latente, as potencialidades de seu estilo particularíssimo, solar e construtivo. Estilo
esse que será plenamente desenvolvido em sua produção posterior. Acerca das mudanças opera-
das em sua poética, diz o autor: “a partir de O engenheiro, optei pela luz em detrimento da treva e
da morbidez. [...] Tive de lutar para conseguir essa poesia solar” (MELO NETO apud SECCHIN,
1999, p. 325).
2 Arquiteto e pintor francês de origem suíça. É considerado, juntamente com Frank Lloyd e Oscar Niemeyer, um dos mais
importantes arquitetos do século XX.
102 Literatura brasileira II
Na contramão do ideário estetizante da Geração de 45, o poeta afirma: “não sinto a menor
necessidade poética de tratar de temas metafísicos no sentido filosófico do termo, nada a ver com
os chamados poetas metafísicos, como o inglês John Donne, que eu admiro muito e influenciaram
demais minha obra” (MELO NETO, 1972, p. 5).
Apresentamos, a seguir, um trecho do longo poema que compõe o volume O Cão sem
Plumas, para detectarmos os modos como o poeta descarta os temas metafísicos no sentido filosófi-
co, insistindo na noção de visibilidade, de que faz uma poesia bem mais próxima das artes plásticas
do que da música. Publicado na Espanha, esse livro possui o Rio Capibaribe de Pernambuco como
“personagem”, em torno do qual as reflexões e construções de linguagem se estruturam. “Mais do
que qualquer obra anterior, é O Cão sem Plumas (1950) que exprime com maior consistência as
relações entre discurso poético e espaço referencial” (SECCHIN, 1999, p. 71). Chama-se “Discurso
do Capibaribe” a parte do poema a seguir (MELO NETO, 1994, p. 114):
[...]
IV
Aquele rio
está na memória
como um cão vivo
dentro de uma sala.
Como um cão vivo
dentro de um bolso.
Como um cão vivo
debaixo dos lençóis,
debaixo da camisa,
da pele.
O que vive
incomoda de vida
o silêncio, o sono, o corpo
que sonhou cortar-se
roupas de nuvens.
O que vive choca,
[...]
João Cabral e a Geração de 45 103
Além de Pernambuco, sua história, os canavieiros e sua geografia, outro espaço e seus seres
aparecem constantemente na poética cabralina. Trata-se da Espanha, país no qual o poeta morou
durante muitos anos trabalhando como diplomata. No livro Quaderna (1959), João Cabral aciona
o diálogo poético entre o Nordeste e a Espanha, como espaços “marcados pelo valor comum de
uma condição humana definida pelos signos da carência e do menos” (SECCHIN, 1999, p. 133,
grifos do original). Exemplar desse diálogo espacial e poético é o texto a seguir, no qual “as noções
de economia”, “solidão” e “claridade” ficam nítidas (MELO NETO, 1994, p. 247):
A palo seco
Se diz a palo seco
o cante sem guitarra;
o cante sem; o cante;
o cante sem mais nada;
[...]
as paredes caiadas,
a elegância dos pregos,
a cidade de Córdoba,
o arame dos insetos.
Em 1975, já com a obra consolidada, eleito membro da Academia Brasileira de Letras e reve-
renciado pela crítica internacional3, João Cabral lança aquele que ele mesmo considera o seu livro
“menos rigoroso como concepção geral” (MELO NETO apud SECCHIN, 1999, p. 332): Museu de
Tudo. O livro é composto por poemas escritos em diferentes fases da vida do poeta, sendo conside-
rado um dos seus textos mais metalinguísticos, já que se trata de um volume repleto de referências
a quadros, pintores, arquitetos e cidades – as grandes influências assumidas pelo poeta.
Como a palavra museu sugere, no título do referido livro, o tempo, o artista e o leitor são
também personagens dessa poética. Nela torna-se imperativo conjugar verbos como construir e,
principalmente, fazer (MELO NETO, 1994, p. 384):
O Artista inconfessável
Fazer o que seja é inútil.
Não fazer nada é inútil.
Mas entre fazer e não fazer
mais vale o inútil do fazer.
Mas não, fazer para esquecer
que é inútil: nunca o esquecer.
Mas fazer o inútil sabendo
que ele é inútil, e bem sabendo
que é inútil e que seu sentido
não será sequer pressentido,
fazer: porque ele é mais difícil
do que não fazer, e dificil-
mente se poderá dizer
com mais desdém, ou então dizer
mais direto ao leitor Ninguém
que o feito o foi para ninguém.
3 Detentor de vários prêmios importantes como o Prêmio Jabuti, o Neustadt International Prize for Literature, da Uni-
versidade de Oklahoma, e o Prêmio Luis de Camões (concedido conjuntamente pelos governos de Portugal e do Brasil),
entre outros, João Cabral foi um dos autores brasileiros mais cogitados como possível ganhador de um Prêmio Nobel.
João Cabral e a Geração de 45 105
Acerca desse texto bastante traduzido e encenado, e que foi musicado por Chico Buarque de
Holanda, diz o poeta (MELO NETO apud SECCHIN, 1999, p. 330):
[...] com Morte e Vida Severina, quis prestar uma homenagem a todas as lite-
raturas ibéricas. Os monólogos do retirante provêm do romance castelhano. A
cena do enterro na rede é do folclore catalão. O encontro com os cantores de
incelenças é típico do Nordeste. incelenças: cantos
religiosos da tradi-
A seguir, vejamos a fala inicial do auto, na qual o personagem Severino, retirante nordestino, ção oral nordestina.
Morte e Vida Severina é um marco na obra de João Cabral. Texto de dimensão popular, acaba
por levar o poeta a descobrir uma faceta nova de sua própria poesia; leiamos a descrição do proces-
so nas palavras do poeta (MELO NETO, 1972, p. 4):
Sempre me considerei um poeta plástico e intelectualista; portanto, um poeta
não-polêmico, isto é, não-dramático. Depois de “Morte e Vida”, comecei a ver
que a minha poesia é dramática, não no sentido de ter sido escrita para o teatro
e nem no sentido de ser drama, mas porque existe nela um elemento de ironia e
sarcasmo, sem haver um interlocutor vivo.
João Cabral de Melo Neto não deixa de ser um poeta subjetivo. Selecionou o seu mundo,
reduziu-o a um grupo de significações. O seu interesse sempre esteve presente. Como negar a
emoção? Pode-se aceitar a negação da emoção que o poeta faz (para ele, emoção significa tur-
bulência do espírito, uma espécie de enfraquecimento moral, o estado líquido da alma). Mas
não se pode excluir a emoção como base, ou seja, como interação do homem com o mundo.
Desde “O Engenheiro”, João Cabral de Melo Neto tem encontrado abrigo no racionalismo. Por
uma evolução pessoal, cujas contingências ainda ficam por revelar, e por uma deliberada esco-
lha artística, ele mudou de caminho em sua poesia. Talvez tenha alterado até mesmo sua crença
na poesia (um desvio da prosa?). “Pedra do Sono” é totalmente diferente de “O Engenheiro”
e dos livros que o seguem, não apenas por uma ascese de artista, uma invocação do gênio, e
sim por uma mudança de concepções. No primeiro livro, em forma não muito desenvolvida,
João Cabral e a Geração de 45 107
Dicas de estudo
Para novas abordagens acerca da vida e da obra de João Cabral de Melo Neto, recomenda-
mos as seguintes produções:
• RECIFE/SEVILHA, João Cabral de Melo Neto. Direção de Bebeto Abrantes. São Paulo:
Original/Visocopy, 2002. 52 min. Com direção de Bebeto Abrantes e lançado em 2002,
esse documentário contém uma das últimas entrevistas dadas pelo poeta João Cabral e
apresenta imagens e sons dos dois espaços referenciais de sua poética: o sertão pernam-
bucano e a Espanha.
• MORTE e vida severina. Direção e roteiro de Walter Avancini. Teleteatro. Rio de janeiro:
Globo Marcas, 1982. Teleteatro dirigido por Walter Avancini para a TV Globo, em 1981,
a obra apresenta os versos de João Cabral com música de Chico Buarque de Hollanda.
Os atores José Dumont e Elba Ramalho destacam-se nos principais papéis.
Atividades
1. Segundo a leitura crítica de João Cabral, por que a Geração de 45 não se revoltou contra as
gerações de poesia brasileira que a precederam?
Estudaremos neste capítulo um tipo de ficção brasileira que surge, no século XX, por volta
do ano de 1945 – portanto, no contexto final da Segunda Guerra Mundial. Essa prosa ficcional
nasce sob o signo do experimentalismo e possui como marca e referência de sua fundação o nome
de uma escritora muito especial, criadora de uma linhagem estilística das mais ricas da literatura
brasileira: Clarice Lispector (Ucrânia, 1925 – Rio de Janeiro, 1977).
Nosso objetivo é, em primeiro lugar, apreender os aspectos formais, temáticos e linguís-
ticos da prosa romanesca produzida no período, momento em que o projeto do Modernismo
está definitivamente consolidado no país. A seguir, vamos nos deter no estudo da voz femi-
nina e do lugar singular que Clarice Lispector ocupa em nossas Letras, seja, por exemplo,
como a romancista consagrada de A Hora da Estrela (1977), seja como a cronista sensível de
A Descoberta do Mundo (1984).
1 Essa euforia refere-se ao governo (1956-1961) do presidente Juscelino Kubitschek, que construiu a cidade de Brasília,
e cujo lema de desenvolvimento para o Brasil era “Cinquenta anos em cinco”.
110 Literatura brasileira II
que, de resto, já estão contidas no início do romance, aberto por sinais gráficos e não por palavras,
os sugestivos seis travessões: “− − − − − − estou procurando, estou procurando. Estou tentando
entender. Tentando dar a alguém o que vivi e não sei a quem, mas não quero ficar com o que vivi”
(LISPECTOR, 1977, p. 5).
As pesquisas formais presentes em A Paixão Segundo G. H. são índices de ruptura com o
padrão do romance tradicional e com as noções de gêneros literários. Os conceitos tradicionais
de forma são fortemente abalados, para que adquiram outras acepções, mais experimentais e mo-
dernas: “a palavra e a forma serão a tábua onde boiarei sobre vagalhões de mudez” (LISPECTOR,
1977, p. 17). Ainda no terreno das rupturas, Clarice escreve que a noção de gênero não a pega mais,
e chega mesmo a ser radical e exigente com seus leitores no prólogo “A possíveis leitores”, pequeno
texto que abre o romance (LISPECTOR, 1977, p. 1):
Este livro é como um livro qualquer. Mas eu ficaria contente se fosse lido
apenas por pessoas de alma já formada. Aquelas que sabem que a aproxi-
mação, do que quer que seja, se faz gradualmente e penosamente – atraves-
sando inclusive o oposto daquilo de que se vai aproximar. Aquelas pessoas
que, só elas, entenderão bem devagar que este livro nada tira de ninguém.
A mim, por exemplo, o personagem G.H. foi dando pouco a pouco uma
alegria difícil; mas chama-se alegria.
A atenção e o diálogo com o outro – o leitor (esse desejo do leitor de alma já formada) – é
um procedimento recorrente na escritura de Clarice Lispector. Outro procedimento também utili-
zado pela autora e relacionado ao universo da oralidade é o tom de confissão, e até de súplica, que
emerge dos seus textos. Dado curioso que aponta para uma porção “religiosa”, herança de filiação
romântica, no seio da modernidade, e que esteve presente também na geração modernista anterior.
A porção religiosa de Clarice Lispector desvela um recurso estético que foi visto pela crítica
como uma das chaves de leitura dos seus textos: a noção de epifania. Termo que significa lumi-
nosidade, revelação e que em algumas religiões, como a grega, base de nossa cultura ocidental, é
fundamental para nortear as relações entre os homens e os deuses. Estes só podem aparecer aos
mortais sob a forma hierofânica, nomeados e disfarçados de humanos, pois se aparecem em sua
dimensão epifânica, em sua potencialidade divina, levam à crise e à morte, já que o homem não
tem condições de lidar com um deus em todo o esplendor de sua força.
No universo da crítica literária, o texto epifânico pode ser compreendido como o “relato de
uma experiência que a princípio se mostra simples” (SANT’ANNA, 1977, p. 5), mas que termina se
revelando uma ruptura profunda, ao desfazer as bases de sustentação psíquica, linguística, afetiva.
Apesar de apresentar-se como problemática, por abalar fortemente alguma ordem anterior, essa
experiência humana riquíssima produz uma sintonia instantânea entre a consciência, os sentidos,
o corpo, inaugurando um outro olhar e sugerindo outras formas de visibilidade e de vida.
A Paixão Segundo G. H. é um texto que pode também ser lido como a paixão segundo o
grotesco ou segundo o mundano. A experiência mística e solitária da narradora conecta o plano
divino e sublime ao grotesco, sendo vivificada por meio de elementos que despertam nojo e sur-
presa. Diz a narradora referindo-se à barata que surge no quarto onde morava a empregada de
G. H. (LISPECTOR, 1977, p. 99-100):
112 Literatura brasileira II
Era-me nojento o contato com essa coisa sem qualidades nem atributos, era
repugnante a coisa viva que não tem nome, nem gosto, nem cheiro. [...] Ah, pelo
menos eu já entrara a tal ponto na natureza da barata que já não queria fazer
nada por ela. Estava me libertando de minha moralidade, e isso era uma catás-
trofe sem fragor e sem tragédia.
A leitura dessa narrativa demonstra que quanto mais a narradora penetra no reino do ter-
reno, do mundano, do grotesco metaforizado pela presença da barata, menos ela se conforma aos
imperativos da norma e da moral. Sua busca, que exige uma redenção no presente, não em juízos
finais, é a da incorporação do divino ao cotidiano, com um deus que se revela em todas as formas e
modos de vida da Terra: “quero encontrar a redenção no hoje, no já, na realidade que está sendo, e
não na promessa, quero encontrar a alegria neste instante – quero o Deus naquilo que sai do ventre
da barata [...]” (LISPECTOR, 1977, p. 99-100).
Torna-se imperativo constatar que a narradora vive os altos e baixos de sua busca, por meio
da ausência e da fragmentação, sob o signo do desejo de alegria. Nesse romance, no qual as in-
formações são terrivelmente incompletas e a verdade é constantemente questionada, a perda e a
falta não são narradas com melancolia ou tristeza. Muito pelo contrário, como nos expõem estas
palavras da narradora: “desamparada, eu te entrego tudo – para que faças disso uma coisa alegre”
(LISPECTOR, 1977, p. 15).
Dialogando com as figurações dos animais imundos que aparecem na Bíblia – “o animal
imundo da Bíblia é proibido porque o imundo é a raiz” –, a narradora de A Paixão Segundo G. H.
ratifica sua alegria fundada a partir da diferença e do que se parte, do que se quebra (LISPECTOR,
1977, p. 155): “pois do regozijo sem remissão, já estava nascendo em mim um soluço que mais pa-
recia de alegria. Não era um soluço de dor, eu nunca o ouvira antes: era o de minha vida se partindo
para me procriar”.
A grosseria de Deus me feria e unsultava-me. Deus era bruto. [...] foi porque o
mundo também é rato, e eu tinha pensado que já estava pronta para o rato tam-
bém. Porque eu me imaginava mais forte. Porque eu fazia do amor um cálculo
matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não
sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente.
2 É importante atentar para a presença recorrente de animais nos textos de Clarice Lispector. Além do rato dessa crônica
e da barata que habita as páginas do romance A Paixão Segundo G. H., lembremos que alguns livros infanto-juvenis da
autora também remetem a vários animais, como demonstram os seguintes títulos: A Mulher que Matou os Peixes, A Vida
Íntima de Laura (Laura é uma galinha) e O Mistério do Coelho Pensante.
114 Literatura brasileira II
Clarice Lispector deixou vários depoimentos sobre a sua produção literária. Em alguns, pare-
cia se defender do estranhamento que causava em leitores e críticos.
Ela tinha consciência de sua diferença. Desde pequena, ao ver recusadas as histórias que man-
dava para um jornal de Recife, pressentia que era porque nenhuma “contava os fatos neces-
sários a uma história”, nenhuma relatava um acontecimento. Sabia também, já adulta, que
poderia tornar mais “atraente” o seu texto se usasse, “por exemplo, algumas das coisas que
emolduram uma vida ou uma coisa ou romance ou um personagem”.
Entretanto, mesmo arriscando-se ao rótulo de escritora difícil, mesmo admitindo ter um
público mais reduzido, ela não conseguiria abrir mão de seu traçado: “Tem gente que cose
para fora, eu coso para dentro”. Ela se afastou dos “escritores que por opção e engajamento
defendem valores morais, políticos e sociais, outros cuja literatura é dirigida ou planificada
a fim de exaltar valores, geralmente impostos por poderes políticos, religiosos etc., muitas
vezes alheios ao escritor”, em nome de uma outra forma de questionar a realidade e nela
intervir, através da literatura. Talvez sem o saber, Clarice estava optando por um tipo de
escrita característica do escritor moderno, para quem, no dizer do crítico francês Roland
Barthes, escrever é “fazer-se o centro do processo de palavra, é efetuar a escritura afetando
— se a si próprio, é fazer coincidir a ação e a afeição (...)”. Por esta via, formula-se uma outra
qualidade de experiência envolvida na escrita, uma nova perspectiva pela qual a linguagem
é concebida: mais importante do que relatar um fato, será praticar o autoconhecimento e o
alargamento do conhecimento do mundo através do exercício da linguagem.
A hora da estrela leva esta proposta às últimas consequências e por isso a sua leitura torna-
-se tão instigante. É certo que aqui reencontramos a agudeza na investigação da natureza e
psicologia humanas e o gosto pela minúcia, patente no trato dado à palavra, tão peculiares
a Clarice Lispector. Mas se lermos o livro como hora e vez, inserindo-o no conjunto de
sua obra, constataremos que existe algo de novo para além do insólito prefácio, em forma
de dedicatória, da frouxidão do enredo, da mescla de linguagem sutil com um tom des-
nudo e cru ou, ainda, da intimidade com que o choque social é apresentado. É que aqui a
Autora aborda de frente o embate entre o escritor moderno, ou melhor, do escritor brasileiro
moderno, e a condição indigente da população brasileira. Isto sem deixar de lado — afinal
de contas, traz a assinatura de Clarice Lispector — a reflexão sobre a mulher.
Dicas de estudo
Para novas abordagens acerca da vida e da obra de Clarice Lispector, recomendamos as
seguintes obras:
• A HORA da estrela. Direção de Suzana Amaral. Roteiro de Suzana Amaral e Alfredo Oroz.
Produção de Assunção Hernandes. São Paulo: Raiz Produções Cinematográficas,1985. 96
min. Narrando a vida de Macabea, a nordestina de 19 anos que vem morar no Rio de
A ficção depois de 45 (o romance experimental): Clarice Lispector 115
Janeiro, o longa de 1985 deu à atriz Marcélia Cartaxo um dos maiores prêmios interna-
cionais de cinema: o Urso de Prata de Berlim;
• BALABANIAN, Aracy. A descoberta do mundo: Clarice Lispector por Aracy Balabanian.
Luz da Cidade, 2002. 1 CD-ROM. Composto por contos e crônicas da autora de
A Descoberta do Mundo, a obra é produzida pelo selo Luzes da Cidade, com seleção de
textos de Paulinho Lima, e contém textos como “Felicidade Clandestina” e “Perdoando
Deus”, entre outros clássicos de Clarice;
• GOTLIB, Nadia Battella. Clarice: uma vida que se conta. São Paulo: Edusp, 2010. O livro
traça a trajetória da vida da autora que nasceu na Ucrânia e veio para o Brasil com dois
anos, fixando-se na região Nordeste (Alagoas e Pernambuco) e depois no Rio de Janeiro.
O estudo de Gotlib elabora um roteiro bibliográfico com o qual é possível acompanhar a
produção literária de Clarice Lispector.
Atividades
1. Que relações podemos tecer entre as ideias do sublime e do grotesco que os textos de Clarice
Lispector sugerem?
Neste capítulo, vamos conhecer a obra de um autor que, junto do escritor carioca Machado
de Assis, divide a glória de ser considerado, seguindo o aval de maior parte da crítica literária
brasileira, nosso melhor romancista: Guimarães Rosa (Cordisburgo, MG, 1908 – Rio de Janeiro,
RJ, 1967) – situação que, nesse caso particular, desafia a física, pois dois corpos, ou melhor, duas
grandes obras, dividem o mesmo espaço.
O objetivo de nosso trabalho é estudar a transformação linguística e literária levada a cabo
por Guimarães Rosa na escritura ficcional brasileira, um procedimento efetuado pelo autor ao
reler, de modo crítico-criativo, a tradição sertaneja em nossa prosa de ficção. Tradição essa na qual
podemos inserir autores do porte de um José de Alencar e/ou Euclides da Cunha.
Vamos perceber como os conteúdos sociais e psicológicos de Grande Sertão: Veredas são
apresentados em sua especificidade literária. Como se revelam por meio de sofisticadas técnicas
modernas de construção romanesca, que incluem intensa pesquisa experimental de linguagem.
Por meio desses procedimentos e dessas pesquisas, Guimarães Rosa ultrapassa as dimensões
realista e referencial típicas do Regionalismo criado anteriormente em nossa literatura, construin-
do uma obra em que os elementos míticos, místicos e poéticos são ressaltados no universo da pro-
sa. Sob tal perspectiva, de cunho universalizante, podemos entender melhor Guimarães quando ele
afirma que “o sertão é o mundo”.
Nessa operação metalinguística, Guimarães Rosa exige do leitor de sua narrativa um proces-
so de recriação do seu repertório, que é próprio da poesia. Pois ao reler as imagens das linguagens
que o autor ouviu e recriou, o leitor acaba por reescrevê-las. Tal leitura criativa, que reescreve o
que lê, se dá pelo contato com um texto que prioriza a dimensão significante da linguagem e que
exerce uma radicalidade no uso semântico da palavra, como sugere o desejo de definição expresso
nesta fala de Riobaldo – o personagem do cultuado romance Grande Sertão: Veredas: “dificultoso,
mesmo, é um saber definido o que quer, e ter o poder de ir até no rabo da palavra” (ROSA, 1986,
p. 163).
Questionando a possibilidade de seu amor vir do demo, Riobaldo vivencia com Diadorim
uma guerra afetiva na qual prazer e dor, palavra e silêncio, desafio e medo são a tônica dos com-
bates. Sua relação com o cupido é atormentada e culposa: “Sei que tenho culpas em aberto. Mas
quando foi que minha culpa começou?” (ROSA, 1986, p. 131).
Personagens de um cenário socialmente problemático e existencialmente preconceituoso,
Riobaldo e Diadorim cultivam a culpa e o medo, na medida em que o desejo sexual é julgado como
moralmente errado e a mente volta-se contra o corpo. Por causa desse conflito, Riobaldo diz entrar
em “máquinas de tristeza”.
Desnecessário sublinhar que tipo de fala e de linguagem produz um corpo que se mostra
associado à imagem literária tão maravilhosa quanto máquinas de tristeza. Operando essa maqui-
naria poética, Riobaldo contata várias formas de medo, oscilando entre a tontura e o vazio, como
demonstra o seguinte fragmento (ROSA, 1986, p. 142):
ouvi retardado, não pude dar resposta. Me amargou no cabo da língua. Medo.
Medo que maneia. [...] Bananeira dá em vento de todo lado. Homem? É coisa
que treme. [...] Tem diversas invenções de medo, eu sei, o senhor sabe. Pior de
todas é essa: que tonteia primeiro, depois esvazia. Medo que já principia com
um grande cansaço [...] Medo do que pode haver sempre e ainda não há. O se-
nhor me entende: costas do mundo.
Sempre transitório e tentando entender os motivos dos seus medos e das suas raivas,
Riobaldo admite não ter medo do perigo, diz criar coragens, mas assume o seu medo de errar – o
que ele transforma em paciência, aconselhando: “pudesse tirar de si esse medo-de-errar, a gente
estava salva” (ROSA, 1986, p. 173).
Sem salvar seu amor por Diadorim, Riobaldo desvia-se da via-sacra da paixão (por medo de
errar?), justificando ser o espírito do homem um “cavalo que escolhe estrada: quando ruma para
tristeza e morte, vai não vendo o que é bonito e bom” (ROSA, 1986, p. 174). Riobaldo assegura ain-
da que renega Diadorim por motivo de vergonha. Mas, admite que quanto mais renega sua paixão
por outro jagunço, mais aproxima-se dela, como se sentisse o sol entrando.
Com medo dos castigos divinos, nosso sertanejo é um homem que acredita no bem isolado
do mal, e sente-se tenente aos cataclismas corporais (os tiroteios instalavam no corpo o ranço
nervoso). Riobaldo reconhece o trivial do corpo, aprendendo os ritmos e meandros da respiração
de quem tem medo e ama. Ele mente para si e para o objeto amado também. Nessa narrativa que
envolve a mentira, o encontro, o amor, o ódio e o medo, o jagunço indaga: “O prazer muito vira
medo, o medo vira ódio, o ódio vira esses desesperos?” (ROSA, 1986, p. 127).
Riobaldo sabe que o desespero gera tristezas, produz saudades, mas planta esperanças. Sua
vivência sertaneja ensinou-lhe haver um eterno retorno desses sentimentos e que a disciplina do
amor obedece às leis profundas e harmoniosas que nem sempre são da ordem da compreensão
humana. Por isso, não seria impossível ouvir novamente Diadorim que “falava assim afetuoso, tão
sem outras asas” (ROSA, 1986, p. 222).
Grande Sertão: Veredas é um livro no qual um amálgama de gêneros estéticos e de senti-
mentos humanos coexistem e se entrelaçam. O livro contém elementos trágicos, épicos, líricos,
120 Literatura brasileira II
portuguesa. Motivo pelo qual alguns críticos dizem que o autor mineiro chegou a fundar uma es-
pécie de idioma particular, e não apenas um estilo de linguagem na literatura brasileira.
O gênio de Guimarães também se espalhou pelo gênero propriamente lírico, a poesia, apesar
de esta sempre ter estado presente em sua prosa narrativa. Na verdade, seu único livro de poe-
mas, Magma, foi a primeira produção literária do autor, que, curiosamente, não publicou em vida.
Apesar de a obra, em 1936, receber o prêmio de poesia da Academia Brasileira de Letras, tal fato
não estimulou Guimarães a colocá-la no mercado à época. Magma foi publicada postumamente,
somente nos anos 1990, muito tempo após a morte do autor, em 1967 – mas trazendo ainda as
ilustrações de Poty, ilustrador de todas as suas obras anteriores.
Podemos perceber o futuro narrador em muitos poemas do livro, que traz uma produção
poética que se deixa atravessar, no geral, por índices de outros gêneros literários, característica,
afinal, de sua criação posterior. Como nos mostra este belo “Madrigal” (ROSA, 2006, p. 116), que
mistura a leveza do lirismo com a força violenta e trágica da natureza:
No tronco do jequitibá,
que estavas abraçado,
colando-lhe o corpo, do rostinho aos pés,
vejo os arranhões fundos,
onde o canguçu, quase de pé,
afia as garras,
e, mais embaixo, a casca estraçalhada,
onde os catitus vêm acerar os dentes...
O poeta não cita: canta. Não se traça programas, porque a sua estrada não tem marcos nem
destino. Se repete, são ideias e imagens que volvem à tona por poder próprio, pois que entre
elas há também uma sobrevivência do mais apto. Não se aliena, como um lunático, das agi-
tações coletivas e contemporâneas, porque arte e vida são planos não superpostos mas inter-
penetrados, com o ar entranhado nas massas de água, indispensável ao peixe – neste caso ao
homem, que vive a vida e que respira arte. Mas tal contribuição para o meio humano será a
de um órgão para um organismo: instintiva, sem a consciência de uma intenção, automática,
discreta e subterrânea.
Com um fosso fundo ao redor de sua turris ebúrnea, deixa a outros o trabalho de verificarem
de quem recebeu informações ou influências e a quem poderá ou não influenciar.
E o incontentamento é o seu clima, porque o artista não passa de um místico retardado, sem-
pre a meia jornada. Falta-lhe o repouso do sétimo dia. Não tem o direito de se voltar para o
já-feito, ainda que mais nada tenha por fazer.
A satisfação proporcionada pela obra de arte àquele que a revela é dolorosamente efêmera:
relampeja, fugaz, nos momentos de febre inspiradora, quando ele tateia formas novas para
1 Trecho do discurso proferido por Guimarães Rosa na Academia Brasileira de Letras, em agradecimento ao prêmio con-
cedido a Magma (1936), livro de poemas publicado somente em 1997.
122 Literatura brasileira II
exteriorização do seu magma íntimo, do seu mundo interior. Uma tortura crescente, o inter-
valo de um rapto e um quase arrependimento. Pinta a sua tela, cega-se para ela e passa adiante.
Se a surdez de Beethoven tivesse lhe trazido a infecundidade, seria um símbolo. Obra escrita
– obra já lida – obra repudiada: trabalhar em colmeias opacas e largar o enxame ao seu destino,
mera ventura de brisas e de asas.
Tudo isto aqui vem tão-somente para exaltar a importância que reconheço ao estímulo que
me outorgastes. Grande, inesquecível incentivo. O Magma, aqui dentro, reagiu, tomou vida
própria, individualizou-se, libertou-se do seu desamor e se fez criatura autônoma, com quem
talvez eu já não esteja muito de acordo, mas a quem a vossa consagração me força a respei-
tar. Sou-lhe grato, principalmente, pelo privilégio que me obteve de poder – sem demasiadas
ilusões, mas reverente – levantar a voz neste recinto, como um menino que depõe o seu brin-
quedo na superfície translúcida de uma água, para a qual a serenidade não é a estagnação, e
cujo brilho da face viva nada rouba à projeção poderosa da profundidade. [...]
Dicas de estudo
Para novas abordagens acerca da vida e da produção literária de Guimarães Rosa, recomen-
damos as seguintes obras:
• GRANDE Sertão: Veredas. Direção de Geraldo dos Santos Pereira e Renato dos Santos
Pereira. São Paulo: Companhia Cinematográfica Vera Cruz, 1965. 92 min. O filme em
preto e branco foi produzido em 1965 e tem no elenco os atores Maurício do Valle, Jofre
Soares e Milton Gonçalves, entre outros. A obra foi recentemente lançada em DVD;
• VEREDAS de Minas. Direção de Fernando Sabino e David Neves. São Paulo: Bem-Te-Vi
Filmes, 1975. 10 min. A obra traz depoimentos ao vivo de Manuelzão e de outros personagens
do universo roseano, além de trecho do discurso de posse de Guimarães Rosa na Academia
Brasileira de Letras, em 1967, dois dias antes de sua morte. A obra foi recentemente lançada no
DVD Encontro Marcado com o Cinema, de Fernando Sabino e David Neves;
• BOLLE, Willi. grandesertão.br: o romance de formação do Brasil. São Paulo: Ed. 34, 2004.
(Coleção Espírito Crítico). Alentado ensaio escrito pelo professor Willi Bolle sobre Grande
Sertão: Veredas, o qual vê na obra de Guimarães o romance de formação do Brasil. A obra en-
saística compreende o romance como uma reescrita de Os Sertões, de Euclides da Cunha, e
dialoga com os intérpretes mais representativos de nossa formação cultural: Gilberto Freyre,
Sérgio Buarque de Hollanda, Caio Prado Jr., Antonio Candido, entre outros.
Atividades
1. Que possibilidades de leituras podemos fazer da porção afetiva do personagem Riobaldo, de
Grande Sertão: Veredas?
2. Movido por sentimentos de injustiça social e racial, tendo vivido preconceitos de diversas ordens du-
rante sua vida de cidadão comum e homem de Letras, Lima Barreto opta, em seus escritos, por utilizar
um estilo mais direto, jornalístico, de denúncia dos absurdos e desigualdades que estavam por detrás
das elites políticas e literárias oficiais de sua época. Hoje, a crítica literária vê nessa atitude de constru-
ção formal de suas obras, mais objetiva e menos elaborada expressivamente, uma postura irônica do
autor diante do artificialismo que dominava a literatura “sorriso da sociedade” de nossa Belle Époque.
2 As vanguardas europeias
1. O termo vanguarda significa, no universo das artes ou da política, o que está à frente. Ou seja: o
que vê adiante e propõe mudanças, mesmo que para isso sejam necessárias a quebra de paradig-
mas e a ruptura com a tradição. Por priorizar uma leitura subjetiva do ser humano, na relação
com o seu contexto, os movimentos de vanguarda traduzem uma certa estética do choque e da
agressão, que é comum às ruas das metrópoles modernas. O caráter experimental e demolidor
dessas estéticas demonstra, na maioria das vezes, o desejo de inovação artística e de reforma po-
lítica dos seus seguidores.
2. O Dadaísmo e o Surrealismo são os dois últimos movimentos de vanguarda. Eles têm em comum
a crítica ao sistema burguês e a atitude combativa diante dos valores propostos pela sociedade
ocidental. Mas, enquanto o Surrealismo propõe uma reforma dos paradigmas sociais, o Dadaís-
mo, como o mais radical dos movimentos, nega os paradigmas opressores da sociedade e nada
propõe, a não ser a destruição.
2. Duas tendências estéticas e ideológicas dominam os manifestos modernos. Uma dessas tendências é
representada por artistas que contataram alguns representantes das vanguardas europeias, e que são
influenciados pelas ideias de ruptura e pela necessidade de repensar a realidade brasileira. Mário e
Oswald de Andrade são os nomes mais representativos dessa tendência. A outra tendência dialoga
também com ideias nacionalistas, mas sob um ângulo conservador. A ela vinculam-se os artistas de
direita, representados por movimentos como o Verde-Amarelismo e o Grupo Anta, liderados por
Plínio Salgado, Cassiano Ricardo e Menotti Del Picchia.
2. Não é por acaso que o crítico e poeta Haroldo de Campos disse que Manuel Bandeira possui talvez
a dicção mais sutil do nosso Modernismo. Uma das principais características da poética do autor per-
nambucano é a recorrência aos ritmos construídos por meio dos versos livres, atentando para as suas
entoações e pausas. Isso possibilita a construção de um texto cuja musicalidade é conferida pelo leitor,
seja na leitura do poema, seja na audição da letra da canção.
2. As cartas escritas por Mário de Andrade podem ser consideradas como documentos históricos e cul-
turais porque ultrapassam a esfera da intimidade e se abrem a múltiplas camadas significativas, para
além da tonalidade pessoal e confessional. Ao transcender o que é considerado íntimo e particular,
o autor alcança o universo da projeção política e social, tratando de temas como: as diferentes rela-
ções entre cultura e nação; o patrimônio histórico nacional e os elementos da modernidade; a nossa
tradição artística e cultural e as inovações de vanguarda. Ao se enredar por tais tópicos, o texto da
carta ganha tonalidade ensaística, passando a ter uma dimensão histórica, antes outorgada apenas ao
ensaio e à resenha estética como espaços de exercícios críticos e referenciais.
Gabarito 125
2. Como dramaturgo, Oswald de Andrade apresenta a mesma marca que o caracteriza, seja como ro-
mancista, seja como ensaísta ou poeta: o traço crítico. Em peças como Rei da Vela, o autor debocha da
moral burguesa da sociedade do início do século XX e critica a tirania do sistema capitalista sobre o
indivíduo. Sua visão teatral é sintética, de vanguarda e foge da ideia de imitação. Essa visão de síntese
aposta também na construção de efeitos inventivos e acredita no jogo intertextual, já que na moder-
nidade o diálogo entre as artes e as linguagens é um procedimento criativo recorrente.
2. As expressões todos os movimentos e todas as línguas, todos os gestos, todos os signos denotam a ideia
de totalidade, enquanto o verso Sou ubíquo: estou em Deus e na matéria expressa os sentimentos de
ubiquidade e de totalidade também, ambos considerados pelo ensaísta e crítico João Alexandre Bar-
bosa como fundamentais para o projeto estético da modernidade.
2. O distanciamento, a objetividade e a ironia são recursos literários que a crítica destaca na prosa urba-
na do escritor Marques Rebelo. A chave para a leitura de sua obra estaria na dosagem de proximidade e
distância do narrador em face dos seres da ficção, segundo o ensaísta Alfredo Bosi, que ainda sublinha
a ausência da retórica na prosa urbana do escritor.
9 O ensaísmo social
1. A expressão metodologia dos contrários, que o crítico Antonio Candido usa para definir a estrutura
de organização das ideias de Raízes do Brasil, nos auxilia a compreender o processo de utilização de
dicotomias e contradições, por Sérgio Buarque de Holanda, para caracterizar a sociedade brasileira
desde a sua fundação. Por exemplo, a implantação da cultura europeia em nossa terra, com suas for-
mas de convívio trazidas e impostas para a nossa natureza e cultura, é tida pelo ensaísta como um fato
contraditório de nossa formação que determinará muito do que somos ainda hoje.
2. Antes do ensaio publicado por Gilberto Freyre, os trabalhos sociológicos e de cunho antropológico
apresentavam um viés positivista, cuja metodologia primava pelo distanciamento e neutralidade
do observador. A noção de objetividade também era da maior importância, em relação ao objeto
de estudo. Com Casa-Grande & Senzala, Gilberto Freyre atenta para a noção de diferença e passa
a levar em conta a sua perspectiva subjetiva na análise dos fatos. Além disso, o autor inclui na re-
flexão a sua porção estética de escritor, junto às demais facetas por ele assumidas como sociólogo,
antropólogo e historiador.
2. Quando publica Pedra do Sono, em 1942, o seu primeiro livro de poema, João Cabral apresenta um
texto no qual ecoam influências surrealistas que ele vai abandonar nos livros seguintes, em prol de
uma poética mais voltada para os elementos da estrutura e da forma. Ao publicar o livro Quaderna
(1959), o poeta aciona um diálogo poético entre o Nordeste e a Espanha, as suas raízes e o seu con-
texto profissional, encontrando pontos de convergência entre os dois espaços que, a partir deste texto,
serão tematizados em toda a sua poética. Com o texto Morte e Vida Severina revela-se a porção dra-
mática do autor, até então desconhecida.
Gabarito 127
2. A porção religiosa de Clarice Lispector pode ser dimensionada pelo traço de misticismo e religiosidade
que perpassa toda a sua produção literária, em suas mais variadas formas de expressão: nos romances,
nos contos, nas novelas, nas crônicas e na literatura infanto-juvenil. Herança típica do Barroco e do
Romantismo, essa religiosidade aflora em pleno Modernismo e não apresenta sintonia com dogmas
religiosos nem mandamentos bíblicos. Exemplar dessa problemática é o livro A Paixão Segundo
G. H., cujo título remete aos evangelhos da Bíblia e cujo discurso meditativo e existencial contrapõe
o divino ao terreno, o universal ao particular e o efêmero ao eterno (ela deseja encontrar Deus hoje,
não no futuro).
2. Alguns procedimentos estéticos e alguns elementos literários dão conta da singularidade de Tutameia.
O primeiro deles refere-se à forma do texto e à existência de quatro prefácios diferentes escritos pelo
autor para um mesmo livro. Outra informação relevante a respeito desse livro de contos modernos
(e de toda a obra de Guimarães Rosa) é a presença de muitos neologismos, cuja criação potencializa
a linguagem poética e renova as bases da própria língua portuguesa. Outro dado que o torna singular
é a produção de um discurso barroco, contraposto aos ideais clássicos de beleza, e em sintonia com a
noção de pluralidade.
Referências
ABEL, Carlos Alberto dos Santos. Os Movimentos de Vanguarda Europeia no Início do Século XX. In:
SAMUEL, Roger (Org.) Literatura Básica. Petrópolis: Vozes, 1985.
ANDRADE, Mário de. A Poesia em 1930. In: ______ . Aspectos da Literatura Brasileira. 4. ed. São Paulo:
Martins, 1972a.
______ . O Movimento Modernista. In: ______ . Aspectos da Literatura Brasileira. 4. ed. São Paulo:
Martins, 1972c.
______ . A Lição do Amigo: cartas de Mário de Andrade a Carlos Drummond de Andrade. Rio de
Janeiro: J. Olympio, 1982.
______ . Entrevistas e Depoimentos. In: LOPEZ, Telê Porto Ancora (Org.). Mario de Andrade, Entrevistas
e Depoimentos. São Paulo: T. A. Queiroz, 1983. (Estudos Brasileiros, v. 5).
______ . Cartas de Mário de Andrade a Luis da Câmara Cascudo. Belo Horizonte: Villa Rica, 1991.
______ . Macunaíma: o herói sem nenhum caráter. 31. ed. Belo Horizonte: Livraria Garnier, 2000.
______ . O Turista Aprendiz. Belo Horizonte: Itatiaia, 2002. (Obras de Mário de Andrade, v. 20).
ANDRADE, Oswald de. Do Pau-Brasil à Antropofagia e às Utopias. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1978a. (Obras Completas de Oswald de Andrade).
______ . Poesias Reunidas. 5. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978b. (Obras Completas de
Oswald de Andrade).
______ . Serafim Ponte Grande. 11. ed. São Paulo: Globo, 2005. (Obras Completas de Oswald de
Andrade).
ANJOS, Augusto dos. Eu. 37. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1987.
ARANHA, Graça. A Emoção Estética na Arte Moderna. In: TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda
Europeia e Modernismo Brasileiro. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 1985.
ARÊAS, Wilma. Clarice Lispector com a Ponta dos Dedos. São Paulo: Cia. das Letras, 2005.
ARRIGUCCI JÚNIOR, Davi. Humildade, Paixão e Morte: a poesia de Manuel Bandeira. São Paulo: Cia.
das Letras, 1990.
ATHAYDE, Tristão de. Os Ramos de Graciliano (posfácio). In: RAMOS, Graciliano. Viventes das
Alagoas. São Paulo: Record, 1992.
BAKHTIN, Mikhail. Questões de Literatura e de Estética: a teoria do romance. 2. ed. São Paulo: Ed. da
Unesp, 1990.
BANDEIRA, Manuel. A Versificação em Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Delta Larousse, 1960.
(Separata da Enciclopédia Delta Larousse).
______ . Coisa Alóvena, Ebaente. In: MORAES, Vinicius de. Nova Antologia Poética. CICERO, Antonio.
FERRAZ, Eucanaã (Org.). São Paulo: Cia. das Letras, 2005.
______ . Crônicas da Província do Brasil. Organização, posfácio e notas de Júlio Castañon Guimarães. 2.
ed. São Paulo: Cosac Naify, 2006.
130 Literatura brasileira II
BANDEIRA, Manuel. Itinerário de Pasárgada. In: ______ . Poesia Completa e Prosa. Rio de Janeiro: Nova
Aguilar, 1977.
______. Estrela da Vida Inteira. Poesia Reunida e Poemas Traduzidos. 11. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio,
1986.
______. Discurso do Sr. Manuel Bandeira. In: ABL - Academia Brasileira de Letras. Discursos Acadêmicos. Rio
de Janeiro, 2007. t. 3: 1936-1950, p. 603-626. Disponível em: <www.academia.org.br/abl/media/Tomo%20
III%20-%201936%20a%201950.pdf>. Acesso em: 17 set. 2018.
BARBOSA, Francisco de Assis. A Vida de Lima Barreto. Notas de revisão de Beatriz Resende. 8. ed. Rio de
Janeiro: J. Olympio, 2002.
BARBOSA, João Alexandre. A Modernidade do Romance. In: PROENÇA FILHO, Domício (Org.). O Livro
do Seminário. São Paulo: LR Ed., 1983.
BARRETO, Lima. Recordações do Escrivão Isaías Caminha. São Paulo: Brasiliense, 1956.
BARTHES, Roland. O Prazer do Texto. Tradução de: BARAHONA, Maria Margarida. Lisboa: Ed. 70, 1974.
BENJAMIN, Walter. O Surrealismo: o último instantâneo da inteligência europeia. In: ______ . Magia e
Técnica, Arte e Política. 5. ed. Tradução de: ROUANET, Sérgio Paulo. São Paulo: Brasiliense, 1993. (Obras
Escolhidas).
BORJA, Maria Isabel. Poesia Absolutamente Livre de Correntes. Jornal do Brasil, Caderno Ideias, Rio de
Janeiro, 20 jan. 2001.
BOSCO, João. Bandalhismo. São Paulo: RCA, Victor, 1980. 1 disco sonoro.
BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. 42. ed. São Paulo: Cultrix, 1994.
BRETON, André. Manifesto do Surrealismo. In: TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda Europeia e
Modernismo Brasileiro. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 1985.
CAMPOS, Haroldo de. Uma Poética da Radicalidade. In: ANDRADE, Oswald de. Poesias Reunidas. 5. ed.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. (Obras Completas de Oswald de Andrade).
______ . Bandeira, o Desconstelizador. In: ______ . Metalinguagem e Outras Metas: ensaios de teoria e crítica
literária. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 2004a. (Coleção Debates, 247).
______ . Da Crítica Antecipadora: evocação de Sérgio Buarque de Holanda. In: ______ . Metalinguagem e Outras
Metas: ensaios de teoria e crítica literária. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 2004b. (Coleção Debates, 247).
______ . Estilística Miramarina. In: ______ . Metalinguagem e Outras Metas: ensaios de teoria e crítica lite-
rária. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 2004c. (Coleção Debates, 247).
______ . Introdução à Escritura de Clarice Lispector. In: ______ . Metalinguagem e Outras Metas: ensaios de
teoria e crítica literária. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 2004d. (Coleção Debates, 247).
______ . Mário de Andrade: a imaginação estrutural. In: ______ . Metalinguagem e Outras Metas: ensaios de
teoria e crítica literária. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 2004e. (Coleção Debates, 247).
______ . Metalinguagem e Outras Metas: ensaios de teoria e crítica literária. 4. ed. São Paulo: Perspectiva,
2004f. (Coleção Debates, 247).
______ . Murilo e o Mundo Substantivo. In: ______ . Metalinguagem e Outras Metas: ensaios de teoria e
crítica literária. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 2004g. (Coleção Debates, 247).
______ . O Geômetra Engajado. In: ______ . Metalinguagem e Outras Metas: ensaios de teoria e crítica lite-
rária. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 2004h. (Coleção Debates, 247).
Referências 131
CAMPOS, Haroldo de. Serafim: um grande não-livro. In: ANDRADE, Oswald de. Serafim Ponte Grande. 11.
ed. São Paulo: Globo, 2005. (Obras Completas de Oswald de Andrade).
CANDIDO, Antonio. O significado de Raízes do Brasil. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil.
13. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1979.
______. SOUZA, Gilda de Mello e. Introdução. In: BANDEIRA, Manuel. Estrela da Vida Inteira. Poesia reu-
nida e poemas traduzidos. 11. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1986.
CARNEIRO, Geraldo. A influência da Obra Oswaldiana na Poesia dos anos 70 e no Tropicalismo. In: TELES,
Gilberto Mendonça et al. Oswald Plural. Rio de Janeiro: Ed. da UERJ, 1995.
CARPEAUX, Otto Maria. As Revoltas Modernistas na Literatura. Rio de Janeiro: Ediouro, 1968.
______. Visão de Graciliano Ramos (posfácio). In: RAMOS, Graciliano. Angústia. 32. ed. Rio de Janeiro:
Record, 1986.
CARPINEJAR, Fabrício. Cemitério de Carros Roubados. Jornal do Brasil, Caderno Ideias, Rio de Janeiro, 28
maio 2005.
CASTELLO, José. O Socialista Alegre. O Globo, Caderno Prosa & Verso, Rio de Janeiro, 1 mar. 2008.
COUTINHO, Afrânio. Introdução à Literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983.
COUTINHO, Edilberto. Gilberto Freyre. Rio de Janeiro: Agir, 1994. (Nossos Clássicos, n. 117).
CUNHA, Euclides da. Os Sertões. 39. ed. Rio de Janeiro: F. Alves, 2000.
DRUMMOND DE ANDRADE, Carlos. Reunião: 10 livros de poesia. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1978.
DUTRA, Eliana de Freitas. O Não Ser e o Ser Outro: Paulo Prado e seu Retrato do Brasil. Estudos Históricos,
Rio de Janeiro, v. 14, n. 26, p. 233-252, 2000.
ESPÍNOLA, Adriano. As Cidades de Manuel. Poesia Sempre, Rio de Janeiro, ano 12, n. 19, p. 187-197, 2004.
FABRIS, Annateresa (Org.). Modernidade e Modernismo no Brasil. Campinas: Mercado de Letras, 1994.
FARINACCIO, Pascoal. Serafim Ponte Grande e as Dificuldades da Crítica Literária. São Paulo: Ateliê
Cultural, 2001.
FONSECA, Maria Augusta. Oswald de Andrade. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1982. (Coleção Encanto
Radical).
FREYRE, Gilberto. Vida, Forma e Cor. 2. ed. Rio de Janeiro: Record, 1987.
______. Casa-Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime de economia patriarcal. 34. ed.
Rio de Janeiro: Record, 1998.
FURTADO, Fernando Fábio Fiorese. Ficções da Infância. In: ______ . Murilo na Cidade: os horizontes por-
táteis do mito. Blumenau: Edifurb, 2003.
132 Literatura brasileira II
FUKELMAN, Clarisse. Escrever estrelas (ora, direis). In: LISPECTOR, Clarice. A Hora da Estrela. Rio de
Janeiro: Francisco Alves, 1990. p. 5-20
GARDEL, André. O Encontro Entre Bandeira e Sinhô. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura,
Departamento Geral de Documentação e Informação Cultural, Divisão de Editoração, 1996.
GARDEL, André; NEWMAN, Mário. Teoria da Literatura: tradições e rupturas. Rio de Janeiro: CCAA, 2007.
GUIMARÃES, Júlio Castañon. Crônica das Crônicas da Província do Brasil. In: BANDEIRA, Manuel.
Crônicas da Província do Brasil. Organização, posfácio e notas de Julio Guimarães Castañon. 2. ed. São Paulo:
Cosac Naify, 2006.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 13. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1979.
HOLLANDA, Heloísa Buarque de. Prefácio. In: ______. Rachel de Queiroz. São Paulo: Global, 2004. (Coleção
Melhores Crônicas).
IVO, Ledo. Ledo Ivo Entrevistado pelo Jornal O Povo. O Povo, Maceió, 5 out. 2002. Disponível em: <www.
jornaldepoesia.jor.br/ledo3.html>. Acesso em: 17 set. 2018.
LAFETÁ, João Luiz. Literatura Comentada: Mário de Andrade. Seleção, notas, estudo biográfico, histórico e
crítico. São Paulo: Abril Cultural, 1982.
LEAL, Cláudio Murilo. Invenção de Orfeu: uma nebulosa cosmogonia. In: LIMA, Jorge de. Invenção de
Orfeu. São Paulo: Record, 2005.
LEMINSKI, Paulo. Sertões Antieuclidianos. In: ______ . Anseios Crípticos 2. Curitiba: Criar, 2001.
LIMA, Jorge de. Invenção de Orfeu. In: ______ . Poesias Completas. Rio de Janeiro: J. Aguilar; Brasília: INL,
1974. v. 3.
______ . Anunciação e Encontro de Mira-Celi: Tempo e Eternidade; A túnica Inconsútil. Rio de Janeiro:
Record, 2006.
LOANDA, Fernando Ferreira de. Panorama da Nova Poesia Brasileira. Rio de Janeiro: Orfeu, 1951.
LOPEZ, Telê Porto Ancora. Um projeto de livro. In: ANDRADE, Mário de. O Turista Aprendiz. Belo
Horizonte: Itatiaia, 2002. (Obras de Mário de Andrade, v. 20).
MELO NETO, João Cabral de. A Arquitetura do Verso. Veja, São Paulo, p. 3-5, 28 jun. 1972. (Entrevista
concedida a Oswaldo Amorim).
______ . Milionário da Poesia. Veja, São Paulo, p. 7-10, 9 set. 1992. (Entrevista concedida a Rinaldo Gama).
MELO NETO, João Cabral de. Entrevista de João Cabral de Melo Neto. In: SECCHIN, Antonio Carlos. João
Cabral: a poesia do menos e outros ensaios cabralinos. 2. ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999.
MORAES, Eduardo Jardim de. A estética de Mário de Andrade. In: FABRIS, Annateresa (Org.). Modernidade
e Modernismo no Brasil. Campinas: Mercado de Letras, 1994.
MORAES, Vinicius de. Nova Antologia Poética. Organização de Antonio Cicero e Eucanaã Ferraz. São Paulo:
Companhia das Letras, 2005a.
______ . Para Viver Um Grande Amor. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2005b.
MOURA, Heronides. Agrestes ou João Cabral de Melo Neto: clareza e ilusão. Travessia, Florianópolis, n. 24,
p. 43-48, 1992. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/travessia/article/viewFile/17088/15634>.
Acesso em: 14 set. 2018.
NASCIMENTO, Evando. A Semana de Arte Moderna no Brasil (1922). In: ______. Ângulos. Juiz de Fora:
UFJF; Chapecó: Argos, 2002.
______ . O Drama da Linguagem: uma leitura de Clarice Lispector. 2. ed. São Paulo: Ática, 1995.
OLIVEIRA, Clenir Bellezi de. O Homem que Vingou o Sertão. Discutindo Literatura, São Paulo, v. 1, n. 15,
p. 34-43, s.d.
PAZ, Octávio. Picasso: o corpo-a-corpo com a pintura e Constelações: Breton e Miró. In: ______ .
Convergências: Ensaios sobre arte e literatura. Tradução de: Moacir Werneck de Castro. Rio de Janeiro:
Rocco, 1991.
PEREIRA, Edgard. Drummond: apenas uma fotografia na parede. In: ______ . Mosaico Insólito. Rio de
Janeiro: 7 Letras, 2006.
PRADO, Paulo. Poesia Pau-Brasil. In: ANDRADE, Oswald de. Poesias Reunidas. 5. ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1978. (Obras Completas de Oswald de Andrade).
______ . Retrato do Brasil: ensaio sobre a tristeza brasileira. São Paulo: Monteiro Lobato e Cia., 1928.
Disponível em: <www.ebooksbrasil.org/eLibris/pauloprado.html>. Acesso em: 4 set. 2008.
PROENÇA FILHO, Domício. Estilos de Época na Literatura. 5. ed. São Paulo: Ática, 1978.
QUEIROZ, Mário César Newman de. Raul de Leoni: sob o signo do dionisíaco. Terceira Margem, Rio de
Janeiro, v. 5-6, n. 6, p. 97-106, 1999.
REALE, Miguel. Face Oculta de Euclides da Cunha. Rio de Janeiro: Topbooks, 1993.
ROSA, J. G. Discurso de Guimarães Rosa. Revista da Academia Brasileira de Letras, v. 53, ano 29, p. 261-
263, 1937. Disponível em: <Disponível em: http://www.jornaldepoesia.jor.br/guimaraesrosa.html#magma>.
Acesso em: 31 ago. 2016.
RODRIGUES, Selma Calasans. Nacionalismo, Regionalismo e Universalismo: Jorge Luis Borges e Mário de
Andrade. Odisseia, Natal, v. 5, n. 7, p. 89-95, 1999.
ROSA, Guimarães. Tutameia: terceiras estórias. 7. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
______ . Grande Sertão: veredas. 20. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
______ . Discurso de Guimarães Rosa. Revista da Academia Brasileira de Letras, ano 29, v. 53, p. 261-263,
1937. Disponível em: <http://www.academia.org.br/academicos/joao-guimaraes-rosa/discurso-de-posse>.
Acesso em: 17 set. 2018.
134 Literatura brasileira II
SANT’ANNA, Affonso Romano de. Clarice: a epifania da escrita. In: LISPECTOR, Clarice. A Legião
Estrangeira. São Paulo: Ática, 1977.
SANTIAGO, Silviano. Mário, Oswald e Carlos, intérpretes do Brasil. Revista da Academia Mineira de Letras,
Belo Horizonte, ano 83, v. 38, p. 21-34, out./nov./dez. 2005.
SECCHIN, Antonio Carlos. João Cabral: a poesia do menos e outros ensaios cabralinos. 2. ed. Rio de Janeiro:
Topbooks, 1999.
SOARES, Raimundo Nonato Gurgel. Rachel de Queiroz: mulher e literatura. Dois Pontos, Natal, p. 11-17,
set. 1993.
SOUSA, Ilza Matias de. Pauliceia Desvairada: a poética da cidade. Terceira Margem, Rio de Janeiro, ano 3, n.
3, p. 162-165, 1995.
TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda Europeia e Modernismo Brasileiro. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 1985.
VELOSO, Mariza; MADEIRA, Angélica. Leituras Brasileiras: itinerários no pensamento social e na literatura.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999.
VERISSIMO, Luis Fernando. Noite. 2005. Disponível em: <www.estado.rs.gov.br/erico/>. Acesso em: 31 ago.
2018.
O momento da literatura brasileira sobre o qual
LITERATURA BRASILEIRA II
se debruça este livro é, sem dúvida, um dos mais
importantes de nossas Letras.
O percurso aqui traçado inicia com o pré-
-Modernismo, no fim do século XIX, e os
movimentos de vanguarda que influenciaram
a estética do Modernismo brasileiro, passa
pela Semana de Arte Moderna de 1922, seus
antecedentes, seus desdobramentos e manifestos,
e percorre as três grandes fases do Modernismo
no país, incluindo a prosa dos anos 30, o ensaismo
social e a geração de 45. São discutidos, entre
outros, autores como Lima Barreto, Augusto
dos Anjos, Mario de Andrade, Manuel Bandeira,
Oswald Andrade, Cecilia Meireles, Carlos
Drummond Andrade, Graciliano Ramos, João
Cabral de Melo Neto, Clarice Lispector e Guimarães
Rosa, contextualizando-os historicamente no
desenvolvimento da literatura brasileira moderna.
Trata-se, assim, de um convite para o (re)
conhecimento da alma e do corpo cultural do
Brasil e de nosso povo, por meio do veículo verbal,
multitemporal e surpreendente da literatura.
André Gardel