Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
INTERSEÇÕES:
LITERATURAS E HUMANIDADES
1a Edição
São Paulo
Todas as Musas
2018
Editor: Flavio Felicio Botton
Supervisão Editorial: Fernanda Verdasca Botton
Capa e diagramação: Studio Vintage Br
José Antonio Feitosa Apolinário ©
Conselho editorial
Marcio Ricardo Coelho Muniz (UFBA)
Marlise Vaz Bridi (USP/UPM)
Nalfran Modesto Benvinda (UNEAL)
Raquel de Souza Ribeiro (USP)
Roberto Henrique Seidel (UNEB)
Rogerio Miguel Puga (Universidade Nova de Lisboa)
Bibliografia
ISBN 978-85-9583-042-4
CDD 869.91
Catálogo Sistemático
Estudos literários 869.91; Literaturas comparadas e outras lingua-
gens 869.9.
Prefácio
_______________________________________________
5
Prefácio
_______________________________________________
6
Prefácio
_______________________________________________
Sumário
Prefácio, 9
Alteridades artísticas e culturais afro-americanas: Nicolás
Guillén, Solano Trindade e Nicomedes Santa Cruz
Amarino Oliveira de QUEIROZ (UFRN), 13
Pedagogia do olhar: estratégias das adaptações e o cinema
nacional na escola
Claudio Cledson NOVAES (UEFS), 33
Hoc est enim corpus meum – a leitura fílmica de Salò e a
oferta fascista sobre o sexo e os corpos no tempo presente
Francisco Vítor Macêdo PEREIRA (UNILAB), 57
A traça e o traço: a retórica discursiva em Manoel de Barros
e Guimarães Rosa
Igor ROSSONI (UFBA), 97
Desleituras literárias, reescritas da história em
As Naus, de Antônio Lobo Antunes
Jacimara Vieira dos SANTOS (UFBA), 127
Da estética da crueldade à dissimulação narrativa:
as causas secretas
Jean Paul D’ANTONY (UFRPE), 153
O sentido da história, a ausência de sentido do mundo e o
sentido da vida: alguns apontamentos sobre Nietzsche
José Antonio Feitosa APOLINÁRIO (UFRPE), 167
7
Prefácio
_______________________________________________
8
Prefácio
_______________________________________________
Prefácio
Alvíssaras, alvíssaras!
9
Prefácio
_______________________________________________
agora coroa suas ações por meio desta publicação que reúne tex-
tos apresentados por palestrantes e organizadores em seus três
dias de ocorrência.
O evento reuniu, em um primeiro momento, professores que
mantinham algum tipo de proximidade com os estudos realiza-
dos em três grupos de estudos da UFRPE Serra Talhada: Litera-
turas e Cinemas: Confluências e Problematizações (sob coorde-
nação do Prof. Dr. Jean Paul D’Antony), O Insólito na Literatura
(sob coordenação do Prof. Me. Nefatalin Gonçalves Neto) e o
GEPEDE – Grupo de Estudos em Política, Educação e Ética (sob
coordenação do Prof. Dr. José Antônio Feitosa Apolinário). A
necessidade de estabelecer um diálogo mais frutífero entre os
mencionados grupos, balizados a partir de uma diretriz interdis-
ciplinar, concretizamos a proposta de realizar uma atividade de
relevância que problematizasse questões não apenas literárias,
mas propiciasse interlocuções críticas em um contexto humanís-
tico mais abrangente. Essa ação não somente possibilitou uma
indissociabilidade entre teoria e prática, mas sobretudo permitiu
experimentar, durante os três dias do evento, vivencias próprias
de uma comunidade investigativa.
Nessa direção, foram engendrados questionamentos, posicio-
namentos teóricos e debates a partir de diálogos com áreas afins
(Filosofia, Sociologia, Educação, História, Psicologia, Estudos
Culturais e Cinema), possibilitando um redimensionamento do
processo de ensino-aprendizagem para os alunos – tanto para os
que se interessam pelo tema como àqueles que ensejam seguir
carreira acadêmica. Cônscios da existência da carência de traba-
lhos e reflexões de natureza interdisciplinar que contemplem
intersecções nas áreas supracitadas, a presente publicação vem à
tona a fim de viabilizar o acesso a discentes, docentes e pesquisa-
dores, locais e regionais, bem como o intuito de alcançar outros
espaços, cumprindo com a função democrática de ampla disse-
minação do conhecimento e do espírito crítico-científico.
10
Prefácio
_______________________________________________
A Organização do I CoREL.
Serra Talhada, 28 de maio de 2015.
11
Prefácio
_______________________________________________
12
Alteridades artísticas e culturais afro-americanas
_______________________________________________
13
Amarino Oliveira de Queiroz
_______________________________________________
14
Alteridades artísticas e culturais afro-americanas
_______________________________________________
A
visão das Américas como um espaço ao mesmo tempo
bárbaro e paradisíaco, espécie de território mítico habi-
tado por estranhas gentes afeitas a crenças politeístas,
sacrifícios humanos e práticas antropofágicas, no qual se encon-
trariam fabulosas cidades erigidas em ouro e fontes de águas
miraculosas capazes de conceder a juventude eterna àqueles que
delas provassem perdurou por muito tempo no imaginário de
exploradores e colonos. Não obstante, através dos séculos de ex-
periência colonial, a noção de América foi se desprendendo com
muito vagar desse ambiente nebuloso que caracterizou sua idea-
lização inicial, dando lugar a uma condição forçosamente menos
lendária, ainda que de contornos provisoriamente definidos. Mo-
vendo-se, pois, na sugestão de um destino fundado na diversida-
de, seus sujeitos artísticos e culturais protagonizaram constantes
e nem sempre bem-sucedidas tentativas de negociação, tal como
parecem propor os versos do poeta peruano Nicomedes Santa
Cruz dispostos a seguir:
Mi cuate
Mi socio
Mi hermano
Aparcero
Camarado
Compañero
Mi pata
M´hijito
Paisano…
He aquí mis vecinos.
He aquí mis hermanos.
Las mismas caras latinoamericanas
de cualquier punto de America Latina:
Indoblanquinegros
Blanquinegrindios
Y negrindoblancos
Rubias bembonas
Indios barbudos
Y negros lacios
15
Amarino Oliveira de Queiroz
_______________________________________________
Todos se quejan:
¡Ah, si en mi país
no hubiese tanta política…!
¡Ah, si en mi país
no hubiera gente paleolítica…!
¡Ah, si en mi país
no hubiese militarismo,
ni oligarquía
ni chauvinismo
ni burocracia
ni hipocresía
ni clerecía
ni antropofagia...
¡Ah, si en mi país... (SANTA CRUZ, 1971, p. 6).
17
Amarino Oliveira de Queiroz
_______________________________________________
18
Alteridades artísticas e culturais afro-americanas
_______________________________________________
19
Amarino Oliveira de Queiroz
_______________________________________________
20
Alteridades artísticas e culturais afro-americanas
_______________________________________________
21
Amarino Oliveira de Queiroz
_______________________________________________
22
Alteridades artísticas e culturais afro-americanas
_______________________________________________
Nicolás
23
Amarino Oliveira de Queiroz
_______________________________________________
Nicolás Guillén
Meu irmão de Cuba
Nicolás Guillén
Onde está a burguesia
cheia de medo sem calma
burguesia bem nutrida
Nicolás Guillén
Com medo de coisa nova (TRINDADE, 1961, p. 55).
Conheces tu
Nicolas Guillén
a ilha do nome santo?
Não? Tu não a conheces? (...)
Tu não conheces a ilha mestiça,
dos filhos sem pais
que as negras da ilha passeiam na rua?
Tu não conheces a ilha-riqueza
onde a miséria caminha
nos passos da gente?
Bembon, Nicolás Guillén
Nicolas Guillén, bembom (MEDEIROS, 2003, p. 45).
24
Alteridades artísticas e culturais afro-americanas
_______________________________________________
25
Amarino Oliveira de Queiroz
_______________________________________________
26
Alteridades artísticas e culturais afro-americanas
_______________________________________________
27
Amarino Oliveira de Queiroz
_______________________________________________
dá de comer
se tem gente com fome
dá de comer (...)
Mas o freio de ar
todo autoritário
manda o trem calar
Psiuuuuuuuuuuu
(Trindade, Tem gente com fome)
.........................................................................................
¡Ay, negra,
si tú supiera!
Anoche te bí pasá
y no quise que me biera.
A é tú le hará como a mí,
que en cuanto no tube plata
te corrite de bachata
sin acoddadte de mí.
Sóngoro cosongo
songo bé;
sóngoro cosongo
de mamey;
sóngoro, la negra
baila bien;
sóngoro de uno,
sóngoro de tré. (...)(GUILLÉN, 1986, p. 38)
29
Amarino Oliveira de Queiroz
_______________________________________________
REFERÊNCIAS
31
Amarino Oliveira de Queiroz
_______________________________________________
32
Pedagogia do olhar: estratégias das adaptações e o cinema nacional na escola
_______________________________________________
33
Claudio Cledson Novaes
_______________________________________________
34
Pedagogia do olhar: estratégias das adaptações e o cinema nacional na escola
_______________________________________________
35
Claudio Cledson Novaes
_______________________________________________
36
Pedagogia do olhar: estratégias das adaptações e o cinema nacional na escola
_______________________________________________
37
Claudio Cledson Novaes
_______________________________________________
38
Pedagogia do olhar: estratégias das adaptações e o cinema nacional na escola
_______________________________________________
39
Claudio Cledson Novaes
_______________________________________________
40
Pedagogia do olhar: estratégias das adaptações e o cinema nacional na escola
_______________________________________________
42
Pedagogia do olhar: estratégias das adaptações e o cinema nacional na escola
_______________________________________________
43
Claudio Cledson Novaes
_______________________________________________
45
Claudio Cledson Novaes
_______________________________________________
46
Pedagogia do olhar: estratégias das adaptações e o cinema nacional na escola
_______________________________________________
PARTE II
47
Claudio Cledson Novaes
_______________________________________________
48
Pedagogia do olhar: estratégias das adaptações e o cinema nacional na escola
_______________________________________________
49
Claudio Cledson Novaes
_______________________________________________
51
Claudio Cledson Novaes
_______________________________________________
52
Pedagogia do olhar: estratégias das adaptações e o cinema nacional na escola
_______________________________________________
53
Claudio Cledson Novaes
_______________________________________________
54
Pedagogia do olhar: estratégias das adaptações e o cinema nacional na escola
_______________________________________________
REFERÊNCIAS
55
Claudio Cledson Novaes
_______________________________________________
56
Hoc est enim corpus meum
_______________________________________________
57
Francisco Vítor Macêdo Pereira
_______________________________________________
58
Hoc est enim corpus meum
_______________________________________________
INTRODUÇÃO
59
Francisco Vítor Macêdo Pereira
_______________________________________________
60
Hoc est enim corpus meum
_______________________________________________
62
Hoc est enim corpus meum
_______________________________________________
63
Francisco Vítor Macêdo Pereira
_______________________________________________
64
Hoc est enim corpus meum
_______________________________________________
66
Hoc est enim corpus meum
_______________________________________________
67
Francisco Vítor Macêdo Pereira
_______________________________________________
68
Hoc est enim corpus meum
_______________________________________________
69
Francisco Vítor Macêdo Pereira
_______________________________________________
70
Hoc est enim corpus meum
_______________________________________________
71
Francisco Vítor Macêdo Pereira
_______________________________________________
72
Hoc est enim corpus meum
_______________________________________________
73
Francisco Vítor Macêdo Pereira
_______________________________________________
74
Hoc est enim corpus meum
_______________________________________________
75
Francisco Vítor Macêdo Pereira
_______________________________________________
76
Hoc est enim corpus meum
_______________________________________________
77
Francisco Vítor Macêdo Pereira
_______________________________________________
que sejam, são todos respeitáveis. Seja porque não podemos evitá-los, seja por-
que mesmo os mais singulares e os mais bizarros – quando bem analisados –
são sempre filhos de um principe de delicatesse” (BARTHES, 1971, p. 98, tradu-
ção nossa).
7 De Sade, meu próximo (Sade mon prochain, KLOSSOWSKI [1947], 1991).
8 Epístola de Paulo aos hebreus (9,22): “De fato, podemos dizer que, conforme a
lei, quase tudo é purificado com sangue, e que sem o derramamento de sangue
não há o perdão dos pecados” (BÍBLIA SAGRADA, 1990, p. 1792).
9Nos créditos iniciais de Salò (1975), antes do prólogo, Pasolini dá a referência
dos autores e de suas obras (bibliografia essenciale) – cujos textos serão inde-
bitamente tomados em conta das considerações dos perversos. O próprio Paso-
lini adverte que alguns trechos dos textos de Roland Barthes e de Pierre Klos-
sowski serão citados no filme. Ademais dos acima já referenciados, encontram-
se nessa bibliografia conferida por Pasolini: Faut-il-brûler Sade, de Simone de
Beauvoir (Gallimard, 1955); Lautréamont et Sade, de Maurice Blanchot (Édi-
78
Hoc est enim corpus meum
_______________________________________________
79
Francisco Vítor Macêdo Pereira
_______________________________________________
80
Hoc est enim corpus meum
_______________________________________________
81
Francisco Vítor Macêdo Pereira
_______________________________________________
82
Hoc est enim corpus meum
_______________________________________________
O CÍRCULO DA MERDA
83
Francisco Vítor Macêdo Pereira
_______________________________________________
O CÍRCULO DO SANGUE
86
Hoc est enim corpus meum
_______________________________________________
87
Francisco Vítor Macêdo Pereira
_______________________________________________
12Carl Orff (1895-1982) foi dos mais destacados compositores alemães do sécu-
lo XX. Famoso, sobretudo, por sua cantata Carmina burana. Apesar de ter
sempre (sistematicamente) se recusado a falar de seu passado, Orff é nascido de
alta família burguesa bávara, umbilicalmente ligada ao exército e ao nacional
socialismo alemão. Após a primeira execução pública das Carmina burana, em
Frankfurt, no ano de 1937, essa cantata converteu-se em um dos mais diletos
temas musicais nazistas, bastante apreciada pela cúpula do exército hitleriano
(Cf. http://de.wikipedia.org/wiki/Musik-im-Nationalsozialismus. Acesso em 20
de set. 2011).
88
Hoc est enim corpus meum
_______________________________________________
CONSIDERAÇÕES FINAIS
89
Francisco Vítor Macêdo Pereira
_______________________________________________
90
Hoc est enim corpus meum
_______________________________________________
91
Francisco Vítor Macêdo Pereira
_______________________________________________
93
Francisco Vítor Macêdo Pereira
_______________________________________________
REFERÊNCIAS
94
Hoc est enim corpus meum
_______________________________________________
95
Francisco Vítor Macêdo Pereira
_______________________________________________
Outros:
http://educacao.uol.com.br/biografias/silvio-berlusconi.htm.
Acesso em 12 Set. 2014
96
A traça e o traço
_______________________________________________
Igor ROSSONI
97
Igor Rossoni
_______________________________________________
98
A traça e o traço
_______________________________________________
N
o campo das relações comparatistas, mas não somente,
a história da literatura, felizmente, tem dessas sineste-
sias. E mais ainda quando coisas do tipo deixam entre-
ver que – embora muito próximas – trazem, em si, profundo
abismo que as distinguem. Por outras vezes, a relação de cumpli-
cidade é tamanha que – súbito – as coisas parecem trocar de lado
e o que era mera semelhança deixa evidente puro exercício de
copulação criativa. Fatos estes são os que sugerem aproximar
Manoel de Barros e Guimarães Rosa. O ponto central de simili-
tude: o trabalho sugestivo com a linguagem, vez que – tanto um
quanto outro – lidam por, sadiamente, desestruturar o idioma. A
voz lírica em Manoel de Barros, nesse sentido, registra: “Eu que-
ria construir uma ruína. Embora eu saiba que ruína é uma des-
construção. (...) Alguma coisa que servisse para abrigar o aban-
dono. (...) O abandono pode ser também de uma expressão que
tenha entrado para o arcaico ou mesmo de uma palavra. Uma
palavra que esteja sem ninguém dentro” (BARROS, 2000, p. 31).
Por seu turno, elabora Guimarães: “(...) há meu método que im-
plica na utilização da palavra como se ela tivesse acabado de nas-
cer, para limpá-la das impurezas da linguagem cotidiana e redu-
zi-la a seu sentido original (...)” (LORENZ, 1983, p. 81).
Em verdade, há pontos em que se tocam e vários são os traba-
lhos que buscam tornar claro este fato. Entretanto, por mais que
ocorram, o que se verifica, em proximidade, é mais uma razão
fundante – interior – do que aparentemente se possa observar.
Trata-se de uma intensa consciência de manipulação do signo
artístico tomando por razão de fundamento o fato de a palavra –
para se dispor a serviço da arte; do deslumbramento – carecer da
perda de vícios, de viços e entretecer-se de nascedouro e inaugu-
ramentos. Deste modo, o que promovem não é outra coisa senão
a prática do mesmo exercício de consciência que – exteriormente
– representa desviar a palavra da própria palavra e, a partir dela,
99
Igor Rossoni
_______________________________________________
100
A traça e o traço
_______________________________________________
101
Igor Rossoni
_______________________________________________
102
A traça e o traço
_______________________________________________
GUIMARÃES ROSA: Bem, antes devo dizer que sua suposição não é
totalmente certa. Comecei a escrever, quando ainda era bastante jovem;
mas publiquei muito mais tarde. Veja você, Lorenz, nós, homens do ser-
tão, somos fabulistas por natureza. Está no nosso sangue narrar estórias;
já no berço recebemos esse dom para toda a vida. Desde pequenos, es-
tamos constantemente escutando as narrativas multicoloridas dos ve-
lhos, os contos e lendas, e também nos criamos em um mundo que às
vezes pode se assemelhar a uma lenda cruel. Deste modo a gente se habi-
tua, e narrar histórias corre por nossas veias e penetra em nosso corpo,
em nossa alma, porque o sertão é a alma de seus homens. Assim, não é
de estranhar que a gente comece desde muito jovem. Deus meu! No ser-
tão, o que pode uma pessoa fazer do seu tempo livre a não ser contar es-
tórias? A única diferença é simplesmente que eu, em vez de contá-las,
escrevia. Com isso pude impressionar, mas ainda sem perseguir ambi-
ções literárias. Já naquela época, eu queria ser diferente dos demais, e
eles não souberam deixar escritas suas estórias. Isto, é claro, impressio-
na e dá reputação. É lógico que, sendo criança, a gente se sente então
muito orgulhoso disso. Eu trazia sempre os ouvidos atentos, escutava
103
Igor Rossoni
_______________________________________________
LORENZ: Isto quer dizer que começou sua carreira como lírico?
GUIMARÃES ROSA: Não, tão mal não foi. Entretanto, escrevi um li-
vro não muito pequeno de poemas [Magma], que foi até elogiado. Mas
logo, e eu quase diria que por sorte, minha carreira profissional começou
a ocupar meu tempo. Viajei pelo mundo, conheci muita coisa, aprendi
idiomas, recebi tudo isso em mim, mas de escrever simplesmente não
me ocupava mais. Assim se passaram quase dez anos, até eu poder me
dedicar novamente à literatura. E revisando meus exercícios líricos, não
os achei totalmente maus, mas tampouco muito convincentes. Princi-
palmente, descobri que a poesia profissional, tal como se deve
maneja-las na elaboração de poemas, pode ser a morte a poe-
sia verdadeira. Por isso, retornei à “saga”, à lenda, ao conto
simples, pois quem escreve esses assuntos é a vida e não a lei
das chamadas regras poéticas. Então comecei a escrever Sagarana.
Nesse meio tempo haviam transcorrido dez anos, como já lhe disse; e
desde então não me interesso pelas minhas poesias, e rara-
mente pelas dos outros. Naturalmente digo isso, porque é um dado
biográfico, pois não aconteceu que, um belo dia, eu simplesmente deci-
disse me tornar escritor; isso só fazem certos políticos. Não, veio por
104
A traça e o traço
_______________________________________________
105
Igor Rossoni
_______________________________________________
106
A traça e o traço
_______________________________________________
“Acho que ser gente é o tema tão mais recorrente. Ou não ser gente. Se o tem-
po não é humano eu humanizo. Amarro o tempo no poste para ele parar.
Boto a Manhã de pernas abertas para o sol. Me horizonto para os pássaros.
Uma ave me sonha. O dia amanheceu aberto em mim” (id. p. 30)
107
Igor Rossoni
_______________________________________________
6 No poema “Um songo” registra: “Aquele homem falava com as árvores e com
as águas/ ao jeito que namorasse./Todos os dias/ele arrumava as tardes para os
lírios dormirem./Usava um velho regador para molhar todas as/manhãs os rios
e as árvores da beira./Dizia que era abençoado pelas rãs e pelos/pássaros./A
gente acreditava por alto./Assistira certa vez um caracol vegetar-se/na pe-
dra./mas não levou susto./Porque estudara antes sobre os fósseis/linguísticos/e
nesses estudos encontrou muitas vezes caracóis/vegetando em pedras./Era
muito encontrável isso naquele tempo./Até pedra criava rabo!/A natureza era
inocente.//P.S.:/Escrever em Absurdez faz causa para poesia/Eu falo e escrevo
Absurdez./Me sinto emancipado.”
108
A traça e o traço
_______________________________________________
ros se qualifica pelo tom da pretensa prosa que dela emana. Nes-
te sentido, parece significativo a recorrência a personagens e coi-
sas que se desenvolvem em tempo e espaço quase que narrativo,
meio que descritivo, ainda que altamente acometido da mais sin-
gular manifestação de poeticidade: modo singelo pelo qual o ver-
bo “pega delírio” (BARROS, 1993, p. 15). Pensa-se, neste momen-
to, na figura avoada do avô, criando espinhos por debaixo das
unhas. Ou mesmo Bernardo, ser entre árvore e arremedo de
aves: “(Bernardo consegue esticar o horizonte usando três fios de
teias de aranha. A coisa fica bem esticada)” (BARROS, 1993, p.
97). E ainda mais outras coisas-personagens que povoam e se
deliciam – garças, rãs, andarilhos, conchas, lodos, limbos, cara-
cóis, lamas, lagartos, pedras, rios, tardes entortadas, ciscos, gos-
mas, – tidos e retidos em histórias de acontecimentos. Todos
eleitos à condição de personagens em dinâmico percurso no fre-
mir do universo primal de Manoel de Barros. Assim, naquelas
águas tudo sugere ser vezo de proseio e gorjeações.
O discurso realiza tamanha tarefa. Os versos equiparam-se a
frases e os ritmos interiores vão se aproximando de pausas e frei-
os mais ligados à respiração e à ordem de pronunciamento do
que de qualquer outro intento de segmentação poemática. Então
a fala ganha notoriedade. O artefato oral destila uma potenciali-
dade em que o leitor participa da conversa como ouvinte, e – em
simultâneo − como interlocutor. Assim, tudo em Barros parece
adquirir polivalência discursiva e quase-informativa.
Toma-se por aplicação o fragmento VII de “Mundo pequeno”.
Ao retirar-se o formato original de distribuição em versos, assim
se constitui:
Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas leituras não era a be-
leza das frases, mas a doença delas. Comuniquei ao Padre Ezequiel, um
meu Preceptor, esse gosto esquisito. Eu pensava que fosse um sujeito es-
caleno. – Gostar de fazer defeitos na frase é muito saudável, o Padre me
disse. Ele fez um limpamento em meus receios. O Padre falou ainda:
Manoel, isso não é doença, pode muito que você carregue para o resto da
109
Igor Rossoni
_______________________________________________
vida um certo gosto por nadas... e se riu. Você não é de bugre? – ele con-
tinuou. Que sim, eu respondi. Veja que bugre só pega por desvios, não
anda em estradas – pois é nos desvios que encontra as melhores surpre-
sas e os ariticuns maduros. Há que apenas saber errar bem o seu idioma.
Esse Padre Ezequiel foi o meu primeiro professor de agramática (BAR-
ROS, 1993, p. 87).
111
Igor Rossoni
_______________________________________________
ções de não pentear. Até que ele fique à disposição de ser uma
begônia. Ou uma gravanha” (BARROS, 1993, p. 11).
Deste modo, três instâncias se verificam presentes neste exer-
cer do procedimento criativo: primeiro, o estabelecimento da
natureza descritiva e épica do dizer; segundo, a eclosão – desde-
dentro da frase – de algo que se lhe escapa e se manifesta como
lugar de virtude exponencial de espontânea essencialidade; e
terceiro – pela confluência inebriante dos estados anteriores –, a
consagração do não-lugar como lugar sem limites, comunhão
imperceptível entre o aqui e o agora, disposição intervalar do
silêncio como sonoridade fundamental do espaço do sucesso pre-
sentificado, transfigurado de sagração original de coisa-em-si.
112
A traça e o traço
_______________________________________________
113
Igor Rossoni
_______________________________________________
114
A traça e o traço
_______________________________________________
115
Igor Rossoni
_______________________________________________
116
A traça e o traço
_______________________________________________
117
Igor Rossoni
_______________________________________________
118
A traça e o traço
_______________________________________________
gua obriga a crer. Nesta Babel espiritual de valores em que hoje vivemos,
cada autor deve criar seu próprio léxico, e não lhe sobre nenhuma alter-
nativa; do contrário, simplesmente não pode cumprir sua missão. Estes
jovens tolos que declaram abertamente que não se trata mais da língua,
que apenas o conteúdo tem valor, são pobres coitados dignos de pena. O
melhor dos conteúdos de nada vale, se a língua não lhe faz justiça (LO-
RENZ, 1983, p. 88).
REFERÊNCIAS
Geral
120
A traça e o traço
_______________________________________________
121
Igor Rossoni
_______________________________________________
122
A traça e o traço
_______________________________________________
123
Igor Rossoni
_______________________________________________
124
A traça e o traço
_______________________________________________
125
Igor Rossoni
_______________________________________________
126
Desleituras literárias, reescritas da história
_______________________________________________
127
Jacimara Vieira dos Santos
_______________________________________________
128
Desleituras literárias, reescritas da história
_______________________________________________
A
obra literária As naus sugere um modo avesso ao épico
de Camões e, não obstante, ironiza e desconstrói a saga
dos heróis nacionais ainda que seja transparente o con-
tato com os paradigmas do poema camoniano, levado a contraste
pelo narrador.
Chama, porém, a atenção, o modo como outras referências li-
terárias são personificadas pela ficção, de maneira derrisória.
Neste sentido, é curiosa a maneira como o romance aborda a
figura de Cervantes e o clássico, Dom Quixote:
129
Jacimara Vieira dos Santos
_______________________________________________
130
Desleituras literárias, reescritas da história
_______________________________________________
131
Jacimara Vieira dos Santos
_______________________________________________
única teia. Não se sabe nunca onde terminam os ciúmes e onde começa o
amor para Swann. Por isso nenhum desses personagens pode ser real-
mente um arquétipo, no sentido em que o são Aquiles, Cid ou Rolando.
Épica de heróis que raciocinam e duvidam, épica de heróis du-
vidosos, dos quais ignoramos se são loucos ou prudentes, santos ou
demônios. Muitos são céticos, outros, francamente rebeldes e anti-
sociais, e todos em aberta ou secreta luta contra seu mundo. Épica de
uma sociedade em luta consigo mesmo. (PAZ, 1982, p. 275)
132
Desleituras literárias, reescritas da história
_______________________________________________
133
Jacimara Vieira dos Santos
_______________________________________________
2 No contexto de que esta frase foi retirada, encontramos (pp. 21-22): “Ao déci-
mo terceiro trunfo de copas o da cautelas levantou-se, Buenas noches, senhores,
que tenho de ir a Espanha acabar o meu livro, só consigo rever provas com o sol
cigano de Madrid à cabeceira, prometo enviar pelo correio um exemplar auto-
grafado a cada um, e eles notaram então, surpreendidos, que as pessoas e a
bagagem haviam desaparecido do porto: sobrava o escuro, um desertor suplici-
ado numa espécie de palco para edificação das gentes e alimento dos corvos, e
um candeeiro aceso num edifício de socorros e afogados ou de escritório marí-
timo, desses que o ministério das pescas, o Infante navegador e a Polícia Judici-
ária plantavam litoral abaixo para vigiar ao mesmo tempo o contrabando de
haxixe e as manobras dos bucaneiros flamengos. A tonalidade das ondas
134
Desleituras literárias, reescritas da história
_______________________________________________
135
Jacimara Vieira dos Santos
_______________________________________________
mitindo asseverar que isso ocorre pela importância que o Barroco assume na
configuração do pensamento cultural português. Apesar de críticas e de monta-
gens derrisórias feitas pelos narradores de As naus, a presença do Barroco faz
com que ele ocupe um lugar demasiado importante na obra. Uma pista para
essa interpretação encontra-se nas considerações de Michel Foucault (1966, p.
76): “No início do século XVII, nesse período que, justificada ou injustificada-
mente, se denominou por barroco, o pensamento deixa de se mover no elemen-
to da semelhança. A similitude já não é a forma do saber, mas antes a ocasião
do erro, o perigo a que nos expomos quando não examinamos o local mal ilu-
minado onde se estabelecem as confusões”.
136
Desleituras literárias, reescritas da história
_______________________________________________
137
Jacimara Vieira dos Santos
_______________________________________________
138
Desleituras literárias, reescritas da história
_______________________________________________
da, ora que espiga, copio tudo em papel de carta de avião e dentro de um
mês está cá (ANTUNES, 1988, p. 24-25).
139
Jacimara Vieira dos Santos
_______________________________________________
140
Desleituras literárias, reescritas da história
_______________________________________________
141
Jacimara Vieira dos Santos
_______________________________________________
provocador assumido pelo riso, tão evidente nos escritos dele. Gil
Vicente, enquanto personagem da ficção, é ourives, o que indica
trato laboral com o que encerra valor, com o ouro, nos processos
alquímicos do escritor. Os diabos e os pastores que cercam o tea-
trólogo representam os tipos e as personagens criadas por ele,
nos autos – encerra, possivelmente, reverberação crítica ao pen-
samento maniqueísta vigente em Portugal, acerca de Bem e Mal,
entre o sagrado e o profano, no digladiar imaginariamente e per-
pétuo entre o Demônio e o Pastor das vulneráveis ovelhas cristãs.
Para Maria Thereza Abelha Alves (2002, p. 11), “Sempre que a
realidade e a utopia se encontram, Gil Vicente pode ser atualiza-
do por autores mais modernos, pois o discurso teatral do autor
reflete anseios universais e, em consequência, eternos.”. Nesse
sentido, vale lembrar que as desleitura indicam outros tipos de
leitura, que nem sempre irão apontar satirização ou desapreço,
embora possam ser avessas, contrárias e contrastivas em relação
ao autor, ao estilo, ao conceito literário ou à obra que é tomada.
As navegações e os Descobrimentos impelem os homens a
pensar limites, pois ambos os ampliam. Contudo, o contexto é de
rupturas e novidades, a exemplo de se nomear o território encon-
trado por Novo Mundo, em que a influência da teologia continua
existindo e incidindo na literatura portuguesa da época, confor-
me percebe-se em Camões e Gil Vicente.
Ainda no plano das rupturas aduzidas no romance de António
Lobo Antunes, há outra aparição de Camões e de Gil Vicente – e
neste caso é válido observar que a referência a Camões não se faz
na ficcionalização nominal como o homem de nome Luís, mas
explicitamente como Camões – a encontrarem apoio financeiro
no socialmente emergente e recém-enriquecido Manoel de Sousa
Sepúlveda:
142
Desleituras literárias, reescritas da história
_______________________________________________
144
Desleituras literárias, reescritas da história
_______________________________________________
145
Jacimara Vieira dos Santos
_______________________________________________
146
Desleituras literárias, reescritas da história
_______________________________________________
147
Jacimara Vieira dos Santos
_______________________________________________
148
Desleituras literárias, reescritas da história
_______________________________________________
150
Desleituras literárias, reescritas da história
_______________________________________________
REFERÊNCIAS
152
Da estética da crueldade à dissimulação narrativa
_______________________________________________
Da estética da crueldade à
dissimulação narrativa: as causas
secretas
153
Jean Paul D’Antony
_______________________________________________
154
Da estética da crueldade à dissimulação narrativa
_______________________________________________
Sedutor involuntário
Lançou uma frase no ar, como diversão,
E essa frase fez cair uma mulher.
Nietzsche.
ver-sofrer faz bem, fazer-sofrer mais bem ainda – eis uma frase dura,
mas um velho e sólido axioma, humano, demasiado humano (...). Sem
crueldade não há festa: é o que ensina a mais antiga e mais longa histó-
ria do homem – e no castigo também há muito de festivo (NIETZSCHE,
2001, p. 56).
155
Jean Paul D’Antony
_______________________________________________
um ser metafísico?
uma fábula sem
signo que a desmonte?
(...)
Como vive o homem,
se é certo que vive?
Que oculta na fronte?
Há alma no homem?
E quem pôs na alma
156
Da estética da crueldade à dissimulação narrativa
_______________________________________________
157
Jean Paul D’Antony
_______________________________________________
158
Da estética da crueldade à dissimulação narrativa
_______________________________________________
159
Jean Paul D’Antony
_______________________________________________
160
Da estética da crueldade à dissimulação narrativa
_______________________________________________
161
Jean Paul D’Antony
_______________________________________________
162
Da estética da crueldade à dissimulação narrativa
_______________________________________________
homem já não pode desviar seu olhar ou o rosto do Poder, que seu olho
perde-se no do Poder que também o olha, que ele é projetado no mundo
que este poder preside. (VERNANT, 1988, p. 103)
Pois bem. Logo após, quando o leitor acredita não mais ser ar-
rebatado com tantos auto-retratos da geografia do que é o ho-
mem, Garcia agora como objeto de investigação e gozo sado-
masoquista é vaidosamente observado por Fortunato, “morden-
do os beiços” ao olhar o amigo inclinado
ainda para beijar outra vez o cadáver [de Maria Luísa]; mas então não
pôde mais. O beijo rebentou em soluços, e os olhos não puderam conter
as lágrimas, que vieram em borbotões, lágrimas de amor calado, e irre-
mediável desespero. Fortunato, à porta, onde ficara, saboreou tranqüilo
essa explosão de dor moral que foi longa, muito longa, deliciosamente
longa. (Idem, p. 321)
REFERÊNCIAS
164
Da estética da crueldade à dissimulação narrativa
_______________________________________________
165
Jean Paul D’Antony
_______________________________________________
166
O sentido da história, a ausência de sentido do mundo e o sentido da vida
_______________________________________________
167
José Antônio Feitosa Apolinário
_______________________________________________
168
O sentido da história, a ausência de sentido do mundo e o sentido da vida
_______________________________________________
169
José Antônio Feitosa Apolinário
_______________________________________________
171
José Antônio Feitosa Apolinário
_______________________________________________
172
O sentido da história, a ausência de sentido do mundo e o sentido da vida
_______________________________________________
4 Doravante esta obra será referendada com a sigla HV, seguida da página e do
respectivo parágrafo.
173
José Antônio Feitosa Apolinário
_______________________________________________
Mas a pergunta ‘até que grau a vida necessita em geral do auxílio da his-
tória?’ é uma das perguntas e preocupações mais elevadas no que con-
cerne à saúde de um homem, de um povo, de uma cultura. Pois em meio
a um certo excesso de história, a vida desmorona e se degenera, e, por
fim, através desta degeneração, o mesmo se repete com a própria histó-
ria (HV, p. 17 § 1).
174
O sentido da história, a ausência de sentido do mundo e o sentido da vida
_______________________________________________
175
José Antônio Feitosa Apolinário
_______________________________________________
176
O sentido da história, a ausência de sentido do mundo e o sentido da vida
_______________________________________________
6Doravante esta obra será referendada com a sigla HDH, seguida da página e
do respectivo parágrafo.
177
José Antônio Feitosa Apolinário
_______________________________________________
178
O sentido da história, a ausência de sentido do mundo e o sentido da vida
_______________________________________________
179
José Antônio Feitosa Apolinário
_______________________________________________
180
O sentido da história, a ausência de sentido do mundo e o sentido da vida
_______________________________________________
181
José Antônio Feitosa Apolinário
_______________________________________________
182
O sentido da história, a ausência de sentido do mundo e o sentido da vida
_______________________________________________
que nos são propostos para o lugar dos valores superiores” (DE-
LEUZE, 2001, p. 51).
A quarta fase concernente à história do platonismo-niilismo
diz respeito ao expressivo descrédito em relação à metafísica ad-
vogado por um cepticismo atrelado ao instante da acanhada
emanação do positivismo ante os escombros do idealismo. Con-
ferindo legitimidade ao emergente discurso científico de sua épo-
ca, Kant guilhotina as certezas da metafísica e a reboque, a cren-
ça no mundo ideal e na possibilidade de conhecê-lo. O legado
gnosiológico kantiano permanece, no entanto, nem mesmo o
último resquício de relevância do mundo verdadeiro enquanto
postulado moral, oriundo de seu formalismo, consegue manter-
se após a insustentabilidade da existência de tal mundo.
As arguições de Nietzsche sobre esse motor da história do
pensamento ocidental, apresentam, até o momento, a fina per-
cepção da “problemática de uma filosofia intrinsecamente meta-
física e moral como constituindo o âmago do niilismo” (MA-
CHADO, 2002, p. 86). O sentido do nietzschiano voltar-se contra
a filosofia, do combater a filosofia em nome da vida, diz respeito
à negação de todo platonismo filosófico. No cume da modernida-
de, Nietzsche observa a retaliação a tal perspectiva filosófica,
inaugurada aos gritos do carimbador Deus está morto! As causas
últimas não precisam mais ser procuradas ou conhecidas, a cren-
ça na essência imortal da alma humana já não se faz necessária
para o homem que mata Deus: “mesmo se Deus morre porque
deve ser negado em nome do mesmo imperativo de verdade que
sempre nos foi apresentado como uma lei sua, com ele também
perde sentido o imperativo da verdade” (VATTIMO, 1996, p. 9).
Acentua-se então a superfluidade dos valores últimos, suprimi-se
totalmente o mundo verdadeiro: nem mesmo esta terminologia
pode significar ainda uma referência a algo, uma vez que carece
por completo de valor. A demolidora anunciação de A Gaia Ciên-
cia vem à tona e se consolida. Entrementes, Nietzsche sabe que a
183
José Antônio Feitosa Apolinário
_______________________________________________
184
O sentido da história, a ausência de sentido do mundo e o sentido da vida
_______________________________________________
185
José Antônio Feitosa Apolinário
_______________________________________________
186
O sentido da história, a ausência de sentido do mundo e o sentido da vida
_______________________________________________
187
José Antônio Feitosa Apolinário
_______________________________________________
188
O sentido da história, a ausência de sentido do mundo e o sentido da vida
_______________________________________________
189
José Antônio Feitosa Apolinário
_______________________________________________
8 Karl Löwith infere que “igualmente antigrega é a vontade de poder que, en-
quanto vontade de algo, aponta para o futuro, enquanto que o eterno movimen-
to circular do nascer e perecer está situado aquém da vontade, da intenção e da
finalidade” (LÖWITH, 1998, p. 309). Não nos pareceu clara a conceituação de
Wille zur Macht atribuída a este comentador nesta parte do texto, levando-nos
a entender que há uma ligação constitutiva deste mesmo conceito com as no-
ções de intenção e finalidade. Soou-nos ambivalente a derradeira parte da cita-
ção, pois, como impulso de efetivação de toda força, a vontade de poder cria
novas configurações entre forças, ela não se exerce na condição de um nómos,
190
O sentido da história, a ausência de sentido do mundo e o sentido da vida
_______________________________________________
191
José Antônio Feitosa Apolinário
_______________________________________________
final, pois a ela não se deve conferir caráter teleológico algum” (MARTON,
2000, p. 71).
192
O sentido da história, a ausência de sentido do mundo e o sentido da vida
_______________________________________________
REFERÊNCIAS
193
José Antônio Feitosa Apolinário
_______________________________________________
194
Ensaiando repertórios de samba
_______________________________________________
195
Manoel Sotero Caio Netto
_______________________________________________
196
Ensaiando repertórios de samba
_______________________________________________
198
Ensaiando repertórios de samba
_______________________________________________
FEITIÇOS E MISTÉRIOS
pensar sociológico.
7 De maneira semelhante acontece com a teoria sociológica contemporânea ao
200
Ensaiando repertórios de samba
_______________________________________________
201
Manoel Sotero Caio Netto
_______________________________________________
202
Ensaiando repertórios de samba
_______________________________________________
Podemos focar qualquer evento (o termo mais geral que abrange a pro-
dução de uma obra de arte como um caso particular) e procurar a rede
de relações de pessoas, por muito grande ou extensa que ela seja, cuja
atividade coletiva tornou possível que o evento ocorresse da maneira que
ocorreu. Podemos procurar rede de relações cuja atividade cooperativa é
recorrente ou se tornou uma rotina e especificar as convenções por meio
das quais os seus membros constitutivos coordenam as suas linhas de
separação da ação. (BECKER apud MONTEIRO, 1996, p. 171).
203
Manoel Sotero Caio Netto
_______________________________________________
tal solidariedade era em grande parte assegurada pela figuras das ‘tias’,
isto é, de baianas mais velhas que exerciam liderança na organização da
família, da religião e do lazer. Entre estas, podemos mencionar tia Amé-
lia e tia Perciliana, mães, respectivamente, do já citado Ernesto dos San-
tos e João Machado Guedes, que, conhecidos pelo apelidos de ‘Donga” e
‘João Baiana”(...), viriam a desempenhar papel de relevo no meio musi-
cal carioca do início do séc. XX. (SANDRONI, 2012, p. 102).
204
Ensaiando repertórios de samba
_______________________________________________
a aceitação daquele gênero, nos anos 30, como ‘música nacional’, foi ‘o
coroamento de uma tradição secular de contatos... entre vários grupos
sociais na tentativa de inventar a identidade e a cultura popular brasilei-
ras (SANDRONI, 2012, p. 113).
205
Manoel Sotero Caio Netto
_______________________________________________
206
Ensaiando repertórios de samba
_______________________________________________
nenhum autor tenta explicar com se deu essa passagem (o que a maioria
faz é apenas constatá-la), de ritmo maldito à música nacional e de certa
forma oficial. É em torno desse mistério, que está no cerne do encontro
da turma de Gilberto Freyre (representando aqui – problematicamente,
como em toda representação – a elite) com a turma de Pixinguinha (re-
presentando o povo), que vai ser construído o livro (VIANNA, 1995, p.
29).
209
Manoel Sotero Caio Netto
_______________________________________________
“Ora vejam só/ A mulher que eu arranjei!/ Ela me faz carinhos até de-
mais chorando, ela me pede:/‘meu benzinho, deixa a malandragem se és
capaz”
“Não se deve amar sem ser amado/ É melhor morrer crucificado/ Deus
me livre das mulheres de hoje em dia/ Desprezam o homem só por causa
da orgia”.
Sandroni analisa:
211
Manoel Sotero Caio Netto
_______________________________________________
a presença de uma mulher que recusa o modo de vida adotado pelo pro-
tagonista. Num caso, pede que deixe a malandragem, e, no outro, o des-
preza porque vive na orgia. Só muda a tática, lamentosa no primeiro
(‘chorando, ela me pede: meu benzinho etc’), desprezo puro e simples no
segundo. Mas a incompatibilidade entre ‘mulher’ e ‘orgia’ fica em ambos
estabelecida (...). Tal incompatibilidade é um tema recorrente (...).
(SANDRONI, 2012, p. 162-163).
Uma letra pode ser um belo poema mesmo tendo sido destinada a ser
cantada. Mas é, em primeiro lugar, um texto integrado a uma composi-
ção musical, e os julgamentos básicos devem ser calcados na audição pa-
ra incluir a dimensão sonora no âmbito da análise. Mas se, independen-
temente da música, o texto de uma canção é literalmente rico, não há
nenhuma razão para não se considerar seus méritos literários. A leitura
da letra de uma canção pode provocar impressões diferentes das que
provoca sua audição, mas tal leitura é válida se claramente definida co-
mo uma leitura. O que deve ser evitado é reduzir uma canção a um texto
impresso e, a partir dele, emitir julgamentos literários negativos (PER-
RONE apud SOARES, 1996, p.8).
213
Manoel Sotero Caio Netto
_______________________________________________
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
214
Ensaiando repertórios de samba
_______________________________________________
215
Manoel Sotero Caio Netto
_______________________________________________
216
O retorno: ficção, identidade social e descolonização em Dulce Maria Cardoso
_______________________________________________
217
Nefatalin Gonçalves Neto
_______________________________________________
218
O retorno: ficção, identidade social e descolonização em Dulce Maria Cardoso
_______________________________________________
INTRODUÇÃO
219
Nefatalin Gonçalves Neto
_______________________________________________
220
O retorno: ficção, identidade social e descolonização em Dulce Maria Cardoso
_______________________________________________
221
Nefatalin Gonçalves Neto
_______________________________________________
que está a sair com sua família para o aeroporto – por um grupo
de soldados angolanos armados sobre um jipe e acaba vítima de
uma emboscada. Enquanto é levado preso, a família de Rui é
embarcada em um avião para retornar a Lisboa sem a figura
paterna, o que causará o desespero das mulheres da família e
incitará o narrador tentar assumir, daí em diante a função de
“homem da casa”. Tais funções são tomadas por Rui como uma
espécie de predestinação bem moldada pelo discurso salazarista,
afinal, em um contexto de inspiração paternalista e totalitário, os
moldes adotados pelo narrador propaga que o portador da
responsabilidade do seio familiar deve de ser a figura de maior
idade e do sexo masculino.
Por outro lado e apesar da rápida aparição narrativa (a
personagem tem sua ação circunscrita apenas ao primeiro
capítulo), a figura emblemática do tio servirá para a construção
identitária do narrador e de contraponto ao discurso machista do
pai. Rui, embasado pelo pensamento paternal, marcado pelo
absolutismo machista, chegará a afirmar que, entre o
pensamento do pai e o do tio há um deslocamento social: “(...) o
tio Zé não é como nós, não pertence ao clube a que eu e o pai
pertencemos, deve haver um clube para os que são como o tio Zé”
(CARDOSO, 2012, p. 28). Contudo, essa separação sofre ruturas
quando, ao chegar a Portugal, o narrador encontra-se nesse clube
de excluídos sociais. A figura de tio Zé retorna, dessa vez em
pensamentos do narrador, não mais para marcar a diferença e a
separação, mas sim para, em um primeiro momento, gerar
reflexões sobre a situação do excludente e, posteriormente,
suscitar a possibilidade da junção coletiva de problemas em favor
do fim dessa exclusão.
A ação de cuidar da irmã e da mãe, que tem Alzheimer e
necessita de cuidados médicos, junto com a vontade de arrumar
dinheiro para levá-las embora para a América a procura da
antiga felicidade que sonhava em Angola, inspira Rui e lhe
222
O retorno: ficção, identidade social e descolonização em Dulce Maria Cardoso
_______________________________________________
Não vamos poder ficar aqui para sempre neste quarto com esta varanda
de onde se vê o mar e isso a mãe e a minha irmã têm razão, este quarto
com esta varanda de onde se vê o mar não é uma casa. Muito menos a
nossa casa (CARDOSO, 2011, p. 172).
223
Nefatalin Gonçalves Neto
_______________________________________________
224
O retorno: ficção, identidade social e descolonização em Dulce Maria Cardoso
_______________________________________________
225
Nefatalin Gonçalves Neto
_______________________________________________
226
O retorno: ficção, identidade social e descolonização em Dulce Maria Cardoso
_______________________________________________
227
Nefatalin Gonçalves Neto
_______________________________________________
(...) se por acaso alguma preta te vier chatear com a conversa de que a
engravidaste, mande-a falar comigo, elas raramente nos chateiam por-
que para elas ter filhos é outra coisa, mas vendo-te tão novo podem que-
rer abusar da tua inocência (...) (CARDOSO, 2011, p. 204).
228
O retorno: ficção, identidade social e descolonização em Dulce Maria Cardoso
_______________________________________________
229
Nefatalin Gonçalves Neto
_______________________________________________
230
O retorno: ficção, identidade social e descolonização em Dulce Maria Cardoso
_______________________________________________
231
Nefatalin Gonçalves Neto
_______________________________________________
232
O retorno: ficção, identidade social e descolonização em Dulce Maria Cardoso
_______________________________________________
233
Nefatalin Gonçalves Neto
_______________________________________________
1 Importante não esquecermos que a própria Dulce Maria Cardoso foi uma
retornada e que, em diversas entrevistas, ela assume que desde há muito sentia
a vontade de escrever sobre este fato de forma ficcional.
234
O retorno: ficção, identidade social e descolonização em Dulce Maria Cardoso
_______________________________________________
(...) se calhar sou eu que invento mistério onde não há mistério nenhum,
se calhar a mudança não existe vamo-nos só mostrando maneiras dife-
235
Nefatalin Gonçalves Neto
_______________________________________________
rentes. Eu não sinto que mudei mas tenho a certeza de que se a mãe que
usava o pó azul nos olhos me visse agora aqui ia dizer, não pareces tu. E
não havia de ser só por causa de a barba ter crescido (CARDOSO, 2011,
p. 262).
237
Nefatalin Gonçalves Neto
_______________________________________________
REFERÊNCIAS
238
Sobre a ficção feminina da diáspora negra
_______________________________________________
239
Sueli Meira Liebig
_______________________________________________
240
Sobre a ficção feminina da diáspora negra
_______________________________________________
L
ivro de importância seminal para uma profunda reflexão
sobre o sentido da existência humana, O Nascimento da
Tragédia ([1872] 2004), do filósofo alemão Friedrich Ni-
etzsche, despertou e continua a despertar polêmica tanto pelo
seu caráter pessoal como pelo conteúdo revolucionário de sua
tese: contrapõe-se à concepção tradicional dos gregos como povo
sereno e simples e exalta a ópera de Wagner como renovadora do
espírito alemão, numa peculiar mistura de reconstrução históri-
ca, intuição psicológica e militância estético-cultural. Após quase
cento e cinquenta anos, suas teses continuam discutidas. Nessa
obra Nietszche nos dá não só uma interpretação da tragédia, mas
deslinda os meandros da própria cultura grega, ocupa-se da pro-
funda ligação existente entre a arte e o conhecimento, enquanto
concentra-se no pensamento da era moderna.
Devemos levar em consideração o fato de que, no século XIX,
a filosofia nietzschiana representava um momento polêmico: o
aparecimento de Dionísio. Como viria a se tornar comum na sua
súmula filosófica, o deus sugere o embate sinergético caracterís-
tico de uma luta, neste caso específico contra seu irmão Apolo.
Assim, o significado estético e metafísico desta obra se expressa
através das figuras de Dionísio e Apolo, sob uma perspectiva
marcada por uma filosofia romântica.
Esses dois mitos gregos servem para que reflitamos sobre a lu-
ta interior da condição humana, a batalha entre a consciência
racional e o inconsciente irracional, aqui representados, respec-
tivamente, por Apolo e Dionísio: sendo ambos filhos de Zeus, o
primeiro é a personificação da luz interior que representa a ra-
zão, a consciência, a lógica ordenadora, o deus dos sonhos, das
formas, das regras, das medidas e das limitações individuais.
Sendo assim, o apolíneo é a aparência, a individualidade, o jogo
das figuras bem delineadas. Representando o domínio da ima-
gem, da metáfora, ou mesmo da dissimulação, essa categorização
241
Sueli Meira Liebig
_______________________________________________
242
Sobre a ficção feminina da diáspora negra
_______________________________________________
243
Sueli Meira Liebig
_______________________________________________
1 “O equilíbrio entre esses dois impulsos é mantido pela catarse, que isenta o
leitor da pena e do medo”. Tradução sob nossa responsabilidade.
244
Sobre a ficção feminina da diáspora negra
_______________________________________________
245
Sueli Meira Liebig
_______________________________________________
246
Sobre a ficção feminina da diáspora negra
_______________________________________________
Sabe, Carolina, você vem trabalhar para mim e quando eu for a Uberaba
eu compro um vestido novo para você, vou comprar um remédio para
você ficar branca e arranjar outro remédio para o seu cabelo ficar corri-
do. Depois vou arranjar um doutor para afilar o seu nariz (JESUS, 1986,
p. 134).
Eu não pedi nada a dona Maria Cândida, ela é quem usou um ardil para
me espoliar. Não poderia e não deveria xingá-la, ela era poderosa. Nós
dependíamos dela para viver, nos dava a terra para plantarmos. Mas ro-
guei lhe tantas pragas... (JESUS, 1986, p. 135)
249
Sueli Meira Liebig
_______________________________________________
Duzu morou ali muitos anos e de lá partiu para outras zonas. Acostu-
mou-se aos gritos das mulheres apanhando dos homens, ao sangue das
mulheres assassinadas. Acostumou-se às pancadas dos cafetões, aos
mandos e desmandos das cafetinas. Habituou-se à morte como uma
forma de vida (EVARISTO, 1993, p. 33).
O dano foi total... Cotovelos dobrados, mãos nos ombros, ela rufla os
braços como um pássaro, no contínuo e grotesco esforço de voar... ba-
tendo no ar, um pássaro alado mas fincado no chão, debate-se num va-
zio azul que não pode atingir – não pode nem ao menos enxergar – mas
que preenche os vales da mente (MORRISON, 1970, p. 158).
tudo, esse dilema não acontece apenas nos Estados Unidos, sen-
do uma contingência mesmo da diáspora. No entendimento do
branco o negro não tem “resistência ontológica” (FANON, 2008,
p. 104). Como num passe de mágica ele teve que se situar diante
de dois sistemas de referenciais. Sua transcendência ou pelo me-
nos seus costumes e instâncias de referência foram abolidos por-
que entravam em contradição com uma civilização que ele não
conhecia e que lhe foi impiedosamente imposta.
Levando estas questões em consideração e reportando-nos às
tensões criadas sob os impulsos apolíneo e dionisíaco – que ten-
tam unificar o cosmos idílico ao qual nós leitores procuramos
retornar –, notamos que elas produzem o sentimento de que o
processo que as protagonistas usam para criar a sua versão da
realidade não poderia ser outro senão o ditado pela história line-
ar e pela consciência mítica. As distopias evidenciadas pelas per-
sonagens civilizadas encerram um mundo romântico suspenso
no tempo e no espaço, um mundo que existe acima do plano da
realidade, enquanto as utopias cunhadas pelas protagonistas
contraventoras centram-se no poder do mito para a construção
de um presente baseado nas raízes do passado, que se querem
preservadas.
Destarte, a ficção negra feminina parece resistir à estética
formalista e forçar o leitor a direcionar a sua crítica para um viés
moral, onde é criado um sistema alternativo de valores, uma es-
pécie de princípio que une o estético, o social e o político, não
apenas em termos utilitários, mas através da justaposição de um
mundo romântico ao real. Gostaríamos ainda de acrescentar que
a concepção de personalidade recriada pelo artista através da sua
própria visão de mundo reflete a maneira como a arte e a estética
contemporâneas negociam o problema do caráter. Dentro desta
lógica, não existe passado distante ou futuro obscuro, mas só um
presente radical que é sistematicamente recriado pelo sofrimento
da opressão, da discriminação e, no caso das mulheres, também
251
Sueli Meira Liebig
_______________________________________________
REFERÊNCIAS
252
253
254