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A leitura

lli.tir...,
U NESP
FUNDAçAO EDITORA DA UNESP

Presidente do Conselho Curodor


Jose Corlos Souzo Trindode

Diretor- Presidenle
Jose Coslilho Morques Neto

Editor Executìvo
Jézio Hernoni Bomíim Guiierre
Vincent Jouve
Conselho Edil oriol Acodémico
AlberÌo lkedo
AnÌonio Corlos Correro de Souzo
Arrlorrio de Póduo Pithon Cyrìno
Benedilo AnÌunes
lsobel Morìo F. R. Loureìro
Lígio M. VelÌorolo Trevison
Lourdes A. M. dos SonÍos Pinto
Roul Borges Guimorões
A leiturq
Ruben Aldrovondi
Tonio Regino de Luco

Troduçõo
Brigitïe Hervol
O 1993 Hochefte Lìvre

TíÌulo originol em froncês: Lo iecture.

" 2002 do lroduçoo brosìleìro:


Fundoçoo Ediioro do UNESP (FEU)
Proço do Sé, I 0B
01001-900 Sóo Poulo SP
Tel.: {Oxxì l)3242-7171 Fox: (0xx1 1)3242-7172
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Noto do trodutoro
Dodos lnlernocionois de Cotologoçoo no Publicoçóo (ClP)
(Cômoro Brosileiro do Livro, SB Brosil)

Jouve, VincenÌ
A leiÌuro / Vinceni Jouve; lroduçóo Brigiile Hervor. Sõo Poulo:
Edìtoro UNESP.2002

Título originol: Lo leciure. ( Ìrrrheci a obra de VincentJouve em 1995, numa reunião do


Bibliogrofio. "Leitura
i'r r rlx ) itciìdêmico Ìiteratura na escola", da Faculdade de
e
tsBNSs 7r39,4ì2-l
( r,'r)( iiìs c Letras deAssis/UNESP, por intermédio de meu colega
L Leiluro 2. Teorio literório l. Título.
l,,,r,r Lrrís Ceccantini. A obra lhe havia sido indicada por Jean
02,4429 cDD-418.4
\l'rrit'r', professor da Université Paris 8, durante uma viagem à
lndice poro coÌólogo sislemólico
I r,rnçrr. A leitura deste livro permitiu-me descobrir uma obra
I. Leiluro 4l8.4 r ",,,r'rrcia I para quem pretende iniciar estudos sobre a metodologia
, l. r lt'il trra e para todos aqueles que se dedicam ao tema. Por isso,
, 1, , it li tracluzila. Convém assinalar algumas modificações em relação
,,,,,,riginal: a ampliação do sumário, com a inserção dos títulos
Cet ouvroge, publie dons le codre du progromme d'oide ò lo publicolion,
bene{icie du souÌìen du Minislère fronçois des Affoires Elrongeres. , I r,, rt'XtoS que complementam cada capítulo, bem como a inclusão
Este livro, publicodo no ômbito do progromo de ouxílio o publicoções, ,li' il r( Iiccs onomásticos dos escritores (romancistas e poetas), das
conlou com o opoio do Minislério dos Reloções ExÌeriores do Fronço. livro.
,
'l'r ,rs Íìccionais e dos personagens citados no
Ariradeço aos amigos que me motivaram e me ajudaram neste
rr . r l', I ro; e a Maria do Carmo Savietto, a revisão dedicada e inspirada
r I

,l.r rr,ì(lução.
Editoro ofiliodo:
I )t'rlico esta tradução a Ruy, Julien e Max, mes amouts et mes

GII.ED Íïililì==ru$lr
, (,,rrfÌrl!ÌÌO/lS.

Aso( iafiarì dc Fhlìl(triaÌcs []Ìììvrrsil:lrirìs Ass(triacaìo IirasilciÌr (l( B. H.


d| AÍì(lri(ia l,a{iìa v cl Carilrc fl.lìloras Ìinivcrsìl.aì ìirs
Sumório

lrrr,rrlrrqlìo l ì
t ) inrPirsse dos estudos formalistas I I
,\ , volução da lingüística: avanço da pragmática 12

t r ít ica literária e teoria da Ìeitura 1 3

I {)t[t('caleitura? 17

t lrr;r atividade com várias facetas 17

llrrrr comunicação diferida 23


Lcittrra inocente e leitura crítica 27
li.xtos
IÌrr uma análise da leitura inscrita 30
() irìteresse da releitura 32

I Irn rlrrebra-cabeça teórico: o leitor é pensável? 35


As rrr:iscaras do leitor 35
Nrr irrício havia o "narratârto" 39
IJrrrrt posteridade perturbadora 43
VìncenÍ Jouve
A leiiuro

O leitor real 49
lìt'grc-'ssáo e progressão 132
Textos
li'x tos
Os sinais do narratário 53 ()s prolongamentos concretos da experiência leitora I 38
A insufìciência dos leitores abstratos 56 si 'l
39
A lcitura como redescoberta de

3 Como se 1ê? 61 { , 'rì( lUsaÌo 143


A intcração texto-leitor ól
/' O texto como programação 67 ll,'l.r t'rrc:i:Ìs bibliográficas I45
O papel do leitor 74 ir,,lr, r.rlos críticos e teóricos 149
Textos
O desempenho do leitor: oiogo de complementaridade
ln,lr, t' rkrs escritores (romancistas e poetas) l5l
entre memória de curto prazo e memória de longo prazo 83 ,l53
irr,lr, r'tl;rs obras ficcionais
A leitura como previsão: o modelo do jogo de xadrez 85
irr,lr, r'tllÌs personagens 157
O que se lê? 89
Os níveis de leitura 89
A lcitura ccntrípeta 93
A leitura centrífuga 98
Tcxtos
Leo Spitzer e a leitura hermenêutica I 03
.Ì05
A Ìeitura dìsseminadora de Roiand Barthes

O vivido da leitura 107


A fruição do imaginário 107
O prazer do jogo II I

Uma viagem no tempo 114


Tèxtos
A leitura como interiorizaçáo do outro II9
O papel motor das emoções 120

O impacto da leitura 123


Os desafios 123
Do texto ao reaÌ 127
lntroduçõo

{) irnposse dos estudos formolistos

I rlrrrante os anos 1970 que os profissionais da análise de


r, rrr):i ('omeçam a estudar a leitura. A obra literária que, até
. rr,ì(ì, ('r'tì entendida na sua relação com uma época, uma vida,
rrrrr rrrt r)rìSCiente ou uma escrita é repentinamente considerada

' r,, r,'lrrçiio àquele que, em última instância, the fornece sua
! 1r..r('lrciA: o leitor. Os teóricos percebem que as duas questões
lr.u,, irrrportantes que eles se colocam - o que é a literatura?
, , ,rr ro t'st udâr os textos? - significam se perguntar por que se lê

,,rrr livltr. A melhor forma de entender a"força" e a perenidade


,l| r Ir trÌs obras não equivale, de fato, a se interrogar sobre o que
,, , lr'rIolcs encontram nelas?
( ) rìtcresse pela leitura começa a se desenvolver no mo-

ir, ilr() (.rn que as abordagens estruturalistas começam a sofrer


'{ rrr) (iuìsaço. Percebe-se que é inútil querer reduzir o texto
lrr, r.rrio a uma série de formas. A poética está num impasse:
,r!!r i'r;rutlo limitado às estruturas leva a modelos demasiado
', r.ri,. ou demasiado incompletos. De fato, por um lado, os pro-
Vincent Jouve A leituro

cedimentos que os teóricos levantam como constitutivos da lite- I f rrt rtr(, O dizer e o
dito (ed. orig. 1984). Destacando a existência
ratura encontram-se fora dela: Roland Barthes aplica o método ,1,' r't'r'bos performativos, como "jurar" ou "maldizer", que
estrutural aos filmes de James Bond, e Greimas reconhece tirr,,,;u('lìì a particularidade de cumprir o que designam, Austin
facilmente as grandes formas "Ìiterárias" no enunciado de uma ì rrr:rtiìtlì que a linguagem, mais do que descrever, pode criar por
'
receita culinária. Por outro lado, a poética, ciência do geral, não , l.r prripria uma situação de fatos. A partir desse princípio, Ducrot

consegue mostrar a originalidade de cada texto: se o uso da \.rr r rì()strar como a fala sempre se dirige para um destinatário que
"polifonia" (a multiplicação dos pontos de vista) é de fato um , l.r procura influenciar mais ou menos explicitamente.
dos maiores interesses da obra de Dostoiévski, deve-se admitir () (ìue se sobressai dos estudos pragmáticos, portanto,
que o procedimento não suscita o mesmo fascínio em autores , ,r ilrìl)ortância da interação no discurso. Se a linguagem Serve
mais medíocres. O valor de uma obra literária não se reduz à r Ì r, ' r r(informar do que para agir sobre o outro, um enun-
)s lrirra
, r.rrlo rriÌo pode ser entendido somente pela referência a seu
urilização desta ou daquela técnica.
! :;s( )r-. E o binômio formado por aqueÌe que fala (o locutor) e
A insuficiência do estruturalismo demanda, portanto, uma rrrr

renovação da abordagem dos textos literários. Ora, no início r,lr('l(' .ì quem se fala (o alocutário) que convém levar em conta.
dos anos 1980, os progressos da lingüística abrem justamente Ir t'vidente, portanto, a influência da pragmática sobre o estudo
novas perspectivas.
,1r,,. rt'Xtos. Se no falar cotidiano a linguagem procura sempre
I'r, ', ltrz-ir um efeito, esse fenômeno só pode ser exacerbado numa
'l 'r r lit crária na quaÌ a organização dos termos deve muito pouco
, ,

r,,,r(iìsc). Assim, entender uma obra não se limita a destacar a


A evoluçõo do lingüístico:
"',r ut rrra ou relacioná-Ìa com seu autor. É arelaçãomútua entre
r
ovonço do progmótico
, ,.( rit()r c leitor que é necessário analisar.

É a expansão da pragmática que vai levar os estudiosos da


literatura a se interessar pelos problemas da recepção. Para des- (.r itico literório e leorio do leituro
crever o funcionamento da linguagem, a lingüística acrescen-
tou aos dois ramos tradicionais * a "sintaxe" (relação dos sig- Mrrs o que é estudar a leitura? Se o objeto da crítica é a obra,
nos entre si) e a "semântica" (relação dos signos com o que ,1rr,rl i'o
das teorias da recepção? O desempenho do leitor? O
eles significam) - a"pragmâtica" (relação dos signos com seu r''\r{) rlLte lhes serve de suporte? A interação entre os dois?...
usuários). Essa tripartição é devida ao fìlósofo americano C. Morris Al,r:. scr-á que a leitura se reduz a uma troca bipolar? A relação
(Fundamentos da teoría dos signos de 1938). De acordo com a , r,nì it obra náo tem também a ver com as práticas culturais, os

eti molo gi a (a pal avra gr ega pr qgma si gnifi ca " ação" ), a pragmática rn, lt'los ideológicos, as invariantes psicanalíticas? Levar em conta
',
analisa o que os locutores "fazem" com a linguagem. Esse ramo ('.,{':j (liversos parâmetros não nos traz de volta ao campo
particular da lingüística desenvolveu-se rapidamente a partir dos rr.r,lit ional dos estudos literários?
anos 1960. Citemos as duas obras mais importantes, a de J. L. I lt' Íâto, existem duas maneiras de abordar o problema. Analisar

Austin, How to do things wíth words (publicada em 1 962 e traduzida .r l('rrUt'iì significa se interrogar sobre o modo de ler um texto, ou
., ,l ,1 1' 11 que nele se lê (ou se pode ler). Ora, se a observação do
em português com o título de Quando dizer é fazer), e a de O.
Vincent Jouve A leiluro

"como" da leitura confere às teorias da recepção certa especifi- n r,,r lclo) para corresponder da melhor maneira às solicitações das
cidade, o problema de seu "conteúdo" leva freqüentemente, r'.,t I ul Llras textuais. 'd

acentuado pelo desleixo terminológico, a se questionar sobre o As análises semiológicas devem-se principalmente a P.
ou os sentidos de um texto. Conseqüentemente, o estudo da ll,rnron e M. Otten. Desenvolvidas nos anos 1980, baseiam-se
\' \
I

U 'r"
leitura confunde-se com o da obra. rr,r v<rntade de estudar a leitura a païtir do detalhe do texto. r\'
Os pesquisadores oscilaram desde sempre entre as duas .'\'lui não se trata mais de grandes modelos teóricos, mas de
abordagens. Esquematicamente, podem-se distinguir, entre as .rrr,rliscs pontuais, sempre muito apuradas, que colocam em evi-
grandes perspectivas, os trabalhos da Escola de Constância, a análise ,llrrr i;ì csta ou aquela característica do ato de leitura. M. Otten,
semiótica, os estudos semiológicos e as teorias do leitor real. rrrrnrit tcntativa de síntese, propõe entretanto apreender a ativi-
A Escola de Constância é a primeira grande tentativa para ,l,r,lt' tlc leitura por meio de três campos nitidamente circuns-
renovar o estudo dos textos apartir da leitura. Ao passo que, até r I rlr)sr o texto paraler, o texto do leitor, a relação do texto com
então, o interesse era essencialmente pela relação texto-autor, a , lr'r(or. Assim, constatam-se numerosos empréstimos dos sis-
"abordagem alemã" propõe deslocar a análise para a relação texto-
tr'rrr.rs tle Iser e de Eco.
leitor. A Escola de Constância, contudo, divide-se em dois ramos
[ Ìrna nova abordagem da leitura, centralízada sobre o leitor
muito distintos: "a estética da recepção" de Hans RobertJauss e
r,',r1,loi inauguradapelos dois ensaios deMichel Picard: Lalecture
a teoria do "leitor implícito" de W. Iser.
itnutìt( ìcu LAleituracomo jogo) (1986) eLirele temps lLer o tempof
A "estética da recepção", surgida no início dos anos 1970,
( | ')ti()). O que Picard critica nos pesquisadores que o precedem é
parte da vontade de repensar a história literária. Jauss constata o
I l.rr() (lc eles analisarem leituras teóricas operadas por leitores
seguinte: a obra literária - e a obra de arte, em geral - só se impõe '
J.
.rl'',r r tempo, segundo ele, de acabarcom essas leituras
ir t os. Já é t"
e sobrevive por meio de um público. A história literâria, portanto, -
lrr;rrr1i'1icas (que, Í.alvez, nunca existiram) para estudar a única
é menos a história da obra do que a de seus sucessivos leitores. A
literatura, atividade de comunicaçáo, deve ser analisada por seu I'rr rrr;r vcrdadeira: leitura coriCieta -do leitor reaÌ. Diferentemente
a
, l, l.rror. desencarnado dos modelos de Iser e de Eco, o leitor real
impacto sobre as normas sociais.
A teoria do "leitor implícito" de Iser, por sua vez, data de .llr í'('n(lc o texto com sua inteligê_nCta" seus deseìos,..s.Ua. cultu-
1976. Enquanto Jauss se interessa peia dimensão histórica da r.r, ',u.rs cleterminaçóes sócio-históricas e seu inço-nsciente. É
recepção, Iser se volta para o efeito do texto sobre o leitor parti- rnr,r lx,r'sl)ectiva que se aproxima - embora mais psicanalítica -
cular. O princípio de Iser é que o leitor é o pressuposto do texto. ,l.r rr.r;srì cm Leffet-personnage dans Ie roman fO efeito-personagem
Portanto, trata-se de mostrar, por um lado, como uma obra ,r.' r,,Ì1í1Ìcc] (1992).
organizae dirige a leitura, e, por outro, o modo como o indivíduo- lrr;slrs diferentes teorias, às quais sempre vamos nos referil

leitor reage no plano cognitivo aos percursos impostos pelo texto. ,ltr{ rí.ltÌ, na sua maioria, ter um alcance geral e pretendem se
A abordagem semiótica de Umberto Eco, tal qual está expos- .rl,lr,,rr rro conjunto do corpus literário. Contudo, uma vez que
ta em Lector ín fabula, está muito próxima da de Iser. O modelo de n u n r, ):i t'Í'citos de leitura estão ligados à linearidade da obra, os

Eco data de 1.979 e propóe uma análise da leitura "cooperante". O l,, ,ilrrisl(lores - sem desprezar os outros gêneros - extrâem a
objetivo é examinar como o texto programa sua recepção e o que r!.u(ìr l)irrte de seus exemplos do universo narrativo. É este o
deve fazer o leitor (ou, melhor, o que "deveria" fazer um leitor ' .rr r rr rl ro rltre seguiremos.
1

O que e o leiturq?

t Jrrrrr olividode com vórios focetos

r\ lt'ittrra é uma atividade complexa, plural, que se desenvolve


i nr \,ui:rs direções. Entre as numerosas sínteses propostas,
Iu r r, Lrrrrcrìtamo-nos na de Gilles Thérien (1990, p.1-4) "Pour une
, rrrror irluc de la Ìecture"["Poruma semióticadaÌeitura"], que vê
!r I l,'rriltit UtTì processo com cinco dimensões.

I lrrr processo neurofisiológico

.'\ lr'it rrra é antes de mais nada um ato concreto, observável,


,
ti ir r definidas do ser humano. Com efeito,
í'{ , ,r r.c a facuÌdades
ri, rrlrutìr;r lcitura é possível sem um funcionamento do apâre-
ll',, r r.,rr,rl c dc diferentes funçóes do cérebro. Ler é, anterior-
!rr! iir, .r tlLralquer análise do conteúdo, uma operação de per-
, , t',,,rr r, ,lt' irlcntificação e de memorizaçáo dos signos. Diferen-

,, , .ru(l()s cntre os quais o de François Richaudeau (1969) -


ri ,,r.il.rril rlt'scrcver com minúcia tal atividade. Mostraram que o
, 'iir, , rr.rr , ,rprccnde os signos um após o outro, mas por "pacotes".
A leituro
Vincenl Jouve

r' 'rrì,ìrìces policiais ou de aventura. Quando os textos são mais


Assim, éfreqüente "pular" certas palavras ou confundir os signos
{,)rìtl)lcxos, o leitor pode, ao contrário, sacrifìcar a progressão
entre si. O movimento do olhar não é linear e uniforme; ao contrário,
í nr Íiìvor da interpretação: detendo-se sobre este ou aquele tre-
é feito de saltos bruscos e descontínuos (de "movimentos
, I r,,
;rrocura entender todas as suas implicações. Roland Barthes,
sacádicos") entre os quais pausas mais ou menos longas (entre
, tn () lrazer do texto, descreve com precisáo essas duas práticas
um terço um quarto de segundo) permitem apercepção. Durante
e
,1,'lr.itura:
essas paradas, o olho gravatiaprecisamente seis ou sete signos, ao
mesmo tempo que anteciparia a seqüência graças a uma visão rrrrr;r vai direto para as articulações da história, considera a exten-
" perifêrica" mais vaga. r,,ì() clotexto, ignora os jogos de linguagem (se leio JúÌio Verne,
O deciframento do leitor é mais fácil quando o texto com- r',rrr rápido: perco algo do discurso, e entretanto minha leitura
porta palavras breves, antigas, simples e polissêmicas' Por ou- rr,itr atraída por nenhuma perda verdadeira - no sentido que essa
ú'

tro lado, como a capacidade de memória imediata de um leitor lr.rlrrvra pode ter em espeleologia); a outra leitura não deixa pas-
(o "espaço memória") oscila entre oito e dezesseis palavras, as
de ',.rr rrada; ela pesa, gruda ao texto, iê, se assim se pode dizer, com

frases mais adaptadas aos quadros mentais do leitor são as curtas ,rplicação e ânimo, enxerga em cada ponto do texto o assíndeto
,lu('corta as linguagens, e não a história: náo é a extensão (lógi-
e estruturadas. Como assinala Richaudeau, quando um autor náo
,,r) tpe a cativa, o desfolhamento das verdades, mas o folhear do
respeita esses grandes princípios de legibilidade, todos os deslizes
',r'rrr itlo. (I973, p.22-3)
semânticos tornam-se possíveis; assim, o texto "lido" não é mais
realmente o texto "escrito". Tâl fenômeno, que, claro, náo ê' raro I rÌtrc "progressão" e "compreensão" existem , claro, regimes
no campo literário (pensamos, entre outros' no caso de Proust), t,
rr r rr r rct li ários: as duas variáveis podem se combinar em proporções
mostra que o ato de ler é, já em si próprio, fortemente subjetivo' !nrrr() (liversas. Em todos os casos, contudo, a leitura solicita
Assim, considerada no seu aspecto físico, a leitura apresen- i il il,I ( ( )tìì petência. o texto coloca em jogo um saber mínimo que

ta-se, pois, como uma atividade de antecipação, de estruturaçáo , r l,'rr( )t ilcve possuir se quiser prosseguir a leitura.
e de interpretação.

Ilrrr processo ofetivo


Um processo cognitivo
t ) t lrarme da leitura provém em grande parte das emoções
Depois que o leitor percebe e decifra os signos, ele tenta
,;rr, r'l,r suscita. Se a recepção do texto recorre às capacidades
entender do que se trata. A conversão das palavras e grupos de
r, ll.rrvrÌs do leitor, influi igualmente - talvez, sobretudo - so-
palavras em elementos de significação supóe um importante
I,rr .,u.r rrÍctividade. As emoções estão de fato na base do princí-
esforço de abstração.
,r, , l. it lcnti ficação, motor essencial da leitura de ficção. É por-
'
Essa compreensão pode ser mínima, dizendo respeito ape-
I

'1rr. i 1,15, l)rovocam em nós admiração, piedade, riso ou simpa-


nas à ação em curso. O leitor, totalmente preocupado em che-
|!.Ì rlil(' ,ìs personagens romanescas despertam o nosso interes-
gar ao fim, concentra-se então no encadeamento dos fatos: a
atividade cognitiva serve-lhe para progredir rapidamente na
', r.ìt-lìcvski (1965), desde o início do século, colocava em evi-
1,'r r

,li'u, r,t t'ssrr primazia da emoção no jogo textual: "Quanto maior o


intriga. É o que geralmente se produz durante a leitura dos
VincenÌ Jouve A leiiuro

talento do autor, mais difícil é se opor à suas diretivas emocio- lr'r r,r ;ì crcontrados durante nossa pesquisa. Designaremos esse
nais, mais convincente é a obra. É essa força de persuasão que, r 1f q leítura identifico-emocíonal,, (Leenhard
rr r,
',
lr
t &. Jozsa, 79g2,
sendo um meio de ensinamento e dg predicação, é a fonte de r' ) N()remos a ligação estreita estabelecida entre identificação
lli
nossa atração pela obra" (p.296). Essa vulnerabilidade afetiva do ,' rrì()\iio. Mais doque ummodode leiturapeculiar, parece
que o
leitor está igualmente assinalada por Freud (1985). É delu q.te ' rrr"rj,rrrt:'to afetivo é de fato um componente essencial daleitura
dependeria nossa implicação no universo do texto e, conseqüen- , rrì lì('l'iÌ1.
temente, a experiência que dele se extrai:

Em reÌação ao que nos acontece na vida, comportamo-nos, I lrrr processo orgumentotivo


todos, geralmente, com uma passividade igual e permanecemos
( ) t('xro, como resultado
submetidos à influência dos fatos. Mas somos dóceis ao apelo do de uma vontade criadora, conjunto
poeta; pelo estado no qual ele nos deixa, pelas expectativas que ,,'r',rrri,.:rÌclo de elementos, é sempre
analisável, mesmo no caso
desperta em nós, ele pode desviar nossos sentimentos de um ' Lr', rr. r,.r'lrt ivas em terceira pessoa, como ..discurso,,, engajamento

efeito para orientá-los em direção a outro. (Freud,1985, p.262) ' li ' .u rr( )r' l)erante o mundo e os seres.
No vocabulário da pragmá_
r rr . 1,',1'; ;i dito que
a intenção ilocutória (a vontade de agir sobre o
O papel das emoções no ato de leitura é fácil de se entender: 1l' ,rt,rliirio, de modificar seu comportamento) é inerente aos
prender-se a uma personagem é interessar-se pelo que lhe r, \ r, ì,; ( l(' Íìcção. Como observaJ. M. Adam (19g5)
em seu estudo
acontece, isto é, pela narrativa que a coloca em cena. Se uma ,,f ,1 1 1 r ;r rrativa, " a narraçãovisa
. r
levar o interpretador em poten_
ligação afetiva nos liga a Lucien de Rubempré é porque, no decor-
' ìl (,,rs() rla comunicaçãoescrita) ou atual (casodacomunicação
r
rer da leitura de Ás ilusões perdìdas, interessamo-nos pelas razóes ,,r.rl) .r ,rììiì ccrta conclusão ou desviá_lo
dela,, ( p.6_7).A inten_
- psicológicas e sociais - que causaram sua destruição. Se se ,.,1,, q11,(()tìvencer está, de um mOdo
ou de outro, presente em
percorre com prazer o mundo de Em busca do tempo perdido, t' r, 1,1 11,11 r'lttiVa.
aceitando ao mesmo tempo a visão da vida e da arte que se reflete ,r lìrnção argumentativa está particularmente nítida
",' no
nele, é porque as personagens de Proust são alternadamente r,,ilr,ilr( t. clc tese (A esperança de Malraux, por
exemplo, visa
sedutoras, antipáticas ou divertidas. ,
'|'n\( n( t'r'o leitor do fundamento da causa republicana espa-
Assim, querer expulsar a identificação - e conseqüentemen- ,rlr, '1,1), (.Iìcontra-se também nos
outros tipos de textos. Em
te o emocional - da experiência estética parece algo condenado I't,,1tt, .. u lutalista, Diderot, jogando com as perspectivas,
tenta
ao fracasso. Tâl é a lição queJ. Leenhardt & P Jozsa tiraram de rr,rr .r,l)lc o leitor: oponto de vista deJacques,
que pensaque a
seu estudo comparado entre os leitores franceses e húngaros. lr l ,, r , l. rr k. c ilusória
e que tudo está escrito, opõe_se ao ponto de
AnaÌisando de um ponto de vista sociológico a recepção de dois I r'r irÌìisteÌ de seu mestre convencido da existência
'i 'r do rivre-
romances (Les choses [Ás coisas] de Georges Pérec e Le cimetière de rr I'rrr rr,. l,roclamar uma ou
outra tese como norma absoluta é
rouílle lO cemitério de ferrugeml de Endre Fejes), eles constataram l,,r'r' ilìrl)()ssívcl (já que ambas as perspectiyas
se neuüalizam
o seguinte: "Ficou claro que o processo de identificação, que r, l,r'r trv:trrrcnte), e o leitor é levado, como desejava Diderot, a
certos escritores e teóricos da literatura contemporânea quiseram ',r, l* t;rt' rcnhuma referência é universal. Em outras pala_
eliminar, encontra-se ainda no centro dos principais modos de | , ,,(.r.r t;rrc não se pode dizer que o Ulrsses deJoyce,
multipli_
A leiluro
Vincent Jouve

e ambigüidades' passan-
t lrrrrr comunicoçõo diferido
cando, num só Parâgraío,obscuridades
do sutilmente de um ponto de vista para
outro' obriga o leitor a
duvidar de sua capacidade de deciframento?
A intenção ilocutória A , t orrdiçóes do otividode leitoro
questionar sobre seu
seria, nesse caso' a de levar o leitor a se
modo de conceber o sentido' \ rirrrncle particularidade da leitura em comparaçáo com a

Qualquer que seia o tipo de texto' o leitor' de forma mais ,,,r rrr rrr it rìÇiìo orai é seu estatuto de comunicação diferida. O autor
para ele de
ou -"no, nítida, é sempre interpelado' Trata-se ' " l, iror.cstão - pelo menos na grande maioria dos casos -
desenvolvida' rlr,r,rtlos um do outro no espaço e no tempo. A relação entre
assumir ou não para si próprio a argumentação
,,ìr..,()r (' rcceptor é, na leitura, totalmente assimétrica. Essa
, u r, r('r ísticir, evidentemente, acarreta conseqüências. Enquanto
Um processo simbolico ' ' run( irrtlo oral evita a maioria das dúvidas graças a remissões
em face da história' lrr,r,r,, t.constantes à situação espacio-temporal comum aos
O sentido que se tira da leitura (reagindo
os pontos de vista) vai ,,, r, r l,,( ()rcs, o texto apresenta-se para o leitor fora de sua situa-
dos argumentos propostos, do jogo entre
rrt

se instalar imediatamente no contexto


cultural onde cada leitor ' r, , , I r,r ir',crn. Autor e leitor não têm espaço comum de referência.
leitura interage com a cultura e os esquemas l",rr.rrr{,, í' lundamentando-se na estrutura do texto, isto é, no
evolui. Toda
A leitura afirma sua 1,,, , ' ,l, str:rs relaçóes internas, que o leitor vai reconstruir o
dominantes de um meio e de uma época'
do imaginário coletivo , 'rr' r(, rrcccssário à compreensão da obra.
dimensáo simbolica agindo nos modelos
\.

\',.,rrn, por exemplo, enquanto um diálogo sempre se apóia


quer os recuse quer os aceite:
', r I I I r. t(,,t( ) (ì uc selve de quadro para â troca, o texto é apreendido
perante
O sentido no contexto de cada leitura é valorizado 1', l, lr rtr)r cotrìo um objeto autônomoe fechado sobre si mesmo.
quais o leitor tem uma relação'
os outros objetos do mundo com os \ r' rr',,1,,r.rÌì literária, cortada de seu contexto, é recebida como
de cada um' mas
O sentido fixa-se no plano do imaginário ,,,, r, r,, I i'r )iì íòchado, cujos diferentes componentes só adquirem
coletivo de sua r

encontra, em virtude do caráter forçosamente


aquele que divide com r,,,, ,, iltrr10 ern suas relações mútuas. Não podendo ligar tal
formação, outros imaginários existentes'
de sua sociedade' (Thérien' , l, rr r, rrro is1ll2{q um contexto desconhecido, busca-se qual seria
os outros membros de seu grupo ou
a
,r r Irrrrr,.ro no conjuntoconstruídoque aobraforma. Parao leitor,
1990, P.10)
rrr'1,, {ì|t(.cc como Se O texto CriaSSe seU própriO SiStema de
- Assim Ìeitura afirma-se como parte interessada
a
de uma cul-
11

,, t, r, r r, r, r. I issi,r cspecificidade da comunicação cscrita, como assinala


das obras
tura. Não se desconhece a repercussão considerável ' I , r ( l,)i'i5), cstá longe de ser negativa:
das Luzes sobre a evolução intelectual
do século XVIII' L'embremo-
sucessivamente O
nos de que entre 17 48 e 17 54 forampubìicados t ) , ljst ur-so ficcional está privado da situação referencial, cuja

das leis, a C art a sobre os ce gos' o prime


iro volume da Hist oir e '1, ri nìrrìiìçiìo rigorosa assegura ao ato lingüístico sua plena
espírito
da Enciclopédia e o ,, rlr ,ri,.ro. l:ssa falta evidente não implica qualquer fracasso do
naturelle lHistória naturall, o primeiro volume
idéia do modo com o qual' em l, ,,r.,{) rlc Íìcção, mas pode servir de ponto de partida para
Tratado das sensações,e ter-se-á uma
, i,rÍ r,l( r nrt'lhor:Ì particularidade do discurso de ficção. (p.117)
âs mentalidades'
alguns anos, a leitura pode transformar
A leiiuro

Vincent Jouve
, ', r , r ( )u acl uela leitura, o campo das significaçóes pode se desen-
os discursos' cuja pri- r, .t,,',r" infinitamente.
o que representa uma carência para '1r,1.1

meira funçãoé informar, não o é forçosamente para os textos l.ilrt'rtando-se da situação, sempre particular, que delimita
se sabe' é muito diferente' r r t ( )( ir orerl, o texto alarga o horizonte do leitor abrindo-lhe um
estéticos, cujo objetivo, como
I rrrr\'('r s() novo. As referências desse último são, de fato, muitas
, , . r':, irrrprecisas. Quando lê Cícero, não é a república romana
O estotuto do texto lido rrrll:t (pte o leitor contemporâneo vai descobrir, mas aquilo
da comunicaçáo literária ,1., , ( ()rÌì vários séculos de intervalo, permanece-lhe acessível:
É precisamente o carâter diferido
textos' Recebido fora de rrrrr , orrjunto de traços que, tendo atravessado o tempo, po-
L,tt
i' qrr", da certa forma , faz a riqueza dos
,_, se abre para uma pluralidade
de '1, rrr. ,rti'hoje, ser investidos simbolicamente.
seu contexto de origem, o livro
consigo sua experiência' sua I rrÍìrrr, substituindo a audiência necessariamente limitada
,/' int"rp."t"ções: cada leitor novo traz
Pierre Barbéris pode assim '1, rrrrr:r comunicação oral por um número de leitores virtual-
cultura e os valores de sua época.
Mauron reler rrì' rII(' irrlìnito, o texto adquire uma dimensão universal. O livro
trarp.",", Balzacà luz do marxismo' e Charles
1,, 'r ,'rt t'lôncia, aBíblia, conhece assim leitores que pertencem a
Mallarmé Por meio da Psicanálise'
uma expressão de cl)ocas, a todos os continentes e a todas as classes sociais.
Na obra escrita, o sentido ê, pararetomar
r , ,, L r,; . rc

(" Ú ans acontecimental")' Em A "t lcscontextualização" da mensagem escrita é de fato, como


P Riceur ( 1 9 7 I ), " tr ans év énementiel"
(evento
outras palavras, ele escapa da precariedade do discurso oral ' \ ( . ,r r'ondição do plural do texto.
L->
,"-prã fugaz), e isso de quatro maneiras:
pela fixação, que o faz escapar do
desaparecimento' l,',lrr leiluro é legítimo?
do autor'
que o laz escapar da intençáo mental
iela'd;snrioçao, dos limites da
sobre um mundo' que o arranca I ),rrkr o carâLer específico da comunicação literária, podemos
pela abertura
situação do diálogo' r,{', l,('rrtr.llìtar se cada leitor não tem o direito de interpretar o
pela unìversalidade de uma audiência
ilimitada' (p'183)
- r, .. r, , t ( )nì() quer. Na medida em que, cortada de seu contexto, a
em evidência as ,,1,1.1 1' 1,ìriìlìrente lida como seu autor queria, não é lógico desistir
Essas quatro particularidades
colocam
mensagem escrita' ' l' r, .'.,111;11' qualquer intenção primeira e ver apenas no texto o
potencialidades consideráveis da
palavra morre logo ao ser pro- .1rí .r',1trt'f Vef?
Enquanto no discurso oral a
ao tempo e faz que' ain- ( ()rìì() mostramos, não se pode reduzir a obra a uma única
nunciada, o texto, ao contrário' resiste ",', rj
ou Platão' iilr, entretanto critérios de validação. O texto
rl,r(.rrrq;rt'1, existem
da hoje, se possa escutar Homero
o locutor a seu r'rr(', ()rìì certeza, várias leituras, mas não autoriza qualquer
nã airt"nae r a ligaçáo que' no oral' une l,' (

verem no texto outra I,, r,, r, r l .('l'", nota Catherine Kerbrat-Orecchioni ( I 980, p. I 8 1 ),
"
discurso, o escrito permite aos leitores
coisa além do projeto do autor'
A diversidade das interpreta- ,, r,,, !(, lt.i xar levar pelos caprichos de seu próprio desej o/ delirio
.

oferece' em grande parte' pro- i| !r . | |,r ( r. | | vo", pois "se se pode ler qualquer coisa atrás de qualquer
,ã", Ou" a obra de Shakespeare
i

completa da personalidade do r, : r', r,lrtlio toclos os textos tornam sinônimos".


vém de nossa ignorância quase
Se
para negar
dramaturgo- Como o autor não está mais presente
Vincent Jouve
A leiluro

Segundo Barthes (1966), uma leitura deve, para ser legítima, ,l, r,rvt'is: encontrar-se-ão os
leitores dos Mistérios de paris nas
satisfazer o critério de coerência interna: "Toda a objetividade do | ,. r r rr .rrliÌs em junho
r
de l g4g. Ao interpretar um romance
objeti_
crítico dever-se-á, portanto, não à escolha do código, mas ao ri- ,r(''r(' reformista como sendo revoÌucionário, os
leitores de
gor com o qual ele aplicará na obra o modelo que escoiheu" (p.20). I rJ,r.tì('Sue, de certa forma, trapacearam
com o texto.
Assim existem três grandes regras de validação: a grade de inter- Nt'rrr todas as Ìeituras, portanto, são
legítimas. Existe de fato,
pretação deve ser generalizável ao conjunto da obra, deve respei- , . ,r r( ) r()tiì Eco, uma diferença essencial
entre ,,utilizar,, um texto
r

tar alôgica simbólica (tal qual é desprendida pela psicanálise), e {' l' 11'11rrr;i-lo) e "interpretar"
um texto (aceitar o tipo de leitura
ir sempre no mesmo sentido. Numa palavra, a medida da leitura ,
1'r,,.lt. Jtrograma).
é sua "correção". Barthes tem assim boas razões para propor sua
própria leitura de Racine: não se trataparaele de destacar uma
verdade qualquer da obra, mas de confrontá-la com uma lingua-
gem (no caso, a do estruturalismo e a da psicanálise). I r:rtrrro inocente e leiluro crítico
Ao princípio da coerência interna, Ricceur (1986) acrescenta o
da coerência externa: uma leitura náo pode se opor a certos dados t t pr irneiro público levodo em conto
objetivos (biográficos, históricos ou outros) que se possui sobre o
texto. Assim, nem todas as leituras são equivalentes: "Uma inter- I r Í r (' rÌs diferentes leituras autorizadas
pelo texto, qual deve
pretação não deve ser somente provável, mas sim mais provável do , r r, tjrl;rparaaanálise?
que outra. Existem critérios de superioridade relativa" (p.202). I lrrr;i
rcsposta possível é a do teórico
alemão H. R. Jauss que,
A resposta mais satisfatória, contudo, vem com a abordagem , r,' I 1,,1. i1 ; cle não romper
1
com o objetivismo da história literária,
semiótica da leitura. Baseia-se na seguinte constatação: a recepção i'r'i'|r "'|( lt'var em conta aprimeirareitura
da obra. A únicamaneira
é, em grande parte, programada pelo texto. Dessa forma, o leitor ,t, r rr(.1] iU'o estudo
darecepção à história literária, com efeito,
é
não pode fazer qualquer coisa. Para retomar uma expressão de ,t, r rr .11 ;1 lcitura
dominante na época em que o texto foi
Umberto Eco (1985), ele tem, diante do texto, deveres "filológicos": escrito:
\ rn,rlr;t.tla experiência literária do leitor escapará
do psicolo-
deve identificar o mais precisamente possível as coordenadas do l r.rìr', (lU('a ameaça se, para descrever
a recepção da obra e o
autor. Se não frzer isso, assumirá o risco de decodificações ' I' rr,, l)r(xlLlzido por essa, ele reconsdtuir o horizonte
absurdas. Eco cita o caso dos Místérios de Paris. O romance de de expec_
I rrr\ .r r lt. scu primeiro público,,
(Jauss,197g, p.49). O quaa.o
Eugène Sue, primeiramente destinado a um público rico que o i , r rl , L ( ()rnpreensão que condiciona
a leitura_.b horizonte de
folhetinista queria divertir com um quadro pitoresco dos bairros
' t,, , Lrt rvit" - deve, de fato, ser reconstruído, se se querjuÌgar
humildes parisienses, é recebido pelo proÌetariado do século XIX i',', a
1, l,1q [', rr ir'portância eo impacto de umaobra.ro
como uma denúncia de suas condições miseráveis de vida. Sue, _o_".rà d"
ir r 1,111r111;1ç119.
tomando consciência do fenômeno, procura então convencer esse l lr, )r i;rolì tc de expectativa é definido porJauss
público popular de que a melhoria de sua existência passa pela por normas
, , ,, r.rlrÌì('rrte estéticas: o conhecimento
via reformista e pela submissáo às classes dirigentes. Mas o "erro que o público tem a
!r rì'{ rr'|r 'kr rôrcro aque pertence aobra, aexperiênciariterária
de leitura" continua e terá, segundo Eco, conseqüências consi- !'' r
' l r' I lt' lt'ir Lr ras anteriores (que familia rizaramo
' púbrico com
A leiluro
Vincenl Jouve

vigente entre lingua- i,.ir \.ìr ) l)()r uma mulher chamada Hélène von Graun. Vai à casa
certas formas e certos temas) e a distinção
r ; r r r r r ìrì primeira vez: é recebido por Madame Lecerf, uma amiga
, l,.,,
a recepção de
gem poética e linguagem prática' Assim' estudar j\l,rtllrrrrc Von Graun, que lhe propõe marcar um encontro. No
"rwoao*, o romance de costu-
, l,
Bovary implica a lembrança do que é
de um público cansado
lrrr r( ) ( l( ) capítulo XVII, a pergunta que o leitor se faz é mais ou
mes em 1857, uma análise das expectativas
,,r'rì(,s rr scguinte: EnÍìm, o narrador vai encontrar Hélène von
do romantismo e atraído por temas mais "realistas" (como o adul-
a linguagem: um
i ,r.rrr. ('ssa personagem-chave na vida de Sebastian Knight? A
tério), e a definiçáo do que ainda torna literária
a efusáo lírica' O l,,rrrrlirì rcação do leitor (sobretudo se conhece bem a obra de
estilo bastante floreado que pretende sobrepujar I i rl',Lov) ó responder "Não": suscitar uma expectativa narrativa
a
componente sociológico é, como se vê' um pouco negligenciado:
Mesmo as- r' gr r, rl rrriri se responde de imediato, antes de preenchê-la, é uma
gên"s" social dos valores estéticos não é examinada'
Num segundo movimento, contudo, o leitor
r! , r rrr , ì r lclnais usada.
p"r-"necemos de fato numa perspectiva histórica'
Sem esse
ãi-, !, r, rcr'onhecer que a recusa em preencher uma expectativa
massa dos leitores
,econhecim"nto do primeiro público, isto é' da
a evo- r,.rl,rr11, l)or sua vez,por se Íìxar emtopos no romance contem-
comuns, não se entenderia o destino desta ou daquela obra,
dos gêneros literários' t,, ,r.u rr'o: Nabokov não pode ignorar isso. E, de fato, o escritor
lução da literatura e, finalmente, a história . ,,'llrt' trrra terceira solução: o narrador está sozinho com
: ! r'l.rrrrr' l-ccerf na sua casa de campo (a expectativa do leitor, à
A leiturq lineor i ,r r n, r r vista, não é satisfeita), mas ele descobre no fim do capítulo
,

pela perspec- ,1',, Nl,rrl.rnlc Lecerf é aprôpriaHélènevon Graun (aexpectativa


A passagem da teoria da recepção' ainda marcada
às estruturas i ,Ì r u rr o c satisfeita, mas não da forma que se esperava e depois
,,
tiva históric a, paraas semiologias da leitura'
atentas ,

diferentes' i' ', r , Irt l;r todas as esperanças). Esse jogo entre o texto e o leitor
textuais, leva a colocar o problema em termos 1

preocupação de destacaros irirr ,lo:r charmes essenciais da leitura - está totalmente funda-
A partir do momento em que há a
funda- !ii' rr{,r( lo rrrr Iinearidade da narrativa. A dimensão lúdica do texto
p"r.,r.ro.de leitura inscritos no texto' a escolha teórica
leitura' aquela , l, , r r rìr rto à leitura inocente.
mental opõe a leitura "inocente" (isto é' a primeira
leitura "experiente"
qr. ,"gr" o desenvolvimento linear do livro) à
"releitor"' pode utilizar seu
[qu".,do o leitor, ou melhor, o A rllt:iluro
as primeiras
cánhecimento aprofundado do texto para decifrar ',, ,r Icittrra linear é a mais respeitosa das regras do jogo, não
páginas à luz do desfecho) '
comum' O texto ., r,,,,,,., i;1 1ìlcnte a mais interessante. A sucessão não é a única
A leitura inocente continua de longe a mais
1 1

sua progressáo i,,,,, r r,,ro rllr narrativa: o texto não é somente uma "superfície",
é primeiramente concebido para ser lido na
do romance .i! | r rrrrlxlrtr rrm "volumc" doqualcertas conexões sósepercebem
temporal (basta pensar nos efeitos de "suspense"
policiat;. Sedesejamos saber como o texto funciona' devemos " , ' ,,r rr ri Lr lcitura. Daí a pensar que a releitura é a prática mais
a título de i r, I, r r, r, l, r,ì complexidade dos textos literários só falta um passo.
àbrig"toriu-ente levá-la em conta' Observamos'
,

de t,, lr, I I'r,.rrrl (Ì989) parecedispostoadá-lo:


um trecho de A verdadeira vida de Sebastian Knigfu'
"*"Ãplo, O narrador faz uma pesquisa sobre seu meio-irmáo'
Nabotov. '\ ; 'ril ica da explicação de texto detalhada, bê-á-bá dos estu-
escrever sua bio-
um escritor célebre recentemente morto, para ,1,, lrrr.r,ilios (cujo método e, sobretudo, campos referenciais
grafìa. Fica sabendo que a vida de Sebastian foi destruída pela sua
Vì ncent Jouve
A leiluro

'i,i, !, t se inÍeressovo reolmente por eles. Rhétorique de lo


rrrrr/<r
mudaram), leva a se Perguntar se a releitura, longe de ser ocasio-
r... rr rr. ll.Ì,rtóricos do leituro] (1977ìt, portìndo do prìncípio de que o
nal e parcial, em razáo dos lapsos, dos erros de atenção, ou siste-
!..'t,'r't , ,,tri irscrilo no texto, controlsdo e de/imitodo por ele, reso/ve
mática e global, mas reservada a diletantes estetas' não seria
,,,', /, r, r lorço retórico do fexfo (suo opfidõo poro engono r o leìto).
rigorosamente indispensável, dentro de uma lógica correta, ao
'i. .r'r r r ,,ltto reúne onólises ponfuois muito íinos que, sem propor
próprio ato da leitura ordinária, para a simples compreensão -
ii;,' ,í.,,/,rr/eiro modelo, testemunham o e{icócio do Íexlo como
em suma, feed-back de um nível superior, mais voluntário e mais
,',.',r,rttt clc produzìr leìturos". Aìntroduçoo indico os modo/idodes
consciente. (p.41)
,t' ,iir(,vo obordogem, desÍinodo o umo posÍeridode muìfo rico, e
,,,, rr, r r r /rry<rçõo esÍreifo gue une o poéÍico oo esfudo do efeiÍo textuol.
É ce.to que os "efeitos em troca" permitidos pela releitura
são indispensáveis para apreciar, ou até mesmo simplesmente
i l,.rlur<r é umo experiêncio e se encontro/ como iol, submetido
entender, tal passagem textual. A primeira frase de Bel-Ami
.! ,,,,, , ,,rrlrrrìto de vorióveis que o priori nõo sõo do competêncio do
("Quando o caixa lhe entregou o troco de seus cem soldos, Geor-
i==.,',', ìrlr.rr'r io. No gronde dos interpretoções, os forços do
ges Duroy saiu do restaurante") só pode ser plenamente apreciada iogo
i.. ' i,,,,rr:, tensões do ideologio iêm um popel decisivo. Em todo
sabendo-se que, na seqüência da narrativa, é graças às muÌheres
.! , , , .,, rr1o só é possível no medido em que os ïextos o permitem.
- cujo apoio financeiro lhe será indispensável - que Georges Duroy 1,

!:,', rrrr,'.;ir1niÍico que um texÌo oulorizo quolquer leituro, mos


escalará os degraus da hierarquia social. Da mesma forma, o nome
:.,,,1,1, .rrrr,nlr,'que ele é morcodo por umo precoriedode essenciol,
do personagem, Georges Duroy, só adquire seu verdadeiro valor
i,'. ,1, 1,r,'rlrrio possui um jogo. Aqui, tolvez, um espoço poro se
no sistema que ele forma com as outras apelações destinadas a
= r,l,,,,rr A lciluro, tol quol oporeceró nesÌe livro ou tol quol oli seró
substituí-lo: se o apelido "bel ami" atesta claramente os sucessos
i..,!, r,. rrrrr objeto consÍruído (o construir). Nõo se iroio de estudor
i, l,
femininos do protagonista, por sua vez o título "Batáo Georges
., l, ,t,,r,r. rcolmente proticodos desÍo ou doquelo obro nesto ou
du Roy de Cantel", ao evocar o enobrecimento do herói, marca o
,.','1,,, l,rí.1)()co. Troïo-se de exomìnor como um texto expóe, oÌé
topo de seu sucesso. Esses diferentes "efeitos de sentido" (o da
:,!r! ,r,ì, t,',,riLo", explicilomenle ou nõo, o leituro ou os leiluros
frase de abertura, o do nome inicial) só sáo perceptíveis se "já" se
r,,., l', ,,rì(,,ì ou podemos Íozer; como ele nos deixo livres (ou nos
sabe o que vai acontecer, isto é, no decorrer de uma segunda leitura.
, ,,,,r ir.1,,,,) c>u como ele nos reprime.
Desde que uma obra seja minimamente construída, a releitura
', l, rtrrc, rnois que o leiÍor (como dir-se-io o norroçõo, mois
não é apenas desejável: é necessária.
r!!i ,',,,rrr,rri<>r-), é um processo complexo que seró onolisodo; o
!=,r'' t,rl r1t;ol o define (ou pode nõo defini-lo) o texto _ é um
, ,i,.Lrl,, rì{r,; urn popel. A leituro é umo reloçóo: pode seporor o
Texlos ! ",1,' l, rt,rr openos ortificiolmenÍe. A intervençoo do leitor nõo é
'., . ;.,1, 'rì('rìo. No leituro, pelo leiluro, tol texto consiiÌui-se como
',
Poro umq onólise do leiÌuro inscrito
!'..i..L" 1,,,,11r exorbilonÌe, mos compensodo pelo foio de que o
i=! ,,r,lr.rrtr//suo leituro. Seró convenienie se quesÌionor sobre

Michel Chorles é um dos prirneiros pesquisodores q ler esÍudo- -= i, t,, i, r,.( r(). Desso formo, o trobolho (o exploroçõo) que se segue,
do os problernos do recepçóo numo época em que, no Fronço, nìn- 1.. l',r,, ilr; r,':,pcito oo que se chomo o poético. Com efeito, é por

3l
VincenÌ Jouve
A leìturo

esso vio que o Ìeorio do literoluro pode e deve ler suo polovro o ,
"1r,,'r,,iclode e plurolidode: elo o exfroi do cronologio interno
dizer sobre o leituro: elq deverio permitir definir oqui os grondes , r, , r r( ( )rìl(-.ce onÍes ou depois disso") e reenconÍro um Ìempo míïico
linhos de umo problemótico específico - prelúdio, Ìolvez, de um ' rrr rrÌlr)s nem depois); elo contesto o pretensõo pelo quol
trobolho mois vosio no quol outros disciplinos (e oulros outores) .,.,', lrtt rì ìos que o primeiro leiÍuro é umq leituro primeiro, inocente,
interviriom poro determinor segundo quois modolidodes os possí- i. 'r',rrrr.rrrl, que, em seguido, teríomos openos que ,,explicor,,,
veis leiÌuros sôo ou nõo oproveitóveis. Lembroremos oqui openos "t l,,trrrrlizor (como se Íivesse um início poro o leiluro, como se
este foto essenciol: o leiÍuro foz porle do texto, estó inscrito nele. i, ',1' , r rrr
t, ro iivesse sido lido: noo exisie umo primeiro leiiuro, mesmo
(Chorles, 1977 , p.9) ' t, ,t() procure nos dor esso impressõo com olguns operodores
l' , ,/,í,r),,c, orlifícios espeloculores mois que persuosivos);
noo é
',,rì.,r,rÌìo, mos iogo (esse iogo que é o volÌo do diferente). Se,
O interesse do releiluro i.. r, r .r-rtrodiçõo voluntório nos termos, se relê irnedioÍomenÍe
, t, rr rt,

i, r', ., poro obter, como sob o efeito de umo drogo (o do reco_


Rolond BorÍhes propõe em S/7 umo leíturo oprodundodo e "plu' l,r riiferenço), nõo o "verdodeìro" lexïo, mos o Ìexto plurol:
rol" de umo novelo pouco conhecido de Bolzoc, Sorrosine, que ele ,r,, ,1 , , r, ,vo. (Borthes , 1970, p.22-3)
recorfo em lexies (frogmenfos conlínuos e mois ou menos outôno-
mos). RefleÍindo ocerco do modo de leifuro mois rentóvel, defende
o releíturq contro o leìturo lineor.
Aindo é preciso oceilor umo Último liberdode: o de ler o ÌexÌo
como se ió tivesse sido lido. Aqueles que gostom de histórios boni-
Íos poderõo, é cloro, começor pelo fim e ler em primeiro lugor o
iexto Ìutor, que é fornecido em onexo no suo purezo e suo continui-
dode, tol quol soiu do ediçóo, enfim tol quol é lido normolmente'
Mos poro nós que buscomos esiobelecer um plurol, nõo podemos
poror esse plurol òs portos do leituro: é preciso que o leiiuro seio
elo Ìombém plurol, isto é, sem ordem de enlrodo: o "primeiro"
versóo de umo leituro deve poder ser suo Último versõo, como se o
texto {osse reconsÌiÌuído poro ocobor no seu ortifício de continuido-
de, o significonÌe enÌõo sendo provido de umo figuro suplementor:
o deslize. A releituro, operoçõo contrório oos costumes comerciois
e ideológicos de nosso sociedode que recomendo "iogor foro" o
hislório umo vez consumido {"devorodo"), poro que se posso entõo
possor poro outro hisÌório, compror outro livro, e que só é odmiÌido
em certos cqlegorios morginois de leilores (os crionços, os idosos e
os professores), o releiÌuro oqui é proposto de onÌemõo, pois só elo
sqlvo o lexto do repeÌiçoo (oqueles que dispensom umo releituro
obrìgom-se o ler em todo porÍe o mesmo histório), multiplico-o no
2
Um quebro-cobeço teórico:
o leitor é pensóvel?

At rrrrrscoros do leitor

t t r:..lrrlulo do receplor no comunicoçõo literório


i 1'r,,,,;ivt'l cntender o ato de leitura, dada a infinidade poten-
, i.rl ,1,''. rr:;r[irios de um texto? Em outras palavras, é possível
r. ',,, il , lcilOr? Para tentar responder, examinemos o estatuto
'
1. r,,, ;'r(ìr rìiì comunicaçãoliterária.
\'rrrr,,', ,rrrtcriormente a especificidade do discurso escrito:
!! ! i,,r ,lr,l.r cru clr"re é cortado de seu contexto de origem, ele cria
:! i i i i |, \, r :,( ) ( l(. reFerência apenas pelo poder das paiavras. Dessa
r

r ,irr, .rrrtr.,; tlc screm indivíduos concretos, emissor e receptor


r,; ,!,r ,( rlr'tltrzir da escrita. Existe, na comunicaçãoliterâria,
!. l"l ,r.rr(.nl() clas duas instâncias.
!i,,,lr( ({)nccrne ao emissor, doravante é conhecida a dis-
,i:,.,i.' r nrr( ,r itìstância produtora na origem do texto, o "au-
ì. ' ' r il r,,r,llr( iiì tcxtual que assume a enunciação, o "narrador".
ì 1i,, i, ,lu, "(.:;( l(,vc" não é aquele que "conta". O escritor Lesage
,'.= , ',,nlrrrrtlt'com o narrador Gil Blas cujas memórias con-
Vìncent Jouve A leituro

no mun- Nr condição de indivíduo concreto, o leitor dificilmente


tudo assina. Do mesmo modo, o escritor zola, provtdo
é

distingue-se do r! ! )r r.riive l: reage ao texto em razão de parâmetros psicológicos e


do real de uma biografia bem estabelecida'
UltLlrais extremamente diversificados. Veremos, entretanto,
narrador d"e A tqbernq que só se apreende pela narrativa'
Para ,, '( r( )(

jun- inr' l)sicanálise permite destacar certas constantes.


.l
ter uma idéia vaga do autor, é preciso fazer uma pesquisa'
,

o narrador' N() plano da história coletiva, o leitor pode ser apreendido


tar documentos, ler prefácios: para saber tudo sobre
sempre uma criação | ','r rìì('io do público do qual participa. O leitor efetivo remete não
basta ler seu texto. O narrador, portanto, é
deie pelo sexo' ! irì('rìtc ao público contemporâneo da primeira publicação da
do autor e pode, conseqüentemente, distinguir-se
pelos gostos, pelos valores ou pela natureza' O narrador
das ,
'l 'r .r, rrrìs também a todos os públicos reconhecidos que a obra

Memóriqs de um burro, cadichon, embora dotado


de uma surpre- ' !r { ncontrar no decorrer de sua história. Se é interessante
reino ani-
endente faculdade de reflexão, pertence contudo ao 'rr',itlt'r'ar esses públicos reconhecidos é porque toda leitura de
,,

mal; claro, não é o caso do autor da obra, a condessa de ,,,u r( \to é disfarçadamente atravessada por leituras anteriores
Ségur'

Simetricamente, o receptor é ao mesmo tempo o leitor real' ' t, r' l( )r:ìn1 Í'citas dele. Não se leria Montaigne da mesma forma se

podem variar , l, n.r() tivesse sido lido, anteriormente, por Pascal. Do mesmo
cujos traços psicológicos, sociológicos e culturais
infinitamente, e uma figura abstrata postulada pelo narrador ,r r,', (,, ì()ssa leitura de Edipo rei estâ, desde então, marcada pela
i r

a
pelo simples fato de que todo texto dirige-se necessariamente rrrrlr'.r'tlc Freud.
igtrém. Mecliante o que diz e do modo como diz' um texto Àl,rs o leitor, antes de ter uma reaiidade histórica (individual

,.rpO" ,"-pre um tipo de leitor - um "narratário" -


relativa- ,rr r r rlltivrr), é antes de mais nada, como vimos, uma figuravirtuai:
'

mentedefìnido.Onarradorsadianodoslnfortúniosdavirtude' ,,,l,,,trrrrrt:irio implícito para o quaÌ o discurso se dirige. Essa


dos
por exemplo, não se dirige ao mesmo leitor que a narradora !i,r.rr,( rìÌ rlo leitor definida pelo texto não somente é instituída
Desqstres de Sofía. Pode-se deduzir de cada
texto que seus res- lil r',r'ilr'r-o ao qual a obra pertence (um romance policial pressu-
1,,
têm nem
pectivos narratários (os leitores que eles supõem) não i "', rrrì ì lt'i tor-detetive, um conto fiÌosófico um leitor crítico), mas
centros
o mesmo saber, nem a mesma idade, nem os mesmos I r !, ì{ r Ì r pcla enunciação particular de cada obra (a Críticrt da razão
1

que usa'
de interesse. Pelos temas que aborda e pela linguagem 1,,,,,r, ,rl)('niìs pelo seu vocabulário - técnico e especializado -, não
cada texto desenha no vazio um leitor específico'
Assim' o narra- , ,|,r r 1
t(' iìo mesmo público que Chapeuzinho Vermelho) .

târio, d,a mesma forma que o narrador, só existe dentro


da

narrativa: é apenas a soma dos signos que o constroem'


r t l'xlo e o olém do texto

Público, figuro, indivíduo L',,rs ubordagens diferentes do leitor colocam em evidên-


i ! r r r,r {r'onteira muito clara entre o mundo do texto e o mundo
Pode-se, a partir dessa distinção, repertoriar as máscaras l, ' l,,r,r tlo lcxto. De um lado, existe o leitor inscrito no texto, e,
do leitor. Esse último pode ser apreendido - individual ou
si-
i,,,11111,, rrrr indivíduo vivo que segura o livro nas mãos.
multaneamente - como um indivíduo concreto' o membro
de
{ , ,| ì( ) (lcfìnir as relações entre esse leitor abstrato, oriundo da
pelo
um público reconhecido e uma figura virtuai construída .l,r r , r,lt'itor de carne e osso? A respostaé simples: épreciso
texto.
Vincenl Jouve A leiluro

considerar o primeiro como um papel proposto ao segundo' Papel


Ì"lo início hovio o "norrotório"
que sempre é possível recusar fechando-se o livro' É o que acontece
quando existe uma divergência muito grande entre o ponto de ( ) r(:cíproco do norrodor?
vista que o texto postula para seu destinatário e o ponto de vista
habituaÌ do leitor. Ninguém aprioritema obrigação de se reconhe-
I
l)()rtanto o termo de "narratârio" que, em primeiro lugar,
cer no destinatário-padrão dos romances "Harlequin": um leitor
t,'r Ir()l)()cto para delimitar a figura do leitor inscrita no texto.
(uma leitora?) apenas preocupado com as reviravoltas provocadas
L ..,rliuììente como Gérard Genette (1972) define o conceito:
pela paixão de uma moça humilde por um moço bonito e querido
antes de ser, finalmente - e necessariamente -, vivida' Em um (Ìrn.ro o narrador, o narratário é um dos elementos da situa-
outro registro, sempre se pode, como sujeito, recusar um papel de , r'i rìirrr'Ìtiva, e ele se coloca necessariamente no mesmo nível
leitor ideológico demasiadamente marcado' Como repara Susan ,ir, r,,t ticr'r; isso significa que não se confunde apriori com o leitor
Suleiman (1983) no seu estudo sobre o romance de tese, são so- (rr.\rìì() virtual), assim como o narrador não se confunde neces-
bretudo as narrativas "antagônicas" (isto é, baseadas numâ estru- .r r,rìì('nte com o autor. (p.265)

tura maniqueísta que divide as personagens em "boas" e "ruins")


que suscitam no leitor esse tipo de reação:
1),lu(', nessa definição, é problema, é o adjetivo "virtual".
i" ,, ,, ,;(' (.tìtende que o narratário, como instância textual, não
,,,,rrlrrrrtlc com o leitorreal, não se entende muito bem no que
O procedimento retórico consiste aqui não em levar grada-

tivamente o leitor a uma verdade predeterminada, mas em tratá-


. i, , , Ir
.;
I i rrgue do Ìeitor virtual suposto pelo texto.
pelo menos I Lr lr'rtlacle, como fez para o narrado4 Genette distingue dois
1o de antemão como um possuidor desta verdade, ou
como alguém cujas simpatias se dirigem para aqueles que a pos-
,i
I,.', l, r,rr.r'atário conforme ele considera a comunicação externa
r

suemequelutamemseunome.Poder-se-iachamaresseprocedi- i !,,,r rtrr,,t (cuja narrativa em si própria representa o desafio),


mento de persuasão pela cooptação: o leitor, cooptado desde o i r, , ! r lr.iltrra, ou a comunicação encenada na narrativa (e que

início no espaço do herói, encontra-se estruturalmente - portan- i i I' rr r, lrr ltistória contada), como, uma troca epistolar entre
r

to, necessariamente - do lado "bom"' (p'178) l,i,i l'Í r r,()rìagens. Segundo uma terminologia desde então
i , r rrrr( ('rìraizada, é preciso, pois, distinguir o narraÍârio
Assim, quando Barrès, em Os desenraizados, reconhece como ;!,ri r'lr, ji('tico" (interno à diegese, quer dizer, ao mundo da
fato absoluto que Astiné, a bela Oriental, é, como estrangeira, a !, r i,,r r r ) r. r I rrrÌl râtário "extradie gético" (externo a esse mundo).

encarnaçáo do mal e da decadência, ou quando Aragon, em les ', | !,,r,.r,, tr rrn-ìa personagem da história, personagem leitor,
beaux quartiers lOs baírros elegantesf , considera que o simples i!! t'{ | .r )niìllcrìì de verdade: é por exemplo o Sr. de Renoncourt
'
estatuto de banqueiro enganado e velho é suficiente para desvalorizar ' ;,, rl ,,. ,lilige Des Grieux em Mqnon Lescaut. O narratário
a personagem Quesnel, o leitor tem o direito de não aceitar
o papel r r r' ir, r,r'lr, o, cle próprio, não é umapersonagem, mas uma figura

que lhe é atribuído. Existem textos nos quais não se conseguc .! r,,r r.,r ,lo tlcstinatário postulado pelo texto. Confunde-se
"entrar". Em geral, náo se lêem até o fìm' , ! !,,' r,. rortiÌnto, com o leitor virtuaÌ: ele "é" o leitor virtual.
!I rrr
1
Vincenl Jouve A leiÌuro

Narratário e narrador extradiegéticos, portanto, são de fato I Ìl ) ( ;r. cla história (isto
é, aos acontecimentos rrarrados). vários
'|lr
duas figuras complementares: trata-se de instâncias abstratas que " r"' Íbram |'|.s
propostos para merhorar a distinção. Globalmente,
se deduzem apenas das estruturas da narrativa. Em O lírio do vale, , 1,.rrri.tlo da história para a narrativa, podem_se distinguir
três
é preciso assim diferenciar Félix de Vandenesse e a moça para a r r1 ', '', 111' niìrratário.
qual escreve (narrador e narratário intradiegéticos, personagens ()
l)r'inreiro éo"narratârio_personagem,', aquele que desem_
da história) da instância que constrói textualmente as duas ; r lrr Lrrn papel na história. É, .o-o já foi
dito, o narrarário
personagens (o narrador extradiegético) para um leitor virtuaÌ !'|irì(ii('!.ótico de Genette. vimos como a condessa
Natalie de
supostamente interessado por essa história (o narratário extra- ìrrr' ri'illc'cra, dentro da ficção, o destinatário explícito
dessa
diegético). l' 'rr".' r r ,ìr.rrÌ cluc é o lírío do vale. salientemos
que, no írltimo capí-
Foi Gerald Prince (1973) que, em um artigo que marcou épo- r',i',. tlrrc nos propõe a resposta da condcssa,
Fólix se torna o
ca ("lntroduction à l'étude du narrataire ["lntrodução ao estudo " r r r,i r i, clc uma carta cuja narradora é Natalie. sc lrélix e NataÌic
r r

do narratário"]), tentou mostrar prccisamente as características Ì Ì, , r ìr r.csl.lcctivamente


de papéis, nem por isso cleixant de ser
desse leitor hipotético. Quais são, pergunta-se Prince - e na au- | ' , ( ,r),rqcrìq da história. É precisamente uma das particulariclacles
, , r'r, ,l.s charmes)
sência de qualquer detalhe preciso do texto -, os traços funda- do romance epistolar construir uma intriga
mentais do narratário? O narratário "grau zero", envolvido pela , 1,.Itir (l('trOCaS escritaS entre aS personagens qUe
Se tornam
simples existência da narrativa, define-se, segundo ele, por uma , .r r, (. rrrn após o outro, narradores e narratários.
série de traços positivos e negativos. Em primeiro lugaç possui ( ) \('gr.nldo tipo é o ,.narratário
interpelado',. I-ata_se desse
certo número de aptidões: não somente domina a Ìíngua e as rr,,r rrrrtnirno, sem verdacleira identidade, intcrpclado pelo
linguagens do narrador (toda narrativa pressupõe cm seu leitor a ,rrrr rLlr,r rlurante a narrativa. possui, sabe-se,
uma importância
compreensão do código utilizado), mas comprova, além disso, r1,rr,rl r'rÌì lact1ues, o
fatalísta:
certas faculdades intelectuais (memória ótima, conhccimento da
() scnltor leìtor vê cluc cstou no bom cantinho,
gramâtica da narrativa, capacidade de extrair pressupostos e con- c so depen_
l, rr.r tlt' deixá-lo espcrar unl ano, clois :rnos, trôs anos, a
seqüências). Quanto aos traços negativos, os limitcs do narratá- '-rirn
lr ,rrrrirì tÌos itmores dcJacqLrcs. (Dicierot,
1970, p.26_7)
rio "grau zero" são os seguintes: só conhece a leitura linear;
é dcsprovido de qualquer identidade psicológica ou social; não
I ,,(, rìiìl-r.arário interpeÌado não é uma personagem (não
possui expcriência nem bom senso. Tâis são, conforme Prince, !'1'| r' r ) ì, co''Ìo atoç na história).
\{ r
Didcrot o Lltiliza, com a intenção
os traços básicos do narratário. É modificando uma ou várias l' 1 .rr, rriirÌr-, para evidenciar o carátcr arbitrário das narrativas e
dessas características quc uma narrativa pode construir seu pró-
, rr riLlícrrÌas as expectativas codificadas
prio narratário. do leitor. É um
" r r io rlo ntesmo tipo que se encontra nessa passagcm
rr
céÌebre
,,' r'i r nttllto e o negro:
As três foces do norrotório
5irr, scnhor, um romancc ó r-rm espelho cluc
çrassera numa
A r-roção de "narratário", portanto, não tem o mcsmo senti- , .rr,r,l,ì. As vczcs, rcfletc p:rra scrjs olhoso
rrzul do cóu, às vezcs iì
do conforme se refere ao plano da narrativa (isto ó, ao texto como lrrrrr rlos rrtoÌciros da estraclil. E o l.ron.rem quc. carrcga
o cspclho
Vinceni Jouve A leiìuro

na sua bolsa será por vós acusado de ser imoral! Seu espelho ,1rrt'Santerre é o comandante-chefe da Guarda Nacional, que
o
mostra a lama, e o senhor acusa o espelho! Melhor acusar a estra- 1.,;tlLÌc da Saudraie é o ponto de encontro dos partidários do
da onde está o atoleiro, e mais ainda o inspetor das estradas que r( l (.ontra os revolucionários (os
chouans), e que Argonne,
deixa a água apodrecer e o atoleiro se formar. (Stendhal, 1964,
l{ rìrìì.Ìpes e Valmy são batalhas na guerra impiedosa que opõe
p.361)
r l r rr rça revolucionária às grandes monarquias européias.
victor
I lrrrio postula esse saber no seu leitor, se não forneceria
O objetivo de Stendhal é, claro, muito diferente do de ele pró_
Diderot: o narratário interpelado não lhe serve para denunciar Iìr() iìs precisões necessárias. portanto, o narratário oculto de
,\, ,Ì,i',rlúr e três tem como CaracteríStiCa, entre OUtraS, a de pOS-
a manipulação narrativa, mas para interpelar certa categoria de
leitores - bastante numerosa no século XIX - mais pronta para
,rr unr saber mínimo a respeito do período revolucionário.

denunciar a "imoraÌidade" dos românces do que para se inter-


rogar sobre as carências sociais. Ainda aqui, entretanto, o "se- ( ) norrotório extrodiegético
nhor" interpelado peÌo narrador não é nem um personagem da
ìorrprende-se que o narratário oculto corresponde ao
(
história (não desenvolve nenhum papel) nem o leitor suposto
rr rrr,rliir-io extradiegético de Genette. Entre as üês figuras
pelo texto (que, por sua vez, sabe muito bem que o romance não do
rr.rrr,rrrir"io, é a única que permite teorizar as condições da ativi_
tem nada de "imoral").
,l.r,l,'lcitora a partir da base objetiva do texto. O narratârio_
O último tipo de narratário ê o "narratârio oculto". Não é
descrito, nem nomeado, mas implicitamente presente pelo sa- I ' r ',( )rìiìllem pertence de fato à história e o narratário interpelado é
rl'|Í rì,1ç Llma criação romanesca com a qual o leitor real pode muito
ber e pelos valores que o narrador supõe no destinatário de seu
I'í , r rio se identificar. Lendo
texto. Examinamos, a título de exemplo, o primeiro parâgrafo Jacques, o fatalista, temos o direito
,1, ,lr.:t'r'que não nos fazemos as perguntas que o narrador
de Noyenta e três de Victor Hugo (1979): nos
,rrr rl'rri (assim como não somos esse leitor hipócrita
e falsamente
Nos últimos dias de maio de 1793, um dos bataÌhões pari- ,rltr,rj;rtlo que Stendhal interpeÌa em O vermelho e o negro).
sienses trazidos à Bretanha por Santerre vascuÌhava o temido t ) rrrrrratário extradiegético, portanto, como papel que o texto
bosque da Saudraie em Astillé. Não éramos mais de trezentos, r r' lì( x' rro leitor, é de fato o modelo de todos os leitores abstratos
pois o batalhão estava destruído por essa dura guerra. Era a época
' 'r r \ r r ,iÌis que as diferentes teorias da leitura procuraram definir.
em que, depois de Argonne, Jemmapes e Valmy, o primeiro bata-
Ìhão de Paris que contava inicialmente com seicentos voÌuntários,
só tinha vinte e sete homens, o segundo, trinta e três, e o terceiro, I lrncr postêridode perfurbodoro
cinquenta e sete. Tempos das lutas épicas. (p.31)
It,, lr-.ifor implícito oo leilor modelo
É impossível para o leitor entender essa passagem se não
possuir certo número de informações. Deve não somente se \ itklirr de um leitor virtual, inscrito no texto e que serve de
lembrar de que, no plano histórico, 1793 é o ano do Grande Têr- r"'rìr{ l)irrrì o leitor real, teve uma extraordinária posteridade.
ror e da insurreição realista na Vendée (isto é, o apogeu da Revo- i r r rrr ) ( ('.tro de todos os grandes modelos de análise. Entre os
lução, a data-chave que vai decidir o futuro), mas também saber i', r r r' r
I
r. r is cnsaios de teorização, citemos, na ordem cronológica, o
VìncenÌ louve A leiÌuro

"leitor implícito" de W. Iser, o "leitor abstrato" de J. Lintvelt e, r(lrr('lc qLle designamos antes "narratário interpelado". Exami-
mais recentemente, o leitor modeÌo de Umberto Eco. rr.rì)()s, para maior clareza, essa passagem do Roman comique
O "leitor implícito" de Iser (1985) remete às diretivas de leitura l/ir,rÌÌrrnce cômico) de Scarron onde o narrador se expressa na
deduzíveis do texto e, como tais, válidas para qualquer leitor: l ,r r ì ìc i ra pessoa:
"Eie incorpora o conjunto das orientações internas do texto de
Sou um homem suficientemente honrado para deixar de avi-
ficçãoparaque esse último seja simplesmente recebido" (p.70).
A idéia é a seguinte: na leitura de um texto, o modo pelo qual o ',rr-rro lcitor benévolo que, se estiver escandalizado com todas as
l,r'ìncac'leiras que vir-r até agora neste Ìivro, seria bom quc não les-
sentido está constituído é o mesmo para todos os leitores; é a
',t' nriris nada, pois honestamente não verá outra coisa, mesmo
relação com o sentido que, num segundo momento, explica a (lu('csse livro fosse tão grande quanto o Cyrus. (apud Lintvelt,
parte subjetiva da recepção. Em outros termos, cada leitor reage t(tSl, p.22)
pessoalmente a percursos de leitura que, sendo impostos pelo
texto, são os mesmos para todos. Assim, qualquer leitor das ì',rra Lintvelt, essa passagem impõe r-rma distinção cntre três
Ligações perigosas possui o privilégio, dado pelo texto, de ter acesso ,r r.ìrìci:ìs: o narratário, o leitor abstrato e o leitor concreto:
ao conjunto das cartas que se trocam. Como esse estatuto é
C) "leitor benévolo" que, aquì, está interpelado é um narratário
dividido pelos dois protagonistas, Valmont e Madame de Merteuil
rlilr', corÌìo instância fictícia, deverá ser distinguido, por r-rm lado,
(que lêem de bom grado a correspondência de outro), existe
,l,r lcitor abstrato quc justamente é suposto gostar desse tipo de
identidade de ponto de vista entre o Ìeitor e as duas personagens.
l,rrrrc,rcieiras sobre a cscrita ronÌarìesca, e, por outro, do leitor
Essa assimilação "mecânica" - provocada pela igualdade de saber
t ( )rì(-l'ctoque está ÌencÌo o roffÌancc. Evidcntcmente o lcitor concreto
- com duas figuras extremas da libertinagem pode ser, segundo
1,,,,1t'r'ii adotar a postLrra ideológica do Ieitor abstrato divertindo-
os indivíduos, recebida como uma experiência enriquecedora ou, ,(' ( ()rìì tais intrusões, ou poderá dividir a opinião do leitor fictício
ao contrário, como uma boa razão para condenar o livro. O im- r r,ìl l)onto escandalizado que seria ntelhor parar sua leitura.
portante ó que, nos dois casos, cada um parte da mesma experiência \lr'\rììo assim, trata-sc dc instâncias dc natureza difcrcnte. (p.23)
de leitura: a identificação, imposta pela estrutura do texto, com
as duas personagens, Valmont e Merteuil. Se tomarmos um exem- l)t' nossa parte, diremos simpÌesmente que o narratário
plo muito diferente, o leitor implícito dos romances de Agatha irr, rlrclrìclo (o "leitor benévolo" um pouco ridículo e logo
Christie, cste, por sua vcz, vai impor ao leitor real a espera até o lr,,,,rtlo) ó o suporte da piscada irônica dirigida ao narratário
fim da história para saber quem é o assassino. , 'rlr, r (o lcitor perspicaz, postulado pelo texto, que entendeu
O leitor implícito corresponde, no sistema de Lintvelt ( I 9B 1), , rLrrr, r lrcrìr que essa artimanha do narrador não the era destinada).
ao "leitor abstrato": "O lcitor abstrato funciona, por um lado, l!,r l)r'rspectiva pragn-rática de Eco (1985), o leitor modelo é
como imagem do destinatário pressuposto e postulado pela obra I "um conjunto de condições de sucesso ou de Felicidade
lrr rrr lo t-on-ìo

Ìiterária e, por outro, como imagem do receptor ideal, capaz de ,r, /r, rr1, conditíons), estabelecidas textualmente, que devem ser

concretizar o scntido total da obra numa Ìeitura ativa" (p.18). ìr l,,ir,ls para quc um texto seja plenamente atuaÌizado no seu
Lintvelt fala igualmentc, como Genette, de "narratár-io", mas ,,Ì r, r(lo potencial" (p.80). Temos, novamenle, uma figura de
reserva o termo para o leitor fìctício interpelado pelo narrador i iri,Ì rì tituídapelotexto: o receptor, ativoeprodutivo, queo
VincenÌ Jouve A leiÍuro

melhor deciframento possível danarrativaimplica. O leitor mo- y rostuladas pela narrativa ou receptores ativos que colaboram no

delo, em outros termos, é o leitor ideal que responderia correta- ,lcscnvolvimento da história, esses Ìeitores se baseiam na idéia
mente (isto é, de acordo com a vontade do autor) a todas as soli- tk' que, estruturalmente, existe em qualquer texto um papeÌ
citaçóes - explícitas e implícitas - de um dado texto. Entre as l)r.oposto para o leitor. Assim, se parecem, quase se confundem
r trrrr o jávelho, mâs sempre sólido, narratârio extradiegético.
"respostas" que o texto solicita do seu leitor, podem muito bem
figurar hipóteses errôneas. O fracasso interpretativo - se estiver
programado pela narrativa - pode ser uma das "condições de feli- Do onólise do norrotivo poro
cidade" da leitura. crs teorios do leituro
O conscríto, uma novela de Balzac analisada por Franc
Schuerewegen (1987), mostra como o leitor modelo pode ser A multiplicação dos leitores virtuais e a complexidade cres-
i ('rì [c dos modelos explica-se pela passagem da narratologia para
conduzido pelo texto a interpretações errôneas. A narrativa abre-
se com o retrato de uma aristocrata, Madame de Dey, que vive
,r .rrrálise do efeito textuaÌ.
numa cidezinha, Carentan, na época do Terror. Esta acaba de receber A narratologia, que se dava como tarefa descrever os procedi,
rÌ ì('rìtos da narrativa, não tinha que ir além da instância narrati-
uma carta de seu filho Auguste, contra-revolucionário membro da
r,,r. Adotando uma abordagem descritiva para o texto, ela o
expedição de Granville, que, da cadeia, lhe comunica um projeto
,, rrrsiderava um objeto acabado, apresentando um certo número
de fuga e de uma volta próxima para Carentan. Enquanto Madame
r k' t'struturâs e técnicas perfeitamente apreensíveis pela análise.
de Dey espera seu filho com fervor, o texto nos reveÌa que um
l,rìto as noções de "narrador" e de "narraÍ.ârio", na medida em
moço está caminhando em direção à cidade. O leitor pensa espon-
, implicadas peia própria existência da narrativa, dependem
r(' são
taneamente na técnica do "intróito enigmático": para introduzir lr

I'1,'rrrrmente da abordagem narratológica, como a idéia de um leitor


uma personagem já citada, o narrador finge considerá-la como uma
rr n pl icado Ìeva o teórico muito além da simpies descrição.
desconhecida. O leitor imagina, portanto, que se trata de Auguste.
Sc se quer estudar a leitura, a perspectiva é de fato muito
Com efeito, o moço não tarda em se apresentar na casa de Madame
,lrlt'rcnte: o sistema narrativo, longe de ser percebido como
de Dey, que o abraça chamando-o de "meu fìlho". Mas o recruta é
.rrrrtlnomo, deve ser analisado em reiação ao leitor. Assim, não
realmente um recruta. Madame de Dey, entendendo seu erro, vê-se
l',r;trr identificar e descrever o narratârio: é preciso se perguntar
obrigada em receber sob seu teto um revolucionário. Morreu por
' r'n)o o leitor reage a esse papel que o texto lhe propóe. Iser e
causa disso. O texto, claro, contava com essa leitura errônea que
I r o, por meio das noçóes de leitor implícito e de leitor modelo,
ele próprio provocou deliberadamente. O leitor modelo devia, para
rrr('r'Lrssam-se, de fato, pelo além do texto. Mais do que a narrati-
que a narrativa cumprisse seu efeito, cometer o mesmo erro que ,.r, tr trbjeto de suas análises é sua "concretização" pelo leitor.
Madame de Dey. O leitor real, para quem "previsibilidade" é
sinônimo de "tédio", agradecerâao narrador por ter desviado suas
preüsões.
t ):; problemos pendentes
Os leitores implícitos, abstrato e modelo, além de suas dife-
A difrculdade com os diferentes leitores teóricos que acaba-
renças, comprovam o mesmo princípio: a inscrição objetiva do
:rr,1; ilç cxaminar é que eles não são tão "teóricos" quanto parece.
destinatário no próprio corpo do texto. Simples imagens de leitor
Vinceni Jouve A leituro

Sua realidade 'bbjetiva", que supostamente garante a pertinência O leitor reol


e a generalidade da análise, está longe de ser evidente. Para
descrever as reações do leitor modelo, Eco é obrigado a passar A recepçõo concreto
pelas reações de um leitor empírico que não é outro senão ele
mesmo. Como reconhece isso com certo incômodo, nem sempre E, a insuficiência dos modelos baseados nos destinatários
é fácil distinguir a "interpretação crítica" (portanto, pessoal) da t,'tlricos que vai levar um pesquisador como Michel Picard (1989)
"cooperação interpretativa" (programada pelo texto e, portanto, ,r rlcixar de lado o leitor abstrato em favor do leitor real, o indiví-
comum a todos os leitores): 'A fronteira entre essas duas ativi- , lrro fe ito de carne e osso que segura o livro nas mãos. É o único

dades é ínfima e deve ser estabelecida em termos de intensidade rrrt'io, a seu ver, de dar conta da leitura efetiva do texto literário:
cooperativa, de clareza e de lucidez na exposição dos resultados
Os leitores teóricos ... representam de fato um avanço cientí-
de uma cooperação cumprida" (Eco, 1985, p.2a3). Os critérios
fico interessante; mas seu caráter abstrato, narratário tomado no
que permitem diferenciar a recepção de um leitor particular da do
texto ou ieitor "inscrito", arquileitor ou leitor modelo, "Ìeitor"
leitor modelo são, como se vê, um pouco vagos. O que autor.za
histórico-socioÌógico ou consumidor visado, tudo neÌes parece
Umberto Eco a destacar o leitor modelo da novela de Aiphonse asceticamente, hipocritamente, fugir diante dessa obscenidade: o
Allais, U n dr qme bíen parisien lU m dr ama bem parisiense], é, confor- verdadeiro leitor possui um corpo, Iê com ele. OcuÌramos essa verdade
me ele diz, a"intensidade cooperativa", a"clareza" ea"lucidez" tão imperceptívell ( p.l33).
de sua própria leitura. É legítimo perguntar se, com outro teóri-
co, o retrato do leitor modelo teria sido idêntico. O leitor reaÌ, longe de ser desencarnado, é uma pessoa inteira
De modo mais geral, somos obrigados a constatar, como rlrrt', Corrìo tal, reage plenamente às solicitações psicológicas e à
mostrou Walter Ong (1975) em um artigo notável, que o leitor rrrílrrência ideológica do texto. Como estudar AnaKarenina sem
postulado peÌo texto é sempre fictício. É so-ente uma hipótese rit'strìCâr os procedimentos que, influenciando a afetividade do
que o escritor inventa para construir seu relato. Segundo Genette l,'itor (um leitor muito vivo, que vibra e que se emociona), o
(1e83): rrr icam no destino de heroína a ponto de questionar o projeto
rJrl

,1,.'lirlstói? É de fato a simpatia senrida por Ana - uma simpatia


Nenhum aLltor, nem mesmo Rousseau ou Michelet, pode se rt', conscientemente ou não, está programada pelo texto que
,
1r -
dirigir por escrito a um leitor real, mas somente a um leitor ror 11r n heroína não mais essa figura da decadência e do pecado
possíve1. Aliás, mesmo uma carta só se dirige a um destinatário
,lrrt"lolstói havia inicialmente imaginado, mas uma personagem
real e determinado desde que se suponha que esse destinatário a
Ìeia; ora ele pode pelo menos morrer antes, quero dizer, em vez de ' nr()cionante e apaixonante. Em outro registro, será possível
.r1rrt'ciar como se merece A ilha misteriosa de Júlio Verne não
recebê-la: isso acontece todos os dias. Até aí, e portanto para o
'rrsiderando a mistificação ideológica instituída pela narrativa?
,,
scriptor na sua scripção, por mais que seja determinado como
l)r\,('rsos estudos mostraram de fato que, atrás da sedutora
pessoa, permanece virtual como Ìeitor. (p.103)
, I, :;r'oberta de
um paraíso adâmico, o leitor era furtivamente levado
O leitor postulado peÌo texto permanece de fato, e apesar de .r lcrlitimar o colonialismo e a ordem social.
tudo que se fala, uma conjectura. Assim sendo, pode ele nos A narratologia não pode, por si só, dar conta da influência
ensinar algo sobre as reaçóes concretas dos leitores reais? , L rrrìì tcxto. Tornar visível a eficiência das estruturas narrarivas
Vìncent Jouve A leiluro

não é suficiente: é preciso, num segundo momento, destacar sua uma aceleração no ritmo da alternância parece representar o au-
influência sobre o indivíduo concreto. Resta saber, claro, como mento do desejo (o que, talvez, perturbe o "lido,,), enquanto as
apreender esse último na análise. recompensas às multidões camponesas mistificadas acentuam a
grosseria da sedução de Emma e prefiguram suas desilusóes (o
que o "ledor" sente ocultamente e o que o ,,leitante,' pode anaÌi_
O "ledor", o "leilonte" e o "lido" sar). (Picard, 1986, p.279)

Michel Picard, em Lq lecture comme jeu lA leitura como jogof Essa tripartição, por mais interessante que seja, parece apre-
(1986), propóe encontrar em todo leitor três instâncias essen- ri('rìtar alguns problemas. Se a existência do "ledor', é incontestá-
ciais: o "ledor", o "lido" e o "leitante". O "ledor" é definido vt'1, o conceito contudo é pouco operatório para uma análise estri-

como a parte do indivíduo que, segurando o livro nas mãos, {iìrnente textual. Da mesma forma, o caráter passivo do ..lido,, não
mantém contato com o mundo exterior; o "lido", como o incons- ti cvidente: entre a atitude distanciada e o investimento fantas-
ciente do leitor que reage às estruturas fantasmáticas do texto; e rrr;itico, parece existir um termo intermediário (para picard, é na
o "leitante", como a instância da secundaridade crítica que se rt'lirção "ledor"/"lido" que é preciso procurá-lo). Enfim, se o
interessa pela complexidade da obra. Assim, leitura apresenta
"lcitante" se define pelo recuo crítico em relação ao texto,
a se certa-
como um jogo complexo entre três níveis de relação com o texto. n ìL'nte seria preciso distinguir diferentes tipos de "distanciação,,.

Quando, no fim de Madame Bovary, Homais proclama: "Sou


membro de várias sociedades sábias", o narrador esclaÍece ime-
Um modelo poro complelor?
diatamente, e entre parentêses: "ele era de uma só". Segundo
MicheÌ Picard, existe nesse fragmento textual um exemplo in- O sistema de Picard evidentemenre está Ìigado à sua perspecti-
teressante do jogo entre as três instâncias leitoras. O procedi- vl análise: apreender a leitura como jogo. Se, posta de lado essa
cle
mento de "montagem crítica" que consiste, umavez a informa- lrcrspectiva, quisermos teorizar sobre as diferentes instâncias
ção dada, em lhe justapor um comentário que â nega, trm como k'itoras, parece-nos que o modelo terá que ser mais bem explicado.
conseqüência contrariar o investimento na ficção. Assim, se a Assim, como fizemos em Leffet-personnage dans le roman (l9g}),
frase de Homais, dependendo da ilusáo romanesca, dirige-se ao .rlrriremos mão do conceito de "ledor", melhoraremos a definição
"lido" e ao "ledor" (cuja relaçáo dialética fundamenta os efeitos ,lo "lcitante" e extrairemos do conceito de "lido,' o de ..lendo,,.
de participação), o comentário irônico do narrador resulta em O "leitante", como se viu, sempre se lembra de que o texto é
acordar o "leitante" (o qual nunca é enganado). Mesmo jogo ,rrrtcs de mais nada uma construção. Se toda construção supõe
sutil entre as três instâncias Ìeitoras durante o célebre episódio rrrrr arquiteto, o "leitante" tem, conseqüentemente, como pers-
dos comícios agrícolas. A passagem é construída por uma l)('ctiva, uma imagem do autor que o guia em sua relação com o
alternância entre o diálogo amoroso de Rodolfo e Emma e o rt'xto. O autor pode ser percebido de duas formas: é tanto a ins,
discurso oficial dirigido do alto do palanque à multidão de cam- t, rr rcia narrativa que preside à construção da obra quanto a instância
poneses. Esses dois discursos, agindo um sobre o outro no ,rr tclcctual que, por intermédio do texto, se esforça por transmitir

decorrer da leitura, favorecem plenamente o jogo das relações rrnrlì "mensagem". O "leitante" pode assim ser desdobrado em
entre "lido", "leitante" e "ledor": rrrn "Ìeitante brincando" (o qual procura adivinhar a estratégia
t
Vìncent Jouve A ìeiÌuro

narrativeì do tcxto) e Llm "leitantc interpretando" (o clLÌal visiì , )rìì(]lìtc iì par:tir dcssc postulado que podernos cspcriìr cntcrrdcr
decifrar o senticlo global da obra). O leitor clo Esrrangciro vai, i,r'lo rncr.ros em parte a Ìcitura efetiva dc urr tcxto.
desse n-rodo, nLlr.Ì1 mesmo rrtovimento, "brincar" conl o narrador [aÌ concepção clo indir,ídr-ro nos é dada pcla psicaniilise.
fazendo previsócs sobre o futuro dc Mcursar-rlt e anaÌisrlr o texto ' r'los conCeitos do freudisnro supõerrr, com e[cito, a existôr'rcia
para clcstacar seLl sentido. A pergr,rr-rta "O quc vei acolltccer conì i,' íìtos psíquicos trans-históricos. Os "fantasrnas orìginiirios",
, ,r crenrplo, são assinr definiclos por LapÌanche & Pontalis ( I 9B 1):
It4eursar-rlt?" set.r-rprc será acornpanhirda por cìsta outr;Ì: "O qlÌe c)
alltor cÌLler nos lazer entcttcler por nreio do rctrato clcssc- l-reroi , ',1 rlltllnìs fantasmáticas típicas (via intra-uterina, cena originária,

lora dirs normas?". r.,r'acão, sedr,rção) que a psicaniiÌisc encontra conro organizac'lores

Sc o "leitanrc" rrpreetttle o texto clr.r relação i:Ìo aLltor, o "len- I , r'ìc1afantasmáticn, clurisqtrt'r'que sejarrrr .rs erpcriôncias 1-rcssoais
c1o" erprccnde o ttniverso tcxtual por si própr-io. O "lcrldo", dc
, l,
':. indivídr-ros" (p.35). Havcria, assinr, cnì toclo inclivídr-ro, alóm
L.; particr-rIaridades çrcssoais, ccrto núnrcro dc invirriirntcs.
flato, ó cssa partc do leitor aprisiorrada pelir ilusão rcfèrencial
cluc considera o tcrllpo da leiturir, o rlundo clo lexto cotllo ull.Ì
Definindo o lcitor reaÌ corno sujcito biopsicologìco, tôlr-se
r'(,r tiÌllto os meios dc analislrr com prccisão a cxperiôncirr de
rnundo clue existc. Esquecc-ndo a nillLlrcza lirrgüísticir do texto,
' rirra. Sc o leitor :rbstrato pcrmitia clcstacar o funcionanrcnto
t-Ìe "rrcrcdita", por unt notììcÌlto, n() (ìue the cstlt scndo contacio'
, 'Llperllcie do texto, o leitor considcr:rdo conro indir,ídr-ro (isto
O "lcnclo" é essa partc dc rtos que poclc sucessivatmentc chorar a
, i ()rllo sLlporte cìas rcaçÓes Psicológic:rs e ptrlsionais col'nuns
rììort(' (lc Wcrthcr, dividir as angústias dc lìaskoÌnil<ov, ou sc
, r,rtìo inclivíduo) pcrmite dcstacar o Íìr'rcionamcnto proÍìrndo.
rcvol(rrr eon't []rltttortcl l)rtttLcs collirrl a injr-rstiça que lhc ó lcita.
',,..inr qlrc descobrir-o narratiirio extladicgetico, isto é, o nrodo
() "lirlo", trrl ilLrrtl c tlclìrtido por',\4ichel I'icard, ellgloba ccr
,irr o clLrâl o texto inragina scrr Ìeitor, o trabaÌho clo teórico será
Ios lt'rrorrrcrros tlt'lcittrt-rt t;trc classilìcamos sob o cotlccito dc
,r,rlis:rr corÌlo o sujcito reag,c rì esse papel qr-rc ll're é proposto.
"lr'rrrlo",r()s rluiìis vtltt s(' jLrrltar;l satisfação tic cerlas pr-rÌsões
rlr('-se cÌLlc o narriitlirio dc (lrirrrc c crrsti!rr r,ê a Ìristória cìo ponto
int orrst it'rttt's. () "licltt", par;r tlós, se limitarll iÌ essc se guildcl
r, i,istr,t cÌc lìaskolnil<clv, cìo rlrral pcnctr-lì os lì('nsiìnìcntos c co-
l)()tìl(). lrxistc tlt'lrrto uttt tlívcÌ clc lcitura elìì tìuc, por r.Ììeio dc lr' tL'os soírimentos. Mars qr-rais são, prtrrt o lci(ol rc-itl, lts cort-
i'('r'tirs "r'('tìiìs", o lcitol'1L'LrìconlrA tttll.r inlagcttl cle scus próprios
1Lìcìnciirs dcssa corlunhão intima colìì Llll rrssassino? I)cssa
lrrnt,rsrrtrts. Assirrt, de fato, clc qr-re c "lido" llclo ronlarlcc: o qLÌc
'rlÌl)recrìsiìo "por cicntro" dc Lrrn ato cr-inlinoso rlLrcì, certiìrììcrìtc,
cs(ri r'rn jogo c-rrtiìo na lcittrr:r é al Iclação cÌo irldivídr-ro com clc
' , iìprovlìri:Ì na |cuÌidade? 11. a respctsta a essc tipo de l)cr!ìun-
rìlcsÌìì(), cìc seu cLl conl sctt it-tcot.tscicnte. O itllercssc do leitor rl Llc iì aná1ise clo lcitor corìlo inciivíc1uo devc lrazer.
pcÌas ccp:rs de yiolê1cia 9tt de:ìt.tlo; rcativ.Ì|.i,ì assinl ') \'oyeLl-
rispt1;;r iplrlntil; a vttntadc clc poder clos heróis tlc romallcc falaria
coill os rìossos cìcsejos oclrltos. Textos

Os fundomentos psiconolíticos ' . sinois do norrotório

lrxtrrtir c1c catiir Ìeitor:rs lìlesm:Ìs irlstâncias leitor:rs sLrpoe etll Geioid Prince (1973), erÌÌ suo "lnlroduction ò l'etude du
roclo inrlivídLÌo ulìì certo número clc consltrrltcs psicoltig,icas. [] ',
trrloìre" ["lntraduçcto do esludo narrcttctrìo"], reso/ve /eyorrÍor os
Vincent Jouve
A leiiuro

rlo norrodor que se contento em repeti-los. É preciso entõo oÍribuí-


sinois iexÍuois que perrniÍem troçor, numo dado norrotivo, o fíguro
lrrs oo norroÌório e onotor o lipo de curiosidode que o onimo, o tipo
do norrotorìo. Depois de ter lembrodo os corocÍerísÍicos do norrotórìo
"grou zero" (instôncio oindo muilo vogo, envolvido pelo único foto
,lc problemos que ele gosÌorio de resolver. Em O poi Goriof, por
,rxemplo, é o norrolório que se questiono sobre o correiro de PoireÌ:
de que todo norrotìvo se dirige o olguem), e/e e/oboro o /isfq dos
"O que ele Ìinho sido? mos tolvez iivesse sido funcionório no Minis-
procedimenÍos cuio somo desenho progressivomenle um norrotório
It-irio do JusÌiço...". Às ueres iombém, quondo os pergunlos e
portículor.
pseudoperguntos emonom do norrodor, nóo se dirigem o ele ou o
,rrno dos personogens, mos onÌes o um norroÌório cuios resisÌêncios,
Em primeiro lugor, é preciso mencionor todos os possogens de
, onhecimentos, sõo enÌóo revelodos. Assim, Morcel foró umo
umo norrolivo nos quois um norrodor se refere diretomenÌe oo
pseudopergunlo poro seu norrolório, tomondo-o como testemunho
norrolório. Serõo levontodos os enunciodos onde oquele designo
poro explicor o conduto um pouco vulgor, e, por isso mesmo,
esle por polovros como "leilor" ou "ouvinle" e por locuçóes tois
',rrrpreendente, de Swonn: "Mos quem nõo viu princesos reois muiÌo
como "meu querido" ou "meu omigo"' No coso em que o norro-
lerio indicodo eslo ou oquelo corocterístico do norrotório, suo
',irnples ... usorem espontoneomente o linguogem dos velhos
çõo
rsodoros... ".
profissõo, por exemplo, ou suo nocionolidode, seró precìso reter
l, ?

OuÌros possogens opresentom-se no formo de negoções. Oro,


Ìombém os possogens que mencionom esso corocterísiico' Assim'
,rlqumos dessos negoçóes nóo prolongom o decloroçõo de umo
o norrotório sendo odvogodo, ludo oquilo que concerne oos odvo-
godos em gerol seró perlinente. Enfim, seró preciso selecionor to- l)orsonogem nem respondem o umo pergunÍo do norrodor. Sõo
rrntes os crenços do norrodor que elos conÌrodizem, suos preocu-
dos os possogens nos quois um norroÌório é designodo pelos pro-
nomes e formos verbois do segundo pessoq' lrrrçóes que elos dissipom, suqs perguntos òs quois elos respon-
,lcrn. O norrodor dos Fo/sos moedeiros desmenÌiró vigorosomenÌe
Ao lodo dessos possogens que remetem cloromente oo norro-
,r leorio eloborodo pelo norrotório poro explicor os soídos notur-
Ìório, existem Ìrechos que, mesmo nõo estondo no segundo pessoo'
deVincent: "Nôo, nôo ero no coso de suo omonte queVincenÌ
envolvem um norrolório e o descrevem' Quondo Morcel escreve ",rs
Molinier io ossim todo noiie". À, u"r"r, é umo negoçóo porciol que
Em busco do tempo perdido:'Aliós, o mois freqÜentemenle, nõo
,, revelodoro- Em busco do Íernpo perdido, o norrodor, oo mesmo
ficóvomos em coso, íomos posseor", o "nós" exclui o norrotório'
l.rrrpo que ocho ìnieligenÍes os suposiçóes do norroÍório ocerco do
Em coniroportido, quondo decloro: "Sem dÚvido nessos coincidên-
,.xlroordinório sofrimenÌo de Swonn, ocho-os um tonto insuficien-
cios tõo perfeiÌos, quondo o reolidode se retroi e se oplico sobre o
1,.',: "Esse sofrimenÌo que sentio nõo porecio com nodo do que ele
que nós sonhomos hó tonto tempo, elo esconde isso de nós inleiro-
lrrrlro ocrediÌodo. Nõo somente porque em suos horos de mois in-
mente", o "nós" o inclui' Aliós, freqÜentemente, umo expressõo
l,,ircr desconfionço ele roromenle imoginoro um mol lóo gronde,
impessool, um pronome indefinido podem oté mesmo remeter
rììos porque/ mesmo quondo imoginovo esso coiso, elo permone-
openos oo norrolório: "Mos, umo vez o obro ocobodo, lolvez le-
I rr vogo, incerio...".
nhom sido derromodos olgumos lógrimos ìntro muros e extrl" '
Exislem tombém possogens onde figuro um Ìermo com volor
Muitos vezes, conÌudo, existem numo norrotivo numerosos lre-
,l,.rnonstrolivo, o quol, em vez de remeler o um elemento onÌerior
chos que, mesmo nõo conÌendo oporentemente nenhumo referêncio
,'rr posÌerìor do norrotivo, remete o outro texlo, o um olém do Ìexïo
mesmo ombíguo o um norrolório, o descrevem mois ou menos
- ,1,,,, o norrodor e seu norroÌório conheceriom: "Ele olhou poro o
precisomente. É ossim que cerlos porÌes de umo norroçõo podem
t,)rììrrlo e derromou oí suo último lógrimo de moço ... umo dessos
se opresenÌor no formo de perguntos ou de pseudopergunÌos' As
l,r,lirrros que, do Ìerro de onde coem, respingom oté nos céus".
vezes essos pergunÌos nõo emonom nem de umo personogem nem
Vincent Jouve A leiluro

Segundo essos poucos linhos, o norrotório do Poi GorioÍ reconhece de esÍudo é o leítor reol, e nõo um dos numerosos /eifores leóricos
o Ìipo de lógrimos que Rostignoc enierro. Com certezo, ió ouviu proposfos oté entõo pe/os grondes modelos de onólise.
folor delos, certomenie ió os viu, tolvez ele próprio ió os derromoul
As comporoçóes e onologios que se enconÌrom numo norro- Sobe-se lolvez com quois di{iculdodes teóricos insolúveis se
çõo nos fornecem iguolmenÍe indicoções mois ou menos precio- confronlorom, por folÌo de umo leorio coerenle e mesmo de umo
sos. Com efeiÌo, o segundo termo de umo comporoçóo é sempre consideroçõo do Suieilo psìcológico, o formolismo e o teorio do
suposÌo ser mois conhecido do que o primeìro. Pode-se, porÌonto, recepçõo. "Todos os obros do mente conÌêm em si o imogem do
o portir desso constotoçõo, supor que o norrotório do Voso de ouro, leiior oo quol sóo destinodos", escrevero Sorire numo célebre fór-
por exemplo, ió ouviu o borulho do trovóo ('A voz opogou-se, como mulo. Mois do que oo leiÌor reol, colocodo explícito ou impliciÌo-
o rugido longínquo e surdo do Ìrovõo") e começor ossim o recons- menle como foro do compo, nós nos prendemos sobretudo o esso
ïituiçõo porciol do lipo de universo que lhe é fomilior. "imogem", enquonto os sociológos ou os publìcitórios, por meio
Mos os sinois mois revelodores olgumos vezes, e òs vezes lom- de pesquisos, de esiudos de mercodo ou de monogrofios, ÌroÌo-
bém os mois difíceis de delimitor e descrever de modo sotisfoÌó- vom o leitor visodo e de diferentes tipos de leiÍores empíricos. Em
rio, sõo lolvez oqueles que chomomos - por foho de um termo foce do lentoçõo subjelìvisÍo, esso "imogem" remelio o duos oulros
mois oproprìodo - os "sobrelusÌificoções". Todo norrodor expli- fenÌoções nõo menos temidos.
co mois ou menos o mundo de suos personogens, moÌivo seus otos,
A primeiro consisÌio em prever funcionol e obstroÍomente o
iustifico seus pensomenÌos. Se oconÌecer de suos explicoções, suos leilor como um tipo de decodificodor outomóÍico, de compuÌodor
molivoçóes se situorem no plono do meÌolinguogem/ do metonor-
biológico mois ou menos bem progromodo. Riffoterre concebio
rolivo, do meÌocomentório, serõo sobreiusti{icoçóes. Quondo o
seu orquileitor como umo "ferromento poro levontor os sfimu/i de
norrodor de A cortuxo de Pormo revelo oo norrotório que no Scolo
unr texlo", "o somo (nõo o médio) dos leiiuros" possíveis num dodo
"o costume mondo que essos pequenos visitos nos comoroÌes nõo
rnomenÌo, determinodos pelo identificoçõo, segundo "leis de
demorem mois do que vinte minuÌos", ele so estó pensondo em lhe
perceptìbilidode", de poÍferns e de desvios em reloçõo o esses
fornecer indicoções necessórios poro o compreensõo dos oconÌeci-
rnodelos. Por suo vez, AlÍhusser e seus olunos folovom de "leituros
mentos. Em conÍroportìdo, quondo pede desculpo por umo frose
mol formulodo, quondo se desculpo por Ìer que interromper seu ótimos". lser, sobreludo, propunho o noçóo de "leitor implícito" e
reloio, quondo confesso ser incopoz de reÍrolor bem tol senlimen- procurovo deduzìr do texto (de suos esÌruturos de chomodo, de
to, sõo sobreiustificoções que estó usondo. Essos sempre nos tro- suos prescrições de leituro, de suos oferÌos de identificoçõo, de
zem deÌolhes interessonÌes sobre o personolidode de um norrotório, seus lugores de indeÌerminoções) os meconismos mentois poÍenciois
emboro {reqüentemente o foçom de modo muito indireÌo; pois, do "imogem" sorÍriono. Poder-se-io dìzer que, em certo medido,
mesmo uhropossondo suos resisÍêncios, mesmo vencendo seus pre- lodos essos proposÌos interessonÌes do fim dos onos l9ó0 boseo-
conceitos, mesmo ocolmondo suos opreensóes, elos o desvelom. vom-se no que Michel Chorles chomou de "reÍórico do leiiuro".
(Prince, 1973, p.183-5) Poro evocor o segundo tentoçõo, bosto opelor poro qs peque-
ros etiquetos, freqüentemenie impressos em Épinol, e nos quois,
rrrrligomente/ ero proposio òs crionços enconÌror o coçodor, ou o
A insuficiêncio dos leitores obstroios coelho - confundidos no desenho com olgumo folhogem cujos es-
lronhos volutos desperÍovom o suspeìto. Ou oindo oo célebre retro-
Michel Pìcord, em Lo lecÌure comme ieu (198ó), propôe-se o lo dos Arnolphini, onde se enÌrevê, no fundo de um espelho cenlroì
onolisor o recepçõo concreÍo dos fexfos literorios. Assim, seu obieÍo t om ombições cósmicos, umo pequeno silhueto que, por brincodeiro,
Vincenl Jouve A leiiuro

podemos conÍundir com nosso próprio reflexo. Assim consomos òs rnos ìsso vole poro lodos os leilores e nõo preiulgo em nodo o indivi-
vezes de procuror o leitor de foto no Ìexto, levondo o sério os duolidode de codo um deles.
estrotégios sedutoros de um escrilor-oronho. Certos textos oliós Concebe-se, portonio, que, por mois úteis que essos noções
dirigem-se inleiromenÌe poro o copluro impossível, poro esse contoÍo possom se revelor, elos ficorom inconteslovelmenle velhos. Ceder
mógico e suspeiÍo olém do pógino enlreoberto. Certos escrilores, o essos duos tentoçóes é fozer do leiÌor um fontosmo, que nenhu-
como Rousseou empolgodo duronle o redoçóo de A novo Heloíso, rno evocoçõo e nenhum riÌuol forõo oceder ò vido. (Picord, 198ó,
porecem solicitor olucinodomente o presenço reol, iunto deles, no p l4ó-8)
livro, de seu leitor sonhodo - tol quol esse viúvo imoginotivo de
Véro lVerol de Villiers de Ílsle-Adqm que ocobovo, groços ò forço
de vonÌode, suscìÌondo, ressuscilondo o obieto de seu omor (oté o
inslonte, in{elizmenle, em que o horroroso bom-senso, o folto de fé
e o consoço o dissolviom de monhõzinho...). Esse leilor inscrifo, Ìõo
mois fócil de estudor do que o verdodeiro, pode ser primeiromente
umo personogem leitor: Froncesco de Rimini, Dom Quixote, Emmo
Bovory sõo os exemplos mois conhecidos e citodos. O romonce
epistolor ocupo oqui um lugor privilegiodo; poderio reseryor um,
muilo especiol, poro o cqso roro mos curioso de umo pessoo reol
progressivomenle iogodo no ficçõo e ocobondo, personogem, por
lhe pertencer e ficor preso poro sempre: é o histório do Morquês
de Croismore e de A re/igioso, tol quol o estudom Lucette Pérol e
Gobriielo Vidon. É possível tombém desenhor com certo firmezo
olguns desÌinotórios, como oqueles de lrisÍom Shondy, de Jocques,
o fofo/isfo ou de A quedo ou de Lo modificotion lA modificoçõo] (ou
oindo oqueles de discursos de prefócios e de "discursos de escolto"
de iodo tipo). No verdode, é sobreludo o noçõo de norroÍório que
chomou o otençóo, nesso perspeclivo. Gerold Prince, Gérord
Genette, que oliós noo têm o mesmo concepçõo, designom com
esse termo, grosso modo, umo "funçõo" porticulor do norrolivo,
que Jeon Rousset define sobriomente como "todo deslinotório inscrito
em um texÌo". Só folto um posso poro lronsÍormó-lo no siméÌrico
do norrodor - posso que nõo deve ser dodo: o norrodor, quoisquer
que selom os medioçoes interpostos, remete indiretomente oo escri-
lor reol; os próprios ocrobocios norrotivos dos Folsos moedeiros o
destocoriom mois do que o esconderiom. Esse "norrotório", por suo
vez, nõo lem referente fixo distinÍo. Ele propóe certomente um lipo
de desconço poro o leitor, proposiçõo de identificoçoo enlre outros -
3
Como se lê?

A interoçõo texto-leitor

A insuficiêncio texluol

Saber como sc lô é dctcrrnirrar rì l)iìr-tc rcsyrcctiva clo tcxto c


,l,,lcitor na concrctiz:rção clo scntitkr. A lcjtrrr.lr, rlc íìto, longe.
l' .t'l' uÍlì.ì recepção l)assivrr, .ìlìr'cscrìt,Ì s(' cuilì() rrrrr;r irrtC|lr!.irr
l,r.,rlutivit rìntre o tcÌxto e o lcitor. A obra precisa, cnì sLt.t cL)ns-
trrir-i1o, da participaçáo do dcstinatário. Um universo tcxtual,
.iìì() notiì Eco (1985), é, por cìefinição, sempre inacabado: "Não
r rrìì('r-ìte é irnpossíve I estabelccer um mundo alternativo comple-
r,,, nliìs e t:rmbem irnpossívcÌ descrever o mundo real como
,,,r1rleto" (p.17I-2). Um romance nem tem corÌo propor um
rr\,('Ì-so inteiramente difercnte daqucle no quaÌ vivemos (as
lr rrr'rìsõcs do Ìivro não o perrnitiriam), nem tem a possibilidade
i,, li,:cr tr-rdo arespeito do mundo no quaÌ vivemos (onde, então,
I ìr ìr iì rlcscricão?).
Vincenf Jouve A leituro

Basta, para se convencer dessa dupla impossibilidade, pensar A recepçõo como remole
nos indivíduos do universo narrativo.
O texto não pode construir personagens absolutamente dife- Esquematicamente, pode-se dizer que o leitor é levado a
rentes daquelas que o indivíduo coteja navida cotidiana. Mesmo r'ompletar o texto em quatro esferas essenciais: a verossimi,
as mais fantásticas criaturas dos romances de ficção científica llrança, a seqüência das ações, a lógica simbólica e a significa-
conservam, entre uns atributos mais ou menos insólitos, propri- çio geral da obra. Observemos esses pontos um por um.
edades diretamente emprestadas dos indivíduos do mundo "real". Como as personagens, o espaço e a situação não podem ser
Pensemos nos marcianos de A guerra dos mundos H. G. Wells ilcscritos inteiramente, o leitor completará a narrativa na sua
(1950), que, no final, são apenas humanos deformados: irrraginação segundo aquilo que lhe parecer verossímil. Eis como
lrlaubert (1969) nos apresenta fisicamente Frédéric Moreau no
Aqueles que nunca viram marcianos vivos difìcilmente po- início de A educação sentimental:
dem imaginar o estranho horror de seu aspecto, sua boca singular
em forma de V e o lábio superìor pontudo, a falta de testa, a Um moço de dezoito anos, com cabelos compridos e que se-
ausência de queixo abaixo do lábio inferior de canto, o movimen- gurava um livro debaixo do braço, permanecia perto do leme,
to incessante dessa boca, o grupo gorgonáceo dos tentáculos, a imóvel. (p.37)
respiração tumultuosa dos pulmões numa atmosfera diferente,
seus movimentos pesados e difíceis, por causa da energia maior É o único detaihe que, durante o primeiro capítulo, nos é
do peso sobre a terra e, acima de tudo, a extraordinária intensida- Íornecido sobre o aspecto físico da personagem (o texto dá
de de seus olhos enormes. (p.31) scqüência a seu retrato biográfico e psicológico). São, portanto,
os leitores que devem imaginar qual pode ser, de acordo com a
Um ser alternativo completo é, ao pé da letra, inassimilável vcrossimilhança, a aparência desse "moço de dezoito anos".
pelo leitor. I'rrra a maioria, ele parecerá esbelto e esperto. O quadro histórico
Do mesmo modo, descrever como completa uma personagem ,ll narrativa permite, aliás, supor que Frédéric está vestido com
tirada do mundo "rea7" (em outros termos, uma persona- lr r xo (ele estudou e viaja de navio) . A cor dos "cabelos compridos"
gem histórica) não faz sentido. Supondo que seja possível fazer i' rlcixada por conta de cada um até uma eventual precisão do texto.
um retrato físico moral exato, ainda seria preciso explicar suas
e Irrr fim, deduz-se da postura da personagem (imóvel), de sua atitude
relaçóes com os outros elementos do mundo em um processo de (scgura um álbum debaixo do braço), que ela tem uma expressão
mise en abïme, propriamente falando, ilimitado. Marat, Danton e tranqüila, até mesmo um pouco tímida.
Robespierre são muito mais do que Victor Hugo diz sobre eles Da mesma forma, se a narrativa em geral omitir a descrição
em Noventa e três. Como personagens históricas, extraem sua (l()s gestos menores, o leitor reconstituirá por si próprio o de-
consistência, em primeiro Iugar, da cultura de cada leitor. O :rt'rrvolvimento dos eventos se fundamentando na lógica das
romance, não podendo defini-los sozinho, se apóia no saber ,rções. A narração de um cumprimento, por exemplo, pode muito
"histórico" de seu público. lrcrn omitir um dos três momentos que o organizam ("estender
O texto, estruturalmente incompleto, não pode abrir mão ,r rìrão", "apertá-la", "despedir-se"); basta que o texto mencio-
da contribuição do leitor. rì(' Llma das fases para que o leitor adivinhe espontaneamente as
VincenÌ Jouve A leiiuro

duas outras. A narrativa pode também solicitar a cooperação do Apenas uma Ìeitura atenta pode levantar essa série de equiva-
leitor para seqüências de eventos mais complexos e de duração lôncias simbólicas e seu valor na narrativa.

mais importante. Em Aberto ànoite, de Paul Morand, o narrador Enfim, o leitor deve destacar a significação geral que o autor
conta o relato da corrida ciclista dos Seis Dias no velódromo de quis dar à obra. Para isso, ele deve não somente levar em conta as
inverno; seu amigo Petitmathieu participa dela: intervenções explícitas do narrador, mas também a construção
global do texto. Ao se fundamentar nas oposições binárias que
Petitmathieu estava na bicicleta; me viu e me deu um sorriso subentendem a narrativa de Huysmans, o leitor de AIém, abaixo
amigável com a pálpebra esquerda; houve uma tentativa de esca- pode destacar uma das significações essenciais do romance: a
pe perto do quilômetro 3.421,, na centésima trigésima primeira cxaltação mística de um absoluto artístico e literário como
hora. As balaustradas rangerarn com o empurrão dos populares
cxutório para um mundo materialista e sem saída. O primeiro
surpreendidos durante o jantar, de boca cheia.
capítulo, de fato, opõe explicitamente o realismo ao romantismo:

A elipse que separa o "sorriso amigável" de Petitmathieu (que


Durtal não via, fora do naturalismo, um romance que fosse
acontece no início da corrida) da "tentativa de escape" cobre aqui
possível, a náo ser voltando para as besteiras explosíveis dos ro-
131 horas, isto é, quase a totalidade dos seis dias da prova. Se o
mânticos. (Huysmans, 1978, p.35)
leitor tem, apesar disso, a impressão de não perder nada da corrida,
é porque a Ìógica das ações lhe permite reconstituir a seqüência
() corpo à alma:
dos acontecimentos.
Uma obra, contudo, freqüentemente diz outra coisa que parece Nessa tela, revelava-se a obra-prima da arte encurralada, inti-
dizer: o destinatário deve decifrar sua linguagem simbólica. É mada para transmitir o invisíveÌ e o tangível, para manifestar a
preciso, para isso, que leve em consideração os processos de imundice em prantos do corpo, para sublimar o desespero infini-
deslocamento metafóricos e metonímicos. Roland Barthes, leitor to da alma. (p.40)
de Balzac, repara assim que em Sarrasine o fim da economia
tradicional sob os assaltos de uma nova classe especuladora está ('o materiâlismo ao sobrenatural:
expresso, metonimicamente, pela ruína generalizada de todos os
Ele náo acreditava nisso e entretanto admitia o sobrenatural,
grandes modelos de troca:
pois, nessa terra, como negar o mistério que surge, em nossa casa,

Não é mais possível, entâo, opor regularmente um contrário do nosso lado, na rua, em todo lugar, quando se pensa nisso?
(p.a2)
a um contrário, um sexo a outro, um bem a outro; não é mais
possível salvar uma ordem da justa equivalência; em uma palavra,
É essa série de oposições que permite ao leitor entender o
não é mais possível reptesentar, dar às coisas representantes,
individuados, separados, distribuídos: Sarrasine representa o projeto literário de Huysmans: transcender os extremos - ou
próprio problema da representaçáo, a circulação desregrada lrrzô-los se juntar - propondo um novo tipo de escrita: o "reaÌis-
(pandêmica) de signos, dos sexos, das fortunas. (Barthes, 1970c, rrro sobrenatural". O texto, em geral, contenta-se em dar indí-
p.221-2) t ios; é ao leitor que cabe construir o sentido global da obra.
Vinceni Jouve A leituro

Ocertoeoincerto ) texto como progromoçõo

Se o leitor está ao mesmo tcmpo "orientado" e "livre" no r) conlrolo de leiturq


decorrer da leitura, é porque a recepção de um texto se organiza
Antes de mais nada, é propondo a seu leitor um certo núnrc-
em torno de dois pólos que podemos chamar, com M. Otten
', rìc convençóes que o texto programa sua reccpção. É o famoso
(1982), de "espaços de certeza" e "espaços de incerteza". Os
"espaços de certeza" são os pontos de ancoragem da leitura, as l)iìcto de Ìeitura".
Num nível muito geral, a obra define seu modo de leitura
passagens mais explícitas de um texto, aquelas a partir das quais
1
,,'ì,r sua inscrição num gênero e seu lugar na instituição literária.
se entrevê o sentido globaÌ. Os "espaços de incerteza" remetcm () gênero remete para convenções tácitas que olientarn a
para todas as passagens obscuras ou ambíguas cujo deciframento
1.('ctativa do público. Se o leitor aceita scrn problcnra vcr
solicita a participação do leitor. r ì, )r t()s ressuscitareÌn em uma narrativa fantiistica, clc sc cl.ro-
A tcrminologia de Hamon (1979), que prcferc lalar do "Ìegível" r ,Ì corrì o mesÌTìo acontecimenlo num rorìlrìnce poÌicial. l)a
e do "ilegíveI" , talvcz seja mais expressiva. O legível, para Hamon, 'r , ,.rÌìiì lorma, não aceitará encontrar, na Ìeitura de um ronliìn-
repousa antes de n-rais nada nas regras textuais e narrativas , lrrstorico, contradições flagrantcs com a História oficial.
deprccnclidas pelo cstruturalismo c pela semiologia. Diantc de )iante de uma olrra confr-rsa clu desconcer-tante. ao se apoiar
I

um tcxto opaco, muilas vezes é rcÌìtáveÌ - col11o o estruturalismo r(,Ìucão fornecida pcÌa institr-rição Ìiterária, o lcitor acreditará
nos cr.rsit'toLt - fundarncntar a lcitr-rra nas rcÌaçõcs de semelhança, , ' rf \lo e tcntará encontrar unliì pcrtirÌência nacluiÌo que, apriorí,
de ciil'ercr-iça, de ordcnação, de distriL'uição e dc hierarquia entrc i , ,Ìusiì problema. É assim qLle se aceitará corno "literáriars" e
as scqLiôncias. nriologia, por suiÌ vez, nos pcrmite apreender
A se | ,,rr,ìrìto legítimas as opacidadcs de certas piiginas deJoycc our
o texto como um sistema ao mcsnìo tempo l'cchado e abcrto, Ì ril,ncç oll, em outro estilo, as narrativas scln intriga do Novo
manipulando unidades de dilercrltcs níveis, c regido por Llmiì i Ì' r,ìlì(-C.

macrocstrLltura narrativa. Hamon Propóe assitl't unra leitura lúcrda \1rris precisa[ìcnte, o pacto de Ìeitura se conrpÌeta em dois

de "Conlo", um pocnla das lluminaçõe-s especialmcnte enigmático. 1 r,,rrs priviÌegiados: o íncipit, e o que Genettc chama de "peri-
Pondo cm evidência, por um lado, os latores da ilegibilidade, pror
i ) pcritexto (cL Genette, l987) remete para os prefácios,
oLltro, os da legibilidade, mostra como o texto dc Rin-rbar-rd constrói
, , , ', 1rrçÕcs e avisos de todo tipo, qr"re [êm como função orientar
e desconstrói ser-r prograrna de leitr-rra para se constituir em objctcl
, rrr;r. Basta pensar no famoso prologo de Gargântua no cluaÌ
específico. Ler, portaÍlto, é levar cnl conta as normas de toclo tipo ' ,, l,ris convida scu leitor a ultrapassar o seutido superficial
que dctcrminam Llm texto e fazcr jogar enfrc si as unidades dc , ' I rirìì sentido mais profundo (ao mesmo tenlpo acrescentan-
superfície que constroem seu sentido. ,r rliciosamente, que esse "sentido maior" com certeza não
Alen-i das difcrcnças terminoìogicas, Hanlon e Otten c ó ,' t'bido pelo autor). Mais prccisamente, as introduções tênl
r (
isso o irnportante concordam cn-r distinguir duas dimensocs , ,r ,,lr1r'livo duplo: cxplicar por que e como sc clcvc ler. Assim,
na lcitura: uma proS,ranìada pelo texto, a outra clcpendcndo cltl , rrrr introdução à Nova Justine, esforça-se não somenle cnr
le itor. , i r , r sL-Lr sujeito (insistindo na sua veracidade), mas tambérn
Vincent Jouve A leiÌuro

em expor claramente suas intenções a fim de prevenir qualquer J'lt's referência do tempo passado, introduzindo um hiato entre
erro de leitura: ,,:; rìcontecimentos narrados e o próprio ato de contar, nos indica
, r r(' cstamos na ordem da narrativa. Mas o incípit
I , na maioria das
Certamente é terrível ter que pintar, por um lado, as infelici- \r'zcs, tem como função circunscrever um quadro de leitura.
dades apavorantes com as quais o céu oprime a mulher suave e \rr'jrrmos a primeira frase de Germinal:
sensível que respeita melhor a virtude; por outro, a influência das
prosperidades sobre os que atormentam e mortifìcam essa mes- No campo deserto, numa noite sem estrelas, de uma escuri-
ma mulher. Mas o homem de letras, bastante filósofo para dizer o rlão negra, da cor de tinta, um homem seguia sozinho a estrada
verdadeiro, vence esses problemas; e, cruel por necessidade, ar- tlc Marchiennes para Montsou, dez quilômetros de paralelepípe-
ranca sem piedade com uma mão os supersticiosos enleites com tlos cortando reto, através dos campos de beterrabas.
os quais a besteira torna a virtude bonita, e mostra descarada-
O leitor é introduzido de uma só vez em um universo realis-
mente com a outra mão, ao homem ignorante que se enganava, o
r,r Assiste a uma cena banal: um homem caminhando numa
vício no meio dos charmes e dos prazercs que o ceÍcam e o Perse-
guem sem parar. (Sade, 1978,p.26) ' ',rriìda, numa paisagem interiorana. As duas localidades (Mar-
, lr rt'nnes, Montsou), mesmo se elas já evocam, discretamente, os
, h rrs 111;1js1gr temas da ira e do dinheiro, têm nomes verossímeis e
A estratégia prefacial poCe, para atingir seu objetivo, seguir
, r r( ' lcmbram o campo. Essa impressão de estar em contato com o
caminhos mais tortuosos. Montaigne, em seu "aviso ao leitor", I

rrrrrrrlo real está reforçada pelo início in medias res a narïativa,


curiosamente faz questão de desvalorizar seu tema e desen-
. rl r r rrlo-se com uma açâo em curso, sugere que essa ação começou
corajar a leitura: 'r
,rrrrt's do início do texto: é o universo romanesco inteiro que, desse
Assjm, leitor, sou eu próprio a matéria de meu livro: você rrr,rtlr), encontra-se autenticado. O topos do desconhecido,
não tem nenhuma razão para gastar seu tempo livre com um as- ,lr',:;rnrulando a figura do narrador (que parece não saber mais do
sunto tão FútiÌ e vão. ,lr(' Íì(is sobre esse homem solitário que anda no campo), torna
rr.rrill.rìl a entrada na ficção. Acrescentamos que os motivos da
Na verdade, atrás da subversão aparente, esse aviso preen- , ,,( ulicìão ("a noite sem estrelas") e do desnudamento ("o campo
che bem as duas funções canônicas do prefácio: Montaigne, ,L ',r'r.to") anunciam dois dos grandes eixos semânticos que vão
mesmo se o faz de um modo um pouco complicado, não apenas , .rr uturâr o romance. O incipít informa, portanto, ao mesmo tempo,
valorizaseu assunto (insiste na sua autenticidade), como também , , r rlx ) Llc narrativa de que se trata, o modo como deve ser lida
eo
se preocupa em guiar a leitura (sua intenção, nos sugere ele, é ,
Iilr' \1iìl]-tos encontruÌr nela.
criar um novo gênero: o texto íntimo e pessoal). lrrrfim, ao longo do texto inteiro, o pacto de leitura está
Se o pacto de leitura está explicitamente definido no peritex- ,l, tcrrninado pela submissão da obra a certo número de nor-
to, está amarrado de modo mais implícito nos incípit. As pri- irr,r.;, lìlâis ou menos evidentes, que vão codificar a recepção.
meiras linhas de um texto orientam a recepção de modo decisi- l,',Ir tr'Xto, de fato, inscreve-se numa linguagem, uma poética
vo. O famoso "era umavez" que inaugura os contos age assim , rrrn cstilo, que são, para o leitor, sinais em seu trabalho de
como uma "embreagem de fìccionalidade": assinala uma entra- ,i,', rlrrrnento. Um conto de VoÌtaire não suscitará a mesma ex-
da no mundo dos contos de fadas. De maneira mais geral, a sim- t',,r,ìriva que um romance de espionagem. Nos dois casos, o
I
Vincent louve A leiÌuro

vocabr-rlário, a estrutura de conjunto, a escolha dos ritmos e das ,',r ;rs unidades semânticas. Ao ,.sério" Monsieur prudhommc,
imagens obedecerão a princípios profundamente diferentes. Não 1,r,'leito e pai de família", que veste um.,coÌarinho postiço,,c
se esperará das duas obras nem o mesmo efeito nem o mesmo , rrr( trlàs", opõem-se os "criadores ..sem_ve
1 de versos,', rgonhas,,,
prazer. r r r.Ìtìtes", "preguiçosos',, "barbudos,, .,despenteados,,.
. r
e Essa
r rlui-a antitética global suscita incessantes jogos de vaivém
r r(' ()s diferentes eÌementos do poema. Assim, o verso 4 (,,E
Os pontos de oncorogem a
1, .r;ìVCrâ em flores nas suas pantufas brilha"), que evoca uma
Orientado pelo contrato de leitura, o leitor, como vimos, rr, natureza para a ordem burguesa, se opõe ao verso l4
1,1 1J;1

constrói sua recepção apoiando-se nos espaços de certeza for- I r plimavera em flores brilha nas suas pantufas',), que parece
necidos pelo texto. Esses pontos de ancoragem delimitam a , rir rluc o conformismo venceu. Baseando_sc ncssas oposi_
leitura e a impedem de se perder em qr-ralquer direção. ' ' ,, leitor, progressivamcnte, constrói o scnticlo do texto.
AÌém dos títulos e da menção do gônero (que dizem respci- .\o lc1 uma narrativa, é juntando as açõcs esparsas crÌt sc_
to ao que se chamou de peritexto), podem-se destacar em todo l!r rì( i,ls Ìógicas que o leitor vai poder se orientar no universo
texto canais semânlicos que estruturam a Ìeitura. As unidadcs rrivo. L, porque os aconteci rnentos, nunl Íomance, são li_
qlle os compõem podem ser ligadas por relaçõcs de semeihan- l, , , 1,,r. relações de complemcntaridacle ou
de conseqüência
ça (várias paÌavras remetendo para o mesmo tema), de oposi- 1, ' ,' lf i1sl- dispõc de lugares de ancoragen para sr_ra lcitura.

ção (o sentido se orgaÌìizando em torno de uma antítese) or-r dt' r rr, Ir r Bar-rhe s (1977):
concatenação (seqr-iências de ações formando um todo).
No pocma de Éluard "La courbe de tes yer-rx" l'A curva clt. A corrpril dc r_rm rcvólvcr tclll como corrclato o momcnto L-lll
L,( scr-il r-rsaclo (c se rrão ó usado, a anotação é devolvida conro
teus olhos"l, as principais imagens estão ligadas pela idéia dt'
"circularidade", sugerida ao poeta pelo arco dos olhos da nrtr r ri ,lc'eleicladc etc.), tirar o Íonc clo gancho teÌn conìo correÌato
lher amada. Assim, é possível juntar os termos "curva", "vol
, r,)|l('rìto cÌn que será rccoÌOcacÌo; a intrr-rsão do papagaio na

ta", "redondo", "dança", "auréoÌa", "bcrço", "asas", "barcos" t, ' iic l;élicité
,r 1crìl corno correliìto o episócìi, do cmpirlharnento,

"ninhada" que evocam uma forma arredondada ou encurvada. E,sst'


' r,lorrrc-no ctc. (p.30)

campo semântico está associado no poema à ideia de nascimento ', , rr.lrçoes de scmclhança, dc oposição ou de concatenação
("berço", "orvalho", "fonte", "respin gos", "ni nhada", "aÌvoracla ") , i .r, rrniclades de um texto são, portanto, para o Ìeitor, os
e à de naÍureza ("lolhas", "musgo", "taboas", "vento", "asas", ,lt' .r1'roio mais evidentes. Mas a Ìista, claro, está Ionge
"céu" , "mar", "palha", "astros"). Essas relações de semelhanç.;r ,,.,;rtrstiva.
permitem estruturar a leitura: elas mostram como o motivo (1,Ì
circularidade, suscitado pela curva dos olhos, torna-se a metiiÍir , , .r)crcos de indeterminoçõo
ra de um renascimento de dimensões cósmicas. Esse renascimcrrlo
simbolico é o do poeta que, graças ao olhar daquela qLre alììir, i r '\{o pode tarnbém programar a Ìeitura delimitando os
lìode comungar com o univcrso. ' , ,lc indeterminação, isto é, decidindo quais elementos
No soneto de Verlaine, "Monsieur Prudhomme", é em torrr,' i l',rÌ,ì iÌ criatividadc do leitor. Ìscr faÌa, a esse respeito, dc
da antítese entre a fìgura do burguês e a do poeta que se orgirrri , , 'lr'
I ..
nCHaçaO
Vincent Jouve A leiiuro

A ausência deliberada de uma anotação (am "vazio", na .rl),ìr-cce no decorrer do romance como uma mola narrativa que
terminologia de Iser) é de fato um meio eficiente de programar a , lt'tt'rmiÍÌâ o destino das personagens principais: Louis, o herói,
cooperação do leitor. No fim de Os possessos, Dostoiévski nos ,,
'rÌvcrte-se na véspera de sua morte, depois de uma
vida de avareza
propõe um episódio crucial durante o qual o herói, Stavroguine, ,' ,lc cgoísfiìo; Marie, sua filha, por meio de uma doença e de uma

perseguido pela lembrança de uma cena odiosa, se confessa ao rìr( )r'tc prematura, redime os pecados de seu pai; Isa, sua mulher,
bispo Tikhone. A confissão está escrita numa série de folhetos , r ìÌ Ì [ i r-Ìua, além das barreiras do rancor e do silêncio, a dedicar a
que Tikhone lê em voz alta. O bispo, depois de ter lido uma ., rr rrarido um amor profundo. A negação do catolicismo

passagem na qual uma menina, sozinha com Stavroguine, lhe (lìÌ()vcniente de sua descontextualizaçáo, de sua "extração" do
dá um beijo apaixonado, pára. Percebe que lhe falta o segundo rrrrrrìrlo real) obriga o leitor cristão a reavaliar o que, na vida
, ,,litlianâ, the parecia evidente.
folheto no qual está escrito a seqüência da história. Como ele
fica surpreso, Stavroguine diz:
tlrno noçõo-chove: o isolopio
"Sim, é o terceiro; no que diz respeito ao segundo... O segun-
do está censurado por enquanto", respondeu rapidamente Stavro- () conceito de "isotopia" foi proposto por A. J. Greimas: há
guine sorrindo sem jeito. Estava sentado num canto do soiá, e r',orollil quando os signos texluais remetem para um mesmo lugar.
febril, imóvel , não parava de olhar Tikhone. (Dostoiévski 1955, I r'\,:uìtâr isotopias, portanto, é identiÍìcar as continuidades
t.II, p.453) ,, rrr,.urticas que tornam o texto lido um conjunto coerente. Nesse
,, nritlcr, pode-se dizer, com M. Arrivé (1975), que "ler um texto é
Desse segundo folheto, o leitor nunca terá conhecimento. r, l, rrt ií.ìcar a(s) isotopia(s) que o percorre(m) e seguir de perto o
A narrativa prossegue com a leitura do terceiro folheto, com o { I ';) ('Lr rso dessas isotopias". Quanto mais o texto é redundante
' r

qual se fica sabendo que, no dia seguinte à cena ocultada, a t, r rt'r d izer, repetitivo na informaçáo que transmite), mais fácil é
I

menina vê, com terror, Stavroguine voltar. Pouco tempo depois, r r.rìstruÇão da isotopia. Assim, as narrativas naturalistas,
escolhe se enforcar. A chave dessa seqüênciatrâgica de acontc- l,,r',r';rtlas em certa homogeneidade, são mais faceis de decifrar
cimentos está, evidentemente, nas confissões do segundo fo- ! 1r' ( )s poemas surrealistas.
lheto cuja ausência, explicitamente notada por Stavroguine, lrxrrrninemos, desse ponto de vista, as duas primeiras frases
constitui um "vazio" narrativo. O leitor deverá usâr sua imagi- 'l' l\tt l3ouille:
nação. Obrigando dessa forma o destinatário a investir posi-
Rua Neuve-Saint-Augustin, uma concentraçáo de carros parou
ções textuais precisas, o texto controÌa sua atividade.
ì ( iìl-rllagem carregada com três malas, que trazia octave da estação
Por "negação", Iser designa o questionamento de certos ele-
,

l( r'()vìária de Lyon. O moço abaixou o vidro de uma porta, apesar


mentos vindos do mundo externo que, pela sua presença no
,i, r lì-io já intenso dessa sombria tarde de novembro.
texto, são de certa forma "ficcionalizados". Assim, quando
Mauriac, em O nó de víboras, defende o fundamento da fé católi- I'orle-se destacar nessa passagem curta várias continuidades
ca, contribui, sem querer, parafragilizar um pouco mais a nor- , r r r.ilrI icas que fazem dela um conjunto perfeitamente coerente.
ma religiosa. Tianspondo o catolicismo no plano romanesco, \ estação ferroviária justifica a viagem de "carruagem"
r , rltrì c1a

transforma-o ao mesmo tempo num elemento de ficção. A Íó , rrr l',rris, as "três malas" na carruagem, e a "concentração dc

/J
Vinceni Jouve A leìturo

carros" em um bairro logicamente muito freqüentado. As men- ingüística depreendido por H. C. Grice: o de stinatário, para en-
ções da "estação ferroviária de Lyon" e da "Rua Neuve-Saint- re nder um enunciado, precisa reconhecer nele uma intenção. Dcssa
Augustin", próximas, não surpreendem em nada nesse contexto. l()rma, assim que abriu o Ìivro, o leitor constrói uma hipótesc
O "vidro" e a "porta", eÌementos da carruagcm anteriormente ,obre o teor global do texto: de antemão, eÌe antecipa e portau-
citada, inscrevem-se perfeitamente nessa cena de abertura. O vidro ro simplifica - o conteúdo narrativo.
aberto, o "frio" , a escuridão e a "tarde de novembro" associam-se Segundo Eco (1985), ao levantar hipótcses sobre o "tópico"
naturalmente para suscitar a idéia de um outono um pouco triste. 1r'xtual, o leitor antecipa a seqüência da narrativa:
Tiata-se de fato de uma narração sem surpresa na qual os diferentes
elementos se confirmam mutuamente para tornar o texto perfei- O tópico ó un'ra l.ripótese que dependc cìa iniciatìva do leitor, o
uma manera um lìrìLlcr) rtrdimentar, na lorrrr:r
qr-ral a ltormula cle
tamente legível.
dc pergunta ("Mas do que sc cst:i Íalirnrlo?") rlLrc sc tradr-rz pcÌa
Ao contrário, no vcrso famoso de Eluard 'A terra é azul como
proposição dc um títuÌo provisr'rrio ("provrrvt'lrrrcntc, cstanros lir-
uma laranja", a ausência de redundância isotópica (qual a relação
lando de tal coisa"). (p. I ì 9).
entre o azul e a cor da laranja?) cria um efcito irrecusável de
estranheza.
No poema dc MaÌÌarmé anteriormerrtc citado, o leitor, dcpois
isotopia, como fenômeno semântico, é fornecida pelo texto,
Se a
, l,'i:onhecer o títr,rlo, pode formular três tópicos diferentes conformc
eÌa só pode ser perccbida, entreranro, graças às hipóteses inter- ,' (ÌLle 1ê em "Salut": "brinde leito dr-rr:rnte Llm banquete",
pretativas do leitor. Quando no último verso dc "Salut", MaÌlarmé
..rlvanento" or-r "saÌvação". É a rcdur-rclância isotópica que, na
evoca "a preocupação branca de nossa toile" , a ptrlavra "toíIe" pode
,,', 1Liôncia do poe nla, the permitirá decidir por uma ou outra hipótese
depender ou da isotopia "banquete" (entrando cnt relação com as
,,1r, cvenlualmentc, aceitá-las todas.
palavras "travessa", "amigos", "bebederra"), ou da isotopia
Por meio clo rcflexo de simpÌificação, o clue cstá em jogo ó a
"navegação" (remetendo para os signos "espuma", "afoga-se", "sire-
rì('ccssidade de cntender inerentc iì lc'itrrra. O lcitoç que para lcr
nas"), ou da isotopia "escrita" (ligando-se então à scqiiência "verso",
li'vc saber onde cstá indo, ó constrìntcrÌlcrttt' lt'virrlo a sinrplificitr:
"virgem", "solidão"). O significante roile designará, assim, segundo
a isotopia retida, os significados "toaÌha", "vela" ou "página" (ver Sc o:tutor tcncic.r rtnnL'ntJl () lìuÍr)r'r,r rlt'sis(cnrlts cotliÍìclt
a análise que Rastier faz do poema em Sens et textualíté lsentido e
F, dos e a tornar nrais corlplexa sLliì cstnltuliÌ, o lcitor cstli prope nso
textualidadel, 1989). O texto, como se vê, pode apcnas programar a a reduzi-los a um mínirno suÍ-ìcicntr- scgr,rnrlo cÌc. A tcntlrìrrcr;r
leitura: é o leitor que deve concretizá-Ìa. para tornar conrplcxo o caráter é unra tcncÌôncia clo:rutor, :ì cstru-
lura contrastacla ern preto-e-branco, e LlÌìra tcndôncia do leitor.
(Lotrran, Ì973, p.406)
O popel do leitor
Quando seu saber não the permite destacar a pertinência do
Os reflexos do leitor: onlecipoçoo e simplificoçoo : . {o, o leitor vai aplelar para uma interpretação simboÌica. Se Ulisses,
I' Jo1,çe, permite esperar, com seu títLÌlo, uma lembrança dir
A antecipação e a simplificação são os dois reflexos básicos , ,lrr-róIa, percebc-sc rapidamente que o qr-radro espacio-temporaì
da leitura. ExpÌicant-se por esse princípio essencial da troca ,ì r()llìance é totalniente incompatível com os dados do reÌato dt'
t
VincenÌ Jouve A leiÌuro

Hornero. Para encontrrìr a pertinência do texto, o leitor dcverá por- r\1;rs qLrando, urÌl pouco ntais adiernte, o narraclctr nos tìÌ()stra iì
tanto interprctar sin-rbolicanlente como uma nova odisseia mo_ ì('r'soÌrageÌTì dcitada ne p|aia, vir'a. exigc qLle rccorìstrLliÌrììos o
derna - as peregrinações dc Bloom cm Dublin. ,irrÍcceclcnte: Cyrus Smith, contrariamentc ao quc parcci:r l<igico,
rr.ro cst:i morto; portanto, ele reccbeu nccessarianrcnte unra aju-
lrr. O processo pode te Ì, sobre a lcitura, conseqüências ntais fun
A leituro como previsõo '
, Írrrncnt:Ìis. Assirr, quando o inspectorJavert (apresentado até cntão
\ ()rììo LlrÌl policial insensível e seglÌro de scus princípios), cm Os
Por caus:r do reflcxo de antecipaçno, a leitura aprcsenta_se
tniseráveis, deix:r, contrariando toda expcctativa, Jean Valjciin ir
como um testc, peÌo texto, das capacidadcs dc previsão do lci,
, rììboriì, o leitor é levado lr reavaÌiar a persoÍìagem (rcavaliercão c1ue,
tor. Se ccrtos gêncros, como o romance poìicial, est,ìo totaÌ_
I r'O, ll'dZ Otlll'íì:, COnCCI'llCnte.Ì ('.pdcos I.jrì \,ì:t()\ (lllAlìlrt,Ì Iìrì
mente fundamentados nesse princípio, até mesmo as obras
, ologia humana e a visão sociaÌ).
consideradas mais "Ìitcrárias" não podent deixar de lançar mão
Essc trabalho de prcvisão, port.Ìlìto, ó tuclo nìcuos sLrpcrfi-
delc: "o Ìeitor n-rodelo cìeve colaborar para o desenvoÌvirnento da
, irrì. Obrigando o Ìeitor' .ì rcqucstiol-Ìar sLr.Ìs intcrprctaçõcs, cstá
fábular anteciPando os estágios sucessivos. A a'tccipação cio leitor r r.r oriscm dessa "redescoberta dc si", quc ó um dos eleitos cssen-
constitui urna porçáo de fábuÌa que deverria corrcspondcr àquela
rrris da leitura c qlle sc analisarir ulteriorrrerrte.
quc vai ler. Unr:r vez cìLle terá Ìiclo, perccberá sc o texto confirmou
ou não sua prcvisão" (Ëco, 19S5, p.1aB). O rcxro, com lclicidadc
qualificado por Eco clc "mác1r,rina prcguiçosa,', nccessita das A performonce do leitor
previsõcs do leitor para [uncictrrar. Dc.pcnde dcssa condição para
podc r conforth-Ìo,
O lcitor constrói sua recepçao decifr-ando unr :rpós outro os
rPree'dê- | o ou, si npl esnrcr te, i ntcrcs sá-l o.
sr-r

A leitur., retomando os tc'llos dc W. Iser, ó, portiìlìto, L'xrì 'lrlèrerrtcs nívcis do tcxto. SeeLrnclo Eco ( I985), o lcitor' partc
dialótica entrc proúensao (espcra do quc vai acontecer) e retenção 'irrs estruturas rnais sirrplcs ;rrrrrr clrcg;rr' às nrrris ct-lnrplcxas:
,lcssa lorrna atualiza suLr'ssi\'.Ìrìr('rìlL .ìs ('str-utrriìs "tliscLrsivlrs",
(mcmória daquilo qLÌc .ìconteccr,r). A atividade de previsão apre
r ìiÌrrativas", "itctancia i s " c " i rl col ri!,i crr s ".
sentiì-sc do scguinte rnodo: existe antccipação clo leitor, depois
valid:rção ou invalidação pelo rcxro das hipótcses emitidas. Nessc
A atr-ralizaçao das cstrLrturirs cliscrrr-sivrrs cor lcsponrlr'ì Írrsc
,lc explicitação se mântic:r. E.r-r-r scrr decil'r.anre r-rt-o rlrìs prrlrrvrrrs, o
úÌtinro caso, cxiste rctroação, isto e, rcforntulação pclo Ìeitor
,'ìtor só retem iìs propricdades ncccssárias paÌ..ì .ì r-trnì|rL'r'rì\rr ì
daquilo que cle havia a'rterio'rentc cstabeÌcciclo. us:rrrclo uma
(lo texto (em outros tenlos, as irrplicadirs pelo tirpico). l)c Íato,
terminologia cliflerentc, Jean-Michel Adant (i995) nora que, na
iire ó in'rpossír,cl reunìr para cacia signo o conjunto das signifi-
Ìeitr.rrir, "o processo cognitivo ó um vaivóm do antecedenfc para o
, rrçocs arroladas pelo cìicionário. No vc'rso de Verlainc "a lua
conseqi.iente prcvisto c do cons&lliente para o antecedentc recons-
lrranca reÌuz sobre os tclhados", a paÌavra "lua" não precistr ser
truído" (p.29) Ìsso ó vcrdadeiro tar-rto piìra as Ìlenores seqüôn-
rr'lacionada com sua defìnição astronômica de "sirtelite da Tcrra
cias clc ações como para os grancles cpisódios da rrarrativa.
euan_ ,lLle reccbe sua ILLz do Sol": aqtri, é sua única realidade dc astro
do, e rr A ilha ntísterio.sa, Cyrus Srrith cai do balão em plcrro mar,
rì()turrìo que pelas suas conoterções dc meiancolia e de sr-rarri
a conseqüônciil quc rìiÌtllraÌnlolte sc i)cnsa é tlue ele- lllorreu.
,iedc pede para ser lcvada enr conta.
t
Vincenl Jouve A leìÌuro

O leitor reúne, depois as estruturas discursivas, numa série Dnfinr, é descobrindo uma forte marca axiológica llo cstÌtlcma
de macroproposições que the permitem destacar as grandes li- r, rrrncial que o leitor poderá destacar as estrutLlriÌs idcológicas
nhas da intriga. Essas estruturas narrativas lhe permitem refletir ,1,, 1s11o. Se retomarmos o cxemplo de Em Busca..., parccc clarcr
sobre o conjunto depois da leitura de várias páginas, de um ,
lrrc a oposição entre Swann,/Cl-rarlus, de um
lado, e Elstir/Vintcuil,
capítulo ou de uma cerra longa. Depois de ter lido o início de l,r oLr11s, ilustra, para o narrador, urna oposição mais profrjnda
Germinal, podem-se destacar as estruturas narralivas seguintes: , rrrre vaÌores negativos e vaÌores positivos. Assim, depreende-se
um opcrário solitário, Étienne Lantier, acaba de encontrar um ,l,r soma proustiana uma ideologia da arte como valor absoluto
emprego numa mina; integra-se rapidamente numa lamília de ,1trc exige do artista um sacrifício total.
mineiros - os Maheu; pouco a pouco toma consciência de que, no
mundo da mina, as relações sociais estão congeladas... As
A competêncio do leitor
estrututras narrativas constituem, como se vê, o vigan-rento da
narrativa: são elas que serão retidas para um resumo da intriga. Se o Ìeitor pode realizar uma perfornrancc (atLr:rlizar os di-
Passando para um nível de abstração suplementaç o leitor Ír'r-crtes níveis de um texto), é porque clispóe cle utna comltetên-
integra, assim que pode, as macroproposições narrativas no Segundo Eco, a competência do leitor corllpreendc' pelo
'i,r.
csquema actancial. Sabe-se de fato que é possíveÌ encontrar em rÌìcnos iclcalmente, o conhecimento de um "dicionário dc base"
toda narrativa os seis papóis actanciais descobertos por Greimas: r' "regrâs cle co-rcl'crência", a capacidade de detectar as "se-
su jci t o,/obj eto, cm issor,/dcsti natário, oponc nte,/adj uv:rnte. As- It'r-Ões contextuais c circunstelnciais"' a capacidade de intcrpre-
sinr, crrr Os fri.s rrrrr.squetciro.s, D'Artagnan (o sujeito) é mandado r,Ìr o "hipercódigo retórico e estilístico", uma familiaridade
pclo sctr pai (o cnrissor) irté ï-évillc (o destinatário) para ad- ( ()lrì os "cenários comuns e intertextllais" e, enfim, uma visão
rltrir.ir. o títLrlo clc rnosqrrcteiro (o objeto) . Conseguirá o que ì,lcológica.
rlucr clinrinanclo lìocheí'ort, MiÌady e Richelieu (os oponentes), o conhecimento do cliciontiric'r Pcrntitc clctcrnlilrar () coll-
corìl a ajlrda clc Athos, Porthos e Aramis (os adjuvantes). O tt'údo semântico Clcrncntar cÌos sigtl<ls. Sclll tlrll tloltlíltio rrtítli-
csLlLr('rììrì actancial encontra-se também nos romances da sub- nro do codigo lingr_iístico, ó dr. íìrto intpossívcl rlcciliar urìì tcx-
jetivicìade, pouco narrativos por essência. Sc se admitir que Ërn ro. Quan<1o se lê no primeiro capítr-rlo clc l)otrlor 1Ìr.çcrr/, rt Íì esc:
busca do tempo perdido é unta procura cujo objeto é a criação ar- " lrm pé na frente do armário, cliante das janelas, o [)oltto| I'ascal
ó prcciso scr
tística, Marcel se apresenta imediatamentc como o sr-rjeito- lìrocurava um bilhete, que aí tir-rha vindo buscar",
clestinatário. O grupo dos cmissores inclui os autores cujos iivros ( apaz de dcstacar imediatamcnte os significados básicos da palirvra
suscitaram a vocação literária do hcrói, tais como Georges Sand "cìoutor" notadantente, "sábio" e "médico" - com o risco de
-
e Mmc. de Sévigné. Os oponentes sâo os artistas estóreis, Swann pcrcler rapidamente o fìo de um romance construído sobre a
e Charlus, que nunca puderam se dccidir a sacrificar a vida peÌa oposição entre a ciência e a fé.
arte. Do lado dos adjuvantes, encontram-se os criadores reali- As regras de co-referência servem para entender correta-
zados, tais como Elstir e Vinteuil. Marcel, elc próprio, se torna- rìÌente as expressõcs dêiticas (que remetem para a situação de
rá artista, quando tiver entendido que os printeilos encarnam o t,nunciação) e anafóricas (qr-rc designam um eìernento ante|ior).
n'raior perigo, e os segundos, o modelo a seguir. () leitor, para não sc afogar no texto, dcvc ser capaz de identificar
Í
Vìnceni Jouve A leituro

a personagem eventualmente retomada por um "ele" ou um "ela". Um corre e o outro tem asas

Assim, quando, prosseguindo a leitura do texto de Zola, defronta- Da Bretanha ou do Jura


mos com a frase: "Cheio de paciência, ele vasculhava, e deu um E framboesa ou ameixa
O grilo cantara novamente
sorriso, quando enfim encontrou", é preciso, para entendermos a
Fale flauta ou violoncelo
coerência e a continuidade da ação, saber reconhecer o doutor
O duplo amor que queimou
Pascal por trás do pronome pessoaÌ na terceira pessoa. Acotoviaeaandorinha
A identificação das seleções contextuais e circunstanciais Arosaeoresedá.2
permite interpretar as expressões em razão do contexto onde
se encontram. A palavra "rosa", por exemplo, não terá a mesma Vê-se a que ponto as significações da palavra"rosa" são, toda
significação num soneto de Ronsard e num poema de Aragon. vcz, dependentes do contexto de enunciação. O Ìeitor deve ser
Examinemos a primeira quadra de um soneto célebre de 'Amours" i.upaz de identificar essas variações situacionais se quiser evitar

f'Amores"]: ( crros de interpretaçào.


)c

O conhecimento do hipercódigo retórico e estilístico torna


Amo a flor de março, amo a bonita rosa,
possível a compreensão de certas formas, mais ou menos este-
Aquela que é dedicada a Vênus a deusa,
lcotipadas, legadas pela história literária. Falou-se anteriormente
A outra que possui o nome de minha beÌa amante,
rl:r fórmula inaugural dos contos para crianças: "Considerando
Para quem pertLlrbado de espírito em paz não descanso.r
u ma expressão como /F.ra uma vez/ , lo leitor] serâ logo capaz
A rosa clcvc ser aqui entendida como o emblema de Vônus rle estabelecer, automaticamente e sem esforços inferenciais,
c iì tcstcrììLlrrlra dc LlrÌìil natlrreza frcsca e luminosa: serve, em tlue (t) os acontecimentos dos quais está-se falando situam-se
prinrciro lr-rgaç pcla alusão nritológica e do quadro campestre, nLrma época não histórica indefinida; (tt) que não devem ser
prìra cvociÌr o Au-ìor. Muito diferente é o contexto do poema de cntendidos como 'reais'; (ttt) que o emissor quer contar uma
Aragon "La rose et le réséda" ['A rosa e o resedá"]. Escrito em história imaginária para divertir" (Eco, l9tì5, p.101). Do nrcs-
honrcnagcm à Resistência, o texto transforma a rosa, em face do rno modo, não se surpreenderá quando vir, nas pcças clc
rcscdá, símbolo de "aquele que acreditava no céu", o emblema de Corneille ou de Racine, domésticas se expressarcm cm alcxandri-
"aquele que não acreditava". O cristão conservador e o ateu rìos ou uma personagem fazer um longo discurso, sozinha dia|r
progressista, unidos na fraternidade da luta contra o invasor, são tc do público: trata-se aqui de regras impostas pela tragédia clás-
celebrados pelo poeta por meio da metáfora de uma natureza sica. Do mesmo modo, em outro campo, o conhecimento do
ressuscitada: lripercódigo retórico faz que, durante a leitura do poema de
Aquele quc acreditava no ceu
lìaudelaire, "Harmonia da tarde", não seja recebida como uma re-
Aquele que não acreditava

No original: "Celuì qui croyait au ciel,/ Celui qui n'y croyait pas/ Lun courl et
I l'autre a des ailes,/ De Brctagnc ou du Jural Et lramboise ou mirabelÌe/ Le
No originaì: J'aimc fleur de mars, j'aímt Ia bellc rose,/ Lunc quí est sacrée à Vénus
la
la déesse,/ Lautre quí a Ie nom de ma belle maïtresse,/ Pour tlui troublé d'cspírit en griÌÌon rechantera/ Ditcs flüte ou violoncelie/ Le double amour qui brúla/
prtix .jc ne response". lialouette et e'hirondeie/ La rosc ct réseda."
Vincent Jouve
A leiÌuro

l(' narrativas pertencentes a um mesmo gêncro, o leitor espcra


petição ociosa a volta dos mesmos versos a cada estrofe: o princí-
l,rql6smgnls encontrar seqüências e ações estercotipiìdas. O
pio fundame ntal do pantuLn, forma imitada da poesiamalaia' impõe
, )rìhecedor de contos de fadas, por exemplo, pode pensar razoa-
de fato que o primeiro e o terceiro versos de cada quadra retomem
(

rt'lmente, quando abre um livro, que o herói vai triunfar e sc


o segundo e o quarto versos da quadra anterior'
L rrSLÌr coÍrìâ filha do rei. O narradoç naturaimente, pode contar
AfamiliaridadecomosroteirosComllnseintertextuaisper-
, ()rÌ.ì a competência intertextual de seu leitor tomando o inverso
mite antecipar a seqüência do texto.
,lt' umâ seqüência tradicional. Assim, no Duelo, de Tchékov os
Os roteiros comuns são seqüências de acontecimentos que
,lois adversários despedem-se reconciÌiados e humanamente
se encontram freqüentemente na vida cotidiana' Fundamentados
,'rrriquecidos. De modo geral, entrctanto, quanto mais o gênero é
na experiência comum, eles são amplamente divididos pelos
,lt'lrnido, mais as leis orientam o descnvolvirrento da história.
membros de uma cultura:
I ireo, Se se torna difícil conceber um final feliz parir Gervaise cm
Um saber geral permite a uma pessoa entcnder c interpretar \ ttberna, isso se deve tanto às exigências da narrativa qLriìnto ao
as ações de outra, simplesmcnte porque essa outra Pcssoa
e tanl-
rììr)vimento dramático do texto.
bémumserhumanocomCeÍtasnecessidadcstotiìlmentenor- A competência ideológica, enfim, determina a recepção das
mais, vivendo em um rnundo onde alguns métodos convencionais ('rìtr-utllras axiológicas da obra peÌo leitor. Este, com efeito, abor-
são usados para preencher essas necessidades' Assim'
quando um
l,ì () texto com sells próprios valores e pode, conseqüentemente,
indivícluo lhe pede um copo d'água, normalnrente você não per-
rì,ì() accitar a visão ideológica do narrador. O Alceste de Molière,
gunta por que elc qucr isso' E se e1e r-rtiliza esse copo dc umtr
)r cxempÌo, é freqüentemente percebido hoje como um Ìrerói da
maneira não convencional jogando-o na cara de aÌguém' por I '(

exemplo, para lhc roubar o rclógio , você não tem nenhuma


difi- rrrtcnticidade, enquanto seLl criador via nele primeiranrentc a
culdade para interpretar ess:ì ação' E láciÌ entender quai era
seu lrrlrrra do "colérico apaixonado". Para o púbÌico da ópocar, a
plano e por que precisava de sse copo d'ágr-ra E 1-rossívcì cttc nunca iì( rsoÌliìgem positiva do Misantrolro t.t;to cra Alccstc, litnlarrito
tenhamos sicìo testemunhas de tal seqüência dc açõcs' r;as
nossc)
Írì()cente da rnentira, mas Philinte, conscientc quc a vicia social
saber geral a respeito das pcssoas e do munclo no c1ual vivemos
, ,l,r iga a tramar. A competência idcológic;r do Ìeitor poclc arssinr

nos pcrmite interpretar os acontecimcntos aos quais assistimos' ( )rìlradizer o projeto do autor.

(Schank & AbeÌson, apud Gervais, l990, p 163-4)

O Ìeitor rccorre aos roteiros comuns para tentar entender do Textos


l(' vê sr-rrgir e m sua
que se trata. Quando, no início de O Processo,
casa indivíduos estranhos e mandatários, o leitor ativa
esponta-
( ) desempenho do leitor: o iogo de
neamente o roteiro "prisão". Ora' quando um indivíduo desar-
pouca ,,nrnplementoridode enlre memório
mado é preso por um grupo numeroso e preparado, ele tem
prever' rli-, curto prozo e memório de longo prozo
chance de escapar. O roteiro comum "prisão" delxa assim
para K., um futuro bastante sombrio'
A leituro se opresento, como vimos, como um oprofundomenlo
Os roteiros intertextuais, por sua vez, não são herdados d:r
r,,,,,/ressivo: o leìtor otuolìzo esÍruÍuros Íexluois cado vez mois com-
experiência comum' mas do conhecimento dos textos' Quando

oo
F

VìncenÌ Jouve A leiluro

rlireïomenÌe o oçÕo, bem como os proposiçóes que descrever-n unr


piexos. Pora tenlor resolver os problemos de memorizoçao coloca-
o posiu- c-onhecimenÌo gerol serõo gerolmenie "esquecidos" ou poderõro ser
dos por Ío/ "desempenho", cerlos pesquisodores chegoronr
de curto crpogodos. Deixando no memórìo de longo prozo o ìnforrnocoo
lor um iogo de complemenÍo ridode entre umct memória
Jeon-Michel lornecìdo pelos signos-sub-froses, reduzindo umo frose ou umo sér ie
proza e umo rremório de longo prozo' Assim' segundo
Adam, é o esÍoque dos informoções numo memorio de longo prazo de (sub-)froses em proposições, nosso memório de Ìrobolho e
lìberodo; ossim o processo de compreensõo pode prosseguir sem
que permìlìrio o umo memó rìa de curto prozo aprofundor o cotnpreen-
riscos de soturoçõo. (Adom, 1985, p.64-5)
soo evilondo o soluroçõo.

Umo norroÌivo nõo é enÌendido nem memorizodo de moneiro A leiluro como previsÕo: o modelo
onos'
lineor. Os Ìrobolhos de psicologio cogniÌìvo desses Ú11ìmos do jogo de xodrez
cenlrodos nos processos de memorizoçoo, de (re)produçõo,
de

compreensõo dos textos, permiiem opresentor cerÍo quontidode de


A leiluro, em rozõo do reflexo de ontecipoçõo, se opresenfo,
hipóÌeses. Porece-me que os ïrobolhos norrotológicos esÌruïurolis- pelo Íexlo, como um ÍesÍe dos copocidodes de previsoo do ieitor. E
Ìos e semìoÌicos odquirem umo dimensõo novo quondo sõo
consi-
recorrendo ò ono/ogio c/óssico do logo de xodrez que UmberÍo Eco
derodos no perspectivo doquilo que sobemos hoie o respeiÌo
dos
/c-nlo exp/iciÍor esse processo fundornenfoi.
esÌruturos do represenioçõo cogniïìvo de um texÌo no memório A
grove nõo
ìnterdìsciplinoridode é, oindo oqui, indispensóvel e serio Adrnìtomos que umo norrocõo seio equivolenle o um monuol
levor em conto o que os psicolingÜìsÌos e ouiros Ìeórìcos
do leituro ,le xodrez desÌinodo oos iogodores que quer-ern se operfeiçoor. O
interprelomos' en-
pensom o respeiÌo do rnodo coìxo percebemos' crulor, num dodo momenlo, represenÌo no pogino esquerdo o esÍo-
ïendemos, mos lombém escolhemos e orgonizomos informoçóes. do S, do tobuleiro num ponto cruciol de um célebre logo no quol
Umo esÌruÌuro hierórquico subiocente pode ser imoginodo: lvonov gonhou de Smìth erl duos iogodos sucessìvos. No pogino
depois de Ìer interpreïodo codo frose de umo norroÌivo
como umo rlo dìreiÌo, o oulor represento o eslodo S, (onde isucede o i) conse-
(pocoÌes de
consÍruçõo de proposiçóes, estobelecemos reloções tuiivo ò iogodo de Smiïh. Oro, diz o crutor, ontes de viror o pógino
umo
mìcroproposiçóes semônlicos) e reduzimos espontoneomente 'rde encontror o r-epresentoçõo do esïodo Su consecuÌivo o iogcdo
informoçõo que podemos enlõo estocor no memório O
popel dcr cìe lvonov, tenÍe odivlnhor o jogodo de lvonov. O leitor pego umo
e operocionol dis-
memorio porece {unclomentol e porece cômodo Íolho (ou umo ficho incluído no monuol) e desenho o que, segun-
tinguìr umo memório de curÍo prctzo (ou rnemório de ircrbo/ho)
e
'lo suos previsões, devericr ser o esÌodo ótimo em S, , quer dizer; o
os sons/
umo mernório de /ongo prozo A primeiro permìÌe onolisor ,rslodo pelo quol lvonov coloco SmìÌh no siluoçoo de pcrle.
lelros, os polovros e os esÌruluros sìntóticos o Íim de lhes oÌribuir O que foz o leilor? Dispõe do Íormo do Íobuleiro, dos regros
Em rozõio
umo represenÌoçÕo semônÌico no formo de proposiçóes ,lo xcrdrez e de todo umo série de jogodos clóssicos registrodos no
memório' o
dos copocìdodes lìmiÌodos de retençõo desso primeìro ,rnciclopédio do jogodor de xodrez, de verdodeiros cenórios entre
reduçõo do informoçóo no formo de proposições levo o um esto- porïidos, considerodos Ìrodicionolmenle como os mois fruïuosos,
Íornecìdo rois elegonÌes, nrois econômicos. Esse con junÍo (formo do Ìobulei-
qr" no memórìo de longo prozo Do mosscr de ìnÍormoçóes
sobronr' o, regros do iogo, cenório do iogo) ... represenÌo um conjunlo de
ò memório de Ìrobolho pelo esÌruturo de superÍície do ÌexÌo
No norrolìvo' os proposições lossibilidodes perrnitidos pelo esÌruïuro do enciclopédio do xodrez.
noÌurolmenteÌ openos olguns elementos'
suscilodos pelos prececlenles ou por umo descriçÕo
que nõo condìcioncr o porlir desso bose que o leiïor esló prestes o propor suo soluçõo.
í
Vinceni.Jouve A leituro

Poro isso, executo um movimento duplo: por um lodo, considero Pode-se, por-ÌonÌo, ter possibilidodes obieÍivos consenlidos pelo
todos os possibilidodes objeÍivomente reconhecíveis como "odmitidos" enciclopédio (o sislemo) do xodrez. Pode-se, portonto, represenlor
(ele nõo levo em consideroçõo os iogodos que colocom seu rei em iogodos possíveis os quoìs, mesmo sendo possíveis openos em relo-
condiçóo de ser imediotomente pego: essos iogodos devem ser con- çoo ò "boo" porlido, nõo sõo, por isso, menos concretomenÌe
siderodos "proibidos"); por oulro, ele imogino o que iulgo o melhor represenÌóveis. Assim, o mundo possível prefigurodo pelo leitor
iogodo levondo em consideroçõo o que sobe do psicologio de lvonov fundomenlo-se ou em condições objetivos do sisÌemo ou em suos
e dos previsóes que esie deverio ter feilo ocerco do psicologio de proprios especuloções subieÌivos quonÌo oo comportomento de ouÍro
Smith (por exemplo, o leitor pode supor que lvonov Ìente um gombiÍo (em ouÌros polovros, o leitor especulo subfelivomenle sobre o modo
ousodo porque prevê que Smiïh coiró no ormodilho). com o quol lvonov reogiró subfelivomenfe òs possibilidodes ofere-
O leitor grovo enÌõo no suo ficho o que ele iulgo ser Su volidodo cidos obfeÍivomente pelo sistemo).
pelo portido que o outor opresenÌo como ótimo. Depois, viro o ... Um iexio norroÌivo pode porecer tonlo um monuol poro crion-
pógino e confronto suo soluçõo com o do monuol. De duos coisos, ços quonÌo um monuol poro iogodores experienies. No primeiro
umo: ou ele odìvinhou, ou nóo odivinhou. E, se nõo odivinhou, o que coso, serõo propostos siÌuoções de portidos bosionte evidenies (se-
voiÍozer? Jogoró (com desopontomento) suo {icho porque elo consÌitui gundo o enciclopédio do xodrez), poro que o crionço tenho o soïis-
o represenÌoçõo de um possível esÌodo de coisos que o decorrer do foçõo de ontecipor previsóes coroodos de sucesso; no segundo
porlido (considerodo o único boo) noo conÍirmou. coso, serõo opresentodos siluoçóes de porÌidos nos quois o vence-
lsso nõo impede que o esiodo olÌernotivo que hovio previsto dor Ìentou umo iogodo ÍoïolmenÌe inédito que nenhum cenório
posso ser perfeitomenÍe odmiÍido do ponio de visto do iogo de hovio oindo grovodo, umo iogodo Ìol que ficoró no posteridode
xodrez; ero totalmenÍe possível e lonto o ero que o leitor o repre- pelo suo ousodio e suo novidode, de iol formo que o leiior senÌe o
senÍou efefivomenÍe. Mos nôo ero o que o oulor propunho. Note- prozer de se ver conlroriodo. No fim de umo fóbulo, o crionço fico
mos que (l) esse tipo de exercício poderio poro codo logodo pro- feliz em sober que os protogonisÌos viverom felizes, exotomente
longor-se com umo portido muito comprido, e que (ll), poro codo como o hovio previsÍo; no finol de Os re/ógios, o leilor de Agotho
iogodo, o leitor poderio desenhor nôo openos um, mos vórìos esto- Chrlsiie fico feliz em sober que se engonoro tololmenie e que o
dos possíveis; enfim (lll) o outor poderio brincor de represen- ouior Íoro diobolicomente surpreendenle. Poro codo fóbulo seu
tor todos os estodos possíveis que lvonov poderio Ìer reolizodo, com jogo e o prozer que elo decide dor. (Eco, ì985, p.l5l-3)
Ìodos os respostos de Smith, e ossim por dionte, obrindo o codo
logodo umo série de disjunçóes múltiplos, oo infinito. Procedimen-
io pouco ecônomico mos, em princípio, reolizóvel.
Evidentemente, é preciso que o leitor Ìenho decidido coope-
ror com o oulor; ele deve portonlo odmiïir que o iogo lvonov-Smith
é o único que se reolizou efelivomenÍe e tombém que é o melhor
que podio ser reolizodo. Se o leitor nõo coopero, mesmo ossim ele
pode utilizor o monuol, mos como esiímulo do imoginoçõo poro
conceber seus próprios iogos; do mesmo modo, pode-se interrom-
per um romonce policiol no meio poro escrever seu próprio ro-
monce, sem se preocupor em sober se o decorrer dos oconÌeci-
mentos que imoginomos coincide com oquele que o outor volido.
4
O que selê?

Os níveis de leituro

Os quoiro sentidos do exegese bíblico

Numa obrir, sempre sc lôem várias coisas ao mcsmo tempo.


,\iostramos como cssa característica dos textos estava ligada a
s('Lrs estatutos. A idéia dc uma pluraÌidade dos nívcis de senti-
rlo p:rrcce tão antiga quanto a própria lcitura.
Desde a Anrigiiidade, o ensino, conscicnte das clificr-rÌdadcs
L olocadas peÌa interpretação dos textos, irfirma a neccssidade de
tc lirrrdamentar ÍlLlm método dc leitura. Sr-rirs lrases lhc são dadas,
t'nr primeiro lugar, pelos sofistas, depois, c sobrctuclo, pclas obras
tlc Aristóteles, Retóríca e Poótica. Efeitos dc ritmo, estilo, figuras,
r'()nvençÓes gencricas: todos elcmentos objetivos que permitem
r ()rìstruir uma análise do texto e, conseqüentemcntc, entender
I rìl scntido essencialmente fugaz.
I

Um novo passo é dado com a filologia alcxandrina. A


i )reanização do p:rtrimônio literário da Grccia em bibliotecas exige
rrnr trabalho crítico importante. O objeto da filologia é não so-
f,
Vinceni Jouve A leituro

mente estabelecer os textos, mas também analisá-los, interpretá- se a seus conteúdos e liberam um espaço Ìúdico no qual se tornam
los e avaliá-los. A abordagem alexandrina, preocupada com a possíveis jogos de signos e leituras plurais.
exatidão, tenta assim romper com a tradição do alegorismo Quando Mailarmé, num soneto céiebre "Ses purs ongles très
herdada dos estoicistas e retomada, na época, pela escola de haut..." l"Suas unhas puras muito alto..."l, qualifica o "ptyx" de
Pérgamo. A leitura alegórica, buscando o "sentido escondido" "abolido brinquedo de inanidade sonora", está claro que as pa-
da obra, visa destacar a intenção profunda do autor. Os textos lavras que compõem o verso foram primeiramente escolhidas
homéricos apresentam-se, naturalmente' como um objeto de pelas suas qualidades fonéticas (aliterações em "b" e "1",
estudo privilegiado. A1ém de suas diferenças, os dois métodos - assonâncias en "o" e "i"). Essa preferência pela musicalidade
que não tardariam muito em se enriquecer mutuamente - tem como inevitável corolário um certo obscurecimento do sen-
procedem, contudo, de um projeto idêntico: a elaboração de uma tido. Em que medida o "pÍyx", concha vazia que se leva ao
grade de leitura que permite esclarecer as múltiplas dimensões ouvido e cujo ronco surdo sugere o barulho do mar, corresponde
da obra literária. à definição que MaÌlarmé lhe atribui? Já qr,re as palavras não são
Mas é a exegese bíblica que, ao longo de toda a Idade Mé- mais escolhidas por seu sentido, mas sim por st:u sorn, o lexto
dia, vai desenvolver um verdadeiro sistema interpretativo, dis- torna-se opaco e, sugerindo mais do que diz, é suscetível dc uma
tinguindo, nos textos sagrados, quatro níveis de sentido: "lite- grande variedade de i nterpret ações.
ral" (a história contada), "alegórico" (anúncio do Novo Testa- Esse fenômeno é acentuado pelo carâter "poÌisotópico" da
mento no Antigo), "tropológico" (conteúdo ético da narrativa) maioria das obras literárias. O texto, seguindo ao mesmo tempo
e "ar-ragógico" (valor da mensagem bíblica para o derradeiro várias linhas de sentido, leva o Ìeitor a destacar várias coerências.
final do homem). Esse método de interpretação se estende ra- Como definir, por exemplo, a isotopia principal de Gargântua? É
pidamente para os textos profanos: a obra literária de Dante, uma celebração do humanismo do Renascimento? Uma narrati-
por exemplo, demandará sua apÌicação. va burlesca e paródica? Um romance de iniciação? Uma narrativa
Parece assim que, desde a origem, a leitura não pode se picaresca? O interesse do texto está justamente na impossibi-
satisfazer em achar no texto um sentido muito limitado' lidade de sacrificar uma ou outra dessas interpretações.

A plurivocidode do lexto literório Têxtos "escritíveis" e textos "legíveis"

Existem, pois, vários níveis de leitura na obra literária' Essa Se o ato de leitura tende a multiplicar as significaçóes, o
realidade, desde então aceita de forma unânime, explica-se em número e a natureza dos níveis de sentido variam com os tipos
primeiro lugar peia estrutura interna do texto. Sabe-se, desde de texto. Nem todas as obras carregam a mesma polissemia.
Jakobson, que o discurso estético, ao privilegiar o significante, Barthes (1970c) distingue assim os textos "escritíveis" dos textos
isto é, o aspecto carnal dos signos, é inevitavelmente destinado à "legíveis": "Por um lado, há o que é possível escrever e, por outro,
ambigüidade. É potque a forma se desenvolve em detrimento do o que não é mais possível escrever" (p.10).O escritível designa
fundo que a literatura produz um sentido incerto. Em razão do os textos no plural ilimitado que podem ser indeÍìnidamente
trabalho ao qual o texto as submete, as palavras cessam de ater- reescritos (isto é, reinterpretados) pelo leitor. No oposto, o legívcÌ
t
Vincent Jouve A leituro

remete aos textos cujas linhas de sentido são contáveis e identifi- ,lt', ela própria, fez-se ouvir logo no título por meio das pe rguntas
cáveis pela análise. Haveria, assim, por um lado, textos como os (lLlc Lrm nome tão enigmático como "Sarrasine" provoca.

de Mallarmé ou Bataille, que, pelo trabalho ao qual submetem a É pluralidade de vozes que, ao se revelar no dccorrer
"ssa
linguagem, frustram qualquer tentativa de fechar a análise e, por ,le leitura, define o texto como literário:
outro, a ionga tradição dos textos clássicos que aceitam várias
O texto, enquanto se faz, é parecido com uffìa renda dc
ieituras, mas em quantidade limitada.
Valenciennes que nasceria diante de nós sob os dedos da rendeira:
O importante é que, escritível ou legível, o texto literário é,
cada seqüência engajada pende como o bilro provisoriamentc
por definição, sempre polissêmico. O texto legível, mesmo que
inativo que espera enquanto seu vizinho trabalha; depois, quando
seu plural seja circunscrito, também deixa ouvir várias vozes. chega sua vez, a mão retoma o fio, o traz de volta ao bastidor; e, à
Barthes identifica cinco delas: avoz daEmpiria (organização em medida que o desenho vai se complctando, cada fio marca seu
seqüências das ações e comportamentos das personagens), a avanço por um alfìnete que o retém e clue sc dcsloca aos poucos.
voz da Pessoa (significantes de conotação que constituem cam- (Barthes, 197 0c, p.766-7)
pos temáticos), a voz da Ciência (feixo dos julgamentos coleti-
vos e anônimos fundamentados numa "autoridade"), avoz da
Verdade (conjunto das unidades que articula um enigma e sua
A leifuro centrípeto
solução), e a voz do Símbolo (partitura com entradas multi-
valentes e reversíveis). Assim, quando o narrador de Serresine
inaugura seu relato escrevendo: A trodiçõo do hermenêuiico

Estava merguÌhado em um desses sonhos profundos que atin- Se o texto remete a vários sentidos, não é certo que todos
ge todos, mesmo um homenr flrívolo, no meio das festas mais lcnham a mesma importância. Pode-se muito bem Ìer postulan-
tumultuosas, tlo a existência de uma significação original e central da qual
,lcpenderiam e surgiriam todas as outras. Essa relação com a obra,
ele se refere de antemão e simultaneamente à quase totalidade ('spontânea, como se viu, no leitor comum, é igualmente prczacla
dos códigos. O estado de absorção da personagem ("estava l)or uma certa leitura crítica. Nascida da lor-rga tradição da
mergulhado"), ao traçar um comportamento, faz ouvir a voz da lrcrmenêutica literária, atualnrente e de[e nclicla pclos teóricos corno
Empiria; a evocação das "festas tumultuosas", ao conotar a ri- Starobinski e Riceur.
queza - um dos temas essenciais da narrativa -, designa a voz A hcrmcnêutica - do grcgo hermétteutìkos, qr-rc significa "fazer
da Pessoa; a forma proverbial da oração adjetiva ("que atinge r crnhecer", "Íraduzir", "interpretar" guarda, para a Ieitura, o

todos") remete claramente, pela sua aparência de verdade geral, r ri ncípio de coerência. Cada elemento do texto deve ser interpre-
1

à voz da Ciência; o "sonho", enfim, que permite ao espírito rrrclo em razão do todo. Em última análise, é sempre possível
vagabundear quando o corpo permanece imóvel, anuncia a antí- rclilcionar a obra com uma intenção, uma origem, que garante a
tese a vir entre o fora e o dentro, antítese cuja seqüência da nar- rrrridade do sentido. Eis como Leo Spitzer (1970) define o com-
rativa vai rapidamente revelar o valor simbólico. A voz da Verda- I
ì()rtamento do pesquisador:
T
Vincent Jouve A leiiuro

O que se the deve pedir ... é ir da superficie até o "centro vital cunscrito e diminuído por todas as mesquinharias da vida cotidia-
interno" da obra de arte: observar primeiro os detalhes na na. Mas é de lato o autor, ou pelo menos o pensamento atuante,
superficie visíveÌ de cada obra em particular (e as "idéias" expres- pensante e consciente do autor, que, no seu texto, se encontra
sas pelo escritor são apenas um dos traços superficiais da obra); enraizadamente ligado a todos os objetos com os quais escolhe sc
depois agrupar esses detalhes e procurar integrá-los ao princípio confrontar. Ler um texto é, portanto, tomar conhecimento dessa
criador que deve ter estado presente no espírito do artista; e fi- presença interna. (p.78-9)
nalmente voltar para todos os outros domínios de observação
para ver se a "forma interna" que se tentou construir dá realmen- O próprio da hermenêutica é, portanto, essa necessidade,
te conta da totalidade. Depois de três ou quatro dessas idas e r t)nstâflte no decorrer da leitura, de transformar o diverso no
voltas, o pesquisador poderá saber se encontrou o centro vitaÌ, o rrrr ico.
sol do sistema astronômico (eÌe saberá se está definitivamente
instalado no centro, ou se se encontra numa postura "excêntrica"
ou "períférica"). (p.60) Sentido imonenie e "estruturo profundo"
"O efeito de surdina" em Racine ou "a arte da tradição" em La Essa idéia de uma significação original que seria a chave do
Fontaine permitem, assim, por aprofundamentos sucessivos, r('xto não é própria da tradição hermenêutica. Curiosamente,
chegar a um entendimento global de suas respectivas obras. ('rìcontra-se essa visão de um sentido que existiria na obra como
A hermenêutica defende, portanto, a idéia de uma leitura rrnra realidade primeira na semântica estrutural de Greimas.
"centrípeta", isto é, de uma interpretação centÍada e racionali- ( )s conceìtos de "estrutura semântica profunda" ou de "subs-
zante que tenta subsumir a compiexidade dos textos em um t;ìncia do conteúdo", inspirados na lingüística gerativa de
sentido unitário. Esse princípio unificante que permite ao Ìei- tìlromsky, sugerem de fato a existência de um fundo recoberto
tor ordenar sua leitura é o sujeito que mora na obra e que nela 1't'lar forma, que o ato de leitura teria como tarefa desvelar. Assim
se revela. Pelo menos é o ponto de vista de Georges Poulet (1975), t , r'eimas (19 70) postula, em face de um "nível aparente" da narra-
que, embora reivindicando, diferentemente de Spitzer, uma pri, ,,,r(), a existência de "um nível imanente", "constituindo um tipo
meira experiência do texto totalmente subjetiva, procura igual- rlr' tÍor-ìCo estrutural comum, no qual a narratividade está
mente na obra um centro original: l, rcirlizada e organizadaanteriormente à sua manifcstação" (p. I 58).

lrxistiria assim no texto um sentido prirneiro e gcral cìLlc cada


O texto menos pessoal, aparentemente mais desprovido de I t'i t or poderia apreender.
valores subjetivos, é inevitavelmente animado por uma atividade
Analisando a obra de Bernanos, Grein-ias tenta ele proprio
espiritual central da qual o texto, e tudo que ele contém, pensa-
r lt'stâcâf essas estruturas semânticas profundas que preexistem
mentos, sentimentos, açóes, depende da maneira mais estreita.
,r Íìrrma narrativa. Partindo do binômio vida,/morte que atra-
No meio da pluralidade dos oojetos em que um pensamento nas-
\,('ssa o conjunto dos textos bernanosianos, percebe que a rela-
ce, sempre existe um sujeito. Que esse sujeito seja o próprio au-
tor se deslocando para dentro de sua obra e vivendo dentro de r,,Ìo eÍÌtÍe os dois termos, longe de se reduzir a uma simples
seu próprio texto, isso não se nega. Evidentemente, não se trata ,
'Posição, apresenta-se
como uma correlação de duas categorias
aqui do autor, tal qual se mostra a si próprio e aos outros, cir- lrirrárias. A vida define-se, assim, não somente por suas carac-
Vincent Jouve A leituro

terísticas próprias ("mudança" , "luz" , " caIor") , mas também pelo laz o leitor ingênuo, mas também o espírito mais esperto e dc-
conjunto dos traços que a opõem à morte (pureza", "gaseidade" siludido, acreditar sem dificuldade que ele poderia encontrar
c "forma" como respectivos contrários da "mistura", da"liquidez" Raskolnikov, Rastignac ou Julien SoreÌ na vida. Quando Oscar
e do "disforme"). Simetricamente, a morte acrescenta às suas Wilde decÌara que a maior tristeza de sua yida é a morte de Lr-rcien
qual ifi cações internas ("mi stu ra", " liquidez", " di sformidade") as de Rubempré em Esplendores e misérias das cortesãs, ninguém se cho-
definições negativas da vida ("imobilidade", "tênebras" e "frio" ca com o absurdo de sua fala, que seria gritante se se tratasse de

como respectivos contrários da "mudança", da"luz" e do "calor"). Fedra ou Edipo. (Ibidem, p.65)

Essa estrutura semântica com quatro elementos (vida, não-vida,


morte, não-morte) encontra-se no conto popular e no mito. O efeito de vida da personagem romanesca testemunharia as-
Portanto parece que, além das variações de superfície, a leitura r.i nr a confiança dada às produções do imaginário. O romance familial
permite apreender um tipo de núcleo original que seria comum às l('vc um papel tal na estruturação do sujeito que se tornou o
produções do imaginário. Ir r rrclamento psicológico de toda crença narrativa: assim que entram
r r r rrna história, certas personagens remetem a essa narrativa original

Os invoriontes dq vido psíquico


(
luc, aos olhos do leitol possui além do tempo uma parre de verdade.
De modo mais geral, Michel Picard (1989) escreve:
Da leitura centrípeta depende igualmente a abordagem psica-
nalítica dos textos literários. Abandona-se, nesse momento, a O que 1emos, em primeiro lugaq cÌaramente, o que reconhecemos

recepção consciente para arecepção inconsciente. Se admitimos sem querer, sáo as grandes invariantes da vida psíquica não
o princípio segundo o qual os desejos frustrados não são muitos consciente, na maioria das vezes indissociavelmente associadas, e
sua utilização peÌo ldeoÌógico. (p.109)
e são comuns a todos os indivíduos, podemos explicar a atração
do leitor pela ficção mediante o reconhecimento de grandes
estruturas fantasmáticas. Sempre se procurariam as mesmas Vê-se que, mesmo que não se deva negÌicenciar a parte
coisas na obra de imaginação. "O inconsciente de um homem", irììportante da ideologia na recepção dos textos, são "invariantes"
escreve Freud (1968), "pode reagir ao inconsciente de outro
(
lLrc realmente, num nível inconsciente, são percebidas pelo leitor.
homem virando o consciente" (p.IO7). l)c fato, é legítimo pensar que os mecanismos psíqr-ricos quc
()l)cram na criação não são sensivelmente difcrentes dos que
Segundo Marthe Robert (1972), todo leitor encontraria seu
"romance familial" na nar r ativ a romane sca. Quando criança, cad a t lt'terminam a recepção: criada para preenclrcr o dcsc-jo do artista,

um de nós forjou uma fábula na qual substituiu seus pais dcr ,r obra preenche igualmente nosso próprio desejo:
origem por pais imaginários. Essa narrativa maravilhosa, embora
reprimida mais tarde, nunca desaparece por inteiro; é ela quc O que sentimos ao ler um livro é o reflexo dos fantasmas
explicaria nossa atração pelos romances: inconscientes que o texto desperta em nós. Os afetos assim
suscitados (alegria, tristeza, angústia, desgosto, tédio etc.) são o
A natureza particular da fé que todo homem dá a seu romancc eco em nós mesmos, leitores, dos fantasmas do autor. (CÌancier,
familial é a única explicação aceitável da ilusáo romanesca, a qual 1987, p.I7r)
F
Vincenl Jouve A leiluro

Certos romances, com qualidades entretanto discutíveis, ;trr. Lucette Finas (1986) deu vários exemplos de taÌ aborcìagem
rlos t€xtos, fundamentada na lentidão do deciframento c t]lì iÌteÍl-
conheceram uma fama excepcional graças às gratificações que
traziam - e ainda trazem - a seu público. O sucesso de A ilha \iìo extrema dada ao detalhe. Eis como ela define seu mótoclo:
misteríosa, por exemplo, deve muito ao jogo do narrador com a
tendência inconsciente voyeurista do leitor: scm dúvida nenhu- Decido para impedir as linhas do scntido, as forças do scr-rti-
ma, existe um prazer tulvo em adentrar nesse mundo virgem, sem do de invadir o leitor, excluindo todas as outras diminuir até o

barreiras, onde tudo parece possível. De fato temos aqui, por meio çtisoteìo a veÌocidade de passagem atravésdo texto do qual empreen-
do excitar cada parcela, ficando atenta, ao máximo, para as outras,
de uma estrutura imaginária muito geral, uma comunicaçâo en-
numa comunicação Ìouca e num vaivém incessante. A partir de
tre inconsciente e inconsciente.
certo grau de mudanca da superficie erétil, a decisão dá uma
É, portanto, porque os clesejos rejeitaclos são idênticos que
viravoÌta e o texto não somcnte responde cada vez mais, como
as imaginações do leitor podem fazer eco às do autor. Le ç nesse
também antccipa e prescreve. Isso poderia se chamar: "ceder a
nível, é reencontrar pela leitura o gozo da escrita.
iniciativa às palavras". Certamentc a leitura rápida não ignor:r os
roçamentos, os contatos furtivos entre o scntido e os lcnônrcnos
A leitura centrífugo de linguagern; mas a leitrrra traballtada iluntina-os, trarìslornì.ì-os
em relaçócs visíveis. (p.Ìa-5)
O "desconstrucionismo"
Em Choses vues fCoísas visrasl, Victor Hugo relata urn cpisó-
L,m vez dc procurar uma cocrência, a leiturra, ao contrário, pode tiio bastante agradáveÌ no qr-ral Sanson, o carrasco de Paris,
sc preocupar em jogar com as oposições c contradições de un'r texto.
rÌpresenta a turistas ingleses a guilhotina qlle tanto serviu du-
Dc qualquer modo, é a prática do "descor-rstrucionismo": r-rão se r rìnte o Terror. Evocando a máquina terrívcl, Hugo escrev e: "fazia-
trata mais de procurar unificar o texto relacionando-o conr uma
t trabalhar" (contenta-se em mandála guilhotinar monres de feno).
intenção, mas sim de fazê-lo explodir desconstruindo-o.
:..
E a ìingüística estrutural (e, mais precisamente, a fonética)
Iris, segundo Lucctte Finas, tudo que sc pode ler na palavra
"trabalhar": uma humanização da guilhotina transfornrada em
que permitiu a Dcrrida criar filosoficamente tal leitura dos tcxtos
urìra prostituta ou trabaÌhador nranual; uma peryersão - sLrblinhada
(vcr, em particulal, Lécriture et Ia dífférence
lA Escritura e a tliferença],
pclos itáÌicos do sentido colÌìuÍìr do vcrbo (r1ue, dc- írrtc'r, parccc
1967). Já que todo signo se constitui a partir das diferer-rças que
"1itzer caretas"); uma re:Ìtiviìçiìo c1:r ctirnologirt (tripulían: insLru-
o opõem aos olltros signos, cada elemento cxisre apenas na sua
rììcnto de tortura com três cstacirs), rcntctcnclo, por unì lrrclo, à
relação com os olltros; a linguagem não tem, portanto, Ì1em cen-
violência da guilhotina (partcira da História, duranlc a lìcvolu-
tro nem início, r'rão existe lugar original. Assim, é impossível
conceber ler o livro corÌo Llm todo: os sentidos de um texto - çiio); por outro, às condições de trabaÌho, desumanas no seculo
inútil seria qucrcr fixá-los - se Í'azem e se desfazem sem parar. XIX - e, em particular, entre os ingieses...
Estamos, portanto, llos aÌntípodas da Ìeitura centrípeta e Não se trata mais, como se vê, de trazer o múltiplo para um
racionalizante da hermenêutica. O desconstrucionismo dcrridia- único, mas de desmultiplicar o quanto possível o sentido de cada
no inaugura, ao contrário, uma leitura disseminadora e centrífu- Lrnidade.
T'
Vincenl Jouve A leiluro

O sentido irresolúvel ,('r'onlo uma síntese realizada pela quaÌ se pode ser irnóve I sem ser
I',rssivo e apreciar o frescor de um quadro sombreado ao nlcsmo
O que o desconstrucionismo coloca em evidência é que o r('rììpo que se aquece interiormente. A reconciliação entre o dentrct
sentido da leitura é, na verdade, não dominável. Como mostrou o t o fora, entre o frescor e o calor, entre o universo mental e o
crítico americano Paul De Man, o signo lingüístico é arazão dc rrrrrndo exterior, na reaÌidade, está inteiramente apoiada peÌa
uma confusão constante entre sentido Ìiteral e sentido figurado. , r r r r bigüidade da palavra "torrente":
Confrontado com o texto, o leitor nunca sabe com certeza sc
deve fundamentar sua interprctação na estrutura gramatical diì "Torrente" funciona em um registro semântico dupìo: em seu
frase ou na sua estrutura retórÌca. Uma fórmuia como "Você estli sentido literal despertado, eÌe translere e substitui o atributo de
se sentindo bem?" pode ser interpretada como uma preocupação lrescor efctivamente presente na :igua viva que rccobre a mão,
a respeito da saúde do outro ou como uma agressão verbal cnquanto no seu não-sentido figurado dc-signa r-rm:r anrpÌidão cle
equivalente mais ou menos a "Você é compÌetamente louco". atividade que sugcre a propricdade colltrárìiì do calor. (lfc Man,
éo texto inteiro que joga com essas ambigüidades, resulta 1972, p.238-9)
Quando
um tipo de vertigem referencial que, multiplìcando as significa-
A leitura literal, que vê espontanearÌente na expressão "tor-
ções, torna iÌusório todo fechamento da anáÌisc.
O texto, em tal perspectiva centrada no estudo do detalhe ,
ri'nte de atividade" um clichê que evoca a energia e, portanto, o
t irlor da açáo, é assim "desconstruída" por uma leitura mais atenta
define-se como o que escapa sem parar ao controie do leitor.
1.1rre , levando em conta o caráter "retórico" do texto, mostra que,
Ficaremos convencidos disso examinando a análise minuciosa que
rìcssa passagem, a torrente remete, ao contrário, para a imagem
De Man fuz de uma lrase de Proust extraída da célebre passagem dc
Combray consagrada à lcitura. Evocando o "frescor escuro" de seu
,la água viva que sugere o frescor. Vê-se claramente aqui toda
rrrinúcia e atcnção que a leitura desconstrutivista implica. Para
quaïto, o narrador de Em buscq do tempo perdido escreve:
itìtcrpretar essa frase de Proust, De Man primeiro teve que destacar
combinava bem com meu descanso que (graças às :rventuras r Ìógica binária da passagcm (interioridade,/exterioridade) e as
contadas pclos meus livros e que vinham emocioná-lo) sllporta crluivaÌências suscitadas pelos póÌos (imobilidade e frescor, por
va, tal qual o descanso de uma máo imóvel no meio cìe uma ágr-ra r rrn lado, ação e calor, por outro) . Depois teve que levar em conta o

corrcnte, o choque e a animação de uma torrcntc de atividade. lLrgar das palavras em relação umas às olllras e os equívocos
( Proust, I 954. p. I 03)
scmânticos que deÌc resultavanr. Enfitn c sobrcttrclo tevc cìLtc
Segundo De Man, essa frase é uma tentativa de reconciìiar a rìlostrar como a ambigüidaclc ít-tnclatlctttal cia ling,tragcrtt litcrliritr
interioridade da leitura e a exterioridade da ação a fim de evitar o não permitia se posicionar a l'avor cìa itrlcrprctação litc-ral oLr da
sentimento de culpabilidade próprio a todo prazer mental. O interpretação retórica. Levantou assim umar série de PCrgLlntiìs iì
frescor, mencionado no início da frase e retomado pela imagem rcspeito de uma frase enunciada entretanto como uma simples
da água corrente, é um atributo da interioridade que, como tal, cvidência. Em outros termos, eÌe a "desconstruiu".
rcmete ao mundo imaginário da leitura. Ora, esse "descanso Entende-se melhor, assim, essa fórmula dolorosa c um pou-
ìmóvel", na medida em que suporta uma "torrente de atividade", t:o brutal: "a possibilidade da leitura nunca é realmente garantida"
apropria-se novamente do calor da ação. Assim a Ìcitura apresenta- (De Man, 1977, p.IO7).
-___T
Vinceni Jouve A leìturo

A porte do leitor O exemplo de Montherlant, lc'itor de Sienkiewtcz' é escla'


r i'L cclor: mostra a importância daquilo que cada Ìeitor pode projetar
Sem chegar necessariamente às conclusões extremas do
lL' si próprio em dado texto. Assim, entende-se facilmente que o
desconstrucionismo, parece que a parte ativa do leitor na cons-
,t'rrtido depreendido possa ir ao encontro das intenções do autor'
trução do sentido afasta a própria idéia de uma interpretação
É impossível, portanto, esgotar totalmente uma obra literá-
definitiva.
rirr. Se certos níveis de sentido (determinados pela obra) são,
O eu que se engaja na obra sempre é, de fato, ele próprio um ('rÌì princípio, perceptíveis por todos, não é menos verdade quc
texto; o sujeito não é nada mais do que a resultante de influên-
, ,rclir ir-rdivíduo traz, pela sua leitura, um suplenento de senti-
cias múÌtiplas. A interação que se produz na leitura é, portanto,
,lo. A análise, se pode destacar acluilo que todo mundo lê, não
sempre inédita. O sentido, longe de ser imanente, se apresenta
srrl:lcria dar conta de tudo que é lido.
como o resultado de um encontro: o do livro e do leitor. Uma
obra como Quo Vadis? , por exemplo, não pode ter o mesmo senti-
do para um leitor francês contemporânco do que para um Ìeitor Textos
polonês do fim do sécuÌo XIX. Quando o romance de Sienkiewicz
foi inicialmente publicado na forma dc Folhetim em I895, os
poloneses, qlle na época cstavam sob o domínio dos russos, l-eo Spitzer e o leituro hermenêutico
tenderam a se reconhccer nos martírios cristãos, vítimas de um
Nero cruel c todo-poderoso que facilmente assimilaram ao czar. Considerondo o obro como urÌro ïofalìdode, o hermenêuiico
cíirma pocler opreender, rredionle o onó/ise do defolhe, o significo-
Esse "supÌcmento de senticlo" deve-se intciramente à situação
i õo do coniunto. LJmo vez depreendido o senÍido globol, só Íolto
particular de seus primeiros leitores. Meio século depois, Henri
nroslrot num segundo tempo, como os oulros elemenÍos do obro se
de Montherlant, lendo o livro com outro oÌhar (e en-ì outro
/igom o e/e. Esso possogem da pré-compreensôo inÍuitìvcs olé o in
contexto), repr-rdiará o sentido cristão do livro para ver nele apenas t'erpretoçoo globolizonte é o que se chomo "o círculo hermenêultco" '
a evocação sedutora do paganismo. É seu próprio texto (despren- Esse "círculo" que explíco o unìdode do obro pode, por suo vez, ser
dimento orgulhoso, orgulho, fascínio pela "grandeza", gosto pelas integrodo oo universo menlal de um autor, ele proprío simp/es e/e-
multidões e pelos jogos púbÌicos) que ele confrontará com o de rnenÍo de um coniunto cultural Jecrn Storobinski descreve conl pre
Sienkiewicz. Ouvimos o qr,re ele própio confessa a respeito de seu cisõo esse obietivo de um Íodo se,Ììpre rnois vosfo erÌì sucl irrÍrodu-
encontro com a obra: çoo poro Étrd". de style IEsludos dt-- estìlo] de Spilzer'

Eu tinha nove anos. InJTuência não ó a palavra. Foi, exatamente, O proieÌo do outor, quondo se pode descobri-lo, circunscreve
uma revel.ação brusca do quc ell era e já era por inteiro. Reencontra- um mundo esireito ou vosÍo, no inïerior do quol reino umo lei ho-
va algo de mim em Nero, em Petrônio, cm Vinícius, até rnesmo rnogèneo, umo necessidode de tipo orgônico' Levor em conÌo os
em Aulus PÌautus. E nrinha antipatia para com o apóstolo Pedro e fronleiros no inÌerior dos quois um escrilor confeve suo foìo seguro-
os cristãos em geral revclava, ela tarnbóm, uma tcndência já nrente é se dor o possibìlidode de discernir o figuro próprio de
profundanrcnte enraizada dentro de mim. (carta citada por Kosko, umo orÌe: é justo eniõo esperor que o círculo hernrenêuÍico soberó
1960, p.130) coincidir, o posÍeriori, com o proprio círculo do obro iotol, sem
T
VìncenÌ Jouve A leìturo

nodo omiiir delo nem nodo lhe ocrescentor. Enireionto, desde que 1r'rque é evidenÌe que perlence o um momenïo socio-hisÌórico'
o configuroçoo dos ÌoÌolidodes consliÌuídos e interrompidos inïencio- l)orovonte estomos dionte de coniunÌos heierogêneos, conÌendo,
nolmenÌe pelos escritores seio cloromente reconhecido, nodo obri- l)or um lodo, os orgonismos verbois regidos por unìo vonlode de
go o se limitor o mesmo oberturo de composso. A decisoo do crítico coerêncio esÌotico, por ou1ro, o coniunto dos condìçoes òs quoìs o
deve levor em conÌo o do escrìÌor, mos nôo lhe e subordinodo por ,;scriïor foì submeÌido e òs quois respondeu com suo obro' Nesse
nenhumo obrigoçóo de Íidelidode. ponÌo, o círculo hermenêuÌico e seu voivém Ìendem o se conÍundir
Tentemos ver o que oconiece com o círculo hermenêulico se (.om o méÍodo progressivo-regressivo que Sortre, em Quesfõo de
lhe otribuirmos por conïo próprio um roio vorióvel. Enquonto nos rrréÍodo, usou como insÌrumenïo do tololidode do sober nos ciêncios
deslocomos denÌro dos limiïes de umo obro, os problemos sõo lrumonos. Ao se preocupor com os condiçoes sociois, o hermenêuÌico
reloiìvomenie simples. Se Írolo de um hemisïíquio do "Viogem" como ,roo soi do domínio de suo compeÌêncìo, poìs essos sÕo reloções
um elemenÌo do esfrofe, o círculo do interpretoçoo evolui numo com o mundo noÌurol e reloçôes inter-humonos, no quodro de insri-
toÍolidode provisorio; um todo moioç "A vìogem" que estó dionte luições que sõo, por suo vez, obros do vontode humono fixodo e
de meus olhos, designo esso primeìro ÌoÌolidode provisório como r:xteriorizodo sob formo obietivo. Nesse nível, oporecem reolidodes
umo porie obslroio, e mìnhos primeiros descoberlos deverõo ser cscuros e desumonos: o necessìdode, o violêncio, que os obros e suo
retomodos e trozidos no poen'ìo globol; por suo vez, "A vicsgem" belezo nôo nos mosÌrom imedioÌomente, mos que nõo deìxonr de
nõo pode deixor de oporecer pcrro mim no suo funçõo de porte de ler. Umo exegese compreensìvo deve ceriomente conduzìr oÌé crí
um todo, esse coso, em seu pcrpel de gronde codo dos F/ores do Eslomos, portonto, dionÏe de umo sucessõo de Ìoïolidodes
mo/- Até entõo, evoluímos num universo homogêneo onde, consi- 1:rovisórios, os quois possom o ser porïe consÍitulivo de um coniunlo
derondo os evidêncios internos e exiernos, eslomos no direilo de rìloìor: ïuclo se desenvolve como se pudesse ter somenÌe 1oïolidodes
supor o presenço de umo vonÌode de composiçõo. Sobemos de insÌóveìs, sugodos pelo exigêncio de um todo mois compleÌo, que
onde vem o veio que proíbe ò porÌe fingir ser um lodo outórquico. os reloiivizo. (Storobinsl<i, 1970, p.34-6)
Possor dos F/ores do mo/ poro os outros texÌos de Boudeloìre é
cerlomenïe permonecer denïro do mesmo universo menlol, mos
noo podemos mois ofirmor que, nele, ïodos os elemenlos esïõo A leiluro disseminodoro de Rolond Borthes
susÌenÌodos por umo vonÌode orgonizodoro único. O todo ossim
No oposlo do Írodiçoo hermenêutico, Ro/ond BorÍhes defende
consïituído noo é mois o do obro de orie, mos o de um mundo
en S/Z uma leiturcs "plurol" que, /onge de procuror unr senÍido urriló-
espirituol. Quem negorio eniretonïo suo unidode? Quem recusorio
rìo, procuro observcrr no texlo o rÌìu/fip/icidcrde d<>s Íeixes de serrficJo.
oo críÌico o direì1o de colocor em evidêncio correloções significotivos
enlre os porïes? E o que imporlo se os correloções ossìm descober-
lnïerpreÌor um ïexlo noo é dor lhe unr senliclo (r'r'rois ou rììcrìos
los boseiom-se mois no olençõo do crítico do que no do outor?
fundomenÌodo, mois ou menos livre), e oo cotrÌtório oprecior de
Nem por isso essos correlocões oporecem menos no obro exomi-
que plurol é Íeito. Em primeiro lugol colocomos o imogem de unr
nodo ropidomente pelo olhor do críÌico. Mos um novo olorgomento
plurol ïriunÍonie, que nenhumo imposiçoo de represenloçõo (de
voi se ìmpor, o nõo ser que umo decisoo {eche orbitroriomente o
inriÌoçÕo) vem empobr-ecer. Nesse Ìexto ideol, os Íeìxes soo mÚlÌi-
horizonie do pesquiso. A consideroçõo do Ìololidode dos escrilos de
plos e iogom enÌre sì, sem que nenhum posso gonhor dos ouÌros;
um outor exige o consìderocõo de umo lololidode moiol que inclui
r:sse Ìexio é umo gcrlóxìo de significontes, nõo umo estruÌuro de
o próprio pessoo e o proprio biogrofio do cruÌor. Depoìs, por suo
significoclos; ele nõo lem início; é reversível; ïem-se ocesso o ele
vez, esse conlunto vido-obro oporece como umo eslruÌuro obsïroÍo,

r04
F
Vincent Jouve

por vórios enïrodos dos quois nenhumo pode ser declorodo conr
cerÍezo principol; os códigos que mobilizom per{ilom_se o perder
de visto, noo sõo decidíveis (o senÌido nunco é submetido o um
princípio de decisõo, o nõo ser logondo nos dodos); desse texto
obsoluÌomenie plurol, os sistemos de senÌido podem se oiudor, mos
suo quonÍidode nunco é {echodo, lendo como medido o infiniro do
linguogem. A inlerpreïoçõo gue pede um texto olhodo imedioto_
menïe em seu plurol nodo iem de liberol: nôo se iroto de conceder
olguns sentidos, de reconhecer o codo um deles suo porie de ver_
dode; troïo-se, conÌro todo indiferenço, de ofirmor o ser do pluroli_
dode, que nõo é o do verdodeiro, do provóvel ou mesmo do possí_ 5
vel. Esso ofirmoçõo necessório é entretonto difícil, pois oo mesmo O vivido do leituro
tempo que nodo exisïe foro do Ìexro, nunco existe um fodo do texto
(que serio, por reversõo, origem de umo ordem inÌerno, reconcilio_
çõo de portes complementores, sob o olho poternol do Modelo re_
presentotivo): é preciso desprender o ïexio oo mesmo Ìempo de seu
exterior e de suo toiolidode. Tudo isso significo que, poro o rexio
plurol, nõo pode hover esiruturo norroÌivo, gromólico ou lógico do A fruiçõo do imoginorro
norrolivo; se porlonÍo umos e oulros deixom-se oproxim or, é no
medido (dondo o esso expressõo seu pleno volor quontitoÌivo) em A consciêncio libertodo
que esÌomos dionïe de Ìextos incomplelomente plurois, iextos cuio
plurol é mois ou menos porcimonioso. (Bor1hes, 1970, p.1 1_2)
O acontece quando se lê um livro? Quais são as sensa-
qr-re

çoes, as impressões que a leitura suscita em nós? Parece quc a


rerlação com o texto pcrmite, cm primeiro lugar, essa cxperiênci;Ì

l)artìcular queJauss ( 1 9 78) charna de "fruição e stética": "Na atitr-rclc


dc fruição estética, o sujeito é libcrtado pc'lo iruagirrrírio dc tLrclo
aquilo que torna a rcalidade cic sLta vicla cot irliartiì cotìstriìtìgcc1ora"
(p.130). A consciêr'rcia "imagirrarrtc", corìì() rììostr()u Slìrtrc, clc íato
lcva a uma sensação dupla de libcrcladc c clc criativiclaclc. I)ar:t isst'r,
cÌa procede em dois tempos: "aniquilação" do muncjo diantc do
qual o sr,rjeito se afasta, e criação, no seu lr-rgaç de um mundo novo
rr partir dos signos do objeto contemplado (cf. Sartre, 1940). A
lcitura é portanto, ao mesmo tempo, uma experiência de libertação
("desengaja-se" da realidade) c de preenchimento (suscita-se
imaginariamente, a partir dos signos do texto, um universo marcado
por seu proprio imaginário) .

r0ó
F

Vincent Jouve A leìluro

Para retomar os termos deJauss, a leitura, como experiência Ler, pois, é uma viagem, uma entrada insólita cm oLltra di-
estética, é, portanto, sempre "tanto libertação de alguma coisa rnensão que, na maioria das vezes, enriquece a experiência: o lcitor
quanto libertação paríz aÌguma coisa". Por um 1ado, ela desprende (ìue, num primeiro tempo, deixa a realidade para o universo fictí-
o leitor das dificuidades e imposições da vida rcal; por outro, ao cio, num segundo tempo volta ao real, nutrido da ficção.
implicá-lo no unìverso do texto, renova sua percepção do mun-
do. O Ìeitor, emocionado pela paixão de Des Grieux por Manon,
A verligem
impressionado pela metamorfose deJekyll em Hyde ou divertido
peias aventuras de LazarilÌo, esquecerá por um momento (o da Uma das experiências mais emocionantes da leitura con-
leitura) os problemas e preocupações de sua existência. Ao mes- sjste em proferir mentalmente idéias que não são nossas. Sus-
mo tempo, o interesse quc tcm pelo destino das personagens, ao citada por todos os textos, ela adquire uma intensidade parti-
confrontá-lo com situações inéditas, modifìcará seu olhar sobre rLrlar nas narrativas em primeira pessoa. Lendo as Confs.sões,
as coisas. iìssumo o "eu" que aí se expressa, e a voz de Jcan-Jacqucs se
E,ssa impressão de escapar de si próprio, ao mesmo tempo .onfunde, por um tempo, com minha própria voz. Mesrno tipo
que se abrc para a experiência do outro, pode ser assimilada a um ,lc sensação com o Roquentin de A náusea ou o Abel Tiffar-rges
desdobramento. Tâ1 é, peÌo menos, a opinião do lingüistaThomas ,lc O ogre. Georges Poulet (1969) descreveu com bastante precisão
Pavel (1988) que, em suas reflexóes sobre anatuïezae as frontei- ('ssc processo no que ele chama, com razáo, de "uma fenotne-
ras da ficção, postula a existência de um eu "artístico", represen- rroÌogia da leitura":
tante do sujeito no universo do texto:
Tudo que pcnso faz parte dc meu mundo mental. E ainda aqui
desenvolvo idéias que manilestamente pertencem a olttro mundo
Visitamos as regiões fictícias, moramos nelas por um tempo, mental, e qr,re s-ro o ot-rjeto de meus pensamentos exatamente
nos misturamos às personagens. O dcstino delas nos emociona ... como se eu não existisse. Isso é inconcebívcl, e parecc mais ainda
Mandamos nossos eus ficcionais reconhecerem o tcrritório com :t se cu pensar no fato de que, na rnedida em quc toda idéia deve tcr
ordem de redigir logo um rcÌatório; eles são sensibilizados, não um sujeito clue pensa, csse pensamento qlle não me pertcnce ao
nós, têm medo de Godzilla c choram con-r Julieta, enquanto nós mesmo tempo que se dcsenvoÌvc ent tl'tit'tl dcvc igtr:rlmcnte tL'r
apenas Ìhes emprestamos o corpo e as cmoções, um pouco como cm mim um su,ieito quc nìL- é cstrrlrrho. (p.5(ì)
nos ritos xamânicos nos quais os fìéis emprestam corpo aos espí-
ritos bondosos. E, assim con'Ìo a presenca dos espíritos torna pos- Essa interiorização do outro ó Íácil adrriti-lo PcrtLrrba
síve1 a glossolaÌia e a predição do futuro, os eus artísticos olr tiÌnto quanto fascina. Scr quem não sonlos (mesn-io para um
ficcionaìs cstào prontos para senrir e expressar muito mais cmo- (clnpo relativamente circunscrito) tcm algo de desestabiiizante.
ção do que os verdadeiros eus ressecados c endurecidos. As espe, t ) le itor, transformado em suporte, em uma tela na qual se rea-

rancas dc Schiiler na educacão estética da humanidade não eram liza uma experiência outra, vê mudar as marcas de sua identi-
lundamcntadas na crença de que, depois da volta do reino das ,lrrde: "Ler", observa B. Abraham (1983), "é desterritotl'alizat:
artes, os eus ficcionais se mistulariam sem resíduo nos verdadei- ,lcixar passar pelo corpo os fluxos, as tendências inconscientes,
ros cus, fazendo-os aproveitar de sua maturidade? (p.f09) ,rs plalavras de ordem que caracterizam o livro como ordenação"
7
A leituro
Vincent Jouve

(p.9a). Ler as Memories d'outre-tombe lMemórias de além-túmulol te entender a visão hugoliana da Revolução. O que sua leitura
é,
esclarece é o ponto de vista que um intelectual do século XIX
de fato, sentir pessoalmente (e durante o tempo da leitura) as
pode ter, depois da Comuna de Paris, sobre a violência históri-
impressões, as sensações e asimposiçóes que perpassam a prosa
ca. O fenômeno é ainda mais nítido com a Ìeitura de textos
de Chateaubriand. Quer se trate do aspecto psíquico da leitura
pertencentes à Antigüidade ou à Idade Média. O romance de Enéas,
quer de sua dimensão propriamente física, "assimilar" outro é,
por exemplo, texto do século XII inspirado na Eneida, obriga
de certa forma, sair de seus limites.
mais o leitor do século XX a reconstituir o universo cultural
É certamente esse desabamento momentâneo dos funda-
que dá um sentido à narrativa do que modifìcar sua visão de
mentos da existência que explica a descrição corrente da leitura
mundo. De fato, o que aparece na leitura é a vontade do narrador
como uma flutuação, uma vertigem na qual o sujeito, um pou-
de tornar a cristandade a herdeira da Roma antiga. Para isso, o
co perturbado, oscila entre preocupação e euforia. 'A leitura",
"substitui fragmentos de texto de Virgílio não somente está reescrito num sentido cris-
escreve Jean-Louis Baudry (1988),
tão, como também na óptica da literatura cortesã. O que a Ìeitura
discursos surgidos de toda pafte, que tornam cada um de nós
reconstrói é, portanto, uma problemática política e cultural própria
seres opostos, divididos, dispersos, um ser sob influência - alguém
do século XII. O leitor toma conhecimento dela pelo simples fato
que não é mais nós e que, entretanto, não é outro" (p.74).
de que essa subentende a narrativa. Nesse caso, Iser fala de atitude
"contemplativa".
Conlemploçõo e porticipoçoo Assim, hâ "participação" quando o leitor transcende a posi-
ção limitada que ele tem na vida cotidiana, e "contemplação"
A implicação do leitor no universo textual pode, contudo,
cluando chega a uma visão de mundo que não é a de seu univer-
adquirir formas muito diferentes. Depende, em grande parte, da
so cultural.
distância histórica que o separa da obra lida.
Quando o leitor é contemporâneo da obra, a leitura lhe per-
mite renovar sua percepção das coisas. Esse fenômeno explica-
se pela deformação que o texto provoca sobre os dados do mun-
O prozer do iogo
do. Na leitura de O Processo, por exemplo, o poder ilimitado da
máquina estatal, apresentado como mola de uma lógica narrati- O"ploying"eo"gome"
va, percebido pelo oÌhar aterrorizado de K., leva a meditar sobre a
Michel Picard, como se viu, propõe pensar a recepção dos
naturezainquietante das sociedades modernas. Em outro regis-
tcxtos a partir do modelo dos jogos. A leitura adicionaria assim
tro, um romance como Á náusea leva logicamente o leitor a se
rlois tipos de atividades lúdicas muito diferentes: o playing e o
questionar sobre o sentido de sua existência. Iser qualifica de
qame. O playing é um termo genérico para todos os jogos de
"participativa" primeira atitude de leitura.
essa
re presentação ou de simulacro, fundamentados na identifica-
Quando o leitor está separado da obra por uma grande dis-
r;rro com uma figura imaginária. O game, por sua vez, remete
tância temporal, cuida primeiramente de reconstituir a situa-
.ros jogos detipo reflexivo, precisando de saber, inteÌigência e
ção histórica do texto. Assim, iendo Noventa e três, o leitor atual
scntido estratégico (tais, por exemplo, o go ou o xadrez). En-
procura sobretudo reconstituir o horizonte cultural que permi-
F

Vincenl Jouve A leiirrro

quanto o estatuto objetivo do game permite o distanciamento, o só podem tïazer a simpatia. Entretanto, a ironia constante do
playing enraíza-se no imaginário do sujeito. narrador proíbe un-ra identificação total com a personagern: esta é
A leitura seria portanto, ao mesmo tempo, jogo de represen- .rpresentada como um indivíduo sem muito caráte4 cuja inocência
tação e jogo de regras. É impossível ler um romance sem sc () transforma progressivamente em aliado, até mesmo coÌaborador
identiÍìcar com tal personagem. Mas é igualmente impossível tlc um regime carcerário e policiai.
não respeitar um certo número de convenções, códigos e con- O texto pode, como se vê, dosar como the convém a inpli-
tratos de leitura. L ação do Ìeitor: as técnicas da narração permitem controlar o

Michel Picard analisou por esse ângulo o primeiro encontro investimento na ficção. Nesse sentido, podemos dizer como
deJulien Sorel e Madame de Rêna1 no início do capítulo VI de O Michel Picard, que, na leitura, o game "disciplina" o playing.
vermelho e o negrl. Se o jogo de representação proposto ao leitor
é evidente, o jogo de regras também o é. Por um lado, de fato, a
lmplicoçõo e observoçÕo
conotação edipiana da passagem é particularmente clara: o nas-
cimento do sentimento amoroso entre o moço e a figura mater- Vimos anteriormente como o leitor, para constlLLir stra re-
na só pode favorecer a identificação do leitor. Entretanto, como t'cpção, era levado para uma diaÌética permanentc enlre anteci-
observa Picard, essa identificação "espontânea" é, ao mcsmo pacão e retroaçáo. O leitoç de fato, se é levado a formar confi-
tempo, minada, até mesmo atacada, por uma série de códigos iir-rraçõcs para preencher os "vazios" do texto, deve entretanto
textuais que regulamentam a leitura da passagem: a constantc rrccitar modìficá-las, até mesmo atacá-las, se a seqüência da
alternância dos pontos de vista impede que se adote totaÌmen- n;rrrativa vier a contraclìzê-las. É preciso, portanto, distinguir
te o olhar de uma das duas personagcns; a ironia do narrador tlois processos. Por um Ìado, ao preencher os "vazios" com re-
com respeito aJulien obriga a considerar esse último com certa Ì)resentações que lhe são próprias, o leitor implica-se no texto.
distância; a incapacidade dos protagonistas de se decifrarenr lÌlr outro, é levado a se distanciar dessas mesmas represcnta-
mutuamente contribui para despertar a consciência crítìca do ,, ocs quando o texto as invalida. Nesse úÌtimo caso, ele próprio

leitor. O texto não auÍoriza, portanto, um abandono completo; I'oc1e se observar participando do ato de leitura.
o romance favorece ao mcsmo tempo o investimento e o limite Vcjamos O planeta dos macacos de Pierre Boulle. A narrativa
regulamentando as modalidades. O jogo de representação só ó irricia-se com duas personagens, Jinn c Phyltis, quc, durantc
possível dentro de um quadro imposto pela narração. rrrn passeio no espaço, dcscobrcm utra girrrirfa contcnclo um
Poder-se-ia fazer a mesma demonstração, na escala da nar- pcrgaminho. O roÌo de papeÌ cont:Ì a l'ristór-ia clc r-rnt Ìrorrcn't
rativa inteira, com A vida não é at1ui, romance de Kundera. A pcrcìido, depois de uma viagem cósn.rica, nunr pl:rneta governa-
identifìcação com o protagonista parece de fato favorecida por LIo por macacos inteligentes. ComoJinn e Phyllis não são des-
uma série de procedimentos no exato momento em que ela está , ritos fìsicamente, o leitor preenche o "vazio" do texto imagi-
desativada por outros. O herói da narrativa, um jovem poeta irrindo-os como um casai de jovens. Ora, no fìnal da narrativa
tcheco, é a personagem mais conhecida do leitor (que tem acesso licarnos sabendo quc essas duas personagens náo eram huma-
à sua infância e seus sonhos) e seus esforços para se impor social- rì()s, mas sim macacos! O leitoç assim levado a corrigir sua
mente como artista e individualmente como suieito apaixonado 1
,r imeira configuração, pode somente meditar sobrc o antropo-
r
Vincenï Jouve
A leiÌuro

morfìsmo espontâneo que rege sua visão de mundo. Obrigado, realidade que nos cerca para nos ligarmos novamente com a vida
num primeiro momento, a se implicar pessoalmente na leitura, é da infancia na qual histórias e lendas eram tão presentes. Ao
levado, num segundo momento, a se observar refletindo. É essa acordar o eu imaginário, normalmente adormecido no adulto acor-
volta para si que, como repara Iser (1985), faz o valor da leitura: dado, a leitura nos leva de volta ao passado. O que permite que
As contradições que o leitor produziu ao formar suas configu- essa parte de nós mesmos, herdada da idade tenra, renasça tão
rações adquirem sua própria importância. Elas o obrigam a perce- facilmente?
ber a insuficiência dessas configurações que ele próprio produziu. A resposta se encontra nas semelhanças entre o estado de
Pode cntão sc distanciar do tcxto do qual participa dc tal forma quc leitura e o sono. Em termos de energia psíquica, a situação do
possa se observar, ou, pelo menos, se ver engajado. A aptidão para sujeito que 1ê aparenta-se com a do sonhador. A leitura, como o
se entrever a si próprio num processo do qual participa é um mo- sono, fundamenta-se na imobilidade relativa, uma vigilância
mento central da experiência estética. (p.2a1-2) restrita (inexistente para aquele que dorme) e uma suspensão
O autodistanciamento, quaisquer que sejam as modalidades,
do papel de ator em favor do de receptor. O leitor, colocado
sempre é uma experiência enriquecedora.
assim numa situação econômica parecida com a do sonhador,
Alguns textos, como os de Faulkner, levam esse procedi- deixa suas excitações psíquicas se engajarem em um início de
mento ao extremo. Enquanto agonizo, por exemplo, ao variar os "regrediência".
pontos de vista de capítulo em capítuÌo, proíbe ao leitor elabo- Para entender o conceito de regrediência, que tomamos em-

rar uma perspectiva que explique o texto no seu conjunto: ne- prestado de Christian Metz (1984), é preciso parrir de uma distin-
nhuma visão central permite unificar sob uma orientação nar- ção entre as percepções do estado de vigília e as representaçòes
rativa clara os pensamentos e monólogos das personagens que oníricas. No sujeito ativo e acordado, as impulsões psíquicas vão
se cruzam ao longo da narração. O leitor, constantemente em- do exterìor (o mundo) para o interior (o aparelho psíquico onde as

baraçado no seu trabalho de deciframento, se questiona sobre percepções vêm se imprimir): tal trajeto é chamado de "pro-
seu modo de conceber o sentido. Sempre levado a voltar para grediente". Em contrapartida, no sonhador, as excitações têm
suas primeiras considerações, deve 1er e, ao mesmo tempo, se sua origem no inconsciente do sujeito (são, desde o início, inte-
observar lendo. riores ao aparelho psíquico) e acabam numa ilusão de exteriorida-
É essa oscilação constante entre implicaçáo e observação de por meio da produção de intagens mentais: portanto estamos
que torna a leitura um acontecimento vivido. diante de um processo "regredientc". Só a via regrediente (da
interioridade psíquica paraa representação) permite a emergên-
cia da alucinação.
Umo viogem no tempo
A regrediência, evidentemente, não cabe na leitura como
rìo sono. Assim como o fluxo regrediente vem se chocar, no
A "regrediêncio" espectador de cinema, contra a materialidade do som e das
imagens do filme, a regrediência do leitor fica limitada pelo
A leitura permite viajar no tempo. A afirmação é apenas meta-
suporte escrito da alucinação. Pode-se simplesmentc notar que,
fórica. Ao ler um romance, aceitamos esquecer por um tempo a
como a tela lingüística é menos "compacta" do que a tela cine-
Vincent Jouve A leituro

matográfica, a regrediência é mais avançada no leitor do que no ços de Gérard Philipe e Madame de Rênal com os cie Daniellc
espectador: as representaçócs imaginárias do primeiro devem com- Darrieux? Qual leitor d e Madame Boyary verâ sem dccepção Isabc-l lc
por com um princípio de reaìidade muito menos exigentc. Huppert no lugar de Emma única e irrcpresentável que havia irra
E o que explica essa intimidade excepcionaÌ (a qual todo ginado? Impor um rosto para as figuras romanescas é nos
Ìeitor pode experimentar) entre o sujeito que Iê e a personagem dcspossuir de uma parte de nós mesmos.
romanesca. O imaginário próprio de cada leitor tem um papel
tal na representação que quase se poderia falar de uma "presen-
ça" da personagem no interior do leitor. Essa sensação de con-
'A crionço que lê em nós"
substancialidade entre o sujeito que 1ê e a personagem represen-
tada nenhuma imagem óptica jamais poderá dar. É portanto a criança que fomos que permite acreditar nas
Entende-se assim a decepção tão freqüentemente sentida narrativas romanescas. Havia uma época em que reinava a lcnda,
quando um romance que se leu é filmado. A personagem que, ao r:m que o ser e o parecer não se distinguiam (qr-rem nLlnca acredi-
longo de sua leitura, chegava à existência pelas representações tou cm Papai Noel?). Esse consentimento eulorico na ficção nunca
imaginárias do leitor, apresenta-se na tela como um outro abso- desaparece totalmente (nossa relação com a figura de Papai Nocl
luto na produçáo do qual o espectador não participa. A Ìigação sobrevive à tomada de consciência de sua ficcionalidade). Nossas
íntima que unia o leitor às criatr-rras fictícias é totalmente crenças infantis, reativadas em certas condições (entre elas a
rompida. O que se perde na passagem do romance em livro para situação de leitr,rra), subentendem nossas crenças dc adultos.
o filme não é nada menos do que a potência criadora do descjo: Assim que abrir um romance, é a criança que renasce (pelo menos,
em certo níveì):
O leitor do rornance, seguindo as vìas próprias e singulares
de seu desejo, de antemão vcstira visualmente as palavras clue A criança persiste dentro de nós c assina: é ela que, aí, é o
havia lido, e quando vê o filme gostaria dc rccncontrar esse visual: jogado, o lido, deprecndido das lcis do .I.ogos e das categorias do
na vcrdade, revê-lo, en-r virtucle dessa implacávcl lbrca de repeti- cspaço-tcmpo; é na sua crcdulidadc inocente que, hipocritamen-

ção quc mora no desejo, que leva a criança a usar scmpre o mesmo tc, a toÌerânciado ledor, aclui c agor:r, sc junta à ilusão. A criança
brinquedo, o adolescente a ouvìr sempre o mcsmo disco, antes de serve dc suportc c dc álibi par:r:r crccltrììclaclc clo acÌulto: assirr.r
abandoná-lo para o seguinte que saturará por sua vcz um período rccncontramo-la como nrcdìaclor inlcrno, lrcrtii, tcstcnrunha ou
de sua vida. Mas o ledor de romance nem sempre cncontÍa seu narrador, em numerosas ficçõcs, r- cm particular rro lranthstico,
filme, pois o que tcm na slra frente, com o verdadeiro filmc, onde freqüentemente lhe é atribuícla uma função lnist:r dc r,ítinra
doravante é o lantasn'ra de outro, coisa raramcntc sìrlpática (a tal e de fiador: em O homem de areia oo A volta do ptvafuso, por exeÍÌr-
ponto quc, quando se torna simpática, provoca o amor). (Metz, pìo. (Picard, 1986, p.1 16)
1984, p.137)
Ler, de certa forma, é reencontrar as crenças e, portanto, as
A prática editorial que consiste em ilustrar os clássicos cont scnsações da inÍância. A leitura, que outrora ofereceu para nos-
fotos de atores certamente incita à compra, mas muito pouco :ì so imaginário um universo sem fim, rcssuscita esse passado
leitura. Quem, fora o diretoq imaginaráJulien SoreÌ com os tra- tada vez que, nostálgicos, lemos uma história.
Y
A leìÌuro
Vincent Jouve

fácil responder. O único ponto certo é que essa imagem surge de


Por essa razáo, as primeiras leituras são, como nota Grivel
um passado privado, fugaz e, em grande parte, inconsciente.
0987), amatriz das leituras ulteriores:
Lembramos o que a palavra "Florence" evoca paraJean-Paul Sartrc
(1e84):
Que idade temos quando lemos? ... Respondo: a primeìra ida-
de! E quando criança que lemos, do ângulo da primeira vez e obce-
Florence é cidade e flor e mulher, é cidade-flor e cidade-mu-
cados por ela. Primeiro ponto minha paixão. Ler é um desejo de
ther e moça-flor tudo ao mesmo tempo. E o estranho objeto que
infância. Doar-se para o texto, pelo deciframento do olhar ou da
assim aparece possui a liquidez do rio, o suave ardor ruivo do ouro
pena, é sonhar com uma capacidade anterior, com uma frescura
e, para terminaq se abandona com decêncía e prolonga indefinida-
desaparecida, com um desatino do imaginário cuja idéia se fixou
mente pelo enfraquecimento contínuo do e mudo seu desabro-
logo no início da vida consciente. (p.143)
chamento cheio de reservas. A isso se acrescenta o esforço insidioso
A leitura é, antes de mais nada, uma desforra da infância. da biografia. Para mim, Florence é também uma certa mulher,
uma atriz americana que trabalhava nos fi1mes mudos de rninha
infância e da qual esqueci tudo, exceto que era comprida como
A volto do possodo ofetivo uma luva de baile comprida e sempre um pouco cansada e sempre
casta, e sempre casada e incompreendida, e que eu a amava, e qLre

De forma mais precisa, como mostrou Michel Picard (1989),


e e1a se chamava Florence. (p.21)

pode-se dizer que a leitura nos remete a nosso passado segundo


Uma única palavra às vezes pode fazer surgir um passado:
duas grandes modalidades. Por um iado, a identificação com
por meio da leitura, o texto remete cada um à sua história íntima.
algumas situações fìccionais nos permite reviver os cenários
fantasmáticos da infância; por outro, certo detalhe do texto
desperta em nós imagens íntimas: é o que se chama de "lem-
branças-te1as". Textos
Voltaremos mais adiante ao primeiro ponto que trata do
impacto da leitura. Por enquanto, tratamos do fenômeno parti-
cular das "lembranças-telas". Ao ler um texto, o modo pelo qual A leituro como interiorizoçõo do outro
se representa um objeto, um cenário ou uma personagem permite
Se é possíve/ ossimilor o leituro o um tipo de vertìgem, é no
que ressuscitem imagens enterradas, das quais nem sempre é
rnedido em gue e/o se opresenio corno umo experìêncìo do
possível dizer de onde vêm. O boné de Charles Bovary, a pensão
o/Íeridode. Ao ler um texto, o sujeiÍo ossume um universo gue nõo
Vauquer, a ilha de Robinson, o rosto de Fabrice del Dongo são, e seu. Esse processo muito portículor estó no orìgem de umo
além dos detalhes fornecidos pela narração, imaginados experiêncio de clivogem que Georges Poulet oqui reso/ve descrever.
diferentemente e pessoalmente - pelos leitores. Quando no
tnício de A pele de onagro Balzac escreve: "No fim do mês de outubro O que é próprio de um lexto é que ele nos incito nõo somenÌe
passado, umrapazentrou no Palais Royal", de onde vem a imagem o consÌotor e o desÌocor de Íoro suos corocïerísiicos obietivos/ como
que instantaneamente se cria do "rapaz" em questão? Não é muito tombém o nos Ìornor por nosso vez o que ele é, o nos confundir

119
r r8
r
Vincenl Jouve A leiluro

pelo operoçõo do espíriio com suo próprìo substôncio. O fenôme- zo do vìvido emocionol, e o forço dos represenfoções imcsginorìas
no essenciol que o morco nos suos reloçóes conosco é o fenômeno que remetem ò hisfório ofetiva do sujeifo.
de identi{icoçõo. Ler é vir o ser, islo é, começor o porticipor men-
tolmente (e mesmo fisicomente pelo otividode mimético) do vido Mos Ìodos os sentimentos que nos fozem sentir o olegrio ou o
porticulor do próprio lexto. A leituro de um Ìexto implico sempre, infortúnio de umo personogem reol só se produzem em nós por
portonto, em moior ou menor grou/ umo operoçõo que só se pode meio de umo imogem desso olegrio ou desse infortúnio; o hobili-
chomor de ontológico. Pelo tempo em que se efetuo, elo provoco dode do primeiro romoncisto conslstiu em compreender que no
umo tronsformoçõo too rodicol do pensomenio leiÌor que esse nõo oporelho de nossos emoçôes, como o imogem é o único elemento
pode mois, duronte esse período, ser dissociodo do texto que o essenciol, o simplìficoçóo que consisiisse em suprimir openos e
onimo e o preenche. Torno-se entõo um pensomento nÕo mois simplesmente os personogens reois serio um operfeiçoomenio de-
isolodo em sì próprio ou obsorvido nos objetos que lhe sõo porticu- cisivo. Um ser reol, por mois que simpotizemos com ele, percebemo-
lores ò suo otividode mentol, mos sìm verdodeiromenÌe o suieito lo em gronde porte pelos nossos sentìdos, isÌo é, permonece opoco
que se enconÌro no cenÌro do texto e que, de dentro, o ordeno e o poro nós, oferece um peso morto que nosso sensibilidode noo pode
Íaz viver; mos é ïombém, oo mesmo tempo, enquonto se lê, persistir levontor. Se lhe oconÍece umo desgroço, é openos umo pequeno
em permonecer oquele que lê, e que/ oo ler, guordo suo próprio porte do noçõo totol que temos dele que permite nos emocionor;
personolidode oo mesmo tempo que sente os movimentos e os rit- mois oindo, é openos umo pequeno porte do noçõo ïotol que ele
mos de idéios e de polovros que o texto lhe sugere. Consciêncio próprio lem de si que lhe permiiiró se emocionor. O ochodo do
duplo do quol umo, despertodo, ressuscilodo pelo outro, é o consciên- romoncisÍo foi Ìer o idéio de substiÌuir essos portes impenetróveis ò
cio loïente do ouÌor oté enïõo odormecido no interior do texto, e do olmo por umo quontidode iguol de pories imoteriois, isto é, que
quol o outro ó consciêncio porticiponte, impulso do pensomenlo li- nosso olmo pode ossimilor. O que importo, enïõo, se os oções, os
bedodor pelo quol se ossocio oo que elo estó lendo. Tol diferenço emoções desses seres de um novo ïipo nos oporeçom como verdo-
poderio porecer inutilmente complicodo, mesmo ossim permonece deiros, ió que os Ìornomos nossos, ió que é em nós que elos se
um dos fenômenos mois comuns numo vido Ìõo pouco conÌemploÌivo; produzem, e que, enquonÌo viromos febrilmenÌe os póginos do
fenômeno pelo quol o leitor, consciente de receber do texÍo umo livro, o ropidez de nosso respiroçõo e o intensidode de nosso olhor
impulsõo que modifico suos ofeições e seu pensomento, percebe-se permonecem sob seu domínio? E umo vez que o romoncisto nos
simultoneomenle como consciêncio de si e consciêncio do Ìexto, num colocou nesse esÌodo, no quol, como em iodos os estodos puro-
movimenio em que umo se conformo ò outro, sem, conÌudo, perder mente inÌeriores, todo emoçõo é duplìcodo, estodo no quol seu
Ìotolmente suo independêncio. Pois nõo exisie openos reloçoo entre livro voi nos perÌurbor como um sonho, mos um sonho mois cloro
o pensomento leiïor e o texto, mos entre o pensomenio leiïor e o do que oqueles que sonhomos quondo dormimos e cuio lembron-
pensomento escondido no texÌo, que ele reovivo oo se olivor ele ço ficoró oindo mois, eìs que enloo ele desencodeio em nós, em
próprio oo seu conioto. (Poulet, 1975, p.66-7) openos umo horo, todos os Íelicidodes e todos os desgroços possí-
veis que, no vido reol, demororíomos onos poro conhecer - ope-
O popel motor dos emoçóes nos olgumos delos - e dos quois os mois inÌensos nunco nos seriom
revelodos, pois o lentidõo com que se produzem nos privo de suo
Nesso possogem de Combroy, Prousf co/oco em evidêncio os percepçõo (ossim nosso coroçõo mudo, no vido, e é o pior dor;
corosÍerísÍicos essenciois do experiêncio de leituro. Evoco sucessi- rros é umo dor que openos conhecemos no leituro, no imogino-
vamenfe o relaçõo íntima que une o /eiÍor òs personogens, o rique- çõo; no reolidode ele mudo, como certos fenômenos do noiurezo
r
Vincenl Jouve

se produzem, islo é, produzindo-se Ìõo lentomente que se, por um


lodo, conseguimos coptor sucessivomente codo um de seus esÌo-
dos diferenïes, por outro, nos foge o sensoçóo em si do mudonço).
Em seguìdo, menos interior o meu corpo do que esso vido dos
personogens, vinho, vogomenle projetodo no minho frente, o poi-
sogem onde se desenrolovo o oçõo e que exercio sobre meus pen-
somenÌos umo influêncio muito moior do que o outro, do que oquelo
poro o quol.eu olhovo quondo porovo de ler. Foi ossim que duron-
te dois verões, no color do jordim de Combroy, iive, por couso do
livro que esÌovo lendo, o nostolgio de um poís monlonhoso e fluviol, 6
onde verio muilos serrorios e onde, no fundo do óguo lronsporen- O impocto do leituro
te, pedoços de modeiro opodreciom sob Íufos de ogriõo; e nõo
muiio longe doli, subiom, oo longo de muros boixos, cochos de
flores violóceos e overmelhodos. E como o sonho de umo mulher
que me omorio estovo sempre presenÌe no minho mente, noqueles
veróes, esse sonho foi impregnodo do frescor dos óguos correntes;
e quolquer que fosse o mulher por mim evocodo, cochos de {lores Os desofios
overmelhodos e violóceos logo se erguiom de ombos os lodos,
como cores complemenÌores. (Prousl, 1954, p.l 05 ó) lnfluencior e divertir

Se a leitura é uma experiência, é porque, de um modo ou de


outro, o texto age sobre o leitor. Globalmente, podem-se dis-
tinguir as Ìeituras que exercem uma influência concreta (con-
fìrmando ou modificando as atitudes e práticas imediatas do
leitor) e as que se contentam em recrear e divertir. Para isso,
não se deve negligenciar a dimensão estratégica de numerosos
textos que, por trás dos desafios de prazer explícitos (emocionar
e distrair), escondem verdadeiros desafios performativos (infor-
mar e convencer).
Consideramos o caso de A peste dos enimais. Sem dúvida, a
intenção de prazer existe. La Fontaine, incontestavelmente,
procurou seduzir atendendo às tradicionais expectativas do público
das fabulas: micronarrativa apresentando animais humanizados,
referências à literatura greco-1atina, recurso da retórica clássica,
versificação apropriada. O próprio tema da lábula (a peste) remete
Vinceni Jouve A leiluro

impÌicitarnente às céÌebres descrições de Hontero, Lucrécio e A Ìeitura, portanto, no que conccrne aos dcsaÍìos pcríbrlna-
Virgílio. AÌguns versos são retomados quase literalmente. Assim tivos do texto, nunca é r-rma atividade neutra.
o verso 5, que apresenta a Peste como "Capaz de enriquecer em
um dia o Aqr-reronte", inspira-se em uma flórrrrula que já se
encontrava noEdípo rei de Sófocles: "Gades enriquece com nossos O coletivo e o individuol
gemidos e nossos choros". No plano csrilísrico, a fábula é
E,xistcm duas maneiras de aprecnder os efeitos concretos
percorrida por uma série de fornras mais ou mcnos fixas, vindas
de uma obra: pode-se estudar a Ìcitura seja em suas conseqr,iên-
de uma tradição, c rcconheciclas como tais pelo público.
cias globais na sociedadc seja no efe ito particular que produz no
Notaremos, por exenrplo, a rinta triigica "tcrror"/"furor", a
indivíduo. No primeiro caso, considcramo-Ìa cm relação a r-rm
solenidade das metáforas ("os crimes da te rra"), e as reperições
púbÌico; no segundo, crn relação a um sujeito.
com amplifìcação ("Um mau que cspalhe o rerror,,/Malr que o
O cstuclo do inpacto globai pcrmite devolver ao texto sua
Céu no seu furor..."). La Fontaine, portanto, procurou cÌaramente
dimensão cr-rltural. O princípio é o seguinte: o leitor não ó r-rnr
divertir, explorando todos os recllrsos do gôncro. Mas, por trás indivíduo rsolado no espaço socitrÌ; a cxperiôncia transnritida
da preocupação em agradar, descnha-se rapid:imente o descjo de pela leitura desenvolve urm pai-ieÌ rr:r evolução giobal da socie-
agir no público, de tonrar a palavra num debatc que não é apenas dade. Segundo Jauss, o impacto cr-rlturaÌ da lcitr-rra pode assu-
litcrário. Assim e possível ver na condenação finaÌ e unâninte do rnir três fornas distintas: transnrissão da norma, criação da
burro ("Conrcr a gratìta de outrol clue crime abominávell") uma norma, rLlptura da norma. A obra pode transmitir os valores
denúncia contra a n'ráquina absolr-rtista da Corte. Sob o a;larrato dominantcs dc uma socicdade (lite ratura oficial ou estereotipa-
de uma narrativa agradávcÌ, perfilir-se um discurso em defcsa da cÌa) or,r lcgitirnar novos viilores (litcratura dicliitica c militante)
vida individual e uma crítica, não;ro sistema monárquico (o rei ou ainda roÌnper com os valores tradicionais rcnovando o hori-
está no ser-r lugar), mas às sr-ras nranifestaçõcs desviadoras. De zonte de expcctativas do público.
fato, a figr,rra do monarca ó percebida como positiva. Notarcmos o Fora o c;rso das obrars oficiais e c'las narrativáÌs estereotipadas,
caráter afetivo da ligação entre o rei e seus súditos ("Meus qucridos Lrasta quc Llln texto scja portador, conscientemcnte ou não, dos
amigos") c o reconhecimento de scu papel protetor ("Senhor, diz r.,aiores dominantes de uma época par:r clesenvoÌvcr r-rm papel social
a raposa, Vossa Majcstade é boa demais"). Eis o discurso dos de transmissão e portiÌnto de consolidação da norma. A ctrnçclo

cortesãos que, ao fingir retomar as paìavras do monarca, dcsvia cle Rolando, por cxemplo, ao glorificar a subnrissão ao sobcrano,:r
seu sentido e perrnite, finalmentc, ;r acusaçao do burro. O "se,, fidelidade aì linhagem, o Anror pela "clucrida Irrança" c :r picclarìe,
anônimo e coletivo quc, no final da fábula, substitui o rei transmite a scu público os valores funclaclores clir sociccÌaclc lcuclirl.
Ncsse sentido, sua importância nir Irrirnça cÌo sccLilo XII r-rltraprrssa
("fez-se que ele visse") é, nesse ponto, nruito revelador: a
nmplamentc o domínio literário.
máquina impiedosa que esmagiì o indivídtro não é a nlonar-
A obra, contudo, em vez de afiancar os valorcs dominantcs,
quia, mas a Corte, desvio condenável de urn sistema hicrár-
pode, por meio da Ìcitura, legitinrar novos valorcs. Não se traìtiì
quico cm si respeit:ive l.
rrais então dc transnrìtir a norma, nras sim dc criar referôr'rcias

125
Vincenl Jouve A leiluro

novas. É a aposta que Roussea u fez em Júlía ou a noya Heloísa. O Do texto oo reol
desfecho do romance que mostraJúÌia, seu marido e seu antigo
amante tendo uma vida feliz, baseada na virtude, no ambiente
"Efeito" e "recepçõo"
natural e encantador de Clarens, opõe-se ao ideal de vida dos
nobres, marcado peÌo esbanjamento, pelo luxo e pelo gosto do Para apreender o impacto da leitura no sujeito e preciso sc
prazer, um ideal burguês de simplicidade rústica, familial e lcmbrar da distinção estabelecida por Jauss entre o "efeito"
ecônomico. O sucesso do romance teve, como se sabe, um pa- que é determinado pela obra - e a "recepção" - que depende do
pel importante na evoluçáo das mentalidades que, no fim do destinatário ativo e livre. Significativamente, encontra-se uma
sécuÌo XVIII, permitiu à burgucsia impor seus valores.
oposição parecida em lser (1985): "Pode-se dizer que a obra literária
A ruptura da norma manifesta-se, enfìm, em primeiro iugaç
tem dois pólos: o pólo artístico e o pó1o estético. O pólo artístico
no campo estético. Ao renovar o horizonte de expectativa literária,
reÍ'ere-se ao texto produzido pcìo autoq enquanto o pólo estético
uma obra vai afirmar seu caráter inovador. Assim Mademe Bovary,
diz respeito à concretização realizada pelo leitor" (p.aB). Existem
quando publicada ern 1857, contribuiu para transformar o gosto
sempre, portanto, duas dimensões na leitura: urìa, comum a todo
do público. E,nquanto os leitores dos romances de costumes, até leitor porque determinada pelo texto; a outra, infinitamente
então, eram sobretudo sensíveis aos clichês eróticos e ao lirismo variável porque dependente daquilo que cada um projeta de si
sentimental, Flaubert impõe um estilo mais sóbrio, sem efeitos próprio.
muito visíveis, mas que, por trás da discrição da narração impes-
Quando leio La víe de Marianne lA vida de Mariannel, o ponto
soal, deixa filtrar uma ironia muito mais incisiva. Tâl questiona- clc vista que tenho sobre a intriga não depende de mim: na medida
mento, inicialmente limitado ao domínio literário, só pode se cm que a história é contada na primeira pessoa pela própria
ampliar para o campo social inteiro. hcroína, só posso tomar conhecimerrto dos evcntos por seu proprio
Assim é possível concluir comJauss que, graças à leitura, as olhar. A perspectiva que me é imposta é, pois, um "e[cito" da
obras literárias têm uma importância muito grande na evoÌuçáo obra que depende de se u pólo "artístico". E somente num scgundo
das mentalidades: podem, em certos casos, pré-Formar os momento que poderei concretizar o pólo "cstético" da narrativa
comportamentos, motivar uma nova atitude, ou transformar as rcagindo pcssoalmentc a esse olhar que mc ó imposto sobre as
expectativas tradicionais. Esse estudo do impacto global está coisas: posso ou não acl'rá-lo legítino, me dcixar corrvtrìcer por'
no centro de Pour une esthéticlue de la réceptíon lPor uma estética de cle ou, ao contrário, desconfiar dcle . Seja con'ro for, não sc trilta
recepçãol (auss, 197 8). lnais então do "efeito" prodr-rzicio pelo tcxto, mas clc r-ninha
A análise do impacto local tem um objetivo diferente: des- "recepção" desse último.
tacar a ação do texto no leitor particuÌar. Assim, ela se interessa Essa distinção permite entender por qLrcì leitor
a relação do
menos pela dimensão cuÌtural da obra do que pela sua força com o texto é sempre receptiva c ativa ao mesmo tempo. O
pragmática. É, como se viu, a perspectiva de Iser. Na medida Ìc'itor só pode extrair r-rma experiência de sua leitura confron-
em que o efeito da leitura no sujeito precede e condiciona seu tando sua visão de mundo com a que a obra implica. A recep-
efeito sobre a sociedade, vamos consagrar o final deste estudo à çilo subjetiva do leitor é condicionada pelo efeito objetivo do
recepção individual. t"*to. É porque, objcrivamente, Críme e castigo me coloca na
VincenÌ Jouve A leiluro

pcrspcctiva de um ass.Ìssino atormentado pclo remorso quc eu Fourier, Loyola (1971). Convidado para comer um cuscuz com
posso subjctivantente modificar mell olhar clri reÌação tìo criÌÌlc e manteiga rançosa enquanto não suporta o rançoso, cle conta
:ìos criminosos. como espontaneamente pensou em Fourier:

Fourier tcria imediatamente acabado com mcu mal-estar (es-


"Sentido" e "significoçõo" tar dividido cntre minha boa educação e meu pouco gosto peÌo
rançoso) tìrando-me de minha releiçáo (na qual, além do ntais,
A leitr-rra, ao levar o leitor a integrar a visão do tcxto à sua permanecia preso horas, coisa pouco tolerável, contra o que Fourier
própria visão, não é ern nacla, portanto, ullliì atitllde pirssiva. protestou) e mandando-me de voÌta ao grupo dos anti-racistas,
O Ìeitor vai tirar de sr-ra rclação com o texto não sonìe nte onde poderia ter comido com gosto cuscllz fresco sem magoar
LlÌn "sentido", nras tambénr unta "significiição". Esscs dois ní- ninguém. (p.84)
veis de conlpreensão são definiclos da seglrinte lornla por Paul
Ricocur (1969): o seÌltido remetc ao cleciíì'ilmeÌlto opcrado du- O impacto da ieitura na existência do sujeito é, pois, rnais
real do que se imagina. Pode assumir formas menores (a lembrança
rantc a Ìeitura, cnquanto a significação é o que vili mucìar, griÌças
a essc sentido, na existêncial do sujeito. Enl outt'os tertìlos, e xis-
da leitura nos dá a coragem de quebrar alguns códigos), mas
tambérn formas extremas. Sabe-se que Tiistão e Isoldq modificou o
tc, dc r-rm l:rdo, a sinrples compreensilo do texto e, dc outro, o
nrodo conro cada Ìeitor re.ÌU,c pcssoalrt.tct'ttc iÌ essiì conìlìreetlsáo. cquilíbro amoroso de várias gerações, que certas almas atormen-
A significação ó o "monerrto da rctontirda clo serrtido pclo leitor, tadas do romantismo foran se sr-ricidar no túmulo de Rousseau,
que o Werther de Gethe levou adolescentcs a se dar a morte, e
de surr efctuação na existência" (p.389).
E,ssa ideia de' um ;lroÌotrgamcnto conct'cto da leitLrra e llcon- que Llm jovem russo rcalmcnte cometeu os dois crimes fictícios
clc Raskolnil.ou. É de fato a "signifi cação" da obra - definida como
tra-sc também cm Rolancl Barthes (1971), quirtldo clc cvoca a
"trar-rsmigração" do tcxto para a vida clo su.icito: :ì passagem do texto para a realidade - quc faz da leitura uma
cxperiência concreta.
Às uczcs, o prazcr do Texto cLtllll)re-sc clc lorllla nlais prtlfìn-
cla (e 11 nessc lnonrellto rÌLÌe sc podc clizer reaÌnlctìte qLÌc h;i Tex-
A confirmoçoo de si
to): qr-rando o texto "litcrário" (o Iivro) transrtligra lìiÌra rìossì
vicìa, quando Lrmiì outriì escrit;r (a e scrita do Or-rtro) collscguc
O que a maioria dos leitores busca não é uma experiência
cscrevcr lragtlcntos de nossa pr'(tpria coticìiarlid;rclc, enfitr, qLrirr-rdo
ciesestabilizante, mas, ao contrário, uma confirmação daquilo
sc procluz uttta co-cxistêrtcia. (p. I2)
cm qLle eles acrcditam, daquiÌo que sabem e espcram.
Viver r-rm texto, cviderltcme nte, não cot]sistc em conformar A habilidade toda dos best-sellers é responder a essa deman-
seus atos ao clLle sc podc'ler ncle (viver com Sadc não é sc da. O leitor, dividindo de antemão os valores do he.rói, não se
tornar sádico), mas crrì transpor pi]ra sLliì vida fórrnuÌas em- transforma ao seu contato. O outro não the serve para se
prestadas da obra lida. O srrjeito gost:r de pensar: "Sc tal pcrso- rcdefinir, mas para consolidar a imagem (muitas vezes ilusó-
rìagcm, tal narr:rdor, cstivr'sse rlrì sitt-riìção cm qtle nlc encontro ria) qr-re ele tem de si próprio. Ver uma personagem dividir nos-
atualmentc, conl certcza diria...". Barthe s ltrz esse iogo enl Sade, sos valores tem algo de fundamentalmente tranqtiilizante. O que
Vincenl Jouve A leiiuro

é verdade para as relações interpessoais no mundo real também o Bourget. Recusar os valores familiais, provinciais e patrióticos
é para a relação Ìeitor-personagem que se estabelece na leitura: defendidos em Os desenraízados, ou a condenação da democracia
desenvolvida em létape lA etapa] é outra forma de assegurar a
Se a identificação é mais lácil entre pcssoas que têm um mcs- permanência de scu eu.
mo sistcma de valores, é, em primeiro lugar, porque a anaìogia
desses valores, ao inspirar condutas comLlns, e também ao permi-
tir uma linguagem comum, ampÌia as possibilidades de comuni-
cação e de compreensáo. É também em razão de um mecanismo de
A redescoberto de sr

tranqüilização e de defesa do eu: se meus vaÌores são rejeitados, ar risco


sê-lo também; se, ao contrário, são divididos, estou tranqüiliza- Mesmo que não sejam os mais iidos, pode-se considerar
do, protegido, lorte. (Maisonner-rve, Ì966, p.391) que os textos n'rais interessantes são aqueles que vão ao encon-
tro das supostas disposições do leitor. Qr,rando é confrontado
O sucesso do herói idealizado vem de seu caráter tran- com a diferença, e não com a semelhança, o sujeito tem a possi-
qüilizador: confirma a legalidade e a cficácia ("provada" pelo bilidade, graças à leitura, de se redescobrir. O interesse do texto
desfecho feliz do romance) das normas que já são as do leitor lido não vem mais então daquilo que reconhecemos de nós mesmos
antes de cìe abrir o livro. Do mesmo modo que o público iníantil neÌe, mas daqr"rilo clue aprcndemos dc nós mesnros nele.
gosta de sc projetar em Cinderela oLÌ no Pcqueno polegaE muitos Analisan-ros, .ì título de exemplo, a novela clcJarrcs, A volta
Ìeitores adultos se reconhecem no príncipe MaÌco da série "SAS" do parafuso. Lembranros que a nalrativa conta a l-ristória de uma
ou em r-rma heroína apaixonada da colcção "Harlequin". jovem governiìntiì cmpregada num solar para cuidar de duas
A adesão passiva às normas de um hcrói estereotipado não é crianças, Miles c Flora. Ao saber que MiÌes foi mandado embora
a única lorma de sentir a consistência de seLr cu. A rejeição absoluta da escola, a moça se qlrcstiona sobrc o que ele pode ter leito
de uma pcrsonagem inassimiÌável tem tarnbém como resultado de errado. Essa pcrgrlnta vai perseguì-Ìa até a última página.
confortar o leitor em suas escolhas idcológicas na base de sua Uma série c1e aconlccirxentos ambíguos (prctcnsas aparições,
idcntidadc. Pcnsamos aqui no caso muiro particular das leituras confissões corl cluplo sentido) viráo reforçar suer angústia. De-
em que o protagonista é a tal ponto cstranho ao leitor que a cidida a salvar a arlma de Miles, acaba causando sua rnorte. Na
identificação não pode funcionar. O sujeito qLre lê, longe de aceitar rnedida em quc os proccdimentos narrativos t-tos levam a uma
o papel previsto peÌo romance, revolta-se. É claro que ta1 processo identificação perfeita corì a personagem-narrrtdora da gover-
é involuntário da parte da narrativa c se apóia Ì-ìuma perversão nanta (descobrimos a história por meio dc scu olhar), cntra-
dos nrccanismos textuais que funcionam a contrario. O interessante trÌos na fobia e nas neLlroses desta últinra. Lorrgc dc contestar
é que, mais uma vez, a leitura acaba numa confirmação de si: a sua loucLÌra (o quc faríamos, certamentc, na rcaliclilclc-), procu-
rccusa espontânea de identificação e a revolta que a acompanha ramos Ìegitimá-la a fim de náo questionrìr tul potrto dc vista
levam o le itor a fechar o livro. Uma expcriência tão radicaÌ supõe sobre a história cìLle, graças aos estratagc-nras clo tcxto, é tam-
personagens ideológicas muito marcadas c cujo scr afetivo é bém o nosso. Eis-nos, portanto, como a narrarlora, lcvados a
rejcitado para segundo plano, conro os l-reróis de Barrès ou dc jogar nossas suspcitas nas duas crianças ate os lirrrites da Ìriste-
A leiluro
Vìncenï Jouve

ria. A governanta de Á volta do parafuso os leva, assim, por intermé-


considerar - em virtude do pacto formal que, no romance realista,
liga o destinador da história ao destinatário - que aquilo que essa
dio da identificação, a deixaÍ manifestar-se uma parte de nós próprios
voz conta é "verdadeiro", resulta disso um efeito de deslize que
da qual não tínhamos necessariamente conhecìmento:
faz que aceitemos como "verdadeiro" não somente o quc o
narrador nos diz a respeito das ações e das circunstâncias do
Somente quando o Ìeitor deve constituir, ao longo da leitura'
universo diegético, mas também tudo que eÌe enuncia como
o sentido do texto - e isso não em suas próprias condições (fa-
juÌgamento ou como interpretaçáo. O narrador torna-se assim
zendo analogias), mas reaÌmente em circunstâncias que náo lhe
não somente fonte da história, mas também último intérprete do
sáo familiares - algo se expressa nele destacando um elemento
senrldo dela. (p.90)
de sua personaÌidade do qr:al, até então, não tinha consciência'
(Iser, 1985, P.94)
Se, em virtude das convenções romanescas, se aceita tudo
cluc Drieu La Rochelle nos diz a respeito de suas personagens
O que a leitura permite, porlanto, é a descoberta de sua
cnr Gilles, como fazer para recusar csse mesmo princípio quando
alteridade. O "outro" do texto, seja do narrador seja de uma
rìos apresenta a figura de Rebecca como negativa em razão de
personagem, sempre nos manda de volta, por refração, uma ima-
suas qualidades de "judia" , de "estrangeira" e de "comunista"?
gem de nós mesmos.
Outro perigo está ligado ao investimento psicológico do
lcitor. A ligaçáo que nos une a tal personagem pode ser tão
RegressÕo e progressõo t'xclusiva que somente seu destino narrativo acaba por nos in-
tcrcssar. Como o texto se dirige apenas à sua afetividade, o
A olienoçoo Icitor vê então sua faculdade crítica anestesiada e abandona
,lrralquer recuo. Os formalistas russos tinham percebido perfei-
Na medida em que retoma por sua conta a ou as vozes cltl liÌrììente o fenômeno:
texto, o leitor, às vezes, é levado a uma "despossessão" dc si
O autor podc atrair a simpatia por uma Iìcrsonagem cujo ca-
próprio que pode chegar até a alienação' A interiorização cltr
r'áter na vida real poderia provocar no Ìeitor um sentimento de
outro provocada pela leitura não é necessariamente positiva'
rcpugnância ou de nojo. A relação emocional com o herói depen-
O risco mais evidente é o da influência ideologica do tcxto'
tlc da construção estética da obra e é somente nas formas primi-
Levado, peio pacto de leitura, a reconhecer a autoridade da voz tivas que ela coincide obrigatoriarnente com o código tradicionaÌ
narrativa, o leitor chega algumas vezes, por meio de deslizcs rlrr moral e da vida sociaÌ. (Tomachevski, 1965, p.295)
sucessivos, a aceitar o conjunto da "mensagem" transmi(i(lil
pelo texto. A análise que Susan Suleiman (1983) propõe piìr'iì
()
Na ìeitura de um por exemplo, somos rapida-
James Bond,
romance de tese pode estender-se ao conjunto das narrativas: ,ì('rìtc levados a desejar o sucesso do agente secreto - e isso,
,lr,ìl(luer que seja o número de mortos que ele deixa atrás de si
Na medida em que o narrador se coloca como fonte da histt''
ria que conta, parece não somente "autor", r-r-ras também autorìrlrr
,
'rr ;r lcgitimidade dos valores que animam seus adversários.
lrnfin-r, dada a importância da dimensão imaginária na maioria
de. Já que ó sua voz qLle nos inlorma das ações das personag,t'tl:; '
l,r; tt'Xtos de ficção, leitor freqüentemente levado regressão.
das circunstâncias nas quais essas acontecem, e já que dcvt'ttt""
, o é à
Vinceni Jouve A leiluro

Lendo esta ou aquela cena, revive imaginariamente as cenas rlo fim, vê-se reaparecer o narrador-testemunha, primeiramcntc,
arcaicas da primeira infância. Michel Picard mostrou como Os por intermédio de um pronome coletivo e indefinido, depois, mais
três mosqueteiros levam o leitor a uma regressáo francamente precisamente, por meio do presente terminal no qual vêm se juntar
edipiana. D'Artagnan e seus amigos só têm como preocupação tempo da história e tempo da narração:
redimir a culpa atribuída à mãe (a rainha) lutando contra esses
pais demissionários ou violentos que são o rei e o cardeal. Essa Quando tudo foi vendido, sobraram doze francos e setenta e
cìnco cêntimos que serviram para pagar a viagem da senhorita
tentativa de resgate da figura materna duplica-se, no herói e no
Bovary à casa de sua avó. A mulher morreu no mesmo ano; como
leitor que se investe nele, de uma rejeição do princípio de
o pai Rouault estava paralisado, foi uma tia que cuidou dele. EÌa é
alteridade encarnado por Milady. Realmente, encontram-se na
pobre e a manda, para ganhar a vida, a uma fábrica de fiação de
narrativa de Dumas todos os componentes do esquema edipiano:
algodão.
"Cativado pelas cenas imaginárias que eÌe reconhece, o leitor sem
recuo se identifica febrilmente, aceita a atitude voyeurista passiva
A figura do narrador manifesta-se, portanto, nas duas extre-
que lhe atribui a narração" (Picard, 1986, p.86). De fato, na
midades do romance para "enquadrar" o olhar do leitor sobre as
ausência de distância crítica, essa repetição do passado nãotraz
personagens. Enquanto isso realiza-se uma experiência afetiva
nada ao leitor: apenas reproduz negativamente uma cena que
bastante rica, que, ao ligar o leitor ao destino dos protagonistas
ele já viveu.
(cujos pontos de vista, aliás, são opostos), é suscetível de questionar
a visão do narrador. Encontra-se nas metamorfoses dessa
O desenvolvimento "aventura leitoraÌ" toda a ambigüidade do romance que transforma
Emma numa heroína negativa (sua sensibilidade "romântica"
Por menos, contudo, que o texto leve o leitor a equilibrar nutre-se de banalidades já gastas) e, ao mesmo tempo, positiva
seus investimentos por um trabalho de distanciamento, a lei- (como vítima da "imbecilidade" que a cerca). O leitor, dividido
tura, Ìonge de conduzir à regressão, pode se revelar uma expe- cntre o olhar distanciado que lhe impõe o narrador nas duas
riência en riquecedora. extremidades da história e uma participação compreensiva dos
O recuo crítico é determinado essencialmente pela posição sentimentos de Charles primeiramente, e dos de Emma em
de leitura: obrigado a passar de um ponto de vista para outro, o
seguida, vive essa ambigüidade por assim dizer " do interior".
leitor é levado a tomar certa distância em relação à história con- Na maioria das vezes, é o jogo das identificações que permite
tada. Qualquer que seja a maneira como coordena as diferentes
o "desenvolvimento" do leitor. A identificação - Freud sempre
perspectivas do texto, ele sai mais consciente de sua leitura.
chamou a atençáo para esse ponto - não é um fenômeno psica-
Tomemos o caso de Madame Bovary. Em primeiro lugar, o
nalítico entre outros: é o fundamento da constituição imaginária
leitor é Ìevado a dividir o ponto de vista da narração por meio
do sujeito e o modelo dos processos ulteriores graças aos quais
do "nós" que abre o romance: "Nós estávamos no cartório, quan-
ele continua se diferenciando. Os mecanismos identificatórios
do o diretor do colégio entrou". Depois, simpatiza sucessiva-
que subentendem os textos de ficção dependem dessa dupÌa função
mente com Charles e Emma cujas perspectivas dominam, cada
fundadora e matricial. Lemos novamente, nessa perspectiva, a
qual por sua vez, anarração- EnÍìm, em alguns capítuÌos antes
T
Vincenï Jouve A leì1uro

carta que Loyseau de Mauléon, leitor de JúIia ou a noya Heloísa, A leiiuro literório
escrevia para Rousseau:
Se a leitura literária tem uma especificidade, é, portanto,
Como gosto de juntar às lágrimas de vossas vìrtuosas perso- por meio de seus efeitos que se deve tentar apreendê-la. Segun-
nagens, as que fazem derramar de meus olhos o digno objeto que do Michel Picard, a leitura literâria (ou seja, a leitura dos "tex-
não pára de ocupar meu coração ... Nenhum retrato, nenhum tos" literários) reconhece-se em três funções essenciais.
sentimento, nenhuma reflexão, nenhum princípio que não se ajus- A primeira é "a subversão na conformidade". O texto literá-
ta à minha dolorosa situaçáo. (Galle apud Picard, 1987, p.227, rio ao mesmo tempo contesta e supõe uma cultura. Viagem ao
nota 14)
fim da noite sô afìrma sua novidade em relação às narrativas
picarescas; o romance balzaquiano assume o modelo de Scott
Parece que, por meio da identificação com as personagens, é ao mesmo tempo que se desprende dele. A inovação só se en-
de fato a verdade de sua própria vida que o leitor está em condição tende a partir da tradição. A leitura literária tem, portanto, um
de apreender: a leitura, ao fazê-lo atingir uma percepção mais clara duplo interesse em nos mergulhar numa cultura e fazer explo-
de sua condição, permite-lhe entender-se melhor. dir-Ìhe os limites.
Se, portanto, as estruturas textuais mantêm alerta a cons- A segunda função é "a eleição do sentido na polissemia". O
ciência crítica do leitor, a volta do reprimido na leitura levará à texto literário remete sempre a uma pluralidade de significa-
progressão e não à regressão. Em vez de reviver selilmente uma
ções (já analisamos Ìongamente esse fenômeno). O ieitor dis-
cena "idêntica", o leitor poderá se reinvestir diferentemente em põe assim de certa iatitude quanto à sua interpretação. A leitu-
uma "mesma" cena. A leitura de certos textos permite assim ra literária é, mais do que qualquer uma, marcada subjetiva-
"efeitos de volta" que tornam possível a "ab-reação". Esse termo mente: enriquecedora no plano intelectual, autoriza também o
psicanalítico designa a "descarga emocional" pela qual um sujeito investimento imaginário. Se Os miseráveis, como destaca o pre-
pode se libertar das marcas de um acontecimento traumático. O tácio, pressupõem, antes de mais nada, atrair nossa atenção
traumatismo está ligado ao modo como o sujeito reagiu a um para os três grandes problemas do século XIX ("a degradação
acontecimento de seu passado. Somente uma nova reação a esse do homem pelo proletariado, a desgraça da muiher pela fome, a
mesmo acontecimento pode fazê-Io desaparecer. Assim aab-reação atrofia da criança pela noite"), o romance nos permite igual-
explicaria a função catártica da arte. Ao "reviver" pela leitura as mente - e, talvez, sobretudo - uma série de jogos de identifica-
cenas originais onde tudo se amarrou, o sujeito pode encontrar ções e de investimentos imaginários. Dessa forma desenha-se,
um novo equilíbrio modificando sua relação com o passado. Posso para cada indivíduo, um espaço ambíguo onde, graças à leitura,
assim, como leitor, me "libertar" do traumatismo edipiano (ou, o psíquico e o social reformulam suas relações.
de qualquer modo, posso reavaliar seu lugar na minha equação A última função apreendida por Picard é "a r-nodclização
pessoal) "revivendo-o", Iudicamente por meio das relaçóes deJean- por uma experiência de realidade fictícia". Trata-se aqi-ri do pa-
Jacques e de Madame de Warens, deJulien Sorel e de Madame de pe1 pedagógico da leitura. Modelizar uma situação é propor ao
Rênal, ou de San-Antonio e de sua mãe. A distância irônica, como leitor experimentar no modo imaginário unla cena que eÌe po-
mostram esses três exemplos, pode variar com os autores. deria viver na realidade: a leitura, em outras palavras, permite
f
Vincenï Jouve A leiiuro

"experimentar" situações. O leitor supostamente diz a si próprio é deÌerminodo pelo destinotório do obro - e entender o reloçõo
que, confrontado com os problemas afetivos de Raskolnikov ou entre texÌo e leilor como um processo que estobelece umo relo-
com as preocupações materiais de Moll Flanders, deveria escolher çõo entre dois horizontes oo operor suo fusõo. O leitor começo o
certos caminhos e evitar outros. O sujeito adquire assim os compreender o obro novo, ou que oindo lhe ero estronho, no medido
benefícios de uma experiência que não teve que sentir concreta- em que, oo entender os pressuposlos que orienlorom suo compreen-
mente. Basta-lhe substituir os elementos do mundo romanesco sõo, reconstitu; delo o horizonte especiÍicomente literório. Mos o
pelos seus equivalentes no seu mundo de referência. HenryJames reloçõo com o texÌo é sempre, oo mesmo tempo, recepÌivo e otivo.
(I972) já tinha dito isso: O leitor só pode "{ozer Íolar" um texto, islo é, concreiizor numo
significoçõo otuol o senÌido poÌenciol do obro, desde que insiro seu
O sucesso de uma obra de arte pode ser avaliado emrazão da pré-eniendimenlo do mundo e do vìdo no espoço de referêncio
ilusáo que produz; essa ilusão nos permite ìmaginar que por um liÌerório envolvido pelo texlo. Esse pré-entendimenÍo do leitor inclui
tempo vivemos uma outra vida, que nossa experiência ampliou- os expecÍotivos concretos que correspondem oo horìzonte de seus
se miÌagrosamente. (p.93) inÌeresses, desejos, necessìdodes e experiêncìos Ìois quois soo de-
terminodos pelo sociedode e closse ò quol pertence como tombém
Subversão na conformidade, eleição do sentido na polissemia, pelo suo histório individuol. Noo é preciso insistir no {oto de que, o
modelização por uma experiência de realidade fictícia, a leitura esse horizonte de expectoiivo que concerne oo mundo e ò vido,
literâria é, desses três modos, uma prática frutuosa da qual o experiêncios liierórios onÍeriores ló sõo fombém iniegrodos. A fusõo
sujeito sai transformado. dos dois horizontes - oquele que envolve o texto e oquele que o
leilor lroz no suo leiiuro - pode operor-se de moneircr espontôneo
no fruiçõo dos expecioiìvos reolizodos, no liberoçõo dos imposiçóes

Texlos e do monotonio cotìdionos, no identificoçõo oceilo ïol quol ero


proposio, ou mois gerolmente no odesõo oo suplemenÌo de
experìêncio Ìrozido pelo obro. Mos o fusõo dos horizontes pode
Os prolongomenfos concretos tombém ossumir umo Íormo re{lexivo: distôncio crítico no exome,
do experiêncio leiloro conslotoçõo de um esÌronhomento, descoberto do procedimenÌo
ortístico, resposlo o umo inciÌoçóo intelectuol - enquonto o leiÌor
oceito ou recuso integror o experiêncio novo oo horizonÌe de suo
Se o /eiÍuro tem um impoclo no leìtor, é porque e/o relociono o proprio experiêncìo. (Jouss, 1978, p.259)
universo do sufeito com o do texÌo. O leítor, oo reogir posiÍivo ou
negotívomenÍe o esso experiêncio, soi de/o ínevítovelmenle Írons-
formodo. Jouss /embro oqui os grondes forrnos desso interoçõo. A leituro como redescoberto de si

Umo onólise do experiêncio estéÌico do leiior ou de umo cole- Os Íexfos mois enriguecedores sõo oque/es que, oo confronto-
tividode de leitores, presenïe ou possodo, deve consideror os dois rem o |eilor com o diferenço, permitem-/he se descobrir outro. Jeon-
elementos constitutivos do concreÌizoçõo do senÌido - o efeiio pro- Louìs Baudry mosiro o importôncio fundodoro desso experiêncio
duzido pelo obro, que é funçõo do próprio obro, e o recepçóo, que essencio/, que enconÍromos desde os prirneiros /eiÍuros do iníôncia.
r
Vincenï Jouve A leituro

É possível que o leituro - nõo exotomenÌe o leìturo, mos o enÌre no coso dos três porquinhos, que o príncipe nunco ocorde o
cerimônio do leituro que o crionço celebrq com ionto gosto - seio belo ou que esso se Ìronsforme em fero. Assim, pouco o pouco,
um rito de introduçõo ò intimidode. Elo é, oo mesmo tempo, seu o leiiuro iorno-se o lugor de um desoÍio, de umo luto que deseios
meio, suo poródio e seu exercício reol emboro difícil. É outro línguo oposios proticom. Elo desperto deseios que nôo queremos reco-
que ocolhemos, mos exisliró somente se lhe emprestormos nosso nhecer como nossos. Adivinho-se que existem vozios, coisos colo-
voz; imitoçõo e poródio, ió que é nosso; difícil exercício, jó que é e dos. Seró que os dentes do lobo podem penetror no corne oÌrovés
permoneceró o possogem obrigotório poro chegor ò nosso. Ler, do roupo? Mois Ìorde, descon{ioremos que os nódegos do peque-
Ìolvez tenhomos esquecido, é nos monter no limite de um espoço no diobo erom muito otroentes poro o mõe Moc Miche. (Boudry,
perigoso, no Íronteiro de onde chomóvomos e, oo mesmo Ìempo, ì 988, p.ó9)
reieitóvomos um ouÌro porecido com oquele que hospedóvomos,
um ouïro poro o quol ero preciso opelor poro lustificor os incursóes
que orriscóvomos nos territórios secrelos que obrigóvomos. Esse
outro eu, esso sombro corregodo, esse outro foco do elipse que
podemos colocor como umo hipóÌese necessório, ou um ortifício
de cólculo, quondo lemos, por meio de nossos emoções ou dos
proveitos de um sober, Ìolvez esteiomos openos convocondo o pre-
senço dele, openos criondo os cond;ções de suo observoçõo.
Pois eis que oquilo que femos de mois próximo, de tõo próximo
que se identiÍico conosco, somos nós próprìos, nosso voz de inlimi-
dode, seguindo o movimenÌo de nossos olhos, reproduzindo den-
lro de nós todo tipo de crioturos esironhos, de quimeros que se
integrom ò nosso próprio substôncio. A crionço que lê é o obieÌo
de umo Ìronsmuloçõo. Um povo esïronho lomou posse delo; elo
sobe ogoro que contém umo populoçõo ò quol os livros trozem os
provos de umo exislêncio reol. É nos livros que elo voi encontror o
confirmoçõo dos seres que os livros engendrorom. Elo é o Gigonte
e o Pequeno Polegol elo é o cominho semeodo de migolhos de
põo, seró o cominho semeodo de pedrìnhos; mos é tombém o
condiçõo do existêncio de todos, como o ielo é o condiçõo de exis-
têncio dos filmes do pothe-boby que se proleÌo no quinto ò noite.
SenÌe que existe nelo virtuolidodes infinilos, inúmeros chonces; que,
como o Íloresto equotoriol, o ilho deserÌo, elo é um terrilório ober-
to poro novos ovenïuros/ poro outros exploroçóes. E elo se lorno o
conquisÌodor dos livros que o conquisÌorom. Agoro, possui oo lodo
do {oculdode de inÍegroçoo, oo lodo de umo possividode que o
expôs o Ìodos os colonizoções imoginórios, um poder desmedido.
É possível que o Gigonte devore o Pequeno Polegor, que o lobo

140
Í

Conclusõo

A diversidade das teorias da recepção e seu frutuoso desen-


volvimento não devem esconder a importância dos problemas
que continuam presentes. A análise da leitura - compensação do
interesse que suscitou - progressivamente chocou-se contra os
mesmos perigos que a crítica literária.
Primeiro de todos os riscos: o subjetivismo. A suspeita, como
se viu, é permanente: quem nos assegura que tal pesquisador,
ao pretender destacar o trabalho do leitor, não está propondo in
fine sua visão pessoal? Certos estudos nos informam mais a
respeito da acuidade crítica de seu autor do que a respeito dos
percursos de leitura supostamente programados pelo texto.
O historicismo, que tanto marcou - pelo menos, no início -
H. R. Jauss e sua escola não é um perigo menor. Se o estudo da
recepção volta a identificar as representações dominantes de
uma época, o objeto da análise é menos a leitura propriamente
dita do que a história das mentalidades. Os trabalhos de Leenhardt
& Jozsa (1982), tais como sáo apresentados em Lire Ia lecture lLer
aleítura], esclarecem mais a especificidade das culturas francesa e
húngara (com suas variáveis sociológicas) do que o processo dc
recepção em si.

143
Vinceni Jouve

A última armadilha é aquela que o estruturalismo - na sua


dupla versão formalista e psicanalítica - evidenciou: uma gene-
ralidade e uma abstração tais que não permitem mais entender
as particularidades de um texto. Se encontrarmos os mesmos
percursos aplicados aos mesmos fenômenos em toda leitura,
de que adianta ler Embuscado tempo perdido em vez de as intrigas
pré-fabricadas da coleção "Harlequin"? O exercício que consiste
em depreender, além do Ìeitor e do livro, um certo número de
constantes não somente é fastidioso, como também perigoso. Referê ncio s bi b I iog róficos
Em suma, tal como acrítica, a teoria da leitura deve enfrentar
dois perigos opostos: ser muito vasta ou muito restrita. Nos
dois casos, perde seu objeto: a especificidade da obra. A única
solução, para aliar a objetividade do pesquisador à anáiise de
um ato por definição singular, é aceitar os limites do projeto,
fixando-os. Levantar os fatos textuais pelos quais uma obra
programa sua ieiiúia naó pode ser mais que uin momenro da ABRAHAM, B. A propos de la relecture. Semen, n.7, "Lectures et Ìecteurs"
análise. São as diferentes disciplinas que compõem as ciências I 983.
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NOUVELLE Revue de Psychanalyse. "La lecture", v.37, printemps 1988.
ONG, \M The writer's audience is always a fiction. PLMA,90, jan. 1975.

147
índice dos críticos e teóricos

Abelson, R. P, 82 Finas, L., 99


Abraham,8., i09 Freud, S., 20,96,135
Adam,J. M.,21.,84
Aristóteles, B9 Gabrijela, V., 58
Arrivé, M.,73 Galle, R., 136
Austin,J. L., 12 Genette, G., 39, 41, 43-4, 48, 67
Gervais,8., 82
Greimas, A. J., 12, 7 3, 78, 9 5
Barbêris,P.,24
Grice, H. P, 75
Barthes, R., 12, 79, 26, 32, 64, 7 1,
Grivel, C., 1 l8
91,93,105-6,128
Baudry, J. L., 1 10 Hamon, P, 15, 66

Charles, M.,30-2 Iscr, W., 14,23,44,47,72,76, llO,


Chomsky, N.,95 I t4, 126-7, r32
Clancier, A., 97
Jakobson, R., 90
James, H., 13Ì, 138
De Man, P, 100-1
Jauss, H. R., 14, 27, 107, 125-7,
Derrida,J.,98
1,38,143
Ducrot, O., 13 I43
Jozsa, P, 20,

Eco, U., 1 4, 26, 44-8, 61,, 7 5-82, Kosko, M., 102


85-7 Kerbrat-Orecchioni, C., 25

149
VincenÌ Jouve

Laplanche,53 PouÌet, G., 94, 709, 119-20


Leenhardt,J., 20,143 Prince, G., 40,53-6
Lintvelt,J.,44 Proust, M., 78, 20, 7 B, LOO-I, 120-2
Lotman,I.,75
Rastier, F, 74
Maisonneuve,J., 130 Richaudeau, F, 17
Mauron,C.,24 Ricceur, P, 24, 26, 93, 128
Merz, C., 175-6 Robert, M., 96
Morris, C., 12 Rousset, J., 5B

Ong, W, 48 Sartre, J.-P, 107 , 719 lndice dos escritores (romoncistCIs e poetos)
Otten, M., 15, 66 Schank, R., 82
Schuerewegen, F, 46
Pavel, T,, 108 Spitzer, L., 93-4, 103-4
Pérol, L., 58 Starobinski, J., 93, 103-5
Philibert, M.,24 Suleiman, 5.,38,132
Picard, M., 75, 29, 49 -52, 56, 97,
111-2, 177 , 734,737 Thérien, G.,17,22
Pontalis,53 Tomachevski,8., 19 Allais, Alphonse (1854-i905), 48 Dostoiévski, FiodorM.
Aragon, Louìs (1897-1982), 73 (r82r-1881),12
Drieu la Rochelle, Pierre
Balzac, Honorê de (77 99 -1,8 50), 24, (1893,194s),133
32,46,64, tlg Dumas, Alexandre (1 802-1 870),
Barrès, Mauric e (1862-19 23), 134
38, 130
Bataille, Georges (1897 -1962), 92
Eluard, Paul (1895-19 52),70,74
Baudelaire, CharÌes (1821 -1867),
81,104
Faulkner, William (1897 -19 62),
Bernanos, Georges (1888-1948), 95
67,114
Boulle, Pierre (1912-), 113
Fejes, Endre,20
Bourget, Paul (1852-1935), 131
Flaubert, Gustave (1 82 1 -1 BB0),

Chateaubriand, François-René
63,126
(1768-1848),110 Fourier, Charles (17 7 2-1837),
1,29
Christie, Agatha (1 89 1 -1 976),
44,87
Cícero, Marcus TülÌius Gethe, Johan Wolígang von
(* 106-- 43),25 (\749-7832),129

Dante Alighieri (1 26 5 -7321), 90 Homero (- IX s.), 24,76,724


Diderot, Denis (1 71 3-1 7 84), 21, Hugo, Victor (1802-1885), 42-3,
41-2 67 gg
VincenÌ Jouve

Huysmans, Georges Charles Rousseau, Jean-Jacques


(r 848-1907), 65 (17 12-1778), 48, s8, 126,
129, 136
Joyce, James (1882-l 941), 131
Sade,Donatien-Alphon se-François,
Kundera, Milan (1929), 112 marquês de (17 40-181 4), 67 -8,
128
La Fontaine, Jean de (l 621 -1695), Sand, George (1804-187 6), 7 8
94, t23,4 Scarron, Paul (Ì 6 0-1660), 45
1

Lesage, Alain René (1 668-17 47), 35 Schillcr, Friedrich von (l 759-1805),


Loyseau de Mauléon, 136 t0B
(- 98--
lnd ice dos obros ficcionois
Lucrécio, Titus 55), 124 Scott, Walter (177 1 -1832), 137
Ségur, Sophie, condessa de
Mallarmé, Stéphane (1 842- I 898), (1799-187 4),36
24,74-5,91-2 Sévigné, Marie de Rabutin-Chantal,
Malraux, André (1 901 -I97 6), 27 marquesa de (1626-1696), 78
Mauriac, François (1885-1970), 7 2 Shakespeare, William (l 564-1 61 6),
Michelet, Jules (1798-187 4), 48 24
Molière, Jean-B aptiste (1622-1673) , Sienkiewicz, Henryk (1 846-19i 6), Aberto ànotte (1922), de Morand, Cartuxa de Parma, A0 839) ,
B3 102-3
Paul,64 de Stendhal, 56
Montaignc, Michel de (1533-1592), Sófocles (- 496-- 406),'124 AIém, abaixo (1891), de Huysmans, Chapeuzinho Vermelho (1 697),
37,68 Stendhal, Henri ( I 783- I 8 42), 42-3
Joris-Karl, 65 de Perrault, CharÌes, 20
MontherÌant, Henri de (1895-1972), Sue, Eugène (IBO4-1 857), 26-7
Ana Karenina (187 5-1877), de Choses, Les [Ás coisas] (l 965),
102-3
Tolstói, L.,49 de Pérec, Georges, 99
Morand, Paul (1BBB-1 976), 64 Tchékov, Anton P (l 860-1904), 83
Choses yues [Coisas visras] (póst.
Tolstói, Leon (1 B2B-1 9 1 0), 49
Beaux Quartiers. Les lOs bairros I 887-i900), de Hugo, Victor, 20
Nabokov-Sirine, Vladimir
elegantesl (1936), de Aragon, Cimettère de rouille, Le IO cemitério de
(1899-1977),28-9 Verlaine, Paul (i844-l 896), 70, 77
1.,38 ferrugeml, de Fejes, Endre, Ì 09
Verne, JúÌio (1 828-1905), 19, 49
Bel-Ami (1885), de Maupassant, Confissões, As (póst. 1782c1789),
Pascal, Blaise (1623 -1 662), 37 Virgílio. Publius (-
7O-- 19),
C. de, 30 de Rousseau, Jean-Jacques, Ì09
Pérec, Georges (1.936-1982), 20 ).1),124
Bíblìa,25 Conscrito, O, deBalzac, Honoré
Platáo (- 428-- 348),24 Voltaire (1 69 4-17 7 B), 69
Busca do tempo perdido, Em de,46
(19)3-1927), de Proust, M., Crime e castigo (1866), de
Rabelais, François (1494-1553), 67 Wells, Herbert George (l 866-1 946),
20.54,ss,78, t00, 144 Dostoiévski, Fiodor M., 53,127.
Racine, Jean (1. 639 -1 699), 26, 62
81,94 Wilde, Oscar (1856- 1 900), 97
Caminho de Swann, No (1913), de Desastres de Sofia, Os ( 1 864), de
Rimbaud, Arthur (1 854-l 89 1), 66
Proust, Marcel , 55,78 Ségur, Sophie, condessa de, 36.
Ronsard, Pierredc (1524-1585), B0 Zola, Émile (1840-1902),36, B0
Canção de Rolando, A (séc. XI-XII), Desenraizados, Os (1897 -1902) ,
125 de Barrès, Maurice, 38, 131
Carta sobre os cegos (17 48) , Doutor Pascal, O (1893), deZola,
de Diderot, Denis, 22 Emile,79-80.

153
Vincenl Jouve A leiiuro

A (1897), Memórias de um burro (7860), de (l895),


Drame bien parisien, Un lUm drama Guerra dos mundos, Quo Vadis? de Sienkiewicz,
de Wells, Herbert G., 62 Ségur, Sophie, condessa de, 36 Henryk, 102
bem paisiensel, de Allais,
Misantropo, O (1666), de Molière,
Alphonse,48.
Duelo, O, de Tchékov Anton Histoíre naturelle lHistóría naturalf Jean-Baptiste, 83 Religiosa, A (1760, publ. 1796),
(1744-1788), de Buffon, Georges Miseráveis, Os (1862), de Hugo,
Pavloútch,83 de Diderot, Denis, 58
Louìs Leclerc de, 22. Yicror,77,737
Relógios, Os, de Christie, Agatha,
Místérios de Paris, Os (1842-1843),
Édipo rei (430 a. C.), de Sófocles, Homem de areia, de Hoffmann, E. T, 87
de bue, tugene, Z6-,/
124 A., rt7 Retórica, de Aristóteles, B9
Modification, la [A modifi cação]
Educação sentimental, A (1 843- I 845 (1957), de Butor, Michel, 58
Roman comique, Le lO romance
e 1864-1869), de Flaubert, llha misteriosa, A (187 4), de Verne, cômico) (1751-1757), de Scarron,
Gustave,63 Júlio,49 Paul,45
Náusea,,4 (1938), de Sartre,
Ilumìnações (1886), de Rimbaud, Romance de Enéas, O (séc. XII), I I 1
Enciclopédìa, de Diderot (17 51 -7 2),
Jean-Paul, i09-10
22 Jean Nicolas Arthur, 66
Nó de víboras, O (1932),de Mauriac,
Ilusões perdidas, As (1837 -1843),
Eneida (-29--1 9), de Virgílio, I I 1 François,72 Sanasine, deBalzac, Honoré de, 32,
de Balzac, Honoré de, 20 64,92-3
Enquanto agonízo (I 930), Nova Justine, A (1797), de Sade,
lnfortúnios da virtude/Justine e os
de Faulkneç William, 114 Donat ien-Al phonse-Françoi s,
infortúnios da virtude (17 97),
Esperança, A (1937), de Malraux, marquês de, 67 Taberna, A (1877), de Zola, Émile,
de Sade, Donatien-Alphonse-
André,21 Noyenta e três (787 4) , de Hugo, 36, 83
François, marquês de, 67
Espírito das leis, O (77 48), de Yictor,42-3,62, 110 Tiatado das sensações (17 54) ,

Monresquieu, Charles-Lou is de Condillac, Éúenne de, 22


lacques, o latalista (póst.,
de Secondat, barão de la Brède Odisséia, de Homero, 75 Tiês mosqueteíros, Os (l 844),
1792-179 6), de Diderot,
e de,22 Ogre, O (1970), deTournier, de Dumas, Alexandre, 134
Denis, 21 , 41 , 43, 58 Michel, 109
Esplendores e misérìas dos cortesãs Tiistam Shandy (17 60- 17 67),
Júlia ou a nova Heloísa (17 61) ,
(1838-1847), de Balzac, Honoré de Sterne, Laurence, 58
de Rousseau, Jean-Jacques, 58, PaiGoriot, O (1833), de Balzac,
de,97 kistão e Isolda (lenda medieval
126,136 Honoré de, 55-6
I|Étape la etapal (1902), de ceka),129
onagro,Á (1 83 1 ), de Balzac,
Pele de
Bourget, Paul, 131 Ligações perigosas, As (1782), Honoré de, I 18 (1922), de Joyce, James,
Estrangeìro, O (1942), de Camus, de LacÌos, Pierre Ambroise
U lisses
"Peste dos animais, A', de La
Aibert, 52 François Choderlos de, 44
2r,7 5
Fontaine, 123
Lírio do vale, O (l 835-1836), Planeta dos macacos, O (1 963),
Falsos moedeiros, Os (1.925) , de Gide, de Balzac, Honoré de, 40, 41 Vaso de ouro, O (181a) de
deBoulle,Pierre, II3
André,55, 58 Hoffmann, E. T,4., 56
Poética, de Aristóteles, 89
Flores do mal, As, de Baudelaire, Madame Bovary (1857), de Flaubert, (1870), de Dostoiévski, Vera, deYllliers de Ì'Isle-Adam,
Possessos, Os
Charles, 104 Gustave, 28, 50, 126, 134-5 FiodorM.,72 Auguste, 58
ManonLescaut (173).), de Prévost Pot-Bouille 882), de Zola,
(1 Verdadeíra vida de Sebastian Knight

Gargântua (1534), de Rabelais, d'Exiles, Antoine-François, Émi\e,73 (i941), de Nabokov,


François,67,91. abade,39 Processo, O (1924), de KaÍka, Franz, Vladimir,2l
Germinal (1885), de Zola, Emile, M émoìr e s d' outr e -t omb e lMemór ias 82,110 Vermelho e o negro, O (1 830),
69,79. de além-tumulol (18a1), de de Stendhal,28
Gilles (1939), de Drieu La Rochelle, Chateaubriand, François-René, Queda, A (1956), de Camus, Albert, Viagem ao fim da noite (1932), de
Pierre, 133 112 58 Louis-Ferdinand Céline, 1 3 7

154
Vinceni Jouve

Vídanão é aqui, A (1973), de Milan Voltadoparafuso, Á (1898), de


Kundera, I 12 James, Henry, 117, 131, 132
Vie de Maríanne, La IA vída de
M aríannef (1 7 3I-I7 41), Werther (177 4) , de Goethe, Johann
de Marivaux, Pierre Carlet Wolfgang von, 52, 129.
deChamblain, 127

lndice dos personogens

Alceste. Personagem da mitologia e Bond,James, 12,133


da literatura gregas e personagem Boulanger, Rodolphe. Personagem
da comédia O Misantropo (1666), do romance Madame Bovary
de Molière, 83 (1857), de Gustave Flaubert, 50
Aramis. Personagem da trilogia Bovary, Charles. Personagem do
romanesca Os três mosqueteiros romance Madame Bovary (1857),
(l 844), Vtnte anos (ì 845)
depois de Gustave Flaubert, t 18
e O visconde de Bragelonne (l 848), Bovary, Emma. Personagem do
de Alexandre Dumas (pai) ,78 romance Madame Bovary (1857),
Astiné. Personagem do romance de Gustavc Flauben, 58
O s desenraizados ( I 897- 1 902),
de Maurice Barrès, 38 Cadichon. Personagem do romance
Arhos. Personagem da trilogia Memórias de umburro (1860),
romancsca Os três mosqueteìros da condessa de Ségua 36
(1844), Vinte anos depois (1845) Charlus (PaÌamède de Guermanres,
e O visconde de Bragelonne (1 848), barão de). Personagem da obra
de Alexandre Dumas (pai), 78 Em busca do tempo perdido
Auguste. Personagem da novela O (1913-1927), de Marcel Prousr,
conscrito, de Honoré de Balzac,46 78-9
Cinderela. Personagem da literatura
Bloom, Léopold. Personagem central universal de contos de fadas, 1 30
do romance Lllisses (1922), de Coupeau, Gervaise. Personagem
JamesJoyce, 76 da série romanescaLes Rougon-

157
Vincenl Jouve A leiÌuro

Macquart lO s Rougon- Mac quartl Elstir, dito Monsieur Biche. (pôst., 17 92-1796), de Denis Louis. Personagem do romance
(1871-1893), de Émile Zola; Personagem da obra Em busca Diderot, 21,41,43,58 O nó de víboras (1932),
aparece em La fortune des Rougon do tempo perdído (1913-1927), Javert (Inspetor). Personagem do de François Mauriac,T3
lA fortuna dos Rougonl (187 1) de Marcel Proust, 78-9 romance Os miseráveis (1862),
e A taberna (1877) , 83 de Victor Hugo, 77 Maheu (Os). Personagens do
Croismare (marquês de). Fabrice del Dongo. Personagem JeS'll (Doutor). Personagem do romance Ger minal ( 1 885),
Personagem do romance do romance Á cartuxã de Parma romance O médico e o monstro de Émiìe Zola, 78
Areligiosa, de Denis Diderot, 58 (1839), de Stendhal, 118 (1 826), de Robert Louis Malco. Personagem da série
Fedra. Personagem da mitologia Stevenson, 108 "s.4.s.",130
D'Artagnan. Protagonista da trilogia grega; aparece na tr agédia F edr a Manerville, Nathalie de- Personagem
Jinn. Personagem do romance
romanesca Os três mosqueteiros (1677),deJean Racine, 97 O planeta dos macacos (1963), da Comédia humana (1830-7848),
(1844), Vinte anos depois (7845) Félicité. Heroína do conto
dePierreBoulle, Il3 de Honoré de Balzac; aparece
e O visconde de Bragelonne (l 848), Um coração símples (1877),
Júlia. Personag em da obr a J úlia ou no romance O lírio do vale
de Alexandre Dumas (pai), de Gustave Flaubert, 71
A noya Heloísa (1 761), de (183s),41
78,734 Flanders, Moll. Personagcm do
Jean-Jacques Rousseau, 58, Manon Lescaut. Heroína do
Dantès, Edmond. Personagem romance Moll Flanders Q722),
126,136 romance de mesmo nome
principal do romance O conde de Daniel Defoe, 138
Julieta. Personagem que aparece (1 73 1 ) do abade Prévost, 39
de Monte-Cristo (1845), de Flora. Personagem do romance
pela primeira vez numa novela Marcianos (Os). Personagens do
Alexandre Dumas, 52 A voba do parafuso (1898),
italiana, Romeu e Julieta romance A guerra dos mundos
Des Grieux. Herói do romance de HenryJames, 131
(1485-1529), de Luigi da (1897), de Herben George
Manon Lescaut (1731),do abade Francesca de Ri mini. Personagem
Porto, 108 Wells,62
Prévost,39, 108 evocada na D iv ina comédia
Marie. Personagem do Íomance
Dey (Madame de). Personagem da (c. 1307 -1321), de Dante, 58
K. Letra que designa a personagem O nó de víboras (1932),
novela O conscriro, de Honoré
principalJoseph K. no romance de François Mauriac,73
de Balzac, 46 Gil Blas. Herói de Hlsrória de Gil Blas
Dom Quixote de La Mancha. Herói de Santillana (1715-1747), de
O processo (1.924), de Franz Merteuil (Marquesa de).
do romance de mesmo nome Alain-René Lesage, 35 KaÍka, 82, 110 Personagem do romance
(1605-1615), de Cervantes, 58 Godzilla. Monstro do cinema, 108 Karenina, Ana. Personagem do As ligações perigosas (77 82),

Duroy, Georges,/ barão Georges du romance AnaKarenina de ChoderÌos d e Laclos, 44

Roy de Cantel,/ Bel-Ami. Heróì Homais (Monsieur). Personagem do (1 87 5-187 7), de Leon Tolstói, 49 Meursault. Personagem principal
do romance Bel-Ami (1885), romance Madame Bovary (1857), do romance O estrangeiro (1942),
de Guy de Maupassant, 30 de Gustave Flaubert, 50 Lantier, Ètienne. Personagem do de Albert Camus, 52
Durtal. Personagem de uma série Hyde (Mr). Personagem do romance r omance G erminal (1 88 5), Milady. Personagem do romaÌlce
romanesca de Joris-Karl O médico e o monstro (1826), de de Émile Zola, 78 Os três mosqueteiros (1844),
Huysmans; aparece nos Robert Louis Stevenson, 108 Lazarillo de Tormes. Personagem de Alexandre Dumas (pai),
romances Além, abaixo (1891), principal do romance picffesco 78,134
En route IA caminho] ( 1 B 9 5) , Isa. Personagem do romance O nó As aventuras de Lazarillo de Tormes Miles. Personagem do romance
La cathédrale lA catedrall ( 1 B9B) , de víboras (1932) , de François (1ss4),108 A volta do parafuso (1898),
Loblat lO oblato) (1903),65 Mauriac, 73 Lecerf, Madame. Personagem do de HenryJames, l3 I
romance Á verdadeiravìda de Molinier, Vincent. Personagem
Edipo. Personagem da mitologia Jacques, o latalista. Personagem do Sebastian Knight (1 941), de do romance Os falsosmoedeiros
e da Iiteratura gregas,37 romance Jacques, o fatalista Vladimir Nabokov, 29 (1925), de André Gide, 55

158 159
Vìncenï Jouve A leituro

Moreau, Frédéric. Herói do romance Quesnel. Personagem do Íomance San-Antonio. Personagem e autor Tikhone. Personagenr do romance
A educação sentìmental (7843- Les Beaux Quartiers lOs bairros pseudônimo de uma série de Os pos.ses.sos (l870),
I 845 e 1864-1869), de Gustave elegantesl (1936), de Louis romances poÌiciais de Frédéric de Dostoiévski, 72
Flaubert,63 Aragon,38 Dard,136 Trevìlìe. Personrgem da trilogia
Sanson. Personagem do manuscrito rorna nesca Os très mosqueteiros
Octave. Personagem do romarÌce Raskolnikov. Personagem do vistas] (póst.,
Choses yues ICoisrus (1 844), Vinte anos depois (1845)
Pot-Bouille (1882), de Emile Zola, Íomance Crime e castigo (1866), 1BB7-1900), de Victor Hugo, 99 e O visconde de Bragelonne (1848),
73 de Dostoiévski, 52-3,97 , 129 , Santerre. Personagem do romance de Alexandre Dumas (pai), 78
138 Noventa e três (7874), de Victor
Pascal (Doutor). Personagem da Rastignac, Eugène de. Personagem Hugo,42-3 Valjean, Jean. Personagem do
série romanesc a Les Rougon- da Comédia humana (1 830- 1 848), Sarrasine. Personagem da novela romance Os miseráveis ( 1 862),
M ac quar t lO s Rougon - M ac quar tf de Honoré de Balzac; aparece nos Saryasine, de Balzac, 32,64,92-3 de Victor Hugo, 77
(1871-1S93), de Emile Zola; romances O paì Goriot, As ilusões Sebastian. Personagem do romance Valmont (Visconde de). Personagen.r
aparece em la fortune des Rougon perdidas, A pele de onagro etc., A verdadeìra vida de Sebastían do romence As /rlaçúcs per(osas
Knighr, de Vladimìr Nabokov, (1782), de ChoderÌos de Laclos,
lA fortuna dos Rougonl (1871), 56,97
La faute de I'abbé Mouret lO erro do Rebecca. Personagem do romance 28-9 44
abade Mouretl (1875) e O doutor Gilles (1939), de Drieu La Smith, Cyrus Personagem principaÌ Vandenesse, Félix de. Personagem da

Pascal (1893),79-80 Rochelle. 133 do romance A i[ha misttriosa Comédia humana (1 830- 1 B4B),

Pequeno Polegar. Personagem do Rênal (Madame de). Personagem (1874), deJúÌio Verne, 76-7, de Honoré de Balzac; aparece no

conto de mesmo nome (1696), do romance O wrmelho e o negro


Bs-6 romance O lírío do vale (i 835),
(1830), de Stendhal, 1.72, I77, Sorel, Julien. Pcrsonagem do 40.
de Charles Perrault, 130, 140
Petitmathieu. Personagem do 136
romance O wrmelho e o negro Vinteuil (MÌle). Personagem da obra
(l 830), de Stendhal, 97,112, Embusca do tempo perdido
romance Aberto à noìte (19 )2), Renoncourt (Senhor de).
116,136 (1913-1927), de Marcel Proust,
de Paul Morand, 64 Personagem do r omance Manon
(I73I),39 Stavroguine. Pcrsonagem do 7B-9
PhìÌinte. Personagem da comédia Lescaut
romancc Ospossessos (1 870), Von Graun, HéÌène. Personagem
O mísantropo (1 666), de Molière, Richelieu (Cardeal, duque de).
de Dostoiévski, 72 do romance A yerdatleírayida
83 Personagem do romance
(7844),
Swann, Charles. Personagem da obra de Sebastian Kn(hr, de VÌadimir
Phyllis. Personagem do romance Os três mosqueteìros
Em busca do tempo perdido Nabokov,29
O planeta dos macacos (7963), de Alexandre Dumas (pai), 78
dePierreBoulle, I13 Rochefort. Personagem do romance 0913-1927), de Marcel Proust,
55,7B-9 Werther. Herói do romarnce
Poiret. Personagem do romance Os três mosqueteiros (7844), de
Os sofrimentos do jowmWerther
Paí Goriot (1833), de Honoré Alexandre Dumas (pai), 78
Tilfau ges, Abel. Personagem (17 7 4), de Johann WoÌ fgang von
de Balzac, 55 Roquentin. Personagem do romance
do romance O ogre (7970), Gcethe,52,129
Porthos. Personagem da trilogia A nausea (1 938), de Jean-Paul
de MicheÌ Tournier, l09
romanesca Os tres mosqueteiros Sartre, i 09
(1844), Vinte anos depois(1845) Rubempré, Lucien Chardon de.
e O visconde de Bragelonne (l 848), Personagem das séries
de Alexandre Dumas (pai), 78 romanescas de Honoré de BaÌzac:
Prudhomme (Monsieur). Citado por As ilusões perdidas (1 837-l 843) e
Paul Marie Verlaine em Monsieur Esplendores e mísérias das cortesãs
Prudhomme,TO-7 (1838-1847) ,20,97

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