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U NESP
FUNDAçAO EDITORA DA UNESP
Diretor- Presidenle
Jose Coslilho Morques Neto
Editor Executìvo
Jézio Hernoni Bomíim Guiierre
Vincent Jouve
Conselho Edil oriol Acodémico
AlberÌo lkedo
AnÌonio Corlos Correro de Souzo
Arrlorrio de Póduo Pithon Cyrìno
Benedilo AnÌunes
lsobel Morìo F. R. Loureìro
Lígio M. VelÌorolo Trevison
Lourdes A. M. dos SonÍos Pinto
Roul Borges Guimorões
A leiturq
Ruben Aldrovondi
Tonio Regino de Luco
Troduçõo
Brigitïe Hervol
O 1993 Hochefte Lìvre
Jouve, VincenÌ
A leiÌuro / Vinceni Jouve; lroduçóo Brigiile Hervor. Sõo Poulo:
Edìtoro UNESP.2002
,l.r rr,ì(lução.
Editoro ofiliodo:
I )t'rlico esta tradução a Ruy, Julien e Max, mes amouts et mes
GII.ED Íïililì==ru$lr
, (,,rrfÌrl!ÌÌO/lS.
lrrr,rrlrrqlìo l ì
t ) inrPirsse dos estudos formalistas I I
,\ , volução da lingüística: avanço da pragmática 12
I {)t[t('caleitura? 17
O leitor real 49
lìt'grc-'ssáo e progressão 132
Textos
li'x tos
Os sinais do narratário 53 ()s prolongamentos concretos da experiência leitora I 38
A insufìciência dos leitores abstratos 56 si 'l
39
A lcitura como redescoberta de
' r,, r,'lrrçiio àquele que, em última instância, the fornece sua
! 1r..r('lrciA: o leitor. Os teóricos percebem que as duas questões
lr.u,, irrrportantes que eles se colocam - o que é a literatura?
, , ,rr ro t'st udâr os textos? - significam se perguntar por que se lê
cedimentos que os teóricos levantam como constitutivos da lite- I f rrt rtr(, O dizer e o
dito (ed. orig. 1984). Destacando a existência
ratura encontram-se fora dela: Roland Barthes aplica o método ,1,' r't'r'bos performativos, como "jurar" ou "maldizer", que
estrutural aos filmes de James Bond, e Greimas reconhece tirr,,,;u('lìì a particularidade de cumprir o que designam, Austin
facilmente as grandes formas "Ìiterárias" no enunciado de uma ì rrr:rtiìtlì que a linguagem, mais do que descrever, pode criar por
'
receita culinária. Por outro lado, a poética, ciência do geral, não , l.r prripria uma situação de fatos. A partir desse princípio, Ducrot
consegue mostrar a originalidade de cada texto: se o uso da \.rr r rì()strar como a fala sempre se dirige para um destinatário que
"polifonia" (a multiplicação dos pontos de vista) é de fato um , l.r procura influenciar mais ou menos explicitamente.
dos maiores interesses da obra de Dostoiévski, deve-se admitir () (ìue se sobressai dos estudos pragmáticos, portanto,
que o procedimento não suscita o mesmo fascínio em autores , ,r ilrìl)ortância da interação no discurso. Se a linguagem Serve
mais medíocres. O valor de uma obra literária não se reduz à r Ì r, ' r r(informar do que para agir sobre o outro, um enun-
)s lrirra
, r.rrlo rriÌo pode ser entendido somente pela referência a seu
urilização desta ou daquela técnica.
! :;s( )r-. E o binômio formado por aqueÌe que fala (o locutor) e
A insuficiência do estruturalismo demanda, portanto, uma rrrr
renovação da abordagem dos textos literários. Ora, no início r,lr('l(' .ì quem se fala (o alocutário) que convém levar em conta.
dos anos 1980, os progressos da lingüística abrem justamente Ir t'vidente, portanto, a influência da pragmática sobre o estudo
novas perspectivas.
,1r,,. rt'Xtos. Se no falar cotidiano a linguagem procura sempre
I'r, ', ltrz-ir um efeito, esse fenômeno só pode ser exacerbado numa
'l 'r r lit crária na quaÌ a organização dos termos deve muito pouco
, ,
eti molo gi a (a pal avra gr ega pr qgma si gnifi ca " ação" ), a pragmática rn, lt'los ideológicos, as invariantes psicanalíticas? Levar em conta
',
analisa o que os locutores "fazem" com a linguagem. Esse ramo ('.,{':j (liversos parâmetros não nos traz de volta ao campo
particular da lingüística desenvolveu-se rapidamente a partir dos rr.r,lit ional dos estudos literários?
anos 1960. Citemos as duas obras mais importantes, a de J. L. I lt' Íâto, existem duas maneiras de abordar o problema. Analisar
Austin, How to do things wíth words (publicada em 1 962 e traduzida .r l('rrUt'iì significa se interrogar sobre o modo de ler um texto, ou
., ,l ,1 1' 11 que nele se lê (ou se pode ler). Ora, se a observação do
em português com o título de Quando dizer é fazer), e a de O.
Vincent Jouve A leiluro
"como" da leitura confere às teorias da recepção certa especifi- n r,,r lclo) para corresponder da melhor maneira às solicitações das
cidade, o problema de seu "conteúdo" leva freqüentemente, r'.,t I ul Llras textuais. 'd
acentuado pelo desleixo terminológico, a se questionar sobre o As análises semiológicas devem-se principalmente a P.
ou os sentidos de um texto. Conseqüentemente, o estudo da ll,rnron e M. Otten. Desenvolvidas nos anos 1980, baseiam-se
\' \
I
U 'r"
leitura confunde-se com o da obra. rr,r v<rntade de estudar a leitura a païtir do detalhe do texto. r\'
Os pesquisadores oscilaram desde sempre entre as duas .'\'lui não se trata mais de grandes modelos teóricos, mas de
abordagens. Esquematicamente, podem-se distinguir, entre as .rrr,rliscs pontuais, sempre muito apuradas, que colocam em evi-
grandes perspectivas, os trabalhos da Escola de Constância, a análise ,llrrr i;ì csta ou aquela característica do ato de leitura. M. Otten,
semiótica, os estudos semiológicos e as teorias do leitor real. rrrrnrit tcntativa de síntese, propõe entretanto apreender a ativi-
A Escola de Constância é a primeira grande tentativa para ,l,r,lt' tlc leitura por meio de três campos nitidamente circuns-
renovar o estudo dos textos apartir da leitura. Ao passo que, até r I rlr)sr o texto paraler, o texto do leitor, a relação do texto com
então, o interesse era essencialmente pela relação texto-autor, a , lr'r(or. Assim, constatam-se numerosos empréstimos dos sis-
"abordagem alemã" propõe deslocar a análise para a relação texto-
tr'rrr.rs tle Iser e de Eco.
leitor. A Escola de Constância, contudo, divide-se em dois ramos
[ Ìrna nova abordagem da leitura, centralízada sobre o leitor
muito distintos: "a estética da recepção" de Hans RobertJauss e
r,',r1,loi inauguradapelos dois ensaios deMichel Picard: Lalecture
a teoria do "leitor implícito" de W. Iser.
itnutìt( ìcu LAleituracomo jogo) (1986) eLirele temps lLer o tempof
A "estética da recepção", surgida no início dos anos 1970,
( | ')ti()). O que Picard critica nos pesquisadores que o precedem é
parte da vontade de repensar a história literária. Jauss constata o
I l.rr() (lc eles analisarem leituras teóricas operadas por leitores
seguinte: a obra literária - e a obra de arte, em geral - só se impõe '
J.
.rl'',r r tempo, segundo ele, de acabarcom essas leituras
ir t os. Já é t"
e sobrevive por meio de um público. A história literâria, portanto, -
lrr;rrr1i'1icas (que, Í.alvez, nunca existiram) para estudar a única
é menos a história da obra do que a de seus sucessivos leitores. A
literatura, atividade de comunicaçáo, deve ser analisada por seu I'rr rrr;r vcrdadeira: leitura coriCieta -do leitor reaÌ. Diferentemente
a
, l, l.rror. desencarnado dos modelos de Iser e de Eco, o leitor real
impacto sobre as normas sociais.
A teoria do "leitor implícito" de Iser, por sua vez, data de .llr í'('n(lc o texto com sua inteligê_nCta" seus deseìos,..s.Ua. cultu-
1976. Enquanto Jauss se interessa peia dimensão histórica da r.r, ',u.rs cleterminaçóes sócio-históricas e seu inço-nsciente. É
recepção, Iser se volta para o efeito do texto sobre o leitor parti- rnr,r lx,r'sl)ectiva que se aproxima - embora mais psicanalítica -
cular. O princípio de Iser é que o leitor é o pressuposto do texto. ,l.r rr.r;srì cm Leffet-personnage dans Ie roman fO efeito-personagem
Portanto, trata-se de mostrar, por um lado, como uma obra ,r.' r,,Ì1í1Ìcc] (1992).
organizae dirige a leitura, e, por outro, o modo como o indivíduo- lrr;slrs diferentes teorias, às quais sempre vamos nos referil
leitor reage no plano cognitivo aos percursos impostos pelo texto. ,ltr{ rí.ltÌ, na sua maioria, ter um alcance geral e pretendem se
A abordagem semiótica de Umberto Eco, tal qual está expos- .rl,lr,,rr rro conjunto do corpus literário. Contudo, uma vez que
ta em Lector ín fabula, está muito próxima da de Iser. O modelo de n u n r, ):i t'Í'citos de leitura estão ligados à linearidade da obra, os
Eco data de 1.979 e propóe uma análise da leitura "cooperante". O l,, ,ilrrisl(lores - sem desprezar os outros gêneros - extrâem a
objetivo é examinar como o texto programa sua recepção e o que r!.u(ìr l)irrte de seus exemplos do universo narrativo. É este o
deve fazer o leitor (ou, melhor, o que "deveria" fazer um leitor ' .rr r rr rl ro rltre seguiremos.
1
O que e o leiturq?
tro lado, como a capacidade de memória imediata de um leitor lr.rlrrvra pode ter em espeleologia); a outra leitura não deixa pas-
(o "espaço memória") oscila entre oito e dezesseis palavras, as
de ',.rr rrada; ela pesa, gruda ao texto, iê, se assim se pode dizer, com
frases mais adaptadas aos quadros mentais do leitor são as curtas ,rplicação e ânimo, enxerga em cada ponto do texto o assíndeto
,lu('corta as linguagens, e não a história: náo é a extensão (lógi-
e estruturadas. Como assinala Richaudeau, quando um autor náo
,,r) tpe a cativa, o desfolhamento das verdades, mas o folhear do
respeita esses grandes princípios de legibilidade, todos os deslizes
',r'rrr itlo. (I973, p.22-3)
semânticos tornam-se possíveis; assim, o texto "lido" não é mais
realmente o texto "escrito". Tâl fenômeno, que, claro, náo ê' raro I rÌtrc "progressão" e "compreensão" existem , claro, regimes
no campo literário (pensamos, entre outros' no caso de Proust), t,
rr r rr r rct li ários: as duas variáveis podem se combinar em proporções
mostra que o ato de ler é, já em si próprio, fortemente subjetivo' !nrrr() (liversas. Em todos os casos, contudo, a leitura solicita
Assim, considerada no seu aspecto físico, a leitura apresen- i il il,I ( ( )tìì petência. o texto coloca em jogo um saber mínimo que
ta-se, pois, como uma atividade de antecipação, de estruturaçáo , r l,'rr( )t ilcve possuir se quiser prosseguir a leitura.
e de interpretação.
talento do autor, mais difícil é se opor à suas diretivas emocio- lr'r r,r ;ì crcontrados durante nossa pesquisa. Designaremos esse
nais, mais convincente é a obra. É essa força de persuasão que, r 1f q leítura identifico-emocíonal,, (Leenhard
rr r,
',
lr
t &. Jozsa, 79g2,
sendo um meio de ensinamento e dg predicação, é a fonte de r' ) N()remos a ligação estreita estabelecida entre identificação
lli
nossa atração pela obra" (p.296). Essa vulnerabilidade afetiva do ,' rrì()\iio. Mais doque ummodode leiturapeculiar, parece
que o
leitor está igualmente assinalada por Freud (1985). É delu q.te ' rrr"rj,rrrt:'to afetivo é de fato um componente essencial daleitura
dependeria nossa implicação no universo do texto e, conseqüen- , rrì lì('l'iÌ1.
temente, a experiência que dele se extrai:
efeito para orientá-los em direção a outro. (Freud,1985, p.262) ' li ' .u rr( )r' l)erante o mundo e os seres.
No vocabulário da pragmá_
r rr . 1,',1'; ;i dito que
a intenção ilocutória (a vontade de agir sobre o
O papel das emoções no ato de leitura é fácil de se entender: 1l' ,rt,rliirio, de modificar seu comportamento) é inerente aos
prender-se a uma personagem é interessar-se pelo que lhe r, \ r, ì,; ( l(' Íìcção. Como observaJ. M. Adam (19g5)
em seu estudo
acontece, isto é, pela narrativa que a coloca em cena. Se uma ,,f ,1 1 1 r ;r rrativa, " a narraçãovisa
. r
levar o interpretador em poten_
ligação afetiva nos liga a Lucien de Rubempré é porque, no decor-
' ìl (,,rs() rla comunicaçãoescrita) ou atual (casodacomunicação
r
rer da leitura de Ás ilusões perdìdas, interessamo-nos pelas razóes ,,r.rl) .r ,rììiì ccrta conclusão ou desviá_lo
dela,, ( p.6_7).A inten_
- psicológicas e sociais - que causaram sua destruição. Se se ,.,1,, q11,(()tìvencer está, de um mOdo
ou de outro, presente em
percorre com prazer o mundo de Em busca do tempo perdido, t' r, 1,1 11,11 r'lttiVa.
aceitando ao mesmo tempo a visão da vida e da arte que se reflete ,r lìrnção argumentativa está particularmente nítida
",' no
nele, é porque as personagens de Proust são alternadamente r,,ilr,ilr( t. clc tese (A esperança de Malraux, por
exemplo, visa
sedutoras, antipáticas ou divertidas. ,
'|'n\( n( t'r'o leitor do fundamento da causa republicana espa-
Assim, querer expulsar a identificação - e conseqüentemen- ,rlr, '1,1), (.Iìcontra-se também nos
outros tipos de textos. Em
te o emocional - da experiência estética parece algo condenado I't,,1tt, .. u lutalista, Diderot, jogando com as perspectivas,
tenta
ao fracasso. Tâl é a lição queJ. Leenhardt & P Jozsa tiraram de rr,rr .r,l)lc o leitor: oponto de vista deJacques,
que pensaque a
seu estudo comparado entre os leitores franceses e húngaros. lr l ,, r , l. rr k. c ilusória
e que tudo está escrito, opõe_se ao ponto de
AnaÌisando de um ponto de vista sociológico a recepção de dois I r'r irÌìisteÌ de seu mestre convencido da existência
'i 'r do rivre-
romances (Les choses [Ás coisas] de Georges Pérec e Le cimetière de rr I'rrr rr,. l,roclamar uma ou
outra tese como norma absoluta é
rouílle lO cemitério de ferrugeml de Endre Fejes), eles constataram l,,r'r' ilìrl)()ssívcl (já que ambas as perspectiyas
se neuüalizam
o seguinte: "Ficou claro que o processo de identificação, que r, l,r'r trv:trrrcnte), e o leitor é levado, como desejava Diderot, a
certos escritores e teóricos da literatura contemporânea quiseram ',r, l* t;rt' rcnhuma referência é universal. Em outras pala_
eliminar, encontra-se ainda no centro dos principais modos de | , ,,(.r.r t;rrc não se pode dizer que o Ulrsses deJoyce,
multipli_
A leiluro
Vincent Jouve
e ambigüidades' passan-
t lrrrrr comunicoçõo diferido
cando, num só Parâgraío,obscuridades
do sutilmente de um ponto de vista para
outro' obriga o leitor a
duvidar de sua capacidade de deciframento?
A intenção ilocutória A , t orrdiçóes do otividode leitoro
questionar sobre seu
seria, nesse caso' a de levar o leitor a se
modo de conceber o sentido' \ rirrrncle particularidade da leitura em comparaçáo com a
Qualquer que seia o tipo de texto' o leitor' de forma mais ,,,r rrr rrr it rìÇiìo orai é seu estatuto de comunicação diferida. O autor
para ele de
ou -"no, nítida, é sempre interpelado' Trata-se ' " l, iror.cstão - pelo menos na grande maioria dos casos -
desenvolvida' rlr,r,rtlos um do outro no espaço e no tempo. A relação entre
assumir ou não para si próprio a argumentação
,,ìr..,()r (' rcceptor é, na leitura, totalmente assimétrica. Essa
, u r, r('r ísticir, evidentemente, acarreta conseqüências. Enquanto
Um processo simbolico ' ' run( irrtlo oral evita a maioria das dúvidas graças a remissões
em face da história' lrr,r,r,, t.constantes à situação espacio-temporal comum aos
O sentido que se tira da leitura (reagindo
os pontos de vista) vai ,,, r, r l,,( ()rcs, o texto apresenta-se para o leitor fora de sua situa-
dos argumentos propostos, do jogo entre
rrt
Vincent Jouve
, ', r , r ( )u acl uela leitura, o campo das significaçóes pode se desen-
os discursos' cuja pri- r, .t,,',r" infinitamente.
o que representa uma carência para '1r,1.1
meira funçãoé informar, não o é forçosamente para os textos l.ilrt'rtando-se da situação, sempre particular, que delimita
se sabe' é muito diferente' r r t ( )( ir orerl, o texto alarga o horizonte do leitor abrindo-lhe um
estéticos, cujo objetivo, como
I rrrr\'('r s() novo. As referências desse último são, de fato, muitas
, , . r':, irrrprecisas. Quando lê Cícero, não é a república romana
O estotuto do texto lido rrrll:t (pte o leitor contemporâneo vai descobrir, mas aquilo
da comunicaçáo literária ,1., , ( ()rÌì vários séculos de intervalo, permanece-lhe acessível:
É precisamente o carâter diferido
textos' Recebido fora de rrrrr , orrjunto de traços que, tendo atravessado o tempo, po-
L,tt
i' qrr", da certa forma , faz a riqueza dos
,_, se abre para uma pluralidade
de '1, rrr. ,rti'hoje, ser investidos simbolicamente.
seu contexto de origem, o livro
consigo sua experiência' sua I rrÍìrrr, substituindo a audiência necessariamente limitada
,/' int"rp."t"ções: cada leitor novo traz
Pierre Barbéris pode assim '1, rrrrr:r comunicação oral por um número de leitores virtual-
cultura e os valores de sua época.
Mauron reler rrì' rII(' irrlìnito, o texto adquire uma dimensão universal. O livro
trarp.",", Balzacà luz do marxismo' e Charles
1,, 'r ,'rt t'lôncia, aBíblia, conhece assim leitores que pertencem a
Mallarmé Por meio da Psicanálise'
uma expressão de cl)ocas, a todos os continentes e a todas as classes sociais.
Na obra escrita, o sentido ê, pararetomar
r , ,, L r,; . rc
verem no texto outra I,, r,, r, r l .('l'", nota Catherine Kerbrat-Orecchioni ( I 980, p. I 8 1 ),
"
discurso, o escrito permite aos leitores
coisa além do projeto do autor'
A diversidade das interpreta- ,, r,,, !(, lt.i xar levar pelos caprichos de seu próprio desej o/ delirio
.
oferece' em grande parte' pro- i| !r . | |,r ( r. | | vo", pois "se se pode ler qualquer coisa atrás de qualquer
,ã", Ou" a obra de Shakespeare
i
Segundo Barthes (1966), uma leitura deve, para ser legítima, ,l, r,rvt'is: encontrar-se-ão os
leitores dos Mistérios de paris nas
satisfazer o critério de coerência interna: "Toda a objetividade do | ,. r r rr .rrliÌs em junho
r
de l g4g. Ao interpretar um romance
objeti_
crítico dever-se-á, portanto, não à escolha do código, mas ao ri- ,r(''r(' reformista como sendo revoÌucionário, os
leitores de
gor com o qual ele aplicará na obra o modelo que escoiheu" (p.20). I rJ,r.tì('Sue, de certa forma, trapacearam
com o texto.
Assim existem três grandes regras de validação: a grade de inter- Nt'rrr todas as Ìeituras, portanto, são
legítimas. Existe de fato,
pretação deve ser generalizável ao conjunto da obra, deve respei- , . ,r r( ) r()tiì Eco, uma diferença essencial
entre ,,utilizar,, um texto
r
tar alôgica simbólica (tal qual é desprendida pela psicanálise), e {' l' 11'11rrr;i-lo) e "interpretar"
um texto (aceitar o tipo de leitura
ir sempre no mesmo sentido. Numa palavra, a medida da leitura ,
1'r,,.lt. Jtrograma).
é sua "correção". Barthes tem assim boas razões para propor sua
própria leitura de Racine: não se trataparaele de destacar uma
verdade qualquer da obra, mas de confrontá-la com uma lingua-
gem (no caso, a do estruturalismo e a da psicanálise). I r:rtrrro inocente e leiluro crítico
Ao princípio da coerência interna, Ricceur (1986) acrescenta o
da coerência externa: uma leitura náo pode se opor a certos dados t t pr irneiro público levodo em conto
objetivos (biográficos, históricos ou outros) que se possui sobre o
texto. Assim, nem todas as leituras são equivalentes: "Uma inter- I r Í r (' rÌs diferentes leituras autorizadas
pelo texto, qual deve
pretação não deve ser somente provável, mas sim mais provável do , r r, tjrl;rparaaanálise?
que outra. Existem critérios de superioridade relativa" (p.202). I lrrr;i
rcsposta possível é a do teórico
alemão H. R. Jauss que,
A resposta mais satisfatória, contudo, vem com a abordagem , r,' I 1,,1. i1 ; cle não romper
1
com o objetivismo da história literária,
semiótica da leitura. Baseia-se na seguinte constatação: a recepção i'r'i'|r "'|( lt'var em conta aprimeirareitura
da obra. A únicamaneira
é, em grande parte, programada pelo texto. Dessa forma, o leitor ,t, r rr(.1] iU'o estudo
darecepção à história literária, com efeito,
é
não pode fazer qualquer coisa. Para retomar uma expressão de ,t, r rr .11 ;1 lcitura
dominante na época em que o texto foi
Umberto Eco (1985), ele tem, diante do texto, deveres "filológicos": escrito:
\ rn,rlr;t.tla experiência literária do leitor escapará
do psicolo-
deve identificar o mais precisamente possível as coordenadas do l r.rìr', (lU('a ameaça se, para descrever
a recepção da obra e o
autor. Se não frzer isso, assumirá o risco de decodificações ' I' rr,, l)r(xlLlzido por essa, ele reconsdtuir o horizonte
absurdas. Eco cita o caso dos Místérios de Paris. O romance de de expec_
I rrr\ .r r lt. scu primeiro público,,
(Jauss,197g, p.49). O quaa.o
Eugène Sue, primeiramente destinado a um público rico que o i , r rl , L ( ()rnpreensão que condiciona
a leitura_.b horizonte de
folhetinista queria divertir com um quadro pitoresco dos bairros
' t,, , Lrt rvit" - deve, de fato, ser reconstruído, se se querjuÌgar
humildes parisienses, é recebido pelo proÌetariado do século XIX i',', a
1, l,1q [', rr ir'portância eo impacto de umaobra.ro
como uma denúncia de suas condições miseráveis de vida. Sue, _o_".rà d"
ir r 1,111r111;1ç119.
tomando consciência do fenômeno, procura então convencer esse l lr, )r i;rolì tc de expectativa é definido porJauss
público popular de que a melhoria de sua existência passa pela por normas
, , ,, r.rlrÌì('rrte estéticas: o conhecimento
via reformista e pela submissáo às classes dirigentes. Mas o "erro que o público tem a
!r rì'{ rr'|r 'kr rôrcro aque pertence aobra, aexperiênciariterária
de leitura" continua e terá, segundo Eco, conseqüências consi- !'' r
' l r' I lt' lt'ir Lr ras anteriores (que familia rizaramo
' púbrico com
A leiluro
Vincenl Jouve
vigente entre lingua- i,.ir \.ìr ) l)()r uma mulher chamada Hélène von Graun. Vai à casa
certas formas e certos temas) e a distinção
r ; r r r r r ìrì primeira vez: é recebido por Madame Lecerf, uma amiga
, l,.,,
a recepção de
gem poética e linguagem prática' Assim' estudar j\l,rtllrrrrc Von Graun, que lhe propõe marcar um encontro. No
"rwoao*, o romance de costu-
, l,
Bovary implica a lembrança do que é
de um público cansado
lrrr r( ) ( l( ) capítulo XVII, a pergunta que o leitor se faz é mais ou
mes em 1857, uma análise das expectativas
,,r'rì(,s rr scguinte: EnÍìm, o narrador vai encontrar Hélène von
do romantismo e atraído por temas mais "realistas" (como o adul-
a linguagem: um
i ,r.rrr. ('ssa personagem-chave na vida de Sebastian Knight? A
tério), e a definiçáo do que ainda torna literária
a efusáo lírica' O l,,rrrrlirì rcação do leitor (sobretudo se conhece bem a obra de
estilo bastante floreado que pretende sobrepujar I i rl',Lov) ó responder "Não": suscitar uma expectativa narrativa
a
componente sociológico é, como se vê' um pouco negligenciado:
Mesmo as- r' gr r, rl rrriri se responde de imediato, antes de preenchê-la, é uma
gên"s" social dos valores estéticos não é examinada'
Num segundo movimento, contudo, o leitor
r! , r rrr , ì r lclnais usada.
p"r-"necemos de fato numa perspectiva histórica'
Sem esse
ãi-, !, r, rcr'onhecer que a recusa em preencher uma expectativa
massa dos leitores
,econhecim"nto do primeiro público, isto é' da
a evo- r,.rl,rr11, l)or sua vez,por se Íìxar emtopos no romance contem-
comuns, não se entenderia o destino desta ou daquela obra,
dos gêneros literários' t,, ,r.u rr'o: Nabokov não pode ignorar isso. E, de fato, o escritor
lução da literatura e, finalmente, a história . ,,'llrt' trrra terceira solução: o narrador está sozinho com
: ! r'l.rrrrr' l-ccerf na sua casa de campo (a expectativa do leitor, à
A leiturq lineor i ,r r n, r r vista, não é satisfeita), mas ele descobre no fim do capítulo
,
diferentes' i' ', r , Irt l;r todas as esperanças). Esse jogo entre o texto e o leitor
textuais, leva a colocar o problema em termos 1
preocupação de destacaros irirr ,lo:r charmes essenciais da leitura - está totalmente funda-
A partir do momento em que há a
funda- !ii' rr{,r( lo rrrr Iinearidade da narrativa. A dimensão lúdica do texto
p"r.,r.ro.de leitura inscritos no texto' a escolha teórica
leitura' aquela , l, , r r rìr rto à leitura inocente.
mental opõe a leitura "inocente" (isto é' a primeira
leitura "experiente"
qr. ,"gr" o desenvolvimento linear do livro) à
"releitor"' pode utilizar seu
[qu".,do o leitor, ou melhor, o A rllt:iluro
as primeiras
cánhecimento aprofundado do texto para decifrar ',, ,r Icittrra linear é a mais respeitosa das regras do jogo, não
páginas à luz do desfecho) '
comum' O texto ., r,,,,,,., i;1 1ìlcnte a mais interessante. A sucessão não é a única
A leitura inocente continua de longe a mais
1 1
sua progressáo i,,,,, r r,,ro rllr narrativa: o texto não é somente uma "superfície",
é primeiramente concebido para ser lido na
do romance .i! | r rrrrlxlrtr rrm "volumc" doqualcertas conexões sósepercebem
temporal (basta pensar nos efeitos de "suspense"
policiat;. Sedesejamos saber como o texto funciona' devemos " , ' ,,r rr ri Lr lcitura. Daí a pensar que a releitura é a prática mais
a título de i r, I, r r, r, l, r,ì complexidade dos textos literários só falta um passo.
àbrig"toriu-ente levá-la em conta' Observamos'
,
Michel Chorles é um dos prirneiros pesquisodores q ler esÍudo- -= i, t,, i, r,.( r(). Desso formo, o trobolho (o exploroçõo) que se segue,
do os problernos do recepçóo numo época em que, no Fronço, nìn- 1.. l',r,, ilr; r,':,pcito oo que se chomo o poético. Com efeito, é por
3l
VincenÌ Jouve
A leìturo
esso vio que o Ìeorio do literoluro pode e deve ler suo polovro o ,
"1r,,'r,,iclode e plurolidode: elo o exfroi do cronologio interno
dizer sobre o leituro: elq deverio permitir definir oqui os grondes , r, , r r( ( )rìl(-.ce onÍes ou depois disso") e reenconÍro um Ìempo míïico
linhos de umo problemótico específico - prelúdio, Ìolvez, de um ' rrr rrÌlr)s nem depois); elo contesto o pretensõo pelo quol
trobolho mois vosio no quol outros disciplinos (e oulros outores) .,.,', lrtt rì ìos que o primeiro leiÍuro é umq leituro primeiro, inocente,
interviriom poro determinor segundo quois modolidodes os possí- i. 'r',rrrr.rrrl, que, em seguido, teríomos openos que ,,explicor,,,
veis leiÌuros sôo ou nõo oproveitóveis. Lembroremos oqui openos "t l,,trrrrlizor (como se Íivesse um início poro o leiluro, como se
este foto essenciol: o leiÍuro foz porle do texto, estó inscrito nele. i, ',1' , r rrr
t, ro iivesse sido lido: noo exisie umo primeiro leiiuro, mesmo
(Chorles, 1977 , p.9) ' t, ,t() procure nos dor esso impressõo com olguns operodores
l' , ,/,í,r),,c, orlifícios espeloculores mois que persuosivos);
noo é
',,rì.,r,rÌìo, mos iogo (esse iogo que é o volÌo do diferente). Se,
O interesse do releiluro i.. r, r .r-rtrodiçõo voluntório nos termos, se relê irnedioÍomenÍe
, t, rr rt,
At rrrrrscoros do leitor
mal; claro, não é o caso do autor da obra, a condessa de ,,,u r( \to é disfarçadamente atravessada por leituras anteriores
Ségur'
Simetricamente, o receptor é ao mesmo tempo o leitor real' ' t, r' l( )r:ìn1 Í'citas dele. Não se leria Montaigne da mesma forma se
podem variar , l, n.r() tivesse sido lido, anteriormente, por Pascal. Do mesmo
cujos traços psicológicos, sociológicos e culturais
infinitamente, e uma figura abstrata postulada pelo narrador ,r r,', (,, ì()ssa leitura de Edipo rei estâ, desde então, marcada pela
i r
a
pelo simples fato de que todo texto dirige-se necessariamente rrrrlr'.r'tlc Freud.
igtrém. Mecliante o que diz e do modo como diz' um texto Àl,rs o leitor, antes de ter uma reaiidade histórica (individual
que usa'
de interesse. Pelos temas que aborda e pela linguagem 1,,,,,r, ,rl)('niìs pelo seu vocabulário - técnico e especializado -, não
cada texto desenha no vazio um leitor específico'
Assim' o narra- , ,|,r r 1
t(' iìo mesmo público que Chapeuzinho Vermelho) .
início no espaço do herói, encontra-se estruturalmente - portan- i i I' rr r, lrr ltistória contada), como, uma troca epistolar entre
r
to, necessariamente - do lado "bom"' (p'178) l,i,i l'Í r r,()rìagens. Segundo uma terminologia desde então
i , r rrrr( ('rìraizada, é preciso, pois, distinguir o narraÍârio
Assim, quando Barrès, em Os desenraizados, reconhece como ;!,ri r'lr, ji('tico" (interno à diegese, quer dizer, ao mundo da
fato absoluto que Astiné, a bela Oriental, é, como estrangeira, a !, r i,,r r r ) r. r I rrrÌl râtário "extradie gético" (externo a esse mundo).
encarnaçáo do mal e da decadência, ou quando Aragon, em les ', | !,,r,.r,, tr rrn-ìa personagem da história, personagem leitor,
beaux quartiers lOs baírros elegantesf , considera que o simples i!! t'{ | .r )niìllcrìì de verdade: é por exemplo o Sr. de Renoncourt
'
estatuto de banqueiro enganado e velho é suficiente para desvalorizar ' ;,, rl ,,. ,lilige Des Grieux em Mqnon Lescaut. O narratário
a personagem Quesnel, o leitor tem o direito de não aceitar
o papel r r r' ir, r,r'lr, o, cle próprio, não é umapersonagem, mas uma figura
que lhe é atribuído. Existem textos nos quais não se conseguc .! r,,r r.,r ,lo tlcstinatário postulado pelo texto. Confunde-se
"entrar". Em geral, náo se lêem até o fìm' , ! !,,' r,. rortiÌnto, com o leitor virtuaÌ: ele "é" o leitor virtual.
!I rrr
1
Vincenl Jouve A leiÌuro
Narratário e narrador extradiegéticos, portanto, são de fato I Ìl ) ( ;r. cla história (isto
é, aos acontecimentos rrarrados). vários
'|lr
duas figuras complementares: trata-se de instâncias abstratas que " r"' Íbram |'|.s
propostos para merhorar a distinção. Globalmente,
se deduzem apenas das estruturas da narrativa. Em O lírio do vale, , 1,.rrri.tlo da história para a narrativa, podem_se distinguir
três
é preciso assim diferenciar Félix de Vandenesse e a moça para a r r1 ', '', 111' niìrratário.
qual escreve (narrador e narratário intradiegéticos, personagens ()
l)r'inreiro éo"narratârio_personagem,', aquele que desem_
da história) da instância que constrói textualmente as duas ; r lrr Lrrn papel na história. É, .o-o já foi
dito, o narrarário
personagens (o narrador extradiegético) para um leitor virtuaÌ !'|irì(ii('!.ótico de Genette. vimos como a condessa
Natalie de
supostamente interessado por essa história (o narratário extra- ìrrr' ri'illc'cra, dentro da ficção, o destinatário explícito
dessa
diegético). l' 'rr".' r r ,ìr.rrÌ cluc é o lírío do vale. salientemos
que, no írltimo capí-
Foi Gerald Prince (1973) que, em um artigo que marcou épo- r',i',. tlrrc nos propõe a resposta da condcssa,
Fólix se torna o
ca ("lntroduction à l'étude du narrataire ["lntrodução ao estudo " r r r,i r i, clc uma carta cuja narradora é Natalie. sc lrélix e NataÌic
r r
na sua bolsa será por vós acusado de ser imoral! Seu espelho ,1rrt'Santerre é o comandante-chefe da Guarda Nacional, que
o
mostra a lama, e o senhor acusa o espelho! Melhor acusar a estra- 1.,;tlLÌc da Saudraie é o ponto de encontro dos partidários do
da onde está o atoleiro, e mais ainda o inspetor das estradas que r( l (.ontra os revolucionários (os
chouans), e que Argonne,
deixa a água apodrecer e o atoleiro se formar. (Stendhal, 1964,
l{ rìrìì.Ìpes e Valmy são batalhas na guerra impiedosa que opõe
p.361)
r l r rr rça revolucionária às grandes monarquias européias.
victor
I lrrrio postula esse saber no seu leitor, se não forneceria
O objetivo de Stendhal é, claro, muito diferente do de ele pró_
Diderot: o narratário interpelado não lhe serve para denunciar Iìr() iìs precisões necessárias. portanto, o narratário oculto de
,\, ,Ì,i',rlúr e três tem como CaracteríStiCa, entre OUtraS, a de pOS-
a manipulação narrativa, mas para interpelar certa categoria de
leitores - bastante numerosa no século XIX - mais pronta para
,rr unr saber mínimo a respeito do período revolucionário.
"leitor implícito" de W. Iser, o "leitor abstrato" de J. Lintvelt e, r(lrr('lc qLle designamos antes "narratário interpelado". Exami-
mais recentemente, o leitor modeÌo de Umberto Eco. rr.rì)()s, para maior clareza, essa passagem do Roman comique
O "leitor implícito" de Iser (1985) remete às diretivas de leitura l/ir,rÌÌrrnce cômico) de Scarron onde o narrador se expressa na
deduzíveis do texto e, como tais, válidas para qualquer leitor: l ,r r ì ìc i ra pessoa:
"Eie incorpora o conjunto das orientações internas do texto de
Sou um homem suficientemente honrado para deixar de avi-
ficçãoparaque esse último seja simplesmente recebido" (p.70).
A idéia é a seguinte: na leitura de um texto, o modo pelo qual o ',rr-rro lcitor benévolo que, se estiver escandalizado com todas as
l,r'ìncac'leiras que vir-r até agora neste Ìivro, seria bom quc não les-
sentido está constituído é o mesmo para todos os leitores; é a
',t' nriris nada, pois honestamente não verá outra coisa, mesmo
relação com o sentido que, num segundo momento, explica a (lu('csse livro fosse tão grande quanto o Cyrus. (apud Lintvelt,
parte subjetiva da recepção. Em outros termos, cada leitor reage t(tSl, p.22)
pessoalmente a percursos de leitura que, sendo impostos pelo
texto, são os mesmos para todos. Assim, qualquer leitor das ì',rra Lintvelt, essa passagem impõe r-rma distinção cntre três
Ligações perigosas possui o privilégio, dado pelo texto, de ter acesso ,r r.ìrìci:ìs: o narratário, o leitor abstrato e o leitor concreto:
ao conjunto das cartas que se trocam. Como esse estatuto é
C) "leitor benévolo" que, aquì, está interpelado é um narratário
dividido pelos dois protagonistas, Valmont e Madame de Merteuil
rlilr', corÌìo instância fictícia, deverá ser distinguido, por r-rm lado,
(que lêem de bom grado a correspondência de outro), existe
,l,r lcitor abstrato quc justamente é suposto gostar desse tipo de
identidade de ponto de vista entre o Ìeitor e as duas personagens.
l,rrrrc,rcieiras sobre a cscrita ronÌarìesca, e, por outro, do leitor
Essa assimilação "mecânica" - provocada pela igualdade de saber
t ( )rì(-l'ctoque está ÌencÌo o roffÌancc. Evidcntcmente o lcitor concreto
- com duas figuras extremas da libertinagem pode ser, segundo
1,,,,1t'r'ii adotar a postLrra ideológica do Ieitor abstrato divertindo-
os indivíduos, recebida como uma experiência enriquecedora ou, ,(' ( ()rìì tais intrusões, ou poderá dividir a opinião do leitor fictício
ao contrário, como uma boa razão para condenar o livro. O im- r r,ìl l)onto escandalizado que seria ntelhor parar sua leitura.
portante ó que, nos dois casos, cada um parte da mesma experiência \lr'\rììo assim, trata-sc dc instâncias dc natureza difcrcnte. (p.23)
de leitura: a identificação, imposta pela estrutura do texto, com
as duas personagens, Valmont e Merteuil. Se tomarmos um exem- l)t' nossa parte, diremos simpÌesmente que o narratário
plo muito diferente, o leitor implícito dos romances de Agatha irr, rlrclrìclo (o "leitor benévolo" um pouco ridículo e logo
Christie, cste, por sua vcz, vai impor ao leitor real a espera até o lr,,,,rtlo) ó o suporte da piscada irônica dirigida ao narratário
fim da história para saber quem é o assassino. , 'rlr, r (o lcitor perspicaz, postulado pelo texto, que entendeu
O leitor implícito corresponde, no sistema de Lintvelt ( I 9B 1), , rLrrr, r lrcrìr que essa artimanha do narrador não the era destinada).
ao "leitor abstrato": "O lcitor abstrato funciona, por um lado, l!,r l)r'rspectiva pragn-rática de Eco (1985), o leitor modelo é
como imagem do destinatário pressuposto e postulado pela obra I "um conjunto de condições de sucesso ou de Felicidade
lrr rrr lo t-on-ìo
Ìiterária e, por outro, como imagem do receptor ideal, capaz de ,r, /r, rr1, conditíons), estabelecidas textualmente, que devem ser
concretizar o scntido total da obra numa Ìeitura ativa" (p.18). ìr l,,ir,ls para quc um texto seja plenamente atuaÌizado no seu
Lintvelt fala igualmentc, como Genette, de "narratár-io", mas ,,Ì r, r(lo potencial" (p.80). Temos, novamenle, uma figura de
reserva o termo para o leitor fìctício interpelado pelo narrador i iri,Ì rì tituídapelotexto: o receptor, ativoeprodutivo, queo
VincenÌ Jouve A leiÍuro
melhor deciframento possível danarrativaimplica. O leitor mo- y rostuladas pela narrativa ou receptores ativos que colaboram no
delo, em outros termos, é o leitor ideal que responderia correta- ,lcscnvolvimento da história, esses Ìeitores se baseiam na idéia
mente (isto é, de acordo com a vontade do autor) a todas as soli- tk' que, estruturalmente, existe em qualquer texto um papeÌ
citaçóes - explícitas e implícitas - de um dado texto. Entre as l)r.oposto para o leitor. Assim, se parecem, quase se confundem
r trrrr o jávelho, mâs sempre sólido, narratârio extradiegético.
"respostas" que o texto solicita do seu leitor, podem muito bem
figurar hipóteses errôneas. O fracasso interpretativo - se estiver
programado pela narrativa - pode ser uma das "condições de feli- Do onólise do norrotivo poro
cidade" da leitura. crs teorios do leituro
O conscríto, uma novela de Balzac analisada por Franc
Schuerewegen (1987), mostra como o leitor modelo pode ser A multiplicação dos leitores virtuais e a complexidade cres-
i ('rì [c dos modelos explica-se pela passagem da narratologia para
conduzido pelo texto a interpretações errôneas. A narrativa abre-
se com o retrato de uma aristocrata, Madame de Dey, que vive
,r .rrrálise do efeito textuaÌ.
numa cidezinha, Carentan, na época do Terror. Esta acaba de receber A narratologia, que se dava como tarefa descrever os procedi,
rÌ ì('rìtos da narrativa, não tinha que ir além da instância narrati-
uma carta de seu filho Auguste, contra-revolucionário membro da
r,,r. Adotando uma abordagem descritiva para o texto, ela o
expedição de Granville, que, da cadeia, lhe comunica um projeto
,, rrrsiderava um objeto acabado, apresentando um certo número
de fuga e de uma volta próxima para Carentan. Enquanto Madame
r k' t'struturâs e técnicas perfeitamente apreensíveis pela análise.
de Dey espera seu filho com fervor, o texto nos reveÌa que um
l,rìto as noções de "narrador" e de "narraÍ.ârio", na medida em
moço está caminhando em direção à cidade. O leitor pensa espon-
, implicadas peia própria existência da narrativa, dependem
r(' são
taneamente na técnica do "intróito enigmático": para introduzir lr
dades é ínfima e deve ser estabelecida em termos de intensidade rrrt'io, a seu ver, de dar conta da leitura efetiva do texto literário:
cooperativa, de clareza e de lucidez na exposição dos resultados
Os leitores teóricos ... representam de fato um avanço cientí-
de uma cooperação cumprida" (Eco, 1985, p.2a3). Os critérios
fico interessante; mas seu caráter abstrato, narratário tomado no
que permitem diferenciar a recepção de um leitor particular da do
texto ou ieitor "inscrito", arquileitor ou leitor modelo, "Ìeitor"
leitor modelo são, como se vê, um pouco vagos. O que autor.za
histórico-socioÌógico ou consumidor visado, tudo neÌes parece
Umberto Eco a destacar o leitor modelo da novela de Aiphonse asceticamente, hipocritamente, fugir diante dessa obscenidade: o
Allais, U n dr qme bíen parisien lU m dr ama bem parisiense], é, confor- verdadeiro leitor possui um corpo, Iê com ele. OcuÌramos essa verdade
me ele diz, a"intensidade cooperativa", a"clareza" ea"lucidez" tão imperceptívell ( p.l33).
de sua própria leitura. É legítimo perguntar se, com outro teóri-
co, o retrato do leitor modelo teria sido idêntico. O leitor reaÌ, longe de ser desencarnado, é uma pessoa inteira
De modo mais geral, somos obrigados a constatar, como rlrrt', Corrìo tal, reage plenamente às solicitações psicológicas e à
mostrou Walter Ong (1975) em um artigo notável, que o leitor rrrílrrência ideológica do texto. Como estudar AnaKarenina sem
postulado peÌo texto é sempre fictício. É so-ente uma hipótese rit'strìCâr os procedimentos que, influenciando a afetividade do
que o escritor inventa para construir seu relato. Segundo Genette l,'itor (um leitor muito vivo, que vibra e que se emociona), o
(1e83): rrr icam no destino de heroína a ponto de questionar o projeto
rJrl
não é suficiente: é preciso, num segundo momento, destacar sua uma aceleração no ritmo da alternância parece representar o au-
influência sobre o indivíduo concreto. Resta saber, claro, como mento do desejo (o que, talvez, perturbe o "lido,,), enquanto as
apreender esse último na análise. recompensas às multidões camponesas mistificadas acentuam a
grosseria da sedução de Emma e prefiguram suas desilusóes (o
que o "ledor" sente ocultamente e o que o ,,leitante,' pode anaÌi_
O "ledor", o "leilonte" e o "lido" sar). (Picard, 1986, p.279)
Michel Picard, em Lq lecture comme jeu lA leitura como jogof Essa tripartição, por mais interessante que seja, parece apre-
(1986), propóe encontrar em todo leitor três instâncias essen- ri('rìtar alguns problemas. Se a existência do "ledor', é incontestá-
ciais: o "ledor", o "lido" e o "leitante". O "ledor" é definido vt'1, o conceito contudo é pouco operatório para uma análise estri-
como a parte do indivíduo que, segurando o livro nas mãos, {iìrnente textual. Da mesma forma, o caráter passivo do ..lido,, não
mantém contato com o mundo exterior; o "lido", como o incons- ti cvidente: entre a atitude distanciada e o investimento fantas-
ciente do leitor que reage às estruturas fantasmáticas do texto; e rrr;itico, parece existir um termo intermediário (para picard, é na
o "leitante", como a instância da secundaridade crítica que se rt'lirção "ledor"/"lido" que é preciso procurá-lo). Enfim, se o
interessa pela complexidade da obra. Assim, leitura apresenta
"lcitante" se define pelo recuo crítico em relação ao texto,
a se certa-
como um jogo complexo entre três níveis de relação com o texto. n ìL'nte seria preciso distinguir diferentes tipos de "distanciação,,.
decorrer da leitura, favorecem plenamente o jogo das relações rrnrlì "mensagem". O "leitante" pode assim ser desdobrado em
entre "lido", "leitante" e "ledor": rrrn "Ìeitante brincando" (o qual procura adivinhar a estratégia
t
Vìncent Jouve A ìeiÌuro
narrativeì do tcxto) e Llm "leitantc interpretando" (o clLÌal visiì , )rìì(]lìtc iì par:tir dcssc postulado que podernos cspcriìr cntcrrdcr
decifrar o senticlo global da obra). O leitor clo Esrrangciro vai, i,r'lo rncr.ros em parte a Ìcitura efetiva dc urr tcxto.
desse n-rodo, nLlr.Ì1 mesmo rrtovimento, "brincar" conl o narrador [aÌ concepção clo indir,ídr-ro nos é dada pcla psicaniilise.
fazendo previsócs sobre o futuro dc Mcursar-rlt e anaÌisrlr o texto ' r'los conCeitos do freudisnro supõerrr, com e[cito, a existôr'rcia
para clcstacar seLl sentido. A pergr,rr-rta "O quc vei acolltccer conì i,' íìtos psíquicos trans-históricos. Os "fantasrnas orìginiirios",
, ,r crenrplo, são assinr definiclos por LapÌanche & Pontalis ( I 9B 1):
It4eursar-rlt?" set.r-rprc será acornpanhirda por cìsta outr;Ì: "O qlÌe c)
alltor cÌLler nos lazer entcttcler por nreio do rctrato clcssc- l-reroi , ',1 rlltllnìs fantasmáticas típicas (via intra-uterina, cena originária,
lora dirs normas?". r.,r'acão, sedr,rção) que a psicaniiÌisc encontra conro organizac'lores
Sc o "leitanrc" rrpreetttle o texto clr.r relação i:Ìo aLltor, o "len- I , r'ìc1afantasmáticn, clurisqtrt'r'que sejarrrr .rs erpcriôncias 1-rcssoais
c1o" erprccnde o ttniverso tcxtual por si própr-io. O "lcrldo", dc
, l,
':. indivídr-ros" (p.35). Havcria, assinr, cnì toclo inclivídr-ro, alóm
L.; particr-rIaridades çrcssoais, ccrto núnrcro dc invirriirntcs.
flato, ó cssa partc do leitor aprisiorrada pelir ilusão rcfèrencial
cluc considera o tcrllpo da leiturir, o rlundo clo lexto cotllo ull.Ì
Definindo o lcitor reaÌ corno sujcito biopsicologìco, tôlr-se
r'(,r tiÌllto os meios dc analislrr com prccisão a cxperiôncirr de
rnundo clue existc. Esquecc-ndo a nillLlrcza lirrgüísticir do texto,
' rirra. Sc o leitor :rbstrato pcrmitia clcstacar o funcionanrcnto
t-Ìe "rrcrcdita", por unt notììcÌlto, n() (ìue the cstlt scndo contacio'
, 'Llperllcie do texto, o leitor considcr:rdo conro indir,ídr-ro (isto
O "lcnclo" é essa partc dc rtos que poclc sucessivatmentc chorar a
, i ()rllo sLlporte cìas rcaçÓes Psicológic:rs e ptrlsionais col'nuns
rììort(' (lc Wcrthcr, dividir as angústias dc lìaskoÌnil<ov, ou sc
, r,rtìo inclivíduo) pcrmite dcstacar o Íìr'rcionamcnto proÍìrndo.
rcvol(rrr eon't []rltttortcl l)rtttLcs collirrl a injr-rstiça que lhc ó lcita.
',,..inr qlrc descobrir-o narratiirio extladicgetico, isto é, o nrodo
() "lirlo", trrl ilLrrtl c tlclìrtido por',\4ichel I'icard, ellgloba ccr
,irr o clLrâl o texto inragina scrr Ìeitor, o trabaÌho clo teórico será
Ios lt'rrorrrcrros tlt'lcittrt-rt t;trc classilìcamos sob o cotlccito dc
,r,rlis:rr corÌlo o sujcito reag,c rì esse papel qr-rc ll're é proposto.
"lr'rrrlo",r()s rluiìis vtltt s(' jLrrltar;l satisfação tic cerlas pr-rÌsões
rlr('-se cÌLlc o narriitlirio dc (lrirrrc c crrsti!rr r,ê a Ìristória cìo ponto
int orrst it'rttt's. () "licltt", par;r tlós, se limitarll iÌ essc se guildcl
r, i,istr,t cÌc lìaskolnil<clv, cìo rlrral pcnctr-lì os lì('nsiìnìcntos c co-
l)()tìl(). lrxistc tlt'lrrto uttt tlívcÌ clc lcitura elìì tìuc, por r.Ììeio dc lr' tL'os soírimentos. Mars qr-rais são, prtrrt o lci(ol rc-itl, lts cort-
i'('r'tirs "r'('tìiìs", o lcitol'1L'LrìconlrA tttll.r inlagcttl cle scus próprios
1Lìcìnciirs dcssa corlunhão intima colìì Llll rrssassino? I)cssa
lrrnt,rsrrtrts. Assirrt, de fato, clc qr-re c "lido" llclo ronlarlcc: o qLÌc
'rlÌl)recrìsiìo "por cicntro" dc Lrrn ato cr-inlinoso rlLrcì, certiìrììcrìtc,
cs(ri r'rn jogo c-rrtiìo na lcittrr:r é al Iclação cÌo irldivídr-ro com clc
' , iìprovlìri:Ì na |cuÌidade? 11. a respctsta a essc tipo de l)cr!ìun-
rìlcsÌìì(), cìc seu cLl conl sctt it-tcot.tscicnte. O itllercssc do leitor rl Llc iì aná1ise clo lcitor corìlo inciivíc1uo devc lrazer.
pcÌas ccp:rs de yiolê1cia 9tt de:ìt.tlo; rcativ.Ì|.i,ì assinl ') \'oyeLl-
rispt1;;r iplrlntil; a vttntadc clc poder clos heróis tlc romallcc falaria
coill os rìossos cìcsejos oclrltos. Textos
lrxtrrtir c1c catiir Ìeitor:rs lìlesm:Ìs irlstâncias leitor:rs sLrpoe etll Geioid Prince (1973), erÌÌ suo "lnlroduction ò l'etude du
roclo inrlivídLÌo ulìì certo número clc consltrrltcs psicoltig,icas. [] ',
trrloìre" ["lntraduçcto do esludo narrcttctrìo"], reso/ve /eyorrÍor os
Vincent Jouve
A leiiuro
Segundo essos poucos linhos, o norrotório do Poi GorioÍ reconhece de esÍudo é o leítor reol, e nõo um dos numerosos /eifores leóricos
o Ìipo de lógrimos que Rostignoc enierro. Com certezo, ió ouviu proposfos oté entõo pe/os grondes modelos de onólise.
folor delos, certomenie ió os viu, tolvez ele próprio ió os derromoul
As comporoçóes e onologios que se enconÌrom numo norro- Sobe-se lolvez com quois di{iculdodes teóricos insolúveis se
çõo nos fornecem iguolmenÍe indicoções mois ou menos precio- confronlorom, por folÌo de umo leorio coerenle e mesmo de umo
sos. Com efeiÌo, o segundo termo de umo comporoçóo é sempre consideroçõo do Suieilo psìcológico, o formolismo e o teorio do
suposÌo ser mois conhecido do que o primeìro. Pode-se, porÌonto, recepçõo. "Todos os obros do mente conÌêm em si o imogem do
o portir desso constotoçõo, supor que o norrotório do Voso de ouro, leiior oo quol sóo destinodos", escrevero Sorire numo célebre fór-
por exemplo, ió ouviu o borulho do trovóo ('A voz opogou-se, como mulo. Mois do que oo leiÌor reol, colocodo explícito ou impliciÌo-
o rugido longínquo e surdo do Ìrovõo") e começor ossim o recons- menle como foro do compo, nós nos prendemos sobretudo o esso
ïituiçõo porciol do lipo de universo que lhe é fomilior. "imogem", enquonto os sociológos ou os publìcitórios, por meio
Mos os sinois mois revelodores olgumos vezes, e òs vezes lom- de pesquisos, de esiudos de mercodo ou de monogrofios, ÌroÌo-
bém os mois difíceis de delimitor e descrever de modo sotisfoÌó- vom o leitor visodo e de diferentes tipos de leiÍores empíricos. Em
rio, sõo lolvez oqueles que chomomos - por foho de um termo foce do lentoçõo subjelìvisÍo, esso "imogem" remelio o duos oulros
mois oproprìodo - os "sobrelusÌificoções". Todo norrodor expli- fenÌoções nõo menos temidos.
co mois ou menos o mundo de suos personogens, moÌivo seus otos,
A primeiro consisÌio em prever funcionol e obstroÍomente o
iustifico seus pensomenÌos. Se oconÌecer de suos explicoções, suos leilor como um tipo de decodificodor outomóÍico, de compuÌodor
molivoçóes se situorem no plono do meÌolinguogem/ do metonor-
biológico mois ou menos bem progromodo. Riffoterre concebio
rolivo, do meÌocomentório, serõo sobreiusti{icoçóes. Quondo o
seu orquileitor como umo "ferromento poro levontor os sfimu/i de
norrodor de A cortuxo de Pormo revelo oo norrotório que no Scolo
unr texlo", "o somo (nõo o médio) dos leiiuros" possíveis num dodo
"o costume mondo que essos pequenos visitos nos comoroÌes nõo
rnomenÌo, determinodos pelo identificoçõo, segundo "leis de
demorem mois do que vinte minuÌos", ele so estó pensondo em lhe
perceptìbilidode", de poÍferns e de desvios em reloçõo o esses
fornecer indicoções necessórios poro o compreensõo dos oconÌeci-
rnodelos. Por suo vez, AlÍhusser e seus olunos folovom de "leituros
mentos. Em conÍroportìdo, quondo pede desculpo por umo frose
mol formulodo, quondo se desculpo por Ìer que interromper seu ótimos". lser, sobreludo, propunho o noçóo de "leitor implícito" e
reloio, quondo confesso ser incopoz de reÍrolor bem tol senlimen- procurovo deduzìr do texto (de suos esÌruturos de chomodo, de
to, sõo sobreiustificoções que estó usondo. Essos sempre nos tro- suos prescrições de leituro, de suos oferÌos de identificoçõo, de
zem deÌolhes interessonÌes sobre o personolidode de um norrotório, seus lugores de indeÌerminoções) os meconismos mentois poÍenciois
emboro {reqüentemente o foçom de modo muito indireÌo; pois, do "imogem" sorÍriono. Poder-se-io dìzer que, em certo medido,
mesmo uhropossondo suos resisÍêncios, mesmo vencendo seus pre- lodos essos proposÌos interessonÌes do fim dos onos l9ó0 boseo-
conceitos, mesmo ocolmondo suos opreensóes, elos o desvelom. vom-se no que Michel Chorles chomou de "reÍórico do leiiuro".
(Prince, 1973, p.183-5) Poro evocor o segundo tentoçõo, bosto opelor poro qs peque-
ros etiquetos, freqüentemenie impressos em Épinol, e nos quois,
rrrrligomente/ ero proposio òs crionços enconÌror o coçodor, ou o
A insuficiêncio dos leitores obstroios coelho - confundidos no desenho com olgumo folhogem cujos es-
lronhos volutos desperÍovom o suspeìto. Ou oindo oo célebre retro-
Michel Pìcord, em Lo lecÌure comme ieu (198ó), propôe-se o lo dos Arnolphini, onde se enÌrevê, no fundo de um espelho cenlroì
onolisor o recepçõo concreÍo dos fexfos literorios. Assim, seu obieÍo t om ombições cósmicos, umo pequeno silhueto que, por brincodeiro,
Vincenl Jouve A leiiuro
podemos conÍundir com nosso próprio reflexo. Assim consomos òs rnos ìsso vole poro lodos os leilores e nõo preiulgo em nodo o indivi-
vezes de procuror o leitor de foto no Ìexto, levondo o sério os duolidode de codo um deles.
estrotégios sedutoros de um escrilor-oronho. Certos textos oliós Concebe-se, portonio, que, por mois úteis que essos noções
dirigem-se inleiromenÌe poro o copluro impossível, poro esse contoÍo possom se revelor, elos ficorom inconteslovelmenle velhos. Ceder
mógico e suspeiÍo olém do pógino enlreoberto. Certos escrilores, o essos duos tentoçóes é fozer do leiÌor um fontosmo, que nenhu-
como Rousseou empolgodo duronle o redoçóo de A novo Heloíso, rno evocoçõo e nenhum riÌuol forõo oceder ò vido. (Picord, 198ó,
porecem solicitor olucinodomente o presenço reol, iunto deles, no p l4ó-8)
livro, de seu leitor sonhodo - tol quol esse viúvo imoginotivo de
Véro lVerol de Villiers de Ílsle-Adqm que ocobovo, groços ò forço
de vonÌode, suscìÌondo, ressuscilondo o obieto de seu omor (oté o
inslonte, in{elizmenle, em que o horroroso bom-senso, o folto de fé
e o consoço o dissolviom de monhõzinho...). Esse leilor inscrifo, Ìõo
mois fócil de estudor do que o verdodeiro, pode ser primeiromente
umo personogem leitor: Froncesco de Rimini, Dom Quixote, Emmo
Bovory sõo os exemplos mois conhecidos e citodos. O romonce
epistolor ocupo oqui um lugor privilegiodo; poderio reseryor um,
muilo especiol, poro o cqso roro mos curioso de umo pessoo reol
progressivomenle iogodo no ficçõo e ocobondo, personogem, por
lhe pertencer e ficor preso poro sempre: é o histório do Morquês
de Croismore e de A re/igioso, tol quol o estudom Lucette Pérol e
Gobriielo Vidon. É possível tombém desenhor com certo firmezo
olguns desÌinotórios, como oqueles de lrisÍom Shondy, de Jocques,
o fofo/isfo ou de A quedo ou de Lo modificotion lA modificoçõo] (ou
oindo oqueles de discursos de prefócios e de "discursos de escolto"
de iodo tipo). No verdode, é sobreludo o noçõo de norroÍório que
chomou o otençóo, nesso perspeclivo. Gerold Prince, Gérord
Genette, que oliós noo têm o mesmo concepçõo, designom com
esse termo, grosso modo, umo "funçõo" porticulor do norrolivo,
que Jeon Rousset define sobriomente como "todo deslinotório inscrito
em um texÌo". Só folto um posso poro lronsÍormó-lo no siméÌrico
do norrodor - posso que nõo deve ser dodo: o norrodor, quoisquer
que selom os medioçoes interpostos, remete indiretomente oo escri-
lor reol; os próprios ocrobocios norrotivos dos Folsos moedeiros o
destocoriom mois do que o esconderiom. Esse "norrotório", por suo
vez, nõo lem referente fixo distinÍo. Ele propóe certomente um lipo
de desconço poro o leitor, proposiçõo de identificoçoo enlre outros -
3
Como se lê?
A interoçõo texto-leitor
A insuficiêncio texluol
Basta, para se convencer dessa dupla impossibilidade, pensar A recepçõo como remole
nos indivíduos do universo narrativo.
O texto não pode construir personagens absolutamente dife- Esquematicamente, pode-se dizer que o leitor é levado a
rentes daquelas que o indivíduo coteja navida cotidiana. Mesmo r'ompletar o texto em quatro esferas essenciais: a verossimi,
as mais fantásticas criaturas dos romances de ficção científica llrança, a seqüência das ações, a lógica simbólica e a significa-
conservam, entre uns atributos mais ou menos insólitos, propri- çio geral da obra. Observemos esses pontos um por um.
edades diretamente emprestadas dos indivíduos do mundo "real". Como as personagens, o espaço e a situação não podem ser
Pensemos nos marcianos de A guerra dos mundos H. G. Wells ilcscritos inteiramente, o leitor completará a narrativa na sua
(1950), que, no final, são apenas humanos deformados: irrraginação segundo aquilo que lhe parecer verossímil. Eis como
lrlaubert (1969) nos apresenta fisicamente Frédéric Moreau no
Aqueles que nunca viram marcianos vivos difìcilmente po- início de A educação sentimental:
dem imaginar o estranho horror de seu aspecto, sua boca singular
em forma de V e o lábio superìor pontudo, a falta de testa, a Um moço de dezoito anos, com cabelos compridos e que se-
ausência de queixo abaixo do lábio inferior de canto, o movimen- gurava um livro debaixo do braço, permanecia perto do leme,
to incessante dessa boca, o grupo gorgonáceo dos tentáculos, a imóvel. (p.37)
respiração tumultuosa dos pulmões numa atmosfera diferente,
seus movimentos pesados e difíceis, por causa da energia maior É o único detaihe que, durante o primeiro capítulo, nos é
do peso sobre a terra e, acima de tudo, a extraordinária intensida- Íornecido sobre o aspecto físico da personagem (o texto dá
de de seus olhos enormes. (p.31) scqüência a seu retrato biográfico e psicológico). São, portanto,
os leitores que devem imaginar qual pode ser, de acordo com a
Um ser alternativo completo é, ao pé da letra, inassimilável vcrossimilhança, a aparência desse "moço de dezoito anos".
pelo leitor. I'rrra a maioria, ele parecerá esbelto e esperto. O quadro histórico
Do mesmo modo, descrever como completa uma personagem ,ll narrativa permite, aliás, supor que Frédéric está vestido com
tirada do mundo "rea7" (em outros termos, uma persona- lr r xo (ele estudou e viaja de navio) . A cor dos "cabelos compridos"
gem histórica) não faz sentido. Supondo que seja possível fazer i' rlcixada por conta de cada um até uma eventual precisão do texto.
um retrato físico moral exato, ainda seria preciso explicar suas
e Irrr fim, deduz-se da postura da personagem (imóvel), de sua atitude
relaçóes com os outros elementos do mundo em um processo de (scgura um álbum debaixo do braço), que ela tem uma expressão
mise en abïme, propriamente falando, ilimitado. Marat, Danton e tranqüila, até mesmo um pouco tímida.
Robespierre são muito mais do que Victor Hugo diz sobre eles Da mesma forma, se a narrativa em geral omitir a descrição
em Noventa e três. Como personagens históricas, extraem sua (l()s gestos menores, o leitor reconstituirá por si próprio o de-
consistência, em primeiro Iugar, da cultura de cada leitor. O :rt'rrvolvimento dos eventos se fundamentando na lógica das
romance, não podendo defini-los sozinho, se apóia no saber ,rções. A narração de um cumprimento, por exemplo, pode muito
"histórico" de seu público. lrcrn omitir um dos três momentos que o organizam ("estender
O texto, estruturalmente incompleto, não pode abrir mão ,r rìrão", "apertá-la", "despedir-se"); basta que o texto mencio-
da contribuição do leitor. rì(' Llma das fases para que o leitor adivinhe espontaneamente as
VincenÌ Jouve A leiiuro
duas outras. A narrativa pode também solicitar a cooperação do Apenas uma Ìeitura atenta pode levantar essa série de equiva-
leitor para seqüências de eventos mais complexos e de duração lôncias simbólicas e seu valor na narrativa.
mais importante. Em Aberto ànoite, de Paul Morand, o narrador Enfim, o leitor deve destacar a significação geral que o autor
conta o relato da corrida ciclista dos Seis Dias no velódromo de quis dar à obra. Para isso, ele deve não somente levar em conta as
inverno; seu amigo Petitmathieu participa dela: intervenções explícitas do narrador, mas também a construção
global do texto. Ao se fundamentar nas oposições binárias que
Petitmathieu estava na bicicleta; me viu e me deu um sorriso subentendem a narrativa de Huysmans, o leitor de AIém, abaixo
amigável com a pálpebra esquerda; houve uma tentativa de esca- pode destacar uma das significações essenciais do romance: a
pe perto do quilômetro 3.421,, na centésima trigésima primeira cxaltação mística de um absoluto artístico e literário como
hora. As balaustradas rangerarn com o empurrão dos populares
cxutório para um mundo materialista e sem saída. O primeiro
surpreendidos durante o jantar, de boca cheia.
capítulo, de fato, opõe explicitamente o realismo ao romantismo:
Não é mais possível, entâo, opor regularmente um contrário do nosso lado, na rua, em todo lugar, quando se pensa nisso?
(p.a2)
a um contrário, um sexo a outro, um bem a outro; não é mais
possível salvar uma ordem da justa equivalência; em uma palavra,
É essa série de oposições que permite ao leitor entender o
não é mais possível reptesentar, dar às coisas representantes,
individuados, separados, distribuídos: Sarrasine representa o projeto literário de Huysmans: transcender os extremos - ou
próprio problema da representaçáo, a circulação desregrada lrrzô-los se juntar - propondo um novo tipo de escrita: o "reaÌis-
(pandêmica) de signos, dos sexos, das fortunas. (Barthes, 1970c, rrro sobrenatural". O texto, em geral, contenta-se em dar indí-
p.221-2) t ios; é ao leitor que cabe construir o sentido global da obra.
Vinceni Jouve A leituro
um tcxto opaco, muilas vezes é rcÌìtáveÌ - col11o o estruturalismo r(,Ìucão fornecida pcÌa institr-rição Ìiterária, o lcitor acreditará
nos cr.rsit'toLt - fundarncntar a lcitr-rra nas rcÌaçõcs de semelhança, , ' rf \lo e tcntará encontrar unliì pcrtirÌência nacluiÌo que, apriorí,
de ciil'ercr-iça, de ordcnação, de distriL'uição e dc hierarquia entrc i , ,Ìusiì problema. É assim qLle se aceitará corno "literáriars" e
as scqLiôncias. nriologia, por suiÌ vez, nos pcrmite apreender
A se | ,,rr,ìrìto legítimas as opacidadcs de certas piiginas deJoycc our
o texto como um sistema ao mcsnìo tempo l'cchado e abcrto, Ì ril,ncç oll, em outro estilo, as narrativas scln intriga do Novo
manipulando unidades de dilercrltcs níveis, c regido por Llmiì i Ì' r,ìlì(-C.
macrocstrLltura narrativa. Hamon Propóe assitl't unra leitura lúcrda \1rris precisa[ìcnte, o pacto de Ìeitura se conrpÌeta em dois
de "Conlo", um pocnla das lluminaçõe-s especialmcnte enigmático. 1 r,,rrs priviÌegiados: o íncipit, e o que Genettc chama de "peri-
Pondo cm evidência, por um lado, os latores da ilegibilidade, pror
i ) pcritexto (cL Genette, l987) remete para os prefácios,
oLltro, os da legibilidade, mostra como o texto dc Rin-rbar-rd constrói
, , , ', 1rrçÕcs e avisos de todo tipo, qr"re [êm como função orientar
e desconstrói ser-r prograrna de leitr-rra para se constituir em objctcl
, rrr;r. Basta pensar no famoso prologo de Gargântua no cluaÌ
específico. Ler, portaÍlto, é levar cnl conta as normas de toclo tipo ' ,, l,ris convida scu leitor a ultrapassar o seutido superficial
que dctcrminam Llm texto e fazcr jogar enfrc si as unidades dc , ' I rirìì sentido mais profundo (ao mesmo tenlpo acrescentan-
superfície que constroem seu sentido. ,r rliciosamente, que esse "sentido maior" com certeza não
Alen-i das difcrcnças terminoìogicas, Hanlon e Otten c ó ,' t'bido pelo autor). Mais prccisamente, as introduções tênl
r (
isso o irnportante concordam cn-r distinguir duas dimensocs , ,r ,,lr1r'livo duplo: cxplicar por que e como sc clcvc ler. Assim,
na lcitura: uma proS,ranìada pelo texto, a outra clcpendcndo cltl , rrrr introdução à Nova Justine, esforça-se não somenle cnr
le itor. , i r , r sL-Lr sujeito (insistindo na sua veracidade), mas tambérn
Vincent Jouve A leiÌuro
em expor claramente suas intenções a fim de prevenir qualquer J'lt's referência do tempo passado, introduzindo um hiato entre
erro de leitura: ,,:; rìcontecimentos narrados e o próprio ato de contar, nos indica
, r r(' cstamos na ordem da narrativa. Mas o incípit
I , na maioria das
Certamente é terrível ter que pintar, por um lado, as infelici- \r'zcs, tem como função circunscrever um quadro de leitura.
dades apavorantes com as quais o céu oprime a mulher suave e \rr'jrrmos a primeira frase de Germinal:
sensível que respeita melhor a virtude; por outro, a influência das
prosperidades sobre os que atormentam e mortifìcam essa mes- No campo deserto, numa noite sem estrelas, de uma escuri-
ma mulher. Mas o homem de letras, bastante filósofo para dizer o rlão negra, da cor de tinta, um homem seguia sozinho a estrada
verdadeiro, vence esses problemas; e, cruel por necessidade, ar- tlc Marchiennes para Montsou, dez quilômetros de paralelepípe-
ranca sem piedade com uma mão os supersticiosos enleites com tlos cortando reto, através dos campos de beterrabas.
os quais a besteira torna a virtude bonita, e mostra descarada-
O leitor é introduzido de uma só vez em um universo realis-
mente com a outra mão, ao homem ignorante que se enganava, o
r,r Assiste a uma cena banal: um homem caminhando numa
vício no meio dos charmes e dos prazercs que o ceÍcam e o Perse-
guem sem parar. (Sade, 1978,p.26) ' ',rriìda, numa paisagem interiorana. As duas localidades (Mar-
, lr rt'nnes, Montsou), mesmo se elas já evocam, discretamente, os
, h rrs 111;1js1gr temas da ira e do dinheiro, têm nomes verossímeis e
A estratégia prefacial poCe, para atingir seu objetivo, seguir
, r r( ' lcmbram o campo. Essa impressão de estar em contato com o
caminhos mais tortuosos. Montaigne, em seu "aviso ao leitor", I
vocabr-rlário, a estrutura de conjunto, a escolha dos ritmos e das ,',r ;rs unidades semânticas. Ao ,.sério" Monsieur prudhommc,
imagens obedecerão a princípios profundamente diferentes. Não 1,r,'leito e pai de família", que veste um.,coÌarinho postiço,,c
se esperará das duas obras nem o mesmo efeito nem o mesmo , rrr( trlàs", opõem-se os "criadores ..sem_ve
1 de versos,', rgonhas,,,
prazer. r r r.Ìtìtes", "preguiçosos',, "barbudos,, .,despenteados,,.
. r
e Essa
r rlui-a antitética global suscita incessantes jogos de vaivém
r r(' ()s diferentes eÌementos do poema. Assim, o verso 4 (,,E
Os pontos de oncorogem a
1, .r;ìVCrâ em flores nas suas pantufas brilha"), que evoca uma
Orientado pelo contrato de leitura, o leitor, como vimos, rr, natureza para a ordem burguesa, se opõe ao verso l4
1,1 1J;1
constrói sua recepção apoiando-se nos espaços de certeza for- I r plimavera em flores brilha nas suas pantufas',), que parece
necidos pelo texto. Esses pontos de ancoragem delimitam a , rir rluc o conformismo venceu. Baseando_sc ncssas oposi_
leitura e a impedem de se perder em qr-ralquer direção. ' ' ,, leitor, progressivamcnte, constrói o scnticlo do texto.
AÌém dos títulos e da menção do gônero (que dizem respci- .\o lc1 uma narrativa, é juntando as açõcs esparsas crÌt sc_
to ao que se chamou de peritexto), podem-se destacar em todo l!r rì( i,ls Ìógicas que o leitor vai poder se orientar no universo
texto canais semânlicos que estruturam a Ìeitura. As unidadcs rrivo. L, porque os aconteci rnentos, nunl Íomance, são li_
qlle os compõem podem ser ligadas por relaçõcs de semeihan- l, , , 1,,r. relações de complemcntaridacle ou
de conseqüência
ça (várias paÌavras remetendo para o mesmo tema), de oposi- 1, ' ,' lf i1sl- dispõc de lugares de ancoragen para sr_ra lcitura.
ção (o sentido se orgaÌìizando em torno de uma antítese) or-r dt' r rr, Ir r Bar-rhe s (1977):
concatenação (seqr-iências de ações formando um todo).
No pocma de Éluard "La courbe de tes yer-rx" l'A curva clt. A corrpril dc r_rm rcvólvcr tclll como corrclato o momcnto L-lll
L,( scr-il r-rsaclo (c se rrão ó usado, a anotação é devolvida conro
teus olhos"l, as principais imagens estão ligadas pela idéia dt'
"circularidade", sugerida ao poeta pelo arco dos olhos da nrtr r ri ,lc'eleicladc etc.), tirar o Íonc clo gancho teÌn conìo correÌato
lher amada. Assim, é possível juntar os termos "curva", "vol
, r,)|l('rìto cÌn que será rccoÌOcacÌo; a intrr-rsão do papagaio na
ta", "redondo", "dança", "auréoÌa", "bcrço", "asas", "barcos" t, ' iic l;élicité
,r 1crìl corno correliìto o episócìi, do cmpirlharnento,
campo semântico está associado no poema à ideia de nascimento ', , rr.lrçoes de scmclhança, dc oposição ou de concatenação
("berço", "orvalho", "fonte", "respin gos", "ni nhada", "aÌvoracla ") , i .r, rrniclades de um texto são, portanto, para o Ìeitor, os
e à de naÍureza ("lolhas", "musgo", "taboas", "vento", "asas", ,lt' .r1'roio mais evidentes. Mas a Ìista, claro, está Ionge
"céu" , "mar", "palha", "astros"). Essas relações de semelhanç.;r ,,.,;rtrstiva.
permitem estruturar a leitura: elas mostram como o motivo (1,Ì
circularidade, suscitado pela curva dos olhos, torna-se a metiiÍir , , .r)crcos de indeterminoçõo
ra de um renascimento de dimensões cósmicas. Esse renascimcrrlo
simbolico é o do poeta que, graças ao olhar daquela qLre alììir, i r '\{o pode tarnbém programar a Ìeitura delimitando os
lìode comungar com o univcrso. ' , ,lc indeterminação, isto é, decidindo quais elementos
No soneto de Verlaine, "Monsieur Prudhomme", é em torrr,' i l',rÌ,ì iÌ criatividadc do leitor. Ìscr faÌa, a esse respeito, dc
da antítese entre a fìgura do burguês e a do poeta que se orgirrri , , 'lr'
I ..
nCHaçaO
Vincent Jouve A leiiuro
A ausência deliberada de uma anotação (am "vazio", na .rl),ìr-cce no decorrer do romance como uma mola narrativa que
terminologia de Iser) é de fato um meio eficiente de programar a , lt'tt'rmiÍÌâ o destino das personagens principais: Louis, o herói,
cooperação do leitor. No fim de Os possessos, Dostoiévski nos ,,
'rÌvcrte-se na véspera de sua morte, depois de uma
vida de avareza
propõe um episódio crucial durante o qual o herói, Stavroguine, ,' ,lc cgoísfiìo; Marie, sua filha, por meio de uma doença e de uma
perseguido pela lembrança de uma cena odiosa, se confessa ao rìr( )r'tc prematura, redime os pecados de seu pai; Isa, sua mulher,
bispo Tikhone. A confissão está escrita numa série de folhetos , r ìÌ Ì [ i r-Ìua, além das barreiras do rancor e do silêncio, a dedicar a
que Tikhone lê em voz alta. O bispo, depois de ter lido uma ., rr rrarido um amor profundo. A negação do catolicismo
passagem na qual uma menina, sozinha com Stavroguine, lhe (lìÌ()vcniente de sua descontextualizaçáo, de sua "extração" do
dá um beijo apaixonado, pára. Percebe que lhe falta o segundo rrrrrrìrlo real) obriga o leitor cristão a reavaliar o que, na vida
, ,,litlianâ, the parecia evidente.
folheto no qual está escrito a seqüência da história. Como ele
fica surpreso, Stavroguine diz:
tlrno noçõo-chove: o isolopio
"Sim, é o terceiro; no que diz respeito ao segundo... O segun-
do está censurado por enquanto", respondeu rapidamente Stavro- () conceito de "isotopia" foi proposto por A. J. Greimas: há
guine sorrindo sem jeito. Estava sentado num canto do soiá, e r',orollil quando os signos texluais remetem para um mesmo lugar.
febril, imóvel , não parava de olhar Tikhone. (Dostoiévski 1955, I r'\,:uìtâr isotopias, portanto, é identiÍìcar as continuidades
t.II, p.453) ,, rrr,.urticas que tornam o texto lido um conjunto coerente. Nesse
,, nritlcr, pode-se dizer, com M. Arrivé (1975), que "ler um texto é
Desse segundo folheto, o leitor nunca terá conhecimento. r, l, rrt ií.ìcar a(s) isotopia(s) que o percorre(m) e seguir de perto o
A narrativa prossegue com a leitura do terceiro folheto, com o { I ';) ('Lr rso dessas isotopias". Quanto mais o texto é redundante
' r
qual se fica sabendo que, no dia seguinte à cena ocultada, a t, r rt'r d izer, repetitivo na informaçáo que transmite), mais fácil é
I
menina vê, com terror, Stavroguine voltar. Pouco tempo depois, r r.rìstruÇão da isotopia. Assim, as narrativas naturalistas,
escolhe se enforcar. A chave dessa seqüênciatrâgica de acontc- l,,r',r';rtlas em certa homogeneidade, são mais faceis de decifrar
cimentos está, evidentemente, nas confissões do segundo fo- ! 1r' ( )s poemas surrealistas.
lheto cuja ausência, explicitamente notada por Stavroguine, lrxrrrninemos, desse ponto de vista, as duas primeiras frases
constitui um "vazio" narrativo. O leitor deverá usâr sua imagi- 'l' l\tt l3ouille:
nação. Obrigando dessa forma o destinatário a investir posi-
Rua Neuve-Saint-Augustin, uma concentraçáo de carros parou
ções textuais precisas, o texto controÌa sua atividade.
ì ( iìl-rllagem carregada com três malas, que trazia octave da estação
Por "negação", Iser designa o questionamento de certos ele-
,
transforma-o ao mesmo tempo num elemento de ficção. A Íó , rrr l',rris, as "três malas" na carruagem, e a "concentração dc
/J
Vinceni Jouve A leìturo
carros" em um bairro logicamente muito freqüentado. As men- ingüística depreendido por H. C. Grice: o de stinatário, para en-
ções da "estação ferroviária de Lyon" e da "Rua Neuve-Saint- re nder um enunciado, precisa reconhecer nele uma intenção. Dcssa
Augustin", próximas, não surpreendem em nada nesse contexto. l()rma, assim que abriu o Ìivro, o leitor constrói uma hipótesc
O "vidro" e a "porta", eÌementos da carruagcm anteriormente ,obre o teor global do texto: de antemão, eÌe antecipa e portau-
citada, inscrevem-se perfeitamente nessa cena de abertura. O vidro ro simplifica - o conteúdo narrativo.
aberto, o "frio" , a escuridão e a "tarde de novembro" associam-se Segundo Eco (1985), ao levantar hipótcses sobre o "tópico"
naturalmente para suscitar a idéia de um outono um pouco triste. 1r'xtual, o leitor antecipa a seqüência da narrativa:
Tiata-se de fato de uma narração sem surpresa na qual os diferentes
elementos se confirmam mutuamente para tornar o texto perfei- O tópico ó un'ra l.ripótese que dependc cìa iniciatìva do leitor, o
uma manera um lìrìLlcr) rtrdimentar, na lorrrr:r
qr-ral a ltormula cle
tamente legível.
dc pergunta ("Mas do que sc cst:i Íalirnrlo?") rlLrc sc tradr-rz pcÌa
Ao contrário, no vcrso famoso de Eluard 'A terra é azul como
proposição dc um títuÌo provisr'rrio ("provrrvt'lrrrcntc, cstanros lir-
uma laranja", a ausência de redundância isotópica (qual a relação
lando de tal coisa"). (p. I ì 9).
entre o azul e a cor da laranja?) cria um efcito irrecusável de
estranheza.
No poema dc MaÌÌarmé anteriormerrtc citado, o leitor, dcpois
isotopia, como fenômeno semântico, é fornecida pelo texto,
Se a
, l,'i:onhecer o títr,rlo, pode formular três tópicos diferentes conformc
eÌa só pode ser perccbida, entreranro, graças às hipóteses inter- ,' (ÌLle 1ê em "Salut": "brinde leito dr-rr:rnte Llm banquete",
pretativas do leitor. Quando no último verso dc "Salut", MaÌlarmé
..rlvanento" or-r "saÌvação". É a rcdur-rclância isotópica que, na
evoca "a preocupação branca de nossa toile" , a ptrlavra "toíIe" pode
,,', 1Liôncia do poe nla, the permitirá decidir por uma ou outra hipótese
depender ou da isotopia "banquete" (entrando cnt relação com as
,,1r, cvenlualmentc, aceitá-las todas.
palavras "travessa", "amigos", "bebederra"), ou da isotopia
Por meio clo rcflexo de simpÌificação, o clue cstá em jogo ó a
"navegação" (remetendo para os signos "espuma", "afoga-se", "sire-
rì('ccssidade de cntender inerentc iì lc'itrrra. O lcitoç que para lcr
nas"), ou da isotopia "escrita" (ligando-se então à scqiiência "verso",
li'vc saber onde cstá indo, ó constrìntcrÌlcrttt' lt'virrlo a sinrplificitr:
"virgem", "solidão"). O significante roile designará, assim, segundo
a isotopia retida, os significados "toaÌha", "vela" ou "página" (ver Sc o:tutor tcncic.r rtnnL'ntJl () lìuÍr)r'r,r rlt'sis(cnrlts cotliÍìclt
a análise que Rastier faz do poema em Sens et textualíté lsentido e
F, dos e a tornar nrais corlplexa sLliì cstnltuliÌ, o lcitor cstli prope nso
textualidadel, 1989). O texto, como se vê, pode apcnas programar a a reduzi-los a um mínirno suÍ-ìcicntr- scgr,rnrlo cÌc. A tcntlrìrrcr;r
leitura: é o leitor que deve concretizá-Ìa. para tornar conrplcxo o caráter é unra tcncÌôncia clo:rutor, :ì cstru-
lura contrastacla ern preto-e-branco, e LlÌìra tcndôncia do leitor.
(Lotrran, Ì973, p.406)
O popel do leitor
Quando seu saber não the permite destacar a pertinência do
Os reflexos do leitor: onlecipoçoo e simplificoçoo : . {o, o leitor vai aplelar para uma interpretação simboÌica. Se Ulisses,
I' Jo1,çe, permite esperar, com seu títLÌlo, uma lembrança dir
A antecipação e a simplificação são os dois reflexos básicos , ,lrr-róIa, percebc-sc rapidamente que o qr-radro espacio-temporaì
da leitura. ExpÌicant-se por esse princípio essencial da troca ,ì r()llìance é totalniente incompatível com os dados do reÌato dt'
t
VincenÌ Jouve A leiÌuro
Hornero. Para encontrrìr a pertinência do texto, o leitor dcverá por- r\1;rs qLrando, urÌl pouco ntais adiernte, o narraclctr nos tìÌ()stra iì
tanto interprctar sin-rbolicanlente como uma nova odisseia mo_ ì('r'soÌrageÌTì dcitada ne p|aia, vir'a. exigc qLle rccorìstrLliÌrììos o
derna - as peregrinações dc Bloom cm Dublin. ,irrÍcceclcnte: Cyrus Smith, contrariamentc ao quc parcci:r l<igico,
rr.ro cst:i morto; portanto, ele reccbeu nccessarianrcnte unra aju-
lrr. O processo pode te Ì, sobre a lcitura, conseqüências ntais fun
A leituro como previsõo '
, Írrrncnt:Ìis. Assirr, quando o inspectorJavert (apresentado até cntão
\ ()rììo LlrÌl policial insensível e seglÌro de scus princípios), cm Os
Por caus:r do reflcxo de antecipaçno, a leitura aprcsenta_se
tniseráveis, deix:r, contrariando toda expcctativa, Jean Valjciin ir
como um testc, peÌo texto, das capacidadcs dc previsão do lci,
, rììboriì, o leitor é levado lr reavaÌiar a persoÍìagem (rcavaliercão c1ue,
tor. Se ccrtos gêncros, como o romance poìicial, est,ìo totaÌ_
I r'O, ll'dZ Otlll'íì:, COnCCI'llCnte.Ì ('.pdcos I.jrì \,ì:t()\ (lllAlìlrt,Ì Iìrì
mente fundamentados nesse princípio, até mesmo as obras
, ologia humana e a visão sociaÌ).
consideradas mais "Ìitcrárias" não podent deixar de lançar mão
Essc trabalho de prcvisão, port.Ìlìto, ó tuclo nìcuos sLrpcrfi-
delc: "o Ìeitor n-rodelo cìeve colaborar para o desenvoÌvirnento da
, irrì. Obrigando o Ìeitor' .ì rcqucstiol-Ìar sLr.Ìs intcrprctaçõcs, cstá
fábular anteciPando os estágios sucessivos. A a'tccipação cio leitor r r.r oriscm dessa "redescoberta dc si", quc ó um dos eleitos cssen-
constitui urna porçáo de fábuÌa que deverria corrcspondcr àquela
rrris da leitura c qlle sc analisarir ulteriorrrerrte.
quc vai ler. Unr:r vez cìLle terá Ìiclo, perccberá sc o texto confirmou
ou não sua prcvisão" (Ëco, 19S5, p.1aB). O rcxro, com lclicidadc
qualificado por Eco clc "mác1r,rina prcguiçosa,', nccessita das A performonce do leitor
previsõcs do leitor para [uncictrrar. Dc.pcnde dcssa condição para
podc r conforth-Ìo,
O lcitor constrói sua recepçao decifr-ando unr :rpós outro os
rPree'dê- | o ou, si npl esnrcr te, i ntcrcs sá-l o.
sr-r
A leitur., retomando os tc'llos dc W. Iser, ó, portiìlìto, L'xrì 'lrlèrerrtcs nívcis do tcxto. SeeLrnclo Eco ( I985), o lcitor' partc
dialótica entrc proúensao (espcra do quc vai acontecer) e retenção 'irrs estruturas rnais sirrplcs ;rrrrrr clrcg;rr' às nrrris ct-lnrplcxas:
,lcssa lorrna atualiza suLr'ssi\'.Ìrìr('rìlL .ìs ('str-utrriìs "tliscLrsivlrs",
(mcmória daquilo qLÌc .ìconteccr,r). A atividade de previsão apre
r ìiÌrrativas", "itctancia i s " c " i rl col ri!,i crr s ".
sentiì-sc do scguinte rnodo: existe antccipação clo leitor, depois
valid:rção ou invalidação pelo rcxro das hipótcses emitidas. Nessc
A atr-ralizaçao das cstrLrturirs cliscrrr-sivrrs cor lcsponrlr'ì Írrsc
,lc explicitação se mântic:r. E.r-r-r scrr decil'r.anre r-rt-o rlrìs prrlrrvrrrs, o
úÌtinro caso, cxiste rctroação, isto e, rcforntulação pclo Ìeitor
,'ìtor só retem iìs propricdades ncccssárias paÌ..ì .ì r-trnì|rL'r'rì\rr ì
daquilo que cle havia a'rterio'rentc cstabeÌcciclo. us:rrrclo uma
(lo texto (em outros tenlos, as irrplicadirs pelo tirpico). l)c Íato,
terminologia cliflerentc, Jean-Michel Adant (i995) nora que, na
iire ó in'rpossír,cl reunìr para cacia signo o conjunto das signifi-
Ìeitr.rrir, "o processo cognitivo ó um vaivóm do antecedenfc para o
, rrçocs arroladas pelo cìicionário. No vc'rso de Verlainc "a lua
conseqi.iente prcvisto c do cons&lliente para o antecedentc recons-
lrranca reÌuz sobre os tclhados", a paÌavra "lua" não precistr ser
truído" (p.29) Ìsso ó vcrdadeiro tar-rto piìra as Ìlenores seqüôn-
rr'lacionada com sua defìnição astronômica de "sirtelite da Tcrra
cias clc ações como para os grancles cpisódios da rrarrativa.
euan_ ,lLle reccbe sua ILLz do Sol": aqtri, é sua única realidade dc astro
do, e rr A ilha ntísterio.sa, Cyrus Srrith cai do balão em plcrro mar,
rì()turrìo que pelas suas conoterções dc meiancolia e de sr-rarri
a conseqüônciil quc rìiÌtllraÌnlolte sc i)cnsa é tlue ele- lllorreu.
,iedc pede para ser lcvada enr conta.
t
Vincenl Jouve A leìÌuro
O leitor reúne, depois as estruturas discursivas, numa série Dnfinr, é descobrindo uma forte marca axiológica llo cstÌtlcma
de macroproposições que the permitem destacar as grandes li- r, rrrncial que o leitor poderá destacar as estrutLlriÌs idcológicas
nhas da intriga. Essas estruturas narrativas lhe permitem refletir ,1,, 1s11o. Se retomarmos o cxemplo de Em Busca..., parccc clarcr
sobre o conjunto depois da leitura de várias páginas, de um ,
lrrc a oposição entre Swann,/Cl-rarlus, de um
lado, e Elstir/Vintcuil,
capítulo ou de uma cerra longa. Depois de ter lido o início de l,r oLr11s, ilustra, para o narrador, urna oposição mais profrjnda
Germinal, podem-se destacar as estruturas narralivas seguintes: , rrrre vaÌores negativos e vaÌores positivos. Assim, depreende-se
um opcrário solitário, Étienne Lantier, acaba de encontrar um ,l,r soma proustiana uma ideologia da arte como valor absoluto
emprego numa mina; integra-se rapidamente numa lamília de ,1trc exige do artista um sacrifício total.
mineiros - os Maheu; pouco a pouco toma consciência de que, no
mundo da mina, as relações sociais estão congeladas... As
A competêncio do leitor
estrututras narrativas constituem, como se vê, o vigan-rento da
narrativa: são elas que serão retidas para um resumo da intriga. Se o Ìeitor pode realizar uma perfornrancc (atLr:rlizar os di-
Passando para um nível de abstração suplementaç o leitor Ír'r-crtes níveis de um texto), é porque clispóe cle utna comltetên-
integra, assim que pode, as macroproposições narrativas no Segundo Eco, a competência do leitor corllpreendc' pelo
'i,r.
csquema actancial. Sabe-se de fato que é possíveÌ encontrar em rÌìcnos iclcalmente, o conhecimento de um "dicionário dc base"
toda narrativa os seis papóis actanciais descobertos por Greimas: r' "regrâs cle co-rcl'crência", a capacidade de detectar as "se-
su jci t o,/obj eto, cm issor,/dcsti natário, oponc nte,/adj uv:rnte. As- It'r-Ões contextuais c circunstelnciais"' a capacidade de intcrpre-
sinr, crrr Os fri.s rrrrr.squetciro.s, D'Artagnan (o sujeito) é mandado r,Ìr o "hipercódigo retórico e estilístico", uma familiaridade
pclo sctr pai (o cnrissor) irté ï-évillc (o destinatário) para ad- ( ()lrì os "cenários comuns e intertextllais" e, enfim, uma visão
rltrir.ir. o títLrlo clc rnosqrrcteiro (o objeto) . Conseguirá o que ì,lcológica.
rlucr clinrinanclo lìocheí'ort, MiÌady e Richelieu (os oponentes), o conhecimento do cliciontiric'r Pcrntitc clctcrnlilrar () coll-
corìl a ajlrda clc Athos, Porthos e Aramis (os adjuvantes). O tt'údo semântico Clcrncntar cÌos sigtl<ls. Sclll tlrll tloltlíltio rrtítli-
csLlLr('rììrì actancial encontra-se também nos romances da sub- nro do codigo lingr_iístico, ó dr. íìrto intpossívcl rlcciliar urìì tcx-
jetivicìade, pouco narrativos por essência. Sc se admitir que Ërn ro. Quan<1o se lê no primeiro capítr-rlo clc l)otrlor 1Ìr.çcrr/, rt Íì esc:
busca do tempo perdido é unta procura cujo objeto é a criação ar- " lrm pé na frente do armário, cliante das janelas, o [)oltto| I'ascal
ó prcciso scr
tística, Marcel se apresenta imediatamentc como o sr-rjeito- lìrocurava um bilhete, que aí tir-rha vindo buscar",
clestinatário. O grupo dos cmissores inclui os autores cujos iivros ( apaz de dcstacar imediatamcnte os significados básicos da palirvra
suscitaram a vocação literária do hcrói, tais como Georges Sand "cìoutor" notadantente, "sábio" e "médico" - com o risco de
-
e Mmc. de Sévigné. Os oponentes sâo os artistas estóreis, Swann pcrcler rapidamente o fìo de um romance construído sobre a
e Charlus, que nunca puderam se dccidir a sacrificar a vida peÌa oposição entre a ciência e a fé.
arte. Do lado dos adjuvantes, encontram-se os criadores reali- As regras de co-referência servem para entender correta-
zados, tais como Elstir e Vinteuil. Marcel, elc próprio, se torna- rìÌente as expressõcs dêiticas (que remetem para a situação de
rá artista, quando tiver entendido que os printeilos encarnam o t,nunciação) e anafóricas (qr-rc designam um eìernento ante|ior).
n'raior perigo, e os segundos, o modelo a seguir. () leitor, para não sc afogar no texto, dcvc ser capaz de identificar
Í
Vìnceni Jouve A leituro
a personagem eventualmente retomada por um "ele" ou um "ela". Um corre e o outro tem asas
No original: "Celuì qui croyait au ciel,/ Celui qui n'y croyait pas/ Lun courl et
I l'autre a des ailes,/ De Brctagnc ou du Jural Et lramboise ou mirabelÌe/ Le
No originaì: J'aimc fleur de mars, j'aímt Ia bellc rose,/ Lunc quí est sacrée à Vénus
la
la déesse,/ Lautre quí a Ie nom de ma belle maïtresse,/ Pour tlui troublé d'cspírit en griÌÌon rechantera/ Ditcs flüte ou violoncelie/ Le double amour qui brúla/
prtix .jc ne response". lialouette et e'hirondeie/ La rosc ct réseda."
Vincent Jouve
A leiÌuro
nos pcrmite interpretar os acontecimcntos aos quais assistimos' ( )rìlradizer o projeto do autor.
oo
F
Umo norroÌivo nõo é enÌendido nem memorizodo de moneiro A leiluro como previsÕo: o modelo
onos'
lineor. Os Ìrobolhos de psicologio cogniÌìvo desses Ú11ìmos do jogo de xodrez
cenlrodos nos processos de memorizoçoo, de (re)produçõo,
de
Poro isso, executo um movimento duplo: por um lodo, considero Pode-se, por-ÌonÌo, ter possibilidodes obieÍivos consenlidos pelo
todos os possibilidodes objeÍivomente reconhecíveis como "odmitidos" enciclopédio (o sislemo) do xodrez. Pode-se, portonto, represenlor
(ele nõo levo em consideroçõo os iogodos que colocom seu rei em iogodos possíveis os quoìs, mesmo sendo possíveis openos em relo-
condiçóo de ser imediotomente pego: essos iogodos devem ser con- çoo ò "boo" porlido, nõo sõo, por isso, menos concretomenÌe
siderodos "proibidos"); por oulro, ele imogino o que iulgo o melhor represenÌóveis. Assim, o mundo possível prefigurodo pelo leitor
iogodo levondo em consideroçõo o que sobe do psicologio de lvonov fundomenlo-se ou em condições objetivos do sisÌemo ou em suos
e dos previsóes que esie deverio ter feilo ocerco do psicologio de proprios especuloções subieÌivos quonÌo oo comportomento de ouÍro
Smith (por exemplo, o leitor pode supor que lvonov Ìente um gombiÍo (em ouÌros polovros, o leitor especulo subfelivomenle sobre o modo
ousodo porque prevê que Smiïh coiró no ormodilho). com o quol lvonov reogiró subfelivomenfe òs possibilidodes ofere-
O leitor grovo enÌõo no suo ficho o que ele iulgo ser Su volidodo cidos obfeÍivomente pelo sistemo).
pelo portido que o outor opresenÌo como ótimo. Depois, viro o ... Um iexio norroÌivo pode porecer tonlo um monuol poro crion-
pógino e confronto suo soluçõo com o do monuol. De duos coisos, ços quonÌo um monuol poro iogodores experienies. No primeiro
umo: ou ele odìvinhou, ou nóo odivinhou. E, se nõo odivinhou, o que coso, serõo propostos siÌuoções de portidos bosionte evidenies (se-
voiÍozer? Jogoró (com desopontomento) suo {icho porque elo consÌitui gundo o enciclopédio do xodrez), poro que o crionço tenho o soïis-
o represenÌoçõo de um possível esÌodo de coisos que o decorrer do foçõo de ontecipor previsóes coroodos de sucesso; no segundo
porlido (considerodo o único boo) noo conÍirmou. coso, serõo opresentodos siluoçóes de porÌidos nos quois o vence-
lsso nõo impede que o esiodo olÌernotivo que hovio previsto dor Ìentou umo iogodo ÍoïolmenÌe inédito que nenhum cenório
posso ser perfeitomenÍe odmiÍido do ponio de visto do iogo de hovio oindo grovodo, umo iogodo Ìol que ficoró no posteridode
xodrez; ero totalmenÍe possível e lonto o ero que o leitor o repre- pelo suo ousodio e suo novidode, de iol formo que o leiior senÌe o
senÍou efefivomenÍe. Mos nôo ero o que o oulor propunho. Note- prozer de se ver conlroriodo. No fim de umo fóbulo, o crionço fico
mos que (l) esse tipo de exercício poderio poro codo logodo pro- feliz em sober que os protogonisÌos viverom felizes, exotomente
longor-se com umo portido muito comprido, e que (ll), poro codo como o hovio previsÍo; no finol de Os re/ógios, o leilor de Agotho
iogodo, o leitor poderio desenhor nôo openos um, mos vórìos esto- Chrlsiie fico feliz em sober que se engonoro tololmenie e que o
dos possíveis; enfim (lll) o outor poderio brincor de represen- ouior Íoro diobolicomente surpreendenle. Poro codo fóbulo seu
tor todos os estodos possíveis que lvonov poderio Ìer reolizodo, com jogo e o prozer que elo decide dor. (Eco, ì985, p.l5l-3)
Ìodos os respostos de Smith, e ossim por dionte, obrindo o codo
logodo umo série de disjunçóes múltiplos, oo infinito. Procedimen-
io pouco ecônomico mos, em princípio, reolizóvel.
Evidentemente, é preciso que o leitor Ìenho decidido coope-
ror com o oulor; ele deve portonlo odmiïir que o iogo lvonov-Smith
é o único que se reolizou efelivomenÍe e tombém que é o melhor
que podio ser reolizodo. Se o leitor nõo coopero, mesmo ossim ele
pode utilizor o monuol, mos como esiímulo do imoginoçõo poro
conceber seus próprios iogos; do mesmo modo, pode-se interrom-
per um romonce policiol no meio poro escrever seu próprio ro-
monce, sem se preocupor em sober se o decorrer dos oconÌeci-
mentos que imoginomos coincide com oquele que o outor volido.
4
O que selê?
Os níveis de leituro
mente estabelecer os textos, mas também analisá-los, interpretá- se a seus conteúdos e liberam um espaço Ìúdico no qual se tornam
los e avaliá-los. A abordagem alexandrina, preocupada com a possíveis jogos de signos e leituras plurais.
exatidão, tenta assim romper com a tradição do alegorismo Quando Mailarmé, num soneto céiebre "Ses purs ongles très
herdada dos estoicistas e retomada, na época, pela escola de haut..." l"Suas unhas puras muito alto..."l, qualifica o "ptyx" de
Pérgamo. A leitura alegórica, buscando o "sentido escondido" "abolido brinquedo de inanidade sonora", está claro que as pa-
da obra, visa destacar a intenção profunda do autor. Os textos lavras que compõem o verso foram primeiramente escolhidas
homéricos apresentam-se, naturalmente' como um objeto de pelas suas qualidades fonéticas (aliterações em "b" e "1",
estudo privilegiado. A1ém de suas diferenças, os dois métodos - assonâncias en "o" e "i"). Essa preferência pela musicalidade
que não tardariam muito em se enriquecer mutuamente - tem como inevitável corolário um certo obscurecimento do sen-
procedem, contudo, de um projeto idêntico: a elaboração de uma tido. Em que medida o "pÍyx", concha vazia que se leva ao
grade de leitura que permite esclarecer as múltiplas dimensões ouvido e cujo ronco surdo sugere o barulho do mar, corresponde
da obra literária. à definição que MaÌlarmé lhe atribui? Já qr,re as palavras não são
Mas é a exegese bíblica que, ao longo de toda a Idade Mé- mais escolhidas por seu sentido, mas sim por st:u sorn, o lexto
dia, vai desenvolver um verdadeiro sistema interpretativo, dis- torna-se opaco e, sugerindo mais do que diz, é suscetível dc uma
tinguindo, nos textos sagrados, quatro níveis de sentido: "lite- grande variedade de i nterpret ações.
ral" (a história contada), "alegórico" (anúncio do Novo Testa- Esse fenômeno é acentuado pelo carâter "poÌisotópico" da
mento no Antigo), "tropológico" (conteúdo ético da narrativa) maioria das obras literárias. O texto, seguindo ao mesmo tempo
e "ar-ragógico" (valor da mensagem bíblica para o derradeiro várias linhas de sentido, leva o Ìeitor a destacar várias coerências.
final do homem). Esse método de interpretação se estende ra- Como definir, por exemplo, a isotopia principal de Gargântua? É
pidamente para os textos profanos: a obra literária de Dante, uma celebração do humanismo do Renascimento? Uma narrati-
por exemplo, demandará sua apÌicação. va burlesca e paródica? Um romance de iniciação? Uma narrativa
Parece assim que, desde a origem, a leitura não pode se picaresca? O interesse do texto está justamente na impossibi-
satisfazer em achar no texto um sentido muito limitado' lidade de sacrificar uma ou outra dessas interpretações.
Existem, pois, vários níveis de leitura na obra literária' Essa Se o ato de leitura tende a multiplicar as significaçóes, o
realidade, desde então aceita de forma unânime, explica-se em número e a natureza dos níveis de sentido variam com os tipos
primeiro lugar peia estrutura interna do texto. Sabe-se, desde de texto. Nem todas as obras carregam a mesma polissemia.
Jakobson, que o discurso estético, ao privilegiar o significante, Barthes (1970c) distingue assim os textos "escritíveis" dos textos
isto é, o aspecto carnal dos signos, é inevitavelmente destinado à "legíveis": "Por um lado, há o que é possível escrever e, por outro,
ambigüidade. É potque a forma se desenvolve em detrimento do o que não é mais possível escrever" (p.10).O escritível designa
fundo que a literatura produz um sentido incerto. Em razão do os textos no plural ilimitado que podem ser indeÍìnidamente
trabalho ao qual o texto as submete, as palavras cessam de ater- reescritos (isto é, reinterpretados) pelo leitor. No oposto, o legívcÌ
t
Vincent Jouve A leituro
remete aos textos cujas linhas de sentido são contáveis e identifi- ,lt', ela própria, fez-se ouvir logo no título por meio das pe rguntas
cáveis pela análise. Haveria, assim, por um lado, textos como os (lLlc Lrm nome tão enigmático como "Sarrasine" provoca.
de Mallarmé ou Bataille, que, pelo trabalho ao qual submetem a É pluralidade de vozes que, ao se revelar no dccorrer
"ssa
linguagem, frustram qualquer tentativa de fechar a análise e, por ,le leitura, define o texto como literário:
outro, a ionga tradição dos textos clássicos que aceitam várias
O texto, enquanto se faz, é parecido com uffìa renda dc
ieituras, mas em quantidade limitada.
Valenciennes que nasceria diante de nós sob os dedos da rendeira:
O importante é que, escritível ou legível, o texto literário é,
cada seqüência engajada pende como o bilro provisoriamentc
por definição, sempre polissêmico. O texto legível, mesmo que
inativo que espera enquanto seu vizinho trabalha; depois, quando
seu plural seja circunscrito, também deixa ouvir várias vozes. chega sua vez, a mão retoma o fio, o traz de volta ao bastidor; e, à
Barthes identifica cinco delas: avoz daEmpiria (organização em medida que o desenho vai se complctando, cada fio marca seu
seqüências das ações e comportamentos das personagens), a avanço por um alfìnete que o retém e clue sc dcsloca aos poucos.
voz da Pessoa (significantes de conotação que constituem cam- (Barthes, 197 0c, p.766-7)
pos temáticos), a voz da Ciência (feixo dos julgamentos coleti-
vos e anônimos fundamentados numa "autoridade"), avoz da
Verdade (conjunto das unidades que articula um enigma e sua
A leifuro centrípeto
solução), e a voz do Símbolo (partitura com entradas multi-
valentes e reversíveis). Assim, quando o narrador de Serresine
inaugura seu relato escrevendo: A trodiçõo do hermenêuiico
Estava merguÌhado em um desses sonhos profundos que atin- Se o texto remete a vários sentidos, não é certo que todos
ge todos, mesmo um homenr flrívolo, no meio das festas mais lcnham a mesma importância. Pode-se muito bem Ìer postulan-
tumultuosas, tlo a existência de uma significação original e central da qual
,lcpenderiam e surgiriam todas as outras. Essa relação com a obra,
ele se refere de antemão e simultaneamente à quase totalidade ('spontânea, como se viu, no leitor comum, é igualmente prczacla
dos códigos. O estado de absorção da personagem ("estava l)or uma certa leitura crítica. Nascida da lor-rga tradição da
mergulhado"), ao traçar um comportamento, faz ouvir a voz da lrcrmenêutica literária, atualnrente e de[e nclicla pclos teóricos corno
Empiria; a evocação das "festas tumultuosas", ao conotar a ri- Starobinski e Riceur.
queza - um dos temas essenciais da narrativa -, designa a voz A hcrmcnêutica - do grcgo hermétteutìkos, qr-rc significa "fazer
da Pessoa; a forma proverbial da oração adjetiva ("que atinge r crnhecer", "Íraduzir", "interpretar" guarda, para a Ieitura, o
todos") remete claramente, pela sua aparência de verdade geral, r ri ncípio de coerência. Cada elemento do texto deve ser interpre-
1
à voz da Ciência; o "sonho", enfim, que permite ao espírito rrrclo em razão do todo. Em última análise, é sempre possível
vagabundear quando o corpo permanece imóvel, anuncia a antí- rclilcionar a obra com uma intenção, uma origem, que garante a
tese a vir entre o fora e o dentro, antítese cuja seqüência da nar- rrrridade do sentido. Eis como Leo Spitzer (1970) define o com-
rativa vai rapidamente revelar o valor simbólico. A voz da Verda- I
ì()rtamento do pesquisador:
T
Vincent Jouve A leiiuro
O que se the deve pedir ... é ir da superficie até o "centro vital cunscrito e diminuído por todas as mesquinharias da vida cotidia-
interno" da obra de arte: observar primeiro os detalhes na na. Mas é de lato o autor, ou pelo menos o pensamento atuante,
superficie visíveÌ de cada obra em particular (e as "idéias" expres- pensante e consciente do autor, que, no seu texto, se encontra
sas pelo escritor são apenas um dos traços superficiais da obra); enraizadamente ligado a todos os objetos com os quais escolhe sc
depois agrupar esses detalhes e procurar integrá-los ao princípio confrontar. Ler um texto é, portanto, tomar conhecimento dessa
criador que deve ter estado presente no espírito do artista; e fi- presença interna. (p.78-9)
nalmente voltar para todos os outros domínios de observação
para ver se a "forma interna" que se tentou construir dá realmen- O próprio da hermenêutica é, portanto, essa necessidade,
te conta da totalidade. Depois de três ou quatro dessas idas e r t)nstâflte no decorrer da leitura, de transformar o diverso no
voltas, o pesquisador poderá saber se encontrou o centro vitaÌ, o rrrr ico.
sol do sistema astronômico (eÌe saberá se está definitivamente
instalado no centro, ou se se encontra numa postura "excêntrica"
ou "períférica"). (p.60) Sentido imonenie e "estruturo profundo"
"O efeito de surdina" em Racine ou "a arte da tradição" em La Essa idéia de uma significação original que seria a chave do
Fontaine permitem, assim, por aprofundamentos sucessivos, r('xto não é própria da tradição hermenêutica. Curiosamente,
chegar a um entendimento global de suas respectivas obras. ('rìcontra-se essa visão de um sentido que existiria na obra como
A hermenêutica defende, portanto, a idéia de uma leitura rrnra realidade primeira na semântica estrutural de Greimas.
"centrípeta", isto é, de uma interpretação centÍada e racionali- ( )s conceìtos de "estrutura semântica profunda" ou de "subs-
zante que tenta subsumir a compiexidade dos textos em um t;ìncia do conteúdo", inspirados na lingüística gerativa de
sentido unitário. Esse princípio unificante que permite ao Ìei- tìlromsky, sugerem de fato a existência de um fundo recoberto
tor ordenar sua leitura é o sujeito que mora na obra e que nela 1't'lar forma, que o ato de leitura teria como tarefa desvelar. Assim
se revela. Pelo menos é o ponto de vista de Georges Poulet (1975), t , r'eimas (19 70) postula, em face de um "nível aparente" da narra-
que, embora reivindicando, diferentemente de Spitzer, uma pri, ,,,r(), a existência de "um nível imanente", "constituindo um tipo
meira experiência do texto totalmente subjetiva, procura igual- rlr' tÍor-ìCo estrutural comum, no qual a narratividade está
mente na obra um centro original: l, rcirlizada e organizadaanteriormente à sua manifcstação" (p. I 58).
terísticas próprias ("mudança" , "luz" , " caIor") , mas também pelo laz o leitor ingênuo, mas também o espírito mais esperto e dc-
conjunto dos traços que a opõem à morte (pureza", "gaseidade" siludido, acreditar sem dificuldade que ele poderia encontrar
c "forma" como respectivos contrários da "mistura", da"liquidez" Raskolnikov, Rastignac ou Julien SoreÌ na vida. Quando Oscar
e do "disforme"). Simetricamente, a morte acrescenta às suas Wilde decÌara que a maior tristeza de sua yida é a morte de Lr-rcien
qual ifi cações internas ("mi stu ra", " liquidez", " di sformidade") as de Rubempré em Esplendores e misérias das cortesãs, ninguém se cho-
definições negativas da vida ("imobilidade", "tênebras" e "frio" ca com o absurdo de sua fala, que seria gritante se se tratasse de
como respectivos contrários da "mudança", da"luz" e do "calor"). Fedra ou Edipo. (Ibidem, p.65)
recepção consciente para arecepção inconsciente. Se admitimos sem querer, sáo as grandes invariantes da vida psíquica não
o princípio segundo o qual os desejos frustrados não são muitos consciente, na maioria das vezes indissociavelmente associadas, e
sua utilização peÌo ldeoÌógico. (p.109)
e são comuns a todos os indivíduos, podemos explicar a atração
do leitor pela ficção mediante o reconhecimento de grandes
estruturas fantasmáticas. Sempre se procurariam as mesmas Vê-se que, mesmo que não se deva negÌicenciar a parte
coisas na obra de imaginação. "O inconsciente de um homem", irììportante da ideologia na recepção dos textos, são "invariantes"
escreve Freud (1968), "pode reagir ao inconsciente de outro
(
lLrc realmente, num nível inconsciente, são percebidas pelo leitor.
homem virando o consciente" (p.IO7). l)c fato, é legítimo pensar que os mecanismos psíqr-ricos quc
()l)cram na criação não são sensivelmente difcrentes dos que
Segundo Marthe Robert (1972), todo leitor encontraria seu
"romance familial" na nar r ativ a romane sca. Quando criança, cad a t lt'terminam a recepção: criada para preenclrcr o dcsc-jo do artista,
um de nós forjou uma fábula na qual substituiu seus pais dcr ,r obra preenche igualmente nosso próprio desejo:
origem por pais imaginários. Essa narrativa maravilhosa, embora
reprimida mais tarde, nunca desaparece por inteiro; é ela quc O que sentimos ao ler um livro é o reflexo dos fantasmas
explicaria nossa atração pelos romances: inconscientes que o texto desperta em nós. Os afetos assim
suscitados (alegria, tristeza, angústia, desgosto, tédio etc.) são o
A natureza particular da fé que todo homem dá a seu romancc eco em nós mesmos, leitores, dos fantasmas do autor. (CÌancier,
familial é a única explicação aceitável da ilusáo romanesca, a qual 1987, p.I7r)
F
Vincenl Jouve A leiluro
Certos romances, com qualidades entretanto discutíveis, ;trr. Lucette Finas (1986) deu vários exemplos de taÌ aborcìagem
rlos t€xtos, fundamentada na lentidão do deciframento c t]lì iÌteÍl-
conheceram uma fama excepcional graças às gratificações que
traziam - e ainda trazem - a seu público. O sucesso de A ilha \iìo extrema dada ao detalhe. Eis como ela define seu mótoclo:
misteríosa, por exemplo, deve muito ao jogo do narrador com a
tendência inconsciente voyeurista do leitor: scm dúvida nenhu- Decido para impedir as linhas do scntido, as forças do scr-rti-
ma, existe um prazer tulvo em adentrar nesse mundo virgem, sem do de invadir o leitor, excluindo todas as outras diminuir até o
barreiras, onde tudo parece possível. De fato temos aqui, por meio çtisoteìo a veÌocidade de passagem atravésdo texto do qual empreen-
do excitar cada parcela, ficando atenta, ao máximo, para as outras,
de uma estrutura imaginária muito geral, uma comunicaçâo en-
numa comunicação Ìouca e num vaivém incessante. A partir de
tre inconsciente e inconsciente.
certo grau de mudanca da superficie erétil, a decisão dá uma
É, portanto, porque os clesejos rejeitaclos são idênticos que
viravoÌta e o texto não somcnte responde cada vez mais, como
as imaginações do leitor podem fazer eco às do autor. Le ç nesse
também antccipa e prescreve. Isso poderia se chamar: "ceder a
nível, é reencontrar pela leitura o gozo da escrita.
iniciativa às palavras". Certamentc a leitura rápida não ignor:r os
roçamentos, os contatos furtivos entre o scntido e os lcnônrcnos
A leitura centrífugo de linguagern; mas a leitrrra traballtada iluntina-os, trarìslornì.ì-os
em relaçócs visíveis. (p.Ìa-5)
O "desconstrucionismo"
Em Choses vues fCoísas visrasl, Victor Hugo relata urn cpisó-
L,m vez dc procurar uma cocrência, a leiturra, ao contrário, pode tiio bastante agradáveÌ no qr-ral Sanson, o carrasco de Paris,
sc preocupar em jogar com as oposições c contradições de un'r texto.
rÌpresenta a turistas ingleses a guilhotina qlle tanto serviu du-
Dc qualquer modo, é a prática do "descor-rstrucionismo": r-rão se r rìnte o Terror. Evocando a máquina terrívcl, Hugo escrev e: "fazia-
trata mais de procurar unificar o texto relacionando-o conr uma
t trabalhar" (contenta-se em mandála guilhotinar monres de feno).
intenção, mas sim de fazê-lo explodir desconstruindo-o.
:..
E a ìingüística estrutural (e, mais precisamente, a fonética)
Iris, segundo Lucctte Finas, tudo que sc pode ler na palavra
"trabalhar": uma humanização da guilhotina transfornrada em
que permitiu a Dcrrida criar filosoficamente tal leitura dos tcxtos
urìra prostituta ou trabaÌhador nranual; uma peryersão - sLrblinhada
(vcr, em particulal, Lécriture et Ia dífférence
lA Escritura e a tliferença],
pclos itáÌicos do sentido colÌìuÍìr do vcrbo (r1ue, dc- írrtc'r, parccc
1967). Já que todo signo se constitui a partir das diferer-rças que
"1itzer caretas"); uma re:Ìtiviìçiìo c1:r ctirnologirt (tripulían: insLru-
o opõem aos olltros signos, cada elemento cxisre apenas na sua
rììcnto de tortura com três cstacirs), rcntctcnclo, por unì lrrclo, à
relação com os olltros; a linguagem não tem, portanto, Ì1em cen-
violência da guilhotina (partcira da História, duranlc a lìcvolu-
tro nem início, r'rão existe lugar original. Assim, é impossível
conceber ler o livro corÌo Llm todo: os sentidos de um texto - çiio); por outro, às condições de trabaÌho, desumanas no seculo
inútil seria qucrcr fixá-los - se Í'azem e se desfazem sem parar. XIX - e, em particular, entre os ingieses...
Estamos, portanto, llos aÌntípodas da Ìeitura centrípeta e Não se trata mais, como se vê, de trazer o múltiplo para um
racionalizante da hermenêutica. O desconstrucionismo dcrridia- único, mas de desmultiplicar o quanto possível o sentido de cada
no inaugura, ao contrário, uma leitura disseminadora e centrífu- Lrnidade.
T'
Vincenl Jouve A leiluro
O sentido irresolúvel ,('r'onlo uma síntese realizada pela quaÌ se pode ser irnóve I sem ser
I',rssivo e apreciar o frescor de um quadro sombreado ao nlcsmo
O que o desconstrucionismo coloca em evidência é que o r('rììpo que se aquece interiormente. A reconciliação entre o dentrct
sentido da leitura é, na verdade, não dominável. Como mostrou o t o fora, entre o frescor e o calor, entre o universo mental e o
crítico americano Paul De Man, o signo lingüístico é arazão dc rrrrrndo exterior, na reaÌidade, está inteiramente apoiada peÌa
uma confusão constante entre sentido Ìiteral e sentido figurado. , r r r r bigüidade da palavra "torrente":
Confrontado com o texto, o leitor nunca sabe com certeza sc
deve fundamentar sua interprctação na estrutura gramatical diì "Torrente" funciona em um registro semântico dupìo: em seu
frase ou na sua estrutura retórÌca. Uma fórmuia como "Você estli sentido literal despertado, eÌe translere e substitui o atributo de
se sentindo bem?" pode ser interpretada como uma preocupação lrescor efctivamente presente na :igua viva que rccobre a mão,
a respeito da saúde do outro ou como uma agressão verbal cnquanto no seu não-sentido figurado dc-signa r-rm:r anrpÌidão cle
equivalente mais ou menos a "Você é compÌetamente louco". atividade que sugcre a propricdade colltrárìiì do calor. (lfc Man,
éo texto inteiro que joga com essas ambigüidades, resulta 1972, p.238-9)
Quando
um tipo de vertigem referencial que, multiplìcando as significa-
A leitura literal, que vê espontanearÌente na expressão "tor-
ções, torna iÌusório todo fechamento da anáÌisc.
O texto, em tal perspectiva centrada no estudo do detalhe ,
ri'nte de atividade" um clichê que evoca a energia e, portanto, o
t irlor da açáo, é assim "desconstruída" por uma leitura mais atenta
define-se como o que escapa sem parar ao controie do leitor.
1.1rre , levando em conta o caráter "retórico" do texto, mostra que,
Ficaremos convencidos disso examinando a análise minuciosa que
rìcssa passagem, a torrente remete, ao contrário, para a imagem
De Man fuz de uma lrase de Proust extraída da célebre passagem dc
Combray consagrada à lcitura. Evocando o "frescor escuro" de seu
,la água viva que sugere o frescor. Vê-se claramente aqui toda
rrrinúcia e atcnção que a leitura desconstrutivista implica. Para
quaïto, o narrador de Em buscq do tempo perdido escreve:
itìtcrpretar essa frase de Proust, De Man primeiro teve que destacar
combinava bem com meu descanso que (graças às :rventuras r Ìógica binária da passagcm (interioridade,/exterioridade) e as
contadas pclos meus livros e que vinham emocioná-lo) sllporta crluivaÌências suscitadas pelos póÌos (imobilidade e frescor, por
va, tal qual o descanso de uma máo imóvel no meio cìe uma ágr-ra r rrn lado, ação e calor, por outro) . Depois teve que levar em conta o
corrcnte, o choque e a animação de uma torrcntc de atividade. lLrgar das palavras em relação umas às olllras e os equívocos
( Proust, I 954. p. I 03)
scmânticos que deÌc resultavanr. Enfitn c sobrcttrclo tevc cìLtc
Segundo De Man, essa frase é uma tentativa de reconciìiar a rìlostrar como a ambigüidaclc ít-tnclatlctttal cia ling,tragcrtt litcrliritr
interioridade da leitura e a exterioridade da ação a fim de evitar o não permitia se posicionar a l'avor cìa itrlcrprctação litc-ral oLr da
sentimento de culpabilidade próprio a todo prazer mental. O interpretação retórica. Levantou assim umar série de PCrgLlntiìs iì
frescor, mencionado no início da frase e retomado pela imagem rcspeito de uma frase enunciada entretanto como uma simples
da água corrente, é um atributo da interioridade que, como tal, cvidência. Em outros termos, eÌe a "desconstruiu".
rcmete ao mundo imaginário da leitura. Ora, esse "descanso Entende-se melhor, assim, essa fórmula dolorosa c um pou-
ìmóvel", na medida em que suporta uma "torrente de atividade", t:o brutal: "a possibilidade da leitura nunca é realmente garantida"
apropria-se novamente do calor da ação. Assim a Ìcitura apresenta- (De Man, 1977, p.IO7).
-___T
Vinceni Jouve A leìturo
Eu tinha nove anos. InJTuência não ó a palavra. Foi, exatamente, O proieÌo do outor, quondo se pode descobri-lo, circunscreve
uma revel.ação brusca do quc ell era e já era por inteiro. Reencontra- um mundo esireito ou vosÍo, no inïerior do quol reino umo lei ho-
va algo de mim em Nero, em Petrônio, cm Vinícius, até rnesmo rnogèneo, umo necessidode de tipo orgônico' Levor em conÌo os
em Aulus PÌautus. E nrinha antipatia para com o apóstolo Pedro e fronleiros no inÌerior dos quois um escrilor confeve suo foìo seguro-
os cristãos em geral revclava, ela tarnbóm, uma tcndência já nrente é se dor o possibìlidode de discernir o figuro próprio de
profundanrcnte enraizada dentro de mim. (carta citada por Kosko, umo orÌe: é justo eniõo esperor que o círculo hernrenêuÍico soberó
1960, p.130) coincidir, o posÍeriori, com o proprio círculo do obro iotol, sem
T
VìncenÌ Jouve A leìturo
nodo omiiir delo nem nodo lhe ocrescentor. Enireionto, desde que 1r'rque é evidenÌe que perlence o um momenïo socio-hisÌórico'
o configuroçoo dos ÌoÌolidodes consliÌuídos e interrompidos inïencio- l)orovonte estomos dionte de coniunÌos heierogêneos, conÌendo,
nolmenÌe pelos escritores seio cloromente reconhecido, nodo obri- l)or um lodo, os orgonismos verbois regidos por unìo vonlode de
go o se limitor o mesmo oberturo de composso. A decisoo do crítico coerêncio esÌotico, por ou1ro, o coniunto dos condìçoes òs quoìs o
deve levor em conÌo o do escrìÌor, mos nôo lhe e subordinodo por ,;scriïor foì submeÌido e òs quois respondeu com suo obro' Nesse
nenhumo obrigoçóo de Íidelidode. ponÌo, o círculo hermenêuÌico e seu voivém Ìendem o se conÍundir
Tentemos ver o que oconiece com o círculo hermenêulico se (.om o méÍodo progressivo-regressivo que Sortre, em Quesfõo de
lhe otribuirmos por conïo próprio um roio vorióvel. Enquonto nos rrréÍodo, usou como insÌrumenïo do tololidode do sober nos ciêncios
deslocomos denÌro dos limiïes de umo obro, os problemos sõo lrumonos. Ao se preocupor com os condiçoes sociois, o hermenêuÌico
reloiìvomenie simples. Se Írolo de um hemisïíquio do "Viogem" como ,roo soi do domínio de suo compeÌêncìo, poìs essos sÕo reloções
um elemenÌo do esfrofe, o círculo do interpretoçoo evolui numo com o mundo noÌurol e reloçôes inter-humonos, no quodro de insri-
toÍolidode provisorio; um todo moioç "A vìogem" que estó dionte luições que sõo, por suo vez, obros do vontode humono fixodo e
de meus olhos, designo esso primeìro ÌoÌolidode provisório como r:xteriorizodo sob formo obietivo. Nesse nível, oporecem reolidodes
umo porie obslroio, e mìnhos primeiros descoberlos deverõo ser cscuros e desumonos: o necessìdode, o violêncio, que os obros e suo
retomodos e trozidos no poen'ìo globol; por suo vez, "A vicsgem" belezo nôo nos mosÌrom imedioÌomente, mos que nõo deìxonr de
nõo pode deixor de oporecer pcrro mim no suo funçõo de porte de ler. Umo exegese compreensìvo deve ceriomente conduzìr oÌé crí
um todo, esse coso, em seu pcrpel de gronde codo dos F/ores do Eslomos, portonto, dionÏe de umo sucessõo de Ìoïolidodes
mo/- Até entõo, evoluímos num universo homogêneo onde, consi- 1:rovisórios, os quois possom o ser porïe consÍitulivo de um coniunlo
derondo os evidêncios internos e exiernos, eslomos no direilo de rìloìor: ïuclo se desenvolve como se pudesse ter somenÌe 1oïolidodes
supor o presenço de umo vonÌode de composiçõo. Sobemos de insÌóveìs, sugodos pelo exigêncio de um todo mois compleÌo, que
onde vem o veio que proíbe ò porÌe fingir ser um lodo outórquico. os reloiivizo. (Storobinsl<i, 1970, p.34-6)
Possor dos F/ores do mo/ poro os outros texÌos de Boudeloìre é
cerlomenïe permonecer denïro do mesmo universo menlol, mos
noo podemos mois ofirmor que, nele, ïodos os elemenlos esïõo A leiluro disseminodoro de Rolond Borthes
susÌenÌodos por umo vonÌode orgonizodoro único. O todo ossim
No oposlo do Írodiçoo hermenêutico, Ro/ond BorÍhes defende
consïituído noo é mois o do obro de orie, mos o de um mundo
en S/Z uma leiturcs "plurol" que, /onge de procuror unr senÍido urriló-
espirituol. Quem negorio eniretonïo suo unidode? Quem recusorio
rìo, procuro observcrr no texlo o rÌìu/fip/icidcrde d<>s Íeixes de serrficJo.
oo críÌico o direì1o de colocor em evidêncio correloções significotivos
enlre os porïes? E o que imporlo se os correloções ossìm descober-
lnïerpreÌor um ïexlo noo é dor lhe unr senliclo (r'r'rois ou rììcrìos
los boseiom-se mois no olençõo do crítico do que no do outor?
fundomenÌodo, mois ou menos livre), e oo cotrÌtório oprecior de
Nem por isso essos correlocões oporecem menos no obro exomi-
que plurol é Íeito. Em primeiro lugol colocomos o imogem de unr
nodo ropidomente pelo olhor do críÌico. Mos um novo olorgomento
plurol ïriunÍonie, que nenhumo imposiçoo de represenloçõo (de
voi se ìmpor, o nõo ser que umo decisoo {eche orbitroriomente o
inriÌoçÕo) vem empobr-ecer. Nesse Ìexto ideol, os Íeìxes soo mÚlÌi-
horizonie do pesquiso. A consideroçõo do Ìololidode dos escrilos de
plos e iogom enÌre sì, sem que nenhum posso gonhor dos ouÌros;
um outor exige o consìderocõo de umo lololidode moiol que inclui
r:sse Ìexio é umo gcrlóxìo de significontes, nõo umo estruÌuro de
o próprio pessoo e o proprio biogrofio do cruÌor. Depoìs, por suo
significoclos; ele nõo lem início; é reversível; ïem-se ocesso o ele
vez, esse conlunto vido-obro oporece como umo eslruÌuro obsïroÍo,
r04
F
Vincent Jouve
por vórios enïrodos dos quois nenhumo pode ser declorodo conr
cerÍezo principol; os códigos que mobilizom per{ilom_se o perder
de visto, noo sõo decidíveis (o senÌido nunco é submetido o um
princípio de decisõo, o nõo ser logondo nos dodos); desse texto
obsoluÌomenie plurol, os sistemos de senÌido podem se oiudor, mos
suo quonÍidode nunco é {echodo, lendo como medido o infiniro do
linguogem. A inlerpreïoçõo gue pede um texto olhodo imedioto_
menïe em seu plurol nodo iem de liberol: nôo se iroto de conceder
olguns sentidos, de reconhecer o codo um deles suo porie de ver_
dode; troïo-se, conÌro todo indiferenço, de ofirmor o ser do pluroli_
dode, que nõo é o do verdodeiro, do provóvel ou mesmo do possí_ 5
vel. Esso ofirmoçõo necessório é entretonto difícil, pois oo mesmo O vivido do leituro
tempo que nodo exisïe foro do Ìexro, nunco existe um fodo do texto
(que serio, por reversõo, origem de umo ordem inÌerno, reconcilio_
çõo de portes complementores, sob o olho poternol do Modelo re_
presentotivo): é preciso desprender o ïexio oo mesmo Ìempo de seu
exterior e de suo toiolidode. Tudo isso significo que, poro o rexio
plurol, nõo pode hover esiruturo norroÌivo, gromólico ou lógico do A fruiçõo do imoginorro
norrolivo; se porlonÍo umos e oulros deixom-se oproxim or, é no
medido (dondo o esso expressõo seu pleno volor quontitoÌivo) em A consciêncio libertodo
que esÌomos dionïe de Ìextos incomplelomente plurois, iextos cuio
plurol é mois ou menos porcimonioso. (Bor1hes, 1970, p.1 1_2)
O acontece quando se lê um livro? Quais são as sensa-
qr-re
r0ó
F
Para retomar os termos deJauss, a leitura, como experiência Ler, pois, é uma viagem, uma entrada insólita cm oLltra di-
estética, é, portanto, sempre "tanto libertação de alguma coisa rnensão que, na maioria das vezes, enriquece a experiência: o lcitor
quanto libertação paríz aÌguma coisa". Por um 1ado, ela desprende (ìue, num primeiro tempo, deixa a realidade para o universo fictí-
o leitor das dificuidades e imposições da vida rcal; por outro, ao cio, num segundo tempo volta ao real, nutrido da ficção.
implicá-lo no unìverso do texto, renova sua percepção do mun-
do. O Ìeitor, emocionado pela paixão de Des Grieux por Manon,
A verligem
impressionado pela metamorfose deJekyll em Hyde ou divertido
peias aventuras de LazarilÌo, esquecerá por um momento (o da Uma das experiências mais emocionantes da leitura con-
leitura) os problemas e preocupações de sua existência. Ao mes- sjste em proferir mentalmente idéias que não são nossas. Sus-
mo tempo, o interesse quc tcm pelo destino das personagens, ao citada por todos os textos, ela adquire uma intensidade parti-
confrontá-lo com situações inéditas, modifìcará seu olhar sobre rLrlar nas narrativas em primeira pessoa. Lendo as Confs.sões,
as coisas. iìssumo o "eu" que aí se expressa, e a voz de Jcan-Jacqucs se
E,ssa impressão de escapar de si próprio, ao mesmo tempo .onfunde, por um tempo, com minha própria voz. Mesrno tipo
que se abrc para a experiência do outro, pode ser assimilada a um ,lc sensação com o Roquentin de A náusea ou o Abel Tiffar-rges
desdobramento. Tâ1 é, peÌo menos, a opinião do lingüistaThomas ,lc O ogre. Georges Poulet (1969) descreveu com bastante precisão
Pavel (1988) que, em suas reflexóes sobre anatuïezae as frontei- ('ssc processo no que ele chama, com razáo, de "uma fenotne-
ras da ficção, postula a existência de um eu "artístico", represen- rroÌogia da leitura":
tante do sujeito no universo do texto:
Tudo que pcnso faz parte dc meu mundo mental. E ainda aqui
desenvolvo idéias que manilestamente pertencem a olttro mundo
Visitamos as regiões fictícias, moramos nelas por um tempo, mental, e qr,re s-ro o ot-rjeto de meus pensamentos exatamente
nos misturamos às personagens. O dcstino delas nos emociona ... como se eu não existisse. Isso é inconcebívcl, e parecc mais ainda
Mandamos nossos eus ficcionais reconhecerem o tcrritório com :t se cu pensar no fato de que, na rnedida em quc toda idéia deve tcr
ordem de redigir logo um rcÌatório; eles são sensibilizados, não um sujeito clue pensa, csse pensamento qlle não me pertcnce ao
nós, têm medo de Godzilla c choram con-r Julieta, enquanto nós mesmo tempo que se dcsenvoÌvc ent tl'tit'tl dcvc igtr:rlmcnte tL'r
apenas Ìhes emprestamos o corpo e as cmoções, um pouco como cm mim um su,ieito quc nìL- é cstrrlrrho. (p.5(ì)
nos ritos xamânicos nos quais os fìéis emprestam corpo aos espí-
ritos bondosos. E, assim con'Ìo a presenca dos espíritos torna pos- Essa interiorização do outro ó Íácil adrriti-lo PcrtLrrba
síve1 a glossolaÌia e a predição do futuro, os eus artísticos olr tiÌnto quanto fascina. Scr quem não sonlos (mesn-io para um
ficcionaìs cstào prontos para senrir e expressar muito mais cmo- (clnpo relativamente circunscrito) tcm algo de desestabiiizante.
ção do que os verdadeiros eus ressecados c endurecidos. As espe, t ) le itor, transformado em suporte, em uma tela na qual se rea-
rancas dc Schiiler na educacão estética da humanidade não eram liza uma experiência outra, vê mudar as marcas de sua identi-
lundamcntadas na crença de que, depois da volta do reino das ,lrrde: "Ler", observa B. Abraham (1983), "é desterritotl'alizat:
artes, os eus ficcionais se mistulariam sem resíduo nos verdadei- ,lcixar passar pelo corpo os fluxos, as tendências inconscientes,
ros cus, fazendo-os aproveitar de sua maturidade? (p.f09) ,rs plalavras de ordem que caracterizam o livro como ordenação"
7
A leituro
Vincent Jouve
(p.9a). Ler as Memories d'outre-tombe lMemórias de além-túmulol te entender a visão hugoliana da Revolução. O que sua leitura
é,
esclarece é o ponto de vista que um intelectual do século XIX
de fato, sentir pessoalmente (e durante o tempo da leitura) as
pode ter, depois da Comuna de Paris, sobre a violência históri-
impressões, as sensações e asimposiçóes que perpassam a prosa
ca. O fenômeno é ainda mais nítido com a Ìeitura de textos
de Chateaubriand. Quer se trate do aspecto psíquico da leitura
pertencentes à Antigüidade ou à Idade Média. O romance de Enéas,
quer de sua dimensão propriamente física, "assimilar" outro é,
por exemplo, texto do século XII inspirado na Eneida, obriga
de certa forma, sair de seus limites.
mais o leitor do século XX a reconstituir o universo cultural
É certamente esse desabamento momentâneo dos funda-
que dá um sentido à narrativa do que modifìcar sua visão de
mentos da existência que explica a descrição corrente da leitura
mundo. De fato, o que aparece na leitura é a vontade do narrador
como uma flutuação, uma vertigem na qual o sujeito, um pou-
de tornar a cristandade a herdeira da Roma antiga. Para isso, o
co perturbado, oscila entre preocupação e euforia. 'A leitura",
"substitui fragmentos de texto de Virgílio não somente está reescrito num sentido cris-
escreve Jean-Louis Baudry (1988),
tão, como também na óptica da literatura cortesã. O que a Ìeitura
discursos surgidos de toda pafte, que tornam cada um de nós
reconstrói é, portanto, uma problemática política e cultural própria
seres opostos, divididos, dispersos, um ser sob influência - alguém
do século XII. O leitor toma conhecimento dela pelo simples fato
que não é mais nós e que, entretanto, não é outro" (p.74).
de que essa subentende a narrativa. Nesse caso, Iser fala de atitude
"contemplativa".
Conlemploçõo e porticipoçoo Assim, hâ "participação" quando o leitor transcende a posi-
ção limitada que ele tem na vida cotidiana, e "contemplação"
A implicação do leitor no universo textual pode, contudo,
cluando chega a uma visão de mundo que não é a de seu univer-
adquirir formas muito diferentes. Depende, em grande parte, da
so cultural.
distância histórica que o separa da obra lida.
Quando o leitor é contemporâneo da obra, a leitura lhe per-
mite renovar sua percepção das coisas. Esse fenômeno explica-
se pela deformação que o texto provoca sobre os dados do mun-
O prozer do iogo
do. Na leitura de O Processo, por exemplo, o poder ilimitado da
máquina estatal, apresentado como mola de uma lógica narrati- O"ploying"eo"gome"
va, percebido pelo oÌhar aterrorizado de K., leva a meditar sobre a
Michel Picard, como se viu, propõe pensar a recepção dos
naturezainquietante das sociedades modernas. Em outro regis-
tcxtos a partir do modelo dos jogos. A leitura adicionaria assim
tro, um romance como Á náusea leva logicamente o leitor a se
rlois tipos de atividades lúdicas muito diferentes: o playing e o
questionar sobre o sentido de sua existência. Iser qualifica de
qame. O playing é um termo genérico para todos os jogos de
"participativa" primeira atitude de leitura.
essa
re presentação ou de simulacro, fundamentados na identifica-
Quando o leitor está separado da obra por uma grande dis-
r;rro com uma figura imaginária. O game, por sua vez, remete
tância temporal, cuida primeiramente de reconstituir a situa-
.ros jogos detipo reflexivo, precisando de saber, inteÌigência e
ção histórica do texto. Assim, iendo Noventa e três, o leitor atual
scntido estratégico (tais, por exemplo, o go ou o xadrez). En-
procura sobretudo reconstituir o horizonte cultural que permi-
F
quanto o estatuto objetivo do game permite o distanciamento, o só podem tïazer a simpatia. Entretanto, a ironia constante do
playing enraíza-se no imaginário do sujeito. narrador proíbe un-ra identificação total com a personagern: esta é
A leitura seria portanto, ao mesmo tempo, jogo de represen- .rpresentada como um indivíduo sem muito caráte4 cuja inocência
tação e jogo de regras. É impossível ler um romance sem sc () transforma progressivamente em aliado, até mesmo coÌaborador
identiÍìcar com tal personagem. Mas é igualmente impossível tlc um regime carcerário e policiai.
não respeitar um certo número de convenções, códigos e con- O texto pode, como se vê, dosar como the convém a inpli-
tratos de leitura. L ação do Ìeitor: as técnicas da narração permitem controlar o
Michel Picard analisou por esse ângulo o primeiro encontro investimento na ficção. Nesse sentido, podemos dizer como
deJulien Sorel e Madame de Rêna1 no início do capítulo VI de O Michel Picard, que, na leitura, o game "disciplina" o playing.
vermelho e o negrl. Se o jogo de representação proposto ao leitor
é evidente, o jogo de regras também o é. Por um lado, de fato, a
lmplicoçõo e observoçÕo
conotação edipiana da passagem é particularmente clara: o nas-
cimento do sentimento amoroso entre o moço e a figura mater- Vimos anteriormente como o leitor, para constlLLir stra re-
na só pode favorecer a identificação do leitor. Entretanto, como t'cpção, era levado para uma diaÌética permanentc enlre anteci-
observa Picard, essa identificação "espontânea" é, ao mcsmo pacão e retroaçáo. O leitoç de fato, se é levado a formar confi-
tempo, minada, até mesmo atacada, por uma série de códigos iir-rraçõcs para preencher os "vazios" do texto, deve entretanto
textuais que regulamentam a leitura da passagem: a constantc rrccitar modìficá-las, até mesmo atacá-las, se a seqüência da
alternância dos pontos de vista impede que se adote totaÌmen- n;rrrativa vier a contraclìzê-las. É preciso, portanto, distinguir
te o olhar de uma das duas personagcns; a ironia do narrador tlois processos. Por um Ìado, ao preencher os "vazios" com re-
com respeito aJulien obriga a considerar esse último com certa Ì)resentações que lhe são próprias, o leitor implica-se no texto.
distância; a incapacidade dos protagonistas de se decifrarenr lÌlr outro, é levado a se distanciar dessas mesmas represcnta-
mutuamente contribui para despertar a consciência crítìca do ,, ocs quando o texto as invalida. Nesse úÌtimo caso, ele próprio
leitor. O texto não auÍoriza, portanto, um abandono completo; I'oc1e se observar participando do ato de leitura.
o romance favorece ao mcsmo tempo o investimento e o limite Vcjamos O planeta dos macacos de Pierre Boulle. A narrativa
regulamentando as modalidades. O jogo de representação só ó irricia-se com duas personagens, Jinn c Phyltis, quc, durantc
possível dentro de um quadro imposto pela narração. rrrn passeio no espaço, dcscobrcm utra girrrirfa contcnclo um
Poder-se-ia fazer a mesma demonstração, na escala da nar- pcrgaminho. O roÌo de papeÌ cont:Ì a l'ristór-ia clc r-rnt Ìrorrcn't
rativa inteira, com A vida não é at1ui, romance de Kundera. A pcrcìido, depois de uma viagem cósn.rica, nunr pl:rneta governa-
identifìcação com o protagonista parece de fato favorecida por LIo por macacos inteligentes. ComoJinn e Phyllis não são des-
uma série de procedimentos no exato momento em que ela está , ritos fìsicamente, o leitor preenche o "vazio" do texto imagi-
desativada por outros. O herói da narrativa, um jovem poeta irrindo-os como um casai de jovens. Ora, no fìnal da narrativa
tcheco, é a personagem mais conhecida do leitor (que tem acesso licarnos sabendo quc essas duas personagens náo eram huma-
à sua infância e seus sonhos) e seus esforços para se impor social- rì()s, mas sim macacos! O leitoç assim levado a corrigir sua
mente como artista e individualmente como suieito apaixonado 1
,r imeira configuração, pode somente meditar sobrc o antropo-
r
Vincenï Jouve
A leiÌuro
morfìsmo espontâneo que rege sua visão de mundo. Obrigado, realidade que nos cerca para nos ligarmos novamente com a vida
num primeiro momento, a se implicar pessoalmente na leitura, é da infancia na qual histórias e lendas eram tão presentes. Ao
levado, num segundo momento, a se observar refletindo. É essa acordar o eu imaginário, normalmente adormecido no adulto acor-
volta para si que, como repara Iser (1985), faz o valor da leitura: dado, a leitura nos leva de volta ao passado. O que permite que
As contradições que o leitor produziu ao formar suas configu- essa parte de nós mesmos, herdada da idade tenra, renasça tão
rações adquirem sua própria importância. Elas o obrigam a perce- facilmente?
ber a insuficiência dessas configurações que ele próprio produziu. A resposta se encontra nas semelhanças entre o estado de
Pode cntão sc distanciar do tcxto do qual participa dc tal forma quc leitura e o sono. Em termos de energia psíquica, a situação do
possa se observar, ou, pelo menos, se ver engajado. A aptidão para sujeito que 1ê aparenta-se com a do sonhador. A leitura, como o
se entrever a si próprio num processo do qual participa é um mo- sono, fundamenta-se na imobilidade relativa, uma vigilância
mento central da experiência estética. (p.2a1-2) restrita (inexistente para aquele que dorme) e uma suspensão
O autodistanciamento, quaisquer que sejam as modalidades,
do papel de ator em favor do de receptor. O leitor, colocado
sempre é uma experiência enriquecedora.
assim numa situação econômica parecida com a do sonhador,
Alguns textos, como os de Faulkner, levam esse procedi- deixa suas excitações psíquicas se engajarem em um início de
mento ao extremo. Enquanto agonizo, por exemplo, ao variar os "regrediência".
pontos de vista de capítulo em capítuÌo, proíbe ao leitor elabo- Para entender o conceito de regrediência, que tomamos em-
rar uma perspectiva que explique o texto no seu conjunto: ne- prestado de Christian Metz (1984), é preciso parrir de uma distin-
nhuma visão central permite unificar sob uma orientação nar- ção entre as percepções do estado de vigília e as representaçòes
rativa clara os pensamentos e monólogos das personagens que oníricas. No sujeito ativo e acordado, as impulsões psíquicas vão
se cruzam ao longo da narração. O leitor, constantemente em- do exterìor (o mundo) para o interior (o aparelho psíquico onde as
baraçado no seu trabalho de deciframento, se questiona sobre percepções vêm se imprimir): tal trajeto é chamado de "pro-
seu modo de conceber o sentido. Sempre levado a voltar para grediente". Em contrapartida, no sonhador, as excitações têm
suas primeiras considerações, deve 1er e, ao mesmo tempo, se sua origem no inconsciente do sujeito (são, desde o início, inte-
observar lendo. riores ao aparelho psíquico) e acabam numa ilusão de exteriorida-
É essa oscilação constante entre implicaçáo e observação de por meio da produção de intagens mentais: portanto estamos
que torna a leitura um acontecimento vivido. diante de um processo "regredientc". Só a via regrediente (da
interioridade psíquica paraa representação) permite a emergên-
cia da alucinação.
Umo viogem no tempo
A regrediência, evidentemente, não cabe na leitura como
rìo sono. Assim como o fluxo regrediente vem se chocar, no
A "regrediêncio" espectador de cinema, contra a materialidade do som e das
imagens do filme, a regrediência do leitor fica limitada pelo
A leitura permite viajar no tempo. A afirmação é apenas meta-
suporte escrito da alucinação. Pode-se simplesmentc notar que,
fórica. Ao ler um romance, aceitamos esquecer por um tempo a
como a tela lingüística é menos "compacta" do que a tela cine-
Vincent Jouve A leituro
matográfica, a regrediência é mais avançada no leitor do que no ços de Gérard Philipe e Madame de Rênal com os cie Daniellc
espectador: as representaçócs imaginárias do primeiro devem com- Darrieux? Qual leitor d e Madame Boyary verâ sem dccepção Isabc-l lc
por com um princípio de reaìidade muito menos exigentc. Huppert no lugar de Emma única e irrcpresentável que havia irra
E o que explica essa intimidade excepcionaÌ (a qual todo ginado? Impor um rosto para as figuras romanescas é nos
Ìeitor pode experimentar) entre o sujeito que Iê e a personagem dcspossuir de uma parte de nós mesmos.
romanesca. O imaginário próprio de cada leitor tem um papel
tal na representação que quase se poderia falar de uma "presen-
ça" da personagem no interior do leitor. Essa sensação de con-
'A crionço que lê em nós"
substancialidade entre o sujeito que 1ê e a personagem represen-
tada nenhuma imagem óptica jamais poderá dar. É portanto a criança que fomos que permite acreditar nas
Entende-se assim a decepção tão freqüentemente sentida narrativas romanescas. Havia uma época em que reinava a lcnda,
quando um romance que se leu é filmado. A personagem que, ao r:m que o ser e o parecer não se distinguiam (qr-rem nLlnca acredi-
longo de sua leitura, chegava à existência pelas representações tou cm Papai Noel?). Esse consentimento eulorico na ficção nunca
imaginárias do leitor, apresenta-se na tela como um outro abso- desaparece totalmente (nossa relação com a figura de Papai Nocl
luto na produçáo do qual o espectador não participa. A Ìigação sobrevive à tomada de consciência de sua ficcionalidade). Nossas
íntima que unia o leitor às criatr-rras fictícias é totalmente crenças infantis, reativadas em certas condições (entre elas a
rompida. O que se perde na passagem do romance em livro para situação de leitr,rra), subentendem nossas crenças dc adultos.
o filme não é nada menos do que a potência criadora do descjo: Assim que abrir um romance, é a criança que renasce (pelo menos,
em certo níveì):
O leitor do rornance, seguindo as vìas próprias e singulares
de seu desejo, de antemão vcstira visualmente as palavras clue A criança persiste dentro de nós c assina: é ela que, aí, é o
havia lido, e quando vê o filme gostaria dc rccncontrar esse visual: jogado, o lido, deprecndido das lcis do .I.ogos e das categorias do
na vcrdade, revê-lo, en-r virtucle dessa implacávcl lbrca de repeti- cspaço-tcmpo; é na sua crcdulidadc inocente que, hipocritamen-
ção quc mora no desejo, que leva a criança a usar scmpre o mesmo tc, a toÌerânciado ledor, aclui c agor:r, sc junta à ilusão. A criança
brinquedo, o adolescente a ouvìr sempre o mcsmo disco, antes de serve dc suportc c dc álibi par:r:r crccltrììclaclc clo acÌulto: assirr.r
abandoná-lo para o seguinte que saturará por sua vcz um período rccncontramo-la como nrcdìaclor inlcrno, lrcrtii, tcstcnrunha ou
de sua vida. Mas o ledor de romance nem sempre cncontÍa seu narrador, em numerosas ficçõcs, r- cm particular rro lranthstico,
filme, pois o que tcm na slra frente, com o verdadeiro filmc, onde freqüentemente lhe é atribuícla uma função lnist:r dc r,ítinra
doravante é o lantasn'ra de outro, coisa raramcntc sìrlpática (a tal e de fiador: em O homem de areia oo A volta do ptvafuso, por exeÍÌr-
ponto quc, quando se torna simpática, provoca o amor). (Metz, pìo. (Picard, 1986, p.1 16)
1984, p.137)
Ler, de certa forma, é reencontrar as crenças e, portanto, as
A prática editorial que consiste em ilustrar os clássicos cont scnsações da inÍância. A leitura, que outrora ofereceu para nos-
fotos de atores certamente incita à compra, mas muito pouco :ì so imaginário um universo sem fim, rcssuscita esse passado
leitura. Quem, fora o diretoq imaginaráJulien SoreÌ com os tra- tada vez que, nostálgicos, lemos uma história.
Y
A leìÌuro
Vincent Jouve
119
r r8
r
Vincenl Jouve A leiluro
pelo operoçõo do espíriio com suo próprìo substôncio. O fenôme- zo do vìvido emocionol, e o forço dos represenfoções imcsginorìas
no essenciol que o morco nos suos reloçóes conosco é o fenômeno que remetem ò hisfório ofetiva do sujeifo.
de identi{icoçõo. Ler é vir o ser, islo é, começor o porticipor men-
tolmente (e mesmo fisicomente pelo otividode mimético) do vido Mos Ìodos os sentimentos que nos fozem sentir o olegrio ou o
porticulor do próprio lexto. A leituro de um Ìexto implico sempre, infortúnio de umo personogem reol só se produzem em nós por
portonto, em moior ou menor grou/ umo operoçõo que só se pode meio de umo imogem desso olegrio ou desse infortúnio; o hobili-
chomor de ontológico. Pelo tempo em que se efetuo, elo provoco dode do primeiro romoncisto conslstiu em compreender que no
umo tronsformoçõo too rodicol do pensomenio leiÌor que esse nõo oporelho de nossos emoçôes, como o imogem é o único elemento
pode mois, duronte esse período, ser dissociodo do texto que o essenciol, o simplìficoçóo que consisiisse em suprimir openos e
onimo e o preenche. Torno-se entõo um pensomento nÕo mois simplesmente os personogens reois serio um operfeiçoomenio de-
isolodo em sì próprio ou obsorvido nos objetos que lhe sõo porticu- cisivo. Um ser reol, por mois que simpotizemos com ele, percebemo-
lores ò suo otividode mentol, mos sìm verdodeiromenÌe o suieito lo em gronde porte pelos nossos sentìdos, isÌo é, permonece opoco
que se enconÌro no cenÌro do texto e que, de dentro, o ordeno e o poro nós, oferece um peso morto que nosso sensibilidode noo pode
Íaz viver; mos é ïombém, oo mesmo tempo, enquonto se lê, persistir levontor. Se lhe oconÍece umo desgroço, é openos umo pequeno
em permonecer oquele que lê, e que/ oo ler, guordo suo próprio porte do noçõo totol que temos dele que permite nos emocionor;
personolidode oo mesmo tempo que sente os movimentos e os rit- mois oindo, é openos umo pequeno porte do noçõo ïotol que ele
mos de idéios e de polovros que o texto lhe sugere. Consciêncio próprio lem de si que lhe permiiiró se emocionor. O ochodo do
duplo do quol umo, despertodo, ressuscilodo pelo outro, é o consciên- romoncisÍo foi Ìer o idéio de substiÌuir essos portes impenetróveis ò
cio loïente do ouÌor oté enïõo odormecido no interior do texto, e do olmo por umo quontidode iguol de pories imoteriois, isto é, que
quol o outro ó consciêncio porticiponte, impulso do pensomenlo li- nosso olmo pode ossimilor. O que importo, enïõo, se os oções, os
bedodor pelo quol se ossocio oo que elo estó lendo. Tol diferenço emoções desses seres de um novo ïipo nos oporeçom como verdo-
poderio porecer inutilmente complicodo, mesmo ossim permonece deiros, ió que os Ìornomos nossos, ió que é em nós que elos se
um dos fenômenos mois comuns numo vido Ìõo pouco conÌemploÌivo; produzem, e que, enquonÌo viromos febrilmenÌe os póginos do
fenômeno pelo quol o leitor, consciente de receber do texÍo umo livro, o ropidez de nosso respiroçõo e o intensidode de nosso olhor
impulsõo que modifico suos ofeições e seu pensomento, percebe-se permonecem sob seu domínio? E umo vez que o romoncisto nos
simultoneomenle como consciêncio de si e consciêncio do Ìexto, num colocou nesse esÌodo, no quol, como em iodos os estodos puro-
movimenio em que umo se conformo ò outro, sem, conÌudo, perder mente inÌeriores, todo emoçõo é duplìcodo, estodo no quol seu
Ìotolmente suo independêncio. Pois nõo exisie openos reloçoo entre livro voi nos perÌurbor como um sonho, mos um sonho mois cloro
o pensomento leiïor e o texto, mos entre o pensomenio leiïor e o do que oqueles que sonhomos quondo dormimos e cuio lembron-
pensomento escondido no texÌo, que ele reovivo oo se olivor ele ço ficoró oindo mois, eìs que enloo ele desencodeio em nós, em
próprio oo seu conioto. (Poulet, 1975, p.66-7) openos umo horo, todos os Íelicidodes e todos os desgroços possí-
veis que, no vido reol, demororíomos onos poro conhecer - ope-
O popel motor dos emoçóes nos olgumos delos - e dos quois os mois inÌensos nunco nos seriom
revelodos, pois o lentidõo com que se produzem nos privo de suo
Nesso possogem de Combroy, Prousf co/oco em evidêncio os percepçõo (ossim nosso coroçõo mudo, no vido, e é o pior dor;
corosÍerísÍicos essenciois do experiêncio de leituro. Evoco sucessi- rros é umo dor que openos conhecemos no leituro, no imogino-
vamenfe o relaçõo íntima que une o /eiÍor òs personogens, o rique- çõo; no reolidode ele mudo, como certos fenômenos do noiurezo
r
Vincenl Jouve
impÌicitarnente às céÌebres descrições de Hontero, Lucrécio e A Ìeitura, portanto, no que conccrne aos dcsaÍìos pcríbrlna-
Virgílio. AÌguns versos são retomados quase literalmente. Assim tivos do texto, nunca é r-rma atividade neutra.
o verso 5, que apresenta a Peste como "Capaz de enriquecer em
um dia o Aqr-reronte", inspira-se em uma flórrrrula que já se
encontrava noEdípo rei de Sófocles: "Gades enriquece com nossos O coletivo e o individuol
gemidos e nossos choros". No plano csrilísrico, a fábula é
E,xistcm duas maneiras de aprecnder os efeitos concretos
percorrida por uma série de fornras mais ou mcnos fixas, vindas
de uma obra: pode-se estudar a Ìcitura seja em suas conseqr,iên-
de uma tradição, c rcconheciclas como tais pelo público.
cias globais na sociedadc seja no efe ito particular que produz no
Notaremos, por exenrplo, a rinta triigica "tcrror"/"furor", a
indivíduo. No primeiro caso, considcramo-Ìa cm relação a r-rm
solenidade das metáforas ("os crimes da te rra"), e as reperições
púbÌico; no segundo, crn relação a um sujeito.
com amplifìcação ("Um mau que cspalhe o rerror,,/Malr que o
O cstuclo do inpacto globai pcrmite devolver ao texto sua
Céu no seu furor..."). La Fontaine, portanto, procurou cÌaramente
dimensão cr-rltural. O princípio é o seguinte: o leitor não ó r-rnr
divertir, explorando todos os recllrsos do gôncro. Mas, por trás indivíduo rsolado no espaço socitrÌ; a cxperiôncia transnritida
da preocupação em agradar, descnha-se rapid:imente o descjo de pela leitura desenvolve urm pai-ieÌ rr:r evolução giobal da socie-
agir no público, de tonrar a palavra num debatc que não é apenas dade. Segundo Jauss, o impacto cr-rlturaÌ da lcitr-rra pode assu-
litcrário. Assim e possível ver na condenação finaÌ e unâninte do rnir três fornas distintas: transnrissão da norma, criação da
burro ("Conrcr a gratìta de outrol clue crime abominávell") uma norma, rLlptura da norma. A obra pode transmitir os valores
denúncia contra a n'ráquina absolr-rtista da Corte. Sob o a;larrato dominantcs dc uma socicdade (lite ratura oficial ou estereotipa-
de uma narrativa agradávcÌ, perfilir-se um discurso em defcsa da cÌa) or,r lcgitirnar novos viilores (litcratura dicliitica c militante)
vida individual e uma crítica, não;ro sistema monárquico (o rei ou ainda roÌnper com os valores tradicionais rcnovando o hori-
está no ser-r lugar), mas às sr-ras nranifestaçõcs desviadoras. De zonte de expcctativas do público.
fato, a figr,rra do monarca ó percebida como positiva. Notarcmos o Fora o c;rso das obrars oficiais e c'las narrativáÌs estereotipadas,
caráter afetivo da ligação entre o rei e seus súditos ("Meus qucridos Lrasta quc Llln texto scja portador, conscientemcnte ou não, dos
amigos") c o reconhecimento de scu papel protetor ("Senhor, diz r.,aiores dominantes de uma época par:r clesenvoÌvcr r-rm papel social
a raposa, Vossa Majcstade é boa demais"). Eis o discurso dos de transmissão e portiÌnto de consolidação da norma. A ctrnçclo
cortesãos que, ao fingir retomar as paìavras do monarca, dcsvia cle Rolando, por cxemplo, ao glorificar a subnrissão ao sobcrano,:r
seu sentido e perrnite, finalmentc, ;r acusaçao do burro. O "se,, fidelidade aì linhagem, o Anror pela "clucrida Irrança" c :r picclarìe,
anônimo e coletivo quc, no final da fábula, substitui o rei transmite a scu público os valores funclaclores clir sociccÌaclc lcuclirl.
Ncsse sentido, sua importância nir Irrirnça cÌo sccLilo XII r-rltraprrssa
("fez-se que ele visse") é, nesse ponto, nruito revelador: a
nmplamentc o domínio literário.
máquina impiedosa que esmagiì o indivídtro não é a nlonar-
A obra, contudo, em vez de afiancar os valorcs dominantcs,
quia, mas a Corte, desvio condenável de urn sistema hicrár-
pode, por meio da Ìcitura, legitinrar novos valorcs. Não se traìtiì
quico cm si respeit:ive l.
rrais então dc transnrìtir a norma, nras sim dc criar referôr'rcias
125
Vincenl Jouve A leiluro
novas. É a aposta que Roussea u fez em Júlía ou a noya Heloísa. O Do texto oo reol
desfecho do romance que mostraJúÌia, seu marido e seu antigo
amante tendo uma vida feliz, baseada na virtude, no ambiente
"Efeito" e "recepçõo"
natural e encantador de Clarens, opõe-se ao ideal de vida dos
nobres, marcado peÌo esbanjamento, pelo luxo e pelo gosto do Para apreender o impacto da leitura no sujeito e preciso sc
prazer, um ideal burguês de simplicidade rústica, familial e lcmbrar da distinção estabelecida por Jauss entre o "efeito"
ecônomico. O sucesso do romance teve, como se sabe, um pa- que é determinado pela obra - e a "recepção" - que depende do
pel importante na evoluçáo das mentalidades que, no fim do destinatário ativo e livre. Significativamente, encontra-se uma
sécuÌo XVIII, permitiu à burgucsia impor seus valores.
oposição parecida em lser (1985): "Pode-se dizer que a obra literária
A ruptura da norma manifesta-se, enfìm, em primeiro iugaç
tem dois pólos: o pólo artístico e o pó1o estético. O pólo artístico
no campo estético. Ao renovar o horizonte de expectativa literária,
reÍ'ere-se ao texto produzido pcìo autoq enquanto o pólo estético
uma obra vai afirmar seu caráter inovador. Assim Mademe Bovary,
diz respeito à concretização realizada pelo leitor" (p.aB). Existem
quando publicada ern 1857, contribuiu para transformar o gosto
sempre, portanto, duas dimensões na leitura: urìa, comum a todo
do público. E,nquanto os leitores dos romances de costumes, até leitor porque determinada pelo texto; a outra, infinitamente
então, eram sobretudo sensíveis aos clichês eróticos e ao lirismo variável porque dependente daquilo que cada um projeta de si
sentimental, Flaubert impõe um estilo mais sóbrio, sem efeitos próprio.
muito visíveis, mas que, por trás da discrição da narração impes-
Quando leio La víe de Marianne lA vida de Mariannel, o ponto
soal, deixa filtrar uma ironia muito mais incisiva. Tâl questiona- clc vista que tenho sobre a intriga não depende de mim: na medida
mento, inicialmente limitado ao domínio literário, só pode se cm que a história é contada na primeira pessoa pela própria
ampliar para o campo social inteiro. hcroína, só posso tomar conhecimerrto dos evcntos por seu proprio
Assim é possível concluir comJauss que, graças à leitura, as olhar. A perspectiva que me é imposta é, pois, um "e[cito" da
obras literárias têm uma importância muito grande na evoÌuçáo obra que depende de se u pólo "artístico". E somente num scgundo
das mentalidades: podem, em certos casos, pré-Formar os momento que poderei concretizar o pólo "cstético" da narrativa
comportamentos, motivar uma nova atitude, ou transformar as rcagindo pcssoalmentc a esse olhar que mc ó imposto sobre as
expectativas tradicionais. Esse estudo do impacto global está coisas: posso ou não acl'rá-lo legítino, me dcixar corrvtrìcer por'
no centro de Pour une esthéticlue de la réceptíon lPor uma estética de cle ou, ao contrário, desconfiar dcle . Seja con'ro for, não sc trilta
recepçãol (auss, 197 8). lnais então do "efeito" prodr-rzicio pelo tcxto, mas clc r-ninha
A análise do impacto local tem um objetivo diferente: des- "recepção" desse último.
tacar a ação do texto no leitor particuÌar. Assim, ela se interessa Essa distinção permite entender por qLrcì leitor
a relação do
menos pela dimensão cuÌtural da obra do que pela sua força com o texto é sempre receptiva c ativa ao mesmo tempo. O
pragmática. É, como se viu, a perspectiva de Iser. Na medida Ìc'itor só pode extrair r-rma experiência de sua leitura confron-
em que o efeito da leitura no sujeito precede e condiciona seu tando sua visão de mundo com a que a obra implica. A recep-
efeito sobre a sociedade, vamos consagrar o final deste estudo à çilo subjetiva do leitor é condicionada pelo efeito objetivo do
recepção individual. t"*to. É porque, objcrivamente, Críme e castigo me coloca na
VincenÌ Jouve A leiluro
pcrspcctiva de um ass.Ìssino atormentado pclo remorso quc eu Fourier, Loyola (1971). Convidado para comer um cuscuz com
posso subjctivantente modificar mell olhar clri reÌação tìo criÌÌlc e manteiga rançosa enquanto não suporta o rançoso, cle conta
:ìos criminosos. como espontaneamente pensou em Fourier:
é verdade para as relações interpessoais no mundo real também o Bourget. Recusar os valores familiais, provinciais e patrióticos
é para a relação Ìeitor-personagem que se estabelece na leitura: defendidos em Os desenraízados, ou a condenação da democracia
desenvolvida em létape lA etapa] é outra forma de assegurar a
Se a identificação é mais lácil entre pcssoas que têm um mcs- permanência de scu eu.
mo sistcma de valores, é, em primeiro lugar, porque a anaìogia
desses valores, ao inspirar condutas comLlns, e também ao permi-
tir uma linguagem comum, ampÌia as possibilidades de comuni-
cação e de compreensáo. É também em razão de um mecanismo de
A redescoberto de sr
Lendo esta ou aquela cena, revive imaginariamente as cenas rlo fim, vê-se reaparecer o narrador-testemunha, primeiramcntc,
arcaicas da primeira infância. Michel Picard mostrou como Os por intermédio de um pronome coletivo e indefinido, depois, mais
três mosqueteiros levam o leitor a uma regressáo francamente precisamente, por meio do presente terminal no qual vêm se juntar
edipiana. D'Artagnan e seus amigos só têm como preocupação tempo da história e tempo da narração:
redimir a culpa atribuída à mãe (a rainha) lutando contra esses
pais demissionários ou violentos que são o rei e o cardeal. Essa Quando tudo foi vendido, sobraram doze francos e setenta e
cìnco cêntimos que serviram para pagar a viagem da senhorita
tentativa de resgate da figura materna duplica-se, no herói e no
Bovary à casa de sua avó. A mulher morreu no mesmo ano; como
leitor que se investe nele, de uma rejeição do princípio de
o pai Rouault estava paralisado, foi uma tia que cuidou dele. EÌa é
alteridade encarnado por Milady. Realmente, encontram-se na
pobre e a manda, para ganhar a vida, a uma fábrica de fiação de
narrativa de Dumas todos os componentes do esquema edipiano:
algodão.
"Cativado pelas cenas imaginárias que eÌe reconhece, o leitor sem
recuo se identifica febrilmente, aceita a atitude voyeurista passiva
A figura do narrador manifesta-se, portanto, nas duas extre-
que lhe atribui a narração" (Picard, 1986, p.86). De fato, na
midades do romance para "enquadrar" o olhar do leitor sobre as
ausência de distância crítica, essa repetição do passado nãotraz
personagens. Enquanto isso realiza-se uma experiência afetiva
nada ao leitor: apenas reproduz negativamente uma cena que
bastante rica, que, ao ligar o leitor ao destino dos protagonistas
ele já viveu.
(cujos pontos de vista, aliás, são opostos), é suscetível de questionar
a visão do narrador. Encontra-se nas metamorfoses dessa
O desenvolvimento "aventura leitoraÌ" toda a ambigüidade do romance que transforma
Emma numa heroína negativa (sua sensibilidade "romântica"
Por menos, contudo, que o texto leve o leitor a equilibrar nutre-se de banalidades já gastas) e, ao mesmo tempo, positiva
seus investimentos por um trabalho de distanciamento, a lei- (como vítima da "imbecilidade" que a cerca). O leitor, dividido
tura, Ìonge de conduzir à regressão, pode se revelar uma expe- cntre o olhar distanciado que lhe impõe o narrador nas duas
riência en riquecedora. extremidades da história e uma participação compreensiva dos
O recuo crítico é determinado essencialmente pela posição sentimentos de Charles primeiramente, e dos de Emma em
de leitura: obrigado a passar de um ponto de vista para outro, o
seguida, vive essa ambigüidade por assim dizer " do interior".
leitor é levado a tomar certa distância em relação à história con- Na maioria das vezes, é o jogo das identificações que permite
tada. Qualquer que seja a maneira como coordena as diferentes
o "desenvolvimento" do leitor. A identificação - Freud sempre
perspectivas do texto, ele sai mais consciente de sua leitura.
chamou a atençáo para esse ponto - não é um fenômeno psica-
Tomemos o caso de Madame Bovary. Em primeiro lugar, o
nalítico entre outros: é o fundamento da constituição imaginária
leitor é Ìevado a dividir o ponto de vista da narração por meio
do sujeito e o modelo dos processos ulteriores graças aos quais
do "nós" que abre o romance: "Nós estávamos no cartório, quan-
ele continua se diferenciando. Os mecanismos identificatórios
do o diretor do colégio entrou". Depois, simpatiza sucessiva-
que subentendem os textos de ficção dependem dessa dupÌa função
mente com Charles e Emma cujas perspectivas dominam, cada
fundadora e matricial. Lemos novamente, nessa perspectiva, a
qual por sua vez, anarração- EnÍìm, em alguns capítuÌos antes
T
Vincenï Jouve A leì1uro
carta que Loyseau de Mauléon, leitor de JúIia ou a noya Heloísa, A leiiuro literório
escrevia para Rousseau:
Se a leitura literária tem uma especificidade, é, portanto,
Como gosto de juntar às lágrimas de vossas vìrtuosas perso- por meio de seus efeitos que se deve tentar apreendê-la. Segun-
nagens, as que fazem derramar de meus olhos o digno objeto que do Michel Picard, a leitura literâria (ou seja, a leitura dos "tex-
não pára de ocupar meu coração ... Nenhum retrato, nenhum tos" literários) reconhece-se em três funções essenciais.
sentimento, nenhuma reflexão, nenhum princípio que não se ajus- A primeira é "a subversão na conformidade". O texto literá-
ta à minha dolorosa situaçáo. (Galle apud Picard, 1987, p.227, rio ao mesmo tempo contesta e supõe uma cultura. Viagem ao
nota 14)
fim da noite sô afìrma sua novidade em relação às narrativas
picarescas; o romance balzaquiano assume o modelo de Scott
Parece que, por meio da identificação com as personagens, é ao mesmo tempo que se desprende dele. A inovação só se en-
de fato a verdade de sua própria vida que o leitor está em condição tende a partir da tradição. A leitura literária tem, portanto, um
de apreender: a leitura, ao fazê-lo atingir uma percepção mais clara duplo interesse em nos mergulhar numa cultura e fazer explo-
de sua condição, permite-lhe entender-se melhor. dir-Ìhe os limites.
Se, portanto, as estruturas textuais mantêm alerta a cons- A segunda função é "a eleição do sentido na polissemia". O
ciência crítica do leitor, a volta do reprimido na leitura levará à texto literário remete sempre a uma pluralidade de significa-
progressão e não à regressão. Em vez de reviver selilmente uma
ções (já analisamos Ìongamente esse fenômeno). O ieitor dis-
cena "idêntica", o leitor poderá se reinvestir diferentemente em põe assim de certa iatitude quanto à sua interpretação. A leitu-
uma "mesma" cena. A leitura de certos textos permite assim ra literária é, mais do que qualquer uma, marcada subjetiva-
"efeitos de volta" que tornam possível a "ab-reação". Esse termo mente: enriquecedora no plano intelectual, autoriza também o
psicanalítico designa a "descarga emocional" pela qual um sujeito investimento imaginário. Se Os miseráveis, como destaca o pre-
pode se libertar das marcas de um acontecimento traumático. O tácio, pressupõem, antes de mais nada, atrair nossa atenção
traumatismo está ligado ao modo como o sujeito reagiu a um para os três grandes problemas do século XIX ("a degradação
acontecimento de seu passado. Somente uma nova reação a esse do homem pelo proletariado, a desgraça da muiher pela fome, a
mesmo acontecimento pode fazê-Io desaparecer. Assim aab-reação atrofia da criança pela noite"), o romance nos permite igual-
explicaria a função catártica da arte. Ao "reviver" pela leitura as mente - e, talvez, sobretudo - uma série de jogos de identifica-
cenas originais onde tudo se amarrou, o sujeito pode encontrar ções e de investimentos imaginários. Dessa forma desenha-se,
um novo equilíbrio modificando sua relação com o passado. Posso para cada indivíduo, um espaço ambíguo onde, graças à leitura,
assim, como leitor, me "libertar" do traumatismo edipiano (ou, o psíquico e o social reformulam suas relações.
de qualquer modo, posso reavaliar seu lugar na minha equação A última função apreendida por Picard é "a r-nodclização
pessoal) "revivendo-o", Iudicamente por meio das relaçóes deJean- por uma experiência de realidade fictícia". Trata-se aqi-ri do pa-
Jacques e de Madame de Warens, deJulien Sorel e de Madame de pe1 pedagógico da leitura. Modelizar uma situação é propor ao
Rênal, ou de San-Antonio e de sua mãe. A distância irônica, como leitor experimentar no modo imaginário unla cena que eÌe po-
mostram esses três exemplos, pode variar com os autores. deria viver na realidade: a leitura, em outras palavras, permite
f
Vincenï Jouve A leiiuro
"experimentar" situações. O leitor supostamente diz a si próprio é deÌerminodo pelo destinotório do obro - e entender o reloçõo
que, confrontado com os problemas afetivos de Raskolnikov ou entre texÌo e leilor como um processo que estobelece umo relo-
com as preocupações materiais de Moll Flanders, deveria escolher çõo entre dois horizontes oo operor suo fusõo. O leitor começo o
certos caminhos e evitar outros. O sujeito adquire assim os compreender o obro novo, ou que oindo lhe ero estronho, no medido
benefícios de uma experiência que não teve que sentir concreta- em que, oo entender os pressuposlos que orienlorom suo compreen-
mente. Basta-lhe substituir os elementos do mundo romanesco sõo, reconstitu; delo o horizonte especiÍicomente literório. Mos o
pelos seus equivalentes no seu mundo de referência. HenryJames reloçõo com o texÌo é sempre, oo mesmo tempo, recepÌivo e otivo.
(I972) já tinha dito isso: O leitor só pode "{ozer Íolar" um texto, islo é, concreiizor numo
significoçõo otuol o senÌido poÌenciol do obro, desde que insiro seu
O sucesso de uma obra de arte pode ser avaliado emrazão da pré-eniendimenlo do mundo e do vìdo no espoço de referêncio
ilusáo que produz; essa ilusão nos permite ìmaginar que por um liÌerório envolvido pelo texlo. Esse pré-entendimenÍo do leitor inclui
tempo vivemos uma outra vida, que nossa experiência ampliou- os expecÍotivos concretos que correspondem oo horìzonte de seus
se miÌagrosamente. (p.93) inÌeresses, desejos, necessìdodes e experiêncìos Ìois quois soo de-
terminodos pelo sociedode e closse ò quol pertence como tombém
Subversão na conformidade, eleição do sentido na polissemia, pelo suo histório individuol. Noo é preciso insistir no {oto de que, o
modelização por uma experiência de realidade fictícia, a leitura esse horizonte de expectoiivo que concerne oo mundo e ò vido,
literâria é, desses três modos, uma prática frutuosa da qual o experiêncios liierórios onÍeriores ló sõo fombém iniegrodos. A fusõo
sujeito sai transformado. dos dois horizontes - oquele que envolve o texto e oquele que o
leilor lroz no suo leiiuro - pode operor-se de moneircr espontôneo
no fruiçõo dos expecioiìvos reolizodos, no liberoçõo dos imposiçóes
Umo onólise do experiêncio estéÌico do leiior ou de umo cole- Os Íexfos mois enriguecedores sõo oque/es que, oo confronto-
tividode de leitores, presenïe ou possodo, deve consideror os dois rem o |eilor com o diferenço, permitem-/he se descobrir outro. Jeon-
elementos constitutivos do concreÌizoçõo do senÌido - o efeiio pro- Louìs Baudry mosiro o importôncio fundodoro desso experiêncio
duzido pelo obro, que é funçõo do próprio obro, e o recepçóo, que essencio/, que enconÍromos desde os prirneiros /eiÍuros do iníôncia.
r
Vincenï Jouve A leituro
É possível que o leituro - nõo exotomenÌe o leìturo, mos o enÌre no coso dos três porquinhos, que o príncipe nunco ocorde o
cerimônio do leituro que o crionço celebrq com ionto gosto - seio belo ou que esso se Ìronsforme em fero. Assim, pouco o pouco,
um rito de introduçõo ò intimidode. Elo é, oo mesmo tempo, seu o leiiuro iorno-se o lugor de um desoÍio, de umo luto que deseios
meio, suo poródio e seu exercício reol emboro difícil. É outro línguo oposios proticom. Elo desperto deseios que nôo queremos reco-
que ocolhemos, mos exisliró somente se lhe emprestormos nosso nhecer como nossos. Adivinho-se que existem vozios, coisos colo-
voz; imitoçõo e poródio, ió que é nosso; difícil exercício, jó que é e dos. Seró que os dentes do lobo podem penetror no corne oÌrovés
permoneceró o possogem obrigotório poro chegor ò nosso. Ler, do roupo? Mois Ìorde, descon{ioremos que os nódegos do peque-
Ìolvez tenhomos esquecido, é nos monter no limite de um espoço no diobo erom muito otroentes poro o mõe Moc Miche. (Boudry,
perigoso, no Íronteiro de onde chomóvomos e, oo mesmo Ìempo, ì 988, p.ó9)
reieitóvomos um ouÌro porecido com oquele que hospedóvomos,
um ouïro poro o quol ero preciso opelor poro lustificor os incursóes
que orriscóvomos nos territórios secrelos que obrigóvomos. Esse
outro eu, esso sombro corregodo, esse outro foco do elipse que
podemos colocor como umo hipóÌese necessório, ou um ortifício
de cólculo, quondo lemos, por meio de nossos emoções ou dos
proveitos de um sober, Ìolvez esteiomos openos convocondo o pre-
senço dele, openos criondo os cond;ções de suo observoçõo.
Pois eis que oquilo que femos de mois próximo, de tõo próximo
que se identiÍico conosco, somos nós próprìos, nosso voz de inlimi-
dode, seguindo o movimenÌo de nossos olhos, reproduzindo den-
lro de nós todo tipo de crioturos esironhos, de quimeros que se
integrom ò nosso próprio substôncio. A crionço que lê é o obieÌo
de umo Ìronsmuloçõo. Um povo esïronho lomou posse delo; elo
sobe ogoro que contém umo populoçõo ò quol os livros trozem os
provos de umo exislêncio reol. É nos livros que elo voi encontror o
confirmoçõo dos seres que os livros engendrorom. Elo é o Gigonte
e o Pequeno Polegol elo é o cominho semeodo de migolhos de
põo, seró o cominho semeodo de pedrìnhos; mos é tombém o
condiçõo do existêncio de todos, como o ielo é o condiçõo de exis-
têncio dos filmes do pothe-boby que se proleÌo no quinto ò noite.
SenÌe que existe nelo virtuolidodes infinilos, inúmeros chonces; que,
como o Íloresto equotoriol, o ilho deserÌo, elo é um terrilório ober-
to poro novos ovenïuros/ poro outros exploroçóes. E elo se lorno o
conquisÌodor dos livros que o conquisÌorom. Agoro, possui oo lodo
do {oculdode de inÍegroçoo, oo lodo de umo possividode que o
expôs o Ìodos os colonizoções imoginórios, um poder desmedido.
É possível que o Gigonte devore o Pequeno Polegor, que o lobo
140
Í
Conclusõo
143
Vinceni Jouve
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147
índice dos críticos e teóricos
149
VincenÌ Jouve
Ong, W, 48 Sartre, J.-P, 107 , 719 lndice dos escritores (romoncistCIs e poetos)
Otten, M., 15, 66 Schank, R., 82
Schuerewegen, F, 46
Pavel, T,, 108 Spitzer, L., 93-4, 103-4
Pérol, L., 58 Starobinski, J., 93, 103-5
Philibert, M.,24 Suleiman, 5.,38,132
Picard, M., 75, 29, 49 -52, 56, 97,
111-2, 177 , 734,737 Thérien, G.,17,22
Pontalis,53 Tomachevski,8., 19 Allais, Alphonse (1854-i905), 48 Dostoiévski, FiodorM.
Aragon, Louìs (1897-1982), 73 (r82r-1881),12
Drieu la Rochelle, Pierre
Balzac, Honorê de (77 99 -1,8 50), 24, (1893,194s),133
32,46,64, tlg Dumas, Alexandre (1 802-1 870),
Barrès, Mauric e (1862-19 23), 134
38, 130
Bataille, Georges (1897 -1962), 92
Eluard, Paul (1895-19 52),70,74
Baudelaire, CharÌes (1821 -1867),
81,104
Faulkner, William (1897 -19 62),
Bernanos, Georges (1888-1948), 95
67,114
Boulle, Pierre (1912-), 113
Fejes, Endre,20
Bourget, Paul (1852-1935), 131
Flaubert, Gustave (1 82 1 -1 BB0),
Chateaubriand, François-René
63,126
(1768-1848),110 Fourier, Charles (17 7 2-1837),
1,29
Christie, Agatha (1 89 1 -1 976),
44,87
Cícero, Marcus TülÌius Gethe, Johan Wolígang von
(* 106-- 43),25 (\749-7832),129
153
Vincenl Jouve A leiiuro
154
Vinceni Jouve
157
Vincenl Jouve A leiÌuro
Macquart lO s Rougon- Mac quartl Elstir, dito Monsieur Biche. (pôst., 17 92-1796), de Denis Louis. Personagem do romance
(1871-1893), de Émile Zola; Personagem da obra Em busca Diderot, 21,41,43,58 O nó de víboras (1932),
aparece em La fortune des Rougon do tempo perdído (1913-1927), Javert (Inspetor). Personagem do de François Mauriac,T3
lA fortuna dos Rougonl (187 1) de Marcel Proust, 78-9 romance Os miseráveis (1862),
e A taberna (1877) , 83 de Victor Hugo, 77 Maheu (Os). Personagens do
Croismare (marquês de). Fabrice del Dongo. Personagem JeS'll (Doutor). Personagem do romance Ger minal ( 1 885),
Personagem do romance do romance Á cartuxã de Parma romance O médico e o monstro de Émiìe Zola, 78
Areligiosa, de Denis Diderot, 58 (1839), de Stendhal, 118 (1 826), de Robert Louis Malco. Personagem da série
Fedra. Personagem da mitologia Stevenson, 108 "s.4.s.",130
D'Artagnan. Protagonista da trilogia grega; aparece na tr agédia F edr a Manerville, Nathalie de- Personagem
Jinn. Personagem do romance
romanesca Os três mosqueteiros (1677),deJean Racine, 97 O planeta dos macacos (1963), da Comédia humana (1830-7848),
(1844), Vinte anos depois (7845) Félicité. Heroína do conto
dePierreBoulle, Il3 de Honoré de Balzac; aparece
e O visconde de Bragelonne (l 848), Um coração símples (1877),
Júlia. Personag em da obr a J úlia ou no romance O lírio do vale
de Alexandre Dumas (pai), de Gustave Flaubert, 71
A noya Heloísa (1 761), de (183s),41
78,734 Flanders, Moll. Personagcm do
Jean-Jacques Rousseau, 58, Manon Lescaut. Heroína do
Dantès, Edmond. Personagem romance Moll Flanders Q722),
126,136 romance de mesmo nome
principal do romance O conde de Daniel Defoe, 138
Julieta. Personagem que aparece (1 73 1 ) do abade Prévost, 39
de Monte-Cristo (1845), de Flora. Personagem do romance
pela primeira vez numa novela Marcianos (Os). Personagens do
Alexandre Dumas, 52 A voba do parafuso (1898),
italiana, Romeu e Julieta romance A guerra dos mundos
Des Grieux. Herói do romance de HenryJames, 131
(1485-1529), de Luigi da (1897), de Herben George
Manon Lescaut (1731),do abade Francesca de Ri mini. Personagem
Porto, 108 Wells,62
Prévost,39, 108 evocada na D iv ina comédia
Marie. Personagem do Íomance
Dey (Madame de). Personagem da (c. 1307 -1321), de Dante, 58
K. Letra que designa a personagem O nó de víboras (1932),
novela O conscriro, de Honoré
principalJoseph K. no romance de François Mauriac,73
de Balzac, 46 Gil Blas. Herói de Hlsrória de Gil Blas
Dom Quixote de La Mancha. Herói de Santillana (1715-1747), de
O processo (1.924), de Franz Merteuil (Marquesa de).
do romance de mesmo nome Alain-René Lesage, 35 KaÍka, 82, 110 Personagem do romance
(1605-1615), de Cervantes, 58 Godzilla. Monstro do cinema, 108 Karenina, Ana. Personagem do As ligações perigosas (77 82),
Roy de Cantel,/ Bel-Ami. Heróì Homais (Monsieur). Personagem do (1 87 5-187 7), de Leon Tolstói, 49 Meursault. Personagem principal
do romance Bel-Ami (1885), romance Madame Bovary (1857), do romance O estrangeiro (1942),
de Guy de Maupassant, 30 de Gustave Flaubert, 50 Lantier, Ètienne. Personagem do de Albert Camus, 52
Durtal. Personagem de uma série Hyde (Mr). Personagem do romance r omance G erminal (1 88 5), Milady. Personagem do romaÌlce
romanesca de Joris-Karl O médico e o monstro (1826), de de Émile Zola, 78 Os três mosqueteiros (1844),
Huysmans; aparece nos Robert Louis Stevenson, 108 Lazarillo de Tormes. Personagem de Alexandre Dumas (pai),
romances Além, abaixo (1891), principal do romance picffesco 78,134
En route IA caminho] ( 1 B 9 5) , Isa. Personagem do romance O nó As aventuras de Lazarillo de Tormes Miles. Personagem do romance
La cathédrale lA catedrall ( 1 B9B) , de víboras (1932) , de François (1ss4),108 A volta do parafuso (1898),
Loblat lO oblato) (1903),65 Mauriac, 73 Lecerf, Madame. Personagem do de HenryJames, l3 I
romance Á verdadeiravìda de Molinier, Vincent. Personagem
Edipo. Personagem da mitologia Jacques, o latalista. Personagem do Sebastian Knight (1 941), de do romance Os falsosmoedeiros
e da Iiteratura gregas,37 romance Jacques, o fatalista Vladimir Nabokov, 29 (1925), de André Gide, 55
158 159
Vìncenï Jouve A leituro
Moreau, Frédéric. Herói do romance Quesnel. Personagem do Íomance San-Antonio. Personagem e autor Tikhone. Personagenr do romance
A educação sentìmental (7843- Les Beaux Quartiers lOs bairros pseudônimo de uma série de Os pos.ses.sos (l870),
I 845 e 1864-1869), de Gustave elegantesl (1936), de Louis romances poÌiciais de Frédéric de Dostoiévski, 72
Flaubert,63 Aragon,38 Dard,136 Trevìlìe. Personrgem da trilogia
Sanson. Personagem do manuscrito rorna nesca Os très mosqueteiros
Octave. Personagem do romarÌce Raskolnikov. Personagem do vistas] (póst.,
Choses yues ICoisrus (1 844), Vinte anos depois (1845)
Pot-Bouille (1882), de Emile Zola, Íomance Crime e castigo (1866), 1BB7-1900), de Victor Hugo, 99 e O visconde de Bragelonne (1848),
73 de Dostoiévski, 52-3,97 , 129 , Santerre. Personagem do romance de Alexandre Dumas (pai), 78
138 Noventa e três (7874), de Victor
Pascal (Doutor). Personagem da Rastignac, Eugène de. Personagem Hugo,42-3 Valjean, Jean. Personagem do
série romanesc a Les Rougon- da Comédia humana (1 830- 1 848), Sarrasine. Personagem da novela romance Os miseráveis ( 1 862),
M ac quar t lO s Rougon - M ac quar tf de Honoré de Balzac; aparece nos Saryasine, de Balzac, 32,64,92-3 de Victor Hugo, 77
(1871-1S93), de Emile Zola; romances O paì Goriot, As ilusões Sebastian. Personagem do romance Valmont (Visconde de). Personagen.r
aparece em la fortune des Rougon perdidas, A pele de onagro etc., A verdadeìra vida de Sebastían do romence As /rlaçúcs per(osas
Knighr, de Vladimìr Nabokov, (1782), de ChoderÌos de Laclos,
lA fortuna dos Rougonl (1871), 56,97
La faute de I'abbé Mouret lO erro do Rebecca. Personagem do romance 28-9 44
abade Mouretl (1875) e O doutor Gilles (1939), de Drieu La Smith, Cyrus Personagem principaÌ Vandenesse, Félix de. Personagem da
Pascal (1893),79-80 Rochelle. 133 do romance A i[ha misttriosa Comédia humana (1 830- 1 B4B),
Pequeno Polegar. Personagem do Rênal (Madame de). Personagem (1874), deJúÌio Verne, 76-7, de Honoré de Balzac; aparece no
ìó0
,ilillllI|ltliltll]fl[ilt