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Dino Prcti
580-FFLCH -USP
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ED I TOR A LLIC E R N A
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Todns os dirt't llls t't'Sl'r\',1dus t' prnl l'gidos.
Prn_i hid;1 ,1 dupl it·,1,·,io_(l ll rl'prod11,·Jo dc~tc li vro ou parles do 111 cs rno , ~oh tiu.i, , qu er
111nns, Sl' lll ,111t\lr11,1,·,H1 l'Xprl'ss,1 dlls ed it ores.
/>rocf11pio ~ri(li<'o
Edi 1nra Luccrn,1
n i11,1;1w11,1rli o
\ 'idori,1 Rabcllo
Capa
Lu is S.1gu,1 r & i\ 1.ircl'I us Gaio
Inclui bibliografia
ISBN 85-86930-33-4
1. Língua portuguesa - Português falado. 2. Língua portuguesa - Português escr ito. 3. Co muni -
cação oral. 4. Comunicação escri ta.
J. Título. II. Série.
crm 469.1
04 -0266. C[)U 1' 11. 134.3
Para não nos alongarmos 110 problema das diferenças e se melh anças entre
fala e escrita j.1 cstud;das por outros pesqui sado res, entre ~s qu ais, aqu i no
Brasil, Luís Antônio Marcuschi (o p.cit. ), bastaria lembrar ª di fe rença estabele-
cida pela sit11nçiio rle co1111111icaçüo entre fal ante/ouvinte de um lado e escritor/
leitor de outro, com a presen ça/ausência dos recursos da produção lin güísti ca
face a fa ce, para demonstrarmos que a escrita não pode ser, em momento al-
gum, a representação absoluta e fi el da fal a.
'" É ilusório, pois, o diálogo com o leitor, por meio de uma carta, de um art i-
go, de um texto literário. O que há é apenas a pressuposição de que um leitor
;steja recebendo nossas palavras com a intenção que lhes atribuímos, dent ro
das pressupostas expectativas desse mesmo leitor. A rigor, ninguém escreve
para passar a idéia de que se trata de uma fala transcrita.
No entanto, é possível fazer chegar ao leitor a ilusão de uma realidade oral,
desde que tal atitude decorra de mn hábil processo de elaboração, privilégio do
texto literário. O escritor emprega, na escrita, "marcas de oralidade,,, que per-
n1item ao leitor reconhecer no texto uma realidade lingüística que se habituou
a ouvir ou que, pelo menos, já ouviu alguma vez e que incorporou a seus esque-
mas de conhecimento (Tannen & Wallat,1993), frutos de sua experiência como
falante. Esses esquemas são os responsáveis pelas suas estruturas de expectativa
(idem) , isto é, o que o ouvinte (ou leitor) espera que o falante (ou escritor) fale
(ou escreva) e em que tipo de linguagem o faça. São elas que permitem nosso
estranhamento quando deparamos em um texto vocábulos ou estruturas em
desacordo com o esperado. Assim, ninguém esperaria encontrar numa man-
chete jornalística um vocábulo obsceno ou uma injúria que, no entanto, esta-
riam dentro de suas expectativas num discurso oral exacerbado.
Normalmente, é comum encontrarmos juízos sobre certos textos literá-
rios, apontando sua ligação com a linguagem falada. Afirma-se, por exemplo,
que os modernistas procuraram aproveitar a linguagem oral, quando escre-
viam seus textos ou que, da mesma forma , autores contemporâneos têm utili-
zado a fala expontânea, a gíria e até os palavrões em suas obras de fi cção.
Essas afirmações sempre permaneceram em limites vagos. Se pensarmos
nos diálogos literários, a reprodução da fala , em muitos esc rito res, certamente,
aprox ima -se do uso lingüístico de sua época, não só na literatura atual, 111;1s
também em o utros tempos (C f. Preti , 1984a, 1997a, 1997b).
Ma s, em se tratando de narradores (e m particular, de prim cir,1 pçsso:1). :1
r~tra tégia 11 cc ional se mpre cnco nt rou sérios problemas p,lra clahor,lr ,1 lingu:1
fa lada e, na maiori a das vezes, é o vocahuLírio a úni ca marca d,1 0 r; 1lid.Hk 11 :1
vo z narra tiva (Cf. Pn:ti , l<)81lh ).
Esrnnos nI lrN cuA 0
ll i\l I l SC' i< I IA
127
. .., Jc111onstrarmos as. experiências, l't
P,11, .: .· .
I c1.i11as dc 111 - .
, \idade, na voz narrativa, seria nccc , , .·. . ~orpo rc1 ~"º da , m,1rcc1 <,
1-M•' ssa11c1umav,1riaç;- .
( l .•
0 que seria impossível nos limites d t l ªº
cs e tra )alho Fsc >Ih .
muit o gr,ind c: de l ' '
1t,,tos,
. trecho de um conto de João Antôni .
•
. ,. e cmos, pcm, apc:
11 as o o, co ntista cont cmp , ,
. t11 0S comentar nele o trabalho de elabora _ d . oranco, e procu
raie çao a oralidade, na ri cçao:
A repetição
orque ...tem que se ter ali a m ed'1d a d oh 'r sobre tud< )... e. ele· cs r·
' , tcnuar .,
ele já é un1
P . industrial
d em grande escala -omem
a n d...'da medida d o ...
...do :ind
pcuustJCa
. 1mcntc
de negóoos ...• e o profissional< d e 1~v e d' ic 1 a <lo com erc1antc. .d 0n ah q ue
0
do empresán o d e TV. .. todas as p essoas
, ... que t empresário
b de TV... sohrc .. . ªesse o rnem
1
ras e tu o ... to as essas pessoas t estemunh ra a ham com S'I O · · aspecto
' I V .I O Sa ntos ·
d d
empresários
.. b aldo mundo
. ... que ele paga na ho º'
amra que ele é .um··.. um d os.. . ·melhartore<;is
, qu quer ponto
um .. so ,, de vista ··· paga muito em ... ee, mu1tobom
. é
- ele e uma boa pessoa (NURC/SP D 2 233)
.. e_,111 ,c(o. po•· t,nin, , , como todo sofredor co111eçn.( ... ) Como todo inr.
. , /Joix-o el:
11 12 corneç .,
ª·
. ,r,,e-sc que O autor utiliza não apenas a repetição de vocábulo
() l1sl . , . s, rna~
t,unbtim a de estruturas smtat1cas:
"Vender pente, vender jornal, lavar carro, ajudar camelô, passar retrato de santo,
gilete, calçadeira..."
Os marcadores conversacionais
. / · , do leitor é· 0 uso tk rn:1rcadn-
Uma das téc nicas narrativas de envo v1111c11 10 · , _
res . . . · . , .·. .. I· /, mr noi, :, n1t ,10, ,li11 n1t,10.
conversac1ona1s, simul and o um a 111sto11•1 OI ,l · < ' r · 1
veja, certo, bem, eu nclw ctc."( Marcusc hi , 1086: 68 ) _
, .. li
Ern bora de uso limit ado, no trec 110 qu e lSl O 1 L 1110 · 1' , s (e n l'it l,ca rm os nd c),
enc 0 ntramos um marcador co nve rsauo _. n,t. 1 (/J( .111 ) l llll' nos recoloca no tempo
· · ' ' num momento cm que o ve mos
da narrrat 1·va . O narrador começ·t, 11')~ p •·1ss·1do
DtNO PRETI
132
traem digressões sobre sua vida miseráv 1
ngraxate, en . . . ee
trabalhando como e . e t , ni·o E depois, retoma a cena m1cial:
· de m1or u · '
ª
h
de seus compan eiras
. d s da Estação Júlio Prestes."
"Bem. Engraxando lá nas beira a
·onais na voz narrativa de primeira pesso (
Os marcadores conversao ' - , . a o
t'tuem um recurso que nao e novidade dos e
narrador-personagem ), cons 1 . on.
, ( , M hado de Assis os emprega), mas que fo1 usado intens
temporaneos ate ac , . . a-
·t como João Antomo, Rubem Fonseca, para cnar a ilusã
mente por escn ores . o
do relato falado, às vezes, de fundo confess10nal.
As estruturas sintáticas
"-dona I. a se_nhora costuma ir ao cine: :ma te::atro ... o que que a senhora o que que
a senhora mais gosta que tipo de filme.. .
~ eu ... quase não vou ao cinema teatro ... às vezes eu vou ... mais a teatro do que a
cmema
_ , ... filme
. eu gosto mais de come'd'1a ... nao - gosto muito de fil me muito
. tnste
.
nao e conugo.
não... eu tenh 0 1·d0 a teatro .. . tem um grupinho que nós... e::
, um
grupo assim:: da minh.i idad · ·1
MAS ,e . , e que vai sempre ao teatro são é uma assistente sona
e1a e 1orn11davel sabe?
(NURC/SP, oro 234)
134
.- . nominal isolad.-i é um recurso que o narrador
1H
lo uma 11asr . u,a
No ~cgu , . desenvolver. Aparentemente desligada el
. . d ir o tema que vai . - . , . , a, na
para 111110 uz d discurso (a situaçao de m1sena em que v· .
ªª
_ . ao contexto o
verdade, ::,e 11o . eguir as condições do bordel em que dorrnj
1v1a 0
d ·) ara descrevei, a s ' . a.
narra 0 1 , P_ . f1· e comparativa, breve, vem destacada do período ant
No terceiro, uma as . . e-
. ção acentua O seu significado e resume todo O períod
. ., poi·que a sua sepat a
no1 o
anterior. , b l ·
A 1.ustapos1çao
. - das frases tambem lem ra o processo ora na sua sirnpli·c·i-
dade:
"AQiientei frio nas pernas, andava de tênis furado, olhava muito doce que não comia..."
"V:nder pente, vender jornal, lavar carro, ajudar camelô ...
O léxico
Considerações finais
o texto que nos serviu de apoio mostrou-nos que até as marcas mais co-
muns da linguagem oral espontânea, como a gíria, podem compor um discur-
so literário original. Trabalhamos com um documento literário contemporâ-
neo, mas os exemplos dessas relações entre fala e escrita podem ser encontrados
em todos os tempos (Cf. Preti, 1984a).
Na voz narrativa de primeira pessoa, o artifício resulta fund amentalmente
de uma empatia entre linguagem do narrador, linguagem da personagem que
ele representa na história e contexto social. A metamorfose se completa, quan-
do o leitor se sente envolvido por essa ilusão de estar acompanhando uma nar-
rativa falada que, na verdade, conforme vimos, só conserva algumas marcas da
oralidade.
Mas o arranjo reflete um árduo e coerente processo de elaboração da lin-
guagem pelo escritor, que resultou, no texto estudado, num depoimento hu-
mano e comovente.
Referências bibliográficas
Lingüística
Texto de apoio