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l'ull r.r,ilar perigos à o rdem social, defender a socie tlarl t. irtsli{rrírl:r c


:r ccorronr ia política, a rejeição às pessoas com dcficiôrrc i:t lr:rrlrrz
:r soci,cdnde discipli nar, ou seja, a sociedade da norntit liz:rçao.
Ricurdo Burg Ceccim

'\ lirrgtra dc sinais nos remete a uma percepção tlifcrcrrciarl a crn lcrnpo
('('sPtçl), sobretudo da expressão dã corpo e do alnbiclrlt produzid'o tl
por'('sse rnovimentor-por essa dinâmica. O rosto sc dilala,() crlrpo é
r.('rl u(r Iido em posições, posturas e sentidos que nos tir:rrn do cixo
tottstruído por uma prévia educação, culturalmclrle ouvintc.
Sérgio Andrés Lulkin

lirrr t'orrtraposição à príttica avaliatiyadiferencial na e ducação cspccial,


lrisloricaltte tlte €xecutada, uma compr€€nsão dinâmica lla avaliaçiro níro é
gtrarl ora de segregaçõesr encontrando-se a, r^ízes paratlignrirticas da
ffiffiffiffi s
:rvaliação dinâmica na abordagem sócio-história de yygotsky.
Hwgo Orro Beyer

() srrlrl o cultural, que domina sua língua de sinais, é provedor tle no-
\ os s0rrtidos lingüisticos determinados a partir dc condiçircs
srciiris. lsto significa que, através do uso da língua dc sinais,
o slrrrlo tcm condições de produzir a sua própria história.
Mauru Corcini Lopes

\lrrri:rnrl o-nos na idéia de qualidade, compensação c caraclcrit.ztçito


rosilir':t tl o tlóficit, é válido afirmar que o modclo sricio-anÍropolrigico
rl :r srrrrlcz e a cducação bilíngüe refletem e respondcrn rìs
llrópriis
b:rscs da teoria sócio-histórica do psir;uisrrr' hurnari'.
Carlos Skliar

r ililil ililt illll lill lllll lllll llïl lllï


021 888

tv tl w.('(l itorlt mcd iacall-r'írnt I)r- llll ll ill I llllllllii i


iililliit
todrr rs dcÍlnlçilcs tradlcionais
,canlchÍü robrc r cducação
clul, rpnrecc olstematicamente
rhstóculo que pode ser
ldorntlo lnsolúvcl:
;ur rcntldo scrla possível
lrtlr (luot por cxemplo,
rrdos, ot dcrÍlclontes mentais,
gor rilo ru.lcltos educativos
clnlr, dll'ercntes de outros
roi trmbém cspcciais,
que nlo forrm submetidos
n pnrt lcultr cosmovisÍlo
1r nlzrrçikr dr educação?
e rltórlo psrt aÍïrmar

gulrrldnde educativa desses


toc ó o de uma caracterização EDUCAçÃO & EXCLUSÃO
ldente n pnrtlr da deficiência
toflur('nrr entõo não se está
tkr rte cducaçíio,
Abordagens sócio-antropológicas
rlr urnt lntcrvcnçõo
r0ullct; sc sc scredita
em educação especial
rrlcllcl0ncin, por gl mesma,
xo rlue dclìne e domina toda
u prsrotl c soclal dos sujeitos, Cnnlos Srunn (Onc.)
r nÍo nc cslgrá construindo Rrcnnoo Bunc Ceccly
elrlrrrk lro procegso
[llvo, rnas um vulgar
SÉncro ANones Lulrrru
,rro ellnlco.
Huco Orro Beyen
rcuçrlo rlnr crlanças especiais
;lrohlenru educatlvo como
Mnunn Concrrur Lopes
rbónl o rll cducaçio
trrr.r 1xr;lulNrGo,
r.rlucnçío ntrtl, dag crianças
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nnlÍubelor... É certo
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Editora Mediação
lhrnlcr: tlnlrr.ri dc arupor
r6d| Sartt dlrPllcônch,
rrrlflt,ldol 0on0 ntlnorlrr 5" Edição
lrft gtrr crclurôal prrr(,1(ht
tll.crrn grlrrcnlivo. I'olto Alcgrr.
2006
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A Scric (.'lttlcutos rlc Ârrloria c publicação do Prograrrra de Pós-Craduação em Edr.rcaçã6


cla liaculdadc de LÌducação da Universidade Federal do Rio Grande do Sr-rl.

Conselho Bditorial: Analice Dutra Pillar, Augusto Nibaldo Silva Trivifros, Fernando Becker. _/
Margarctc Axt, Maria Helena Degani Veit, Nilton Bueno Fischer, Rosa Maria Hessel Silveira,
Isltrcl Cristina de Moura Carvalho e Carlos Roberto Machado.

C'oordenação editorial: Jussara Hoffinann Sumário


Capa: Bento de Abreu / Roberta Martins

Iìditoração: Daniel Ferreira da Silva


INTRODUçAO
Abordagens sócio-antropológicas em educação especial ........ 5

Exclusão da alteridade: de uma nota de imprensa a


& exclusão: abordagens sócio-antropológicas em educação especial /
uma nota sobre a deficiência mental ...............
ll24 Educação
........ l5
org. de Carlos Skliar. - PorloAlegre: Mediação, 1997.
Rrcr,noo Bunc CEccnr
1 l2 p. (Cademos de Ar"rtoria)

Atividades dramáticas com estudantes surdos ......37


SÉncro ANoRes LulrctN
1. Educação
especial. 2. Educação de deficientes mentais. 3. Língua de
sinais. 4. Exclusão. 5. Alteridade. 6. surdos. I. Skliar, carlos, org. II. Títuro. O processo avaliativo da inteligência e da cognição
na educação especial: u ma abordagem alternativa................ 48
CDU 376
HLrco Orro BEvrR

Catalogação na publicação A mediação material e sígnica no Processo


Biblioteca Setorial de Educação da UFRGS de integração de crianças surdas ............58
Mnunn Concrrur Loprs

liaça scu pedido diretamente à:


Uma perspectiva sócio-histórica sobre a Psicologia
e a educação dos surdos ...........75
Av. Taquara,386/908 B. Petrópolis Cenros SrclrnR

0iff:ï;ï," CFÌ 90460-21 PoúoAlegre/RS 0


Fone/Fax: (5 1) 3330.8 1 05 / 3061.8864
IF-RN S i te: wr.vw.editoramedi acao.com. br
BrauoÌECÂ e-rnai I : cditora.medìacao@terra.com.br
SEBA5ÏIÃO TERAiANDÊS

ne 3 tl3 9_. ï:r,rroC"J.J&.$


Da ta:IL,/e.t /sS
NF
Ac..rrts içâo --- Printed in Brazilllmpresso no Brasil
_ Valor
NoChamada: =.-
INTRODUçÃO
Abordagens sócio-antropológicas
em edu cação especial

E para que estes índios se livrem do ódio que conceberam contra os


espanhóis (...) e falem a língua castelhana, se introduzirá, com mais vigor do
que até aqui, seu uso nas escolas sob os castigos mais rigorosos e justos contra
os que não a usem, depois de terem tido algum tempo para aprendê-la.

Em "Memória do Fogo" de E. Galeano (1984)

Esta obra apresenta diferentes, mas semelhantes perspectivas acerca


clcsse campo educativo que comumente recebe o nome de especial.
Como se perceberá na leitura dos trabalhos, todos os autores manifes-
tam, implícita ou explicitamente, uma insatisfação a respeito das tradi-
çõcs e dos paradigmas que, hoje em dia, predominam dentro da educa-
ção especial.
Gostaria de introduzir este volume com uma afirmação talvez tão
srrpcrflua como evidente: na atualidade, a educação especial atravessa
trrna profunda crise que, por certo, reconhece múltiplas causas e cujas
corrseqüências ainda não se podem interpretar totalmente. Mas a crise é
rlc tal magnitude que fica difícil pressagiar se a educação especial sobre-
vivcr'á a ela, se será ressuscitada - talvez pela antropologia educacional?
ou se permanecerá, simplesmente, como um objeto de curiosidade
I);ìr';ì os arqueologos da educação do século XXl.
Entretanto, a existência da crise não é um fato novo; dela se fala há
nrrrito tcmpo e de muitas maneiras. O problema reside, por uma parte,
r,rrr saber a qual crise se faz referência e,por outra em que não é tanto
,r r risc em si mesma o que interessa, mas, sobretudo, sua interpretação
rrlcologica. São os diferentes mecanismos de interpretação do fracasso
rlrc cstão gcr"ando difcrcntcs e até opostas tipologias e PersPectivas de
,rrr;ilisc. Qtrarrdo faço rcfcrôttcia a tipologias de análise, não estou fazen-
rlo rrrcrrçlìo, sintJrlcstttcrrtc, à lrabittrnl qttantificação do fracasso c, mttito
ó [:clLrcação & Exclusão Carlos Skliar (Org.) 7

rÌìcnos, àquela quantificação realizada desde o poder adminÌstrativo da atua sobre sujeitos menores, então seria necessária toda uma discussão
nvaliação educativa, que confunde porcentagens com políticas. embaraçosa e improdutiva acerca do significado do oPosto, isto é, acer-
Mas agora: quais seriam, em minha opinião, os fatores mais relevantes ca do que significa uma educação maior Para suPostos sujeitos maiores,
quc caracterizaram e caracterizam a crítica situação da educação especial? uma educação completa, relevante e, inclusive, absoluta.
Em primeiro lugar, surge o problema da própria definição sobre o Ao problema do signifìcado da educação especial soma-se um se-
quc é e o que não é educação especial ou, em outras palavras, em que gundo, que talvez se derive do primeiro, mas que talvez seja totalmente
scntido se justificou uma forma especial de entender e produzir uma independente: se trata da insistência, ou melhor dito, da obstinação do
cducação para certos e determinados sujeitos. que poderia ser chamado o modelo clínico-terapêutico na abordagem
As opções, neste sentido, não parecem ser muitas: ou se tem falado educativa das crianças especiais. Por modelo clínico-terapêutico consi-
rlc cspecial porque se parte do princípio de que os sujeitos educativos - dero toda a opinião e toda prática que anteponha valores e determina-
cspeciais, no sentido de deÍìcientes - impõem uma restrição, um corte ções acerca do tipo e nível da deficiência acima da idéia da construção
particular da educação, ou se tem falado de especial referindo-se ao fato do sujeito como pessoa integral, com sua deficiência específica.
rlc que as instituições escolares são particulares quanto a sua ideologia e A obstinação do modelo clínico dentro da educação especial nos re-
nrquitetura educativas - portanto, diferentes da educação geral -, ou, fi- vela um clássico problema, ainda não explicado dentro desse contexto: a
nalmente, tem-se falado de especial como sinônimo de educação menor, necessidade de deÍìnir com clareza se esta PersPectiva educativa é aliada da
irrclevante e incompleta no duplo sentido possível, isto é, fazendo menção prática e do discurso da medicina ou se é aliada da pedagogia ou, como
ao caráter menor e especial tanto do sujeíto como das instituições. muitos outros supõem, se deve existir uma combinação, uma somatória
Em todas as definições tradicionais e mecanicistas sobre a educa- provável de estratégias tanto terapêuticas como pedagógicas. Mas por acaso
ção especial, aparece sistematicamente um obstáculo que pode ser con- existe uma contradição evidente entre modelos educativos e modelos clíni-
sicJerado como insalvável:em que sentido seria possível afirmar que, por co-terapêuticos? É claro que sim: a concepção do sujeito, a imagem de ho-
cxemplo, os surdos, os deficientes mentais, os cegos, etc., são sujeitos mem, a construção social da Pessoa, etc., desenvolvem-se em linhas oPostas
cducativos especiais, diferentes de outros grupos também especiais, mas ao contrastar a versão incompleta de suieito que oferece o modelo clínico-
<1trc não foram submetidos a essa particular cosmovisão e organização terapêutico e a versão de diversidade que oferece - ou melhor, que deveria
da educação? oferecer - o modelo sócio-antropológico da educação. Disso resultam, por
Se o critério para afirmar a singularidade educativa desses sujeitos outro lado, conseqüências futuras bem diferentes: uma questão seria a do
c o de uma caracterização excludente a partir da deficiência que possu- completamento do sujeito, e a outra, contrária, seria a do aprofundamento
cln, então não se está falando de educação, mas de uma intervenção dos aspectos comuns próprios da diversidade cultural.
rcrapêutica;se se acredita que a deficiência, por si mesma, em si mesma, Fica claro que a pretensão de definir os suieitos com alguma defi-
c1 o eixo que define e domina toda a vida pessoal e social dos sujeitos, ciôncia como pessoas incompletas faz Parte de uma concepção
r-.rrtão não se estará construindo um verdadeiro processo educativo, mas ctnocêntrica do homem e da humanidade. O etnocentrismo - junto a
urrr vrrlgar processo clínico. rrrn de seus derivados mais perigosos na educação especial:o paternalismo
Por outro lado: em que sentido falar de uma instituição escolar c um reflexo da intolerâncìa e do racismo gerado Por um modelo
t's;rccialÌ Se e porque contém fisicamente aqueles sujeitos especiais, en- cconômico-político concêntrico, que utiliza os meios de comunicação
t;ro não se trata de uma escola, mas de um hospital. Se, por outro lado, rlc rnassa * ou o contrário * Para exercer sua teoria e sua práxìs de
\(ì tt-ata de que as instituições são especiais porque pretendem desen- f,ilobalização. Então a homogeneidade humana é a notícia, e a diversida-
volvu' rrrna didática especial para aqueles sujeitos deficientes,então Pode rlc, inclusive a população especial, aparece sob forma de um assassinato,
()( ()r r-cr' (luc, crÌì vcz de processos interativos de educação, exista uma .,olr o t-osto dc rrma pobreza quc sc sugerc voluntária, da violação, ctc.,
.r;rlir,rç;io sisr.crnática de recursos, cxcrcitações e mctodologias neutras í,rtos qrrc sc cotìsotÌ'ìcnr pclo resto da poptrlação corn tlma cct-ta cttt'iosi-
t.rlr:ritlcololiiza<Jas. Por'(rltittto, stÌ c cspcci;rl pot'qttc ó rnct-tot', Pot'q(tc ,l,rrlc c voracirlrdc rrrtropofáp,ica.
8 Educação & Exclusão Carlos Skliar (Org.), 9

o discurso da medicina se toma um aliado


E é neste sentido que mente, concordam com essa PercePção' Através dessa Particular Pers-
incomparável da concepção clínica dentro da educação esPecial: os es- pectiva, o círculo das baixas exPectativas se fecha com uma notável
faci-
forços pedagogicos devem submeter-se Previamente a uma Potencial - e iid"d", os magros resultados são um Produto direto da inconsistência dos
quimérica - cura da deficiência. O questionamento imPlícito desta con- próprios alunos e não da natureza do projeto educativo'
cepção seria o seguinte: se se tira ou se reduz o tamanho da deficiência, Não há que se ruborizar se se afìrma que, na realidade, o fracasso
se se tiram ou se reduzem as conseqüências sociais. O homem seria é resultado de uma Pressão metafísica que se exerce sobre os suieitos
homem se não fosse surdo, se não fosse cego, se não fosse retardado especiais: eles estão presos por uma falsa concepção ideologica/pedago-
mental, se não fosse negro, se não fosse homossexual, se não fosse gica, estão condicionados a resPirar através de falsas rePresentações
fanático religioso, se não fosse indígena, etc. Nada mais absurdo. Não há iociais, regulados por meios de normas e hábitos medievais, não podem
nenhuma relação entre a deficiência e seus suPostos derivados sociais comunica;-se pois têm que ãprender como suPerar a deficiência
e ser
diretos, pois estes não são uma conseqüência direta daquela, mas sim iguais aos demais - onde estão e quais são os demais? - em
vez de jogar'
das formas e dos mecanismos em que estão.organizadas e de que dis- repetem, em vez de mover-se, exercitam-se'
põem as sociedades para não exercer restriçóes no acesso a PaPéis Há uma certa hipocrisia quando se atribui toda a resPonsabilidade
sociais e à cultura das pessoas, de todas as Pessoas. De fato, duas pessoas do fracasso da educação especial, justamente, aos alunos esPeciais. o
fatores
com idênticas deficiências, e que vivem em sociedades diferentes, Possu- fracasso é o resultado de um comPlexo mecanismo que reúne
sociais, políticos, lingüísticos, históricos e culturais' e
em, obviamente, traietórias de desenvolvimentos diferentes' que Provém da-
Além disso, o papel que desempenha uma deficiência no começo da ou
queles profissionais que, dando-se conta ou não, voluntariamente
com-
vida de um sujeito não é de ser o centro inevitável de seu desenvolvimento, não, representam e reProduzem a idéia de um mundo homogêneo'
mas pelo contrário, a força motriz de seu desenvolvimento. O cérebro dos pacto, sem variações, sem fissuras'
primeiros anos de vida é de tal flexibilidade e plasticidade que só uma Profunda ' À continuidade entre signiÍìcado negativo da educação especial/ pre-
e errada abordagem clínica negaria todo Potencial de comPensação que se domínio obsessivo de uma concepção clínica/ círculo de baixas
exPectativas
reúne na direção contrária ao déÍìcit. Em outras Palavras, a criança não vive a de re-
pedagogicas se acrescenta outra questão muito Problemática:afalta
partir de sua deficiência, mas a Partir daquilo que Para ela resulta ser um h"*aã Jducativa sobre a educação especial. E propor uma análise educativa
equivalente funcional. Tudo isto seria certo se, desde já, o modelo clínico- para a educação especial parece uma redundância. Entretanto, o uso reitera-
terapêutico não se obstinasse tanto em lutar contra a deficiência, o que imPli- do do termo educação signifìca pôr em relevo uma necessidade
específica iá
ca, em geral, originar conseqüências sociais ainda maiores. Reeducação ou a educa-
csboçada anteriormente: incluir a análise dos fatos que Sovernam
compensação, essa é a questão. Obstinar-se contra o déíicit, esse é o erro. problemas educativos gerais e não,
ção de crianças especiais dentro dos
A insistência do modelo clínico aplicado às crianças esPeciais cons- como se faz habitualmente,fora deles e quanto mais longe
melhor.
titui, por sua vez, outro Ponto de partida Para uma série diferente de A educação das crianças especiais é um problema educativo como
c também o da educação de classes PoPulares' a educação rural'â
problemas que existem dentro da educação esPecial. das

um desses problemas é o da construção de uma Prática e de uma etc' E cer-


crianças de rua, a dos Presos, dos indígenas, dos analfabetos'
tcorização que justifique essa Prática caracterizada pelas baixas exPectati- qtle
[o que em todos os SruPos que menciono existe uma especificidade
vas pedagogicas dentro das escolas esPeciais. Para muitos, o fracasso r>s cliferencia, mas tÃUOm há um fator comum
que os faz semelhantes:
educativo massivo se traduz na verdadeira obrigação de pensar que são as rr.ara-se daqueles grupos que, com certa displicência,
são classificados
proprias limitações dos suieitos educativos o que origina esse fracasso. exclusões parecidas
corrìo minorias; minorias que, na verdade, sofrem
Entretanto, existe uma interPretação alternativa contra esse fácil rlcsdc o processo educativo'
silogismo. Se a escola esPecial Parte do PressuPosto de que os suieitos Afronteiraentreeducaçãoeeducaçãoespecialconstitui,dcsdc
cstão naturalmente limitados, toda a orientação educativa está obrigada (,ssc potìco cle vista, ttmn primeira discriminação: a de impcdir
qttc ;l
n oricntar-se naturalmcnte em direção a essa idéia,e os resultados,final- pcrl:rgogia cspccial clisctlrn afazeres edtlcativos;a de
tcr qrlc' conìo colì-
l0 Educação&Exclusão Carlos Skliar (Org.) I I

seqüência, refugiar-se e envergonhar-se como se se tratasse de um tema debate por muitos momentos personalista e narcisista, a uma mostra dc
sem importância. O fato de que a educação especial está virtualmente poderio e/ou da debilidade dos métodos parâ os surdos, ali se impõe umn
excluída do debate educativo é a primeira e mais importante discrimina- tosca restrição ao progresso das idéias educativas.
ção sobre a qual, depois, se projetam sutilmente todas as demais discri- Mas o que há por trás e pela frente desta discussão entre ouvintcsl
-
minações por exemplo, as civis, legais, laborais, culturais, etc. Por trás ficou um rol de fracassos massivos, patética mostra da
Entretanto, não estou falando simplesmente do direito à educação incapacidade de os ouvintes discutirem sequências e hierarquias de ob-
que também assiste às crianças especiais;não é gue estas tenham que ir, jetivos que vão além do enigma do ovo e da galinha.
como todos os demais, à escola, à instituição escolar entendida como Pela frente íìca uma preocupação constante,ainda refletida naquelas
um ente físico, material. Estou afirmando que esse direito deve ser ana- interrogações que Galaudet enunciou ante um auditório indiferente du-
lisado, avaliado e planificado conjuntamente a partir do conceito de uma rante o Congresso de Milão de 1880:deve-se acreditar que uma vez resol-
educação plena, significativa, justa, participativa; sem as restrições im- vido o problema da linguagem fica resolvido, automaticamente, o problc-
postas pela beneficência e a caridade; sem a obsessão curativa da medi- ma da educação dos surdos?Acaso linguagem e educação são sinônimos?
cina; evitando toda generalização que pretenda discutir educação só a Outro exemplo freqüente da distância que existe entre educação es-
partir e para as míticas crianças normais. pecial e educação é o que se refere ao processo de alfabetização ou, melhor'
A afirmação de que a educação especial deve ser incluída no de- dito, ao processo tradicional de alfabetização. Enquanto várias pesquisas
bate geral da educação, tampouco, deveria ser rapidamente interpreta- demonstram que a alfabetizaçáo não só não constitui um pré-requisito irtc-
da como uma idéia de integração à escola comum; nada mais longe vitável para o acesso aos processos de leitura, mas que muitas vezes sc
disso. Uma questão é o problema geral da educação, por exemplo, a transforma em um verdadeiro obstáculo cognitivo para isso, na educação
relação entre escola e trabalho, o problema da globalizaçã,o versus especial o ensino da correspondência entre fonema e grafema ocupa o ccrì-
regionalização do conhecimento, a imagem de homem presente no tro de todas as preocupações referentes à questão da língua escrita.
projeto educativo, etc. E outra questão, bem diferente, é o debate Um último exemplo referente à distância educação/educação es-
institucional específico, por exemplo, o aproveitamento dos recursos pecial poderia ser definido como o problema ascético do currículo. A
humanos e técnicos, etc. lncluir a educação das crianças especiais den- cscola especial não discute a questão curricular a não ser em um sentido
tro da discussão educativa global não significa, então, incluí-las fisica- muito superficial e acrítico.A neutralidade com que essa educação asstt-
mente nas escolas comuns, mas hierarquizar os objetivos filosóficos, me o currículo foi um dos mecanismos mais nocivos quanto à limitação
ideologicos e pedagogicos da educação especial. do acesso à informação e, sobretudo, em relação à identidade pessoal c
Desse modo, fazendo parte de uma educação menor, a educação cultural dos sujeitos.
especial foi-se afastando de uma discussão significativa. Na pedagogia Agora, gostaria de voltar a uma questão anterior: a aÍìrmação de
especial, os sujeitos são vistos, em geral, como pessoas educativamente que a educação especial deve ser incluída no debate geral da educação
incompletas e, em conseqüência, as preocupações educativas estão for- tcrn sido interpretada,de fato,como uma proposta concreta de integração
çadas a serem corretivas e devem-se transferir em direção a uma abor- rlas crianças especiais à escola regular. E notável como a via de saída pat';t
dagem clínica; diante dos problemas da educação especial não haveria o fracasso educativo - e econômico - da educação especial seja, iusta-
nada que revisar, salvo os recursos, as exercitações. As metodologias, rììclìtc, a inclusão física dentro de uma escola caracterizada, também, por'
então, se fazem neutras, acríticas, compassivas com quem as aplica. urìì scm número de problemas, O certo é que agora os problemas vivcnt
Um exemplo típico do processo de distanciamento entre discurso IOclos iuntos na mesma sala. Desde já, não pretendo comParal" de ttrrt
educativo geral e discurso educativo especial é representado pela ques- rrrodo rcducionista, o conceito maiúsculo de inter-relação social à iclcia
tão das línguas na educação dos surdos. Um problema importante, sem viì},,â c prcgtriçosa de integração escolar.
dúvida. Sobretudo para os proprios surdos. Mas quando esse problema A dctcr"rninação intcgracionista provórn dc ttm conittnto cspccífico
sc lirnita, basicamentc, a umA discussão cxclusiva cr'ìtre os ouvintcs, a ttm rlc fcitos coct'ctìtcs, cntr"c cles, e corììo já sc irrdicott, os t'csttltarlos litttita-
(,;rrkrs Skli;rr (Or 11 ) II
dos cncorrtrados em grande parte nas escolas especiais, a maior relevân-
irrtcrcssante notar corno os meios de comunicação contritrucm, às ve-
cia dada a uma perspectiva interativa sobre os problemas de aprendiza-
gem, o surgimento de metodos qualitativos de avaliação educativa, zcs impicdosamente, à formação de uma representação social, de um
o cstereotipo que promove a ideia de que os deficientes são,em realidade,
restabelecimento das fronteiras entre a normalidade, o fracasso escolar
e sujeitos perigosos, furiosos, dignos de ser afastados e estudados com o
as deÍìciências, preocupação das escoras por conseguir o objetivo
de ensi- rnicroscópio do racismo.Tal como assinala o autor, há uma extensa tra-
nar a todos, mais além das diferenças de capacidades e interesses, etc.
dição historica cheia de mal-entendidos e de más intenções sobre a de-
Essas razões são indiscutíveis. Mas o problema é o seguinte: a escola
ficiência mental. E talvez, como o próprio Ceccim observa, é a hora de
regular tende a produzir mecanismos educativos dentro de um marco de
rebelar-se contra a justificativa mais organicista da deficiência.
diversidade cultural? A julgar pelo fenômeno e estratégia de repetência,
a O segundo trabalho corresponde a Sérgio Lulkin, que assume como
exclusão sistemática, a discriminação com relação às variações lingüísti_
cas, raciais, étnicas, etc., parece que não. por causa de certas experiências
foco de sua proposta as atividades dramáticas com estudantes surdos. É
talvez a surdez, e suas acepções, o exemplo mais paradigmático da troca
c por alguns resultados relativos a alguns casos de grupos particulares de
crianças especiais - por exemplo, as crianças surdas as políticas de dc modelo conceitual dentro da educação especial. Os surdos, considera-
-
integração transformam-se rapidamente em práticas de assimilação ou
clos também historicamente como pessoas incompletas, doentes e aliena-
rlas, passaram a ser vistos na atualidade como membros de uma minoria
produzem, como um efeito contrário, um maior isolamento e menores
lirrgüística e de uma cultura - ou contracultura - minoritárìa. Nessa dire-
possibilidades educativas nessas crianças.
Talvez a velha escola especial e a recente inclusão nas escolas re- ção, o autor avança sobre a hipotese de que as atividades dramáticas den-
gulares constituam adornos parecidos que pretendem cobrir, com o l'o do contexto escolar permitem a construção e a reconstrução de uma
mesmo resultado, um rosto definitivamente debilitado. nrcmória sociocultural da comunidade de surdos. Essas atividades forma-
ri;rm parte da essência ideológica de um provável currículo cultural para
como sair desta encruzilhada de problemas na educação especiall
Nos artigos que seguem, sobressai um conjunto de potencialidades que, cssas pessoas, em contradição com as típicas disciplinas autoritárias e
('arcntes de significação cognitiva e lingüística dos próprios surdos.
com seus respectivos matizes, induzem a pensar em uma perspectiva
socio-antropologica não so em um sentido contestatório com relação No terceiro artigo, Hugo Otto Beyer assume uma abordagem alter-
rurtiva para o processo de avaliação da inteligência e da cognição na educa-
ao modelo clínico; ela assume uma identidade própria e contribui para
urna discussão educativa geral, que excede a questão estritamente çrio especial.Tal processo avaliador,talvez um dos fatos mais dolorosos
<krrrtro do paternalismo e do colonialismo existentes nessa forma de edu-
institucional, material, física das escolas.
< ução, representa também um ponto máximo de aproximação com rela-
Neste volume se falará dos sujeitos especiais, mas o peso da aná-
lise não vai recair sobre eles, e sim, em arguns artigos sobre as formas çío aos problemas da educação geral. Não há dúvida de que a avaliação
r.rlrrcativa - como sistema vertical, unilateral, descontextualizado, de po-
indignas de submissão às interpretações patológicas; e, em ourros casos,
(lcr', atemporal, conservador, etc. - pode produzir influências negativas no
sobre mecanismos de atividade educativos que traduzem a potencialidade
da proposta sócio-antropológica. Nem todos os trabalhos se sucedem rlcscnvolvimento da vida de um sujeito.lnclusive pode desviar seu destino
dcntro de uma mesma continuidade teórica e expressiva. pelo contrá- social, institucional, cognitivo, afetivo - com relação à maior das escuri-
rio, os artigos refletem, por certo, uma irregularidade no tratamento rlcjcs existenciais. O autor propõe, além de uma significativa revisão do
c <;rrccito proprio de inteligência e de sua avaliação, uma discussão sobre a
dos problemas da educação especial;é essa mesma irregularidade o que
clá sentido, provavelmente, à existência humana. lclrção entre dotações naturais dos sujeitos e seu destino em nível social e
t,<:<>rrômico. A explicação dessa relação so através de argumentos calca-
Ricardo Burg ceccim inaugura este vorume através de uma revisão
crítica sobre o significado histórico e atual da deficiência mental. Com rlos rlo âmbito endogeno individual signifìca, para Bayer, mascarar uma
r t'rlidade que inclui, sobretudo, aspectos macro-estruturais.
url objetivo constroi uma trama a partir de uma notícia de um jornal
accrca de uma mulher encarcerada, injustamente, por sua deficiência. É No quarto artigo, apresenta-se uma experiência prática concreta
,lr.scnvolvida por Maura Corcini Lopes sobre certos mecanismos de me-
l4 Fdrrclçlo & Fxcltrsllo

'.r..11r.,
diação no processo de integração das crianças surdas.A partir do enfoque /l.ttr'.r:i
l,"t
socio-historico de Vygotsl<y, a autora trabalha sobre uma ideia de ativi-
dade e, sobretudo, de integração dos surdos, bem diferente da habitual.
Trata-se daquela integração que supõe não a necessidade de que as mi-
norias percam suas características mais peculiares para parecer-se e as-
Exclusão da alteridade: de uma nota de imprensa a
similar-se a uma virtual maioria, mas de um processo inverso: a aceita- uma nota sobre a deÍiciência rnental
ção da diferença - não da deficiência - como mais um exemplo da diver-
sidade humana, paraa construção de um verdadeiro processo educativo. RtcaRoo Bunc Crccll't
No último artigo, eu analiso, também a partir de um enfoque socio-
histórico, os aspectos mais salientes da transição entre o modelo clínico e
o modelo sócio-antropológico da surdez.A partir de uma série de coloca- Deficiência mental: a evocação de Ritinha
ções hístóricas, metodologicas, comunicacionais e cognitivas, busco ali-
nhar a complexa trama de uma construção educativa possível para os Em 72-09-94 o Jornal Zero Hora, Porto Alegre-RS, traz, em págirt;t
surdos, desde os surdos e junto aos surdos.' irrteira, a matéria "Mulher inocente Passou a vida na prisão" e conta il
A partir das perspectivas analisadas e levando em consideração as lristoria de Ritinha. Ritinha, Maria Olinda da Conceição Santa Rita, com 72
demandas atuais da educação especial, o presente volume pode consti- ;ìnos e feições de mais ou menos 90 anos (Slc)r foi Presa em 29- 12-58 pot'
tuir um ponto de partida para desacomodar certas tradições às quais pcrturbação da ordem pública. Tal ofensa à ordem pública foram paln-
tão acostumados estávamos. E esse o sentido primordial da produção vr'ões e ameaças ao então Serente do Banco da Província do Rio Grandtr
científica e esperamos oferecer nestas páginas uma contribuição útil nessa clo Sul (Agência do Município de Ïãquara, interior do Estado), profcridos
direção. rìa rua, em frente a sua residência. A pena à ofensa, determinada pclo
crrtão )uizda Comarca,foi de l5 dias de prisão,seguida de seis mcscs rì()
Carlos Skliar Manicômio Judiciário, por medida de segurança.
A faxineira, conhecida por Ritinha, algumas vezes bebia demais t',
rìcstas ocasiões, proferia impropérios nas ruas da cidadezinha, scgtlttrl<r
;r tcse jurídica.Passados os l5 dias de reclusão penal,foi levada ao M;rtti-
côrnio Judiciário, na Capital (lnstituto Psiquiátrico Forense), e exatttitt;t-
rla por médicos que a diagnosticaram e Prognosticaram: idade e Pel'sçl-
nllidade semelhante a de uma criança com três ou quatro anos- Cottsi-
rlu'ada impropria para voltar ao convívio público, por periculosidadc'
vivcrr os últimos 35 anos entre o Manicômio Judiciário e a Penitenciár'i:t
I t:rrrinina. Ritinha teve renovados, anualmente, o laudo de incapaz c
I
rt.cornendação de reclusão penal por medida de segurança'
As companheiras no Presídio Feminino a reconheciam como unta
rncrrrina com rosto de velha, que coleciona bolsas e bonecas (SlC). Nct
M;rrricômio ou no Presídio, nunca brigou ou tentou fugir, brincava o
rr.tìì[)o todo com três bonecas de pano e precisava de aiuda para ctticlr-
rlos pcssoais. NunCa recebeu visitaS OU cartas, nunca exerceLl ativiclacltr

I l.rl;r v(Ì/ (l1c rìpìr.ccc;r cxpr'<:ss;ro SIC (Scg,rrrrdo lttfor-rtr;rção Collrirl;r) (ìst()ll lìì('
r r.ír,r ìs tÌìlìlcl iì:i j9r'rr;tlistir it\; tì.ì() íor';rttt oltlirl;ts itlíot-tttlçõc'; <ltl ttlrlrlo rlit t'lrr
'ì(l()
extern:ì, sua frase mais colrìum é "tem uma sacola para minrl" (SlC). setn ulna produção, utna Aculnulnção, uma circrrlação e ttttt fttttciotìarììclìto
Em setembro de 94, desnutrida e doente de hepatite, foi levada a do discurso.
um hospital clínico (Hospital Lazzarotto de Porto Alegre) e tornou-se
centro de atenções por sua fragilidade e puerilidade. Comunicada aVara Não há possibilidade de exercício do poder sem uma certâ econo-
de Execuções Criminais, o juiz alegou emissão imediata de Alvará de mia dos discursos de verdade que funcione dentro e a Partir desta dupla
exigência. Somos submetidos pelo poder à produção da verdade e só
Soltura na conquista de um abrigo em que ela pudesse residir. O Diretor
podemos exercê-lo através da produção da verdade. lsto vale para qual-
do H ospital Lazzarotto, José Em íl io G ressele, ofereceu- he h os pedagem
I
quer sociedade, mas creio que, na nossa, as relações entre poder e verda-
no hospital por tempo indeterminado.
de se organizam de uma maneira especial (Foucault, 1989, p. 179-80)'
Ritinha não cometeu crime (a perturbação da ordem pública é, no
máximo, contravenção penal;não é ato criminoso), não cometeu ofensa A produção de verdade com Ritinha não poderia existir Para que a

ética (no máximo ã transgressão de uma normatividade de ordem mo- verdade vígente continuasse a verdade.
ral), não pode ser considerada perigosa (sua transgressão é equivalente A prisão e o manicômio, o juiz e os médicos, o olhar hierárquico e a
à ingenuidade, amoralidade e momice), não pode ser considerada de sanção normalizadora fìcam escancarados pela segregação/reclusão e sua
convivência social imprópria (apropriação é convivência e não há recur- explicação, renovada ano após ano pelos exames que a condenam incapaz e
so possível às aprendizagens sociais que não suas tramas educacionais e como imprópria para o convívio social e a encarceram Por medida de segu-
a solidariedade), mas foi retirada da liberdade, tornada responsável por rança. O exame anual exercido no aparelho de examinar do manicômio
sua própria reclusão indesejada, tendo que penar o castigo do judiciário escancara o controle normalizante. Foucault destaca o exame como
confinamento prisional sem saber por que ou Para que, tornando-se combinação das técnicas da hierarquia que vigia e as da sanção que norma-
culpada da sua deficiência mental. liza (Foucault, 1989, p.|64),estabelecendo sobre os indivíduos uma visibili-
dade através da qual eles são diferenciados e sancionados, forjando um cor-
Faltou lugar para Ritinha no ordenamento po social homogêneo pelo ajustamento/adestramento dos desvios e a Pro-
disciplinar-normal izador dução da realidade pela fabricação da individualidade como Íìxação sobre as
singularidades de cada um, o que torma cada indivíduo "um caso que tem
Ritinha, aos 37 anos, tinha Ìdade e personalidade de uma criança que ser treinado ou retreinado, tem que ser classifìcado, normalizado, ex-
com três ou quatro anos, nas ruas bebia e dizia bobagens, então foi cluído, etcl' (op. cit., p. 170).
condenada à clausura de um manicômio judiciário (dois castigos: um Absol utam ente i nofensiva, porquanto ingên ua s ua transgress ivi da-
castigo moral ao seu modo de existência - a segregação manicomial - e de, eficientemente normal para transitar pela cidade e proferir palavras,
um castigo penal às manifestações de sua subjetividade imprópria - a mas deficientemente normal para dirigir seu gesto, reger seu comPorta-
segregação prisional).A ordem disciplinar vigente excluiu de normalida- mento, sujeitar seu corPo, segundo a extremidade jurídica de seu exer-
de as atitudes de Ritinha e a incluiu na clausura às pessoas de sua laia cício, precisava ser normalizada. Podemos supor que infrações como
anormal. xingaç beber, não respeitar os rePresentantes do poder estatuído (que
Ritinha desacata e transgride a territorialidade do triângulo poder- representam mesmo o Estado) podem ser analÌsadas pela produtividade
direito-verdade do mundo em que vive e o faz como ela é:simplória e de reverberações e ressonâncias, por fazer funcionar (colocar em rede)
singelamente. Com isso, atualiza verdades outras ao regime de verdade outra transmissão de poder, ou seja, não se trata da legitimidade de seus
vigãnte, tensionando até a sua expressão visível. É Foucault que propõe aros (que poderiam inaugurar outro pensar), mas da suieição aos Proce-
entender o como do poder como um triângulo do poder, direito e ver- dimentos de dominação que devem ser renovados, reiterando a norma
dade: no fundo, em qualquer sociedade, existem relações de poder múl- que estatui verdades.
tiplas que atravessam, caracterizam e constituem o corPo social, e estas A deÍìciência de normalidade de Ritinha a fez "estrangeira em sua Pro-
rclações de poder não podem se dissociar, se estabelecer, nem funcionar pria terra" (como nas palavras de Porter: 1991, p. 162), olhada como anormal,

IitIitolir Mcdiação Editora Mediação


l8 ftlur:;rç:io & [xcltrsicr
Carlos Skliar (Org.) l9
devendo ser corrigida pelo cárcere, pela psiquiatria, pela reeducação e exclu-
Ate o lluminismo a igualdade de status moral ou teologico não
ída de produzir cultura;um silenciamento radical à produção de diferença que
corresponderá a uma igualdade civil, de direitos.
o contato com o outro, com o estranhamento, produz em nós. Exclui-se a
Somente no século Xlll surgirá a primeira instituição para abrigar
alteridade para não acolher a diferença-em-nós gue esse encontro produz.
pessoas com DM, uma colônia agrícola na Bélgica.
chamamos ao outro de diferente;assim, somos normais. para continuarmos
No século seguinte, Eduardo ll da lnglaterra baixa a primeira lei
normais não podemos abrir contatos que engendrem estados inéditos, novi-
quanto à sobrevivência e patrimômio das pessoas com DM, a Prerroga-
dade ou transmutações em nossa envergadura moral.
tiva Regis, de 1325, pela qual passam seus bens ao rei e este zelará por
seus cuidados (aos loucos, contemplados na mesma lei, cabiam os cuida-
A construção da segregação da deficiência mental dos sem o ressarcimento em bens). Esta é a primeira lei que distingue
doente de deficiente mental.
Se recuarmos no tempo, vamos encontrar uma história acompa-
As pessoas com deficiência adquirem o status de seres humanos e
nhando a deficiência mental (DM) que reconta este episodio com as
de criaturas de Deus,o que lhes dá direito a sobreviver e receber cuida-
características marcantes da segregação, com iequintes de desumanização
dos para a manutenção da vida, mas adquirem significados teológicos c
e atrocidades.
religiosos paradoxais, serão os pequenos do Bom Deus (como anjos),
segundo Pessoti ( I 984)2, há pouca documentação sobre atitudes ou
portadores de desígnios especiais de Deus ou como presa de entidadcs
conceituações relativas à DM anteriores à ldade Média, sendo rara durante
rnalignas, às quais obviamente serviriam (veja seus atos bizarros).
este período e florescendo em seu lugar especulações sobre extremismos
Atitudes contraditórias se desenvolvem diante das pessoas com DM:
mais ou menos prováveis.Acompanhando a narrativa de pessoti faço uma
rrrn eleito de Deus ou um representante do castigo divino:um anjinho ou
descrição, balizada pela cronologia, das principais idéias, personagens e in-
trrn pára-raios da vingança celestial que vai receber, em lugar da aldeia, a
terpretações relativas à DM.
colera divina.
Sabe-se que, em Esparta, crianças portadoras de deficiências físi-
Com a hegemonia da noção de pecado, a teologia da culpa e as
cas ou mentais eram consideradas sub-humanas, sua eliminação e aban-
correntes do cristianismo ortodoxo, as pessoas com deficiência se tor-
dono estavam em consonância com os ideais atléticos, estéticos e a
rrrrn culpadas da sua própria deÍìciência, justo castigo dos céus pelos
potência de guerreiros. Genericamente, pode-se dizer que, até a difusão
sctrs pecados ou de seus ascendentes. Possuídos pelo demônio, justifi-
do cristianismo, aquele com deficiência não tinha alma e não era pessoa, (;ìrn-se o exorcismo e as flagelações e torturas.
como as mulheres que so adquiriram status de pessoa e alma no plano
A etica cristã termina por reprimir o assassínio ou a exposição c
teológico após a difusão da ética cristã.Até a Renascença, aqueles com
r.rrtabula o dilema caridade-castigo, a ambigüidade proteção-segregação.
deficiência eram expostos (abandonados à inanição). para Aristóteles,
l)cspontam duas saídas para a solução do dilema: de um lado, o castigo
até mesmo os filhos excedentes podiam ser expostos em nome do equi-
( ()rì'ìo caridade é o meio de salvar a alma das garras do demônio e salvar
líbrio demográfico. com os loucos, eram abandonados ao mar nas Naus
,r lrumanidade das condutas indecorosas das pessoas com deficiência.
de lnsensatos.
l)r: outro lado,atenua-se o castigo com o confinamento,isto é,a segrc-
Ao longo da ldade Média é que se romarão pessoas e passarão a
1'.rção (a segregação é o castigo caridoso,dá teto e alimentação enquan-
scr conhecidos como filhos de Deus (tanto uma visão caritativa quan-
Io csconde e isola de contato aquele incômodo e inútil sob condições dc:
to postergadora - deixar às mãos de Deus ou entregar a Deus) e tot;rl desconforto, algemas e falta de higiene).
cntregues às igrejas e conventos - explorados ou cuidados como expi-
No seculo XV vem a lnquisição, que manda à fogueira os heregcs.
ação redentora.
I lt'r'cgcs são os loucos, adivinhos e "pessoas" com DM.
Ern 1325, t Prerrogotiva Regis garantia a sobrevida das pessoas corìì
2.4 qtrlsc totalidade d;r historiografia rccorrtlda ncstc tcxto soblc;r DM cstá b;rscada Í )M qtrc tivesscm posses. Enr I 370, o Dìretorntnt lrtqtrisitortl/r/ arneaçn n
rro livro: Dcficiôrrcia rncrrtll:d:r srrpo'stição à ciôrrci;r, dc lslí;rs pcssori (citrclo).
;rrolrr-icdlde das posscs porquc, a qrralqrrer ato julgado herctico, fic;r
20 Educação & Exclusão Carlos Skliar (Org.) 2a

autorizado o confisco dos bens (práticas como o pronunciar blasfêmias, dência visa a disciplinar os bens de herança e decide que aqueles que não
contestar o bispo, cometer atos homossexuais ou obscenidades), ca- tivessem bens culturais não se beneficiariam de bens materiais.
bendo os bens ao inquisidor e sua família e aos denunciantes. No século XVlll,aParece a alternativa ideal da solução do problema
O Santo Ofício mandava queimar vivas as pessoas que praticassem da DM.A Europa já aprendera na ldade Media a enfrentar a lepra, epidêmi-
o homossexualismo, se adultas, ou açoitá-las e enviadas às galés, se cri- ca e davastadora, construindo hospitais (leprosários/hospícios) e essa era
anças (é freqüente o desregramento erótico dos adolescentes com DM, a alternativa,para o novo momento.
tanto mais em face de menores cuidados com a informação e o pouco A tarefa de cuidar da pessoa com DM é ingrata e dispendiosa, preiu-
desenvolvimento da comunicação que facilitaria a aprendizagem e com- dica a família e o poder público, mas estas crianças/seres humanos não
preensão de regras morais). podem mais serem abandonados à exposição. Paracelsus, cardano c o
O Diretorium ensina aos inquisidores: é manha dos hereges faze- educador John Locke determinavam que as Pessoas com DM podiam ser
rem-se de tolos;responder ao que não se perguntou;não responder ao treinadas ou educadas e que aprendiam e tinham direito a isso.Assim, não
perguntado; mudar de discurso. São indícios: incontinência nas elimina- podem ser punidas, nem abandonadas, mas são segregadas nos leprosários
ções,grande inclinação por mulheres,ter vida ou conversa diferentes do (segregação que livra os governos e as famílias de sua incômoda presença).
comum dos fiéis, os que têm vista torta (é torta por causa das visões do Seguindo 1797,Jean ltard (médico que se
o relato de Pessoti, em
demônio, vidência e conversa com os espíritos maus). destacou pelas descobertas no camPo da fala e da audição, médico-chcfc
Ainda no século XV é editado o Martelo das Bruxas,livro da caça às aos 25 anos do lnstituto lmperial dos Surdos-Mudos) recebeu a guarda
feiticeiras, adivinhos, criaturas bizarras ou de hábitos estranhos. Este manual de um menino capturado na floresta e que vivia há l2 anos como selva-
assevera que estas criaturas estabeleciam tráÍìco real com satanás e as for- gem (conhecido comoVictor de L Aveyron, ou O Selvagem deAveyrorr),
ças das trevãs. diagnosticado por Pinel como radicalmente incapaz de aprendizagerx,
Aderiram ao A4alleus tllalefcorum,bem como ao Lucemo lnquisitorum "indivíduo desprovido de recursos intelectuais por deficiência mentnl
e ao Diretorium lnquisitorum,o clero italiano e ibérico e os seguidores das cssencial e não fruto das privações pelo modo de vida", como os demais
Reformas de Lutero e Calvino (este comandou pessoalmente a caça às idiotas que conhece noAsilo de Bicêtre ltard,partidário da idéia dc qtrtr
bruxas em Genebra, em 1545). o homem não nasce como homem, mas é COnstruído como homctìt,
A Reforma ficou conhecida como a época dos açoites e das alge- assume sua educação sistemática e individualizada. ltard preferia acrcrli-
mas na historia da deficiência mental, destaca Pessoti ( op. cit., p. l2), tar nas ideias de Rousseau - a teoria do bom selvagem, Condillac íl
baseado em R. Pintner (obra espanhola de 1933 sobre crianças com tcoria da estátua ou Locke - a teoria da tábula rasa.Victor aprendctr
deficiência mental ou oligofrênicas). O homem é o próprio mal quando hábitos, afalar,rudimentos de escrita e resPosta a testes de inteligência,
lhe falte a razáo ou a graça celeste a iluminar-lhe o intelecto; assim, tt'acando-se, conforme diagnóstico, de um retardado mental profirttdo
dementes são seres diabólicos. (incapaz de discriminações mesmo grosseiras entre odores, ruídos c
No século XVl, Paracelsus e Cardano, dois médicos de alta repu- irrragens, incapaz de articular qualquer som vocal humano e fixar stta
tação, com incursões em conhecimentos da filosofia e matemática, alu- .rtcrìção em um dado objeto ou evento).
dem a DM como doença ou vitimização de forças sobre-humanas, cós- Para Pinel, tratava-se de uma doença "até o Presente incurável,
micas ou não, e dignas de tratamento e complacência. Irrcapacitante de qualquer sociabilidade ou instrução" , sendo recomclì-
A jurisprudência inglesa, em 1534, duzentos anos depois da Prerro- rl;ivcl, unicamente, a sua intemação no Asilo de Bicêtre como os demais
gotivo Regrs, define DM e loucura como doença ou resultado de infortú- rrliotas (Pessoti, op. cit., p. 39).
nios naturais e propõe critérios de identificação da DM: será bobo ou Todas as crianças com diagnostico de DM tinham como indicaçã<>
idiota de nascimento a pessoa que não puder contar até 20 moedas, os ltospícios, onde eram abandonadas e completamente isoladas de opot-
nem dizer quem era seu pai ou sua mãe, nem quantos anos tem, ou que turrirladcs dc cnsino c cducação.
não puder conhecer e compreender letras mediante ensino.A jtrrispru- O extrne, dtaprosf ico c prognóstico, formttlados pelo psiqr riatr:r fora rt t
( :tt'lor Skli'rr (( )r 1i ) 2l
22 Educação & Exclusão

desacreditadosporltard.ParaltardadescriçãoprecisadePinelnãobastou daDM,documentodeestudoinevitável(enefasto)porqualqueralienisca'
de uma avaliação da
p"|^u-a".iair; Para ele era necessário acompanhá-la neurologista,médicomoral'ortofrenistaoufreniatra'Todasasdeficiên-
determinantes do quadro de degenerescência familiar c
gÀn"r" do quadro descrito;o conhecimento dos eventos cias mentai, ,ao grul"lã"t a" um
ou curabilidade
ãeficit é imprescindível"para decidir sobre a incurabilidade de transmissão genética'
do idiotismo do selvagem" (Pessoti, op'cit'' P'40)' NoTratadodaMania,dePinel,dels0l(TratadoMédicoFilosofico
t:t"i-1ï'T""1ï
Pinel)'a DM aparece
EmlS00,aDMcomeçaasersugeridaaocampoproÍìssionaldame- sobre aAlienação Mental,de PhiIippe
psicologia clínica)' como um
dicina moral (antecedente da psiquiatria e da emrelaçãoàdemênciasobaformademaniaeéapresentadacomoumtlpo
p-Ut"tu, passível de tratamento mediante intervenção comportamental' deinsanidade,masconsagraaDMcomopatologiacerebral,doençainevitá-
a ocorrência de comporta-
arranjo de condições ambientais ótimas Para vel,herdadaequestãode"n"uropatologia,cujaúnicadestinaçáoéoleprosário
não desejadas'A ProPos-
mentos desejáveis, e para a cessação de atividades hospício asilo.
equivaleria, hoie, à ree-
ta técnica chamada ortopedia mental ou ortofrenia, NoiníciodoséculoXlX,Esquirolclassificaoloucocomoaquelc
a Pessoa com DM
desde Paracelsus e Cardano, a que conseru" rina" ferfeição do.Àumano'enquanto
ducação. Entendida como patologia cerebral "
de problema orgânico, é uma doença com perda ott
DM seria terrirorio médico e nãó pedagogico;arém tem uma organização primitiva'A loucura
especial fora das proposi- onde a razáo nunca se manifestotl
não havia a mínima trajetoria de uma educação prejuízo da razáo,a DM é um estado
neuro-sensorial ou moral' ou manifestará.
ções médicas no camPo como orgânica e
Toda sorte, conta-nos Pessoti' Passa a Pessoa
com DM das mãos A DM segue estudada pela medicina e tratada que
é o salto do conhe- pela pedagogia' ainda Por muitos
do inquisidor às mãos do médico' De igual monta medìcalizável e, paralelamente'
médicos, estudiosos das didáticas'
A teoria da DM começará a ser aba-
cimentohumano,poisqueateoriadadeficiênciamentalcomeçaaser
buscada nos tratados de patologia cerebral deWillis e Pinel (Medicina ladaapenasnoséculoXXgraçasaosProgressosdapsicologia'biologia'
'Diretoiium
Moral) e não mais no dos inquisidores ou no A4olleus genetica e às ousadas iniciativas pedagógicas'
de didática' denuncia' sc-
ftlaleficorum' Seus determinantes deixam
de ser os demônios' miasmas Edouard S"guin (1846), médico' àstudioso
(ainda que Por da medicina sobre a DM que mãl'c:1
e sortilégios e sim disfunções ou displasias corticais gundo pessoti, a hegemània áoutrinária
com uma mesma matriz'não proctt-
inferência ou em hiPotese)' todos os diferentes comPortamentos
relações ."ur"ì, e uma rcoria do
desenvolvimento.o modelo módico
Pessotivainoscontarqueagrandeviradadainformaçãoemdefi- rando
ciênciamentalocorrequando,"u,d"t"'*inantessãoprocuradostam- eunitiírio,fatalistaeasilar-segregadoçnegaaeducabilidadedascriançascolÌì
DM por patologia ao o'gunìttì'o bioloico' Í
ttt-"I:lïséculo XX qtrc
bémnahistóriadeexperiênciasdaPessoacomdeficiência.Masaquia
dos estudos e proposições de Segttitt
tr
historia se bifurca. De um lado, o organicismo
deWillis e Pinel, seguido cste fatalismo termina, diorrendo
na teoria da DM' Maria Montessori'
por Esquirol e outros, que marcam o fim do dogma trmbem de outro médico, a médica italiana
produção científica mris
masacapturampelapsiquiatrizaçâoe'deoutrolado'aeducaçãoespeci- Até as primeiras décadas do século XX'a
de Pinel (mestre de ltard) para
al, iniciada por ltard, que derivou menos clcstacada",nDl'l,"riaadeEsquirol(1777_1840),medicobrilhantettn
obrigatória para médicos c
estabelecervizinhançaíntimacomasformulaçõesdeeducadorescomo clínica e na ortofrenia, auto' á" ton"lta toda a vi<la
e Rousseau' Para ele os idiotas são o que virão a ser durante
John Locl<e, Condillac 1>cclagogos.
PrevalescendoaherançadePineleEsquirol'hegemônicas'aofinal C.r,t'ã Ésquirol, coloca (op' cit'' p' 88):
do século XVlll, p",,ou' cám DM são denominadas de cretinos' idiotas NoTratadodaMania,dePinel'del80l(TratadoMedicoFilosoÍìr:<r
", incurável e inapelável'Troca-
ou imbecis, arurunio a marca do irreversível, sobreaAlienuçaot',tuntut,dePhilippePinel),aDMaparecesecutrdariattttlttttl
sedadanaçãodivinaàcondenaçãomédica'lnicia-seateoriaeugenista cmrelaçãoàdemênciasobaíormademaniaeéapresentadacornottrtttill<l
familiar e social)' irrcvitii
parologia cerebml, docnça
(teoria que prega a degenerescência na hereditariedade dc irrsarridacic, rnas consagra a DM como lc1:r'.si'itr
F' Fodere' publicado
No Tratado do Éocio e do Cretinismo' de l'
co
vcl,6<rrrhcla ;:i,,;" d"ì',",,,',rp.tolog,ia,ctria írrrica rlcstirtação
o fatalismo hercditário
crn lTgl,cmTtrrim,a medicina cicntífica defende llrlsl rici< l-a:;ilrl'
74 Edrrc;rção & Excltrsão C;rrlos Skllrr' (Org ) 25

No início do século XlX, Esquirol classiíìca o louco como aquele que Guggenbuh, médico, em 1846, Provocoll polêmicas, estimulou n
conserva ainda a perfeição do humano, enguanto a pessoa com DM tem uma criação de instituições e, sobretudo, abalou o Preconceito quanCo à
organização primitiva. A loucura é uma doença com perda ou prejuízo da irrecuperabilidade da pessoa com deficiência dita severa ou profunda,
razÁo,a DM é um estado onde a razão nunca se manifestou ou manifestará. alem de estimular discussões sobre a metodologia de ensino Para as
A DM segue estudada pela medicina e tratada como orgânica e pessoas com deficiência.
medicalizável e, paralelamente, pela pedagogia, ainda que por muitos A obstinação de seguin, estudioso de ltard, levou-o a desenvolver e
médicos, estudiosos das didáticas. A teoria da DM começará a ser irnplantar a educação especial dentro de Bicêtre, lançando as bases da
abalada apenas no século XX graças aos progressos da psicologia, bio- compreensão psicogenética da aprendizagem na DM.Ïêrmina por desen'
logia, genética e às ousadas iniciativas pedagógicas. volver uma fúria antimédica. É qre a hegemonia doutrinária, apanágio da
Edouard Seguin (1846), médico, estudioso de didática, denuncia, se- rnedicina tradicional, é avessa a evidências ou argumentos procedentes dc
gundo Pessoti, a hegemonia doutrinária da medicina sobre a DM que marca origens outras que não a anátomo-patologia, a semiologia neurológica ott
todos os diferentes comportamentos com uma mesma matriz,não procu- a autoridade clínica.
rando relações causais e uma teoria do desenvolvimento. O modelo médico os pioneiros da medicina moral formam uma dissidência que, pro'
e unifário,fatalista e asilar-segregador nega a educabilidade das crianças com rnissora às pessoas com DM, de um lado, é ameaçadora de outro-A medi-
DM por patologia do organismo biológico. É somente no século XX que cina oficial é indisfarçavelmente normalizadora e disciplinadora.Após as iá
este fatalismo termina, decorrendo dos estudos e proposições de Seguin e tìumerosas escolas especiais, segundo os métodos de Seguin e educado-
também de outro médico, a médica italiana Maria Montessori. rcs como Pestalozzi, Froebel, Comenius, Montaigne, a Comissão de Pie-
Até as primeiras décadas do século XX,a produção científica mais rnonte (Novos Estudos Epidemiologicos do Cretinismo, de 1848) vern
destacada em DM seria a de Esquirol (1772 - 1840), médico brilhante na repetir o fatalismo hereditarista.A Comissão Francesa,26 anos depois
clínica e na ortofrenia, autor de consulta obrigatória para médicos e (1864), faz cair os argumentos da Comissão de Piemonte Por impcrÍcia
pedagogos. Para ele os idiotas são o que virão a ser durante toda a vida. rnetodologica, mas retoma à teoria unitária da DM. Em 1857 emerge, com
Como Esquirol coloca (op. cit., p.88): Morel, a teoria eugenista, o Tratado das Degenerescências'
ficam então diagnosticáveis diferencialmente a confusão mental passa- ATèoria da Degenerescência é tão abrangente quanto vaga e stl;ì
geira e de incidência mais ou menos geral, a loucura caracterizada como clifusão tão ampla nos ambientes médicos se deve principalmente n
perda irreversível da razão e suas funções, e a idiotia definida como trôs condições:a autoridade de Morel, o conteúdo alarmista e eugenistn
ausência de desenvolvimento intelectual desde a infância e devída a que carrega e a plasticidade com que se aiusta às mais díspares categÕ-
carências infantis ou condições pré-natais ou perinatais. r-ias de fatos. O conceito de degenerescência e degradação vem nor-
rnalizar a sociedade com a sanção médica, uma medicina das reaçóes
Para Esquirol não se trata de doença, mas a privação das faculda-
patologicas em que a degenerescência é a processualidade da degrada-
des intelectuais e a falta de desenvolvimento para adquirir a educação
comum. Se não é doença, começa a esvanescer a hegemonia médica e
ção da natureza; perda da perfeiçáo. Para a Teoria Moreliana dn
Degenerescência, o cretinismo é o caso tíPico (representante exem-
-
entra em questão a relação desenvolvimento educação; então, rendi-
ptai;.n severidade da DM (a idiotia) é o último degrau da degradação
mento educacional passa a ser critério de avaliação.
irrtelectual. As teorias eugenistas produziram cultura, seu regime de
Belhome (1838), discípulo de Esquirol, tem a mesma matriz de
vcrdade ganhou o senso comum e ressonância ante o doente, o defor-
produção teórica, e Pessoti destaca que foi dele a proposição de que
rnado e toda a sorte de pessoas com deficiência, principalmente aquc-
as funções intelectuais talvez não tenham se desenvolvido o bastante
las com DM, de absoluta reieição, como medo, segregação e asco. Estc
para que o idiota houvesse adquirido conhecimentos e classificava a
cstatuto de verdade, acima de tudo, catastrófico às pessoas com DM,
deficiência mental com a categorização educável em casos leves, caso
as convertia em portadoras do princípio degradador.A DM regridc ao
dos imbecis.
escatuto dc amcaça à segurança pública e à saúdc- das famílias c Povo-
,t
26 Educação & Exclusão Carlos Skliar (Org.) 27

ações, "não porque alguém Pudesse ser individualmente contagiado, famíliaJuke para provar a dotação hereditária da DM e seus correlatos sociais:
mas o sangue, a genealogia, a raça ficavam exPostas ao contágio fatal" crime, pobreza e prostituição, tornando a DM um Perigo genético e ameaçì
(Pessoti, op. cit., p. la5). social.Assim, a reclusão e a esterilização apresentam-se como soluções acci-
cáveis e prudentes, como ressalta Pessoti (op. cit., P.14|.
Em lugar do conhecimento, A gênese do conceito de DM, com sua origem produtiva de den-
o comportamento normalizador tro do saber médico e da prática médica, se fundava em fatalidades genó-
ticas, congênitas ou neonatais.A DM é, necessariamente, uma resPostil
As teorias de Morel contribuíram menos ao conhecimento, onde orgânica, portanto, necessariamente, Pertencente à nosografia medica.
vingavam como a própria pseudociência, que ao comPoftamento, especial- Enquanto transmitida hereditariamente, escaPa ao camPo da cura, c ;t
r"-n," pelo tom alarmista travestido de teoria médica.As Pessoas com DM reclusão, eliminação física ou evitamento da reprodução e proibição do
seriam as últimas rePresentantes das famílias em vias de degenerescência casamento entre degenerados, são as saídas médico-sociais. Atravessa-
(degenerescência total) após uma genealogia familiar de epilepsia, ócio, alco- da pelas teorias eugenistas, demonológicas e organicistas, a oligofrctti;t
olismo, delinqüência, furto etc.A Pessoa com DM encarna o princípio de- não é passível, senão minimamente, de intervenção Pedagogica: dcsdt'
gradador (um repulsivo papel social).As teorias de Morel e seguidores vie- que aplicados em estabelecimentos especiais, os recursos higiênico-sa-
ram sustentar o conceito de degenerescência da raça.A prevenção ganhava nitários e pedagogicos podem transformar "um bruto inconvenictttc,
o estatuto de preservação racial e produzia a rejeição e hostilidade à raça perigoso, inútil e perturbador em um sujeito decente, inofensivo e capa/
degenerescente. (Ressalte-se que a teoria da degenerescência racial iuntava de prestar à sociedade alguns serviços em troca dos cuidados e da pt'o-
crãtinismo e idiotia como unidade etiológica e desprezava qualquer viés teção que recebe dela" (texto colhido por Pessoti,p.l64, dos Diciorrá-
epidemiológico ao tabular os dados regionalizados de recenseamento)' rios Enciclopédicos de Ciências Médicas da autoria de Olambard, 1889).
Havendo raças que são mais degradadas do que outras, então "não é As classificações da oligofrenia e as alternativas ProPostas vat'i;t-
de estranhar que surja uma classiíìcação étnica dos idiotas dois anos aPos o vam dos matizes metafísicos ou religiosos aos de responsabilidade rnot'nl
levantamento da Comissão Francesa", coloca Pessoti (op. cit., p.147) para c aos de proteção à ordem social. Assim, chegamos em I 889 colÌì ,r
introduzir a obra de Langdon Down (Londres, 1866) que descreveu a
rndicação do asilo-leprosário aos cretinos (reclusão definitiva e tot;rl-
síndrome de Down, designada por ele de mongolismo, explicando a
rÌìente tutelada), a indicação do asilo-escola aos idiotas ( onde aPrcrì-
retrogressão racial, uma regressão à raça mongolica (mais primitiva) respal- rlc-.ssem a trabalhar para retribuir a alimentação e instrução reccbiclas,
dada na formação palpebral, onde há um encurtamento da pele. (O encurta- rr:trocedendo a inculpaçáo da Pessoa com deficiência) e a prisão dotni-
mento da pele, na formação palpebral da pessoa com a síndrome descrita riliar aos imbecis.Aos imbecis indicava-se a Prisão domiciliar Porqlrc
por Down, representaria uma imagem mongólica e não uma imagem egíp- (.stcs, inegavelmente caPazes de aprendizagens e rápido desenvolvi-
cia, assíria ou maia, por exemplo, entre os Povos com olhos com formato rÌìcnto, e pessoas cujo confinamento é mais difícil de impor, precisavnrrr
amendoado,pois estes últimos possuíam maior evolução sociocultural)' Down .l;r vigilância permanente Para que o seu senso moral rudimentar c stln
serviu ao estudo da DM Por aPresentar um tipo novo de DM que mais tarde ír'rca razão não os transformassem de mansos e inofensivos em pct'i-
permitiu superar aÏêoria Unitária da DM. De resto,descreveu uma síndrome .,'()sos, desacatadores e promíscuos (Pessoti, op. cit., p. 165).
já reconhecida e reportada por Seguin em I 864, reproduziu a tese do inatismo
A medicina do início do século XX resolvera a Presct'ição rlos
e não acrescentou novidade ao entendimento etiologico;tampouco aiudou ,lrvcrsos tratamentos da DM conforme a gravidade de cada qttarlt'o:
a esclarecer a relação entre a doença herdada e a DM' ,,rnfinamcrìto ou educação especial, com estes nomes. As pcssoes cottt
Entre os primeiros estudos de hereditariedade, estava o estudo da famí- ,lr.íir iôtrcia dc tipo vcget;ìtiva ou scvcra, o confinamento c rcclttsão tto.'
lia Horn. O estudo indicou um Serme doentio, transmitido de pais para filhos, lro.,1rícios;is dcrnais, trnt cducação cspcci;rl Pal';ì Protcgct- :t socitrrhrlt' r'
responsável por aspectos morais, pessoais, infecciosos c acidcntcs obstctri- r,,rlrrzir' ()s cust()s rla rnnnrrtcrrção pírblic;r orr f;rrttilinr rlo olip,ofr'ôtrico.
cos, quc provavarn a lrcrança da icliotia. Dtrgdalc dcsct'cvctl sctc gcr-açõcs
cla
A grosiçío rll Jrsicoloyli;r nc> cr.nririo lri',(tiric'r>-cicttÍífico <l;r DM 1i,r
28 [:tltrclçIo & Fxclrrsilo (';rr lo.. Skli.rr (()r
1' ) 29

nha expressão com o diagnostico psicologico proposto porAlfred Binnet. r cstcrilização ó um cJos rncios clc cvitar maior incrcmcnto rra rrataliilarkt
As considerações etiologicas são menos importantes, como prova sua rlc oligofrênicos. Pessoti (op. cit., p. 189) nos chama a arenção dc qrrc ó
contribuição psicométrica, e sua influência teórica implica uma definição prcciso convir que, na terceira decada deste seculo, estas afirmações jí
psicologica da DM que escapa do fatalismo anátomo-patológico ou rrão podem ser desculpadas pela inexistência de pesquisas e divulgação
físiopatologico. Binnet, no mínimo, contribuiu para romper com a deter- crn áreas como genética, embriologia, microbiologia e endocrinologia.
minação causal necessária entre lesão orgânica e DM, demovendo a lo- Errtão, aquilo em que podemos pensar é, novamente, no ardil do conhc-
gica de que há uma normalidade orgânica e de que qualquer desvio é cirnento, no furor disciplinar da sociedade, via comportamento.
aberração.A medida de inteligência instituída pelo diagnóstico psicologi- No correr dos anos 30, esse conhecimento se desdobra em açõcs
co de Binnet quantifica graus de desempenho em relação à média das políticas, demográficas e de planejamento público, enfrentando não os
crianças de mesma idade, em sua significação pedagogica. O Ql, entre-
lrroblemas das pessoas com deficiência ou a melhoria na sua qualidade dc
tanto, mede graus operativos de execução de função e não a potência virla e saúde, mas os problemas que as pessoas com deficiência represen-
para operar funções, sendo útil para classificações e diagnósticos, mas t;ìvam para a ordem e para a saúde públicas. Em I 936, mais de 20 estados
não para proposições e desaÍìos. Com Binnet,.a DM deixa de ser propri- rrortcamericanos dispunham de legislação permissiva da esterilização de
edade da medicina e toma-se atribuição da psicologia como questão rrliotas, imbecis e violadores, consolidando e ampliando a legislação dcr
teórica, o que significa tirar a DM dos asilos e hospícios e dar passagem r:rr'ácer eugenista como proteção contra a ameaça de degradação social,
à escola, especial ou comum. rnoral e sanitária representada pelo convívio com seres mentalmente de-
Em 1898, Maria Montessori vai propor a educação moral como ll< itár'ios e organicamente irrecuperáveis.
abordagem da DM, visto tratar-se, segundo ela, de um problema muito Há publicações da época que sugerem a esterilização obrigator-i;r
mais pedagógico que médico.A cura pedagógica da medicina moral, pro- r.rÌì rìome da defesa eugênica da raça, para evitar, quanto possívcl, o
posta pela ditadura médica, é substituída pela educação moral que não rr,rscimento de débeis mentais, como a esterilização compulsoria qrre
se confunde com a prescrição da educação especial dos médicos , oil'iA em alguns estados americanos com os criminosos habituais, bô-
'c
ortofrenistas. A diferença entre educação moral e tratamento moral lr,rrlos e alienados.
estava no fato de que o método não se limitaria à eficácia didática, mas Bem, e claro que as teorias eugenistas e fatalistas raciais orr
ao alcance da pessoa do educando, seus valores, sua autoafirmação, seus
1'r.ncalogicas caíram deÍìnitivamente com os avanços da ciência em bio-
níveis de aspiração, sua auto-estima e sua autoconsciência, segundo r;rrírrrica, genética, clínica médica, obstetrícia, psicologia do desenvolvi-
Montessori (Pessoti, op. cit., p.l8l). nr('rìto, puericultura, etc. O psicodiagnóstico da DM invalidou sua corì-
Paradoxalmente, se no século XX floresciam Le Case Dei BombrnÌ, ( ('l)Ção unitária apontando diferenças qualitativas,graus e áreas de corn-
montessorianas, ressurgia com força o terror contra as pessoas com yrrorrrctimento, níveis de recuperabilidade e intervenção, proposições dc
DM, uma verdadeira propaganda alarmista. Propagam-se concepções que t,,,lirrrrrlação precoce e reabilitação. Novas entidades clínicas foram cles-
beiram o retorno à fogueira: PessoticitaTredgold (1909), Femal (1912), ( rrt:ìs c programas terapêutÌcos instituídos nas áreas de audiologia,
Goddard ( I 9 I 4), Hollingworth (l 920),Tredgold (1922), Pintner ( I 933) l,rri;rr'ia, neurologia e psiquiatria iníantil, que em diversos momentos
e Catell (1936). Esse retrocesso nas teorias se expressa com proposi- ,rl:r u[);ìr'am condições ou respostas fisiológicas como DM. Foram desco-
ções como a educação especial para prevenir a periculosidade das pes- lrr.r t;rs possibilidades de prevenção da DM, aconselhamento genetico c
soas com DM e reduzir a sua inutilidade para a comunidade (elas devem rlrt.r;rs ;rpropriadas à recuperação de distúrbios metabolicos.A pedago-
produzir alguma coisa, enquanto são mantidas sob vigilância, para com-
1ii,r rlcscrrvolveu teorias educacionais capazes de operar com o descnvol-
pcrlsar os custos a que obrigam a sociedade);a segregação da comunida- vuìì('rìro d:r irrteligência e inúmeras tecnicas especiais de educação. A
de, sob qualquer forma, e prudente, porque assim se reduzem as proba- .r',',r,,tirrrcia social, a tcrapia ocupacional, a fisioterapia e a cclucação físic;t
bilidades de procriação de novos oligofrênicos (e particularmente ne- vr(,r,!rÌì :rrnpliar a convivôncia com as pcssoas corn DM proporrdo tccrri
ccssário separar as mulheres quando estiverem em idade de procriar) e ('vctìfos, lnovirncrrtos rlc soliclaricrladc e colìgraçatÌìcnto.
' ,r,,,
30 [-rlrrrlç,io & [ xt lrtricr
C:rrlos Sl<|rr (Org.) 3 I

os progressos em neuropsicorogia substituem os roturos quarita-


comum, e as pessoas com deficiência estão excluídas liminarmente da
civos (idiota, imbecil, débil) ou quantitarivos (el 0-20,20-50,
50-75, por didática e da psicologia normais, quer por serem problemas médicos,
cxemplo) e a psicopedagogia propõe critérios de avaliação e classifica-
quer por não haver recursos metodológicos para investigar-lhes as capa-
ção baseados em desempenhos observados nas diversas situações. Mais
cidades mentais ou ensinar-lhes o repertório escolar. Os rótulos qualita-
recentemente, a psicanálise vem contribuindo à produção de relações
familiares e sociais capazes de quarificar a deíìciência no campo das tivos: severo, treinável, educável, ou os rótulos quantitativos do Ql (5 I a
di- 70 - leve, 36 a 50 - moderad o,20 a 35 - grave, menor que 20 - profun-
versidades humanas, propondo um sistema de estimulação de bebês
e do,70 a 85 - borderline) servem para decretar o futuro e as oportunida-
produção de vínculos de saúde nas relações familiares e sociais.
des das pessoas com deficiência. Mesmo que Pestalozzi, Montessori e
Esses avanços desarmaram os argumentos demográÍìcos
e seu apero Decroly tenham criado sistemas pedagógicos eficazes para a infância em
eugenista de eliminação, esterilização e reclusão das pessoas com
DM, geral com base em seus métodos na educação de crianças intelectual-
mas não foram suficientes para a libertação da deficiência de
sua marca mente defìcitárias e so depois os terem estendido aos educandos nor-
metafísíca de maldição ou castigo do céu, nem do fatalismo
clínico da mais, parece ter caído em total descrédito essa possibilidade.
hereditariedade inevitável, nem da segregação para a educação especial,
Persiste a convicção da inferioridade das capacidades das crianças
além de essas pessoas, do ponto de vista sensorial e motivacional,
serem deficientes e de que as técnicas didáticas eficazes com "normais" são as
tratadas como se todas fossem iguais e imutáveis. Não há oferta
de que devem ser adaptadas às crianças com deÍìciência. Persiste a convicção
emprego, não há captação das competências dessa mão-de-obra
pelo da inferioridade das capacidades, da potência de mutações e das contribui-
mercado de trabalho, não há trânsito social nas instituições básicas
da
cidadania como saúde e educação. Ainda se pensa que a formação ções da pessoa com DM em qualquer circunstância da vida em sociedade
de e justifica-se, resguardando a sociedade de aprender, mudar ou capacitar-
professores deva ser específica (especiarizada) em pedagogia
especiar e se também com estas pessoas.
gue estes professores devam ser remunerados com gratificação
especial
por sua ocupação com pessoas que apresentam deficiências.
A DM carrega marcas de segregação e recrusão muito fortes e uma Ritinha: cárcere e segregação
idéia de pcr"igo imprevisÍvel.Toda a sanha eugenista das primeiras
décadas A prisão de Ritinha, por 35 anos, choca porque se trata de uma
do século XX se baseava no pensamento médico sobre as pessoas
com mulher absolutamente inofensiva do ponto de vista criminal. Seu se-
deÍìciência cln cstados menos graves.A idéia mestra do pensamento
neste qüestro ao convívio na pequena cidade interiorana no final da década de
período e a clc q.e o imbecil é,antes de tudo,um perigo público.o
cretino 50 por desacato a uma autoridade moral (o gerente do banco estatal), a
será internackr, o idiota será adestrado para o trabalho. o imbecil
deverá repetição na ingesta de álcool, um quantitativo de inteligência na faixa
guardar prisão rlçrrniciliar.A concepção que atravessa o século
XX é a de provável 20 a 35 - retardo mental grave, remontam em seu destino o
que algumas cli;rrrças com DM sejam educáveis, mas, mesmo
inofensivas são destino funesto das pessoas com DM na história mundial.
perigosas, corrvt"rn vigiá-las continuamente. A educação possivel
deve ser A ação prisional seguiu-se de sanção normalizadora mais asséptica, a
realizada em t.st ;rbclcc imencos especiais, transformando
esses ind ivíduos proteção da sociedade com medidas do modo médico, ou seja:a segregação
inúteis e peripp',.s cm homens dignos de alguma liberdade e
capazes de de Ritinha. Degenerada mental, portadora de atos imprevisíveis ou
l)restar algurrr ',r'r viços.Ao longo deste século, tanto a medicina, quanto
,r pedagogia t',r;r.'it,logia encontram na DM
oligofrênica, a quem não era mais possível abandonar, porque abandonada já
o dilema de suas propostas
rlc cura: a rrr.rlir irrl não sabe como tratar os débeis era, a quem o coníÌnamento com ensinamento de trabalho não se justiÍìcava
mentais não porque já tinha uma ocupação produtiva e produzia seu próprio sustento,
, r>nfináveis, ;r
1r.rl,r1'ogia não sabe como estender-lhes seu sistema de
,'rrsino vigcrrrr',.r restava-lhe a reclusão (um cárcere às suas atitudes) ou o hospício a que
l,',irr>logia não sabe como medir as diferenças de capa_
, rrlade meÍìf;rl ('rrrr(.os normais sempre estiveram destinadas as pessoas com DM juntamente com os lou-
e os débeis mentais para adaptar recur_
',rs. umâ plt'rrrrrrrlr. rlc síndromes se reagrupa na DM, enquanto cos, desde que, por motivos salvíficos ou humanirários, não puderam mais
sintoma scr queimadas ou eliminadas pelo suplício. Para Ritinha, a solução ímpar,
Cilrloi Skllar ((Jr8') tr
32 Educnção & Excltrsio
concidadãos (nós, de um modo geral) estabeleceu-se uma
ruPtura discttnsiva,
seqüestrando o perigo encarnado Por ela,foi o manicômio judiciário.
ou seja, entre as suas atitudes inocentes e a nossa vigilância da ordern.
Foi
A sociedade taquarense foi seqüestrada de Ritinha e esta foi inclu- e a sua
condenada por sua inocência e destinada ao manicômio iudiciário
ída num sistema normalizador esPecífico,fixada num esPaço bem defini- à per-
singularidade,aniquilando a diversidade em seu existir,foi condenada
do, bem delimitado, suficientemente individualizador e classificador Para
da do destino e do amor ao destino.
determinar a segregação de sua singularidade ou a exclusão da alteridade
Vasconcellos(1993,P.284),PorexemPlo,colocaqueessaruPturiì
com sua singularidade e a eliminação de seu contágio (anúncios, denún- se localiza aí uma
discursiva é tão forte entre nós e aqueles com DM Porque
cias, evocações) na cultura e na sociedade. o ser
diferença radical. Uma diferença ao nível da linguagem, que caracteriza
Examinada anualmente e renovada semPre a sua reclusão, Ritinha tão intransponÍvel
humano. Não acontece, segundo o autor, uma ruPtura
foi sendo sempre julgada, classificada e enclausurada.A sua singularidade, "entre os
em relação, por exemplo, aà neurótico e mesmo ao Psicótico -
desconsiderada ao longo de sua vida, foi radicalmente encarcerada desde
quenãosãoeosqueassimsãorotulados,existeumaPassagem'quando
o momento em que os disPositivos iurídico-morais foram acionados para como tais",
mais não seja, pelo fato de que todos podemos tornãrmo-nos
sancionar sua normalidade ou anormalidade. Ligada a um aParelho de cor'
Num mundo onde as práticas sociais se baseiam não sobre o encon-
reção, o manicômio judiciário, Ritinha lá permaneceu refém do abuso con-
tra sua liberdade, escancarando, agora, o abuso da sociedade contra sua
tro das singularidades dos indivíduos, mas sobre a marca de suas diferen-
ças de ideritidades, a ausência
de palavras para dizer de sua diversidade ó
singularidade (um modo de ser diverso do hegemônico) e sua Potência DM constitui-
áecisiva.Vasconcellos alerta, novamente, que a Pessoa com
singularizadora (resultado de alteridade). Com resPaldo médico fala"' Os discursos na
se num "outro sobre o qual se fala, mas que não
(manicomial) e jurídico (prisional), a tecnologia Política inocenta a socie- e de ideolo-
deficiência mental são espaço de"projeção de interpretações
dade e pune Ritinha. Ritinha estará na Prisão e no manicômio, o restante matriz de significações;
gias as mais diferenciadas, ao invés de considerada
da sociedade que seia Pacato, saudável, normal e adequado Para as melho-
res relações sociais, que faça jus ao seu Patrimônio intelectual perfeito,
iao ," parte dela, mas chega-se a ela" ("')' Não há u1 discurso desdc a
perspectiva da pessoa com deficiência, "fala-se por ela"'
que preserve o ordenamento sociocultural que Permite eXPlicar atitudes,
A possibilidade de vida de Ritinha, uma pessoa com DM encarce-
corrigi-las pelo desenvolvimento da razáo ou modos de explicar as culPãs'
rada no manicômio iudiciário, é a de uma vida sem sentido'
Diz a crença, construída ao longo da história (como a Porção já da
lnsistir numa normalidade intelectual é negar-se à observação
resumida aqui), que para sermos uma sociedade faz-se necessário um aterrador
rede de construção da subietividade.Anulando-se seu caráter
conjunto de instituições, regulamentos, leis, postulados médicos, filosófì-
e de repúdio, atribuído, justamente, Por sua avaliação generalizadora,
as
cos, religiosos, etc. (que estatuem disPositivos de seleção entre normais e po-
diferenças entre as Pessoas "normais" e as Pessoas com deficiência
anormaL). Ritinha ganhou um diagnóstico médico a pedido do juiz de de subic-
deriam, bem mais facilmente, Produzir alteridade.A produção
direito que a condenou Por desacato à ordem pública. Ela tinha a inteligên- do encontro e das tra-
tividade e a construção da inteligência resultam
cia equivalente a uma criança de três a quatro anos, era Perigosa Porquan- às singularida-
mas dos encontros que efetuam credibilidade e Passagem
to imprevisível, impredizível e incontrolável, poderia Passar da inofensividade encontrou a radicalidadc
des.A diversidade do ser e existir de Ritinha
à tara, ao desmando, à desmedida e, dada ao álcool (uma coisa comple- extc-
da diversidade que não encontra alteridade, cumPrindo uma Pena
mentar e sinérgica à outra), chegar ao crime, à ofensa, às agressões.
o crime de Ritinha é que não sendo a louca a que toda a cidade rior à sua comPreensão e à sua PersPectiva existencial'
Porter 1iflt, p. l6l) retoma Hans Mayer Para dizer que este
assiste vagar pelas ruas, ouve caçoadas e risos, resPonde com imPropérios e inspira
enfatizou, mais que ninguém, no livro Outsiders, que a diversidade
gestos sexualizados, era caPaz de trabalho e sustentâva a si mesma,freqüen- designa como
ameaça porque confere poder, e aqueles que a sociedade
tâva as casas de família como uma mulher comum da classe PoPular, mas, no
marginais são muitas vezes mantidos à margem iustamente Porque'
organicamente refrat'ária aos ensinamentos e ordenamentos morais, deso-
momento certo, a presença deles será necessária no palco. Porter
desta-
beáecia e despertava temores e inquietações quanto ao que pudesse dizer
ca, dentre os marginais, um certo tiPo de doido, o bobo:
ou fazer, uma vez que sua comPreensão era infantil. Entre ela e seus
Crrlor Skll;rr. (Or.l: ) 35
Ztttrlbis irtofctrsivos dc rniolo rnolc, rrorrnais o suíicicntc par.fl co-
murricarem-se, anormais o suíìciente para espantaç ofendendo e dizen_ ção scgrcgacJora quc se podcr ousar acreditar quc as pcssoas corrï DM
do o que os outros não podem dizer, esses "bobos" eram capazes de scjam capazcs de aprender e ensinar e desmontar a radical r-ecusn clc
conseguir aceitação, até mesmo profissão e privilegios, numa sociedade escuta por que passam as pessoas com deficiência.
que dificilmente ouvia os loucos enquanto tais.
Para ser possível a DM em Ritinha e mantida sua convivência inclu-
A tolice era motivo de platéia e dissorvia no riso a rebelião que siva na sociedade livre, ela precisou ser alojada (incluída excludentementc)
provocava. Pessoti (op. cit., p. 166) também destacava que dos imbecis em um lugar de dominação, onde se fizesse ver vigiada e controlada, as-
inofensivos esperava-se capacidade para algum trabalho e a capacidade até sim, capturada em seu potencial produtivo de um pensar de outro modo.
mesmo de aceitarem caçoadas;muitos deles tinham sido Bobos da corte. No tocante ao estudo psicológico da DM, esta tem sido considc-
G uhur (l 99 4, p. 7 9), igualmente, assinala que "arguns eram transformados rada no contexto das diversidades humanas. Entretanto, a DM não podc
em objeto de diversão nas festas dos nobres feudais e nas cortes dos reis". ser atribuída ao contexto geral do diverso ou do desviante posto quc
Quando Ritinha, oligofrênica, ofende o gerente do banco estatal carrega a marca e a condição do imperfeito, defeituoso, falho, deficitário.
da pequena cidade interiorana no final dos anos dourados, ela inverte a São pessoas desacreditadas socialmente, reduzidas a uma falta (a falta clc
lógica do poder, quem sabe dispositivo para as lutas contra o poder, ela inteligência) e inscritas numa espécie de destino predeterminado (esva-
esgaça a rede de ínformação institucional, confiscando por uma porção ziado do que pertence à sua personalidade como um todo).
de tempo o poder de ordenar o certo e o errado na ordem social, que Do ponto de vista das relações sociais, não há vantagem ou dcs-
no instante seguinte a silencia. vantagem nas diversidades humanas, por si mesmas. o conteúdo vanta-
Para evitar perigos à ordem social, defender a sociedade instituída e joso ou desvantajoso corre por conta de atribuições e injunções depen-
a economia política, a rejeição às pessoas com deÍìciência traduz a socie- dentes de quem seja a pessoa com deficiência (o ator social) e de querrr
dade disciplinar, ou seja, a sociedade de normalização. o balanço do sécu- são os seus interlocutores ou contexto no qual ocorre o encontro (o
lo XIX já havia legado na definição do cretino a indicação do leprosário;na outro) e fatores circunstanciais (Omote, 1994, p. 66).
caracterização do idiota a inculpação da própria pessoa com deÍìciência e, A alternativa segregante das relações sociais, ainda que não produ-
ao tratar do imbecil, a doutrina médica recomendava a prisão domìciliar. za separação física ou de localização espacial, opera com a determinação
o discurso da medicina, fazendo a mediação entre a soberania (a ordem unitária de comportamentos dos indivíduos. eualquer atitude de uma
do direito, as normas públicas) e a disciprina (enquadre, seleção e separa- pessoa com DM será interpretada como originária, essencialmente, da
ção normal - anormal) teve na DM a expressão do furor normalizador. própria deficiência. Assim, para além da deficiência objetivamenrc
(Sobre soberania e disciplina, ver: Foucault, I 989, p. 179 I 9l). detectável, há uma produção social da subjetividade de deficiente.
-
com evidências clínicas da enfermidade ou sintomatologia, como Omote (op. cit., p. 67) diz que a deficiência não pode ser visra
os aspectos cranianos, esqueletais ou Íìsionômicos, a consistência e con- como uma qualidade presente no organismo da pessoa ou no seu com-
formação do cérebro, os tiques da face, o estrabismo, a gagueira etc. a portamento. Para o autor, as reações apresentadas por pessoas comuns
medicina evoca a DM para a medicalização geral dos comportamentos, face às com deficiência ou às deficiências não são determinadas única
dos discursos, dos desejos, etc. nem necessariamente por características objetivamente presentes num
Apesar de tudo isso, a presença da psicanárise veio contrariar a medi- quadro de deficiência, mas dependem bastante da interpretação, funda-
cina presa ao biologico, à degenerescência, à eugenia e à hereditariedade. mentada em crenças, científicas ou não, que se faz desse quadro.
A psicologia veio insistir numa etiologia psicogenética da deÍìciência que Parece-me gue estamos no tempo de tensionar o discurso da difc-
consistia na defasagem entre maturação ontogenética e exposição à expe- rença, justamente onde ele tende à máxima segregação, a justificativa or-
riência ou ao treino.A pedagogia veio explicitar que a ação didática e as gânica e de distinção de identidades. A deficiência é destacada da norma-
atitudes educativas são cruciais na formação de atitudes socioculturais. lidade pelo recorte que é feito em função de algum criterio. As pessoas
Mas é somente explodindo a demanda disciplinar-normalizadora de solu- com deficiência fazem parte integrante e indissociável da sociedade. os
serviços especializados destinados especificamente a essas pessoas cunl-

lìtl itora Mrtd iação


3ó frhrc,rçiïo & fxclusl<r

preÌn o papel fortalecedor da segregação, inclusão fixadora na condição


deficiente, como se não pudessem se beneficiar de serviços comuns a que
as pessoas convencionais da sociedade recorrem (Omote, op. cit., p.Z0).
Podemos instigar essa questão/tensão fazendo emergir ações, re-
presentações, discursos, atitudes, conceitos que compõem a trama
constitutiva da sociedade de normalização e operar com suas
Atividades dramáticas com estudantes surdos
ressignificações. Quando a relação de aplicação entre idéias e atitudes é
por dessemelhança, produzem-se zonas de fronteira ou zonas de SÉncro AnonÉs Lulrtru
estranhamento como fronteira. Deleuze (ln.: Foucault, 1989, p. 69) diz
que "a prática é um conjunto de revezamentos de uma teoria à outra e
a teoria um revezamento de uma prática à outra. Nenhuma teoria pode As atividades dramáticas buscam introduzir a prática da expressão
se desenvolver sem encontrar uma espécie de muro e é preciso a práti- teatral no currículo escolar de estudantes surdos, propondo o jogo dramá-
ca para atravessar o muro". lntervenções de mudança, como operado- tico,a improvisação e a representação teatral como objeto de ensino-apren-
res práticos, encontrarão o muro;a intencionalidade de mudança, como dizagem. Os participantes dessa atividade freqüentam a Escola Especial Con-
passagem política, propiciará sua travessia;a construção de sínteses pro- córdia;muitos desses alunos passam juntos por um período regular de estu-
visórias, como elaboração conceitual, permitirá a transposição filosofica dos desde a pré-escola até o Ensino Médio. Na escola são oferecidas as
e, então, novos revezamentos teoria-prática, novas efetuações. disciplinas do currículo regular e outras práticas culturais como a dança, o
O que Ritinha me evoca é, justamente,que a DM possui um devir, coral, o folclore, o tradicionalismo gaúcho, os esportes, as festas cívicas e
implica a entrada num universo de construção e desmanchamento de religiosas.A comunidade discente é formada por estudantes surdos. O cor-
formas que agita a singularidade e permite linhas de alteridade. po docente, técnicos e os pais envolvidos com a escoia formam um grupo
Aberrações, anjos, pára-raios, bobos da corte, pequenas criaturas majoritariamente ouvinte. Durante os anos escolares, crianças e adultos
de Deus, infaustos, membros desafortunados da sociedade, deficientes, convivem com a língua de sinais, com a língua portuguesa de forma falada e
portadores de deficiência, nefelibáticos, especiais, estas pessoas (com escrita e fazem uso de diversas linguagens com códigos simbólicos diferen-
deficiência) existencializam devires do homem, seu mundo especial en- ciados - matemática, física, química, informática, desenho arquitetônico. A
volve o direito à vida como valor maior, desconstruindo os aprisíona- disciplinaAtividades Dramáticas propõe o teatro como uma das linguagens
rnentos biologicos e intelectuais. presentes na sala de aula do estudante surdo, incorporando a língua de sinais
como o meio e/ou o tema da pedormance cênica.
Referências Bi bl iográfi cas O grupo de trabalho é constituído pelo orientador ouvinte e
alunos surdos (filhos de pais surdos e filhos de pais ouvintes). Dessa
íOUCAULï M. rllìcroflsico do poder 8. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1989. interação surgem as fontes e temas para o trabalho: eventos do cotidi-
(ìUHUR, M. de L. PA rcpresentação da deficiência mental numa perspectiva historica. Revisto
BrasÌleiro de Educoçoo Especìol, Piracicaba, v.l , n.2, 1994, p.75-83.
ano, eventos familiares, eventos históricos, uma história de surdos,
MULHER inocentc passou a vida na prisão. Zero Horo, Porto Alegre, 22 set. 1994. Geral{udiciá- uma piada de ouvintes, uma data comemorativa, lendas, fábulas, con-
rio, p. 52. tos, histórias infanto-juvenis.
MULHER inocentc podc sair da prisáo. Zero Hora,Porto Alegre, 23 set. 1994. Geral{udiciário, p.
45. Os temas são mediados por distintas práticas: movimento expres-
OMOTE, S. Deficiôncia e não-deficiência: recortes do mesmo tecido. Revkta BrosìleÌra de Educa- sivo, jogos infantis, jogos com regras, jogos com objetos imaginários,
ção Especìo/, Piracicaba, v. I, n. 2, 1994, p. 65-73. jogos mimetícos, jogos teatrais de caracterizaçáo e personificação, ativi-
PESSorl, l. Defcrôncìo rnentol:da superstição à ciência.São Paulo:T.A. eueiroz/EDUsR 1984.
VASCONCELLOS, N.A. de. Sexualidade e deficiência: uma dupla alteridade. ln: DIAS,ï R. S. et dades com uso de máscaras, figurinos, objetos do cotidiano e sucata,
al. (Orgs.) Tenos cm Educoção Especiol 2. São Carlos: UFSCAR, 1993. improvisações e dramatização de historias infanto-juvenis, resultando
em pcrformanccs cônicas como um esquete, uma historia sinalizada,
Crt'los Skll;rr' (Or'1i) 39
3B Itlrrcrçío & [xcltrsÍtr

teatral' tigação, reccbi uma publicaçãot com recomendações para pesqtrisás dc-
uma piada sinalizada, uma Pantomima, um esPetáculo
senvolvidas no quinqüênio l99l- 1995. O documento sugere umã Attrã-
Aidéiadestetrabalhosurgiuemlg82'quandoouviorelatodeum e surdos na formação
ção conjunta entre artistas proÍìssionais ouvintes
ator dinamarquês sobre seu tr;balho em mímica, com crianças
surdas.
teatralr e experimenta- de atores, diretores, técnicos e produtores, buscando uma expressão
Tendo vivido um processo de formação de gruPo
que as atividades cultural própria; enfatiza a necessidade de Promover a língua de sinais
do diversas criações com a linguagem dramática, intuía
básico Pàra a nas manifestações artísticas; solicita pesquisas aprofundadas no campo
dramáticas poderiam ser mediadoras de um conhecimento
de um codigo da historia e da cultura dos surdos com a inclusão desses estudos soci-
imersão numa comunidade distinta da minha, portadora
educativos oculturais no currículo escolar.
lingüístico diferenciado - os surdos e a língua de sinais.AsPectos
Para captar e tentar entender essa produção, não podemos ne'
prãr"na", na vivência de grupo como a socialização dos processos
de
e informação comParti- gar a pluralidade cultural existente na escola e nem os problemas de-
criação (através do jogo diamático), a formação
da arte teatral (mímica e pantomima' teatro Iorr"na", da falta do exercício dessa percepção. Uma atitude imediata
lhada, conteúdos
"rp".ífi.ot envolvidos'A bar- na busca de outra persPectiva Pâra a comPreensão do fenômeno culttl-
gestual), poderiam resultar "positivos"2 Para os sujeitos
dos recur- ral pressupõe descentrar o sujeito (na tentativa de limpar o receituário
ieira tiÁgtiistica poderiu ,", ,up"rada, inicialmente, com alguns
até então com- prescrito) e assumir uma "curiosidade etnográfica" (Lane, 1992' p.l9)'
sos aciÀa citados, garantindo meios Para uma interação
passando a captar formas de produção cultural resultantes de utna
pletamente desconhecida para mim'
educação atravessada por diversos fatores: a pedagogia e a psicologia
AsprimeirasincursõesnoesPaçoescolardosestudantessurdosco-
desses estudantes' pensadas sobre e para o surdo (jamais com o surdo) e resPectivlìs
locaram-me frente ao receituário de virtudes e defeitos
psicologos, técnicos, fo- iilosofias de suporte; os processos de aquisição das línguas (língua dc
atribuídos pelos profissionais (educadores, médicos,
e os encontros e sinais, português falado e escrito, línguas estrangeiras,línguas de sirrnis
noaudiologos) e demais ouvintes (pais, parentes' amigos)'
de uma comuni- de outros paises) e a experimentação com variadas linguagens (vídco,
desencontros entre línguas. Era evidente a impossibilidade
de interação - a forma falada artes plásticas, cinema, dança, teatro, expressão corporal); o stliciro
cação fluida, através do-nosso recurso habitual
língua viso-gestual e surdo e as representações sociais a Partir da perspectiva da sociedadc
- somada à inexperiência na decodificação dos sinais
esse ouvinte e da comunidade dos surdos; as ProPosições do paracligrl;l
âgrafa- onde o corPo todo produz enunciados' Para compreender
médico-patológico; a criança, o adolescente e o adulto surdo e setls
*aigolingüísticonovoeranecessáriaumaescutaquenãosereferisseex-
estado de atenção em temas socioculturais, lutas políticas e direitos'
clusivamente à condição do ouvir, mas sugerisse um
margem da própria A tentativa de descentramento obriga-nos a um reequilíbrio corn o
diversos sentidos. No entanto, o temPo silencioso à
detalhes que constituíam um outro. Ao deixarmos de lado o receituário impregnado de defìciências er
língua e da língua de sinais provia o olhar com
o público e o assumirmos a nossa condição de ignorância frente a outra cultura, Provoca'
incìpiente coÀhecimento: estilos pessoais de falar/sinalizar,
as piadas de sur- mos um movimento inverso na abordagem pedagogica tradìcional.Aqtri o
privado na comunidade de surdos, a cult'ura dos rumores,
etc' aluno tem conhecimento fatual dos obstáculos e limites que a perda senso-
dos, as caricaturas de ouvintes, as exPressões artísticas'
de Arte e Cultura da Federa- rial cria. No entanto,a produção do conhecimento sobre o surdo e a surdcz
Em seguida, ao contatar a Comissão
na busca de referências para esta inves- é determinada, em grande parte, por suieitos ouvintes. Esse movimento dc
ção Mundiaide surdo, (wFD), perguntar-se, afìnal,"que efeito exerce a surdez infantil em nós, professorcs
ouÃtes?" (Wood, 1991, p.25) abre espaço para uma reflexão sobrc as
Lc|.,poTEAR,dirigidoporMariaHelena.Lopes,lgS0-lgg2.Materialderegistroe
documentaçãoemjornais,vídeos,fotos,revistas'Programasdeespetáculos'etc'àdis- atitudes, condutas e rePresentações sociais sobre o surdo e a surdez, a
posição para consulta com o autor' 'Passa de um estado para partir de uma perspectiva sócio-antropologica que vê os surdos como tni-
l. ò;;" dizVeiga-Neto;'po,itluo ("') no sentido daquilo que noria lingüística e cultural.
Crise dos paradigmas. e
ãutro, diferentã', 1.-.; ,"* quulqì"t 1'lgun.'tnto de valor'"
intcrdisciplinariedade. ÈÃ, tnì".ait.iptinaïiedaae na sala de aula' SILVA, Dinorá; SOU- A zona de desenvolvimento proximal, conceito fundado por Lcv
ZA, Náciia (Orgs ). Porto Alegre: UFRGS' 1995 p' l9' Vygotsky na perspectiva da psicologia socio-historica, analisado
and Cr"rlturc'WFD' 1990'
3.-flr. pr.cscrrt sit.rratio'r of dc ócaf CLrlturc,Comission onArts
40 Educação & Exclusão
Carlos Skliar (Org.) 4l

contemporaneamenre por Jameswertsch ( 1988; I 991; 1992) é uma refe-


Origi- Apontamentos a partir de uma prátlca
rência teorica fundamental para os cursos de ação deste trabalho'
nalmente definida como "a distância entre o nível de desenvolvimento
de Pro- Em sala de aula, a atividade inicia com a adequação do ambiente,
real, que se costuma determinar através da solução independente
através da quando os alunos afastam as classes e deixam o maior vão livre possível.
blemas, e o nível de desenvolvimento Potencial, determinado
ou em colaboração Com turmas de séries iniciais, as mesas e cadeiras, de acordo com as
solução de problemas sob a orientação de um adulto
necessidades criadas pelo jogo, vão sendo transformadas em tocas de
com'companheiros mais capazes" (vygotsky, 1991, p. 97),azona de desen-
animais, prisões, mesas de jantar, ônibus, camas, carruagens, etc' Os
volvimento proximal cria um espaço Para a aprendizagem da língua
de
onde o objetos peculiares da sala de aula também são utilizados nas improvisa-
sinais e para a captação das manifestações culturais dos alunos,
ções: o quadro-verde passa a ser instrumento para soluções
criativas
professor ouvinte é o aprendiz lingüístico.Tal condição tira o sujeito ou-
dos adereços, figurinos e cenografia. No ensaio de cinderela, um bclo
vinte da posição dominante determinada pela fala, proporcionando um
as dife- vestido surge desenhado com giz por dois meninos;o relógio das rlozct
novo acordo nas relações e apontando, com maior evidência, para
badaladas também aParece desenhado no momento Preciso, durantc o
renças culturais. Outra interação dentro daZDP é a mediação do
profes-
meio da improvisa- baile;o espelho, para exercícios com a fonoaudióloga,torna-se o obictc't
sor no processo de aquisição da linguagem teatral Por
e disponível para adequar-se ao jogo dos fundamental e síntese do salão de beleza; pincéis são instrumentos Pal':ì
ção. o mediador deve estar apto
Por vezes, o a maquiagem; a cadeira da professora, com rodas, transforma-se clìì
álunor, colocando situações-problema na busca de soluções.
jogo, devendo trono, carruagem, automóvel. A medida que os alunos vão se familiari=
educador é solicitado a representar algum papel dentro do
Noutras vezes, a mediação zando com o jogo do faz-de-conta, é introduzido o figurino' Os alttttor
cumprir com as regras implícitas a essa função.
à dispo- costumam explorar as vestimentas comPondo personagens a Partir d;l
se dà atraves de obietos (adereços, figurinos) que são colocados
para registro das atividades, sugestão das roupas. Os objetos e figurinos são utilizados por mais tlt'
sição dos alunos.A propria câmera de vídeo,
um aluno, compartilhando os recursos. As atividades dramáticas tôrtt
tem sido objeto de aprendizagem: como instalar, cuidados com a eletrici-
sido gravadas em vídeo servindo como Produções de sala de aula pat'a
dade, qualidade da imagem, foco, zoom.
zona de desen- avaliação junto aos alunos e como registro/memorial.
ôuando a psicologia evolutiva sustenta o conceito de
qual se Exempto l: Proposta de trabalho em duplas - um jogo de espe-
volvimento proximal como "a região dinâmica da sensibilidade na
lhos. As alunas decidem alterar o número de participantes e quatÍ'o
pode realizar a transição do funcionamento interpsicológico para o funcio-
meninas se colocam no centro da sala para realizar o exercício. Uml
namento intrapsicológico" (Wertsch, 1988, p.84) Íìca difícil recusar o
desa-
menina fica na posição de agente e começa a dançar na frente do espe-
fio de percorrer esse espaço: uma zona onde cognição e cultura Seram-se
de sinais lho;as outras três se colocam para reproduzir o movimento como reflc-
mutuamente, onde a linguagem amplia-se como discurso.A língua
xo. um menino, ao vê-las dançando, sobe numa bancada (um armário
nos remere a uma p"r.ãpção diferenciada em temPo e esPaço' sobretudo
baixo da sala de aula) e descreve no esPaço vários objetos imaginários,
da expressão do corpo e do ambiente produzido Por esse movimento, Por
ambientando um estúdio de som. Coloca fones nos ouvidos e aPonta a
àinârica. O rosto se dilata, o corpo é requerido em posições, Postu-
"rr" prévia educação' fita de gravação girando, atuando como um disk-jockey.
ras, sentidos, que nos tiram do eixo construído Por uma
Há diversos registros em vídeo onde as crianças brincam de ouvir
culturalmente ouvinte. Somos falantes de uma língua dominante frente
a
neste esPaço alguém batendo na Porta, tocando uma camPainha, falando ao telefone,
uma minoria lingüística e cultural, que é, no entanto, maioria
entrevistando pessoas e utilizando um microfone, agindo dntro de um
de educação. O reconhecimento da língua de sinais não é uma atitude
fácil'
Esse movi- comportamento aPreendido do meio ao seu redor .
lmplica em uma condição de aprendiz Por Parte do educador.
o Exemplo 2: o grupo recria um programa tele-iornalístico. os apre-
mento subverte um senso comum do prOcesso educativO escolar onde
sentadores lôem as notícias e sinalizam suas falas. Há um entrevistado que
professor é o dono do saber. Nesta relação, entre surdos e ouvintes,
os
fala de frrtebol c um apresentador da meteorologia.
llunos derôm o codigo privilegiado da interação, a língua de sinais.
caso. embora a dramatização recrie um evcnto falado, há
47 [:rltrclçrìo & f x< lttsi<r

Urrr lrorrrcrrr surdo cstí lrospitalizaclo.Assiscc iì


tllìì l)l'ofi,l'lttttr,lttt*
domina.
uma adaptação da realidade para a língua que o locutor (aluno) morísticonaTV.Nãoentendeoqllcestásendodito.Charnlacnfcrtlrci-
Em alguns momentos, esse locutor simula uma fala, rePetindo
sons. Ele quarto'A enfermeira chega ;ìPres-
,-n p"tu campainha de emergência do
rePresenta a fala oral. ela entretê-lo' con-
grávida do ,nju, pr"o.upada' O homem pede à enfermeira para
Exemplo 3:A turma criou uma família onde a mãe estava tando piadas em língua de sinais'
ser seu
terceiro Íìlho. É levada para o hospital (o mesmo local criado Para Uma moça surda está esPerando o namorado'
Ela mora num aPar-
quarto de casal, porém as crianças dão uma volta pelo teatro significando hmentoemandaralto.Amãe(ouvinte)damoçavaisair.Elaarsumenca
é rapida-
um longo deslocamento) onde ganha seu bebê.A equipe médica que o namorado tocará na campainha ou intedone
e ela não escutará'
mente montada com enfermeiros e médicos.Após o parto e com o bebê que sai pela ianela do
Decidem amarrar no braço da moça um cordão
no colo, a mãe pede que chamem a melhor ami8a. o pai sai com
seu carro
aPartamentoevaiatéotérreodoedifício.Quandoonamoradochegar
(conÍìgurado por duas cadeiras da platéia do teatro) e busca a amiga-
puxará o cordão, chamando a atenção da namorada'
Temas recorrentes nas improvisações com alunos de séries
inici- ficam
um casal de surdos tem dois bebês. À noite, ao deitarem,
ais: cenas da vida familiar, relações de pais e filhos, tios, avós,
nefeições, o choro' Para escuta-
familiar. preocupados com as crianças, pois não escutarão
saídas para a escola, punições e Premiações dentro do ambiente remochorodormemtodosjuntoseocasalcolocaosdedosindicado-
Cenas do cotidiano social: retirada de dinheiro em caixa automática'
res como chupetas na boca dos bebês"'
visitas ao shopping, encontro de amigos, cenas em bares e
restaurantes,
de bele-
situações freqüentes dentro de ônibus, ida ao cabeleireiro/salão A arte do cidadão
sobre
za, situações de sala de aula, apresentadores de TV comentários
as partidas de futebol e sobre os ídolos do esporte' O teatro é uma arte que existe enlaçada com a
sociedade huma-
Exemplo 4: um ônibus é recriado dentro da sala de aula. um
motoris-
segui- naesuacultura.Qualquerleiturasobreteatro,tantoemsuahistor.ia
ta descontrolado provoca um acidente, atropelando uma mulher. Em
passada quanto Presente, revela e ilustra a
relação íntima dessa cx'
um homem é
da atendem a vítima e levam-na ao hospital. Noutro episódio pressãoartísticacomosdistintoseventoshistóricosquemarcarâmas
assassinado e fica estendido na rua, morto. os passageiros
do ônibus vão
Enterram o civilizações.
até a delegacia e após a denúncia buscam a esPosa da vítima. NaGréciaClássica(séculoVa.C.)_aindahojeumareferêncialris-
que
homem. Sãu espírito encarna num dos passageiros do ônibus Provoca
torica e cultural - o teatro era, antes de tudo'
uma reflexão sobrc os
outro acidente. grandes temas cívicos.Apresentado ao.ar livre'
com entrada gratuita' l'c-
Nascimentos, mortes, violência, em diversas formas' também são cebia uma subvenção como serviço público
de divertimento e educação'
temas constantes nas improvisações' Se observarmos a quantidade
e
televisionada, desta- N"rr"períodosolidificou-se,também'umaorganizaçáosocialquenos
qualidade de imagens Presentes na mídia impressa e
legouàdemocracia'umhomônimodaintençãodemocráticaquevivemos
na-
cando bombardeios, assassinatos,"serial-killers", roubos, catástrofes hJie. Desde esse cosmos grego mantemos a
estreita ligação entre a ex-
turais, corPos dilacerados, além da evidente miséria humana como a
a banalização
pressãoteatraleoatodemocrático,ondeocidadãoSrego,legítimoparti.
fome, não nos surpreenderemos com a assimilação rápida e cipantedapólis,tinhaaseudisporumaarteprovedoradacatársis'do
adolescentes' Há regis-
desses acontecimentos Por parte das crianças e autoconhecimento,deconstruçõesarquetípicas'depoesia'.deinterpreta-
"mau",
tros em vídeo de situações onde semPre está presente o sujeito
ção,deperformance,dehistória,daculturarePresentativadesuacomuni-
querouba,ouquePortaumaarmaeatira,quebebeatéaembriaguez; dade, seus costumes, tradições e rituais'
ex-
programas de TV onde as notícias são todas de situações violentas: Em grego, "theatron;' quer dizer "lugar de onde
se vê"' Com as
plosão, drogas, roubo, fome, etc.
' Exemllo 5:Alunos do Ensino Médio trabalham com o provérbio
atividadesdramáticasnaescola,abre-seum..lugardeondeseVê''aPro-
,,Quem não tem cão caça com gato". São criadas situações que buscam duçãoculturaldeumadeterminadacomunidadedeestudantes,atravéscl;t
esPaço escolar' na forma dc
linguagem dramática. O teatro trazido ao
sustentar a moral do provérbio, na interpretação dos alunos:
I
Crt los Skli;rr' (Or';i ) 45
44 Educação & Exclusão

produtores de teatro' abo'ánn-


atividade curricular, é um fértil esPaço/temPo Para estudo e Produção de do forum livre reuniu atores, diretores e
representações, como ação dramática e como leitura simbólica de mundo dotemasdaproduçãoteatralemdoisplanos:aexPeriênciaamadorÍstica
e a sua transposição/exposição através de uma ou mais linguagens. eaformaçãoprofissional.Representantesdediversospaísesaonde|áexiste
umcircuitodetrabalhoParacomPanhiasdeteatrocomprofissionais
O paradoxo dos sentidos surdos,solicitaramumesPaçodediscussãoformalaPartirdoproximo
;;ü"rr. de 1999, a ser ráalizado em Brisbane,Austrália.Argumenta'
Em "Carta sobre os surdos-mudos Para uso dos que ouvem e ram"comaexistênciadeumaProduçãoculturalsignificativaquemerece
pedagogia, tecnologia, trabalho,
falam" (1751), Denis Diderot provoca o leitor com considerações um estatuto institucionar, tanto quanto
instigantes sobre a língua francesa e a estética. Embora o título do livro gênero,formaçãodelideranças,políticaspúblicas,saúdemental,psico. em
iogia, etc. Há necessidade de discutir
o teat'ro amador' sua Presença
tenha uma referência aos surdos, Diderot não aborda diretamente a
questão da deficiência, mas utiliza um mundo de convenção para inda- escolas,clubes,associaçõeseaindaaspolíticasdeinvestimentocultural
gar-se sobre a origem das línguas e a PercePção dos sentidos: se cada naformaçãodeartistasetécnicossurdosesuPorteàssuasproduções.
Eventos como lnrernational Festival of
FineArts,Varsóvia ( 1989)'
sensação do homem tivesse vinte bocas para exPressar-se? E se cada
homem nascesse com um único sentido? Como se comunicariam esses TheDeafW"y,W",nington(1989)'lnternationalMeetingofDeafand Centenary
homensl Como seriam traduzidas as suas exPeriências? Que linguagens Hard-of-Hearing Migicians' Leipzig' (l 989''?g-Oi' Association
British Deaf
constituiriam essas realidades e que realidades seriam constituídas Por lnternational Drama unã Mit" Festival-The
essas percepções? (1990),Motion,FormationandDramaEducationoftheDeaf'Repú-
blica Tchec", an,'o'1iõlr;,16" Nordic
cultural Festival of the Deaf,
O que tenho em mente é, por assim dizer, decomPor um homem e y Gestos (Cuba), El Centro
Helsinki ( I 994);.oÀpunt i"s comoYagruma
considerar o que ele retém de cada um dos sentidos que possui. Lembro- Surda de Teatro (Rio dc
me de me ter ocupado algumas vezes dessa espécie de anatomia metafísica
Altatorre de Sordos de Madrid' Companhia (lrr'
Janeiro), Theatre
of the Deaf (Austitl";, Deaf Culture Society
(...) Et minha opinião, uma sociedade constituída de cinco Pessoas' em entre outras tan-
que cada uma tivesse somente um sentido, seria muito engraçada; não há ã"1,fu"a." del Sole (ltália), Sena yVerbo (México)
das performances cênicas'
dúvida de que, entre si, essas Pessoas se chamariam de insensatas; deixo- tas referências, evideìciam a popularidade
profissionais de sur-
vos pensar com que fundamento' Entretânto, essa é uma imagem do que entre gruPos amadores, artistas e companhias
ocorre a todo momento no mundo: temos aPenas um sentido, e julgamos dos no mundo inteiro'
como se tivéssemos todos (Diderot, 199, p.2l-7). Acomunidadedesurdosfazdoteatroumamanifestaçãocultural,
ondenãoestáPresentealínguafalada,comoaconhecemoseautilizamos'
Considerando as proposições de Diderot, existiria uma exPressão
Alínguadesinaisexistedentrodaexpressãoteatralcomoumadasformas
teatral própria de sujeitos surdos, como resultado de uma PercePção e
possíveisdefala,oucomolinguagemperformáticaqueextrapolaocodigo
leitura de mundo de forma diferenciada? signifìcantes que metaforiza'ì
lingúístico,aaquirinlo f"r,.,",urïoãr,alterando
Se existe uma cultura produzida a Partir de uma língua, de um inventados' a trans-
corpo, de um gesto singular, a cultura da comunidade de surdos estaria
,"i, ,ignin.aáos.A mímica, a pantomima' os ecódigos a criação improvisada não
formação .o.por"l, a habilidade do disfarce
manifesta no seu jogo dramáticol As criações teatrais estariam impreg- língua e sim de.uma cultura e das
são possibìlidades dependentes de.uma
nadas dessa cultura? Ou gerando-a? da comunidade desses atores'
linguagens permitidas/legitimadas dentro
ïeatro para uma aproximação da cultura ouvinte? Ou teatro para para uma investigãção dos temas culturais na comunidade
de sut'
construir a expressão artística e poética de uma comunidade de minoria recair nas categorias de aná-
dos, na sua complexiaãa", não podemos
lingüística e culturall sob pena de ignorarmos as ma-
lise da produção cultural dos ouvintes
Existe uma cultura de surdos? No Xll Congresso Mundial da Fede-
Tchcca, Alctìì;rrrha' Mcxico' Japão' ltálil'
trt't-
ração Mundial de Surdos, realizado em viena, em 1995, uma das sessões 4. Rrjrssia, lrrglatcrra, Ausfl'ália, Rcpr',rblica
dos Unidos
Carlos Skllar (Org,) 47

rìifcstaçõcs, hábiros c produções que surgem justamente da clifcrcnça


sensorial. Em vários encontros científicos que abordam questões da Referências Bi bl iográÍicas
surdez, há um momento dedicado às produções de caráter cêníco, seja
COMISSION ON ARTSAND CULTURE. The present sìtuotìon of the deaf cuhure. Helsinl<i:World
dança, pantomima, coral, teatro. Essas produções são, em muitos ca- Federation of the Deaf, 1990.
sos, resultado de propostas pedagógicas onde se vê, de forma evidente DIDEROI D. Corta sobre os surdos-mudos pora uso dos que ouvem e folom. Sâo Paulo: Nova
Alexandria, 1993.
ou subjacente, o privilégio da fala ou simulacros dela. As apresenta- LANE, H. The mosk of benevolence.'disabling the deaf cornmunity. New York: Alfred A. Knopf,
ções públicas reforçam as representações sociais que os ouvintes têm t992.
WORLD CONGRESS OF THE WORLD FEDERATION OF THE DEAF, XII, I995,ViCNA.
do sujeito surdo, impregnadas de posturas/atitudes condescendentes
Proceedings... Viena: WFD,
1995.
e benevolentes, impondo uma aproximação das expressões culturais Vy'GOTSKY, L.A formoção socìol da mente.'o desenvolvimento dos Processos psicológicos supe-
dos ouvintes. Ao deixarmos a língua de sinais ou as expressões viso- riores. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 199 l.
Vygotsky y la formación social de la mente' Barcelona: Paidós, 1988'
gestuais em segundo plano, ignoramos os processos que sujeitos sur- . Cuhureicommunication ond cognÌtÌon: vygotskian perspectives. Cambridge: Cambridge
dos desenvolvem na criação de enunciados e conceitos para as suas - University Press, 1992.
wooq D. Learning and cognition. ln: INTERNATIONAL CONGRESS ONTHE EDUCATION
experiências de vida e seu significado cultural, os quais sustentam um
OF THE DEAE XVll, 199 l, Rochester. Proceedings... Rochester: National Technical lnstitute
pensamento abstrato e complexo. for the Deaf, 199 l.
As atividades dramáticas produzem uma gama de eventos e falas que WERTSCH,j. Voices of lhe mind'a sociocultural approach to mediated action. Cambridge: Harvard
University Press, 199 I .
constituem uma memória histórica. Essa memória histórica constitui, no
sujeito surdo, uma vozs que deve ser privilegiada quando em contâto com a
cultura da maíoria ouvinte. A história do conhecimento humano esgá im-
pregnada do próprio desconhecimento da condição do sujeito surdo,legiti-
mado pelos registros históricos oficiais, pela ciência médica, pela educação.
Ao reconhecermos o estatuto da língua de sinais e da expressão cultural
própria do estudante surdo, estâremos consolidando uma memória sócio-
histórica fundamental para o avanço das condições de educação do sujeito
surdo. Essa memória esgá composta, em parte, pelas performances cênicas:
teatro, histórias sinalizadas, piadas, poesia sinalizada.
Portanto, a prâtica teatral inserida no contexto escolar do estu-
dante surdo constrói também a memória sociocultural dessa comunida-
de enquanto convive num mesmo ambiente, e tem sua comunicação
determinada pela língua de sinais.Tãnto a língua de sínais quanto as lin-
guagens performáticas (dança, mímica, pantomima) exigem um corpo
"educado" em forma e conteúdo. Essa forma e conteúdo só existem
dentro de uma cultura, que é viva entre os sujeitos pertencentes à co-
munidade gue a produz. Cabe agora, aos ouvintes, escutá-la.

5. "4 ;rcrsonalidade falante, consciência falanre". Bakhtin apud Wertsch , 1991, pl2.

li, I i l.r''r N,4r','l i,r,',ì,'


Carlos Skliar (Org ) 49

A questão fundamental é: o que mede, afinal, o Ql, o quociente cle


inteligência? Ele mede um tipo de inteligência, não toda a inteligência
que, como mostra o professor (Harvard) Howard Gardner, está longe
O processo avaliativo da inteligência e da cognição de ser um conceito unicário: há vários tiPos de inteligência, e o que o Ql
avalia é tão-somente aquele tipo de raciocínio abstrato que serve Pãra
na educa{ao especial: uma abondagem alternativa resolver alguns problemas na vida, mas não todos. Definir a inteligência
pelo Ql é o mesmo que dizer que o vestibular ê, capaz de identiÍìcar
Huco Orro Beven corretamente quem vai ser um bom médico ou um bom arquiteto.

Outras habilidades, além da habilidade do raciocínio lógico-induti-


vo, podem caracterizar segundo determinados autores - cita-se aqui
A educação especial, como todas as demais áreas do saber, encon-
especificamente o trabalho de Gardner - o funcionamento humano inte-
tra-se em desenvolvimento e, portanto, apresenta facetas que se encon-
ligente. Gardner ( 1994) apresenta a idéia de inteligências múltiplas, em
tram em descobrimento e evolução. lsto pode significar a existência de
pontos - em maior ou menor medida nevrálgicos, com necessidade de oposição a um conceito unitário da inteligência. A inteligência, assim,
não é definida ou operacionalmente estabelecida a Partir das tarefas do
revisão, discussão e aprimoramento. Um dos aspectos delicados - sujei-
teste de Ql, mas se expressa multifacetadamente. Gardner menciona,
tos à revisão crítica - do trabalho pedagogico na educação especial tem
a ver com o sistema de avaliação e de encaminhamento escolar.Alguns
por exemplo, a existência da inteligência lingüística, musical, lógico-ma-
temática, espacial e corporal-cinestésica.
segmentos da educação especial brasileira inspiram-se, ainda, para a clas-
sificação educacional, nas ídéias decorrentes da definição norte-ameri- Questiona-se, assim, a fidedignidade de um sistema avaliativo ou
classiÍìcatório em que predominem os fatores relacionados às habilidades
cana da deficiência mental (da Associação Americana de DeÍìciência Mental
individuais de natureza acadêmico intelectual. Classificar as possibilidades
-AADM), construída com base na Psicologia Diferencial do Ql.Apesar individuais conforme determinada faixa de mensuração, definida através
de considerar outros aspectos, tais como aqueles referentes ao com-
portamento e ao desenvolvimento, a definição da AADM tem como das habilidades de caráter estritamente lógico-indútivo, é injusto tanto
para a classificação dos sujeitos com subdotação como dos sujeitos
principal elemento catalizador dos critérios de diagnóstico da deficiên-
superdotados que, apesar de possuírem habilidades extraordinárias, não
cía mental o nível de inteligência:"A deficiência mental refere-se ao fun-
pontuem excepcionalmente num teste de Ql. Neste sentido, busca-se,
cionamento intelectual geral significativamente abaixo da média (grifo
nas presentes considerações, aprofundamento e referencial teórico em
nosso), que coexiste com falhas no comportamento adaptador e se
autores tais como H. Gardner, já mencionado, M. Schiff, R. Feuerstein e L.
manifesta durante o período de desenvolvimento" (Grossman apud Kirk
Vygotsky, já que todos tecem críticas referentes a uma comPreensão das
et al., 199 I , p. l2l).
habilidades humanas com base aPenas nas capacidades intelectuais.
Além da unilateralidade de tal definição, que enquadra todas as
desvantagens e possibilidades das pessoas supostamente deficientes
No âmbito da educação especial, é notório o fato que os procedi-
mentos de avaliação podem gerar situações extremamente inadequadas
a partir de um fator diferencial, pode-se levantar a objeção a respeito
(para não dizer injustas).As práticas de avaliação direcionam-se, Por um
da pertinência de se correlacionar inteligência com Ql. A inteligên-
lado, para os casos de crianças cujo histórico escolar não possibilita sua
cia, conforme o pensamento de determinados autores (Gardner e
continuidade no sistema educacional regular (devido à multirrepetência,
Schiff), não se restringe à compreensão tradicional da capacidade in-
ao fraCasso eSColar, à exClusãO escolar), e, POr outro, Para os caSOs de
telectual como a capacidade do pensamento indutivo ou do fator g
crianças com histórico pessoal marcado por déficits cognitivos acentua-
de Spearman. Moacir Scliar, conhecido escritor e médíco gaúcho, te-
dos, com necessidade específica de atendimento pedagogico no sistema
ceu o seguinte comentário a este respeito, no jornal ZH,no mês de
educacional especial.Ao se aPontar a existência de situações inadequadas
maio de 1995:
ou irregulares, não se excluem, certamente, aquelas circunstâncias em
Carlos Skliar (Org.) 5l
50 Educação & Exclusão

LA rotulação pode tranqüilizar os especialistas em diagnóstico,


que o encaminhamento Para o atendimento Pedagógico especializado seja
que procuram chegar a uma conclusão aplicando rótulos (tais como
justo e adequado. ocorrem, no entanto, em não Pequena monta, vários autismo ou disfunção cerebral mínima), ao invés de delinear Programas
casos onde a avaliação e o encaminhamento Para atendimento escolar diferenciais de tratamento.
especializado dão-se em condições erradas' 2. Fornece o diagnóstico errado de crianças do grupo
Pesquisadores como Michel Schiff, na obra "A inteligência desperdiçada: minoritário, que mostram anormalidades superficiais resultantes da
desigualdaàe social,iniustiça escolar",e Reuven Feuerstein,no livro"The
dynamic
falta de experiência.
of retarded performers:the learning Potential assessment device, 3. Retarda a reforma social necessária, concentrando-se mais no
"rr"-rrt"na
theory,instruments,and techniques",aPontam Para a prática injusta de avaliação indivíduo do que nas condições sociais e ecológicas'
escolar, onde se pode, equivocadamente, elaborar laudos avaliativos
com base 4. Permite práticas e procedimentos políticos que depreciam a

em premissas teóricas e instrumentos de diagnóstico inapropriados (uma análi- individualidade e experiências culturais diversas.
5. Nega a muitas crianças as experiências normais da infância e uma
se mais pormenorizada desses autores será desenvolvida mais adiante)'
vida comunitária saudável (Kirk et al., 199,p'37)'
Assim, a questão envolvendo os proCedimentos de identificação
da deficiência é uma temática crítica na educação esPecial que Passa a Dos aspectos anteriores, ressaltam-se os dois primeiros.Tratam da
ser abordada. Não se questiona, é claro, a necessidade de identificar, o questão do diagnóstico ou da avaliação da criança deficiente. O trabalho
mais precocemente Possível, a existência de áreas deficientes no ser pedagogico com esta criança aPresenta duas fases complementares dc
humano. o ponto crítico reside, antes, na forma como se conduz o suma importância, que são o diagnóstico e a terapia. Em linguagem educa-
processo de identificação, esPecialmente no que tange ao sistema de cional, fala-se em avaliação e intervenção pedagógica.
classificação das deficiências. o receio maior acoplado a esta questão Aborda-se especificamente a questão da avaliação, já que ela tem a
relaciona-se com o risco da formação de preconceitos sociais Para com ver diretamente com o Ponto enfocado acima, ou seja, a temática díì
os portadores da deficiência: identificação da deficiência. Neste sentido, a educação especial alia-se às
uma das atuais controvérsias na educação especial diz respeito à outras áreas, em caráter de trabalho interdisciplinar, na busca da prescn-
classificação ou rotulação das crianças excepcionais em subgrupos
(isto ça de necessidades especiais na criança.A educação especial, entretan-
é, retardado mental, distúrbio emocional e outros). Alguns acreditam to, tem sua tarefa diferencial, ou seja, investiga os asPectos relacionados
que: (l) a classificação leva à rotulação errônea, principalmente entre
as às condições de aPrendizagem e de desenvolvimento cognitivo da crian-
educaci-
ça, onde o aspecto da avaliação assume papel primordial.
famílias de baixa renda; (2) a classificação não leva a programas
onalmente relevantes; e (3) a classificação e os rótulos são prejudiciais Na problemática da categorizaçáo das deficiências, advertc-sc
para o autoconceito das crianças rotuladas (Kirk et al'' 199' p' 35-36)' para a possibilidade do Processo avaliativo vir a fomentar preconcci-
tos sociais:"O rótulo é porvezes utilizado no lugar de uma avaliação
Considera-se que há asPectos positivos e também necessários numa siste-
da defì- mais importante das necessidades educacionais da criança" (Kirl< et
matização ou ordenação das deÍìciências. Por exemplo, a identificação
al., 199, p. 36). Os preconceitos sociais são especialmente nocivos
ciência auxilia no planeiamento da intervenção precoce,dém de fornecer
subsí-
sistematização porque atingem a criança na formação da sua auto-imagem, o qrlc
dios para pesquisa posterior em etiologia, Prevenção e terapia.A
o que pode significar um prejuízo ainda maior para a superação das difictrl-
favorece também o incremento da legislação na área do ensino especial,
grupos comunitários (pais, dades no âmbito escolar.
vem a favorecer o sistema educacional especial. Os
Assim, o processo avaliativo, quando inadequadamente conduzido,
parentes,amigos) envolvidos são favorecidos sob vários asPectos - pela orga-
-
pode resultar no surgimento de rotulos do tipo:"Aquele aluno(a) c cla
nização do atendimento ao defìciente (Kirk et al', 199, P'34'
classe ou escola especial, deve ter alguma deficiência!", o que acarrctA
Há, no entanto, críticas contundentes a alguns asPectos imbrica-
prejuízo evidente Para a criança no que tange ao binômio rcndimctrto
dos no processo de categorizaçâo na educação especial.Alguns aponta-
cscolar - ar.lto-cstima. Na qttestão da avaliação, a problemática não sc
dos são:
Carlos Skliar (Org.) 5l
50 Educação & Exclusão

l.Arotulaçãopodetranqüilizarosespecialistasemdiagnóstico'
que o encaminhamento Para o atendimento Pedagógico especializado seja
que procuram chegar a uma conclusão aplicando rótulos (tais como
justo e adequado. Ocorrem, no entanto, em não Pequena monta, vários autismo ou disfunção cerebral mínima), ao invés de delinear Programas
casos onde a avaliação e o encaminhamento Para atendimento escolar diferenciais de tratamento.
especializado dão-se em condições erradas. 2. Fornece o diagnóstico errado de crianças do grupo
Pesquisadores como Michel Schiff, na obra "A inteligência desperdiçada minoritário, que mostram anormalidades superficiais resultantes d:t
desigualdade social,injustiça escolar",e Reuven Feuerstein,no livro"The dynamic falta de exPeriência.
3. Retarda a reforma social necessária, concentrando-se mais
learning Potential assessment device, no
assessment of retarded Performers:the
theory, instruments, and techniques", aPontam Para a Prática injusta de avaliação indivíduo do que nas condições sociais e ecológicas'
escolar, onde se pode, equivocadamente, elaborar laudos avaliativos com base 4. Permite práticas e procedimentos polít'icos que depreciam a
em premissas teóricas e instrumentos de diagnóstico inapropriados (uma análi- individualidade e experiências culturais diversas'
5.Negaamuitascriançasasexperiênciasnormaisdainfânciaeumn
se mais pormenorizada desses autores será desenvolvida mais adiante).
vida comuniuíria saudável (Kirk et al', 199,p'37)'
Assim, a questão envolvendo os Procedimentos de identificação
da deficiência é uma temática crítica na educação esPecial que Passa a Dos aspectos anteriores, ressaltam-se os dois primeiros.Tratam da
ser abordada. Não se questiona, é claro, a necessidade de identificar, o questão do d'iagnostico ou da avaliação da criança deficiente' O trabalho
mais precocemente Possível, a existência de áreas deficientes no ser pedagogico com esta criança apresenta duas fases complementares
de
humano. o ponto crítico reside, antes, na forma como se conduz o ,r." irportância, que são o diagnóstico e a terapia. Em linguagem educa-
processo de identificação, esPecialmente no que tange ao sistema de cional, fala-se em avaliação e intervenção PedaSógica'
classificação das deficiências. O receio maior acoplado a esta questão Aborda-se especificamente a questão da avaliação, já que ela tem
I
relaciona-se com o risco da formação de preconceitos sociais Para com ver diretamente com o Ponto enfocado acima, ou seja' a temática da
identificação da deficiência. Neste sentido, a educação especial alia-se
às
os portadores da deficiência:
da presctt-
uma das atuais controvérsias na educação especial diz respeito à outras áreas, em caráter de trabalho interdisciplinar, na busca
educação especial, entretalt-
classificação ou rotulação das crianças excepcionais em subgrupos (isto ça de necessidades especiais na criança.A
relacionados
é, retardado mental, distúrbio emocional e outros). Alguns acreditam ,o, a"* sua tarefa diferencial, ou seja, investiga os asPectos
cognitivo da crinlr-
que: ( l) a classificação leva à rotulação errônea, principalmente entre as às condições de aprendizagem e de desenvolvimento
famílias de baixa renda;(2) a classificação não leva a programas educaci- ça, onde o asPecto da avaliação
assume papel primordial'
onalmente relevantes; e (3) a classificação e os rótulos são prejudiciais Na problemática da categorizaçáo das deficiências, adverte-sc
para o autoconceito das crianças rotuladas (Kirk et al., 199, p.35-36). para a possibilidade do processo avaliativo vir a fomentar
preconcci-
tos sociais:"O rótulo é porvezes utilizado no lugar de uma avaliação
Considera-se que há asPectos positivos e também necessários numa siste- ct
mais importante das necessidades educacionais da criança" (Kirl<
matização ou ordenação das deficiências. Por exemplo, a identificação da deÍì-
al., 199, p. 36). Os preconceitos sociais são especialmente nocivos
ciência auxilia no Planejamento da intervenção Precoce,além de fornecer
subsí-
sistematização porque atingem a criança na formação da sua auto-imagem' o qtle
dios para pesquisa Posterior em etiologia, Prevenção e terapia.A
pode signiflãr um preiuízo ainda maior para a superação das dificul-
âvorece também o incremento da legislação na área do ensino especial, o que
dades no âmbito escolar.
vem a favorecer o sistema educacional esPecial. Os grupos comunifários (pais,
Assim, o Processo avaliativo, quando inadequadamente conduziclo'
parentes, amigos) envolvidos são favorecidos - sob vários asPectos - Pela orga- c da
et al,lr99,P'37)' pode resultar no surgimento de rotulos do tipo:"Aquele aluno(a)
nização do atendimento ao defìciente (Kirk
classe ou escola especial, deve ter alguma defìciência!", o
que acarrcta
Há, no entanto, críticas contundentes a alguns asPectos imbrica.
preiuízo evidente Para a criança no que tange ao binômio rendimctttc>
dos no processo de categorizaçáo na educação esPecial.Alguns aponta-
dos são:
cscolar auto-cstima. Na qrrestão da avaliação, a problcnrática ttão sc
52 Educação & Exclusão
Crllos Skliar (()rg )
:t
limita aos resultados de uma avaliação inadequada, mas se vincula ao A prática da avaliaçãona psicologia e, portanto, na educrçio, tenr
próprio processo do avaliar, aspecto que será desenvolvido a seguir. sido, desde muito tempo, dominada pelos paradigmas teóricos ocldartslr
A prática avaliativa predominante considera como um dos fato- derivados de uma tradição positivista e reducionista, e, em partlctrlârì ílâ
res principais na "divisão de águas" indivíduo deficiente/indivíduo não tradição psicométrica, exempliÍìcada pelos testes de Ql.
deficiente, as condições de inteligência da pessoa. Embora tal habilida-
de seja acentuada como fator diferencial na deficiência mental e nos
A autora explica que tal abordagem psicométrica da intellgêncln
limita uma compreensão mais analítica das condições cognitivas da crl-
chamados distúrbios de aprendizagem,também é incluída entre os sub-
ança, com implicações diretas para as funções descritivas, prognóstlclr e
sídios paraa avaliação das demais deficiências, já que as áreas prejudi-
prescritivas da avaliação. Como proposta: alternativa a este modelo
cadas * sejam elas em caráter primário ou secundário - influenciam-se
avaliativo, Lunt (ln Daniels, op. cit., p.219-220) apresenta uma aborda=
reciprocamente.A inteligência tem sido tradicionalmente (e historica-
gem derivada do trabalho teórico de Vygotsky, por ela caracterizadcr
mente) mensurada através dos testes de Ql,forma de operacionalização
como uma proposta de avaliação dinâmica, em contraposição à avaliaçilo
do construto inteligência que tem sido, ultimamente, criticada de for-
"estática" da psicometria:
ma contundente.Além da avaliação através'do fator intelectual, a ex-
plicação de Piaget do desenvolvimento cognitivo tem sido explorada A avaliação dinâmica, que em seus últimos avanços deriva, de rna-
no sentido da compreensão dos níveis de atraso cognitivo que a crian- neira substancial, explícita ou implicitamente, das formulações teóricns
ça deficiente pode apresentar (8. lnhelder, no livro "El Diagnostico del deVygotsky, oferece uma abordagem alternativa para a complexa tarefa
Razonamiento en los Debiles Mentales", edição espanhola de 1971, da avaliação,com potencial para superar alguns dos problemas inerentes
às formas "estáticas" tradicionais.
dedica-se tanto à investigação empírica como à análise teórica dos atra-
sos no desenvolvimento cognitivo de deficientes mentais). Assim, os Apresentam-se, a seguir, alguns dos aspectos igualmente discuti-
aspectos determinantes da inteligência e do desenvolvimento cognitivo dos por Lunt, vinculados à avaliação dinâmica inspirada na teoria de
têm sido considerados como fatores diferenciais entre a"normalidade" Vygotsky:
e a "anormalidade". l.A avaliação das condições cognitivas da criança tem como fun-
Há, entretanto, conforme já mencionado acima, críticas fortes à damento o conceito vygotskiano dazona do desenvolvimento proximal.
avaliação calcada sobre o conceito de diferenças interindividuais, onde 2. Critica-se a pressuposição da teoria psicométrica de que as ha-
as condições individuais de desenvolvimento, recuperação e bilidades intelectuais ou cognitivas sejam fixas e mensuráveis, isto é, que
potencialização das habilidades latentes são desconsideradas em favor se desenvolvam de maneira regular e previsível. lsto pode traduzir uma
de uma posição pedagógica (e também psicológica) discriminativa. A concepção positivista sobre o que se espera das crianças em várias ida-
análise das diferenças interindividuais supera o interesse pelas diferenças des e estágios.
intraindividuais, onde, seguramente, ocupa-se precipuamente com pro- 3. lnteressa que se conheça o contexto sócio-afetivo da criança,
cedimentos qualitativos de investigação.A investigação quantitativa ca- isto é, buscam-se formas mais interativas e qualitativas de avaliação.
racteriza, antes, uma investigação voltada para as diferenças 4.4 avaliação dinâmica previne-se contra os erros praticados pc-
interindividuais (a psicometria é um exemplo bem conhecido da psicolo- los instrumentos tradicionais de avaliação, especialmente os testcs (k
gia diferencial). Neste aspecto levantado reside, pois, uma das primeiras inteligência pad ron izados:
críticas referentes ao uso diferencial - na busca das diferenças - a preocupação com os produtos da aprendizagem, descorrsirltr-
interindividuais - avaliativo das condições intelectuais e cognitivas da rando-se seus processos;
criança deficiente.
- a desconsideração com a resposta da criança à instrução;
Lunt (ln Daniels, 1994,p.219) relaciona o uso da mensuração ou
- a inexistência de ínformações prescritivas a respeito das propor-
quantificação da inteligência (psicometria), conforme praticada nos tes- tas de intervenção pedagogica.
tes de Ql, com uma filosofia positivista: 5. A avaliação dirtâmica interessa-se pela individualidacle e
54 frlrrr:rç:ío & Exclusrìo
Carlos Skliar (Org.) 55
idiossincrasia propria da criança, em contraposição a uma análise das
condições infantis a partir de uma "norma" estatisticamente estabelecida. do efetivo apoio psicopedagogico. Recorda-se, aqui, a conhecida afirma-
6.4 meta de conhecer os processos cognitivos em vez do produ- ção deVygotsky de que a educação sempre é prospectiva,e não retros-
to mensurável da capacidade intelectual consiste em outra característica pectiva, ou seja, ela se volta para os potenciais da criança que podem ser
da abordagem dinâmica.Além disto, esta abordagem volta-se para uma ativados através da tarefa educativa. A educação ocupa-se com o que
análise prospectiva das possibÍlidades de aprendizagem e desenvolvimento hoje pode ser mediado à criança no sentido de que a zona virtuar de
da criança,ao contrário de uma mera constataçã,o retrospectiva da apren- desenvolvimento torne-se, amanhã, em zona real de ação cognitiva.
dizagem já alcançada (ou não alcançada) pela criança. Feuerstein faz também considerações de natureza social e ideo-
Reuven Feuerstein, pesquisador israelita, conhecido mundiarmen- lógica vinculadas ao trabalho diagnóstico, no que ele é acompanhado
te pelo seu método psicopedagogico, desenvolvido a partir do seu tra- por M. Schiff, autor francês que será logo a seguir comentado.Alem do
balho com crianças e adultos cognitivamente prejudicados, tece consi- aspecto pedagógico que acompanha a crítica à avaliação inspirada na
derações que, por um lado, caracterizam-se pela crítica contundente abordagem psicométrica, conforme comentado no parágrafo anterior,
aos procedimentos avaliativos inspirados na teoria psicométrica e, por também "perspectivas distais sociológicas, econômicas e político-ide-
outro lado, fundamentam-se nos pressupostos epistemológicos de ologicas desempenham um papel vigoroso" (Feuerstein, op. cit.: 7).
Vygotsky e Piaget. Segundo Hamburger (apud Feuerstein, op. cit.), o sistema de avaliação
Sua primeira crítica direciona-se para a ênfase biologicista da teo- calcado na mensuração estatística é usado como elemento fortificador
ria psicométrica:"uma das premissas mais fundamentais da abordagem do sistema social. sobre a desvantagem que os grupos cultural, social e
psicométrica tradicional é que o rendimento num teste de el é ampla- econom icamente desfavorecidos apresentam. Feuerstei n tece o segu i nte
mente determinado por fatores genéticos" (Feuerstein,lg7g, p.4).O comentário:
autor critica a concepção psicométrica da inteligência como um construto
Um número desproporcional de pessoas de grupos de baixo
"hermético" (derivada da concepção genética), não modificável através nível sócio-econômico e de subgrupos etnoculturais têm sido diag-
da ação pedagógica, mas, antes, alvo do prognostico fìel dos testes de nosticado, classificado e tratado como deficientes mentalmente
Ql, já que se confìgura como atributo humano "estável (p. 5). Entende, educáveis (EMR - do inglês "educable mentolly retorded" - NT), con-
ao contrário, que forme os resultados dos testes através dos métodos tradicionais. Em
torno de 80% daqueles classificados como EMR e colocados em es-
há pouco motivo para aceitar que o rendimento nos testes de el provê-
colas especiais para os deÍicientes, em classes especiais para os de
em uma medida estável ou fiel do rendimento futuro(...) Até mesmo se
aprendizagem lenta, e outras estruturas da educação especial origi-
nós admitimos que os determinantes genéticos podem ser menos aces-
nam-se de subgrupos de situação sócio-econômica e étnica particu-
síveis à mudança, outros componentes no funcionamento do indivíduo
lar (Havighurst, 1964; veja também Erdman e Olson, 1966; Mercer,
têm um impacto muito mais pesado no seu comportamento e tornam a
1972, 1973).Tais descobertas incriminadoras rêm levantado a ques-
previsão muito menos signiÍìcativa.
tão sobre a validade - e o prejuízo - da testagem diagnostica conven-
A briga maior de Feuerstein, com esta forma de ver a capacidade cional no nível social mais amplo, e têm resultado em processos judi-
intelectual do ser humano, reside no fato de que "fecha a porta" para as ciais contra a avaliação psicométrica (p.9).
possibilidades pedagógicas no sentido do assessoramento aos indivíduos A denúncia de Feuerstein sobre a prática diagnóstica inadequada
com atrasos evolutivos e com dificuldades cognitivas. Para Feuerstein, a que interpreta, erroneamente, as condições cognitivas do aluno como
tarefa do pedagogo ou do psicólogo não se valoriza pela mera constatação decorrentes de alguma etiologia endógena, sem analisar as contingências
do baixo nível intelectual ou cognitivo da criança, com repercussão ne- estruturais sociais, culturais e econômicas, aplica-se, igualmente, às prá-
fasta para o prognóstico escolar, mas tem seu valor na prevìsão de que a ticas educativas especiais brasileiras. Em relação à situação brasileira,
performance hoje evidenciada pela criança pode ser revertida através l'ormula-se a lripotesc dc quc os procedimentos de avaliação e diagnos-
tico scjarn tttatizndos sigrrificativarÌìerìtc por variáveis de natureza social,
Carlor Skllâr (or8.) tt
5ó Educação & Exclusão

Assint,asdotaçõesvariadasqueossereshumanosrecebem..nAtu.
econômica e cultural, isto é, o fator etiológico principal não se reduz à questão' entre-
ralmente,, justificam seu destino social e econômico.A
(quem vem antes' A
tanto, assemelha-se à questão da galinha e do ovo
suposta causa endógena individual.
Retomando o aspecto pedagogico, e, mais propríamente, o aspecto realidade social
g;rinn" ou o ovo?), isto é, a capaciãade individual gera a
psicopedagógico, a crítica fundamental de Feuerstein volta-se para a avali-
ãu a condição social determina o destino individuall
O que Schiff Procu-
ação que considera as habilidades cognitivas como cristalizadas na criança, social dominante
ra desmasc arar ê,a iustificativa construída pelo
sistema
portanto não passíveis de mudança significativa. Para este autor o ser explica serem as caPa-
(também na dominància do sistema escolar), que
humano é, em sua essência, capaz de ativar processos contínuos de mu-
cidades cognitivas individuais responsáveis pelo
destino escolar e profis'
dança cognitiva (somente os casos mais graves de lesão cerebral são, em do indivÍ'
sional (poitanto, determinante do futuro sócio-econômico)
princípio, excluídos).Assim, ele se opõe a todo procedimento diagnóstico
duo.NacomPreensãodeSchiff'todasituaçãocognitivaeescolarda
que considera,a priori, os indivíduos portadores de deÍìciência ou que e também social'Tentar
pessoa engloba variáveis de natureza individual
apresentem dificuldades cognitivas acentuadas como subdotados no que
explicar sociais e econômicas através de argumentos calca-
tange à possibilidade de construir operações mais complexas do pensa- "r=difur"nças
dosapenasnoâmbitoendógenoindividualéprocurarmascararuma
mento. Neste sentido, o diagnóstico que prognostica que a capacidade análise e a
realidade que abrange também asPectos macroestruturais.A
real da criança é insuÍìciente para atingir níveis esperados pelo sistema e, mais tarde' no
crítica das chances ãos indivíduos no sistema escolar
escolar e pela sociedade em geral, encontra-se, na ótica de Feuerstein,
sistemaeconômicodevem,Portanto,englobartantoosfatoresdecu-
comprometido ideologicamente ou executa urna função cultural tenden-
nho biologico-psicológico como os de âmbito social'
ciosa. Condições individuais de aprendizagem e de desenvolvimento inte-
lectual diferenciam-se, sem dúvida;entretanto, toda avaliação do indivíduo Bi bl i og râficas
Referências
deve passar pelo crivo da análise e crítica sociopolítica.
M. Schiff (1994) apresenta uma série de considerações a respeíto peformers"the leaming Potential assessÍìrerìt
FEUERSTEIN, R. The dynomic ossessment of retarded
inr*rn,''"nii-"nã t"chniquer. Baltímore: University Park Press, 1979.
do uso ideológico das avaliações escolares calcadas no conceito de nível device, theory,
GARDNER,H.Estruturasdomente:ateoriadasinteligênciasmúltiplas.PortoAlegre:ArtesMé.
de inteligência.A crítica maior de Schiff direciona-se para a argumenta- dicas, 1994.
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Nov;r
ção que defende a ídéia da desigualdade social como plenamente justificada INHELDER, B. El diognostico del razonomiento en
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que compõem classes econômicas distintas. Estas diferenças explicam- LUNT, r.A prática da .""ìij;á;:r*-óãNrELS, H.lorg.)
vygotsky em foco,pressupostos c desrlo
Editora' 1994'
se pelas capacidades "naturalmente" herdadas pelas pessoas. O autor bramentos. Campinas: Papirus Arter
SCHIFF, yl. A intelìgência ì"$"raiçoa"' desigualdade social, injustiça escolar' Porto Alegrc:
apresenta a seguinte citação do ex-presidente francês, Giscard d'Estaing: Médicas, 1994.
in die lernfãhigkeitsdiagnostil< Rcttvcn
scHYllÏz,G.Ft;rderdiognostik einmal onders:eineeinführung
Nascem homens, nascem mulheres, nascem filhas únicas e famílias Feuersteins. Sondeipádagogik I989' H' I' S l-I4'
I 995'
de dez filhos, nascem crianças dotadas para o estudo e outras dotadas scLÀR, Yl. Crõnica. Jàrnal2íro Hora, Porto Alegre' maio
para os trabalhos manuais (grifo do autor). Não são desigualdades
econômicas, não são nem mesmo desigualdades da natureza, são
disparidades, diferenças neutras em relação a qualquer sentimento de
justiça ou injustiça. Trinta anos após seu nascimento, alguns trabalham
com as mãos, outras cuidam do lar, ascendem a postos de comando,
passam filmes, ensinam as novas gerações. Suas vidas são diferentes, suas
maneiras de viver são diferentes: ainda, então, são inevitáveis as
disparidades (Giscard d'Estaing apud Schiff, 199, p.7). (grifo do autor)
Larlot )Kllar tr!'Íl{', t'

ceorico qtte pensávatnos aelo-


e situação pcdagogica favoráveis ao cnfoque
tar.Entreessas,tínhamosquevisualizardentrodocontextoqualsct'iao
nossoprincipalobjetivonotrabalho.Assim,atravésdediscussõesconl
,,autores virtuais" , chegamos ao nosso primeiro obietivo que erâ de pro-
A mediação material e sígnica no processo piciar um ambiente lirïgUistico adequado
à situação do surdo' ou seia'
de inte gração de crianças surdas --'-
objetivávamos trazer iínguu de sinais Para Perto das crianças'
" â csta-
A partir da definiçãã do nosso obietivo principal, Passamos
Maunn Conclnt Lopes beleceralguns.,ite.io'Paraotrabalho.Elesforamestabelecidosafittt
prática' Os critérios eram:
de obterÀos coerência entre teoria e
o trabalho;
- uso da língua de sinais durante
surdo em sala de aula;
O presente artigo foi elaborado a partir de uma experiência práti- - Presença ã" ut professor
ca realizada no ano de l994,na Universidade Federal de Santa Maria, Rio - iiberdade Para interação entre os membros do grupo;
atividades a serem realizadas;
Grande do Sul.A pesquisa realizou-se no Núcleo de Pesquisa e Exten- - proposição pelos alunos desurdas da comunidade surda' atravÓr
são em Educação Especial (NEPES) do Centro de Educação.A experiên- - aproximação das crianças
cia trazida para este texto contou com a ParticiPação de três crianças da Associação de Surdos;
_visualizaçãodasatividadesdascriançasaPartirdeumcontexto
ri surdas, filhas de pais ouvintes, na faixa etária dos três aos cinco anos,
bem como, de dois professores, sendo um surdo e o outro ouvinte' de interação'
r^ +-^k^lha fnram
oscritériosdotrabalhoforamexPostosaosPals
das criançns'
Assim como a nossa prática, o Presente artigo tem como horizonte
receosas' O reccio
teórico o enfoque socio-histórico deVygotsl<y e seus colaboradores e a sendo que duas famílias, a princípio' mostraram-se
com ouvintes e collì
teoria bilíngüe de educação para surdos.Ambas, ao nosso ver, estão volta- era sobre como as crianças iriam ser integradas
das para uma formação social do homem. elesprópriosse,conformealegavamospais"'ninguémconhecesinais"'
durante quase todo o rtto'
Diante de duas referências teóricas tão complexas,torna-se Perti- Esta foi uma situação que nos acomPanhou
mas não constituiu um empecilho para
o trabalho'
nente salientarmos que não temos a pretensão de encerrarmos nossas
reflexões acerca do desenvolvimento do surdo neste capítulo. Entretan- UmfatormuitoimportanteParaacomPreensãodgspaissobt'c'l
famílias envolvidas' os pais rlt'
to, pensamos trazer algumas informações na área de estudo que pode- nossa proposta foi a opinião de uma das
o que pretendianlor'
rão facilitar a atuação de profissionais que tentam compreender o Pro- M, integrante do gruPo, conseguiam compreender
proposta há dois att's'
cesso de desenvolvimento sócio-lingüístico do sujeito em questão. pái, ,"ï filho viÃa'sendo atãndido com esta
Na tentativa de sistematizarmos a nossa reflexão e leitura, Pensa- Atravésdaopiniãodestafamília,osoutrospais,lenhmente,começal.illìì
mos organizar o texto em Partes: uma inicial, onde situaremos os leitores abuscarinformaçõesnalínguadeseusfilhosparapoderemcolabot.;tt'
dentro do grupo de trabalho e a outra, onde discutiremos algumas exPe- conosco.
e à prática com as crlalì-
riêncías sob um olhar sócio-historico. Antes, porém, vale salientarmos Concomitantemente à aceitação dos pais
surda ter acesso o lnnls
que nossas reflexões fazem parte de um trabalho monográfico intitulado ças,refletíamos sobre a necessidade de a criança
"O jogo na estruturação da linguagem sob enfoque bilíngüe de educação cedopossívelàsualíngua.Estanecessidadenósconfirmávamosatrav(ls
lingüístico das ct'iatt-
para surdos"l. das observações qr" fãíuros do desenvolvimento
Para darmos início ao nosso trabalho com as três crianças surdas, ças, principalmente
de F (5 anos) e de M (3 anos)'
muitas arrumações deveriam ser feitas Para que tivéssemos um ambiente omeninoFpossuíadificuldadesemsecomunicartantoPorsllì;ìl\
comooralmente,poisseuspaisexigiamdeleafala,emboranãotivcsscttt
l. O trabalho mencionado foi orientado pela professora Sandra Amaral, durante o dadoacessocontínuoaestaaprendizagemaomenino.M,diferentcÌxclì.
curso de Especialização em Educação Especial. tedoseucompanheiro,teveacessoàlínguadesinaiseutilizavacst,aclìl
ó0 Educação & Exclusão C,rt'los Skli:rr (Or1i ) ól

sua comunicação. Enquanto F demonstrava-se agitado quando solicitáva- No nosso entender da ação de ele Procura' por intermódio da
F,

mos alguma atividade ou quando queria propor alguma brincadeira a representação, internalizar comportamentos que
ocorrem em seu meio
seus amigos, M usava recursos visuais, além dos sinais que já conhecia, e que sem o auxílio do brinquedo não poderia concretizar'
para fazer-se entender por seus companheiros.A diferença destas duas Comoexemploquemencionamosparailustrarnossaafirmação,
crianças, sem dúvida, era decorrente, ao nosso ver, das diferentes medi- voltamosParaoimportantepapeldomeionoProcessodedesenvolvi.
como crianças
ações do meio em seus desenvolvimentos. mento infantil: as interações adulto - criança, assim
As diferenças sócio-lingüísticas existentes nos meios em que se en- crianças foram muito significativas Para o trabalho'
As diferenças entie as crianças, bem como destas em
contravam M e F determinavam seus desenvolvimentos.lsto signiÍìca que a relação ao
que iá eram
aprendizagem precede o desenvolvimento e que o meio onde as crianças professor, possibiiitavam momentos de trocas de experiências
vivem, neste caso, é de fundamental importância. dominadas Por uns e não Por outros' Aquela criança que iá dominava
A qualidade das trocas que se estabelecem em um plano visual algumasatividadesexigiadeseuscompanheirosnovoscomPortamen-
gestual entre pais e Íìlhos,amigos, professores e alunos influencia decisi- tos.Traduzindo esta ptt" uma interpretação socio-historica, umn
"fão o que antes
vamente na forma como as crianças surdasi no caso, tornam mais com- influenciava nazonade desenvolvimento da outra,tornando
plexos seus pensamentos e processam novas informações. era potencial em uma atividade real'
A partir da realidade que constatamos junto à turma de crian- Comnossasúltimascolocações,Pensamosestarclaroumdosnossos
ças surdas, tentamos, através de jogos, inserir a mesma na comunida- critériosParaotrabalhojuntoàscrianças.otrabalhoemgruPoproporcio-
de surda, propiciando às crianças condições favoráveis para o seu na o desenvolvimento de seus membros através
de interações entre eles'
desenvolvimento comunicativo cultural, psicológico, cognitivo, mo- Muitosout'rosargumentospoderiamsertrazidosParacaracterizat.-
como não podemos
tor, etc. mos nossa intenção no trabalho e no gruPo' porém
ano em um artigo, Pas-
Neste momento torna-se importante colocarmos a nossa interpreta- transcrever toda a prática construída durante um
a prática e as aborda-
ção sobre a palavra "jogo". Denominamos por jogo toda e qualquer mani' saremos agora Para uma aproximação maior entre
festação criativa da criança. Para fundamentarmos nossa deÍìnição nos utili- gens teóricas que utilizamos.
zamos da própria origem do termo que diz ser esta uma palavra universal
originária do vocábulo latino "iocus" que signiÍìca diversão, brincadeira. A mediação material e sígnica
A escolha do jogo como uma estratégia de trabalho se consolida na no desenvolvi mento infantil
natureza eminentemente social deste. Por intermédio dele a criança interage
para a pri-
no e com o meio, interiorizando a realidade que no momento não lhe é Notadamente vimos, através das experiências trazidas
real. Batistel (1994, p.28) nos diz qLre "a criança assimila a realidade, se meiraPartedestecapítulo,queocomPortamentosocioculturaldoho.
este comPor-
socializa e se apropria da cultura, o que faz do jogo uma importante fonte mem se sobrepõe ao biológico. Desta forma,localizamos
e inrrapessoal.
de desenvolvimento intelectual e da personalidade infantil". tamento no quevygotsky 1ìraal chama de interpessoal
colaborador no Processo
Conforme a citação, o jogo é uma importante fonte de aquisição de O iogo, como Já colocado anteriormente' é
atraves das relações
conceitos por parte da criança. Muitas situações que não são aceitas pela de desenvolvimento. Por intermédio do iogo podemos,
mesma na sua vida com as demais pessoas passam a ser consideradas no sociais mantidas nele, adquirir uma Iíngua seia ela
oral ou de sinais' Pensa-
jogo. Para exemplificarmos nossas colocações, traremos uma situação mosque,Paratermosumalíngua,necessitamosantesexperimentarsittla.
ocorrida durante o trabalho com as crianças.Vejamos: que possua características especíÍìcas.
ções áentro de um grupo
Para que umã criança iurda convencione gestos
dentro de sctl
O menino F ao jogar com os colegas "muitas vezes" torna-se agres- e experiôncias'
sivo e utiliza-se de uma vara "deixada pelo pai no canto da sala" para meio, é necessário que esm resgate suas percepções
ameaçar os amigos que "no faz-de-conta" são seus filhos. Esteresgateéarecordaçãodaexperiênciacombinadacomareot.gani-
zação dcsta dentro de um prism:r criativo'
62 Fr[rc:rçio & Exchrstro

uma rclação dirctn


As ações que as crianças observam estão imersas em um universo primeira criattça que denominamos por M' esrabclccia
externo que necessita ser compreendido e internalizado pelas mesmas. Este comoobieto,numaaçãorepetitiva'Mas'quandoFinterveio'aaçãoda
processo poderia ser chamado, conforme colocaVygotslq (1988), de uma primeirasemodificou.Portanto,houveumainterferênciaquealtcrouo
entre os dois suieitos'
reconstrução interna de uma realidade externa.Vejamos um exemplo: brincar inicial.A interferência é a relação mediada
à brincadeira exi-
À fr"r"nç" de F e dos novos elementos acrescentados
Uma das crianças, E de cinco anos, brincava de corrida. Numa as crianças que' Para re-
giu comportamentos mais complexos de ambas
atividade de faz-de-conta, ele dirigia um carro, fazia as mudanças de mar- utilizaram novos
pÃt*aát mais fidedignamente a situação que conhecem'
cha, alternava os pés nos pedais, enfim, reproduzia a realidade que já
recursos já presentes em suas PercePçoes'
havia observado.
Aolongodavidadohomem,elevairecebendováriasinfluências
Como percebemos, ele já possui referenciais sociais sobre como diretasouindiretasqueofazemdesenvolverestruturasmentaismais
age um motorista e tenta reproduzir criativamente, em sua ação individu- complexas.Esteprocessointerativoestámuitobemexpostoporoli.
alizada,a imagem que tem dos motoristas que conhece. veira (op. cit.,p.27) quando afirma que
As operações sociais realizadas pelo homem recebem várias inter- que a relação do ho'
Vygotsky trabalha, então, com a noção de
ferências i" ,"r, pares que irão constantemente desafiá-lo fazendo-o memcomomundonãoéumarelaçãodireta,mas,fundamentalmente.
desenvolver seus processos cognitivos. Na mesma brincadeira do carro, superiores aPresentam ulna
uma relação mediada,as funções psicológicas
enquanto F dirigia, o menino M, de três anos, observava Por alguns se- estruturatalqueentreohomemeomundorealexistemmediadorcs'
gundos. Somando-se à brincadeira, M, que ainda não tinha a mesma quan- ferramentas auxiliares na at'ividade humana'
tidade de informações que E, tentou dar outro rumo ao brinquedo, po-
Todasasrelaçõessãomediadas'todavia'essamediaçãoseestabe-
rém F não aceitou, exigindo que M reforrnulasse suas hipóteses e modi- que a primeira incide na
ficasse suas ações. Dessa forma, a ação de F modificou a ação de M, ou lece de duas formas: material e sígnica' sendo
seja, colaborou para o desenvolvimento de uma das crianças. mediaçãosobreoobjetoeasegundaincidenamediaçãoexercidaatra-
lnterpretandoVygotsky (op. cit., 1988), este processo ocorre Por- vés de rePresentações mentais'
concretos Para exa'
que a ação humana é interpelada por outras ações, passando de uma A criança Pequena quando ioga utiliza obietos
de cavaleiro (realidade
ação direta (homem-objeto) para uma ação mediada (homem - interfe- cutar sua atividade. Exemplificanao, F, ao brincar
rências - objeto). Oliveira ( 1993, p.26) diz que "a mediação, em termos
doseumeio),necessitavadamediaçãodeuminstrumentomaterialpara
que se encontrava iunto ao
genéricos, é o processo de intervenção de um elemento intermediário poder brincár. para tanto usava um cilindro
dominar a realidade qtte
numa relação, a relação deixa então de ser direta e Passa a ser mediada material de sucata,Para ser o seu cavalo'Após
e
jâforaobservada, a criança abandona o recurso material Passa Para
a
por esse elemento". ao objeto concre[o'
Os elementos mediadores se multiplicam com o decorrer das re- utilização mental de signos lingüísticos referentes
ação hu-
lações humanas, tornando-se cada vez mais complexos. Para melhor
os signos repreintam um veículo intermediário entre a
compreendermos este processo traremos mais um exemplo: manaeoseuPensamento.ElessãoconstruídosaPartirdeintercâmbios
sobrevivência' Tambcnt
culturais necessários aos indivíduos Para a sua
M brincava de casinha.A brincadeira consistia em um cachorro de podemosdizerquesãoferramentasqueauxiliamnosProcessospsicologi-
pelúcia entrar e sair da casa de papelão. O menino F aproximou-se de M cos.Tâlauxíliopodemosestudaratravésdalinguagem'poiselaéomei<:
e a brincadeira se modificou. M Passou a ser o dono da casa e o F uma que integra'
pelo qual o homem se apropria do legado cultural
visita.A visita bate na porta,o dono (M) vem atendê-la e seu cachorro KozulinapudKnox,noprefáciodolivro..Estudosdahistoriado
sai correndo para morder o visitante. que os
comportamento" deVygotsl<y e Luria (1996' P'26)'diz Processos
O exemplo mencionado poderia ser mais explorado; no entanto, mentaissuperioresPossuemumanaturezamediadaqueedesempenha.
neste capítulo nos deteremos em visualizar aPenas a mediação ocorrida.A da pelos sistemas semióticos:
O{ EOUCiÌçAO õ( EXCIU!
CrrlosSklirr'(Or1i.) ót
Os processos mentais superiores, por sua vez, envolvem proces-
sos mais primitivos e mais avançados, dependendo da forma de media- nossas experiências, mas, também, das experiências das outras p"rronr,
souza (1994) diz que a interiorização dos conteúdos historicamente de-
ção. Em segundo lugar, os processos mentais superiores possuem uma
natureza mediada, sendo o papel de mediador desempenhado pelos sis- terminados e culturalmente organizados se dá por meio da linguagem,
temas semióticos que podem ser tão simples quanto os gestos e tão possibilitando que a natureza social também torne-se psicológica, Se.
complexos quanto o discurso literário. Finalmente, o desenvolvimento e gundo o autor, a passagem de experiências interpessoais para intrapessoalr
a composição dos processos mentais superiores humanos dependem de contribui, significativamente, para a evolução complexa da consciêncla
formas cultural e historicamente específicas de mediação semiótica. do homem. Essa contribuição, no entanto, somente ocorrerá de form;t
qualitativa se houver interferências mediadoras também significativas.
As formas culturais de mediação de signos influenciam a composi-
ção dos processos mentais superiores, principalmente por intermédio
da linguagem.
lntegração
Parafraseando Luria ( 1987), o elemento fundamental da linguagem é
A integração do surdo na sociedade, em um primeiro instante, píÌre-
a palavra; através dela podemos designar coisas, categorizar elementos,
ce ser uma atividade destinada à cultura oral. Longe dessa crença, o traba-
conceituar e relacionar fatos. Enfim, por intermédio dela podemos codifì-
lho que realizamos em santa Maria nos mostrou que a integração social da
car nossas e outras experiências.
criança surda começa na aceitação, por parte dos ouvintes, da sua diferen-
A partir deVygotsky podemos ler que a palavra desempenha papel
de destaque no processo de tomada de consciência e de socialização. ça. lsto não significa que o surdo não seja respeitado nesta sociedade
porque não tem uma "boa" fala, mas ao contrário, que ele tenha garantido
Através dela (ou do sinal, no caso de pessoas surdas), o homem possui
junto aos ouvintes o direito de crescer com outros surdos numa relação
condições de expressar seus pensamentos de forma organizada.
de construção cultural materializada na língua de sinais (LS).
O pensamento estruturado através do social se concretiza nas
Tínhamos a preocupação em envolvermos as famílias das crianças
relações que são registradas na memória. Segundo Oliveira (Op. cit.,
no trabalho com o grupo de surdos.Todos os dias no final de nossas
1993, p.30),"a memória mediada por signos é, pois, mais poderosa que
atividades, relatávamos nossas observações, algumas evoluções das cri-
a memória não mediada". O estabelecimento da mediação cultural atra-
anças, para que os pais ficassem atentos ao processo de desenvolvimen-
vés de signos lingüísticos permite ao ser refletir, produzindo e organi-
zando permanentemente, cultura e trabalho coletivo. De acordo com
to de seus filhos. Com esta prática, visávamos mostrar que, através de
uma educação voltada para a cultura surda, as crianças se desenvolveri-
Vygotsky e Luria (1996, p. 195), a memória pode e deve ser estudada,
am em tempo igual ou semelhante ao de crianças ouvintes. Essas infor-
compreendida dentro do contexto sócio-historico no qual o indivíduo
mações auxiliavam na aceitação e compreensão dos pais de terem um
se desenvolve. Para os autores, "quando estudamos a memória do ho-
filho surdo que pertence a uma cultura diferente da família.
mem cultural, estritamente falando, não estudamos uma "função
mnemônica" isolada - estudamos todas as estratégias e técnicas que
A aceitação social do surdo, além de ser considerada nas nossas
políticas de integração, também deve ocorrer na propria família.Antes
visam afixar a experiência na memória e que se desenvolveram no cor-
mesmo de saber da surdez do filho, esta interage com ele fazendo-o
rer da malhação cultural". Podemos dizer que dependerá das condições
sentir, perceber emoções e a cultura do meio.
culturais do meio onde a pessoa está inserida, o desenvolvimento das
Diante da premissa de que a criança com tenra idade já possui
funções psicológicas superiores.
linguagem e de que a família é um elemento fundamental no processo de
O meio ao qual a pessoa pertence está repleto de informações, de
integração, procuramos construir o trabalho prático, anteriormente
construções comportamentais que são traduzidas culturalmente pela
mencionado. Durante o mesmo, além de proporcionar aos nossos alu-
linguagem.A linguagem representa o veículo por excelência através do
nos o acesso à língua natural dos surdos (língua de sinais) também, pro-
qual o homem tem condições de se apropriar dos produtos culturais da
curamos envolver as famílias nesta cultura, através de grupos de pais2.
humanidade. Por intermédio dela, podemos nos beneficiar não só das
Tais grupos se reuniam durante o horário de atendimento de seus filhos
66 Edrrcação & Exclrrsão
ClarlosSkliar'(Or'1,i.) 67

e tinham, entre outros, o proposito de esclarecer seus integrantes sobre


cesso. Basta observarmos que muitas famílias e professores ot,virrCes
as diferenças lingüístico-culturais entre surdos e ouvintes.
exigem que a criança surda utilize, unicamente, a modalidade oral dc
Por intermédio do grupo de pais e mesmo pela convivência que tínha-
comunicação. Este fato, além de estar distante do que é real, natural
mos com aAssociação de Surdos,vimos que a maior polêmica na educação
para surdo, também pode, através do conhecimento fragmentado da
dos surdos está na aquisição da linguagem.A linguagem, o meio que o surdo
língua, dificultar o Processo de generalização lingüística.
deve ou não utilizar para a sua comunicação, foram motivos para muitas
discussões no grupo, bem como para grande parte de nossas reflexões
A capacidade do ser humano em fazer generalizações lingüísticas
facilita a comunicação entre iguais. Quando falamos, Por exemPlo, na pala-
sobre o trabalho.
vra "cachorro", logo pensamos na imagem de cachorro que temos, porém
Na tentativa de entrecruzarmos as idéias gerais sobre o desenvol-
nada impede as outras Pessoas de compreenderem o que significa o ter-
vimento humano defendidas pela linha sócio-histórica e de compreen-
mo. lndependentemente da raça, tamanho ou cor de cachorros que co-
dermos o desenvolvimento lingüístico cultural do surdo foi que nos de-
nhecemos, conseguimos, através do reconhecimento de categorias, asso-
paramos com o bilingüismo para surdos.
ciar imagem - palavra - conceito.Tal associação é construída socialmentc'
Para trabalharmos dentro de um enfoque bilíngüe de educação
ou seja,através da história humana foram criados signos verbais que agcÍn
procuramos, depois de garantir a presença de um professor surdo em
no psiquismo facilitando a comunicação entre aqueles que comPartilharn,
sala de aula e a interação das três crianças junto a outros surdos,visualizar
num mesmo período histórico, de uma mesma cultura e língua.
o espaço que tínhamos para a realização do trabalho. Devido ao fato de
A construção lingüística de uma dada comunidade, às vezes, serve de
a estrutura do NEPES ter sido construída para a existência de um hospi-
modelo para grupos minoritários que, aPesar de viverem Íìsicamente inrc-
tal, as salas que existem são pequenas e isso constituía um entrave para
grados (como no caso dos surdos), pertencem a uma cultura distinta. A
a realizaçáo de nossa proposta de trabalho.Visto isso, as atividades que
construção lingüística, para muitos ouvintes, ainda esgá atrelada à condição
as crianças propunham geralmente eram realizadas na pracinha (quando
de ouvir para falar. Dessa forma, como os surdos não podem ouvir, cabe aos
tínhamos condições climáticas favoráveis), nos corredores do antigo
ouvintes, fazendo uso de treinamento oral, a responsabilidade de ensinlt' ;t
hospital e em uma sala ampla que é denominada, até hoje, de casinha.
fala aos mesmos.
Nossa intenção de não utilizarmos sempre, a sala que nos fora
Observamos, através da nossa aproximação das famílias das criatt-
dada pela Direção do NEPES vinha constituir um de nossos critérios
para a construção do trabalho. Pensávamos, na época, que, parã realizar- ças cgm as quais trabalháVamos, que essas "acreditavam", ingenUamett-
te, na possibilidade de seus filhos se tornarem "ouvintes" atravós (la
mos atividades educativas com crianças, necessitávamos de esPaço Para
oralização. Porém, às vezes, essa exPectativa perdia esPaço para a clificil
que elas pudessem se locomover sem ter barreiras físicas impondo limi-
tarefa de ensinar a fala ao surdo, pois este Processo de treinamelìtc)
tes. Hoje, além deste argumento, vemos que a amplitude espacial tam-
exigia muito esforço, temPo da criança e dos pais nas idas e vindas das
bém favorece a interação comunicativa entre as crianças, ou seja, o es-
aulas de treinamento oral Para, em troca, terem um baixo retorno clÌì
paço amplo possibilita a aquisição natural da língua de sinais pelas crian-
termos de desenvolvimento cognitivo, social e lingüístico.
ças surdas.
O domínio, a compreensão da modalidade oral da língua portuguesa ô
Partindo do pressuposto da existência de duas culturas distintas,
tarefa que julgamos ser de extrema diÍìculdade Para o surdo. Dessa forma, ctlt
cultura ouvinte e cultura surda, admitimos que o surdo, filho de ouvin-
nosso trabalho, optamos por possibilitar às nossas crianças o acesso à língttlt
tes, em uma primeira instância, receberá conceitos de mundo através da
de sinais, assim como oPtamos por trabalhar com os pais as suas comPl'cclì-
mediação dos ouvintes que, nem sempre, corresponderão ao nível de
sões sobre os efeitos negâtivos que vem gerando a oralização pura do surdo.
compreensão de língua e às necessidades deste sujeito.
Conforme coloca Alisedo (1994), preferimos que aos três, quatro :ìnos i'ì
A mediação do ouvinte para o surdo pode não desafiar a ação
criança surda construa frases complexas em LS do que reproduza palavras
cognitiva do mesmo porque existem diferenças culturais, lingüísticas,
isoladas. Para enriquecermos a colocação da autora e Para rcsgaLlrmos o
entre outras, que são, na maioria das vezes, desconsideradas neste pro-
trabalho iunto ao grupo, trAremos mais um relato da prática:
O grtrpo dc crianças,luntanìentc conì os professores, r'ealizorr urn ainda não perccbcm a surdcz clc sctrs fìlhos corno ttt'ttn clifct'cttça ctllfttt'nl,
passeio ao circo. Lá viram um espetáculo e colecaram materiais para pode acabar sendo um elemento dificultador no desenvolvimeilto do
realizarem trabalhos.Ao retomarem ao NEPES o passeio foi resgatado surdo em níveis etários iguais ou semelhantes ao de crianças ouvintcs da
por desenhos, histórias, apresentaçõe, enÍìm, por uma série de atividades.
mesma idade, A lentidão do desenvolvimento do surdo, nestes casos,
Todas as crianças possuíam sua vez de contar o passeio, porém F resu-
geralmente vem sendo iustificada, erroneamente, Pela deficiência e não
miu sua história em poucos sons sem significado em português, enquan-
pela ação "preconceituosa" existente no meio'
to M montou o cenário do circo com uma série de informações corpo-
rais e sinalizadas.
O surdo vive num mundo social repleto de sentidos. Conforme
interage neste mundo vai estabelecendo compreensões e rePresenta-
Todas as descobertas das crianças, como já colocado anteriormente, ções úciais sobre a sua surdez, entre outras coisas'
A consciência de
eram levadas aos pais que adotavam uma postura, a princípio, desconfi- nossa presença no mundo como seres essencialmente sociais, é resul-
ada de nossas falas.As diferentes argumentações entre nós e os terapeutas tante de uma série de mediações estabelecidas através de instrumentos
entravam em conflito nas posições e opiniões das famílias. e signos que permeiam o nosso cotidiano. As mediações homem'ho-
Frente aos limites familiares e conscientes de nossos critérios e mem e homem-natureza correspondem a uma evolução historica de
objetivo de trabalho, nos utilizávamos do jogo para continuarmos o pro- comportamentos que podem ser evidenciados através da linguagem da
cesso de integração das crianças à comunidade surda. qual este se apropria num ato criativo.
Através do jogo, ou melhor, da ação de jogaç as crianças surdas Ao considerarmos as experiências de linguagem como experiênci-
começavam afazer parte de um mundo real para elas. O mundo concre- as culturais, nos rePortamos imediatamente à cultura dos ouvintes, Pois
to formado a partir do jogo propunha muito mais coisas do que a imita- são eles que definem o padrão lingüístico que os homens (independen-
ção, a representação e o desenvolvimento comunicativo, ele possibilita- temente de suas dificuldades) devem seguir. Nesse sentido Pergunta-
va a identificação das crianças como sendo surdas. mos: como o surdo poderá se desenvolver se não possui referências
A tendência dos pais das crianças que compunham o nosso gru- lingüísticas comuns à sua condiçãol
po de trabalho era de "proteger" seus filhos, isolando-os do contato A resposta a essa pergunta vai muito além da defesa da cultura surda
com outras crianças. Podemos dizer que o caráter protetor dessas evidenciada através da língua de sinais. Ela nos conduz à situação política
relações dos pais com seus filhos era mediado pela deficiência. Ela brasileira. O Brasil é o berço das diferenças acentuadas nas suas regiões e
determinava os limites e as ações entre os sujeitos. economia; tais diferenças nos fazem Pensar na constituição classista da
Por intermédio das conversas que tivemos com os pais, percebe- nossa sociedade. Então, antes de analisarmos a atual situação de atrasO
mos que as exigências destes com seus filhos ouvintes, em muitas situa- cognitivo do surdo, devemos, como pesquisadores' nos situarmos na clas-
ções, eram mais provocativas em termos de desafios do que as exigênci- seiocial a que pertencem os surdos, nos referenciais sociais dessa classe
as para com seus filhos surdos. Um exemplo claro pode ser percebido e nos conceitos que esta tem de capacidade e incapacidade' Dessa forma,
através da fala de uma das mães quando diz que sua filha J, antes de ficar conseguiremos visualizar a realidade a qual, muitas vezes, desconsideramos
surda era sorridente e "muito arteira" e, depois que ficara surda, parecia no complexo meio educacional.
que tinha perdido o "encanto". Neste caso, podemos ver que a ação As referências citadas acima é que vão determinar a qualidade das
dessa família quando sua filha era ouvinte consistia em proporcionar interferências que os ouvintes de determinado grupo irão estabelecer
espaço para brincadeiras. Os pais a desafiavam para que realizasse novas com aqueles que se julgam incapazes. Fernandez (1993, p.8) diz que
descobertas, enfim, eles agiam constantemente no.que Vygotsky (1988)
as pesquisas ao tomarem a surdez como objeto não levam em conside-
chamaria de "zona de desenvolvimento proxímal" desta criança. No en-
ração que a pessoa surda é um suieito eminentemente social. E que,
tanto, a partir do seu ensurdecimento, a ação antes permissiva deu lugar
enquanto sujeito social,tem em si impressas as diferenças individuais,as
a um ambiente pouco exigente e carente de estímulos. influências sociais, educacionais, culturais e históricas que compõem a
O comportamento assistencialista de muitas famílias ouvintes que tessitura de seu cotidiano.

Editora Mediacão Editora Mediação


70 [-<lrrcrçao & Excltrsao
Carlos Skliar (Org,.) 7l

o procedimento de muitos profÌssionais que trâbarham, principarmente


que não passava tudo o que ouvia porque julgava "não ser interessatttc
com a educação de surdos, é palco de muitas indagações, pois,
ao para o seu filho". Dessa forma, entre muitas outras que poderíatlos
desconsiderarem o fato essencial de o surdo ser eminentuÃna"
social, estão mencionar, o menino era excluído do meio no qual vivia.
negando a evolução histórico-cultural e, também, o caráter
dialético de for_ A exclusão experienciada por F é uma realidade comum para mui-
mação sócio-individual da humanidade.
tos outros surdos, pois, na maioria dos casos, devido à imposição cultrr-
com o breve resgate do assunto mediação, verificamos a riqueza ral ouvinte, eles são relegados a reproduzir falas que, muitas vezes, ttio
tema e o importante paper que desempenha na comprexidade
-do do têm sentido para eles. Diante desta realidade perguntamos:
desenvolvimento do homem. como todas as ações são mediadas, ao
nosso ver, não podemos tentar compreender os sujeitos
- Será que está na oralização do surdo a melhor possibilidade
sem antes pro- deste ser integrado com os ouvintes?
curamos ver as diversas crenças e ideologias presentes no
contexto em - Como o surdo educado em LS estabelece sua comunicação cotrr
que estão mergulhados, pois elas é que irão determinar
os rumos soci_ ouvintes?
ais. Qual é a ideologia que impera na educação de
surdos?
Para tentarmos revantar arguns aspectos sobre a pergunta
- O surdo educado em LS, como primeira língua, consegue fazo'
que Íï- construções complexas de pensamento?
zemos, necessitamos distinguir, entre outras variações,
duãs situações Todas estas incógnitas e várias outras que poderíamos menciorr:rr,
que vivenciamos através da experiência de trabalho.
uma seria aquela nos conduzem para o entendimento das teorias3 que regem a educação dc
onde surdos são educados em bases onaristas de comunicação,
sem te- surdos. Embora existam três teorias, falaremos, em rápidas palavras, do
rem condições de se aproximarem de outros surdos, e a outra
seria bilingüísmo, pois foi a que tentamos adotar em nossa prática. Julgarnos
aquela em que surdos que compartilham idéias, constroem
sua ríngua estar na teoria bilíngüe os elementos necessários para que o surdo rk.
dentro de grupos comuns.
senvolva o seu potencial cognitivo. Quando nos referimos a potcrìcrnl
os surdos apenas orarizados apresentam grandes dificurdades em cognitivo do surdo, nos remetemos, imediatamente, à qualidade das ilrtcr.
se comunicar,tanto com ouvintes como com surdos.lsto
podemos per- relações que este mantém com as pessoas que o rodeiam. Por esta razào,
ceber em nossa prâtica através do menino F.
acreditamos que as crianças surdas, embora sendo filhas de ouvintes, conrrr
E no início das atividades, mostrava-se agitado. Em nossa
interpre_ no caso em relato, devem ter acesso o mais cedo possível à língua dc sirr;rir
tação, isso ocorria devido ao fato de ele não conseguir
se expressar nem e, conseqüentemente, à comunidade surda.
tampouco compreender o que dizíamos. o menino o ,"fl"ro do que Como percebemos com o decorrer de nossa experiência cr r'(!'
chamamos de conseqüências do oralismo. com o decorrer "r, do trabalho, flexões, a mediação por supremacia cultural é constante no proccss()
através do seu envolvimento com outros surdos, notamos
uma melhor de educação do surdo e é importante colocarmos que, quando fnl;r-
adaptação do menino na turma e na família.
mos em cultura, estamos, também, falando em língua. Sendo assirrr, or
Antes de participar de um grupo com outros surdos, F vivia ouvintes, por serem a maioria e corresponderem ao modelo a scr'
so-
mente com ouvintes, apesar de não ser compreendido (como
informou seguido socialmente, sufocam a manifestação cultural do surdo intpc-
a mãe), na maioria das vezes, peros mesmos. Sempre
que sua dindo-o de manifestar-se através de sua língua de sinais.Tal barrcira scr
mãe (presença constante em sua educação) transmitisse"ìp"ruu"
tudo aquilo que constitui porque o surdo não consegue dominar o sentido geral d,r
tinha curiosidade de saber. Logicamente nem todas as mensagens
eram modalidade oral da língua, não sabendo formular frases, orações conr-
compreendidas pelo surdo, pois este não dominava a leitura
labial. pletas e significativas.
Devido à dificuldade do surdo em compreender a ríngua po*ugue-
sa, na sua modaridade orar, este, gerarmente, torna-se
dÀpendente de
uma terceira pessoa que possa traduzir as mensagens
do mundo oral.A Z. ó-grrpo dc pais nrencionarJo era coordenaclo porAdr-ianaThonra, rr;r r-rpoclr,,rlrrrr,r
mãe, por exemplo (conforme reratou), e que tinha do crrrso dc Espccializ;rção crrr Edrrcação Espccial da UFSM. Essc cliscut.i;r tt'rrlrs, tr'rprr o,,
a responsabiridade de
traduzir o gue diziam as pessoas ao seu firho surdo, porem polirruicos (Ìuc crarÌì levlrlos pclrs farrrílins plcscrrtcs.A r oolrlcrurrlor':r rlo 1,r'111;,, ,,11;,r,,
era coloca
v;ì Í(,x(()\ tnfr>r'nr,tÍivos rlrrc srtlrsi<lirrv;ttrr ;r.; <litt us\()('\.
(-nrlot 5l(llnr (Lrr8., I5

Considerando o fato de que a língua portuguesa pode ser resgata-


tal para a forrnação de estruturas tncntais superiores. No etttartto,'corno iá
da através da escrita e da fala, na prática optamos pela modalidade escri-
colocamOs anteriormente, devido ao fato de o surdo viver em uma Socic-
ta. Embora as crianças fossem pequenas, como muitos alfabetizadores
dade de ouvintes, este necessita comunicar-se com oS mesmos. Para talìto,
poderiam dizer, nós acreditamos que elas já possuem hipóteses de escri-
ele deve compreender esta necessidade antes de ingressar no árduo e
ta e pensamos, também, que é por intermedio da escrita, do acesso o
doloroso aprendizado da língua Portuguesa, seia ela oral ou escrita.
mais cedo possível a materiais letrados, que poderemos, talvez, cogitar
Para uma boa aceitação, por parte da Pessoa surda, da língua oral,
de uma possibilidade real de integração.
é importante que esta esteia consciente do significado desta aprendiza-
Nosso trabalho se fundamentou na tentativa de comprovar que a
gem. Para que este processo de consciência ocorra, é necessário qtle a
prática bilíngüe acelera o desenvolvimento do surdo se comparada com o
pessoa surda entenda o que se tenta explicar. Para tanto, novamente â
oralismo. Durante a prática, a nossa preocupação de desenvolver as crian-
LS se torna essencial, pois sem esta o surdo não conseguirá compreen-
ças dentro da língua natural deste grupo ocupou o centro de nossas aten- der a necessidade do seu aprendizado da língua Portuguesa. Ele tomará
ções, mesmo quando, muitas vezes, entrávamos em conflitos com nossa tal fato como uma imposição e não como uma condição de membt'o
própria ideologia ouvinte.
integrante de duas culturas distintas.
A língua de sinais, pelo que podemos observar, é um elemento Enfim, o bilingüismo, diante de todas estas questões de língua o de
mediador entre o surdo e o meio social em que vive. Por intermédio
linguagem, de supremacia cultural ocorridas no Brasil, vem a calhar cottt
dela, os surdos demonstram suas capacidades de interpretação do mun-
a reestruturação da auto-imagem do surdo. Ousemos afirmar qtlc o
do desenvolvendo estruturas mentais em níveis mais elaborados.
bilingüismo resgata a identidade do surdo enquanto cidadão conscictlte ,
Os ouvintes, ao imporem a língua oral como única forma de ex-
através da valorização da prática da língua de sinais.
pressão, reduzem a ação do surdo a decorar palavras isoladas que não
A descoberta pelo surdo da sua diferença em relação ao ouvinte é ttttt
apresentam um sentido contextualizado na comunicação. Para construir-
processo que vai se desenrolando, paulatinamente, na atuação destc rìos
mos orações, independentemente da modalidade de língua, precisamos
dois grupos distintos. Durante o ano de trabalho, muitas atividades forlttt
antes pensar, precisamos ter assimilado um complexo mundo de signos
realizadas com as três crianças surdas, mas somente no final do ano Pel'ce-
e símbolos para depois, através de novos desafios, novas interferências
bemos que elas conseguiam fazer diferenças entre surdos e ouvintes.
mediadoras, irmos nos modificando conforme as exigências do meio em
Em nossa sala de atendimento pedagógico havia muitos brinquedos,
que vivemos. Dessa forma, de nada adianta, como diz Fernandes ( 1995),
materiais de sucata, etc.Tüdo ficava ao alcance da turma. Entre estes nra-
uma pessoa decorar 100, 200, 300 palavras, se ela não consegue com-
teriais havia um cilindro de papelão que M usava Para iogar "taco". Urìì
preender o sentido da língua.
certo dia F pede ao colega para jogar junto;após alguns minutos dc iogo,
O meio social reflete as condições de produção de linguagem. Se
o menino F transforma a idéia inicial de M utilizando o cilindro como tllÌì
um surdo aprende palavras em um consultório,ou seja,fora de um con-
binóculo.J, que até então somente observava, entra no brinquedo e acres-
texto comunicativo natural, ele apenas terá posse do sentido encontra-
centa um novo sentido. A menina gritava em uma das extremidades do
do no dicionário. O surdo, nesta ótica, fica limitado ao aprendizado de
objeto na tentativa de sentir a vibração. O professor surdo, aproveitando
uma língua morta, incapaz de gerar movimentos ou opiniões seguras.
o curso do brinquedo proposto porJ, pede à menina que repita o grito, c
Dominar uma língua é saber jogar com ela, produzindo conheci-
aproxima a outra extremidade do obieto ao seu ouvido.A menina grita c
mentos novos.A produção lingüística advém do homem cultural capaz de
o professor surdo não reage; em contraPartida, a mesma ação, quartdtr
atos criativos. O surdo cultural que domina sua língua de sinais é provedor
feita junto ao professor ouvinte, possui um sentido diferente. O iogo aca-
de novos sentidos lingüísticos determinados a partir de condições sociais.
bou com M chegando à conclusão de que ele não escutava, mas a profcs-
lsto significa que,através do uso da LS,o surdo tem condições de produzir
sora sim.A partir deste dia,o garoto,quando se dirigia à professora ott-
a sua própria história.
vinte, tentava oralizar,embora não emitisse sons comPreensíveis em pOt'
Partimos da premissa de que a língua de sinais é básica e fundamen-
tuguês, e, quando se dirigia aos colegas e ao professor surdo, proctlr;ìviì

I i,.l ; r,,.., Ì\í,,,{ i.',.Ã..


74 Edrrcação & Exchrsão

Lì-Í'l-1ir--r-..
usar gestos indicativos, sinais que já conhecia... Sem dúvida, ele conseguia -ríllL'u-:*i:i
se identiÍìcar como sendo surdo.
Como não temos intenção de esgotarmos o tema, mas, sim, de
levantarmos questões sobre o assunto, esperamos ter conseguido apon-
Uma peÌ'spectiva sócio-histórica sobre a psicologia
tar alguns aspectos sobre a relação que tentamos construir entre a teoria
socio-histórica e a educação de surdos no que se refere à aquisição de
e a educação dos surdos
linguagem.
Cnnlos SrcllaR
Referências B i bl iog ráficas

ALlsEDo, G. Lingüística e bilingüismo. Revista Espoçq Rio de Janeiro, ano


A surdez: um problema dos surdos
3, n. 4, p. I l- lg, jan./jun.
1994. ou um problema dos ouvintes?
FERNANDES, E. Bilingüismo e educação: interferências da língua de sinais no desempenho da
língua portuguesa e causas educacionais. Revista Espoço, são paulo, ano 3, n. 4,p.54-s7,ian.l
iun. 1994.
Minha primeira aproxímação com os surdos poderia definir-se como
FERNANDEZ, S. M./4 educação do deficiente auditiro;um espaço dialógico de produção de conhe- um exemplo típico e paradigmático das dificuldades de interação dos
cimento. Rio de Janeiro, 1993. Dissertação (Mestrado em Educação)
Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
- setor de Educação, ouvintes com os surdos. Foi-me pedido para realizar um estudo sobre o
LOPES' Yl. C. O jogo no estruturoção do lìnguogem sob enfoque bilingüe de educação poro surdos. pensamento das crianças surdas em uma antiga escola oralista,
Santa Maria, 1994. Monografia (Especialização em Educação) S"tor de Educação, Universi-
dade Federal de Santa Maria.
- implementando testes de classificação com objetos da vida cotidiana e
LURIA' A' R. Pensomento e linguogem.'as últimas conÍerências de Luria.Artes Médicas: porto figuras geométricas. Nos primeiros encontros, eu usava um comando
Alegre, 1987. usual na língua oral para este tipo de provas e idêntico ao utilizado corìì
OLIVEIRA' Yl'K. Vygoxky oprendizodo e desenvolvimenÍo.'um processo sócio-históríco. São paulo:
Scipione, 1993. (Série Pensamenro e Ação no Magistério)
crianças ouvintes:"deves formar grupos com estes obietos segundo fcit
PINO' A. O conceito de m-edi1Ç-ão semÌótca em Vygotsky e seu pope/ na explicoçõo do psiquismo próprio critério". É obvio que, frente à semelhante construção lingi.iÍsti:
humono. São Paulo, I 991. (Cadernos Cedes, 24) ca, os surdos só me observavam atentamente, mas não iniciavam netìlìU-
REGO, T C. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. Rio de Vozes,
I 995.
Janeiro: ma ação;por isso me pareceu útil acompanhar meu comando com ;ìlgu-
SANcHEZ' c.Vida para os surdos. Reristo Nova Esco/o, São paulo, s/n, set. 1993. ma forma de apoio gestual, e fiz um gesto com os dois dedos indicador.es
lnflìncta e /inguagem:Bakhtin,Vygotsky e Benjamin. São Paulo: PapÌrus, 1994.
!9!Z4tS,J
VYGOTSKY, L.S. Pensomento e linguogem. São paulo: Marcins Fontes, 199 l.
tocando-se em repetidos movimentos, acreditando, assim, aludir à idói;r
_. A formaçoo social do mente.Sáo paulo: Martins Fontes, l9gg. de "grupo" ou de "conjunto". Foi graças a esse gesto que todas as criatr-
VYGOTSKY, L. S.; LURIA, A. R.; LEONTIEV A. N. Linguogem, desenvolvimento e oprendizogem.
São Paulo: Ícone, 1988.
ças surdas iniciaram um rápido processo de classíficação.
VYGOTSKY' L' S.; LURIA,A. R. ktudos sobre o hìstórìo do comportdmento. Porto Alegre: Artes Meus relatórios, colocados juntos de forma apressada e onipoterrte
Medicas, 1996. nas histórias clínicas, afirmavam que todas as crianças surdas
desconsiderando todas as diferenças de idade, sexo, composição familirr-
e nível de escolaridade - realizavam exclusivamente classificações por idcn-
tidade perceptual, não mudavam seus criterios de classificação, não abs-
traíam, nem generalizavam.
Naquela época, a totalidade dos textos em espanhol sobre a surdcz
avalizavam cientificamente(l) minha intuição e, além disso, argumentavatÌì
que a falta de flexibilidade conceitual era atribuível diretamente à falta dc
audição. Eram tempos onde a única literatura disponível eram alguns [cx-
tos clássicos de audiologia ou de psicologia da surdez, nos quais os auto-
76 Educação & Exclusão Carlos Sl<liar (Org.) '/,7

res defendiam,em maior ou menor medida,a idéia de que a surdez origina- desses perigosos vaivéns ideológicos, continuam acreditando que os ouvintes
va um problema de linguagem e, Portanto, um Problema de inteligência. escolheram e continuam escolhendo para eles uma língua e uma cultura que
Entretanto, minha jovem e inexperiente tranqüilidade durou pou- não compartilham, nem poderiam compartilhan
cos dias. Em um congresso sobre surdez - mas não sobre surdos! - tive Esta sorte de desencontro lingüístico e cultural é comparável a
oportunidade, por primeira vez, de observar uma intérPrete da língua tantos outros que a história da humanidade narra, onde uma maioria -
de sinais junto a um gruPo de surdos que olhava com avidez as ágeis não quantitativa senão qualitativa - impõe seus pontos de vista etno e
mãos da mulher. logocêntricos sobre uma minoria - não qualitativa senão quantitativa - e
Recordei, então, que na minha formação ninguém havia menciona- exerce pressões de normalizaçã,o e assimilação à língua e à cultura de
do a língua de sinais; não se havia falado dela nem sequer como uma todos os demais.
curiosidade, uma estranheza, ou uma extravagância. Mas tampouco ha-
via escutado alguma opinião contrária à sua existência; simplesmente a O modelo clínico-terapêutico da surdez
língua de sinais e, por extensão, a comunidade de surdos, não havia
existido em todos esses anos. Durante o último século,e especificamente no período que comPreen-
Depois do evento, me aproximei para Perguntar à intérprete se de alguns anos antes da celebração do Congresso de Milão de 1880 - curiosa-
aquele gesto com os indicadores,com o qual convenci as crianças surdas mente chamado "Per il miglioramento della sorte dei sordomuti" (Para a
a responderem as provas de conceitualização, tinha algum significado melhoria da sorte dos surdos-mudos) e até a aparição de outras alternativas
preciso na língua de sinais. metodológicas e educativas até íìns da década de 70 do último século, os
-"Sim, claro!" - respondeu-me - "É o sinal de igual." Aquela tarde surdos foram objeto de uma única e constânte preocupação Por parte dos
corri apressadamente até a escola e solicitei autorização para mudar em ouvintes: a aprendizagem da língua oral e, como se fosse uma conseqüência
meus relatórios somente uma Pequena frase; ali onde dizia: "todas as direta, sua integração ao mundo dos demais... ouvintes e normais.
crianças surdas avaliadas demonstram uma notável rigidez de pensamen- Alguns autores consideram que as conclusões do Congresso de Milão
tO cOnceitual", escrevi com certa paixão: "todas as crianças surdas ava- foram tão poderosas que produziram uma divisão radical, e aParentementc
liadas demonstram ser notavelmente obedientes aos primitivos coman- irreconciliável, na história da surdez e dos surdos (Cuxac, 1983; Lane, 1984:
dos do avaliador" . Mottez, 1977; Sacl<s, 1989;Volterra, 1990, etc.). Em verdade, a magnitude e
Desde então muitas coisas mudaram na PercePção dos ouvintes a influência das recomendações desse Congresso nos levam a considerar a
sobre os surdos e na vida e no auto-conhecimento dos próprios surdos; existência de dois grandes períodos históricos: uma história prévia, que vai
mas todos, surdos e ouvintes, seguimos escutando com perigosa freqüên- desde meados do século XVlll até a primeira metade do século XlX, ottde
cia este tipo de histórias. E é claro que Pâra os surdos tais experiências eram normais as experiências educativas através do uso da linguagem dos
não parecem divertidas nem Podem ser consideradas como simples erros sinais; e outra história posterior - de I 880 em diante e, em alguns países, até
de juventude, senão todo o contrário:de jactâncias como as minhas e de nossos dias - de predomínio absoluto de uma única equação, segundo a qttnl
muitos outros ouvintes - profissionais inexperientes ou membros notá- a educação dos surdos se reduz à língua oral.
veis do estoblishment da audiologia - podem derivar-se violentas e trágicas Nesse Congresso - que não contava com a ParticiPação nem cotrt
ingerências na vida e no destino de qualquer criança surda. a opinião da minoria interessada - um gruPo não muito numeroso de
Como se verá na continuação,a história da surdez - entendida em geral educadores ouvintes impôs a superioridade da língua oral sobre a lírrgtln
somente como a historia das instituições, dos educadores ouvintes e de seus de sinais, e decretou, sem fundamentação científica alguma, que a pri-
métodos - , a psicologia da surdez e a educação especial Para estas crianças meira deveria constituir o único objetivo do ensino. As motivações tr
podem realmente ser consideradas um tortuoso caminho cheio de Precon- ideias que fizeram possível esta conclusão - que não pode nem deve sct'
ceitos e limitações nas construções teoricas e metodológicas dos ouvintes. considerada somente de natureza metodologica - são ainda hoie obicto
Os surdos, que sofrem em sua vida cotidiana, escolar e laboral os efeitos de esttrdo por parte de numerosos pcsquisadores.
78 Fìtluc;rçlo & Ext lttsío ( ,rr los Skli,rr (( )r11 ) 79

So a título de hipotese é possível argumentar, de acordo com


Cerapêutico d;r surdez, em oposição ao modelo socio-ancropologico, qtrc
Facchini (1981), que essa transformação foi produto de uma clara con-
se analisará com posterioridade.
vergência de interesses políticos, filosoficos e religiosos, mas não O modelo clínico-terapêutico impôs uma visão estritamente rcla-
educativos: a ltália ingressava num projeto geral de alfabetização e, deste
cionada com a patologia, com o déficit biologico, com a surdez do ouvi-
modo, se tentava eliminar um fator de desvio lingüístico - a língua de
do, e se traduziu educativamente em estratégias e recursos de índole
sinais -, obrigando também as crianças surdas a usar a língua de todos;
reparadora e corretiva. A partir desta visão, a surdez afetaria de um
por outra parte, o Congresso legitimava a concepção aristotélica domi-
modo direto a comPetência lingüística das crianças surdas, estabeleccn-
nante, isto é, a idéia de superioridade do mundo das idéias, da abstração
do assim uma equivocada identidade entre a linguagem e a língua oral.
e da razão - representado pela palavra - em oposição ao mundo do Desta idéia se deriva, além disso, a noção de que o desenvolvimento
concreto e do material - representado pelo gesto;por último, os educa-
cognitivo está condicionado ao maior ou menor conhecimento que tc-
dores religiosos justificavam a escolha oralista, pois se relacionava com a
nham as crianças surdas da língua oral.
possibilídade confessional dos alunos surdos:"Para um padre católico é
Existe um momento preciso da história em que a surdez e a crian-
uma necessidade que os mudos falem, porque existe a confissão, e o
ça surda foram virtualmente arrancadas do contexto da escola,
da peda-
padre entenderá o contrário daquilo que o pobre surdo-mudo dirá com
gogia, e obrigadas a transitar pelo âmbito da medicina, de acordo collì
gestos" (S. Balestra, I 88 l).
um processo que alguns autores chamam a medicalização da surdcz
O objetivo de orientar toda a educação das crianças surdas uni- (Cuxac, 1983, op. cit.; Lane, 1986; List, I 990; Sánchez, 1989; etc.).
camente à aprendizagem da língua oral já se havia manifestado em ou-
Medicalizar a surdez significa orientar toda a atenção à cura do
tros momentos da história da surdez, mas é nesse período que o inte- problema auditivo, à correção de defeitos da fala, ao treinamento dc
resse se torna mais extremo e radical. Com a finalidade de uma quimé-
certas habilidades menores, como a leitura labial e a articulação, Ínais
rica conquista da língua oral se começa a proibir outras formas de que a interiorização de instrumentos culturais significativos, como a lítt-
comunicação. A língua de sinais, especificamente, se transforma em
gua de sinais. E significa também oPor e dar prioridade ao poderoso
um símbolo de repressão física e psicológica;qualquer outro obietivo,
discurso da medicina frente à débil mensagem da pedagogia, explicitandrr
fosse ou não pedagógico, como a aquisição da língua escrita, a aprendi-
que é mais importante esPerar a cura medicinal - encarnada atualmentc
zagem dos conteúdos escolares ou a integração igualitária ao mundo
nos implantes cocleares - que comPensar o déficit de audição atravós dc
do trabalho, etc., constituíam um problema de segunda ou terceira mecanismos psicológicos funcionalmente equivalentes.
ordem, e se condicionavam a um hipotético futuro educativo, posteri-
O oralismo rePresenta fielmente a organízação metodologico-
or ao saber da língua oral, um saber tão improvável como impossível. institucional dessas ideias: supõe que é possível ensinar a linguagem e slls-
Em síntese, a educação se subordinava à conquista da expressão oral
tenta a idéia, como se disse, de que existe uma dependência unívoca entt'c
pelas crianças surdas, e os adultos surdos, que até então participavam no
a eficiência ou eficácia oral e o desenvolvimento cognitivo. Ao mesmo
processo escolar como modelos educativos para as crianças surdas, foram
tempo, afirma que a língua de sinais não constitui um verdadeiro sistclììã
destinados a tarefas menos importantes - como cozinheiros ou técnicos de
lingüístico, pois o deÍìne como um conjunto de gestos carente de estruttt-
algum trabalho menor - ou, pior ainda, foram excluídos da escola.Assim,
ra gramatical, um tipo de pantomima desarticulada, que, alem disso - c
consideraram-se as comunidades surdas como hordas perigosas para o de-
paradoxalmente - limitaria ou impediria a aprendizagem da língua oral.
senvolvimento oral da criança surda e desapareceram como realidade da
Como influiu esta concePção de surdo e de surdez tanto do Polìto
instituição escolar e, portânto, da percepção coletiva dos ouvintes.
de vista formal, em relação aos resultados acadêmicos, como de uma pct's-
Que concepção e/ou representação da surdez e do surdo predomina- pectiva mais global, na vida cotidiana destas pessoas?
va, explícita ou implicitamente, durante esse momento histórico, e que ainda
Com respeito ao efeito especificamente escolar, numerosas Pcs-
mantém intacto seu poder em boa parte do mundo?
quisas assinalaram o estado de atraso considerável em que se encolì-
Essa concepção pode enquadrar-se dentro do modelo clínico-
tram as crianças e adolescentes surdos em relação aos seus cornpatlltei-
C;rt loc Skli,rr (or ;i ) 8l
80 Educação & Exclusão

obtÓrn
processos de conhecimento, planifica aquém dessas capacidades,
rosouvintes,emquasetodasasáreasacadêmicas'Porexemplo'Allen os resultados que concordam com essa percepção e iustifica
o fracasso
(1986)aPontaqueonívelmédiodeleituradosadolescentessurdos final pelo simpies fato de que as crianças surdas não podem
vencer Õ
àmericanos é equivalente à de uma terceira ou
quarta série, e que a
déficit, isto é, não podem reverter sua própria natureza'
atuação,emcálculosmatemáticoséinferioràdeumasétimasérie.A Na atualidade, e a partir dos avanços na audiologia, a proposta
oralista
que a capacidade
similares conclusões chega conrad (1979) que conclui (Behares'
é de nove anos e dois se converteu em uma aliada inigualável do sístema educativo
de leitura média dos adJlescentes surdos ingleses reflete
Massone e Curiel, 1990). Este módelo resulta hegemônico Porque
meses.TambémumapesquisarealizadaporVolterra(1989)naltáliaofe- com fidelidade uma representação implícita que a sociedade
ouvinte cons-
que mais de 43% dos
rece dados interessantes:os resultados mostraram com a patologia. O
é totalmente des- truiu do surdo, isto é, uma concepção relacionada
significados de um certo número de palavras avaliadas nao Ïala' E
surdo é considerado uma Pessoa que não ouve e' Portanto'
cõnhecido pelos adolescentes surdos' definido Por suas características negativas; a educação se
converte em
Emrelaçãoaoefeitoqueproduziueprovocaaaplicaçãodomodelo suieito o que lhe faltn:
bastaria oferecer terapêutica, o obietivo do currículo escolar é dar ao
clínico-terapêutico sobre a vida cotidiana d.os surdos, doentcs
de surdos que a audição, e seu derivado: a fala. os surdos são considerados
dados informais sobre o estado psicológico de milhares práticas
privações sociais em reabilitáveis e as tentativas pedagógicas são unicamente
sofreram isolamentos comunicativos e verdadeiras fim é unicamentc ;ì
falar e violentados em sua reabilitatórias derivadas do diagnóstico médico cuio
sua primeira infância, que foram obrigados a
de sinais. Seria suficiente ortopedia da fala.
intimidade, e foram proibidos de usar sua língua palavras como ,,reabilitar", "restituir", "adestrar", "dar", "imitar" ,
mencionar a história de Sonya Kinney, surda de
l5 anos, que Venceu Uma
com o obietivo de negar "reforçar" são freqüentes no discurso pedagógico da educação do surt
batalha judicial em willmington, Estados unidos, do. As escolas são clínicas ou hospitais que convertem
a criança sut'dl
aseuspaistodoodireitodepossesobreela,pelosimplesmotivodeque mais em um paciente que em um aluno (Sl<liar, Massone e veinbcrg,
nãoquiseramaprenderjamaisalínguadesinais'istoé'senegaramaco- rees).
municar-se com a filha. Apesar desta tarefa quixotesca desenvolvida durante anos, de cscolì-
Umainterpretaçãoadequadadessesdadosdeveriaconduzir-nosa der os surdos e a surdez, de considerar as línguas de sinais e os sttt'dos
respostaeficazàs seguintes Perguntas:pode-se atribuir uma causa na-
uma
aceder aos conhecimen-
como uma ameaça social o modelo oralista fracassou pedagogicamcnte e
turat à diÍìculdade das crianças e iovens surdos para contribuiu com o Processo de marginalizaçáo social no qual se encolìtl'Allì
i., É a surdez, a perda auditiva, a causa original dos limites
atualmente algumas comunidades de surdos, especialmente aquelas clc
paÍ-
"r*f"res?
lingüísticos e cognoscitivos dos surdos? Este é o
único destino imaginável
de suiei- ses em vias de desenvolvimento ou subdesenvolvidos. E resulta no mínitnn
p"7" pessoãs? Ou ao contrário, é a pedagogia' sua concepção paradoxal que, iustamente num âmbito com essas características, as criatì-
"r4", sua modalidade e objetivos de funcionamento, a responsável
to educativo, ças surdas desenvolvam, ao mesmo temPo,
dois tipos de identidade cultural:
pelos fracassos?
dificil- por uma parte adquirem a identidade deficitária - uma vez que a mensagenì
o modelo clínico-terapêutico, e Por extensão a escola oralista, que lhes é dada é que não são ouvintes - ; e Por outra Parte, a identidadc
da nobre e acrítica
mente se propõe estas inteirogações, pois, em virtude zurda porque estão imersos e compartilham atividades com outras criatt-
civilizar, hominizar a -
tarefa que acredita desempenhar - que é desmutizar, ças e adultos surdos.
criançasurda,transformá-laemfuturoadultoouvinte_nãorevisacom Estabelece-se, deste modo, uma crise de identidade e surge uma sêric
para obter os resulta-
profirndidade os meios nem as estratégias que utiliza de problemáticas psicossociais que o oralismo não entreviu e, menos aittda,
dos que diz ou que deseia obter' resolveu.A identidade surda se constrói em relação a esta realidade diglóssica,
Porsuaconcepçãoacercadosobjetivosdaeducaçãoespecialpara que não so esfá presente na escola, mas também, alem disso, se estende ao
pedagógicas,
surdos, pode falar-se de um círculo de baixas exPectativas próprio lar da criança.
talcomooProPuseramJohnson,ErtingeLiddell(1989):oeducador
partedaidéiadequeseusalunosjápossuemumlimitenaturalemseus
7
82 Educação & Exclusão
Carlos Sl<liar (Org I Ë I

O modelo clínico-terapêutico e a classificação médica das deficiências auditivas; isso supõe a "xistêncil 'l'=
"psicologia da surdez" determinadas problemáticas que são comuns aos deficientes auditivnc
profundos, mas diferentes das dos deficientes auditivos leves, etc' lsto É,
Uma suposta e apenas hipotética psicologia da surdez poderia ter como diz Lane (1992), interpretar as diferenças como um desvin.
servido para alertar aos ouvintes sobre as drásticas generalizações e as patologizar as disparidades culturais, e não estudá-las adequadamente desde
fáceis tendências à homogeneidade da população de crianças surdas;uma uma perspectiva antroPológica, sociologica ou sócio-lingüística.
psicologia desse tipo poderia ter atuado como um mecanismo de preven- Em segundo lugar, a psicologia da surdez confunde a natureza bioló-
ção dos isolamentos comunicativos,lingüísticos e cognitivos das crianças gica do déficit auditivo com a natureza social conseqÜente ao déficit;estc
surdas e seus pais ouvintes; poderia ter denunciado os abusos e as coer- ãrro conduz à crença de que toda problemática social, cognitiva, comuni-
ções do sistema educativo oralista, embora não seja por suas conseqüênci- cativa e lingüística dos surdos depende por completo da natureza e do
as psicológicas irreversíveis; poderia ter construído, por último, um dique tipo de deftit auditivo. Por isso se pode falar de uma atribuição natural à
de contenção para as angústias pedagogicas dos professores ouvintes, que surdez e aos surdos, isto é, conferir à surdez, e sobretudo aos surdos,
desconhecem por completo a seus alunos e que, além dísso, não os reco- toda a responsabilidade pelas dificuldades que podem encontrar em seu
nhecem como adultos cultural e lingüisticamente significativos. desenvolvimento e em sua educação. Mottez (1977, op. cit') considerou
O problema é que essa psicologia não existiu nem acreditamos essa perspectiva uma obstinação sobre o déficit, produto da confusão
que possa existir. Pelo contrário, e freqüente encontrar nos textos de terminologica e conceitual com a noção de"discapacidade"r' Para Mottez'
psicologia da surdez um aval à perspectiva clínico-terapêutica: neles se a deficiência é uma manifestação biológica de um fato lesional concreto,
medível e objetivável;mas a discapacidade não é uma resultante direta
da
afirma a existência de uma relação direta entre as deficiências auditivas e
certos problemas emocionais, sociais, lingüísticos e intelectuais, que são deficiência, mas uma restrição no acesso alugares e papéis sociais, que
inerentes à surdez e comuns a todas as crianças, jovens e adultos surdos depende das medidas que cada sociedade implementa com respeito às
pessoas que Possuem uma deficiência.
do mundo inteiro. '
Os livros de psicologia da surdez definem os surdos como Mas é só a parrir do tipo e grau de deficiência auditiva, e dc
lingüisticamente pobres, intelectualmente primitivos e concretos, social- algumas variáveis a elas relacionadas - como a idade do diagnóstico c
mente isolados e psicologicamente imaturos e agressivos. Curiosamente, dã uso ou não de aparelhos para surdez - e graças a um silogiSmo
e como assinala Lane (1988), essas características coincidem com as que habitual, que se afirma que a criança sofrerá inevitavelmente conseqti-
costumavam utilizar os colonialistas europeus em suas descrições sobre ências negativas no seu desenvolvimento. E Parece não importar, Pol'
os nativos africanos. Que característica comum, que tipo de identidade, exemplo, se a criança surda vive numa sociedade periférica ou em uma
reúne misteriosamente em uma mesma categoria os surdos e os africa- sociedade central, se sua família é surda ou ouvinte, se em seu país
nos? Tâlvez seja melhor perguntar: existe alguma atitude metodológica existem medidas de prevenção primárias, secundárias e terciárias, str
comum na observação e na avaliação dos psicologos da surdez e nos as instituições educativas a seu alcance Promovem ou não as mesffì;ìs
colonialistas europeusl Lane nos adverte sobre a existência de um signifi- possibilidades pedagógicas que para os ouvintes, se os meios massivos
cativo paternalismo e racismo cultural, isto é, uma tendência a valorizar os de comunicação oferecem alternativas comPensatórias para o acesso i
surdos desde uma posição etnocêntrica, e julgá-los como culturalmente informação, como as legendas nos Programas de televisão, etc.; erì'ì
inferiores, privados de alguma característica de humanidade, carentes de síntese, essa criança surda, pelo fato de ser surda, estará, a priot-i,
funções ou de processos psicologicos superiores, etc. sempre condenada a padecer restrições.
Quais são os erros presentes nesse tipo de observação e de des- Portanto, a explicação sobre os suPostos atrasos cognitivos dos
crição dos processos cognitivos e lingüísticos dos surdos? surdos, sintetizada na célebre Pergunta: Por que os surdos não alcartç:tttt
Em primeiro lugaç a suposição de que os surdos formam um gru-
po hornogôneo, cujas únicas possívcis sLrbdivisõcs dcvcrn rcspondcr à 3Á, t",r'-ia, às rlrreis rros rt,fr.r irrros,;;io: ot;tlisttto,totttttltir,lr,.lo lol,tl c lrtlrrtl',r tt',trlt
84 Educação & Exclusão
Carlos Slcliar (Org.) 85

o pensamento abstrato? - se sustenta implicitamente na relação audi_


ção-pensamento e deixa de lado variáveis ou condições de desenvolvi_
Aplicação do modelo clínico à valoração da inteligência e da
mento íundamentais, como são o tipo de experiência educativa dos su- relação i n guagem-pensam ento das crianças surdas:
I

jeitos, a qualidade das interações comunicativas e sociais em que


partici-
param desde tema ídade, a natureza da representação social da surdez - É uma criança de inteligência normal, mas se aconselha treina-
de uma sociedade determinada e a existência da língua de sinais na famí_ mento perceptivo de posição no esPaço e exercitação de grafismos.
lia e na comunidade de ouvintes em que vive a criança, etc. - Em matemática evidencia uma ausência total de pensamento ló-
As seguintes frases, extraídas textuarmente de um estudo de his- gico, o que determinaria um futuro uso de conceitos quantitativos só ern
tórias clínicas de escolas de crianças surdas, servirão para ilustran final- nível concreto e mecanizando regras
mente, a ideologia e a aplicação implícita e explícita do modelo clínico- -A oralízação de seu pensamento se limita a situações concretAs,
terapêutico e da psicologia da surdez a diferentes processos e estrutu_ aumentando seu nível quando estabelece semelhanças entre vocábulos.
ras comunicativas, cognitivas e lingüísticas dessas crianças. Requer condução ou direção para alcançar o uso de termos abstratos.

Aplicação do modelo clínico-terapêutico à compreensão das Aplicação do modelo clínico à valoração dos Processos
supostas desvantagens matu racio nais das crian psicológicos das crianças surdas:
ças su rdas:

- A inibição da menina é tal que só faz poucas imitações de minha


- Seu desenvolvimento é um pouco inferior a sua idade cronológica,/
conduta; parece não entender minhas Perguntas, embora simples' To-
o que se daria por fatores orgânicos (discapacidade auditiva) e psicogênicos
(labilidade emocional). marei o tempo conveniente para uma maior aproximação que me Pcr-
mita fazer uma avaliação. Registro feito depois de um mês;primeira int-
- Desenvolvimento da coordenação viso-motora é inferior ao de- pressão é a de um bloqueio de tipo emocional.
senvolvimento médio de sua idade cronologica/ o que se deveria a pro-
blemas de organicidade (deficiênda auditiva) e psico-afetivos (desordem - Em reiteradas oportunidades a criança aPresenta um olhar per-
emocional). dido como se não compreendesse o docente.

- Rendimento pedagógico do aluno se vê dificultado por seu com- - É desnecessário dizer que tudo o que se deva ensinar à menitta
ponente audiógeno com componente anárquico. deve partir do concreto, da vivência,iâ que necessita de uma intens:ì
motivação para tirar sua investidura de atenção voltada ao mundo, eÍìt
caso contrário, volta-se para seu mundo interior.
Aplicação do modelo clínico à valoração da língua oral das
crianças surdas: - Quanto ao pedagógico, todo este conflito de imagens e fantasias
atrai a atenção fazendo que não renda no estudo.

-Apresenta dificuldades na organizaçáo da linguagem e na fixação


do vocabulário dado. Aplicação do modelo clínico à valoração da linguagem dos
sinais das crianças surdas:
- Sua expressão oral é muito pobre.
- Em nível oral necessita de muita explicação para chegar a com-
preender. - Recebeu chamadas de atenção pois trata em todo momento de
expressar-se com as mãos.
- Nega-se a trabalhar em língua oral.
- Na língua oral usa mal as preposições, os artigos e as formas - Não emprega gestos, pois possui uma rica linguagem oral. Co-
pronominais. munica suas vivências, mas às vezes em uma linguagem ininteligível cotn
gestos proprios; não tem quase língua gestual.
-A comunícação é boa, embora possua alguns defeitos na articu-
lação de alguns fonemas. - A comunicação com seus pares se estabelece mais desde urrr
cod igo gestual-corporal.
8ó Educação & Exclttsão Carlor Skllar (Org.) Ü7

- Se não se exige dela uma boa articulação e uma contínua exPres-


a fazer sentir seu rigor, como dissemos, aproximadamet'ìte desde l'860.
são oral, atua como se se tratasse de um surdo profundo, comunicando-se A absoluta prádominância do método oral puro, a proibição explici-
com as mãos, apesar do que lhe resta de audição. ta do uso das mãos e a inexistência de estudos científicos sobre a
língua de
sinais colocaram avygotsky, em nossa opinião, diante de uma encruzilha-
A concepção deVygotsky sobre a surdez da difícil de resolver.
e a educação dos surdos Entretanto, para aurores como Zaitseva posição deVygotsky'
( I 990), a

em relação ao problema da língua oral e da língua de sinais na educação


Estava certoVygotsky quando definiu o problema do desenvolvimen-
dos surdos,era bem clara:alíngua de sinais é o meio natural de comunica-
to e da educação da criança surda como uma das mais complexas questões dos surdos;a poliglossia - ou habili'
ção e o instrumento do pensamento
teóricas da pedagogia científìca. áade para usar várias formas de língua oral e língua de sinais e a forma -
Vygotsky começou a interessar-se muito cedo por este tema: no mais eficiente para o desenvolvimento da criança surda;a língua de
sinais
mesmo ano ( I 924) em que assombrou ao público em geral e aos mais assim como a língua oral é uma das formas mais importantes de ensinar as
renomados psicólogos presentes no Congresso Nacional de crianças surdas.
Psiconeurologia de Leningrado, compilou e fez o prólogo do livro sobre Esta versão é demasiado otimista ao menos a nosso Parecer c
-
"Problemas da educação de crianças cegas, surdas-mudas e retardadas"'
pelo material de que dispomos a resPeito -, mas se ajusta e contéttt
editado em Moscou; um ano depois escreveu o artigo "Os princípios da premissas e conseqüências logicas dentro da teoria sócio-historica
gcrll
educação social de crianças surdas-mudas". De 1928 data a maior quanti- e de alguns dos conceitos mais globais da "defeitologia" deVygotsl<y'
dade de trabalhos realizados dentro desta esfera de estudo:"4 educação Mas o que pensava objetivamentevygotsky sobre a educação dos
de crianças cegas e surdas-mudas", "Defeito e compensação" e "Bases surdos?
psicológicas para o ensino de crianças surdas-mudas", publicados no ll Por um lado,vygotsl<y criticava com veemência os métodos de ert-
Volume da Enciclopédia Pedagogica, além de outros escritos também de sino da língua oral, opinando que o ensino da linguagem ao surdo cstá
orientação "defeitológica", mas referentes a crianças cegas' subnormais, construído em contradição com sua natureza;mas tambem duvidava qttc
retardados, etc. a língua de sinais fosse uma verdadeira linguagem a serviço da formação
Naquela década de 20, os surdos e suas escolas públicas estavam sociJ dos surdos e como um instrumento Para a mediação dos processos
sumidos, segundo a percepção de Vygotsky, na mais absoluta or{andade psicológicos suPeriores'
pedagógica. A mudança esperada e proposta pelo psicólogo russo, que Sobre os mérodos de ensino da linguagem oral,vygotsl<y (1933)
consistia em transformar a simples assistência filantrópica em uma educa- dizia que:
ção verdadeiramente social, estava ainda muito longe de
produzir-se.
Mas, de acordo com Williams (1993), e especialmente com (...) sua realização requer uma extrema dureza, se baseia em uma rePrcs-
Abramov (1993),é um mito crer que a história da educação de surdos são mecânica e na proibição da mímica; serve Para aprender a pronúncia
e a articulação, mas não a linguagem' Porque dá origem a uma linguagcrtt
na Rússia começa apenas em I 9 I 7. Segundo os dados aportados por
morta, artificial, que não serve para nada'
Williams, existiam então mais de dezessete escolas Para surdos em todo
o território russo eAbramov indica que os surdos iá eram reconhecidos No que se refere ao uso da língua de sinais e/ou da língua oral
como cidadãos judicialmente caPazes e habilitados a desenvolver os desde uma perspectiva metodológica,vygotsl<y (op. cit.) afirmava que:
mesmos trabalhos que os ouvintes desde 1856, ano em que entra em
Alinguagemgestualéalínguanatural.Alinguagemfalada,aocotì.
vigor o Codigo de Leis do lmpério Russo.
trário, é inatural para o surdo-mudo. (...) devemos daç indubitavelmentc, ;t
Afastando-se do período de fundação, e ainda quando os primei- preferência àquela mais difícil e inatural: a linguagem falada. lsto se alcattçlt
ros diretores das escolas russas Para surdos se haviam formado no lns- mais difìcilmente, mas oferece muito mais. Efetivamente, mesmo qtlc a
tituto Nacional de Surdos de Paris, a forte pressão oralista iá começava mímica constitua a linguagem originária do mundo (...) deve ser abandona-

ïË;çt''$ïlt'lffil
88 Educaçio & Exclusão Carlos Skliar (Org.) 89

da, porque é uma linguagem pobre e rimitada. Esta encerra ao


surdo em um linguagem na formação dos processos psicológicos superiores e a
microcosmos estreito e restrito, constituído a partir das poucas pessoas
que conhecem esta linguagem prímitiva.
construção da intersubfetividade - e em determinadas passagens de
sua teoria "defeitológica" - particularmente aquelas vinculadas à sua
Nos primeiros trabalhos devygotsky se observa uma flutuação en- proposta de uma pedagogia compensatória, em oposição às práticas
tre as margens estreitas de um paradoxo: se não é adequado ensinar os corretivas è curativas tradicionais.Vejamos em detalhe algumas des-
surdos afalar,pois desses métodos só se obtém a articulação da fala, mas tas questões.
não a linguagem' e se a língua de sinais não é uma rínguagem prena,
em que
termos e com quais meios comunicativos e lingüísticos propor uma edu_ A aquisição, o desenvolvimento da linguagem e a formação da
cação, uma pedagogia válida para as crianças surdas? Na veràade,vygotsky intersubjetividade nas crianças surdas
modificou em parte sua perspectiva sobre os surdos e a língua dãsinais
em um trabalho posterior. Em 193 I publicou um trabalho na revistavoprosy Os surdos, ao não poderem adquirir naturalmente a língua oral por
difektologii - Problemas de defectologia
- no qual afìrma que, se é certo
que a criança surda aprende a pronunciar as palavras, também é certo
seu déÍìcit auditivo, criaram, desenvolveram e transmitiram, de geração
que em geração, a língua de sinais, cuja modalidade de recepção e produção é
não aprende a falar,a servir-se da ringuagem como meio de comunicação viso-gestual.
e
como instrumento do pensamento. Nesse trabalhovygotsky afirma que: Entretanto, e durante um longo período, predominou na lingüÍsti-
ca uma concepção logocêntrica, que identificava a linguagem com a lín-
A luta entre a linguagem orar e a gestuar, apesar de todas as boas
intenções dos pedagogos, acaba sempre com a vitória da mímica; isto gua oral e, mais especificamente, com os mecanismos de percepção c
não é porque a mímica constitua, desde o ponto de vista psicorógico, produção auditivo-oral. Esta idéia já havia sido discutida por alguns filó-
a
verdadeira língua do surdo-mudo, nem porque seja mais fácil como sofos como condillac ou cartesio (citados por Lane, 1984); inclusive
-
dizem muitos professores - mas porque ela é uma verdadeira língua em Saussure (1945) afirmou que não é a linguagem falada natural ao homem
toda a riqueza de seu significado funcional, enguanto a pronúncia oral mas a faculdade de constituir uma língua.
das palavras inculcadas artificiarmente representa só um modelo morto Só a partir dos fins da década de 50 e começos da década de 60 do
da linguagem viva. século XX, com os trabalhos de Stokoe (1960) e de Bellugi e Krima
Também neste trabalho se observa uma modificação substancial (1979), sobre a língua de sinais americana - ou ASL - observa-se um
com respeito ao que vygotsky denominava "mímica" e a seu papel na ínteresse crescente, quantitativo e qualitativo, no estudo do sistemn
educação de surdos: lingüístico utilizado pelos surdos.
Recordemos que nesse mesmo período, e no marco de uma con-
As investigações psicológicas, experimentais e clínicas demons- ferência denominada "Brain mechanisms underlying speech and language
tram efetivamente que a poliglossia, isto é, o domínio de diferentes for- ( 1965), chomsl<y, fazendo referência à língua de sinais, afirmou que sua
mas de linguagem, no estado atual da pedagogia para surdos, é uma via definição de linguagem em termos de "specific sound-meaning
inevitável e frutífera para o desenvorvimento da linguagem e da educação
correspondance" devia ser reforrnulada como "signal-meaning
da criança surda-muda (Vygotsky, op. cit.).
correspondance" (Chomsky, 1967).
De todo modo, a solução final à separação proposta entre lín- Atualmente são inumeráveis as pesquisas que avarizam o status
gua oral e língua de sinais não poderá ser encontrada em vygotsky lingüístico das línguas de sinais como línguas naturais e diferenciadas es-
se, como dissemos, se faz só uma leitura de seus escritos específicos truturalmente das línguas orais - para isso remetemos à leitura da
sobre a educação de crianças surdas, mas sim é encontrável nos prin- "lnternational bibliography of sign language"editada porJoachim e prillwicz
cípios gerais da teoria sócio-histórica em particular, nos relaciona- em 1993.
dos com a aquisição, o desenvorvimento e o paper que cumpre a o estudo das línguas de sinais constitui hoje uma disciprina da lin-
güística geral c possui um objeto de estudo e um conjunto de mctodos
90 Educação & Exclusão
C,tt.lo.. Skh,r (()r;i ) 9l

foi a que sentou uma língua que ressuscitou e goza de muito boa saúde, sobretudo sob a
proprios.A lingüística posterior ao modelo estruturalista
as bases quu ãao legitimidade à inclusão
da análise das línguas de sinais perspectiva dos surdos.
dentro de sua esfera de estudo' As línguas de sinais não são nem intrinsecamente concretas, nenl
Deacordocomostrabalhosdasúltimastrêsdécadas,sabe.seque primitivas, nem limitadas. De fato nenhuma língua natural o é; pelo con-
as línguas de sinais possuem uma estrutura,
princípios de organização e trário, todas têm a potencialidade de exPressar o coniunto de significa-
mas a forma superficial em dos do mundo interior e exterior de seus usuários. O pensamento dc
proprìedades formais similares às línguas orais,
viso-gestual' o uso Vygotsky de que a língua de sinais só permite as mais vagas definiçõcs
que'se manifestam está influenciada pela modalidade
jo com valor sintático e topográfico e a simultaneidade
dos aspec- objetivas e concretas, mas não conCeitos e imagens abstratas, Parece
"rpuço esse tipo de mo- supor a existência de uma relação implícita e direta entre os limites da
tos gramaticais são algumas das restrições impostas Por
dalidade e determinuà ,r" diferença em relação
às línguas auditivo-orais' língua de sinais e os limites no Pensamento dos surdos. Seria mais apro'
Alinguagempossuiumaestruturasubjacente,independenteda priado e justo separar essas duas questões: uma coisa é a potencialidadc
ou viso-gestual' A lín- expressiva de uma língua e outra, muito diferente, o estado cognoscitivo,
modalidade de expressão, seia esta auditivo-oral
canais diferentes, mas igual- informativo e cultural, no qual se encontra quem usa essa língua. Sc os
gua oral e a língua de sinais constituem dois;
da capacidade da lin- surdos foram excluídos de aprendizagens significativas, obrigados a ulna
mente eficientes para a transmissão e a recePção
guagem;são, de fato, mecanismos semióticos
equivalentes' Deste modo' prática de atividades sensório-motoras e PercePtuais, mas não de cort-
alinguagemdeveserdefinidaindependentementedamodalidadenaqual teúdos de abstração, se foram impedidos de utilizar a língua de sinais ettt
se expressa ou é recebida' todos os contextos de sua vida, então nada têm que ver os surdos ncltt
Nomomentoemquenumerosaspesquisasdemonstraramqueaslín- a língua de sinais com as suPostas limitações no uso dessa lÍngua, na
as línguas naturais' aquisição de conhecimentos e no desenvolvimento de seu Pensamerìto.
guas de sinais cumprem todas as funções descritas Para
ainda segue presente uma firme tendência
à sua desvalorizaçáo,iulgando-as Não e a natureza restrita da língua de sinais a causadora das limitaçõcs
comoumamisturadepantomimaedesinaisicônicosqueseexPressam' dos surdos, mas as razões sócio-educativas que levaram os surdos a tet'
assinala Fromkin ( 1988)' que usar sua língua só em ambientes específicos e sob certas condições,
simplesmente,através domovimento das mãos.como
à crença errada de que se trata Dito de outro modo:se aos surdos foi negada historicamente sua idcrt'
a ignorância sobre a língua de sinais conduziu
de um sistema baseado na substituição de cada
palavra ou de morfemas da tidade e sua língua, seria um simples reducionismo acusá-los de ter lirni-
tações em seus processos psicologicos superiores.
línguaoralPorUmsinalequivalente.Essespreconceitosimpuseramumares-
nas discussões acadê- Pode-se afirmar, sem temor, que Vygotsky concordaria com estas
triião uo estudo lingüístico da língua de sinais. De fato,
micas, foram desprãzada, ou, no melhor
dos casos, consideradas "pidgins" idéias, pois, de fato, as propôs originariamente em sua formulação par';r
e não verdadeiras línguas' uma psicologia transcultural e, inclusive, as explicitou Para outros casos
t""
orimitivos
"È-;":riu"r
que Vygorsl<y fez sobre as línguas de de crianças com déficit diferente do da surdez.
quu a descrição
sinais, as quais defìniu como sistemas pobres,
primitivos e limitados, seia Ao superar este lugar comum, toda a conceitualização que fizcsse
aPenasProdutodocontextohistóricoecientíficoemqueviveu_eque Vygotsky sobre o papel que cumpre a linguagem - mas não a língua ornl
e não um problema intrín- como instrumento de regulação cultural e como eixo paradigmático do
neste caso talvez não tenha podido suPerar -
seco, específico dessas línguas'
desenvolvimento dos processos psicologicos superiores, pode ser pct'fei-
opini-
com o material de qie se dispõe atualmente, e se subsistem tamente aplicável aos surdos e a sua língua de sinais.
podem e devem ser Mas primeiro se deve resolver outra questão: as crianças sttt'clas
ões similares às de outros temPos, tais pareceres
com têm um acesso direto, natural, à linguagem e à língua de sinaisl Mestrto
considerados como vulgares preconceitos relacionados,simplesmente'
que seja difícil dar uma resposta global a essa interrogação, pelas difercrr*
a ignorância.
condenada desde um tes condições socio-lingüístico-ambientais em quc cresccm as criarrçns
Se paraVygotsl<y (1933, op' cit') a mímica estava
surdas, c nccessário csclarccer quc:
Pontodevistacientíficoesocial,agorapoderíamosdizerquesetratade
92 Educação & Exclusão C;rr lo., Skll,rr (Or1i ) 91

surdos da faculdade ralmente corretos das fraseS e, embora aqui, geralmente, Pareça fertrtittat'
- a surdez, como déficit biologico, não priva osoral; toda expectativa didática, só então se propõe avançar em direção a outros
da linguagem, mas total ou parcialmente, da língua
--asurdezpodecriar,edefatocria,situaçõesatíPicasnoProcesso domínios da língua oral.
de aquisição e desenvolvimento da linguagem' Por todas estas razões, repito, Vygotsl<y (1978) afirmava que o
AquestãodoacessoàlinguagemPorPartedascriançassurdasé resultado do ensino da língua oral aos surdos não foi outro que o dc
e de sua adequa- uma linguagem morta.
um dos problemas mais críticosìa pedagogia especial,
da análiie depende grande parte ias ProPostas e
o cumPrimento de
qualquer objetivo edúcativo. E imprescindível distinguir
quais são as con- As condições de acesso das crianças surdas à língua de sinais :

jiç0", e as variáveis que fazem com que os surdos Possam'não possam em relação ao ambiente familiar
ousóofaçamtardiamente,teracessodeformadiretaàlinguagem'
língua oral como Paraa Só 4% ou 5% das crianças surdas - segundo as estatísticas internacionais
Vejamos algumas dessas condições,tanto Para a
língua de sinais. - nascem e se desenvolvem em seus primeiros anos de vida dentro de ttma
família com pais surdos.Tal como o demonstram diferentes estudos (por'
As condições de acesso das crianças exemplo, Erting, Prezioso y O'Grady Hynes, 1990;Acl<erman, Kyle,Woll c
surdas à língua oral Ezra, 1990), centrados na análise e na descrição das primeiras interaçõcs
comunicativas através da modalidade viso-gestual, as mães surdas - que usÍìlìì
Ascriançassurdas,peloseudéficitauditivo,nãopodemserexPostas uma língua de sinais como primeira língua - se identiÍìcam como membros clc
nem estâr imersas dentro da língua oral;existe, de fato, um obstáculo
fisio- uma cultura surda e esperam de seus Íìlhos um desenvolvimento lingiiístico-
lógicoParaqueissoocorra.Paraeles,alínguaoralnãoéumaprimeira cultural similar. Das interações analisadas nesses estudos, se depreende quc íls
que lhes é oferecida' mães surdas utilizam um conjunto de estrategias, Para atrair e manter a atclì-
líniua, embora seia a primeira, e inclusive a única'
surda entre em ção visual de seus filhos, semelhante ao utilizado pelas mães
ouvintcs cottt
Toãos os esforços que se realizam para que uma criança
contato com essa língua são limitados funcional e estruturalmente'
defasa- seus fìlhos ouvintes; inclusive, também se detectaram modifìcações sistenráti-

dos com respeiro aJritmo de aquisição habitual, cognitivamente


inaceitá- cas na produção de certos sinais,que as mães realizam parafazer mais tl'Íìlls'

veis e eticamente discutíveis. Existem claras barreiras


comunicativas' didáti- parente e para ajustar o processo de compreensão comunicativo e lingi.iÍsticcr
cas,lingÜísticasecognitivasquefazemdestapráticadeensinoUmtiPode de seus íìlhos surdos.
aprendiragem ineficiente e insuficiente. Por isto se
deveria Perguntar' como Assim, é possível definir os filhos surdos de pais surdos colÌìo
(op.cit'),se quem ensina a língua oral discerne ou membros reais de uma comunidade lingüística: seu Processo de aqtrisi-
1á o haviaêitoVygotsl<y
equivalentc, crÌì
não o ensino da fala do ensino da linguagem. o excessivo
receio pela produ- ção da língua de sinais e sua imersão na cultura surda e
surdas, somada à tempo e forma,a toda aquisição de uma língua natural e a todo Proccsso
tividade ou efetividade nas expressões orais das crianças
obsessiva atenção sobre a estrutura superÍicial da
gramática da língua' são de imersão cultural que realiza qualquer criança em uma comunidadc
apenas dois dos vários reflexos negativos que
este modelo de aprendizagem determinada.
origina.MasoproblemafundamentalresidenoProcessoenapropriaor. Entretanto, a maioria das crianças surdas -95% ou 96% - não tcttt
dem do ensino: a forma de apresentação da língua oral às
crianças surdas é a mesma possibilidade que os filhos de pais surdos; pelo contrário, cssas
hierarquicamente incorreta, assumindo um movimento
didático oPosto ao crianças crescem e se desenvolvem dentro de uma família ouvinte, r;tttr
que se entende deva ser um processo de aquisição
de qualquer língua. De geralmente desconhece, ou, se conhece, reieita a língua de sinais'
acordo com Bruner ( I 984), uma criança deve primeiro
saber Para que serve A desvantagem dos surdos fllhos de pais ouvintes percebc-sc ií
uma língua, conhecei os s'rgnificados que fazem referência
ao mundo e, Por em nível das primeiras interações comunicativas' Estas interaçõcs apt'c-
último, organizar as formai corretas de construção
gramatical. No ensino sentam algumas características críticas, originadas pelo tipo dc ittfot'ttta-
os modos estrutu- ção qLre os pais rcccbem durante c dcpois do diagnostico
dc strrdcz dc
tradicional as crianças surdas devem conhecer primeiro
94 Fdrrcaçilo & Exclrrsío
(-arlo3 )l(llar (urt'l tt

seus filhos, e que modificam substancialmente de ouvintes sugerem que estes úrltinros rrecessitatn itnpct'iosallìelìte
dc tllìì
o curso natural de suas
expectativas de comunicação - sobretudo no que se referem às modali- contato previo e efetivo com os membros reais da comunidade surda;pot'
dades de expressão e ao momento em que essas evoluem. isso é necessário prever e organizar creches com Pessoas surdas, ctti:t
Muitos pais ouvintes - devido a sugestões de certos profissionais clíni- tarefa específica seja, justamente, a de oferecer à criança surda um ambi'
cos-terapêuticos e por falsas representações sociais tendem a condícionar
- ente apropriado para o estabelecimento dos formatos de interação comu-
o contato comunicativo com seus filhos surdos à aparição de respostas nicativos e o conseqüente desenvolvimento cognitivo e lingüístico Plerìo
crian-
auditivas e orais, e não dão atenção aos indícios comunicativos visuais. (Sanchez, 1992).Se não se organiza adequadamente o acesso destas
uso restringido a
criam-se, assim, formatos de interação formais e rígidos, atípícos ias à língua de sinais, seu contato será tardio e seu
negativas que isco
iráticas ãomunicativas parciais, com as
de uma relação criança - figura de criação habitual;e por isso se torna conseqüências
impllca para o desenvolvimento cognitivo, e, sobretudo, Para o acesso
à
tão árdua a recuperação conjunta da informação passada e a proposra
de nova informação;como conseqüência direta, a maioria dos comentá- informação e ao mundo de trabalho.
rios comunicativos e lingüísticos convertem-se, como já assinalaram
Schlesinger e Meadow (1972),em temas de referência visual, em conver- As condições impostas pelos sistemas de comunicação
sas do aqui e agora. criados artiÍicialmente pelos educadores e terapeutas ouvintes
Entretanto, é difícil imaginar que os pais ouvintes que não aceitam
as línguas de sinais renunciem a toda forma de comunicação com seus Alérn das condições de acesso que revisamos, relativas à língr-ra ol'rl
filhos surdos. Por isso, independente do sigiloso controle de certos pro- e à língua de sinais em ambiente lingüístico onde nascem e se
desenvolvcttt
fissionais, muitos pais criaram e desenvolveram um sistema de comuni- as criãnças surdas, existem condições comunicativas artificiais imposras
cação gestual com seus filhos surdos. Estes sistemas
- por mais que se de fora. Refiro-me especifìcamente aos sistemas de comunicação criados
pclos
insista em descrever e pesquisar sua notável complexidade semântica e od hocpor alguns teraPeutas e/ ou educadores ouvintes, e também
gramatical - não conduzem a criança surda a um processo formal de professores que os usam involuntariamente, Por não haverem aprerrdido
I
aquisição de informações lingüísticas e socioculturais. Só possuem um iingu" de sinais de um modo natural,talvez com a intenção de melltot'nr a
cltls
alto grau de interesse para a psicolingüística evolutiva, pois revelam e situação comunicativa deles mesmos na aula, mas não, seguramente, A
são uma prova indireta do papel fundamental que desempenha o input próprios surdos. Nenhum desses sistemas, seiam facilitadores Para o I'c'
lingüístico na aquisição da Iinguagem. con'hecimento de palavras, de letras, etc., ou mecanismos intermediárior
os dados de diversos pesquisadores (por exemplo, GordinMeadow entre a língua oral e a língua de sinais - como os idiomas de sinais erÌì s(la\
& Morford, 1990; Pereira & Lemos, 1990; GoldinMeadow e cols., 1994, múltiplas versões - demonstram alguma vantaSem comunicativa, lingti Ísti-
ca e cognitiva, em comparação com o uso direto e pleno da língrur
etc,) demonstram que crianças surdas expostas a esses sistemas utili- dtr
zam, durante o primeiro e segundo ano de vida, uma grande variedade sinais. Pelo contrário, e como revelam Johnson, Erting e Liddell (op' cit')'
lingriísCicns,
de gestos de indicação e gestos reíerenciais, e que chegam, inclusive, a esses sistemas Provocam maiores confusões nas mensagens
combiná-los; mas é só muito mais tarde, ao redor dos quatro anos de menores possibilidades de acesso à informação, e, sobretudo, se transfotr
idade, que podem combinar dois gestos referenciais e, ainda assim, tais mam em verdadeiros obstáculos Para que as crianças surdas adquiraltt :l
combinações não parecem ser muito freqüentes. língua de sinais de sua comunidade.
As conseqüências destes limites interativos podem provocar, e de
fato provocam com freqüência,estruturas de isolamento psicológico nas lntersubjetividade e interações entre surdos
crianças surdas, inclusive muito antes de seu ingresso na escola especial. e entre surdos e ouvintes
Por todas essas razões dizemos que as crianças surdas filhas de pais
ouvintes são membros potenciais de uma comunidade lingüística. Em boa parte da literatura sobre os surdos persistern ainda lroic:
os dados comparativos entre filhos surdos de pais surdos e filhos fáceis metáforas acerca de uma suPosta cultura do silêncio, sobrc a csct'l-
9ó Edrrcirçilo & Exclrtslo r Clarkrr Skll,rr (Org ) 97

ridão das mentes sem linguagem, o mistério que produz a comunicação O conceito dc internalização cit.) irlplica a cxistôtt'
(Vygotslcy, op.
entre os surdos, etc... Percebe-se nesses Pouco criativos recursos Poeti- cia de mecanismos tais como a reconstrução interna de uma açãcl/opc'
cos a impotência e a inefìciência do mundo dos ouvintes Para comPreen- raçáo inicialmente externa, a transformação de um Processo interPcssoill
der um mundo diverso do seu próprio (Maxwell, 1985). em intrapessoal e, este último, como reflexo de uma longa série dtr
Por isso Baker e Padden (1978) e Padden ( 1980) propõem diferenci- acontecimentos evolutivos. A internalização é um Processo que influi
ar a surdez audiométrica/audiológica - à qual fazem menção os ouvintes diretamente na transformação dos fenômenos sociais em fenômcttos
quando se referem aos surdos - e a surdez atitudinal - que é um produto psicologicos.
dos processos culturais de identiÍìcação entre os PróPrios surdos. A noção de zona de desenvolvimento Proximal constitui uma utilizaçÍo
Resulta óbvio dizê-lo, mas, além dos críticos Processos de intera- prática da teoria sobre as relações entre Processos inter e intrapsicologicos;
ção entre surdos e ouvintes, existe uma interação normal dos surdos prática, pois reflete a intenção deVygotslçy Para resolver problemas coÍìcl'c-
entre si. É claro que para considerar normal o conjunto de interações tos da educação e, mais esPecifìcamente, Para solucionar a crise dos sistctttnr
entre surdos é necessário pensar, primeiro, que os surdos são indivídu- de avaliação das capacidades mentais das crianças, baseada somente nas hlbi-
os normais e, depois, que as interações normais não supõem inexoravel- lidades intrapsicológicas, individuais, e esquecendo o plano interpsicológico rlit
mente o uso da língua oral. formação e desenvolvimento intelectual.Vygotsl<y defìne azona de deserrvol'
E um dos supostos mais imPortantes da teoria socio-histórica do 'i vimento proximal como aquelas funções que se encontram em proccsso rlt'
psiquismo para explicar a orisem, o desenvolvimento e o funcionamento maturação, mas que ainda não amadureceram.
da mente humana, é o da ação mediatizada por mecanismos semióticos. Essas funções se encontram em um estado embrionário de dcsctt-
Tanto Vygotsl<y como Bakhtin (veja Blanck e Silvestri, 1992 e Wertsch, volvimento. A importância dos Processos intersubjetivos adulto-cl'ialìçiì
1993) sustentam que, Para entender a mente humana, é imprescindível na aprendizagem e na interiorizaçáo dos aspectos formais e inforntais rltr
compreender quais são os mecanismos semióticos utilizados para media- conhecimento foi amplamente estudada em crianças ouvintes (RogoíÍ &
do funciona-
ção das ações e afirmam, ao mesmo temPo, que grande Parte Wertsch, 1984; Moll, 1990;etc.), e só recentemente entre adultos e ct-i;ttt-
mento da mente está diretamente relacionado com Processos comunica- ças surdas.As notórias dificuldades que encontram
as crianças surdìs crìì
rivos específicos. Recordemos que ParaVySotsky (1978) as funções men- sua comunicação com crianças e adultos ouvintes e suas conseqiiôrtc:ills
tais se originam esPecificamente em Processos comunicativos e sociais. no plano cognitivo dirigiram a atenção ao PaPel que cumPrem outros stlr,
Wertsch (op. cit.) inclui o conceito de vozes, para referir a existência de dos no processo de conhecimento das crianças surdas.
várias formas de representação dos acontecimentos e dos objetos em Nossos trabalhos (Sl<liar, |1987; 1990; 1992) orientaram-se Ììcssr
situações determinadas. O conceito de vozes se opõe Por comPleto às última direção, levando em conta, além disso, e como o fezTudge ( I 993)'
hipoteses etnocêntricas sobre a existência de melhores formas de atuar, oS processos de colaboração entre Pares e não somente com adttltos'
de comunicar e de pensar. Analisamos o efeito cognitivo e lingüístico que Produz, nas açõcs rlas
A origem social das funções mentais no indivíduo foi descrita por crianças surdas, determinadas modificações Provocadas dentro de ccl:
Vygotsky (op. cit.) através da lei genética do desenvolvimento: toda fun- tos contextos comunicativos, a Partir da inclusão diferenciada de acltrl-
ção aparece duas vezes no desenvolvlmento sociocultural da criança;em tos e ouvintes ou de pares e adultos surdos. A metodologia utilizada
primeiro lugar, em um plano social, entre Pessoas, sob uma dimensão para tal fim foi a de avaliar em duas oPortunidades a cada criança sttt'tl:l
interpsicológica; e, em segundo lugar, em Plano psicológico, na própria
- de uma amostra de mais de noventa crianças de três anos e seis lÌresc\
criança, sob uma dimensão intrapsicológica.A essa lei genetica sobre o até nove anos e seis meses - em atividades de jogos e de formação clc:
desenvolvimento vinculam-se outros dois conceitos, que se relacionam conceitos. Na primeira oPortunidade, a avaliação era realizada por :rclttl
com a análise que faremos sobre as interações entre surdos e entre tos ouvintes que não conheciam ou conheciam só parcialmente a lítlgtr;r
ouvintes e surdos: o da internalização dos processos psicológicos supe- de sinais; na segunda, o desenho do contexto mudava radicalrncntc: sc-
riores e o da zona de desenvolvimento proximal. gundo a natureza da atividade cognitiva,a criança surda era avaliada dett-
Í EÍltrílurrl
L-.rlilrr.
tro dc utÌì grupo de pares ou cada o'iartça realizava as provas ctlt c'rtttitttt- cr-a rlc diálc4io,rlcrrtro cotìtcxt() dc nção olldc stl tltiliuavl;l lìì('\lìl,l
cJc rrrrr
to com outra criança surda em melhores condições cognitivas. Ëstcs lírrgua, a lirrgrra clc sinais.Tratava-se, rìcstc caso, dc ttt'n trtodclo dc itttct'ltç;lrr
estudos tentavam demonstrar não so que as capacidades das crianças não-dirctivo c particiPativo.
sUrdas evoluem quantitativamente ao Passar de um contexto Pouco co- Que efeitos comunicativos, i ngü ísticos e cognitivos Provoc;ì ra lÌì n
I

municativo a outro rico em interações significativas Para ela, mas tam- passagem das crianças surdas Por estes dois contextos de avaliação difc-
bém em precisar mais qualitativamente qual era a natureza interna des- rentes?
sas modificações.Assim, a análise centrou-se sob três níveis de mudan- No primeiro contexto,as crianças não utilizaram a língua dc sittais,
ça:a dimensão de mudança do contexto comunicativo,o plano de modi- apenas a modalidade oral; mas o faziam simplesmente Para solicitat' cs-
ficação da competência cognitiva e o nível de transformação lingüística. clarecimentos sobre os enunciados orais do adulto ouvinte, dar rcspos-
Resumiremos as conclusões mais relevantes dessas pesquisas. tas do tipo sim/não às perguntas formuladas pelo avaliador, para vocalizat',
como um acompanhamento da ação de iogo ou, Por último, Para a Prov;l
A dimensão de mudança do contexto comunicativo' de formação de conceitos, para etiquetar alguns objetos ou traços p;ìr'ti-
lingüístico e cognitivo nas interações culares de objetos. Neste contexto, os adultos ouvintes intervirtltattl
criança surda-adulto ouvinte e criança surda'Pares surdos fundamentalmente para pedir, corrigir, dar exemplos corretos' most'r;ìr'
modelos terminados e determinados de ação, etc.
As crianças de nosso estudo foram localizadas em dois contextos No segundo contexto,ao contrário,todas as intervenções registrarht
comunicativos altamente diferenciados, dentro dos quais desenvolviam, foram na língua de sinais, e se utilizaram Para: ProPor uma determittatl;t
e se avaliavam capacidades específicas do jogo a substituição de obietos ação ou orientação da atividade, comPartilhar ou estar em desacordo
e a planificação de seqüências - e de Processos conceituais - especifica- com propostas, e para regular a atividade, isto é, com o obietivo de olgn-
mente, a formação de enlaces lógicos. nizar algum aspecto da ação. Os adultos surdos,'neste contexto, realizn-
No primeiro contexto, como já foi dito, seguia-se um modelo de vam intervenções Para dar pistas, Potencializar a atividade, sugerir c Pl'c)-
interação adulto ouvinte-criança surda, reflexo das condições habituais de por situações problemáticas, etc.
comunicação nas quais se encontra a maioria das crianças surdas.Todo o Do ponto de vista cognitivo as modificações do contexto de av:rli-
processo de avaliação era resPonsabilidade do adulto ouvinte, tanto na pla- ação originavam mudanças importantes na natureza e no tiPo de açc1es
nificação da experiência, na decisão de quais objetos e/ou materiais se inclu- de jogo e conceituais. As tabelas ( l) e (2) mostram, como exemplo, ;ts
íam na avaliação, como na forma de julgar a ação da criança surda.A situação diferenças encontradas nos dois contextos traçados, a caPacidade dt:
da criança surda era de virtual isolamento Porque não parcicipava do pro- substituição de objeto durante o iogo e da prova de formação de concei'
cesso de avaliação a não ser em nível de suas ações e nas resPostas e co- tos - em teste de classificação de objetos da vida cotidiana.
mengários lingüísticos que Ihe eram solicitados;tinha escassas possibilidades
de escolha de objetos e, sobretudo, percebia que o adulto avaliador não
levava em conta sua modalidade particular de comunicação. Em síntese, se
tratâva de um modelo de interação diretivo e não participativo. O segundo
contexto assumia características oPostas, iá que a responsabilidade no Pro-
cesso de avaliação era o resultado de várias linhas de avaliação: a do adulto
surdo com a criança surda avaliada, a da criança surda com seu grupo de
pares ou em duplas e, por último, a de outros surdos com o adulto surdo.A
elaboração da experiência, a decisão de quais elementos incluir e o modo
de julgar aaçáo dependiam agora de um coniunto de intercâmbios comuni-
8q
c:l o
o
oã c(l
í)$
cativos, cognitivos e língüísticos. Por isso a situação da criança surda avaliada rO

Editora Mediação Editora Mediaçiio


I00 l-rlttr:rç:t<t & f.xt.lrtsí<r
( ;rt los Skli;rr' (()r1i ) I0l

crianças fixem sua atenção só Íìa sttrdez. Essc estigma ô estabclccitlo


100
pelos ouvintes ao explicitar-lhes que são deficientes e que fariant bcttt
80 em ser iguais a eles aprendendo a falar'
Tabela (3):Análise qualitativa da atividade de iogo e de formação ric
60
conceitos em relação aos contextos de avaliação

contexto A Atjvidade de Jogo Atividade de form ação de concoitrli


a--
)loo o
."õc o Contexto B de Contexto B do
rí) (o (g c
(! Contexto A de Contexto A de avaliação
F- avaliação
@ avaliação araliação
Criança surda - Criança surda
Criança surda - Criança surda -
Adulto surdo - Adulto surdo Grtrlx
como se percebe, o impacto cognitivo.Produzido pela modificação Adulto ouvinte
Grupo de pares
Adulto ouvinte
de pares

dos contextos foi notável.As crianças Pareciam inibir suas caPacidades de Breve exploração e Prolongada cxlrlot rçfu
Exploração prolongada
substituição de objetos ou de formação de enlaces categoriais quando a
Breve exploração do contemplação do e contemplrçio rlo
material de jogo. do material de jogo. material classifir ;ttr'rt lr r
materíal classifi catório.
situação de avaliação não lhes favorecia - contextoA - e as Potencializavam
quando se encontravam dentro de contextos interativos signiÍìcativos Para São necessários
Os comandos não são Repetíção e ajuste de
Comando irtici:tl p.tt,r
necessárÍos para o comandos para a
eles contexto B.A tabela (3) mostra as diferenças qualitativas mais impor- comandos Parà o início
início da atividade do compreensão e início
comprecnsão c
da atividade de iogo. começo da arivirl.trle
tantes no processo temPoral da pesquisa realizada,tanto Para a avaliação da iogo. da atividade.

atividade de jogo como Para o Processo de formação de conceitos. A atividade A atividade


VeriÍìcam-se períodos de A atividade é
Que conclusões podemos extrair a Partir destes dados? As crian- classiÍicatória procede classificatór'i:r lrt ot r,rle
inatividade. Permanente. por genariìli7rç.i(r.
objeto por objeto.
exemplos de subs-
ças surdas são aquelas que só podem realizar Poucos
Não se verificam
iituições de objetos durante o jogo, e, Portanto, deveríamos defini-las Tendência ao uso
instrumentâl dos
Tendência ao uso
processos de
Veriíicam-sc l)l (,( ('ì',r "'

como cognitivamente imaturas? São aquelas cuias capacidades Para rea' simbólico dos objetos. de autocorfcç;1(),
objetos. autocorreção.
lizar categorias lógicas estão naturalmente diminuídas? E claro que esta Predomínio do uso dos Predomínio da PredomÍnio rl;r
descrição se aiustaria Por comPleto ao modelo clínico-terapêutico da objetos segundo sua Predomínio da advidade perceptual atividadc cottr t'iltt,tl
sobre a atividade sobre a ativirlarlc
surdez;se apenas se considerassem as ações que as crianças surdas cum- íunçáo real na vida substituição do objeto.
cotidiana. conceiti ual. pe rce ptual.
prem com os adultos ouvintes, fecharíamos o círculo conceitual que de Atividadc sc<liicrrr lrl
Escassa atividade Atividade seqüencial Escassa atividade
iorm equivocada preocupou a audiologia e a psicologia da surdez. seqúencial. permanente. seqúe ncial. Permancntc.
Mas o que significa o fato de que as crianças surdas aumentem Prevalecc a
Prevalece a
seus processos e suas ações comunicativas,linsüísticas e cognitivas, quan- Prevalece a ação sobre Prevalece a ação sobre
comunicação sobre a comunicação solttr',r
a comunicação. a comunicação.
titativa e qualitativamente, quando se encontram dentro de um contex- ação. ação.

to com adultos e pares surdos? Se a zona do desenvolvimento proximal Estratégias li ngüísticas


A ativida<lc littliiilrttr,t
de catcgorizaçro:
se obtém somente através de uma interação significativa Para a criança, re I aci onadas
Estrategias I ingüísticas
A atividade lingüística é
denominação rlt'
descontextual ízadas do
admitiremos que para as crianças surdas essa interação e com outros estriumente com o presente.
de etiquetamento.
classes c rlc tt'l,tt,r,t'l
contexto.
surdos e não com ouvintes? Que conseqüências educativas, sociais e
caccgoriais.

lingüísticas se derivariam desta aceitação? Compartilha-se a


Dependência à
Conrpartillr:r st:
Dcpcrrdôncia à obscrvaçio r. r
Não concordamos com vygotsl<y (1933) quando afirma que um obscrvação c valomção
observação e valoração
coln o arittlco surdo c
observação c valoração
valor;rçlìo r ortt o,ttlttll
ambiente de crianças surdas acentua a deficiência ou faz com que estas <lo l<lttlro ()tlviÍìt(Ì. rlo rrlulto ouvirìtc.
o rlruno srrlrlo r: o l);Ìr'!tttrIt
!1q1' *.
102 Edrrcnçllo & ExchrsÍo

Por isso, em primeiro lugar, surge a necessidade de outro modclo antrla a dcíiciôlrcia cpcrrnitc cpt(ì os strt'dos cottsigaltt,cttLlio, tlllÌ;1 (.()lìÌll
explicativo sobre a surdez e a criança surda;um modelo no qual o deficit nidadc lingüística rninoritária difcrcrrtc c trão utn dcsvio da tlortrtalidlclc.
auditivo não cumpra nenhum papel relevante, um modelo que se origine E necessário esclarecer, levando em consideração o quc foi cxpos:
e se justifique nas interações normais e habituais dos surdos entre si, no to antes, que a comunidade surda, como dissemos, está formada só por
qual a língua de sinais seja o traço fundamental de identificação surdos. Os ouvintes envolvidos ideologicamente com a comunidadc
sociocultural e no qual o modelo pedagógico não seja uma obsessão
*
filhos ouvintes de pais surdos, especialistas ouvintes não PerteÌìcclìì iì
para corrigir o déficit mas a continuação de um mecanismo de compen- ela, constituem aquilo que Massone e Johnson (1991) chamam as corÌìtl-
sação que os próprios surdos, historicamente, já demonstraram utilizar. nidades de solidariedade.
Assim como em todo gruPo humano, na comunidade dc sttt'd1ls
O modelo sócio-antropológico da surdez existem dois níveis de organização: de um lado, o nível instituciotrrl
associações ou clubes - e, de outro, o agruPamento esPontâneo co-
Foram duas observações que a partir da decada de 60 revaram ou- munidade surda. Estes dois níveis nem semPre coincidem na rcalidltlcr
tros especialistas - como antropologos,lingüistas e sociólogos a interes- social. Os surdos podem Pertencer a uma determinada associação,lltil5
-
sar-se pelos surdos, e que originaram uma vióão totalmente oposta à clíni- de fato pertencem à comunidade surda já que é característica lrcles it
ca, uma perspectiva sócio-antropologica da surdez. Por um lado, o fato de mobilidade. Participam, pois, de atividades desportivas, sociais, r'cli11icr
que os surdos formam comunidades cujo fator aglutinante é a língua de sas e culturais que envolvem a comunidade em sua totalidade. os litttitcs
sinais, apesar, como se disse, da repressão exercida pela sociedade e pela da comunidade excedem, inclusive, as fronteiras geográficas. Cotrto ctt
escola. Por outro lado, a confirmação de que os filhos surdos de pais mentam Behares e Massone (1994),a experiência social da surdcz t'cln
surdos apresentam melhores níveis acadêmicos, melhores habilidades para ciona-se mais com vínculos horizontais interpessoais entre surdos e;ttt'
a aprendizagem da língua oral e escrita, níveis de leitura semelhantes aos com uma filiação vertical institucional.
do ouvinte, uma identidade equilibrada, e não apresentam os problemas É necessário retomar a concepção de Schein (1968) sobt'c it t'rr
sociaís e afetivos próprios dos filhos surdos de pais ouvintes. munidade surda:ela também reflete e integra as forças do grttpo cxt('l
os surdos formam uma comunidade tingüística minoritária carac- nO, OuVinte, em Sua ConCepção de Si meSma, aSSim CO6O rcpl'csclìl,l
da sttt'clcr' t'ttt
terizada por compartilhar uma língua de sinais e valores culturais, hábi- ções sociais e crenças que a sociedade constrói a respeito
tos e modos de socialização próprios. A língua de sinais constitui o ele- geral,e do surdo em particular.Se aPenas se levassem em conta AS c()ll\
mento identitário dos surdos, e o fato de constituir-se em comunidade truções intragrupais positivas, se explicitaria um modo simplcs dc tlcr
significa que compartilham e conhecem os usos e normas de uso da crever as variáveis críticas e os variados fenômenos que ocorl'cllì ;l()
mesma língua já que interagem cotidianamente em um processo comu- redor da vida e de experiência dos surdos. Os traços negativos 1x)r'
nicativo eficaz e eficiente.lsto é, desenvolveram as competências lingüís- exemplo, a surdez como condição patologica Presente na socicrl;t<lt'
tica e comunicativa - e cognitiva por meio do uso da língua de sinais ouvinte e no discurso médico e no oralismo, assim como tarnbeltt, tr
própria de cada comunidade de surdos. prestígio do falar - e os traços positivos semPre interagem na cotnttrtirl;t
A comunidade surda se origina em uma atitude diferente frente ao de surda. De fato, o uso da língua de sinais se converteu em uma fct't';t
déficit, já que não leva em consideração o grau de perda auditiva de
seus menta de poder na rePresentação intragrupal, mas também em ttttt:t cvi
membros. A participação na comunidade surda se define pelo uso co- dência do fracasso na rePresentação ouvinte do grupo surdo. Pot'issrr
mum da língua de sinais, pelos sentimentos de identidade grupal, o auto- Cuxac (199 l) prefere utilizar o termo contracultura Para a cotnttttidrrlt'
reconhecimento e identificação como surdo, o reconhecer-se como di- de surdos,isto é,uma cultura que opõe valores e usa uma língua colìll,l
ferentes,os casãmentos endogâmicos,fatores estes que levam a redefinir rla à cultura dos ouvintes.
a surdez como uma diferença e não como uma deficiência. pode-se
di- Mas e tão poderosa a força externa da sociedade ouvitttc (ltlc,l
zer' portanto, que existe um projeto surdo da surdez.A língua
de sinais propria estrutura da língua de sinais muda segundo padrõcs sintáticos
I 04 Educação & Exclusão Carlos Skliar (Org.) 105

ou gramaticais da língua oral. De fato,todas as línguas de sinais mostram comunidades desempenhando na aula papéis pedagógicos diferentes.
interferências lingüísticas por constituir situações de línguas em contato. Mesmo assim, constitui um lugar comum nas pesquisas e ainda na
Os membros reais da comunidade surda atuam como agentes pedagogia o fato de que as crianças bilíngÜes Possuem uma percepção
socializadores da língua e da cultura no contexto da comunidade e das metalingüística que influi positivamente no rendimento escolar. O argtt-
escolas especiais. As escolas especiais constituem o microcosmos de mento consiste em que o bilingüismo se traduz em um aumento das capa-
emergência da identidade surda e de aquisição da língua de sinais. cidades metacognitivas e metalingüísticas que, Por sua vez, facilitam toda
A comunidade surda está isolada lingüística e culturalmente da co- aprendizagem lingüística e conduzem a melhores desempenhos escolarcs'
munidade majoritária ouvinte, mas está integrada economicamente como Por aptidões metacognitivas se entende a possibilidade de monitorar os
na maioria das sociedades industrializadas do mundo (Massone eJohnson, processos de compreensão, e por aptidões metalingüísticas a capacidadc
op. cit.). Esta realidade se evidencia na diferença de função que cumPre de considerar a linguagem como objeto de reflexão, maneiando fortna c
cada uma das línguas no intercâmbio em nível social.A escolha de uma função. O processo que consiste em seParar conceitualmente as dtlíls
variedade lingüística empregada em uma situação específica é o reflexo línguas em sistemas funcionalmente indePendentes redunda tanto em un1
da associação de atitudes em relação à comunidade surda.A língua de aumento da capacidade metacognitiva como no fortalecimento da percep-
sinais é a língua minoritária relegada, tradicionalmente, ao uso em situa- ção metalingüística. A experiência prévia com uma língua contribui Para Íl
ções informais e cotidianas entre Pares. Tem, portanto, uma manifesta aquisição da segunda língua, dando à criança as ferramentas heurísticns
função intragrupal. A segunda língua é a língua maioritária, e utilizada - necessárias para a busca e a organização dos dados lingüísticos e o cortltc-
segundo suas possibilidades - em interação com os ouvintes e suas Pos- cimento, tanto geral como específico, da linguagem.
sibilidades em interação com os ouvintes e quando o interesse é a ne- A fim de aplicar os desenvolvimentos modernos da lingüística e suas
cessidade de integração. Entretanto, aPesar desta dicotomia funcional, o disciplinas à pedagogia, para o caso de crianças surdas, seiam filhos de pais
surdo necessita de ambas as línguas com um desenvolvimento comPe- surdos ou ouvintes, é necessário entender que a escola não pode Provcl'
tente: a língua de sinais para sua comunicação entre surdos e a segunda só modelos ouvintes nos quais os surdos jamais poderão reconhecer-sc c
língua para integrar-se à comunidade ouvinte. Estas idéias aderem e re- nem sequer compreender. Parafraseando Bruner ( 1984), diremos que o
fletem, pois, uma proposta bilíngue-bicultural, isto é, as duas línguas no processo de aquisição de uma língua é um diálogo entre o mecanisnto
contexto da escola. inato para a aquisição (LAD) e o sistema de apoio (SAAL). Este sistema dc
O reconhecimento final dos surdos e de sua comunidade lingüística apoio so pode ser exercido por um adulto socializador e sintonizado colÌì
só pode assegurar-se a partir do reconhecimento das línguas de sinais a criança, isto é, no caso dos surdos, outro surdo, falante com fluência da
dentro de um conceito mais geral de bilingüismo. O fato de que uma língua de sinais e membro da comunidade surda.
criança surda utilize a LS como meio de instrução não significa que Perca As presenças do professor surdo e da língua de sinais na escola sc
a capacidade de adquirir uma segunda língua, mas que a introdução desta convertem na melhor garantia de uma eficiente educação."Obrigar utrt
segunda língua através da língua natural lhe assegura o domínio de ambas. grupo a utilizar uma língua diferente da própria, mais que assegurnr a
O modelo bilíngüe propõe, então, dar acesso à criança surda às mesmas unidade nacional, contribui para que estes SruPos, vítimas de uma proi-
possibilidades psicolingüísticas que tem a ouvinte. Será só desta maneira bição, se segreguem cada vez mais da vida nacional" (UNESCO, 1954).
que a criança surda poderá atualizar suas capacidades lingüístico-comuni-
cativas, desenvolver sua identidade cultural e aprender. O objetivo do A pedagogia compensatória e a atualidade e o futuro do
modelo bilíngüe é criar uma identidade bicultural, pois permite à criança modelo bilíngüe para surdos
surda desenvolver suas potencialidades dentro da cultura surda e aproxi-
mar-se, através dela, à cultura ouvinte. Este modelo considera, pois, a Vygoal<y baseava sua concePção das crianças com deficiências cm ttttr
necessidade de incluir duas línguas e duas culturas dentro da escola em enfoque qualitativo, e acusava a velha pedagogia de límitar-se somente à nrcdi-
dois contextos diferenciados, ou seia, com rePresentantes de ambas as ção qtrantitrtiva dos problemas de desenvolvimcnto causados Por trm dcfìcit.
( ,rr 1,,,, ,rl.lr.rr (( )r1, ) 107
A p'oblcr'árica da dcfcir.rogia, dizia Vygorsr<y ( r933), rrã. prode
em uma questão de proporções nem ser analisada unicamen- a possibilidaclc clc qttc dcscttvolvrrn st--rn prcssóos urììíì tçor.i:r sptlr.s 6
'csumir-se mundo que os rodeia e um cotÌìplcto acesso à inforrrração crr;r'it sllrr t.
te segundo o esquema de mais-menos. A ideia do deficít
como uma
limitação puramente quantitativa do desenvolvimento se cu ltural.
opunha às no-
vas idéias deVygotsl<y,que acreditava gue uma criança A descontinuidade entre os modelos biríngües na educação rl(. rrl
com deficit não é
simplesmente uma criança menos desenvorvid", r.. arguem dos estaria relacionada não só com certas peculiaridadcs lrist<!r.rrrr
que se de-
senvolveu de um modo diferente. É a especificidade da educativas de cada país, mas justamente com um conjunto clc frror.r,r
Ãtrutura biologi_
ca e psicológica, o tipo de desenvorvimento e de personaridade, que condicionam os mesmos objetivos da educação bilíngüe (sl<liar, 1996).
e nãoãs
proporções, aquilo que diferencia uma criança com e sem | - o reconhecimento do fracasso educativo em suas 1-ri7cq 1. 1,111
déficit.
o no centrar da moderna "defeitorogia" podia resumir-se do se- suas conseqüências pessoais, cognitivas, lingüísticas e comunicat iv;rs.
guinte modo: todo deficit cria estímulos orientados à produção 2 - o nível das atitudes, os estereótipos e as representaçôc,s l.r
de uma r

compensação. Ao compreender que o desenvolvimento ais frente aos surdos e à surdez.


não é uma via
unidirecional, mas dialética, a educação especial deveria ter 3 *A situação lingüística da comunidade pedagogica.
como meta
proporcionar sistematicamente à criança.mediações signos, 4 -A participação da comunidade de surdos nas decisõ.s li.;,11r,,
instrumentos - que visem a favorecer o desenvolvimenio
- símbolos,
ticas e educativas da escola para surdos.
relacionado
com sua estrurura psicológica peculiar (Riviere, l9g4).Em função 5 -A seqüência dos objetivos pedagógicos e a contirrrrirlrrrlr. rl,r
destas
premissas,Vygotsl<y pensava que a opção educativa fundamental projeto educativo.
para as
crianças com déficít devia basear-se na organização especial 6 -A ideologia educativa e a arquitetura funcional da cscrl,r.
de suas fun_
ções e em suas características mais positivas. 7-A pressão das políticas de integração social e escolar..
Levando em consideração estas afirmações, apoiando-nos 8 -A não diferenciação entre sistemas metodologicos c sisrt,rrr,r,,
então
na idéia de qualidade, compensação e caracterização positíva educativos.
do déficit,
e válido afirmar que o modero sócio-antroporógico da
surdez e a educa-
ção bilíngüe refletem e respondem às proprias bases da teoria sócio_ Referências Bibl iográfi cas
histórica do psiquismo humano.
Durante os últimos anos, pubricaram-se numerosos ensaios
ABRAMOV l. History of the deaf in Russia: myths and realities. ln: LANE, H.; FtSl ll lÌ, l{ (t ,1.. t
sobre a Lookíng bocka reader on the history of deaf cand their sign ranguages- Harrrrrrrr.1,,,,r111111111
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r9g9; ACKERMAN,J etal.Lexical
J.{son, Liddell y Erting, 1989;Ahlgren, 1990; Davies, 199l; Hansen, I 990 e lnfants in deaf families- ln:i..g.itj,l.iin
sign and speech:evidence from a longitrrrlirr:rl .,rrr,ly,,l
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Heiling, 1995;etc.). CONC,ÍÌl \,, 6I I
slcN LANGUAGE RESEARCH, 3, 1990, Hamburg. proceedings... Hamburg: Signrrnr.v,r r,r1i, r,r,)0
Do conjunto de relatórios de países das maís diversas latitudes,
é possível p.9l-94.
interpretar gue a educação biríngüe não parece assumir, ainda, ALLEN'T.Patternsof academicachievementamonghearingimpairedstudents: ì l,
um modero SCHIDROTH,A. N.; KARCHMER, M.A. (Eds.) Dãafchi/drán ínAmerìca.San Diego,
1974;trd lgll
contínuo ou homogêneo, mas, pero contrário, apresenta diferentes CA:(-, rp,r,r.t tr1
arterna- Press, I 986.
tivas e matizes de organização institucional, de mecanismos BAKER' C;PADDEN' C.Amerkon-ign /anguoge:a look at his history,
didáticos, de strucrurc arì(l (()rììrÌrrrì1y
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1ie92;, su-
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a criação ar.p<rrrrirrr.rrr rlr.,rí
communities as a ìanguage conflict situation. lnternotionolJottnnl of tlre
de um ambiente apropriado às formas particurares de processamento Stxirtht.r,yy t,f /(Ì/tt,,rtt.},,t,,
co- t994,
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seu desenvolvimen_
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Arrr.,,, rr r,,
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