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'\ lirrgtra dc sinais nos remete a uma percepção tlifcrcrrciarl a crn lcrnpo
('('sPtçl), sobretudo da expressão dã corpo e do alnbiclrlt produzid'o tl
por'('sse rnovimentor-por essa dinâmica. O rosto sc dilala,() crlrpo é
r.('rl u(r Iido em posições, posturas e sentidos que nos tir:rrn do cixo
tottstruído por uma prévia educação, culturalmclrle ouvintc.
Sérgio Andrés Lulkin
() srrlrl o cultural, que domina sua língua de sinais, é provedor tle no-
\ os s0rrtidos lingüisticos determinados a partir dc condiçircs
srciiris. lsto significa que, através do uso da língua dc sinais,
o slrrrlo tcm condições de produzir a sua própria história.
Mauru Corcini Lopes
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Nr'rrlìrrrìì,r Ììrìrl( ri .lrr t,lrrrr |l,rli rrr IrlrrorlLrzrrl:r orr rlrrIlrr';rrlrr riuìr rrrìjr/r!il(ì.\trrs:ìr (lrì lr(lrtr)r (',x." o'1
Conselho Bditorial: Analice Dutra Pillar, Augusto Nibaldo Silva Trivifros, Fernando Becker. _/
Margarctc Axt, Maria Helena Degani Veit, Nilton Bueno Fischer, Rosa Maria Hessel Silveira,
Isltrcl Cristina de Moura Carvalho e Carlos Roberto Machado.
rÌìcnos, àquela quantificação realizada desde o poder adminÌstrativo da atua sobre sujeitos menores, então seria necessária toda uma discussão
nvaliação educativa, que confunde porcentagens com políticas. embaraçosa e improdutiva acerca do significado do oPosto, isto é, acer-
Mas agora: quais seriam, em minha opinião, os fatores mais relevantes ca do que significa uma educação maior Para suPostos sujeitos maiores,
quc caracterizaram e caracterizam a crítica situação da educação especial? uma educação completa, relevante e, inclusive, absoluta.
Em primeiro lugar, surge o problema da própria definição sobre o Ao problema do signifìcado da educação especial soma-se um se-
quc é e o que não é educação especial ou, em outras palavras, em que gundo, que talvez se derive do primeiro, mas que talvez seja totalmente
scntido se justificou uma forma especial de entender e produzir uma independente: se trata da insistência, ou melhor dito, da obstinação do
cducação para certos e determinados sujeitos. que poderia ser chamado o modelo clínico-terapêutico na abordagem
As opções, neste sentido, não parecem ser muitas: ou se tem falado educativa das crianças especiais. Por modelo clínico-terapêutico consi-
rlc cspecial porque se parte do princípio de que os sujeitos educativos - dero toda a opinião e toda prática que anteponha valores e determina-
cspeciais, no sentido de deÍìcientes - impõem uma restrição, um corte ções acerca do tipo e nível da deficiência acima da idéia da construção
particular da educação, ou se tem falado de especial referindo-se ao fato do sujeito como pessoa integral, com sua deficiência específica.
rlc que as instituições escolares são particulares quanto a sua ideologia e A obstinação do modelo clínico dentro da educação especial nos re-
nrquitetura educativas - portanto, diferentes da educação geral -, ou, fi- vela um clássico problema, ainda não explicado dentro desse contexto: a
nalmente, tem-se falado de especial como sinônimo de educação menor, necessidade de deÍìnir com clareza se esta PersPectiva educativa é aliada da
irrclevante e incompleta no duplo sentido possível, isto é, fazendo menção prática e do discurso da medicina ou se é aliada da pedagogia ou, como
ao caráter menor e especial tanto do sujeíto como das instituições. muitos outros supõem, se deve existir uma combinação, uma somatória
Em todas as definições tradicionais e mecanicistas sobre a educa- provável de estratégias tanto terapêuticas como pedagógicas. Mas por acaso
ção especial, aparece sistematicamente um obstáculo que pode ser con- existe uma contradição evidente entre modelos educativos e modelos clíni-
sicJerado como insalvável:em que sentido seria possível afirmar que, por co-terapêuticos? É claro que sim: a concepção do sujeito, a imagem de ho-
cxemplo, os surdos, os deficientes mentais, os cegos, etc., são sujeitos mem, a construção social da Pessoa, etc., desenvolvem-se em linhas oPostas
cducativos especiais, diferentes de outros grupos também especiais, mas ao contrastar a versão incompleta de suieito que oferece o modelo clínico-
<1trc não foram submetidos a essa particular cosmovisão e organização terapêutico e a versão de diversidade que oferece - ou melhor, que deveria
da educação? oferecer - o modelo sócio-antropológico da educação. Disso resultam, por
Se o critério para afirmar a singularidade educativa desses sujeitos outro lado, conseqüências futuras bem diferentes: uma questão seria a do
c o de uma caracterização excludente a partir da deficiência que possu- completamento do sujeito, e a outra, contrária, seria a do aprofundamento
cln, então não se está falando de educação, mas de uma intervenção dos aspectos comuns próprios da diversidade cultural.
rcrapêutica;se se acredita que a deficiência, por si mesma, em si mesma, Fica claro que a pretensão de definir os suieitos com alguma defi-
c1 o eixo que define e domina toda a vida pessoal e social dos sujeitos, ciôncia como pessoas incompletas faz Parte de uma concepção
r-.rrtão não se estará construindo um verdadeiro processo educativo, mas ctnocêntrica do homem e da humanidade. O etnocentrismo - junto a
urrr vrrlgar processo clínico. rrrn de seus derivados mais perigosos na educação especial:o paternalismo
Por outro lado: em que sentido falar de uma instituição escolar c um reflexo da intolerâncìa e do racismo gerado Por um modelo
t's;rccialÌ Se e porque contém fisicamente aqueles sujeitos especiais, en- cconômico-político concêntrico, que utiliza os meios de comunicação
t;ro não se trata de uma escola, mas de um hospital. Se, por outro lado, rlc rnassa * ou o contrário * Para exercer sua teoria e sua práxìs de
\(ì tt-ata de que as instituições são especiais porque pretendem desen- f,ilobalização. Então a homogeneidade humana é a notícia, e a diversida-
volvu' rrrna didática especial para aqueles sujeitos deficientes,então Pode rlc, inclusive a população especial, aparece sob forma de um assassinato,
()( ()r r-cr' (luc, crÌì vcz de processos interativos de educação, exista uma .,olr o t-osto dc rrma pobreza quc sc sugerc voluntária, da violação, ctc.,
.r;rlir,rç;io sisr.crnática de recursos, cxcrcitações e mctodologias neutras í,rtos qrrc sc cotìsotÌ'ìcnr pclo resto da poptrlação corn tlma cct-ta cttt'iosi-
t.rlr:ritlcololiiza<Jas. Por'(rltittto, stÌ c cspcci;rl pot'qttc ó rnct-tot', Pot'q(tc ,l,rrlc c voracirlrdc rrrtropofáp,ica.
8 Educação & Exclusão Carlos Skliar (Org.), 9
seqüência, refugiar-se e envergonhar-se como se se tratasse de um tema debate por muitos momentos personalista e narcisista, a uma mostra dc
sem importância. O fato de que a educação especial está virtualmente poderio e/ou da debilidade dos métodos parâ os surdos, ali se impõe umn
excluída do debate educativo é a primeira e mais importante discrimina- tosca restrição ao progresso das idéias educativas.
ção sobre a qual, depois, se projetam sutilmente todas as demais discri- Mas o que há por trás e pela frente desta discussão entre ouvintcsl
-
minações por exemplo, as civis, legais, laborais, culturais, etc. Por trás ficou um rol de fracassos massivos, patética mostra da
Entretanto, não estou falando simplesmente do direito à educação incapacidade de os ouvintes discutirem sequências e hierarquias de ob-
que também assiste às crianças especiais;não é gue estas tenham que ir, jetivos que vão além do enigma do ovo e da galinha.
como todos os demais, à escola, à instituição escolar entendida como Pela frente íìca uma preocupação constante,ainda refletida naquelas
um ente físico, material. Estou afirmando que esse direito deve ser ana- interrogações que Galaudet enunciou ante um auditório indiferente du-
lisado, avaliado e planificado conjuntamente a partir do conceito de uma rante o Congresso de Milão de 1880:deve-se acreditar que uma vez resol-
educação plena, significativa, justa, participativa; sem as restrições im- vido o problema da linguagem fica resolvido, automaticamente, o problc-
postas pela beneficência e a caridade; sem a obsessão curativa da medi- ma da educação dos surdos?Acaso linguagem e educação são sinônimos?
cina; evitando toda generalização que pretenda discutir educação só a Outro exemplo freqüente da distância que existe entre educação es-
partir e para as míticas crianças normais. pecial e educação é o que se refere ao processo de alfabetização ou, melhor'
A afirmação de que a educação especial deve ser incluída no de- dito, ao processo tradicional de alfabetização. Enquanto várias pesquisas
bate geral da educação, tampouco, deveria ser rapidamente interpreta- demonstram que a alfabetizaçáo não só não constitui um pré-requisito irtc-
da como uma idéia de integração à escola comum; nada mais longe vitável para o acesso aos processos de leitura, mas que muitas vezes sc
disso. Uma questão é o problema geral da educação, por exemplo, a transforma em um verdadeiro obstáculo cognitivo para isso, na educação
relação entre escola e trabalho, o problema da globalizaçã,o versus especial o ensino da correspondência entre fonema e grafema ocupa o ccrì-
regionalização do conhecimento, a imagem de homem presente no tro de todas as preocupações referentes à questão da língua escrita.
projeto educativo, etc. E outra questão, bem diferente, é o debate Um último exemplo referente à distância educação/educação es-
institucional específico, por exemplo, o aproveitamento dos recursos pecial poderia ser definido como o problema ascético do currículo. A
humanos e técnicos, etc. lncluir a educação das crianças especiais den- cscola especial não discute a questão curricular a não ser em um sentido
tro da discussão educativa global não significa, então, incluí-las fisica- muito superficial e acrítico.A neutralidade com que essa educação asstt-
mente nas escolas comuns, mas hierarquizar os objetivos filosóficos, me o currículo foi um dos mecanismos mais nocivos quanto à limitação
ideologicos e pedagogicos da educação especial. do acesso à informação e, sobretudo, em relação à identidade pessoal c
Desse modo, fazendo parte de uma educação menor, a educação cultural dos sujeitos.
especial foi-se afastando de uma discussão significativa. Na pedagogia Agora, gostaria de voltar a uma questão anterior: a aÍìrmação de
especial, os sujeitos são vistos, em geral, como pessoas educativamente que a educação especial deve ser incluída no debate geral da educação
incompletas e, em conseqüência, as preocupações educativas estão for- tcrn sido interpretada,de fato,como uma proposta concreta de integração
çadas a serem corretivas e devem-se transferir em direção a uma abor- rlas crianças especiais à escola regular. E notável como a via de saída pat';t
dagem clínica; diante dos problemas da educação especial não haveria o fracasso educativo - e econômico - da educação especial seja, iusta-
nada que revisar, salvo os recursos, as exercitações. As metodologias, rììclìtc, a inclusão física dentro de uma escola caracterizada, também, por'
então, se fazem neutras, acríticas, compassivas com quem as aplica. urìì scm número de problemas, O certo é que agora os problemas vivcnt
Um exemplo típico do processo de distanciamento entre discurso IOclos iuntos na mesma sala. Desde já, não pretendo comParal" de ttrrt
educativo geral e discurso educativo especial é representado pela ques- rrrodo rcducionista, o conceito maiúsculo de inter-relação social à iclcia
tão das línguas na educação dos surdos. Um problema importante, sem viì},,â c prcgtriçosa de integração escolar.
dúvida. Sobretudo para os proprios surdos. Mas quando esse problema A dctcr"rninação intcgracionista provórn dc ttm conittnto cspccífico
sc lirnita, basicamentc, a umA discussão cxclusiva cr'ìtre os ouvintcs, a ttm rlc fcitos coct'ctìtcs, cntr"c cles, e corììo já sc irrdicott, os t'csttltarlos litttita-
(,;rrkrs Skli;rr (Or 11 ) II
dos cncorrtrados em grande parte nas escolas especiais, a maior relevân-
irrtcrcssante notar corno os meios de comunicação contritrucm, às ve-
cia dada a uma perspectiva interativa sobre os problemas de aprendiza-
gem, o surgimento de metodos qualitativos de avaliação educativa, zcs impicdosamente, à formação de uma representação social, de um
o cstereotipo que promove a ideia de que os deficientes são,em realidade,
restabelecimento das fronteiras entre a normalidade, o fracasso escolar
e sujeitos perigosos, furiosos, dignos de ser afastados e estudados com o
as deÍìciências, preocupação das escoras por conseguir o objetivo
de ensi- rnicroscópio do racismo.Tal como assinala o autor, há uma extensa tra-
nar a todos, mais além das diferenças de capacidades e interesses, etc.
dição historica cheia de mal-entendidos e de más intenções sobre a de-
Essas razões são indiscutíveis. Mas o problema é o seguinte: a escola
ficiência mental. E talvez, como o próprio Ceccim observa, é a hora de
regular tende a produzir mecanismos educativos dentro de um marco de
rebelar-se contra a justificativa mais organicista da deficiência.
diversidade cultural? A julgar pelo fenômeno e estratégia de repetência,
a O segundo trabalho corresponde a Sérgio Lulkin, que assume como
exclusão sistemática, a discriminação com relação às variações lingüísti_
cas, raciais, étnicas, etc., parece que não. por causa de certas experiências
foco de sua proposta as atividades dramáticas com estudantes surdos. É
talvez a surdez, e suas acepções, o exemplo mais paradigmático da troca
c por alguns resultados relativos a alguns casos de grupos particulares de
crianças especiais - por exemplo, as crianças surdas as políticas de dc modelo conceitual dentro da educação especial. Os surdos, considera-
-
integração transformam-se rapidamente em práticas de assimilação ou
clos também historicamente como pessoas incompletas, doentes e aliena-
rlas, passaram a ser vistos na atualidade como membros de uma minoria
produzem, como um efeito contrário, um maior isolamento e menores
lirrgüística e de uma cultura - ou contracultura - minoritárìa. Nessa dire-
possibilidades educativas nessas crianças.
Talvez a velha escola especial e a recente inclusão nas escolas re- ção, o autor avança sobre a hipotese de que as atividades dramáticas den-
gulares constituam adornos parecidos que pretendem cobrir, com o l'o do contexto escolar permitem a construção e a reconstrução de uma
mesmo resultado, um rosto definitivamente debilitado. nrcmória sociocultural da comunidade de surdos. Essas atividades forma-
ri;rm parte da essência ideológica de um provável currículo cultural para
como sair desta encruzilhada de problemas na educação especiall
Nos artigos que seguem, sobressai um conjunto de potencialidades que, cssas pessoas, em contradição com as típicas disciplinas autoritárias e
('arcntes de significação cognitiva e lingüística dos próprios surdos.
com seus respectivos matizes, induzem a pensar em uma perspectiva
socio-antropologica não so em um sentido contestatório com relação No terceiro artigo, Hugo Otto Beyer assume uma abordagem alter-
rurtiva para o processo de avaliação da inteligência e da cognição na educa-
ao modelo clínico; ela assume uma identidade própria e contribui para
urna discussão educativa geral, que excede a questão estritamente çrio especial.Tal processo avaliador,talvez um dos fatos mais dolorosos
<krrrtro do paternalismo e do colonialismo existentes nessa forma de edu-
institucional, material, física das escolas.
< ução, representa também um ponto máximo de aproximação com rela-
Neste volume se falará dos sujeitos especiais, mas o peso da aná-
lise não vai recair sobre eles, e sim, em arguns artigos sobre as formas çío aos problemas da educação geral. Não há dúvida de que a avaliação
r.rlrrcativa - como sistema vertical, unilateral, descontextualizado, de po-
indignas de submissão às interpretações patológicas; e, em ourros casos,
(lcr', atemporal, conservador, etc. - pode produzir influências negativas no
sobre mecanismos de atividade educativos que traduzem a potencialidade
da proposta sócio-antropológica. Nem todos os trabalhos se sucedem rlcscnvolvimento da vida de um sujeito.lnclusive pode desviar seu destino
dcntro de uma mesma continuidade teórica e expressiva. pelo contrá- social, institucional, cognitivo, afetivo - com relação à maior das escuri-
rio, os artigos refletem, por certo, uma irregularidade no tratamento rlcjcs existenciais. O autor propõe, além de uma significativa revisão do
c <;rrccito proprio de inteligência e de sua avaliação, uma discussão sobre a
dos problemas da educação especial;é essa mesma irregularidade o que
clá sentido, provavelmente, à existência humana. lclrção entre dotações naturais dos sujeitos e seu destino em nível social e
t,<:<>rrômico. A explicação dessa relação so através de argumentos calca-
Ricardo Burg ceccim inaugura este vorume através de uma revisão
crítica sobre o significado histórico e atual da deficiência mental. Com rlos rlo âmbito endogeno individual signifìca, para Bayer, mascarar uma
r t'rlidade que inclui, sobretudo, aspectos macro-estruturais.
url objetivo constroi uma trama a partir de uma notícia de um jornal
accrca de uma mulher encarcerada, injustamente, por sua deficiência. É No quarto artigo, apresenta-se uma experiência prática concreta
,lr.scnvolvida por Maura Corcini Lopes sobre certos mecanismos de me-
l4 Fdrrclçlo & Fxcltrsllo
'.r..11r.,
diação no processo de integração das crianças surdas.A partir do enfoque /l.ttr'.r:i
l,"t
socio-historico de Vygotsl<y, a autora trabalha sobre uma ideia de ativi-
dade e, sobretudo, de integração dos surdos, bem diferente da habitual.
Trata-se daquela integração que supõe não a necessidade de que as mi-
norias percam suas características mais peculiares para parecer-se e as-
Exclusão da alteridade: de uma nota de imprensa a
similar-se a uma virtual maioria, mas de um processo inverso: a aceita- uma nota sobre a deÍiciência rnental
ção da diferença - não da deficiência - como mais um exemplo da diver-
sidade humana, paraa construção de um verdadeiro processo educativo. RtcaRoo Bunc Crccll't
No último artigo, eu analiso, também a partir de um enfoque socio-
histórico, os aspectos mais salientes da transição entre o modelo clínico e
o modelo sócio-antropológico da surdez.A partir de uma série de coloca- Deficiência mental: a evocação de Ritinha
ções hístóricas, metodologicas, comunicacionais e cognitivas, busco ali-
nhar a complexa trama de uma construção educativa possível para os Em 72-09-94 o Jornal Zero Hora, Porto Alegre-RS, traz, em págirt;t
surdos, desde os surdos e junto aos surdos.' irrteira, a matéria "Mulher inocente Passou a vida na prisão" e conta il
A partir das perspectivas analisadas e levando em consideração as lristoria de Ritinha. Ritinha, Maria Olinda da Conceição Santa Rita, com 72
demandas atuais da educação especial, o presente volume pode consti- ;ìnos e feições de mais ou menos 90 anos (Slc)r foi Presa em 29- 12-58 pot'
tuir um ponto de partida para desacomodar certas tradições às quais pcrturbação da ordem pública. Tal ofensa à ordem pública foram paln-
tão acostumados estávamos. E esse o sentido primordial da produção vr'ões e ameaças ao então Serente do Banco da Província do Rio Grandtr
científica e esperamos oferecer nestas páginas uma contribuição útil nessa clo Sul (Agência do Município de Ïãquara, interior do Estado), profcridos
direção. rìa rua, em frente a sua residência. A pena à ofensa, determinada pclo
crrtão )uizda Comarca,foi de l5 dias de prisão,seguida de seis mcscs rì()
Carlos Skliar Manicômio Judiciário, por medida de segurança.
A faxineira, conhecida por Ritinha, algumas vezes bebia demais t',
rìcstas ocasiões, proferia impropérios nas ruas da cidadezinha, scgtlttrl<r
;r tcse jurídica.Passados os l5 dias de reclusão penal,foi levada ao M;rtti-
côrnio Judiciário, na Capital (lnstituto Psiquiátrico Forense), e exatttitt;t-
rla por médicos que a diagnosticaram e Prognosticaram: idade e Pel'sçl-
nllidade semelhante a de uma criança com três ou quatro anos- Cottsi-
rlu'ada impropria para voltar ao convívio público, por periculosidadc'
vivcrr os últimos 35 anos entre o Manicômio Judiciário e a Penitenciár'i:t
I t:rrrinina. Ritinha teve renovados, anualmente, o laudo de incapaz c
I
rt.cornendação de reclusão penal por medida de segurança'
As companheiras no Presídio Feminino a reconheciam como unta
rncrrrina com rosto de velha, que coleciona bolsas e bonecas (SlC). Nct
M;rrricômio ou no Presídio, nunca brigou ou tentou fugir, brincava o
rr.tìì[)o todo com três bonecas de pano e precisava de aiuda para ctticlr-
rlos pcssoais. NunCa recebeu visitaS OU cartas, nunca exerceLl ativiclacltr
I l.rl;r v(Ì/ (l1c rìpìr.ccc;r cxpr'<:ss;ro SIC (Scg,rrrrdo lttfor-rtr;rção Collrirl;r) (ìst()ll lìì('
r r.ír,r ìs tÌìlìlcl iì:i j9r'rr;tlistir it\; tì.ì() íor';rttt oltlirl;ts itlíot-tttlçõc'; <ltl ttlrlrlo rlit t'lrr
'ì(l()
extern:ì, sua frase mais colrìum é "tem uma sacola para minrl" (SlC). setn ulna produção, utna Aculnulnção, uma circrrlação e ttttt fttttciotìarììclìto
Em setembro de 94, desnutrida e doente de hepatite, foi levada a do discurso.
um hospital clínico (Hospital Lazzarotto de Porto Alegre) e tornou-se
centro de atenções por sua fragilidade e puerilidade. Comunicada aVara Não há possibilidade de exercício do poder sem uma certâ econo-
de Execuções Criminais, o juiz alegou emissão imediata de Alvará de mia dos discursos de verdade que funcione dentro e a Partir desta dupla
exigência. Somos submetidos pelo poder à produção da verdade e só
Soltura na conquista de um abrigo em que ela pudesse residir. O Diretor
podemos exercê-lo através da produção da verdade. lsto vale para qual-
do H ospital Lazzarotto, José Em íl io G ressele, ofereceu- he h os pedagem
I
quer sociedade, mas creio que, na nossa, as relações entre poder e verda-
no hospital por tempo indeterminado.
de se organizam de uma maneira especial (Foucault, 1989, p. 179-80)'
Ritinha não cometeu crime (a perturbação da ordem pública é, no
máximo, contravenção penal;não é ato criminoso), não cometeu ofensa A produção de verdade com Ritinha não poderia existir Para que a
ética (no máximo ã transgressão de uma normatividade de ordem mo- verdade vígente continuasse a verdade.
ral), não pode ser considerada perigosa (sua transgressão é equivalente A prisão e o manicômio, o juiz e os médicos, o olhar hierárquico e a
à ingenuidade, amoralidade e momice), não pode ser considerada de sanção normalizadora fìcam escancarados pela segregação/reclusão e sua
convivência social imprópria (apropriação é convivência e não há recur- explicação, renovada ano após ano pelos exames que a condenam incapaz e
so possível às aprendizagens sociais que não suas tramas educacionais e como imprópria para o convívio social e a encarceram Por medida de segu-
a solidariedade), mas foi retirada da liberdade, tornada responsável por rança. O exame anual exercido no aparelho de examinar do manicômio
sua própria reclusão indesejada, tendo que penar o castigo do judiciário escancara o controle normalizante. Foucault destaca o exame como
confinamento prisional sem saber por que ou Para que, tornando-se combinação das técnicas da hierarquia que vigia e as da sanção que norma-
culpada da sua deficiência mental. liza (Foucault, 1989, p.|64),estabelecendo sobre os indivíduos uma visibili-
dade através da qual eles são diferenciados e sancionados, forjando um cor-
Faltou lugar para Ritinha no ordenamento po social homogêneo pelo ajustamento/adestramento dos desvios e a Pro-
disciplinar-normal izador dução da realidade pela fabricação da individualidade como Íìxação sobre as
singularidades de cada um, o que torma cada indivíduo "um caso que tem
Ritinha, aos 37 anos, tinha Ìdade e personalidade de uma criança que ser treinado ou retreinado, tem que ser classifìcado, normalizado, ex-
com três ou quatro anos, nas ruas bebia e dizia bobagens, então foi cluído, etcl' (op. cit., p. 170).
condenada à clausura de um manicômio judiciário (dois castigos: um Absol utam ente i nofensiva, porquanto ingên ua s ua transgress ivi da-
castigo moral ao seu modo de existência - a segregação manicomial - e de, eficientemente normal para transitar pela cidade e proferir palavras,
um castigo penal às manifestações de sua subjetividade imprópria - a mas deficientemente normal para dirigir seu gesto, reger seu comPorta-
segregação prisional).A ordem disciplinar vigente excluiu de normalida- mento, sujeitar seu corPo, segundo a extremidade jurídica de seu exer-
de as atitudes de Ritinha e a incluiu na clausura às pessoas de sua laia cício, precisava ser normalizada. Podemos supor que infrações como
anormal. xingaç beber, não respeitar os rePresentantes do poder estatuído (que
Ritinha desacata e transgride a territorialidade do triângulo poder- representam mesmo o Estado) podem ser analÌsadas pela produtividade
direito-verdade do mundo em que vive e o faz como ela é:simplória e de reverberações e ressonâncias, por fazer funcionar (colocar em rede)
singelamente. Com isso, atualiza verdades outras ao regime de verdade outra transmissão de poder, ou seja, não se trata da legitimidade de seus
vigãnte, tensionando até a sua expressão visível. É Foucault que propõe aros (que poderiam inaugurar outro pensar), mas da suieição aos Proce-
entender o como do poder como um triângulo do poder, direito e ver- dimentos de dominação que devem ser renovados, reiterando a norma
dade: no fundo, em qualquer sociedade, existem relações de poder múl- que estatui verdades.
tiplas que atravessam, caracterizam e constituem o corPo social, e estas A deÍìciência de normalidade de Ritinha a fez "estrangeira em sua Pro-
rclações de poder não podem se dissociar, se estabelecer, nem funcionar pria terra" (como nas palavras de Porter: 1991, p. 162), olhada como anormal,
autorizado o confisco dos bens (práticas como o pronunciar blasfêmias, dência visa a disciplinar os bens de herança e decide que aqueles que não
contestar o bispo, cometer atos homossexuais ou obscenidades), ca- tivessem bens culturais não se beneficiariam de bens materiais.
bendo os bens ao inquisidor e sua família e aos denunciantes. No século XVlll,aParece a alternativa ideal da solução do problema
O Santo Ofício mandava queimar vivas as pessoas que praticassem da DM.A Europa já aprendera na ldade Media a enfrentar a lepra, epidêmi-
o homossexualismo, se adultas, ou açoitá-las e enviadas às galés, se cri- ca e davastadora, construindo hospitais (leprosários/hospícios) e essa era
anças (é freqüente o desregramento erótico dos adolescentes com DM, a alternativa,para o novo momento.
tanto mais em face de menores cuidados com a informação e o pouco A tarefa de cuidar da pessoa com DM é ingrata e dispendiosa, preiu-
desenvolvimento da comunicação que facilitaria a aprendizagem e com- dica a família e o poder público, mas estas crianças/seres humanos não
preensão de regras morais). podem mais serem abandonados à exposição. Paracelsus, cardano c o
O Diretorium ensina aos inquisidores: é manha dos hereges faze- educador John Locke determinavam que as Pessoas com DM podiam ser
rem-se de tolos;responder ao que não se perguntou;não responder ao treinadas ou educadas e que aprendiam e tinham direito a isso.Assim, não
perguntado; mudar de discurso. São indícios: incontinência nas elimina- podem ser punidas, nem abandonadas, mas são segregadas nos leprosários
ções,grande inclinação por mulheres,ter vida ou conversa diferentes do (segregação que livra os governos e as famílias de sua incômoda presença).
comum dos fiéis, os que têm vista torta (é torta por causa das visões do Seguindo 1797,Jean ltard (médico que se
o relato de Pessoti, em
demônio, vidência e conversa com os espíritos maus). destacou pelas descobertas no camPo da fala e da audição, médico-chcfc
Ainda no século XV é editado o Martelo das Bruxas,livro da caça às aos 25 anos do lnstituto lmperial dos Surdos-Mudos) recebeu a guarda
feiticeiras, adivinhos, criaturas bizarras ou de hábitos estranhos. Este manual de um menino capturado na floresta e que vivia há l2 anos como selva-
assevera que estas criaturas estabeleciam tráÍìco real com satanás e as for- gem (conhecido comoVictor de L Aveyron, ou O Selvagem deAveyrorr),
ças das trevãs. diagnosticado por Pinel como radicalmente incapaz de aprendizagerx,
Aderiram ao A4alleus tllalefcorum,bem como ao Lucemo lnquisitorum "indivíduo desprovido de recursos intelectuais por deficiência mentnl
e ao Diretorium lnquisitorum,o clero italiano e ibérico e os seguidores das cssencial e não fruto das privações pelo modo de vida", como os demais
Reformas de Lutero e Calvino (este comandou pessoalmente a caça às idiotas que conhece noAsilo de Bicêtre ltard,partidário da idéia dc qtrtr
bruxas em Genebra, em 1545). o homem não nasce como homem, mas é COnstruído como homctìt,
A Reforma ficou conhecida como a época dos açoites e das alge- assume sua educação sistemática e individualizada. ltard preferia acrcrli-
mas na historia da deficiência mental, destaca Pessoti ( op. cit., p. l2), tar nas ideias de Rousseau - a teoria do bom selvagem, Condillac íl
baseado em R. Pintner (obra espanhola de 1933 sobre crianças com tcoria da estátua ou Locke - a teoria da tábula rasa.Victor aprendctr
deficiência mental ou oligofrênicas). O homem é o próprio mal quando hábitos, afalar,rudimentos de escrita e resPosta a testes de inteligência,
lhe falte a razáo ou a graça celeste a iluminar-lhe o intelecto; assim, tt'acando-se, conforme diagnóstico, de um retardado mental profirttdo
dementes são seres diabólicos. (incapaz de discriminações mesmo grosseiras entre odores, ruídos c
No século XVl, Paracelsus e Cardano, dois médicos de alta repu- irrragens, incapaz de articular qualquer som vocal humano e fixar stta
tação, com incursões em conhecimentos da filosofia e matemática, alu- .rtcrìção em um dado objeto ou evento).
dem a DM como doença ou vitimização de forças sobre-humanas, cós- Para Pinel, tratava-se de uma doença "até o Presente incurável,
micas ou não, e dignas de tratamento e complacência. Irrcapacitante de qualquer sociabilidade ou instrução" , sendo recomclì-
A jurisprudência inglesa, em 1534, duzentos anos depois da Prerro- rl;ivcl, unicamente, a sua intemação no Asilo de Bicêtre como os demais
gotivo Regrs, define DM e loucura como doença ou resultado de infortú- rrliotas (Pessoti, op. cit., p. 39).
nios naturais e propõe critérios de identificação da DM: será bobo ou Todas as crianças com diagnostico de DM tinham como indicaçã<>
idiota de nascimento a pessoa que não puder contar até 20 moedas, os ltospícios, onde eram abandonadas e completamente isoladas de opot-
nem dizer quem era seu pai ou sua mãe, nem quantos anos tem, ou que turrirladcs dc cnsino c cducação.
não puder conhecer e compreender letras mediante ensino.A jtrrispru- O extrne, dtaprosf ico c prognóstico, formttlados pelo psiqr riatr:r fora rt t
( :tt'lor Skli'rr (( )r 1i ) 2l
22 Educação & Exclusão
desacreditadosporltard.ParaltardadescriçãoprecisadePinelnãobastou daDM,documentodeestudoinevitável(enefasto)porqualqueralienisca'
de uma avaliação da
p"|^u-a".iair; Para ele era necessário acompanhá-la neurologista,médicomoral'ortofrenistaoufreniatra'Todasasdeficiên-
determinantes do quadro de degenerescência familiar c
gÀn"r" do quadro descrito;o conhecimento dos eventos cias mentai, ,ao grul"lã"t a" um
ou curabilidade
ãeficit é imprescindível"para decidir sobre a incurabilidade de transmissão genética'
do idiotismo do selvagem" (Pessoti, op'cit'' P'40)' NoTratadodaMania,dePinel,dels0l(TratadoMédicoFilosofico
t:t"i-1ï'T""1ï
Pinel)'a DM aparece
EmlS00,aDMcomeçaasersugeridaaocampoproÍìssionaldame- sobre aAlienação Mental,de PhiIippe
psicologia clínica)' como um
dicina moral (antecedente da psiquiatria e da emrelaçãoàdemênciasobaformademaniaeéapresentadacomoumtlpo
p-Ut"tu, passível de tratamento mediante intervenção comportamental' deinsanidade,masconsagraaDMcomopatologiacerebral,doençainevitá-
a ocorrência de comporta-
arranjo de condições ambientais ótimas Para vel,herdadaequestãode"n"uropatologia,cujaúnicadestinaçáoéoleprosário
não desejadas'A ProPos-
mentos desejáveis, e para a cessação de atividades hospício asilo.
equivaleria, hoie, à ree-
ta técnica chamada ortopedia mental ou ortofrenia, NoiníciodoséculoXlX,Esquirolclassificaoloucocomoaquelc
a Pessoa com DM
desde Paracelsus e Cardano, a que conseru" rina" ferfeição do.Àumano'enquanto
ducação. Entendida como patologia cerebral "
de problema orgânico, é uma doença com perda ott
DM seria terrirorio médico e nãó pedagogico;arém tem uma organização primitiva'A loucura
especial fora das proposi- onde a razáo nunca se manifestotl
não havia a mínima trajetoria de uma educação prejuízo da razáo,a DM é um estado
neuro-sensorial ou moral' ou manifestará.
ções médicas no camPo como orgânica e
Toda sorte, conta-nos Pessoti' Passa a Pessoa
com DM das mãos A DM segue estudada pela medicina e tratada que
é o salto do conhe- pela pedagogia' ainda Por muitos
do inquisidor às mãos do médico' De igual monta medìcalizável e, paralelamente'
médicos, estudiosos das didáticas'
A teoria da DM começará a ser aba-
cimentohumano,poisqueateoriadadeficiênciamentalcomeçaaser
buscada nos tratados de patologia cerebral deWillis e Pinel (Medicina ladaapenasnoséculoXXgraçasaosProgressosdapsicologia'biologia'
'Diretoiium
Moral) e não mais no dos inquisidores ou no A4olleus genetica e às ousadas iniciativas pedagógicas'
de didática' denuncia' sc-
ftlaleficorum' Seus determinantes deixam
de ser os demônios' miasmas Edouard S"guin (1846), médico' àstudioso
(ainda que Por da medicina sobre a DM que mãl'c:1
e sortilégios e sim disfunções ou displasias corticais gundo pessoti, a hegemània áoutrinária
com uma mesma matriz'não proctt-
inferência ou em hiPotese)' todos os diferentes comPortamentos
relações ."ur"ì, e uma rcoria do
desenvolvimento.o modelo módico
Pessotivainoscontarqueagrandeviradadainformaçãoemdefi- rando
ciênciamentalocorrequando,"u,d"t"'*inantessãoprocuradostam- eunitiírio,fatalistaeasilar-segregadoçnegaaeducabilidadedascriançascolÌì
DM por patologia ao o'gunìttì'o bioloico' Í
ttt-"I:lïséculo XX qtrc
bémnahistóriadeexperiênciasdaPessoacomdeficiência.Masaquia
dos estudos e proposições de Segttitt
tr
historia se bifurca. De um lado, o organicismo
deWillis e Pinel, seguido cste fatalismo termina, diorrendo
na teoria da DM' Maria Montessori'
por Esquirol e outros, que marcam o fim do dogma trmbem de outro médico, a médica italiana
produção científica mris
masacapturampelapsiquiatrizaçâoe'deoutrolado'aeducaçãoespeci- Até as primeiras décadas do século XX'a
de Pinel (mestre de ltard) para
al, iniciada por ltard, que derivou menos clcstacada",nDl'l,"riaadeEsquirol(1777_1840),medicobrilhantettn
obrigatória para médicos c
estabelecervizinhançaíntimacomasformulaçõesdeeducadorescomo clínica e na ortofrenia, auto' á" ton"lta toda a vi<la
e Rousseau' Para ele os idiotas são o que virão a ser durante
John Locl<e, Condillac 1>cclagogos.
PrevalescendoaherançadePineleEsquirol'hegemônicas'aofinal C.r,t'ã Ésquirol, coloca (op' cit'' p' 88):
do século XVlll, p",,ou' cám DM são denominadas de cretinos' idiotas NoTratadodaMania,dePinel'del80l(TratadoMedicoFilosoÍìr:<r
", incurável e inapelável'Troca-
ou imbecis, arurunio a marca do irreversível, sobreaAlienuçaot',tuntut,dePhilippePinel),aDMaparecesecutrdariattttlttttl
sedadanaçãodivinaàcondenaçãomédica'lnicia-seateoriaeugenista cmrelaçãoàdemênciasobaíormademaniaeéapresentadacornottrtttill<l
familiar e social)' irrcvitii
parologia cerebml, docnça
(teoria que prega a degenerescência na hereditariedade dc irrsarridacic, rnas consagra a DM como lc1:r'.si'itr
F' Fodere' publicado
No Tratado do Éocio e do Cretinismo' de l'
co
vcl,6<rrrhcla ;:i,,;" d"ì',",,,',rp.tolog,ia,ctria írrrica rlcstirtação
o fatalismo hercditário
crn lTgl,cmTtrrim,a medicina cicntífica defende llrlsl rici< l-a:;ilrl'
74 Edrrc;rção & Excltrsão C;rrlos Skllrr' (Org ) 25
No início do século XlX, Esquirol classiíìca o louco como aquele que Guggenbuh, médico, em 1846, Provocoll polêmicas, estimulou n
conserva ainda a perfeição do humano, enguanto a pessoa com DM tem uma criação de instituições e, sobretudo, abalou o Preconceito quanCo à
organização primitiva. A loucura é uma doença com perda ou prejuízo da irrecuperabilidade da pessoa com deficiência dita severa ou profunda,
razÁo,a DM é um estado onde a razão nunca se manifestou ou manifestará. alem de estimular discussões sobre a metodologia de ensino Para as
A DM segue estudada pela medicina e tratada como orgânica e pessoas com deficiência.
medicalizável e, paralelamente, pela pedagogia, ainda que por muitos A obstinação de seguin, estudioso de ltard, levou-o a desenvolver e
médicos, estudiosos das didáticas. A teoria da DM começará a ser irnplantar a educação especial dentro de Bicêtre, lançando as bases da
abalada apenas no século XX graças aos progressos da psicologia, bio- compreensão psicogenética da aprendizagem na DM.Ïêrmina por desen'
logia, genética e às ousadas iniciativas pedagógicas. volver uma fúria antimédica. É qre a hegemonia doutrinária, apanágio da
Edouard Seguin (1846), médico, estudioso de didática, denuncia, se- rnedicina tradicional, é avessa a evidências ou argumentos procedentes dc
gundo Pessoti, a hegemonia doutrinária da medicina sobre a DM que marca origens outras que não a anátomo-patologia, a semiologia neurológica ott
todos os diferentes comportamentos com uma mesma matriz,não procu- a autoridade clínica.
rando relações causais e uma teoria do desenvolvimento. O modelo médico os pioneiros da medicina moral formam uma dissidência que, pro'
e unifário,fatalista e asilar-segregador nega a educabilidade das crianças com rnissora às pessoas com DM, de um lado, é ameaçadora de outro-A medi-
DM por patologia do organismo biológico. É somente no século XX que cina oficial é indisfarçavelmente normalizadora e disciplinadora.Após as iá
este fatalismo termina, decorrendo dos estudos e proposições de Seguin e tìumerosas escolas especiais, segundo os métodos de Seguin e educado-
também de outro médico, a médica italiana Maria Montessori. rcs como Pestalozzi, Froebel, Comenius, Montaigne, a Comissão de Pie-
Até as primeiras décadas do século XX,a produção científica mais rnonte (Novos Estudos Epidemiologicos do Cretinismo, de 1848) vern
destacada em DM seria a de Esquirol (1772 - 1840), médico brilhante na repetir o fatalismo hereditarista.A Comissão Francesa,26 anos depois
clínica e na ortofrenia, autor de consulta obrigatória para médicos e (1864), faz cair os argumentos da Comissão de Piemonte Por impcrÍcia
pedagogos. Para ele os idiotas são o que virão a ser durante toda a vida. rnetodologica, mas retoma à teoria unitária da DM. Em 1857 emerge, com
Como Esquirol coloca (op. cit., p.88): Morel, a teoria eugenista, o Tratado das Degenerescências'
ficam então diagnosticáveis diferencialmente a confusão mental passa- ATèoria da Degenerescência é tão abrangente quanto vaga e stl;ì
geira e de incidência mais ou menos geral, a loucura caracterizada como clifusão tão ampla nos ambientes médicos se deve principalmente n
perda irreversível da razão e suas funções, e a idiotia definida como trôs condições:a autoridade de Morel, o conteúdo alarmista e eugenistn
ausência de desenvolvimento intelectual desde a infância e devída a que carrega e a plasticidade com que se aiusta às mais díspares categÕ-
carências infantis ou condições pré-natais ou perinatais. r-ias de fatos. O conceito de degenerescência e degradação vem nor-
rnalizar a sociedade com a sanção médica, uma medicina das reaçóes
Para Esquirol não se trata de doença, mas a privação das faculda-
patologicas em que a degenerescência é a processualidade da degrada-
des intelectuais e a falta de desenvolvimento para adquirir a educação
comum. Se não é doença, começa a esvanescer a hegemonia médica e
ção da natureza; perda da perfeiçáo. Para a Teoria Moreliana dn
Degenerescência, o cretinismo é o caso tíPico (representante exem-
-
entra em questão a relação desenvolvimento educação; então, rendi-
ptai;.n severidade da DM (a idiotia) é o último degrau da degradação
mento educacional passa a ser critério de avaliação.
irrtelectual. As teorias eugenistas produziram cultura, seu regime de
Belhome (1838), discípulo de Esquirol, tem a mesma matriz de
vcrdade ganhou o senso comum e ressonância ante o doente, o defor-
produção teórica, e Pessoti destaca que foi dele a proposição de que
rnado e toda a sorte de pessoas com deficiência, principalmente aquc-
as funções intelectuais talvez não tenham se desenvolvido o bastante
las com DM, de absoluta reieição, como medo, segregação e asco. Estc
para que o idiota houvesse adquirido conhecimentos e classificava a
cstatuto de verdade, acima de tudo, catastrófico às pessoas com DM,
deficiência mental com a categorização educável em casos leves, caso
as convertia em portadoras do princípio degradador.A DM regridc ao
dos imbecis.
escatuto dc amcaça à segurança pública e à saúdc- das famílias c Povo-
,t
26 Educação & Exclusão Carlos Skliar (Org.) 27
ações, "não porque alguém Pudesse ser individualmente contagiado, famíliaJuke para provar a dotação hereditária da DM e seus correlatos sociais:
mas o sangue, a genealogia, a raça ficavam exPostas ao contágio fatal" crime, pobreza e prostituição, tornando a DM um Perigo genético e ameaçì
(Pessoti, op. cit., p. la5). social.Assim, a reclusão e a esterilização apresentam-se como soluções acci-
cáveis e prudentes, como ressalta Pessoti (op. cit., P.14|.
Em lugar do conhecimento, A gênese do conceito de DM, com sua origem produtiva de den-
o comportamento normalizador tro do saber médico e da prática médica, se fundava em fatalidades genó-
ticas, congênitas ou neonatais.A DM é, necessariamente, uma resPostil
As teorias de Morel contribuíram menos ao conhecimento, onde orgânica, portanto, necessariamente, Pertencente à nosografia medica.
vingavam como a própria pseudociência, que ao comPoftamento, especial- Enquanto transmitida hereditariamente, escaPa ao camPo da cura, c ;t
r"-n," pelo tom alarmista travestido de teoria médica.As Pessoas com DM reclusão, eliminação física ou evitamento da reprodução e proibição do
seriam as últimas rePresentantes das famílias em vias de degenerescência casamento entre degenerados, são as saídas médico-sociais. Atravessa-
(degenerescência total) após uma genealogia familiar de epilepsia, ócio, alco- da pelas teorias eugenistas, demonológicas e organicistas, a oligofrctti;t
olismo, delinqüência, furto etc.A Pessoa com DM encarna o princípio de- não é passível, senão minimamente, de intervenção Pedagogica: dcsdt'
gradador (um repulsivo papel social).As teorias de Morel e seguidores vie- que aplicados em estabelecimentos especiais, os recursos higiênico-sa-
ram sustentar o conceito de degenerescência da raça.A prevenção ganhava nitários e pedagogicos podem transformar "um bruto inconvenictttc,
o estatuto de preservação racial e produzia a rejeição e hostilidade à raça perigoso, inútil e perturbador em um sujeito decente, inofensivo e capa/
degenerescente. (Ressalte-se que a teoria da degenerescência racial iuntava de prestar à sociedade alguns serviços em troca dos cuidados e da pt'o-
crãtinismo e idiotia como unidade etiológica e desprezava qualquer viés teção que recebe dela" (texto colhido por Pessoti,p.l64, dos Diciorrá-
epidemiológico ao tabular os dados regionalizados de recenseamento)' rios Enciclopédicos de Ciências Médicas da autoria de Olambard, 1889).
Havendo raças que são mais degradadas do que outras, então "não é As classificações da oligofrenia e as alternativas ProPostas vat'i;t-
de estranhar que surja uma classiíìcação étnica dos idiotas dois anos aPos o vam dos matizes metafísicos ou religiosos aos de responsabilidade rnot'nl
levantamento da Comissão Francesa", coloca Pessoti (op. cit., p.147) para c aos de proteção à ordem social. Assim, chegamos em I 889 colÌì ,r
introduzir a obra de Langdon Down (Londres, 1866) que descreveu a
rndicação do asilo-leprosário aos cretinos (reclusão definitiva e tot;rl-
síndrome de Down, designada por ele de mongolismo, explicando a
rÌìente tutelada), a indicação do asilo-escola aos idiotas ( onde aPrcrì-
retrogressão racial, uma regressão à raça mongolica (mais primitiva) respal- rlc-.ssem a trabalhar para retribuir a alimentação e instrução reccbiclas,
dada na formação palpebral, onde há um encurtamento da pele. (O encurta- rr:trocedendo a inculpaçáo da Pessoa com deficiência) e a prisão dotni-
mento da pele, na formação palpebral da pessoa com a síndrome descrita riliar aos imbecis.Aos imbecis indicava-se a Prisão domiciliar Porqlrc
por Down, representaria uma imagem mongólica e não uma imagem egíp- (.stcs, inegavelmente caPazes de aprendizagens e rápido desenvolvi-
cia, assíria ou maia, por exemplo, entre os Povos com olhos com formato rÌìcnto, e pessoas cujo confinamento é mais difícil de impor, precisavnrrr
amendoado,pois estes últimos possuíam maior evolução sociocultural)' Down .l;r vigilância permanente Para que o seu senso moral rudimentar c stln
serviu ao estudo da DM Por aPresentar um tipo novo de DM que mais tarde ír'rca razão não os transformassem de mansos e inofensivos em pct'i-
permitiu superar aÏêoria Unitária da DM. De resto,descreveu uma síndrome .,'()sos, desacatadores e promíscuos (Pessoti, op. cit., p. 165).
já reconhecida e reportada por Seguin em I 864, reproduziu a tese do inatismo
A medicina do início do século XX resolvera a Presct'ição rlos
e não acrescentou novidade ao entendimento etiologico;tampouco aiudou ,lrvcrsos tratamentos da DM conforme a gravidade de cada qttarlt'o:
a esclarecer a relação entre a doença herdada e a DM' ,,rnfinamcrìto ou educação especial, com estes nomes. As pcssoes cottt
Entre os primeiros estudos de hereditariedade, estava o estudo da famí- ,lr.íir iôtrcia dc tipo vcget;ìtiva ou scvcra, o confinamento c rcclttsão tto.'
lia Horn. O estudo indicou um Serme doentio, transmitido de pais para filhos, lro.,1rícios;is dcrnais, trnt cducação cspcci;rl Pal';ì Protcgct- :t socitrrhrlt' r'
responsável por aspectos morais, pessoais, infecciosos c acidcntcs obstctri- r,,rlrrzir' ()s cust()s rla rnnnrrtcrrção pírblic;r orr f;rrttilinr rlo olip,ofr'ôtrico.
cos, quc provavarn a lrcrança da icliotia. Dtrgdalc dcsct'cvctl sctc gcr-açõcs
cla
A grosiçío rll Jrsicoloyli;r nc> cr.nririo lri',(tiric'r>-cicttÍífico <l;r DM 1i,r
28 [:tltrclçIo & Fxclrrsilo (';rr lo.. Skli.rr (()r
1' ) 29
nha expressão com o diagnostico psicologico proposto porAlfred Binnet. r cstcrilização ó um cJos rncios clc cvitar maior incrcmcnto rra rrataliilarkt
As considerações etiologicas são menos importantes, como prova sua rlc oligofrênicos. Pessoti (op. cit., p. 189) nos chama a arenção dc qrrc ó
contribuição psicométrica, e sua influência teórica implica uma definição prcciso convir que, na terceira decada deste seculo, estas afirmações jí
psicologica da DM que escapa do fatalismo anátomo-patológico ou rrão podem ser desculpadas pela inexistência de pesquisas e divulgação
físiopatologico. Binnet, no mínimo, contribuiu para romper com a deter- crn áreas como genética, embriologia, microbiologia e endocrinologia.
minação causal necessária entre lesão orgânica e DM, demovendo a lo- Errtão, aquilo em que podemos pensar é, novamente, no ardil do conhc-
gica de que há uma normalidade orgânica e de que qualquer desvio é cirnento, no furor disciplinar da sociedade, via comportamento.
aberração.A medida de inteligência instituída pelo diagnóstico psicologi- No correr dos anos 30, esse conhecimento se desdobra em açõcs
co de Binnet quantifica graus de desempenho em relação à média das políticas, demográficas e de planejamento público, enfrentando não os
crianças de mesma idade, em sua significação pedagogica. O Ql, entre-
lrroblemas das pessoas com deficiência ou a melhoria na sua qualidade dc
tanto, mede graus operativos de execução de função e não a potência virla e saúde, mas os problemas que as pessoas com deficiência represen-
para operar funções, sendo útil para classificações e diagnósticos, mas t;ìvam para a ordem e para a saúde públicas. Em I 936, mais de 20 estados
não para proposições e desaÍìos. Com Binnet,.a DM deixa de ser propri- rrortcamericanos dispunham de legislação permissiva da esterilização de
edade da medicina e toma-se atribuição da psicologia como questão rrliotas, imbecis e violadores, consolidando e ampliando a legislação dcr
teórica, o que significa tirar a DM dos asilos e hospícios e dar passagem r:rr'ácer eugenista como proteção contra a ameaça de degradação social,
à escola, especial ou comum. rnoral e sanitária representada pelo convívio com seres mentalmente de-
Em 1898, Maria Montessori vai propor a educação moral como ll< itár'ios e organicamente irrecuperáveis.
abordagem da DM, visto tratar-se, segundo ela, de um problema muito Há publicações da época que sugerem a esterilização obrigator-i;r
mais pedagógico que médico.A cura pedagógica da medicina moral, pro- r.rÌì rìome da defesa eugênica da raça, para evitar, quanto possívcl, o
posta pela ditadura médica, é substituída pela educação moral que não rr,rscimento de débeis mentais, como a esterilização compulsoria qrre
se confunde com a prescrição da educação especial dos médicos , oil'iA em alguns estados americanos com os criminosos habituais, bô-
'c
ortofrenistas. A diferença entre educação moral e tratamento moral lr,rrlos e alienados.
estava no fato de que o método não se limitaria à eficácia didática, mas Bem, e claro que as teorias eugenistas e fatalistas raciais orr
ao alcance da pessoa do educando, seus valores, sua autoafirmação, seus
1'r.ncalogicas caíram deÍìnitivamente com os avanços da ciência em bio-
níveis de aspiração, sua auto-estima e sua autoconsciência, segundo r;rrírrrica, genética, clínica médica, obstetrícia, psicologia do desenvolvi-
Montessori (Pessoti, op. cit., p.l8l). nr('rìto, puericultura, etc. O psicodiagnóstico da DM invalidou sua corì-
Paradoxalmente, se no século XX floresciam Le Case Dei BombrnÌ, ( ('l)Ção unitária apontando diferenças qualitativas,graus e áreas de corn-
montessorianas, ressurgia com força o terror contra as pessoas com yrrorrrctimento, níveis de recuperabilidade e intervenção, proposições dc
DM, uma verdadeira propaganda alarmista. Propagam-se concepções que t,,,lirrrrrlação precoce e reabilitação. Novas entidades clínicas foram cles-
beiram o retorno à fogueira: PessoticitaTredgold (1909), Femal (1912), ( rrt:ìs c programas terapêutÌcos instituídos nas áreas de audiologia,
Goddard ( I 9 I 4), Hollingworth (l 920),Tredgold (1922), Pintner ( I 933) l,rri;rr'ia, neurologia e psiquiatria iníantil, que em diversos momentos
e Catell (1936). Esse retrocesso nas teorias se expressa com proposi- ,rl:r u[);ìr'am condições ou respostas fisiológicas como DM. Foram desco-
ções como a educação especial para prevenir a periculosidade das pes- lrr.r t;rs possibilidades de prevenção da DM, aconselhamento genetico c
soas com DM e reduzir a sua inutilidade para a comunidade (elas devem rlrt.r;rs ;rpropriadas à recuperação de distúrbios metabolicos.A pedago-
produzir alguma coisa, enquanto são mantidas sob vigilância, para com-
1ii,r rlcscrrvolveu teorias educacionais capazes de operar com o descnvol-
pcrlsar os custos a que obrigam a sociedade);a segregação da comunida- vuìì('rìro d:r irrteligência e inúmeras tecnicas especiais de educação. A
de, sob qualquer forma, e prudente, porque assim se reduzem as proba- .r',',r,,tirrrcia social, a tcrapia ocupacional, a fisioterapia e a cclucação físic;t
bilidades de procriação de novos oligofrênicos (e particularmente ne- vr(,r,!rÌì :rrnpliar a convivôncia com as pcssoas corn DM proporrdo tccrri
ccssário separar as mulheres quando estiverem em idade de procriar) e ('vctìfos, lnovirncrrtos rlc soliclaricrladc e colìgraçatÌìcnto.
' ,r,,,
30 [-rlrrrlç,io & [ xt lrtricr
C:rrlos Sl<|rr (Org.) 3 I
teatral' tigação, reccbi uma publicaçãot com recomendações para pesqtrisás dc-
uma piada sinalizada, uma Pantomima, um esPetáculo
senvolvidas no quinqüênio l99l- 1995. O documento sugere umã Attrã-
Aidéiadestetrabalhosurgiuemlg82'quandoouviorelatodeum e surdos na formação
ção conjunta entre artistas proÍìssionais ouvintes
ator dinamarquês sobre seu tr;balho em mímica, com crianças
surdas.
teatralr e experimenta- de atores, diretores, técnicos e produtores, buscando uma expressão
Tendo vivido um processo de formação de gruPo
que as atividades cultural própria; enfatiza a necessidade de Promover a língua de sinais
do diversas criações com a linguagem dramática, intuía
básico Pàra a nas manifestações artísticas; solicita pesquisas aprofundadas no campo
dramáticas poderiam ser mediadoras de um conhecimento
de um codigo da historia e da cultura dos surdos com a inclusão desses estudos soci-
imersão numa comunidade distinta da minha, portadora
educativos oculturais no currículo escolar.
lingüístico diferenciado - os surdos e a língua de sinais.AsPectos
Para captar e tentar entender essa produção, não podemos ne'
prãr"na", na vivência de grupo como a socialização dos processos
de
e informação comParti- gar a pluralidade cultural existente na escola e nem os problemas de-
criação (através do jogo diamático), a formação
da arte teatral (mímica e pantomima' teatro Iorr"na", da falta do exercício dessa percepção. Uma atitude imediata
lhada, conteúdos
"rp".ífi.ot envolvidos'A bar- na busca de outra persPectiva Pâra a comPreensão do fenômeno culttl-
gestual), poderiam resultar "positivos"2 Para os sujeitos
dos recur- ral pressupõe descentrar o sujeito (na tentativa de limpar o receituário
ieira tiÁgtiistica poderiu ,", ,up"rada, inicialmente, com alguns
até então com- prescrito) e assumir uma "curiosidade etnográfica" (Lane, 1992' p.l9)'
sos aciÀa citados, garantindo meios Para uma interação
passando a captar formas de produção cultural resultantes de utna
pletamente desconhecida para mim'
educação atravessada por diversos fatores: a pedagogia e a psicologia
AsprimeirasincursõesnoesPaçoescolardosestudantessurdosco-
desses estudantes' pensadas sobre e para o surdo (jamais com o surdo) e resPectivlìs
locaram-me frente ao receituário de virtudes e defeitos
psicologos, técnicos, fo- iilosofias de suporte; os processos de aquisição das línguas (língua dc
atribuídos pelos profissionais (educadores, médicos,
e os encontros e sinais, português falado e escrito, línguas estrangeiras,línguas de sirrnis
noaudiologos) e demais ouvintes (pais, parentes' amigos)'
de uma comuni- de outros paises) e a experimentação com variadas linguagens (vídco,
desencontros entre línguas. Era evidente a impossibilidade
de interação - a forma falada artes plásticas, cinema, dança, teatro, expressão corporal); o stliciro
cação fluida, através do-nosso recurso habitual
língua viso-gestual e surdo e as representações sociais a Partir da perspectiva da sociedadc
- somada à inexperiência na decodificação dos sinais
esse ouvinte e da comunidade dos surdos; as ProPosições do paracligrl;l
âgrafa- onde o corPo todo produz enunciados' Para compreender
médico-patológico; a criança, o adolescente e o adulto surdo e setls
*aigolingüísticonovoeranecessáriaumaescutaquenãosereferisseex-
estado de atenção em temas socioculturais, lutas políticas e direitos'
clusivamente à condição do ouvir, mas sugerisse um
margem da própria A tentativa de descentramento obriga-nos a um reequilíbrio corn o
diversos sentidos. No entanto, o temPo silencioso à
detalhes que constituíam um outro. Ao deixarmos de lado o receituário impregnado de defìciências er
língua e da língua de sinais provia o olhar com
o público e o assumirmos a nossa condição de ignorância frente a outra cultura, Provoca'
incìpiente coÀhecimento: estilos pessoais de falar/sinalizar,
as piadas de sur- mos um movimento inverso na abordagem pedagogica tradìcional.Aqtri o
privado na comunidade de surdos, a cult'ura dos rumores,
etc' aluno tem conhecimento fatual dos obstáculos e limites que a perda senso-
dos, as caricaturas de ouvintes, as exPressões artísticas'
de Arte e Cultura da Federa- rial cria. No entanto,a produção do conhecimento sobre o surdo e a surdcz
Em seguida, ao contatar a Comissão
na busca de referências para esta inves- é determinada, em grande parte, por suieitos ouvintes. Esse movimento dc
ção Mundiaide surdo, (wFD), perguntar-se, afìnal,"que efeito exerce a surdez infantil em nós, professorcs
ouÃtes?" (Wood, 1991, p.25) abre espaço para uma reflexão sobrc as
Lc|.,poTEAR,dirigidoporMariaHelena.Lopes,lgS0-lgg2.Materialderegistroe
documentaçãoemjornais,vídeos,fotos,revistas'Programasdeespetáculos'etc'àdis- atitudes, condutas e rePresentações sociais sobre o surdo e a surdez, a
posição para consulta com o autor' 'Passa de um estado para partir de uma perspectiva sócio-antropologica que vê os surdos como tni-
l. ò;;" dizVeiga-Neto;'po,itluo ("') no sentido daquilo que noria lingüística e cultural.
Crise dos paradigmas. e
ãutro, diferentã', 1.-.; ,"* quulqì"t 1'lgun.'tnto de valor'"
intcrdisciplinariedade. ÈÃ, tnì".ait.iptinaïiedaae na sala de aula' SILVA, Dinorá; SOU- A zona de desenvolvimento proximal, conceito fundado por Lcv
ZA, Náciia (Orgs ). Porto Alegre: UFRGS' 1995 p' l9' Vygotsky na perspectiva da psicologia socio-historica, analisado
and Cr"rlturc'WFD' 1990'
3.-flr. pr.cscrrt sit.rratio'r of dc ócaf CLrlturc,Comission onArts
40 Educação & Exclusão
Carlos Skliar (Org.) 4l
5. "4 ;rcrsonalidade falante, consciência falanre". Bakhtin apud Wertsch , 1991, pl2.
em premissas teóricas e instrumentos de diagnóstico inapropriados (uma análi- individualidade e experiências culturais diversas.
5. Nega a muitas crianças as experiências normais da infância e uma
se mais pormenorizada desses autores será desenvolvida mais adiante)'
vida comunitária saudável (Kirk et al., 199,p'37)'
Assim, a questão envolvendo os proCedimentos de identificação
da deficiência é uma temática crítica na educação esPecial que Passa a Dos aspectos anteriores, ressaltam-se os dois primeiros.Tratam da
ser abordada. Não se questiona, é claro, a necessidade de identificar, o questão do diagnóstico ou da avaliação da criança deficiente. O trabalho
mais precocemente Possível, a existência de áreas deficientes no ser pedagogico com esta criança aPresenta duas fases complementares dc
humano. o ponto crítico reside, antes, na forma como se conduz o suma importância, que são o diagnóstico e a terapia. Em linguagem educa-
processo de identificação, esPecialmente no que tange ao sistema de cional, fala-se em avaliação e intervenção pedagógica.
classificação das deficiências. o receio maior acoplado a esta questão Aborda-se especificamente a questão da avaliação, já que ela tem a
relaciona-se com o risco da formação de preconceitos sociais Para com ver diretamente com o Ponto enfocado acima, ou seja, a temática díì
os portadores da deficiência: identificação da deficiência. Neste sentido, a educação especial alia-se às
uma das atuais controvérsias na educação especial diz respeito à outras áreas, em caráter de trabalho interdisciplinar, na busca da prescn-
classificação ou rotulação das crianças excepcionais em subgrupos
(isto ça de necessidades especiais na criança.A educação especial, entretan-
é, retardado mental, distúrbio emocional e outros). Alguns acreditam to, tem sua tarefa diferencial, ou seja, investiga os asPectos relacionados
que: (l) a classificação leva à rotulação errônea, principalmente entre
as às condições de aPrendizagem e de desenvolvimento cognitivo da crian-
educaci-
ça, onde o aspecto da avaliação assume papel primordial.
famílias de baixa renda; (2) a classificação não leva a programas
onalmente relevantes; e (3) a classificação e os rótulos são prejudiciais Na problemática da categorizaçáo das deficiências, advertc-sc
para o autoconceito das crianças rotuladas (Kirk et al'' 199' p' 35-36)' para a possibilidade do Processo avaliativo vir a fomentar preconcci-
tos sociais:"O rótulo é porvezes utilizado no lugar de uma avaliação
Considera-se que há asPectos positivos e também necessários numa siste-
da defì- mais importante das necessidades educacionais da criança" (Kirl< et
matização ou ordenação das deÍìciências. Por exemplo, a identificação
al., 199, p. 36). Os preconceitos sociais são especialmente nocivos
ciência auxilia no planeiamento da intervenção precoce,dém de fornecer
subsí-
sistematização porque atingem a criança na formação da sua auto-imagem, o qrlc
dios para pesquisa posterior em etiologia, Prevenção e terapia.A
o que pode significar um prejuízo ainda maior para a superação das difictrl-
favorece também o incremento da legislação na área do ensino especial,
grupos comunitários (pais, dades no âmbito escolar.
vem a favorecer o sistema educacional especial. Os
Assim, o processo avaliativo, quando inadequadamente conduzido,
parentes,amigos) envolvidos são favorecidos sob vários asPectos - pela orga-
-
pode resultar no surgimento de rotulos do tipo:"Aquele aluno(a) c cla
nização do atendimento ao defìciente (Kirk et al', 199, P'34'
classe ou escola especial, deve ter alguma deficiência!", o que acarrctA
Há, no entanto, críticas contundentes a alguns asPectos imbrica-
prejuízo evidente Para a criança no que tange ao binômio rcndimctrto
dos no processo de categorizaçâo na educação especial.Alguns aponta-
cscolar - ar.lto-cstima. Na qttestão da avaliação, a problemática não sc
dos são:
Carlos Skliar (Org.) 5l
50 Educação & Exclusão
l.Arotulaçãopodetranqüilizarosespecialistasemdiagnóstico'
que o encaminhamento Para o atendimento Pedagógico especializado seja
que procuram chegar a uma conclusão aplicando rótulos (tais como
justo e adequado. Ocorrem, no entanto, em não Pequena monta, vários autismo ou disfunção cerebral mínima), ao invés de delinear Programas
casos onde a avaliação e o encaminhamento Para atendimento escolar diferenciais de tratamento.
especializado dão-se em condições erradas. 2. Fornece o diagnóstico errado de crianças do grupo
Pesquisadores como Michel Schiff, na obra "A inteligência desperdiçada minoritário, que mostram anormalidades superficiais resultantes d:t
desigualdade social,injustiça escolar",e Reuven Feuerstein,no livro"The dynamic falta de exPeriência.
3. Retarda a reforma social necessária, concentrando-se mais
learning Potential assessment device, no
assessment of retarded Performers:the
theory, instruments, and techniques", aPontam Para a Prática injusta de avaliação indivíduo do que nas condições sociais e ecológicas'
escolar, onde se pode, equivocadamente, elaborar laudos avaliativos com base 4. Permite práticas e procedimentos polít'icos que depreciam a
em premissas teóricas e instrumentos de diagnóstico inapropriados (uma análi- individualidade e experiências culturais diversas'
5.Negaamuitascriançasasexperiênciasnormaisdainfânciaeumn
se mais pormenorizada desses autores será desenvolvida mais adiante).
vida comuniuíria saudável (Kirk et al', 199,p'37)'
Assim, a questão envolvendo os Procedimentos de identificação
da deficiência é uma temática crítica na educação esPecial que Passa a Dos aspectos anteriores, ressaltam-se os dois primeiros.Tratam da
ser abordada. Não se questiona, é claro, a necessidade de identificar, o questão do d'iagnostico ou da avaliação da criança deficiente' O trabalho
mais precocemente Possível, a existência de áreas deficientes no ser pedagogico com esta criança apresenta duas fases complementares
de
humano. o ponto crítico reside, antes, na forma como se conduz o ,r." irportância, que são o diagnóstico e a terapia. Em linguagem educa-
processo de identificação, esPecialmente no que tange ao sistema de cional, fala-se em avaliação e intervenção PedaSógica'
classificação das deficiências. O receio maior acoplado a esta questão Aborda-se especificamente a questão da avaliação, já que ela tem
I
relaciona-se com o risco da formação de preconceitos sociais Para com ver diretamente com o Ponto enfocado acima, ou seja' a temática da
identificação da deficiência. Neste sentido, a educação especial alia-se
às
os portadores da deficiência:
da presctt-
uma das atuais controvérsias na educação especial diz respeito à outras áreas, em caráter de trabalho interdisciplinar, na busca
educação especial, entretalt-
classificação ou rotulação das crianças excepcionais em subgrupos (isto ça de necessidades especiais na criança.A
relacionados
é, retardado mental, distúrbio emocional e outros). Alguns acreditam ,o, a"* sua tarefa diferencial, ou seja, investiga os asPectos
cognitivo da crinlr-
que: ( l) a classificação leva à rotulação errônea, principalmente entre as às condições de aprendizagem e de desenvolvimento
famílias de baixa renda;(2) a classificação não leva a programas educaci- ça, onde o asPecto da avaliação
assume papel primordial'
onalmente relevantes; e (3) a classificação e os rótulos são prejudiciais Na problemática da categorizaçáo das deficiências, adverte-sc
para o autoconceito das crianças rotuladas (Kirk et al., 199, p.35-36). para a possibilidade do processo avaliativo vir a fomentar
preconcci-
tos sociais:"O rótulo é porvezes utilizado no lugar de uma avaliação
Considera-se que há asPectos positivos e também necessários numa siste- ct
mais importante das necessidades educacionais da criança" (Kirl<
matização ou ordenação das deficiências. Por exemplo, a identificação da deÍì-
al., 199, p. 36). Os preconceitos sociais são especialmente nocivos
ciência auxilia no Planejamento da intervenção Precoce,além de fornecer
subsí-
sistematização porque atingem a criança na formação da sua auto-imagem' o qtle
dios para pesquisa Posterior em etiologia, Prevenção e terapia.A
pode signiflãr um preiuízo ainda maior para a superação das dificul-
âvorece também o incremento da legislação na área do ensino especial, o que
dades no âmbito escolar.
vem a favorecer o sistema educacional esPecial. Os grupos comunifários (pais,
Assim, o Processo avaliativo, quando inadequadamente conduziclo'
parentes, amigos) envolvidos são favorecidos - sob vários asPectos - Pela orga- c da
et al,lr99,P'37)' pode resultar no surgimento de rotulos do tipo:"Aquele aluno(a)
nização do atendimento ao defìciente (Kirk
classe ou escola especial, deve ter alguma defìciência!", o
que acarrcta
Há, no entanto, críticas contundentes a alguns asPectos imbrica.
preiuízo evidente Para a criança no que tange ao binômio rendimctttc>
dos no processo de categorizaçáo na educação esPecial.Alguns aponta-
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cscolar auto-cstima. Na qrrestão da avaliação, a problcnrática ttão sc
52 Educação & Exclusão
Crllos Skliar (()rg )
:t
limita aos resultados de uma avaliação inadequada, mas se vincula ao A prática da avaliaçãona psicologia e, portanto, na educrçio, tenr
próprio processo do avaliar, aspecto que será desenvolvido a seguir. sido, desde muito tempo, dominada pelos paradigmas teóricos ocldartslr
A prática avaliativa predominante considera como um dos fato- derivados de uma tradição positivista e reducionista, e, em partlctrlârì ílâ
res principais na "divisão de águas" indivíduo deficiente/indivíduo não tradição psicométrica, exempliÍìcada pelos testes de Ql.
deficiente, as condições de inteligência da pessoa. Embora tal habilida-
de seja acentuada como fator diferencial na deficiência mental e nos
A autora explica que tal abordagem psicométrica da intellgêncln
limita uma compreensão mais analítica das condições cognitivas da crl-
chamados distúrbios de aprendizagem,também é incluída entre os sub-
ança, com implicações diretas para as funções descritivas, prognóstlclr e
sídios paraa avaliação das demais deficiências, já que as áreas prejudi-
prescritivas da avaliação. Como proposta: alternativa a este modelo
cadas * sejam elas em caráter primário ou secundário - influenciam-se
avaliativo, Lunt (ln Daniels, op. cit., p.219-220) apresenta uma aborda=
reciprocamente.A inteligência tem sido tradicionalmente (e historica-
gem derivada do trabalho teórico de Vygotsky, por ela caracterizadcr
mente) mensurada através dos testes de Ql,forma de operacionalização
como uma proposta de avaliação dinâmica, em contraposição à avaliaçilo
do construto inteligência que tem sido, ultimamente, criticada de for-
"estática" da psicometria:
ma contundente.Além da avaliação através'do fator intelectual, a ex-
plicação de Piaget do desenvolvimento cognitivo tem sido explorada A avaliação dinâmica, que em seus últimos avanços deriva, de rna-
no sentido da compreensão dos níveis de atraso cognitivo que a crian- neira substancial, explícita ou implicitamente, das formulações teóricns
ça deficiente pode apresentar (8. lnhelder, no livro "El Diagnostico del deVygotsky, oferece uma abordagem alternativa para a complexa tarefa
Razonamiento en los Debiles Mentales", edição espanhola de 1971, da avaliação,com potencial para superar alguns dos problemas inerentes
às formas "estáticas" tradicionais.
dedica-se tanto à investigação empírica como à análise teórica dos atra-
sos no desenvolvimento cognitivo de deficientes mentais). Assim, os Apresentam-se, a seguir, alguns dos aspectos igualmente discuti-
aspectos determinantes da inteligência e do desenvolvimento cognitivo dos por Lunt, vinculados à avaliação dinâmica inspirada na teoria de
têm sido considerados como fatores diferenciais entre a"normalidade" Vygotsky:
e a "anormalidade". l.A avaliação das condições cognitivas da criança tem como fun-
Há, entretanto, conforme já mencionado acima, críticas fortes à damento o conceito vygotskiano dazona do desenvolvimento proximal.
avaliação calcada sobre o conceito de diferenças interindividuais, onde 2. Critica-se a pressuposição da teoria psicométrica de que as ha-
as condições individuais de desenvolvimento, recuperação e bilidades intelectuais ou cognitivas sejam fixas e mensuráveis, isto é, que
potencialização das habilidades latentes são desconsideradas em favor se desenvolvam de maneira regular e previsível. lsto pode traduzir uma
de uma posição pedagógica (e também psicológica) discriminativa. A concepção positivista sobre o que se espera das crianças em várias ida-
análise das diferenças interindividuais supera o interesse pelas diferenças des e estágios.
intraindividuais, onde, seguramente, ocupa-se precipuamente com pro- 3. lnteressa que se conheça o contexto sócio-afetivo da criança,
cedimentos qualitativos de investigação.A investigação quantitativa ca- isto é, buscam-se formas mais interativas e qualitativas de avaliação.
racteriza, antes, uma investigação voltada para as diferenças 4.4 avaliação dinâmica previne-se contra os erros praticados pc-
interindividuais (a psicometria é um exemplo bem conhecido da psicolo- los instrumentos tradicionais de avaliação, especialmente os testcs (k
gia diferencial). Neste aspecto levantado reside, pois, uma das primeiras inteligência pad ron izados:
críticas referentes ao uso diferencial - na busca das diferenças - a preocupação com os produtos da aprendizagem, descorrsirltr-
interindividuais - avaliativo das condições intelectuais e cognitivas da rando-se seus processos;
criança deficiente.
- a desconsideração com a resposta da criança à instrução;
Lunt (ln Daniels, 1994,p.219) relaciona o uso da mensuração ou
- a inexistência de ínformações prescritivas a respeito das propor-
quantificação da inteligência (psicometria), conforme praticada nos tes- tas de intervenção pedagogica.
tes de Ql, com uma filosofia positivista: 5. A avaliação dirtâmica interessa-se pela individualidacle e
54 frlrrr:rç:ío & Exclusrìo
Carlos Skliar (Org.) 55
idiossincrasia propria da criança, em contraposição a uma análise das
condições infantis a partir de uma "norma" estatisticamente estabelecida. do efetivo apoio psicopedagogico. Recorda-se, aqui, a conhecida afirma-
6.4 meta de conhecer os processos cognitivos em vez do produ- ção deVygotsky de que a educação sempre é prospectiva,e não retros-
to mensurável da capacidade intelectual consiste em outra característica pectiva, ou seja, ela se volta para os potenciais da criança que podem ser
da abordagem dinâmica.Além disto, esta abordagem volta-se para uma ativados através da tarefa educativa. A educação ocupa-se com o que
análise prospectiva das possibÍlidades de aprendizagem e desenvolvimento hoje pode ser mediado à criança no sentido de que a zona virtuar de
da criança,ao contrário de uma mera constataçã,o retrospectiva da apren- desenvolvimento torne-se, amanhã, em zona real de ação cognitiva.
dizagem já alcançada (ou não alcançada) pela criança. Feuerstein faz também considerações de natureza social e ideo-
Reuven Feuerstein, pesquisador israelita, conhecido mundiarmen- lógica vinculadas ao trabalho diagnóstico, no que ele é acompanhado
te pelo seu método psicopedagogico, desenvolvido a partir do seu tra- por M. Schiff, autor francês que será logo a seguir comentado.Alem do
balho com crianças e adultos cognitivamente prejudicados, tece consi- aspecto pedagógico que acompanha a crítica à avaliação inspirada na
derações que, por um lado, caracterizam-se pela crítica contundente abordagem psicométrica, conforme comentado no parágrafo anterior,
aos procedimentos avaliativos inspirados na teoria psicométrica e, por também "perspectivas distais sociológicas, econômicas e político-ide-
outro lado, fundamentam-se nos pressupostos epistemológicos de ologicas desempenham um papel vigoroso" (Feuerstein, op. cit.: 7).
Vygotsky e Piaget. Segundo Hamburger (apud Feuerstein, op. cit.), o sistema de avaliação
Sua primeira crítica direciona-se para a ênfase biologicista da teo- calcado na mensuração estatística é usado como elemento fortificador
ria psicométrica:"uma das premissas mais fundamentais da abordagem do sistema social. sobre a desvantagem que os grupos cultural, social e
psicométrica tradicional é que o rendimento num teste de el é ampla- econom icamente desfavorecidos apresentam. Feuerstei n tece o segu i nte
mente determinado por fatores genéticos" (Feuerstein,lg7g, p.4).O comentário:
autor critica a concepção psicométrica da inteligência como um construto
Um número desproporcional de pessoas de grupos de baixo
"hermético" (derivada da concepção genética), não modificável através nível sócio-econômico e de subgrupos etnoculturais têm sido diag-
da ação pedagógica, mas, antes, alvo do prognostico fìel dos testes de nosticado, classificado e tratado como deficientes mentalmente
Ql, já que se confìgura como atributo humano "estável (p. 5). Entende, educáveis (EMR - do inglês "educable mentolly retorded" - NT), con-
ao contrário, que forme os resultados dos testes através dos métodos tradicionais. Em
torno de 80% daqueles classificados como EMR e colocados em es-
há pouco motivo para aceitar que o rendimento nos testes de el provê-
colas especiais para os deÍicientes, em classes especiais para os de
em uma medida estável ou fiel do rendimento futuro(...) Até mesmo se
aprendizagem lenta, e outras estruturas da educação especial origi-
nós admitimos que os determinantes genéticos podem ser menos aces-
nam-se de subgrupos de situação sócio-econômica e étnica particu-
síveis à mudança, outros componentes no funcionamento do indivíduo
lar (Havighurst, 1964; veja também Erdman e Olson, 1966; Mercer,
têm um impacto muito mais pesado no seu comportamento e tornam a
1972, 1973).Tais descobertas incriminadoras rêm levantado a ques-
previsão muito menos signiÍìcativa.
tão sobre a validade - e o prejuízo - da testagem diagnostica conven-
A briga maior de Feuerstein, com esta forma de ver a capacidade cional no nível social mais amplo, e têm resultado em processos judi-
intelectual do ser humano, reside no fato de que "fecha a porta" para as ciais contra a avaliação psicométrica (p.9).
possibilidades pedagógicas no sentido do assessoramento aos indivíduos A denúncia de Feuerstein sobre a prática diagnóstica inadequada
com atrasos evolutivos e com dificuldades cognitivas. Para Feuerstein, a que interpreta, erroneamente, as condições cognitivas do aluno como
tarefa do pedagogo ou do psicólogo não se valoriza pela mera constatação decorrentes de alguma etiologia endógena, sem analisar as contingências
do baixo nível intelectual ou cognitivo da criança, com repercussão ne- estruturais sociais, culturais e econômicas, aplica-se, igualmente, às prá-
fasta para o prognóstico escolar, mas tem seu valor na prevìsão de que a ticas educativas especiais brasileiras. Em relação à situação brasileira,
performance hoje evidenciada pela criança pode ser revertida através l'ormula-se a lripotesc dc quc os procedimentos de avaliação e diagnos-
tico scjarn tttatizndos sigrrificativarÌìerìtc por variáveis de natureza social,
Carlor Skllâr (or8.) tt
5ó Educação & Exclusão
Assint,asdotaçõesvariadasqueossereshumanosrecebem..nAtu.
econômica e cultural, isto é, o fator etiológico principal não se reduz à questão' entre-
ralmente,, justificam seu destino social e econômico.A
(quem vem antes' A
tanto, assemelha-se à questão da galinha e do ovo
suposta causa endógena individual.
Retomando o aspecto pedagogico, e, mais propríamente, o aspecto realidade social
g;rinn" ou o ovo?), isto é, a capaciãade individual gera a
psicopedagógico, a crítica fundamental de Feuerstein volta-se para a avali-
ãu a condição social determina o destino individuall
O que Schiff Procu-
ação que considera as habilidades cognitivas como cristalizadas na criança, social dominante
ra desmasc arar ê,a iustificativa construída pelo
sistema
portanto não passíveis de mudança significativa. Para este autor o ser explica serem as caPa-
(também na dominància do sistema escolar), que
humano é, em sua essência, capaz de ativar processos contínuos de mu-
cidades cognitivas individuais responsáveis pelo
destino escolar e profis'
dança cognitiva (somente os casos mais graves de lesão cerebral são, em do indivÍ'
sional (poitanto, determinante do futuro sócio-econômico)
princípio, excluídos).Assim, ele se opõe a todo procedimento diagnóstico
duo.NacomPreensãodeSchiff'todasituaçãocognitivaeescolarda
que considera,a priori, os indivíduos portadores de deÍìciência ou que e também social'Tentar
pessoa engloba variáveis de natureza individual
apresentem dificuldades cognitivas acentuadas como subdotados no que
explicar sociais e econômicas através de argumentos calca-
tange à possibilidade de construir operações mais complexas do pensa- "r=difur"nças
dosapenasnoâmbitoendógenoindividualéprocurarmascararuma
mento. Neste sentido, o diagnóstico que prognostica que a capacidade análise e a
realidade que abrange também asPectos macroestruturais.A
real da criança é insuÍìciente para atingir níveis esperados pelo sistema e, mais tarde' no
crítica das chances ãos indivíduos no sistema escolar
escolar e pela sociedade em geral, encontra-se, na ótica de Feuerstein,
sistemaeconômicodevem,Portanto,englobartantoosfatoresdecu-
comprometido ideologicamente ou executa urna função cultural tenden-
nho biologico-psicológico como os de âmbito social'
ciosa. Condições individuais de aprendizagem e de desenvolvimento inte-
lectual diferenciam-se, sem dúvida;entretanto, toda avaliação do indivíduo Bi bl i og râficas
Referências
deve passar pelo crivo da análise e crítica sociopolítica.
M. Schiff (1994) apresenta uma série de considerações a respeíto peformers"the leaming Potential assessÍìrerìt
FEUERSTEIN, R. The dynomic ossessment of retarded
inr*rn,''"nii-"nã t"chniquer. Baltímore: University Park Press, 1979.
do uso ideológico das avaliações escolares calcadas no conceito de nível device, theory,
GARDNER,H.Estruturasdomente:ateoriadasinteligênciasmúltiplas.PortoAlegre:ArtesMé.
de inteligência.A crítica maior de Schiff direciona-se para a argumenta- dicas, 1994.
los debiles mentales' Barcelona: Editorial
Nov;r
ção que defende a ídéia da desigualdade social como plenamente justificada INHELDER, B. El diognostico del razonomiento en
nas diferenças que caracterizam os seres humanos enquanto indivíduos Terra,1971.
Paulo: Martins Fontes' l99 l
KIRK, S.A.; GALLAGHER, )'J' Educoção a1 griglClexcePcionol'Sáo
que compõem classes econômicas distintas. Estas diferenças explicam- LUNT, r.A prática da .""ìij;á;:r*-óãNrELS, H.lorg.)
vygotsky em foco,pressupostos c desrlo
Editora' 1994'
se pelas capacidades "naturalmente" herdadas pelas pessoas. O autor bramentos. Campinas: Papirus Arter
SCHIFF, yl. A intelìgência ì"$"raiçoa"' desigualdade social, injustiça escolar' Porto Alegrc:
apresenta a seguinte citação do ex-presidente francês, Giscard d'Estaing: Médicas, 1994.
in die lernfãhigkeitsdiagnostil< Rcttvcn
scHYllÏz,G.Ft;rderdiognostik einmal onders:eineeinführung
Nascem homens, nascem mulheres, nascem filhas únicas e famílias Feuersteins. Sondeipádagogik I989' H' I' S l-I4'
I 995'
de dez filhos, nascem crianças dotadas para o estudo e outras dotadas scLÀR, Yl. Crõnica. Jàrnal2íro Hora, Porto Alegre' maio
para os trabalhos manuais (grifo do autor). Não são desigualdades
econômicas, não são nem mesmo desigualdades da natureza, são
disparidades, diferenças neutras em relação a qualquer sentimento de
justiça ou injustiça. Trinta anos após seu nascimento, alguns trabalham
com as mãos, outras cuidam do lar, ascendem a postos de comando,
passam filmes, ensinam as novas gerações. Suas vidas são diferentes, suas
maneiras de viver são diferentes: ainda, então, são inevitáveis as
disparidades (Giscard d'Estaing apud Schiff, 199, p.7). (grifo do autor)
Larlot )Kllar tr!'Íl{', t'
sua comunicação. Enquanto F demonstrava-se agitado quando solicitáva- No nosso entender da ação de ele Procura' por intermódio da
F,
mos alguma atividade ou quando queria propor alguma brincadeira a representação, internalizar comportamentos que
ocorrem em seu meio
seus amigos, M usava recursos visuais, além dos sinais que já conhecia, e que sem o auxílio do brinquedo não poderia concretizar'
para fazer-se entender por seus companheiros.A diferença destas duas Comoexemploquemencionamosparailustrarnossaafirmação,
crianças, sem dúvida, era decorrente, ao nosso ver, das diferentes medi- voltamosParaoimportantepapeldomeionoProcessodedesenvolvi.
como crianças
ações do meio em seus desenvolvimentos. mento infantil: as interações adulto - criança, assim
As diferenças sócio-lingüísticas existentes nos meios em que se en- crianças foram muito significativas Para o trabalho'
As diferenças entie as crianças, bem como destas em
contravam M e F determinavam seus desenvolvimentos.lsto signiÍìca que a relação ao
que iá eram
aprendizagem precede o desenvolvimento e que o meio onde as crianças professor, possibiiitavam momentos de trocas de experiências
vivem, neste caso, é de fundamental importância. dominadas Por uns e não Por outros' Aquela criança que iá dominava
A qualidade das trocas que se estabelecem em um plano visual algumasatividadesexigiadeseuscompanheirosnovoscomPortamen-
gestual entre pais e Íìlhos,amigos, professores e alunos influencia decisi- tos.Traduzindo esta ptt" uma interpretação socio-historica, umn
"fão o que antes
vamente na forma como as crianças surdasi no caso, tornam mais com- influenciava nazonade desenvolvimento da outra,tornando
plexos seus pensamentos e processam novas informações. era potencial em uma atividade real'
A partir da realidade que constatamos junto à turma de crian- Comnossasúltimascolocações,Pensamosestarclaroumdosnossos
ças surdas, tentamos, através de jogos, inserir a mesma na comunida- critériosParaotrabalhojuntoàscrianças.otrabalhoemgruPoproporcio-
de surda, propiciando às crianças condições favoráveis para o seu na o desenvolvimento de seus membros através
de interações entre eles'
desenvolvimento comunicativo cultural, psicológico, cognitivo, mo- Muitosout'rosargumentospoderiamsertrazidosParacaracterizat.-
como não podemos
tor, etc. mos nossa intenção no trabalho e no gruPo' porém
ano em um artigo, Pas-
Neste momento torna-se importante colocarmos a nossa interpreta- transcrever toda a prática construída durante um
a prática e as aborda-
ção sobre a palavra "jogo". Denominamos por jogo toda e qualquer mani' saremos agora Para uma aproximação maior entre
festação criativa da criança. Para fundamentarmos nossa deÍìnição nos utili- gens teóricas que utilizamos.
zamos da própria origem do termo que diz ser esta uma palavra universal
originária do vocábulo latino "iocus" que signiÍìca diversão, brincadeira. A mediação material e sígnica
A escolha do jogo como uma estratégia de trabalho se consolida na no desenvolvi mento infantil
natureza eminentemente social deste. Por intermédio dele a criança interage
para a pri-
no e com o meio, interiorizando a realidade que no momento não lhe é Notadamente vimos, através das experiências trazidas
real. Batistel (1994, p.28) nos diz qLre "a criança assimila a realidade, se meiraPartedestecapítulo,queocomPortamentosocioculturaldoho.
este comPor-
socializa e se apropria da cultura, o que faz do jogo uma importante fonte mem se sobrepõe ao biológico. Desta forma,localizamos
e inrrapessoal.
de desenvolvimento intelectual e da personalidade infantil". tamento no quevygotsky 1ìraal chama de interpessoal
colaborador no Processo
Conforme a citação, o jogo é uma importante fonte de aquisição de O iogo, como Já colocado anteriormente' é
atraves das relações
conceitos por parte da criança. Muitas situações que não são aceitas pela de desenvolvimento. Por intermédio do iogo podemos,
mesma na sua vida com as demais pessoas passam a ser consideradas no sociais mantidas nele, adquirir uma Iíngua seia ela
oral ou de sinais' Pensa-
jogo. Para exemplificarmos nossas colocações, traremos uma situação mosque,Paratermosumalíngua,necessitamosantesexperimentarsittla.
ocorrida durante o trabalho com as crianças.Vejamos: que possua características especíÍìcas.
ções áentro de um grupo
Para que umã criança iurda convencione gestos
dentro de sctl
O menino F ao jogar com os colegas "muitas vezes" torna-se agres- e experiôncias'
sivo e utiliza-se de uma vara "deixada pelo pai no canto da sala" para meio, é necessário que esm resgate suas percepções
ameaçar os amigos que "no faz-de-conta" são seus filhos. Esteresgateéarecordaçãodaexperiênciacombinadacomareot.gani-
zação dcsta dentro de um prism:r criativo'
62 Fr[rc:rçio & Exchrstro
Lì-Í'l-1ir--r-..
usar gestos indicativos, sinais que já conhecia... Sem dúvida, ele conseguia -ríllL'u-:*i:i
se identiÍìcar como sendo surdo.
Como não temos intenção de esgotarmos o tema, mas, sim, de
levantarmos questões sobre o assunto, esperamos ter conseguido apon-
Uma peÌ'spectiva sócio-histórica sobre a psicologia
tar alguns aspectos sobre a relação que tentamos construir entre a teoria
socio-histórica e a educação de surdos no que se refere à aquisição de
e a educação dos surdos
linguagem.
Cnnlos SrcllaR
Referências B i bl iog ráficas
res defendiam,em maior ou menor medida,a idéia de que a surdez origina- desses perigosos vaivéns ideológicos, continuam acreditando que os ouvintes
va um problema de linguagem e, Portanto, um Problema de inteligência. escolheram e continuam escolhendo para eles uma língua e uma cultura que
Entretanto, minha jovem e inexperiente tranqüilidade durou pou- não compartilham, nem poderiam compartilhan
cos dias. Em um congresso sobre surdez - mas não sobre surdos! - tive Esta sorte de desencontro lingüístico e cultural é comparável a
oportunidade, por primeira vez, de observar uma intérPrete da língua tantos outros que a história da humanidade narra, onde uma maioria -
de sinais junto a um gruPo de surdos que olhava com avidez as ágeis não quantitativa senão qualitativa - impõe seus pontos de vista etno e
mãos da mulher. logocêntricos sobre uma minoria - não qualitativa senão quantitativa - e
Recordei, então, que na minha formação ninguém havia menciona- exerce pressões de normalizaçã,o e assimilação à língua e à cultura de
do a língua de sinais; não se havia falado dela nem sequer como uma todos os demais.
curiosidade, uma estranheza, ou uma extravagância. Mas tampouco ha-
via escutado alguma opinião contrária à sua existência; simplesmente a O modelo clínico-terapêutico da surdez
língua de sinais e, por extensão, a comunidade de surdos, não havia
existido em todos esses anos. Durante o último século,e especificamente no período que comPreen-
Depois do evento, me aproximei para Perguntar à intérprete se de alguns anos antes da celebração do Congresso de Milão de 1880 - curiosa-
aquele gesto com os indicadores,com o qual convenci as crianças surdas mente chamado "Per il miglioramento della sorte dei sordomuti" (Para a
a responderem as provas de conceitualização, tinha algum significado melhoria da sorte dos surdos-mudos) e até a aparição de outras alternativas
preciso na língua de sinais. metodológicas e educativas até íìns da década de 70 do último século, os
-"Sim, claro!" - respondeu-me - "É o sinal de igual." Aquela tarde surdos foram objeto de uma única e constânte preocupação Por parte dos
corri apressadamente até a escola e solicitei autorização para mudar em ouvintes: a aprendizagem da língua oral e, como se fosse uma conseqüência
meus relatórios somente uma Pequena frase; ali onde dizia: "todas as direta, sua integração ao mundo dos demais... ouvintes e normais.
crianças surdas avaliadas demonstram uma notável rigidez de pensamen- Alguns autores consideram que as conclusões do Congresso de Milão
tO cOnceitual", escrevi com certa paixão: "todas as crianças surdas ava- foram tão poderosas que produziram uma divisão radical, e aParentementc
liadas demonstram ser notavelmente obedientes aos primitivos coman- irreconciliável, na história da surdez e dos surdos (Cuxac, 1983; Lane, 1984:
dos do avaliador" . Mottez, 1977; Sacl<s, 1989;Volterra, 1990, etc.). Em verdade, a magnitude e
Desde então muitas coisas mudaram na PercePção dos ouvintes a influência das recomendações desse Congresso nos levam a considerar a
sobre os surdos e na vida e no auto-conhecimento dos próprios surdos; existência de dois grandes períodos históricos: uma história prévia, que vai
mas todos, surdos e ouvintes, seguimos escutando com perigosa freqüên- desde meados do século XVlll até a primeira metade do século XlX, ottde
cia este tipo de histórias. E é claro que Pâra os surdos tais experiências eram normais as experiências educativas através do uso da linguagem dos
não parecem divertidas nem Podem ser consideradas como simples erros sinais; e outra história posterior - de I 880 em diante e, em alguns países, até
de juventude, senão todo o contrário:de jactâncias como as minhas e de nossos dias - de predomínio absoluto de uma única equação, segundo a qttnl
muitos outros ouvintes - profissionais inexperientes ou membros notá- a educação dos surdos se reduz à língua oral.
veis do estoblishment da audiologia - podem derivar-se violentas e trágicas Nesse Congresso - que não contava com a ParticiPação nem cotrt
ingerências na vida e no destino de qualquer criança surda. a opinião da minoria interessada - um gruPo não muito numeroso de
Como se verá na continuação,a história da surdez - entendida em geral educadores ouvintes impôs a superioridade da língua oral sobre a lírrgtln
somente como a historia das instituições, dos educadores ouvintes e de seus de sinais, e decretou, sem fundamentação científica alguma, que a pri-
métodos - , a psicologia da surdez e a educação especial Para estas crianças meira deveria constituir o único objetivo do ensino. As motivações tr
podem realmente ser consideradas um tortuoso caminho cheio de Precon- ideias que fizeram possível esta conclusão - que não pode nem deve sct'
ceitos e limitações nas construções teoricas e metodológicas dos ouvintes. considerada somente de natureza metodologica - são ainda hoie obicto
Os surdos, que sofrem em sua vida cotidiana, escolar e laboral os efeitos de esttrdo por parte de numerosos pcsquisadores.
78 Fìtluc;rçlo & Ext lttsío ( ,rr los Skli,rr (( )r11 ) 79
obtÓrn
processos de conhecimento, planifica aquém dessas capacidades,
rosouvintes,emquasetodasasáreasacadêmicas'Porexemplo'Allen os resultados que concordam com essa percepção e iustifica
o fracasso
(1986)aPontaqueonívelmédiodeleituradosadolescentessurdos final pelo simpies fato de que as crianças surdas não podem
vencer Õ
àmericanos é equivalente à de uma terceira ou
quarta série, e que a
déficit, isto é, não podem reverter sua própria natureza'
atuação,emcálculosmatemáticoséinferioràdeumasétimasérie.A Na atualidade, e a partir dos avanços na audiologia, a proposta
oralista
que a capacidade
similares conclusões chega conrad (1979) que conclui (Behares'
é de nove anos e dois se converteu em uma aliada inigualável do sístema educativo
de leitura média dos adJlescentes surdos ingleses reflete
Massone e Curiel, 1990). Este módelo resulta hegemônico Porque
meses.TambémumapesquisarealizadaporVolterra(1989)naltáliaofe- com fidelidade uma representação implícita que a sociedade
ouvinte cons-
que mais de 43% dos
rece dados interessantes:os resultados mostraram com a patologia. O
é totalmente des- truiu do surdo, isto é, uma concepção relacionada
significados de um certo número de palavras avaliadas nao Ïala' E
surdo é considerado uma Pessoa que não ouve e' Portanto'
cõnhecido pelos adolescentes surdos' definido Por suas características negativas; a educação se
converte em
Emrelaçãoaoefeitoqueproduziueprovocaaaplicaçãodomodelo suieito o que lhe faltn:
bastaria oferecer terapêutica, o obietivo do currículo escolar é dar ao
clínico-terapêutico sobre a vida cotidiana d.os surdos, doentcs
de surdos que a audição, e seu derivado: a fala. os surdos são considerados
dados informais sobre o estado psicológico de milhares práticas
privações sociais em reabilitáveis e as tentativas pedagógicas são unicamente
sofreram isolamentos comunicativos e verdadeiras fim é unicamentc ;ì
falar e violentados em sua reabilitatórias derivadas do diagnóstico médico cuio
sua primeira infância, que foram obrigados a
de sinais. Seria suficiente ortopedia da fala.
intimidade, e foram proibidos de usar sua língua palavras como ,,reabilitar", "restituir", "adestrar", "dar", "imitar" ,
mencionar a história de Sonya Kinney, surda de
l5 anos, que Venceu Uma
com o obietivo de negar "reforçar" são freqüentes no discurso pedagógico da educação do surt
batalha judicial em willmington, Estados unidos, do. As escolas são clínicas ou hospitais que convertem
a criança sut'dl
aseuspaistodoodireitodepossesobreela,pelosimplesmotivodeque mais em um paciente que em um aluno (Sl<liar, Massone e veinbcrg,
nãoquiseramaprenderjamaisalínguadesinais'istoé'senegaramaco- rees).
municar-se com a filha. Apesar desta tarefa quixotesca desenvolvida durante anos, de cscolì-
Umainterpretaçãoadequadadessesdadosdeveriaconduzir-nosa der os surdos e a surdez, de considerar as línguas de sinais e os sttt'dos
respostaeficazàs seguintes Perguntas:pode-se atribuir uma causa na-
uma
aceder aos conhecimen-
como uma ameaça social o modelo oralista fracassou pedagogicamcnte e
turat à diÍìculdade das crianças e iovens surdos para contribuiu com o Processo de marginalizaçáo social no qual se encolìtl'Allì
i., É a surdez, a perda auditiva, a causa original dos limites
atualmente algumas comunidades de surdos, especialmente aquelas clc
paÍ-
"r*f"res?
lingüísticos e cognoscitivos dos surdos? Este é o
único destino imaginável
de suiei- ses em vias de desenvolvimento ou subdesenvolvidos. E resulta no mínitnn
p"7" pessoãs? Ou ao contrário, é a pedagogia' sua concepção paradoxal que, iustamente num âmbito com essas características, as criatì-
"r4", sua modalidade e objetivos de funcionamento, a responsável
to educativo, ças surdas desenvolvam, ao mesmo temPo,
dois tipos de identidade cultural:
pelos fracassos?
dificil- por uma parte adquirem a identidade deficitária - uma vez que a mensagenì
o modelo clínico-terapêutico, e Por extensão a escola oralista, que lhes é dada é que não são ouvintes - ; e Por outra Parte, a identidadc
da nobre e acrítica
mente se propõe estas inteirogações, pois, em virtude zurda porque estão imersos e compartilham atividades com outras criatt-
civilizar, hominizar a -
tarefa que acredita desempenhar - que é desmutizar, ças e adultos surdos.
criançasurda,transformá-laemfuturoadultoouvinte_nãorevisacom Estabelece-se, deste modo, uma crise de identidade e surge uma sêric
para obter os resulta-
profirndidade os meios nem as estratégias que utiliza de problemáticas psicossociais que o oralismo não entreviu e, menos aittda,
dos que diz ou que deseia obter' resolveu.A identidade surda se constrói em relação a esta realidade diglóssica,
Porsuaconcepçãoacercadosobjetivosdaeducaçãoespecialpara que não so esfá presente na escola, mas também, alem disso, se estende ao
pedagógicas,
surdos, pode falar-se de um círculo de baixas exPectativas próprio lar da criança.
talcomooProPuseramJohnson,ErtingeLiddell(1989):oeducador
partedaidéiadequeseusalunosjápossuemumlimitenaturalemseus
7
82 Educação & Exclusão
Carlos Sl<liar (Org I Ë I
O modelo clínico-terapêutico e a classificação médica das deficiências auditivas; isso supõe a "xistêncil 'l'=
"psicologia da surdez" determinadas problemáticas que são comuns aos deficientes auditivnc
profundos, mas diferentes das dos deficientes auditivos leves, etc' lsto É,
Uma suposta e apenas hipotética psicologia da surdez poderia ter como diz Lane (1992), interpretar as diferenças como um desvin.
servido para alertar aos ouvintes sobre as drásticas generalizações e as patologizar as disparidades culturais, e não estudá-las adequadamente desde
fáceis tendências à homogeneidade da população de crianças surdas;uma uma perspectiva antroPológica, sociologica ou sócio-lingüística.
psicologia desse tipo poderia ter atuado como um mecanismo de preven- Em segundo lugar, a psicologia da surdez confunde a natureza bioló-
ção dos isolamentos comunicativos,lingüísticos e cognitivos das crianças gica do déficit auditivo com a natureza social conseqÜente ao déficit;estc
surdas e seus pais ouvintes; poderia ter denunciado os abusos e as coer- ãrro conduz à crença de que toda problemática social, cognitiva, comuni-
ções do sistema educativo oralista, embora não seja por suas conseqüênci- cativa e lingüística dos surdos depende por completo da natureza e do
as psicológicas irreversíveis; poderia ter construído, por último, um dique tipo de deftit auditivo. Por isso se pode falar de uma atribuição natural à
de contenção para as angústias pedagogicas dos professores ouvintes, que surdez e aos surdos, isto é, conferir à surdez, e sobretudo aos surdos,
desconhecem por completo a seus alunos e que, além dísso, não os reco- toda a responsabilidade pelas dificuldades que podem encontrar em seu
nhecem como adultos cultural e lingüisticamente significativos. desenvolvimento e em sua educação. Mottez (1977, op. cit') considerou
O problema é que essa psicologia não existiu nem acreditamos essa perspectiva uma obstinação sobre o déficit, produto da confusão
que possa existir. Pelo contrário, e freqüente encontrar nos textos de terminologica e conceitual com a noção de"discapacidade"r' Para Mottez'
psicologia da surdez um aval à perspectiva clínico-terapêutica: neles se a deficiência é uma manifestação biológica de um fato lesional concreto,
medível e objetivável;mas a discapacidade não é uma resultante direta
da
afirma a existência de uma relação direta entre as deficiências auditivas e
certos problemas emocionais, sociais, lingüísticos e intelectuais, que são deficiência, mas uma restrição no acesso alugares e papéis sociais, que
inerentes à surdez e comuns a todas as crianças, jovens e adultos surdos depende das medidas que cada sociedade implementa com respeito às
pessoas que Possuem uma deficiência.
do mundo inteiro. '
Os livros de psicologia da surdez definem os surdos como Mas é só a parrir do tipo e grau de deficiência auditiva, e dc
lingüisticamente pobres, intelectualmente primitivos e concretos, social- algumas variáveis a elas relacionadas - como a idade do diagnóstico c
mente isolados e psicologicamente imaturos e agressivos. Curiosamente, dã uso ou não de aparelhos para surdez - e graças a um silogiSmo
e como assinala Lane (1988), essas características coincidem com as que habitual, que se afirma que a criança sofrerá inevitavelmente conseqti-
costumavam utilizar os colonialistas europeus em suas descrições sobre ências negativas no seu desenvolvimento. E Parece não importar, Pol'
os nativos africanos. Que característica comum, que tipo de identidade, exemplo, se a criança surda vive numa sociedade periférica ou em uma
reúne misteriosamente em uma mesma categoria os surdos e os africa- sociedade central, se sua família é surda ou ouvinte, se em seu país
nos? Tâlvez seja melhor perguntar: existe alguma atitude metodológica existem medidas de prevenção primárias, secundárias e terciárias, str
comum na observação e na avaliação dos psicologos da surdez e nos as instituições educativas a seu alcance Promovem ou não as mesffì;ìs
colonialistas europeusl Lane nos adverte sobre a existência de um signifi- possibilidades pedagógicas que para os ouvintes, se os meios massivos
cativo paternalismo e racismo cultural, isto é, uma tendência a valorizar os de comunicação oferecem alternativas comPensatórias para o acesso i
surdos desde uma posição etnocêntrica, e julgá-los como culturalmente informação, como as legendas nos Programas de televisão, etc.; erì'ì
inferiores, privados de alguma característica de humanidade, carentes de síntese, essa criança surda, pelo fato de ser surda, estará, a priot-i,
funções ou de processos psicologicos superiores, etc. sempre condenada a padecer restrições.
Quais são os erros presentes nesse tipo de observação e de des- Portanto, a explicação sobre os suPostos atrasos cognitivos dos
crição dos processos cognitivos e lingüísticos dos surdos? surdos, sintetizada na célebre Pergunta: Por que os surdos não alcartç:tttt
Em primeiro lugaç a suposição de que os surdos formam um gru-
po hornogôneo, cujas únicas possívcis sLrbdivisõcs dcvcrn rcspondcr à 3Á, t",r'-ia, às rlrreis rros rt,fr.r irrros,;;io: ot;tlisttto,totttttltir,lr,.lo lol,tl c lrtlrrtl',r tt',trlt
84 Educação & Exclusão
Carlos Slcliar (Org.) 85
Aplicação do modelo clínico-terapêutico à compreensão das Aplicação do modelo clínico à valoração dos Processos
supostas desvantagens matu racio nais das crian psicológicos das crianças surdas:
ças su rdas:
- Rendimento pedagógico do aluno se vê dificultado por seu com- - É desnecessário dizer que tudo o que se deva ensinar à menitta
ponente audiógeno com componente anárquico. deve partir do concreto, da vivência,iâ que necessita de uma intens:ì
motivação para tirar sua investidura de atenção voltada ao mundo, eÍìt
caso contrário, volta-se para seu mundo interior.
Aplicação do modelo clínico à valoração da língua oral das
crianças surdas: - Quanto ao pedagógico, todo este conflito de imagens e fantasias
atrai a atenção fazendo que não renda no estudo.
ïË;çt''$ïlt'lffil
88 Educaçio & Exclusão Carlos Skliar (Org.) 89
foi a que sentou uma língua que ressuscitou e goza de muito boa saúde, sobretudo sob a
proprios.A lingüística posterior ao modelo estruturalista
as bases quu ãao legitimidade à inclusão
da análise das línguas de sinais perspectiva dos surdos.
dentro de sua esfera de estudo' As línguas de sinais não são nem intrinsecamente concretas, nenl
Deacordocomostrabalhosdasúltimastrêsdécadas,sabe.seque primitivas, nem limitadas. De fato nenhuma língua natural o é; pelo con-
as línguas de sinais possuem uma estrutura,
princípios de organização e trário, todas têm a potencialidade de exPressar o coniunto de significa-
mas a forma superficial em dos do mundo interior e exterior de seus usuários. O pensamento dc
proprìedades formais similares às línguas orais,
viso-gestual' o uso Vygotsky de que a língua de sinais só permite as mais vagas definiçõcs
que'se manifestam está influenciada pela modalidade
jo com valor sintático e topográfico e a simultaneidade
dos aspec- objetivas e concretas, mas não conCeitos e imagens abstratas, Parece
"rpuço esse tipo de mo- supor a existência de uma relação implícita e direta entre os limites da
tos gramaticais são algumas das restrições impostas Por
dalidade e determinuà ,r" diferença em relação
às línguas auditivo-orais' língua de sinais e os limites no Pensamento dos surdos. Seria mais apro'
Alinguagempossuiumaestruturasubjacente,independenteda priado e justo separar essas duas questões: uma coisa é a potencialidadc
ou viso-gestual' A lín- expressiva de uma língua e outra, muito diferente, o estado cognoscitivo,
modalidade de expressão, seia esta auditivo-oral
canais diferentes, mas igual- informativo e cultural, no qual se encontra quem usa essa língua. Sc os
gua oral e a língua de sinais constituem dois;
da capacidade da lin- surdos foram excluídos de aprendizagens significativas, obrigados a ulna
mente eficientes para a transmissão e a recePção
guagem;são, de fato, mecanismos semióticos
equivalentes' Deste modo' prática de atividades sensório-motoras e PercePtuais, mas não de cort-
alinguagemdeveserdefinidaindependentementedamodalidadenaqual teúdos de abstração, se foram impedidos de utilizar a língua de sinais ettt
se expressa ou é recebida' todos os contextos de sua vida, então nada têm que ver os surdos ncltt
Nomomentoemquenumerosaspesquisasdemonstraramqueaslín- a língua de sinais com as suPostas limitações no uso dessa lÍngua, na
as línguas naturais' aquisição de conhecimentos e no desenvolvimento de seu Pensamerìto.
guas de sinais cumprem todas as funções descritas Para
ainda segue presente uma firme tendência
à sua desvalorizaçáo,iulgando-as Não e a natureza restrita da língua de sinais a causadora das limitaçõcs
comoumamisturadepantomimaedesinaisicônicosqueseexPressam' dos surdos, mas as razões sócio-educativas que levaram os surdos a tet'
assinala Fromkin ( 1988)' que usar sua língua só em ambientes específicos e sob certas condições,
simplesmente,através domovimento das mãos.como
à crença errada de que se trata Dito de outro modo:se aos surdos foi negada historicamente sua idcrt'
a ignorância sobre a língua de sinais conduziu
de um sistema baseado na substituição de cada
palavra ou de morfemas da tidade e sua língua, seria um simples reducionismo acusá-los de ter lirni-
tações em seus processos psicologicos superiores.
línguaoralPorUmsinalequivalente.Essespreconceitosimpuseramumares-
nas discussões acadê- Pode-se afirmar, sem temor, que Vygotsky concordaria com estas
triião uo estudo lingüístico da língua de sinais. De fato,
micas, foram desprãzada, ou, no melhor
dos casos, consideradas "pidgins" idéias, pois, de fato, as propôs originariamente em sua formulação par';r
e não verdadeiras línguas' uma psicologia transcultural e, inclusive, as explicitou Para outros casos
t""
orimitivos
"È-;":riu"r
que Vygorsl<y fez sobre as línguas de de crianças com déficit diferente do da surdez.
quu a descrição
sinais, as quais defìniu como sistemas pobres,
primitivos e limitados, seia Ao superar este lugar comum, toda a conceitualização que fizcsse
aPenasProdutodocontextohistóricoecientíficoemqueviveu_eque Vygotsky sobre o papel que cumpre a linguagem - mas não a língua ornl
e não um problema intrín- como instrumento de regulação cultural e como eixo paradigmático do
neste caso talvez não tenha podido suPerar -
seco, específico dessas línguas'
desenvolvimento dos processos psicologicos superiores, pode ser pct'fei-
opini-
com o material de qie se dispõe atualmente, e se subsistem tamente aplicável aos surdos e a sua língua de sinais.
podem e devem ser Mas primeiro se deve resolver outra questão: as crianças sttt'clas
ões similares às de outros temPos, tais pareceres
com têm um acesso direto, natural, à linguagem e à língua de sinaisl Mestrto
considerados como vulgares preconceitos relacionados,simplesmente'
que seja difícil dar uma resposta global a essa interrogação, pelas difercrr*
a ignorância.
condenada desde um tes condições socio-lingüístico-ambientais em quc cresccm as criarrçns
Se paraVygotsl<y (1933, op' cit') a mímica estava
surdas, c nccessário csclarccer quc:
Pontodevistacientíficoesocial,agorapoderíamosdizerquesetratade
92 Educação & Exclusão C;rr lo., Skll,rr (Or1i ) 91
surdos da faculdade ralmente corretos das fraseS e, embora aqui, geralmente, Pareça fertrtittat'
- a surdez, como déficit biologico, não priva osoral; toda expectativa didática, só então se propõe avançar em direção a outros
da linguagem, mas total ou parcialmente, da língua
--asurdezpodecriar,edefatocria,situaçõesatíPicasnoProcesso domínios da língua oral.
de aquisição e desenvolvimento da linguagem' Por todas estas razões, repito, Vygotsl<y (1978) afirmava que o
AquestãodoacessoàlinguagemPorPartedascriançassurdasé resultado do ensino da língua oral aos surdos não foi outro que o dc
e de sua adequa- uma linguagem morta.
um dos problemas mais críticosìa pedagogia especial,
da análiie depende grande parte ias ProPostas e
o cumPrimento de
qualquer objetivo edúcativo. E imprescindível distinguir
quais são as con- As condições de acesso das crianças surdas à língua de sinais :
jiç0", e as variáveis que fazem com que os surdos Possam'não possam em relação ao ambiente familiar
ousóofaçamtardiamente,teracessodeformadiretaàlinguagem'
língua oral como Paraa Só 4% ou 5% das crianças surdas - segundo as estatísticas internacionais
Vejamos algumas dessas condições,tanto Para a
língua de sinais. - nascem e se desenvolvem em seus primeiros anos de vida dentro de ttma
família com pais surdos.Tal como o demonstram diferentes estudos (por'
As condições de acesso das crianças exemplo, Erting, Prezioso y O'Grady Hynes, 1990;Acl<erman, Kyle,Woll c
surdas à língua oral Ezra, 1990), centrados na análise e na descrição das primeiras interaçõcs
comunicativas através da modalidade viso-gestual, as mães surdas - que usÍìlìì
Ascriançassurdas,peloseudéficitauditivo,nãopodemserexPostas uma língua de sinais como primeira língua - se identiÍìcam como membros clc
nem estâr imersas dentro da língua oral;existe, de fato, um obstáculo
fisio- uma cultura surda e esperam de seus Íìlhos um desenvolvimento lingiiístico-
lógicoParaqueissoocorra.Paraeles,alínguaoralnãoéumaprimeira cultural similar. Das interações analisadas nesses estudos, se depreende quc íls
que lhes é oferecida' mães surdas utilizam um conjunto de estrategias, Para atrair e manter a atclì-
líniua, embora seia a primeira, e inclusive a única'
surda entre em ção visual de seus filhos, semelhante ao utilizado pelas mães
ouvintcs cottt
Toãos os esforços que se realizam para que uma criança
contato com essa língua são limitados funcional e estruturalmente'
defasa- seus fìlhos ouvintes; inclusive, também se detectaram modifìcações sistenráti-
seus filhos, e que modificam substancialmente de ouvintes sugerem que estes úrltinros rrecessitatn itnpct'iosallìelìte
dc tllìì
o curso natural de suas
expectativas de comunicação - sobretudo no que se referem às modali- contato previo e efetivo com os membros reais da comunidade surda;pot'
dades de expressão e ao momento em que essas evoluem. isso é necessário prever e organizar creches com Pessoas surdas, ctti:t
Muitos pais ouvintes - devido a sugestões de certos profissionais clíni- tarefa específica seja, justamente, a de oferecer à criança surda um ambi'
cos-terapêuticos e por falsas representações sociais tendem a condícionar
- ente apropriado para o estabelecimento dos formatos de interação comu-
o contato comunicativo com seus filhos surdos à aparição de respostas nicativos e o conseqüente desenvolvimento cognitivo e lingüístico Plerìo
crian-
auditivas e orais, e não dão atenção aos indícios comunicativos visuais. (Sanchez, 1992).Se não se organiza adequadamente o acesso destas
uso restringido a
criam-se, assim, formatos de interação formais e rígidos, atípícos ias à língua de sinais, seu contato será tardio e seu
negativas que isco
iráticas ãomunicativas parciais, com as
de uma relação criança - figura de criação habitual;e por isso se torna conseqüências
impllca para o desenvolvimento cognitivo, e, sobretudo, Para o acesso
à
tão árdua a recuperação conjunta da informação passada e a proposra
de nova informação;como conseqüência direta, a maioria dos comentá- informação e ao mundo de trabalho.
rios comunicativos e lingüísticos convertem-se, como já assinalaram
Schlesinger e Meadow (1972),em temas de referência visual, em conver- As condições impostas pelos sistemas de comunicação
sas do aqui e agora. criados artiÍicialmente pelos educadores e terapeutas ouvintes
Entretanto, é difícil imaginar que os pais ouvintes que não aceitam
as línguas de sinais renunciem a toda forma de comunicação com seus Alérn das condições de acesso que revisamos, relativas à língr-ra ol'rl
filhos surdos. Por isso, independente do sigiloso controle de certos pro- e à língua de sinais em ambiente lingüístico onde nascem e se
desenvolvcttt
fissionais, muitos pais criaram e desenvolveram um sistema de comuni- as criãnças surdas, existem condições comunicativas artificiais imposras
cação gestual com seus filhos surdos. Estes sistemas
- por mais que se de fora. Refiro-me especifìcamente aos sistemas de comunicação criados
pclos
insista em descrever e pesquisar sua notável complexidade semântica e od hocpor alguns teraPeutas e/ ou educadores ouvintes, e também
gramatical - não conduzem a criança surda a um processo formal de professores que os usam involuntariamente, Por não haverem aprerrdido
I
aquisição de informações lingüísticas e socioculturais. Só possuem um iingu" de sinais de um modo natural,talvez com a intenção de melltot'nr a
cltls
alto grau de interesse para a psicolingüística evolutiva, pois revelam e situação comunicativa deles mesmos na aula, mas não, seguramente, A
são uma prova indireta do papel fundamental que desempenha o input próprios surdos. Nenhum desses sistemas, seiam facilitadores Para o I'c'
lingüístico na aquisição da Iinguagem. con'hecimento de palavras, de letras, etc., ou mecanismos intermediárior
os dados de diversos pesquisadores (por exemplo, GordinMeadow entre a língua oral e a língua de sinais - como os idiomas de sinais erÌì s(la\
& Morford, 1990; Pereira & Lemos, 1990; GoldinMeadow e cols., 1994, múltiplas versões - demonstram alguma vantaSem comunicativa, lingti Ísti-
ca e cognitiva, em comparação com o uso direto e pleno da língrur
etc,) demonstram que crianças surdas expostas a esses sistemas utili- dtr
zam, durante o primeiro e segundo ano de vida, uma grande variedade sinais. Pelo contrário, e como revelam Johnson, Erting e Liddell (op' cit')'
lingriísCicns,
de gestos de indicação e gestos reíerenciais, e que chegam, inclusive, a esses sistemas Provocam maiores confusões nas mensagens
combiná-los; mas é só muito mais tarde, ao redor dos quatro anos de menores possibilidades de acesso à informação, e, sobretudo, se transfotr
idade, que podem combinar dois gestos referenciais e, ainda assim, tais mam em verdadeiros obstáculos Para que as crianças surdas adquiraltt :l
combinações não parecem ser muito freqüentes. língua de sinais de sua comunidade.
As conseqüências destes limites interativos podem provocar, e de
fato provocam com freqüência,estruturas de isolamento psicológico nas lntersubjetividade e interações entre surdos
crianças surdas, inclusive muito antes de seu ingresso na escola especial. e entre surdos e ouvintes
Por todas essas razões dizemos que as crianças surdas filhas de pais
ouvintes são membros potenciais de uma comunidade lingüística. Em boa parte da literatura sobre os surdos persistern ainda lroic:
os dados comparativos entre filhos surdos de pais surdos e filhos fáceis metáforas acerca de uma suPosta cultura do silêncio, sobrc a csct'l-
9ó Edrrcirçilo & Exclrtslo r Clarkrr Skll,rr (Org ) 97
ridão das mentes sem linguagem, o mistério que produz a comunicação O conceito dc internalização cit.) irlplica a cxistôtt'
(Vygotslcy, op.
entre os surdos, etc... Percebe-se nesses Pouco criativos recursos Poeti- cia de mecanismos tais como a reconstrução interna de uma açãcl/opc'
cos a impotência e a inefìciência do mundo dos ouvintes Para comPreen- raçáo inicialmente externa, a transformação de um Processo interPcssoill
der um mundo diverso do seu próprio (Maxwell, 1985). em intrapessoal e, este último, como reflexo de uma longa série dtr
Por isso Baker e Padden (1978) e Padden ( 1980) propõem diferenci- acontecimentos evolutivos. A internalização é um Processo que influi
ar a surdez audiométrica/audiológica - à qual fazem menção os ouvintes diretamente na transformação dos fenômenos sociais em fenômcttos
quando se referem aos surdos - e a surdez atitudinal - que é um produto psicologicos.
dos processos culturais de identiÍìcação entre os PróPrios surdos. A noção de zona de desenvolvimento Proximal constitui uma utilizaçÍo
Resulta óbvio dizê-lo, mas, além dos críticos Processos de intera- prática da teoria sobre as relações entre Processos inter e intrapsicologicos;
ção entre surdos e ouvintes, existe uma interação normal dos surdos prática, pois reflete a intenção deVygotslçy Para resolver problemas coÍìcl'c-
entre si. É claro que para considerar normal o conjunto de interações tos da educação e, mais esPecifìcamente, Para solucionar a crise dos sistctttnr
entre surdos é necessário pensar, primeiro, que os surdos são indivídu- de avaliação das capacidades mentais das crianças, baseada somente nas hlbi-
os normais e, depois, que as interações normais não supõem inexoravel- lidades intrapsicológicas, individuais, e esquecendo o plano interpsicológico rlit
mente o uso da língua oral. formação e desenvolvimento intelectual.Vygotsl<y defìne azona de deserrvol'
E um dos supostos mais imPortantes da teoria socio-histórica do 'i vimento proximal como aquelas funções que se encontram em proccsso rlt'
psiquismo para explicar a orisem, o desenvolvimento e o funcionamento maturação, mas que ainda não amadureceram.
da mente humana, é o da ação mediatizada por mecanismos semióticos. Essas funções se encontram em um estado embrionário de dcsctt-
Tanto Vygotsl<y como Bakhtin (veja Blanck e Silvestri, 1992 e Wertsch, volvimento. A importância dos Processos intersubjetivos adulto-cl'ialìçiì
1993) sustentam que, Para entender a mente humana, é imprescindível na aprendizagem e na interiorizaçáo dos aspectos formais e inforntais rltr
compreender quais são os mecanismos semióticos utilizados para media- conhecimento foi amplamente estudada em crianças ouvintes (RogoíÍ &
do funciona-
ção das ações e afirmam, ao mesmo temPo, que grande Parte Wertsch, 1984; Moll, 1990;etc.), e só recentemente entre adultos e ct-i;ttt-
mento da mente está diretamente relacionado com Processos comunica- ças surdas.As notórias dificuldades que encontram
as crianças surdìs crìì
rivos específicos. Recordemos que ParaVySotsky (1978) as funções men- sua comunicação com crianças e adultos ouvintes e suas conseqiiôrtc:ills
tais se originam esPecificamente em Processos comunicativos e sociais. no plano cognitivo dirigiram a atenção ao PaPel que cumPrem outros stlr,
Wertsch (op. cit.) inclui o conceito de vozes, para referir a existência de dos no processo de conhecimento das crianças surdas.
várias formas de representação dos acontecimentos e dos objetos em Nossos trabalhos (Sl<liar, |1987; 1990; 1992) orientaram-se Ììcssr
situações determinadas. O conceito de vozes se opõe Por comPleto às última direção, levando em conta, além disso, e como o fezTudge ( I 993)'
hipoteses etnocêntricas sobre a existência de melhores formas de atuar, oS processos de colaboração entre Pares e não somente com adttltos'
de comunicar e de pensar. Analisamos o efeito cognitivo e lingüístico que Produz, nas açõcs rlas
A origem social das funções mentais no indivíduo foi descrita por crianças surdas, determinadas modificações Provocadas dentro de ccl:
Vygotsky (op. cit.) através da lei genética do desenvolvimento: toda fun- tos contextos comunicativos, a Partir da inclusão diferenciada de acltrl-
ção aparece duas vezes no desenvolvlmento sociocultural da criança;em tos e ouvintes ou de pares e adultos surdos. A metodologia utilizada
primeiro lugar, em um plano social, entre Pessoas, sob uma dimensão para tal fim foi a de avaliar em duas oPortunidades a cada criança sttt'tl:l
interpsicológica; e, em segundo lugar, em Plano psicológico, na própria
- de uma amostra de mais de noventa crianças de três anos e seis lÌresc\
criança, sob uma dimensão intrapsicológica.A essa lei genetica sobre o até nove anos e seis meses - em atividades de jogos e de formação clc:
desenvolvimento vinculam-se outros dois conceitos, que se relacionam conceitos. Na primeira oPortunidade, a avaliação era realizada por :rclttl
com a análise que faremos sobre as interações entre surdos e entre tos ouvintes que não conheciam ou conheciam só parcialmente a lítlgtr;r
ouvintes e surdos: o da internalização dos processos psicológicos supe- de sinais; na segunda, o desenho do contexto mudava radicalrncntc: sc-
riores e o da zona de desenvolvimento proximal. gundo a natureza da atividade cognitiva,a criança surda era avaliada dett-
Í EÍltrílurrl
L-.rlilrr.
tro dc utÌì grupo de pares ou cada o'iartça realizava as provas ctlt c'rtttitttt- cr-a rlc diálc4io,rlcrrtro cotìtcxt() dc nção olldc stl tltiliuavl;l lìì('\lìl,l
cJc rrrrr
to com outra criança surda em melhores condições cognitivas. Ëstcs lírrgua, a lirrgrra clc sinais.Tratava-se, rìcstc caso, dc ttt'n trtodclo dc itttct'ltç;lrr
estudos tentavam demonstrar não so que as capacidades das crianças não-dirctivo c particiPativo.
sUrdas evoluem quantitativamente ao Passar de um contexto Pouco co- Que efeitos comunicativos, i ngü ísticos e cognitivos Provoc;ì ra lÌì n
I
municativo a outro rico em interações significativas Para ela, mas tam- passagem das crianças surdas Por estes dois contextos de avaliação difc-
bém em precisar mais qualitativamente qual era a natureza interna des- rentes?
sas modificações.Assim, a análise centrou-se sob três níveis de mudan- No primeiro contexto,as crianças não utilizaram a língua dc sittais,
ça:a dimensão de mudança do contexto comunicativo,o plano de modi- apenas a modalidade oral; mas o faziam simplesmente Para solicitat' cs-
ficação da competência cognitiva e o nível de transformação lingüística. clarecimentos sobre os enunciados orais do adulto ouvinte, dar rcspos-
Resumiremos as conclusões mais relevantes dessas pesquisas. tas do tipo sim/não às perguntas formuladas pelo avaliador, para vocalizat',
como um acompanhamento da ação de iogo ou, Por último, Para a Prov;l
A dimensão de mudança do contexto comunicativo' de formação de conceitos, para etiquetar alguns objetos ou traços p;ìr'ti-
lingüístico e cognitivo nas interações culares de objetos. Neste contexto, os adultos ouvintes intervirtltattl
criança surda-adulto ouvinte e criança surda'Pares surdos fundamentalmente para pedir, corrigir, dar exemplos corretos' most'r;ìr'
modelos terminados e determinados de ação, etc.
As crianças de nosso estudo foram localizadas em dois contextos No segundo contexto,ao contrário,todas as intervenções registrarht
comunicativos altamente diferenciados, dentro dos quais desenvolviam, foram na língua de sinais, e se utilizaram Para: ProPor uma determittatl;t
e se avaliavam capacidades específicas do jogo a substituição de obietos ação ou orientação da atividade, comPartilhar ou estar em desacordo
e a planificação de seqüências - e de Processos conceituais - especifica- com propostas, e para regular a atividade, isto é, com o obietivo de olgn-
mente, a formação de enlaces lógicos. nizar algum aspecto da ação. Os adultos surdos,'neste contexto, realizn-
No primeiro contexto, como já foi dito, seguia-se um modelo de vam intervenções Para dar pistas, Potencializar a atividade, sugerir c Pl'c)-
interação adulto ouvinte-criança surda, reflexo das condições habituais de por situações problemáticas, etc.
comunicação nas quais se encontra a maioria das crianças surdas.Todo o Do ponto de vista cognitivo as modificações do contexto de av:rli-
processo de avaliação era resPonsabilidade do adulto ouvinte, tanto na pla- ação originavam mudanças importantes na natureza e no tiPo de açc1es
nificação da experiência, na decisão de quais objetos e/ou materiais se inclu- de jogo e conceituais. As tabelas ( l) e (2) mostram, como exemplo, ;ts
íam na avaliação, como na forma de julgar a ação da criança surda.A situação diferenças encontradas nos dois contextos traçados, a caPacidade dt:
da criança surda era de virtual isolamento Porque não parcicipava do pro- substituição de objeto durante o iogo e da prova de formação de concei'
cesso de avaliação a não ser em nível de suas ações e nas resPostas e co- tos - em teste de classificação de objetos da vida cotidiana.
mengários lingüísticos que Ihe eram solicitados;tinha escassas possibilidades
de escolha de objetos e, sobretudo, percebia que o adulto avaliador não
levava em conta sua modalidade particular de comunicação. Em síntese, se
tratâva de um modelo de interação diretivo e não participativo. O segundo
contexto assumia características oPostas, iá que a responsabilidade no Pro-
cesso de avaliação era o resultado de várias linhas de avaliação: a do adulto
surdo com a criança surda avaliada, a da criança surda com seu grupo de
pares ou em duplas e, por último, a de outros surdos com o adulto surdo.A
elaboração da experiência, a decisão de quais elementos incluir e o modo
de julgar aaçáo dependiam agora de um coniunto de intercâmbios comuni-
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c:l o
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cativos, cognitivos e língüísticos. Por isso a situação da criança surda avaliada rO
dos contextos foi notável.As crianças Pareciam inibir suas caPacidades de Breve exploração e Prolongada cxlrlot rçfu
Exploração prolongada
substituição de objetos ou de formação de enlaces categoriais quando a
Breve exploração do contemplação do e contemplrçio rlo
material de jogo. do material de jogo. material classifir ;ttr'rt lr r
materíal classifi catório.
situação de avaliação não lhes favorecia - contextoA - e as Potencializavam
quando se encontravam dentro de contextos interativos signiÍìcativos Para São necessários
Os comandos não são Repetíção e ajuste de
Comando irtici:tl p.tt,r
necessárÍos para o comandos para a
eles contexto B.A tabela (3) mostra as diferenças qualitativas mais impor- comandos Parà o início
início da atividade do compreensão e início
comprecnsão c
da atividade de iogo. começo da arivirl.trle
tantes no processo temPoral da pesquisa realizada,tanto Para a avaliação da iogo. da atividade.
como cognitivamente imaturas? São aquelas cuias capacidades Para rea' simbólico dos objetos. de autocorfcç;1(),
objetos. autocorreção.
lizar categorias lógicas estão naturalmente diminuídas? E claro que esta Predomínio do uso dos Predomínio da PredomÍnio rl;r
descrição se aiustaria Por comPleto ao modelo clínico-terapêutico da objetos segundo sua Predomínio da advidade perceptual atividadc cottr t'iltt,tl
sobre a atividade sobre a ativirlarlc
surdez;se apenas se considerassem as ações que as crianças surdas cum- íunçáo real na vida substituição do objeto.
cotidiana. conceiti ual. pe rce ptual.
prem com os adultos ouvintes, fecharíamos o círculo conceitual que de Atividadc sc<liicrrr lrl
Escassa atividade Atividade seqüencial Escassa atividade
iorm equivocada preocupou a audiologia e a psicologia da surdez. seqúencial. permanente. seqúe ncial. Permancntc.
Mas o que significa o fato de que as crianças surdas aumentem Prevalecc a
Prevalece a
seus processos e suas ações comunicativas,linsüísticas e cognitivas, quan- Prevalece a ação sobre Prevalece a ação sobre
comunicação sobre a comunicação solttr',r
a comunicação. a comunicação.
titativa e qualitativamente, quando se encontram dentro de um contex- ação. ação.
Por isso, em primeiro lugar, surge a necessidade de outro modclo antrla a dcíiciôlrcia cpcrrnitc cpt(ì os strt'dos cottsigaltt,cttLlio, tlllÌ;1 (.()lìÌll
explicativo sobre a surdez e a criança surda;um modelo no qual o deficit nidadc lingüística rninoritária difcrcrrtc c trão utn dcsvio da tlortrtalidlclc.
auditivo não cumpra nenhum papel relevante, um modelo que se origine E necessário esclarecer, levando em consideração o quc foi cxpos:
e se justifique nas interações normais e habituais dos surdos entre si, no to antes, que a comunidade surda, como dissemos, está formada só por
qual a língua de sinais seja o traço fundamental de identificação surdos. Os ouvintes envolvidos ideologicamente com a comunidadc
sociocultural e no qual o modelo pedagógico não seja uma obsessão
*
filhos ouvintes de pais surdos, especialistas ouvintes não PerteÌìcclìì iì
para corrigir o déficit mas a continuação de um mecanismo de compen- ela, constituem aquilo que Massone e Johnson (1991) chamam as corÌìtl-
sação que os próprios surdos, historicamente, já demonstraram utilizar. nidades de solidariedade.
Assim como em todo gruPo humano, na comunidade dc sttt'd1ls
O modelo sócio-antropológico da surdez existem dois níveis de organização: de um lado, o nível instituciotrrl
associações ou clubes - e, de outro, o agruPamento esPontâneo co-
Foram duas observações que a partir da decada de 60 revaram ou- munidade surda. Estes dois níveis nem semPre coincidem na rcalidltlcr
tros especialistas - como antropologos,lingüistas e sociólogos a interes- social. Os surdos podem Pertencer a uma determinada associação,lltil5
-
sar-se pelos surdos, e que originaram uma vióão totalmente oposta à clíni- de fato pertencem à comunidade surda já que é característica lrcles it
ca, uma perspectiva sócio-antropologica da surdez. Por um lado, o fato de mobilidade. Participam, pois, de atividades desportivas, sociais, r'cli11icr
que os surdos formam comunidades cujo fator aglutinante é a língua de sas e culturais que envolvem a comunidade em sua totalidade. os litttitcs
sinais, apesar, como se disse, da repressão exercida pela sociedade e pela da comunidade excedem, inclusive, as fronteiras geográficas. Cotrto ctt
escola. Por outro lado, a confirmação de que os filhos surdos de pais mentam Behares e Massone (1994),a experiência social da surdcz t'cln
surdos apresentam melhores níveis acadêmicos, melhores habilidades para ciona-se mais com vínculos horizontais interpessoais entre surdos e;ttt'
a aprendizagem da língua oral e escrita, níveis de leitura semelhantes aos com uma filiação vertical institucional.
do ouvinte, uma identidade equilibrada, e não apresentam os problemas É necessário retomar a concepção de Schein (1968) sobt'c it t'rr
sociaís e afetivos próprios dos filhos surdos de pais ouvintes. munidade surda:ela também reflete e integra as forças do grttpo cxt('l
os surdos formam uma comunidade tingüística minoritária carac- nO, OuVinte, em Sua ConCepção de Si meSma, aSSim CO6O rcpl'csclìl,l
da sttt'clcr' t'ttt
terizada por compartilhar uma língua de sinais e valores culturais, hábi- ções sociais e crenças que a sociedade constrói a respeito
tos e modos de socialização próprios. A língua de sinais constitui o ele- geral,e do surdo em particular.Se aPenas se levassem em conta AS c()ll\
mento identitário dos surdos, e o fato de constituir-se em comunidade truções intragrupais positivas, se explicitaria um modo simplcs dc tlcr
significa que compartilham e conhecem os usos e normas de uso da crever as variáveis críticas e os variados fenômenos que ocorl'cllì ;l()
mesma língua já que interagem cotidianamente em um processo comu- redor da vida e de experiência dos surdos. Os traços negativos 1x)r'
nicativo eficaz e eficiente.lsto é, desenvolveram as competências lingüís- exemplo, a surdez como condição patologica Presente na socicrl;t<lt'
tica e comunicativa - e cognitiva por meio do uso da língua de sinais ouvinte e no discurso médico e no oralismo, assim como tarnbeltt, tr
própria de cada comunidade de surdos. prestígio do falar - e os traços positivos semPre interagem na cotnttrtirl;t
A comunidade surda se origina em uma atitude diferente frente ao de surda. De fato, o uso da língua de sinais se converteu em uma fct't';t
déficit, já que não leva em consideração o grau de perda auditiva de
seus menta de poder na rePresentação intragrupal, mas também em ttttt:t cvi
membros. A participação na comunidade surda se define pelo uso co- dência do fracasso na rePresentação ouvinte do grupo surdo. Pot'issrr
mum da língua de sinais, pelos sentimentos de identidade grupal, o auto- Cuxac (199 l) prefere utilizar o termo contracultura Para a cotnttttidrrlt'
reconhecimento e identificação como surdo, o reconhecer-se como di- de surdos,isto é,uma cultura que opõe valores e usa uma língua colìll,l
ferentes,os casãmentos endogâmicos,fatores estes que levam a redefinir rla à cultura dos ouvintes.
a surdez como uma diferença e não como uma deficiência. pode-se
di- Mas e tão poderosa a força externa da sociedade ouvitttc (ltlc,l
zer' portanto, que existe um projeto surdo da surdez.A língua
de sinais propria estrutura da língua de sinais muda segundo padrõcs sintáticos
I 04 Educação & Exclusão Carlos Skliar (Org.) 105
ou gramaticais da língua oral. De fato,todas as línguas de sinais mostram comunidades desempenhando na aula papéis pedagógicos diferentes.
interferências lingüísticas por constituir situações de línguas em contato. Mesmo assim, constitui um lugar comum nas pesquisas e ainda na
Os membros reais da comunidade surda atuam como agentes pedagogia o fato de que as crianças bilíngÜes Possuem uma percepção
socializadores da língua e da cultura no contexto da comunidade e das metalingüística que influi positivamente no rendimento escolar. O argtt-
escolas especiais. As escolas especiais constituem o microcosmos de mento consiste em que o bilingüismo se traduz em um aumento das capa-
emergência da identidade surda e de aquisição da língua de sinais. cidades metacognitivas e metalingüísticas que, Por sua vez, facilitam toda
A comunidade surda está isolada lingüística e culturalmente da co- aprendizagem lingüística e conduzem a melhores desempenhos escolarcs'
munidade majoritária ouvinte, mas está integrada economicamente como Por aptidões metacognitivas se entende a possibilidade de monitorar os
na maioria das sociedades industrializadas do mundo (Massone eJohnson, processos de compreensão, e por aptidões metalingüísticas a capacidadc
op. cit.). Esta realidade se evidencia na diferença de função que cumPre de considerar a linguagem como objeto de reflexão, maneiando fortna c
cada uma das línguas no intercâmbio em nível social.A escolha de uma função. O processo que consiste em seParar conceitualmente as dtlíls
variedade lingüística empregada em uma situação específica é o reflexo línguas em sistemas funcionalmente indePendentes redunda tanto em un1
da associação de atitudes em relação à comunidade surda.A língua de aumento da capacidade metacognitiva como no fortalecimento da percep-
sinais é a língua minoritária relegada, tradicionalmente, ao uso em situa- ção metalingüística. A experiência prévia com uma língua contribui Para Íl
ções informais e cotidianas entre Pares. Tem, portanto, uma manifesta aquisição da segunda língua, dando à criança as ferramentas heurísticns
função intragrupal. A segunda língua é a língua maioritária, e utilizada - necessárias para a busca e a organização dos dados lingüísticos e o cortltc-
segundo suas possibilidades - em interação com os ouvintes e suas Pos- cimento, tanto geral como específico, da linguagem.
sibilidades em interação com os ouvintes e quando o interesse é a ne- A fim de aplicar os desenvolvimentos modernos da lingüística e suas
cessidade de integração. Entretanto, aPesar desta dicotomia funcional, o disciplinas à pedagogia, para o caso de crianças surdas, seiam filhos de pais
surdo necessita de ambas as línguas com um desenvolvimento comPe- surdos ou ouvintes, é necessário entender que a escola não pode Provcl'
tente: a língua de sinais para sua comunicação entre surdos e a segunda só modelos ouvintes nos quais os surdos jamais poderão reconhecer-sc c
língua para integrar-se à comunidade ouvinte. Estas idéias aderem e re- nem sequer compreender. Parafraseando Bruner ( 1984), diremos que o
fletem, pois, uma proposta bilíngue-bicultural, isto é, as duas línguas no processo de aquisição de uma língua é um diálogo entre o mecanisnto
contexto da escola. inato para a aquisição (LAD) e o sistema de apoio (SAAL). Este sistema dc
O reconhecimento final dos surdos e de sua comunidade lingüística apoio so pode ser exercido por um adulto socializador e sintonizado colÌì
só pode assegurar-se a partir do reconhecimento das línguas de sinais a criança, isto é, no caso dos surdos, outro surdo, falante com fluência da
dentro de um conceito mais geral de bilingüismo. O fato de que uma língua de sinais e membro da comunidade surda.
criança surda utilize a LS como meio de instrução não significa que Perca As presenças do professor surdo e da língua de sinais na escola sc
a capacidade de adquirir uma segunda língua, mas que a introdução desta convertem na melhor garantia de uma eficiente educação."Obrigar utrt
segunda língua através da língua natural lhe assegura o domínio de ambas. grupo a utilizar uma língua diferente da própria, mais que assegurnr a
O modelo bilíngüe propõe, então, dar acesso à criança surda às mesmas unidade nacional, contribui para que estes SruPos, vítimas de uma proi-
possibilidades psicolingüísticas que tem a ouvinte. Será só desta maneira bição, se segreguem cada vez mais da vida nacional" (UNESCO, 1954).
que a criança surda poderá atualizar suas capacidades lingüístico-comuni-
cativas, desenvolver sua identidade cultural e aprender. O objetivo do A pedagogia compensatória e a atualidade e o futuro do
modelo bilíngüe é criar uma identidade bicultural, pois permite à criança modelo bilíngüe para surdos
surda desenvolver suas potencialidades dentro da cultura surda e aproxi-
mar-se, através dela, à cultura ouvinte. Este modelo considera, pois, a Vygoal<y baseava sua concePção das crianças com deficiências cm ttttr
necessidade de incluir duas línguas e duas culturas dentro da escola em enfoque qualitativo, e acusava a velha pedagogia de límitar-se somente à nrcdi-
dois contextos diferenciados, ou seia, com rePresentantes de ambas as ção qtrantitrtiva dos problemas de desenvolvimcnto causados Por trm dcfìcit.
( ,rr 1,,,, ,rl.lr.rr (( )r1, ) 107
A p'oblcr'árica da dcfcir.rogia, dizia Vygorsr<y ( r933), rrã. prode
em uma questão de proporções nem ser analisada unicamen- a possibilidaclc clc qttc dcscttvolvrrn st--rn prcssóos urììíì tçor.i:r sptlr.s 6
'csumir-se mundo que os rodeia e um cotÌìplcto acesso à inforrrração crr;r'it sllrr t.
te segundo o esquema de mais-menos. A ideia do deficít
como uma
limitação puramente quantitativa do desenvolvimento se cu ltural.
opunha às no-
vas idéias deVygotsl<y,que acreditava gue uma criança A descontinuidade entre os modelos biríngües na educação rl(. rrl
com deficit não é
simplesmente uma criança menos desenvorvid", r.. arguem dos estaria relacionada não só com certas peculiaridadcs lrist<!r.rrrr
que se de-
senvolveu de um modo diferente. É a especificidade da educativas de cada país, mas justamente com um conjunto clc frror.r,r
Ãtrutura biologi_
ca e psicológica, o tipo de desenvorvimento e de personaridade, que condicionam os mesmos objetivos da educação bilíngüe (sl<liar, 1996).
e nãoãs
proporções, aquilo que diferencia uma criança com e sem | - o reconhecimento do fracasso educativo em suas 1-ri7cq 1. 1,111
déficit.
o no centrar da moderna "defeitorogia" podia resumir-se do se- suas conseqüências pessoais, cognitivas, lingüísticas e comunicat iv;rs.
guinte modo: todo deficit cria estímulos orientados à produção 2 - o nível das atitudes, os estereótipos e as representaçôc,s l.r
de uma r