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srit'ir' (D ri rtr'í1rios l7

Áreas de interesse do aolume:


Comunicações
Lingüística
Literatura
Aditson Citelli
F

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Linguagem e
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per§uasão
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O que é a linguagem persuasiva? Tlata-se apenas de um a
despretensioso exercício de convencimento ou de uma §r

poderosa forrna de controle social? Quais são os modos de


persuasão? Como se articula o procedimento persuasivo?
Essas são algumas questões que este liwo procura discutir.
a

Numa análise que prima pela clareza, o autor alia à ex- ô


posição teórica uma série de exemplos de textos extraídos
da publicidade, daleligião, dos livros didáticos, da llte-
ratura, do jornalismo, da política. Assim, oferece ao leitor
um contato eficaz com as diferentes modalidades de dis-
cursos persuasivos.

Adilson Citelli é pro;fessor doutor, Liare Docente da Escola de


Comunicações eArtes da Unioersidade de São Paalo e aator de
uarios liuros sobre linguogem e literatura.

rsBN 85-08-0910ó-0
ftonÃo BEVTSTAI
I rÁrunrznon I
,ililIIUIIilil[|liltltlil
tl

, sérieOrincípios

Adilson Citelli
Doutor em Letras
,."#y*,,ffi I Professor Liwe Docente da Escola de Comunicações e A-rtes
da Universidade de São Paulo

Linguagem e
persuasao

Edicão revista e atuelizadrr

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Sumário

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1

. "açt*lrltr t
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)o"qffiã$" 16'edição
3a impressão l. Informação scm persuasã0? 5
2. A tradição retórica z
(iercntc crlilorial Elementos iniciais z
Irernando I)rirào A retórica clássica 9
Editora ad.irrnta Veldade e verossirnilhançâ í4
l\lrrria I)olorcs I'rrdcs
O vazio da retórica ts
Editor assistente
I-erndro Slrlrittz Itekirica moderna í 7
Ro isão ti Alguns raciocínios í9
Ivan1, Picass. lfâtista (coord.) ,1
Algumas figuras zt
Editora de artc
Srrzana Larrlr
Metáfora zt
Editor de àrte assistente Metonimia 22
Àntonio Paulos 3. Signo c pcrsuasão 24
Capa e proieto gráfico
llonrerr cle Mello e Troia
A nrlurezu tlo signo lrrrgüístico e+
Editoração eletrônica Arbitrário, porém necessário 26
1 I oirlc Irdelueiss Iizuka Signo e ideologia 2z
lsBN 85 0B 09106
À troca dos nomes 33
0
O discurso clominante 36
O discurso autorizado 4í
20()5 Desdohrarnent,,s do dise u;srr lersulsi\ (' 44
-l
otlos os ilireitos rcscrvados pela Editora Ática 4. Tipos dc discursos +8
Rua Barão de lguape. I I0 CEP 01507-900
_ O discurso lúdico +a
Siio Paulo SP
Tel.: (l l) 3346-1000 Fax: (l 1) 3?11-4116
^\\"\i C) discurso polêmico cs
.1}."H.-D.".-"_XF
Internct: u ww.atica.com.br r-=- - O cliscurso autoritário st
w wrv.ati caeducacional. corn. br
\:---..r
Atlequando o esquerna 52
c-nrai I : cditorial(ldatica.com.br

, Inrpressào: Clráfica P:lles Athcnrr


5. Textos persuasivos 55
No discurso publicitário ss 1 Informaçáo sem persuasão?
Sistematizando procedimentos ss
No discurso religioso e'l
"Mas devemos defender-nos de
No discurso do livro didático ss
No discurso literário zo fr- toda palavra, toda línguagem
No discursojornalístico z6
No discurso político es
I l.
Y'ú
.,f* o'[P
I
-+ que nos desfigure o mundo, que
nos separe das criaturas huma-
Fugir da persuasão 93 nas, que nos afaste das raízes da
6. Vocabulário crítico 96 vida. "
7. Bibliografia comentada íor
Enrco VEnÍssnro

,.-#-$s: A revista americana Newsweek se fazia arl'tnciar, em carta-


zes publicitários afixados em alguns pontos-de-vendas, como
aquela que não persuadia, mas informava. Afora querer conven-
cer-nos acerea do conhecido mito da neutralidade jornalística, a
revista parecia desejosa de exorcizar (-se de?) um demônio que
vincula à persuasão alguns qualificativos como fraude, engodo,
mentira. Deixar claro, nesse caso, uma atitude antipersuasiva
tem por objetivo fixar uma imagem de respeitabilidade/credibi-
lidade junto aos leitores. Supondo-se que a revista espelhasse a
mais completa lisura, o mais profundo aferramento aos princí-
pios de uma informação não contaminada pela presença de inte-
resses vários, ainda assim estaria ela isenta da persuasão?A res-
posta é negativa. Afinal, o próprio slogan da revista, aqwela que
não persuade,já nos remete à ideia de que estamos diante de um
veículo marcado pela correção e honestidade, diferente de ou-
t tros, e no qual o leitor pode confiar plenamente. De certo modo,
o ponto de vista do receptor/destinatário é dirigido por um emis-
sor/enunciador que, mais ou menos oculto, e falando quase im-
pessoalmente, constrói sob a sutil forma da negação uma afirma-
ção cujo propósito é o de persuadir alguém acerca da verdade de
outrem. Isso nos revela a existência de graus de persuasão: al-
guns mais ou menos visíveis, outros mais ou menos mascarados.
6

Generalizando um pouco a questão, e possível afin-nar


que o elemento persuasivo está colado ao cliscurso conro a pele
2 A tradição retórica
ao corpo. E muito drfíci1 rastrearmos organizações discursivas
qlle escapem à persuasão; talvez a arte, algumas manifestações
literárias, jogos verbais, um ou outro texto marcado pelo ele-
mento lúdico.
O que pretendemos neste livro e levantar algumas ques-
tões sugeridas pelo discurso persuasivo. I)aí buscan-nos situar
um pouco da história da persuasão, assim como revelar certos
,a mecanismos persuasivos no interior do discurso verbal.
Cabe lembrar que, pela natureza introdutória deste livro,
,.,r#-"lffi^' alguns pontos passíveis c1e aprofundamento serão apenas suge-
ridos. Acreditamos, porem, que as ideias aqui elaboradas ajuda-
Elementos iniciais
li
rão a compreender até onde certas tecnicas de convencimento Falar em persuasão implica, de alguma maneira, retomar
verbal são articuladas aos elementos dejustificação ideológica certatradição do discurso clássico: sobretudo conforme exer-
próprios do discurso persuasivo. Estaremos satisfeitos se o livro citado na Grécia em que podem s#'lidas formulações poste-
contribuir para o reconhecimento mais proficiente das formas
-
riormente desenvolvidas pelos estudos de linguagem.
persuasivas, assim como permitir reflexões sobre discursos de A referência ao espaço cultural e lingüístico do mundo
outra natureza. clássico é necessária, visto que a preocupação com o domínio
da expressão verbal em sua vertente oratória possuía enorrne
importância entre os gregos. E não poderia ser diferente, pois,
praticando um certo conceito de democracia, e tendo de expor
publicamente suas idéias, ao úibuno grego cabia manejar cgln_
lqbjlidadsis esgatégl§_ qgunqgnl4liv.as com a finãlidade de
lograr a persuasão dos auditórios. Dai alargaÍradição dos sofis-
tas, dos retores, dos tribunos, aqueles que iam as praçâffi6ti:
í 'tâ3, aos foros, intentando inflamar multidões, alterar pontos de
vista, mudar conceito s pré-formados. Demóstenes, Quintiliano
e Górgias foram alguns desses nomes que ficaram conhecidos
pela habilidade com que encaminhavam seus discursosjq.con-
vencimento.l '
l Os tcnuos "persuasào" e "convencimento" serão utilrz],1,,. n(iisliDtamerltç, aincla quc pos-
corlbmc cxposlo Lror l'crclnrlrr (vcr bibliogrrlia Íinal1.
suarn algunras diÍerenças conceituais.
8 9

Não é, pois, estranho que a Grécia clássica tivesse levado rica do filme, da publicidade, do vídeo, etc. Tal fato atesta o vi-
a graus de pu{1e74 a preocupação Çom a aqtrygggqo ggjlls_cq{- gor de uma tradição que, se ajustando aos norros modos de pro-
-ÀÁ
só. e scolas criar am, inclusive, di scipfinàs q"" ioeiÊõíãnii- duzír, cirouTar e receber os processos comunicativos, dá contri-
,l
nassem as artes para dominar a palavra: a eloqüência, a gramír buições importantes para se estudar os constituintes discursivos
ii tica e a retórica atestam algumas das evidências do conjunto de que marcam os diversos campos do conhecimento.
preocupações que marcaramarelação dos gregos com o discur-
so verbal.
A retórica clássica
Ademais, o problema não era apenas o de falar, mas fazê-
1o de modo convincente e elegante, unindo arte e espírito, bem Pela própria natsreza do estado grego, tornava-se impera-
ao gosto da cultura clássica. A disciplina que cuidava especial- tivo para certas camadas sociais dominar as regras e normas da
mente de buscar tal harmonia era aLretóJiçq. Segundo Oswald boa argumentação. O exercício do poder, via paTavra, eÍa ao

,.-#,-t$^' Ducrot e Tzvetan Todorov: "O aparecimento da retórica como


disciplina específica é o primeiro testemunho, na tradição oci-
mesmo tempo uma ciência e uma arte, pois estavam implicados
o conhecimento das técnicas persuasivas e o modo de melhor
dental, duma reflexão sobre a linguagem. Começa-se a estudar dizê-las; explorar a amplitude convincente do discurso signifi-
a linguagem não enquanto 'língua', mas enquanto 'discur_so"'.2 cava a possibilidade de formação dos consensos de mando. É

lir
õíGa, cabe à reiõíãa mostraro modo de constituilãíffiwas compreensível que surgissem, nessas circunstâncias, as primei-
visando convencer o receptor sobre determinada verdade. ras sistematizaçóes e reflexões açeica dos problemas envolvi-
lii
A retórica foi, porém, ao longo dos séculos, transforman- dos com a linguagem verbal. Os pensadores gregos, de Sócrates
do-se em sinônimo de recursos embelezadores do discurso, ga- aPlatão, escreveram sobre o assunto, porérír é com Aristóteles
nhando, inclusive, certo tom pejorativo. Um pouco dessa postu- que a estrutura do discurso será dissecada revelando-se como
ra se deve a concepções sobre o entendimento e exercício da re- funcionava em suas unidades compositivas voltadas a produzit
Íôrica, como as desenvolvidas no século XVIII e XIX, para as persuasão.
quais já não se tratava mais de uma questão de método compo- Aristóteles (384-322 a.C.) trouxe à luz um livro que per-
sitivo, mas sim de buscar o melhor enfeite, apalavra mais bela, manece até hoje como referência para quem deseja estudar
a figura inusual, a expressão inusitada, à moda do ideário esté- questões vinculadas aos processos compositivos dos textos:
tico dos parnasianos. Arte retórica.
l
Em nossos dias, os estudos retóricos passaram a receber I A obra pode ser considerada uma espécie de síntese das
novas abordagens, ganhando papel de relevância na análise do visões que se acumulavam em torno dos estudos retóricos, as-
discurso, no estudo das figuras de linguagem, na reflexão sobre sim como um guia dos modos de se fazer o texto persuasivo.
expedientes argumentativo s, inclusive ampliando sua abrangên- A Arte retórica é composta dos livros I, II, III, em que se po-
ciapara âmbitos não necessariamente verbais: fala-se em retó- dem ler, trazidos para alingtagem dos nossos dias, elementos da
gqllqfiary,
gramâtrca, lógica, estilística, filosofia da lingua-
I Dtc torralo das ('iêrrcias da L.ineuagcm. I.isboa, D. Qrrixote. 1976. p. 99. gem, paraTiõffi-os em alguns õõs temas que nos dizem respeito.
10 í1

A titulo cle nos aproxirnarrnos um pouco mais da estrutu- ção, porque as demais artes têm, sobre o objeto que lhes é pró-
rt de Arte reí(triccr, convém
observar o roteiro fornecido por prio, a possibilidade de instruir e de persuadir; por exemplo, a
Jean Voilquin e .lean Capelle: "O livro I contém quinze capítu- .) medicina, sclbre o que interessa à saúde e à doença; a geometria,
los. Após ter rnostrado, nos capítulos I e II, as relações entre re- \§ sobre as variações das grandezas; a aritmetica, sobre o número,
5
tórica e dialetica e definido a retórica, Aristoteles, que censura \L,. e o lneslro acontece com as outras artes e ciências. Mas a
seus predecessores por haverem estudado principalmente as § Retórica parece ser capaz de, por assir.n clizer, uo concernente a
provas alheias à arte, consagra os capítulos iII a XI\{ inclusive, b uma dacla questão, descobrir o que ó prtiprio para persuadil. Por
ao estudo das provas técnicas; às provas extratécnicas: leis, de- isso, dizemos que ela não apfica sltas l'egras a um gônero pró-
poimentos das testemunhas, contratos, declarações obtidas sob prio e determinado".a
tortura, juramentos, atribuirá apenas o capítulo XV do livro I. O A citação nos autoriza a deduzir o seguinte:
livrc II compreende duas grandes partes nos tulos I a XVl,
i. a retórica não e a persuasão,
,.,rs3-t$: Aristóteles estuda as provas morais e subjetivas, para retomar,
nos capítulos XVII a XXVI, o exame das provas lógicas. O li- 2. a retórica pode revelar como se 1àz a persuasão;
vro III é dedicado ao estudo da forma".3 3. os discursos da meclicina, da rnatemática, ou, da historia,
Se fôssen,os resumir ainda mais este roteiro, chegaríamos do judioiário, da família etc. são o lugar da persuasão;
à conclusão de que estamos diante de um corpo de normas e re- 4. a retórica é analítica (descobrir o que e próprio para
gras que visa saber o que e, como se faz e qual o significaclo dos persuadir),
procedimentos persuasivos. E preciso lembrar, porém, que 5. a retórica é uma especie cle código dos códigos, está
a\
.(
Aristóteles não deseja confundir, como faziam ntuitos contelu- acima do compromisso estritlrnente persuasivo (ela
porâneos seus, retórica e persuasão.
,'\)
não aplica suas regras a um gênero próprio e determi-
A retorica tem, para Aristóteles, algo de ciência, ou seja,
\ nado), pois abarca toclas as formas discursivas.
.i^
é um crtrpus com determinado objeto e um método verificativo E,ntende-se a razào cle a retórica não se confr-rndir com a
cn
,Jos passos seguidos para se produzir persuasão. Assim sendo, etica, pois ela não entra no mérito daqurlo que está sendo dito,
caberia à retórica não assumir uma atitude ética, dado que seu mas, sim, no colno aquilo que está sendo dito o é de modo efi-
obietivo não é o de saber se algo é ou não verdadeiro, mas sim ciente. Eficácia implica, nesse caso, domínio de processo, de
analítica cabe a ela verificar quais os mecanismos utilizados formas, instâncias, modos de argumentar.
para se fazer algo ganhar a climensão de verdade. Ao longo da Arte retóricct, são reveladas as regras gerais
Ou, como afirma Aristóteles: 'Assentemos que a Retórica a serem aplicadas nos discursos persuasivos. Para tanto, um dos
é a faculdacle de ver teoricamente o que, ell cada caso, pocle ser mecanismos mais óbvios indicados por Aristóteles é o que Íixa
ctrpaz de gerar a péisuasào. Nenhuma outra arte possui esta fun- a estrutura do texto em quatro instâncias seqüenciais e integra-
_das: o exórdio, a narração, as provas e a peroração.
IVorqun, Jean & CAPELLE, Jean. Introdução. In: Aristóteles. Arte retórica e arÍe poética. F(io
de Janeiro, Ouro, s. d. p. 21-2. I kt., ibtd., p. 3+.
12 í3

Antes de detalhar essas fases do discurso, convem lembrar judiciário, no qual as provas se tornam determinantes
que, no fundo, a maneira como aprendemos a escrever, o modo para a ordem do processo. Voltemo-nos ao nosso pastor
como muitos livros didáticos de redação ensinam à criança os em seu sermão sobre a glória de Deus: "Vejam o caso
procedimentos a serem utilizados para a elaboração de textos, daquele pecador que após haver rezado com profunda
ainda seguem muito de perto a estrutura sugerida por Aristóteles crença e busca de absolvição dos seus pecados obteve
na Arte retórica. a gtaça de ser trazido de volta para o bom caminho,
l. Exórdio. E o começo do discurso. Pode ser uma 4di'c4--
conseguindo refazer a sua vida e de sua família".

_çí9 do=a-qqUnto,,um conselho, um elogio, uma censura. 4. Peroração. E o epílogo, a conclusão. Pelo caráter fina-
conforme o gênero do texto em causa. Para o nosso lístico, e em se tratando de um texto persuasivo, está
efeito consideremos o exórdio como a intro_dyção. Essa aqui a última oportunidade para se assegurar a fidelida-
I
fase é importante porque visa assegurar a fidelidade de do destinatário. A ela se referia Aristóteles: 'A pero-

,.-e+!ff dos ouvintes. Notem como age o padre num sermão.


Normalmente ele começa com: "Caríssimos irmãos,
ração compõe-se de quatro partes: a.primeira consiste
* enr dispô-lo [o ouvinte] mal para com o adversário: a
hoje iremos falar sobre a glória de Deus". i .sqgünd4 tem por frm amplificar ou atenuar o que se
2. Narração. E propriamente o assunr",Sâ3ãr.arqs sÀo
'; disse; a terceira, excitar as paixões no ouvinte; a quar-
1

3[Qladps, os.-eve_ntos lldigad-gp Segundo Aristóteles:


ta, proceder a uma recapitulação".6 Retomando o
"O que fica bem aqui não é nem a raptdez, nem a con- exemplo do seimào seria possível imaginar conclusão
it
cisão, mas qj-qsta medida. Ora, a justa medida consiste do tipo: "Existem formas de vencer o mal, o pecado,
em dizer tudo quanto ilustra o assunto, ou prove que o bastando para tanto crer na glória do Deus e agir segun-
lato se deu, que constituiu um dano ou uma injuitiça, do os mandamentos por Ele pregados".
numa palavra, que ele teve a importância que lhe atri- Como se pode ler, Aristóteles estava, à moda de um cirur-
buímos".5 E propriamente o andamento argumentativo. gião, "operando" o discurso no intuito de entender o seu funcio-
Continuando com o sermão do nosso padre fictício, te- namento. Em cada uma dessas fases há ainda subdivisões, pro-
ill
ríamos: "Deus é senhor e misericordioso, por isso pode postas de encaminhamento dos argumentos, modos de tornar o
perdoar os pecadores que buscam a remissão de faltas discurso mais agradável etc. Verifica-se, portanto, que atribuir
e a correção dos erros. Senhor do céu e da terra só Ele, a Aristóteles o papel de um dos primeiros sistematizadores da
no alto de sua glória pode nos salvar". téoria do discurso é mais do que justo. Cabe, no entanto, lem-
3. Provas. É parte do discurso persuasivo a prova do que brar, a título de conclusão desta parte, que o autor de Arte retó-
se diz. A credibilidade do argumento fica dependente rica nã.o foi, como muitos insistem em dizer, o inventor da retó-
da capacidade de comprovar as afirmativas. Essa fase rica. Ele apenas analisou os discursos de seu tempo, verificou a
do discurso é particularmente significativa no discurso existência de certos elementos estruturais, comuns a todos eles,

5 ó td., ibid.. p. 260.


ta., ibid., p. z:z
14 15

e a partir de então ir.rclicou couro os estudos retóricos pocleriam gem do produto. O que ocorre ao olharmos a fotomontagern e
contribuir no entenrlirnento dos rnecanismos da persuasào. ficarmos convencidos, pela própria imagem, acerca da excelên-
cia do peru da Sadia. Ou seia, conquanto o que estejanlos ven-
do não seja verdadeiro, e verossímrl, e pode nos convencer.
Verdade e verossimilhança
r
Outro exemplo: E iniliscutivel que o Super-Homem não e
l
Esperar.nos haver ficado claro quanclo colocamos as rela- verdadeiro, porém ele nos resta verossímil. Todos conhecem e
ções entre retórica e persuasão que não estava et.t.t causa saber aceitam as transÍbrmações pelas quais passa o repórter do
até onde o ato de convencer se revestia de verdacle. Persuaclir é, Planeta Diário, Clark Kent. Afinal, ele não e um ser comum, é
sobretudo, a busca de adesão a uma tese, perspectiva, entendi- um extraterrestre, filho de um longínquo e desaparecido plane-
mento, conceito, etc. evidenciado a partir de um ponto de vista ta. Assim sendo, a história do Super-Homem está montada nu-
que deseja convencer alguem ou um auditório sobre a vaHdacle ma lógica que lhe é própria, e que lhe dá sustentação contra os
.,."$$,-""ffi^' do que se enuncia. Quern persuade leva o outro a aceitar deter- apressadinhos que desejam alegar ser tudo aquilo uma grande
minada ic1éia, valor, preceito. E aquele irônico conselho que es- mentira. Afinal, o que acontece quando o Super-Homem se
tá ernbutido na própria etirnologia da palavra: per -l 511odsvs - aproxima da kriptonita?
aconselhar. Essa exortação possui um conteúdo que deseja ser Verossímil é, pois, aquilo que se constitui em verdade a
verdadeiro: alguém "aconselhzr" olltra pessoa acerca da proce- partir de sua própria lógica. Daí a necessidacle. part se construir'
dência daquilo que está sendo afirn-rado.
o "efeito de verdade", da existência de argurnentos, provas, pero-
É possível que o persuasor não esteja trabalhando com rações, exórdios, conforme certas proposiçõesjá formuladas por
uma verdade entendido o termo naquele sentido de constru- Aristóteles na Arte retórica. Persuadir não é apenas sinônimo de
ção social e não de pretensa referência positiva, muitas vezes enganar, mas também o resultado de certa organização do discur-
carregada de maniqueísmo e moralismo , mas apenas com so que o constitui como verdadeiro para o destinatário.
verossirnilhança. Isto é, algo que brinca de verdade; que se as-
semelha ao verdadeiro, processo garantido atravéS de uma lógi-
lÍ ca que faz o símile (similar, parecido) confundir-se com o vero O vazio da retórica
(verdatlei ro. original).
Com o passar dos séculos, a retórica foi sendo alterada em
Consicleremos a seguinte cena: E véspera de Páscoa, você
suas funções. Daquela preocupação com as técnicas organiza-
está na rua e vê um outdoor. Lá está estampaclo o peru da Sadia,
toclo avermelhado" brilhante, pedindo para ser comido. Nin- cionais do discurso e com a persuasão, o que se irá assistir, par-
guem considera que o peru a sel degustado em casa tenha as ca- ticularmente no final do século XIX, é a vinculação da retórica
il
racterísticas cromáticas e de brilho daquele mostraclo no cartaz. com a idéia de embelezamento do texto.
iI Porérn, não ocorre que aquilo que vemos e uma nrentira. Ao A retórica caberia fornecer recursos visando produzir me-
contrário, sabemos que os processos fotográficos ()pclaln ve[- canismos de expressão que tornassem o texto mais bonito. As

:
dadeiros milagres, acentuando detalhes clue reclel-ineur a ima- figuras de linguagem e os torneios de estilo ganharam faixa
II 16
17

própria, encobrinclo, nruilas vczes, as i,suficiências das


idéias. Cinge-lhe ao corpo a ampla roupagem
Por isso, ainda hojc, pcrsistc unl pouco a visão negativa Azul-celeste.
da re_
lórica co*. si.[rnirro cre e,feite do estilo e vazio das idéias. Torce, aprimora, alteia, lima
E
Itrto que u.ruitas organizações discursivas confirmam tar A frase, e, enfim,
visão.
Note-se, por exemplo, certas petições de advogados, ou No verso de ouro engasta a rima
ainda,
aqueles célebres discursos de formatura, com os seus Como um rubim.
eternos
'Jovens de hoje que irão construir o país de amanhã,,, .,o
sofri_ Assim procedo. Minha pena
mento dos pais para ver o triunfo dos filhos,,. As cerimônias
de Segue esta norma,
abertura dos bailes das debutantes não ficam muito atrás
no Por te servir, Deusa Serena
desfile de clichês: "abeleza feito menina,,, ..a formosura que Serena Forma!
ofusca as luzes do salão", "a rosa que desabrocha,,etc.

,.,r#-"tffi' No Brasil, essa concepção ..enfeitista,, do discurso, na sua


romaria de lugares comuns, estereótipos, figuras de gosto
O excerto acima, do célebre poema de Olavo Bilac, nos
indica um pouco da concepção segundo a qual o texto é, antes
duvi_
doso, verdadeiro templo do Kitsch,difundiu_se com força de tudo, um trabalho de artesanato verbal. A questão reside em
capaz
de produzir lágrimas nas pasmas platéias. encontrar o enfeite para a idéia, a rima tara, a estrofe construí-
Ao final do século XIX, a visão da retórica como verniz da com a paciência do cinzelador. Escrever passa a ser, princi-
palmente, um ato de exercício verbal, um ritual ao qual não de-
do estilo encontrou terreno fértil entre os parnasianos.
Veja um vem faltar os deuses a serem glorificados, nesse caso, a "Deusa
exemplo:
Serena, Serena Forma".

lnvejo o ourives quando escrevo:


lmito o amor Retórica moderna
Com que ele, em ouro, o alto relevo
Faz de uma flor. Nos últimos anos ocorreu uma verdadeira renovação nos
lmito-o. E, pois, nem de Carrara estudos retóricos, particularmente em sua ligação com a poéti-
A pedra firo: ca.Para tanto, têm sido fundamentais trabalhos como os desen-
O alvo cristal, a pedra rara, volvidos por Jean Dubois e o grupo da Universidade de Liêge e
O ônix prefiro. Chaim Perelman, líder dos pesquisadores reunidos em torno da
Por isso corre por servir-me, Universidade de Bruxelas e dedicados a construir a chamada
Sobre o papel "Nova Retórica".
A pena, como em prata firme Os recentes trabalhos acerça da retórica têm procurado tirar
Corre o cinzel. um pouco da poeira acumulada pelo tempo, afastando-se daque-
Corre; desenha, enfeita a imagem,
la preocupação de a tudo dar nomes, e buscando muito mais co-
A idéia veste
locar questões como as provenientes da teoria das figuras, dos ra-
I

ta í9

ciocínios expositivos e da argumentação. o inestirnável varor


dos Alguns raciocínios
conceitos formulados por Aristóteles reencontra espaço para
uma
reflexão mais arejada e ntenos contaminada por certas tendências
A retórica clássica havia reconhecido a existência de uma
que marcaram a história da retórica. Ou, como
consideram série de raciocínios discursivos que entravam na construção dos
Dubois e seus companheiros: 'Assim como a história política,
a mecanismos persuasivos do discurso. Guardadas as particulari-
história das ideias tem seus declínios e renascimentos,
suas pros_ dades temporais, mas como exemplo de algo que se pode atua-
crições e reabilitações. euern afirmasse, dez anos atrás, que
a lizar, vamos arrolar alguns desses raciocínios, procurando co-
Retórica iria tornar-se de novo uma disciplina maior, teria
cáusa- nectá-los com situações próximas do nosso cotidiano.
do riso. Dificilmenre alguém se lembiava da observação de
Valéry sobre 'o papel de primeira importância, que desempe_
l.O raciocínio apodítico (apodeiktkós) possuía o tom da
verdade inquestionável. O que se pode verificar aqui é o mais
nham em poesia 'os fenômenos retóricos,,,.7
completo dirigismo das idéias; a argumentaçáo é realtzada com
Sem dúvida, esse norro papel está vinculado a dois pólos
,."es,,,lffi^' importantes: o do estudo das figuras de linguagem e
o das téc_
tal grau de fechamento que não resta ao receptor qualquer dúvi-
da quanto à verdade do emissor.
nicas de argumentação. Ou seja, ..upu.""" aquele tópico
que Exemplo: Zupavitin, a sopa que emagrece I quilo por dia.
deseja estudar a organização discursiva a fim de apreànder
os
procedimentos que permitem ligar aadesão de Raciocínio implícito: Se você quer emagrecer, deve tomar
um ponto de vis_
ta àquelas idéias que lhes são apresentadas. Ztryavitin.
A questão aqui possui uma natureza e uma dimensão que O caráter imperativo do verbo torna indiscutível o enun-
não nos é possível trilhar neste livro, porém a título ciado. O receptor fica impedido de esboçar qualquer questiona-
de indicação
convém adiantar que estamos nos referindo tanto aos mento. É um raciocínio fechado em si mesmo que não dá mar-
múltiplos
processos de arliculação dos raciocínios textuais gem a discussão.
como ainàa à
enorrne gama de possibilidades criadas pelo uso das
figuras de Outro exemplo: O Corinthians é o melhor time do Brasil
linguagem. Mais adiante, faremos a exemplificação de Raciocínio implícito: Caso você queira torcer pelo me-
alguns ra_
ciocínios e figuras com o intuito de apontar tais procediÃentos. thor time do Brasil é preciso torcer pelo Corinthians.
Para concluir este item, convém lembrar uma afirmação 2. Raciocínio dialético (não se deve confundir com a vi-
de Umberto Eco, para quem a retórica, que era .,quase são hegeliana ou marxista do termo) busca quebrar a inflexibi-
entendi_
da como fraude sutil, está sendo mais e mais vista lidade do raciocínio apodítico. Agora, aponta-se para mais de
como uma
técnica de raciocínio humano controlado pela dúvida uma conclusão possível. No entanto, o modo de formular as hi-
e subme_
tido a todos os condicionamentos históricàs, psicológicos, póteses acaba por indicar a conclusão mais aceitável. E um jo-
bio_
lógicos de qualquer ato humano".8 go de sutilezas que consiste em fazt parecer ao destinatário
existir uma abertura no interior do discurso.
Jean et alii. Rerórica gerol. Sâo parrlo. Culrrix. 1974. Exemplo: Você poderia comprar várias marcas de sabão
'] ts(
!uet11.
u, Umbeío. ,4 estrutura ausente. Sào paulo. perspectiva
o. l:.
. Ol l . p. l+. em pó. Mas há uma que lava mais branco.
211 21

O verbo no condicional cria a idéia de que é possível se_ Raciocínio implícito: O Corinthians não e apenas um time
guir múltiplos caminhos para a compra do sabão em pó. Hátvâ_ de futebol, mas uma paixão a ser compartilhada.
rias marcas à disposição, porem uma delas é destacada na
con_
clusão. Ou seja, o enunciado já contém a verdade final deseja_
da pelo emissor. Algumas figuras
Outro exemplo: Em São paulo existem vários e bons ti_
As figuras de retórica são importantes recursos para pren-
mes de futebol, todos oferecem possibilidades de alegrias
ao der a atenção do receptor naqueles argumentos articulados pelo
torcedor; entretanto, um deles, o Corinthians, possui a maior
discurso.
quantidade de títulos e tem a maior torcida do Estado (supondo_
As figuras, ou translações, como as definem certos autores,
se que ambos os casos sejam verdadeiros), alcançando,
ainda, a cumprem a função de redefinir um determinado campo de infor-
I
glória de haver sido campeão do IV Centenário da Cidade.
mação, criando efeitos novos capazes de atrair a atenção do re-
,.,'s-"ts' l
Raciocínio implícito: para os que desejarern torcer pelo
clube mais vitorioso, de maior torcida, campeão na festa dos
ceptor. São expressões figurativas que conseguem quebrar a sig-
nificação inicial, própria e esperada daquele campo de palavras.
400 anos da cidade de São paulo, Corinthians é o nome.
Entre as figuras mais usadas estão a metáfora e a metoní-
l
3. Raciocínio reÍórico.. era, também, o nome de um proce_
mia, consideradas pelo lingüista Roman Jakobson como espécie
dinrento para conduzir as icléias. Hâ çefta semelhança entre o
de matrizes presentes, ora com dominância de uma, ora com a
dialético e o retórico, apenas no últrmo caso não se busca um
da outra, na imensa maioria dos textos.
convencimento racional, mas igualmente emotivo. O raciocínio
retórico e capaz de atuar junto a mentes e corações, num efi_
l ciente mecanismo de envolvimento do receptor. Metáfora
Exeruplo: No Dia das Mães não se esqueça de passar na Figura de transferência, translatio no latim. Há metáfora
joalheria Gargantilha de Ouro. Afinal, quem quando a significação imediata de um termo é substituída por ou-
mais do que a sua
mãe para merecer um presente de valor? tro com o qual mantém relações de semelhanças ou subentendi-
Nesse caso, já não se quer apenas o assentimento lógico, dos. Pela metáfora cria-se um mecanismo de representação dos
deseja-se também trabalhar com os dados emocionais. Apeia_se significados de um termo em outro temo. Por exemplo: para de-
para a referência material ajóia a ser presenteada _ e para signar o substantivo sol, pode-se transferir para o termo astro-rei
o afetivo envolvendo a -relação mãe-filho/a. um conjunto de significados importantes para a vida na terra e
-
Raciocínio implícito: Senclo a mãe um ser único, que se que incluem luz, calor etc. Falamos, portanto, do sol: astro e rei
ama, "uma jó ia rata" , nada melhor do que presenteá_la com : importância maior a existência do nosso planeta.
outra
raddade, o produto vendrdo pela empresa Gargantilha de
Ouro. Alguns processos são próprios da metáfora:
Outro exemplo. Torça pelo Corinthians e viva a emoçào I . Transferência ou transposição. É uma operação de pas-
da maior torcida do Estado de São paulo. sagem do plano de base (a significação própria da pa-
23

lavra, ou expressão) para o plano simbólico (represen_


brasileiro está em lugar do plural "brasileiros" (como sabemos,
tativo, figurativo).
a maioria dos brasileiros gosta de futebol e não apenas um
2. Associação. Na transposição ocorre um processo de as- brasileiro).
sociação subjetiva entre a significação própria e o efei_
Ou seja, usou-se um termo em lugar de outro, visando à
to figurativo.
obtenção de um efeito retórico de aproximação entre cada um de
Exemplo: O último ouro do sol morre na cerração (Olavo
nós (conjunto de eus). O plural "brasileiros", aqui, daria um sen-
Bilac).
tido de "distanciamento" maior entre o conjunto e eu. O sujeito
Plano de base Plano simbólico
singular (eu) cria uma idéia mais próxima de que no Brasil se
gosta de futebol. O plural dispersa, o singular concentra e inten-
sifica a idéia de que sou parte de um povo que gosta de futebol.
rl

Como se pode notar, as figuras são utilizadas, também,


,.,'e#l-t'S' tra nsposiçáo

comparação subjetiva
paru criar efeitos ideológicos. A metonímia, em particul ar, apa-
rece constantemente no discurso político. E comum, por exem-
plo, um candidato iniciar seu discurso, especialmente em véspe-
apreensão emotiva, ras de eleições, com o célebre "amigo eleitor". Claro está que
pessoa I através da parte (você/amigo) deseja-se buscar o todo (nós/con-
junto de eleitores).
Ouro do sol e morte na cerração podem ser associados ao
Há vários tipos de metonímia. Vamos arrolar algumas co-
fim da tarde, ao crepúsculo. mo exemplificação:
. O todo pela parte. O universo em que vivemos está irrespirá-
Metonímia* vel (Universo : cidade de São Paulo).
o O contineníe pelo conteúdo. Hoje ele tomou todas (Hoje ele
Do grego meta onoma (troca de nome; no latim denonti_
tomou algumas cervejas).
natio nomear, dar nome). Indica a utllização de um termo
-
em lugar de outro, desde que entre eles haja uma relação de
o O autor pela obra. Ouvi o Chico Buarque (Ouvi uma determi-
nada música de Chico Buarque).
contigüidade. A metonímia nasce, ao contrário da metáfora, de o A causa e o efeito. Foi triste o modo como José bebeu a mor-
uma relação objetiva entre o plano de base e o plano simbólico te (José tomou alguma coisa que lhe provocou a morte).
do termo. Por exemplo:
I

"O brasileiro gosta de futebol"

il * Não cabe âqui detalhar possíveis diferenças entre metonímia e sinédoque.


I 24 25

3 Signo cabeça (Ste) = aspecto concreto;


e persuasão conjunto sonoro.
cabeça
(Sdo) = aspecto conceitual,
t*l
I. imagem mental;
EI
aspecto abstrato.

Ocorre que o significante e o significado são aspectos


constitutivos de uma mesma unidade. Quando enunciamos a
,]
palavra cabeça, o fazemos relacionando conjunto sonoro e ima-
l
gem.mental. Dizemos, pois, que apalavra cabeça possui uma
,.,re"rtl,"tS' lr A natureza do signo lingüístico significação.

Para verificar como ocorre a construção verbal do discur- Significante (St") + Significado (Sdo) = Significação (seão1.

i$
so persuasivo, é necessário reconhecet a otganização e a natu-
reza formadora dos signos lingüísticos. Afinal, é da inter-rela- Na frase 'A cabeça é um órgão do corpo ht;rrrano", cabe-
il
ça prodtz uma significação, um sentido; ou, se quisermos, nos
ção dos signos que se produz a frase, o período, o texto, logo, a
,l matéria-prima voltada à montagem das estratégias discursivas representa mentalmente aquilo que a forma lingüística está evo-
do convencimento. cando. A significação é, portanto, uma espécie de produto final
darelaçáo existente entre o significado e o significante.
Existe vasta bibliografia explicativa da estrutura e das
Atentando para o que se disse acima, é possível realizar
funções do signo lingüístico. Fixemos algumas idéias que aju-
duas deduções:
dam no entendimento das articulações entre o signo verbal e a
persuasão. li) O signo é sempre arbitátrio. Ou seja, náohârelação di-
li reta entre Ste e Sdo. Isso revela que a combinação (C + A + B +
É comum afirmar-se, segundo a orientação dada por
E + Ç + A) pertence a uma ordem de coisas enquanto cabeça,
Ferdinand de Saussure, que todo signo possui dupla face: o sig-
parte do corpo humano, diz respeito a outra ordem. Procedendo
nificante e o significado. O signifi cante é o aspecto concreto do
a um reducionismo facilitador, digamos que se encontram no
signo, é a sua realidade material, ou imagem acústica. O que
signo cabeça um conjunto sonoro, afeito ao terreno da lingua-
constitui o significante é o conjunto sonoro, fônico, que torna o
gem, e um órgão que resulta de processos biológicos e diz res-
il signo audível ou legível. O significado é o aspecto imaterial, peito ao mundo danatvreza.Yale dize\ cabeças continuariam a
conceitual e que nos remete a determinada representação men-
existir mesmo se não tivéssemos conhecido processos de lin-
tal evocada pelo significante. guagem capaz de nomeá-las, transportando-as, pois, do reino da
Veja o que acontece com a palavra cabeça: natuÍezaparu o da cultura.
I 26
27

O que rege as articulações entre gte gdo é a convenciona- relação entre palavras e coisas não está apenas determinada pe-
" relação obrigatória
lidade, daí ser possível afirmar que não há la arbitrariedade (conquanto esta exista), mas tambem pela ne-
entre o conjunto sonoro rosto e o seu correspondente fisico, ou cessidade. Teríamos que, existindo parte do corpo humano for-
entre a palavra coneta e o objeto caneta. mado pela cabeça, foi necessária a criação de algum designati-
2i) O signo é representativo, simbólico. Ou seja, coisas não ,o pu.à indicá-la. Podemos deduzir que as circunstâncias histó-
se confundem com palavras. As palavras não são as coisas que ricás, o mundo concreto, as variáveis culturais, os anseios espi-
designam. rituais, ao longo de seus processos de desenvolvimento, foram
Um estudioso do assunto, S. Ullmann, assegura que os requisitando a nomeação dos objetos. A arbitrariedade seria
objetos só se relacionam com os nomes através do sentido. Veja uma espécie de segundo momento, precedida pela necessidade'
o esquema abaixo: O homem precisa nomear e o faz arbitrariamente, criando o
símbolo a que chamamos de signo vertal ou palavra'
Resta-nos dessas observações que o desejo de comunicar
,.,'ti$l"ts^' Sentido determinadas idéias a comunicação propriamente dita, a

vontade de dizer coisas aos outros e o efetivo ato de dizer, o mo-


vimento em direção à construção do texto e sua construção -
fica mediado por essa unidade que se chama signo' O modo de
articulá-lo, otganizá-lo, poilerá direcionar o discurso, inçlusive
do seu maior ou menor grau de persuasão.
nome objeto (coisa)
(cabeça)
Signo e ideologia
ffi A consciência da importância de estudar a natuteza do
signo para reconhecer os tipos de discursos levou o pensador
Assim sendo, podemos considerar que um dos aspectos ruiso Mikhail Bakhtin (1895-1975) a formular um dos mais
compositivos básicos da palavra é o seu caráÍer simbólico, vis- férteis pensamentos sobre o assunto.
to que elas estão sempre em lugar das coisas enão nas coisas.
Escreve-nos, em síntese, em seu Marxismo eJílosoJía da
linguagem, que e impensável afastarmos do estudo das ideolo-
Arbitrário, porém necessário gias a reflexão acerca dos signos, visto formarem. praticamen-
te, uma unidade. Há entre eles tal relação de dependência que a
As idéias que acabamos de expor estão incorporadas tra- possibilidade de compreender os valores e idéias contidas nos
dicionalmente aos estudos do signo verbal. Um lingüista fran- discursos implica reconhecer anatLlreza dos signos que os cons-
cês, Emile Benveniste, avançaum pouco mais as discussões em troem. Deste modo, os recursos retóricos que entram na organi-
torno da natureza e das funções tlo signo lingüístico. para ele, a zaçáo dotexto (ver capítulo 2)náo seriam meros recursos "for-
2A 29

mais", jogos visando "embelezar" a frase; ao contrário, o modo


Acompanhemos este raciocínio a partir do seguinte
de dispor o signo, a escolha de um ou outro recurso lingüístico,
exemplo: Um ntarÍelr.t outra Íunção não possui. enquanto ins-
revelaria múltiplos comprometimentos de cunho ideológico.
trumento de trabalho, senão a de ser utilizado no processo pro-
Uma coisa é dizer:
dutivo; dele não extraímos outro significado a não ser o de au-
"FMI faz acordo suave com Argentina,, xiliar na afixação de pregos, ou ativiclades congêneres. Algo
l outra teria sido: senrelhante se poderia dizer da/ôice, recurso para a ceifa e o la-
"FMI faz acordo com Argentina". bor no campo. Ocorre, contuclo, que os tllesmos instrumentos
A escolha retórica do adjetivo suqye) feita pelo jornal l]ostos em outra situaçào, uurn contexto eur que passem a pro-
Folha de S.Paulo, em 2l de setembro de 2003, quando o nosso duzir idéias ou valores que estão situados fora deles mesmos,
vizinho sul-americano passava por grave crise econômica, me- refletindo e refratando outra realidatle, serão convertidos em
nos do que escolha arbitráriade termo para ornamentar a frase, signos.

,,,r#-,,[S^' lr
revela a compreensão do jornal açerca do tipo de acerto feito
entre os portenhos e o Fundo Monetário Internacional. posto de
A /bice e o ruorÍelo que existiam na bandeira da ex-URSS
produziam a rdeia de que o Estado Soviético era construído pe-
outra maneira, ao mesmo tempo arrefeceu-se a imagem agres_ la aliança dos trabalhadores urbanos com os rurais. A bandeira
siva do Fundo, e definiu-se o entendimento da Folha de que perr-r,itia que a "lêssemos" como a unl discurso que dizia ser a
existiu acordo favorável aos argentinos. União das Repúblrcas Socialistas Soviéticas o resultado da
O simples anúncio "FMlfazacordo com Argentina,, reÍira- união dos operários com os carnponeses. Neste cor.rtexto, mar-
ria o carírter aparentemente mais tranqüilo dos termos que regu- telo e foice deixam de ser instrumentos de trabalho e ganham
laram o acerto feito pelos argentinos com o Fundo para o paga- dimensão de si-enos que produzem valores, preceitos, idéias,
mento de dívidas junto ao mercado financeiro internacional. O portanto algo afeito ao terreno das ideologias.
signo suave materializou, portanto, um componente ideológico Conquanto a União Soviética tenha desaparecido jun-
valorativo, de julgamento tamente com a sua bandeira, agora formada por signos que ex-
-culo de comunicação - acerca da maneira como um veí-
compreendeu os termos do citado acordo. pressam a nova Rússia , a.fõice o e rnurtelo, por representa-
Na visão de Bakhtin, como ocorreria arelaçã,o entre sig- rem alta produtividade ideológica, pernaneceram, por exemplo,
no e ideologia? "Umproduto ideológico fazparte de uma reali- nas bandeiras dos Partidos Comunistas espalhados pelo mundo.
dade (natural ou social) como todo corpo flsico, instrumento de Depreende-se, portanto, que uma agremiaçào como o PC do B,
produção ou produto de consumo; mas, ao contrário destes, ele o Particlo Comunista do Brasil, ao ulanter em seu estandarte o
também reflete e refrata uma outra realidade, que lhe é exterior. mestrro cruzamento da /õice e do nrurtelo" não apenas revela
Tudo que é ideológico possui um significado e remete a algo si- continuar acreditando na possibilidade de construir um tipo de
lt tuado fora de si mesmo. Em outros termos, tudo que é ideológi- Estado em que os trabalhaclores urbanos (martelo) e os campo-
I co é um signo. Sem signos não existe ideologia,,.1 neses (foice) venham a se constituil no centro do poder, como
reforça os vínculos com a tradrção do movimento comunista
I B,rxtttrr. Mil<lrail.
Mrarl.rzo e./ilo,sofio tlo littguagen. Sio l)aulo. Ilucitcc. 1979. p. l7 internacional.
30 3'l

De instrumentos de trabalho clue eram, a foice e o marte- textualizarem, passaln a expandir valores, conceitos, pré-concei-
lo transfonnaram-se em signos. isto c, ganhararn climensão tos. Viverer-r-ros e aprenclerentos em contato com olltros hor-nens e
ideológrca. A ideologra transiton através clos signos. A icleia fi- turulheres, mediados pelos signos. que irão nos inforrnar e Íbrmar.
nal que a bancleirir dos Particlos Conrunistas cleseja persu:rsiva- Os signos serão por nós absorvidos, transformaclos e reproduzi-
tnente procluzir é ir da construção de E,stados cujos interesses clos, criando unr circuito de Íbrr-nação e refbrn-rulação de nossas
fundamentais estejar.r.r controlados pelos trabalhadores. Note-se consciências. Não podenros inaginar, conto querem certas filo-
que os signos deram à bandeira a possibilidade de afirmar que, sofias, que a consciência seja abstração, pro.jeção tlo "mundo das
sentlo ela a expressão nraior da nacionaliclade e estanclo nela as idéias". Partimos de perspectiva distinta: a consciência se consti-
representações dos operálios (o martelo) e dos camponeses (a tui e se manifesta atraves dos mediadores materiais fonlaclos pe-
foice), tornam-se estas duas as forças sociais rnais importantes los signos. Pode-se, portanto, "ler" a consciência dos homens
l
I
da nação. rtl'aves tlo coniunto de signos que e exprcssa.
l

,.,r&--""$^' Há urna série de exemplos de situações envolvendo instru-


mentos, produtos de consumo, elernentos cla natureza, etc., que
As palavras, no contexto, perdem sua neutralidade e pas-
sam a indicar aquilo a que chamamos propriarnente de ideolo-
deixam seu senticlo inicial transformando-se em siguos: ou se'- gias. Numa síntese: o signo forma a consciência que por seu tur-
no se expressa ideologicamente.
-ja, passar-n a Íuncionar como veículos cle transmissão cle ideolo-
gias. O pão e o vinho para os cristiios, a balança prra a jtrsliça. Com essas observações, é possivel entender que o modo
a nraçà para o pecado, a pclmba pata LtpLrz eto. É possível, con- de conduzir o signo será de vital importância para a compreen-
tudo, era qualcluer desses casos, saber ate oncle vai o instrunren- são dos modos de produzir a persuasão.
to, procluto de consurno, elemento da natureza e onde começa o Vejamos o seguinte exemplo. Estamos seguindo por utna
signo. Numa palavra o reoonhecir.nento cle uma ou oulra situa- estrada e nos defrontamos conr a referência:
ção depencle da passagem do plano denotativo para o plano co-
notativo. O pão, enquanto tal, clenota alimento; porém, no con- "Rodovia Castelo Branco: 2 km"
texto do rito religioso, passa a conotar o corpo de Cristo.
Para agregan.nos mais uma observação ao exposto ante- A primeira in-rpressão e a de que a função do nome
riormente: é necessário, como ensina Bakhtin, lernbrar que o Castelo Bronco e apenas a de indicar a existência de un.ra deter-
signo nasce e se desenvolve consideraclos os fluxos sociais, cul- minada rodovia. Se assim fosse, estaríamos diante de um nível
turais, históricos. O signo só pode ser pensado socialmente, denotativo da linguagem cu.jo raio de ação terntinaria no plano
contextualnrente. Deste modo. cria-se r-rma relação estreita entre meramente indicativo. Porent, se lembranlos que a rodovia po-
a formação da consciência dos sujeitos e o universo clos signos. deria ter recebido unl outro tron.rc. visto que a possibilidade de
Só poclemos pensar a fonnação da consciência a partir desse homenagear é quase infinita, teríarnos que:
prisrna derivado do embate entre os signos. a) existiu uma escolha contextualizadora, ou seja, elegeu-
Se as palavras, por exemplo, possuem dimensão mais ou se o nome de Castelo Branco e não outro qualquer, por exem-
rnenos neutra quando estão em situaçào de dicionário, ao se con- plo, .loão Goulart;
I
,l
32 33
il

b) tal escolha foi pautada pela presença de Castelo Branco A troca dos nomes
em fatos da vida brasileira;
c) o homenageado realizou (pelo menos dentro da ótica Os assuntos econômicos e mesmo de comportamento evi-
dos que escolheram o nome da rodovia) grande feito nacional; denciados em debates de televisão, nosjornais e revistas de lar-
no caso específico, haver sido um dos comandantes do golpe de ga circulação nacional, apresentam com certa recorrência a fi-

1964, ocupando o cargo de primeiro presidente do regime mili- gura do jovem empresário empreendedor, moderno, com visão
tar, pelo que merece ser lembrado; de futuro, preocupado com a boa forma física, voltado a promo-
ver o casamento entre os negócios e a função cidadã a ser de-
d) o nome de Castelo Branco colabora para perpetuar os
sempenhada pelas firmas que dirigem. São todos, pelo menos
valores ideológicos daqueles que depuseram o presidente João
no palco aberto pela mídia, educados, cordiais, empenhados em
Goulart. Nesse sentido, chamar à rodovia Castelo Branco signi-
melhorar o nível de renda e as condições de vida e trabalho dos
.,."rfid-'""$' ficaria momento de glorificação de um nome e manutenção de
memória de um período de nossa história.
seus funcionários, atentos à responsabilidade social das empre-
sas etc. Criou-se, aqui, um novo sistema retórico, expressões
Como se pode notar, ate as placas de ruas servem como que estão progressivamente se transformando em frases feitas,
veículos difusores de persuasão e convencimento. Não fosse as- jargões, clichês lingüísticos, num exercício de adequação ao
sim, episódios cômicos e trágicos deixariam de ter sido associa- tempo em que vivemos.
dos às ruas e aos nomes que as designam.
Esse jorro de elegância e bondade costuma, muitas vezes,
No primeiro caso, é só recordarmos aquele exaltado "re- revelar o avesso de uma vergonha. Efetivamente, estão eles a di-
volucionário" de 1964 que desejava trocar o nome da rua Cuba, rigir grandes corporações, cujo fim último ó o lucro e a amplia-
em São Paulo, visto suas nítidas conotações subversivas. No se-
ção do capital, movimento que pode trazer consigo efeitos cola-
gundo caso, os estudantes da Faculdade de Filosofia da USP, terais como o desemprego. Tais assuntos são, porém, pesados
querendo mudar o nome da rua onde funcionava a escola, a demais para ser compartilhados com o grande público, melhor
Maria Antônia, para Edson Luís Souto, jovem estudante que que vivam a tirar o sono apenas dos altos executivos.
havia sido morto no Rio de Janeiro pela repressão política de- E muito raro que esse empresário reformatado empenhe-se
sencadeada no final de 1968.
numa aberta defesa do capitalismo;palavra, aliás, da qual fogem
E possível verificar que as placas podem ser indicativas, como o diabo da cruz. As homenagens são agora para o regime
mas não só, visto conotarem idéias e valores que ficam escon- de livre-empresa, de livre-iniciativa, de livre-concorrência, ter-
didos por trás de uma manifestação designativa de aparência. mos todos que indicariam possibilidade de exercício da justiça
Se, como foi aflrmado anteriormente, a palavra em estado de social, da equânime distribuição da renda. Afinal, por que regi-
dicionário vive em situação de neutralidade, ao se contextua- me de livre-empresa, e não capitalismo, modo de produção cuja
lizar, passa a expressar valores e idéias, transitando ideologias, amplitude e significado engloba e transcende aquele? Noutros
cumprindo um amplo espectro de funções persuasivas e de termos, por que mudar o nome do fenômeno sem alterar a essên-
convencimento. cia do que se designa, por que utllizar o eufemismo?
I 35
34

O recurso retórico ou figurativo charnado eufemismo teria perarem, desfrutando das possibilidades oferecidas pela con-
pouca importância no contexto ao qual nos referimos, caso não corrência. Neste contexto, nasce o suposto de que o único regu-
escondesse uma estratégia persuasiva que consiste em formar lador pertinente ao mundo dos negócios é o mercado, entidade
novos campos de sentidos que, essencialntente, nada mudam aparentementeloçalizada em lugar nenhum e capaz de assegu-
com relação às significações originais. A rigor inexiste diferen- ràr prosperidade e futuro promissor a quem nele confia. É rucl
ça substancial entre os termos "capitalismo" e "livre-empresa", perceber que existe, no termo livre, um componente não apenas
ou "livre-concorrência". A alteração lexical, neste caso, não é lógico-racional, explicativo da melhor forma de otganizat a
apenas parte de uma alteração de sinônirnos, ntas o claro dese- economia, mas também uma referência emocional positiva que
jo de dourar uma pílula cujo desgaste se tornou evidente. falta, certamente, em capitalismo.
Ocorre que a palavra "capitalismo" ficou muito feia, per- O grande dramaturgo Bertolt Brecht (1898-1956), autor
mitindo sua expansão semântica na direção de ideias como ex- de peças clássicas como Galileu Galilei,dizia que uma das fun-
ploração do trabalho, discriminação econômica, globalização ções de quem trabalhava com comunicação de massa parti-
,.-eH"t",#: selvagem, poder de uma classe sobre outra etc. E fácil reconhe- cularmente na Alemanha dos anos 1930, que estava assistindo
cer que estamos diante de uma carga de valores, no mínimo, ao crescimento do nazismo seria nomear corretamente as
pouco nobres. Livre-empresa, ao contlário, soa ntenos agressi- coisas. Por isso, era preciso dizer com clareza que o regime em
vo, revelando uma forma de organização social e econômica vigência sob Hitler tinha o nome de nazismo e não nacional-so-
aparentemente não contaminada pelas desagradáveis e incômo- cialismo como gostavam de se referir ao novo Estado alemão
das lembranças sugeridas pelo termo "capitalismo".
-
os seguidores do Führer.
Mas, se não há diferença importante entre uma e outra Uma simples consulta aos jornais diários mostrará como
palavra, por que trocá-las? Quejogo retórico está por trás do eu- muitos termos vêm sendo criados, quase sempre, para minimizar
femismo? A resposta nos remete a uma das vertentes do discur- fenômenos socialmente dificeis de serem tratados: reengenharia,
so persuasivo que é a de provocar reações emocionais t'lo l'ecep- racionalização das empresas, flexibilização das leis trabalhistas,
tor: o enunciador/emissor apela para recursos afetivos visando adaptação aos tnercados globalizados podem estar querendo di-
a melhor conquistar adesão do seu público. Ou se.ya, ent uosso zer, simplesmente, aumento de desemprego, cortes na folha de
caso, ao se deslocar a expressão "contaminada" (capitalismo) pagamento, retirada de direitos sociais, aprofundamento nas dis-
para a "neutra" (livre-empresa), assegura-se uma recontextuali- tâncias entre países ricos e pobres etc. Como se vê, a linguagem
zação do signo que passa agora a produzir novas icléias, valores não é ingênua, e os recentes modos de dizer podem estar escon-
que não são mais associados aos incômodos históricos sugeri- dendo novas formas de organizar a sociedade.
dos pelo capitalismo. O termo "livre" (empresa, concorrência) As relações entre signo, ideologia e construção do discur-
tem conotação positiva, pois assegura, aparentenrente, a possi- so persuasivo são, portanto, mais próximas do que imaginamos.
bilidade de todos montarem os seus negócios, concorrerem. Vale dizer, desde a escolha das palavras (como pode ocorrer,
Elabora-se a crença segundo a qual é possível, em regimes aber- por exemplo, com certas explorações semânticas do eufemis-
tos por exemplo, sem controle do estado as pessoas pros- mo) até a organização das frases, passando pela escolha e dispo-
-, -
36 37

sição dos raciocínios e dos temas ao longo dos textos, percorre- não sabemos exatamente quem produziu), devem ser vistos co-
mos um caminho de inúmeras possibilidades para se compor a mo resultantes de conjuntos maiores, a que chamaremos forrna-
ordem persuasiva e de convencimento dos discursos.
ções discursivas.
São as grandes formações discursivas que dão alguma uni-
O discurso dominante dade aos discursos das instituições, entendidas, aqui, como o judi-
ciário, a igreja, o exército, a escola, a medicina etc. Compreende-
É importante considerar o discurso persuasivo não apenas se porque existem recorrências nas falas dos advogados, dos reli-
como realização de um indivíduo solitário, como se fosse algo giosos, dos militares, dos professores, dos médicos. Tâl recorên-
criado e posto em circulação por uma única pessoa. Certamente, cia resulta do fato de os sujeitos tenderem a aÍualizar em seus dis-
quando um deputado se manifesta na tribuna da Câmara, atrás cursos, textos ou pronunciamentos, as formações discursivas com
dele estão posições do partido ao qual pertence, a expressão de as/nas quais convivem. Engenheiros não fazem plantas de edifi-

,."S--t$^' interesses de eleitores e grupos de pressão que representa, a


convicção nascida de envolvimentos ideológicos etc. O mesmo
cios usando linguagem jurídica, assim como advogados não se
atrevem a apresentar ao juiz uma petição sob fotma de diagramas,
se pode dizer do padre, do pastor, do aiatolá, do rabino, cada um cálculos matemáticos, desenhos de salas, quartos, edículas. As
deles explicando a Bíblia, o Alcorão, aTorá, segundo a tradição formações discursivas, de cefio modo, regulam as retóricas profis-
dos discursos religiosos nos quais estão imersos, ponderando sionais, incluindo os jargões delas, e com isto permitem identifi-
valores que ensejam, dando continuidade a referências propos- car campos de atividades que são do engenheiro ou do advogado.
tas pelos grandes textos que iluminam as religiões professadas. Certamente existem cruzamentos, hibridizações, resultan-
O deputado ou os religiosos, ao se manifestare[t, e collto se es- tes dos vários diálogos permitidos pela linguagem, o que dá
tivessem, também, sendo falados por discursos prececlentes. E certa plasticidade às formações discursivas. Para o que nos in-
isso ocorre corn todos nós, que com maior ou menor grau de teressa no momento é importante fixar a idéia de que, ao falar-
consciência ativamos um complexo jogo dialógico cle oncle mos, somos também falados por grandes unidades de lingua-
podem irromper- temas, (pré-)conceitos, valores, couhccimen- gem, que carregam consigo temas, problemas, valores, concei-
tos, lugares-comuns. Tal processo decorre do caráter social clue tos. Deste modo, "nossas opiniões" podem não ser tão "nossas"
a linguagem possui e que permite circular, atraves clcla, os llu- como imaginamos. A "nossa opinião" quase sempre resulta dos
xos comunicativos que integram diferentes tipos cic vozcs c lu- cruzamentos antes referidos, muitos deles pouco percebidos,
gares onde os discursos são produzidos (venhant clc grancles outros nem sequer identificados, mas presentes neste enorme
instituições, dos campos profissionais, do cotidiano ou clas tri- fluxo representado pelas formações discursivas e seus múlti-
bos urbanas). plos envolvimentos. Leia-se, a seguir, o exemplo extraído de
Em síntese, os discursos persuasivos, conquanto nrani[es- Ingedore G. Villaça Koch:
tados através de um enunciador, seja ele individual or"r coletivo "Como nos demais capítulos, parto também aqui da hipó-
(considere-se uma campanha publicitária ou um editorial.jorna- tese sociocognitiva sobre a linguagem, vista, pois, como
lístico em que não aparece assinatura de ninguent e, portzrnto, uma atividade interativa, o que leva necessariamente a
T
39
3a

uma concepção processual da construção do sentido. ao mesmo tempo condensa e permite o surgimento de vários
Adotando esta linha de pensamento e levando em conta a outros textos, como se fossem links, com notas de rodapé, ci-
concepção do texto atualmente adotada pela Lingtiística tações, teorias incorporadas e que permitem sejam tealizadas

Textual, isto é, que todo texto constitui uma proposta de outras leituras, conhecidos novos autores etc.
sentidos múltiplos e não um único sentido, e que todo tex- 4. Em síntese, o caminho para se chegar à compreensão de que
to é plurilinear na sua construção, poder-se-ia afirmar que todo texto é em si mesmo um hipertexto resultou de um lon-
pelo menos do ponto de vista da recepção todo tex- go percurso reaTizado pela autora, incluindo-se convivên-
-to é um hipertexto".2 cia com teorias, influências recebidas de outros estudiosos,
diálogos realizados com a Sociocognição e a Lingüística
Textual.
1. A autora trabalha no interior de uma grande unidade de dis-
Pelo exposto, é possível entender como as "nossas" falas,
curso, aquela dada pelos estudos de linguag Socio-
,."S-"lffi^' cognitiva, Lingüística Textual. Ela afirma, claramente, que
as "nossas" opiniões estão relativizadas por grandes formações
discursivas que, muitas vezes, direcionam o que dizemos, am-
adere a uma visãojá consagrada por aqueles estudos, portan-
pliam ou circunscrevem o que compreendemos.
to, formulada por outros autores que leu.
Daí a insistência na necessidade de identificar discursos
2. Parte de uma concepção sociocognitiva que concebe a lin- dominantes que ajudam a formar muitas das convicções, opi-
-
guagem como atividade interativa, dialógica. Ou seja, uma niões, crenças que manifestamos. A tentativa de se produzir do-
perspectiva que entende resultarem os sentidos do texto de minância discursiva fazpatle das lutas pela construção de hege-
um jogo entre quem dizlescreve e quem ouve/lê (interação, monias de poder que se afirmam na sociedade.
diálogo). Posto de outro modo, os sentidos não são prévios, Atente-se para os exemplos extraídos da revista Isto é3,
tampouco únicos, mas elaborados no interior de relações so-
ciais e cognitivas. Ademais, trazparao arcabouço conceitual "Não há comprovação científica de que os transgênicos
que the servirá de referência teórica, as contribuições da causem mal à saúde ou ao meio ambiente."
Lingüística Têxtual- que estuda os fenômenos lingüristicos
l,
tomando o texto como unidade analítica e onde clevem ser "Não há estudos científicos que atestem que os transgêni-
incluídos, necessariamente. o sujeito e a situação comunica- cos sejam inofensivos à saúde ou ao meio ambiente."
tiva enunciada.
3. Em consonância com discursos teóricos e conceitueris afeitos Os enunciados tanto dos que são contra como os a fa-
vor do plantio e
-
consumo dos transgênicos revelam que a
aos estudos da linguagem, a autora formula a segr"rinte con- -
grande fonte discursiva para a elaboração dos possíveis argu-
clusão: "Todo texto é um hipertexto". Vale dizer, cada texto

2 3 outubro dc 2003.
Desvendando os segredos do leÍla. São Paulo, Cortez, 2003. p. 6l
I 40 41

mentos advem dapalavra ciência. Vale dizer, existe um gran- Verifiquen-ros um pouco mais de perto conro se consti-
de discurso, aparentemente dotado de verdade interna, portan- tuem estes mecani srnos discursivos.
to construído em torno de certa monossemia (mono : um; se-
mia: sentido), fechado, que permitirá "provar" a validade do
argumento; em nossos exemplos a constatação segundo a qual
O discurso autorizado
os transgênicos podem ou não fazer mal à saúde e ao meio am- Em um artigoa muito instigante, Marilena Chauí desen-
biente. Colocamos, a propósito, dois enunciados distintos, am- volveu o conceito de discurso competente. Vamos examiná-lo.
bos afirmando suas razões completamente díspares a partir de Como é sabido, vivemos em uma sociedade que premia as
uma mesma fonte de validação: os estudos científicos. Vale di- competências, no campo profissional, intelectual, emocional, es-
zer, apareÍÍemente contra a cíência não há o que discutir, mal- portivo etc. Ao limbo são condenados aqueles que estão "do la-
grado possa ser ela úilizada para um ou outro lado, o que não do" da incompetência, porque não conseguem subir na vida, ou
,."&--\ffi' deixa de ser, ao mesmo tempo, irônico e paradoxal. Por esta
via, não é dificil reconhecer a presença de uma estrutura domi-
são instáveis emocionalmente, desgarrados da família, maus alu-
nos, repetentes nos exames vestibulares, inseguros nas tomadas
nante do discurso, reconhecido socialmente, com força, pois, de decisões, desempregados. Se olharmos a questão por esse ân-
para fornecer razões e provas visando a elaboração dos discur- gulo, veremos que o leque dos fracassados é enorme; os vitorio-
sos persuasivos. sos cabem nos pequenos círculos de executivos, gerentes, afora
Ainda que não haja intuito de ampliar esse ponto, convém aqueles que agem em áreas, digamos, fora da legalidade.

lembrar que junto com as lutas sociais, com os embates pela afir- O parâmetro que irá atribuir medalhas honoríficas a uns e
mação de interesses de grupos e classes, desenvolvenr-se os con- adjetivos pouco nobres a outros é sempre o da eficiência e da
flitos discursivos, e entre eles a vontade de afirmar a dominância eficácia. Mede-se o sujeito por aquilo que produzirá, quer ao ní-
de um discurso sobre o outro. Sabe-se, ademais, que sendo maior
vel material os negócios realizados, os imóveis adquiridos,
até as peças que fabrica quer ao nível espiritual a agude-
a produtividade persuasiva, mais intensa será a possibilidade de -,
za com que emite opiniões, os livros que escreve, a harmonia
-
construção dos discursos que se pretendem hegemônicos.
emocional que consegue estabelecer, a capacidade com que
Para observar a presença desse fenômeno e só atentar pa-
convence auditórios inteiros.
ra osjornais, as revistas, os telejornais, as campanhas publicitá-
O mito da eficiência costuma desconsiderar as naturezas
rias e reconhecer como agem os partidos políticos, as autorida-
e finalidades dos bens produzidos. Deus e o diabo podem dife-
des do judiciário, do executivo, aqueles que, de algunta manei-
renciar-se na Terra do Sol5, mas, no que diz respeito à organiza-
ra, representam interesses de corporações, instituições, er-npre-
ção produtiva, eles se misturam. Não se pergunta para que, pa-
sas, associações etc. Estamos, nesse aspecto, vivendo, cotidia-
namente, num grande cenário onde se desenvolvem, pela via da 4
CttlL;i, Marilena. O discurso competente. ln:- . Cultura e democracia; o discurso colnpeten-
persuasão, lutas pela hegemonia e pela busca de formas discur- te e outras tàlas. São Paulo. Moclerna, 1981. p.3-13.
s Rel'erência ao filme clássico
t/ de Clauber Rocha ( 1939-1981 ), Deus e o Diabo na Terra do Sol
sivas dominantes. (l 966).

lr
I
42 43

ra onde, para quem os bens se vollam. Algrrcnr ÍlrrrhoLr, alguem o economista, o cientista. Isso ajuda a perpetuar as relações de
perdeu, afirmaram-se individualiclaclcs. lirnr nr os scr.cs brutali- dominaçào entre os que falam u e pelu instituição e os que sào
zados, são perguntas improcedentes panr o clls(). Assirn senclo, por ela falados. Os segundos, serr a clevida competência, ficam
se, por exernplo, no interior do sistenm tccno-bulocllilico-nrili- entregues a uma espécie de marginalidacle discursiva: um reiuo
tar, unl pesquisador de física atônriclr c()nscgue tlcscolrt'ir uuta do silêncio, um mundo de vozes que não são ouvidas.
partícula com maior poder dc clcstrrriçlo rlo r;rrt' rrs jli cxistcntes, O discurso autoritário e per:suasivanrente desejoso de
então a ele está asseguraclo o glrlhrrttllo tlrr eorrrpt'lt'rre iu. pouco aplainar as diferenças, Íàzendo com que as verclades de uma
importando a naturczu r:licu rlc tultlcscoheltlr. lr glirr.ilr tlo cien- instituição expressem a verdacle cle todos, e assim colocado por
tista virá, ainclaclr.rc pclrr portlr tlo irrlL'r tro. l)lr nlcsnul Íi»'nra, o Marilena Chauí: "O discurso competente confuncle-se, pois,
l

policial agraciaclo com tlnril rrovl llatcrrtc pol llrvcl rlcsvcndaclcr corl a linguagern institncionalmente pernlitida ou autorizada,
um caso obscuro. É verclacle que ele lcz uso rlc vurius lirrnras cle
I

isto é, con um discurso no clual os interlocutoresjá lbram pre-


,."#--"ffi' vioiência física e psicoJógica contra os susl-rcitos; ntrs o que es-
tá em causa aqui não e perguntar acel'ca cla jr-rstcza rlc unra Íbr-
vianrente reconhecidos collo tendo o direito de fàlar e ouvir..."('
E lernbra a autora que o discurso burguês sofreu algumas
ma cle ação e sim reconhecer a eficiência da polícia, concluanto transformações. Antes o seu dornínio passava pelo aspecto legis-
se tenha comprometido os resquícios de humanidacle de tortura-
lador, ético e pedagógico. Ou seja, as ideias enunciadas eram ca-
dos e torturadores. pazes de nonnatizar valores e ensinar. Dizia-se acerca do certo e
É possível objetar que o bi(rlogo que a.jr-rclou a encontrar a dcl errado, do que era.justo ou ir.rjusto, nomal e anormal. Existia,
cura para o câncer, contribuinrlo, porlilut(). para extirpur-un'r mal portanto, o desejo de se guiar e ensinar. Ccrtas instituições cor-no
que ataca a humanidade, revelou, fcliznrcntc. cÍ'ichcil c c()nrllc- Pátria, Família, Escola, serviam de referência básica às pessoas.
,l tência. O problema não está, obvianren{c. rro llrlo tllr r:l'icliciu e O proÍêssor, o pai, o governante, erar.n figuras legitimadoras de
da competência, mas na sua natureza e lro r.rso ltlrcrrrtlo rlucr tlc- situações. Os textos, e no caso do Brasil se pocle ier tal visão atra-
la se faz. Ao diluir tudo num plano mcrarncntc concol'r'rrrrcilrl c ves dos escritos pedagógicos de Olavo Bilac, c1e Rui Barbosa, in-
triunfalista, as instituições impedem quc sc lrrçlrrr pclgrrrrlls, sistiam nas orações aos moços! nos decálogos do bom comporta-
que se indague das naturezas das compctôncilrs. l. rr rltre rrr e lrbc mento, na ritualização cla tradição e dos bons costumes.
o papel de ur.rifon-nizar interesses contradit(rrios. cst'lrrrroIelrrrr-lo Conquanto o discurso burguês não tenha perdido as parti-
e mascarando as diferenças, impedinclo quç u socierllrtle r.r'r'o cularidades acima colocadas, ganhou nova cara: "Tornou-se dis-
nheça o profundo antagonismo existente entrc r corrrpcltirrt'irr tlo curso neutro da cientificidacle e clo conhecimento".'
fisico que pesquisou a nova partícula atômica c u tkr bit'rlogo tlLrc
Se for neutro, ninguem o produz; se científico, ninguem o
descobriu a cura do câncer?
questiona. Quem fala é o Ministerio cla Fazenda, através do seu
lll A ponte por onde transita a mistificação clu conrpe tônciu ú' corpo técnico; a Sociedacle Medica, através cie seus cloutos
a palavra, é o discurso br-rocrático-instituciunul c()nr st. u lrl)u-
rente ar de neutraliclade e sua vahdação assegunrtll llcilr cie rrti-
il1 6 Id., ibid., p. 7.
ficidade. Afinal, quem afirma é o doutor. o paclt'c. o pr.oli'ssor. 7 ral., ibid., p. i 1
44 45

membros, a grande corporação ntultinaciontrl atnrvés cle seus eletrônico, usar cartão etc. daí as características eviclenciaclas
executivos. Autorizado pelas instituiçõcs. o rliscrrrso sc intpõe no material de convencimento produzido pelas agências.
aos homens determinando-lhes ut.na scric tlc contlulls ltcssoais. O mesmo processo formador pode estar en-rbuticlo em pro-
Os recursos retóricos se encarrcganr tltr rlollu os rlisculscls gramas partidários que dese.jam introcluzir novos couceitos e
de mecanismos persuasivos: o eufentisnro. rr lripe rlrolc. os racio- visões acerca das maneiras de organizar a sociedacle. Nesses
cínios tautológicos, a metáfora cativaulc pcrrrrrte rrr t;uc plojetos casos, muitas vezes, ocorrem proposições complexas sob a óp-
de dominação de que muitas vezes niro suspcilrrrrros. possaln es- tica ideológrca com impactos políticos de grande envergaclura.
conder-se por detrás dos apat'enterncr.rlc ir.rore ntcs silnos verbais. Imagine-se alguém que vá apreendendo argumentos, ideias, va-
A palavra, o discurso e o poclcr sc contcrnpllun rlc ntotlo nar- lores, conceitos, fortes o suficiente para tirá-lo de posições de
cisista; cabe-nos tentar jogar uma pcclra na ltlhcida lântina rlc hgua. franca defesa do capitalismo e colocá-lo diante de outras de to-
tal adesão ao comunisrno. Nesse r.r.rovimento, por força dos dis-
l."ffi-rt"s' Desdobramentos do discurso persuasivo
cursos (e eventuah-nente das práticas), um novo conjunto de
convicções foi fbrmado. Aqui não se pode falar em refon.na cle
ponto de vista, dado que o nosso converticlo imaginário excluiu
Ern suas variações, os discursos persuasivos poclem for-
a possibilidade de encontrar alternativas no interior do próprio
rnar, reformar ou conformar pontos de vista e perspectivas co-
locadas em movimento por emissores/enunciadores. Observe-se capitalisnro, caminhando, por exemplo. para posição de tipo so-
que tais planos cialdernocrata.
ná-to se uprcscntaut. necessuriur.t.tente, separados;
trata-se, antes, cle r-rma clivislxr clidltticl para ntclhclr lrclarar.nen- 2. Reformar. Muitas vezes, os hábitos, pontos dc vista, atitudes,
to do problema. comportamentos, -;á existem nào sendo preciso formá-los.
1. Forrnar. Sob determinadas circunstâncias é preciso forntar Trata-se, portanto, apenas de mr-rdar a direção tleles.
novos conportamentos, hábitos, pontos de vista, atitr-rclos, sc- Erernplos.
ja para algum projeto de âmbito nacional, cor.n intplicltçircs Campanhas de aparelhos de barbear com duas giletes.
políticas importantes, seja pata ativar preocupaçõcs tlc nrcnor Certamente não se trata de apresentar aparelhos c1e grlete e di-
lr alcance, limitadas a grupos de pessoas. zer que servem para Íàzer a barba, pois as pessoasjá conhecem
lr Exemplos. o produto, r"rtilizando-o há anos. A situação não irnplica formar
A informatização promoveu n-rudanças prolirrrtlls no sis- hábitos novos, mas retbrn.rá-los, mostranclo as vantagens das lâ-
tema bancário. Os caixas eletrônicos, os cartões dc crctlilo. lc- minas duplas, "uma clue faz vapt e a outra que faz vupt".
varam os bancos e empresas financeiras a investir pcslrtlurncnte De certa Íbn.na, marcas novas de produtos -;á existentes no
'lil, em publicidade, mostrando desde como utilizrr os r.rovos sclvi- mercado agem no senticlo de reformar hábitos de consumo. Fez
ços ate as vantagens deles sobre a estrutura antcrior. As cantlta- sucesso campanha da cerveiaria Schincariol, quando da introdu-
nhas de publicidade, neste caso, sabiam que se tl'alavu tle lbrmar ção da Nova Schin. Nesse caso, não era necessário explicar o que
novos comportamentos nos clientes dos bancos il a Luu caixa e a cerveja, quais seus atributos. Cerveja é algo demais conheci-
I
46 47

do. Tratava-se, apenas, da fixação de nova luarca, associada, in- (péssimo administrador. existem sllspeitas de corrr-rpçlrt). c iluto-
clusive, a outra já existente da mesma con.rpanl-ria cervejeira. Era ritário e prepotente) e enlevadores de Y (honesto. itlerltil'icatltr
passar de Schincariol para Nova Schin. A soluçiio encontrada foi com os interesses do povo, com vontade de acertar).
repetir intensamente o verbo erperinentur'. O convite fez conr 3. Conformar. O cliscurso persuasivo pode não estat" prioritlrrllr-
que o termo experirlentar se tornasse sinônitlo c1a cerveja, eu'r mellte, ocupado em formar, tanpoLlco reformar conlporta-
uma operação metonímica de alta eficiência pcrsuasiva. Ern car- mentos, atitudes, pontos de vista, tratando-se, apenas, de rei-
ta enviacla aos possíveis consumidores vir.rl.ra o se{uinte texto: terar algo.já existente, sabido, mantendo o receptor fiel a pro-
dutos, serviços, lnarcas, idéias, conceitos etc.
C'aro amigo.
Exemplos.
Erperimenta- experimenta. e-xl.ttrilIcntu. rxPcrinrcntlr. !-\pclit'ncntir
O candiclato à reeleição para prefeito, governador ou pre-
crlrçri111q111r. c\pÊriilrilrlit. e\l)CilI)(ltl.l.,\l)L|ill,nlit. \'\lrLfilICt)lt. e\|eri-
tlletllit. cxl)et ilttenlir. É\l).ilIr( rl;l L \l\, t IIL ill.t. É\l)ct iillcill t. C\llct illtenla. sidente da república, quando se dirige aos seus fieis eleitores
,.,'#l-lffi' experinrenta" expefintenlr. cxl)(Inlent:t erPclirtrertllr. exPcrintenta. experi-
menta, erper-imenta. cxpcrinlentâ, eryterinrenta. erpcrirtrenll, erperimenta.
não trata de formá-los ou reformá-los, mas tão-somente confor-
má-los, isto é, relembrar que é candidato. Nesse aspecto, dis-
(\pCl Itllettl;1. erPç1 i111.111". erpet irttcttlrt. c\Pcriil)eilt.. C\l)erintenla. e\p(il-
pensa maiores comentários ou iustificativas de qtre fará a me-
tnenta, cxperiruerlta, experir.ncnta. experirnenta, experimentrr. exprr intrntlr.
etpct itttct:la. er|et ittterli.t. c\llennlent;1. erper ilnctttr. et|ctlnctl;r. crPcr i-
lhor gestão, sendo lnais competente dtl que o sett adversário.
nrenta, experinrenta, e.rperimenta, erperintenta. erlteri lrenta, cxpcrillent:r, Por ser conhecido, fixa estrategia parl sells aliados conforma-
experinrentit. experimcnta, experimenta. erpcrimenta, erperirncrrtrr. crpcrr rem-se às posições que defende.
urcuta. erperiurentár, cxperimelrta, experimenta, erperimentr. c\perllcnl.r.
Marcas que estão no Top of Mind as mais lembradas
e\pcl'llllcnll. e\lrcIililct)1.. e\pct illtenlit. rxn(ilnlcnla. e\|et illtcill,l. r.\l)\.t I
menta, cxperinrenta. experin.tcntâ, erperintetrta. expcrintentrr. c\11(t int(ntit.
pelos consulnidores tratam de reiterar sua presença eln calr-
ú\pcrilllcillí1. erpcrirtcntlt. c\pct inlenlit. erperitttcttll. L.\l)(.t lilt(.ilt;r. L \lr(t i- panhas permanentes, entre outros objetivos para continuar con-
urenÍa. erperimenta, experinrenta. experimcnta, experillent,r. e\p(tlllúltil. tando com a fidelidade dos seus consunidores. Omo, Coca-
(\pct,tlletllÍ1. e\Í)cilI)cIl'r. cxperilltcIllit. c\l)r'tilILnl.l c\l)(ti-
eÀPc1i111ç111o.
Cola, Doriana, Hellmann's, não precisam dizer. para os sells
tttetrllt. cxperirttrnlir. cxpcnlnelllil. erPer interrltr. c\l)\.t lll\.nra. crIcl irttentl.
clientes fidelizados, que são produtos melhores, de qualidade
exper-imenta, expetinrerlta- experimcnta. experintenta. e.rperirnelta. cxperi-
t.trenta^ experir.nenta, experirnent:r, cxperintenta. erperirnentl. experirrretrla, indiscutível. mais confiáveis etc.
c\p\'l llllcltl;1. erPc1 i111ç,t1a- c\llefirl)Érll't. c\l)Crir)tCnl.. crIcritttenll- erner i- Claro está que, no jogo das campanhas, malgrado o obje-
lllclllil. c\p(rirllcrtlll. c\l1cflil]er'11f,. crperitttcttll. L \llcIliltcilla. c\pet illlcltl.t. tivo de conformar, existe também o cle formal colllportamentos
Diretoria do Grupo Schinchariol (por exer-nplo, aqueles qLIe estão entrando agora no lnercado e
P.S.:E-xpcrirnentii. nunca usarAm sabão em pó, tomaralr retiigerante, untaram seus
pâes de margarina ou maionese); ou reÍbrtnar (muitos consunli-
Uma parte das campanhas políticas tambent tllrbllhl per- dores compram Minerva, Pepsi Cola, Becel, Arisco etc.
suasivamente no sentido de reforrnar pontos cle vistu, ;'lois 1'lr.c- Os signos que irão compor os discursos de convencimento
tende convencer o eleitor do candidato X a votal cut \'. [)aru tull-
são, pois, reversíveis, podendo se desdobrar em várias clireções.
to, busca mecanismos ao mesmo tentpo clesqLralil'icttlorcs de X
ll
4A
il ,lÍ,
rl

4 Tipos de discursos l
tipo discursivo marcado pelo jogo de interloouções. Ou sc.lir. o
movimento dialógico eu-tu-eu torna-se dinâmico e passa a con-
viver com signos mais abertos: há menos verdade de um,logo,
menos desejo de convencer. Aqui, o signo ganha dimensão múl-
tipla, plural, de forte polissemia: os sentidos se estilhaçam, ex-
pondo as riquezas de novos sentidos. Os signos se abrem e re-
velam a poesia da descoberta; a aventura dos significados pas-
sa a ter o sabor do encontro de outros significados.
O discurso lúdico compreenderia boa parte da produção ar-
Procuramos nos capítulos anteriores mostrar
a existência tística, por exemplo, a música, a poesia. É ver-se um texto como
de relações entre a estrutura ideológica do
signo, as instituições Alegria, alegria ou Tropicalia, de Caetano Veloso; um poema
e o discurso persuasivo. Situemos um pouco
r."$#',,ffi truturas discursivas a fim de apreender novas
melhor outras
estratégias que
es_ como Tecendo q manhã, de João Cabral de Melo Neto; um ro-
mance çomo Grande sertão: veredas, de João Guirnarães Rosa.
contribuem para configurar os mecanismos de
.onu"r.i.,"rto A própria descoberta da linguagem pela criança tem mui-
pela linguagem.
to desse carâter de jogo com as palavras: há prazer e encanta-
Em um livro muito instigante, e do qual retiramos
algu_ mento com os mistérios dos sons, com a arbitrária relação entre
mas idéias para serem discutidas nesta passag
em, A lingua{em certas sílabas ou palavras e objetos e situações.
e seu.funcionamento, Eni Orlandi
apresenta três grandes .rrúo,
organizativos do discurso: o polêmico, o lúdico
e o autoritário.
Antes de passar à verificação de cada um deles, O discurso polêmico
convém lem-
brar que não estamos diante de categoria s autônontas,
mas de
dominôncia. Ou seja, não são formas puras e sim Cria um novo centramento na relação entre os interlocuto-
híbridas, exis_
tindo, porém, a preponderância de uma sobre res, aumentando o grau de persuasão. Agora, os conceitos enun-
a outra: o polêmi-
co pode conter o lúdico, ou o autoritário o polêmico ciados são dirigidos como num embateldebate. Há luta onde
etc. Ocorre
que um dos níveis será dominante, sendo uma voz tentará se impor a outra. Nesse caso, o grau de polis-
mais visível, portan-
to, caracterizador. semia tende abaixar, dado existir o desejo do eu em dominar o
referente. O discurso polêmico possui certo grau de instigação,
visto apresentar argumentos que podem ser contestados.
O discurso lúdico Digamos que o enunciador opera a uma abertura sob controle.
O importante é que; "...os participantes não se expõem, mas ao
Consideremos que esta seria a forma mais atlerta
clo dis_ contrário procuram dominar o seu referente, dando-lhe uma di-
curso. Residiria aqui um menor grau de persuasão,
tendendo, reção, indicando perspectivas parti cul arizante s" .l
em alguns casos, ao quase desaparecimenio
do imperativo e da
verdade única e acabada. Lúdico signifrcajogo.
Seria, pois, um I Ott.rN»t. Fti. A língnogeru e seu.fincíonatnenlo. São Paulo, I3rasiliense. 1983. p. 10.

50

O discurso polêmico pode ser encontrado em situações 2.Ha uma redução no custo 2. Para se defender de agres-
muito variadas: defesa de tese, avaliações sobre problemas na- agrícola com o uso de me- sores, a Planta Produz subs-
cionais, encaminhamento de posições políticas etc. nos agrotóxicos tâncias que Podem ser tóxi-
cas ou produzir alergias
As discussões sobre o andamento das reformas previden-
3. A produtividade seria maior, 3. Os grãos Podem dar ort-
ciária e tributária, os debates sobre clonagem humana, os pro-
favorecendo a comPetitivi- gem a bactérias resistentes
blemas envolvendo a luta entre israelenses e palestinos têm per- a antibióticos ou a ervas
dade intemacional
mitido acumular vasto material polêmico posto em circulação daninhas e insetos que não
pela imprensa. sucumbem aos defensivos
Pararealizar-se, o discurso polêmico precisa elaborar ar- agrícolas
gumentos a ser reconhecidos e que consigam afirmar a posição 4. Podem-se Produzir alimen- 4. Alguns mercados intema-

,,'N de quem enuncia. Vamos retomar e ampliar um exemplo dado


no item O discurso dominante, extraído da citada revista Isto é,
com o intuito de mostrar como é possível a montagem de "rotei-
ros" de argumentos para estruturar as redes de sentidos que for-
marão o plano polêmico do discurso.
5.
tos mais nutritivos e bara-
tos, o que ajudaria a aPla'
car a fotne mundial

As chances de cruzamento
cionais estariam disPostos
a pagar aÍé ul]1 terço a mals
por produtos orgânicos ou
sem alteração
5. O plantio em grandes áreas
entre as esPécies comuns e pode reduzir a tiqlueza ge-
Assunto: plantio de sementes geneticamente modificadas. as geneticamente modifi ca- nética dos gràos e desequi-
das são reduzidas librar o meio ambiente
Envolvidos: de um lado, agricultores e empresas interes-
6. Plantas modificadas são 6. Os produtores ficariam re-
sadas em produzir e vender produtos transgênicos; de outro,
mais resistentes. Precisam fénJ da Monsanto, a Princi-
ecologistas e setores da sociedade que vêm perigo no plantio pal fomecedora de semen-
de menos água, toleram o
daqueles produtos. tes modificadas
sol e nascem em regiões
Estratégia de comunicação: convencer a opinião pública áridas
acerca dos prós e contras as sementes geneticamente modificadas.
Recursos de comunicação: rádio, televisão, jornal, revis-
Exercício interessante é' a partir deste
"roteiro" de argu-
tas etc.
mentos, ot ganizat textos polêmicos'

Pnós ConrR.ts
O discurso autoritário
Não há comprovação cien- Não há estudos científicos
persuasiva'
Essa formação discursiva registra forte marca
I

rri i
tífica de que os transgêni- que atestem que os trans-
cos causem mal à saúde ou gênicos sejam inofensivos polêmico tambem haja persuasão' e aqui
Conquanto no discurso
ao meio ambiente à saúde ou ao meio am- qr" ," instalamtodas ai condições para o exercício da domina-
biente pratica-
ção pela palavra. O processo de comunicação (eu-tu-eu)
53
52

mente desaparece, visto qve o tu se transforma em receptor com modalização, tensão, transparência' Façamos agora a adequa-
pouca ou nenhuma capacidade de interferir e modrficar o que es- da modaliclade
ção dessa proposta para melhor compreensão
tá sendo dito. É um discurso exclusivista, pouco afeito aaceitar autoritária.
mediações ou ponderações. O signo se fecha e irrompe avoz da
l. Distôncia (atitude do sujeito falante face ao seu enunciado)'
"autoridade" sobre o assunto, aquele que irá ditar verdades como por
O sujeito falante é exclusivo. O enunciado está marcado
num ritual entre a glória e a catequese. O discurso autoritário A voz do
uma espécie de "desaparecimento" dos referentes'
lembra um circunlóquio: como se alguém falasse para um audi-
enunciador é mais forte do que os próprios elementos enun-
tório composto por ele mesmo. É nessa forma discursiva que o ciados.
poder mais escancara suas formas de dominação. Enquanto o
2. Modalizaçâo (o modo como o sujeito constrói o enunciado)'
discurso lúdico e o polêmico tendem a um maior ou menor grau
O texto autoritário possui traços muito peculiares: o uso
do
de polissemia, o autoritário fixa-se num jogo parafrásico, ou se-
imperativo, o caráter parafrástico etc'
ja, repete uma fala já sacramentada pela instituição: o mundo do
,.,[.S'S^ diálogo perde a guerra para o mundo do monólogo.
O discurso autoritário pode ser encontrado, de forma mais
3. Tensão(relação que se estabelece entre o emissor/enunciador
e o receptor/destinatário). O primeiro procura impor-se
à fa-

la do segundo; não abre espaço para a existência de respostas'


ou menos mascarada, na família: o pai que manda, a despeito de
usar, muitas vezes, amáscaraldisfarce escondida sob o nome de
Éum eu impositivo, é avoz de quem comanda'
ou
conselho; na igreja: o padre ou o pastor que ameaçam os peca- 4. Transparência (maiot ou menor grau de transparência'
opaciàade, do enunciado). Os discursos autoritários tendem a
dores com o fogo do inferno que os pecadores não co-
-para
nheçam a ira do Senhor é preciso retornar ao rebanho conver- apresentar maior grau de transparência, visto desejarem ser

càmpreendidos pelo receptor de forma rápida e direta'


A
tendo-se, seguindo os ensinamentos da igreja etc.; no quartel: a
retórica carregada de chamados patrióticos e recomendações *"r.ug"- é mais claramente afirmada' Por isso' o signo Íem
visando preservar o princípio da hierarquia; na comunicação de ,.r, gràr, de polissemia diminuído' A metáfora não convive
massa: o apelo publicitário que tem por objetivo racionalizar as muito bem com a violência do convencimento autoritário'
vendas e tornar imperativa a necessidade de se consumir deter-
minado produto. benr ou serviço etc. Por esses quatro planos é possível afirmar que certas mo-
autori-
dalidades discursivas respondem melhor ao andamento
tário, enquanto outras dele se afastam' Considere-se, de um la-
Adequando o esquema exercitados pelo coro-
do, os discursos de "verdade absoluta",
,r"iir-o político, pelo mandonismo, pela intolerância dogmáti-
Pelo que propõe Courdesses2, a análise dos discursos de-
ca de seitas e crenças, pelo caráter imperativo de
muitas campa-
ve ser considerada em função de quatro elementos: distância,
nhas de propaganda e de publicidade'
2
Counorssss. Blum et Thorez en rnai 193ó; analyses tl'énonces. Langue Française. g. Esse
De outro lado, atente-se para os discursos diplomáticos'
ne-
esquema está tratado com maiores detalhes no já citado livro de Eni Orlandi. utilizados em relações internacionais, obrigados a promover
55
54

gociações que busquem acordos e consensos entre interesses 5 Têxtos persuasrvos


de diferentes povos e nações. A palavra "negociar", nesse caso,
ganha ênfase por envolver estratégias discursivas mais flexí-
veis, afeitas ao terreno polêmico, portanto a procedimentos per-
suasivos que não podem, simplesmente,utllizar o imperativo e
a unidirecionalidade, como formas discursivas preliminares.
E interessante notar como o rompimento, pelos E,stados
Unidos e seus aliados, desse princípio do discurso diplomático,
gerou a crise que atingiu a ONU no episódio envolvendo a inva-
são do Iraque ocorrida em 2003. Por conta de uma ação unila- Situadas algumas das relações existentes entre retórica'
teral e autoritária dos americanos houve um sério abalo no prin- ideologia e persuasão, passaremos à análise (melhor seria dizer
pou-
cípio da negociação que costuma circundar o discurso diplomá- indicações) de alguns textos que ajudem a concretizar um
,.,r$,l,"!.ffi: tico. O problema, nesse caso, é que não se trabalhou na verten- co mais as relações apontadas anteriormente'
te do convencimento discursivo, mas no puro e simples uso da
força militar.
No discurso Publicitário
No próximo capítulo analisaremos alguns textos em que O texto publicitário (e vanlos aqtti, na meclicla do possível'
peças
vários dos procedimentos analíticos apresentados até aqui para abstrair o aspecto imagetico que comumente acompanha as
o reconhecimento da persuasão e do convencimento serão reto- quebran-
I
verbais) pode realizar-se buscando maior originalidade,
I mados. do certas normas preestabelecidas, causando impacto no receptor
lr

i através de mecanismos de "estranhamento", situações


"incômo-

I das", que levam, muitas vezes, à indagação ou à pura indignação'


tra-
E o que se vê, por exemplo, em campanhas da Benetton' em
I

i como
,l balhos que se tolxaram clássicos na publicidade brasileira
ij
os do Primeiro Soutien, da Valisêre' Há, também, movimento
5.''ffiffi: oposto, com peças esquemáticas, estereotipadas, cheias de
comuns, banalidades que consistem em colocar atletas
lugares
para ven-

il der vitamina, simulacros de dentistas para falar de pasta dental'


modelos com pouca roupa e cheias de calor para divulgar marcas
casos aci-
de cerveja. Considere-se, porém, que em qualquer dos
da mensagem publicitária se fa-
ma os componentes persuasivos
zem presentes.
T I

56 5t

O texto publicitário resulta da conjunção de múltiplos fa_ o Símbolo. Vivemos em um mundo clue ttiio gos{rt tlo lt'to
tores. Alguns estão ancorados nas ordenações sociais,
culturais, Ainda que não saibamos muito bem o quc vcnr lr se r llrl
econômicas e psicológicas dos grupos humanos para
os quais as categoria estetica, a simples palavra já provoca tctno
peças estão voltadas. Outros dizem respeito
a componentes esté_
ticos e de uso do enorme conjunto de ifeitos retóricos res. Ser belo é o mesmo que estar determinado panr o
necessá_
rios para se alcançar o convencimento e aos quais não faltam sucesso e para o triunfo. O convite àbeleza soa conro
as
figuras de linguagem, as técnicas argumentativas, os raciocínios. obrigação.
Examinemos um dos nossos mais conhecidos slogans. Passemos a outro exemplo.

"Nove entre dez estrelas do cinema usam Lux.,, O produto de higiene bucal Cepacol desenvolveu para sua
I. O slogan está formado de seis palavras gramaticais (deixam- campanha publicitária que regulannente retorna aos meios de

.1.,'$$,1,,lffi' se de lado preposições ou conectivos). Um bom slogan comunicação personagem, o Bond Boca. Verifiquemos
tem
entre quatro e sete palavras gramaticais; logo, o nosso como estratégias retóricas e de convencimento são disparadas a
exem-
plo seria, tecnicamente, de..bom tamanho,,. partir da associação entre marca e personagem.
2. O racioçínio é o mais formal possível. Trata_se de
i um silogis_ ). Configuração do tipo.
t'
mo (forma de raciocínio que passa por três fas.s: prem[sa
maior, premissa menor e conclusão): Queixo largo, boca grande, cara de mocinho recém-saído do
I banho, ágil e sempre bem-sucedido com as mulheres.
Premissa maior; As mais belas mulheres (do cinema)
1l usam Lux. 2. Sittrações.
Premissq nlenor; Você é (ou quer ser) uma bela mulher. A detetivesca figura e inspirada no célebre agente inglês
i
criado por Ian Fleming, James Bond. Ambos são filhos de
Conclusão: Você deve usar Lux (assim será tão bela
ii
como uma mesma idéia, a de combater inimigos; James ataca o Dr.
as atrizes célebres que emprestam seu rosto para
i
acom_
I panhar o slogan). No, terroristas, espiões, vilões, desejosos de destruir o
i
3' uso de figuras de retórica. Existem duas figuras prioritárias: Império de sua majestade e a democracia ocidental, Boca
a comparação e a hipérbole. Através da primeira age contra o Gargantão, o Zé Cariado, o Bafo-Bafo, todos
se relaciona
a inatingível estrela à mulher comum; com a segunda capazes de contaminar a estabilidade do sistema bucal.
se co_
mete um exagero respeitável (nove entre dez usam Lux).
3. Repertório.
4. O slogan se abre para duas realidades de forte pressão
psicos_ O universo vocabular é muito simples, expressões fortes e
social:
com carga semântica precisa, combute e inimigo, ajudam no
o Exclusão. Ninguém deseja ser socialmente excluído.
Estar sentido de fixar a imagem do Cepacol como implacávelad-
em companhia da possível única feia (a que não usa
Lux) versário dos agentes estranhos que desejam comprometer a
é uma situação bastante desagradável e desconfortável.
segurança da nossa boca.
59
58

que' nes-
4. Fignras. o Distância. O sujeito falante é exclusivo, ainda
se caso, seja possível falar em dois sujeitos:
aquele que
As figuras de sons: aliteração (repetição de consoantes) e as-
fez o slogan e a própria personagem que diz o texto'
sonância (repetição de vogais) são aquelas mais significati-
para
vas na campanha em análise. Ojogo sonoro BondlBoca çria Não cabe aqui delongar o assunto, consideremos
Boca' Note-
um sentido eufônico que produz nova significação: "o bom os nossos efeitos que o sujeito seja Bond
de que o
de boca". O movimento repetitivo BONdBOca acentua a se, a partir disso, como é criada a impressão
quem
"explosividade" do nome, portanto o caráter impetuoso do sujeito parece sobrelevar-se ao produto' afinal'
vis-
agente salvador do nosso sistema bucal. nos e simpático é o Bond Boca' Entretanto' cotno
to, trata-se, apenas, de outra estratégia para assegurar
a
5. Contextualizações. fixação da marca CePacol'
da
Os elementos arrolados acima convergemparu certas conota- o Modalizqçâo. Presença de imperativos (combate)'
ções que se encontram no eixo combate/triunfo. Ou seja, no agente 007)'
,."$#l,ffi' Bond Boca descobre uma nova affnapara vencer seus inimi-
gos: Cepacol. O resultado da vitória é o aumento do prestígio
.
paráfrase (a campanha é decalcada

Tensão. E um eu impositivo que dita seus


enunciados
possível "combate aos inimi-
dando a eles versão única do
do "agente bucal", particularmente junto às mulheres. Como Cepacol'
gos da boca". No caso' só existe uma alternativa:
todo vencedor leva as batatas, para recordar a célebre frase de
trata
Machado de Assis, cabe a Bond Boca encarnar a imagem do o Transpqrência. O enunciado é de fácil absorção'
provo-
sucesso e do triunfo. Note-se, contudo, onde o foco da cam- do tema de um modo agradável a ponto de não
panha está situado. O que interessa não é propriamente o su- car dúvidas quanto ao que está sendo afirmado'
peragente Bond Boca, senão a sua arma, aquilo que o diferen-
cia dos demais: o Cepacol. É o produto que dará stalas à nos- Sistematizando Procedimentos
sa personagem. Por uma operação de troca de lugar, o herói
No livro, Técnicas cle Persttasão, J' A' C' Brownl insiste
da história passa, a rigor, de Bond Boca para o produto, atma alguns recur-
no fato de a propaganda, ou a publicidade, usarem
com a qual será possível destruir os inimigos. receptores'
sos básicos a fim de obter a adesão dos
Desnecessário relembrar que a persuasão foi sendo construí- jar-
da na encruzilhada entre os recursos lingüísticos e a explora-
l. o uso clos estereótipos. são esquemas, fórmulas, símiles,
e circulam nos
gões já consagrados que marcam a linguagem
ção das representações socialmente incorporadas pelos re- um
ceptores da campanha.
I"*to, propugandísticos e nos publicitários' Por exemplo'
a uma
sujeitobem vestido, limpo, de boa aparência' remete
ser seguido. Ele tende a
6. Tipificações. certa idéia de honestidade, modelo a
pela aparência"'Dai o estereótipo do pobre' do
O texto publicitário do Cepacol é persuasivo e autoritário, "convencer
podendo ser tipificado dentro daquelas categorias formula-
das por Courdesses: C. Técnicas de Peruuasâo Rio de Janeiro' Zahar'
l97l
' ,-,*^,
rl
I
60 61

rico. Fórmulas lingüísticas aparecem comumente nos 5. Afirmação e repetição. São dois importantes esquemas usnclos
discur_
sos: o "preclaro senhor,,, ..o dever do filho é obedecer pelo discurso persuasivo. No primeiro caso, a certeza. o inrpe-
aos
pais", "a família qse Íeza unida permanece unida,,, ..sem
or_ rativo: a dúvida e a vacilação são inimigas da persuasão. No se-
dem não haverâprogresso,,etc. A grande característica
do es_ gundo caso, repetir significa a possibilidade de aceitação pela
tereótipo é dificultar questionamentos acerca do que
está sen_ constância reiterativa. Goebbels, o teórico da propaganda na-
do enunciado, visto ser algo de domínio púrblico,
rf uma ..verda_ zista, apregoava que uma mentira repetida muitas vezes era
de" consagrada.
mais eficaz do que a verdade dita uma única vez. A já citada
2. A substituição de nomes. Mudam-se termos com
o intuito de campanha da Schincariol, reiterando insistentemente a forma
influenciar positiva ou negativamente certas situações.
Os co_ verbal "experimenta", quando do lançamento da Nova Schin,
munistas viram os vermelhos; o goleiro no campo
de futebol, incorpora tanto o mecanismo da afirmação como da repetição.
o frangueiro; a lâmina de barbear, gilete; a palha de aço,

,.,rs-"ts' Bombril. Os eufemismos se prestam muito bem como


plificação deste caso.
exem_
No discurso religioso
3. Criação de inimigos. O discurso persuasivo
costuma criar
inimigos mais ou menos imagináveis. O sabão em pó jus_ Uma das formações discursivas onde se reconhece a pre-
se
tifica coníra algo: a sujeira. O político que deseja ,uUrtitri, sença da persuasão é a religiosa: nesse caso, o paroxismo auto-
o
outro alega ineficácia (combater tal inimigo implicará ritário eleva-se: o eu enunciador não pode ser questionado, vis-
mu_
dança de administrador); o deficit público de um país to ou analisado; é ao mesmo tempo o tudo e o nada. A voz de
pode
ser culpa do funcionário público; afalÍade emprego Deus plasmará as demais vozes, inclusive a daquele que fala em
decorre
darigidez das leis trabalhistas, as aventuras guerreiras seu nome: o agente religioso (pastor, padre, rabino etc).
norte_
americanas estão justificadas pela existência do terrorismo. Estamos diante de um discurso de autoria sabida, porem não de-
4. Apelo à autoridqde. É o chamamento a enunciados terminada, visto que a fala do agente se constrói corno verdade
(ou pessoas)
que validem o que está sendo afirmado. As não sua, mas do outro, aquele que, por ser considerado determi-
citações, em livros e
nação de todas as coisas, engloba as falas do rebanho.
teses, de especialistas no assunto que eslá sendo
tratado _
mui_
tas vezes em notas de rodapé; os economistas que
informam nos Nesse sentido, o discurso religioso realizatarefa sui gene-
I

telejornais acercado andamento das bolsas e do dólar;


os médi_
ris enquanto mecanismo de comunicação, pois, se os demais
cos que fazem recomendações em revistas de larga discursos autoritários-persuasivos podem vir a revelar a voz do
circulação
sobre como ter melhor qualidade de vida; os padres pastores sujeito falante, nele resta apenas a noção de dogma. Não deixa
e
que se apresentam na televisão mostrando os passos de ser uma situação curiosa estar diante da mais visível forma
a serem se_
guidos para se alcançar o reino dos céus; a modelo de persuasão e do mais invisível eu persuasivo. Deus não fala,
com corpinho
esguio que mostra o novo tipo de sopa que permitirá dado ser uma realidade imaterial; quem fala em seu nome não é
o emagre_
cimento nápido. Tudo isto torra ..mais realt, amensagem dono do discurso: o agente é apenas veículo, porta-voz, no má-
e ga_
rante a procedência acerca do que está sendo dito. ximo "interpretador" da palavra do Senhor.
62 63

Num feliz achado, Eni Orlandi designa esse processo collr 1. O Credo, ou Profissão de Fe, nos coloca Íiente à relaçiro en-
o nome de "ilusão da reversibilidacle". Ou seja, enquanto no tre o homem, a fé e o dogna. O texto clesprencle-se de utr-t
discurso dos homens se abre a possrbilidade cle ocorrer uma re- plano meralxente terreno, material (humano, portanto), para
versào no processo cor.nunicativo (emissores e feceptores po- uma dimensão de mistério e espir:rtualidade (do Senhor Deus'
dem interagir), no discurso religioso tal procedirnento se torna da remissão, da salvação).
impossível. Interagir com quem? Corn Deus? Sabemos, no en- 2. Tal passagem é matizada pela própria estrutura textual; o r- tl-
tanto, que isso e irnpossível, porem Ílcanros con-r a "ilusão" do do de organizar a seqüência narrativa vai do eu oculto (creio)
reversível, dado que os representantes cle Deus na Terra pare- para vicla eterno. Observando melhor essa estrutura e possí-
cem falar por ele. Podemos interagir, na melhor clas hipóteses, vel identificar os passos do discurso clássico-aristotelico,
com entidades de segundo grau, os agentes, que, não sendo do- conforme já foi mostrado no primeiro capítulo deste livro.
nos da fala (eles só reproduzerl ou interpretarl), dão a impres- Dos versos I a 4, encontra-se o exórdio; do 5 ao 12, a narra-
.,.,,s}}iff são cle ser os sujeitos do discurso.
A título de exemplificaçào, vejamos um dos rnais conhe-
ção (com as provas); do l3 ao 19, a peroração (conclusão).

cidos textos religiosos, o Credo:


Exórdio
Aqui se apresenta a situação do que sitltaticutnt-ltte
erz,
1 Creio em Dens Pui lotlo-podero,to,
está elidido, numa posição cle ittferioriclacle e depenclên-
2 criadctr do Céu e du Terrtt;
cia perante o Scnl.ror. Esse ti o ttldo-poclel'tlso callaz dc
3 e em Jestts CrisÍo, .seu únir:o Filho. nct,tso Senhor;
criar um filho para scr o /7ír,\,§í, Senhor. Scllhor (st'nirt-
4 que foí concebiclo peb poder do E,spíritu Sonto;
rz) nos remete a utt.ra realiclatle: tlc 1'lossc lctrtllrl' nlctlic-
5 nasceu tla Lirgem Moria,
valizante, é o anto, tl clotto. aclrtcle clrtc tlotttitllt c ctr.io
ó padeceu sob Pôn.cict Pilato,y,
poder e inquestionável. O cxcircii«l dcixa clat.lt lt llrltn clcr
7 fot c:rucificodo, ntortLt e sepultcrdo;
igualdade entre o eu qLle crê (condiÇiio biisica para a
B clesceLt à mansão dos mortos:
salvação) e Deus, cqo único filho será o nosso Scnllor.
9 ressttsciÍr.tu ao terceiro dia;
l0 strbitt ctos Céus.
A figura de linguagern que domina esta parte clo cliscr-rr-
so ó a hipérbole. A grandiosidade do todo-pocleroso,
II está sentutlo à direita de Deus Pui todo-poderoso,
capaz de criar céus e terras, só se compara a peqllenez
l2 donde há de vir a julgur r.rs yiyo,r e os mortos;
do homem conclenado a crer para se salvar. Por cletrás
I3 creio no Espírito Santo,
da opacidade do dogn-ra e do rnistério, lemos, através cla
ll no ,sanÍu lgreja caÍólicct,
um santificado jogo
hiperbole, a transparência cle cle
I 5 na cr.tmttnhão clo.s sctnlos,
poder e dor-ninação.
I6 na remi.tscio clos pecaclos,
I 7 no ressurreição du carne, Nataçiio
I8 na vida eternu. A narração se encarrega de explicar e provar o l)asci-
19 Ament. mento, a vicla e a morte de Cristo. O longo acÍlt't.tt-tlo cle
64 65

verbos aglliza a leitura, dando ao texto um incrivel mo- A conclusão serve para fixar a situação do hotlretlr c o
vimento interno. O que se coloca em primeiro plano é a que dele Deus deseja. Para o Senhor, o homem está et.t.r
morte e não a vida, dado que esta é apenas o lugar para falta, em queda, ou seja, o sujeito não é,mas pode vir a
o exercício da capacidade de provação do ser. A vida é ser, superando-se e conseguindo, através da fé, encon-
a passagem, o locus purgativo, o teste para o amadure- trar a salvação. E possível çaractetizar o discurso reli-
cimento do espírito. A morte é o desfecho glorioso, cir- gioso como dogmático, dado essa sua natureza de in-
cunstância necessária para ganhar o reino do Céu, para questionabilidade.
se entregar à vida eterna. O Credo ganha, aqui, dupla
3. Há uma série de outros nlecanismos que acentuam a persua-
dimensão: dramática, visto contar a via cyucis daquele
sào no discurso religioso:
que veio para nos salvar, e punitiva porque Ele estarit
pronto para nos julgar. Diante de tal ameaça, o mecanis- . uso do modo imperativo, o que revela a idéia de coisa
mo persuasivo do discurso se reforça, pois sobre as nos- pronta, acabada;
,.-#l,,t'hH'' sas cabeças pende a espada de umajustiça cujo execu- o o vocativo subjacente (creio), que afirma o chamamen-
,li tor não nos permite qualquer tipo de interpelação. to ao sujeito;
A figura dominante agora é a antítese. Há um jogo en- o a função emotiva (afinal eu devo acreditar, ter fé. O
tre morrer e ressuscitar. Colocando em termos do ho- problema da salvação está comigo, o Senhor é o exem-
mem, seria a tensão entre os apelos para uma vida que plo a ser seguido);
priorizasse o espírito, dado que tudo prioriza a maÍéría.
Morrer um meio para viver a felicidade eterna. Graças
é
. o uso de metáforas que acentuam o ciframento do dis-
à crença e à fé, a morte se transforma em vida.
curso religioso: a mansão dos mortos e o ressuscita-
mento de todos só criam um jogo simbólico acerca do
Peroração inusitado do dogma;
A conclusão só poderia retomar o verbo crer, pois ai es- . uso intenso de parábolas e da paráfrase; de um lado, a evo-
tá a condição básica paÍa a salvação. É em torno desse cação alegórica, e, de outro, a presença do texto bíblico;
núcleo verbal que tudo se organiza: ele e expansão e . uso de estereótipos e chavões que possuem a força da-
síntese dos sentidos.
quilo que Umberto Eco chama de sintagmas cristaliza-
Deus Pai dos: "Oh! Senhor", "todo-poderoso", "criador",'onosso
Jesus Cristo Senhor" etc.
Vída Eterna Espírito Santo
Creio lgreja Católica
No discurso do livro didático
l

Ressu rreiçáo Comunháo dos


Santos
Entre a enorme variável dos textos persuasivos, um inte-
Remissão dos Pecados
ressa muito de perto, quer por haver perseguido nossa formação
66 I
67

escolar, querpelas implicações ideológicas que possui: apresen_ MIN'IA AMII IA


tam-se eles nos livros didáticos. '
Minha família é fornlada ltt)r n,t'u l'.tr rtrrrrlt.r ut.t, ttt,,u l
Esse tipo de obra traz, com certa freqüência, textos mar_ máos e eu. Todos nós morantos ntt tltt".ut,t,.t,,t lllttlt.t ' .t .!
cados por duas variáveis fundamentais: a estereotipia e a é muito importante para mim. Nela t:rt vtvt, t tttttÍ ilr1 , ., ,ttl
idea_
lizaçáo. Vale dizer, a padronização dos comportamentos, da ro. Meu pai trabalha para nos sustentar. Mirrlt,t rtt,t,', rrt,l.r ,1,'
éti_
nós e da casa. Meus irmãos sáo meus melhon:s,tnnttt'', N.t
I ca, dos pressupostos culturais, da visão acerca da família, do pa_
nossa família todos se querem muito bem.
pel do Estado, para ficarmos em alguns dos assuntos presentes
Também fazem parte da minha família: meus avós, meus tios,
nos livros didáticos, em especial aqueres dedicados às séries meus primos etc.
iniciais do ensino fundamental. Nossa família forma uma comunidade.2
Tais obras costumam ser organizadas em torno de temas
como religião, riqueza, pobreza, amizade, felicidade etc. É um 1. A família em questão é modelar. Tudo funciona perfeitamen-
procedimento voltado ao ensino das primeiras letras: te. O padrão de conduta de setores da classe média contami-
arfabetiza-
na os desvãos dessa que, sendo a famiTia de um incógnito,
ção, leitura; particularmente, pretende formar os .,bons hábi_
'."#}-li$H, tos", despertar a criança para ,.os valores mais caros à socieda_
quer servir como referência para a família de todo mundo.
No entanto, é esse o modelo a ser lido, entendido e, quem sa-
de", o respeito às leis, às tradições, enfim, àquele corpo de pre_
be, desejado pelojovem aluno.
ceitos ditados como expressivos e determinantes para a vida
fu- 2. O narrador é uma criança que fala para outra criança. Tal
tura do educando. São, portanto, textos de,.forja", de artesana_
movimento visa tornar o discurso mais carregado de verdade.
to da alma, de inculcação dos modelos que os discursos domi_
É um discurso "real", falado interpares, capaz de dar valida-
nantes apontam como bons.
de ao ar de contentamento e segurança em que vive o peque-
O problema com tal modalização de linguagem é que fi_ no "eu conformado".
camos diante de obras que pouco ou nada têm a ver com a rea_ 3. Uruq primeira variável do preconceito. A ciança está bem
lidade da maioria das crianças, refletindo quase sempre padrões porque a família está unida. Esse é o pressuposto que ali-
de vida de uma certa classe média que vive nos grandes centros menta a tese do texto, ou seja. inseguros e descontentes esta-
urbanos. Verifica-se que os textos didáticos, conquanto nasci- rão os filhos dos casais separados. A solidão e o desaponta-
dos para a "neutra" função de alfabetizar, de servir como mento devem assomar àquelas crianças cuja família jâ não
fonte
de leitura, tÍazem consigo variáveis ideológicas, de configura_ mais se encontra junta sob o mesmo teto. Podemos deduzir
que tanta união familiar soa discricionária e preconceituosa,
ção de valores culturais, sociais, históricos, em consonância
com os mais tradicionais mecanismos da persuasão. particularmente deslocada historicamente. A enorme massa
de casais separados, uma certa naturalidade com que se trata
Um dos temas mais caros ao livro didático é o da família.
o tema da separação está, obviamente, a léguas do texto.
Vejamos como a questão é tratada em livro que teve algum
su_
cesso de vendagem anos atrás.
I Mrnqurs. Yolanda. I nagica do saber: 2." sórie. São Paulo. Nacional. I 982
I 6a
I
artl

4. Uma segunda vqriável do preconceilo. Lêem-se como as re- Premissa menor'. Eu vivo em uma lltltiliir ttrlrtl:r
lações homem/mulher estão colocadas. Particularmente no Conclusão: Eu sou feliz'
que diz respeito à questão do trabalho.
O pai trabalha para sustentar a casa. A mãe não o faz, ela ape- B
nas cuida da casa (!), dos filhos, eventualmente do cachorro Premissa moior: Toda família forma uma comunidade'
e dos passarinhos. As atividades domésticas não são conside-
Premissa menor'. Eu vivo em família'
radas pelo nosso incógnito narrador como trabalho, mas tão-
Conclusão: Eu vivo em comunidade'
somente uma espécie de obrigação feminina. O texto, de no-
vo, apresenta distorção histórica, visto a evidente presença da C
mulher no labor fora do ambiente doméstico.
Premissa maior: A família harmônica forma uma comu-
5. Uma outra idéia cara ao texto é a da harmonia familiar. Senão nidade.
vejamos: "Meus irmãos são meus melhores amigos", "mora-
r."e$,-,""$' mos na mesma casa", "Na nossa família todos se querem
Premissa menor'. Nossa família é harmônica'

muito bem". E um mundo sem dissensões, centrado no mito C onclus do'. Formamos uma comunidade'

da linearidade, da não-contradição.
Não é difícil perceber o caráter falacioso de alguns desses
6. [Jm absurdo conceitual. Por último, nosso texto não poderia
raciocínios.
deixar de causar verdadeiro arrepio conceitual, ou seja, passar
lr à criança a idéia de que viver em comunidade é viver em um
Nosúltimosanosmuitascríticasvênrsendodirigidasaos
mundo sem seres reais. Se a família é também um dos ele- equi-
mentos a formarem uma comunidade, ela precisa existir como
livros didáticos, com reflexões que apontam o tratamento
envolvendo des-
vocado, displicente ou mesmo preconceituoso
realidade histórica e socialmente determinada. Infelizmente, o de minorias' va-
de conceitos e temas até formas de tratamento
modelo narrado pelo garoto não faz parte da comunidade, mani-
I
riáveis culturais, modos de vida' Em decorrência dessas
apenas está na cabeça de quem, ao conceber o texto, projetou da rede de ensino'
festações, das crescentes exigências por parte
suas próprias idealizações e preconceitos ideológicos. ma-
de discussões dos educadores acerca dos usos envolvendo
J. Raciocínio. A dedução última do texto é que ele segue um ra- produção dos li-
teriais didáticos e ou didatizados, os padrões de
ciocínio silogístico, querendo fazer passar a tese da estreita
vros didáticos estão conhecendo algumas alterações' Busca-se
relação entre harmonia/felicidade e união familiar. Vejamos uma adequa-
um ajuste às novas demandas sociais e históricas e
como tais raciocínios podem ser articulados: de mudanças vividas pelo
iào á puAto.s editorias resultantes
Cabe acompanhar es-
i.Op.ià setor que produz livros didáticos'
A ,. iro"".ro pàra-saber ate onde determinadas operações for-
Premissa maior: A felicidade o que foi
está ligada à união fami-
-ui, . de ajuste temporal mudarão asubstancialmente didático'
liar. mostrado nesta análise, alcançando ordem do livro
70
tl r
I

No discurso literário cinco palmos. O chão inundavq-se' As nulltut"s l)ttt't\(t


vam já prender as saias entre as coxas paru ttittt tts
ttr't
Texto 1. lhar; via-seJhes q tostada nudez dos braços e ckt ltt"tctt-
o cabeio todo puru tt
ço, que elas despiam, suspendendo
CAPITULO CXXIII alto do casco; os homens, esses não se preocupavam em

OLHOS DE RESSACA não molhar o pêlo, ao contrário metiam a cabeça bem de'
baixo da agua e esfregat'am com forças as ventas e as
Enfim, chegou a hora da encomendação e da par-
barbas, fossandoe.fungando contrq as palmas da mão'
tida. Sanchq quis despedir-se do marido, e o desespero qbrir e
As portas dqs latrinas não descansavarn, era um
daquele lance consternou a todos. MLritos homens cho- sair sem tréguas'
ravam também, as mulheres Íodqs. Só Capitu, amparan-
fechar de cada instante, um entrar e
"Não
se demoravam lá dentro e vinham ainda amarrando
do a viúva, parecia yencer-se a si mesmo. Consolava a
as calças ou as saias; as crianças não se davam ao traba-
r."#l"t$^' outra, queria arrancá-la dali. A confusão era geral. No
meio delq, Capitu olhou alguns instantes para o cadáver
mo ai U ir, despachavqm-se ali mesmo no capinzal dos
por detras da estalagem ou no recanto das hortas'
fundos,
tão fixa, tão apaixonadamente fixa, que não admirq lhe
l'll
O rumor cresciq, condensando-se; o zunzum de
saltassem algumas lagrimas poucos e caladas...
todos os dias acentuava-se: já se não destqcavam vozes
As minhas cessarqm logo. Fiquei a ver as dela,' clispersas, mas um só ruído compacto que enchia todo
Capttu enxugou-as depressa, olhando a furto para ct o iortiço. Começavam afazer compras na venda; ensa-
gente que estqva na salq. Redobrou de carícias para a
rilhavam-se discussões e rezingas; ouviam-se gargq-
amiga, e quis leva-la; mas o cadáver parece que a reti- lhadas e pragas; já se não .fazia, gritava-se' Sentiq-se
nha também. Momento houve em que os olhos de naquela fermentação sangüínea, naquela gula viçosa
Capitu fitaram o defunto, quais os da viúva, sem o de plantas rasteiras que mergulham os pés vigorosos
na
pranto nem palavras desta, mas grandes e abertos, co- lama preta e nutriente da vida o prazer animal de exis-
I
mo a vqga do mar láfora, como se quisesse tragar tam- tia airiunfonte satisfação de respirar sobre a terra'4
rl bém o nadador da manhã.3

Os fragmentos acima ajudam a pensar as possíveis relações


Texto 2 existentes o discurso literário e a linguagem persuasiva'
"nt "
Daí a pouco, em volta das bicas era um zunzum No texto de Machado de Assis lemos a célebre cena ern
crescente; uma aglomeração tumultuosa de machcts efe- que Bentinho e sua mulher Capitu estão velando o amigo
Escobar, morto num inusitado afogamento' No entanto,
Ben-
meas. (Jns, após outros, lqvavam a cara, incomodamen-
te, debaixo do fio de água que escorria da altura de uns tinho revela suspeita de que o olhar de Capitu apresenta contor-

I Mrc tt,roo or Assrs. Dorr Cusnurro. Sâo l)aulo. Áticil. 1979. p. 133-4. 4 Azt,vuoo, Âluisio. O cortiço. São Paulo. Marlins, 968
1 p 43-4
l

73
72

nos excessivamente dolorosos, indicando possível relação adúl- timentos para com o amigo morto. Ou, pelo menos, tenta inter-
tera entre ela e Escobar. pretar, dado que a facilidade da cerleza é Íraida pela dúvida do
i... o cadáver parece que a retinha"'"; "Só Capittt'
Ainda que não se tenha lido o romance Dom Casmurro, é condicional:
fácil reconhecer a existência de um curiosojogo de afirmações amparando a viíva, parecia vencer-se a si mesma"'
e dúvidas, em que ora se destaca a cetteza ora o tom condicio- Ficamos, portanto, enquanto leitores, divididos pelas ob-
da
nal se encarrega de manter em suspenso qualquer acusação servações comprometidas de Bentinho' Com ele passamos
frontal de infidelidade. E,sse clima é conseguido pelo fato de afirmação para a dúvida, da certeza para o condicional, do fitar
existir um narrador, Bentinho, que sabemos de antemão está o cadáver quais os olhos da viúva, para aquele incômodo e dis-
comprometido a tal nível com a narrativa que dele podemos du- simulado olhar de ressaca que agia como se "qwisesse ttagar
vidar. Com isso, nos permitimos desconfiar de um ponto de vis- também o nadador da manhã".
ta que, sendo único, impede o aparecimento de outras versões Verifica-se que por trás da questão do adultério está es-
.,.,'e$l-!'ffi' sobre o fato
-
Escobar está morto e Capitu não pronuncia di- condido
-
máxima dissimulação!
-
um problema filosófico
da relatividade das
retamente uma só palavra. extremamente complexo, o da ambigüidade,
observações, da negação do absoluto. Numa palavra, o signo da
Bentinho, o Dom Casmurro, conta que sua mulher olha o
cadáver de um modo diferente. Não é o olhar comum de uma dúvida alimenta o texto machadiano, impedindo a formação de
pessoa apenas emocionada e triste com a morte de um amigo, juízos definitivos.
mas que se revela em tom apaixonado, comprometido: antes de No fragmento de Aluísio Azevedo, contemporâneo de
chorar o morto, Capitu lamenta a perda do vivo, pelo menos pe- Machado de Assis, existe outro modo de organizar o discurso
li-
la ótica de Bentinho. Daí a constatação: "... Capitu olhou alguns terário: a descrição precisa e minuciosa das situações que irão
instantes para o cadáver tão fixa, tão apaixonadamente fixa, que configurar a cena apresentada. É o acordar dos habitantes do
não admira lhe saltassem algumas lágrimas poucas e caladas...". cortiço; a ida à bica, ao banheiro, as discussões, as risadas, os
Bentinho, num dos momentos mais antológicos da litera- barulhos do amanhecer. Mas por que tal descritivismo? E o de-
nos seus
tura brasileira, abandona o resto da cena, as circunstâncias que sejo de materializar o movimento dos grupos humanos'
âgem, o que fazem, que rea-
estão envolvendo a cerimônia fúnebre, fixando-se exclusiva- múltiplos comportamentos; como
que a cena se abre com
mente naquele estranho olhar e do qual deduz sentimentos e ções apresentam. Não é gratuitamente
produzido por
emoções que poderiam ser vividos por Capitu. O choro de uma onomat opéia,"zunzum", som normalmente
insetos. Note-se que as categorias homem e mulher cedem
lugar
Capitu já não é mais como o das outras pessoas, ele tem nature-
za clandestina, disfarçada, como o de alguém vigiado, portan- para macho e fêmea: expressões mais próximas do mundo dos

do, pois, um secreto mistério que a ninguém deve ser revelado: Li.hot. O próprio espaço e o da sujeira, do lodo, do barro: as

"... olhando a furto para a gente que estava na sala". Bentinho crianças defecam nos fundos das casas, os homens fungam'
tu-
agressiva' O quadro
integra nos olhos da mulher os seus próprios olhos e cria uma do a caracterizar tmacena fantasticamente
visão em dupla direção: pelo lado de fora reconhece como ganha intensidade nas últimas linhas do fragmento em que se
Capitu vê Escobar; pelo lado de dentro interpreta quais os sen- ievela, diretamente, como o narrador concebe os homens e as
['

74
r 75

(ltl(r'
mulheres enquanto animais: "... mergulham os pés vigorosos linguagem simbólica pode terminar como um excrclclo
na lama preta e nutriente da vida o prazil animal de existir, a i;;;r"ã" a monossemia,
- conduz o leitor pelo estreito catnittlrtr
a priori' elll ccr-
triunfante satisÍàção de respirar sobre a terra". do convencimento de pressupostos que estão'
tas crenças do autor. Como se vê, uma das
maneiras de a lingua-
A espécie humana e, portanto, movida por uma espécie de
gem persuasiva aportar no texto literário é
pela diminuição clo
deterr-ninação biológica, uma sangüínea fermentação que pare-
ce apagar as diferenças entre o estado de natureza e o estado de grau de ambigüidade expresso pelo signo'
valo-
cultura. Impera, afrnal, a "... gula viçosa de plantas fasteiras...". Ainda que não haja espaço aqui para se fixarjuízos
no texto li-
O leitor é colocado, agora, diante de um signo fechado, mo- rativos acercada presença da linguagem persuasiva
lembrar que os
nossêmico, que elimina toda ambigüidade e passa a "ensinar" que terário, cabe, ao lnenos a título de provocação'
preocupados com a ex-
o instinto, o sangue, as contingências biológicas, determinam a na- escritos mais lineares, mais fechados e
a invenção à con-
tureza animalizadade homens e mulheres. Numa palavra, o narra- posição de certas teses, costumam sacrificar
múltiplas di-
,."#1"ffi dor quer nos convencer, através de uma precisa escolha vocabulaq
açerca daquela máxima enunciada pelo romancista francês, Emile
,.rrão, cristalizando, conseqüentemente, aquelas
reções que os sentidos poderiam tomar
literários de
no texto literário'
maior invenção sejam
E útil
Zola: " ... é necessário substituir o homem absffato pelo homem na- constatár que os discuisos
roteiros persuasivos' co-
tural, sujeito a leis fisico-químicas e determinado pela influência aqueles menos ocupados em construir
João Guimarães Rosa'
do meio". Essa natureza do discurso que, em última análise, pre- mo se pode ver, por exemplo, na obra de
um romance como
tende dirigir o leitoq caracteiza boa parte da chamada "literatura O grau de ambigüidade, de polissemia, torna
extremamente rico de
de tese", ou, se quisermos, do discurso literário persuasivo. Gíande sertão:7eredas, ao mesmo tempo
ao leitor e um verdadeiro laboratório de
experimentos
Retomando os fragmentos de Machado de Assis e de sugestões
Aluísio Azevedo, é possível deduzir: no primeiro caso, a ambi- sobre a construçào das narrativas'
presentes em
güidade do signo permite leitura aberta, com isso as significa- Os textos literários mais persuasivos estão
Apenas para ci-
ções brotam num ritmo que permite fugir das circunscrições im- diferentes momentos de nossa história literária'
O semínarista' de
postas pelo discurso persuasivo; o leitor pode participar da aven- tar alguns exemplos: entre os românticos -
o gaúcho, de José de Alencar; durante o
tura da descoberta dos sentidos presentes no texto. No segundo Bernardo Guimarães'
persuasivo foi dominan-
'l caso, o signo se fecha, os sentidos passam a ser controlados pe- chamado naturalismo, o texto literário
A carne, de ltriio RiUeiro, O missionário' de Inglês
de
lo narrador. O fim último do fragmento de Aluísio Azevedo é te
provar a "animalidade" de homens e mulheres, o espaço do cor- -
Sousa, Casa de pensão, de Aluísio Azevedo;
o próprio moder-
tiço e o movimento de seus habitantes se integram numa mesma nismo se ressentiu desse tipo de discurso o estrangeiro, de
- engajada" pta'
direção: a de servirem como "provas" de que o meio, a raça e o Plínio Salgado; boa parte da chamada "literatura
ou como
momento determinam os comportamentos pessoais. tica, igualmente, um discurso diretivo' autoritário'
chamada literatura 'en-
Noutras palavras, o discurso literário que se definiria a afirma Umberto Eco: "..' três quartos da
priori por uma natureza plurissignificativa,- dado que o signo gagée' não passam de bem-comportados exercícios
sentimen-
que' sob formas
polissêmico e conotativo serve como importante constituinte da ,"uã O" uma mentalidade pequeno-burguesa
76 77

consolatórias e pacificantes, introduziu temas dramáticos no tação é verificada no interior dosjornais, revistas ou tclc.jolnais:
mercado miúdo dos bons sentimentos. Esta literatura ,engagée, secções como esportes, polícia, economia ou os eclitoriais
que fique claro está à direita,,.s possuem particularidades que acentuam ou distendem procctli-
- -
Em última análise, e para simplificar o problema, a rela_ mentos persuasivos. Enquanto as pequenas notas sobre ciclaclc
Ção entre discurso literário e persuasão passa por uma definição ou polícia possuem dominância informativa, o editorial, ou o ar-
ou (re)definição da própria tigo crítico/analítico feito por um colunista, tem maior preocu-
- ou nós aconsciência
-ca do uso da linguagem: que se tenha acer_
vemos como um instrumento pação opinativa. Vale dizer, se o plano de convencimento dimi-
para tratxsmitir idéias e ditar preceitos, ou como instància
pro_ nui em uma nota curta, referindo-se à venda de um jogador clc
motora de saberes; nesse caso, um convite para, na aventura da futebol ou dando os números do orçamento da União, aumenta-
linguagem, sentirmos o prazeÍ de descobrir o mundo. rá quando um comentarista/colunista estiver defendendo posi-
ção acerca dos rumos do esporte, dos caminhos da economia,

t"#*'i#f No discurso jornalístico


ou dos erros e acertos do Ministro do Planejamento.
Exemplos:
A variável persuasiva da linguagem apresenta_se, tam_ 1

bém, no discurso jornalístico impresso ou eletrônico posto em


circulação pelo rádio, internet, televisão, revista ou jornal. O Beisebol
discursojornalístico é, portanto, plural em suas formas de pro_ Brasil termina Mundial em sétimo lugar
dução e circulação, conseqüentemente pode ser apreendido de
A seleção bateu na tarde de ontem a Coréia, por 8 a 3,
diferentes maneiras. Ler não é o mesmo que ver ou ouvir: uma
pela disputa do sétimo lugar do Mundial, em Cuba. O título
coisa é gerar notícias para a televisâo, veículo de forte apelo
será definido entre Cuba e Panamá, enquanto Japão e Taiwan
imagético; outra elaborar texto que, centrado no recurso da pa_
disputarão o bronze.
lavra, necessita informar determinado fato ao leitor.
Anteontem a noite, o Brasil havia perdido por 13 a 4
Ademais, com as mudanças tecnológicas e sociais do
para os norte-americanos, que haviam sido surpreendidos an-
mundo contemporâneo, o discurso jornalístico sofreu forte di_
teriormente por Taiwan.
versificação e passou a ser exercitado de maneira segmentada,
atendendo a públicos distintos, com interesses diversificados e Na última participação, anterior, a convite, em 1972, o
que podem dizer respeito aos interessados no mercado Brasil havia ficado eml2". Nesta edição, o país, além de ter fi-
financei-
ro, no campo da informática, da educação, da medicina. Daí pu_ cado entre os sete melhores, chegou a estar na frente no duelo
blicações dirigidas diretamente para mulheres, homossexuàis, com os donos da casa (derrota por 3 a 2 nas quartas de final).
ri
negros, professores, turistas etc. Em grau menor, essa segmen_ O próximo compromisso do Brasil é o Pré-Olímpico,
no fim do mês, no Panamá
Folha de S.Pttrlo
s oco,Urrberto A.brqaberta Sior)atrr..perspectiva.r97r.p.2g3.ErgagleóPararralian- 25/10/2(x) I
cesa que signiÍica "en-qajado',.

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