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Linguagem e
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O que é a linguagem persuasiva? Tlata-se apenas de um a
despretensioso exercício de convencimento ou de uma §r
rsBN 85-08-0910ó-0
ftonÃo BEVTSTAI
I rÁrunrznon I
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, sérieOrincípios
Adilson Citelli
Doutor em Letras
,."#y*,,ffi I Professor Liwe Docente da Escola de Comunicações e A-rtes
da Universidade de São Paulo
Linguagem e
persuasao
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Sumário
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)o"qffiã$" 16'edição
3a impressão l. Informação scm persuasã0? 5
2. A tradição retórica z
(iercntc crlilorial Elementos iniciais z
Irernando I)rirào A retórica clássica 9
Editora ad.irrnta Veldade e verossirnilhançâ í4
l\lrrria I)olorcs I'rrdcs
O vazio da retórica ts
Editor assistente
I-erndro Slrlrittz Itekirica moderna í 7
Ro isão ti Alguns raciocínios í9
Ivan1, Picass. lfâtista (coord.) ,1
Algumas figuras zt
Editora de artc
Srrzana Larrlr
Metáfora zt
Editor de àrte assistente Metonimia 22
Àntonio Paulos 3. Signo c pcrsuasão 24
Capa e proieto gráfico
llonrerr cle Mello e Troia
A nrlurezu tlo signo lrrrgüístico e+
Editoração eletrônica Arbitrário, porém necessário 26
1 I oirlc Irdelueiss Iizuka Signo e ideologia 2z
lsBN 85 0B 09106
À troca dos nomes 33
0
O discurso clominante 36
O discurso autorizado 4í
20()5 Desdohrarnent,,s do dise u;srr lersulsi\ (' 44
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otlos os ilireitos rcscrvados pela Editora Ática 4. Tipos dc discursos +8
Rua Barão de lguape. I I0 CEP 01507-900
_ O discurso lúdico +a
Siio Paulo SP
Tel.: (l l) 3346-1000 Fax: (l 1) 3?11-4116
^\\"\i C) discurso polêmico cs
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Internct: u ww.atica.com.br r-=- - O cliscurso autoritário st
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Atlequando o esquerna 52
c-nrai I : cditorial(ldatica.com.br
Não é, pois, estranho que a Grécia clássica tivesse levado rica do filme, da publicidade, do vídeo, etc. Tal fato atesta o vi-
a graus de pu{1e74 a preocupação Çom a aqtrygggqo ggjlls_cq{- gor de uma tradição que, se ajustando aos norros modos de pro-
-ÀÁ
só. e scolas criar am, inclusive, di scipfinàs q"" ioeiÊõíãnii- duzír, cirouTar e receber os processos comunicativos, dá contri-
,l
nassem as artes para dominar a palavra: a eloqüência, a gramír buições importantes para se estudar os constituintes discursivos
ii tica e a retórica atestam algumas das evidências do conjunto de que marcam os diversos campos do conhecimento.
preocupações que marcaramarelação dos gregos com o discur-
so verbal.
A retórica clássica
Ademais, o problema não era apenas o de falar, mas fazê-
1o de modo convincente e elegante, unindo arte e espírito, bem Pela própria natsreza do estado grego, tornava-se impera-
ao gosto da cultura clássica. A disciplina que cuidava especial- tivo para certas camadas sociais dominar as regras e normas da
mente de buscar tal harmonia era aLretóJiçq. Segundo Oswald boa argumentação. O exercício do poder, via paTavra, eÍa ao
lir
õíGa, cabe à reiõíãa mostraro modo de constituilãíffiwas compreensível que surgissem, nessas circunstâncias, as primei-
visando convencer o receptor sobre determinada verdade. ras sistematizaçóes e reflexões açeica dos problemas envolvi-
lii
A retórica foi, porém, ao longo dos séculos, transforman- dos com a linguagem verbal. Os pensadores gregos, de Sócrates
do-se em sinônimo de recursos embelezadores do discurso, ga- aPlatão, escreveram sobre o assunto, porérír é com Aristóteles
nhando, inclusive, certo tom pejorativo. Um pouco dessa postu- que a estrutura do discurso será dissecada revelando-se como
ra se deve a concepções sobre o entendimento e exercício da re- funcionava em suas unidades compositivas voltadas a produzit
Íôrica, como as desenvolvidas no século XVIII e XIX, para as persuasão.
quais já não se tratava mais de uma questão de método compo- Aristóteles (384-322 a.C.) trouxe à luz um livro que per-
sitivo, mas sim de buscar o melhor enfeite, apalavra mais bela, manece até hoje como referência para quem deseja estudar
a figura inusual, a expressão inusitada, à moda do ideário esté- questões vinculadas aos processos compositivos dos textos:
tico dos parnasianos. Arte retórica.
l
Em nossos dias, os estudos retóricos passaram a receber I A obra pode ser considerada uma espécie de síntese das
novas abordagens, ganhando papel de relevância na análise do visões que se acumulavam em torno dos estudos retóricos, as-
discurso, no estudo das figuras de linguagem, na reflexão sobre sim como um guia dos modos de se fazer o texto persuasivo.
expedientes argumentativo s, inclusive ampliando sua abrangên- A Arte retórica é composta dos livros I, II, III, em que se po-
ciapara âmbitos não necessariamente verbais: fala-se em retó- dem ler, trazidos para alingtagem dos nossos dias, elementos da
gqllqfiary,
gramâtrca, lógica, estilística, filosofia da lingua-
I Dtc torralo das ('iêrrcias da L.ineuagcm. I.isboa, D. Qrrixote. 1976. p. 99. gem, paraTiõffi-os em alguns õõs temas que nos dizem respeito.
10 í1
A titulo cle nos aproxirnarrnos um pouco mais da estrutu- ção, porque as demais artes têm, sobre o objeto que lhes é pró-
rt de Arte reí(triccr, convém
observar o roteiro fornecido por prio, a possibilidade de instruir e de persuadir; por exemplo, a
Jean Voilquin e .lean Capelle: "O livro I contém quinze capítu- .) medicina, sclbre o que interessa à saúde e à doença; a geometria,
los. Após ter rnostrado, nos capítulos I e II, as relações entre re- \§ sobre as variações das grandezas; a aritmetica, sobre o número,
5
tórica e dialetica e definido a retórica, Aristoteles, que censura \L,. e o lneslro acontece com as outras artes e ciências. Mas a
seus predecessores por haverem estudado principalmente as § Retórica parece ser capaz de, por assir.n clizer, uo concernente a
provas alheias à arte, consagra os capítulos iII a XI\{ inclusive, b uma dacla questão, descobrir o que ó prtiprio para persuadil. Por
ao estudo das provas técnicas; às provas extratécnicas: leis, de- isso, dizemos que ela não apfica sltas l'egras a um gônero pró-
poimentos das testemunhas, contratos, declarações obtidas sob prio e determinado".a
tortura, juramentos, atribuirá apenas o capítulo XV do livro I. O A citação nos autoriza a deduzir o seguinte:
livrc II compreende duas grandes partes nos tulos I a XVl,
i. a retórica não e a persuasão,
,.,rs3-t$: Aristóteles estuda as provas morais e subjetivas, para retomar,
nos capítulos XVII a XXVI, o exame das provas lógicas. O li- 2. a retórica pode revelar como se 1àz a persuasão;
vro III é dedicado ao estudo da forma".3 3. os discursos da meclicina, da rnatemática, ou, da historia,
Se fôssen,os resumir ainda mais este roteiro, chegaríamos do judioiário, da família etc. são o lugar da persuasão;
à conclusão de que estamos diante de um corpo de normas e re- 4. a retórica é analítica (descobrir o que e próprio para
gras que visa saber o que e, como se faz e qual o significaclo dos persuadir),
procedimentos persuasivos. E preciso lembrar, porém, que 5. a retórica é uma especie cle código dos códigos, está
a\
.(
Aristóteles não deseja confundir, como faziam ntuitos contelu- acima do compromisso estritlrnente persuasivo (ela
porâneos seus, retórica e persuasão.
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não aplica suas regras a um gênero próprio e determi-
A retorica tem, para Aristóteles, algo de ciência, ou seja,
\ nado), pois abarca toclas as formas discursivas.
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é um crtrpus com determinado objeto e um método verificativo E,ntende-se a razào cle a retórica não se confr-rndir com a
cn
,Jos passos seguidos para se produzir persuasão. Assim sendo, etica, pois ela não entra no mérito daqurlo que está sendo dito,
caberia à retórica não assumir uma atitude ética, dado que seu mas, sim, no colno aquilo que está sendo dito o é de modo efi-
obietivo não é o de saber se algo é ou não verdadeiro, mas sim ciente. Eficácia implica, nesse caso, domínio de processo, de
analítica cabe a ela verificar quais os mecanismos utilizados formas, instâncias, modos de argumentar.
para se fazer algo ganhar a climensão de verdade. Ao longo da Arte retóricct, são reveladas as regras gerais
Ou, como afirma Aristóteles: 'Assentemos que a Retórica a serem aplicadas nos discursos persuasivos. Para tanto, um dos
é a faculdacle de ver teoricamente o que, ell cada caso, pocle ser mecanismos mais óbvios indicados por Aristóteles é o que Íixa
ctrpaz de gerar a péisuasào. Nenhuma outra arte possui esta fun- a estrutura do texto em quatro instâncias seqüenciais e integra-
_das: o exórdio, a narração, as provas e a peroração.
IVorqun, Jean & CAPELLE, Jean. Introdução. In: Aristóteles. Arte retórica e arÍe poética. F(io
de Janeiro, Ouro, s. d. p. 21-2. I kt., ibtd., p. 3+.
12 í3
Antes de detalhar essas fases do discurso, convem lembrar judiciário, no qual as provas se tornam determinantes
que, no fundo, a maneira como aprendemos a escrever, o modo para a ordem do processo. Voltemo-nos ao nosso pastor
como muitos livros didáticos de redação ensinam à criança os em seu sermão sobre a glória de Deus: "Vejam o caso
procedimentos a serem utilizados para a elaboração de textos, daquele pecador que após haver rezado com profunda
ainda seguem muito de perto a estrutura sugerida por Aristóteles crença e busca de absolvição dos seus pecados obteve
na Arte retórica. a gtaça de ser trazido de volta para o bom caminho,
l. Exórdio. E o começo do discurso. Pode ser uma 4di'c4--
conseguindo refazer a sua vida e de sua família".
_çí9 do=a-qqUnto,,um conselho, um elogio, uma censura. 4. Peroração. E o epílogo, a conclusão. Pelo caráter fina-
conforme o gênero do texto em causa. Para o nosso lístico, e em se tratando de um texto persuasivo, está
efeito consideremos o exórdio como a intro_dyção. Essa aqui a última oportunidade para se assegurar a fidelida-
I
fase é importante porque visa assegurar a fidelidade de do destinatário. A ela se referia Aristóteles: 'A pero-
e a partir de então ir.rclicou couro os estudos retóricos pocleriam gem do produto. O que ocorre ao olharmos a fotomontagern e
contribuir no entenrlirnento dos rnecanismos da persuasào. ficarmos convencidos, pela própria imagem, acerca da excelên-
cia do peru da Sadia. Ou seia, conquanto o que estejanlos ven-
do não seja verdadeiro, e verossímrl, e pode nos convencer.
Verdade e verossimilhança
r
Outro exemplo: E iniliscutivel que o Super-Homem não e
l
Esperar.nos haver ficado claro quanclo colocamos as rela- verdadeiro, porém ele nos resta verossímil. Todos conhecem e
ções entre retórica e persuasão que não estava et.t.t causa saber aceitam as transÍbrmações pelas quais passa o repórter do
até onde o ato de convencer se revestia de verdacle. Persuaclir é, Planeta Diário, Clark Kent. Afinal, ele não e um ser comum, é
sobretudo, a busca de adesão a uma tese, perspectiva, entendi- um extraterrestre, filho de um longínquo e desaparecido plane-
mento, conceito, etc. evidenciado a partir de um ponto de vista ta. Assim sendo, a história do Super-Homem está montada nu-
que deseja convencer alguem ou um auditório sobre a vaHdacle ma lógica que lhe é própria, e que lhe dá sustentação contra os
.,."$$,-""ffi^' do que se enuncia. Quern persuade leva o outro a aceitar deter- apressadinhos que desejam alegar ser tudo aquilo uma grande
minada ic1éia, valor, preceito. E aquele irônico conselho que es- mentira. Afinal, o que acontece quando o Super-Homem se
tá ernbutido na própria etirnologia da palavra: per -l 511odsvs - aproxima da kriptonita?
aconselhar. Essa exortação possui um conteúdo que deseja ser Verossímil é, pois, aquilo que se constitui em verdade a
verdadeiro: alguém "aconselhzr" olltra pessoa acerca da proce- partir de sua própria lógica. Daí a necessidacle. part se construir'
dência daquilo que está sendo afirn-rado.
o "efeito de verdade", da existência de argurnentos, provas, pero-
É possível que o persuasor não esteja trabalhando com rações, exórdios, conforme certas proposiçõesjá formuladas por
uma verdade entendido o termo naquele sentido de constru- Aristóteles na Arte retórica. Persuadir não é apenas sinônimo de
ção social e não de pretensa referência positiva, muitas vezes enganar, mas também o resultado de certa organização do discur-
carregada de maniqueísmo e moralismo , mas apenas com so que o constitui como verdadeiro para o destinatário.
verossirnilhança. Isto é, algo que brinca de verdade; que se as-
semelha ao verdadeiro, processo garantido atravéS de uma lógi-
lÍ ca que faz o símile (similar, parecido) confundir-se com o vero O vazio da retórica
(verdatlei ro. original).
Com o passar dos séculos, a retórica foi sendo alterada em
Consicleremos a seguinte cena: E véspera de Páscoa, você
suas funções. Daquela preocupação com as técnicas organiza-
está na rua e vê um outdoor. Lá está estampaclo o peru da Sadia,
toclo avermelhado" brilhante, pedindo para ser comido. Nin- cionais do discurso e com a persuasão, o que se irá assistir, par-
guem considera que o peru a sel degustado em casa tenha as ca- ticularmente no final do século XIX, é a vinculação da retórica
il
racterísticas cromáticas e de brilho daquele mostraclo no cartaz. com a idéia de embelezamento do texto.
iI Porérn, não ocorre que aquilo que vemos e uma nrentira. Ao A retórica caberia fornecer recursos visando produzir me-
contrário, sabemos que os processos fotográficos ()pclaln ve[- canismos de expressão que tornassem o texto mais bonito. As
iú
:
dadeiros milagres, acentuando detalhes clue reclel-ineur a ima- figuras de linguagem e os torneios de estilo ganharam faixa
II 16
17
ta í9
O verbo no condicional cria a idéia de que é possível se_ Raciocínio implícito: O Corinthians não e apenas um time
guir múltiplos caminhos para a compra do sabão em pó. Hátvâ_ de futebol, mas uma paixão a ser compartilhada.
rias marcas à disposição, porem uma delas é destacada na
con_
clusão. Ou seja, o enunciado já contém a verdade final deseja_
da pelo emissor. Algumas figuras
Outro exemplo: Em São paulo existem vários e bons ti_
As figuras de retórica são importantes recursos para pren-
mes de futebol, todos oferecem possibilidades de alegrias
ao der a atenção do receptor naqueles argumentos articulados pelo
torcedor; entretanto, um deles, o Corinthians, possui a maior
discurso.
quantidade de títulos e tem a maior torcida do Estado (supondo_
As figuras, ou translações, como as definem certos autores,
se que ambos os casos sejam verdadeiros), alcançando,
ainda, a cumprem a função de redefinir um determinado campo de infor-
I
glória de haver sido campeão do IV Centenário da Cidade.
mação, criando efeitos novos capazes de atrair a atenção do re-
,.,'s-"ts' l
Raciocínio implícito: para os que desejarern torcer pelo
clube mais vitorioso, de maior torcida, campeão na festa dos
ceptor. São expressões figurativas que conseguem quebrar a sig-
nificação inicial, própria e esperada daquele campo de palavras.
400 anos da cidade de São paulo, Corinthians é o nome.
Entre as figuras mais usadas estão a metáfora e a metoní-
l
3. Raciocínio reÍórico.. era, também, o nome de um proce_
mia, consideradas pelo lingüista Roman Jakobson como espécie
dinrento para conduzir as icléias. Hâ çefta semelhança entre o
de matrizes presentes, ora com dominância de uma, ora com a
dialético e o retórico, apenas no últrmo caso não se busca um
da outra, na imensa maioria dos textos.
convencimento racional, mas igualmente emotivo. O raciocínio
retórico e capaz de atuar junto a mentes e corações, num efi_
l ciente mecanismo de envolvimento do receptor. Metáfora
Exeruplo: No Dia das Mães não se esqueça de passar na Figura de transferência, translatio no latim. Há metáfora
joalheria Gargantilha de Ouro. Afinal, quem quando a significação imediata de um termo é substituída por ou-
mais do que a sua
mãe para merecer um presente de valor? tro com o qual mantém relações de semelhanças ou subentendi-
Nesse caso, já não se quer apenas o assentimento lógico, dos. Pela metáfora cria-se um mecanismo de representação dos
deseja-se também trabalhar com os dados emocionais. Apeia_se significados de um termo em outro temo. Por exemplo: para de-
para a referência material ajóia a ser presenteada _ e para signar o substantivo sol, pode-se transferir para o termo astro-rei
o afetivo envolvendo a -relação mãe-filho/a. um conjunto de significados importantes para a vida na terra e
-
Raciocínio implícito: Senclo a mãe um ser único, que se que incluem luz, calor etc. Falamos, portanto, do sol: astro e rei
ama, "uma jó ia rata" , nada melhor do que presenteá_la com : importância maior a existência do nosso planeta.
outra
raddade, o produto vendrdo pela empresa Gargantilha de
Ouro. Alguns processos são próprios da metáfora:
Outro exemplo. Torça pelo Corinthians e viva a emoçào I . Transferência ou transposição. É uma operação de pas-
da maior torcida do Estado de São paulo. sagem do plano de base (a significação própria da pa-
23
comparação subjetiva
paru criar efeitos ideológicos. A metonímia, em particul ar, apa-
rece constantemente no discurso político. E comum, por exem-
plo, um candidato iniciar seu discurso, especialmente em véspe-
apreensão emotiva, ras de eleições, com o célebre "amigo eleitor". Claro está que
pessoa I através da parte (você/amigo) deseja-se buscar o todo (nós/con-
junto de eleitores).
Ouro do sol e morte na cerração podem ser associados ao
Há vários tipos de metonímia. Vamos arrolar algumas co-
fim da tarde, ao crepúsculo. mo exemplificação:
. O todo pela parte. O universo em que vivemos está irrespirá-
Metonímia* vel (Universo : cidade de São Paulo).
o O contineníe pelo conteúdo. Hoje ele tomou todas (Hoje ele
Do grego meta onoma (troca de nome; no latim denonti_
tomou algumas cervejas).
natio nomear, dar nome). Indica a utllização de um termo
-
em lugar de outro, desde que entre eles haja uma relação de
o O autor pela obra. Ouvi o Chico Buarque (Ouvi uma determi-
nada música de Chico Buarque).
contigüidade. A metonímia nasce, ao contrário da metáfora, de o A causa e o efeito. Foi triste o modo como José bebeu a mor-
uma relação objetiva entre o plano de base e o plano simbólico te (José tomou alguma coisa que lhe provocou a morte).
do termo. Por exemplo:
I
Para verificar como ocorre a construção verbal do discur- Significante (St") + Significado (Sdo) = Significação (seão1.
i$
so persuasivo, é necessário reconhecet a otganização e a natu-
reza formadora dos signos lingüísticos. Afinal, é da inter-rela- Na frase 'A cabeça é um órgão do corpo ht;rrrano", cabe-
il
ça prodtz uma significação, um sentido; ou, se quisermos, nos
ção dos signos que se produz a frase, o período, o texto, logo, a
,l matéria-prima voltada à montagem das estratégias discursivas representa mentalmente aquilo que a forma lingüística está evo-
do convencimento. cando. A significação é, portanto, uma espécie de produto final
darelaçáo existente entre o significado e o significante.
Existe vasta bibliografia explicativa da estrutura e das
Atentando para o que se disse acima, é possível realizar
funções do signo lingüístico. Fixemos algumas idéias que aju-
duas deduções:
dam no entendimento das articulações entre o signo verbal e a
persuasão. li) O signo é sempre arbitátrio. Ou seja, náohârelação di-
li reta entre Ste e Sdo. Isso revela que a combinação (C + A + B +
É comum afirmar-se, segundo a orientação dada por
E + Ç + A) pertence a uma ordem de coisas enquanto cabeça,
Ferdinand de Saussure, que todo signo possui dupla face: o sig-
parte do corpo humano, diz respeito a outra ordem. Procedendo
nificante e o significado. O signifi cante é o aspecto concreto do
a um reducionismo facilitador, digamos que se encontram no
signo, é a sua realidade material, ou imagem acústica. O que
signo cabeça um conjunto sonoro, afeito ao terreno da lingua-
constitui o significante é o conjunto sonoro, fônico, que torna o
gem, e um órgão que resulta de processos biológicos e diz res-
il signo audível ou legível. O significado é o aspecto imaterial, peito ao mundo danatvreza.Yale dize\ cabeças continuariam a
conceitual e que nos remete a determinada representação men-
existir mesmo se não tivéssemos conhecido processos de lin-
tal evocada pelo significante. guagem capaz de nomeá-las, transportando-as, pois, do reino da
Veja o que acontece com a palavra cabeça: natuÍezaparu o da cultura.
I 26
27
O que rege as articulações entre gte gdo é a convenciona- relação entre palavras e coisas não está apenas determinada pe-
" relação obrigatória
lidade, daí ser possível afirmar que não há la arbitrariedade (conquanto esta exista), mas tambem pela ne-
entre o conjunto sonoro rosto e o seu correspondente fisico, ou cessidade. Teríamos que, existindo parte do corpo humano for-
entre a palavra coneta e o objeto caneta. mado pela cabeça, foi necessária a criação de algum designati-
2i) O signo é representativo, simbólico. Ou seja, coisas não ,o pu.à indicá-la. Podemos deduzir que as circunstâncias histó-
se confundem com palavras. As palavras não são as coisas que ricás, o mundo concreto, as variáveis culturais, os anseios espi-
designam. rituais, ao longo de seus processos de desenvolvimento, foram
Um estudioso do assunto, S. Ullmann, assegura que os requisitando a nomeação dos objetos. A arbitrariedade seria
objetos só se relacionam com os nomes através do sentido. Veja uma espécie de segundo momento, precedida pela necessidade'
o esquema abaixo: O homem precisa nomear e o faz arbitrariamente, criando o
símbolo a que chamamos de signo vertal ou palavra'
Resta-nos dessas observações que o desejo de comunicar
,.,'ti$l"ts^' Sentido determinadas idéias a comunicação propriamente dita, a
,,,r#-,,[S^' lr
revela a compreensão do jornal açerca do tipo de acerto feito
entre os portenhos e o Fundo Monetário Internacional. posto de
A /bice e o ruorÍelo que existiam na bandeira da ex-URSS
produziam a rdeia de que o Estado Soviético era construído pe-
outra maneira, ao mesmo tempo arrefeceu-se a imagem agres_ la aliança dos trabalhadores urbanos com os rurais. A bandeira
siva do Fundo, e definiu-se o entendimento da Folha de que perr-r,itia que a "lêssemos" como a unl discurso que dizia ser a
existiu acordo favorável aos argentinos. União das Repúblrcas Socialistas Soviéticas o resultado da
O simples anúncio "FMlfazacordo com Argentina,, reÍira- união dos operários com os carnponeses. Neste cor.rtexto, mar-
ria o carírter aparentemente mais tranqüilo dos termos que regu- telo e foice deixam de ser instrumentos de trabalho e ganham
laram o acerto feito pelos argentinos com o Fundo para o paga- dimensão de si-enos que produzem valores, preceitos, idéias,
mento de dívidas junto ao mercado financeiro internacional. O portanto algo afeito ao terreno das ideologias.
signo suave materializou, portanto, um componente ideológico Conquanto a União Soviética tenha desaparecido jun-
valorativo, de julgamento tamente com a sua bandeira, agora formada por signos que ex-
-culo de comunicação - acerca da maneira como um veí-
compreendeu os termos do citado acordo. pressam a nova Rússia , a.fõice o e rnurtelo, por representa-
Na visão de Bakhtin, como ocorreria arelaçã,o entre sig- rem alta produtividade ideológica, pernaneceram, por exemplo,
no e ideologia? "Umproduto ideológico fazparte de uma reali- nas bandeiras dos Partidos Comunistas espalhados pelo mundo.
dade (natural ou social) como todo corpo flsico, instrumento de Depreende-se, portanto, que uma agremiaçào como o PC do B,
produção ou produto de consumo; mas, ao contrário destes, ele o Particlo Comunista do Brasil, ao ulanter em seu estandarte o
também reflete e refrata uma outra realidade, que lhe é exterior. mestrro cruzamento da /õice e do nrurtelo" não apenas revela
Tudo que é ideológico possui um significado e remete a algo si- continuar acreditando na possibilidade de construir um tipo de
lt tuado fora de si mesmo. Em outros termos, tudo que é ideológi- Estado em que os trabalhaclores urbanos (martelo) e os campo-
I co é um signo. Sem signos não existe ideologia,,.1 neses (foice) venham a se constituil no centro do poder, como
reforça os vínculos com a tradrção do movimento comunista
I B,rxtttrr. Mil<lrail.
Mrarl.rzo e./ilo,sofio tlo littguagen. Sio l)aulo. Ilucitcc. 1979. p. l7 internacional.
30 3'l
De instrumentos de trabalho clue eram, a foice e o marte- textualizarem, passaln a expandir valores, conceitos, pré-concei-
lo transfonnaram-se em signos. isto c, ganhararn climensão tos. Viverer-r-ros e aprenclerentos em contato com olltros hor-nens e
ideológrca. A ideologra transiton através clos signos. A icleia fi- turulheres, mediados pelos signos. que irão nos inforrnar e Íbrmar.
nal que a bancleirir dos Particlos Conrunistas cleseja persu:rsiva- Os signos serão por nós absorvidos, transformaclos e reproduzi-
tnente procluzir é ir da construção de E,stados cujos interesses clos, criando unr circuito de Íbrr-nação e refbrn-rulação de nossas
fundamentais estejar.r.r controlados pelos trabalhadores. Note-se consciências. Não podenros inaginar, conto querem certas filo-
que os signos deram à bandeira a possibilidade de afirmar que, sofias, que a consciência seja abstração, pro.jeção tlo "mundo das
sentlo ela a expressão nraior da nacionaliclade e estanclo nela as idéias". Partimos de perspectiva distinta: a consciência se consti-
representações dos operálios (o martelo) e dos camponeses (a tui e se manifesta atraves dos mediadores materiais fonlaclos pe-
foice), tornam-se estas duas as forças sociais rnais importantes los signos. Pode-se, portanto, "ler" a consciência dos homens
l
I
da nação. rtl'aves tlo coniunto de signos que e exprcssa.
l
b) tal escolha foi pautada pela presença de Castelo Branco A troca dos nomes
em fatos da vida brasileira;
c) o homenageado realizou (pelo menos dentro da ótica Os assuntos econômicos e mesmo de comportamento evi-
dos que escolheram o nome da rodovia) grande feito nacional; denciados em debates de televisão, nosjornais e revistas de lar-
no caso específico, haver sido um dos comandantes do golpe de ga circulação nacional, apresentam com certa recorrência a fi-
1964, ocupando o cargo de primeiro presidente do regime mili- gura do jovem empresário empreendedor, moderno, com visão
tar, pelo que merece ser lembrado; de futuro, preocupado com a boa forma física, voltado a promo-
ver o casamento entre os negócios e a função cidadã a ser de-
d) o nome de Castelo Branco colabora para perpetuar os
sempenhada pelas firmas que dirigem. São todos, pelo menos
valores ideológicos daqueles que depuseram o presidente João
no palco aberto pela mídia, educados, cordiais, empenhados em
Goulart. Nesse sentido, chamar à rodovia Castelo Branco signi-
melhorar o nível de renda e as condições de vida e trabalho dos
.,."rfid-'""$' ficaria momento de glorificação de um nome e manutenção de
memória de um período de nossa história.
seus funcionários, atentos à responsabilidade social das empre-
sas etc. Criou-se, aqui, um novo sistema retórico, expressões
Como se pode notar, ate as placas de ruas servem como que estão progressivamente se transformando em frases feitas,
veículos difusores de persuasão e convencimento. Não fosse as- jargões, clichês lingüísticos, num exercício de adequação ao
sim, episódios cômicos e trágicos deixariam de ter sido associa- tempo em que vivemos.
dos às ruas e aos nomes que as designam.
Esse jorro de elegância e bondade costuma, muitas vezes,
No primeiro caso, é só recordarmos aquele exaltado "re- revelar o avesso de uma vergonha. Efetivamente, estão eles a di-
volucionário" de 1964 que desejava trocar o nome da rua Cuba, rigir grandes corporações, cujo fim último ó o lucro e a amplia-
em São Paulo, visto suas nítidas conotações subversivas. No se-
ção do capital, movimento que pode trazer consigo efeitos cola-
gundo caso, os estudantes da Faculdade de Filosofia da USP, terais como o desemprego. Tais assuntos são, porém, pesados
querendo mudar o nome da rua onde funcionava a escola, a demais para ser compartilhados com o grande público, melhor
Maria Antônia, para Edson Luís Souto, jovem estudante que que vivam a tirar o sono apenas dos altos executivos.
havia sido morto no Rio de Janeiro pela repressão política de- E muito raro que esse empresário reformatado empenhe-se
sencadeada no final de 1968.
numa aberta defesa do capitalismo;palavra, aliás, da qual fogem
E possível verificar que as placas podem ser indicativas, como o diabo da cruz. As homenagens são agora para o regime
mas não só, visto conotarem idéias e valores que ficam escon- de livre-empresa, de livre-iniciativa, de livre-concorrência, ter-
didos por trás de uma manifestação designativa de aparência. mos todos que indicariam possibilidade de exercício da justiça
Se, como foi aflrmado anteriormente, a palavra em estado de social, da equânime distribuição da renda. Afinal, por que regi-
dicionário vive em situação de neutralidade, ao se contextua- me de livre-empresa, e não capitalismo, modo de produção cuja
lizar, passa a expressar valores e idéias, transitando ideologias, amplitude e significado engloba e transcende aquele? Noutros
cumprindo um amplo espectro de funções persuasivas e de termos, por que mudar o nome do fenômeno sem alterar a essên-
convencimento. cia do que se designa, por que utllizar o eufemismo?
I 35
34
O recurso retórico ou figurativo charnado eufemismo teria perarem, desfrutando das possibilidades oferecidas pela con-
pouca importância no contexto ao qual nos referimos, caso não corrência. Neste contexto, nasce o suposto de que o único regu-
escondesse uma estratégia persuasiva que consiste em formar lador pertinente ao mundo dos negócios é o mercado, entidade
novos campos de sentidos que, essencialntente, nada mudam aparentementeloçalizada em lugar nenhum e capaz de assegu-
com relação às significações originais. A rigor inexiste diferen- ràr prosperidade e futuro promissor a quem nele confia. É rucl
ça substancial entre os termos "capitalismo" e "livre-empresa", perceber que existe, no termo livre, um componente não apenas
ou "livre-concorrência". A alteração lexical, neste caso, não é lógico-racional, explicativo da melhor forma de otganizat a
apenas parte de uma alteração de sinônirnos, ntas o claro dese- economia, mas também uma referência emocional positiva que
jo de dourar uma pílula cujo desgaste se tornou evidente. falta, certamente, em capitalismo.
Ocorre que a palavra "capitalismo" ficou muito feia, per- O grande dramaturgo Bertolt Brecht (1898-1956), autor
mitindo sua expansão semântica na direção de ideias como ex- de peças clássicas como Galileu Galilei,dizia que uma das fun-
ploração do trabalho, discriminação econômica, globalização ções de quem trabalhava com comunicação de massa parti-
,.-eH"t",#: selvagem, poder de uma classe sobre outra etc. E fácil reconhe- cularmente na Alemanha dos anos 1930, que estava assistindo
cer que estamos diante de uma carga de valores, no mínimo, ao crescimento do nazismo seria nomear corretamente as
pouco nobres. Livre-empresa, ao contlário, soa ntenos agressi- coisas. Por isso, era preciso dizer com clareza que o regime em
vo, revelando uma forma de organização social e econômica vigência sob Hitler tinha o nome de nazismo e não nacional-so-
aparentemente não contaminada pelas desagradáveis e incômo- cialismo como gostavam de se referir ao novo Estado alemão
das lembranças sugeridas pelo termo "capitalismo".
-
os seguidores do Führer.
Mas, se não há diferença importante entre uma e outra Uma simples consulta aos jornais diários mostrará como
palavra, por que trocá-las? Quejogo retórico está por trás do eu- muitos termos vêm sendo criados, quase sempre, para minimizar
femismo? A resposta nos remete a uma das vertentes do discur- fenômenos socialmente dificeis de serem tratados: reengenharia,
so persuasivo que é a de provocar reações emocionais t'lo l'ecep- racionalização das empresas, flexibilização das leis trabalhistas,
tor: o enunciador/emissor apela para recursos afetivos visando adaptação aos tnercados globalizados podem estar querendo di-
a melhor conquistar adesão do seu público. Ou se.ya, ent uosso zer, simplesmente, aumento de desemprego, cortes na folha de
caso, ao se deslocar a expressão "contaminada" (capitalismo) pagamento, retirada de direitos sociais, aprofundamento nas dis-
para a "neutra" (livre-empresa), assegura-se uma recontextuali- tâncias entre países ricos e pobres etc. Como se vê, a linguagem
zação do signo que passa agora a produzir novas icléias, valores não é ingênua, e os recentes modos de dizer podem estar escon-
que não são mais associados aos incômodos históricos sugeri- dendo novas formas de organizar a sociedade.
dos pelo capitalismo. O termo "livre" (empresa, concorrência) As relações entre signo, ideologia e construção do discur-
tem conotação positiva, pois assegura, aparentenrente, a possi- so persuasivo são, portanto, mais próximas do que imaginamos.
bilidade de todos montarem os seus negócios, concorrerem. Vale dizer, desde a escolha das palavras (como pode ocorrer,
Elabora-se a crença segundo a qual é possível, em regimes aber- por exemplo, com certas explorações semânticas do eufemis-
tos por exemplo, sem controle do estado as pessoas pros- mo) até a organização das frases, passando pela escolha e dispo-
-, -
36 37
sição dos raciocínios e dos temas ao longo dos textos, percorre- não sabemos exatamente quem produziu), devem ser vistos co-
mos um caminho de inúmeras possibilidades para se compor a mo resultantes de conjuntos maiores, a que chamaremos forrna-
ordem persuasiva e de convencimento dos discursos.
ções discursivas.
São as grandes formações discursivas que dão alguma uni-
O discurso dominante dade aos discursos das instituições, entendidas, aqui, como o judi-
ciário, a igreja, o exército, a escola, a medicina etc. Compreende-
É importante considerar o discurso persuasivo não apenas se porque existem recorrências nas falas dos advogados, dos reli-
como realização de um indivíduo solitário, como se fosse algo giosos, dos militares, dos professores, dos médicos. Tâl recorên-
criado e posto em circulação por uma única pessoa. Certamente, cia resulta do fato de os sujeitos tenderem a aÍualizar em seus dis-
quando um deputado se manifesta na tribuna da Câmara, atrás cursos, textos ou pronunciamentos, as formações discursivas com
dele estão posições do partido ao qual pertence, a expressão de as/nas quais convivem. Engenheiros não fazem plantas de edifi-
uma concepção processual da construção do sentido. ao mesmo tempo condensa e permite o surgimento de vários
Adotando esta linha de pensamento e levando em conta a outros textos, como se fossem links, com notas de rodapé, ci-
concepção do texto atualmente adotada pela Lingtiística tações, teorias incorporadas e que permitem sejam tealizadas
Textual, isto é, que todo texto constitui uma proposta de outras leituras, conhecidos novos autores etc.
sentidos múltiplos e não um único sentido, e que todo tex- 4. Em síntese, o caminho para se chegar à compreensão de que
to é plurilinear na sua construção, poder-se-ia afirmar que todo texto é em si mesmo um hipertexto resultou de um lon-
pelo menos do ponto de vista da recepção todo tex- go percurso reaTizado pela autora, incluindo-se convivên-
-to é um hipertexto".2 cia com teorias, influências recebidas de outros estudiosos,
diálogos realizados com a Sociocognição e a Lingüística
Textual.
1. A autora trabalha no interior de uma grande unidade de dis-
Pelo exposto, é possível entender como as "nossas" falas,
curso, aquela dada pelos estudos de linguag Socio-
,."S-"lffi^' cognitiva, Lingüística Textual. Ela afirma, claramente, que
as "nossas" opiniões estão relativizadas por grandes formações
discursivas que, muitas vezes, direcionam o que dizemos, am-
adere a uma visãojá consagrada por aqueles estudos, portan-
pliam ou circunscrevem o que compreendemos.
to, formulada por outros autores que leu.
Daí a insistência na necessidade de identificar discursos
2. Parte de uma concepção sociocognitiva que concebe a lin- dominantes que ajudam a formar muitas das convicções, opi-
-
guagem como atividade interativa, dialógica. Ou seja, uma niões, crenças que manifestamos. A tentativa de se produzir do-
perspectiva que entende resultarem os sentidos do texto de minância discursiva fazpatle das lutas pela construção de hege-
um jogo entre quem dizlescreve e quem ouve/lê (interação, monias de poder que se afirmam na sociedade.
diálogo). Posto de outro modo, os sentidos não são prévios, Atente-se para os exemplos extraídos da revista Isto é3,
tampouco únicos, mas elaborados no interior de relações so-
ciais e cognitivas. Ademais, trazparao arcabouço conceitual "Não há comprovação científica de que os transgênicos
que the servirá de referência teórica, as contribuições da causem mal à saúde ou ao meio ambiente."
Lingüística Têxtual- que estuda os fenômenos lingüristicos
l,
tomando o texto como unidade analítica e onde clevem ser "Não há estudos científicos que atestem que os transgêni-
incluídos, necessariamente. o sujeito e a situação comunica- cos sejam inofensivos à saúde ou ao meio ambiente."
tiva enunciada.
3. Em consonância com discursos teóricos e conceitueris afeitos Os enunciados tanto dos que são contra como os a fa-
vor do plantio e
-
consumo dos transgênicos revelam que a
aos estudos da linguagem, a autora formula a segr"rinte con- -
grande fonte discursiva para a elaboração dos possíveis argu-
clusão: "Todo texto é um hipertexto". Vale dizer, cada texto
2 3 outubro dc 2003.
Desvendando os segredos do leÍla. São Paulo, Cortez, 2003. p. 6l
I 40 41
mentos advem dapalavra ciência. Vale dizer, existe um gran- Verifiquen-ros um pouco mais de perto conro se consti-
de discurso, aparentemente dotado de verdade interna, portan- tuem estes mecani srnos discursivos.
to construído em torno de certa monossemia (mono : um; se-
mia: sentido), fechado, que permitirá "provar" a validade do
argumento; em nossos exemplos a constatação segundo a qual
O discurso autorizado
os transgênicos podem ou não fazer mal à saúde e ao meio am- Em um artigoa muito instigante, Marilena Chauí desen-
biente. Colocamos, a propósito, dois enunciados distintos, am- volveu o conceito de discurso competente. Vamos examiná-lo.
bos afirmando suas razões completamente díspares a partir de Como é sabido, vivemos em uma sociedade que premia as
uma mesma fonte de validação: os estudos científicos. Vale di- competências, no campo profissional, intelectual, emocional, es-
zer, apareÍÍemente contra a cíência não há o que discutir, mal- portivo etc. Ao limbo são condenados aqueles que estão "do la-
grado possa ser ela úilizada para um ou outro lado, o que não do" da incompetência, porque não conseguem subir na vida, ou
,."&--\ffi' deixa de ser, ao mesmo tempo, irônico e paradoxal. Por esta
via, não é dificil reconhecer a presença de uma estrutura domi-
são instáveis emocionalmente, desgarrados da família, maus alu-
nos, repetentes nos exames vestibulares, inseguros nas tomadas
nante do discurso, reconhecido socialmente, com força, pois, de decisões, desempregados. Se olharmos a questão por esse ân-
para fornecer razões e provas visando a elaboração dos discur- gulo, veremos que o leque dos fracassados é enorme; os vitorio-
sos persuasivos. sos cabem nos pequenos círculos de executivos, gerentes, afora
Ainda que não haja intuito de ampliar esse ponto, convém aqueles que agem em áreas, digamos, fora da legalidade.
lembrar que junto com as lutas sociais, com os embates pela afir- O parâmetro que irá atribuir medalhas honoríficas a uns e
mação de interesses de grupos e classes, desenvolvenr-se os con- adjetivos pouco nobres a outros é sempre o da eficiência e da
flitos discursivos, e entre eles a vontade de afirmar a dominância eficácia. Mede-se o sujeito por aquilo que produzirá, quer ao ní-
de um discurso sobre o outro. Sabe-se, ademais, que sendo maior
vel material os negócios realizados, os imóveis adquiridos,
até as peças que fabrica quer ao nível espiritual a agude-
a produtividade persuasiva, mais intensa será a possibilidade de -,
za com que emite opiniões, os livros que escreve, a harmonia
-
construção dos discursos que se pretendem hegemônicos.
emocional que consegue estabelecer, a capacidade com que
Para observar a presença desse fenômeno e só atentar pa-
convence auditórios inteiros.
ra osjornais, as revistas, os telejornais, as campanhas publicitá-
O mito da eficiência costuma desconsiderar as naturezas
rias e reconhecer como agem os partidos políticos, as autorida-
e finalidades dos bens produzidos. Deus e o diabo podem dife-
des do judiciário, do executivo, aqueles que, de algunta manei-
renciar-se na Terra do Sol5, mas, no que diz respeito à organiza-
ra, representam interesses de corporações, instituições, er-npre-
ção produtiva, eles se misturam. Não se pergunta para que, pa-
sas, associações etc. Estamos, nesse aspecto, vivendo, cotidia-
namente, num grande cenário onde se desenvolvem, pela via da 4
CttlL;i, Marilena. O discurso competente. ln:- . Cultura e democracia; o discurso colnpeten-
persuasão, lutas pela hegemonia e pela busca de formas discur- te e outras tàlas. São Paulo. Moclerna, 1981. p.3-13.
s Rel'erência ao filme clássico
t/ de Clauber Rocha ( 1939-1981 ), Deus e o Diabo na Terra do Sol
sivas dominantes. (l 966).
lr
I
42 43
ra onde, para quem os bens se vollam. Algrrcnr ÍlrrrhoLr, alguem o economista, o cientista. Isso ajuda a perpetuar as relações de
perdeu, afirmaram-se individualiclaclcs. lirnr nr os scr.cs brutali- dominaçào entre os que falam u e pelu instituição e os que sào
zados, são perguntas improcedentes panr o clls(). Assirn senclo, por ela falados. Os segundos, serr a clevida competência, ficam
se, por exernplo, no interior do sistenm tccno-bulocllilico-nrili- entregues a uma espécie de marginalidacle discursiva: um reiuo
tar, unl pesquisador de física atônriclr c()nscgue tlcscolrt'ir uuta do silêncio, um mundo de vozes que não são ouvidas.
partícula com maior poder dc clcstrrriçlo rlo r;rrt' rrs jli cxistcntes, O discurso autoritário e per:suasivanrente desejoso de
então a ele está asseguraclo o glrlhrrttllo tlrr eorrrpt'lt'rre iu. pouco aplainar as diferenças, Íàzendo com que as verclades de uma
importando a naturczu r:licu rlc tultlcscoheltlr. lr glirr.ilr tlo cien- instituição expressem a verdacle cle todos, e assim colocado por
tista virá, ainclaclr.rc pclrr portlr tlo irrlL'r tro. l)lr nlcsnul Íi»'nra, o Marilena Chauí: "O discurso competente confuncle-se, pois,
l
policial agraciaclo com tlnril rrovl llatcrrtc pol llrvcl rlcsvcndaclcr corl a linguagern institncionalmente pernlitida ou autorizada,
um caso obscuro. É verclacle que ele lcz uso rlc vurius lirrnras cle
I
membros, a grande corporação ntultinaciontrl atnrvés cle seus eletrônico, usar cartão etc. daí as características eviclenciaclas
executivos. Autorizado pelas instituiçõcs. o rliscrrrso sc intpõe no material de convencimento produzido pelas agências.
aos homens determinando-lhes ut.na scric tlc contlulls ltcssoais. O mesmo processo formador pode estar en-rbuticlo em pro-
Os recursos retóricos se encarrcganr tltr rlollu os rlisculscls gramas partidários que dese.jam introcluzir novos couceitos e
de mecanismos persuasivos: o eufentisnro. rr lripe rlrolc. os racio- visões acerca das maneiras de organizar a sociedacle. Nesses
cínios tautológicos, a metáfora cativaulc pcrrrrrte rrr t;uc plojetos casos, muitas vezes, ocorrem proposições complexas sob a óp-
de dominação de que muitas vezes niro suspcilrrrrros. possaln es- tica ideológrca com impactos políticos de grande envergaclura.
conder-se por detrás dos apat'enterncr.rlc ir.rore ntcs silnos verbais. Imagine-se alguém que vá apreendendo argumentos, ideias, va-
A palavra, o discurso e o poclcr sc contcrnpllun rlc ntotlo nar- lores, conceitos, fortes o suficiente para tirá-lo de posições de
cisista; cabe-nos tentar jogar uma pcclra na ltlhcida lântina rlc hgua. franca defesa do capitalismo e colocá-lo diante de outras de to-
tal adesão ao comunisrno. Nesse r.r.rovimento, por força dos dis-
l."ffi-rt"s' Desdobramentos do discurso persuasivo
cursos (e eventuah-nente das práticas), um novo conjunto de
convicções foi fbrmado. Aqui não se pode falar em refon.na cle
ponto de vista, dado que o nosso converticlo imaginário excluiu
Ern suas variações, os discursos persuasivos poclem for-
a possibilidade de encontrar alternativas no interior do próprio
rnar, reformar ou conformar pontos de vista e perspectivas co-
locadas em movimento por emissores/enunciadores. Observe-se capitalisnro, caminhando, por exemplo. para posição de tipo so-
que tais planos cialdernocrata.
ná-to se uprcscntaut. necessuriur.t.tente, separados;
trata-se, antes, cle r-rma clivislxr clidltticl para ntclhclr lrclarar.nen- 2. Reformar. Muitas vezes, os hábitos, pontos dc vista, atitudes,
to do problema. comportamentos, -;á existem nào sendo preciso formá-los.
1. Forrnar. Sob determinadas circunstâncias é preciso forntar Trata-se, portanto, apenas de mr-rdar a direção tleles.
novos conportamentos, hábitos, pontos de vista, atitr-rclos, sc- Erernplos.
ja para algum projeto de âmbito nacional, cor.n intplicltçircs Campanhas de aparelhos de barbear com duas giletes.
políticas importantes, seja pata ativar preocupaçõcs tlc nrcnor Certamente não se trata de apresentar aparelhos c1e grlete e di-
lr alcance, limitadas a grupos de pessoas. zer que servem para Íàzer a barba, pois as pessoasjá conhecem
lr Exemplos. o produto, r"rtilizando-o há anos. A situação não irnplica formar
A informatização promoveu n-rudanças prolirrrtlls no sis- hábitos novos, mas retbrn.rá-los, mostranclo as vantagens das lâ-
tema bancário. Os caixas eletrônicos, os cartões dc crctlilo. lc- minas duplas, "uma clue faz vapt e a outra que faz vupt".
varam os bancos e empresas financeiras a investir pcslrtlurncnte De certa Íbn.na, marcas novas de produtos -;á existentes no
'lil, em publicidade, mostrando desde como utilizrr os r.rovos sclvi- mercado agem no senticlo de reformar hábitos de consumo. Fez
ços ate as vantagens deles sobre a estrutura antcrior. As cantlta- sucesso campanha da cerveiaria Schincariol, quando da introdu-
nhas de publicidade, neste caso, sabiam que se tl'alavu tle lbrmar ção da Nova Schin. Nesse caso, não era necessário explicar o que
novos comportamentos nos clientes dos bancos il a Luu caixa e a cerveja, quais seus atributos. Cerveja é algo demais conheci-
I
46 47
do. Tratava-se, apenas, da fixação de nova luarca, associada, in- (péssimo administrador. existem sllspeitas de corrr-rpçlrt). c iluto-
clusive, a outra já existente da mesma con.rpanl-ria cervejeira. Era ritário e prepotente) e enlevadores de Y (honesto. itlerltil'icatltr
passar de Schincariol para Nova Schin. A soluçiio encontrada foi com os interesses do povo, com vontade de acertar).
repetir intensamente o verbo erperinentur'. O convite fez conr 3. Conformar. O cliscurso persuasivo pode não estat" prioritlrrllr-
que o termo experirlentar se tornasse sinônitlo c1a cerveja, eu'r mellte, ocupado em formar, tanpoLlco reformar conlporta-
uma operação metonímica de alta eficiência pcrsuasiva. Ern car- mentos, atitudes, pontos de vista, tratando-se, apenas, de rei-
ta enviacla aos possíveis consumidores vir.rl.ra o se{uinte texto: terar algo.já existente, sabido, mantendo o receptor fiel a pro-
dutos, serviços, lnarcas, idéias, conceitos etc.
C'aro amigo.
Exemplos.
Erperimenta- experimenta. e-xl.ttrilIcntu. rxPcrinrcntlr. !-\pclit'ncntir
O candiclato à reeleição para prefeito, governador ou pre-
crlrçri111q111r. c\pÊriilrilrlit. e\l)CilI)(ltl.l.,\l)L|ill,nlit. \'\lrLfilICt)lt. e\|eri-
tlletllit. cxl)et ilttenlir. É\l).ilIr( rl;l L \l\, t IIL ill.t. É\l)ct iillcill t. C\llct illtenla. sidente da república, quando se dirige aos seus fieis eleitores
,.,'#l-lffi' experinrenta" expefintenlr. cxl)(Inlent:t erPclirtrertllr. exPcrintenta. experi-
menta, erper-imenta. cxpcrinlentâ, eryterinrenta. erpcrirtrenll, erperimenta.
não trata de formá-los ou reformá-los, mas tão-somente confor-
má-los, isto é, relembrar que é candidato. Nesse aspecto, dis-
(\pCl Itllettl;1. erPç1 i111.111". erpet irttcttlrt. c\Pcriil)eilt.. C\l)erintenla. e\p(il-
pensa maiores comentários ou iustificativas de qtre fará a me-
tnenta, cxperiruerlta, experir.ncnta. experirnenta, experimentrr. exprr intrntlr.
etpct itttct:la. er|et ittterli.t. c\llennlent;1. erper ilnctttr. et|ctlnctl;r. crPcr i-
lhor gestão, sendo lnais competente dtl que o sett adversário.
nrenta, experinrenta, e.rperimenta, erperintenta. erlteri lrenta, cxpcrillent:r, Por ser conhecido, fixa estrategia parl sells aliados conforma-
experinrentit. experimcnta, experimenta. erpcrimenta, erperirncrrtrr. crpcrr rem-se às posições que defende.
urcuta. erperiurentár, cxperimelrta, experimenta, erperimentr. c\perllcnl.r.
Marcas que estão no Top of Mind as mais lembradas
e\pcl'llllcnll. e\lrcIililct)1.. e\pct illtenlit. rxn(ilnlcnla. e\|et illtcill,l. r.\l)\.t I
menta, cxperinrenta. experin.tcntâ, erperintetrta. expcrintentrr. c\11(t int(ntit.
pelos consulnidores tratam de reiterar sua presença eln calr-
ú\pcrilllcillí1. erpcrirtcntlt. c\pct inlenlit. erperitttcttll. L.\l)(.t lilt(.ilt;r. L \lr(t i- panhas permanentes, entre outros objetivos para continuar con-
urenÍa. erperimenta, experinrenta. experimcnta, experillent,r. e\p(tlllúltil. tando com a fidelidade dos seus consunidores. Omo, Coca-
(\pct,tlletllÍ1. e\Í)cilI)cIl'r. cxperilltcIllit. c\l)r'tilILnl.l c\l)(ti-
eÀPc1i111ç111o.
Cola, Doriana, Hellmann's, não precisam dizer. para os sells
tttetrllt. cxperirttrnlir. cxpcnlnelllil. erPer interrltr. c\l)\.t lll\.nra. crIcl irttentl.
clientes fidelizados, que são produtos melhores, de qualidade
exper-imenta, expetinrerlta- experimcnta. experintenta. e.rperirnelta. cxperi-
t.trenta^ experir.nenta, experirnent:r, cxperintenta. erperirnentl. experirrretrla, indiscutível. mais confiáveis etc.
c\p\'l llllcltl;1. erPc1 i111ç,t1a- c\llefirl)Érll't. c\l)Crir)tCnl.. crIcritttenll- erner i- Claro está que, no jogo das campanhas, malgrado o obje-
lllclllil. c\p(rirllcrtlll. c\l1cflil]er'11f,. crperitttcttll. L \llcIliltcilla. c\pet illlcltl.t. tivo de conformar, existe também o cle formal colllportamentos
Diretoria do Grupo Schinchariol (por exer-nplo, aqueles qLIe estão entrando agora no lnercado e
P.S.:E-xpcrirnentii. nunca usarAm sabão em pó, tomaralr retiigerante, untaram seus
pâes de margarina ou maionese); ou reÍbrtnar (muitos consunli-
Uma parte das campanhas políticas tambent tllrbllhl per- dores compram Minerva, Pepsi Cola, Becel, Arisco etc.
suasivamente no sentido de reforrnar pontos cle vistu, ;'lois 1'lr.c- Os signos que irão compor os discursos de convencimento
tende convencer o eleitor do candidato X a votal cut \'. [)aru tull-
são, pois, reversíveis, podendo se desdobrar em várias clireções.
to, busca mecanismos ao mesmo tentpo clesqLralil'icttlorcs de X
ll
4A
il ,lÍ,
rl
4 Tipos de discursos l
tipo discursivo marcado pelo jogo de interloouções. Ou sc.lir. o
movimento dialógico eu-tu-eu torna-se dinâmico e passa a con-
viver com signos mais abertos: há menos verdade de um,logo,
menos desejo de convencer. Aqui, o signo ganha dimensão múl-
tipla, plural, de forte polissemia: os sentidos se estilhaçam, ex-
pondo as riquezas de novos sentidos. Os signos se abrem e re-
velam a poesia da descoberta; a aventura dos significados pas-
sa a ter o sabor do encontro de outros significados.
O discurso lúdico compreenderia boa parte da produção ar-
Procuramos nos capítulos anteriores mostrar
a existência tística, por exemplo, a música, a poesia. É ver-se um texto como
de relações entre a estrutura ideológica do
signo, as instituições Alegria, alegria ou Tropicalia, de Caetano Veloso; um poema
e o discurso persuasivo. Situemos um pouco
r."$#',,ffi truturas discursivas a fim de apreender novas
melhor outras
estratégias que
es_ como Tecendo q manhã, de João Cabral de Melo Neto; um ro-
mance çomo Grande sertão: veredas, de João Guirnarães Rosa.
contribuem para configurar os mecanismos de
.onu"r.i.,"rto A própria descoberta da linguagem pela criança tem mui-
pela linguagem.
to desse carâter de jogo com as palavras: há prazer e encanta-
Em um livro muito instigante, e do qual retiramos
algu_ mento com os mistérios dos sons, com a arbitrária relação entre
mas idéias para serem discutidas nesta passag
em, A lingua{em certas sílabas ou palavras e objetos e situações.
e seu.funcionamento, Eni Orlandi
apresenta três grandes .rrúo,
organizativos do discurso: o polêmico, o lúdico
e o autoritário.
Antes de passar à verificação de cada um deles, O discurso polêmico
convém lem-
brar que não estamos diante de categoria s autônontas,
mas de
dominôncia. Ou seja, não são formas puras e sim Cria um novo centramento na relação entre os interlocuto-
híbridas, exis_
tindo, porém, a preponderância de uma sobre res, aumentando o grau de persuasão. Agora, os conceitos enun-
a outra: o polêmi-
co pode conter o lúdico, ou o autoritário o polêmico ciados são dirigidos como num embateldebate. Há luta onde
etc. Ocorre
que um dos níveis será dominante, sendo uma voz tentará se impor a outra. Nesse caso, o grau de polis-
mais visível, portan-
to, caracterizador. semia tende abaixar, dado existir o desejo do eu em dominar o
referente. O discurso polêmico possui certo grau de instigação,
visto apresentar argumentos que podem ser contestados.
O discurso lúdico Digamos que o enunciador opera a uma abertura sob controle.
O importante é que; "...os participantes não se expõem, mas ao
Consideremos que esta seria a forma mais atlerta
clo dis_ contrário procuram dominar o seu referente, dando-lhe uma di-
curso. Residiria aqui um menor grau de persuasão,
tendendo, reção, indicando perspectivas parti cul arizante s" .l
em alguns casos, ao quase desaparecimenio
do imperativo e da
verdade única e acabada. Lúdico signifrcajogo.
Seria, pois, um I Ott.rN»t. Fti. A língnogeru e seu.fincíonatnenlo. São Paulo, I3rasiliense. 1983. p. 10.
5í
50
O discurso polêmico pode ser encontrado em situações 2.Ha uma redução no custo 2. Para se defender de agres-
muito variadas: defesa de tese, avaliações sobre problemas na- agrícola com o uso de me- sores, a Planta Produz subs-
cionais, encaminhamento de posições políticas etc. nos agrotóxicos tâncias que Podem ser tóxi-
cas ou produzir alergias
As discussões sobre o andamento das reformas previden-
3. A produtividade seria maior, 3. Os grãos Podem dar ort-
ciária e tributária, os debates sobre clonagem humana, os pro-
favorecendo a comPetitivi- gem a bactérias resistentes
blemas envolvendo a luta entre israelenses e palestinos têm per- a antibióticos ou a ervas
dade intemacional
mitido acumular vasto material polêmico posto em circulação daninhas e insetos que não
pela imprensa. sucumbem aos defensivos
Pararealizar-se, o discurso polêmico precisa elaborar ar- agrícolas
gumentos a ser reconhecidos e que consigam afirmar a posição 4. Podem-se Produzir alimen- 4. Alguns mercados intema-
As chances de cruzamento
cionais estariam disPostos
a pagar aÍé ul]1 terço a mals
por produtos orgânicos ou
sem alteração
5. O plantio em grandes áreas
entre as esPécies comuns e pode reduzir a tiqlueza ge-
Assunto: plantio de sementes geneticamente modificadas. as geneticamente modifi ca- nética dos gràos e desequi-
das são reduzidas librar o meio ambiente
Envolvidos: de um lado, agricultores e empresas interes-
6. Plantas modificadas são 6. Os produtores ficariam re-
sadas em produzir e vender produtos transgênicos; de outro,
mais resistentes. Precisam fénJ da Monsanto, a Princi-
ecologistas e setores da sociedade que vêm perigo no plantio pal fomecedora de semen-
de menos água, toleram o
daqueles produtos. tes modificadas
sol e nascem em regiões
Estratégia de comunicação: convencer a opinião pública áridas
acerca dos prós e contras as sementes geneticamente modificadas.
Recursos de comunicação: rádio, televisão, jornal, revis-
Exercício interessante é' a partir deste
"roteiro" de argu-
tas etc.
mentos, ot ganizat textos polêmicos'
Pnós ConrR.ts
O discurso autoritário
Não há comprovação cien- Não há estudos científicos
persuasiva'
Essa formação discursiva registra forte marca
I
rri i
tífica de que os transgêni- que atestem que os trans-
cos causem mal à saúde ou gênicos sejam inofensivos polêmico tambem haja persuasão' e aqui
Conquanto no discurso
ao meio ambiente à saúde ou ao meio am- qr" ," instalamtodas ai condições para o exercício da domina-
biente pratica-
ção pela palavra. O processo de comunicação (eu-tu-eu)
53
52
mente desaparece, visto qve o tu se transforma em receptor com modalização, tensão, transparência' Façamos agora a adequa-
pouca ou nenhuma capacidade de interferir e modrficar o que es- da modaliclade
ção dessa proposta para melhor compreensão
tá sendo dito. É um discurso exclusivista, pouco afeito aaceitar autoritária.
mediações ou ponderações. O signo se fecha e irrompe avoz da
l. Distôncia (atitude do sujeito falante face ao seu enunciado)'
"autoridade" sobre o assunto, aquele que irá ditar verdades como por
O sujeito falante é exclusivo. O enunciado está marcado
num ritual entre a glória e a catequese. O discurso autoritário A voz do
uma espécie de "desaparecimento" dos referentes'
lembra um circunlóquio: como se alguém falasse para um audi-
enunciador é mais forte do que os próprios elementos enun-
tório composto por ele mesmo. É nessa forma discursiva que o ciados.
poder mais escancara suas formas de dominação. Enquanto o
2. Modalizaçâo (o modo como o sujeito constrói o enunciado)'
discurso lúdico e o polêmico tendem a um maior ou menor grau
O texto autoritário possui traços muito peculiares: o uso
do
de polissemia, o autoritário fixa-se num jogo parafrásico, ou se-
imperativo, o caráter parafrástico etc'
ja, repete uma fala já sacramentada pela instituição: o mundo do
,.,[.S'S^ diálogo perde a guerra para o mundo do monólogo.
O discurso autoritário pode ser encontrado, de forma mais
3. Tensão(relação que se estabelece entre o emissor/enunciador
e o receptor/destinatário). O primeiro procura impor-se
à fa-
i como
,l balhos que se tolxaram clássicos na publicidade brasileira
ij
os do Primeiro Soutien, da Valisêre' Há, também, movimento
5.''ffiffi: oposto, com peças esquemáticas, estereotipadas, cheias de
comuns, banalidades que consistem em colocar atletas
lugares
para ven-
56 5t
O texto publicitário resulta da conjunção de múltiplos fa_ o Símbolo. Vivemos em um mundo clue ttiio gos{rt tlo lt'to
tores. Alguns estão ancorados nas ordenações sociais,
culturais, Ainda que não saibamos muito bem o quc vcnr lr se r llrl
econômicas e psicológicas dos grupos humanos para
os quais as categoria estetica, a simples palavra já provoca tctno
peças estão voltadas. Outros dizem respeito
a componentes esté_
ticos e de uso do enorme conjunto de ifeitos retóricos res. Ser belo é o mesmo que estar determinado panr o
necessá_
rios para se alcançar o convencimento e aos quais não faltam sucesso e para o triunfo. O convite àbeleza soa conro
as
figuras de linguagem, as técnicas argumentativas, os raciocínios. obrigação.
Examinemos um dos nossos mais conhecidos slogans. Passemos a outro exemplo.
"Nove entre dez estrelas do cinema usam Lux.,, O produto de higiene bucal Cepacol desenvolveu para sua
I. O slogan está formado de seis palavras gramaticais (deixam- campanha publicitária que regulannente retorna aos meios de
.1.,'$$,1,,lffi' se de lado preposições ou conectivos). Um bom slogan comunicação personagem, o Bond Boca. Verifiquemos
tem
entre quatro e sete palavras gramaticais; logo, o nosso como estratégias retóricas e de convencimento são disparadas a
exem-
plo seria, tecnicamente, de..bom tamanho,,. partir da associação entre marca e personagem.
2. O racioçínio é o mais formal possível. Trata_se de
i um silogis_ ). Configuração do tipo.
t'
mo (forma de raciocínio que passa por três fas.s: prem[sa
maior, premissa menor e conclusão): Queixo largo, boca grande, cara de mocinho recém-saído do
I banho, ágil e sempre bem-sucedido com as mulheres.
Premissa maior; As mais belas mulheres (do cinema)
1l usam Lux. 2. Sittrações.
Premissq nlenor; Você é (ou quer ser) uma bela mulher. A detetivesca figura e inspirada no célebre agente inglês
i
criado por Ian Fleming, James Bond. Ambos são filhos de
Conclusão: Você deve usar Lux (assim será tão bela
ii
como uma mesma idéia, a de combater inimigos; James ataca o Dr.
as atrizes célebres que emprestam seu rosto para
i
acom_
I panhar o slogan). No, terroristas, espiões, vilões, desejosos de destruir o
i
3' uso de figuras de retórica. Existem duas figuras prioritárias: Império de sua majestade e a democracia ocidental, Boca
a comparação e a hipérbole. Através da primeira age contra o Gargantão, o Zé Cariado, o Bafo-Bafo, todos
se relaciona
a inatingível estrela à mulher comum; com a segunda capazes de contaminar a estabilidade do sistema bucal.
se co_
mete um exagero respeitável (nove entre dez usam Lux).
3. Repertório.
4. O slogan se abre para duas realidades de forte pressão
psicos_ O universo vocabular é muito simples, expressões fortes e
social:
com carga semântica precisa, combute e inimigo, ajudam no
o Exclusão. Ninguém deseja ser socialmente excluído.
Estar sentido de fixar a imagem do Cepacol como implacávelad-
em companhia da possível única feia (a que não usa
Lux) versário dos agentes estranhos que desejam comprometer a
é uma situação bastante desagradável e desconfortável.
segurança da nossa boca.
59
58
que' nes-
4. Fignras. o Distância. O sujeito falante é exclusivo, ainda
se caso, seja possível falar em dois sujeitos:
aquele que
As figuras de sons: aliteração (repetição de consoantes) e as-
fez o slogan e a própria personagem que diz o texto'
sonância (repetição de vogais) são aquelas mais significati-
para
vas na campanha em análise. Ojogo sonoro BondlBoca çria Não cabe aqui delongar o assunto, consideremos
Boca' Note-
um sentido eufônico que produz nova significação: "o bom os nossos efeitos que o sujeito seja Bond
de que o
de boca". O movimento repetitivo BONdBOca acentua a se, a partir disso, como é criada a impressão
quem
"explosividade" do nome, portanto o caráter impetuoso do sujeito parece sobrelevar-se ao produto' afinal'
vis-
agente salvador do nosso sistema bucal. nos e simpático é o Bond Boca' Entretanto' cotno
to, trata-se, apenas, de outra estratégia para assegurar
a
5. Contextualizações. fixação da marca CePacol'
da
Os elementos arrolados acima convergemparu certas conota- o Modalizqçâo. Presença de imperativos (combate)'
ções que se encontram no eixo combate/triunfo. Ou seja, no agente 007)'
,."$#l,ffi' Bond Boca descobre uma nova affnapara vencer seus inimi-
gos: Cepacol. O resultado da vitória é o aumento do prestígio
.
paráfrase (a campanha é decalcada
rico. Fórmulas lingüísticas aparecem comumente nos 5. Afirmação e repetição. São dois importantes esquemas usnclos
discur_
sos: o "preclaro senhor,,, ..o dever do filho é obedecer pelo discurso persuasivo. No primeiro caso, a certeza. o inrpe-
aos
pais", "a família qse Íeza unida permanece unida,,, ..sem
or_ rativo: a dúvida e a vacilação são inimigas da persuasão. No se-
dem não haverâprogresso,,etc. A grande característica
do es_ gundo caso, repetir significa a possibilidade de aceitação pela
tereótipo é dificultar questionamentos acerca do que
está sen_ constância reiterativa. Goebbels, o teórico da propaganda na-
do enunciado, visto ser algo de domínio púrblico,
rf uma ..verda_ zista, apregoava que uma mentira repetida muitas vezes era
de" consagrada.
mais eficaz do que a verdade dita uma única vez. A já citada
2. A substituição de nomes. Mudam-se termos com
o intuito de campanha da Schincariol, reiterando insistentemente a forma
influenciar positiva ou negativamente certas situações.
Os co_ verbal "experimenta", quando do lançamento da Nova Schin,
munistas viram os vermelhos; o goleiro no campo
de futebol, incorpora tanto o mecanismo da afirmação como da repetição.
o frangueiro; a lâmina de barbear, gilete; a palha de aço,
Num feliz achado, Eni Orlandi designa esse processo collr 1. O Credo, ou Profissão de Fe, nos coloca Íiente à relaçiro en-
o nome de "ilusão da reversibilidacle". Ou seja, enquanto no tre o homem, a fé e o dogna. O texto clesprencle-se de utr-t
discurso dos homens se abre a possrbilidade cle ocorrer uma re- plano meralxente terreno, material (humano, portanto), para
versào no processo cor.nunicativo (emissores e feceptores po- uma dimensão de mistério e espir:rtualidade (do Senhor Deus'
dem interagir), no discurso religioso tal procedirnento se torna da remissão, da salvação).
impossível. Interagir com quem? Corn Deus? Sabemos, no en- 2. Tal passagem é matizada pela própria estrutura textual; o r- tl-
tanto, que isso e irnpossível, porem Ílcanros con-r a "ilusão" do do de organizar a seqüência narrativa vai do eu oculto (creio)
reversível, dado que os representantes cle Deus na Terra pare- para vicla eterno. Observando melhor essa estrutura e possí-
cem falar por ele. Podemos interagir, na melhor clas hipóteses, vel identificar os passos do discurso clássico-aristotelico,
com entidades de segundo grau, os agentes, que, não sendo do- conforme já foi mostrado no primeiro capítulo deste livro.
nos da fala (eles só reproduzerl ou interpretarl), dão a impres- Dos versos I a 4, encontra-se o exórdio; do 5 ao 12, a narra-
.,.,,s}}iff são cle ser os sujeitos do discurso.
A título de exemplificaçào, vejamos um dos rnais conhe-
ção (com as provas); do l3 ao 19, a peroração (conclusão).
verbos aglliza a leitura, dando ao texto um incrivel mo- A conclusão serve para fixar a situação do hotlretlr c o
vimento interno. O que se coloca em primeiro plano é a que dele Deus deseja. Para o Senhor, o homem está et.t.r
morte e não a vida, dado que esta é apenas o lugar para falta, em queda, ou seja, o sujeito não é,mas pode vir a
o exercício da capacidade de provação do ser. A vida é ser, superando-se e conseguindo, através da fé, encon-
a passagem, o locus purgativo, o teste para o amadure- trar a salvação. E possível çaractetizar o discurso reli-
cimento do espírito. A morte é o desfecho glorioso, cir- gioso como dogmático, dado essa sua natureza de in-
cunstância necessária para ganhar o reino do Céu, para questionabilidade.
se entregar à vida eterna. O Credo ganha, aqui, dupla
3. Há uma série de outros nlecanismos que acentuam a persua-
dimensão: dramática, visto contar a via cyucis daquele
sào no discurso religioso:
que veio para nos salvar, e punitiva porque Ele estarit
pronto para nos julgar. Diante de tal ameaça, o mecanis- . uso do modo imperativo, o que revela a idéia de coisa
mo persuasivo do discurso se reforça, pois sobre as nos- pronta, acabada;
,.-#l,,t'hH'' sas cabeças pende a espada de umajustiça cujo execu- o o vocativo subjacente (creio), que afirma o chamamen-
,li tor não nos permite qualquer tipo de interpelação. to ao sujeito;
A figura dominante agora é a antítese. Há um jogo en- o a função emotiva (afinal eu devo acreditar, ter fé. O
tre morrer e ressuscitar. Colocando em termos do ho- problema da salvação está comigo, o Senhor é o exem-
mem, seria a tensão entre os apelos para uma vida que plo a ser seguido);
priorizasse o espírito, dado que tudo prioriza a maÍéría.
Morrer um meio para viver a felicidade eterna. Graças
é
. o uso de metáforas que acentuam o ciframento do dis-
à crença e à fé, a morte se transforma em vida.
curso religioso: a mansão dos mortos e o ressuscita-
mento de todos só criam um jogo simbólico acerca do
Peroração inusitado do dogma;
A conclusão só poderia retomar o verbo crer, pois ai es- . uso intenso de parábolas e da paráfrase; de um lado, a evo-
tá a condição básica paÍa a salvação. É em torno desse cação alegórica, e, de outro, a presença do texto bíblico;
núcleo verbal que tudo se organiza: ele e expansão e . uso de estereótipos e chavões que possuem a força da-
síntese dos sentidos.
quilo que Umberto Eco chama de sintagmas cristaliza-
Deus Pai dos: "Oh! Senhor", "todo-poderoso", "criador",'onosso
Jesus Cristo Senhor" etc.
Vída Eterna Espírito Santo
Creio lgreja Católica
No discurso do livro didático
l
4. Uma segunda vqriável do preconceilo. Lêem-se como as re- Premissa menor'. Eu vivo em uma lltltiliir ttrlrtl:r
lações homem/mulher estão colocadas. Particularmente no Conclusão: Eu sou feliz'
que diz respeito à questão do trabalho.
O pai trabalha para sustentar a casa. A mãe não o faz, ela ape- B
nas cuida da casa (!), dos filhos, eventualmente do cachorro Premissa moior: Toda família forma uma comunidade'
e dos passarinhos. As atividades domésticas não são conside-
Premissa menor'. Eu vivo em família'
radas pelo nosso incógnito narrador como trabalho, mas tão-
Conclusão: Eu vivo em comunidade'
somente uma espécie de obrigação feminina. O texto, de no-
vo, apresenta distorção histórica, visto a evidente presença da C
mulher no labor fora do ambiente doméstico.
Premissa maior: A família harmônica forma uma comu-
5. Uma outra idéia cara ao texto é a da harmonia familiar. Senão nidade.
vejamos: "Meus irmãos são meus melhores amigos", "mora-
r."e$,-,""$' mos na mesma casa", "Na nossa família todos se querem
Premissa menor'. Nossa família é harmônica'
muito bem". E um mundo sem dissensões, centrado no mito C onclus do'. Formamos uma comunidade'
da linearidade, da não-contradição.
Não é difícil perceber o caráter falacioso de alguns desses
6. [Jm absurdo conceitual. Por último, nosso texto não poderia
raciocínios.
deixar de causar verdadeiro arrepio conceitual, ou seja, passar
lr à criança a idéia de que viver em comunidade é viver em um
Nosúltimosanosmuitascríticasvênrsendodirigidasaos
mundo sem seres reais. Se a família é também um dos ele- equi-
mentos a formarem uma comunidade, ela precisa existir como
livros didáticos, com reflexões que apontam o tratamento
envolvendo des-
vocado, displicente ou mesmo preconceituoso
realidade histórica e socialmente determinada. Infelizmente, o de minorias' va-
de conceitos e temas até formas de tratamento
modelo narrado pelo garoto não faz parte da comunidade, mani-
I
riáveis culturais, modos de vida' Em decorrência dessas
apenas está na cabeça de quem, ao conceber o texto, projetou da rede de ensino'
festações, das crescentes exigências por parte
suas próprias idealizações e preconceitos ideológicos. ma-
de discussões dos educadores acerca dos usos envolvendo
J. Raciocínio. A dedução última do texto é que ele segue um ra- produção dos li-
teriais didáticos e ou didatizados, os padrões de
ciocínio silogístico, querendo fazer passar a tese da estreita
vros didáticos estão conhecendo algumas alterações' Busca-se
relação entre harmonia/felicidade e união familiar. Vejamos uma adequa-
um ajuste às novas demandas sociais e históricas e
como tais raciocínios podem ser articulados: de mudanças vividas pelo
iào á puAto.s editorias resultantes
Cabe acompanhar es-
i.Op.ià setor que produz livros didáticos'
A ,. iro"".ro pàra-saber ate onde determinadas operações for-
Premissa maior: A felicidade o que foi
está ligada à união fami-
-ui, . de ajuste temporal mudarão asubstancialmente didático'
liar. mostrado nesta análise, alcançando ordem do livro
70
tl r
I
OLHOS DE RESSACA não molhar o pêlo, ao contrário metiam a cabeça bem de'
baixo da agua e esfregat'am com forças as ventas e as
Enfim, chegou a hora da encomendação e da par-
barbas, fossandoe.fungando contrq as palmas da mão'
tida. Sanchq quis despedir-se do marido, e o desespero qbrir e
As portas dqs latrinas não descansavarn, era um
daquele lance consternou a todos. MLritos homens cho- sair sem tréguas'
ravam também, as mulheres Íodqs. Só Capitu, amparan-
fechar de cada instante, um entrar e
"Não
se demoravam lá dentro e vinham ainda amarrando
do a viúva, parecia yencer-se a si mesmo. Consolava a
as calças ou as saias; as crianças não se davam ao traba-
r."#l"t$^' outra, queria arrancá-la dali. A confusão era geral. No
meio delq, Capitu olhou alguns instantes para o cadáver
mo ai U ir, despachavqm-se ali mesmo no capinzal dos
por detras da estalagem ou no recanto das hortas'
fundos,
tão fixa, tão apaixonadamente fixa, que não admirq lhe
l'll
O rumor cresciq, condensando-se; o zunzum de
saltassem algumas lagrimas poucos e caladas...
todos os dias acentuava-se: já se não destqcavam vozes
As minhas cessarqm logo. Fiquei a ver as dela,' clispersas, mas um só ruído compacto que enchia todo
Capttu enxugou-as depressa, olhando a furto para ct o iortiço. Começavam afazer compras na venda; ensa-
gente que estqva na salq. Redobrou de carícias para a
rilhavam-se discussões e rezingas; ouviam-se gargq-
amiga, e quis leva-la; mas o cadáver parece que a reti- lhadas e pragas; já se não .fazia, gritava-se' Sentiq-se
nha também. Momento houve em que os olhos de naquela fermentação sangüínea, naquela gula viçosa
Capitu fitaram o defunto, quais os da viúva, sem o de plantas rasteiras que mergulham os pés vigorosos
na
pranto nem palavras desta, mas grandes e abertos, co- lama preta e nutriente da vida o prazer animal de exis-
I
mo a vqga do mar láfora, como se quisesse tragar tam- tia airiunfonte satisfação de respirar sobre a terra'4
rl bém o nadador da manhã.3
I Mrc tt,roo or Assrs. Dorr Cusnurro. Sâo l)aulo. Áticil. 1979. p. 133-4. 4 Azt,vuoo, Âluisio. O cortiço. São Paulo. Marlins, 968
1 p 43-4
l
73
72
nos excessivamente dolorosos, indicando possível relação adúl- timentos para com o amigo morto. Ou, pelo menos, tenta inter-
tera entre ela e Escobar. pretar, dado que a facilidade da cerleza é Íraida pela dúvida do
i... o cadáver parece que a retinha"'"; "Só Capittt'
Ainda que não se tenha lido o romance Dom Casmurro, é condicional:
fácil reconhecer a existência de um curiosojogo de afirmações amparando a viíva, parecia vencer-se a si mesma"'
e dúvidas, em que ora se destaca a cetteza ora o tom condicio- Ficamos, portanto, enquanto leitores, divididos pelas ob-
da
nal se encarrega de manter em suspenso qualquer acusação servações comprometidas de Bentinho' Com ele passamos
frontal de infidelidade. E,sse clima é conseguido pelo fato de afirmação para a dúvida, da certeza para o condicional, do fitar
existir um narrador, Bentinho, que sabemos de antemão está o cadáver quais os olhos da viúva, para aquele incômodo e dis-
comprometido a tal nível com a narrativa que dele podemos du- simulado olhar de ressaca que agia como se "qwisesse ttagar
vidar. Com isso, nos permitimos desconfiar de um ponto de vis- também o nadador da manhã".
ta que, sendo único, impede o aparecimento de outras versões Verifica-se que por trás da questão do adultério está es-
.,.,'e$l-!'ffi' sobre o fato
-
Escobar está morto e Capitu não pronuncia di- condido
-
máxima dissimulação!
-
um problema filosófico
da relatividade das
retamente uma só palavra. extremamente complexo, o da ambigüidade,
observações, da negação do absoluto. Numa palavra, o signo da
Bentinho, o Dom Casmurro, conta que sua mulher olha o
cadáver de um modo diferente. Não é o olhar comum de uma dúvida alimenta o texto machadiano, impedindo a formação de
pessoa apenas emocionada e triste com a morte de um amigo, juízos definitivos.
mas que se revela em tom apaixonado, comprometido: antes de No fragmento de Aluísio Azevedo, contemporâneo de
chorar o morto, Capitu lamenta a perda do vivo, pelo menos pe- Machado de Assis, existe outro modo de organizar o discurso
li-
la ótica de Bentinho. Daí a constatação: "... Capitu olhou alguns terário: a descrição precisa e minuciosa das situações que irão
instantes para o cadáver tão fixa, tão apaixonadamente fixa, que configurar a cena apresentada. É o acordar dos habitantes do
não admira lhe saltassem algumas lágrimas poucas e caladas...". cortiço; a ida à bica, ao banheiro, as discussões, as risadas, os
Bentinho, num dos momentos mais antológicos da litera- barulhos do amanhecer. Mas por que tal descritivismo? E o de-
nos seus
tura brasileira, abandona o resto da cena, as circunstâncias que sejo de materializar o movimento dos grupos humanos'
âgem, o que fazem, que rea-
estão envolvendo a cerimônia fúnebre, fixando-se exclusiva- múltiplos comportamentos; como
que a cena se abre com
mente naquele estranho olhar e do qual deduz sentimentos e ções apresentam. Não é gratuitamente
produzido por
emoções que poderiam ser vividos por Capitu. O choro de uma onomat opéia,"zunzum", som normalmente
insetos. Note-se que as categorias homem e mulher cedem
lugar
Capitu já não é mais como o das outras pessoas, ele tem nature-
za clandestina, disfarçada, como o de alguém vigiado, portan- para macho e fêmea: expressões mais próximas do mundo dos
do, pois, um secreto mistério que a ninguém deve ser revelado: Li.hot. O próprio espaço e o da sujeira, do lodo, do barro: as
"... olhando a furto para a gente que estava na sala". Bentinho crianças defecam nos fundos das casas, os homens fungam'
tu-
agressiva' O quadro
integra nos olhos da mulher os seus próprios olhos e cria uma do a caracterizar tmacena fantasticamente
visão em dupla direção: pelo lado de fora reconhece como ganha intensidade nas últimas linhas do fragmento em que se
Capitu vê Escobar; pelo lado de dentro interpreta quais os sen- ievela, diretamente, como o narrador concebe os homens e as
['
74
r 75
(ltl(r'
mulheres enquanto animais: "... mergulham os pés vigorosos linguagem simbólica pode terminar como um excrclclo
na lama preta e nutriente da vida o prazil animal de existir, a i;;;r"ã" a monossemia,
- conduz o leitor pelo estreito catnittlrtr
a priori' elll ccr-
triunfante satisÍàção de respirar sobre a terra". do convencimento de pressupostos que estão'
tas crenças do autor. Como se vê, uma das
maneiras de a lingua-
A espécie humana e, portanto, movida por uma espécie de
gem persuasiva aportar no texto literário é
pela diminuição clo
deterr-ninação biológica, uma sangüínea fermentação que pare-
ce apagar as diferenças entre o estado de natureza e o estado de grau de ambigüidade expresso pelo signo'
valo-
cultura. Impera, afrnal, a "... gula viçosa de plantas fasteiras...". Ainda que não haja espaço aqui para se fixarjuízos
no texto li-
O leitor é colocado, agora, diante de um signo fechado, mo- rativos acercada presença da linguagem persuasiva
lembrar que os
nossêmico, que elimina toda ambigüidade e passa a "ensinar" que terário, cabe, ao lnenos a título de provocação'
preocupados com a ex-
o instinto, o sangue, as contingências biológicas, determinam a na- escritos mais lineares, mais fechados e
a invenção à con-
tureza animalizadade homens e mulheres. Numa palavra, o narra- posição de certas teses, costumam sacrificar
múltiplas di-
,."#1"ffi dor quer nos convencer, através de uma precisa escolha vocabulaq
açerca daquela máxima enunciada pelo romancista francês, Emile
,.rrão, cristalizando, conseqüentemente, aquelas
reções que os sentidos poderiam tomar
literários de
no texto literário'
maior invenção sejam
E útil
Zola: " ... é necessário substituir o homem absffato pelo homem na- constatár que os discuisos
roteiros persuasivos' co-
tural, sujeito a leis fisico-químicas e determinado pela influência aqueles menos ocupados em construir
João Guimarães Rosa'
do meio". Essa natureza do discurso que, em última análise, pre- mo se pode ver, por exemplo, na obra de
um romance como
tende dirigir o leitoq caracteiza boa parte da chamada "literatura O grau de ambigüidade, de polissemia, torna
extremamente rico de
de tese", ou, se quisermos, do discurso literário persuasivo. Gíande sertão:7eredas, ao mesmo tempo
ao leitor e um verdadeiro laboratório de
experimentos
Retomando os fragmentos de Machado de Assis e de sugestões
Aluísio Azevedo, é possível deduzir: no primeiro caso, a ambi- sobre a construçào das narrativas'
presentes em
güidade do signo permite leitura aberta, com isso as significa- Os textos literários mais persuasivos estão
Apenas para ci-
ções brotam num ritmo que permite fugir das circunscrições im- diferentes momentos de nossa história literária'
O semínarista' de
postas pelo discurso persuasivo; o leitor pode participar da aven- tar alguns exemplos: entre os românticos -
o gaúcho, de José de Alencar; durante o
tura da descoberta dos sentidos presentes no texto. No segundo Bernardo Guimarães'
persuasivo foi dominan-
'l caso, o signo se fecha, os sentidos passam a ser controlados pe- chamado naturalismo, o texto literário
A carne, de ltriio RiUeiro, O missionário' de Inglês
de
lo narrador. O fim último do fragmento de Aluísio Azevedo é te
provar a "animalidade" de homens e mulheres, o espaço do cor- -
Sousa, Casa de pensão, de Aluísio Azevedo;
o próprio moder-
tiço e o movimento de seus habitantes se integram numa mesma nismo se ressentiu desse tipo de discurso o estrangeiro, de
- engajada" pta'
direção: a de servirem como "provas" de que o meio, a raça e o Plínio Salgado; boa parte da chamada "literatura
ou como
momento determinam os comportamentos pessoais. tica, igualmente, um discurso diretivo' autoritário'
chamada literatura 'en-
Noutras palavras, o discurso literário que se definiria a afirma Umberto Eco: "..' três quartos da
priori por uma natureza plurissignificativa,- dado que o signo gagée' não passam de bem-comportados exercícios
sentimen-
que' sob formas
polissêmico e conotativo serve como importante constituinte da ,"uã O" uma mentalidade pequeno-burguesa
76 77
consolatórias e pacificantes, introduziu temas dramáticos no tação é verificada no interior dosjornais, revistas ou tclc.jolnais:
mercado miúdo dos bons sentimentos. Esta literatura ,engagée, secções como esportes, polícia, economia ou os eclitoriais
que fique claro está à direita,,.s possuem particularidades que acentuam ou distendem procctli-
- -
Em última análise, e para simplificar o problema, a rela_ mentos persuasivos. Enquanto as pequenas notas sobre ciclaclc
Ção entre discurso literário e persuasão passa por uma definição ou polícia possuem dominância informativa, o editorial, ou o ar-
ou (re)definição da própria tigo crítico/analítico feito por um colunista, tem maior preocu-
- ou nós aconsciência
-ca do uso da linguagem: que se tenha acer_
vemos como um instrumento pação opinativa. Vale dizer, se o plano de convencimento dimi-
para tratxsmitir idéias e ditar preceitos, ou como instància
pro_ nui em uma nota curta, referindo-se à venda de um jogador clc
motora de saberes; nesse caso, um convite para, na aventura da futebol ou dando os números do orçamento da União, aumenta-
linguagem, sentirmos o prazeÍ de descobrir o mundo. rá quando um comentarista/colunista estiver defendendo posi-
ção acerca dos rumos do esporte, dos caminhos da economia,