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A1 <.;L ~t,\~ \SORO \ GF., s lJA CANÇA()
(~orno pl)demos então abordar este fenômeno tão complexo da canção?
Quero focalizar algumas questões que su rgem quando levamos a sério a in-
dagação sobre co 1110 dar conta d__as a·!s dim~~sões da canção: .torto, música e
performance. Essas três dimensoes sao frequentemente consideradas em se-
parado. Neste E 11 contro, enco~tra~o-las cor~etamente i~te~ligadas. O de-
safio que se nos coloca é 11ão atr1bwr auto1nat1~ente pr1or1dade a uma ou
outra, mas refletir sobre como operan1 em conJ unto.
A questao é, no entanto, complexa. É fácil partir do princípio de queex:iste
apenas un1a forma correta segundo a qual o texto, a música e a performance.se
inter-relacionam, e, conseqüentemen te, apenas um métoç{o auto-evidente pa-
ra conceituar essa forma. Mas, de fato, há 1nuita diversidade - e múltiplas con-
crovérsias também. De modo q ue escolhi meu título, talvez algo desa.fiador,
como um meio de m e aproximar de alguns dos d ebates sobre formas de abor-
dar essa interconexão e ao m esn10 tempo ap ontar para uma questão de fun-
do a qual, sugiro, precisa ser enfrentad a para um entendimento completo.
Poderíamos começar lem brando rapidame11te algumas das muitas abor-
dagens estabelecidas para análise e interp retação de canções. Cada uma car-
rega seus pressupostos sobre quais são as dimen sões centrais da canção - e1
conseqüentemente, sobre q ual elem en to cem p rioridad e sobre os outros.
Ainda muito presen te p ara nós é a visão rom ântica da canção como se-
de da criativid ad e primeva, d o transbordamento n atural e irrestrito da ex-
p ressão humana. Essa visão foi expressa d e m od o elo qüente em sucessivas
formulações através dos séculos. C omo afi rma o autor do século XVIII>An,
selm Bayly, uque a música seja filha da n atureza con stata-se pela aptidão>
que crianças de todas as nações possuem, d e cantar livrem ente como pássa,
2
st
r?s na flore a,, (Bayly, 1789:2), enquanto a poesia d e Wordsworth ron1ar1,
t1camente retrata como o
Bebê, em sua alegria
cantava ao ser amamentado
A
,. . união de 1nú · .J:d
sica e voz parece fazer recordar o paraíso perw o ª d ino,
cebnaa natural. John Milton, poeta inglês do século XVII, invoca O "Par
ª ençoado de sereias··· Vcoz e roesta
n · ,, lh
, captando de maneira sem e anre 0
tema
recorrente da Cinção primeva original:
lrn1ás harmoniosas nascidas nas esferas 1 Voz e Poesia,
Casem seus sons divinos, e empreguem seu poder conjugado...
Ele chora a perda daquela l1armonia pJimeira, e anseia por recuperá-la
Para q ue nós, na Terra, em vozes concordantes,
Possamos responder com justeza àquele ruído melodioso [da música celeste]
Como outrora fizemos, até que o pecado imenso
Vibrou contra os so11s da natureza e com barulho severo
Rompeu a bela música que todas as criaturas faziam
Para seu grande Senhor, cujo amor as punha a dançar
Em perfei to diapasão, enquanto postavam-se
Em total obediência( ...).
(Mil to n, Ata solemn music) 4
17
1() ou Lro extren1o, recorreL1-se às ferram~nt~ da music.:ologia conven
• n.,.l r,ara· a c1ali ar canções, entendendo-as primeiramente
tt) n. t . ,,
corno ohras mu-
sicais etlcapsuladas em partituras. A chamada mús1ca popular' mostrou-se
mai resiscente a essa abordagem, n o mínimo por causa do pressuposto paralelo
de que) diferenten1ente das obras clássicas, ela não con tinha de fato uma "mú-
sica)' merecedora d esse no1ne ou dign a d e uma análise m usicoJógica séria. \fais
recentemente, entretanto, l1ouve um maior esclarecimento dos padrões musi-
cais 11 as canções populru·es e outras performances (por exemplo, Berger, 1999;
Menezes Bastos, 1999; W alser, 1993; Frith, 2004a e 20046), o que em cena
medida duninuiu a cüstância en1. relação a análises musicológicas tradicionais,
agregando uma gama mais ampla d e abordagens e d ebates musicológicos.
A "canção" é freqüentemente vista como a combinação de "música'' e
"poesia'' (ou ''literatura») - ambas em geral tomadas como duas artes distin-
tas e analisadas em termos de compar·ação e contraste (por exemplo, Brown1
1948; Burrows, 1990; Kramer, 1984; Winn> 1981 ). Esses autores observa-
ram os traços aparentemente comuns entre música e poesia - sua qualidade
temporal e seqüencial, seu emprego de ritmo e entonação. Por outro lado)
temos (discutivelmente) a n atureza representacional e cognitiva dos demen-
tos verbais - as palavras são capazes d e descrever e reportar coisas específicas
de uma maneira que a música não pode - como contrapartida à eminente
capacidade da música d e exprimir emoções e "climas". O modelo mais recor-
rente foi o de associar o ccsentido" ao texto, e o "som" e a en1oção à música.
Em seguida, vieram os mui tos comen tários sobre as maneiras como es-
sas duas artes ap aren tem ente distintas d a p alavra e da música podem seco-
nectar. Estes voltavam -se com freqü ên cia p ara os modelos das canções e para
as modificações sofridas pelo texto a fim de encaixar-se nun1 a forma musi-
cal_- O foco incidia em ~eral sobre uma amostra esp ecífica da can~10 aráscici
ocidental, com p ouco interesse, por exem p lo em q uestões sugeridas pelas
~~nguas tonai~ (~ópico abordado de forma tã; elucidativa pelo trabalho de
r~n Q uailg ai). M as diversos p on tos interessan tes foran1 levantados a res-
peito de como texto e músic t balh .
,. . ª ra a1n JUn tos e afetam-se n1u tuamenre em
generos vocais específicos _ e eu vo lta rei· d'
H ouve, em suma muitas ab d · a esse d
tema a iante.
, ·
.~
Uma ab ordagem adicional entreo r agens a relação en tre texto e musica..
tui o ponto de p "d d ' tanto, m erece a ten ção p articul.a r e conso-
. artt a o presente trabalh rr ,. ~
poesia oral não como º· .trata-se de tomar a cançao, e
, texto, mas como performan
ce.
,Í\ Rf LID \DE OA f>P.tll-01Uv1ANCE
De certa maneira, deveria parecer óbvio que para anaJisar a paJavra can-
tada precisamos entendê-la como performatizada, encenada por meio da
,roz - afinal, o canto é em si próprio entendido como um marcador de '<per-
formance». Contudo, existiram também diversas razões pelas quais tomar
a canção como performance não pareceu nada óbvio e motivos pelos quais
calvez ainda tendan1os a resistir a essa idéia. Gostaria de me deter um pouco
...
nessa quescao.
Uma dessas diversas razões é o lugar privilegiado ocupado pela lingua-
gem na longa tradição ocidental do discurso acadêmico. Algo que não pu-
desse ser captado por palavras ou, no mínimo, descrito e analisado em palavras,
parecia não fazer parte do domínio acadêmico - e por essa razão não constiruía
uma criação humana séria. As tecnologias da escrita e da imprensa endos-
sam a substancialidade e a durabilidade das palavras escritas. São os textos
verbais que aparentemen te contêm "a coisa de verdadé'. Não é de surpreen-
der que a palavra escrita ou passível de ser escrita renha com canta freqüên-
cia tido lugar central no estudo das canções - é ela que pode ser isolada para
análise e transmissão.
E daí decorre que quando nos confrontamos com q ualqLler arte na qual
as palavras desempenhem o mínimo papel que seja nós p rontamente nos
voltamos para suas qualidades textuais escritas. É o que se passa com nossas /
análises de grandes produções hum.anas do passado - épicos l1oméricos, tea-
tro grego, canções de trovadores medievais, baladas tradicionais, primeiros
madrigais. Freqüentemente só temos o texto - ou de toda n1aneira pouca
evidência concreta sobre performances detalhadas - e é para o texto que es-
tamos acostumados a dirigir nosso interesse. Temos a tecnologia para lidar
com ele assim como um arsenal de abordagens e vocabulários azeitados para
sua análise. Mesmo para as apresentações orais ou perfo rmances vocais dos /
dias de hoje, é igualme11te o texto ou a letra da canção que rendem a ser tra-
tados. Estes, parece implícito, são aquilo que define a canção e seu modo de
existência. Assim, trate-se de exemplos longínquos ou gêneros do presente,
é ern suas palavras, em seus textos verbais, que sua solidez. e seu potencial de
interpretação parecem residir.
Talvez vocês me permitam ilustrar isso a partir de minha própri__a' experiên-
cia. Quando iniciei meu trabalho de campo antropol6gico na Africa Oci-
dental, minha suposição inicial era de que para acadêmicos sérios o "texto,.,
19
. . .- • Assim
er.1 o pr111c1p.u. , ,ne dizia minha. exp eriência em. estudos clássico.s (
rema de minha graduação): era p or meio de textos escrito~ que as prodoções0
• do passado tinham chegado a nós.
vocais , . Oli m esmo
, . paradigma
O dizia respeit
0
à filoloO"ia, à história, ao folclore, à análise terar1a etc. s textos eram a reali-
dade. .Então, quando comecei a pesquisar formas orais africanas, incluindo
sua performance, pani do princípio de que para estudá-las corretamente eu
deveria transpô-las para a página escrita: era somente n essa forma textual pro-
cessada que elas poderiam se tornar objetos próprios de análise, tradução,
comentário e em última instância, publicação. E isso n ão era apenas uma
questão de conveniência - um rnodo prático de compilá-las para que pu-
dessem ser estudadas da maneira tradicional: era tambén1., eu aos poucos me
dei conta, a pressuposição de que era n essas palavras transcritas que sua ver-
dadeira essência se encontrava. Os traços "perfo rmáticos" eram vistos corno
contingenciais, secundários à existência durável das palavras no texto escri-
to. "Letras de canção", ''literatura" oral - era ao texto que os acadêmicos de-
.
viam prestar atençao. -
As maravilhosas performances de contadores de histórias com que me
deparei ao longo do meu trabalho de campo ajudaram a mudar minha pers-
pectiva. Mas como outros, eu ainda tinha que lutar contra a idéia de que o
texto era de certo modo a realidade central, pois por trás disso novamenre
residia a idéia tão fortemente incutida no Ocidente de que a linguagem é
aquilo que nos torna humanos - pressuposto que por vezes informou a visão
dos colonizadores ocidentais a respeito dos povos indígenas, associando sua
(suposta) falta de linguagem verbal ao seu (suposto) estatuto não exarame11 -
te humano (Cláudia Neiva de Matos [2004:23 J] ilustra essa questão bastan·
... te bem no _contexto brasileiro). Ademais, é a linguagem, sobretudo em sua
forma escnca, que é concebida como veículo de modernidade racionalida·
de e co".'o valor d~ intelecto. Nessa ideologia, ainda t ão evid;ntencemente
predominante, a linguagem escrita (especialmente na forma alfabética) re·
presenta o grau máximo de humanid d -
.
Nessa h1erarq a e.
uia de val e -
d
as como o modo apr · ores, d O d as rormulações escritas foram sempre torna _.e·_
canas can ... d o~ria e representar a realidade das louvações airi
, çoes e amor 1nd' · · · a
cris,.::; 0 que conta sao
04
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_ as tanas,
aI Jogos infantis, canções populares, a rn 1ss
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por serem menos al á . p avras, e outros elementos são deixados de la 0
uma biblio•Leca, encontra
P p veis. Quando
listas . você
. ✓ procura ''canr5on
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no catálogo de
internunaveis de textos predominantemente
,·t·1bai. . [ neles que se crê podei· e11co11trar a ver,ladeira realidade - e.: não
cçrtarr1e11ce na efêrnera e incapturávef performance.
Isso deve soar estranho, já que nas canções a presença da música é in-
di ~cutí,rel. Mas a prese11ça da música assegura sua existência como perfor-
mance? Mesmo isso tem sido interpretado no contexto da tendência, recor-
rente no pensamento ocidental, de ver a dimensão intelectual do humano
con10 pertencendo à linguagem, em contraste com os elementos não-ver-
bais, supostame11te mais emocion ais. Em sua qualidade experiencial perfor-
matizada, a m úsica tem sido relegada ao lado menos valorizado da i~siscente
oposição binária entre as formas mais elevadas e as mais corporais da nanire-
za huma11a - un1a op osição q ue, além disso, se estende às vezes àquela entre o
Ocidente (racional) e os outros (em ocionais) . Nessa visão, a performance mu-
sical represen ta o aspecto sensório, í11conrrolável e até perigoso da natureza
humana (especialmente, é claro, quando m anifestado na música popular ou
não-ocidental), enquanto a linguagem é tomada con10 sítio do alto inteleao
- assim, é nesta última que os estudiosos têm preferido investir sua atenção.
Alguma música, no entanto, escapou dessas associações: os gên eros eru-
ditos m ediados pela n o tação musical. Sua formulação escrita e, em certo
sentido, permanente, conferiu-lhes a possibilidade de reconhecimento e o
potencial para análise musicológica acadêm ica. A existên cia prévia e defi-
nitiva de "obras" musicais, vocais ou instrumentais, podia assim ser atestada
não por meio de performances efêm eras, mas de partituras: a notação letrada
em direção à qual, por vezes se entendeu, a n1t'1sica tinha gradual e correta-
mente evoluído como parte do processo de m odernização do O cidente.
Não é segredo que houve forte reação contra todo esse conjunto de
pressupostos. Um interesse 11a "pe,formance" subjaz ago ra a muitas aborda-
gens correntes da can ção e se faz refletir em muitos textos deste volume.
Essa importante mudança de foco teve diferentes origens. Uma delas foi
o movimento ttansdisciplinar ao longo da últi111a geração em direção a um
i11 teresse na idéia de processo, de diálogo e de ação em detri111ertto da defini-
ção de objetos de estudo enqua11to produtos, estrutt1ras ot1 obras definitivas.
Mais do que sobre "arte", fitlamos agora sobre artistas e sobre como eles fazem
as coisas, os recursos' e litnitações com os quais lidam ou os contextos e uni-
versos nos quais operam. Mais do que olhar apenas para "obras" literárias ot1
musicais fixadas, exploramos como elas são na prática recebidas e experien-
ciadas, de formas variadas, talvez fragmentadas ou ''imperfeitas". Na m esma
21
1• , d,,..' ' que obre '<11 ca11ção''> pergt1ntamo-110s
·,
llllll'lcl.. íl13JS _
sobre
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corno~ pe,~SOas
~ ,.. r , coinpõen1 e esct1ram, e sob1·e suasdaçoes
"a11,~1 1 , . . e emoçoes
.. . ao fél7.é-lo.
Ao lado di so colocara1n-se desafios ec1s~vos a estreiteza dos clnont\
e rabelecidos pela arte erudita, literária ot1 musical. A arte de povos coloni ~_
7
dos e rnarginalizados no passado, gê11e1·0s híbridos transnacionais e a chamada
'<cultura popular" tornaram-se correta e inescapavelmente parte do cenário. As
formas tradicionais de análise parecem cada vez mais inadequadas.
ossa apreciação ainda em desenvolvimento d os gêneros literários africa-
nos, por exemplo, significou o questionamento de definições antigas segun-
do as quais a literatura residia apenas no texto escrito. Na poesia de louvação
:xhosa, música de grupos urba11os ioruba, cai1ções de migrantes sul-africanos,
poesia dub jamaicana ou nos poemas «miniatura" da Somália, a arte encon-
tra-se não exatamente - ou com certeza não exclusivamente - na frágil re-
produção u.nilinear numa página escrita, mas nas modulações e artes da(s)
voz(es) em performance. De fato, alguns propõem a "voz" como símbolo e
realização-chave da arte da grande diáspora africma (como em History ofthe
voice, de Edward Brathwaite, 1984, e também Peek e Yankah, 2004:xii).
E isso não se aplica somente a formas africanas. A performance e as ar~
tes da voz desempenham papel central em gêneros verbais por todo o mun-
do - e em alguns escritos e não-escritos também. Mesmo em relação a can-
ções e poemas do passado, dos qt1ais não parece restar nada além de rexros
• I
escritos, nos agora nos damos conta de que podemos e devemos tentar ex-
plorar questões sobre a sua performance - às vezes (como mostram diferen-
ces text~s deste volume) com mais sucesso do que esperávamos de início. O
mesmo_ interesse pela performance pode ser encontrado no revigorado can1-
po da l1cerat~ra comparada (por exemplo, Gerstle, Jones e Thomas, 2005;
-i Valdés e Kadu, 2004)_ e na antiga, porém agora inais integrada, tradiçâo do
Cfe111amenro e dos estilos da voz do cantor e sua interação com variadas ins-
trumentações e tecnolo_gias (cf. Potter, 1998, 2 000; Sell, ). Son os Jeni-
2005 1
btados de que o cerne 1rredutlvel corresponde não ao que pode ser inscrito
no papel mas na arte concreta da voz em c
Na mesma l111ha . tanto a t 11 111 . perrorn1éU1ce. "o
Popular têm d afi d' e_ º ttSLcologia qL1anto o esrudo da can~a
cs a o a conccituaç- 1
·1 l · ' ca
enquanto "obra'> . . . ao n t s co óg1ca tradicional de musi
1
ou partitura escr1r ( ·b • B r--
ger, 1999; Cavicchi 1998 . CI ª contri w ções recentes incluem e
dhalg e Negus 200,2 J h, ayton et al., 2 003; Feld et al 2004· Hesmon--
' ; o ns 200 .' '
on, O e a coletânea ern Frith, 20046; para
n,lt' f.uar 110 extenso traball10 sol>re a canção poJ)ular brasilcirc1.). A análise df'
p1'1fticas n1usicais nos leva para além dos texros e amplia o significado de mú-
ica: reconhecendo que há tnuitas mrí.sif'tts e não somente uma Forma erudi-
ta. De 1nodo que existe agora um interesse maior na investigação etnográfica •
de como música e letra são concretai11ente atualizadas na performance, sem
exclusão das canções comerciais contemporâneas que estão em roda parte.
Isso por sua vez expandiu nossa compreensão do significado-chave da p er-
formance para a música, esteja ela ou não inscrita nas partituras.
E há também as tecnologias de comunicação, em transformação perma-
nente. O modelo da escrita como realidade central não desapareceu, mas foi
suplementado por cana.is ma.is mult imodais. O rádio, com seu notável po-
tencial para capturar e transmitir a voz em perfo rmance, já moldou a per-
cepção de gerações, conferindo solidez aos sons da música vocal com ou sem
acompanhamen to musical. M últiplos d ispositivos de gravação e reprodução
tornaram a performance d e canções acessível a milhóes d e pessoas no mundo
rodo> indep endentem ente da intervenção de textos escritos, e isso foi poste-
riorm ente ampliad o pelas opções d e vídeo e d a Internet. Essas tecnologias
direcionaram nossa atenção para novas facetas, ajudando- nos a perceber e
analisar como as canções são perfarmatizadas - como é sua existência con-
creta e completa.
O resultad o é que observar a su bstância d a "perfarmance"tornou-se uma
abordagem cada vei mais reconhecida para análise das criações humanas, es-
pecialm ente (em b ora talvez n ão exclusivamente) d aquelas artes que, assin1
como a musical e a verbal, são realizad as de forma temporal e seqüencial.
Isso sign ifica que "o paradig1n a d a 'p erfo rmance é rudo,,, 5 - tal q ual de-
nominou o in telectual fi nlandês Lauri Honko (2000: 13) - tornou-se um
quadro d e referên cia bem aceito para análise das ar tes d e enunciação vo -
caJ. O foco recai so bre a substât1cia e11carnada e temporal da performan-
ce: seu processo, dinâmica, experiê11cia, presença multimod al. "A literatu ra
oral só existe no aqui e agora» é um m odo d e expressar essa idéia (Fur11iss,
2004:47), o u "N ão há arte verbal fora da performance" (Cancel, 2004:315).
Aqui, a fo rma pri111eira, original, é a performance: ela é o que vem primeiro.
No INTERIOlt DA PEllFORMANCE
23
m ti, ·tca, do cexro , do canto e talvez também do envolvin1en co sc,mático, da
dança. da cor, de objetos materiais reu1lidos por agent~s co-criadores ern
uni everlto iniediato. Como alguns textos deste volume 1lusrram, uma. can-
ão que en1 termos de sua leu·a e n1elodia escritas poderia parecer a ''rnes-
ç , . d· r
ma", pode ser realizada de diferentes ~1ane1ras e~ lrerentes rerformances
-corno nas diversas gravações e paród1as da morunha popular Perdão Emí-
lia!'' (no teÃ'1:0 de Marcha Ulhôa). A perfo rmance cantada é evanescenreJ ex-
perie11cial, concreta, emergindo na criação momentâ.I1ea dos participantes.
Como bem formulou Peggy Phelan, "a única vida da performance é no pre-
sente" (Phelan, 1993: 146).
Aqui, a voz é mais que mero conduto r de textualidades preexistentes,
sejam verbais o u musicais. De um modo freqüentemente negligenciado em
relatos acadêmicos, mas ressaltado em alguns textos aqui, a voz é, ela mes-
ma, em sua presença melódica, rítmica e modulada, parte da substância. Pois
-a "letra,, de uma canção em cerco sentido não existe a menos e até que seja
pronunciada, cantada., trazida à tona com os devidos ritmos, entonações,
f timbres, pausas; tampo uco a canção tem "música,, até que soe na voz. Aqui,
canção e poesia oral significam a ativação corporificada da voz humana - fa-
la, canto, entoação, em solo, em coro, h armonizada, a cappella, amplificada1
distorcida., mutuamente afetada por diferen tes form as de instrumentação,
ao vivo, gravada-, todo um arsenal de variad as apresentações para o ouvido
humano. Ao considerar a palavra cantada, precisamos estar acentos para a
atuação vocal do intérprete, sejam os sussurros ao microfone de alguns can-
tores modernos, as distorções elabo radas de forma tão eficaz em alguns es-
tilos, os sons "puros" dos coros das catedrais inglesas, técnicas de gravação e
edição em estúd io descritas por Felipe A breu em seu texto sobre o trabalho
do preparador vocal - e mui to, muito mais.
Analisar uma canção enquanto performance evita perguntas sobre.º
q ue ve~, o~ o que deveria vir, primeiro, p ois nessa perspectiva a erisrência
da cançao nao se encontra no texto escrito~ na o bra musical o u na partitura,
nem ern alguma origem primeva na história da h umanidade o u na narureza
humana. Ela se realiza nas especificidades da sua m aterialização em perfor-
man~e. Nesse momento encantado da performance todos os elementos se
agl~ttnam numa experiência ú11ica e talvez inefável, 'transcendendo a sepa-
raçao de seus componentes individuais E nesse úsica
e tudo O m · - J _ e . · momen to, o rexco, aro
ais sao toaos raceras simulran . de
um ato pe..r: · d ~ eamente anteriores e superposcas
:rrormattUl o que nao pode ser d ivjdido.
24
fu;
"'~n.tr~}es e Pai:1º ~e 1 do, então, é irrelevante perguntar se "rexto"
25
,. foi e crita por Noel Rosa especificamente
3 lt:l 1'3 .
para se ajustar a urna eOil)_
ll~ ição original para piano de Vadico (cf. Menezes Basros, 1999). A mesma
melodia também pode ser a ~ase para le~ as tot~1:1ence ~iferentes ou para
letras traduzidas em línguas d1.ferentes (hinos rel1g10s0s sao um bom exem-
plo disso) . Ern algu11s contextos - por exemplo, entre grupos musicais urba-
nos em Fiji, na década de 1970 - criar uma "nova canção" significa compor
uma nova letra para uma melodia existente, caso sem elhante ao que descreve
José Geraldo Vinci de Mo raes em seu cexto neste volume a respeito das can-
ções urbanas paulistas dos anos 20 e 30.
A partir de tais exemplos de criação em separado de letra e música,
houve an1pla discussão das relações entre a "música», de um lado, e a ''poe-
sia" (ou «literatura», ou "texto,,) , de o utro (por exemplo, lvey, 1970; King,
2001; Kramer, 1984; para períodos anteriores, Harrán, 1986; a perspectiva
histórica sensível em Treitler, 2003, e, para uma excelente discussão de um
exemplo moderno, Menezes Bastos, 1999). Essa discussão parece particular-
mente prolífica para a arte da canção ocidental, em que esses dois elementos
foram freqüentemente identificados como distintos, e vislumbra a interação
entre as correntes ostensivamen te contrárias de m úsica e poesia corno uma
questão de assimilação, antagonism o, n egociação, recriação. Diversos fato-
res entram em jogo nessas correlações. M etro, ritmo, melodia, fraseado, re-
petição, acento, congruência ou não entre notas e sílabas, ordenações silábi-
cas (uma nota por sílaba) ou melisn1át icas (muitas noras por sílaba), canto a
, . .
varias vozes ou canto solo, estruturas estróficas, adição (ou n ão) de sons ins-
trumentais, contraponto, harmonia> - tudo isso e m uito mais foi posto sob
o microscópio, como também o foram a ênfase e en1oções por vezes associa-
das às versões musicadas por oposição às faladas.
Tudo isso certamente nos ajt1da a exa1ninar as con1plicações envolvidas
na junção de letra e música, tema abordado em diversos textos neste livro.
Mas. temos também de conrrabalanç.a r essa discussão lem brando-nos de que ,.
quaisque~ que sejam as origens da composição, a substância de uma cança~
- sua real ização - também deriva do m odo como esses elementos são aruali-
1..ados e expcrie11eia
· d os 11a prá rica,
· no tempo real da performance.
~á uina outra questão relativa à justaposição de texto e m úsica. Em cer-
tas c1rcunstâncias
. _
l f: ·d · d ,,.,_
' e a az sentt o e se aplica bem a alguns processos e COJ••
pos1çao de .canções
- a1
e em guns contextos culturais. Em séculos recentes
da
fil oso6a ocidental u . :1:d -
' m pressuposto corrente tem sido o da distingu1bw a
26
de e r1tre li11guagem e n1úsica. Sua realidade independente também foi asse-
g1.1rada pela prática de reconhecer-se duas formas distintas de codificação: a
escrita alfabética e a notação musical. Mas no co ntexto da performance, es-
sa oposição permanece evidente? Estamos corretos em tomar essa distinção
como algo universal?
Discutiu-se por algum tempo se o par linguagem versus música (ou al-
ternativamente fala versus canção) não seria m ais bem representado como,
na melhor das hipóteses, um continuum em vez de uma dicotomia (sobretu-
do List, 1963; e discussões m ais recentes como Banci e G iannatasio, 2004;
Herndon , 1989; Feld e Fox, 1994:30-32, 35ff) . As classificações de diferen-
tes culturas variam, afinal de contas, e são dife rentem ente concebidas. Nem
rodas possuem um conceito diferenciado de (<música», e os gên eros de ex-
pressão vocal podem ser divididos e definidos de diferences maneiras: o ca n-
to corânico pode soar como uma fo rma de <'músicà' para os não-iniciados,
por exem plo, m as n ão seria assim classificado pelos fiéis, enquanto as classifi-
cações v ietnamitas de palavras "faladas" por oposição às «cantadas'', descritas
por Tran Quang Hai, poderiam parecer surpreendentes para ouvidos ociden -
tais desinfo rmados. Tais distinções não têm estatuto universal e dep endem
de traços culturalmen te m arcados, relacionados, entre outras coisas, a ento-
nação, m elodia, ritmo, estilos de emissão, sistemas de valores e arcabouços
conceituais disci11tos. Como as organizadoras do Enco ntro afumaram, há um
largo espectro de m anifestações da palavra cantada englobando a entoação, o
recitativo, a cantilena, o canto melódico, versões instrumentais, en tre o utros.
Q ualquer distinção clara baseada numa oposição global entre linguagem e
m úsica corre o risco de se tornar tanto etnocêntrica quanto impraticável.
Mesmo na experiência ocidental, a mousiké grega clássica tinha um sen-
tido diferente do sen tido m oderno de "música", pois incluía o que nós ago-
ra diferenciamos como m úsica, poesia e dança. A musica med ieval também
referia-se à perforn1ance falad a ou cantada. A ênfase era na música cantada
com palavras (cantus), e como afirmou John Stevens: "A música vocal en -
contra-se canto na canção (poesia cantada) quanto na fala" (1986:378). O que
nós agora entendemos como pontuação eram antes marcações para a apresen-
tação do orador ou do cantor (fraseado e pausas, por exemplo), e é com base
nessas marcações que se acredita que os ne11mas ou indicações m usicais se de-
senvolveram: não um sistema de notação para capturar uma entidade autô-
noma chamada "música", mas dicas para auxiliar a emissão m elódica dos can-
27
' •A) 1; Ofll<J Trcitlcr comcr1ca, '(cliclo ír1<ljc , qttc {os rn(1 .
"lrt' (l rea,Jcr. 19 ' j •
1 1
d . .t • srç05
t d. .r~ :- partiriai,1 prova\ e mente o pr1nc1 p1c) de quer.-....
IJ l n-á< OlN lC\ 'aJ ~ nao . . . ~tr, e
' : ex ressivos separados q ue se pod ia escolher Jttntar <>u nã "
1 .. ... ".J erar11 n1t:IO P . . ,. u o
, ,,. ~,... 43 6ff). Nossa dicotc>rma contempora nea enrre t~..-<to"
( Tre1cler. - 00.). 'i e · e
_ . .. _ e a uma orden1 natu ral permanente.
"n1us1at nao perte11c ,, « , . >> ,.. •
n1 to d o ca O , llem ulino-uagem
b n e1n m LJSJCa sao conceitos unívo.
E
co ou 01sas · dadas , livres de ambigüidades. Cad a uma engloba uma pieto""'"
de propriedades distintas e superpostas as quais não podem ser igualmen-
te de e,,vol,·idas _ ou mesmo estar pr esentes - em n enh um exemplo dado.
Qualquer oposição suposta enu e elas será inevitavelmente tendenciosa, ou
seleti\'a na melhor das hipóteses, referindo-se a ap e nas alguns dos elemen-
tos possivelmente envolvidos. A justap osição corrente e con ven cion al de lin-
guagem e música evoca com freqüên cia uma oposição bastante artificial en-
tre as artes performáticas d a música, d e um lad o , e a supostamente "neuua:-
linguagem do dia-a-dia, de ouuo . M as os lingüistas estão agora enfatizando
as dimensões performáticas (em vez d e puramente referenciais) de toda ex-
pressão vocal, e a poética criativa e acústica com a qual falamos. O concras-
re música/lingu agem não parece m ais tão conv incente, e ce1·tamente não é
neutro. Seria conven iente, em todo caso , q ue questio n ássem os o m odelo da
"fala cotidiana" e/ou p rosa escrita «n eutra" como ''natw·ais" ou "não-marca~
das" ~obre~ quais se constrói ou às quais se acrescenta uma expressão mais
sofist1cada (incluindo a expressão m usical) . Seria mais correto d izer que to-
das as culturas reconhecem uma variedad e d e "gên eros or ais" (na fan1osa ex·
pre~,s~o de Bakhtin, 1986) - q ue eu preferiria ch amar d e ''2ên eros vocaliza-
dos .para dar conta de todo o espectro aqui -, cada qual : om su a própria
poética, que pode incluir 11 t · ·
. , e re o u tras coisas q u alidades sonoras rfrn1tCl ._
Pros6dI.eas, ·t1m ' b· ' '
ricas e outros traços p e1·formáticos.
Assim, n1esmo nos gên . al .. .
d • eros que eiu guns cír culos in gleses trad1c1011ats
po er1am ser rotulad os d « • ,, .
Jjr.an1 d, ' , e poesia em vez. d e ''canção'') os age11ces e 11tt·
as artes acust1cas e en toativ d d . alé 1
d<,s lingi1ísticc>~ d '" _ . as ª voz, e recu rsos 11ão-,1erbais • n
, e emoçao assim co m O d . ... por
exemplo, gravações de ..r S F l. l e cog.n1çao. Quando escu to,
falando seu "Faç d.,, . ·. , io t <. ccla.111at1do se1.1s poem as o u Edith SirWel1
. a e Otl, atncl~l, t1111 a b . l . Shak s,
peare, o significado (ser,se) , · • O,'l Cl t t1t'a d e um so n eto de e
Pad ... tem a1gt1n1 se t· l ( os
. roes sonoros tambérn . n l ( o meaning) p ara mim, rnas
nvera • me parecem cruc· · .,... h " J'á
m experiências parecid O tais. i en o certeza d e que voces
todos os etê 0 neros
d as. som e a ar . . . J11
e arte verbal e . t esania d a voz são essenciais e
p errormattz d ( . ,
2$ ª ª e isso n ão é p arte do que e!l
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udo i p r meio d v z.
n ar a .e izar ud i · 1 · co ba e ní da _i
, •
{f m 1ca · o , i n ar -1 u1 iplld a e e iedade. eria mai , ·1
m . i ve, i lingu gem ma: nos odo . . 0mple eg -
•
d 0 1 _1 pr . ntam ua ar arria vot<:a.l, to · · - do '
ia' 'canção nqu· o erm gu da-chu a par o e p ct1-: d man i-
ra de rib ·r rnpn dad s n r qualqu 0c - m icá-1
poderí , · os dizer di r a _ r l i as maneira p rco re n1a én
de dim n õe ari .da u rpo tas eomo -ntonaçã 1"Ítmo timbre ono-
,. !I! ili • ~ • •
31
_ rd. 1 . _ . ltl ic·J caJ\tada, ir1srru 111entaJ e parcialmcnce coral
fu -, pt1 n1, ia L, .1 ,l n • . 1· d d .-;i
Lt • d , ·
di11, 1111 • e. rlLJ r ,1a a. r1 cr111 ca e circularn1en te espac1a 11..a a a dança, e tal ..
~1:7.
. d· fesrimerltas. Todos sabemos em rodo. CL'io que rnuitas
'{ln111011r , ,sua1 a. '
_ ão familiares con têm p alavras sem sentido em rermos e.s..
.ln _cie q11e nos s ~ ccb d , " (( •. .
CC " n "A • "-
.
cr1can1ente rel'erenciais·
r• ~•
todos os rralálás
•
' a- • a- uas , 1e-1e-1es
.
, ou
,.
versos
. do en1
cerm1na . "ohn «ah", "e-ié" e assim p or diante. Em muitos
. generos, 1t
, · sonora da
a eficac,a · performan ce aliada às b0 randes expectativas criadas pdo
conhecimento dos ouvintes das convenções relevantes e do repertório que
moldam a experiência, mais do que o conteúdo verbal cognitivo.
Existe ainda um outro sentido em que o "texto" pode ou não vir ((pri-
meiro'' -o lugar da própria linha vocal dentro d o todo . Isso é em parte uma
questáo prática da estrutura m usical global: as p alavras sendo mais proemi-
nentes na música monofônica que na polifônica, por exemplo. Também1
mantidas as demais condições, o texto geralm ente se torna mais claro numa
linha vocal cantada por uma ún ica voz que por várias, esp ecialm ente quando
as \'Oies se sobrepõem, cantando as m esm as palavras em tem pos diferentes
ou umas sobre as outras e assim por diante. É sem pre ma.is difícil identificar
letras cantadas por grupos corais que por vozes individuais. Muitos elemen-
tos podem ajudar) como repetições, refrões, alternância entre canto coral e
solos, conhecimento prévio ou, em algumas tradições, notas de programa:
ttido faz parte do contexto para a relativa projeção ou submersão do elemento
verbal na performance E fi aLn ( ) linh
· , n ente, a s a(s) vocal(is) p ode(n1) ser ape-
nas parte de, ou mesmo subse . ( ) 1· h . . ,
. . rvtente s a, m as instrumentais em meio~
quais o texto vocalizado ode ter . '
Em meio • P um papel relauvame11 te m enor.
a tantas com le .d d ,
«textc,n (tnesn 10 qua d p xi ª es, e de fato difícil defin ir o p apel do
n o temos clareza d 0 « ")
Mas mais qt1e cotlclu.- 0-- . que querem os dizer por teixro •
,., es gen eral1zant · -
cc,mo urna qt,estão ab . es, precisamos en carar essa quesrao
. 1 er ta que tl ecessi ta d . . . 1
rcs. r. n algu1nas 11erfo : e investtgação p ara casos part1ct1a,
l..t. • rmances orais - .
eti·ass1 ca da Sclmália, pC>t. exemplo o texto ten1 lugar de ho111·a - t\tl p<)es1,1
0
r >•e<>~ela lt1gc,slávi~1 OL1 (los d, u nas narrativas ép icas dos cantores }1e,
do lcgcn f..t • S . · ~onta ores do e . .
. e.tfl<> . t1 11JaLa, ft11lcl cl . . oeste ar r1ca n o., t'\~lrrando os fe1ros
d,to, p,,, t!X. 1 ª º' do 11n11é,·i . .
rc . . c1111> <>, ela l><><:sia tlc 1 - ~ lll:l 1ttlês. O t11es1no p oderia ser
c1tat1vo na ÓJ) ot,v:tçao tc>rt1l . l . d
rão d era <>ti c, <>1·ft1ó ri
1 1 l . . ) ,t, e O canro gregoriano, 0
, os sermões . 1. <-), e ()S i111 tos d l
nhar u- e e isct11•s<>s c11to·:1uo , A . . ec amados~do canto do A]co-
··• Papcl-cha 11 < s. qL11 o t
ve: cssc se11 rici() 1 , exto parece de fato desernpe-
, e e v e 111 mesrno . .
32 prim eiro.
las l1,1 ot1tros casos. Nél música mbira d<>S Shona, na África
c~lt1\l)é111
' t\tr~ll, o..: textos poéticos das ca11çóes aco1npanl1arr1 o instrumento, e não
o ir,,, · o (de acordo con1 Berliner, 1976), do mesmo modo como para as
anroras do Zimbábue do final do século XX, não era «o registro escrito das
cançóes que importava mais, mas o som vindo através das ondas de rádio,
na fita cassete ou ao vivo, e permanecendo na memória e na consciência das
pessoas» (Gunner, 1994:2). David Coplan comenta a respeito das canções
dos migrantes basotho, d a África do Sul:
Para um observador ocidental como eu, a declamação melódica de literalmente cen-
tenas de versos nu1na performance sefeLa [canção de migrantes Basotho] fazia as can-
ções parecerem poderosamente centradas no texto. Contudo, em discussões e encre-
viscas1 os intérpretes me aconselhavam repetidamente que eu focalizasse o ritmo e a
01elodia como chaves para a compreensão da criatividade composicional. Como o
ca11tor-poeca Makeka Likhojane - em Sesorl10 um dos likhelele, "os eloqüentes" - ex-
plicou firmemente ao esquivar-se da exegese de uma passage1n metafórica opaca: "Se
você quiser entender minha canção, senhor, escure si m plesme11ce a música".
(Coplan, 1994:9)
33
e r
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o e i uaçõe idealiz '
l)rt'l lS:tt1l(>S t:i r11 bé111 1er ~•n n1en tl'. q uc ti J1t.:rt<)rmance ele canções pode
r,ãc:, st~r ªF1e1las un1 e,,e11to ac1)stico 111as, como muito da c.omunicaçao huma-
n~1 tct: Fi11negai1) 2002), pode lançar mão simultaneamente de un1a série de
recursos multin1odais. A performance ativa, tanto aquela ao vivo quanto até
cerro ponto a gravada, não se dirige apenas à audição, o que foí bastante bem
exemplificado na apresentação de Ltm rico material visual e ff)mico durante o
Encontro (a coreografia do aboio e do tango, por exemplo). O visual, o somá-
tico, o gestual, o teatral, o material - tudo pode fazer parte. Assim como o po-
de também o movune11to, enfatizado ou não pela dança ou pela interação de
muitos corpos e presenças. Não é somente o texto - ou somente a música e o
texto - , mas a atuação multissensorial. O papel das «palavras" só pode ser ava-
liado nessa perspectiva mais ampla, multidimensional - por vezes com mais
destaque mas em outras assumindo talvez um lugar mais secundário em rela-
ção aos outros componentes da performance. Cada caso deve ser considerado
em seu mérito e não com base em suposições prévias.
Tudo isso não visa dimin uir a relevância - a maravilha - das tttUla-
lidades verbais. Trata-se, sim, de reconhecer sua diversidade poli.funcional
e multifo rme e a importância dos contextos em q ue se dá a performance.
Pois, se é para levarmos as palavras cantadas a sério, precisamos fazer mais
que apenas dar sua p resença por certa. Precisamos também reconhecer seus
estilos diversos, as aparências variáveis q ue assumem e os diferentes papéis
que podem ter na perfortnance, às vezes de maior destaque, às vezes de cará-
ter m ais evasivo o u emudecido, mas sempre complexo e - assim como com
qualquer forma de poética vocal - empregado no contexto de expectativas
específicas de gên er o que podem ou não atribuir pr ioridade p arricular ao seu
sentido referencial ou sua coerên cia.
35
rc11 ,ra (i.1 f1er {~o rr11a11et:..) É rnzoá,,cl afir111ar. que eJn lÍl tim;1 ~náli~e é som-.
. ,. . •·~,,re
rc ,. t)ala,,ra ca 11 t:ada adquire sua ex1stenc1a e sua reali 7.a("
11,1 pcrro1n1an e que a r . . , . j • .,...o
5
. com perspectivas
Cl·ona.is·, setJ rernpo e espaço particulares; seus participantes
pr6prias; seus arranjos, sua música, seu canto _e seu m ovimento - todos ele-
mentos qt1e integram um dado evento num intervalo temporal passageiro.
Mas ao mesn10 tempo ela não é totalmen te autônoma nem surge do nada.
Cirando novamente Lauri Honko:
Qualquer performance envolve concessões, sendo uma adaptação inteligente da c.ra-
clição para situações singulares estruturadas p o r uma confluên cia de diversos furores.
Só pode ser compreendida a partir de um largo esp ectro de performances de mesmo
valor em contextos semelhantes e diferentes. (H onko , 2000 : 13)
37
. . . eiite envol,,idos. As opções específicas vririam co
ti< diz n. ,,--.i:110 ,1os ag ~ . J ,. . d fll o
q , f e aruaf nas recnolog1as e etron acas e gravac~o .
,cn11')0 e laro - a en as " • e urn
• 1 de muito da canção contemporanea, por exemplo. lvfa~ a ex
era~,, f)arr1ct1,ar ,. . . ,. . 'J · 1 . · ··
. . . b, · , d reencarnaçoes e 1nteraçoes em mu ttp os meios - tudo ir
pe.nenc1a as1ca e . d" . 11.l·
0
t objeto de interesse não só de pesquisadores aca errucos mas parte rnais
aue u uai da cultura humarta. . ,.,
· Isso é algo que precisamos levar em cons1deraçao mesmo quando no~
loco principal é a performance: 11ão ajuda em nada tentarmos romanti1.<:
um contexto "autêntico" ou «original" como sendo a performance <·verda-
deira". entendendo outras recontextualizações corno "secundárias" ou ((ani-
ficiais» . Para qualquer evento em particular, alguns ou todos os ouvintes po-
dem já ter experimentado a canção - ou algo semelhante a ela - na forma,
por exen1plo, de um texto escrito, de uma gravação em áudio, de uma per-
formance ao vivo, de um programa de televisão, de um filme, de uma men-
sagem na Internet... ou outras formas ainda. As letras das canções de Bruce
Springsteen são atuadas como eventos musicais ao vivo, mas podem serre-
experienciadas fora da situação de perfo rmance e incorporadas ao tecido da
vida dos fãs -discutidas com outros fãs, memorizadas de encartes, recitadas,
citadas e1n e~mails ou cartas (Cavicchi, 1998:1 lüff). A música. de Luiz Ta-
rir existe na performance, nas gravações - assim como nas letras circuladas
na ~ed~. Para alguns gêneros performatizados pode haver apenas um núme-
ro limitado de tais intercâmbios. Para outros, há extensas tradições de e.xe-
gese ~ de conhecimento de formas de mediatização diversas, as quais forr1e-
cem interpretações que 0 ' 61. · · · ·
pu ico tanto vai trazer cons10-o para ass1st1r a un 1a
nova performance quan ·1 1 • . 0 d
. . to va evar consigo e aplicar na compreensão e ou-
tras n1ed1ar1zações.
Isso signjfica que perf • . d ~
.d . otmances e p~tlavra ca11tada podem ser atravt~\
sa as por experiências é · e l
in ad0 ~'O . i pr vias co1n rorn1as escritas (e não somente r1c.> e l~t·
c1c ente letrado'' 1 ··
cullu ra"i outi·or d con o também na África, na Ásia e 11essas ('ot1rt-:i
a exagera ame d fi ·d l i,
elas C<>Jl1o c1n t o11 . . tl te e n1 as como "orais" e agor;1 recot1 iec
st • 111ntiradas l) .l ,\.co estre1to co m ª esci.ita · ) d 111
. Ü tttras perforn1.,1nces po e
, o r SLJ as a~1rese11t·\ .. , d :no
lkri, 1><,, versões cscriL·, · I· "çoes em v( eo o t1 eletrô11icas. Ao n1esr
U ,\S l)<)c e 111 cst · • 1111 · es
•nc1 Vc'/, L<:Ji t lc> ,,v • ,. • tl l l)rcg11atl3s ele ecos de perfor111aJ1C ·
. l '"'"1,ct 1111e11r t _ .
cu .ar - c 111 át1clio ' v(ClC:Cl 'l O -'~ <) !1 ve rs;\c) c~111 c..l.d~\ de u n1a canção '
em paJC1'
g ll~1111c>s ler Sl1a lctrn se;11~ •. v1':'c>, 110 11.osso p róprio canto -, será que conse,
a cn1 elas I' l . ll)lag11)ar SLta · . -- alC10
, 111 , as 11n1)rcssas) N . : ve1sao cantada, sem ouvir e ver º
• <> 111 íc10 deste t balh d e,
38 ra o citei um trecho o Pº
ma dl: Nfilton, "Par abençoado de Sereias... Voz e Verso,, . Mas também cantei
essas mesmas palavras na versão para coro do compositor inglês Hubert Parry,
e agora me é impossível ler essas palavras, em voz alta ou em sjléncío, sem os
ritmos e melodias e harmonias e dinâmicas da sua performance cantada soa-
rem com força nos meus ouvidos e no m eu corpo. Menezes Bastos menciona
algo semelhante ao dizer que João Cabral de Melo Neto não podia mais ver
seu "Morte e vida severiná' como um poema depois de ele ter sido musicado
(1999:82). A palavra cantada tem essas camadas variáveis de complexidade:
realizadas e1n performance cenamente, mas com freqüência ressoando inesca-
pavelmence com evocações multimidiácicas para além do evento singular.
D esta forma, se a perfo rmance encontra-se em certo sentido no coração
da palavra cantada, nós também precisamos explorar até que ponto a palavra
cantada também se situa numa vida de múltiplas e mescladas modalidades.
Talvez n enhuma delas venha auto111acicamen te prim eiro, pois nós nos mo-
vemos através de suas misturas e de certo modo carregamos rodas - em al-
gum grau - conosco. O momento mágico da performance, de certa maneira
o mais crucial de tudo, não vem sem pre primeiro nem pode ser isolado.
CONCLUSÃO '
39
acuali1.ada pela vo'l.. Aqt1i, as dirnens-
Calll ,,da
. · · d d •tp~1av1a
I ~ Oes
p, rl ,1 n,.iti 'ª ª · . ais _ encon tran-1-se, moldadas na ação de u
. 1e ,·erbal - e muito m
01 tl. ll .1
ma
. ÍIO rn1a.11ce específica. ' . . d .
P' r ,., permai1 ecer cet1cos a respeito as perspec.tivas r0-
E se temos razao e1n ,... " al"
. . . mas que propõem a cançao como natur ou ccpri-
n1anr1zadas n1a1s excre a1· ,. . d
,,
meva com sua aga
b gem ernocêntrica e patern 1sta, r1ao po emos deixar
'. h, algo de encantamento - en-cantamento - nas palavras
de aceitar que a . .. . ,
quan d o cantadas. O esp ectro de poss1bil1dades é rico
.
e complexo
.
e esta
. ..
mui-
to bem ilustrado pelos artigos des~e volume. Por ~e10 de t~s pos~bil1dades1
a ,,oz que canta continua a aglutinar ess~s. maravilhosas dimen~oes da cul-
tura humana_ verbal, musical, performat1ca - no momento rrulagroso em
que palavras são cantadas.
NOTAS
Rl!PllR~,NCIAS BlBLlOGRÁ
PICAS
BAKH'fIN, M. M
51
Vern W. McG · '/ eech genres anel othe f. ,. de
BANTI . ee. At1stin: Universi
'G.; GIANNATASI
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