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COMIDA
SEXO
MAGIA
E OUTROS ASSUNTOS ANTROPOLóGICOS
DENNIS WERNER
O autor dá neste livro um destaque especial
aos fatores práticos e materiais.
Fenómenos demográficos, ecológicos
e tecnológicos explicam fenómenos sociais
e políticos, que, por sua vez, explicam
fenómenos religiosos, estéticos e mentais.
A seqüencia dos capítulos do 1ivro segue
este direcionamento nas explicac;oes
e aconselhamos a leitura, para melhor
aproveitamento, do livro, na ordem
de apresentac;ao. COMIDA
'-VOZES,,
SEXO
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MAGIA
ISBN 85.326.0278-9
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o
EOUTROS ASSUNTOS ANTROPOLÓGICOS
UMA INTRODUCAO AS CULTURAS HUMANAS
Sempre com a intern;ao de ex-
" plicar por que as sociedades
diferem tanto urnas das outras,
o autor discursa sobre os 1mais
variados te·mas, como a orige m 1

do 'Ser humano, ·a violencia,


a sexualidade, dife·renc;as entre
rhomens e 1mulheres, a questao
1

de rac;a, doenc;as mentais, re-


ligiao, arte e esport:es. Rico
em exemplos, alguns chocantes
e surpreendentes, o livro fun-
damenta'1se em pesqui·sas re-
oentes que fazem comparac;oes
a 1m ip 11a s, l·evando-nos a urna
1maior compreensao das mudan-

c;as que o 'C o ·r r e m ao 1nosso


·r edor.
A isociologia da ciencia está uv:=i.~.RIA D1) L~ESSIAS
LIVílO~; - 01.;c0n - LP'S. CD'S
cheia de exemplos de como 1=1 í A~ E SOM US1\ooc:
1pesquisadores intenpretaram .mal . c0r .P.! , -- u=q!H)
1
as suas pesquisas ou até de- • ,,.,.
1cepcionaram a .s i ·mesmos e I

os outros com o 1s·eu trabalho. .. -'


Nao é o caso desta pesquisa.
(
Urna coi·sa. é ·reconhecer esta
relac;ao entre i,nteresses sociais
e o empreendimento academi-
co, e outra coisa é julgar o
valor de urna it eoria a partir tia
pessoa que a e·laborou. Neste
texto ·muitas vezes aparecem
teorias de ¡pessoas de cam-
•pos academicos dife reintes. A·I·
1

gumas teorias foram discutidas


justamente porque in a o tem
a p o ·i o empírico. Outras sao
1melhor sustentadas. Cabe ao
1e i t o r perceber a diferenc;a.
E1ste ·Bvro destina-'Se a alunas
iniciantes de antrOfPologia e a
·l·ei·gos que tenhaim um 1pouco
de curios·idade sobre a vida na
nossa ·e em outras culturas.
Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
www.etnolinguistica.org
DENNIS WERNER
IJ

Urna
lntrodu~áo as
Culturas
""
Humanas

COMIDA, SEXO, MAGIA


E OUTROS ASSUNTOS
ANTROPOLÓGICOS

, 3ª ....Edi~áo
\

VOZES
Petrópolis
1992
·© 1987, Editora Vozes Ltda.
Rua Frei Luís, 100
25689 Petrópolis, RJ
Brasil

Diagrama<;ao
Daniel Sant'Anna

ISBN 85.326.0278-9

Um livro como este é sempre. produto do


trabalho e da reflexao de muitas pessoas. Agra-
de~o o departamento de Ciéncias Sociais da
Universidade Federal de Santa · Catarrna por
ter-me dado o tempo necessário para realizar
este trabalho e, especialmente, os professores
Anefiese· Nacke, Paulo Vieira Freire e Cleidi
Albuquerque pelas valiosas críticas e pelo in-
grato trabéilho de corre~ao do portugués.

í
SUMÁRIO

APRESENTA<:;AO: A curiosidade antropológica, 11


1. Ouest6es a serem estudadas, 15
2. Orienta{fao teórica, 16
3. Como sustentar urna explica{fao?, 18
4. Sociologia do conhecimento e argumentos ad
hominum, 20

l. A EVOLU<:;AO DO SER HUMANO, 21


1. A evolu{fao do horno sapiens sapiens, 23
2. As culturas dos hominídeos antigos, 28

11. NASCIDOS E MORTOS, 36


1. Mortalidade e saúde, 38
2. Fertilidade, 41

111. COMIDA E TRABALHO, 47


1. Tecnologias, 49
2. A origem da agricultura, 56

7
XI. A MAGIA E O SOBRENATURAL, 158
IV. PROPRIEDADE E DESIGUALDADE, 59
1. A magia, 160
1. Propriedade em sociedades diferentes, 60
2. Os seres sobrenaturais, 168
· 2. As origens da desigualdade, 65
3. Estratifica<;ao no mundo, hoje, 69
XII. ~ATE E DIVERTIMENTO, 172
V. GUERRA E VIOL~NCIA, 71 1. Artes plásticas, 173
2. Música, 177
1. Guerra, 73
2. Revoltas, 75 3. O uso social da arte e da música, 180
3. Crime violento, 78 4. Literatura, 182
5. Jogos, 184
VI. MULHERES E HOMENS, 82
XIII. O QUE FAZER?, 186
1. Sexo e genética, 86
2. Trabalhos masculinos e trabalhos femininos, 88 BIBLIOGRAFIA, 193
3. Status, 90

VII. SEXUALIDADE, 95
1. Variabilidade sexual, 96
2. Repressao sexual, 103
3. · Homossexualidade, 104
4. Incesto, 106

VIII. FAMILIA E PAR ENTES, 109


1. Casamento, 111
2. Formas de residencia, 117
3. Linhagens, 121
4. Terminologia de parentesco,
I
125

IX. RACA E ETNIA, 128


1. Diferen<;as genéticas humanas, 130
2. O conceito social de ra~a, 133
3. Etnias, 136

X. PENSAMENTO E PERSONALIDADE, 142


1. Percep<;áo, 144
2. Memória, 147
3. Raciocínio, 150
4. «Inteligencia», 151
5. Personalidade, 154
6. Doen~as mentais, 155
,.

APRESENTA<;ÁO:
A curiosidade antropológica

Durante a minha estadia junto aos índios Nekranoti do


sul do Pará, pedi urna vez que um índio me explicasse por que
o seu grupo tinha feito urna visita a outro grupo indígena. Es-
perava que o índio me contasse que o grupo precisava adquirir
alguns materiais para artesanato, ou que ' queria vingar alguma
morte. No mínimo achava que devia ter desejado formar urna
alian<;a política para poder atacar um terceiro grupo. Apesar
das minhas sugestoes ao contrário, o índio continuava a insis-
tir que a visita fora fe ita simp·lesmente por «curiosidade». Fi-
nalmente, um sorriso cobriu o seu rosto. Ele tinha descoberto
a re·sposta que eu nao podia recusar: «Por que voce veio para
cá?», perguntou. «Nao é por curiosidade?»
Com efeito, foi a simples curiosidade que me atraiu para
a antropologia. A minha primeira atra~ao pela disciplina velo
de histórias de costumes exóticos em sociedades diferentes.
Fiquei fascinado ao saber que atividades altamente condenadas
na minha sociedade eram aceitas e até elogiadas em outros
lugares. Gostava de imaginar como eu me sentiria vivendo em
sociedades as mais diversas. Cada cultura nova que conhecia
parecia ter algum costume diferente e memorável. Os habitan-
tes da ilha da Samoa no Pacífico me surpreenderam com a sua

11

\
liberdade sexual antes do casamento. Os Nayar do sul da fndia logos geralment~ sáo mais comparativos, pois se interessam
nem se casavam, de maneira que os filhos eram criados pela pelos seres humanos de todas as épocas e de todos os luga-
mae, .avó e ti os. Na cidade de Aq Kupruk, no Afeganistao, os res. Antropólogos fazem escava<;oes na terra em busca de ossos
homens cantavam na pra<;a central poesias sobre os seus amo- e apetrechos de seres humanos antigos como os neandertat,
res homossexuais. Os índios Siona usavam alucinógenos em estudam documentos dos primeiros exploradores europeus so-
grupo para poder visitar os sobrenaturais. Os aborígines da bre pavos como os aztecas, fazem pesquisas com pigmeus nas
Austrália central tinham ritos de iniciac;ao muito severos. Neles florestas africanas, e pesquisam a organizac;áo burocrática de
os rapazes perdiam dentes, tinham o septo nasal perfurado, o multinacionais com sede em Nova lorque. Alguns antropólogos
peito cortado, o penis circuncidado e a uretra talhada. Os ín- até estudam o comportamento de diversos macacos a procura
dios aztecas do México eram conhecidos pelos seus sacrificios de indícios sobre a vida dos antepassados humanos há 4 ou 5
huma.nos; os Tup·inambá do litoral brasileiro pelo seu canibalis- milhóes de anos. Além de serem mais comparativos, os antro-
mo; e os Jívaro do Equador pelo seu hábito de preservar as pólogos também sáo mais holísticos. lsto quer dizer que os
cabec;as dos inimigos.
antropólogos se interessam por todos os aspect'os ·da vida hu-
Acho saudável este fascínio inicial pelo exótico pois nos mana, desde a biología até os sistemas de agricultura, relac;oes
forc;a adatar urna perspectiva mais ampla do nosso mundo e sociais, linguagem, psicologia e religiáo.
' .
da natureza humana. Mas a simples coleta de mais e mais
Com interesses tao abrangentes os antropólogos pare-
exemplos exóticos tem os seus limites. Acabamos exibindo so-
cem contrariar a tendencia geral da nossa sociedade de se es-
ciedades como se fossem borboletas raras ou espécimes zooló-
gicas, sem entender os porqués dos costumes diferentes. Um pecializar cada vez mais. Qual seria a vantagem da manutenc;ao
dia tentaremos, com mais interesse, entender a diversidade hu- de urna disciplina tampouco especializada? Um problema com
.rr:iana. Comec;aremos, nas palavras de Roberto Da Matta (1978), a especializac;áo academica e que o~ pesquisadores muitas ve-
a querer «transformar o exótico no familiar:.. zes acabam se sentindo constrangidos em pesquisar certos
assuntos. Um psicólogo, por exemplo, teria um certo receio
· Desde o século passado os antropólogos tem-se dedica- · em fazer amostras de solo para estudar a sua fertilidade, mes-
do a documentar e explicar a diversidade humana. · No início as mo se considerasse que· a fertilidade do solo fosse um~ variá-
. pesquisas se concentravam principalmente nas sociedades ditas vel importante. Um agrónomo teria medo de estudar o pensa-
«primitivas» ou «simples». Naquela época a antropologia era mento de agricultores, mesmo se percebesse este pensamento
facilmente distinguível das outras disciplinas academicas por- como crucial para o sucesso dos seus planos. No entanto, os
que .OS antropólogos eram as únicas pessoas a estudarem tais antropólogos nao precisam sé sentir tao constrangidos. Podem
povos. Mais recentemente outros pesquisadores como psicólo- estudar as variáveis que acham importantes, nao importa para
gos, sociólogos, geógrafos, biólogos e médicos também estáo onde isto os leva. ~ muito comum antropólogos coletarem da-
fazendo pesquisas em sociedades simples, e os antropólogos dos tao diversos quanto amostras de solo, testes psicológicos,
tem-se dedicado mais e mais a estudar aspectos da nossa so- provas de sangue e crenc;as religiosas.
ciedade. Hoje em día geralmente é difícil distinguir um tr~ba­
lho antropológico dos trabalhos destas outras disciplinas. As Urna das vantagens da antropologia é no preenchimento
diferenc;as muitas vezes refletem mais as divisoes administra- das lacunas deixadas entre as várias disciplinas m~is especia-
tivas das universidades que os verdadeiros interesses de pes- lizadas. Os antropólogos podem considerar a importancia rela-
quisa. No entanto, existem algumas características que distin- tiva de diversos fatores que nao seriam avaliados todos juntos
guem a antropología de outras disciplinas acad'emicas. por outros pesquisadores. Também as compara96es com dife-
rentes sociedades dao urna visáo mais equilibrada dos costu-
Mais do que qualquer outra coisa, os antropólogos se
mes e comportamentos das pessoas na nossa sociedade ., ~om
distinguem pela .abrangencia dos seus interesses sobre a vida
tais compara9óes verificamos que muitos dos nossos hab1tos,
humana. Em contraste com outros pesquisadores, os antropó-
12
costumes e cren<;as considerados «normais» ou «dados» nao Para outros antropólogos o conceito de cultura é mais
sao em nada tao fixos ou dados assim . Se os antropólogos se limitado, referindo-se basicamente ao sistema simbólico que um
dedicam em parte a «transformar o exótico no familiar» quando grupo dispóe para representar a sua vida. Usando este concei-
falam de outras sociedades, também acaban1 «transformando o to de cultura alguns antropólogos preferem limitar o seu traba-
familiar no exótico» quando falam da nossa (Da · Matta 1978). lho a documenta<;ao e explica<;ao <lestes sistemas simbólicos.
Neste livro prefiro adotar o· conceito mais abrangente que inclui
Embora a antropologia em si seja muito abrangerite, os tanto os sistemas simbólicos quanto outros aspectos compar-
antropólogos geralmente se especializam no estudo de proble- tilhados da vida de um povo .
mas mais limitados. Urna divisao muito comum divide antropo-
logia em quatro campos diferentes: antropologia física, arqueo- Apesar das diferen<;as entre antropólogos sobre qual con-
logia, antropología lingüística e etnologia. Os antropólogos fí- ceito de cultura é mais adequado, e· sobre quais questoes faze·m
sicos estudam a evolu<;ao e a variabilidade biológica dos seres parte do estudo antropológico, todos concordariam sobre urna
humanos. Também estudam o comportamento de primatas nao- atitude que impede um entendimento mais profundo da diver-
humanos como chimpanzés, babuínos ou bugios. Os arqueólo- sidade humana. Trata-se do etnocentrismo que consiste em jul-
gos fazem escava<;oes a procura de evidencias como apetre- gar urna sociedade «exótica» segundo os padróes da nossa so-
chos, lixo antigo, e até fezes fossilizados que poderiam escla- ciedade, sem considerar o ponto de vista das pessoas estuda-
recer a vida de seres humanos antigos. Os antropólogos lin- das e os problemas e as oportunidades que elas enfrentam.
güísticos estudam idiomas - normalmente idiomas nao-escri- Muitas vezes o etnocentrismo leva pessoas a julgarem outras
tos. Os etnólogos dependem de observa<;oes diretas de pessoas culturas como «inferiores». Mas as vezes também leva ao mito
em culturas diferentes. As vezes estas observa<;oes vem de do bom selvagem que consiste em supervalorizar estas cultu-
outras pessoas como missionários, exploradores ou administra- ras. Nao se precisa ne.g ar as falhas ou as virtudes de urna so-
dores. Muitas vezes vem de um trabalho de pesquisa de campo ciedade para estudá-la, mas é importante poder adiar um julga-
no qual o antropólogo passa um ano ou mais morando com as mento o suficiente para poder investigar os porques da cultura.
pessoas que está estudando e participando da sua vida. Esta atitude chama-se relativismo cultural.

No caso dos arqueólogos, lingüistas, e etnólogos, o ob-


jeto do estudo antropológico é principalmente a cultura. Os
antropólogos divergem quanto ao conceito que tem da cultura. 1. Questoes a serem estudadas
Para alguns a no<;ao de cultura é mais abrangente, inclui.ndo
qualquer atividade física ou mental que nao seja determinada
pela biologia e que seja compartilhada por diferentes membros Urna estória Sufi conta que urna vez um viajante passou
de urna sociedade.. Com esta defini<;ao a cor dos olhos de urna por um homem andando de quatro em frente a urna caverna.
popula<;áo nao faria parte de sua cultura (a náo ser que a cor O viajante perguntou o que ele estava fazendo ali? Ouando o
fosse modificada por lentes de contato). Mas as práticas agrí- homem respondeu que estava procurando as suas chaves per·
colas dos Xavante, mesmo quando usam tratares, seriam cultu- didas, o viajante resolveu dar urna ajuda. Depois de procurar
rais. A troca de cigarros como forma de dinheiro faria parte um bom tempo sem . sucesso, finalmente se virou para o outro
da cultura de presos nas penitenciárias das cidades grandes, e perguntou : «afinal de contas onde é que voce perdeu as cha-
como também o medo de ser assassinado e a desconfian<;a nos ves?» «Dentro da éaverna», respondeu o outro, sem parar.
guardas e nos outros presos. Para fazer parte de urna cultura,
urna atividade náo precisa ser «tradicional», pois urna cultura «Por que, entao, está procurando aqui tora?» indagou o
nova pode surgir das condi<;oes novas nas quais as pessoas se viajante aborrecido. «É que lá dentro está escuro. Aqui fora
encontram. enxe·rgo melhor», foi a resposta.

14 15
Esta estória resume o dilema enfrentado pelos estudio- sociedades o jovem casal mora com a família do marido. Neste
sos quando imaginam pesquisar questoes diferentes. Alguns caso o marido fica com os seus pais, e· a sua esposa mora com
preferem pesquisar «na luz». Preferem questoes mais claras e ele e os sogros de·la. Em outras sociedades o casal mora com
mais fáceis de serem respondidas, mesmo se estas questoes a família da noiva. Neste caso os pais ficam com as suas filhas
nao sao as mais importantes ou as mais relevantes. Outros pre- casadas e genros, e perdem os seus filhos. Se quero explicar
ferein entrar na escuridao para tentar achar respostas as ques- por que as pessoas numa sociedade costumam morar na casa
toes mais urgentes do nosso dia, como fome, injustic;a ou vio- do marido depois de se casar, considero os interesses das
lencia. Para mim nenhuma destas abordagens é a mais adequa- pessoas envolvidas - neste caso os sogros e o jovem casal.
da. O homem que perdeu as suas chaves nao as encontrará fi. Quando a sociedade tem muita guerra entre aldeias diferentes
cando fora da caverna nem entrando na escuridao. Melhor seria as pessoas podem querer ficar com o filho em casa em vez
ficar fora da caverna o suficiente para conseguir urna lanterna, do genro. O genro poderia vir de urna aldeia inimiga, e no caso
e depois entrar e iluminar a escuridao. Acredito que para en- de atritos os sogros poderiam nao confiar nele, pois o genro
tender os problemas sociais do nosso dia precisamos adotar poderia matá-los para defender seus próprios pais! Em socie-
urna estratégia semelhante. Portarito, neste livro tentei nao e·s- dades se·m este tipo de guerra os pais nao se importam tanto
quecer os nossos problemas básicos, mas reconheci que muitas se é o filho ou o genro que fica em casa.
vezes urna questao seria melhor respondida adotando urna táti- A segunda característica da orientac;ao teórica deste livro
ca mais indireta. é o destaque que dá a fatores práticos e materiais. Fenómenos
de·mográficos, ecológicos e tecnológicos explicam fenómenos
sociais e políticos, que· por sua vez explicam fenomenos reli-
giosos, estéticos e mentais. A seqüencia de capítulos do livro
2. Orienta~ao teórica segue este direcionamento nas explicac;oes. Depois de urna in-
troduc;ao a evoluc;áo biológica humana, o livro comec;a com ca-
pítulos sobre demografia e tecnología, passa para capítulos so-
Todas as pessoas tem idéias pessoais sobre como as bre economia e guerra, continua com capítulos sobre papéis
coisas devem ser explicadas. Algumas preferem explicac;oes sexuais, sexualidade, parentesco e etnias, e termina com ca-
psicológicas, outras preferem explicac;oes políticas, religiosas pítulos sobre pensamento, religiáo e arte. Embora se possa ler
ou materiais. Estas preferencias pessoais sao chamadas de um capítulo sem ter lido os capítulos ~nteriores, acredito que
orienta96es teóricas. Ter urna ou outra orientac;ao nao implica o aproveitamento do livro seria maior se lido ·na orde·m da apre-
que urna pessoa precise· explicar tudo a partir dos fatores sa- sentac;ao.
lientados na orientac;ao adotada. Implica simplesmente que o
pesquisador tente primeiro ver se o fenómeno em questao se- Explicac;oes que sao válidas para um nível de análise
ria explicável em termos psicológicos, políticos, religiosos, ma- nem sempre sao válidas para outro nível. Um fator que explica
teriais etc. Se o pesquisador nao encontra urna explicac;ao, ou- diferenc;as entre urna sociedade e outra pode nao servir para
tros fatores podem ser investigados. O valor de urna orienta- explicar diferenc;as entre urna pessoa e outra, ou diferenc;as
c;ao teórica está principalmente na ajuda que pode fornecer na entre urna regiao de um país e outra. Sendo um texto introdu-
tentativa de explicar alguma coisa que ainda nao entendemos. tório, este livro se interessa principalmente em dar urna pers-
Neste 1ivro adotei urna orientac;ao caracterizada por dois pectiva ,global das sociedades humanas, nao em .explicar os de-
pontos. Primeiro, as explicac;oes salientam os intere·sses dos talhes de urna ou outra sociedade. Existe urna certa incompa-
individuos, e nao os interesses ou «necessidades» da «socie- tibi lidade entre explicac;oes globais e explicac;oes para casos
dade» em si. Por exemplo: muitas sociedades tem regras sobre específicos. Para ter aplicac;áo mais universal, urna teoria pre-
onde as pessoas devem morar depois de se casar. Em algumas cisa ser simples (alguns diriam «simplista»). Se um fenomeno

16 17
social é explicado em termos da conjuntura de um grande nú- moraria com a família do marido quando há guerra entre aldeias
mero de fatores, existiriam poucos casos que corresponderiam diferentes da mesma sociedade. Cuando nao existe esta guerra
a esta conjuntura . Por isto, quanto mais detalhada urna teoria, o casal poderia morar tanto com a família da mulher quanto
geralmente mais limitada se torna em termos de aplicabilidade com a do marido. Os antropólogos M . Em~er e C. Ember ( 1983)
para outros casos . Precisamos das teórias «simplistas» mais juntaram dados sobre 33 sociedades diferentes - 8 sociedades
abrangentes para nos fornecer urna perspectiva equilibrada da sem guerra entre aldeias diferentes, e 25 sociedades com este
variabilidade humana. Precisamos das teorias «mais comple- t ipo de guerra. Em 24 das 25 soci·edades com guerra interna,
tas» (porém lim itadas) para julgar casos específicos . o casal morava com a família do marido. O casal morava com
a família do marido em apenas 3 das 8 sociedades sem este
tipo de guerra. Nas outras sociedades o casal morava com a
família da esposa.
3. Como sustentar uma explicac;ao?
Estas comparac;óes nao explicam «tudo» sobre urna ques-
As vezes o mundo parece táo complicado que desespe- táo - nem pretendem. O fato de existirem «excessóes» numa
ramos e concluímos que nao dá para entender mais nada. Cada teoria muitas vezes se deve a presenc;a de outros fatores ex-
jornalista, político ou professor parece ver as coisas de manei- plicativos que naó foram examinados. No entanto, tais compa-
ra diferente. E todos citam um conjunto de fatos diferentes rac;óes ajudam a colocar diferentes explicac;óes em perspectiva.
para explicar os porques dos acontecimentos . Como podemos Se urna explicac;áo «prediz» as sociedades onde os casais mo-
distinguir entre todas estas afirmac;óes diferentes? ram com a família do marido, enquanto outra explicac;ao náo
Apesar das diferenc;as, as vezes é possível notar algumas consegue predizer, podemos julgar a primeira teoria como sen-
semelhanc;as entre vários acontecimentos. Acontecimento C1 do mais de acordo com os dados. Este livro se baseia muito
parece ~om acontecimento C2, C3 e C4 . Neste caso podemos em t ais comparac;óes. Geralmente náo apresento os · números
verificar se os fatores usados para explicar C1 também pode- das tabelas, mas o leitor deve notar que, quando· falo de «um
riam explicar C2, C3 e C4. Com efeito , buscamos situa<;oes estudo comparativo», ou de «comparac;oes fe itas com socieda-
paralelas sob o pressuposto .de que efeitos semelhantes devem des diferentes», estou me .referindo a ta is pesquisas.
ter causas semelhantes .
Os antropólogos tem aproveitado muito de s·itua<;oes pa- Algumas explicac;óes no livro sáo melhor apoiadas do
ralelas para testar diferentes explicac;óes. Por exemplo, civili- que outras . Tente·i deixar claro o tipo de dados que sustenta
zac;óes ·surgiram independentemente em várias partes do mundo urna ou outra teoria, de maneira que o leitor possa julgar por
- na Mesopotamia, no México e na China. Se podemos isolar si mesmo o grau de confianc;a que deve ter em cada argumento.
alguns fatores que precederam o surgimento da civiliza<;ao em Aceitei o ditado de Martin Luther de «pecar corajosamente» e
todos estes lugares, estaremos numa posic;ao melhor para en- parti do pressuposto de que um erro inspirado é melhor do que
tender por que a civilizac;áo· evoluiu. Nunca podemos «compro- urna verdade estéril. Urna idéia errada, mas interessante, pode,
var:. nossas teorias, mas pelo menos podemos contrastar dife- as vezes, ser corrigida e se tornar muito fértil. Urna idéia cor-
rentes explicac;óes para ver quais concordam melhor com os
reta , mas táo óbvia ou táo cheia de restric;óes cautelosas que
dados em todos estes lugares.
nao pode levar a nada, acaba sendo pouco útil.
As vezes é possível fazer compara<;óes maiores. ·Por
exemplo: falei, acima, de urna teoria sobre o lugar de residen-
cia de um casal depois de se· casar. Argumentei que o casal

18 19
4. Sociologia do conhecimento e argumentos ad hominum

A referencia a dados concretos para sustentar ou refutar


diferentes teorias náo implica que os antropólogos sejam «im-
1
parclais» ou particularmente «objetivos» nas suas pesquisas.
Existe ampla evidencia de que origens sociais e inter·esses pes-
soais influenciam no tipo de questáo que interessa aos pesqui-
sadores e nos procedimentos da sua pesquisa. A sociologia da A EVOLU~O DO SER HUMANO
ciencia - o estudo das relac;oes entre o empreendimento cien-
tífico e os interesses sociais de pes·quisadores - está cheia
de exemplos de como pesquisadores interpretaram mal as suas
pesqu isas ou até dec·epcionaram a si mesmos e os outros com
o seu trabalho. No entanto, é urna coisa reconhecer esta rela-
c;áo entre iDteresses sociais e o empreendimento academico,
e outra coisa julgar o valor de urna teoria a partir da pessoa
que a elaborou. Um dos erros mais sérios que se pode fazer
é rejeitar um argumento simplesmente porque veio de um
«homossexu.al », um «comunista», um «fascista» ou um «hur-
gues». Este tipo de julgamento é chamado .de argumento ad
hominum, pois consiste em criticar a pessoa que fez o argu- Em 1699 o anatomista Edward Tyson publicou urna tese
mento e nao o argumento em si. Um dos perigos no uso de sobr·e um· «pigmeu» CJll_e_o anatomista classificou_como interme-
argumentos ad hominum é que se acaba nao conhecendo o ad- diário ~ ntre os S~IltS hyrnanas .e_ os m acacgs. Tyson argumen- -
versário .. Como falaram os chineses antigos, «é mais impor- tou que o «pigmeu» parecia com um macacao mas andava ereto
tante conhecer o inimigo do que o amigo». Por isso é preciso e nao de quatro. Na realidade, o «pigmeu» era um jovem chim-
investigar tanto as teorías que nao nos agradam quanto as teo- panzé que Tyson mal havia reconhecido. Ele distorceu os dados
rías que sao mais do nosso gosto. Neste texto muitas vezes de que dispunha para os conformar a urna doutrina de sua épo-
aparecem teorias de· pessoas de campos academicos diferen- ca: a sea/a nat~e. S~ esta doutrina, todas as formas de
tes. Algumas teorias foratn discutidas justamente porque nao vida pode·riam ser arranjadas numa escala qüe -ia desde as plan- -
tem apoio empírico. Outras sao melhor sustentadas. Cabe ao J as, e· OS. animais mais simples, até OS animais maiores, OS
leitor perceber a diferenc;a. macacos, os seres humanos Ela-finalme.nte, os a_njos e outros
espíritos. Mais tarde (em 1758) o grande taxonomista Linnaeus -
· classificou os seres humanos como pertencendo a -mesma or- -
dem biológica que os macacos (Gould 1983). - - - - -
Apesar de reconhecer as semelhanc;as entre os seres hu-
manos e os macacos, _!yson e Linnaeus . nao_ acreditavam n;.-,a_
eyoluc;áo. Para eles todas as criaturas foram_ctiadas j ndepe~
dentemente por Deus, e nenhuma po.deria _s_e_j_ornar ~xtinta.
Nos meados do século 19 outros estudiosos como o paleontó-
logo louis Agassiz a·rgumentariam que as pessoas__hrancas e
pretas também foram criadas independentemente por Deus,

20 21
sendo assim espécie~ dif~rentes. Para Agassiz os pretos me- diferentes - dois animais do sexo oposto sáo considerados
reciam a simpatia dos brancos, mas o casamento ent re estas membros da mesma espécie se podem cruzar para reproduc;áo,
duas «espécies» devia ser evitado para nao danificar a popula- se o cruzamento é impossível sao considerados espécies dife-
c;áo branca. Agassiz usava este argumento - rotul ado de poli- rentes.
genesis - para contrariar os argumentos dos monogenesistas
que argumentavam que os brancos e pretos pertenciam .a mes- Diferente da teoria de Lamarck, a teoria da selec_a_Q_Oél:.._
ma espécie, mas que os pretos eram exemplos da degenerac;áo tural nao falava de heranc;a .de_ características_adquiridas duran-
dos seres humanos depois da queda de Adáo (Gould 1980). ' te a vida de u-m org_anismo._ O gue um animal ~u urna planta -
E!aSsava para O futt¿_rQ_e_,!9m_ as_ características C~m as quais __
Teorias de evoluc;áo cóexistiam com as t eorías dos po- tinha nascido. Também diferente da doutrina da sea/a naturae
ligenesistas e· monogenesistas. Já no fin al do século 18 o bió- e da teoria de Lamarck, a t~oria desefecao naturar nao_ cOíQ:__
logo trances ....Jean Baptiste Lamarck argumentava que a _form-ª- cav a alguns animais CQmQ._ «superiores» ~ _outros, e nao acre-
de vida mais simples era -geraaa -continuamente e de forma es- clitava no «progresso» da evQ!_u~&.º-s _Darwin nunca disse «supe- -
p0ntanea. Depofs estes organismos- simples se tornaram ma1s rTor» ou «inferior» quando falava de etapas de evoluc;ao {Gould -
complexos em resposta a necessidades sentidas por eles. Por 1977). Embora todas · as formas de vida tivessem ev oluído de
causa de diferenc;as de ambiente as formas de vida divergiam f.ormas_mais simRles.. !sto nao impficava que a evoT~aC? sempre_ ...
para se adapta ~em a os ambi entes variados . Segunaó t amarck, - ia do mais simples para o mais complexo. Por exemplo: o ca-
éaracterísticas adquirida-$ dur-ante· a vida de uin organismo se- - - racol mais si mp les do mundo, o caecum, evoluiu de um caracol
riam trañsferí das para os fTfhos. Assim, os filh os de girafas muito mais sofisticado. Seu antepassado teve um sistema .res-
a.2.9uiriam pescoc;os majs cq_mru:idos se os seus país esticavam - piratório interno e ele o perdeu. Em vez de andar por meio de
...muito os seus pescoc;os para atingir as folhas mais altas_ nas-- contrac;6es musculares como os outros caracóis, o caecum anda
á_rvor es- (Gould 1 980). · ---.... por meio de cílios, muito mais simples (Gould 1980). Em vez

Em 1859 Darwin publicou o seu livro ~ origem das es-


de ser urna escada para a «subida» do homem, a evoluc;ao pa-
rece mais um arbusto com alguns ramos acabando em extinc;ao,
pécies, propondo urna nova teoria para explicar a diversidade e outros se tornando mais simples ou mais complexos e aca-
biológica na terra. Diferente das outras teorias de evolu<;áo,
bando em animais diferentes. Foi um destes ramos que acabou
a teoría de Darwin enfatizou o mecanismo de selec;áo natural.
no ser humano.
Darwin foi levado a ésta te-0ria por observac;6es da sel e~ooar­
tificial feita por agricultores que sel·ecionavam apenas os me-
lhores animais ou plantas para reproduc;áo. A selec;áo natural
funciona de urna maneira completamente mecanica. Qs animais
1 . A evolu~io do horno sapiens sapiens
de _ ym_a__clad~pécie nascem com _ difere ~tes cara~te rísticas . )

Algumas dessas características sáo favorávJtis- num dado am-


-Oiente,- outras nao. As características favoráveis sao aquetas -
- -
que permitem que os animais sobrevivam e s·e reproduzam, e
---.. 1 .1. A evoluc;ao dos primatas

-~- --
sáo est as que sao passada~ para o futuro. As característicás
-- · - ---
_n~ o-favoráve2s _ si!Tlplesment~- desapare.cem qua~d~ _os a.riima1s
Físicos e geólogos tem calculado a idade da terra em
4 ,6 bilh6es de anos. Fósseis das primeiras formas de vida da-
morrem sem ter se reproduzido. Com o decorrer dos anos, des-
tam de 3,5 bilh6es de anos. Trata-se de células _§em núcleQ!,_
cendentes do mesmo anlep~ssacto, vivendo em ambientes dife-
chamadas prokaryotes __gue incluem bactérias e algas verd~
rentes, comec;am a divergir quanto as suas características. Che-
azuis.V ários cientistas estao fazendo, agora. experiencias so-
ga um momento em que a reproduc;ao entre os organismos se
bre- como as primeiras formas de vida poderiam ter surgido.
torna impossível, e constatamos a pre·senc;a de· duas espécies
Imitando as condi«;6es químicas e físicas da terra há 4 bilh6es
22 23
de anos , eles conseguiram criar as proteínas, amiaos nucléicos era muito parecido com o g!Jariba (bugio), e provavelmente co- ~
e 1ipídios necessários para a constru<;áo do DNA e de membra- míafrutas (Simons 1984). Parece que alguma espécie de egJp_:_
nas celulares (Trachtman 1984). - topiteco foi antepassada dos primatas driopiteccis • •que viviam
'há 20 milhóes de anos na Africa, Europa e Asia. Os driopitecos ~
Os fóss~ is encontrados até agoré!_ s_!!gerem gue os pro-
karyotes continuavam como a única forma de vida na terra du- eram muito n1J.n:ierosos e pareciam com os macacosgr~ndes de
_rante3 bilhó~s de anos.~ Goula (1977) argumenta que ·esta faifa- - floje, ~orno os gorilas,_ os chl mpanzés e os orangotango.s. Pro-
de evolu<;ao dos prokaryotes durante tantos anos se deve aO - - vavelmente se alimentavam de frutas, flor_es, folbas te.nr_a.§.,__QrQ:...
fato destas células náo terem mañeiras eficientes de re rodu- -- tos e in"S;tos (Leakey 1981 ). Outros primatas fósseis incluem __
~ sexual. lsto limitava a diversidade dos prokaryotes, pois o s ramapitecos e os sivapi~f...0§ que datam de cerca de 15 mi-
sem a reprodu<;áo sexual as células podiam apenas fazer cópias Íhóes até, pelo menos, 8 milhóes de anos atrás. Antigamente
duplicadas de si mesmas. A única fonte de diversidade seria muitos paleontólogos achavam que o ramapjteco poderia ter
~ muta<;á~ DNA destas célüras. Há um bilhao de anos, quan- - andado ereto como o ser humaop_moderno. No entanto, dad9 s _
do apareceram as primeiras células com núcleos (os eukar- mais recentes sugerem qy_e o_ ramapiteco fq_sse mais parecido
~~J. a reprodu<;áo sexual se tornou mais eficiente e a di- - c_gm- o orarrgntangó cei.lbeam 1984). -
versidade aum·entouassüstacforamente. Há 600- mifhóes de anos -
acontece1.1_a_«.e.xplosáo» cambriana de vida, na qual aparecerarll O registro de fósseis de primatas é muito raro entre 8
no curto espa<;o de um milháo de anos a -maioria dos filos de milhóes e 4 milhóes de anos atrás. Análises de proteínas san-
animais~ny~ rtebradQs (Gould 1977). Os primeiros eixes apa- güíneas nos_chimpanzés~ gorilas ~ seres humanq§ sugerem que ::--
receram 100 milhoes de anos mais tarde, e
os primeiros ma- -- -t ívemo,$ um antepassado _comum há 4 ou 5 milhóes de anos .
Ceilbeam 1984). Comparacóes recentes do DhJA-_<fo i er ...humano _
míferos aparecer~m na época dos. répt~is ha 180 milhóes de -·~
--
anos.... -- ·e· dos maca.e.os grandes..mostmrn que a sem~l ~an9a é maior
__
entre os seres humanos e._.. os ·chimpanzés . Nós compartilhamos -
~

A primeira evidencia de um primata (a ordem biológica 98º/o o nosso DNA com os chimpanzés"' (Shell 1984). Estas
que inclui o ser humano, os macacos e os prosímios) data de comparacóes parecem confirmar a separacao rela~ivamente re-
70 milhóes de anos, e consiste apenas de um dente semelhan- cente do ramo que acabou nos chimpanzés e o ramo que aca-
te aos dentes de primatas que aparecem mais tarde. O fóssil bou no ser humano. No entanto, a ausencia de fósseis para
de um cranio do primata tetonius datado de 50 milhóes -de- _aoas
este período dificulta a tomada de conclusóes mais definitivas.
atrás é mai r ormativO:- Ás irñii[essóes no cranio demonstram
ue --as áreas do cérebro
....... .... associadas
-....._ ....._......_. a processamento de lnfor- -
ma<;oes visuais eram muito desenvolvidas. O posicionamento ·
1.2. Dos primeiros hominídeos ao horno sapiens
dos olhos _Qét_frente do rosto deu urna visao binocular que aju-
dava a calcular distancia.s. A habilidade vi suaj _provavelmente ·
O registro de fósseis reporta a uns 4 rnilhóes de anos
_e ra muito imQortante na vida arboreal destes primatas, pois aju-
e mostra os rastros de dois hominídeos ql!§.-ª!]qay am juntos ~
dava os animais a calcÜlar as dístancias ~de um ramo par~ outro. ·
_iambém deviat er sido útil na captura de insetos, provavelmen- "' ~ --
há uns 3 6 milhóes de anos em Laetoli na Tanzania. Os rastros
-
nao deixam dú.Yldas de que estes sere.s andava"l eretos em ..
- --
te o seu alifll·ento principal (Szalay e Delson 1979).
. dois pés em vez de quatro (Johanson e White 1979). Os ·fósseis
Nas florestas tropicais que cobriam o Egito, há 30 ou encontrados em Laeto li juñto com outros fóssei.s da Etiópia sao
35 milhóes de anos atrás, existiam várias espécies de um pri- geralmente classificados como australopiteco afar:ensis. Estes
mata chamado egiptqp_itecq_. Até 1~84 os paleontólogos tinham seres eram pequenos, medind.Q éntre_ t,2 e 1,5-m -de-altura. pe-
descol:ierto o fóssil de um cranio inteiro, dezenas de partes de sando entre J O e 40 quilos, com_uma.. capacid~d~ cru-ebral entre.-
cranios, e muitas mandíbulas destes animais. O egiptopiteco -380 e 500 ce, e sem queixos (Campbell 1982) .
.
24 25
Shipman (1984) nota que andar de forma ereta é menos erectus era difer:·enti).. A capacidade craniana ~~ a_.e.roxim~da­
rápido e eficiente que andar de quatro. Como argumenta Gould rnente 1000 ce, m~ior__que a do homo_ habi lis .. mas menor gue _
" (1980), as mudanc;as biológicas e genéticas necessárias para os homens modernos. A testa recuava para trás e tinha proe-
permitir urna locomoc;ao bípede sao tremendas. Por que entao ñllñéntes arcadas superciliares. O queixo era qu~se inexistente
os erimeiros hominídeos adotariam o _ bipedismo? ShiQrnan (Leakey 1981 ).
(1984) nota tre~ possfv~ ís vantag~ñs. Primeiro, ernb.Qrá .menos
eficientes quarn:Lo cor rem, os bípedes sao rnais efi ~i ®tes g_uan- Possivelmente era o uso do tqgo pelo ho.!!}Q._~ectus_qy_e. _
do andam-' em_ termos energéticos. S@.gundo, urna locomoc;ao permitia qu.e. ele saísse das regióes tropicais africpnas ara CC?- _
bípede permüia que_o_s.. horninídeos erguessem ascaoeca_ªm ais lonízar terras em climas mais frios. fVidencias (na forma de
alto, o que lhes permit!a vistoriar nielhor o ambiente a procura padr6es de uso dos dentes) indicam que o horno erectus com~a ___
de comida e perc~ber os perigos..: Ter.c_eir o, a Joco mo~aó bípede mais raízes e tuhér,eulos. lsto sugere que o horno ·erectus__poa1a ..,
liberou as maos dos primeiros horninídeos para carregar comida explorar IJ.9VOS ambien!_es T rocura_ de alimeotac;ao .. (Leakey
_ou ferrarnentas. - -

Centenas de outros fósseis de australopitecos foram en-


-- '19lf1}.
A próxima grande etapa na evolu9ao humana tratª-dºL
horno sapiens neandér.talis, q_ue vivíam na Africa. Euro~:-8 4 sia
contrados na África . Existem algumas diferenc;as entre as vá-
rias espécimes. ~ australopitecos africanus que viviam entre de 100.000 até 40.000 anos atrás. Existem alguns espec1mes de
.-3
3 e milh6~s de anos atrás e!~m mui1o_ eárecidos com os aus- - - ·formas r i.cio.oais..entre homa:erectus. _e horno saplens ~~_an-
·'f!_a 9pitecos af~rensis-l f!l ª S tinham urna _QID>acidade cranial um - ertal is que datam de 250.000 anos, mas sao poucos (Leake¡y
i:_~co ma10L-.e.éfentes um pouco mais parecidos 9Jlm o horñ! ~ -- 1981 ). Em comparac;ao com o horno erectus, o _homo_J>apieJl!'_
moderno. Alguns paleontologos os consideram membros da ..__ neandertalis_tin~ _urna capacfdage_:craniana-:rñuito maioJ_ :-
mesma espécie. Os australopitecos robustus que viviam entre i:füiío r -até gue a capaciq~ ~ do ser bu!:Jlan_Q_ f]]Qqerng._ A abó-
2 milh6es e 1 milhao de anos atrás eram muito maiores, pe- bada craniana do horno sapiens neandertalis era mais baixa e
sando entre 36 e 55 quilos, com ossos grossos. Outro hominí- achatada, e as proeminentes arcadas superciliares e a ausencia
deo parece t~ existid_.o na oiesma époc.a_dos JH~§"tralopitecos ., de um queixo eram mais parecidas com o cranio do horno
african~s e robustus, embora tenhamos poucos fósseis deste- erectus. Também, os neandertalis europeus tinharn carpos mais
om1nídeo que viveu há 2 milh6es de anos . Trata-se do hamo. rnassudos e membros relativamente curtos . Estas característi-
habilis com urna capacidade cranial de 800 ce (Leakey 1981). cas eram mais acentuadas nos neandertalis da Europa que nos
-
Aparentemente o australopitecos robustus se tornou ex-
n.eandertalis de outras regi6es do mundo. Alguns pesquisadores ·
sugeriram gue o_ neandert~I ~!5>peu d~:nv_?lveu ~stas _c~r~~-:- __
tinto sem deixar descendentes. Possivelmente, australopitecos terísticas como urna adapfa_<;ao ao ffiOOa epoca glacial europe1a
---
africanus era.o antepassado do habilis, -mas nao sabemos aiñ":
. .......
da. É também possível que o habilis fosse descendente do
CLeakey 1 981). - - · - - -

australopiteco afaren__fil_s.~ que o australopiteco africanus..-S.u


imu.-:-~­ Qs neaodertaU.s. dasapacec_er:am-do_ tagistm_paleonto!.Q.91:.
plesmente se extinguiu sem- deix ar desc ende-ntes. De toda ma- co uns 35.000 anQL_atrás para serem substituídos pelo .b,Q_m~
neira, parece que foi o horno babilis-_que deixou descendentes sapien.s-.§apÍens: o ser humano modéfRo. Nao sabemos ain~a
modificados para- a próxima etapa da evoluc;ao humana. éomo se efetivou a transic;ao entre horno sapiens neandertalls
-----------
Pesquisadores ~em encontrado fósseis do hominídeo ho-
e horno sapiens sapiens. Para alguns pesquisadores trata-se da
mesma espécie humana. Segundo os seus argumentos, genes
rno erectus na Africa, Europa e Asia, que datam de 1,5 milhoes neandertalis estariam ainda presentes no mundo moderno. O
até 300 mil anos jltrás. Do pescoc;o p-ªra baixo o horno erectus que rnudou foi apenas a freqüencia de diferentes genes. Ou~ros
~ ra qyase. indistinguí.vel_lio .ser humano !!JOdern.Q... Os homens pesquisadores argumentam que neandertal se tornou extinto
tinham mais ou menos 1.,7 m de altura. Mas a cabec;a do horno quando surgiu urna nova espécie. Na Africa foram descobertos

26 27
fóss·e·is humanos que aparentam ser mais modernos que os que existiam muitas marcas de dentes de animais predadores
neandertalis. Como estes fósseis datam de 90.000 e 120.000 atrás das marcas deixadas pelas ferramentas de pedra. lsto
anos atrás, seriam bons candidatos para os antepassados do sugere que as vítimas foram mortas náo pelos hominídeos, ~as
horno sapiens sapie11s. No entanto, estes espécimes sáo muito por animais_predadores. Em , vez de cacadores, parece que os
traeos e precisam de confirma<;áo (Leakey 1981). -primeiros hominídeos se alimentavam. de_ carni2!.
Ao contrário do que muitas pessoas pensarn. a evolucao Pesquisas sobre o uso dos dentes dos australopitecos e
~umana nao foi urna es_calada_unif.o.rrruL~ c.ontinua ~ra seres · do horno habilis sugerem que estes hominídeos, como os chim-
~~-mpr_e superior.e§. O registro paleontológico mostra longas panzés modernos, comiam mais frutas do que carne. Aparen-
epocas nas quais urna espécie continuava mais ou menos igual, temente o seu regime alimentar era urna combina<;áo· de fr.utas
seguidas por curtos períodos de mudancas rápidas, até que urna ..e carn1c;a. - Sllipman[19H4Jargumenta _que isto ajudaria a expli- ,
nova espécie se estabelecesse. Tam·bém existiam muitas espé· car o bipedismo destes hominídeos. o bipedJsmo seria urna
cies diferentes, algumas simplesmente se tornaram extintas. aesvantagem para um animal predador, pois implicaria em me-
Est~mos conseguindo reconstruir alguns dos ramos da genea- ftor- velocidade para correr atrás de urna vítima. Mas seria van-
log1a humana, mas restam ainda muitas perguntas. Nao pode- tajoso gara um animal que dependía de carni<;a, urna vez que
mos ainda tracar exatamente como os homens se separaram de o:-oipedlSmoe urna maneira eficiente de cobrir grandes distan--
outros primatas contemporaneos como os gorilas ou os chim- qias num ritmo de andar -a procura de carnic;a. Um animal,
panzés. Sabemos menos ainda sobre a enorme quantidade de procurando carni<;a também teria a vantagem de poder erguer
espécies antigas que nao deixaram descendentes no mundo de a cabec;a para melhor vistoriar o ambiente, e de ter as máos
hoje. !ivres para carregar a carne. lsto seria importante para evitar
que predadores mais fortes afugentass·em os hominídeos dos
lugares de abatimento.
2. ~~ltur:_as dos hominídeos antigos
- -- Embora existam muitas dúvidas sobre a possibilidade
2.1. Comida dos australopitecos serem ca<;adores, nao há dQvi das _sob_re o
hQ!!lq_ere.c.tu_s e_ os outro.Lhominídeos que· y_ieram depoi~ . .P
·Embora os prime iros primatas fossem com·edores de in- horno e~ctu~_ .2.Q!J!inuou a depender de plantas par.!_a sua ali-
setos, folhas e frutas, a litera!ura popular sobre os primeiro s f!1enta<;ao, mas também parece ter ca<;ado animais grandes como
hominídeos gasta de salie!'tar o papel do homem cacador,. Oual - *: lefantes. E m Torraloa -eAmbronat na Espan-ha, Howell (1966)
é a evidencia de ue os primeiros hominídeos foram cacadoresr-- encontrou evidencia de que o horno erectus usou fQgo e arma~
A ass_ocia<;áo de ferramentas e pe ra- juñto com o_s_ossos de P,ara encurralar os elefantes _num páñtan o do qual nao poaeriam
~nimai~ - ha· qüase 2 lñiJlioes Cle anos atrás - sugere que-o:::-- fugir. O~tros sítios arqueológicos mostram queo horT}q erectus
nomo habilis (ou um dos australopitecos) comia carne. Para
verificar que esta associa<;áo náo era casual, Ship.man (1984)
fez algumas experiencias. Ela fabricou algumas ferramentas de
também comia rinocerontes e ursos selvagens (Leak~y 1981 ).
-
pedra parecida~ com aquelas de 2 milhóes de anos atrás e co- 2.2. Tecnologia
mecou a esquartejar animais. Depois usou um microscópio de
eléctrons para comparar as ma.rcas qué ela deixou nos ossos O uso e a fabrica<;áo de ferramentas é bastante comum
modernos com as marcas deixadas nos ossos de 2 milhóes de entre algumas espécies. Os chimpanzés juntam folhas para fazer
anos atrás. Ambas as marcas eram muito parecidas. lsto suge- urna «esponja» para tirar água de pocos, e limpam as folhas de
re que os primeiros_hominídeos comiam. carne. No entanto galhos para usá-los na «pesca» de cupins para comer (Goodall
Shipm~n náo concluiu que estes hominídeos foram cacadores. 1971 ). Como os primeiros hominídeos possuíam máos livres e
Ouando ela examinou mais a fundo os ossos antigos descobriu um cérebro mais complexo que o do chimpanzé, é provável que

28 29
eles também fabricassem e usassem ferramentas . No entanto, pécies podem ser muito agressivas numa área de vida, e muito
a primeira evidencia que ternos de instrumentos de pedra data pacíficas noutra. Os macacos sifaka e guenon sao muito agres-
de apenas dois milhoes de anos atrás. Provavelmente foram sivos contra macacos de outros grupos locais, mas demonstram
feítos pelo horno habilis, embora nao tenhamos evidencia direta pouca agressividade dentro do grupo. Os babuínos hamadryas
disto (Leakey 1981 ). As ferramentas do horno erectus foram um sao muito agressivos dentro . do grupo, mas demonstram pouca
pouco mais complexas. O'Brien (1984) sugere que o instrumen- agressividade para com outros grupos. Muitas espécies herbí-
to muito comum chamado machado acheuliano do horno erectus voras como veados e bisoes sao pouco agressivos com outras
servia nao para cortar árvores ou para abater animais, mas para espécies, mas os machos brigam ferozmente entre si quando as
cac;ar. lsto explicaria por que os horno erectus deixaram estes femeas estao no cio (Jolly 1972).
instrumentos principalmente perto dos rios onde os an imais
selvagens buscavam água. Em várias experiencias ela pediu i: muito difícil avaliar a a ressividade e a violencia entre
que atletas lanc;assem este «machado» a maneira do disco os primeiros om1ní eos. Alguns estudiosos vem tentando tirar
olímpico. Lanc;ado desta forma, o «machado» caía quase sem- conclusoes a partir dos ossos quebrados encontrados no regis-
pre com o ponto para baixo, e razoavelmente perta do alvo. tro arqueológico. Fósseis de ossos quebrados, em si, nao nos
dizem muita coisa pois poderiam resultar tanto de acident.es
As ferramentas de pedra feitas por neandertalis sao mais quanto de atos de violencia. Também poderiam ser quebrados
complexas e as do horno sapiens sapiens as mais complexas após a morte da pessoa, por acidente ou como parte de algum
de todas . Leakey (1981) notou que as diferenc;as estilísticas ritual de sepultamento. Para resolver alguns destes problemas,
entre as ferramentas do horno erectus na Franc;a e na Africa Trinkaus (1979) éxaminou cicatrizes nos ossos de neandertalis.
Oriental de 500 mil anos atrás eram menores que as diferenc;as Um osso poderia cicatrizar somente se a pessoa sobrevivesse
estilísticas entre dais vales adjacentes na Europa há 10 mil a alguma tratura. Num dos ossos cicatrizados Trinkaus concluiu
anos. Nao sabemos se isto reflete urna limitac;ao dos cérebros que a pessoa teve o pulmao perfurado por um instrumento pon-
dos primeiros hominídeos ou se reflete diferenc;as na disponi- tiagudo. Na maioria dos casos era impossível verificar se se
bilidade de matéria-prima. tratava de violencia humana ou de algum acidente. Mas urna
coisa ficou clara. Os neandertalis cuidavam um do outro quan-
Urna vez que animais parentes nossos como chimpaniés
.do ficavam doentes. Num caso um hom-em recebeu um golpe
e gorilas constroem ninhos para dormir, parece provável que
sobre o olho esquerdo, o que o deixou com o brac;o direito en-
os primeiros hominídeos também construíam habitac;oes para
colhido e o tornozelo direito artrítico. Muitos dos neandertalis
morar. No caso do horno erectus, os arqueólogos escavaram
examinados por Trinkaus ·parecem ter passado por épocas de
vários acampamentos com abrigos. Num acampamento no sul
invalidez nas quais precisavam da ajuda dos outros.
da Franc;a o arqueólogo de Lumley (apud Leakey 1981) conse-
guiu averiguar que as pessoas construíam abrigos de galhos de
árvores, e que usavam peles de animais como esteiras, ao redor 2.4. Sexo
do fago central. A vida destas pessoas era nómade, com ocupa-
c;oes sazonais do mesmo acampamento. Urna questao que data pelo menos da época de Freud e
Engels trata da evoluc;ao da sexualidade humana. Talvez a per-
2.3. Violencia gunta mais estudada é a perda do cio nas mulheres humanas.
~
Na maioria das espécies as femeas sao receptivas ao sexo só_
durante certas épocas do ~no. Ppr gue entao as lerneas huma-
Um dos temas mais explorados por escritores populares
nassao diferentes? Numa comparac;ao de vários p'rimatas Hrdy
é a questao da agressividade dos antepassados dos seres hu-
f1983) notou que existe urna diferenc;a no grau e intensidade
manos. Pesquisas mostram que -esta questao é mais complexa
do cio nas diferentes e spécies. As femeas entre os babuínos,
do que muitas pessoas pensam. Parte do problema é que es-
30 31
chimpanzés, macacos colobus e magabeys exibem urna incha- seres humanos. Mas as implicac;óes físicas_sáo talvez menos
cao e urna colora~ao brilhante nos órgaos genitais. durante o interessantes que_ as.. ~_acoes e..crLtercru s de pensameñTu:--
" cio. Durante este período breve elas tipicamente copulam pro- linguagem, arte e religiá2.:_ _ --
miscuamente com muitos machos numa sucessao rápida. Em
As marcas nos cranios fóss eis dos primeiros hominídeos
outras espécies de primatas como os orangotangos, marmosets
sao muit o informativas sobre quais as áreas do cérebro que
e langurs as femeas parecem disfarc;ar o cio e tem relac;óes se-
ma is se desenvolveram . Leakey (1981) ootou que a forma do
xuai·s com menos machos. Hrdy notou que o cio «exibido» é
cérebro dos australopitecos era muito mais parecida com o cé-
mais comum entre os macacos que vivem em grupos com mui-
tos machos. Hrdy argumenta que a prom iscuidade das femeas rebro do homem moaerno que com o cérebra_cle--cAimpanzé~
ou gorilas. O lóbu o temporal, responsável pela memória, e o
nestas espécies faz com que os machos fíquem sem saber se
os filhotes sao deles ou nao. Assim se evita o perigo muito lo bulo parietal, resR_Q.nsavel Qel.Q.J~rocessamento de inf_O!:,!llil~óes ;
dominavam muito mais no australopiteco que no cfil '!!_Eanzé. Sáo -
comum em muitas espécies dos machos matarem os filhos de
as partes aedicadas a linguagem que mais ~e oesenvolvem. -
outro macho. Nas espécies com o cio «disfarc;ado» as femeas
vivem geralmente em companhia de um só macho, e os filhos
-
Embora pesquisadores tenham tentado ensinar os chim-
correm menos perigo de serem mortos por outros machos. panzés e gorilas a falar·em um idioma humano, seus esforc;ps
foram em vao. O problema náo está no cérebro destes animais ,
A perda do cio nas femeas humanas parece ser urna
mas nas suas gargantas, pois os cn1mpanzés e os gorilas nao:_
continuac;áo do cio «disfarc;ado» de certos primatas. lsto suge-
po'Ssuem a estrutur-ª Jisrc-a rrerctrssária paca pronunciar palavras.
re que as femeas dos primeiros hominídeos fossem pouco pro-
No entanro, vários pesquisadores tem conseguido M sinar cbim-.
míscuas. O acasalamento poderia ter sido monogamico, ou seja,
panzés e o a se comunicarem nos idiomas de gestos usa-
um macho se juntava com apenas urna femea, ou de forma po-
os por surdo-mudos!..~em i ioO'Uls_ art1ftc1·ajJ;..: :-e-] órila Koko
1igamica no qual um macho poderia manter várias femeas.
consegu1u aprender 375 gestos-palavras e juntá-los em .fras..e.L
como «Rogerio sujo» ou «beber refrigerañte» (Hill 1978).
2.5 . Inteligencia e Linguagem Num estudo da garganta de vários australopitecos~ outrqs
pesquisadores concluíram que estes homiñídeos também tinham .
Gould (1977) fez urna pesquisa comparando o peso dos gargantas incapazes de produzir os saos necessátias para falar
cérebros de várias espécies de animais com o peso dos seus (Lait man 1984). Alguns pesquisadores acham que o neandertal
corpos. Ele descobriu que· existe urna relac;ao linear entre as também tinha urna capacidade de falar muito limitada, pois nao
duas variáveis, embora o peso do cérebro aumente mais deva- pode ria ter pronunciado as vaga.is «a», «i» e «u» consideradas
gar que o peso do corpo.· Cuando se considera o peso do car- necessárias para urna comunicac;áo oral ~f i caz. Estas pesquisa~
po, os primatas em geral parecem ter cérebros um pouco maio- -r levaram alguns estudiosos a
conclusáo de que a prime ira lin-_
res que os dos outros animais. O cérebro do australopiteco guag_em do_s.eLlwmana..dell.ia ter sí.ao:uma trngy_agem de gestos,
africanus foi menor que o cérebro do gorila moderno, mas Gould e nao uma_ ljnguagem-ar.a.L_ No entanto, Falk (1980) nota que
nota que o australopiteco também ti nha_ u'!' _Q_orpo mu ito menor.
OÜando se descanta o peso do corpo, a linhagem humana de- -
os cérebros de certos primatas parecem ser adaptados a uro
sistema de comunica~áo oral Os macacos japoneses, por exem-
monstra um cérebro muito maior que os outros animais. plo, distinguem no lado esquerdo dos seus cérebros (o lado da
Muito se tem talado sobre as implicac;óes deste aum·ento linguagem) vários tipos de sons usados na comunicac;ao oral.
no tamanho do cérebro . Por exemplo, um cérebro maior mostea Provavelmente a linguagem oral evoluiu de uní sistema cada
que as crianc;as humanas tivessem que nascer muito ce do. Se- vez mais complexo de gritos. Os chimpanzés selvagens, po~
nao -as cabec;as náo passariam pelo canal vaginal (Gould 1977), exemplo, tem gritos diferentes para coisas como perigo, co~i- ...
o que provocou um período de dependencia muito maior nos da e desejo sexual; mas sem instruc;áo humana os chimpanzes

32 33
nao podem juntar dois ou mais gritos para fo_rmar urna comu- Depois da evolu<;ao do horno sapiens sapiens, a base ge-
nica áo nova. A rimeira-etapa na éVOlu<;ao humana teria sido nética do ser humano tem ficado essencialmente a mesma até
_a_ c_
o_m bina~áo de ~gritos. _E..,s te processo evo utivo seria os nossos dias. As grandes mudanc;as nas nossas vidas desde
muito_ ¡¿arecida_com _Q_ processo de aprendizagem de. cria~S-- a é_E..oca pré-históricª- náo se_dav.e_m_a_evol.ucáo'."°"biológica, mas -
qµe também come<;am a talar com_paÍavras solitárias-(co_mo a evolu<;ao cultu@I. Trataremos desta evolu<;áo e da variabili: --
~apai» ou «bolo»), e depois _j~ntam duas _ealavras Qara_formar _ Cíaae cultural dos horno sapiens sapiens nos capítulos a seguir.
frases simples (como «bofo ruim» ou «dá bolo»).
Náo podemos ainda julgar as habilidades comunicativas
dos diferentes hominídeos mas, como assinalam alguns pesqui-
!Jlt sadores (Holloway 1969), a simples habilidade ~e !abricar ins-
-trumentos -
de_pedra já indica um certo grau áe haoilidaae co-
-
municativa, pelo meng~ no horno habilis.
-

f..6. Arte e religiao

E difícil julgar a presen<;a de sentimentos estéticos ou


religiosos em outros animais. Goodall (1971) descreve um «ri-
tual» feito por chimpanzés no início de chuvas fortes. Os ma-
chos tiram galhos de árvores e os balan<;am no ar numa «dan<;a»
que dura até 20 minutos. Rensch (1972) pesquisou a questáo de
preferencias estéticas no chimpanzé. Ele descobriu que os
chimpanzés geralmente preferem círculos concéntricos a qua-
drados concentricos, simetría a assimetria, e conjuntos de cubos
da mesma cor a conjuntos de cubos de cores diferentes.
No caso dos primeiros hominídeos, Leakey (1981) nota
que certos sítios arqueológicos de horno erectus~nstram
urna atencao esf,lecial no a[@njo dos ossos dos elefante~_mor­
tos._ Ele sug~re ue isto é indicativo de algum ritual, embora
ñao possamos tirar conclusóes definitivas. A evidencia é mais
clara no caso de neandertalis. Numa caverna no !raque os
neandertalis eram sepultados com flores, a maioria das guais
sáo r~nhecidas ~orno tendo valor medicinal pelos hab.:..:it=a.:.:.
n~,_­
·atuais da área. Algumas pessoas tem especulado que isto su-
gere que o neandertal acreditava numa vida depois da marte
As pinturas belas e famosas das cavernas da Europa e da Tan-
zania datam todas da época dos primeiros horno sapiens sa-
piens. Por outro lad·o nao ternos evidencia de pintura entre aus-
tralopitecos, horno erectus, ou neandertal, embora seja difícil
confirmar a sua inexistencia entre estes outros hominídeos
(Leakey 1981).

34 35
sais a duas crianc;as cada, a populac;áo chinesa aumentaria mais
300 ou 400 milh6e.s, até se estabilizar no ano 2000 (Brown e
Wolf 1984).

11 Esta mudanc;a na política populacional chinesa tem para-


lelos em outros países. Na Uniáo Soviética dos anos trinta, as
mulheres que tivessem dez filhos ou mais recebiam medalhas
de ouro e eram consideradas heroínas da nac;áo (La femme e
le comunisme, 1951 ). Hoje em dia o país se preocupa com o
NASCIDOS E MORTOS aumento da populac;áo muc;ulmana nas suas fronteiras. Há pou-
cos anos, os líderes de países africanos incentivavam seus ha-
bitantes a terem mais filhos para garantir a soberania nacional,
mas numa reuniáo da comissáo económica africana, em 1984,
representantes de 44 nac;6es africanas apoiaram o comprometi-
mento dos seus governos com o planejamento familiar (Brown
e Wolf, 1984).

Por gy_e tantas diferenc;as nas atitudes a respeito da ter.- ~


tilidad~? Embora nao tonham respOSlas definitivas, os antro-
pólogos tem notado algumas tendencias demográficas que po-
dem ajudar a entender esta variac;áo. Segundo estimativas de
paleontólogos, há um milháo e meio de anos a populac;áo hu-
Em meados de mar<;o de 1983, sob ordem das autorida- mana na terra nao devia ter ultrapassado de 125.000 pessoas
des chinesas, Zhi Hui, um campones da província de Fujian, foi (Swedlund e Armelagos 1~iaépoca-.rao-se tratava-
fuzilado . o seu crime: tinha retirado os DIU de oitenta _mulhe- do ser humano moderno mas do nosso antepassado: horno
res, propiciando, assim, o nascimento de 60 crianc;as nao pro- erectus. O horno sapiens ~-ªQiens -=.fo_ser_bumano moderno)
gramadas no planejamento familiar chines (veja 1983, p. 49). Na surge somente há cercade 40.000 anos. No início a populac;ao-
província de Shandong Liu Chunshan recebeu urna sentenc;a de cresceu muito devagar::.. Na época paleolítica (antes da domes-
15 anos por outro crime : Liu matou sua filha de quatro anos tic-ac;áo de plantas) a..-ta~ de crescJ_meJ!!9 '!'undial ~ estimad-ª
depois de descobrir que a sua mulher estava grá~i?a; a .s~gunda entrEL Q,0Cl01 ~/o_e 0.,003°/o ao aru> . . Com o início da agricultura
gravidez se tornara contravenc;áo ao progra~a . of1c1al ch1n~s que no Oriente Médio (período neolítico), há uns 10.000 anos, a es-
previa apenas um filho por família. Um ad1v1nhador hav1a pre- timativa de créscimento populacional anual subiu para 0,08°/o
dito para Liu que, nesta vez, sua mulher daria a luz um f~lho. a 0.12 º/o (Swedlund e Armelagos 1976). Em 1650 a populac;ao
Como a maioria dos chineses, Liu preferia um filho a urna ftlha, mundial era calculada em aproximadamente 0,5 bilháo, e a taxa
e matar a menina de quatro anos era a única maneira de reali- de crescimento tinha subido_p_ara o. 01~0 ano,: Em f970, corñ
zar seu sonho (Beck, 1984, p. 35). crnfa populac;áo de 4 bilhoes, a taxa de crescimento tinha au-
mentado para 2, 1ºlo ao ao.Q__(Meadows et alii, 1974). Se no pa-
A política populacional chinesa nem. sempr: foi táo an:i- Teorrtico a populac;áo dobrava no período de 25.000 a 100.000
natalista. Depois da Segunda Guerra Mundial os. lideres do pa1s anos, em 1970 dobrava a cada 34 anos.
incentivaram as pessoas a terem mais filhos, o que ocasionou
um aumento da populac;áo no pós-guerra. No entanto, projec;6es ~nti_gamente, éstudios~~ibuíam_est cres~imento len-,
demográficas feítas pelos chineses no final da dé.cada de 70 to do paleolítico e do neolítico a urna mortalidade s_ypostfilTle[!te .....
assustaram os líderes ao mostrar que, mesmo limitando os ca- muito alta nestas épocas . Segundo est e argumento, os povos
----~~~~~~_:_~-

36 37
pré-históricos apresentavam urna fertilidade tao alta quanto nas Estas diferen9as nao passam despercebidas a muitos
....... - grupos indígenas ao entrar em contato com a «civi 1izac;;ao». Os
épocas posteriores, mas a mortalidade alta (sobreruao de crian-
911s1 falla com qu'e a popula9[o nao aumentasse com muita ra-- índios Mekranoti-Kayapós do Pará falam diretamente que nao
pidez. Este era o argumeñfo Cfe1V1a tfius, ent re outros (Matthu ·, querem a vida dos pretos e outros pobres brasileiros. Na época- _____.
1 S'30l. anterior ao contato, os índjos Kayapós e Xavantes (do Mato
Grosso) apresentavam taxas de mortalidade infantil de apenas
10°/o e 6°/o respectivamente (Werner 1983a; Flowers 1983). Nao
é de admirar, entao, que estes índios nao querem entrar na so-
1. Mortalidade e saúde \
- 1 ciedade nacional ao nível dos desprivilegiados do norte e nor-
deste do país.
Dados recentes sobre sociedades simples contempora-
neas nos fazem questionar esta idéia de fertilidade e mortali- Como se explica esta mortalidade relativamente baixa
dade alta na pré-história. Embora estas sociedades «primiti- em sociedades sem médicos, sem hospitais e sem INPS? Pes-
vas» nao sejam «representantes» de tempos antigos, a maneira quisas mostram que vários fatores relacionados com a «civil iza-
delas conseguirem alimentos e a sua tecnologia simples podem yao» podem agravar a saúd~. Em parte, algumas doenc;as mo:
nos ajudar a entender as condic;óes de vida daqueles tempos. dernas parecem relacionadas a falta de exercício físico junto
Urna das sociedades mais estudadas é a dos Bosquímanos com pressoes psicológicas específicas ao estilo de vida moder- .
!Kung da Botswana e Namíbia na parte sul da Africa. Os Bos- na. Por exemplo, problemas de corac;ao e pressao alta sáo - .
químanos !Kung vivem da coleta de frutas e legumes selvagens muito raros entre grupos como os !Kung (Truswell e Hansen
e da cac;a de animais no deserto do Kalahari. Nao praticam 1976), ou os índios Kalapalo.._ Kamaiura, Xavante e Karajá no .
nenhuma forma de agricultura. Em muitos aspectos o deserto Brasil . Mas os indios Mundurucu que mantem mais contato
onde moram é um ambiente muito mais hostil a vida humana ~om a civilizac;ao tem pressao mais alta (Lowenstein 1973).
que o ambiente da maioria das sociedades pré-históricas. No Também a acuidade visual é muito melhor em sociedades como
entanto, examinando os !Kung podemos formar urna idéia das o_s Xavante onde as pessoas na_o aprendem a ler,. (Lowenstein
pro~áveis taxas de fertilidade e
ino-rfálidade das sociedades pré- 1973). .
históricas.
Um fator que ajuda muito a explicar a baixa mortalidade
Depois de reconstruir as histórias das gesta<;óes de 165 em muitas sociedades simples é a baixa densidade populacio-
mulheres !Kung, a demógrafa Nancy Howell (1976) conseguiu nal. Várias doenc;as infecciosas cómo sarampo, caxumba, ru- ·
béola, poliomielite, gripe e resfriado nao podem existir em po-
calcular as taxas de mortalidade infantil neste g~upo. Ela des-
pulac;óes dispersas, pois as · bactérias e virus destas doenc;as ·
cobriu que 20°/o das crianc;as !Kung nascidas vivas morriam no ..
precisam de urna densidade maior de anfitrioes humanos para ·
primeiro ano de vida. Esta taxa de mortalidade parece muito
sobreviver (Fenner 1970). _É em parte porque nunca foram eX:
alta em comparac;ao com as sociedades ricas modernas. Nos
postos a estas doen<;as que grupos indígenas nao apresentam -
Estados Unidos marre apenas 1,36°/o, na Uniao Soviética 2,77º/o
resistencia biológica a e.!_as e m.Qrrem tao facilm~nte depois
e na Franc;a 1,04°/o das crianc;as nascidas vivas. No entanto, em
dos primeiros contatos com a civiliza<;ao. Na época de contato-
muitos países pobres, a mortalidade é muito maior. Na Zambia
entre os Kayapós e os Xavantes, apenas 60º/o das crian<;as nas-
-25 ,9°/o das crianc;as nascidas vivas morrem no primeiro ano de
cidas vivas sobreviviam até o seu décimo aniversário (werner
vida, no Gabao 22,5°/o e na Guiné 21,6°/o. A taxa no Brasil é de
1983; Flowers 1983). A baixa densidade populacional de muitos
17°/o (Almanaque Abril, 1982), embora em alguns estados as grupos «primitivos», junto com o nomadismo típico da vida c!e
taxas possam ser ainda mais elevadas. No Ceará um quarto dos
nascidos com vida morre no primeiro ano (Jornal Nacional,
- ~uitos destes grupos, também ajudava a evitar infestac;óes de.
parasitas intestinais .. pois as pessoas estáo sempre se 'afastan-
24-8-83). do do seu 1ixo e das su as fezes (Fenner 1970). • ·

38 39
Apesar da protec;ao conferida as sociedades pré-históri- Algumas sociedades modernas com taxas de mortalidade
,. cas pela baixa densidade populacional e pelo nomadismo, pare- muito elevadas tem também taxas de crescimento demográfico -
ce que existiam várias doenc;as infecciosas, mesmo antes do muito altas. Por exemplo, na Zambia, onde mais de um quarto
surgimento da civilizac;ao. Estudos de carpos mum·ificados entre das crian<;as marre antes de completar o primeiro ano de vida,
índios pré-colombianos da América do Sul confirmam a existen- a taxa de crescimento anual é de 3, 1ºlo, o que implica numa du-
cia de tuberculose (Newman 1976) e de vermes (Ferreira et alii plicac;ao da popula<;ao a cada 23 an·os (Almanaque Abril 1982).

1982) nestas populac;oes, o que sugere que estas doenc;as pro- É óbvio, entao, que a mortalidade por si mesma nao poderia
vavelmente datam de urna época bem antiga. Porém, a presen- explicar nem o crescimento lento da populac;ao humana pré-his-
c;a destes agentes infecciosos nao implica necessariamente nu- tórica nem as diferenc;as de crescimento populacional hoje em
nía taxa maior de doenc;as ou de mortalidade, pois fatores como dia. Este crescimento está muito mais ligado as taxas de fer-
tilidade
um bom regime alimentar podem proteger as pessoas contra os
. efeitos mais nocivos das doenc;as. .
Se· podemos considerar os ! Kung como representativos ~
de sociedades pré-históricas, entao o regime alimentar destes 2. Fertilidade
povos deve ter siclo bastante bom. Os ! Kung dependem de urna
variedade grande de plantas selvagens e de animais para a sua- _
alimentac;ao. De singular importancia é a castanha de mongon- Por que as mulheres de algumas sociedades tem mais
go, rica em proteínas. Talvez por causa da alta quantidade de filhos que as de outras? Demógrafos e antropólogos tem su-
fibra na sua dieta (o que os fon;a a comer grandes quantidades gerido várias hipóteses. Um argumento salienta o tempo de
de alimentos sem ap,roveitar as caloriasl •. o regime alimentar amamantar as crianc;as. _Pesquisas biológicas mostram que· quan-
dos !Kung é relativamente baixo em calorias. Até hoje nao
existe nenhuma evidencia que isto seja prejudicial a saúde.
Pesquisas médicas mostraram que os ! Kung desfrutam de um
-- to mais urna mulher amámenta urñ filho, menor a probabilidade
dela ovular e ficar grávida de novq. (Konner e Worthman 1980).
Este argumento explicaria algumas mudan<;as gerais• de fertili-
regime qualitativamente muito bom. Nao existe nenhuma indi- p ade na história humana. Ern sociedades em que as pessoas
- - 1
~cac;ao de insuficiencia de substancias nutritivas. Este regime -... vivem de comida selvagerri nao existem alternativas facilmente
alimentar até deixou os !Kung livres de certas doenc;as como substituíveis para o leite materno. Com o surgimento da agri-
cáries dentais, hemorróidas, varizes e hérnias, comuns no mun- cultura, comidas mais macias (como mi ngau de cereais) podem
do desenvolvido por causa do regime alimentar alto em ac;úcar, ser dadas as crianc;as. O caso dos ! Kung apóia este argumento
carboidratos e baixo em fibra (Truswell e Hansen 1976). As crianc;as !Kung que vivem ainda de comida selvagem depen-
dem completamente do leite materno durante uns dois ou tres
A importancia destes fatores preventivos de doen<;as é anos. ~as os !Kung que recentemente comec;aram a plantar -
salientada em pesquisas sobre a diminuic;ao das martes atri- alimentos desmamam as criañc;as muito mais cedo .. Como re-
. buídas a doen<;as infecciosas no último século nos Estados Uni- sultado , as maes ovulam mais cedo e tem mais criañc;as (Lee "'
dos e na Inglaterra. Estas pesquisas mostram que muitas doen- 197.9). Este argumento explicaria também a fertilidade mais
<;as como tuberculosa, cólera e escarlatina diminuíram drastica- ... alta de müTheres em sociedades com agricultura mais intensiva.
mente antes da invenc;ao da cura ou vacina contra elas. Nao Como veremos adiante, mulheres em tais sociedades geralmen-
·foi a medicina, mas os esfor<;os para limpar o ambiente (puri- te trabalham mais que as de sociedades com agricultura sim-
ficac;ao de água, constru<;ao de esgotos, higiene alimentar), ples. Como precisam trabalhar muito, elas tem menos tempo
~

aliados a um melhoramento no regime alimentar que foram os para amamantar as crianc;as e precisam substituir o leite mater-
responsáveis pela reduc;ao de infec<;oes (McKeown 1978). no por outros produtos (Ember 1983).

40 ·41
Outra hipótese para explicar diferenc;as de fertilidade na nao devem ser do mesmo sexo. Assim, se urna mulher Tapi-
.. _ história humana salienta a questáo cie g_Q!dU@.: Pesquisas bio- - rapé tem duas filhas, e nasce urna terceira, esta é enterrada
lógicas tem mostrado que mulheres musculosas e magras sao ao nascer. Também se urna mulher, durante a sua gravidez,
menos férteis que mulheres gordas (Frisch 1980). Segundo este tiver relac;oes sexuais com vários homens, a crianc;a que nasce
argumento, mulheres de sociedades nómades (como a maioria é marta sob pretexto de ser prejudicada se algum dos vários
das sociedades pré-históricas) sao menos férteis porque fazem «pais» cair em erro. Além disso, os Tapirapé enterram gemeos
mais exercício físico e comem menos carboidratos que mulhe- ~ no momento que nascem. Com esta políti ca antinatalista , nao
; es sedentárias. Com a invenc;ao da agricultura, as mulheres é de admirar que estes índios quase desapareceram depois de
andam menos e comem comida mais rica em calorías tornando- sofrerem as doenc;as causadas pelo contato com a «civilizac;ao»
se, assim, mais gordas e mais férteis. De novo, o caso dos - (Wagley, 1973).
! l;<ung apoiaria este argumento, pois as mulheres ! Kung seden-
tárias sao mais gordas e mais férteis que as mulheres ainda Outras sociedades indígenas também limitam a sua po-
nómades. pulac;ao. Os homens Desana, da regiao do noroeste· amazónico,
acreditam que atos sexuais com mulheres diminuem a cac;a,
Embora amamentac;ao e gordura possam talvez explicar pois no seu modo de pensar o universo tem uma_quantia_ fixa
algumas mudanc;as históricas na "fertilidade humana, nao pode- - de energía que se utiliza tanto na reproduc;ao animal quanto na
riam explicar mudanc;as mais recentes ou diferenc;as de fertili- humana. O gastar energia com atos sexuais com mulheres di-
pade entre países modernos. As mulheres de países ricos sao minui a potencialidade dos animais de se reproduzirem. O re-
mais gordas e amamentam menos as crianc;as que as mulheres sultado é a repressao sexual na sociedade Desana e muita an-
c:te-países pobres; no entanto, a sua fertilidade é menor. Outro siedade sobre os perigos do sexo. Um homem Desana que tem
'fator talvez mais importante para explicar as variac;6es de fer- mais de dois ou tres filhos é considerado irresponsável e odío- -
tilidade em sociedades diferentes é. o desejo de ter crianc;as . so (Reichel-Dolmatoff, 1971).
Há muita evidencia de que as pessoas em todo tipo de socie-
Os Mae Enga do altiplano ocidental da Nova Guiné tem
dade tem opini6es sobre a sua fertilidade e sabem controlá-la.
crenc;as muito parecidas com as dos Desana . Os homens Mae
Para um grupo nómade, como na maioria das sociedades _Enga acreditam que atos sexuais com mulheres dimjnuem a sua
pré-históricas, a necessidade de carregar crianc;as pode ter sido própria forc;a e enfraquecem a mente e o carpo. Com medo de
um fator muito importante na decisao de ter ou nao um filho. estragar a sua comida ou de destruir as suas plantas, os ho-
Os Bosquímanos !Kung ainda nomades reclamam que nao po- men~ evitam cozinhar e entrar nas suas roc;as depois de ter
de·m ter muitos fllhos, pois isto implicaria em carregar mais de rela<;6es sexuais com as mulheres. A ansiedade sobre o sexo
'
urna crianc;a de· cada vez, o que impossibilitaria que as maes leva alguns jovens a viverem solteiros durante toda a vida. ,,O
fizessem o seu trabalho diário de buscar comida selvagem. De- medo de excesso de fertilidade é evidente em outros costumes
pois do nascimento de um filho, as mulheres esperam, em mé- dos Mae Enga, como o infanticídio (a matanc;a de um recém:
dia, quatro anos antes de ter outro. As vezes, quando nasce nascido), e o assassinato das viúvas um dia pós a marte· do
uin filho logo depois de outro, as mulheres !Kung matam o re- -marido (Lindenbaum 1972).
cém-nascido (Howell 1976). Para os índios Caduveo do Mato Grosso a idéia de pro-
criac;ao era considerada nojenta. O aborto e o infanticídio eram
Muitas outras sociedades também exprimem desejos de
tao comuns que os índios precisavam roubar crianc;as de outros
limitar a sua populac;ao . Os índios Tapirapé, que habitam as
grupos para garantir sua continuidade (Lévi-Strauss 1970).
margens de um afluente do Rio Araguaia, acreditam que os
pais nao poderiam sustentar famílias grandes e que ter muitas Um dos exemplos mais extremos de controle de popu-
crianc;as levaria a fome. Os Tapirapé insistem que urna mulher lac;ao é o caso de, Tikopia, urna ilha pequena no Pacífico. Os
nao deve ter mais que tres crianc;as vivas. Estas tres crianc;as Tikopianos praticavam abortos e infanticídio para nao aumentar

42 43
a sua populac;áo. Os jovens tinham que esperar muitos anos _.A importancia do trabalho de crian<;as nas decisoes
para se casar, e as vezes, quando os recursos alimentares eram qüanto a ter ou nao filhos foi confirmada numa pesquisa com-
muito limitados, os caciques e os chefes de família mandavam p-arando 20 sociedades nao-industrializadas na Africa, Asia, ín-
rapazes fazerem, em grupos «viagens do mar», com a esperanc;a dia, ilhas do Pacífico, América Latina e América do Norte (so-
de que nao voltassem (Firth 1936). ciedades indígenas). Depois de examinar centenas de variáveis,
Sipes (1980) descobriu que os fatores mais correlacionados com
No entanto, outros grupos «prirpitivos» tem políticas
a taxa de crescimentó populacional foram: 1) o valor dado ao
muito mais pró-natalistas. Como em várias sociedades, os ca- •
trabalho juvenil, e 2) a contribuic;ao económica para a família
~ques dos índios Mekranoti do Pará fazem discursos para a
aldeia e incentivam os rapazes e as meninas a terem mais re- de crian<;as prepúberes. ls~o nao quer dizer que os pais te·
li_c;oes sexuais para aumentar a populac;ao. Quando nasce urna - ñham filhos apenas porgue,,. querem trabalhadores . .Obviamente,
c~. toda a aldeia vai visitar o recém-nascido. Hoje em dia a- maioria dos pais sente amor e carinho para os seus filhos, e
se urna mulher Mekranoti sobrevive até 55 anos tem mais de pensa neste· amor ao decidir ter ·crianc;as. No entanto, o estudo
• .. 1

_8- filhos. Apesar do desejo de ter mais crianc;as, as mulheres de Sipes mostra que o fator econornico é imp'ortante na decisao
em certas épocas da história do grupo nao conseguiram criar s9bre. quantos filhos um casal pode sustentar.
mais filhos por falta de maridos, isto porque urna grande quan-
ti'aade de homens tinha morrido nas guerras com outros grupos Ainda resta muito a ser pesquisado sobre a variabilidade
(Werner 1983). cultural da fertilidade e mortalidade. Urna questao importante
·é a possibilidade de diferenc;as de opiniao dentro da mesma so-
Como mostram estes exemplos, muitas sociedades nao ciedade quanto ªº número de filhos que as pessoas devem ter.
~¡~fizadas encontram meios de controlar a sua populac;ao quan- Pesquisas preliminares indicam, por exemplo, que os homens
~o querem, sem precisar de programas de «planejamento fami- e as mulheres mujtas vezes tem opinióe·s bem· diferentes sobre
_liar». Talvez um dos métodos mais eficazes para evitar excesso o número de filhos que se deve ter. Urna vez que sao as mu-
efe filhos em sociedades sem anticoncepcionais seja o tabu de lheres que precisam agüentar a gravidez e o trabalho de cuidar
a
ter relac;oes sexuais depois que urna mulher dá luz urna crian- das crianc;as, é . comum_ quer:er--em- menos filhos que os seus
c;a. Ero algumas sociedades, como os Nyakyusa da África, estes maridos (Nardi 1981 ). Em sociedades estratificadas as pessoas
tabus chegam a durar quatro ou cinco anos. Urna pesquisa com- de- status diferentes tarñbém """podem ter opinioes contraditórias
parando muitas sociedades «primitivas» mostrou que onde estes sobre o número «certo» de crianc;as numa família. Dependendo
labus duram mais tempo, a fertilidade. é mais baixa (Nag 1968). d~ época, os donos d~ndústrias po<!_e!ll querer ta~as de~e_s_-_ _.
' 1

cimento demográfico maisaltas ou mais baixas, para prover-se


~ prática comum em sociedades modernas as pessoas de mais ou menos trabalhadores. Em todas as sociedades os·
atribuírem a alta fertilidade das classes mais pobres a falta c;fe interesses dos indivíduos podem · divergir dos interesses do '
conhecimentos. Por exemplo, a classe alta da índia costuma -grupo. Por exemplo, todo mundo poderia reconhecer que a so-
dizer que os indianos pobres possuem muitos filhos porque nao ciedade, em si, está superpovoada, !!HlS-ainda podaria-S.er do ~
te_m outra coisa para fazer e divertir senao ter relac;oes se- interesse de cada indivíduo ter mais filhos, se assim pudesse ..,
xuais. Mas pesquisas mostram que estas percepc;oes sao erra- fnelhorar a sua situa<;áo pessoal.
~as. Os indianos pobres jogam fora os anticoncepcionais que
recebem do governo, nao por ignorancia, mas porque, de fato, . Conflitos modernos sobre a política demográfica de um
eles querem ter crian<;as.- Para os pais o traba.lho das crianc;as pais , como os citados no início deste capítulo, podem resultar
é muito importante para sustentar a família, urna vez que os de diferenc;as de interesse dentro da mesma sociedade. Estes
meninos podem trabalhar nas ro<;as, ou buscar trabalho assala- conflitos talvez nunca se resolvam. fvtas podemos, pelo menos, ·
riado nas cidades (Nardi 1981). Na índia 23º/o da renda familiar reconhecer que certas idéias sobre o crescimento populacional
total vem do tr~balho de crianc;as (Newsweek 24-1-83). sao erradas . Como vimos neste capítulo , o crescimento popu-

44 45
~ci~al na história humana parece mais ligado a fertilidade__
gue a mortalidade. A fertilidade tem muito a ver com os dese-
jos das pessoas terem filhos, pois em todas as sociedades hu- -
manas as pessoas sabem limitar a sua prole quando querem.
Há. também evidencia de que o desejo para ter filhos esteja - 111
relacionado aos custos e 'benefícios económicos das crian<;as.
Anticoncepcionais modernos podem ser muito úteis para facili-
tar as pessoas que querem limitar a sua fertilidade, mas nao --
sao, em si, urna respost_a aos problemas populacionais do mun- COMIDA E TRABALHO
do mode.rno. Mesmo o declínio dramático de fertilidade na Eu-
ropa,. depois da industrializa<;ao, nao pode ser atribuído ao uso -
de anticoncepcionais. Os demógrafos o atribuem a prática de
g_oitus interruptus (Nardi 1983). ~e quisermos mudar o "quadro
populacional do mundo de hoje, teremos que pensar nos fatores
_que estáo atrás das decisóes tomada§. por gais quando resol-
vem ter filhos. Muitas vezes estes fatores sao relacionados ao - -
trabalho. Este é o assunto -~º próximo capítulo.

Nos desertas do México e do estado norte-americano do


Arizona crescem tomates no ar, com as raízes pendencio livre-
mente, justamente acima dos alfaces. Trata-se de experiencias
com estufas em ambiente controlado, nos quais se consegue
produzir 2,5 mil toneladas de tomates e pepinos por ano numa
área de apenas 4,5 hectares. lsto constitui urna produ<;áo 20
vezes maior que a obtida em campos abertos. Os cientistas res-
ponsáveis pelo projeto esperam que: ao deixar crescerem plan-
tas no deserto com pouca água e poucos produtos químicos.,
esta técnica ajude a resolver o problema da fome no mundo
(Ferguson 1982).

O Conselho Mundial de Alimenta<;áo das Na<;óes Unidas


concluiu em 1979 que 50 mithoes de pessoas morrem_de fome
a cada ano no mundo. Anualmente 200 milhóes se tornam surdo-
mudos ou deficientes por falta de· comida iodizada e 250.000
crian<;as tornam-se cegas por falta de vitamina A. Delegados
para o Conselho concluíram que as taxas de mortalidade de-
vida a fome nunca foram tao altas. Apesar dos progressos cien-
tíficos, a situa<;áo atual é pior que a do século XIX (Conti 1980).
Alguns cientistas prevem situa<;óes ainda piares no futuro. Os

46 47
solos dos países fornecedores de alimentos (como os Estados siva intensificac;áo foram grandes realizac;óes do ser humano e
Unidos, Canadá e Brasil) estáo se e,sgotando com a erosáo melhoraram substancialmente a qualidade das nossas vidas.
.. (Brown 1981 ). Crises de energia, poluic;áo e minerais básicos Hoje ternos dúvidas sobre esta idéia de «progresso». Pesquisas
ameac;am juntar-se a crise de crescimento populacional (Mea- comparativas de sociedades contemporaneas, ao lado de estu-
dows 1972). Alguns temem o final da nossa civilizac;áo. dos arqueológicos de sociedades antigas, nos dáo urna idéia
melhor da qualidade de vida em épocas passadas, caracteriza-
A queda de urna civilizac;áo por causa de crises ecológi- das por tecnologias diferentes.
cas nao seria urna novidade na história humana. As primeiras
civilizac;óes na Mesopotamia, na área dos atuais lraque e Irá,
desenvolveram-se e extinguiram-se em func;áo de problemas de
salinizac;áo em suas terras irrigadas. Os poderes centrais das
1. Tecnologias
civilizac;oes mesopotamias tentavam extrair sempre mais ali-
mentac;áo da terra dos camponeses situados ao redor .das ca-
pitais. lsto implicava em nao deixar tempo suficiente para a
terra descansar. Pouco a pouco as terras saturavam-se do sal ..Os antropólogos costumam classificar as sociedades hu-
da água irrigada evaporada . Até certo ponto foi possível conti- manas segundo o tipo de tecnologia que usam para obter ali-
nuar a extrair mais comida das terras, desde que as pessoas mentos. Urna classificac;áo que tem-se mostrado muito útil dis-
investissem com mais trabalho. Porém, chegou um momento tingue: 1) sociedades de cac;adores e coletores, 2) sociedades
em que o aumento do volume de trabalho nao produzia mais com agricultura extensiva, 3) sociedades com agricultura inten-
siva e 4) sociedades de pastores especializados.
efeito; as terras simplesmente se esgotaram. A fome reinava
nas capitais e as civilizac;óes decaíram •. para ressurgir em outras
-
áreas distantes dos problemas da salinizac;áo (Gibson 1971 ).
1 .1. Ca9adores e coletores
Outras civilizac;óes seguiram padróes semelhantes aos
da Mesopotamia. A salinizac;áo também destruiu a civilizac;áo Os cac;adores e coletores dependem completamente de
indígena de Hohokam no atual estado do Arizona nos Estados alimentos selvagens. Desde a origem dos p'rimeiros seres hu-
Unidos, devido, também, a irrigac;áo. Os ossos de crianc;as manos há 2.000 .000 de anos até 10.000 anos atrás, todas as
Hohokam pouco antes da queda da sua civilizac;áo mostraram pessoas dependiam de comida selvagem. Do número aproxima-
sinais de desnutric;ao (Adams 1983). Na Mesoamérica . pode ter do de 80 bilhóes de pessoas que tem habitado nosso planeta,
sido o rebaixamento de lenc;óis de água por causa de sua su- mais de 90º/o tem vivido como cac;adores e coletores (Lee e
perutilizac;áo que provocou as quedas cíclicas de civilizac;óes Devore 1968). rEsta-ª-p_opula~óes tem-se espalhado por todas as
como Teotihuacan, lula, Toltec e Olmec, e o seu ressurgimento partes do mundo - África, Europa, Asia, as Américas e as
em áreas periféricas (ver Lees 1971 ). No Egito, as primeiras i.lhas do Pacífico. 10s cac;adores e coletores do século XX sao
civilizac;óes decaíram com a desertificac;áo provocada provavel- limitados a terras marginais, dificilmente utilizávels para agri-
mente pela queima das árvores acácia e a explorac;áo excessiva cultura. Os Bosquímanos !Kung moram no deserto Kalahari de
das pastagens por ovelhas e cabras. A desertificac;áo do am- Botswana e da Namíbia. Os aborígines da Austrália vivem nos
biente naquela época está correlacionado com estes fatores desertas da regiáo ocidental e central do país-continente, ou
humanos (Hoffman 1983). na regiáo tropical ao norte. Os adza vivem nos. cerrados secos
e rochosos da Tanzania, os pigmeus Mbuti na floresta tropical
Como chegamos a situac;áo de crise no mundo moderno?
do Zaire, os Aché nas florestas tropicais do Paraguai e os es-
Como podemos explicar que a adoc;áo de tecnologias novas pa-
quimós na regiao ártica do Canadá, Alasca e Groenlandia. Os
rece aumentar a fome no mundo? Os prime:iros cientistas so-
índios da regiao norte e oeste da América do Norte também,
ciais achavam que a invenc;áo da agricultura e a sua progres-
até recentemente, eram cac;adores e coletores.
48 49
Apesar das diferenc;as do meio ambiente os ca ador!3s_ te. este tipo de_ agricultura se encontra g_rincipalmente_nas flo-
e coletores tem muitas características e._m comYIJ): Para conse- restas troP,icais da América do Sul, da Africa, do Sudeste da
guir alimento precisam percorrer urna área bastante grande. Asia_ e das ilhas do Pacífico. ¡Aproximadamente 80º/o das so-
Por isso, geralmen e sao nAmades e via·an:i em pe.quena~ ciedades de agricultura extensiva (como ~ o caso da maioria
(chamados - bandas) , com mais ou menos 25_ pes~~a~. ell!.bo~ das sociedades indígenas brasileiras) encontram-se nos trópi-
possam se juntar, as vezes, e·m grupos mu1to ma1ores, como cos (Textor 1967). Antigamente a agricultura extensiva foi usa-
J::!OS corroborreªs dos aborígines- da Austrália qü~g~ern da também em outras áreas, como na Europa e no litoral orien-
concentrar mais de 300 pessoas aó redor de um poc;o de agua tal dos Estados Unidos. Em parte, a distribuic;ao geográfica atual
(Gould 1969). explica-se pela dificuldade em usar a agricultura mais intensiva
nestas áreas.
A vida dos cac;adores e coletores nao é necessariamente
muito dura. Pesquisas junto a dois grupos de aborígines da A floresta tropical tem duas características que impedem
Austrália estimaram que nestes grupos os adultos gastavam,
• o uso de agricultura mais intensiva. A primejrª é_ o calor. As
respectivamente, apenas 24 e 36 horas por semana na busca de bactérias que decompoem a matéria vegetativa se reproduzem
alimentos (McCarthy e McArthur 1960). Levando em conside- mais rapidamente com temperaturas altas. lsto faz com que a .
rac;ao todos os tipos de trabalho, Lee (1979) calculou que os matéria organica seja rapidamente reduzida a minerais básicos .
Bosquímanos !Kung trabalham em média 42.3 horas por sema- O segundo problema ve_m das chuvas tropicais que dissolvem
na. As crianc;as náo trabalham até a idade de 20 anos ou mais.
. . ~ --
estes m1nera1s e os levam tora do alcance das plantas. Os
Como vimos no cap1tolo añtNi'Or, oulras pesquisas mostraram ---.., solos das !lorestas tropicais sao tipicam~nt~~ i !Q pobres .1 A
que os !Kung sáo razoavelmente bem alimentados e desfrutam floresta tropical consegue manter sua exuberancia porque as
...de urna saúde SUQerior a muitas p~SSO~S das sociedades mo-~ árvores mais altas sombreiam a terra, reduzindo a temperatura,
demas.. -- -- e as suas folhas captam muito da água antes dela chegar a
terra. Ouando cai urna árvore, formando urna clareira, as outras
Crises de, fome parecem raras na maioria das sociedades
plantas que ficam perto rapidamente re-absorvem os minerais
de cavadOres ecoletores. - lsto porque a maioria delas depende--
da árvore na medida em que sao liberados pelos decomposito-
de urna varieaade muito grandé de produtos, o que torna muTf()-
res. As substancias nutritivas sao, assim, rapidamente reabsor-
improvável ªpossibilidade de toélos os produtos escassearem
ao mesmo tempo Em anos de chuva, por exemplo, as plantas vidas pela vegetac;ao (Schubart, Franken e Luizáo 1984).
adaptadas a seca morrem, mas as que necessitam de muita Ouando áreas grandes de floresta tropical sao destruídas
água crescem bem. Em anos de'. seca as plantas adaptadas a para projetos de agricultura em grande escala, o sol esquenta
seca crescem bem. Como as doenc;as e os insetos geralmente a terra, os decompositores se reproduzem rapidamente, e as
atacam apenas alguns tipos de plantas, também é difícil perder chuvas dissolvem os minerais, levando-os para fora . dÓ alcance
todos os produtos alimentícios com estas pragas. Os esquimós, das plantas. ,Em poucos anos, urna floresta exuberante pode
vítimas de c_r_ises periódicas de fome, sao urna exéec;áo a esta ser reduzida a um deserto. A agricultura extensiva ~v~ta os
regra geral, talvez porque no inverno eles dependam quase que problemas da ag_ricultura de campo aberto, Ouando as ro<;as
exclusivamente das focas para a sua alimentac;ao (Jenness sao pequenas e de pouca dura9ao, a floresta pode mais facil-
1959). mente re-invadir a área perdida. A mistura de plantas de várias
espécies na mesma ro<;a permite a absorc;ao de minerais na
medida em que sao liberados, e as plantas altas (como bana-
1.2. Agricultores extensi~0 neiras e mamao) sombreiam a terra (Meggers 1971 ).

A agricultura extensiva refere-se a um sistema de cultivo As sociedades com agricultura extensiva tem várias ca-
com ferramentas simple§.c e no--:q~ ~ terra é aei~ada emCtes- racteristiGas..em comum. A densidade populacional é geralmen-
canso -('.for-mutfos anos entre os periodos de píanttt>. Atualn:ien- te baixa, devido a=.nec_es_sid~ge_ de utilizar uma- area ampla da
-.. ---
so 51
floresta _para poder deixar a terJa em_ descanso durante muitos 1.3. Agricultores intªnsiv(Ls_ _
anos. ~ Geralmente tais sociedades sá9 mais sedentárias que os
"
de cac;adores e coletores. Como os índios Kayapós do estado ~ agricultura _i nten.si~a caracteJiza-se pejg uso de uma
-do Pará, os agricultores extensivos podem manter aldeias du- tecnología mais sofisticaaa, pomo o arado ou a irrigac;áo e pelo
rante alguns anos, mas geralmente mudam-se depois de esgotar cultivo contínuo o~ _9!Jase -contínu_Q_da terra. ~ Talvez por causa
os recursos ao redor das suas casas. da dificuldade de usar agricultura intensiva nas florestas tropi-
cais, 75°/o das sociedades com este tipo de cultivo encontram-
Alguns agricultores extensivos criam animais domésticos se fora dos trópicos (Textor 1967). No entanto, podemos encon-
para a sua alimentac;áo. Na Nova Guiné o porco é o animal ~­ trar nos trópicos um tipo de agricultura intensiva extremamente
• pr~dutiva, e aparentemente estávet ecologicamente: o arroz
ferido, urna vez que se alimenta das verduras, batata-doce ou
irrigado.
inhame que crescem melhor nas roc;as indígenas. Em outras
áreas, cpmo no Brasil, sáo a cac;a e a pesca que geralmente Nas reg1oes tropicais dé sociedades como aquelas do
fornecem a proteína animal. \Por causa da sua dependencia face- sudeste da Asia, o arroz é irrigado, náo por falta de água. <A -
~ produtos baixos em proteínas (como batata-doce, banañá e- - irrigac;áo serve principalmente para fertilizar as plantas ., Geral-
mandioca) os agricultores extensivos ingerem menos proteínL mente os agricultores plantam o arroz primeiramente em ro«;;as
gue os cac;adores e coletores.\ Em algumas áreas dos trópicos, pequenas perto da casa. Ouando os brotos estáo suficiente-
como em mu.itas regioes da Africa, há urna incidencia elevada mente grandes, sao replantados cuidadosamente nas roc;as maio-
de_ doenc;as, como kwashiorkor, provenientes da falta de pra:_ res. · Para aproveitar todo o espac;o possível, os agricultores to-
teína no regifmralimentar (Lowenstein 1973). Comparados ao~ mam o cuidado de plantar- apenas os brotos bons e com o es-
cac;adores e coletores, o_s agricultores extensivos sáo mflis vul- pac;amento certo. A água, desviada de um rio, tem que correr
neráveis as cáries No entanto, como vimos no capítulo ante- suavemente acima da ro<;a. Na medida em que o arroz cresce,
rior, a baixa densidade populacional protege muitos agricultores o nível da água tem que subir, até o momento da colheita. Os
extensivos de certas doenc;as inlecciosas como _sarampo, gripe, agricultores tem que tomar sempre o cuidado de manter nive-
caxumba e poliomielite. __, lada a r:oc;a durante todo o período do crescimento do arroz. A
água é importante porque traz substancias nutritivas de/ outras
Pesquisas recentes em sociedades indígenas da América r~gioes e a alga que se~a água retém nitrogenio do ar:
necessário a planta. .Na maioria -das sociedades ó plañfio~
do Sul permitiram o cálculo do número de horas em que os ín-
arroz é também assÓciado a- áqüiéulfura, pois- ha jYOsstbífídade 1

dios trabalham. Os adultos entre os índios Mekranoti-Kayapó


de· cria9áo de peixes na água das ro~as. Nos diques que sepa-
do sul do Pará trabalham em média 51 horas por semana, das ram as ro«;;as urnas das outras, planta-se, ge.ralmen~. .verdur_as
qua is 8,5 horas sao dedicadas a agricultura e 7 ,5 horas a ca~a d~ vácios tipos e .hanan~_feijao~.-rnilho etc.. No Delta da Pérola
e pesca. Os índios Xavante do Mato Grosso e os índios Kanela da China o plantio de arroz está associado a criac;ao do bicho-da-
do Maranháo também trabalham aproximadamente 51 horas por ~ O bicho-da-seda come -as folhas da amoreira. Os excre-
semana (Werner et alii 1979). Os índios Machiguenga do Peru mentos sao utilizados para alimentar os peixes nas ro9as de
trabalham em média 54 horas por semana (Johnson 1975). As · arroz, e os excrementos dos peixes sao tirados para fertiÍizar
crianc;as, geralmente, trabalham pouco. Julgando pelas pesqui- as amoreiras, fechando, assim, o ciclo ecológico (Gongfu 1982).
sas feitas até agora, podemos concluir que o~ agricultores ex- _ Em muitas sociedades, o excremento humano é também utili-
tensivos geralmente trabalham mais que os cac;adores e e.o~ zado como fertilizante.
tores. A agricultura de arroz irrigado é extremamente produtiva.
por unidade de terra. No Delta da Pérola consegue-se mais de
11 toneladas de arroz por hectare ao ano. A densidade popu-

52 53
lacional rural da área varia entre 500 ·e 800 pessoas por qui- 1.4. Pastores especializados
lómetro quadrado (Gongfu 1982). Em partes da lndonésia este
tipo de agricultura sustenta urna populac;ao rural de até 2000 Os pastores especializados cuidam de ~º-anhos de ani-
pessoas por quilómetro quadrado (Geertz 1971). ,O problema ..m.aiS-de--várros tipoS\ Os Lapps do norte da Escandinávia cui-
deste tipo de agricultura é o 't rabalho.) U!"l _estudo realizado em - dam de renos, pastores do Tibet cuidam de iaques, os Yoruk
Java mostrou que os adultos trabalham em média 69,3 · horas da Turquia cuidam de ovelhas, cabras e camelos, os Karimojong
or sem~a. Estes percentuais su6estimam o trabalho neces- e os Nuer na Africa Oriental cuidam de gado, os pastores em
sário ao cultivo de arroz irrigado, pois as crianc;as também par- Nuñoa nas montanhas do Peru cuidam de alpacas e llamas e
ticipam, capinando nas roc;as, ou cuidando dos afazeres domés- os vaqueiros do faroeste norte-americano cuidavam de gado. Os
ticos enquanto as maes também trabalham nas roc;as (Minge- • pastores especializados aprov_fil!.am-se· geralmente _ de terras
Klevana 1980). secas ou demasiado frias para__a agricuJ!JJra._, Alguns antropólo-
g os acreditam que o pastoreio especializªdo se des~nvolve COllh
A intensificacª-º _!19._cultivo agrícola geralmente itnplica a intensiticac;a_p tJ(!.. agt1culfüta_.JÑa medida em que as terras
n~11.Ymento do volume de trabalno. Nüma pesquisa compara-
-tiva de 13 sociedades, Ember (1983) descobriu que os adultos
boas saoaedicadas a agricultura intensiva, torna-se necessario
- ada ~ei . mais longe paa:a ac_har
- revaºr o!_.a_ni.m.als- damésticos.. . .c
- - - -------
trabalham em média '69,7 horas Q_Or semana nas sociedades de
- agriculfura intensiva, 1 índice
.. muito
- ' acima da média de
--
socieda-
- ~stagem Chega um momento em que se forma urna divisao '
de tr~o, onde algumas pessoas especializam-se na agricul-
des de ~gric~tura extensiva j
- --
Além do trabalho, as sociedades de agricultura intensiva
tura e outras no pastoreio (Lees e Bates 1974).
Apesar das diferenc;as nos tipos de ambiente em que se
compartem também outras característ~as. Por exemplo, _apre- encontram e nos tipos de animais que cuidam, os pastores tem
sentam geralmente densiáades populacionais mais altas, o que, muitas características comuns. GeraÍmente sao nomades. no
co~o vimos, pode implicar em maior susceptibilidade a doen<;a~ sentido de precisarem seguir um éiclo anual para levar os ani-
infecciosas, Tais sociedades sao ta_ bém__JT)aiª-. _yulnerávei~~ mais a pastagens..diferentei. Embcfra con-som-am a- carñe, o leite
J:>eríodos de fom~ (Textor 1967). Geralmente a agricultura inten~­ e o sangue dos animais que cuidam, a grande ~arte das .~alorias
s1va envoíve o plantío de urna variedade menor de _Plantas. l!!.9eridas p~lo_s _e_astores vem _de produtps agrícolas obti~
A ssim é_mais fácil urna peste ~au ...pragas de insetos devas.tarem - através de tracas corn.-agricultore~ lsto resulta de urna fungáo ·
toda a colheita. ¡ A agricultura intensiva exige· também maior ecológica bastante.. simples._Ouando se come um animal, Oó-
atenc;ao a outros fafores;~.coñio adUbl>s,- pestlci<:fas artificiais e t ém-se ap·roximadamente apenas 10°/o das calorias que o animal
-·- .....
[Cjüipamento me~anlg9 ~ Um problema com qualquer destes fa- comeu. Por unidade de terra, obtém-se -m uito mais calorías in-
tores poderia ocasionar wa queda brusca na pro~uc;ao_Jinal­ gerindo diretamente as plaAtas. Os ~nimais sao economicamen-
te rentáveis apenas para prover substancias nutritivas nao fa-
mente, estas sociedades geralmente produzem para o mercado
ou para poderes centralizados. Como vimos nos exemplos de cilmente obtidas através de plantas (como proteínas comple-
quedas de civilizac;óes citadas ac1ma, um poder centralizado tas), e para comer plantas que o ser humano nao pode digerir,
como o capim. Por isto, os animais dos pastores es eci !iza-
pode exigir urna produtividade acima do que um sistema agrí-
dos sao relativa~n_te caróS.J ma pesquisa so re o fluxo de
cola pode render, acarretando, assim, urna crise ecológica. Em
energía em Nuñoa mpstrou que os p_astores ~o opteriéjJJL.C2,:.
muitos casos, a produc;ao para o mercado implica na substitui-
lorias suficientes_Qara sobreviver se comessem diretamente os
<;ao de produtos alimentícios por produtos industrializáveis
llamas e alp~as que criam. É. na venda destes animais para
como algodao ou sisal. Urna baixa no prevo destes produtos
agricultores que moram nas regióes mais baixas dos Andes que
pode implicar num período de fome (ver Gross e Underwood
os pastores de Nuñoa obtem o dinheiro sufici~nte para comprar
1971, como exemplo do nordeste braslleiro). os alimentos necessários para completar o seu regime· alime.n-
tar (Thomas 1973). ·
54 55
Provave,lmente a alimentac;áo dos pastores é mai ica Algumas plantas foram domesticadas, independentemen-
a
em proteínas que dos- agricültores ~mas nela podem faltar ca- te, em vários lugares do mundo, e em várias épocas diferentes.
~ror~ lnomas [1973) mostroü qÜe o cresc1mento das crianc;a A primeira evidencia de agricultura vem do Oriente Média ande .
-- ..... ---.1

'Nünoa mantém-se abaixo dos padróes internacionais, provavel- J>ram_domesticados o frigo, a cevada, a lentilha e a ervilha há
mente por falta de calorias no regime alimentar. No entanto, uns dez mil anos atrás., O arroz foi provavelmente domesticado
este limite de calorías nao parece prejudicial a saúde, e um au- 110 sudeste da Asia á uns 6000 ou 8000 anos. _Urna variedaáe
mento de calorías para as crianc;as poderia implicar em neces- de painc;o foi domesticada há uns 7000 anos na China. \Outras
sidades maiores quando adultos, o que causaría problemas no variedades de painc;o e sorgo foram domesticados na Africa há
presente sistema ecológico dos Nuñoa. Urna vez que os pas- uns 6000 anos. O ruilho foi -.dornestica_do na Mesoaméri.C.a entre
toJ'§s dependem da comida dos agricultores intensivos, sa~ 7000 e 5000 anos atrás. Q feijáo. o amendoim. a pjmenta, a man-
Qém afatados por períodos de fom9. ( dioca e a batata foram dome_sticados na área do Peru a menos -
-- de 8000 anos (Ember e Ember 1984). -- - - -
Nao ternos ainda pesquisas sistemáticas sobre a aloca-
c;áo de tempo em sociedades de pastores. Existem, entretanto, Talvez a origem da agricultura esteja ligada ao cresci· 4
alguns indicadores de que o trabalho neste tipo de socieda~e mento populacional !mesmo sendo· baixo na época páleo líticª1
seja mais oneroso que em_ sociedades de
-cac;adores e coleto- que exigiu das pessoas a obtenc;áo de alimentos para as de-
res-ou de agricultura. extensjia.r Por exemplo: a maioria dos ':.- --~
mais., A vida de cac;a e coleta gode se·r boa s_e b_á terca- sufi.
<.. -
astores especializados aproveita do trabalho das crianc;as para clente para faze-la, mas se a populac;ao é grande demais h...,..á...._~
yigiar os i ebanhos,. , Thomas ( f973) mostrou que -as crianc;as--
(uma vez que consomem menos comida) sao mais eficientes -
necessidade de se cultivar a terra de forms mais produtiva j
Ember e Ember ( 1984) argumentam que o geríodo ré-
que os adultos para esta t~refa. Por incrível que parec;a, até
_agrícola em muitas regioes dO.....!JlUJld.P foi car.acterizado por urna...
1981, na ltália, ainda se vendiam crianc;as em leilóes públicos
mudanc;a ño tipo cre--produtoª s_elvagens_ procurados pelos ca.:....
para servir como pastores (Newsweek 24-1-83).
adores e co etore~ Há uns 40.000 anos os primeiros seres
humanos modernos dependiam principalmente da ca a de ani-
_mais e gra e porté, \como os,J'namutes e os bisoes.J Na época
,,.. 2;_A origem da agricu~ pré-agrícola estes animais já haviam desaparecido, talvez em
decorrencia de urna mudanc;aaecTima com o derretimentO-dos-
Comparac;oes de sociedades contemporaneas com tecno- g~los glacl ais\ OU mesmo CJevioo- a SUa ~xplora<;áO e~~S§iVa p~~
logías diferentes. mostram gue a agricultura nao _gatece garan- cac;adores pré-históricos. \ De qualquer modo, as pessoas foram
_tir_JJma vida melhor J2.ill.a-as....pessoas.1 Nao diminui o trabalho e o.Q.rigadas .!:l depfill.fler de espécies de animafS e plantas menores
nao parece melhorar o regime alimentar, a saúde· ou a segu-
para a .sua alimenta~ao. 1 Se r.;ódemosjÜigár pel as soc ieaades
ranc;a. Existe também a evidencia de que os cac;adores e co-
- - --- modernas, a _Qa<;a de anima is menores exige mais trabalho~ por "
letores tem conhecimento - suficiente para praticar agricultura.
Goodale (1971) observou urna- mulher Tiwi (grupo de aborígines
cac;adores e coletores do norte da Austrália) deixar um pouco
-- -
unidade de alimento obtida. {Hill e Hawkes 1983; Vickers 1980).
O período pré-agrícola pode ter sido, assim , um período-de au- _ •
-...!!!_ento ge t~abal~. fazendo c om que a agricultura se tornasse11
de inhame selvagem na terra na hora da colheita. Ouando per- mais favoráve_t - -
guntada por que fazia isto, a mulher Tiwi respondeu que era
para que outras plantas pudessem crescer de novo. Ouando Os cientistas sociais no séc1:1lo XIX elogiavam sua época
indagada sobre por que nao levava os inhames para plantá-los como senda o cume do progress9) Parecem nao ter notado que
mais perto da aldeia, ela respondeu simplesmente que isso da- o século XIX, na Inglaterra, foi urna das épocas mais tristes da
ría trabalho demais. Por que, entáo, as pessoas comec;aram a história humana. Urna grande parte da popul.ac;áo (inclusive
plantar, e em tantos lugares diferentes? crianc;as) trabalhava 16 horas diárias, 6 dias por semana, nas

56
- 57
fábricas, sem ver o sol. ~Militas eram doentes pela falta de
substancias _nutritiv.as. A história da invenc;ao de tecnologias
mais sofisticadas para -ª- _obten~J>_ de alimentos nao é n da
<animadora para o futuro / Nao há nada que garanta gue o pro-
~- -
.9~.§.SO científico-tecnológico assegure 11má vida melhor. para o
--- IV
- ser humano. } Podemos esperar que as estufas desenvolvidas
pelos cientistas norte-americanos, descritas no início deste ca-
pítulo, nos ajudem a minimizar os problemas da nossa época?
~~óes ~ tecnológicas podem ser c~deradas necessárias , PROPRIEDADE E DESIGUALDADE
mas nao sao suficiente~

Daniel K. Ludwig era dono de 12.500 km 2 de terra no


Amapá e no Pará, ttm território maior que alguns países no
mundo (Pinto 1980). Nesta área Ludwig empregava 30.000 pes-
soas que moravam na cidade Monte Dourado, construída por ele
próprio. Mas todo este território era apenas urna «experien-
cia» de Ludwig; escolheu este lugar no mundo apenas porque
era propício para o plantio de árvores por ele importadas da
Asia . A sua fortuna toda era estimada em 3 bilhoes de dóla-
res sob a form~ de investimentos espalhados pelo mundo in-
teiro (Mclntyre 1982). Os juros dos juros de 3 bilhóes de dó-
lares equivalem a mais de 180.000 dólares por dia.
Enquanto Ludwig dispunha de urna fortuna difícil de se
conceber, 2.000.000 de crianc;as no Brasil vivem nas ruas, aban-
donadas por pais e parentes. Dormem nas prar;as públicas e
comem restos de comida coletada no lixo urbano, ou adquirida
através de mendicancia ou rouqo (Lomando 1978). Alguns sim-
plesmente morrem de fome (Sem autor, Ciencia Hoje 1984).

Como chegamos a esta situac;ao de desigualdade tao


acentuada, em que algumas pessoas s.áo donas de propriedades
enormes e outras ficam sem nada? É urna questáo antiga nas

58 59
ciencias sociais, e ainda nao ternos respostas definitivas. No animal nao valia na~a. por ser doente e magro. No dia da festa
entanto, a comparac;áo de sociedades diferentes e o registro ficou claro que o animal era de fato muito bom . Ouando Lee
arqueológico nos oferecem alguns indicativos. perguntou por que as pessoas sempre desmereciam o seu pre-
sente, recebeu a resposta de que náo se pode deixar um bom
cac;ador ficar orgulhoso, pois algum dia ele mataría alguém.
Assim, era necessário tirar um pouco do orgulho do antropó-
1. Propriedade em sociedades diferentes logo.

Este costume de compartilhar as coisas faz _m@ o S ..fill:..


Há urna variac;áo muito grande de idéias sobre proprie- tido !J.U..ffi! _so..c1~c!ade de ca_®aor~s ~ c9let0rest Como a cac;a
dade em sociedades diferentes. Em pa!:!,e_ esta varia-;ao arece náo pode ser comida por urna pessoa só,. e como nao eode se(
relacionada ao tipo ~de tecnologia de subsistencia do grupa .J conservad~_p..Qr {TlUÜO temQO é melhor COmJ¡artilhar com OS
Q°utros~ Assim, todo mundo podé comer com mais regularidad-:-e- .-
0 mesmo poderia ser dito sobre as posses pessoais. Se urna
1.1. Ca9adores e coletores pessoa nao está usando seu arco e flecha, seria melhor empres-
tá-los para outro, que talvez os ·utilize para trazer mais comida
Urna vez que sao quase sempre nómades, os cac;adores para casa.
e coletores nao podem carregar muitas coisas, o que limita o
Em alguns textos de economia encontra-se urna idéia
número das suas posses pessoais. Geralmente estas posses
errada sobre o sistema de trocas em- sociedades «primitivas».
sao facilmente compartilhadas com outras pessoas da socieda-
de. Thomas (1959) conta que um colar que ela deu para urna Alguns economistas gostam de acredit~r _gue a primeira forma
mulher !Kung foi quebrado para dividir as mic;angas entre todos de tracas feitas...pelo ser humaAo foi a permuta, urna coisa é
os membros do grupo. Em pouco tempo as mic;angas se encon- trocada diretamente por Q!!.t[a. Na realidade esta forma de tro-
?= •

travam em outros bandos. O líder do bando com a qual Thomas ca é muito rara em sociedades primitivas. Geralme,nte...,é_eJJQQ!l:

andava possuía menos que qualquer outra pessoa do grupo, pois trada somente nas troca entre sociedades inteiraSJ. Por. exem-~
dava tudo que recebia aos outros. Embora náo seja especifica- plo, os pigmeus as vezes deixam carne ou marfim para povos
mente proibido , o roubo é desconhecido entre os !Kung (Thomas bantos numa área da floresta em troca de mercadorias e alguns
1959: 206). ~ ~omida _ t~mbém é _gompartilhada. Entre os pig- produtos das ro«;as dos banto. ~ urna forma de troca silenciosa, ..
meus Mbuti os cac;adores costumam deixar a carne que trazem urna vez que as pessoas náo dialogam durante a transac;:a~. Po-
ao acampamento no chao para que todos possam verificar que ré~_s trocas ma~ comuns dentro do grt¿po de cac;adores e >
a distribuic;ao é justa (Turnbull 1962). Entre os aborígines Nga- coletor~s.ácunais_ semelhantes ao hábito de compartitbar de
tadjara da Austrália a pessoa que cac;ou um animal é o último u_ma família numa _sociedade m oderna . \
a receber ·urna porc;ao da carne. Primeiro recebem os sogros,
cunhados e outros parentes (Gould 1969). ..Na.s_socjeda.des de ca9adores e coletore·s,.,...a terca e OJJ-
tros imóveis, BOgqs ~de água ou árvores frutíferas,. nao podem
O costume de compartilhar é táo comum entre cac;adQres ~er posse de ninguél!l..i Entre alguns cac;adQ.r_es e cole._t res estes
e colétores q~ geralmente oeID-eXisíem_palfil!ras como o!2!J.ga..: imóv eis também nao ~áoCJefeñdidos pelo grupo, \mas ~stao a
\t:oc::-Para agraoecer o recebimento de um presente.\ O antropó--- - dTsposi«;ao ae qualquer um, mesmo que seja de outro bando.r
logo Richard Lee (1969) conta que urna vez ele comprou um boi No entanto, outros cac;adores ~ e coletores defendem territórios
para fazer urna festa para o bando dos !Kung com o qual anda- do gruQQ~ ~ Nu.ma compara~oae váriassóéfecfaaes de ca«;aao-- -
va. Ant~s da festa, quando Lee falava do considerável tamanho res e coletores, Dyson-Hudson e Smith (1978) argumentam que .
do animal para os outros, sempre recebia a resposta de que o os grupos geralmente defendem um território quando os seus

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recursos sáo abundantes e previzíyei_s_; Neste caso a defesa é Nova Guiné. Periodicamente os «homens grandes» fazem gran-
mais fácil e vale a pena. Onde os recursos sao mais escassos des festas nas quais convidam pessoas de outras comunidades
ou mais imprevizíveis,
, nao tem sentido tentar defender um ter- e esta comida armazenada é redistribuída ao povo.
ritório.
Outra sociedade com um sistema de redistribui<;áo é a
dos Kwakiutl do litoral noroeste da América do Norte. Estes
índios, de fato, nao sao agricultores extensivos. Vivem exclu-
1.2. Agricultores extensivos
sivamente dos peixes dos rios e de outros produtos selvagens,
mas nao sao em nada parecidos com os outros car;adores e 'co-
Como os ca9adores e coletores, os agricultores extensi- letores. Os Kwakiutl armazenam quantidades enormes de co-
vos tipicamente Qáo concedem direitos individuais a te~. No mida (salmao e outros produtos do rio) e vivem em aldeias mais
entanto, é comum as pessoas disporem de aireitos individuais permanentes. Nisto sáo mais semelhantes aos agricultores ex-
(~ famili~J 'Ce usufruto _da _ter_r:_a que est~ cu!!i!a~ao no ,. tensivos. Os caciques Kwakiutl recebem comidas e outros pro-
~
momento. / Para evitar conflitos quanto aos lugares escolliiaos dutos do seu povo, e periodicamente fazem grandes festas nas
para plantar ro9as, alguns grupos, como os Machiguenga do quais eles convidam pessoas de outras aldeias e se vangloriam
Peru, exigem que as pessoas anunciem com muita antecedencia de sua riqueza, zombando da pobreza dos ' convidados. Mais
os seus planos (Johnson 1983). Entre os Kuikuru do Xingu urna tarde, os convidados tentam organizar urna festa ainda maior
pessoa pre~isa pedir permissáo para plantar urna ro9a perto da para envergonhar os seus rivais . .
ro9a de outro membro do grupo (Carneiro 1983). '
Por que algumas sociedadfil) pratJcam redistribuicao e ,
Em ~octedades com agric.ultura extensiva onde. a terra_é_
outras náo?.J "Harris (1974) ve a redistribui<;ao como u.,01 sistema____
mais escassa é comum urna Jinhage01 ou .outro grupp social filL
reg1onalaé «seguros »~ Ele argumen~ que em sociedades onde
tornar «dono» _das terras cru~tiV«!.S~·· do grupo. 1 Este é o caso de
várias sociedades na Nova Guiné (Waddell 1972, Rappaport existe urna maior p~babilidade de sofrer crises ~· e tome pr&="
1966, Brown 1960), Nova Zelandia (Vayda 1961) e Africa (Sahlins Cisa-se de um sistema ·de reafstriouivao\ Um furacao pode des-
1961 ). É menos comum entre os índios sobreviventes da bacia truir a colheita de inhames nas ilhas Trobriandesas, e o peixe
Amazónica que tem popular;óes menos densas. salmáo na sua migra<;ao anuát pode nao subir o rio de urna al-
deia. Neste caso, é imporJ_ante__p.oder contar com a ajuda llL
Como os ca<;adores e coletores, os agricultores extensi- outras comunldades para subsistencia1 Por isto, é necessário
. --·--
vos cOmparfílhaaL-:-m-liít_o as_ suas coisas. , No entanto, alguns que todas a~ comunidades tentem armaze~ar ')J.ªL~ comi~a_g.u.e
agriCüitores extensivos tem urna forma de troca difícil de se o. necessário.\ Para incentivar as pessoas a produzirem em ex
encontrar em s~aaae..§- d.i..c_a~ad~es_e colf3 tores_. \Deno-mina-:--
1
cesso, há necessidade de um cacique que possa animar as pes-
da redistribui<;áo, esta forma de troca consiste em oferecer QS soas a trabalharem mais. Assim, a comunidade poderá alimen-
produtos do trabalfio a um cacique que depois os redistribuL tat. outra ~unidade que 12,o°"razar, te~e um an~ aesfavo~áv~t
aos outrosl Em algumas sociedades (como os Bunyoro da Ugan- Os convidados sofreráo urna humilha<;ao frente a comun1dade
da) estes caciques guardam para si urna parte dos produtos a anfitria, mas pelo menos náo morrerao de fome. A comunidade
serem redistribuídos, e tornam-se, assim, mais ricos que os ou- anfitriá ganhará «crédito» na outra comunidad~, e este crédito
tros membros da sociedade. Mas na maioria dos casos os ca- poderá ser usado num ano desfavorável. Talvez, no futuro, pes-
ciques náo enriquecem com estes produtos. Nas ilhas Trobrian- quisas sistemáticas confirmem este argumento de Harris mos:
desas da Nova Guiné os «homens grandes» armazenam inhames trando que a redistribuic;áo é, de fato, mais comum onde ha
que recebem dos seus numerosos cunhados. Estes inhames ser- maior probabiíidade de passar crises ae fome. -
vem tanto para alimentar as pessoas quanto para criar porcQs,
o alimento protéico mais importante de muitas sociedades na

62 63
1.3. Pastores especializados e a coleta de impostos na forma de dinheiro. grodytos ou ser-
- - --..
v19os .
Como os ca<;adores e coletores, os pastores especializa- .......
dos geralmente sao nomades .. ~o c¡ue limita o número de bens
pessoais qu.e_ podem possuir:t No entanto, como tam animais
para carregar suas posses, eles podem dispor de muito mais 2. As origens da desiguald~de~
coisas que os ca<;adores e coletores; A~m disso, os animais-
geralmente p-erterrcem a um indrvídtro ou famííla. ) Em socie&cr--·
des-de pa-sfores tao diversas quánto a dos Tibetos, dos Lapps
da Escandinávia e dos Voruk da Turquia existem normas pare-
------
2.1. Sociedades ordenadas

cidas para a heran9a dos animais. ~ comum os filhos herdarem


Como se originou a desigualdade na história humana?
parte do rebanho quando se cas~rem O último Jilho a se casJir-
Nos registros arqueológicos, os primeiros indicativos de urna
costuma ficar com os pais e herdar tudo ·quando estes morrerem.
d~sigualdade herdada vem de túmulos de crian<;as enterradas
(ver Eckvall 1960, Whitaker 1955 e Bates 1973). _A-ª._ ~ife1 re~~
de riqueza podem ser grandes (Bradburd 1982). entre 5500 e 5000 anos a.c. em Tell es-Sawwan no fraque
'- (Flannery 1972). Nestes túmulos encontram-se algumas crian-
Dado o tamanho do território que os pastores precisam <;as enterradas com objetos de valor como estátuas e ornamen-
percorrer, torna-se difícil um individuo ser dono das áreas de tos pessoais, enquanto em túmulos de outras crian<;as náo exis-
pastagem. No entanto, urn grupo pode defender o seu território - tem estes objetos. lsto sugere que o status nesta sociedade
c~mo no CglSO de pastores de gado na Africa Orienta~ (ver Tho- náo e·ra adquirido durante a vida de urna pessoa, ·mas existia
mas 1965 sobre· os Dodoth da Uganda). Os grupos diferentes ~esde o nascimento. r No México, a primeira evidencia de que
dos Basseri, pastores de ovelhas e cabras no Ira-, p1lssuem o crian<;as já eram diferenciadas segundo o seu status vem de
direito de percorrer as terras de agricultores em ép_ocas espe-- túmulos que datam de 800 anos a.c. (Flannery 1972).
cíflcas do ano,.(como depois da colheita).
Esta evidencia de heran<;a de status em sociedades an-
tigas náo nos diz muito sobre heran<;a de riqueza. ~abemos que
1.4. Agricultores intensivos existem muitas sociedades nas quais um grupo de pessoas .
,. herda urna posh;áo mais alta que outros, mas isso nao im-
~ cnm o desenvolvim_ento_da agricultura in.t®siva q_ue "" plica em riqueza. r Por exemplo, entre os Swazi da Africa do
surge_ o dirfilto a terra privada, e as gra[ldes diferen<;as de ri- Sul o cacique herda a sua posi<;ao de sua máe, sendo tratado
'queza entre as ~ssoas. J Embora a grande maioria aas socle- com muito respeito. Usa roupa especial e é conhecido pelos
aades com agricultura intensiva seja caracterizada por estrati- seus títulos extravagantes. No entanto, ele mora numa casa
fica<;áo social, existem algumas sociedades com agricultura i~· igual as outras e precisa fazer os mesmos trabalhos que tod<;>s
. tensiva onde a terra é comum e as diferen9as de riqueza red.!!:__ os outros membros da sociedade (Kuper 1963). Alguns antro-
. zidas. ~ais sociedades, como os Hutterites, urna seita religiosa pólogos tem chamado este tipo de estratifica<;áo de ranked
do Canadá -e- dos Estados Unidos (Peter 1983), as comunas cfü; (ordenada) (Fried 1967).
nesas (Diamond 1975), os Kibbutzim de Israel e os ejidos do
México (Finkler 1980) geralmente se inserem dentro de urna Numa compara<;áo de várias sociedades na Polinésia
socie.dade com direitos privados -a terra.1 - • Sahlins (1958) ~rgumenta que este sistema de estratifica<;ao
está ligado ao sistema economico de redistribuivao. Segundo
Sociedades com agricultura intensiva geralmente mantem este argumento, um redistribuidor ganha apoio político das pes-
,,cidadesQfandes.. com trabalhadores especializados, e um sis. : - soas que dependem dele para as coisas que sao distribuídas.
tema de tracas bastante complexo que inclui o uso de dinheiro Mesmo se o cacique nao fica com nada, ele pode privilegiar os

64 65
seus filhos quando faz a redistribuic;ao. Com as coisas que re- diferen<;as a partir do surgimento de civilizac;óes, caracterizadas
cebem, os filhos poderiam fazer urna nova redistribuic;áo, e ga- pela presenc;a de cidades de tamanhos diferentes e organizadas
nhar, assim, apoio político.
~a hierarquia política.~ Urna das -primeiras civilizac;oes a su r·
gir foi o estado de Sumer no sul do lraque. Na época anterior
A explicacao de Sahlins para o sistema de ranking (or- a civilizac;ao em 6000 a.c. as pessoas moravam apenas nas mon-
denamento) tem sido criticada por antropólogos que notaram tanhas ao redor do vale dos ríos Tigre e Eufrates. Com o desen-
que várias sociedades ordenadas nao tinham um sis~ema de re- volvimento de irriga<;ao nas áreas baixas entre os dois rios, o
distribuic;áo. Mesmo na Polinésia, o papel dos caciques como vale come<;ou a ser povoado por agricultores. Ao redor de 3500
redistribuidores era muito limitado (Peebles e Kus 1977). Outra a.c. existiam várias cidades na área. Antes de 3000 a.c. Sumer
teoría argumenta que seria a importancia de contatos e ntre- já tinha templos grandes, um exército profissional, um sistema
grupos relativamente isolados que explicaría a heran<;a de po- - de leis codificadas, um sistema de escrita e· um sistema de
siQ_óes de status1 P~ra manter con~a.tos entre tais grupos, o ~a­ classes sociais de nobres, cidadaos comuns e escravos captu-
cique teria que viajar para fazer v1s1tas (como aconteceu mu1to rados nas guerras (Service 1975).
ñas ilhas da Polinésia). Provavelmente, ele l·e varia parte da sua
família (inclusive os seus filhos) . Assim, os filhos adquiriam Outras civiliza<;oes surgiram independentemente do Su-
conhecimentos do grupo «estrangeiro». Ouando morria o velho mer em outras partes do mundo e em épocas diferente·s. Urna
cacique, as pessoas mais indicadas para a sua posica.o seria~ das civilizacoes melhor estudadas desenvolveu-se na área dos
os filhos que já conheciam as outras sociedades e tenam ma1s atuais México, Guatemala e Honduras. Até 200 a.c. já existiam
condic;óes de manter os contatos importantes. casas especiais para as elites no vale de Teotihuacán. Antes
de 100 d.C. já havia urna cidade grande na área. A cidade de
Os índios Mekranoti-Kayapó do Brasil apresentam algu- Teotihuacán foi planejada com duas enormes piramides em cada
mas características de sociedades ordenad<!§ ., O cacique mora - extremo, e até o rio foi canalizado para se ajustar ao plano de
.. nuiña casa parecida com ~s outras aa- aldeia e trabalha tant~ ruas construídas em forma quadrangular. Algumas residencias
quanto as outras pessoas da comunidade. N~ entanto, e.le e __ tinham quartos e terra<;os amplos com quadros p-intaaos nas
tratado com urna certa diferenca pelos outros, e os seus ftlhos (:!~redes, enquantoo ul:ras residencias mais modestas alojavam
tem- um status maior que as out ras pessoas aa aldei ~ Num es- ' grupos qe famílias (Sanders Parsons e Santley 1979).
tuero sobre a tendencia para heran<;a de posic;óes de lideran<;a
nesta sociedade, Werner (1982) notou que os filhos do cacique,,,_~ Outra civiliza<;áo também surgiu independentemente do
adquiriram um status mais elevado em grande_parte po~ causa Sumer no norte da China antes de 1650 a.c. (Chang 1968). Pos-
dos seus contatoscom a sociedade bras1leira1 Os funcionários sivelmente as civiliza<;oes que; surgiram no Egito antes de 3100
dá FUNAI, os antropólogos e os missionários na aldeia co~he_­ -
a.c. e no vale de lndus antes de 2500 a.c . desenvolveram-se em .
cem estes indivíduos através do seu pai e se sentem ma1s a contato-eom .a civiHza<;ao do Sumer- (Se rvice 1975). A civiliza·
1

vontade com eles. Este contato com os estrangeiros faz com <;áo Inca no Peru poderia ter sido influenciada pelas civilizac;óes
que os filhos do cacique Mekranoti '2onhe<;am ~~I~~ . os .costu- na Mesoamérica (Patterson 1973).
~ dos brasileiros, tornando-se, assi~, intermediarios tmpor-
Aptropólogos tem procurado identificar fatores comuns
t~tes entre os índios e o mundo exten ~ no surgimento destas diferentes civilizac;óes . •um dos primeiros
fatores citados por muitos antropólogos }oi a irriga<;áo que pa-
recía caracterizar todas elas. , Urna teoría sugeriu que o proble-
2.2. Sociedades com estratifica~ao económica
ma de manter · canais de irriga<;áo exigia o controle destes ca-
Os melhores indicadores arqueológicos de estratifica<;á_o_ na is por um grupo de coordenadores. Estes poderiam usar seu
económica sao as grandes diferencas entre as moradias usadas poder para exigir impostas em excesso sobre os custos dos ca-
~ por pessoas distintas numa sociedade./ Ternos evidencia destas nais e para se tornarem os governadores da sociedade (Wittfo-

66 67
gel 1957). Esta teoria tem sido criticada pois nao explica por
que algumas dessas civilizac;óes surgiram em áreas onde a ... cilit~ o d.esenvolvimento de estratificac;áo social. 1Para avaliar
irrigac;áo ainda nao exigia urna organizac;ao muito complexa. este argumento, pesquisas futuras teráoq ue examinar as for-
mas de irrigac;áo existentes antes do surgimento. das primeiras
Existem arqueólogos que sugerem outros fatores para ex- civi 1izac;oes.
plicar o surgimento de civilizac;óes, tais como : a necessidade '
de proteger e coordenar trocas com comunidades distantes, a
"'ñ ecessidade de fazer guerra para conquistar novos espac;os
3. Es!ratificac;ao no mundo, hoj~
quando cresce a populac;áo numa área limitada. / Nenhuma des- -
tas teorias explica perfeitamente a origem de todas as diferen-
tes civilizac;óes.
Várias pesquisas tem mostrado que a desigualdade eco-
A tradicional teoria de irrigac;áo talvez possa ser modifi- nómica. é geralmente menor em sociedades desenvolvidas que
cada para melhor explicar o surgimento dos primeiros estados. qm _sociedades e·m desenvolvimento¡ (Bornschier e· Ballmer-Cao
Segundo urna variac;áo desta teoria, as necessidades de orga: 1979; Nolan 1982; Lenski 1966). A partir desta correlac;áo al-
nizac;áo para irrigac;áo nao dependem do tamanho do sistema, guns estudiosos tem concluído que a tendencia para a desi-
mas apenas do tipo de irrigac;áo em questáo Por exemplo, um ~ _gualdade aumentar ao longo da história humana está finalmen- -.
sistema de irr.igac;áo para o cultivo de arroz poderia se desen- te se revertendo. Ele·s argumentam que a tecnología se tornou
volver pouco a pouco e se·m muita coordenac;ao. Urna familia tao. compli?a~a que as autoridades de hoje pre-cisam delegar
poderia comec;ar a tirar água de um rio para regar o seu arroz, mu1tas dec1soes aos especialistas, o que diminui o poder des-
deixando a água voltar para o rio depois de passar sobre a roc;a. sas (Lenski 1966).
Se urna segunda família quisesse juntar-se a primeira, poderia
apenas desviar a água que saísse da primeira roc;a . Urna tercei- . Outros pesquisadores nao preveem urna diminuic;áo na
ra família poderia reutilizar a água saindo da roc;a da segunda, des1g~aldade para o futuro. ~mbora . admitam que a desigualda-
e assim por diante, até formar um sistema bastante complexo de ,seJa menor nos países desenvolvidos, eles notam que ela
e construído com pouca ou nenhuma coordenac;áo entre os par- esta ~umentando entre países. Numa comparac;áo das taxas de
ticipantes. ~ de fato o que acontece em áreas do sudeste da cresc1mento entre 1960 e 1970 dos PNBs de 95 países diferen-
Asia (Spencer 1971 ). tes, N~lan ( 19~2l.~_mostrou que o crescimento foi mais rápido _
nos paises ma1s neos.\ Os países ricos se tornaram mais ricos,
Outros sistemas de irrigac;ao exigem maior coordenac;áo. enguanto os países pobres ficaram relativamente mais pobres. \
Numa comparac;áo de dois tipos de irrigac;ao no lemen, Varisco
(1983) sugere que sao os conflitos sobre q__d~ ito a água que Bornschier e Ballmer-Cao (1979) argumentam que a de-
incentivam o desenvolvimento de urna coordenac;ao maior. um - sigualdade alta nos países em- desenvolvimento é em parte de-
sistema no lemen, a água para as roc;as vem de poc;os perma- vida a atuac;ao de multinacionais nestes países1 Numa pesquisa
nentes das montanhas. Neste caso, nao há perigo de faltar eles dividiram os países entre os que tem sedes de multina-
água. Os agricultores podem até trocar com outros agriculto- · cionais, os que tem penetra9ao multinacional e os que náo tem
res os seus direitos sobre a água durante certas horas ou dias muita influencia de multinacionais. As sociedades com pene-
da semana. No outro sistema a água para irrigac;ao vem de rios
. t~a9a~ multinacio_nal sao a~elas onde atuam mu itas multina-
que, durante certas épocas, podem secar. Nestes momentos
c1ona1s com sedes em outros países. r Esta pesquisa_mostre>u
surgem muitos conflitos entre as pessoas que moram rio acima
e rio abaixo. Para resolver estes problemas precisa-se de ár- ~ue os países com penetracao multinacional tem mais desi-
bitros com autoridade sobre as várias comunidades. Talvez s~ gualdade que os países sem influencia de multinacion~i~./ Urna -
jam os conflitos sobre recursos escassos (como água) que a- empresa multinacional pode contribuir de várias maneiras para
- aumentar a desigualdade de um país. Primeiro, oferecem me-
68
69
~empregos p~ra técnicos de alto nivel_, pois est~s tarefas
,.
sao feitasn os países sedes das empresas. lsto ~e1xa men~s
e·mprego para funcionários. nacionais ~e alt~ .nivel., Por exem-
pto, em 1981 a indústria brasileira de 1nformat1ca empr~gou 560
universitários graduados pa_ra cada $100.000.?~º vendidos, en-
V
quanto as empresas estrangeiras de informat1ca e·mpregavam
apenas 379,7 universitários graduados para cada S100.000.000
vendidos (Ciencia Hoje, 2(9)1983). As multinacionais costumam
também pagar um pouco melhor os seus t,rabal.hadores. ~~ -
GUERRA E VIOLENCIA
COmparac;áo com as empresas n.!lcionais, ,e ha ma1or poss1b1li-
'dade de usarem urna escala graduada para este pagamento, lsto
diminui a solidariedade entre os trabalhadores e, em conseqüen-
cia, enfraquece seu potencial de gr.eve. Ultimamente, ~rn ~lgu~s -.
países onde as pessoas sáo muito pobres, as muít1nac1ona1s
nao tem chances de vender seus produtos a populac;ao 1oca1~
Por isso, elas_ pr_eferem manter_baixos os salários dos trab!'
lhadores para diminuir os custos de produc;ao. lsto p_gde levar
urna multinacional a pressionar _o governo a m·anter baixos os
salários.
A penetrac;áo multinacional explica pa~ da desigu~ Alguns generais argentinos querem que seus soldados
de enf soc1eaádes modernas, m.JlS nao explica tudo. Resta a1nda se sacrifiquem até o último home·m para conquistar os ingleses
muito a pesquisar sobre qs fatores que deram orig-em ·ª des~­ numa ilha gelada no meio do oceano atlantico. Os russos e chi-
neses perdem mil pessoas numa guerra por urna ilha desabi-
gyaldade e que a mantem no mundo de h_oje. Em _p~rte a ~me_a-
~ c;a de violencia pode influir na manutenc;ao desta d1ferenc1ac;ao tada no rio Ussuri. Urna guerra entre El Salvador e Honduras
social. l_sto é o assunto do próximo capítulo. eclode por causa de um jogo de futebol. No Chipre, Nikos
Sampson ordena que seus soldados esmague·m contra a parede
as cabec;as de todos os bebes turcos. No Camboja, as brigadas
juvenis de Poi Pot assassinam todos os que falam outros idio-
mas, que usam óculos ou os que simpl-esmente saibam ler e
escrever. Os jovens ingleses jogam futebol com as cabec;as
dos rebeldes no Bornau. No Irá, rapazes de 12 a 14 anos pe-
dem para ser martirizados numa guerra contra o lraque. Nq es-
pac;o de 1O anos na Guiné Equatorial, Francisco Macias Nguema
consegue reduzir o seu povo a um terc;o (Kogelfranz 1982).

Desde o final da Segunda Guerra Mundial, o mundo nao


conheceu nenhum dia de paz. De 1945 até 1983 morreram mais
de 35 milhoes de pessoas em guerras no mundo inteiro, das
quais 8 milhoes na guerra civil da China, 2 milhoes e meio na
guerra da Coréia e 3 milhoes no Vietná . Se antes da Segunda

71
70
Guerra Mundial as .guerras se faziam principalmente entre exér- sua presenc;a na sociedade nao é mais bem-vinda (Mead 1935).
citos, nas guerras modernas morrem mais mulheres e criancas Os pigmeus Mbuti e os Bosquímanos !Kung sao também re-
que soldados, como tem sido o caso nas guerras da lndochi.na, conhecidos por sua nao-violencia (Turnbull 1968; Thomas 1959).
Africa, América Central e Oriente Médio (Kogelfranz 1982). Lee (1979) calculou a taxa de homicídios entre os !Kung em
29,3 pessoas para cada 100.000, por ano. Outras sociedades sao
Para sustentar todas estas guerras precisa-se de urna muito violentas. Entre os índios Yanomami da Venezuela e do
indústria de armamentos bastante desenvolvida. Antes da Pri- Brasil, bem como em outras sociedades indígenas da América
meira Guerra Mundial foram os empresários privados, como Sir do Sul, as guerras e as brigas dentro da aldeia sao constantes.
Basil Zaharoff da Inglaterra e os Krupp da Alemanha, que su- Os homicídios sao responsáveis por mais de 20º/o das mortes
priram estas armas. Hoje, sao os governos de países como os dos Yanomami (Chagnon 1972), 35°/o das mortes dos Mekranoti
Estados Unidos, Uniao Soviética e Fran<;a que fornecem a maio-
do Pará (Werner 1983a) e 58°/o das martes dos Waorani do Equa-
ria das armas. Em 1981 os Estados Unidos, sornando-se a a<;ao
dor (Yost e Kelley 1983).
do governo a das indústrias privadas, vendeu mais de 17 bilhoes
de dólares em armas para países do Terceiro Mundo. No mes- Por que algumas sociedades apresentam maior índice de
mo ano a Uniao Soviética vendeu 15 bilhoes e a Fran<;a 8 bi- violencia que outras? q que leva urna sociedade a fazer guerra?
lhoes de dólares. Recentemente dois países do Terceiro Mundo ~r que as taxas de criminalidade em alguns lugares sao mais
também passaram a exportar armas: Israel e Brasil. Os plane- altas que em outros? 1 .
jadores brasileiros esperavam que as vendas de armamentos
para países como lraque·, Equador, Colombia, Arábia Saudita,
Jordani.a, Líbia, Malásia e China pudessem chegar a 2 bilhoes
de dólares até 1985, igualando as vendas do café (McGeary e 1. Guerra ""\
van Voorst 1982).
Frente a toda esta violencia é tentador concluir qu~ o_
ser humano é, por ""natureza, urna criatura agressiva. Alguns A guerra toma formas muito variadas em sociedades di-
escritores populares tem chegado a esta conclusao (por exem- ferentes. Entrtt ~ador~s e coletores como os Bosquímanos
plo, Ardrey 1966). Mas a teoria da agressividade inata, mesmo !Kung e os Tiwi da Austrália, a maioria dos homicídios resulta
se fosse em parte· ve·rdadeira, nao seria muito útil, pois nao ~ desejos de vingan<;a (Lee 1979, Pilling 1968). Entre os TiW1 ;
ajudaria explicar por que algumas sociedades sao mais violen- · quando alguém teme um~ retaliac;ao, esconde-se nos mangues
tas que outras. Nem explicaria as diferentes formas que a vio- - até que, um dia, um membro do seu grupo é morto (Pilling 1968).
lencia pode tomar. Em alguns lugares a violencia é ()rganizada Algumªs SQ.Ciedades com agricultura extensiva, como a dos ín-
em termos de guerras ou de revoltas coletivas. Em outros lu- . _dios Kayapós do Pará e os Jívaro do Equador, também citam a
gares a violencia é mais individualizada na forma de crimes. As vinganc;a como explicac;ao principal para os . ataques que fazem "
a outros grupos Indígenas, embora nos dois grupos o desejo de
vezes, os termos crime e guerra sao confundidos. ,
roubar mulheres ou crianc;as também possa motivar um ataque
Existe urna varia<;ao muito grande no grau e tipo de vio- (Werner 1984a, Harner 1973). Os ataques sao tao comuns entre
lencia. ~ Semai da Malásia central sao conhecidos pela_sua - os Jívaros que as pessoas dormem. com as armas ao lado ' e
timide·z. Ouancío perguntados sobre o que acontece quando fi- com a porta da casa trancada. Jívaros costumam avisar os ini·
cam zangados, eles respondem slmplesmente que nunca ficam · migos do seu desejo de iniciar urna guerra de vinganc;a, mas
com raiva. Assassinatos sao raros, ou nao-existentes (Dentan os ataques acontecem de surpresa. Um homem organiza um
1968). Os Arapesh da Nova Guiné sao também muito pacíficos. grupo de guerreiros para a batalha. Multas vezes este líder co-
Se alguém fica agressivo, os membros da sociedade aparecem munica seu desejo ·de morrer, e desempenha os papéis mais
em sua . casa e apagam o fogo do lar, comunicando assim que perigosos nos ataques, até que um dla ele é, de fato, morto.

72 73
Nos ataques os guerreiros cortam as cabe<;as .de suas vítimas qu~ de· surpresa é mais fácil. Nas savanas com populac;oes d~n­
(homens, mulheres e crian<;as) e as levam para casa onde sáo sas dos Dani tais ataques seriam mais difíceis. Neste caso, a
.. con~ervadas como troféus de guerra (Harner 1973). Entre os estratégia mais adequada poderia ser urna tentativa de ame-
~~n•. da Nova Guiné as batalhas sáo muito formais. Os dois drantar os inimigos com a ostenta<;áo de sua forc;a.
1~1m1gos concordam sobre o horário do ataque e se formam em
hnhas de combate. Geralmente as batalhas sáo vistas como um Embora o tipo de tecnologia ajude a explicar as formas
e~port~, e terminam depois de urna ou duas mortes, mas como variadas que toma a guerra em sociedades aiferéntes, náo nos
ha mu1tas batalhas, as mortes se somam rapidamente e as taxas diz muito sobre a freqüencia da guerra em tais sociedades.
de mortalidade sáo táo altas quanto entre os Yanomami (Heider Quais os fatores que levariam urna sociedade a guerrear com
1970) ..Em al~f!!!s sociedades com agricultura extensiva, como mais freqüencia? Numa pesquisa comparando 26 sociedades na
os Tup1namba d~ !~toral ~r~sHeiro no século 16, e os Mundugu- Nova Guiné, Ember (1982) descobriu que o uso de guerra para
mor da Nova Gu1ne, as v1t1mas dos guerreiros sáo levadas para conquista de mais terra é .. mais comum onde a densidade da
casa para serem comidas (Staden 1974, Mead 1935). populac;áo é mais alta. ,Ele argumenta que isto indica que a
guerra pode resultar de urna escassez de recursos. Para testar
Entre os pastores de gado na Africa oriental os ataques -este argumento Ember fez urna nova compara<;áo de sociedades
aervem .para rou~ar ~nimais. Os Turkana mandam espióes para no mundo inteiro. Esta pesquisa mostrou que a guerra é fre-
escobrir a locaflza<;ao e tamanho dos rebanhos de· outros gru- qüente em 78°/o das sociedades onde existem crises de fome,
pos como os Dodoth. Depois armam urna emboscada, na qual ·e ocorre em apenas 33°/o das sociedades sem tais crises. Esta
eles matam ~s rapazes pastores e roubam o gado. As vezes descoberta era difícil de interpretar, urna vez que períodos de
roubam tambem os ornamentos das vítimas, o que exige que fome poderiam ser um resultado e náo urna causa de guerra.
se corte suas orelhas. Depois de matar alguém com urna lan<;a No entanto, pesquisas poste·riores mostraram que tais crises
~s. Dodoth precisam lamber o sangue da vítima para serem pu- ocasionadas por problemas de mau tempo ou de pragas, de in-
nficados. Num período de onze meses Thomas ( 1965) conviveu setos também propiciam a guerra (Ember e Ember 1984). Assim,
com os Dodoth, urna sociedade com urna populac;áo de 20 ooo ·há evidencia de que a escassez de recursos constituí um fator
pessoas. Neste período o grupo envolveu-se· em 125 embo~ca­ importante na propagac;áo de guerra.
....
das, com pelo menos 150 mortes e o roubo de pelo menos
25.000 cabe<;as de gado.
2. Revoltas
:-Estas varia<;oes na maneira de fazer guerra podem ser
.!:elac1onadas com a tecnologia e com o meio ambientecia;--(Ji- - Um tipo de conflito muito comum no século vinte tem
yersas sociedades. A guerra entre os pastores especial izados -... ,sido a ·revolta de agricultores. Como no caso de out~as guerras,
serve geralmente ao roubo de animais, se-ja na Africá oriental
no ?ri:nte Médio, no Tibet, ou no faroeste norte-americano.
can1bahs~o parece mais comum em sociedades com agricuítu-
o- a maioria dos pesquisadores acredita que sao nos momentos
de crise que a guerra se torna mais provável. Mas existem si-
tuac;oes de crise que passam sem guerra. Comparando seis
ra extensiva. Alguns antropólogos tem argo-mentado que isto revoluc;oes de camponeses no século vinte (na China, .Cuba,
s~ deve provavelmente a urna falta de proteína nos regimes México, Argélia, Vietná e Uniáo Soviética), Wolf (1969) argu-
ahme~tares _des~s po\los. -bJma pesquisa ná Nova Guiñé mos- menta que é o campones «de níve! médio» (nem o mals rico,
trou que os indígenas reoebiam tanta proteína do canibalismo nem · o mais pobre) que sustenta as revoluc;oes . Segundo Wolf,
quanto dos porcos que criavam (Dornstreich e Morren 1974) os camponeses de nível médio sao mais vu·lneráveiL al?s_P!º·
Talvez a escolha de fazer ataques de surpresa ou de organiza~ blemas provenientes do seu envolvimento no mercad~l_!!UnClial :.1
batalha~ formais tenha algo a ver com o terreno onde as Jutas Sofrem m-;¡s as-=._con~eqüencias:CJe_ expropriac;oes dLlerra, o
se reahzam. Onde há muita floresta para se esconder, um áta- ..fluxo_ de prec;os no mercado internacional ..e a aJta dos jur_ps.
74 75
~lé.m disso esses camponeses tem mais condic;oes para maoter c;áo os donos da terra instalam as suas usinas. Por isso tem
urna revoluc;ao, urna vez que podem se sustentar melhor que os.__
mais disposic;ao em atender algumas reivindicac;oes dos agri-
parceiros ou bóias-frias mais pobres, e muitas vezes tem mais .. cultores em momentos de crise. ComQ no caso de fábricas
conexoes políticas através dos filhos que estudam nas cidades. numa cidade, os agricultores tem chances de melhorar sua si-
_J

Paige (1975) discorda da tese de Wolf. Ele argumenta tuac;ao usando a greve como tática principal. Suas reivindica-
que para se entender os fatores que levam os camponeses a c;oes concentram-se geralmente em torno de melhores salários
violencia, precisamos explicitar as reac;oes prováveis dos donos e melhores condic;oes de trabalho. Um exemplo seria o siste-
da terra em momentos de crise. Ouando os lucros dos donos ma de agricultura no litoral peruano.
da terra dependem em parte do equipamento que mantem no No caso de pequenos agricultores usando equipamento
campo (por exemplo, um engenho de ac;úcar), os donos tendem como tratores ou tobatas, o trabalhador é o dono da terra. Nes-
a ceder mais facilmente as ameac;as dos camponeses em mc- te caso os protestos mais comuns dos agricultores se restrin-
·mentos de tensao. lsto porque os donos podem, de certa forma, ge·m a pedidos de apoio de prec;os ou incentivos flscais junto
manter seus lucros se melhorarem o equipamento, tornando-o ao governo. A tática de prote·s to .é geralmente a manifesta<;ao
·mais ·e.ficiente. Cedendo a alguns pedidos, os donos evitam pública. Exemplos incluiriam a Irlanda e Santa Catarina, Brasil.
viof encia mais sé ria.
Com alguns produtos, nao há como melhorar os lucros
Mas quando os lucros depende m exclusivamente da apenas através de melhoria do equipamento. Por exemplo, no
mao-de-obra dós trabalhadores agrícolas (como no caso da agri- caso de arroz irrigado consegue-se maior produtividade por uni-
cultura de arroz irrigado), os donos sao avessos a qualquer soli- dade de terra através do trabalho manual. Neste caso os do nos
.citac;ao dos agricultores. lsto porque nao dispoem de equipamen- da terra mantem-se muito resistentes as reivindicac;oes dos tra-
to a ser melhorado. Assim , qualquer concessao aos trabalha- balhadores, o que faz com que os camponeses recorram a vio-
dores implica, necessariamente, em perdas para o dono. Neste lencia. A forma de propriedade mais comum para o cultivo de
caso, os camponeses nao tem escofha, senao a violencia, para arroz irrigado é a _parceria, em que o dono recebe urna parte
alcanc;ar suas reivindicac;oes. da colheita por ter cedido a terra ao trabalhador. Já que a água
corre de urna roc;a para outra, esse sistema de cultivo exige
Paige su~tentou seu argumento numa comparac;ao de da- urna cooperac;ao muito intensa entre os agricultores. Entao,
dos relativos a 70 países diferentes. Nesta pesquisa ele desco- quando eles _recorre·m a vioJ~ncia, .-há maior probabilidade de
briu que o tipo de planta· que os camponeses semeiam para ex- que reivindiquem urna révoluc;áo socialista em que as terras se-
portac;áo afeta os padrees de organizac;ao da propriedade . As jam propriedade comum. Um e xemplo seria o Vietna .
formas de propriedade, por sua vez, afetam o tipo de protesto
.que os camponeses. normalmente utilizam para conseguir suas Outro sistema de propriedade é comum onde havia urna
reivindicac;oes. colonizac;áo direta em que os indígenas trabalhavam nas terras
de donos estrangeiros. Em muitas áreas os donos dependiam
Comec;amos com o caso de sistemas de agricultura nos de mao-de-obra em vez de equipamento para manter os seus
quais o dono da terra utiliza equipamento. O uso de equipamen- lucros, e os camponeses precisavam recorrer a violencia. Mas
to na agricultura relaciona-se ao plantio de produtos que preci- em vez de lutar por urna revoluc;áo socialista, as reivindicac;oes,
sam ser transformados (reduzidos de massa) antes da exporta- muitas vezes, tomavam um caráter mais nacionalista. A revolu-
c;ao para economizar no transporte. Por exemplo, em vez de c;áo em Angola, com a expulsáo dos portugueses, é um exemplo.
transportar o produto bruto, é muito mais eficiente transformar
• O último sistema de propriedade discutido por Paige é a
já no campo, a cana em ac;úcar, as fofhas de sisal em cordas,
hacienda. Este sistema é mais comum onde as terras variam
o látex em borracha e as folhas de chá em seu produto final. de qualidade. O dono da hacienda planta no vale fértil, mas
No mesmo lugar onde se plantam estes produtos para exporta- cede terra nos declives aos trabalhadores agrícolas. Embora
76 77
possam plantar muitos produtos diferentes, os donos das ha- urna vez que as pessoas podem ·ficar em desacordo sobre a jus-
ciendas geralmente dependem mais de máo-de-obra que de tifica<;áo de um ato violento. Entre os Bosquímanos !Kung, Lee
equipamento para manter seus lucros. Também nesse caso, os (1979) cita um exemplo que poderíamos classificar como crime.
camponeses precisam recorrer a violencia para que suas rei- Trata-se de um homem que já havia assassinado duas pessoas,
vindicacóes sejam atendidas. Mas a experiencia de ter a sua e que num mesmo dia apunhalou urna mulher e matou um ho-
própria terra faz com que ·s olicitem apenas a redistribuicao da
me·m. Várias vezes o assassino tinha decepcionado as p·essoas,
terra e nao sua socializacáo., Tais solicitacóes de reforma agrá-
fingindo inicialmente amizade e agredindo-as depois, ao atirar
ria sao bastante comuns no altiplano do Pe·ru.
flechas venenosas. Finalmente, os me·mbros do grupo decidi-
As correlacóes globais descobertas por Paige entre for- ram pela marte do assassino. Regressando a aldeia depois de
mas de organiza<;áo de propriedade e táticas reivindicatórias mais um incidente, o assassino foi executado com flechas por
sustentam seu argumento. Outras pesquisas feitas por Paige todas as pessoas da comunidade até que se parecesse com um
no Vietná, no Peru e em Angola mostram também que os pro- porco espinho. Mas mesmo neste caso, onde ~avia consenso
testos dos camponeses geralmente tiveram início nos lugares sobre a necessidade da pena de mort·e, existia o medo da re-
caracterizados por estas formas de organiza<;áo. No caso do presália por parte dos parentes do executado.
Vietná, por exemplo, o líder comunista Ho Chi Minh era origi-
nário do Delta de Mekong que, na época, era o centro de pro- Por que em alg.umas sociedades acorre mais crime vio-
ducáo de arroz da Indochina. Náo era tanto a aprendizagem da lento que em outras? Alguns pesquisadores enfatizam fatores
«ideologia comunista», mas as condi<;óes diárias de trabalho psicológicos. Vários pesquisadores, por exemplo, notaram que
que condicionavam a aceita<;áo de idéias de propriedade co- atos Vio entes sao mais comuns em sociedades onde os rapa-
mum. Numa comparacáo de tipos de agricultores no Brasil ze s tem poüco ou nenhum contato com seus gaiS\ (Whiting 1965,
como bóias-frias, pequenos sitiantes e índios, Martins (1980) Child e Barry 1963, Rohner 1975). Y\'hiting (1965) ªJ.9umenta que
chegou a conclusoes muito semelhantes as de Paige. · a ausencia dos pais produz conflitos na identidaCle s·exual dos
¿:_iipa?~S/ áuando um rapaz passa seus primeiros anos de vida
Embora as teorias de Paige nos ajudem a entender as perto da má.e (ou dormindo com ela) adquire inconscientemen-
origens de diferentes tipos de protestos de trabalhadores rurais, te urna identidade feminina. Mais tarde, quando o rapaz perce-
náo nos dizem muito sobre a probabilidade dos protestos leva- be sua masculinidade, sente-se em conflito e tenta provar para
rem , de fato, a urna revolu<;áo. E náo podem explicar o desen- si mesmO, através de atos violentos, que é, de-fato, homem.
rolar de conflitos a longo prazo. Por exemplo, Paige nao explica ----- -
os acontecimentos que conduziram a revolu<;áo cubana. Antes Rohner ( 1975) ªrgumema que a ausencia.. do pai produz _
da revolu<;áo, é!-economia cubana era caracterizada pelo plantio rea<;óes agressivas na crianca porque a mae geralmente está
_de a<;úcar, e por tentativas de greve. Mas os conf itos orna- sQ_brecarregada de trabalho. ; A mae tende nesse caso a negli-
..ram-se progressivamente mais serías, talvez eni-fon~~in­ genciar o rapaz, e esta rejeicáo emocional produz agressivida-
teresses internacionais mais de ordem política queeéonomica, de. Como apoio para este argumento, RQ!lner relata que as.
até levar a urna revolu<;áo. criari<;as sijo _geralmente mais agressivas também quando o~
avós náo ajudam no cuidado das crianc;asi o autor acentua fi-
nalmente que nas sociedades de cac;adores e coletores as pes-
soas demonstram geralmente mais carinho para seus filhos que
3. Crime violento em sociedades mais complexas .
Examinando a criminalidade nos Estados Unidos, Harris
Enquanto a guerra envolve atos de violencia de certo (1981) aterece urna terceira explicac;áo para a (:Orrelacáo entre
modo aceitas pela comunidade, o crime violento é um tiQ.Q__i.DE.:_ pais ausentes e a delinqüencia juvenil. Ele nota que as maes
solteíras nas favelas norte-americanas valoriza'!I a valentía nos
ceitável de _gomportamento. A distinc;ao é um pouco arbitrária, ----
78 79
seus filhos, em parte para proteger a casa, e em parte para re- julgar e punir o homicídio. Ele argumenta que a· simples pre-
forc;ar o orc;amento doméstico com dinheiro proveniente de - senc;a de urna autoridade em tais casos faz com que os homicí-
roubos ou tráfico de drogas. dios nao aumentem, sob a forma de represálias. No entanto, o
grau de punic;áo em sociedades modernas parece ter PQll.C_O- ª
Outras teorias psicológicas ligam a agressividade e o ver com as taxas de criminalidade~ Por pessoa, os Estados Uni-
crime a outros fatores no crescimento de urna crianc;a., Hartjen -cfos tem mais presos (nao-políticos) que qualquer outro país do
(1982) argumenta que as taxas _reduzidas de delinqüencia na_ mundo (em 1978, 0,2°/o da populac;ao). No entanto, sua taxa de
fndia se devem em grande parte ao fato das crianc;as trabalha- criminalidade é muito superior a de países como o Japáo ou a
rem muito em companhia dos adulto~ . Citando dados de várias Inglaterra, onde a cri·minalidade é bem menor.
sociedades no mundo, Ember (1980) ll]Ostra que as crian~as sao
geralmente mais agressivas quando passam sua juventude em Pesquisas antropológicas e sociológicas tem demonstra-
companhia de outras crianc;as da mesma idade. Ouando passam do a importancia de fatores economicos, como a_escassez de re-
•mais tempo na companhia de adultos ou quando precisam cuidar cursos e a desigualdade, na explica<;ao da agressividade huma-
de crianc;~s mais jovens, sao me·~os agressivas. .na. No caso de crime violento existe também ·evidencia para
apoiar vários argumentos psicológico~. Poucas pesquisas exa-
Urna teoría psicológica argumenta que os jovens se tor- niinam todos estes fatores diferentes para especificar a impor-
nam delinqüentes em func;áo do trabalho dos pais (Colvin e
-- tancia relativa de cada um, mas os estudos feitos até agora já
Pauly 1983). Ouando os pais tem empregos nos quais podem mostram que um fator muito citado, a.pobreza, nao parece levar
ser demitidos arbitrariamente, eles transmitem este sentimento _ necessariamente a violencia. Existe também a questáo das di-
de arbitrariedade aos filhos que se tornam, entao, alienados e fere~as entre homens e mulheres quanto a agressividade. lsto
criminosos. é o assunto do próximo capítulo.
Alguns pesquisadores tem sugerido que é a pobreza que
leva a criminali_dade para obter as necessidades básicas de _
yid~ Este argumento nao explicaría por que as taxas de cri- _
minalidade sao mais baixas: na fndia que no Brasil, nem por que
$IS taxas sao tao altas nos Estados Unidos onde 40°/o dos negros
urbanos morrem antes de atingir 25 anos (Harris 1981). Mas
embora a pobreza absoluta nao explique as diferenc;as nas taxas
de criminalidade, a desigualdade parece importante, pelo menos ~
em sociedades contemporaneas. Numa comparac;ao das taxas
de violencia em 142 países, Ballmer-Cao (1979) mostrou que a
violencia é mais freqüente onde a desigualdadé ~onomica é
maior. Em parte, a desigualdade poderia estimular a violencia
simplesmente porque haveria mais ricos para roubar e mais
pobres necessitando do seu dinheiro. Em parte, poderia tam- -
bém criar frustrac;oes ao mostrar na publicidade e na vida co-
tidiana um nível de consumo fora do alcance da maioria da
populac;ao.
Numa comparac;ao de 47 sociedades «primitivas> Masa-
mura (1977) mostrou que a violencia interna numa sociedade
torna-se mais alta onde nao há ninguém com autoridade para

80 81
As manifestantes brasileiras tem os seus pares em
outros lugares do mundo. Na Inglaterra urna organiza<;áo cha-
mada National Women's Aid Federation (federa<;áo nacional de
socorro a mulher) dedica-se, desde 1975, ao cuidado de mulhe-
VI res vítimas de agressáo (Passo e Gusmáo 1980). Nos Estados
Unidos urna organiza<;áo feminista mais radical chamada Take
Back the Night (retome a noite) protesta contra a «cultura de
estupro» dos Estados Unidos. As suas preocupa<;óes váo além
MULHERES E HOMENS da prote<;áo a mulher que apanha do marido, para abranger
questóes mais gerais como a pornografia, que estas feministas
acreditam ser urna violencia contra a mulher (Preston 1982).

O movimento feminista deixou muitos homens confusos.


Um grupo de 500 homens se reuniu em Washington para discu-
tir os problemas do homem liberado. Na pauta incluíram os
problemas que sentiam com as suas mulheres liberadas, e a
sua conseqüente imagem de «fraco» frente a sociedade ma-
chista. Aprenderam a chorar e a abrac;ar nos outros homens,
e ouviram discursos sobre como a pornografia explora tanto os
homens quanto as mulheres (Karlen e Greenberg 1984). Os ho-
mossexuais masculinos norte-americanos sentem-se traídos por
No dia 11 de agosto de 1980 o paisagista Eduardo Souza algumas feministas. Sempre foram os primeiros a adatar a ideo-
Rocha pegou um revólve·r e matou sua mulher com seis tiros. logia e a linguagem feministas e garantir posi<;oes de lideran<;a
Os problemas do casal come<;aram quando Eduardo impos al- Qara mulheres nas suas organiza<;oes, mas a campanha de mui-
gumas regras a sua nova mulher. Ela nao podía sair de minis- tas feministas contra a pornografia os deixa perplexos, pois
saia, ir a piscina, encontrar amigos, ou ir a bailes. Pouco a consideram a libera<;áo sexual (inclusive o direito a pornogra-
pouco Maria Regina conquistou alguns direitos do marido, como fia) urna parte integral da libera<;áo homossexual (Prestan 1982).
a permissao de fumar em casa, e de tomar aulas de ginástica.
Mas passou a exigir algumas «liberdades» (como estudar e tra- Q!JaJs o~ fatores que afetam o tratamento de mulheres
balhar) que o marido nao podia aceitar. Quando Maria Regina e· homens numa sociedade? 1 Para ajudar a responder esta per-
pediu separa<;áo, o marido a assassinou . gunta os antropólogos dispoem de informa<;óes muito variadas
Em sua defesa, Eduardo, como outros homens · em situa- sobre papéis sexuais em diferentes sociedades. Os .índios Ya-
<;óes semelhantes, citava a «legítima defesa de honra» - um nomami da fronteira entre Brasil e Venezuela sáo conhecidos
argumento que, em outros processos jurídicos, se,mpre condu- pelo costume de maltratar suas mulheres., Necessitando guer-
ziu a absolvi<;áo dos maridos assassinos (pelo menos os de reiros para proteger a aldeia, os Yanomami preferem crian<;as
classe média e alta). Mas neste caso, algumas mulheres nao do sexo masculino e costumam matar muitas do sexo feminino
queriam deixar o caso passar despercebido pelo público. No no momento de nascer (infanticídio feminino). As meninas que
dia 18 de agosto de ·1980 foram para as ruas de Belo Horizont~ sobrevivem tem poucas possibilidades de influir na escolha dos
protestar contra o machismo brasileiro e para criar um Centro seus maridos. Muitas vezes sao prometidas a um homem
de Defesa dos Direitos da Mulher. Depois do ato público, as muitos anos antes de chegar a puberdade. As mulheres casa-
manifestantes foram para a igreja participar de urna missa ce- das precisam responder rapidamente aos desejos dos seus ma-
lebrada por duas vítimas recentes da · violencia machista (Passo ridos. Ouando. insatisfeitos, os maridos punem as mulheres
e Gusmáo 1980).
82· 83
com as maos, com brasas de fogo, com facc;óes e com arco e guerra ou a abertura de novos mercados para a venda dos pro-
flecha. Algumas vezes acabam matando a mulher. As mulhe- dutos comercializados pelas mulheres. As lyalodes participa-
res esperam este tratamento dos homens e até julgam como vam também do conselho governamental, desempenhando mui-
senda mais carinhoso o marido que as deixa com mais cicatri- tas vezes as func;oes de sacerdotisas de Xango, deus do trováo,
zes na cabec;a (Chagnon 1968). o mais importante da sociedade yoruba . Na cidade yoruba de
Ondo, a líder feminina desempenhava um papel considerado
Entre os muc;ulmamos do Sudao, as mulheres também igualmente importante quanto o do líder masculino Oba (Awe
sao bastante subordinadas aos homens. Os sudaneses negam 1977). Entre os Kpa-Mende da Sierra Leone no século XIX houve
que os homens sejam melhores que as mulheres, mas acredi- um momento em que urna mulher chamada Madame Yoko co-
tam que eles sejam mais fortes . Senda fracas, as mulheres
mandava um território maior que os territórios governados pelos
precisam de· protec;ao, sobretudo contra suas paixóes incontro- homens (Hoffer 1974).
láveis, sem falar dos desejos licenciosos dos homens. Por isto,
as mulheres geralmente estaQ restritas ao ambiente da casa, Outra sociedade conhecida pelo poder concedido as mu-
e precisam usar roupa modesta em público, inclusive urna veste lheres é .ª sociedade indígena norte-americana dos iroqueses.
grande chamada tob, que vai por cima da roupa normal para Entr~· os iroqueses, os homens passavam multo tempo fora da
cobrir o corpo todo. Também precisam submeter-se a urna ci- aldera em campanhas de guerra, e as atividades dos sexos eram
rurgia na qual sao removidos o clitóris, os lábios menores e mui_to separadas. As mulheres se tornaram as donas da terra
os maiores da vagina. Devido a toda esta protec;ao contra o -das aldeias e dos cemitérios. Elas controlavam os alimento~
mundo exterior, as mulheres sudanesas tradicionais sentem-se armazenados da comunidade e os distribuíam aos homens so-
extremamente incomodadas quando entram em contato com mente em troca de servic;os de guerra. ·As mulheres iroquesas
homens nao-parentes, apenas realizando-se plenamente no re- dispunham de urna representante no conselho público da socie-
lacionamento com a família, filhos e amigas. Quem nao se dade, cabendo-lhes nom-ear o líder do grupo (que tinha que ser
conforma com este sistema encontra problemas. As mulheres um homem). Elas também tinham o poder de depor o líder caso
da universidade de Cartoum tentaram urna vez protestar contra ele nao cumprisse os seus deveres. Finalmente, elas podiam
o papel da mulher na sua sociedade, tirando o tob numa man1- vetar declarac;óes de guerra, decidindo também sobre a vida ou
festac;ao, mas foram agredidas fisicamente pelos homens mu· a morte de prisioneiros de guerra (Brown 1975).
~ulmanos mais ortodoxos (Fluehr-Lobban 1977). , ~nquanto os yoruba e os iroqueses designaram lideranc;as
Em outras culturas africanas as mulheres desfrutam de espec1frcas as mulheres, entre os bontoc ocidentais nas Filipi-
~as os mesmos postos governamentais podiam ser disputados
muitn mais· poder. Em sociedades como os ashanti (em Ghana}
os mende (de Sierra Leone) e os nupe (da Nigéria) as mulheres rpualmente por mulheres ou homens. Ouase todos os trabalhos
dos bontoc eram compartilhados entre os dois sexos. Nao havia
ocupam altos postos nos governos tradicionais. Sao princesas
importantes, caciques femininas, ou rainhas máes. Na socieda-
?iscrimina~ao para regras de heranQa, e os dois sexos foram
rgualmente valorizados (Bacadyan 1977).
de yoruba da Nigéria as mulheres tinham a sua própria líder, a
lyalode. Em algumas comunidades yoruba as lyalode herdavam Como se explicam estas diferen~as no tratamento dos-
suas posic;óes, mas na maioria eram eleitas pelas mulheres. dois sexos em sociedades distintas'¿ Um fator multas vezes ci-
Em grande parte as lyalode conseguiam a lideranc;a utilizando t'ado em discussóes sobre papéis sexuais é a genética. Sendo
a riqueza que acumulavam em suas ocupac;óes comerciais. Al· universais, diferen~as genéticas nao poderiam explicar a grande
gumas tornaram-se boas estrategistas de guerra, usando suas variedade cultural nas maneiras de tratar os dois sexos. Tam-
idéias e seus recursos para fortalecer os exércitos da socieda- bém, como veremos, as relac;oes entre genética e sexo sao mais
de. A lyalode resolvía disputas entre mulheres, consultando-as complicadas do que muitas pessoas imaginam.
sobre suas poslc;óes quanto a assuntos como declarac;óes de

85
84
!
d.a . genitália. Comparac;oes de hermafroditas seme.lhantes cor-
1. Sexo e genética
ng1dos .. algu.ns como machos e outros como fem-eas, mostram
,. que a 1dent1dade sexual da crianc;a se desenvolve facilmente
Embora se imagina que o sexo biológico de urna pessoa ?ª a~ordo co_m o sexo para o qual foi «corrigido». Como esta
seja determinado pelos cr-0mossomos, estudos genéticos mos- 1dent1dade nao poderia de maneira alguma ser atribuída aos
tram que isto nem sempre ocorre. Money e Ehrhardt (1972) ge~es da _ crianc;a, fica demonstrada a grande importancia do
citam o exemplo de urna mulher que veio ao hospital para des- me10 ambiente na form_ac;áo_da ichwtidade sexual (Money e
cobrir por que era estéril. Desde crianc;a nao existia nenhuma Ehrhardt 1972).
dúvida sobre o sexo desta mulher, e na puberdade ela continua- Um fenómeno geneticamente interessant~ é o caso das
va externamente se desenvolvendo como urna mulher normal, ~-ºª~ chama~~s. guevedoces encontradas em duas aTcfeiasaa -
apesar de· nao menstruar. Quando os médicos fizeram urna pro- Nep~~l1ca Dom1n1cana. Ao nascer os guevedoces tem aparencia
va de saliva para saber dos seus cromossomos, descobriram feru1rnna, m~s tornam-se hom~ns na puberdade, Estas pessoas
que ela era geneticamente masculina! Tinha os cromossomos pos~u.em os cromossom~s XV, mas por causa de urna mutac;áo
XV em vez de XX. Hoje sabemos que também existem homens ..9enet1ca o~ seus corpos náo produzem o hormonio diidrotes-
e mulheres com cromossomos X, XXX, XXV, e XVV. A caracte- !,9ste·rona responsável pela aparencia masculina ao nascel/. Na
rizac;ao de homens como tendo os cromossomos XV e mulheres puberdade o hormonio testosterona produzido em seus organis-
como tendo XX simplesmente nao corresponde a realidade bio- mos faz com que passem urna puberdade masculina normal.
lógica. Nos seus corpos cresce um penis, descem os testículos, rebai-
~a-se a voz, e se forma urna musculatura masculina. O mais
Pesquisas com animais e pessoas nascidas com genitá-
1ntere~sante no caso dos guevedoces é que depois de 12 anos
lia ambígua estao revelando os processos que conduzem a di-
?u m_a1s, com urna identidade feminina eles desenvolvem um~
ferenciac;ao do ser humano em macho ou femea. Acontece que 1dent1dade masculina, tem desejos sexuais por mulheres ca-
um feto se torna masculino ou feminino segundo os hormonios s~m-se ~ criam famílias normais (Konner 1982). Nao sab~mos
· gue sao liberados na placenta da mae. 1 As vezes um fetOXV a1nda ate que ponto esta mudanc;a na indentidade sexual dos
náo recebe os hormonios masculinos. Neste caso, a crianc;a gue~edoces se .deve a mudanc;a de hormónios no$ seus corpos
nasce como femea, com todos os órgáos externos femininos. ou as expectativas novas da comunidade quanto ao seu sexo.
Um fato XX torna-se mais masculino se ·estes hormonios sao N~ entanto, urna coisa parece clara: a identidade sexual de urna
liberados. Pesquisas com o peixe killifish mostram que os pei- . cnanc;a P.ode mudar depois da puberdadé4
xes geneticamente masculinos, mas biologicamente femininos,
sáo férteis (como femeas), e podem ter até prole com os cro- Como mostram estas pesquisas, ternos ainda muito a
mossomos YV. Os seres humanos que sao biologicamente fe- aprender sobre a influencia genética nas diferenc;as biológicas
mininos e geneticamente masculinos sao estéreis (Money e entre homens e mulheres. Sabemos menos ainda sobre a in-
fluencia genética nas outras diferenc;as entre os sexos .. Feliz-
Ehrhardt 1972).
mente, se queremos explicar as diferenc;as, nao entre homens
Quando hormonios ·masculinos sao liberados em alguns e mulheres, mas sim entre o tratamento conferido a mulheres
instantes, mas nao em outros, a crian~a que nasce, seja ela e homens em sociedades diferentes, náo precisamos entrar em
geneticamente feminina ou masculina, terá a genitália ambígua d~bates sobre genética versus ambiente. Se as culturas sáo
- náo dá para saber se sao lábios de urna vagina ou um escro- diferentes, esta variabilidade nao pode ser alribuícta a -diferen-
to, um clitóris ou um penis. Tais crianctas sao chamadas her- ~as
Y_ gene' t·1cas entre homens e mulheres, que seriam as -mesmas
mafroditas. Os médicos de hoje costumam «corrigir», a genitá- em t~das as .sociedades. Há muitas questoes a serem exami- +

lia destas crianctas para torná-las macho ou femea. A decisao nadas. ,


é baseada nao nos genes da crianc;a, mas na aparencia externa

86 87
2. Trabalhos masculinos e trabalhos femininos White et alii (1977) argumentam que a realizac;ao de al-
gumas tarefas poderia ser explicada em func;ao de outras, por
razóes e.conomicas. \ Ouando as tarefas a serem fe itas podem
Em seu estudo sobre os Tchambuli da Nova Guiné, Mar-
se concentrar num mesmo lugar há um ganho de eficiencia.
garet Mead (1935) ficou impressionada com o poder das mulhe-
Por isto, as mulheres geralmente fazem a maioria das tarefas
res nesta sociedade. Embora a terra fosse propriedade dos ho-
mens e embora os homens as vezes se casassem com mais perto de casa. Também pode ser mais eficiente para a mesma
de urna mulher, Mead explicou que as mulheres detinham o pessoa fazer todas as tarefas necessárias ~ produc;ao de algum
poder verdadeiro porque cabia a elas fornecer os alimentos para item. Assim, White et alii mostraram que se as mulheres se·
a comunidade. Enquanto os homens Tchambuli se preocupavam encarregam de abater os animais, seráo elas que provavelmente
com suas cerimonias e· aparencia física, as mulheres pescavam prepararáo suas peles, fabricarao os produtos de couro e pre-
no lago e vendiam urna parte dos peixes para comprar verduras. servatao a carne.
Por que os homens e mulheres dividem de mane·iras diferentes
suas tarefas? 1 As teorias de White et alii nos ajudam a ent·ender as
inter-relac;oes entre diferentes tipos de tarefas, mas nao expli-
Numa comparac;áo de 185 sociedades White et alii (1977) cam por que as sociedades atribuem diferentes func;oes a mu-
notaram certas tendencias gerais na divisáo sexual de tarefas. 1heres e homens. Por exemplo, por que em algumas socieda.des
Em todas as sociedades estudadas a tarefa de cac;ar mamíferos as mulheres constroem as casas, enquanto em outras esta ta-
_?quáticos de grande porte (como focas) era desempenhada eX:- re1a é reservada aos homens? f. construc;áo de casas por mu-
clusivamente pelos homens. 1 Trabalhos como cac;a, construc;áo - lheres parece estar relacionada ao nomadismo. Por exemplo,
. de barcos e fabricac;ao de instrumentos musicais foram delega:- os índios Mekranoti-Kaiapós passam parte do ano em aldeias
dos mais a homens que a mulheres, na grande maioria das so=- semipermanentes com casas grandes que exigem muito traba-
ciedades. 1 Já o plantio e a colheita podem ser considerados ._ lho concentrado. As casas da aldeia sao construídas pelos ho-
t.!lnto tarefas masculinas quanto femininas1 A coleta de alimeñ-.,, mens que dispóem de mais tempo para isto, pois as mulheres
t~s selvagens, a busca de água e a preparac;ao de comidas v·e- precisam cuidar das roc;a~. No entanto, durante vários meses
getais sáo func;oes geralmente designadas mais as mulheres do ano os Mekranoti perambulam pela floresta, construindo
que aos homen~. Na lista de Whlte et alii poderíamos acres- ' acampamentos novos . quase todos os di as. Nestas perambula-
centar a guerra e o cuidado de crianc;as. Em todas as socieda- c;oes sao as mulheres que constroem as casas, que sao muito
9es conhecidas os hom.~ns se ocupam mais com guerra que as · menores e podem ser feitas em poucas horas. lsto deixa os
n:iulheres e elas mais com o cuidado das crianc;as. ¡ homens com muito mais tempo para a cac;a, atividade mais im-
portante durante esse período (Werner 1984a). Urna compara-
l¿ma explicac;ao para a divisao sexua_I do trabalho salien- c;áo d~ muitas sociedades mostra que de fato há maior proba:-
Ja a maior forc;a física do homem (malor capacidade aeróbica bilidade de que as mulheres construam as casas nas sociedades
de trabalho). Outra explicac;áo salienta a importancia do cuidar nomades (Murdock e Provost 1973).
de crianc;as.,. Urna vez que só as mulheres podem amamantar
os filhos, sao elas que precisam cuidar deles. Algumas tarefas, Outro trabalho, as vezes considerado masculino e as v~­
como a guerra ou a cac;a, sao perigosas demais para serem zes feminino, é a agrícultura Em socieaades de agricultura
fe.itas junto com as crianc;as. Outras tarefas exigem que urna extensiva as mulheres geralmente cuidam mais das roc;as; em
pessoa saia para muito longe da aldeia, o que seria difícil para sociedades de agricultura intensiva, os homens fazem este tra-
urna mulher com crianc;as para amamentar. Estas duas teorias . balho. Ember (1983) mostra que o aumento de trabalho ferni-
poderiam explicar algumas tarefas de homens e mulheres, mas .ni no doméstico em sociedades com agricultura intensiva pode-
nao outras - por que, por exemplo, sao os homens que geral- ria explicar a dominac;ao masculina na agricultura. Há vários
mente fabricam instrumentos musicais? ..r fatores que fazem o trabalho doméstico aumentar com agricul-
88
89
tura intensiva. Primeiro, essas sociedades sao ge·ralmente ba- 1978). Estas compara<;óes mostram a necessidade .de s~ espe-
s~das no cultivo de cereais que precisam ser maídos ou co- cificar 0 tipo de status que nos interessa quando ~1scut1rmos a
.. zidos durante mais tempo para tornarem-se comestíveis. lsto - stao da mulher em sociedades diferentes.;.1 Precisamos saber
exige mais te·mpo para a procura de lenha ou água . Segundo, a
que - I' . 1 . - da
respeitO do que trata, se de poder po l~ICO, Va onza_<;.ao -
em sociedades com agricultura intensiva as mulheres precisam vida humana, heranc;a de propriedade ou o sexo dos deuses.
se dedicar mais a outras tarefas domésticas como a fabricac;áO'
d~ roupas. Terceiro, as mulheres nestas sociedades geJalmente
tem mais filhos, o que aumenta muito o te.mpo necessário ao
cuidado das crian<;a.s. , 3.1. Poder político

Além de aumentar o trabalho doméstico· das mulheres, a Estamos comec;ando a entender algumas diferenc;as na
agricultura intensiva pode também liberar os_b~omens de urna área de. poder político. Um fator importante é a nec~ssidade de
das tarefas mais importantes em sociedades com agricultura
cuidar de crianc;as. Urna~ comparac;áo entre 16 sociedades mos-
extensiva: a guerra. (Ember 1983). ~ocie.dades de agricultura
trou que, qy.ando as mulheres passam menos tempo , ~uidan~o
intensiva geralmente tem exércitos profissionais, o qt,Je libera
o restante da populac;ao masculina para o trabalho agrícola. A de cr" anyas, su as chances de ocuparem posic;óes polit1cas sao
importancia da guerra poderia, talvez, explicar o predomínio das rnaiores (KuleSá 1981). Confirmando as conclusóes de Kulesa,
mulheres na e.conomia dos Tchambuli. Ouando Mead fez a sua urna pesquisa junto aos índios Mekranoti mostrou que ª.s mu-
pesquisa, este grupo tinha sido recentemente pacificado, o que lheres indígenas que passam mais tempo cuidando de cnan<;as
talvez explique por que os homens desfrutassem de tanto lazer. geralmente tem menor poder de influencia que outras .mulheres.
Em parte isto se deve ao fato das mulheres com cnanc;as pe-
quenas tere·m menos chances de manter as suas ami~ades com
outras pessoas da aldeia, pois estáo ocupadas dema1s com os
3. Status
filhos (Werner 1983).
Outra teoria pressupóe gue o ~oder _político resulta ~!'
Talvez a questao mais c·entral nos debates sobre papéis possibilidade de se. controlar a economia.1 Segundo urna versao
sexuais seja o status relativo da mulher e do homem~ Pesqui- desta teoria, se as mulheres fornecem a comida, elas deve~
sas mostram que· o status é um fenomeno multidimensional. ter mais poderde influencia. Entretanto, pesquisas compa_r~t1-
Por exemplo, em algumas sociedades a vida da mulher é ·muito vas mostraram que nao existe corre.lac;áo entre o pQ..der poh~i_co
valorizada (como no caso de um naufrágio de barco onde as da mulher e sua relativa contribui~o para a sub~istencia ~o
mulhe.res sao as primeiras a serem salvas), 111as elas nao tem grupo (Whyte 1978). Apesar disso, outra versáo Cfesta teona
poder político. Em outras sociedades as mulheres desfrutam_ concorda melhor com os dad.os.. Segundo Sanday ( 1981). ~u~
de organizac;óes especiais, mas sao proibidas de fazer as mes- facilita a conquista do poder é o controle da distribuic;áo, e nao
mas tarefas que os homens Estudos comparados de várias so- o da_ p_rodu<;áo. Numa comparac;áo de 94 sociedades 'S~nday
ciedades mostram que nao existe correlac;ao entre a existencia ~strou que o controle da distrib~i<;ao con~titui ~":'ª pre-con· ~
de lideranc;as femininas locais e o sexo dos deuses e espíritos dic;áo para a ~ participac;áo aemulheres na vida polit1ca. A or-
oü o direJfo das mulheres a heranc;a. O controle feminino da . mac;áo de organizac;óes específicas para mulheres parece de-
pr9priedade independe tanto do valor dado a vida das mulheres pender desta participac;áo (Sanday 1981 : 251).
quanto da existencia de organizac;óes especiais para mulheres.
A participac;ao igual de mulheres e homens ~a vida cotidiana
nao está correlacionada a influencia feminina informal (Whyte

90 91
3.2. Violencia contra mulheres Numa comparac;áo entre 40 sociedades diferentes, Mont-
gomery ( 1974) Jl}OStrou que os tabus de menstruac;áo sao rnais
Como mostram os exemplos no início deste capítulo, a comuns onde os homens náo participam do 11ascimento das
'iiQlencia contra mulheres pode ser intensa e assumir tanto a crianc;as, dos ritos pré-púberes das meninas nem dos tabus se-
forma de espancamento das consideradas desobedientes quant·n-- xuais depois do parto / Estes tabus parecem fazer parte de um
Cle estupro. Mas nem todas as sociedades sáo igualmente vio- conjunto de fatores que separam os ~ois sexos. pomo pode-
lentas. Por exemplo, entre os pigmeus Mbuti do Zaire, quando mos expll car esta separac;áo? Urna possibilidade é sugerida pelo
os homens discutem com as mulheres, estas respondem de caso dos iroqueses. As mulheres iroquesas precisavam traba-
igual para igual. Normalmente estas disputas se. resolvem sem lhar e tomar suas decisoes políticas independentemente dos
apelo a violencia. A mulher e o homem tentam envolver toda homens porque eles ocupavam-se de guerras que os le.vavam
a aldeia na discussáo, até que um dos velhos (ou das velhas) longe da aldeia. Como mostrou ~anday (1981), os tabus de
reclama do barulho e as pessoas reassumem o comportamento menstruac;áo sao de fato mais Gomuns em sociedades guerrei-
cooperativo (Turnbull 1962: 124). Entre os Ashanti da Africa ras . De forma semelhante. Whyte (1978) mostrou que, onde as
Ocidental houve apenas um caso registrado de estupro. guerras sao mais fr·eqüentes, as mulheres e os homens traba-
Algumas feministas em sociedades modernas pedem pu- lham e atuam politicamente em esferas distintas.
nic;oes mais severas para os estupradores. No entanto, em suas Antropólogos tem feito especulac;oes sobre as possíveis
pesquisas comparadas Sanday (1982) relata que nao existe cor- conseqüencias de urna divisáo rígida entre mulheres e homens.
relac;ao entre a freqüencia de estupro numa sociedade e a se- Umª-da..s_e_speculac;oes refere-se ao travestismo., Iravestis sao
veridade da punic;ao.¡ O estupro e a incidencia de violencia comuns em muitas sociedades, inclusive entre: os índios Kanela
contra as esposas parecem mais r·elacionados ao nível de vio- do Maranháo (Ritter, comunicac;áo pessoal), os. índios Papago
rencia geral numa sociedade. Onde os homens brigam mais - do sudoeste norte-americano, as pessoas que falam o idioma
entre si, a violencia contra Ís mÚlheres é também mais alta Kannaia no sul da índia (Bradford 1983), as_sociedades indíg~­
(Sanday 1982).
nas de Angola (Mott 1982) e o~ Tanala de Madagáscar. Entre
os Chukchee da Sibéria os travestis poem roupa feminina e tor-
nam-se a «esposa» de outro homem que normalmente já tem
3.3. Segrega<;ao entre homens e mulheres ou tra mulher. o hom.em e «sua mulher travestí» tem relac;oe.s
sexuais anais. O travesti Chukchee é também considerado um
Em algumas sociedades, como os Bontoc ocidental des- xama: e pode ter urna mulher para relac;oes heterossexuais
critas acima, as mulheres e os homens trabalham em conjunto. (Ford e: Beach 1951). Na sociedade Kannada do sul da índia,
Em outras sociedades, como a dos iroqueses, os dois sex0s mulheres adotam também o papel masculino para cumprir cer-
executavam trabalhos bem distintos e nao se juntavam. As tos - papéis religiosos (Bradford 1983).
vézes esta separac;áo deu-se a partir de tabu? sobre a _partici-
pac;áo dos homens nas atividades femininas, a exemplo do tabu-- Alguns antropólogos tem argumentado que o travestismo
ao sangue menstrual., Em muitas sociedades náo se pode ter resulta da segregac;ao exagerada entre homens e mulheres. Se-
relac;oes sexuais com mulheres menstruadas. As vezes os tabus · gundo esta teoria, um rapaz que se sente sem condic;oes de
v§o mais longe. Os homens Mae Enga de Nova Guiné acredi- cumprir o papel masculino-guerreiro da sociedade é forc;ado a ~
tam que o sangue menstrual é perigoso, e temem entrar em adatar o papel da mulher (Hoebel 1949). Algumas feministas
contato com ele, pois isto causaria vomitas, enegrecimento do. propoem teorias parecidas, argumentando que ~ c_omportamento
sangue, fraqueza física e mental e morte. As mulheres Mae
-
Enga precisam se retirar para urna casa especial na época das
feminino exagerado dos travestis representa escárnio da vida
das mulheres. No entanto, urna pesquisa para testar este ar-
menstruac;oes e ficar fora da vista dos homens durante quatro gumento mostrou justamente o contrário. O_s travestis sáo mais
dias a partir do início das regras (Meggitt 1964).
92 93
comuns nas sociedades onde as mulheres e: os homens sao
menos segregados ,(Munroe, Whiting e Hally 1969). Parece que- -

há mais tolerancia para travestis se os homens e as mulheres-
compartem mais a vida. Evidentemente, precisamos repensar
melhor a questáo.
VII
O interesse para o tratamento de mulheres e homens em
sociedades diferentes tem aumentado nos últimos anos, esti-
mulando num,erosas pesquisas. Ternos respostas para algumas SEXUALIDADE
perguntas, mas resta ainda muito a fazer. O perigo principal é
esquecer a nossa própria ignorancia e pensar que entendemos
o que, na realidade, tem sido pouco investigado.

No veráo de 1984, um pequeno escandalo tornou-se a


piada mais badalada da temporada em Florianópolis. Um grupo
de rapazes locais (alguns casados) foram surpreendidos fazendo
sexo em grupo perto do clube do seu bairro. O acontecimento
ficou conhecido como a «penca» e as piadas chegaram aos jor-
nais, envolvendo até o governador do Estado, para quem foi
oferecido um retrato dos rapazes da «penca» em traca de alguns
favores políticos (Proposta quase irresistível. O Estado 11-07-84).
A rea9áo a homossexualidade no Brasil nao é sempre táo leve.
Em janeiro de 1983 o rapaz Carlos Henrique de Paula de Sáo
Paulo foi assassinado por seu próprio irmáo, que náo suportava
sua homossexualidade. O Grupo Gay da Bahia tem publicado
relatos de dezenas de tais assassinatos (Boletim do Grupo Gay
I da Bahia, n. 6, mar90 1983).
Os homossexuais no Brasil estáo se organizando. Por
ocasiáo da Páscoa de 1980 reuniram-se cerca de 1000 pessoas
no Teatro Ruth Escobar em Sáo Paulo para discutir os proble-
mas relativos a organiza9áo política dos homossexuais brasilei-
ros. Os presentes preocupavam-se sobretudo com o código d?
INPS (iüe define a homossexualidade coma_ «doenc;a», e com a

94 95
repressao geral contra os homossexuais na sociedade brasileira Tais restrh;óes sexuais nao sao limitadas a Europa e aos
~

(Freitas 1980). Organizac;óes como o Grupo Gay da Bahla ~ o Estados Unidos. Entre os índios Xavante do Mato Grosso, os
.. rapazes se mantinham castos. O sexo extramarital era também
Grupo Somos tentam manter a continuidade da luta pelos direi-
tos dos homossexuais. proibido. Comp a maioria das meninas casava-se logo depois
de atingir a puberdade, havia pouca oportunidade para que os
Nos Estados Unidos e países da Europa já existem or- rapazas se iniciassem na vida sexual (Maybury-Lewis 1974).
ganizac;óes para a defesa de outras minorias sexuais. Urna das Entre os Inca, um homem que violentasse urna virgem era ape-
mais controvertidas chegou a expor sua filosofía em revistas drejado. No sul do império Inca a homossexualidade também
populares como Psychology Today. Denominada René Guyon era punida cóm rñorte1 (Tannahill 1980). Em várias sociedades
Society pelo jurista e freudiano frances, esta organizac;ao dedi- áf'""~~§é necessario verificar a virgindade ·das esposas, através
ca-se a luta pela abolic;ao das leis que proíbem o sexo entre- de urna mulher designada oficialmente para esta tarefa, como
adultos e crianc;as. Seus membros esperam que os país das -
crian<;as possam u m dia consentir que. seus filhos tenham re- --
em ·Marrocos (Dwyer 1977), ou através da demonstrac;ao de
manchas de sangue no lenc;ol do casal , como entre -----
os cur os
la9óes sexuais com outros adultos (Young 1984). 1 Tannahill 1980). O Corao, como o Velho ·Testamento, condena
a morte os adúlteros, exigindo, para tanto, relatos exatamente
As mudanc;as nos costumes sexuais tem afetado ultima- Íguais de 4 testemunhas (Stern 1933). Até hoje em países como
mente também a natureza do sexo entre homens e mulheres. o Irá e a Arábia Saudita há casos de adultério punidos com
Urna pesquisa mostrou que desde o início da revista norte-ame-
ricana Playboy, as mulheres dos seus posters tem ficado cada
-
morte:
.......___
ano mais magras. Preocupadas com a nova estética, muitas Outras sociedades sao sexualmente bem mais liberals.
mulheres fazem regimes severos, algumas arriscando a vida com Nas ilhas Trobriandesas , perto da Nova Guiné, as crianc;as tem
deficiencias de calorías (Seligmann et alii 1983). desde cedo relac;óes sexuais. . Antes de chegar a puberdade
costumam manipular os órgaos sexuais urnas das outras ou es-
timulá-los oralmente. ,As vezes sao os companhei"ros um pouco
máis velhos que iniciam os jovens na vida sexual. Os pais per-
1. Variabilidade sexual mitem que as crianc;as se divirtam como bem entenderern. Na
adolescencia o sexo torna-se urna verdadeira paixáo) Nos pri-
meiros encontros amorosos o jovem casal tem relac;óes sexuais
A varia<;áo cultural engloba quase todas as varia<;óes no galpáo onde· se armazenarh os inhames ou na casa onde dor-
_§exuais que se possa imaginar, Em algumas sociedades o sexo mem os solteiros. Quando o relacionaníento torna-se mais sé-
é muito reprimido. Na Europa no século 14 as esposas usavam rio, os jovens comec;am a dormir. juntos na. casa dos solteiros.
cintos de castidade para evitar qualquer transgressao sexual Tanto as meninas quanto os rapazes, as vezes, chegam a orga-
fora do casam.ento (Tannahill 1980). Em 1642 o italiano Sinibaldi nizar expedic;óes a outras aldeias em busca de aventuras se-
escreveu que o desperdício de esperma em qualquer atividad~·. xuais (Malinowski 1929).
a nao ser a procria<;ao, le1varia a prisao de ventre, corcunaa, Os Lepcha da (ndia acreditam que urna menina nao po-
mau hálito e nariz vermelho (Tannahill 1980). Mais tarde os pu- deria amadurecer sem ter relac;óes sexuais. Antes de chegar
ritanos da América do Norte ac;oitavam os fornicadores e adúl- aos 11 anos as meninas já tem relac;óes sexuais regularmente
teros, marcando-os, as vezes, com fogo. Os «fracos de espíri- com os rapazes (Ford e Beach 1951). Entre os índios Mekranoti
to», como os que, tiveram relac;óes sexuais com animais~ foram do Pará, os jovens comec;am a namorar logo depois de passar
a
condenados morte. \ Se um leitáo apresentasse feic;óes consi- pela puberdade. Marcam encontros na floresta ou na casa da
deradas humanas, o dono poderia também ser morto sob sus- menina. Quando urna rela<;áo torna-se mais estável as pessoas
peita de fornicac;ao com animais (Tannahill 1980). chamam o casal de marido e esposa «de verdade» (Werner 1984).

96 97
Entre os tndios Kanela do Maranhao, o sexo entre jovens antes lher» rápazes nao-iniciados de dez a doze anos, e praticam sexo
do casamento é também muito comum. Depois que urna meni- com eles (Ford e Beach 1951). Os home'ns velhos e impotentes
·na teve a sua primeira experiencia sexual os homens da aldeia da ilha de Ponapé nas ilhas do Pacífico tem sexo oral com me-
consideram que ela está pronta para relac;oes sexuais sem ninas pré-púberes (Ford e Beach 1951 ). Este sexo é considera-
compromissos. Se ela persiste em recusar sexo com os ho-
do essencial para esticar o clitóris e os lábios da vagina das
mens , estes podem forc;á-la com um estupro col-e tivo (W. Cro-
meninas. Entre os Lepcha da índia é também comum os homens
cker 1974).
"mais velhos manterem relac;oes sexuais com meninas de até
Relac;oes sexuais com mulheres de outros homens sao oito anos de idade, urna prática considerada divertida pela co-
geralmen'te mal vistas, mas algumas culturas sao mais toleran- - munidade (Ford e Beach 1951 ). Na sociedade Kaluli da Nova
tes que outras. Os Mekranoti preocupam-se com tais romances -a Guiné, os pais escolhem um homem saudável para ter relac;oes
só quando tornam-se muito públicos (Werner 1984). Entre os sexuais durante vários meses com os seus filhos de onze a
Mehinaku e os Kalapalo do Parque, Xingu estes romances sao doze anos. Este sexo é considerado necessário ao desenvolvi-
tao comuns que existe todo um sistema de parente·sco clandes- mento do rapaz (Schieffelin 1976). Em East Bay (nome fictício
tino para os filhos ilegítimos de urna mulher (Gregor 1973; de urna ilha do Pacífico) os homens mais velhos tem relac;oes
Basso 1973). Alguns grupos tem maneiras formais de trocar es- sexuais com rapazes de sete a onze anos de idade, presentean-
posas. Numa cerimonia especial os Kanela tem relac;oes se- do-os pelos s·eus servic;os. Os pais dos rapazes náo mantem
xuais com as mulheres dos homens da outra metade da aldeia relacoes sexuais bom os seus próprios filhos mas nao se im-
(W. Crockér 1974). Os homens Chukchee da Sibéria fazem portam se outros homens as tenham, desde que sejam bondosos
arranjos com homens de outras aldeias para ter relac;oes se- e generosos (Davenport 1963).
xuais com suas esposas na ocasiáo de visitas a estas aldeias
(Ford e Beach 1951). A homossexualidade é muito comum em vanas socieda-
As idades dos parceiros sexuais podem variar muito. En- des. Ta vez o exemplo ma1s extrem-o seja os etoro da Neva
tre os Tiwi, cac;adores e coletores do norte da Austrália, as Guiné. Os ~toro acreditam que relac;oes homossexuais · sao
mulher-es geralmente casam-se primeiro com homens já velhos. muito boas para a saúde dos rapazes e para a fertilidade das. -
Os rapazes, nao dispondo de jovens, acabam casando-se com roc;as e. da cac;a. , Sem insemina<;áo os rapzes náo cresceriam,
as mais velhas. Em conseqüencia, a medida que urna pessoa nao poc;feriam cac;ar, e nao seriam valentes na guerra. Por isto.,
envelhece comec;a ter relac;oes sexuais com pessoas cada vez os home ns mais velhos precisam «inseminar», todas as noites,
mais jovens (Hart e Pilling 1960). As vezes os jovens Kanela todos os rapazes entre dez e vinte e cinco anos. Os rapazes
também tem relac;oes sexuais com pessoas mais velhas. Por Étoro ingerem oralmente o esperma, e ficam horrorizados .com o
ocasiáo de urna cerimonia especial, sáo selecionadas tres ou sexo anal p.raticado pelos seus vizinhos Kaluli. Enquanto o sexo
quatro mulheres de meia-idade. Um depois do outro', os rapazes homossexual é considerado bom em qualquer IÜgar e ·a qualquer ,
que recent,emente passaram pela puberdade mantem relac;oes momento, o sexo entre homens e mulheres é considerado pe.ri-
sexuais com estas mulheres. Enquanto os rapazes Kanela tem goso para as plantas e para os rapazes e prejudicial as trocas .
sexo com mulheres mais velhas, algumas meninas Kanela sáo economicas com outros grupo~- No período de 205 a 260 dias
selecionadas para ter relac;oes sexuais com os homens de urna por ano os !:toro proíbem sexo entre homens e mulheres. Mes-
das equipes da corrida de tora, o esporte mais popular nesta mo nos días em que as relac;oes heterossexuais sáo permitidas,
cultura (W. Cracker 1974). estas podem ser efetuadas somente na floresta longe. da casa
e das roc;as. Mesmo ali os homens correm o risco de serem
Sexo entre adultos e criancas é também aceito como -=---~
picados por cobras (Kelly 1916, 1974). Os homens acreditam
normal em algumas sociedades. Entre os Aran.da, cac;adores e que as mulheres Étoro mantem relac;oes homossexuais entre
coletores da Austrália Central, os homens adotam como «mu- si, embora o etnólogo deste grupo nao pudesse confirmar isto.

98 99
Outras sociedades incentivam também relac;oes homos- em termG>s de trabalho e reproduc;ao e valorizam a gordura, que
sexuais entre home ns e rapazes:- -os homens Siwan - dOcgit~ assocram a forc;a. · Muitas mulheres do agreste preferem os
acreditam que é normal para todos os homens (casados e sol- seus corpos quando estao grávidas. As mulheres da classe ope-
teiros) terem sexo com mu1heres e sexo anal com rapazes. Para •·
rária de Sao Paulo sao ambíguas quanto a seus carpos. Por um
este fim os homens emprestam seus filhos uns aos outros e iado valorizam a estética «sexy» das mulheres ricas; mas por
falam abertamente de seus amores homossexuais (Ford e Beach outro lado sentem-se abrigadas a ter carpos menos «bonitos»
1951 ). Entre os Azande do Sudao, os so1teiros (e também al- para trabalhar. ~uraro argumenta que a visao que urna pessoa
guns homens casados) casam-se com rapazes. Por isto eles pre- tem _c!o seu corpo está muito _relacionada ao trabalho que faz.
cisam pagar aos pais do rapaz o prec;o normalmente pago a urna Por exemplo, os homens operários veem seus carpos em termos
noiva. Os rapazes-esposas acompanham seus maridos na guerra de máquinas, e pouco falam de brincadeiras físicas quando
e desempenham todas as tarefas das mulheres, inclusive maJJ· crianc;as. Os homens rurais de Pernambuco consideram seus
tendo relac;oes sexuais (Evans-Pritchard 1970). carpos como parte integrante de sua pessoa e falam mais so-
bre brincadeiras sexuais na infancia. Além da questao do tra-
Relac;oes homossexuais entre rapazes sao também con- balho, existe ainda outra explic~c;ao para diferentes gastos
sideradas normais entre os índios Nhambiquara de Rondonia, quanto ao carpo. Po~sivelmente as mulheres mais gordas sao
embora, ao se casar, espera-se que os rapazes se dediquem as mais de.sejadas onde os homens querem máis filhos~Saoemcfs
suas mulheres (Price 1972). Os homens Usbecos e Tajicos de '-que mulheres magras sao pouco férteis (Frisch 1980). Talvez o
Aq Kupruk do norte do Afeganistao cantam sobre seus amores «'tesao» que os homens sentem pelas mulheres gordas ou ma-
homossexuais nas prac;as públicas da cidade (Dupree 1970). gras tenha algo a ver com o seu desejo de fer f1th-oSOü ñaQ;--
Entre os índios Tapirapé perto da ilha do Bánanal, existiam al- Normalmente a discric;ao prevalece nas relac;oes sexuais,
guns homens, exclusivamente homossexuais, incluindo alguns e as pessoas preferem ter sexo em lugares privados. Numa
travestís. Eram os favoritos dos outros membros do grupo, que amostra de 25 sociedades Ford e Beach (1951) notaram que os
gostavam de levá-los em suas expedic;oes de cac;a (Wagley casais costumam ter relac;óe.s sexuais em casa onde existem
1977). Vários grupos indígenas norte-americanos, como os Crow,
pariedes dividindo o espac;o. Onde nao existem tais divisoes
tinham também homossexuais exclusivos. Entre os Koniag de , • l

e ma1s comum o casal ter relac;óes sexuais tora da casa (como


'

Alasca alguns rapazes eram criados desde. pequenos para assu- nas roc;as ou na floresta). No entanto, em várias culturas, os
mir o papel de mulher. Depois de certa idade casavam-se com atos sexuais sao e.fetuados de vez em quando, em público, e
homens importantes da aldeia e a eles eram atribuídos poderes
em algumas sociedades a falta de pudor é usada como incita-
mágicos (Ford e Beach 1951 ). Homossexualidade feminina tam-...
c;ao ou convite libidinoso. As mulheres Lesu (urna ilha. do Pací-
bém existe em vários grupos, Cómo entre os Aranda, onde a.s
fico) e as mulheres da Dahomea da Africa ocidental expóem
mulheres costumam estimular o clitóris urnas das outras. Entr.e
os Mbundu de Angola as mulheres usam um penis artificial para seus órgaos gen ita is para atrair os homens (Ford e Be.ach 1951 ).
masturbac;ao mútua (Ford e Beach 1951 ). Entre os índios Kaapor, um grupo Tupi do Maranhao, era cos-
tume matar prisioneiros de guerra e depois come-los. O algoz
As preferencias em termos do corpo do parceiro sexual tinha que se manter em reclusao depois de executar o preso.
também variam de um grupo para outro. Os Sirionó preferem Antes de se libertar passava por urna pequena cerimonia na
as mulheres gordas. A mulher Sirionó deve ter quadris anchos, qual mostrava a glande do seu penis as mulheres da aldeia
seios volumosos e um depósito de gordura nos órgaos sexuais. (Huxley 1956). /
Os Massai preferem mulheres mais magras (Ford e Beach 1951). Em várias sociedades, formas menos comuns de sexo sao
Muraro (1983) notou que as mulheres ricas do Rio de Janeiro também populares. Os índios Hopi do sudoeste norte-americano
veem seus carpos em termos estéticos e querem manter-se ma- costumam ter rela~oes sexuais com burras, cachorras, éguas,
gras. Na regiao agreste de Pernambuco as mulheres os veem ovelhas e galinhas. Os rapazes riffianos da Africa do Norte

100 101
acreditam que o sexo com burras ajuda a desenvolver o penis. sociedades associam o ato sexual a agressividade. No entanto,
.. Entre os esquimós Copper do Canadá é comum (e nao é proi· Toram realizadas algumas pesquisas sistemáticas sobre padróes
bido) os homens terem sexo com animais vivos ou mortos sexuais em sociedades diferentes. Numa tentativa de entender
(Ford e Beach 1951). Entre os Tiwi do norte da Austrália os certos fenómenos sexuais, Brown (1952) comparou 11 O socie-
viúvos costumavam ter rela<;óes sexuais com o corpo das suas dades para examinar a presen<;a e severidade das puni<;ót;?s exi-
esposas por ocasiao do sepultamento (Goodale 1971). gidas como resposta a transgressóes sexuais diferentes: As
transgressóes mais freqüentemente e mais severamente puni-
Em algumas sociedades o ato sexual está associado a das sao o incest9, o roubo de mulhere~ casadas e o estupro,
agressividaaé . gs rapazes Kayapós ficam orgulhosos com e-s- seguidas pelo adultério Raramente punidos sao o sexo antes
arranhóes feitos pelas namoradas (Werner 1984). As mulheres .c:to casamento, a masturba-<;áo e a homossexualidade, especíal=-
e os homens Trobriandeses também arranham seus namorados mente a homossexualidade feminin~. Examinaremos em segui-
durante o ato sexual, como sinal de paixáo (Malinowski 1929). da algumas questoes que tem sido pesquisada·s sistematicamen-
As mulheres Trobriandesas também mordem as pestanas dos te : a repressao sexual, a homossexualidade e o incesto.
seus amantes, um hábito semelhante as mordidas feitas pelas
mulheres Apinajé de Goiás nas sobrancelhas dos namorados
(Ford e Beach 1951 ). Entre os índios Choroti do Gran Chaco
as mulheres cospem no rosto dos namorados durante o coito
2. Repressio sexual
(Ford e Beach 1951 ). Na ilha de Ponapé, nas ilhas do Pacífico,
os homens estimulam o clitóris da mulher com o seu penis, e
esperam que a mulher urine antes de penetrá-la (Ford e Beach
1951 ). Na parte sul das ilhas Trobriandesas um homem estranho i: comum ouvir pessoas rotularem culturas como «sexual-
que aparece na hora da capinagem é violentado pelas mulheres mente repressivas» ou «sexualmente liberais». Pesquisas tem
que tentam excitá-lo até o orgasmo. Em seguida elas urinam mostrado que nao é tao fácil classificar as sociedades a partir
ou defecam sobre o seu corpo (Malinowski 1929). deste critério. Urna sociedade pode ser muito liberal quanto.. a
urna certa atividade sexual e muito repressiva quanto a outra.
Há também
-. variabilidade no que se poderia chamar de Por exemplo, usando urna amostra de sociedades Broude (1976)
prostitui<;ao em várias sociedades nao-ocidentais. Na fndia atual mostrou que nao existem correla9óes entre a repressao sexual
mulheres e eunucos sacerdotes de diferentes cultos fornecem antes do casamento e o pudor ou a freqüencia de homossexu{l"'-
servi<;os sexuais a seus adeptos (Bradford 1983). Entre os ín- Jidade. No entanto, há alguns padroes bem estabelecidos de
dios Mekranoti existem mulheres solteiras chamadas kupry que repressáo heterossexual. Examinando 11 O sociedades, Heise
trocam servi<;os sexuais por presentes dos homens (Werner (1967) mosrrou que em· sociedades onde há repressáo de ativi,
1984b). Entre os índios Bororo do Mato Grosso oertas meninas ~ ades heterossexuais para bebes esta repressao estende-se

trocam sexo por presentes dos membros de urna das metades


da sociedade (Cracker 1969). Nao sabemos ainda por que estas
sociedades adotam costumes semelhan~es a prostitui<;ao, mas
-
para crian<;as, adolescentes e casais. Em geral as sociedades
permissivas para urna faixa etária também sao para outras ida·
des, embora em quase todas as sociedades ocorra maior libera-
·pesquisas na fndia e entre os Mekranoti mostram que as mu-. l idade quanto ao sexo na adolescenciaJ
lheres que desempenham estes papéis originam-se de segmen- Por que algumas sociedades sao mais repressivas que
tos desprivilegiados da sociedade~ 1 outras quanto a rela<;óes heterossexuais? .Urna teoria argumen-

- As idéias e formas de sexo variam muito de urna socie-


---
, dade para outra . .falta ainda muito a pesquisar. Sabemos muito
ta que a repressao sexual leva a violencia e sugere que em so-
cJedades guerreiras eta serve para formar bons soldados. , Esta
teoría explicaría o tabu encontrado em algumas sociedades con-
pouco sobre o porque do sex_o ~ntre adultos e crian<;as ser- ace1--
to em algumas sociedades e nao em outras, ou por que algurn.as tra rela<;6es ~exuais antes dos combates. , Também concordaría

102 . 103
com o lema hippy. dos anos sessenta: «faca amor, náo a guerra». separadamente, nao podemos ter certeza de que_as semelhan-
Outra teoría argumenta o contrário: a agressividade_ e o sexo c;a s sao devtdas aos gene~. Os pais de tais crian<;as pertencem
. sáo dois aspectos de um mesmo fenómeno. Seria o argumento gera mente ao mesmo nível economico, cultural etc., o _que im-
-de algumas feministas que denunciam a pornografía. Numa plica que fatoreL ambientais semelhantes poderiam também ex~
amostra de 21 sociedades McConahay e McConahay ( 1977) des- plicar as semelhanc;as entre os gemeos -
cobriram que náo havia rela<;áo alguma ,entre a violencia de urna ..

-
sociedade e a repressáo sexual. Concluíram, sim, que a violen-
cia estava relacionada a urna maior segregac;áo de papéis se-
xuais.
A busca de diferenc;as biológicas entre homossexuais e
heterossexuais nao tem tido muito sucesso. Por exemplo, pes-

quisas recentes sáo contraditórias quanto ao testosterona pre-
sente. no sangue masculino. Algumas pesquisas acharam menos
Outra teoria para explicar a repressáo sexual argumenta testost,erona nos homossexuais (Starka et alii 1975), enquanto
que o sexo antes do casamento torna-se perigoso em soc¡.eda- · outras pesquisas acharam mais testosterona nos homossexuais
des estratificadas sem anticoncepcionais porque as jovens cor- (Brodie 1974). De qualquer maneira, parece improvável que di-
reriam o risco de ficar grávidas de um namorado abaixo do seu ferenc;as biológicas possam explicar diferenc;as culturais, urna -
nível social¡ Com efeito, estudos comparativos mostram que a vez que a homoss·exual idade se encontra entre representantes
repressáo do sexo pré-marital é mais comum em sociedades de todas as «rac;as» humanas.\
estratificadas. (Broude 1975). Resta ainda distinguir outros fa- _,_
tares que possam explicar a repressáo sexual na adolescencia Pesquisas sobre as relac;oes entre pais e filhos sao tam-
e em oÜtras faixas etárias. bém contraditórias. Algumas pesquisas realizadas nos Estados
Unidos mostram que os homossexuais mantinham relac;oes mais
. íntimas com as máes que os heterossexuais ,(Bieber 1962). Em
outras pesquisas a homossexualidade foi relacionada a máes
3. Homossexualidade mais distantes e hostis (Siegelman 1974). Em algumas pesqui- '
sas a homossexualidade estava relacionada a pais mais hostis
(Bieber 1962), enquanto que _em outras estava relacionada a
Como a repressáo homossexual náo parece relacionada pais mais íntimos (Greenstein 1966). Pesquisas comparando
a _repressáo- _h_eterossexuaJ, precisamos buscar outros fato res
r-
-muitas culturas diferentes nao mostram nenhuma relac;áo entre
para explicá-la.,, No primeiro movimento homossexual do lnfcio as relac;oes com os pais e a homossexualidade JWerner 1979).
deste século, na Alemanha, os defensores da homossexualidade Estudos sistemáticos sobre o ajustamento ps_ icológico de ho-
gropuseram argumentos biológicos para explicar o fen6m eno. 1
mossexuais e heterossexuais nos Estados Unidos e na_lnglater-.,
Eles queriam contrariar os argumentos culturalistas que viam a
homossexualidade como um aesvio no caminho correto para
Deus, ou como um produto de relac;oes deficientes entre pais
- ra mostraram que os homoss·exuais sao melhor ajustados em
-
certos aspectos, e _os heterossexuais em outros.. de maneira
que é impossível dizer quem é mais neurótico: Por exemplo,
e filhos. J\centuando as origens biológicas da homossexualida- os homossexuais sao geralmente mais ansiosos, mas .. os hete-
de, esperavam mostrar que sua prática era «natural», e, assim, rossexuais sao mais deprimidos (~iegelmann 1972; 1978).
1

to foi arrasado com o surgimento do nazismo na Alemanha, mas


-
justificável (Lauritsen e Thorstad 1974). Este Rrim eiro movimen-·
Em todas as culturas existem indivíduos que provavel-
- a busca de explicac;oes genéticas para a homossexualidade con- mente s,e tornariam exclusivamente homossexuais ou heteros-
tinuava. Algumas pesquisas compararam gemeos identicos, in- sexuais, independentemente da repressáo que poderia existir
clusive criados separadamente, e constataram que se um deles • contra estas formas de sexo. No entanto, é provável que a maio-
torna-se homossexual o outro geralmente o acompanll& (Kall- ria das pessoas tenha urna orientac;áo sexuaJ menos rígida ~
mann 1952; Taylor 1972). Mesmo no caso de gemeos criados pudesse praticar a homossexualidade se esta_ J osse social-

104 105
!Jlente aceita. Existe urna correlac;áo muito alta entre a aceita- · soas nao estabeleceriam lac;os de matrimonio com outros gru-
c;ao da homossexualidade numa sociedade e sua freqüencia pos e nao poderiam buscar a·ajuda destes grupos em momentos
(Broude 1976). jfe cris.e. Nas palavras de Tylor, existe um imperativo para «se
casar fora, ou morrer» (White 1949). Lév{-Strauss ( 1949) tam-
Por que algumas sociedades reprimem mais a homos- bém aceita esta explicac;áo. Esta teoria tem sido criticada por
sexualidade que outras? Embora náo tenhamos respostas efi:' náo explicar por que se precisa de um tabu de sexo e nao ape-
'nitivas, urna pesquisa comparando 39 sociedades mostrou que nas um tabu de casamento com membros do mesmo grupo.
a homossexualidade é geralmente mais reprimida onde há de-
~ejos de ter mais crianc;as, e onde práticas antinatalistas, como Ereud argumentou que o tabu do incesto resulta da ne-
_o aborto e o infanticídio, sao proibidas, exceto em casos de cessidade de se recusar o desejo poderoso que os rapazes sen-
ilegitimidade, (Werner 1979). A história de sociedades como o ' t em pela má·e (Freud 194~). Por sua vez, esta teoria tem sido
Japáo e a Uniáo Soviética confirma este argumento. No início criticada por nao explicar por que seria necessário recusar a
da revoluc;áo russa a homossexualidade foi aceita, mas nos anos atrac;áo sexual pela mae. Também nao explica o tabu do incesto
trinta Stalin incentivou as pessoas a terem mais filhos (dando entre irmáos ou entre pais e filhos. Tais formas de incesto ,sáo
at~ _premios para mulheres . que tivessem mais de 10 filhos). de· fato muito ·mais comuns que o sexo ·entre máe e filho.
Fo1 JUStame~te· nesta época que os homossexuais comec;aram a
Urna teoria argumenta que o incesto é tabu porque leva
ser perseguidos na Uniáo Soviética. No século 18 a ilha do Ja-
a deficiencias genéticas na prole. , Embora exista evidencia de
páo e~a considerada superpovoada. Naquela época a homos-
que tais deficiencias ocorram com maior probabilidade através
~s·exualidade era considerada como um tipo nobre e masculino
do incesto (Ember 1975), esta teoria tem sido criticada por náo
de expressáo amorosa, constituindo-se numa prática comum de --
explicar como pessoas táo valorizadas como Cleópatra pudes-
samurais. Posteriormente novas oportunidades economicas fa-
c1·1·t
1 aram as pessoas a terem mais filhos e a homossexualidade ......._ sem resultar de relac;oes incestuosas. Também nao explica a
diminuiu em importancia (Bellah 1970; Werner 1979).
-
inexistencia de problemas na área da pe cuária (embora com
animais a presenc;a de alguns filhotes deficientes nao seja tao
problemática, urna vez que sao eliminados pelos criadores) ..
Outra teoria argumenta que o incesto é tabu porque as
4. Incesto pessoas náo sentem interesse sexual em pessoas com as quais
foram criadas., Em apoio a este argumento urna pesquisa nos
kibbutziam (comunidades coletivas) de Israel mostrou que os
. O tabu do inoesto é quase universal e seu rompimento jovens do kibbutz nao queriam se casar com outros membros
te~ sido sempre severamente punido. Sua ocorrencia foi per- do grupo, mesmo quando os pais o desejassem (Talmon 1964).
m1t1da apenas entre algumas famílias reais na soc.iedade dos Urna pesquisa em Taiwan apóia também esta teoria. Existe um
~neas, do Egito antigo e dos azandes no Sudáo. No caso dos - costume em Taiwan estabelecendo que os casamentos devem
incas e dos egípcios tratava-se de casam·entos entre irmáos ser arranjados pelos pais, quando os filhos ainda sáo pequenos.
reais e entre os azandes de relac;oes sexuais entre os reis e A futura noiva é entao criada na casa do futuro marido. Estudos
suas filha~ .. Mesmo nestas sociedades o incesto era rigorosa- · sobre casamentos deste tipo mostraram que os casais tem mais
mente pro1b1do para a populac;áo em geral (Ford e Beach 1951). dificuldades sexuais que nos casamentos arranjados quando os
filhos já sao adultos (Wolf 1968).
Por que o incesto é táo mal visto nas sociedades..Jmma- Sendo um tabu universal, torna-se difícil restar os dife-
21as? Existem várias teorías. t.¿ma delas diz que o incesto é .... rentes argumentos sobre o incesto. Talvez compara<;oes futu-
!Jecessário para se garantir o fluxo de relac;oes sociais com ....
ras com outras espécies, com ou sem este tabu, sejam mais
2 utras comunidades. Outra diz que através do incesto as pes: -
re ve 1adoras.
106 1,07
..


'
Com a reoente abertura sexual nas sociedades ociden-
tais, as pesquisas sobre o assunto tem aumentado rapidamente.
E~peramos que no futuro novas pesquisas esclarec;am as ques-
toes levantadas pelas várias minorias sexuais.
VIII
FAMÍLIA E PARENTES

Nos anos 60 a comunidade pesqueira baiana de Arembe-


pe tornou-se famosa pela invasáo hippie nas suas praias. Os
pescadores da comunidade tradicional ficaram escandalizados,
nao só pelo uso que os hippies faziam de drogas e pelo fato de
homens e mulheres banharem-se juntos e nus no rio·, mas tam-
bém pela ausencia de parentes dos hippies.
.. Era
..- incompreensí-
vel py~ a sociedade local que essas pessoas pudessem morar
juntas- sem lac;os de parentesco~ Só mais tarde quando alguns ,
hipP.ies, receberam visitas de pais e irmáos, o status deles foi
melhorado, pois, finalmente, ficou provada sua humanidade fren-
'\"
te aos pescadores (Kottak 1983).
·O movimento hippie que teve seu auge nos anos ses-
senta ainda continua na forma de comunas e de outras expe-
riencias de convivencia comunitária no Brasil e em outros
países (Tavares 1983Í. Geralmente estas comunidades · se inse-
rem dentro de países onde a familia e os parentes recebem
apoio oficial do estado. No entanto, alguns países tem tentado
diminuir a importancia de parentes na vida social do povo. Na
Uniáo Soviética os códigos de família de 1917 e 1926 foram
criados para diminuir a importancia do casamento e da família
tradicional, garantindo, assim, urna sociedade mais igualitária.

108 f 09
Segundo estes códigos, o casamento im~licava apenas ~m res- Nas sociedades ocidentais --existe urna grande variac;áo
ponsabilidade pela alimentac;áo dos filhos. Existia sep~ na composic;áo dos lares. O registro antropológico mostra urna
absoluta de bens do marido e da mulher, e o casamento era variabilidade ainda maior nas formas que a familia pode tomar
reconhecido apenas pelo convívio, o divórcio consistindo apenas e na importancia que as pessoas dáo a seus parentes . Esta va-
numa declarac;áo de ruptura por um membro do casal . Esta po- riabilidade atinge todos os · níveis de relacionamento huf.llano:
lítica soviética foi modificada depois de 1933, quando ó aban- formas de casamento, moradias, vizinhanc;a, aliados políticos etc.
dono de filhos por pais separados se tornou táo comum a ponto
de tornar-se um problema sério para o Estado (Cartellina 1971).
Nem a Uniáo Soviética nem os hippies conseguiram subs-
tituir a família tradicional por comunidades alternativas.. Mas a- 1. Casamento
família de -pai-chefe-de-familia, máe e crian<;as náo ficou a
mesma. Nos Estados Unidos de 1980 mais de 42º/o dos lares
nao se conforma'.'am a este padráo. Vinte por cento eram com- Os Nayar, urna casta de guerreiros no Sul da fndia do
postos por apenas urna pessoa, e na cidade de Nova lor,que século XIX, sao conhecidos na literatura antropológica como
esta porcentagem subia para 30,3°/o. Cinco por cento das fami- urna excec;ao a aparente universalidade do casamento em todas
lias eram compostas de pessoas morando juntas sem relac;6es as sociedades humanas. Entre os Nayar as meninas púberes
de parentesco (das quais 3°/o eram do sexo oposto). Muitas passavam por um ritual no qual se casavam com um homem.
casas tinham apenas um dos pais (geralmente a máe) para Mas o «esposo» colocava um enfeite no pescoc;o da parc~ira e
cuidar das crianc;as. ' nada mais tinha a ver com ela. Normalmente, os dais nao se
viam nunca mais.
Para a maioria da populac;áo norte-americana o alto custo
de criar filhos diminuiu em muito o tamanho das famílias (News- A menina continuava a morar numa casa grande junto
week 17-1-84). No entanto, para alguns setores ainda valia a com a sua família. No decorrer dos anos recebia visitas de vá-
pena ter mais filhos. Máes pobres que recebiam assistencia rios homens que lhe davam presentes em traca de relac;6es
social do governo as vezes · incentivavam suas próprias filhas a sexuais. O parceiro sexual deixava suas armas· fora da casa para
ficarem grávidas, pois isto implicava que a filha pudesse tam- informar aos outros sua presenc;a. Se um· homem se achava o pai
bém comec;ar a receber dinheiro da assistencia social (Harris de urna crianc;a tinha a obrigac;áo de pagar o pre<;o da parteira,
1981 ). Mais de 32°/o dos nascimentos acorridos nos Estados mas a sua responsabilidade terminava ali. As crianc;as da mulher
Unidos em 1980 eram de mulheres nao-casadas. A metade das eram cuidadas pelos irmaos, pela mae, e pelos irmáos da mae
crianc;as negras vivia numa casa com apenas um dos pais (qua- (Gough 1959). Náo sabemos exatamente· por que os Nayar nao
se sempre a máe). -
adotavam o ca'Samento _,_ mas -----
talvez o fato dos homens deste
grupo serem guerreiro~s tenha algum val9r explicativo, pois a
Já no Brasil as mudanc;as na organizac;ao familiar foram -noiv~ de um guerreiro leva geralmente urna vida difícil, sem ter_
diferentes. A crise economica tornou inviável a familia nuclear jamais a certeza de que seu parceiro retornará.
tipo pai-chefe-de-familia. Para o sustento de urna familia há ne-
cessidade de se agregar ao emprego assalariado do pai traba- A estrutura familiar de outros grupos étnicos é semelhan-
lhos informais da máe, de crianc;as e de outros parentes . As te a dos Nayar. Na lndon~sia, ªs mulheres do grupo étnico
pessoas agregadas a família nuclear contribuem para a renda Atjehnese tratam seus esposos COIJlO «convidados» em casa, e
familiar em traca de um espac;o onde morar, cada vez mais di- muitas vezes os expulsam_se nao contribuem para a manuten- •
fícil de· se achar. A máe muitas vezes torna-se o centro da casa, '<;ao da família:1 Sáo os parentes da mulher (que moram ao tadaf
pois é ela quem coordena as várias fontes de renda familiar que de fato sustentam a família (Tanner 1974). O mesmo pode-
(Woortmann 1984). ria ser dita de muitas famílias. negras das cidades norte-ame-

110 111
Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
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espécie-s (desse tipo) examinadas, 13 formavam casais estáveis Casamentos grupais. Entre os índios Xokleng de Santa
(Ember e Ember 1983). Aparentemente o pai era necessario Catarina as regras para casamento eram muito informais. Era •
para cuidar da prole. possível juntar grupo_s oe pess~s num casamento só. por .exem-
P o, um homem Xokleng chamado Wanheki .costumava perambu-
lar pelas florestas catarinenses com sua mulher, sua irmá e um
1.2. Formas diferentes de casamento companheiro de ca<;a, Chu. Ouando morreu a
mulf)er de Chu,
Wanheki sugeriu que ele se juntasse a ele e a sua mulhfr, em
Casamentos com primos. Os Yoruk, bem como inúmeras vez de ir para outro acampamento. Mais tarde esta esposa e
sociedades Mu<;ulmanas no Oriente Médio, preferem que os o co-marido Chu morreram. Wanheki casou-se entao com mais
homens se casem com a filha do irmao do pai (Bates 1971 ). tres mulheres. Depois que cada urna destas lhe tinha dado um
Outras sociedades, como os Yanomami de Roraima e da Vene- filho, ele juntou-se com mais dois amigos para perambularem
zuela preferem que os homens se casem com a prima cruzada juntos. Duas de suas mulheres deixaram-no para se casar·em
(a filha do irmao da mae·, ou a filha da irma do pai) (Chagnon com estes dois amigos e Wanheki ficou com apenas urna. Mais
1968). Outras prefe·rem ainda que os rapazes casem com a filha tarde outros dois amigos tornaram-se co~maridos da mu'l her de
do irmao da mae, mas consideram tabu o casamento com outras Wanheki, embora eles já tivessem esposas. Como as mulheres
primas. Evidentemente tais preferencias sao realizadas em al- de todos estes homens encontravam-se sobrecarregadas de tra-
gumas sociedades como os Trio do Brasil e Surinam, pois sao balho, convidaram a sobrinha de um dos maridos para ser urna
encontradas em maior freqüencia do que seria normalmente es- ca-esposa . Dessa forma, tres homens ·estavam casados com
duas mulheres (Henry 1941).
perada (Fredlund e Dyke 1976). As implica<;oes destas diferen-
tes formas de casamento com primos tem sido objeto de muitos , ..Q.J~_asamento em g_ruQQ_é muitcu:aro no r~istro antrQP.J>-
debates na antropologia (por exemplo, Lévi-Strauss 1949; Ember · J.ogico. ~oliandria, ou §eja_, o casamento de urna mulher com
1978). mais de um marido, os ori:e Gom mais freqüencia. ,Algumas mu- ..
lheres se casavam com mais de um homem entre os Tibetianos,
Embora algumas sociedades prefiram que seus filhos se
os Toda do sul da índia, os Sinhalese de Sri Lanka, os Marque-
casem com primas, geralmente este tipo de matrimonio é con-
ses do Pacífico e os índios Yanomami de Roraima e Venezuela.
siderado ta bu. ,!mber ( 1975) _argumenta que o casamento com ~ c~ rtos casos a poliandria Q_oderia ser explicada pela falta de~
primos é proibido na maioria das sociedade·s por causa dos .~-- _mulheres na sociedade" Os Toda, os Tibetianos e os Yanomami
.._rigo-s do incesto/ Mas há vários fatores que poderiam levar urna
- -- - --
~ociedade1 a perm·itir tais matrimonios" Primeiro,· sQciedades coro..
praticavam infanticídio feminino (matavam recém-nascidos femi-
nirios) e os Si~halese tinham poucas mulheres, ~mbora negas= .

popula<;oes ·altas . (acima de 25.000 habitantes)_.podem permitir sem pra~ticar infanticídio femin1no (Ember e Ember 1984). .
casamentos entre primos, simplesmente porque a grande liber-
dade ce -escolha de parceiros t oma pouco provável tals unióes --.- O casamento de um homem com mais de urna mulher,.
Segundo, sociedades muito pequenas (abaixo de 1.000 habitan- .-ª--QOljgjnja, é ainda .mais comum.1Na amostra mundial de socfe- -
tes) ~ode permitir tais casamentos porque nao tem alternativas, dades de Murdock, 70°/o permitem a poliginia, embora a maioria
~urna vez que a margem de escolha de parceiros é táo reduziCfa~--. dos casamentos nestas sociedades _s_eja de tipo monogamico
Terceiro, sociedades de tamanho intermediário podem permitir CM""urdock 1969). Ciúmes e outros roblemas entr~_ as .co-espo-~
casamentos entre primos se_recentemente sofreram desp_qvoa.: sas sao comu9s. a cidade de El Nahra, no lraque, os homens
mento, po1s isto as deixaria com os mesmos problemas das s.o.- consideram as brigas entre as co-~sposas mais problemáticas _....
_ciedades pequenas~ Os argumentos de Ember poderla talvez ex- que os custos financeir.os necessários para manter umª casa
y.)JcaL por que casamentos entre primos ~2-· as vezes, Qerrñiti- p1>Ngtnrcr. NO entanto, a maioria das muJheres nesta sociedad& ..
dos, mas nao explicam po que_ alg_üiñas_ sociedades che.gam •apóia o costume, pois -a alternativa de ficar solteira -parece pi~r
-até a preferir tais casamentos. I

114
·
-- que a obriga<;ao de compartilhar um marido (ifernea 1965).

115
espécies (desse tipo) examinadas, 13 formavam casais estáveis Casamentos grupais. Entre os índios Xokleng de Santa
(Ember e Ember 1983). Aparentemente o pai era necessario Catarina as regras para casamento eram muito inforfnais. Era
para cuidar da prole. possível juntar grupos ae pessoas num casamento só. por _exem~
P o, um homem Xokleng chamado Wanheki .costumava perambu-
lar pelas florestas catarinenses -com sua mulher, sua irma e·um
1.2. Formas diferentes de casamento
.
companheiro de ca<;a, Chu. Ouando morreu amulher de Chu
Wanheki sugeriu que ele se juntasse a ele e a sua mulhfr, em'
Casamentos com primos. Os Yoruk, bem como inúmeras vez de ir para outro acampamento. Mais tarde esta esposa e
sociedades Mu<;ulmanas no Oriente Médio, preferem que os o co-marido Chu morreram. Wanheki casou-se entáo com mais
homens se casem com a fil ha do irmao do pai (Bates 1971 ). tres mulheres. Depois que cada urna destas lhe tinha dado um
Outras sociedades, como os Yanomami de Roraima e da Vene- filho, ele juntou-se com mais dois amigos para perambularem
zuela preferem que os homens se casem com a prima cruzada juntos. Duas de suas mulheres deixaram-no para se casarem
(a filha do irmao da mae·, ou a filha da irma do pai) (Chagnon com estes dois amigos e Wanheki ficou com apenas urna. Mais
1968). Outras preferem ainda que os rapazes casem com a filha tarde outros dois amigos tornaram-se ca-maridos da mu'lher de
do irmao da mae, mas consideram tabu o casamento com outras Wanheki, embora eles já tivessem esposas. Como as mulheres
primas. Evidentemente tais preferencias sao realizadas em al- de todos estes homens encontravam-se sobrecarre·gadas de tra-
gumas sociedades como os Trio do Brasil e Surinam, pois sao bal ho, convidaram a sobrinha de um dos maridos para ser urna
encontradas em maior freqüencia do que seria normalmente es- co-esposa. Dessa forma, tres homens. ·estavam casados com
perada (Fredlund e Dyke 1976). As implica<;óes destas diferen- duas mulheres (Henry 1941).
tes formas de casamento com pri-mos tem sido objeto de muitos _Q_casamento em g_ruQo é_muito_raro no r~i§tro antrQQP-
debates na antropología (por exemplo, Lévi-Strauss 1949; Ember · J.égico. ~poliandr]2, Q.U seja, o casamento de urna mulher com
1978). mais de um marido, o_g._orxe com mais freqüencia. ,Algumas mu- ...
lheres se casavam com mais de um home·m entre os Tibetianos,
Embora algumas sociedades prefiram que seus filhos se
os Toda do sul da índia, os Sinhalese de Sri Lanka, os Marque-
casem com primas, geralmente este tipo de matrimonio é . con-
ses do Pacífico e os índios Yanomami de Roraima e Venezuela.
siderado tabu. _Ember (1975) _argumenta que o casamento com !_m c~rtos casos a poliandria poderia ser explicada pela falta de
primos é proibido na maioria das sociedades por causa dos.~:_ müTheres na sociedad~ Os Toda, os Tibetianos e os Yanomami
: rigos do incesto/ Mas há vários fatores que poderiam levar urna praticavam infanticídio feminino (matavam recém-nascidos femi-
~ociedade· a perm·itir tais matrimoñios Primeiro, SQcledades coi]i.. nittos) e os Sinh_aJese tinham poÜcas mulheres, embora negas: .
..popula<;óes ·altas . (acima de 25.000 habitantes)__podem permitir sem pralicar infanticídio feminino (Ember e Ember 1984). .
casamentos entre primos, sim lesmente porque a grande liber-
dade de escolha de parceiros toma pouco prováv-el tais unioes. O casamepto de um hon:iem com mais de· urna mulher,.
:;>egundo, ~iedades muito pequenas (abaixo de 1.000 habitatl- a poliginia. é ainda.Joais comumJ Na amostra mundial de socie- ·
tes) pode permitir tais casamentos porque nao tem alternativas, dades de Murdock, 70°/o permitem a poliginia, embora a maiaria
.urna vez que a margem de escolha de parceiros é tao reduziaa. -. dos casamentos nestas sociedades seja de tipo monogamico
Terceiro, sociedades de tamanho intermediário podem permitir (Murdock 1969). Ciúmes e .:OUtrourQ.blernas entre as co-espo-.
casamentos entre primos se._ recentemente sofreram desp voa.: sas sao comuns . Na cidade de El Nahra, no lraque, os homens
mento, país 1sto as deixaria com os mesmos problemas das s_,0- consideram as brigas entre as co-esposas mais problemáticas ....
...ciedades pequenas~ Os argumentos de Ember poderia talvez ex- que os custos financeiros necessários par~ manter urna casa
~icaLPor:_que casamentos entre primos sao, _as vezes, Qermiti- pC>llgfnlca. NO entanto, a maioria das mulheres nesta sociedade
-dos, mas náo e,xplicam poLC11MLalg_üfuas_ sociedades che.gam ---.... apóia o costume, pois -a altérnativa de ficar solteira parece pior
~a obriga<;áo de compartilhar y m marido· (ifernea 1965).
- até a preferir tais casamentos.l

114 115
Por que algumas sociedades aceita~ poliginia e out~ 2. Formas de residencia
náo? / Ember e Ember (1983) sugerem dois fatores importantes.
"Primeiro, mostram que a poliginia é mais comum nas s~cieda­
des onde muitos homens perderam a vida em g~rras, de1xando A compos1~ao de pessoas que compartilham a mesma
a sociedade com um excedente de mulheres. Segundo, mostram moradia também varia de urna sociedade para outra. Em algu- .
que a poliginia está também relacionada ao casamento tardio ~ mas so os casais moram na mesma casa com os pais
o marido au da mulher" Em outras os casais estabe ecem sua
dos homens. ~lsto faz com que os homens sejam muito mais
R rópria residencia. Já em outras o.s jnvens. depois de se casar,
\telhos do que suas esposas. Como alguns homens morrem
váo morar nu'!_l ~gar distante_dos _pais. O!Jtro sistema é morar
antes do casamento, há mais mulheres jovens que homens ve-
perto dos parentes, seja na mesma casa ou náo. 1
lhos. Ember e Ember . sugerem que o atraso no casamento dos ...
tloñiens pode resultar ~Jllª sítuac;áo de guerra inte.!:!!!, ou
seja, guerra entre diferentes _comunidades da mesma soci·eda- 2.1. Familias extensas e nucleares
de,,1 Como os homens podem se casar com mulheres de outras
~omunidades, há sempre a possibilidade de que est.arao se ca-
Na aldeia dos Mekranoti Kayapó de 1976 a viúva Teptykti
sando com inimigas. Os pais podem preferir atrasar o casa-
morava numa casa grande sem separa<;oes de quartos. Junto a
mento dos filhos para evitar conflitos de lealdade, até que os Teptykti viviam tres filhas e urna neta adulta (filha de urna filha).
homens sejam velhos demais para combates. Cada urna destas mulheres dormia junto com os filhos e marido
Estas explicacoes para poliandria e poliginia_s.ugerem _ numa plataforma construída de troncos tendidos de árvores. _Um_ .
foguinho no chao separava_ um-ª._ plataforma da outra. Os antr.Q:-
que o casamento é urna necessidade em muitas S<?Ciedades. No
pologos _costumam cbamar este a~ranjo familiar de «lar_ de f~
entanto, existem sociedades onde algumas pessoas passam suas _mília extensa».. lsto quer dizér que moram na _mesma_ca_sa pais
vidas intelras como soltefras~ No Vale Kaugel da Nova Guiné e filhos casados,- ou irmáos.....casados ..1A casa de Tepfykti seria
álguns homens recusam-se a casar, as vez·es para_ g.Qderem che- chamada um lar de família extensa matrilocal porgue ao se ca-
fiar a sociedad e dos solteiroSt. Bowers ( 1965) notou que estes sarém as mulheres trazem os marido.s para~a~ casa--.d os ~seus
· homens originam-se g·e ralmente de grupo~ mais pob!es que os pals em vez d eh abitarem a casa dos pajs _d_g_ m~
homens casados e sugere que permanecam solteir,9_$_., n.áo tanto . levaria a forma~áo de urna família extensa patrilocal. Ouando o
1
por l iY.re_escolha, - s.enáo por falta. de . o~JiQ. Entre os índios casal estabelece sua própria casa, isto é chamado de lar de fa-
- Mekranoti do Pará algumas mulheres, em vez de se casarem, mília nuclear. J
fornecem servi<;os sexuais aos homens da aldeia, em traca de
Por que em algumas soci ades as pessoas moram em
P.resentes4 ~fas mulheres sao desprivilegiadas e·m compara~
lares e ami 1a extensa enquanto em outras moram rmam
com outras mulheres da aldeia. ; Algumas foram capturadas em
famí ia nuc ear asternak et alii (1983) mostraram que lares
outros grupos. Outras pe.rderam a mae antes de se tornarem
de familias extensas sao mais comuns oncfe os pais, sozinhos,
adultas; e outras ainda nao receberam dos seus pais urna ~eri­
teriam dificuldades de manter r ue o trabalho da mae
monia para o recebimento de um nome especial (Werner 1984).
impede ue ela cui e das cri cas ou porque o pai precisa
Nao sabemos ainda por que a decisáo de permanecer solteiro ilassar muito tempo fora. s~autores sugerem que nesses casos
é viável em algumas sociedades, nao em outras. torna-se necessário a ajuda dé avós ou tios para substituir os
pais. Esta substituicáo é ·mais fácil quando todos moram na
mesma casa.

116 117
Urna vez que a agricultura geralmente implica em mais des. Finalmente, em 5°/o das soci·edades (inclusive muitas so-
trabalho também para as crianc;as, que a vida do cac;ador e co- cleClades ocidentais) _os casais geralmente eªtabelecemu ma
letor, é provável que aumente as dificuldades dos país em man- casa longe dos pais dos dois. Com este tipo de residencia, _
ter urna casa. lsto talvez explique por que lares de famílias
extensas sao mais comuns. em sociedades agrícolas; E~ber e
Cfiama a neo oca , os
-
vizinhos do casal nao sao arentes ..
Como podemos explicar estas diferencas nos laQos de
cmber 1983). Os Embers sugerem que em sociedades modernas
onde é possível pagar babás para cuidar das crian<;as ou onde parentesco que as pessoas mantem com seus vizinhos? Numa
as mulheres só trabalham em casa, l!lres de famílias extensas série de pesquisas feitas ao longo de uns dez anos: Ember e
nao sao tao necessários. Mas durante crises economicas, quái'F - Ember (1983) tentaram distinguir os fatores que melhor predi-
do- º- pre<;o da moradia aumenta ou quando asmulheres-preci- zem os padroes de residencia em sociedades diferentes. Con-
sam trabalhar tora, os- lares de fam1J1as extensas tornam-se - sideramos inicialm·ente a residencia neolocal. Os Embers des-
-
-importantes. -- cobriram que a neolocalidade é mais comum em sociedades com
~
urna economia monetária (onde se usa dinheiro). Há várias ex-
pnCa°c;oes para esta correla<;ao. Pr@eiro-:-a necessidade em so-
p iedades monetárias de procurar em(2regos tor:.ca .os casai~. onde
2.2. Vizinhos
quer que estejam, a roudarem para lonruL_dos_ par~ntes., $egun-
do, a possibilidade de ou ar din permite que_o casal fique
No dia do casamento de Sahura, urna menina de El Nahra, 1n e e dente, uma v~e náo .precisa dos p~!_enteu--ªr-ª-garan­
no lraque, os parentes femininos e as amigas gritavam e cho- tir a seguran<;a. Por último, o aesejOde acümular dinheiro pode
ravam. Sahura nao conhecia a cidade para onde ia, e nunca tinha faz-er com que o casal considere os parentes «in nveo}eotes», ,
visto seu futuro marido. Urna mulher comentou que a água da por faze- em eman as excess1vas sobre as suas poupancas..
nova cidade era terrível e que Sahura, morando ali, ficaria sem- (Ember e Ember 19am-:- - - --
pre doente. Algumas se perguntavam se o novo marido era
bonito ou nao. lodas concordaram que era difícil a separa<;áo Nas sociedades náo monetárias há várias formas possí-
da máe e da- filha (Fernea 1965). Nas ilhas Trobriandesas os veis de residencia. A bilocalidade é mais comum em socieda-
rapazes aprendem que o lugar onde foram criados nao é o seu; des que recentemente sofreram uma.redu~ao na sua..g_op11Jac;ao,
mas do pai. A sua terra é a da máe - onde ·mora o irmao da [or causa das epidemias desastrosas que dizimam as popula-
máe. Depois do casamento o rapaz, trará sua mulher para esta <;oes de grupos isolados quando faze·m s primejros cantatos
terra. Assim, tanto o noivo quanto a noiva sao obrigados a sair QQm· a civilizac.io_[iEmber e Ember 1983). Dole (1964) des~e
da terra onde nasceram (Malinowski 1929). um exemplo deste processo entre os índios Kuikuru do· parque
Xingu. Antigamente os Kuikuru eram patril.ocais, mas as epide-
A forma de residencia no lraque é chamadaJ_pelos antro- mias reduziram a popula<;áo a tal ponto que nem todos os noivos
pólogós, de patrilocal. pois as meoinWL ~recisam sair da casa_ tinham pais com quem morar. Por isto os casais foram for<;a-
materna para mQ.rar na terra dos Qills_do. marido.J De tocas as dos a residir com quem estivesse ainda vivo, sejam os paren-
culturas consideradas na amostra mundial de Murdock, 67°/o sáo tes do marido ou da mulher.
patrilocais . Outras formas de residencia incluem a residencia
'Comum entre os Mekranoti Kayapó: a residencia ~trilocal onde
-
o casal mora perto dos pais da noiva (15°/o das sociedades). A
~
- - - -- -- --
Em sociedades náo-monetárias que náo sofreram desp_cis
voamento, as formas de residencia mais comuns sao a patrilo-
residencia bilocal, onde o casal pode morar ou com a família Calrcfacfe e a matrilocalidade (de· amos ara de ois a avunculo-
do marido ou com a família da noiva, é comum em 7°/o das so- calidade). e m r (1983) argumentam gy_e a escolha dos
ciedades. A forma de residencia dos Trobriandeses (onde o pais de ficar com o filho atrilocaiidade) ou_ e.orna filha Croa- _
casal mora na casa do irmáo ~- do noivoJ também tem um tri oca a e est relac· :rui. Numa socieda-
nome: resid"encia avunculocál, e é comum em 4°/o das socieda- e há brigas entre comunidades diferentes os _pais prefe-_

118 119
rem ficar com os filhos para defender a aldeia em caso de ata- Rosenblatt ( 1967) examinou a relacao entre «amor ro-
q ue~ Como as filnas poctem se -casar com rapazes de urna co- mantico» e tipo de residencia. El~ definiu o «amor romantico>
munidade possivelmente inimiga, nao se pode confiar nos gen- como sendo caracterizado por fatores como urna idealiza<;ao do _
ros porque teriam conflitos de lealdade em caso de ataque. esposo, a cren9a na preaestina~o do «homem certo» Qara a
Embor.a a patrilocalidade implique, que a nora também possa vir «mulher certa», e a tendenci~ ª-suicídio em caso.§_djt_ amor n!_o- ..
de urna aldeia inimiga, o caso é menos sério porque as mulhe- retribuído. Numa compara<;ao de 69 sociedades, Rosenblatt des-
res nao combatem com a mesma intensidade que os homens. - cobriu que o amor romantico era menos comum onde havia re-:- -
<

sidencia neolocal.1 Ele argumenta que isto reflete a necessida-


Onde nao existe guerra, ou onde a guerra é realizada
apenas com Q[.U.JlO estranhos (guerra ex~al._ nao haveria con-
- de de julgar de maneira realística a~ qualidades do esposo
quando o casal nao pode depender de parentes próximos em
fJ.tos de lealdade para os genros; Dessa forma, os pais podem
caso de problemas. A idealiza<;ao é um luxo permitido apenas
usar outros critérios para decidir. se preferem ficar com a filha
ou com o filho depois do casamento. Na ausencia de guerra
I
quando as relac;óes entre homem e esposa sao limitadas.
interna os pais pensam na contribui ao ºos_ filhos ª -=s:...-u=b...._
si;.;;.
s..:..:
te~n.:...­ Outro costume talvez atetado pela forma de residencia
c1a ília Se os homens__i:ontrib.uem mais, _entao os país numa sociedade é o tratamento conferido aos velhct~ Seeger
~odem preferir ficar com_o _filho. cu.ie~se daría melhor com o (1980) notou que entre vários grupos indígenas como os Suyá
pal; se as mulhe.res contribu~elJl mais, preferem ficar com a do parque Xingu , a aldeia inteira contribui para o cuidado dos
fílha, pois o que importa é a cooperac;ao entre as mul neres. velhos, dando-lhes comida em troca de «divertimento». Em ou-
Nas suas comparac;oes de sociedaaes diferentes, os Embers tros grupos indígenas, como os da re'giao noroeste do Amazo-
acharam que, de fato, a patrilocalidade é 111uito mais comum nas, os velhos nao sao tao respe·itados. Seeger argumenta que
onde ñá guerra 1nter.!'ª3N a ausencia de guerra interl)a, se o em sociedades matrilocais as pessoas resgeitam mais os ve-
homem contribuí mais para a subsistencia da família, a socie- lhos que em sociedades patrilocai§...r OY!ru ossibilidade é que
dade é ge·ralmente patrilocal. Na ausencia de guerra interna, s~ trata de orna dlf§.renca eatre endogfill1ia fo casamento c..Q!!!. _
onde as mulheres contribuem mais para a subsistencia, a so- pessoas da mesma aldeia) e exogamia asamento co -
ciedade é geralmente matrilocal (Ember e Ember 1983). soas e outras a e1as n e existe endogamia os homens e
- as mu eres passam suas v idas ño mesmo ll,!9ª-LJ ls~o faz com
Estas diferentes formas de residencia influem em outros que todo mundo da comuntcta-deténha la<;os antigos com os ve-
aspectos da vida das pessoas. Numa compara<;ao de casais na lhos. Por isso, sao mais dispostos a cuidar d~les . O~
Inglaterra, Bott (1957) distinguiu d-ois estilos de vida diferentes. exogamia, pelo menos a metade da. popula<;ao nao cresceu e.m
Quando o casal e_~rmanecia morando no bairro onde foi criado, companlí1a dos ancian--osJ e es aña menos disgosta_a ..cu.WaL de-
os la<;os entre marido e mulber eram fracos.J Em vez. de depen- les _ O<que favorece os velhos: ~atrilocalidade ou a endoga- ·
der do marido para apoio prático e moral, a esposa dependia mia? Eis urna questao a ser resolvida com pesquisas futuras_y
das vizinhas e dos parentes. Os homens dependiam mais dos -
colegas de trabalho e das amizades anteriores ao casamento.
Os homens e mulheres viviam com mais autonomía pessoal; a
esposa desconhecia os amigos do marido, e· vice-versa. A vida 3. Linhagens
social era bem diferente para os casais que se deslocavam em
direc;ao aos -bairros afastados dos seus lugares de origem (re-
Na maioria das sociedades ocidentais as pessoas consi-
sidencia neolocal). Neste caso, a esposa e o marido dependiam
deram como parentes tios e primos maternos e paternos. Nor-
muito mais um do outro para apoio moral e prático: Costuma-
malmente, este grupo de parentes nao se reúne a _nao se_r_ par~
vam freqüentar as mesmas festas e ter as mesmas amizades. um batismo, um casamento ou um funeral. Nestas ocas1oes e

120 121
comum que vanos parentes da pessoa para quem a reuniáo
está sendo realizada se conhecam pela primeira vez. Os primos
do lado paterno nao conhecem os primos do lado materno, nem
sao parentes entre si. Este sistema de p~rentesco é. chamado
pelos antropólogos de descendeocliJ)j Jateral._pais_ se cansider.ª-_
como parenteuessoas sJo lado dos dois pai.s.._

Em muitas sociedades o sistema de parentesco é bem


diferente. Em sociedades patrilineares ~se considera como pa-
r.entes apenas a.s g_essoas relacionadau_ct 2ªJ. Para ser um pa-
rente, todas as pessoas tem que ter liga<;óes masculinas entre j
.2
si. As criancas, neste caso, náo sao parentes da mae, mas do ....
pai, das irmás do pai, dos irmaos do pai e dos filhos dos ir- i-
maos do pai. Em sociedades matrilineares sao consideradas
como parentes apenas as pessoas relacionadas a mae.. Para
tanto, toefas as pessoas aevem ter ligacoes fum ininas entre si.
As crian<;as nao sao parentes do pai, mas da máe, dos irmáos
da máe, das irmas da máe e dos filhos das irmas da máe. As
figuras 1 e 2 (p. 123) usam os símbolos de triangulas (homens)
e círculos (mulheres) para mostrar urna patrMinhagem e urna 4( -i
matrilinhagem. %
4(

-t
:E
Em sociedades com descendencia ~ni linear (que sao pa- o
-a-:
_,
~ --
trilineare·s ou matrilineares), todos os parentes- de urna pessoa
- --
sao também parentes entre si. Por exemplo, na figura 1 pode- ...< -
4(
~

se notar que os m·embros da patrilinhagem da pessoa ,A sao A. 9o


exatamente as mesmas pessoas da patrilinhagem da pessoa B.
Este fato é muito importante, pois implica que a descendencia
-:zE
te
unilinear criia grupos com fronteiras definidas. i; muito claro ....
"'
-t
para todo mundo quem está dentro e quem está fora do grupo.
Tal grupo pode entao desempenhar várias funcóes. Pode ter
um nome específico como os pastores Nuer da Africa Oriental,
onde cada patrilinhagem te.m um nom'e de «lan<;a» que as pes-
soas gritam durante cerimonias, e que· tem associacoes místi-
cas (Evans-Pritchard 1940). Um grupo de descendencia unilinear
pode também ser o dono de um território específico. Entre os -l
Maring da Nova Guiné os grupos de descendencia patrilin~ar
permitem apenas que os membros do grupo plantem rocas na
terra do grupo, e brigam periodicamente para expandir o seu -•..
~
território (Rappaport 1966). As linhagens garantem também Cll
¡¡
lealdade J!!!raoJEt guerras,_pois _nao ~esta· dúvida s.obce quem está
do lado de quem em caso de conflito•. Em algumas sociedades,

122


como os Nuer da Africa Oriental e os Tiv da Africa Ocidental, sáo grupos que incluem mais de um clá:J Com metades a so-
as patrilinhagens funcionam a níveis diferentes. Por exemplo, -cte<Jade diviCie-s.e_em_dois conjyntQ§_. ae- clás ou J inhag.fil).S. s
" num conflito entre dois homens- da mesma linhagem, mas com Embers (1983) mostram que as _linhagens sáo mais comuns
avos diferentes, os descendentes de cada avo se juntarao para onde a densidadJt. pop11laciaoal é mais-alta,-e sugerem que isto
lutar a favor dos descendentes do mesmo avo. Num conflito reflete o f_ato das pessoas se conhecerem melhor. Em geral,
entre dois homens de patrilinhagens diferentes todos os mem- as so"ciedades menores tem a enas clas ...; Sociedades maiores
bros da patrilinhagem se juntarao para atacar o estranho (Sah- apresentam com maior probabilidade linhagens e clás. O núme-
lins 1961 ). ro de clás e fratrias numa sociedade com descendencia unili-
near parece aumentar com a populaváo (Ernber e Ember 1983).
Por gue algumas sociedades tem descendencia unilinear
~nquanto outras te·m de~c@~ncia bilateral?J Um fator a ser
considerado é o padráo de_residencia. As sociedades com· resi-
dencia _!!.n U.ocal (matrilocal, patrilocal ou av.unculocaJl apresen- 4. Terminologia de parentesco
!ªm maior probabilidade de_ge[ar_descendenc.ia_unUQ~I (Ember
e Ember 1983). As sociedades e!_t_lj locais tem -descendencia Q!-
t!ilinear, e as sociedaC:les m~!rJ locais e avuncu.locais tem_deS:.., Desde a época das primeiras pesquisas de campo os
cendencia matrilinea_L.- A formaváo de um grupo de descenden- antropólogos ficam fascinados com os diferentes termos usa-
cia unilinear é facilitado se os membros do grupo ·(pelo menos dos para designar os parentes em diversas sociedades. Vamos
~s hon:ens ou as mulheres) moram t~oLnO mesmo l.ugar:L Mas considerar aqui apenas duas maneiras de categorizar os paren-
o padrao de residencia nao explica tudo, pois existem mu itas tes: o sistema Havaiano e o sistema Omaha. No sistema Ha-
sociedades com residencia uni local q:ue nao apresentam des~ vaiano todos os irmaos e os primos do mesmo sexo sao de-
cendencia unilinear. Os Embers sugerem que a guerra incen- signados por um mesmo termo, e todos os tios e os pais do
tiva as pessoa formarem grupos de descendencia unilinear mesmo sexo por outro. Dole (1964) descreve o desenvolvimento
p~a_g.arantir um «exército e confi~,.<;ª,..» . As sociedades uni- deste sistema entre os índios Kuikuru do parque Xingu. Quando
locais mais guerreiras temmaior probabilidade de ter descen- a destruiváo da populaváo resultou num sistema de residencia
dencia unilinear (Ember e Ember 1983). bilocal, as crian9as comevaram a· ser criadas junto a seus pri·
Estamos agora em condivoes de explicar a avunculocali- mos numa mesma casa. Pouco a pouco passaram a chamar os
dade. Ember (em Ember e Ember 1983) sugere que a residencia primos pelo termo «irmáo». Ao mesmo tempo come9aram a
com o irmao da ae do noivo é mais comum quando urna socie- chamar todos os adultos da casa por outro te·rmo, «pai». O pro-
dade matrilinear e matrilocal en _r.enta, de repen e, urna s1 ua ao cesso resultou num sistema em que· todos os parentes da
de guerra interna. \Como conseqüencia, torna-se importante jun- mesma geracao e do mesmo sexo acabaram senda designados
tar homens com lealdades confiáveis. A maneira mais fácil de pelo mesmo termo.
se conseguir isto numa sociedade matrilinear é fazer com que A figura 3 (p. 123) mostra o sistema Omaha. Com este
os rapazes morem com os seus tios maternos, pois através sistema o irmao do pai é designado pelo mesmo termo que o pai
desta iniciativa todos os homens da mesma matrilinhagem se e a irmá da mae pelo mesmo termo que a máe. Os filhos do
mantem juntos na mesma aldeia. irmao do pai e os filhos da irma da mae sao chamados pelos
Até agora talamos de «descendencia unilinear», sem drs- mesmos termos usados para os irmaos. O curioso no sistema
tinguir entre linhagens, clás, sibs, metades e fratrias. Numa li- Omaha é que o irmao da mae é chamado pelo mesmo termo que
nhagem ..as pessoas podem travar seus lavos de parentesco com seu filho e a filha do irmao da mae pelo mesmo termo usado
outras pessoas do grupo. Nurn cla ou num sib as pessoas ac<!.Lr~
e-
-_ para a máe. lsto nao implica que os índios Omaha acreditem
f
ditam que tem es tes la<;os, mas nªQ_godemt ra9á-los. ratrias que esta prima seja realmente a sua «máe».

124 125
A terminologia Omaha comec;a a fazer sentido quando se crianc;a~? O lmwútiSJilO diminuiria se as j amílias tradicionais
nota que ela é muito mais comum em sociedades patril ineares f.ossem menos importantesJ A. corrugc_áo pol 'tica e econom~
(Textor 1967). A razao é bastante simples. Um indivíduo pode d~e- d.e_ lac;os familiares entre os ricos i Há _muito tempo
nao pertencer a patrilinhagem da mae, mas esta patrilinhagem
é importante para ele. Sao incluídos nesta patrilinhagem a mae,
as formas alternativas de residencia sao consideradas apenas
~
como «desvios» da «v.erdadeira» família. Precisamos pesquisá-
-
sua irma, seu irmáo, o filho do seu irmáo e a filha do seu las agora com mais seriedade para entender melhor as suas
irmáo. O sistema Omaha estipula apenas que todas as mulhe- implicac;óes.
res da patrilinhagem materna sao designadas pelo mesmo termo
e os homens desta patrilinhagem por outro. Os filhos de qual-
quer pessoa chamada «mae» sao chamados de «irmao», o que
exp!ir.a por que as filhas da irmá da mae sao também «irmaos».
O irmao do pai é chamado também de «pai » porque provavel-
mente mora perto (ou até na mesma casa), e seus filhos sao
chamados de· «irmao» pela mesma razao. Os filhos da irma do
pai pertencem a outra patrilinhagem que tem pouca importancia
para um indivíduo. Em razao disso sao designados por um
termo que implica um parente·sco mais distante.

Existe ainda ambigüidade nos termos de parentesco usa-


dos em certas situác;óes em sociedades ocidentais. Por exem-
plo, quando o ·pai se divorcia e se casa com urna mulher que
já tem filhos, muitas pessoas tem dificuldade em saber como
chamar os filhos desta mulher. Sao irmaos? Sáo meio-irmaos?
Alguns Porto-riquenhos nao chamam de «tio» os maridos de
suas tias, e nao consideram como «tia» as esposas dos tios.
Raciocinam que os casamentos sao tao precários que nao vale
a pena considerar estas pessoas como parentes. Outros Porto-
riquenhos os chamam de «ti as» e «ti os». Trata-se tal vez de di-
ferenc;as de classe e· nos padroes de casamento.

As pesquisas relatadas aqui mostraram que fatores muito


concretos (q__omo guerra, c_ontrihuic;ao_ para_ subsistencia e di-
nheiro) podem explicar_parte da..gFande l.'ar-labilidade nas Jo.rmas_
~ _Qrganizac;ao familiar em_dif.ec.emes socieda~~.J Algumas
pesquisas tem investigado as conseqüencias destas diferentes
formas de convivencia social. Atualmente existem muitas per-
guntas sobre as implicac;oes de novas formas de moradia. A
tendencia de morar sozinho causa mais snlidáa, ou é sentido
como JJma-liberacánü As famílias compostas de nao-parentes
p~m ser-.estáveisJ_ A ~tabilidªde familiar: é importante para ..
o be01:estar do ser humano2 Ouais as implicac;óes dos lac;os de
parentesco para a justic;a em questoes Quanto o cuidado de
..__ -
126 ·127
s.eria aq.uele que tivesse sangue do tipo O, Rh positivo (Poran-
t1m, ma10 1982). Segundo este critério os Mekranoti-Kayapós
provavelmente teriam dificuldade em convencer a FUNAI de
IX que Bemotire seja índío. Os críticos de Zanoni nao demoraram
~m denun,cia~ as provas sangüíneas como urna tentativa de re-
tirar dos 1nd1os o seu direito a terra. Eles notaram que segun-
do est~ c~itério os bascos da Espanha e Franc;a seriam conside-
rad?s 1~d1~s por terem sangue do tipo O, Rh positivo, enquanto
RA~A E ETNIA mu1tos 1nd1genas seriam desprovidos de terra.

, . Os críticos de Zanoni nao querem dizer que diferenc;as


genet1cas entre populac;oes sejam inexistentes ou insignifican-
t:s: Sabemos que tais diferenc;as existem. No entanto, 0 cri-
terio de sangue usado por Zanoni baseia-se numa idéia errada
de «rac;as» humanas. Na realidade, a divisao dos seres huma-
nos em «rac;as» (como «brancos», «índios» e «negros») é na
m~lhor das hipóteses, arbitrária. Para muitos biólogos o ~on­
ce1to de «rac;a». é completamente errado ou inútil (Gould 1977).
O problema principal é que as diferenc;as genéticas entre os
seres humanos nao sao uni ormes . JDependendo do critério g;:--
Bemotire tem os cabelos ruivos encaracolados e a pele n~t1co que se escolhe, a divisáo em «rac;as» seria feita de forma
muito branca e sardenta. Pela aparencia seria considerado ir· ~1fe.rente. Examinaremos apenas alguns tra<;os genéticos mais
landes ou holandes. No entanto, Bemotire fala apenas o idioma obvios .
indígena Kayapó qüe aprendeu depois de ser roubado pelos ín-
dios Mekranoti-Kayapó, quando ainda crianc;a. Urna vez um fun- Segundo o critério de sangue, os índios brasileiros e os
cionário da FUNAI encontrou em Altamira, no Pará , urna mulher bascos seriam considerados da mesma «rac;a», pois tem o mes-
que provavelmente seria a irmá de Bemotire. Ouando a FUNAI mo tipo de sangue «O, Rh positivo». Os espanhóis seriam urna
propos um encontro entre ela e Bemotire, este pediu que ela lhe rac;a a parte. Urna divisáo racial baseada no tipo de cabelos
mandasse urna rede e outros bens manufaturados, mas recusou coloc~ria juntos os chineses e as pessoas do sul da índia, pois
o encontro. Imagino que a irmá «civilizada» sentiu o mesmo os do1s povos tem geralmente cabelos pretos lisos. Colocaria
receio de se encontrar com seu irmáo «indígena». Como falou também juntos os suecos e os aborígines da Austrália, pois
Bemotire, «eu fui amamentado com leite indígena, assim o meu ambos tem cabelos ondulados loiros. Já o critério relativo a
sangue é indígena, e a minha saliva e o meu es'perma». Os ou- f_orma dos olhos juntaria na mesma «rac;a» os Bosquimanos da
tros índios da aldeia Mekranoti nao tem dúvida alguma de que ~f~ica e os chineses (os dois tem olhos inclinados). Os abo-
Bemotire seja um deles, pois no passado lutava junto aos ín- ng1nes da Austrália, os Africanos subsaarianos e as pessoas do
dios contra os brasileiros que invadiam o seu território. Bemo- sul da fndia, pelo fato de terem peles escuras, seriam conside- ·
tire também se casou com urna índia Mekranoti e se tornou pai ~ados a mesma «rac;a», se o critério fosse a cor da pele. A
de tres crian<;as (Werner 1984a). enfase em fatores genéticos como a forma do corpo das pes-
Em 1982 o assessor de Estudos e Pesquisas da FUNAI soa~ •. a anemia .fals~for~e, a resistencia a varias doenc;as e a
lvan Zanoni Hausen tentou usar como critério de «indiandade» habil1dade em digerir le1te resultaria também em divisoes «ra-
ciais» diferentes.
o tipo de sangue das pessoas. Segundo Zanoni um índio «puro»

128 129
Nao existe nenhuma razáo para escolher um tra<;o gené- também que o corpo absorva vitamina D em excesso, o que po·
tico em vez de outro para classificar os seres humanos. Como deria prejudicar a saúde (Polednak 1974; Loomis 1967). Dessa
as divisóes seriam diferentes segundo o critério que se usa, forma, as pessoas mais escuras geralmente originam-se de re-
nao é possível considerar urna di vi sao como «certa». Por isso gióes tropicais, onde os raios solares sáo mais fortes, e onde
muitos biólogos preferem náo talar em termos de «ra<;as» hu- se usa menos roupa. As pessoas com pele mais clara originam-
manas, evitando até o uso deste conceito em pesquisas sobre se de áreas onde se usa mais roupa, ou onde os raios solares
outros animais (Gould 1977). Seria muito mais produtivo pes- sao menos fortes.
quisar a variac;ao genética examinando-se cada tra<;o genético
para verificar sua distribuic;ao geográfica e os fatores que po- A maioria das pessoas do mundo nao pode digerir o leite
deriam e~plicá-lo. fresco, que provoca dor de barriga, excesso de gases e diar-
réia. Trata-se da existencia ou nao de um enzima no corpo,
chamado lactase, necessário para a digestao do ac;úcar do le,ite
(chamado lactos'e). As pessoas originárias de culturas s·em la-
1 . Qiferen~as g~éticasJwmanas ticínios geralmente· carecem de lactase e nao podem digerir
le·ite. As pessoas em algumas culturas com laticínios carecem
também deste enzima, mas consomem leite na forma de queijos
ou iogurtes que reduzem o lactase a urna forma digestível. No
É possível explicar algumas variac;óes genéticas em se-
res humanos em termos de adaptac;ao ao meio ambiente. Por entanto, há alguma evidencia de que o leite· fresco apresenta a
vantagem de facilitar a absorc;ao do cálcio no corpo, assumindo
exemplo, um carpo mais pesado com brac;os e pernas menos
a func;áo da vitamina D. Assim, nos .elimas frios (com pouca
compridos conserva melhor o calor do carpo, pois diminui a re-
la<;áo «superfície do corpo/ volume do carpo». Por isso os ani- vitamina D do sol) é vantajoso tomar leite fresco, o que talvez
explique por que a predisposic;áo de digerir leite é encontrada
ma is nas regioes frias geralmente sao mais pesados e tem
pernas menos compridas que animais de regioes tropicais mais em sociedades com laticínios em climas frias (Science,
2 de janeiro 1981 ).
(como estipulam a «leí de Bergmann» e a «lei de Allen»). Ro-
berts (1953) confirmou a validade da mesma relac;ao para seres A resistencia .a diferentes doenc;as também pode ser par-
humanos. Por exemplo, os esquimós sao re·lativamente gordos cialmente explicada em termos genéticos. Os judeus Ashkenazi
e tem os bra<;os e pernas relativamente curtos, o que ajuda a dos Estados Unidos tem urna probabilidade menor de morrer de
conservar o calor do corpo. Em compara<;ao, os Nuer do Ouenia
tuberculose que· os nao~judeus. Provavelmente a experiencia de
pesam relativamente pouqo e tem os brac;os e pernas muito
morar em cidades abarrotadas na Europa determinou que so-
compridos, o que· facilita a dissipa<;ao do c~lor. Em parte estas
mente as pessoas com alguma resistencia genética a esta doen-
diferenc;as sáo genéticas, mas há evidencia que também podem
c;a comum tivessem sobrevivido (Motulsky 1971 ). Há também
resultar do ambiente (Riesenfeld 1973).
~
evidencia de que a falta de resistencia dos indígenas sul-ameri-
A cor da pele· também está relacionada ao clima. Por um canos a certas doenc;as como sarampo seja em parte de origem
lado a pele branca absorve mais facilmente os raios solares genética. Pesquisando várias sociedades indígenas sul-america-
ultravioletas, o que permite a produc;ao no carpo de vitamina nas Black (1980) notou que certos genes sáo associados a re-
O, necessária ao metabolismo do cálcio (Loomis 1967). Parece sistencia ao sarampo. Ele também constatou que entre os Ma-
também conferir alguma prote<;ao contra a gangrena que resulta puche do Chile a incidencia destes genes é maior que a inci-
do congelamento dos dedos, das orelhas e do nariz, problema dencia de outros introduzidos na popula<;áo depois do contato
típico de regioes frias (Post et alii 1975). Por outro lado, urna com os Europeus. Ele explica que os índios que possuíam estes
colorac;áo escura protege a pele contra as queimaduras solares genes tiveram maior probabilidade de sobreviver depois dos
e o cancer provocado por excesso de raios ultrávioletas. Evita surtos de sarampo. Embora Black demonstre a importancia de

130 131
fatores genéticos, há também evidencia de que fatores bioló-
2. O conceito social de ra~a
gicos nao-genéticos, como a obtenc;ao de anticorpos do leite
"
materno, possam atetar a resistencia ao sarampo (Sálzano 1975).

Urna doenc;a de origem nitidamente genética é a anemia Em termos biológicos o conceito de «rac;a» nao faz sen-
falciforme, que consiste em possuir células sangüíneas em for- tido, mas isto nao impede que as pessoas inventem «rac;as»,
ma de foice que se quebram com facilidade, bloqueando as escolhendo qualquer trac;o que seja conveniente. Nao é de ad-
veias e artérias. A doenc;a é sempre fatal. Se urna pessoa tem mirar entao que povos diferentes imagiñem as mais diversas
apenas um gene falciforme nao chega a sofrer da doenc;a; mas classificac;o~s- «r~ciais». Os nazistas inventaram a «rac;a» aria-
se herdou um gene falciforme do pai e outro da mae, cQntrai a na em opos1c;ao a «rac;a» judaica. Na África do Sul tala-se de
anemia. A anemia falciforme é muito mais comum entre pes- pelo menos quatro «rac;as» - os brancas, os indianos, as pes-
soas vindas de áreas com malária (como na África Equatorial, soas de cor, e os negros. Os japoneses falam dos Eta como
na Grécia, na Turquía e na (ndia). A razao é que as pessoas urna «rac;a» diferente. Os norte-americanos costumam dividir
com apenas um gene da anemia falciforme tem urna resistencia as pessoas em «pretos» e «brancas». No Brasil e· no Caribe a
a
maior malária, além de urna fertilidade mais alta. Numa área terminología racial inclui brancas, caboclos, índios, cafusos,
negros, mulatos e sararás.
de malária um casal heterozigótico (com um gene falciforme e
outro náo) tem em média um filho em quatro com anemia fal-
A arbitrariedade destas divisoes «raciais» se faz notar
ciforme, dois filhos heterozigóticos e um filho sem nenhum mais claramente quando duas classificac;oes entram em confli-
gene da doenc;a. O filho com dois genes falciformes morre to. Na época da segregac;ao racial do sul dos Estados Unidos
desta doenc;a. O filho sem nenhum gene falciforme apresenta era proibido aos «negros» entrarem nos bares e restaurantes
maior probalidade de vir a morrer de malária. Em conseqüen- dos «brancas». Entre os norte-americanos era mais ou menos
cia, sáo os filhos heterozigóticos que tem maior probabilidade fácil decidir se alguém era «negro» ou «branca», pois os dois
de sobreviver e ter filhos (Livingston 1971). Como mostra este grupos tinham maneiras diferentes de talar, de andar e de ves-
exemplo, um gene que aparenta ser prejudicial pode, em certas tir. No ent?nto, as vezes passavam marinheiros porto-riquenhos
condic;6es, tornar-se vantajoso. , por. estas ~reas. As classificac;oes raciais porto-riquenhas sáo
ma1s P.arec1das com as do Brasil. Para resolver a questáo dos
Embora fatores ambientais tenham influenciado a pre- porto-nquenhos, alguns estados sulistas dos Estados Unidos
senc;a de diferentes genes em certas populac;6es, fatores cultu- instituíram leis classificando-os como «brancas». Fm conse-
rais podem também influir na composi<;áo genética de urna po- qüencia, alguns porto-riquenhos de· pele muito escura tinham
pulac;áo. Com urna alimentac;áo rica em vitamina D. além de li~re acesso aos bares dos «brancas» que permanece·ram proi-
roupas e abrigos adequados, torna-se desnecessária a pele b1dos aos «negros» norte-americanos mais claros. Tais confli-
branca e·m climas fríos. Com roupas e loc;oes para a pele, os
tos sáo hoje muito comuns na África do Sul, onde as empresas
brancas podem agüentar o sol dos trópicos. Melhor higiene
de navegac;áo precisam alertar seus tripulantes quanto ao sis-
pública, além de vacinas e remédios, podem neutralizar a im- tema racial sul-africano.
portancia de fatores genéticos na resistencia a doenc;as. t: pos-
sível que novas problemas ambientais (como níveis maiores de- Por que diferentes povos inventam «rac;as» táo diversas?
radia<;áo ou stress urbano) possam também influir na composi- Numa tentativa de explicar as diferenc;as entre os Estados U~i­
<;áo genética de urna populac;áo, mas ainda náo ternos evidencia d.os e o Brasil, Freyre (1946) argumentou que a posi~áo geográ-
disso. Como jamais podemos prever com seguranc;a as condi-
fi ca de Portugal, situado entre a Europa e a África, ·fez com que
<;6es a serem adaptadas pelos seres humanos, torna-se aconse-
os colonizadores portugueses tivessem mais simpatia para com
lhável manter urna ampla variabilidade genética e cultural para seus escravos negros do Brasil. Além disso, segundo Freyre,
maximizar as chances de sobrevivencia da espécie humana. os portugueses tinham urna libido sexual mais forte que os
132
133
anglo-saxoes, o que contribuiu para urna maior miscigenac;áo no sua populac;ao emigrasse para o novo mundo. No século XVIII
" Brasil. Freyre conclui que um melhor tratamento dos escravos, os . port~gueses adotaram inclusive a política de restringir a
aliado a miscigenac;ao, levou a urna taxa maior de negros libe- em1grac;ao de trabalhadores para o Brasil. No início do século
rados na época da escravidao e a «democracia racial> atual no XVIII apenas um terc;o dos habitantes do Brasil colonial era de
Brasil. origem européia. Na mesma época 86°/o dos habitantes das co-
lonias inglesas eram brancas.
Harris (1964) contesta o argumento de Freyre. Ele mos-
tra que o tratamento que os portugueses conferiram aos escra- E~quanto os fazendeiros ingleses podiam se aproveitar
vos nao era em nada menos cruel que o tratamento dos senho- do ~ont1ngente branco pobre para as tarefas que nao podiam
res anglo-saxóes. Argumenta também que a miscigenac;ao no confiar aos escravos, os fazendeiros portugueses nao tinham
Brasil nao era maior que nos Estados Unidos. A diferenc;a entre brancos pobres suficientes para isso. O controle do trabalho
os dois países consistiria no fato de que o filho de urna escrava escravo era realizado por descendentes mistos de brancas e
e de um branco (ou de um escravo e urna branca) seria consi- negros. Estas castas mistas limpavam também as terras dos
derado «negro» nos Estados Unidos e tratado como escravo, índios no li;or.al ac;ucareiro¿ capturavam escravos índios, forma-
enquanto no Brasil tais filhos mistos recebiam outros rótulos e vam os exerc1tos para atácar os quilom.bos como Palmares, e
eram tratados de· forma diferente. Embora Harris reconhec;a trabal~avam como vaqueir?s nas áreas afastadas dos engenhos
que o número de negros liberados foi muito maior no Brasil co- de ac;ucar. Em conseqüencia existiam mais negros «liberados»
lonial, aterece outra explicac;ao para esta diferenc;a. no Brasil colonial que nos Estados" Unid~Js. Para Harris, foi em
decorrencia da necessidade de se criar urna nova casta eco-
Segundo Harris (1964), as diferenc;as entre as colonias nómica que o sistema racial do Brasil e das colonias espanho-
inglesas e portuguesas no novo mundo remontam a Revoluc;ao las. chegou a de·senvolver um sistema racial complexo, com
Industrial na Inglaterra. Por causa da Revoluc;ao Industrial o go- mu1tos termos intermediários para definir as «rac;as». O dese-
verno ingles criou urna série de leis para incentivar as fábricas jo ~e distinguir castas no Brasil se reflete também na política
de tecidos. As leis de «cercamento» (enclosure laws) for<;aram da. e~oca colonial de proibir o casamento entre. índios e negros,
os agricultores a abandonarem suas terras para a criac;ao de po1s 1sto confundiria a~ divtsoes que os líderes queriam manter
ovelhas, necessárias para produzir la para as novas fábricas. (Bastide 1974). Estas divisóes permitiam que os mulatos livres
As cidades inglesas se encheram de agricultores desemprega- atacassem os índios, e que os índios lutassem contra os qui-
dos. Alguns deles obtiveram emprego nas fábricas, mas muitos. lornbos.
foram forc;ados a emigrar para o novo mundo. Ao mesmo tempo
o desmatamento das terras inglesas tornou imprescindível o Harria_argum~nta gue-ª-segregac;ao raciaLnorte-amerjca-
·estabelecimento de colonias ultramarinas capazes de· suprir a na res~ do medo dos branco§..J!O..bJes_de um~ conc_orr:..enc'ia
demanda do país em produtos como madeira, alcatrao e resinas. economica quanto aos . ~scray_os liherados~ Já na época da -eS-
O resultado foi a emigrac;ao em massa de ingleses pobres para cravidáo existiam exemplos de donas de fábricas no norte do
o novo mundo. Entre 1600 e 1700, 500.000 britanicos t1nham país que usaram negros liberados para turar as greves dos tra-
emigrado para as novas colonias. Para pagar as suas passagens,. balhadores brancos. Da Matta (1981) argumenta que esta con-
dezenas de milhares deles estabeleceram contratos de trabalho correncia levou os brancos pobres norte-americanos temerem
junto aos fazendeiros ricos, fornecendo mao-de-obra barata. urna contaminac;áo (ou poluic;ao) dos negros. No Brasil os bran-
cas eram menos numerosos e controlavam com mais seguran<;a
Na mesma época, a Revoluc;áo Industrial ainda nao havia suas posic;óes economicas . Fernandes (1965) argumenta que foi
alcanc;ado Portugal e Espanha. Ao contrário dos ingleses, os . --
JUStamente esta seguranc;a que fez com que os brancos brasi-
espanhóis e portugueses encontravam-se as voltas com urna leiros nao tivessem nenhuma ansiedade ou inquietac;ao quanto
grande· escassez de trabalhadores. Náo havia razáo para que as pessoas de cor, pois em nenhum momento se sentiram amea-

134 135
melhor possível. Em contraste, os Hausa estavam muito menos
cadas em suas posicoes económicas ou estilos de vida. Para preocupados com isso. LeVine disse que esta diferen9a de
Fernandes o mito da «democracia racial» serviu para esconder perSOJ!alidade é resultante do tipo de socie~ade em que viv~
as profundas diferencas de oportunidades abertas a brancas e osaois grup_os antigamente~ A sociedade Hausa era muito es-
negros. Fernandes (1965:203-205) dá exemplos de como líde- tratificada. As posicoes sociais e económicas das pessoas eram
res políticos e eclesiásticos faziam demonstracoes dos seus determinadas desde o nascimento. Era difícil ou até impossível
sentimentos nao-racistas. Mas nos momentos em que um negro urna pessoa subir na vida. Assim, nao valia. a pena para um
chegou a tentar publicar seus sentimentos em jornais como o Hausa tentar fazer sempre o melhor possível. Entre os lbo a
CLARIM, estes líderes manifestaram o horror que sentiam da situa9ao era diferente. Eles eram mais igualitários e. era pos-
possibilidade de urna verdadeira igualdade·. sível um indivíduo melhorar seu status durante a vid~. LeVine
argumentou que foi esta diferen9a ·de personalidade que. fez com
que os lbo se tornassem os comerciantes na Nigéria moderna.

3. Etnias ~ Embora LeVine saliente as diferen9as de personalidade


preexistentes entre grupos étnicos di-ferentes, outros autores
tem sugerido que o próprio contato ·e ntre os grupos é o fator
3.1. Características de grupos étnicos que mais influencia seu comportamento. Talvez os exemplos
mais dramáticos dos efeitos destes contatos sejam os casos
Costumamos identificar diferentes grupos étnicos como dos pigmeus Mbuti da Africa e dos índios Makú do noroeste
«alemaes», «italianos», «índios» e «norte-americanos», segundo amazónico. Os Mbuti trabalham durante parte do ano para agri-
alguns critérios que consideramos fazer parte de sua cultura. cultores Santo que consideram os pigmeus como seus «escra-
As vezes as diferen<;as no comportamento destes grupos sao vos» (Turnbull 1961). Os Makú trabalham as vezes para os ín-
surpreendentes. Numa compara9ao de dois grupos indígenas no dios ribeirinhos Tukano que também os consideram como es-
norte de Roraima, Ramo~ (1980) impressionou-se com as dife- cravos (Ramos 1980). Na presen<;a dos seus «senhores» os
ren9as entre suas personalidades. Os Maiongong pareciam Mbuti e os Makú demonstram um comportamento muito contro-
«apolíneos» no seu comportamento. Nunca demonstravam esta- lado e humilde. No entanto, quando voltam sozinhos para a
dos emocionais como raiva ou ansiedade, falavam em voz baixa floresta para ca9ar e coletar, ·estes dois povos demonstram per-
e tinham movimentos corporais sóbrios e austeros. Por outro sonalidades bem diferentes. Tornam-se alegres, descontr'aídos
lado, os vizinhos Sanumá pareciam «dionisíacos». Eram «expan- e expansivos, e· fazem piadas das atitudes consideradas ridícu-
sivos, extrovertidos, altamente efusivos, prontos a demonstrar las dos seus «donos».
alegria, antagonismo, agressao ... » (Ramos 1980:36). Estas di-
feren9as pareciam tao profundas nas duas sociedades que pa- O comportamento diferenciado dos Mbuti e dos Makú
recia difícil falar o idioma de am dos grupos sem exprimir as em situa96es diversas SiJgere que a_lgl!!!'las caract~í§!l9_as d..e_
emo96es correspondentes. Um informante bilíngüe (nos dais grupos étnicos possam resultar do próprio contato com outr..os -
idiomas indígenas) serviu como intérprete para os antropólogos. _Qriipos~ ' Em parte pode tratar-se do problema do estigma. Os
Quando ele falava Maiongong comportava-se de maneira contro- contatos entre os Kaingang e os Guaranis nas reservas indíge-
lada e apolínea . Mas quando fazia tradu96es para Sanumá , suas nas do sul do Brasil sao claramente caracterizados pela estig-
maneiras tornaram-se expansivas e dramáticas (Ramos 1980:37). matiza9ao dos Guaranis. Os Kaingang consideram os Guara.nis
como inferiores. Durante festas que reúnem os dois grupos,
Numa pesquisa comparando dois grupos étnicos diferen- os Guara.nis mantem-se reservados e só falam com os Kaingang
tes na Nigéria, LeVine (1966) notou que os sonhos dos lbo eram quando estes o pedem. Nestas situa96es os Guaranis mostra~­
bem diferentes dos sonhos dos Hausa. Os lbo refletiam em se nervosos. Todos os seus ·gestos sao observados pelos Ka1n-
sonho seus desejos de auto-realiza<;ao, de fazerem sempre o
137
136
Foster (1974) notou alguns padróes na diferenciac;ao de
gang, interessados em buscar evidencia da sua inferioridade certos grupos étnicos. Os judeus da Europa antiga, os lbo da
(Ramos 1980). Este problema de estigma náo se restringe ape- Nigéria, os chinases do sudeste Asiático, os indus da Africa
nas a grupos étnicos. Torna-se comum .entre outros grupos como Oriental e os Mons da Tailandia sao reconhe·cidos como comer-
aleijados ou homossexuais, que também modificam seu compor- ciantes. Suas relac;oes se fazem principalmente com pessoas
tamento quando entram em contato com outras pessoas (Goff- de outros grupos étnicos, e todos chegaram a ser mal vistos
mann 1963). pelos seus clientes. Os- judeus sofreram pogroms p.eriódicos,
Outras formas de contato entre grupos étnicos diferen- os lbo constituíram o foco de- urna guerra civil na Nigéria (no
tes poderiam também influir no seu comportamento. No caso território de Biafra), os chinases foram violentamente expulsos
dos lbo e Hausa, é possível que o desejo de· auto-realizac;ao dos do Vietna, os indus foram -expulsos de Uganda por ldi Amim, e
primeiros tenha mais a ver com seu papel de comerciantes que os Mons tiveram problemas com os Thais.
com sua vida anterior. Os comerciantes precisam deste tipo de Foster diz que trata-se de certos conflitos que acompa-
personalidade para ·e fetivar suas transac;óes. lsto significa que nham o trabalho do comerciante em sociedades que usam di-
a personalidade· pode ser urna conseqüencia e náo urna causa nheiro, mas onde os prec;os sáo determinados na hora da com-
do trabalho mercantil dos lbo. Resta ainda muito a ser escla- pra e nao por instancias superior~s. Em tais situa<;oes os co-
recido sobre este assunto. merciantes precisam fazer um esfon;:o para obter lucros ·e os
compradores podem se ressentir disso. Na sua pesquisa junto
aos Mons. Foster notou que vários comerciantes desse grupo
3.2. Orige·m de identidades étnicas admitiram que precisavam as vezes enganar seus clientes para
ter lucro.. Por ·isso era mais fácil fazer as transac;óes economi-
Muitas pessoas pressupóem que a identidade étnica dá- cas com estranhos. Foster descobriu que os Mons nao tinham
se automaticamente no momento de· nascer,; mas esta concep- amigos entre seus clientes. Embora sejam eles que desempe-
9ao é muito simplista. Nacke (1983) oferece um exemplo acor- nham o papel de comerciante nas aldeias Thais e chinesas, e·m
rido no posto indígena Xapecó de Santa Catarina. Um homem suas próprias aldeias esta func;áo é assumida pelos Laos e
Kaingang · foi expulso da reserva «por nao ser índio» enquanto pelos Thais. Os poucos negociantes Mons que tentaram abrir
seu irmáo, considerado «índio», teve· permissáo para permane- um negócio em sua orópria comunidade fracassaram. Náo pude-
cer. Como mostram várias pesquisas, ~identidade· ét~ d~ ram resistir aos pedidos de vender «fiado» ou de vender mais
urna es o.a-é.. determinada por vários fatores 1 tais 92mo descev- barato. O mesmo · aconteceu co'm os malaios e chineses quando
~ c·a idioma, cost ~ tentaram abrir negócios nas suas próprias comunidades. A ma-
~· Existem muitas maneiras de- se manipular a identi- nutenc;áo de diferenc;as étnicas nestas situac;oes- era táo im-
dade étnica em situac;óes difere~tes (ver Barth 1969; Cardoso portante que os Mons faziam esforc;os para exagerar sua iden-
de Oliveira 1971 ; Ramos 1980). Barth (1969) cita como exemplo tidade. No entanto, quando deixaram o comércio para se· tor-
o grupo étnico Pathan do Afeganistáo e Paquistao. Quando os
1
narem aqricultores, as pessoas enfatizaram que- eram Thais e
Pathans moram n-as montanhas e trabalham como pastores nó- nao Mons.
mades, conservam sua identidade étnica. lndependentes dos go-
vernos centrais, eles se comportam como Pathans e sao reco- Como mostram estes exemplos, a diferenciac;ao de gru-
nhecidos _pelo seu individualismo, valentia e· desejo de mostrar pos étnicos como de grupos «raciais» pode ter origem· na divi-
competencia nas reunióes públicas. Mas quando habitam as sáo de· trabalho de urna dada sociedade. Mas existem também
planícies e praticam agricultura, os Pathans dependem do inter- outros fatores que podem ser importantes. Cardoso de Oliveira
cambio com os poderes centrais dos seus países. Neste caso (1972) mostra que· a políti·ca indigenista brasileira criou urna
perdem sua identidade de Pathan, pois náo é vantajoso que se identidade indígena que· nao existia antes do contato com o
mundo branca. Como os índios precisam se mostrar realmente
. diferenciem do resto da populac;áo.

138 139
«índios» para desfrutarem dos direitos a terra, torna-se impor- Albuquerque e Werner (no prelo) documentaram a impor-
tante re-afirmar frente a FUNAI e ao governo brasil eiro sua «ver- tancia de «patróes>, enquanto cabos eleitorais na vida dos pes-
dadeira identidad e indígena». Ao contrário do que alguns legis- cadores do litoral catarinense. Os cabos eleitorais sáo impor-
ladores queriam, esta prática leva a acentuac;áo das diferenc;as tantes, principalmente nas quest6es de emprego. Por um lado
entre «índios» e «civilizados», em vez de levar a «assimilac;áo». parecia injusto e corrupto que as pessoas recebessem seus em-
As atuais leis norte-americanas para «a<;áo afirmativa», que pri- pregos «informalmente» através da indicac;áo de cabos eleito-
vilegiam certos grupos étnicos (pretos, hispanos, índios e mu- rais. Mas a pesquisa mostrou que a relac;áo «patráo/ cl iente»
lheres) na obtenc;áo de trabalho, promo96es e bolsas de estudo, trazia certas vantagens para a comunidade. Os funcionários da
talvez trilhem o mesmo caminho. comunidade (professores e médicos) obtentores de postos por
meio de concursos públicos relataram ter mais problemas com
seus clientes do que os funcionários que obtiveram seus em-
3.3. Etnia e classe pregos «informalmente·». Trata-se de urna diferenc;a de classe
entre as pessoas da comunidade e os funclonários que entra-
ram por concurso, pois os concursos favorecem as pessoas com
Urna das quest6es levantadas em discuss6es sobre etnia
___
, a importancia elativa da identidade·
.._____ étnica e da classe social.
..-.......
formac;áo academica maior, oriundas geralmente· de estratos
mais altos da populac;áo. As pessoas que obtiveram seus em-
qu1sa na cidade de Adabraka em Gana, África Ociden- -
pregos «informalmente» originaram-se principalmente da comu-
tal, Sanjek ( 1978) examinou diversas redes sociais. Esta parte
nidade, e foram melhor recebidas pelo povo.
da Áfri ca é conhecida peía enfase que as pessoas dáo as suas
origens étnicas . Muitos estudiosos sugeriram que os africanos Parece que para superar a relac;áo «patráo/ cliente» nao
teriam mais contato no trabalho com pessoas da mesma classe, basta substituí-la por práticas como concursos públicos , pois
mas que na vida privada voltariam ao mesmo grupo étnico. No desta forma náo se garante que os melhores funcionários seráo
entanto, Sanjek descobriu que tanto na vida privada quanto no selecionados. Talvez seja necessário pensar em termos de ou-
lazer e no trabalho, as pessoas tem muito mais contato com tros sistemas: maior participa<;áo da comunidade na selec;áo de
pessoas da mesma classe social.do que com pessoas do mesmo seus funcionários públicos, sistema de «quotas» garantindo a
grupo étnico. presenc;a de um certo número de pessoas locais ou outras prá-
ticas que ainda precisam ser pesquisadas.
Sabemos pouco sobre o porque das pessoas enfatizarem
a etnia ou a classe social em situac;6es diferentes. Um fator Os conflitos entre pessoas de «rac;as» ou «etnias» dife-
importante talvez seja a questáo do clientelismo. Em alguns rentes sao muito cómuns em todo o mundo. Muitas vezes estes
lugares do mundo as pessoas de classes diferentes se mistu- conflitos se baseiam em preconceitos sobre as maneiras das
ram muito, pois os membros da classe alta náo se sentem amea- pessoas se comportarem ou pensarem. A questáo de diferen-
c;ados economica ou socialmente pelos pobres. As vezes pode c;as de personalidade ·e pensamento é o assunto do próximo ca-
ser até importante que os pobres e os ricos mantenham conta- pítulo.
tos pessoais . Leal (1975) documenta os benefícios adquiridos
pelos pobres e pelos «patr6es» mais ricos nestas relac;6es. Os
pobres trocam sua lealdade e seus votos nas eleic;oes públicas
por empregos , assistencia médica, ajuda legal e outros bene-
fícios dos «patr6es». É interessante estudar as impl icac;oes
destas relac;6es «patráo/ cliente» para a transformac;áo de urna
sociedade.

t40 141
sem um pouco com a vida da cidade grande antes de chamá-los
para o banco das testemunhas. Quando chegou a vez de fazer

X seu juramento, um velho recusou humildemente o convite, de-


clarando que· nao podia jurar estar dizendo a verdade. Explicou
que podia dizer apenas o que sabia. Como poderia saber se
isto era a verdade? (Richardson 1975).
Estes exemplos salientam o que parecem ser maneiras
PENSAMENTO E PERSONALIDADE bem diferentes de se perceber e de se pensar o mundo. Desde
o início da antropologia os estudiosos tem teorizado sobre as
possíveis diferen<;as de pensamento em culturas diferentes. No
século XIX Spencer argumentou que os «primitivos» tinham um
pensamento limitado e·m conceitos e desprovido de idéias abs-
tratas, inclusive a no<;ao de causalidade. Por outro lado eram
considerados possuidores de pecep<;óes agudas e rápidas (apud
Cole e Scribner 1974). Spencer acreditava que o inte·lecto das
pessoas «primitivas» era inferior ao intelecto das pessoas «ci-
vilizadas». Levy-Bruhl acreditava também· que o pensamento
das pessoas em sociedades «primitivas» era muito diferente
do pensamento dos europeus. Ele achava que os europeus
O antropólogo Colin Turnbull levou urna vez um pigmeu mantinham separadas várias áreas de ·pensamento: intelectual,
Mbuti para visitar as savanas da A frica Oriental. O pigmeu motora e emocional. Para os nao-eur~peus as emo9óes e as
nunca tinha visto urna área táo grande sem árvores. Achou mui- imagens evocadas por idéias nao podiam ser separadas das
to ruim este terreno táo diferente de sua floresta natal. De re- idéias em si. Para Levi-Bruhl os primitivos percebiam o mundo
pente o grupo chegou ao alto de urna montanha e todos olha- de urna maneira bem diferente dos civilizados (apud Cole e
ram para a vista panoramica das planícies onde pastavam ele- Scribner 1974). Lévi-Strauss (1966) argumentou que o pensa-
fantes, búfalos e gazelas. Ainda náo impressionado, o pigmeu mento «primitivo» utilizava os mesmos processos que o pen-
perguntou apenas que tipo de «insetos» eram aqu~les. Em toda samento «civilizado», usando, entretanto, num bricolagem, coi-
a sua vida na floresta nunca tinha visto algo tao amplo, pois as sas concretas, visíveis e tocáveis como material básico de re-
árvores s~mpre bloqueavam sua visáo. Agora, quando podia flexao. Nesse sentido, os conceitos dos «pdmitivos» mudam
olhar quilómetros e quilómetros de distancia, simplesmente náo segundo a situa9ao . O mesmo nao se dá com o civilizado. Este
conseguia entender que aqueles «insetos» foram, de fato, ani- usa como material de reflexao conceitos abstratos que náo mu-
mais maiores que os seus conhecidos da floresta. Ouando o dam segundo a situa9áo . Em vez de trabalhar como «pau para
carro desceu até a planície e os animais ficaram mais perto o toda obra», o civilizado trabal ha como engenheiro.
Mbuti recusou abrir sua janela, afirmando que os animais sim-
plesmente nao eram verdadeiros (Turnbull 1961 ). Outros estudiosos tem salientado fatores específicos
como responsáveis pelo pensamento em· sociedades diferentes.
Para proteger sua terra contra urna hidrelétrica, os índios Wholf (1956) destacou o papel da linguagem. Ele argumentou
Cree, ca9adores e coletores do norte do Canadá, foram levados que as pessoas percebem e pensam o mundo em termos do
a testemunhar perante o juiz num processo jurídico muito com- Idioma que falam. Assim, a estrutura e os conceitos do idiom~
plicado. Os advogados de·ixaram que os índios se ·acostumas-
-
determinam as atividades intelectuais. Bruner (apud Cole e

142 143
Scribner 1974) argurnentou que a alfabetizac;áo muda dramatica- sivelmente os Kayapós simplesmente náo precisam de mais
mente os processos de pensamento, possibilitando urna concei- termos porque nao dispóem de tintas e tinturas para pintar coi-
tuac;áo de tipo abstrato, ausente em pessoas nao alfabetizadas. sas com cores diferentes. Assim, os objetos sao tao associa-
dos a certas cores que nao há necessidade de especificar a
Como podemos saber sobre o mundo intelectual das~ pes­ cor. No entanto, existe alguma evidencia de que a cor dos
soas. de outras culturas? Antropólogos e psicólogos tem ten- olhos das pessoas também seja importante. Bornstein (1973) e

-
tado desvendar os processos inteJectuais em culturas diferentes. Ember (1978) mostraram que, independentemente da complexi-
dade de urna sociedade, onde· as pessoas tem os olhos mais
claros geralmente o idioma possui mais termos para designar
cores. Com olhos claros as pessoas distinguem melhor os tons
1. Percep~áo azuis e verdes. Em compensa<;ao olbos mais escuras permitem
maior acuidade· visual . Assim, arece ue fatores culturais e
diterenc;as de· percepc;áo a etam o número de termos p r
Há varias questoes sobre percepc;áo em sociedades di- nar cores num idioma. ...
ferentes . Os psicólogos ·e antropólogos tem pesquisado princi-
Outra questao antiga trata da habilidade de ver tres di-
palmente as áreas de percepc;áo de cores e de representac;óes
mensóes em retratos ou desenhos bidimensionais. Quando os
em tres dimensoes. Ouando se descobriu que o grego homérico
primeiros estudiosos investigavam a arte de grupos «primiti-
náo tinha termos para descrever certas cores, comec;ou um de-
vos» acreditavam que esta arte era pouco desenvolvida porque
bate questionando se os primeiros gregos nao eram daltónicos
(Colé e Scribner 1974). Pesquisas mais recentes mostraram as pessoas nao conseguiam representar profundidade nos seus
que muitas sociedades tem poucos termos para distinguir as desenhos. Numa análise da arte Kwakiutl, urna sociedade indíge-
cores. Numa comparac;áo de 100 sociedades, Berlin e Kay (1969) na no litoral noroeste norte-americano, Boas (1940) argumentou
descobriram que o número de termos básicos para cores au- que náo se tratava de um subdesenvolvimento técnico, mas de
menta com a complexidade de urna sociedade. Nas sociedades urna diferenc;a na maneira de se encarar as coisas. Quando os
mais simples existem apenas dois termos, um para «escuro» Kwakiutl pintavam um animal, comec;avam por um lado, passa-
e outro para «claro». Sociedades um pouco menos simples pos- vam pela frente e depois pintavam o outro lado, dando a im-
suem termos para as cores «escuro», «claro» e «vermelho». pressáo no quadro final de que o animal tinha sido esfolado e
Em sociedades mais complexas junta-se a estes tres termos esticado. Para Boas esta maneira de representar o animal era
um outro para indicar as cores «verde-azul-amare lo». Somente igualmente válida quanto as convenc;óes ocidentais para repre-
nas sociedad,es mais complexas encontramos idiomas com di- sentar a profundidade.. Os Kwakiutl achavam simplesmente que
ferentes termos para preto, branca, vermelho, azul, amarelo, todas as partes essenciais do animal tinham que ser represen~
verde e marrom. tadas no desenho. Se rabo é julgado essencial, deveria ser in-
cluído, mesmo num desenho do rosto do animal.
Tais diferenc;as de terminologia para cores implicam em _
difereñ9as de percepc;áo? Em Kayapó existem apenas quatro Com a finalidade de determinar até que ponto os indi-
termos básicos para cores: tyk (escuro), aka (branca), kamrek cadores usados no Ocidente para gerar a ilusáo de profundidade
(vermelho) e ngrángrá (verde-azul-amarelo), mas os índios po- sao universais, vários psicólogos e antropólogos os tem exa-
dem facilmente distinguir mais cores. Ouando querem descre- minado em outras culturas. Estes indicadores incluem princi-
ver a cor amarela para distinguí-la do verde ou do azul, eles palmente o uso da linha do horizonte, a sobreposic;áo (onde· urna
podem se referir ao rabo do pássaro peyati, cujas penas sáo ·coisa é colocada na frente de outra, cobrindo assim partes do
amarelas (Werner 1984a). Parece que o número limitado de objeto por trás), além do uso de linhas oblíquas que convergem
termos para as cores náo se deve a falta de percepc;áo. Pos- para um ponto situado ao fundo. Mundy-Castle (1966) apresen-

144 145
tou desenhos com vários indicadores de profundidade· a pessoas Náo dispomos ainda de dados suficientes para distinguir
de diferentes grupos culturais do sul de Gana. Ele descobriu os efeitos da alfabetizac;áo e de ambientes «retangulares» sobre
que muitas pessoas náo percebiam os indicadores de profundi- a percepc;áo de profundidade. Sabemos menos ainda sobre as
dade. Por exemplo, as linhas representando urna estrada em possíveis diferen<;as ~e percep<;áo auditiva, ou sensorial em
p·e rspectiva foram interpretadas como paus, árvores, cordas, soci~dades diferentes. No entanto, podemos tirar algumas con-
urna mesa, colinas e triangulos. Comparac;6es de africanos e clus?es. Primeiro, há evidencia de que a percep<;áo pode influir
europeus náo-alfabetizados e alfabetizados mostraram que a in- na linguagem de um pavo, pelo menos na área das cores em-
terpreta<;ao dos indicadores de profundidade dependía principal- bora exista pouca evidencia sobre urna possível influencia da
mente do grau de· alfabetizac;á0-. Foi a experiencia com tais linguagem sobre a percepc;ao. Segundo, existem diferen<;as na
desenhos em escolas (ou em casa) que fez com que as pessoas percep<;ao tridimensional, mas estas desaparecem facilmente
percebessem profundidade nos retratos. através de certa experiencia com retangulos, com desenhos ou
com a simples necessidade de se construir modelos tridimen-
A questáo de percepc;ao de profundidade é mais com- sionais.
plicada ainda. Numa pesquisa na Zambia, Deregowski (apud
Cole e Séribner 1974) desenhou urna série de cubos e outras
figuras abstratas, solicitando as pessoas que descrevessem os
desenhos. As respostas indicavam que elas nao percebiam pro-
2. Memória
fundidade.. No entanto, quando Deregowski pediu as pessoas
que construíssem com paus as figuras representadas nos de-
senhos, verificou que eram perfeitamente capazes de faze-lo.
lsto sugere que as pessoas podem perceber tres dimensoes Muitos antropólogos tem ficado impressionados com a
quando necessário, mesmo se náo tem experiencia com repre- memória da~ pessoas em sociedades «primitivas» . Bartlett re-
sentac;6es bidimensionais de profundidade. lata que, entre os Swazi da Africa do Sul, um pastor de gado
lembrou-se, depois de um ano, de detalhes «triviais» de transa-
A experiencia com indicadores de profundidade pode <;oes de gado. Sabia o prec;o exato pago para cada cabe<;a de
atetar a susceptibilidade a ilusóes óticas, pois muitas destas gado e sabia todas as marcas físicas das vacas (apud Cole e
ilusoes se baseiam na tendencia ocidental de ver urna linha Scribner 1974). Bowen (1954) impressionou-se com a memória
«no fundo» .como maior que urna linha «no primeiro plano», mes- sobre as plantas dos nigerianos.
mo quando as duas linhas sao do mesmo tamanho. Em pesqui-
sas em várias sociedades da Africa, das Filipinas, da Europa e Existem muitas questóes sobre a memória de pessoas
dos Estados Unidos, Segall, Campbell e Herskovits (1963) des- em sociedades diferentes. Os «primitivos» desfrutam de urna,
cobriram que a susceptibilidade a estas ilusoes é muito maior !Jlemória_st¿p_filiOL por necessfrfade, urna vez que nao tem sis- •
em sociedades onde as pessoas tem experiencias com retan- - temas de escrever para armazenar informac;oes? Até que ponto
gulos. Eles argumentam que é a experiencia com retangulos ~ capacidade de memória reflete apenas diferencás de interes-
que nos faz interpretar desenhos de linhas nao-paralelas como ~~ entre «civilizados» e «primitivos»? Até que ponto ~flete o -
sendo de fato paralelas, indicando profundidade. Em sociedades rd1oma de um grunoJ As maneiras de memorizar sao diferentes
como a dos Zulu, onde as pessoas moram em casas redondas
com portas redondas, e onde plantam roc;as redondas e guardam
-
para «primitivos» e «civilizados»?. J

animais em currais redondos, as pessoas nao se enganam com A maioria dos antropólogos concordaría que as pes-
as ilusóes óticas. Allport e Pettigrew (apud Cole e Scribner soas se lembram mais das coisas que consideram importantes.
1974) mostraram que mesmo quando se usa ilusoes óticas tri- Assim, enquanto os Swazi dáo muita importancia ao gado e
dimensionais existe a mesma tendencia para as pessoas de am- lembram-se de detalhes que para nós sao insignificantes, nós
bientes náo-retangulares, ou seja, serem ·menos suscetíveis as nos lembramos de· outras coisas que eles achariam triviais e
ilusóes. difíceis de memorizar, como marcas de carros ou detalhes sobre

146 147
cantores populares . Em parte estes interesses parecem se re- rível que os alunas aprendessem aplicando maior criatividade.
fletir no vocabulário de um povo. Os esquimós tem muitos Em vez de memorizar mecanicamente, deveriam organizar as
termos para designar a neve, os guerreiros Kayapós tem para informac;oes de maneira tal que formem um conjunto inteligível.
o ato de matar e nós para produtos de papel (cartas, formulá-
rios , livros, cartoes, fichas, jornais etc .). Numa série de pe.squisas entre os Kpelle da Libéria na
África Ocidental, Cole et alii (1971) examinaram as maneiras
A possível influencia da linguagem na capacidade de se , d_os indígenas memorizarem coisas. Eles notaram que a memó-
memorizar coisas tem sido investigada principalmente na área na dos Kpelle para coisas apresentadas nas escalas nao era
das cores . Através de várias pesquisas tem-se examinado a ha- muito boa . Tentando descobrir as razoes para isto os pesqui-
bilidade das pessoas se lembrarem de cores apresentadas a sadores notaram inicialmente que os Kpelle nao memorizavam
elas na forma de placas diversas. Comparac;oes de pessoas que apenas mecanicamente, pois quando precisavam repetir urna
falam idiomas diferentes mostram ·que, onde existem termos série de itens memorizados, repetiam-nos numa ordem diferen-
para descrever urna cor, há maior probabilidade de se lembrar te da que foram dados origina1mente. Pesquisas mais detalha-
daquela cor. Por exemplo, comparac;oes no México mostraram das mostraram que sob certas condic;oes as pessoas organiza-
que os que falam o idioma yucatec lembram-se facilmente de vam os itens segundo algum critério. Por exemplo, quando os
pesquisadores pediram que os Kpelle se lembrassem primeiro
certas cores que para eles sao mais fáceis de ser comunicadas.
das ferramentas, depois das frutas e finalmente das roupas,
Os que falam o espanhol lembram-se mais facilmente de outras
eles o faziam sem problema, e memorizavam mais itens. Tam-
cores (Cole e Scribner 1974). No entanto, há certas cores que
bém memorizavam melhor quando os itens faziam parte de urna
aparentemente sao lembradas com facilidade por pessoas de história, em vez de serem apresentados desligados de qualquer
qualquer sociedade, quer elas tenham termos ou nao para de- contexto.
signar estas cores . Trata-se das cores «foca is».
Cole et alii (1971) concluíram que nao havia diferenc;a
As pessoas em sociedades diferentes divergem quanto entre os Kpelle e pessoas ocidentais na habilidade de memori-
as variac;oes cromáticas que rotulariam como «vermelho». Al- zar nem nos processos psicológicos que as pessoas usam para
gumas classificariam como vermelhos, cores que nós chama- ~emorizar. A diferenc;a prin_cipal era que as pessoas com mais
ríamos de «marrom » ou «cor de laranja». Outros incluiriam ..!.~Struc;ao estavam ~aís dispostas a criar urna estrutura paréf l

«marrom » mas_nao «cor de laranja». Porém, parece que todos a1udar na recordac;ao, enquanto as pessoas menos instruídas
concordam sobre a cor que é «o vermelho» verdadeiro, «o pre- precisavam que alguém sugerisse· urna estrutura./ Resta ainda
to», «o branco», «o azul», «o verde» e «o amarelo». Mesmo os - pesquisar se esta disposi<;áo de inventar urna estrutura é ape-
Dani da Nova Guiné que nao tem urna palavra para «vermelho» nas questao de motivac;áo. É possível que as pessoas mais ins-
encontram «o vermelho» verdadeiro fácil de ser lembrado quando truídas fizessem mais esforc;o para se lembrar de itens nos
precisam escolher esta cor entre urna série de placas mais ou testes psicológicos simplesmente porque davam mais valor a
menos «vermelhas» (Cole e Scribner 1974). earece que a rea- estes testes.
<;ao a certas cores é universal, independentemente do idioma
ou cultura de um povo. , Destas pesquisas podemos tirar algumas conclusoes so-
bre memória em culturas diferentes. .Primeiro, nao existe ne-
Urna questao muito importante para a educac;áo formal ilhuma evidencia de que a memória dos povos «primitivos» seja
é como as pessoas memorizam as coisas. Alguns educadores superior ou inferior amemória de pessoas «civilizadas», . . em-
em sociedades nao-ocidentais tem reclamado que seus alunos bora em certas áreas de interesse ao grupo os «primitivos» ou \
aprendem as coisas apenas mecanicamente. Para memorizar _os «civilizados» possam ter urna memória melhor. Segundo, a
eles tentam simplesmente se lembrar das coisas na ordem pela memória pode ser Influenciada pelo idioma de um pavo, pelo
qual sao dadas. Do ponto de vista dos professores seria prefe- menos na área de terminologia para cores. Terceiro,
. - náo há
148 t49
1
evidencia que as pessoas em socie'!Jades primitivas memorizem
de forma puramente mecaníca. No entanto, nao sabemos ainda Outra questao sobre o raci9c1n10 de pessoas em socie-
quais os fatores que dispoem as pessoas a impor urna estrutura- dades diferentes refere-se ao pensamento «científico». Enten-
ñas coisas que precisam memorizar. ' demos por este conceito o processo de lanc;ar hipóteses, veri-
f icando depois se as mesmas correspondem a realidade. Em-
bora os antropólogos e outros tenham enfatizado o pensamento
mágico-religioso de povos «primitivos», dando talvez a impres-
3. Raciocínio sao de que o pensamento científico esteja ausente, existe am-
pla evidencia de que os «primitivos» pensam as vezes em ter-
Num estudo de camponeses soviéticos coletivizados e mos científicos. Por exemplo, Werner (1984a) deu urna vez se-
nao-coletivizados, Luria (apud Cole et alii 1971) notou que os mentes de feijao preto a um índio Mekranoti-Kayapó. Nem o
camponeses nao-coletivizados (mais tradicionais) nao podiam antropólogo nem o índio sabiam muito bem como plantar o fei-
resolver silogismos abstratos. Luria perguntou: «No norte, onde jao. O índio resolveu entao fazer urna experiencia. Ele plantou
há neve o ano todo, todos os ursos sao brancos. A cidade X parte do feijao no meio da ro<;a onde receberia muito sol e
fica no norte. Os ursos na cidade X sao brancos?» Os campo- parte na periferia onde receberia menos sol. Repetiu esta ex-
neses coletivizados nao tinham dificuldades com este silogis- periencia no início da época da seca e no início da época da
mo, mas os camponeses tradicionais respondiam simplesmente chuva. Com efeito, o índio estava fazendo urna experiencia
que nao podiam saber, pois nunca tinham viajado para o norte. científica controlada (Werner 1984a).
No entanto, os camponeses tradicionais entendiam sem difi-
culdade silogismos mais concretos como: «o algodáo cresce em Em certos círculos intelectuais é costume conferir aos
todos os lugares onde é quente e úmido; o m·unicípio X (um lu- gregos antigos a honra de ter inventado a lógica e a ciencia.
gar conhecido) é quente e úmido; o algodao cresce ali?» Para Estes exemplos de sociedades «primitivas» nos fazem questio-
este silogismo que se refería a urna situac;ao concreta conheci- nar esta idéia. Parece mais provável que a ciencia e, a lógica
da pelos camponeses, as pessoas respondiam corretamente, fac;am parte de todas as sociedades humanas, embora os con-
indicando que sabiam que era assim, pois conheciam o lugar. textos em que sáo usadas possam variar.
As pesquisas de Luria parecem apoiar o argumento de
alguns estudiosos de que o pensamento «primitivo» é mais con-
creto que o pensamento «civilizado».) No entanto, Cole et alii 4. «Inteligencia»
(1971) questionam esta conclusao. Em suas pesquisas sobre
inferencias lógicas entre os Kpelle estes recebiam, no início,
respostas muito parecidas as respostas dos camponeses sovié- Talvez a questao mais controvertida e perigosa nas dis·
ticos. Porém, quando examinaram mais a fundo a questáo, des- cussoes sobre pensamento em sociedades diferentes seja a
cobriram que os Kpelle eram perfeitamente capazes de fazer questao da «inteligencia». Até que ponto existe um tipo de in-
inferencias lógicas sobre temas abstratos, urna vez que as in- teligencia comum a toda humanidade? Até que ponto as pes-
ferencias eram colocadas no contexto de urna história tradicio- soas em sociedades diferentes enfatizam capacidades intelec-
nal. O número de erros dos Kpelle nao ultrapassava o número tuais diferentes? Até que ponto todas as culturas atingem o
de erros de universitários norte-americanos. Mas houve urna mesmo nível de desenvolvimento intelectual?
diferen<;a. Os Kpelle tinham urna tendencia maior para evitar
conclusoes desagradáveis (Cole e Scribner 1974). Dessa forma, Vários pesquisadores tem-se interessado pelos esquemas
parece que os dois grupos nao divergiam em suas habilidades de desenvolvimento psicológico elaborados por Piaget. Em so-
de pensar logicamente, mas apenas na propensao a evitar algo ciedades ocidentais as crianc;as entre 7 e 11 anos de idade
nao desejado. passam da etapa chamada «pré-operacional » para a etapa cha-

150 151
mada «operacional-concreta». A etapa «operacional-concreta» é Urna pesquisa extensa sobre habilidades cognitivas dife-
,. caracterizada pela habilidade da crianc;a de entender a «conser- rentes foi realizada por Berry e colegas (Berry 1976). Berry
vac;ao». Esta habilidade é medida usando-se testes nos quais estava interessado na característica cognitiva chamada «inde-
um material é dividido em partes ou passado de um recipiente pendencia do fundo». lsto se refere a habilidade de distinguir
para outro. Crianc;as muio pequenas nao enendem que a sepa- urna coisa do seu fundo, como nos joguinhos para crianc;as,
ra<;ao de um material em vários pedac;os nao muda o seu volu- onde se precisa encontrar um objeto «escondido» num dcsenho
me, ou seu peso. As crianc;as pequenas, por exemplo, enganam- maior. Um dos testes para medir esta característica consiste
se quando a mae corta o bolo em dais pedac;os menores, pois numa vara no meio de urna moldura. A pessoa precisa identifi-
acreditam que estao recebendo, assim, mais bolo. Crianc;as car quando a vara está reta, independentemente da posic;áo da
mais velhas aprendem que estes «truques» nao modificam em moldura, que pode ser inclinada em vários angulas. Geralmen-
nada a quantidade. t e as pessoas que fazem bem este teste também fazem bem
Vários psicólogos tem levado estes testes para culturas outros testes cognitivos mais abstratos, onde é necessário dis-
diferentes. Concluíram, via de regra, que as crianc;as de· cultu- tinguir o cerne de um argumento de um fundo de elementos
ras nao-ocidentais aprendiam mais tarde o princípio da «con- irrelevantes.
servac;ao». Em alguns lugares até os adultos nao pareciam en- Berry achava que os cac;adores e coletores deveriam ma-
tender este princípio. No entanto, podemos ficar céticos quanto nifestar mais «independencia do fundo» que os agricultores.
a estes resultados, pois as pessoas em sociedades nao-ociden- lsto porque os cac;adores e coletores precisam distinguir os
tais poderiam ter um desempenho pior nestes testes por várias ani mais e as frutas selvagens face ao pano de fundo da floresta
raz6es que nada tem a ver com as suas habilidades de «conser- natural. Por ter plantado sua comida, os agricultores nao pre-
vac;ao». Primeiro, os materia is usados nestes testes sao desco- cisam fazer táo bem estas distinc;6es, pois já sabem onde en-
nhecidos por pessoas nao-ocidentais; Nas poucas vezes em contrá-la. Berry conseguiu medir esta habilidade em 20 socie-
que foram usados materiais conhecidos (como barro entre olei- dades indígenas diferentes da África, Austrália, Nova Guiné e
ros indígenas no México ou terra e nozes entre os Tiv da Ni- Canadá. Ele descobriu que, com efeito, os cac;adores e cole-
géria), os resultados mostraram-se iguais entre crianc;as euro- tores eram mais «independentes do fundo».
péias e náo-européias (Price-Williams 1961, Price-Williams et
alii 1969). Segundo, existem diferenc;as muito grandes na fami- Para explicar a «dependencia do fundo» dos agricultores,
liaridade que as pessoas tem com testes psicológicos. Ouem Berry notou que estes preferem geralmente que seus filhos
conhece pouco estes testes pode nao entender sua finalidade. sejam obedientes e cooperativos, pois muitas tarefas nestas
Finalmente, é muito difícil assegurar que populac;6es diferentes sociedades exigem cooperac;áo. Pesquisas mostraram que a
tenham a mesma motivac;áo para realizar tais testes. Para a cooperac;ao é incompatível com a independencia do fundo. Es~a.
maioria das pessoas do mundo estes testes devem parecer mui- por sua vez, faz com que as pessoas sejam menos atentas as
to bobos e sem importancia alguma. express6es faciais dos outros, e mais dispostas a rejeitar suas
sugest6es. Em síntese, sao mais independentes em geral. Pare-
Os problemas com os testes de conservac;ao sao comuns
ce, entáo, que urna sociedade precisa escolher se quer que
em qualquer tipo de teste de «inteligencia». lsto tem levado
seus membros sejam «independentes do fundo» ou «cooperati-
muitos pesquisadores a desistir da tentativa de encontrar um
vos». O que seria urna mane ira «inteligent~» de pensar num,~
teste de inteligencia que independa da cultura das pessoas in-
sociedade nao o seria noutra.
vestigadas. Em vez de procurar averiguar a superioridade in-
telectual de urna populac;áo sobre outra, vários pesquisadores É interessante refletir sobre as implicac;6es destes acha-
tem-se interessado em entender os diferentes tipos de habilida- dos para a nossa sociedade. É possível falar de um tipo único
de intelectual que sao necessárias ou prestigiadas em grupos de «inteligencia» numa sociedade moderna? Em geral os test~s
diferentes. de aptidáo, academico ou psicotécnico, privilegiam pessoas «1n-

152 153
dependentes do fundo». Mas é possível que certas tarefas se- qui sa foram muito parecidos com a pesquisa de Edgerton. As
jam melhor realizadas por pessoas mais cooperativas e menos crianc;as dos pastores eram mais independentes e mais abertas
independentes do fundo. Por exemplo, parece provável que o na sua agressividade . Edgerton argumenta que estas diferenc;as
assistente social trabalharia melhor se levasse ·em canta o fun- se devem a necessidade dos agricultores: de controlarem suas
do social. Um motorista independente · demais nao presta ria emo96es, urna vez que nao podem mudar de local se as rela-
atenc;ao suficiente as ac;oes dos outros na estrada e teria maior 96es pessoais se tornam difíceis. Em contraste, os pastores
risco de acidente. Outras habilidades cognitivas podem ser im- podem se exprimir abertamente. Se acabam nao se dando bem
portantes para outros tipos de tarefa. com os vizinhos, sempre tem a opc;ao de levar seus rebanhos
para campos mais distantes. Assim, nao há tanta necessidade
de autocontrole.
5. Personalidade

Em outros capítulos já examinamos algumas varia96es 6. Doen.;as mentais


culturais relativas a aspectos de personalidade tais como agres-
sividade e sexualidade . Alguns antropólogos tem pesquisado
outros trac;os de personalidade. Numa comparac;ao de 79 so- Existe ampla evidencia de que certos problemas mentais
ciedades Barry, Child e Bacon (1959) descobriram que socieda- no mundo ocidental tem base biológica. Os neurologistas tem
des de agricultores ou pastores geralmente tentam ensinar obe- identificado várias substancias (como dopamine e serotonine)
diencia e· responsabilidade as suas crianc;as, enquanto socieda- nos cérebros de seres humanos e de outros animais que estao
des de ca<;adores e· coletores sao mais p·reocupadas em treinar associados a problemas como esquizofrenia (perda de noc;ao da
os seus filhos a serem independentes e autoconfiantes . Os pes- realidade) ou depressao. Em alguns casos há evidencia de que
quisadores explicam que os agricultores e os pastores precisam haja um fator genético causando estas doenc;as. Pesquisadores
ter mais responsabilidade para nao prejudicar os recursos que t em identificado genes no cromossomo 6 que estao associados
tem armazenado. Os cac;adores e coletores nao se preocupam a problemas de depressao em famílias diferentes. No caso da
com comida armazenada, mas precisam ter urna certa indepen- esquizofrenia há evidencia de que esteja associada a presenc;a
dencia para executar suas tarefas cotidianas. lsto exige que as da enzima dopamine beta hydroxylase, que parece ser contro-
pessoas as vezes viagem sozinhas para buscar comida. lada por um gene recessivo. Também a incidencia de esquizo-
frenia em filhos adotados é mais relacionada com a incidencia
Numa pesquisa na África Oriental, Edgerton (1971) com- nos pais biológicos que nos pais adotivos (Konner 1982).
parou os setores agrícolas e os setores pastoris de quatro so-
ciedades diferentes. Usando urna série de desenhos, pediu a Vários antropólogos tem argumentado que a incidencia e
seus informantes que contassem estórias sobre o que viam nos conceituac;ao de psicoses em diferentes sociedades sao pare-
retratos. Nas estórias em todas estas sociedades os pastores ci das. Examinando os conceitos de doenc;a mental em quatro
mostraram-se mais dispostos a exprimir de forma mais aberta sociedades da África Oriental, Edgerton (1966) concluiu que os
seus sentimentos, inclusive agressividade, sexualidade, carinho, síntomas usados para os diagnósticos indígenas eram muito pa-
tristeza e depressao. Os agricultores exprimiam sua agressivi- rec idos com os sintomas usados por psiquiatras nas sociedades
dade de forma mais fechada: falavam de acusac;oes de bruxaria, ocidentais. Murphy (1980) comparou psicoses entre suecos,
de insultos verbais e de desrespeito pelas autoridades. Bolton canadenses, esquimós e yorubas (da Nigéria). Ela concluiu que
(1976) estudou as maneiras de brincar de crianc;as de agriculto- a incidencia destas doenc;as era parecida em todos estes luga-
res e de pastores no sul do Peru. Os resultados da sua pes- res. No entanto, mesmo que diferentes problemas psicológicos

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possam ter urna base genética e possam existir em todas as considerada como problemática. Para melhorar a vida de pes-
culturas humanas, isto nao implica que sempre sejam definidos soas definidas como «doentes menta is», precisamos repensar
.. as maneiras como estas pessoas sao vistas e tratadas pela co-
como «doenc;as» ou tratados da mesma maneira, nem que suas
manifestac;óes sejam iguais em todas as culturas. munidade. O próprio hábito de diagnosticar ufna pessoa como
«doente» pode ser o maior problema. As vezes tais diagnós-
Os índios Ojibwa e Cree do Canadá passam as vezes a t icos· tornam-se armas contra certas pessoas malvistas pela
acreditar que sao possuídos pelo espírito wiitiko, um gigante comunidade, mas que ern nada sao doentes; pessoas como ve-
caníbal, que os faz alucinar e ter desejos canibalísticos. Come- lhos, minorías sexuais ou dissidentes políticos.
c;am a atacar os outros membros da comunidade, tentando
morde-los e comer sua carne. Sendo urna possessáo por um As diferenc;as de personalidade e pensamento entre gru-
espírito, o problema nao é tratado como doenc;a (Parker 1960). .e_os diferentes tornam-se, as ve~es, a base para preconceitos
Entre os Esquimós da Groenlandia as pessoas as vezes come- perniciosos. Para evitar tais preconceitos nao se precisa negar
c;am a agir de maneira nervosa e esquisita. Tiram a roupa e a existencia de diferenc;as psicológicas de urna cultura para
comec;am a andar nuas pelo gelo até caírem exaustas. Para os outra.. As diferenc;as sem dúvida existem, embora possa haver
Esquimós este problema é suficientemente comum para ter um indivíduos em todas as sociedades que nao se conformam com
nome: pibloqtoq. Na Malásia as pessoas ficam as vezes violen- a caracterizac;ao geral dos membros de sua cultura. Os pre-
tamente agitadas e atacam os outros membros da comunidade conceitos resultam geralmente de urna visao parcial do conjunto
numa excitac;ao chamada amok pelos nativos, até se acalmarem de trac;os psicológicos das pessoas - urna visáo que acentua
e ficarern deprimidas (Honigmann 1967). os t ra<;os considerados negativos. Aesultam também de um mal-
Como exemplo de maneiras diferentes de tratar o que entendido quanto as causas ou func;óes destes trac;os . Precisa-
aparenta ser o mesmo problema, podernos citar o caso .da his- mos entender que o que é «inteligente» ou «psicologicamente
teria: perda do controle emocional. Kehoe e Giletti (1981) co- ajustado» numa sociedade pode ser bem diferente noutra. Só
letararn evidencias para mostrar que a histeria está relacionada assim estaremos em condic;óes de julgar as características psi-
a deficiencias nutritivas, especialmente deficiencias de cálcio cológicas desejáveis ou nao numa determinada sociedade.
no regirne alimentar. A falta de cálcio pode provocar urna doen-
c;a chamada tetania, que causa tremores involuntários e desas-
sociac;ao do mundo. Kehoe e Giletti notarn que os cultos reli-
giosos nos quais existe «possessao» por santos ou espíritos
sao mais comuns ern sociedades onde há deficiencias nutritivas
de cálcio, magnésio, niacine, tryptofano, tiarnina e vitamina D.
Os autores sugerem que nestas sociedades os ataques de te-
tania podem ser explicados como «um santo» que desceu na
cabec;a de alguém. Evita-se, assim, o estigma proveniente· de
um diagnóstico de «doente». A possibilidade de induzir volun-
tariamente aos transes de possessáo ajuda o indivíduo a aceitar
tambérn os «transes» que sao involuntariamente provocados
pelas deficiencias nutritivas.

As pesquisas biológicas sobre problemas rnentais sao


bern-vindas, mas nao devemos esquecer o papel da cultura no tra-
tamento ou aceitac;ao destes problemas. Urna doenc;a que seria
debilitante numa cultura poderia ser mais aceitável noutra, nem

156 157
Um desastre aconteceu no dia 13 de maio, 2 días antes
da predita transformac;áo. Kee-khwei abortou seu filho. Mas
este aborto nao acabou com o culto. Kee-khwei expl icou que o

XI natimorto era apenas a imagem da filha Kraa-khwei que tinha


voltado para o seu ventre. O culto se intensificou e os índios,
mais confiantes do que nunca em sua imunidade as balas dos
vizinhos fazendeiros, comec;arar'n a matar mais cabec;as de gado.
Em represália, no dia 7 de julho um grupo de sertanejos invadiu
A MAGIA E O SOBRENATURAL a aldeia indígena e matou tres índios. Só depois desse inciden-
te Kee-khwei ficou desacreditada, encerrando-se·, assim, o culto
(Crocker 1976).

No Irá de 1979 o aiatolá Khomeini argumentou que os


escrúpulos 4'humanitários» das sociedades ocidentais eram in-
fantis . Segundo Khomeini, o Coráo garante que qualquer juiz,
desde que seja do sexo masculino, nao-bastardo, púbere, crente
e conhecedor das leis coramicas, pode·ria julgar e concluir com
perfeita justic;a vinte processos diferentes por dia. Todo poder
secular é forc;osamente um poder ateu e, portanto, obra de Sa-
tanás . Por isso, Khomeini assumiu a tarefa de derrubar todos
os governos do mundo que «nao repousam nos puros princípios
Em fevereiro de 1963 a índia Canela Kee-khwei do Mara- islamicos» (A moral segundo o aiatolá 1979).
nháo teve urna visáo na sua roc;a. O feto no seu ventre lhe disse
que o herói cultural Aukhe realizaria urna transformac;áo dramá- No día 18 de novembro de 1978 morreram mais de 900
tica em sua sociedade. No dia 15 de maio daquele ano, ao pessoas no que foi rotulado um suicídio em massa na cidade
nascer a crianc;a (que seria urna menina chamada Kraa-khwei) de Jonestown, na Guiana. A chacina provocada por ingestáo de
os índios Canelas passariam a morar em cidades, em casas com refresco envenenado sucedeu a vários suicídios simulados or-
telhas, e seriam donas de fortunas incalculáveis. Em compensa- denados pelo líder religioso Jim Jones para «testar a fé» dos
<;áo, os brancos seriam obrigados a cac;ar nos matos e a traba- seguidores. Desde crianc;a Jones se mostrava mentalmente per-
lhar para os índios. As aparic;oes vistas por Kee-khwei exigiram turbado. Na adolescencia deu tres tiros de· revólver num amigo.
ai,nda que os índios vendessem todos os seus bens como es- Mas, quando adulto, Janes formou um rebanho fiel com sua re-
pingardas, cavalos e colheitas, e que comprassem roupas de tórica magnetizante. Chegou a comover até a primeira dama
branco. Ouem vendesse mais seria mais rico depois do dia 15 norte-americana Rosalynne Carter (Wilhelm 1982). O culto de
de maio. Nos días de semana os índios seriam obrigados a Jim Janes originou-se na Califórnia mas foi transferido para a
cantar e danc;ar segundo seus costumes tradicionais e nos finais Guiana quando a polícia comec;ou a investigar suas atividades,
d~ semana_a maneira brasileira. Quem nao danc;asse seria pu- depois de receber notícias de espancamentos e outras violen-
nido. O reu seria amarrado no topo de um tronco de buriti cias cometidas contra os adeptos que desobedeciam o líder ca-
cheio de pedras ásperas , ou amarrado sem roupas e colocado rismático ou queriam sair do culto. A chacina final foi provo-
sexualmente a disposic;áo de qualquer um que chegasse . As cada pelo assassino de um deputado norte-americano que visi-
vezes filas de mulheres passavam na frente dos réus masculi- tou Jonestown e quis sair com 15 refugiados. Quem nao quis
nos e arrancavam-lhes alguns tufos de pelo púbico. se suicidar foi preso pelos adeptos do culto e forc;ado a engolir
o veneno (Harris 1981).

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Os movimentos religiosos dos Canela no Maranhao, do voltar com muito ou com nada; poderiam nem voltar. Nestes
aiatolá no Ira, e de Jim Jones em Jonestown sao exemplos dra- casos a magia supre a necessidade humana de explica<;6es
máticos do surgimento de novas religioes. Mas todas as so- quando todas as outras coisas falham.
ciedades mudam de religiao de urna época para outra, mesmo
se as novas cren<;as nao sejam tao fanáticas. Hoje, testemu- Os argumentos de Malinowski nao se limitam apenas a
nhamos o surgimento de centenas de novos cultos liderados sociedades «primitivas». Gmelch (1978) estudou o uso de ob-
por gurus, maharajis, astrólogos, yoguis e por todos os tipos jetos mágicos entre jogadores de· beisebol nos Estados Unidos.
de padres, pastores e pais de santo. Como podemos explicar Muitos destes jogadores usam objetos mágicos (como patas de
estas mudan<;as de cren<;as e práticas religiosas? As diferen- coelho, trevos de quatro folhas, moedas nas cuecas ou artigos
<;as religiosas entre culturas? Os antropólogos tem dedicado de roupa especial) para «dar sorte» nos jogos. De acordo com
muita energia para pesquisar estas questoes e seria impossível a teoria de Malinowski, Gmelch descobriu que sao justamente
discutir todos os trabalhos feitos sobre o tema. Neste capítulo os jogadores nas posi<;oes mais «incontroláveis» que usam mais
examinamos apenas algumas ·questoes sobre magia, o «sagra- magia - por exemplo, o homem que lan<;a a bola para o jogador
do», e as cren<;as sobrenaturais .. do time aposto bater. Dependendo de como se lan<;a a bola, o
outro time pode perder vergonhosamente ou ganhar gloriosa-
mente.

Vogt (1972) pesquisou o uso de forquilhas para determi-


1. A magia nar a localiza<;ao de água no sudoeste norte-americano. A for-
quilha consiste simplesmente num galho de árvore que é car-
regado por urna pessoa que perambula pelo terreno onde se
Em sociedades diferentes as pessoas cantam palavras precisa achar água. O lugar onde desee a forquilha é conside-
sem sentido, dan<;am passos estranhos, coletam plantas miste- rado o melhor local para se· cavar um po<;o. Além de examinar
riosas e inventam bebidas dife-rentes, com o intuito de mudar a teoría de Malinowski, Vogt resolveu estudar também alguns
algum acontecimento. A magia tem sido usada para curar doen- argumentos alternativos sobre o uso .da f0rquilha. Algumas
<;as, decidir onde .ca<;ar animais, procurar emprego, conseguir pessoas achavam que a forquilha de fato funcionava e inventa-
maridos e determinar a culpa de suspeitos criminosos. ram teorias baseadas em campos eletromagnéticos para expli-
car sua presumida eficácia. No entanto, quando Vogt comparou
Baseado em seus estudos sobre m,agia entre os indígenas as taxas de sucesso de· pessoas que usavam forquilhas com
das ilhas Trobriandesas perto da Nova Guiné, Malinowski (1922, pessoas que nao a usavam, descobriu que nao havia diferen<;as.
1948) argumentou que as pessoas nao usam magia quando exis- A forquilha nao era confiável.
tem maneiras racionais de resolver um problema. A magia é
usada principalmente em situa<;6es importantes, mas onde· as ·Outra teoria atribuía o uso de forquilha .a «ignorancia»
pessoas nao tem como influenciar ou prever o desenrolar dos de pessoas sem instruf;áo. Esta teoria também nao concordava
acontecimentos. Nessas situa<;6es as pessoas ficam muito an- com os dados. Pessoas com muita instru<;áo usavam forquilha
siosas e a magia ajuda a aliviar a ansiedade. Malinowski notou, tanto quanto pe-ssoas sem instru<;ao. Urna terceira teoria suge-
ria simplesmente que a forquilha era usada por «tradif;áO».
por exemplo, que os Trobriandeses usavam mais a magia quan-
Vogt questionou também esta teoria, pois os imigrantes nas
do navegavam em alto-mar do que quando pescavam nas lagoas
áreas onde se usava forquilha também adotaram a prática, em-
dentro dos recites que rodeavam suas ilhas. Nas lagoas pode-se
bora nunca a tivessem usado antes, e os emigrantes da área
prever a qt1antidade de peixe a ser obtida, fato que depende pararam de usá-la. Era a teoría de Malinowski que mais con-
principalmente do trabalho que se faz. Mas é difícil saber o cordava com os dados, pois as pessoas usavam a forquilha jus-
resultado de urna viagem em alto-mar. Os navegantes poderiam tamente nas áreas onde a complexidade geológica tornava mais
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imprevisível encontrar água. Onde o lenc;ol de água era mais A grande maioria, senáo todas as sociedades igualitárias
nivelado (e, portanto, previsível) a forquilha era considerada do mundo, sofreu explorac;áo, por sociedades ocidentais, no mo-
desnecessária (Vogt 1972). mento da colonizac;áo. Entretanto, a maioria destas sociedades
náo desenvolveu cultos de carga. Parece, entáo , que sao outros
os fatores que explicariam a carga fantasma. Urna possibilida-
de deriva da teoría de Malinowski sobre magia. Os cultos de
1.1. Carga fantasma carga fantasma sao caracterizados pelo uso de magia para obter
bens ocidentais. Segundo o argumento de Malinowski , isto deve
indicar urna certa imprevisibilidade sobre a recepc;áo destes
É possível que a teoria de Malinowski ajude a explicar bens. A Nova Guiné foi atingida por duas guerras mundiais.
cultos religiosos como aquele dos Canela. Tais cultos sao cha- Cada vez que um exército passou por seu território os soldados
mados «cultos de carga fantasma» e sao muito comuns ·e·m ou- tentaram aliciar indígenas para o seu lado. Para isso ofereciam
tras sociedades, principalmente na Nova Guiné. Já em 1919 presentes que deviam ter parecido extraordinários aos indíge-
vigias em algumas sociedades da Nova Guiné velavam o mar nas. Mas com a saída dos exércitos os indígenas acharam-se,
esperando a chegada dos antepassados que iam trazer de pre- de repente, sem nada. Do ponto de vista dos indígenas, a ob-
sente bens ocidentais para a comunidade. Depois da Segunda tenc;áo de bens náo tinha absolutamente nenhuma relac;ao com
Guerra Mundial foram muitas vezes os americanos os alvos o trabalho nem com qualquer outra coisa que poderia ser con-
dos cultos . Urna sociedade das Novas Hébridas imaginou que trolada ou prevista. Numa pesquisa comparativa Knauft ( 1978)
um tal de «John Frum » era o «rei » dos Estados Unidos e que descobriu que estes cultos . na Melanésia eram mais comuns
os americanos eram os antepassados. Algum dia os america- justamente nas sociedades que tinham perdido contato com o
nos chegariam com avióes cheios de leite e sorvete para dis- múndo ocidental um ano antes do aparecimento do culto.
tribuir aos indígenas. Por isso os adeptos do culto construíram
urna «pista» para o aviáo, incluindo urna «torre» e urna «antena» A arbitrariedade na obtenc;áo de bens ocidentais talyez
de rádio - tudo feito de cordas e cipós. Em 1968 o profeta de explique também alguns casos de carga fantasma entre índios
brasileiros. Possivelmente seja a chegada de cineastas ou ou-
um desses cultos convenceu seus seguidores a náo pagar im-
tras pessoas ricas em suas aldeias que provoque tais cultos.
postos. O grupo juntou $75.000,00 para «comprar» o entáo pre-
Por exemplo, os índios Mekranoti-Kayapós do Pará foram urna
sidente dos Estados Unidos Lyndon Johnson e torná-lo rei de
vez visitados por um cineasta ingles que passou poucos dias na
Nova Hanover, urna ilha no arquipélago pacífico de Bismarck.
aldeia. Para agradar aos índios e garantir cooperac;áo para o
A trajetória de muitos destes cultos era parecidíssima filme, o cineasta distribuiu enorme quantidade de presentes.
com o desenrolar do culto dos Canela. Os indígenas paravam Anos depois os índios ainda falavam da sua generosidade. Al-
seus trabalhos normais para se dedicar aos rituais . Muitos cul- guns comec;aram a mistificar sua pessoa, acreditando que ele
tos terminaram em tragédia quando a falta de comida forc;ou desapareceu da terra e foi pisar na lua em represál ia pelo fato
os adeptos a roubar comida (Worsley 1957). Como os indígenas da lua (na mitología indígena) ter pisado urna vez na terra, oca-
já tinham observado como os bens ocidentais sáo fabricados , sionando, assim, a morte das pessoas (Werner 1984a).
náo foi a ignorancia que os levou a acreditar que os bens vinham
de antepassados. Harris (1974) explica tais cultos como urna
reac;áo a explorac;áo económica dos estrangeiros que passaram 1.2. Magia e doen<;a
por suas terras . Ele argumenta que os indígenas perceberam
as mentiras dos missionários que pregavam que a prosperidade O tratamento de enfermidades é urna das áreas onde a
decorria do trabalho. Era a necessidade de explicar a desiguat- magia é mais usada. Para curar as mais variadas doenc;as as
dade, até entáo desconhecida, que estimulava o desenvolvimen- pessoas fazem romarias a santuários especiais ou a curandeiros
to dos cultos. conhecidos, consultam benzedeiras e visitam feiticeiros que
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cantam e danc;am na frente do paciente, enchendo o espac;o de fianc;a do paciente. Terceiro, os dois criam altas expectativas
fumac;a e procurando evidencias de espíritos ruins nos corpos nos seus pacientes, for<;ando-os a cumprir tarefas difíceis, como
dos doentes. De acordo com a teoria de Malinowski, a magia viajar longe, pagar muito dinheiro ou ficar muito tempo sob vá-
parece ser mais usada para as doenc;as menos controláveis. Por rios tabus. Por último, nos dois casos, o~ terapeutas usam tra-
exemplo, os índios Mekranoti náo tem dificuldade em procurar tamentos dramáticos como drogas ou choques. Numa pesquisa
assistencia médica da FUNAI para problemas como infecc;óes entre freqüentadores de casas de candomblé, Augras e Correa
na pele onde os remédios ocidentais sáo claramente eficazes. ( 1979) também notaram paralelos entre os diagnósticos de país
Mas para as doenc;as cujas curas sao menos evidentes, os ín- de santo e de psicólogos. Eles compararam os resultados de
dios, as vezes, recusam esta assistencia e insistem nos trata- um teste psicológico de apercepc;áo temática com os «danos
mentos indígenas (Werner 1984a). de cabec;a» (os deuses que dominam num indivíduo), que sao
revelados pelos pais-de-santo através de búzios. As caracterís-
Embora a teoria de Malinowski possa explicar em parte
ticas dos «donos de cabec;a» eram muito parecidas com as ca-
o uso de curandeiros para o tratamento de doenc;as, existe
racterísticas dos indivíduos, reveladas nos testes psicológicos.
muita evidencia de que curas mágicas fazem mais do que sim-
plesmente reduzir a ansiedade em casos de incerteza. Os mé- Urna diferenc;a entre o xamá e o psicólogo é que o xamá
dicos ocidentais já reconhecem há muito tempo a importancia muitas vezes cuida da vida psíquicá de urna comunidade inteira
do «efeito placebo» na cura de doenc;as. Pacientes que rece- em vez de se limitar a indivíduos isolados. Entre os índios
bem «remédios» fictícios (como água e ac;úcar) tem probabili- Siona, por exemplo, as pessoas se juntam semanalmente para
dade maior de cura. Parece que o fator psicológico é muito beber o yagé, urna droga alucinógena. O xama cuida dos outros
importante para a autodefesa do corpo. nestas reunióes, esclarecendo as visóes e assegurando que
visóes ruins náo prejudiquem os participantes. Ele inicia as
Além do «efeito placebo» existe outro nível em que os reunióes cantando sobre os espíritos e os lugares que ele quer
curandeiros sáo, com efeito, muito eficazes. Os índios Siona, «visitar» e rechac;ando os espíritos ruins. Durante as «viagens»
na Colombia, fazem urna distinc;áo entre dois tipos de remédios. alucinógenas é o xamá que estabelece o tema das visóes e
Para doenc;as causadas por fatores «naturais» os índios aceitam conta para os outros o que eles estáo vendo· (Langdon 1979).
os remédios ocidentais que sáo considerados muito eficazes.
Mas para doenc;as causadas por agentes sobrenaturais os ín- Nem todo mundo é capaz de se tornar um xamá. Entre
dios insistem em consultar primeiro os xamás (feiticeiros) antes os Siona alguns homens desistem desta carreira depois de ex-
de tomar outros remédios, pois sem estas consultas os remé- periencias ruins com o yagé (Langdon 1979). Schweder (1972)
dios naturais náo teriam efeito (Langdon 1979). Trata-se de urna examinou algumas características de xamas na sociedade Zina-
diferenc;a entre SANAR e CURAR. Urna pessoa é considerada canteca do México. Ele mostrou urna série de fotografías aos
zinacantecos, comec;ando com retratos muito fora de foco, e
«curada» se náo apresenta mais sinais biológicos de problemas''
pouco a pouco mostrando cópias mais nítidas. Quando Schweder
Para ser «sanada» a pessoa precisa, também, nao apresentar
pediu que os zinacantecos descrevessem as fotografías nítidas,
problemas psicológicos e espirituais que· podem causar novos
tanto os xamás quanto as outras pessoas as identificaram cor-
problemas biológicos. retamente . No entanto, a maioria dos zinacantecos recusou-se
Muitos pesquisadores tem notado paralelismo entre xa- a identificar as fotografías fora de foco, enquanto os xamás es-
manismo e terapias psicológicas ocidentais. Torrey (s .d.) distin- tavam sempre dispostos a oferecerem interpreta«;óes, e eram
mais originais. Schweder argumenta que para se tornar um
guiu quatro técnicas comuns nestes dois tipos de tratamento.
xamá urna pessoa já precisa ter um pouco desta habilidade de
Primeiro, nos dois casos os terapeutas dáo um nome ao pro-
impor forma e ordem a coisas am'líguas. O treinamento e a
blema do paciente, demonstrando, assim, que entendem o caso
prática do xamanismo ajudam a desenvolver esta habilidade.
e tem condic;óes de resolve-lo. Segundo, os dois terapeutas
Talvez seja justamente esta qualidade a mais importante para
demonstram empatia e interesse pelo caso, ganhando a con-
estas tarefas.
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1.3. A fonte dos poderes mágicos como os ladroes na Franc;a costumam defecar nas casas que
roubam, pois as fezes («sentinel» na gíria dos ladróes) servem
Na maioria, senao em todas as sociedades humanas, para «vigiar» a casa. Animais ambíguos sao muitas vezes ob-
existem coisas consideradas sagradas ou tabus . Tocar ou ma- jeto de ritos sagrados ou podem ser tabus (como nas proibic;óes
nipular estes objetos pode dar sorte ou felicidade, ou pode ser alimentares descritas no Levítico). Pessoas ambiguas também
perigoso. As vezes os objetos podem servir como apetrechos podem ter poderes sobrenatµrais como no caso de iniciados
para algum rito mágico. Por que alguns objetos, animais ou que sao considerados perigosos para as demais pessoas da so-
pessoas possuem poderes mágicos, enquanto outros nao? Urna ciedade . Entre os Mehinaku do Parque Xingu, os iniciados sao
possibilidade é que as propriedades do objeto sejam identifica- considerados muito vulneráveis aos espíritos ruins. Por isso,
das com o tipo de magia que se quer realizar ou evitar. Por sao isolados num canto da casa por um período de um mes a
exemplo, os índios Mekranoti acreditam que se tocarem ou co- tres anos. Durante· este período podem sair apenas de noite
merem carne de pregui<;a teráo crian<;as pregui<;osas que· nao para defecar. Durante o dia trabalham no artesanato , e rece-
poderao andar (Werner 1984a). Outra possibilidade é que os bem os remédios do «Espirito da Medicina» (Gregor 1977).
objetos sejam ambíguos.
Um tipo de· ambigüidade é a homossexualidade masculi-
Há anos os psicólogos tem notado a ansiedade que mui- na. FrYll982) argumenta que ostromossexuais masculinos sao
tas pessoas sentem frente a situa<;6es ambíguas que náo podem -e-Onsiderados ·especialmente ambiguos onde existjWLpapé.is se-
ser estruturadas ou categorizadas segundo os padroes normais. x~muito.. diferenciados. ~le nota que no no-rte do Brasil, onde
Em grande parte trata-se da dificuldade das pessoas entende- as diferenc;as entre homens e mulheres sao mais rígidas, os
rem coisas que nao se encaixam dentro dos estereótipos gerais. pais-de-santo sáo quase sempre homossexuais, enquanto nas
As pessoas menos tolerantes tace a ambigüidade sao geralmen- áreas mais desenvolvidas de Sao Paulo ou Rio de Janeiro os
te mais autoritárias e etnocentricas que pessoas com maior to- papéis sexuais sao mais flexiveis e os pais-de-santo apresen-
1erancia (Adorno et alii 1950). Nos Estados Unidos as pessoas tam menor probabilidade de serem homossexuais.
que mais freqüentam a lgreja geralmente demonstram menos
tolerancia para a ambigüidade (MacDonald 1970). Momentos históricos podem também ser ambíguos quan-
do as regras sociais comec;am mudar. Alguns exemplos seriam
Douglas (1966) argumenta que estes sentimentos podem o movimento «hippie» dos anos sessenta e o movimento Fran-
ser encaminhados em várias dire<;6es. As vezes as pessoas ciscano no século XIII. Turner (1974) argumenta que ·estes mo-
simplesmente rejeitam a coisa ambígua; outras vezes negam mentos em transic;áo também sao sagrados, em contraste com
sua existencia; as vezes lhe atribuem poderes especiais, santi- a secularidade de momentos normais. Os períodos de transi-
ficando o objeto, tornando-o o objeta... de tabu ou de venera<;ao <;ao sáo caracterizados pela referencia continua aos poderes
religiosa. Segundo Douglas, as coisas tornam-se· ambíguas quan- místicos, pela ausencia de distin<;6es de classe, de riqueza
do nao se encaixam nas nossas «categorías» (estereótipos) ou de status, pelo altruísmo, pela humildade, pelo descuido com
normais. Alguns exemplos seriam partes do corpo que dele a aparencia pessoal, pela nudez ou a uniformidade e pelo silen-
estao separadas (como cabelos ou unhas cortadas, ou fluidos cio. Sáo períodos em que as pessoas vivem espontaneamente
do corpo) , animais que nao correspondem aos nossos estereó- ¡ em «comunháo» com as outras, sem se preocupar com diferen-
tipos (como animais cabeludos que poem ovos, ou aves que \ <;as de status ou habilidades.
nao voam) e pessoas cujo status social é ambíguo (pessoas ge-
meas que nao sao indivíduos ou homens que nao sao mais ra- Muitos antropólogos consideram que os «rití\S de pas-
pazes, mas ainda nao sao adultos). sagem», que marcam a transi<;ao de urna época para outra ou
de urna idade para outra também compartem as características
A cada coisa ambígua podem ser atribuídos poderes so- de igualdade, fraternidade e ausencia de status comum em mo-
brenaturais . Partes do corpo podem ser usadas nos ritos de mentos de transi<;áo histórica. Da Matta (1973) analisa o car-
macumba ou vodu . No caso de fezes, Ge·net (1949) descreve .
166 167
naval brasileiro como um momento de transic;áo (das férias para fronteiras para explorar as riquezas de outros , quando sabemos
o trabalho?) no qual os papéis sociais normais da sociedade que um país nao pode «querer», pois isto é urna característica
sáo abandonados ou invertidos. Os adultos se comportam como humana.
crianc;as e as crianc;as como adultos . ·o s homens se vestem ~~gundo Swanson, as características específica§ dgs so-
co010 mulheres e as mulheres como homens. A vida social co- brenaturais numa socieda.de devem ser semelhantes as carac-
mec;a a ser noturna em vez de diurna, e os pobres vestem-se t~rísticas dos grupos decisórios dessa mesma sociedade. Por
como aristocratas. exemplo, quando os hebreus antigos cuidavam de rébanhos,
Deus era um pastor. No período feudal Deus se tornou um
«Senhor». Hoje há quem acredite que seja um homem de ne-
gócios, que cuida das contas. Fry (1982) argumenta que o com-
2. Os seres sobrenaturais portamento dos orixás no candomblé e umbanda é parecido com
o comportamento dos burocratas , cheio de malandragem, pica-
retagem e favores pessoais.
Depois de examinar a religiáo dos aborígines da Austrá- Um exemplo claro da semelhan<;a entre um sobrenatural
lia, Durkheim (1915) impressionou-se com o fato dos «totens» e um grupo decisório foi o caso do deus nas minas na Bolívia.
(animais ou outros objetos venerados) dos aborígines represen- As decisoes sobre como explorar as minas foram feitas na
tarem tanto os seres sobrenaturais quanto os «clás». Os to- Inglaterra e nos Estados Unidos, onde se encontravam as refi·
tens eram usados principalmente nos momentos de grandes reu- narias. Do ponto de· vista dos mineiros estas decisoes tinham
nioes, quando os aborígines reuniam-se perto de um po<;o de um caráter muito arbitrário e cruel , pois dependiam dos pre<;os
água para participar de várias cerimonias. Durkheim concluiu
dos minerais no mercado internacional. De acordo com a teoria
que isto só poderia ser explicado se os «clás» e os «deuses» de Swanson o deus nas minas bolivianas era semelhante a estes
fossem de fato a mesma coisa. Ele argumentou que <~ grupos decisórios estrangeiros . Nos seus sonhos os mineiros
-Oade é o verdadeiro objeto de venera<;áo religiosa>~
-
Swanson (1960) elaborou a teoria de Durkheim sobre a
o descreviam como sendo alto, barbudo, de cabelos loiros e
cara vermelha, e usando um chapéu de cowboy. As imagens
deste deus nas minas recebiam dos mineiros cigarros norte-
religiáo. Ele argume~u aY:§ as ser es sobrttoatu@is represen-
americanos para fumar. O seu nome era «Tio» ou «Diabo» (Nash
~am, numa sociedade, os grupos de decisáo. _, É muito difícil para 1972). .
as pessoas normais entenderem entidades políticas abstratas .
Essas entidades nao podem ser identificadas com indivíduos es- Para examinar sua teoría de maneira mais sistemática,
pecíficos. Os individuos morrem, mas as institui<;oes políticas Swanson codificou urna amostra de sociedades quanto aos tipos
c ontinuam -existindo, embora sejam «invisíveis». Estas inshtui- de grupos decisórios e tipos de seres sobrenaturais. Ele des-
c;oes decisórias tem um poder tremendo sobre muitos aspectos cobriu que os dais sao mu itas vezes correlacionados: 1) Onde
da vida das pessoas. O caráter «imortal », «invisível », «onipo- os grupos decisórios sáo or Q.fillizados numa hierar_guia,_.§.~anson - ....
tente» e «onipresente» dos grupos decisorios é muito difícil descooriu que Os deuses ta_mbém o Sá<h, Swanson encara o-
de ser encarado J A tendencia da maioria das pessoas é repen- «Deus» principar comcu:epreseAtancle a uuidade potttn:a maior, -
sar estas institui<;oes em termos mais familiares, como indiví- enquanto deuses menores representam unidades menores. Por
duos específicos. Assim, os brasileiros pagam os seus· impos- exemplo, nó cristianismo, DeÜs, o Pai, represeñtaria urna unida-
tas ao «leáo», e os norte-americanos a «Ti o Sam», em vez de
pagar a um governo abstrato. Até os historiadores acabam,
muitas vezes, dando características humanas a entidades políti-
---
de política grande, enquanto
-- os
san.tos...exerc eriam ~ua"' sob"'era-
n.ia_ sobre urna área -menor¡ 2) Swanson descobriu também que
onde existem grupos profissionais com poder~s decisórios numa
cas. Falam, por exemplo, que Roma «quis» estender as suas soClecfade, geralmente existem deuses para representar estas

168 169
As vezes as práticas estranhas de um ou outro culto nos
es.pecializac;oes: deuses de guerra para exércitos profissionais
e deuses do mar para os marinheiros mercantes; 3) Além disso, fazem questionar a racionalidade do ser humano. Neste capí:..
Swanson achou que onde grupos de parentesco sao unidades tulo ~rvamos s¡~e alguns__~tfill~Ctos ~e_magi~ _ou' rel!~iáo ~
p oi Íticas, há nlai orJ?robabif IQa@ de lOUVª-1_0 5_ antepassados dem gr explicados na b_ase de uestoes socia!§., pol1t1cas ou
(que seriam os fundadores do grupo de parentes em questaof; ps(cológicas. Os preconceitos contra diversas religioes muitas
4) Finalmente, oQde existem maneiras institucionalizadaL pa_ra vezes se devem a falta- de entendimento dos problemas.. e opor:-
julgar pessoas (como juízes ou júris) Swanson descobrilL q_~e unidades enfrentados por um povo. ,
- -
os -det1ses tambéní julgam a moralidade. , Onde· nao existem tais
i1ñstitu1c;6es , os seres sobrenaturais nao se envolvem com a
moral. Por exemplo, entre os indios Mekranoti a moralidade é
um assunto completamente secular. Pessoas imorais dao dor
de cabec;a aos outros e acabam morrendo jovens porque sofrem
de enxaquecas, e nao comem bem por causa das dores de bar-
riga provocadas pelas preocupac;oes. Os deuses nao julgam o
comporta mento dos Mekranoti. Depois de morrer todos acabam
no mesmo lugar, independentemente de suas atividades na terra
(Werner 1984a).
Swanson também tentou aplicar suas teorias para expli-
car por que algumas sociedades se· tornaram protestantes, en-
quanto outras permaneceram católicas na época da Reforma.
E[ e argum~nta que a aceitac;ao do protestantismo dependia d...
a_ __
sit~potítrca~cte-um rugar. , O protestantismo foi aceito onde
as populac;oes locais tinhamuma voz na sua administrac;ao. Na
Inglaterra, por exemplo, as populac;oes locais deveriam aprovar
os administradores designados pelo rei. Na Suíc;a as popula-
c;oes locais elegiam seus representantes. Nos países católicos
as decisoes que vinham da autoridade central (seja esta autori-
dade um rei como na Franc;a ou um conselho como em algumas
sociedades italianas) passavam diretamente as populac;oes lo-
cais. Nao havia nenhum momento em que as populac;oes locais
tinham que aprovar essas decisoes. •
Swanson argumenta que este tema político foi discutido-
teologicamente na forma de um debate sobre como a grac;a de
Deus passava ao povo. Os protestantes achavam que as pes-
soas tinham que aceitar (ou até merecer) esta grac;a, enquanto
os católicos achavam que nao. Por exemplo, para os católicos
o simples fato de comprar indulgencias era suficiente para evi-
tar o interno. Para Swanson a grac;a de Deus representava as
decisoes dos poderes centrais. Swanson usou dados históricos
de urna amostra aleatória de unidades políticas européias para
mostrar que a adoc;áo de um sistema político precedia a aceita-
<;áo do protestantismo ou do catolicismo (Swanson s.d.).
171
170
Os antropólogos tem estudado há anos o relacionamento
entre as formas de arte preferida por um povo e outros aspec-
tos da sua cultura. Estes estudos nao se limitam apenas as
XII a
artes plásticas e música, mas incluem· também outros aspec-
tos da vida estética ou lúdica de um povo como danc;a, ceri-
monlas e espartes. Aqui examinaremos algumas pesquisas feí-
tas sobre artes plásticas, música, literatura e jogos.

ARTE E DIVERTIMENTO
,.1. Artes plásticas
~

1.1. Existe uma estética universa/?

Até q~ _ponto as essoas em sociedades diferentes


usam os mesmos critérios estéticos? Em diversas pesquisas,
antropólogos pediram que a ncanos -'ocidentais, europeus, abo-
rígines e universitários australianos julgassem o valor de dife-
rentes obras de arte. Estes estudos nao mostram muita con-
Segundo o aiotalá Khomeini a mus1ca «gera a imoralida- cordancia entre os vários grupos sobre o valor artístico - dado
de, a luxúria, a falta de vergonha e destrói a coragem, a bravu- a obras diferentes, levando os pesquisadores a concluir que nao
ra e o espírito cavalheiresco». A rádio de Teera é condenada existiam critérios estéticos universais (apud Child e Siroto
1971 ). No entanto, Child e Si roto ·argumentaram que estas pes-
por transmitir qualquer tipo de música, seja ela ocidental , orien-
quisas eram falhas, pois consideravam como iguais os julgamen-
tal ou iraniana (A moral segundo o aiatolá, 1979). Durante a re-
tos de todas as pessoas nas várias sociedades.
volu9ao cultural na China também foi condenada como deca-
dente a música clássica ocidental como Beethoven e Bach. Em Segundo Child e Siroto (1971) os .iulgamentos de pessoas
contraste, a cidade de Berlim gasta 5 milhoes de dólares por - - realmente· interessadas em arte seriam diferentes dt>s julgamen-
ano para manter sua orquestra filarmónica (Smolowe 1984). tos das pessoas normais. lsto porque os artistas teriam urna
sensibilldade· especial; Se se compara apenas os interessados
Dificilmente os governos e as religioes consideram as de urna sociedade com os interessados de outra, os critérios
artes como «neutras». As vezes, como no caso do Ira ou da estéticos seriam mais parecidos. Para testar esta idéia Child
J3evolu9ao Cultural chiñesa, a"S-af:tes --ª"ªº
r:au11eñadá$; Mals'" e Siroto mostravam retratos de obras de arte da África Ociden-
comumente os govemos sustentam certos tipos de arte, esta- tal a alunas avanc;ados de arte nos Estados Unidos e a vários
belecendo fundac;óes ou ministérios especia is para «cultura», tipos de pessoa da Africa Ocidental. De acordo com sua hipó-
ou ensinando certas formas de arte (mas nao outras) nas es- tese, os escultores tradicionais africanos e os alunos de arte
calas públicas. Em muitos países existem companhias nacio- norte-americanos consideravam as mesmas obras como as me-
nais de danc;a ou música, cujo financiamento vem diretamente lhores, enquanto os julgamentos de outros africanos nao-artis-
do governo. Evidentemente, os governantes nao acreditam mui-
--
tas eram diferentes. Talvez seja esta sensibilidade especial de
- --
to no dito relativista «gosto nao se discute».
--
artistas que explique o interesse de alguns grandes artistas
-
ocidentais na arte de sociedaaes «primitivas». ----
172 1.73
Em parte, nossos sentimentos estéticos podem vir de al- chines o thai, o hausa e o birmanes. Osgood (1960) comparou
gumas percepc;oes universais. Numa série de pesquisas Ekman c-e;rt:--:a--'
' -
s -..1-magens v1suais (como urna flecha apontada para cima)
e colegas (Ekman 1974) estudaram a questao de expressoes fa- em diversas sociedades (japonesa, mexicana, norte-americana e
~a.. Em várias sociedades, inclusive sociedades « rimitiva_ s_
»_ _ navaho) e descobriu associac;óes emocionais mui!Q pru:ecidas _
eles most aramr etratos e 1nalvlcluos exprimindo emoc;oes ~ em todas essas culturas. J .Re-sta ainda verificar se ta is asso-
tristeza, raiva, desgasto, alegria, medo e surpresa. Em todas ciac;6es seriam as mesmas em outras sociedades como as da
as ~ociedades as pessoas ldent1f1cavam as mesmas ' erñO~oes ª< Nova Guiné ou da Africa.
~ir das-.m__:smas expressoes faciais_,, A única excec;ao foi o -
caso dosrore da- N-ova Guiné que nao distinguiam medo de sur-
presa, embora tivessem identificado todas as outras emoc;oes .
1.2. Variabilidade artística
A t~dencia de crianc;as cegas demonstrarem as mesmas ex-
pressoes faClai~ que af irianc;a-s norma1s também apóia o ar:._ ~
gumento da un1versalidade das expressoes faciais. Embora parec;am existir alguns critérios estéticos univer-
/ sais entre os seres humanos, existem, também, muitas varia-
Esta universalidade nao quer dizer que nao existam cer- c;6es. Em parte tais variac;6es refletem o material que· um povo
tas diferenc;as de gestos faciais de urna cultura para outra. dispóe para trabalhar. Os esquimós fazem esculturas dos ossos
Enquanto as pessoas de sociedades ocidentais costumam abanar dos animais ·que cac;am e trabalham com pedra-sabao, mas seu
a cab~c;a. para i~dicar «nao», os Tswana usam este mesmo gesto ambiente gelado impede que trabalhem em madeira ou C·e·ra-
para 1nd1car «s1m». Ouando sao gravados assistindo sozinhos mica. Cac;adores e coletores nómades dificilmente trabalhariam
um fi!.me que evoca emoc;oes de stress, os japoneses e os norte- em ceramica, urna vez que seria difícil transportar objetos tao
americanos demonstram as mesmas expressoes faciais. Mas pesados. No entanto, para a maioria das socied~des, há ·muitos
durante encontros sociais os japoneses tendem a mascarar suas materiais no ambiente com os quais seria possível trabalhar.
emo?6es com sorrisos polidos, enquanto os norte-americanos Seja como for, diferenc;as de material· náo explicariam as dife-
cont1nuam com as mesmas express6es de stress (Ekman 1974). renc;as estilísticas entre urna cultura e outra. O tipo de des·e-
nho que se pinta numa tigela ou nas paredes de urna caverna
Os universais de expressao facial podem refletir na arte
independe do material disponível.
de um povo. Num estudo c9mparando 18 sociedades diferentes,
Aronoff (1~75) achou que muitas características sao associadas Um fator que poderia atetar o i&t ile artíst ico de uro pa.v-0
a máscaras ameac;adoras, em todas as sociedades. Comparadas é a suá experiencia v1suál 1_..Rob6ins (1971) teorizou que pessoas ~
com out:as, as. más~aras ameac;adoras numa sociedade geral- - 'que moram eñi ambfentes «retangulares» (casas, ruas etc")) usa-
m~nte. tem ma1~ c.h1fres, linhas na testa, sobrancelhas diago- 1"1am ma1s linhas retas em seus desenhós, enquanto essoas
n?1s, ltnhas vert1ca1s entre os olhos, olhos diayonais, olhos es- que moram em am ientes com mais curvas usariam mais as
pichados ou triangulares, narizes triangulares (com as narinas linhas curvas. Entretanto, urna amostra de 30 sociedades naó
dilatadas), linhas diagonais nas bochechas viradas para baixo, · confirmou esta hipótese. Ao contrár(o do que se esperava , nesta
boca curvada para baixo, boca aberta mostrando os dentes vá- amostra existia urna pequena tendencia para as sociedades com
rias linhas no queixo, barba ponteada e língua para fora. ' mais curvas usarem mais linhas retas que as sociedades com
ambientes retangulares. Parece, entad, que há outros fatores
Outras pesquisas salientam a possível universalidade de
envolvidos nas preferencias estilísticas de um povo.
certas associac;oes de qualidades físic~s (como cores, frío ou
dureza) a emoc;6es específicasJ Certas características seria_m_ _ ¡Efsbe?; (1971)__su eriu ue sao as rela<;6es sociais, nao
associadas a atividade, a potencia etc. Asch ( 1961) descobriu os ambientes físicos, os representados na arte um ovo. e
que as pessoas usam estas c~cterísticas para metáforas pa:- argumentou que a representac;ao de elem-entos simples num
recidas em idiomas tao diferentes quanto o hebreu, o grego, 0 desenbo representaria a associac;ao de pessoas em situac;ao de
- --
175
igualdade. Um deseoh.o complicado, _com muitos~ elem~.!ltos_ to outras nao. Vidal (1981) nota que, na sua pintura corporal,
diferentes, representaria urna organizac;ao social estratificad~ os índios Kayapó-Xikrim usam mais linhas horizontais e verti-
onde cada pess~~ tem ~~ ~ee Cfifére~te ¡1 Pela mesma razao, cais. Em contraste, os Kayapó-Mekranoti usam mais linhas dia-
desenhes-s1mélricos devem ser mais ·comuns em sociedades gonais. Enquanto os Xikrim foram «pacificados» há muitos anos,
igualitárias, urna vez que todas as pessoas teriam o mesmo os Mekranoti eram guerreiros temíveis até muito recentemente.
peso na organizac;ao social, enquanto desenhos assimétricos se- Esta mes·ma combinac;ao de pesquisas sobre universais e va-
riam mais comuns em sociedades estratificadas. A pres·enc;a de riac;óes poderia, também, ser usada para esclarecer questóes
figuras encerradas com linhas fortes representaria as fronteiras comQ preferencias para cores e metáforas diferentes.
rígidas de etiqueta entre pessoas de classes diferentes. A au-
sencia destas linhas representaria a maior intimidada das pes-
soas numa sociedade. De acordo com suas hipóteses, Fisher
achau nu1na pesquisa comparativa que em sociedades igualitá-
rias há maior probabilidade de · se produzirem desenhos simé-
----._.;
2. Música

tricos com figuras repetidas e sem . linhas encerrando as figuras.


Por outro lado, em sociedades estratificadas sao mais freqüen- Os regentes na Europa Ocidental sempre tem dificuldade
t es os desenhos assimétricos, com muitos elementos diferentes em fazer seus corais cantarem «com urna voz». As-- pessoas
e com linhas fortes encerrando as figuras. (talvez inconscientemente) tem urna tendencia a querer se des-
tacar como indivíduos. Ouando os primeiros missionários foram
_Kavolis (1971) argumenta gue difereqcaa estil í~tica_s,. po­ para a Polinésia ficaram surpreendidos com o talento deste
. -
dem também representar diferentes orjentacóes guanto a pas-=
s~em do-tempo. ] ~ e compara a arte de civilizac;óes diferentes
povo em cantar obras de Palestrina e outros mestres europeus.
Os indígenas pareciam cantar em conjunto, instintivamente. Já
como a China e a Grécia antigas, a Pérsia , as civilizac;óes me- no início os missionários perceberam que havia urna relac;ao
soamericanas, o renascimento europeu e o Ocident~ atual. Se- entre a maneira destes povos trabalharem e sua maneira de
gundo Kavolis, o fato dos chinases pintarem as figuras humanas cantar. Os indígenas da Polinésia costumavam trabalhar em
bem distantes em suas paisagens muito detalhadas se deve a equipes estáveis para tarefas tais como construc;ao de barcos
urna orientac;ao para um passado que é muito estudado e vene- e navegac;ao em alto-mar. Já tinham o hábito de coordenar me-
rado. A distancia física representaria a distancia temporal que ticulosamente suas atividades as atividades dos outros. Ouando
as pessoas percorreram, e a atenc;ao a detalhes representaria cantavam faziam a mesma coisa.
urna orientac;ao para a perfeic;ao em atividades tradicionais. Os
gregos, em contraste, nao se importavam muito com o passado, Numa série de pesquisas sobre as características estilís-
e a sua arte tinha pouca perspectiva. O mesmo poderia ser ticas da música de culturas diferentes, Lomax e colegas (1968)
dito dos maias e aztecas. Os aztecas nao se importavam muito
com o passado e faziam desenhos sem perspectiva. Os maias -
examinaram as relac;óes entre a cultura de um povo e o tipo de ,,
-música que possui. De acordo com as impressóes dos missio-
(que inventaram um calendário muito complexo) davam grande nanos, Lomax descobriu que a habilidade de cantar «em urna
importancia ao passado e faziam desenhos com maior senso de voz» é, COiñ efeiro; mais corñüm nas sociedades onde múitas
perspectiva . f arefas sao feitas por equipes estáv; is duessoas trabalhando ...
jun! as. \ Ele descobriu, tambéñi, outras a~ocia«¿Qes. Como ñó Jo

Talvez seja inter·essante aproveitar algumas das pesqui- caso da arte plástica de~~ tq__ acimª, ~ r epetic;ao na música é
sas sobre universais na investigac;ao de diferenc;as culturais. Por !§mbém ma1s comum em sociedades siiñples .\Em muitas destas
exemplo, se as linhas diagonais sao geralmente· vistas como sociedades a mensagem na letra musical é secundária e algu-
mais ameac;adoras ou agressivas, isto poderia talvez explicar mas canc;óes nao tem sentido nenhum. Os índios Mekranoti do
por que algumas sociedades preferem linhas diagonais,, enquan- Pará tem toda urna série de canc;óes chamadas «canc;óes da

176 177
água de mandioca». Como a mandioca brava, estas canc;6es nao Ayres (1973) também descobriu urna correlacao entre a
,. sao tradic;oes Mekranoti, mas vem de outros grupos indígenas n:1aneira que urna crianc;a é carregada pela mae ~ o uso de
que falam outros idiomas. Os Mekranoti cantam com gasto rrtmos regulares na música de um povo . Em algumas socieda-
estas canc;oes e as ensinam cuidadosamente, as crianc;as. E!1- des ~s crianc;as sao carregadas em contato direto com o éorpo
tretanto, nao entendem nenhuma palavra do que estao cantando
da mae. Em outros lugares sao embrulhadas em fralda s e amar-
(Werner 1984a). Em sociedad estratificadas _as ~n 6es cos-
radas a urna prancha. As crianc;as curdas (do Ira e Turquia) sao
tumam transmitir muito mais informa óes, a ponto as pesSOª-S-
an:iamentadas sem ser removidas das pranchas e até precisam
muma mu s1ca pe a etra, nao pela melodié\ (lomax 1968t
urinar por urna tubulac;ao. Entre os índios iroqueses dos Esta-
Em parte, a música arece refl~tir a vida social d~ um dos Unidos as crianc;as eram levadas amarradas em suas pra:i-
R_ovo. Porexemp , a ausencia de 1 eres po 1ticos numa socie- chas para as roc;as e penduradas numa árvore, enquanto a mae
dade é refletida na ausencia de lideranc;as na sua música. Em trabalhava . Em grande parte , este costume de amarrar criancas
contraste, e"m sociedades «ordenadas» é comum um líder co- parece servir como protec;ao ao trio. Segundo Ayres , as cri~n­
mec;ar urna canc;ao para depois ser afugentado pelos outros. E1J1 c;~s devem gostar do contato íntimo com o corpo da mae, mas
sociedades estratificadas é mais comum um estilo «responso- nao devem gostar muito de ser amarradas. Como o ritmo de
rial», no qual urna pessoa, p. ex. um sacerdote, canta um pouco a_ndar é um ritmo muito regular, as crianc;as devem associar os
e as outras respondem. As sociedades mais estratificadas tem rrtmos regulares ~o andar da- máe. Onde as crianc;as gqstam
íQQ_sicas_ com solistas, 'regéntes e coros, _!odos noª setI~lug~res .. de andar com a mae, porque estao ,em contato com o seu corpo,
ce!._tp~. A polifonia (que consiste em cantar simulta~~mente. as pe~soas devem gostar de ritmos regulares. Onde as crian-
du_as ou mais melodias diferentes j e r]:iafs corn_ um em soci.e.d.ª=... c;as nao gostam de andar com a mae, porque associam isto ao
des em que as mulheres participam mais das tare,fas de busc~ fato de serem amarradas, as pessoas nao devem gostar de rit-
c.Qmida-r- Neste caso, as -difereñfes meloaias eOélem representar mos. regulares . Ayres achou que onde as crianc;as sao 'carrega-
a vida ccrmplementar dos dois sexos. / - d~s Junto ao corpo da mae os ritmos sao mais regulares. Onde
sao carregadas amarradas em pranchas os. ritmos sao tipica-
Fatores psicológicos parecem também se refletir na_m1í- mente, mais irregulares (Ayres 1973). '
sica ~-urna c11!t11ra. \ Nas sociedades em que as crianc;as sáo
?treinaaas para ser mais assertivas ou agressivas, as pessoas Existem ainda muitas perguntas sobre variacoes esti:-is-
costumam cantar com voz mais áspera ou rouca, talvez refle- ticas de música em sociedades diferentes. Urna q~estao trata
tindo um certo gosto em gritar. Onde existe repressáo ·sexual dos sistemas tonais. A música árabe usa escalas baseadas em
as pessoas cantam numa, voz mais nasal (Lomax 1968). Bastos intervalos menores que os intervalos na música ocidental. A
(1982) notou que a música do povo rural brasileiro· é_ ba~tan_!~ música oriental usa escalas pentat6nicas baseadas em cinco
nasal, enguanJoa músicaoas classes ürbanas mais altas geral- t ons, enquanto as escalas ocidentais geralmente se baseiarn em
rnente demonstra pouca nasalidad~. J Possivelmente esta dife- · sete tons . É muito difícil para urna pessoa nao-acostumada
renc;a tem a ver com os diferentes graus de repressáo destas «ouvir» estas escalas diferentes. Para os europeus o canto ára-
duas camadas da populac;ao· brasileira. be parece mal afinado. Bastos (1982) nota que o sistema tonal
Ayres (1968) descobriu que nas sociedades 'onde as crian- ?a ~úsica folclórica brasileira vem basicamente de Portugal,
c;as sofrem stress na forma de urna ·mutilac;ao do carpo (como 1nclu1ndo as escalas maior e men'Or, e as modas -em fá e sol
a perfurac;ao de orelhas ou a circuncisao) as pessoas geralmen- ~modas «lídia» e «mixolídia»). Mas_o sistema rítmico tem mui.ta
te cantam com maior alcance tonal e maior acentuac;áo rítmica. influencia afr~c_ana, sobretudo no uso de síncope.-"f de se p8;.
Ela notou que quando as crianc;as sofrem mais stress, geralmen- guntar por que alguns aspectos da música foram adotados da
te sao- menos medrosas e mais dispostas a e~glorar_o seu am: Africa e outros nao. A música das classes altas brasileiras de~
bieñte. A música parece refletir este sentimento «aventureiro» Pende menos das modas lídia e mixolídia, comuns na música
na propria voz. folclórica, mas usa harmonias mais variadas (Bastos 1982).
...
178
179
também foi guarda.da em sigilo. Os índios acreditavam que re-
Como poderíamos explicar estas diferenc;as_ estiJísticas? _Ouais
velar urna visao causaria doenc;as. Ouando um índio queria ex-
seriam os fatores psicológicos ou sociológicos que estao por
primir alguma coisa sobre a sua visáo, sem revelá-la, fazia um
trás dos gostos musicais diferentes?
desenho abstrato que servia como um · «esboc;o» pictorial: as
vezes estas visoes também eram reveladas na velhice.

3. O uso social da arte e da música Outros tipos de arte sáo exprimidos de forma mais com-
pleta pelo artista, mas sao es-condidos da vista. Na Africa e em
A arte e a música sáo usadas em situac;óes muito va- outros lugares as pessoas juntam objetos de fetiches em es-
riadas em sociedades diferentes. Entre os índios Suiá do Par- ·tojos de couro ou outros materiais para garantir que nunca
que Xingu existem pelo menos dois tipos de canto usados e,m seráo revelados. Em alguns lugares pinturas foram escondidas
momentos diferentes. No primeiro, os índios cantam em un1s- nas partes interiores de caixas de múmias. Templos inteiros na
sono e tentam evitar soar individualmente. Este tipo de canto lndonésia foram escondidos abáixo de estruturas de pedras. As
é usado para estabelecer a unidade de grupos cerim~niais. .No vezes urna obra de arte nao era completamente escondida, mas
segundo tipo de canto, cada índio tenta cantar de forma dife- colocada onde seria difícil de ser achada. Algumas das primei-
rente, conforme sua idade e suas intenc;óes pessoais. Este ras pinturas das cavernas encontravam-se em lugares de acesso
canto é usado para realinhar relac;óes sociais, quando os ho- dificílimo. Em algumas catedrais existem esculturas completa-
mens cantam para as suas «irmás». Os indígenas do alto rio mente fora da vista das pessoas. Por último, algumas obras de
Negro cantam quando tomam alucinógenos para auxiliar na ~s­ arte sao escondidas apenas no sentido da impossibilidade de
truturac;áo da experiencia psicotrópica (Seeger 1982). Na ma10- ve-la como um todo. Os ·aborígines da Austrália construíam, as
ria das sociedades indígenas, e nas áreas rurais brasileiras, é vezes, «rastos» totemicos que só teriam sentido se vistos de
·muito raro ouvir música «de protesto», enquanto nas regióes
um aviáo. Urna serpente de terra no estado de Ohio, feita pela
urbanas do Brasil e outros países esta música é mais comum ·
cultura Adena, era também visível apenas do ar. Parec·e entáo
(Seeger 1982; Bastos 1982).
que a estrutura dessas ·obras existia apenas nas mentes das
Urna questao interessante trata da exposi<;ao de obras de pessoas que as construíam, pois nunca poderiam ve-las de cima.•
arte. No mundo moderno os mídia diferentes as vezes concor-
rem entre si para atrair nossa atenc;áo. Estamos táo acostuma- a
A chamada arte temporária é semelhante arte escondi-
dos a experiencias artísticas que muitas vezes precisamos fugir da. Os Navajo passam horas e horas fazendo desenhos comple-
delas (por exemplo, quando o vizinho liga o seu som alto de- xos e multicoloridos na areia. Logo depois de terminado, eles
mais). Em muitos lugares do mundo as pessoas nao sao forc;a- os destroem. Os budistas no Tibet ou Japáo fazem desenhos
das a, cada momento, ver obras de arte. Pelo contrário, as na areia que sao destruídos depois de duas semanas. Na lndo-
vezes a arte é até escondida da vista ou do ouvido. E. Carpenter nésia as pessoas fazem desenhos complicados com folhas de
( 1978) documentou algumas formas de arte escondidas em vá- tons verdes diferentes. Os desenhos só duram enquanto as
rias sociedades. folhas nao perdem a cor (Mead 1971 ). Os Esquimós jogam fora
suas -esculturas finas quando mudam de acampamento. E certas
Urna das maneiras mais dramáticas de esconder a arte é formas de arte como danc;a ou teatro sao temporárias por na-
nunca exprimí-la. Por exemplo, alguns índios norte-americanos tureza, pelo menos antes da época das gravac;óes.
foram inspirados a compor músicas durante suas buscas de vi-
sóes. Mas suas canc;óes nunca foram reveladas a ninguém. Cada
índio simplesmente se lembrava das suas canc;óes e guardava
~... - --
Por que alg_ymas sociedades escondem mais sua arte que
ou~? Urna hipótese é que as pessoas em sociedade~ simples
a letra e a melodia para si mesmo. As vezes, mas nem sempre, precisam guardar sua arte para momentos es eciais_,,,.. Urna vez
revelava suas canc;óes pouco antes de morrer. A arte visual ·que nao tem m para cóntemp ar, preferem limitar o tem-

181
180
po da contempla<;áo, para nao se aborrecer com ~uas obras. di<;áo é colocada em jogo, pois o mito examina as implicac;óes
Q_JJ.tra Q..Ossibjlidade é que as sociedades_mod~rnas s1mples_men- de urna residencia matrilocal. No início do mito a matrilocali-
te colocaram o negócio de vender a arte ac1ma de uma apre- _ dade é extrema, pois trata do encontro entre urna máe e sua
cia9ao verdadeira. filha, ambas sem os maridos. Pouco a ·pouco a estória se torna
menos e menos matrilocal. Primeiro o herói Asdiwal vai morar
no céu com o pai da sua múlher. Depois mora com urna .nova
mulher na aldeia terrestre desta. No final do mito o herói está
4. Literatura
morando patrilocalmente, no lugar onde foi criado.
Em todas as socied anas existe urna literatura, Como apontam Ember e Ember (1984), é muito fácil fazer
·se ja e a escrita ou oral . Por exemplo , entre as-
e ranoti- ay- interpretac;oes diferentes de mitos, e Ós estudos de pesquisa-
apó~ os homens- gos"ta~ de contar quase todas as noites estó- dores tem sido tao imaginativos e irreais quanto os próprios
rias de cac;a e guerra. Fazendo todos os papéis, os conta~ores mitos. Por exemplo, Mül ler passou cinqüenta anos reduzindo a
atuam como atores de t eatro, usando como adere<;os as suas maioria dos mitos a urna versao do mito sola_r. Lang passou
bordunas ou outros apetrechos imaginários (Werner 1984a). En- mais quarenta anos refutando - Müller e propondo as suas pró-
tre os bosquímanos !Kung sáo principalmente os velhos que prias interpretac;óes (Dorson 1965). Na ausencia de testes mais
contam as estórias. Na maioria das vezes trata-se de um grupo sistemáticos para análises de mitos, será muito difícil julgar
de velhos que se juntam para contar as estórias dos tempos qual interpretac;ao é a mais carreta.
antigos, quando os animais ainda eram gen~e e quando aconte-
ciam coisas estranhas. Crianc;as ou jovens adultos podem estar Urna questao pouco pesquisada na literatura trata das
presentes, sair ou vir quando quiserem , mas as e~tórias sao maneiras diferentes de construir frases ou parágrafos. Por
principalmente para adultos mais v.elhos. Adu.ltos JOVens sen- exemplo, na burocracia norte-americana existe· urna 'expressao
tem-se constrangidos em contar essas estórias, mas demons- para um certo estilo literário. Rotulado «cover your ass» (pro-
tram muito interesse em ouvir os velhos. No entanto , as es- teja o seu cu), este estilo consiste em· substituir «eu» por «nos»,
tórias nao sao recebidas com reverer:tcia. Os velhos falam que «eu decidi » por «foi decidtdo» e· declarac;óes mais diretas por
os tempos antigos nao eram bons e que sao de pouca impor- locu9óes complicadas, abstratas e ambíguas. Seria interessan-
tancia para os dias atuais (Biesele 1976). te pesquisar as situa9óes em que sao usados estilos literários
A maioria das pesquisas antropológicas tratam do con- mais di retos ou «enrolados». Urna hipótese é que o estilo' mais
teúdo destas estórias . Wright (1954) descobriu que, onde as direto seria usado onde é importante para o indivíduo se des-
crian<;as sao punidas severamente por agressividade, os Q1itos _- tacar, mas onde o cometer erros é pouco importante. Um es-
~da-S0 cj ectaafl geralmeñte incl11e1n ...mais reie_rfillcjas_a atQ.§,.~~ tilo «enrolado» seria melhor onde nao é importante se desta-
~~os _cometid.Q_s por pessoas~stranhas, .Pa~ece que. e~ ta1s so- car, mas onde os erros sao julgados com severidade. Com um
ciedades as pessoas tem medo de exprimir agress1v1dade. Por estilo «enrolado» é muito difícil apontar onde se encontra um
isso os heróis míticos nao sao agressivos. Mas esta agressivi- erro, e quem o fez. O indivíduo sempre pode dizer que as suas
dade existe, e é considerada no mito como urna característica frases foram mal interpretadas, e que, de qualquer maneira,
dos «outros». nao foi ele quem teve aqueta idéia. Talvez seja mais importan-
te, nas indústrias inovadoras, se destacar, enquanto nas indús-
Lévi-Strauss (1976) argumenta que os mitos servem para
trias tradicionais, nao cometer erros. Também em muitas mul-
«resolver» intelectualmente as- «cont_r_a ic;ges>> presentes IJ.Um~
soCíedaoe. 1 Ele considera, por exemplo, que a sociedade Tlingit tinacionais as inovac;óes sao feitas e decididas nos países-se-
dü"titoral noroeste norte-americano tem como «contradic;ao» des, enquanto os sucursais tem como responsabilidade principal
principal um sistema de matrilinhagens que co-existe com a obedecer. Comparac;óes dos relatórios e recados internos de
patrilocalidade . No mito do herói cultural Asdiwal esta contra- empresas diferentes poderiam esclarecer esta questao.

182 183
5. Jogos poderia prejudicar a coopera(fáo necessaria para muitas tare-
fas comunitárias, é melhor evitá-la . Por isso, grupos como os
índ ios Mekranoti náo contam os gols quando jogam o futebol
Os gregos antigos levavam o esparte a sério . Todas as brasileiro . Apenas notam, informalmente, quem está se esfor-
cidades consideravam os jogos como essenciais ao treinamento c;ando bem, e quem nao está.
de guerra e existiam treinadores especiais para os atletas. Nem
a uniáo do corpo e mente foi respeitada no treinamento dos Parece exis.tir--também uma-re~o.. entre a guerra e...J> ~
atletas, que , as vezes, eram proibidos de freqüentar jantares, tipo de espoite que-se_.pr.al1ca S1pes (1973) nota que esparte~
~ ~ .
com o argumento de que as conversas inteligentes lhes dariam combativos como lutas corporais) sáo mais cºmuns e llJé!.1§ o-
dores de cabe(fa. Os jogos olímpicos foram urna combina9áo P.U ares em socieda es guerrejras.1 Um esparte po e ser com-
c!_e rito religtoso e e.fil)_pr:ta _o gigañtesco templo construído IS"a tivo sem ser competitivo. Entre os índios Xavante e Mekra-
para Zeus no campo das olimpíadas era considerado urna das noti, ambos reconhecidos como guerreiros, existem lutas cor-
sete maravilhas do mundo antigo. Mas nem por isso os gregos porais, mas ninguém é declarado vitorioso. Sipes nota que esta
deixavam de concorrer ferozmente para as ~onras dos jogos. correlactáo desmente o argumento de que os espartes servem
Os vitoriosos ganhavam premios financeiros de vulto, ofereci- como «válvula de escape» para sentimentos agressivos. Em vez
dos por suas cidades de origem, e os perdedores eram ridicula- de controlar a agressividade, espartes combativos parecem ser-
rizados e humilhados. Talvez por isso .alguns atletas estives- vir como «treinamento» para guerra, ensinando os jovens a se-
sem dispostos a lutar até -morrer para ganhar jogos como a rem agressivos.
corrida de carruagens e o pancratium, urna luta livre muito san-
grenta (Casson 1984). ' Serok e Blum (1979) notam que delinqüentes juvenis ge-
ralmente preferem jogos físicos ou de acaso (como bingo). Náo-
Os índios Xavante do Mato Grosso também gostam muito delinqüentes preferem mais jogos de estratégia (como xadrez).
de espartes. Periodicamente eles se dividem em dois grupos Tal conclusáo coincide com outra pesquisa (Roberts_e Su.tto...n-
e váo pa1ra a floresta cortar, cada equipe, urna tora de buriti de Smith 1962) que desco6r1u que os ·o os de estraté i áo mais
mais ou menos um metro. Os homens de cada time colocam a c1 es on ser
tora nos ombros de um dos se~s membros e come(fam a correr o i erok e Blum sugerem que seria útil tentar, pouco
para a aldeia, passando, de vez em quando, a tora para outro a pouco, motivar os del inqüentes para jogos que envolvem mu ita »

homem. Como os gregos antigos, os Xavante consideram esta estratégia e menos fatores casuais.
«corrida» de toras .como parte de um rito cerimonial. Mas, ao Este capítulo demonstrou muitas rela96es entre o siste·
contrário dos gregos, os índios náo tem espírito competitivo. ma social de urna cultura e suas formas de arte e divertimento.
Nao importa qual a equipe que alcancta primeiro a aldeia. O que Para tomar decisoes sobre as formas de divertimento a serem·
importa é que cada homem de o melhor de si para carregar a incentivadas, ou nao, precisamos identificar, ainda, até que ponto
tora, e que a coopera(fáo entre eles seja boa. Náo existem jogos a arte apenas reflete, e até que ponto influi no comportamento
«até a morte» entre os Xavante (Maybury-Lewis 1974). social.
Corrn;u>odemo~ explicar as preferencias para diferentes
~ortes ou jQgos ero sociedades diferentes ~ Em estudos de
caso Graves e Graves (1978) e Werner (1982) argumentaram
7
que um espírito competitivo é eralmente minimizado em-socie--
daJes de pequeno ·por e1 \ estas sociedades as pessoas se co-
nlrece111 multo be111--e náo precisam de «concursos» para distin-
guir as habilidades de pessoas diferentes. Como a competictáo

184 185
ciedades diferentes nos ajudam a entender as implicac;óes de
comportamentos como sexo antes do casamento, homossexua-
lidade ou sexo entre adultos e crianc;as. Estas pesquisas sao
XIII I
úteis para julgar os argume·ntos usados por diferentes grupos
em prol, ou contra, essas atividades. Pesquisas antropológicas
sobre outros assuntos como propriedade comum , violencia, pa-
péis sexuais , práticas religiosas ou uso de •alucinógenos tem
implicac;óes semelhantes sobre ·o como nós devemos agir.
O QUE FAZER? Geralmente os estudos antropológicos nao sao realizados
com a finalidade direta de ajudar na tomada de urna ou outra
decisáo específica . Porém, -algumas . pesquisas sao fe itas justa-
mente para opinar sobre casos concretos. Um exemplo sao os
estudos sobre projetos de construc;áo de hidrelétrica~. Muitos
antropólogos tem estudado as conseqüencias sociais da cons-
truc;áo de barragens em áreas diferentes do mundo. As vezes
estas pesquisas sao feitas com financiamento de agencias de
pesquisas como CNPq ou FINEP. Outras vezes sao agencias
governamentais ou empresas' que solicitam pareceres de antro-
pólogos e que fornecem os· recursos necessários para a pes-
quisa. Em 1978 a ELETROSUL financiou pesquisas socioeconó-
Em Camelot, o musical sobre o reino mítico do rei Artur, micas feitas por antropólogos (Santos 1984). Em parte o inte-
era proibido chover até depois do por-do-sol , e o luar precisava resse de agencias governamentais nestas pesquisas se deve
aparecer as 9 horas da noite. "Por lei, os meses de julho e ao fato das agencias financeiras internacionais, como o Banco
agosto nao podiam ser muito quentes, e existia um limite legal Mundial, exigirem estes pareceres antes de liberar fundos para
a construc;áo de tais obras (World Bank 1980).
para a quantidade de neve no inverno. Seria bom te·r leis pa-
recidas na nossa sociedade. Poderíamos decretar a prosperida- Pesquisas antropológicas nesta área tem apontado vários
de e a paz, proibir a injustic;a e a desigualdade. Mas o mundo tipos de problema que podem decorrer da construc;áo de bar-
náo coopera com os nossos desejos. Existe um abismo entre ragens. A nível mais abrangente, estas pesquisas tem questiO·
o que «deve ser» e o que «é». nado os supostos benefícios destas obras para setores diferen-
tes da populac;áo. (Colin s.d. e Meillasoux s.d.) argumentam
Seria difícil apresentar fórmulas para a resoluc;áo dos que as barragens construídas na Africa Ocidental, para irriga-
nossos problemas. O mundo é complexo demais para isto. Este c;ao, servem aos interesses das grandes empresas agroindus-
capítulo tem urna proposta muito mais modesta.' Pretende, ape- triais européias, mas nao aos interesses do povo africano. Para
nas, mostrar algumas ligac;óes, na antropologia, entre a teoria o povo, a irrigac;áo implica na mecanizac;ao da agricultura e
e a prática. A antropologia náo pode dar respostas definitivas maior desemprego. Também implica em sérios problemas eco-
sobre como as coisas devem ser feitas. «Como agir» é urna lógicos de salinizac;áo. Aspelin (1982) e Caufield (1982) argu-
questao moral ou política que nao pode ser respondida de ma- mentam que as grandes hidrelétricas construídas no Brasil ser-
neira científica. No entanto, a antropologia pode auxiliar a en- vem muito mais as empresas multinacionais que ao povo brasi-
tender algumas conseqüencias das diferentes formas de ac;áo, o leiro. Por exemplo, Caufield nota que os arranjos financeiros
que pode ajudar na hora de se tomar decisóes sobre como atuar. para a construc;áo da hidrelétrica Tucuruí implicam que as em-
Por exemplo, estudos antropológicos sobre sexualidade em so- presas mL1ltinacionais pagaráo pela eletricidade · um terc;o do
prec;o pago por empresas nacionais ou indivíduos brasileiros.
186 187
Outras pesquisas antropológicas tem apontado conse- Q_á e do Brasil, Werner (no J2relo)_notou. Ulll-ÍAd.h;e-m&tef-de
qüencias negativas para as populac;óes diretamente atetadas ~ess..- psicológico entre populac;óes atetadas pela .CGA&~áo _,
" pelas barragens. Algumas conseqüencias diretas incluem perda de ..bar.rag-ªDS. No caso- do -Srasil ,o stress -psicológico parece..
de casas, terras agricuttáveis e vias de transporte, e um aumen- a
e,s.tar relacionado a demoré!. em re_ceber as indeniz~~s e con-
to de problemas de saúde. Questóes· de saúde sao especialmen- seq!iente ansiedade. Pfoblemas sociais também parecem au-
te problemáticas onde se constrói canais de irrigac;ao, já que· mentar nas popula<;oes deslocadas. A perda dos lac;os sociais
cria um ambiente propício para o caracol, portador da doen<;a antigos implica que as pessoas náo podem mais depender dos
esquistossomose. Além destas conseqüencias diretas, as bar- seus amigos e parentes para várias formas de apoio, como em-
ragens também implicam em outras perdas indiretas para as préstimo de dinheiro ou servic;os (ajuda na construc;áo de casas
populac;óes atetadas. ou no cuidar de crianc;as). As vezes implica num aumento de
desconfianc;a dos vizinhos ou num aumento de criminalidade.
A relocalizac;ao das populac;óes que perdem as suas terras Crises de lideranc;a comunitária também sáo comuns, urna vez
pela inundac;áo implica em vários tipos de problema. Geralmen- que os líderes locais tradicionais geralmente nao tem condic;oes
te as populac;óes precisam 1.utar para conseguir urna indenizac;ao de lutar contra burocracias estatais, e acabam sendo ou coopta-
justa. Muitas vezes as indeniza<;óes nao permitem a compra dos ou impotentes. Werner (no pre·l o) mostrou que a construc;áo
de terra em outra localidade, urna vez que a barragem pode pro- de urna barragem no Posto Indígena lbirama de Santa Catarina
vocar urna escassez de terra e um aumento do seu valor no parece ter agravado as tensoes entre as lideranc;as indígenas.
mercado. Mesmo quando as indenizac;óes sao justas as pessoas No caso de grupos minoritários, como índios, um deslocamento
ainda despendem tempo e esforc;o para procurar novas terras forc;ado pode implicar numa perda das suas tradic;óes. Como
onde morar. . Depois de comparar o processo de re local iza<;áo muitas barragens_a serem construídas no Brasil afetaráo grupos
em várias sociedades do mund.o, Scudder e Col son ( 1982) no- indígenas (Aspelin e Santos 1981), esta perda poderá ser grande.
taram gue as populac;áes cam menos instrucáo formal geralmen-
te tem maiores dificuldades com as indeniza<;óes em dinhe·iro, O trabalho antropológico sobre barragens tem-se limitado
po'is nao possuem os conhecimentos necessários para investi-1o principalm_ente a pesquisas de consulta e a recomendac;óes ofe·
i:te maneira adequadal Para esta_s_popÜla~oes_aJ.naentzac§o erw ~ recidas a órgáos governamentais. As vezes os antropólogos-fa-
zem apelos, através dos meios de comunicac;áo, para apoio
~!'ª.º em. dloh.e.iro é mais recomendada~ Scudder e Col son
notam a1nda que os planejadores dos projetos de· relocaliza<;áo público de posic;óes políticas, e, as vezes, ajudam um grupo a
geralmente pensam muito no fornecimento de alojamentos nos conseguir assistencia técnica (advogados etc.) pa.ra melhorar a
lugares novos, mas pensam muito pouco nas possibilidades de sua situac;áo. Este é o nível de atuac;áo social mais comum na
emprego para as populac;óes destocadas. A questáo de empre- antropología. Exemplos de atuac;ao direta sao mais raros. lsto
go é muito mais séria. Numa comparac;áo de duas comunidades é compreensível, considerando o tempo de professores· univer-
do México - urna retocada por causa de urna barragem, e outra sitários que precisam dividir o seu dia entre aulas, tarefas bu·
náo - Partridge et alii (1982) mostraram que o processo de rocráticas e pesquisas. Para trabalhar diretamente sobre um
relocalizac;ao resultou em maiores des~gualdades. Na comuni- assunto, geralmente é preciso deixar a universidade para se unir
dade nova existiam um maior número de pessoas com um pa- a alguma organizac;áo criada para atuac;áo direta - como CIMI
dráo de vida mais elevado, mas também existía. maior desnutri- (Conselho Indigenista Missionário) ou FUNAI. No entanto, exis-
_:c;áo em certos setores da populac;áo. As pessoas mais espe·rtas tem alguns casos de projetos específicos de interven<;áo efe-
passaram a ter mais acesso aos recursos do governo durante tuados por antropólogos ligados a universidades. Talvez o exem-
o processo de relocalizac;áo. plo mais conhecido seja o projeto Vicos.

Outros custos indiretos da construc;áo de barragens in- Em 1952 a universidade de Cornell dos Estados Unidos
cluem fatores mais difíceis de ser especificados, mas náo me- alugou pela quantia de SSOO ao ano urna fazenda chamada Vicos,
nos reais. Numa cqmpar~c;~ entre ~árias sociedades do ~_w.;;a·:-- no altiplano peruano. Na época, a fazenda era habitada por uns

188 189
1800 índios Quechua que trabalhavam nas terras mais ricas de dente dos Estados Unidos) visitou Vicos e fez um apelo direto
seu dono para «pagar» o usufruto de outras terras, para o con- ao presidente do Peru. Finalmente, os índios da Vicos conse-
sumo doméstico. A ·Organizac;ao da fazenda era muito hierárqui- guiram comprar a terra (Paige 1975).
ca . O dono falava espanhol e tinha, como capatazes, mesti<;os.
Apenas 23 dos 1800 índios falavam espanhol, e nenhum sabia Apesar do aparente .sucesso , vários estudiosos criticam
ler. A comunidade indígena era controlada por um grupo de o projeto Cornell por nao ter considerado suficientemente a
homens mais velhos que ganhavam as suas posi<;6es através resistencia política que o projeto enfrentaria . É difícil prever
de empréstimos dados aos outros membros da comunidade, e o que teria acontecido com a fazenda sem a intervenc;ao do
o patrocín10 de festas religiosas. Náo existiam maneiras dos senador Kennedy, e é difícil avaliar os efeitos do projeto sobre
índios se organizarem, se1n tratar diretamente com os capata- a organizac;áo de propriedade em outras áreas do Peru.
zes e o dono da fazenda (Paige 1975).
O caso Vicos mostra a complexidade de urna intervenc;áo
Urna das primeiras empresas dos antropólogos que orga- direta para melhorar a vida de pessoas. As vezes as me·lhores
nizaram o projeto Vicos foi transformar as reuni6es semanais intenc;6es acabam criando mais problemas. Por exemplo, ino-
que antigamente serviam principalmente para alocar as tarefas vac;6es tecnológicas podem parecer muito vantajosas, mas tam-
da fazenda. A partir daí as reuni6es serviriam para os próprios bém ter conseqüencias extremamente negativas por raz6es nao-
índios discutirem como gerenclar a fazenda. Várias inova.c;6es previstas. No caso Viccrs, urna espécie de batata nova ' foi re-
técnicas foram introduzidas na agricultura. Os trabalhos que an- conhecida como tendo urna produtividade muito maior que a
tigamente nao eram remunerados passaram a se-lo, e os lucros espécie normalmente plantada. No entanto , os índios a julga-
das colheitas voltaram para a fazenda. Depois de 10 anos os vam desvantajosa, porque implicava em maior risco . Antes da
índios tinham construído urna escola para 400 alunos, moravam intervenc;ao da universidade Cornell, o «excesso» de produc;ao
em casas maiores, comiam melhor e tinham acumulado dinheiro agrícola sempre ficava com o dono e os capatazes mesti<;os.
suficiente para comprar terras (Holmberg, 1971 ) . Nao tinha sentido para os índios quererem aumentar a produti-
Nao demorou para aparecerem problemas políticos. O su- vidade, pois nunca poderiam beneficiar-se dela. Eles descon-
cesso dos índios da fazenda Vicos foi observado pelos índios fiavam que sofreriam um período de fome nos anos ruins, sem
das fazendas vizinhas. Numa delas os índios comec;aram a cons- desfrutar da alta produtividade nos anos bons. Assim, a inova-
truir urna escola e pediram permissao para trabalhar as terras c;ao só poderia trazer prejuízos para os agricultores (Paige 1975).
vazias das autoridades eclesiásticas que tinham os títulos da
Outras inovac;6es aparentemente boas também podem tra-
fazenda. O patráo respondeu a estas reivindicac;6es chamando
zer prejuízos. Arensberg e Niehoff (1964) citam o caso de urna
15 homens da polícia nacional. A polícia acabou matando 3
tentativa de melhorar a saúde de mulheres grávidas na África
índios e ferindo maiS\ 5. Outras pessoas também comec;aram a
Oriental. Como essas mulheres costumavam trabalhar muito
se ressentir com o sucesso do projeto da universidade Cornell.
nas roc;as durante a gravidez, os agentes tentaram descobrir
O Rotary Clube acusou os antropólogos de «comunistas», e o
maneiras de limitar este trabalho . Mas o resultado foi um
Primeiro-Ministro temia que o projeto Vicos incentivaria urna
reforma agrária geral. AUMENTO e nao urna diminuic;áo na mortalidade infantil e nas
doenc;as, porque as mulheres nao faziam exercícios suficientes .
Ouando os índios da Vicos tentaram comprar a fazenda Os agentes falharam em nao substituir o excesso de trabalho
a resistencia aumentou. Provavelmente, as ameac;as dos índios por outro regime de exercício adequad<?. O desejo de melhorar
da Vicos, a influencia da universidade Cornell e a intervenc;ao a educac;ao também pode criar mais problemas. No caso de co-
direta do embaixador norte-americano náo garantiram aos índios munidades indígenas brasileiras Santos (s.d .) nota que nao adian-
o direito de comprar a fazenda. No entanto, em 1961 o senador ta ensinar ler e escrever se o mercado de trabalho nao oferece
norte-americano Edward Kennedy (cujo irmao era, entáo, presi- condic;oes para o educando coryseguir um emprego que exige

190 1.91
esse conhecimento . Neste caso a educa<;ao formal pode se
tornar muito alienante, pois substitui um respeito pelas habili-
dades e conhecimentos indígenas por um corpo de conheci-
mentos irrelevantes. ·
Como mostram estes exe,mplos, é fácil boas inten<;oes
provocarem problemas. Muitas veze-s é preciso urna reflexao
séria antes de agir. No início deste livro argumentei que era
bom «pecar corajosamente» na formula<;áo de teorías. Se urna BIBLIOG AFIA
idéia ousada come<;a a mostrar erro , ninguém s~ machuca (a
nao ser o ego da pessoa que inventou o argumento), e a teoría
pode inspirar novas idéias melhores. Mas na atuac;ao social os
fracassos podem ser bem mais trágicos. lsto nao quer dizer
que nao pode·mos agir nem que a atuac;áo tem que ser adiada
até eliminar todos os riscos de fracasso. Mas precisamos ter
1 - -
at sabedoria de distinguir quando é _ereciso refle.t ir e quando é.
preciso agir. Na antropolog1a há espac;o para todo tipo de tra-
~·o. _... ~ ~

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220 Tel. e Fax: (067)384-1535 Fax: (011 )37-7948
,
O Autor: Dennis Werner é tam-
A
bém autor de dezenas de arti-
gos publ i·cados nos E s it a d o ·s
Unidos, no Brasiol e na Al·ema- .
nha, e do liivro Amazon Jour-
ney: An Anthropologist's Year
among Brazi/'s Mekranoti ln-
dians (Si m o n and Schuster,
~ew York, 1984), elogiado pela
crítica da ·televi·sáo Nova-iorqui-
na, e pela New York Ti1mes,
entre outras publicac;óes. Wer-
ner é ip rotessor visitante na
1

Universidade Federal de Santa


Catariina.
,

•.

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