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anais
Anais do
IV Encontro de Filosofia
Analítica
Ficha Catalográfica
(Catalogação na fonte pela Biblioteca Universitária da
Universidade Federal de Santa Catarina)
Inclui bibliografia.
ISBN: 85-87253--ül-8
CDU: I
realizado em Florianópolis, SC
de 6 a 9 de outubro de I 997
promovido por
Sociedade Brasileira de Análise Filosófica
e NEL -Núcleo de Epistemologia e Lógica, UFSC
apoio:
CNPq, CAPES, F APESP
Departamento de Apoio a Eventos, UFSC
Departamento de Filosofia, UFSC
comissão científica:
Luiz Henrique de A. Dutra (UFSC), presidente
Danilo Marcondes de Souza Filho (PUC-RJ)
Luiz Paulo de Alcântara (UNICAMP)
Pablo Rubén Mariconda (USP)
Paulo Roberto Margutti Pinto (UFMG)
comissão organizadora:
Sara Albieri (UFSC), presidente
Alberto O. Cupani (UFSC)
Cezar A. Mortari (UFSC)
Maria Cecília M. de Carvalho (PUCCAMP)
Notícia sobre os Encontros de Filosofia Analítica
Notícia sobre o
NEL- Núcleo de Epistemologia e Lógica, da UFSC, e sobre
Principia - Revista Internacional de Epistemologia
Apresentação 8
Cezar A. Mortari
Luiz Henrique de A. Dutra
organizadores
LóGICA FORMAL I LóGICA INFORMAL*
Este trabalho tem um duplo objetivo: primeiro, fazer uma rápida apresenta-
ção do movimento denominado Lógica Informal. ainda pouco conhecido em
nosso país; segundo, extrair das constatações que deram origem ao movi-
mento algumas conseqüências referentes ao estatuto da lógica formal , espe-
cialmente no que diz respeito ao conceito de razão. Nossa tese será a de que,
embora tais constatações não constituam por si só uma crítica, elas abrem
caminho para um questionamento da concepção ortodoxa formal da racio-
nalidade.
Nosso interesse pelos temas em pauta deriva em parte de estudos no
campo da ciência cognitiva e, embora isto não seja essencial para a argu-
mentação a ser formulada, vamos tomar como ponto de partida o conceito de
razão pressuposto nesta nova área de pesquisa. A ciência cognitiva, pode-se
dizer, identifica lógica e razão: de seu ponto de vista, ser racional é pensar
de acordo com os princípios da lógica - devendo-se entender por ' lógica'
nestes enunciados os domínios que tratam tanto das inferências dedutivas
quanto das indutivas, ou probabilísticas. Tal concepção de racionalidade
evidentemente não se restringe à ciência cognitiva; na verdade, e la deriva de
sua matriz teórica, a saber, a tradição filosófica anglo-saxônica, onde cons-
titui a concepção predominante. Recapitular sua história, e determinar os
limites precisos de sua aceitação no momento não se encontram contudo
entre objetivos deste trabalho.
Uma das mais conhecidas introduções à ciência cognitiva é o livro de
Gardner A nova ciência da mente. Um de seus capítulos leva o título 'Quão
racional é o ser humano?', e resume uma série de pesquisas empíricas da
ciência cognitiva cuja implicação, segundo Gardner, é a de que não somos
tão racionais quanto os filósofos e psicólogos supunham e desejavam. A
natureza das investigações é evidência para a alegação feita acima, a res-
peito da concepção cognitivista de racionalidade: o que procuram estabele-
• Agradeço aos amigos Paulo C. Abrantes e João de Fernandes Teixeira lllle, entre
outras coisas. me ajudaram a conseguir o material bibliográfico necessário para a
pesquisa em que se baseia esta comunicação.
Mortari, C. A. & Dutra, L. H. de A. (orgs.) 1998. Anais do IV Encontro de
Filosofia Analftica. Florianópolis: NEL, pp. 9-20.
lO Marcos Barbosa de Oliveira
cer, em todos os casos, são incapacidades dos sujeitos de realizar certos tipos
de inferência, algumas dedutivas, outras indutivas. Tais pesquisas deram
origem a uma viva polêmica, e os títulos de algumas das intervenções tam-
bém confirmam nossa interpretação, por exemplo, 'Pode a irracionalidade
humana ser experimentalmente demonstrada?', de L. J. Cohen. e ' Poderia o
homem ser um animal irracional?', de S. Stich: em ambos os casos, irracio-
nal = incapaz de pensar de acordo com os princípios da lógica.
Para dar uma idéia do tipo dos experimentos relatados por Gardner,
vejamos dois exemplos. um envolvendo inferências dedutivas, outro inferên-
cias indutivas. O primeiro é o experimento das quatro cartas, idealizado por
Peter Wason, e realizado por ele em colaboração com P. Johnson-Laird 1; foi
uma das pesquisas que despertaram maior interesse. O problema apresenta-
do a cada sujeito consiste no seguinte. Dispõem-se diante dele quatro cartas,
como as de baralho, cada uma com um dos símbolos E, K, 4 e 7 estampados
em sua face superior, visível. O sujeito é informado que cada carta tem uma
letra numa das faces e um número na outra, e a seguir enuncia-se a regra: Se
uma carta tem uma vogal em uma face, então terá um número par na outra.
A tarefa do sujeito é testar a regra, com a condição de poder virar apenas
duas cartas. Praticamente todos os sujeitos percebem que, das cartas com
letras na face visível, a que tem o E deve ser virada e a que tem o K não. A
armadilha encontra-se nas cartas com números. A relevante, tendo em vista
a regra sendo testada, é a que tem o 7, pois se houver uma vogal na outra
face, ficará claro que a regra não é válida. A grande maioria dos sujeitos,
entretanto, seleciona. na segunda opção, a carta marcada com o 4. Se esta
escolha representa de fato um equívoco é algo que tem sido contestado por
alguns críticos. 2 Para nossos objetivos, entretanto, não é necessário entrar
nesta polêmica.
Para descrever o segundo exemplo, que envolve uma inferência probabi-
lística, passemos a palavra ao próprio Gardner:
tal situação, o professor faz um diagnóstico que atribui a origem dos pro-
blemas aos exemplos de argumentos utilizados: em virtude de sua artificiali-
dade, eles dificultariam a percepção por parte dos alunos da suposta relevân-
cia da lógica para os debates da vida real. O remédio então consiste em mu-
dar os exemplos, em passar a trabalhar com argumentos reais, de preferência
aqueles cujos conteúdos fazem parte da vida intelectual quotidiana dos alu-
nos, como os encontrados nas páginas de opinião dos jornais.
O professor seleciona então um editorial conveniente, e dá início à sua
análise. Textos deste tipo contêm argumentos, mas envolvem também idéias
de outra natureza, de tal maneira que a primeira tarefa consiste em destacar
de seu contexto o argumento a ser estudado. Isto implica não apenas em
fazer um recorte, determinando onde o argumento começa e onde acaba,
mas também em eliminar os elementos extralógicos que ocorrem no interior
da passagem. Já as decisões envolvidas nesta etapa nem sempre são muito
fáceis. Em seguida deve-se investigar se o argumento não contém premissas
implícitas, e então os problemas começam a ficar mais sérios. Com relação
aos termos e expressões em que se expressa o argumento, é necessário de um
lado determinar os que são sinônimos - ou no contexto devem ser tomados
como tal - , de outro identificar os que são polissêmicos, aparecendo com
sentidos diferentes em cada ocorrência. Quem quer que tenha passado por
uma experiência como esta sabe como são problemáticas todas estas etapas,
e a quantidade de decisões mais ou menos arbitrárias que elas freqüente-
mente exigem. Os problemas envolvidos são essencialmente problemas de
interpretação, para cuja solução a lógica formal tem pouco a contribuir. Mas
vamos supor que o professor consiga superar todos os obstáculos, chegando,
depois de muito debate a uma representação da forma do argumento. O que
acontece com grande freqüência, nesta etapa que representaria o coroamento
do processo, é que tal forma se revela trivialmente válida, ou inválida.
O exercício feito com o objetivo de demonstrar a relevância da lógica
para a vida real termina assim estabelecendo exatamente o oposto do que se
pretendia.
Foram experiências como esta que motivaram a formação da Lógica
Informal como um movimento pedagógico. 5 Constatada a pouca utilidade da
5. Em que pese a enorme diferença de pontos de vista, não há como não reconhecer
que Heidegger tinha pelo menos certa razão ao afirmar: ''Esta lógica ensinada peJos
professores de filosofia não fala a seus alunos. Não apenas é seca como pó; no fim
ela os deixa perplexos. Eles não encontram conexão alguma entre esta lógica e seu
próprio estudo acadêmico, e certamente nunca se torna claro a que uso se destina, a
não ser que seja algo tão banal e basicamente sem valor quanto o uso como material
14 Marcos Barbosa de Oliveira
lógica formal para a avaliação dos argumentos reais, a tarefu passou a ser a
e laboração de programas e métodos a lternativos para os cursos que se atri-
buem o objetivo de fazer com que os alunos pensem melhor. Houve no início
uma grande ênfase no estudo das falácias informais, para o que contribuiu o
livro Fallacies, de Charles Hamblin, publicado em 1970. Outras obras muito
influentes, que podem ser consideradas precursoras do movimento são: Be-
ardsley, Practica/ logic, de 1950, Toulmin, The uses ofargument, de 1958, e
Scriven, Reasoning, de 1976. Não se pode deixar de mencionar neste con-
texto, pelos elementos em comum com a Lógica Informal, e pela repercussão
que alcançou na filosofia como um todo, o Tratado da argumentação: a
nova retórica, de Perelman e Olbrechts-Tyteca.
No que se refere aos programas alternativos, de maneira geral eles não
excluem totalmente a lógica formal , porém limitam seu estudo aos princípi-
os fundamentais, deixando de lado os desenvolvimentos mais técnicos.
Grande parte das energias, por outro lado, é dedicada aos problemas de
interpretação, e desta forma o ensino da lógica informal adquire mais um
caráter de treinamento do que de transmissão de teorias, como é o caso dos
cursos tradicionais de lógica. Muito se poderia dizer ainda sobre os métodos
desenvolvidos pelos adeptos da Lógica Informal para a avaliação de argu-
mentos reais; um relato sobre eles entretanto já se situa fora do âmbito do
presente trabalho.
Dois dos líderes do movimento são Ralph Johnson e Anthony Blair,
ambos professores de filosofia na Universidade de Windsor, Canadá. Foram
eles os organizadores do Primeiro Simpósio Internacional de Lógica Infor-
mal, realizado em sua universidade em 1978. Um dos resultados do simpósio
foi a criação do Informal Logic Newsletter, que em 1984 transformou-se na
revista Informal Lagic, da qual Johnson e Blair são os editores. Eles têm
produzido inúmeros trabalhos em colaboração, dentre os quais se destacam
dois artigos que proporcionam uma visão panorâmica sobre o movimento:
' Informal logic: the past five years 1978-1983 ' , e 'Informal logic: past and
present', incluído na coletânea New essays in informal logic, da qual
Johnson e Blair são também os organizadores.
A Lógica Informal nasceu como um movimento pedagógico mas, como
se observou acima, passou aos poucos a almejar o status de uma área de
especialização dentro dos domínios da filosofia. Deste ponto de vista,
mais ou menos conveniente para avaliações. Tal lógica técnica e acadêmica também
não fornece uma concepção de filosofia. Seu estudo deixa o aluno fora da filosofia,
quando não efetivamente o afasta dela'·. (Heidegger. The metaphysica/ foundations
oflogic.)
Lógica Formal/ Lógica Informal 15
***
Voltemos agora à linha de pensamento a que havíamos dado início. Afir-
mamos que, sendo pressuposto o conceito ortodoxo, formal , de razão, as
acontece, e não acontece porque o conceito de razão é, por sua própria natu-
reza, normativo. Afirmar que ser racional é pensar de acordo com os princí-
pios da lógica formal não implica dizer que pensamos, mas sim que devemos
pensar desta forma. Com efeito, os lógicos sempre souberam que as pessoas
nem sempre raciocinam e argumentam corretamente do ponto de vista lógi-
co; para eles, é evidente que ocorrências concretas de desrespeito a um prin-
cípio da lógica não implicam sua refutação - da mesma maneira em que o
mandamento 'Não matarás' não é refutado pelo fato de que os homens se
mataram, e continuam se matando uns aos outros.
A Lógica Informal, por outro lado, leva a um aprofundamento das idéias
a respeito da normatividade da lógica. O tradicional, quando se pensa na
lógica como uma doutrina normativa, é concebê-la como determinando as
inferências que podem e as que não podem ser feitas. Sob esta luz, a lógica
aparece como uma norma proibitiva -já que estipula não as inferências que
devemos, mas apenas as que não devemos fazer. Seu mandamento básico é:
'Não cometerás inferências inválidas'.
Por trás desta formulação encontram-se as pressuposições de que pode-
mos distinguir as inferências válidas das inválidas e, o que é mais impor-
tante, que a validade depende apenas da forma. O estudo da lógica formal
fica caracterizado, nesta perspectiva, como uma prática que nos ajuda a
observar o mandamento básico - que nos permite ser mais lógicos e, em
conseqüência, mais racionais.
Os princípios da lógica formal, porém, como ficou estabelecido, de ma-
neira geral não se aplicam às inferências que fazemos. A conclusão é para-
doxal, pois aniquila o conteúdo normativo a ela atribuído. Uma regra de
boas maneiras que prescrevesse a maneira educada de bater as asas eviden-
temente não se aplicaria aos seres humanos, desprovidos que somos de tais
apêndices. Se os princípios da lógica formal não se aplicam às nossas infe-
rências, então seu conteúdo normativo é igualmente inócuo.
A saída do paradoxo - é o que iremos sugerir agora - consiste em atri-
buir à lógica, além do mandamento 'Não cometerás inferências inválidas',
um outro ainda mais fundamental. Para isso vamos definir com a precisão
necessária o conceito de formalizar um argumento. A aplicabilidade dos
princípios da lógica aos argumentos reais é, como vimos, uma questão de
grau. Além do mais, é fácil perceber que um argumento pode ter várias
formulações diferentes, tais que a aplicabilidade da lógica é maior em umas
que em outras. Na verdade, o processo de extrair a forma de um argumento
pode ser pensado como uma série de reformulações operadas em seqüência
sobre o argumento original, de tal maneira que a aplicabilidade da lógica
aumenta a cada reformulação, e termina com a representação puramente
18 Marcos Barbosa de Oliveira
Referências bibliográficas
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Os PARADOXOS E A TEORIA DE CoNJUNTOS
1
Doravante, o tenno lnvestigations será utilizado para designar este trabalho de
Zennelo.
Mortari, C. A. & Dutra, L. H. de A. (orgs.) 1998. Anais do IV Encontro de
Filosofia Analítica. Florianópolis: NEL, pp. 21-32.
22 Arno Aurélio Viero
2
A definição é aquela apresentada por Cantor no parágrafo inicial de seu trabalho
intitulado Contribuitions to the Founding of the Theory of Transfinite Numbers:
"Por agregado (Menge), entenderemos qualquer coleção M, considerada como totali-
dade, de objetos definidos c separados m, da nossa intuição ou pensamento. Estes
objetos são chamados de 'elementos' do conjunto. De forma simbólica: M = {m}"
(Cantor, 1955, p. 85).
Os Paradoxos e a Teoria de Conjuntos 23
3
Ver o livro de G. Moore, por exemplo: ''Na Alemanha, o movimento axiomático
culminou com a obra de Hilbert, intitulada Grundlagen der Geometrie, ( ...) Cada um
desses aspectos dos Grundlagen de Hilbert - o uso de um domínio de objetos com
uma relação primitiva, a apresentação explícita de todas as suposições como axio-
mas, e o interesse pela sua independência e consistência - iriam influenciar a axio-
matização da teoria de conjuntos realizada por Zermelo" (p. 150).
4
Neste sentido, a escola italiana integrada por matemáticos tais como Peano, Vero-
nese, Pieri, Burali-Forti, Betazzi, Fano, entre outros, desempenhou um papel decisi-
vo.
24 Arno Aurélio Viero
5
Uma delas é a prova I 2 1 de Os Elementos que somente é possível de ser rigorosa-
mente demonstrada através do auxílio dos axiomas de ordem, que em momento
algum são assumidos de forma explícita por Euclides.
6
Este termo foi tomado da obra Los Fundamentos de la Matemática de Hilbert e
Bemays. Ele também é utilizado por Kleene, no capítulo ill, de seu livro /ntro-
ducción a la Metamatemática.
Os Paradoxos e a Teoria de Conjuntos 25
7
Isto é facilmente compreensível, na medida em que os matemáticos que na época
introduziram tais inovações estavam preocupados, fundamentalmente, com o desen-
volvimento técnico de suas disciplinas e tinham pouco apreço pelos aspectos con-
ceituais desta questão.
26 Amo Aurélio Viero
rantiria que elas seriam compatíveis entre si? Em outras palavras, o que
garantiria que os conceitos gerados a partir dos axiomas não seriam contra-
ditórios? O que Hilbert percebeu foi que as vantagens propiciadas por esta
nova concepção de método axiomático exigiam, em contrapartida, uma de-
monstração da consistência dos axiomas.
Neste momento, é importante perceber como a postura metateórica, tão
cara ao moderno estudo das teorias formalizadas, surge naturalmente a par-
tir desta nova concepção do método axiomático. Uma vez que se concebe os
axiomas como sendo definições, a questão da consistência coloca-se imedi-
atamente. Ora, a própria natureza deste tipo de questão nos remete para um
nível de investigação no qual a teoria se apresenta como objeto de estudo.
Com isto, um importante passo foi dado no sentido de se admitir vários
níveis de linguagem, bem como no de reduzir os axiomas e teoremas a ob-
jetos ''tratáveis" a partir desta perspectiva. A postura metateórica contempo-
rânea tem a sua origem no advento da axiomática formal e, somente dentro
deste contexto, ela pode ser adequadamente entendida .
Tendo presente o que acaba de ser considerado, voltemos às lnvestiga-
tions. Toda a estrutura do trabalho de Zermelo indica que a concepção de
método axiomático adotada por ele não é a concepção clássica. Em particu-
lar, logo no início de sua exposição, Zermelo parte da existência de um do-
mínio B, constituído por certos elementos, entre eles, conjuntos. Para alguns
destes elementos, a relação de pertinência 'E' se verificaria. Os axiomas ou
postulados seriam restrições a esta relação que é considerada como um pri-
mitivo do sistema. Em momento algum Zermelo tenta fornecer uma defini-
ção de conjunto, nem uma definição da relação de pertinência, o que indica,
evidentemente, uma opção pela nova concepção de método axiomático.
A partir desta perspectiva, a saber, que a estrutura axiomática subjacente
às lnvestigations é a mesma adotada por Hilbert em seu livro que trata da
geometria euclidiana, é possível entender, entre outras coisas, quais os reais
motivos que teriam levado Zermelo a axiomatizar a teoria de conjuntos. A
concepção mais difundida, até alguns anos atrás, era a de que o esforço no
sentido de evitar o surgimento de paradoxos, dentro da teoria de conjuntos,
teria sido o motivo principal do surgimento...--· das Investigalions. No entanto,
G. Moore, em seu livro Zennelo 's Axiom of Choice. lts Origins, Develo-
pment, and lnjluence, não somente discordou de tal concepção como propôs
uma alternativa, a saber, a axiomatização de Zermelo faria parte de uma
estratégia que tinha por fmalidade assegurar a legitimidade de sua demons-
tração do teorema de boa ordem, em particular garantir a validade do axio-
ma da escolha. Este é um assunto que merece algumas considerações envol-
vendo os paradoxos e a nova concepção do método axiomático.
Os Paradoxos e a Teoria de Conjuntos 27
8
Ao que Zennelo acrescenta: " ... Esta prova, que eu somente não incluí em meu
trabalho de 1904 pelo fato de ela ser trivialmente simples, também assegura, como
foi dito anteriormente, a não existência de W, e todas as conseqüências. obtidas a
partir de W, se tornam inócuas" ( 1908, p. 195).
9
Estes problemas não tinham a sua origem em nenhum tipo de paradoxo. Eles dizi-
am respeito à demonstração do teorema de boa ordem, através do recurso ao axioma
da escolha, e o problema da hipótese do contínuo, que permanecia sem solução.
10
Posteriormente, com o avanço crescente do intuicionismo, os paradoxos acabariam
por ocupar um lugar central na investigação dos fundamentos da matemática.
Os Paradoxos e a Teoria de Conjuntos 29
11
Assim, é possível ler no início das lnvestigations: " ... Ainda não consegui obter
uma prova rigorosa da consistência dos meus axiomas, embora, isto seja de uma
importância fundamental ... " (p. 200-1).
12
Esta é urna posição que Hilbert deixa bastante clara em sua correspondência com
Frege a respeito de seu livro The Foundations ofGeometry.
13
O que, em um certo sentido, acabou acontecendo através dos resultados de inde-
pendência de Gõdcl e de Cohcn.
30 Arno Aurélio Viera
mentos.
As conseqüências da adoção deste tipo de postura não são nada desprezí-
veis quando o que está em questão é o entendimento de certos aspectos con-
ceituais do trabalho de Zermelo. O resultado é que, pouco a pouco, vai sur-
gindo, na obra de Zermelo, uma concepção extremamente confusa acerca da
natureza do método axiomático, bem como da finalidade de sua utilização.
Tal confusão colaborou, de forma decisiva, para uma série de equívocos
envolvendo esta noção e que iria se agravar, posteriormente, com o advento
da noção de sistema axiomático formalizado.
Assim, por exemplo, com a sua recusa em discutir a natureza e a origem
dos axiomas da teoria de conjuntos, bem como com sua adoção da concepção
formal 14 do método axiomático, Zermelo contribui para urna dissociação
entre o método axiomático, de um lado, e o conceito de evidência, de outro.
Um dos problemas que surge com este tipo de postura é quando o método
axiomático é utilizado dentro de um contexto de fundamentação, como era o
caso de Zermelo. Neste caso, é impossível não se apelar, em um momento ou
outro, à noção de evidência. O resultado disto é uma postura completamente
incoerente por parte de Zermelo que, ao mesmo tempo em que adotava a
concepção formal do método axiomático (que havia expurgado completa-
mente a noção de evidência da base do sistema), lançava mão da noção de
evidência para justificar o emprego do axioma da escolha na demonstração
do teorema de boa ordem. 15
Além disso, Zermelo vai se enquadrar dentro de um movimento muito
forte, desde o início do século passado, e que iria conceber o método axio-
mático como sendo um instrumento de fundamentação, de justificação de
teorias. O fato de se passarem sete anos entre a axiomatização da teoria de
conjuntos e a primeira descoberta 16 de um resultado envolvendo a axiomati-
zação de Zermelo parece ser bastante s ignificativo a este respeito. Posteri-
14
Quando o termo formal é utilizado deve-se manter em mente o seu significado
sempre como qualificador do novo tipo de concepção do método axiomático. Caso
contrário, dúvidas de natureza extremamente elementares podem acabar surgindo. É
claro que é possível atribuir um determinado significado à palavra formal, de tal
forma que toda teoria matemática (ou mesmo empírica) é, em maior ou menor grau,
formal. Além disso, formal e formalizada são dois qualificativos que, apesar de
manterem uma relação bastante estreita entre si, devem ser, cuidadosamente, distin-
guidos.
15
Ver o artigo de Zermelo {1908, p. 187)
16
Em 1917, Hartog demonstrou que o princípio da tricotomia dos cardinais implica-
va o teorema de boa ordem.
Os Paradoxos e a Teoria de Conjuntos 31
Referências bibliográficas
17
Skolcmita seria todo aquele disposto a sustentar teses do tipo: uma vez que nossas
formalizações da teoria de conjuntos sempre possuem modelos enumeráveis elas não
capturam o conceito de não-enumcrabilidade; uma vez que não possamos capturar tal
conceito, através das axiomatizações de primeira ordem, tal conceito não existe, etc.
(ver Bcnacerraf, p. 30-1 ).
32 Arno Aurélio Viero
ton, A. & Stich, S. (eds), Benacerraf and His Critics. Oxford: Blackwell,
pp. 9- 59.
Cantor, G. 1955. Contribuition to the .Founding of the Theory of Transfinite
Numbers. New York: Dover.
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- -. [1908] 1981. "A New Proof ofthe Possibility of a Well-Ordering." In
Heijenoort, J. van., (ed.). From Frege to Godel. Cambridge: Harvard
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GENTZEN Y EL PROBLEMA DE LOS FUNDAMENTOS DE LA
MATEMÁTICA: DE LA FlLOSOFÍA A LA METAMATEMÁTlCA
2. El programa de Hilbert
1
Ver Frege, 1950. Cap I, parágrafo 5.
2
Sobre Leibniz ver el capítulo I de Los Princípios de la Matemática, sobre Kant el
capítulo LD, y sobre Frege el Apéndicc A de la misma obra.
Genlzen y e/ Problema de los Fundamentos de la Matemática 35
3
Sobre las interpretaciones filosóficas de las geometrias no euclideanas ver Torretti,
1984.
36 Jorge Alberto Mofina
4
El lcctor interesado en la cuestión de las definiciones impredicativas puede ver
Poincaré.l946, Russell, 1908 y Molina, 1986.
Gentzen y e/ Problema de los Fundamentos de la Matemática 37
(I)
ABS
(2)
3x B(x)
(2)
3x B(x)
7
Princípios de la Filosofia, art.XXVU de Descartes y Etica 1, Escolio de la Proposi-
ción XV de Spinoza.
8
Weyl, H., 1931. Die Stufen der Unendlichen, p. 17.
40 Jorge Alberto Molina
4. La prueba de Gentzen
IJ.p) =p
~A A B) = ~A) A ~B)
~-,A) = .~A)
~V'xA(x)) = V'x~A(x))
~A v B) =-,(-,~A) A ...,~B))
9
Ver Bemays, 1941.
10
Para una exposición introductioria de los problemas filosóficos relacionados con la
Lógica lntuicionista ver Molina-Legris, 1997.
42 Jorge Alberto Mofina
11
En verdad Gentzen presenta dos demonstraciones de la consistencia de la Aritmé-
tica formal de Peano PA. La primera se encuentra en Gentzen, 1936 y la segunda en
Gentzen, I938b.
Gentzen y el Problema de los Fundamentos de la Matemática 43
ao = o
a, = a>
Oi = OJ(J)
a3 = (a>~(J)
y as! sucesivamente. Por ejemplo, la clase a 2 está formada por O, 1,2, ... a>,
ar, ...
a>+- I, ... &2,0>2+ l , ... ai... EI ordinal limite de las cIases a, es denomi-
nado por los conjuntistas &o·
Vemos entonces que la prueba de Gentzen usa inducción transfinita
hasta &,. Si una inducción de ese tipo constituye una extensión natural de los
métodos finitarios de Hilbert, como pensaba Gentzen, es asunto muy discuti-
ble. Hablarla en favor de Gentzen, el hecho de que él introduce los ordinales
de forma puramente constructiva, sin precisar de la Teorfa de Conjuntos de
Cantor que envuelve la aceptación de conjuntos infinitos actuales. Por otro
lado, el conjunto de los ordinales usados en la inducción de Gentzen está
44 Jorge Alberto Mofina
de \:fa,b,c,n (a.b.c ~O 1\ n > 2 ::> d' + b" ~c") tiene sentido afirmativo, pues
dado un determinado sistema formal D podemos imaginar cual seria la posi-
ble estructura de una derivación II de la fórmula anterior. Bemays presenta
un ejemplo para ilustrar la diferencia entre los modos de razonar de los
formalistas de la escuela de Hilbert y de los intuicionistas. Considérese un
sistema formal D que sea suficiente para la formalización de la Aritmética.
Esto es cualquier demostración dentro de la Aritmética podrá ser represen-
tada por una derivación en el formalismo O. Supóngase además que (i) te-
nemos una demostración (metamatemática) de que el forma lismo D es con-
sistente, esto es, en D no puede derivarse ninguna contradicción y (ii) tene-
mos una derivación II en D de la fórmula \:fx\:fy\:fz\:fn(x.y.z ~ O 1\ n > 2 ::> x"
+ j' i: i"). El siguiente razonamiento finitario probaría, según los formalis-
tas, el teorema de Fermat: es suficiente demostrar que no pueden ser dados
cuatro números p ,q,r,n (p,q,r > O y n > 2) tales que la ecuación p" + q" = /'
sea verificada. Ahora bien, dado que O representa cualquier demostración
aritmética, la verificación de aquella ecuación deberá poder ser representada
en D. Es decir en D tendremos una derivación 1: cuya última fórmula será p"
+ q" = r". Por otra parte a partir del supuesto (i i) podemos deducir la fórmula
p" + q" ~r". Luego en D se podría derivar una contradicción, lo que no pue-
de ser en virtud del supuesto (i). Debemos concluir entonces que la ecuación
p" + q" = r" no tiene solución para p.q.r ~ O y n > 2. Mas este último es jus-
tamente el enunciado del teorema de Fermat.
Los intuicionistas no aceptarían una demostración como aquella expuesta
en el parágrafo anterior. No verían la necesidad de recurrir al formalismo O.
Con Abs F expresamos que una contradicción se sigue se suponer la verdad
dei enunciado F del Teorema de Fermat. F expresa que cs imposible encon-
trar cuatro números p,q,r,n que estén en la relación G(p,q,r,n) definida así:
cuatro números naturales p,q,r,n están en esa relación si y só lo si p.q.r ~ O, n
> 2 y p" + q'' = r'. Tenemos entonces que
A ::> Abs B
B ::> Abs A
deducimos
46 Jorge Alberto Mofina
A::::>B
Abs B::::>AbsA
obtenemos
Referências bibliográficas
]A VlER L EGRlS
Universidad de Buenos Aires y Conicel
modelos (véase, por ejemplo, Tarskj 1936), que acepta el uso de princípios
matemáticos no constructivos.
La concepción propuesta por Bolzano estaba dentro de la una tradición
objetivista que se continuaria también en Tarski. La relación de consecuen-
cia lógica podía ser caracterizada con independencia de sujetos de conocimi-
ento y sus procesos inferenciales. La dis.cusión semântica recurría a concep-
tos ontológicos.
De todos modos, toda teoría de la coosecuencia lógica debe ser coherente
con los diferentes métodos que los sujetos de conocimiento utilicen para
afirmar y justificar que un enunciado es consecuencia lógica de otros. Estos
métodos que estructuran los procesos inferenciales de sujetos de conocimi-
entos dan lugar a demostraciones. En el caso de la lógica moderna, estos
métodos de demostración se han sistematizado en sistemas de deducción
relativos a lenguajes formates que constao esencialmente de regias y res-
pecto de los cuales se definen relaciones de derivabilidad (versión dei con-
cepto de demostración relativo a sistemas específicos). La determinación de
las propiedades de esta relación de derivabilidad formal en los diferentes
sistemas se convirtió en la tarea central de la teoria de la demostración.
Ahora bien, hay un sentido en el que se habla de consecuencia lógica en
el cual la mera preservación de verdad no es suficiente para afirmar la exis-
tencia de una relación de consecuencia lógica entre un enunciado y un con-
junto de enunciados. Se pretende además haber comprendido o entendido
que efectivamente se puede afirmar la existencia de esa relación de conse-
cuencia lógica. Por ejemplo (y el ejemplo está pensado a propósito, véase
Prawitz 1978, p. 26), nadie concederia que el teorema de Fermat es conse-
cuencia de los axiomas de Peano para la aritmética, incluso en el caso de que
el teorema de Fermat sea realmente una verdad aritmética (lo que, ai pare-
cer, no se ha podido determinar todavía). Se exigiria además una demostra-
ción de tal hecho, que permitiera un entendimiento dei mismo
(demostración que no está relativizada a un sistema formal).
Este sentido de consecuencia lógica tiene también una larga historia, y
sus orígenes bien pueden encontrarse en la caracterización aristotélica de la
lógica como ciencia demostrativa (Anal. Pr. I 124al0). No obstante, los
primeros esbozos de una presentación sistemática se encuentran en las con-
diciones de demostrabilidad propuestas por Arendt Heyting en relación con
la fundamentación de la lógica intuicionista y en la "lógica de problemas" de
Andrei Kolmogorov. En ambos autores se encuentran las bases para desar-
rollar una semántica constructiva.
En síntesis, hasta aquí quedao claramente delineadas dos tradiciones
diferentes en cuanto a la justificación fi losófica de la consecuencia lógica.
50 Javier Legris
Pa:Pa Pb :Pb
Pa v Pb : 3xPx,
Pa:Pb Pb :Pb
Pav Pb: Pb
Pa:Pa Pb :Pb
Pa v Pb : Pa, 3xPx
Pa v Pb : 3xPx, 3xPx
IIl
(PI) p.
(P2) p :-p.
pl,...,pn: q.
56 Javier Legris
(P'I) p :-p.
(P'2) p.
y puede comprobarse que, frente a la misma consulta, Prolog entra esta vez
en un loop, no comportándose de la manera deseada.
Sin entrar en detalles acerca de los procedimientos computacionales de
Prolog (los que, justamente, se corresponden con la regia de corte), puede
decirse que este comportamiento no esperado de Prolog tiene su causa en Ia
manera en que Prolog "lee", por así decirlo, Ias cláusulas de un programa y
opera sobre ellas. Las versiones usuales de Prolog permiten que una cláusula
sea leída más de una vez, produciendo un círculo en la lectura de las clásulas
dei programa P'. En otras pai abras, Prolog puede ''volver hacia arriba" en la
lectura de las cláusulas.
El problema podría solucionarse haciendo que Prolog lea las cláusulas en
una única dirección, de arriba bacia abajo, sin poder volver atrás. Sin em-
bargo, en ese caso apareceo otros problemas. Tómese el siguiente programa
P"
(P"l) q :- p.
(P"2) r.
(P"3) p :-r.
IV
Referências Bibliográficas
ARTHUR B UCIISBAUM
Universidade Federal de Santa Catarina
T ARCISIO P EQUENO
Universidade Federal do Ceará
l. Introdução
Podemos observar dois tratamentos clássicos distintos dados em Lógica para
a implicação material:
12) a regra para a introdução da implicação não apresenta restrições, mas
existem limitações para a introdução do quantificador universal e outras
regras análogas, como se dá nas lógicas ditas fechadas [1,3,4,5];
22 ) a introdução da implicação é feita com restrições, mas há liberdade in-
condicional para a introdução do quantificador universal e outras regras
análogas, como ocorre nas lógicas ditas abertas [6,7,9].
A primeira abordagem tem sido adotada em sistemas de dedução natural
[3,8] c cálculos de scqüentes [4], enquanto que a segunda, por questões de
elegância, tem sido vista em cálculos axiomáticos abertos1 [6,7,9].
As formulações para o Teorema da Dedução referentes a cálculos axiomáti-
cos, representando lógicas abertas, que temos encontrado na literatura, pade-
cem de algumas deficiências, tais como:
• uso explícito do conceito de demonstração, ao invés de uma idéia de ni-
vel mais alto versando sobre conseqüência sintática;
• falta de um rastreamento adequado que acompanhe o uso de objetos vari-
antes em regras de generalização, dificultando possfveis reaplicações do
Teorema da Dedução após uma primeira aplicação.
1
Os cálculos axiomáticos fechados não são convenientes para representar
lógicas possuindo objetos variantes distintos de variáveis, tais como
as lógicas modais.
Morta ri, C. A & Outra, L. H. de A (orgs.) 1998. Anais do IV Encontro de
Filosofia Analftica. Florianópolis: NEL, pp. 61-75.
62 Arlhur Buchsbaum e Tarcisio Pequeno
1
Gen é a regra de generalização para a quantificação universal, adotada
em [7].
A Introdução da Implicação em Cálculos Axiomáticos Abertos 63
;a.
mesma pode ser indicada pelo próprio sinal introduzido pela regra;
O Exemplo: "n" é o objeto variante da regra
{
•r~a
(x) se * para cada o E W, existe r· ç r tal que o não é livre em r '
e r'lf u.
então f~ a.
Teorema 2.8: As seguintes asserções não são válidas para a relação " J-t-":
L]_ ~ f Qf_ . _ ~~ v... v ~ v tv A
• se r rc- a~, ... ,r rc- an, \<X.J , ... ,an} rc-13. então r c ...,;
* r lf a~, ... ,r J-t- ap
.....
l '
~ ~
* {ar, ... ,ap} c 13
• se *para todo i E {l, ... ,n} e para todoj e {l, ... ,p}, se OJ e;Y
e Oj é livre em a j,então existe r ' ç r tal que OJ não é livre em r '
e r ' ft-aJ
que {V'y Q(y,z), Q(y,z) ~ Ry} ~ V'z (Ry v Sz)}, daí temos um contrae-
xcmplo para a primeira proposição.
{ V'y Q(y,.z), V'y (Q(y,z) ~ Ry)} ~ Ry
Da mesma forma, temos que { R 1.1'_ ""' '"'- R S , todavia
Jl rc- vy w. ( J1 v z)
não é verdade que {V'y Q(y,z), V'y Q(y,z) ~ Ry} ~ V'yV'z (Ry v Sz)}, daí
temos um contraexemplo para a segunda proposição.
•
Definicão 2. 9: Dizemos que uma demonstração 'D em C é sustentada por
uma coleção Y de objetos variantes se Y contém a coleção de objetos vari-
66 Arthur Buchsbaum e Tarcisio Pequeno
antes de aplicações de regras em 'D tais que, para cada conclusão de uma
destas aplicações, há urna premissa relevante para esta em 'D. Se existir uma
demonstração em C de a a partir de r tal que esta seja sustentada
por 'Y, dizemos que a é sustentada p or 'V a partir de r em C, e notamos
isto por r I~ <X.. Se )r= { ~ ' .. . ' l\t} e D ~ 1, notamos r I~ (X. também por
'D
r 11 Ot •••• ,Or, "\, .
c · a . Se ..- = 0, dtzernos que é uma demonstração estável em
C. Se a é sustentada por 0 em C, dizemos que a é urna conseqüência está-
vel de r em C.
Teorema 2.10: Se 'V é uma coleção de objetos variantes em C, a é susten-
tada por 'V a partir de r em C se, e somente se, pelo menos urna das se-
guintes cláusulas for cumprida:
• a é um axioma de C;
• a e r;
• existe uma aplicação <X.t, .~,<X.n de uma regra em C tal que
r ~~ a~> ... ,r ~~ <X.n e, se existe um objeto variante o desta aplicação
tal que o E 'V, então h: <X.t. . •. , h: <X.n·
Se 'V= 0, podemos substituir a terceira cláusula acima pela seguinte condi-
ção:
• existe uma aplicação <X.t, ·~,<X.n de urna regra em C tal que
r ~~ a 1, . .. ,r ~~ <X.n e, se existe um objeto variante o desta aplicação,
então h: a 1, .. . , h: <X.n·
Exemplo 2.11: Em um cálculo axiomático aberto possuindo as regras da
generalização e da necessidade, temos o seguinte exemplo de sustentação:
Opxl~ 0\fy Opx.
Teorema 2.12: As seguintes propriedades são válidas para a relação " ~~ ":
(i) se existe uma demonstração 'D em C de a a partir de r cuja coleção
de objetos variantes de aplicações de regras de C em 'D é 'Y,
então r ~~ a ;
(ü) se r ~~ a , então r h: a;
(iii) se r h: a , então existe uma coleção 'V de objetos variantes tal que
A Introdução da Implicação em Cálculos Axiomáticos Abenos 67
rlft-a;
(iv) h: ex. sss ~~ ex.:
(v) se r IJf a e 'V ç 'V', então r IFc-a;
(vi) se r 1ft- ex. cr ç r ', então r'llf ex.;
(vü) se r 1ft- a, então existe 'V'ç 'V tal que 'V' é finito e r lffa;
(vili) se r 1ft- a , então existe r'ç r tal que r' é finito e r ' 1ft- ex.;
.
(IX) r ll_l ll_]h_
Se fCat, ... ,f fC a n, {at, ... ,CX.n} ~~A
fC ,_..,então r ~~ ~ v ... vC"" v 'W f3 .
O teorema abaixo descreve uma forma de expansão para a relação " em ft-"
um cálculo genérico.
l
•... ,0.,
1
,~
• se * {o.t·····O,} c P
*paratodo i E {l, ... ,n}eparatodoj E {l, ... ,p}, se,é livreemaJ,
então existe r' ç r tal que Dj não é livre em r' e r ' ~ aJ
entãof j~p.
Prova: é semelhante à prova do teorema 3. 13.
l
1 ~ •... ,Ot,
• se * {«t , ... ,a,} 1 c B
* para todo i E { 1, ... ,o } e para todo j E { 1, ... ,p }, se Of é livre em a J,
então existe r' ç r tal que Oj não é livre em r ' c r' ~ a.J
então r ~ fj.
Prova: basta usar o teorema 3.3, a nona proposição do teorema 2.12 e o teo-
rema 3.4.
A Introdução da Implicação em Cálculos Axiomáticos Abertos 69
* rJ~a. .....,rUfa.P
,o,.
Oj,...
* {a.., ...,Ct.p} 11 c p
• se *para todo i E {l, ... ,o} c para todo j E {l, ... ,p}, se Oj e )f
[ e Oj é livre em Ct.J, então existe r ' ç r tal que Oj não é livre em r '
e r· J~a.J
entãor J~p.
Prova:
Sejam V 1 , . . . , Vp respectivamente demonstrações em C de a.~. ... ,a.p a partir
de r sustentadas por Y, e seja 'E uma demonstração de p a partir de
{a.h ... ,a.p} sustentada por {Ot , ... ,O,.}. Concatenando 1J1, ... , Vp, 'E, obtemos
uma demonstração V de p em C a partir de r.
Seja y a primeira ocorrência de uma fórmula em 1J justificada como conse-
qüência de uma aplicação ~· de regra variante, tal que o seu objeto variante
não pertence a ')I e y' depende em 'D de algum· elemento de r. Como
V 1, ... ,Vp são demonstrações sustentadas por Y, temos que a ocorrência
considerada de y' figura em 'E, c daí, considerando o o objeto variante da
aplicação, temos que o E { q , ... , o,.}.
S . {.S = {Ct.J I j E {l, ... ,p} c o é livre em Ct.J}
eJam ç= {Ct.J 1j E {l, ... ,p} e o não é livre em Ct.J}
É fácil verificar que existe r · finito tal que r ' ç r, o não é livre em r · e,
para todo 8 E .S, r· I!Fõ, e portanto, pela construção de Ç,
r · v c; I!Fa.~ •... ,r· v c; lffa.p. e o não é livre em r· v c;.
Como a ocorrência considerada de y' precede y em 'D, temos que
{a.l·····Ct.p} lrcr·. e dai, pela transitividade de "lfF", temos que
72 Arthur Buchsbarmr e Tarcisio Pequeno
• se r L]_
rc Cl t, ... ,r ili_
rc Clp, {Clt, ... ,Clp} rc p, então r
l}f_ I~ v ... v~ v1V A-,
p
l
* {o.l, ... ,Clp} p
• se *paratodoie{ l , ... ,n} eparatodoj e {l ,... , p} , seo.~'V
e Ot é.Vvre em O.J, então existe r ' ç r tal que Ot não é livre em r '
e r' ~ Clj
então r~ j3.
Prova: basta usar o teorema 3.12, a nona proposição do teorema 2.12
e o teorema 3.13.
Defmicão 3. 15: Um cálculo semiforte C é dito forte se este possuir a se-
guinte propriedade adicional:
• para cada aplicação Ptp ..
,Pn de uma regra variante de C,
{o.~ Pt. ... ,o. ~ Pn} lrf- o.~ p, onde 'V é a coleção de objetos varian-
tes da aplicação e nenhum elemento de 'V é livre em o..
Teorema 3.16: As seguintes proposições são equivalentes:
(i) C é um cálculo forte;
A lmroduçiJo da lmpllcaçiJo 11m Cálcu/(u A.rJomátlco1 Abertos 73
• se
·u {a.} ~r
c é superforte e {rpara c r1
p, . LJ::_
' . 'então r rarra.-+ p.
cada o e Y, o não e hvre em a.
A Introdução da implicação em Cálculos Axiomáticos Abertos 75
4. Conclusões
Encontramos formulações otimizadas do Teorema da Dedução para uma
ampla classe de cálculos axiomáticos abertos, as quais superam todos os
problemas que inicialmente apontamos, para uma ampla classe de lógicas,
em todo um espectro de possíveis restrições em seu funcionamento dedutivo.
Desde os cálculos semiestáveis e semifortes, até os cálculos superfortes.
A formulação mais fraca da Teorema da Dedução dá-se para os cálculos
quasefortcs. Um exemplo de cálculo deste gênero pode ser visto em [2],
p. 133, o qual é uma tradução para uma linguagem de primeira ordem da
Lógica da Dedução Cética, definida no mesmo trabalho, no capítulo 5. Este
cálculo foi essencial para a prova de completude desta lógica.
A formulação mais fort.e do mesmo teorema dá-se para os cálculos su-
perfortes, os quais constituem a grande maioria dos cálculos axiomáticos
abertos, concernentes à implicação material, encontrados na literatura.
Nossa motivação inicial foi a busca de uma base conceitual para uma prova
de completude abstrata com respeito a uma classe abrangente ·de cálculos, o
que foi realizado em [2), pp. 72-88. Uma exposição concisa desta prova será
objeto de um futuro artigo. ·
Referências
[1) Bell, J. L. & Machover, M. 1977. A Course in Mathematical Logic.
North-Holland Publishing Company.
(2] Buchsbaum, Arthur. 1995. Lógicas da Inconsistência e da Jncomp/etu-
de: Semântica e Axiomática. Tese de Doutorado, Pontificia Universidade
Católica do Rio de Janeiro.
[3] van Dalen, D. 1989. Logic and Stntcture. Springer-Verlag.
[4] Ebbinghaus, H. D. & Flum, J. & Thomas, W. 1984. Mathematical Logic.
Springer-Verlag.
[5] Enderton, Herbert B. 1972. A Mathematical Jntroduction to Logic. Aca-
dcmic Press.
[6] K.Jccne, Stephen Cole. 1971. Introduction to Metamathematics, North-
Holland Publishing Company.
[7] Mendelson, Elliot. 1979., Introduction to Mathematical Logic, D. Van
Nostrand Company.
[8] Prawitz, Dag. 1965. Natural Deduction -A Proof-Theoretica/ Study,
Almqvist & Wiksell.
[9] Shoenfield, J. R. 1967. Mathematical Logic, Addison-Wesley Publishing
Company.
MODALIDADES EM LÓGICAS DE CONHECIMENTO E CRENÇA
CEZAR A. MORTARl
Universidade Federal de Santa Cararina
1. Introdução
Yamo11 examinar Hk, l.e., <p ~ KM<p, <m, allemativarnento, <p -+ K-,K-,qJ.
(Esta fórrnulo corro11ponde ao Hrouwer.vche Axiom B da lógica moda! alética.)
Isso 8ignlflca que, 110 qJ é verdadeiro, enttio um ogento sabe que nAo sabe -,fP.
Ora, um agente certamento nflo sabe - nem pode saber - -,fP, mas será que
ele 11abe IHHo? Nflo necossorlrunenr.e, porque ele poderio acreditar que sabe
que -,<p: BK-,<p. Como K-,K-,({J acarreto 8-,K-,<p, este agente teria crenças
contraditória.~. o que é cxclu(do por D. Portanto esta fónnu la é claramente
Inválido: por que e11tarnos perdendo tempo discutindo-a aqui?
O problema é que nossas lnmiçOeH para aceitar/rejeitar candidatos a axio-
mas e11tllo "sintoni1.ada.1" com racioclnadorcs humanos, ainda que algo ideali-
zados. Nilo podemos aceitar o Brouwersche Axlom dizendo que, como Kk c
a onisciencia lógica, estamos apena11 formalizando conhecimento e crença im-
pHcltos. Isto nAo vai funcionar aqui: agentes nllo acreditam em contradiçOc.o;,
nem mesmo implicitamente. O que esta fórmula realmente diz, no fim das
contas, é que, 11e fP é verdadeira, entno um agente nunca vai acreditar que sabe
que -,qJ; ele nunca comer.erá um tal erro. E isto nao é mais uma idealizaçAo
razoável.
Por outro lado, na lógica modal aléúca, lógicas diferentes capturam di-
ferentes noçOes de ncce11sidade e posHibllidade - nAo poderíamos fazer um
paralelo com a presente situaçao e pretender que estamos, com um princípio
tal como Bk, modelando um diferenr.e tipo de agento?
De fato, nós podemos. A verdade é que muitoll pesquisadores em IA usam
S5 como lógica de conhecimento, da qual Bk acima é um teorema (além de
alguma.'! outras fónnula.'l problemáticas). S5 é dtil, por exemplo, para modelar
conhecimento em ambienr.es distribuidoR, e a.CJ pesROa.'l estilo conscienteR de que
11eus agentes nllo 11110 humanos (ver, e.g., Halpem & Mose11 1984, p. 1). Assim,
se J)k é válida em uma lógica que é reconhecidamente dtil, podemoR aceitá-lo
aqui como um princípio epiHt~mico. (É claro que esta é uma decisAo puramen-
te pragmática; nllo pretendemos afirmar que haja agenteHque se comportam
epistemicamente como em B.)
O dltimo caso que consideraremos ne11te artigo silo a'i fónnulas x1fP-+ y1 qJ
(e, implicitamente, x2 <p-+ y 1<p, 11uaq contra,posilivM). Temos 64 tais fónnula.'!,
que estilo apresentada.'! na Tabela 3.
L K(-,p v p) ~ PP(- w v p) v
2. • PVP PC
3. K(-,pv p) 2RK
4. PP(-,pvp) 1,2PC
5. P(-,pv p)~ (-,pv p) ZPC
6. PP(-,pv p) ~ P(-,pv p) 5RPE
7. P(-,pv p) 4,6MP
8. P(-,p v p) ~ (P•pv Pp) teorema
9. PopvPp 7, 8MP
10. •Bpv•B•p 9Def. P, PC
11. Bp~•B•p 10 Def. v
Brp ~ BK rp -, que é o axioma da convicção. Ou seja, ele pode ser aceito como
válido apenas se interpretannos B como convicção (crença forte), e não como
uma crença "geral", mais fraca. (Ver, p. ex., Lenzen 1980 a este respeito.)
A Figura 1 mostra as relações entre os 30 axiomas identificados até agora
(Tabelas 2 c 3).
axioma<;, já que faremos uso dela<; nas demonstrações de alguns teoremas nas
próximas seções.
4Jc se X:st e X:t r, então X:sr;
4b se Bst e Btr, então Bsr;
sk se X:st e X:sr, então X:t r;
sb se Bst e Bsr, então Btr;
p se X:st e Btr, então Bsr;
c se Bst e X:tr, então Bsr;
Q se Bst e JCsr, então Brt;
v se Bst e X:sr, então X:tr;
Bk se X:st , então JCt s.
Tabela 4: Restrições nas relações de acessibilidade
3. Extensões de X
Prova. Vamos considerar XCQ primeiro. Vamos mostrar que, para qualquer n.
modalidades consistindo de n Ks não podem ser reduzida.c; a modalidades mais
curtas. Em outras palavras, não há um teorema da forma Kn cp H x'" q>, onde n >
m, ex'" é uma modalidade de comprimento m. Suponhamos que houvesse, para
algum m, n, um tal teorema. Em primeiro lugar, podemos supor que x'" é uma
modalidade afirmativa (i.e., onde-, não ocorre). Se xm contém-,, podemos
mover os sinais de negação para dentro, eliminando as duplas negações. No
final, ou r" é afirmativa (contém K, B, P, M apenas), ou xm = ym-1-,. Neste
último caso, uma vez que K-,qJ implica 8-,q>,P.q>, e M-,q>, Knq> ~ Km-1-,q>,
e portanto KnqJ ~ •(/), também seria um teorema de XCQ. O que é absurdo.
Logo, x'" é afirmativa. Se há agora um teorema da forma Knq> H xmcp, segue-
se entAo que Pq> ~ Knq> também é um teorema de XCQ. Mostramos que
não é, construindo um modelo que falsifica P p ~ Kn p, uma instância desta
fórmula. Seja M=({ao, ... ,an,b}.~.B), tal que:
(a) b(p)= ao(p)= ... =an-t(P)= 1, an(P) =O;
(b) VxJCx:x;
(c) VxJCxb;
(d) VxB:xb;
(e) Vi<n:~a,a;+t·
Modalidades em lógicas de conhecimento e crença 89
É óbvio que a relação /C é reflexiva, e que B é serial, e que B ç /C. Não tão
óbvio é o fato de que as condições para C e Q valem, mas o leitor pode fa-
cilmente verificar isso. Além disso, uma vez que a,(p) = O, (M,a,_1)Jz! Kp, e,
finalmente, (M,a0 )Jz! K"p. Por outro lado, uma vez que cada estado dá 1 a p,
exceto a,, e uma vez que a, não é /C-accessfvel a ao, (M,a0 ) I= Km p. Logo,
P p ~ K" p é falsa neste modelo, e não é, portanto, um teorema. Segue-se
que, para qualquer n, há uma modalidade de comprimento n consistindo ape-
na<; de Ks. Isso é suficiente para mostrar que XCQ tem um número infinito de
modalidades distintas.
Uma variação no modelo anterior mostra que P<p ~ K"<p também não é um
teorema de XQVBk: ba<;ta substituir os requisitos (c) e (e) acima por
(c) '1'/x(JCxbA/Cbx);
(e) "i/i< n: (JCa;ai+tAICa,+la,).
É fácil verificar que o modelo satisfaz as condições necessárias para os axiomas
de XQVB·\ contudo, Kmp ~ K"p é falsa nele. •
Prova. Suponhamos que houvesse um teorema da fonna <p =B" p H x"' p, onde
n > m, e xm é uma modalidade de comprimento m. Por razões análoga<; às
apresentadas no teorema anterior - teríamos B" p ~ JC-1-,p, e assim B" p ~
•P como teoremas - podemos supor que xm é uma modalidade afirmativa
Vamos examinar alguns casos para ver que forma esta modalidade pode tomar.
(I) xm contém apenas ocorrências de B. Se cp fosse um teorema, então B" p ~
sm p também seria um teorema. Vamos mostrar que não é. Para isto, conside-
remos um modelo M =({ao, ... ,a,},JC,B), tal que:
(a) ao(p)= ... =am(p)=O, am+t(P) = ... =a,(p) =1;
(b) '1'/x"i/y/Cxy;
(c) Ba,a,;
(d) '1'/i,j,i < j ~ n, Ba;ai.
É fácil ver que JC é uma relação de equivalência, que B é serial e transitiva, e
queB ç;, /C. Também é fácil de verificar que (M,ao)Jz! Bmp, e que (M.ao) I= B" p,
e B" p ~ sm p é assim falsa; logo, <p não é um teorema. Segue-se que, para
qualquer n, há uma modalidade de comprimento n consistindo apenas de Bs, e
não-redutível a uma modalidade de comprimento menor.
Substituindo, no modelo acima, o requisito de que IC seja uma relação univer-
sal (de equivalência) pelo requisito de que seja apenas reflexiva e transitiva,
90 Cezar A. Monari
Proposição 2.
I. X4t5bu{PP}I-F 5. X4.1:5bu{Y} 1- 4b
2. X4k5bu{R} 1- F 6. X4.1:5bu{BP} 1- sh
3. X4.1:5bu{CP} 1- C 7. X4.t5bu{sh} 1- V
94 Cezar A. Mortari
S. Observações finais
Referências
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A NATUREZA DA CRENÇA
MÁRIO A. L. G UERREIRO
Departamento de Filosofia da UFRJ
ele não a tivesse, ele poderia tentar sair do quarto atravessando a parede,
coisa que só um demente tentaria).
Se reduzirmos a crença à sua atualização, mediante esta ou aquela idéia
ou mesmo mediante a consideração desta ou daquela proposição, ficaremos
em urna situação dificil para compreender uma série de crenças que estão
alojadas na memória, que - por diferentes motivos ou razões - não se
manifestam em um determinado momento, mas podem se manifestar em um
momento subseqüente. Por exemplo: um indivíduo pode ter a crença imani-
festada de que, caso ele despenque do décimo andar de um edificio, seu
corpo se esborrachará no chão. Não é dificil imaginar situações em que esta
mesma crença passe de um estado latente a um manifesto. Suponhamos, por
exemplo, que ele esteja lavando a janela de um apartamento e uma das cor-
das que o prendem se rompa.
Levando em consideração esta possibilidade de um indivíduo ter uma
crença imanifestada, G. Ryle (1949) deixou de lado qualquer consideração
da crença como um conteúdo de consciência (seja a de uma idéia vívida de x,
a aceitação tácita de que p, etc.) e passou a conceber como uma disposição
para a ação. Na linguagem coloquial, a noção de disposição costuma ser
usada em relação a seres animados (pessoas ou animais). Diz-se, por exem-
plo, que determinada raça de cães é facilmente irritável ou que determinada
pessoa é confiável. A irritabilidade e a confiabilidade são consideradas dis-
posições. Um animal irritável se mostrará irritado diante de tais e tais estí-
mulos e uma pessoa confiável se mostrará uma pessoa de confiança em tais e
tais situações. Termos tais como "irritado", "deprimido", "eufórico" expres-
sam estados afetivos, porém termos tais como "irritável," "deprimlvel",
"excitável" não expressam estados: expressam disposições afetivas passíveis
de se manifestarem ou não.
Desconsiderando inteiramente quaisquer conteúdos de consciência e
levando em consideração tão-somente a noção de que está em jogo uma
propensão para alguém agir de tal modo, ou uma coisa se mostrar de tal
modo, Ryle pôde tratar disposições humanas do mesmo modo que se poderia
tratar disposições de seres inanimados. Desse modo, a elasticidade e a que-
brabilidade passaram a ser consideradas disposições de determinados mate-
riais como a borracha e o vidro. A disposição passou a ser considerada uma
propriedade especial, mas uma propriedade cuja caracterização independia
de estar em jogo a noção de consciência. A vantagem mais óbvia e imediata
desta concepção é que se entendemos a crença como uma disposição para
agir ou se mostrar em tal estado, podemos falar de "crenças" em relação a
animais ou computadores, sem estar incorrendo no menor risco de estar
usando uma linguagem antropomorfizante, pois tanto os primeiros como os
104 Mário Guerreiro
va, porém submetido a fortes torções - como um camelô às vezes fazia para
persuadir os possíveis compradores do pente de sua resistência - ele acabava
se quebrando, pois não tinha s ido fabricado para resistir a isto.
(4) Armstrong se dá conta da dificuldade apontada e procura encontrar
uma saída dizendo que pode ser levantada uma objeção à idéia de que a
transformação tem de ser uma transformação nas propriedades não-
relacionais de um objeto. Estabelecido isto, ele pede que consideremos uma
determinada ocorrência em que uma disposição se manifesta. Por exemplo:
um pedaço de vidro quebrável é atingido por uma pedra e, em conseqüência
disto, se quebra. Nesta, como em qualquer outra relação de natureza causal,
a natureza do efeito depende de três fatores: (1) a natureza da causa, (2) a
natureza das circunstâncias em que ela atua e (3) a natureza das coisas sobre
as quais atua. O vidro em questão se quebrou, porque foi atingido pela pe-
dra; ele não recebeu um tratamento técnico especial conferido aos vidros
inquebráveis: ele é um vidro quebrável.
Do modo como Armstroog se expressa, dá a entender que propriedades
como a quebrabilidade podem ser concebidas como propriedades não-
relacionais. Mas o problema é que a quebrabilidade não depende apenas da
estrutura de um material mas também da intensidade de uma pressão ou um
impacto exercidos sobre ele. O vidro inquebrável de uma janela de avião
provavelmente resistiria ao impacto de uma pedra, mas talvez não resistisse
ao impacto de um tiro de bazuca. O vidro quebrável da janela da minha casa
não resistiria ao impacto de uma pedra, mas poderia resistir ao impacto de
uma bola feita com papel amassado. E se é assim, a quebrabilidade tem de
ser pensada como uma propriedade relaciona) em que está em jogo a estrutu-
ra do material e a intensidade de um impacto ou pressão exercidos sobre ele,
ou seja: x é inquebrável até um impacto de intensidade i3, mas passa a ser
quebrável sob um impacto maior que i3; y é inquebrável até um impacto de
intensidade i8, mas passa a ser quebrável sob um impacto superior a i8, etc.
Todavia, este impasse não afeta a fórmula proposta por Armstrong:
Para Armstrong, uma disposição é algo que a coisa que a possui retém,
tanto na ausência de uma causa inicial adequada, como na das circunstânci-
as adequadas para a atuação desta mesma causa. Um vidro quebrável conti-
nua sendo um vidro quebrável, mesmo quando não é atingido pelo impacto
de um objeto duro e mesmo quando protegido para não ser atingido por
nenhum objeto (por exemplo: uma tela de arame protegendo o vidro de uma
110 Mário Guerreiro
\
A Natureza da Crença 111
sempre fazer a suposição de que uma coisa que é quebrável ou elástica perca
uma ou outra destas propriedades, mas não deixe de ser a mesma coisa. E
uma vez que os conceitos disposicionais nos deixam na ignorância no to-
cante às propriedades do objeto que lhes fornecem essa disposição, segue-se
que a atribuição de disposições não implica um processo tendo lugar no
interior do objeto.
(6) A atribuição de uma disposição a um objeto implica o objeto estando
em um determinado estado. Cabe indagar, portanto, qual a real natureza
deste mesmo estado. Armstrong considera impossível fornecer uma resposta
de caráter apodítico. Para ele, a resposta mais plausível é: Qualquer estado
que os cientistas apontem como o responsável pela manifestação da disposi-
ção quando uma causa inicial atua sobre o objeto. Assim sendo, no caso da
quebrabilidade, a causa apontada é uma desagregação da estrutura molecular
do objeto quebrável (Armstrong, 1981, pp. 12-13).
(7) Concluindo seu argumento, Armstrong assevera que, se as disposi-
ções são estados do objeto, elas são destacadas claramente de outros estados
pelo modo como são identificadas. Assim sendo, quando falamos da quebra-
bilidade de um objeto, estamos identificando um estado do objeto em relação
ao que a coisa neste mesmo estado é capaz de produzir em conjunção com
uma causa ativa, não identificando este mesmo estado em virtude da sua
natureza intrínseca. Resta acrescentar que isto, por sua vez, está intima-
mente ligado ao papel desempenhado pelos conceitos disposicionais no nos-
so pensamento.
Costumamos empregar este tipo de conceito quando descobrimos que um
objeto de determinado tipo, acionado por uma determinada causa, comporta-
se de modos inusitados, além dos costumeiramente conhecidos e esperados.
Desse modo, creditamos a responsabilidade por estes modos de comporta-
mento a um estado não-corriqueiro do objeto. Todavia, como não sabemos
qual é a natureza deste estado, anteriormente a penosas pesquisas científicas,
nós o nomeamos pelos seus efeitos. O próprio Armstrong reconhece que sua
explicação está correndo o sério risco de ser tomada como uma explicação
vazia e exposta ao ridículo, semelhantemente à fornecida pela conhecida
personagem de Moliere - o médico que, quando indagado por que razão
uma determinada droga farmacêutica produzia sono, disse prontamente que
ela possuía uma vis dormitiva (força adormecedora).
Assumindo sua própria defesa, Armstrong alega ter ao menos estabeleci-
do a estrutura formal de uma explicação, que pode se mostrar posteriormente
proveitosa. Ele se declara satisfeito em parte com seu argumento, à medida
mesma que este, entre outras coisas, alcançou a idéia de que disposições são
conceitos primitivos - conceitos de estados especificados pelo que a coisa,
112 Mário Guerreiro
lhante.
Armstrong diz que se a tem a crença geral de que o arsênico é venenoso,
isto pode ser tratado como uma disposição de a. A causa inicial da manifes-
tação desta mesma crença consiste em a crer que determinada substância
diante dele é arsênico. Esta crença em uma particular matter offact aciona o
gatilho de uma outra manifestação determinada: a adquire a crença de que a
substância diante dele é venenosa (Armstrong, 1981, pp. 1Cr7). Com isto,
Armstrong chama a atenção para o aspecto de que ao menos um tipo de
crença não é inata nem obtida pela mera observação, mas sim adquirida e
obtida mediante inferência. Podemos reoonstitui-la nos seguintes termos:
Supondo que (!) fosse uma proposição falsa, o que estaria falsificado
seria a crença geral de que o arsênico é venenoso, mas supondo que (2) fosse
uma proposição falsa, o que estaria falsificado seria a proposição particular
de que determinada substância observada era de fato arsênico. Ora, a falsifi-
cação de (I) implica a falsificação de (3). mas a recíproca não é verdadeira,
pois um equívoco de identificação de uma instância de uma substância não
afeta a caracterização da própria substância qua ta/e. Deixaremos de lado as
importantes conseqüências podendo ser extraídas dessa diferença entre a
114 Mário Guerreiro
ficação e sem conferir grande peso a ela, temos boas razões para acreditar
que - juntamente com o já mencionado processo inferencial de aquisição de
crenças - estamos diante de tópicos merecedores de considerações mais
aprofundadas, pois estas podem nos fornecer importantes pistas para um
esclarecimento maior da concepção de crença como disposição e, mais espe-
cificamente, como disposição para a ação.
Admitamos que em algum ponto da minha memória está registrada a
crença de que p. A situação com a qual estou envolvido em 11 apresenta
aspectos bastante distanciados do conteúdo significativo de p, de tal modo
que não há nenhuma razão nem nenhum motivo para p aflorar à minha
consciência. Contudo, em 12, ocorre algo inesperado e faz com que p aflore à
minha consciência e eu tome uma importante decisão baseada em p. Tudo
indica que em situações deste tipo a crença se apresenta como uma disposi-
ção para a ação seguida da manifestação desta mesma. Ela passa de um
estado causalmente inativo para um ativo, de modo que, ao menos à primei-
ra vista, não parece diferir do que pode ser encontrado no comportamento de
animais ou computadores. Não há dúvida de que há fatores de caráter estru-
tural marcando a diferença entre a consciência humana, de um lado e a dos
animais e dos dispositivos computacionais de outro, porém não devemos
desprezar as semelhanças.
Novamente as crenças gerais despontam como uma marcante exceção em
relação ao que foi dito sobre crenças particulares e disposições. É plausível
dizer que a crê que p (por exemplo: "O arsênico é venenoso"), se, e somente
se, a aquisição da crença particular de que uma determinada substância é
arsênico faz com que a adquira a subseqüente crença particular de que esta
mesma substância é venenosa. Seria incongruente, caso a aceitasse as pre-
missas (1) e (2) do esquema inferencial já apresentado, mas recusasse (3) a
conclusão. Supondo que a se recusasse a aceitar (3), a estaria desempenhan-
do um comportamento tão irracional quanto o de b, admitindo que b abrisse
sua boca para formular a seguinte hipótese: "Se a Terra é plana, a navegação
na direção do Ocidente tem de conduzir ao Oriente." Tal hipótese é mani-
festamente incongruente. A idéia de que a referida navegação conduz ao
referido objetivo não é compatível com nenhuma propriedade do plano, mas
sim com uma propriedade topológica da esfera.
No caso das crenças pensadas em contraposição a disposições (como a
solubilidade do tablete de açúcar, por exemplo), parece que os estados en-
volvidos têm de apresentar uma determinada estrutura interna. Suponhamos
que a creia que p (O gato está deitado no tapete), creia que q (O gato está
dormindo) e que r (O gato é preto). Embora p, q e r sejam crenças distintas,
elas envolvem claramente um núcleo comum, pois são crenças a respeito de
A Natureza da Crença 11 7
lhes é atribuído tanto por Ryle como por Armstrong. Não obstante, dando
por assentado que não estão em jogo quaisquer disposições inatas do sujeito
da crença - coisa que dificilmente poderia ser aceita - cabe indagar como
este mesmo as adquire. Tudo leva a crer que o modo mais comum de aquisi-
ção (ou ao menos o mais estudado por filósofos) se faz por meio de generali-
zações empíricas em esquemas indutivos, que Hume remeteu pura e sim-
plesmente aos hábitos e Ramsey qualificou como "hábitos de inferência."
Contudo, não se pode sustentar que este seja o único meio de aquisição.
Alguém pode adquirir a crença de que p (por exemplo: de que "o arsênico é
venenoso") simplesmente por ouvir dizer que assim é e conferir plena credi-
bilidade ao que ouviu ou lhe foi dito, seja porque o foi por seu professor de
química, seja porque assim leu em uma revista de divulgação científica, seja
de qualquer outro modo em que a crença foi adotada por pura credibilidade
sem nenhuma investigação ou questionamento. Para todos os efeitos, o que
importa neste contexto não são os motivos nem as razões que levam a, b ou
c, etc. a acreditarem em p, q ou r, etc., mas o fato de a, b ou c, etc., conferi-
rem sua adesão a p, q ou r, etc., e confiarem na veracidade de p, q ou r, etc.
Não importando se uma crença foi obtida por indução ou por alguma
forma de ouvir dizer, ela só é incorporada ao repertório de crenças do sujeito
caso desperte nele credibilidade, o que nada tem a ver com seu caráter pos-
sível ou imposslvel, racional ou irracional, pois o que está realmente em jogo
não é o conteúdo da crença, mas uma atitude proposicional assumida pelo
sujeito da crença. Este é um aspecto da questão que não foi levado em consi-
deração por Armstrong, mas foi levado seriamente em consideração por
outros autores, como é o caso de R. Needham ( 1972, pp. 64-1 08). À primei-
ra vista, isto não é incompatível com com a concepção de Armstrong, mas
abre uma importante perspectiva não descortinada por ele. Não iremos ex-
plorá-la antes de examinar mais alguns aspectos da concepção de
Armstrong.
Embora Armstrong tenha insistido em manter sua distinção entre cren-
ças gerais como disposições e crenças particulares como estados, na sua
posterior explicitação dos princípios de inferência que nos permitem o des-
locamento de uma crença particular a outra, Armstrong ( 1981, pp. 99-11 O)
assume que, para todos os efeitos, as expressões doxásticas são atitudes pro-
posicionais. E ele mantém este mesmo pressuposto mais adiante - no capi-
tulo 10 de Belief, Truth and Knowledge - em que tematiza a fórmula clássi-
ca da epistemologia desde Platão a Hintikka, de acordo com a qual o conhe-
cimento implica a crença, porém a recíproca não é procedente. Como é sabi-
do, no Teeteto (20Ic-d) Platão apresentou uma definição do conhecimento
em termos de crença: Episteme esti a/ethe doxa meta logou (O conheci-
124 Mário Guerreiro
deiras e verdadeiras como falsas. A distinção entre (l) e (2) mostra-se opor-
tuna também quando reconsideramos a natureza das crenças absurdas ou
irracionais. Suponhamos que alguém dissesse que acredita na existência de
um círculo quadrado. O suposto objeto da sua crença não pode ser percebido,
imaginado nem concebido, pois sua descrição constitui uma autocontradição.
Nem mesmo de um ponto de vista fenomenológico, cabe falar em um objeto
"intencional", pois, para o próprio Husserl, trata-se de uma intenção signifi-
cativa que não adquire preenchimento e que, por isto mesmo, não se trans-
forma em uma intuição.
Mas, como observou Needham ( 1972, p. 64), um indivíduo pode perfeita-
mente crer em algo absurdo ou impossível. Desse modo, se ele diz que acre-
dita na existência de um círculo quadrado, sua atitude doxástica não pode
ser considerada impossível: o que é impossível é o suposto objeto da sua
crença, uma vez cjue constitui uma impossibilidade lógica (algo mais forte
do que a impossibilidade fisica). Mas, se é assim, como podemos dizer que
crer é um verbo intencional e que toda crença é uma crença em alguma
coisa? Temos uma situação aparentemente paradoxal em que há (1) mas não
há (2), ou seja: há a crença, pois a restrição imposta pelo princípio de não-
contradição não afeta em nada a possibilidade de crer, mas não temos o ob-
jeto da crença, pois, para todos os efeitos, "círculo quadrado" é um nome va-
zio que não designa nenhum objeto em nenhum mundo possívelleibniziano.
A expressão "objeto impossível" é perigosa e escorregadia, pois pode dar
a entender que "impossível" está qualificando um tipo de objeto, quando o
que se pretende dizer é que se trata de algo não podendo ser pensado como
um objeto. Dizendo de outro modo: a descrição "figura geométrica de quatro
lados iguais e cujos pontos ao longo do perímetro são equidistantes do cen-
tro" é uma descrição vazia, não descreve nenhum objeto. Assim sendo, te-
mos de considerar que a proposição "Há zero círculos quadrados" (o mesmo
que: ''Não há nenhum círculo quadrado") é verdadeira. Negá-la seria admitir
que há ao menos um; considerá-la indecidível seria colocar uma dúvida tola
a respeito do indubitável caráter autocontraditório da descrição correspon-
dente ao nome "círculo quadrado".
Não nos interessa aqui problematizar a questão da quantificação lógica
em relação aos supostos objetos correspondentes a descrições autocontraditó-
rias, mas chamar a atenção para o abismo que se abre entre crença e conhe-
cimento. Ninguém pode fazer uma alegação séria de conhecimento, caso esta
envolva impossibilidade lógica; mas no que se refere à crença, parece não
haver qualquer restrição lógica relativa à atitude de crer. Parece que pode-
mos crer em qualquer coisa, assim como podemos desejar qualquer coisa. Se
há algum limite, este nada tem a ver com qualquer restrição de caráter lógi-
132 Mário Guerreiro
Referências Bibliográficas
1
Seguindo a tradição de língua inglesa, utilizaremos aqui "epistemologia'· (e
correlatos) como sinônimo de "teoria do conhecimento".
2
Cf. Shope, Robert K., The Analysis of Knowing. Princeton: Princeton Univer-
sity Press, 1983, p. 12- 19. Shope apresenta-nos, por exemplo, uma passagem do
Ménon em que a definição platônica de conhecimento é explicitada, quando
Sócrates, procurando distinguir opinião verdadeira de ciência, diz a Ménon que
opinião verdadeira é comparável à estatua de Dédalus, a qual, se não amarrada,
escapa, e que é necessário, por isso, 'amarrá-la' através do uso da razão (97e-
98a). Citando Richard Aaron, Shope apresenta-nos também uma passagem da
Crítica da Razão Pura na qual Kant parece referendar a definição platônica
(A822, B850).
3
O termo 'saber', equivalente à 'conhecer', tem sido utili1..ado em diversos
sentidos - correlatos mas não idênticos - ao longo da tradição filosófica: i)
saber como ter habilidade para, como em "O Palmeiras sabe jogar bem"; ii)
como familiaridade, como em "Pedro sabe o caminho para casa" ou em "Antônio
conhece Maria"; iii) como possuir informação com, digamos temporariamente,
certa propriedade, como em "José sabe que 'dois mais dois são a quatro' é ver-
dadeiro". Este trabalho restringirá seu escopo apenas ao último destes sentidos,
que designaremos 'proposicional'.
onde:
a) Sé um sujeito epistêmico qualquer (ou seja, um sujeito capaz deter
estados mentais aos quais atribuímos o status de 'epistêmicos', como, por
exemplo, crer, suspender o juízo, etc.); -
b) p representa uma proposição4 qualquer;
c) 'S crê que p' afirma que pé uma proposição que faz parte do con-
junto que contém todas as proposições da mente de S 5 ;
d) 'pé verdadeira' afirma simplesmente que é o caso que p;
e) 'S está justificado em crer que p' nos informa que S tem, falando
provisoriamente, boas razões (aquele raciocínio que, como nos falava
Platão, "amarra" a mera crença verdadeira).
2 O Problema de Gettier
4
Tomaremos aqui 'proposição' como sinônimo de 'enunciado'.
5
Aí incluídas aquelas crenças das quais S tem atualmente consciência (crenças
'ocorrentes') e aquelas com as quais ele atualmente não se preocupa, mas podem
ser por ele acessadas a qualquer instante (crenças 'disposicionais').
6
Gettier, Edmund. "Is Justified True Belief Knowledge?" In Analysis, 23: pp.
121- 3, 1963. Esse artigo tem sido constantemente reimpresso em inúmeras
coletâneas. A mais recente delas talvez seja On Knowing and the Known -
lntroductory Readings is Epistemology, editada por Lucey, Keneth G. (Nova
York: Prometheus Books, 1996).
Crença Verdadeira Justificada é Conhecimento? 135
Russell pretendia mostrar, com (R), apenas, que poderia existir uma
crença verdadeira sem, no entanto, conhecimento. Scheffler, porém,
sustenta que (R) pode ser considerado um ataque a (DT) se supusermos
que S tem bons motivos (evidências, boas razões, etc.) para acreditar que
o relógio está funcionando.
7
Scheffier, Israel. Condilions of Knowledge. Chicago: Scott, Foreman ed., 1965,
p.ll2.
8
In Shope, 1983, p.l9.
9
Chisholm, Roderick. Theory of Knowledge. z• cd. Englewood Cliffs: Prentice-
Hall., 1977, p.l04.
10
In Shope, 1983, p. 20.
136 Alexandre Meyer Luz
A nosso ver, porém, nem (R) nem (M) estabelecem-se como contra-
exemplos (DT); 11 isso porque, nos dois casos, S não está adequadamente
posicionado para saber que p. Isso é evidente em (M): claramente S não
tem um aparelho auditivo minimamente competente (e isso é relevante
nesse caso, haveríamos de conceder) para que possamos atribuir-lhe
conhecimento.
No caso de (R) isso é menos evidente, mas também detectável. S pode
aqui ser acusado de desleixo intelectual, deixando de executar uma tarefa
tão relevante quanto simples: avaliar o funcionamento do relógio. Assim,
apesar de p ser verdadeira e de S crer em p, não concordaríamos muito
facilmente em atribuir a S justificação para tal crença, já que podemos
facilmente concordar que uma condição a ser cumprida para que S esti-
vesse efetivamente justificado, nesse caso, é a que ele consultasse as
horas num relógio que funcionasse.
Mas podemos descrever mais minuciosamente a situação que tornaS
um sujeito epistemicamente atacável: em ambos os casos a justificação de
p depende de uma outra crença, q, que, por sua vez, não está justificada.
Vejamos então:
- Em (M) a crença p ('o sino está tocando') depende, para sua justifi-
cação, da crença qm ('ouço o som do sino tocando no jardim'), clara-
mente não justificada.
- Em (R) a crença p ('são x horas') depende, igualmente, de uma
outra crença, q, ('segundo. tal relógio são agora x horas'), à qual não
atribuímos justificação, dado que, nesse caso, o relógio não é um instru-
mento fidedigno para indicar o horário atual.
11
Seguimos aqui a posição de Shope, contra Scheffier e Chisholm. À margem de
tal discussão, porém, o fato é que, mesmo que (R) e (M) possam ser considera-
dos já como ataques à (DT) (ao acrescentarmos às situações ali descritas aquele
plus ausente, que nos impede de atribuir justificação aos sujeitos epistêmicos de
tais casos), Gettier merece os méritos por, pelo menos, ter tomado explícito o
problema.
Crença Verdadeira Justificada é Conhecimento? 137
12
Este é o exemplo esquemático apresentado em Shopc, 1983, p. 23.
13
Assumimos aqui a suposição de que justificação pode sempre ser transmitida
via dedução.
138 Alexandre Meyer Luz
(G2) Com novo emprego e dez moedas no bolso: Smith tem forte evidên-
cia a favor da seguinte conjunção, d: 'Jones será indicado para o emprego
e tem dez moedas no bolso', da qual deduz a proposição e: ' O homem
que será indicado para o emprego tem dez moedas no bolso' . Acontece
que, sem que Smith o saiba, ele é que será o indicado para o emprego e,
14
coincidentemente, tem dez moedas no seu bolso.
Temos em (02):
d = Ej & Mj: Jones será indicado para o emprego e tem dez moedas
no bolso.
e = 3x(Ex & Mx): existe um homem que será indicado para o empre-
go e que tem dez moedas no bolso.
O problema aqui se instala de um modo semelhante ao do primeiro
caso: existe uma proposição justificada para Smith (Ej & Mj), da qual ele
deduz uma nova proposição (3x(Ex & Mx)), que também está justificada
para ele. Acontece, porém, que a proposição original (Ej & Mj) é, de
fato, falsa, mas a deduzida (3x(Ex & Mx)) é, por um golpe de sorte, ver-
dadeira.
Devemos notar que o sujeito epistêmico desses problemas não padece
das mesmas debilidades daqueles dos exemplos (R) e (M). O sujeito
epistêmico dos casos de Gettier tem aqui "forte evidência" para crer no
que crê. Os exemplos de Gettier supõem que S possa dispor de um núme-
ro virtualmente infmito de evidências relevantes que justificariam as
crenças de Smith de modo aceitável para a maior parte dos indivíduos
numa situação real semelhante. Os exemplos de Gettier não são passíveis
dos mesmos ataques dirigidos aos de Russell e Meinong; o sujeito epis-
têmico dos exemplos de Gettier, diríamos, num primeiro momento, está
em 'posição para saber', 'tem boas evidências ou razões para o que crê'
ou, em outras palavras, está justificado em crer no que crê.
14
Esse é novamente um exemplo esquemátiCfl
Crença Verdadeira Justificada é Conhecimento? 139
15
Tal afirmação, porém, não caracteriza um compromisso com as teorias da
virtude epistêmica (sobre tal grupo de teorias consulte, por exemplo, Montmar-
quet, Jarnes. Epistemic Virtue and Doxastic Responsability. Lanhan: Rowman &
Littlefield, 1993.)
16
Uma discussão mais detalhada pode ser acompanhada em Conee, Earl. Why
Solve the Gellier Problem?, in. Moser, Paul (Ed.). Empirical Knowledge -
140 Alexandre Meyer Luz
A presença de falsidades
nos casos originais de Gettier). Como veremos, porém, existem casos de tipo-
Gettier que não vão utilizar condicionais com o antecedente fàlso.
19
Furman, Michacl T; Living in the Gettier Fallout. Santa Barbara, 1992. Tese.
University ofCalifornia.
20
In Shope, 1983, p. 24.
21
Cf. também Feldman, Richard. "An Alleged Dcfect in Gcttier Counterexam-
ples" (in Moser, 1996).
142 Alexandre Meyer Luz
(TG3) Jones sob Hipnose: Suponhamos que uma pessoa, S, sabe a se-
guinte proposição verdadeira, M: o Sr. Jones, um colega de trabalho que
S sempre tomou como alguém confiável e em relação ao qual S não tem,
no presente, nenhuma razão para nutrir desconfiança, disse a S que P:
Ele, Jones, possui um Ford. Suponhamos também que Jones disse P a S
somente devido ao estado de hipnose em que Jones se encontra, e que P é
verdadeira unicamente porque, sem que o próprio Jones o saiba, ele ga-
nhou um Ford na loteria no instante em que entrou no estado de hipnose.
E suponha ainda que S deduz de M a generalização existencial Q: Há al-
guém, o qual S sempre considerou confiável e em relação ao qual S não
tem nenhuma razão para começar a desconfiar no presente, que disse a S,
seu colega de trabalho, que ele possui um Ford. S, então, sabe que Q,
desde que ele deduziu corretamente Q de M, o qual ele também sabe.
Mas suponhamos também que, baseado em seu conhecimento de que Q,
S acredita também em R: Alguém no escritório possui um Ford. Nestas
condições S tem uma crença verdadeira;ustificada de que R. conhece sua
evidência para R. mas não sabe que R. 2
22
Moser, Paul. Knowledge and Evidence. Cambridge: Cambridge University
Press, 1989, p. 237.
Crença Verdadeira Justificada é Conhecimento? 143
(TG5) A louca Sra. Grabil: S acredita que seu vizinho, Tom Grabit, rou-
bou um livro na livraria, já que S viu Tom fazendo isto. A mãe de Tom,
em estado de demência, diz aS que T<>m tem um irmão gêmeo cleptoma-
níaco (o que é fruto de sua imaginação perturbada) e que 'o irmão gêmeo
de Tom estava na livraria na hqra do roubo, enquanto Tom estava a mi-
lhares de quilômetros de distância dali.' 24
O que temos de novo aqui? Algo que nos revela mais uma caracterís-
tica que uma nova definição (é adequada) de justificação deve possuir: a
capacidade não só de explicar como a adição de novas evidências pode
solapar aquela base possuída para a crença, mas também que essa evi-
dência adicional pode, por sua vez, ser derrotada por uma nova informa-
ção, que funciona, no caso acima, como contra-evidência à essa evidên-
2
s Id., pp. 33-4. Variações podem ser conferidas também nas páginas 229, 230 e
232.
Crença Verdadeira Justificada é Conhecimento? 145
26
Cf. um recente e instigante artigo de Sartwell, Crispin. "Why Know1edge is
Merely True Belief." The Journal of Philosophy, LXXXIX, 4, pp. 167-80, 1992.
27
Audi, R. (Ed.) The Cambridge Dictionary of Philosophy. Cambridge: Caro-
bridge University Press, 1996, p. 693.
28
O principal tipo de teoria extemalista. A definição, porém, pode ser estendida
a qualquer tipo de externalismo. Podemos encontrar as raízes do projeto exter-
nalista na proposta quineana de transformar a Epistemologia em ' um capítulo
das ciências naturais'. Alguns artigos já clássicos sobre o externalismo podem
ser encontrados em Komblith, Hilary (Ed.). Naturalizing Epistemology, 2' ed.
Cambridge: The MIT Press, 1994.
Crença Verdadeira Justificada é Conhecimento? 147
29
Lehrer, 1990 (grifo nosso).
30
Alston. Willian P. lnternalism and Externalism in Epistemology. In Alston.
Willian P. Epistemic Justijication- Essays in the Theory of Knowledge. lthaca:
Comell University Press. 1989, p. 185.
148 Alexandre Meyer Luz
3.2.1.1 O Coerentismo
31
Sobre esse problema c suas conseqüência confira, p. ex., Audi, Robert. Beliej.
Justification, and Knowledge. Califomia: Wadsworth Publishing Company,
1988, pp. 83ss.
32
Uma reconstrução mais detalhada de uma teoria coerentista (a de K. Lehrer),
assim como a de uma teoria fundacionista (de Paul Moser), pode ser acompa-
nhada em Luz, Alexandre Mcyer. A Análise do Conhecimento: O Problema de
Gellier e Três tentativas lnternalistas de Solução. Porto Alegre, 1997. Disserta-
ção. Pontificia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Crença Verdadeira Justificada é Conhecimento? 149
3.2.1.2 O Fundacionismo
33
Cf. Audi, 1988, p. 87. Notemos que "coerentismo" aqui se refere a
"coercntismo epistemológico", sem relação com a mesma expressão utilizada em
outros casos como, por exemplo, nas "teorias da verdade coerentistas". Além do
livro de Lehrer que aqui será apresentado adiante, como dissemos, outras leitu-
ras interessantes para um panorama mais detalhado são o livro de Laurence
Bonjour (talvez, com Lchrer, um dos mais importantes coerentistas), Bonjour,
Laurence, The Structure of Empirical Knowledge. Cambridge: Harvard Univer-
sity Press, 1985, e a coletânea de artigos crfticos editados por John Bender:
Bender, John (Ed.). The Current State ofThe Colzerence Theory: Criticai Essays
on lhe Epistemic Theories of Keith Lehrer and Lawrence Bonjour with Replies.
Doordrecht: Kluwer Academic Publishers, 1989.
34
Descartes e os empiristas clássicos podem ser considerados fundacionistas,
apesar da aparente divergência em seus projetos. Ambos apelam para crenças
que, de um modo particular para cada um, se auto-sustentam: para Descartes, as
crenças que sustentam as demais crenças devem ser indubitáveis; para os empi-
ristas clássicos, o papel de sustentação das demais crenças é executado pelas
crenças com conteúdo empírico.
35
Uma primeira consulta pode ser feita rapidamente no já citado The Cambridge
Dictionary of Philosophy, no verbete ' Foundationalism', redigido por Paul K.
Moser.
150 Alexandre Meyer Luz
36
Em Luz, 1997, demonstramos dois casos de teorias sendo derrotadas por con-
tra-exemplos: as de Paul Moser e Keith Lehrer.
37
C f. Shope, 1983,cap.6.
38
Uma boa introdução à disputa internalismo x externalismo pode ser encontra-
da sob o verbete ' internalism/externalism' do execelente dicionário editado por
J. Dancy e E. Sosa, A Companion to Epistemology (Oxford: Blackwell Pu-
blishers Ltd, 1996).
39
Notemos que não nos importa aqui se é possível tennos efetivamente proposi-
ções verdadeiras ou qualquer outras questão do gênero. Como já apontamos,
apesar da proximidade, a questão da definição do conhecimento não depende
diretamente da questão do ceticismo.
Crença Verdadeira Justificada é Conhecimento? 151
40
Não é dificil supor que, para um extemalista radical, a justificação não será
um requisito de algum tipo de ' ação racional' em relação à crença, mas um mero
requisito de proximidade entre o conteúdo da crença e a verdade. Alvin
Goldman, por exemplo, definia justificação do seguinte modo: "Se a crença de S
em p em t resulta de um processo cognitivo confiável, e se não há nenhum
[outro] processo confiável ou condicionalmente confiável disponível para S, o
qual, se tivesse sido utilizado por ele junto com o processo atualmente utilizado,
resultaria na sua descrença em relação a p em t, então a crença de S em p está
justificada". (Goldman, Alvin. " What is Justified Belief?'' In Pappas, G. S. (ed.)
Justification and Knowledge. Dordrecht: D. Reidel, 1979. ).
152 Alexandre Meyer Luz
4 Considerações Finais
ARLEY MORENO
Unicamp
sagem permite que o centro de interesses passe a incidir, cada vez mais clara
e sistematicamente, sobre os mecanismos do simbolismo lingüístico como
uma forma filosoficamente mais adequada de interpretação do conhecimen-
to. Ao criticar a tese de que o pensamento é autônomo ao elaborar juízos
sintéticos a priori, e, pelo contrário, ao assumir a tese de que a experiência
empírica fornece um modelo indispensável para o conhecimento - que não
devemos descartar, sob o risco de reincidirmos nos tradicionais sistemas
metafisicos -, os filósofos do empirismo lógico, desde Russell até Carnap,
esclarecem-nos, cada um à sua maneira, a função constitutiva desempenhada
particularmente pelo simbolismo lingüístico na construção do conhecimento
conceitual: os próprios fatos coincidem com sua expressão língilistica em
algo que lhes é comum, sua forma. Ora, esta forma possui propriedades
lógicas que podem ser exploradas e explicitadas, e é a este trabalho que se
dedicam os empiristas lógicos.
Em segundo lugar, gostaria de ressaltar o alargamento da concepção
kantiana da Lógica proposto por G.-G. Granger. A Lógica, segundo Kant,
deve fornecer exclusivamente as formas legítimas do pensamento em geral,
independentemente de seus eventuais conteúdos. A Lógica não legisfera,
neste sentido kantiano, sobre o pensamento de objetos e, por isto, não possui
a função transcendental que é atribuída à Estética. Ora, Granger (1968 e
1994, cap. 2), ao reconhecer a importância do simbolismo lingilfstico na
constituição do conhecimento conceitual, é levado a propor a idéia de que a
Lógica já legisfera a respeito da organização perceptiva da experiência,
enquanto experiência a ser expressa lingilisticamente. Em outros termos, a
Lógica já é transcendental porque fornece as formas mais primitivas do
pensamento de objetos, a saber, do pensamento simbólico. E encontramos,
aqui, uma situação equivalente àquela com que se defronta o jovem Wi-
ttgenstein do Tractatus: a Lógica é transcendental e fornece as condições
para o pensamento objetivo.
Em terceiro lugar, neste ponto, acompanhamos Wittgenstein nas dificul-
dades encontradas para a caracterização do conceito de objeto e a passagem
à segunda fase de sua atividade filosófica (Moreno 1995). Após o Tractatus,
ao indagar a respeito de quais são os objetos, Wittgenstein percebe que a
Lógica oferece as condições a priori para o pensamento do objeto, mas,
apenas do ponto de vista daquilo que é denominado de modelo referencial,
ou agostiniano, nas Investigações Filosóficas. Pode-se afirmar, após o
Tractatus, que as formas primitivas da experiência expressa lingilistica-
mente, fornecidas pela Lógica, são relativas ao modelo referencial, e, por-
tanto, limitadas a uma determinada concepção de linguagem, a qual, nessa
Conseqüências epistemológicas da terapia wiltgensteiniana 155
li
Ora, não seria demasiado insistir, neste ponto, sobre a natureza não-
empírica da descrição das ações e hábitos instituídos da função simbólica e
criterial. Mais uma vez, é o próprio Wittgenstein quem nos fornece indica-
ções a este respeito. Uma das principais fontes de mal-entendidos na com-
preensão do pensamento do filósofo reside em atribuir-se uma natureza
sociológica, psicológica ou antropológica às descrições que faz de jogos de
linguagem, de formas de vida - e isto, apesar das constantes advertências
feitas pelo próprio Wittgenstein no sentido de evitar tais interpretações. Ao
descrever situações efetivas - reais, possíveis ou, mesmo, inusitadas - de
jogos lingUísticos, Wittgenstein não se interessa em descrever situações
empíricas ou estados de coisas possíveis, mas, exclusivamente, a capacidade
expressiva da linguagem quando as palavras são aplicadas a tais situações e
estados de coisas. Não são, por exemplo, os processos de ensino e aprendi-
zado ostensivo que concentram o interesse da descrição gramatical e tera-
pêutica, nem tampouco os processos psicológicos subjacentes às respectivas
expressões lingUísticas - assim como não são entidades matemáticas, men-
tais ou metaflsicas que permitem compreender a significação dos conceitos
matemáticos, psicológicos e metafísicos. Afasta-se, Wittgenstein, do idea-
lismo realista tanto quanto do empirismo, ao descrever situações efetivas de
uso das palavras, uma vez que a finalidade da descrição gramatical é a tera-
pia do pensamento aprisionado pelo modelo referencial. Este modelo carac-
teriza-se, segundo Witgenstein, por apresentar ao pensamento seja entidades
abstratas autônomas, seja processos empíricos, ambos na qualidade de objeto
da designação ou da referência da significação conceitual. Não há, pois,
qualquer ambigüidade na prática descritiva de Wittgenstein: através da cria-
ção de experimentos de pensamento, que são os jogos de linguagem, trata-se
de indicar o poder expressivo ilimitado, em princípio, da linguagem - ape-
nas limitado, de fato, pelos usos particulares a cada situação de jogo-, e sua
autonomia de direito com respeito à referência extralingülstica para a cons-
tituição da significação conceitual. Não se trata, pois, para Wittgenstein, de
explorar situações ou processos empíricos, mas de descrever condições lin-
güísticas para a significação.
Assim, também, em nosso caso - ainda que deixando em suspenso o
projeto terapêutico, como salientamos, sem, todavia, negá-lo nem exclui-lo-
trata-se de conceber os aspectos enquanto unidades pragmáticas complexas,
envolvendo interlocutores de ações lingüísticas, envolvidos, por sua vez, em
circunstâncias empíricas de comunicação, sem que esta complexidade empi-
168 Arley Moreno
rica seja relevante para a interpretação filosófica. fmporta situar essas uni-
dades pragmáticas enquanto operadores que permitem organizar a experiên-
cia em fragmentos com a função criterial tanto para a identificação de obje-
tos do reenvio quanto para a aplicação das respectivas form as expressivas.
Assim, retomando o exemplo anterior, segundo Wittgenstein, as manifesta-
ções naturais e espontâneas de dor juntamente com as vivências da sensação,
ambas no interior de situações em que palavras são usadas para exprimir e
comunicar sensações, são tomadas como critério para a aplicação da palavra
" dor" da mesma maneira que a palavra " certeza" é aplicada a determinadas
situações, entre outras, tomadas como critério para a aplicação da palavra
"dor" - a saber, situações de relato da sensação no corpo próprio. Podemos
acrescentar, a partir daí, e independentemente, agora, da atitude terapêutica,
que as unidades pragmáticas, a que nos referimos, são complexos heterogê-
neos compostos por indivíduos, ações, vivências, processos empíricos, psi-
cológicos, sociais, culturais e outros, e, até, por suposições a respeito da
existência de entidades abstratas, mentais, matemáticas, lógicas e mesmo
empíricas - corno o centro da massa do sistema solar no instante th ou a
outrora face desconhecida da Lua, etc. - que são propostas como explicação
para a significação de determinados conceitos. Seria inútil pretender analisar
tais unidades em elementos simples, urna vez que sua composição é mani-
festamente detérminada por circunstâncias empíricas. Todavia, o que inde-
pende das determinações empíricas, e é o ponto que nos importa, são os
critérios ou normas construídos e instituídos através das unidades pragmáti-
cas. Por exemplo, o uso de um fragmento de cor enquanto amostra-padrão
de uma cor, mais o uso de um gesto ostensivo, ambos ligados à pronúncia de
uma palavra poderão ser selecionados como critério normativo para a apli-
cação da palavra a diferentes situações envolvendo cores, e, conseqilente-
mente, para a identificação dessa determinada forma da cor; as diversas
cores apresentadas poderão ter, ainda, como critério normativo para sua
identificação, por exemplo, a transparência ou a opacidade, a luminosidade,
o brilho, a composição que admitem com outras cores ou sua s implicidade, e
tantos outros aspectos que podem ser propostos.
fato, parece ser mais prudente duvidar quando for possível duvidar, será
ainda prudente persistir na dúvida quando for possível eliminá-la? Ora, por
que, de nosso ponto de vista pragmático, é possível duvidar? Por duas razões
complementares: por um lado, quando o contexto particular não fornecer
critérios considerados necessários para a aplicação do conceito, e, por outro
lado, quando um ou vários outros contextos fornecerem critérios considera-
dos suficientes para aplicações diferentes do mesmo conceito. Por exemplo,
não temos critérios necessários para a aplicação da palavra "mesa" apenas a
objetos de mobiliário, com quatro pernas e uma superficie plana que sirva
para depositar utensílios em geral, e, ao mesmo tempo, podemos encontrar
critérios suficientes para aplicar a mesma palavra a objetos que não possuem
essas características, ou, mesmo, para não aplicá-la a objetos que as possu-
em. Aliás, é a esta manobra que se resume o argumento de um cético radi-
cal: isolar os diferentes contextos de aplicação das palavras, apresentando
diferentes critérios para sua aplicação e, em seguida, duvidar a respeito de
sua aplicação em um determinado contexto. É o próprio Wittgenstein quem
denuncia a confusão entre as aplicações contextualizadas a jogos de lingua-
gem e a significação conceitual de uma palavra: o conceito não se esgota em
cada aplicação, mas abrange as diversas aplicações consideradas adequadas
das palavras. Ao isolar uma aplicação determinada e julgá-la como insufici-
ente para angariar a certeza - apresentando, para tanto, contextos diferentes
de aplicação da palavra - e, em seguida, ao decretar a dúvida que daí se
segue, está, o cético radical, na verdade, operando no vazio, ou, como diz
Wittgenstein, nos dias feriados da linguagem, uma vez que desconsidera os
contextos complexos de uso das palavras: contextos comportando diferentes
critérios de identificação dos objetos, ou diferentes aspectos, que se entrecru-
zam e constituem, assim, a significação dos conceitos. É a dúvida filosófica,
criticada por Wittgenstein, que procura seus fundamentos fora da vida efeti-
va da linguagem, abstraindo as palavras e suas aplicações dos contextos
complexos em que são efetivamente usados. Ora, pelo contrário, no interior
de tais contextos complexos, apesar de sempre ser possível duvidar, acredi-
tamos! De fato, a dúvida pode ser elinünada quando forem indicados critéri-
os considerados suficientes para julgar a respeito da adequação entre a ação
e uma regra. Pelo menos, pois, neste caso da expressão lingüística do jul-
gamento a respeito da ligação entre a ação e uma regra, a dúvida pode ser
eliminada: haverá pelo menos um contexto complexo que irá fornecer os
critérios suficientes para decidir se a aplicação do conceito é ou não adequa-
da, pertinente ou, até mesmo, concebível. Se ainda restar alguma dúvida,
será ela psicológica - ou, então, filosófica, mas no sentido que leva Wi-
Conseqüências epistemológicas da terapia wittgensleiniana 173
Ainda que breve e precário, este panorama para uma Pragmática filosófica,
enquanto conseqüência da terapia proposta por Wittgenstein, deve ser, toda-
via, suficiente para situar o seu objetivo: explorar as condições e as formas
pré-lógicas, mas já lingüísticas, que estão na base do uso - construção e
aplicação - dos conceitos, relativamente aos contextos- sistemas imediatos
e mediatos - de sua construção e aplicação. Neste sentido, esta Pragmática é
uma Epistemologia, ou melhor, uma pesquisa a respeito dos fundamentos do
conhecimento, que reconhece a relevância do aspecto pragmático nele en-
volvido.1
1
Para detalhes complementares a respeito desta proposta, reenvio o leitor ao Artigo
"Por uma Pragmática Filosófica," Revista de Estudos Lingüísticos, n° 30. lEL, Uni-
camp, Campinas, S.P., I997.
174 Arley Moreno
Referências bibliográficas
NELSON G. GOMES
Universidade de Brasília
pura decisão do cientista (Neurath 1932- 29, pp. 208s). Mas tal decisionismo
pareceu absurdo aos detratores de Neurath, dentre os quais Popper, que o
acusou de defender uma metodologia arbitrária (Popper 1971, p. 63). Sem
qualquer dúvida, o decisionismo neurathiano parece bizarro, de modo que
cabe a pergunta sobre a sua origem, no contexto filosófico da época.
As pesquisas de Haller sobre o assim chamado "Primeiro Círculo de
Viena", que se reuniu regularmente entre 1907 e 1912, apresentam
evidência suficiente acerca da influência que os grandes convencionalistas
franceses, Duhem e Poincaré, exerceram sobre Neurath (Haller 1985, pp.
354s, e 1993, pp. 56ss). Não obstante, tal influência não basta para explicar
a formação de teses neurathianas que teriam, mais tarde, um papel central
nas idéias do autor sobre ciência e conhecimento. Tais teses começaram a
esboçar-se nos primeiros trabalhos filosóficos de Neurath. No presente
artigo, a partir de conferências proferidas em 1912 e em 1913, procuraremos
caracterizar as premissas do futuro decisionismo de Otto Neurath. Nos seus
trabalhos mais tardios, ele evitou discussões propriamente "filosóficas", de
modo que um recuo histórico tomar-se necessário, para que possamos
reconhecer fontes que aquele autor, posteriormente, preferiria não mais
mencionar.
(I} estabelece que o gramofone (a) causa ao cego (A) maior prazer do que o
quadro (b). (2) afirmar que o quadro causa ao surdo (B) maior prazer do que
o gramofone. Nestes limites, podemos distribuir os objetos em questão de
duas maneiras, dando o gramofone ao cego e o quadro ao surdo, ou o quadro
ao cego e o gramofone ao surdo:
3. (Aa) + (Bb)
4. (Ab) + (Ba)
3. Perdidos no bosque
4. Pensar e agir
5. A rede do saber
6. A resignação generalizada
juiz exterior despretensioso e realmente imparcial. Pois bem, isto é fazer uso
do Motivo Auxiliar neurathiano, em condições de incerteza extrema.
Neurath manifesta a sua crença de que o homem sábio, esgotadas as
possibilidades do seu raciocínio, poderá encontrar no Motivo Auxiliar uma
força motriz capaz de fortificar sua vontade e de conduzi-lo à ação,
libertando-o do sentimento aversivo que a indecisão acarreta (op. cit., p. 65).
Mas, a sabedoria é para poucos. Em geral, os seres humanos empregam
sucedâneos do Motivo Auxiliar, que não têm as suas vantagens.
Usualmente, o instinto e o recurso à autoridade são os sucedâneos preferidos.
O instinto, segundo Neurath, é rápido e objetivo, oferecendo ao agente
uma alternativa sem hesitações, de modo a libertá-lo quase que
instantaneamente do incômodo causado pela indecisão. O instinto parece
preferível, numa análise superficial, em virtude da sua naturalidade e
eficiência. Porém, embora reconheça no instinto um precioso recurso para o
homem primitivo, Neurath duvida que ele possa ser útil nas sociedades
complexas, dominadas pela técnica, pela organização social e pelos
processos mediatos de raciocínio (op. cit., pp. 6l s).
Nas sociedades modernas, consoante a análise de Neurath, há múltiplas
formas de sucedâneos para mecanismos neutros de decisão. Muitos preferem
recorrer à autoridade supersticiosa de magos, de cartomantes, de médiuns
espíritas ou algo parecido. Com isto, eles conseguem alguma forma de
alívio, ainda que provisório. Outros apelam para a autoridade de terceiros,
supostamente mais sábios do que eles, como o seriam os confessores ou
vários conselheiros. Em qualquer destes casos, o ponto fundamental é a
necessidade de decisão, sem a qual não se remove a sensação aversiva na
qual se encontra o indeciso. Sabedor desta necessidade tão humana, o
político demagogo faz dos seus discursos um teatro, no qual ela simula uma
racionalidade que, de fato, não existe. Neste contexto, estabelece-se uma
desonesta relação de cumplicidade entre o demagogo que engana e seus
ouvintes, que se deixam enganar, pois, dessa maneira, liberam-se de certas
pressões psicológicas. O orador demagogo é o melhor exemplo de pseudo-
racionalista, que Neurath repudia com vigor (op. cit., pp. 63s).
Neurath valoriza a tal ponto a neutra pureza do Motivo Auxiliar que
chega mesmo a propor toda uma interpretação da história humana em
termos de instinto, autoridade e decisão ao acaso. No passado, o homem
teria sido dominado pelo instinto, nas formas simples de organização
humana. Hoje, nós viveríamos uma época de autoridade, nas sociedades
complexas, quando o homem moderno crê na força ilimitada da sua razão
individual e na sua capacidade de resolver todos os problemas, através de
raciocínios abstratos. No futuro, porém, o homem dar-se-á conta, mais
186 Nelson G. Gomes
9. Algumas conclusões
Referências bibliográficas
HaUer, R. 1985. "Der erste Wiener Kreis." Erkenntnis, 22(1, 2 e 3): 341- 58.
- - . 1990. Wittgenstein e a filosofia austríaca: questões. Tradução de
Norberto de Abreu e Silva Neto. S. Paulo: EDUSP.
1993. Neopositivismus; Eine historische Einführung in die
Philosophie des Wiener Kreises. Darmstadt: Wissenschaftliche
Buchgesellschaft.
Neurath, O. 1912. "Das Problem des Lustmaxirnums." In Neurath 1981: 47-
55.
- -. 1913. "Die Verirrten des Cartesius und das Auxiliarmotiv (Zur
Psychologie des Entschlusses)." In Neurath 1981: 57-66.
- -. 1931. "Physikalismus: Die Philosophie des Wiener Kreises." In
Neurath 1981:413-416.
- -. 1932/33. "Protokollsãtze." Erkenntnis, 3: 204-14.
- -. 1981. Gesammelte philosophische und methodologische Schriften,
vol. 1, edição de R. Haller e H Rutte. Wien: Verlag Hõlder-Pichler
Tempsky.
Popper, K. 1971. Logik der Forschung. Tübingen: J. C. B. Mohr (Paul
Siebeck). 1a. edição em 1934.
JOHN STUART MILL E OS INGREDIENTES DA FELICIDADE
1
O autor mais prestigiado é sem dúvida Fred R. Berger, que escreveu Happiness,
Justice and Freedom. The moral and po/itical phi/osophy of John Stuart Mil/
( 1984). No mundo de fala espanhola, destaca-se Ana de Miguel Alvarez, eminente
conhecedora da filosofia milleana. com quem muito aprendi através da leitura de
suas obras: Elites y parlicipación política e" la obra de John Stuart Mil/, tese de
doutoramento, defendida na Universidad Autónoma de Madrid em 1990 e que per-
manece inédita, e Cómo /eer a Jolm Stuart Mil/. (1994). Ainda na Espanha, Es-
peranza Guisán, com extraordinária competência e imaginação, tem defendido a
filosofia moral milleana, contribuindo para a necessária difusão e revitalização da
obra deste importante filósofo. De sua autoria, gostaria de mencionar sobretudo o
capítulo "EI Utilitarismo", publicado no segundo volume da coletânea dirigida por
Vietoria Camps, intitulada História de la ética, o capítulo "Utilitarismo", escrito
para o Vol. 2, intitulado "Concepciónes de la ética", que compõe a Enciclopedia
Jberoamericana de Filosofia, organizada por Victoria Camps e Oswaldo Guariglia,
assim como a "Introdução", escrita para a tradução espanhola de sua autoria do en-
saio Ulilitarianism de J. S. Mil!. Brilhantes são seus livros Razón y pasión en la
ética (1986), Manifiesto hedonista (1990) e Jntroducción a la ética ( 1995), dentre
muitos outros, igualmente valiosos e de apaixonante leitura. Outro respeitável leitor
de J. S. Mill é John GRAY, autor de Mil/ on liberty: a defence. ( 1983). Indispen-
sável para quem deseja se introduzir no pensamento de Mill é a leitura da extensa e
minuciosa monografia de John Skorupski: John Stuart Mil/, publicada em 1989. No
espaço de lingua alemã, destacam-se Jean-Ciaude Wolf. autor de John Stuart Mills
"UtiliJarismus". Ein krilischer Kommentar ( 1992) c Ralph Schumacher, John Stuart
Mil/, 1994.
2
Cf John Gray, Mil/ on liberty: a defence, p. 2. C/ também Ana de Miguel Alvarez,
Elites y participación politica en la obra de John Stuart Mi/1, pp. 6-7. Entre os rep-
resentantes mais influentes da interpretação tradicional, está James Fitzjames Ste-
phen, autor de Liberty, Equality, Fraternity [1873], Cambridge University Press,
1967. Na época contemporânea destacam-se: H. J. McCioskey, John Stuart Mil/: a
criticai study, Londres, Macmillan, 197 1; lsaiah Berlin, "John Stuart Mill and the
Jolm Stuart Mil/ e os ingredientes da Felicidade 191
cnds of life", in: Four essays on liberty. Oxford University Press, 1969; Gertrud
Himrnelfarb. On liberty and liberalismus. The case of John Stuart Mil/, San Fran-
cisco, 1990
3
John GTay. "John Stuart Mill: a crise do liberalismo". In Brian Redhcad (org.). O
pensamento político de Platão à Otan. p.l54
192 Maria Cecília M. de Carvalho
tante. Ademais; sua passividade mental era realçada; seu psiquismo estaria
submetido a uma lei de associação de idéias, e suas ações/abstenções visa-
vam o objetivo precípuo de alcançar o prazer e evitar a dor. Trata-se de uma
concepção de ser humano que pode ser tida por essencialista, dado que atri-
buía ao homem uma natureza a-histórica e a-social, na medida em que ne-
gligenciava a formação da personalidade através da interação social e da
herança cultural. Cabia ao legislador utilitarista criar instituições sociais de
forma a possibilitar que o interesse de cada um na busca de seu próprio pra-
zer se ajustasse harmoniosamente aos interesses de outros indivíduos, ser-
vindo assim ao interesse geral. Os utilitaristas acreditavam poder remodelar
os seres humanos através da educação para melhor se ajustarem a uma soci-
edade organizada com vistas à consecução da felicidade suprema. 4
John Stuart Mill parece ter sido cobaia de um experimento pedagógico
utilitarista, patrocinado por seu pai. Recebeu uma educação rígida, rigoro-
samente moldada com a fmalidade de prover-lhe os recursos mentais desti-
nados a capacitá-lo a fomentar a felicidade individual e geral. Todavia, não
por acaso, Mill não conseguiu ser uma pessoa feliz, pelo menos enquanto
durou a influência paterna. Na juventude, enfrentou crises mentais e colap-
sos nervosos, tendo suportado longo período de melancolia e depressão. Essa
experiência existencial o levou a repensar o legado utilitarista que recebera
do pai. Nesse contexto de revisão e ajuste de contas, foi importante seu des-
pertar para o valor da poesia e dos sentimentos que o utilitarismo até então
infravalorara. Inspirado por alguns poetas, como Wordsworth, Coleridge e
Shelley, e também pela filosofia alemã, John Stuart Mill remodelou a visão
utilitarista clássica acerca do ser humano, procurando ver em cada indivíduo
um ser ativo e criativo, dotado de uma personalidade a ser desenvolvida. Seu
despertar para os sentimentos o levou a se afastar daquela concepção que
reduzia o ser humano a um mecanismo movido pelo binômio prazer/dor e
lhe descortinou uma nova perspectiva acerca da felicidade humana. O re-
sultado deste renascer pode ter sido uma filosofia híbrida, que não deixa,
entretanto, de ser altamente instigante.
O foco do presente trabalho incidirá sobre a concepção milleana de feli-
cidade, a qual constitui a pedra angular da filosofia moral e social de Mill.
Com efeito, sobre o conceito de felicidade é que se alicerçam as idéias do
filósofo acerca da liberdade, da justiça, da virtude. No esforço de reconstruir
a filosofia prática milleana como um sistema consistente, os novos intérpre-
tes parecem querer sugerir que as tensões que ele .abriga podem se atenuar
quando vistas através da lente fornecida por uma concepção complexa e re-
4
Cf Idem, ibidem, p. 154
John Stuart Mil/ e os Jngrediemes da Felicidade l93
7
Cf Esperanza Guisán, lntroducción a la ética, p. 153.
John Stuart Mil/ e os Ingredientes da Felicidade 195
8
A este respeito pode-se lembrar que também a obra de Bentham foi alvo de mal-
entendidos e de interpretações equivocadas. A tese da equiparação de todos os praz-
eres deve - como salientou acertadamente Ana de Miguel AJvarez - ser entendida no
contexto do projeto reformista c democrático acalentado por Bentham. A exigência
de que todos os prazeres fossem vistos como igualmente valiosos, - ou, como disse
Bentham, desde que a quantidade de prazer seja a mesma, fazer poesia ou jogar
" pushpin" tem o mesmo valor - assim como aquela declaração, atribuída a Bentham,
de que cada um conta como um c ninguém como mais do que um - devem ser enten-
didas no contexto de sua preocupação em denunciar a existência de iniqüidades e de
interesses sinistros de uma minoria em detrimento da maioria da população, com
vistas a promover uma profunda reforma social e jurídica. Bentham estava forte-
mente interessado em que o povo fosse ouvido c tivesse seus desejos atendidos. A
maioria da população está obviamente mais afeita a prazeres simples, que exigem
menos esforço para serem vivenciados, e é menos sensível à beleza da poesia, cuja
apreciação requer um gosto educado. A radicalidade com que Bcntham defendia a
democracia o levou a insistir em que nenhum interesse fosse excluído do cálculo
utilitarista, nenhum prazer fosse considerado menos nobre ou valioso do que outros.
Daí seu famoso dictum : "quantitity of pleasurc being equal, pushpin is as good as
poetry." Cf. Ana de Miguel AJvarez, Cómo leer a John Stuart Mil/, pp. 25-26.
196 Maria Cecília M. de Carvalho
9
Cf Esperanza Guisán, "lntroducción" escrita para a tradução espanhola da obra de
J. S. Mill. El Utilitarismo, p. 07
10
Mill, John Stuart, E/ Utilitarismo, p. 47. No original lê-se: "The comparison ofthe
Epicurean life to that of beasts is felt as dcgrading, prcciscly because a beasrs
pleasures do not satisfy a human being's conceptions o f happiness. Human beings
have facuJties more elevated than the animal appetites, and, whcn once made con-
scious of thcm, do not regard any thing as happiness which does not include their
gratification"(J. S. Mill, "Utilitarianism", p. 331).
Jolm Stuart Mil/ e os Ingredientes da Felicidade 197
11
Idem, ibidem. No original: "It is quite compatiblc with the principie of utility to
rccognize thc fact, that some kinds o f pleasure are more dcsirablc and more valuablc
thanothers" (Op. cit., p. 331).
12
Cf Idem, ibidem, pp. 48-49.
198 Maria Cecília M. r,Je Carvalho
é melhor ser um ser humano insatisfeito que um porco satisfeito; melhor ser
um Sócrates insatisfeito que um néscio satisfeito. E se o néscio ou o porco
opinam diferentemente é em virtude de conhecerem apenas um lado da
questão. 13
13
Cf Idem, ibidem, p. 51. No original: "It is bctter to be a human being dissatisfied,
than a pig satisfied; bctter to bc a human bcing dissatisficd. that a fool satisfied. And
if the fool or the pig are o f a difJcrent opinion, it is bccause thcy only know their
own si de ofthe question." (Op. cil., p 333).
14
Mill, J. S. Sobre a liberdade, p. 54. No original: " I regard utility as the ultimate
appeal on ali ethical qucstions; but it must be utility in the largest sensc, grounded
on the permanent intcrests ofman as a progrcssive being'' (J.S. Mill, "On liberty'', p.
198).
John Stuart Mil/ e os Ingredientes da Felicidade 199
15
Cf Isaiah Berlin. Cuatro ensayos sobre la libertad. Madrid, Alianza Universidad,
1996
16
Mill escreve: " To give a clear view of the moral standard sct up by the thcory.
much more requires to be said; in particular, what things it includes in the idcas of
pain and pleasure, and to what extent this is left an open question" (J. S. Mill,
" Utilitarianism", p. 330). Traduzindo: "Para se oferecer uma idéia clara do critério
moral que esta teoria estabelece é necessário q ue se indique muito mais: em especial
que coisas inclui nas idéias de dor e de prazer e em que medida é esta uma questão a
ser debatida." (C/ J. S. Mill, E! Utilitarismo, p. 47). Parece claro, como sublinha
Berger, que se Mill pretendesse identificar a felicidade com o prazer não assinalaria
a necessidade de que se "indique muito mais" a este respeito. Cf. Berger, op. cit.,
pp. 37-38.
17
Cf Ana de Miguel Alvarez, op. cit., p. 30. Bergcr escreve:" human happiness is
not an open concept in the sense that it consists of plcasures completely unspecified.
Milrs concept ofhappiness is partly determinate in the sense that there are particu-
200 Maria Cecília M. de Carvalho
lar elements requisite to it. It is partially open in the sense that an indeterminate
number ofthings can come to be seen as elements in a person's happiness. Human
well-being- given human capacities - rcquires some particular elements, and may
come to require many others which cannot be specified ahead of time. (Recall that in
the paragraph in which Mill first described the Greatest Happiness Principie, he
indicated that to some extent what is included 'in the ideas of pain and plcausre' is
left 'an open question')". (F. Berger, op. cit., pp. 39-40). Para J. Gray "Mill's con-
ception o f happiness was avowedly indi vidualist and pluralist. According to Mill,
each man possesses a quiddity or peculiar endowment, the development of which is
indispensable to his happiness". (Gray, J. Mil/ on liberty: a defence, p. 45).
•s Cf J. S. Mill, E/utilitarismo, p. 118. " ( ...) security no human being can possibly
do without" (J. S. Mill "Utilitarianism", p. 385).
John Stuart Mil/ e os Ingredientes da Felicidade 201
19
Mill, J. S. "On Liberty'', p. 250:" Where, not the person's own character, but the
traditions or customs of other pcople are the rui c of conduct, there is wanting one of
the principal ingredients of human happiness, and quite the chie f ingredient o f indi-
vidual and social progress."
202 Maria Cecília M. de Carvalho
°
2
Cf Ana de Miguel Alvarez. Cómo leer a John Stuart MUI, p. 71. Cf Mill "On
Liberty", p. 252.
21
Cf Idem, ibidem, p. 73. Alvarez rebate as acusações de que Mill identifica a indi-
vidualidade com excentricidade c genialidade e a de que e le sustenta uma concepção
clitista da individualidade, a qual faria exigências excessivas ao indivíduo comum.
Reconhece que Mill concede espaço à excentricidade e à genialidade de alguns, que
atuariam como urna espécie de compensação ao acomodamento c ao bem-estar
medíocre da maioria. Todavia, isso não significa que todos os indivíduos devam ser
excêntricos, geniais ou inconformistas. Mi 11 entende que é preciso que se criem con-
dições para que as individualidades possam allorar; trata-se de um requisito des-
tinado a possibilitar a emergência de caracteres notáveis ou originais. Para Mill o
importante não é querer ser original pelo simples prazer de ser diferente, de se remar
contra a corrente. O importante para Mill é que as pessoas sejam capazes de fazer
autênticas opções; no caso de se acolherem crenças ou valores correntes, o funda-
mental é que eles sejam acolhidos criticamente, conhecendo-lhe os fundamentos. Cf
Idem, ibidem, pp. 72-73.
John Stuart Mil/ e os Ingredientes da Felicidade 203
quer perfil que resulte do desenvolvimento pessoal, contanto que tal perfil
emerja da autodeterminação. De um lado, levando-se em conta que o autor
tem uma concepção exigente do que vem a ser a felicidade humana, salien-
tando que esta não se confunde com quaisquer prazeres, mas supõe a gratifi-
cação das faculdades elevadas, ele não pode ser indiferente à substância que
se queira dar ao desenvolvimento individual. Parece mais compatível com a
concepção de felicidade milleana supor que há um modelo a ser seguido, um
padrão para se ajuizar o grau de desenvolvimento ou a excelência de uma
forma de vida. Há todavia passagens que fazem supor o contrário, ou seja,
que o desenvolvimento individual de que fala Mill é incompatível com mo-
delos pré-fixados. Vejamos, por exemplo, a seguinte passagem:
Não é porque sejam fortes os desejos que os homens agem mal, e sim porque
as consciências são fracas. Não há conexão natural entre o impulso forte e a
consciência fraca ( ...). A energia pode voltar-se para maus usos, pode-se
sempre, contudo, praticar maior bem com uma natureza enérgica do que com
uma indolente e impassíve1. 23
22
J. S. Mill, Sobre a Liberdade, p. IOI.
23
J.S. Mill, idem, ibidem.
204 Maria Cecília M. de Carvalho
( ...) o indivíduo não responde perante a sociedade pelas ações que não digam
respeito aos interesses de ninguém a não ser dele próprio ( ...). ( ...) por
aquelas ações prejudiciais aos interesses alheios o indivíduo é responsável, e
pode ser sujeito à punição social ou legal, se a sociedade for de opinião que
uma ou outra é requerida para sua proteção. 25
24
Em "On Libcrty." Mill escreve que "the sole end for which mankind are war-
ranted, individually or collcctivcly, in interfering with the liberty o f action of any of
their numbcr, is self-protection. That the only purpose for which powcr can be right-
fully exercised over any member of a civilised community, against his will, is to
prevent harm to othcrs. His own good, either physical of moral, is not a sufficient
warrant", p. 197.
2
s Mill, J. S. Sobre a liberdade, p. 137. (trad. minha). No original lê-se: "The max-
ims are, first, that the individual is not accountable to society for his actions, in so
fàr as thesc concem the intercsts of no person but himself. ( ...). Secondly, that for
such actions as are prejudicial to the intcrests of others, the individual is account-
John Stuar/ Mil/ e os Ingredientes da Felicidade 205
6. Felicidade e virtude
23
Cf a respeito a interessante a análise de J. M. Bermudo. Eficacia y Justicia. Pos-
sibi/idad de un utilitarismo moral, p. 204.
29
Cf. J. S. Mill, E/ Utilitarismo, p. 91
John Stuart Mil/ e os Ingredientes da Felicidade 207
Se pode haver alguma dúvida possível acerca de que uma pessoa nobre possa
ser mais feliz em razão de sua nobreza, o que não pode ser posto em dúvida é
o fato de que toma mais felizes aos demais e que o mundo em geral ganha
imensamente com isso." 30
30
Mill. J..S .. op. cil., p. 53.
31
Idem. ibidem, p. 61.
JZ Idem, ibidem, p. 60.
208 Maria Cecília M. de Carvalho
indivíduos alcançarão um dia um patamar tão elevado que seu interesse pes-
soal coincidirá com o bem alheio, e a preocupação de cada um para com o
bem dos demais chegará a ser tão espontânea como o é a de atender às ne-
cessidades físicas mais prementes da vida. 33
No que tange a este ponto permitir-me-ei ser breve, pois tratei alhures34 das
relações entre justiça e utilidade sob a ótica milleana. A despeito das notóri-
as dificuldades enfrentadas pelo Utilitarismo em conciliar as demandas por
justiça com aquelas ditadas pelo Princípio da maior felicidade, John Stuart
Mill não pode ser acusado de insensibilidade com relação ao problema. Ele
demonstra conhecer as objeções ao Utilitarismo feitas a partir do horizonte
da justiça e busca oferecer-lhes uma resposta no âmbito de seu utilitarismo.
Suas análises contidas no ensaio ''Utilitarianism" visam mostrar que a Utili-
dade é a "ratio", o fundamento, que dá sentido e legitimidade às demandas
por justiça. Considera que o termo 'justiça" é ambíguo, obscuro e, portanto,
insuficiente para orientar nossas decisões. Tais dificuldades só seriam sana-
das se recorrêssemos ao conceito de utilidade. Aquelas objeções tradicionais,
como a de que o utilitarismo justificaria o castigo de inocentes, a de que ele
seria compatível com um Estado totalitário e supressor dos direitos e garan-
tias individuais, se assim exigir a felicidade do maior número, são rechaça-
das por Mill. Seu conceito de felicidade exclui um Estado totalitário que
viole as liberdades e desrespeite o bem-estar de minorias em nome de um
suposto beneficio para as maiorias. Nada mais distante de Mill que um uti-
litarismo que transigisse em questões de justiça ou permitisse um tratamento
leviano dos chamados direitos morais; ademais, suas reflexões têm o condão
de sugerir que a justiça não pode ser insensível às exigências derivadas da
utilidade; a despeito disso e, não obstante o empenho de Mill em mostrar a
compatibilidade entre justiça e utilidade, bem como a subordinação daquela
a esta, parece que justiça e utilidade, se não são conceitos antagônicos, são
parcialmente distintos: justiça parece ter a ver com o bem de cada um, en-
quanto a utilidade se refere ao bem entendido coletivamente. Destarte, a tese
milleana da subsunção da justiça sob a utilidade não resiste a um exame
33
C/ Esperanza Guisán, Jntroducción a la ética, p. 157.
34
Cf M. C. M. de Carvalho, " John Stu.art Mill acerca das relações entre justiça e
utilidade." Comunicação apresentada na Mesa-Redonda sobre "Justiça, Utilitarismo
e Política" no 1° Simpósio Internacional sobre a Justiça, realizado em Florianópolis
no período de 18 a 22 de agosto de 1997, inédita.
Jolm Stuart Mi/1 e os Ingredientes da Felicidade 209
mais acurado, do que resulta continuar sendo a demanda por justiça a pedra
de toque das éticas utilitaristas e um dos grandes desafios a serem ainda en-
frentados por este modelo de investigação ética.
Referências bibliográficas
mcccilia@zeus.puccamp.br
"DE RERUM NATURA": OBSERVAÇÕES SOBRE A MORAL
EPICURISTA E ALGUNS DESDOBRAMENTOS
Apresentarei neste trabalho uma pesquisa sobre algumas noções que estão
presentes em dois autores, Tito Lucrécio Caro e David Hume, e que parecem
ser de importância para compreendermos algumas características que estão
embutidas nos problemas morais, como por exemplo, que princípios estão
pressupostos em urna teoria ética, ou por que deve existir fundamento teórico
válido para que se possa extrair obrigação moral para determinadas ações e
comportamentos sociais.
A relevância de se recuperar um texto clássico em suas peculiaridades
lingüísticas e conjunturais está na possibilidade de examinar fontes filosófi-
cas que serviram a outras vertentes teóricas posteriores; pois, ao apreciarmos
o deslocamento de alguns conceitos que ocorreu entre a antigüidade clássica
e o século xvm, poderemos observar o que se preservou e o que foi descar-
tado, se ficaram intactos os pressupostos teóricos, ou qual alteração sofre-
ram.
Isto nos permite compreender melhor o naturalismo e o empirismo da
Idade Moderna e, em última análise, nossos próprios problemas contempo-
râneos, já que constantemente utilizamos conceitos extraídos de correntes
filosóficas do passado para embasar as atuais teorias do conhecimento.
Considero, pois, que a partir do texto lucreciano estabelecido por Ernout
(responsável pela versão erudita do texto, usada em estudos acadêmicos),
pode-se realizar um exame de alguns conceitos fundamentais para a moral
epicurista, buscando problematizar, em um segundo momento, a apropriação
que o empirismo inglês 1 logrou sobre esse corpo teórico; a questão que per-
manece como pano de fundo desse estudo é o problema da possibilidade de
atingir um conhecimento confiável e passível de ser demonstrado.
Esta consideração sobre os fundamentos do conhecimento é bastante
I Para essa finalidade e dado o espaço restrito desta monografia, limitei o estudo
apenas a David Hume, o que não invalida a proposição do trabalho, dada a repre-
sentatividade e influência das teses desse autor.
rol enviou a seu irmão sobre a obra, observando a arte e o espírito que brota-
vam do texto.
Supõe-se, pelo tria nomine do autor, que fosse patrício; no entanto, ainda
que esses dados biográficos sejam pouêo exatos, a importância da obra
transcende a questão da informação sobre a autoria; e o impacto das idéias
contidas em seu bojo é o que nos interessa.
Em conformidade com Epicuro, a quem elogia por diversas vezes ao lon-
go do poema, Lucrécio vê na filosofia um objetivo central: libertar o homem
de seus temores e superstições, conduzindo-o a uma serenidade intelectual e
espiritual4 que superaria as vicissitudes da vida humana.
Este t eÃ.oÇ (telos) do epicurista ressalta que o valor da filosofia repousa
no que ela tem de útil. Oferecer respostas aos problemas que afligem os ho-
mens no cotidiano, prescindir daquilo que provoque o agitar das paixões e
ambições humanas, suportar os infortúnios apoiado na amizade de outros
homens que também busquem essa finalidade, eis o que propõe Lucrécio a
Mêmio.
É verdade que há uma versão rasteira das teses de Epicuro, que enfatiza
os prazeres sensuais e que constitui a face mais difundida do hedonismo;
raramente se encontra uma crítica que ultrapasse essa casca externa da teo-
ria e procure discutir as normas de bem viver com sobriedade de recursos,
preconizada pelos hedonistas da antigüidade.
Mas a pretensão aqui é ir além desse senso comum sobre o hedonismo, e
explorar algumas categorias que embasam essa noção de utilidade, qual seja,
aquela que Lucrécio assume.
Assim, para convencer Mêmio (e o leitor do poema) das teses epicuristas,
Lucrécio apresenta sua compreensão de como funcionam a natureza e o uni-
verso, em outras palavras, sua fisica.
Nessa cosmologia de Lucrécio, a sua versão do atomismo é apresentada
como modelo explicativo para a existência de tudo que há no universo, para
o surgimento dos corpos mais simples e mais complexos que formam a natu-
reza. Tudo que existe é formado por partículas indivisíveis, que se agregam
e se separam, constituindo o universo.
Nada acontece pela vontade dos deuses, mas apenas por efeito de forças
naturais; para Lucrécio, os deuses existem, mas habitam os intermundos e
são completamente alheios aos homens e ao que ocoiTe na natureza.
3 "Lucreti poemata, ut scribis, ita sunt ..." Cícero, Marco Túlio, apud Emout, A. De
La Nature. lntroduction. p. lX, opus cit.
4 Trata-se da noção de ataraxia, o estado em que se encontraria o sábio após terem
cessado as agitações do espírito causadas pelas preocupações mundanas.
214 Rita de Cássia Lana
Nesse trecho, Lucrécio nos dá o exemplo da via pela qual podemos co-
nhecer verdadeiramente as coisas: a observação escorada pelo intelecto e
pela doutrina epicurista. E para explicar o surgimento do universo, Lucrécio
oferece a noção de acaso.
Quanto à questão da liberdade em Lucrécio, ela está atrelada a uma
identificação entre acaso e necessidade. Conforme a explicação lucreciana, a
5 "Quorum ominia causa constituísse deos cum fingunt, ominibu rebus magno opere
a uera lapsi ratione uidentur. Nam quarnuis rerum ignorem primordia quae sint, hoc
tamem ex isis caeli/rationibus ausim confirmare, aliisque ex rebus reddere multis,
nequaquam nobis diuinitus esse creatam naturam mundi: tanta stat praedita culpa."
Lucrécio, De Rerum Natura. Livro ll, versos 174-181. Cf. bibliografia.
"De Rerum Natura ": Observações sobre a moral epicurista 215
Séculos mais tarde, David Hume fará sua apreciação das teses epicuristas; e
embora tenha recuperado e ampliado o papel da utilidade para a moral, sua
fundamentação é bastante diferente daquela de Lucrécio.
Para Hume, o conhecimento pelos sentidos não é responsável pela produ-
ção de conhecimento confiável e livre de enganos. A experiência, para ele,
não implicava na produção de exatidão ao conhecer, nem de um saber que
pretenderia atingír o status de episteme. Segundo o autor,
um ao outro, mas cada objeto fosse inteiramente novo, sem nenhuma pare-
cença com o que quer que eu ti vesse visto antes, nunca chegaríamos a con-
ceber a menor idéia de necessidade ou de uma conexão entre esses obje-
tos. li
mos.'' 17
Deve-se notar que esse conhecimento possui o estatuto de convicção, de
verossimilhança; ou seja; acreditamos que é assim, mas não possuímos ma-
neira de provar cabalmente. É bem conhecida a forma como Hume critica o
princípio de indução e abala o edificio do conhecimento.
Aqui aparece de forma explícita a divergência entre a teoria do conheci-
mento de Hume e as teses de Lucrécio, pois se para o último a identificação
de acaso e necessidade eram condição sine qua non para o funcionamento da
física epicurista, para o primeiro, nada garante sequer que possamos de-
monstrar a existência de causas efetivas. Assim diz Hume:
3. Conclusão
Referências bibliográficas
1
Hegel, G. W. F. Linhas Fundamentais da Filosofia do Direito ou Direito Natural e
Ciência do estado em Compêndio. (Tradu.ção de Marcos Lutz Müller, em preparação
para publicação, Campinas, Unicamp, 1997). Citaremos "FD" e o parágrafo respec-
tivo. Quando citarmos somente a nota utilizaremos o número do parágrafo acompa-
nhado de "n" (por exemplo, ao citarmos a nota do parágrafo 258, usaremos FD 258
n). Quando nos reportarmos ao parágrafo e à nota, separaremos os dois com vírgula
(por exemplo, FD 258, n).
moral do dever, e não é este o sentido da sua filosofia normativa. Ele não
acreditou que pudesse haver um direito natural auto-evidente, capaz de ser-
vir para resultados teóricos e práticos coerentes e convergentes. Ele não
acreditou que tivesse existido um contrato original de indivíduos naturais,
produzindo o Estado, como se a vida política fosse contingente e associativa.
Ele não aceitou que um critério de utilidade geral avaliasse bem a autonomia
humana realizada historicamente nas instituições modernas. Ele criticou a
abordagem do imperativo moral do tipo kantiano, um imperativo categórico
de universalização, incapaz de gerar qualquer dever concreto e substantivo.
Esses deveres são gerados pelos compromissos sociais e políticos que as
pessoas desenvolvem em uma dada comunidade histórica. As abordagens
liberais disponíveis (direito natural, contratualismo, utilitarismo, moral
kantiana), que poderiam fundar a exigência de liberdade do homem, são
abstratas, e são elas que precisam ser compreendidas pela cultura política
moderna, desenvolvida a partir das mudanças religiosas, políticas e intelec-
tuais na história européia. Por isso, Hegel pode ser visto como o fundador de
um tipo de argumento em filosofia política que hoje chamamos de
"comunitarista", e que tem no historicismo um ingrediente fundamental.
No debate atual em ética e filosofia política, o comunitarismo é uma
abordagem que prioriza a comunidade e a vida política, e critica como abs-
trato o individualismo liberal. Uma das críticas de um tipo de comunitaris-
mo a Rawls, por exemplo, é que o individuo liberal, sujeito principal de um
contrato social, é uma ficção metafisica e política. O indivíduo não existiria
fora das relações sociais e históricas que o engendram. A comunidade e seus
valores modelaria o caráter individual (Sandel, 1982). Nestes termos am-
plos, podemos considerar Hegel um dos fundadores do comunitarismo mo-
derno: ele se dedicou a renovar a filosofia clássica de Platão e Aristóteles
dentro da filosofia moderna, e sua ética é o exemplo mais cabal deste proje-
to, articulando uma compreensão e justificação coletiva da vida social e
política com a necessidade da individualidade livre e da crítica racional. Em
Hegel, não há indivíduo sem comunjdade, nem comunidade racional sem
indivíduo livre.
Ao destacar os aspectos históricos e sociais e valorizar a vida política
institucional e suas tradições, Hegel e os comunitaristas em geral estão su-
jeitos à crítica de convencionalismo. Uma formulação filosófica desta crítica
sustenta que a abordagem comunitarista, ao se opor ao liberalismo, se com-
prometeria com duas teses "organicistas": uma sustentando que o indivíduo
depende da sociedade em que vive, outra que, por causa daquela dependên-
cia, o indivíduo não poderia desenvolver uma identidade separada da do
grupo social a que pertence, nem criticar os padrões de avaliação do seu
224 Alcino E. Bonella
2
Segundo 1-lirscheberger, 1967, a Escola Histórica do Direito é influenciada pelo
movimento Romântico (um amplo movimento filosófico e cultural que, reunindo
poetas e filósofos, exprime uma predileção pela dimensão mística e simbólica, criti-
cando o iluminismo racionalista europeu, especialmente, o francês). Entre os princi-
pais participantes do Romantismo, estão Novalis (1772-1801), Schelegel (1772-
1829) e Hõlderlin (1770-1843). Já na Filosofia do Direito do movimento romântico,
destacam-se Adam Müller (1779-1829) e Karl Ludwig von Haller ( 1768-1854). O
primeiro critica Adam Smith e a concepção utilitária de Estado (com sua Economia
Política liberal). Para Müller, o Estado deveria ser visto como um indivíduo que
abarca a todos os indivíduos, a lei estatal estaria manifesta na vida, valores morais e
princípios religiosos tradicionais da comunidade. Müller influenciou também a
Friedrich K. Savigny (1779-1861), defensor da idéia de formação ogânica do direito,
em oposição às correntes do direito natural. Von Haller também combateu a concep-
ção racionalista (contratualismo) de Estado. Este teria uma origem orgânica na tradi-
ção, advindo da célula primitiva da sociedade, a família. Hirscheberger diz que ele e
Schelling deram a orientação teórica para Friedrich Julius Stahl (1802-1862), o autor
Hegel e a crítica ao historicismo jurídico 225
Schelling deram a orientação teórica para Friedrich Julius Stahl ( 1802-1862), o autor
do programa do velho conservadorismo de Frederico Guilherme TV. Cremos que a
identificação de Hegel com este tipo de abordagem (tradicionalista-organicista) pode
dever-se a sua concordância com a crítica romântica ao iluminismo. Mas para refor-
çar seu embate com esta corrente, basta comparar os titulos da principal obra de von
Haller (Restauração da Ciência do Estado) com a principal, sobre política e direito,
de Hegel (Linhas Fundamentais da Filosofia do Direito, ou Direito Natural e Ciên-
cia do Estado em compêndio).
3
Ou seja, Hegel se afasta de um tipo de positivismo jurídico, como será elaborado
mais tarde por Kelzen.
226 Alcino E. Bonel/a
4
Hegel, G. W. F. 1995. Enciclopédia das Ciências Filosóficas em compêndio
(1830): vol. 3: A Filosofia do Espírito. (Trad. de Paulo Meneses) São Paulo: Loyola.
Citaremos E, seguido do parágrafo definido por Hegel.
5
Cf Hegel. Prefácios. Trad. Manuel J. C. Ferreira. Lisboa: Imprensa Nacional, pp.
188-192.
Hegel e a crítica ao historicismo j urídico 227
fica preso ao arbítrio das opiniões e ao bel-prazer de cada um, está em con-
siderarmos a liberdade em suas manifestações institucionais. O verdadeiro
conceito do direito é a unidade do conceito da liberdade do homem em si
com a realização deste na existência, na realidade. "Quando nós então con-
sideramos a liberdade, não ficamos no conceito, mas passamos a sua realiza-
ção, passamos, portanto, à consideração da realização efetiva da liberdade,
ao mundo que o espírito edifica para si" (p. 192).
Esta forma de racionalidade ética fica mais ressaltada em outras passa-
gens em que Hegel critica a abordagem puramente histórica e puramente
jurídica, seja da lei, seja do Estado. Por exemplo, Hegel sustenta (FD, nota
do § 3) que o trabalho puramente histórico (a análise das circunstâncias que
originam a lei) e jurídico (a análise da coerência lógico-formal das leis entre
si) são investigações de valor e de interesse, mas ficam à margem da investi-
gação filosófica do direito. Hegel escreve que uma disposição jurídica pode
apresentar-se plenamente fundamentada e coerente com as circunstâncias
existentes e com as instituições jurídicas vigentes, como uma multidão de
disposições do Direito Privado Romano, e ser, no entanto, "em si e por si
injusta e irracional".
É desse modo que Hegel pode dizer que a escravidão é injusta, não para
esta ou aquela sociedade, mas em si e por si, assim como certos costumes de
mutilar e matar devedores ou de tornar as crianças propriedades absolutas de
seus pais. Mesmo que uma disposição jurídica seja justa e racional, mostrar
isso não equivale a mostrar como ela surgiu historicamente, as circunstânci-
as, os casos, as necessidades de seu estabelecimento. Isso nós usamos para
explicar ou mesmo conceber, mas não para justificar. Numa justificação
baseada exclusivamente na história ou na jurisprudência em sentido estrito,
escamoteia-se a questão da verdadeira justificação, ou seja, dos pressupostos
usados como parte de um argumento normativo, como as circunstâncias e as
leis. As circunstâncias podem já ter sido modificadas, ou podem sê-lo pela
ação humana, como as leis. Além disto, a resposta normativa a uma dada
circunstância pode não ser a única, nem a melhor.
Metodologicamente, está em questão a distinção entre pensar a gênese de
uma instituição, lei ou costume vigente, e pensar a validade disto. Porém,
Hegel não sustenta a possibilidade de uma forma simples e fácil de justificar
eticamente. E ele também se refere à verdadeira abordagem histórica, que
não considera a lei isolada e abstratamente, mas a compreende como ele-
mento condicionado de uma totalidade, correlacionada com outras determi-
nações do caráter de um povo e de uma época. Nisso adquirem sua significa-
ção c sua justificação (!). Ele também sustenta que seria um mal-entendido
opor o direito natural (reinterpretado por ele como direito racional à liberda-
Hegel e a crítica ao hisloricismo jurídico 229
Referências bibliográficas
RENATO SCHAEFFER
Departamento de Filosofia da UFJF
Por mais certo que seja que cada pessoa é uma entidade completa em si
mesma, um indivíduo que se controla c que não poderá ser controlado ou re-
gulado por mais ninguém se ele próprio não o fizer, não menos certo é que
toda a estrutura de seu autocontrolc, consciente e inconsciente, constitui um
produto reticular formado numa interação contínua de relacionamentos com
outras pessoas, c que a forma individual do adulto é uma forma específica de
toda a sociedade. ( ...) Não existe um grau zero da vinculabilidade social do
indivíduo, um "começo" ou ruptura nítida em que ele ingressa na sociedade
como que vindo de fora ... (p.3 1).
vel" das pessoas numa estrutura social essencialmente reticular. Para que o
referido " ponto de vista dinâmico mais amplo" fosse esclarecedor, teríamos
que saber como a estrutura motivacional-temporal da ação humana é deter-
minada por uma socialidade imanente.
A questão que estou colocando - a da explicação da socialidade da inter-
subjetividade enquanto fenômeno real, causalmente produtivo, motor do
cotidiano e da história - não é sequer tocada, nem de leve, pelo conceito de
"subjetividade coletiva", conforme recentemente defendido pelo sociológo
José Maurício Domingues, no artigo "Sistemas sociais e subjetividade coleti-
va." Domingues pretende ultrapassar a exclusividade do sujeito individual
autoconsciente na causação social, questionar sua "primazia ontológica" (26,
n. 10). Para superar as limitações teóricas da tradicional bipolaridade
"indivíduo" e "sociedade" - atrelada a esta outra, "ação" e "estrutura" (5, 6)
-, ele propõe um "modelo causal" onde as noções básicas são o ''nível de
centramento" (da subjetividade coletiva) e o "nível de intencionalidade cole-
tiva" (20, 2 1). São suas palavras: "A teoria da subjetividade coletiva propõe-
se como uma nova abordagem geral do tema dos sistemas sociais, a qual não
os reifica ..." (p. 25). Confesso que sou incapaz de ver como é possível reti-
rar a "primazia ontológica" do indivíduo sem, de alguma forma, ''reificar os
sistemas sociais." A única hipótese alternativa viável seria, no meu entender,
supor algum tipo de canal de comunicação intersubjetiva ontologicamente
efetivo, capaz de permitir a interpenetração ontológica do agente individual
por conteúdos essencialmente sociais. Apenas uma tal hipótese poderia jus-
tificar o que diz Dewey, em "O público e seus problemas": "vontades, esco-
lhas e propósitos têm seu locus em seres singulares," embora o conteúdo
intencional não seja "algo puramente pessoal" (p. 330).
John Searle, no artigo ''Intenções e ações coletivas", apresenta um inte-
ressante encaminhamento para nosso problema, ao defender que o conteúdo
da intencionalidade individual de um agente engajado numa ação humana
conjunta possui um componente intrínseco irredutivelmente coletivo. Isto é:
a intencionalidade mental do indivíduo é já também, de modo intrínseco,
uma intenção coletiva (que ele também chama de "we-intention"). O que
quer isso dizer? Tomemos dois sujeitos A e B, empenhados na ação coletiva
de compor uma canção, A sendo o letrista e B o compositor. Se em determi-
nado momento tivéssemos apenas os conteúdos intencionais INTENÇÃO-A
(escrever um verso) e INTENÇÃO-B (compor uma frase musical), onde
estaria afmal a intenção coletiva propriamente dita, intrínseca a cada agente
-no caso, a intenção de compor uma canção? Como distinguir, empregando
essas fórmulas para INTENÇÃO-A e INTENÇÃO-B, o caso em questão de
um outro, em que simplesmente o poeta A estivesse fuzendo um verso e o
O Problema Ontológico da lntersubjetividade 235
Dizemos que o outro geral e o outro particular fazem parte da situação, não
porque sejam estranhos ao eu e o demarquem, como as águas do mar demar-
cam a terra de uma ilha que elas rodeiam por todos os lados como algo estra-
nho à terra. O sujeito não está rodeado pelo trans-subjetivo. O sujeito é pro-
priamente sujeito, ou está sujeito ao trans-subjetivo, porque o incorpora na
sua própria vida (p. 105).
O artista impõe uma cultura a si mesmo e acaba impondo-a aos outros. É as-
sim que a tradição se estabelece. A tradição é inteiramente distinta do hábi-
to, mesmo de um excelente hábito, já que o hábito é por definição uma aqui-
sição inconsciente, e tende a tomar-se mecânica, ao passo que a tradição re-
sulta de uma aceitação consciente e deliberada. A tradição autêntica não é a
relíquia de um passado irremediavelmente transcorrido; é uma força viva que
anima e condiciona o presente. Nesse sentido, o paradoxo segundo o qual
tudo o que não é tradição é plágio tem sua razão de ser... (...) Esse senso de
tradição, que é uma necessidade natural, não deve ser confundido com o de-
sejo plausível do compositor de afirmar o parentesco que sente, através dos
séculos, com algum mestre do passado (pp. 58-59).
bra à ordem das razões e das leis, e que não as assimila, o que quer que di-
gam sofistas, céticos e convencionalistas, que dão a impressão de crerem que
as vontades, os desejos, as categorias humanas e sociais, podem fazer que
dois e dois não perfaçam quatro (p.l6).
Referências Bibliográficas
LUlZ HEBECHE
Universidade Federal de Santa Catarina
tem esse poder, essa habilidade, é que pode afirmar efetivamente ter vivenci-
ado um determinado âmbito do mundo. Mas a vivência que constitui um
objeto não é mesma de quem tem ciúmes, dor de cabeça, ou tem expectativas
em relação a seu futuro. Se por um lado é necessário comparar vivências e,
portanto, estabelecer critério para aquilo que vem ao encontro, de outro,
tem-se de reconhecer a dificuldade de, no mundo interior, precisar tais crité-
rios, pois a significação de um conceito psicológico estará sempre demasiado
próximo de sua vivência. É por isso que esse conceito é central no conjunto
da filosofia da psicologia. De qualquer modo, o "mundo da consciência" se
apresenta desde a trama de seus fragmentos, em que cada fragmento é defi-
nido na "regra" ou "padrão" como seu modo peculiar de vir ao encontro, e
algo só vem ao encontro dentro do jogo de linguagem. Por isso, se não se
pode aceitar que o pensar seja um fenômeno (Erscheinung), embora possa-
mos falar do "fenômeno do pensar" (RPP, 2, § 31), pois ainda que haja uma
diferença intransponível entre o pensar e os outros conceitos internos como
as sensações e as emoções (eu me reEaciono com minha dor de cabeça ou
minha dor de cotovelo de modo diferente de como me relaciono com meu
pensamento), pois se também se pode "observá-las" no corpo, na fisionomia,
na expressão pela linguagem, ou por gemido ou grito, o pensamento, ao
contrário, parece algo que se desdobra sempre "dentro de nós". Isso, todavia,
não quer dizer que o pensamento não venha ao encontro de algum modo. A
"profundidade" do pensamento se deve ao que há de áspero na superficie.
Ou melhor: como se pode pensar a natureza do pensamento se a principio
ela estivesse oculta? É nos jogos de linguagens que o conceito de pensa-
mento pode ser discriminado. E como os jogos de linguagem vão se alteran-
do no curso da vida, ou melhor, vão imiscuindo seus limites, o "ver como"
se deve ao caráter incerto do modo como cada jogo se relaciona com outro,
numa situação em que se toma difícil precisar claramente esses limites. Pois
o interior é como uma rede de conceitos e ao se tocar num deles os seus
efeitos repercutem sobre toda a extensão da rede. No entanto, se o pensa-
mento se distingue dos outros conceitos do interior por ser o mais imune às
vivências, isso recoloca a questão: como localizar aí um conceito puro de
pensamento, se o interior mesmo é vago?
"O interior está oculto para mim", não é igualmente tão vago como o con-
ceito de " interior"? Pois considere então: o interior é, no fim das contas, sen-
sações + pensamentos + representações + disposições + intenções, etc.
(LWPP, I,§ 959).
sumir a nova língua, trocasse de endereço junto com seu portador; poder-se-
ia, portanto, sem alterar o pensamento, dar-lhe outras formas de expressão,
trocar-se-ia de lingua como se troca de roupa. Quando se diz que só se pode
filosofar em alemão ou em grego, não se estaria aí defendendo que o pensa-
mento mais profundo só pode ser expresso nessas línguas, pois trata-se uni-
camente de duas tradições filosóficas que marcaram a cultura do ocidente. O
que importa não é que o pensamento possa ser melhor expresso em uma ou
outra língua, mas que o pensamento venha sempre ao encontro em alguma
delas, seja o alemão ou o português, que o pensamento não seja ele mesmo
uma atividade secreta e misteriosa que - per moto proprio - lance mão de
algum modo privilegiado de vir ao encontro, tendo ele mesmo de ser
''traduzido" para a linguagem. Esta é a mesma concepção que separa o pen-
samento do seu modo de vir-ao-encontro; é a que também, freqüentemente,
leva a dizer-se que fulano agiu ou falou sem refletir, ou que não mediu suas
palavras, que apenas sofismou, isto é, que suas palavras carecem de espírito
ou de conteúdo que só o pensamento originalmente pode ter. O pensamento
mesmo se toma uma super-entidade interna, uma espécie de vulcão que ex-
pele o mundo. O professor de fisica aconselha seus alunos a não se limita-
rem a decorar as fórmulas ou a recorrerem apenas às maquinas de calcular,
mas a pensarem no que se constitui como a efetiva solução do problema.
Sem a força do pensar, as fórmulas da fisica seríam como que entidades va-
zias. Assim como para as imagens da memória, também o pensamento seria
uma espécie de "sopro vital", e sem ele as palavras seriam apenas uma reu-
nião casual de letras mortas. O conceito de pensamento tem, desse modo,
uma aura de algo inefável que se distingue das coisas mais terrenas como,
por exemplo, comer ou beber, de modo que freqüentemente se costuma to-
má-lo como um ''processo incorpóreo" para distinguir sua gramática da do
comer ou beber, pois o que poderia ser mais distinto? No entanto, esta posi-
ção também resulta do engano de se considerar o pensamento como processo
incorpóreo que se contrapõe a um processo corpóreo, assemelhando-se este
engano à idéia de que apenas os signos numéricos são reais, mas os números
não são reais. Tomamos um determinado modo de expressão inadequado e
não somos capazes de reconhecer o seu defeito de origem. A gramática do
pensamento é distinta do comer ou beber, mas não porque o pensamento é,
ao contrário destes, um processo imaterial que se desenrolasse distintamente
do processo material (PU, § 328). Nosso engano já estava, portanto, na falsa
imagem que condicionou a noção de pensamento incorpóreo, cuja terapia
nos possibilitará uma visão geral dos vários modos do pensamento vir-ao-
encontro, ou melhor, dos vários usos desse conceito ou das circunstâncias
em que ele é empregado, e para fazer isso não se necessita nenhuma teoria,
Sobre o Pensamento 255
pois trata-se apenas de descrever o que já desde sempre está à mão. Dessa
forma, a natureza do pensamento é concebida como um processo oculto e
inefável, condição dos meios de expressão, mas inacessível a esses meios, e
que, por isso mesmo, como algo resistente à analise, é agora substituído pela
concepção de que a essência de urna palavra - o pensamento, no caso - está
no uso da mesma, pois, ao contrário, da concepção llo processo incorpóreo
que se desenrola às ocultas no espírito ou numa mente. Não podemos adivi-
nhar qual é o funcionamento de uma palavra, temos de visualisar o seu em-
prego e aprender a operar com ele, só isso indica que compreendemos uma
palavra (PU, §340). E não se trata apenas de distinguir uma palavra da ou-
tra, mas o uso de cada uma delas. O mundo não é um superconceito, porque
é forjado desde os âmbitos desses distintos usos. Essa perda da aura do con-
ceito de pensamento, porém, não ocorre sem resistência. É preciso vencer o
preconceito que vê o recurso ao uso como algo "repulsivo". O conceito de
pensamento não é mais entendido a partir de uma essência interna que lhe
dá univocidade, mas pelo aglomerado de atividades afins, pois se o pensa-
mento se distingue do andar ou do comer, ele mesmo não vem ao encontro
de um único modo.
Mas é precisamente a ilusão de que a relação entre o pensamento e as
palavras seja um processo duplo que ainda tem de ser desfeita, uma vez que
ela introduziria um âmbito vazio entre o pensamento e o seu conteúdo, como
se a emergência do pensamento fosse independente do pensado. Uma vez
que o pensamento tem de vir ao encontro para que, de a lgum modo, possa
ser tematizado, isso não quer dizer que seja um processo semelhante ao virar
a esmo as páginas de um livro, ou que, ·c omo na fulguração de sua imedia-
tez, viesse ao encontro bruscamente, distinguindo-se do vazio do seu entor-
no, pois o pensamento coincide com o mundo, e não há espaços vazios no
seu vir ao encontro. E só se pode falar do conteúdo de um pensamento, desde
que haja harmonia entre o pensamento e a realidade. É essa harmonia que
originalmente impede que o pensamento seja algo imponderável ou que ope-
re no vazio. Ele não vem ao encontro para preencher o âmbito em que ainda
não chegou. A rejeição de que o pensamento seja um processo feito às ocul-
tas significa que não se trata de uma duração que possa ser cronometrada,
como se o pensamento fosse com maior ou menor velocidade o que é pensa-
do, como se o pensamento, como os tentáculos de um polvo, pudesse agarrar
algo de fora e trazer para junto de si. O pensamento já sempre coincide com
o pensado, o que não quer dizer que o pensamento seja algo imutável, pois a
ação do pensar envolve simultaneamente o que pode ou não ser pensado. O
pensar não procede num único viés, ele implica o domínio de uma técnica de
variação, isto é, ele implica uma autocorreção à medida que avança, poden-
256 Luiz Hebeche
do alterar os seus conceitos, pois a relação entre regra e caso não está con-
gelada como num céu platônico, mas, ao contrário, a sua práxis abre a pos-
sibilidade de alterar a regra, de modo que a mudança aqui não diz respeito
apenas ao falar, mas também ao fazer (Tun) (RPP, I, § 910). Isso também
quer dizer que o querer já está sempre envolvido com o dominar uma técni-
ca, pois não haveria como discernir urna que fosse apenas um querer inde-
pendente do jogo de linguagem em que vem ao encontro. A ambigüidade do
algo como algo estabelece a essência do conceito como um aglomerado de
seus empregos, pois, de um lado, se opera com a intencionalidade que per-
mite dizer o que é dito, de outro, atenta para a própria expressividade do
pensar, regido por jogos de linguagem aparentados, os quais são em geral
chamados de atos do pensar cuja ramificação é tão vasta quanto a do con-
ceito de pensamento. No entanto, esses dois conceitos não podem ser con-
fundidos, isto é, conceber a intenção apenas sob o modelo do pensamento,
embora a gramática do pensar se assemelhe a dos verbos intencionais- que-
rer, intentar, desejar, esperar, ordenar etc. - pois do mesmo modo que um
pensamento pode estar correto ou não, também um desejo pode ser satisfeito
ou não, uma expectativa pode ser efetivada ou frustrada, e uma ordem pode
ser obedecida ou descumprida. A pergunta é como se relacionam esses ver-
bos com a realidade, pois à primeira vista dão a idéia de que um espaço va-
zio se abre entre eles e a sua realização, como se minha expectativa que p,
para ser realizada a contento, tenha de ser preenchida pelo estado de coisas
que p, como o bloco do êmbulo preenche o vazio do tubo, porém não se ex-
plica a realização de uma expectativa recorrendo às noções causais ou com-
portamentais, em que a relação entre o conteúdo da expectativa fosse preen-
chido por um evento ou estado de coisas, pois trata-se de uma relação intrín-
seca entre a expectativa e o que é esperado. A harmonia entre os verbos in-
tencionais e a realidade deve ser encontrada na gramática da linguagem (Z,
§ 55), e, como consideramos neste caso que é na linguagem que o pensa-
mento ou a expectativa vem ao encontro, é precisamente porque é na lin-
guagem que expectativa e realização se tocam (PU, § 445). Isso quer dizer
que os verbos intencionais já têm um conteúdo; e seria então um erro tomar
tais verbos "como se eles tivessem a virtude de antecipar figurativamente um
estado de coisas, de modo que a intenção se realizaria pelo preenchimento
(Erfülung) de "!ma forma oca graças aos dados fornecidos pela sensibilida-
de" (Giannotti, 1995, p. 2 11 e p. 221 ). E isso, aliás, seria, desde o conceito
de pensamento, uma retomada do modelo objeto-designação, como se o pen-
samento pudesse ser comparado com algo que, desde fora, viesse ao encon-
tro. Mas aqui qualquer explicação fenomênica ou psicológica não dá conta
da questão lógica que aí está em jogo, pois o sentido de uma palavra só vem
Sobre o Pensamento 257
"A esta palavra, ambos pensamos nele." Suponhamos que cada um de nós ti-
vesse dito a mesma palavra para si próprio, em silêncio, - e MAIS que isto
não pode significar, - Mas estas palavras não estariam apenas em germe
(Keim)? Elas devem, contudo, pertencer a uma linguagem e a um contexto,
para ser realmente a expressão do pensamento naqueles homens.
Sobre o Pensamento 259
Se Deus tivesse olhado em nossas almas, não poderia ter visto lá de quem
falávamos. (PU, § 558)
SARA ALBIERI
Universidade Federal de Santa Catarina
1
Rossi, P., Os Filósofos e as Máquinas, p. 10.
"Para o que o exemplo de diversos objetos construídos pelo artifício dos ho-
mens me serviu bastante: pois não reconheço diferença alguma entre as má-
quinas que os artesãos constróem e os diversos corpos que só a natureza
constrói, exceto que os efeitos da máquinas só dependem da ação de certos
tubos ou peças ou outros instrumentos que, tendo que guardar alguma pro-
porção com as mãos daqueles que os fabricam, são sempre tão grandes que
suas formas e movimentos podem ser vistos, enquanto os tubos ou peças que
causam os efeitos dos corpos naturais são de ordinário pequenos demais para
serem percebidos por nossos sentidos. E é certo que todas as regras da mecâ-
nica pertencem à física, de modo que todas as coisas que são artificiais são
por isso naturais. Pois, por exemplo, enquanto um relógio marca as horas por
meio das engrenagens de que é feito, isto é tão natural quanto para uma árvo-
reproduzir seus 1Tutos."2
2
Descartes. CEuvres, vol. ill, iv, Príncipes..., p. 520.
O Modelo Determinista do Universo na Filosofia Moderna 265
onde partem tais qualidades do que, como disse, está a idéia de um campo-
nês do mecanismo interno daquele famoso relógio de Estrasburgo, do qual só
vê a figura externa e os movimentos. 3
A referência ao mecanismo da natureza se encontra também em Hume,
em geral, porém, aludindo à necessidade das leis que regem os fenômenos
da natureza:
"Tudo é certamente governado por leis estáveis, invioláveis" diz Fílon nos
Diálogos. "Em vez de admirar a orde m dos seres da natureza, deveriamos
ver claramente que seria absolutamente impossivel para eles, no menor as-
pecto, admitir qualquer outra disposição."4
3
Locke. Essay on Human Understanding, m, vi, 9.
4
Hume. Dialogues Concerning Natural Religion, p. 420.
5
Popper, K., De Nuvens e Relógios, in: Conhecimento Objetivo, p. 193s.
266 Sara Albieri
Assim como um relojoeiro engenhoso pode fazer dois relógios que marquem
as horas igualmente bem e sem nenhuma diferença em sua aparência exter-
na, e contudo sem nenhuma semelhança na composição de suas engrenagens,
assim é certo que Deus trabalha de modos infinitamente diversos, cada um
dos quais lhe permite fazer tudo no mundo aparecer como é, sem tomar pos-
sível à mente humana conhecer qual dessas maneiras decidiu utilizar. E creio
ter feito o suficiente se as causas que listei sejam tais que os efeitos que pos-
sam produzir forem semelhantes àqueles que vemos no mundo, sem sermos
informados se há outros modos pelos quais são produzidos." 7
6
Laudan. L., The Clock Metaphor and Hypotesis, in: Science and Hypothesis.
7
Descartes, CEuvres, vol. ill, i v, Pricipes..., p. 521.
O Modelo Determinista do Universo na Filosofia Moderna 267
8
Yost, R , 1951. pp. 111-30.
9
Essay ••• Iv, iii, 19.
268 Sara Albieri
E 1-fooke escreve:
" ... e com a ajuda dos microscópios, nada há tão pequeno que possa escapar à
nossa investigação. Parece provável que com a ajuda destes [instrumentos
óticos] a sutHcza da composição dos corpos, a estrutura de suas partes, a
textura variada de sua matéria, os instrumentos e o modo de seus movimen-
tos internos, e todas as aparências posslveis das coisas, poderão ser mais
plenamente descobertas ..." 11
10
Power, H., 1664. Experimental Philosophy, Prefácio, citado por Laudan in 'The
Metaphor and Hypothesis", p. 48.
11
Micrografia, London, I 665, prefácio, citado por Laudan, The Clock Metaphor...,
p. 56,
O Modelo Determinista do Universo na Filosofia Moderna 269
Deve-se admitir que a natureza nos manteve a grande distância de seus se-
gredos, e apenas nos pennitiu o conhecimento de algumas qualidades super-
ficiais dos objetos, enquanto nos oculta aqueles poderes e princípios dos
quais depende inteiramente a influência desses objetos." 13
Levando-se em conta esses textos Hume parece ser tão cético a respeito
da explicação causal plena do universo quanto o é no célebre argumento
contra a fundamentação racional da indução. E no entanto outros textos
afirmam a tese da causação universal estendida igualmente a fenômenos
naturais e humanos.
12
Hume. O. NHR, ID, p. 316. Sobre a presença do método de hipóteses na filosofia
dde Hume. ver J. P. Monteiro, ''A Teoria e o Inobservável", in: Hume e a Epistemo-
logia.
13
EHU, IV, ii, 29.
14
EHU, IV, i, 26.
270 Sara Albieri
15
EIID, vm, 64-65.
16
EIID, vm. 10.
17
EHU, VI, 47.
18
THN, I, iii, 11, p.l24.
19
EIID, vm, i, 10.
O Modelo Determinista do Universo na Filosofia Moderna 271
20
EHU, VI, nota 9.
21
EHU, VI, 47.
22
EHU, VII, i, 67.
23
EHU, 68.
272 Sara Albieri
24
Cf Lebrun, G., La Boutade de Charing-Cross.
2S Ibidem.
26
Por exemplo, no Tratado, Hume critica os filósofos que, para explicar qualquer
fenômeno ignorado, atribuem-no a uma "fàculdade" ou "qualidade oculta". THN, I,
iv, 4, p.224.
27
THN, I, i v, p.267.
O Modelo Determinista do Universo na Filosofia Moderna 273
" ... desejo que o que cu escreva seja tomado apenas como uma hipótese, a
qual está talvez bem distante da verdade; mas, mesmo que assim fosse, eu
acreditava ter feito o bastante se todas as coisas que fossem delas deduzidas
fossem inteiramente conformes às experitlneias: pois se assim for ela será tão
útil à vida quanto se fosse· verdadeira, porque poderia servir do mesmo modo
para dispor as causas naturais a produzirem os efeitos que se deseje. 28
" ... aquele que supondo um ou mais provimentos, pode deles derivar a neces-
sidade daquele efeito cuja causa se requer, fez tudo o que se espera da ra;r..ão
natural. E embora não prove que a coisa foi produzida dessa forma, contudo
prova que dessa forma pode ser produzida ... o que é tão útil quanto se as
causas mesmas fossem conhecidas.'' 30
28
(Euvres, m, iii, Príncipes, p. 247.
29
Laudan, L., The Clock Metaphor ... , p. 41.
30
Hobbes, English Works, vol. VII, pp. 3-4, London, 1845.
274 Sara Albieri
31
THN, I, iii, 15, p. 173.
32
Principes, p. 522.
33
Nagel. E., La Structura de La Ciência, p. 543.
O Modelo Determinista do Universo na Filosofia Moderna 275
Referências bibliográficas
Alexander, P., 1985. Jdeas, Qua/ities and Corpuscles: Loclce and Boyle and
Externa/ World. ambridge: University Press.
Descartes, R.,l973. CEuvres Philosophiques.Paris: Gamier.
Hobbes, Th. 1966. The English Works of Thomas Hobbes. Alemanha, Sci-
entia Verlag Aaalen.
Hume, D., 1967. A Treatise of Human Nature. (THN), Selby-Bigge (ed.),
Oxford: Clarendon Press.
34
Lebrun, G., La Boutade de Charing-Cross, p. 75.
276 Sara Albieri
SOCIEDADE
BRASILEIRA
DE ANÁLISE
FILOSÓFICA