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UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS

NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA


FACULDADE DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
CURSO DE LETRAS

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO


EQUIPE N.º 7
Elaine Coelho Barbosa
Emanuel Monteiro Nogueira
Hanany Andrade Silva Ramos
Renan Gotardo Felipe

ORIENTADOR: Prof. Dr. Gerson Tenório dos Santos

O DIALETO CAIPIRA PRESENTE NA LETRA DA MÚSICA


“O CHICO MINEIRO”

VARIAÇÃO LINGUÍSTICA ENTRE ORALIDADE E ESCRITA


E A DISCRIMINAÇÃO LINGUÍSTICA

TEMA/DELIMITAÇÃO
O “caipirês” não representa uma maneira errada de falar o português.
Constitui-se num dialeto de raízes antigas. Portanto, o caipira não fala errado;
ele fala um dialeto, uma legítima variante da língua portuguesa.
Tudo quase terminou quando o rei de Portugal proibiu o uso da língua geral
na Colônia. Nas casas, nas ruas, em qualquer lugar, falava-se o tupi-guarani
adaptado ao português, ou vice-versa, façanha desenvolvida pelo padre
Anchieta. Assim nasceu o nheengatu, a língua brasílica, que se espraiou como
as ondas do mar de Bertioga e lá foi ela, falada por todos, desde o litoral de
Santa Catarina até o Pará. Ela permitia que portugueses e indígenas se
entendessem, assim como, entre si, indígenas de falares diferentes. Foi a
língua predominante até o século XVIII. O berço da cultura caipira e onde ela
fincou pé é a vasta região compreendida pelo Sudeste e Centro-Oeste do
Brasil e Paraná. A cultura caipira motivou vários escritores, e sem ela, teriam
precisado de outra fonte de inspiração para construir suas obras monumentais.
Sua delimitação e caraterização datam de 1920, com a obra de Amadeu
Amaral, O Dialeto Caipira.
Tendo em vista o apresentado, a proposta do nosso trabalho é trazer
uma avaliação das ocorrências fonéticas do dialeto caipira e suas implicações,
trazendo uma discussão sobre a presença da variação linguística e o
preconceito linguístico na música regional caipira. Para fundamentar a teoria,
nos pautamos nos conceitos de Martins (2007), Villalta (2004) e Bagno (1998)
que afirmam que o dialeto caipira resultou da hibridação da língua
metropolitana como fala indígenas, e que é herança dos habitantes da zona
rural de certas regiões do Brasil. A música que embasa nossa análise é de
alcance nacional e enfatiza a necessidade de maior atenção no que tange uma
emergente necessidade de uma pesquisa na área, antes que comunidades não
consigam mais expressar, por meio da música, a riqueza de sua linguagem, e
esta venha a se perder em meio ao contexto social.
Considerando que, por mais que reneguemos, em todos nós há
uma porção dessa herança dialética que tanto procuramos extirpar ao
esquecimento, pois se lançarmos nossa observação quanto as ocorrências
fonéticas existentes no nosso corpus, elas estão arraigadas até mesmo em
nosso falar culto. Isso nos leva a convicção que de uma forma geral, somos
todos um pouco protagonistas na disseminação daquilo que tanto criticamos e
discriminamos

JUSTIFICATIVA

O trabalho proposto emerge da necessidade de levar às pessoas a


música caipira, de forma a desmitificá-la de algo inferior ou medíocre, mas
aproximá-la quanto à sonoridade e à musicalidade aos cantos da Literatura
Oral; ao imaginário e às tendências romântica e realista da literatura nacional.
Numa sociedade em que a transição do rural para o urbano ainda é
recente, o homem do interior, o caipira, e suas tradições representam
manifestações vigorosas da cultura e de uma identidade própria. Percebemos
que o mundo caipira permanece em nós, preso às memórias e às tradições,
principalmente, no Centro-Oeste e Sudeste. As raízes culturais de um povo não
podem se perder no tempo. Mas se sabe que isso é possível devido a todo
dinamismo e transformações que acontecem na vida. Dada essa realidade, é
de suma importância, então, que elas sejam protegidas, preservadas,
buscando-se/formas locais para que se possam perpetuar. Daí, a importância
de apoio e incentivo à pesquisa, aos museus, aos teatros, aos centros
culturais, aos locais onde se mantêm essas tradições. Justificando-se assim a
relevância desta pesquisa, no sentido de preservação e expansão da memória
caipira, de sua história e origem que, hoje, é um modelo que não deve ser
esquecido e extirpando assim toda forma de preconceito.
Segundo Alencar (s/d, p. 12), “Raízes tradicionais são cortadas e
reatadas, símbolos coletivos apropriados das influências externas”. A
ambiguidade mantém o futuro das culturas locais em aberto. A música, entre
outras manifestações vigorosas da cultura e da identidade do sertão "são
presentes-etnográficos-se-transformando-em-futuros" (CLIFFORD, 1988, p.
15).
Por possuir traços fortes na história, na cultura e, também, em
aspectos sociais, o dialeto caipira será discutido e estudado neste projeto, de
forma que possa ser entendido desde seus primórdios, quando recebeu forte
influência da língua tupi, até chegarmos aos dias atuais com sua maior difusão,
inclusive em letras de músicas. A música “O Chico Mineiro”, é forte em seus
traços caipiras evidenciados não somente na forma como a história é contada,
mas também no linguajar usado pelos cantores, o que causa ainda mais
fascínio pelo estudo da obra.
Uma das confusões que as pessoas mais cometem no campo da
variação linguística é acreditar que oralidade é sinônimo de informalidade.
Nada mais enganoso. Existem várias situações em que necessitamos nos
expressar oralmente de maneira formal. Por outro lado, é preciso reconhecer
que a oralidade possui certas características que a distinguem sensivelmente
de expressão escrita.

OBJETIVOS

OBJETIVO GERAL

 Traçar um histórico sobre o dialeto caipira e suas implicações


enquanto variação linguística no âmbito da oralidade e da escrita.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

 Articular o estudo do dialeto caipira apresentado na letra da música


“O Chico Mineiro “,
 Realizar a análise das ocorrências fonéticas;
 Abordar o preconceito linguístico relacionado ao dialeto caipira.

METODOLOGIA

O método de pesquisa a ser utilizado para realização deste trabalho consistirá


na obtenção de dados relevantes por meio de pesquisas bibliográficas, tendo
como base autores como Martins (2007), Villalta (2004) e Bagno (1998).
Pesquisa esta, que trará por objetivo uma breve analise do dialeto caipira
presente na canção “O Chico Mineiro “, como objeto de estudo de um povo ,
e que o vincula enquanto sociedade a uma determinada região por meio de
seu caraterístico dialeto.
Apresentar-se-á, também, um enfoque das ocorrências das
variações fonéticas presentes na música, “O Chico Mineiro”, quer cantada, quer
declamada, e faremos uma relação de vocábulos comumente empregados na
música caipira, e a partir deste um levantamento por meio da problemática da
discriminação linguística.
Com enfoque na música traçar-se-á um corpus temático, que
subsidie as discussões teóricas.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Origens do dialeto caipira

Na história de nosso país, o idioma português foi imposto como


língua oficial. Isso acarretou um efeito direto do poder do estado metropolitano
sobre a população colonizada, além de provocar a redução de cerca de 1200
línguas que eram faladas antes da chegada dos portugueses ao Brasil.
(GUIMARÃES, 2004).
Desta maneira, em um país onde convivem inúmeras coletividades
humanas com as mais diferenciadas origens geográficas, nacionais, étnicas,
culturais e linguísticas apenas a língua portuguesa se estabeleceu como
sendo, única, legítima e oficial, marginalizando, especialmente, as línguas de
origem indígena e africana.
Desde o final do período colonial até o presente, o acesso
privilegiado e a assimilação da língua dominante por meio do sistema escolar
de ensino por parte das populações metropolitanas, transformaram-se,
historicamente, em mecanismos ativos de discriminação por parte daqueles
que tiveram acesso à educação formal escolar, o que fortaleceu uma diferença
entre aqueles a quem esse mesmo acesso foi renegado.
Segundo MARTINS (2007), o dialeto caipira resultou da hibridação da
língua metropolitana com os falares indígenas. Ou seja, as dificuldades de
pronúncia de certos sons da língua portuguesa proferidos pelos índios dos
séculos XVI a XVIII, e também pelos mestiços, seus descendentes,
os chamados caipiras, caracterizaram profundamente as sonoridades do
dialeto caipira. Portando, esse dialeto refugiou-se no interior do Brasil onde era
menor a repressão linguística que tinha sido determinada pelo monarca, rei de
Portugal, no século XVIII.
Para VILLALTA (2004, p. 61), o dialeto caipira é sobrevivente entre
os moradores da zona rural de certas regiões do Brasil e dos
descendentes urbanizados, considerado uma língua de resistência das
populações mestiças contra a imposição de uma língua oficial por parte da
Coroa portuguesa.
Para AMARAL (1982, p.41 e 42), o processo dialetal se estenderia
por muito tempo, se as condições do meio não houvessem sofrido uma
série de rupturas intransponíveis à sua evolução. De algumas décadas
para cá, tudo entrou em profunda transformação, pois a substituição da mão
de obra escrava pelo assalariado afastou da convivência rotineira dos brancos
grande parte da população negra, modificando assim os fatores de nossa
diferenciação dialetal.
Dessa forma, os genuínos caipiras, os roceiros considerados à
época como ignorantes e atrasados, começaram também a ser atirados à
margem da vida coletiva. A instrução restrita teve extraordinário avanço,
impossibilitando que o dialeto caipira deixasse de sofrer grandes alterações do
meio social.
Atualmente, o dialeto caipira encontra-se isolado em pequenas
localidades que subsistiram ao progresso, salvo , isso, está presente na fala de
pessoas de maior idade , de maneira que não se pode extinguir a antiga
educação. Todavia, certos vestígios são observados e ainda permanecem
arraigados na linguagem corrente, em luta contínua com outras tendências
concebidas pelas novas conjunturas , principalmente, pela evolução
tecnológica e pela globalização.
Evidentemente, a necessidade de se passar além a herança de
nosso colonialismo não significa que devemos desconsiderar os códigos
culturais, experiências e linguagens oriundas da Europa, como as ciências,
artes e religiões, ao contrário, torna-se imperioso a possibilidade de criticá-las,
dimensionando-as como formas particulares de expressão cultural de
populações e grupos, sem dúvida importante, mas não menos importante e tão
pouco superior a nenhuma outra forma de expressão cultural dos povos,
principalmente, em relação ao dialeto caipira.

O Dialeto caipira e suas variações


Atualmente existem estudos em busca de uma Língua Portuguesa
uniforme, invariável, seguindo a norma padrão que temos expressado na
gramática normativa. Segundo ILARI e BASSO (2006) não seria correto dizer
que a Língua Portuguesa do Brasil é uniforme, na visão dos autores isso é um
mito, pois, seria o mesmo que afirmar que o português correto com certeza
seria o padrão, ou seja, a língua culta.
A linguagem sofre alterações pela ação do ser humano e da cultura
de uma comunidade, região ou país, a evolução por natureza faz isso, pois o
próprio homem através do tempo mudou suas ideias e inseriu novos valores,
mudando a sociedade a sua volta. Podemos afirmar que o fato de haver
variações ou mudanças linguísticas através do tempo é natural e muito
importante no contexto da linguagem humana. A variação da língua propõe
uma classificação estudada e apresentada por Ilari e Basso (2006)
determinada como: variação diacrônica, variação diatópica e variação
diamésica, ou seja, variação histórica, geográfica e social. Sendo assim Ilari e
Basso (2006) afirma que a variação histórica resulta das mudanças naturais
consequentes da evolução temporal conhecida como variação diacrônica, onde
ocorre a mudança da língua ao longo do tempo, nem sempre num período
muito longo, às vezes com alcance apenas de gerações.
A variação diacrônica tem uma história externa, falando da maneira
como as línguas evoluem dentro de um espaço de tempo em suas funções
sociais relacionando com uma determinada comunidade linguística e uma
história interna, que é o fato da língua sofrer muitas alterações com o passar do
tempo ocorrendo em sua gramática – fonologia, morfologia, sintaxe – e em seu
léxico (ILARI & BASSO, 2006, p.152).
Quando se torna clara a evolução da sociedade existe uma
alteração da sua forma de agir e de novos ideais, assim a língua sofrerá a
mesma ação gerando diferenças e divergências que foram comuns em uma
época agora não são em outra, fazendo com que existam as muitas variações
linguísticas.
Os arcaísmos são vistos como formas desatualizadas da linguagem
que não são mais utilizadas pela maioria da comunidade enquanto que os
neologismos são ideais novos com formas inovadoras. Mas se pensarmos nas
variações de um falante que fora identificado como no dialeto caipira então ele
é desatualizado, feio e errado, uma pessoa sem instrução e não deve ser
considerado pelos padrões atuais como falante ou usuário da língua
portuguesa, é errado pensar dessa forma, pois não podemos discriminar as
variações sofridas.
Nesse sentido podemos ter a aplicação da norma padrão não
desprezando as variações, pois podemos usar no mesmo plano temporal
variante que hoje estão em desuso, porém isso nem sempre é tão fácil, pois a
linguagem falada do dialeto caipira persiste e alguns falantes idosos ainda
mantêm os costumes e formas de épocas que a norma permitia tal uso. A
variação diatópica é a variação em seu espaço geográfico, a língua falada em
diferentes regiões do Brasil ou em diferentes países, essa variação geográfica
é a forma linguística comum da região em destaque no momento que
conversamos com uma pessoa, percebemos pelos sotaques ligados às marcas
orais da linguagem sendo visível se o falante pertence à mesma região.
Já a variação diamésica são as variações a língua pode apresentar
em um grupo social, níveis de escolaridade e econômicos. Segundo BAGNO
(2002) é importante ao falante entender essas variações e a variação
diamésica pode explicar a existência das diferenças linguísticas gigantescas
entre os falantes da forma não padrão do português sendo hoje a maioria e a
minoria os falantes da variedade culta, que hoje é a língua ensinada na escola
e está mal definida.
Um latente exemplo da variação linguística está retratado na canção “O
Chico Mineiro”, onde está tipicamente realçado dialeto caipira. Faz se
necessário salientar que, o código escrito, ou seja, a língua, sistematizada e
convencionalizada na gramática, não deve sofrer grandes alterações, devendo
ser preservado. Consideremos que se cada indivíduo decidisse escrever da
forma como fala, então, um novo idioma seria criado, faríamos com que fosse
extinta a gramática e todo o sistema linguístico decretado pelas regras, viria a
se desmantelar. Contudo, o que os compositores Tonico e Francisco Ribeiro
fizeram pode ser chamado de licença poética, pois eles transportaram para a
modalidade escrita a variação linguística presente na modalidade oral.
Em face disso, apresentamos uma breve analise da variação
linguística presente na canção “O Chico Mineiro”, que fora gravada por Tonico
e Tinoco, dupla de cantores caipiras e de sotaque apurado, nascidos em São
Manuel, no interior de São Paulo.

Análise do corpus
Música: “Chico Mineiro”
Autores: Tonico e Francisco Ribeiro
Declamado Cantado

Cada vez que me "alembro" Fizemo a urtima viagem


do amigo Chico Mineiro, Foi lá pro sertão de Goiai.
das viage que nois fazia Fui eu e o Chico Mineiro
era ele meu companheiro. também foi um capatai.
Sinto uma tristeza, Viajemo muitos dia
uma vontade de chorar, pra chegar em Ouro Fino
alembrando daqueles tempos aonde noi passemo a noite
que não hai mais de voltar. numa festa do Divino.
Apesar de ser patrão, A festa tava tão boa
eu tinha no coração mas ante não tivesse ido
o amigo Chico Mineiro, o Chico foi baleado
caboclo bom decidido, por um home desconhecido.
na viola era delorido e era o peão dos Larguei de compra boiada.
boiadeiro. Mataram meu cumpanheiro.
Hoje porém com tristeza Acabou o som da viola,
recordando das proeza acabou seu Chico Mineiro.
da nossa viage motin, Despoi daquela tragédia
viajemo mais de dez anos, fiquei mais aborecido.
vendendo boiada e comprando, Não sabia da nossa amizade
por esse rincão sem-fim porque nós dois era unido.
caboco de nada temia. Quando eu vi os seus documentos
Mas porém, chegou o dia me cortou o meu coração
que Chico apartou-se de mim . vim sabê que o Chico Mineiro
era meu ligítimo irmão.

Análise de algumas das ocorrências fonéticas presentes:


Variação Fonética

a) Temos a prótese do fonema /a/, nas palavras alembro e alembrando,


substituindo a forma correta lembrar;
b) Ocorre a perda da nasalização do /em/ na palavra viage;
c) Neste caso ocorre a supressão do /s/ em: viajemo, passemo, fizemo;
d) Na palavra úrtima ocorre a troca do fonema /l / pelo /r/.

Vocábulos

Além da variação fonética, temos que nos ater à outra característica


importante, a presença de vocábulos típicos do linguajar caipira.
Vejamos alguns exemplos:

Delorido substitui o termo dolorido;


Motin – tem o significado de confusão, ou briga. Com o passar do
tempo, esse termo foi sendo utilizado apenas para se referir a brigas ou
rebeliões estabelecidas dentro dos presídios;
Proeza- tem o mesmo significado de façanha;
Apartar-se – o mesmo significado de separar-se, abandonar alguém.

Podemos observar que na letra da música existe uma série de


variações nas palavras, sendo este um linguajar totalmente diferente daquele
que estamos acostumados a utilizar no dia a dia. Entretanto, essas palavras
são faladas e escritas de formas totalmente iguais por seus falantes, podemos
até dizer que elas são únicas e que fazem parte de um contexto onde existe
uma forma particular de se comunicar.
Nota-se a partir dessa analise a presença forte do dialeto caipira e
conclui-se que apesar de as palavras terem sua estruturação totalmente
diferente do padrão culto, seja em sua estilística, seja em sua morfologia, seu
sentido de compreensão não foi perdido.
No cenário Cultural, o dialeto caipira está presente na música, a
qual pode ser chamada de pura representação da realidade da vida rural. A
música caipira, assim como todos os outros movimentos culturais, surgiu da
necessidade que o homem do Campo teve de expressar através de canções,
suas alegrias e tristezas, suas aventuras e prazeres. Além disso, os temas
geralmente estão ligados à fatores de cunho religioso e falando sobre
princípios éticos e morais. O sotaque caipira presente nas canções representa,
também, a ligação do homem com a terra e toda a riqueza presente na cultura
rural.
De acordo com a Empresa Brasil Comunicações S/A (EBC), o Brasil
possui mais de 200 línguas sendo falas em todo o seu território. A maioria e de
origem indígena, 180 no total. É essa mistura de culturas entre os povos que
transforma e agrega valores à língua. Todas essas diferenças e variações da
língua refletem a riqueza e a diversidade cultural e social de um povo, e isso
deve ser valorizado.
Assim sendo, ainda que algumas variações linguísticas não
apresentem o mesmo prestígio social no Brasil, não temos de fazer da língua
um mecanismo de segregação cultural, fortalecendo assim a ideia da teoria
do preconceito linguístico, ao considerarmos determinada manifestação
linguística superior a outra, acima de tudo superior às manifestações
linguísticas de classes sociais ou regiões mais desvalidas.

A discriminação linguística

A discriminação linguística surge a partir da ideia de que existe


nas uma língua correta, aquela encontrada gramaticalizada e dicionarizada,
ensinada e conservada pela escola. Emprega-se o padrão linguístico literário
e culto para determinar o padrão e propriedade da língua e os demais
ficam na esfera da incoerência ou do erro.
Para BAGNO (1998), há um grande preconceito em relação à
língua portuguesa baseado na crença de que temos uma única língua
falada no Brasil, desconsiderando os “subfalares” regionais e as suas
variações linguísticas. Deve-se lembrar de que nossa língua é rica em
diversidade regional e peculiaridades.
De acordo com esse autor, o preconceito linguístico não está no
que se fala, mas em quem fala o quê, decorrente de um preconceito social,
ou seja, contra a fala de determinadas classes sociais consideradas
incultas de certas regiões. Esse preconceito nada mais é do que um profundo
preconceito social e individual do falante. Não existe o certo e o errado na
língua, mas variedades de prestígio e desprestígio correspondentes ao meio
e ao falante.
Assim, corroboramos com Bagno (1998) que afirma:
“se acreditarmos no mito da língua única existem
milhões de pessoas neste país que não têm acesso a
essa língua que é a norma literária, culta, empregada
pelos escritores e jornalistas, pelas instituições oficiais,
pelos órgãos do poder são os sem-língua. Eles
também falam português, uma variedade de português
não padrão, com sua gramática particular, que no
entanto não é reconhecido com válida, que é
desprestigiada, ridicularizada, alvo de chacota e de
escárnio por parte dos falantes do português padrão.”

Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (1998,


p.19), afirmam:

“A variação é constitutiva das línguas humanas,


ocorrendo em todos os níveis. Ela sempre existiu e
existirá, independentemente de qualquer ação
normativa. Assim quando se fala em ‘Língua Portuguesa
está se falando de uma unidade que se constitui de
muitas variedades [...] A imagem de uma língua
única, mais próxima da modalidade escrita da
linguagem, subjacente às prescrições normativas da
gramática escolar, dos manuais e mesmo dos
programas de difusão da mídia sobre ó que se deve
e o que não se deve falar e escrever, não se
sustenta na análise empírica dos usos da língua.”
CALVET (2002) afirma, também, que a história está repleta de
provérbios e fórmulas pré-fabricadas que expressam os preconceitos de
cada época contra línguas, não se referindo apenas a línguas diferentes,
mas a variantes geográficas de línguas. Entre essas diversidades regionais,
encontra-se o dialeto caipira, objeto de estudo deste trabalho.

A música caipira

A música caipira serve de matéria-prima para a construção de novos


estilos musicais. Segundo Alencar (s/d, p. 12), "Raízes tradicionais são
cortadas e reatadas, símbolos coletivos apropriados das influências externas. A
ambiguidade mantém o futuro das culturas locais em aberto. A música, entre
outras manifestações vigorosas da cultura e da identidade do sertão
"são presentes-etnográficos-se-transformando-em-futuros" (CLIFFORD, 1988,
p. 15)
Segundo Catelan e Couto (2005), "As raízes culturais de um povo não
podem se perder no tempo, apesar de todo o dinamismo, de todas as
transformações que acontecem. [É importante que sejam protegidas,
preservadas, buscando-se formas e] locais para que possam se perpetuar. (...)”
Agindo assim, as comunidades estarão constituindo e demonstrando a sua
força cultural, a sua força política, inspirados em suas próprias origens, que
buscam, nos ponteados da viola, nos sapateados e palmeados da catira,
afugentar para longe a tristeza e as solidões dos antigos sertões, que
felizmente ainda moram dentro da gente.
Desde a década de 20 até à atualidade, as transformações foram
inevitáveis. Porém, o que não se quer é que se perda a música caipira, que é
simples, singela, natural e mais original por estar vestida com o cheiro e o
sabor das coisas da terra.
A música caipira representa os sabores e os sons que nascem no
interior, nos ponteados da viola e nas cantorias dos homens simples, revelando
a vida do tropeiro, do peão de boiadeiro, do mestre carreiro e tantos outros
representantes do interior. Ela evidencia a mais autêntica vida do homem do
interior, do homem do sertão brasileiro. Nela, encontra-se a alegria, a tristeza, a
saudade, o humor, a bravata, a religiosidade, o misticismo entre outros temas.
Verifica-se, portanto, na música raiz, o tom simples, o saudosismo, a
lembrança da infância, dos tempos de criança, da família reunida.
Os poetas, mesmo envolvidos no âmbito urbano, não deixaram suas
lembranças serem apagadas. Por isso e tantas outras características, justifica-
se a necessidade de estudar, valorizar e resgatar a música caipira.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMARAL, Amadeu. O dialeto caipira. São Paulo: Anhembi. 1955.

BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. 50ª edição.


São Paulo: Edições Loyola,1999.

CALVET, Loius-Jean. Sociolinguística: uma introdução crítica. São


Paulo: Parabola, 2002.

CAMACHO, Roberto Gomes. Norma culta e variedades linguísticas. São


Paulo: Cultura Acadêmica, 2011, p. 34-49, v. 11.

CASTILHO, Ataliba T. de; ELIAS, Vanda Maria. Pequena Gramática do


Português Brasileiro. São Paulo: Contexto, 2012.

ILARI, Rodolfo; BASSO, Renato. O português da gente: a língua que


estudamos, a língua que falamos. São Paulo, Contexto, 2006

SILVA, Rita do Carmo Polli da. A sociolinguística e a língua materna.


Curitiba: Inter Saberes, 2013

O Chico Mineiro, disponível em:


<https://m.vagalume.com.br/tonico-e-tinoco/chico-mineiro.html>

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros


Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental:
língua portuguesa. Brasília: MEC/SEF. 1998.
EBC, Você sabia que no Brasil são faladas mais de 200 línguas, disponível
em: <http://www.ebc.com.br/infantil/ja-sou-grande/2013/10/voce-sabia-que-no-
brasil-sao-faladas-mais-de-200-linguas>

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