A INFLUÊNCIA AFRICANA NO PORTUGUÊS BRASILEIRO – A VARIAÇÃO NA CONCORDÂNCIA VERBAL
Aline Resende
Projeto de pesquisa do Programa de Pós Graduação em Estudo de
Linguagens da Universidade do Estado da Bahia – UNEB. Tendo como foco linha de pesquisa 2 – Linguagens, Discurso e Sociedade, com a perspectiva teórica nos estudos sociolinguísticos. 1. TEMA Variação Sintática da Língua Portuguesa Delimitação: A variação na concordância verbal, de terceira pessoa do plural, nas comunidades rurais de afrodescendentes: Jatimane, Boitacara e Laranjeiras, um traço da identidade linguística. Título: O Contato entre as Línguas: A influência Africana no Português Brasileiro INTRODUÇÃO
A participação dos africanos e seus descendentes têm
um legado crucial na história linguística do Brasil. A variedade linguística usada atualmente pela maioria da população brasileira guarda reflexos indeléveis de processo de variação e mudança desencadeadas em situações de contato maciço entre línguas de africanos e crioulos para a formação da língua nacional. A influência afro no português e a sobrevivência quilombola são lembranças vivas das quase 300 línguas africanas trazidas ao Brasil por cerca de 3,8 milhões de escravos negros. Pesquisar sua herança em nossas veias e lábios é mais do que um tributo aos quilombos. É nossa alforria linguística. A língua africana no português brasileiro enriqueceu o léxico, abandonou a prosódia (a ênfase na acentuação e na sonoridade das palavras), promoveu epênteses (acréscimo de fonemas no interior do vocábulo, como “fulô” em lugar de “flor”) e há quem garanta que alterou a estrutura de muitas frases.
Em aspectos importantes da morfossintaxe, como o paradigma da flexão
verbal, a cliticização, o parâmetro do sujeito nulo e o movimento na formação das orações interrogativas, são típicas dos processos de crioulização (ROBERTS, 1997). Sendo assim, esta pesquisa tem o objetivo, a fim de perceber, a participação do negro na realização no português popular brasileiro, em especial o caso de concordância verbal, na terceira pessoa do plural. PROBLEMA
O morfema -m de número é aquele que sofre o processo mais amplo
de variação no português brasileiro (PB). Segundo Scherre e Naro (1997, p.93), a concordância verbal é geral e amplamente documentada no PB. Esses autores a definem como um caso de variação inerente, com base no conceito proposto por Labov (1972a, p.183- 259). Esse processo de variação atinge a regra de concordância verbal com a terceira pessoa do plural, tanto na norma culta quanto na norma popular. Para esta pesquisa, busca-se investigar o traço linguístico de concordância verbal na terceira pessoal do plural, nos falares das comunidades rurais de afrodescendentes: Jatimane, Boitacara e Laranjeiras, região litorânea da Bahia. Objetivos Geral: Analisar, na fala das comunidades rurais afrodescendentes Boitaraca, Jatimane e Laranjeiras os fatos relativos à concordância verbal, confrontando as variedades brasileiras e africanas. Específicos: • Descrever as similitudes pertinentes e as diferentes estratégias da concordância verbal na oralidade das comunidades em estudo e o português urbano; • Levantar dados linguísticos dos segmentos da fala nas comunidades afrodescendentes, contribuindo para acrescentar mais dados aos estudos da sócio-história do português brasileiro. REFERENCIAL TEORICO Uma das primeiras referências linguísticas à variação na concordância sujeito verbo no português brasileiro foi feita no século XIX pelo dialetólogo Adolfo Coelho (1880-1886 [1967, p. 43]). Amplamente observada em estudos de variedades do PB rural, nos quais atinge a maior parte do paradigma da flexão de pessoa e número, há evidências de que, em épocas passadas, em algumas vertentes afro-brasileiras e ameríndias, essa variação atingiu todo o paradigma verbal (BAXTER, 1997). Contudo, a variação mais amplamente observada no PB, em geral, é aquela que afeta a terceira pessoa do plural, como nos exemplos (1), com concordância, e (2), sem concordância: (1)…Cumé que eles VIVEM lá fora?... (SCHERRE & NARO, 2006, p. 108); (2)…Eles VIVE∅ dizeno isso… O fenômeno da variação na concordância verbal na terceira pessoa do plural, são temas de uma série de investigações variacionistas inspiradas nos trabalhos pioneiros de NARO & LEMLE (1976) e NARO (1981) sobre o PB do Rio de Janeiro. Dessa maneira, a variação verbal de terceira pessoa do plural conta com uma vasta documentação em contextos, por exemplo, GUY, 1981; BORTONI-RICARDO, 1985; SILVA, 2003, 2005. Algumas dessas pesquisas parecem ir ao encontro da hipótese de que a variação no paradigma verbal tenha fortes origens em processos de transmissão linguística irregular (LUCCHESI, 2001, 2006). A base desta pesquisa será orientada a partir dessa perspectiva, além de empreender uma analise Variacionista laboviana do fenômeno em foco. Metodologia A metodologia estabelecida para o projeto segue, em parte, a metodologia que se vê descrita em Lucchesi (2009). Adotou-se a opção de recolha de amostras de fala por meio de entrevistas conduzidas pelo pesquisador em campo. A corpora do projeto será constituída por um arquivo de gravações obtidas nas três comunidades rurais de afrodescendentes: Jatiname, Boitacara e Laranjeiras, localizadas na Costa do Dendê, região litorânea da Bahia. As entrevistas deverão ser realizadas com moradores de faixa etária de 40 a 60 e de 60 anos acima, pertencentes à comunidade e não escolarizados; A identidade dos mesmos será substituída no processo de transcrição. Os inquéritos serão o objeto de exploração e investigação. A última fase consiste na busca minuciosa nas formas de concordância verbal na terceira pessoa do plural nos falares, confrontando – as com as formas de concordância verbal no Português urbano atual. Tomar-se-á ainda como pressupostos os estudos de Labov (2008); Luchessi (2003, 2009); Guy (1981); Bortoni-Ricardo (1985); Baxter (1997). Sobre as Comunidades da Pesquisa: O arraial do Jatimane é uma comunidade remanescente de quilombo que vive à margem do rio Jatimane, zona rural do município de Nilo Peçanha, na região da Costa do Dendê, sul da Bahia. Suas origens datam do final do século XIX, quando um grupo de irmãos, os Rosários, fugindo do cativeiro das fazendas escravistas, se embrenhou pela mata em busca de abrigo, boa alimentação e sossego. Hoje, o arraial abriga cerca de cem casas que reúne uma grande parentela. Sua população gira em torno de quatrocentos habitantes. A maior parte vive da pesca e da extração da piaçava, uma planta nativa da região. Um pouco do que sobrou de Mata Atlântica ainda resiste neste corredor natural. Jatimane fica numa área de proteção ambiental denominada APA do Pratigi. O rio nos acompanha à direita. A piaçava ou piaçaba é uma palmácea nativa que se espalha por toda floresta. Sua extração é uma das principais riquezas da região. BOITACARA: O local é um pequeno vilarejo que pertence ao município de Nilo Peçanha, também integrado à APA do Pratigi. Possui praticamente uma rua central, com casas enfileiradas e uma igreja. Há também um cemitério e nada mais além disso. O posto de saúde mais próximo fica a 20 quilômetros em Nilo Peçanha. Cerca de 50 famílias vivem em Boitaraca - a maioria é remanescente de quilombo. Laranjeiras: Localiza-se no Baixo Sul baiano, território de Igrapiúna, um dos mais antigos municípios da região, formado a partir da aldeia jesuítica, denominada Igarapí-Una que significa em tupi "Pequeno Rio de Águas Escuras". Em 1938 esse território foi anexado ao município de Camamu, tendo sido restaurado somente em 24 de fevereiro de 1989. Próximo à Igrapiúna localiza-se a comunidade de Laranjeiras, oriunda de quilombo de escravos refugiados. A região reúne inúmeros atrativos naturais, como rios, cachoeiras, manguezais e renascentes da mata atlântica. REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Edivalda. Prováveis evidências da influência africana no português brasileiro In:
Anais do CELSUR, 2008. Disponível em: <http/www.celsur.org.br/Encontro/08/Evidencia_da_reanalise.pdf> BAXTER, A. N. A contribuição das comunidades Afro-Brasileiras Isoladas para o Debate sobre a Crioulização Prévia: um exemplo do Estado da Bahia. Actas docolóquio sobre "Crioulos de Base Lexical Portuguesa", e. by Ernesto d'Andrade e Alain Kihm, 7-35. Lisboa: Colibri. 1992 BORTONI-RICARDO, Stella Maris (2005). Nós cheguemu na escola, e agora? Sociolingüística na sala de aula. São Paulo: Parábola editorial CÂMARA JR, Joaquim Mattoso (1972). Línguas européias de ultramar: o português do Brasil. In: Câmara Jr, Joaquim Mattoso (Org.). Dispersos. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas. CASTRO, Y.P. A sobrevivência de línguas africanas no português do Brasil. Afro-Asia, Universidade Federal da Bahia. 1967. GUY, Gregory (1989). On the nature and origins of Popular Brazilian Portuguese. In: Estudos sobre el Español de América y Lingüística Afro americana, Bogotá: Instituto Caro y Cuervom. LUCCHESI, Dante; BAXTER, Alan; RIBEIRO Ilza (org).O português afro-brasileiro. Salvador: EDUFBA, 2009. LUCCHESI, Dante. A variação na concordância de gênero em uma comunidade de fala afrobrasileira. Novos elementos sobre a formação do português popular do Brasil. 2000a.Tese (Doutorado em Linguística) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. LUCCHESI, Dante. O português se teria crioulizado no Brasil? – refletindo sobre uma velha questão. ABP, Fankfurt, v.2, p.25-43, 2000b. LUCCHESI, Dante. O conceito de transmissão linguística irregular e o processo de formação do português do Brasil. In: RONCARATI, C.; ABRAÇADO, J. (Org.) Português brasileiro: contato linguístico, heterogeneidade e história. Rio de Janeiro: 7Letras, 2003b. p.272-284. LUCCHESI, Dante. Contato entre línguas e variação paramétrica: o sujeito nulo no português afro-brasileiro. Lingua(gem), Macapá, v.1, n.2, p.63-92, 2004b. LUCCHESI, Dante. A participação do contato entre línguas na formação do português popular do Brasil: Novas evidências empíricas. In: M. Fernández, M. Fernández-Ferreiro & N.V. Veiga. Los criollos de base ibérica. Madri: Iberoamericana, 2004, p. 215-226. LUCCHESI, Dante. A concordância nominal em estruturas passivas e de predicativo do sujeito em comunidades rurais afro-brasileiras isoladas no contexto da história sociolinguística do Brasil. In: VOTRE, Sebastião; RONCARATI, Cláudia (Org.). Anthony Julius Naro e a linguística no Brasil: uma homenagem acadêmica. Rio de Janeiro: 7Letras, 2008a. p.148-168. LUCCHESI, Dante; BAXTER, Alan. Processos de crioulização na história sociolinguística do Brasil. In: CARDOSO, Suzana; MOTA, Jacyra; MATTOS E SILVA, Rosa Virgínia (Org.). Quinhentos anos de história linguística do Brasil. Salvador: Secretaria da Cultura e Turismo do Estado da Bahia, 2006. p.163- 218. PETTER, M.M.T. Línguas especiais, línguas secretas: na África e no Brasil. Revista da ANPOLL, 4, São Paulo: Humanitas, USP, 1998. SILVA, José Augusto Alves da. Africanos e afro-descendentes na constituição da identidade sociolinguística do Português do Brasil . Anais do II Seminário Internacional Acolhendo as Línguas Africanas, Salvador, v. 1, 2008.