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Texto disponibilizado para uso em aula. Curso de Extensão Vozes Negras na Antropologia, UNILAB, 2021.
21 DE SETEMBRO, às 15 horas.
É evidente que a profanação mais hedionda que manchou a face da terra foi
o tráfico de escravos. E quando se considera que esta abominação foi perpetrada du-
rante séculos pelas nações europeias mais orgulhosas de seu padrão de civilização –
França, Inglaterra, Holanda, Espanha, Portugal, etc. –, o crime parece ainda mais
odioso e execrável. Não restam dúvidas de que esse crime foi camuflado com pre-
textos humanitários e altamente espirituais. Foi sob a embriaguez das chamadas cru-
zadas contra o paganismo, sob o fervor de uma campanha contra a idolatria, que se
tentou justificar o que era o empreendimento econômico mais impiedoso. Pois se há
um fato não menos óbvio, e que há muito foi trazido à luz como uma banalidade
esmagadora, é que o prodigioso impulso para a conquista e escravização das massas
negras nada mais foi do que a submissão passiva das potências europeias à pressão
da necessidade econômica, o que as obrigou a substituir a improdutiva força de tra-
balho ameríndia por uma força de trabalho mais robusta e, ao mesmo tempo, mais
resistente, mais maleável, a fim de extrair o máximo lucro da riqueza agrícola e in-
dustrial das terras americanas recém-descobertas. Assim, o tráfico começou nas pri-
meiras décadas dos anos 1600.
Lembramos que os primeiros elementos da imigração negra foram enviados
às Antilhas, primeiro a São Cristóvão, depois a São Domingos.
Na França, Colbert estabeleceu a portaria em 1664. Desde então, o tráfico
aumentou gradualmente de tal forma que, com o passar dos anos, o comércio de gado
humano intensificou-se até que, no final do século XVIII, 30 a 35.000 unidades eram
transportadas anualmente da África para a América.
Tradução preliminar de Messias Basques – SEM REVISÃO. NÃO CITAR EM OUTRAS PUBLICAÇÕES.
Texto disponibilizado para uso em aula. Curso de Extensão Vozes Negras na Antropologia, UNILAB, 2021.
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Tradução preliminar de Messias Basques – SEM REVISÃO. NÃO CITAR EM OUTRAS PUBLICAÇÕES.
Texto disponibilizado para uso em aula. Curso de Extensão Vozes Negras na Antropologia, UNILAB, 2021.
Estes linguistas apontam que as formas gramaticais do crioulo são tão semelhantes,
em muitos aspectos, aos dialetos da África Ocidental que o contato espiritual entre
brancos e negros para a troca de suas ideias foi facilitado pela prontidão com que os
negros retiveram os vocábulos em francês que se adaptaram à morfologia das línguas
africanas. Deve-se notar que esta operação era imperativa, visto que se os mestres
não falavam nenhum dialeto africano, os africanos, por sua vez, não só não falavam
francês como muitas vezes não podiam compreender uns aos outros [devido à diver-
sidade de suas origens étnicas e dialetais]. Devemos então lembrar que esta foi a
manobra utilizada pelos comerciantes para vender os negros em tribos dispersas, a
fim de evitar qualquer indício de entendimento entre eles em vista de possíveis re-
voltas. A dupla necessidade de encontrar uma língua comum para todos fez aparecer
o crioulo.
Em qualquer caso, estudos da linguística comparativa do crioulo e dos diale-
tos africanos da África Ocidental permitem rejeitar a explicação estúpida e sem sen-
tido que informantes pouco sofisticados, como o Sr. Edward Larocque-Tincker,
ainda persistem em sustentar sobre a origem do crioulo. Assim, é surpreendente en-
contrar em um artigo publicado pela Revue de Paris, em abril de 1956, as seguintes
observações sobre as dificuldades fisiológicas que impediriam o escravo recém-che-
gado aos Estados Unidos de falar francês: "Seus lábios inchados", escreveu ele, "e
sua língua grossa tornavam impossível para ele pronunciar certas palavras ricas em
vogais em francês". Em sua boca, juge [juiz] tornou-se jige, tortue [tartaruga] - toti,
nuit [noite] - nuiti. Incapaz de rolar os erres, ele havia decidido “nunca se importar”
e dizia nego para negro, venda para vender.
Como ele não sabia ler nem escrever, a linguagem era para ele apenas uma
matéria de ouvido. Somente as sílabas tônicas das palavras o alcançavam e, assim
que pôde, ele nomeou as outros. "Chamar" tornou-se para ele chamá, "capaz" capai,
e "hoje" hoji.
Um conhecimento menos sumário dos estudos linguísticos dos dialetos afri-
canos e um apego menos feroz aos preconceitos absurdos sobre a má formação bio-
lógica do negro teriam ajudado o Sr. Laroque-Tinker a encontrar na fonética a ver-
dadeira explicação das transformações do francês, do século XVII, no crioulo inven-
tado quase ao mesmo tempo.
Entretanto, outra teoria sustentada pelo Sr. Jules Faine, um distinto linguista
do Haiti, diz que o crioulo deriva de antigos dialetos franceses ainda em uso no século
Tradução preliminar de Messias Basques – SEM REVISÃO. NÃO CITAR EM OUTRAS PUBLICAÇÕES.
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Acassan: pasta alimentícia feita de farinha de milho, água e sal, muito popular
nas dietas dos camponeses haitianos.
Acra: pasta alimentícia feita de farinha de ervilha seca (vigna simensis) tem-
perada com pimenta.
Agogo! um grito de exclamação frequentemente proferido por seguidores de
Vodu durante cerimônias culturais.
Banza: instrumento musical de corda semelhante ao violino.
Baka: uma espécie de monstro anão usado por feiticeiros para fins mágicos
(lendas).
Bonda: nádegas.
Cachimbo: Um tubo de barro ou madeira preso a um cachimbo de barro usado
pelos camponeses para fumar.
Gongolo: Uma espécie de miriápode.
Gris-Gris: Um termo usado em ornitologia para descrever uma ave de rapina.
Gombo: planta comestível. (Hibiscus esculentus).
Marabout: Termo que designa uma variedade de cor usada como pigmento.
Samba: Termo de dança.
Tanga : Uma espécie de tanga usada para cobrir as partes sexuais de um ho-
mem ou de uma mulher.
Inhame: Tubérculo comestível (Dioscorca data).
Zombi: Uma pessoa cuja morte aparente o mágico teria causado para fazer
voltar à vida desencarnado como um autômato (lenda).
classifica como símbolos de uma técnica rudimentar e que são comuns na África
Ocidental.
Seja como for, a África, neste lado do Atlântico como em qualquer outro,
inspirou um florescimento prodigioso das artes plásticas que abalou o mundo mo-
derno como uma revolução. Não é verdade que a pintura e a escultura encontraram
no realismo africano uma fonte fértil de renovação e frescor? Não é verdade que a
música tem aproveitado o poder emocional da alma negra para exalar em blues e nos
espirituais negros [estilo musical religioso dos negros do sul dos EUA] toda a pro-
fundidade inexplorada do sofrimento humano?
Não é verdade que o negro por estes meios se tornou o mensageiro de outro
evangelho, o da paciência e da esperança?
Mas se por acaso você precisa galvanizar sua energia decadente, se você tem
sede de movimento em resposta ao chamado de uma vida ardente e tumultuada, aqui
está o jazz, que lhe oferece o pânico mágico de sua orquestração polifônica e o en-
feitiçamento de seu poder evocativo. É negro.
Poderia ser um capricho do acaso, ou seria o momento de finalmente aparecer
um homem - Gilberto Freyre - filósofo e sociólogo brasileiro, apaixonado por estudos
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e verdades, que, em um magnífico livro, Casa Grande e Senzala, ousou proclamar,
neste século XX, o que sua comunidade deve ao negro? Aqui estão os termos em que
ele presta homenagem à contribuição africana na formação do brasileiro:
“Todo brasileiro,” escreve ele, “mesmo o alvo, de cabelo louro, traz na alma,
quando não na alma e no corpo – há muita gente de jenipapo ou mancha mongólica
pelo Brasil – a sombra, ou pelo menos a pinta, do indígena ou do negro. No litoral,
do Maranhão ao Rio Grande do Sul, e em Minas Gerais, principalmente do negro. A
influência direta, ou vaga e remota, do africano. Na ternura, na mímica excessiva, no
catolicismo em que se deliciam nossos sentidos, na música, no andar, na fala, no
canto de ninar menino pequeno, em tudo que é expressão sincera de vida, trazemos
quase todos a marca da influência negra.”
Esta corajosa profissão de fé se move singularmente em um mundo onde
ainda ressoam os ecos dos ódios raciais, onde o valor humano do negro ainda é de-
batido pelo fanatismo imbecil dos racistas retardados. Ela se une à curiosa notação
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Traduzido para o francês como Senhores e Escravos. Editora Gallimard.
Tradução preliminar de Messias Basques – SEM REVISÃO. NÃO CITAR EM OUTRAS PUBLICAÇÕES.
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de C.G. Jung, relatada por Hermann de Keyserling em sua famosa obra “Psicanálise
da América.”
“O que também me impressionou foi a grande influência do negro, uma in-
fluência psicológica, é claro, não devida à miscigenação. O característico modo ame-
ricano de exteriorizar as próprias emoções, especialmente através da maneira de rir,
pode ser melhor estudado nas charges cômicas dos suplementos de seus jornais. O
modo de rir inimitável de Roosevelt pode ser encontrado em sua forma original no
American Negro. O peculiar modo de andar com as articulações relativamente soltas,
gingando e rebolando as ancas, tão frequentemente observado nas americanas, tam-
bém provém do negro. A música americana tirou sua inspiração principal do negro,
como aconteceu também com a dança. A expressão do sentimento religioso, os revi-
val meetings (os Holy Rollers e outras formas esquisitas) foram fortemente influen-
ciadas pelo negro. E a famosa ingenuidade americana, em sua forma charmosa e em
suas formas mais desagradáveis, facilmente pode ser comparada à puerilidade do
negro.”
E Keyserling retomando o tema para analisar seu conteúdo em profundidade,
detém-se na observação a seguir:
“Não há, portanto, nada de paradoxal em minha previsão de que as maiores
conquistas culturais da América podem muito bem ser devidas a seus filhos da raça
negra.”
Se 26 anos após esta profecia ter sido feita, ela ainda não foi cumprida, nada
altera seus fundamentos.
“O futuro é de Deus!”