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“DE TODOS QUE SABIAM LER E ESCREVER”:

POR UMA RECONSTRUÇÃO DAS HISTÓRIAS DE


PENETRAÇÃO DAS POPULAÇÕES INDÍGENAS BRASILEIRAS
NO MUNDO DA CULTURA ESCRITA

Pedro Daniel dos Santos Souza


Orientadora: Prof.ª Dr.ª Tânia Conceição Freire Lobo
1758, Dezembro, 9, Bahia

CONSULTA do Conselho Ultramarino ao rei D. José


sobre os requerimentos dos índios moradores da vila
da Nova Abrantes solicitando professores, ajuda de
custo para vestuário, funcionários administrativos e
judiciários, reformas de antigos prédios jesuíticos, etc. –
11 fólios (r/v)
Anexo: consulta (2ª via).

AHU-Baía, cx. 146, doc. 40; cx. 147, doc. 85


AHU_ACL_CU_005, Cx. 138, D. 10675.
PROBLEMÁTICA

Populações indígenas brasileiras e cultura escrita


 provas materiais de uma escrita indígena
(CARNEIRO, 2012)

Demografia histórica
 Mussa (1991): índios aldeados no Brasil colonial
 Visão cristalizada das populações indígenas
(MONTEIRO, 2001)

Políticas linguísticas na América portuguesa


 Gramaticização das línguas indígenas
 Diretório pombalino ou dos índios
 Neumann (2005) – Práticas letradas Guarani: produção e usos
da escrita indígena (séculos XVII-XVIII)

 Brunet (2008) – De aldeados a súditos: viver, trabalhar e resistir


em Nova Abrantes do Espírito Santo (Bahia, 1758-1760)

O espaço do aldeamento – sociabilidades, usos linguísticos

A prospecção em arquivos e acervos – “[...] a laboriosa tarefa


de construção de uma filologia de textos escritos no Brasil”
(LOBO, 2009, p. 307)
QUESTÕES NORTEADORAS

1) Como as populações indígenas brasileiras, paulatinamente,


se apropriaram de práticas de uma cultura escrita em
língua portuguesa na sociedade em formação e, mais
especificamente, na construção do espaço do “aldeamento”
e quais suas consequentes implicações linguísticas?

2) De que forma essas populações enfrentaram o complexo


universo da escrita no Brasil colonial, em específico, no
período compreendido entre o Diretório pombalino (1757-
1798) até a extinção das chamadas aulas régias (1759-1834)?
HIPÓTESES

1) Populações indígenas brasileiras e as complexas práticas


de escrita no Brasil colonial – estratégias para
manutenção de seus direitos;

2) o domínio da leitura e escrita em língua portuguesa –


ocupação de espaços políticos e decisórios na nova
estrutura governamental.

 Crescente interesse pelo processo de escolarização e,


consequente, letramento.
OBJETIVO GERAL

Investigar o complexo processo sócio-histórico de como e


em que condições as populações indígenas brasileiras não
só adquiriram o português na oralidade, mas, sobretudo
através dessa língua, foram paulatinamente apropriando-
se de práticas de uma cultura escrita em língua
portuguesa, na construção do espaço do “aldeamento” e
suas consequentes implicações linguísticas.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS

1) Identificar e analisar fontes documentais de fins do


século XVIII e inícios do século XIX;

2) discutir os usos da leitura e escrita pelas populações


indígenas enquanto práticas sociais marcadas por um
processo caracterizado pelos jogos de poder e estratégias
de negociações e resistências;

3) analisar o impacto da cultura escrita nas formas de


organização social da América portuguesa pós Diretório
pombalino;

4) disponibilizar informações sobre fontes históricas que


visem a uma revisão historiográfica quanto à América
indígena.
JUSTIFICATIVAS

 Garimpagem de indícios para uma melhor compreensão do


“encontro entre Tapuia e missionários na construção do
espaço do ‘aldeamento’ com as implicações linguísticas daí
advindas, desde o contato de línguas até a inserção do indígena no
mundo da escrita” (CARNEIRO, 2012, p. 352, grifo nosso).

 Definição de novos olhares historiográficos sobre as práticas


de escrita entre as populações indígenas brasileiras e,
consequentemente, uma maior compreensão do complexo
mundo da cultura escrita no Brasil colonial.

 Ampliação de nosso conhecimento sobre as práticas de escrita


entre as populações indígenas sob uma perspectiva histórica.
PERSPECTIVAS TEÓRICO-METODOLÓGICAS

História Cultural ou Nova História Cultural

 História da Cultura Escrita - convergência de duas


tradições:
- história da difusão social da escrita
- história do livro e da leitura

Roger Chartier ([1982] 2002)


Armando Petrucci (1999)
António Castillo Gómez (2003)

 Método indiciário:
Carlo Ginzburg (2006, 2015)
 História da Cultura Escrita no Brasil (HISCULTE)

Transversalidades:

- Campo 6: LÍNGUA PORTUGUESA, ESCOLARIZAÇÃO E


SUAS INTERFACES – analisar o desenvolvimento do processo de
escolarização do ensino da língua portuguesa no Brasil colonial e
pós-colonial.

- Campo 7: POLÍTICAS LINGUÍSTICAS E CULTURA


ESCRITA NO BRASIL – investigar as políticas linguísticas sobre a
língua portuguesa no território brasileiro e seu ensino.

- Campo 8: HISTÓRIA DA CULTURA ESCRITA DAS


LÍNGUAS CLÁSSICAS E DE OUTRAS LÍNGUAS NO BRASIL
– partir do levantamento de fontes primárias, observar os
discursos, as práticas e as representações ligadas à cultura escrita de
outras línguas, além do português.
POLÍTICAS LINGUÍSTICAS NA AMÉRICA
PORTUGUESA

 A “política” jesuítica e a gramaticizição das


línguas indígenas:
Século XVI - Arte de grammatica da lingoa mais
usada na costa do Brasil, do Pe. José de Anchieta
(1595).

 “Colonização linguística” e o Diretório pombalino,


ou dos índios (1757).
A POLÍTICA LINGUÍSTICA DO MARQUÊS
DE POMBAL

Diretório pombalino, ou dos índios - Directorio, que


se deve observar nas povoaçoens dos índios do Pará, e
Maranhaõ em quanto Sua Magestade naõ mandar o
contrario – l edição fac-simile de Rita Heloísa Almeida
(1997).
SOBRE O DIRETÓRIO POMBALINO

Lei colonial, criada, em 1757, para o Estado do Grão-


Pará e Maranhão.

A partir de 1758, sua aplicação foi direcionada também


para o Estado do Brasil até sua revogação, por meio da
Carta Régia de 12 de maio de 1798.

95 parágrafos: 6, 7 e 8 – política linguística pombalina e


suas formas de implementação (planejamento linguístico).
“Sempre foi maxima inalteravelmente praticada em | todas
as Naçoens, que conquistáraõ novos Dominios, intro-|
duzir logo nos Póvos conquistados o seu proprio idiôma,
por | ser indisputavel, que este he hum dos meios mais
efficazes para | desterrar dos Póvos rusticos a
barbaridade dos seus antigos | costumes; e ter mostrado a
experiencia, que ao mesmo passo, | que se intoduz nelles o
uso da Lingua do Principe, que os | conquistou, se lhes radîca
tambem o affecto, a veneraçaõ, e | a obediencia ao mesmo
Principe” (Directorio, parágrafo 6, p. 3, grifo nosso).
Observando pois todas | as Naçoens polîdas do Mundo este prudente, e
sólido systema, | nesta Conquista se praticou tanto pelo contrário,
que só cuidá-| raõ os primeiros Conquistadores estabelecer nella o
uso da | Lingua, que chamaráõ geral; invençaõ verdadeiramente abo-
| minavel, e diabólica, para que privados os Indios de todos | aquelles
meios, que os podiaõ civilizar, permanecessem na | rustica, e barbara
sujeiçaõ, em que até agora se conservávaõ. | Para desterrar este
perniciosissimo abuso, será hum dos prin-| cipáes cuidados dos
Directores, estabelecer nas suas respecti-| vas Povoaçoens o uso
da Lingua Portugueza, naõ consen-| tindo por modo algum, que
os Meninos, e Meninas, que | pertencerem ás Escólas, e todos
aquelles Indios, que forem | capazes de instrucçaõ nesta materia,
usem da Lingua propria | das suas Naçoens, ou da chamada geral;
mas unicamente da | Portugueza, na fórma, que Sua Magestade tem
recomenda-| do em repetidas Ordens, que até agora se naõ observáraõ
com| total ruina Espiritual, e Temporal do Estado” (Directorio,
parágrafo 6, p. 3-4, grifo nosso).
MÉTODOS E TÉCNICAS

FONTES DOCUMENTAIS INICIAIS: Arquivo


Histórico Ultramarina (AHU) – Projeto Resgate de
Documentação Barão do Rio Branco (Projeto Resgate).

ACESSO: CD-ROM do Projeto Resgate – Laboratório


de Ensino de História do Departamento de Ciências
Humanas e Tecnologias (DCHT) do Campus XVIII da
Universidade do Estado da Bahia (UNEB).
ETAPAS

1) Reconhecimento do Projeto Resgate;

2) identificação dos documentos no acervo do Arquivo


Histórico Ultramarino propriamente, através da Coleção de
CD-ROM do Projeto Resgate;

3) leitura da documentação e análise crítica do verbete-


resumo;

4) leitura e edição semidiplomática dos documentos;

5) levantamento dos dados (informações), análise e discussão


das fontes – o paradigma indiciário.
INICIANDO O “GARIMPO”...
UMA PROSPECÇÃO NAS FONTES DO AHU

Catálogos do Arquivo Científico Tropical Digital


(ACTD):
http://actd.iict.pt/collection/actd:CUF004

 Fontes iniciais (documentos identificados)


Bahia - 12 Rio de Janeiro - 24
Pará - 23
Maranhão - 24
1760, Outubro, 15, Pará

OFÍCIO do governador e capitão-general do Estado


do Pará e Maranhão, Manuel Bernardo de Melo e
Castro, para o [secretário de estado da Marinha e
Ultramar], Francisco Xavier de Mendonça Furtado,
sobre a aprovação das providências tomadas a
respeito do uso da língua geral no dito Estado e o
estabelecimento da língua portuguesa em todas as
povoações de índios.

AHU ACL CU 013, Cx. 47, D. 4306.28


1751, Novembro, 18, Pará

CARTA do [governador e capitão general do Estado do


Maranhão e Pará] Francisco Xavier de Mendonça
Furtado, para o Superior Vice-Provincial da Companhia
de Jesus, ordenando-lhe que, nos trabalhos de
catequização e civilização dos Índios daquele
Estado, os missionários das Aldeias procedam ao
ensino da língua portuguesa, escrita e falada, para
melhor servirem os interesses das capitanias e da
Coroa – 1 fólio (r/v).

AHU_CU_013, Cx. 32, D. 3063.


1759, Junho, 1 – Maio, 19, Bahia

OFÍCIO do vice-rei, conde dos Arcos, a Thomé Joaquim da Costa


Corte Real, sobre o parecer do Conselho Ultramarino, que
funcionou na Bahia, relativo à aplicação do diretório do
Governador e Capitão General do Grão-Pará e Maranhão,
Francisco Xavier de Mendonça Furtado, para o regimento dos
índios das povoações dessas capitanias – 1 fólio (r).

PARECER do Conselho Ultramarino da Bahia sobre os


parágrafos do Diretório para o regimento dos índios das aldeias das
Capitanias do Gão-Pará e Maranhão, aprovado pelo Alvará régio de
17 de agosto de 1758, e que podia ser aplicado aos índios de todo o
Estado do Brasil – 22 fólios (r/v).

AHU_CU_005-01, Cx. 23, D. 4255-4256


FINALIZANDO...

Política pombalina: “[...] se define explicitamente para o Brasil


uma política lingüística e cultural que fez mudar de rumo a
trajetória que poderia ter levado o Brasil a ser uma nação de
língua majoritária indígena” (MATTOS E SILVA, 2004, p. 20).

Ler e escrever em português constituía-se num “instrumento


eficaz para alguns deles [índios], sobretudo lideranças,
reivindicarem suas mercês ao Rei em moldes bem portugueses”
(ALMEIDA, 2010, p. 91).

“[...] as histórias que se escrevem são sempre uma história,


reconstruída e escrita a partir dos condicionamentos teóricos,
metodológicos, empíricos e ideológicos de seus autores”
(MATTOS E SILVA, 1998, p. 34).
REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os índios na história do


Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010.
ALMEIDA, Rita Heloísa. O Diretório dos índios: um projeto de
“civilização” no Brasil do século XVIII. Brasília: Editora UnB, 1997.
(Com fac-símile do Diretório dos Índios em apêndice).
CALVET, Louis-Jean. As políticas lingüísticas. Tradução Isabel de
Oliveira Duarte, Jonas Tenfen, Marcos Bagno. São Paulo: Parábola
Editorial; IPOL, 2007.
CARNEIRO, Zenaide de Oliveira Novais. Escolarização de
aldeados no Brasil dos séculos XVII e XVIII e produção escrita
indígena. In: MATTOS E SILVA, Rosa Virgínia; OLIVEIRA,
Klebson; AMARANTE, José (Org.). Várias navegações: português
arcaico, português brasileiro, cultura escrita no Brasil, outros
estudos. Salvador: EDUFBA, 2012. p. 329-357.
CASTILLO GÓMEZ, Antonio. Historia de la cultura escrita: ideas
para el debate. Revista brasileira de história da educação, Campinas, SP,
n. 5, p. 93-124, jan./jun. 2003.
CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e
representações. Tradução de Mª Manuela Galhardo. 2. ed. São
Paulo: Difel, 2002 [1982].
FREIRE, José Ribamar Bessa; ROSA, Maria Carlota (Org.). Línguas
gerais: política lingüística e catequese na América do Sul no período
colonial. Rio de Janeiro: Editora da UERJ, 2003.
GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as ideias de
um moleiro perseguido pela Inquisição. Tradução de Maria
Bethânia Amoroso. 6. reimp. São Paulo: Companhia das Letras,
2006.
GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas e sinais. São Paulo: Companhia
das Letras, [1986] 2015.
MATTOS E SILVA, Rosa Virgínia. Ensaios para uma sócio-história do
português brasileiro. São Paulo: Parábola Editorial, 2004. p. 11-28.
MATTOS E SILVA, Rosa Virgínia. Idéias para a história do português
brasileiro: fragmentos para uma composição posterior. In:
CASTILHO, Ataliba Teixeira de (Org.). Para a história do português
brasileiro: volume I: primeiras idéias. São Paulo: Humanitas/FAPESP,
1998. p. 21-52
MONTEIRO, John M. Tupis, tapuias e historiadores: estudos de história
indígena e do indigenismo. Tese de livre docência. Campinas:
IFCH/UNICAMP, 2001.
MUSSA, A. O papel das línguas africanas na história do português do
Brasil. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Letras, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1991.
PETRUCCI, Armando. Para la historia del alfabetismo y de la cultura
escrita: métodos, materiales y problemas. In: Alfabetismo, escritura,
sociedad. Barcelona: Gedisa, 1999. p. 25-39.
PROJETO RESGATE DE DOCUMENTAÇÃO HISTÓRICA BARÃO
DO RIO BRANCO/Arquivo Histórico Ultramarino/AHU/Base de
dados/UNEB, Campus XVIII, Laboratório de Ensino de História.
Contato:

pdsouza@uneb.br

Muito obrigado!

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