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O atual processo de revitalização do nheengatu podem angariar novos falantes a esta

língua. Os movimentos indígenas reivindicam a educação básica bilíngue para que, além de
manterem suas tradições culturais, também possam se preparar para dialogar com o Estado.
Fica a questão: qual o papel do Estado e da Igreja para a formação do atual quadro, bem como
quais poderão ser suas interferências futuras? O contato entre as línguas portuguesa e as
indígenas foi notadamente tenso e as populações amazônicas receberam diferentes rótulos ao
longo das diferentes políticas que sofreu a vasta região. Ora, a língua é um instrumento de
poder, pelo qual indivíduos e grupos controlam outros ou resistem a este controle, afirmando ou
suprimindo identidades culturais.
A historiografia brasileira ainda não incorporou os usos sociais da língua como objeto de
estudo como, por exemplo, a dificuldade de reprodução da língua portuguesa na Amazônia
brasileira. A história da literatura, por sua vez, não estuda manifestações orais, muito presente
nesta região. No período colonial, há fontes e não historiografias sobre o Brasil (destaca-se o
catálogo Valle Cabral), enquanto que a partir da fundação do Estado brasileiro, o Instituto
Histórico-Geográfico exerceu forte influência sobre os estudos brasileiros. Trata-se de uma
instituição que dedicou atenção especial aos aspectos linguísticos do país, justamente num
período em que a Língua Geral Amazônica (LGA) perde a hegemonia para o português na
Amazônia brasileira, a partir dos fins do século XIX. Neste período, chamava-se de a língua
indígena o nheengatu.
O século XIX foi um dos mais férteis em relação à quantidade de documentação, pois
além da fundação do IHG, motivado pela ideologia nacionalista, de fundo romântico, muitos
naturalistas e viajantes passaram a documentar suas experiências em terras amazônicas.
Enquandram-se neste contexto Ernano Stradelli, Couto de Magalhães, Von Martius, Pedro
Sympson, Barbosa Rodrigues e Brandão Amorim. A partir das reformas de Vargas, surgem as
Universidades públicas, providas de uma motivada base histórica em seus currículos. Na
Bahia, por exemplo, surgiu os importantes textos de Frederico Edelweiss e no Rio de Janeiro,
Lemos Barbosa pesquisa na PUC. Em 1987, Plínio Ayrosa, da USP, lançou O guarani, obra na
qual compilou inúmeros documentos sobre a língua guarani e processos coloniais a ela
relacionados, que muito auxiliam para a compreensão da extensão do nheengatu.
OS dois principais museus nacionais, a saber, Emílio Goeldi e o Museu Nacional do Rio
de Janeiro, também fornecem dados importantes. à PPCLB Porém, boa parte dos estudos
realizados até então dedicaram-se à história internas de um seleto grupo de línguas
indígenas.-àOs índios em arquivos do Rio de Janeiro (Freire, 1995, 1996)...ler
àem Évora, há um arquivo importante sobre as políticas linguísticas de Portugal sobre o Brasil
Muitos autores da História do português brasileiro discriminaram explicitamente a
importância das línguas indígenas. Dentre eles, vale citar nomes influentes, como Silvio Elia e
Serafim da Silva Neto. Preocupados com uma identidade nacional, ideólogos como Serafim da
Silva Neto pareciam dedicar-se ao esquecimento daqueles fatores que, de fato poderiam
enfraquecer a crença numa unidade política e cultural. Dentre tais fatores se enquandram,
certamente, as línguas indígenas e, especialmente, o nheengatu. Soma-se à crença na
unidade linguística, o apagamento da divisão territorial, que somente se unificou um ano após a
independência, com a adesão do Estado do Grão-Pará.
Dentre os que combateram tais esquecimentos, vale destacar a obra Raízes do brasil,
na qual há evidências da relação entre a expansão da língua geral paulista e o recrutamento da
força de trabalho indígena, por parte dos bandeirantes. Arthur Reis, por sua vez, publicou “A
língua portuguesa e sua imposição na Amazônia”, em que trata das dificuldades de hegemonia
da língua portuguesa na região, embora sob um viés etnocêntrico.
Há duas notáveis publicações sobre o nheengatu nos países vizinhos: Diccionario de
ciências nyeengatu (Zoila Payema, 2002) e Presentación introductoria de textos nheengatu em
el município San Carlos de Rio Negro – Estado Amazonas (Margarida Rivas, 2003).
Dentre os principais pontos que serão levantados nesta obra, vale destacar o uso da
força de trabalho indígena como motivação de muitos contextos de bilinguismo e
multilinguismo, nos quais a língua geral teve papel colonial fundamental e a descrição da
mudança de estatuto desta língua por parte do Estado português, a saber, primeiramente
língua da colonização a ser incentivada como meio de disciplinar a força de trabalho e,
posteriormente, língua a ser proibida. Outro tópico inédito levantado pela obra é: até que ponto
o movimento da cabanagem revela mudanças cruciais e importantes documentos para o
conhecimento da influência do nheengatu no português brasileiro?
Parece que somente a partirm da segunda metade do século XX que se passou a
propor leituras mais refinadas das fontes para o conhecimento histórico geral e,
especificamente, das línguas, com o advento de etnometodologias e da sociolinguística. São
fontes históricas que permitem afirmar que o nheengatu foi a língua hegemônica da amazonia
durante o período colonial. Dentre os principais discursos veiculados pelas línguas indígenas,
constam dois principais blocos: os etnocientíficos, que deram conta do complexo natural da
Amazônia e os literários, que transmitem de forma oral as diferentes modalidades detradições
de cada uma das culturas ali presentes. Ou seja, ambos os discursos não eram de
conhecimento dos colonizadores, que necessitam se aliar de algum modo com os indígenas
amazonenses para efetivar o domínio deste território.
Estava delineado o plano colonial: cooptar nativos, que forneceriam mão de obra,
muitas vezes escrava, e conhecimento tradicional sobre a região aos colonos, por meio de uma
educação fornecida pelos jesuítas. Porém, para obterem êxito, os colonizadores necessitavam
de uma comunicação eficaz para com os indígenas. Até 1700, os portugueses no Estado do
maranhão e grão-pará não ultrapassam o número de 1000 pessoas, tornando inviável a adoção
da língua portuguesa como língua franca. O sistema produtivo da colônia portuguesa na
amazonia retirava os indígenas de suas aldeias e os levava às aldeias de repartição, aos
cuidados de colonos, missionários e à coroa portuguesa, a quem trabalhavam. Outros eram
escravos, submetidos diretamente aos seus proprietários.
Neste complexo sócio-economico, índios, colonos e missionários não falavam
português, que se limitava à coroa, com seus textos oficiais redigidos à metrópole. Razão para
isto é o fato de os primeiros colonos que se dirigiam ao Pará se defrontaram com o tupinambá
falado no rio Tocantins, algo já familiar, pois eles haviam aprendido esta língua brasílica em
Pernambuco e no maranhão com os jesuítas. O encontro do tupinambá fez com que esta fosse
a língua a ser inicialmente usada entre portugueses e diferentes povos tupis da região.
Posteriormente, esta fora a língua materna de filhos mestiços, de mães indígenas.
Portanto, a hipótese mais aceita para a hegemonia do nheengatu na amazonia colonial
é a de que nas vias fluviais de mais fácil acesso à região amazônica também se falava língua
do tronco tupi. Após seu uso espontâneo por parte de colonos e indígenas, passou a fazer
parte da política linguística jesuítica, com a catequese dos índios. Daí a importância das aldeias
de repartição para a reprodução social do nheengatu. A língua geral foi declarada a oficial das
missões amazônicas e as bibliotecas destas regiões permitem dizer que as bases para o
ensino devem ter sido as obras de Luís Figueira, de Antônio Araújo e dois textos de Vieira.
Houve uma compilação destas obras em Doutrina cristaa em lingoa geral dos índios do estado
do brasil e do maranhão.
Assim um método de educação gerado no maranhão se expandiu pra o extremo norte
brasileiro através das aldeias de repartição, num sistema no qual somente os índios mais
hábeis aprenderiam a ler e escrever. Para os indígenas falantes de línguas não-tupis, o uso da
língua geral no ensino aldeado sempre fora visto como uma imposição, tal qual seria a língua
portuguesa. Os índigenas que resistiam eram reprimidos agressivamente. Parece que até 1720
estas medidas eram explicitamente incentivadas pela coroa portuguesa. Carta régia de 1689
reconhecera nheengatu como língua oficial do maranhão e grão-pará, encarregando os jesuítas
de seu ensino a índios e filhos de portugueses.
Consequentemente, a língua geral entrou ao rio negro, onde não haviam línguas tupis e
o termo nheengatu fora popularizado por Couto de Magalhães. O contato com uma diversidade
de línguas indígenas e europeias fez com que o nheengatu se distanciasse do tupi antigo e, no
fim do século XVII, já haviam registros de que os indígenas aldeados não compreendiam o
tupinambá escrito nos catecismos. Nesta dinâmica de mudanças, vale destacar as derivações
semânticas com base no tupinambá. Houve, por exemplo, o uso ampliado de tapyira(anta) para
boi e vaca, iauara também passou a nomear os cachorros, tesoura recebeu metaforicamente o
nome de piranha e cauin extendeu-se para nomear o vinho. Stradelli notou que as diferenças
entre o primitivo e o derivado se dão por meio de predicações e do modalizador eté.
Afinal, a língua geral foi evoluindo à medida em que índios tupis foram sendo
aldeados no norte ou fora um pidgin criado pelos jesuítas, nunca sendo língua materna de
nenhum indígena? A questão ainda está em aberto, porém as evidências de ela sempre
acompanhar bilinguismo tendem a excluir a hipótese de pidgins e crioulos. Sempre
acompanhada de alfabeto e escrita, o nheengatu possuía mais prestigio que as demais línguas
indígenas, que lhe emprestaram palavras. Talvez análises sobre a dinâmica da força de
trabalho indígena possa elucidar os contextos de bilinguismos nos aldeamentos amazônicos.
Pode-se dizer, seguramente, que a maioria dos índios levados aos aldeamentos
de repartição eram livres, diferentes dos cativos, escravizados. Ambos, assim que resgatados,
tinham suas línguas maternas ameaçadas. É provável que os índios concedidos nos resgates
eram espólio de guerras intertribais, trocados por objetos materiais europeus. A força de
trabalho indígena, por meio de malabarismos legais que permitiam a escravização de índios à
beira da morte em rituais antropofágicos, tornava-se altamente lucrativa aos colonizadores. A
exploração selvagem da mão de obra indígena para extração mineral acarretou num desastre
demográfico: muitas tribos rebeladas fugiram, esvaziando algumas calhas, buscando alianças
com outras populações como, por exemplo nas guianas. Nestas indas e vindas, com
acolhimentos de uma etnia por outra, a língua geral emprestou palavras para muitas línguas
como, por exemplo, o baniwa, o maué, etc.
No que diz respeito às mudanças no português sofridas neste processo, pode-se
dizer que trata-se de um fenômeno de difícil estudo, dada a tendência em eliminar a influência
do tupi na formação do português brasileiro. O uso do sufixo –rana em variantes faladas em
Belém mostra que os empréstimos do tupi antigo não se deram somente a nível lexical. Os
cabandos, em sua maioria índios, negros e caboclos iletrados, usavam a língua geral entre si,
mas também se manifestavam politicamente em língua portuguesa. Aqueles cabanos letrados,
usavam a língua portuguesa para escrever cartas, fortemente permeadas por marcas do
portugues oral, assim como nos textos oficiais, contra a cabanagem.
Os aldeamentos de repartição, portanto, foram um processo de reordenamento
espacial de inúmeras etnias, que perderam paulatinamente seus contextos de fala em língua
materna. Tal política estava baseada no incentivo ao uso da língua geral amazônica por parte
da coroa portuguesa. Resta saber as motivações para as mudanças drásticas nas políticas
linguísticas portuguesa e por que razão foi mais conveniente primeiro o incentivo de uma língua
indígena e não diretamente o do português.
Do ponto de vista das politicas linguísticas portuguesas nas colônias brasileiras,
pode-se dizer que seus principais agentes foram os missionários. Antes de tudo, é preciso
diferenciar a língua mais usada na costa atlântica das línguas gerais paulista e amazônica. A
disseminação da língua geral amazônica foi testemunhada e documentada por diferentes
agentes sociais.Há registro de que alguns falantes de língua geral conseguiam se comunicar
com falantes do guarani, dado o parentesco entre as línguas, conforme declaração do major
Sympson. Trata-se dos voluntários à guerra do Paraguai, os quais muitos, embora brasileiros,
não pareciam compreender o português. Ironicamente, paraguaios falantes de guarani e
brasileiros falantes de língua geral se entendiam melhor como inimigos do que com seus
líderes militares, falantes de espanhol e português, respectivamente.
Muitos estudiosos do guarani afirmavam que tratava-se de uma mesma língua.
O próprio Barbosa Rodrigues defendiam isto, embora tenha ido aos territórios guaranis sem ter
êxito de comunicação. Tais declarações foram criticadas por Edelweiss. Stradelli, por sua vez,
também defendera a semelhança entre o nheengatu e o guarani. O britânico Hartt foi um dos
poucos a notar que, embora tipologicamente próximas, suas diferenças eram maiores que
aquelas entre português e espanhol. Desta concepção errônea, porém muito difundida, surgiu e
cristalizou-se a expressão tupi-guarani, paralela à imagem genérica do índio por todo o país.
Uma vez que a definição de língua é política e não formal, ainda mais em
regiões de fronteira ou de diversidade linguística, a expressão tupi-guarani é ilustrativa. Uma
vez que pode-se dizer que até hoje o processo de dominação do território amazônico ainda não
foi acabado, dada a sua extensão, e válido dizer que as políticas linguísticas não alcançam, ao
mesmo tempo, ou em sua totalidade, todo o espaço que desejam abarcar. No caso do
nheengatu isto é evidente, pois ainda hoje há territórios ocupados por populações desprovidas
de contato com o Estado brasileiro, onde esta língua, consequentemente, não chegou.
Durante o primeiro século de colonização portuguesa, a Amazônia não era o
foco de Portugal e, talvez por essa razão, as incursões nesta região foram de outras nações
como, por exemplo, Espanha e França. Para tais empreitadas, foram utilizados intérpretes,
técnica iniciada pelos portugueses na África, aprisionando alguns escravos para tal tarefa,
também utilizada com indígenas americanos no litoral brasileiro. Na Amazônia, a tarefa era
formar intérpretes em tupinambá para se comunicar com tapuias e nheengaíbas (falantes de
outras línguas, não-tupis), a fim de recrutar força de trabalho indígena. Algumas mulheres,
mesmo com a presença de intérpretes, resistiam demais à língua geral, talvez devido ao seu
respeito à hierarquia regida pelo marido, que lhe proibia de falar em outra língua.
A função do intérprete, em suma, se reduziu a um serviço emergencial, no início
das expedições, passando a ser dispensada quando muitas línguas tapuias começaram a ser
extintas, devido à expansão da língua geral. A incursão na Amazônia após os catecismos no
nordeste fez com que missionários portugueses viessem acompanhados de muitos indígenas
por eles formados em língua brasílica, independente de qualquer decisão política e,
coincidentemente ou não, culminou no encontro com tupis na costa do salgado, próximo ao rio
Tocantins. Contudo, as atividades nos aldeamentos de repartição não se resumiam à
catequese. Inclusive, eram poucas as horas dedicadas a atividades religiosas e muito tempo
concentrado no uso da força de trabalho indígena.
Porém, não se pode dizer que o nheengatu se restringia à educação religiosa,
pois os colonos também utilizavam esta língua nas atividades trabalhistas. Os menores de 13
anos, principalmente, eram expostos à língua durante todo o ano, uma vez que ainda não
tinham as obrigações trabalhistas dos mais velhos, principalmente após o Regimento das
missões (1686), que incentivava abertamente a reprodução social do nheengatu. Daí em
diante, ficava cada vez mais claro que o nheengatu era uma língua indígena, cujos principais
agentes políticos eram os colonizadores, reprodutores de normas, gramáticas e dicionários. À
esta altura, o ensino do português era realizado somente após o aprendizado da língua geral.
Entretanto, a partir de 1727 passaram a crescer as divergências entre os
jesuítas, principais missionários reprodutores da língua geral e a administração colonial,
principalmente relacionadas á repartição dos índios. A partir desta época os documentos
oficiais já restringiam o uso do nheengatu, porém seus principais agentes políticos ainda a
reproduziam, pois eram os.jesuítas e não pessoas da administração colonial. Alías, esta
instituição metropolitana estava à beira do isolamento na região em relação à população. Algo
que só demonstrava o poder dos jesuítas na região.
O controle da região por parte dos jesuítas, por via do domínio do nheengatu, fez
com que suas empresas prosperassem, devido à sua isenção de impostos. Ou seja, eles
estavam fortalecidos politica e economicamente, com o domínio cultural e econômico sobre os
indígenas, dado que eram quem lhes educavam e lhe empregavam nas aldeias de repartição.
Estranhos nos aldeamentos passaram e ser proibidos de adentram como, por exemplo,
membros da administração colonial. Portugal, à beira da perca do poder sobre a Amazônia
brasileira, passou a agir.
Os tratados de fronteira na América do Sul estavam baseados em provas que
deveriam evidenciar que a nação tivesse efetivamente ocupado a região e Portugal necessitava
de tais provas para consolidar seus domínios nos tratados sobre a Amazônia. O Rio Branco e o
Alto Solimões, por exemplo, eram majoritariamente habitados por indígenas e estavam sendo
disputados por diferentes nações. Um dos critérios para comprovar a ocupação do território era
a presença da língua da respectiva nação e a língua portuguesa não era presente na região. A
partir de então, as políticas de portugalização da Amazônia passaram a ser mais rigorosas.
Vieram então, a revogação do Regimento das missões, a expulsão dos jesuítas e a abolição da
escravidão indígena (que justificava o descimento dos índios).
O Regimento das missões deu lugar ao Diretório que se deve observar nas
povoações dos índios do Pará e Maranhão. A abolição, por sua vez, fez com que indígenas
passassem a ser homens subordinados diretamente à coroa e não a serem homens livres! Os
aldeamentos se tornariam vilas regidas pelos agentes do Estado português. Houve mudança
de muitos topônimos, que passaram à nomes portugueses. Além disso, Marquês de Pombal
incentivou a imigração portuguesa na região, com isenção de impostos e concessões de terras.
Com a fundação da Companhia geral do Grão-Pará, vieram muitos escravos
negros para a Amazônia, com intuito de inserir o Brasil no mercado internacional de açúcar e
algodão. Após a expulsão de boa parte dos missionários, as novas escolas criadas proibiam o
uso da língua geral amazônica. Porém, a empreitada empresarial não obteve êxito, pois como
boa parte dos casamentos se davam entre portugueses e índias, a transmissão da cultura
materna, ligada às tradições indígenas da região eram ainda predominantes. Os carmelitas
foram um dos poucos grupos de missionários que permaneceram por lá.
A companhia geral fracassou e houve, então, nova empreitada após a adesão
do Grão Pará ao Brasil, interrompida desta vez pelo movimento da cabanagem. O extermínio
dos cabanos foi, em certa medida, um extermínio de muitos falantes de nheengatu, pois
assassinou cerca de 40.000 nativos. A partir da fundação do Estado do Amazonas, o ensino de
português tornou-se moeda de troca para se obter trabalho indígena compulsório. Gonçalves
Dias foi homem do Estado amazonense, vistoriou escolas e criticou a formação dos
professores de português, em condições precárias e muitas vezes em número insuficiente.
Couto de Magalhães, por sua vez, defendia a língua geral e até fundou o colégio
isabel no Araguaia, para a promoção do nheengatu. O português só ganhou, de fato, força
substancial no amazonas com o atrativo da borracha, incentivando migração de nordestinos.
Porém, até agora muito se falou de colonos. Qual foi o papel dos indígenas como agentes
políticos do nheengatu? Talvez o tupinambá estava em franca transformação para ser a língua
de comunicação do comércio intertribal entre as diferentes populações, antes da chegada dos
colonizadores. De qualquer forma, para a colônia portuguesa, esta língua foi fundamental para
a organização da força de trabalho indígena nos aldeamentos, conforme observado por Von
Martius.
No que diz respeito à literatura regional como fonte para o conhecimento do
nheengatu, há romances de Inglês de Souza, Gomes Amorim e Lourenço Amazonas que se
valem da língua geral como recurso expressivo da oralidade presente nas personagens. O
léxico de Coronel sangrado, por exemplo, é rico em palavras do nheengatu. Outra fonete de
conhecimento seria a demográfica, porém este é um problema clássico nos estudos sobre os
indígenas brasileiros. Com raras exceções até então, a língua somente entrou como variável
censitária no último levantamento do IBGE (2010).
Pode-se dizer, portanto, que houve diglossia na região amazônica, pois a língua
mais falada fora o nheengatu, enquanto que a língua administrativa fora a portuguesa. Após o
ciclo da borracha, a língua portuguesa, ensinada com incentivo da coroa, não era aquela falada
no cotidiano e foi havendo, paulatinamente, uma inversão de papeis, com o português
tornando-se hegemônico na região. Durante o período em que foi hegemônico, o nheengatu
possui seu principal estudioso, a saber, Couto de Magalhães, - fortemente influenciado por
Humboldt e por algumas concepções iluministas de progresso, presentes no IHGB -, que,
juntamente com Stradelli, Hartt, Barbosa Rodrigues e Brandão Amorim, representam o período
mais fértil de fortuna crítica sobre uma língua indígena brasileira, no século XIX, que veio a
influenciar modernistas como, por exemplo, Mário de Andrade, Raul Bopp e, posteriormente,
Câmara Cascudo, que teve Stradelli como mestre.
Couto defendia a formação de indígenas para sua futura integração na economia
e sociedade brasileiras, em vez de apoiar as grandes levas de imigrações europeias e asiáticas
ao sul do país. Nota-se a exclusão econômica dos indígenas no Brasil com as diversas levas
de migrações para a Amazônia e com as políticas de embraquecimento do país. A partir dos
aldeamentos, os indígenas, majoritariamente tapuias (não-tupis), deixavam de falar sua língua
materna e, por bom tempo passaram a ficar num estado de monolinguismo do nheengatu,
quando moravam em vilas e nos aldeamentos. Aqueles índios aldeados e, portanto, falantes de
nheengatu, que migravam para as cidades,principalmente após a Independência, passavam
por um processo de monolinguismo em português, deixando a língua geral amazônica. Parece
ter sido este o processo histórico dos usos linguísticos na Amazônia, estreitamente relacionado
à urbanização. Com as migrações nordestinas, o monolinguismo em língua portuguesa
avançou, ampliando os contextos de uso desta língua por parte dos indígenas e caboclos que
outrora utilizavam mais a língua geral.
Pode-se dizer, portanto, que o nheengatu foi uma ponte para a portugalização
da região. Porém, cabe indagar: o que era uma cidade na Amazônia brasileira de fins do século
XIX? Como ela se diferenciava de uma vila? Cidades capitais, como Belém e Manaus, surgiram
de fortalezas da coroa portuguesa e lá as pessoas passavam a maior parte do tempo,
diferentemente do que ocorria nas vilas. Enquanto a primeira era considerada mais civilizada,
com mais falantes de português, a segunda era vista como tapuia, com maisfalantes de língua
geral, embora em ambas parecia haver certo grau de bilinguismo. Os casamentos mistos
parecem ter sido importantes nestas cidades, pois os viajantes documentam que muitos de
seus informantes monolíngues em português tinham pais e avós falantes de nheengatu. à algo
já muito próximo do que ocorre hoje no centro de São Gabriel.
A navegação a vapor contribuiu para o incentivo à migração nordestina e
imigração portuguesa, fazendo crescer as cidades, principalmente Belém, de modo
proporcional à queda de falantes de nheengatu. Perdendo espaço para os migrantes, muitos
tapuias falantes de língua geral iniciaram um êxodo urbano, rumo a vilarejos interioranos. Tal
fato só corrobora a tese da relação do nheengatu com a força de trabalho indígena, uma vez
que, no momento em que tal força perdeu espaço para a mão de obra branca, urbanizada, a
língua perdia sua função social nas cidades amazônicas. Diferentemente, Manaus concentrava
a diversidade linguística e étnica das capitais brasileiras, apresentando número expressivo de
falantes de nheengatu. Aliás, a primeira capital do Amazonas fora Barcelos.
Homens e mulheres indígenas vendiam sua força de trabalho em Manaus e,
também por não ter sido tão forte a migração como em Belém, a hegemonia da língua
portguesa tardou um pouco mais. O vapor também chegou a Manaus, com muitos nordestinos
fugindo de secas a indo rumo aos seringais. O setor doméstico parecia ser mais feminino, onde
ainda se mantinha o uso de língua geral, enquanto que o ambiente externo ao lar, dominando
majoritariamente por homens, era onde predominava a língua portuguesa.
Os contextos de uso da língua geral estavam, pois, confinados ao lar, ao lazer, que
incluía a contação de histórias e a conversas informais. Toda a sua documentação fora
elaborada por brancos falantes de português que a dominavam como, por exemplo, Couto de
Magalhães. Os falantes de nheengatu sobreviventes já não tinham mais com quem falar ou
sobre o que falar nesta língua. Isto já começava a ser registrado nas pesquisas de Barbosa
Rodrigues. Nas vilas e povoações, diferentemente das cidades, havia importantes trocas de
produtos industriais, citadinos por excelência, por produtos artesanais e extrativistas. Quanto
mais distantes das capitais, mais concentravam falantes de nheengatu.
Há registros de indígenas em Santarém, próxima a Belém, falantes de línguas do tronco
tupi como, por exemplo, juruna, mundurucu, jacipoia, curivere e cuzari, algo que facilitava o
aprendizado de nheengatu. O baixo amazonas era, portanto, local de convergência de
diferentes tribos, porém com a presença de populações do tronco tupi. A relação de bilinguismo
entre português e nheengatu na Amazônia parecia ser passiva, isto é, ambas as línguas são
compreensíveis, mas as pessoas utilizavam eficazmente somente uma delas, em todas as
destrezas que cabem a uma língua (ouvir e falar, principalmente).
No processo de portugalização, não houve planejamento para o aprendizado da
segunda língua dos indígenas, muitos deles monolíngues em nheengatu, àquela altura. Além
disso, vale salientar que, embora houvesse um número restrito de indígenas em contato com
modalidades da língua escrita como, por exemplo, cartas, o analfabetismo era majoritário entre
os migrantes e imigrantes atraídos pelo ciclo da borracha. Muitos destes não tiveram
aprendizado semelhante áqueles recebidos nos aldeamentos de repartição. Um exemplo de
uso da escrita por parte de um tapuia é a carta do tuxaua Vicente a um amigo branco. à utilizar
na oficina
À medida em que se consolidava a urbanização, fazendo ruir as redes tradicionais de
comércio nas quais os nativos participavam ativamente, os índios que não acompanharam o
êxodo rumo ao interior eram recrutados forçosamente para a guerra do Paraguai e, daí então, o
nheengatu foi se reduzindo à região do alto amazonas. Há registros de locais como a Vila de
Ega (rio Catuá, em Tefé), nos quais o êxodo urbano fez com que o nheengatu fosse falado
entre os indígenas que ali se instalaram, distribuídos em diferentes etnias. Assim como em
Nossa Senhora da Guia, o nheengatu era muito frequente não só como língua franca, mas
também nos contextos domésticos, sobretudo nas falas femininas.
O esvaziamento das aldeias, após o enrijecimento das políticas portuguesas, fez com
que estas ficassem sob responsabilidade de homens do Estado e, esporadicamente, de alguns
missionários. Com o passar do tempo, o que eram aldeamentos de repartição foram se
tornando currais de indígenas, com a única função de serem uma reserva de mão de obra para
serviços públicos e particulares no estado do Amazonas. Nesta etapa, os mura se destacaram
por sua resistência ao trabalho compulsório. Dentre outros movimentos de resitência,
encontram-se alguns religiosos, nos quais se destaca a atuação messiânica do baniwa
Venâncio Kamiko (Cristo do Içana). A principal consequência das revoltas religiosas foi uma
imigração indígena rumo à Venezuela, com cerca de 3.000 indígenas. à pesquisar sobre o
discurso de Venâncio Kamiko
Direto do ISA:
um pajé Arapaso do Baixo Uaupés, que se chamava Vicente Christu, começou a contar que se
comunicava com "Tupã" (Espírito do Trovão que pertence ao panteão Tupi, mas que foi introduzido
pelos missionários junto com a língua geral entre os índios do Alto Rio Negro) e com os mortos.
Pregava o fim da exploração pelos patrões de borracha e sua expulsão da região. Anunciava a chegada
de missionários que os protegeriam dos patrões, dos militares e dos comerciantes.
Neste período em que os aldeamentos tornaram-se currais que concentravam mão de
obra indígena, os tapuias que ali se encontravam não recebiam ensino de português, ainda que
previstas por lei. Ocorria, então, o aprendizado da língua geral por imersão, por parte daqueles
que eram retirados de suas comunidades originais, quando iam trabalhar nos centros urbanos.
Nota-se que o nheengatu também passou a ser usado por diversos indígenas para se
comunicar com turistas e também para dar queixas orais a órgãos administrativos. Em seguida,
houve um esvaziamento total dos aldeamentos, com o impulso comercial da borracha e, partir
daí, os índios eram deslocados para os seringais, sendo incentivado o uso da língua
portuguesa, já que esta era a língua dos nordestinos e portugueses que lá trabalhavam.
Neste processo de ida aos seringais, muitos nativos do alto amazonas iam de sua
comunidade de origem diretamente ao trabalho com portugueses e nordestinos, sem passar
pelo aprendizado de nheengatu. Portanto, somado às percas demográficas oriundas da
cabanagem (boa parte dos cabanos eram tapuios, monolíngues em nheengatu) e da guerra do
Paraguai (índios que resistiram ao êxodo urbano foram recrutados e outros fugiram), o ciclo da
borracha, acompanhado de reformas educacionais e avanços no transporte
marítimo(tecnologia inglesa à vapor substituía braços indígenas de remeiros), fez com que a
língua portuguesa se tornasse hegemônica na região, principalmente com a queda de falantes
de nheengatu.
àver menção ao nheengatu em celso furtado
A criação da Cia de Navegação e Comércio do Amazonas, pelo barão de Mauá,
revolucionou o trato com o espaço na região e preparou o terreno para a atividade extrativista
visando à exportação, que culminou com o ciclo da borracha. Após a hegemonia do português,
devido, sobretudo, aos avanços tecnológicos na região adjuntos à urbanização, o nheengatu
concentrou-se no rio negro, traduzindo a literatura oral de populações tapuias. A inserção da
Amazônia na divisão internacional do trabalho foi, portanto, concomitante à sua inserção na
economia brasileira, pouco tempo após a adesão do Grão-Pará ao Brasil.
Pode-se, dizer, por fim, que a língua foi um princípio de organização política da
região amazônica por parte dos colonizadores europeus, no qual uma língua indígena do
tronco tupi, já utilizada como elo entre populações da foz do Rio amazonas e na costa do
Salgado, serviu de ponte para língua portuguesa, com quem conviveu num bilinguismo de dois
séculos.-> Até que ponto o fenômeno político-linguístico de transição observado por Bessa
Freire não se assemelha com os oficializações do Quéchua e do Aymara no Peru e na Bolívia,
analisadas por Pottier?
è Além disso, o livro traz muitas relações de identidade entre o nheengatu e o guarani, devido à
guerra do paraguai
Consolidada a hegemonia da língua portuguesa no século XX, o nheengatu
voltou a ser uma língua indígena, ainda que usada esporadicamente como língua de contato. A
dificuldade de mapear seus empréstimos se dá devido ao seu convívio com boa parte das
línguas indígenas amazônicas, dado o seu papel mediador ao longo de, pelo menos, dois
séculos. Houve uma política do esquecimento, pois os brasileiros não reconhecem o histórico
do nheengatu para a formação do país, tampouco os indígenas ainda falantes. Além disso, a
historiografia brasileira não atribuiu significado para este processo.

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