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VMaria Cristina de Assis Pinto Fonseca

V
Professora do DLCV/CCHLA/UFPB

E-mail: cristinassis@uol.com.br
35
A língua
portuguesa no

Imagem digitalizada

O
Brasil
Julho de 2003/Junho de 2004
CONCEITOS
1. Introdução

A
língua portuguesa transplantada para o Brasil, no século XVI, foi aos poucos assumin-
do uma feição peculiar face ao português de Portugal. No momento atual, o país apre
senta diversidade em relação a dialetos regionais e diferenças urbano-rurais, o que é
previsível, devido à grande extensão territorial. No entanto, é consenso entre os estudiosos da
língua portuguesa que a diferença lingüística em função da classe social é mais evidente que a
variação dialetal. Esse é o pensamento de Teyssier (1994, p.79), que ressalta: “As diferenças
na maneira de falar são maiores, num determinado lugar, entre um homem culto e o vizinho
analfabeto que entre dois brasileiros do mesmo nível cultural originários de duas regiões distan-
tes uma da outra.” Quando se compara o dialeto padrão das classes média e alta com o dialeto
popular de falantes das classes trabalhadora e de classe mais baixa em uma única cidade
brasileira, percebe-se que são encontradas fortes diferenças nos níveis fonológico, sintático e
lexical (Guy, 1995). Além disso, no Brasil, as classes trabalhadoras e a [população]rural e
urbana de classes baixas que falam as variedades não padrão, isto é, o português popular do
Brasil, formam a maioria, enquanto os falantes do padrão culto são minoria.
A feição peculiar que a língua portuguesa vem adquirindo em relação ao português europeu
tem provocado, desde as primeiras manifestações sobre a natureza da língua do Brasil, ainda no
século XIX1 , inúmeras polêmicas sobre a existência ou não de uma nova língua, completamente
distinta da de Portugal, favorecendo o surgimento de estudos que focalizam principalmente os
tópicos:
a) a transplantação do português para o Brasil, destacando-se a figura dos primeiros
colonizadores, para determinar quem foram e qual a região de Portugal de onde vieram;
b) a estrutura social da comunidade falante do português no Brasil, a fim de caracterizar o
comportamento lingüístico dos portugueses e de seus descendentes e o dos aloglotas;
c) o contato lingüístico, tanto entre o português e as línguas indígenas quanto entre as
línguas africanas. Além disso, investiga-se a possível formação de pidgins e crioulos;
d) o papel desempenhado pelos agentes promotores da normativização lingüística, especi-
almente a escola.
Este estudo pretende apresentar um breve histórico dos estudos que enfocam a implanta-
ção da língua portuguesa no Brasil, a partir da chegada dos colonizadores e, em seguida, apontar
as principais hipóteses sobre a mudança lingüística no português brasileiro.

2. A implantação do português no Brasil


2.1 A transplantação: o francês e o holandês (Villalta, 1997). cleos em que se praticava a criação do
os portugueses O processo de colonização do Brasil se gado de corte. Finalmente, outros nú-
deu efetivamente a partir de 1532, com cleos são formados com a descoberta do

A língua portuguesa percorreu um ca-


minho longo, desde as décadas ini-
ciais do século XVI, em que quase ficou
a implantação das capitanias hereditári-
as, iniciando-se pelo litoral. Posterior-
mente, com a devastação das matas lito-
ouro nas Minas Gerais e a ação dos ban-
deirantes (Teyssier, 1994; Castro, 1991;
Silva Neto, 1988).
relegada ao esquecimento, tanto por cau- râneas para produzir cana-de-açúcar e O número de colonizadores que
sa da indianização do colonizador portu- extrair lenha, foi aumentando a pene- se transportavam para o novo continen-
guês, quanto pela concorrência de ou- tração em direção ao interior, permitin- te, vindos de todas as regiões da metró-
tras línguas européias, como o espanhol, do o surgimento cada vez maior de nú- pole, das províncias ou dos campos foi

! O1. Trata-se do Visconde de Pedra Branca, de 1824-5, o mais antigo texto conhecido sobre a diferenciação da língua do Brasil, embora só tenha sido
divulgado quase um século mais tarde (Pinto, 1978).

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crescendo. Muitos estudiosos consideram
que a língua falada pelos colonizadores
era uma língua comum, nivelada por fa-
“Os mesmo usada por grupos falantes de ou-
tros idiomas, e que, durante muito tem-
po, viveu lado a lado com a língua portu-
tos históricos, sem predomínio de um falar tupis, habitantes guesa. O tupi era utilizado pelos bandei-
regional (Silva Neto, 1988). Outros de- do litoral, rantes, pelas famílias de portugueses e
fendem a predominância de falares do índios. A língua geral predominava, so-
denominados
Sul (Antenor Nascentes). Castilho bretudo, em São Paulo e no Amazonas,
(1992) destaca a existência de alguns genericamente enquanto na costa, ensinado nas escolas,
fenômenos fonéticos que apontam para de Tupinambás, o português se impunha.
uma suposta predominância do portugu- foram os que Aryon Rodrigues (apud
ês meridional, mas afirma que foi cons- Elia:1989) aponta para a existência de
mais conviveram
tatada em Portugal a irradiação de fala- duas línguas gerais: a língua geral do
res meridionais, o que tem contribuído com os brancos. Sul (ou paulista) e a língua geral do
para rejeitar a hipótese meridionalista. Norte (ou amazônica). O tupi dos jesu-
E alerta para a existência de fortes evi- ítas, que se implantou no Norte do Bra-
dências demográficas e lingüísticas, sus- sil, onde sofreu uma evolução, é conhe-
tentando a influência açoriana no povoa- conhecidos como Tapuias ou Nheengaí- cida como nheengatu; a do Sul, que ser-
mento de Santa Catarina e do Rio Gran- bas (língua ruim), denominação atribuí- viu de veículo escrito à literatura, aba-
de do Sul, que ocorreu depois de 1550. da pelos jesuítas, que não reflete a di- nheenga
De acordo com Teyssier (1994), ao che- versidade desses povos. Eram línguas tra- Até o século XVIII ocorreu uma
garem ao Brasil, os colonos portugueses vadas, bem mais complexas que o tupi e situação de bilingüismo e um número
elaboraram uma koiné por eliminação de conservadas por muitos deles. maior de indígenas. Progressivamente,
todos os traços marcados dos falares A comunicação entre as diversas as línguas gerais foram sendo substituí-
portugueses do Norte e por generaliza- tribos era feita através de uma espécie das pelo português. Castilho (1992)
ção das maneiras não marcadas do Cen- de língua franca, “fácil, e elegante, e su- aponta como uma das causas dessa subs-
tro-Sul. ave, e copiosa, a dificuldade está em ter tituição a extrema fragmentação do qua-
muitas composições” (Rodrigues, dro lingüístico. Teyssier (1994) acres-
2.2 Os índios 1983:p.23). Os contatos iniciais dos mer- centa outras causas para a decadência
cadores e exploradores com os gentios da língua geral:

N a chegada ao Brasil, os portugue-


ses encontraram a terra povoada
de índios. Mais de um milhão deles apre-
ocorriam através de “um jargão de base
tupi”, mas para os jesuítas, a pregação
deveria ser feita na língua daquele a con-
O A chegada de imigrantes por-
tugueses;
sentava, do ponto de vista lingüístico, verter (Rosa,1977: p.107). Por conside- O O Diretório do Marquês de
uma grande diversidade, algo em torno rarem que a variedade de línguas impe- Pombal, proibindo o uso da língua geral
de 350 línguas diferentes. Atualmente, dia a conversão, os jesuítas procuraram e obrigando o uso oficial da língua por-
distribuem-se em dois troncos (Tupi e aprender o tupi, um tupi simplificado, des- tuguesa;
Macro-Jê) e em diversas famílias (Cari- pojado de seus traços fonológicos e gra- O A expulsão dos Jesuítas.
be, Aruaque/Arauá, famílias menores ao maticais mais típicos, “para se adaptar à
sul e ao norte do Amazonas), segundo consciência lingüística dos brancos (Câ- A descoberta do ouro nas Minas
Rodrigues (apud Elia:1989). mara Jr.: 1975). Essa língua foi estuda- Gerais favoreceu o desenvolvimento da
Os tupis, habitantes do litoral, da, fixada em catecismos, dicionários e vida urbana, em contraste com a econo-
denominados genericamente de Tupinam- gramáticas e institucionalizada como lín- mia açucareira, provocou a intensifica-
bás, foram os que mais conviveram com gua de contato entre colonizadores e ín- ção das correntes migratórias, tanto ex-
os brancos. Eles falavam principalmente dios. Surgiu, então, a expressão língua terna quanto internamente, caracteriza-
o tupi, uma espécie de segunda língua geral 2 , de base tupi, que indicava a lín- da pelo isolamento rural (Pessoa, 1997).
para os não tupis. Esses últimos eram gua de uso mais extenso numa região, e O alvará do Marquês de Pombal

!
O 2 A denominação, genérica e no singular recobre uma grande diversidade, conforme alerta Mattos e Silva: só podemos idealizar essa língua geral
como heterogênea desde o século XVI, heterogeneidade que se tornará mais complexa ao longo da diacronia da colonização(...). Para a compreensão
do que se chama genericamente língua geral, é fundamental o estudo de Aryon Rodrigues (1986: 99-109), em que, com precisão, apresenta uma
caracterização diatópica e diacrônica das línguas gerais, já no plural, a paulista e a amazônica (Mattos e Silva, 2001: 286)

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proibia o uso da língua geral, que pas- sintaxe, apresentados como prova pelos O redução de nd a n nos gerúndi-
sou a ser encarada pelos conquistadores tupinólogos, são apontados pelos africa- os (assobiano) – efetuou-se no catalão
como “invenção verdadeiramente abomi- nistas como influência dos escravos. Tais antigo, aragonês, italiano central e me-
nável e diabólica”, e, ainda, decidia que fenômenos podem obedecer simplesmen- ridional.
tipos de penalidades deveriam ser apli- te a tendências latentes na língua-tronco
cados aos que permanecessem falando a ou tratar-se de arcaísmos e traços diale- Também simplificações na morfo-
língua geral, penalidades que variavam tais conservados só em algum rincão pou- logia nominal e verbal portuguesa são
de acordo com o grupo social a que per- co estudado ainda em Portugal, e que atribuídas por alguns autores aos indí-
tenciam. As decisões do Diretório se apli- muitos se encontram em línguas e diale- genas e, por outros, aos africanos. As
caram primeiro ao Pará e ao Maranhão tos românicos europeus. E exemplificam: terminações –açu, -guaçu, -mirim, de
e, em seguida, se estenderam, em 17 origem tupi, classificadas por alguns au-
de agosto de 1758, a todo o Brasil. Com O O ensurdecimento e queda do tores, a exemplo de Ismael Coutinho
a expulsão dos jesuítas, em 1759, a r final de palavra na língua popular de (1974), como sufixos tupis, na opinião
língua geral perdia seus principais pro- de Chaves de Melo (1981:64) não po-
todo o Brasil e no Nordeste; ocorre tam-
tetores. dem ser assim consideradas, já que não
bém em francês, provençal, andaluz,
Para Elia (1989), a Lei do Dire- conseguem alterar a constituição morfo-
etc.(sinhô); lógica e fonética da palavra a que se
tório apenas acelerou um processo que
O ieísmo (famiya) – ocorre no fran- unem, sendo, portanto, o seu papel o
já se manifestava irreversível. Semelhan-
cês, galego, em Portugal, em dialetos de simples adjetivos: mesa-açu ‘mesa
te ponto de vista têm Cuesta e Luz
crioulos portugueses; grande’. Câmara Jr. (1975) considera
(1983), que consideram a influência do
O nasalação de qualquer vogal tô- que as contribuições que o tupi missioná-
tupi na fala brasileira exagerada em de-
nica seguida de m ou n que não trava rio trouxe para o português do Brasil
masia. Segundo as autoras, essa influên-
sílaba (fãma por fama) – ocorria no por- restringem-se a empréstimos lexicais que
cia parece ter-se exercido mais em ex-
tuguês arcaico e conserva-se em alguns se adaptaram à fonologia e à gramática
tensão do que em intensidade, já que
dialetos peninsulares; portuguesa.
alguns fenômenos de pronúncia ou de

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2.3 Os negros negros vindos para o Brasil, integran- período da escravidão:


tes de duas culturas: - os bantos fixa-

A lém das línguas gerais e das inú-


meras línguas indígenas, o portu-
guês concorreu com as línguas dos afri-
ram-se no Rio de Janeiro, São Paulo,
Minas Gerais, Maranhão, Pernambuco
e Alagoas, e os sudaneses - que se es-
a) sudaneses, originados princi-
palmente da Guiné, Costa da Mina, re-
presentados pelos Yoruba (Nagô, Ijêsha
canos de diferentes grupos étnicos, que tabeleceram principalmente na Bahia. etc.), pelo grupo Fanti-Ashanti, chama-
desde o início foram trazidos ao Brasil. Pessoa (1997: p.43), baseando-se em do à época colonial Mina, e pelos gru-
Castilho (1992) indica, entre Ventura, assim classifica os grupos lin- pos de Kroumans , Agni, Zema, Timim;
1538 e 1855, 18 milhões de escravos güísticos que ingressaram no Brasil no b) muçulmanos ou malês, oriun-

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dos do norte de Benin, representados
sobretudo pelos Peuhls, entre outros, e,
em menor número, pelos Tapa, Bornu,
“O gressaram no léxico da língua portugue-
sa no Brasil. O uso dos falares africanos
foi gradativamente perdendo terreno pela
uso dos falares
Gurunsi; expansão da língua portuguesa, restrin-
c) bantos do grupo angola (Cas- africanos foi gindo-se aos domínios especializados,
sabges, Bengalas, Inbangalas, Dem- gradativamente como os rituais religiosos, cânticos, dan-
bos), pelos Congos ou Cabindas e pe- perdendo terreno ças populares. Com o decréscimo da
los Benguela; pela expansão da população negra provocado em parte
d) bantos da Costa Oriental, re- pelo fim do contrabando de escravos e
língua portuguesa,
presentados pelos Moçambiques. em outra, a alta taxa de mortalidade dos
restringindo-se aos negros, face aos maus-tratos e doenças
Segundo Pessoa (1997: p.67), as domínios a que eram submetidos, a configuração
maiores levas de escravos desembarca- especializados...” étnica do Brasil começa a mudar.
dos no Brasil ocorreram durante os sé- Em 1808, a chegada do prínci-
culos XVI e XVII, para o Nordeste; no pe regente provocou profundas mudan-
século XVIII, com a descoberta do ouro, ças políticas e sociais no Brasil. Para
a importação é cerca de três vezes mai- mesmos. Segundo Castro (1991), as lín- poder acolher a família real e cerca de
or do que nos primeiros séculos; e na guas banto tiveram grande importância quinze mil portugueses que fugiam da
primeira metade do século XIX até 1850, na formação, após o século XVII, de um invasão francesa, fatos novos, como a
a partir de quando o tráfico é definitiva- ‘dialeto das senzalas’, uma espécie de abertura dos portos e a criação de no-
mente proibido. koiné. A esse “dialeto das senzalas” te- vas instituições, a exemplo da impren-
Os primeiros africanos que vieram ria sucedido um ‘dialeto português ru- sa, contribuem para a ‘relusitanização’
ao Brasil apresentavam grande comple- ral’, com o aumento do aportuguesamen- do português falado no Brasil, em es-
xidade lingüística (Rodrigues, 1983). to dos africanos e da entrada de africa- pecial no Rio de Janeiro, que se tornou
Entre eles, uns não falavam o português, nismos no português, desaparecendo a a capital do “Reino Unido do Brasil,
os boçais, e outros falavam um pidgin de estrutura morfológica do banto. Portugal e Algarve”.
base portuguesa que aprendiam na costa Para Sílvio Elia (1989: p.26), Na segunda metade do século
da África. Os portugueses procuravam embora os falares do tipo quimbundo te- XVIII, a língua portuguesa começa a pre-
misturar grupos dialetais diferentes, que nham sido os mais difundidos no Sul do valecer sobre as demais. Segundo Ro-
não se entendessem, para, através da país, não chegaram a constituir uma lín- drigues (1983:37), no começo do sécu-
diversidade étnica e lingüística, impedir gua geral africana com base quimbundo, lo XIX, a língua falada no Brasil “ou era
que se unissem. Dessa forma, buscavam por falta de uma elite negra que, pelo muito lusitanizada nos meios brancos das
mantê-los submissos e forçavam-nos a prestígio, impusesse às demais os seus grandes cidades costeiras, ou ainda so-
aprender a língua portuguesa. traços culturais, particularmente a lín- fria deficiências na aprendizagem oral que
Ao desembarcarem, com maior ou gua. Isso se deu ao Norte, onde os na- negros e índios revelavam”, num perma-
menor dificuldade, adquiriam conhecimen- gôs assumiram a liderança cultural.” nente estado de guerra cultural e lin-
tos da língua geral ou do português, que Naro (1993: p.441) descarta a güística. A “vitória” da língua portugue-
necessitavam aprender para falar com existência de uma língua pidgin ou cri- sa, segundo este autor, não se deu de
os seus senhores, com os mestiços, ou oula de base lexical portuguesa associa- forma tão pacífica ou tão fácil, mas cus-
com os negros crioulos, adaptando-se a da predominantemente com a etnia afro- tou esforços, sangue, vidas.
esse idioma sob a forma de um falar cri- brasileira ou ameríndia, pelo fato de já Já no século XVIII, a literatura
oulo. existirem outras línguas gerais de bases romântica começou a registrar as pe-
Para alguns autores, foram duas não européias, mas considera possível culiaridades do português do Brasil,
línguas principais adotadas como gerais: que a “pidginização em si... tenham in- buscando autonomia literária. Com a
o nagô ou iorubá, na Bahia e o quimbun- fluenciado no desenvolvimento do portu- Independência, passou a ser valoriza-
do, no Rio de Janeiro e em Minas. Con- guês brasileiro”. do tudo o que a diferenciava da metró-
forme Rodrigues (1983), a diferença Brancos e negros mantiveram um pole: muitos traços da oralidade e pa-
entre a língua geral indígena e a geral contato mais direto do que brancos e ín- lavras, antes tidos como ‘provincianis-
africana é que a primeira foi criada pe- dios. Desse contato, estima-se que apro- mos’ e passaram a ser documentados
los jesuítas, e a última foi criada por eles ximadamente 300 palavras africanas in- com maior freqüência.

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2.4 Os imigrantes de centros urbanos. Os italianos fixaram- das escolas, da imprensa, da literatura,
se em São Paulo e na serra Gaúcha, do rádio, da conversa do dia-a-dia. Ain-
No século XIX, lembra Elia originando um notável surto industrial e da, segundo Elia (1989:29), da tercei-
(1989), a partir da Independência, no- a plantação de vinhedos no Rio Grande ra geração em diante, a aculturação en-
vos contingentes migratórios vieram ao do Sul. Os japoneses destacam-se na tra num ritmo mais rápido e decisivo.
Brasil, timidamente no Primeiro Reina- agricultura, encontrando-se, hoje, prin- Castro (1991) lembra que, a ri-
do, mais fluentemente, no Segundo Rei- cipalmente em São Paulo, Paraná, Mato gor, a população brasileira não é mo-
nado e, efetivamente, com a República. Grosso, Pará, Amazonas e Brasília. nolíngue em português: há outras lín-
Os primeiros imigrantes, alemães, Aos poucos, esses imigrantes, bi- guas européias, faladas por imigran-
permaneceram inicialmente no Rio de Ja- língües a princípio, vão-se tornando fa- tes, sobretudo italianos, espanhóis e
neiro, na região de Petrópolis, e os se- lantes do português, à medida que se alemães; há cerca de 170 línguas índi-
guintes deslocaram-se para o Sul. Dis- integram aos novos costumes, à nova as e, ainda, vestígios de antigos criou-
tinguiram-se na agricultura e na criação pátria, que tem no português a língua los de escravos.

3. A mudança no português brasileiro


Aos poucos, a língua portuguesa pelo português do Brasil. Alguns estudi- pesquisadores baseiam-se em hipóteses
foi adquirindo uma feição peculiar face osos justificam as mudanças ocorridas diferentes, resumidos por Castilho
ao português de Portugal, constituindo pela origem dos primeiros colonos, ou (1992) em três: a evolucionista, a criou-
o chamado português brasileiro. No mo- seja, pela região de onde vieram, res- lística e a internalista:
mento atual, o Brasil apresenta diversi- saltando as semelhanças entre o portu- ...a hipótese evolucionista, que
dade em relação a dialetos regionais e guês brasileiro e o português falado por defende a existência de uma “língua bra-
diferenças urbano-rurais, o que é previ- habitantes do Sul de Portugal. Outros sileira”, a hipótese crioulística, que acen-
sível devido à grande extensão territori- mostram as diferenças como originadas tua a importância dos contactos lingüís-
al, mas é consenso entre os estudiosos dos índios ou dos escravos africanos. Há ticos no Brasil-Colônia, e a hipótese in-
da língua portuguesa que a diferença lin- também os que consideram as mudanças ternalista, que acentua a importância da
güística em função da classe social é mais decorrentes da deriva, ou seja, de ten- deriva, isto é, das tendências próprias
evidente (Castro, 1991; Teyssier, 1994). dências próprias ao sistema, e ainda os ao sistema, para explicar a dimensão
Diferentes teorias explicam a ori- que apontam para uma conjunção de fa- histórica do PB (português brasileiro).
gem das particularidades apresentadas tores. Para explicar essas mudanças, os (Castilho, 1992:241).

Conclusão

N o momento atual, o interesse pela história da língua portuguesa e nela, em especial, do


português brasileiro, tem provocado, em várias regiões do país, a partir da década de 80
do século passado, o desenvolvimento de projetos, seminários, programas e pesquisas individuais
e coletivas, com orientações teóricas diversas, que têm entre suas preocupações centrais a rees-
crita da história da língua portuguesa. Muitos estudiosos interessados em reconstruir a história
da língua constataram que tanto a história do português brasileiro, quanto a história geral da
língua portuguesa ainda não foram concluídas. A conclusão fica por conta das palavras de Ataliba
de Castilho, que aponta um caminho a seguir

...estamos muito longe de traçar a história do português brasileiro em sua totalidade.


Parece mais factível consagrar-se ao conhecimento diacrônico das variedades regionais do portu-
guês brasileiro para, num segundo momento, obter-se a visão do conjunto (Castilho, 1998: p.15).

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