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na Psicanálise
na h i s t ó r i a de s ua despatologização
ORGANIZADORES
Antonio Quinet
Marco Antonio Coutinho Jorge
As Homossexualidades
na Psicanálise
na h i s t ó r i a de s u a despatologização
ORGANIZADORES
Antonio Quinet
Marco Antonio Coutinho Jorge
As Homossexualidades na Psicanálise: na história de sua despatologização
Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer sistema, sem
prévio consentimento de Segmento Farma Editores Ltda.
Todos os direitos reservados a Segmento Farma Ltda.
“ 392” p.
ISBN 978-85-7900-064-5
Inclui referências bibliográficas
CDD 616.85834
IMPRESSO NO BRASIL
2013
S e g m e n to F a rm a Rua A nse riz, 27 . Cam po B elo - 0 4 618-050 - S ã o Paulo, SP. Fone: 11 3093-3300
e d ito re s w w w .s e g m e n to fa rm a .c o m .b r * s e g m e n to fa rm a @ s s g m e n to fa rm a .c o m .b r
Diretor-gvsl: Idelcio 0. Patrício Diretor executivo-, Jorge Rangel Gerente finenceira: Andrée Rangel Gerente comercial: Rodrigo Mourão Editora-chefa: Oaniela Barros MTti
39.311 Comunicações médica*: Cristiana Bravo Gerentes de negócios: Marcela Crespi e Rhilipp Santos Coordenadora comercial: Andréa Figueiro Gerente editorial:
Cristiane Mezzari Coordenadora editorial: Sandra Regina Santana Assistentes editoriais: Camila Mesquita e Patrícia Harumi Capa: Marcelo Peigo Diagramação: Flàvio Santana
Revisora: Viviane Rodrigues Zeppelini Produtor gráfico: Fabio Rangel * Cód. da publicação: 14110.5.2013
ORGANIZADORES
Antonio Quinet
Marco Antonio Coutinho Jorge
©
Sumário
Apresentação..........................................................................................................9
Antonio Quinet
Marco Antonio Coutinho Jorge
Ética e Preconceito
CAPÍTU L01
0 real e o sexual: do inominável ao pré-conceito........................................15
Marco Antonio Coutinho Jorge
CAPÍTULO 2
A despatologização da homossexualidade...................................................29
Gilda Paoliello
CAPÍTULO 3
A história da homossexualidade e a Psicanálise organizada.................. 47
Jack Drescher
CAPÍTULO 4
Sexualidade e ética psicanalítica....................................................................59
Luciana Marques
CAPÍTULO 5
A homofobia no discurso psicanalítico sobre o casal e a
parentalidade homossexual..............................................................................65
Acyr Maya
CAPÍTULO 6
Psicanálise, xenofobia: algumas reflexõ es..................................................77
Betty Bernardo Fuks
0 Mistério das Homossexualidades
CAPÍTULO 7
Homossexualidades em Freud......................................................................... 89
Antonio Quinet
CAPÍTULO 8
A Psicanálise à prova da homossexualidade............................................. 107
Elisabeth Roudinesco
CAPÍTULO 9
A maldição sobre o sexo................................................................................. 119
Colette Soler
C A PÍTU L010
A escolha do sexo com Freud e Lacan.........................................................131
Antonio Quinet
CAPÍTULO 11
De Freud a Lacan: do objeto perdido ao objeto a ..................................141
Marco Antonio Coutinho Jorge
CAPÍTULO 12
A invenção da homossexualidade............................................................... 153
Paulo Roberto Ceccarelli
Bissexualidades
C A P ÍTU L013
Desdobramentos freudianos da noção de bissexualidade..................... 171
Vera Pollo
CAPÍTULO 14
Da bissexualidade ao impossível...................................................................181
Sonia Alberti
C A P ÍTU L015
0 desejo é o d e s tin o ........................................................................................ 191
Nadiá Paulo Ferreira
C A PÍTU L016
Sobre a declaração de sexo............................................................................203
Ana Costa
CAPÍTULO 17
12 pontuações sobre a bissexualidade....................................................... 209
Marco Antonio Coutinho Jorge
C APÍTU L019
Homossexualidade e neurose: Sadger, Ferenczi e Deutsch................... 229
Claude Léger
CAPÍTULO 20
0 que as histéricas dizem da homossexualidade?...................................239
Gloria Sadala
CAPÍTULO 21
Obsessão gay. um caso clín ico .....................................................................247
Antonio Quinet
CAPÍTULO 22
0 caso Carlos: a natureza perversa do gozo.............................................. 255
Maria Helena Martinho
CAPÍTULO 23
0 império do olhar.............................................................................................263
Gilda Paoliello
CAPÍTULO 24
Gide com Lacan: as cartas como fetich e....................................................271
Antonio Quinet
CAPÍTULO 25
Yukio Mishima: um talento perverso............................................................277
Maria Helena Martinho
Homossexualidades Femininas
CAPITULO 26
De amores e flores: o caso da jovem homossexual de F re u d ...............299
Ana Vicentini de Azevedo
CAPÍTULO 27
Nos meandros do continente negro: questões sobre
a homossexualidade fem inina....................................................................... 315
Denise Maurano
CAPÍTULO 28
A lógica da homossexualidade fem inin a....................................................325
Maria Anita Carneiro Ribeiro
CAPÍTULO 29
A mais célebre epistolária da homossexualidade fem inina................... 331
Elisabeth da Rocha Miranda
Anexo
Entrevista à Revista CLAM do Instituto de Medicina Social da UERJ....343
Antonio Quinet
Marco Antonio Coutinho Jorge
Notas.................................................................................................................... 349
Sobre os autores................................................................................................387
Apresentação
Antonio Quinet
Marco Antonio Coutinho Jorge
9
sem p reco n ceito s e com uma visão crítica em relação à produção de m uitos psi
canalistas que trataram do assunto de m odo p atolog izante que decidim os realizar
esse co ló q u io e, em seguida, este livro. O o b je tiv o do en co n tro foi o de repensar
o "m istério da hom ossexualidade", co m o anuncia Freud, a partir da obra deste e
do ensino de Lacan — o grande freudiano - e enfrentar o desafio inerente à n e ce s
sidade de d espatologizar a hom ossexualidade, do p o n to de vista p sicanalítico. O
fato de que tal d esp atolo g ização tenha oco rrid o em 1974, quando a A ssociação
Psiquiátrica A m ericana, após duas v o tações vitoriosas no esp aço de dois anos,
finalm ente rem oveu a hom ossexualidade do D S M -II, não significa que mudanças
tão substanciais tenham o co rrid o na visão de m uitos psiquiatras, p sicólo g os e
psicanalistas.
A Psicanálise: anotber brick in the wall (Pink Floyd). A Psicanálise vai co n tra o
muro (the wall) do racism o do discurso d om inante, que tende a fazer todos an
darem no m esm o passo, situando em reservas delim itadas — os guetos —, aqueles
que se op õem à m archa com um , com o os hom ossexuais e outros excluídos. D aí
a esco lh a da capa de nosso livro. Bretfuando o “ó" dessa situação, a Psicanálise se
op õe ao p reco n ceito m ortificad or do sujeito que o reduz a uma característica de
sua sexualidade para, em seguida, prom over sua exclusão.
“We don't need no education. We don't need no thougbt control". A Psicanálise se op õe à
pedagogia do d esejo, pois esta é uma falácia. N ão se pode educar a pulsão sexual.
N ão se pode desviá-la para acom od á-la aos ideais da sociedade. A pulsão segue
os cam inhos traçados pelo in co n scien te, que é individual e singular. A pulsão não
é louca, ela o b e d e ce a uma lógica determ inada pelos avatares do N om e-d o -P ai, a
lei sim bólica a que todos estam os subm etidos.
A hom ossexualidade não é uma patologia e, log o, não pode ser o b je to de
um tratam en to que vise elim iná-la. Isso porque a com preensão psicanalítica da
sexualidade humana, desenvolvida por Sigm und Freud desde o início de sua obra
e aperfeiçoad a por várias gerações de psicanalistas até h o je , perm itiu que se e n
tendesse, com bastante clareza, que o ser hum ano tem uma con stitu ição bissexual
e que existem , em todos os indivíduos, co ex istin d o lado a lado, em proporções
diversas, com p on en tes heterossexuais e hom ossexuais. Freud m encionava a d i
m ensão da hom ossexualidade laten te em todos seus casos clín ico s, o que deixa
bastante claro, para nós, que a hom ossexualidade não é uma questão apenas dos
hom ossexuais.
A o responder a uma m ãe preocupada com a hom ossexualidade do filho, Freud
apontava, já em 1935, que esta não é nenhum a desvantagem , nem tam pouco
uma vantagem , "ela não é m otivo de vergonha, não é uma degradação, não é um
v ício e não pode ser considerada uma doença". Para a Psicanálise, assim co m o a
hom ossexualidade, o interesse exclusivo de um hom em por uma m ulher e vice-
versa tam bém m erecem esclarecim en to e não têm nada de óbvio. A investigação
p sicanalítica, diz Freud em seu prem iado te x to sob re Leonardo da V in ci, op õe-se
10
à tentativa de separar os hom ossexuais dos outros seres hum anos co m o um "grupo
de índole singular", pois "todos os seres hum anos são capazes de fazer uma e s c o
lha de o b je to hom ossexual e de fato a consum aram no in con scien te".
Além disso, para cada sujeito, a escolh a de o b je to sexual é profundam ente
enraizada no in con scien te e não depende de uma escolha co n scien te, nem de uma
'opção sexual' no sentid o em que essa expressão é frequentem ente utilizada. Por
isso m esm o, certas visões que associam a hom ossexualidade a distúrbios do caráter
e sociopatias devem ser fortem ente criticadas. Pois consid erar a hom ossexualidade
uma patologia e propor uma mudança de direção da sexualidade pode causar g ran
des danos psicoló gico s aos jo vens hom ossexuais, co lo ca n d o -o s num impasse no
qual, não conseguind o essa pretendida m udança, serão conduzidos ao desespero,
por se considerarem pessoas doentes e inferiores. D ian te dessa questão fundam en
tal, que é a sexualidade, a responsabilidade da sociedade é enorm e e qualquer te n
tativa de tornar as pessoas vítimas de c o n c ep çõ es equivocadas deve ser firm em ente
repudiada. A Psicanálise é, segundo Lacan, o avesso da "civilização", a qual im põe
ora a renúncia pulsional ora a exigên cia de um g ozo vigiado e con trolad o.
Em que a Psicanálise tem con trib u íd o no d ebate com a socied ad e sobre esse
tema? C onvid am os os psicanalistas a retom arem os c o n c e ito s de Freud e de Lacan
para trazerem à luz para a socied ad e o que a Psicanálise — com sua ética e seus
co n ceito s norteadores de uma clín ica do su jeito do d esejo - tem a dizer h o je sobre
as hom ossexualidades. E tam bém a ocasião para se avaliar a literatura psicanalítica
atual sobre o tem a, cujas elab oraçõ es norteiam a posição dos analistas em sua prá
tica clín ica no m anejo com um d esejo que "não ousa (ou ousava) d izer seu nom e".
A leitura que cada analista tem da hom ossexualidade d eterm ina a maneira co m o
ele cond uz as análises de todos seus pacien tes, independ en tem ente da escolh a
sexual e da estrutura clínica.
O evento foi realizado em 2 0 0 9 , na U niversidade V eiga de Alm eida (U VA ),
pelo M estrad o de Psicanálise, Saúde e S ocied ad e, com o apoio do Program a
de P ós-G raduação em Psicanálise da U niversidade do Estado do Rio de Jan eiro
(U E R J) e ob teve uma grande repercussão, tend o reunido, ao lon g o do dia, por
volta de 6 0 0 participantes, alguns vindos de outras regiões do país. A apresentação
de trabalhos e debates se passou num clim a de grande con fratern ização e entusias
mo - o que só com provou sua necessidade. R ecebem os e-mails de diferentes países,
aos quais chegaram as notícias sobre o co ló q u io . Paola M ieli, psicanalista de N ova
Iorque, autora de um dos textos aqui reunidos, co lo co u -n o s em c o n ta to com Ja c k
D rescher, da m esma cidade, que nos enviou vários de seus artigos para nossos
encontros preparatórios, um deles publicado na coletân ea. E lisabeth R oudinesco
escreveu um tex to esp ecialm ente para este livro e C o le tte S o le r nos ofereceu um
texto sin óp tico de seu sem inário para ser publicado pela prim eira vez no Brasil.
P retendem os, assim, fazer ver, neste livro, o quanto a Psicanálise contribuiu ao
longo do sécu lo X X para dar as bases para a radical transform ação da cultura, com
uma m aior liberação dos costu m es, no que tange às sexualidades e, c o n se q u e n te
m ente, às hom ossexualidades.
A gradecem os a todos os autores presentes nesta obra,- um agrad ecim ento es
pecial a Luciana M arques, por sua d ed icação e eficiência na efetiv ação do p ro jeto
deste livro,- a G lória Sadala, C o ord enad ora do D ou torad o de Psicanálise, Saúde e
Socied ad e da UVA, por toda a facilitação na realização do colóquio,- a C onsu elo
Pereira Alm eida, Eliana Rodrigues Pereira M end es, Luciana M arques, M aria V i
tória B itten co u rt e Vera P ollo, por contribuírem para essa obra co m a realização
das traduções,- e a G ild a P aoliello, pela indicação de sua pu blicação para a Editora
Seg m en to Farma. E, tam bém , a A lfredo C haves por sua coragem em seu d ep oi
m en to pessoal sobre seu percurso na Psicanálise durante o colóq u io.
Antonio Quinet
M arco Antonio Coutinho Jorge
Setembro de 2012
Ética e Preconceito
CAPÍTULO 1
■ Co-memorando Stonewall
or que com em orar, psicanaliticam ente, o m om ento em que o episódio de
15
N o en tan to , Stonewall consistiu , na verdade, na retom ada de um m ovim ento
pelos direitos dos hom ossexuais, que rem onta a um século an tes3. Segund o os
historiad ores do m ovim en to g a y , a prim eira m anifestação nesse sentid o teria o co r
rido na Alem anha, precisam en te em 1 8 6 9 , quando um m éd ico húngaro, K aroly
M aria Benkert, escreveu, sob pseudônim o, uma carta aberta ao m inistro da ju stiça
pedindo que o novo có d ig o penal, que crim inalizava as práticas de atos h o m o sse
xuais - foi ele, aliás, que cu nhou o term o híbrid o g reco -latin o 'hom ossexualidade'
- , fosse rejeitad o pelas autoridades. R etraçand o, em sua carta, a história de uma
abordagem racional da hom ossexualidade, ele falou em term os que, h o je , são
d enom inados ‘g a y pridé, ou orgulho gay.
C o n tu d o , isso não im pediu que o parágrafo 175 entrasse em vigor na A lem a
nha lo g o em seguida, em m aio de 1 8 7 1 , só sendo revogado m uito recen tem en te,
em m arço de 1994, com a reunificação da A lem anha. Esse parágrafo, que sofreu
m od ificações ao lon go de to d o esse tem po, crim inalizava as relaçõ es h om osse
xuais e, durante o períod o nazista, foi utilizado para co n d en ações de um núm ero
dez vezes m aior do que havia oco rrid o antes.
■ Nomeações equivocadas
N um am plo estudo sob re a hom ofo bia, Byrne Fon e4 assinala que esse term o
foi cunhado por K T Sm ith, em 1 9 7 1 . G eo rg e W ein b erg definiu-o em 1972 com o
"o tem or de estar perto de hom ossexuais". M ark Freedm an acrescen tou a essa d e
finição a d escrição da h om ofo bia co m o sendo uma "reação extrem a de ira e tem or
em relação aos hom ossexuais"5 6.
Nas reuniões preparatórias do colóquio As homossexualidades na Psicanálise - 4 0
anos de Stonewall - , Antonio Q uinet e eu conversam os sobre a ideia de que o term o
'hom ofobia' não era adequado para expressar as ações desqualificantes, agressivas
e francam ente persecutórias encontradas, muitas vezes, na cultura em relação aos
despatoiogização
aos casos francamente violentos e covardes, com o foi o ocorrido na parada g a y de São
o
Paulo de 2 00 9. Talvez fosse possível falar tam bém de 'hom o-horror', 'homossegrega-
na h i s t ó r i a
ção', 'hom ódio' e 'homodesprezo'. C om efeito, o term o 'hom ofobia' recobre, de fato,
muito mais o cam po sem ântico do repúdio à própria homossexualidade, pelo repúdio
As Homossexualidades na Psicanálise
16
p recon ceitu oso, que o utiliza, sob o p o n to de vista precário da norm alidade e s
tatística8, co m o m etáfora de 'desvio da norma'. U m ad olescen te que se d escobre
17
hom ossexuais, quando, na verdade, é um filme que revela, no prim eiro plano,
co m o poucas obras de arte, o d esejo sexual en tre dois hom ens m ásculos20 21.
Surge a questão de saber até que p o n to a h om o g en eização entre am or e d esejo
pode servir, nesses casos, a uma finalidade sutilm ente h om ofó b ica, de o discurso
h eterossexista abrandar e até m esm o escam otear a força do d esejo hom ossexual.
Seria exagerad o supor que por detrás dessa leitura feita do filme haveria a desqua-
lificadora co n statação su b jacen te: perversos tam bém amam'?
19
O u tra form a de indicar o real inassimilável do sexo na linguagem é verificar
o quanto se produz universalm ente uma co o p ta çã o da significação agressiva nas
nom eaçõ es do sexual. Tudo indica que o sexo é "animal", pois os nom es esco lh id os
na linguagem coloquial e chula para designar os sexos e a atividade sexual recaem
tam bém com frequência no cam p o sem ân tico da violên cia: pau, ca ce te , porra,
porrada, esporro, em b o ceta r etc.
20
partir de outra (o ral), mas sim do fato de que, a partir de determ inado m om en to
da vida da crian ça, em que os rituais de hig ien e devem co m eça r a ser assim ilados,
dando in ício ao p rocesso de educação por m eio do co n tro le esfincteriano, o O u
tro dirige sua aten ção esp ecialm en te para esse orifício corporal.
A pulsão é, assim, con form e assinala Lacan, uma dem anda do O u tro dirigida
ao sujeito. A in cid ência da linguagem , da dem anda do O u tro sobre as estruturas
de borda do co rp o da criança, constitu i, assim, o que Freud cham ou de zonas
erógenas e constitu i o corp o enqu anto co rp o pulsional. A b o ca , o ânus, os órgãos
genitais, então, não constitu em zonas erógenas em si m esm os, mas sim - lição
fundamental de Lacan - pelo fato de serem atravessados p elo discurso do O u tro,
pela linguagem , pelo registro do sim bólico. A pulsão é, assim, uma nítida p onte
entre o som ático e o psíquico, entre o corp o e a linguagem .
Lacan critica com veem ência o que ele denom ina de "m itologia da m aturação
dos instintos", pois a ideia de uma evolução da libido atrelada a um d esenvol
vim ento b io ló g ico - e, logo, instintivo - , que correspond a a um processo de
m aturação do organism o, é a responsável pela entrada no cam p o te ó rico da Psi
canálise de categorias que correspond em a ideais entron izad os pela cultura, com o:
personalidade adulta, to tal, çjenital love (am or g én ita l)33, harm onia do g en ital34 obla-
tividade etc. T end o sem pre insistido no equ ívoco em traduzir Trieb por instinto,
Lacan foi o prim eiro psicanalista a to ca r nesse desvio te ó rico crucial perpetrado
pelos pós-freudianos, co m o no co ló q u io realizado na U niversidade de Rom a, em
19 6 4 , no qual cham ou a aten ção para o fato de que "a pulsão freudiana nada tem
a ver com o in stinto, nenhum a das expressões de Freud perm ite essa confusão".
Lacan precisou ainda que35:
21
distúrbio profundo da personalidade, e dispensar um zelo terapêutico
para sua 'cura'.
22
forneceu aos leitores da im prensa cotid ian a um lím pido exem plo de co m o a P sica
nálise pode ser coo p tad a por ideais m éd icos referentes à norm alidade e patologia.
todo homossexual tem uma identidade sexual (de gênero) que está em
desacordo com os seus órgãos sexuais, do ponto de vista anatôm ico e
fisiológico. N ão se trata de um problema hormonal ou genético e sim
de identificação.
23
significante do desejo à representação do objeto, e ao mesmo tempo
subordina-o ao significado,- erro que é igualmente o do neurótico que
se contém por tem or de que se o tome dele, ou do homossexual que faz
do pênis a condição de sua escolha de objeto.
pois m anifesta, em ato, a existên cia no ser falante de uma liberdade absoluta em
relação ao natural.
■ A ética da diferença
na h i s t ó r i a
lectu alid ad e, no que diz resp eito à sua ab ord ag em da hom ossexualidad e. O que
é m uito grave, na m edida em que o discurso p sica n a lítico se fundou enqu an to
te o ria e p rática clín ica, a partir do m o m en to em que Freud pôde dar à questão
da sexualidade uma form u lação ló g ica c o n siste n te. E, se esse p o n to p reciso da
P sicanálise - a sexualidade - é g rav em ente d isto rcid o , sim plesm ente to d a a
e xp eriên cia p sican alítica a ch a -se co m p ro m etid a p elos p re co n ceito s do discurso
co rren te.
24
C o m o exem plo paradigm ático desse horror, cito G o re V idal50 que no prefácio
à obra A invenção da heterossexualidade, de Jo n a th a n K atz, v aticina co n tra a P sicanáli
25
seus sem elhantes, identificam as pessoas com o indivíduos e não com o
participantes do rebanho.
Pois a Psicanálise, enqu anto exp eriên cia subjetiva, é, para L acan58, sustentada
pelo d esejo do psicanalista, que
■ A contribuição de Lacan
A fo nte de todos os p reco n ceito s relativos à hom ossexualidade pode ser lo ca li
zada no p oderoso m ito de que a relação sexual existe, de que existe relação entre
despatologização
faz da existência animal sobre a sua própria e acredita ver, na natureza animal, a ver
dade final de sua existência. Se, no mundo animal, é legítim o falar-se em m acho e fê
As Homossexualidades na Psicanálise '
mea, no mundo humano só se fala nesses term os nos casos em que se quer perpetuar
o m ito da relação sexual. É digno de nota que jam ais se lê, num texto de Psicanálise,
por exem plo, que um hom em heterossexual apresentava aversão ao sexo masculino,
da mesma maneira que se fala da aversão ao sexo fem inino dos homossexuais.
A palavra 'sexo' provém do latim secare, que significa cortar, dividir, separar. O
su jeito do in co n scien te não tem sexo, ele e o sexo - a divisão, o co rte — e, por isso
m esm o, a p o sição da h istérica relativa a um não saber sobre a sua própria posição
26
sexual interessa tan to à Psicanálise, pois ela revela o enigm a insolúvel ligado à
sexualidade e à diferença sexual. Q uand o Lacan escreve K para designar o sujeito
27
D e to d o m odo, nossa bússola sem pre foi e continuará sendo a obra de Freud:
sua pré-visão foi precisa. A o final dos "Três ensaios", ele assevera d iscretam ente
que, quanto mais ela for descrim inalizada - sim, porque, na ép oca, tratava-se de
um crim e, em diversos países do O cid e n te , co m o ainda o é em várias regiões do
planeta —, m ais a hom ossexualidade será uma op çã o de escolh a sexual para mais
sujeitos: "quando a inversão não é considerada um crim e, pode-se ver que resp o n
de cab alm en te às in clin ações sexuais de um núm ero não pequeno de indivíduos"65.
Foi isso que a cultura do sécu lo X X m ostrou ao ser atravessada de p onta a ponta
pela influência de sua obra.
Para encerrar, vale lem brar que a ética da diferença entronizada pela P sicaná
lise pode ser resumida na c o lo c a ç ã o feita por Freud, em uma de suas m agistrais
con ferên cias introdutórias à P sicanálise66:
A despatologização da homossexualidade
Gilda Paoliello
29
P or outro lado, a situação da m ulher na G récia era bastante peculiar. A m ulher
era inculta e bárbara, estan d o distante de tudo. Seu papel consistia em "servir e
calar a b o ca", segundo A ristótelesO ). D ev id o a esse status na socied ad e grega, d e
sejar uma m ulher era indigno de um hom em que tivesse um ideal de virilidade, já
que sua inferioridade cultural era m arcan te3.
critos, sem falar da hom ossexualidade. D a m esm a form a, alguns anos mais tarde,
P latão descreveu, em seu Pbaedrus, várias form as de d oenças m entais, sem qualquer
alusão às práticas hom ossexuais5.
D e aco rd o co m as m ais p re co c e s cla ssifica çõ e s psiqu iátricas, a prim eira
re fe rê n cia à h om ossexu alid ad e co m o d o e n ça o c o rre em trab alh os de C aeliu s
na h i s t ó r i a
A urelianus, no sécu lo V A .C . Aurelianus trad u ziu para o latim alguns trab alh os
de Soranus de Ephesus, que m en cion am a hom ossexu alid ad e co m o um a "aflição
m en tal", o co rre n d o tan to em h om en s c o m o em m u lh eres6.
As Homossexualidades na Psicanálise
30
à hom ossexualidade co m o prática abom inável7. Essa p o sição pôde ser ilustrada,
mais tarde, no tão citad o texto de S ão Paulo aos Rom anos: "co m eten d o a infâm ia
de hom em com hom em e receb en d o o ju sto salário de seu desregram ento"8.
Tam bém , a partir do século V, os grandes pensadores do ca to licism o , A g o sti
nho, Jerô n im o e Tom áz de A quino, m antiveram essa p osição, vinculando sexuali
dade e p rocriação, e co lo ca n d o 9,
N o século X II, o art. 48 do Código de Gengis K han'0 indicava a pena de m orte para
"os hom ens que tivessem com etid o sodom ia".
Em 1553, Portugal crim inalizou a sodom ia instalando a Inquisição e a reform a
do C ó d ig o Penal, baseada nas O rd en a ç õ es A fonsinas, com grande influência do
D ireito C an ô n ico . As O rd en a çõ es A fonsinas declaram que a sodom ia era o mais
lorpe, sujo e d esonesto pecad o ante D eus e o m undo, im pond o ao infrator que
losse queim ado até virar pó, para que não restasse m em ória de seu corp o e da
sepultura. A crim inalização da sodom ia foi estendida às colôn ias de Portugal,
inclusive o Brasil.
N esse m esm o ano, 155 3 , o rei H enriqu e V III da Inglaterra, por m eio do Bu-
t/gery Act, proclam ou co m o crim e todas as atividades sexuais não reprodutivas,
com o relações hom ossexuais, m asturbação, sexo oral e sexo a n a l".
N o final do sécu lo X IX , a R evolu ção Francesa p ro voco u a lterações no q u a
dro p o lítico e social da França, trazen d o, co m o co n seq ü ên cia , a d ecad ên cia da
nobreza e do clero , com a ascen são da burguesia. A partir dessas m udanças, da
influência do Ilum inism o, e regida p elo s p rincíp ios universais de Igualdade, L i
berdade e Fraternidade, em 1 7 9 1 , a Fran ça foi o prim eiro país no m undo a d escri-
m inalizar a 'pederastia', term o u tilizad o para as relaçõ es hom ossexuais na França.
Q u atro décadas mais tarde, em 1 8 3 0 , o Brasil situou-se co m o o segundo país a
descrim inalizar a 'sodom ia', por m eio de m udanças determ inadas pelo Novo Código
Penal do Império, a partir de d ecisões do im perador D . Pedro II. N a contram ão desse
cam inho, em 1860, a índia e Paquistão, colôn ias da Inglaterra, crim inalizam a
sodom ia, p osição que perdura até os tem pos atuais.
31
'abom inação' e denunciada pelas autoridades religiosas e legais, atraindo a pena
de m orte.
A inda na prim eira m etade do século X IX , em 1832, o inglês A lexand er M orri-
son pu blicou o tratado Physionom y o f mental disease. N a im possibilidade de substrato
an ato m o p ato ló g ico para esses quadros e na tentativa de docum entar a realidade
das fisionom ias da d oença m ental, o autor ilustrou a obra com 109 retratos de
pacien tes, referindo-se a nove com "características hom ossexuais". Foi esse um
dos prenú ncios da apropriação de uma m anifestação da sexualidade pela c iê n c ia 13.
Foi esse m esm o autor, A lexand er M orrison, que, em 1848, inaugurou o term o
'erotom ania', mais tarde retom ado por C léram bault, d escrevendo o "delírio de
insanidade am orosa"14.
E n contra-se, na segunda m etade do século X IX , um m om ento bastante especial
na Psiquiatria europeia, co m o observa E. S h o rter em A history o f psycbiatry: from
the era o f th e asylum to th e age o f prozac. A essa época, a m aioria dos psiquiatras
atuavam em asilos, onde os pacientes eram m antidos com o em cativeiros, sem
perspectivas de tratam ento efetivo. O s psiquiatras eram considerados pelas outras
especialidades m édicas um pouco mais que "'tutores', não m erecendo ser cham ados
m éd ico s"15. C ham a a atenção a fam iliaridade dessa situação, pois a Psiquiatria no
Brasil, até a década de 1 9 7 0 , não estava distante desse quadro.
W ilh elm G riesinger, en tão ch e fe do D ep artam en to de Psiquiatria da U n iv ersi
dade de Berlim, apareceu co m o um p rofeta da profissionalização de sua disciplina,
propond o uma verdadeira reform a psiquiátrica, ob jetivan d o mudar o status da
Psiquiatria. N o prefácio da prim eira ed ição do Arcjuivo alemão de psiquiatria e doenças
nervosas, escreveu: "A Psiquiatria necessita subm eter-se a uma tran sform ação em
sua relação com o resto da M ed icina". Q u e tran sform ação é essa proposta por
G riesinger? "Esta transform ação lo caliza-se principalm ente na co n sta ta çã o de se
os p acien tes cham ados de d oentes m entais são realm en te pessoas com transtornos
despatologização
d iagn ó stico e pela classificação das d oenças m entais invadiu a Psiquiatria. O utra
sem elhança inequívoca com nossos dias!
Foi nesse clim a reform ista e efervescen te que surgiram os trabalhos de Karl
U lrich , um im portante advogado alem ão, que, devido à sua declarada h om o sse
xualidade, foi dem itido de um im portante ca rg o p ú blico, tornand o-se o prim eiro
ativista g a y da história. Entre 1 8 6 4 e 1 8 6 8 , U lrich pu blicou sete panfletos afir
m ando que o am or de um hom em por outro é tão natural quanto o de um hom em
32
por uma mulher, criand o o term o 'uranism o', para designar esse sen tim ento que,
segundo ele, eqüivaleria a uma "alma de m ulher em corp o de hom em " e vice-versa.
Ele esperava, com sua obra, provocar um d ebate sobre a hom ossexualidade e c o n
seguir, esp ecialm ente, no m eio m éd ico, apoio para suas ideias18.
■ A patologização da homossexualidade
R ealm ente, a p rovocação foi ouvida: co in cid en tem en te ou não, o em in ente
professor da U niversidade de Berlim e tam bém ed itor do já citad o Arquivo âe Psi
quiatria, Karl W estphal, publicou dois estudos de caso de um hom em e uma m ulher
que sofriam de atração sexual por pessoas do m esm o sexo. D en tro do espírito da
ép oca de se criarem novos diagnósticos e classificações, W estphal desenvolveu
um novo d iagn ó stico , o "contrãre sexualempfinâmçl" (sentim ento sexual con trário),
considerando esse sen tim ento co n g ê n ito e não um costu m e co n tra a natureza,
e critican d o as leis con tra as práticas hom ossexuais. D essa form a, foi possível
consid erar W estphal co m o autor do prim eiro estudo m éd ico sistem atizado sobre
a hom ossexualidad e19.
Apesar de abordar o tem a de form a cuidadosa e delicada, bem distante do que
faziam seus colegas da ép oca, que considevam os hom ossexuais devassos ou c ri
m inosos, as con clu sõ es de W estphal tinham um lado perigoso: afirmavam que as
pessoas que apresentavam esse tip o de sen tim ento sexual traziam , quase sem pre,
associações de outras d oenças m entais, form alizando, decisivam ente, a p a to lo g i
zação da hom ossexualidad e20. O term o ‘contrary sexual Jeelinij' foi traduzido para o
inglês co m o 'sexual inversion (inversão sexual) e, dessa form a, a hom ossexualidade
e a ideia de que esta era um tran storno co n g ê n ito perm aneceram até o in ício do
século X X , co m o verem os.
E n tretanto, o d eslocam en to do c o n c e ito da hom ossexualidade de crim e para
d oença não im pediu que, em 1871, a A lem anha crim inalizasse a hom ossexualida
de, com o fam oso e p olêm ico parágrafo 175 do C ó d ig o C rim inal, que som ente
viria a ser elim inado em 1994.
O m ovim en to an ti-h o m o fó b ico cresceu e, em 1 8 6 9, o jo rn alista, escrito r e
ativista dos direitos hum anos austro-húngaro K arl-M aria K e rtb en y criou o term o
'hom ossexual', em substituição a 'pederasta'. Em 1 8 9 7 , M agnus H irsch feld , m éd i
co alem ão e hom ossexual assumido, fundou, ju n to de Eduard O b e rg , M ax Sp o h r
e Franz Jo s e f von Bülow, o Wissenschaft-Humanitaires Komitee (C o m itê C ien tífico-
-H u m anitário), co m o o b je tiv o de d efend er os direitos dos hom ossexuais e rev o
gar o parágrafo 175 da lei alem ã. Lançaram Sappho unâ Sokrates oâer Wie erklãrt sich
die Liebe âer Münner unâ Frauen zu Personen âes eigenen Geschlechts? (S a fo e Sócrates ou
com o explicar o am or de hom ens e m ulheres por pessoas do seu m esm o sexo?),
o b jetivand o explicar, cien tificam en te, a hom ossexualidade co m o algo natural21.
Em 1883, o psiquiatra alem ão E. K raepelin , consid erad o o fundador da P si
quiatria m oderna, lançou a prim eira ed içã o de seu Trataâo âe Psiquiatria, d escreven
do o “contrãn sexualempfindung" en tre os "estados de fraqueza p sicop atológica". N as
sete ed ições seguintes, há tran sferên cias da hom ossexualidade para várias outras
categorias nosológicas: na segunda ed ição, em 1887, é situada co m o "d esen v ol
vim ento sexual anormal",- na quinta ed ição, em 1896, apareceu co m o "insanidade
degenerativa",- enqu anto nas sétim a e oitava ed ições (1 9 0 9 / 1 9 1 5 ), foi descrita
co m o "co n d ição m ental de co n stitu içã o original"22.
Em 1886 , foi fundada, nos Estados U n id os, a Association o f M edicai Superintendence
o f American Institution fo r the Insane, que se transform ou, em 1 8 9 2 , na American M edic-
-Psychological Association, que deu origem , em 1 9 2 1 , à poderosa American Psychiatric
Association (APA). D esd e a fundação, essas associações se preocupam em classificar
as d oenças m entais, incluindo, lo g o de início, a hom ossexualidade co m o d oença
sexual23.
Em 1892, o professor R ich ard V on K rafft-E b ing , presidente da Sociedade de Neu
rologia e Psiquiatria de Viena e consid erad o o fundador da 'sexologia', apresentou sua
Psychopathia Sexualis, cu nhand o os term os 'sadismo' e 'm asoquism o' e d escrevend o-
-os co m o uma "sujeição sexual". Essa obra é apresentada por E lisabeth R oudines-
co , em seu Dicionário de Psicanálise24 co m o um "catálog o sofisticado do qual Freud
pegou varias n o çõ es e que o M arques de Sade não teria desaprovado ". R ealm ente,
E bin g foi citad o por Freud em 12 de seus textos, principalm ente co m o referência
em seus estudos sobre a bissexualidade humana, apesar de E bin g com en tar que as
con clu sõ es de Freud sobre a sexualidade soavam "co m o um co n to de fadas c ie n tí
fico", co m o se lam entou Freud em seu te x to de 1 9 1 4 , “Fluctuatis nec mergitur"25. Em
Psychopathia sexualis, E bin g ad otou o term o 'hom ossexual', cunhado por K ertbeny,
popularizando-o nas com unidades científicas e m édicas. E n tretanto , ao contrário
desse últim o, E bing classificou a hom ossexualidade entre as anom alias do instin to
de reprodução da esp écie (anomalien dergeschlechtstrieb), con sid eran d o-a uma d eg e
neração e situando o p roblem a em referência à p ro criação, tom ada co m o norma
despatologização
estudos de Freud e pelo am plo co n ta to com hom ossexuais, tanto em sua clín ica
privada co m o em suas atividades co m o psiquiatra forense, o autor alterou o term o
na h . s t ó r i a
'anom alia sexual' para d iferen ciação, con clu in d o, con trariam en te ao pensam ento
da ép oca, que a hom ossexualidade não podia ser generalizada co m o d oença m en
1 As Homossexualidades na Psicanálise
tal ou perversão27.
Enquanto Ebing desenvolvia, na Áustria, seus estudos sobre a sexualidade, na
Inglaterra, em 1 8 9 7 o m édico H avelock Ellis publicou a obra Sexual Inversion, na qual
discorreu que a "hom ossexualidade é con gênita e, portanto, natural". A expressão
logo se difundiu devido à repercussão da obra, primeira publicação científica sobre o
tem a em língua inglesa, apesar de ter sido publicada originalm ente em alem ão, tanto
por ser a língua de referência nas ciências, à época, co m o por ter sido, de início,
34
proibida sua publicação na Inglaterra, o que aum entou ainda mais sua popularidade.
C o lo can d o em xeque a teoria da degenerescência, Ellis criticou a crim inilização
da hom ossexualidade, responsabilizando essa posição do Estado por inúmeros
suicídios. As ideias de Ellis tiveram enorm e repercussão, sendo considerado um
'livro maldito', inclusive com seu editor condenado nos Estados U n id os28. Ellis foi
citado por Freud em 17 de seus textos com o um estudioso da sexualidade, apesar
de ser um crítico ferrenho das ideias de Freud, considerando que "Psicanálise não é
ciência, mas produção artística" com o Freud assinala em seu te x to de 1 9 2 0 , "U m a
nota sobre a pré-história da técnica da análise"29. N o período de 1 8 9 7 a 1928, Ellis
publicou, em sete volumes, seus Estudos sobre a psicopatoloç/ia do sexo, no qual diferencia
hom ossexualism o de travestismo, em uma tentativa de salvar da crim inalização os
travestis perseguidos30.
■ 1 8 9 6 - A era Freud
Foi a partir das observações clínicas da im portância dos fatores sexuais na origem
das neuroses e, mais tarde, das 'psiconeuroses1, que Freud partiu para a investigação
geral da sexualidade, desde o início da década de 1890, com o com enta o editor
inglês nas notas introdutórias aos "Três ensaios"31.
N a Carta 52 a Fliess, de 1 8 9 6 , ele fez referên cia às zonas erógenas, passíveis de
serem estim uladas na infância e, mais tarde, sufocadas pelo recalqu e, e seus v ín cu
los com as perversões, fazend o tam bém m en ção à bissexualidad e. N o Rascunho K ,
daquele m esm o ano, surgiu uma discussão sobre as forças recalcad oras, o asco, a
vergonha e a m oral, já m ostrando, en tão, que a sexualidade hum ana é tocad a pela
cultura, não sendo fruto (apenas) da natureza.
E m bora tantos elem en tos da teoria de Freud sobre a sexualidade já estivessem
em sua m ente por volta de 1 8 9 6 , sua pedra angular ainda estava por ser d esco b er
ta. Foi som ente no verão de 1 8 9 7 , quando Freud se viu forçad o a abandonar sua
teoria da sedução, re co n h e ce n d o que as m o çõ es sexuais atuavam p reco cem en te
nas crianças, sem necessidade de estim u lação externa (do adulto) e sua d escoberta
quase sim ultânea do com p lexo de Édipo, a partir de sua autoanálise, que sua te o
ria sexual se com p leto u , apesar d ele próprio levar alguns anos para assim ilar por
inteiro sua própria d escoberta.
Som en te 2 anos após, prestes a lançar A interpretação dos sonhos, que Freud e scre
ve a Fliess, em 11 de outubro de 1 8 9 9 (C a rta 121): "é possível que uma teoria da
sexualidade seja a sucessora im ediata do livro dos sonhos". Em 2 6 de ja n eiro de
1900, escreveu a Fliess, na C arta 128: "estou co lh en d o m aterial para a teoria sexual
e esperando que alguma cen telh a inflam e o m aterial já acumulado".
M as essa cen telh a som ente se m anifestou anos mais tarde, perm itindo o sur
gim ento, em 1905, dos "Três ensaios sob re a teoria da sexualidade"32, nos quais
Freud esclareceu que não há uma sexualidade hum ana determ inada, sendo ela
sem pre polim orfa, e m ostrou que a hom ossexualidade é uma de suas nuances.
Sustentou essa p osição partindo do com p lexo de Édipo, fundado sobre a b isse
xualidade original, co m o referên cia cen tral a partir da qual a cham ada "escolha
de o b je to " vai se constituir. N a ed ição de 1 9 1 5 , acrescen tou uma longa nota de
rodapé, que, pela força e clareza, m erece ser citad a33:
Interessante notar que, na prim eira edição, de 1 9 0 5 , dos "Três ensaios", Freud
usou o term o 'inversão sexual'. E n tretan to , na ed ição de 1 9 1 5 , ele o substitui por
hom ossexualidade, provavelm ente para se d istanciar das conclu sões de W estphal
de que a hom ossexualidade seja co n g ê n ita 34. C o m o as ideias de Freud vieram a
dom inar a Psiquiatria do sécu lo X X , o term o 'hom ossexual' consagrou-se, substi
tuindo o 'invertido'.
C o eren te com suas ideias, Freud utilizou seus argum entos teóricos para impedir,
na vida cotidiana, "com o m áxim o de decisão, que se destaquem os hom ossexuais,
co locan d o-os com o um grupo à parte do resto da humanidade, com o possuidores
de características especiais ou doentes", com o enfatiza nos "Três ensaios"35. Em vá
rias situações isso veio a público, com o, por exem plo, pronunciando-se em 1903, a
um jo rnal vienense, sobre um escândalo envolvendo práticas hom ossexuais36:
36
Sua pergunta, estimado Ernest, sobre a possibilidade de filiação dos h o
mossexuais à Sociedade, foi avaliada por nós e não concordam os com
você. Com efeito, não podemos excluir estas pessoas sem outras razões
suficientes (...) em tais casos, a decisão dependerá de uma minuciosa
análise de outras qualidades do candidato.
M ais tarde, encontra-se essa mesma firme con v icção , quando, em 1935, respon
deu a uma mãe am ericana que solicitava orientações sobre seu filho hom ossexual38:
C o m o a co n tece a tod os que estão além de seu tem p o, Freud não passou im
pune e sofre as conseq ü ências pela divulgação de suas ideias. Ele foi duram ente
criticad o e ridicularizado pelos próprios colegas, co m o relatou em "Fluctuat nec
mergitur", tex to de 1 9 1 4 39:
■ Os pós-freudianos
C o m o cham a a aten ção Paulo R. C e c c a re lli, em seu te x to "A invenção da h o
mossexualidade", a p osição freudiana em relação à hom ossexualidade não obteve
consenso entre os analistas pós-freudianos, ch eg an d o m esm o a p rovocar polêm ica
entre a Socied ad e Psicanalítica de V iena e a de Berlim. O s últim os, dirigidos por
Abraham , consideravam que os hom ossexuais eram incapazes de exercer a profis
são de analista, pois a análise não os "curaria" da "inversão" que sofrem . A S o c ie
dade de V iena, apoiada em Freud, tin h a uma op inião to talm en te contrária, com o
visto na carta de Freud a Jo n e s , já citada. A própria Anna Freud, filha e herdeira
intelectual da obra de Freud, m ostrou -se contrária à prática da Psicanálise por
hom ossexuais que, considerava, deveriam ser tratados. P onto de vista sem elhante
foi d efend ido pela escola kleiniana40.
Em 1 9 1 9 , o psiquiatra e psicanalista am ericano Edward K em pf descreveu um
quadro resultante de con flito in co n scien te, envolvendo a identidade sexual, o
d esejo e a p ro ib ição social. O bserv o u esses sintom as em soldados e m arinheiros
acom panhad os por ele, co m o m éd ico m ilitar durante a Prim eira G uerra M undial,
e o nom eou 'pânico hom ossexual'. Foi esse o prim eiro uso da palavra 'h o m osse
xual' em classificação oficial internacional.
A história do m ovim en to da d esp atolog ização da hom ossexualidade m ostra
que a força e a sustentabilidade das ideias de Freud, influenciando outras áreas,
co m o a m edicina, psicologia, an trop olog ia e a p o lítica de direitos hum anos, foram
fundam entais para um d esfech o positivo desse m ovim ento.
A influência do Nazismo
N o períod o de 1926, com a chegad a dos nazistas ao poder na A lem anha, até
1 9 4 9 , co m o final da Segunda G uerra M undial, as ideias h om o fó b icas se a c e n
tuaram en orm en te na Europa, com con seq ü en tes retro cessos para os m ovim entos
inclusivos das diferenças, en tre estes a d esp atolo g ização da hom ossexualidade. A
v o tação proposta por um co m itê R eich stag para ca n cela r o fam igerado Parágrafo
175 das leis alem ãs que crim inalizavam a prática hom ossexual foi can celad a. Além
da prisão, a sen ten ça era a esterilização, em geral pela castração, ampliada por
H itle r para a m orte em 1942.
Em 1 9 3 0 , co e re n te com suas ideias, Freud assinou uma p etição pela descrim i-
nalização da hom ossexualidade. Enquanto, em 1 9 3 3 , a D in am arca discrim inaliza-
va a hom ossexualidade, em 1 9 3 6 a Rússia a crim inaliza. Em 1 9 37 , um triângulo
rosa foi im posto aos hom ossexuais nos cam pos de co n cen tra çã o . A eles eram
dadas as piores tarefas, além de serem alvos de ataque de outros prisioneiros e
dos guardas das prisões. A estim ativa de assassinatos de hom ossexuais durante
o regim e nazista foi além de 100 mil. Q u an d o a guerra term inou, prisioneiros
hom ossexuais perm aneceram encarcerad aos, já que o Parágrafo 175 ainda era lei
vig en te na A lem anha O cid e n ta l até sua revogação apenas em 1994.
40
i
doença. E ntrevistand o psiquiatras favoráveis e con tra a questão da hom ossexu ali
dade ser patologia, o co m itê con clu i, em 1973, por recom end ar à APA a retirada
do diagnóstico de hom ossexualidade per se do D S M 49.
N o con gresso da APA, de m aio de 1 9 7 3 , em H onolulu, aco n teceu um sim
pósio com o títu lo de Sbould homosexuality be in APA Nomenclature?, no qual R ob ert
S to ller faz uma co n ferên cia intitulada "H om ossexualidade é um diagnóstico?".
U sando co m o referên cia as coord enad as que um quadro deve p reen ch er para ter
credibilidade d iagnostica, tais co m o co n ju n to de sintom as e sinais p a to ló g ico s
apresentados por um grupo e ser visível ao observador, S to lle r apontou:
• hom ossexualidade é som ente uma preferên cia sexual, en tre várias em nossa
sociedade,-
• diferentes pessoas com suas preferencias sexuais têm d iferentes psicodinâ-
m icas sob seu com p ortam en to sexual,-
• as d iferen tes ex p e riên cia s de vida p ro v ocam essas d inâm icas e
com portam entos,-
• um co m p o rta m e n to h om ossexu al é uma variável,- não há um a
hom ossexualidade.
Após d iscorrer sobre esses argum entos, conclu iu que a hom ossexualidade não
preenchia critério s d iagnósticos e devia ser rem ovida da nom enclatu ra50.
Após revisões e aprovações por vários com itês internos, em 15 de d ezem bro
de 1973, a APA organizou uma v o ta çã o con clu in d o p o r suprim ir a h om osse
xualidade das categorias de d oenças m entais. Entre 15 m em bros da direção,
1 3 pronunciam -se favoravelm ente. D urante os 1 anos seguintes, outras grandes
instituições de saúde m ental, co m o a APA, th e National Association o f Social Workers
e a Association fo r Advancement o f Behavior Tberapy, endossaram a decisão da APA51.
E n tretanto, a d ecisão foi con testad a por m uitos psiquiatras, inclusive p sica
nalistas, que exigiam sua anulação ou a realização de um referendo. Entre esses,
estava C h arles Socarid es, organizad or do Ad H oc Committee Against the Deletion o f
Homosexuality from D SM -II, que sen ten cio u 52:
For tbe next 1 8 years, tbe APA decision served as a Trojan borse, opening the gates to
widespread psychological and social cbange in sexual customs and mores. The decision
ivas to be used on numerous occasionsfor numerous purposes with the goal of normal-
izing homosexuality and elevating it to an esteemed status.
Em abril de 1974, um referendo interno prom ovido pela APA aprovou, com
5 8 % dos votos, a d ecisão da d ireção em retirar a hom ossexualidade da lista de
doenças m entais tom ada no ano anterior. Em seguida ao referen do, a APA p ro
moveu um m ovim en to am plo de p ro te çã o aos direitos civis dos hom ossexuais no
trabalho, alojam entos, rep artições públicas e licen ciam en tos, repudiando qual
quer tip o de lei d iscrim inatória53.
41
Essa d ecisão não representou uma conqu ista apenas para os hom ossexuais, mas
para o respeito aos direitos hum anos e m uito tam bém para a própria Psiquiatria
co m o ciên cia , pois a hom ossexualidade co m o patologia nunca foi sustentada por
argum entos m édicos. Esse é um a co n tecim en to exem plar, m ostrando o risco da
ciên cia se prestar a determ inar norm as morais.
M uitos psiquiatras das décadas passadas se ocuparam em descrever sobre quais
forças realm ente pesaram, tanto dentro quanto fora da APA, para rem over a h om os
sexualidade do manual d iagnóstico de doenças m entais. Em seu livro Homosexuality
and American psycbiatry■. th e politics o f diagnosis54, Dr. Ronald Bayer, um psiquiatra
a favor da despatologização, reforçou a im portância do ativismo g a y desde a pri
m eira invasão ao congresso da APA, em San Francisco, em 1970, seguido pelo de
1971, co m o já descrito. Ele conclu iu que a conquista da rem oção do diagnóstico
de hom ossexualidade foi o resultado de forças políticas, am eaças e intim idações
aos psiquiatras am ericanos pelo m ovim ento g a y e não uma m anifestação científica.
E ntretan to , avalia-se que, som ado ao ativism o g a y e a to d o o m ovim en to pró-
direitos hum anos surgidos no pós-guerra, m uito pesou a falta de em basam ento
cien tífico para a sustentação desse d iagn óstico, co m o as pesquisas epid em iológi-
cas de K in sey e H o o k e e os trabalh os clín ico s de S to lle r e S p itz er dem onstraram .
O in ício da reform a psiquiátrica nos Estados U n id os, na década de 1 9 6 0 , b u scan
do critério s m éd icos para os d iagnósticos psiquiátricos, possivelm ente tam bém
c o lo co u em xeque a fragilidade n oso ló g ica desse quadro. Interessante observar
co m o a história, m esm o em relação aos d iag nósticos m éd icos, p retensam ente tão
o b jetivad os, dá voltas, podend o se desconstruir! C o m o visto, na evolução h istó
rica do c o n c e ito de hom ossexualidade co m o d oen ça, foi ju stam en te pela n e ces
sidade de fazer crescer a noso lo g ia psiquiátrica, no final do século X IX , para dar
bases científicas à Psiquiatria, que esse d iag n ó stico foi constitu ído. M en os de cem
anos depois, ele teve sua d escontru ção fortalecid a por essa m esm a necessidade de
despatologização
re co n h e cim e n to da Psiquiatria. Além disso, con clu são nossa, não é possível deixar
de con sid erar que, desde o final dos anos 1 9 5 0 , com a d esco berta dos prim eiros
psicofárm acos, clorprom azin a e im ipram ina, a Psiquiatria passou a ser um cam po
de intenso interesse da indústria farm acêutica. Esta passou a ter força im ensurá
óe sua
hom ossexualidade co m o d oença, da m esm a form a que aco n teceu com a histeria e
outros quadros considerados apenas subjetivos.
■ Homossexualidade pós-DSM-ll
A pós a d ecisão de se exclu ir a hom ossexualidade co m o d iagnóstico do D S M -II,
em suas ed ições posteriores há uma nota re co lo ca n d o o d iag n ó stico com a c a te g o
42
ria de "Transtorno de orien tação sexual", com a exp licação de que essa categ oria
se distingue da hom ossexualidade, que não pode ser consid erad a d oença per se. N o
D S M —III, de 1980, há o d iag n ó stico "Transtornos psicossexuais", inclu ind o a c a te
goria de "H om ossexualidade eg o-d istôn ica", en tre "O u tros transtornos p sicosse
xuais". Essa categ oria foi rem ovida em 1 9 8 7 , com o lançam en to do D S M -III-R e o
d iagnóstico de "Transtornos psicossexuais" m odificado para "Transtornos sexuais",
com um subtítulo de "Transtorno sexual sem outras esp ecificações". N o D S M -IV ,
publicado em 1994, mais uma vez a categ oria foi renom eada para "Transtornos
sexuais de g ênero e identidade", m antend o a classe de "T ranstorno sexual sem
outras esp ecificações". Essa classificação foi m antida na últim a revisão em 2 0 0 0 ,
resultando no D S M -IV -T R , ainda em vig or55.
Enquanto a Psiquiatria am ericana avançava e se posicionava, co lo ca n d o a
hom ossexualidade ao lado da h e tero co m o uma das vicissitudes da sexualidade
humana, a O M S retroced ia. Em sua nona revisão, de 1 9 7 5 , quando nos Estados
U nid os já havia caíd o o d iagnóstico de hom ossexualidade co m o d oença, a C lassi
ficação Internacional de D o en ças m anteve a hom ossexualidade na categ oria "D e s
vios e T ranstornos Sexuais", na subcategoria "H om ossexualism o" (có d ig o 3 0 2 .0 )56.
Som en te em 17 de m arço de 1 9 9 0 , a A ssem bleia M undial de Saúde, órgão m á
xim o d ecisório da O M S , acordou, em sua décim a revisão da C ID , que resultou na
C ID -1 0 , publicada em 199 2 , que "a o rien tação sexual (heterossexu al, bissexual e
hom ossexual) por si m esm a não deve ser vista co m o um tran storn o57. O dia 17 de
m arço passou, en tão, a ser consid erad o o "D ia Intern acional co n tra a hom ofobia".
Em 1982, Portugal d escrim inalizou a hom ossexualidade, enqu anto, em 1993
a Rússia revogou o art. 121° do C ó d ig o Penal, que crim inalizava o sexo anal e n
tre hom ens. Finalm ente, em 1 9 9 4 , a A lem anha d escrim inalizou relacion am entos
sexuais entre pessoas do m esm o sexo, can celan d o o tão d anoso Parágrafo 175
de seu C ó d ig o Penal. Em 1 9 9 5 , a A ssociação Jap o n esa de Psiquiatria deixou de
consid erar a hom ossexualidade um distúrbio m ental.
p sicologia e pela cultura na qual o indivíduo vive, por sua relação com os outros
e por experiên cias evolutivas durante todo o c ic lo da vida"62. Esses autores psi
quiatras consideram "freudianam ente" que a sexualidade e a personalidade estão
de sua
44
as características com portamentais de gays e lésbicas são tão variadas
quanto as de heterossexuais. Ambos os grupos praticam as mesmas
atividades sexuais, com as óbvias diferenças impostas pela anatomia.
■ Conclusões
As instâncias norm atizadoras, co m o ju stiça, religiões e ciên cias tentaram ,
durante séculos, e stab elecer padrões em relação à sexualidade hum ana que, entre -
tando, sem pre escap ou a toda e qualquer ten tativa de norm atização.
P or outro lado, é im portan te lem brar que as teorias d iagnosticas são co n stru
ções que não se isolam dos co n te x to s culturais e p o líticos nos quais são form ula
das. Tem as co m o este, sob re a p ato lo g ização da hom ossexualidade, alertam -nos
sob re co m o uma característica hum ana pode ser equivocad am ente apropriada pela
m edicina, revelando co m o a p o sição norm ativa da ciên cia é perigosa e o quanto
esta, tão pretensam ente o b jetiv a e apolítica, pode ser danosam ente m oralista.
A sexualidade humana se desenvolve pelas mesmas identificações que estruturam
o psiquismo. Aquilo que nos torna humanos, desejantes, a troca do instinto pela pul
são, provoca a perda de uma bula b iológica, deixando-nos à deriva. D essa forma, a
sexualidade humana é um cais m eio erm o e ficamos sem um lugar certo para ancorar
o desejo, nossa agonia e êxtase. Cada um constrói seu porto com o pode.
de sua d e s p a f o i o g i z a ç ã o
na h i s t e r i a
As Homossexualidades na Psicanálise
46
CAPÍTULO 3
A história da homossexualidade
e a Psicanálise organizada
Jack Drescher1
■ Introdução
m 2 0 0 6 , a American A cadem y o f Psychoanalysis and D ynam ic P sy cbiatry (A AP-
47
d esenvolvid as em relaçã o à hom ossexu alid ad e d en tro da P sicanálise organ izad a,
in ician d o por uma d iscussão dos p o n to s de vista de Freud sob re a h o m o ssex u a
lidade no c o n te x to h istó rico e c o n c lu in d o com o estado presen te da questão.
■ Teorias da etiologia
Q u alqu er história das atitudes psicanalíticas em relação à hom ossexualidade
está intim am ente associada à m aneira com o a 'etiologia' da hom ossexualidade é
teorizada. Biológicas, am bientais ou psicológicas, as teorias etio ló g ica s g eralm en
te se inserem em três amplas categ orias45:
1. teorias da variação norm al que tratam a hom ossexualidade co m o um fe n ô
m eno que o co rre naturalmente,- indivíduos hom ossexuais nascem d iferen
tes, mas naturais, co m o pessoas canhotas. N a cultura con tem p orân ea, essa
teoria sustenta a cren ça de que as pessoas 'nascem gays';
2. teorias da p ato lo g ia tratam a hom ossexualidad e adulta co m o uma d oença,
uma co n d içã o que desvia do d esenvolv im ento heterossexual 'norm al'.
C o m p o rtam en to ou sen tim en to s de g ên ero atíp ico são sintom as de d o
en ça. Essas teorias sustentam que um ag en te p a to ló g ico exte rn o causa a
hom ossexualidad e e que tais agentes podem agir antes ou d epois do nas
cim en to (ex p o siçã o horm on al intrauterina, cuidados m aternos excessivos,
cuidados paternos inadequados ou h ostis, abuso sexual e desordem da
identid ade de gênero),-
4. teorias da im aturidade dizem respeito aos aspectos da hom ossexualidade
na tenra idade, com o um passo norm al para a heterossexualidade adulta.
Idealm ente, a hom ossexualidade é uma fase passageira para ser superada,-
co m o uma 'interrupção do desenvolvim ento', a hom ossexualidade do adulto
revela um crescim en to atrofiado.
Ele m anifestou esses sen tim entos, no final de sua vida, em sua h o je fam osa
"C arta a uma M ãe A m ericana"17:
49
A homossexualidade, certam ente, não é uma vantagem,- mas não é nada
do que se envergonhar, não é vício, não é degradação,- não pode ser
classificada com o uma doença. Consideramos que seja uma variação
da função sexual, produzida por uma certa interrupção no desenvolvi
mento sexual... Ao perguntar-me se posso ajudar, você quer dizer, eu
suponho, se eu posso abolir a homossexualidade e fazer com que a h e
terossexualidade normal ocupe o seu lugar. A resposta é, de modo geral,
que não podemos prom eter alcançar este resultado. Em certo número
de casos, tivemos sucesso em desenvolver os germes malogrados das
tendências heterossexuais que estão presentes em todos os hom osse
xuais; mas na maioria dos casos isso não é mais possível.
Freud foi to leran te para sua época. Assinou uma p etição, em 1 9 3 0 , para des-
crim inalizar a hom ossexualidad e18. N o en tan to , em bora ele não consid erasse a
hom ossexualidade uma d oença, sua teoria não con stitu ía exatam en te um atestado
de saúde - cham ar alguém de im aturo, ao invés de d oen te, não é tão ofen sivo, mas
nenhum a das d en om inações é p articularm ente respeitosa. Freud tam p ouco e sc o n
deu seu desprezo pelas teorias do terceiro sexo, norm alizantes, do m ovim ento
h om ófilo germ ânico {gay rights) de sua é p o c a 19:
■ Os patologizadores neofreudianos
O desprezo de Freud pelas teorias de n orm alização da hom ossexualidade seria
ad otad o p elo m ovim en to organizad o que ele fundou. N o entanto , os praticantes
da P sicanálise de m eados do sécu lo X X basearam sua abordagem clín ica da h o
m ossexualidade na obra de San d or R ado20, que sustentou que a teoria de Freud
sobre a bissexualidade inata fora um erro, que não havia tal coisa co m o a h o m o s
sexualidade norm al e que a heterossexualidade era a norm a b iológ ica.
N a teoria de Rado, a hom ossexualidade adulta era uma evitação fó b ica da
heterossexualidade causada por cuidados parentais que, desde o in ício , apresen
50
taram -se co m o inadequados. O s adeptos de sua teoria incluíam B ieber21 e outros,
que consideravam "a hom ossexualidade com o uma patologia b ioso cial, c o n s e
qüência da ad aptação psicossexual de m edos difusos que envolvem a expressão
de impulsos heterossexuais". S ocarid es22 discordou de Freud e teo rizo u um m e ca
nism o in co n scien te neu ró tico, que levava à hom ossexualidade. O v e sey 23 afirmou
que a hom ossexualidade é "uma form a desviante de ad aptação sexual na qual o
pacien te foi forçad o através da in jeçã o de m edo na função sexual norm al". Essas
teorias pós-freudianas tiveram im pacto significativo no pensam ento psiquiátrico
de m eados do sécu lo X X e fizeram parte da argum entação para a inclusão de um
d iagnóstico de 'hom ossexualidade', tanto na prim eira (1 9 5 2 ) quanto na segunda
(1 9 6 8 ) edição do Diagnostic and Statistícal M anual (D S M )24. A ad oção dessas teorias
tam bém significava que hom ens e m ulheres assum idam ente g ay s eram con sid era
dos inelegíveis para fazerem form ação em Psicanálise ou em qualquer das profis
sões de saúde m ental que fossem dom inadas pelo pensam ento p sican alítico25'28.
■ Dissidentes da Psicanálise
Enquanto a m aioria dos psicanalistas am ericanos e todas suas organizações
profissionais sustentaram que a hom ossexualidade era uma co n d içã o patológica,
houve dissidentes proem inentes. O mais im portante era Ju d d M arm or, cu ja p ri
meira con trib u ição para os debates psiquiátricos iniciais sobre a hom ossexualida
de foi Sexual inversion29. Lá, ele "tentou reunir inform ações relevantes de tod os os
setores da com plexid ad e da [hom ossexualidade] - história, zo o lo g ia com parada,
g en ética, en d ocrin olog ia, sociolog ia, antrop ologia, d ireito, psicologia, psiquiatria
psicanalítica"30. M arm or não era avesso a ventilar visões das quais discordava,- o
volum e incluía co n trib u içõ es de Rado, B ieber e O vesey. Ele afirmou que a questão
fundam ental levantada pelo status d iag n ó stico da hom ossexualidade não era m éd i
ca nem sem ântica, mas m oral31.
O u tro dissidente p sican alítico foi T h o m a s Szasz. Em The myth ojm en tal illness12,
ele critico u profissionais de saúde m ental em geral por rotularem m uitos com p or
tam entos não con v en cio n ais co m o sinais de d oença. Ele argum entou que a d oença
m ental era uma m etáfora e não uma d oen ça real, co m o uma in fe cçã o viral ou uma
perna quebrada. Szasz acusou seus co leg as psiquiatras de, ao invés de praticar
m edicina, usar d iagnósticos co m o uma form a de aum entar seu próprio poder e
influência. C o m o porta-voz do m ovim en to da antipsiquiatria', ele repreendeu os
psiquiatras por diagnosticarem não apenas a hom ossexualidad e33, com o tam bém
outros "d iagnósticos" com o "abuso de substâncias"34.
R o b ert S to lle r35, um psicanalista cu jo trab alh o clín ico e escrito s incluem o
estudo de pacien tes transexuais e intersexuais, introduziu c o n c e ito s da sexologia
na literatura analítica. O mais im portan te foi sua im portação do c o n c e ito de Jo h n
M o n e y 36 de uma "identidade de gên ero" d istinta de uma "o rien tação sexual". As
co n trib u içõ es teóricas de S to ller iriam solapar ainda mais as teorias analíticas tra
51
dicionais sobre hom ossexualidade que, norm alm ente, confundiam identidade de
gênero e orien tação sexual.
■ Ossexólogos
Enquanto uma psiquiatria psicanaliticam en te dom inada estava tentand o 'curar'
a hom ossexualidade, os pesquisadores da sexologia de m eados do sécu lo X X te n
tavam dar sen tid o ao com p ortam en to sexual hum ano da população em geral. A n a
listas tiravam con clu sõ es a partir de um grupo autosselecionado (p acientes que
procuram tratam en to para sua hom ossexualidade) e escreviam suas 'd escobertas'
co m o relatos de casos. S e x ó lo g o s, por outro lado, foram a cam po e recrutaram um
grande núm ero de sujeitos não p acien tes para os estudos. A o fim, suas pesquisas
deram apoio a uma visão de que a hom ossexualidade, assim com o a h eterossexu a
lidade, deveria ser considerada uma variação norm al da expressão sexual humana.
O s m ais p ro em in e n te s d en tre os estud os s e x o ló g ic o s foram Sexual behavior
in the human male37 e Sexual behavior in the human jem ale38, am b os de A lfred K insey.
K in sey p esqu isou m ilh ares de p essoas e d esco b riu que a h om o ssex u alid ad e era
m ais com u m na p o p u la çã o em geral do que co m u m e n te se acred itav a, apesar
de sua, agora fam osa, e sta tís tic a de "1 0 % " a cre d ita r-se esta r p ró xim a de 1 a
4 % 39. As d esco b e rta s de K in se y d iscordaram fo rte m e n te das v isõ es p siq u iá tri
cas d o m in an tes, que p ro clam avam que a h o m o ssex u a lid a d e era rara. Em 1 9 5 1 ,
o estu d o tran scu ltu ral e e to ló g ic o de Ford e B ea ch , Patterns o f sexual behavior40,
d efen d eu a p o siçã o de K in se y de que a h om o ssex u alid ad e não era rara e de
que o co rria na natu reza. A p sicó lo g a E vely n H o o k e r41 d em on stro u , p o r m eio
de te ste s p ro je tiv o s in te rp re ta d o s im p a rcia lm en te, que, ao c o n trá rio do que
p re v ale cia na te o ria p sica n a lítica da é p o ca , um grupo de h o m en s h o m o s s e
xuais, que não eram p a c ie n te s, não m ostravam m ais p sic o p a to lo g ia do que os
de sua d e s p a t a l s i j i z a ç à o
52
diência psiquiátrica, o estigm a causado p elo diagnóstico psiquiátrico. N a reunião
de 197 2, o psiquiatra Jo h n Fryer se uniu aos ativistas e apareceu co m o "Dr. H .
A nonym ous", vestind o uma m áscara de b orracha, uma peruca assustadora e um
smoking acim a do seu tam anho. Fryer, usando um m icrofon e que disfarçava a voz,
disse à sua audiência o que era ser um psiquiatra g a y enrustido.
D urante esse períod o, a APA tam bém iniciou um processo in terno para estu
dar a questão cien tífica sobre se a hom ossexualidade deveria ser considerada um
distúrbio psiquiátrico. O C o n selh o de C uradores da APA encarreg ou seu C o m itê
de N om enclatu ra co m o o corp o cien tífico mais adequado para abordar essa
questão. O co m itê entrevistou proponen tes do p on to de vista da norm alização e
da p ato lo g ização e fez sua própria revisão da literatura psiquiátrica, psicanalítica
e sexológica. Essa últim a, um assunto que não costum ava ser ensinado nos p ro
gramas de form ação psiquiátrica da ép oca, era d esco nh ecid a para a m aioria dos
psiquiatras praticantes43.
D ep ois de uma revisão que durou mais de um ano, o C o m itê de N om enclatu ra
recom end ou ao C o n selh o de Curadores da APA que rem ovesse "a hom ossexu a
lidade per se" do manual de d iagnóstico. A pós análise e aprovação por parte de
outros com itês e órgãos d eliberativos da APA, em dezem bro de 1 9 7 3 , o C o n selh o
de Curadores da APA votou a retirada da hom ossexualidade do D S M -II. D en tro
de dois anos, os profissionais de outras grandes org anizaçõ es de saúde m ental,
incluindo a American Psychological Association, a National Association o f Social Workers e
a Association fo r Advancement o f Behavior Therapy, endossaram a decisão da APA.
Porém , antes que a rem oção pudesse ser im plantada form alm ente, analistas
que tinham argum entado co n tra a m udança escreveram e apresentaram uma
petição para a APA. Eles exigiram um referen do de tod os os m em bros da APA
para im pugnar a decisão do co n selh o . A p etição incluía 2 0 0 assinaturas dos m em
bros psicanalíticos da APA, que foram recolhid as durante a reunião da American
Psychoanalytic Association (APsaA) em d ezem b ro de 1 9 7 3 44,45. Em 19 74 , a decisão
do co n selh o para a rem oção foi confirm ada por uma m aioria de 5 8 % dos m em bros
votantes da APA. Após o referendo, a APA tam bém em itiu uma posição inovadora,
declarando apoio à p ro teção dos d ireitos civis para os g ay s no em prego, h a b ita
ção, alojam en to pú blico e licen ciam en to , b em co m o a revogação de todas as leis
referentes à sod om ia46.
55
A d écada de 1990 viu um crescim en to das publicações por parte de analistas
g ay s e lésbicas levantando novas questões e form ulando perguntas, até então,
inexploradas. Eles escreveram sobre a história e a técn ica psicanalítica,- sobre
terapeutas g ay s tratando de pacien tes gay s e heteros,- postularam m odelos de
d esenvolvim ento normal para crianças que crescem g a y s; questionaram os c o n
ce ito s p sicanalíticos trad icionais de m asculinidade e feminilidade,- m odificaram a
Psicanálise para tratar pacien tes com HIV,- e lançaram luz sobre as co n trib u içõ es
históricas para o m ovim ento p sican alítico inicial, anteriorm ente invisíveis, de
lésbicas co m o Bryher (A nnie W in ifred Ellerm an) e H .D . (H ilda D o o little )81'91.
Eles tam bém escreveram e editaram texto s psican alíticos para a próxim a geração
de analistas92'98.
M udanças foram oco rren d o igualm ente na co rren te psicanalítica dom inante.
Em 1 9 9 7 , a APsaA tornou -se a prim eira das principais organ izações de saúde
m ental a endossar o casam ento g a y " . U m a posição que a American Psychological e a
APA só adotariam mais tarde, em 2 0 0 3 e 2 0 0 5 , respectivam ente.
fer, M artin Bergm ann e E th el P erson. N esse m esm o ano, Sid n ey P h illip s110111
e ij o is iu
do Western New England Institute, to rn o u -se o p rim eiro analista didata da APsaA
eu
56
■ Conclusão
A lterar os valores culturais desem penharia, novam ente, um papel nas narrati
vas analíticas que retratam a hom ossexualidade com o uma variante normal da se
xualidade humana. C o m o as atitudes sexuais se tornaram mais tolerantes do final
da década de 1 9 6 0 até os anos 1 9 8 0 , surgiram m odelos teó rico s não p atológicos.
N um a variação desse m odelo, analista e p acien te sim plesm ente assumem que a
hom ossexualidade é intrínseca e norm al para o pacien te. C o m o as origens da
hom ossexualidade são atribuídas a fatores situados além do co n tro le co n scien te
ou in co n scien te do p acien te, não são mais consideradas um assunto de investi
gação analítica. M esm o nos casos em que o analista e o p acien te acreditam que
57
a hom ossexualidade é construída ou um produto do c o n f lito " 8 " 9, esse resultado
não deve ser consid erad o inferio r a uma orien tação heterossexual. A partir dessas
perspectivas, analista e p acien te poupam -se da tarefa de d ecifrar o que im pediu
o d esenvolvim ento heterossexual do pacien te. A narrativa que em erge, ao invés
disso, flui da questão sobre co m o o p acien te lida com um m undo que é hostil à
hom ossexualidade ou pode explorar as dificuldades do pacien te em aceitar sua
própria sexualidade.
Essa história das atitudes psicanalíticas em relação à hom ossexualidade reforça
a im pressão de que as teorias psicanalíticas não podem ser dissociadas dos c o n
texto s p o lítico s, culturais e pessoais em que são formuladas. Essa história tam bém
m ostra que analistas podem assumir p osições que tan to facilitam quanto obstruem
a to lerân cia e aceitação . Em 1 9 2 1 , Ernest Jo n e s perguntou se um cand id ato 'h o
m ossexual' deveria ser a ceito para form ação analítica. Em uma 'carta circular' ao
círcu lo íntim o de Freud, este e R ank120 responderam que a hom ossexualidade, por
si só, não deveria ser um critério de exclusão e que outras qualidades do indivíduo
deveriam ser levadas em con ta. D ep o is de um c o m e ç o um tanto cam b alean te, isso
parece ser o caso, agora, no segundo século da Psicanálise. F-loje, analistas g ay s e
lésbicas falam co m o sujeitos respeitados d entro de suas com unidades analíticas,
não mais sendo vistos co m o o b je to s ridicularizados. C o m o resultado, eles podem
agora d efend er e focar a aten ção psicanalítica nas necessidades p sicoló g icas de
seus p acien tes gays e lésbicas.
Jacques Lacan
■ Introdução
O
cam po da sexualidade, que alicerça toda a con stru ção da doutrina psi
can alítica, foi abordado por Freud de m aneira cuidadosa e inovadora.
Revelando os avatares da sexualidade, suplantados pelos aspectos sig n i
ficantes, Freud encarregou -se de rom per com o discurso b io lo g iz a n te sustentado
pelos cientistas do fim do século X IX , o qual, a partir da n o çã o de instinto, reduzia
o sujeito a um padrão fixo de com p ortam en to e classificava co m o perversa1 toda e
qualquer cond u ta sexual que não cond u zisse à preservação da esp écie.
N aquela ép oca, enqu anto o discurso da ciên cia , atrelado à religião e ao d irei
to, criava seu vocabu lário a fim de elaborar uma definição 'científica' para certas
práticas sexuais ditas patológicas, Freud - com o discurso da pulsão enquanto
prim eiro eixo d iferenciad or do pensam ento até então vigen te - , subverteu o saber
da ép o ca e apresentou sua p u blicação "Três ensaios sobre a teo ria da sexualidade",
em 1 9 0 5 2. A o afirmar que a Psicanálise se recusava a consid erar os hom ossexuais
com o possuidores de características esp eciais, Freud revela a hiância inerente ao
ser falante, que se apresenta com o d esejo errático e desviante da necessidade
b io ló g ica 3:
59
lítico, portanto, o interesse sexual exclusivo do homem pela mulher é
também um problema que exige esclarecim ento, e não uma evidência
indiscutível que se possa atribuir a uma atração de base química.
sexualidade hum ana, ao evocar a ideia de "força poderosa e irresistível que im pe
le"4, m arca a pulsão, enqu anto c o n c e ito ú n ico e sem correlatos.
A pulsão é uma Konstante Kraft, uma força co n sta n te cu jo impulso parte de uma
ex citação interna, que tend e à o b ten çã o da satisfação, por m eio de um o b je to
inespecífico esco lh id o, tão som ente, por se prestar com mais eficiência na c o n tin
g ên cia de uma dada situação. Essa co n stân cia da força pulsional indica que esse
cjuantum de excitação , c o n c ern e n te à pulsão, não pode ser extin to e que, por sua
60
vez, sua relação com o alvo acarreta a parcialidade da satisfação. Esse paradoxo
da satisfação parcial, que rem ete à categ oria do im possível da relação sexual, que
não cessa de não se escrever, estrutura o caráter circular do percurso pulsional e
marca o sujeito de que trata a Psicanálise: o sujeito do d esejo.
N o cam po do d esejo, Freud nunca separou os hom ossexuais dos outros seres
falantes, nem vislum brou qualquer possibilidade ou necessidade de 'cura', adm i
tindo, com a n o ção de bissexualidade originária estrutural, desenvolvida desde o
início de sua obra, uma fenda radical, im possível de ser tam ponada, h eterog ên ea
ao natural, e que divide.
O sujeito, por e feito de linguagem , en co n tra-se entre dois, que não fazem U m ,
mas, ao con trário, instalam a op osição significante. H om em ou mulher, fálico ou
castrado, fem inino ou m asculino, revelam os efeito s da bissexualidade no sujeito
e apontam para a esco lh a in co n scien te que se im põe co m o fato, d istinto do acaso
psíquico.
Ao desenvolver o com p lexo de Édipo e situando a bissexualidade nos funda
m entos dessa estrutura, Freud apresentou a p osição sexuada, hom em ou mulher,
enquanto esco lh a do su jeito, para além da anatom ia. D o m esm o m odo, com o
rochedo da castração, indissociável do Édipo, deu relevância ao falo, enquanto
significante da diferença dos sexos, que, por e feito de linguagem , inscreve duas
Ialtas sim étricas, a do & e a do O u tro , e assegura a dita relação de o b je to advinda
de uma perda originária, das D ing.
À d isposição do sujeito, o jo g o de com binatórias está ab erto desde a infância5:
Se um menino se identifica com seu pai, ele quer ser igual a seu pai,- se
fizer dele o ob jeto de sua escolha, o menino quer tê-lo, possuí-lo. N o
primeiro caso, seu eu modifica-se conform e o m odelo de seu pai,- no
segundo caso, isso não é necessário. Identificação e escolha objetai são,
em grande parte, independentes uma da outra,- no entanto, é possível
identificar-se com alguém que, por exemplo, foi tomado com o ob jeto
sexual, e modificar o eu segundo esse modelo.
61
Está aí a realidade sexual do in co n scien te, diz Lacan, realidade sexual da pul
são, que, por essência, não tem o b je to pré-d eterm inado e, assim, não re co n h e c e
a diferença anatôm ica dos sexos co m o destino,- restando, ao sujeito, causado por
um o b je to que falta, e sco lh er seus o b je to s substitutos por con tin g ên cia.
Esse foi o passo dado pela Psicanálise: afirmar que o sujeito não é un ívoco,
sendo a d iferença o que ju stam en te vem perm itir que haja sexo,- ou seja, é a
castração que rege o d esejo de um hom em por uma m ulher que, na p osição de
o b je to , prontifica-se a causar. D o n d e se con clu i que, suplantados pelos aspectos
significantes, todos os seres falantes são heteros, seja o parceiro do m esm o sexo
que o su jeito, ou do sexo op osto.
Sim , o d esejo incom oda, já que é lá, no in co n scien te, que não m e re co n h e ço .
D a í a difusão da prom essa da relação sexual, em d etrim en to do d esejo , ainda se
fazer presen te com o discurso do m estre e toda a cegueira que esse discurso c o m
porta, ao exclu ir a relação do a com a divisão do sujeito.
D e sta co o caso da The N ational Association fo r Research and Therapy o f Homosexua
lity (N A R T H ), co m o um n o tó rio exem plo de exclusão da fantasia. A N A R T H ,
fundada em 1992 e in icialm en te presidida por C h arles Socarid es, em bora não
tenha nenhum a ligação direta com a International Psychoanalytical Association (IPA),
é com p osta por vários psicanalistas que são m em bros da American Psychoanalytic
Association (APsaA ), que afirmam serem capazes de m odificar a 'o rien tação sexual'
das pessoas, com base na teoria psicanalítica.
A p o sição oficial da N A R T H é de que a hom ossexualidade é um transtorno
tratável e, segundo Socarid es, "os hom ossexuais, não im porta o seu nível de adap
tação e de fu ncionam en to em outras áreas da vida, são severam ente deficien tes na
área mais vital: as relações interpessoais",- o que ju stifica seu en ten d im en to de que
o hom ossexual não só precisa co m o deve ser m od ificad o6.
N ão é de se esp antar que esse p ro ced im e n to h o m o fó b ico e co n tam in ad o
por cre n ças im portadas de uma m oral sexual social re ce b a ap o io, inclusive
fin an ceiro, de m em bros da d ireita radical relig io sa que, por sécu los, unidos à
ciê n cia , tentaram m anter a cre n ça no m ito do U m possível p elo e n c o n tro com
a cara m etad e.
■ A ética da diferença
A o se deparar com a ap licação da P sicanálise co m o form a de 'co rreção' e 'nor-
m atização' da sexualidade, verifica-se o encarnar do analista no lugar de O u tro
o n iscien te que, ao resistir ao d esejo, con v erte a cura numa esp écie de doutrina-
m ento, que tem co m o con seq ü ên cia a foraclusão do sujeito.
D e ce rto que a exclusão da alteridade e a n eg lig ên cia do in co n scien te não
datam de h o je , mas, frente ao equ ívoco ainda presen te na prática analítica e dos
desvios que visam à adaptação do Eu à realidade e ao aprisionam ento da pulsão,
62
torna-se necessário problem atizar o resgate da função im aginária, em d etrim ento í
da função sim bólica do tratam ento.
■
O im aginário que ancora as ficções do que é ser hom em ou m ulher é o m esm o f?
que os faz tro p eçar incessantem ente na busca de um ideal de harm onia pulsional. S
Eis o que a exp eriên cia analítica d esconstrói ao revelar que a ideia de um T od o »
-hom em é um to tem e que A m ulher não existe. J»
g.
Está aí a dim ensão do in co n scien te, dim ensão da linguagem que co n o ta a §
im possibilidade de sim bolizar a relação sexual e con traria a estrutura lóg ica jf
co n scie n te, perm itindo ao sujeito eleg er seu sexo, significantizad o para além da
anatom ia.
Para o hum ano, desprovido de instinto, o sexo b io ló g ic o não tem d eterm i
nação absoluta e o im perativo pulsional revela a falácia dos valores morais. Foi o
sujeito, em sua inqu ietação advinda do 'isso diz algo diferente do que eu digo', que
deu origem à Psicanálise e à sua ética.
"O n d e Isso era, Eu devo advir"7 é a d ireção dada por Freud para o fim de
análise, para a qual o o b je tiv o últim o da cura é levar o Eu a re co n h e ce r e se re s
ponsabilizar por Isso que se expressa co m o o mais íntim o do sujeito. N o entan to,
essa m esma fórmula foi e ainda é utilizada para uma terapêutica de con form ação,
que visa à d om esticação da pulsão e prom ove o Eu à p o sição de sen h or de sua
própria casa.
D a í o resgate prom ovido por Lacan em seu retorn o a Freud, ao afirmar que a
Psicanálise não é uma terapêutica de ad aptação e não prescreve valores de c o n
duta, mas subverte as norm as m orais ao apontar para a em ergência do d esejo,
irredutível, que se apresenta na esp ecificid ad e mais íntim a da sexualidade desar-
m ônica de cada sujeito.
A o analista, não cab e o lugar de m estre que opera co m o m odelo ideal para o
outro,- não é sua função educar para tam p onar a fenda da linguagem . A Psicanálise
visa à em ergência do d esejo e à d iferença que o constituí.
A o levar em co n ta a radicalidade do in co n scien te, em o p osição às terapêuticas
que desviam a d ireção de tratam en to em função dos padrões culturais, Lacan in
siste que som os "supostos saber não grandes coisas"8. Ele m arca, assim, o abism o
entre a id entificação com o analista na p o sição de m estre, que obtura o ap areci
m ento do d esejo e a ignorância douta proposta em seu escrito sobre as "Variantes
do tratam ento-padrão". O que deve saber, na análise, o analista? Ignorar o que ele
sabe, pois o saber está do lado do analisando que transm itirá, na transferência,
seus significantes in co n scien tes pela associação livre.
A Psicanálise acolh e a dim ensão real, não ideal. Esse foi o p onto de partida
de Lacan ao form ular uma ética que integrasse as conqu istas freudianas sobre o
d esejo, co lo can d o , em seu v értice, o d esejo do analista e suas im p licações éticas
na d ireção do tratam en to.
63
O d esejo do analista, m o to r da análise, não retrata o que o analista deseja do
analisando, mas, ao con trário, co m o causa, sustenta a im possibilidade enqu anto
fato de estrutura, já que "é isto, na estrutura, o que nos interessa no nível da e x
periência analítica"9.
Fazendo do d esejo o o b je to nortead or da análise, a partir do dispositivo da
fala, o analista prom ove a abertura própria à regra fundam ental e m arca a d iferen
ça que se fundam enta na atualização da realidade do in con scien te do analisante,
um a um, na sessão de análise: que o discurso se efetue sem interrupção, sem
co n ten çã o , não apenas pela preocu pação com a co erên cia, mas tam bém por sua
aceitabilidad e no mundo. Assim, a Psicanálise desvela um real que não com p orta
qualquer referência ao cam po do Bem Suprem o ou da felicidade plena.
Se há uma ética psican alítica, é na m edida que ao analista, em sua função ca u
sai de o b je to , cab e esvaziar o lugar de seu próprio d esejo co m o sujeito, visando
àquilo que, em cada falante, é único: "d esejo da d iferença absoluta"10.
A scend en do ao real, é precisam ente na p osição de a, resto não sim bolizável da
op eração significante, que o analista sustenta seu com prom isso ético . D an d o lugar
ao d esejo de sua função, o analista se dirige a um saber que não estanca, mas c o n
vo ca a criar, a saber-fazer a partir do im possível da plenitude. Q u e queres? Essa é
a ordem do d esejo, princípio é tic o que se funda na inadequação.
de sua d e s p a t o l o g i z a ç ã o
na h i s t ó r i a
- As Homossexualidades na Psicanálise
64
CAPÍTULO 5
m Introdução
A
descrim inalização e a d esp atolog ização da hom ossexualidade v iab iliza
ram, aos indivíduos do m esm o sexo, a conqu ista de alguns direitos. A re i
vind icação dos hom ossexuais, pelo m ovim ento g a y , vem criando, desde
os anos 1990, novas dem andas sociais e ju ríd icas, a exem plo do reco n h ecim en to
social e ju ríd ico do casal hom ossexual e da fam ília hom oparental.
N a França, em 1 9 9 9 , foi aprovad o o Pacte Civil âe S oliâarité (P a C S ). A r e i
v in d icação de ser um casal de d ireito e não apenas de fato p ro v o co u v io len ta s
reaçõ es h o m o fó b ica s, p o r parte de v ário s seg m en to s da so cied a d e fran cesa,
inclusive de alguns p sican alistas. C o n c e ito s da te o ria p sica n a lítica foram e m
pregad os p elo s e sp ecialista s em p a re n te sc o e fam ília. A liás, o b serv o u -se que os
argu m entos que p ro tag o n izaram a d iscu ssão não foram os de cu n h o b io ló g ic o
ou m oral.
Segundo o sociólogo Eric Fassin3, na França, a hom ofobia não é um argumento
jurídico nem político legítim o, não é mais possível recusar abertam ente a hom osse
xualidade e seus desdobramentos sociais. U m a saída para não se incorrer no discurso
hom ofóbico sem criar constrangim ento social é fundamentar, fora da política, a re
cusa à igualdade entre as sexualidades. A antropologia e a Psicanálise, por exemplo,
serviram a esse propósito.
O argum ento central utilizad o co n tra o P a C S foi a n o çã o da ordem sim b ó
lica da d iferença dos sexos, que reúne, em si, fundam entos da antropologia de
Lévi-Strauss e de uma certa leitura da Psicanálise de Lacan. Em defesa da p re
missa de que som ente o casal h eterossexual está inscrito na ordem sim bólica da
diferença dos sexos, a reiv in d icação dos hom ossexuais foi nom eada com o uma
'd esim bolização' (âésymbolisation). Para Iréne T h è ry 3, so ció lo g a avessa ao P aC S,
65
a paixão pela desim bolização consiste precisamente em crer que se
pode dispensar esta inscrição do casal na ordem simbólica do gênero,
que se pode reduzir o laço à relação, o sexuado ao sexual, e deixar de insti
tuir o masculino e o feminino.
67
um parceiro do m esm o sexo porque não suporta a ausência de pênis na mulher.
Sabem os que a estrutura perversa não diz respeito ao tipo de escolh a o b je ta i, tam
pouco a recusa ( Verleugnung) do órgão. Existe, aqui, uma redução da n o çã o de falta
sim bólica do o b je to ao registro im aginário, pois não é o pênis que estrutura a falta
e o d esejo , mas o falo sim b ólico. A d iferença sexual, em Psicanálise, é sim bólica
e diz resp eito à significação fálica que ordena as trocas sexuais ao nível do dom.
D essa form a, não se trata da ren eg ação do órgão, mas da renegação da im agem
fantasm ática e fálica, ou seja, da cre n ça no falo im aginário da mãe, sustentada e
presentificada pelo fetich e.
N ão pretend em os aqui aprofundar a teoria queer, tam p ouco o d ebate em torno
da diferença sexual na cultura contem p orânea. Porém , identificam os, na p osição
de C o n tard o C alligaris8, uma co n trib u içã o instigante, pois "quando se consid era
alguma coisa com o uma p atolog ia geralm ente se pára de pensar". D e acord o com
o psicanalista, a indiferença assumida frente ao falo sim bólico, a sexuação e a pala
vra - representada pelo m ovim en to queer - a favor do falo im aginário e da im agem ,
não necessariam ente configuram sujeitos p sicóticos ou perversos.
E ntão, a afirm ação con tid a na cita çã o de M iller de que os g ay s, ao se tornarem
cidadãos, perdem alguns traço s perversos, é do próprio e não de Bersani. C ab e
ressaltar que Bersani, ao analisar a obra de G id e, Proust e G en et, à guisa de re
forçar sua argum entação, em nenhum m om en to se referiu a eles co m o perversos,
m uito m enos reivindicou a perversão co m o um valor. Inclusive co n testo u aqueles
que interpretam os personagens de G id e e G e n e t co m o hom ossexuais fora da lei.
Aliás, a figura de am bos se tornou em blem ática na literatura psicanalítica sobre
a perversão. A o se e sco lh er a obra de escritores hom ossexuais para falar sobre
perversão, já não se parte do princípio de que a hom ossexualidade m asculina é
sin ônim o de perversão? N as palavras de Bersani9: "(...) as intim idades pederásticas
m asculinas não delim itam o cam po de ap licação do m ito g enetiano da traição
de sua d e s p a t o l o g i z a ç ã o
hom ossexual
O pensam ento de M iller não é o de que a união entre pessoas do m esm o sexo
apagaria a ordem sim bólica da d iferença dos sexos organizadora da socied ad e e de
suas institu ições, prom ovendo uma d esim bolização (désymbolization) social ou uma
perversão generalizada, a exem plo do pensam ento de M elm an. Sua tese é de que a
na h i s t ó r i a
luta dos hom ossexuais pela igualdade de direitos apaga a singularidade de sua d ife
rença, ou seja, o "verdadeiro sentid o da perversão"10. E legia da perversão? A nosso
AS Homossexualidades na Psicanafise
ver, esse elo g io da "qualidade perversa" dos g ay s visa afirm á-los co m o diferentes
para ju stam ente tratá-los co m o desiguais de direito. M iller, ao re co n h e ce r a d ife
rença, retirou os gays da pólis e negou-lhes o esp aço da cidadania, con finan do-os
à irredutibilidade de sua suposta essência perversa. Em outras palavras, defender
a igualdade de direitos é perder a diferença, a singularidade perversa de ser g a y .
A con stru ção da 'diferença hom ossexual' é um m ecanism o p o lítico sutil, mas
eficaz: um tip o de teoria articulada com a id eolog ia h o m o fó b ica . Figura m oderna
68
do heterossexism o, caracteriza-se pelo tratam en to d iferenciad o dos hom ossexuais
em nom e da diversidade das sexualidades. As teorias h o m o fó b ica s produzem
discursos sobre a hom ossexualidade que servem de respaldo para as políticas dis
crim in ató rias". D esse m odo, a h om ofo bia encontra, nessas crenças 'científicas',
uma form a laica e não religiosa de se presentificar e se difundir12. O 'uso ardiloso
da diferença' pela direita prim eiro celebra a d iferença para, depois, discrim inar
os d iferen tes13.
M ille r15 recon h eceu a existência de laços afetivos duradouros entre hom ens
hom ossexuais, porém , não recon h eceu neles laços de fidelidade sexual. Para ele, só
existe fidelidade sexual no casal heterossexual. Ele se referiu à união entre dois h o
mens com o "laço afetivo" e nom eia de "casal" a união heterossexual. D essa maneira,
dois hom ens podem ter um laço afetivo de fato, mas não podem constitu ir um casal
de direito. U m a vez que ele entendeu que a fidelidade sexual é inerente ao casal
heterossexual, som ente ao par heterossexual é perm itido ser um casal de direito.
M as o que é fidelidade sexual e o que é parceria sexual múltipla? Pesquisa rea
lizada em bares g a y parisienses m ostrou que a infidelidade sexual constitu i mais
um elem en to inerente da socialização m achista entre os hom ens, uma expressão
da m asculinidade norm ativa, inclusive b astan te valorizada nos grupos de ad oles
cen tes heterossexuais, do que propriam ente um aspecto inerente à h om ossexua
lidade masculina. Q u an to à n o çã o de infidelidade, outra interp retação é possível,
distinta da ideia de traição sexual. P elo ideal do amor, valoriza-se a perm anência
do parceiro ju n to ao seu am ado, in d ep end en tem en te das aventuras extraconjugais
de cada u m 16.
Pesquisa brasileira recen te co rro b o ro u o estudo anterior, apontando que a
tro ca co n stan te de parceiros é um "p roblem a do m asculino", da d iferença cultural
entre o hom em e a mulher, lo g o , é uma característica dos hom ens em geral. A
b aixa autoestim a e o p re co n ceito que conduzem à clandestinidade, e a in co n sis
tên cia das relaçõ es tam bém con trib u em , na op inião dos entrevistados, para a tro ca
de parceiros entre os g a y s'7.
Ainda sobre a questão da suposta infidelidade sexual entre os hom ens h o m o s
sexuais, M ille r18, em "U m a partilha sexual", estabeleceu uma lista de atributos
antagô nico s para o hom em e para a mulher, tom and o com o base a divisão dos se
xos. Ele se reportou a Lacan em "A significação do falo" e às fórmulas da sexuação
contid as no seu vigésim o sem inário. N essa partilha, ele situou, do lado hom em
ou p o sição m asculina, o o b je to fe tich e e, do lado m ulher ou p osição fem inina, o
o b je to eroto m an íaco. Afirm ou que, no m ach o, o d esejo passa pelo g o z o e requer
o m ais-gozar, en contrand o, no o b je to fetich e ou na co n d içã o fetich ista, sua fina
lidade. Q u an d o essas exig ên cias são rígidas, caracterizad as pela extravagância e
pela hu m ilhação, deixa de ser uma "perversão norm al do m acho" e se tornam uma
perversão propriam ente dita.
Q u an to ao o b je to fetiche, ele se distingue do o b je to erotom aníaco por ser um
o b je to mudo, pois a exigência de g ozo torna o o b je to objetivad o e objetificado. Ao
contrário, do lado fem inino, o o b je to erotom aníaco é um o b je to que fala, porque
conjuga d esejo e amor. M ille r19 estabeleceu que os hom ens hom ossexuais realizam,
entre eles, um acordo silencioso para o gozo, enquanto que os hom ens h eterosse
xuais falam porque são impelidos pela mulher. N essa partilha, com ares de discri
m inação e exclusão, em que é feito uso con scien te da inconsistência da psicologia
sexual, não existe lugar para hom ens que desejam e amam outros hom ens, tam pouco
para a existência de hom ens heterossexuais perversos. D e acordo com o autor20:
70
sexuais típicos' são os desinibidos heróis de alguns livros (...). Se é um
desses, os outros, o que são? Se são todos esses, o que têm em comum
para serem catalogados numa mesma rubrica? (...). O que existe de típ i
co no homossexual é a crença de que todo sintoma ou signo do desejo
hom oerótico é sinal de 'homossexualismo'21.
71
A clín ica da estrutura traduzia a teoria do desenvolvim ento, ou seja, Lacan teria
perm anecido fiel à sua época. O hom ossexual era considerado um perverso por
não ter assentido à norm a edipiana. A d ireção do tratam ento visava ind exá-lo ao
progresso da esp écie, a partir de uma escala universal.
A p ro p ósito de Lacan, no sem inário citad o, ao desenvolver o co m p lex o de
Édipo invertido, afirma28: "fala-se dos hom ossexuais. Trata-se dos hom ossexuais.
N ão se curam os hom ossexuais. E o mais im pressionante é que não são curados,
a despeito de serem absolu tam ente curáveis". N o paradigma estruturalista que
configura o prim eiro ensin o de L acan, o g ozo é consid erad o co m o im aginário29.
S o m en te a heterossexual idade se insere no simbólico,- quaisquer outras m anifesta
ções da sexualidade consistiam numa perversão, log o perten cen tes ao im aginário,
registro negativado por Lacan, nesse m om en to de sua transm issão.
P rossegu indo, Lacan passa da c lín ica da lib id o para a do d esejo (afastando-
se da ideia de d esenvo lv im en to ) para chegar, e n tã o , à clín ica do g o z o . M ille r
relacio n o u a clín ica do g o z o com o "saber g a y , a alegria no lugar da tristez a "30.
T rata-se de levar o analisando ao m elh or saber-fazer com o sinthom a. A clín ica
do g o z o é balizada pela père-version, ch iste de L acan, que insere o g o z o no pai. O
N o m e-d o -p ai é d escen tralizad o e se pluraliza em N om es-d o-P ai: a cada pai, seu
g o zo , o que con d u z a d iferentes versões da hom ossexualidad e m asculina. Em seu
últim o en sin o , Lacan form ula outra teoria do pai: a transm issão de uma, den tre as
m últiplas versões do pai para cada su jeito. A o inclu ir o g o z o no pai, Lacan m o s
tra que o pai não é santo: nem ideal, nem universal. A père-version perm ite uma po-
sitiv ação do g o zo , ao co n trá rio da teoria an terior do pai esvaziado de g o z o 31'34.
D ep ois de realizar a defesa de Lacan e dos psicanalistas, anunciou que o m o
vim ento g a y passou35:
Vimos com que agitação pudemos evocar o queer com o sendo já o que
supera o gay. Pois o queer (...) sublinha que há homossexualidades onde
o gozo é estar em infração. (...). O queer ressalta que, no fundo, o gozo
é rebelde a toda universalização, à lei (...).
Esse é o m ote para ele afirmar que o g a y m ilitante ced e à autenticidade de seu
d esejo, p reço pago por querer cop iar o d esejo heterossexual. A crescen tou que o
queer, a exem plo de G en et, possui um ensinam en to m ais profundo da hom ossexu a
lidade, não sobre a legitim idade do d esejo, mas sob re sua legalidade: "quem deseja
é sem pre um ladrão"36. Assim, ao valorizar o g a y , por um lado, desautorizou seu
acesso aos direitos iguais, por outro.
S o b re isso, os autores ligados a teoria queer não desvalorizam a im portância
da luta p o lítica, em bora o problem a não se e sg o te nesse prim eiro passo. D en tre
os pensadores que mais influenciaram o n ascim en to da teoria queer, en con tra-se
M ich e l Fou cault37. Segundo ele, para assumir-se g a y não basta libertar o d esejo, é
p reciso poder ser hom ossexual, con q u istar a liberd ad e de esco lh a. Para isso, a luta
72
pelos direitos é fundam ental, incluindo o reco n h ecim en to ju ríd ico e social dos
casais hom ossexuais, o direito ao casam ento e à ad oção. Sugere a cria çã o de um
direito relacionai novo, que inclua tod os os tipos possíveis de relaçõ es, extensivo
aos heterossexuais. Q u an to às tom adas de posição, elas devem ser sem pre estra
tégicas,- d ependendo do m om en to p o lítico, pode ser im portante afirmar que se é
hom ossexual, co m o pode ser necessário recusar a dem anda de d efin ição38.
Ju d ith Butler39, filósofa e um dos nom es mais co n h ecid o s da teoria cjueer, é a
favor que os d ireitos à aliança, ao casam ento, à ad oção e à te cn o lo g ia de rep ro
dução assistida devam ser assegurados aos hom ossexuais, porém , propôs uma
política sexual radical, em que o casam ento, a fam ília e o p arentesco não sejam os
únicos referentes para se pensar a vida sexual. Ela apontou o perigo que representa
o discurso da norm alid ad e-patologia. Pois, gay s e lésbicas, seja afirm ando uma
norm alidade, seja d efend end o uma sexualidade subversiva, acabam vitim ados por
esse m odelo con ceitu ai binário, que produz uma paralisia política.
Butler consid erou que a "crítica do tem a cjueer é essencial para o b ter a in in
terrupta democratização da p o lítica cjueer"40. A crescen tou que a ca teg o riz a çã o das
identidades é necessária na luta política, para refutar seu uso h o m o fó b ico na vida
social e privada. Porém , existirá sem pre uma tensão nas categ orias de identidade,
um "erro necessário", na m edida que não existe indivíduo id ên tico a outro que
habite as mesmas, e a o p osição d em ocrática do term o cjueer, categ oria que "nunca
poderá descrever p lenam ente aqueles a quem pretende representar", sob o risco
de se tornar um lugar discursivo lim itado, e não um esp aço de op osição e desvio,
com o significa o próprio nom e41. A resp eito disso, o m ovim en to cjueer tem , na
resistência à norm alização, um de seus eixos mais p o ten tes42.
V oltand o a M iller, em bora ele afirmasse a existên cia das hom ossexualidades,
isto é, de acordo co m a clín ica do g o z o , existem tantas versões da h om ossexuali
dade quanto N om es-d o-P ai, perigando de se enredar nas ca teg o riz a çõ es e fazen
do do cjueer uma etapa evolutiva e da suposta ilegalidade do d esejo hom ossexual
a sua essência. N esse sentid o, há o risco dele fazer do cjueer uma nova norm a, um
ideal, criar um outro tip o de m oralização, o qual pretende criticar, uma identidade
estável, o que contraria um dos pontos centrais da teoria cjueer-. o q u estionam ento
das identidades sexuais co m o "essências im utáveis ou tran scend en tais"43. D e a co r
do com Bersani44, "as m esm as pessoas que o b je ta m que as confinem d entro de uma
identidade g a y têm form ado uma esp écie de gueto próprio, baseado numa suposta
superioridade da cultura cjueer (...)".
Além disso, é fácil afirmar que o g a y cop ia o d esejo do outro quando se é um
cidadão heterossexual, que goza de plenos direitos. N um a dem ocracia de verd a
de, os direitos devem ser de todos, nesse sen tid o, ninguém é o d ono leg ítim o dos
mesmos. Se existem hom ossexualidades, isto é, sujeitos d irecionad os predom inan
tem ente pelo d esejo ou pelo g o z o , devem ser d isponibilizados aos g ay s e cjueers
os m esm os direitos con ced id o s aos heterossexuais, para quem quiser fazer uso
73
deles. Se nem to d o g a y é cjueer (assim co m o nem to d o hom ossexual é g a y , já que,
de m odo geral, d en om ina-se g a y o indivíduo que assume sua orien tação sexual de
m odo afirm ativo, ao con trário do hom ossexual), se existem gay s que reivindicam a
união ou o casam ento civil, pensam os que os m esm os direitos devam ser ofertados
a todos. D essa form a, M ille r45 pluralizou a palavra 'hom ossexualidade', não para
m arcar a singularidade de cada su jeito hom ossexual, mas para anular as diferenças.
C o ntinu and o, há quem veja, no d esejo dos g ay s de 'copiarem ' o d esejo do
outro, não uma aspiração ao m odelo de vida heterossexual, no que tange ao m a
trim ônio, mas uma 'd essacralização do casam ento' que, ao ser reivindicado pelos
g ay s, já deixou de ser o que era. A cirrar a op osição entre os gay s voltad os para
uma sexualidade livre e àqueles que preferem a vida de casal e o resp ectiv o re c o
n h ecim en to ju ríd ico é uma das expressões do discurso h o m o fó b ico liberal, que se
aproveita do silêncio dos que não querem ouvir falar de casam en to para recusar o
direito aos que alm ejam ter acesso a ele. Além disso, a op osição nunca é c o m p le
tam ente nítida, pois os dois m odos de vida podem ser apenas etapas d iferentes:
os adeptos da liberdade sexual podem querer uma vida a dois e vice-versa, assim
co m o indivíduos que vivem uma relação estável, nem por isso, sentem -se forçados
a renunciar aos en con tros extraconju g ais46.
A respeito dos novos arranjos fam iliares, em particular, a família hom oparen-
tal, o tem a foi abordado por M ille r na ocasião da X X X V Jornada da ECF, realizada
em 2 0 0 6 , intitulada "Lenvers desfamilles: le lienfam ilial dans l'expe'rience psychanalyticjue".
C o m en tarem os dois texto s do psicanalista francês relacionad os com esse evento:
um trata-se de um tex to extraíd o da in tervenção de M iller, em novem bro de 2 0 0 5
e que serviu de pivô para a jo rn ad a47,- o outro é o artigo "Ajjaires defamille dans l'in-
conscient"48, que integrou os en co n tro s preparatórios para a mesma.
M iller re co n h eceu a dim ensão h istórica que propiciou diferentes m odelos
fam iliares, con form e o passar dos tem pos, a exem plo da fam ília dos dias de h o je ,
de sua d e s p a t o l o g i z a ç ã c
que não é mais fruto do casam ento nem da reprodu ção b io ló g ica . T om and o com o
base "N otas sobre a criança" de Lacan, reiterou a d om inância e a vitalidade da
"fam ília conjugal" a d espeito do "fracasso das utopias com unitárias" dos anos 1 9 6 0
e 1970, que pretendiam expandir o círcu lo fam iliar fazend o existir uma entidade
coletiv a e da "m odificação" introduzida pela hom ossexualidade do casal parental.
na h i s t ó r i a
m arido e pelos filhos, mas pelo N om e-d o-Pai, pelo d esejo da mãe e pelo o b je to a,
sugerindo o d esalojam ento da família do referente b io ló g ico de outrora, ele não
desenvolve a questão do casal nem da parentalidade hom ossexual em nenhum
dos dois textos, ao contrário dos outros analistas. O tem a é apenas m encionad o
rapidam ente. É, no m ínim o, curioso, considerando o co n tex to de uma jornad a que
teve por ob jetiv o justam ente discutir os laços fam iliares. Q u e sentido podem os dar
a isso? Q u e ele perm anece não recon h ecen d o co m o "casal" o laço afetivo entre pes
74
soas do m esm o sexo? Aliás, segundo ele, "existe sem pre a ten tação de fundam entar
a família ju n to à reprodução"50.
■ Considerações finais
A pesar de M iller apresentar, em seu discurso sob re os g ay s, uma co lo ra çã o
m oderna pró-cjueer, seja valorizando seus traços perversos, seja caracterizan d o-o s
com o fora da lei, seu con teú d o revela um com p rom isso com a ordem social
heterocentrad a e com o b in ô m io h e tero -h o m o , além de con servar o ran ço p sica
nalítico explicativo da hom ossexualidade correlata à perversão. O d esejo - in d e
p end entem ente da orien tação sexual - sem pre terá algo de ilegal, de transgressão,
de resto irredutível à sim bolização, de g ozo , m esm o que algo dele seja sublim ado,
inscreva-se na linguagem , na cultura e nos ideais.
A conqu ista da d escrim inalização e, p osteriorm ente, a d esp atolo g ização da
hom ossexualidade possibilitaram aos hom ossexuais uma liberdade sexual privada.
A diversidade de parceiros e o celibatarism o tinham co m o p reço a invisibilidade.
C o m a reivind icação pelo reco n h e cim e n to legal do casal hom ossexual, a to le râ n
cia social deixou de existir. N esse sentid o, quando M ille r tipificou o g a y , na ver
dade, endossou sua "liberdade negativa", cu ja co n d içã o para ser a ce ito é a de que
perm aneça invisível na privacidade e na clandestinid ad e das alcovas e dos guetos,
afim de m anter intacta a ordem h eterossexista51.
Se, do p o n to de vista b io ló g ic o e so c io ló g ico , segund o Freud52, o sexo está
e scrito com p recisão por m eio das identid ades h om em , m ulher, heterossexual e
hom ossexual, no cam p o do su jeito, a relação sexual é im possível de e screv er53. A
criação do o b je to a por Lacan m ostra que o d esejo não é d irecio n ad o p elo sexo
c nem pelo g ên ero do o b je to e sco lh id o p elo su jeito, tam p ou co pelos ditam es da
norma so cial54. P o n to que favorece um d iálog o en tre a P sicanálise e a teoria queer,
ao invés de uma leitura com p rom etid a com o h eteron o rm ativid ad e realizada por
M iller e uma crítica red ucionista, por parte da segunda, que d esco n h ece o cam po
do g o z o co m o algo além da estrutura e do falo.
75
CAPÍTULO 6
Psicanálise, xenofobia:
algumas reflexões
Betty Bernardo Fuks
A
com um ente adm itido que a P sicanálise trouxe uma co n trib u içã o decisiva,
E ainda que tão contestad a, para o d esenvolvim ento de uma crítica contra
toda a form a de p reco n ceito , bem co m o se re co n h e ce que as m arginalida-
des social, cultural e a pessoalm ente sentida por Freud, enqu anto judeu vienense
da diáspora - que viveu e produziu nas circunstân cias esp eciais de tem p o e esp aço
na virada do sécu lo X X em V iena, m ostraram -se fundam entais para a con stitu ição
da prática e da teoria analítica. N o en tan to , a experiên cia cultural inscrita no per
curso da vida e da produção do fundador do m étod o an alítico não foi apenas uma
m arca h istórica que ele recebeu passivam ente. C o n tam m uito a repercussão íntim a
e a resposta transform adora que lhe facultaram desenvolver, progressivam ente,
a con stitu ição da própria jud eid ade - o m odo próprio de ser judeu, isto é, uma
m aneira de tornar-se outro - e traçar as estratégicas de to lerân cia à alteridade e
de com b ate às resistências à Psicanálise.
U m olhar retro sp ectivo ao final do sécu lo 19, perm ite identificar o m odo com o
a disciplina freudiana ganhou um lugar na prim eira fileira das produções culturais
vienenses que abalaram às norm as v igentes e dissolveram p re co n ceito s ao apostar
no progresso inquestionável da m odernidade. O c o n c e ito de In co n scien te e sua
decorrência im ediata, a sexualidade infantil, granjearam sim patias e adesões, assim
com o uma intensa resistência m anifesta sob a form a de críticas negativas e e x tre
m am ente pejorativas. L ogo a ideia sob re a im portância da presen ça da sexualidade
na form ação da subjetividade foi acusada de subproduto da m odernidade v ien en
se. Freud associou essa recrim in ação a um outro p re co n ceito que, no início do
século X X , era m antido velado: "acusarem -m e de vienense é apenas um substituto
eufem ístico de outra acusação, que ninguém ousa fazer ab ertam en te"1 ou seja, à
sua co n d içã o de judeu. H isto ricam en te, no final da A ntiguidade a n oção patrística
77
de que os judeus eram extrem am en te carnais pela im portância que davam ao sexo
e à reprodu ção, foi o tó p os de grande parte dos escritos cristãos. S an to A g o stin h o,
no Tratactus adversus Judaeos, faz a seguinte acusação: "C onsiderai o Israel segundo
a carne (I C o r : 1 0 :1 8 ). Este nós sabem os que é o Israel carnal: mas os judeus não
com preend em este significado e, assim, tornaram -se indiscutivelm ente carnais"2.
Assim, co m o bem assinalou Jacq u es D errid a3, em M al d'Archive, une ímpression
freudienne, a d esco berta freudiana, independ en tem ente do próprio Freud, foi r e
c o n h ecid a co m o uma "c iê n c ia judaica' sob a form a de acusação, antes, durante
e depois do nazism o". Em relação à ciên cia, Freud sem pre se pronunciou con tra
esse tip o de qualificação4:
(...) não deveria existir ciência ariana e ciência judaica particular. Esses
resultados deveriam ser idênticos, apenas a apresentação poderia va
riar...Se as diferenças se estendem à interpretação dos dados objetivos
da ciência, é porque alguma coisa não vai bem.
N o en tan to , foi em função de uma suposta divisão entre "in con scien te ariano"
e "in co n scien te ju d aico" e do valor da sexualidade hum ana na teoria psicanalítica
que C arl G ustav Ju n g se separou do m ovim ento p sicanalítico, em 1 9 13 , c h e g a n
do a estim ular a p roib ição da Psicanálise na A lem anha. U m a grande ironia! Em
Ju n g havia sido depositado a esperança de que a Psicanálise pudesse desalojar-se
de V iena e do "gueto ju d aico " que havia se form ado em to rn o dela5. V in te anos
depois, quando H itler subiu ao poder na A lem anha acusando o m ovim ento
m odernista de "idéias estrangeiras" a divisão entre "ciên cia judaica" e "ciên cia e s
trangeira" co m eço u a se materializar. N o inverno de 1 9 3 3 , em base ao d ecreto de
exclusão dos judeus da direção das associações científicas, os psicanalistas judeus
M ax E iting on, Ernst Sim m el e O tto F enichel se "dem item " da d ireção da S o cie d a
de A lem ã de Psicanálise (D P G ). O antissem itism o de Ju n g - "com Freud e Adler
são propagados pontos de vista esp ecificam en te judeus e, co m o tam bém pode ser
com provado, pontos de vista que têm um caráter essencialm ente desagregador"6
- fora posto em prática. Em 1 9 3 5 a situação se agrava: numa assem bleia presid i
da por Ernest Jo n e s - presidente da International P sych oanalytical A ssociation
(IP A )- tod os os m em bros da D P G de origem ju d aica foram expulsos. A penas um
analista não judeu, Bernard K am m , protestou co n tra a d ecisão e se dem itiu com os
coleg as judeus. D ias depois, os m em bros rem anescen tes que acreditavam que com
a arianização da D P G a Psicanálise seria deixada em paz, são surpreendidos com a
n otícia de sua dissolução e a integração de tod os ao Instituto G oerin g . O s nazistas
assumiram a "lim peza": o nom e de Freud e o da P sicanálise foram definitivam ente
apagados do Institu to7,8.
A pesar da acusação que pesa sobre Freud de te r sido incapaz de com preend er
a realidade do nazism o e prorrogado, em dem asia, sua saída de V iena, a realidade
é que com p reen d er o ód io ao outro por pequenas disputas através do paradigma
do judeu, o ancestral estrangeiro das massas, foi, sem duvida, um dos m otores da *i
escrita de "O H om em M o isés e o M o n oteísm o". E n tretan to , m esm o nessa grande
obra, escrita em plena ascensão do nazism o, o pensam ento freudiano sobre a
o'
intolerância tran scend e a questão do ód io m ilenar ao judeu. O b v iam en te que isso §[.
não poderia o co rrer de outra forma: Freud sem pre esteve v o ltad o à escuta dos g
destinos das pulsões na cultura, o que lhe perm itiu situar a x en o fo b ia na dim ensão 1;
agressiva do su jeito à d iferença no outro. N ão é por acaso que em seu pensam en- S
lo o estrangeiro (do grego, xenos) é definido co m o o outro am bíguo fam iliar e |
t/i
79
Psicanálise, fazem os referên cia a esse tipo de aversão, entram os no cam po da
angústia, signo do colap so de tod os os pontos referenciais identificatórios, que a
d iferença causa. Assim, a diferença pode estar em qualquer lugar, bastando que
o real do ou tro se m anifeste co m o estrangeiro. Assim, quanto mais o discurso se
exercita no sentid o da un iform ização, tan to mais o disform e tende a se m anifestar.
E esse disform e, estritam ente particular, nós, analistas, designam os 'gozo', aquilo
que faz do outro um o u tr o ". O u tro que só resta odiar, já que põe em xeque a
form a de g ozar a qual tan to se idealiza. É esse odiar o g ozo do outro que Jacq u es
Lacan ju stam e n te 12 cham ou de racism o ou segregação.
O h orror à hom ossexualidade, uma outra fonte de xen o fob ia, tam bém invadiu
a Europa pré-Segunda G uerra. O "narcisism o das pequenas diferenças", o im pedi
m ento que o outro seja um p erfeito sem elhante, foi inteiram ente m anipulado no
sentid o de elevar os impulsos hostis da massa con tra aqueles que, co m o os judeus e
as m ulheres, estavam apenas um pouco mais além do esp elh o ideal v igente: a raça
pura, isto é, a raça sem outro. Em bora Freud não ten h a se detido esp ecificam en te
sobre o fen ôm en o da h o m o fo b ia co m o o fez com o h orror à m ulher e o ód io ao
judeu, desde o M anu scrito F~I até o E sb o ço de Psicanálise se debruçou, co m muita
acuidade, sobre a questão da hom ossexualidade. Em geral, o que se conclu i da
leitura dos principais texto s em que o tem a aparece, em bora apresentem ta m
bém algumas am bigüidades, é que, na teoria freudiana, a hom ossexualidade diz
respeito à "uma posição libidinal, uma orien tação sexual, tão legítim a quando a
heterosexu al"13. A cred ito que tal posição ten ha sido o alicerce é tic o -te ó rico desde
o qual Freud declarou ao jo rn a l vienense D ie Z e it14:
Perm itam -m e fazer um desvio e dar m aior ênfase à questão da h om ofo bia que,
de sua
logia nazista, por consid erar que, até h o je perm anece presente, em bora velada,
entre os herd eiros de Freud. C o m isso, preten d o m ostrar que m uitos daqueles que
As Homossexualidades na Psicanálise
80
\
a civilização de sangue e dor. Por outro lado, pouco se sabe sobre o destino dos
hom ossexuais que, ju n to aos 'doentes mentais', ciganos, com unistas e judeus, foram
81
P oucos foram os hom ossexuais que conseguiram escapar da m orte e testem u
nhar a crueldade a que foram subm etidos nos cam pos de co n cen tra çã o . É o caso
de Pierre Seel, que narrou, em seu livro Moi, Pierre Seel, déporte' homosexuel'6, as a tro
cidad es sofridas por hom ossexuais em Schirm ek -V orb rü ck , na região da Alsácia:
Desde esse dia, continuo a acordar frequentem ente a meio da noite aos
gritos. Durante mais de cinqüenta anos essa cena repetiu-se incessante
mente na minha mente. Nunca esquecerei o bárbaro assassinato do meu
amor — em frente dos meus olhos, dos nossos olhos, porque houve
centenas de testemunhos.
O bserva-se, nesse fragm ento autobiográfico de cu nho testem unhai, a im possi
bilidade do autor de se liberar do sofrim en to ao qual foram im postos m ilhares de
seres hum anos. É essa a m esma realidade dos escritores judeus que testem unham ,
com seus escritos, a devastação subjetiva vivida nos cam pos de exterm ín io. São
relatos feitos, co m o escreveu Prim o Levi em Os afogados e os sobreviventes, "por uma
ob rigação moral para com os em udecidos, ou, então, para nos livrarm os de sua
m em ória: com certeza o fazem os por um impulso forte e duradouro"17. E ntretanto,
ao con trário dos judeus cu jos escritos inaugurou uma nova face da literatura - a
"literatura de testem unho" - poucos foram os hom ossexuais que tiveram a op o r
tunidade de testem unhar o real do H olocau sto. Em geral, os que regressaram dos
cam pos à casa se viam im possibilitados de transm itir o oco rrid o , dado aos p re
co n ceito s que vigoravam de form a cruel e arbitrária co n tra a hom ossexualidade.
U m a pesquisa feita na A lem anha ju n to os sobreviventes hom ossexuais da Segunda
Guerra revelou o silên cio co letiv o em que viveram lon g os anos, por tem or de
confessar o m otivo do intern am ento. Receavam a estig m atização e tem iam p o s
síveis denúncias, que causariam perda de emprego,- até m esm o a im possibilidade
de co n trato de lo cação m antinha to d o s ca la d o s18. Por décadas, m esm o depois da
vitória aliada na Segunda G uerra M undial, os hom ossexuais continuaram sujeitos
ao có d ig o crim inal que o regim e de H itle r em pregara co m o base para sua perse
guição. A lei 175 foi repelida em 1 9 9 4 , mas apenas em 2 0 0 2 o governo alem ão
pediu perdão oficialm ente aos hom ossexuais cond enad os. N a França, enquanto
as leis antissem itas foram extintas, lo g o após a guerra, pelo G en eral de G aulle, o
artigo do có d ig o co n tra a hom ossexualidade perm aneceu v ig en te, tornou -se mais
rígido em 1962 e deixou de ser ilegal apenas em 1981.
So cialm en te inaudíveis, os hom ossexuais não tiveram voz ativa na h isto rio
grafia do H o lo cau sto e do pós-guerra19. O testem unho de Pierre Seel tornou -se
paradigm ático. A o v o ltar do cam po, diante da h o m o fo b ia da fam ília e da popu
lação de seu país, sen tia-se um "estrangeiro", sem casa nem pátria20. Pressionado
a levar uma vida norm al', casou e form ou uma fam ília de três filhos. M ais tarde,
perceben d o que tom ara o cam inho co n trário ao próprio d esejo e que m antinha-se
subm etido à v iolên cia h o m o fó b ica , quebrou o silêncio e testem unhou o que foram
aqueles anos de h orror e sofrim ento que abalaram os alicerces da civilização o c i
dental. Seel resgatou, em seu livro, a m em ória de um grupo que, por m uito tem po,
não pôde d enunciar os crim es dos quais foram vítimas.
V oltem os à Psicanálise. In felizm ente a p o sição de Freud em relação ao h o m o s
sexualism o, resenhada aqui an teriorm en te, não se torn ou um con sen so entre os
analistas. A braham , d iretor da S ocied ad e P sicanalítica de Berlim , considerava que
a esco lh a hom ossexual era, de fato, um im pedim ento ao e x e rcício da profissão
de analista. Anna Freud classificava a hom ossexualidade co m o uma "anom alia"
passível de ser tratada. C o m isso, con cord av a com o ideário sociocu ltu ral, que
dizia ser a hom ossexualidade uma questão m édica. M elan ie K lein entendia as
hom ossexualidades fem inina e a m asculina com o resultados de uma identificação
p ato ló g ica da criança com a m ãe (n o caso da m enina) ou com o pai (no caso do
m enino). E, finalm ente, E rnest Jo n e s, presidente da International P sycboanalytical As-
sociation (IPA), que presidiu a assem bleia da D P G , m encionad a acim a, de expulsão
dos judeus, era frontalm ente co n tra a entrada de hom ossexuais no m ovim ento
psicanalítico,- posição que foi inteiram ente refutada por Freud em carta, assinada
ju n tam en te com O tto Rank, enviada ao co le g a 20. O que tem os de verificar é, em
que m edida essa gama de p re co n ceito s escorad os em "teorias" xen o fó b icas c o n tri
buiu e continu a con trib u in d o para d istorcer os princípios de liberdade e subversão
que fundaram a Psicanálise. U m a coisa é certa: o desm entido da verdade freu
diana — a atração entre sujeitos do m esm o sexo é uma p osição libidinal —, entre
os pós-freudianos, certam en te p rovocou e co rro b o ro u com o silêncio de m uitos
hom ossexuais após a Segunda G uerra. N este sen tid o, tem razão C h aim K a tz 21,
quando m ostra que o d esenvolvim ento da identidade, teoria e prática psicanalítica
e a con stru ção de institu ições psicanalíticas no períod o pós-guerra não devem ser
observados separadam ente.
M as co m o podem os sucum bir a h om ofo bia se até algumas igrejas, em op osição
às igrejas conservadoras acostum adas ao uso do estím ulo à intolerância, batalham
a favor da to lerân cia sexual? Q u ã o difícil é p erceb er que a história do m ovim ento
p sican alítico inclui o uso da Psicanálise, co m o já disse, por parte de m uitos, em
instrum ento de m anipulações cruéis capaz de ferir, hum ilhar e exterm inar com
qualquer resqu ício de alteridade.
É co m o um resto inassim ilável que a questão da x en o fo b ia retorna ao cam po
p sican alítico depois da Segunda G uerra. As im p licações do nazism o no m ovi
m ento p sican alítico são de lon g o alcance e, sem dúvida, atingiram d im ensões de
um trauma, até h o je não suplantado, que vão desde à destruição de institu ições
psicanalíticas no co n tin e n te europeu, à co o p era çã o de alguns psicanalistas com
o sistem a nazista22. O s que co n h ece m um p ou co da história da Psicanálise sabem
que o fato de Freud ter fundado uma disciplina em basada na d esconstrução de
p reco n ceito s, não quer d izer que seu alcan ce possa sobrepujar os impulsos hum a
nos destrutivos que, depois de A uschw itz, tom aram feiçõ es bestiais.
Em se tratando de um texto sobre Psicanálise e x enofob ia, seria oportuno lem
brar que, nos anos 1980, numa mesa redonda na P ontifícia U niversidade C atólica
do R io de Jan eiro (P U C -R J), o episódio de A m ilcar L obo, o torturador candidato
à analista da Sociedad e P sicanalítica do Rio de Jan eiro , tornou-se público graças
à revelação de uma ex-presa política da ditadura m ilitar brasileira, Inês Etienne
Rom eu e "pela denuncia pública, corajosam ente assumida pelo psicanalista H élio
P elegrino"23. A Psicanálise posta à serviço do período mais duro e repressivo pelo
qual o Brasil já passou, co n h ecid o com o 'anos de chum bo', permitiu que Lobo
passasse a integrar a equipe de torturadores p o líticos do D estacam en to de O p e
rações de Inform ações — C en tro de O p erações de D efesa Interna (D O I-C O D I).
A participação ativa de um candidato a analista nas op erações de tortura não era
do d esco n h ecim en to de seu analista. Além disso, a própria Sociedad e Brasileira
85
0 Mistério das
Homossexualidades
CAPÍTULO?
Homossexualidades em Freud
Antonio Quinet
■ Introdução
O
debate sobre o tem a das hom ossexualidades, na Psicanálise, apresenta um
certo atraso em relação à atualidade e às reivindicações dos m ovim entos
dos Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (G L B T T ). E o psi
canalista tem que estar à altura da subjetividade de sua época, com o indicou Lacan.
Isso im plica ch ecar a Psicanálise e suas diversas leituras, a partir desse tema, na m e
dida em que esta não é um saber com pleto, e sim em constante elaboração. Tanto
Freud quanto Lacan foram sensíveis e mantiveram um diálogo com interlocutores
de suas épocas sobre suas diversas questões, dentre as quais as hom ossexualidades.
As posições de am bos, tan to na clín ica quanto na teoria e na prática institu
cionais, vão co n tra qualquer tipo de d iscrim inação dos hom ossexuais. Isso não
impediu alguns de seus seguidores, co m o vem os neste livro, de prom overem c lí
nica, teoria e institu cion alm en te p ro ced im en tos de tentativas de patologização,
co rreção e exclusão de hom ossexuais da form ação psicanalítica.
N ão há con sen so entre os analistas sobre a questão da hom ossexualidade. H á
diversas leituras e p o sicio n am en to ao lo n g o da história. A obra de Freud foi tanto
a fonte do p ensam ento de Lacan, que valorizou a diversidade sexual, quanto de
outras corren tes, que enalteceram a relação heterossexual genital co m o se ela
fosse a relação sexual norm al, rumo a qual to d a análise deveria levar o sujeito, que
atingiria, dessa form a, sua suposta m aturidade sexual.
Em relação às hom ossexualidades, assim, as leituras de Freud são variadas e isso
tem conseq ü ências clínicas diversas.
A co n cep çã o que o analista tem da hom ossexualidade d eterm ina a m aneira
co m o ele cond uz a análise de seus analisantes, inclusive os que têm uma escolh a
de o b je to heterossexual, pois to d a análise sem pre passa, em algum m o m en to, pela
questão hom ossexual, que é constitu tiv a do sujeito. Q u an to aos hom ossexuais,
determ inadas co n cep çõ es podem levar a devastações irreparáveis, podend o tran s
form ar o p acien te em um inim igo da Psicanálise e im pedindo, assim, para sem pre,
que ele se b en eficie de uma análise. C o n h e ço o caso de um rapaz jo v em que foi
procurar análise devido ao co n flito en tre ter uma nam orada e sentir atração por
rapazes. O 'analista', em vez de to m á-lo em análise, estim ulou que ele fizesse sexo
oral e evitasse a p enetração com a nam orada, para o b ter mais prazer na relação
heterossexual. C o m isso, ele seria poupado da angústia de castração. Em outro
caso, o analista dirigiu o tratam en to no sentid o de fazer o sujeito assumir uma
heterossexualidade forçada e d esprezar suas ten d ências hom ossexuais levando-o
a um casam ento com uma mulher, que resultou desastroso. Esse m esm o tip o de
con d u ção da análise levou ou tro su jeito, n eu rótico histérico, a um d elírio de per
segu ição com seu ch efe no trabalho.
O que leva os analistas a isso? Q ual sua co n cep çã o da Psicanálise e da sexuali
dade? Felizm ente, não são todos os analistas que conduzem a análise dessa forma.
H á outras co n cep çõ es e outras leituras possíveis, tais com o as abordadas neste livro.
As teorias e asserções sobre a hom ossexualidade em Freud devem ser lidas
a partir da p osição ética do próprio Freud em relação ao tem a e à sexualidade
em geral, o que pode nos levar, algumas vezes, a c o lo c a r Freud versus Freud e, da
mesm a form a, Lacan versus Lacan. Q ualqu er teoria que generalize a h om ossexu a
lidade é falsa, qualquer etio lo g ia única que diga 'co m o se faz um hom ossexual' é
p recon ceitu o sa e toda p ato lo g ização da hom ossexualidade é racista. Eles abrem
o cam in h o para a prevenção, a discrim inação e a eugenia. 'O hom ossexual' não
existe, existem hom ossexuais: patentes, latentes ou sublim ados. O s praticantes da
hom ossexualidade, digam os assim, são os que têm co m o esco lh a de o b je to um in
divíduo do m esm o sexo. M as, até isso, podem os, com Lacan, co lo ca r em questão.
Freud ch eg o u a consid erar a hom ossexualidade co m o um "m istério", na medida
em que a vida sexual é o resultado da com bin atória de três fatores: as ca ra cte rísti
cas sexuais físicas (hom em ou m ulher), as características sexuais m entais, ou seja,
a p o sição sexuada, e a esco lh a de o b je to (hom em ou m u lh er)1. A prim eira ca ra c
terística diz respeito à anatom ia, ou seja, o físico d eterm inado por sua g en ética
(X X ou X Y ). Essa anatom ia, h o je em dia con testad a pela prática da cirurgia da
m udança de sexo, não determ ina, em absoluto, nem a p osição subjetiva do sujeito
e m uito m enos sua esco lh a de parceiro sexual. A p o sição (fem inina ou m asculina)
tam p ouco determ ina se o parceiro é hom em ou mulher. Assim, um hom em viril
com p o sição m asculina pode desejar um homem,- um hom em viril com posição
fem inina pode desejar m ulheres. Tod os os casos são possíveis: m ulher posição
fem inina, d esejand o m ulheres, mulher, p o sição m asculina, desejando hom ens
e tc. Assim, se Freud ch eg ou a dizer que a anatom ia é o d estino, isso não im plica
nenhum a d eterm inação sexual. Trata-se de um real do co rp o incontornável.
90
■ 0 real do corpo
A expressão de Freud, paráfrase de N apoleão, "a anatom ia é o destino", foi
m uito mal interpretada por diversos psicanalistas, inclusive lacanianos. Ela se
refere ao real do corp o. O real da anatom ia não im pede que hom ens e mulheres
tenham dúvidas e se perguntem sobre sua posição sexuada, ou seja, se são 'e fe ti
vam ente' hom ens e m ulheres. N o en tan to, por mais que um hom em não se sinta
hom em e uma m ulher não saiba o que é ser mulher, a ereção e a d etum escência,
assim co m o a e jacu lação para uns e a m enarca, a m enstruação, a m enopausa e a
gravidez para outros são signos do real que a anatom ia sexual im põe ao corp o.
D evido à d esnaturalização provocada pela entrada na linguagem , esses signos,
nem de longe, são a garantia de nada em relação à sexualidade. S er m ach o ou fê
mea é da ordem do real já dado. S er hom em ou m ulher é uma esco lh a de g ozo. Eis
o que Lacan situou nas fórmulas da sexuação, d iferenciand o um g ozo to d o fálico
para a posição m asculina de um g o z o não to d o fálico para a posição fem inina2.
Ser hom o ou heterossexual tam bém . U m a vez que o sexo é desnaturalizado pelo
O u tro da linguagem , a anatom ia dele receb e, por m eio das norm as sociais, um or
d enam ento cultural de co m o se portar na socied ad e - e na relação com o outro -
com o hom em e co m o mulher. Aos m eninos, os carrinhos,- às m eninas, as b onecas.
O O u tro da cultura con stró i, assim, os sem blantes de hom em e de mulher. M as
nem a anatom ia, nem a linguagem , nem a cultura garantem a p osição sexuada e,
m uito m enos, definem com que tip o de p arceiro o sujeito en con tra prazer sexual,
o que Freud designou por "escolha de o b jeto ".
Freud en co n tro u a hom ossexualidade co m o prática sexual em todas as estru
turas clínicas: na neurose (histeria, obsessão e fo bia), na psicose (esquizofrenia,
paranóia e m elan colia) e na perversão (voyeurism o, fetichism o, sadism o, m aso-
quism o e tc.). A hom ossexualidade, co m o prática sexual, não é, desse m odo, um
sintom a neu ró tico, não é uma perversão e nem é indício de loucura. A h om osse
xualidade é transestrutural. Ela é uma esco lh a de g o z o do sujeito que se en con tra
em neuróticos, perversos e p sicóticos. P or outro lado, em tod os os grandes casos
de Freud, en con tram os algum tip o de hom ossexualidade, sem que esta seja p ro
priam ente uma prática sexual: na histeria de D ora, na fobia de H ans, na esqui-
zofrenia-p aranoid e de S ch reber, na paranóia do H om em dos L obos, na neurose
obsessiva do H om em dos R atos e na vida sexual da jo v em hom ossexual.
D evem os, então, distinguir, em Freud, o que ele cham a de pulsão ou ten d ência
hom ossexual, que é um co m p o n en te libidinal de to d o ser hum ano, e a h om o sse
xualidade exercida na prática co m o uma esco lh a de o b je to efetivada pelo sujeito
(co n scien te ou in co n scien te).
O s co n c e ito s de pulsão sexual, bissexualidade e fantasia sexual contrad izem
toda teoria reducionista da sexualidade e devem ser as balizas que norteiam a
leitura da questão hom ossexual na obra freudiana.
91
Freud frequentem ente em pregava o term o "norm al" para a heterossexualidade,
com o no caso da jo v em hom ossexual. Isso pode levar a uma interp retação do n or
mal co m o sadio e do anorm al co m o doente. N o entan to , a partir da p o sição ética
de Freud e de seus textos sob re a moral sexual, podem os interpretar o "norm al" em
Freud co m o relativo à norma social e o anorm al com o o "cam inho proibid o pela so
ciedade" segundo suas palavras. O fato de Freud afirmar que a jo v em hom ossexual
nunca tenha sido neurótica não significa que, para ele, ela seja perversa (co m o La
can afirmou em seu sem in ário )3. Significa, sim plesm ente, que ela não apresentava
sintom as neuróticos. Segund o Freud, ela "ch eg a à análise sem um ú n ico sintom a
h istérico !1'4, sendo sua p ro blem ática não da ordem do sintom a e sim do ato (actint)
out e passagens ao a to )5.
■ A despatologização da perversão
O term o perversão' conserva, até h o je , uma carga negativa, pois, no senso
com um , é associado a crueldade, 'm au-caratice', perversidade, d oença, v ício e tc. A
partir de Freud, a perversão não é considerada nem traço de caráter, nem doença.
N unca é dem ais insistir que, em Freud, a barreira do normal e do p a to ló g ico é
desfeita. O muro é derrubado- O m ovim ento da Psicanálise é um co n sta n te brea-
king tbe wa.ll, quebra do muro, desconstrução da m uralha das ideias p recon cebid as,
co m o a capa deste livro ilustra. Isso porque a Psicanálise não se situa no âm bito da
'm oral civilizada' nem da m ed icina com seus ideais de saúde e norm alidade, e seus
critério s de d oen ça e de patologia. D o p o n to de vista p sicanalítico, a perversão
pode ser abordada, por um lado, co m o uma característica da própria sexualidade
e, por outro lado, co m o uma estrutura clín ica específica, ou seja, uma esco lh a
in co n scien te do sujeito de lidar com a castração.
■ A perversão generalizada
despatoiogizaçãd
a sexualidade"6, para dem onstrar a existên cia da pulsão sexual em tod o ser hum ano
e sua d eclinação de acordo com as práticas ditas perversas.- o voyeurism o, o e x ib i
na h i s t ó r i a
"pulsão hom ossexual". Porém não mais a inclui quando estuda e descreve, a partir
dos anos 1914/1915, o funcionam ento pulsional nos textos da m etapsicologia,
principalm ente em "A pulsão e seus destinos"7.
A o e stab elecer que toda crian ça é "p olim orfo perversa" e que a sexualidade
perm anece infantil no adulto, Freud indicou que é a sexualidade é perversa', pois
a pulsão sem pre se satisfaz parcialm en te u tilizand o-se de uma parte do co rp o do
p arceiro co m o um o b je to . Indica, assim, que a sexualidade se pratica por pulsões,
92
}
que são, por estrutura, perversas. H á, então, o universal da perversão na sexuali
dade do ser falante.
A 'perversão generalizada' inclui a prática tan to h e tero quanto hom ossexual.
Freud, utilizando, em 1905 , o vocabulário da ép oca, ao d esignar os hom ossexuais
de "invertidos", já afirmava: "a inversão seria apenas uma das m últiplas variações
da pulsão sexual"8. Freud deu m uito mais im portância ao fu ncionam en to da pulsão
sexual, do que ao o b je to esco lh id o pelo sujeito por satisfazê-lo. C o m o diz C o le tte
S o ler9 em seu te x to deste livro
(...) na antiguidade a ênfase era dada à pulsão, enquanto que nós damos
ênfase ao objeto. Durante a antiguidade, glorificava-se a pulsão e ela
enobrecia o ob jeto por menos valor que este tivesse: enquanto que nos
tempos modernos, desprezamos a atividade sexual enquanto tal e só a
desculpamos de alguma forma por causa das qualidades que encontra
mos no objeto".
93
m ostrar que a sexualidade, co m o vim os, assim co m o a fantasia do n eu ró tico é
perversa, ou seja, ela é sustentada por to d o tipo de cen a sexual.
O s sintom as neuróticos, diz F re u d ,"(...) representam uma conversão das pulsões
sexuais que deveriam ser cham ados de perversas" (no sentido am plo do te rm o )11.
"A neurose, é, por assim dizer, o negativo da perversão"12. E Freud explicou essa
expressão numa nota, m ostrando que a fantasia con scien te do perverso se m anifesta
nos tem ores delirantes dos p sicóticos e nas fantasias inconscientes dos neuróticos.
O neurótico e o p sicótico negam a perversão; um a recalca e outro a foraclui e,
assim, ela retorna, respectivam ente, nas fantasias e nos delírios. Toda fantasia in
co n scien te sexual do neurótico é perversa, pois a fantasia tem com o característica
a fixação de um gozo, que atribui ao sujeito um o b je to a ser gozado (i? 0 a).
P or ou tro lado, Lacan indicou dois processos da sexualidade que co rresp o n
dem às leis da linguagem : a perversão está para m etoním ia com o a neurose está
para a m etáfora. A perversão-m etoním ia "se exprim e entre as linhas, por c o n tra s
tes e alusões... con siste em escu tar uma coisa falando de outra com p letam en te
d iferen te"13. Ela fez ressoar algo à distância, indicand o um significante que está
longe na cad eia significante. Perversão, aqui, é a via indireta para se expressar
algo: "a função da perversão do sujeito", diz Lacan, "é uma função m eto n ím ica"14,
pois persegue o o b je to que causa seu d esejo no deslizam ento significante. Assim,
a perversão é a via m eton ím ica do d esejo que busca a satisfação. A neurose é sua
via m etafó rica, ou seja, sin tom ática. A sexualidade co m o perversão segue a via
m eton ím ica de significante em significante guiada p elo o b je to (a). A sexualidade
neurótica se satisfaz no sintom a, co m o m etáfora: sob rep osição de significantes
que fixa um gozo.
N ão é porque a jo v em hom ossexual tem co m o o b je to de e leiçã o uma dama
que Lacan evoco u a perversão, mas em sua m aneira m eton ím ica de enviar a m en
sagem do seu am or ao pai, atirando-se de uma passarela sobre uma via férrea, re
üespatoiogizaçao
presentando, com sua queda, o b eb ê, que seu pai lhe negou, co lo ca n d o , assim, em
cena, seu com p lexo de Édipo, que nada tem de invertido nem de d esm en tid o15.
■ A posição do perverso
de sua
angústia de castração provocada no sujeito pela visão do sexo fem inino: d esm en
tido ( Verleugnung). N esta, o sujeito, num duplo m ovim en to, aceita e d esm ente a
as nomossexuaiíaaaes na reicanaiise
94
form a de retorn o do que é negado. O que o neurótico recalca retorn a no sintom a,
o que o perverso d esm ente retorna no fetich e, e o que o p sicó tico foraclui retorna
nos delírios e alucinações.
A prática da hom ossexualidade pode se dar em todas as estruturas, co m o sin to
ma, fetichism o ou delírio... e sem ser nenhum deles! Em outros term os, a h o m o s
sexualidade é uma prática sexual que o co rre em n euróticos que apresentam seus
sintomas,- em perversos com seus fetich es e preferências sexuais,- em p sicóticos
cu jos delírios e ob servações sejam ou não de con teú d o hom ossexual - em relação
à neurose e à hom ossexualidade, rem eto o leitor à discussão, trazida por C laude
Léger neste liv ro 17, que se estabeleceu na ép o ca de Freud e dos pré-freudianos,- em
relação à psicose, rem eto ao artigo de S onia A lberti tam bém neste liv ro18. Vale
lem brar que o próprio Freud diferenciou a hom ossexualidade de fetichism o, e
p ortanto não se pode atribuir à perversão uma co n c ep çã o geral da hom ossexuali
dade m asculina, que estabeleceria uma equivalência entre o pênis do parceiro e o
fetich e. Em suma, não é possível enquadrar to d o hom ossexual m asculino na teoria
da negação da falta no O u tro e sua substituição pelo órgão viril, co m o fetich e.
N o caso de A ndré G id e, por exem plo, qualificado por Lacan co m o perverso, seu
fetich e não se e n co n tra nos jo v en s parceiros de sexo e sim nas cartas que enviava
para M ad elein e, a esposa com quem m anteve um casam ento sem s e x o 19.
Por outro lado, com Lacan e sua teoria do o b je to a, podem os voltar a g e
neralizar a perversão co m o característica da sexualidade, pois o o b je to a, co m o
mais-de-gozar, é o o b je to que tam pona a falta e traz satisfação, ten d o sem pre uma
característica fetich ista, seja ela da ordem do o b je to oral, anal, olh ar ou voz.
Lacan propôs pensar a perversão, não exatam ente em relação à castração e sim
a partir da p osição do sujeito de "instrum ento do g ozo do O u tro". D a í o perverso
ten ta p rovocar o g o zo im possível no p arceiro sexual, solicitan d o sua castração
pela via da angústia, para, em seguida, negá-la e forçar, assim, seus lim ites, co m o
é evidenciado nos casos de exib icio n ism o e sadismo.
Em seu ato p erverso, o s u je ito se e n c o n tra c o m o o b je to e é m o v id o p o r uma
"v on tad e de g o z o ". E le se d irig e 20 ao p a rce iro sexual para a cen tu a r sua d ivisão
\a 0 £ ] cau sand o h orror, susto e d ese sp ero , para lev á -lo a um g o z o sem lim i
tes, ou seja, n eg ar sua d ivisão e le v á -lo a re to rn a r a uma p o siçã o su p o stam en te
a n te rio r à ca stra çã o de um s u je ito b ru to de prazer, sem a b arra do reca lq u e
( S ) 21. Eis co m o L acan re to m o u o d esm e n tid o da c a s tra ç ã o na perversão ao
fa z er o ou tro gozar,- e le d esm en te sua c a s tra ç ã o e te n ta ro m p er a b arreira ao
g o z o , ap ag and o a b arra da d ivisão do su je ito . L acan , m ais tard e, em 1 9 6 9 , em
seu e n sin o , disse que o p erverso "é aq u ele que se co n sa g ra a tap ar o b u raco
no O u tro "22.
E videntem ente, a m aioria das hom ossexualidades não ca b e nessa redefinição
da perversão, o que não im pede que h aja perversos dentre os hom ossexuais.
■ Homossexualidade e paranóia
E n con tram os, na ob ra de Freud, a d efinição da paranóia co m o defesa co n tra
uma "pulsão hom ossexual", p elo fato de a tem ática hom ossexual estar freq u en te
m ente presente nesses sujeitos.
A o lerm os Freud com Lacan, podem os ressignificar essa posição e depreender a
questão estrutural, que deixa claro que a hom ossexualidade, na paranóia, é mais um
fenôm eno do que uma causa. Para estudar as três formas de paranóia, Freud partiu
de um postulado hom ossexual que estaria presente na subjetividade do paranoico:
Eu (homem) o amo (outro homem). Essa frase sofre transform ações gram aticais a partir
de três negações diferentes, na medida em que o sujeito não aceitaria esse suposto
d esejo hom ossexual. A n egação do verbo (am ar) n o delírio de perseguição.- Eu não
o amo —» E u o odeio que, por p ro jeção do ódio no personagem do perseguidor, tran s
form a-se em Ele me odeia. A n egação do o b je to (ele) na erotom ania: Eu não o amo e sim
a ela - Eu a amo (uma m ulher) que, por pro jeção, transform a-se em Ela me ama. N o
delírio de ciúm es trata-se da negação do sujeito (eu) e sua subsequente p rojeção:
N ão sou eu quem o ama e sim ela - o que resulta na certeza delirante de Ela me traí.
O ra, o m ecanism o esp ecífico da psicose, co m o o próprio Freud nom eou, não
é absolu tam ente a p ro jeção (própria do registro im aginário) e sim a Verwerfrancj,
term o freudiano, prom ovido por Lacan, que m ostra ser um tip o de n egação m uito
mais forte e que eqüivale a uma prescrição radical: a foraclusão. Além do mais,
essa n egação absoluta não incide em uma suposta pulsão hom ossexual e sim no
com p lexo de Édipo, mais esp ecificam ente no N om e-d o -P ai.
A foraclusão do N om e-do-Pai no lugar do O u tro situa o psicótico numa proble
mática fora-do-sexo, sem inscrição, desse modo, na partilha dos sexos23. Pois toda a
questão sobre a posição sexuada se dá a partir da travessia do com plexo de Édipo e
tem com o conseqüência a inscrição do N om e-do-Pai no lugar do O utro e o estabe
lecim ento da norma fálica para ambos os sexos. S ó a partir desse processo é que um
sujeito falante pode se situar com o hom em ou com o mulher. Por não ter o arrimo
fálico, ele é aspirado para o lado fem inino do não tod o fálico, o que Lacan caracteri
zou com o o "em puxo-à-m ulher"24. Assim, sua problem ática não é homo mas transexual,
com o mostra a evolução do delírio de Sch reber de ser transformado em mulher.
Por outro lado, o p sicó tico ocupa, em relação ao O u tro , a posição de o b je to :
ele é o b je to do g ozo do O u tro (o qual, ju stam en te por não ser barrado, não é
um O u tro esvaziado de g o z o ). O O u tro do p aran oico é um O u tro gozador, que
o situa co m o seu o b je to , co m o podem os dep reend er das fórmulas finais dos três
tipos de paranóia.
N o d elírio de perseguição, o sujeito é o b je to de ó d io e perseguição (o O u tro
m e persegue),- na erotom ania o sujeito é o b je to de am or (o O u tro m e ama),- e no
d elírio de ciúm es, o sujeito é o b je to de traição (o O u tro m e trai).
O d esencad eam ento da psicose não é p rovocad o por uma pulsão h o m o sse
xual e sim por uma situação na qual o sujeito é co n v o ca d o a assumir uma função
96
sim bólica que envolva o N om e-d o -P ai. Essa estrutura se en co n tra em diversas
configurações: o anú ncio da paternidade ou da m aternidade, o n ascim en to de um
7 ■ Homossexualidades em Freud
filho, a m orte de alguém afetivam ente im portante para o su jeito (função de ideal
do eu), o e n co n tro sexual com o O u tro sexo, a investidura sim bólica de um cargo
de responsabilidade ou uma posição altam ente valorizada, ou o e n co n tro com um
personagem que faça função de um pai tirân ico ou gozad or etc.
Encontram os vários casos, na clínica e na literatura psicanalítica, que vão contra
a teoria da gênese hom ossexual da paranóia. E, muitas vezes, o relacionam ento
hom ossexual pode evitar o d esencadeam ento da psicose.
A tendi, há m uitos anos, uma m ulher que desencadeou sua psicose quando
ch eg ou em Paris, após ter deixado sua nam orada para se casar com o ex-nam ora-
do de seu irm ão. 'Entre ter relações sexuais com uma m ulher ou com um hom em ,
a ch o m enos p erigoso ter relações com as m ulheres. N a verdade, não m e sinto
nem de um lado nem do outro. E stou en tre os dois'. O casam en to é evitado por
ter desenvolvido um delírio com seu ex-p atrão que queria crapularizá-la'. N um
outro caso, um jo v em m éd ico hom ossexual, ao ser co n v o ca d o pela família a se
casar com uma mulher, im ediatam ente co m eço u a sen tir m arteladas em seu crânio,
com o se fossem dissecá-lo.
Por não ter acesso ao co m p lex o de Édipo e à sim bolização introduzida pelo
N om e-d o-P ai, não podem os nem falar de hom ossexualidade na psicose, pois esta
im plica id entificações prom ovidas pela travessia edipiana. Assim, sem a m ediação
do O u tro sim bólico, o sujeito, na psicose, capta o outro, seu sem elhante, sim ulta
neam ente pela id entificação im aginária em uma e ro tização agressiva, fazendo do
outro a tela de suas p ro jeçõ es. C a b e relem brar que a p ro je çã o é um m ecanism o de
defesa do eu, p o rtan to , narcísico. A p ro blem ática hom ossexual, que pode então
surgir nessa cap tação im aginária, é m ais um e feito do que causa, ou seja, é um
efeito da regressão tó p ica ao estádio do esp elho. "A hom ossexualidade, pretensa -
m ente d eterm inante da psicose paranóica, é propriam ente um sintom a articulado
em seu processo", segundo Lacan25. Foi nesse lugar que entrou Dr. F lechsig para
Sch reb er - um duplo do esp elho, o ou tro im aginário que, ao m esm o tem po, c o n
densava o O u tro perseguidor que queria tran sform á-lo em m ulher para ser o b je to
de abuso sexual da parte dos h om ens em uma erotom ania m ortífera. Segundo
Lacan, Freud "denuncia, com a questão hom ossexual na paranóia, o m odo de alte-
ridade segundo o qual se efetua a m etam orfose do sujeito, ou, em outras palavras,
o lugar onde se sucedeu suas "transferências delirantes"26. T rata-se, assim, aqui de
uma hom ossexualidade delirante, co m o fen ôm en o transferenciai.
97
Freu d nu nca abriu m ão do c o n c e ito da diferença dos sexos e dos c o n c e ito s de
m ascu lin o e de fem inino, os quais não se referem à anatom ia e sim à p o sição do
su jeito em relação ao d esejo e à pulsão. O m asculino é ativo, o fem inin o é passivo,-
o p rim eiro é sujeito d esejante e o segundo é o b je to de d esejo. E isso independ en te
dos sex o s.
A atividade/passividade são características da pulsão: ver é atividade, ser visto
passividade e, da m esm a form a, co m er e ser com id o ou b ater e ser espancado.
L acan m ostrou que a atividade da pulsão inclui a passividade e se resum e num
"fazer-se": olhar, chupar, penetrar... na qual a p o sição de sujeito e de o b je to estão
con fu n d id o s.
A fantasia m antém a polaridade sujeito e objeto — polos nos quais o ser-para-o-
sexo oscila (K 0 a). C o m o com p lexo de Édipo, podem os acrescentar a essa lista
de p o larização: de um lado, encontra-se o sujeito desejante, ativo, m asculino, pai e
do o u tro lado o fem inino, o o b je to , o passivo, a mãe. Essa polaridade serve para o
e n co n tro sexual entre um hom em e uma mulher, entre duas m ulheres ou dois h o
m ens. Tod a m ulher desejante, deseja com o sujeito... m asculino (há, no entanto, em
L acan 27, algumas passagens em que ele nom eia o "desejo fem inino" com o d esejo de
falo),- to d o hom em , quando desejado está na posição feminina. N ão se trata aqui de
p re co n ce ito algum ou desqualificação da posição sexuada e sim de posições estru
turais. A posição de o b je to é dita fem inina por op osição à de sujeito e masculina.
O q u e não quer dizer que ser o b je to para o outro é estar aferindo àquele que deseja
a qualidade viril, e nem a si próprio com o fem inizado.
L acan desconstruiu a relação 'sujeito ativo versus o b je to passivo' ao apontar que
"o o b je to é ativo e o su jeito é subvertido". Q u em não tem a exp eriên cia da intensa
ativid ad e que representa b an car o o b je to de d esejo para um outro? O fazer-se
d e se ja r pode ser extenu an te de tanta atividade! As m ulheres que o digam! M as os
h o m e n s tam bém fazem tudo para se fazerem d esejar por m ulheres ou por outros
oesuaioiuyizaoao
ca stra çã o , e a ativa, à afirm ação fálica. A p o sição do su jeito d esejante fez Freud
na m s i o r i a
Lacan mostrou que essa libido, qualificada de masculina, eqüivale ao gozo fálico,
que é o gozo sexual propriamente dito. Para ambos os sexos, o gozo é vinculado ao
significante fálico - eis a norma. O normal do sexo é a norma fálica. Assim, Lacan,
analista freudiano, seguiu a linha do mestre que descobriu e apontou que ambos os g ê
neros sexuais estão sob o primado do falo. M as Lacan indicou que a posição feminina
vai para além desse primado. La normâle é o term o lacaniano que condensa la norme (a
norm a) e mâle (m acho), para indicar que ambos os sexos são regidos pela norma fálica.
98
São os ob jetos falicizados ou fetichizados, que constituem os ob jetos preciosos, causas
de desejo, pois vêm no lugar do falo faltante. E o ob jeto a de Lacan, que está no cerne
■ Homossexualidades em Freud
da sexualidade. Sua teoria mostra que esse é o parceiro sexual - o o b jeto que a pulsão
recorta no corpo do outro sexuado. N a cam a do sexo não há hom o, nem hetero e
sim o parceiro a-sexual, o objeto. Pois, não se tem acesso ao O utro no sexo a não ser
reduzindo-a a um ob jeto, um pedaço de seu corpo, com o qual se goza.
N o sem inário X X , Lacan tam bém m ostrou que, para haver "ralação sexual", é
preciso haver um a relação en tre o lado fem inino e o lado masculino-, seja do su jei
to com o o b je to (K —»<?), seja do lugar de A mulher cjue não existe com o significante
fálico (JKaF— Ho me n s e m ulheres podem se localizar nesses quatro lugares:
com o sujeito, co m o o b je to , co m o A mulher barrada e co m o representante (ou por
tador) do falo. Eis o que podem os d ep reend er das fórm ulas quânticas da sexuação
que desenvolvo neste livro em "A esco lh a do sexo"28.
MASCULINO FEMININO
S(A )
Em suma, para haver prática sexual envolvendo dois sujeitos, é preciso haver
duas posições sexuadas. Assim, em term os de econom ia de g ozo, não há sexo entre
iguais, a sexualidade é hetera, pois envolve a outro.
99
de libido que pode se expressar hetero ou hom ossexualm ente, segundo as circuns
tâncias produzirem obstáculos para uma ou outra via. A bissexualidade foi abordada
de diferentes maneiras por Freud, até sua con cep ção do com plexo de Édipo com p le
to exposta no terceiro capítulo de O "Eu e o Isso"30, com o verem os, no qual ele expôs
que tanto o m enino quanto a m enina têm a mãe com o o b jeto sexual e que ambos
se colocam com o o b je to sexual do pai. Q uanto à con cep ção da hom ossexualidade
com o uma parada no desenvolvim ento libidinal normal que atingiria a heterossexua-
lidade, ela efetivam ente atravessa toda a obra de Freud. Em "Esboço da Psicanálise"31,
publicado em 1938, escrito pouco tem po antes de sua m orte, Freud disse:
Essa co n cep ção — quando isolada da obra freudiana com o um todo, e de sua
posição ética e de seu co n tex to histórico - pode levar a consid erar os hom ossexuais
com o imaturos, perversos e anorm ais e, por extensão, seres infantis, perigosos e não
confiáveis, determ inando uma direção de tratam ento, n o sentido de um suposto
am adurecim ento da libido, para que atinjam a suposta normalidade da heterosse-
xualidade. Entretanto, devem os considerar o que já vim os sobre a perversão g en e
ralizada do sexo e que, para Freud, todos os seres hum anos estão mais ou m enos
fixados em uma "fase pré-edipiana" na qual uma determ inada pulsão é prevalente.
P ropom os uma outra leitura, ao consid erarm os o hom ossexual — da m esma
form a que o histérico, co m sua oralidade, ou o obsessivo, com sua analidade —
todos 'fixados' em alguma fase libidinal. Em outros term os, neuróticos, perversos
e p sicóticos, tod os tem os nossas fixações em fases ditas pré-edipianas. O "norm al
m aduro" é um ser virtual. E ideal, aos olh os da norm a. O su jeito freudiano é o su
je ito libidinal atrelado a alguma fase do d esenvolvim ento ou, m elh or d izendo, um
sujeito cu ja libid o privilegia uma ou outra pulsão sem exclu ir as outras. A dem ais, a
fixação que co n cern e ao sexo é, antes de mais nada, a fixação ou a 'fixão' da fan ta
sia in co n scien te, na qual se en co n tra o o b je to sexual de e leiçã o do sujeito {%> 0 a).
E isso que deve Ser consid erad o ao nos depararm os com a seguinte asserção
perigosa de Freud32:
A presunção de que os hom ossexuais não tenham sido em ancipados pode ser
utilizada para jo g a r a esco lh a h o m o eró tica no p re c o n c e ito moral da infantilid a
de, d oença, irresponsabilidade, quando não se levam em co n ta a p o sição é tica
de Freud e a totalid ade de sua obra. D e qualquer m odo, não podem os deixar de
sublinhar que se trata de um a frase de Freud criticável.
C o m a leitura estruturalista proposta por Lacan da Psicanálise, co lo ca m o s em
questão a abordagem do sujeito e de sua história a partir de fases de d esenvol
vim ento e de suas supostas regressões a fases em que a lib id o estaria fixada. A
regressão de que se trata em uma análise é a to p ológ ica: d eslizam ento da cad eia
de significantes até os significantes em que seu g o z o se fixou. A análise não é a
ch ocad eira da libid o e sim o lugar em que o sujeito pode 'historisterizar-se', d e c i
frando seu in co n scien te enquanto sexual, para poder "viver a pulsão"33, que, longe
de ser uma "b ich a louca", segue os cam inhos traçados p elo N om e-d o -P ai.
102
Freud, p o rtan to , com tantas teorias, não se propôs a dar uma exp licação única
da hom ossexualidade. O que sabem os, a partir da leitura de Freud com Lacan, é
a Homossexualidades em Freud
que to d o sujeito é dividido em relação à castração e a nega. C o m o vim os, o neu
ró tico recalca, o perverso desm ente e o p sicó tico foraclui.
Podem os co n clu ir que cada caso de hom ossexualidade m asculina terá sua te o
ria própria a ser construída a partir de sua análise, pois qualquer universalização
do d esejo é im possível. Isso vale tam bém para os sujeitos heterossexuais, pois a
análise perm ite ao su jeito apreender as coord enad as sim bólicas e im aginárias às
quais seu d esejo está fixado e daí inferir o real do sexo: o o b je to con d en sad or de
g ozo que causa o d esejo.
Q u an to à hom ossexualidade fem inina encon tram os dois eixos teóricos:
1. o hom ossexualism o é derivado do co m p lex o de m asculinidade, ao qual,
via de regra, o sujeito fem inino regride em con seq ü ên cia do inevitável
d esapontam ento com o pai48. N a jo v em hom ossexual, a essa d ecepção,
a crescen ta-se o desafio ao pai, p or ele a "ter traído" com a m ãe, dando-lhe
um outro bebê,-
2. mas, para Freud, há um outro fator mais im portante na relação de uma m u
lher com outra m ulher: é reprodu ção da relação m ãe-b eb ê, na medida em
que, para am bos os sexos, a m ãe é o prim eiro o b je to de amor.
Eis, resum idam ente, as teorias em Freud sobre a hom ossexualidade.
Todas essas teorias sobre a causalidade da hom ossexualidade só apontam para
sua im ensa variedade - eis porque não podem os falar de hom ossexualidade no
singular, e sim de sua pluralidade. C ad a su jeito tem sua sexualidade singular que
escapa a toda classificação.
103
o O u tro parental. N esse te x to , Freud d enom inou sua invenção de "co m p lex o de
Édipo sim ples", que pode ser positivo ou invertido - que foi, p o steriorm en te, b a
nalizado p elo senso com um . M as o próprio Freud não acreditou que isso seria, de
algum m odo tão 'simples', pois sua postura ética e clín ica sem pre foi a de se afas
tar do senso com um , da d eterm inação b io ló g ica , da moral burguesa e das regras
sociais, assim co m o dos p re co n ceito s religiosos que ligam o sexo ao casam ento
e à reprodu ção da esp écie. D o 'sim ples' passou ao verdadeiram ente 'com plexo': o
complexo de Édipo completo. P od em os nos perguntar por que essa form a m ais tardia
e desenvolvida por Freud, que corresp o n d e à realidade psíquica, não foi a que
passou para a vulgata da P sicanálise e para a direção do tratam en to de to d o s os
psicanalistas. Lacan responde, "não é porque se ten h a visto a m ontanha que as
pessoas se interessam cada vez mais pelo Édipo, é ju stam en te por tê-la visto que
preferem virar-lhes as costas"50.
O co m p lex o de Édipo co m p le to esclareceu, segundo Freud, que "não há um
só n eu ró tico que não ten h a tend ências hom ossexuais e que certos sin tom as são a
m anifestação dessa 'inversão laten te'"51.
N o co m p lex o de Édipo sim ples do varão, o d esejo pela mãe se associa a um d e
sejo de elim inar o pai. N o en ta n to , a relação com o pai não é apenas de ód io, ela
é am bivalente, pois, ao lado do ód io, há uma 'id entificação-pai', querer ser co m o
ele. Freud nunca foi ca te g ó rico quanto ao d estino dessa situação que, in d ep en
d en tem ente do que for, ten d e ao recalque. "Pode haver dois d iferentes substitutos:
uma id entificação com a m ãe ou um refo rço da identificação-pai". E na m enina
idem. C o n tu d o , Freud con fessou que as coisas não são tão sim ples assim, pois não
correspond em ao que se verifica na clínica.
"O p in o , diz Freud, que se fará bem em supor em geral - e m uito particu larm en
te no caso dos neuróticos - a existên cia do co m p lex o de Édipo co m p leto "52. Este,
pois, é duplo, positivo e negativo. Assim o m enino "m ostra tam bém uma atitude
de Süã d e s p a t o l o g i z a ç ã o
fem inina terna em relação ao pai e a corresp o n d en te atitude cium enta e hostil em
relação à m ãe"53. D a m esma form a, a m enina se m ostra cium enta e hostil co m o
pai, rivalizando com ele pelo am or da mãe.
Freud propôs situar os casos em uma série em que em uma extrem idade estaria
o co m p lex o de Édipo norm al, positivo e, na outra, o inverso, n egativo, enqu anto
na h i s t ó r i a
Assim , passando essa proposta de Freud para um esquem a gráfico, este teria
essas extrem idades e, no cen tro , estaria a bissexualidade ideal, sem 'desigualdade'
na com p o sição dos elem entos.
104
C O M P L E X O DE ÉD IPO C O M P L E X O D E ÉD IPO
SIMPLES P O S IT IV O SIMPLES N EG A TIVO
NORM AL IN V ERTID O
C ada ser hum ano se localiza, portanto, segundo Freud, em algum lugar dessa
série, com seu co m p lex o de Édipo co m p leto , mais ou m enos próxim o da "bisse
xualidade ideal".
Segund o a exp eriên cia analítica, para Freud, alguns dos elem en tos h ete ro sse
xuais ou hom ossexuais podem desaparecer d eixando apenas um "vestígio reg istra
do", que podem os designar co m o traço s da sexualidade, m arcas no co rp o ou no
je ito (m asculino ou fem inino) ou, ainda, um sintom a. O s vestígios da fem inilidade
em hom ens, ou da m asculinidade em m ulheres são, assim, traços advindos de
sua tend ência h om o ou heterossexual, derivados do co m p lex o de Édipo. Freud
destacou, por fim, "quatro disposições contid as nele que se desm ontam e se d es
dobram "55 em cada ser hum ano: d esejar o pai, d esejar a m ãe, odiar o pai e odiar
a mãe.
Freud, com o c o n c e ito do com p lexo de Édipo com p leto , en con trou , assim, a
teoria que lhe perm ite explicar, 2 5 anos depois, o que escrevera para Fliess em
sua corresp o nd ência particular: "estou m e acostum ando a encarar to d o ato sexual
co m o um a co n tecim e n to entre quatro indivíduos"56.
C o m o vem os, só a ignorância, o p re co n ceito ou uma visão parcial ou deturpa
da pode deform ar a obra de Freud e reduzi-la à con sid eração da hom ossexualidade
co m o um desvio da norm alidade, uma perversidade, im aturidade ou doença.
105
A Psicanálise à prova da homossexualidade
Elisabeth Roudinesco
ensador da em ancipação, Freud sem pre teve uma atitude liberal, tanto em
P relação às m ulheres, quanto aos hom ossexuais. Isso, aliás, o co rre muitas
vezes de form a conju n ta. C ertam en te, ele não podia im aginar o que viria a
ser o destino dos hom ens e das m ulheres no século X X I. Porém , nas reuniões da
Sociedad e P sicológica das Q uartas-Feiras, que aconteciam em sua residência, no
início do século, reprovava, por exem plo, a m isoginia de alguns de seus discípulos.
Q u an to à hom ossexualidade, Freud adotou uma atitude idêntica, esp ecialm en
te recusando classificá-la en tre as anom alias da sexualidade, co m o o faziam os se-
xólogos de sua ép oca. N ão consid erou que os hom ossexuais com etam 'atos con tra
a natureza'. Ele tam bém recusou qualquer form a de estigm atização fundam entada
na noção de d egenerescência. Em outros term os, não separou os hom ossexuais
dos outros seres hum anos e consid erou que to d o sujeito pode ser portador dessa
escolh a, devido à existên cia, em cada um de nós, de uma bissexualidade psíquica.
Em certo s m om en tos, Freud não excluiu a existên cia de uma predisposição
orgânica na gênese da hom ossexualidade, em bora continu asse co n v en cid o de que,
tanto para um hom em , quanto para uma mulher, o fato de ser criad o por m u lhe
res favorece a hom ossexualidade, no que ele se engana. Em outras palavras, se o
hom em , no sen tid o freudiano, é m arcado pela tragédia do d esejo, o hom ossexual
não é outro, em relação a essa tragéd ia hum ana em geral, senão um sujeito ainda
mais trág ico que o n eu ró tico com um , pois sua esco lh a sexual o c o lo c a co m o pros-
crito da socied ad e burguesa. Seu ú n ico recurso é, então, o de tornar-se um criador,
a fim de assumir o próprio drama. E n con tram os essa p osição no ensaio que Freud
d ed icou a Leonard o da V in c i1. E é nesse livro, de 1 9 1 0 , que ele renunciou a u tili
zar a palavra 'invertido', em p ro veito do term o 'hom ossexualidade'.
P or ou tro lado, Freud não classificou a hom ossexualidade en q u an to tal na
cate g o ria das perversões sexuais. Isso porque ele universalizou a ca te g o ria da
perversão e não a reservou aos hom ossexuais, ainda que estes sejam , fre q u e n te
m ente, a seu ver, perversos. A perversão é com partilh ad a pelos dois sexos, pois
ela não se resum e a uma perversão sexual.
Em 1920, ele relatou a infeliz aventura de Sidonie Csillag, jovem lésbica v ie
nense, enam orada de uma dama que a recusava, e que seus pais queriam casar para
evitar qualquer escândalo na vida pública. É a propósito desse caso que Freud deu
sua definição canôn ica da hom ossexualidade fem inina, resultante, segundo ele, de
uma fixação infantil na mãe e de uma d ecepção com respeito ao pai. Sem som bra de
dúvida, a abordagem da hom ossexualidade fem inina era mais fácil para ele do que
a da hom ossexualidade masculina. D e um lado, porque as m ulheres hom ossexuais
eram mais bissexuais que seus hom ólogos m asculinos, e que, portanto, a escolh a
de o b je to era mais vacilante,- e, de outro, porque a hom ossexualidade fem inina era
m elhor dissimulada quando não era reivindicada co m o um m odo de vida rebelde
entre os escritores e poetas dos círculos modernistas. Além disso, os hom ens h o
mossexuais quase não buscavam análise, uma vez que suas práticas julgadas perver
sas caíam sob o golpe da lei.
U m ano mais tarde, na P sicolog ia das massas e análise do eu2, Freud dá uma
d efinição mais clara da hom ossexualidade m asculina: ela a co n tecia após a puber
dade quando se produziu, durante a infância, um laço intenso entre o m enino e
sua m ãe. Em vez de renunciar a ela, este identifica-se co m ela, tran sform a-se nela
e busca o b je to s suscetíveis de substituir seu eu e aos quais possa am ar co m o foi
am ado por sua m ãe. Finalm ente, numa carta de 9 de abril de 1 9 3 5 , end ereçad a a
uma m ulher am ericana cu jo filho é hom ossexual e que se queixa a Freud3, escreve:
110
N otem o s, no en tan to , que a British Psychoanalytical Society (B P S ), fundada por
Jo n es em 1919, tinha, em suas fileiras, clín ico s pouco conform istas. Assim Jam es
Strach ey, o ilustre tradutor de Freud, irm ão do fam oso L ytton Strach ey , era um
hom ossexual declarado. Praticava a Psicanálise no seio da socied ad e antes de se
casar com A lix Strach ey, por quem se apaixonou porque ela parecia um 'm enino
m elancólico'.
Foi som ente em nossos dias que a fam osa regra não escrita instaurada pelo
C o m itê S e creto , em 1921, foi progressivam ente 'apagada' (e não ab olid a), com o
efeito das lutas do m ovim en to g a y am ericano e, sobretud o, da 'saída do armário'
de alguns psicanalistas do outro lado do A tlân tico, m em bros da IPA, que c o
m eçaram a se declarar abertam en te hom ossexuais, esp ecialm en te no C o n g resso
Internacional de B arcelona de 1997. Esse foi o caso de Ralph R ou ghton, didata da
Socied ad e P sicanalítica de C leveland , m em bro da poderosa American Psychoanalytic
Association (APsaA ), filiada à IPA. N um a co n ferên cia b om b ástica, ele relatou a luta
travada pelos analistas hom ossexuais am ericanos que acabaram por se fazer re
c o n h e ce r pela IPA enqu anto elaboravam as co n d içõ es de uma abordagem clín ica
capaz de dar co n ta da existên cia "inegável de m ulheres e de hom ens hom ossexuais
saudáveis e m aduros"4.
Pela prim eira vez, finalm ente, e apoiand o-se ao m esm o tem p o nos trabalhos
de Freud e de R o b ert Stoller, psicanalista califo rn ian o esp ecialista em perversões e
transexualism o, psicanalistas eles m esm os hom ossexuais dem onstraram , a partir de
casos co n creto s, que a hom ossexualidade era uma esco lh a sexual, uma orien tação
sexual, que, em nenhum caso, devia ser qualificada, encjuanto tal, co m o patologia.
Em outras palavras, essa tese perm itia reatar com o universalism o freudiano
segundo o qual um hom ossexual é um sujeito co m o qualquer um que pode apre
sentar, por outro lado, p ertu rbações n euróticas, psicóticas, perversas ou borâerline,
da m esm a m aneira que qualquer indivíduo heterossexual. Tratava-se, então, de
retirar definitivam ente a hom ossexualidade do registro da p atolog ia ou das per
versões sexuais, tais co m o o fetichism o, o sadism o, o travestism o ou a pedofilia
e tc. Escreve R o u g h to n 5:
C onhecer a orientação sexual de uma pessoa, não nos diz nada sobre
sua saúde ou sua maturidade psicológica, nem sobre seu caráter, seus
conflitos internos ou sua integridade. Um paciente homossexual borderli-
ne terá mais em comum com um paciente heterossexual borâerline do que
com um indivíduo homossexual psicologicam ente saudável.
E preciso saudar a coragem desses psicanalistas. Aliás, sua luta não está
concluíd a. Eles não conseguiram errad icar a h o m o fo b ia presen te na IPA, mas
mudaram sua estratégia repressiva. H o je , ninguém mais na IPA ousa adm itir-se pu
b licam en te h o m o fó b ico . C ertam en te, o ód io co n tra a hom ossexualidade persiste
com a m esma v iolência. Ele assume, e n treta n to , um asp ecto d iferente daquele de
111
outrora. E xprim e-se sob a form a de uma d en eg ação, um pouco co m o o antissem i-
tism o das sociedades d em ocráticas de h o je 6:
É assim que se exprim e o psicanalista francês G ilb ert D iatkine em sua resposta
à R ou ghton, quando ele denuncia a atitude de "proselitism o m ilitante"8 deste,
em nom e de uma pretensa neutralidade da Psicanálise. E ncontram os a m esm a
argum entação d en egatória em C ésar Botella9, outro psicanalista francês que não
hesitou em declarar que a m ilitância seria uma "renegação do drama pessoal do
hom ossexual", suben ten d end o-se que este seria acom etid o por uma "p atologia
narcísica" que a P sicanálise não pode, de form a alguma, resolver. Por que en tão os
psicanalistas perseguidos não teriam o direito de m ilitar? Em que o fato de ser um
m ilitante seria sinal de uma d eficiên cia da ética psicanalítica? Além do mais, se a
Psicanálise não pode resolver a questão da hom ossexualidade, co m o o sublinha
Botella, ela pode, em to d o caso, tratar determ inadas patologias narcísicas que não
são esp ecíficas da hom ossexualidade.
E m bora em d eclínio, a h o m o fo b ia da IPA caracteriza-se, assim, com relação às
teses antigas, por não ter nenhum fundam ento te ó ric o e ser afetiva e p atológ ica.
V em os, então, claram en te a utilidade das lutas do m ovim en to gay-. este tornou
'vergonhosa' a expressão pública da hom ofo bia. Isso não é surpreendente e eis
porque são indispensáveis todas as leis que suprimam as d iscrim inações. Elas o b ri
gam os h o m o fó b ico s a em pregar artifícios, e isso é um progresso.
N os kleinianos, a hom ossexualidade foi associada a uma perturbação esquizoi-
de, um 'm eio' de enfrentar uma paranóia e, assim, de toda form a, uma perversão do
tip o sád ico ou m asoquista. Em últim a análise, a hom ossexualidade não existe para
os kleinianos. Ela é uma variante de um estado p sicó tico m ortífero e destruidor.
Tam bém não figura nos d icionários do pen sam en to k lein ia n o 10, o que eqüivale a
m anter os hom ossexuais na categ oria de 'desviantes', de d oen tes, e, assim, proibir-
lhes o acesso ao o fício de psicanalista.
N aquela ép oca, na França, ob ed eciam -se as regras da IPA e os hom ossexuais
eram banid os da form ação didática. N a qualidade de p acien tes, eram con sid era
dos d oentes que deviam ser reeducados para to rn arem -se heterossexuais. N esse
co n te x to , os hom ossexuais d esejosos de fazer uma análise fugiram dos divãs da
IPA, salvo quando uma 'perversão' particular os con d u zia a odiar sua própria h o
m ossexualidade a p onto de quererem erradicá-la. O s outros, p erten cen tes, muitas
vezes, a um m eio intelectual ou artístico, preferiram divãs m enos repressivos. M u i
tos deles se acharam em análise com Lacan que nunca procurou os transform ar
em h ete ro ssex u ais".
112
N ão apenas Lacan tom ou em análise hom ossexuais sem jam ais pretend er os
reeducar nem os im pedir de se tornarem psicanalistas caso o desejassem , com o,
113
gregatórias. Aliás, eu acrescen taria que Lacan, pelas mesmas razões, não con d en a
os h o m o fó b ico s. D e uma m aneira geral, sua tolerância com os com p ortam en tos
consid erad os co m o os mais 'desviantes', mais injuriosos, mais virulentos, é, por
vezes, difícil de com preend er. Sem dúvida, é con seq ü ên cia da vio lên cia que ele
carregava d entro de si. N ão se dirá jam ais o suficiente sobre o quanto ele foi um
m estre transgressivo, sensível a todas as m anifestações mais exacerbadas da lou cu
ra, da m ística, do gozo , e lúcido sob re todas as torpezas humanas.
P orque faz da hom ossexualidade uma perversão, Lacan consid era que os
hom ossexuais não são 'curáveis'. D istingu e a hom ossexualidade fem inina, que
ele aproxim a da histeria e da rivalidade sexual, da hom ossexualidade m asculina,
na qual localiza um dos fundam entos do laço social. Em seu sem inário sob re As
formações do inconsciente, declara que, se o hom ossexual agarra-se tan to a sua p osição
de hom ossexual é porque, para ele, a m ãe dita a lei no lugar do pai, ou m elhor,
ela 'dita a lei ao pai'. Lacan retom a aqui a tem ática freudiana do Édipo invertido
(sabem os que, para Freud, o co m p lex o de Édipo é a representação in co n scien te
pela qual se exprim em o d esejo sexual ou am oroso da crian ça pelo p ro g en ito r do
sexo o p o sto e sua hostilidade pelo p ro g en ito r do m esm o sexo. Essa representação
pode se inverter e m anifestar am or p elo p ro g en ito r do m esm o sexo e ód io co n tra
o p ro g en ito r do sexo o p osto. Em Freud, a hom ossexualidade deriva freq u en te
m ente do Édipo invertido, mas este não dá lugar ob rig atoriam en te a uma o rie n
tação de tip o hom ossexual), porém a sistem atiza no âm bito da invenção de sua
própria tó p ica (im aginário, sim bólico, re a l)15. Tudo se passa co m o se Lacan fizesse
do am or hom ossexual o p ro tó tip o do am or e que, co m o o am or hom ossexual é,
a seu ver, uma perversão, há, inevitavelm ente, para ele, uma d isposição perversa
no am or em geral.
É d entro dessa perspectiva que é p reciso ler o co m en tário de Lacan sobre O
banquete. Ele com para o lugar atribuído à hom ossexualidade na G récia ao ocupado
pelo am or co rtês na socied ad e m edieval. A m bos teriam uma função de sublim a
ção , que perm itiria perpetuar o ideal de um m estre no seio de uma socied ad e c o n s
tan tem en te am eaçada pelas devastações da neurose. Em outras palavras, o am or
co rtês c o lo c a a m ulher numa p osição equivalente àquela que o am or hom ossexual
g rego atribui ao m estre. P or con seg u in te, o d esejo perverso, presente nessas duas
form as de am or em que se associam a sublim ação e a sexualidade carnal, é d esig
nado co m o altam ente favorável à arte, à criação e à invenção de novas form as do
laço social. E Lacan lastim a que esse am or não exista mais na hom ossexualidade
dos anos 1 9 5 0 "em que os coleg iais tem espinhas e são cretinizad os pela educação
que re ce b e m "16.
Eu não creio , de m inha parte, que se possa ap ontar Lacan co m o h o m o fó b ico
sob o p retexto de algumas frases injuriosas co n tra as 'tias'. Lacan m aneja a injúria
co n tra to d o m undo. Em seus sem inários, não cessa de insultar seus adversários,
de am ald içoar seu avô, de tratar de "cretinos" aqueles que não lhe agradam. Em
suas cartas privadas, é pior ainda. E quando ele elo g ia alguém , a ofensa está muitas
114
vezes presente. D esse m odo, quando qualifica positivam ente M ela n ie K lein de
"tripeira genial", trata-se de uma ofensa to talm en te equivocada, aliás, pois M elain e
115
culado a um patriarcado de quinta categoria, e longe de fazer da função sim bólica
do pai uma 'essência', Lacan pretend e-se um pensador iluminista dissociado de sua
cultura cató lica, mas capaz de integrá-la à sua démarche, com o Freud o faz com sua
judeidade. É, aliás, por essa razão que ele tom a de Lévi-Strauss a n oção de função
sim bólica (do pai, da paternidade) sublinhando sua intenção de nunca a confundir
com uma instância nom inalista ou essencialista.
D ito isto, há, em L acan, uma referên cia co n sta n te a teolog ia cristã. Porém ,
fazer d ele um rep resentan te o rto d o x o e rig oro so da igreja ca tó lica rom ana eq ü i
vale a esq u ecer que ele foi ateu, n ietzsch ean o , esp inosista, h eg elian o, d ep ois es-
truturalista, e que designou a si m esm o, em sua ju ventu de, co m o um 'A nticristo'.
Seu 'cato licism o' b arro co e esp len d oroso, tin gid o de ód io sagrado, estava mais
próxim o do de um Salvad or D ali ou de um Luis Bunuel do que dos p receito s dos
bons padres. Foi ju sto por isso que, depois de te r querido se en co n trar com o
Papa e, em seguida, com M a o T sé-Tung, todos dois encarnan d o, a seu ver, uma
p o sição de m estre espiritual, Lacan sonhou com ter funerais ca tó lico s, quer dizer,
um ritual com grande pom pa, o que não tem nada a ver com um en terro relig ioso
para pequ enos burgueses. L acan era verd ad eiram ente um m estre que sabia ser um
m estre, co m o o sublinhei com A lain B adiou17.
Além disso, ainda que a n o çã o de N om e-d o -P ai fosse diretam ente tom ada da
teolog ia, ela tam bém teve por fundam ento as categ orias m odernas da an tro p o
logia provenientes de D urkheim , M auss e Lévi-Strauss. A esse respeito, não há
nenhum a confusão em Lacan entre uma lei an trop ológ ica (a interdição do in cesto )
e uma estrutura fam iliar 'paternalista'.
D o m esm o m odo, não há con trad ição de p rincíp io entre o m od elo edipiano
elaborad o por Freud (e retom ado por seus sucessores) — no sentido da tragédia e
não de uma psicologia de b alcão, da qual se valem h o je , in felizm ente, tod os os
psicanalistas - e o m ovim ento de em ancipação dos hom ossexuais iniciad o ao final
do sécu lo X IX , com o d eclínio do patriarcado. S e o pai foi progressivam ente des-
possuído, no O cid e n te , de suas funções autoritárias tradicionais, nem por isso a
fam ília deixaria de perm anecer, h o je , com o em 1 9 3 8 , uma entidade indestrutível.
S e ja 'natural', 'recom posta', 'm onoparental' ou 'hom op arental', ela é efetivam ente
a im agem dessa tragédia edipiana reinventada por Freud. C o m a co n d içã o de
nunca fazer do Édipo um sim ples 'com plexo'. A fam ília serve de crisol tan to para
a afirm ação de uma norm alidade social e sim bólica quanto para o surgim ento das
m aiores pulsões crim inosas, ou para o d esab roch am en to das transgressões e de
todas as patologias co n scien tes e in co n scien tes ligadas à con stru ção da su b jetivi
dade humana.
P o rtan to , não vem os em que p o n to a teo ria lacaniana, que reivind ica essa
c o n c e p çã o de fam ília, poderia assem elhar-se, de p erto ou de long e, a qualquer
tom ada de p o sição h o m o fó b ica com parável ao an ed otário dos psicanalistas
co n tem p o rân eo s, segundo a qual uma pretensa 'lei do pai' seria necessária para
116
ob rig ar as m ães, quer dizer, as m ulheres, a não devorar suas crianças. Foi em
nom e dessa vulgata que uma parte da com unid ade p sican alítica francesa iniciou ,
em 1 9 9 9 , uma guerra co n tra os hom ossexuais d esejo so s de ad otar crianças,
op on d o-se, do m esm o m odo, às novas práticas de rep rod u ção assistida, e, mais
re ce n tem en te ainda, à g estação por outrem (G PA , 'm ães portad oras'). Foi nessa
m esm a perspectiva que eles continu aram a em itir ju lg am en tos g ro tesco s sobre
a origem do autism o e das psicoses: a m ãe seria um m onstro numa socied ad e
dom inada por um e xcesso de liberdade e de o n ip o tên cia das m ulheres que vêm
entravar a 'lei do pai'.
Esse discurso, fundado sob re a n atu ralização da fam ília e da d iferen ça dos
sexos, foi critica d o p o r fem inistas, so ció lo g o s, an tro p ó lo g o s, filósofos e h isto ria
dores da fam ília. Esse discurso é d oravante o sin tom a de algum a co isa terrív el: de
tantas asneiras, os Psicanalistas, em sua m aioria e de todas as ten d ên cias, to rn a
ram -se os inim igos de si m esm os e os principais cov eiro s da doutrina freudiana.
D ir-se-ia uma h istória jud ia. M e lh o r rir dela do que chorar, mas será necessária
uma nova g eração para a P sican álise sair do a to leiro no qual a m ergulharam seus
rep resen tan tes para grande felicid ad e de seus verd ad eiros inim igos: os com por-
tam entalistas, os antifreud ianos rad icais, os reacio n ário s de toda ordem .
D ito isso, con tin u o con v en cid a de que a c o n c ep çã o lacaniana da h om osse
xualidade não convém à análise das hom ossexualidades de h o je , uma vez que o
hom ossexual, na m edida em que encarnaria a raça m aldita do perverso sublim e,
está em vias de d esaparecim ento. O s hom ossexuais con tem p orân eos não podem
mais ser classificados globalm en te na categ oria de perversos. D a m esm a forma,
a hom ossexualidade neurotizada de h o je não é, enqu anto tal, uma perversão-, nem
uma perversão sexual, nem no sen tid o estrutural. Em contrapartida, o que subsiste
da teoria lacaniana é a ideia, m agistral a meu ver, de que existiria, no amor, em
geral, um co m p on en te, até m esm o uma estrutura de natureza perversa, uma estru
tura 'hom ossexual sublimada' com um aos hom ossexuais e aos heterossexuais. E se
a tese lacaniana da existên cia necessária de um real irredutível à norm a for exata,
há grande probabilidade de que o personagem do perverso sublim e e m aldito se
m anterá em nossa socied ad e sob novas formas.
■ Introdução
reud não hesitou em retom ar a frase atribuída a N ap oleão "a anatom ia, é o
■ As aporias do sexo
P erceb e-se co m o seria fácil explorar a distância entre as duas fórmulas, para
transform á-la em sinal indubitável da in con sistên cia da doutrina. R eco n h eça m o
-la, ao con trário, co m o índice das aporias do sexo com que a Psicanálise se viu
confrontada. Aliás, elas saltam aos olhos. O s sujeitos se identificam tão pouco
com sua anatom ia que tendem prin cipalm ente a se deixar perturbar por seu ser
sexuado. O s casos extrem os do delírio transexual ou os jo g o s de eng od o do tra-
vestism o acabam se encon tran d o com o caso mais com um , em que um sujeito se
questiona se é 'verdadeiram ente um hom em ', algumas vezes até o p o n to de se crer
obrigado a dar m ostras disso, en qu anto outro sujeito se preocupa em saber se é
'uma verdadeira m ulher' - nuance da língua - e não en con tra m elh or m eio para se
assegurar disso do que... 'a mascarada'.
H á um sécu lo, a própria teoria p sicanalítica enfrenta o problem a de definir
o que con d icio n a a inscrição sexual, pois con stata com clareza que a anatom ia
decide o estado civil, mas não com anda nem o d esejo nem a pulsão - a simples
existên cia das perversões já deixava essa suspeita há m uito tem po. D a presença-au-
sência do pênis, a que a anatom ia se reduz no início, depende que alguém seja dito
m enino ou m enina e, con seq u en tem en te, endoutrinado. M as é evidente que isso
119
não basta para fazer dele h om em ou mulher. E a frase de Freud, con trariam ente ao
que poderia parecer, não tem nada a ver com qualquer naturalismo. Ela se refere,
antes, ao fato da 'desnaturação' operada pela linguagem , que faz com que a d ife
rença natural dos sexos só ten ha conseqüências subjetivas ao ser significantizada,
e só ressoe no nível do 'falasser', ao passar pelas sutilezas e armadilhas do discurso.
■ Identificação ou sexuação
P arece-m e que a d ivergência das respostas de Freud e Lacan sobre o que p re
side a inscrição sexuada poderia ser expressa de form a condensada pela op osição
entre dois term os: id entificação e sexuação. Tal redução con ceitu ai sacrifica ev i
d en tem ente as nuances e as etapas de suas respectivas elab oraçõ es, mas c re io que
o ferece o eixo central da questão.
D ep ois de d escobrir a perversão polim orfa da criança, Freud inventou seu
Édipo para exp licar co m o do pequ eno perverso advém uma só form a, seja ela de
hom em ou de mulher. A fase edipiana é, en tão, segundo Freud, o que perm ite
corrigir a dispersão polim orfa das pulsões por m eio de identificações un ificad o
ras, em bora ao p reço de alguns sacrifícios e fracassos. Isso eqüivale a d izer que a
id entificação é o nom e que ele dá ao processo p elo qual o sim bólico garante suas
apreensões do real.
C o m esse com p lexo de Édipo e as diferentes identificações que ele engendra,
Freud dá consistência a determ inado O u tro de discurso. É o O u tro que amarra suas
normas, suas obrigações e seus interditos na identidade anatôm ica. O u tro, assim,
que im poria uma solução padrão para o com plexo de castração, a solução h e te ro s
sexual, rejeitand o qualquer solução d iferente co m o atípica ou p atológica. O u tro
que, para d izê-lo com Lacan, ao erigir os sem blantes que ordenam as relações entre
os sexos, d iz-lhes o que vocês devem fazer co m o hom em ou com o mulher.
M as, para serm os ju stos com Freud, muitas nuances e definições seriam aqui
necessárias. Prim eiram ente, porque ele nunca op erou apenas com a n o çã o de
identificação, lançand o m ão, em cada caso, do tripé p u lsão-id entificação-esco-
lha de o b je to . Em seguida, porque ele próprio se deu co n ta do fracasso de sua
solução e dos lim ites que ela en con tra na resistência das pulsões recalcadas que
n ão cessam de retornar em form a de sintom a, assim co m o nas inércias do que
ele designou co m o pulsão de m orte. C o n tu d o , a d espeito das nuances, podem os
dizer de form a condensada que, ao forjar o m ito de Édipo, com suas diferentes
m odalidades de d esejo e de g ozo , tornar-se hom em ou m ulher era, para Freud,
uma questão de identificação edipiana.
Aliás, m algrado toda a en tro p ia teó rica que separa S to lle r2 de Freud, a n oção
de 'gênero', tão cara aos anglo-saxões, segue na m esm a d ireção. Esta é p recisa
m ente a via que Lacan deixou para trás, ao passar para-além do Édipo, depois de
m uitos anos dedicados a reform ular e racionalizar, em term os de linguagem , a
p ro blem ática edipiana de Freud.
O term o 'sexuação', que Lacan propõe e cujas fórmulas lógicas ele dá em "O
aturdito"3, identifica, em última análise, o hom em e a mulher por seu m odo de gozo.
Essas fórmulas, chamadas de fórmulas da sexuação, atualizam e justificam o que co n s
tatamos diariamente, ou seja, que a regência das normas do O u tro se interrom pe, se
for possível dizê-lo assim, na beira do leito, pois, em se tratando de corpos sexuados,
a ordem que o discurso instaura se mostra inapta para corrigir a desnaturalização do
ser falante, o qual não tem outra suplência a oferecer nessa ocasião, a não ser o sem
blante fálico. As fórmulas escrevem a distribuição dos sujeitos de acordo com dois
m odos de se inscrever na função fálica, o que não é diferente da função do gozo.
Esta, enquanto efeito de linguagem, sofre o golpe de uma castração.
A o se afirmar hom em , o sujeito está inteiram ente subm etido à função fálica.
Por conseguinte, a castração é sua herança, assim co m o o g o z o fálico , ao qual ele
tem acesso por m eio do da fantasia. E mulher, ao con trário, O u tra, quem está não
todo subm etido ao regim e do g ozo fálico e a quem advém um g o z o O u tro , suple
mentar, sem sustentação em nenhum o b je to ou sem blante.
Essa d istribuição, co m o se pode perceber, é binária co m o a sex ratio, a qual,
não se sabe por que razão e até nova ordem , reparte - de form a mais ou m enos
igual na esp écie - os m achos e as fêm eas. N o entanto , longe de ser um sim ples
efeito da divisão natural, o caráter bin ário do sexo, segundo Lacan, depende de
uma necessidade to talm en te d iferente, lóg ica, suspensa apenas às pressões da sig-
nificância. C u riosam ente, ela reduz a facticidad e do sexo à esco lh a entre o todo
e o não todo fálico.
A tese faz em ergir uma estranha h om olog ia entre duas alternativas h e te ro g ê
neas, m acho -fêm ea e hom em -m ulher, e todas as duas podem ser ditas reais: uma
- a do ser vivo sexuado - , porque depende da natureza e das regularidades que ela
faz surgir,- a outra — a do falasser - porque ela p roced e das d eterm inações lógicas
da linguagem que, não cessand o de se escrever, valem p elo real no sim bólico.
A maldição
"São eles que escolh em " não co n v o ca , assim, nenhum livre arbítrio, mas quer
dizer, em prim eiro lugar, que as duas alternativas não são isom orfas e que, no
h iato entre elas, deslizam todas as discórdias atestadas pela clín ica entre o sexo
do estado civil e o sexo... eróg eno. V erifica-se, nesse ponto, que a anatom ia não
faz o d estino de Eros, em bora, para cada 'falasser', ela represente um golpe a priori:
em outras palavras, há hom ens e m ulheres, no sentid o do estado civil, que não são
hom ens e m ulheres, no sentid o do ser sexuado — então, há escolh a.
Todavia, sob o prisma da experiência mais com um , o term o 'escolha' perm anece
paradoxal e confirm a a existência de uma forte pressão, seja porque os sujeitos se
reconhecem tão bem em suas aspirações sexuadas que as supõem vindas da natureza,
ou, ao contrário, porque se encontram tão lim itados que as vivenciam com o sintoma
121
e no sofrim ento. N os dois casos, se há escolha, trata-se, justam ente, de uma escolha
forçada, escolha entre o todo e o não todo fálico, cu jo preço é pago por aquele que
se designa com o sujeito, o que é realm ente bem diferente de ter sido o agente.
A u torizarem -se de si m esm os co m o seres sexuados, conform e a expressão de
Lacan no Sem inário "O s n ã o -to lo s erram ", os sujeitos são obrigados a fazê-lo...
p elo erro do in con scien te que fala. M aldição! Provoca in-felicidad e4, pois o in
co n scie n te não sabe d izer o sexo e, desde que o sabem os estruturado co m o uma
linguagem , nem sem pre nós nos apercebem os de que "de tanto falar, não é grande
coisa o que é dito por ele"5, nada além do U m fálico, com suas aderências narcísi-
cas, e nada "do que dela [da ilhota falo] se trincha" (a frase com p leta aqui é: "em
suma, flutua-se em to rn o da ilhota falo, na medida em que nela se busca trincheira
do que dela se trincha"6, ou seja, nada do O u tro co m o tal e que ex-siste ainda mais.
A partir daí se conclu i que o in co n scien te é... hom ossexual: eis a m aldição que fo-
raclui o O u tro do sexo7. O "não há relação sexual", com que Lacan form ula o dizer
im plícito de Freud, significa que, na própria relação sexual, e a despeito do am or
e do d esejo, o gozo , enqu anto fálico, não dá acesso a nenhum g ozo do O u tro.
122
Silesiu s, o qual, a crerm o s em L acan, p articip a da perversão que acab am os de
evocar, pois in terp õ e o o lh a r en tre ele e seu D eus. Q u a n to à m ulher, na m edida
em que está não to d a v o ltad a para o g o z o fá lico e não to d a causada p elo o b je to
da fantasia, ela acab a ten d o acesso ao g o z o O u tro por in term éd io de diversos
parceiros: outra m ulher, para-além do h om em na relação sexual, assim co m o
D eu s, se for uma m ística.
N ão há, portanto, nenhum a con trad ição em que os hom ens, tanto os h e te ro s
sexuais quanto os hom ossexuais, ou os m ísticos, quando existem , e até m esm o as
mulheres histéricas, inteiram ente ocupadas com o o b je to do outro m asculino, lo
calizem -se no lado hom em , no todo fálico, do m esm o m odo que, no lado mulher,
localizam -se as m ulheres heterossexuais ou hom ossexuais, mas tam bém outros m ís
ticos, hom ens ou m ulheres, com o Santa Teresa, H ad ew idjch d Anvers ou São Jo ã o
da C ruz, e ainda sujeitos p sicóticos dos dois sexos. O s parceiros variam aqui sem
im plicar a inscrição sexuada do sujeito e trazem co m o con seq ü ên cia que, em cada
caso, o verdadeiro parceiro a-sexual perm aneça velado e à espera da interpretação.
O hiato que separa um do outro, a pulsão e o amor, com seus respectivos o b je
tos, Freud o recon h eceu no fundam ento de todas as d epreciações da vida amorosa,
form ulando-o inicialm ente em term os de desenvolvim ento, de passagem entre o
g ozo autoerótico do corp o próprio e o investim ento do o b je to . É certo que isso cria
as m aiores dificuldades no espaço da relação com o sexo, mas, para-além, ele ques
tiona o próprio laço social, particularm ente o amor, pois se trata de saber com o a
pulsão, que nunca renuncia, pode aceitar a convivência regrada com os sem elhantes.
O Seminário, livro 20: mais, ainda8 retorna sobre essa mesma disjunção, quando
propõe, no fim da primeira parte do prim eiro capítulo, que o "Gozo do Outro, do
Outro com A maiúsculo, do corpo do Outro cjue o simboliza, não ésigno do amor". Falta, assim,
a im plicação que diria: 'Eu o amo, log o g o z o dele'. D esde então, a fórmula abre
realm ente uma dupla questão: saber de onde vem o que responde pelo g ozo na
relação sexual e a verdadeira natureza do amor.
124
para na borda do leito, ali onde co m eça a investigação de Lacan no O Seminário:
mais, aind a12, mas não sem circun screver as bordas desse furo, em que acam pam
seus sem blantes, suas norm as e suas regras. C ada sujeito en con tra nelas uma
forma de tratam en to prelim inar da carên cia sexual efetuada pela civilização. O
in con scien te não é to d o individual. E m bora não h aja en unciação coletiv a, ele está
prenhe do discurso que rege uma com unidade. A nossa prom oveu, com os direitos
do hom em , os valores de igualdade en tre os sexos, que co in cid em - será casual? -
com os agenciam entos sem pre mais unissex dos estilos de vida que direcionam o
m ercado dos novos o b je to s para o g ozo , e para todos. N ão podem os d esco n h ecer
que as condutas am orosas se en contram profundam ente mudadas.
■ Novos modos
O s últim os d ecênios registraram , de fato, uma m udança inesperada nos co stu
mes. A legislação a inclui cada vez mais, legalizand o práticas sexuais que seriam
inadm issíveis há apenas 5 0 anos. Claudel nem poderia se im aginar tolerante, ao
tão som ente m en cion ar que havia casas para isso! D e ix o de lado a questão de
saber o que co n d icio n a o liberalism o em nossa civilização, liberalism o que, aliás,
não é total, pois não cessa de suscitar reações contrárias. Todavia, é um fato e,
creio eu, irreversível. Ele não se restringe a dar direito de cidadania à velha h o
m ossexualidade - em bora o curto século que separa as prisões de O sca r W ild e de
nossos casam entos en tre hom ossexuais perm ita calcular o ritm o acelerad o - , pois
não discrim ina mais nenhum a prática, desde que a fantasia a invente e se en con tre
um parceiro.
As diferentes cenas sexuais que Freud se em penhou tanto em d escobrir no
núcleo do in co n scien te se exibem atualm ente diante dos olh os de todos, crianças
e adultos, e os "Três ensaios sobre a sexualidade”13, que escandalizavam tanto
em 1905, h o je em dia pecam por banalidade, enquanto as teorias supostam ente
perversas da criança, que inventa uma resposta para o m istério da união carnal de
seus pais, são q uotid ianam ente ilustradas em nossas telas, e toda a panóplia das
mais diversas fantasias é exposta sem qualquer censura. Tudo se passa com o se o
século tivesse aprendido a lição da perversão m asculina generalizada que evoquei
acim a. S ab e-se doravante, e a P sicanálise não é isenta de responsabilidade nisso,
que cada um goza com seu in co n scien te e suas fantasias. E isso ainda não é tudo,
pois gostaríam os de dar co n ta do g ozo , em palavras e na prática (que se veja, por
exem plo, a sexologia e todos os esforço s para falar dele e fazê-lo falar!). D orav an
te, já tive ocasião de d izê-lo, o g o z o sexual é reivindicado co m o um direito. Esse
novo cinism o se expande ainda no fato de que os paradigm as do amor, elaborados
cm outros tem pos, não se sustentam mais. N em a philia grega, nem o m odelo c o r
tês, nem o am or divino dos m ísticos, nem a paixão clássica, nenhum deles captura
mais nossos gozos e nos deixa apenas os am ores sem m odelos, construíd os com o
o sintom a, e norteados som en te, em suas co n ju g açõ es aleatórias, pelas co n tin g ê n
cias dos en co n tro s e pelo automaton do in con scien te.
■ A ética do celibatário
H á, então, uma questão: serão equivalentes as diferentes soluções sintom áticas
por m eio das quais os sujeitos resolvem a ausência de relação entre os sexos? É,
sem dúvida, uma questão d elicada, porém inevitável, pois qualquer form a clínica,
advinda da neurose, da psicose, da perversão13 ou, de form a mais genérica, da
clín ica do amor, supõe, em cada caso, a op ção ética do sujeito. Aliás, o term o
'defesa', que co m p õ e a n o çã o freudiana de psiconeurose de defesa, já im plicava
que "não há clín ica sem é tic a "14. A perversão generalizada não poderia escapar
disso, pois ela tam bém propicia d iferentes escolh as éticas, que o discurso an alítico
procura esclarecer.
O ra, creio que estam os assistindo ao crescim en to do que Lacan designou, de
form a curiosa, co m o a "ética do celibatário". A am izade grega, antiga philia, ilustrou
essa ética no passado. M ais próxim o a nós, H en ry de M o n th erlan t a encarnou; e
Em m anuel K ant a transform ou em sistem a com sua "razão prática". A o pretender
d eterm inar uma vontade que excluísse todos os m otivos e todos os o b je to s da sen
sibilidade ditos p atológicos, o que o im perativo ca teg ó rico da lei moral proscreve,
em seu extrem ism o, é evidentem ente... a mulher. Trata-se de mais uma ética 'fora-
do-sexo', em que há cu rto-circu ito do O u tro em b en e fício do mesm o.
P erceb e-se que, nessa op ção, o sujeito "busca entrincheirar-se"15 con tra a alteri-
dade, para se escond er no refúgio do U m fálico. É uma estratégia de erradicação do
O u tro, erradicação em ato, que redobra sua foraclusão estrutural e que, aliás, não é
forçosam ente incom patível com certa fascinação pelo g ozo suplem entar da mulher.
126
ilustrado pelas P reciosas, trabalha co n tra a entropia social, veiculand o inform a
ção. Em 1 9 7 3 16, sustentou que é heterossexual tod o aquele que ama as m ulheres,
independente de ser hom em ou mulher, pois, se não há relação en tre os sexos, há,
contud o, o am or sexuado, verdadeiram ente possível.
Cham o de etica h etero’ (não digo heterossexual) aquela, entre outras, que instala
o O u tro do sexo no lugar do sintoma. Ela não deve ser confundida com uma prom o
ção dos valores do casal, que nada tem a ver com a ética, mas constitui outra resposta
à impossibilidade da relação, uma resposta que mantém o interesse pelo O utro.
Além disso, graças às virtudes de Eros, ela o faz existir, em bora não traga nenhum
benefício para a relação sexual, pois o encontro faltoso perm anece irredutível. N o
mesmo m ovim ento, o sedutor 'm acho', a besta negra de toda ideologia igualitária, até
recuperaria alguns m éritos, uma vez que, em sua arrogância de conquistador, estima
justam ente o que ele pretende rebaixar com seu desprezo: o o b je to fem inino.
S o b esse prisma, não podem os deixar de interrogar as pressões exercidas pelo
discurso co n tem p orân eo. N esse fim do sécu lo X X , no que tange à regulação das
relações entre os sexos, parece que o c o n ju n to de nossos discursos está em cu m
plicidade p atente co m a ética do celibatário,- gostaria de d izer por quais vias. S ão
diversas, creio , mas uma delas passa pelos direitos do hom em .
127
ou as recusas do eu d esm entem co m frequência os do in co n scien te, e que essa
divisão se m anifesta em seu áp ice, p recisam en te no esp aço da rela çã o com o
sexo. Im possível ig norar que ta n to as esco lh as do amor, quanto as respostas do
g o z o , surpreendam fre q u en tem en te as aspirações do eu e que, por isso, é ju sto
tem er que uma leg islação que p reten d e assujeitar o p arceiro às norm as do eu
acab e dando poderes desm ed id os ao Sem -F é da intriga h istérica. O s direitos do
h om em se esfo rçam para se esten d erem aos d ireitos da m ulher, o que só p o d e
m os aplaudir, mas não inclu irão jam ais os direitos do O u tro! U m a m ulher, na
m edida em que é um su jeito , assujeitada, p o rtan to , co m o qualquer ou tro su jeito,
aos acord o s da co n v iv ên cia, seria b a sta n te incap az de n eg o ciar com o O u tro que
ela é inclusive para si.
■ Foraclusão redobrada
U m a pergunta se im põe: o que sucede ao O u tro na era do con trato ? Será
que ele não fica entregue às m oscas, ele que, por definição, é an tin ôm ico a toda
legislação?
O O u tro , ao qual m e refiro aqui, não é, evidentem en te, o O u tro da linguagem ,
esse que não existe, mas o O u tro vivo que, inversam ente, ex-siste à linguagem .
E fato que os dois fazem parceria, pois o prim eiro, aquele com que se quereria
jugular o real para ordenar a con v iv ên cia dos g ozo s, faz surgir com o O u tro tudo
que escapa às suas capturas. É esse o em prego que Lacan faz do term o, quando
ele fala da m ulher com o O u tro absoluto, eu poderia d izer O u tro real, enquanto
excluíd o do discurso. D e m odo mais geral, esse O u tro adquire existên cia cada
vez que surgem configu rações de g o z o que excedam os lim ites fálicos, que ultra
passem as norm as reguladoras de um discurso, cada vez, portanto, que a pulsão
se im põe para-além dos lim ites fixados pelo princípio de prazer. N esse sentido,
despatolsgização
não é apenas o sexo que é O u tro , poderíam os até d izer que cada um é O u tro , na
m edida do que lhe retorna de g o z o foracluído do g o z o fálico, "O u tro co m o todo
m undo", dizia Lacan em 1980.
sua
As epifanias do O u tro tam bém são variadas: elas surgem entre as culturas (ra
de
cism o) e igualm ente no seio de uma m esm a cultura co m o sintom a dos fracassos de
historia
128
vantagem em relação a isso, pois a anatom ia não é o d estino - , foram as m ulheres
que introduziram a id eolog ia contratu al na própria sexualidade, co m o m ostram
os processos que evoquei an teriorm ente, os quais, eventualm en te, levam as coisas
às raias do absurdo. P or isso se pode pensar que, ao cultivar exagerad am en te o
M esm o, program am -se as más surpresas que o O u tro pode reservar, basta um
passo!
N esse co n te x to , que op ção representa o discurso psicanalítico? E le, que p erm i
tiu elaborar o in co n scien te co m o um saber, não pode ignorar que o in con scien te
nada sabe do O u tro , pois ele c o n h e c e apenas o U m , - os uns que se repetem
ou o U m -d iz e r17 da enunciação. E isso a tal p on to que poderíam os dizer que o
sujeito do in co n scien te não passa de um celibatário . M as a Psicanálise não é o
in con scien te e seu processo, pois, ao ten tar explorar o O u tro da lingu agem 18 em
sua in consistência, faz "em p u xo-ao-O u tro" (no segundo sentido: o O u tro real),
se posso em pregar essa expressão em analogia ao em puxo-à-m ulher. Em última
instância, o próprio psicanalista p roced e da lóg ica do n ão-tod o, cu ja estrutura
não é a do co n ju n to , mas a da série, a série fálica em que o O u tro só aparece nas
bordas, à m argem , a m enos que esteja c o b e rto p elo o b je to en qu anto sem blante.
A Psicanálise, assim, precisa co n h e c e r esse O u tro: ele é um nom e do real, um real
com o qual ela tem a ver, que lhe é próprio, êxtim o, im possível de escrever, um
real que não é desencarnad o, mas anim ado por uma palpitação de g ozo.
■ A ética da diferença
C o n clu o que a Psicanálise, ao co n trário do discurso d om inante, exclui toda
cum plicidade com a crescen te ética do celib atário em suas d iferentes o c o rrê n
cias. Lacan só pôde situar o d esejo do psicanalista com o "um d esejo da diferença
absoluta"19 porque a análise faz passar ao b em -d izer a singularidade do m odo de
g ozo que, para cada sujeito, faz suplência à h iância sexual. Em outras palavras,
tom ando o term o em sua definição mais ampla, a diferença de seu sintom a. Pois
o in co n scien te co n d icio n a todos os sintom as, dos mais autistas aos que fazem
mais enlaces, quer eles presidam à volúpia solitária ou ao casal, quer procedam da
psicose ou da perversão generalizada, mas uma ética da diferença não pode ser
sim pática à ética do m esm o que preside aos sintom as segregacionistas do O utro.
A re je içã o do O u tro , Lacan a e n co n tro u n o seio da própria Psicanálise, estig-
m atizand o-a co m o "escândalo do discurso an alítico "20 evoq u ei-o alhures21. Ela é
imputável ao próprio Freud que, do h om em à mulher, usou o m esm o medidor.
R econ h eçam os nessa elisão uma esp écie de p ro teção co n tra o real, uma vontade
de não saber nada disso, que não pode ser sem efeito e que perm ite antecipar o
risco de um retorn o do real co m o resultado do m ecanism o foraclusivo. Aliás, é
possível que, a partir daí, o suicídio de M o n th erla n d passe a ter algum sentido.
129
Todavia, ninguém pode abonar-se ao O u tro, pois não há nenhum núm ero de
cham ada no catálo g o do in co n scien te. Levanta-se a questão de saber o que a he-
te ro -ética pode fazer desse O u tro co m o qual não há relação, talvez nem m esm o
qualquer ligação. O m áxim o que ela poderá fazer será enod á-lo ao in co n scien te, o
que significa tam bém en od á-lo à ordem fálica. Esse enod am ento é um dos nom es
do amor: desse que faz com que uma m ulher seja um sintom a para um hom em ,
realizando assim o m odelo da perversão/versão do pai (no original: père-version),
escrita, dessa vez, com duas palavras, co m o Lacan o faz, para evocar o exem plo
da função sintom a de um pai. T alvez não haja m elh or uso desse O u tro: d eixá-lo
existir, en laçan d o -o ao U m .
Será, en tão, preciso prever o futuro e d izer que, quanto m enos uma civ iliz a
ção consegu ir sustentar o nó do U m e do O u tro real, mais ela terá de suportar a
p roliferação de oco rrên cias do real, de um real desligado da ordem fálica, e que,
sem dúvida, ela terá de d esco brir que, em m atéria de O u tro, a m ulher não era
certam en te o pior?
■ Introdução
D
izer que um hom em ou uma m ulher 'escolheu' ser hom ossexual pode p a
recer um absurdo, ainda mais no caso em que tudo o que ele/ela preferiria
na vida seria ser heterossexual, ou quando luta con tra seus desejos, ou se
recrim ina por eles e até tenta se m atar para não ter que viver sua pulsão, a qual lhe
exige constan te satisfação. O au top recon ceito, a autocrítica e a autocon denação -
reforçados pelo p reco n ceito , crítica e co n d en ação da família e da sociedade - , tão
freqüentes entre os hom ossexuais, m ostram que o indivíduo não fez essa escolha
con scien tem en te, mas que essa orien tação sexual se impôs a ele. E, muitas vezes,
é necessário p ercorrer um longo cam inho até sua aceitação e a co n ciliação com
sua sexualidade, perm itindo, enfim, que o sujeito consinta em vivê-la. Eis o que
depreendem os na análise e na vida cotid ian a de tantos g ays e lésbicas.
N o entanto, falar de esco lh a subjetiva em relação à sua form a de g ozar é uma
postura ética, que tira o sujeito dito hom ossexual do lugar de vítim a: de sua g e n é
tica ou de seu d estino ou do d esejo de seus pais, o O u tro parental. Falar de e sc o
lha sexual im plica fazer o sujeito responsável por seu g ozo. O su jeito do desejo
é o sujeito do d ireito à sua form a de gozar. Esse g ozo não precisa ser m otivo de
orgulho e nem de vergonha e tam p ou co é para ser esfregado na cara de alguém.
É uma variante da vida sexual: a sua. C o m o diz Freud, não é nenhum a vantagem
nem desvantagem . N ão se trata de um g a y prouà. Esse g ozo , co m o toda a form a de
g ozo sexual, é in co m p leto e m arcado pela castração.
A Psicanálise lida com o sujeito responsável. A prim eira retificação subjetiva,
portanto, a ser feita para com to d o su jeito h é te ro ou hom ossexual é im plicá-lo em
sua form a de g ozo e fazê-lo responsável por sua sexualidade.
131
A P sicanálise nos dá as diretrizes que norteiam a esco lh a do sexo no ser hum a
no que, por ter co m o habitat a linguagem , tem sua sexualidade desnaturalizada por
estrutura. A sexualidade do falante não tem o b je tiv o algum, a não ser o m a l-e n
tend id o que em erge em seu lugar co m o efeito da entrada na linguagem . Lá onde
estaria uma prom essa de e n co n tro sexual advém a falta que retroage m utilando
o ser do sexo com plem entar. A m utilação sangrenta do sexo, que Freud cham ou
nada m enos do que de "castração", respinga em todos os m om entos da história
do su jeito, desde a infância até a velh ice. E m ancha de púrpura seus en con tros
e ró tico s que são assim tingid os pela transitoriedade e pela insegurança de quem
nada tem de certeiro . A única certez a é a am putação originária do outro, que faz
da vida um cam inhar trág ico en tre duas m ortes: a m ortificação prom ovida pela
linguagem e a m orte co m o fim da linha. Esse cam inhar tem um nome-, d esejo.
N esse cam in h o, alguns outros, nossos sem elhantes - os escolh id os - cruzam e
partilham nossa andança co m o nossos parceiros de Eros.
A única escolh a forçada da qual estam os seguros para se entrar na sexualidade
é a dupla escolh a, tanto da perda do o b je to prim ordial de satisfação quanto da
castração , que possibilita inscrever-se na partilha dos sexos.
D e que esco lh a e de que sexo se trata?
■ A escolha - um conceito
O tem a da esco lh a foi introduzido m uito ce d o na Psicanálise por Freud com
a expressão "a esco lh a da neurose" e, mais tarde, com o co n c e ito de "escolh a de
o b je to sexual". S e ja no caso da esco lh a da orien tação subjetiva (o obsessivo um
g o zo em demasia,- o h istérico um g o z o a m enos) quanto no caso da esco lh a do
p arceiro sexual, trata-se de uma esco lh a em relação ao g ozo . Lacan, ao retom ar
esse term o nas op erações de causação do su jeito com o c o n c e ito paradoxal de
'escolha forçada', indica-nos que, para a P sican álise1 (alienação e separação), não
há su jeito sem esco lh a, m esm o sendo esse su jeito subvertido pela atividade do
o b je to 'm ais-d e-gozar. O sujeito esco lh e o O u tro do am or co m o uma esco lh a
forçada, que constitu i sua alienação - m enos pior do que o desam paro da ausência
do O u tro. Trata-se da escolh a do O u tro do sentid o, ou seja, da linguagem , aquele
que dá ao sujeito o 'apoio' do sim bólico. M as, para entrar na sexualidade, ele deve,
em seguida, poder separar-se, pois, entre o su jeito e o O u tro , há o o b je to a, causa
de d esejo , que lhe dará a orien tação subjetiva e sexual em sua singularidade. E esse
o b je to que o sujeito alojará no parceiro sexual de sua escolh a.
A esco lh a do sexo deve ser entendida em seu duplo aspecto: escolh a da p o
sição sexuada d entro da partilha dos sexos e esco lh a de o b je to sexual. A religião
e a ciên cia fazem crer que cada indivíduo é uma m eia esfera à procura da esfera-
m etade. Se a religião apela para a reprodução da esp écie com o o b jetiv o do sexo,
a ciên cia apela para a anatom ia co m o destino ta n to da p osição sexuada quanto da
esco lh a de o b je to sexual. Tudo o que sai desse esquem a é anom alia, acrasia, de
132
acordo com A ristóteles em seu livro A ética a N icôm aco7. U m a vez que tudo o que
sai desse esquem a é ju stam en te a própria sexualidade co m o a mais de cem anos,
133
dois o b je to s sexuais que não se excluem , mas que se colocam em sua obsessão
co m o esco lh a im possível entre duas m ulheres.
134
libidinal e que se en con tra' de repente no parceiro, que é assim e sco lh id o para
alojar o o b je to a que desperta no sujeito o d esejo e assim o encanta, o seduz e o
135
Pois a esco lh a sexual é tam bém uma esco lh a de g ozo: g ozo fálico e g ozo O u
tro. D e acord o com as fórmulas da sexuação de L a ca n 12, o p erten cim en to a um
lado da partilha dos sexos se define de acordo com a modalidade de g ozo . E esse
p erten cim en to - o que se cham a o g ênero - é independente da esco lh a o b jeta i,
no sen tid o freudiano (hom o ou h étero).
136
nal ou de dinheiro. As realizações fálicas lhe asseguram, mas nunca to talm en te,
sua força m asculina, pois, por mais realização que faça nunca basta (e tem sem pre
uma histérica ou um h istérico para provocar: 'deixa ver se v o cê é hom em !'), é o
falo que lhe garante (e m al) a posição m asculina e não a esco lh a de uma mulher.
E nesse caso, a redução do O u tro sexo a um o b je to , é n ecessário, sendo esse o b
je to sem pre a-sexuaâo (é um ped aço do corp o, destacável do co rp o e não eqüivale
à d iferença anatôm ica dos sexos, podend o ser um seio, um pênis, um ânus e tc).
Isso significa que não é, p ortanto, a fantasia, ou m elh or dizend o, seu lugar de
sujeito na fantasia (B 0 d), situando a m ulher co m o um o b je to , que o assegura seu
lugar de H om em , mas m uito mais o falo que deve dem onstrar en contrar-se de seu
lado. N ão é, pois, o fato de ter uma m ulher co m o o o b je to que assegura o hom em
da posição m asculina, mas o falo que a m ulher pode representar, assim com o outro
hom em . Isso desfaz o p reco n ceito de dizer que tal su jeito é hom em por ter uma
m ulher em parceria.
E uma mulher, co m o pode ela se assegurar de sua p osição fem inina? N ão pode
ser a partir da referên cia fálica, pois está do lado do N Ã O -T O D O . Será, então, a
partir de um parceiro? S ó se for alguém que ela situa no lugar do falo ou... Deus.
Assim, a partir das fórmulas da sexuação, podem os pensar a presença fem inina
com o:
1- O . E a posição ativa da M u lh er à caça de hom em , D ian a caçad ora de
falo. P osição p ouco segura ao sabor da contingência,-
2- S (A) <— LA F. A o abandonar a referên cia ao hom em ela se dedica ao O u tro
g ozo, a face escura de D eus - co m o mística,-
3 - B - * a. N este caso, ela é eleita com o uma mulher para um hom em , ao ser
escolhida co m o o b je to por um hom em . O grande problem a é que a posição de o b
je to im plica sem pre a possibilidade de queda do o b je to , ou seja, de ser deixada cair.
C o nclu são: a esco lh a da posição sexuada não é garantida.
C o m Lacan, podem os dizer que, de nossa posição co m o seres sexuados, som os
sem pre responsáveis, pois esco lh em o s ond e nos situam os na partilha dos sexos:
do lado do to d o fálico ou do lado do N ã o -to d o fálico onde, preferencialm ente
sem que isso seja uma regra, en con tram -se repartidos os hom ens de um lado e as
mulheres do outro.
■ Heteridade e homensexual
C o m o situar as hom ossexualidades a partir das fórmulas da sexuação? N ada
im pede que um hom em , inscrev en d o-se do lado do to d o fálico (d ito hom em ),
tenha uma esco lh a de o b je to hom ossexual ou heterossexual, assim co m o tam bém
se inscrevem desse lado, diz Lacan, as m ulheres histéricas, que tam bém podem ser
h étero ou hom ossexuais ou, ainda, bissexuais.
137
U m h om em in screv en d o-se do lado do N ã o -to d o (dito m ulher), na p osição
de LA F, pode e sco lh er seu parceiro do lado do tod o fálico a partir do significante
fálico (O ) en con trad o ou no co rp o desse outro ou na p osição social dele, ou em
qualquer outro atributo fálico. Essa relação (LA F —» <E>) pode fazê-lo fem inizar-
se, co m o aparece na caricatura do afem inado. Ele pode tam bém , ao se inscrever
do lado do to d o fálico co m o su jeito d esejante (&), e, portanto, viril, e sco lh er seu
parceiro, red uzindo-o ao o b je to (a ) localizad o no O u tro lado. A cultura g a y a ca
b ou tipificand o e caricaturando essa posição na exageração dos caracteres viris até
os cham ados Barbies. A fem inização ou a virilização estruturais são em razão das
p o sições na partilha do sexo. H á tam bém um tip o de prática hom ossexual que,
longe de con stitu ir um casal ou uma parceria erótica, é feita de e n co n tro fortuitos
e anônim os, nos quais o sujeito só se interessa pelo pênis não im porta de quem,
situando, assim, essa situação inteiram ente do lado do to d o fálico (i? —* O ).
D a m esm a form a, o hom ossexualism o fem inin o. U m a m ulher pode situar-se
no lado do to d o fálico e eleg er sua com panheira co m o o b je to sexual ( & —* a). A
caricatura dessa posição é o sapatão, a m ulher virilizada. Essa p osição reproduz
o par m ãe-filha na m edida em que essa filha pode representar o o b je to a para a
mãe. Ela pode tam bém situar-se do lado do N ã o -to d o LA F e buscar o falo (<í>)
do lado do todo fálico - são as m ulheres que procuram a p ro teção da outra mulher,
co m o se busca um pai ou a m ãe fálica - figuras do O u tro que tem o falo. São as
m ulheres que, co m o a jo v em hom ossexual, diz Freud, cond ensam nessa escolh a
as tend ências hom ossexuais e heterossexuais.
H á m ulheres que procuram na outra m ulher o O u tro g o z o (LA F - * S (A) d en
tro de uma relação que não é propriam ente sexual no sen tid o do e n co n tro e ró tico
de corpos, pois o falo não se en co n tra presente. E, aí, uma relação fo ra-d o-sexo.
M u itos casais fem ininos se form am numa relação sem sexo e de au tên tico amor.
A partir das fórmulas da sexuação, podem os d ep reend er duas lógicas distintas:
a lóg ica do U m e a lóg ica da H e terid a d e14. A prim eira é a lóg ica fálica do U m
que constitu i um universo a partir da ex ce çã o , form ando, portanto, um co n ju n to
fechad o, uma totalidade, um todo. A rticula assim o U M com o todo do batalhão
fálico dos hom ens. Eis a ló g ica da razão fálica.
A segunda lógica, a que Lacan propõe para se pensar o sexo fem inino, é uma
lóg ica distinta da lógica do U m e do todo. O não todo do lado fem inino caracteriza
o Heteros - outro em grego. A lóg ica do não todo é a ló g ica da H eterid ad e.
P or não ter o quantificador ló g ico da e x ce çã o que contraria a função fálica,
a lógica do Heteros não constitu i um U niverso, não se fech a em uma H eterid ad e,
ou seja, não faz grupo nem massa organizada. N ão é uma lóg ica da 'm edida por
medida', da co m p etição , da luta para saber quem tem o maior, quem tem mais.
Heteros é o âm bito do incom ensurável. E o cam p o ab erto do um a um, um m ais um
mais um que não se fech a num todo.
\
A lóg ica do g o zo O u tro nos abre para as d eclin ações do Heteros co m o h e te
ronom ia, h eterod oxia, heterogen eid ad e e até m esm o heterossexual, o qual Lacan
139
c o n c e p çã o da m ulher co m o um 'segundo sexo' quanto as teorias sobre a h o m o sse
xualidade co m o uma esquiva da co n fro n ta çã o com o O u tro sexo.
Heteros se op õe ao poder instituído da lei e das normas, ditada pelo U m do
significante-m estre da ló g ica fálica. O O u tro , em relação ao instituído, é sem pre
o D iferen te. Eis o que caracteriza a H eterid ad e. E a H om ensexualidade é o am or
narcísico, o am or pelo M esm o e não pelo D iferen te. Por outro lado, a relação de
o b je to própria do sujeito d esejan te, independ en tem ente do sexo, está sem pre no
lado do to d o fálico, ou seja, só se deseja um o b je to co m o hom em ( & —* a). O que
é outra form a de reafirmar co m Freud que a lib id o é masculina.
C o m o vem os, em tod os esses casos, para haver sexualidade entre hom em -m u-
lher, ou entre dois hom ens ou en tre duas m ulheres é preciso haver esse elem en to
Hetero, que é a relação entre um elem en to do todo fá lic o com um elem en to do N ão-
todo fálico. A conclu são: a h om ossex u alid ad e não existe. Para haver sexo, são n e
cessários am bos os sexos. Estam os falando aqui de p osição sexuada. A sexualidade
do ser falante é sem pre da ordem do Heteros, para além da d iferença anatôm ica dos
sexos. A Heteridade com anda a sexualidade e c o lo c a em circu lação o "heterotism o".
São sem pre necessários dois sexos para que o sexo exista. Para além da esco lh a
sexual, a exp eriên cia analítica nos leva a questionar: será que existe uma fixidez em
uma p o sição ou outra das fórm ulas da sexuação? O u o ser-para-o-sexo pode c ir
cular entre as p osições co m o o faz nos discursos que con stitu em os laços sociais?
140
CAPÍTUL011
Jacques Lacan
■ Introdução
K
o cern e da sexualidade humana, reside uma falta de o b je to , designado
por Freud co m o o o b je to perdido, que está sem pre no ce n tro da busca
d esejante do sujeito. Freud ch eg o u a falar do d esejo enqu anto em in en te
m ente indestrutível, na m edida em que o o b je to do d esejo não é jam ais alcançado.
O d esejo é, assim, m ovido pela falta de o b je to que, co m o tal, opera co m o sua
causa - o b je to causa do desejo.
Freud n om eou -o desde m uito ced o co m o a C o isa, das Dincj, que Lacan retom ou
para construir um dos mais im portantes pilares de sua teo rização - o o b je to a.
N este capítulo, apresentam os as articu lações que perm item co n e c ta r a Psicanálise
co m a teoria da evolução con tem p orân ea, de m odo a situar nela a dim ensão do
o b je to perdido do d esejo. É surpreendente averiguar que foi Freud quem forneceu
todos os subsídios para isso.
N a sessão de 8 de m aio de 1 9 7 3 , intitulada "D o barroco", Lacan enunciou,
para os auditores de seu sem inário, que "o co rp o , ele deveria deslum brá-los m ais"1.
Essa cham ada de aten ção de Lacan p arece eco a r uma voz que em ana de diferentes
segm entos da obra de Freud, um verdadeiro deslum brado com o corp o. U m dos
segm entos que mais revela esse deslum bram ento de Freud com o co rp o é aquele
relativo às teses freudianas sob re a filo g en ética e, mais esp ecialm ente, sobre a
antropologia física.
Essas teses cham aram nossa a ten çã o quando, há algum tem po, com eçam os
a em preender um estudo sobre os c o n c e ito s de in co n scien te e de pulsão, assim
co m o sobre sua articulação interna p raticam ente indissociável2. Para que se tenha
141
uma ideia do quanto o in co n scien te se articula de m odo inextricável à pulsão,
basta que se leia a definição que Freud forneceu do in con scien te numa carta a seu
discípulo G e o rg G ro d d eck : "o in co n scien te é certam en te o verdadeiro in term e
diário entre o som ático e o psíquico, talvez seja o missing link tão procurad o"3. O
que surpreende nessa definição do in co n scien te enunciada por Freud, e na qual se
en con tra uma referência exp lícita ao buraco, que a teoria da evolução não c o n s e
gue preencher, é que ela serve igualm ente para definir a pulsão. N ão são outros
os term os por ele em pregados em 1 9 1 5 quando, no artigo m etap sico ló g ico "As
pulsões e suas vicissitudes"4, no qual ele disseca a estrutura da pulsão, afirma que
a pulsão nos aparece co m o um c o n c e ito fro n teiriço entre o aním ico e o som ático.
Se in co n scien te e pulsão podem ser definidos do m esm o m odo, isso se dá na
m edida em que apresentam uma reg ião de in terseção , com um a am bos, que p o d e
m os qualificar, com Lacan, de real e definir, sin op ticam en te, da seguinte form a: o
nú cleo real do in co n scien te, S(A ), é con stitu íd o pelo o b je to faltoso da pulsão, a.
■ 0 recalque orgânico
A n o ção freudiana de recalque org ân ico , em bora pouco abordada, p arece-nos
indispensável para se com p reend er a oco rrên cia, em nossa esp écie, do fu n ciona
m ento pulsional e não instintual, o que dá à sexualidade hum ana uma exu berância
ilim itada, que a diferencia rad icalm ente da atividade sexual de todas as esp écies
animais. A com plexid ad e in eren te ao c o n c e ito de Trieb, pulsão, sua especificidade
- trata-se de um co n c e ito criad o por Freud em 1 9 0 5 , retom ado e reconstruíd o
ao lon go de toda sua obra e sobre o qual se sustenta absolutam ente toda a teoria
psicanalítica da sexualidade - , aliada à sua am plitude, exig e que se possa refletir
sobre a passagem do fu ncionam ento sexual instintual (anim al) para o pulsional.
142
Fu ncionam ento singularm ente característico de nossa esp écie e responsável, ao
m esm o tem po, tan to por sua mais refinada capacidade de criação, co m o por seu
143
com o essa"9. Além disso, Freud assinala que é bastante enigm ático o fato de que o
m ecanism o, m esm o do recalqu e, só nos seja acessível co m o dedução do resultado
do recalqu e, isto é, pelo retorno do re ca lca d o 10. Sensível a essa dim ensão, C h arles
M elm an assinalou, em seu artigo "O enigm a do recalq u e"1', que o recalque é um
m eio de defesa que difere dos outros que co n h ecem o s, tais co m o a d en eg ação, a
negação, o d eslocam ento, o isolam ento e a anulação:
V ale observar que, na verdade, em 1 9 1 1 , Freud ainda denom inaria essa fase
de fix ação e, apenas em 1 9 1 5 , no tex to m etap sico ló g ico sobre "As pulsões e suas
vicissitudes", ele introduziu a co n c e p çã o de um "recalque originário" relacionad o
a essa etapa da fixação.
■ A bipedia é o destino
D esd e uma carta de 14 de novem bro 1 8 9 7 dirigida a W ilh elm Fliess, seu inter
lo cu to r privilegiado durante o período de g estação das bases teóricas da P sican á
lise, na qual afirma, pela prim eira vez, que "algo o rg ân ico desem penha um papel
no recalq u e"12, até o céleb re ensaio sobre "O m al-estar na cultura"13, no qual duas
144
extensas notas de rodapé desdobram suas reflexões mais arrojadas sobre o tem a,
passando por diversos m om entos relevantes de sua obra, p od e-se depreender que
145
1 9 0 5 , nos "Três ensaios sob re a teoria da sexualidade"15. Assim, cada o rifício c o r
poral é a fo nte de uma d eterm inada pulsão.
Em 1909, Freud encerra a densa história clín ica do H om em dos R atos, ab or
dando o problem a do olfato numa relação não só com a clín ica da neurose o b ses
siva, co m o com a neurose de uma m aneira geral. N a origem da neurose obsessiva,
pode-se depreender, co m o no caso do H om em dos R atos, a e x tin çã o de uma
ten d ên cia a extrair prazer do ch e iro , tão com um na infância. Além disso, Freud
postula, segundo seus próprios term os, uma relevante "questão geral": a de situar
a origem m esm a de toda neurose co m o d ep end ente, em grande parte, da atrofia
do sentid o do olfato , d eco rren te da ad oção da postura ereta em determ inado
m om en to da evolução de nossa esp écie.
Em 1 9 1 2 , no segundo artigo da trilogia sobre a psicologia do amor, intitulado
"So bre a ten d ên cia universal à d ep reciação na esfera do am or"'6, Freud d estaca n o
vam ente o alcan ce produzido pela perda do olfato co m o elem en to originariam en-
te sexual. Ele é até m esm o levado a situar a insatisfação que parece ser in erente
à própria pulsão na dep en d ência dessa perda, situando a in constância na escolh a
do o b je to e a fom e de estím ulo “que tan to caracterizam os adultos" igualm ente na
dep end ência do m esm o fator.
Freud associa o sexual ao e x cre m e n tíc io e, se isso p erm an ece b a sta n te r e c a l
ca d o nos su jeito s, p o r ou tro lado, prossegue p articip an d o ativam en te da sex u a
lidade de form a in co n scie n te . E sta b e le c e n d o essa a sso cia çã o , Freud afirma q u e '7
146
As longas e densas notas de rodapé de "O m al-estar na cultura" encerram com
chave de ouro a série de elab oraçõ es freudianas sobre o recalqu e org ân ico. Elas
4
A postura ereta acarretou, ainda, a repugnância pelos excrem en to s e a te n d ên
cia cultural pela lim peza - sabe-se que, para Freud20, a cultura hum ana se define
por possuir três características indispensáveis: ordem , lim peza e beleza. C o m a
lim peza, as substâncias expelidas do co rp o foram cond enad as "por seus intensos
odores a partilhar do d estino acom etid o aos estím ulos olfativos"21. O aprend iza
do da higiene no p rocesso educativo estaria intim am ente ligado ao recalque dos
estím ulos olfativos e, esp ecialm ente, ao recalque do erotism o anal, fortem ente
atingid o por ele. M as, com a ad oção da postura ereta, n ão teria sido apenas o
erotism o anal o que sucum biu ao recalqu e, mas toda a sexualidade, levando a
que ela fosse inevitavelm ente acom panhada pela repugnância e pela incom pleta
satisfação. A o n to g ên ese rep ete a filogênese: o que ocorreu com a esp écie com o
um to d o se rep ete em cada indivíduo.
147
apenas, co m o pretendem alguns autores, aos que possuem nosso grau de in telig ên
cia, senso moral e profundidade de inteligência introspectiva.
Se o Homo erectus surgiu há 2 m ilhões de anos, a primeira esp écie consid erad a
hum ana (havia um total en tre 6 a 12) evoluiu há cerca de 7 m ilhões de anos. As
esp écies que antecederam o Homo erectus, em bora fossem bípedes, possuíam ca ra c
terísticas sim iescas, co m o o cé re b ro relativam ente pequeno. O Homo erectus foi a
prim eira esp écie hum ana a utilizar o fo g o, caçar, correr, produzir instrum entos e
avançar além -A frica. H á indícios de que possuía algum tipo de linguagem falada
e sua acentuada m obilidade é atribuída à bipedia.
H á diversas h ip óteses sob re o que teria o co rrid o para o advento da b ip e
dia, alteração física que d esencad eo u o surgim ento dessa nova esp écie que é a
hum ana. U m a das mais aceitas, proposta pelos an trop ólog o s P. Rodm an e H .
M cH en ry , da C alifórn ia, é aquela que sustenta que, em determ inada ép o ca, uma
profunda alteração clim ática atingiu a Á frica O rien ta l - seguindo algumas in d ica
çõ e s form uladas por D arw in a partir de m eras d eduções (vale lem brar que D arw in
partiu do pressuposto de que os p ro g en ito res prim ordiais do hom em viveram na
m esm a reg ião em que os dos gorilas e ch im p an zés), todas as escav ações realiza
das são unânim es em com p rov ar que nossa esp écie se originou dessa região do
C o n tin e n te N eg ro - , tran sform an do m uito rapid am ente as florestas em savanas
e ob rig an d o as esp écies sobreviventes a se adaptarem a um m eio am b ien te in te i
ram ente novo.
A perspectiva do h o riz o n te, que não existia na floresta densa, ten d o se aberto
na savana, levou progressivam ente os indivíduos da esp écie que an teced eu a nossa
a se erguerem e cam inharem adotando cada vez mais a posição vertical. A v e rti
calidade definitiva só seria conqu istad a após m ilhares de anos de uma com plexa
evolução, mas ela pode ser com provada ainda h o je quando se vê que os indivíduos
de nossa esp écie ainda não se adaptaram com p letam en te a ela, apresentando pa
tologias na coluna vertebral com enorm e frequência, além de outros problem as
oriundos dessa estação ereta, co m o , por exem plo, os jo a n e te s nos pés.
O que é sublinhado por d iferentes autores são as inúmeras conseqüên cias
corporais e psíquicas provenientes da ad oção da estação vertical definitiva. Para
André Bourguignon - que consid era o advento da biped ia co m o o patam ar da
m atéria viva que anteced e uma verdadeira m udança qualitativa para a "m atéria
viva capaz de reflexão" - , de todas as mudanças ocorrid as ela é "a m udança mais
espetacular"23 e correspond e à prim eira etapa da hom in ização. A prim eira grande
con seq ü ên cia foi a liberação das m ãos, que deixaram de servir para a m archa e
passaram a poder ser utilizadas para a caça e a fab ricação de instrum entos e o b
je to s, favorecendo, igualm ente, o advento da ca ça (m asculina) e da co le ta de ali
m entos (fem inina), atividades que estariam na base do d esenvolvim ento da c o n v i
vência social. A segunda foi a p ossibilitação, pelo em parelh am ento m ão -céreb ro ,
do crescim en to do tam anho do cérebro . E m bora a biped ia tenha se produzido
m uito anteriorm ente ao acentuado aum ento do volum e end ocranian o do hom em ,
sua influência indireta parece ser inegável, uma vez que apenas a p osição vertical
poderia perm itir a sustentação do peso do céreb ro hum ano.
149
olhares se unem , as m ãos acariciam e se cerram , os b raços estreitam os corp os"29.
O que cham a aten ção nas ob servações dos an trop ólog o s é a evid en ciação do
fator novo - a tro ca interpessoal - que surge na relação sexual. A transform ação
corporal sofrida pela nossa esp écie produziu uma sexualidade pulsional, destinada
à o b te n çã o do prazer e não à reprodução da esp écie, regida pela linguagem e,
p o rtan to , subm etida às suas leis.
150
o am or e afirma que a única cura possível para isso é o b e ijo . P or sua vez, a velha
L icênion ensina a D áfnis co m o fazer amor, mas ele decide não experim en tar isso
co m C lo é quando a anciã lhe diz que ela irá chorar, gritar e correrá m uito sangue,
co m o se ela tivesse sido assassinada!
N o sem inário sob re Os c/uatro conceitos fundamentais da Psicanálise33, mais p recisa
m ente na lição em que introduz a sua co n c ep çã o fundam ental de alienação, Lacan
com en ta que essa narrativa, que inspirou uma série de outras obras literárias,
ilustra, com sim plicidade, que
N o psiquism o, pondera Lacan, não há nada pelo que o sujeito possa situar
co m o ser m acho ou ser fêm ea, de m odo a presentificar a função da reprodução. A
polaridade m ach o e fêm ea só é representada por outra polaridade, en tre atividade
e passividade. M as a pulsão é, por essência, pulsão parcial e jam ais representa a
totalid ade da ten d ên cia sexual.
Assim, o Édipo em Freud é lido por Lacan precisam ente co m o a incid ência
radical do d esejo do O u tro na con stitu ição do sujeito - e daí a im portância da n o
ção freudiana de bissexualidade, pois o Édipo está dirigido desde sem pre a am bos
os pais e foi form ulado por Freud enquanto igualm ente duplo. D ito claram ente, o
d esejo pelo p ro g enito r do sexo op osto e a rivalidade com o do m esm o sexo são
sem pre acom panhados igualm ente pelo d esejo do progen itor do m esm o sexo e
pela rivalidade com o do sexo oposto. Assim, o O u tro é, para Lacan, "o lugar em
que se situa a cadeia significante que com anda tudo que vai poder presentificar-se
do sujeito, é o cam po desse vivo onde o sujeito tem que aparecer"34.
A perda do instinto sexual, que acom eteu a esp écie que antecedeu a nossa,
obrigou a esp écie hum ana a criar algo que fizesse suplência em relação ao instinto
perdido. E precisam ente isso que con stitu i a relação íntim a en tre linguagem e
sexualidade na nossa esp écie, ou seja, en tre o in co n scien te e a pulsão. O in co n s
cien te é um saber35 que vem ten tar p reen ch er a falta de saber instintual. Esse
saber se con strói em to rn o do o b je to faltoso da pulsão, do não saber sobre o sexo
- enigm a que não pode ser respondido, puro não senso real. E esse o b je to que
Lacan irá consid erar co m o uma de suas duas invenções - o o b je to a. A outra, ele
afirma ser o real.
151
CAPÍTULO 12
A invenção da homossexualidade?
Paulo Roberto Ceccarelli
'O lecfue das culturas humanas é tão vasto, tão variado (e de fácil manipulação) cjue, sem dificuldades,
encontramos argumentos que sustentam toda ecjualcjuer hipótese."
Claude Lévi-Strauss
■ Introdução
o sustentar a existên cia de uma 'sexualidade natural' no ser hum ano, o
153
A ép oca e o local determ inaram o tratam en to que se deu a esses sujeitos: prática
com um e bem tolerada na G récia, Pérsia, Rom a e C h in a, mas cond enad a entre
os Assírios, os H ebreu s e os Egípcios. E ntre os índios brasileiros, assim co m o em
algumas socied ad es africanas - a an trop olog ia é rica em relatos - , as reações frente
ao relacion am en to entre pessoas do m esm o sexo variam desde a aceitação , co m o
uma expressão legítim a da sexualidade, até a re je içã o absoluta. C o m o advento do
cristianism o, a hom ossexualidade to rn a-se, em certo s períodos, um crim e passível
de m orte.
In icio m inha argum entação co m uma pequena revisão, que não se pretend e
exaustiva, sobre a posição da Psicanálise, mas sobretud o a dos psicanalistas, em
relação à hom ossexualidad e3. A discussão sobre sua origem - trata-se de uma per
versão? de um desvio? de uma m anifestação de sexualidade co m o outra qualquer?
- está lon g e de fazer unanim idade entre os pesquisadores.
Í4
C o m o conseqüência, continua Freud na mesma frase8,
A nos mais tarde, precisam ente em 1 9 2 0 , Freud deixa ainda mais clara sua p o
sição em relação à hom ossexualidade9:
A conclu são que podem os tirar é que tan to a hom ossexualidade quanto a he-
terossexualidade são destinos pulsionais ligados a resoluções edipianas.
A base da argum entação de Freud está na visão, com p letam en te nova e re
volucionária, que ele dará à n o çã o de psicossexualidade. N o te x to de referência
sobre o tem a, "Três ensaios sobre a teoria da sexualidade", Freud afirma que, no
ser hum ano, a pulsão sexual não tem o b je to fixo, ou seja, ela não está atrelada
ao instinto, co m o nos anim ais. A o con trário, o o b je to da pulsão é diversificado,
anárquico, plural e parcial,- exprim e-se de várias formas: oral, anal, esco p ofílica,
vo cal, sádica, m asoquista, d entre outras. C o m isso, Freud divorcia a sexualidade
de uma estreita relação co m os órgãos sexuais, passando a consid erá-la co m o uma
função abrangen te em que o prazer é sua finalidade principal, e a reprodução uma
m eta secundária. Além disso, ao postular que a sexualidade vai além dos órgãos
genitais, Freud leva "as atividades sexuais das crianças e dos pervertidos para o
m esm o âm bito que o dos adultos norm ais"10. N essa perspectiva, em que as pulsões
parciais integram o psiquism o hum ano, o c o n c e ito de norm alidade perde seu sen
tido, tornand o-se uma ficção: não existe d iferença qualitativa en tre o norm al e o
p ato ló g ico . A diferença reside nas pulsões com p on en tes d om inantes na finalidade
sexual. A lém disso, se os impulsos afetuosos e am istosos, reunidos na “palavra e x
trem am ente ambígua de 'amor'", nada m ais são do que m o ções pulsionais sexuais
"inibidas em sua finalidade ou sublimadas"", cada su jeito possui um v estíg io de escolh a
de o b je to hom ossexual.
Fin alm en te, à b io lo g ia , à m oral, à re lig iã o e à op in ião popular, Freud disse o
quanto elas se enganam no que se rela cio n a à 'natureza' da sexualidad e humana.-
a sexualidad e hum ana é, em si, perversa. A g in d o a serviço p róp rio ao buscar o
prazer, ela escap a a qualquer ten ta tiv a de n orm alização e subverte a natureza
'p erv ertend o', assim , seu o b je tiv o su p o stam en te natural-, a p ro cria çã o . A sexu a
lid ad e é co n tra a natureza,- em se tra ta n d o de sexualidade, n ão existe 'natureza
hum ana'.
Freud não apenas argum entou seus pontos de vista teoricam en te co m o os
sustentou na prática. Em 1 9 0 3 , quando a hom ossexualidade era tida co m o um
problem a m éd ico e ju ríd ico , o jo rn a l vienense Die Zeit pediu a Freud que se p ro
nunciasse sob re um escân dalo envolvend o uma im portante personalidade acusada
de práticas hom ossexuais. Freud respond e q u en
Finalm ente, tem os a fam osa carta de Freud, escrita em 1 9 3 5 , a uma mãe am e
ricana que solicita seus co n selh o s sobre seu filho hom ossexu al14:
■ Os pós-freudianos e a homossexualidade
E n tretan to , a posição freudiana em relação à questão não ob teve con sen so
entre os analistas, chegan d o m esm o a p rovocar p o lêm ica en tre a Socied ad e P sica
nalítica de V iena e a de Berlim. O s últim os, dirigidos por A braham , consideravam
que os hom ossexuais eram incapazes de e xercer a profissão de analista, pois a
análise não os curaria' da 'inversão' de que sofrem . A Socied ad e de V iena, apoiada
em Freud, tinha uma opinião to talm ente contrária, co m o visto na carta de Freud
a Jo n e s citad a anteriorm ente.
Anna Freud, filha e herdeira intelectual da obra de Freud, tentou, em sua práti
ca clín ica , transform ar hom ossexuais em pais de fam ílias heterossexuais, o que r e
dundou em grandes fracassos. C on trariam en te a seu pai, ela sem pre m ilitou con tra
156
o acesso de hom ossexuais à profissão de analistas. Anna deixou clara sua p osição,
em uma carta datada de ] 9 5 6 à jo rn alista N a n cy P ro cter-G reg g , d esen corajan d o-a
a publicar a fam osa carta de seu pai de 1 9 3 5 15:
Existem várias razões para isto [para que a carta não seja publicada],
Um a é que h oje se pode tratar mais homossexuais que se fazia outrora.
O utra é que os leitores poderão ver aí uma confirmação do fato que
tudo que a análise pode fazer é convencer os pacientes que seus defeitos
ou "anomalias" não são tão graves assim, e que eles deveriam aceitá-los
com alegria.
Ainda que se possa argum entar que o rigor desses analistas em só admitir, entre
seus pares, pessoas acim a de qualquer suspeita deva ser atribuído às resistências à
Psicanálise, que era acusada de corrom p er a socied ad e com suas teorias sexuais, é
m uito difícil saber as verdadeiras razões que levaram esses dois im portantes nom es
da Psicanálise das prim eiras décadas - Anna Freud e E rnest Jo n e s - a adotarem
posições tão repressivas em relação à hom ossexualidad e16.
O utra im portante E scola de Psicanálise, a co rren te ligada a M elanie K lein,
entendia a hom ossexualidade fem inina co m o uma identificação a um pênis sádi
co , e a m asculina co m o um p roblem a esquizoid e da personalidade ou com o uma
defesa contra a paranóia: em am bos os casos, tratava-se de uma p atologia grave,
uma variante de um estado p sicó tico m ortífero e destruidor. Isso significa definir
os hom ossexuais co m o d oentes, desviantes, o que co n seq u en tem en te os im pedia
de se tornarem analistas (tais po sições, am plam ente apoiadas pelas sociedades
psicanalíticas norte-am ericanas filiadas à IPA, só recen tem en te, verem os, foram
repensadas).
O grande exp o en te da Psicanálise francesa, Jacq u es-M arie-E m ile Lacan, teve
uma posição d iferente em relação aos hom ossexuais. Em uma ép oca em que as
sociedades psicanalíticas francesas seguiam o m odelo am ericano de im pedir o
acesso de hom ossexuais à form ação analítica, Lacan os receb ia em análise, acei-
tava-os co m o m em bros da Ecole Freudienne de Paris, fundada por ele, e nunca tentou
transform á-los em heterossexuais. Para Lacan, en tretanto, a hom ossexualidade
não era, co m o para Freud, um a o rien ta çã o sexual. Segun d o R o u d in esco 17, a p o
sição de Lacan é bem próxim a da de M ich e l Foucault e de G illes D eleu ze, que
valorizavam a perversão co m o uma co n testa çã o radical à ordem social burguesa.
Lacan, que dizia haver sem pre uma d isposição perversa em toda form a de am or18,
entendia o hom ossexual de uma m aneira b em próxim a à de Proust: um p erson a
gem sublim e e maldito,- um 'perverso', pois ele subverte, perverte, o discurso d o
m inante da civilização. P or con seg u in te, o reco n h e cim e n to da hom ossexualidade
co m o 'subversão' não levava nem à d iscrim inação nem a discursos repressivos (é
por en tend er a hom ossexualidade nesse m esm o viés - uma subversão ao discurso
m achista dom inante - que Bourdieu19 deplorava a reivind icação de norm alização
157
dos m ovim entos gays, pois, ao fazerem isso, voltam co n tra si m esm os o discurso
h eg em ô n ico .)
■ A homossexualidade na atualidade
N o en tan to , o d eb ate co n tin u a , co m o nos tem pos freudianos: há analistas
que veem a hom ossexualidad e c o m o algo que pode e deve ser tratad o, e aqueles,
mais próxim os de Freud, que a en ten d em co m o uma p o sição libidinal ao m esm o
títu lo que a heterossexualidad e. O núm ero de trab alh os que têm sido pu blicad os
sob re o tem a nos últim os anos é sig n ificativo, para não d izer sin to m á tico . E m b o
ra não seja o esco p o d este trab alh o fazer uma revisão da literatura re ce n te sob re
o tem a, para a qual rem eto o leito r in teressad o20, ca b e cita r algumas p o sições
te ó rico -clín ica s.
E xistem aqueles que não escon d em sua h om ofobia. É o caso, por exem plo, de
Edm und Bergler e de C h arles S ocarid es. A m bos, que tiveram im portantes p o si
çõ e s em socied ad es psicanalíticas norte-am ericanas, contribuíram enorm em ente
para a d iscrim inação dos hom ossexuais que pretendiam se tornar analistas. Em
1 956, B ergler escreveu21:
V ale n otar que o autor desse te x to deixa claro que está trabalh ando co m m o
delos te ó rico s sem sustentação clínica!
N o en tan to , há os que pensam diferente. N o Concjresso Internacional de Barcelona,
em 1997, Ralph R ou ghton, analista didata de Socied ad e P sicanalítica de C leve-
■ A invenção da homossexualidade
land, Estados U nid os, e m em bro da A ssociação Psicanalítica A m ericana, filiada à
IPA, fez uma co m u n icação con tu n d ente que, finalm ente derrubou a "regra silen
ciosa", segundo a qual candidatos hom ossexuais não deveriam ser aceito s com o
m em bros das socied ad es filiadas à IPA. N essa com u n icação, R o u g h to n 24, após re-
traçar a luta dos analistas hom ossexuais am ericanos para serem reco n h ecid o s pela
IPA e definir-se co m o um analista didata e hom ossexual, apresen tou consid erações
clínicas pertinentes que sustentam a existên cia "inegável de m ulheres e hom ens
hom ossexuais sadios e equilibrados".
P orém , a pergunta resiste-, se, com o vim os, Freud teve um a posição aberta, por
que a m aioria dos psicanalistas, em p rincíp io seus herd eiros, m antêm posições
discrim inatórias ou m esm o hom ofóbicas? Por que a hom ossexualidade tornou -se
para a Psicanálise uma d oença a ser curada por m eio da m udança do o b je to de
d esejo do sujeito, de acord o com as cren ças do psicanalista? C ren ças essas, diga-se
de passagem , que não encon tram nenhum respaldo na obra freudiana.
■ Um impasse interno
Boa parte das am bigüidades e incongru ências encontradas em toda discussão
sobre a hom ossexualidade é o resultado de um con flito entre, de um lado, a d es
cob erta psicanalítica segundo a qual a pulsão não possui o b je to de satisfação p re
determ inado e, de outro lado, a ordem sim bólica, atrelada ao im aginário cultural,
que tenta fixar a pulsão a o b je to s culturalm ente valorizados. O u, ainda: um conflito
entre a posição freudiana, segundo a qual à Psicanálise cab e apenas "revelar os
m ecanism os psíquicos que culm inaram na d eterm inação da esco lh a de o b je to "25 e,
por outro lado, a tentativa de norm alização desses m ecanism os psíquicos a partir
de um m odelo edipiano cu jo "triângulo" seria a fam ília burguesa da V iena de Freud.
Freud parece p erceber esse con flito ao relatar o "C aso D ora": quando descobre
que, por trás da atração de D o ra por seu pai, havia uma identificação a este, que
se m anifestava no am or hom ossexual de D ora pela Sr3 K, ele tem que adm itir que
não há nada de naturalm ente heterossexual, e m uito m enos de inato, na pulsão.
A Psicanálise, que, em um prim eiro m o m en to, foi libertadora, ao denunciar a
existên cia de uma outra cen a - o in co n scien te - que d eterm ina nossas escolhas
o b jetais, tornou -se, em um segundo m o m en to, contam inada pelos m esm os p rin cí
pios d om inantes que ela denunciara. Passou, então, a ser utilizada co m o referência
de norm alidade, guardiã de um a ordem sim bólica suposta im utável, que idealiza
uma form a única de subjetivação baseada nas norm as vigentes: isso deu à P sicaná
lise o poder (perverso) de deliberar sob re o norm al e o p ato ló g ico .
O arcabouço teórico da Psicanálise não é imune às im plicações da ordem sim bó
lica da qual em erge. O s psicanalistas, a com eçar pelo próprio Freud, são afetados em
159
suas escutas por seus com plexos inconscientes e suas organizações identificatórias.
Em bora saibam, teoricam ente, que o im portante é seguir os cam inhos pulsionais e
as escolhas de ob jeto, não estão vacinados contra posições normativas que tendem
a enquadrar as vicissitudes da pulsão na hegem onia discursiva dominante. Presos em
uma espécie de arrogância psicanalítica que se vê detentora da Verdade, sentem -se
autorizados a determ inar as cond ições ideais para um desenvolvimento psíquico
normal. A dinâmica do funcionam ento psíquico foi abandonada e adotou-se uma
prescrição normativa de circulação pulsional. É por isso que, na maioria de trabalhos
sobre o tema, há pressupostos teóricos psicanalíticos sendo utilizados para sustentar
o discurso heterossexual dominante.
Se ja co m o for, todo o arsenal te ó rico da Psicanálise não conseg u e explicar
co m o se organiza a cham ada esco lh a de ob jeto '. Se, co m o visto acim a, h ete ro sse
xualidade e hom ossexualidade têm que ser explicadas, pois na pulsão nada existe
de natural, cab e a pergunta: co m o o sujeito se torna hom ossexual, heterossexual
ou bissexual?
N o que diz respeito ao "tornar-se hom ossexual", foi o psicanalista n o rte-am eri
cano R o b ert S to lle r26 quem m elh or cham ou a aten ção para a inexistência de uma
form ulação psicanalítica co n sisten te sobre a hom ossexualidade. Após denunciar
que os analistas não chegaram a um acord o que faça con sen so sobre o tem a, ele
m ostrou a falta de observações clín icas e de pesquisas co n v in cen tes sobre a ques
tão. S to lle r dem onstrou que as regras de escrita dos trabalh os sobre a h om osse
xualidade, contam inadas pela retórica, pelo tom carregad o dos argum entos e pela
referência à autoridade, tropeçaram no m esm o pon to: não conseguiram reunir
elem entos que sustentassem uma especificidade da hom ossexualidade em relação
à heterossexualidade e, m enos ainda, que m ostrassem que a hom ossexualidade é
uma patologia.
C ab e , então, retornar à questão de uma form a analítica e perguntar sobre o
retorn o do recalcad o , que se m anifesta na insistência em p ato lo g izar a h om osse
xualidade e em tratá-la co m o um sintom a.
A m aioria dos trabalhos sobre o tem a parte do princípio, evidentem ente falso,
de que os problem as psíquicos que o sujeito apresenta decorrem do fato de ele
ser hom ossexual. M uitos analistas não 'escutam ' o sujeito que, co m o qualquer
su jeito, têm angústias, m edos, neuroses, enfim , razões para buscar a ajuda de um
profissional. 'Escutam ', antes, o hom ossexual que está ali e tendem a estab elecer
a equ ação 'hom ossexualidade = sofrim ento'. C o m raras e x ce çõ e s, o psicanalista,
frente ao sujeito hom ossexual, parte da prem issa de que sua hom ossexualidade é
sin tom ática - o que pode sem dúvida ser verdade, mas, nem sem pre o é: isso só
é esclarecid o ao lon go do tratam en to. As in terp retações são feitas em busca do
con flito que teria desviado o sujeito de uma d issolução edipiana tida co m o a única
produtora de saúde psíquica. E curioso observar que em m uitos relatos clín ico s,
publicados ou apresentados nos diversos en co n tro s de psicanalistas, o prim eiro
dado fornecid o quando o clien te é hom ossexual é: 'trata-se de um su jeito h o m o s
sexual...' (o relato subsequente é, a partir daí, contam in ad o pela orien tação sexual
do su jeito.) M u ito raram ente, para não d izer nunca, um relato clín ico se inicia por:
trata-se de um su jeito heterossexual...'. Q uand o o analista está con v en cid o de que
seu p acien te é 'isso' ou 'aquilo', sua aten ção flutuante corre o risco de im obilizar-
se, pois ele só escutará o que quer ouvir. Por exem plo, alguns analistas, co m o
visto, atribuem aos hom ossexuais a prática de uma sexualidade com pulsiva, co m o
form a de descarregar a ansiedade, que se m anifestaria pela busca incessante de
parceiros. O ra, o núm ero de locais destinados ao pú blico heterossexual em busca
de parceiras é m uito m aior que os locais destinados aos hom ossexuais. Isso m o s
tra que, se prom iscuidade’ existe, ela é característica da org anização psíquica de
alguns sujeitos, sobretud o m asculinos, sejam eles hom ossexuais ou heterossexuais,-
em alguns casos, uma defesa con tra a castração. Além disso, sabe-se m uito bem
que co n h ece r a 'o rien tação sexual' de alguém em nada inform a sobre sua saúde,
maturidade ou im aturidade psíquica, e m uito m enos sobre seus con flitos internos.
A maneira com o cada um vive sua sexualidade é, sem dúvida, parte im portante
de sua identidade subjetiva, ou, se preferirm os, de sua personalidade, mas não a
define. O que som os, o que cada um é, vai m uito além de sua prática sexual.
M ais ainda. V im os, no que diz respeito à adm issão de analistas hom ossexuais
nas sociedades de Psicanálise, que a história da Psicanálise foi e con tinu a sendo
repleta de calorosas discussões e debates com p osições extrem am en te divergentes
e conflitantes. E n tretanto, essa m esm a história é m uito mais rica em relatos de
v iolações de lim ites de analistas não hom ossexuais com seus clie n te s27.
N o cam po da sexualidade, desde os tem pos de Freud até h o je , não há prova
velm ente socied ad e psicanalítica alguma que tenha ficado ao abrigo de a c o n te c i
m entos envolvendo relaçõ es (sexuais ou não) en tre analista e clie n te , em que os
lim ites do setting an alítico foram ultrapassados28. Em uma carta de 14 de jan eiro
de 19 12 a Ernest Jo n e s - o m esm o que im pede o acesso de hom ossexuais às
Sociedad es de Psicanálise - , Freud deplorou a com pulsividade sexual de Jo n e s 29:
"lam ento m uito que v o cê não seja capaz de co n tro la r tais tend ências [a im pulsivi
dade sexual], co n h ece n d o bem , ao m esm o tem po, as fontes de ond e se originam
todo este mal".
U m a possível exp licação para que esse tip o de atuação nunca ten h a sido c rité
rio de adm issão, ou de expulsão, nas socied ad es psicanalíticas, é que ela, em bora
recon h ecid a co m o problem ática, en caix e-se perfeitam ente na ideia de um destino
pulsional heterossexual norm al, cu jo co n tro le escape ao sujeito. E ntretanto , as
conseqüências variam enorm em ente, sabe-se m uito bem disso, se o analista é
hom em ou mulher.
O u tro fato curioso: em m inha exp eriên cia clín ica de vários anos, ten h o o b
servado que a orien tação hom ossexual funciona co m o um 'cartão de visita' a ser
apresentado lo g o nas prim eiras entrevistas (a não ser, é claro, quando o sujeito
p ercebe sua sexualidade co m o algo tão assustador que n ecessite de várias sessões
para 'd etectar' a possível reação do analista). Q uase sem pre, en tretan to , o sofri
m en to devido ao fato de ser hom ossexual advém m uito mais de questões sociais
e m edos - o que os outros vão d izer1, se os meus pais ou am igos souberem ', da
culpa, da d iscrim inação... - do que da sexualidade em si30. N esse sentid o, com o
expressa, com pertinência, Jú lio N a scim en to 31,
A etapa seguinte é a cre n ça na existên cia de uma identidade hom ossexual, que,
mais uma vez, reduz o su jeito à sua prática sexual, p rovocando o m esm o e feito
criad o pela palavra hom ossexual: um caráter d iscrim inatório.
(U m parêntese para fazer uma crítica a alguns m ovim entos g ay s, tan to no
Brasil quanto no exterior, que, baseados na existên cia de uma suposta 'id en tid a
de hom ossexual', criam guetos id eo ló g ico s, que to cam a h etero fo b ia. O m esm o
o co rre com algumas socied ad es de Psicanálise nos Estados U n id os, sobretud o na
C alifórn ia, em que apenas analistas hom ossexuais são adm itidos, pois d efend e-se
que só hom ossexuais 'entenderiam ' os hom ossexuais. C o m o se os hom ossexuais
fossem algo diferente, uma classe à parte, que necessitasse medidas especiais. N ão
estariam , agindo assim, revertend o sobre si o discurso do qual se dizem vítim as e
perpetrando, mais uma vez, a v iolên cia sim bólica que os discrim ina?
N o que diz resp eito às leis que garantem seus direitos de cidadãos e os p ro te
jam co n tra a segregação, a questão é outra. N o sen tid o de um grupo, a identidade
pode ser com preend ida co m o um esp aço p o lítico que possui um program a de
ação atuante, uma luta com um , uma reivind icação. Trata-se da luta por direitos
iguais. N ada im pede que exista uma 'união', uma 'identidade política' em to rn o de
uma causa com um : co n tra a exclusão e em prol da cidadania, seja o sujeito g a y
ou não.)
A rgum enta-se, com o já dito, que o hom ossexual apresentaria uma "falha
narcísica". E n tretan to , em seu te x to "So bre o narcisismo-. um a introd ução ", Freud
esclarece que a esco lh a narcísica nada tem a ver com o sexo dos parceiros. O u
seja, a falha narcísica, que é uma posição pulsional, pode oco rrer em qualquer
e sco lh a de o b je to : é a dinâm ica pulsional que sustenta a m odalidade de relação
o b je ta i - an aclítica ou narcísica - , e não o sexo an atô m ico dos protagonistas, que
determ ina se a esco lh a de o b je to é, ou não, narcísica.
O u tra argum entação co rren te usada para sustentar a ideia de um problem a
ed íp ico na origem da hom ossexualidade seria a vivência de um 'Édipo invertido'
ou 'negativo'. C o n stata-se que, sem dúvida, há casos em que uma situação desse
tip o ocorreu. P orém , se seguirm os as p osições freudianas, vê-se que não existe
162
um Édipo co rreto . O Édipo é 'negativo', ou 'invertido', em relação ao m odelo
heterossexual tido co m o norm al. C o n tu d o , em h ip ótese alguma é uma resolução
p ato ló gica do co m p lex o . Q u e esse tip o de resolução edípica dê uma configu ração
particular da angústia é, sem dúvida, verdadeiro. M as, por que essa configuração
seria m ais ou m enos certa, mais ou m enos norm al, do que a configu ração da an
gústia proveniente de uma resolução heterossexual? Ju ntam -se a isso os estudos
recentes, que m ostram que o destino psíquico das crianças criadas no m odelo
hom oparental, ou m onoparental, não revela particularidade alguma em relação
ao m odelo trad icio n al32.
'Resolver' o Édipo significa não ocupar o lugar de o b je to de g o z o dos pais, ou
de seus substitutos, ou seja, separar-se das form ações in co n scien tes do d esejo dos
pais. Para que isso ocorra, é necessário que algo organize, que algo separe, a célula
narcísica m ãe-filho, excluind o a criança, futuro sujeito, de uma relação triangular.
E ntretanto, nada indica que exista apenas um m odelo de arranjo fam iliar capaz
de prom over essa separação. Além disso, não foi preciso esperar a Psicanálise
para se saber o quanto a fam ília trad icional nunca foi garantia de norm alidade: o
argum ento p sico ló g ico que defende a necessidade do par hom em /mulher para a
saúde psíquica da crian ça não se sustenta.
Q u an to à ligação excessiva à m ãe, am plam ente debatida por Freud em seu
te x to de 1911, “Leonard o da V in ci e uma lem brança de sua infân cia"33, a clín ica
inform a de m uitos sujeitos que tiveram essa ligação excessiva sem , contud o,
apresentarem solu ções hom ossexuais. N o que diz respeito à id en tificação à m ãe
e a esco lh a de parceiros baseada nos cuidados que a mãe outrora dispensara ao
sujeito, é, m ais um a vez, um d estino pulsional possível e não pode ser usado co m ó
referência de norm alidade ou de patologia. Sem pre haverá uma posição pulsional,-
não há uma que seja mais correta que a o u tra; não existe uma form a única e n or
mativa de 'atravessar' o Édipo.
A Psicanálise cria seus c o n c e ito s d entro da org anização sim bólica em que
nasceu. O Édipo clássico é uma m anifestação da "violência sim bólica"34. N essa
perspectiva, p ato lo gizar a hom ossexualidade é uma reação radical aos q u estiona
m entos que essa últim a co lo ca aos fundam entos da ordem sim bólica dom in ante35.
O fracasso em en co n trar algo de particular, de 'desviante', esp ecífico da solução
hom ossexual, atesta que a pulsão escapa a qualquer tentativa de norm alização.
■ A invenção da homossexualidade
Se o sim bólico é sem pre uma co n stru ção , ca b e - para retom ar o títu lo deste
trabalho - nos perguntarm os co m o o sim bólico 'inventa' a hom ossexualidade
co m o categoria diferenciad a de expressão da sexualidade, e com o a teoria p sica
nalítica, que está inserida nesse sim b ólico, lida com essa invenção.
C o m o se sabe, a sexualidade hum ana tem uma história. O s elem entos c o n sti
tutivos dessa história com eçam b em antes do nascim en to da crian ça e estão in ti
163
m am ente relacionad os ao lugar que esta ocupa no im aginário dos pais, no d esejo
deles, assim co m o na econ om ia libidinal do casal. Após o n ascim en to, tem in ício a
cham ada con stitu ição do sujeito-, um processo m arcado por intensos m ovim en tos
pulsionais, característicos do períod o pré-edipiano.
As pulsões parciais, sem pre em busca de prazer e indiferentes à natureza dos
o b je to s que as satisfaçam , devem se adequar às dem andas do p rocesso civiliza-
tório, às dem andas do O u tro: a polim orfia da sexualidade infantil tem que se
assujeitar a esse processo. Isso o co rre por m eio de m ovim entos psíquicos que
envolvem perdas que possibilitam , ao sujeito em con stitu ição , o acesso à lei da
troca, levando-o a renunciar ao narcisism o prim ário para aceder ao secu nd ário36.
T od o esse processo resulta na expressão da sexualidade adulta. E a m aneira com o
cada um experim enta sua sexualidade, co n creta m en te ou fantasm aticam ente — de
form a mais ou m enos reprim ida, com prazer, com culpa, co m o correta, desviante,
perversa, enfim , as singularidades das m anifestações da sexualidade em suas ver
tentes h om o, h étero ou bi, - é construída desde os prim eiros dias de vida e traz,
em sua essência, as m arcas do im aginário sexual da socied ad e na qual a criança
en co n tra-se inserida.
O s critério s, construídos e h istoricam en te datados, que determ inam a form a
correta' do ex e rcício da sexualidade, são arranjos sim bólicos que repousam sobre
o sistem a de valores de uma dada sociedade. N a socied ad e ocid ental, dom inada
pela trad ição ju d aico -cristã, esse sim bólico é m arcado por uma visão negativa
da sexualidade, cujas origens devem ser buscadas no relato b íb lico do pecado
original37. Foram tam bém os ideais da cultura ocid en tal que deram origem ao
discurso que classifica as práticas sexuais em 'norm ais' e 'anorm ais' (ou perversas,
desviantes). A partir da ideia de uma sexualidade norm al segundo a natureza, todo
desvio passa a ser consid erad o uma depravação - prav m s 38 - "con tra a natureza".
Q uand o a sexualidade desvia da finalidade prim eira - união de dois órgãos sexuais
diferentes para a preservação da esp écie - , estam os diante de uma perversão:
pedofilia, necrofilia, m asturbação, heterossexualidad e separada da procriação,
hom ossexualidade, sodom ia...
E stabeleceram -se 'critérios de norm alidade', os quais foram dogm atizados e
transform ados em revelações a serem seguidas sem questionam ento. Tais c rité
rios são in trojetad o s com o ideais culturais e, ju n tam en te da autoridade paterna,
constitu em o superego. C o m esse exped ien te, o sim b ó lico cria, de um lado, tan to
a 'sexualidade norm al' quanto as 'desviantes', d entro das quais en co n tra-se a h o
m ossexualidade, e de outro, inventa categ orias classificatórias, que transform am
posições libidinais em orien tação sexual39.
Se seguirm os a Psicanálise quando ela afirma que a sexualidade escapa a toda
e qualquer tentativa de norm alização, a im posição de uma form a de sexualidade
que aprisione a pulsão em um m odo único e universal de circu lação, a partir de um
destino pulsional tido co m o 'norm al', não será sem co n seq ü ên cias40. D eix o para
outra ocasião uma discussão clín ica mais aprofundada sobre a questão, lim itando-
me, aqui, a alguns com en tários ilustrativos.
A o lon go de m eu trabalh o te ó rico -clín ic o , ten h o sido cham ad o para discu
tir em escolas questões do cotid ian o ligadas à sexualidade, co m o deve ser uma
aula de 'educação sexual', prevenção de D o en ças Sexu alm ente Transm issíveis
(D S T ), Aids e tem as sim ilares41. N ão raro ou ço relatos de alunos que, por terem
expressado uma atitude h om oerótica, passam a ser cham ad os, quando não e stig
m atizados, de 'bichas'. Raram ente as escolas propiciam um esp aço em que esses
aco n tecim en to s possam ser debatidos. C o m o con seq ü ên cia desse silên cio acerca
da sexualidade, pode a co n tece r que a co rren te libidinal presente naquela m anifes
tação afetiva passe a ser vista com o d eterm inante na sexualidade da criança. A o
sublinhar uma determ inada form a de m anifestação pulsional, o im aginário social,
no qual a escola está imersa, está não apenas im pedindo o curso sadio das pulsões
sexuais, mas talvez - e isso pode ser perverso - d irecionand o a futura orientação
sexual da criança. C o m p reen d e-se b em por que as aulas de edu cação sexual sur
tem tão pouco efeito : elas não atingem a dim ensão in co n scien te da sexualidade,-
o real do sexo. D a í a necessidade, advoga Freud42, dos educadores subm eterem -se
a um processo psicanalítico.
N a ad olescência, esse tip o de situação tam bém oco rre. S en d o este um período
de reorg an izações de rein vestim entos libidinais, pode a co n tece r que o(a) ad oles
cen te sinta um apelo pulsional d irecionad o a uma pessoa do m esm o sexo. N o v a
m ente, os ideais culturais, que ditam que só uma form a de sexualidade é norm al
- a heterossexual transform am essa vicissitude pulsional em fo nte de angústia,
que pode ch eg ar ao desespero, pois o sujeito se sente estigm atizad o em relação ao
discurso d om inante, podend o até m esm o im pingir-se uma 'escolh a sexual', que, de
forma alguma, correspond a à sua verdade pulsional. E com um um (a) ad olescente
procurar um profissional para que este o ajude frente a essa situação. Pode a c o n
te cer desse profissional, im erso nos valores sociais dos quais não estab elece uma
distância crítica, tom ar a m anifestação libidinal da co rren te hom ossexual com o
uma orien tação sexual definitiva. S ab e-se das inúmeras conseq ü ências, por vezes
catastróficas, que podem advir daí.
Tam pouco os adultos estão ao abrigo do im aginário cultural norm ativo. Para
alguns, as m o çõ es pulsionais h o m o eró tica s am eaçam sua sexualidade. N os h o
mens, a m asculinidade é lo g o questionada. E xperim entam esse cam in h o pulsional
co m o uma verdadeira am eaça e, não raro, questionam a 'solidez' de sua orien tação
sexual. É mais com um do que se im agina o núm ero de su jeitos que se encaixam
nos clássicos padrões da heterossexualidad e - casados, com um vida sexo-afetiva
satisfatória - e que têm relacion am en tos hom ossexuais sem , con tu d o, estim a-
rem -se hom ossexuais. Alguns vivem isso com relativa tranqüilidade, em bora não
seja o caso para a m aioria. M u itos profissionais veem aí uma hom ossexualidade
não assumida. Em bora essa situação possa efetivam ente ocorrer, o trabalh o c lí
nico com esses sujeitos m ostra, uma vez m ais, o quanto os o b je to s de satisfação
pulsionais são variáveis. A h istória psicossexual do sujeito determ ina co m o essa
m o ção pulsional é experim entada: com mais ou m enos angústia, culpa, e outros
tantos afetos.
Resum indo: ninguém está ao abrigo de ser interpelado(a) por um objeto que evoque moções
pulsionais homossexuais. Entretanto, a hegemonia discursiva dominante determina a form a correta
da sexualidade e inibe toda expressão da pulsão sexual que escape à norma socialmente construí
da. Ao criar uma camisa de força do tipo "ou versus ou", ou heterossexual ou homossexual, a
organização simbólica não apenas impede uma fluidez pulsional menos conflitual, como impõe um
discurso dogmático estigmatizante, que classifica os sujeitos como normais ou desviantes, a partir
de sua orientação sexual.
■ Reflexões finais
E m bora o 'm undo natural' seja o m esm o para qualquer socied ad e, cada uma
vai p e rce b ê -lo e d eco m p ô -lo para, em seguida, dar-lhe sentido, d entro das asso
ciaçõ es sintagm áticas que aquela socied ad e criou para 'ler o mundo'. O discurso
interpretativo que surge daí é tributário do sistem a sim bólico da socied ad e em
questão, que está sujeito ao universo im aginário e fantasm ático dessa m esm a s o
cied ad e: não existe um paradigm a ún ico, universal.
V ivem os nossa sexualidade d en tro do im aginário da sociedade na qual estam os
inseridos. D esco n h e cem o s que som os guiados por co n v en çõ es culturais e a cred i
tam os na existên cia 'natural' de sujeitos heterossexuais, bissexuais e hom ossexuais.
Essa cren ça, evidentem en te id eológ ica, é vivida co m o algo intuitivo, universal
m ente válido, desde sem pre, para tod os os sujeitos. E por isso que uma das coisas
mais d ifíceis a suportar é a d iferença, sem que ela seja vivida co m o uma am eaça.
A ceitar que o outro possa ser d iferente abala nossa verdade e m ostra que a ver
dade é sem pre a verdade de cada um, o que desvela a ilusão da existên cia de uma
identidade últim a e absoluta, revelando que nossos referen ciais são con stru çõ es
com tem p o de vida lim itado.
O discurso social, que co n stró i as referên cias sim bólicas do m asculino e do
fem inino e dita os parâm etros que definem a 'sexualidade co m o normal', con tribui
não só para a invenção da hom ossexualidade co m o tam bém para que o sujeito
hom ossexual, m arcado pelos ideais da socied ad e, sin ta-se 'desviante', p o sto que
excluíd o do discurso d om inante. O s hom ossexuais nascem em uma sociedade
cuja organização sim bólica ced o lhes ensina que sua form a de viver a sexualidade
é errada. U m a pessoa, durante um processo an alítico , disse: 'prim eiro aprendi que
ser hom ossexual era anorm al. D ep ois, d escobri que era hom ossexual. O u seja, que
era anorm al. O que fazer?'.
V isto que os padrões da sexualidade hum ana são criados e não inatos, há de
se consid erar a im portância da história libidinal de cada um na origem de sua
solução sexual. Essa história, por sua vez, é construída por m arcas identificatórias
sucessivas, resultado de investim entos libidinais em d iferentes registros (sim
166
b ó lico , im aginário e fantasm ático), originados nos en co n tro s desse sujeito com
outros sujeitos. D ito de outra forma: o ser hum ano possui uma sexualidade. E essa
sexualidade, devido à singularidade da história de cada um, tem um d estino par
ticular: não há uma única maneira que se proponha certa, única e universal, para
as m anifestações da sexualidade.
S e a re la çã o sexual não ex iste, é p o rq u e, n o in c o n s c ie n te , não e x iste a in s
c riç ã o p síq u ica da d ifere n ça sexual: "a fu n ção fálica não im p ed e os h o m en s de
serem h o m o ssex u ais"43. O h o m o ssex u al, c o m o o h e te ro ssex u a l, tem ace sso a
uma form a de g o z o fá lico .
N ão existe um su jeito hom ossexual, assim co m o não existe um heterossexual
ou bissexual. Existem m o ções pulsionais e m ovim entos identificatórios que se
deslocam , mais ou m enos livrem ente, e que se m anifestam nas escolh as ob jetais
que sustentam as diversas expressões da sexualidade. C o n tu d o , essas últimas não
definem o sujeito.
O s ideais sociais d irecionam os investim entos libidinais, criand o, assim, uma
sexualidade norm al', o que não deixa de ser, co m o dem onstrou Foucault44, uma
form a de co n tro le. Para a Psicanálise - que vem m ostrar o quão ilusório é falar de
'norm al' em se tratando de pulsão - , o relevante é ten tar com p reen d er a dinâm ica
que subjaz às d iferentes orien tações sexuais. N essa perspectiva, tanto a h étero
quanto a hom ossexualidade são p o sições libidinais e identificatórias alcançadas
pelo sujeito ao lo n g o de seu tra jeto pulsional.
Bissexualidades
CAPITUL013
Desdobramentos freudianos da
noção de bissexualidade
Vera Pollo
“Bissexualidade! Estou certo de cjue você está com a razão a respeito dela. E estou-me acostumando a
encarar todo ato sexual como um acontecimento entre Quatro indivíduos."
■ Introdução
O
sexo dos seres falantes é m enos da ordem da certeza do que da dúvida,
con seq u en tem en te, da questão: "sou hom em ou m ulher?". D esd obrand o
a assertiva freudiana de que to d o ato sexual é "um a co n tecim en to entre
quatro indivíduos", o ensin o de Lacan nos perm ite d izer que nenhum ser falante
encontra, no ato sexual, o recurso que lhe perm ita afirmar-se hom em ou mulher.
Se a ad olescên cia é recen te enqu anto categ oria histórica ou so cio ló g ica , e mais
recen te ainda sua presen ça co m o v o cábu lo de dicionário, a m aturação fisiológica
dos órgãos ditos sexuais - apostando-se ou não em teorias evolucionistas - sucede
necessariam ente à aquisição da m archa e da fala e ao esta b elecim en to dos laços
sociais. Resum idam ente, aos prim eiros anos de vida. Em outras palavras, o filhote
do hom em sem pre foi, e perm anece, um ser de prem aturidade, fato prenhe de
conseq ü ências para sua realização co m o ser sexuado.
N o que tange ao sujeito, seus sintom as apresentam um "invólucro form al"1,
cu ja tram a é tecid a pelos significantes de um determ inado tem po e de um deter
m inado espaço. A língua im aginária da neurose sofre as d eterm in ações da L in
guagem , um cam po que está longe de ser estático . Em seu Curso de lingüística geral,
Saussure2 conclu iu a existên cia de dois eixos.- há sincronia, mas tam bém diacronia,
uma vez que sons e corp os evoluem . E Freud3, em bora separasse o caráter sexual
do eu e as escolh as de objeto/parceiro sexuado, assinala várias vezes a virtualidade
do prim eiro, som atório de id en tificações suscetível a mudanças. V oltarem os a esse
ponto.
171
U m ad olescen te de 13 anos, em tratam en to no A m bulatório do N ú cleo de Es
tudos da Saúde do A d o lescen te (N E SA ) do H ospital U niversitário Pedro E rnesto
(H U P E ) da U niversidade Estadual do R io de Ja n e iro (U E R J), declarou que só
entendeu o que lh e estava a co n tece n d o , quando passou a freqüentar o ce n tro
de m acum ba da avó: "Exu estava atrás âe mim para me jazer virar mulher, mas Xangô abriu
caminho por trás e soltou meus santos de berço".
U m a pergunta o afligia h á algumas sem anas: "P or que eu, e não uma m ulher?”.
S o b ela se dava a escutar um m isto de lam en to, queixa e reivind icação, que se
resum iria nos seguintes term os: M ich e l fora v iolen tad o sexualm ente por um v iz i
nho, cu ja casa costum ava freqüentar ju n tam en te de outros m eninos de sua idade.
Seu vizinho criava e vendia passarinhos. U m a tarde o am arrou e o am eaçou com
canivete, usando-o com o o b je to sexual. D esd e o dia em que foi violen tad o, não
suportou mais ficar em lugares fechad os com outros hom en s, sobretud o em e le
vadores. "Minha carne treme toda", eram suas palavras. A cuado, recusando-se a sair
de casa, a fam ília com eço u a d izer de form a irônica: "parece que está virando
viado". Ele, então, pôs-se a indagar por que razão o hom em o teria esco lh id o. Essa
esco lh a o deixava perplexo, pois, con form e argum entava, não faltam mulheres
vagabundas em seu quarteirão, ond e existe, inclusive, uma rua cham ada 'b oca do
amor', feita exatam ente para isso.
Já tive ocasião de assinalar possíveis analogias entre o caso de M ich e l e o caso
de histeria traum ática trazido por Lacan em uma das lições de O Seminário, livro 3:
as p sicoses4. O p acien te de Jo se p h Eissler, cu ja observação clín ica fora retom ada
por L acan, vinha apresentando uma d or lom bar inexplicável, do p onto de vista
fisiológico, porém co eren te com a fantasia in co n scien te de gravidez, a qual in
depende do sexo b io ló g ico do su jeito, subjaz freq u entem en te por detrás de um
sintom a conversivo. N a releitura de L acan, o sin tom a não fora provocad o pelo
acid en te de trem de que o p acien te fora vítim a, mas expressava um q u estion am en
to acerca do interior do co rp o próprio, sintom a d esencad ead o pelos exam es de
raios X a que fora exposto.
M ich e l tam bém fora vítim a de uma má tyche' um mau e n co n tro co m o Real,
que funcionara co m o o "um a mais" que o in co n scien te aguarda, prestes a explodir.
O u, então, co m o o fato extern o que leva a estrutura a sintom atizar. Pois bem , ao
escrever seu caso, vi-m e rem etida a uma passagem de Freud e outra de Lacan. Em
"O eu e o isso", Freud5 afirmou que
172
Q u an to a L acan, ao referir-se à postura que o p acien te de Eissler assumira
perante o analista - deitado de nádegas para cim a e de pernas entreabertas ele
observou que, em seus sintom as m anifestos, podem os até re co n h e ce r
D eves estar lembrado de que eu te disse, anos atrás, quando ainda eras
especialista e cirurgião nasal, que a solução estava na sexualidade, e de
que tu me corrigiste, anos depois, dizendo que estava na bissexualidade,-
e vejo que tinhas razão.
174
Por fim, não posso eliminar a suspeita de que a diferença entre neuras-
tenia e neurose de angústia, que detectei clinicam ente, está correlacio
nada com a existência das substâncias dos 23 e dos 28 dias.
Essa é nada m enos que a fam osa carta 5 2 , a que Lacan dá grande destaque, pois
traz o prim eiro e sb o ço do aparelho psíquico co m o lugar de sucessivos registros
m nêm icos, que correspond em a sucessivas traduções ou tran scrições dos traços
perceptivos que se associam por sim ultaneidade. N esse esquem a, o in co n scien
te, Unbewusstsein, é o segundo registro e está disposto de acord o com "relações
talvez causais", pois é feito de "lem branças conceitu ais igualm ente sem acesso à
c o n sciê n cia "16.
Q u e Fliess ten h a en con trad o um nú cleo de certeza d elirante não nos parece
tão surpreendente quanto o fato de que Freud, m uitos anos depois do rom pim ento
dos dois, tenha renovado sua proposta, em bora nunca con cretizad a, de ju n to s e s
creverem um livro sobre a bissexualidade17. Isso porque, nos tex to s mais tardios de
Freud, podem os ler críticas severas à teoria de Fliess. Em "U m a crian ça é esp an ca
da. U m a con trib u ição ao estudos da origem das perversões sexuais", por exem plo,
Freud18 m enciona duas teorias do recalqu e (estas correspond em às teorias de Fliess
e de A dler), uma das quais
1/6
ced e lugar à investigação da biologia". M as Freud localiza tam bém a Psicanálise
co m o interm ediária entre a b iolog ia e a psicologia e, ju stam en te ao se referir à
"bissexualidade original nos seres hum anos (tal co m o nos anim ais)", adm itiu a
existên cia de uma base com um à Psicanálise e à B iologia26.
Freud se interessa pelo livro de C h arles D arw in, A descendência do homem e seleção
em relação ao sexo, publicado em 1 8 7 1 , e teve acesso às co n trib u içõ es da e m b rio lo
gia que, graças à invenção do m icroscó p io , já havia dem onstrado que o em brião
hum ano era dotado de potencialidades m asculina e fem inina. N o entanto , se
Freud defende as d escobertas mais recen tes da ciên cia b io ló g ica , ele tam bém se
inscrevia, nesse m esm o gesto, co n tra os que propalavam a categ oria do 'terceiro
sexo', os 'sexólogos' cu jos trabalhos ele co n h ecia . K rafft-E b in g e H av elock Ellis
estavam entre os d efensores da categ oria que, com o um saco de gatos, englobava
herm afroditas, bissexuais, hom ossexuais e transexuais.
177
causas que podem levar d eterm inad o sujeito a fazer uma esco lh a de o b je to h o
m ossexual: a fixação m uito intensa em uma mulher, geralm ente a mãe,- a satisfação
narcísica com a própria imagem,- a im portância erótica da zona anal,- a ausência de
um pai forte na infância e ainda outras.
As prim eiras linhas de uma nota acrescen tada em 1915 são escritas em tom
en fá tico e categorial: "a pesquisa analítica se op õe com o m áxim o de d ecisão que
se destaquem os hom ossexuais, co lo ca n d o -o s em um grupo à parte do resto da
hum anidade, co m o possuidores de características esp eciais”29. E interessante lem
brarm os tam bém que, em 1 9 2 3 , Freud agradece a S ch re b e r a p u blicação de suas
Memórias de um doente dos nervos, que lhe perm itiram abordar "um tem a repugnante e
inaceitável" ao "adulto norm al": a atitude fem inina do m enino em relação ao pai e
a fantasia de gravidez que lhe é co n c o m ita n te . N um a só palavra-, o Édipo invertido
do m enino.
Da bissexualidade ao impossível
Sonia Alberti
■ Introdução
N
os últimos anos1, me vem sendo dada a oportunidade de sublinhar a im por
tância da sexualidade para a Psicanálise, ou seja, seu papel absolutam ente
fundamental enquanto subversão de uma Wátanschauung2: para a Psicanáli
se, a questão do sexo, o fato de que a Psicanálise surge das questões do ser-para-o-
sexo particulariza sua função com o discurso no mundo. C om efeito, em 1967, Lacan
pergunta: estaríam os à altura de sustentar o ser-para-o-sexo3 engendrado pela sub
versão freudiana? na direção segundo a qual a sexualidade subverte a W eltanschaumg,
na qual a Psicanálise poderia estar inserida e que Freud4 indicou com o a científica.
É porque a Psicanálise tem uma relação intrínseca com o ser-para-o-sexo que ela
necessariam ente se articula ao que fura toda e qualquer Weltanschauuni) , m esm o a
científica.
A prim eira grande subversão prom ovida por Freud no final do século X IX foi
a de que toda sexualidade é infantil, pois não só está referida às experiências in
fantis, mas sobretudo porque o d esejo sexual se estrutura na infância, a partir da
vivência do Édipo, que é particular para cada sujeito. Se esse foi o eixo de m inhas
con trib u ições anteriores, desta feita viso esp ecificar a função da sexualidade para
a Psicanálise, no tem a da bissexualidade, co m o uma das referên cias mais im por
tantes no que tange à sexualidade, do p o n to de vista da Psicanálise. Para ela,
desde Freud, não há sujeito que não esteja referido tanto ao lado hom em quanto
ao mulher, muitas décadas depois identificados por Lacan co m o os dois lados das
fórmulas da sexuação. Fórmulas que teorizam a m aneira pela qual um sujeito se
identifica, seja do lado hom em , seja do lado mulher, na referên cia ao im possível
com preend ido pela sexualidade do ser falante. Sim , porque a sexualidade do ser
181
falante - do ser que se orien ta a partir da linguagem e de sua própria relação com
a linguagem - o rem ete, necessariam ente, a um im possível. Lacan o m etaforizou
na fam osa frase: "a relação sexual é im possível", frase que deixou tanta gente
boqu iaberta, ou seja, m uita g en te não entendeu o que Lacan dizia, não entendeu
essa m etáfora de Lacan.
Partam os, para avançar um p ou co com ela, do seguinte fato m uito sim ples: um
sujeito — independ ente de seu sexo - quando se relacion a com um outro sujeito,
quero dizer, quando se relacion a sexualm ente com um outro sujeito, n ecessaria
m ente vê esse outro sujeito co m o um o b je to de seus investim entos sexuais. Tais
investim entos, no entan to , oco rrem em função de seus próprios interesses! A o
'ver' seu p arceiro no lugar de o b je to , necessariam ente o sujeito, que é seu parceiro,
estará co lo ca d o sob a barra da m etáfora, ou seja, o sujeito que tom a seu parceiro
co m o o b je to não está 'nem aí' para o sujeito que é seu parceiro. Isso não d ecorre
de uma falta de con sid eração ou de um desvio da relação que idealm ente deveria
ser en tre dois sujeitos, mas isso é de estrutura: as pessoas se relacionam umas com
as outras, tom and o necessariam ente o outro, p arceiro, co m o seu o b je to . Idem para
o que o co rre com o outro sujeito que tom a o prim eiro co m o o b je to . P or isso L a
can diz que a relação sexual é im possível: o outro é sem pre estranho ao sujeito que
se ocupa de seus próprios o b je to s. P or isso a im possibilidade: há algo na relação
que to ca ju stam en te esse im possível, d eco rren te da estranheza do outro sujeito,
o parceiro.
Ao tom ar o outro co m o o b je to , o sujeito, m uitas vezes, não se dá co n ta do
im possível, porque vela a estranheza com sua form a de 'ver' o outro. Ele verá seu
o b je to sexual con form e sua própria história, seus g osto s e preferências que terão
se afinado ao lon go de suas experiên cias desde aquelas que, co m o já dito, amal-
gam aram -no co m o d esejan te, co m o sujeito do d esejo , e que ocorreram por con ta
do atravessam ento do Édipo na infância. Por isso, para a Psicanálise, a sexualidade
é infantil.
■ 0 Édipo e a bissexualidade
Freud é m uito claro: não há Édipo que não seja tan to 'positivo' quanto 'n eg ati
vo', pelo que com preend e: o Édipo positivo é aquele em que dos pais, o do sexo
op osto ao do filho será investido sexualm ente, enqu anto que o Édipo negativo
im plica o investim ento sexual daquele m em bro do casal parental que seria do
m esm o sexo. É interessante n otar que essa co n c eitu a çã o quanto ao Édipo data
som ente de 1931, ou seja, do tex to já tardio em que Freud resolveu finalm ente
dedicar-se à questão da sexualidade fem inina. É som en te no m om en to em que
Freud se debruça sobre a questão da m ulher que d efinitivam ente se dá co n ta de
que há um prim eiro m om en to do Édipo na história de toda mulher, em que ela
esteve absolu tam ente voltada para a mãe co m o o b je to de investim ento sexual.
N a realidade, essa é uma con seq ü ên cia lóg ica de toda teo rização que Freud fizera
182
ao lon go dos anos: se a sexualidade é infantil, se a sexualidade não se reduz à
genitalidade, ou seja, se qualquer investim ento de o b je to que im plica prazer é
sexual e d eterm inado pela quantidade de libid o investida nesse o b je to , sendo a
libido a energia sexual que m ove to d o psiquism o, então, necessariam ente, desde
as prim eiras exp eriên cias de satisfação que oco rrem no m o m en to em que o b eb ê
tem uma relação privilegiada com a m ãe, ind ep end en tem ente do sexo b io ló g ico
desse b eb ê, ele investe a m ãe co m o o b je to sexual! C o m o eu já pude desenvolver
em outro m o m en to5, o estranho não é isso, m uito mais estranho que isso é o fato
que ele largue esse o b je to a um ce rto m om en to de sua vida!
S e é som en te em 1931 que Freud co n ceitu a o É dipo positivo e negativo,
lançando m ão das co n trib u içõ es de psicanalistas m ulheres, d entre as quais cita
Jea n n e L am p l-d e-G roo t, H e le n e D eu tsch e M elan ie K lein , isso não quer dizer que
já não percebera m uito mais ced o que a sexualidade é bi. Em 1 9 0 8 , já escrevera o
texto: "Fantasias histéricas e suas relações com a bissexualidade"6. É nele que relata
o exem plo parad igm ático da h istérica que, durante seu ataque - naquela ép o ca as
histéricas apresentavam com frequência um ataque durante o qual faziam coisas
de que depois já não se lem bravam - , caída no ch ão co m o se estivera apresen
tando um sintom a ep ilép tico, levantava com uma m ão o vestido numa atitude
m asculina e, com a outra, tentava c o b rir o to rn o z elo da m aneira co m o as m ulheres
o faziam . Por m ais que Freud tivesse suas dificuldades em aceitar a natureza bis-
sexual de to d o ser falante, diante de tal evidência já não era possível não vê-la e,
se por um períod o ainda resistia, com a h ip ótese de que isso só o co rre na histeria,
em 1924, no tex to "A dissolução do co m p lex o de Édipo"7, já não tem com o evitar
a observação de que todo Édipo é vivido tan to de form a ativa quanto passiva.
■ A anatomia e o destino
A pesar de encontrarm os, na Psicanálise - e aqui me refiro à boa Psicanálise
e não som ente a texto s que não m erecem aten ção —, observações pertinentes
quanto à origem narcísica de algumas características hom ossexuais, a questão da
hom ossexualidade não a tang encia por definição. A partir do quê o afirmo?
A com eçar, baseada n o te x to revolu cionário de 1 9 0 5 , com o qual Freud a l
v o roça seus colegas ao afirmar a sexualidade infantil para todos e a parcialidade
da pulsão sexual tam bém para todos e, finalm ente, o Édipo para todos! M ais: já
em 1905 Freud pôde escrev er que "um d eterm inado grau de herm afroditism o
anatô m ico p erten ce à norma,- em todo indivíduo norm al, m asculino ou fem inino,
é possível identificar vestígios do aparelho genital do outro sexo"9, m esm o se isso
não im plicasse nada que a inversão psíquica - era assim que Freud se referia à
hom ossexualidade em 19 0 5 — fosse debitária de qualquer referência anatôm ica. O
interessante de se notar é que Freud já sabia, em 1 9 0 5 , que, na natureza, não se
en con tra a segregação m ascu lino-fem inino a qual, no en tan to , a moral civilizada
da ép oca queria afirmar com tanta veem ência. S e nem m esm o a anatom ia segrega
o outro sexo, por que será que a cultura pretende fazê-lo? C o m isso, introduz-se
o tem a da bissexualidade em seus "Três ensaios para a teoria sexual"10.
É tam bém interessante observar que, se Freud exp licita a independ ên cia entre
o psíquico e o an atô m ico nessa passagem dos "Três en saios...", quando procura
identificar o que levava um hom em a se posicion ar hom em escorrega e diz: a
anatom ia é o d estino. H á uma con trad ição entre am bos os m om en tos do m esm o
texto! O que m e obriga a associar a dificuldade de Freud em re co n h e ce r em si
m esm o a bissexualidade. A resistência é do sujeito Freud... o que só mudaria mais
tarde quando, co m o dito, diante de tantas evidências clín icas, já não era mais
possível acred itar que a bissexualidade era som ente para alguns.
A teoria freudiana nasceu da clín ica e retornou a esta, para verificação. Freud
não pensava fazer Psicanálise de outra m aneira... a questão é ju stam en te que
quando v o cê põe a soberania na clín ica e con strói uma teoria que visa realm ente
dar co n ta do que verifica na clín ica, v o cê rapidam ente se deparará com suas p ró
prias resistências, as resistências dos outros clín ico s e, finalm ente, a resistência
do real da clín ica, que é to talm en te inusitado para a teoria até então construída.
Freud não foi um desses que desistia! N em tam p ouco Lacan, aliás! Assim, Freud
se viu levado a propor o sexo co m o um dos reais que a clín ica apresentou para o
psicanalista - ao lado da m orte, o outro real da clín ica para Freud - o que Lacan
retom aria depois na articulação com o sintagm a h eid eggeriano do ser-para-a-
m orte, con trap on d o a este, o ser-para-o-sexo da d escoberta freudiana. N ão só da
d escoberta de Freud, mas do que ela trouxe de subversão,- a bissexualidade é um
dos eixos dessa subversão.
■ A homossexualidade e a mãe
Tudo isso só pode ser entrevisto por Freud, com o dito, quando ele chega à
sexualidade fem inina, e m inha hipótese para isso é a de que o hom em Freud teve
dificuldade de se co lo car diante da m ulher de outra form a que não aquela por ele
m esm o descrita em sua "Psicologia da vida am orosa"11: é preciso rebaixar as m ulhe
res para poder fazer delas o b je to sexual, caso contrário, aproxim am -se demais da
mãe, que é proibida. Freud teorizara que, para poder aproxim ar-se de uma mulher,
o hom em necessita rebaixá-la, degradá-la, única forma de vê-la separada da mãe.
N o final do com plexo de Édipo, o m enino precisa deixar de investir a mãe com o
o b je to de d esejo sexual, e isso prom ove uma clivagem : de um lado, as m ulheres
que, com o a m ãe, não podem ser tocadas, de outro, aquelas que foram feitas para se
tocar, mas que nada têm em com um com m inha ternura, meu am or particular para
com m inha mãe. N a realidade, a meu ver, m uito mais difícil do que se dar conta de
alguns traços m enos m asculinos em si próprio, m uito mais difícil do que verificar
que há uma certa passividade, ternura, delicadeza possível no hom em , m uito mais
difícil do que isso é se dar conta, no co m eço do século X X , de que a mulher não
veio ao mundo com handicap de inteligência, capacidade, atividade, coragem , m o
ralidade ou seja, todas as virtudes que os hom ens acreditavam ser só deles!
Em 2 9 de ja n eiro de 1 9 5 8 , Lacan daria uma aula em que retom aria a p articu
laridade da relação com a m ãe na hom ossexualidade masculina. Q uem tiver in te
resse em saber com o Lacan pensava a hom ossexualidade no prim eiro m o m en to
de seu ensino, leia essa aula de O Seminário, livro 5: as form ações do in co n scien te 12.
Sua h ip ótese é de que a particularidade do Édipo, nesses casos, é a de que a mãe
im põe sua lei ao pai, o que é bem d iferente de d izer que, na hom ossexualidade,
o sujeito estaria subm etido a um a m ãe castradora - é o que se dizia na ép o ca e
o que Lacan critica nesse Sem in ário - pois, o que Lacan sublinha fund am ental
m ente é o fato de que, tam bém na hom ossexualidade, o d esejo se orienta a partir
do Êdipo, ou seja, o pai tem tan to a ver co m isso quanto a mãe. C ito : "é m uito
cu rioso ver que jam ais se sublinha a relação do pai com a m ãe''13. Para além disso,
Lacan assinala outra coisa que ninguém m encionara antes e que dizia respeito a
uma fantasia de uma vagina na qual se desenvolve um falo co m o tal (stc) e que seria
suficientem ente assustadora para im pedir ao sujeito poder se relacionar com e la 14.
Lacan sublinha essa fantasia em d etrim ento da fantasia da vagina dentada. R etom o
essas fantasias aqui porque m e parece que dem onstram que há uma questão com a
mulher, mas há tam bém uma questão com o pai. Isso volta à posição freudiana: a
bissexualidade é debitária do fato de que T O D O S já tiveram a mãe co m o o b je to
de d esejo e T O D O S já foram o b je to de d esejo do pai15.
■ Do impossível
O im possível da relação sexual está dado. M as há m om en tos na vida de um
sujeito, no co n te x to da vida am orosa, em que, diante de um bom en co n tro - uma
eutykbia - ele pode ser levado a cre r que a relação sexual é p ossível... Tais m o m en
tos são co n tin g en tes, são da ordem de um a co n tecim e n to e, por algum tem po,
vive-se esse aco n tecim en to que, no en tan to, é mais que evan escen te...
Lacan24 retom a, da lóg ica aristotélica, as categorias de possível, impossível,
con tin g en te e necessário, assim definidos: partindo da ideia de que o necessário se
■ Da bissexualidade ao impossível
escreve - o que a linguagem com um já sabe pois, ao dizer 'pode escrev er1, a pessoa
está dizendo que isso vai acontecer, sem dúvida o im possível é o que não cessa
de não se escrever,- o con tin g en te o co rre quando algo, repentinam ente, cessa de
não se escrever - e que identificam os acim a com o o que a co n tece, inesperadam en
te, e o possível é o que cessa por se escrever - o que é da dim ensão do en con tro, o
surpreendente do en co n tro , o inusitado dele, term ina, porque agora virou rotina,
do impossível tornou -se possível, e quando é possível já não encanta. A c o n tin
gência, isso que aco n tece fazendo com que o im possível cesse de não se escrever
por um curto m om ento, pode dar m argem a q u e s e acred ite a relação sexual com o
possível. Q uand o é possível, no entanto, há o risco de isso cessar por se escrever!
O século X X tornou muita coisa possível, tornou possível às hom ossexualidades
fazerem com que a bissexualidade própria à divisão subjetiva cessasse de não se
escrever! N o entanto , agora que é possível, há o risco de se acred itar que, com
isso, colm atou-se o impossível da relação sexual, ou seja, que se acredite que ela
passou a ser possível... a conseqüência seria grave: ela cessaria, por se escrever...
Felizm ente, lem bra Lacan, a con tin g ên cia, o a con tecim en to que poderia levar à
possibilidade é, na realidade, uma ex ce çã o à regra da im possibilidade e só leva ao
engano da possibilidade por se inscrever em falso con tra a im possibilidade.
189
CAPÍTULO 15
0 desejo é o destino
Nadiá Paulo Ferreira
■ Introdução
O
s seres falantes, que se desviaram da norm a estabelecid a pelo cód ig o
social, em relação ao o b je to causa do d esejo e ao amor, foram ch a m a
dos, pelo San to O fíc io da Inquisição, de monstrum horrendum. A partir
daí, classificados co m o desviantes e estigm atizad os co m o hom ossexuais, foram
perseguidos por m ovim en tos religiosos (Inquisição, R eform a, C ontrarreform a e
Fundam entalism o Islâm ico), p o lítico s (revolu ções m arxistas na Rússia, C h in a e
C u ba) e de pureza étn ica (N azism o e Fascism o). C o n tra eles, sem pre a in tolerân
cia, quer sob a form a radical do assassinato, quer sob a form a de prisão, tortura e
castigo, co m o é o caso do 'estupro corretiv o' das lésbicas na Á frica do Sul.
N esse co n te x to , apareceu um hom em ch am ad o Sigm und Freud, que criou
uma teoria sobre a sexualidade hum ana fora da ditadura da anatom ia dos corpos.
A função dos p reco n ceito s é a m esm a dos sintom as: retirar de cen a as exigên cias
pulsionais, a fim de que o d esejo e a singularidade do g ozo sejam co lo cad o s no
lim bo para ficarem esquecidos. Esse ato é nom ead o por Freud de recalque. A lei
do recalque é o retorn o do recalcad o : o que não se quer saber retorna, sob a form a
do disfarce, da dissim ulação. O u seja, retorn a pela via do sintom a, porque essas
pulsões insistem em se m anifestar à deriva do eu, por m eio de uma série de d eslo
cam entos e de substituições. Eis o im passe, depois de Freud ter d esco b erto as leis
que regem o psiquism o do hom em : de um lado, o in co n scien te e as pulsões, de
outro lado, o eu e sua afetação pelo in co n scien te, fazendo com que o ser falante
tro p ece com sintom as, atos falhos, esq u ecim en tos e sonh os de m ensagens cifra
das. Essas m anifestações não param , porque o eu e suas instâncias ideal (eu-ideal
e ideal-d o-eu) e m oral (superego) ju lgam , rech açam e insistem em perm anecer
191
na ignorância pela via do recalqu e. Isso não para, porque o in co n scien te sem pre
abriga as exigên cias pulsionais, porque nele não há lugar para o não.
Aqui, entra em cen a o m ecan ism o da d en egação (Verneinung), que é o b je to de
estudo freudiano, no te x to traduzido em português por "A N egativa". O que foi
retirado da con sciên cia, por ter sido ju lgad o e cond enad o, é retirado de cen a da
co n sciên cia. M as, se m esm o assim, o negado reaparece na fala, ele deve, m ais uma
vez, ser negado. N eg ação da n eg ação, diz Je a n H y p p o lite 1:
A gora o senhor vai pensar que quero dizer algo insultante, mas real
mente não tenho essa intenção.' Com preendem os que isso é um repú
dio, por projeção, de uma idéia que acaba de ocorrer. Ou: ‘O senhor
pergunta quem pode ser essa pessoa no sonho. Não é minha mãe'.
Emendamos isso para: Então, é a mãe dele.
: i u aesejo e o aesimo
de "Três ensaios sob re a teoria da sexualidade'', Freud faz questão de assinalar as
resistências às suas teses6:
V inte anos depois dos "Três ensaios sobre a teoria da sexualidade", Freud
confessa que sua teoria sobre a sexualidade infantil desm istificou um dos m aiores
p reco n ceito s da humanidade.- a cren ça de que a infância é a idade da in ocên cia
porque é desprovida de sexualidade. Ju stam en te por isso, ele diz que7
N o que diz respeito à diferença sexual, tem os três hipóteses na obra freudiana: a
bissexualidade, a escolha da posição sexual (hom em ou mulher) e a escolha de ob jeto.
As vezes que Freud se refere à bissexualidade, ele recorre à ciên cia de ponta de
sua ép oca, a B iologia, para sustentar uma h ip ó tese orgânica para a bissexualidade:
193
Cham o a atenção dos senhores para o fato de que partes do aparelho
sexual m asculino também aparecem no corpo da mulher, ainda que
em estado atrofiado, e vice-versa. Considero tais ocorrências com o
indicações de bissexualidade, com o se um indivíduo não fosse homem
ou mulher, mas sempre fosse ambos — sim plesmente um pouco mais
de um, do que de outro. E então se lhes pede fam iliarizarem-se com
a ideia de que a proporção em que masculino e feminino se misturam
num indivíduo, está sujeita a flutuações muito amplas. D e vez que,
excetuando casos muitíssimos raros, apenas uma espécie de produto
sexual — óvulos ou sêmen — está presente numa pessoa, os senhores,
contudo, não poderão senão ter dúvidas quanto à im portância d eci
siva desses elem entos e devem conclu ir que aquilo cfue constitui a mascu
linidade ou a feminilidade e uma característica desconhecida cjue foge do alcance da
anatomia'0.
D urante toda sua vida, Lacan sem pre insistiu em que a d iferença sexual é
criação do discurso e, ju stam en te por isso, o equ ívoco, co m o m arca indelével da
linguagem , envolve tudo o que diz resp eito ao sexo. O fato de a linguagem existir
já im plica a im possibilidade de d izer tudo sobre a d iferença sexual. Em As inter-
m itências da m orte, o aprendiz de filósofo nos alerta q u e14
as palavras são rótulos que se pegam às cousas, não são as cousas, nunca
saberás com o são as cousas, nem sequer que nomes são na realidade
os seus, porque os nomes que lhes deste não são mais do que isso, os
nomes que lhes deste.
195
C h arles D arw in se im pressionou com o fato de que, na Terra do Fogo, na Ar
gentina, as vestim entas de alguns nativos não eram adequadas ao clim a da região,
A pesar do frio, eles cobriam a pele com uma fina cam ada de tinta e apenas usavam,
na parte superior do corp o, uma pequena pele de animal. N o Im pério R om ano
do O rien te, os nobres b izan tin os decoravam suas túnicas de seda com fios de
ouro, pérolas e pedras preciosas. O s esp artilhos, que passaram a ser usados pelas
m ulheres, aproxim adam ente, a partir do sécu lo X V I, não eram nem um pouco
confortáveis. Em síntese, as roupas e as armas co m o dons valem m uito mais pelo
valor fálico que adquirem do que pela função utilitária.
N o en tan to , m esm o assim, a sign ificação dos significantes 'hom em ' e 'm ulher1
foi con g elad a na im agem dos órgãos sexuais, fazend o com que se instalasse um
g ig an tesco , forte e quase invencível im pério da im agem , no qual reina, de forma
absoluta, a figura de um pênis. Parodiando Lacan, diria que um pênis sem pre
ereto, co m o se tivesse um osso, não é a im agem de um órgão sexual, mas do falo
com o sím b olo. Será que é nesse sen tid o que, em "A dissolução do co m p lex o de
Édipo", publicado em 1 9 2 4 , parodiando a frase m uito con h ecid a de N apoleão,
Freud diz que a anatom ia é o destino?
Lacan, em O Seminário, livro io.- a angústia, referind o-se a essa frase, afirma que
Freud "errou ao dizer, sem m aiores esclarecim en tos, que ela é o d estin o "16. Ju sta
m ente por isso, ao repetir essa c é le b re frase de Freud, ele faz questão de ressaltar
que está em pregando a palavra anatom ia com o sentid o de estrutura. O destino
do d esejo se liga a uma certa anatom ia, ou seja, ao m odo pelo qual o g o z o se
co n fro n ta com o s ig n ifica n te :"(...) o d esejo está fadado a en con trar o o b je to numa
ce rta função que se localiza e se precipita no nível da decídua e de tudo o que
pode fu ncionar co m o esses tecid os cad ucos''17.
S e a estrutura é o d estino, uma parte do que envolve a sexualidade hum ana é
real e, ju stam ente por isso, está m arcada pelo indizível: não há relação sexual, não
há A, não há tod o-hom em .
A diferença sexual só é questão para os seres que habitam a ordem sim b óli
ca, na qual lei e linguagem se encon tram articuladas. É a linguagem , não com o
fenôm eno social, mas co m o estrutura, que biparte os habitan tes desse mundo
en tre hom ens e m ulheres, os quais, com o significantes, são fatos de discurso. N o
entanto, a natureza de to d o discurso é produzir uma significação não-tod a. O u
seja: o sen tid o produzido p elo discurso não esg ota a possibilidade de significação
do significante. É nesse sentid o que Lacan afirma que to d o discurso é sem blante.
Se houvesse um discurso que não fosse sem blante, seria possível a produção de
um saber sob re a d iferença sexual. A linguagem , diz L a ca n 18, "em sua função de
existen te, só co n o ta , em últim a análise, a im possibilidade de sim bolizar a relação
sexual".
Lacan diz e repete, muitas vezes, em seus sem inários, que a m ulher é n ã o -to
da. Esse aforism o foi interpretad o com o se o im possível só estivesse do lado das
m ulheres, co m o se fosse possível dizer tudo sobre o hom em , co m o se o real não
com parecesse para o hom em , enfim, co m o se o hom em "não ficasse exp o sto aí ao
v en to da castração "19. N o Seminário 4 8, Lacan nos alerta20:
197
Essas fórm ulas se sustentam na fenda que se abre entre as anatom ias dos corp os
e as p osições sexuais, para tod os que habitam a linguagem . Q ualqu er ser falante,
ind ep end en tem ente de seu sexo anatôm ico, pode se co lo ca r do lado do to d o
(hom em ) ou do lado do n ã o -to d o (m ulher). Estar ou não estar na fu nção fálica —
eis a questão. D o lado do to d o (hom em ), tem os o sujeito barrado (&) e a função
fálica (<J>). D o lado do n ã o-tod o (m ulher), tem os o o b je to a co m o o b je to causa do
d esejo. M as, nesse lugar de o b je to causa do d esejo do hom em , a m ulher só pode
co m p arecer co m o O u tro barrado (A ). O lugar do significante é barrado porque
falta o significante do O u tro -sexo : S(A ). O u seja: a expressão a mulher deve ser
escrita co m o  mulher, porque "a partir do m om en to em que ele [o ser falante] se
enuncia pelo não-tod o, não pode se escrever"22.
A im possibilidade de escrever a relação entre sujeito barrado {&') e o b je to causa
de seu d esejo (o b je to a) não só im plica que a co n ju n ção entre eles só pode ser feita
na fantasia - {& 0 a) - , mas tam bém que não há relação sexual. A mulher, co m o
O u tro-sexo , é, então, definida por Lacan, co m o "aquilo que tem relação com esse
O u tro"23. Eis uma definição que, em vez de explicar o que é a mulher, enuncia
que "nada se pode dizer da m ulher"24. Isso não significa que não se possa falar das
mulheres co m o seres falantes que se situam na função fálica do lado do n ão-tod o.
N o que diz respeito às p osições sexuais, Lacan insiste no fato de que esco lh er
o lado do não-tod o (m ulheres) não significa que não tenha oco rrid o a faliciza-
ção, processo por m eio do qual se inscreve a função paterna, sem a qual não há
castração. As m ulheres não estão privadas do g o z o fálico. E os hom en s não têm
ob rig ação de ficar de plantão o tem p o to d o na função fálica. E preciso saber tran
sitar nessas funções.
D esd e o Seminário 20, Lacan insiste que, quando um hom em ama, ele é mulher,
e quando uma m ulher deseja, ela é hom em . O ser falante co m o mãe está do lado
do to d o (hom em ); co m o o b je to causa do d esejo (o b je to a) está do lado do não-
to d o (mulheres),- co m o aquele que aborda o o b je to causa de seu d esejo está do
lado do to d o (hom ens).
N a psicose (foraclusão do N o m e-d o -P a i), o ser falante se co lo ca n o etern o
fem inino. N as neuroses h istérica, obsessiva (d en eg ação do N o m e-d o -P ai) e na
perversão (d esm entid o do N o m e-d o -P ai), o ser falante se fixa no m asculino. M ar
cados ou não pela função fálica, a hom ossexualidade é a m arca registrada dessas
estruturas clínicas.
Enfim, hom ens ou m ulheres: uma d iferença sexual desvinculada da anatom ia
dos corp os e sustentada por dois significantes, cu ja significação é dada p elo sem
blante na dialética fálica: ter ou não ter o falo com o signo de dom. R ecapitulando:
de um lado, tem os a posição de sujeito que, co m o desejante/am ante, se situa no
lugar da falta: posição fem inina diante do significante falo. D o outro lado, tem os
a posição de o b je to que, co m o desejado/amado, situa-se do lado do ter: posição
m asculina diante do significante falo.
Se hom ens e m ulheres não fossem significantes, co m o com p reen d er os poetas
que viveram na ép o ca dos trovadores? Para amar cortesm en te a dama, situavam -se
do lado do hom em . Para falar de um amor, que estava a co n tece n d o e que o o b je to
am ado não se apresentava com o im possível, colocav am -se na p o sição das m u lhe
res. A rrisco, inclusive, dizer que os trovadores salvaram a Idade M éd ia, cham ada
p elo historiad or G eo rg es D u b y de Idade dos H om ens, da hom ossexualidade.
Nas cantigas de amor, o sujeito, ao se situar co m o hom em no discurso p o é ti
c o , co lo ca -se na p o sição de renunciar às m ulheres por am or de quem deveria ser
verdadeiram ente A mulher.
Q u and o seus am ados voltam , elas são convidadas, quase sem pre por b ilhetes,
para um en co n tro .
Q ue nunca ouveramado,
ergas en Vigo, no sagrado:
Emor ey!31
Pero M eogo
Enfim, não houve aprendizagem com o legado deixado pelos trovadores. Foi
preciso a d escoberta da Psicanálise com Freud e sua retom ada por Lacan para que
pudéssem os reler esses poetas e com eles aprender que a heterossexualidade é a
possibilidade de estar, em cada tem po, em uma posição diante do falo. S ó assim,
o ser falante, lib erto das corren tes anatôm icas pode continu ar viagem , seguindo a
trilha do amor, do d esejo e da singularidade de seu g ozo ...
201
Sobre a declaração de sexo
Ana Costa
204
cria uma falha nas co n d içõ es de representação. E sse a co n tecim e n to atualiza o
traum atism o originário da entrada na linguagem , re to rn a n d o p ercep ções de des-
ped açam ento do corp o. O retorno de uma u n ificação a c o n te c e nos exe rcício s de
iniciação e no jo g o com as 'máscaras'. N o en tan to , co m o con seq ü ên cia de um
e x ercício , das d iferentes faces da experiên cia, reto rn a ao sujeito a interpelação de
uma escolh a sexuada.
Farem os um co teja m e n to entre os term os 'in icia çã o sexual' e 'd eclaração de
sexo'. O prim eiro - a in iciação - faz alusão ao in ex p erien te, àquele que precisa
ser acom panhado num cam po em que se ressalta sua inabilidade, co n ferin d o -lh e o
selo da 'virgindade', co m o bem ou co m o estigm a, m as, de qualquer forma, sem pre
com o um risco. D o lado da 'declaração', espera-se o testem u nho a um outro, no
e x ercício m esm o de sua posição sexuada, que se sustenta na m edida em que o su
je ito se situa co m o ser falante. Transitem os, então, pela elab oração desses term os.
A in iciação situa-se por relação a uma m udança de estado - na passagem
ad olescente, por exem plo. E um term o que faz alusão aos m istérios: m istério do
sexo, ou m esm o, do d esejo. Por ser um m istério, a referên cia a um saber dirige
essa m udança de estado. E já que se representa co m o da ordem do 'm istério', pode
vir recheada de um sen tid o religioso. C onfirm am os isso naquelas figuras que,
nas m ontagens sociais, serviram ao longo do tem p o para dar co rp o à iniciação,
enquanto apropriação de saber ligad o a esse tem a. C o lo ca ra m -se, por exem plo,
no 'guerreiro' e no 'escriba', co m o figurações do m asculino que encarnaram , ao
longo dos séculos, a subm issão aos desígnios dos m istérios. Essas figuras dão o que
pensar, porque apresentam paradoxos. Sua en carn ação era reservada aos hom ens,
mas numa p osição fem inilizada. O u seja, atuavam a virilidade numa co n d içã o de
passividade e subserviência.
A tem ática da in iciação tem atravessado os séculos com essa dupla assonância:
a aquisição e o d om ínio de um saber sobre um d eterm inad o enigm a - o enigm a
do O u tro sexo - e a co lo ca ç ã o em ato desse saber. Essas duas co n d içõ e s aparecem
interligadas e a possibilidade de tran sp osição mais ou m enos bem -sucedida está
co lo cad a em que, socialm ente, produza-se um laço possível entre elas - entre sa
b er e co lo ca çã o em ato desse saber. Esse laço pode se am arrar de muitas m aneiras
e, desde já , podem os d estacar seus extrem os, que são co lo ca d o s, muitas vezes, nas
passagens ao ato co m violên cia.
O s 'm istérios' trazem a função de um ideal fálico. N ão é sim ples o trabalho
p síquico necessário para transpor a ad olescên cia. C ad a cultura faz seus arranjos
possíveis, que respondem a suas o rg an izaçõ es discursivas. O trabalh o de am ar
ração im plica que estejam contid as n o ideal social as co n d içõ e s para o e x ercício
sexual, na m edida em que este não é som en te um trabalh o individual, sendo
tam bém social.
O lugar dos 'm istérios' diz respeito à função da fantasia. D esd e Freud, re co n h e
ce-se que a sexualidade faz um furo no real. O que pertencia ao cam po da cu rio
sidade infantil, no qual era suportado o sexual, perde a âncora das relaçõ es pri
márias, na passagem ad olescente. Torn a-se necessário, então, constitu ir algo que
restabeleça essa função. N ão sem antes passar pelas reações de pudor, que revelam
algo de uma privação. E ali que entra em causa a função da fantasia. A relação ao
'm istério' suporta a tessitura de um véu necessário para abordagem do real. C o m o
se sabe, o son h o tem tam bém essa função: som ente pelo sonho torna-se possível
uma saída de experiências que atualizam um trauma originário. A exp eriên cia c o r
poral na puberdade tam bém se situa co m o uma atualização desse trauma.
A virgindade fem inina, situada anteriorm en te com o tabu social, já en carn ou
culturalm ente o enigm a do falo - enigm a este no qual se atualizam os m istérios'
- sendo uma de suas expressões mais eficazes. O falo - co m o significante da falta
- funciona co m o um véu, que e n co b re a castração e a relan ça num mais além . A
virgem fazia co rp o social disso e, por essa razão, o d esvirginam ento poderia re
presentar v iolência, com o queda do véu e realização da castração (essas significa
ções ainda se m antêm no privado, para cada indivíduo). Essa função social estava
co lo cad a tam bém para os rapazes em relação à sua in iciação. A possibilidade de
realizar o e n co n tro do O u tro sexo (para hom ens e m ulheres) é tam bém atualizar
o e n co n tro do vazio do falo, ou seja, sua dim ensão puram ente significante (de ser
um sim ples representante para o sujeito).
C o m isso, é possível p erceb er que a in iciação tem por função o jo g o da m ásca
ra, na qual o 'm istério' diz resp eito à função fálica. Pod em os pensar na sua abran
gência, con stitu in te dos determ inism os m íticos hum anos, se acom panharm os os
ritos in iciáticos, de algumas socied ad es tribais, nas quais isso, de uma m aneira ou
outra, é co lo ca d o em causa. C o m o nas cerim ônias da caça, por exem plo, durante
as quais o caçad or se pinta com o sua presa ou a m im etiza. O u m esm o, em nossa
socied ad e, nos jo g o s de con qu ista, nos quais a questão se cen tra no ex e rcício da
'máscara' - m esm o para os h om ens - mais do que na necessidade de acesso ao
o b je to do d esejo.
V am os ao nosso segundo term o: d eclaração do sexo. C uriosa expressão. Lacan
se utiliza dela para propor que o sujeito é um term o sem pre resultante de três m o
dalidades tem porais, constitu in tes do que ele denom inou "tem po lóg ico ". O u seja,
a relação do sujeito com sua en u nciação se m odifica d ep end end o do que está em
causa na relação com o outro. Isso porque o sujeito depende de um determ inado
e n co n tro de enunciação e real, que im plica d iferentes trânsitos da experiên cia.
Assim, não seria suficiente que o sujeito fosse um iniciad o num có d ig o qualquer
- co m o uma referência fálica - para que incluísse a exp eriên cia singular de seu
g ozo. Esse dom ínio, por exem plo, poderia ser sim plesm ente delegado a um outro,
m antend o, dessa m aneira, sua co n d içã o de anonim ato. E assim que a iniciação não
garante a um sujeito a apropriação de um lugar para inclusão de sua exp eriên cia
singular num có d ig o com partilhad o. C ed o ou tard e, de uma m aneira ou de outra,
algumas experiên cias produzem desgarram ento nos en co n tro s da paixão.
Para finalizar, podem os retom ar o que desdobram os da maneira que segue.
A puberdade, co m o acon tecim en to, cria um tjap, uma falha, nas con d ições de
representação. Esse aco n tecim en to atualiza o traumatismo originário, retornando
percepções de despedaçam ento do corpo. O retorno a uma unificação aco n tece
nos exercícios de iniciação e no jo g o com as 'máscaras'. N o entanto, co m o c o n se
qüência de um exercício , nas diferentes faces da experiência, retorna ao sujeito a in
terpelação de sua escolh a sexuada. A esse m om en to pertence a 'declaração de sexo'.
Assim, a assunção de uma escolh a sexuada fica atrelada a um tem po de exer
cício , situando d iferentes form as de enu n ciação, que dependem da relação com
o outro co n stan te no tem po lóg ico . P odem os acom panhar durante um tem po a
ilusão da encarnação do falo, situado no jo g o das iden tificações. A ultrapassagem
dessa posição diz respeito ao sujeito se declarar co m o sexuado frente ao outro,
no e x ercício do d esejo . S ão os efeito s desse exe rcício que retornam co m o se fosse
uma interp elação, na qual o sujeito é co n v o ca d o a 'bancar' o d esejo. N esses m o
m entos, podem a co n te ce r crises, que testem unham os de duas maneiras: seja com
incid ências do 'duplo1, em seu efe ito de divisão, de ruptura do espelho,- ou bem
co m o uma m iragem da unidade, no caso da paixão. Esses efeito s são co n seq ü ên
cias dessa interp elação a uma esco lh a sexuada. O u seja, co lo ca m o sujeito em crise,
numa relação direta ao recalcam en to originário, m anifestando o que de louco faz
parte de qualquer estrutura.
207
CAPITULO 17
1
. A n oção de bissexualidade não foi introduzida por W ilh elm Fliess, com o se
costum a pensar. Ela já era m uito difundida entre os praticantes de biom edi-
cina e sexólogos do final do século X IX , cu ja extensa casuística foi utilizada
por Freud logo na abertura de seus "Três ensaios sobre a teoria da sexualidade"'.
N esse texto, Freud cita vários, dentre eles, por exem plo, R ichard von K rafft-Ebing,
para quem a ideia de uma bissexualidade constitu cional fornecia uma das soluções
mais prom issoras para os enigm as da hom ossexualidade. Para eles, tratava-se de
uma noção pouco precisa, que m esclava Biologia e P sicologia em porções diversas
e de m odo h olístico. O interesse m aior das investigações m aciças efetuadas em
to rn o do tem a da bissexualidade pelos sexólog o s era precisam ente o de ob ter uma
explicação para a hom ossexualidade, presença barulhenta na cultura do século X IX
(vide o caso O sca r W ild e), que era o b je to de punições ju ríd icas e policiais.
209
3. A bissexualidad e está na b ase da teo ria p sican alítica da sexualidade. É
altam en te sig n ificativo que Freud te n h a produ zido seus “Três ensaios", no qual
introd u z, pela prim eira vez, seu c o n c e ito de pulsão, p recisam ente um ano após
te r rom pido seu re la cio n a m en to co m Fliess. Tudo faz supor que o c o n c e ito de
pulsão é a resposta te ó rica dada p o r Freud ao lo n g o d iálog o travado en tre ele
e Fliess em to rn o da bissexualidad e. E le é o c o n c e ito que fo rn e ce uma teoria
co n siste n te para exp licar a sexualidad e hum ana, de um m odo geral, e a h o m o s
sexualidade, em particular. Ele co n stitu i a ch av e de co m p reen sã o da sexu alid a
de, d en om inad a por Freud de perversa polim orfa, por ultrapassar, em m uito, os
lim ites da atividade sexual anim al regulada p elo in stin to . Freud afirma, nos "Três
HA
ensaios :
há, na verdade, algo inato atrás das perversões, mas que é algo inato em
todas as pessoas, embora com o uma disposição, possa variar de intensi
dade e ser aumentado pelas influências da vida real.
210
N essa m esm a direção, num te x to lum inoso escrito lo g o em seguida aos "Três
ensaios", com o o b je tiv o de resum i-los de form a sim ples e direta, Freud m e n cio
na igualm ente a n o ção de "constitu ição sexual"6 presente em to d o sujeito sem
exceção . N esse m esm o breve artigo, Freud assevera que partiu do "trauma sexual
infantil" e ch eg ou ao "infantilism o da sexualidade"7.
Rado consid erou o uso dos term os 'hom ossexualidade' e 'sexualidade' na P si
canálise co m o não tend o precisão, sendo incongru en tes e grosseiram ente mal
aplicados. C ontu d o, o d esco n h ecim en to do pensam ento de Freud revela-se cabal
quando ele afirma que o com p o n en te con stitu cio n al da hom ossexualidade seria o
fem inino no hom em e o m asculino na mulher. N ada mais equ ivocad o do que isso.
A crítica de Rado é im proced ente porque d esco n h ece a form a pela qual Freud
co n ceb ia a bissexualidade para a P sicanálise - co m o p sicoló g ica e não b io ló g i
ca. N a verdade, é ele quem alm eja passar a questão da sexualidade para o plano
b io ló g ico , sem dúvida alguma cu rto-circu itan d o o c o n c e ito de pulsão em prol da
categoria de in stinto e de uma p sicolo g ia banal que abole o in co n scien te 12-.
211
indivíduo aplique formas aberrantes de estimulação ao seu equipamento
genital padrão. [!].
212
10. O co n c e ito lacanian o de o b je to a é a resolução teó rica co n sisten te for
mulada por Lacan para substituir a n o çã o n ov ecen tista de bissexualidade. S e esta
co lo ca , em prim eiro plano, a dim ensão imaginária da diferença sexual anatôm ica,
o o b je to a localiza o real em jo g o na sexualidade en qu anto im possível existên cia
do O u tro sexo. Q u an d o L acan 15 afirma que "A m ulher não existe", que "a relação
sexual é im possível", que "não existe o O u tro sexo” - tod os esses aforism os são
decorrentes, no fundo, da nom eação em preendida por ele do o b je to a co m o falta
de o b je to que não pode - no sentido de im possível - ser preenchid a. T od o e qual
quer o b je to sexual será tão válido quanto outro, pois não existe O o b je to . N esse
sentid o, Lacan resume a questão da bissexualidade ao afirmar q u e'6:
213
me acostu m and o a encarar cada ato sexual co m o um processo em que há quatro
indivíduos envolvidos". A P sicanálise estava para nascer com o livro dos sonhos,
sua obra m aior sobre o in co n scien te. E todo esse entusiasm o com a bissexualida
de daria, em breve, seus frutos por m eio do c o n c e ito inovador de pulsão. C o m o
estab elecim en to desses co n c e ito s fundam entais - in con scien te e pulsão —, Freud
desenvolveria doravante as duas bases por m eio das quais a Psicanálise co n c e b e a
estrutura do su jeito — linguagem e sexualidade - , a qual foi p osteriorm en te form a
lizada por Lacan com a lóg ica do significante e a teoria do g ozo .
Homossexualidades e
Estruturas Clínicas
CAPÍTUL018
■ Introdução
|| À s neuroses são, por assim dizer, o negativo das perversões"'. C o m essa
/ \ afirm ação, Freud indica, entre outras coisas, co m o a sin tom atologia psi-
Á iL co n eu ró tica representa - por m eio do recalque - a expressão convertida
das pulsões que poderiam ser qualificadas, de um p onto de vista norm ativo,
com o perversas. Freud assinala, mais especificam ente, que as "fantasias histéricas
in conscientes correspond em com p letam en te às situações em que a satisfação é
co n scien tem en te obtida pelos perversos"2. G raças ao papel fundam ental exercido
nela pelas fantasias, a histeria, em particular, parece esclarecer a relação "negativa"
que a neurose m antém com a perversão. A proxim idade e, ao m esm o tem po, a
op osição entre neurose e perversão co lo ca m a questão da relação entre as duas,
assim com o sua d iferenciação estrutural.
217
é a coisa em relação a qual ou através da qual a pulsão se acha apta a
atingir sua meta. O ob jeto é o que é mais variável na pulsão e não está
originalmente conectado a ela, mas se torna designado para ela apenas em
conseqüência do fato de ser peculiarmente apropriado para possibilitar
a satisfação. O ob jeto não é necessariamente algo alheio: ele pode
igualmente ser uma parte do próprio corpo do sujeito. Ele pode mudar
cjualcjuer número de vezes no curso das vicissitudes que a pulsão sofre
durante a sua existência.
M uito pode ser dito para caracterizar a pulsão sexual. Elas são numero
sas, emanam de uma grande variedade de fontes orgânicas, atuam em
primeira instância independentem ente umas das outras e atingem uma
síntese mais ou menos com pleta apenas no último estágio. A meta pela
qual cada uma delas se empenha é a obtenção do 'prazer de órgão',- ape
nas quando a síntese é alcançada elas com eçam o trabalho da função re
produtiva e, em razão disso, tornam-se geralm ente reconhecíveis com o
pulsões sexuais. Q uando aparecem pela primeira vez, estão ligadas às
pulsões de auto-conservação, das quais apenas gradativamente vêm se
separar; em sua escolha de objeto, também, elas seguem as trilhas que
lhes são indicadas pelas pulsões do eu. Uma porção delas permanece
associada com as pulsões do eu ao longo da vida e lhes fornece co m
ponentes libidinais, os quais no funcionamento normal facilm ente esca
pam à percepção e são revelados apenas pelo início da doença.
218
prim eiro organizada em to rn o das zonas erógenas do corp o, nas quais uma troca
privilegiada co m o outro - o cuidador, a m ãe - a co n tece. As m esm as pulsões
219
assim etria dos gêneros no co m p lex o de Édipo, vam os sim plesm ente record ar aqui
o p o n to cru cial de sua d esco berta: o sim ples fato de que, para am bos os sexos, a
relação com o falo, estabelecid a pela organização sexual infantil, apon ta para uma
perda ou uma falta fundam ental. Ind ep end en tem ente do gênero, a assunção da se
xualidade hum ana necessariam ente se con fron ta com a castração, com uma perda
e uma perda co m o tal. O co m p lex o de castração está im plicitam ente associado à
configu ração edípica e à interdição a ela associada - sim bolicam ente representada
pela lei do pai, co m o Freud indica, por exem plo, em "Totem e tabu"8. Tal p ro ib i
ção, que separa a crian ça de seu o b je to , tanto o m enino quanto a m enina, enfatiza
o fato de que a própria existên cia do d esejo está im plicitam ente relacionad a a uma
falta, a algo que, à medida que é barrado, pode ser d esejado. O m odo pelo qual a
co n fro n tação com a angústia de castração e a perda im aginária relacionad a a ela
a co n tece d eterm ina a futura configu ração da sexualidade do su jeito e estab elece
a d iferen ciação estrutural en tre as patologias. N essa articulação, em que co m eça
a em ergir a angústia de castração, as fobias infantis circunscrevem o cam po da
futura esco lh a da neurose ou da perversão.
Ê precisam ente no estudo da organ ização sexual infantil e sua relação co m a
angústia de castração que Freud introduz um term o esp ecífico para representar o
m odo pelo qual as crianças podem reagir à ausência do pênis na mãe: c o n fro n ta
das com tal ausência9,
elas renegam (leupnen) o fato e acreditam mesmo assim que viram real
mente um pênis. Elas atenuam a contradição entre a observação e a
ideia preconcebida do assunto, ao dizerem a si mesmas que o pênis ain
da está pequeno e logo se tornará maior,- e assim, lentamente, chegam
à conclusão em ocionalm ente significativa de que, pelo menos, o pênis
estava ali antes e foi tirado mais tarde.
a criança não toma nenhum desses cam inhos, ou melhor, tom a ambos
simultaneamente, o que dá na mesma coisa. Por um lado, com a ajuda
de certo mecanismo, ela rejeita a realidade e recusa aceitar qualquer
proibição,- por outro lado, com o mesmo fôlego, ela reconhece o perigo
da realidade, assume o medo daquele perigo sob a forma de um sintoma
patológico e tenta, subsequentemente, despojar-se desse medo.
O triunfo sobre a castração "é ob tid o ao p reço de uma fenda no eu que nunca
cicatriza"’9. N o exem plo de Freud, o saldo do m ecanism o da renegação é um
m edo, uma atitude fóbica, que persiste, em bora deslocada, ju n to à persistência
da satisfação sexual. D essa form a, a solução perversa efetua sua contiguiâaâe com a
fobia. U m a vez que a m aneira pela qual a con fro n tação com a castração aco n tece
decide a estrutura da sexualidade do sujeito, a angústia de castração constitu i o
221
terreno com um para a em erg ên cia da neurose e da perversão. A o revelar sua con -
tiguidade com a fobia, o fetich ism o d escortina a história de sua origem , bem com o
sua d iferenciação estrutural da neurose, m anifesta na especificidade do m ecanism o
de renegação da d iferença sexual. Talvez seja por causa da experiên cia com essa
angústia residual que o psicanalista seja procurado por pessoas que, se não fosse
por isso, seriam perfeitam ente 'ajustadas' à sua solução 'perversa'.
E im portante salientar que, co m eçan d o por seu escrito de 1 9 2 7 sobre o fe
tich ism o, Freud sem pre m en ciona a renegação da d iferença sexual co m o uma
esp ecificid ad e do fetichism o. Ele não mais se referirá a ela co m o uma reação
psíquica geral da criança à am eaça de castração. Por outro lado, o fen ôm en o da
cisão do eu, do qual o fetich ism o constitu i "um tem a particularm ente favorável"20
de estudo, revela-se co m o um m ecanism o psíquico com um ente partilhado pela
neurose e pela p sicose21. A ren eg ação das p ercep ções, na tentativa de conseguir
um d istanciam ento da realidade ou da urgência da pulsão, representa, de acordo
com os artigos finais de Freud, uma das principais linhas de defesa do eu infantil.
N o entanto , se é verdade que a cisão do eu é um fen ôm eno com um a diferentes
patologias, é tam bém verdadeiro que Freud assinalou co m o a distin ção entre neu
rose, psicose e perversão pressupõe uma d iferenciação estrutural e topográfica do
m odo pelo qual a cisão o co rre 22.
222
quais a psicose, a neurose e a perversão lidam com a realidade. Im plicitam ente,
Freud parece sugerir que a renegação, tal com o ela o co rre no fetichism o, não
envolve uma cisão entre o eu e o isso, mas uma cisão, uma franca o p osição do
próprio eu em seu trato com a realidade. Freud não leva mais longe sua observação
a respeito das d iferen ciações topográficas. E le sustenta tan to a ideia da universa
lidade do m ecanism o da ren egação quanto da especificidade estrutural d iferente
na qual a ren egação oco rre. M ais esp ecificam ente, ele parece desenvolver duas
posições: a que classifica a renegação co m o um m ecanism o de defesa geral a ser
acrescentad o ao recalqu e, e a que discerne na própria reneg ação um m odo de
cisão do eu governado pelo recalqu e, ca ra cterístico da neurose e d iferenciad o
daquele que opera no fetichism o. A oscilação de Freud não hab ilita seus segu i
dores a elim inar o problem a privilegiando o p o n to de vista da ren eg ação com o
um m ecanism o estruturalm ente indiferenciad o de d esligam ento da realidade, que
opera no m undo extern o tal com o o recalqu e o faz n o m undo intern o. Tal redução
põe em perigo a natureza diferencial das afirm ações de Freud, que ainda são, sem
dúvida, de grande relevância clínica.
N a verdade, à luz do tó p ic o das configu rações estruturais, vale a pena pergun
tar por que o cam inho privilegiado p elo estudo de Freud sob re o m ecanism o de
renegação deveria ser precisam ente uma perversão. O que caracteriza o fe tich is
m o é a ren egação esp ecífica da diferença sexual. C o m o estudo da organização
sexual infantil e a co n fro n ta çã o universal da crian ça com a angústia de castração,
esse m esm o fato adquire uma significação especial, já que a m aneira pela qual tal
co n fro n tação a co n te ce fundam enta d iferentes configu rações sexuais. C o m o já
vim os, na visão de Freud, a angústia de castração está estruturalm ente relacionada
à interdição edípica, a qual estab elece um co n flito entre a urgência da pulsão e a
lei do princípio de realidade, entre o d esejo e sua satisfação por o b je to s esp ecífi
cos. D esse p onto de vista, a ren eg ação e o recalque são dois m odos distintos de
lidar com a angústia de castração e a lei sim bólica nela im plicada. E nquanto os
fetichistas respondem com uma ren eg ação à op osição entre a urgência da pulsão
e uma interdição da realidade, os n eu ró ticos tom am co n h ecim e n to de tal op osição
e recalcam a pulsão, a fim de se p rotegerem de entrar em co n flito com a realidade.
Ao m esm o tem po re co n h ecen d o e negand o a d iferença sexual, a ren eg ação eleva
uma con trad ição a uma co n d içã o ética que perm ite, pelo m enos num de seus as
p ectos, a evitação de uma renúncia pulsional.
Aqui não é o lugar para se retornar à natureza do recalqu e e às diferentes
maneiras pelas quais ele opera numa neurose em particular. N o entanto, já que
m en cion ei a relação esp ecial que a histeria m antém com a perversão, vale a pena
relem brar com o exem plo geral que, de acord o com Freud, o recalqu e h istérico
usualm ente opera causando uma d isjunção en tre o afeto ligado à pulsão e a p ró
pria pulsão. Segund o a p osição de Freud de 1915, tan to no caso da histeria de
angústia a "p orção ideacional" da pulsão recalcad a é deslocada ao lon g o de uma
cadeia de co n e x ão para uma nova rep resen tação e o afeto é transform ado em
angústia, quanto na histeria de conversão ambas as representações relacionad as
à pulsão e seu afeto são recalcad as e é form ado um sintom a que cond ensa em si
m esm o o investim ento pulsional24.
O s m odos de recalque e ren eg ação relacionad os ao com p lexo de castração
e à interd ição edípica im plicam d iferentes vicissitudes da pulsão. S e o re c a l
que envolve o d eslocam ento e a substituição da satisfação visada por m eio da
con stitu ição do sintom a, a renegação perm ite, por sua duplicidade, pelo m enos
uma possibilidade de satisfação pulsional sem recalque e d eslocam en to. A esse
respeito, o d eslocam ento da p ercep ção que opera na con stitu ição do fe tich e não
deveria ser confund ido com um d eslocam en to do alvo da própria pulsão. Esta é,
precisam ente, uma das razões pelas quais os fetichistas podem atingir facilm ente
aquilo que "os outros hom ens têm que c o rteja r e se em penhar para conseguir". D o
p o n to de vista das vicissitudes da pulsão, co m o uma con seq ü ên cia do trato com a
d iferença sexual e a interd ição edípica, uma diferença estrutural distingue o c o m
p ortam ento do pequeno H an s25 e o do pequeno Arpad26. Enquanto o pequeno
H ans, co n fron tad o à am eaça de castração, subm ete-se à p roib ição edípica, recalca
suas pulsões e desenvolve uma fobia de cavalos, Arpad não apenas tem m edo dos
galos. N a verdade, renegando a interdição edípica, desafiando seu poder, Arpad
age ele m esm o co m o um galo, ele literalm ente se torna um g a lo , destronando seu
pai - tanto re co n h ecen d o co m o negand o sua função sim bólica. O m edo de galos
que Arpad apresenta constitu i um resíduo fó b ic o , o reverso da própria renegação
que lhe perm ite en cen ar sua satisfação sem recalque.
D e fato, à luz dos dados clín ico s, vale a pena se perguntar se o m ero m ecan is
mo da ren eg ação da d iferença sexual poderia ser co n c eb id o co m o um elem ento
estrutural que caracteriza a con stitu ição não apenas do fetich e, mas da perversão
em geral. Se é verdade que as perversões aparecem co m o a regressão para fases
específicas do desenvolvim ento libidinal e a fixação nessas mesmas fases, essas
m esm as regressão e fixação parecem oco rrer a posteriori (nachtrãglich), co m o um r e
sultado da co n fro n tação com a castração na configu ração edípica. Freud já sugere
isso em seu artigo de 1919, "U m a criança é espancada", num período que precede
seu estudo da organização sexual infantil e sua d esco berta do m ecanism o de re
negação: aqui ele indica a possibilidade geral de derivar a perversão do com p lexo
de Édipo, o que agregaria nova "força" para o próprio co m p lex o 27.
A ideia de que a renegação da d iferença sexual poderia con stitu ir a 'solução
perversa' para o com p lexo de castração e a interd ição a ele relacionad a parece
esp ecialm ente adequada do p o n to de vista clín ico . D e fato, co m o uma co n seq ü ên
cia do m ecanism o de renegação, uma persistência daquilo que pode ser cham ado
de com p ortam en to sexual 'norm al' perm anece paralelam ente ao com p ortam en to
'perverso'. O s perversos podem ser socialm en te b em integrados - co m o m uitos
casos da crim inologia dem onstram , quando o autor de certas proezas perversas se
revela co m o o suspeito m enos provável - e clin ica m en te não é raro descobrir, por
exem p lo, a presen ça de um fetich e subsequente à m anifestação de uma con fig u
224
ração sexual neurótica. O fato de que dois conteú d os psíquicos possam co ex istir
parece corresp o n d er a uma atitude ética m uito específica, que perm ite o actinc) out
■ Fantasia e sexualidade
O s d iferentes m odos de relacionar-se à in terdição e ao p rin cíp io de realidade
parecem afetar, de acordo com Freud, as d iferentes m aneiras de fantasiar ou agir.
225
D esd e que se tom a co n h e c im e n to de uma am eaça, a ação que perm ite uma satis
fação do d esejo é barrada e uma ação substituta é criada. N a visão de Freud, esta
substituta constitu i uma ação - uma op ção de descarga - de um novo tipo. M as,
se essa substituição pode o co rre r é porque uma certa fantasia está ali para dar-lhe
suporte. Freud é m uito firme nesse p o n to: "os sintom as histéricos são a realização
de uma fantasia in co n scien te que serve para satisfazer um d esejo ”28.
A questão, então, pode ser levantada: qual é o estatuto da fantasia? Partindo
da elab oração do p rocesso secu nd ário e da assunção do princípio de realidade, a
atividade psíquica do fantasiar ch eg a a con stitu ir um 'reservatório' de prazer no
d om ínio do pensam ento. Freud observa que o p ro tó tip o das fantasias são os deva
n eios29, os quais funcionam para definir um território para a satisfação im aginária
de d esejos que se opõem à realidade. O fantasiar, de fato, é sem pre constru íd o no
sentid o de corrig ir a realidade, de propiciar uma satisfação im aginária, alternativa,
do d esejo. A esse respeito, o fantasiar é uma resposta ao princípio de realidade, ao
o b stácu lo en con trad o no cam in h o para a satisfação, para uma im possibilidade no
nível da ação. S e é verdade que o p ro tótip o das fantasias são os devaneios, quer d i
zer, produtos de uma atividade psíquica co n scien te, é tam bém verdade que Freud
insiste na existên cia de fantasias originalm ente incon scien tes. D e um m odo m uito
geral, a fantasia pode ser definida co m o a trilha psíquica dos traços m nêm icos
que são investidos, a fim de atingirem certa satisfação do d esejo. D esse p o n to de
vista, o m od elo freudiano do aparelho psíquico m ostra a co n ex ã o intrínseca entre
fantasia, sexualidade e d esejo.
Freud levanta a h ip ótese ou, m ais exatam ente, co n stró i um p o n to de partida
para o aparelho psíquico, o qual ele cham a de Befrieditjuncjs erlebnis30, isto é, a e x p e
riên cia original de satisfação. T end o por base essa experiên cia, as fantasias mais
fundam entais são aquelas que tend em a reen co n trar os o b je to s alucinatórios de
satisfação: desse p o n to de vista, é im possível isolar a origem da fantasia - da c o m
b in ação de sinais que levam à satisfação - da origem do d esejo e da sexualidade. A
c o n stitu ição da sexualidade, co m o Laplan che e P ontalis observaram 31, o co rre no
próprio m o m en to em que a pulsão, descom prom etid a do o b je to natural, volta-se
para a fantasia, ou vice-versa, no próprio m om en to em que a fantasia provoca a
d isjunção en tre a libid o e a necessidade. A prim eira 'ação' psíquica a satisfazer o
d esejo está na ordem de uma fantasia, da produ ção de um o b je to alucinatório.
Assim, fantasia e d esejo estão estruturalm ente relacionad os.
N ão deveria nos surpreender, então, a facilidade com que as fantasias ad
quirem um papel fundam ental na sexualidade e na vida hum ana, em geral, e na
con stitu ição da sin tom atolog ia neurótica, em particular. Pod em os observar que o
m ecanism o do recalque, ao im pedir a satisfação do d esejo por m eio de uma ação
na realidade, favorece o reinvestim ento das fantasias, assim co m o a rep etição da
solução original do aparelho psíquico à urgência da pulsão. A o perm itir a c o n s ti
tuição de um "substituto para a realidade"32, a atividade do fantasiar reflete d ife
rentes m odos de se relacion ar com a realidade. Freud observou que, na psicose, o
mundo im aginário "tenta colocar-se no lugar da realidade externa", ao passo que
227
inib ição . O fracasso do tratam en to pode se dever, entre outras coisas, a uma c o n
fusão en tre a renegação perversa e uma identificação pré-edípica,- ou por se tom ar
uma fantasia ou um actinc) out h istérico , co m o um sinal de uma patologia perversa.
O próprio fato de que uma d istin ção estrutural en tre neurose e perversão pode
ser fundam entada no m odo p elo qual o sujeito se relaciona com a configu ração
edípica - aquele m odo que d ecid e a relação do sujeito com a castração , com a
realidade, co m o d esejo e com seus o b je to s - reflete-se nos d iferentes d esen vo l
vim entos da transferência. O m ecanism o de ren eg ação e a relação esp ecífica que
o perverso m antém com a lei - e, co n seq u en tem en te, com as figuras parentais
internalizadas, com o supereu - estabelecem uma configu ração transferenciai d ife
rente daquela do neurótico. A má com preensão dessa co n d içã o , por exem plo, do
desafio esp ecífico end ereçad o à p osição do analista co m o o 'sujeito suposto saber',
com frequência, leva a uma interrupção abrupta do tratam ento.
T en tei apresentar aqui uma breve visão geral da elab oração de Freud a resp ei
to da n o ção de renegação, à luz da questão da d iferenciação entre a neurose e a
perversão. Argum entei a favor de que as diferentes estruturas podem estar rela
cionad as aos m ecanism os psíquicos esp ecíficos, que m anifestam variadas soluções
para a interd ição edípica. Tais afirm ações devem ser distinguidas daquelas teorias
que tratam a perversão com o uma con seq ü ên cia dos p rocessos ou identificações
p ré-ed íp icos, incluindo aquelas teorias da relação de o b je to que desvalorizam o
com p o n en te fundam entalm ente sexual das perversões. Essas posições divergem
das afirm ações de Freud, de sua ênfase na relação entre o com p lexo de Edipo e
o com p lexo de castração, na con stitu ição das d iferentes configurações sexuais, e
sua co n stan te co n cep çã o da perversão co m o p atolog ia sexual. O mais im portante
de tudo isso é que essas visões parecem não produzir desenvolvim entos clín ico s.
Num períod o h istó rico e num país no qual, muitas v ezes, em prol da sim plificação,
tem -se presenciad o o florescim ento de várias visões psicanalíticas pós-freudianas,
parece particularm ente desejável retornar a uma leitura mais rigorosa dos textos
freudianos: apesar de todas suas cautelas e co n trad içõ es, esses textos ainda fo rn e
cem a mais efetiva estrutura para a com preensão dos fenôm enos clín ico s, para a
d ireção do tratam en to e o d esenvolvim ento de te o riz a çõ es posteriores.
Homossexualidade e neurose:
Sadger, Ferenczi e Deutsclí
Claude Léger
■ Introdução
ercorri, re cen tem en te, o livro Les cbaínes d'Eros (As cadeias de Eros) de A n
229
só n eu ró tico que não ten h a tend ên cias hom ossexuais e que certos sintom as são a
m anifestação dessa "inversão laten te". M in h a questão é saber se, na verdade, Freud
teria aceito a relação ferenczian a da hom ossexualidade com a obsessão. Para isso,
voltei ao seu te x to , assim co m o a ou tro que pode servir de con tra exem plo, o c é
lebre “C aso de fobia da galinha" de H elen e D eu tsch . N ão vou retom ar os avanços
de Freud sobre a hom ossexualidade m asculina, pois meu propósito é retraçar seus
efeito s sobre os prim eiros psicanalistas e os que se seguiram.
D ep ois do te x to "Três ensaios sob re a sexualidade"5 até o texto sobre "L e o
nardo da V in ci"6, houve uma grande efervescência na Socied ad e P sican alítica de
V iena em to rn o da sexualidade infantil, que culm inou, em 1 9 0 9 , com seis reu
niões sobre m asturbação, uma apresen tação de Adler sobre "O herm afroditism o
psíquico" e três reuniões em to rn o de um caso de Isidor Sad ger b atizad o "C aso de
perversão polim orfa"7. Vou m e d eter nesse últim o, pois é o prim eiro trabalh o que
trata da hom ossexualidade m asculina à qual Feren czi se refere.
231
na infância,- a tentativa de recriar na puberdade, por m eio da hom ossexualidade, a
relação prim itiva com mãe,- a id en tificação com esta,- e tam bém a esco lh a narcísica
de o b je to , sendo essas duas últim as op eraçõ es incon scien tes.
O s hom ossexuais só se distinguem dos outros por um m aior investim ento
n arcísico e pelo fato de que sua esco lh a de o b je to "é con d icio n ad a durante toda a
vida por um órgão genital igual ao deles".
N o entanto , Ferenczi consid erou que esse quadro não leva em co n ta as par
ticularidades da hom ossexualidade m asculina. D esd e 1 9 0 9 , pôde constatar, por
m eio de muitas análises de hom ossexuais, que não havia hom ogeneid ade da h o
m ossexualidade m asculina, pois considerava que esta é um 'sintom a' que rem ete,
segundo o caso, a uma d oen ça, a um distúrbio do d esenvolvim ento ou, talvez
tam bém , à "expressão da vida psíquica normal".
V em os, assim, lo g o de in ício , que Feren czi, fez da hom ossexualidade um
sintom a e a situou no cam po do in co n scien te. Ele segue essa m esm a d ireção ao
substituir o term o de hom ossexualidade por "h om oerotism o", para d esprendê-lo
da c o n o ta çã o b io ló g ica. Em seguida, estendeu sua op eração de esclarecim en to
à d istinção entre hom ossexualidade ativa e passiva, fazend o acreditar, de form a
abusiva, que nos en con tram os em presença de duas form as de um m esm o estado.
Esse estado seria o da inversão da pulsão sexual, que se qualificava de "sensação
sexual contrária" ou de "perversão". E isso sem a precau ção necessária em relação
a estados p ato ló g ico s fundam entalm ente diferentes só porque "tinham em com um
o m esm o sintom a espetacular". Podem os notar, a propósito da atividade-passivi-
dade, que Ferenczi critica im plicitam ente a tese de Adler, desenvolvida em "O
herm afrod itism o psíquico", o que vai levá-lo a sair da Socied ad e P sicanalítica de
Viena.
V oltand o ao c e n t r o do propósito de Feren czi, notam os que ele distingue duas
form as de hom ossexualidade m asculina, e que apenas uma delas pode m erecer
verdadeiram ente o nom e de inversão. Ferenczi lhe dá o nom e de h om oerotism o
"de sujeito": correspond e à fem inização do eu co m o con seq ü ên cia de uma identifi
ca ção narcísica. N o outro caso, se há inversão, ela in cid e sobre o sexo do parceiro:
trata-se de um h om oerotism o "de ob jeto".
O prim eiro é efem inado, "narcísico", atraído por hom ens maduros, viris e p ro
tetores, e m antém relações "fraternais" com as m ulheres. O segundo se interessa
pelos "jovens m eninos d elicados, com m odo de andar efem inado", ou seja, aqueles
do prim eiro grupo,- assim, os dois tipos podem form ar um casal.
O "h o m o eró tico de sujeito" consulta e xcep cio n a lm en te um psicanalista: "N ão
ten d o con flitos interiores a enfrentar", escreve F eren czi, "pode m anter durante
muitos anos ligações felizes e só receia de fato o perigo e a hu m ilhação vindos
do exterior". P odem os acrescentar a angústia provocad a pelos estragos do tem po.
Por outro lado, o segundo é "sem pre torturado pela co n sciê n cia de sua anom alia".
Perseguido por rem orsos e dúvidas, superestim a seu o b je to sexual e, se tro ca fre
q u entem ente de parceiro, não é por frivolidade mas devido a d ecep çõ es dolorosas
na busca infrutífera do ideal am oroso. Este, p ortanto, consulta o psicanalista e
ch eg a a Feren czi, que, assim, pôde concluir, a partir da experiên cia, que se trata
de neuróticos obsessivos. Podem os dizer, sem dificuldade, que essa afirm ação vai
durar m uito tem po, pois, em seu artigo de 1 9 4 8 , M au rice B ou vet10 passou no rolo
com pressor da relação de o b je to as fantasias hom ossexuais em "Q u atro casos de
neurose obsessiva m asculina", sobre a qual L a ca n " observa, em "A d ireção do
tratam en to e os princípios de seu poder" - (com m inha adm iração por esse tre ch o
surpreendente) - que "a recusa da castração, se há algo que com ela se parece
é, antes de mais nada, uma recusa da castração do O u tro (da m ãe, em prim eiro
lugar)".
V olto a Feren czi para m ostrar com o fundam entou sua hipótese. N a pequena
infância, todos esses pacientes foram ativos e até m esm o agressivos no plano
sexual, verdadeiros pequenos te ó rico s e praticantes da sexualidade infantil, com
investigações heterossexuais. Feren czi confirm ou, de certa m aneira, as c o n sta ta
çõ e s de Sadger. As fantasias edipianas desses m eninos eram com p letam en te n or
mais, a não ser por um com p on en te sádico-anal notável - isso será corrob orad o,
mais tarde, por S to lle r12. O traço m arcan te que Feren czi sublinhou na história
infantil desses pacien tes é a repreensão de uma "falta h e tero eró tica com etid a" na
infância e, muitas vezes, repreendida pela m ãe, em nom e da retidão educativa, do
higienism o ou da caro lice. Em todo caso, o p acien te teve que reter sua raiva nessa
ocasião. E ncontram os aqui um dos m otivos descritos por Sadger. N o entanto,
Feren czi foi mais preciso sobre as conseq ü ências dessa repressão ofensiva. O m e
nino desenvolve uma d ocilidade u lteriorm en te que se e sta b elece até a puberdade,
às custas tan to do evitam ento da com p anh ia fem inina quanto da valorização da
"cam aradagem viril". Algum as institu ições, tais co m o os pensionatos religiosos e
o escotism o, tiveram , durante m uito tem po, essa função.
O sadism o anal é, assim, substituído por form ações reativas e o ato h o
m ossexual aparece co m o resposta à interd ição de toda relação heterossexual e
tam bém co m o uma prática cu ja força m ortífera pode se retornar con tra o sujeito
(sentim ento de sujeira, suicídios). A devastação da vida am orosa chega, então, à
expulsão, pelo m enos aparente, da mulher, desfazendo o co n flito com o pai: essa
h ip ótese se en con tra no artigo de Freud13. "So bre alguns m ecanism os neuróticos
no ciúm e, na paranóia e na hom ossexualidade", de 1922.
Ferenczi conduziu o tratam en to desses sujeitos com o o dos neuróticos o b ses
sivos. O in ício consistiu em perm itir uma instalação da transferência, pois se trata,
muitas vezes, de pacientes que vêm ao tratam en to "sob a ordem de seus pais". A
primeira retificação subjetiva con siste em fazer o sujeito desistir do suporte pseu-
d ocientífico que im agina para sua hom ossexualidade (teoria congênita,- terceiro
sexo). A parece, então, na transferência, "que um h o m o eró tico de o b je to dá um
je ito de amar in con scien tem en te a m ulher no hom em ". D essa maneira, Ferenczi
pôde con statar "uma redução da atitude hostil e do n o jo em relação às m ulheres",
que pode m esm o cheg ar a uma esp écie de "anfierotismo, ao m enos nos casos mais
favoráveis". Isso porque a questão da reversibilidade se c o lo ca para Feren czi, que se
pergunta se vários anos de trabalh o analítico não deveriam ch eg ar a uma "reversão
fundam ental" da hom ossexualidade. Para nós, a questão que se co lo ca c o n c ern e ao
que cham am os "o reco n h ecim en to do O u tro sexo" e tam bém ao d esejo do analista.
Sab em o s que Freud, num acréscim o de uma nota em 1 9 2 0 aos "Três en saios"14,
contrad isse, aliás, de m aneira bem breve, a d icotom ia proposta por Feren czi, pelo
fato de que existem form as interm ediárias da hom ossexualidade. R em eto, aqui, à
n oso lo gia de André G reen.
N o en tan to , não escap ou a Feren czi que, ao avançar uma teoria transestrutural
da hom ossexualidade m asculina, ele se colocav a em op osição à teoria freudiana,
segundo a qual a perversão é o negativo da neurose. M as escapava desta, d iga
m os, ao p ro p or que o co m p o n en te hom ossexual fosse o resultado superinvestido
do recalque de um heteroerotism o exacerbad o, que considerava com o uma outra
form a de perversão. A o con trário, quando ele se interrogou sobre o núm ero
sem pre crescen te de "h o m o eró tico s de o b je to " (mas não sabem os se são seus p a
cien tes), p ercebeu o fracasso do "recalque do com p o n en te pulsional h o m o eró tico
exigid o pela civilização". D e fato, ao alargar seu propósito, Feren czi esclareceu
sua co n c e p çã o da hom ossexualidade m asculina. C o n stato u , co m e fe ito , que os
tem pos se tornaram difíceis para as am izades ternas e o am or pedagogo: a rudeza,
a rivalidade que reinam en tre os hom ens são igualm ente form ações reativas contra
a ternura sentida por seu próprio sexo. A libido hom ossexual, que, dessa m aneira,
fica inexplorada, vai sofrer um d eslocam en to "sobre as relações afetivas com o o u
tro sexo". É a razão pela qual F eren czi consid erou que seus con tem p orân eos “são
todos, sem ex ce çã o , heterossexuais com pulsivos". Assim, a causa da m aior parte
das infelicidades conjugais reside na dificuldade das m ulheres em satisfazer "mais
do que tod os as outras, as necessidades h o m o eró ticas dos hom ens", de serem
"com panheiras" para além de burguesas.
A neurotização da hom ossexualidade que Feren czi propôs é bastante sedutora,
pois perm ite acabar com a equ ivalência do par ativo-passivo com a op osição mas-
cu lin o-fem in in o. C o m efeito, aquele que se en co n tra do lado ativo é um sujeito
dividido pela dúvida e vítim a de rem orsos, enqu an to que o outro parece adm inis
trar eficazm en te seu gozo, ligand o-o ao ideal am oroso.
O que Feren czi, infelizm ente, não conseguiu precisar é o papel co n ced id o ao
g ozo do pênis nos "seus" hom ossexuais, e o tip o de m ontagem de que precisam
fazer para m anter, apesar de tudo, a d en egação da castração m aterna. Pela falta
de elem en tos mais precisos sob re a estrutura da fantasia, eu m e con ten taria em
assinalar a insistência de F eren czi em d escrevê-los co m o m uito com pulsivos: "p ro
fusão de idéias obsessivas, de medidas com pulsivas e de cerim oniais destinados a
se d efender disso".
234
Para am pliar o quadro do debate da ép oca sobre a hom ossexualidade m ascu li
na em relação à neurose e, portanto, levando em co n ta a questão da castração, vou
235
A pu berd ade trou xe um ou tro in cid en te que p od em os c o lo c a r em rela çã o
ao que F e ren czi cham ava de "as faltas h e te ro e ró tic a s com etid as": seu irm ão
teve uma lig ação com a g ov ern an ta. O p a cien te procurava o b te r seus favores,
mas foi rep elid o devido a sua ten ra idade. "L on g e de a ce ita r esse infortú n io",
escrev e H . D eu tsch , "num acesso de raiva, pegou a gov ern anta p o r trás e te n
to u estu p rá-la nessa p o sição ". N o en ta n to , a puberdade cond u ziu e fetiv a m en te
o p acien te a uma m udança de p o siçã o e e le passou a en trar em rivalidade com
seu irm ão. M as "a fru stração que havia en co n tra d o do lado da m u lher aum entou
suas te n d ên cias hom ossexuais", o que parece to ta lm en te de acord o com o que
F eren czi avançou.
A tese de FL D eu tsch é que, nesse caso, a fobia vinha com o muralha do sujeito
con tra "a pressão das pulsões hom ossexuais" recalcadas por receio de sua própria
passividade. Ela faz uma equivalência entre passividade e angústia de castração.
D ep ois da puberdade, na idade de 17 anos - ou seja, a idade de seu irmão
quando o agredira - a hom ossexualidade se m anifestou mas, co m o diz H . D eu ts
ch, com a co n d ição de que tivesse um papel ativo. O ra , foi precisam ente nessa
idade que sou be que seu irm ão m ais v elh o era tam bém um hom ossexual assumido.
Para H . D eu tsch , esse é o elem en to determ inante que "liberou sua hom ossexu ali
dade" - trata-se da lib eração dos elem en tos recorrentes da fobia.
N o en tan to , a história não term ina aí pois tão surpreendente quanto isso possa
parecer (tan to para H . D eu tsch quanto para nós) "é que essa análise (por outro
lado mal com eçad a) se term ina com a heterossexualidade do paciente". H . D e u ts
ch situa o m om en to con clu sivo, a partir do trabalh o feito a partir de um sonho
do p acien te, que m ostra co m o a analista soube deixar o in con scien te interpretar.
Após uma prim eira fase da análise, durante a qual se produziu uma retificação
subjetiva pelo abalo da "glorificação narcísica de si m esm o", o p acien te in terrom
peu o trab alh o analítico antes de suplicar novam ente a H . D eu tsch , com cartas
desesperadas, para retom á-lo. O son h o em questão m arca seu retorn o. Trata-se
de um son h o de angústia, no qual o p acien te luta, em vão, con tra um adversário
invisível, m esm o dando provas de uma v iolên cia intensa. C ito H . D eu tsch 16:
Ele sentia que suas forças o abandonavam e sabia que ia morrer. R eco
nhece, então, no seu adversário um jovem de suas relações. Ele diz: não
mereço nada melhor. Ao mesmo tempo, sabe que o outro o matou e, no
entanto, declara que se suicidou. Finalmente, ele pensa: Como sou generoso
âe me responsabilizar pela falta, e acorda.
237
uma certa quantidade de h om oerotism o subjetivo se en con tra m isturada a uma
parte de hom oerotism o de o b je to ".
■ Introdução
O
presente trabalh o teve co m o proposta principal extrair, da estrutura
histérica, o que ela nos ensina a respeito da hom ossexualidade.
239
pois o acesso a esse su jeito evan escen te, cravado nas estrelinhas do enunciad o, só
poderia ser en con trad o por um m étod o livre das regras do discurso - a associação
livre - facilitad ora da d ecifração das determ inações in conscien tes. D ev e-se a uma
h istérica a d escoberta de que era preciso o analisante falar livrem ente. A palavra
co m o sub-rogado do ato perm ite uma saída por m eio da expressão verbal.
Freud aponta co m o essencial e invariável, num ataque h istérico, o reto rn o de
um estado psíquico an teriorm en te vivenciado, ou seja, o retorno de uma re co r
dação. D e que record ação se trata? N a cadeia associativa, o que representa o elo
evidenciado pelo ataque h istérico? S e o corp o é tecid o de linguagem , o ataque
corporal fala. H á algo inscrito no corp o que o sintom a traduz. E, sendo o corp o
eróg en o, nele se veicula a história da sexualidade do sujeito.
A clín ica da histeria ilustra, de m odo m agistral, os fracassos do recalque. Na
m edida em que nem tudo se torna lem brança, nem tudo é absorvido pelo sig n i
ficante, nem tudo pode ser dito. A lgo sem pre resta, apontando para um resto de
real não sim bolizado, em to rn o do qual o sintom a é con stm íd o .
A histeria aponta uma rep resentação-lim ite, que indica um para além do
significante.
Se o co rp o é um palco para a histérica, a clín ica se o ferece co m o um 'teatro
privado' para as suas representações.
A seguir, apresentam os fragm entos da clínica.
"Eu não queria fazer aquele show para to d o m undo", diz uma pacien te, re fe
rind o-se a seus ataques histéricos. "N unca gostei de ser o cen tro das atenções",
com plem enta. Seus ataques se iniciam com dor no p eito, seguindo-se de ch o ro ,
trem edeira, im possibilidade de falar e falta de força. D escrev e-o s, assim: "Eu
não co n sig o reagir a nada, escu to todos m e cham arem , mas não co n sig o falar,
nem reagir. Se tiram m inhas m ãos e colocam -n as para baixo, fica do je ito que
acom odaram ".
As referências mais diretas de Freud ao ataque h istérico en con tram -se na
"C arta a Jo s e f Breuer" e no texto "So bre a teoria do ataque h istérico "1. P or volta
de 1893, Freud atorm entava-se com algo tão co rp ó reo na histeria. Para analisar o
ataque h istérico, Freud se refere a m ovim en tações de som as de excitaçã o não li
beradas, assim co m o à reação com o d eslocam ento, apontand o a d issociação com o
fundam ental na com preensão do ataque histérico.
N ossa p acien te relatou os ganhos obtid os no hospital com seus ataques: in
je ç õ e s , soro, picadas que deixam seu corp o m arcado. Eis a raiz da histeria: uma
passividade prim ordial do sujeito. D e algum m odo, o su jeito se entrega ao O u tro
co m o o b je to de seu g o z o e seu corp o é um registro do g o z o do O utro.
Nas d escrições de suas crises, a pacien te ouve tudo, mas não pode reagir a
nada. P erceb e o que aco n tece , até o desespero dos que estão ao seu redor. Esse
"ver e não ver" do ataque h istérico pode ser p o sto em paralelo ao "saber e não
saber" sobre a mulher. Entrelaçam -se, assim, histeria e o enigm a da fem inilidade.
240
A prim eira crise da p acien te ocorreu no Dia Internacional da M ulher!
C o m tantos presentes recebid os do patrão/pai, perfum es e conv ites, deixa
todos perplexos e sai de cena m isteriosam ente, tendo sua prim eira crise. N a
co n ju n ção de dois significantes - M u lh er e Pai - tem o ataque. O ataque é um
sintom a circunstan cial. O sintom a perm anece no tem po, é um ataque perm anen
te. A quebra na rede associativa pode fazer com que a fantasia in co n scien te seja
reencenada, sem m ed iações, o que responderia pelo rep entin o ataque.
A o longo do trabalho, foi possível observar um deslizam ento da paciente em
relação às possíveis causas de seus ataques: do marido inexpressivo à macumba, à
influência dos santos, à mediunidade, até admitir que algo de sua história poderia
ser determ inante. Essa foi a abertura provocada pela Psicanálise. Abertura que deter
minou o deslocam ento de uma causalidade orgânica para uma causalidade psíquica.
■ A questão da bissexualidade
Em to rn o de 18 9 7 , Freud adm ite a im portância das fantasias co m o base dos
sintom as h istéricos. Em seu texto "As fantasias histéricas e sua relação com a b isse
xualidade"1, publicado em 1 9 0 8 , Freud investiga a relação en tre fantasia e sintom a
e, de in ício , co n v o ca a pensar sobre as fantasias histéricas.
A d escoberta de Freud a respeito da etio lo g ia sexual das neuroses foi o alicerce
para apontar a função da fantasia na con stitu ição dos sintom as e na m anifestação
dos ataques h istérico s3.
241
So m en te uma d isposição bissexual dos seres hum anos pode servir de sustentação
para o significado bissexual dos sintom as histéricos. H á ataques h istéricos que
corrob oram a h ip ótese das bissexualidade, pois, com frequência, o su jeito -a to r
encen a papéis con trap osto s sim ultaneam ente, co m o no caso da p acien te que, com
uma das m ãos se despe, enqu anto ten ta cob rir-se com a outra.
Essa d isposição originalm ente bissexual do ser hum ano nos perm ite pensar
que p erten cer a um sexo ou outro, em função da anatom ia, não define a posição
sexuada nem a escolh a o b jeta i.
As inúmeras referências freudianas à bissexualidade, desde as correspondências
com Fliess até seus escritos da década de 1930, não tiram essa doutrina da obscuridade.
E, assim, perguntam os, ainda h o je , o que é essa bissexualidade?
M arco A n tonio C o u tin h o Jo rg e , ao p ercorrer a fundo a questão da bissexua
lidade no prim eiro capítu lo de seu livro Fundamentos da Psicanálise de Freud a Lacan5,
respondeu:
■ A histérica e a Outra
C o m C h a rco t, em to rn o de 1870, houve um grande interesse cien tífico pela
investigação da histeria. C o m Freud, a clín ica da escuta substituiu a clín ica do
242
I
D ora, para além do sexo, queria ser amada. Tem a mãe com o o b je to de amor.
M esm o sendo uma relação de endeusam ento, a mãe é um o b je to de am or para a
histérica e isso corresponde ao que Freud formula com o hom ossexualidade, co n si
derando-se o sentido para onde é dirigida a libido.
Freud afirma que o interesse de D o ra pela Sra K. era de cu n ho hom ossexual e
sua falha foi não ter p ercebid o a im portância da Sra K em sua vida. Identificada
com o Sr. K.., D o ra se interroga a resp eito da fem inilidade representada pela Sra K.
Esse trânsito de id entificação resulta da busca para responder as suas questões sem
resposta: o que é uma m ulher? S ou h om em ou sou mulher?
Esse m ovim ento pendular en tre ser hom em e ser m ulher tem co m o suporte a
hip ótese da bissexualidade, a ideia d o o b je to co m o a-ssexual.
S o le r esclareceu 9:
243
(...) mas a identificação propriamente histérica, tal com o é encontrada
em D ora ou na Bela Açougueira, tal com o Lacan a retomou em seu texto
de 1973, a "Introdução à edição alemã de um primeiro volume dos Es
critos", consiste no identificar-se com o homem com o aquele que não i
pleno, que também está insatisfeito, e cujo G ozo é castrado.
■ Conclusão
P or que articular hom ossexualidade fem inina e histeria?
Se as questões da histeria e da fem inilidade se con fun d em , podem os supor
que é a questão hom ossexual que as une. O pano de fundo em tais articulações é
o laço da m enina com a m ãe, é a questão da mulher, é a falta de um significante
que a represente.
Essa falta de inscrição significante referen te à m ulher responde por um 'não
saber sobre o sexo' na neurose histérica.
244
S e pensarm os a hom ossexualidade com o uma questão tributária da dúvida
sobre ser hom em ou ser mulher, podem os dizer que o sujeito não se define na h is
teria. N o fragm ento clín ico apresentado inicialm ente neste trabalh o, ressalta-se
o prim eiro ataque h istérico da p acien te diante das muitas com em orações do Dia
Internacional da Mulher. Se a h istérica não sabe responder à questão 'sou hom em ou
sou mulher?', o que com em orar no dia 8 de m arço?
C o n clu ím o s com S o le r " :
% ---------------------------- ► S1
tf S2
Mas sua verdade é outra, faz um hiato em relação ao que seu discurso
obtém , porque o sujeito histérico quereria - indico-o no condicional,
para marcar a impossibilidade - que houvesse um saber do objeto.
245
CAPÍTULO 21
■ Introdução
este trabalh o, p ro p on h o -m e a apresentar um fragm ento clín ico e a
discussão na d ireção do tratam en to em um caso de neurose obsessiva,
no qual tornou -se evidente a necessidade, segundo diz Freud, de se
analisarem as tend ências hom ossexuais de um sujeito do sexo m asculino, dito
heterossexual.
A nos atrás, receb i para análise G ustavo (nom e fictício ), um p acien te que sofria
de ideias obsessivas de tem ática hom ossexual. Vivendo uma prática heterossexual
em plena atividade, essas ideias o atorm entavam e o levavam a uma estagnação de
sua vida afetiva e a se end ereçar ao analista com a pergunta: "sou gay?".
A ideia prevalente que se apresentava a ele sob form a im perativa form ulava-se
co m o : 'dar a bunda'. Tratava-se de uma frase, portanto da ordem do significante,
que se apresentava acom panhada de im agens de pênis em ereção que entravam
em seu ânus (im aginário), p ro v ocan d o -lh e angústia (real). V em os assim os três
registros do sintom a que se articulam b orro n ean em en te. Ás vezes, quando cru
zava outro hom em na rua e o achava b o n ito , im ediatam ente vinha o im perativo:
'dar a bunda' e sentia-se com p elid o a olh ar para a região genital desse hom em e
im aginar o pênis penetrand o-o. Essas ideias e im agens, acom panhadas pelo afeto
da angústia, faziam com que se perguntasse se ele seria hom ossexual. Porém , não
sentia d esejo nem vontad e de ter relação com hom ens.
R elata que, quando era a d olescen te e adulto jo v em , efetiv am ente, teve re la
çõ e s com hom ossexuais, em que era pago para se prestar àjela tio por parte deles
e praticar neles a p enetração anal. Essas práticas não eram acom panhadas de
247
qualquer co n flito de ordem m oral e tam p ouco o levavam a se question ar s o b rt
sua orien tação sexual. P aralelam ente a isso, tinha nam oradas que não permi»
tiam a aproxim ação sexual e, além disso, tinha relações sexuais freqüentes com
prostitutas.
Essa situação con tin u ou assim, bem estável, até o m om en to em que ele e sta v i
preste a se casar. N esse períod o 'um hom ossexual', com quem ele m antinha re
lações descritas co m o ativas e devidam ente pagas, disse-lhe que ele tem em seu
pênis 'uma m arca características dos hom ossexuais' e que, assim, ele é h om osse
xual, m esm o que não adm itisse. Essa fala cai-lh e co m o um vaticín io, uma palavra
oracular. É uma palavra que interpreta seu ser e seu d estino por um 'tu és' im pe
rativo e superegoico com seu fundo m ortífero e avassalador. Esse v aticín io, que
pode ser qualificado co m o uma 'interp retação significativa' vinda do O u tro , com
a 'com provação da m arca' no c o rp o , dá sentid o a tod os os episódios hom ossexuais
anteriores e d esencad eia uma grande angústia que o faz inicialm ente reco rrer à
droga (álcoo l e cocaín a) e, em seguida, provoca a sin tom atolog ia obsessiva, com
a qual ch eg a ao analista.
Sua dem anda ao se e n d ere ça r ao analista é para saber se é ou não h o m o sse
xual para decidir, en tão , se pode ter uma mulher. T rata-se, para ele, de sab er se
poderá casar com 'uma' (ú nica) mulher, pois, de fato , ele tem várias m ulheres
sucessivam en te. E le tem relação sexual algum as vezes com uma, se cansa dela e
passa para outra e assim p o r diante. Porém ach a que não conseg u irá ficar com
uma m u lher en q u an to não resolver o 'problem a hom ossexual'. M as isso não quer
d izer que ele já não te n h a se casad o. O s sin tom as obsessivos, que surgiram na
é p o ca que an teced eu o casam en to , não o im pediram de se casar. E le se casou
m esm o assim e teve um filho, mas lo g o depois se separou, pois, parad oxalm en te,
apesar de casad o tin h a m ed o de não co n seg u ir ficar co m uma m ulher devido
ao 'problem a'. Ele se separou, e n tã o , dessa que era a 'm ulher perfeita' para ele e
com quem se dava bem em to d o s os sen tid os, pois era im pedido por suas ideias
e tem ores obsessivos. Sua divisão subjetiva c o n c e rn e n te à e sco lh a de o b je to ,
na origem de seu sin tom a, to rn a v a -lh e im possível o d esejo de viver com uma
m ulher. A hom ossexualidad e ap arece aqui não co m o d ese jo e prática sexual
assumida e sim co m o sin tom a.
■ A retificação subjetiva
A prim eira intervenção do analista foi uma retificação subjetiva: aquilo que ele
alegava co m o con seq ü ên cia deve ser a causa de seus problem as.
Ele achava que não conseguiria ficar com uma m ulher enquanto não resolvesse
seu p roblem a hom ossexual, pois com essa dúvida que adquiriu o status de sintom a
obsessivo, ele não poderia se com p rom eter numa relação durável com uma m u
lher. A intervenção do analista foi no sentid o de retificar as relações do sujeito
com o real de seu sintom a, com o real do g ozo , e m ostrar que seu problem a era
t asar-se com uma m ulher e o que ele cham ava de 'problem a hom ossexual' não uma
causa e sim uma con seq ü ên cia do con flito 'casar ou não casar'. Pois, antes do c a
249
que o levou para fora. A posteriori, posso dizer que não houve co n sen tim en to ao
In co n scien te, ou seja, não houve co n sen tim en to à investigação sobre o d esejo do
O u tro. M as isso foi naquele m om ento.
■ A interpretação e a fantasia
G ustavo vo lto u dois anos depois con sen tin d o ao In con scien te, e aí foi possível
co m eçar uma análise. N esse períod o seus sintom as se agravaram m uito, as ideias
obsessivas de ser p enetrad o tornaram -se mais freqüentes e mais im perativas. O
florescim ento dos sintom as era de tal ordem que o paralisava, pois perm anecia
um bom tem po im aginando ser p enetrad o e sofrendo m uito com isso. Essas ideias
se apresentavam co m o im postas e parasitárias e afastá-las não conseguia, por mais
que ele se esforçasse. A té e n co n tro u um exped iente: fazia um esforço de c o n c e n
tração, 'puxava a descarga' e to d o s esses pensam entos iam em bora por seu ânus.
Assim, ele 'evacuava im aginariam ente seus problem as'. Pouco tem po depois, toda
sin tom ato lo gia voltava, sem pre acom panhada de angústia.
Ele me relatou que tinha primeiro procurado a analista mulher, que eu havia indi
cado, e depois o analista hom em e decidiu ficar com este. D urante esse período, pa
ralelam ente ao agravamento dos sintomas e a pauperização de sua vida erótica, G us
tavo se tornara um hom em rico, devido a seu talento de com erciante, que já vinha se
desenvolvendo. O que lhe permitiu voltar não foi o dinheiro, mas a falta de resposta
que eu lhe havia dado relativa ao seu problem a, com o um convite ao trabalho.
Essa falta de resposta foi a saída que ele pôde vislum brar à resposta que não
faltou da parte do outro analista. U m dia, este disse ao pacien te: "o cjue você chama
de medo (referindo-se ao medo de ser homossexual) pode ser desejo. Você nunca teve vontade de ser
penetrado?". Essa intervenção o fez sair dessa análise e v o ltar a m e procurar.
Lá, ond e o sujeito localizava o g ozo , diante do qual recuava com horror, o an a
lista anterior tinha interpretad o co m o sendo o d esejo. O d esejo para esse sujeito
é vinculado à frase 'ter uma m ulher' que tem a característica do d esejo im possível
do n eu ró tico obsessivo. O efeito , após a d esvalorização total do analista, foi a
quebra de transferência e a interrupção dessa análise. A o responder desse lugar do
intérprete, esse analista interrom peu a possibilidade de d eslizam ento significante
da cadeia do d esejo, fixando o sujeito num significante que não o representa, pois
o que é aparentem ente uma p roblem ática hom ossexual e n co b re a posição fantas-
m ática de ser uma mulher, co m o verem os a seguir em uma seqüência de sessões
de sua análise com igo.
N esse m om ento ele havia conseguido 'ter uma mulher' sob a forma de nam o
rada, a qual, co m sua mascarada, relutava em ocupar esse lugar, dizendo só querer
uma transa passageira e ter relações com outros hom ens. M as, finalm ente, consentiu
à dem anda de G ustavo e lá foram os dois nam orando aos trancos e barrancos.
Em uma sessão, ele co n to u que, após uma relação sexual, sua nam orada fi
cou co n tan d o com todos os detalhes as relaçõ es sexuais que tinha tido com seu
ex-com p anh eiro. Esse relato o dividiu: quer e não quer ouvir. Em seguida se pôs
a pensar no pênis do ex-com p an h eiro da namorada 'p enetrand o-o co m o uma
mulher'. Eu co rto a sessão, recortand o essa frase, que d estaco co m o uma citação
de seu texto co m o uma mulher', acentuando o significante 'com o'. Ele se levanta
perplexo e repete 'co m o uma m ulher com ar interrogativo e sai.
Essa interp retação, que teve o e feito de uma cita çã o enigm ática, pode ser situa
da co m o uma form a de sem idizer, cu ja estrutura é a m esm a da verdade que nunca
pode ser dita por inteiro. E o que Lacan desenvolveu no Seminário 17 propond o
dois tipos de interp retação com o form a de sem idizer: o enigm a e a c ita ç ã o 2.
A op eração do analista na interp retação é fazer do analisante um decifrador.
Eis porque o analista é eco n ô m ico em palavras e usa co m o recurso o equ ívoco
significante próprio à hom ofonia.
A frase 'co m o uma mulher' é plena de sentid o, co m o o enigm a, definido
por Lacan co m o o cúm ulo do sentido'. Ele é penetrado como uma mulher em sua
fantasia im aginária, que com p arece quando ele acaba de comer uma mulher. Ao ser
extraída do co n te x to e citad a para o p acien te, ela adquire um caráter enigm ático,
evocan do, co m o verem os, o d esejo do O u tro. Sustentad o na tran sferência, pela
in cógn ita (x) do d esejo do analista. E isso é, para o neu ró tico, característico do
d esejo: ser enigm ático . A interpretação incid e na divisão do su jeito, provocando
o efeito de despertar da duplicidade ocu lta do sujeito, pela am bigüidade m anifes
ta do significante3. A am bigüidade da expressão co m o uma m ulher' é realm ente
m anifestada, mas se ela revela a duplicidade do sujeito é por to ca r na posição do
sujeito na fantasia in co n scien te. A equivocidad e sem ântica da expressão incide na
bipolaridade da fantasia: do sujeito (i$) que com e' e de o b je to {a) que é 'com ido'.
Q ual o efeito dessa interpretação?
N a sessão seguinte a essa in terp retação, ele falou que conversou m eia hora
com a nam orada pelo telefo n e e que resolveu voltar com ela. Ela com en tou com
ele que, quando ela decidiu ficar com ele, ele se assustou com ela. "Na verdade o cjue
me assusta nela é ela querer mandar em mim e fica r dizendo o cjue devo jazer". R elata que ela teve
que mudar muitas coisas: pois fumava m acon ha, falava m uito palavrão, gritava,
reclam ava, vivia brigand o com ele, usava uma franja co b rin d o um lado do rosto,
raspava o ca b elo da nuca, usava b rin co no um bigo. "Mas desde cjue está com ele, já está
fumando menos maconha, falan do menos palavrão, já tirou a franja e diz cjue vai dar um relógio
para ela em troca de tirar o brinco do umbigo". O analista intervém : "Para domar a fera?".
Ele evoca, então, uma relação sexual em que ficou im p otente com a namorada.
A í pensou em seu 'problem a hom ossexual' e im aginou esse problem a co m o uma
grande bolsa, co m o uma placenta e aí pensou que, quando sua m ãe ficou grávida
dele, ela deve ter passado uns fluídos para ele e concluiu: "acho cjue minha mãe cjueria
cjue eu fosse menina!".
A interp retação, ao to ca r na divisão do sujeito, faz, inicialm ente, aparecer o
d esejo do O u tro (a m ulher) assustador a ser dom ado, para que ele possa suportar a
251
con v iv ên cia com a nam orada. Em seguida, o que aparece é sua resposta ao d esejo
do O u tro (a m ãe). O que o O u tro quer? A o que ele responde com : ser uma mulher,
N a sessão seguinte ele retom ou: "quando minha mãe teve minha im ã e depois veio eu,
eu acho cjue minha mãe queria uma menina. Antes de mim são cinco homens, uma mulher e depois
eu. Eu sou o sexto". R etifico. "O sexto não é uma mulher?" Ele se perturbou e se corrigiu
d izend o que são quatro hom ens, uma m ulher e ele. Ele diz: "e porque minha irnâ (
saf)atão — o que mostra que a feminilidade não é valorizada". "Recebi tratamento muito bruto Je
um irmão meu e minha mãe não deixava. Nunca vi diferenças de tratamento entre eu e meus irmãos,
Quem assumiu o papel de meu pai fo i meu irmão mais velho, que nos tratava muito bem. Só me
bateu uma vez, porque eu estava pegando dinheiro dele. E esse que eu respeito, pois ele dedicou metade
de sua vida à educação dos irmãos".
Seu pai abandonou a família, mas a mãe nunca falou mal dele, sempre encobriu
as faltas do pai. Só ouviu falar mal dele aos 14 anos. M eu pai tinha m atado um cara
com um punhal. Tratava-se de um dentista que tinha matado uma sobrinha dele c o
locando um ácido na boca. Seu pai cham ou o irmão dela para ir matar o dentista pois
"este tinha falado que tinha com ido a m oça e que ia botar na bunda de quem se intrometesse...".
Interrom po aqui a sessão.
V em os aí despontar a origem da con stitu ição do sintom a que tom a em prestado
os significantes de um tre ch o da história do sujeito, sua Ate' fam iliar - term o da tra
gédia grega tom ado de em préstim o por Lacan para designar à uma heran ça m al
dita. A Ate' que é ligada "a um c o m e ç o e a uma cad eia, a da desgraça da fam ília"4.
Assim co m o a dívida im pagável do H om em dos R atos, o sintom a desse sujeito
estava articulado a uma falta, uma falha do Pai: o crim e que com eteu retorna no
sintom a do pai escam otead o pela significação daquilo que o justifica. A significa
ção de co m er a m oça' e 'b otar na bunda', que aparece n o sintom a, foi a justificativa
alegada pelo pai para m atar o dentista. Assim, no sin tom a não aparece o crim e do
pai, de ter apunhalado um hom em , e sim a justificativa que o levou a assassiná-lo.
Após ter evocad o sua p o sição fem inina relativa ao d esejo do O u tro m aterno,
apareceu na análise uma d uplicação da figura paterna: (1) o pai-irm ão que protege
e cuida. E o pai da lei que pune quando ele rouba,- (2) o pai-fora-d a-lei, pai goza-
dor que m ata quando o am eaçam tratá-lo com o uma mulher.
Essa d eterm inação significante do sintom a, com a dim ensão de g ozo que ela
con tém , aponta para uma fantasia: ‘ser m orto pelo pai co m o uma mulher'. A ques
tão da m orte, própria ao obsessivo, pouco evidenciada na análise, m anifestava-se
por m eio do tem o r de ficar d oen te e querer log o fazer fortuna para se aposentar e
curtir, enfim , a vida, antes de morrer.
N a sessão seguinte a essa, ele voltou a falar de sua nam orada. "Sempre achei que
quando encontrasse uma mulher que atendesse as minhas expectativas, a minha insegurança ia
acabar. Pois, após um ano de análise, o meu problema tinha praticamente desaparecido e agora
voltei a me preocupar quando daquela brochada. Fiquei surpreso!11. Em seguida passa a falar
que acha que ela é realm ente a m ulher que ele sem pre quis mas não vai se e n
252
tregar lo g o pois "eu fico com medo, eu fico com o pé atrás". C o rto e rep ito 'o pé atrás' e
interrom po a sessão. Esta sessão permitiu a articulação en tre o tem or diante do
d esejo do O u tro (o 'pé atrás1) com a questão do pai e do 'pênis na bunda', que se
m anifesta no sintom a.
O sintom a, com a significação fálica, constitu i para esse sujeito um obstáculo
ao acesso ao O u tro sexo. s(A) / S(A ). O pênis das ideias obsessivas é articulado
ao Pai.- articulação estrutural, uma vez que é o N om e-d o -P ai que prom ove a sig
nificação fálica. Esse sintom a se sustenta, por um lado, na fantasia em que ele está
numa posição fem inina em relação ao d esejo do O u tro m aterno, e por outro lado,
m anifesta-se a nível pulsional, co m o o O u tro do supereu, com seu im perativo
de g o zo ('ser penetrado'). E tam bém na fantasia m asoquista de receb er um pé ou
pênis do pai co m o penalidade.
Essa seqü ência perm itiu o d ecifram ento do sintom a, que foi co n co m ita n te a
seu esvaziam ento de gozo . Se, às vezes, ele ainda pensa no 'problem a h o m o s
sexual', esse pensam ento não teve mais o caráter de co a çã o {Zwang) do sintom a
obsessivo, não lhe servindo mais, portan to, de álibi para evitar seu e n co n tro com
o O u tro sexo - o que lhe perm itiu abrir a possibilidade de esco lh er se ele efetiv a
m ente quer ou não ter uma mulher.
253
CAPÍTULO 22
Introdução
á enorm e confusão, que circu la em diversos cam pos do saber, no que
tange à perversão. P ode-se con statar que um dos fatores que causa essa
confusão está im presso no próprio term o perversão'. Este parece co n ter
uma tonalidade m oralista que a m arca do tem po não conseguiu diluir, gerando
vasta polêm ica quanto à sua aplicação. V ejam os que a etim olog ia do term o 'per
versão' deriva da palavra latina perversio, do verbo pervertere, cu jo registro data de
1444,- significa "voltar-se para o outro lado", "retornar", "reverter"'. Indica tam bém
"o que está às avessas", "o que está fora de ordem ", "desordenado", "desregrado",
"contrário ao que deve ser", "defeituoso", "vicioso". Pervertere aparece tam bém com o
"perverter", "corrom per", "destruir" e "subverter".
'Perversão' tem a m esma origem do term o 'perversidade', gerando confusão na
d elim itação de dois term os: 'perverso' e 'pervertido'. C o n fo rm e Lanteri-Laura, o
prim eiro, geralm ente utilizado no plural, "designa com p ortam en tos quase sem pre
relacionad os aos atos sexuais de alguém",- já o segundo, em pregado no singular
e bem mais antigo que aquele (1 1 9 0 ), "d en ota uma d isposição perm anente do
caráter, rem ete à agressividade, bem co m o à duplicidade cruel e maligna, d eter
m inando inexoravelm ente o mal em outrem "2. E n tretanto, numa e noutra situação,
o sujeito é nom ead o ind iferen tem ente de 'perverso1, em bora haja quem prefira o
em prego de term os distintos: 'pervertido', para o caso de tra ço de caráter, e 'per
verso', para o de com p ortam en tos perversos.
O u tro fator responsável pela confusão relativa à perversão é a nosografia
psiquiátrica com sua série de M anual de Diagnóstico e Estatística da Associação Norte-A
mericana de Psiquiatria (D S M ) e Classificação Internacional de Doenças (C ID ). N o D S M
255
IV e no C ID 10, a perversão é classificada com o um "Transtorno da Sexualidade".
Em bora o term o 'perversão' ainda seja utilizado pelo ju ríd ico foi, en tretan to , defi
nitivam ente banido dos d iag n ó stico s psiquiátricos, ten d o deixado em seu lugar as
"Parafilias", classificadas na categ oria dos "Transtornos Sexuais", seção que con tém
tam bém as "D isfunções Sexuais" e os "Transtornos da Identidade de G ênero".
D ian te desse cen ário, p ro p on h o -m e a apresentar o fragm ento de um caso
extraído da m inha própria clín ica , que procura ilustrar dois aspectos te ó rico s de
fundam ental importância-, por um lado, a natureza perversa do g o z o do falasser;
e por outro, a diferença entre os traços de perversão encontrados na neurose e
a estrutura perversa. A clín ica vem dem onstrar que as práticas de g o z o perverso
desse sujeito não fazem dele absolutam ente um su jeito perverso.
C arlos vem em busca de análise porque se diz um 'viciado em sexo'. Ele
consid era que o seu 'vício em sexo' é da ordem de uma 'patologia sexual', de uma
'perversidade patológica'. C arlo s confunde, tal qual a psiquiatria, o polim orfism o
da sexualidade humana com patologia, mas, desde Freud, pode-se dizer que todo
o cam po sin tom ático é um cam p o de gozos perversos. Se tod os os g ozo s são
perversos, con seq u en tem en te to d o erotism o é de natureza perversa, d aí o sentido
da expressão — perversão universal - utilizada por Freud3 e da tese de L acan, em
O Seminário, livro 23.- o sin th om a4-. "tod a sexualidade é perversa".
O g o zo perverso não define o perverso de estrutura, posto que este é o g ozo
de cada ser falante. Freud já havia insistido em m ostrar que d escobriu as fantasias
do g o zo perverso decifrando os sintom as da neurose. D iag n osticar um sujeito per
verso é bem mais sutil do que apenas dizer que basta um cen ário de g ozo perverso
para que se esteja diante de um perverso. N ão se deve definir uma estrutura a nível
da fen om en o lo g ia dos sintom as nem tam pouco das condutas, ou seja, daquilo que
é observável, pois en con tram os, por exem plo, m anifestações ap arentem ente o b
sessivas na psicose. A fenom enolog ia de uma rep etição não basta para d izer qual
é a estrutura, nem tam p ouco os excessos, pois há excessos tam bém na neurose e,
às vezes, as perversões são com patíveis com condutas nas quais os excessos não se
m anifestam . U m a estrutura clín ica deve ser definida na relação entre o & (efeito de
linguagem ) e o O u tro (que inclui o in co n scien te), por isso é preciso saber co m o
a relação fantasm ática entre o su jeito e o O u tro se apresenta. D ev e-se identificar
co m o o cen ário de g ozo na fantasia se c o lo c a em relação ao d esejo in con scien te.
Em O Seminário, livro 20: mais, ainda5, Lacan verifica a dificuldade com a qual se
deparam alguns psicanalistas diante do d iag n ó stico d iferencial entre a neurose e a
perversão e faz a seguinte advertência6:
257
ge de que aquele seria o p arceiro ideal para com p or a cena de sexo a três. C arlos
co n ta que, a princípio, seus cô n ju g es não se esquivavam dessa prática sexual, vez
por outra, perm itiam que um 'terceiro' fosse incluído no relacion am en to sexual do
casal. C o n tu d o , com o passar do tem po, a persistência de C arlos em tornar essa
prática cada vez mais freqüen te se transform ava em algo cada vez mais insusten
tável para seus côn ju ges, levando-os a rom per com C arlos, que, ao se ver sozinho,
entregava-se ao extrem o sofrim ento pela perda do o b je to amado. O fato de seus
casam entos terem se rom pido pelos m esm os m otivos o levou a questionar seus
atos de rep etição ,■ele co m eço u , en tão, a supor que os rom pim entos m atrim oniais
decorriam de seu 'vício em sexo', da sua 'tara sexual'.
C arlos observa que, em seus relacionam entos conju gais, ele en contrava a
co n ju g açã o entre am or e sexo, mas lhe faltavam a intensidade e a diversidade no
sexo. Já fora do casam ento, ele en contrava a diversidade sexual, mas lhe faltava o
amor. Essa co n statação o levou a d efend er uma tese segundo a qual ele distingue
duas m odalidades de relacionam entos: o 'm on ogâm ico' e o 'poligâm ico'. Para
ele, na prim eira m odalidade existe a co n ju g a çã o en tre am or e sexo, enqu anto na
segunda, há uma disjunção entre am bos. C arlos deseja viver um casam ento 'm o
nogâm ico', pois a co n ju g a çã o en tre am or e sexo é essencial em sua vida, contu d o
ele espera que o parceiro m o n og âm ico, o do amor, d eseje com p artilhar com ele
ao m enos uma prática sexual diversificada - a ménage à trois' - não m enos essen
cial para ele que o amor. E ntretan to , essa prática é, segundo C arlos, com um ente
aceita nos relacionam entos 'poligâm icos', mas p ouco aceita nos relacionam entos
'm onogâm icos'.
A divisão vivida por C arlos entre o am or e o sexo se transform a em um grande
dilema: se ele esco lh e a 'm onogam ia' (o am or), tem que abrir m ão do sexo in te n
so e diversificado,- se esco lh e a 'poligam ia' (variados parceiros que praticam sexo
diversificado), tem que abrir m ão do amor. D ep o is de m uito ruminar sobre essa
ideia, C arlos faz sua escolh a: ele quer viver um relacionam ento 'm onogâm ico',
mas, para isso, ele precisa abrir m ão de 'seu vício', de suas 'taras'. Por isso ele decide
fazer análise: ele espera que o tratam en to analítico possa lib ertá-lo do seu 'vício'.
Em "So b re a mais generalizada degradação da vida am orosa (C o n trib u içõ es à
p sicolo gia do amor, II)", publicado em 1 9 1 2 , Freud7 observa que a vida am orosa de
alguns seres hum anos perm anece dividida em duas orien tações: o am or celestial
(sagrado) e o am or terrestre (anim al ou profano). Q u an d o amam não desejam ,
e quando desejam não podem amar. Para se protegerem dessa perturbação, o
principal recurso de que se vale o hom em que se e n co n tra nessa divisão am orosa
con siste na degradação psíquica do o b je to sexual. L og o que se cum pre a con d ição
de degradação, a sensualidade pode se exteriorizar com liberdade, desenvolver
atividades sexuais de elevado prazer.
C arlos vem ilustrar a tese de Freud sobre o d esen co n tro en tre as m o ções pul-
sionais ternas e sensuais. Ele se divide entre o "am or sagrado" pelos côn ju g es e o
“am or profano" pelos diferentes parceiros sexuais. N o caso de C arlos, observa-se
que ele en con tra, no am or sagrado, a co n ju g ação entre am or e desejo,- contu d o,
sem a "degradação do o b je to sexual" (d iferentes parceiros) e o "cum prim ento das
m etas sexuais perversas" (menageà trois), ele sofre de uma "sensível perda de prazer"
(ele fica 'insaciado'). C arlos recorre a mmage à trois ju stam ente porque, por m eio
dessa prática sexual, ele consegue degradar o o b je to sexual (d iferentes parceiros)
e, a um só tem po, con ju g ar os dois tipos de amor: o sagrado e o profano.
O bserva-se que a esco lh a de o b je to de C arlos se apresenta subordinada a tra
ços op ostos: id ealização-degrad ação. O prim eiro em erge, segundo Freud, da "co r
ren te terna" da vida am orosa e, o segundo, da "corrente sensual". A m bos os traços
se extraem do que Freud denom ina "co n stelação m aterna" - "todos os o b je to s de
am or estão destinados a ser principalm ente substitutos da m ãe"8 —, mas apontando
as duas dim ensões da mesma: a mãe dos cuidados (A), idealizada, santa, pura, não
castrada e a m ãe d esejan te (A ), sensual, não tod a, faltosa. A revelação dessa últim a
co n fro n ta C arlos com a castração do O u tro. A vida am orosa desse sujeito n eu ró
tico é im pregnada pela duplicação, que ele im agina co m o com plem entares, posto
que lhe perm ite alentar a esperan ça de que, som ando am bos os co n ju n to s (hom em
idealizado (A) — hom em degradado (A )) ele poderia fazer existir a relação sexual
e selar a falta no O u tro. Em um sujeito perverso de estrutura, ao con trário do que
se observa em C arlo s, a fenda entre os polos op ostos não se p reen ch e, só ressalta
a irrem ediável incom pletud e de cada um dos term os.
Tom arei aqui um tra ço m arcante em C arlo s que m erece ser ressaltado. É in
teressante observar que esse su jeito que se diz um ‘v iciad o em sexo', um 'tarado
por sex o 1,- d escreve-se co m o 'tím ido' e 'inseguro'. N a verdade, ele não conseg u e
'partir para cim a dos parceiros', nem m esm o nos bares e nas b o a te s g a y s, ond e ele
se sente m ais à v ontad e, m ais liberad o. C arlo s sem pre espera passivam ente que
o p arceiro 'parta para cim a' dele. Sua tim id ez e sua insegurança o levam a buscar
'coragem ' nas bebid as alco ó licas e nas 'balas' que ele costu m a ingerir. C o n tu d o ,
nem os efeito s da b ebid a e nem os da d roga o transform am em uma pessoa mais
'segura', 'desprendida', ele não e n co n tra nelas a alm ejada corag em para 'partir
para cima',- ele se acovarda com m ed o de ser "rejeitad o". C arlo s tem e que o par
ceiro não lhe queira. Para evitar o risco da re je iç ã o , ele espera passivam ente que
o outro venha ao seu e n co n tro , o seduza. Ele diz: 'eu p areço uma princesa que
se senta no tro n o e aguarda que o b e ijo de um príncipe venha lhe salvar'. O ato
p rin cip esco do 'tarado por sexo' evid encia que, de tarado, ele não tem nada. C a r
los está m ais para a A bela adormecida - p rin cesa que p ro tag on iza o c o n to de fadas
que retrata a passividade da jo v em n ob re a espera que o b e ijo de seu príncipe
en can tad o venha lhe salvar - do que para o perverso Barba Azul - protagonista
do co n to basead o na história de G illes de Rais, um torturador e estuprador de
criancin has, que viveu no sécu lo XV. Este c o n to do Barba Azul, de C h arles Per-
rault, foi basead o na história de C ille s de Rais (1 4 0 4 - 1 4 4 0 ), um n ob re francês que
lutou em diversas b atalhas co n tra os ingleses. P osterio rm en te, ele seria acusado
e co n d en ad o por torturar e estuprar cen ten as de crianças. E le foi consid erad o,
por alguns historiad ores, co m o precu rsor do assassino em série. A lém disso, ele
praticava sadism o e satanism o, alquim ia e magia negra9.
C arlos não é o 'tarado v iciad o em sexo' que acred ita ser. Ele não é um G illes
de Rais. A o considerar-se um 'tarado' pelas práticas sexuais intensas e diversifica
das, C arlos evidencia que d esco n h ece o que Freud ensina, há mais de um século,
sobre a perversão, em seu m agnífico "Três ensaios sobre a teoria da sexualidade"10.
N este te x to , ele esclarece que a perversão é o paradigma da sexualidade humana:
"na base das perversões tem em tod os os casos algo inato, mas algo cjue é inato em
todos os homens"1'.
M as, afinal, o que é uma perversão?12
a natureza humana original não era sem elhante à atual, mas diferente.
O s sexos eram originalm ente em número de três e não dois, com o
são agora,- havia o homem, a mulher, e a união dos dois. Tudo nesses
homens primevos era duplo-, tinham quatro mãos e quatro pés, dois ros
tos, duas partes pudentas. Finalmente, Zeus decidiu cortá-los em dois,
com o uma sorva que é dividida em duas metades para fazer conserva'.
D epois de feita a divisão, 'as duas partes do hom em , cada uma desejan
do sua outra metade, reuniram-se e lançaram os braços uma em torno
da outra, ansiosas por fundir-se.
Assim, o vivente busca, no amor, sua m etade sexual, mas a experiên cia analítica
substitui essa representação m ítica da busca do outro co m o com p lem en to que o
sujeito procura no amor, pela busca, por parte do su jeito, não do com p lem en to
sexual, mas de outra coisa. Lacan deduz que essa outra coisa é, para o su jeito, a
parte para sem pre perdida de si m esm o, constitu íd a pelo fato de que ele não passa
de um vivente sexual, de que já não é im ortal. A im agem logrante do outro com o
o b je to de am or induz o sujeito sexuado à sua realização sexual, e a pulsão parcial
representa, em si m esm a, a parte da m orte nesse viven te sexuado,- ela é fundam en
talm ente pulsão de m orte.
O am or faz U m ? Estará Eros em tensão rumo ao U m ? Em O saber do psicanalis
ta'5, Lacan se serve do poem a de A n toin e Tudal para sublinhar que o muro, retra
tado pelo poeta, que se im põe entre o hom em e a mulher, é ju stam en te o muro da
linguagem , o lugar da castração.
0 império do olhar
Gilda Paoliello
"O traço todo i a vida é o desenhada criança esquecido peto homem."
Joaquim N abuco
264
Paulo tem h o je 2 0 e poucos anos. Atuando em área ligada às artes visuais, é
bem -sucedid o, apesar de passar longos períodos em in ib ição criativa. A família
sabe, por m eio dele próprio, de sua orien tação sexual e o respeita de form a tácita.
Sua inserção social é b oa, tem m uitos am igos, é bastante com u nicativo. M antém ,
há dois anos, relação estável com um nam orado. Apesar do prazer que o re la
cion am en to lhe traz, Paulo se vê frequentem ente ten tad o buscar outros tip os de
satisfação, o b ed ecen d o a um im perativo ca te g ó rico de 'ver outros paus'. Freqüenta
cinem as pornô, onde se deleita em ver os órgãos genitais expostos e m ostrar o seu
próprio, geralm ente nos banheiros. Frequ entem en te acaba a n oite fazendo sexo
oral com m otoristas de táxi, porteiros de prédios, vigias de con stru ção ou esp rei
tand o em to aletes públicas. O sen tim en to de angústia está sem pre presente após
ced er a esses im pulsos que, longe de serem en con tros, atualizam o d esencon tro
com o outro, a insatisfação.
A princípio falava dessas práticas de form a dissimulada, de passagem , p ro cu
rando não se im plicar. "Estava passando na rua e vi alguém"; "Estava meio de Jogo e, guando
eu vi, estava chupando o motorista",- "Falei cjualcjuer coisa tipo assim — deixa eu ver...". Eu d e
m arcava: Você procurou e v i u " V o c ê cjuis chupar". E insistia o que v o cê quer?",
"V er o quê?” Paulo, aos poucos, foi trazend o as situações de form a mais exp lícita
e exp licitand o tam bém a angústia que esse com p ortam en to lhe trazia. D escrev eu
sensação de culpa e de vazio. Aos poucos, foi respondendo às indagações. Em suas
transas furtivas, sem pre com pessoas de nível sociocultural inferior ao seu, co lo -
cou -se em p osição de ser hum ilhado. Em geral fica de quatro ou ajo elh a-se para
executar o ato. Perguntei porque ele rep ete, já que a angústia é sem pre presente e
o prazer tão efêm ero. E incontrolável, tenho cjue Jazer isso", respondeu.
Enquanto descrevia suas subm issões e angústias, foi construind o sua história.
D esd e m uito ce d o , consid erava-se o p atinh o feio da fam ília - a irmã mais velha
era b on ita, mais alta, inteligente. Ele se desdobrava em solicitudes para 'ser visto':
era sem pre gentil, sem pre p ronto a corresp o n d er às expectativas de todos,- 'da-
divoso' é a palavra que usa. Tam bém , desde ced o , tinha curiosidade extrem a em
relação aos órgãos sexuais. A fam ília de seus pais sem pre foi m uito unida, e n c o n
trando-se para finais de sem ana em um sítio e viajando ju ntos. Essa proxim idade
facilitava seu cam po de visão: estava sem pre à espreita quando o pai e os tios se
trocavam ou usavam o b an h eiro coletiv o.
A os três ou quatro anos sofreu um sangram ento no pênis e, m uito aflito,
dirigiu-se ao pai, que o levou ao pediatra, ten d o co m o d ia g n ó stico uma fimose.
O pediatra en sin o u -o a m assagear o pênis e, en d ereçan d o-se ao pai, falou que
poderiam esperar até a puberdade para avaliar a necessidad e de cirurgia. Paulo
se apavorou p erguntand o se iam c o rta r-lh e o piupiu. D u ran te m uito tem po, o
pai co n to u co m orgulho essa h istória, enfatizan d o o m edo do m enino em perder
o 'pau'. Tam bém , durante m uito tem p o o pai se ocu pou em ver co m o estava a
evolução da fim ose. Paulo esperava esses exam es com exp ectativ a e se excitava
com isso. R evelou, e n tão , uma lem brança: mais ou m enos aos dez anos, estava
deitad o co m o pai, o abraça, vai ficando e xcitad o e co m eça a a ca riciá -lo . O pai
teve uma ereção , Paulo ten to u pegar em seu pênis e o pai o repudiou. N ã o sabe
se isso é uma fantasia ou verdade, mas a atração p elo pai era b astan te p resen te e
se revelou na atração por h om en s mais velhos, co m traços sem elhantes ao dele.
Fala desse ep isó d io co m m uita angústia e raiva.
Aos 12 anos, Paulo passou a ser co rteja d o pelo m arido de uma tia e, esp orad i
cam en te, passaram a m an ter jo g o s eróticos, nos quais Paulo satisfazia oralm ente
o tio. Paulo relatou haver sen tid o nessas situações a m esma sen sação de prazer,
hu m ilhação, culpa e angústia que lhe vem h o je , após ced er aos im perativos de
g ozo e sair, às cegas, 'procurando um pau'.
O tratam en to vai rem eten d o Paulo ao d esco b rim e n to das articu lações sim b ó
licas que o m arcaram . U m a in te rv e n çã o se revelou d eterm in an te: a a sso cia çã o do
im perativo de cord ialid ad e e g en tilez a e hum ildade, para se igualar à irmã e ser
visto (am ado), e sua p o sição de subm issão à com pulsão sexual de ver e ser visto.
N esse p erío d o , teve um so n h o , co m o um filme p ro je ta d o , ao qual e le assiste e
critica. P arecia a ap resen tação de um shotv, com sucessões de cenas: o m estre
de cerim ôn ias, um hom em lind o, mas sujo e esfarrapado. A platéia form ada por
pessoas tam b ém lindas, mas em p o siçõ es co m p le ta m e n te bizarras, c o n to rce n d o -
se, às vezes com expressão de dor,- um casal de d ançarinos m aravilhosos, mas
que, aos p o u cos, vão se d egradand o. A cord a com uma frase na ca b eça , co m o
um letreiro de filma escan carad o na tela: a vida éum espetáculo". Pergu ntei o que
o so n h o lhe dizia. Ele e n fa tiz o u que o que m ais lhe cham ava a a te n çã o era a
sen sação de p ro te ção - era um filme de h o rro r atrás do b elo , mas nada o atingia.
Insisto na 'p roteção'. P ro teg id o de quê? A questão da castração está aí c o m p le
tam en te à m ostra. É claram en te um son h o en co b rid o r, que vela e d esvela, com
o b elo se altern an d o com o sujo e feio , lem b ran d o-n os em tudo a frase de Lacan
de que "a b elez a é a últim a barreira antes do h o rro r"4.
Lidando com a palavra em seu trabalh o, ch eg o u ao significante 'palco' co m o
palavra-chave de uma peça publicitária. T en tou d esenvolver a ideia, mas lhe veio
um m al-estar. N ão sabia por que, mas achou inadequada a palavra, apesar de p ro
vocativa. Falei então: "palco?", - confirm ou ele - "palco, lugar âe espetáculo". “Pau
- cu", repeti. A escansão da palavra tem força de interpretação. Ele se assustou:
- "nossa, que bandeira! Então é isso! Reduzo tudo a pau e cu! O espetáculo, minha necessidade de
ver para conferir e ser visto para existir, de ser bom, belo, para existir e ser amadoi". V oltou ao
sonho, ao b elo e ao h orror e o associou à angústia, que vem após ced er ao impulso
de ver, quando ultrapassa a barreira do belo.
N o d esenrolar da análise, o efeito terapêutico foi se firmando. Ele conseguiu
produzir mais, possivelm ente co m o sublim ação da pulsão, pois a com pulsão sexual
não é mais tão imperativa,- a relação de disputa com a irmã se atenuou. C h eg ou
para uma sessão e contou : "aconteceu uma coisa completamente diferente em minha vida - eu
I
estava andando perto do escritório, no intervalo do almoço, e cruzei com um cara. Ele me olhou, eu
o olhei. Ele fo i andando e eu o segui. Ele entrou em um shopping eju i atrás, nos olhamos e ele entrou
no banheiro. Entrei também ejalei (fualcjuer coisa tipo —deixa eu ver seu pau. Ele me mostrou o dele,
mostrei o meu e sai. Ele me alcançou e me propôs sairmos. Eu disse cjue não e ele me deu seu cartão.
A noite decidi ligar e saímos. Conversamos sobre nossas vidas, jantamos, depois jom os a um motel.
Foi muito, muito bom. N ão me senti humilhado. Ele é um cara bonito, inteligente, limpo, desejável".
m Discussão do caso
E ncontram os aqui várias características que nos cham am a aten ção: o m edo
da castração, presente na com pulsão em ver, em co n ferir o próprio m em bro,
reforçad o pelo e n co n tro com o real, o episódio do sangram ento na infância e da
possibilidade de cirurgia, revelando a im portância ligada ao pênis, m edo tam bém
m anifestado no son h o en cob rid or; a fixação anal,- o sen tim ento de hu m ilhação nos
co n tato s sexuais,- a prevalência m arcante da pulsão escó p ica em relação às outras
pulsões (oral, anal e invocan te), m arcada pelo im perativo de ver e escancarada no
son h o do esp etácu lo, mas tam bém sublim ada em sua criação artística. E n tretanto,
o que mais nos cham ou a atenção é o sen tim ento de angústia que surge sem pre
que ele ced e à com pulsão escó p ica (V er um pau'), co m o co n d içã o do d esejo. Vem ,
então, uma pergunta: por que surge a angústia, se, supostam ente, ele está satis
fazendo a pulsão? Para responderm os a ela deverem os con sid erar duas vertentes
do d esejo:
1. a falta - que é o que nos im pulsiona, m ove, leva a buscar,-
1. o im perativo superegoico de g ozo . E ncontram os aqui uma exig ên cia de
satisfação que im põe ao sujeito g o zar de determ inada form a. A subm issão a
esse im perativo leva à angústia.
V oltand o ao sintom a inicial apresentado, o pânico, podem os inferir que este
aparecia aí co m o e n co b rid o r da am eaça que representava ele estar sozinho em
uma cidade d esco nhecid a, com p letam en te exp o sto a seu g ozo m ortífero, sem
barreiras. V oltou e buscou a fam ília co m o p o n to de amarra. O sintom a pânico
desapareceu, mas a angústia persistiu ligada à subm issão, ao im perativo do g ozo
escó p ico , no qual Eros e T ân ato s se presentificam .
"O g ozo escó p ico é tam bém m ortífero, trág ico, angustiante", esclarece A n to
nio Q u in et em seu livro Um olhar a mais5.
A teoria nos diz e a clín ica com prov a que a pulsão escó p ica tem origem na
infância. "Toda crian ça é voyeur", nos diz Freud6, o que pode se perpetuar na vida
adulta, tornand o-se o elem en to m otivad or para a criação de sintom as m órbidos,
co m o aco n teceu com Paulo, que desde pequ eno tem o h áb ito de olhar os hom ens
durante os atos fisiológicos, persistindo, na vida adulta, co m o com pulsão do traço
infantil e trazend o sofrim ento. O caso ilustra tam bém que, co m o nos m ostra a
teoria, os três tem pos da pulsão escó p ica, autoerotism o, o voyeurism o e o e x ib i
cion ism o, persistem e co ex istem 7.
267
O único enunciado correto sobre a pulsão do olhar deveria ser: todos 01
estádios de desenvolvimento da pulsão, o estádio preliminar auto-erótl«
co com o também as formações finais ativas e passivas, persistem uns ao
lado dos outros, quando nos fundamentamos não nas ações às quais a
pulsão conduz, mas no mecanismo de satisfação".
V ejam os, então, em nosso caso, esses m ecanism os de satisfação. D esd e ced o
Paulo teve a atenção despertada para seus órgãos genitais, o que foi reforçad o pela
m arca do real (sangramento/fimose/ameaça de castração ). Tam bém a curiosidade
pelo co rp o de seu pai e tios aparece com precocid ade, havendo um facilitad or
pela proxim idade e liberalidade dos fam iliares. Essa característica persiste em sua
vida adulta co m o im posição de g ozo , que, ao ser satisfeita, gera angústia. Freud
volta a nos sinalizar8:
271
vê com o amável, ou seja, o lugar do Ideal do eu [I (A)]. Segundo a teoria lacaniana
posterior (anos 1970), podem os localizar nessa 'máscara' o sem blante construído de
G ide para seu ser social - sem blante calcado na verdade de seu gozo. Ao final de C a
dernos de André Walter, com 2 5 anos, ele se tornou André Gide, 'o escritor'. N ão era o doce
e ausente sr. G ide pai quem figurava com o autoridade, mas a mãe tirânica que o cu
paria o lugar da lei e do dever deixado vago por esse pai falecido quando o m enino
G ide tinha 11 anos. D urante sua adolescência, sua mãe o obrigava a escrever cartas
para a avó - qualquer coisa - mas era preciso escrever, sempre. E G ide, colocan d o 'a
máscara de hom em das letras', ganhou o prêmio N obel de literatura e, efetivam ente,
escreveu sempre, sem parar, até 6 dias antes de sua m orte2.
A ad oção dessa im agem do O u tro por G id e, lugar ocupado por sua m ãe, fez
com que ele com pusesse uma m áscara que, com o verem os, tem o traço da m orte
co m o m arca do d esejo. Seu ar efetiv o de desgraça, e até m esm o fúnebre, fez com
que ganhasse do am igo FTenri de R égnier o apelido ci-Gide, tro cad ilh o com ci-cjít,
aqui ja z . A interpretação de Lacan elucidou o traço da m orte inscrito sobre a
máscara de G id e, o qual incidirá sobre seu d esejo hom ossexual.
A interpretação de Lacan do 'caso G ide' não tem com o base uma discussão diag
nostica, mas as vicissitudes do com plexo de Edipo do sujeito. D e um lado, o amor
por sua mulher (e prima) M ad eleine não é contam inado pelo desejo e, de outro,
um desejo plural visando a m últiplos parceiros, mais jo ven s e do m esm o sexo, com
quem tinha apenas uma atividade masturbatória, na qual o am or não encontra lugar.
Essa dissociação se revela, pelo desdobram ento da mãe em duas personagens: sua
mãe Ju liette enquanto 'mãe do amor', e sua tia M athilde, que o seduziu em certa
cena traum ática, enquanto 'mãe do desejo'. C ham a a atenção, nesse caso, que, na
história da hom ossexualidade de G ide, não há nenhum 'assédio' por parte de um
hom em adulto e sim a estrutura com plexa de uma rede desejante com posta por
'duas mães'.
A 'mãe do amor' é não som ente a detentora da lei e do dever, mas tam bém
aquela que, devotada ao am or hom ossexual por sua governanta Ana Stack leton ,
272
acentua, por essa via, a vertente do am or em detrim ento do d esejo. Perm anece
problem ático seu d esejo fem inino que, segundo a fórmula de Lacan - A (O ) -
conjuga o O u tro do am or com o significante im aginário fálico que ela buscaria no
parceiro5. Essa mãe tam pouco investe seu filho André da significância fálica, que,
segundo Freud, é um dos destinos do Penisneid. O ra, por não ser sim bolizado no
falo, o m enino G id e não pode, então, ser uma criança desejada. O resultado disso
é a m ortificação do d esejo do lado do amor.- M ad elein e ocupará esse lugar onde,
sem a co r do sexo, ela será a única mulher, sem pre amada, mas nunca desejada.
"Eu nunca desejei senão o seu amor, a sua aprovação, a sua estima"6, dirá G ide após a
m orte de M adeleine.
D o lado do d esejo , G id e perm anecerá fixado àquela cen a de infância da in i
ciação sexual na qual sua tia, mãe de M ad elein e, em um dia de verão, atrai o rosto
dele con tra o seu, d esabotoa sua cam isa, co lo c a seu b raço desnudo em volta do
p e sco ço dele e, d escend o a m ão por den tro de sua cam isa entreaberta, acaricia seu
torso, seu ventre até que, antes de to car seu sexo com um brusco sobressalto, ele
fo g e, com o rosto em brasa, aterrorizad o, mas já d esejan te7.
Sem elhante à interpretação de Freud referente à hom ossexualidade de L e o
nardo da V in ce, Lacan nos indicou que é do lugar da tia que G id e, adulto, deseja
os m eninos, do m esm o m odo que foi por ela desejado. O s d esejos, diz G id e, "são
próprios ao homem,- tranquiliza-m e não adm itir que a m ulher possa experim entar
sem elhantes d esejos, ou apenas as m ulheres de 'má vida"'8. E nqu anto sua mãe está
do lado das prim eiras, sua tia pertencia a essa segunda categ oria de mulheres
pois, após haver d esco b erto sua lig ação extraconju g al, “sua má cond u ta a tom ara
desconsiderada, excluída da fam ília, de nosso h orizo n te, de nossos pensam entos"9.
Essa divisão entre a 'mãe casta' e a 'm ulher puta' se repercutirá na divisão entre
am or e d esejo: o am or puro (pela esposa) e o d esejo 'puto' (pelos m eninos).
O caso G id e talvez seja p aradigm ático de hom ens bissexuais que têm , na e sp o
sa, e mãe de seus filhos, aquela por quem nutrem au têntico am or e, por outro lado,
exercem sua sexualidade com os hom ens na clandestinidade. Eis uma form a de
bissexualidade pautada pela divisão en tre o o b je to de am or e o o b je to do desejo.
M as, se a intrusão do d esejo, praticada pela tia, não rom peu o 'charm e m o rtí
fero' da mãe do amor, é porque a m ãe do d esejo é tam bém m ortífera, indica-nos
Lacan. N ão há a palavra que hum aniza o d esejo . D a í o d esejo cland estino e seu
traço da m orte, que se estend e sobre sua máscara e tam bém no fundo de seu ser.
Trata-se do sen tim ento de Scbauâern d escrito por G id e co m o trem or do fundo do
ser, um m ar que subm erge tudo e que acom panha o sen tim ento de ser excluíd o de
toda relação ao sem elhante.
A m orte está do lado do am or e o erotism o m asturbatório do lado do desejo.
Esse desejo, por não ter sido hum anizado pela palavra paterna (que proíbe), perm a
nece fora da lei e fora dos laços afetivos. D e um lado, a m ortificação do desejo no
am or e, de outro, o g ozo solitário desenfreado.
273
Em relação à castração, há uma divisão do (- cp): o (-) do lado do amor, resp o n
sável pela m ortificação do d esejo , e o (cp) positivado do lado do d esejo, a saber,
a exig ên cia do atribu to fálico no parceiro sexual. O sujeito do d esejo , no plano
n arcísico, co m p õ e-se pela id entificação ao O u tro do sexo, representado por sua
tia, e pela busca de o b je to s co m o ele era quando criança. N o plano da fantasia,
o sujeito do d esejo se constitu i segundo o lugar do o b je to do d esejo do O u tro
que ele foi para sua tia em seu e n co n tro com o sexo (A 0 a). O O u tro do amor,
representado por sua mãe e, depois, por M ad elein e, é aquele que carrega o traço
de cadáver sem as cores do sexo e diante do qual G id e se faz hom em das letras
na co n stitu ição de sua persona.
Lacan generaliza, em sua teoria, a d issociação am or/desejo e aponta sua
dissem etria na p sico p ato lo g ia da vida am orosa do h om em e da m ulher: o am or
é incondicional para as damas e o d esejo é condição absoluta para os cavalheiros,
os quais são, diz Lacan, o sexo frágil no que se refere à perversão. Assim , "a
hom ossexualidad e m asculina se con stitu i na v e rten te deste (d esejo) e a h o m o s
sexualidade fem inina [...] o rien ta -se por uma d ecep çã o que reforça a v e rten te da
dem anda de am o r"10.
■ A letra queimada
2/4
É o m elhor e o pior de mim que desaparece,- e que não contrabalançará
mais o pior13.
275
O 'furo queim ado' foi cuidadosam ente tapado por G id e desde sua a d o lescên
cia. C o n v o co u M ad elein e para o lugar do O u tro e cotid ian am en te tam pava seu
furo com as cartas, as letras: "M inha vida se tecia diante dela, sob medida e dia-a-
dia”. C ertam en te, G id e conseguiu que essa letra -o b je to acumulada constitu ísse
para o O u tro seu acja\ma na medida em que M ad elein e dirá a G ide, log o após
ter destruído as cartas, que elas eram seu "bem m ais precioso". D a í Lacan fazer
eqüivaler o ato de M ad elein e ao ato de M edeia, que m ata seus filhos que tam bém
eram para ela o b je to s agalm áticos.
U m a vez queim ada a corresp ond ência, a falta do O u tro é restituída e o lugar
vago deixado por ela en co n tra o furo (queim ado) desse O u tro. M as à custa do
ser do sujeito. A letra/carta queim ada dissolve o sem blante de homem das letras do
sujeito. Seu desaparecim en to arrasta con sig o toda alegria de viver.
Depois disso, eu realm ente nunca mais retomei o gosto pela vida,- só
bem mais tarde, quando compreendi que havia recobrado sua estima
(de Madeleine),- mas, mesmo assim, eu nunca mais entrei realmente
na dança, vivi apenas com aquele sentim ento indefinível de agitar-me
em meio às aparências - em meio a essas aparências que chamamos de
realidade19.
276
CAPÍTULO 25
■ Introdução
este capítu lo, irei m e servir da arte literária - co m o Freud e Lacan assim
277
transp arecer o m odo que utiliza para negar a castração do Outro-, o d esm entido
(Verleugnung), ilustrando, assim, aquilo que Freud dem onstra em "Fetich ism o"4, a
saber, co m o o fetich ista perpetua uma atitude infantil, fazendo coexistirem duas
p osições inconciliáveis: o re co n h e cim e n to e o desm entido da castração da m u
lh er (m ãe). D ian te do co n flito existen te entre a exig ên cia pulsional e o re ch a ço
da realidade, M ishim a enuncia que há, em seu eu, uma "polaridade",- ele relata a
m aneira co m o responde ao con flito , passando de um polo ao outro, en tre o re c o
n h ecim en to e o desm entido da castração . A o longo de sua vida e obra, esse sujeito
tentou perseguir a solução da divisão do eu, que se apresentava nas polaridades.
N o en tan to , a fenda entre os polos op ostos não se preencheu, ao con trário só
ressaltou a irrem ediável incom pletud e de cada um dos term os.
V ale lem bar que foi som en te em 1 9 2 7 , com a pu blicação do te x to "F etich is
m o", que Freud conseguiu distinguir um m ecanism o esp ecífico de defesa co n tra a
castração, próprio da estrutura perversa: a Verleugnung. A té 1927, Freud em pregara
o c o n c e ito de d esm entid o (Verleugnung), esp ecialm en te quanto às reaçõ es das
crianças, ao notar a d istinção an atôm ica entre os sexos. O s artigos que tratam
exp licitam en te desse assunto são-, "A org anização genital infantil"5, "O p roblem a
e co n ô m ico do m asoquism o"6 e "A perda da realidade na neurose e na p sicose"7.
Em 1 9 2 7 , Freud verifica que não era co rreto que a criança, a partir da sua o b ser
vação da mulher, tenha salvado para si, incólum e, sua cre n ça que a m ulher tenha
falo. A crian ça conservou a cren ça, mas tam bém se resignou,- no con flito entre o
"peso da p ercep ção indesejada" e a "intensidade do d esejo contrário", ch eg ou -se
a um com prom isso co m o só é possível sob o im pério das leis do pensam ento in
co n scie n te - a dos processos prim ários8.
Sim, no psíquico a mulher segue tendo um pênis, mas este pênis já não
é o mesmo que era antes. O utra coisa foi colocada em seu lugar,- foi
designada seu substituto, por assim dizer, que então herda o interesse
que se havia dirigido ao primeiro. E esse interesse experimenta um ex
traordinário aumento porque o horror a castração ergueu um monumento a si
próprio com a criação deste substituto. Com o stigma indelebile do recalque que
se efetuou permanece uma aversão aos genitais femininos, que não falta
a nenhum fetichista.
N esse m esm o sem inário, Lacan com en ta, mais ad iante11, que o p sicólo g o
francês A lfred B inet (1 8 5 7 -1 9 1 1 ) já havia assinalado esse p o n to da "lem brança
encobrid ora", que fixa a interrupção na barra da saia da m ãe, até m esm o de seu
espartilho, ou ainda a relação essen cialm en te am bígua do su jeito co m o fetich e,
relação de ilusão,- e tam bém a função satisfatória de um o b je to inerte à m ercê do
sujeito para a m anobra de suas relaçõ es eróticas.
Freud assinala que, certam en te, há num erosas e im portantes provas quanto à
atitude de divisão do fetich ista frente ao problem a da castração da mulher. Em
casos m uito refinados, na con stru ção do fe tich e m esm o, en con tram -se tanto a
afirm ação da castração co m o o d esm entido.
Lacan sublinha que a fam osa "divisão do eu", quando se trata do fetich e, é e x
plicada por Freud pelo argum ento de que a castração da m ulher é ali, ao m esm o
tem po, afirmada e negad a12.
Se o fetiche está ali é porque ela, justamente, não perdeu o falo, mas ao
mesmo tempo pode-se fazê-la perdê-lo, isto é castrá-la. A ambigüidade
279
da relação com o fetiche é constantem ente, e incessantemente m ani
festada nos sintomas. Esta ambigüidade, que se verifica com o vivida,
ilusão sustentada e valorizada com o tal, é, ao mesmo tempo vivida num
equilíbrio frágil que está a cada instante à mercê do fechar a cortina, ou
de seu descerrar. E dessa relação que se trata, na relação do fetichista
com seu objeto.
N o te x to sobre o fetich ism o , Freud expõe suas razões para supor que o "d es
m entid o" im plica necessariam ente uma "divisão do sujeito". O n z e anos mais
tarde, retom ou esse tem a em um artigo inacabado, "A divisão do eu no processo
de d efesa"13, e no capítu lo V III do "E sbo ço de P sican álise"14. P ode-se consid erar o
m anuscrito inacabad o co m o uma con tin u ação de o "Fetichism o", pois, n ele, e n
trelaçam -se dois tem as que nos últim os tem pos vinham ocupando o interesse de
Freud: a n o ção de desm entido ( Verleugnung) e a ideia de que ele dá por resultado
uma "divisão do eu". N o final de sua obra, Freud p rop õe que o sujeito se divide
em relação à castração, e essa divisão se m anifesta na fenda entre a realidade e a
satisfação das pulsões.
S en ão vejam os, em "A divisão do eu no processo de defesa"15, Freud observa
que diante do h orror da castração o sujeito deve se d ecid ir en tre re co n h e c e r o
perigo real, curvar-se diante dele e renunciar à satisfação pulsional,- ou desm entir
a realidade, criar uma cren ça de que não há razão para ter m edo, a fim de preser
var a satisfação. Trata-se de um co n flito entre a exig ên cia pulsional e o v eto da
realidade, m as o su jeito não faz nenhum a dessas duas coisas, ou m elhor, ele as faz
sim ultaneam ente. R esponde ao con flito com duas reações contrapostas: por um
lado, rejeita a realidade, e não se deixa proibir,- e por outro, reco n h e ce o perigo da
realidade. O resultado é alcan çado ao preço de uma "fenda do eu, a qual nunca se
reparará. As duas reações contrapostas frente ao co n flito subsistirão co m o nú cleo
da divisão do eu"16.
Freud deixa esse m anuscrito inacabado. Entretanto, retom a o tem a pouco depois
no capítulo V III do texto "E sboço de Psicanálise", intitulado "O aparelho psíquico
e o m undo exterior"17, no qual faz da "divisão do eu" (lòspalXung) uma característica
universal. A o abordar a psicose, ele recon h ece nela uma divisão psíquica. A partir
de um caso de confusão alucinatória e de um outro de paranóia, Freud d iz 18:
N o entanto, a percep ção desm entida não havia deixado de e xercer influência,
pois ele não tem a ousadia de afirmar que viu efetivam ente um pênis. Ele recorre a
outra coisa, uma parte do corp o ou uma coisa, e lhe co n fere o papel do pênis. N a
m aioria das vezes é algo que, com e feito , ten h a visto naquele m om en to, quando
viu os genitais fem ininos, ou algo que se presta co m o substituto sim bólico do
pênis. Freud esclareceu que seria in co rreto descrever esse processo, quando um
fetich e é construíd o, co m o "divisão do eu",- ele é uma form ação de com prom isso,
com a ajuda do d eslocam en to, tal co m o aquela com que nos fam iliarizam os nos
sonhos. Todavia, as observações de Freud m ostram algo mais. A criação do fetich e
tem o b ed ecid o ao propósito de destruir a prova da possibilidade da castração, de
form a que se pudesse escapar da angústia de castração. Se a m ulher possui um
pênis com o outros seres vivos, não se precisa tem er pela posse perm anente do
pênis próprio.
Em sua vida e obra, M ishim a ilustra, de form a im pressionante, o que já havia
sido d esco b erto por Freud em relação à divisão do eu. V ejam os co m o ele descreve
a fenda que se abre em sua realidade psíquica21:
Num prim eiro tem po, M ishim a identifica-se com as palavras e vê-se d esti
tuído do corp o. O s cupins, que m etaforizam as palavras, já estavam lá quando
o corp o, m etaforizado pela madeira, em ergiu já "carcom id o". M ishim a ilustra de
m odo excep cional que "o artista precede o psicanalista", pois deflagra seu saber
in con scien te sobre o que fora enunciado por Lacan, dois anos depois, em 1970,
quando, em "Radiofonia", ele teoriza sobre aquilo que M ishim a havia enunciado:
"o cupim" (m etáfora da linguagem ) é o que vem prim eiro, para, en tão, incorporar-
se na m adeira (m etáfora de seu c o rp o )27.
Em 1970, Lacan fala de dois corpos.- o "co rp o do sim bólico" e o "corpo no sen
tido ingênuo". O prim eiro, o "co rp o do sim bólico" - feito da m aterialidade sonora
do significante - é constitu íd o de linguagem . O segundo, o "co rp o no sentido
ingênuo", é tom ado co m o "um eu corp oral, n arcísico, é o co rp o que, em lingua
gem popular, correspond e ao 'corpo de carne e osso'. Porém Lacan usa de outra
form a tanto 'a carne1 quanto o osso’, p referind o referir-se a um sentid o 'ingênuo
do corpo'"28. Lacan ressalta que só se pode ter um corp o, "no sen tid o ingênuo", se
este foi co n ced id o pela linguagem . A quele cu jo corp o não está na linguagem , não
tem propriam ente um corp o. A 'palavra m ata a coisa' constitu ind o assim, o co rp o
do falasser (parlêtre).
Lacan verifica que o co rp o dos seres falantes tem três dim ensões: real, sim
b ó lica e im aginária. N o in ício de seu en sin o , ao retom ar a n o çã o freudiana de
narcisism o, esclarece o reg istro do im aginário, pela ênfase dada à alienação do
injans na im agem do sem elhante e p elo que aí se precipita de uma gestalt a n teci-
patória do co rp o próprio do su jeito. R essalta ainda, que, nessa exp eriên cia do
esp elh o vivida pelo su jeito, a função da lei do O u tro da linguagem , aponta para
o registro do sim b ólico, e o jú b ilo (g o z o ) aponta para o registro do real. V ê-se,
assim, que, desde os prim órdios de seu en sin o 29, Lacan observa que não há co rp o
sem sim b ó lico , sem linguagem,- o co rp o é con stitu íd o de significantes, m apeado
pelos significantes,- "é secundário que o corp o esteja vivo ou m o rto "30, pois "o
prim eiro sím bolo em que re co n h e ce m o s a hum anidade em seus vestíg ios é a
sepultura"31. V erifica-se, en tão, que o que Lacan desenvolve em 1 9 7 0 , já estava
an tecip ad o em 1 9 5 3 32:
N o hum ano, ser falante, a linguagem lhe co n fere um corp o, e quando m orre
torna-se um cadáver. O s anim ais não têm corp o, são carne, por isso quando m or
rem viram carniça. Em "R ad iofonia"34, além de reafirm ar o que já havia dito sobre o
corp o, há 17 anos, em "Função e cam po da fala e da linguagem "35, Lacan ressaltou
que o prim eiro corp o, o da linguagem , é que faz o segundo, "o corp o no sentido
ingênuo", ju stam ente, "por se in corporar n ele"36. Lacan ensinou que o co rp o é o
que pode ser incorporad o ao sim bólico, para ser o suporte de significantes37:
O corpo, a levá-lo a sério, é, para com eçar, aquilo que pode portar a
marca adequada para situá-lo numa seqüência de significantes. A partir
dessa marca, ele é suporte da relação, não eventual, mas necessária, pois
subtrair-se dela continua a ser sustentá-la.
Em "R adiofonia"43, Lacan define o O u tro por sua incom pletud e, co m o (-1 ), ou
seja, co m o a falta de um significante no O u tro , S (Ã ). Ele diz: "M en o s-U m d esig
na o lugar que é dito do O u tro. P elo U m -a -M en o s faz-se cam a para a intrusão
que avança a partir da extrusão: é o próprio significante". N esse com p lexo texto
de 1970, Lacan retom ou o co rp o e o articulou, para além do im aginário, com o
significante e com o gozo. Ele observou que o corp o se o ferece co m o cam a para
a intrusão do S(A ). "O prim eiro co rp o faz o segundo, por se incorporar nele. D a í
o in corp ó reo que fica m arcando o prim eiro, desde o m om en to seguinte à sua
in corp o ração"44.
C o m o traduzir esse enunciad o de Lacan? Para os estoicos, incorporai, significa
que ser algum a coisa não im plica, necessariam ente, existir corp oralm ente, ou seja,
ser alguma coisa poderia estar relacionad a não d iretam ente a um corp o, mas ao
seu significado. O lugar, o vazio, o tem po e o exprim ível (lékton) são in corp ó reos,
não existem corp oralm en te, mas existem enquanto significados45. Para a P sican áli
se, o que não tem corp o, é o o b je to a. Send o assim, pode-se d izer que o o b je to a é
o que fica m arcando o prim eiro corp o, o do sim bólico e, o efeito da "incorp oração
sim bólica" do S(A ), intrusão significante e extrusão de g o z o 46,
M ishim a esclarece que seu e n co n tro com o latrin eiro50 representa algo da
ordem de um sacrifício h e ro ico , que co n tin h a o auge da sensualidade. Seu d esejo
tinha dois p o n tos de enfoque: o prim eiro eram as "puxa-coxas", as calças ju stas que
delineavam nitid am ente a m etade inferior de seu corp o. O outro pon to, era sua
ocupação,- esta lhe deu a sensação de "tragédia", certa sen sação de intim idade com
o perigo, "uma sensação de extraordinária co m b in a çã o de nada e força vital"51.
O u tra record ação da tenra infância: o ch e iro de suor dos soldados, um od or
que despertou nele d esejos v iolen tos, um anseio apaixonad o por coisas co m o o
d estino dos soldados, a natureza trágica de seu apelo, as terras distantes que v e
riam, as m aneiras co m o m orreriam ” .
A terceira lem brança rem ota envolve um livro de figuras: ele tin ha vários livros
de figuras, mas sua im aginação era cativada, com p leta e exclusivam ente, apenas
por um, e apenas por uma figura dele. O m enino podia passar longas tardes
devaneando ante essa figura, mas se alguém se aproxim ava ele se sentia culpado
e virava a página. A figura m ostrava um cavaleiro m on tad o num cavalo b ran co,
em punhando uma espada levantada53.
M ishim a co n ta que um dia sua enferm eira abriu o livro naquela página e
pergun tou se o m en in o c o n h e c ia a h istória daquela figura. E le não a co n h ecia .
A enferm eira en tão lh e explicou-. "O que p arecia ser um h om em , na verdade era
uma mulher. Seu nom e é Jo a n a d'Arc. A h istória c o n ta que ela foi à guerra v e s
tida com roupas de hom em para servir seu país". O m en in o havia se en can tad o
com o b e lo cav aleiro naquela b o n ita c o ta de m alha e havia a calen tad o fantasias
quanto à m orte dele, mas se aquele cav aleiro era uma m u lher e n ão um hom em ,
nada m ais lhe restava. E n tão, ele se sen tiu d errubado co m o se "um so c o " o tivesse
"prostrad o por terra". A partir d aquele dia, virou as co stas àquele livro, nunca
m ais o pegou.
O carregad or de fezes noturnas, a D o n z e la de O rlean s e o ch eiro do suor
dos soldados form aram uma esp écie de preâm bulo de sua vida. Em bora enquanto
crian ça lesse todas as histórias de fadas que lhe caíssem nas m ãos, ele nunca g o s
tou de princesas. G ostava som ente dos príncipes. Tinha pred ileção por príncipes
assassinados ou destinados à m orte. Ficava com p letam en te apaixonado por qual
quer jo v em que fosse m o rto 54.
287
A carga de d esejo, ao m esm o tem po a qualidade trágica que está ligada a ela,
p erten ce à figura do latrineiro, dos cavaleiros m ortos na guerra, aos príncipes
assassinados e aos mártires cristãos. Em Confissões de uma máscara, M ishim a confessa
que, até os 12 anos de idade, pensara erron eam ente que era atraído pelos b elos
corp os dos rapazes apenas p o eticam en te, confund ind o a natureza de seus d esejos
sensuais com um sistem a de estética. N o entanto, aos 12 anos de idade, seu deu
con ta daquilo que de fato o atraía: à m orte, o sangue e as carnes musculosas - fi
guras de jo v en s samurais rasgando o ventre ou de soldados baleados.
U m dia ele pegou alguns livros de arte de seu pai. O que o encan tou , p arti
cularm ente, foram as fotos de esculturas gregas. D e repente, ele topou com uma
reprodução do S ão Sebastião de G uido R en i55.
São Seb astião é, para M ishim a, o ventre m aterno: a mistura do ideal de b eleza
física, do m artírio, da autodestruição e da m orte. Em 1 9 7 0 , M ishim a serviu de m o
delo ao fo tógrafo K ishin Shinoyam a, na céleb re pose en carnand o o São Sebastião
sem inu de G u id o Reni. S ebastião é o seu am ante e, ao m esm o tem po, o próprio
M ishim a. A transp osição das flechas pela espada jap on esa não seria uma prem o
n ição do próprio seppuku do escrito r em novem bro desse m esm o ano? A ânsia e
atração pela m orte enqu anto jovem e em pleno vigor, co m o um mártir, rem etem
à im agem de São Sebastião crivado de flechas, que o autor tan to cultuava. M ish i
ma aguardava rom anticam ente por uma bela m orte co m o a de São S ebastião. O
escrito r estava co n v en cid o de que, graças à providência divina, m orreria aos 2 0
anos. N o en tan to , isso não aconteceu .
M ishim a con sid era que, por causa de O m i, ele nunca pôde am ar um a pessoa
in telectu al, jam ais se sentiu atraído por uma pessoa que usasse ócu los. P or causa
de O m i ele co m eço u a am ar a força, a ig n orân cia, os g estos rudes, a fala d escu i
dada. A carne não podia, de m odo algum , ser m aculada p elo in te le cto . O d esejo
sexual de M ish im a se e n co n tra m arcad o pela co n d içã o carnal, na qual o in te le cto
não com p arece, há uma cisão en tre a carn e e o esp írito, há uma e xig ên cia de
que carne e esp írito m antenham d istância um do outro. M ish im a exp lica: "Assim
que com eçav a a com p artilh ar m inha com p reen são in telectu al co m uma pessoa
que m e atraísse meu d esejo por essa pessoa lo g o arrefecia". E le "não tinha a mais
tênue ideia de que havia uma co n e x ã o en tre am or e d esejo sexual"60.
M ishim a se apercebe que a "sensação carnal" que ele sentia por O m i não era
causada apenas pela proeza de sua força, mas pela abundância de pelos nas axilas —
estas se constituíram em um fetich e para ele. "Sem dúvida foi a vista de pêlos sob
os braços de O m i que fez da axila um fetich e para mim"61. M ishim a se olhava no
espelho e com parava o seu corp o desgracioso - seus om bros esqu eléticos, seu peito
estreito - com o de O m i. Ele se achava um "patinho feio" que alm ejava se transfor
m ar em um "cisne", mas "uma esp écie de con v icção masoquista" o fazia dizer a si
m esm o: "V ocê nunca vai ser parecido com O m i"62.
M ishim a desejava se tornar "uma réplica de O m i"63. Ele com eço u a procurar
em seu corpo franzino o reflexo da suntuosa virilidade de O m i. U m dia descobriu
à beira-mar, ao ver as próprias axilas, que os pelos exuberantes de O m i, o b jeto de
sua cob iça, com eçaram a crescer em seu corpo. U m m isterioso desejo sexual logo o
invadiu e, tom ando os pelos de suas axilas por o b jeto , sozinho pela primeira vez ao
ar livre, m asturbou-se — com o costumava dizer, entregou-se ao seu "mau hábito". A
solidão de sua exclusão, reavivada por um sentim ento de vazio diante da plenitude
do mar, conjugou-se com a solidão que o atraía para O m i. O erotism o, mais uma
vez, acabava de transform ar a desolação em triunfo.
Ainda no m esm o ro m an ce, M ish im a revela que seu co ra çã o nunca havia sido
to ca d o pela visão de b elez a numa mulher. A té e n tã o , as m ulheres haviam sido,
para ele, "um m isto artificial" de "curiosid ad e infantil" e "fingido d esejo sexual".
S o n o k o , uma jo v e m de 18 anos de idade, irmã de seu m elh or am igo, cham ou
pela prim eira vez sua a ten çã o . Ela parecia "o reflexo de uma alma im aculada e
sim ples"64. O am or por S o n o k o to rn o u -se uma o b rig a çã o m oral para ele e, de r e
p en te, ele foi invadido pela ideia de que estava ap aixonad o pela m oça. C o n tu d o ,
uma v o z in terio r zom bou d ele b o m b a rd ea n d o -o de perguntas65:
E amor o que você sente por ela? Mas você sente desejo por mulheres?
Já teve alguma vez o mais leve desejo de ver uma mulher nua? Já imagi
nou Sonoko nua? Durante o dia, você anda pela rua e não vê ninguém
além de marinheiros e soldados. Quantos desses jovens você não despiu
mentalmente ontem?
Embora em anos posteriores minha autoanálise atravessasse a borda
da argola66 mais lentamente, quando eu tinha vinte anos ela não fazia
nada senão girar de olhos vendados na órbita de minhas em oções [...]
Assim, as contradições giravam na órbita exatam ente com o eram, ro
çando umas nas outras com uma velocidade que olho nenhum poderia
abranger.
■ 0 gozo fora-do-corpo
Em "A terceira"72, quando se referiu ao nó borrom eano, Lacan afirmou que "todo
g ozo está co n ectad o com este lugar de m ais-de-gozar do o b je to a . O g ozo fálico
(Jcp) está na interseção entre o real e o sim bólico, "o que define seu caráter de fo-
ra-d o-corp o"7?, do qual o corp o im aginário está excluído. Em Sol e aço74, M ishim a
ilustra o que constitui, para ele, o g ozo fora-do-corpo, o g ozo fálico: a necessidade
de transform ar seu corp o frágil em um corp o esculpido, tal qual uma obra de arte, a
uma escultura grega. Aos 30 anos de idade, ele escolh e cultivar seu corp o usando sol
e aço: a luz do sol — d escoberta por ele em uma viagem a G récia - e do aço - utili
zado no halterofilism o. Já próxim o do final ap o teó tico que busca para sua vida, ao
pilotar um avião supersônico d iz: "ereto, o F 1 0 4 , um pênis de prata agudo, apontava
para o céu. Solitário, com o um esperm atozóide, eu estava instalado dentro dele. Eu
ia saber co m o se sente um esperm atozóide no instante da ejaculação"75.
N o m esm o ensaio, M ishim a salienta: "se meu ser era m inha residência, então
meu corp o se parecia com um pom ar que o cercava. Eu podia ou cultivar esse
pom ar ao m áxim o de suas possibilidades ou abandoná-lo ao acaso do m ato"76. D e
fato, M ishim a d edicou-se ao cultivo do seu corpo-pomar. C ontu d o, aos 4 3 anos de
idade con fessa77.
corpo e espírito nunca deram boa com binação. Eles nunca foram pa
recidos. Nunca experim entei na ação física nada que se assemelhasse à
satisfação arrepiante e aterradora proporcionada pela aventura in telec
tual. Nem senti nunca na aventura intelectual o calor impessoal, a cálida
escuridão da ação física.
A pesar disso, M ishim a não cessava de buscar a in terseção tão alm ejada entre o
corp o e o esp írito "em algum lugar eles devem se encontrar. O n d e porém ? [...] Em
algum lugar deve haver um p rincípio m aior ond e os dois se encontrem e façam as
pazes. Esse princípio maior, eu pensei, era a m orte"79.
D urante toda sua vida, M ishim a perseguiu a solução da divisão do eu que
se apresentava na polaridade entre "o corp o e as palavras". Tentou desm entir a
castração do corp o, escu lpind o-o na form a de um D eu s grego,- tentou desm entir
a castração das palavras, torn and o-se o m aior escrito r n ip ô n ico de sua época. N o
e ntanto , a fenda entre os polos op ostos não se p reen ch eu, ao con trário só ressal
tou a irrem ediável incom pletude de cada um dos term os.
Três anos antes do seu suicídio, M ishim a vislumbra a possibilidade daquilo que
sempre havia buscado: a harm onia da fusão entre "o corpo e as palavras". Pilotando
aquele caça supersônico, o F l0 4 (o "pênis de prata"), com o se ele fosse "um esper
m atozóide”80, ele diz: "A 4 5 0 0 pés de distância da terra, m inha aventura intelectual
e minha aventura física poderiam se fundir em harmonia. Era o que eu sempre havia
buscado"81. Lá no alto, a terra está cercada pela morte. "As regiões mais altas, onde
não há ar, estão repletas de m orte pura; ela contem pla a humanidade lá de baixo"82.
Foi, então, num m om ento de gozo sexual, que ele viu "a figura gigantesca da serpente
de nuvens brancas cercando o globo terrestre e m ordendo sua própria cauda"83. O
gigantesco anel-serpente, que supera as polaridades, revelava o mistério: "a carne e
o espírito, o sensual e o intelectual, o dentro e o fora, vão desprender-se do chão e,
mais alto, mais, mais alto até do ponto onde o círculo-serpente de nuvens brancas
que cerca a terra, todas as coisas vão se encontrar"84. "O mundo interior e o mundo
exterior tinham se invadido mutuamente e se tornado com pletam ente intercam -
biáveis"85. M ishim a já não duvida: só o g ozo da m orte com a consum ação do gozo
erótico poderia superar todas as contrad ições86.
A faca deve cortar a carne da maçã - isto é, o meu corpo. Sangue corre,
a existência é destruída, e os sentidos estilhaçados e dispersos dão à
existência uma primeira garantia, fechando o hiato lógico entre ver e
existir... Assim é a morte.
"As flores artificiais da arte" e as "flores p erecíveis da ação" são uma o ideal da
outra. O g ozo do instante e o da eternidade respond em a v o to s contrários. S ó
a m orte pode resolver a discordância deles. S ó a m orte do b elo herói con ju g a a
ação e a arte: a flor que fen ece e a flor que dura para sem pre. N a m orte haveria
uma existên cia que não seria corroíd a pela falha da divisão subjetiva. S ó a m orte
pode lib ertá-lo da divisão do eu. A m orte se afigura à ún ica resolução possível da
dualidade que o h ab ita e à única m aneira de parar o incessante m ovim ento que o
p ro jeta de um p o lo ao outro de sua subjetividade dilacerada.
A criação artística de M ishim a, sustentada na letra, faz 'm ostração' do real pul
sional, ultrapassa os lim ites do significante e enuncia a 'ex-sistên cia', o 'não cessa
de não se escrever’, o real da estrutura, desvelando a m arca do g o z o do perverso.
Em "K ant co m Sade"96, Lacan forja o m atem a da fantasia sadiana, p ro tótip o da
estrutura perversa, e verifica que o sujeito do d esejo (£ ), em seu ato perverso, não
é su jeito, ele está no lugar de a (o b je to m ais-d e-gozar), m ovido por uma vontade
de g ozo (V ). D aí, dirigir-se ao seu p arceiro, para dividi-lo (£ ), provocan do nele
h orror e surpresa, ou seja, fazendo com que ele se depare com a falta, com a c a s
tração e, ao m esm o tem po, extraind o de sua divisão o sujeito do bruto prazer (S),
revelando uma verdade que lhe é d esco n h ecid a, um g ozo que é pura pulsão de
m orte, um para além do princípio do prazer, S (Â).
Em seus atos perversos M ishim a se co lo ca no lugar de a e se dirige aos seus
parceiros para dividi-los: ele surpreende os jornalistas com as suas respostas ora
irônicas, ora non setise,- provoca os estudantes universitários de extrem a esquerda,
quando, em suas con ferên cias, en d ereça-lh es um discurso de extrem a direita, afir
m ando, estranham ente, que am bos, os estudantes e ele, estão lutando pela m esm a
causa,- evoca esp anto em seus con terrân eo s porque, ao m esm o tem po em que
prom ove uma luta pelo Ja p ã o trad icionalista, exib e-se com trajes do capitalism o
americano,- ch o c a os jap on eses ao fundar o seu exército particular, a Socied ad e
do Escudo,- horroriza uma m ultidão de pessoas ao exibir seu seppuku97 diante das
câm eras de televisão.
Em O Seminário, livro 16: de um O u tro ao ou tro98, Lacan observa que o n eu ró ti
c o , em sua relação com o p arceiro, m antém a divisão de seu lado,- ele ten ta pescar
no parceiro o o b je to que o "com plem en ta" em sua fantasia: o seio, as fezes, o
olhar, a voz. A estratégia de g o z o do perverso é outra, ele c o lo c a a divisão do lado
do parceiro e, do lugar de a, o ferece-se co m o "suplem ento"99, co m o instrum ento
do g o zo do O u tro.
N esse m esm o sem inário, Lacan cham a atenção para o fato de que o essencial da
pulsão escópica é fazer aparecer o olhar no cam po do O u tro 100:
William Shakespeare
■ Introdução
ste trabalh o visou explorar algumas facetas da hom ossexualidade fem inina,
E tend o por fo co o cru zam ento do tex to de Freud, "A p sicog ênese de um
caso de hom ossexualism o numa m ulher"2, com uma re ce n te biografia da
'jovem ', escrita por Ines R ied er e D ian a V oig t, Desejos Secretos: a história de Sidonie C.,
a p acien te hom ossexual de Freud3.
D en tre os m uitos cam in hos, ou m elhor, m étod os, para p erfazer essa ap ro xi
m ação, privilegio uma via dupla: por um lado, pontuar co m o essa biografia pode
con trib u ir para a teoria e a prática psicanalítica no que tange às questões da h o
m ossexualidade. P or outro, pretend o m ostrar de que m odo a P sicanálise pode vir
a ilum inar alguns pontos obscuros ou p ouco explorados nesse testem unho sobre
'am ores proibidos' e sobre as diversas reflexões que têm surgido na cultura sobre a
questão da hom ossexualidade fem inina. C o m ecem o s pelo título.
■ Deixar(-se) cair
A tração e in terd ição são os p olos que m arcam o erotism o, em particular a
inflexão que lhe dá a 'senhora' S id o n ie C sillag , que ch e g a aos 9 9 anos nesse
diapasão e fica inscrita na h istória da P sicanálise co m o a 'jovem ' hom ossexual.
N esse caso, a in terd ição , diz Freud e reitera L acan, vem do olh ar furioso que lhe
lan ça o pai, ao flagrá-la desfilando com a b aronesa pelas ruas de V iena, próxim as
a seu escritó rio. E ju stam en te a força dessa in terd ição que m erece destaque no
caso da jo v em . Ela é de tal ordem que nos faz desdobrar o erotism o pensado por
B ataille em term os de fo rça de atração , de interd ição e tran sgressão. N ão apenas
a in terd ição cria o d ese jo , c o m o tam bém sua fo rça é d iretam en te p ro p o rcio n a l
à fo rça de atração.
A interd ição, levada a e feito pelo olh ar furioso do pai, cristaliza a p o sição da
jo v em , esb oçad a já a partir do co m p lex o de Édipo, co m o um resto, um d ejeto
lançado na rua. Essa p osição é corrob orad a pelo subsequente pedido da baronesa
para que Sid o n ie não a procure mais, ou seja, configura-se outra interd ição. A
resposta da jo v em à dupla interd ição é a passagem ao ato: ela se lan ça da pon te
sobre os trilhos de uma pequena estrada de ferro da cidade.
O que a literatura analítica não poderia saber, até a pu blicação da biografia de
Sid onie C ., é que essa não seria a única passagem ao ato em preendida pela pa
cien te. P or mais duas vezes, ela tentará o suicídio. U m a quando a baronesa decide,
em função de vários problem as ju d iciais, financeiros e p o líticos, deixar V iena, em
1924, em direção a Berlim , para lá viver, sem a am eaça dos proto-nazistas, com
sua então am ante, C arlota. A jo v em tom a uma am pola de ven en o que, além de um
profundo m al-estar, não lhe traz m aiores conseqüências.
A terceira e últim a tentativa de suicídio tam bém a co n tece após Sid o n ie tom ar
c o n h ecim e n to de que seu am ado - dessa vez trata-se de um b elo jo v em - lhe está
interditad o. Este está por dem ais interessado nas inúm eras m ulheres que pode se
duzir por toda V iena. A o se dar co n ta de que Franz lhe deixa de lado, novam ente
um ato de Sidonie. Ela se dá um tiro no peito, que, por pouco, não lhe atinge o
co ração , esse seu órgão tão vulnerável, falível, mas persistente.
Três m om entos de rejeição , de abandono, seguidos de três passagens ao ato.
Em todas as três situações, uma configu ração triád ica está presente e, em todas,
Sid o n ie é a terceira figura excluída. N a prim eira vez, o pai e a baron esa lhe d i
zem não, em uma clara reed ificação edípica. N a segunda tentativa, o triângulo
am oroso que leva à exclusão de Sid o n ie é exclusivam ente form ado por m ulheres:
a baronesa, sua am ante e a jo v em . (Talvez por isso a ten tativa ten h a sido a mais
branda de todas?). N o terceiro episódio, n ovam ente uma configu ração edipiana:
o b elo am ado, o co n ju n to de m ulheres atraentes e, de sobra - Sidonie.
A p osição de exclusão ocupada pela jo v em é explicitad a na tím ida leitura de
Freud sob re o caso e teorizad a, com vigor, por Lacan, no Seminário da Angústia'0,
publicado em 1 9 6 2 -1 9 6 3 . O triângulo edípico salta aos olh os de Freud: o n asci
m ento de um irmão tem porão lhe retira ainda mais o escasso am or m aterno (algo
que a senhora Sid onie C sillag reitera a suas biógrafas). A traição am orosa do pai,
atestada por esse nascim en to, é acrescid a pela obstin ad a d ed icação deste aos n e
g ócios e ao sucesso financeiro. Sid on ie sobra, co m o um resto, um resto que Lacan
irá nom ear co m o objeto pequeno a.
O "o b je to a , no qual se fixa a jovem hom ossexual, de maneira identificatória,
é o olhar do pai, que não precisa mais vê-la para que ela perm aneça, para sempre,
sendo olhada por ele. E, de fato, o olhar será o o b je to privilegiado por Sidonie em
suas trocas amorosas. Ao descrever a primeira vez em que a jovem vê a baronesa, é o
olhar que a captura-. "Sobretudo, não podia mais se libertar dos olhos - claros, quase
duros, podem olhar alguém de m odo tão profundo! [s/c]"11.
Após a prim eira tentativa de suicídio, a jo v em volta a ter m aior liberdade para
se en con trar furtivam ente com a dama idolatrada. O prim eiro e n co n tro entre elas
é preparado nos seguintes term os: "Amada Leonie", escrev e-lh e a jo v e m 12,
posso vê-la tão logo possível? Espero tanto que não esteja zangada
com igo! Com o, em hipótese alguma, gostaria de encontrar meu pai n o
vamente, proponho um encontro no parque da cidade (...) Leonie envia
prontamente sua aceitação pela mensageira, e Sidonie exulta diante da
perspectiva de voltar a ‘devorar com os olhos" a baronesa.
E mais adiante: "devorar Leonie com os olhos e escutar sua linda v oil Isso é o m undo
para S id o n ie "13.
C o m o a expressão da tro ca erótica pelo olhar vem entre aspas na biografia, é
de se supor que esta seja de autoria da própria Sidonie. C o m e feito , essa jo v em
que passa pela história da Psicanálise co m o "a jovem hom ossexual" só vai, de fato,
consegu ir ter uma relação sexual com seu o b je to de ad oração décadas depois de
seu breve tratam en to com Freud, em 1 9 1 9 . Em Berlim , em 1 9 4 0 , as duas voltam a
se encontrar, e ouvim os de Sidonie: “ainda cjuero devorá-la com os olhos, como sempre!”14.
M as, desta vez, a baronesa, agora com 4 9 anos, dá aulas de inglês para sobreviver
e te ce h abilm ente uma tram a para transgredir os ciúm es de sua am ante para, final
m ente, levar Sid o n ie para um "canapé de velud o"’5.
D ev e-se notar, contu d o, que partilhar canapés, leitos, ou qualquer outra form a
de en lace e ró tico é algo raro na longa história da jo v e m hom ossexual. Seus e n c o n
tros eró tico s são em in en tem en te p latôn icos, m arcados pela inacessibilidade do
o b je to am ado, e x ce to pela via do olhar: "ainda quero devorá-la com os olhos, como
sempre", lem bra-nos Sid onie sobre o arranjo de seu m undo e ró tic o e do lugar por
ela ocupado. N esse sentid o, vale ressaltar que, m esm o sem ter tido acesso a essa
m inuciosa biografia, a aguda escuta clín ica de Lacan pôde extrair desse intricado
caso, do qual o próprio Freud se retira, dados cruciais para a teo rização acerca do
o b je to a, bem co m o sobre a articulação en tre d esejo e lei.
N o que se refere à posição em que é co lo ca d a a jo v em S id on ie, qual seja, a
de o b je to olhar, Lacan observa que se trata aí de uma "id entificação absoluta do
sujeito a esse a ao qual ele se reduz"16. Tal redução a um d ejeto de rua nos rem ete
à articulação en tre m asoquism o e pulsão de m orte de que trata Freud em "Bate-se
numa cria n ça "'7, de 1919 , um estudo no qual a história da literatura analítica su
põe estar presente a estruturação fantasística de A nna Freud. N ão é à toa que esta
analista produz um te x to p recioso sobre a questão, que vem a se to rn ar tam bém
um vigoroso testem unho de sua análise. A nna Freud apresenta esse trabalh o em
m aio de 1922, na Socied ad e P sicanalítica de Viena, co m o mot de passe para essa
in stitu ição 18.
Sab em o s que a fantasia de ser espancado está intim am ente vinculada a uma
ligação incestuosa com o pai, em am bos os sex o s19. Porém , no que diz resp eito à
p osição fem inina, a segunda fase é proem inente e m arca-se por seu caráter in c o n s
c ien te e m asoquista, no qual o pai, ou seus substitutos, figuram em um co m p lex o
processo de recalcam en to e regressão, a partir do d esejo incestuoso de ser am ado
pelo pai20.
D e se jo in co n scien te pelo pai, in terdição deste, ressentim ento e vingança são
term os com uns nas leituras de Freud e Lacan sobre a análise da jo v em h o m o s
sexual, na qual devem os pôr em relevo o entrelaçam ento de d esejo e lei. M as,
nesse caso, a lei do pai se confund e com seu d esejo. Em outros term os, a lei do
pai não é a do pai sim bólico, a do pai m orto, mas a do pai im aginário, aquele pai
p o ten te, que poderia lhe ter dado um filho. E é ju stam en te esse pai que, apesar do
dom de dar um filho, lhe dá, ao invés, um mau-olhaâo. Presa iden tificatoriam en te a
esse pai im aginário e, ao m esm o tem po, d ejetada por ele, a essa jo v em não resta
nesse m om en to outra saída a não ser o sair de cen a - o deixar-se cair da p on te, a
passagem ao ato.
■ Maus olhados
O poder do olhar do pai, do seu mau olhar, é trabalhado por Alain D idier-
W eill, em Os três tempos da lei2'. U m a im portante observação de Lacan, no sem inário
sobre Os cjuatro conceitos fundamentais da Psicanálise, serve de apoio para D id ier-W eill.
D isse Lacan que: "a verdadeira função do órgão do olh o, ch e io de voracidade
[...] é o m au -olhad o"22. Tem os aí, em estado germ inal, a natureza do olh ar do pai,
no qual a jo v em será capturada: ao m esm o tem po em que ele é voraz, devorador
(não deixem os de ouvir aí coloraturas incestuosas), ele é punitivo. D id ier-W eill
desdobra esse últim o atributo de m aneira ilum inadora para pensarm os a relação
da jo v em hom ossexual com o m au-olhar p aterno23:
a Coisa humana - das Dincj - , que remete para o que, em nós, é o mais
velado, [pode] se desvelar, quer na vergonha enquanto coisa enrubes-
cedora tendo perdido qualquer segredo, quer numa produção estética
que, por intermédio da beleza, se transmite com o um segredo cujo ca
ráter absoluto se deve ao fato de que ele desarma não somente o saber
com o também o poder maléfico do olhar.
Q uanto mais Sidonie considera sua própria beleza perdida, tanto mais
emergem em sua memória os corpos e os rostos de seus grandes amores.
E com eles, fatalmente, o tema da sexualidade. Com aversão, sob a qual
se esconde leve tristeza, ela fala sobre o amor físico. Ela sabe que gran
de parte do prazer permaneceu para ela inacessível. C om o lhe dissera
mesmo aquele m édico que a tratou no hospital (...) após sua terceira
tentativa de suicídio, quando a bala não acertou seu coração apenas
por dois centímetros? Ele com preendeu com o seu ser se estruturava e
o que se passava. "A senhora é uma clássica assexual”, dissera ele. E até
hoje não pode senão concordar. C om o um simples toque de mão, um
movimento do corpo, um olhar a tinham podido excitar muito mais
que as regiões do corpo em que todos costumam concentrar seu desejo!
C om o havia achado terrível o lugar escuro e a "coisa" ameaçadora entre
as pernas dos homens, com o considerara angustiante, mesmo se um
pouco melhor, esse local úmido nas mulheres,- quanta repugnância lhe
provocava uma língua dentro da sua boca! (...) "Fiquei assim por causa
da minha mãe", constata, sem floreios. "Qualquer mulher era para ela
uma inimiga (...) Amorosa, de fato, foi apenas no final (...),- até me disse
que tinha belos olhos".
C u rioso observar que, 8 0 anos após sua análise com Freud - que perm aneceu
para ela com o "um velh o im becil" —, Sid o n ie corrob ora uma interpretação de seu
analista, form ulada por ele co m b astan te clareza: “a análise revelou, sem som bra
de dúvida, que a dama am ada era um substituto para - sua m ãe"19.
O u tro traço salta aos o lh o s nesse rico d ep oim ento: a com bin ação m ortífera
de m aus-olhados que aprisionou a jo v em hom ossexual, inscrevendo em sua carne
as insígnias do O u tro devassador. A lém do m au-olhado p aterno, ouvim os nessas
palavras de Sid o n ie o poder do m au-olhado m aterno. N a triangulação edípica, a
mãe entra não com seu olh ar apaziguador, seus cuidados am orosos e p ro to -ero -
tizantes, mas co m o mais um O u tro a queimar, a co n g ela r a jo v em . A co n ju n çã o
dessas duas figurações do O u tro con stitu i-se por dem ais poderosa e aniquiladora
para o sujeito.
M ais um olh ar m ortifican te de M edusa se crava em seu corp o, co n g elan d o -o
em um a indevassável frigidez. FJom ossexualidade assexual e frigidez ou, mais
agudam ente, 'repulsa ao sexo' — estam os diante de um paradoxo ou de uma c o n
trad ição em term os? N ão necessariam ente. N o erotism o fem inino, a hom ossexu a
lidade pode ser alternativa para uma sexualidade interditada. N esse sen tid o, ela
tem p ouco de transgressão e m uito de regressão e fixação.
U m m atiz te ó rico , porém , ca b e ser lem brado e reafirm ado aqui: a pulsão é
sem pre parcial e, assim, a genitalidade não é sua realização plena, sua evolução
ou finalidade ideal. Isso é fundam ental para circunscreverm os alguns aspectos da
articulação en tre fem inilidade, sexualidade e hom ossexualidade fem inina. O c o r
po no fem inin o é m últiplo em zonas erógenas, d iferen tem en te do 'gozo idiota',
do g o zo d o próprio órg ão, co m o Lacan caracteriza o g o z o do hom em - cab e
ressaltar o recurso à língua grega subsumido nesse com en tário de Lacan sobre
o g ozo do hom em : ídios significa, dentre outras acep çõ es, aquilo que é próprio,
com um . D a í term os, por exem plo, idioma, ou tam bém , idiota, o ensim esm ado em
to rn o de si próprio.
É essa jo v e m , m ovida ero tica m en te por m ulheres, ao m esm o tem po em que se
furta de um e n co n tro com elas, que vai recobrir, velar a si e a seus o b je to s de am or
sob o véu da b eleza, co m o um segredo indevassável. M ais uma vez trazem os D i-
d ier-W eill para ilum inar a dialética entre velar e desvelar, que tem os associado ao
erotism o, esp ecialm ente à hom ossexualidade fem inina: "o m odo de desvelam ento
da C o isa se subm ete à m aneira co m o seu v elam en to é estruturado"30.
N o caso da jo v em hom ossexual, o velam ento é levado a e fe ito pela via da
privação e da frustração. O pai im aginário priva-a do o b je to in co n scien tem en te
N adiá Ferreira igualm ente põe em evidência a co n trib u içã o de Lacan para a
com preensão, analítica e literária, dessa m odalidade am orosa. T rata-se, sobretudo,
de uma invenção, de uma ficção que co n tém "tudo o que de artifício é necessário
para a invenção de um o b je to "33. S o b essa ó tica , podem os ver de que maneira
Sid o n ie C sillag revela-se, estruturalm ente, co m o uma fiel seguidora de "Eros my-
thóplokos" — a tradução proposta por Jo aqu im Assis Brasil para o ep íteto de Safo é
preciosa,- para o p oeta e tradutor brasileiro, Eros é "tecelã o de m itos"34- , ou seja,
uma seguidora dos artifícios e ró tico s a que se autorizam os poetas, os loucos e os
am antes, co m o bem lem brou W . Shakespeare. Seus o b je to s am orosos são verd a
deiras peças de ficção, co m o é o caso da baronesa V on Puttkam er. "Amar é dar o
que não se tem ..."
Porém , reitero que, no caso da eró tica de Sid onie C sillag , não estam os face
a um tip o de produção estética, seja nos m oldes dos trovad ores m edievais, seja
da criação artística em geral. A pesar de sua longa vida, Sid o n ie não consegue
sustentar uma única relação am orosa ou, m enos ainda, um trab alh o ou uma p ro
307
dução intelectu al, apesar de seus notáveis talentos. O m áxim o que conseg u e fazer,
quando enfim lhe falta d inheiro, é trabalhar co m o - governanta. U m a p osição
servil, co m o conv ém aos p ro to co lo s das relações da co rte e do cortês (a p osição
de servidão na e da qual goza Sid o n ie C sillag é o b je to de um d etalhado estudo
de Je a n A llouch , significativam ente intitulado Sombra de teu cão-, discurso analítico
e discurso lé s b ico 35. Im portante n otar que o título do original francês lim ita-se à
paráfrase de um verso da ca n çã o de Jacq u es Brel - Ombre de ton chien. N ão podem os
deixar de indagar as razões para a transform ação do lesbianism o em discurso e
de seu paralelism o com o discurso an alítico , este sim teorizad o não apenas co m o
uma m odalidade de en lace social mas, sobretudo, a partir de co n c eito s e p osições
bastante precisos na teoria p sicanalítica).
D o am or cortês, ela retém a p o sição servil, m asculina, que se estrutura ju n ta
m ente da invenção h ip erbo licam en te idealizada do o b je to amado. D esse intricado
jo g o e ró tico entre a baronesa - uma cortesã por ex ce lê n cia - e os requisitos do
am or co rtês, realizados com esm ero pela jo v em hom ossexual, vem os uma e n ce n a
ção, com colaturas trágicas, da m áxim a lacaniana da não existência da relação sexual.
Porém , além da afirm ação sobre o d esen con tro en tre os sexos e entre as p osições
na sexuação, resta-nos interrogar, nesse caso, a outra v erten te indicada acim a, qual
seja, a produção estética, em sua vincu lação com a sublim ação. Safo talvez nos dê
um dos m elh ores con trap on tos para discutirm os essa questão.
310
poder dessa figuração, dessa figura m etafórica cham ada G radiva, é ju stam ente sua
transitoriedade: "o principal motif de Gradiva [é] a particular graciosidade da menina,
com seu pé esquerdo em posição perpendicular”41. M ovim ento evanescente - assim
poderíam os parafrasear essa descrição de Freud acerca do fascínio que o fem inino
exerce, de diferentes maneiras, tanto para os hom ens co m o para as mulheres.
N o caso da jo v e m hom ossexual, o acesso não p ro p riam en te ao fem in in o, mas
à e xp eriên cia de sua tran sitoried ad e ficou -lhe interditad a. Ela p erm an eceu , até o
fim de sua vida, id entificad a, co n g elad a no eixo im aginário en tre o a, ao qual foi
reduzida, e o O , no qual tran sform ava seus o b je to s am orosos. U m fim trá g ico ,
porque im utável e im placável, para alguém que ainda nos faz trabalhar, nos fa z
circular, co m o diz L év i-Strau ss42 sob re o papel da m u lher na e co n o m ia de tro cas
sim bólicas da cultura. E sp ecu lativ am en te, podem os e sb o ç a r que, se essa jo v em
tivesse sido aco lh id a por Freud, ou m elh or, re co lh id a por ele, co m o ele pôde
fazer com tantas outras jo v e n s, hom ossexuais ou não, talvez ela pudesse te r ido
além do véu e n co b rid o r das flores e ter fruído e fluído em águas m enos turvas.
Para encerrar essa reflexão, parece-m e op ortu no trazer um con tem p orâneo
do período vitoriano, um período n otavelm ente m arcado pela d en eg ação ou
interd ição da hom ossexualidade. R efiro-m e ao co m p o sito r francês L éo D elibes
(1 8 3 6 -1 8 9 1 ) que, em sua ópera, Lakmé, de 1 8 8 3 , traz um dueto no qual podem os
ouvir, com elo qü ência, co m o as flores podem servir para d izer dessas "coisas que
não existiram nunca, mas acon teceram sem pre".
"O uçam os":
LAKMÉ
Viens, Mallika, les lianes en fleurs
je tten t déjà leur ombre
sur le ruisseau sacré
qui coule, calme et sombre,
éveillé par le chant
des oiseaux tapageurs !
MALLIKA
O h ! maítresse,
c'est l'heure oü je te vois sourire,
1'heure bénie oü je peut lire
dans le coeur toujours fermé
de Lakmé !
DUO
LAKMÉ
D ôm e épais le jasmin
à la rose s'assemble,
rive en fleurs, frais matin,
311
nous appellent ensemble.
Ah ! glissons en suivant
le courrant fuyant
dans Tonde frémissante.
D 'une main nonchalante,
gagnons le bord,
oü Toiseau chante.
D ôm e épais, blanc jasmin
nous appellent ensemble!
MALLIKA
Sous le dôme épais
oü le blanc jasmin
à la rose s'assemble,
sur la rive en fleurs,
riant au matin,
viens, descendons ensemble.
D oucem ent glissons :
de son flot charmant
suivons le courant fuyant
dans l'onde frémissante.
D 'une main nonchalante,
viens, gagnons le bord,
oü la source dort
et 1'oiseau chante.
Sous le dôme épais,
sous le blanc jasmin,
ah ! descendons ensemble !
LAKMÉ
Mais je ne sais quelle crainte subite
s'empare de moi ;
quand mon père va seul
à leur ville maudite,
je trem ble d'éffroi !
MALLIKA
Pour que le dieu G aneça le protège,
ju squ li l'étang oü s'em battent joyeux
les cynges aux ailes de neige,
allons cueillir les lotus bleus.
LAKMÉ
Oui, près des cynges aux ailes de neige,
allons cueillir les lotus bleus...
Porém , nem tudo são flores nos am ores. M as isso fica para um próxim o
capítu lo...
■ Apêndice
dueto das flores
LAKMÉ
Vem, Mallika, os ramos em flor
derramam já sua sombra
sobre o riacho sagrado que corre,
calmo e escuro,
desperto pelo canto dos pássaros em desordem.
MALLIKA
O h, ama!
Essa hora em que te vejo sorrir,
é a hora bendita
em que posso ler
o coração sempre fechado
de Lakmé!
Duo
LAKMÉ
Copa espessa,
o jasmim à rosa se entrelaça,
as margens em flor e o frescor da manhã
nos chamam.
D ocem ente nos deixemos levar
em sua correnteza, na reluzente onda.
Com mão lânguida, vem, alcancem os a margem
onde cantam os pássaros.
A copa espessa
e o branco jasmim
juntos nos chamam!
MALLIKA
Sob a espessa copa,
onde o branco jasmim
se entrelaça à rosa,
nas margens em flor
313
sorrindo para a manhã, venha, vamos descer juntas.
D eslizem os docemente-,
vamos na correnteza fugaz
de sua onda sedutora.
C om mão lânguida, vem, alcancem os a margem,
onde dorme a fonte e o pássaro canta.
Sob a espessa copa,
sob o branco jasmim
Ah, desçamos juntas!
LAKM É
Mas eu não sei que súbito medo
se apodera de m im ;
quando meu pai parte só
para o vilarejo maldito,
eu tremo de medo!
M ALLIKA
Possa o deus Ganeça protegê-lo!
Vamos até o lago,
onde cisnes de asas brancas com o a neve
brincam alegremente.
Vamos colher os lótus azuis.
LAKM É
Sim, próximo aos cisnes de asas cor de neve,
Vamos colher os lótus azuis...
CAPITULO 27
315
sexo por instinto, introduz, aí, amor, erotism o e, aliás, atrapalha-se to d o com isso,
e por aí vai, desvairadam ente. P elo visto, perde o que, de fato, nunca teve em si
m esm o, ou seja, a alm ejada ju sta medida da ação correta. N o entanto, ao assumir
esse ônus, ele faz apelo a um fiador, pede cau ção, am paro, ao O u tro, e é nessa
co n d ição que se faz sujeito — subjectu, do latim , posto debaixo.
O sexual está referido na Psicanálise ao que prom ove o laço entre o su jeito e
o O u tro, diante da situação de prem aturidade que inaugura a vida do anim al h u
m ano. Laço que se efetiva do m odo com o é possível e, nesse co n te x to relacionai,
privilegia o que lhe é disponível, ou seja, o recurso da entrada na linguagem , esse
universo ond e o O u tro está situado. Tal recurso visa p roteg er o sujeito, não só do
desam paro aniquilador, não só de ser tragado p elo N ada, mas tam bém da d im en
são terrificante que, paradoxalm en te, Eros expressa em sua função de, a partir de
dois, fazer um, co m o d escreve, m uito bem , o m ito dos seres esféricos, co n ta d o por
A ristófanes no "Banquete" de P latão2, d en otand o o caráter tam bém letal do amor,
que, nas fantasias infantis, aparece freq u entem ente co m o o m edo de ser devorado
por algum tip o de O u tro terrível.
Assim, na perspectiva da Psicanálise, nessa op eração de entrada do sujeito
na linguagem está im plicado o fu ncionam ento do caldeirão pulsional, que esse
fisgam ento por Eros faz ferver. O que disso se destaca é a dim ensão sexual da lin
guagem , do universo de significantes que intervém atabalhoadam ente n o m undo
hum ano, co m o uma esp écie de órgão de cop ulação.
N essa perspectiva, o sexual, que nos interessa, lo n g e de apontar um o b je to es
p ecífico para satisfazer uma necessidade, indica um cam po no qual a necessidade
ced e ao d esejo e, assim, às idiossincrasias relativas ao m odo co m o cada sujeito se
subjetiva, fazend o-se desejante.
Por aí já dá para ver que, se não há o b je to esp ecífico para a satisfação do d ese
jo , até porque, esse, co m o op erad or do m ovim en to psíquico, resta indestrutível,
sem pre, em certa m edida, insatisfeito, não se pode falar de d oença por co n ta da
escolh a de um o b je to não apropriado. A té porque não existe o b je to apropriado
para o d esejo.
H á sim, escolh as, m elh or ou pior sucedidas, frente ao p o sicio n am en to que foi
possível ao sujeito. E que, então, im plicam m aior ou m en or nível de em baraço na
lida com o d esejo.
O tem a das hom ossexualidades, sejam m asculinas ou fem ininas, en tra nesse
panoram a. Seria um absoluto contrassenso a P sicanálise p ato lo g izar a questão
da e sco lh a de o b je to sexual. O que nela se passa é o question am ento de toda e
qualquer esco lh a sexual h étero ou hom o, dado que, nessa escolh a, encontram -se
elem en to-ch av es do processo de subjetivação.
N o presente trabalho, não focalizarem os propriam ente as hom ossexualidades
masculinas. Aliás, se estam os usando o plural é para enfatizar as inúmeras p o ssi
bilidade que se reúnem no term o 'hom ossexualidade'. T entarem os indicar um viés
316
possível para a investigação das hom ossexualidades fem ininas, a partir do estudo
do fem inino.
As hom ossexualidades m asculinas sem pre foram ruidosas, alvo de m uitos c o
m entários, questionam entos, estudos e m esm o regulam entações, tal co m o pode
ser constatad o desde a G récia A ntiga, sobretudo em sua form a denom inada 'pede-
rastia'. A o con trário, as hom ossexualidades fem ininas sem pre fluíram silenciosas,
mais discretas, pouquíssim o m encionadas, incorporadas, sutilm ente, ao cotid ian o,
co m o se fizessem parte da natureza.
A palavra 'natureza' é realm ente pertinente, no caso, porque é co m o se as h o
m ossexualidades fem ininas tivessem com o ponto de partida a própria relação mãe-
filha e, assim, não causassem o espanto necessário para m otivar sua investigação.
Afinal, o prim eiro am or de toda m ulher seria, em princípio, sua mãe. Assim é com o
se as hom ossexualidades fem ininas fossem carentes de pathos (palavra grega que d e
signa o que causa espanto por se desviar do esperado e, por isso m esm o, despertar
o interesse de estudo). E co m o se passassem, de certa forma, desapercebidas. Além
disso, elas não regem m itos fundadores, sendo o número de trabalhos a elas ded i
cad o infinitam ente m enor do que o destinado às hom ossexualidades masculinas.
E n tretan to , a poesia de Safo (6 0 0 a .C ) não é um d ocu m en to m enor. Essa
m ulher foi tida, por m uitos, co m o a representante da 'am ante das m ulheres', ao
po n to do nom e da ilha grega onde nasceu - ilha de Lesbos - ter m otivado o
term o 'lésbica' - com o qual se designa a form a de relacion am en to hom ossexual
entre m ulheres. Tam bém presentes, ainda que mais raram ente, os term os 'safismo'
e 'sáfico' com partilham dos m esm os sen tid os do term o acim a m encionad o, ainda
que a aludida hom ossexualidade dessa grande p oeta não ten ha se constitu íd o uma
evidência para alguns historiadores. O que curiosam ente se passa é que, em seus
can to s líricos, o hom em está co m p letam en te ausente de seu mundo. A parece,
quando m uito, à m argem , co m o p retend ente de uma de suas protegidas e é o lh a
do com desdém . O hom em só interessa por seu acesso à mulher, o que pode ser
m uito bem notado no poem a Ode a uma amiga noiva, na tradução de M ário da G am a
Kury, abaixo transcrito. D e to d o m odo, o que é fato é que, quanto à hom ossexua
lidade fem inina, os m itos, lendas e fábulas silenciam .
31/
fo g e-m e a fala e log o sob a pele
queim a-m e as carnes um fogo incessante.
Já nada vêem os meus olhos,- surdos
ten h o os ouvidos.
C o m o ressalta W altem b erg Silva, em seu b elo trabalh o Lesbos, uma ilha do con
tinente negro3, tan to na obra de P antel, História das mulheres no Ocidente4, no volum e
destinado à Antiguidade, tal co m o em Mitologia grega5, de Brandão ou no Dicionário
de mitologia grega e romana6, de Cury, não são encontradas nem m esm o alusões à
hom ossexualidade fem inina.
C o m o bem sabem os, não se passa o m esm o com o universo m asculino.
V ey n e7, em "A hom ossexualidade em Rom a", d estacou o quanto im peradores, fi
lósofos, p oetas, e diversas figuras históricas, com o C láudio, H o rácio , D om ician o,
são notadam ente referidos em sua hom ossexualidade. R eferência essa que não é
poupada nem m esm o a m uitos deuses que, em vários m itos, entregam -se a aven
turas hom ossexuais.
P orém , no que tange às m ulheres, m esm o no m ito das A m azonas, relativo a
uma com unidade de m ulheres guerreiras que abom inavam os hom ens, não há
m enção de que m anteriam , entre si, relacionam entos afetivo-sexuais.
A que se deve esse silêncio? Q ual a razão dessa falta de m em ória, inclusive
social, da hom ossexualidade fem inina? Pudor, d iscrição, recalcam en to, ou há aí
algo da natureza do fem inin o tal co m o caracterizad o pela Psicanálise? P arece que
o silên cio quanto ao lesbianism o é parte de um silên cio m uito maior, que participa
do universo fem inino co m o um todo. Ideia da qual participa D en ise Portinari, em
seu livro O discurso da homossexualidade feminínas.
C o m o bem sabem os, a questão ética, para os gregos, não estava referida a
quais d esejos, atos, ou desfrutes alguém se perm itia, mas à força com que se
perm itia. N o que diz respeito ao uso dos prazeres, não existia nada que co n fig u
rasse o leg ítim o, o perm itido ou o norm al, co m o nos ensinou Foucault9. O que
im portava, para os gregos, no sen tid o da avaliação do v alor é tic o de uma ação,
era averiguar se tinha feito bom uso do prazer ou se tinha sido execu tad o com
intem perança, akolasia.
Se o prazer im plica dois atores, o de agen te e o de p acien te, ou o ativo e o
passivo, o p o sicio nam ento 'de valor' é tico , segundo eles, seria o exercid o com
tem perança p o r quem ocupa a p osição ativa. Se, apesar de todas as devidas ressal
318
vas, transpuserm os essa polaridade para a term inologia: sujeito - o b je to , 'sujeitos'
seriam os hom ens adultos e livres, e o b jeto s' de prazer, as m ulheres, os rapazes
sem barba e os escravos'. Assim, o a n tié tico recaia sobre o excesso e a passividade
no cam po dos prazeres, exercidos por um hom em adulto e livre.
Em "Pulsões e seus destinos''10, publicado em 1 9 1 5 , Freud observa que, se do
p o n to de vista an atô m ico é fácil, pela p ercep ção da diferença entre os sexos,
d iferenciar m asculino e fem inino, no cam po psíquico, essa d iferen ciação é bem
mais com plicada. É nesse sentido que, para fazê-lo, ele lança m ão da m etáfora:
ativo e passivo. O m asculino é identificado com a atividade e o fem inin o com a
passividade. E, con tan d o com a dualidade sexual presente em tod os nós, ele falará
dos efeitos da atividade e da passividade tanto em h om ens, quanto em m ulheres.
Fato é que a valorização da atividade, via de expressão do caráter 'viril', inclusive
da tem perança - expressão do dom ínio de si que encontra, desde a Antiguidade
grega, referência fundamental para a cultura ocidental todos os elem entos para
formular por m eio do co n c eito de 'falo' a chave com a qual se tenta capturar a força
da natureza no trabalho de construção da cultura. O u seja, o m onolito figurado
co m o um pênis ereto, representativo da fertilidade inclusive do solo, funciona com o
sím bolo da máxima potên cia vital, sím bolo fálico, em sua expressão mais absoluta.
D essa forma, o ja l o , que tam bém ganha estatuto de c o n c e ito em Psicanálise e
que tem nessa im agem do pênis ereto sua representação im aginária, funcionará
sim bolicam ente enqu anto significante da virilidade, figurando co m o unidade de
m edida de vigor da cultura e de sua capacid ade de engendrar saber. A cultura in
teressa tanto em relação a produzir um saber que faz frutificar o solo ou um saber
que engendra a filosofia. Podem os pensar que o saber relativo às op erações do
phallus é o que diz respeito à força que a natureza em presta ao hom em para que
ele, sob rep on d o-se a ela, passe a criar cultura. O u seja, recrie o m undo, fazendo,
dele m esm o, um criador. D a í ser creditada à criação da cultura a falicidade relativa
à p osição m asculina. Talvez, por isso, a m aioria (senão a totalid ade) das culturas
civilizadas, p elo m enos do O c id e n te , seja patriarcal. D esd e "Totem e T a b u "",
publicado em 1913 por Freud, até o d esenvolvim ento da função do N om e-d o -P ai
em Lacan, podem os ver a função essencial da paternidade na con stitu ição , quer
seja do sujeito, quer seja da cultura.
D essa form a, o sexual, num prim eiro plano identificado ao anim al, ao bestial,
ao natural, estando, assim, desprovido de v alor cultural, por m eio de uma fantás
tica to rção, ganha valorização cultural. Isso se evidencia sobrem aneira, quando
pensam os que veio a servir à Paidéia (p ed agogia), na atividade sexual do adulto
livre com seu discípulo na função de in iciá-lo, transm itir-lhe saber na Antiguidade
grega. Interessante tam bém n otar que o próprio term o 'sem inário', com o qual se
designam atividades de ensino, nas quais o professor espera que o que sem eia,
co m seu saber, frutifique novos en ten d im en to s, nos alunos —, tam bém guarda, em
sua etim ologia, o term o 'sêmem', relativo à fecundação.
319
A cultura hum ana, tecid a pelo fato de que o hom em fala e articula em lingua
gem tudo o que cria, revela-se constitu íd a e con stitu in te do universo da rep resen
tação, universo sim bólico, que é fálico por excelên cia. M as, e a posição fem inina,
o que d izer de sua relação com o saber, de sua relação co m a cultura?
N o trabalho intitulado "A estética trágica do fem inino", que publiquei na c o
letânea A sexualidade na aurora do século XXI12, organizada por Alberti tocand o nessa
questão da relação do fem inino com o saber, questionei13:
Retornarei a alguns pontos dessa questão, que m e parece crucial para pensarm os
o que quer que seja do fem inino, e a hom ossexualidade obviam ente não escapa a
isso. C o m o sabem os, o universo sim bólico é dedicado a traçar distinções,- ele se
estrutura pela con frontação de pares antitéticos, com os quais aprendem os, por
exem plo, o que significa a palavra 'baixo', op ond o-a a 'alto' e, assim, sucessivam ente.
M as tudo se inicia com um trabalho no qual a significação de cada term o é pinçada
a partir de uma indiferenciação originária de sons, que vão se conjugar via os m o
dos de organização artificial construídos pela cultura. Esse esforço de diferenciação
revela uma op eração relativa ao m odo fálico de relação com o saber.
Porém , podem os pensar que existe outra possibilidade de en tend im ento das
coisas, de apreensão do m undo. Talvez posSam os atribuir à posição fem inina o
que exced e a esse cam po d elim itado pela falicidade. O u seja, m algrado o m odo
fálico de operar circunscreva todas as form as trad icionais de constru ção do saber,
pautadas nas op erações sim bólicas, guiadas p elo ex e rcício da d iferenciação, o
saber, no am plo senso, não se restringe a isso. P arece que existem saberes ce rta
m ente de mais difícil transm issão que escapam ao e x e rcício da distinção.
A p o sição fem inina talvez possa ser tom ada tan to co m o um efeito da indife-
ren ciação originária, correlativa talvez à infinitude do real, quanto co m o relativa
a uma suplem entação que se im põe frente às lim itações do universo fálico da
representação. E, dessa form a, há que existir um saber relativo a esse cam po que
exced e. U m saber não norteado pela rep resentação, mas sim pela apresentação
- pelas prim eiras experiências com as coisas. S a b er relativo ao saber-fazer, savoir-
jaire, saber im plicado na ação da vida e transm itido por algo de vivo.
Se no trabalh o ped agógico na G récia A ntiga, a ajrodisia, ou seja, o que é rela ti
vo ao amor, ao prazer e à beleza, deveria servir ao saber, era para que a anim alida
de do que é relativo ao sexual pudesse ser subm etida em prol da cultura. C o m o se
a natureza em prestasse sua força para a criação da cultura. A força viril de subme-
tim en to da natureza em prol da cultura fica com o um trabalh o relativo à posição
m asculina. N essa perspectiva, o am or entre o m estre e o discípulo en con tra todos
os elem entos para sua valorização cultural e social. Já o am or relativo às m ulheres
não poderia en co n trar valor cultural, não poderia nem m esm o ser tem atizad o, já
que está próxim o dem ais da natureza. E, assim, da indistinção, outra razão talvez
pela qual a hom ossexualidade fem inina passe mais desapercebida na cultura.
Penso que, talvez, isso ajude a entender por que a tô n ica da civilização não são
as sociedades m atriarcais. M as é preciso assinalar que nada destitui a posição fem i
nina de sua relação essencial com o saber, ainda que o saber que interesse ao fem ini
no não seja o da A gora, ou da Academ ia, mas sim o savoir-Jaire, que, agindo sub-rep-
ticiam ente, orienta-se pelo Real e é impossível de ser assimilado ao con h ecim en to.
Esse saber guarda uma relação com o que L acan14, no sem inário Mais, ainda, apon
tou com o gozo fem inino, trabalhando com a hipótese da existência de um g ozo O u
tro, não referido ao que pode ser delim itado pelo falo G o z o que se evidenciaria na
experiência mística, que não é senão de indiferenciação com o O utro, numa cópula
celestial, que se daria malgrado o sujeito, apesar dele, e não por sua determ inação,
mas certam ente com sua aquiescência. Aqui, estamos a léguas de distância da inten-
cionalidade da consciência, ou do que quer que seja do universo da representação.
A hip ótese da existên cia desse g o z o não delim itado, indistinto, expressão
máxim a do universo fem inino faz-se necessária frente à in cip iên cia do g ozo fá
lico, e a insuficiência de satisfação que lh e é correlativa. C o m o se, frente à sua
lim itação, algo haveria que existir a mais... É por essa perspectiva que se justifica
que, em term os psicanalíticos, mais im portante do que a existên cia em nós de uma
dualidade de sexos - m asculino e fem inin o - , vigora em nós, uma dualidade de
gozos, configurando em cada sujeito d iferentes possibilidades de acesso à mesma.
H averia, então, o g ozo fálico, essa via pela qual afirmam os a nós m esm os, e
fruímos do sexual. E, um g ozo O u tro , suposto às m ulheres, ou m elhor, à posição
fem inina, freqüentada por hom ens e m ulheres.
N essa perspectiva, a novidade da co n trib u içã o psicanalítica é a co n c ep çã o
do fem inino co m o o que não se co lo c a em o p osição ao m asculino, no jo g o da
antinom ia de um sexo ao outro, mas co m o indicativo de algo que extrapola, en-
co n tra-se aquém e além do d om ínio sexual. A lgo da vida que está fora do sexo
- bors-sexe, co m o Lacan assinalou. E por essa ó tica que afirmam os que, do p onto
de vista rigorosam ente p sican alítico, ou seja, se tom am os o fem inino na novidade
da acep ção que a Psicanálise lhe co n fere, sobretudo a partir de Lacan, falar em
hom ossexualidade fem inina é um con trassenso.
O u seja, o fem inino não está ocupado do sexual. Aliás, 'sexo' vem do latim seca-
re, que significa cortar, repartir, separar, no caso hom ens e m ulheres. O fem inino v i
gora na indistinção, não quer saber de separar. O fem inino está ocupado do amor,
ou seja, do que vem em suplência à insuficiência d ecorrente da satisfação sexual,
que, por m elh or que seja, deixa desejar. O que, inclusive, não é mal. D eixar desejar
é im prescindível para o m ovim ento da vida, mas, certam ente, tem seu custo.
321
P arece mais preciso indicar que toda hom ossexualidade, seja de hom ens ou
de m ulheres, um a vez que está referida à sexualidade, é m asculina, ou seja, regida
pela norm a fálica, quer ocupada de seu elo g io, ou de sua co n testação . Essa norm a
orienta a partilha dos sexos a partir dos diferentes posicion am entos dos sujeitos.
Talvez sejam os mais precisos se disserm os que há dois sentidos da palavra
fem inino, em Psicanálise, que, em bora ten d o relação um com o outro, precisam
ser d iferenciad os. U m , relativo à posição de um sujeito na divisão dos sexos —
masculino/fem inino ou ativo/passivo. O que se dá d ependendo da p osição que
o su jeito ocupa frente ao falo, ou seja, frente a seu p o sicio nam ento viril e ao
g ozo de natureza sexual que lhe é correlativo. E outro, no qual, efetiv am en te, o
fem inino indica o que não está ocupado do phallus, da afirm ação viril, ou do g ozo
sexual, mas sim de um g o z o de outra natureza. G o z o e xtá tico , g ozo do êxtase da
d essubjetivação na com unhão com o Todo, do qual sua expressão mais próxim a
seria o g o zo m ístico.
Situado para aquém e p elo além do dom ínio fálico, o fem inino apresenta-se
co m o o que exced e a esse dom ínio. N ão se jo g a na disputa pela força viril por,
na verdade, vir ao e n co n tro do que, nessa força, é im poten te para atend er as
exigên cias da vida que exced em ao que pode ser delim itado pelo cam po da rep re
sen tação, da linguagem . N em p reciso d izer o quanto esse fem inino está distante
do que quer que seja do fem inism o e de seu poder de fogo.
Ê nesse sen tid o que falar em hom ossexualidade fem inina seria um contrassen-
so. A sexualidade está ocupada do p o sicio n am en to do su jeito, hom em ou mulher,
frente ao falo, quer para n eg á-lo, fingir que ele não existe, quer para enxovalhá-lo,
ou m esm o para, im aginariam ente, apropriar-se dele. D e todos os m odos, é sem
pre viril, m asculina por excelên cia. O fem inino estrito-sen so, na novidade que a
a cep ção psicanalítica lhe con fere, indica outra o rien tação, alheia ao sexual. C o m o
dissem os, revela-se co m o estratégia frente à insuficiência do g o z o sexual, sem pre
viril, na sustentação da existên cia.
Porém , diante disso, é im portante observar que é im possível, a um sujeito,
posicionar-se exclusivam ente do lado fem inino. É isso que faz com que Lacan diga
que "N ão há A m ulher"15, no sentid o de que é im possível a um sujeito posicionar-
se com p letam en te desse lado, sem referência alguma à linguagem ou qualquer
sentido viril.
Tam bém se pode pensar acerca de todas as resistên cias que o fem inino suscita,
já que, indicand o esse universo que se en con tra fora da rep resentação, aponta
uma dim ensão de obscuridade, de enigm a, no qual a referên cia à vida não exclui
a presença da m orte e a força que lhe é correlativa. N esse m esm o sentido, a c o n
cep ção psicanalítica de fem inino pode nos aportar algumas luzes para pensarm os
não apenas as resistências ao fem inin o que vige em cada um de nós e com p arece
nas análises, mas tam bém as resistências ao fem inin o que encon tram , na m isoginia
tão presente na cultura, sua m áxim a expressão.
São realm ente m uitos os desdobram entos que tal c o n c ep çã o pode provocar.
U m deles, de esp ecial im portância, seria fazê-la reverberar na investigação das
particularidades da dim ensão factual da hom ossexualidade de m ulheres, que se
são silenciosas na história da cultura, são, en tretan to , freqüentes e m esm o ruidosas
em nossos con su ltórios de Psicanálise. Q u em sabe, com isso, atrairem os novos
estudos. Estudos que, ultrapassando as questões edípicas im plicadas na entrada da
relação do sujeito co m o sexual, apontem o m odo pelo qual o su jeito opera, ou se
furta de operar, com o que vai aquém e além desse dom ínio.
CAPÍTULO 28
S
tonewall m arca um giro de discurso que acarretou efeito s de linguagem : o
uso do significante 'hom ossexualidade', em lugar de hom ossexualism o, cu jo
sufixo '-ism o' aponta para uma c o n o ta ç ã o p atológ ica. M arca a introdução
do significante g a y na cultura, com toda sua significação de alegria e felicidade
Porém , m arca tam bém outro giro, o giro da p osição de vítima/cúmplice da políci
de N ova Iorque, que surrava os hom ossexuais nesse bar, feio e sujo, para a reação,
a não aceitação da hum ilhação, há 4 0 anos.
C om entarei aqui um trech o do escrito de Lacan "D iretrizes para um C o n
gresso sobre a sexualidade fem inina”1. Esse con g resso foi o Colócjuio Internacional de
Psicanálise, que teve lugar de 5 a 9 de setem bro de 1 9 6 0 , na U niversidade M u n i
cipal de A m sterdam . O te x to é subdividido em dez itens e ju stam en te no últim o
intitulado "A sexualidade fem inina e a sociedade", Lacan levanta questões que
deixou em aberto. C ito 3:
325
N o capítulo V de "Psicologia de las masas y análisis dei yo"3, intitulado "Duas
massas artificiais-. Igreja e exército”, Freud delineia os pressupostos que sustentam os
grupos regidos pela lógica da hom ossexualidade masculina. Por um lado, a identi
ficação imaginária ao líder, no caso da Igreja, a Cristo, que gera uma identificação
lateral igualm ente imaginária aos "irmãos em Cristo". N o exército, a mesma estrutura
com parece sob a roupagem de uma rígida hierarquia. O caráter imaginário desses
vínculos é ressaltado por Freud (espelhism o), que a isso atribui os efeitos entrópicos
do 'pânico', que se instala quando os laços imaginários são ameaçados.
O catarism o, ou a heresia cátara, levava a extrem os essa lóg ica, a um só tem p o
especular e hierárquica. A seita floresceu na Europa ocid en tal, nos séculos X II e
X III. D efen d ia a existên cia de dois princípios, um bom e um mau, e a m atéria era
puro mal. O hom em devia libertar-se das exigên cias de seu corp o m aterial para
entrar em com u n h ão co m D eu s. P or isso existiam regras rígidas de jeju m , in clu in
do a total p ro ib ição de co m er carne,- relacionam entos sexuais eram p roibid os e
uma total renúncia ascética ao m undo era a cond u ta desejável.
Em 1 2 0 8 , uma cruzada invadiu a cidade de Toulouse e m assacrou cátaros e
cató lico s. O rei da França, Luis IX, futuro São Luis, em con lu io com a nascente
Inquisição, capturou, em 1 2 4 4 , a fortaleza de M ontségur, próxim a aos Pirineus,
destruindo a base da hierarquia cátara, instalando o p ân ico entre os irm ãos, que
fugiram em debandada para a Itália.
Três anos depois do tex to citad o, na aula de 5 de ju n h o de 1963 do O Seminário,
livro X-. a angústia, Lacan afirmou, em contrapartida, que a hom ossexualidade, "pri
v ilégio do m acho", é "situada co m o princípio do cim en to social em nossa teoria,
a freudiana"4. Prosseguiu argum entando que "inversam ente, o que cham am os de
hom ossexualidade fem inina talvez ten ha uma grande im portância cultural, mas
nenhum valor de função social", uma vez que se restringe ao cam po da c o n c o r
rência sexual5.
C o m o en ten d er essa aparente contrad ição? Q u e os efeito s en tró p ico s de d e
gradação com unitária estejam na base do cim en to social, que viabiliza a cultura
e a civilização, não são, em si, contrad itó rio s. O próprio Freud, ao situar o am or
fraterno en tre os irm ãos m achos, em disputa pelas fêm eas-o b jeto s, na b ase do
assassinato do pai da horda, revela a distância curta que vai do am or ao ódio
assassino. N o que diz respeito à lóg ica da hom ossexualidade m asculina en tão, o
panoram a é claro: cim en to de base que funda a civ ilização e a cultura, traz, em
seu próprio b o jo , a antinom ia - o ódio, o pânico e a destruição.
É do lado da cham ada hom ossexualidade fem inin a que en con tram os a verd a
deira con trad ição : em 196 0 , Lacan quer situar os "efeitos sociais da hom ossexua
lidade fem inina"6 que, três anos depois, nega que existam . Talvez a resposta esteja
na distinção que Lacan faz, no Sem inário X , en tre a "im portância cultural" e o "va
lor de função social", no que diz respeito à lóg ica da hom ossexualidade fem inina.
As preciosas nos dão disso um valioso testem unho. O p reciosism o surge nos
salões franceses do sécu lo X V II. A França vinha de um períod o de guerras, in
clusive de uma guerra civil, quando surge esse m ovim en to que era, inicialm ente,
uma reação co n tra o com p ortam en to rude e a linguagem grosseira dos nobres
franceses. Esse esp írito de finura e bom tom foi inicialm ente instituído por M m e.
de R am bouillet. Era um m ovim ento com andad o pelas m ulheres. Aos poucos, o
m ovim ento se estend eu para a literatura e para os salões literários. Seu ideal re
vivia o am or cortês. O rom ance Clélia, de M m e. de Scudéry, co n tin h a o fam oso
M apa da Ternura, có d ig o precioso do amor, que descrevia as várias fases e suas
respectivas condutas, das relações am orosas.
O preciosism o foi, sobretudo, um m ovim en to de criação sim bólica. M etáforas
foram criadas para representar as funções corporais. A o co n trário dos cátaros, o
co rp o e suas funções não eram dem onizados, mas deviam ser exaltados por belas
palavras, expressões sublim es. Além da linguagem m etafórica propriam ente dita,
outras linguagens se criaram : o uso do leque e das pintas. O leque, de acordo com
a posição em que fosse co lo ca d o no c o lo da dama, veiculava uma determ inada
mensagem-, 'te quero', 'estou m agoada', 'me procure'. R esta saber com o o cava
lheiro decidia que tal m ensagem era dirigida a ele, e não a outro. O m esm o se
dava com as pintas. E strateg icam ente localizad as no rosto e no co lo , transm itiam
m ensagens variadas, frequentem ente a vários cavalheiros. Tem -se n o tícia de uma
dama que, numa n oite de gala, ostentava mais de 6 0 pintas no seu corp o. N ão é à
to a que M o lière escreveu a com éd ia As preciosas ridículas, em 1659.
Lacan nos diz para não con trastar os efeitos antissociais do catarism o ao eros
da hom ossexualidade fem inina presente no m ovim en to das preciosas. Porém , é
ele próprio que nos ensina, já no Seminário, livro I, que, ao dizerm os o significante
'elefante', já co lo cam o s um elefan te d entro da sala. Q u em nos leva a contrastar
esses efeitos é o próprio Lacan: de um lado tem os o pânico, a debandada, o
m o rticínio , contrapartid a do 'cim en to social' da hom ossexualidade masculina.
D o outro lado, a criação sim bólica fem inina, que m esm o que levada ao ridículo,
ainda produz uma das com édias mais adoráveis de nossa literatura, escrita por um
hom em , não esqueçam os. C reio que o preciosism o revela claram en te a d iferen
ça entre o que Lacan cham a de "im portância cultural" em op osição ao "valor de
função social". A im portância cultural da criação linguageira, m esm o se levada ao
ridículo, das preciosas é inegável, em bora seu valor de função social seja irrisório.-
uma tentativa de d isciplinar o d esejo , m apeand o-o, cata lo g a n d o -o e, no final,
reduzindo-o um m ero jo g o de salão.
Num exem plo mais recen te, que eco a de outro m odo, o m ovim en to das p re
ciosas, tem os o papel exercid o, no en tre guerras de século X X , pelas mulheres
hom ossexuais que sustentaram , às vezes literalm ente, os artistas da cham ada
"geração perdida". A prim eira grande guerra mundial op erou co m o um trauma
para a hum anidade. Freud, em 1 9 1 9 , no tex to sobre as neuroses de guerra, diz
que, ao co n v o car a população civil para lutar no front, instalou-se uma realidade
327
intolerável, que gerou m últiplas m anifestações neuróticas. A Segunda G uerra,
com os cam pos de co n cen tra çã o , estabeleceu o h orror de uma invasão de real
intolerável. Entre essas duas guerras, há, na Europa, esp ecialm ente em Paris, um
florescim ento transbord ante da arte. D os Estados U n id os vieram escritores co m o
H em ingw ay e Fitzgerald,- da Itália veio Modigliani,- da Espanha, Picasso, e tantos
outros gênios das artes em suas m últiplas m anifestações. A expressão "geração per
dida'' foi cunhada por G ertrude S tein , p oeta e rom ancista, num m isto de irritação
e d espeito, pelos artistas que ela tan to ajudou e que, segundo ela, não valorizavam
seus m últiplos talentos.
Porém , com ou sem d espeito, foram essas m ulheres que bancaram os hom ens
dessa perdida e brilhante geração, com prand o suas obras, editando seus livros, ou
m esm o, sim plesm ente, dand o-lhes alim entos quando eles não tinham mais d in h ei
ro para com er. G ertrude Stein , A lice Toklas, Sylvia B each ... O eros da h o m o sse
xualidade fem inina aqui operava de form a diversa. Em que pesem as o b je ç õ e s e
rein vin dicações de G ertrude S tein , essas damas não eram prim ordialm ente artistas
criadoras. Elas eram literalm en te hom ossexuais e sustentavam os hom en s que,
enquanto m ulheres elas não desejavam , mas cu ja arte elas amavam e prom oviam .
N ovam ente aqui, para além das agruras da carne, o privilégio do sim bólico. Trata-
se novam ente da "im portância cultural" versus "valor de função social". A pesar de
todo o esfo rço dessas senhoras, elas não tiveram nenhum a influência nos destinos
da hum anidade, que cam inhava v elozm en te para a Segunda G uerra M undial.
Num a m anifestação mais re ce n te sobre a incid ência do eros da hom ossexu a
lidade fem inina no laço social, tem os a teoria cjueer (cjueer quer dizer estranho,
êxtim o, alheio, porém tem uma co n o ta çã o de insulto, de ofensa. O significante
g a y resgata a alegria, as cores felizes do arco-íris. Queer é a estranheza íntim a,
Unbeimlich). U ltim a flor de Stonewall, ainda não há d istância h istórica que perm ita
avaliar a im portância de sua in cid ên cia na cultura. D iz e r que o m ovim ento cjueer
nega a existên cia da d iferença sexual é sim plificar uma proposta que, na verdade,
m ultiplica as sexualidades, não as encerran d o em classificações. E claro que, por
vezes, produzem -se efeitos cô m ico s, ao estilo das Preciosas ridículas de M o lière,
quando, por exem plo, uma professora doutora, em con g resso recen te, se dirige
à platéia, saudando-os à m oda de M o n iq u e W ittig : "Boa tarde a todos e a todas"
para, em seguida, apresentar um texto lam entável, conserv ad or e mal escrito.
O que importa, entretanto, é que, mais uma vez, é do sim bólico que se trata.
Baseadas em Foucault, essas pensadoras, em sua m aioria professoras universitárias,
desejam uma mudança de linguagem para que se possa repensar a sexualidade e a
sexuação. Ju d ith Butler, M onique W ittig e, no Brasil, Guacira Lopes Louro têm, por
vezes, uma leitura bem ingênua de Freud e de Lacan. T oca-nos com o particularm en
te curiosa a invectiva de W ittig, em seu texto O pensamento hetero, contra Claude Lèvi
-Strauss. C ertam ente não foi Claude Lévi-Strauss que inventou a troca sim bólica das
mulheres e a exigência dos casam entos exogâm icos para fundamentar o laço social.
Talvez um estudo mais cuidadoso dos textos de Freud e de Lacan pudesse
o rien tar uma reflexão mais profunda e m enos rancorosa sobre questões im portan
tes que cercam as id entificações sexuais, seus m odelos enclausuradores, sua lógica
entrópica. Basta lem brar que isso já havia sido denunciado por Freud em 1921.
Q uand o M o n iq u e W ittig d iz7 "As lésbicas não são m ulheres" ela não está livre
da lóg ica fálica e dos significantes que dela decorrem . L ésbica é um significante
to talm ente subm etido ao ter ou não te r o falo e esco lh er co m o o b je to de am or e
d esejo quem tam bém não o tem. Poderíam os talvez aprender m uito com nossas
ridículas antepassadas, que num m eneio do leque e no aplicar de uma pinta, cria
ram uma nova linguagem .
§ p s p p r ;f ,
' CAPITULO 29
331
M ad am e de Sév ig n è to rn o u -se c é le b re pelas cartas prim orosas que escrevia
e co m as quais m anipulava a c o rte francesa do sécu lo X V II, ten d o inclu sive p a
pel relevan te nas d ecisões do Rei Luís X IV de Bourbon (1 6 3 8 - 1 7 1 5 ). As cartas
de Sév ig n è são verd ad eiros relatos dos a co n tecim e n to s im portan tes da c o rte e
tinham a fu nção de inform ar os fatos aos que estavam d istante. N o en ta n to , lo n
ge da narrativa do p ro cesso de N ico la u F ou cqu et, superin ten d ente das finanças
e traid or na co rte do Rei S o l, e da narrativa do grande in cên d io em G u itau t,
essas cartas, em sua m aioria, falam do am or d oloro so e apaixonad o de uma m ãe
por sua filha. N o curso dos 23 anos, tem po de duração da co rresp o n d ên cia,
excetu an d o os m o m en tos em que m ãe e filha estavam ju n tas, a M arqu esa ela é
m arquesa de Sévign è não cesso u de escrever, no ritm o de três a quatro cartas por
sem ana, sob re as angústias de uma paixão avassaladora d esco b erta no m o m en to
em que sua filha se to rn ou m u lher de um hom em . Essa co rresp o n d ên cia tem a
rep u tação de ser parad igm ática dos terro res e angústias que agitam o la ço en tre
mãe e filha.
As cartas - verdadeira m oeda de tro ca pela qual o que se paga com o tribu to ao
am or traz o b en e fício de questionar o lugar da m ulher para ela mesma e para outro
- têm a função de en con trar uma solução para sua dem anda de amor, interrogand o
tanto a veracidade do O u tro do am or quanto o g o z o e o fem inino. M adam e de
Sévignè recusou-se a ocupar o lugar de o b je to da fantasia de um hom em , viveu
cercad a pelas "amigas" e d ed icou à filha um am or tão particular e escandaloso que
podem os to m á-lo co m o um dos paradigmas da hom ossexualidade fem inina.
M arie Rabutin de C h an tal, filha de C lese Bén igne de R abu tin-C h antal e de
M arie de C oulanges, nasceu em 5 de fevereiro de 1 6 2 6 , após a m orte de dois ir
mãos recém -n ato s, um em ju lh o de 1 9 2 4 e outro no in ício de 1925. C o m um ano,
perdeu o pai, m orto em co m b ate, e, aos sete anos, perdeu a mãe, que m orreu com
apenas 30 anos. A pós uma disputa entre as fam ílias paterna e m aterna, M arie R a
butin C h antal foi criada pelós avós m aternos, Philippe e M arie de C oulanges. Ela
já vivia com seus pais, ricos arquitetos, de n ob reza re ce n te, mas renom ados pela
con stru ção da praça R oyale, h o je praça de Vosges5 6, na casa da fam ília m aterna. O s
avós m aternos m orreram quando a pequena órfã tin ha m enos de dez anos. M arie
foi, então, entregue à tutela do tio C h risto p h e de C oulanges, abade da cidade
de Livry. O bserva-se que a prim eira infância de M arie de C h antal é cercad a de
sucessivas m ortes, cuja dor é aplacada pelos carinhos da fam ília m aterna, que a
acolh e, afastando-a do convívio com a fam ília paterna.
Aos 18 anos, M arie de C h antal casou-se com o m arques H enri de Sévignè.
O casam ento foi realizado às 2h da m anhã do dia 4 de agosto de 1644, pois se
acreditava que, realizando a cerim ônia à n oite, seria possível enganar o d iabo, que
trazia a im p otência e a frigidez aos casais. O bserv a-se a preocu pação com o suces
so do casam ento, que, na verdade, fora tratado en tre uma fam ília burguesa rica,
os C oulanges, e uma fam ília que pertencia à n obreza, os Sévignè. D essa união,
nascem duas crianças: Françoise M arguerite (1 0 de outubro de 1 6 4 6 ) e C h arles
(1 2 de m arço de 16 4 8 ).
333
d oloroso, v io len to e devastador, por sua filha, M adam e de G rignan. Françoise,
ao se tornar M adam e de G rignan, passou a ser o o b je to privilegiado e em to rn o
do qual girava a vida am orosa de Sèvignè - que perdeu o interesse pelas íntim as
am igas da co rte . E ntre elas, M adam e L afayette, que a esse respeito se queixa8:
O u bem, com o ob jeto de seu gozo eu não posso sair de você, eu sufoco,
eu me rasgo e te mato para livrar-me, ou bem você me expulsa e sou eu
quem morre. Você não me ama mais, esqueces que eu só posso viver no
infinito de sua doçura.
Em sua vida, a m arquesa é a eterna abandonada: pela m ãe, de quem ela nunca
falou,- pelo pai, a quem se refere co m o um bravo ilustre,- pelos avós, que, após
lutarem por sua guarda, m orrem em seguida,- e pelo m arido, m o rto em defesa de
outra mulher. A separação da filha abre velhas feridas que ela não conseg u e e la b o
rar e escreve.- "Para m im é c o m o se estivesse toda nua, m e despiram de tudo o que
m e parecia amável". O u , ainda: "M inh a dor seria bem m ed íocre se eu a pudesse
descrever e m esm o assim eu não fa ria "".
Alguns historiad ores afirmam que o am or possessivo e avassalador de Sévignè
por sua filha só surgiu quando Françoise M arguerite co m eço u a b rilhar nos bailes
em que dançava. Segund o D u ch ên e, o d esab roch ar da fem inilidade da filha foi,
para Sévignè, agalm ático. Trinta anos depois ela escreverá: "jam ais alguém dançou
co m o Françoise M arguerite. O m undo cum priu seu dever dando à jo v em a d igni
dade do lugar em que eu a tinha c o lo c a d o "12. A m or devorador que im pedia Fran
ço ise de b rilhar nos salões e ocupar o lugar que era de Sévignè, inclusive ju n to ao
Rei. V em os, aqui, a rivalidade cium enta de m ulher para mulher. Se, na infância, a
filha m antinha-se reclusa em casa, agora, na juventude, Sévignè a m antém reclusa
em um am or m ortífero.
As cartas, verdadeiros poem as de d esejo e de espera, tinham a função de fazer
a relação sexual existir, de fazer fracassar o im possível do la ço com o real. Elas
são para a m arquesa um m eio de existir enqu an to mulher, pois, lá onde uma cena
é ocupada pelo grito m aternal, que sustenta a dem anda de presença da filha, em
outra cen a se jo g a a questão do g ozo fem inin o, que lhe escapa. S e, co m o diz La-
can, uma carta ch eg a sem pre ao seu d e s tin o '3 é porque sua função é som ente ter
sido endereçada, enviada, quer dizer, perdida. N ão im porta o con teú d o da carta,
o que perm ite que ela se repita é estar end ereçad a ao o b je to perdido. O sujeito
questiona o O u tro do significante, mas a resposta para Sévignè não vem no nível
da falta-ser e sim q uestionand o o que a faz ser o b je to para o O u tro. S e a carta
é o signo da m ulher porque d etém "o mais singular odor âi jemina"'4, em Sévignè
podem os ler o d esejo in co n scien te de interpelar o O u tro, A mulher que não existe
e que seria o alvo de um g ozo que ela não co n h ece : o g ozo fem inino.
As m ulheres estabelecem com o falo uma relação particular, que se observa na
enunciação de sujeitos na p osição fem inina. Para a mulher, há um desdobram ento
e n tre o que ela é co m o sujeito do d esejo e o que ela é co m o o b je to de am or do
O u tro . Esse parece ser o p o n to obscu ro de Sévign è em relação à filha: o que a
fez existir co m o o b je to para o O u tro m asculino? É preciso aceitar ser o o b je to
do pai, no plano do amor, para aced er ao g ozo sexual, e o pai de Sèvignè, "bravo
guerreiro", e sco lh e a tropa, abandonand o-a, quando m orre em batalha.
E o incubo ideal, im agem d em oníaca do grande O u tro que goza das m ulheres
à n oite e de onde parte o am or que a jo g a no vazio, na falta de resposta possível
do lado de um pai, abrindo o esp aço de um g ozo O u tro que não fálico. S e o g ozo
fem inino é um g ozo em contigu id ad e, com o afirma L a ca n 15, ele é con tíg u o ao
O u tro, lugar de onde a m ulher ama o que nele há de real e experim enta um g ozo
ad jacen te ao significante do O u tro barrado. G o z o que faz Sèvignè rir quando se
refere à v elh ice e ao fracasso de M onsieu r de G rignan, rem etendo às duas vezes
em que ficou viúvo. O riso é a d em onstração da angústia diante do que lhe escapa
e cria uma cum plicidade entre as m ulheres diante do h orror revelado.
N ão se trata apenas da relação en tre uma m ãe e sua filha, mas de um a relação
hom ossexual e apaixonada, na qual o que é visado no O u tro , e que Lacan nom eia
com o a "extim idade", retorna co m o q u estionam ento para o próprio su jeito. O
caráter im perativo da dem anda transparece frequentem ente testem unhando uma
dem anda de signos, ou seja, uma dem anda de nada. Ela escreve: "eu não sei onde
me libertar de v o cê, suas cartas são m inha vida".
M adam e de G rignan foi viver em P rovence e perdeu seu prim eiro filho. M ãe
e filha tiveram seus corpos agredidos, a filha pela perda do b eb ê e a mãe pelo
afastam ento da filha. Aos olh os da mãe, a filha pareceu estar con stan tem en te sob
am eaça de m orte, o que daria fim ao seu amor. M adam e de Sèvignè atravessou
m om en tos de báscula alarm antes, nos quais passou do am or h abitad o pela fe
licidade à vertigem da angústia do desaparecim ento. Foi torturada por um âan
devorador, que se quer eterno e absoluto. C ada b oa n o tícia desencadeiou, nela,
uma onda de lágrim as, com o se se tratasse de um insulto. Ela foi perseguida pela
falta de sua filha, co m o se pode ser pelo d esaparecim ento de um filho que não se
pode enterrar. Ê um am or escrito na e pela ausência,- sua realidade está na carta:
"escrever em detalhes" é o "estilo do afeto". A sua filha, ela dirá: "Ler suas cartas
e lhe escrever são o prim eiro interesse de minha vida"16. Se as cartas não são res
pondidas, ela enlouquece,- a cada carta de sua filha ela é relançada na euforia de
escrever-lh e novas cartas. "Este prazer de escrever é unicam ente por v o cê, pois a
todo o resto do m undo a quem querem os escrever eu não o fiz"17.
Q u e "a letra seja a estrutura essen cialm ente localizad a do significante"19 não
im pede que Lacan observe em que a letra é radicalm ente d iferente do significante.
Ela é mptura, litoral, b ord o do furo entre saber e g ozo. É com a carta-letra (lettre)
que Sévignè goza: escrev er para a filha torna-se um g ozo fechad o em si m esm o e
337
escandalosa deste,- por outro, o esfo rço para excluir os traços paternos constitu i o
aprisionam ento m esm o da filha pela m ãe22.
Separando seus filhos da vida mundana e renunciando a uma vida sexual a ti
va, M adam e de Sèvignè era imune a qualquer escândalo, o que lhe perm itia uma
atuação política e uma posição acim a de qualquer suspeita na sociedade, inclusive
a relação com as 'amigas'. As cartas revelam uma verdadeira guerra entre mãe e
filha, guerra sentim ental de lances latentes, em que a impetuosidade com parece
apenas do lado da senhora extrem osa, que só deixaria de ser aflitivamente mãe se a
filha consentisse numa intim idade à qual não estava disposta, mas que tam bém não
conseguia barrar. As duas m ulheres se com portavam de maneiras diversas: a mãe
era exuberante e brilhante, enquanto a filha era tímida e reservada. À vitalidade da
mãe se op õe uma falta de âan e de d esejo da filha. Segundo D uchêne, "a descrição
de M me Sèvignè e a im possibilidade de conquistar de chofre seriam a origem da
paixão materna''23. Ambas viviam uma relação corpo a corp o inclusive por m eio da
m aternidade. M adam e de G rignan insistia em engravidar seguidam ente, o que nos
perm ite dizer que essas gravidezes teriam a função de separá-la da mãe. N o entanto,
ela perde muitos bebês e som ente vingam aqueles que são paridos na presença de
M adam e de Sèvignè. M adam e de Sèvignè adoece quando é rechaçada pela filha e
esta, por sua vez, tem crises de ciúmes e adoece com o afastam ento da mãe. Q uando
elas se reencontram , a presença da mãe faz com que a filha se assuste e desapareça
sob seus olhos, com o que envenenada e devorada em seu interior24.
D e acord o com as cartas, M adam e de G rignan desejava en con trar um p o n to
de equ ilíbrio entre atender uma mãe to talm en te devotada a ela e ter vida própria,
m antend o-se à distância. A extrem a solicitude de M adam e de Sèvignè provocou
uma terrível angústia em M adam e de G rignan, co m o se pode ler em carta ao
m arido25:
Em ou tra26:
"Essa frase ardente é reproduzida pela prim eira vez na íntegra, aqui," diz o e d i
to r G érard, "pois havia sido alterada e tom ada por todos os editores de m aneira a
o ferecer uma expressão mais normal do am or m aternal"29. O m arido de Françoise
pergunta a um am igo: "que se pode dizer quando se en co n tra em uma das cartas
da sogra a seguinte frase: 'Pense que eu b e ijo de to d o meu co ra çã o p o n to a ponto
sua bela face, seu p e sco ço , colo'?"30.
Em jan eiro de 1676, a relação violen tam en te incestuosa e devastadora é reve
lada por um son h o de Sèvignè, assim relatad o31:
Até as oito horas da manhã depois de ter sonhado com você me parecia
que éramos mais unidas do que nunca e que você estava tão carinhosa,
tão doce e amorosa com igo que me deixava transbordante de amor.
D epois fiquei muito oprimida e triste de ter perdido essa ideia e chorei
de maneira imoderada, tanto que precisei chamar Maria e com água
fria e água da rainha de Hungria recuperar meus olhos, minha cabeça
e meu corpo da horrível opressão que sentia. Isto durou um quarto de
hora, mas posso lhe afirmar que jam ais em toda minha vida havia me
encontrado em tal estado.
340
dividida entre o excessivo am or de sua mãe, ao qual ced e quando está longe do
m arido, e a exig ên cia do marido, a quem faz crer ter se afastado de sua m ãe37.
341
significante N om e-d o -P ai é o que vem significar o lugar do sujeito no d esejo da
m ãe, quando o sintom a aí con stitu íd o não é suficiente para abarcar a co rren te do
instinto m aterno, resta algo de sexual não acessível à análise, ou seja, não cifrado
e que se revela no co rp o a co rp o , en tre mãe e filha38. O lugar do sujeito no O u tro
não é apaziguado pela função paterna, uma vez que o que é visado é o b te r esse
lugar em cu rto -circu ito , sem passar, no d esenrolar ed íp ico, pela prom essa do pai.
A via de acesso ao O u tro incólum e sob a v erten te não fálica só pode ser ou a
destruição od iosa - com o vim os entre Sévign è e Françoise - , ou a loucura, ambas
igualm ente nefastas.
Se a falta de um significante que diga A mulher é, em parte, tam ponada pelo
significante N om e-d o -P ai, neste caso a hiân cia no O u tro ficou mais exposta para
am bas. A tentativa de procurar uma resposta no co rp o de outra m ulher leva à d e
vastação aniquilante que observam os por m eio das cartas. Sévignè parece querer
raptar o co rp o da filha, im pedind o-a de ser uma m ulher para um hom em .
N o seio da relação m ãe-filha existe a im agem de um corp o de m ulher d es
lum brante, por ser desejável. Isso se pode con statar pelo en can tam en to que toda
m enina sente por sua mãe no in ício da vida. A mãe linda, de quem se quer a pala
vra, os adornos e o corp o guardam a im agem de um co rp o brilhante, que prom ete
um g ozo d esco n h ecid o e avassalador. O que cham a a aten ção, no caso Sévignè,
é a paixão sexual e avassaladora que a m arquesa nutre pela filha não se furtando a
vivê-la no real do corpo.
342
Entrevista à Revista CLAM* do Instituto
de Medicina Social da UERJ
Antonio Quinet
Marco Antonio Coutinho Jorge
* O C e n tro L atin o -A m erican o em Sexualidade e D ire ito s H um anos (C LA M /IM S/U ERJ) - w ebsite www.
cla m .o rg .b r - tem co m o finalidade principal produzir, organizar e difundir co n h e cim e n to s sobre a sexu
alidade na perspectiva dos direitos hum anos, bu scan do, assim , co n tribu ir para a dim inuição das desigual
dades de gên ero e para o fortalecim en to da luta co n tra a discrim inação das m inorias sexuais na região.
343
hom o ou heterossexual, e propõe o c o n c e ito de bissexualidade estrutural para
to d o ser hum ano. Para a Psicanálise, assim co m o a hom ossexualidade, o in teres
se exclusivo de um hom em por uma m ulher tam bém m erece esclarecim en to. A
investigação psicanalítica, diz Freud, em seu tex to prem iado sobre Leonardo da
V in ci, o p õe-se à tentativa de separar os hom ossexuais dos outros seres hum anos
co m o um "grupo de índole singular", pois "todos os seres hum anos são capazes
de fazer uma esco lh a de o b je to hom ossexual e que de fato a consum aram no
incon scien te". O com p lexo de Édipo, que cai no esqu ecim ento do In con scien te,
com porta, tam bém , a ligação libidinal do filho para com o pai e da m enina para
com a m ãe, além das ligações do filho com a m ãe e da filha com o pai. Assim,
o núm ero de hom ossexuais que se proclam am co m o tais, diz Freud, "não é nada
em com paração com os hom ossexuais latentes". H á uma diversidade enorm e na
hom ossexualidade, tanto na praticada quanto na laten te e sublimada. D evem os
falar, portanto, de "hom ossexualidades", no plural, co m o está no títu lo de nosso
colóq u io.
A questão das identidades sexuais é com plexa. O term o "identidade" não é
um term o psicanalítico. N ão é um co n c e ito com o qual o psicanalista opera. Este
lida com as identificações do sujeito que, co m o sujeito da linguagem , é dividido
(sem pre en tre dois significantes) por estrutura. N ão há “g a y em análise" (título
de um con gresso de psicanalistas realizado na França), e sim sujeito de d esejo,
sujeito do in co n scien te, cu ja unicidade é falaciosam ente suposta por m eio de suas
identificações. A identificação a um grupo, ou a um nom e (ou a um significante
definidor desse grupo) e, até m esm o, dirá Lacan, ao "hom em " e à "m ulher", não
define absolutam ente o sujeito. E, m uito m enos, sua esco lh a de o b je to , ou sua
orien tação sexual. Freud, com o ele m esm o o diz, está mais próxim o dos gregos
da A ntiguidade, que valorizavam mais a pulsão do que seu o b je to . Ao radicalizar
a separação, operada por Freud, da posição sexuada em relação à anatom ia, La
can propõe form as distintas de g o z o : o g ozo fálico , que é o sexual propriam ente
dito, para hom ens e m ulheres qualificado de "m asculino" e um g ozo para-além do
falo, o "go zo fem inino", que ultrapassa o sexo e até m esm o a linguagem . Em suas
"fórmulas da sexuação", Lacan situa, por exem plo, as m ulheres histéricas do lado
m asculino, e do lado fem inino to d o aquele que se en con tra no lugar de o b je to de
d esejo, sem que isso correspond a a uma definição de gênero. N esse sentido, sub
verte to talm en te a questão da "identidade", dos grupos, redutos e guetos. O que
não quer dizer que, em term os de estratégia p o lítica, o tem a de identidade não
tenha sua utilidade. M as sem que o sujeito se engane sobre essa suposta definição
de sua "identidade" singular.
H S — Q ual o alcance atual da despatologização da homossexualidade promovida no campo
psi desde há mais de 30 anos? Quais empecilhos ela ainda encontra?
A Q - A o responder a uma m ãe preocupada com a hom ossexualidade do filho,
Freud, em 1935, aponta que esta não é nenhum a desvantagem , nem tam pouco
344
tnxrevisia a m isia ulam
uma vantagem , "ela não é m otivo de vergonha, não é uma degradação, não é um
v ício e não pode ser considerada uma doença". Apesar dessa ind icação de Freud
em 1935 - o qual, cin co anos antes, assinara uma p etição a favor da descrim i-
nalização da hom ossexualidade - , só em 1973 a American Psychiatric Association
(APA) deixou de consid erar a hom ossexualidade co m o d oen ça. E isso depois que
345
se en con tra na d ep end ência de co m o o sujeito lida com a sua própria. Q u an to
mais ele a rejeita em si m esm o, m enos saberá lidar com ela, podendo fazer desse
outro um o b je to de ód io, de agressões e até de assassinato. O d esejo pelo outro,
ao ser recusado, pode se tran sform ar em ódio. D a h om ofo bia ao h om oterrorism o
é um passo. U m pouco mais de análise não faria nada mal a esse analistas!
M a rco A n to n io C o u tin h o Jo rg e - Por incrível que pareça, os psicanalistas
talvez tenham sido os que mais reagiram a essa d espatologização - e ainda rea
gem h o je bastante a ela. H aja vista a querela sobre a hom oparentalidade ocorrida
na França, há alguns anos, que opôs dois grupos de psicanalistas: de um lado,
E lisabeth R ou dinesco e Sab in e Prokhoris, entre outros, defenderam a legalização
da ad oção de crianças por casais hom ossexuais e recon h eceram o d esejo deles
de filiação co m o plenam ente legítimo,- de outro, Jean -P ierre W in ter e C h arles
M elm an, entre outros, opunham -se a isso e usavam a teoria psicanalítica co m o ar
gum ento para sustentar suas posições altam ente conservadoras. E im pressionante
ver psicanalistas lacanianos assumirem posturas tão conservadoras e malsãs, co n d i
zentes com as op iniões m enos esclarecid as da população. O s psicanalistas, quando
se trata de hom ossexualidade, tornam -se frequentem ente religiosos, no sentido
de que pregam uma versão única da verdade para todos. O ra, nós sabem os que a
singularidade do d esejo do su jeito é a m ola m estra da ética da Psicanálise, tal co m o
sustentada por Lacan, de m odo que qualquer ideal de norm ativização do pensa
m ento ou do com p ortam en to deve ser considerada antifreudiana e antilacaniana.
H S — Quais as definições ou usos atuais da categoria "perversão", se não associada à ideia de
desvio do desejo sexual considerado mais legítimo ou sadio?
M A C J - A hom ossexualidade não é uma perversão, porque a n o çã o de per
versão im plica, antes de mais nada, que haja uma versão correta! E digno de nota
que a hom ossexualidade foi considerada, origin alm ente, uma inversão, antes de
ser tratada co m o uma perversão. A inversão significa que algo está to talm en te de
ca b eça para b aixo. V ê-se que, de fato, trata-se sem pre de crer na existên cia de
uma versão norm al e con form e da sexualidade. Esta não é a m inha c o n cep çã o
nem acred ito que seja a de Freud. Porque a hom ossexualidade é, no fundo, uma
subversão radical. M ais essen cialm ente ainda, con sid ero que a hom ossexualidade
é, na verdade, a revelação da subversão inerente à sexualidade humana, que não se
subordina a nenhum ideal. Se não há in scrição da diferença sexual no in co n scien
te, com o dem onstraram Freud e Lacan, cada su jeito construirá uma sexualidade -
hom o, h é te ro ou bi — absolutam ente legítim a. Pois não ca b e a ninguém autorizar
a sexualidade de ninguém . Isso sim seria perversão, querer tom ar-se pelo O u tro e
querer fazer a Lei para o d esejo do O u tro. N ada mais distante da Psicanálise do
que isso.
A Q - A pesar do term o "perversão" estar articulado h istoricam en te a "desvio da
norm a" sexual e à noção de perversidade e periculosidade, a Psicanálise o utiliza
de m aneira bem diferente. Em prim eiro lugar, Freud generaliza a perversão: a se
eiurcvisia a nevisra ilhm
xualidade é não só perversa, mas "polim orfo-perversa", pois a sexualidade adm ite
toda a variação possível, sendo seu o b je tiv o un icam ente a satisfação pulsional.
A co n ex ão da sexualidade com a reprodução é um dado cien tífico -relig io so que
o sexo d esco n h ece. P or outro lado, perversão é uma das "estruturas clínicas", ao
lado da neurose e da psicose. N ão é mais p ato ló g ica do que as outras. São três
uu h isu íuiu
m odos de se lidar co m a castração sim bólica, ou m elhor, três m eios de negá-la,
pois ela, tanto para o hom em quanto para a mulher, gera angústia e am eaça. Para
a Psicanálise, um hom ossexual pode ser n eu rótico (h istérico , obsessivo ou fó b ico ),
34/
bissexualidade - "desrecalcar" a heterossexualidade laten te. N ão c o n h e ç o nenhum
analista que ten h a tentad o fazer o contrário. O uvi tam bém relatos de pacientes
cu jos analistas queriam fazer o sujeito m asculino ter relações com m ulheres para
"perder o m edo do ou tro sexo" e "afrontar a castração". E, até m esm o, m áxim o do
cinism o, ouvi um caso em que o analista tentou ensinar o sujeito a fazer sexo oral
com uma mulher. Q u and o o analisante não sai dessa análise, os resultados podem
ser catastróficos, indo até, por exem plo, a produção de um quadro deliroide, co m o
já tive a oportunidade de observar. Essa cond u ções de análise por esses analistas
causam o d escréd ito da Psicanálise, im pedindo que aquele sujeito se b en eficie
da análise para ultrapassar suas reais dificuldades. Q u an to à form ação analítica,
não há uma regra escrita, que eu co n h eça , em nenhum a Socied ad e ou E scola de
Psicanálise, que im peça hom ossexuais de entrarem numa form ação, mas o b o ic o te
se dá ainda em m uitos lugares, por m eio de diversos p roced im en tos, que vão da
co a ção a im pedim entos até a indiferença na instituição.
H S — Quais matizes é possível perceber, na produção psicanalítica atual, a respeito da abor
dagem das homossexualidades e do Que écham ado de perversão?
M A C J - H á diferentes versões sobre a hom ossexualidade e sobre a perversão
na Psicanálise. N esse sentido, nosso co ló q u io poderia ter se intitulado igualm ente
"As hom ossexualidades e as Psicanálises": pode-se dizer que existem tantas ver
sões sobre a hom ossexualidade e a perversão quantas Psicanálises. M as, de uma
form a geral, acred ito que há um p onto de resistência crucial dentro da própria
Psicanálise em relação a despatologizar, de fato, a hom ossexualidade. Trata-se de
um p onto op aco, resistencial, que co n cern e a m eu ver a uma resistência à própria
co n c e p çã o psicanalítica da sexualidade co m o um to d o e não apenas à h om osse
xualidade. H á uma resistência fundam ental em aceitar a c o n cep çã o freudiana da
sexualidade, francam ente desvinculada dos ideais da ciên cia e da religião. E por
m eio destas que a m aior resistência se produz d entro da Psicanálise. H á um fundo
de religiosidade que faz com que os psicanalistas possam , às vezes, infelizm ente,
unir-se ao senso com um , para o qual é preciso dar um sen tid o unívoco à vida e,
logo, à sexualidade. Q u anto à religião, a m inha h ip ótese é a seguinte: a igreja c a
tó lica produziu um golpe de m estre ao con d en ar a hom ossexualidade por um lado
e produzir, por outro, a segregação dos sexos no convívio entre seus religiosos.
O resultado foi uma única e atraente m ensagem : quem quiser vivenciar sua h o
m ossexualidade, vinde até nós! A força da igreja ca tó lica certam en te dependeu da
força de sua con v ocató ria dirigida aos hom ossexuais e, se ela h o je está d ecad ente,
acred ito que isso se deu em co n co m itâ n cia à a ceita çã o da hom ossexualidade pela
cultura ocid en tal. N ão é mais necessário ser padre ou freira para viver sua h o m o s
sexualidade. O in ício da d ecad ên cia da Igreja ca tó lica se deu m uito próxim o à
revolta de Stonewall, em 1969.
348
Notas
349
18. FREU D , S. As pulsões e suas vicissitudes. In: FREUD , S. Edição standard brasileira das obras
completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 128.
19. LA C A N , J. O seminário, livro 20: mais, ainda. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,- 1985. p. 69.
20. JO R G E , M .A .C . Fundamentos da psicanálise de Freud a Lacan —v.2: a clínica da fantasia. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar,- 2 0 1 0 . p. 36 ss.
21. Conform e nossa análise com pleta do filme. Para mais, ver JO R G E, M .A .C. Fundamentos da
psicanálise de Freud a Lacan - v.2: a clínica da fantasia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,- 2 0 10. p.
36 ss.
22. Lacan fala a esse propósito de "re-petição indefinidamente enumerável da demanda" e da
re-petição com o "transfinito da demanda". Para mais, ver LACAN , J. O aturdito (1 9 7 2 ).
In: LAC AN , J. Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,- 2 0 0 3 . p. 4 8 7 -4 9 5 .
23. LAC AN , J. O aturdito (1 9 7 2 ). In: LACAN , J. Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,-
2003.
24. SO LER, C. O cfue Lacan dizia das mulheres. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,- 2 0 0 5 . p. 2 0 9 .
25. M O R EL, G. Ambiguités sexuelles - sexuation et psychose. Paris: Anthropos,- 2 0 0 4 . p. 19.
26. O psicanalista W aldem ar Zusman, da A ssociação Psicanalítica Internacional, num artigo
publicado na imprensa, coloca esse ditado em epígrafe, revelando claram ente que prefere
associar seu discurso aos preconceitos populares do que pensar com Freud a lógica da
sexualidade. Voltaremos a ele adiante
27. U m saboroso repertório de term os regionais brasileiros que associam o sexo a animais
pode ser encontrado em ARARIPE, M. Linguagem sobre o sexo no Brasil. Rio de Janeiro:
Lucerna,- 1999.
28. FEREN CZ1, S. A little chanticleer. In: FEREN CZ1, S. First contributíons to psycho-analysis.
London: T h e H ogarth Press,- 1952. pp. 2 4 0 -2 5 2 .
29. SA N D FO R D , B. A patient and her cats. The Psychoanalytic Forum. Los Angeles.- Psychiatric
Research Foundation, p. 1 6 9 -1 7 6 , 1976.
30. FREU D , S. Diário de Sigmund Freud [ Í929-Í9 3 9 ) - crônicas breves. Porto Alegre: Artes
Médicas,- 2 0 0 0 . p. 354.
3 1. Q uando Lacan profere seu seminário sobre Os cjuatro conceitos fundamentais da psicanálise em
1964, seu objetivo maior foi retom ar as categorias conceituais freudianas fundamentais,
de m odo a restaurar a base ética da doutrina psicanalítica.
32. LACAN , J. Le séminaire, livre 23: le sinthome (1 9 7 6 ). Paris: Seuil,- 2 0 0 5 . p. 121.
33. LA C A N , J. Função e cam po da fala e da linguagem na psicanálise. In: LACAN , J. Escritos
(1 9 5 3 ). Rio de Janeiro: Jorge Zahar,- 1998. p. 264.
34. idem, p. 61 3 .
35. LAC AN , J. D o Trieb' de Freud e do desejo do psicanalista. In-, Escritos (1 9 6 6 ). Rio de
Janeiro: Jorge Zahar,- 1998. p. 865.
36. H ALE Jr., N .G . The rise and crisis o f psychoanalysis in the United States - Freud and the
Americans 1 9 1 7 -1 9 8 5 . N ew York: Oxford,- 1995. p. 298.
37. Conform e o título da obra de Freud, no qual ele introduz esse corte na divisão clássica
entre normal e patológico, a partir da noção de sobredeterm inação inconsciente: A
psicopatologia da vida cotidiana. O ra, com o algo pode ser patológico e cotidiano ao mesmo
tempo? O u tudo passa a ser patológico ou nada o é. Por isso, Lacan chegou a afirmar que
o inconsciente é a verdadeira doença mental do hom em.
38. G ERSH M A N , H . H om osexuality and some aspects of creativity. The American Journal of
Psychoanalysis. A Symposium: Psychoanalysis as C reative process - part II, New York, v.
XXIV, n. 1, p. 34, 1964.
39. FR EU D , S. "Moral sexual 'civilizada' e doença nervosa moderna". AE, v.IX, p. 170,- ESB,
v.IX. p .195.
40. G ERSH M A N , H . H om osexuality and some aspects of creativity. The American Journal o f
Psychoanalysis. A Symposium: Psychoanalysis as C reative process - part II, N ew York, v.
XXIV, n. 1, p. 34, 1964. p. 31.
41. idem, pp. 3 4 -3 5 .
42. idem, p. 35.
350
43. BIEBER, I. H om osexuality and some aspects of creativity. The American Journal o f
Psychoanalysis. A Symposium: Psychoanalysis a í Creative process - part II, v. XXIV, n. 1, p. 38,
1964.
44. M USATTI, C. Quem tem medo do lobo mau? São Paulo: Melhoramentos,- 1989. p. 102.
45. Z U S M A N , W. Breve anatomia da homossexualidade. Jornal O Globo, p. 7, 1997.
46. FREU D , 1920. p. 2 10.
47. SA FO U A N , M . Le langage orâinaire et Ia différence sexuelle. Paris: O dile Jacob,- 2 0 0 9 . pp. 4 0 -4 1 .
48. POM M IER, G. A neurose infantil da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,- 1992.
4 9. H A LE Jr., N .G . The rise and crisis of psychoanalysis in the United States - Freud and the
Americans 1 9 1 7 -1 9 8 5 . N ew York: Oxford,- 1995. p. 224.
50. VIDAL, G. Prefácio. In: KATZ, J.N . A invenção da heterossexualidade. Rio de Janeiro:
Ediouro,- 1996. p. 7.
51. D R ESCH ER, 2 0 0 6 .
52. Psicanalista de N ova Iorque que nos enviou seus artigos para os trabalhos preparatórios
de nosso colóquio "As homossexualidades na psicanálise - por ocasião dos 4 0 anos de
Stonewall".
5 3. M ARM O R, J. A inversão sexual - as múltiplas raízes da homossexualidade. Rio de Janeiro:
Imago,- 1973.
5 4. Ele organizou uma obra importante em 1965, chamada A inversão sexual, na qual
confrontava diferentes opiniões, inclusive aquelas com as quais discordava, com o intuito
de trazer à baila a questão da homossexualidade. Para ele, o estatuto do diagnóstico de
homossexualidade não era médico, mas sim moral.
55. SZA SZ, T. A fabricação da loucura. Rio de Janeiro: Zahar,- 1978.
56. RINALDI, D. A ética da diferença. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,- 1996.
57. SZA SZ, T. A fabricação da loucura. Rio de Janeiro: Zahar,- 1978. p. 296.
58. LACAN , J. O seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio
de Janeiro: Jo rg e Zahar, 1998. p. 260.
59. LAC AN , Jacques. O seminário, livro 7: a ética da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge
Z ah ar,1991. p .35.
60. idem, p. 35.
61. LACAN , Jacques. Televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993, p .32.
6 2. JO R G E , M .A .C . Fundamentos da psicanálise de Freud a Lacan - v.2: a clínica da fantasia. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar,- 2 010.
63. LACAN , J. p. 125, tradução modificada pelos autores.
6 4. idem, p. 105 ss.
65. FREU D , S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1 9 0 5 ). In: Edição standard brasileira
das obras completas de Sitjmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
66. idem, p. 507.
351
9. M ARTINS, M . Práticas sexuais ditas desviantes: perversão ou direito à diferença? Revista
Terapia Sexual - Clínica - Pesquisa e Aspectos Psicossocias, v. VI, p. 3 4-52, 2003.
10. Chengis Khan's C ode published in bilingual edition, 2 0 0 7 . Disponível em: http://www.
china.org.cn/english/M A TER IA L/222618.htm
11. M O R G A N , K. H om osexuality and psychopolitics: an historical overview. Review oj
Psychotherapy, v. 30, Spring 1993, p. 1 3 3-139.
12. M E N D EL SO N , G. H om osexuality and psychiatric nosology. Australian and New Zelanâ
Journal o f Psycbiatry, v. 37, p. 6 7 8 -6 8 3 , 2 003.
13. idem.
14. LEITE JR, J. Das maravilhas e prodígios sexuais■
. a pornografia bizarra com o entretenim ento.
São Paulo: Annablume,- 2 0 0 6 . p. 242.
15. SH O RTER , E. A history o f psycbiatry: from the era of the asylum to the age of prozac.
N ew York: Wiley,- 1997.
16. GRIESINGER, W. Arquivo Alemão de Psiquiatria e D oenças Nervosas.
17. SH O RTER, E. A history of psycbiatry: from the era of the asylum to the age of prozac. New
York: Wiley,- 1997. p. 83.
18. K EN N ED Y, H . KarI Heinrich Ulrichs.- flrst theorist of homosexuality. In: RO SÁRIO, V.
(editor). Science and homosexualities. New York: Routledge,- 1997.
19. idem.
20. idem.
21. idem.
22. M E N D EL SO N , G. H om osexuality and psychiatric nosology. Australian and New Zeland
Journal o f Psycbiatry, v. 37, p. 6 7 8 -6 8 3 , 2 003.
23. idem.
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25. FREU D , S. Fluctuat N ec mergitur (1 9 1 4 ). In: FREU D , S. O bras completas. Rio de Janeiro:
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26. H U T T E R , j. Ricbard t>on Kraffi-Ebing. ln : L A U T M A N N , R. (editor). Homosexualitãt.
JJandbuch der tbeorie und forscbunpgeschichte. Frankfurt/New York: Campus Verlag,- 1993. pp.
4 8 -5 4 .
27. idem.
28. M E N D EL SO N , G. H om osexuality and psychiatric nosology. Australian and New Zeland
Journal o f Psycbiatry, v. 37, p. 6 7 8 -6 8 3 , 2003.
29. FREU D , S. Um a nota sobre a pré-história da técnica de análise (1 9 2 0 ). In: FREU D , S,
Obras completas. Rio de Janeiro.- Imago, 1976. vol. XVIII.
30. SH O R TER , E, A bistory of psycbiatry: from the era of the asylum to the age of prozac.
N ew York: Wiley,- 1997.
31. FREU D , S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1 9 0 5 ). In: FREUD , S. Obras
completas. Rio de Janeiro: Imago, 1976. vol. VII.
32. idem.
33. idem, p. 1 32.
34. M E N D EL SO N , G. H om osexuality and psychiatric nosology. Australian and New Zeland
Journal o f Psycbiatry, v. 37, p. 6 7 8 -6 8 3 , 2 003.
35. FREU D , S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1 9 0 5 ). In: FREU D , S. Obras
completas. Rio de Janeiro: Imago, 1976. vol. VII. p. 132.
36. CEC C A R ELLI, P. A Invenção da Homossexualidade. Revista Bagoas, v. 2, p. 71 -93, 2 008.
37. LEW IS, K. The psycboanalytic theory o f man homosexuality. N ew York.- Simon and Schuster,-
1 988. p. 33.
38. JO N E S , E. Vida e obra de Sigmund Freud. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1979. p. 739.
39. FREUD , S. Fluctuat N ec mergitur (1 9 1 4 ). In: FREU D , S. Obras completas. Rio de Janeiro:
Imago, 1969. vol. XIV. p. 31.
352
40. C ECC A R ELLI, R A Invenção da Homossexualidade. Revista Bagoas, v. 2, p. 7 1 -9 3 , 2 0 0 8 .
41. M EN D EL SO N , G. H om osexuality and psychiatric nosology. Australian and New Zeland
Journal o f Psychiatry, v. 37, p. 6 7 8 -6 8 3 , 2 0 0 3 . Ver página 681.
42. idem, ver página 68 2 .
43. LA U REN TI, R. Homossexualismo e a Classificação Internacional de D oenças. Revista de
Saúde Pública, v. 18, Editorial, 1984.
44. KIRBY, M . T h e 1973 deletion of hom osexuality as a psychiatric disorder. American Journal
of Psychiatry, v. 130, p. 1 2 0 7 -1 2 1 6 , 1973.
45. KINSEY, A .C . et al. Sexual behavior in the human male. American Journal o f Psychiatry, v.
130, p. 1 2 0 7 -1 2 1 6 , 1973. Ver página 639.
46. M EN D EL SO N , G. H om osexuality and psychiatric nosology. Australian and New Zeland
Journal o f Psychiatry, v. 37, p. 6 7 8 -6 8 3 , 2 0 0 3 .
47. D RESCH ER , J. A history of homosexuality and organized psychoanalysis. Journal o f tbe
American Academy o f Psychoanalysis and Dinamic Psychiatry, v. 36, p. 4 4 3 -4 6 0 , 2 008.
48. KIRBY, M . T h e 1973 deletion of hom osexuality as a Psychiatric disorder. American Journal
o f Psychiatry, v. 130, p. 1 2 0 7 -1 2 1 6 , 1973.
49. D RESCH ER , J. A history of homosexuality and organized psychoanalysis. Journal o f the
American Academy o f Psychoanalysis and Dinamic Psychiatry, v. 36, p. 4 4 3 -4 6 0 , 2 008.
50. KINSEY, A .C . et al. Sexual behavior in the human male. American Journal o f Psychiatry, v.
130, p. 1 2 0 7 -1 2 1 6 , 1973.
51. D R ESC H ER, J. A history of hom osexuality and organized psychoanalysis. Journal o f the
American Academy of Psychoanalysis and Dinamic Psychiatry, v. 36, p. 4 4 3 -4 6 0 , 2 0 08.
52. BAYER R. H om osexuality and American psychiatry. N ew Jersey: Princeton University
Press,• 1987.
53. D RESCH ER , J. A history of hom osexuality and organized psychoanalysis. Journal o f the
American Academy o f Psychoanalysis and Dinamic Psychiatry, v. 36, p, 4 4 3 -4 6 0 , 2 0 08.
54. BAYER, R. Homosexuality and American psychiatry. New Jersey: Princeton University Press,-
1987.
55. M E N D EL SO N , G. H om osexuality and psychiatric nosology. Australian and New Zeland
Journal o f Psychiatry, v. 37, p. 6 7 8 -6 8 3 , 2 003.
56. LA U R EN TI, R. Hom ossexualismo e a Classificação Internacional de D oenças. Revista de
Saúde Pública, v. 18, Editorial, 1984.
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353
■ Capítulo 3. A história da homossexualidade e a Psicanálise
organizada
1. Este capítulo foi modificado a partir da Palestra Presidencial apresentada no 50o
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8. U lrichs, com o Freud, utilizou-se da m itologia grega para suas fontes etim ológicas. Sua
term inologia derivou de um discurso do Symposium de Platão, que contou da mais velha
Afrodite, filha do U rano massacrado, que nasceu dos restos do corpo desmembrado
de seu pai. Porque ela não tinha mãe e seu nascim ento não envolvia uma participação
feminina, a Afrodite Uraniana, de acordo com Platão, inspirou o am or do hom em pelo
homem e da mulher pela mulher. O s heterossexuais, nessa nosologia, são dionings -
descendentes de Zeus e da mortal Dione.
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4 8. Essa perspectiva ganhou ímpeto gradualmente. Em 1973, o com portam ento homossexual'
era ilegal na m aior parte dos Estados Unidos. Em 2 0 0 3 , quando três quartos dos Estados
já haviam revogado suas leis con tra a sodom ia, a Suprema C o rte dos Estados Unidos
determinou (6 -3 ) em Lawrence e Garner v. Texas derrubar as restantes. O casam ento entre
pessoas do mesmo sexo é agora uma opção para os gays na Bélgica, Canadá, Holanda,
N oruega, África do Sul, Espanha e, nos Estados Unidos, nos Estados da Califórnia
355
e do Massachusetts. O Estado de N ova York reconhecerá casam entos homossexuais
legalmente realizados em outros países e Estados. A união civil entre pessoas do mesmo
sexo está disponível na Argentina (Buenos Aires), República C heca, Dinamarca, Finlândia,
França, Alemanha, Grã-Bretanha, Groenlândia, F-lungria, Islândia, M éxico (Cidade do
M éxico), Suécia, Suíça, Uruguai e, nos Estados Unidos, nos Estados de C onnecticut,
N ew F-Iampshire, N ew Jersey e Verm ont (http://w ww .marriageequality.org/m eusa/
index.shtml). Em Maine, Havaí, O regon e Washington o Estado oferece benefícios aos
parceiros que vivem juntos. New Jersey, Vermont e Suécia estão atualmente pensando
em alterar suas leis de união civil para casamento.
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Solidarité(Pacto Civil de Solidariedade - PaCS)-.. o PaCS é um con trato de união que pode
ser feito entre duas pessoas físicas, independentemente do sexo, a fim de organizar sua
vida comum. Para mais, ver MECARY, C.,- LER O Y-FO R G EO T, F. Le PACS: que sais-je.
Paris: PUF,- 2 0 0 0 . N o Brasil, Marta Suplicy, então Deputada Federal, propôs um projeto
semelhante. O s argumentos contra a implantação do PaCS alertavam para o perigo que
ele traria à ordem simbólica, que sustenta a sociedade e a cultura. D ar direitos iguais aos
casais homossexuais levaria à uma 'dessimbolização' com o conseqüência do apagam ento
da inscrição simbólica da diferença dos sexos. Um a coletânia de artigos sobre o tema
pode ser encontrada em BO RRILLO , D .; FASSIN, E. (org). Au-delà du PaCS: lexpertise
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8. Para FREUD , ver PO R G E, E. Freud/Fliess-, m ythe et chim ère de 1'auto-analyse. Paris:
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2 3 2 -2 5 5 . O autor faz aí referências a seus diversos artigos de 1933 e 1948.
377
2. idem, p. 26.
3. FR EU D , S. Tres ensayos de teoria sexual (1 9 0 5 ). ln: FREU D , S. Obras completas. Buenos
Aires: Amorrortu,- 2 0 0 5 . vol. VII. p. 211.
4. LACAN , J. O Seminário, livro 23: o sinthoma (1 9 7 5 -1 9 7 6 ). Rio de Janeiro: Jo rg e Zahar,-
2 0 0 7 . p. 149.
5. LAC AN , J. O Seminário, livro 20 : mais, ainda (1 9 7 2 -1 9 7 3 ). Rio de Janeiro: Jorge Zahar,-
1985.
6. idem, 117.
7. FREU D , S. Sobre la más generalizada degradación de la vida amorosa (Contribuiciones
a la psicologia dei amor, II)" (1 9 1 2 ). In: FREUD , S. Obras completas. Buenos Aires:
Amorrortu,- 2 0 0 3 . vol. XI. p. 169.
8. FREU D , S. Sobre un tipo particular de elección de objeto en el hom bre (Contribuciones
a la psicologia dei amor, I) (1 9 1 0 ) In: FREU D , S. Obras completas. Buenos Aires: Amorrortu,-
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10. FREU D , S. Tres ensayos de teoria sexual (1 9 0 5 ). In: FREU D , S. Obras completas. Buenos
Aires: Amorrortu,- 2 0 0 5 . vol. VII. p. 156, grifos nossos.
11. idem, p. 156, grifos nossos.
12. LAC AN , J. O Seminário, livro i: os escritos técnicos de Freud (1 9 5 3 -1 9 5 4 ). Rio de Janeiro:
Jorge Zahar,- 1986. p. 25 2.
13. FREU D , S. Tres ensayos de teoria sexual (1 9 0 5 ). In: FREU D , S. Obras completas. Buenos
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14. FR EU D , S. Más allá dei pricipio de placer (1 9 2 0 ). In: FREU D , S. Obras completas. Buenos
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15. LAC AN , J. O saber do psicanalista, inédito (1 9 7 1 -1 9 7 2 ). C onferência de 6 de janeiro de
1972. Inédito.
16. T U D A L , A. Paris no ano 2000. O poem a de Antoine Tudal foi publicado no almanaque,
Paris no ano 2 0 0 0 .
17. LAC AN , J. O Seminário, livro 20 : mais, ainda (1 9 7 2 -1 9 7 3 ). Rio de Janeiro: Jorge Zahar,-
1985. p. 62.
18. idem, p. 64.
19. idem, p. 98.
20. LA C A N , J. O Seminário, livro 16 -, de um O utro ao outro (1 9 6 8 -1 9 6 9 ). Rio de Janeiro-, Jorge
Zahar,- 2 0 0 8 .
21. LA C A N , J. O Seminário, livro 20 : mais, ainda (1 9 7 2 -1 9 7 3 ). Rio de Janeiro: Jorge Zahar,-
1985. p. 13.
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6. FREUD , S. A pulsão e seus destinos. In: FREUD , S. Edição eletrônica brasileira das obras
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7. idem.
8. Q U IN ET , A. Um olhar a mais. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,- 2 0 0 2 , p. 86.
9. idem, p. 82.
10. idem, p. 86.
11. N A B U C O , J. Minha formação. Rio de Janeiro: Topbook,- 1999.
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5. FREU D , S. La organización genital infantil (U na interpolación en la riarfa de la
sexualidad) (1 9 2 3 ). In: Obras completas. Buenos Aires: Amorrortu,- 2 0 0 6 . v. XIX. p. 141.
6. FREU D , S. El problema econôm ico dei masoquismo (1 9 2 4 ). In: FREUD , S. Obras
completas. Buenos Aires: Amorrortu,- 2 0 0 6 . v. XIX. p. 161.
7. FREU D , S. La perdida de realidade n la neurosos y la psicosis (1 9 2 4 ). In: FREU D , S.
Obras completas. Buenos Aires: Amorrortu, 2 0 0 6 . v. XIX. p. 189.
8. FREUD , S. Fetichismo (1 9 2 7 ). In: FREU D , S. Obras completas. Buenos Aires: Amorrortu,-
2 0 0 4 . v. XXI. p. 149, grifos nossos.
9. LAC AN , J. O Seminário, livro 4: a relação de objeto (1 9 5 6 -1 9 5 7 ). Rio de Janeiro: Jorge
Zahar,- 1995.
10. idem, p. 160.
11. idem, p. 162.
12. idem, pp. 1 5 8 -1 5 9 .
13. FREU D , S. La escisión dei yo em el processo defensivo (1 9 4 0 [ 19 3 8 ]a ). In: FREU D , S.
Obras completas. Buenos Aires: Amorrortu,- 2 0 0 4 . v. XXIII.
14. FREU D , S. Esquema dei psicoanálisis. VIII El aparato psíquico y el mundo exterior (1 9 4 0
[ 1 9 3 8 ]b ). In: FREU D , S. Obras completas. Buenos Aires: Amorrortu,- 2 0 0 4 . v. XXIII.
15. FREU D , S. La escisión dei yo em el processo defensivo (1 9 4 0 [ 19 38]a). In: FREU D , S.
Obras completas. Buenos Aires: Amorrortu,- 2 0 0 4 . v. XXIII.
16. idem, p. 27 6 .
17. FREU D , S. Esquema dei psicoanálisis. VIII El aparato psíquico y el mundo exterior (1 9 4 0
[ 19 3 8 ]b ). In: FREU D , S. Obras completas. Buenos Aires: Amorrortu,- 2 0 0 4 . v. XXIII.
18. idem, pp. 2 0 3 -2 0 4 .
19. idem, p. 204.
20. idem, ibidem.
21. M1SFJIMA, Y. Sol ea ç o . São Paulo: Brasiliense,- 1985. p. 48.
22. FREU D , S. La escisión dei yo em el processo defensivo (1 9 4 0 [1 9 3 8 ]a ). In. FR EU D , S.
Obras completas. Buenos Aires: Amorrortu,- 2 0 0 4 . v. XXIII. p. 278.
23. M ISHIM A, Y. Confissões de uma máscara. São Paulo: Vertente,- s/d. p. 27,
24. MISFJIMA, Y. Sol ea ç o . São Paulo: Brasiliense,- 1985. p. 10.
25. idem.
26. idem, p. 8.
27. LAC AN , J. Radiofonia (1 9 7 0 ). In: LACAN , J. Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,-
2 0 0 3 . p . 40 6 .
28. Q U IN ET , A. Incorporação, extrusão e somação: com entário sobre o texto 'Radiofonia'.
In: ALBERTI, S .; CA RN EIRO RIBEIRO, M.A. (O rg .). Retorno do exílio-. o corpo entre a
psicanálise e a ciência. Rio de Janeiro: C ontra Capa Livraria,- 2 0 0 4 . p. 59.
29. Para ser mais precisa, no texto "De nossos antecedentes", Lacan diz que "o estádio do
espelho", produzido por ele em 1936, "antecipou nossa inserção do inconsciente na
linguagem". Para mais, ver: LACAN , J. D e nossos antecedentes (1 9 6 6 ). In: LACAN , J.
Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,- 1998. p. 75.
30. LACAN , J. Radiofonia (1 9 7 0 ). In: LACAN , J. Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,•
2003. p . 406.
31. LA C A N , J. Função e cam po da fala e da linguagem em psicanálise (1 9 5 3 ). In: LACAN ,
J. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,- 1998. p. 320.
32. LAC AN , J. Radiofonia (1 9 7 0 ). In: LACAN , J. Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,-
2 0 0 3 . p. 4 0 7 , grifos do original.
33. Corps (francês) se traduz corpo e corpse (inglês) se traduz cadáver.
34. LAC AN , J. Radiofonia (1 9 7 0 ). In: LACAN , J. Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,-
2003.
35. LACAN , J. Função e cam po da fala e da linguagem em psicanálise (1 9 5 3 ). In: LACAN ,
J. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,- 1998.
36. LACAN , J. Radiofonia (1 9 7 0 ). In: LACAN , J. Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,-
2 0 0 3 . p. 40 6 .
37. idem, p. 40 7 .
38. M ISHIM A, Y. Confissões de uma máscara. São Paulo: Vertente,- s/d. p. 10.
39. LACAN , J. A terceira (1 9 7 4 ). In: LACAN , J. Intervenciones y textos II. Buenos Aires:
Manantial,- 1980.
40. M ISHIM A, Y. Confissões de uma máscara. São Paulo: Vertente,- s/d. p. 10.
41. idem, ibidem.
42. idem, p. 23.
43. LACAN , J. Radiofonia (1 9 7 0 ). In: LACAN , J. Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,-
2 0 0 3 . p. 40 7 .
44. idem, p. 4 06.
45. Por exemplo, uma expressão temporal com o "ontem" ou um ente ficcional com o "centauro"
não existem corporalm ente, mas com o um pensamento ou uma fala. Para mais, ver:
IN W O O D , B. Os estóicos. São Paulo: Odysseus,- 2 006.
46. Q U IN ET , A. Incorporação, extrusão e som ação: com entário sobre o texto 'Radiofonia'.
In: ALBERTI, S .; C A RN EIRO RIBEIRO, M.A. (O rg .). Retorno do exílio-, o corpo entre a
psicanálise e a ciência. Rio de Janeiro: C ontra Capa Livraria,- 2 0 0 4 . p. 61.
47. M ISHIM A, Y. Confissões de uma máscara. São Paulo: Vertente,- s/d.
48. idem, pp. 11-12.
49. Para Mishima o excrem ento é um símbolo da terra, "era o malévolo am or da M ãe Terra
que estava cham ando por mim". Para mais, ver M ISHIM A, Y. Confissões de uma máscara.
São Paulo: Vertente,- s/d.
50. Latrineiro em japonês é cham ado de "carregador de fezes noturnas".
51. M ISHIM A, Y. Conjíssões de uma máscara. São Paulo: Vertente,- s/d. p. 12.
52. idem, p. 15.
53. idem, p. 14.
54. idem, p. 20.
55. idem, p. 32.
56. Forma usada por Mishima para definir a sua masturbação. Para mais, ver: M ISHIM A, Y.
Confissões de uma máscara. São Paulo: Vertente,- s/d, p. 33.
57. Para M ISHIM A, ver K.USANO, D. Yukio Mishima: o hom em de teatro e cinema. São
Paulo: Perspectiva/Fundação Japão,- 2 0 0 6 . p. 336.
58. M ISHIM A, Y. Confissões de uma máscara. São Paulo: Vertente,- s/d. p. 47.
59. idem, p. 48.
60. idem, p. 84.
61. idem, p. 61.
62. idem, ibidem.
63. idem, p. 64.
64. idem, p. 105.
65. idem, p. 125 e 127.
66. Aqui o autor faz m enção à banda de Moebius.
67. idem, p. 172.
68. Para GIDE, ver LACA, J. O Seminário, livro J. as formações do inconsciente (1 9 5 7 -1 9 5 8 ).
Rio de Janeiro: Jorge Zahar,- 1999. p. 271.
69. M ISHIM A, Y. Confissões de uma m áscara. São Paulo: Vertente,- s/d. p. 31.
70. idem, p. 64.
381
71. idem, p. 105.
72. LAC AN , J. A terceira (1 9 7 4 ). In: LACAN , J. Intervenciones y textos II. Buenos Aires:
Manantial,- 1980. p. 103.
73. idem, ibidem.
74. M ISH IM A, Y. Sol ea ç o . São Paulo: Brasiliense,- 1985.
75. idem, p. 97.
76. idem, p. 8.
77. idem, p. 89.
78. idem, p. 90.
79. idem, ibidem.
80. idem, p. 97.
81. idem, p. 100.
82. idem, ibidem.
83. "O O roborus, ou U rób oro, é uma serpente que morde a própria cauda e simboliza um
ciclo de evolução encerrado nela mesma. Esse símbolo contém ao mesmo tem po, as
ideias de m ovimento, de continuidade, de autofecundação e, em conseqüência, de eterno
retorno. [...] Significaria a união de dois princípios opostos. [...] Ao desenhar uma forma
circular, a serpente que morde a própria cauda, rom pe com uma evolução linear e marca
uma transform ação de tal natureza que parece emergir para um nível de ser superior, o
nível do ser celeste ou espiritualizado, simbolizado pelo círculo. [...] Ao contrário, a
serpente que morde a própria cauda, que não para de girar sobre si mesma, que se encerra
em seu próprio ciclo, evoca a roda das existências, o samsara, com o que condenada
a jamais escapar de seu ciclo para se elevar a um nível superior: simboliza então o
perpétuo retorno, o círculo indefinido dos renascimentos, a repetição contínua, que trai
a predom inância de um fundamental impulso de morte". Para mais, ver: CHEVALIER, J .;
GHEERBRANT, A. Dicionário de símbolos-, mitos, sonhos, costum es, gestos, formas, figuras,
cores, números. Rio de Janeiro: José Olympio,- 1988. p. 922.
84. M ISH IM A, Y. Sol e aço. São Paulo: Brasiliense,- 1985. p. 89.
85. idem, p. 100.
86. idem, p. 101.
87. idem, p. 89.
88. idem, pp.5 3 -5 4 .
89. idem, p. 64.
90. Mishima identifica-se ao objeto olhar.
91. M ISH IM A, Y. Sol ea ç o . São Paulo: Brasiliense,- 1985. p. 64.
92. idem, p. 65.
93. idem, ibidem.
94. idem, ibidem.
95. idem, p. 4 9 , grifos nossos.
96. LA C A N , J. Kant com Sade (1 9 6 3 ). In: LACAN , J. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,-
1998. p. 78 6 .
97. Suicídio cortando o abdômen, seguindo o ritual da casta dos samurais.
98. LACAN , J. O Seminário, livro 16 : de um O utro ao outro (1 9 6 8 -1 9 6 9 ). Rio de Janeiro: Jorge
Zahar,- 2 0 0 8 . p. 24 8 .
99. idem, ibidem.
100. idem, p. 2 46.
382
1. U m versão preliminar deste trabalho foi apresentada no colóquio As homossexualidades
na Psicanálise, na Universidade Veiga da Almeida (UVA), no Rio de Janeiro, em 2 6 de
junho de 2 0 0 9 . U m agradecimento especial aos organizadores Antonio Q uinet e M arco
A ntonio Coutinho Jorge, pela proposta, conduçãoo e estímulo à reflexão e ao debate.
As traduções da obra de Freud apresentadas aqui são de minha autoria, cotejadas com a
ediçãoo brasileira e a espanhola.
2. FREU D , S. T h e psychogenesis of a case of hom osexuality in a woman (1 9 2 0 ). In:
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9. idem, p. 164.
10. LACAN , J. Le Séminaire, livre X. L'angoisse. Paris: Seuil,- 2 0 0 4 .
11. RIEDER, I.,- V O IG T, D, Desejos secretos: a história de Sidonie C., a paciente homossexual de
Freud. São Paulo: Com panhia das Letras,- 2 0 0 8 . p. 21.
12. idem, p. 33, grifos nossos.
13. idem, p. 39, grifos nossos.
14. idem, p. 2 6 5 , grifos nossos.
15. idem, p. 267.
16. LACAN , J. Le Séminaire, livre X. L'angoisse. Paris: Seuil,- 2 0 0 4 . p. 131.
17. FREU D , S. A child is being beaten: a contribution to the study of the origin of sexual
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19. FREU D , S. A child is being beaten: a contribution to the study of the origin of sexual
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Sigmund Freud (SE). Ed Jam es Stratchey e Anna Freud. London: T h e H ogarth Press,- 1955.
v. XVII. p. 198.
20. idem, pp. 1 9 5 -1 9 6 .
21. D ID IER-W EILL, A. Os três tempos da lei: o mandamento siderante, a injunção do supereu e
a invocação musical. Rio de Janeiro: Jo rg e Zah ar Editor,- 1997.
22. Para LAC AN , ver D ID IER-W EILL, A. O s três tempos da lei: o mandamento siderante, a
injunção do supereu e a invocação musical. Rio de Janeiro: Jorge Zah ar Editor,- 1997.
p. 75.
23. D ID IER-W EILL, A. Os três tempos da lei: o mandamento siderante, a injunção do supereu e
a invocação musical. Rio de Janeiro: Jorge Zah ar Editor,- 1997. p. 75.
24. LACAN , J. Le Séminaire, livre X. L'angoisse. Paris: Seuil,- 2 0 0 4 . p. 109.
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25. FR EU D , S. T h e psychogenesis of a case of homosexuality in a woman (1 9 2 0 ). In:
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Stratchey e Anna Freud. London: T h e H ogarth Press,- 1955E . v. XVIII. p. 160.
26. G UIM ARÃES RO SA, J. N oites do sertão. In: GUIMARÃES ROSA, J. Obras completas. Rio
de Janeiro: Aguilar, 1994. v. I.
27. RIEDER, I.,- V O IG T, D, Desejos secretos: a história de Sidonie C., a paciente homossexual de
Freud. São Paulo: Com panhia das Letras,- 2 0 0 8 . p. 416.
28. idem, p. 4 1 5 , grifos nossos.
29. FR EU D , S. T he psychogenesis of a case of hom osexuality in a woman (1 9 2 0 ). In:
FREU D , S. The standard edition o f the complete psychological works o f Sigmund Freud (SE). Ed James
S tratchey e Anna Freud. London: T he H ogarth Press,- 1955E . v. XVIII. p. 156.
30. D ID IER-W EILL, A. Os três tempos da lei: o mandamento siderante, a injunção do supereu e
a invocação musical. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,- 1997. pp. 7 5 -7 6 .
31. RIEDER, I.,- V O IG T, D, Desejos secretos: a história de Sidonie C., a paciente homossexual de
Freud. São Paulo: Com panhia das Letras,- 2 0 0 8 . p. 41.
32. FERREIRA, N.P. A teoria do amor. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,- 2 0 04. pp. 4 4 -4 5 .
33. idem, p. 45.
34. BRASIL, J.A . Eros tecelão de mi tos: a poesia de Safo de Lesbos. São Paulo: Estação Liberdade,-
1991.
35. A L L O U C H , J. Sombra de teu cão: discurso analítico e discurso lésbico. Rio de Janeiro:
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37. BRASIL, J.A . Eros tecelão de mitos-, a poesia de Safo de Lesbos. São Paulo: Estação Liberdade,-
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38. M A N N O N I, O . Clefs pour límaginaire ou 1'Autre scène. Paris: Seuil,- 1969.
39. Tem-se que esse jovem poeta seja Rainer M. Rilke, e o texto de Freud que trata desse
aspecto é significativamente cham ado em português de "Sobre a transitoriedade". Em
inglês o título é "On transience".
40. FREU D , S. Delírios e sonhos na Gradiva de Jensen (1 9 0 7 [ 1906]). In: FREU D , S. The
standard edition o f the complete psychological works of Sigmund Freud (SE). Ed James Stratchey e
Anna Freud. London: T he H ogarth Press,- 1955. v. XVIII.
41. idem, p. 9 5 , pósfacio de 1912.
42. LEV I-STRA U SS, C. The élementary structures ofkinship. Boston: T he Beacon Press,- 1969.
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13. LAC AN , J. O Seminário sobre a carta roubada (1 9 5 6 ). In: LACAN, J. Escritos. Rio de
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14. idem, p. 39.
15. LA C A N , J. Diretivas para um congresso sobre a sexualidade feminina (1 9 6 0 ). In:
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Paris: Librairie Plon,- 1934. p. 189.
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19. LA C A N , J. A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud (1 9 5 7 ). In:
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20. SÉVIG N È. Lettres historicjues. Collections les maitres de l'histoire. Cartas de (1 6 6 4 a 1689).
Paris: Librairie Plon,- 1934. C arta datada de 1644.
21. idem, carta datada de 15 de janeiro de 1644.
22. LESSANA, M .M . Entre mère et filie : um ravage. Paris: Fayard,- 2 0 0 0 . p. 33.
23. D U C H Ê N E , R. M adam e de Sévignè ou la chance d'etre femme. Paris: Éditions de Fayard,- 1982.
p . 143.
24. LESSANA, M .M . Entre mère et filie: um ravage. Paris: Fayard,- 2 0 0 0 . p. 110.
25. D U C H Ê N E , R. M adam e de Sévignè ou la chance detrefem m e. Paris: Éditions de Fayard,- 1982.
p . 143.
26. idem, ibidem.
27. LESSANA, M .M . Entre mère et filie: um ravage. Paris: Fayard,- 2 0 0 0 . p. 79.
28. SÉVIG N È. Lettres historicjues. C ollections les maitres de l'histoire. Cartas de (1 6 6 4 a 1689).
Paris: Librairie Plon,- 1934. Carta datada de 6 de maio de 1671.
29. Palavras de Gérard. Para GÉRARD, ver D U C H Ê N E , R. M adam e de Sévignè ou la chance detre
femme. Paris: Éditions de Fayard,- 1982.
30. idem.
31. SÉVIG N È. Lettres historicjues. Collections les maitres de 1'histoire. Cartas de (1 6 6 4 a 1689).
Paris: Librairie Plon,- 1934. Carta datada de 8 de janeiro de 1676.
32. LACAN , J. O Seminário, livro 2 0 : Mais ainda... (1 9 7 2 -1 9 7 3 ). Rio de Janeiro: Jo rg e Zahar,-
1985. p . 63.
33. idem, p. 4 9 , grifos do original.
34. Para SIM O N , ver SÉVIG N È. Lettres historicjues. C ollections les maitres de 1'histoire. Cartas
de (1 6 6 4 a 1689). Paris: Librairie Plon,- 1934.
35. Para GÉRARD-GAILLY, ver ver D U C H Ê N E , R. M adam e de Sévignè ou la chance detre femme.
Paris: Éditions de Fayard,- 1982.
36. Para SO M A IZIE, ver ver D U C H Ê N E , R. M adam e de Sévignè ou la chance d etre femme. Paris:
Éditions de Fayard,- 1982.
37. LESSANA, M .M . Entre mère et filie: um ravage. Paris: Fayard,- 2 0 0 0 . p. 113.
38. LA C A N , J. Diretivas para um congresso sobre a sexualidade feminina (1 9 6 0 ). In:
LACAN , J. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,- 1998. p. 739.
Acyr Maya
Especialista em Psicanálise pela Universidade Santa Úrsula (USU). Mestre em Pesquisa e Clínica
em Psicanálise pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Doutor em Teoria Psi
canalítica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor e Coordenador do Curso
de Graduação em Psicologia da Uniabeu Centro Universitário.
Ana Costa
Professora do Instituto de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicanálise da Univer
sidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Psicanalista, membro da Associação Psicanalítica de
Porto Alegre. Autora dos livros: A ficção do si mesmo: interpretação e ato em psicanálise (Rio de
Janeiro: Companhia de Freud; 1998); Corpo e escrita: relações entre memória e transmissão da
experiência (Rio de Janeiro: Relume Dumará; 2001); Tatuagens e marcas corporais: atualizações
do sagrado (São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003); Sonhos (Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 2006);
"Clinicando” (Porto Alegre: APPOA; 2008). Co-organizou as seguintes obras: Escrita e psicanálise
(Rio de Janeiro: Companhia de Freud; 2007) e Escrita e psicanálise II (Curitiba: CRV; 2010).
Antonio Quinet
Formação psicanalítica realizada no ano 1980 em Paris, na École de la Cause Freudienne. Foi
professor-assistente do Departamento de Psicanálise da Universidade de Paris VIII (Vincennes).
Defendeu aí sua tese de doutorado em Filosofia com a orientação de Alain Badiou. Psicanalista,
psiquiatra (Université Paris XIII) e doutor em Filosofia (Université Paris-VIII). Membro da Escola de
Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano. Ancien Interne des Hôpitaux de la Region Parisienne.
Membro da Associação Brasileira de Psiquiatria. Professor Adjunto do Doutorado e Mestrado de
Psicanálise, Saúde e Sociedade da Universidade Veiga de Almeida (UVA). Pesquisador convidado
387
do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Docente de For
mações Clínicas do Campo Lacaniano - Rio de Janeiro. Diretor da Cia. Inconsciente em Cena
(vinculada à pesquisa Teatro e Psicanálise, desenvolvida na UVA). Dramaturgo e encenador (A
lição de Charcot, X, Y e S - abertura do teatro íntimo de Strindberg, Artorquato, Oidipous, filho de
Laios, Variações Freudianas 1: o sintoma, Abram-se os histéricos!, O Ato - variações freudianas 2,
Hilda & Freud - collected words). Editor da revista En-je (França). Autor dos livros Teoria e clínica
da psicose (5a ed., Forense Universitária), Artorquato (Editora 7Letras). Em sua coleção própria,
na Editora Zahar, publicou: As 4+1 condições da análise (13a ed.), A descoberta do inconsciente
(4a ed.), Um olhar a mais (2a ed.), A lição de Charcot, Psicose e laço social (2a ed.), A Estranheza
da Psicanálise: a Escola de Lacan e seus analistas; na coleção Passo a passo, na mesma editora,
publicou Os outros em Lacan. Além disso, no exterior, publicou: Las condiciones dei analisis
(Atuei, Argentina) e Un plus-de-regard (Éditions du Champ Lacanien, França - esgotado, no prelo
como livro de boiso pela Editora Erès). É coautor e organizador das coletâneas: Jacques Lacan: a
psicanálise e suas conexões (Imago), Extravios do desejo - depressão e melancolia, Psicanálise
e psiquiatria - controvérsias e convergências e Na mira do Outro - a paranóia e seus fenômenos
(Marca d’Água Liv. e Ed.). É autor de artigos publicados em revistas e livros na Argentina, Aus
trália, Brasil, Colômbia, Espanha, Estados Unidos, França, Grécia e Inglaterra. É tradutor de Lacan
no Brasil, sendo responsável pelas versões dos Seminários 2 e 7 e de Televisão, além de outros
artigos. Profere conferências e seminários em diversos países e em diversas cidades no Brasil.
Claude Léger
Psiquiatra e psicanalista. Membro da École de Psychanalyse des Foruns du Champ Lacanien,
Professor do Collège de Clinique Psychanalytique de Paris. Chefe do Serviço de Psiquiatria
Pública de Levallois-Perret. Tem mantido uma posição firme na França a favor da manutenção
da Psicanálise no serviço público. Foi professor da Section clinique de 1’Université Paris VIII até
1998. Autor de vários artigos publicados em diversas revistas na França e na Revista transdis-
ciplinar franco-portuguesa Sigila. Autor do livro Des nouvelles de rimmonde (Éditions du Champ
lacanien).
Colette Soler
Psicanalista, diplomada em Psicopatologia pela Universidade de Paris V e doutora em Psicologia
pela Universidade de Paris VII. Exerce e leciona a Psicanálise na capital francesa. Foi seu encontro
com o ensino e a pessoa de Jacques Lacan que a levou a optar pela Psicanálise. Foi membro da
Escola Freudiana de Paris e, após sua dissolução, da Escola da Causa Freudiana. É idealizadora e
membro-fundador da Internacional dos Fóruns e da Escola de Psicanálise do Campo Lacanioano.
Ex-docente da École Normale Supérieure e das Universidades de Paris Vil e VIII. Atualmente en
sina Psicanálise no quadro das Formações Clínicas do Campo Lacaniano. Entre seus livros estão
A psicanálise na civilização (Contracapa, 1998), O que Lacan dizia das mulheres (Jorge Zahar
Editor; 2005), 0 inconsciente a céu aberto (Jorge Zahar; 2007), O inconsciente: que é isso? (An-
nablume; 2012) e Lacan, o inconsciente reiventado (Cia de Freud; 2012).
Denise Maurano
Membro do Corpo Freudiano Escola de Psicanálise, Seção Rio de Janeiro. Doutora em Filosofia
pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e pela Universidade de Paris XII.
Professora associada da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), trabalhando
junto a Faculdade de Direito e ao Programa de Pós-Graduação em Memória Social (PPGMS).
Autora, dentre outros, dos livros Histeria: o princípio de tudo (Col. Para ler Freud, Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira; 2010) e Torções: a psicanálise, o barroco e o Brasil (Curitiba: CRV; 2011).
Edita a revista eletrônica transdisciplinar Psicanálise e Barroco (www.psicanaliseebarroco.pro.br)
da linha de pesquisa Memória, subjetividade e criação do PPGMS/UNIRIO.
Elisabeth Roudinesco
Psicanalista e historiadora. Leciona na École des Hautes Etudes, em Paris. Tem participação ativa
nos debates mais importantes de nosso tempo. É articulista do Monde des Livres desde 1996.
Autora de História da psicanálise na França (v. 1 :1 9 8 9 ; v.2:19 8 8); Dicionário de psicanálise (em
colaboração com Michel Plon, 1998); Por que a psicanálise? (2000); A família em desordem
(2003); De que amanhã (em colaboração com Jacques Derrida, 2004); 0 paciente, o terapeuta
e o Estado (2005); A análise e o arquivo (2006); Filósofos na tormenta (2007); A parte obscura
de nós mesmos (2008); Em defesa da psicanálise (2009); Retorno à questão judaica (2010);
Freud - mas por que tanto ódio? (2011); Lacan, a despeito de tudo e de todos (2011), todas
publicadas no Rio de Janeiro por Zahar Editores. Jacques Lacan - esboço de uma vida, história
de um sistema de pensamento (São Paulo: Companhia das Letras; 1994), Genealogias (Rio de
Janeiro: Relume-Dumará; 1995), Théroigne de Méricourt (Rio de Janeiro: Rocco; 1997). Sua obra
está traduzida em trinta idiomas.
Gilda Paoliello
Psiquiatra e psicanalista. Professora da Residência de Psiquiatria do Instituto de Previdência do
Estado de Minas Gerais. Professora do curso de Pós-graduação em Psiquiatria do Instituto de
Pesquisas Médicas de Minas Gerais. Coordenadora da Comissão de Publicações da Associação
Mineira de Psiquiatria. Editora de 0 Risco, Jornal da AMP. Membro da Câmara Técnica de Psiquia
tria do CRMMG. Autora do livro Supervisão em Psiquiatria.
Gloria Sadala
Doutora pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Coordenadora do Doutorado em
Psicanálise, Saúde e Sociedade e do Curso de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica e Prática
Clínico-lnstitucional da Universidade Veiga de Almeida (UVA). Professora e Supervisora do Curso
de Especialização em Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
(PUC-RJ). Supervisora do Serviço de Psicologia Aplicada da UVA. Membro do Colegiado de FCCL-
RJ. Coautora do livro A mulher: na psicanálise e na arte. Capítulos em livros como A sexualidade
na aurora do século XXI e Comunicação, consumo e subjetividade. Artigos em diversos periódicos
como Ágora; Educação e Realidade, Trieb, Interthesis, Marraio.
Horacio Sívori
Antropólogo, com bachalerado pela Universidade Nacional de Rosário (Argentina); mestrado pela
New York University; e doutorado pela UFRJ - Museu Nacional. É bolsista de pós-graduação da
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro - FAPERJ, sediado no Instituto
de Medicina Social da Universidade do Estado de Rio de Janeiro. Pesquisa sobre sexualidade,
política, ativismo e saberes eruditos na América Latina. É autor de Locas, chongos y Gays: socia-
bilidad homosexual masculina durante la Argentina de la década de 1990 (Antropofagia, Buenos
Aires, 2005) e coordenador da coletânea The Sexual History o f the Global South (Zed Publishers,
Londres, 2013), além de autor de diversos artigos em publicações acadêmicas.
Jack Drescher
Psiquiatra e psicanalista, vive e clinica em Nova Iorque. Analista didata e supervisor do William
Alanson White Institute (Nova Iorque). Professor Associado de Psiquiatria e Ciências do Compor
tamento no New York Medicai College. Professor-Assistente no Programa de Pós-doutoramento
em Psicoterapia e Psicanálise da Universidade de Nova Iorque. Membro da American Psychiatric
Association. Presidente do Group for Advancement of Psychiatry. Autor de Psychoanalytic therapy
and the gay men (Routledge) e Editor Emérito do Journal of Gay and Lesbian Mental Health.
Luciana Marques
Psicóloga e Psicanalista. Professora e Supervisora Clínica do Curso de Graduação em Psicologia
da Universidade Veiga de Almeida (UVA). Coordenadora do Curso de Graduação em Psicologia da
UVA. Professora do Curso de Pós-Graduação em Teoria Psicanalítica e Prática Clínico-lnstitucional
da UVA. Participante de Formações Clínicas do Campo Lacaniano - Rio de Janeiro. Mestrado em
Psicanálise, Saúde e Sociedade pela UVA. Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Psi
canálise do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Sonia Alberti
Psicanalista. Professora Associada do Instituto de Psicologia Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ). Pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq) e Procientista da UERJ. Doutora em Psicologia pela Universidade de Paris X - Nanterre.
Pós-Doutora pelo Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Psica
nalista Membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano. Autora de Esse sujeito
adolescente; O adolescente e o Outro; Crepúsculo da alma.
Vera Pollo
Doutora e Mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ).
D.E.A. pela Universidade de Paris VII. Analista Membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do
Campo Lacaniano. Membro da Internacional dos Fóruns e do Colegiado de Formações Clínicas
do Campo Lacaniano. Professora Adjunta do Doutorado e Mestrado em Psicanálise, Saúde e
Sociedade da Universidade Veiga de Almeida (UVA) e da Especialização em Psicologia Clínica da
PUC-RJ. Psicanalista do Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente do Hospital Universitário
Pedro Ernesto da UERJ. Co-organizadora de Comunidade analítica de escola: a opção de Lacan
(Marca d’Água Livraria e Editora; 1999 ), autora de Mulheres histéricas (Contra Capa Livraria;
2003) e de O medo que temos do corpo (7 letras; 2012).
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Com Freud, deixa de existir o privilégio,
dado à anatomia, que opõe a m ulher fe
m inina e passiva ao homem m asculino e
ativo, passando a operar uma dinâm ica
pulsional, que revela a pluralidade ine
rente aos componentes da sexualidade
humana, sem nenhuma restrição quanto
à escolha do sexo.
[...] todas as pessoas, por mais normais que sejam, são capazes de fazer uma escolha de objeto
homossexual, e mesmo já a terão feito em alguma época de suas vidas e ainda a conservam em
seu inconsciente, ou então defendem-se dela por meio de enérgicas contra-atitudes. (Freud)
Este livro, organizado por Antonio Quinet e Marco Antonio Coutinho Jorge, com a
colaboração de Luciana Marques, contém textos dos seguintes autores:
Colette Soler
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Maria Anita
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Carneiro Ribeiro
Elizabeth Rocha
Denise Maurano Vera Pollo
Miranda
Marco Antonio
Antonio Quinet
Coutinho Jorge
Elisabeth
Roudinesco j Luciana Marques