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As Homossexualidades

na Psicanálise
na h i s t ó r i a de s ua despatologização

ORGANIZADORES
Antonio Quinet
Marco Antonio Coutinho Jorge
As Homossexualidades
na Psicanálise
na h i s t ó r i a de s u a despatologização

ORGANIZADORES
Antonio Quinet
Marco Antonio Coutinho Jorge
As Homossexualidades na Psicanálise: na história de sua despatologização

Corpyrigth 2013, Antonio Quinet, Marco Antonio Coutinho Jorge

Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer sistema, sem
prévio consentimento de Segmento Farma Editores Ltda.
Todos os direitos reservados a Segmento Farma Ltda.

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)

M7h QUINET, Antonio

As homossexualidades na Psicanálise: na história de sua despatologização / Antonio Quinet;


Marco Antonio Coutinho Jorge (organizadores). - São Paulo: Segmento Farma, 2013.

“ 392” p.

ISBN 978-85-7900-064-5
Inclui referências bibliográficas

1. Psicanálise e Homossexualidade. 2. Homossexualismo - Aspectos psicológicos.


3. Homossexualismo - Aspectos sociais. I. Jorge, Marco Antonio Coutinho. II. Título.

CDD 616.85834

índices para catálogo sistem ático

1. Psicanálise: Homossexualidade 616.85834


2. Homossexualismo: Psicologia 616.8583
3. Homossexualismo: Sociedade 306.766

IMPRESSO NO BRASIL
2013

0 conteúdo desta obra é de inteira responsabilidade de seus autores.


Produzido por Segmento Farma Editores Ltda., em julho de 2013.
Material de distribuição exclusiva à classe médica.

S e g m e n to F a rm a Rua A nse riz, 27 . Cam po B elo - 0 4 618-050 - S ã o Paulo, SP. Fone: 11 3093-3300
e d ito re s w w w .s e g m e n to fa rm a .c o m .b r * s e g m e n to fa rm a @ s s g m e n to fa rm a .c o m .b r
Diretor-gvsl: Idelcio 0. Patrício Diretor executivo-, Jorge Rangel Gerente finenceira: Andrée Rangel Gerente comercial: Rodrigo Mourão Editora-chefa: Oaniela Barros MTti
39.311 Comunicações médica*: Cristiana Bravo Gerentes de negócios: Marcela Crespi e Rhilipp Santos Coordenadora comercial: Andréa Figueiro Gerente editorial:
Cristiane Mezzari Coordenadora editorial: Sandra Regina Santana Assistentes editoriais: Camila Mesquita e Patrícia Harumi Capa: Marcelo Peigo Diagramação: Flàvio Santana
Revisora: Viviane Rodrigues Zeppelini Produtor gráfico: Fabio Rangel * Cód. da publicação: 14110.5.2013

Foto da capa: A n to n io Q uinet


As Homossexualidades
na Psicanálise
na h i s t ó r i a de s ua despatologização

ORGANIZADORES
Antonio Quinet
Marco Antonio Coutinho Jorge

Com a colaboração de Luciana Marques

©
Sumário

Apresentação..........................................................................................................9
Antonio Quinet
Marco Antonio Coutinho Jorge

Ética e Preconceito
CAPÍTU L01
0 real e o sexual: do inominável ao pré-conceito........................................15
Marco Antonio Coutinho Jorge

CAPÍTULO 2
A despatologização da homossexualidade...................................................29
Gilda Paoliello

CAPÍTULO 3
A história da homossexualidade e a Psicanálise organizada.................. 47
Jack Drescher

CAPÍTULO 4
Sexualidade e ética psicanalítica....................................................................59
Luciana Marques

CAPÍTULO 5
A homofobia no discurso psicanalítico sobre o casal e a
parentalidade homossexual..............................................................................65
Acyr Maya

CAPÍTULO 6
Psicanálise, xenofobia: algumas reflexõ es..................................................77
Betty Bernardo Fuks
0 Mistério das Homossexualidades
CAPÍTULO 7
Homossexualidades em Freud......................................................................... 89
Antonio Quinet

CAPÍTULO 8
A Psicanálise à prova da homossexualidade............................................. 107
Elisabeth Roudinesco

CAPÍTULO 9
A maldição sobre o sexo................................................................................. 119
Colette Soler

C A PÍTU L010
A escolha do sexo com Freud e Lacan.........................................................131
Antonio Quinet

CAPÍTULO 11
De Freud a Lacan: do objeto perdido ao objeto a ..................................141
Marco Antonio Coutinho Jorge

CAPÍTULO 12
A invenção da homossexualidade............................................................... 153
Paulo Roberto Ceccarelli

Bissexualidades
C A P ÍTU L013
Desdobramentos freudianos da noção de bissexualidade..................... 171
Vera Pollo

CAPÍTULO 14
Da bissexualidade ao impossível...................................................................181
Sonia Alberti

C A P ÍTU L015
0 desejo é o d e s tin o ........................................................................................ 191
Nadiá Paulo Ferreira
C A PÍTU L016
Sobre a declaração de sexo............................................................................203
Ana Costa

CAPÍTULO 17
12 pontuações sobre a bissexualidade....................................................... 209
Marco Antonio Coutinho Jorge

Homossexualidades e Estruturas Clínicas


CAPÍTU L018
Uma nota sobre a diferenciação estrutural freudiana entre
neurose e perversão......................................................................................... 217
Paola Mieli

C APÍTU L019
Homossexualidade e neurose: Sadger, Ferenczi e Deutsch................... 229
Claude Léger

CAPÍTULO 20
0 que as histéricas dizem da homossexualidade?...................................239
Gloria Sadala

CAPÍTULO 21
Obsessão gay. um caso clín ico .....................................................................247
Antonio Quinet

CAPÍTULO 22
0 caso Carlos: a natureza perversa do gozo.............................................. 255
Maria Helena Martinho

CAPÍTULO 23
0 império do olhar.............................................................................................263
Gilda Paoliello

CAPÍTULO 24
Gide com Lacan: as cartas como fetich e....................................................271
Antonio Quinet

CAPÍTULO 25
Yukio Mishima: um talento perverso............................................................277
Maria Helena Martinho
Homossexualidades Femininas
CAPITULO 26
De amores e flores: o caso da jovem homossexual de F re u d ...............299
Ana Vicentini de Azevedo

CAPÍTULO 27
Nos meandros do continente negro: questões sobre
a homossexualidade fem inina....................................................................... 315
Denise Maurano

CAPÍTULO 28
A lógica da homossexualidade fem inin a....................................................325
Maria Anita Carneiro Ribeiro

CAPÍTULO 29
A mais célebre epistolária da homossexualidade fem inina................... 331
Elisabeth da Rocha Miranda

Anexo
Entrevista à Revista CLAM do Instituto de Medicina Social da UERJ....343
Antonio Quinet
Marco Antonio Coutinho Jorge

Notas.................................................................................................................... 349

Sobre os autores................................................................................................387
Apresentação
Antonio Quinet
Marco Antonio Coutinho Jorge

ste livro é a reunião de trabalh os apresentados no C o ló q u io As Homosse­

E xualidades na Psicanálise - pelos 4 0 anos de Stonewall e de mais alguns textos


selecionad os pelos organizadores, com a co la b o ra çã o de Luciana M arques
em todas as etapas de sua realização.
O Stonewall, o co rrid o em 28 de ju n h o de 1 9 6 9 , é o m arco h istó rico do início
do m ovim ento de em ancipação e lib eração dos hom ossexuais e do co m b ate à h o ­
m ofobia. Q u and o os clien tes desse bar de N ova Iorque reagiram vigorosam ente
à batida policial de praxe, eles inauguraram, com tal ato, o m ovim en to g a y que
se alastraria por to d o o mundo. Passados mais de 4 0 anos de Stonewall, e n c o n ­
tramos, por um lado, transform ações nos costum es e nas leis que apontam para
uma m aior liberdade de expressão da hom ossexualidade e, por outro lado, uma
grande repressão m anifestada em atos que vão da descrim inalização das agressões
até assassinatos con tra hom ossexuais (em 2 0 1 1 , no Brasil, foram registrados 2 6 6
hom icídios e 1 .2 5 9 denúncias de vio lên cia recebidas pela S ecretaria de D ireitos
I fum anos). C o n stato u -se, tam bém , que o m aior índice de depressão e suicídio
se en contra dentre as pessoas cu ja esco lh a é por parceiros do m esm o gênero.
I )esde então, em to d o o mundo, estudos d entro e fora das universidades têm se
dedicado ao tem a de m últiplas m aneiras: estudos sobre g ênero, identidade, teoria
queer e tc...
E o psicanalista? Estaria acom p anhan d o as transform ações da socied ad e que
repercutem em sua clínica? Estaria ele apto a responder à subjetividade de sua
época, no que diz respeito às hom ossexualidades?
A Psicanálise parece estar com um c e rto atraso, em relação a esses avanços,
em outras áreas do saber e da socied ad e. Foi com o o b je tiv o de abordar tal tem a

9
sem p reco n ceito s e com uma visão crítica em relação à produção de m uitos psi­
canalistas que trataram do assunto de m odo p atolog izante que decidim os realizar
esse co ló q u io e, em seguida, este livro. O o b je tiv o do en co n tro foi o de repensar
o "m istério da hom ossexualidade", co m o anuncia Freud, a partir da obra deste e
do ensino de Lacan — o grande freudiano - e enfrentar o desafio inerente à n e ce s­
sidade de d espatologizar a hom ossexualidade, do p o n to de vista p sicanalítico. O
fato de que tal d esp atolo g ização tenha oco rrid o em 1974, quando a A ssociação
Psiquiátrica A m ericana, após duas v o tações vitoriosas no esp aço de dois anos,
finalm ente rem oveu a hom ossexualidade do D S M -II, não significa que mudanças
tão substanciais tenham o co rrid o na visão de m uitos psiquiatras, p sicólo g os e
psicanalistas.
A Psicanálise: anotber brick in the wall (Pink Floyd). A Psicanálise vai co n tra o
muro (the wall) do racism o do discurso d om inante, que tende a fazer todos an ­
darem no m esm o passo, situando em reservas delim itadas — os guetos —, aqueles
que se op õem à m archa com um , com o os hom ossexuais e outros excluídos. D aí
a esco lh a da capa de nosso livro. Bretfuando o “ó" dessa situação, a Psicanálise se
op õe ao p reco n ceito m ortificad or do sujeito que o reduz a uma característica de
sua sexualidade para, em seguida, prom over sua exclusão.
“We don't need no education. We don't need no thougbt control". A Psicanálise se op õe à
pedagogia do d esejo, pois esta é uma falácia. N ão se pode educar a pulsão sexual.
N ão se pode desviá-la para acom od á-la aos ideais da sociedade. A pulsão segue
os cam inhos traçados pelo in co n scien te, que é individual e singular. A pulsão não
é louca, ela o b e d e ce a uma lógica determ inada pelos avatares do N om e-d o -P ai, a
lei sim bólica a que todos estam os subm etidos.
A hom ossexualidade não é uma patologia e, log o, não pode ser o b je to de
um tratam en to que vise elim iná-la. Isso porque a com preensão psicanalítica da
sexualidade humana, desenvolvida por Sigm und Freud desde o início de sua obra
e aperfeiçoad a por várias gerações de psicanalistas até h o je , perm itiu que se e n ­
tendesse, com bastante clareza, que o ser hum ano tem uma con stitu ição bissexual
e que existem , em todos os indivíduos, co ex istin d o lado a lado, em proporções
diversas, com p on en tes heterossexuais e hom ossexuais. Freud m encionava a d i­
m ensão da hom ossexualidade laten te em todos seus casos clín ico s, o que deixa
bastante claro, para nós, que a hom ossexualidade não é uma questão apenas dos
hom ossexuais.
A o responder a uma m ãe preocupada com a hom ossexualidade do filho, Freud
apontava, já em 1935, que esta não é nenhum a desvantagem , nem tam pouco
uma vantagem , "ela não é m otivo de vergonha, não é uma degradação, não é um
v ício e não pode ser considerada uma doença". Para a Psicanálise, assim co m o a
hom ossexualidade, o interesse exclusivo de um hom em por uma m ulher e vice-
versa tam bém m erecem esclarecim en to e não têm nada de óbvio. A investigação
p sicanalítica, diz Freud em seu prem iado te x to sob re Leonardo da V in ci, op õe-se

10
à tentativa de separar os hom ossexuais dos outros seres hum anos co m o um "grupo
de índole singular", pois "todos os seres hum anos são capazes de fazer uma e s c o ­
lha de o b je to hom ossexual e de fato a consum aram no in con scien te".
Além disso, para cada sujeito, a escolh a de o b je to sexual é profundam ente
enraizada no in con scien te e não depende de uma escolha co n scien te, nem de uma
'opção sexual' no sentid o em que essa expressão é frequentem ente utilizada. Por
isso m esm o, certas visões que associam a hom ossexualidade a distúrbios do caráter
e sociopatias devem ser fortem ente criticadas. Pois consid erar a hom ossexualidade
uma patologia e propor uma mudança de direção da sexualidade pode causar g ran ­
des danos psicoló gico s aos jo vens hom ossexuais, co lo ca n d o -o s num impasse no
qual, não conseguind o essa pretendida m udança, serão conduzidos ao desespero,
por se considerarem pessoas doentes e inferiores. D ian te dessa questão fundam en­
tal, que é a sexualidade, a responsabilidade da sociedade é enorm e e qualquer te n ­
tativa de tornar as pessoas vítimas de c o n c ep çõ es equivocadas deve ser firm em ente
repudiada. A Psicanálise é, segundo Lacan, o avesso da "civilização", a qual im põe
ora a renúncia pulsional ora a exigên cia de um g ozo vigiado e con trolad o.
Em que a Psicanálise tem con trib u íd o no d ebate com a socied ad e sobre esse
tema? C onvid am os os psicanalistas a retom arem os c o n c e ito s de Freud e de Lacan
para trazerem à luz para a socied ad e o que a Psicanálise — com sua ética e seus
co n ceito s norteadores de uma clín ica do su jeito do d esejo - tem a dizer h o je sobre
as hom ossexualidades. E tam bém a ocasião para se avaliar a literatura psicanalítica
atual sobre o tem a, cujas elab oraçõ es norteiam a posição dos analistas em sua prá­
tica clín ica no m anejo com um d esejo que "não ousa (ou ousava) d izer seu nom e".
A leitura que cada analista tem da hom ossexualidade d eterm ina a maneira co m o
ele cond uz as análises de todos seus pacien tes, independ en tem ente da escolh a
sexual e da estrutura clínica.
O evento foi realizado em 2 0 0 9 , na U niversidade V eiga de Alm eida (U VA ),
pelo M estrad o de Psicanálise, Saúde e S ocied ad e, com o apoio do Program a
de P ós-G raduação em Psicanálise da U niversidade do Estado do Rio de Jan eiro
(U E R J) e ob teve uma grande repercussão, tend o reunido, ao lon g o do dia, por
volta de 6 0 0 participantes, alguns vindos de outras regiões do país. A apresentação
de trabalhos e debates se passou num clim a de grande con fratern ização e entusias­
mo - o que só com provou sua necessidade. R ecebem os e-mails de diferentes países,
aos quais chegaram as notícias sobre o co ló q u io . Paola M ieli, psicanalista de N ova
Iorque, autora de um dos textos aqui reunidos, co lo co u -n o s em c o n ta to com Ja c k
D rescher, da m esma cidade, que nos enviou vários de seus artigos para nossos
encontros preparatórios, um deles publicado na coletân ea. E lisabeth R oudinesco
escreveu um tex to esp ecialm ente para este livro e C o le tte S o le r nos ofereceu um
texto sin óp tico de seu sem inário para ser publicado pela prim eira vez no Brasil.
P retendem os, assim, fazer ver, neste livro, o quanto a Psicanálise contribuiu ao
longo do sécu lo X X para dar as bases para a radical transform ação da cultura, com
uma m aior liberação dos costu m es, no que tange às sexualidades e, c o n se q u e n te ­
m ente, às hom ossexualidades.
A gradecem os a todos os autores presentes nesta obra,- um agrad ecim ento es­
pecial a Luciana M arques, por sua d ed icação e eficiência na efetiv ação do p ro jeto
deste livro,- a G lória Sadala, C o ord enad ora do D ou torad o de Psicanálise, Saúde e
Socied ad e da UVA, por toda a facilitação na realização do colóquio,- a C onsu elo
Pereira Alm eida, Eliana Rodrigues Pereira M end es, Luciana M arques, M aria V i­
tória B itten co u rt e Vera P ollo, por contribuírem para essa obra co m a realização
das traduções,- e a G ild a P aoliello, pela indicação de sua pu blicação para a Editora
Seg m en to Farma. E, tam bém , a A lfredo C haves por sua coragem em seu d ep oi­
m en to pessoal sobre seu percurso na Psicanálise durante o colóq u io.

Antonio Quinet
M arco Antonio Coutinho Jorge

Setembro de 2012
Ética e Preconceito
CAPÍTULO 1

0 real e o sexual: do inominável ao


pré-conceito
Marco Antonio Coutinho Jorge
“Do ponto de vista da Psicanálise, nem secfuer o interesse sexual
exclusivo do homem pela mulher é algo óbvio, senão um problema que
recjuer esclarecimento, pois não éja to evidente em si mesmo."
Sigmund Freud

“Mão é a mulher cjue o homem aborda, mas a causa


de seu desejo, o objeto a."
Jacques Lacan

■ Co-memorando Stonewall
or que com em orar, psicanaliticam ente, o m om ento em que o episódio de

P Stonewall faz 4 0 anos? Porque Stonewall representou a tomada da palavra pelos


homossexuais, a passagem da posição de objetos de perseguição policial para
.i de sujeitos que desejam ser reconhecidos com o tais e não mais aceitam ser martiri-
/.ados pelo preconceito e pela violência abusiva do outro. Stonewall rem ete à questão
i entrai da Psicanálise: a sexualidade. N aquele dia, em 2 9 de ju n h o de 1969, quando
o bar nova-iorquino Stonewall foi invadido mais uma vez por policiais e os freqüen­
tadores homossexuais se rebelaram contra a repressão e a hum ilhação, deu-se início
àquilo que viria se tornar o m ovim ento de liberação sexual, que cresceu ao longo da
segunda metade do século X X até se universalizar. Assim, a importância de Stonewall
para a história dos costum es não poderia ser maior.
Stonewall surgiu no ep icen tro da revolu ção sexual dos anos 1 9 6 0 , na qual a
palavra de ordem era liberdade, e representou uma tom ada de posição dos h o m o s­
sexuais diante de seu d esejo, significando, assim, uma con q u ista verdadeiram ente
analítica. O sintagm a 'çjaypride, orgulho gay, antes de significar que a h om o sse­
xualidade é alegre e que a vida é bela' para os hom ossexuais, m ostra que, antes de
Stonewall, ela era vivida com amargura, tristeza e vergonha. As im agens que fica­
ram de Stonewall são pungentes e transm item uma alegria in con tid a daqueles que
enlrentam o m edo e que reco n h e ce m em si m esm os uma força capaz de não mais
se acovardar. Stonewall significou uma verdadeira in terp retação psicanalítica para
os hom ossexuais, que 'saíram do arm ário' para as ruas1. C o m o ressalta L acan2, na
análise, o sujeito está sem pre em penh ad o num processo de reco n h e cim e n to co m o
lal, pois "a m ola últim a do in co n scien te é o d esejo de re co n h e cim e n to do sujeito".

15
N o en tan to , Stonewall consistiu , na verdade, na retom ada de um m ovim ento
pelos direitos dos hom ossexuais, que rem onta a um século an tes3. Segund o os
historiad ores do m ovim en to g a y , a prim eira m anifestação nesse sentid o teria o co r­
rido na Alem anha, precisam en te em 1 8 6 9 , quando um m éd ico húngaro, K aroly
M aria Benkert, escreveu, sob pseudônim o, uma carta aberta ao m inistro da ju stiça
pedindo que o novo có d ig o penal, que crim inalizava as práticas de atos h o m o sse­
xuais - foi ele, aliás, que cu nhou o term o híbrid o g reco -latin o 'hom ossexualidade'
- , fosse rejeitad o pelas autoridades. R etraçand o, em sua carta, a história de uma
abordagem racional da hom ossexualidade, ele falou em term os que, h o je , são
d enom inados ‘g a y pridé, ou orgulho gay.
C o n tu d o , isso não im pediu que o parágrafo 175 entrasse em vigor na A lem a­
nha lo g o em seguida, em m aio de 1 8 7 1 , só sendo revogado m uito recen tem en te,
em m arço de 1994, com a reunificação da A lem anha. Esse parágrafo, que sofreu
m od ificações ao lon go de to d o esse tem po, crim inalizava as relaçõ es h om osse­
xuais e, durante o períod o nazista, foi utilizado para co n d en ações de um núm ero
dez vezes m aior do que havia oco rrid o antes.

■ Nomeações equivocadas
N um am plo estudo sob re a hom ofo bia, Byrne Fon e4 assinala que esse term o
foi cunhado por K T Sm ith, em 1 9 7 1 . G eo rg e W ein b erg definiu-o em 1972 com o
"o tem or de estar perto de hom ossexuais". M ark Freedm an acrescen tou a essa d e ­
finição a d escrição da h om ofo bia co m o sendo uma "reação extrem a de ira e tem or
em relação aos hom ossexuais"5 6.
Nas reuniões preparatórias do colóquio As homossexualidades na Psicanálise - 4 0
anos de Stonewall - , Antonio Q uinet e eu conversam os sobre a ideia de que o term o
'hom ofobia' não era adequado para expressar as ações desqualificantes, agressivas
e francam ente persecutórias encontradas, muitas vezes, na cultura em relação aos
despatoiogização

homossexuais. H om ofobia expressa muito mais uma dimensão de passividade, com


m edo e retraim ento, do que de atividade agressiva ou persecutória em relação aos h o ­
mossexuais. Nesse sentido, Q uinet cunhou o term o 'homoterrorismo', que se adequa
sua

aos casos francamente violentos e covardes, com o foi o ocorrido na parada g a y de São
o

Paulo de 2 00 9. Talvez fosse possível falar tam bém de 'hom o-horror', 'homossegrega-
na h i s t ó r i a

ção', 'hom ódio' e 'homodesprezo'. C om efeito, o term o 'hom ofobia' recobre, de fato,
muito mais o cam po sem ântico do repúdio à própria homossexualidade, pelo repúdio
As Homossexualidades na Psicanálise

projetivo da homossexualidade do outro: repudia-se, no outro, aquilo que incom o­


da em nós mesmos. Nessa mesma direção, C o lette C hiland7 m enciona o sintagma
"preconceito anti-homossexual", cunhado por Laura Reiter, por ser mais preciso para
designar mais uma agressão para com os outros que propriamente uma fobia.
D eter-se nas palavras é uma tarefa co n sta n te para nós, psicanalistas, e os te r­
m os equivocados, no âm bito da hom ossexualidade, não param por aí: 'm inoria'
hom ossexual, por exem plo, é um sintagm a criad o por um discurso nitidam ente

16
p recon ceitu oso, que o utiliza, sob o p o n to de vista precário da norm alidade e s­
tatística8, co m o m etáfora de 'desvio da norma'. U m ad olescen te que se d escobre

■ 0 real e o sexual: do inominável ao pré-conceito


hom ossexual não se sente fazendo parte de uma m inoria, pois, sendo seu d esejo
sua única bússola, para ele não faz sen tid o que a questão se co lo q u e desse m odo
estatístico, a não ser que a cultura à sua volta nom eie sua p o sição sexual desse
modo. E que m inoria num erosa é essa que en ch e clubes e bares, todas as noites,
em to d o o mundo! Além disso, ca b e desconfiar das estatísticas: elas não incluem
os 'enrustidos', os ocasionais, os circunstanciais, os ativos que afirmam em un ísso­
no: 'não som os homossexuais',- e, ainda, no caso da hom ossexualidade m asculina,
os atualm ente autodenom inados 'H S H ', hom ens que fazem sexo com hom ens.
O s estudos feitos por A lfred K in sey et al., em 1 9 48 , revelaram que a frequência da
"hom ossexualidade exclusiva"9 na população, por volta de 10 % , era m uito m aior
do que a que se acreditava na é p o c a 10. A repercussão b om b ástica da pesquisa
derivou do dado de que "pelo m enos 3 7 % da população m asculina têm alguma
experiência hom ossexual entre o in ício da ad olescên cia e a idade avançada"11.
Argum entos relativos à term inolog ia podem levar m uito longe. A tenta a esses
aspectos e introd uzind o outro p o n to de vista, C o le tte C h ila n d propõe conservar
o term o hom ossexualidade co m o um co n ju n to que inclui dois subgrupos d ife­
rentes: hom ofilia, relacionad a apenas aos sen tim en tos de ternura,- hom oerotism o,
para se referir à sensualidade e à prática e ró tica propriam ente d ita 1213.
Cunhado por F eren czi14, com o assentim ento de Freud, o term o 'hom oerotism o'
foi difundido entre nós pelo psicanalista Jurandir Freire C osta, baseado na ideia
de que a palavra hom ossexualidade está incluída na linguagem da discrim inação
que "estigm atiza num erosos sujeitos que se afastam dos ideais sexuais da m aio­
ria"15. C ontudo, um term o não recob re a significação do outro e, ainda que C osta
pondere, com razão, que o term o 'hom ossexual' e seus derivados "têm seu sentido
subordinado ao co n tex to discrim inatório em que apareceram "16, o term o 'h o m o e­
rotismo' pode ser considerado, por outro lado, uma palavra que hom ogeneiza d ife­
rentes graus de ternura e am or com o âm bito do desejo sexual17. A distinção teórica
estrutural entre am or e desejo, construída por Lacan ao longo de seu ensino, em
continuidade às form ulações freudianas, perde, assim, seu co n torn o . Assim com o
para Freud o am or não pode ser co n c eb id o co m o se fosse uma pulsão parcial da
sexualidade entre outras, mas sim a expressão da aspiração sexual com o um to d o 18,
para Lacan, o am or se dirige ao sujeito: "N o amor, o que se visa é o sujeito, o sujeito
com o tal, enquanto suposto a uma frase articulada, a algo que se ordena ou pode se
ordenar por uma vida inteira"19.
A confusão entre am or e d esejo sexual pode confund ir ainda mais as coisas. A
hom ossexualidade, em seu sentid o m ais estrito de esco lh a de o b je to hom ossexual,
não está necessariam ente - pode estar ou não - incluída na ideia de h o m o e ro tis­
mo. Para dar um exem plo, o filme Brokeback Mountain, de A ng Lee, foi recebid o ,
em geral, pela cultura, co m o o prim eiro filme que abordava o am or entre dois

17
hom ossexuais, quando, na verdade, é um filme que revela, no prim eiro plano,
co m o poucas obras de arte, o d esejo sexual en tre dois hom ens m ásculos20 21.
Surge a questão de saber até que p o n to a h om o g en eização entre am or e d esejo
pode servir, nesses casos, a uma finalidade sutilm ente h om ofó b ica, de o discurso
h eterossexista abrandar e até m esm o escam otear a força do d esejo hom ossexual.
Seria exagerad o supor que por detrás dessa leitura feita do filme haveria a desqua-
lificadora co n statação su b jacen te: perversos tam bém amam'?

■ 0 real inominável do sexo


O que é preciso en ten d er é o que a Psicanálise traz desde Freud e Lacan: há um
'real do sexo', im possível de ser sim bolizado, que escapa ao cam po do sen tid o im a­
ginário, no qual a cultura tend e a forjar a ideia de uma com plem entarid ade entre
os sexos que recubra inteiram ente aquilo que, na natureza anim al, surge co m o d i­
ferença sexual anatôm ica entre m ach o e fêm ea. D esd e o in ício de sua obra, Freud
ressaltou o caráter diverso da sexualidade hum ana e m ostrou que ela se esp ecifica
precisam ente porque se distingue do instinto animal e opera por m eio daquilo que
ele d enom inou "pulsional". O co n c e ito de pulsão, com seu o b je to faltoso e sua
força co n stan te pedindo repetitivam en te esse m esm o o b je to , que não surge jam ais
- pois, co m o indica Lacan, a rep etição é essen cialm en te a "re-p etição"22 de uma
dem anda - , é algo que atravessa toda a sexualidade com um real inom inável23,24.
A diferença sexual se recusa ao saber, não há saber sobre o sexo, trata-se de
um real em jo g o na sexualidade - é isso o que significa o aforism o lacaniano "não
há relação sexual" e a hom ossexualidade parece estam par esse real diante do im a­
ginário da cultura. O aforism o lacaniano é, co m o verem os adiante, correlativo à
teoria freudiana da bissexualidade.
C o m o formula G en evièv e M o re i25, esse aforism o de Lacan deve ser entendid o
no sen tid o de que "não há equivalente p sican alítico da lei de Newton,- não se pode
escrev er a lei psicanalítica da atração dos seres hum anos". A Psicanálise não pode
escrev er a lei universal dessa relação nem fo rn ecer suas regras, porque elas não
existem . U m a m etáfora adequada seria a do livro para o qual falta um capítu lo, o
capítu lo principal - o capítu lo perdido do saber sob re o sexo - , e, sendo assim,
toda e qualquer interp retação desse livro será válida, pois não há versão original,
não há sen tid o original e sim uma falta de sentid o. A ausência de sen tid o é a
m aneira pela qual Lacan define propriam ente o real, que se o p õe ao im aginário, o
registro do sentido. Já o sim b ólico, registro da palavra e da linguagem , caracteri-
za-se por sua estrutura de duplo sentido.
Assim, toda versão da sexualidade é igualm ente legítim a e ninguém pode se
arrogar o d ireito de autorizar ou desautorizar a sexualidade de ninguém . O sujeito
sexuado se autoriza a si m esm o, poderia ser d ito, parafraseando Lacan, quando ele
diz que o analista só se autoriza por si m esm o. D a í a alegria de um m enino de dez
anos em análise, que me foi narrada por uma supervisionanda, ao levar sua grande
d escoberta para uma sessão: a de que havia, no d icionário, a palavra 'sexo'. Tal d es­
co b erta provavelm ente significava que ele podia, a partir daí, autorizar-se co m o

■ 0 real e o sexual: do inominável ao pré-conceito


sexuado,- mas, co m o "alegria de pobre dura pouco", o m enino m uito rapidam ente
aprenderia que a palavra 'sexo' não dava co n ta do sexo.
C o n trariam en te aos animais, para os quais o instinto responde integralm en te
pela atividade sexual, co o p tan d o-a à reprodução da esp écie, o ser hum ano ap re­
senta uma atividade sexual estritam en te vinculada ao prazer e ao g ozo . É por isso
talvez que quando nos deparam os com os animais eles fazem enigm a, h isterici-
zam -nos e nos fazem referirm os a eles cada vez que o assunto é sexo. E n tend e-se
que o p reco n ceito em relação à hom ossexualidade deriva do im aginário inerente
à observação do com p ortam en to sexual anim al, para o qual, pela via do fu n cio n a­
m ento instintual, a relação sexual existe.
Pod e-se d ep reend er o in co n scien te estruturado co m o linguagem aqui tam bém ,
quando se trata de nom ear algo relativo ao sexo, que parece se situar para além do
representável, fora dos lim ites do sim bólico: certam en te, não é à to a que o ún ico
recurso possível parece ser recorrer às m etáforas oriundas do rein o animal.
D e fato, um hom em forte e p o ten te é freq u en tem ente cham ad o de 'animal'.
D ois am antes são co m o dois p om binhos arrulhando. N a linguagem coloquial,
popular ou m esm o chula, as nom eaçõ es atribuídas aos sexos m asculino e fem inino
são, via de regra, referidas ao bestial, co m o se assim lhes fosse recon h ecid a uma
vida autônom a, incontroláv el co m o a de um animal vivo que se m ove com a b so ­
luta independ ência: aranha, p erereca, periquita, baratin ha, co b ra, pinto, pom ba,
rola, peru, trom ba, passaralho (este já é um neologism o, mas tudo b em ). Q u and o
o fascínio e a sedução erótica se produzem , há as m etáforas já tornadas catacre-
ses, que cond ensam nosso olhar siderado sobre a vida fora do sim bólico: a gata, a
pantera, a tigresa, a perua,- o gato, o garanhão, o cavalo, o touro. E, tam bém , um
peixão. Além da m etáfora do avião que, por não ser um anim al, nem por isso deixa
de ter asas para voar co m o uma ave. E, se a aparência não é nada boa, o animal
referido é im aginário e m asculino: Ela é um dragão e só conseg u e se fem inilizar
caricatam ente - Drag Queen. O u participante de um real abissal: uma baleia.
Q uand o se trata de con d en ar o excesso no sexo, tam bém o bestial vem so c o r­
rer e dar a últim a palavra: a cach o rra, a cad ela, a vaca, a porca, a galinha, a franga,
a piranha, além , é claro, do fam oso viad o que, com o disse A rnaldo Jab or, escreve-
se com i m esm o, acrescen tan d o que só os viados escrevem veado com e. M u ito
estranho esse viado, porque, por ou tro lado, dizem as más línguas que "hom i cum
homi dá lubisom i" e "muié cum m uié dá ja ca ré "26. E é ainda fazend o referências às
bestas por sinédoques que nom ea-se o su jeito traído: ch ifrudo e cornu d o27.
E im pressionante ver que, tam bém na Psicanálise, rein o do real da sexualidade,
os animais são onipresentes: o caso do pequ eno H ans e a sua fobia do cavalo, o
hom em dos ratos, o hom em dos lobo s, o m enino g alo28, a m ulher dos g ato s29 —
todos às voltas com o real do sexo! E é esse real do sexo que surge com força na
hom ossexualidade.

19
O u tra form a de indicar o real inassimilável do sexo na linguagem é verificar
o quanto se produz universalm ente uma co o p ta çã o da significação agressiva nas
nom eaçõ es do sexual. Tudo indica que o sexo é "animal", pois os nom es esco lh id os
na linguagem coloquial e chula para designar os sexos e a atividade sexual recaem
tam bém com frequência no cam p o sem ân tico da violên cia: pau, ca ce te , porra,
porrada, esporro, em b o ceta r etc.

■ Lacan com Freud: o conceito de pulsão


O interesse de Freud pela sexualidade é tributário de sua d escoberta do in co n s­
cien te. Ele não é um interesse casuístico, co m o o de H av ello ck Ellis, que, segundo
o próprio Freud, gostava de enum erar os mais d iferentes casos, mas sem querer
com p reen d er a ló g ica in eren te aos p rocessos em jo g o na sexualidade30.
O co n c e ito de pulsão é, antes de mais nada, tributário dessa v o ca çã o lóg ica
freudiana. Ele cond ensa os achad os psican alíticos sobre a sexualidade em to rn o de
uma co n c e p çã o sim ples e precisa: a busca de satisfação está na base da atividade
sexual hum ana que, diversam ente do instinto sexual anim al, não está to talm en te
co n ectad a à reprodução da esp écie. Ela é uma força con stan te que se dirige a um
o b je to in existen te (dim ensão real do o b je to faltoso) e que, assim, pode ser subs­
tituído por qualquer o b je to , até m esm o - e, às vezes, sobretudo — pelo esp elho,
con form e a d esco berta fundam ental de Freud sobre a dim ensão que o narcisism o
ocupa no cam po do sexual. Para Freud, a pulsão é lim ítrofe entre o co rp o e a m e n ­
te, tem co m o fo n te uma bord a orificial e co m o alvo a satisfação inerente à baixa
de tensão aum entada subitam en te nessa região do corp o.
R essaltando a im portância da con ceitu ação freudiana e critican d o a "recusa do
co n c e ito "31 por m eio da qual as resistências dos psicanalistas pós-freudianos se m a­
nifestaram em sua essência, Lacan distinguiu de m odo cabal esse c o n c e ito da n o ­
ção b io ló g ica de instinto. D e fato, até Lacan havia uma ten d ên cia quase universal a
traduzir o term o alem ão 'Trieb' por instinto, o que ocasionou uma hom og en eização
entre duas categorias teóricas, cujas diferenças Freud destacou com precisão. N os
animais, a atividade sexual é instintiva e ob ed ece a determ inados ciclo s b iológ icos,
que co n ectam a cópula sexual entre m acho e fêm ea exclusivam ente aos períodos
férteis da fêm ea, ou seja, à aptidão b io ló g ica para a reprodução daquela espécie.
Lacan precisou o co n c e ito de pulsão, sobretud o ao dem onstrar o quanto ela
está co n ectad a à dim ensão da linguagem , do O u tro que receb e a crian ça ao nas­
cer. L acan 32 exp licitou a "relação entre linguagem e sexo" e dissociou a co n c ep çã o
freudiana das fases do d esenvolvim ento da lib id o de um p retenso evolucionism o
b io ló g ico . Se a prim eira pulsão parcial é a oral, isso se dá porque o O u tro , na
prim eira etapa da vida do b eb ê, volta, in tegralm ente, a sua aten ção e dirige sua d e ­
m anda essencialm ente para esse o rifício corporal. A passagem para a fase anal não
é tributária de nenhum a m etam orfose natural que engendraria uma pulsão (anal) a

20
partir de outra (o ral), mas sim do fato de que, a partir de determ inado m om en to
da vida da crian ça, em que os rituais de hig ien e devem co m eça r a ser assim ilados,
dando in ício ao p rocesso de educação por m eio do co n tro le esfincteriano, o O u ­
tro dirige sua aten ção esp ecialm en te para esse orifício corporal.
A pulsão é, assim, con form e assinala Lacan, uma dem anda do O u tro dirigida
ao sujeito. A in cid ência da linguagem , da dem anda do O u tro sobre as estruturas
de borda do co rp o da criança, constitu i, assim, o que Freud cham ou de zonas
erógenas e constitu i o corp o enqu anto co rp o pulsional. A b o ca , o ânus, os órgãos
genitais, então, não constitu em zonas erógenas em si m esm os, mas sim - lição
fundamental de Lacan - pelo fato de serem atravessados p elo discurso do O u tro,
pela linguagem , pelo registro do sim bólico. A pulsão é, assim, uma nítida p onte
entre o som ático e o psíquico, entre o corp o e a linguagem .
Lacan critica com veem ência o que ele denom ina de "m itologia da m aturação
dos instintos", pois a ideia de uma evolução da libido atrelada a um d esenvol­
vim ento b io ló g ico - e, logo, instintivo - , que correspond a a um processo de
m aturação do organism o, é a responsável pela entrada no cam p o te ó rico da Psi­
canálise de categorias que correspond em a ideais entron izad os pela cultura, com o:
personalidade adulta, to tal, çjenital love (am or g én ita l)33, harm onia do g en ital34 obla-
tividade etc. T end o sem pre insistido no equ ívoco em traduzir Trieb por instinto,
Lacan foi o prim eiro psicanalista a to ca r nesse desvio te ó rico crucial perpetrado
pelos pós-freudianos, co m o no co ló q u io realizado na U niversidade de Rom a, em
19 6 4 , no qual cham ou a aten ção para o fato de que "a pulsão freudiana nada tem
a ver com o in stinto, nenhum a das expressões de Freud perm ite essa confusão".
Lacan precisou ainda que35:

A pulsão tal com o é construída por Freud a partir da experiência do


inconsciente proíbe ao pensamento psicologizante esse recurso ao ins­
tinto com que ele mascara sua ignorância, através da suposição de uma
moral na natureza.

N esse desvio, portanto, a m oral invadiu a Psicanálise e o inom inável do sexo


se prestou a to d o tip o de p reco n ceito s.

■ Os medicanalistas contra Freud


O dom ínio da prática psicanalítica pela m edicina, no âm bito da Psicanálise norte
-americana, contrariando a vontade de Freud, certam ente con tou m uito para reduzir
o amplo escopo das descobertas psicanalíticas à oposição maniqueísta normal versus
patológico. C o m o observa N athan H ale Jr.36, em sua obra sobre a história da P sica­
nálise nos Estados Unidos:

coube aos seguidores americanos de Freud e alguns dos analistas em i­


grados insistir que a homossexualidade era uma patologia inata, um

21
distúrbio profundo da personalidade, e dispensar um zelo terapêutico
para sua 'cura'.

Para que se ten h a uma ideia de co m o o tem a da hom ossexualidade esteve


na origem de inúmeras form u lações psicoló g icas que atestam o enqu istam ento
de co n c e ito s psicanalíticos, numa ideologia m éd ica conservadora to talm en te
inadequada para se coadunar com os princípios da doutrina freudiana, na qual a
barreira entre o norm al e o p a to ló g ico foi pulverizada pelo c o n c e ito m esm o de
in co n scien te 37, é possível cita r alguns exem plos.
Num estudo escrito em 1 9 6 4 sobre a relação entre a criatividade e a h om o sse­
xualidade, portanto alguns anos antes do evento de Stonewall, H arry G ersh m an 38
em penhou -se em dem onstrar que consid era errônea a n oção de que "o h om o sse­
xual é em geral mais criativo que o resto da população”. Fica im plícito que o alvo
de sua crítica é a form ulação feita por Freud, em 1 9 0 8 , de que "a con stitu ição das
pessoas que sofrem de inversão - os hom ossexuais - distingue-se amiúde pela
especial aptidão de sua pulsão sexual para a sublim ação sexual"39. G ershm an p o n ­
derou que sua relação com a criatividade é superficial (co m o no caso do d ecorad or
de interiores e do cab eleireiro fem inino) e deriva de seu narcisism o. O o b je tiv o de
desqualificação é evidente, pois, m esm o quando se trata da grande arte, o h o m o s­
sexual só é visto se integrando nela por vias patológicas. Assim, quando ele é ator
de teatro , tem ê xito m enos por seu talen to que por sua 'autoalienação' e devido "às
fronteiras do ego não estarem bem entricheiradas nem enraizadas em sen tim entos
esp ecíficos do self”. Segundo a lóg ica p atolog izan te de G ershm an40, "outra pessoa
tão talen tosa quanto ele não terá tantas co n d içõ es para desem penhar tantos d i­
ferentes papéis, uma vez que esta parte de seu próprio self"41. S e for escritor, seu
êxito será devido ao fato de ser "extrem am ente sensível à crítica de si m esm o", [e
por] "ter uma habilidade estranha para pegar, dissecar e focalizar em seus escritos
a destrutividade do hom em ”42.
N ada escapa à ó tica da p ato lo g ização m édica, que se vale de n o çõ es psicana-
líticas apenas para o b je tifica r o sujeito. A té Irving B ieber43, um dos psicanalistas
n orte-am erican os mais p recon ceitu o sos em relação à hom ossexualidade, ao c o ­
m entar o artigo de G ershm an ponderou que seria p reciso que o autor definisse
claram ente o que constitu em as ocu p ações artísticas para ele. Q ue há uma h o m o ­
fobia na cultura, é inegável, mas não pode d eixar de surpreender ver que m uitos
psicanalistas m anifestam uma op inião com patível com o p reco n ceito do senso
com um , por exem plo, C esare M u satti44, ao afirmar perem ptoriam ente: "a h o m o s­
sexualidade não passa de uma anom alia, devida a uma m ultiplicidade de causas,
em parte psíquicas, em parte orgânicas".
N o Brasil, a Psicanálise proclam ada pela International Psychoanalytical Association
(IPA) sustentou, com frequência igualm ente, uma p o sição antifreudiana baseando-
se em categ orias pseudopsicanalíticas fo rtem en te criticad as por Lacan ao lon g o
de seu ensino, co m o a "prim azia do genital". W ald em ar Z usm an45, por exem plo,

22
forneceu aos leitores da im prensa cotid ian a um lím pido exem plo de co m o a P sica­
nálise pode ser coo p tad a por ideais m éd icos referentes à norm alidade e patologia.

■ 0 real e o sexual: do inominável ao pré-conceito


H om ogen eizan d o de form a inteiram ente equivocada a dim ensão do d esejo com
aquela da id entificação, Zusm an afirma que

todo homossexual tem uma identidade sexual (de gênero) que está em
desacordo com os seus órgãos sexuais, do ponto de vista anatôm ico e
fisiológico. N ão se trata de um problema hormonal ou genético e sim
de identificação.

O ra, em seu estudo de caso princeps sobre a jo v em hom ossexual, Freud já se


em penhara em dem onstrar que há hom ens m ásculos hom ossexuais e fem ininos,
heterossexuais, assim co m o m ulheres fem ininas lésbicas e m asculinas h e te ro sse ­
xuais. A dim ensão do d esejo é h eterog ên ea àquela da id en tificação. C item o s, por
extenso, o que ele afirma quanto a isso46:

a bibliografia sobre a homossexualidade não sabe distinguir com niti­


dez suficiente o problema da escolha de objeto, por um lado, e a das
características sexuais e da atitude sexual do sujeito, por outro, com o se
a decisão sobre um desses pontos se enlaçasse necessariamente com a
decisão sobre o outro. Mas a experiência mostra o contrário: um homem
com qualidades predominantemente viris, e que exiba também o tipo
masculino de vida amorosa, pode, com tudo isso, ser um invertido com
relação ao objeto, amar somente a homens e não mulheres. Um homem
em cujo caráter prevaleçam de modo chamativo as qualidades femini­
nas, e ainda que se porte no amor com o uma mulher, em virtude dessa
atitude feminina deveria estar destinado ao varão com o objeto de amor,-
não obstante, muito apesar disso, pode ser heterossexual e não mostrar,
em relação a seu objeto, uma inversão maior que uma pessoa normal
média. O mesmo vale para as mulheres,- tampouco nelas, caráter sexual
e escolha de objeto coincidem numa relação fixa. Portanto, o mistério
da homossexualidade de modo algum é tão simples com o se tende a
imaginá-lo no uso popular: uma alma feminina, forçada por isso, a amar
o varão, instalada infelizmente num corpo masculino,- ou uma alma viril,
atraída irresistivelmente pela mulher, mas para sua desgraça aprisionada
num corpo feminino.

N o en tan to , tais p reco n ceito s em relação à hom ossexualidade não constitu em


exclusividade da Psicanálise da IPA. U m autor de form ação lacaniana sólida, ao se
referir à hom ossexualidade m asculina, en co n tra uma form a de situá-la, nada mais
nada m enos, do que co m o uma esp écie de erro 47:

Reduzir o ob jeto m etafórico que é a imagem fálica a um decalque


do pênis é cair no erro já assinalado em M elanie Klein, que reduz o

23
significante do desejo à representação do objeto, e ao mesmo tempo
subordina-o ao significado,- erro que é igualmente o do neurótico que
se contém por tem or de que se o tome dele, ou do homossexual que faz
do pênis a condição de sua escolha de objeto.

O que pensar dessa form a de abordagem que alinha erros de esco lh a de o b ­


je to a erros teóricos? C o m o é possível falar de erro em relação a uma esco lh a
de o b je to , a não ser que se acred ite saber o que é co rreto nessa escolha? Seria
d ito o m esm o em relação a uma m ulher cu ja esco lh a de o b je to é exclusivam ente
o hom em , que ela faz do pênis a co n d içã o de sua esco lh a de o b je to e que isso
constitu i um erro?
E na esco lh a das palavras que os p ré-co n ceito s se revelam e, inseridos no
interior da Psicanálise, transform am -na sub-repticiam ente numa p sicolo g ia geral
antiquada e inútil, com a qual a cultura atual em nada se beneficia. D ep o is de
solaparem eles m esm os, desse m odo, a tran sferência que os sujeitos podem vir a
fazer co m ela - e antes do sujeito procurar um analista com o qual se desenvolverá
sua transferência é necessário que ele possa fazer uma transferência com a P sica­
nálise enqu anto tal! — os analistas vêm lam entar os avanços do cognitivism o, da
p sicofarm acologia e da Psiquiatria b io ló g ica . M as não há nenhum a dúvida de que,
se os psicanalistas não sustentarem a ética que é própria à Psicanálise, ela tenderá
a desaparecer48.
D ed u z-se facilm ente, das observações anteriores, o quanto é lam entável que
os psicanalistas reajam à hom ossexualidade de form a tão p recon ceitu osa quanto
o resto da socied ad e muitas vezes o faz. A hom ossexualidade é, por si só, uma
subversão: ela não é nem uma inversão - ideia que supõe que haja uma versão c o r­
reta da sexualidade - , nem uma perversão - n o çã o que inclui a hom ossexualidade
no rol dos associais, fora da lei, m arginais, senão psicopatas49. Ela é subversiva,
de sua d e s p a t o i o g i z a ç ã o

pois m anifesta, em ato, a existên cia no ser falante de uma liberdade absoluta em
relação ao natural.

■ A ética da diferença
na h i s t ó r i a

P or m eio desses brev es exem p los, v ê-se porque c e rta form a de c o n c e b e r a


P sicanálise consegu iu causar verd ad eiro h o rro r numa parte expressiva da in te ­
- As Homossexualidades na Psicanálise

lectu alid ad e, no que diz resp eito à sua ab ord ag em da hom ossexualidad e. O que
é m uito grave, na m edida em que o discurso p sica n a lítico se fundou enqu an to
te o ria e p rática clín ica, a partir do m o m en to em que Freud pôde dar à questão
da sexualidade uma form u lação ló g ica c o n siste n te. E, se esse p o n to p reciso da
P sicanálise - a sexualidade - é g rav em ente d isto rcid o , sim plesm ente to d a a
e xp eriên cia p sican alítica a ch a -se co m p ro m etid a p elos p re co n ceito s do discurso
co rren te.

24
C o m o exem plo paradigm ático desse horror, cito G o re V idal50 que no prefácio
à obra A invenção da heterossexualidade, de Jo n a th a n K atz, v aticina co n tra a P sicanáli­

■ 0 real e o sexual: do inominável ao pré-conceito


se, ainda que em outros m om entos tenha form ulado co n c e p ç õ e s que se coadunam
integralm ente co m a con stru ção teó rica freudiana:

Q uando o Gulag freudiano (teoria de Freud) finalmente implodir


com o a antiga Iugoslávia, é animador saber que o culto e por natureza
irreverente Jonathan K atz haveria de estar presente para enfiar uma
estaca de madeira em seu coração agonizante. A heterossexualidade,
um co n ceito fatídico de origem recente, mas de conseqüências ter­
ríveis, é, obviam ente, fundamental para as noções muitos estranhas
da sexualidade humana que Freud e seus discípulos nos impuseram
durante um século.

D e onde provém esse profundo ód io por parte de intelectuais, co m o G o re


Vidal, em relação à Psicanálise? Ele certam en te é p roveniente não tan to da obra
de Freud - que assinou, em 1 9 3 0 , uma p etição a favor da descrim inalização da
hom ossexualidade e defendeu a prática da Psicanálise por sujeitos hom ossexuais
- co m o ele o afirma, quanto das p o sições francam ente p ato lo g izan tes adotadas
pelos pós-freudianos, a partir dos anos 1 9 5 0 , em relação ao assunto. Para uma
com p ilação expressiva dessas p osições e de outras p o sições de psicanalistas que
se opuseram à p ato lo g ização da hom ossexualidade, é instrutiva a leitura do artigo
de Ja c k D re sch er51'52, intitulado "H istória da hom ossexualidade e Psicanálise o r­
ganizada", publicado neste volum e.
E preciso m en cion ar igualm ente a produção de alguns psicanalistas, co m o
ludd M arm or53'54 e T h o m as S azsz55, que defenderam p o n tos de vista que se c o a ­
dunam com a ética da Psicanálise - passível de ser definida com Lacan co m o ética
da d iferença56.
Num estudo com parativo entre a Inquisição e o m ovim en to de saúde m ental,
T hom as Szasz, analisando o caso de C live M ich a el Boutilier (im igrante canadense
deportado dos Estados U n id os após um ju lg am en to que ch eg o u até a Suprem a
C o rte, em função de sua hom ossexualidade considerada p ato ló g ica, uma "p erso­
nalidade psicopática", pelos m éd icos do S erv iço de Saúde Pública), form ulou que
o hom ossexual era o b od e exp iatório m odelar da Psiquiatria. S zasz57 concluiu esse
estudo afirm ando que

esse é um tipo de caça médica às feiticeiras, onde os médicos perseguem


os 'pacientes' por causa de suas supostas ou reais heresias médicas.
Portanto, o m édico substituiu o sacerdote, e o paciente substituiu a
feiticeira, no drama da perpétua luta da sociedade para destruir preci­
samente as características humanas que, ao diferenciar os homens de

25
seus sem elhantes, identificam as pessoas com o indivíduos e não com o
participantes do rebanho.

Pois a Psicanálise, enqu anto exp eriên cia subjetiva, é, para L acan58, sustentada
pelo d esejo do psicanalista, que

não é um desejo puro. É um desejo de obter a diferença absoluta, aquela


que intervém quando, confrontado com o significante primordial, o
sujeito vem, pela primeira vez, à posição de se assujeitar a ele.

O desejo de obter a diferença absoluta implica na subjetivação do desejo e não


no seu d esconhecim ento ou negação. Lacan59 cham a atenção para o fato de que o
desejo (WunschJ, "em seu caráter particular irredutível", não se submete a qualquer
forma de norm atização, "não tem o caráter de uma lei universal, mas, pelo contrário,
da lei mais particular." Pois, para Lacan, o que é universal é precisam ente "que essa
particularidade se encontre em cada um dos seres humanos''60.
Lacan formula, a partir de sua teoria dos discursos, que a saída do discurso
capitalista depende da Psicanálise (e da p osição de santo61 em que ele situa o
psicanalista). O que se pode traduzir afirm ando que se o lem a que rege o ca p i­
talism o é 'ninguém é insubstituível', para a Psicanálise, ao con trário, ninguém é
substituível. A Psicanálise, enqu anto exp eriên cia e enqu an to ética do bem -dizer,
parte do princípio de que o sujeito tem algo a d izer que ninguém mais poderia
d izer em seu lugar.

■ A contribuição de Lacan
A fo nte de todos os p reco n ceito s relativos à hom ossexualidade pode ser lo ca li­
zada no p oderoso m ito de que a relação sexual existe, de que existe relação entre
despatologização

os sexos e pode-se v ê-lo operando em todas as teorias da Psicanálise que tentam


exp licar a origem da hom ossexualidade.
M as se não há o O utro sexo, para cada sujeito, o outro sexo é sempre O utro e to ­
das as versões sexuais são legítimas. A fonte desse m ito é, em essência, o rebatim ento
de sua

imaginário - ou seja, a atribuição de um sentido fechado e último - que o ser humano


história

faz da existência animal sobre a sua própria e acredita ver, na natureza animal, a ver­
dade final de sua existência. Se, no mundo animal, é legítim o falar-se em m acho e fê­
As Homossexualidades na Psicanálise '

mea, no mundo humano só se fala nesses term os nos casos em que se quer perpetuar
o m ito da relação sexual. É digno de nota que jam ais se lê, num texto de Psicanálise,
por exem plo, que um hom em heterossexual apresentava aversão ao sexo masculino,
da mesma maneira que se fala da aversão ao sexo fem inino dos homossexuais.
A palavra 'sexo' provém do latim secare, que significa cortar, dividir, separar. O
su jeito do in co n scien te não tem sexo, ele e o sexo - a divisão, o co rte — e, por isso
m esm o, a p o sição da h istérica relativa a um não saber sobre a sua própria posição

26
sexual interessa tan to à Psicanálise, pois ela revela o enigm a insolúvel ligado à
sexualidade e à diferença sexual. Q uand o Lacan escreve K para designar o sujeito

■ 0 real e o sexual: do inominável ao pré-conceito


do in con scien te, é p reciso notar que a divisão é inerente ao su jeito e que qualquer
d esignação será insuficiente para colm atar a falha ineren te à sua estrutura.
A relação sexual só é tornada possível no cam po da fantasia, que é uma in v en ­
ção de cada su jeito para fazer face à in existência da relação sexual62. C o m o a re la ­
ção sexual só existe na fantasia, d epreend e-se daí que as teorias sob re a origem da
hom ossexualidade são fantasias que se pretendem im por aos sujeitos, passando-as
por verdade cien tífica. N essa d ireção, o tratam en to an alítico co rre o sério risco de
se tornar uma terapia de cu nho ad aptacionista, cu jo o b je tiv o é apagar a d iferença
do sujeito e to rn á-lo con form e à norm a social.
Ao postular no cam po do O u tro sexo a dim ensão do o b je to a com o o b je to do
d esejo que sustenta a fantasia, o hom em se relacion a com uma m ulher (ou com um
hom em ) no cam p o da fantasia e uma m ulher (ou um hom em ) funciona co m o v e s­
tim entas im aginárias do o b je to a causa de seu d esejo: "não é senão da vestim enta
da im agem de si, que vem envolver o o b je to causa do d esejo, que se sustenta mais
Irequentem ente - é a articulação m esm a da análise - a relação o b je ta i"63, tradução
modificada por nós). N esse sem inário que trouxe elem entos teó rico s inovadores
para se pensar a questão da diferença sexual, L acan64 relê a p roblem ática freudiana
da d iferença sexual a partir da d iferença de g o z o e, com isso, afasta toda a reflexão
psicanalítica de uma norm ativização b io lo g iz an te e p sicolo g izan te. Para ele, e x is­
te o g ozo fálico, m asculino, do qual participam hom ens e m ulheres, e o g ozo do
O u tro, que é um g o zo suplem entar - e não com p lem entar - ao qual têm acesso
as m ulheres, entendidas estas co m o aqueles sujeitos que freqüentam esse g ozo ,
independ entem ente de sua anatom ia corporal m asculina ou fem inina.
M ais essencialm ente, Lacan form ulou que o hom em só tem acesso ao O u tro
sexo por m eio da fantasia i? 0 a, de uma form a tal que o O u tro sexo é sem pre
O u tro - o que, de algum m odo, inviabiliza que se fale de hom ossexualidade em
Psicanálise: n o fundo, estruturalm ente, só há heterossexualidade, uma vez que
o O u tro sexo não existe. O sujeito diante do outro - hom em ou m ulher — está
sem pre diante do O u tro sexo.
Q ualqu er leg iferação sobre a norm alidade ou não da sexualidade e dos c o m ­
portam entos sexuais é uma im postura perversa, que pretend e d izer o que é ce rto
e o que é b om para o outro. C an alh a é aquele que se tom a pelo O u tro , diz Lacan,
e pode-se aplicar essa form ulação às posturas teóricas, que têm desde sem pre te n ­
tado aprisionar a hom ossexualidade numa determ inada form a de patologia. Por
isso, nosso co ló q u io pretend e se d ebru çar sobre a história da d espatologização
da hom ossexualidade, a qual revela, de form a surpreendente, que foi a P sica­
nálise - e não a Psiquiatria — o discurso que mais se insurgiu co n tra essa m esma
d espatologização.

27
D e to d o m odo, nossa bússola sem pre foi e continuará sendo a obra de Freud:
sua pré-visão foi precisa. A o final dos "Três ensaios", ele assevera d iscretam ente
que, quanto mais ela for descrim inalizada - sim, porque, na ép oca, tratava-se de
um crim e, em diversos países do O cid e n te , co m o ainda o é em várias regiões do
planeta —, m ais a hom ossexualidade será uma op çã o de escolh a sexual para mais
sujeitos: "quando a inversão não é considerada um crim e, pode-se ver que resp o n ­
de cab alm en te às in clin ações sexuais de um núm ero não pequeno de indivíduos"65.
Foi isso que a cultura do sécu lo X X m ostrou ao ser atravessada de p onta a ponta
pela influência de sua obra.
Para encerrar, vale lem brar que a ética da diferença entronizada pela P sicaná­
lise pode ser resumida na c o lo c a ç ã o feita por Freud, em uma de suas m agistrais
con ferên cias introdutórias à P sicanálise66:

O psicanalista não é reformador, mas observador. E, justam ente por


isto, ele está habituado a emitir pareceres isentos de preconceitos, tanto
sobre assuntos sexuais com o sobre outros assuntos,- e se, havendo-se
tornado independentes após com pletado o tratamento, os pacientes,
mediante seu próprio julgam ento, decidem por alguma posição inter­
mediária entre viver uma vida livre e uma vida de absoluto ascetismo,
sentimos nossa consciência tranqüila, seja qual for sua escolha. D iz e ­
mos a nós próprios que todo aquele que conseguiu educar-se de modo
a se conduzir de acordo com a verdade referente a si mesmo, está per­
manentemente protegido contra o perigo da imoralidade, conquanto
seus padrões de moralidade possam diferir, em determinados aspectos,
daqueles vigentes na sociedade.
CAPÍTULO 2

A despatologização da homossexualidade
Gilda Paoliello

■ A homossexualidade na Antiguidade grega


abe-se que, na A ntiguidade grega, a hom ossexualidade era culturalm ente

S aceita, sendo a pederastia um costu m e social. Tratava-se de um costum e


do am or dirigido aos ad olescentes, costum e a ristocrático herdado dos
d óricos, os quais conservaram algumas trad ições indo-europeias m uito antigas,
com o as fraternidades, sociedades exclusivam ente m asculinas, a partir das quais
eles criaram uma form a de vida social, em relação à edu cação e à transm issão
das virtudes fundam entais. N ão se tratava de uma perversão, mas sim de uma
instituição - co m o o casam ento - sancionad a e santificada pelo costum e, o cu lto
e o Estado. C o m e feito , havia dois aspetos na vida social grega - por um lado, o
registro dom éstico, com a p ro criação física no casamento,- por outro lado, o re ­
gistro pú blico dos hom ens no ginásio, na ed u cação aristocrática e nos b an q u etes1.
O o b je tiv o da edu cação era o seguinte: cond u zir o jo v em à virtude (aretê), à
qual ele chegava ao se apaixonar p elo am ante (que, então, to rn a-se o am ado, ao
passo que o jo v em am ado se transform a, agora, em am ante) e, ao m esm o tem po,
com o ele, apaixonar-se tam bém pelo m od elo (o eidos, a form a perfeita, da qual
ele é uma cóp ia) - encarnad o por ele - do kalos katjathós (equivalência grega entre
virtude ética e b eleza), que con stitu ía o Ideal (M o d elo ), segundo o qual a A n ti­
guidade procurava m oldar a ju ventu d e2.
E im portante ter em co n ta esse lado h o m o e ró tico dos gregos para bem c o m ­
preender seu m undo (artes, esp ortes, esp írito com p etitiv o , am bição e tc .) e a força
das paixões que dom inaram a vida grega: paixão pelo b elo, e a p erfeição no plano
do verdadeiro e da bela aparência .

29
P or outro lado, a situação da m ulher na G récia era bastante peculiar. A m ulher
era inculta e bárbara, estan d o distante de tudo. Seu papel consistia em "servir e
calar a b o ca", segundo A ristótelesO ). D ev id o a esse status na socied ad e grega, d e­
sejar uma m ulher era indigno de um hom em que tivesse um ideal de virilidade, já
que sua inferioridade cultural era m arcan te3.

■ Homossexualidade: de pecado a crime


C o m o advento do cristianism o, a hom ossexualidade passou a ser uma prática
condenada, considerada pecado abom inável, co m o mostram várias passagens da
Bíblia4. Posteriorm ente, tornou-se crim e m ereced or de pena de m orte. Séculos mais
tarde, co m o se verá, foi apropriada pela ciência passando a ser considerada uma
patologia.
Para se abordar a d esp atolo g ização da hom ossexualidade, será feito o cam inho
inverso, isto é, será observado co m o , de pecad o e crim e, ela se tornou um d iag­
n ó stico psiquiátrico.
E im portante lem brar que as categorias d iagnosticas, em m edicina, são arti­
fícios construíd os para possibilitar o agrupam ento e o estudo dos quadros com
características sem elhantes, possibilitand o m aior en ten d im en to da p atolog ia e, a
partir desse co n h ecim e n to , propor um d iagnóstico e um tratam ento. Esse artifício
é constru íd o d entro de d eterm inado c o n te x to cien tífico e cultural. Assim, para se
en ten d er co m o uma d eterm inada prática sexual torn ou -se um d iag n ó stico é im ­
p ortante consid erar o c o n te x to cultural em que se desenvolveu e qual o interesse
cien tífico im plicado.
Será realizada, então, uma retrosp ectiva h istórica, nesse c o n te x to em que se
devolveu o co n c e ito de hom ossexualidade co m o d oença.
N o sécu lo IV A .C , H ip ó crates m en cionou várias d oenças sexuais em seus es­
de sua d e s p a t o l o g i z a ç ã o

critos, sem falar da hom ossexualidade. D a m esm a form a, alguns anos mais tarde,
P latão descreveu, em seu Pbaedrus, várias form as de d oenças m entais, sem qualquer
alusão às práticas hom ossexuais5.
D e aco rd o co m as m ais p re co c e s cla ssifica çõ e s psiqu iátricas, a prim eira
re fe rê n cia à h om ossexu alid ad e co m o d o e n ça o c o rre em trab alh os de C aeliu s
na h i s t ó r i a

A urelianus, no sécu lo V A .C . Aurelianus trad u ziu para o latim alguns trab alh os
de Soranus de Ephesus, que m en cion am a hom ossexu alid ad e co m o um a "aflição
m en tal", o co rre n d o tan to em h om en s c o m o em m u lh eres6.
As Homossexualidades na Psicanálise

E n tretan to , desde o século V A .C ., há tex to s do A n tig o T estam ento, origem


da Bíblia e da Torab, inclusive o "G ênesis", con sid eran d o a hom ossexualidade uma
abom inação. Essa filosofia era sustentada por argum entos de que a anatom ia do
hom em e da m ulher foi criada por D eus para se com plem entarem , e que a união
deveria levar a uma frutificação e m ultiplicação. E ntão, é esta a única prática se ­
xual natural e aceitável. T an to o "L evítico” quanto o "D eu tero nôm io" referem -se

30
à hom ossexualidade co m o prática abom inável7. Essa p o sição pôde ser ilustrada,
mais tarde, no tão citad o texto de S ão Paulo aos Rom anos: "co m eten d o a infâm ia
de hom em com hom em e receb en d o o ju sto salário de seu desregram ento"8.
Tam bém , a partir do século V, os grandes pensadores do ca to licism o , A g o sti­
nho, Jerô n im o e Tom áz de A quino, m antiveram essa p osição, vinculando sexuali­
dade e p rocriação, e co lo ca n d o 9,

com o exemplo inquestionável a seguir a vida 'naturalmente heterosse­


xual' dos animais. Toda prática sexual que escapasse a esta norma traria
o chamado 'estigma negativo do prazer'. Surge a partir de então, uma
forma de moralidade que é essencialm ente uma moralidade sexual. As
práticas 'contra a natureza' - consideradas atentado ao pudor, aos bons
costumes, e à opinião pública - acarretam severas sanções para que o
'normal' seja mantido.

N o século X II, o art. 48 do Código de Gengis K han'0 indicava a pena de m orte para
"os hom ens que tivessem com etid o sodom ia".
Em 1553, Portugal crim inalizou a sodom ia instalando a Inquisição e a reform a
do C ó d ig o Penal, baseada nas O rd en a ç õ es A fonsinas, com grande influência do
D ireito C an ô n ico . As O rd en a çõ es A fonsinas declaram que a sodom ia era o mais
lorpe, sujo e d esonesto pecad o ante D eus e o m undo, im pond o ao infrator que
losse queim ado até virar pó, para que não restasse m em ória de seu corp o e da
sepultura. A crim inalização da sodom ia foi estendida às colôn ias de Portugal,
inclusive o Brasil.
N esse m esm o ano, 155 3 , o rei H enriqu e V III da Inglaterra, por m eio do Bu-
t/gery Act, proclam ou co m o crim e todas as atividades sexuais não reprodutivas,
com o relações hom ossexuais, m asturbação, sexo oral e sexo a n a l".
N o final do sécu lo X IX , a R evolu ção Francesa p ro voco u a lterações no q u a­
dro p o lítico e social da França, trazen d o, co m o co n seq ü ên cia , a d ecad ên cia da
nobreza e do clero , com a ascen são da burguesia. A partir dessas m udanças, da
influência do Ilum inism o, e regida p elo s p rincíp ios universais de Igualdade, L i­
berdade e Fraternidade, em 1 7 9 1 , a Fran ça foi o prim eiro país no m undo a d escri-
m inalizar a 'pederastia', term o u tilizad o para as relaçõ es hom ossexuais na França.
Q u atro décadas mais tarde, em 1 8 3 0 , o Brasil situou-se co m o o segundo país a
descrim inalizar a 'sodom ia', por m eio de m udanças determ inadas pelo Novo Código
Penal do Império, a partir de d ecisões do im perador D . Pedro II. N a contram ão desse
cam inho, em 1860, a índia e Paquistão, colôn ias da Inglaterra, crim inalizam a
sodom ia, p osição que perdura até os tem pos atuais.

■ A apropriação pela ciência


O s estudos cien tífico s sobre a hom ossexualidade iniciaram -se no século X I X n .
Nos nove séculos preced en tes, essa form a de sexualidade era considerada uma

31
'abom inação' e denunciada pelas autoridades religiosas e legais, atraindo a pena
de m orte.
A inda na prim eira m etade do século X IX , em 1832, o inglês A lexand er M orri-
son pu blicou o tratado Physionom y o f mental disease. N a im possibilidade de substrato
an ato m o p ato ló g ico para esses quadros e na tentativa de docum entar a realidade
das fisionom ias da d oença m ental, o autor ilustrou a obra com 109 retratos de
pacien tes, referindo-se a nove com "características hom ossexuais". Foi esse um
dos prenú ncios da apropriação de uma m anifestação da sexualidade pela c iê n c ia 13.
Foi esse m esm o autor, A lexand er M orrison, que, em 1848, inaugurou o term o
'erotom ania', mais tarde retom ado por C léram bault, d escrevendo o "delírio de
insanidade am orosa"14.
E n contra-se, na segunda m etade do século X IX , um m om ento bastante especial
na Psiquiatria europeia, co m o observa E. S h o rter em A history o f psycbiatry: from
the era o f th e asylum to th e age o f prozac. A essa época, a m aioria dos psiquiatras
atuavam em asilos, onde os pacientes eram m antidos com o em cativeiros, sem
perspectivas de tratam ento efetivo. O s psiquiatras eram considerados pelas outras
especialidades m édicas um pouco mais que "'tutores', não m erecendo ser cham ados
m éd ico s"15. C ham a a atenção a fam iliaridade dessa situação, pois a Psiquiatria no
Brasil, até a década de 1 9 7 0 , não estava distante desse quadro.
W ilh elm G riesinger, en tão ch e fe do D ep artam en to de Psiquiatria da U n iv ersi­
dade de Berlim, apareceu co m o um p rofeta da profissionalização de sua disciplina,
propond o uma verdadeira reform a psiquiátrica, ob jetivan d o mudar o status da
Psiquiatria. N o prefácio da prim eira ed ição do Arcjuivo alemão de psiquiatria e doenças
nervosas, escreveu: "A Psiquiatria necessita subm eter-se a uma tran sform ação em
sua relação com o resto da M ed icina". Q u e tran sform ação é essa proposta por
G riesinger? "Esta transform ação lo caliza-se principalm ente na co n sta ta çã o de se
os p acien tes cham ados de d oentes m entais são realm en te pessoas com transtornos
despatologização

dos nervos e do cé re b ro "16.


D essa form a, a partir de diretrizes diagnosticas precisas, ao invés de cuidado-
res observand o pacientes, os psiquiatras se tornariam m éd icos tratando de d o e n ­
ças do c é re b ro 17. C o m o se vê, tem -se aqui outra sem elh ança com as propostas da
dc sua

Psiquiatria nos anos 1970.


na h i s t ó r i a

U m dos ob jetiv os da m edicina, analisa Sh orter, é o d iagnóstico. E, sob a influ­


ência dos reform istas liderados por G riesinger, uma paixão sem preced entes pelo
As Homossexualidades na Psicanálise

d iagn ó stico e pela classificação das d oenças m entais invadiu a Psiquiatria. O utra
sem elhança inequívoca com nossos dias!
Foi nesse clim a reform ista e efervescen te que surgiram os trabalhos de Karl
U lrich , um im portante advogado alem ão, que, devido à sua declarada h om o sse­
xualidade, foi dem itido de um im portante ca rg o p ú blico, tornand o-se o prim eiro
ativista g a y da história. Entre 1 8 6 4 e 1 8 6 8 , U lrich pu blicou sete panfletos afir­
m ando que o am or de um hom em por outro é tão natural quanto o de um hom em

32
por uma mulher, criand o o term o 'uranism o', para designar esse sen tim ento que,
segundo ele, eqüivaleria a uma "alma de m ulher em corp o de hom em " e vice-versa.
Ele esperava, com sua obra, provocar um d ebate sobre a hom ossexualidade e c o n ­
seguir, esp ecialm ente, no m eio m éd ico, apoio para suas ideias18.

■ A patologização da homossexualidade
R ealm ente, a p rovocação foi ouvida: co in cid en tem en te ou não, o em in ente
professor da U niversidade de Berlim e tam bém ed itor do já citad o Arquivo âe Psi­
quiatria, Karl W estphal, publicou dois estudos de caso de um hom em e uma m ulher
que sofriam de atração sexual por pessoas do m esm o sexo. D en tro do espírito da
ép oca de se criarem novos diagnósticos e classificações, W estphal desenvolveu
um novo d iagn ó stico , o "contrãre sexualempfinâmçl" (sentim ento sexual con trário),
considerando esse sen tim ento co n g ê n ito e não um costu m e co n tra a natureza,
e critican d o as leis con tra as práticas hom ossexuais. D essa form a, foi possível
consid erar W estphal co m o autor do prim eiro estudo m éd ico sistem atizado sobre
a hom ossexualidad e19.
Apesar de abordar o tem a de form a cuidadosa e delicada, bem distante do que
faziam seus colegas da ép oca, que considevam os hom ossexuais devassos ou c ri­
m inosos, as con clu sõ es de W estphal tinham um lado perigoso: afirmavam que as
pessoas que apresentavam esse tip o de sen tim ento sexual traziam , quase sem pre,
associações de outras d oenças m entais, form alizando, decisivam ente, a p a to lo g i­
zação da hom ossexualidad e20. O term o ‘contrary sexual Jeelinij' foi traduzido para o
inglês co m o 'sexual inversion (inversão sexual) e, dessa form a, a hom ossexualidade
e a ideia de que esta era um tran storno co n g ê n ito perm aneceram até o in ício do
século X X , co m o verem os.
E n tretanto, o d eslocam en to do c o n c e ito da hom ossexualidade de crim e para
d oença não im pediu que, em 1871, a A lem anha crim inalizasse a hom ossexualida­
de, com o fam oso e p olêm ico parágrafo 175 do C ó d ig o C rim inal, que som ente
viria a ser elim inado em 1994.
O m ovim en to an ti-h o m o fó b ico cresceu e, em 1 8 6 9, o jo rn alista, escrito r e
ativista dos direitos hum anos austro-húngaro K arl-M aria K e rtb en y criou o term o
'hom ossexual', em substituição a 'pederasta'. Em 1 8 9 7 , M agnus H irsch feld , m éd i­
co alem ão e hom ossexual assumido, fundou, ju n to de Eduard O b e rg , M ax Sp o h r
e Franz Jo s e f von Bülow, o Wissenschaft-Humanitaires Komitee (C o m itê C ien tífico-
-H u m anitário), co m o o b je tiv o de d efend er os direitos dos hom ossexuais e rev o ­
gar o parágrafo 175 da lei alem ã. Lançaram Sappho unâ Sokrates oâer Wie erklãrt sich
die Liebe âer Münner unâ Frauen zu Personen âes eigenen Geschlechts? (S a fo e Sócrates ou
com o explicar o am or de hom ens e m ulheres por pessoas do seu m esm o sexo?),
o b jetivand o explicar, cien tificam en te, a hom ossexualidade co m o algo natural21.
Em 1883, o psiquiatra alem ão E. K raepelin , consid erad o o fundador da P si­
quiatria m oderna, lançou a prim eira ed içã o de seu Trataâo âe Psiquiatria, d escreven ­
do o “contrãn sexualempfindung" en tre os "estados de fraqueza p sicop atológica". N as
sete ed ições seguintes, há tran sferên cias da hom ossexualidade para várias outras
categorias nosológicas: na segunda ed ição, em 1887, é situada co m o "d esen v ol­
vim ento sexual anormal",- na quinta ed ição, em 1896, apareceu co m o "insanidade
degenerativa",- enqu anto nas sétim a e oitava ed ições (1 9 0 9 / 1 9 1 5 ), foi descrita
co m o "co n d ição m ental de co n stitu içã o original"22.
Em 1886 , foi fundada, nos Estados U n id os, a Association o f M edicai Superintendence
o f American Institution fo r the Insane, que se transform ou, em 1 8 9 2 , na American M edic-
-Psychological Association, que deu origem , em 1 9 2 1 , à poderosa American Psychiatric
Association (APA). D esd e a fundação, essas associações se preocupam em classificar
as d oenças m entais, incluindo, lo g o de início, a hom ossexualidade co m o d oença
sexual23.
Em 1892, o professor R ich ard V on K rafft-E b ing , presidente da Sociedade de Neu­
rologia e Psiquiatria de Viena e consid erad o o fundador da 'sexologia', apresentou sua
Psychopathia Sexualis, cu nhand o os term os 'sadismo' e 'm asoquism o' e d escrevend o-
-os co m o uma "sujeição sexual". Essa obra é apresentada por E lisabeth R oudines-
co , em seu Dicionário de Psicanálise24 co m o um "catálog o sofisticado do qual Freud
pegou varias n o çõ es e que o M arques de Sade não teria desaprovado ". R ealm ente,
E bin g foi citad o por Freud em 12 de seus textos, principalm ente co m o referência
em seus estudos sobre a bissexualidade humana, apesar de E bin g com en tar que as
con clu sõ es de Freud sobre a sexualidade soavam "co m o um co n to de fadas c ie n tí­
fico", co m o se lam entou Freud em seu te x to de 1 9 1 4 , “Fluctuatis nec mergitur"25. Em
Psychopathia sexualis, E bin g ad otou o term o 'hom ossexual', cunhado por K ertbeny,
popularizando-o nas com unidades científicas e m édicas. E n tretanto , ao contrário
desse últim o, E bing classificou a hom ossexualidade entre as anom alias do instin to
de reprodução da esp écie (anomalien dergeschlechtstrieb), con sid eran d o-a uma d eg e­
neração e situando o p roblem a em referência à p ro criação, tom ada co m o norma
despatologização

para a vida sexual26.


U m novo artigo de K rafft-E b in g , publicado no Jahrbuch fü r sexuelle Zwischenstu-
fen, em 1901, apresentava um rep osicio n am en to. Possivelm ente influenciado pelos
íe sua

estudos de Freud e pelo am plo co n ta to com hom ossexuais, tanto em sua clín ica
privada co m o em suas atividades co m o psiquiatra forense, o autor alterou o term o
na h . s t ó r i a

'anom alia sexual' para d iferen ciação, con clu in d o, con trariam en te ao pensam ento
da ép oca, que a hom ossexualidade não podia ser generalizada co m o d oença m en ­
1 As Homossexualidades na Psicanálise

tal ou perversão27.
Enquanto Ebing desenvolvia, na Áustria, seus estudos sobre a sexualidade, na
Inglaterra, em 1 8 9 7 o m édico H avelock Ellis publicou a obra Sexual Inversion, na qual
discorreu que a "hom ossexualidade é con gênita e, portanto, natural". A expressão
logo se difundiu devido à repercussão da obra, primeira publicação científica sobre o
tem a em língua inglesa, apesar de ter sido publicada originalm ente em alem ão, tanto
por ser a língua de referência nas ciências, à época, co m o por ter sido, de início,

34
proibida sua publicação na Inglaterra, o que aum entou ainda mais sua popularidade.
C o lo can d o em xeque a teoria da degenerescência, Ellis criticou a crim inilização
da hom ossexualidade, responsabilizando essa posição do Estado por inúmeros
suicídios. As ideias de Ellis tiveram enorm e repercussão, sendo considerado um
'livro maldito', inclusive com seu editor condenado nos Estados U n id os28. Ellis foi
citado por Freud em 17 de seus textos com o um estudioso da sexualidade, apesar
de ser um crítico ferrenho das ideias de Freud, considerando que "Psicanálise não é
ciência, mas produção artística" com o Freud assinala em seu te x to de 1 9 2 0 , "U m a
nota sobre a pré-história da técnica da análise"29. N o período de 1 8 9 7 a 1928, Ellis
publicou, em sete volumes, seus Estudos sobre a psicopatoloç/ia do sexo, no qual diferencia
hom ossexualism o de travestismo, em uma tentativa de salvar da crim inalização os
travestis perseguidos30.

■ 1 8 9 6 - A era Freud
Foi a partir das observações clínicas da im portância dos fatores sexuais na origem
das neuroses e, mais tarde, das 'psiconeuroses1, que Freud partiu para a investigação
geral da sexualidade, desde o início da década de 1890, com o com enta o editor
inglês nas notas introdutórias aos "Três ensaios"31.
N a Carta 52 a Fliess, de 1 8 9 6 , ele fez referên cia às zonas erógenas, passíveis de
serem estim uladas na infância e, mais tarde, sufocadas pelo recalqu e, e seus v ín cu ­
los com as perversões, fazend o tam bém m en ção à bissexualidad e. N o Rascunho K ,
daquele m esm o ano, surgiu uma discussão sobre as forças recalcad oras, o asco, a
vergonha e a m oral, já m ostrando, en tão, que a sexualidade hum ana é tocad a pela
cultura, não sendo fruto (apenas) da natureza.
E m bora tantos elem en tos da teoria de Freud sobre a sexualidade já estivessem
em sua m ente por volta de 1 8 9 6 , sua pedra angular ainda estava por ser d esco b er­
ta. Foi som ente no verão de 1 8 9 7 , quando Freud se viu forçad o a abandonar sua
teoria da sedução, re co n h e ce n d o que as m o çõ es sexuais atuavam p reco cem en te
nas crianças, sem necessidade de estim u lação externa (do adulto) e sua d escoberta
quase sim ultânea do com p lexo de Édipo, a partir de sua autoanálise, que sua te o ­
ria sexual se com p leto u , apesar d ele próprio levar alguns anos para assim ilar por
inteiro sua própria d escoberta.
Som en te 2 anos após, prestes a lançar A interpretação dos sonhos, que Freud e scre ­
ve a Fliess, em 11 de outubro de 1 8 9 9 (C a rta 121): "é possível que uma teoria da
sexualidade seja a sucessora im ediata do livro dos sonhos". Em 2 6 de ja n eiro de
1900, escreveu a Fliess, na C arta 128: "estou co lh en d o m aterial para a teoria sexual
e esperando que alguma cen telh a inflam e o m aterial já acumulado".
M as essa cen telh a som ente se m anifestou anos mais tarde, perm itindo o sur­
gim ento, em 1905, dos "Três ensaios sob re a teoria da sexualidade"32, nos quais
Freud esclareceu que não há uma sexualidade hum ana determ inada, sendo ela
sem pre polim orfa, e m ostrou que a hom ossexualidade é uma de suas nuances.
Sustentou essa p osição partindo do com p lexo de Édipo, fundado sobre a b isse­
xualidade original, co m o referên cia cen tral a partir da qual a cham ada "escolha
de o b je to " vai se constituir. N a ed ição de 1 9 1 5 , acrescen tou uma longa nota de
rodapé, que, pela força e clareza, m erece ser citad a33:

todos os seres humanos são capazes de fazer uma escolha de ob jeto


homossexual, e que na realidade o fizeram em seu inconsciente. Real­
mente, as ligações libidinais com pessoas do mesmo sexo desempenham
um papel tão importante com o fatores na vida psíquica normal, e mais
importante com o causa da doença, quanto ligações idênticas com o
sexo oposto. Ao contrário, a psicanálise considera que a escolha de
um objeto, independentem ente de seu sexo - que recai igualmente
em objetos femininos e masculinos - , tal com o ocorre na infância, nos
estágios primitivos da sociedade e nos primeiros períodos da história, é
a base original da qual, com o conseqüência da restrição num ou noutro
sentido, se desenvolvem tanto os tipos normais com o os invertidos.
Assim, do ponto de vista da psicanálise, o interesse sexual exclusivo
de homens por mulheres também constitui um problema que precisa
ser elucidado, pois não é fato evidente em si mesmo, baseado em uma
atração, afinal de natureza química.

Interessante notar que, na prim eira edição, de 1 9 0 5 , dos "Três ensaios", Freud
usou o term o 'inversão sexual'. E n tretan to , na ed ição de 1 9 1 5 , ele o substitui por
hom ossexualidade, provavelm ente para se d istanciar das conclu sões de W estphal
de que a hom ossexualidade seja co n g ê n ita 34. C o m o as ideias de Freud vieram a
dom inar a Psiquiatria do sécu lo X X , o term o 'hom ossexual' consagrou-se, substi­
tuindo o 'invertido'.
C o eren te com suas ideias, Freud utilizou seus argum entos teóricos para impedir,
na vida cotidiana, "com o m áxim o de decisão, que se destaquem os hom ossexuais,
co locan d o-os com o um grupo à parte do resto da humanidade, com o possuidores
de características especiais ou doentes", com o enfatiza nos "Três ensaios"35. Em vá­
rias situações isso veio a público, com o, por exem plo, pronunciando-se em 1903, a
um jo rnal vienense, sobre um escândalo envolvendo práticas hom ossexuais36:

a homossexualidade não é algo a ser tratado nos tribunais. (...) Eu tenho


a firme convicção que os homossexuais não devem ser tratados com o
doentes, pois uma tal orientação não é uma doença. Isto nos obrigaria
a qualificar com o doentes um grande números de pensadores que ad­
miramos justam ente em razão de sua saúde mental.

C o m a m esm a força, respondeu, em carta a E rnest Jo n es, então presidente da


International Psycboanalytical Association (IPA) e co n trá rio à adm issão à socied ad e de
um analista hom ossexual. N essa carta, assinada por Freud e O tto Rank, lê-se 37:

36
Sua pergunta, estimado Ernest, sobre a possibilidade de filiação dos h o ­
mossexuais à Sociedade, foi avaliada por nós e não concordam os com
você. Com efeito, não podemos excluir estas pessoas sem outras razões
suficientes (...) em tais casos, a decisão dependerá de uma minuciosa
análise de outras qualidades do candidato.

M ais tarde, encontra-se essa mesma firme con v icção , quando, em 1935, respon­
deu a uma mãe am ericana que solicitava orientações sobre seu filho hom ossexual38:

A homossexualidade não é, certam ente, nenhuma vantagem, mas não


é nada de que tenha de se envergonhar,- não é um vício, nenhuma de­
gradação, não pode ser classificada com o doença,- nós a consideramos
com o uma variação da função sexual.

C o m o a co n tece a tod os que estão além de seu tem p o, Freud não passou im ­
pune e sofre as conseq ü ências pela divulgação de suas ideias. Ele foi duram ente
criticad o e ridicularizado pelos próprios colegas, co m o relatou em "Fluctuat nec
mergitur", tex to de 1 9 1 4 39:

Ingenuamente dirigi-me a uma reunião da Sociedade de Psiquiatria


e Neurologia de Viena, presidida então por Krafft-Ebing (cf. Freud,
1896c), na esperança de que as perdas materiais que voluntariamente
sofri fossem compensadas pelo interesse e reconhecim ento dos meus
colegas. Considerava minhas descobertas contribuições normais à ciên ­
cia e esperava que fossem recebidas com esse mesmo espírito. Mas o
silêncio provocado pelas minhas com unicações, o vazio que se formou
em torno de mim, as insinuações que me foram dirigidas, pouco a pouco
me fizeram com preender que as afirmações sobre o papel da sexualidade
na etiologia das neuroses não podem contar com o mesmo tipo de tra­
tam ento dado ao comum das com unicações. (...) Passei a fazer parte do
grupo daqueles que perturbaram o sono da humanidade.

E, perturbando o sono da hum anidade, Freud contribuiu de form a definitiva


para a d esconstrução da insana cre n ça de que a hom ossexualidade é uma d oença
ou degradação.

■ Os pós-freudianos
C o m o cham a a aten ção Paulo R. C e c c a re lli, em seu te x to "A invenção da h o ­
mossexualidade", a p osição freudiana em relação à hom ossexualidade não obteve
consenso entre os analistas pós-freudianos, ch eg an d o m esm o a p rovocar polêm ica
entre a Socied ad e Psicanalítica de V iena e a de Berlim. O s últim os, dirigidos por
Abraham , consideravam que os hom ossexuais eram incapazes de exercer a profis­
são de analista, pois a análise não os "curaria" da "inversão" que sofrem . A S o c ie ­
dade de V iena, apoiada em Freud, tin h a uma op inião to talm en te contrária, com o
visto na carta de Freud a Jo n e s , já citada. A própria Anna Freud, filha e herdeira
intelectual da obra de Freud, m ostrou -se contrária à prática da Psicanálise por
hom ossexuais que, considerava, deveriam ser tratados. P onto de vista sem elhante
foi d efend ido pela escola kleiniana40.
Em 1 9 1 9 , o psiquiatra e psicanalista am ericano Edward K em pf descreveu um
quadro resultante de con flito in co n scien te, envolvendo a identidade sexual, o
d esejo e a p ro ib ição social. O bserv o u esses sintom as em soldados e m arinheiros
acom panhad os por ele, co m o m éd ico m ilitar durante a Prim eira G uerra M undial,
e o nom eou 'pânico hom ossexual'. Foi esse o prim eiro uso da palavra 'h o m osse­
xual' em classificação oficial internacional.
A história do m ovim en to da d esp atolog ização da hom ossexualidade m ostra
que a força e a sustentabilidade das ideias de Freud, influenciando outras áreas,
co m o a m edicina, psicologia, an trop olog ia e a p o lítica de direitos hum anos, foram
fundam entais para um d esfech o positivo desse m ovim ento.

A influência do Nazismo
N o períod o de 1926, com a chegad a dos nazistas ao poder na A lem anha, até
1 9 4 9 , co m o final da Segunda G uerra M undial, as ideias h om o fó b icas se a c e n ­
tuaram en orm en te na Europa, com con seq ü en tes retro cessos para os m ovim entos
inclusivos das diferenças, en tre estes a d esp atolo g ização da hom ossexualidade. A
v o tação proposta por um co m itê R eich stag para ca n cela r o fam igerado Parágrafo
175 das leis alem ãs que crim inalizavam a prática hom ossexual foi can celad a. Além
da prisão, a sen ten ça era a esterilização, em geral pela castração, ampliada por
H itle r para a m orte em 1942.
Em 1 9 3 0 , co e re n te com suas ideias, Freud assinou uma p etição pela descrim i-
nalização da hom ossexualidade. Enquanto, em 1 9 3 3 , a D in am arca discrim inaliza-
va a hom ossexualidade, em 1 9 3 6 a Rússia a crim inaliza. Em 1 9 37 , um triângulo
rosa foi im posto aos hom ossexuais nos cam pos de co n cen tra çã o . A eles eram
dadas as piores tarefas, além de serem alvos de ataque de outros prisioneiros e
dos guardas das prisões. A estim ativa de assassinatos de hom ossexuais durante
o regim e nazista foi além de 100 mil. Q u an d o a guerra term inou, prisioneiros
hom ossexuais perm aneceram encarcerad aos, já que o Parágrafo 175 ainda era lei
vig en te na A lem anha O cid e n ta l até sua revogação apenas em 1994.

■ Os sistemas classificatórios universais do século XX e a


homossexualidade
Em 1 9 5 2 , a APA publicou seu prim eiro Diagnostic and Estatística! M anual o f M en­
tal Disorders (D S M -I), derivado de classificações prelim inares que têm origem no
sécu lo X IX , co m o já m ostrado neste texto . Essa classificação incluiu o d iagnóstico
de hom ossexualidade sob a rubrica de D esv ios Sexuais, na categ oria de "Pertur­
b ações S o cio p áticas de Personalidade", ju ntam ente de transvestism o, pedofila,
fetichism o e sadism o sexual41.
Em 196 8, em sua segunda apresentação, o D S M -II m anteve a hom ossexualida­
de co m o d iag n ó stico , na categoria de D esvios Sexuais (có d ig o 3 0 2 ), d iferen cian ­
do-a de D istú rbios da Personalidade (3 0 1 ). A té 1 9 7 3 , a D S M sofreu seis reed ições
revistas, m antendo a hom ossexualidade co m o D esv io Sexu al42.
Paralelam ente a esses desenvolvim entos nos Estados U nid os, a O rgan ização
M undial da Saúde (O M S ) incluiu, em 1948, a hom ossexualidade na sexta revisão
de seu C ó d ig o Internacional de D oenças, na categoria Personalidade P atológica
(3 2 0 ), com o um dos term os de inclusão da subcategoria D esvio Sexual (3 2 0 .6 ).
M anteve-se, assim, na sétima (em 19 5 5 ) e na oitava (em 19 6 5) revisões, passando
da categoria "Personalidade Patológica" para "D esvios e Transtornos Sexuais" (c ó ­
digo 3 0 2 ), na subcategoria específica - H om ossexualism o (3 0 2 .0 ). A nona revisão
(1 9 7 5 ) m anteve a hom ossexualidade nessa mesma categoria e subcategoria, porém ,
já levando em co n ta opiniões divergentes de escolas psiquiátricas, co lo co u sob o
cód igo a seguinte orientação: "codifique a hom ossexualidade aqui seja ou não a
mesma considerada transtorno m ental"43.

■ A despatologização nos Estados Unidos


O final da Segunda G uerra M undial perm itiu o d esvelam ento das atrocidades
acontecid as nos cam pos de co n cen tra çã o para o m undo, crescen d o m undial­
m ente os m ovim entos hum anistas co n tra qualquer form a de discrim inação hu­
mana, e favorecendo o m ovim ento de d escrim inalização e d esp atolog ização da
hom ossexualidade.
N a década de 1940, o m édico am ericano Alfred Kinsey, ju ntam ente dos colegas
da Universidade de Indiana, conduziu uma m onum ental pesquisa sobre o com por­
tam ento sexual dos humanos. Em 1948, publicou o Sexual bebaviour in the human male e,
em 1953, o Sexual bebaviour in the bumanjemale, que tiveram enorm e repercussão tanto
no universo cien tífico quanto no leigo. A pesquisa, bastante representativa do ponto
de vista quantitativo, pelo grande núm ero de participantes e pelo longo tem po de
duração, teve críticas sobre a m etodologia, mas mostrou, indubitavelm ente, a gran­
de variação das práticas sexuais humanas, com provando que as práticas sexuais e os
com portam entos não são rigidam ente fixados44.
Para esse estudo, K insey elaborou uma escala de sete pontos, para tentar d es­
crever a história sexual da pessoa ou os episódios de sua atividade sexual em um
determ inado m om en to. U sa uma escala de 0 a 6, a partir de um com p ortam en to
exclusivam ente heterossexual até um exclusivam ente hom ossexual, passando por
diferentes variantes. D e acord o com as con clu sõ es do estudo, o com p ortam en to
hom ossexual apresentou 10% de p revalência e 4 0 % da população apresentou
fantasias hom ossexuais.
Segund o e le45,

os homens não representam duas populações distintas, hetero e h o ­


mossexuais. O mundo não é dividido em ovinos e caprinos. É um fun­
damento da taxonom ia que a natureza raramente lida com categorias
discretas. (...) O mundo está vivendo um continuum em cada um dos
seus aspectos.

Tam bém os estudos de Evelyn H o o k e, em 1 9 5 7 nos Estados U n id os, tro u x e­


ram um im pacto im portante na com unidade m édica. H o o k e conduziu em estudo
com parativo d u p lo-cego en tre hom ossexuais e heterossexuais, con clu in d o que a
incid ência de d oenças m entais entre os dois grupos é sem elhante e que, assim, per
se, a hom ossexualidade não se constitu i co m o p atolog ia46.
Em 1 9 6 0 , ganhou destaque a pu blicação de Tom as Szasz, O mito da doença
mental, que acusou psiquiatras de usarem os d iagnósticos co m o form a de poder e
influência, repudiando as classificações e co lo ca n d o em destaque a hom ossexu a­
lidade. P ou co mais tarde, em 1 9 6 8 , R o b ert S to lle r publicou seus estudos sobre
sexualidade, co lo can d o em destaque os c o n c e ito s de identidade de g ênero e
identidade sexual, ainda h o je im portante referência.
Em m eio a esses aco n tecim en to s no m eio psiquiátrico e p o lítico , o m ovim ento
pela d esp atologização da hom ossexualidade foi se fo rtalecen d o. Em ju n h o de
1969, um a co n tecim en to m arcou a socied ad e am ericana: o bar Stonewall, reduto
g a y no G reen w ich V illage, em N ova Iorque, foi invadido por policiais e seus fre­
qüentadores foram v iolen tam en te agredidos. O fato m otivou um levante, org an i­
zado por ativistas gay s, que invadiram o trad icional con g resso da APA, em 1970,
argum entando com os m éd icos que as atitudes p ato lo g izan tes em relação à h o ­
m ossexualidade eram o principal fator para o estigm a social dos hom ossexuais47.
Em resposta a esses p rotestos, foram incluídos, nos con gressos da APA, de 1971
de sua d e s p a t o l o g i z a ç ã o

e 1 9 7 2 , dois painéis nos quais ativistas expuseram à platéia de psiquiatras co m o a


con sid eração da hom ossexualidade co m o categ oria d iagnostica sustentava o p re­
co n c e ito e o estigm a co n tra a população hom ossexual. N o en co n tro de 1 9 7 2 , os
ativistas foram representados por Jo h n Fryer, psiquiatra hom ossexual, apresentado
co m o Dr. H . A nonym ous. U sand o peruca, m áscara, luvas e d istorcend o a voz por
na h i s t ó r i a

um aparelho no m icrofone, Dr. A nonym ous relatou as dificuldades que e n co n ­


trava para trabalhar, tratando pacien tes em um m eio que o considerava d oen te48.
As Homossexualidades na Psicanálise

A som atória desses a co n tecim en to s e o apoio de em in en tes representantes da


Psiquiatria am ericana, favoráveis à retirada da hom ossexualidade co m o categ oria
d iagnostica, com o R ob ert S to ller e Spitzer, que lideravam o C o m itê de N o m en ­
clatura da APA, levaram a direção da APA a organizar um co m itê de estudos sobre
a sustentação científica da hom ossexualidade co m o d oença. Tal co m itê trabalhou
por mais de 1 ano, tom and o co m o base a literatura m éd ica e psicanalítica para
avaliação do preen ch im en to de critérios n o so ló g ico s da hom ossexualidade com o

40
i
doença. E ntrevistand o psiquiatras favoráveis e con tra a questão da hom ossexu ali­
dade ser patologia, o co m itê con clu i, em 1973, por recom end ar à APA a retirada
do diagnóstico de hom ossexualidade per se do D S M 49.
N o con gresso da APA, de m aio de 1 9 7 3 , em H onolulu, aco n teceu um sim ­
pósio com o títu lo de Sbould homosexuality be in APA Nomenclature?, no qual R ob ert
S to ller faz uma co n ferên cia intitulada "H om ossexualidade é um diagnóstico?".
U sando co m o referên cia as coord enad as que um quadro deve p reen ch er para ter
credibilidade d iagnostica, tais co m o co n ju n to de sintom as e sinais p a to ló g ico s
apresentados por um grupo e ser visível ao observador, S to lle r apontou:
• hom ossexualidade é som ente uma preferên cia sexual, en tre várias em nossa
sociedade,-
• diferentes pessoas com suas preferencias sexuais têm d iferentes psicodinâ-
m icas sob seu com p ortam en to sexual,-
• as d iferen tes ex p e riên cia s de vida p ro v ocam essas d inâm icas e
com portam entos,-
• um co m p o rta m e n to h om ossexu al é uma variável,- não há um a
hom ossexualidade.
Após d iscorrer sobre esses argum entos, conclu iu que a hom ossexualidade não
preenchia critério s d iagnósticos e devia ser rem ovida da nom enclatu ra50.
Após revisões e aprovações por vários com itês internos, em 15 de d ezem bro
de 1973, a APA organizou uma v o ta çã o con clu in d o p o r suprim ir a h om osse­
xualidade das categorias de d oenças m entais. Entre 15 m em bros da direção,
1 3 pronunciam -se favoravelm ente. D urante os 1 anos seguintes, outras grandes
instituições de saúde m ental, co m o a APA, th e National Association o f Social Workers
e a Association fo r Advancement o f Behavior Tberapy, endossaram a decisão da APA51.
E n tretanto, a d ecisão foi con testad a por m uitos psiquiatras, inclusive p sica­
nalistas, que exigiam sua anulação ou a realização de um referendo. Entre esses,
estava C h arles Socarid es, organizad or do Ad H oc Committee Against the Deletion o f
Homosexuality from D SM -II, que sen ten cio u 52:

For tbe next 1 8 years, tbe APA decision served as a Trojan borse, opening the gates to
widespread psychological and social cbange in sexual customs and mores. The decision
ivas to be used on numerous occasionsfor numerous purposes with the goal of normal-
izing homosexuality and elevating it to an esteemed status.

Em abril de 1974, um referendo interno prom ovido pela APA aprovou, com
5 8 % dos votos, a d ecisão da d ireção em retirar a hom ossexualidade da lista de
doenças m entais tom ada no ano anterior. Em seguida ao referen do, a APA p ro ­
moveu um m ovim en to am plo de p ro te çã o aos direitos civis dos hom ossexuais no
trabalho, alojam entos, rep artições públicas e licen ciam en tos, repudiando qual­
quer tip o de lei d iscrim inatória53.

41
Essa d ecisão não representou uma conqu ista apenas para os hom ossexuais, mas
para o respeito aos direitos hum anos e m uito tam bém para a própria Psiquiatria
co m o ciên cia , pois a hom ossexualidade co m o patologia nunca foi sustentada por
argum entos m édicos. Esse é um a co n tecim en to exem plar, m ostrando o risco da
ciên cia se prestar a determ inar norm as morais.
M uitos psiquiatras das décadas passadas se ocuparam em descrever sobre quais
forças realm ente pesaram, tanto dentro quanto fora da APA, para rem over a h om os­
sexualidade do manual d iagnóstico de doenças m entais. Em seu livro Homosexuality
and American psycbiatry■. th e politics o f diagnosis54, Dr. Ronald Bayer, um psiquiatra
a favor da despatologização, reforçou a im portância do ativismo g a y desde a pri­
m eira invasão ao congresso da APA, em San Francisco, em 1970, seguido pelo de
1971, co m o já descrito. Ele conclu iu que a conquista da rem oção do diagnóstico
de hom ossexualidade foi o resultado de forças políticas, am eaças e intim idações
aos psiquiatras am ericanos pelo m ovim ento g a y e não uma m anifestação científica.
E ntretan to , avalia-se que, som ado ao ativism o g a y e a to d o o m ovim en to pró-
direitos hum anos surgidos no pós-guerra, m uito pesou a falta de em basam ento
cien tífico para a sustentação desse d iagn óstico, co m o as pesquisas epid em iológi-
cas de K in sey e H o o k e e os trabalh os clín ico s de S to lle r e S p itz er dem onstraram .
O in ício da reform a psiquiátrica nos Estados U n id os, na década de 1 9 6 0 , b u scan ­
do critério s m éd icos para os d iagnósticos psiquiátricos, possivelm ente tam bém
c o lo co u em xeque a fragilidade n oso ló g ica desse quadro. Interessante observar
co m o a história, m esm o em relação aos d iag nósticos m éd icos, p retensam ente tão
o b jetivad os, dá voltas, podend o se desconstruir! C o m o visto, na evolução h istó ­
rica do c o n c e ito de hom ossexualidade co m o d oen ça, foi ju stam en te pela n e ces­
sidade de fazer crescer a noso lo g ia psiquiátrica, no final do século X IX , para dar
bases científicas à Psiquiatria, que esse d iag n ó stico foi constitu ído. M en os de cem
anos depois, ele teve sua d escontru ção fortalecid a por essa m esm a necessidade de
despatologização

re co n h e cim e n to da Psiquiatria. Além disso, con clu são nossa, não é possível deixar
de con sid erar que, desde o final dos anos 1 9 5 0 , com a d esco berta dos prim eiros
psicofárm acos, clorprom azin a e im ipram ina, a Psiquiatria passou a ser um cam po
de intenso interesse da indústria farm acêutica. Esta passou a ter força im ensurá­
óe sua

vel até nas classificações diagnosticas, co m o m ostra sua evolução, pulverizadas


na h i s t ó r i a

em incontáveis quadros e subquadros dirigidos para d eterm inados tratam entos


m ed icam entosos. Avalia-se que esse interesse da indústria sobre os quadros far-
m aco lo g icam en te tratáveis poderia tam bém te r favorecid o o desinvestim ento na
AS Homossexualidades na Psicanálise

hom ossexualidade co m o d oença, da m esm a form a que aco n teceu com a histeria e
outros quadros considerados apenas subjetivos.

■ Homossexualidade pós-DSM-ll
A pós a d ecisão de se exclu ir a hom ossexualidade co m o d iagnóstico do D S M -II,
em suas ed ições posteriores há uma nota re co lo ca n d o o d iag n ó stico com a c a te g o ­

42
ria de "Transtorno de orien tação sexual", com a exp licação de que essa categ oria
se distingue da hom ossexualidade, que não pode ser consid erad a d oença per se. N o
D S M —III, de 1980, há o d iag n ó stico "Transtornos psicossexuais", inclu ind o a c a te ­
goria de "H om ossexualidade eg o-d istôn ica", en tre "O u tros transtornos p sicosse­
xuais". Essa categ oria foi rem ovida em 1 9 8 7 , com o lançam en to do D S M -III-R e o
d iagnóstico de "Transtornos psicossexuais" m odificado para "Transtornos sexuais",
com um subtítulo de "Transtorno sexual sem outras esp ecificações". N o D S M -IV ,
publicado em 1994, mais uma vez a categ oria foi renom eada para "Transtornos
sexuais de g ênero e identidade", m antend o a classe de "T ranstorno sexual sem
outras esp ecificações". Essa classificação foi m antida na últim a revisão em 2 0 0 0 ,
resultando no D S M -IV -T R , ainda em vig or55.
Enquanto a Psiquiatria am ericana avançava e se posicionava, co lo ca n d o a
hom ossexualidade ao lado da h e tero co m o uma das vicissitudes da sexualidade
humana, a O M S retroced ia. Em sua nona revisão, de 1 9 7 5 , quando nos Estados
U nid os já havia caíd o o d iagnóstico de hom ossexualidade co m o d oença, a C lassi­
ficação Internacional de D o en ças m anteve a hom ossexualidade na categ oria "D e s­
vios e T ranstornos Sexuais", na subcategoria "H om ossexualism o" (có d ig o 3 0 2 .0 )56.
Som en te em 17 de m arço de 1 9 9 0 , a A ssem bleia M undial de Saúde, órgão m á ­
xim o d ecisório da O M S , acordou, em sua décim a revisão da C ID , que resultou na
C ID -1 0 , publicada em 199 2 , que "a o rien tação sexual (heterossexu al, bissexual e
hom ossexual) por si m esm a não deve ser vista co m o um tran storn o57. O dia 17 de
m arço passou, en tão, a ser consid erad o o "D ia Intern acional co n tra a hom ofobia".
Em 1982, Portugal d escrim inalizou a hom ossexualidade, enqu anto, em 1993
a Rússia revogou o art. 121° do C ó d ig o Penal, que crim inalizava o sexo anal e n ­
tre hom ens. Finalm ente, em 1 9 9 4 , a A lem anha d escrim inalizou relacion am entos
sexuais entre pessoas do m esm o sexo, can celan d o o tão d anoso Parágrafo 175
de seu C ó d ig o Penal. Em 1 9 9 5 , a A ssociação Jap o n esa de Psiquiatria deixou de
consid erar a hom ossexualidade um distúrbio m ental.

■ A Psiquiatria no Brasil e a homossexualidade


A A ssem bleia M undial de Saúde é form ada por 192 E stados-M em bro da O M S ,
entre eles o Brasil. Entretanto, é im portante ressaltar que, a partir de decisão do
C o n selh o Federal de M ed icina, desde 1 9 8 5 , o Brasil já havia retirado a hom osse­
xualidade da con d ição de d oença, m ental ou física, desconsiderando o artigo 3 0 2 .0
da C ID -9 e, em 1999, o C o n selh o Federal de Psicologia norm atizou em portaria
(001/99), que "os psicólogos não colaborarão com evento ou serviços que p ro p o­
nham tratam ento ou cura da hom ossexualidade"58. Entretanto, em outubro de 2 0 0 4 ,
o projeto de lei 717/2003 da A ssem bleia Legislativa do Estado do Rio de Jan eiro, de
autoria de um deputado evangélico, criou um "program a de auxílio às pessoas que,
voluntariam ente, optarem pela m udança de orientação sexual da hom ossexualidade
para a heterossexualidade". Segundo o parecer da C om issão de Saúde59,
homem e mulher foram criados e nasceram com sexos opostos para se
complementarem e se procriarem (sic). O homossexualismo, apesar de
aceito pela sociedade, é uma distorção da natureza do ser humano normal.

N o p arecer do relator da C o m issão de C o n stitu ição e Ju stiça, "a p ro p osição é


de relevante cu nho social"60.
Frente a essa argum entação, co m o já visto, insustentável, do ponto de vista da
m edicina, da psicologia, das ciências humanas e sociais e dos direitos humanos, a
Assem bleia de D elegados da A ssociação Brasileira de Psiquiatria, órgão máxim o
decisório dessa entidade, votou, em outubro de 2 0 0 4 , pelo envio à Assem bleia
Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, de um m anifesto de oposição ao projeto.
D a m esma forma, várias outras entidades, com o o C o n selh o Federal de Psicologia,
a Frente Parlam entar pela Livre Expressão Sexual e, evidentem ente, as organizações
gays e pró-direitos humanos, m anifestaram -se apontando a arbitrariedade da pro­
posta. Apesar de aprovado nas C om issões de Justiça, Saúde e de C o m b ate à D iscri­
m inação (!) da Assem bleia Legislativa do Rio de Janeiro, o p rojeto não se sustentou,
sendo rejeitado por 30 votos con tra 6 a favor. Esse acontecim ento, da mesma forma
que o m ovim ento pró-retirada da hom ossexualidade do D S M , mutatis mutandis, m os­
tra a im portância do posicionam ento institucional nas questões referentes à defesa
dos direitos humanos.

■ Posição atual da Psiquiatria


A tualm ente, não se co n c e b e falar de hom ossexualidade co m o d oença. Para
d iscorrer sobre a p osição atual da Psiquiatria em relação à sexualidade humana
p ro p on h o co m o referência o Compêndio de psiquiatria, de Kaplan e Sad ock, com a
nona ed ição publicada em 2 0 0 7 61, por entend er que este sin tetiza b em o pensa­
m ento geral da Psiquiatria atual.
A í en con tra-se que que "a sexualidade é determ inada pela anatom ia, fisiologia,
despatologização

p sicologia e pela cultura na qual o indivíduo vive, por sua relação com os outros
e por experiên cias evolutivas durante todo o c ic lo da vida"62. Esses autores psi­
quiatras consideram "freudianam ente" que a sexualidade e a personalidade estão
de sua

tão entrelaçad as que "falar de sexualidade co m o uma entidade separada é quase


im possível". E xplicitam que63
na h i s t ó r i a

a sexualidade depende de quatro fatores psicossexuais inter-relacio-


nados: indentidade sexual, identidade de gênero, orientação sexual
As Homossexualidades na Psicanálise

e com portam ento sexual. Estes fatores afetam o crescim ento e o


funcionamento da personaliddae. A sexualidade é algo maior do que o
sexo físico, com ou sem coito, e m enor do que todos os com ponentes
direcionados à obtenção do prazer.

Finalm ente, a Psiquiatria associa a sexualidade ao prazer e não à p ro criação e


esclarece que64

44
as características com portamentais de gays e lésbicas são tão variadas
quanto as de heterossexuais. Ambos os grupos praticam as mesmas
atividades sexuais, com as óbvias diferenças impostas pela anatomia.

Segu n d o K aplan, a identid ade sexual é o padrão de c a ra cte rística s sexuais


b io ló g ica s de uma pessoa - cro m ossom as, g en itália e xtern a e in tern a, c o m p o ­
sição h o rm o n al, gônad as e c a ra cte rística s sexuais secu nd árias. Estud os e m b rio ­
ló g ico s re ce n tes m ostraram que to d o s os em brões m am íferos, g e n etica m e n te
fem inin os (X X ) ou m ascu linos (X Y ), têm anatom ia fem in in a nos prim eiros
estág io s da vida fetal e a d ifere n cia çã o se faz a p artir da sexta sem ana de vida
em brionária, co m p le ta n d o -se ao final do te rce iro m ês65. Já a id entid ad e de
g ên ero "co n o ta asp ecto s p sic o ló g ic o s do c o m p o rta m en to re la cio n a d o s à m as­
cu linid ad e ou fem inilid ad e", segund o S to ller, que con sid era o g ê n ero social e o
sexo b io ló g ic o 66.

O s papéis de gênero não são estabelecidos no nascimento, mas con s­


truídos ao longo das experiências vividas, da aprendizagem casual e não
planejada, da instrução e da persuasão explícitas, assim com o através da
constatação expontânea de que 2 + 2 às vezes são 4 e às vezes são 5.

A orientação sexual, segundo Kaplan, descreve o o b jeto dos impulsos sexuais


de uma pessoa: heterossexual (sexo oposto), homossexual (m esm o sexo) e bissexual
(am bos os sexos), considerando que o com portam ento sexual é uma genuína expe­
riência psicofisiológica. Kaplan faz referência à hom ossexualidade "com o uma varian­
te de frequencia regular da sexualidade"67. Explicita que "homossexualidade muitas
vezes descreve o com portam ento explícito de uma pessoa, sua orientação sexual e sua
noção de identidade pessoal ou social", enfatizando que "muitos preferem identificar
a orientação sexual usando termos com o gay ou lésbica, em vez de hom ossexual, que
pode sugerir patologia e etiologia baseada em suas origens com o term o m édico"68.
N o mesmo parágrafo, descreve que "heterossexism o é a crença de que a relação h e ­
terossexual é preferível a todos as outras e sugere discrim inação contra aqueles que
apresentam outras formas de sexualidade"69.
Em vários m om en tos, Kaplan to m a Freud com o referência nos estudos sobre
a sexualidade, principalm ente nas sustentações de que a hom ossexualidade não é
uma enferm idade, citand o, entre outras passagens, os "Três ensaios" e a "C arta a
uma m ãe am ericana"70, dem onstrando a v o ca çã o da Psicanálise co m o referencial
é tico para a Psiquiatria.

■ Conclusões
As instâncias norm atizadoras, co m o ju stiça, religiões e ciên cias tentaram ,
durante séculos, e stab elecer padrões em relação à sexualidade hum ana que, entre -
tando, sem pre escap ou a toda e qualquer ten tativa de norm atização.
P or outro lado, é im portan te lem brar que as teorias d iagnosticas são co n stru ­
ções que não se isolam dos co n te x to s culturais e p o líticos nos quais são form ula­
das. Tem as co m o este, sob re a p ato lo g ização da hom ossexualidade, alertam -nos
sob re co m o uma característica hum ana pode ser equivocad am ente apropriada pela
m edicina, revelando co m o a p o sição norm ativa da ciên cia é perigosa e o quanto
esta, tão pretensam ente o b jetiv a e apolítica, pode ser danosam ente m oralista.
A sexualidade humana se desenvolve pelas mesmas identificações que estruturam
o psiquismo. Aquilo que nos torna humanos, desejantes, a troca do instinto pela pul­
são, provoca a perda de uma bula b iológica, deixando-nos à deriva. D essa forma, a
sexualidade humana é um cais m eio erm o e ficamos sem um lugar certo para ancorar
o desejo, nossa agonia e êxtase. Cada um constrói seu porto com o pode.
de sua d e s p a f o i o g i z a ç ã o
na h i s t e r i a
As Homossexualidades na Psicanálise

46
CAPÍTULO 3

A história da homossexualidade
e a Psicanálise organizada
Jack Drescher1

■ Introdução
m 2 0 0 6 , a American A cadem y o f Psychoanalysis and D ynam ic P sy cbiatry (A AP-

E D P ) ce le b ro u seu 5 0 ° aniversário. E n qu an to h o je a acad em ia dá b o a a c o ­


lhida a seus m em bros g ay s e lésb ica s, na é p o ca de sua fu n d ação, em 1 9 5 6 ,
a atitude da p sicanálise organizad a em rela çã o à h om ossexu alid ad e poderia ser
caracterizad a co m o h o stil. P or exem p lo , um n otável p sican alista que escrevia
para o p ú b lico em geral de sua é p o ca , Edm und Bergler, ao p u blicar um livro que
pretend ia atin g ir o p ú b lico em geral, Hom osexuality: disease or w a y o f life, escrev eu 2:

Eu não tenho preconceito em relação aos homossexuais,- para mim, são


pessoas doentes que precisam de ajuda médica... Ainda assim, embora
eu não tenha preconceito, eu diria: homossexuais são, essencialmente,
pessoas desagradáveis, independentem ente de sua agradável ou de­
sagradável aparência externa... [sua] aparência externa é uma mistura
de arrogância, falsa agressividade e lamúria. C om o todo masoquista
psíquico, eles são subservientes quando confrontados com uma pessoa
mais forte, impiedosos quando no poder e inescrupulosos ao espezinhar
alguém mais fraco.

E m bora os ásperos co m en tá rio s de B erg ler possam ter um som d issonante


para os ouvidos dos analistas co n tem p o râ n e o s, eles eram b a sta n te típ ico s nas
conversas p sican alíticas sob re h om ossexu alid ad e em m ead os do sécu lo X X .
C o m o L ew es3 notou , a P sican álise org an izad a não rep reen d eu nem repudiou tais
pro n u n ciam en to s pú blico s. C o m o isso a co n te c e u e co m o as coisas mudaram?
Um dos o b je tiv o s d este te x to é fo rn e c e r uma crô n ica da ev olu ção das atitudes

47
d esenvolvid as em relaçã o à hom ossexu alid ad e d en tro da P sicanálise organ izad a,
in ician d o por uma d iscussão dos p o n to s de vista de Freud sob re a h o m o ssex u a ­
lidade no c o n te x to h istó rico e c o n c lu in d o com o estado presen te da questão.

■ Teorias da etiologia
Q u alqu er história das atitudes psicanalíticas em relação à hom ossexualidade
está intim am ente associada à m aneira com o a 'etiologia' da hom ossexualidade é
teorizada. Biológicas, am bientais ou psicológicas, as teorias etio ló g ica s g eralm en ­
te se inserem em três amplas categ orias45:
1. teorias da variação norm al que tratam a hom ossexualidade co m o um fe n ô ­
m eno que o co rre naturalmente,- indivíduos hom ossexuais nascem d iferen ­
tes, mas naturais, co m o pessoas canhotas. N a cultura con tem p orân ea, essa
teoria sustenta a cren ça de que as pessoas 'nascem gays';
2. teorias da p ato lo g ia tratam a hom ossexualidad e adulta co m o uma d oença,
uma co n d içã o que desvia do d esenvolv im ento heterossexual 'norm al'.
C o m p o rtam en to ou sen tim en to s de g ên ero atíp ico são sintom as de d o ­
en ça. Essas teorias sustentam que um ag en te p a to ló g ico exte rn o causa a
hom ossexualidad e e que tais agentes podem agir antes ou d epois do nas­
cim en to (ex p o siçã o horm on al intrauterina, cuidados m aternos excessivos,
cuidados paternos inadequados ou h ostis, abuso sexual e desordem da
identid ade de gênero),-
4. teorias da im aturidade dizem respeito aos aspectos da hom ossexualidade
na tenra idade, com o um passo norm al para a heterossexualidade adulta.
Idealm ente, a hom ossexualidade é uma fase passageira para ser superada,-
co m o uma 'interrupção do desenvolvim ento', a hom ossexualidade do adulto
revela um crescim en to atrofiado.

■ Freud no contexto histórico


Para m uitos historiadores, a crô n ica m oderna da hom ossexualidade com eça
com Karl F4einrich U lrich s, que h o je pode ser cham ad o de ativista p o lítico g a y .
Num tratado de 1864, uma das prim eiras p u blicaçõ es das variantes norm ais da
teoria da era m oderna, ele critico u a crim inalização da hom ossexualidade na
Prússia. Ele acreditava que hom ens atraídos por hom en s haviam nascido com
um esp írito de m ulher capturado em seus corp os. U lrich s6 definiu essa con d ição
co m o 'uranism o' e indivíduos que praticavam o am or uraniano', eram cham ados
'urnings'7. Ele acreditava que 'urnings' constitu íam um terceiro sexo, que não era
nem m asculino nem fem inin o8.
Karl M aria K ertb en y ecoaria a abordagem norm alizan te de U lrich s em um
tratado p o lítico de 1869, que tam bém argum entava co n tra a crim inalização da h o ­
m ossexualidade. K ertbeny, um escrito r húngaro, cu nhou os term os 'hom ossexual'
e 'hom ossexualidade'9. Tanto ele quanto U lrich s argum entaram que, co m o uma
variação normal da sexualidade humana, com p ortam en tos hom ossexuais não são

a A história da homossexualidade e a Psicanálise opnizada


im orais e não deveriam ser crim inalizados. Em 1886, o n eurologista R ichard Von
K rafft-E b in g 10 ad otou o term o 'hom ossexual' de K ertb en y e sua obra Psychopathia
Sexualis popularizou seu uso nas com unidades m édicas e científicas. C o n tu d o , d i­
ferente de K ertbeny, K rafft-E b in g consid erou a hom ossexualidade uma desordem
neurológica degenerativa'.
T erceiro sexo e teorias da d egen eração estavam entre as m aiores discussões
científicas da ép o ca de Freud, e ele discordaria de am bos. N os "Três ensaios sobre
a teoria da sexualidade "11, argum entando co n tra a d egeneração, ele observou que
a "inversão" era encontrad a em pessoas que não tinham outros problem as m entais
e em pessoas "que se destacam pelo d esenvolvim ento intelectual esp ecialm ente
elevado e cultura ética". Em 1905, ele foi d ireto ao p o n to a respeito da teoria do
terceiro sexo, numa nota de ro d ap é12:

A pesquisa psicanalítica se opõe, decididamente, a qualquer tentativa


de separar os homossexuais do resto da humanidade com o um grupo
de caráter especial... todo ser humano é capaz de fazer uma escolha de
ob jeto homossexual e, de fato, o fez em seu inconsciente.

Em vez disso, Freud expôs o m odelo de desenvolvim ento da "pulsão bissexual"


percorrendo os estágios psicossexuais, antes de atingir a expressão madura da
sexualidade. Adultos que obtiveram a excita çã o sexual por outros m eios que não
na relação sexual pênis-vagina - felação ou sexo anal receptivo, por exem plo - s o ­
freram fixações ou regressões. Freud via essas últimas atividades, heterossexuais ou
hom ossexuais, co m o expressões da sexualidade im atura13, e contrastou-as com o
que ele acreditava serem as formas maduras da expressão genital (h etero)sexu al14.
N o m odelo freudiano da m ente, a histeria era com parada à perversão. N a
histeria, os m ecanism os de recalque funcionavam mal e as pulsões inaceitáveis
eram transform adas em sintom as físicos por m eio de d eslocam en to e conversão.
N a perversão, não havia con flito, levando à afirm ação de Freud de que "neuroses
são o negativo das perversões"15. Essa teoria enfatizava sua p osição de longa data
de que a inversão não era uma d oen ça neurótica, além de seu pessim ism o sobre
"converter" a hom ossexualidad e16:

A rem oção da inversão genital ou homossexualidade - em minha expe­


riência, nunca é matéria fácil... Em geral, se com prom eter a converter
um homossexual plenamente desenvolvido em um heterossexual não
oferece maiores perspectivas de sucesso do que o inverso,- exceto que,
por boas razões práticas, isto nunca é tentado.

Ele m anifestou esses sen tim entos, no final de sua vida, em sua h o je fam osa
"C arta a uma M ãe A m ericana"17:

49
A homossexualidade, certam ente, não é uma vantagem,- mas não é nada
do que se envergonhar, não é vício, não é degradação,- não pode ser
classificada com o uma doença. Consideramos que seja uma variação
da função sexual, produzida por uma certa interrupção no desenvolvi­
mento sexual... Ao perguntar-me se posso ajudar, você quer dizer, eu
suponho, se eu posso abolir a homossexualidade e fazer com que a h e­
terossexualidade normal ocupe o seu lugar. A resposta é, de modo geral,
que não podemos prom eter alcançar este resultado. Em certo número
de casos, tivemos sucesso em desenvolver os germes malogrados das
tendências heterossexuais que estão presentes em todos os hom osse­
xuais; mas na maioria dos casos isso não é mais possível.

Freud foi to leran te para sua época. Assinou uma p etição, em 1 9 3 0 , para des-
crim inalizar a hom ossexualidad e18. N o en tan to , em bora ele não consid erasse a
hom ossexualidade uma d oença, sua teoria não con stitu ía exatam en te um atestado
de saúde - cham ar alguém de im aturo, ao invés de d oen te, não é tão ofen sivo, mas
nenhum a das d en om inações é p articularm ente respeitosa. Freud tam p ouco e sc o n ­
deu seu desprezo pelas teorias do terceiro sexo, norm alizantes, do m ovim ento
h om ófilo germ ânico {gay rights) de sua é p o c a 19:

O mistério da homossexualidade, portanto, não é de maneira alguma tão


simples quanto comumente é retratado nas exposições populares: uma
mente feminina, fadada assim a amar um homem, mas infelizmente presa
a um corpo masculino,- uma mente masculina, irresistivelmente atraída
pelas mulheres, mas, ai dela, aprisionada em um corpo feminino.1... A
literatura tendenciosa obscureceu nossa visão dessa inter-relação, colo­
cando em primeiro plano, por razões práticas, o terceiro aspecto (tipo de
escolha de objeto), que é o único que impressiona o leigo, e, além disso,
exagerando a proximidade de associação entre esta e o [hermafroditismo
físico]... Se tomarmos em consideração essas descobertas [psicanalíticas],
evidentemente, cai por terra a suposição de que a natureza criou, de ma­
neira aberrante, um 'terceiro sexo'.

■ Os patologizadores neofreudianos
O desprezo de Freud pelas teorias de n orm alização da hom ossexualidade seria
ad otad o p elo m ovim en to organizad o que ele fundou. N o entanto , os praticantes
da P sicanálise de m eados do sécu lo X X basearam sua abordagem clín ica da h o ­
m ossexualidade na obra de San d or R ado20, que sustentou que a teoria de Freud
sobre a bissexualidade inata fora um erro, que não havia tal coisa co m o a h o m o s­
sexualidade norm al e que a heterossexualidade era a norm a b iológ ica.
N a teoria de Rado, a hom ossexualidade adulta era uma evitação fó b ica da
heterossexualidade causada por cuidados parentais que, desde o in ício , apresen­

50
taram -se co m o inadequados. O s adeptos de sua teoria incluíam B ieber21 e outros,
que consideravam "a hom ossexualidade com o uma patologia b ioso cial, c o n s e ­
qüência da ad aptação psicossexual de m edos difusos que envolvem a expressão
de impulsos heterossexuais". S ocarid es22 discordou de Freud e teo rizo u um m e ca ­
nism o in co n scien te neu ró tico, que levava à hom ossexualidade. O v e sey 23 afirmou
que a hom ossexualidade é "uma form a desviante de ad aptação sexual na qual o
pacien te foi forçad o através da in jeçã o de m edo na função sexual norm al". Essas
teorias pós-freudianas tiveram im pacto significativo no pensam ento psiquiátrico
de m eados do sécu lo X X e fizeram parte da argum entação para a inclusão de um
d iagnóstico de 'hom ossexualidade', tanto na prim eira (1 9 5 2 ) quanto na segunda
(1 9 6 8 ) edição do Diagnostic and Statistícal M anual (D S M )24. A ad oção dessas teorias
tam bém significava que hom ens e m ulheres assum idam ente g ay s eram con sid era­
dos inelegíveis para fazerem form ação em Psicanálise ou em qualquer das profis­
sões de saúde m ental que fossem dom inadas pelo pensam ento p sican alítico25'28.

■ Dissidentes da Psicanálise
Enquanto a m aioria dos psicanalistas am ericanos e todas suas organizações
profissionais sustentaram que a hom ossexualidade era uma co n d içã o patológica,
houve dissidentes proem inentes. O mais im portante era Ju d d M arm or, cu ja p ri­
meira con trib u ição para os debates psiquiátricos iniciais sobre a hom ossexualida­
de foi Sexual inversion29. Lá, ele "tentou reunir inform ações relevantes de tod os os
setores da com plexid ad e da [hom ossexualidade] - história, zo o lo g ia com parada,
g en ética, en d ocrin olog ia, sociolog ia, antrop ologia, d ireito, psicologia, psiquiatria
psicanalítica"30. M arm or não era avesso a ventilar visões das quais discordava,- o
volum e incluía co n trib u içõ es de Rado, B ieber e O vesey. Ele afirmou que a questão
fundam ental levantada pelo status d iag n ó stico da hom ossexualidade não era m éd i­
ca nem sem ântica, mas m oral31.
O u tro dissidente p sican alítico foi T h o m a s Szasz. Em The myth ojm en tal illness12,
ele critico u profissionais de saúde m ental em geral por rotularem m uitos com p or­
tam entos não con v en cio n ais co m o sinais de d oença. Ele argum entou que a d oença
m ental era uma m etáfora e não uma d oen ça real, co m o uma in fe cçã o viral ou uma
perna quebrada. Szasz acusou seus co leg as psiquiatras de, ao invés de praticar
m edicina, usar d iagnósticos co m o uma form a de aum entar seu próprio poder e
influência. C o m o porta-voz do m ovim en to da antipsiquiatria', ele repreendeu os
psiquiatras por diagnosticarem não apenas a hom ossexualidad e33, com o tam bém
outros "d iagnósticos" com o "abuso de substâncias"34.
R o b ert S to lle r35, um psicanalista cu jo trab alh o clín ico e escrito s incluem o
estudo de pacien tes transexuais e intersexuais, introduziu c o n c e ito s da sexologia
na literatura analítica. O mais im portan te foi sua im portação do c o n c e ito de Jo h n
M o n e y 36 de uma "identidade de gên ero" d istinta de uma "o rien tação sexual". As
co n trib u içõ es teóricas de S to ller iriam solapar ainda mais as teorias analíticas tra ­

51
dicionais sobre hom ossexualidade que, norm alm ente, confundiam identidade de
gênero e orien tação sexual.

■ Ossexólogos
Enquanto uma psiquiatria psicanaliticam en te dom inada estava tentand o 'curar'
a hom ossexualidade, os pesquisadores da sexologia de m eados do sécu lo X X te n ­
tavam dar sen tid o ao com p ortam en to sexual hum ano da população em geral. A n a­
listas tiravam con clu sõ es a partir de um grupo autosselecionado (p acientes que
procuram tratam en to para sua hom ossexualidade) e escreviam suas 'd escobertas'
co m o relatos de casos. S e x ó lo g o s, por outro lado, foram a cam po e recrutaram um
grande núm ero de sujeitos não p acien tes para os estudos. A o fim, suas pesquisas
deram apoio a uma visão de que a hom ossexualidade, assim com o a h eterossexu a­
lidade, deveria ser considerada uma variação norm al da expressão sexual humana.
O s m ais p ro em in e n te s d en tre os estud os s e x o ló g ic o s foram Sexual behavior
in the human male37 e Sexual behavior in the human jem ale38, am b os de A lfred K insey.
K in sey p esqu isou m ilh ares de p essoas e d esco b riu que a h om o ssex u alid ad e era
m ais com u m na p o p u la çã o em geral do que co m u m e n te se acred itav a, apesar
de sua, agora fam osa, e sta tís tic a de "1 0 % " a cre d ita r-se esta r p ró xim a de 1 a
4 % 39. As d esco b e rta s de K in se y d iscordaram fo rte m e n te das v isõ es p siq u iá tri­
cas d o m in an tes, que p ro clam avam que a h o m o ssex u a lid a d e era rara. Em 1 9 5 1 ,
o estu d o tran scu ltu ral e e to ló g ic o de Ford e B ea ch , Patterns o f sexual behavior40,
d efen d eu a p o siçã o de K in se y de que a h om o ssex u alid ad e não era rara e de
que o co rria na natu reza. A p sicó lo g a E vely n H o o k e r41 d em on stro u , p o r m eio
de te ste s p ro je tiv o s in te rp re ta d o s im p a rcia lm en te, que, ao c o n trá rio do que
p re v ale cia na te o ria p sica n a lítica da é p o ca , um grupo de h o m en s h o m o s s e ­
xuais, que não eram p a c ie n te s, não m ostravam m ais p sic o p a to lo g ia do que os
de sua d e s p a t a l s i j i z a ç à o

h e te ro ssex u ais do grupo de c o n tro le .

■ 1973: confronto entre Psicanálise e sexologia


A psiquiatria am ericana, influenciada, na ép o ca, pela p sicolo g ia do ego, ig n o ­
rava, em sua m aioria, as pesquisas sexológ icas e suas con clu sõ es norm alizantes
na h i s t ó r i a

sobre a hom ossexualidade. N o entanto, em 1 9 7 0 , essas pesquisas foram trazidas


à força para a aten ção da American Psychiatric Association (APA). Após os m otins de
As Homossexualidades na Psicanálise

Stonewall em 1969, na cidade de N ova Iorque, no Greenwich Village42, ativistas gay s


organizados, con v en cid os de que as atitudes de p ato lo g ização da psiquiatria sobre
a hom ossexualidade eram um dos principais con trib u in tes para o estigm a social,
interrom peram , prim eiro em 1 9 7 0 e, em seguida, novam ente em 1 9 7 1 , as reuniões
anuais da APA.
Em resposta aos protestos, em 1971 e em 1 9 7 2 , dois painéis nas reuniões da
APA deram destaque a ativistas gay s não p acien tes, que explicaram , para uma au­

52
diência psiquiátrica, o estigm a causado p elo diagnóstico psiquiátrico. N a reunião
de 197 2, o psiquiatra Jo h n Fryer se uniu aos ativistas e apareceu co m o "Dr. H .
A nonym ous", vestind o uma m áscara de b orracha, uma peruca assustadora e um
smoking acim a do seu tam anho. Fryer, usando um m icrofon e que disfarçava a voz,
disse à sua audiência o que era ser um psiquiatra g a y enrustido.
D urante esse períod o, a APA tam bém iniciou um processo in terno para estu ­
dar a questão cien tífica sobre se a hom ossexualidade deveria ser considerada um
distúrbio psiquiátrico. O C o n selh o de C uradores da APA encarreg ou seu C o m itê
de N om enclatu ra co m o o corp o cien tífico mais adequado para abordar essa
questão. O co m itê entrevistou proponen tes do p on to de vista da norm alização e
da p ato lo g ização e fez sua própria revisão da literatura psiquiátrica, psicanalítica
e sexológica. Essa últim a, um assunto que não costum ava ser ensinado nos p ro ­
gramas de form ação psiquiátrica da ép oca, era d esco nh ecid a para a m aioria dos
psiquiatras praticantes43.
D ep ois de uma revisão que durou mais de um ano, o C o m itê de N om enclatu ra
recom end ou ao C o n selh o de Curadores da APA que rem ovesse "a hom ossexu a­
lidade per se" do manual de d iagnóstico. A pós análise e aprovação por parte de
outros com itês e órgãos d eliberativos da APA, em dezem bro de 1 9 7 3 , o C o n selh o
de Curadores da APA votou a retirada da hom ossexualidade do D S M -II. D en tro
de dois anos, os profissionais de outras grandes org anizaçõ es de saúde m ental,
incluindo a American Psychological Association, a National Association o f Social Workers e
a Association fo r Advancement o f Behavior Therapy, endossaram a decisão da APA.
Porém , antes que a rem oção pudesse ser im plantada form alm ente, analistas
que tinham argum entado co n tra a m udança escreveram e apresentaram uma
petição para a APA. Eles exigiram um referen do de tod os os m em bros da APA
para im pugnar a decisão do co n selh o . A p etição incluía 2 0 0 assinaturas dos m em ­
bros psicanalíticos da APA, que foram recolhid as durante a reunião da American
Psychoanalytic Association (APsaA) em d ezem b ro de 1 9 7 3 44,45. Em 19 74 , a decisão
do co n selh o para a rem oção foi confirm ada por uma m aioria de 5 8 % dos m em bros
votantes da APA. Após o referendo, a APA tam bém em itiu uma posição inovadora,
declarando apoio à p ro teção dos d ireitos civis para os g ay s no em prego, h a b ita ­
ção, alojam en to pú blico e licen ciam en to , b em co m o a revogação de todas as leis
referentes à sod om ia46.

■ Psicanálise e homossexualidade: 1973-1992


N as águas da decisão de 1973 da APA, as atitudes culturais sobre a h o m o sse­
xualidade com eçaram a mudar. N os Estados U n id os e em outros lugares, aqueles
que aceitaram a autoridade cien tífica sobre tais questões gradualm ente vieram a
aceitar a visão norm alizadora. M udanças sim ilares tam bém ocorreram , p ou co a
pouco, na com unidade in ternacional de saúde m ental. Em 1 9 9 2 , a O rg an ização
M undial da Saúde (O M S ) aceito u o p o n to de vista dos Estados U nid os e rem oveu
a hom ossexualidade da C lassificação Internacional de D oenças (C I D - 1 0 )47.
G radualm ente, uma nova perspectiva surgiu em muitas sociedades ocid entais:
se a hom ossexualidade não é uma d oen ça, e se não se aceitarem literalm ente as
p ro ib içõ es b íb licas co n tra ela, e se as pessoas gay s são capazes e preparadas para
funcionar co m o cidadãos produtivos, então o que há de errado em ser g a y 4S?
A com unidade psicanalítica, no en tan to , levaria mais tem po do que os outros
a adotar essa perspectiva. N a seqü ên cia da decisão de 1973 e com o sua influência
dim inuiu gradualm ente nas profissões de saúde m ental, os psicanalistas se e n trin ­
cheiraram . A o m esm o tem p o que essa norm alização foi tom ando esp aço no resto
da cultura, os analistas, em seus periód icos e em suas reuniões, continuaram a
escrever e falar sobre a hom ossexualidade em term os p ato ló g ico s. Fonte de m aior
perplexidade é o fato de que eles continuaram a negar que g ay s e lésbicas assum i­
dos fizessem form ação em seus institutos.
N o en tan to , após 197 3 , houve rebo liços de m udança na co rren te dom inante
da Psicanálise. R ich ard C . Friedm an (um m em bro da American e, depois, da A ca-
âem y), escreveu uma crítica p re co ce , mas a publicou em Contemporary Psychoanalysis
(um p eriód ico de um instituto que não faz parte da APsaA - W illiam Alanson
W h ite ). Step h en A. M itch e ll (um p sicólo g o form ado no White Institute) escreveu
dois artigos sem inais4950 que criticavam as teorias e técn icas dos principais analis­
tas que patologizaram a hom ossexualidade, incluindo um publicado na International
Revieiv o f P sycho-analysis5'. N o E n co n tro de O u to n o de 1983 da APsaA, um grupo
reunido num painel (com S ta n ley Leavy, R ich ard Isay, R o b ert S to ller e R ich ard C .
Friedm an) ventilou suas críticas em relação à perspectiva analítica en tão d om inan­
te 52. A m bos, Isay53,54 e Friedm an55 viriam a oferecer, mais tarde, críticas h isto rica ­
m ente significativas da co rren te dom inante da Psicanálise e das teorias da época.
N a década de 1980, a m aioria dos institutos ainda não aceitava cand id atos g ay s
e lésb icas56,57. H avia e x ce çõ e s, co m o no caso do White Institute (que aceitava c a n ­
didatos g ay s desde a década de 1 9 50 , mas não quis que isso se tornasse pú blico)
ou na American, com o no caso de Sid ney H . Phillips58 que era abertam en te g a y e
foi a ce ito para treinam ento no Western New England Psychoanalytic Institute, em 1980.
As coisas iriam mudar. Em 1 9 8 9 , a American Academy o f Psychoanalysis ad otou a
p o lítica de não discrim inação da orien tação sexual em m atéria de adesão - a pri­
m eira de qualquer org anização psicanalítica. Em 1 9 9 1 , em resposta a uma am eaça
de p rocesso de d iscrim inação59,60 a APsaA ad otou uma p o lítica de não d iscrim ina­
ção da orien tação sexual na seleção de cand id atos, revista em 1992 para incluir,
igualm ente, a seleção de professores e analistas didatas. Em 1992, a American
tam bém criou uma C om issão para as Q u estões da H om ossexualidade (m ais tarde,
a C o m issão para as Q u estõ es de Gays e L ésbicas — Committee on G ay and Lesbian
Issues). A s com issões iriam identificar as áreas de p re co n ceito anti-hom ossexual e
I
trabalhar com os institu tos e a APsaA na d ireção da abertura de seus institutos,
m udando suas atitudes, políticas e currículos6162.

: 5 1A historia da homossexualidade e a Psicanahse organizada


■ A queerização (the queerinçfi da Psicanálise
Antes de 1990, quando a maioria dos institutos psicanalíticos não dava formação
a candidatos abertam ente homossexuais, os analistas que 'saíram do armário' no final
de 1980 e início dos anos 1990 eram, em sua maior parte, psicólogos, a maioria deles
formada fora da APsaA. Muitas de suas influências intelectuais e teóricas derivam de
fontes externas aos círculos psicanalíticos m édicos, tradicionais. Incluídos nesse gru­
po estão analistas da Grã-Bretanha63 e da American interpersonal and relational traditions64'69.
M u itos desses analistas e n co n tra ra m -se in fluen ciad os ou em resso n ân cia co m
a queer theory, um a d iscip lin a a cad êm ica p ó s-m od ern a. T e ó ric o s queer co n testa ra m
pressupostos im p lícito s que fundam entam as ca te g o ria s binárias co n v e n cio n a is
co m o 'm asculinidade/fem inilidade' ou 'hom ossexu alid ade/ heterossexualid ad e'.
Eles criticam as norm as culturais (e an a lítica s) 'd esco n stru in d o' os pressupostos
im p lícito s so b re os quais essas norm as estão basead as. E scrito s da teo ria queer
cham am a a te n çã o para as m aneiras co m o as identid ades (in clu in d o -as, mas
não lim itan d o -se às identid ades sexuais) podem ser so cia lm en te constru íd as por
m eio da h istó ria 70, da linguagem e dos costu m es, e a m aioria não acred ita que
essas identid ad es o rig in em -se de fato res b io ló g ic o s (essen cialistas).
O s prim eiros crítico s das teorias p ato lo g izan tes abordaram as atitudes não
analíticas7173 ou ofereceram teorias desenvolvim entistas norm ativas alternativas
utilizando m odelos edipianos74'76, ou, ainda, puseram de lado em co n ju n to 'causas'
dinâm icas e atribuíram ou hip otetizaram uma base 'b io ló g ica' para o d esejo pelo
m esm o sexo77 78. Em con traste, a literatura pós-m od erna de analistas gay s e lésbicas
d eslocaria o enfoq u e clín ico e te ó rico das questões sobre o que 'causa' a h o m o s­
sexualidade, entre outras coisas, indagando por que as pessoas fazem perguntas
sobre a 'etiologia' em prim eiro lugar. C o m o C o rb e tt79 co lo ca , o o b je tiv o da análise
não deveria ser "por que a hom ossexualidade, mas como a hom ossexualidade".
U m a vitrine im portante para essa perspectiva em ergente ocorreu em d ezem ­
bro de 1993, numa reunião da New York University Postdoctoral Program in Psychothe­
rapy and Psychoanalysis. Intitulada Perspectivas sohre a homossexualidade: um diálogo aherto,
foi um e n co n tro inéd ito de analistas heterossexuais e g ay s. N as atas publicadas,
Disorienting sexuality80, o prefácio de A drienne H arris observou:

Caracterizar o aparecimento de um grupo praticando a política de iden­


tidade na psicanálise em 1993 com o "corajosa" significa imediatamente
assinalar as incomparáveis e entrincheiradas dificuldades em considerar
a homossexualidade dentro da psicanálise. O que é lugar-comum na
maioria dos cenários institucionais ainda tem sido radical e resistiu
dentro da psicanálise.

55
A d écada de 1990 viu um crescim en to das publicações por parte de analistas
g ay s e lésbicas levantando novas questões e form ulando perguntas, até então,
inexploradas. Eles escreveram sobre a história e a técn ica psicanalítica,- sobre
terapeutas g ay s tratando de pacien tes gay s e heteros,- postularam m odelos de
d esenvolvim ento normal para crianças que crescem g a y s; questionaram os c o n ­
ce ito s p sicanalíticos trad icionais de m asculinidade e feminilidade,- m odificaram a
Psicanálise para tratar pacien tes com HIV,- e lançaram luz sobre as co n trib u içõ es
históricas para o m ovim ento p sican alítico inicial, anteriorm ente invisíveis, de
lésbicas co m o Bryher (A nnie W in ifred Ellerm an) e H .D . (H ilda D o o little )81'91.
Eles tam bém escreveram e editaram texto s psican alíticos para a próxim a geração
de analistas92'98.
M udanças foram oco rren d o igualm ente na co rren te psicanalítica dom inante.
Em 1 9 9 7 , a APsaA tornou -se a prim eira das principais organ izações de saúde
m ental a endossar o casam ento g a y " . U m a posição que a American Psychological e a
APA só adotariam mais tarde, em 2 0 0 3 e 2 0 0 5 , respectivam ente.

■ Homossexualidade e psicanálise: o segundo século


C o m o novo m ilênio, vieram novos livros100 106. O Journal o f G a y and Lesbian
Psychotherapy, relançado em 1 9 9 9 , tinha um co n se lh o editorial sên ior de analistas
g ay s e lésbicas. M u itos dos artigos publicados no periód ico tam bém eram de
analistas g ay s e lésbicas. A lém disso, inspirados pelo artigo de R oy S c h a fe r107 em
que ele atualizou seus pontos de vista sobre a hom ossexualidade, o JG L P solicitou
e publicou artigos de em in entes analistas seniores, cu jos escritos anteriorm ente
tinham patologizad o a hom ossexualidade. T an to O tto K e rn b erg 108 quanto Jo y c e
M cD o u g a ll109 forneceram novas form ulações de suas perspectivas teóricas e
clínicas.
QeÓBziSoioiGds9D

Em 2 0 0 1 , o Journal o f the American P sychoan alytic Association d ed icou uma ed ição


inteira, o volum e 4 9 , núm ero 4, a artigos que não p ato lo g izav am a h o m o ssex u a ­
lidade. Em 2 0 0 2 , o volum e 3 0 do The Annual o f P sychoanalysis teve co m o tem a
ens

"R ep ensand o a P sicanálise e as hom ossexualid ad es", co m co n trib u içõ e s de S c h a ­


: :

fer, M artin Bergm ann e E th el P erson. N esse m esm o ano, Sid n ey P h illip s110111
e ij o is iu

do Western New England Institute, to rn o u -se o p rim eiro analista didata da APsaA
eu

p rom ov id o co m o um hom em a b ertam en te g a y . Tam bém em 2 0 0 1 , devido aos


a ç n p n p n iQ j p i i ç f ln p n n p n Y a w m i in u q h

esfo rço s de R alph R ou g h ton e "aliados heterossexu ais" da American, a International


Psychoanalytic Association (IPA) aprovou uma d ecla ra çã o de p o sição co n trá ria a
"qualquer tip o de d iscrim in ação. Isto inclu ía, mas n ão se lim itava a, qualquer
d iscrim in ação em função de idade, raça, g ê n ero , origem é tn ica , c re n ça re li­
giosa ou o rie n ta çã o h o m o ssex u al"112. Em 2 0 0 4 , Jo se p h P. M e rlin o , um analista
ab ertam en te g a y , to rn ou -se p resid en te da American A cadem y o f P sychoanalysis and
D ynam ic P sychiatry.

56
■ Conclusão

: ■ A história da homossexualidade e a Psicanálise organizada


Atitudes e teorias psicanalíticas - e as organizações em que essas teorias e
atitudes são desenvolvidas - refletem as culturas em que são fo rm u lad as"3 " 4. A
cultura am ericana perseguiu vigorosam ente a hom ossexualidade desde a década
de 1 9 4 0 até a década de 1960, numa ép o ca em que as teorias de analistas co m o
Rado, Bieber e Socarid es predom inavam nas org anizaçõ es psicanalíticas. N ão
surpreendentem ente, naqueles anos, p acien tes e analistas geralm ente com eçavam
o tratam en to com uma visão com partilhad a de que a hom ossexualidade era um
problem a que exigia tratam ento. A m bos, p acien te e analista, estavam m otivados
a responder à pergunta de co m o a fam ília tirou o p acien te do trilh o da heterosse-
xualidade norm al. D essa form a, S c h a fe r " 5 observa:

parece uma técnica de princípio muito simples que, ao fazer a análise do


caráter deve-se tornar o que é ego-sintônico em ego-distônico, tornan­
do assim possível analisar traços de caráter patológicos (...) percebe-se
o quanto esse princípio técn ico deixa espaço para os valores pessoais
do analista serem impostos ao paciente. Aqui precisamos apenas pensar
na orientação homossexual ego-sintônica, seja de que maneira estiver
estruturada no caráter, e em com o tantos analistas tentaram tornar essas
orientações em ego-distônicas, ou então resignadamente pensaram que
era impossível até mesmo tentar.

D ad o o papel que a subjetividade desem penha na teoria psicanalítica, não


constitu i surpresa alguma que o estudo de B ie b e r "6 e de outros, fundam entados
nos valores da década de 1 9 5 0 , tenham en con trad o "as m elh ores relações interpa-
rentais" aonde "o pai dom ina, mas não m inim iza a m ãe”. C o m o S c h a fe r117 continua
a dizer:

muitos juízos morais foram admitidos com o afirmações factuais, enquanto


muitos outros juízos morais foram apresentados com o conclusões racio­
nais baseadas em exercícios cuidadosos de curiosidade, sob a forma de
uma investigação significantemente científica ou, ainda mais simplesmen­
te, de um incontestável teste de realidade.

A lterar os valores culturais desem penharia, novam ente, um papel nas narrati­
vas analíticas que retratam a hom ossexualidade com o uma variante normal da se ­
xualidade humana. C o m o as atitudes sexuais se tornaram mais tolerantes do final
da década de 1 9 6 0 até os anos 1 9 8 0 , surgiram m odelos teó rico s não p atológicos.
N um a variação desse m odelo, analista e p acien te sim plesm ente assumem que a
hom ossexualidade é intrínseca e norm al para o pacien te. C o m o as origens da
hom ossexualidade são atribuídas a fatores situados além do co n tro le co n scien te
ou in co n scien te do p acien te, não são mais consideradas um assunto de investi­
gação analítica. M esm o nos casos em que o analista e o p acien te acreditam que

57
a hom ossexualidade é construída ou um produto do c o n f lito " 8 " 9, esse resultado
não deve ser consid erad o inferio r a uma orien tação heterossexual. A partir dessas
perspectivas, analista e p acien te poupam -se da tarefa de d ecifrar o que im pediu
o d esenvolvim ento heterossexual do pacien te. A narrativa que em erge, ao invés
disso, flui da questão sobre co m o o p acien te lida com um m undo que é hostil à
hom ossexualidade ou pode explorar as dificuldades do pacien te em aceitar sua
própria sexualidade.
Essa história das atitudes psicanalíticas em relação à hom ossexualidade reforça
a im pressão de que as teorias psicanalíticas não podem ser dissociadas dos c o n ­
texto s p o lítico s, culturais e pessoais em que são formuladas. Essa história tam bém
m ostra que analistas podem assumir p osições que tan to facilitam quanto obstruem
a to lerân cia e aceitação . Em 1 9 2 1 , Ernest Jo n e s perguntou se um cand id ato 'h o ­
m ossexual' deveria ser a ceito para form ação analítica. Em uma 'carta circular' ao
círcu lo íntim o de Freud, este e R ank120 responderam que a hom ossexualidade, por
si só, não deveria ser um critério de exclusão e que outras qualidades do indivíduo
deveriam ser levadas em con ta. D ep o is de um c o m e ç o um tanto cam b alean te, isso
parece ser o caso, agora, no segundo século da Psicanálise. F-loje, analistas g ay s e
lésbicas falam co m o sujeitos respeitados d entro de suas com unidades analíticas,
não mais sendo vistos co m o o b je to s ridicularizados. C o m o resultado, eles podem
agora d efend er e focar a aten ção psicanalítica nas necessidades p sicoló g icas de
seus p acien tes gays e lésbicas.

Tradução de Luciana M arques. Revisão de M a rco A n ton io C o u tin h o Jo rg e.


CAPITULO 4

Sexualidade e ética psicanalítica


Luciana Marques
"No campo aberto por Freud, restaure a sega cortante de sua verdade, c/ue reconduza a práxis original cjue
ele institui sob o nome de psicanálise ao dever cfue lhe compete em nosso mundo, cjue, por uma crítica assídua,
denuncie os desvios e concessões cjue amortecem seu progresso, degradando seu emprego ''

Jacques Lacan

■ Introdução

O
cam po da sexualidade, que alicerça toda a con stru ção da doutrina psi­
can alítica, foi abordado por Freud de m aneira cuidadosa e inovadora.
Revelando os avatares da sexualidade, suplantados pelos aspectos sig n i­
ficantes, Freud encarregou -se de rom per com o discurso b io lo g iz a n te sustentado
pelos cientistas do fim do século X IX , o qual, a partir da n o çã o de instinto, reduzia
o sujeito a um padrão fixo de com p ortam en to e classificava co m o perversa1 toda e
qualquer cond u ta sexual que não cond u zisse à preservação da esp écie.
N aquela ép oca, enqu anto o discurso da ciên cia , atrelado à religião e ao d irei­
to, criava seu vocabu lário a fim de elaborar uma definição 'científica' para certas
práticas sexuais ditas patológicas, Freud - com o discurso da pulsão enquanto
prim eiro eixo d iferenciad or do pensam ento até então vigen te - , subverteu o saber
da ép o ca e apresentou sua p u blicação "Três ensaios sobre a teo ria da sexualidade",
em 1 9 0 5 2. A o afirmar que a Psicanálise se recusava a consid erar os hom ossexuais
com o possuidores de características esp eciais, Freud revela a hiância inerente ao
ser falante, que se apresenta com o d esejo errático e desviante da necessidade
b io ló g ica 3:

A psicanálise considera, antes, que a independência da escolha objetai


em relação ao sexo do ob jeto, a liberdade de dispor igualmente de
objetos masculinos e femininos, tal com o observada na infância, nas
condições primitivas e nas épocas pré-históricas, é a base originária da
qual, mediante a restrição num sentido ou no outro, desenvolvem-se
tanto o tipo heterossexual com o o homossexual. N o sentido psicana-

59
lítico, portanto, o interesse sexual exclusivo do homem pela mulher é
também um problema que exige esclarecim ento, e não uma evidência
indiscutível que se possa atribuir a uma atração de base química.

A o co n c e b e r a sexualidade por m eio do fu ncionam ento pulsional, com sua


essência polim orfa, Freud c o lo c a todos os sujeitos em igualdade - da crian ça ao
adulto - e estab elece uma nova p o n te entre o norm al e o p ato ló g ico . A partir de
então, tudo que sai do esquem a da dita norm alidade é ju stam ente a sexualidade,
que perm eia o sujeito do in co n scien te.

■ A pulsão e seus desvios


M esm o após to d o o m ovim en to que, ao lo n g o dos anos, assistiu-se co n tra
a p ato lo g ização da hom ossexualidade e, por conseg u inte, con tra a hom ofo bia,
ainda h o je pode-se deparar com argum entos p sicanalíticos calcad os no ideal da
heterossexualidade enqu anto norm a, que reforçam o im aginário social da c o m ­
plem entaridade dos sexos e con tribuem para o ju lg am en to e a estig m atização do
su jeito hom ossexual.
Psicanalistas con tem p orân eos, contam inados pela moral sexual conservadora e
pelo discurso m éd ico norm ativo - com uma visão m uito mais próxim a à dos pré-
freudianos do que de Freud ou do retorno a Freud prom ovido por Lacan - , (re)
interpretam a hom ossexualidade a partir de uma 'm aturação' pulsional, equivalente
à n o ção de instinto, enqu anto processo estab elecid o a partir da d iferença sexual
anatôm ica.
A o apresentar a co n c e p çã o psicanalítica de sexualidade, Freud lançou m ão da
pulsão e do in co n scien te para caracterizar a esp ecificid ad e do ser hum ano. Em
seu retorn o a Freud, Lacan dem onstrou que o in co n scien te é estruturado co m o
linguagem e redefiniu a pulsão com o efeito da in cid ên cia da dem anda do O u tro
de sua d e s p a t o l o g i z a ç ã o

sobre o sujeito. A partir de então, qualquer redução da pulsão ao instinto desloca


a questão da sexualidade para um cam po que não é o próprio da Psicanálise.
A lam entável redução da Trieb freudiana ao Instinct, prom ovida por Jam es S tra ­
ch e y na tradução inglesa das obras com pletas, além de alicerçar a b io lo g iz a çã o
do co n c e ito e recob rir a am plitude da teo rização advinda do term o em alem ão,
na n i s í ú r i a

favoreceu a série de desvios te ó rico s e té cn ico s presentes, ainda h o je , no cam po


p sicanalítico. O term o 'Trieb', esco lh id o por Freud para tratar esp ecificam ente da
AS Homossexualidades na Psicanálise

sexualidade hum ana, ao evocar a ideia de "força poderosa e irresistível que im pe­
le"4, m arca a pulsão, enqu anto c o n c e ito ú n ico e sem correlatos.
A pulsão é uma Konstante Kraft, uma força co n sta n te cu jo impulso parte de uma
ex citação interna, que tend e à o b ten çã o da satisfação, por m eio de um o b je to
inespecífico esco lh id o, tão som ente, por se prestar com mais eficiência na c o n tin ­
g ên cia de uma dada situação. Essa co n stân cia da força pulsional indica que esse
cjuantum de excitação , c o n c ern e n te à pulsão, não pode ser extin to e que, por sua

60
vez, sua relação com o alvo acarreta a parcialidade da satisfação. Esse paradoxo
da satisfação parcial, que rem ete à categ oria do im possível da relação sexual, que
não cessa de não se escrever, estrutura o caráter circular do percurso pulsional e
marca o sujeito de que trata a Psicanálise: o sujeito do d esejo.
N o cam po do d esejo, Freud nunca separou os hom ossexuais dos outros seres
falantes, nem vislum brou qualquer possibilidade ou necessidade de 'cura', adm i­
tindo, com a n o ção de bissexualidade originária estrutural, desenvolvida desde o
início de sua obra, uma fenda radical, im possível de ser tam ponada, h eterog ên ea
ao natural, e que divide.
O sujeito, por e feito de linguagem , en co n tra-se entre dois, que não fazem U m ,
mas, ao con trário, instalam a op osição significante. H om em ou mulher, fálico ou
castrado, fem inino ou m asculino, revelam os efeito s da bissexualidade no sujeito
e apontam para a esco lh a in co n scien te que se im põe co m o fato, d istinto do acaso
psíquico.
Ao desenvolver o com p lexo de Édipo e situando a bissexualidade nos funda­
m entos dessa estrutura, Freud apresentou a p osição sexuada, hom em ou mulher,
enquanto esco lh a do su jeito, para além da anatom ia. D o m esm o m odo, com o
rochedo da castração, indissociável do Édipo, deu relevância ao falo, enquanto
significante da diferença dos sexos, que, por e feito de linguagem , inscreve duas
Ialtas sim étricas, a do & e a do O u tro , e assegura a dita relação de o b je to advinda
de uma perda originária, das D ing.
À d isposição do sujeito, o jo g o de com binatórias está ab erto desde a infância5:

Se um menino se identifica com seu pai, ele quer ser igual a seu pai,- se
fizer dele o ob jeto de sua escolha, o menino quer tê-lo, possuí-lo. N o
primeiro caso, seu eu modifica-se conform e o m odelo de seu pai,- no
segundo caso, isso não é necessário. Identificação e escolha objetai são,
em grande parte, independentes uma da outra,- no entanto, é possível
identificar-se com alguém que, por exemplo, foi tomado com o ob jeto
sexual, e modificar o eu segundo esse modelo.

A partir de então, o hom em sai do c o n te x to b io ló g ic o e do m odelo social,


passando a ser aquele que se satisfaz, em bora parcialm ente, por m eio do o b je to
pulsional,- ou, dito de outro m odo, o parceiro do sujeito é uma form ação do in ­
co n scien te, um traço que reco rta o o b je to que causa o d esejo e rem ete ao o b je to
perdido, ancorado na fantasia, e que nada garante.
Assim, não há co m o pensar num m ovim en to natural de um sexo em direção
ao outro, mas num m ovim en to pulsional, guiado pelo caráter m asculino da libido,
do sujeito d esejante em relação ao o b je to . D ividido, o sujeito só se sustenta na
relação, que ele d esco n h ece, com o o b je to que causa. Esse é o m atem a da fantasia,
ratificado por Lacan com o grafo do d esejo: 8 0 a, m atem a da insatisfação por
excelência.

61
Está aí a realidade sexual do in co n scien te, diz Lacan, realidade sexual da pul­
são, que, por essência, não tem o b je to pré-d eterm inado e, assim, não re co n h e c e
a diferença anatôm ica dos sexos co m o destino,- restando, ao sujeito, causado por
um o b je to que falta, e sco lh er seus o b je to s substitutos por con tin g ên cia.
Esse foi o passo dado pela Psicanálise: afirmar que o sujeito não é un ívoco,
sendo a d iferença o que ju stam en te vem perm itir que haja sexo,- ou seja, é a
castração que rege o d esejo de um hom em por uma m ulher que, na p osição de
o b je to , prontifica-se a causar. D o n d e se con clu i que, suplantados pelos aspectos
significantes, todos os seres falantes são heteros, seja o parceiro do m esm o sexo
que o su jeito, ou do sexo op osto.
Sim , o d esejo incom oda, já que é lá, no in co n scien te, que não m e re co n h e ço .
D a í a difusão da prom essa da relação sexual, em d etrim en to do d esejo , ainda se
fazer presen te com o discurso do m estre e toda a cegueira que esse discurso c o m ­
porta, ao exclu ir a relação do a com a divisão do sujeito.
D e sta co o caso da The N ational Association fo r Research and Therapy o f Homosexua­
lity (N A R T H ), co m o um n o tó rio exem plo de exclusão da fantasia. A N A R T H ,
fundada em 1992 e in icialm en te presidida por C h arles Socarid es, em bora não
tenha nenhum a ligação direta com a International Psychoanalytical Association (IPA),
é com p osta por vários psicanalistas que são m em bros da American Psychoanalytic
Association (APsaA ), que afirmam serem capazes de m odificar a 'o rien tação sexual'
das pessoas, com base na teoria psicanalítica.
A p o sição oficial da N A R T H é de que a hom ossexualidade é um transtorno
tratável e, segundo Socarid es, "os hom ossexuais, não im porta o seu nível de adap­
tação e de fu ncionam en to em outras áreas da vida, são severam ente deficien tes na
área mais vital: as relações interpessoais",- o que ju stifica seu en ten d im en to de que
o hom ossexual não só precisa co m o deve ser m od ificad o6.
N ão é de se esp antar que esse p ro ced im e n to h o m o fó b ico e co n tam in ad o
por cre n ças im portadas de uma m oral sexual social re ce b a ap o io, inclusive
fin an ceiro, de m em bros da d ireita radical relig io sa que, por sécu los, unidos à
ciê n cia , tentaram m anter a cre n ça no m ito do U m possível p elo e n c o n tro com
a cara m etad e.

■ A ética da diferença
A o se deparar com a ap licação da P sicanálise co m o form a de 'co rreção' e 'nor-
m atização' da sexualidade, verifica-se o encarnar do analista no lugar de O u tro
o n iscien te que, ao resistir ao d esejo, con v erte a cura numa esp écie de doutrina-
m ento, que tem co m o con seq ü ên cia a foraclusão do sujeito.
D e ce rto que a exclusão da alteridade e a n eg lig ên cia do in co n scien te não
datam de h o je , mas, frente ao equ ívoco ainda presen te na prática analítica e dos
desvios que visam à adaptação do Eu à realidade e ao aprisionam ento da pulsão,

62
torna-se necessário problem atizar o resgate da função im aginária, em d etrim ento í
da função sim bólica do tratam ento.

O im aginário que ancora as ficções do que é ser hom em ou m ulher é o m esm o f?
que os faz tro p eçar incessantem ente na busca de um ideal de harm onia pulsional. S
Eis o que a exp eriên cia analítica d esconstrói ao revelar que a ideia de um T od o »
-hom em é um to tem e que A m ulher não existe. J»
g.
Está aí a dim ensão do in co n scien te, dim ensão da linguagem que co n o ta a §
im possibilidade de sim bolizar a relação sexual e con traria a estrutura lóg ica jf
co n scie n te, perm itindo ao sujeito eleg er seu sexo, significantizad o para além da
anatom ia.
Para o hum ano, desprovido de instinto, o sexo b io ló g ic o não tem d eterm i­
nação absoluta e o im perativo pulsional revela a falácia dos valores morais. Foi o
sujeito, em sua inqu ietação advinda do 'isso diz algo diferente do que eu digo', que
deu origem à Psicanálise e à sua ética.
"O n d e Isso era, Eu devo advir"7 é a d ireção dada por Freud para o fim de
análise, para a qual o o b je tiv o últim o da cura é levar o Eu a re co n h e ce r e se re s­
ponsabilizar por Isso que se expressa co m o o mais íntim o do sujeito. N o entan to,
essa m esma fórmula foi e ainda é utilizada para uma terapêutica de con form ação,
que visa à d om esticação da pulsão e prom ove o Eu à p o sição de sen h or de sua
própria casa.
D a í o resgate prom ovido por Lacan em seu retorn o a Freud, ao afirmar que a
Psicanálise não é uma terapêutica de ad aptação e não prescreve valores de c o n ­
duta, mas subverte as norm as m orais ao apontar para a em ergência do d esejo,
irredutível, que se apresenta na esp ecificid ad e mais íntim a da sexualidade desar-
m ônica de cada sujeito.
A o analista, não cab e o lugar de m estre que opera co m o m odelo ideal para o
outro,- não é sua função educar para tam p onar a fenda da linguagem . A Psicanálise
visa à em ergência do d esejo e à d iferença que o constituí.
A o levar em co n ta a radicalidade do in co n scien te, em o p osição às terapêuticas
que desviam a d ireção de tratam en to em função dos padrões culturais, Lacan in ­
siste que som os "supostos saber não grandes coisas"8. Ele m arca, assim, o abism o
entre a id entificação com o analista na p o sição de m estre, que obtura o ap areci­
m ento do d esejo e a ignorância douta proposta em seu escrito sobre as "Variantes
do tratam ento-padrão". O que deve saber, na análise, o analista? Ignorar o que ele
sabe, pois o saber está do lado do analisando que transm itirá, na transferência,
seus significantes in co n scien tes pela associação livre.
A Psicanálise acolh e a dim ensão real, não ideal. Esse foi o p onto de partida
de Lacan ao form ular uma ética que integrasse as conqu istas freudianas sobre o
d esejo, co lo can d o , em seu v értice, o d esejo do analista e suas im p licações éticas
na d ireção do tratam en to.

63
O d esejo do analista, m o to r da análise, não retrata o que o analista deseja do
analisando, mas, ao con trário, co m o causa, sustenta a im possibilidade enqu anto
fato de estrutura, já que "é isto, na estrutura, o que nos interessa no nível da e x ­
periência analítica"9.
Fazendo do d esejo o o b je to nortead or da análise, a partir do dispositivo da
fala, o analista prom ove a abertura própria à regra fundam ental e m arca a d iferen ­
ça que se fundam enta na atualização da realidade do in con scien te do analisante,
um a um, na sessão de análise: que o discurso se efetue sem interrupção, sem
co n ten çã o , não apenas pela preocu pação com a co erên cia, mas tam bém por sua
aceitabilidad e no mundo. Assim, a Psicanálise desvela um real que não com p orta
qualquer referência ao cam po do Bem Suprem o ou da felicidade plena.
Se há uma ética psican alítica, é na m edida que ao analista, em sua função ca u ­
sai de o b je to , cab e esvaziar o lugar de seu próprio d esejo co m o sujeito, visando
àquilo que, em cada falante, é único: "d esejo da d iferença absoluta"10.
A scend en do ao real, é precisam ente na p osição de a, resto não sim bolizável da
op eração significante, que o analista sustenta seu com prom isso ético . D an d o lugar
ao d esejo de sua função, o analista se dirige a um saber que não estanca, mas c o n ­
vo ca a criar, a saber-fazer a partir do im possível da plenitude. Q u e queres? Essa é
a ordem do d esejo, princípio é tic o que se funda na inadequação.
de sua d e s p a t o l o g i z a ç ã o
na h i s t ó r i a
- As Homossexualidades na Psicanálise

64
CAPÍTULO 5

A homofobia no discurso psicanalítico sobre o


casal e a parentalidade homossexual1
Acyr Maya
Para M árcia Árán, in mmoriam

m Introdução

A
descrim inalização e a d esp atolog ização da hom ossexualidade v iab iliza­
ram, aos indivíduos do m esm o sexo, a conqu ista de alguns direitos. A re i­
vind icação dos hom ossexuais, pelo m ovim ento g a y , vem criando, desde
os anos 1990, novas dem andas sociais e ju ríd icas, a exem plo do reco n h ecim en to
social e ju ríd ico do casal hom ossexual e da fam ília hom oparental.
N a França, em 1 9 9 9 , foi aprovad o o Pacte Civil âe S oliâarité (P a C S ). A r e i­
v in d icação de ser um casal de d ireito e não apenas de fato p ro v o co u v io len ta s
reaçõ es h o m o fó b ica s, p o r parte de v ário s seg m en to s da so cied a d e fran cesa,
inclusive de alguns p sican alistas. C o n c e ito s da te o ria p sica n a lítica foram e m ­
pregad os p elo s e sp ecialista s em p a re n te sc o e fam ília. A liás, o b serv o u -se que os
argu m entos que p ro tag o n izaram a d iscu ssão não foram os de cu n h o b io ló g ic o
ou m oral.
Segundo o sociólogo Eric Fassin3, na França, a hom ofobia não é um argumento
jurídico nem político legítim o, não é mais possível recusar abertam ente a hom osse­
xualidade e seus desdobramentos sociais. U m a saída para não se incorrer no discurso
hom ofóbico sem criar constrangim ento social é fundamentar, fora da política, a re­
cusa à igualdade entre as sexualidades. A antropologia e a Psicanálise, por exemplo,
serviram a esse propósito.
O argum ento central utilizad o co n tra o P a C S foi a n o çã o da ordem sim b ó ­
lica da d iferença dos sexos, que reúne, em si, fundam entos da antropologia de
Lévi-Strauss e de uma certa leitura da Psicanálise de Lacan. Em defesa da p re­
missa de que som ente o casal h eterossexual está inscrito na ordem sim bólica da
diferença dos sexos, a reiv in d icação dos hom ossexuais foi nom eada com o uma
'd esim bolização' (âésymbolisation). Para Iréne T h è ry 3, so ció lo g a avessa ao P aC S,

65
a paixão pela desim bolização consiste precisamente em crer que se
pode dispensar esta inscrição do casal na ordem simbólica do gênero,
que se pode reduzir o laço à relação, o sexuado ao sexual, e deixar de insti­
tuir o masculino e o feminino.

M ais uma vez negativada, a homossexualidade é colocada fora do padrão de nor­


malidade vigente - no caso do P aC S, fora do sim bólico. A história da hom ossexuali­
dade mostra que ela sempre foi colocad a fora do referente de normalidade eleito em
cada época: na Idade M édia, fora da Natureza (pecado),- na medicina do século X IX ,
fora do instinto (desvio/perversão) etc.
Em d eco rrên cia desse quadro, resolvem os pesquisar o discurso p sican alítico
dos analistas con trários ao P a C S , dando prosseguim ento à in vestigação, iniciada
no m estrad o, sob re a transm issão da n o çã o de hom ossexualidad e pela P sica n á li­
se. Pois, freq u en tem en te, tem o co rrid o uma transm issão id eológ ica dessa n oção ,
em que o ideal da heterossexualidad e (p sican aliticam en te falando, a cre n ça na
existên cia da relação sexual) prevalece co m o um parâm etro m oral da sexualidade.
D en tre os analistas que se opuseram à aprovação do P a C S , en co n tra-se Ja c -
ques-A lain M iller. Por sua im portância no cen ário p sican alítico con tem p orân eo,
inclusive no Brasil, resolvem os analisar seu discurso, a partir da pu blicação de
artigos e textos.

■ Miller: o desejo homossexual é sempre ladrão


A fala de M iller sobre o tem a da reivind icação dos g ay s por direitos iguais apa­
rece num d ebate após uma co n ferên cia de E ric Laurent, nom eada "Nomes nouvelles
de l' bomosexualité", publicada pela Ecole de la Cause Freudienne (E C F ), em 1 9 9 7 , antes
da aprovação do P aC S.
Prim eiram ente, é necessário apresentar as ideias de Laurent, que servem de
p o n to de partida para o com en tário de M iller. A tese de Laurent é a de que a
identidade g a y produzida pelos G ay and Lesbian Studies, que recusou a id en tificação
da hom ossexualidade com a perversão, foi ultrapassada, nos anos 1 9 9 0 , pelo Queer
Studies, tam bém oriundo dos d epartam entos das universidades am ericanas (os
G ay and Lesbian Studies consitu em um cam p o m ultidisciplinar. N o d iálogo com a
Psicanálise4, questionam seus fundam entos, face às novas con figu rações fam iliares
e expressões não con v en cio n ais da sexualidade). A teoria cjueer representaria uma
nova norm a, ao afirmar sua d ivergência quanto à vo n tad e dos g ay s, de se fundirem
na norm a heterossexual. D en tre seus representantes, en co n tra-se o professor e
c rítico cultural L eo Bersani, trazid o ao d ebate por Laurent.
Bersani fundam enta suas ideias em escrito res hom ossexuais, co m o G ide, G e n e t
e Proust, que afirmaram uma hom ossexualidade não norm ativa. Se o g a y recusou
o fantasm a na perversão para afirmar um estilo de vida norm ativo, o cfueer pretende
"apagar ou ab olir a diferença"5.
Vam os à fala de M iller: Para ele, os g ay s, ao reivindicarem o direito à cid ad a­
nia, apagam alguns traço s perversos6:

Bersani está lá a dizer - a perversão, é a perversão. É sua revolta. Ao


querer normalizar a cidadania, vocês perdem o verdadeiro sentido da
perversão, que é a imoralidade, a traição, o não respeito pela palavra,
o contrário da fidelidade - G ozo em primeiro lugar. Ele os reivindica
com o valores próprios à perversão. É o avesso do bom cidadão.

A ntes de prosseguirm os, é necessário que sejam feitas algumas pontuações


acerca da posição de Bersani7 em Homos, livro no qual Laurent se baseou para sus­
tentar seu argum ento. Bersani contextu alizou seu livro em m eio a uma com plexa
discussão a respeito da crise de d efinições no cam po da sexualidade e do gênero.
Identificou, nos escritores citad os, uma força de resistência específica, mais am ea­
çadora para a ordem social do que as separações subversivas de sexo e de gênero,
e a luta pela igualdade de direitos. V alorizou esses esforços, mas consid erou que
os gays se descaracterizaram com o tais. O s g ay s, ao assim ilarem a cultura que eles
próprios criticavam , acabaram por reforçar o paradigma da diferença anatôm ica
dos sexos, que fundam enta a ideia de heterossexualidade e de hom ossexualidade.
Para o autor, o binarism o hom ossexual-heterossexual, sistem a p elo qual aprend e­
m os a desejar, reduz o erotism o e correlacion a o prazer à d iferença sexual a n a tô ­
m ica. A crescen tou que cjueer não é uma identidade, pois a estabilização cien tífica de
uma identidade é sem pre disciplinadora, não favorecendo a m obilidade do d esejo.
Propôs uma outra definição de la ço social distinta daquela naturalizada pela
Psicanálise, ou seja, fundada na castração sim bólica e no d esejo co m o falta. Para
o autor, essa co n c e p çã o heterossexualiza o laço social e acaba por negativar a
hom ossexualidade co m o um d esejo p elo m esm o. Em suma, para ser um g a y p o li­
ticam en te eficaz é preciso afirmar sua esp ecificid ad e, ou seja, positivar o m esm o
co m o diferença. Para isso, é p reciso desvalorizar a d iferença sexual anatôm ica que
torna negativo o d esejo pelo m esm o sexo. M ais do que revelar a co n tin g ên cia
h istórica que estabeleceu , a partir de determ inada época, o sistem a binário de
gênero do qual a hom ossexualidade e a heterossexualidade são tributárias, assim
co m o o pensam ento freudiano, de c e rto m odo, im porta d esconstruir a ideia do
g ênero co m o d iferença. N esse sen tid o, a hom ossexualidade é d iferen te em si
mesma. Por isso, prefere a co n d içã o cjueer ao invés da identidade g a y , pelo fato de
a prim eira não se preocupar apenas com a igualdade de d ireitos nem em reduzir a
sexualidade a uma identidade, mas em questionar as institu ições, inclusive a teoria
psicanalítica.
Esse com en tário de Bersani nos fez pensar sobre a estig m atização, ainda usual,
por parte de alguns psicanalistas, ao abordarem o sujeito hom ossexual e a d ife­
rença sexual p elo viés da perversão e do paradigm a da diferença anatôm ica entre
os sexos, respectivam ente. Em outras palavras, o sujeito hom ossexual esco lh e

67
um parceiro do m esm o sexo porque não suporta a ausência de pênis na mulher.
Sabem os que a estrutura perversa não diz respeito ao tipo de escolh a o b je ta i, tam ­
pouco a recusa ( Verleugnung) do órgão. Existe, aqui, uma redução da n o çã o de falta
sim bólica do o b je to ao registro im aginário, pois não é o pênis que estrutura a falta
e o d esejo , mas o falo sim b ólico. A d iferença sexual, em Psicanálise, é sim bólica
e diz resp eito à significação fálica que ordena as trocas sexuais ao nível do dom.
D essa form a, não se trata da ren eg ação do órgão, mas da renegação da im agem
fantasm ática e fálica, ou seja, da cre n ça no falo im aginário da mãe, sustentada e
presentificada pelo fetich e.
N ão pretend em os aqui aprofundar a teoria queer, tam p ouco o d ebate em torno
da diferença sexual na cultura contem p orânea. Porém , identificam os, na p osição
de C o n tard o C alligaris8, uma co n trib u içã o instigante, pois "quando se consid era
alguma coisa com o uma p atolog ia geralm ente se pára de pensar". D e acord o com
o psicanalista, a indiferença assumida frente ao falo sim bólico, a sexuação e a pala­
vra - representada pelo m ovim en to queer - a favor do falo im aginário e da im agem ,
não necessariam ente configuram sujeitos p sicóticos ou perversos.
E ntão, a afirm ação con tid a na cita çã o de M iller de que os g ay s, ao se tornarem
cidadãos, perdem alguns traço s perversos, é do próprio e não de Bersani. C ab e
ressaltar que Bersani, ao analisar a obra de G id e, Proust e G en et, à guisa de re ­
forçar sua argum entação, em nenhum m om en to se referiu a eles co m o perversos,
m uito m enos reivindicou a perversão co m o um valor. Inclusive co n testo u aqueles
que interpretam os personagens de G id e e G e n e t co m o hom ossexuais fora da lei.
Aliás, a figura de am bos se tornou em blem ática na literatura psicanalítica sobre
a perversão. A o se e sco lh er a obra de escritores hom ossexuais para falar sobre
perversão, já não se parte do princípio de que a hom ossexualidade m asculina é
sin ônim o de perversão? N as palavras de Bersani9: "(...) as intim idades pederásticas
m asculinas não delim itam o cam po de ap licação do m ito g enetiano da traição
de sua d e s p a t o l o g i z a ç ã o

hom ossexual
O pensam ento de M iller não é o de que a união entre pessoas do m esm o sexo
apagaria a ordem sim bólica da d iferença dos sexos organizadora da socied ad e e de
suas institu ições, prom ovendo uma d esim bolização (désymbolization) social ou uma
perversão generalizada, a exem plo do pensam ento de M elm an. Sua tese é de que a
na h i s t ó r i a

luta dos hom ossexuais pela igualdade de direitos apaga a singularidade de sua d ife­
rença, ou seja, o "verdadeiro sentid o da perversão"10. E legia da perversão? A nosso
AS Homossexualidades na Psicanafise

ver, esse elo g io da "qualidade perversa" dos g ay s visa afirm á-los co m o diferentes
para ju stam ente tratá-los co m o desiguais de direito. M iller, ao re co n h e ce r a d ife­
rença, retirou os gays da pólis e negou-lhes o esp aço da cidadania, con finan do-os
à irredutibilidade de sua suposta essência perversa. Em outras palavras, defender
a igualdade de direitos é perder a diferença, a singularidade perversa de ser g a y .
A con stru ção da 'diferença hom ossexual' é um m ecanism o p o lítico sutil, mas
eficaz: um tip o de teoria articulada com a id eolog ia h o m o fó b ica . Figura m oderna

68
do heterossexism o, caracteriza-se pelo tratam en to d iferenciad o dos hom ossexuais
em nom e da diversidade das sexualidades. As teorias h o m o fó b ica s produzem
discursos sobre a hom ossexualidade que servem de respaldo para as políticas dis­
crim in ató rias". D esse m odo, a h om ofo bia encontra, nessas crenças 'científicas',
uma form a laica e não religiosa de se presentificar e se difundir12. O 'uso ardiloso
da diferença' pela direita prim eiro celebra a d iferença para, depois, discrim inar
os d iferen tes13.

Assim, antes da rejeição pura e simples da diferença, o que ocorre é o


estabelecim ento de uma relação de 'obsessão com a diferença, seja ela
constatável, ou aparentemente suposta, imaginada, atribuída'.

A respeito da união hom ossexual, em particular, M ille r14 se p o sicio nou da


seguinte maneira:

A clínica tem alguma coisa a dizer a favor ou contra o reconhecim ento


jurídico ou social do concubinato homossexual? A meu ver, existe, nos
homossexuais, laços afetivos de longa duração que justificam perfeita­
mente, segundo modalidades a estudar, seu reconhecim ento jurídico,
se os sujeitos almejam. Saber se isso deve se cham ar casamento é uma
outra questão. Esses laços não são do mesmo m odelo que os laços afeti­
vos heterossexuais. Em particular, quando eles unem dois homens, não
se encontra a exigência de fidelidade erótica, sexual, introduzida pelo
casal heterossexual (...).

M ille r15 recon h eceu a existência de laços afetivos duradouros entre hom ens
hom ossexuais, porém , não recon h eceu neles laços de fidelidade sexual. Para ele, só
existe fidelidade sexual no casal heterossexual. Ele se referiu à união entre dois h o ­
mens com o "laço afetivo" e nom eia de "casal" a união heterossexual. D essa maneira,
dois hom ens podem ter um laço afetivo de fato, mas não podem constitu ir um casal
de direito. U m a vez que ele entendeu que a fidelidade sexual é inerente ao casal
heterossexual, som ente ao par heterossexual é perm itido ser um casal de direito.
M as o que é fidelidade sexual e o que é parceria sexual múltipla? Pesquisa rea­
lizada em bares g a y parisienses m ostrou que a infidelidade sexual constitu i mais
um elem en to inerente da socialização m achista entre os hom ens, uma expressão
da m asculinidade norm ativa, inclusive b astan te valorizada nos grupos de ad oles­
cen tes heterossexuais, do que propriam ente um aspecto inerente à h om ossexua­
lidade masculina. Q u an to à n o çã o de infidelidade, outra interp retação é possível,
distinta da ideia de traição sexual. P elo ideal do amor, valoriza-se a perm anência
do parceiro ju n to ao seu am ado, in d ep end en tem en te das aventuras extraconjugais
de cada u m 16.
Pesquisa brasileira recen te co rro b o ro u o estudo anterior, apontando que a
tro ca co n stan te de parceiros é um "p roblem a do m asculino", da d iferença cultural
entre o hom em e a mulher, lo g o , é uma característica dos hom ens em geral. A
b aixa autoestim a e o p re co n ceito que conduzem à clandestinidade, e a in co n sis­
tên cia das relaçõ es tam bém con trib u em , na op inião dos entrevistados, para a tro ca
de parceiros entre os g a y s'7.
Ainda sobre a questão da suposta infidelidade sexual entre os hom ens h o m o s­
sexuais, M ille r18, em "U m a partilha sexual", estabeleceu uma lista de atributos
antagô nico s para o hom em e para a mulher, tom and o com o base a divisão dos se ­
xos. Ele se reportou a Lacan em "A significação do falo" e às fórmulas da sexuação
contid as no seu vigésim o sem inário. N essa partilha, ele situou, do lado hom em
ou p o sição m asculina, o o b je to fe tich e e, do lado m ulher ou p osição fem inina, o
o b je to eroto m an íaco. Afirm ou que, no m ach o, o d esejo passa pelo g o z o e requer
o m ais-gozar, en contrand o, no o b je to fetich e ou na co n d içã o fetich ista, sua fina­
lidade. Q u an d o essas exig ên cias são rígidas, caracterizad as pela extravagância e
pela hu m ilhação, deixa de ser uma "perversão norm al do m acho" e se tornam uma
perversão propriam ente dita.
Q u an to ao o b je to fetiche, ele se distingue do o b je to erotom aníaco por ser um
o b je to mudo, pois a exigência de g ozo torna o o b je to objetivad o e objetificado. Ao
contrário, do lado fem inino, o o b je to erotom aníaco é um o b je to que fala, porque
conjuga d esejo e amor. M ille r19 estabeleceu que os hom ens hom ossexuais realizam,
entre eles, um acordo silencioso para o gozo, enquanto que os hom ens h eterosse­
xuais falam porque são impelidos pela mulher. N essa partilha, com ares de discri­
m inação e exclusão, em que é feito uso con scien te da inconsistência da psicologia
sexual, não existe lugar para hom ens que desejam e amam outros hom ens, tam pouco
para a existência de hom ens heterossexuais perversos. D e acordo com o autor20:

o que se encontra na homossexualidade masculina não faz mais do que le­


var ao limite essa forma de objeto fetiche. E, de fato, um traço totalmente
distinguido nas práticas da homossexualidade masculina que o acordo
para o gozo possa se fazer por uma troca de signos que curto-circuita o
blábláblá do amor. Isto acontece através de um reconhecim ento, de algu­
ma forma mudo, que dá a rede seus ares de corporação (...). Pode-se fazer
amor sem falar, e essa vertente está na linha do objeto fetiche.

Em resum o, observam os que ele estabeleceu , por um lado, uma correlação


entre fid elid ad e-desejo-am or-heterossexualid ad e e, por outro, infidelidade-per-
versão-gozo-hom ossexualid ad e m asculina, cond u zind o à ideia de uma natureza
perversa hom ossexual. Assim, acaba por reforçar a tip ificação do hom ossexual,
con stru ção histórica da figura im aginária do hom ossexual.

Mas pergunto: o que entendemos por homossexual típico? 'H om osse­


xual típico' (...) é o homossexual personificado nos romances de G enet
ou nas biografias de Pasolini e Fassbinder? O u os 'homossexuais típicos'
são os atormentados personagens de G ide (...)? O u ainda, os 'homos-

70
sexuais típicos' são os desinibidos heróis de alguns livros (...). Se é um
desses, os outros, o que são? Se são todos esses, o que têm em comum
para serem catalogados numa mesma rubrica? (...). O que existe de típ i­
co no homossexual é a crença de que todo sintoma ou signo do desejo
hom oerótico é sinal de 'homossexualismo'21.

Em Gays en analyse?, títu lo hom ôn im o de um co ló q u io realizad o pela E C F e


publicado p o steriorm ente à aprovação do P a C S , M iller22 retom ou a discussão s o ­
bre o discurso g a y e o discurso cjueer, introduzida por Laurent, em 1 9 9 7 23. O artigo
trata do em bate entre os psicanalistas e os g ay s m ilitantes. C ritica a con stru ção
do ideal g a y , sua coletiv id ad e e sua p o lítica de direitos, que operam um saber que
im pede o aparecim en to do sujeito e da dem anda de análise, na m edida que visa
instituir um novo significante-m estre ( S l ) . A crescen ta que se o analista de ontem
passou da "rebeldia" à "docilidade" no relacion am en to com o hom ossexual, que,
por sua vez, deixou de ser visto co m o "perverso" por perm itir ser analisável, o g a y
m ilitante resiste ao discurso analítico. O tom do artigo é de mea culpa, da defesa
da Psicanálise e dos analistas (de Lacan, em particular), consid erad os pelos m ili­
tantes, com o um discurso conservador e uma figura h o m o fó b ica , respectivam ente.
M iller24, por sua vez, caracteriza o m ovim ento g a y co m o uma "assistência mútua
con tra o discurso analítico".
C ritico u os g ay s que se analisam com analistas g ay s, a exem plo dos Estados
U n id os, devido ao fato de ser produzida a com preensão, ao invés do equ ívoco,
da linguagem e o reco n h e cim e n to n arcísico no lugar da alteridade25. Em que pese
o risco do significante g a y se tornar um novo S l , ou seja, uma valorização do
narcisism o das pequenas diferenças, segundo Freud, ca b e assinalar que ele possui
uma co n o ta çã o p o lítica im portante, ao destituir o sen tid o m éd ico -p a to ló g ico
outrora co n tid o no term o 'hom ossexualism o'. C a b e esclarecer que os g ay s am e­
ricanos buscavam analistas com a m esm a orien tação sexual, devido ao receio de
que o p re co n ceito heterossexual interferisse no trabalho analítico, na medida que
a m aioria dos analistas, até os anos 1 9 8 0 , pensava a hom ossexualidade co m o um
desvio ou uma falha do d esenvolvim ento. E xiste, ainda, uma outra questão, de or­
dem p o lítico-in stitu cion al, que diz resp eito à luta travada por analistas gay s dentro
dos quadros da International Psychoanalytical Association (IPA) nos Estados U nid os,
que im pediam seu ingresso, o que levou alguns a assumirem sua orien tação sexual
pu blicam ente26. Isso não significa que o analista g a y está com p rom etid o com a
im postura ética da hom ossexualidade co n c eb id a co m o um ideal.
M iller27 entendeu que, no relacio n am en to en tre a P sicanálise e os h o m o sse­
xuais, a Psicanálise teve, sobre eles, um e feito de liberação, que sobrepujou a co n -
tratransferência hostil dos analistas, pois ou trora serviram ao discurso reacionário
da norm a. A dm itiu co rajo sam en te que a clín ica estrutural de Lacan, no início,
propunha a cura da hom ossexualidade, con form e seu quinto sem inário, a partir
de um ideal de m aturação da libid o, influenciada pelo m od elo de Karl Abraham .

71
A clín ica da estrutura traduzia a teoria do desenvolvim ento, ou seja, Lacan teria
perm anecido fiel à sua época. O hom ossexual era considerado um perverso por
não ter assentido à norm a edipiana. A d ireção do tratam ento visava ind exá-lo ao
progresso da esp écie, a partir de uma escala universal.
A p ro p ósito de Lacan, no sem inário citad o, ao desenvolver o co m p lex o de
Édipo invertido, afirma28: "fala-se dos hom ossexuais. Trata-se dos hom ossexuais.
N ão se curam os hom ossexuais. E o mais im pressionante é que não são curados,
a despeito de serem absolu tam ente curáveis". N o paradigma estruturalista que
configura o prim eiro ensin o de L acan, o g ozo é consid erad o co m o im aginário29.
S o m en te a heterossexual idade se insere no simbólico,- quaisquer outras m anifesta­
ções da sexualidade consistiam numa perversão, log o perten cen tes ao im aginário,
registro negativado por Lacan, nesse m om en to de sua transm issão.
P rossegu indo, Lacan passa da c lín ica da lib id o para a do d esejo (afastando-
se da ideia de d esenvo lv im en to ) para chegar, e n tã o , à clín ica do g o z o . M ille r
relacio n o u a clín ica do g o z o com o "saber g a y , a alegria no lugar da tristez a "30.
T rata-se de levar o analisando ao m elh or saber-fazer com o sinthom a. A clín ica
do g o z o é balizada pela père-version, ch iste de L acan, que insere o g o z o no pai. O
N o m e-d o -p ai é d escen tralizad o e se pluraliza em N om es-d o-P ai: a cada pai, seu
g o zo , o que con d u z a d iferentes versões da hom ossexualidad e m asculina. Em seu
últim o en sin o , Lacan form ula outra teoria do pai: a transm issão de uma, den tre as
m últiplas versões do pai para cada su jeito. A o inclu ir o g o z o no pai, Lacan m o s­
tra que o pai não é santo: nem ideal, nem universal. A père-version perm ite uma po-
sitiv ação do g o zo , ao co n trá rio da teoria an terior do pai esvaziado de g o z o 31'34.
D ep ois de realizar a defesa de Lacan e dos psicanalistas, anunciou que o m o ­
vim ento g a y passou35:

Vimos com que agitação pudemos evocar o queer com o sendo já o que
supera o gay. Pois o queer (...) sublinha que há homossexualidades onde
o gozo é estar em infração. (...). O queer ressalta que, no fundo, o gozo
é rebelde a toda universalização, à lei (...).

Esse é o m ote para ele afirmar que o g a y m ilitante ced e à autenticidade de seu
d esejo, p reço pago por querer cop iar o d esejo heterossexual. A crescen tou que o
queer, a exem plo de G en et, possui um ensinam en to m ais profundo da hom ossexu a­
lidade, não sobre a legitim idade do d esejo, mas sob re sua legalidade: "quem deseja
é sem pre um ladrão"36. Assim, ao valorizar o g a y , por um lado, desautorizou seu
acesso aos direitos iguais, por outro.
S o b re isso, os autores ligados a teoria queer não desvalorizam a im portância
da luta p o lítica, em bora o problem a não se e sg o te nesse prim eiro passo. D en tre
os pensadores que mais influenciaram o n ascim en to da teoria queer, en con tra-se
M ich e l Fou cault37. Segundo ele, para assumir-se g a y não basta libertar o d esejo, é
p reciso poder ser hom ossexual, con q u istar a liberd ad e de esco lh a. Para isso, a luta

72
pelos direitos é fundam ental, incluindo o reco n h ecim en to ju ríd ico e social dos
casais hom ossexuais, o direito ao casam ento e à ad oção. Sugere a cria çã o de um
direito relacionai novo, que inclua tod os os tipos possíveis de relaçõ es, extensivo
aos heterossexuais. Q u an to às tom adas de posição, elas devem ser sem pre estra­
tégicas,- d ependendo do m om en to p o lítico, pode ser im portante afirmar que se é
hom ossexual, co m o pode ser necessário recusar a dem anda de d efin ição38.
Ju d ith Butler39, filósofa e um dos nom es mais co n h ecid o s da teoria cjueer, é a
favor que os d ireitos à aliança, ao casam ento, à ad oção e à te cn o lo g ia de rep ro ­
dução assistida devam ser assegurados aos hom ossexuais, porém , propôs uma
política sexual radical, em que o casam ento, a fam ília e o p arentesco não sejam os
únicos referentes para se pensar a vida sexual. Ela apontou o perigo que representa
o discurso da norm alid ad e-patologia. Pois, gay s e lésbicas, seja afirm ando uma
norm alidade, seja d efend end o uma sexualidade subversiva, acabam vitim ados por
esse m odelo con ceitu ai binário, que produz uma paralisia política.
Butler consid erou que a "crítica do tem a cjueer é essencial para o b ter a in in ­
terrupta democratização da p o lítica cjueer"40. A crescen tou que a ca teg o riz a çã o das
identidades é necessária na luta política, para refutar seu uso h o m o fó b ico na vida
social e privada. Porém , existirá sem pre uma tensão nas categ orias de identidade,
um "erro necessário", na m edida que não existe indivíduo id ên tico a outro que
habite as mesmas, e a o p osição d em ocrática do term o cjueer, categ oria que "nunca
poderá descrever p lenam ente aqueles a quem pretende representar", sob o risco
de se tornar um lugar discursivo lim itado, e não um esp aço de op osição e desvio,
com o significa o próprio nom e41. A resp eito disso, o m ovim en to cjueer tem , na
resistência à norm alização, um de seus eixos mais p o ten tes42.
V oltand o a M iller, em bora ele afirmasse a existên cia das hom ossexualidades,
isto é, de acordo co m a clín ica do g o z o , existem tantas versões da h om ossexuali­
dade quanto N om es-d o-P ai, perigando de se enredar nas ca teg o riz a çõ es e fazen ­
do do cjueer uma etapa evolutiva e da suposta ilegalidade do d esejo hom ossexual
a sua essência. N esse sentid o, há o risco dele fazer do cjueer uma nova norm a, um
ideal, criar um outro tip o de m oralização, o qual pretende criticar, uma identidade
estável, o que contraria um dos pontos centrais da teoria cjueer-. o q u estionam ento
das identidades sexuais co m o "essências im utáveis ou tran scend en tais"43. D e a co r­
do com Bersani44, "as m esm as pessoas que o b je ta m que as confinem d entro de uma
identidade g a y têm form ado uma esp écie de gueto próprio, baseado numa suposta
superioridade da cultura cjueer (...)".
Além disso, é fácil afirmar que o g a y cop ia o d esejo do outro quando se é um
cidadão heterossexual, que goza de plenos direitos. N um a dem ocracia de verd a­
de, os direitos devem ser de todos, nesse sen tid o, ninguém é o d ono leg ítim o dos
mesmos. Se existem hom ossexualidades, isto é, sujeitos d irecionad os predom inan­
tem ente pelo d esejo ou pelo g o z o , devem ser d isponibilizados aos g ay s e cjueers
os m esm os direitos con ced id o s aos heterossexuais, para quem quiser fazer uso

73
deles. Se nem to d o g a y é cjueer (assim co m o nem to d o hom ossexual é g a y , já que,
de m odo geral, d en om ina-se g a y o indivíduo que assume sua orien tação sexual de
m odo afirm ativo, ao con trário do hom ossexual), se existem gay s que reivindicam a
união ou o casam ento civil, pensam os que os m esm os direitos devam ser ofertados
a todos. D essa form a, M ille r45 pluralizou a palavra 'hom ossexualidade', não para
m arcar a singularidade de cada su jeito hom ossexual, mas para anular as diferenças.
C o ntinu and o, há quem veja, no d esejo dos g ay s de 'copiarem ' o d esejo do
outro, não uma aspiração ao m odelo de vida heterossexual, no que tange ao m a­
trim ônio, mas uma 'd essacralização do casam ento' que, ao ser reivindicado pelos
g ay s, já deixou de ser o que era. A cirrar a op osição entre os gay s voltad os para
uma sexualidade livre e àqueles que preferem a vida de casal e o resp ectiv o re c o ­
n h ecim en to ju ríd ico é uma das expressões do discurso h o m o fó b ico liberal, que se
aproveita do silêncio dos que não querem ouvir falar de casam en to para recusar o
direito aos que alm ejam ter acesso a ele. Além disso, a op osição nunca é c o m p le ­
tam ente nítida, pois os dois m odos de vida podem ser apenas etapas d iferentes:
os adeptos da liberdade sexual podem querer uma vida a dois e vice-versa, assim
co m o indivíduos que vivem uma relação estável, nem por isso, sentem -se forçados
a renunciar aos en con tros extraconju g ais46.
A respeito dos novos arranjos fam iliares, em particular, a família hom oparen-
tal, o tem a foi abordado por M ille r na ocasião da X X X V Jornada da ECF, realizada
em 2 0 0 6 , intitulada "Lenvers desfamilles: le lienfam ilial dans l'expe'rience psychanalyticjue".
C o m en tarem os dois texto s do psicanalista francês relacionad os com esse evento:
um trata-se de um tex to extraíd o da in tervenção de M iller, em novem bro de 2 0 0 5
e que serviu de pivô para a jo rn ad a47,- o outro é o artigo "Ajjaires defamille dans l'in-
conscient"48, que integrou os en co n tro s preparatórios para a mesma.
M iller re co n h eceu a dim ensão h istórica que propiciou diferentes m odelos
fam iliares, con form e o passar dos tem pos, a exem plo da fam ília dos dias de h o je ,
de sua d e s p a t o l o g i z a ç ã c

que não é mais fruto do casam ento nem da reprodu ção b io ló g ica . T om and o com o
base "N otas sobre a criança" de Lacan, reiterou a d om inância e a vitalidade da
"fam ília conjugal" a d espeito do "fracasso das utopias com unitárias" dos anos 1 9 6 0
e 1970, que pretendiam expandir o círcu lo fam iliar fazend o existir uma entidade
coletiv a e da "m odificação" introduzida pela hom ossexualidade do casal parental.
na h i s t ó r i a

N ão esclareceu em que con siste essa m od ificação49.


Em bora afirme que a fam ília contem porânea não é definida pela esposa, pelo
As Homossexualidades na Psicanálise

m arido e pelos filhos, mas pelo N om e-d o-Pai, pelo d esejo da mãe e pelo o b je to a,
sugerindo o d esalojam ento da família do referente b io ló g ico de outrora, ele não
desenvolve a questão do casal nem da parentalidade hom ossexual em nenhum
dos dois textos, ao contrário dos outros analistas. O tem a é apenas m encionad o
rapidam ente. É, no m ínim o, curioso, considerando o co n tex to de uma jornad a que
teve por ob jetiv o justam ente discutir os laços fam iliares. Q u e sentido podem os dar
a isso? Q u e ele perm anece não recon h ecen d o co m o "casal" o laço afetivo entre pes­

74
soas do m esm o sexo? Aliás, segundo ele, "existe sem pre a ten tação de fundam entar
a família ju n to à reprodução"50.

■ Considerações finais
A pesar de M iller apresentar, em seu discurso sob re os g ay s, uma co lo ra çã o
m oderna pró-cjueer, seja valorizando seus traços perversos, seja caracterizan d o-o s
com o fora da lei, seu con teú d o revela um com p rom isso com a ordem social
heterocentrad a e com o b in ô m io h e tero -h o m o , além de con servar o ran ço p sica­
nalítico explicativo da hom ossexualidade correlata à perversão. O d esejo - in d e­
p end entem ente da orien tação sexual - sem pre terá algo de ilegal, de transgressão,
de resto irredutível à sim bolização, de g ozo , m esm o que algo dele seja sublim ado,
inscreva-se na linguagem , na cultura e nos ideais.
A conqu ista da d escrim inalização e, p osteriorm ente, a d esp atolo g ização da
hom ossexualidade possibilitaram aos hom ossexuais uma liberdade sexual privada.
A diversidade de parceiros e o celibatarism o tinham co m o p reço a invisibilidade.
C o m a reivind icação pelo reco n h e cim e n to legal do casal hom ossexual, a to le râ n ­
cia social deixou de existir. N esse sentid o, quando M ille r tipificou o g a y , na ver­
dade, endossou sua "liberdade negativa", cu ja co n d içã o para ser a ce ito é a de que
perm aneça invisível na privacidade e na clandestinid ad e das alcovas e dos guetos,
afim de m anter intacta a ordem h eterossexista51.
Se, do p o n to de vista b io ló g ic o e so c io ló g ico , segund o Freud52, o sexo está
e scrito com p recisão por m eio das identid ades h om em , m ulher, heterossexual e
hom ossexual, no cam p o do su jeito, a relação sexual é im possível de e screv er53. A
criação do o b je to a por Lacan m ostra que o d esejo não é d irecio n ad o p elo sexo
c nem pelo g ên ero do o b je to e sco lh id o p elo su jeito, tam p ou co pelos ditam es da
norma so cial54. P o n to que favorece um d iálog o en tre a P sicanálise e a teoria queer,
ao invés de uma leitura com p rom etid a com o h eteron o rm ativid ad e realizada por
M iller e uma crítica red ucionista, por parte da segunda, que d esco n h ece o cam po
do g o z o co m o algo além da estrutura e do falo.

75
CAPÍTULO 6

Psicanálise, xenofobia:
algumas reflexões
Betty Bernardo Fuks

A
com um ente adm itido que a P sicanálise trouxe uma co n trib u içã o decisiva,

E ainda que tão contestad a, para o d esenvolvim ento de uma crítica contra
toda a form a de p reco n ceito , bem co m o se re co n h e ce que as m arginalida-
des social, cultural e a pessoalm ente sentida por Freud, enqu anto judeu vienense
da diáspora - que viveu e produziu nas circunstân cias esp eciais de tem p o e esp aço
na virada do sécu lo X X em V iena, m ostraram -se fundam entais para a con stitu ição
da prática e da teoria analítica. N o en tan to , a experiên cia cultural inscrita no per­
curso da vida e da produção do fundador do m étod o an alítico não foi apenas uma
m arca h istórica que ele recebeu passivam ente. C o n tam m uito a repercussão íntim a
e a resposta transform adora que lhe facultaram desenvolver, progressivam ente,
a con stitu ição da própria jud eid ade - o m odo próprio de ser judeu, isto é, uma
m aneira de tornar-se outro - e traçar as estratégicas de to lerân cia à alteridade e
de com b ate às resistências à Psicanálise.
U m olhar retro sp ectivo ao final do sécu lo 19, perm ite identificar o m odo com o
a disciplina freudiana ganhou um lugar na prim eira fileira das produções culturais
vienenses que abalaram às norm as v igentes e dissolveram p re co n ceito s ao apostar
no progresso inquestionável da m odernidade. O c o n c e ito de In co n scien te e sua
decorrência im ediata, a sexualidade infantil, granjearam sim patias e adesões, assim
com o uma intensa resistência m anifesta sob a form a de críticas negativas e e x tre ­
m am ente pejorativas. L ogo a ideia sob re a im portância da presen ça da sexualidade
na form ação da subjetividade foi acusada de subproduto da m odernidade v ien en ­
se. Freud associou essa recrim in ação a um outro p re co n ceito que, no início do
século X X , era m antido velado: "acusarem -m e de vienense é apenas um substituto
eufem ístico de outra acusação, que ninguém ousa fazer ab ertam en te"1 ou seja, à
sua co n d içã o de judeu. H isto ricam en te, no final da A ntiguidade a n oção patrística

77
de que os judeus eram extrem am en te carnais pela im portância que davam ao sexo
e à reprodu ção, foi o tó p os de grande parte dos escritos cristãos. S an to A g o stin h o,
no Tratactus adversus Judaeos, faz a seguinte acusação: "C onsiderai o Israel segundo
a carne (I C o r : 1 0 :1 8 ). Este nós sabem os que é o Israel carnal: mas os judeus não
com preend em este significado e, assim, tornaram -se indiscutivelm ente carnais"2.
Assim, co m o bem assinalou Jacq u es D errid a3, em M al d'Archive, une ímpression
freudienne, a d esco berta freudiana, independ en tem ente do próprio Freud, foi r e ­
c o n h ecid a co m o uma "c iê n c ia judaica' sob a form a de acusação, antes, durante
e depois do nazism o". Em relação à ciên cia, Freud sem pre se pronunciou con tra
esse tip o de qualificação4:

(...) não deveria existir ciência ariana e ciência judaica particular. Esses
resultados deveriam ser idênticos, apenas a apresentação poderia va­
riar...Se as diferenças se estendem à interpretação dos dados objetivos
da ciência, é porque alguma coisa não vai bem.

N o en tan to , foi em função de uma suposta divisão entre "in con scien te ariano"
e "in co n scien te ju d aico" e do valor da sexualidade hum ana na teoria psicanalítica
que C arl G ustav Ju n g se separou do m ovim ento p sicanalítico, em 1 9 13 , c h e g a n ­
do a estim ular a p roib ição da Psicanálise na A lem anha. U m a grande ironia! Em
Ju n g havia sido depositado a esperança de que a Psicanálise pudesse desalojar-se
de V iena e do "gueto ju d aico " que havia se form ado em to rn o dela5. V in te anos
depois, quando H itler subiu ao poder na A lem anha acusando o m ovim ento
m odernista de "idéias estrangeiras" a divisão entre "ciên cia judaica" e "ciên cia e s­
trangeira" co m eço u a se materializar. N o inverno de 1 9 3 3 , em base ao d ecreto de
exclusão dos judeus da direção das associações científicas, os psicanalistas judeus
M ax E iting on, Ernst Sim m el e O tto F enichel se "dem item " da d ireção da S o cie d a ­
de A lem ã de Psicanálise (D P G ). O antissem itism o de Ju n g - "com Freud e Adler
são propagados pontos de vista esp ecificam en te judeus e, co m o tam bém pode ser
com provado, pontos de vista que têm um caráter essencialm ente desagregador"6
- fora posto em prática. Em 1 9 3 5 a situação se agrava: numa assem bleia presid i­
da por Ernest Jo n e s - presidente da International P sych oanalytical A ssociation
(IP A )- tod os os m em bros da D P G de origem ju d aica foram expulsos. A penas um
analista não judeu, Bernard K am m , protestou co n tra a d ecisão e se dem itiu com os
coleg as judeus. D ias depois, os m em bros rem anescen tes que acreditavam que com
a arianização da D P G a Psicanálise seria deixada em paz, são surpreendidos com a
n otícia de sua dissolução e a integração de tod os ao Instituto G oerin g . O s nazistas
assumiram a "lim peza": o nom e de Freud e o da P sicanálise foram definitivam ente
apagados do Institu to7,8.
A pesar da acusação que pesa sobre Freud de te r sido incapaz de com preend er
a realidade do nazism o e prorrogado, em dem asia, sua saída de V iena, a realidade
é que com p reen d er o ód io ao outro por pequenas disputas através do paradigma
do judeu, o ancestral estrangeiro das massas, foi, sem duvida, um dos m otores da *i
escrita de "O H om em M o isés e o M o n oteísm o". E n tretan to , m esm o nessa grande
obra, escrita em plena ascensão do nazism o, o pensam ento freudiano sobre a
o'

intolerância tran scend e a questão do ód io m ilenar ao judeu. O b v iam en te que isso §[.
não poderia o co rrer de outra forma: Freud sem pre esteve v o ltad o à escuta dos g
destinos das pulsões na cultura, o que lhe perm itiu situar a x en o fo b ia na dim ensão 1;
agressiva do su jeito à d iferença no outro. N ão é por acaso que em seu pensam en- S
lo o estrangeiro (do grego, xenos) é definido co m o o outro am bíguo fam iliar e |
t/i

estranho ao su jeito, o que é próprio (beimlicb) mas só existe co m o o seu avesso |L


(unheimlích). D esse m odo, ju stam en te, a presença do estrangeiro incom od a porque
lembra que ao eu (ou ao grupo) que poderia ser outro, que a sua identidade não
está to talm en te assegurada.
Vejam os: duas figuras de alteridade assombravam a m odernidade vienense -
lem inilidade e judeidade. D e uma m aneira geral, esse p ânico da fem inização
correspondia ao h orror de sua ju d eiz a çã o ,o que serviu de esteio ao discurso xe-
nofób ico endossar e propagar o m ito da m ulher ter trazido o pecad o ao m undo
e a atribuir ao ju d eu o perigo de d egeneração do órgão sexual m asculino. A ideia
veiculada pelo discurso m éd ico -social vienen se de que a prática da circu n cisão do
povo judeu exp õ e o varão às d oenças sexualm ente transm issíveis e a d egeneração
do órgão m asculino fo rneceu subsídios ao p ro je to antissem ita da d iab olização do
judeu. N o cam po da filosofia, é na escrita de O tto W eininger, Sexo e caracter (1 9 9 4 ),
que fem inilidade e jud eid ade aparecem em estreita relação, fazend o, precisam ente
da mulher e do judeu, o espírito m esm o da m odernidade e, da sexualidade, o valor
supremo. Essa proposta de um elo indissolúvel entre fem inilidade e jud aísm o to r­
nou-se bastante co n h ecid a entre os intelectu ais vienenses. Freud, ao redigir o caso
do Pequeno H ans, lem bra as ideias de W ein in g er9, ao assinalar que o

com plexo de castração é a raiz mais profunda do anti-semitismo, uma vez


que já no quarto das crianças, o menino ouve dizer que cortaram algo no
pênis dos judeus — um pedaço do pênis, pensa ele — , e isso lhe dá o
direito de desprezá-lo.

D esde então, a Psicanálise form ulou, em sua linguagem específica, um tem a


central da teoria crítica do final do sécu lo X IX e co m eço do sécu lo X X : a raiz
in con scien te mais forte para o sen tim en to de superioridade sob re as figuras da
mulher e do ju d eu é a diferença sexu al10.
S o b a som bra dessa realidade d iscrim inatória generalizada da m odernidade
vienense, Freud elabora e sustenta sua teoria da sexualidade, da qual o c o n c e ito
de com p lexo de castração se sobressai. Longe de fazer apenas uma analogia entre
o Judeu e o Fem inino, insistiu em d em onstrar que a vivência sinistra diante da
circuncisão é h om ólog a à im pressão inqu ietante causada p elo sexo da mulher.
Ambas provocam um h orror d eterm inad o: o h orror à castração. E quando, em

79
Psicanálise, fazem os referên cia a esse tipo de aversão, entram os no cam po da
angústia, signo do colap so de tod os os pontos referenciais identificatórios, que a
d iferença causa. Assim, a diferença pode estar em qualquer lugar, bastando que
o real do ou tro se m anifeste co m o estrangeiro. Assim, quanto mais o discurso se
exercita no sentid o da un iform ização, tan to mais o disform e tende a se m anifestar.
E esse disform e, estritam ente particular, nós, analistas, designam os 'gozo', aquilo
que faz do outro um o u tr o ". O u tro que só resta odiar, já que põe em xeque a
form a de g ozar a qual tan to se idealiza. É esse odiar o g ozo do outro que Jacq u es
Lacan ju stam e n te 12 cham ou de racism o ou segregação.
O h orror à hom ossexualidade, uma outra fonte de xen o fob ia, tam bém invadiu
a Europa pré-Segunda G uerra. O "narcisism o das pequenas diferenças", o im pedi­
m ento que o outro seja um p erfeito sem elhante, foi inteiram ente m anipulado no
sentid o de elevar os impulsos hostis da massa con tra aqueles que, co m o os judeus e
as m ulheres, estavam apenas um pouco mais além do esp elh o ideal v igente: a raça
pura, isto é, a raça sem outro. Em bora Freud não ten h a se detido esp ecificam en te
sobre o fen ôm en o da h o m o fo b ia co m o o fez com o h orror à m ulher e o ód io ao
judeu, desde o M anu scrito F~I até o E sb o ço de Psicanálise se debruçou, co m muita
acuidade, sobre a questão da hom ossexualidade. Em geral, o que se conclu i da
leitura dos principais texto s em que o tem a aparece, em bora apresentem ta m ­
bém algumas am bigüidades, é que, na teoria freudiana, a hom ossexualidade diz
respeito à "uma posição libidinal, uma orien tação sexual, tão legítim a quando a
heterosexu al"13. A cred ito que tal posição ten ha sido o alicerce é tic o -te ó rico desde
o qual Freud declarou ao jo rn a l vienense D ie Z e it14:

A homossexualidade não é algo a ser tratado nos tribunais. (...) Eu te ­


nho a firme convicção de que os homossexuais não devem ser tratados
com o doentes, pois uma tal orientação não é uma doença. Isto nos
obrigaria a qualificar com o doentes um grande números de pensadores
despatologização

que admiramos justamente em razão de sua saúde mental (...). O s h o ­


mossexuais não são pessoas doentes.

Perm itam -m e fazer um desvio e dar m aior ênfase à questão da h om ofo bia que,
de sua

ju n to ao antissem itism o e ao antifem inism o, tornou -se alvo privilegiado da id e o ­


na h i s t ó r i a

logia nazista, por consid erar que, até h o je perm anece presente, em bora velada,
entre os herd eiros de Freud. C o m isso, preten d o m ostrar que m uitos daqueles que
As Homossexualidades na Psicanálise

se dizem psicanalistas insistem em usar a Psicanálise co m o um instrum ento xen o-


fó b ico a serviço dos próprios p reco n ceito s e ideais e, com isso, abalam os alicerces
de uma prática voltada ao não id ên tico e a uma teoria que tem com o fundam ento
o re co n h e cim e n to do outro.
N unca é demais lem brar que, no século X X , o nazism o elevou ao paroxism o
o ódio ao g ozo do outro, ao criar eficientes fábricas de exterm ínio de alteridades.
M uito con h ecem o s sobre o destino dos judeus, durante a catástrofe que inundou

80
\
a civilização de sangue e dor. Por outro lado, pouco se sabe sobre o destino dos
hom ossexuais que, ju n to aos 'doentes mentais', ciganos, com unistas e judeus, foram

■ Psicanálise, xenofobia: algumas reflexões


enviados aos cam pos de exterm ínio sob o pretexto de que eram degenerados, sujos
e portadores de uma doença incurável. A submissão da ciência e a participação dela
no projeto nazista, para dar-lhe base objetiva, incluía pesquisas genéticas que davam
curso à fantasia nazista de pureza racial e dom ínio universal. A 'ciência' praticada
nos cam pos de con cen tração e de exterm ínio fornecia bases racionais à foraclusão
crescente do sujeito. Em nom e da 'm orfologia judaica' e da 'genética' dos doentes
mentais e hom ossexuais, era perm itido, nos cam pos de exterm ínio e até m esm o na
cidade, com eter qualquer tipo de delito con tra hom ens, m ulheres e crianças cuja
vida matável, no dizer de G . Agam ben, não m erecia ser vivida15. Em plena m oder­
nidade, a xenofobia encontrou nas máquinas de fabricar cadáveres um instrum ento
jam ais im aginado e os m odernos se mostraram mais bárbaros que os selvagens.
N os cam pos, os hom ossexuais eram con h ecid os pela expressão 'código 175',
numa alusão às acusações do parágrafo 175 do C ó d ig o Crim inal da Alem anha, que
definia com o ilegais os "atos antinaturais e indecentes" entre sujeitos do mesmo
sexo. O s nazistas amplificaram o alcance desse estatuto, vigente desde o século
X IX , para transform ar 'simples olhares' e 'simples toques' em m otivos legais para
perseguir, investigar e cond enar os 'degenerados' fora da norma. Em conseqüência
disso, no m esm o ano em que, sob ordens de G o eb bels, livros 'não arianos', entre
eles os de Freud, eram jogad os às fogueiras de Berlim, barreiras contra a perseguição
aos hom ossexuais desabaram, e o hom ossexualism o passou a ser considerado uma
traição à pátria. A partir daí, foram criadas diversas cam panhas públicas para co r­
rigir e elim inar o que era co n h ecid o co m o 'atos indecentes'. O argum ento de que
a escolha hom ossexual ameaçava as gerações futuras da A lem anha fez de muitos
hom ens e m ulheres prisioneiros da G estapo. Em Auschw itz, os hom ossexuais eram
identificados pelo triângulo rosa que eram obrigados a usar em seus uniformes.
Tam bém não era incom um encontrar m uitos prisioneiros usando a estrela amarela
de Davi, sinal de que eram judeus. Em outros cam pos, hom ossexuais tinham de
usar uniform es m arcados com uma faixa azul, signo de que aqueles prisioneiros
eram uma am eaça à sociedade ariana. É digno de nota que, enquanto a realidade
da violência sobre os hom ens hom ossexuais se fez im placável, os nazistas, muitas
vezes, pouparam as m ulheres de serem confinadas nos cam pos da m orte. Eles acre­
ditavam ser mais fácil reeducar uma m ulher a assumir papéis co m o esposas e mães.
A violência con tra a mulher, nesse período negro da história, fez-se por m eio da
obrigação de procriar traum aticam ente, fora do registro do desejo. S o b situações
de estupros reais e sim bólicos, a mulher tornou-se alvo da violência e da crueldade
assassina nazista. N ota-se que o dispositivo de repúdio ao fem inino - d enegação da
castração - apareceu com o uma tentativa de transform ar as lésbicas em verdadeiras
vacas de reprodução da 'raça pura'.

81
P oucos foram os hom ossexuais que conseguiram escapar da m orte e testem u ­
nhar a crueldade a que foram subm etidos nos cam pos de co n cen tra çã o . É o caso
de Pierre Seel, que narrou, em seu livro Moi, Pierre Seel, déporte' homosexuel'6, as a tro ­
cidad es sofridas por hom ossexuais em Schirm ek -V orb rü ck , na região da Alsácia:

Um dia os altofalantes ordenaram-nos que fôssemos imediatamente ao


centro do campo. G ritos e latidos induziram-nos a chegar rapidamente.
Rodeados por hom ens das SS, devíamos formar um quadrado e esperar
firmes, com o fazíamos durante as formaturas da manhã. O com andante
estava presente com todo os seus colaboradores mais importantes.
Pensei que nos iam inundar de novo com a sua fé cega no Reich, em
conjunto com uma lista de instruções, insultos e ameaças — emulando
as famosas verborreias do seu chefe, Adolph Hitler. Mas a situação era
muito pior: uma execução. D ois soldados das SS trouxeram um jovem
até ao centro do quadrado que formávamos. H orrorizado reconheci Jo ,
o meu doce amigo de 18 anos.

Ainda não o tinha visto no campo. Tinha chegado antes ou depois de


mim? Não nos tínham os visto nos dias anteriores à minha detenção pela
Gestapo. Fiquei paralisado de terror. Tinha rezado para que conseguisse
escapar às suas rondas, às suas listas, às suas humilhações. Mas aqui
estava, ante os meus olhos impotentes, que se encheram de lágrimas.
Ao contrário de mim, ele não tinha transportado cartas perigosas, des­
truído cartazes ou assinado alguma declaração. E no entanto, tinham -no
aprisionado e ia morrer. As listas estavam realmente com pletas. Q ue
se tinha passado? D e que o tinham acusado os monstros? A minha dor
fez-m e esquecer com pletam ente o conteúdo da sua sentença de morte.

Nesse m om ento, os altofalantes emitiram música clássica muito baru­


lhenta, enquanto os homens das SS o despiram com pletamente. V iolen­
tamente, enfiaram-lhe um balde de latão pela cabeça. Atiçaram ferozes
cães pastores alemães sobre ele: os cães com eçaram por lhe morder as
coxas e as virilhas, e depois devoraram-no em frente a todos nós. O s
seus gritos de dor foram amplificados e distorcidos pelo balde que per­
manecia atado à sua cabeça. O meu corpo rígido se cambaleava, os meus
olhos escancaravam-se de par em par por tanto horror, lágrimas corriam
pela minha cara, rezava fervorosamente que desmaiasse rapidamente.

Desde esse dia, continuo a acordar frequentem ente a meio da noite aos
gritos. Durante mais de cinqüenta anos essa cena repetiu-se incessante­
mente na minha mente. Nunca esquecerei o bárbaro assassinato do meu
amor — em frente dos meus olhos, dos nossos olhos, porque houve
centenas de testemunhos.
O bserva-se, nesse fragm ento autobiográfico de cu nho testem unhai, a im possi­
bilidade do autor de se liberar do sofrim en to ao qual foram im postos m ilhares de
seres hum anos. É essa a m esma realidade dos escritores judeus que testem unham ,
com seus escritos, a devastação subjetiva vivida nos cam pos de exterm ín io. São
relatos feitos, co m o escreveu Prim o Levi em Os afogados e os sobreviventes, "por uma
ob rigação moral para com os em udecidos, ou, então, para nos livrarm os de sua
m em ória: com certeza o fazem os por um impulso forte e duradouro"17. E ntretanto,
ao con trário dos judeus cu jos escritos inaugurou uma nova face da literatura - a
"literatura de testem unho" - poucos foram os hom ossexuais que tiveram a op o r­
tunidade de testem unhar o real do H olocau sto. Em geral, os que regressaram dos
cam pos à casa se viam im possibilitados de transm itir o oco rrid o , dado aos p re­
co n ceito s que vigoravam de form a cruel e arbitrária co n tra a hom ossexualidade.
U m a pesquisa feita na A lem anha ju n to os sobreviventes hom ossexuais da Segunda
Guerra revelou o silên cio co letiv o em que viveram lon g os anos, por tem or de
confessar o m otivo do intern am ento. Receavam a estig m atização e tem iam p o s­
síveis denúncias, que causariam perda de emprego,- até m esm o a im possibilidade
de co n trato de lo cação m antinha to d o s ca la d o s18. Por décadas, m esm o depois da
vitória aliada na Segunda G uerra M undial, os hom ossexuais continuaram sujeitos
ao có d ig o crim inal que o regim e de H itle r em pregara co m o base para sua perse­
guição. A lei 175 foi repelida em 1 9 9 4 , mas apenas em 2 0 0 2 o governo alem ão
pediu perdão oficialm ente aos hom ossexuais cond enad os. N a França, enquanto
as leis antissem itas foram extintas, lo g o após a guerra, pelo G en eral de G aulle, o
artigo do có d ig o co n tra a hom ossexualidade perm aneceu v ig en te, tornou -se mais
rígido em 1962 e deixou de ser ilegal apenas em 1981.
So cialm en te inaudíveis, os hom ossexuais não tiveram voz ativa na h isto rio ­
grafia do H o lo cau sto e do pós-guerra19. O testem unho de Pierre Seel tornou -se
paradigm ático. A o v o ltar do cam po, diante da h o m o fo b ia da fam ília e da popu­
lação de seu país, sen tia-se um "estrangeiro", sem casa nem pátria20. Pressionado
a levar uma vida norm al', casou e form ou uma fam ília de três filhos. M ais tarde,
perceben d o que tom ara o cam inho co n trário ao próprio d esejo e que m antinha-se
subm etido à v iolên cia h o m o fó b ica , quebrou o silêncio e testem unhou o que foram
aqueles anos de h orror e sofrim ento que abalaram os alicerces da civilização o c i­
dental. Seel resgatou, em seu livro, a m em ória de um grupo que, por m uito tem po,
não pôde d enunciar os crim es dos quais foram vítimas.
V oltem os à Psicanálise. In felizm ente a p o sição de Freud em relação ao h o m o s­
sexualism o, resenhada aqui an teriorm en te, não se torn ou um con sen so entre os
analistas. A braham , d iretor da S ocied ad e P sicanalítica de Berlim , considerava que
a esco lh a hom ossexual era, de fato, um im pedim ento ao e x e rcício da profissão
de analista. Anna Freud classificava a hom ossexualidade co m o uma "anom alia"
passível de ser tratada. C o m isso, con cord av a com o ideário sociocu ltu ral, que
dizia ser a hom ossexualidade uma questão m édica. M elan ie K lein entendia as
hom ossexualidades fem inina e a m asculina com o resultados de uma identificação
p ato ló g ica da criança com a m ãe (n o caso da m enina) ou com o pai (no caso do
m enino). E, finalm ente, E rnest Jo n e s, presidente da International P sycboanalytical As-
sociation (IPA), que presidiu a assem bleia da D P G , m encionad a acim a, de expulsão
dos judeus, era frontalm ente co n tra a entrada de hom ossexuais no m ovim ento
psicanalítico,- posição que foi inteiram ente refutada por Freud em carta, assinada
ju n tam en te com O tto Rank, enviada ao co le g a 20. O que tem os de verificar é, em
que m edida essa gama de p re co n ceito s escorad os em "teorias" xen o fó b icas c o n tri­
buiu e continu a con trib u in d o para d istorcer os princípios de liberdade e subversão
que fundaram a Psicanálise. U m a coisa é certa: o desm entido da verdade freu­
diana — a atração entre sujeitos do m esm o sexo é uma p osição libidinal —, entre
os pós-freudianos, certam en te p rovocou e co rro b o ro u com o silêncio de m uitos
hom ossexuais após a Segunda G uerra. N este sen tid o, tem razão C h aim K a tz 21,
quando m ostra que o d esenvolvim ento da identidade, teoria e prática psicanalítica
e a con stru ção de institu ições psicanalíticas no períod o pós-guerra não devem ser
observados separadam ente.
M as co m o podem os sucum bir a h om ofo bia se até algumas igrejas, em op osição
às igrejas conservadoras acostum adas ao uso do estím ulo à intolerância, batalham
a favor da to lerân cia sexual? Q u ã o difícil é p erceb er que a história do m ovim ento
p sican alítico inclui o uso da Psicanálise, co m o já disse, por parte de m uitos, em
instrum ento de m anipulações cruéis capaz de ferir, hum ilhar e exterm inar com
qualquer resqu ício de alteridade.
É co m o um resto inassim ilável que a questão da x en o fo b ia retorna ao cam po
p sican alítico depois da Segunda G uerra. As im p licações do nazism o no m ovi­
m ento p sican alítico são de lon g o alcance e, sem dúvida, atingiram d im ensões de
um trauma, até h o je não suplantado, que vão desde à destruição de institu ições
psicanalíticas no co n tin e n te europeu, à co o p era çã o de alguns psicanalistas com
o sistem a nazista22. O s que co n h ece m um p ou co da história da Psicanálise sabem
que o fato de Freud ter fundado uma disciplina em basada na d esconstrução de
p reco n ceito s, não quer d izer que seu alcan ce possa sobrepujar os impulsos hum a­
nos destrutivos que, depois de A uschw itz, tom aram feiçõ es bestiais.
Em se tratando de um texto sobre Psicanálise e x enofob ia, seria oportuno lem ­
brar que, nos anos 1980, numa mesa redonda na P ontifícia U niversidade C atólica
do R io de Jan eiro (P U C -R J), o episódio de A m ilcar L obo, o torturador candidato
à analista da Sociedad e P sicanalítica do Rio de Jan eiro , tornou-se público graças
à revelação de uma ex-presa política da ditadura m ilitar brasileira, Inês Etienne
Rom eu e "pela denuncia pública, corajosam ente assumida pelo psicanalista H élio
P elegrino"23. A Psicanálise posta à serviço do período mais duro e repressivo pelo
qual o Brasil já passou, co n h ecid o com o 'anos de chum bo', permitiu que Lobo
passasse a integrar a equipe de torturadores p o líticos do D estacam en to de O p e ­
rações de Inform ações — C en tro de O p erações de D efesa Interna (D O I-C O D I).
A participação ativa de um candidato a analista nas op erações de tortura não era
do d esco n h ecim en to de seu analista. Além disso, a própria Sociedad e Brasileira

■ Psicanálise, xenofobia: algumas reflexões


de Psicanálise do Rio de Jan eiro (SB P R J), além de fazer vistas grossas ao fato que
leria a ética psicanalítica em nom e de uma pretensa neutralidade científica e p ro­
cedeu estritam ente dentro dos critérios dos órgãos de repressão militar, num ato
sem elhante a dos dirigentes da D P G em obediên cia ao T erceiro R eich . Instalou um
processo inquisitorial, contra a psicanalista H elena Viana, por ela ter denunciado o
ocorrido ao jo rnal argentino Voz Operária.
A verdade é que o valente ato dessa analista abriu as portas para que muitos
analistas pudessem m ostrar o uso ignóbil que Am ilcar, com requintes de perver­
sidade e crueldade, fez da prática psicanalítica, o p onto de levá-la para os rituais
xen o fób ico s da ditadura militar. N ão há esp aço para analisar profundam ente essa
página negra da história da Psicanálise no Brasil. N o en tan to , certam en te o teor
da denúncia feita na P U C não é d iferen te do testem unho de Seel e nem dos
sobreviventes do H olocau sto. São testem unh os que aportam uma ética frente à
destruição e, portanto, precisam ser lem brados toda a vez que estiverm os diante
de episódios x en o fó b ico s, sejam eles chauvinistas, antifem inistas, racistas, hom o-
lóbicos e todos aqueles respaldados em d iagnósticos psiquiátricos à serviço das
grandes indústrias farm acêuticas. Para en fatizar o quanto é difícil desviar o curso
dos p reco n ceito s e da destruição, lem bro aqui as palavras que Freud end ereçou a
Laforgue24: "aturde-m e o fato de que os próprios analistas não sejam m odificados
por sua relação co m a análise".
O u seja: a Psicanálise é libertária sim, mas poucos são os que se perm item
viver a radicalidade de uma ascese con tín u a na d ireção ao mais além do próprio
eu e das ideologias. N ão seria esta uma das co n d içõ es requeridas ao analista, em
seu e x ercício de levar adiante a d esco berta do país do O u tro - O In con sciente?
Não cab eria aqui retraçar esse c o n c e ito , mas apenas fazer n otar que ele exige do
psicanalista não se d eixar seduzir, sob h ip ótese alguma, às políticas utópica que
incitam ao racism o e à segregação aqueles que lem bram a falta no O u tro.

85
0 Mistério das
Homossexualidades
CAPÍTULO?

Homossexualidades em Freud
Antonio Quinet

■ Introdução

O
debate sobre o tem a das hom ossexualidades, na Psicanálise, apresenta um
certo atraso em relação à atualidade e às reivindicações dos m ovim entos
dos Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (G L B T T ). E o psi­
canalista tem que estar à altura da subjetividade de sua época, com o indicou Lacan.
Isso im plica ch ecar a Psicanálise e suas diversas leituras, a partir desse tema, na m e­
dida em que esta não é um saber com pleto, e sim em constante elaboração. Tanto
Freud quanto Lacan foram sensíveis e mantiveram um diálogo com interlocutores
de suas épocas sobre suas diversas questões, dentre as quais as hom ossexualidades.
As posições de am bos, tan to na clín ica quanto na teoria e na prática institu­
cionais, vão co n tra qualquer tipo de d iscrim inação dos hom ossexuais. Isso não
impediu alguns de seus seguidores, co m o vem os neste livro, de prom overem c lí­
nica, teoria e institu cion alm en te p ro ced im en tos de tentativas de patologização,
co rreção e exclusão de hom ossexuais da form ação psicanalítica.
N ão há con sen so entre os analistas sobre a questão da hom ossexualidade. H á
diversas leituras e p o sicio n am en to ao lo n g o da história. A obra de Freud foi tanto
a fonte do p ensam ento de Lacan, que valorizou a diversidade sexual, quanto de
outras corren tes, que enalteceram a relação heterossexual genital co m o se ela
fosse a relação sexual norm al, rumo a qual to d a análise deveria levar o sujeito, que
atingiria, dessa form a, sua suposta m aturidade sexual.
Em relação às hom ossexualidades, assim, as leituras de Freud são variadas e isso
tem conseq ü ências clínicas diversas.
A co n cep çã o que o analista tem da hom ossexualidade d eterm ina a m aneira
co m o ele cond uz a análise de seus analisantes, inclusive os que têm uma escolh a
de o b je to heterossexual, pois to d a análise sem pre passa, em algum m o m en to, pela
questão hom ossexual, que é constitu tiv a do sujeito. Q u an to aos hom ossexuais,
determ inadas co n cep çõ es podem levar a devastações irreparáveis, podend o tran s­
form ar o p acien te em um inim igo da Psicanálise e im pedindo, assim, para sem pre,
que ele se b en eficie de uma análise. C o n h e ço o caso de um rapaz jo v em que foi
procurar análise devido ao co n flito en tre ter uma nam orada e sentir atração por
rapazes. O 'analista', em vez de to m á-lo em análise, estim ulou que ele fizesse sexo
oral e evitasse a p enetração com a nam orada, para o b ter mais prazer na relação
heterossexual. C o m isso, ele seria poupado da angústia de castração. Em outro
caso, o analista dirigiu o tratam en to no sentid o de fazer o sujeito assumir uma
heterossexualidade forçada e d esprezar suas ten d ências hom ossexuais levando-o
a um casam ento com uma mulher, que resultou desastroso. Esse m esm o tip o de
con d u ção da análise levou ou tro su jeito, n eu rótico histérico, a um d elírio de per­
segu ição com seu ch efe no trabalho.
O que leva os analistas a isso? Q ual sua co n cep çã o da Psicanálise e da sexuali­
dade? Felizm ente, não são todos os analistas que conduzem a análise dessa forma.
H á outras co n cep çõ es e outras leituras possíveis, tais com o as abordadas neste livro.
As teorias e asserções sobre a hom ossexualidade em Freud devem ser lidas
a partir da p osição ética do próprio Freud em relação ao tem a e à sexualidade
em geral, o que pode nos levar, algumas vezes, a c o lo c a r Freud versus Freud e, da
mesm a form a, Lacan versus Lacan. Q ualqu er teoria que generalize a h om ossexu a­
lidade é falsa, qualquer etio lo g ia única que diga 'co m o se faz um hom ossexual' é
p recon ceitu o sa e toda p ato lo g ização da hom ossexualidade é racista. Eles abrem
o cam in h o para a prevenção, a discrim inação e a eugenia. 'O hom ossexual' não
existe, existem hom ossexuais: patentes, latentes ou sublim ados. O s praticantes da
hom ossexualidade, digam os assim, são os que têm co m o esco lh a de o b je to um in ­
divíduo do m esm o sexo. M as, até isso, podem os, com Lacan, co lo ca r em questão.
Freud ch eg o u a consid erar a hom ossexualidade co m o um "m istério", na medida
em que a vida sexual é o resultado da com bin atória de três fatores: as ca ra cte rísti­
cas sexuais físicas (hom em ou m ulher), as características sexuais m entais, ou seja,
a p o sição sexuada, e a esco lh a de o b je to (hom em ou m u lh er)1. A prim eira ca ra c­
terística diz respeito à anatom ia, ou seja, o físico d eterm inado por sua g en ética
(X X ou X Y ). Essa anatom ia, h o je em dia con testad a pela prática da cirurgia da
m udança de sexo, não determ ina, em absoluto, nem a p osição subjetiva do sujeito
e m uito m enos sua esco lh a de parceiro sexual. A p o sição (fem inina ou m asculina)
tam p ouco determ ina se o parceiro é hom em ou mulher. Assim, um hom em viril
com p o sição m asculina pode desejar um homem,- um hom em viril com posição
fem inina pode desejar m ulheres. Tod os os casos são possíveis: m ulher posição
fem inina, d esejand o m ulheres, mulher, p o sição m asculina, desejando hom ens
e tc. Assim, se Freud ch eg ou a dizer que a anatom ia é o d estino, isso não im plica
nenhum a d eterm inação sexual. Trata-se de um real do co rp o incontornável.

90
■ 0 real do corpo
A expressão de Freud, paráfrase de N apoleão, "a anatom ia é o destino", foi
m uito mal interpretada por diversos psicanalistas, inclusive lacanianos. Ela se
refere ao real do corp o. O real da anatom ia não im pede que hom ens e mulheres
tenham dúvidas e se perguntem sobre sua posição sexuada, ou seja, se são 'e fe ti­
vam ente' hom ens e m ulheres. N o en tan to, por mais que um hom em não se sinta
hom em e uma m ulher não saiba o que é ser mulher, a ereção e a d etum escência,
assim co m o a e jacu lação para uns e a m enarca, a m enstruação, a m enopausa e a
gravidez para outros são signos do real que a anatom ia sexual im põe ao corp o.
D evido à d esnaturalização provocada pela entrada na linguagem , esses signos,
nem de longe, são a garantia de nada em relação à sexualidade. S er m ach o ou fê ­
mea é da ordem do real já dado. S er hom em ou m ulher é uma esco lh a de g ozo. Eis
o que Lacan situou nas fórmulas da sexuação, d iferenciand o um g ozo to d o fálico
para a posição m asculina de um g o z o não to d o fálico para a posição fem inina2.
Ser hom o ou heterossexual tam bém . U m a vez que o sexo é desnaturalizado pelo
O u tro da linguagem , a anatom ia dele receb e, por m eio das norm as sociais, um or­
d enam ento cultural de co m o se portar na socied ad e - e na relação com o outro -
com o hom em e co m o mulher. Aos m eninos, os carrinhos,- às m eninas, as b onecas.
O O u tro da cultura con stró i, assim, os sem blantes de hom em e de mulher. M as
nem a anatom ia, nem a linguagem , nem a cultura garantem a p osição sexuada e,
m uito m enos, definem com que tip o de p arceiro o sujeito en con tra prazer sexual,
o que Freud designou por "escolha de o b jeto ".
Freud en co n tro u a hom ossexualidade co m o prática sexual em todas as estru­
turas clínicas: na neurose (histeria, obsessão e fo bia), na psicose (esquizofrenia,
paranóia e m elan colia) e na perversão (voyeurism o, fetichism o, sadism o, m aso-
quism o e tc.). A hom ossexualidade, co m o prática sexual, não é, desse m odo, um
sintom a neu ró tico, não é uma perversão e nem é indício de loucura. A h om osse­
xualidade é transestrutural. Ela é uma esco lh a de g o z o do sujeito que se en con tra
em neuróticos, perversos e p sicóticos. P or outro lado, em tod os os grandes casos
de Freud, en con tram os algum tip o de hom ossexualidade, sem que esta seja p ro ­
priam ente uma prática sexual: na histeria de D ora, na fobia de H ans, na esqui-
zofrenia-p aranoid e de S ch reber, na paranóia do H om em dos L obos, na neurose
obsessiva do H om em dos R atos e na vida sexual da jo v em hom ossexual.
D evem os, então, distinguir, em Freud, o que ele cham a de pulsão ou ten d ência
hom ossexual, que é um co m p o n en te libidinal de to d o ser hum ano, e a h om o sse­
xualidade exercida na prática co m o uma esco lh a de o b je to efetivada pelo sujeito
(co n scien te ou in co n scien te).
O s co n c e ito s de pulsão sexual, bissexualidade e fantasia sexual contrad izem
toda teoria reducionista da sexualidade e devem ser as balizas que norteiam a
leitura da questão hom ossexual na obra freudiana.

91
Freud frequentem ente em pregava o term o "norm al" para a heterossexualidade,
com o no caso da jo v em hom ossexual. Isso pode levar a uma interp retação do n or­
mal co m o sadio e do anorm al co m o doente. N o entan to , a partir da p o sição ética
de Freud e de seus textos sob re a moral sexual, podem os interpretar o "norm al" em
Freud co m o relativo à norma social e o anorm al com o o "cam inho proibid o pela so ­
ciedade" segundo suas palavras. O fato de Freud afirmar que a jo v em hom ossexual
nunca tenha sido neurótica não significa que, para ele, ela seja perversa (co m o La­
can afirmou em seu sem in ário )3. Significa, sim plesm ente, que ela não apresentava
sintom as neuróticos. Segund o Freud, ela "ch eg a à análise sem um ú n ico sintom a
h istérico !1'4, sendo sua p ro blem ática não da ordem do sintom a e sim do ato (actint)
out e passagens ao a to )5.

■ A despatologização da perversão
O term o perversão' conserva, até h o je , uma carga negativa, pois, no senso
com um , é associado a crueldade, 'm au-caratice', perversidade, d oença, v ício e tc. A
partir de Freud, a perversão não é considerada nem traço de caráter, nem doença.
N unca é dem ais insistir que, em Freud, a barreira do normal e do p a to ló g ico é
desfeita. O muro é derrubado- O m ovim ento da Psicanálise é um co n sta n te brea-
king tbe wa.ll, quebra do muro, desconstrução da m uralha das ideias p recon cebid as,
co m o a capa deste livro ilustra. Isso porque a Psicanálise não se situa no âm bito da
'm oral civilizada' nem da m ed icina com seus ideais de saúde e norm alidade, e seus
critério s de d oen ça e de patologia. D o p o n to de vista p sicanalítico, a perversão
pode ser abordada, por um lado, co m o uma característica da própria sexualidade
e, por outro lado, co m o uma estrutura clín ica específica, ou seja, uma esco lh a
in co n scien te do sujeito de lidar com a castração.

■ A perversão generalizada
despatoiogizaçãd

C o m Freud, a perversão foi despatologizada e considerada a essência da sexua­


lidade humana. São 'perversos' todos os jo g o s e práticas sexuais que diferem do
co ito genital. É daí que parte Freud, em seu tex to inaugural "O s três ensaios sobre
de sua

a sexualidade"6, para dem onstrar a existên cia da pulsão sexual em tod o ser hum ano
e sua d eclinação de acordo com as práticas ditas perversas.- o voyeurism o, o e x ib i­
na h i s t ó r i a

cionism o, o sadismo, o m asoquism o etc. V em os que, inicialm ente, Freud incluiu,


nessa lista, a hom ossexualidade, chegand o, em alguns textos, a usar a expressão
As Homossexualidades na Psicanálise

"pulsão hom ossexual". Porém não mais a inclui quando estuda e descreve, a partir
dos anos 1914/1915, o funcionam ento pulsional nos textos da m etapsicologia,
principalm ente em "A pulsão e seus destinos"7.
A o e stab elecer que toda crian ça é "p olim orfo perversa" e que a sexualidade
perm anece infantil no adulto, Freud indicou que é a sexualidade é perversa', pois
a pulsão sem pre se satisfaz parcialm en te u tilizand o-se de uma parte do co rp o do
p arceiro co m o um o b je to . Indica, assim, que a sexualidade se pratica por pulsões,

92
}
que são, por estrutura, perversas. H á, então, o universal da perversão na sexuali­
dade do ser falante.
A 'perversão generalizada' inclui a prática tan to h e tero quanto hom ossexual.
Freud, utilizando, em 1905 , o vocabulário da ép oca, ao d esignar os hom ossexuais
de "invertidos", já afirmava: "a inversão seria apenas uma das m últiplas variações
da pulsão sexual"8. Freud deu m uito mais im portância ao fu ncionam en to da pulsão
sexual, do que ao o b je to esco lh id o pelo sujeito por satisfazê-lo. C o m o diz C o le tte
S o ler9 em seu te x to deste livro

(...) a perversão generalizada tem com o conseqüência maior a relativi-


zação do parceiro. Não há dúvida de que o inconsciente impõe a norma
masculina que é a norma fálica, Freud já o havia percebido, mas ela não
implica em nenhuma norma do parceiro.

Freud denunciou o m al-estar da m odernidade sobre a questão sexual10:

(...) na antiguidade a ênfase era dada à pulsão, enquanto que nós damos
ênfase ao objeto. Durante a antiguidade, glorificava-se a pulsão e ela
enobrecia o ob jeto por menos valor que este tivesse: enquanto que nos
tempos modernos, desprezamos a atividade sexual enquanto tal e só a
desculpamos de alguma forma por causa das qualidades que encontra­
mos no objeto".

C em anos depois, podem os afirmar que há um m ovim en to, teoricam en te ini­


ciado com a Psicanálise e co n cretiz a d o pelos m ovim entos fem inistas e gay s, para
com bater essa 'm odernidade' e valorizar a pulsão e a diversidade sexual. C h am o
a atenção, no en tan to , para o risco do m ovim en to G L B T T acentuar mais a p re­
ferência o b jeta i da sexualidade hum ana do que privilegiar a liberdade da esco lh a
sexual. U m a coisa é acentuar a pulsão e sua diversidade estrutural, outra é dar
ênfase a determ inadas escolh as e form as de g ozar e classificar os sujeitos a partir
de suas preferências sexuais. Isso pode levar a uma 'guetificação' generalizada da
sociedade co m o , por exem plo, a proposta de se fazer um b an h eiro especial para
o público G L B T T . A meu ver, essa visão só faz estim ular o p reco n ceito e a h o ­
m ofobia. A Psicanálise propõe privilegiar a pulsão sexual co m o aquilo que há de
mais diverso de um ser hum ano para o outro. O verdadeiro parceiro é o o b je to
m ais-de-gozar (a) de cada um, que pode se alojar num hom em ou numa mulher
(ind ep end entem ente de seu sexo an atô m ico ou posição subjetiva fem inina ou
m asculina). Assim, é mais im portante dar-se a ênfase à D IV E R S ID A D E sexual do
que à nom eação dos indivíduos a partir de seus parceiros sexuais.

■ Neurose: negativo da perversão


Pode parecer surpreendente que Lacan usasse o term o "perversão" para se
referir à jo v em hom ossexual, p acien te de Freud. M as, se o fez, a meu ver, é para

93
m ostrar que a sexualidade, co m o vim os, assim co m o a fantasia do n eu ró tico é
perversa, ou seja, ela é sustentada por to d o tipo de cen a sexual.
O s sintom as neuróticos, diz F re u d ,"(...) representam uma conversão das pulsões
sexuais que deveriam ser cham ados de perversas" (no sentido am plo do te rm o )11.
"A neurose, é, por assim dizer, o negativo da perversão"12. E Freud explicou essa
expressão numa nota, m ostrando que a fantasia con scien te do perverso se m anifesta
nos tem ores delirantes dos p sicóticos e nas fantasias inconscientes dos neuróticos.
O neurótico e o p sicótico negam a perversão; um a recalca e outro a foraclui e,
assim, ela retorna, respectivam ente, nas fantasias e nos delírios. Toda fantasia in ­
co n scien te sexual do neurótico é perversa, pois a fantasia tem com o característica
a fixação de um gozo, que atribui ao sujeito um o b je to a ser gozado (i? 0 a).
P or ou tro lado, Lacan indicou dois processos da sexualidade que co rresp o n ­
dem às leis da linguagem : a perversão está para m etoním ia com o a neurose está
para a m etáfora. A perversão-m etoním ia "se exprim e entre as linhas, por c o n tra s­
tes e alusões... con siste em escu tar uma coisa falando de outra com p letam en te
d iferen te"13. Ela fez ressoar algo à distância, indicand o um significante que está
longe na cad eia significante. Perversão, aqui, é a via indireta para se expressar
algo: "a função da perversão do sujeito", diz Lacan, "é uma função m eto n ím ica"14,
pois persegue o o b je to que causa seu d esejo no deslizam ento significante. Assim,
a perversão é a via m eton ím ica do d esejo que busca a satisfação. A neurose é sua
via m etafó rica, ou seja, sin tom ática. A sexualidade co m o perversão segue a via
m eton ím ica de significante em significante guiada p elo o b je to (a). A sexualidade
neurótica se satisfaz no sintom a, co m o m etáfora: sob rep osição de significantes
que fixa um gozo.
N ão é porque a jo v em hom ossexual tem co m o o b je to de e leiçã o uma dama
que Lacan evoco u a perversão, mas em sua m aneira m eton ím ica de enviar a m en ­
sagem do seu am or ao pai, atirando-se de uma passarela sobre uma via férrea, re ­
üespatoiogizaçao

presentando, com sua queda, o b eb ê, que seu pai lhe negou, co lo ca n d o , assim, em
cena, seu com p lexo de Édipo, que nada tem de invertido nem de d esm en tid o15.

■ A posição do perverso
de sua

Freud en con trou na perversão fetich ista, em 1 9 2 7 , um tip o de reação especial à


na h i s t o r i a

angústia de castração provocada no sujeito pela visão do sexo fem inino: d esm en­
tido ( Verleugnung). N esta, o sujeito, num duplo m ovim en to, aceita e d esm ente a
as nomossexuaiíaaaes na reicanaiise

ausência de pênis na m ulher e erige um o b je to , o fe tich e , co m o um m em orial do


"pênis fem inino". Assim, o fetich ism o desm ente a diferença sexual. S e tom arm os
o fetich ism o co m o m odelo da perversão16, seu m ecanism o esp ecífico é o d esm en­
tido (ou ren egação), assim co m o o recalque para a neurose e a foraclusão para a
psicose, co m o respostas estruturais de neg ação do su jeito à angústia de castração
provocad a pela d esco berta da d iferença sexual. Enfim , to d o ser hum ano recua
diante da castração e a nega usando um m ecan ism o esp ecífico, que determ ina a

94
form a de retorn o do que é negado. O que o neurótico recalca retorn a no sintom a,
o que o perverso d esm ente retorna no fetich e, e o que o p sicó tico foraclui retorna
nos delírios e alucinações.
A prática da hom ossexualidade pode se dar em todas as estruturas, co m o sin to ­
ma, fetichism o ou delírio... e sem ser nenhum deles! Em outros term os, a h o m o s­
sexualidade é uma prática sexual que o co rre em n euróticos que apresentam seus
sintomas,- em perversos com seus fetich es e preferências sexuais,- em p sicóticos
cu jos delírios e ob servações sejam ou não de con teú d o hom ossexual - em relação
à neurose e à hom ossexualidade, rem eto o leitor à discussão, trazida por C laude
Léger neste liv ro 17, que se estabeleceu na ép o ca de Freud e dos pré-freudianos,- em
relação à psicose, rem eto ao artigo de S onia A lberti tam bém neste liv ro18. Vale
lem brar que o próprio Freud diferenciou a hom ossexualidade de fetichism o, e
p ortanto não se pode atribuir à perversão uma co n c ep çã o geral da hom ossexuali­
dade m asculina, que estabeleceria uma equivalência entre o pênis do parceiro e o
fetich e. Em suma, não é possível enquadrar to d o hom ossexual m asculino na teoria
da negação da falta no O u tro e sua substituição pelo órgão viril, co m o fetich e.
N o caso de A ndré G id e, por exem plo, qualificado por Lacan co m o perverso, seu
fetich e não se e n co n tra nos jo v en s parceiros de sexo e sim nas cartas que enviava
para M ad elein e, a esposa com quem m anteve um casam ento sem s e x o 19.
Por outro lado, com Lacan e sua teoria do o b je to a, podem os voltar a g e ­
neralizar a perversão co m o característica da sexualidade, pois o o b je to a, co m o
mais-de-gozar, é o o b je to que tam pona a falta e traz satisfação, ten d o sem pre uma
característica fetich ista, seja ela da ordem do o b je to oral, anal, olh ar ou voz.
Lacan propôs pensar a perversão, não exatam ente em relação à castração e sim
a partir da p osição do sujeito de "instrum ento do g ozo do O u tro". D a í o perverso
ten ta p rovocar o g o zo im possível no p arceiro sexual, solicitan d o sua castração
pela via da angústia, para, em seguida, negá-la e forçar, assim, seus lim ites, co m o
é evidenciado nos casos de exib icio n ism o e sadismo.
Em seu ato p erverso, o s u je ito se e n c o n tra c o m o o b je to e é m o v id o p o r uma
"v on tad e de g o z o ". E le se d irig e 20 ao p a rce iro sexual para a cen tu a r sua d ivisão
\a 0 £ ] cau sand o h orror, susto e d ese sp ero , para lev á -lo a um g o z o sem lim i­
tes, ou seja, n eg ar sua d ivisão e le v á -lo a re to rn a r a uma p o siçã o su p o stam en te
a n te rio r à ca stra çã o de um s u je ito b ru to de prazer, sem a b arra do reca lq u e
( S ) 21. Eis co m o L acan re to m o u o d esm e n tid o da c a s tra ç ã o na perversão ao
fa z er o ou tro gozar,- e le d esm en te sua c a s tra ç ã o e te n ta ro m p er a b arreira ao
g o z o , ap ag and o a b arra da d ivisão do su je ito . L acan , m ais tard e, em 1 9 6 9 , em
seu e n sin o , disse que o p erverso "é aq u ele que se co n sa g ra a tap ar o b u raco
no O u tro "22.
E videntem ente, a m aioria das hom ossexualidades não ca b e nessa redefinição
da perversão, o que não im pede que h aja perversos dentre os hom ossexuais.
■ Homossexualidade e paranóia
E n con tram os, na ob ra de Freud, a d efinição da paranóia co m o defesa co n tra
uma "pulsão hom ossexual", p elo fato de a tem ática hom ossexual estar freq u en te­
m ente presente nesses sujeitos.
A o lerm os Freud com Lacan, podem os ressignificar essa posição e depreender a
questão estrutural, que deixa claro que a hom ossexualidade, na paranóia, é mais um
fenôm eno do que uma causa. Para estudar as três formas de paranóia, Freud partiu
de um postulado hom ossexual que estaria presente na subjetividade do paranoico:
Eu (homem) o amo (outro homem). Essa frase sofre transform ações gram aticais a partir
de três negações diferentes, na medida em que o sujeito não aceitaria esse suposto
d esejo hom ossexual. A n egação do verbo (am ar) n o delírio de perseguição.- Eu não
o amo —» E u o odeio que, por p ro jeção do ódio no personagem do perseguidor, tran s­
form a-se em Ele me odeia. A n egação do o b je to (ele) na erotom ania: Eu não o amo e sim
a ela - Eu a amo (uma m ulher) que, por pro jeção, transform a-se em Ela me ama. N o
delírio de ciúm es trata-se da negação do sujeito (eu) e sua subsequente p rojeção:
N ão sou eu quem o ama e sim ela - o que resulta na certeza delirante de Ela me traí.
O ra, o m ecanism o esp ecífico da psicose, co m o o próprio Freud nom eou, não
é absolu tam ente a p ro jeção (própria do registro im aginário) e sim a Verwerfrancj,
term o freudiano, prom ovido por Lacan, que m ostra ser um tip o de n egação m uito
mais forte e que eqüivale a uma prescrição radical: a foraclusão. Além do mais,
essa n egação absoluta não incide em uma suposta pulsão hom ossexual e sim no
com p lexo de Édipo, mais esp ecificam ente no N om e-d o -P ai.
A foraclusão do N om e-do-Pai no lugar do O u tro situa o psicótico numa proble­
mática fora-do-sexo, sem inscrição, desse modo, na partilha dos sexos23. Pois toda a
questão sobre a posição sexuada se dá a partir da travessia do com plexo de Édipo e
tem com o conseqüência a inscrição do N om e-do-Pai no lugar do O utro e o estabe­
lecim ento da norma fálica para ambos os sexos. S ó a partir desse processo é que um
sujeito falante pode se situar com o hom em ou com o mulher. Por não ter o arrimo
fálico, ele é aspirado para o lado fem inino do não tod o fálico, o que Lacan caracteri­
zou com o o "em puxo-à-m ulher"24. Assim, sua problem ática não é homo mas transexual,
com o mostra a evolução do delírio de Sch reber de ser transformado em mulher.
Por outro lado, o p sicó tico ocupa, em relação ao O u tro , a posição de o b je to :
ele é o b je to do g ozo do O u tro (o qual, ju stam en te por não ser barrado, não é
um O u tro esvaziado de g o z o ). O O u tro do p aran oico é um O u tro gozador, que
o situa co m o seu o b je to , co m o podem os dep reend er das fórmulas finais dos três
tipos de paranóia.
N o d elírio de perseguição, o sujeito é o b je to de ó d io e perseguição (o O u tro
m e persegue),- na erotom ania o sujeito é o b je to de am or (o O u tro m e ama),- e no
d elírio de ciúm es, o sujeito é o b je to de traição (o O u tro m e trai).
O d esencad eam ento da psicose não é p rovocad o por uma pulsão h o m o sse­
xual e sim por uma situação na qual o sujeito é co n v o ca d o a assumir uma função

96
sim bólica que envolva o N om e-d o -P ai. Essa estrutura se en co n tra em diversas
configurações: o anú ncio da paternidade ou da m aternidade, o n ascim en to de um

7 ■ Homossexualidades em Freud
filho, a m orte de alguém afetivam ente im portante para o su jeito (função de ideal
do eu), o e n co n tro sexual com o O u tro sexo, a investidura sim bólica de um cargo
de responsabilidade ou uma posição altam ente valorizada, ou o e n co n tro com um
personagem que faça função de um pai tirân ico ou gozad or etc.
Encontram os vários casos, na clínica e na literatura psicanalítica, que vão contra
a teoria da gênese hom ossexual da paranóia. E, muitas vezes, o relacionam ento
hom ossexual pode evitar o d esencadeam ento da psicose.
A tendi, há m uitos anos, uma m ulher que desencadeou sua psicose quando
ch eg ou em Paris, após ter deixado sua nam orada para se casar com o ex-nam ora-
do de seu irm ão. 'Entre ter relações sexuais com uma m ulher ou com um hom em ,
a ch o m enos p erigoso ter relações com as m ulheres. N a verdade, não m e sinto
nem de um lado nem do outro. E stou en tre os dois'. O casam en to é evitado por
ter desenvolvido um delírio com seu ex-p atrão que queria crapularizá-la'. N um
outro caso, um jo v em m éd ico hom ossexual, ao ser co n v o ca d o pela família a se
casar com uma mulher, im ediatam ente co m eço u a sen tir m arteladas em seu crânio,
com o se fossem dissecá-lo.
Por não ter acesso ao co m p lex o de Édipo e à sim bolização introduzida pelo
N om e-d o-P ai, não podem os nem falar de hom ossexualidade na psicose, pois esta
im plica id entificações prom ovidas pela travessia edipiana. Assim, sem a m ediação
do O u tro sim bólico, o sujeito, na psicose, capta o outro, seu sem elhante, sim ulta­
neam ente pela id entificação im aginária em uma e ro tização agressiva, fazendo do
outro a tela de suas p ro jeçõ es. C a b e relem brar que a p ro je çã o é um m ecanism o de
defesa do eu, p o rtan to , narcísico. A p ro blem ática hom ossexual, que pode então
surgir nessa cap tação im aginária, é m ais um e feito do que causa, ou seja, é um
efeito da regressão tó p ica ao estádio do esp elho. "A hom ossexualidade, pretensa -
m ente d eterm inante da psicose paranóica, é propriam ente um sintom a articulado
em seu processo", segundo Lacan25. Foi nesse lugar que entrou Dr. F lechsig para
Sch reb er - um duplo do esp elho, o ou tro im aginário que, ao m esm o tem po, c o n ­
densava o O u tro perseguidor que queria tran sform á-lo em m ulher para ser o b je to
de abuso sexual da parte dos h om ens em uma erotom ania m ortífera. Segundo
Lacan, Freud "denuncia, com a questão hom ossexual na paranóia, o m odo de alte-
ridade segundo o qual se efetua a m etam orfose do sujeito, ou, em outras palavras,
o lugar onde se sucedeu suas "transferências delirantes"26. T rata-se, assim, aqui de
uma hom ossexualidade delirante, co m o fen ôm en o transferenciai.

■ A questão do masculino e feminino


C o m o considerar a relação entre dois hom ens e entre duas mulheres psicanaliti-
cam ente, fora de critérios externos à Psicanálise, ou seja, sem precon ceitos e sem des­
considerar que existem dois sexos e sem negar a existência real da diferença sexual?

97
Freu d nu nca abriu m ão do c o n c e ito da diferença dos sexos e dos c o n c e ito s de
m ascu lin o e de fem inino, os quais não se referem à anatom ia e sim à p o sição do
su jeito em relação ao d esejo e à pulsão. O m asculino é ativo, o fem inin o é passivo,-
o p rim eiro é sujeito d esejante e o segundo é o b je to de d esejo. E isso independ en te
dos sex o s.
A atividade/passividade são características da pulsão: ver é atividade, ser visto
passividade e, da m esm a form a, co m er e ser com id o ou b ater e ser espancado.
L acan m ostrou que a atividade da pulsão inclui a passividade e se resum e num
"fazer-se": olhar, chupar, penetrar... na qual a p o sição de sujeito e de o b je to estão
con fu n d id o s.
A fantasia m antém a polaridade sujeito e objeto — polos nos quais o ser-para-o-
sexo oscila (K 0 a). C o m o com p lexo de Édipo, podem os acrescentar a essa lista
de p o larização: de um lado, encontra-se o sujeito desejante, ativo, m asculino, pai e
do o u tro lado o fem inino, o o b je to , o passivo, a mãe. Essa polaridade serve para o
e n co n tro sexual entre um hom em e uma mulher, entre duas m ulheres ou dois h o ­
m ens. Tod a m ulher desejante, deseja com o sujeito... m asculino (há, no entanto, em
L acan 27, algumas passagens em que ele nom eia o "desejo fem inino" com o d esejo de
falo),- to d o hom em , quando desejado está na posição feminina. N ão se trata aqui de
p re co n ce ito algum ou desqualificação da posição sexuada e sim de posições estru­
turais. A posição de o b je to é dita fem inina por op osição à de sujeito e masculina.
O q u e não quer dizer que ser o b je to para o outro é estar aferindo àquele que deseja
a qualidade viril, e nem a si próprio com o fem inizado.
L acan desconstruiu a relação 'sujeito ativo versus o b je to passivo' ao apontar que
"o o b je to é ativo e o su jeito é subvertido". Q u em não tem a exp eriên cia da intensa
ativid ad e que representa b an car o o b je to de d esejo para um outro? O fazer-se
d e se ja r pode ser extenu an te de tanta atividade! As m ulheres que o digam! M as os
h o m e n s tam bém fazem tudo para se fazerem d esejar por m ulheres ou por outros
oesuaioiuyizaoao

h o m en s. Essa leitura desfaz o p re co n ceito da divisão de ativo e passivo na relação


e n tre dois hom ens ou duas m ulheres indo co n tra a co n c ep çã o p recon ceitu o sa do
'passivo = m ulherzinha' e da 'ativa = fanchona', propiciad a por uma leitura distor­
cid a d e Freud - co m o se a p osição passiva, na fantasia, eqüivalesse a um tem or da
oe sua

ca stra çã o , e a ativa, à afirm ação fálica. A p o sição do su jeito d esejante fez Freud
na m s i o r i a

d izer que "a libid o é m asculina", no sentid o de sua atividade de buscar um o b je to


para se satisfazer.
AS nomossexuaiíaaaes na rsicananse

Lacan mostrou que essa libido, qualificada de masculina, eqüivale ao gozo fálico,
que é o gozo sexual propriamente dito. Para ambos os sexos, o gozo é vinculado ao
significante fálico - eis a norma. O normal do sexo é a norma fálica. Assim, Lacan,
analista freudiano, seguiu a linha do mestre que descobriu e apontou que ambos os g ê­
neros sexuais estão sob o primado do falo. M as Lacan indicou que a posição feminina
vai para além desse primado. La normâle é o term o lacaniano que condensa la norme (a
norm a) e mâle (m acho), para indicar que ambos os sexos são regidos pela norma fálica.

98
São os ob jetos falicizados ou fetichizados, que constituem os ob jetos preciosos, causas
de desejo, pois vêm no lugar do falo faltante. E o ob jeto a de Lacan, que está no cerne

■ Homossexualidades em Freud
da sexualidade. Sua teoria mostra que esse é o parceiro sexual - o o b jeto que a pulsão
recorta no corpo do outro sexuado. N a cam a do sexo não há hom o, nem hetero e
sim o parceiro a-sexual, o objeto. Pois, não se tem acesso ao O utro no sexo a não ser
reduzindo-a a um ob jeto, um pedaço de seu corpo, com o qual se goza.
N o sem inário X X , Lacan tam bém m ostrou que, para haver "ralação sexual", é
preciso haver um a relação en tre o lado fem inino e o lado masculino-, seja do su jei­
to com o o b je to (K —»<?), seja do lugar de A mulher cjue não existe com o significante
fálico (JKaF— Ho me n s e m ulheres podem se localizar nesses quatro lugares:
com o sujeito, co m o o b je to , co m o A mulher barrada e co m o representante (ou por­
tador) do falo. Eis o que podem os d ep reend er das fórm ulas quânticas da sexuação
que desenvolvo neste livro em "A esco lh a do sexo"28.

MASCULINO FEMININO

S(A )

Em suma, para haver prática sexual envolvendo dois sujeitos, é preciso haver
duas posições sexuadas. Assim, em term os de econom ia de g ozo, não há sexo entre
iguais, a sexualidade é hetera, pois envolve a outro.

■ As teorias da gênese da homossexualidade


Encontram os em Freud diversas teorias sobre a gênese da hom ossexualidade,
o que dem onstra sua pluralidade e diversidade. R esp ond end o ao d ebate de sua
ép oca sobre a questão sobre a hom ossexualidade ser adquirida ou inata, ele e x a ­
m inou, em 1 9 0 5 , nos "Três ensaios sob re a sexualidade" as duas possibilidades e
conclu iu "que a alternativa inato/adquirida é incom p leta ou, en tão, não abrange
todas as situações"29. O que im porta, para Freud, é dem onstrar que o vínculo da
pulsão sexual co m um d eterm inado o b je to sexual não é inato e nem p erm anente­
m ente fixo. D iferen te do instinto anim al, a sexualidade hum ana se caracteriza pela
d isjunção en tre pulsão e o b je to . N esse te x to , Freud afirmou que não há o universal
da hom ossexualidade, cham ada aqui de inversão, term o em pregad o nessa ép oca.
O s hom ossexuais não fazem um con ju n to único, daí podem os afirmar que, para
a Psicanálise, O Homossexual não existe. Por outro lado, Freud evoca duas teorias e n ­
volvendo a hom ossexualidade que tom am corp o ao longo de sua obra: a disposição
bissexual de to d o ser hum ano e o distúrbio no desenvolvim ento libidinal. Em relação
à primeira, encontram os, em Freud, a co n cep çã o de que o sujeito tem uma certa cota

99
de libido que pode se expressar hetero ou hom ossexualm ente, segundo as circuns­
tâncias produzirem obstáculos para uma ou outra via. A bissexualidade foi abordada
de diferentes maneiras por Freud, até sua con cep ção do com plexo de Édipo com p le­
to exposta no terceiro capítulo de O "Eu e o Isso"30, com o verem os, no qual ele expôs
que tanto o m enino quanto a m enina têm a mãe com o o b jeto sexual e que ambos
se colocam com o o b je to sexual do pai. Q uanto à con cep ção da hom ossexualidade
com o uma parada no desenvolvim ento libidinal normal que atingiria a heterossexua-
lidade, ela efetivam ente atravessa toda a obra de Freud. Em "Esboço da Psicanálise"31,
publicado em 1938, escrito pouco tem po antes de sua m orte, Freud disse:

encontram os fixações da libido a condições de fases anteriores, cujo


impulso, que e independente do objetivo normal, é descrito com o
perversão. Um a dessas inibições do desenvolvimento é, por exemplo, a
homossexualidade, quando ela é manifesta.

Essa co n cep ção — quando isolada da obra freudiana com o um todo, e de sua
posição ética e de seu co n tex to histórico - pode levar a consid erar os hom ossexuais
com o imaturos, perversos e anorm ais e, por extensão, seres infantis, perigosos e não
confiáveis, determ inando uma direção de tratam ento, n o sentido de um suposto
am adurecim ento da libido, para que atinjam a suposta normalidade da heterosse-
xualidade. Entretanto, devem os considerar o que já vim os sobre a perversão g en e­
ralizada do sexo e que, para Freud, todos os seres hum anos estão mais ou m enos
fixados em uma "fase pré-edipiana" na qual uma determ inada pulsão é prevalente.
P ropom os uma outra leitura, ao consid erarm os o hom ossexual — da m esma
form a que o histérico, co m sua oralidade, ou o obsessivo, com sua analidade —
todos 'fixados' em alguma fase libidinal. Em outros term os, neuróticos, perversos
e p sicóticos, tod os tem os nossas fixações em fases ditas pré-edipianas. O "norm al
m aduro" é um ser virtual. E ideal, aos olh os da norm a. O su jeito freudiano é o su­
je ito libidinal atrelado a alguma fase do d esenvolvim ento ou, m elh or d izendo, um
sujeito cu ja libid o privilegia uma ou outra pulsão sem exclu ir as outras. A dem ais, a
fixação que co n cern e ao sexo é, antes de mais nada, a fixação ou a 'fixão' da fan ta­
sia in co n scien te, na qual se en co n tra o o b je to sexual de e leiçã o do sujeito {%> 0 a).
E isso que deve Ser consid erad o ao nos depararm os com a seguinte asserção
perigosa de Freud32:

A linha de desenvolvimento conduz à escolha de um objeto externo com


órgãos semelhantes - isto é, a uma escolha homossexual - e daí ao hete-
rossexualismo. As pessoas que se tornam homossexuais manifestas mais
tarde nunca se emanciparam, pode-se presumir, da condição obrigatória
de que o objeto de sua escolha deve possuir órgãos genitais com o os seus.

A presunção de que os hom ossexuais não tenham sido em ancipados pode ser
utilizada para jo g a r a esco lh a h o m o eró tica no p re c o n c e ito moral da infantilid a­
de, d oença, irresponsabilidade, quando não se levam em co n ta a p o sição é tica
de Freud e a totalid ade de sua obra. D e qualquer m odo, não podem os deixar de
sublinhar que se trata de um a frase de Freud criticável.
C o m a leitura estruturalista proposta por Lacan da Psicanálise, co lo ca m o s em
questão a abordagem do sujeito e de sua história a partir de fases de d esenvol­
vim ento e de suas supostas regressões a fases em que a lib id o estaria fixada. A
regressão de que se trata em uma análise é a to p ológ ica: d eslizam ento da cad eia
de significantes até os significantes em que seu g o z o se fixou. A análise não é a
ch ocad eira da libid o e sim o lugar em que o sujeito pode 'historisterizar-se', d e c i­
frando seu in co n scien te enquanto sexual, para poder "viver a pulsão"33, que, longe
de ser uma "b ich a louca", segue os cam inhos traçados p elo N om e-d o -P ai.

As teorias causais das homossexualidades


As hom ossexualidades são tão diversas que podem os encontrar, em Freud,
diferentes co n c e p çõ e s de sua etio lo g ia. Podem os listar, em Freud, as teorias fun­
dam entais sobre a hom ossexualidade m asculina e fem inina.
D o lado da hom ossexualidade m asculina:
1. predom ínio da teoria infantil, segundo a qual todos os seres são providos de
pênis, a com eçar pela mãe, gerando o "con ceito mulher com pênis", o que, por
sua vez, geraria a obrigatoriedade do parceiro sexual ser portador de pênis34.
Seus parceiros "lembram a mulher" devido a características físicas e mentais,-
2. o h orror dos genitais fem ininos ligad o ao co m p lex o de castração que "são
encarad os co m o um órgão m utilado e trazem à lem brança aquela am eaça
despertando assim o horror, em v ez do prazer, no hom ossexual". Assim, o
sujeito m asculino procuraria parceiros com pênis para não se depararem
com esse h o rro r da (angústia de) castração,-
3. os hom ossexuais estão p erm anen tem ente fixados em um p o n to de d esen ­
volv im ento entre o au toerotism o e o am or o b jeta i. Esse p o n to é mais p ró ­
xim o do au toerotism o35,-
4. os hom ossexuais têm um grande apego ao pênis. "N a verdade é a alta estim a
sentida pelo hom ossexual p elo órgão m asculino que d ecid e seu d estino"36.
Ele e sco lh e as m ulheres co m o o b je to sexual até estas o d ecepcionarem com
a ausência do p ên is;
5. a ligação e ró tica e intensa com a m ãe durante a infância, en corajad a pela
m ãe e reforçada pelo papel secundário d esem penhado pelo pai ou por sua
ausência. "N a verdade, parece que a presen ça de um pai forte asseguraria,
no filho, a esco lh a correta de o b je to , ou seja, uma pessoa do sexo o p o s­
to "37. O su jeito perm anece fixado à im agem da m ãe e, in con scien tem en te,
am ando-a. O am or é m antido recalcad o e ele e sco lh e os rapazes para per­
m an ecer fiel à m ãe. Freud, n o caso de Leonardo da V inci, deixa claro que
não pretend e g eneralizar essa teoria para todos os casos,-
6. o m odelo da esco lh a de o b je to não é a m ãe, mas o próprio eu38. O sujeito
e sco lh e o b je to s parecidos co m ele quando criança, am and o-o co m o sua
m ãe o amou. "U m a intensa fixação ao tip o n arcísico da escolh a o b je ta i deve
ser incluída na pred isposição ao hom ossexualism o m anifesta"39. A esco lh a
de o b je to hom ossexual situa-se, assim, origin alm ente, mais próxim a do
narcisism o, do que a esco lh a heterossexual,-
7. "em grande quantidade de casos, diz Freud, após a fase de intensa fixação em
sua mãe, no sentido do C o m p lex o de Édipo, o jovem não abandona a mãe
mas identifica-se com ela e procura ob jetos sem elhantes a ele a quem d ed ica­
rá am or igual ao que recebeu de sua mãe"40. Isso perm ite que o filho seja fiel
à m ãe41. A Identificação com a mãe é uma prova de fidelidade de seu amor,-
8. outra teoria sobre a causa da esco lh a de o b je to hom ossexual é a alta c o n ­
sid eração pelo pai ou o m edo deste levando à renúncia de en trar em rivali­
dade com e le 42. Essa teoria é baseada no co m p lex o de castração, segundo a
qual o m edo da castração se m anifesta co m o punição de perder o pai,-
9. outra teoria freudiana para a origem da hom ossexualidade m asculina é o
am or pelo rival: a rivalidade é superada, a agressividade é recalcad a e o am or
advém. Segundo Freud, é freqüente se en con trar na história desses h o m o s­
sexuais o e lo g io da m ãe a outro rapaz, que se estab elece, assim, co m o um
m odelo. A escolh a narcísica de o b je to é estim ulada e, após um períod o de
ciúm es, o rival se torna o b je to de amor. S ão casos em que a hom ossexu a­
lidade não exclui a heterossexualidade - isso se não houver o horror feminino43,-
10. a últim a teoria é uma antiteoria que tem dois pontos.- o prim eiro é a d isju n ­
ção entre hom ossexualidade e perversão e o segundo a relação co m a
bissexualidade. "A mais im portante dessas perversões, a hom ossexualidade,
quase não m erece esse nom e. Ela pode ser rem etid a à bissexualidade c o n s ­
titu cion al de todos os seres hum anos e aos efeito s secundários da prim azia
fálica"44.
A Psicanálise, diz Freud em "U m estudo autobiográfico", p erm ite-n os apontar
para "um v estígio de uma esco lh a hom ossexual em tod os os indivíduos"45.
E, em seu artigo sobre o fetich ism o , de 1 9 2 7 , ele c o lo c a em op osição o h o m o s­
sexual e o fetich ism o (m od elo da perversão) e d esco n strói a teoria da h o m o sse­
xualidade co m o reação ao co m p lex o de castração . "Provavelm ente", diz Freud, "a
nenhum indivíduo hum ano de sexo m asculino seja poupado o susto da castração
à vista de um órgão genital fem inino"46. E deixa a questão em estado de m istério47:

Por que algumas pessoas se tornam homossexuais em conseqüência dessa


impressão, ao passo que outras a desviam pela criação de um fetiche, e
a grande maioria a supera, francamente não somos capazes de explicar.

102
Freud, p o rtan to , com tantas teorias, não se propôs a dar uma exp licação única
da hom ossexualidade. O que sabem os, a partir da leitura de Freud com Lacan, é

a Homossexualidades em Freud
que to d o sujeito é dividido em relação à castração e a nega. C o m o vim os, o neu­
ró tico recalca, o perverso desm ente e o p sicó tico foraclui.
Podem os co n clu ir que cada caso de hom ossexualidade m asculina terá sua te o ­
ria própria a ser construída a partir de sua análise, pois qualquer universalização
do d esejo é im possível. Isso vale tam bém para os sujeitos heterossexuais, pois a
análise perm ite ao su jeito apreender as coord enad as sim bólicas e im aginárias às
quais seu d esejo está fixado e daí inferir o real do sexo: o o b je to con d en sad or de
g ozo que causa o d esejo.
Q u an to à hom ossexualidade fem inina encon tram os dois eixos teóricos:
1. o hom ossexualism o é derivado do co m p lex o de m asculinidade, ao qual,
via de regra, o sujeito fem inino regride em con seq ü ên cia do inevitável
d esapontam ento com o pai48. N a jo v em hom ossexual, a essa d ecepção,
a crescen ta-se o desafio ao pai, p or ele a "ter traído" com a m ãe, dando-lhe
um outro bebê,-
2. mas, para Freud, há um outro fator mais im portante na relação de uma m u­
lher com outra m ulher: é reprodu ção da relação m ãe-b eb ê, na medida em
que, para am bos os sexos, a m ãe é o prim eiro o b je to de amor.
Eis, resum idam ente, as teorias em Freud sobre a hom ossexualidade.
Todas essas teorias sobre a causalidade da hom ossexualidade só apontam para
sua im ensa variedade - eis porque não podem os falar de hom ossexualidade no
singular, e sim de sua pluralidade. C ad a su jeito tem sua sexualidade singular que
escapa a toda classificação.

■ 0 complexo de Édipo completo


U m a interp retação co rren te na gên ese da hom ossexualidade é o dito c o m p le ­
xo de Édipo "invertido". Se Freud em pregou o term o de inversão para o com p lexo
de Édipo, foi por tom ar esse term o do v o cabu lário da ép o ca das perversões,
considerada co m o toda prática sexual que escapa ao co ito heterossexual, ou que
o antecipa ou, até m esm o, que o substitui. Assim, os hom ossexuais são 'invertidos'
por 'inverterem ' o que deveria ser a suposta norm alidade da relação sexual h o-
mem -m ulher. E Freud d eslocou esse term o para sua criação: o co m p lex o de Édipo.
Essa 'inversão' é relativa ao Édipo d ito norm al ou positivo: ao invés de rivalizar
com o pai, o hom em hom ossexual o ama,- ao invés de largar a m ãe do lugar de
prim eiro o b je to de amor, a m ulher hom ossexual p erm anece am ando-a. Essa in ­
terpretação, quase can ôn ica, e n co n tra -se efetivam en te em Freud, mas não foi sua
última palavra em relação ao co m p lex o de Édipo.
C o m o d esenvolvim ento do c o n c e ito de com p lexo de Édipo com p leto , em
1923, em "O eu e o isso"49, Freud reintrod uz a bissexualidade nesse processo de
con stitu ição do sujeito sexuado a partir de sua relação subjetiva e d esejan te com

103
o O u tro parental. N esse te x to , Freud d enom inou sua invenção de "co m p lex o de
Édipo sim ples", que pode ser positivo ou invertido - que foi, p o steriorm en te, b a ­
nalizado p elo senso com um . M as o próprio Freud não acreditou que isso seria, de
algum m odo tão 'simples', pois sua postura ética e clín ica sem pre foi a de se afas­
tar do senso com um , da d eterm inação b io ló g ica , da moral burguesa e das regras
sociais, assim co m o dos p re co n ceito s religiosos que ligam o sexo ao casam ento
e à reprodu ção da esp écie. D o 'sim ples' passou ao verdadeiram ente 'com plexo': o
complexo de Édipo completo. P od em os nos perguntar por que essa form a m ais tardia
e desenvolvida por Freud, que corresp o n d e à realidade psíquica, não foi a que
passou para a vulgata da P sicanálise e para a direção do tratam en to de to d o s os
psicanalistas. Lacan responde, "não é porque se ten h a visto a m ontanha que as
pessoas se interessam cada vez mais pelo Édipo, é ju stam en te por tê-la visto que
preferem virar-lhes as costas"50.
O co m p lex o de Édipo co m p le to esclareceu, segundo Freud, que "não há um
só n eu ró tico que não ten h a tend ências hom ossexuais e que certos sin tom as são a
m anifestação dessa 'inversão laten te'"51.
N o co m p lex o de Édipo sim ples do varão, o d esejo pela mãe se associa a um d e ­
sejo de elim inar o pai. N o en ta n to , a relação com o pai não é apenas de ód io, ela
é am bivalente, pois, ao lado do ód io, há uma 'id entificação-pai', querer ser co m o
ele. Freud nunca foi ca te g ó rico quanto ao d estino dessa situação que, in d ep en ­
d en tem ente do que for, ten d e ao recalque. "Pode haver dois d iferentes substitutos:
uma id entificação com a m ãe ou um refo rço da identificação-pai". E na m enina
idem. C o n tu d o , Freud con fessou que as coisas não são tão sim ples assim, pois não
correspond em ao que se verifica na clínica.
"O p in o , diz Freud, que se fará bem em supor em geral - e m uito particu larm en­
te no caso dos neuróticos - a existên cia do co m p lex o de Édipo co m p leto "52. Este,
pois, é duplo, positivo e negativo. Assim o m enino "m ostra tam bém uma atitude
de Süã d e s p a t o l o g i z a ç ã o

fem inina terna em relação ao pai e a corresp o n d en te atitude cium enta e hostil em
relação à m ãe"53. D a m esma form a, a m enina se m ostra cium enta e hostil co m o
pai, rivalizando com ele pelo am or da mãe.
Freud propôs situar os casos em uma série em que em uma extrem idade estaria
o co m p lex o de Édipo norm al, positivo e, na outra, o inverso, n egativo, enqu anto
na h i s t ó r i a

os interm ediários exibem a 'form a com pleta', co m a p articip ação desigual de am ­


b os co m p o n e n te s54.
As Homossexualidades na Psicanáiise

Assim , passando essa proposta de Freud para um esquem a gráfico, este teria
essas extrem idades e, no cen tro , estaria a bissexualidade ideal, sem 'desigualdade'
na com p o sição dos elem entos.

104
C O M P L E X O DE ÉD IPO C O M P L E X O D E ÉD IPO
SIMPLES P O S IT IV O SIMPLES N EG A TIVO
NORM AL IN V ERTID O

H ET ER O SSEX U A LID A D E BISSEXUALIDADE H O M O SS EX U A LID A D E

C ada ser hum ano se localiza, portanto, segundo Freud, em algum lugar dessa
série, com seu co m p lex o de Édipo co m p leto , mais ou m enos próxim o da "bisse­
xualidade ideal".
Segund o a exp eriên cia analítica, para Freud, alguns dos elem en tos h ete ro sse ­
xuais ou hom ossexuais podem desaparecer d eixando apenas um "vestígio reg istra­
do", que podem os designar co m o traço s da sexualidade, m arcas no co rp o ou no
je ito (m asculino ou fem inino) ou, ainda, um sintom a. O s vestígios da fem inilidade
em hom ens, ou da m asculinidade em m ulheres são, assim, traços advindos de
sua tend ência h om o ou heterossexual, derivados do co m p lex o de Édipo. Freud
destacou, por fim, "quatro disposições contid as nele que se desm ontam e se d es­
dobram "55 em cada ser hum ano: d esejar o pai, d esejar a m ãe, odiar o pai e odiar
a mãe.
Freud, com o c o n c e ito do com p lexo de Édipo com p leto , en con trou , assim, a
teoria que lhe perm ite explicar, 2 5 anos depois, o que escrevera para Fliess em
sua corresp o nd ência particular: "estou m e acostum ando a encarar to d o ato sexual
co m o um a co n tecim e n to entre quatro indivíduos"56.
C o m o vem os, só a ignorância, o p re co n ceito ou uma visão parcial ou deturpa­
da pode deform ar a obra de Freud e reduzi-la à con sid eração da hom ossexualidade
co m o um desvio da norm alidade, uma perversidade, im aturidade ou doença.

105
A Psicanálise à prova da homossexualidade
Elisabeth Roudinesco

ensador da em ancipação, Freud sem pre teve uma atitude liberal, tanto em

P relação às m ulheres, quanto aos hom ossexuais. Isso, aliás, o co rre muitas
vezes de form a conju n ta. C ertam en te, ele não podia im aginar o que viria a
ser o destino dos hom ens e das m ulheres no século X X I. Porém , nas reuniões da
Sociedad e P sicológica das Q uartas-Feiras, que aconteciam em sua residência, no
início do século, reprovava, por exem plo, a m isoginia de alguns de seus discípulos.
Q u an to à hom ossexualidade, Freud adotou uma atitude idêntica, esp ecialm en ­
te recusando classificá-la en tre as anom alias da sexualidade, co m o o faziam os se-
xólogos de sua ép oca. N ão consid erou que os hom ossexuais com etam 'atos con tra
a natureza'. Ele tam bém recusou qualquer form a de estigm atização fundam entada
na noção de d egenerescência. Em outros term os, não separou os hom ossexuais
dos outros seres hum anos e consid erou que to d o sujeito pode ser portador dessa
escolh a, devido à existên cia, em cada um de nós, de uma bissexualidade psíquica.
Em certo s m om en tos, Freud não excluiu a existên cia de uma predisposição
orgânica na gênese da hom ossexualidade, em bora continu asse co n v en cid o de que,
tanto para um hom em , quanto para uma mulher, o fato de ser criad o por m u lhe­
res favorece a hom ossexualidade, no que ele se engana. Em outras palavras, se o
hom em , no sen tid o freudiano, é m arcado pela tragédia do d esejo, o hom ossexual
não é outro, em relação a essa tragéd ia hum ana em geral, senão um sujeito ainda
mais trág ico que o n eu ró tico com um , pois sua esco lh a sexual o c o lo c a co m o pros-
crito da socied ad e burguesa. Seu ú n ico recurso é, então, o de tornar-se um criador,
a fim de assumir o próprio drama. E n con tram os essa p osição no ensaio que Freud
d ed icou a Leonard o da V in c i1. E é nesse livro, de 1 9 1 0 , que ele renunciou a u tili­
zar a palavra 'invertido', em p ro veito do term o 'hom ossexualidade'.
P or ou tro lado, Freud não classificou a hom ossexualidade en q u an to tal na
cate g o ria das perversões sexuais. Isso porque ele universalizou a ca te g o ria da
perversão e não a reservou aos hom ossexuais, ainda que estes sejam , fre q u e n te ­
m ente, a seu ver, perversos. A perversão é com partilh ad a pelos dois sexos, pois
ela não se resum e a uma perversão sexual.
Em 1920, ele relatou a infeliz aventura de Sidonie Csillag, jovem lésbica v ie­
nense, enam orada de uma dama que a recusava, e que seus pais queriam casar para
evitar qualquer escândalo na vida pública. É a propósito desse caso que Freud deu
sua definição canôn ica da hom ossexualidade fem inina, resultante, segundo ele, de
uma fixação infantil na mãe e de uma d ecepção com respeito ao pai. Sem som bra de
dúvida, a abordagem da hom ossexualidade fem inina era mais fácil para ele do que
a da hom ossexualidade masculina. D e um lado, porque as m ulheres hom ossexuais
eram mais bissexuais que seus hom ólogos m asculinos, e que, portanto, a escolh a
de o b je to era mais vacilante,- e, de outro, porque a hom ossexualidade fem inina era
m elhor dissimulada quando não era reivindicada co m o um m odo de vida rebelde
entre os escritores e poetas dos círculos modernistas. Além disso, os hom ens h o ­
mossexuais quase não buscavam análise, uma vez que suas práticas julgadas perver­
sas caíam sob o golpe da lei.
U m ano mais tarde, na P sicolog ia das massas e análise do eu2, Freud dá uma
d efinição mais clara da hom ossexualidade m asculina: ela a co n tecia após a puber­
dade quando se produziu, durante a infância, um laço intenso entre o m enino e
sua m ãe. Em vez de renunciar a ela, este identifica-se co m ela, tran sform a-se nela
e busca o b je to s suscetíveis de substituir seu eu e aos quais possa am ar co m o foi
am ado por sua m ãe. Finalm ente, numa carta de 9 de abril de 1 9 3 5 , end ereçad a a
uma m ulher am ericana cu jo filho é hom ossexual e que se queixa a Freud3, escreve:

A homossexualidade não é evidentem ente uma vantagem, mas não há


porque ter vergonha disso, não é um vício nem uma depreciação e não
poderia ser qualificada com o doença,- nós a consideramos com o uma
variação da função sexual, provocada por uma interrupção do desenvol­
vimento sexual. Vários indivíduos altam ente respeitáveis, dos tempos
antigos e modernos, foram homossexuais, e entre eles encontram os
alguns dos mais ilustres homens (Platão, M ichelangelo, Leonardo da
Vinci e tc ...) . É uma grande injustiça perseguir a homossexualidade
com o um crime e também uma crueldade. Se não acredita em mim, leia
os livros de H avelock Ellis.

Ele acrescen ta ainda que é inútil querer transform ar um hom ossexual em


heterossexual.
N a história do m ovim en to p sicanalítico, foi A nna Freud que, ao c o n trá ­
rio de seu pai, m ostrou-se adepta de uma atitude regressiva com respeito à
hom ossexualidade.
N ascid a em 1 8 9 5 , ela não foi desejada nem por sua m ãe, nem p o r seu pai, o
qual decidiu, d ep ois de seu n ascim en to, p erm anecer casto, na falta de poder u ti­
lizar co n tracep tiv o s. P o r isso, ela lutou para fazer com que fossem reco n h ecid a s
suas principais qualidades: coragem , tenacidad e, g o sto pelas coisas do esp írito. E
foi para se aproxim ar d ele que esco lh eu entrar no cen ácu lo dos fiéis, to rn an d o-se
professora. A p reensivo, con tu d o, de ver a filha con tin u ar solteira, lo g o p ercebeu
que, por força de in terd ições, ela repelia os hom ens m esm o d esejand o ser m ãe. E
é para 'despertar sua lib id o' que Freud lhe propôs tom á-la em análise: entre 1918
e 1 9 2 0 , depois en tre 1 9 2 2 e 1 9 2 4 . A m edida que afirm ava-se sua atração mútua,
reforçada p elo tratam en to , sua 'esco lh a de o b je to ' a distanciava m ais dos hom ens.
S en tin d o -se atraída pelas m ulheres, con fia sua pertu rbação à Lou A ndreas-Sa-
lom é, grande am iga da fam ília, c é le b re por sua am izade com N ie tz sc h e e pela
adm iração que Freud lhe dedicava: "Pela prim eira vez, eu fiz um d evaneio onde
aparecia um p ro tag on ista fem inino. Era m esm o uma história de am or na qual eu
não parei de pensar".
Assustado com a ideia de que sua filha pudesse se tornar realm ente lésbica,
Freud a desviou de seu d esejo de explorar as cam adas profundas de seu in c o n s­
cien te. Ele a en co rajo u tan to mais a desem penhar um papel m aior no m ovim ento
psicanalítico quanto esperava vê-la engajar-se num trabalh o intelectual intenso.
O tratam en to de A nna com seu pai acab ou de uma form a curiosa. C ertam en te,
ele lhe perm itiu afirmar-se co m o uma futura ch e fe da esco la, mas ele tam bém teve
com o con seq ü ên cia lhe fazer odiar sua própria hom ossexualidade ao p o n to de d e­
pois, durante toda sua existên cia, m ostrar-se hostil à ideia de que os hom ossexuais
possam praticar a Psicanálise.
D ep ois disso, A nna teve sua revanch e co n tra seu pai, quando en co n tro u D o -
rothy Tiffany Burlingham , que ia tornar-se sua com pan heira de toda uma vida.
N ascida em N ova Iorque e neta do fundador das lojas Tiffany & Co., ela havia d ei­
xado os Estados U n id os com seus quatro filhos para escapar da loucura assassina
de seu m arido e tornar-se psicanalista. Instalada em V iena, ela viveu com Anna,
que tornou -se a professora e, depois, analista de seus filhos. A nna e D o ro th y ju lg a ­
vam -se co m o gêm eas, vestind o roupas idênticas e travando rela çõ es de intim idade
que pareciam m uito com as de duas lésbicas. Anna se transform ou em 'com ãe' das
crianças de D oro th y , passando ainda do status de m ulher solteira ao de m ãe, com
a co n d ição , todavia, de poder afirmar que, de form a alguma, ela era hom ossexual.
Q u an to a Freud, ele não estava d esco n ten te, por m anter sua filha próxim a dele,
de ser consagrad o co m o o patriarca de um novo clã.
A o m esm o tem po, im pulsionou-a a assum ir o d estino m oderno de uma m ulher
intelectual. A nna fez estudos e con seg u iu im por-se no m ovim en to p sicanalítico
com o uma verdadeira ch e fe de esco la. Foi um a das pioneiras da Psicanálise de
crianças. Guardiã da herança e da trad ição, foi, então, extrem am en te con serv ad o­
ra em m atéria de costu m es sexuais.
A partir de d ezem bro de 1921 e durante um mês, a questão da h om ossexu a­
lidade dividiu efetivam en te os m em bros do fam oso com itê que dirigiam secreta ­
m en te a International P sycboanalytical Association (IPA). O s vienenses m ostraram -se
m uito m ais tolerantes que os b erlin enses. Sustentad os por Karl A braham , esses
últim os consideraram , com e feito , que os hom ossexuais eram incapazes de ser
psicanalistas, uma vez que a análise não os curou' de sua 'inversão'. A p oiado por
Freud, O tto Rank op ôs-se aos berlinenses. D eclaro u que os hom ossexuais devem
poder aced er norm alm ente ao o fício de psicanalista con form e sua com p etên cia:
"N ão podem os afastar essas pessoas sem outra razão válida, assim co m o não p o d e ­
m os aceitar que elas sejam perseguidas pela lei". Lem brou, além disso, que existem
d iferentes tip os de hom ossexualidade e que é p reciso exam inar cad a caso em
particular. Jo n e s recusou-se a levar em co n ta essa posição. A poiou os berlin enses
e declarou que, aos olh os do m undo, a hom ossexualidade "é um crim e repugnante:
se um de nossos m em bros o com etesse, atrairia um grave d escréd ito para nós".
N essa data, a hom ossexualidade foi, então, banida do im pério freudiano, por uma
regra não escrita, ao p o n to de ser novam ente consid erad a uma 'tara'.
Ao lo n g o de mais de 5 0 anos, sob a influência cre scen te das socied ad es psi-
canalíticas norte-am erican as, a IPA reforçou seu arsenal repressivo. A pós ter-se
desviado das p o sições freudianas quanto ao acesso dos hom ossexuais à Psicanálise
didática, não hesitou, sem pre no sen tid o con trário da clín ica freudiana, em qua­
lificar os hom ossexuais de perversos sexuais e ju lg á-lo s ora inaptos ao tratam en to
p sican alítico, ora passíveis de serem curados, sob a co n d içã o de que o tratam en to
tivesse por o b je to orien tá-los em direção à heterossexualidade.
Q u an to a Jo n es, sua atitude repressiva exp licou -se de diversas m aneiras. Ele
m esm o tinha sido acusado de pedofilia na G rã-Bretanha, numa Inglaterra vitoriana
e puritana, sim plesm ente porque falava de sexualidade às crianças das quais se o cu ­
pava num hospital. Em igrado em seguida para o C anadá, foi denunciado por ligas
puritanas porque vivia em co n cu b in ato com Loe K ann. É necessário com preend er
o que foram os prim órdios da Psicanálise para os prim eiros freudianos acusados
continu am ente de quererem corrom p er a sociedade com suas teorias sexuais.
D e se jo so de norm alizar a IPA e d esem baraçá-la de seus praticantes mais
'desviante' (p sicóticos e perversos, em esp ecial), Jo n e s , que era um sedutor de
m ulheres (ao con trário de Freud), pensava que o m ovim en to p sican alítico devia
form ar clín ico s 'im pecáveis', clín ico s que ninguém poderia atacar por práticas
sexuais ditas 'desviantes'. P od e-se dizer que Jo n e s agia assim co n tra si m esm o em
seu d esejo de norm alização, do m esm o m odo que A nna Freud lutava co n tra seu
d esejo culpado, instituindo regras repressivas co n tra os hom ossexuais. É in teres­
sante n otar que Freud, esse grande d esco brid or da sexualidade, não foi nem um
lib ertin o nem um transgressor. N ão tinha relaçõ es sexuais com suas p acien tes e
não se co n h e ce nenhum a am ante dele. P or con seg u in te, foi mais liberal em m a­
téria de sexualidade.

110
N otem o s, no en tan to , que a British Psychoanalytical Society (B P S ), fundada por
Jo n es em 1919, tinha, em suas fileiras, clín ico s pouco conform istas. Assim Jam es
Strach ey, o ilustre tradutor de Freud, irm ão do fam oso L ytton Strach ey , era um
hom ossexual declarado. Praticava a Psicanálise no seio da socied ad e antes de se
casar com A lix Strach ey, por quem se apaixonou porque ela parecia um 'm enino
m elancólico'.
Foi som ente em nossos dias que a fam osa regra não escrita instaurada pelo
C o m itê S e creto , em 1921, foi progressivam ente 'apagada' (e não ab olid a), com o
efeito das lutas do m ovim en to g a y am ericano e, sobretud o, da 'saída do armário'
de alguns psicanalistas do outro lado do A tlân tico, m em bros da IPA, que c o ­
m eçaram a se declarar abertam en te hom ossexuais, esp ecialm en te no C o n g resso
Internacional de B arcelona de 1997. Esse foi o caso de Ralph R ou ghton, didata da
Socied ad e P sicanalítica de C leveland , m em bro da poderosa American Psychoanalytic
Association (APsaA ), filiada à IPA. N um a co n ferên cia b om b ástica, ele relatou a luta
travada pelos analistas hom ossexuais am ericanos que acabaram por se fazer re ­
c o n h e ce r pela IPA enqu anto elaboravam as co n d içõ es de uma abordagem clín ica
capaz de dar co n ta da existên cia "inegável de m ulheres e de hom ens hom ossexuais
saudáveis e m aduros"4.
Pela prim eira vez, finalm ente, e apoiand o-se ao m esm o tem p o nos trabalhos
de Freud e de R o b ert Stoller, psicanalista califo rn ian o esp ecialista em perversões e
transexualism o, psicanalistas eles m esm os hom ossexuais dem onstraram , a partir de
casos co n creto s, que a hom ossexualidade era uma esco lh a sexual, uma orien tação
sexual, que, em nenhum caso, devia ser qualificada, encjuanto tal, co m o patologia.
Em outras palavras, essa tese perm itia reatar com o universalism o freudiano
segundo o qual um hom ossexual é um sujeito co m o qualquer um que pode apre­
sentar, por outro lado, p ertu rbações n euróticas, psicóticas, perversas ou borâerline,
da m esm a m aneira que qualquer indivíduo heterossexual. Tratava-se, então, de
retirar definitivam ente a hom ossexualidade do registro da p atolog ia ou das per­
versões sexuais, tais co m o o fetichism o, o sadism o, o travestism o ou a pedofilia
e tc. Escreve R o u g h to n 5:

C onhecer a orientação sexual de uma pessoa, não nos diz nada sobre
sua saúde ou sua maturidade psicológica, nem sobre seu caráter, seus
conflitos internos ou sua integridade. Um paciente homossexual borderli-
ne terá mais em comum com um paciente heterossexual borâerline do que
com um indivíduo homossexual psicologicam ente saudável.

E preciso saudar a coragem desses psicanalistas. Aliás, sua luta não está
concluíd a. Eles não conseguiram errad icar a h o m o fo b ia presen te na IPA, mas
mudaram sua estratégia repressiva. H o je , ninguém mais na IPA ousa adm itir-se pu­
b licam en te h o m o fó b ico . C ertam en te, o ód io co n tra a hom ossexualidade persiste
com a m esma v iolência. Ele assume, e n treta n to , um asp ecto d iferente daquele de

111
outrora. E xprim e-se sob a form a de uma d en eg ação, um pouco co m o o antissem i-
tism o das sociedades d em ocráticas de h o je 6:

'Não, eu não sou hostil aos homossexuais', dizem os psicanalistas ho-


mofóbicos da IPA. Sim, eu condeno a homofobia, mas, apesar de tudo,
não se pode aceitar que psicanalistas homossexuais sejam militantes da
causa g ay 7.

É assim que se exprim e o psicanalista francês G ilb ert D iatkine em sua resposta
à R ou ghton, quando ele denuncia a atitude de "proselitism o m ilitante"8 deste,
em nom e de uma pretensa neutralidade da Psicanálise. E ncontram os a m esm a
argum entação d en egatória em C ésar Botella9, outro psicanalista francês que não
hesitou em declarar que a m ilitância seria uma "renegação do drama pessoal do
hom ossexual", suben ten d end o-se que este seria acom etid o por uma "p atologia
narcísica" que a P sicanálise não pode, de form a alguma, resolver. Por que en tão os
psicanalistas perseguidos não teriam o direito de m ilitar? Em que o fato de ser um
m ilitante seria sinal de uma d eficiên cia da ética psicanalítica? Além do mais, se a
Psicanálise não pode resolver a questão da hom ossexualidade, co m o o sublinha
Botella, ela pode, em to d o caso, tratar determ inadas patologias narcísicas que não
são esp ecíficas da hom ossexualidade.
E m bora em d eclínio, a h o m o fo b ia da IPA caracteriza-se, assim, com relação às
teses antigas, por não ter nenhum fundam ento te ó ric o e ser afetiva e p atológ ica.
V em os, então, claram en te a utilidade das lutas do m ovim en to gay-. este tornou
'vergonhosa' a expressão pública da hom ofo bia. Isso não é surpreendente e eis
porque são indispensáveis todas as leis que suprimam as d iscrim inações. Elas o b ri­
gam os h o m o fó b ico s a em pregar artifícios, e isso é um progresso.
N os kleinianos, a hom ossexualidade foi associada a uma perturbação esquizoi-
de, um 'm eio' de enfrentar uma paranóia e, assim, de toda form a, uma perversão do
tip o sád ico ou m asoquista. Em últim a análise, a hom ossexualidade não existe para
os kleinianos. Ela é uma variante de um estado p sicó tico m ortífero e destruidor.
Tam bém não figura nos d icionários do pen sam en to k lein ia n o 10, o que eqüivale a
m anter os hom ossexuais na categ oria de 'desviantes', de d oen tes, e, assim, proibir-
lhes o acesso ao o fício de psicanalista.
N aquela ép oca, na França, ob ed eciam -se as regras da IPA e os hom ossexuais
eram banid os da form ação didática. N a qualidade de p acien tes, eram con sid era­
dos d oentes que deviam ser reeducados para to rn arem -se heterossexuais. N esse
co n te x to , os hom ossexuais d esejosos de fazer uma análise fugiram dos divãs da
IPA, salvo quando uma 'perversão' particular os con d u zia a odiar sua própria h o ­
m ossexualidade a p onto de quererem erradicá-la. O s outros, p erten cen tes, muitas
vezes, a um m eio intelectual ou artístico, preferiram divãs m enos repressivos. M u i­
tos deles se acharam em análise com Lacan que nunca procurou os transform ar
em h ete ro ssex u ais".

112
N ão apenas Lacan tom ou em análise hom ossexuais sem jam ais pretend er os
reeducar nem os im pedir de se tornarem psicanalistas caso o desejassem , com o,

■ A Psicanálise à prova da homossexualidade


quando fundou a E scola Freudiana de Paris (EFP) em 1 9 6 4 , aceito u o próprio
princípio de sua integração, na qualidade de analistas da esco la (AE) ou analistas
m em bros da esco la (A M E ). Eu m esm a fui m em bro da EFP e posso afirmar que,
nesse aspecto, existia uma enorm e tolerância, ainda que, bem enten did o, num e­
rosos psicanalistas detestassem os hom ossexuais. A h o m o fo b ia 'privada' e pessoal
é uma coisa, a instauração de regras discrim inatórias é outra. E ju stam ente porque
essa tolerância existia que hom ossexuais, que não teriam tido nenhum futuro nas
sociedades da IPA, afluíram na d ireção da EFP.
D ito isso, Lacan não tinha a m esm a co n c ep çã o que Freud da hom ossexuali­
dade. A seu ver, com efeito , ela não tem nada a ver com uma orien tação sexual.
Personagem altam ente transgressivo, Lacan era m arcado pela leitura das obras de
Sade e por seu co n ta to com G eorg es Bataille. Sua fascinação pela h om ossexuali­
dade grega levava-o, de uma parte, a fazer da figura do perverso a encarn ação da
mais alta intelectualidad e - ainda que m aldita - e, de outra, a ver toda form a de
am or - até m esm o de d esejo - co m o algo perverso. Assim co m o Lacan 'psicotiza'
a clín ica das neuroses, do m esm o m odo, tend e a ver perversão em todas as m ani­
festações do amor. E nesse c o n te x to que ele faz da hom ossexualidade, mcjuanto tal,
uma perversão e não uma orien tação sexual.
Se quiserm os com p reend er co m o Lacan reintroduz a hom ossexualidade na
categoria não mais das perversões sexuais, mas de uma estrutura perversa, é p re­
ciso partir desse a priori. Ele nunca restabeleceu o antigo dispositivo da sexologia,
da psiquiatria ou da teoria da d eg en erescên cia. N o fundo, ele não está afastado
do que serão, mais tarde, as p osições de M ich e l Foucault ou de G illes D eleuze.
A m bos, não esqueçam os, valorizaram a perversão, na m edida em que ela seria, na
op inião deles, um m eio de co n testa r rad icalm ente a ordem social burguesa ca ra c­
terizada pela fam ília edipiana, herdada de Freud.
M as existe uma diferença fundam ental entre Lacan e Foucault: o prim eiro faz
d A perversão uma estrutura universal da personalidade, da qual o hom ossexual
seria a mais pura en carn ação, en qu anto que o segundo privilegia o estudo das
práticas co n cretas da sexualidade perversa sem im portar-se de encerrá-las numa
estrutura ou numa categ oria particu lar1214. Para Lacan, o hom ossexual é um per­
verso sublim e da civilização,- para Foucault, ele é um personagem que deve e sc a ­
par, por m eio de uma prática subversiva ou inventiva, ao rótulo degradante que
o discurso norm ativo lhe endossa. V em os claram ente em que a p osição de Lacan
é radicalm ente d iferente daquela dos clín ico s h o m o fó b ico s da IPA. Lacan liga a
hom ossexualidade (fem inina e m asculina) à perversão, mas recusa toda atitude
discrim inatória.
E por isso que, em seu discurso, o re co n h e cim e n to da hom ossexualidade com o
perversão não cond u z nem a uma in tolerân cia, nem à instauração de regras se-

113
gregatórias. Aliás, eu acrescen taria que Lacan, pelas mesmas razões, não con d en a
os h o m o fó b ico s. D e uma m aneira geral, sua tolerância com os com p ortam en tos
consid erad os co m o os mais 'desviantes', mais injuriosos, mais virulentos, é, por
vezes, difícil de com preend er. Sem dúvida, é con seq ü ên cia da vio lên cia que ele
carregava d entro de si. N ão se dirá jam ais o suficiente sobre o quanto ele foi um
m estre transgressivo, sensível a todas as m anifestações mais exacerbadas da lou cu ­
ra, da m ística, do gozo , e lúcido sob re todas as torpezas humanas.
P orque faz da hom ossexualidade uma perversão, Lacan consid era que os
hom ossexuais não são 'curáveis'. D istingu e a hom ossexualidade fem inina, que
ele aproxim a da histeria e da rivalidade sexual, da hom ossexualidade m asculina,
na qual localiza um dos fundam entos do laço social. Em seu sem inário sob re As
formações do inconsciente, declara que, se o hom ossexual agarra-se tan to a sua p osição
de hom ossexual é porque, para ele, a m ãe dita a lei no lugar do pai, ou m elhor,
ela 'dita a lei ao pai'. Lacan retom a aqui a tem ática freudiana do Édipo invertido
(sabem os que, para Freud, o co m p lex o de Édipo é a representação in co n scien te
pela qual se exprim em o d esejo sexual ou am oroso da crian ça pelo p ro g en ito r do
sexo o p o sto e sua hostilidade pelo p ro g en ito r do m esm o sexo. Essa representação
pode se inverter e m anifestar am or p elo p ro g en ito r do m esm o sexo e ód io co n tra
o p ro g en ito r do sexo o p osto. Em Freud, a hom ossexualidade deriva freq u en te­
m ente do Édipo invertido, mas este não dá lugar ob rig atoriam en te a uma o rie n ­
tação de tip o hom ossexual), porém a sistem atiza no âm bito da invenção de sua
própria tó p ica (im aginário, sim bólico, re a l)15. Tudo se passa co m o se Lacan fizesse
do am or hom ossexual o p ro tó tip o do am or e que, co m o o am or hom ossexual é,
a seu ver, uma perversão, há, inevitavelm ente, para ele, uma d isposição perversa
no am or em geral.
É d entro dessa perspectiva que é p reciso ler o co m en tário de Lacan sobre O
banquete. Ele com para o lugar atribuído à hom ossexualidade na G récia ao ocupado
pelo am or co rtês na socied ad e m edieval. A m bos teriam uma função de sublim a­
ção , que perm itiria perpetuar o ideal de um m estre no seio de uma socied ad e c o n s ­
tan tem en te am eaçada pelas devastações da neurose. Em outras palavras, o am or
co rtês c o lo c a a m ulher numa p osição equivalente àquela que o am or hom ossexual
g rego atribui ao m estre. P or con seg u in te, o d esejo perverso, presente nessas duas
form as de am or em que se associam a sublim ação e a sexualidade carnal, é d esig­
nado co m o altam ente favorável à arte, à criação e à invenção de novas form as do
laço social. E Lacan lastim a que esse am or não exista mais na hom ossexualidade
dos anos 1 9 5 0 "em que os coleg iais tem espinhas e são cretinizad os pela educação
que re ce b e m "16.
Eu não creio , de m inha parte, que se possa ap ontar Lacan co m o h o m o fó b ico
sob o p retexto de algumas frases injuriosas co n tra as 'tias'. Lacan m aneja a injúria
co n tra to d o m undo. Em seus sem inários, não cessa de insultar seus adversários,
de am ald içoar seu avô, de tratar de "cretinos" aqueles que não lhe agradam. Em
suas cartas privadas, é pior ainda. E quando ele elo g ia alguém , a ofensa está muitas

114
vezes presente. D esse m odo, quando qualifica positivam ente M ela n ie K lein de
"tripeira genial", trata-se de uma ofensa to talm en te equivocada, aliás, pois M elain e

8 ■ A Psicanahse a prova da homossexualidade


K lein nunca foi uma tripeira. Poderíam os m ultiplicar os exem plos. O vocabu lário
do ód io está presente no discurso de Lacan.
Lacan tam p ouco é h o m o fó b ico quando faz do am or hom ossexual uma perver­
são e do d esejo perverso a quintessência do am or sublim ado. Em seu discurso, o
term o 'perversão' não é utilizado de form a degradante ou pejorativa. C o m o Freud,
Lacan conserva essa palavra esvaziando-a de to d o con teú d o infam ante. E nele,
mais do que em Freud, a perversão é valorizada. N esse asp ecto, co m o eu disse,
ele é mais herd eiro de Sad e e co n tem p o râ n eo de Bataille do que o sucessor da
doutrina freudiana.
Em sua prática analítica e em sua esco la, Lacan era d eterm inado. Foi o p ri­
m eiro a autorizar os hom ossexuais a tornarem -se psicanalistas, sem a m enor
discrim inação. Q u an to à sua co n c ep çã o da hom ossexualidade, ela não m erece
tanto op róbrio. C ertam en te, ela exclui a ideia de que o hom ossexual possa q ue­
rer se 'norm alizar', a p o n to de im itar as form as mais burguesas, e, assim, as mais
neuróticas das estruturas do parentesco. M as tem o m érito de hom enagear esse
lugar ocupado pelo personagem do hom ossexual na socied ad e ocid ental: um
personagem m aldito e sublim e. Provavelm ente Lacan teria achad o aflitivo que os
hom ossexuais de h o je não queiram mais esse lugar e façam a esco lh a de parecer,
dessa forma, com aqueles que não cessaram de persegui-los ao lo n g o de todas as
épocas. N o en tan to , nunca teria adotado, nas circunstân cias atuais, um discurso
h o m o fó b ico . Eu creio , em contrapartid a, que ele teria sido interpelad o pelo d ese­
jo de norm alização que se m anifesta h o je nos hom ossexuais.
Em meu livro sobre Lacan, observei que ele tinha sido o prim eiro, antes dos
especialistas na história de V iena (C arl Sch o rsk e e Ja cq u es Le Rider), a ficar im ­
pressionado com o fato de que a P sicanálise tinha nascido do d eclín io da família
patriarcal no ocid en te. Frente a esse d eclín io, sim bolizado em V iena pela agonia
da m onarquia de F-Iabsburgo, Freud inscreveu uma nova form a de subjetividade
com parando o hom em do sécu lo X X a Édipo e a H am let, quer dizer, ao ator s o ­
litário de um drama da co n sciê n cia , con d en ad o a representar, p erm anentem ente,
a cen a de um assassinato originário, a fim de desfazer os fios de sua genealogia.
O bservem o s que, se a P sicanálise atribui ao pai um lugar cen tral nessa co n fi­
guração, não é para reivindicar a postura caricatural de um ch e fe da horda, c r i­
m inoso e tirân ico — co m o o fizeram os regim es fascistas e o nazism o —, mas para
revalorizar sim bolicam en te uma paternidade com balida, sem pre em busca de si
mesma.
Em Freud, o pai é uma figura fragilizada pelo crescen te poder da em ancipação
das mulheres e é efetivam ente essa trad ição que Lacan reclam ou. C o m sua teoria
con h ecid a com o N om e-d o-P ai, situou, em 1 9 5 3 , a posição sim bólica da paterni­
dade no cerne da con stelação familiar. L on g e de ser um agente do integrism o, v in ­

115
culado a um patriarcado de quinta categoria, e longe de fazer da função sim bólica
do pai uma 'essência', Lacan pretend e-se um pensador iluminista dissociado de sua
cultura cató lica, mas capaz de integrá-la à sua démarche, com o Freud o faz com sua
judeidade. É, aliás, por essa razão que ele tom a de Lévi-Strauss a n oção de função
sim bólica (do pai, da paternidade) sublinhando sua intenção de nunca a confundir
com uma instância nom inalista ou essencialista.
D ito isto, há, em L acan, uma referên cia co n sta n te a teolog ia cristã. Porém ,
fazer d ele um rep resentan te o rto d o x o e rig oro so da igreja ca tó lica rom ana eq ü i­
vale a esq u ecer que ele foi ateu, n ietzsch ean o , esp inosista, h eg elian o, d ep ois es-
truturalista, e que designou a si m esm o, em sua ju ventu de, co m o um 'A nticristo'.
Seu 'cato licism o' b arro co e esp len d oroso, tin gid o de ód io sagrado, estava mais
próxim o do de um Salvad or D ali ou de um Luis Bunuel do que dos p receito s dos
bons padres. Foi ju sto por isso que, depois de te r querido se en co n trar com o
Papa e, em seguida, com M a o T sé-Tung, todos dois encarnan d o, a seu ver, uma
p o sição de m estre espiritual, Lacan sonhou com ter funerais ca tó lico s, quer dizer,
um ritual com grande pom pa, o que não tem nada a ver com um en terro relig ioso
para pequ enos burgueses. L acan era verd ad eiram ente um m estre que sabia ser um
m estre, co m o o sublinhei com A lain B adiou17.
Além disso, ainda que a n o çã o de N om e-d o -P ai fosse diretam ente tom ada da
teolog ia, ela tam bém teve por fundam ento as categ orias m odernas da an tro p o ­
logia provenientes de D urkheim , M auss e Lévi-Strauss. A esse respeito, não há
nenhum a confusão em Lacan entre uma lei an trop ológ ica (a interdição do in cesto )
e uma estrutura fam iliar 'paternalista'.
D o m esm o m odo, não há con trad ição de p rincíp io entre o m od elo edipiano
elaborad o por Freud (e retom ado por seus sucessores) — no sentido da tragédia e
não de uma psicologia de b alcão, da qual se valem h o je , in felizm ente, tod os os
psicanalistas - e o m ovim ento de em ancipação dos hom ossexuais iniciad o ao final
do sécu lo X IX , com o d eclínio do patriarcado. S e o pai foi progressivam ente des-
possuído, no O cid e n te , de suas funções autoritárias tradicionais, nem por isso a
fam ília deixaria de perm anecer, h o je , com o em 1 9 3 8 , uma entidade indestrutível.
S e ja 'natural', 'recom posta', 'm onoparental' ou 'hom op arental', ela é efetivam ente
a im agem dessa tragédia edipiana reinventada por Freud. C o m a co n d içã o de
nunca fazer do Édipo um sim ples 'com plexo'. A fam ília serve de crisol tan to para
a afirm ação de uma norm alidade social e sim bólica quanto para o surgim ento das
m aiores pulsões crim inosas, ou para o d esab roch am en to das transgressões e de
todas as patologias co n scien tes e in co n scien tes ligadas à con stru ção da su b jetivi­
dade humana.
P o rtan to , não vem os em que p o n to a teo ria lacaniana, que reivind ica essa
c o n c e p çã o de fam ília, poderia assem elhar-se, de p erto ou de long e, a qualquer
tom ada de p o sição h o m o fó b ica com parável ao an ed otário dos psicanalistas
co n tem p o rân eo s, segundo a qual uma pretensa 'lei do pai' seria necessária para

116
ob rig ar as m ães, quer dizer, as m ulheres, a não devorar suas crianças. Foi em
nom e dessa vulgata que uma parte da com unid ade p sican alítica francesa iniciou ,
em 1 9 9 9 , uma guerra co n tra os hom ossexuais d esejo so s de ad otar crianças,
op on d o-se, do m esm o m odo, às novas práticas de rep rod u ção assistida, e, mais
re ce n tem en te ainda, à g estação por outrem (G PA , 'm ães portad oras'). Foi nessa
m esm a perspectiva que eles continu aram a em itir ju lg am en tos g ro tesco s sobre
a origem do autism o e das psicoses: a m ãe seria um m onstro numa socied ad e
dom inada por um e xcesso de liberdade e de o n ip o tên cia das m ulheres que vêm
entravar a 'lei do pai'.
Esse discurso, fundado sob re a n atu ralização da fam ília e da d iferen ça dos
sexos, foi critica d o p o r fem inistas, so ció lo g o s, an tro p ó lo g o s, filósofos e h isto ria ­
dores da fam ília. Esse discurso é d oravante o sin tom a de algum a co isa terrív el: de
tantas asneiras, os Psicanalistas, em sua m aioria e de todas as ten d ên cias, to rn a ­
ram -se os inim igos de si m esm os e os principais cov eiro s da doutrina freudiana.
D ir-se-ia uma h istória jud ia. M e lh o r rir dela do que chorar, mas será necessária
uma nova g eração para a P sican álise sair do a to leiro no qual a m ergulharam seus
rep resen tan tes para grande felicid ad e de seus verd ad eiros inim igos: os com por-
tam entalistas, os antifreud ianos rad icais, os reacio n ário s de toda ordem .
D ito isso, con tin u o con v en cid a de que a c o n c ep çã o lacaniana da h om osse­
xualidade não convém à análise das hom ossexualidades de h o je , uma vez que o
hom ossexual, na m edida em que encarnaria a raça m aldita do perverso sublim e,
está em vias de d esaparecim ento. O s hom ossexuais con tem p orân eos não podem
mais ser classificados globalm en te na categ oria de perversos. D a m esm a forma,
a hom ossexualidade neurotizada de h o je não é, enqu anto tal, uma perversão-, nem
uma perversão sexual, nem no sen tid o estrutural. Em contrapartida, o que subsiste
da teoria lacaniana é a ideia, m agistral a meu ver, de que existiria, no amor, em
geral, um co m p on en te, até m esm o uma estrutura de natureza perversa, uma estru­
tura 'hom ossexual sublimada' com um aos hom ossexuais e aos heterossexuais. E se
a tese lacaniana da existên cia necessária de um real irredutível à norm a for exata,
há grande probabilidade de que o personagem do perverso sublim e e m aldito se
m anterá em nossa socied ad e sob novas formas.

Tradução: C o n su elo Pereira Alm eida. R evisão: M arco A n tonio C o u tin h o Jo rg e.


CAPÍTULO 9

A maldição sobre o sexo1


Colette Soler

■ Introdução
reud não hesitou em retom ar a frase atribuída a N ap oleão "a anatom ia, é o

F destino". Lacan, ao con trário, dá testem u n ho de sua inexatidão e lança uma


fórmula que parece m arcar o fim de toda norm a proveniente da natureza.
C o m efeito, a crerm os nela, ser hom em ou mulher, são os sujeitos que escolh em .

■ As aporias do sexo
P erceb e-se co m o seria fácil explorar a distância entre as duas fórmulas, para
transform á-la em sinal indubitável da in con sistên cia da doutrina. R eco n h eça m o
-la, ao con trário, co m o índice das aporias do sexo com que a Psicanálise se viu
confrontada. Aliás, elas saltam aos olhos. O s sujeitos se identificam tão pouco
com sua anatom ia que tendem prin cipalm ente a se deixar perturbar por seu ser
sexuado. O s casos extrem os do delírio transexual ou os jo g o s de eng od o do tra-
vestism o acabam se encon tran d o com o caso mais com um , em que um sujeito se
questiona se é 'verdadeiram ente um hom em ', algumas vezes até o p o n to de se crer
obrigado a dar m ostras disso, en qu anto outro sujeito se preocupa em saber se é
'uma verdadeira m ulher' - nuance da língua - e não en con tra m elh or m eio para se
assegurar disso do que... 'a mascarada'.
H á um sécu lo, a própria teoria p sicanalítica enfrenta o problem a de definir
o que con d icio n a a inscrição sexual, pois con stata com clareza que a anatom ia
decide o estado civil, mas não com anda nem o d esejo nem a pulsão - a simples
existên cia das perversões já deixava essa suspeita há m uito tem po. D a presença-au-
sência do pênis, a que a anatom ia se reduz no início, depende que alguém seja dito
m enino ou m enina e, con seq u en tem en te, endoutrinado. M as é evidente que isso

119
não basta para fazer dele h om em ou mulher. E a frase de Freud, con trariam ente ao
que poderia parecer, não tem nada a ver com qualquer naturalismo. Ela se refere,
antes, ao fato da 'desnaturação' operada pela linguagem , que faz com que a d ife­
rença natural dos sexos só ten ha conseqüências subjetivas ao ser significantizada,
e só ressoe no nível do 'falasser', ao passar pelas sutilezas e armadilhas do discurso.

■ Identificação ou sexuação
P arece-m e que a d ivergência das respostas de Freud e Lacan sobre o que p re­
side a inscrição sexuada poderia ser expressa de form a condensada pela op osição
entre dois term os: id entificação e sexuação. Tal redução con ceitu ai sacrifica ev i­
d en tem ente as nuances e as etapas de suas respectivas elab oraçõ es, mas c re io que
o ferece o eixo central da questão.
D ep ois de d escobrir a perversão polim orfa da criança, Freud inventou seu
Édipo para exp licar co m o do pequ eno perverso advém uma só form a, seja ela de
hom em ou de mulher. A fase edipiana é, en tão, segundo Freud, o que perm ite
corrigir a dispersão polim orfa das pulsões por m eio de identificações un ificad o­
ras, em bora ao p reço de alguns sacrifícios e fracassos. Isso eqüivale a d izer que a
id entificação é o nom e que ele dá ao processo p elo qual o sim bólico garante suas
apreensões do real.
C o m esse com p lexo de Édipo e as diferentes identificações que ele engendra,
Freud dá consistência a determ inado O u tro de discurso. É o O u tro que amarra suas
normas, suas obrigações e seus interditos na identidade anatôm ica. O u tro, assim,
que im poria uma solução padrão para o com plexo de castração, a solução h e te ro s­
sexual, rejeitand o qualquer solução d iferente co m o atípica ou p atológica. O u tro
que, para d izê-lo com Lacan, ao erigir os sem blantes que ordenam as relações entre
os sexos, d iz-lhes o que vocês devem fazer co m o hom em ou com o mulher.
M as, para serm os ju stos com Freud, muitas nuances e definições seriam aqui
necessárias. Prim eiram ente, porque ele nunca op erou apenas com a n o çã o de
identificação, lançand o m ão, em cada caso, do tripé p u lsão-id entificação-esco-
lha de o b je to . Em seguida, porque ele próprio se deu co n ta do fracasso de sua
solução e dos lim ites que ela en con tra na resistência das pulsões recalcadas que
n ão cessam de retornar em form a de sintom a, assim co m o nas inércias do que
ele designou co m o pulsão de m orte. C o n tu d o , a d espeito das nuances, podem os
dizer de form a condensada que, ao forjar o m ito de Édipo, com suas diferentes
m odalidades de d esejo e de g ozo , tornar-se hom em ou m ulher era, para Freud,
uma questão de identificação edipiana.
Aliás, m algrado toda a en tro p ia teó rica que separa S to lle r2 de Freud, a n oção
de 'gênero', tão cara aos anglo-saxões, segue na m esm a d ireção. Esta é p recisa­
m ente a via que Lacan deixou para trás, ao passar para-além do Édipo, depois de
m uitos anos dedicados a reform ular e racionalizar, em term os de linguagem , a
p ro blem ática edipiana de Freud.
O term o 'sexuação', que Lacan propõe e cujas fórmulas lógicas ele dá em "O
aturdito"3, identifica, em última análise, o hom em e a mulher por seu m odo de gozo.
Essas fórmulas, chamadas de fórmulas da sexuação, atualizam e justificam o que co n s­
tatamos diariamente, ou seja, que a regência das normas do O u tro se interrom pe, se
for possível dizê-lo assim, na beira do leito, pois, em se tratando de corpos sexuados,
a ordem que o discurso instaura se mostra inapta para corrigir a desnaturalização do
ser falante, o qual não tem outra suplência a oferecer nessa ocasião, a não ser o sem ­
blante fálico. As fórmulas escrevem a distribuição dos sujeitos de acordo com dois
m odos de se inscrever na função fálica, o que não é diferente da função do gozo.
Esta, enquanto efeito de linguagem, sofre o golpe de uma castração.
A o se afirmar hom em , o sujeito está inteiram ente subm etido à função fálica.
Por conseguinte, a castração é sua herança, assim co m o o g o z o fálico , ao qual ele
tem acesso por m eio do da fantasia. E mulher, ao con trário, O u tra, quem está não
todo subm etido ao regim e do g ozo fálico e a quem advém um g o z o O u tro , suple­
mentar, sem sustentação em nenhum o b je to ou sem blante.
Essa d istribuição, co m o se pode perceber, é binária co m o a sex ratio, a qual,
não se sabe por que razão e até nova ordem , reparte - de form a mais ou m enos
igual na esp écie - os m achos e as fêm eas. N o entanto , longe de ser um sim ples
efeito da divisão natural, o caráter bin ário do sexo, segundo Lacan, depende de
uma necessidade to talm en te d iferente, lóg ica, suspensa apenas às pressões da sig-
nificância. C u riosam ente, ela reduz a facticidad e do sexo à esco lh a entre o todo
e o não todo fálico.
A tese faz em ergir uma estranha h om olog ia entre duas alternativas h e te ro g ê ­
neas, m acho -fêm ea e hom em -m ulher, e todas as duas podem ser ditas reais: uma
- a do ser vivo sexuado - , porque depende da natureza e das regularidades que ela
faz surgir,- a outra — a do falasser - porque ela p roced e das d eterm inações lógicas
da linguagem que, não cessand o de se escrever, valem p elo real no sim bólico.

A maldição
"São eles que escolh em " não co n v o ca , assim, nenhum livre arbítrio, mas quer
dizer, em prim eiro lugar, que as duas alternativas não são isom orfas e que, no
h iato entre elas, deslizam todas as discórdias atestadas pela clín ica entre o sexo
do estado civil e o sexo... eróg eno. V erifica-se, nesse ponto, que a anatom ia não
faz o d estino de Eros, em bora, para cada 'falasser', ela represente um golpe a priori:
em outras palavras, há hom ens e m ulheres, no sentid o do estado civil, que não são
hom ens e m ulheres, no sentid o do ser sexuado — então, há escolh a.
Todavia, sob o prisma da experiência mais com um , o term o 'escolha' perm anece
paradoxal e confirm a a existência de uma forte pressão, seja porque os sujeitos se
reconhecem tão bem em suas aspirações sexuadas que as supõem vindas da natureza,
ou, ao contrário, porque se encontram tão lim itados que as vivenciam com o sintoma

121
e no sofrim ento. N os dois casos, se há escolha, trata-se, justam ente, de uma escolha
forçada, escolha entre o todo e o não todo fálico, cu jo preço é pago por aquele que
se designa com o sujeito, o que é realm ente bem diferente de ter sido o agente.
A u torizarem -se de si m esm os co m o seres sexuados, conform e a expressão de
Lacan no Sem inário "O s n ã o -to lo s erram ", os sujeitos são obrigados a fazê-lo...
p elo erro do in con scien te que fala. M aldição! Provoca in-felicidad e4, pois o in ­
co n scie n te não sabe d izer o sexo e, desde que o sabem os estruturado co m o uma
linguagem , nem sem pre nós nos apercebem os de que "de tanto falar, não é grande
coisa o que é dito por ele"5, nada além do U m fálico, com suas aderências narcísi-
cas, e nada "do que dela [da ilhota falo] se trincha" (a frase com p leta aqui é: "em
suma, flutua-se em to rn o da ilhota falo, na medida em que nela se busca trincheira
do que dela se trincha"6, ou seja, nada do O u tro co m o tal e que ex-siste ainda mais.
A partir daí se conclu i que o in co n scien te é... hom ossexual: eis a m aldição que fo-
raclui o O u tro do sexo7. O "não há relação sexual", com que Lacan form ula o dizer
im plícito de Freud, significa que, na própria relação sexual, e a despeito do am or
e do d esejo, o gozo , enqu anto fálico, não dá acesso a nenhum g ozo do O u tro.

■ A perversão generalizada ou... o Outro


P erceb e-se logo outra disjunção entre a escolh a de g ozo e a escolh a do o b jeto .
Se tom arm os co m o exem plo dois nom es da literatura, G ide e M ontherlant, eles
servem para ilustrá-la, eles que, em bora não chegassem perto das mulheres, nem
por isso eram m enos hom ens, inteiram ente voltados ao g ozo do órgão e a nenhum
outro. Aliás, de form a mais geral, tam pouco poderíam os d esco n h ecer que, uma
vez ultrapassados os limites de suas respectivas m ascaradas, nem todos os gays
são... 'loucas' e nem as filhas de Lesbos são sem pre são viragos. Isso quer dizer que
estam os bem longe do padrão edipiano da heterossexualidade, o qual levava a crer
que o hom em e a mulher, salvo nos casos de desvio, eram feitos um para o outro,
sim plesm ente porque seus dois significantes, hom em e mulher, copulavam no lugar
do O u tro, com o o rei e a rainha no co n to de Edgar Poe.
C o m o na ausência da rela çã o , o acesso ao p a rceiro , para o hom em , passa
apenas pela fantasia, e n tã o se pode d izer que e le está casad o com o o b je to de
sua fantasia, co m o qual, de to d o m o d o , ele en g an a o seu ou a sua p arceira. O
real 'm ente' ao p arceiro de cad a um, afirma L acan em Televisão, pois o o b je to
e sco n d id o , causa secreta de seu g o z o , vem substituir o O u tro . V ê-se, assim,
que a perversão g en eralizad a tem co m o c o n se q ü ê n cia m aior a rela tiv iz a çã o do
p arceiro. N ão há dúvida de que o in c o n sc ie n te im p õe a norm a m asculina, que é
a norm a fálica,- Freud já o havia p erceb id o , mas ela não im plica nenhum a norm a
do p arceiro , a não ser a do m a is-d e-g o z a r p róp rio a cad a um - pensando bem ,
o v erd ad eiro p arceiro da re p e tiçã o . É ev id en te que esse p arceiro ta n to pode se
a lo jar em uma m u lher (h eterossexu alid ad e), c o m o em um hom em (h o m o sse ­
xualidade) ou até m esm o em D eu s, para alguns m ístico s. É o caso de A ngelus

122
Silesiu s, o qual, a crerm o s em L acan, p articip a da perversão que acab am os de
evocar, pois in terp õ e o o lh a r en tre ele e seu D eus. Q u a n to à m ulher, na m edida
em que está não to d a v o ltad a para o g o z o fá lico e não to d a causada p elo o b je to
da fantasia, ela acab a ten d o acesso ao g o z o O u tro por in term éd io de diversos
parceiros: outra m ulher, para-além do h om em na relação sexual, assim co m o
D eu s, se for uma m ística.
N ão há, portanto, nenhum a con trad ição em que os hom ens, tanto os h e te ro s­
sexuais quanto os hom ossexuais, ou os m ísticos, quando existem , e até m esm o as
mulheres histéricas, inteiram ente ocupadas com o o b je to do outro m asculino, lo ­
calizem -se no lado hom em , no todo fálico, do m esm o m odo que, no lado mulher,
localizam -se as m ulheres heterossexuais ou hom ossexuais, mas tam bém outros m ís­
ticos, hom ens ou m ulheres, com o Santa Teresa, H ad ew idjch d Anvers ou São Jo ã o
da C ruz, e ainda sujeitos p sicóticos dos dois sexos. O s parceiros variam aqui sem
im plicar a inscrição sexuada do sujeito e trazem co m o con seq ü ên cia que, em cada
caso, o verdadeiro parceiro a-sexual perm aneça velado e à espera da interpretação.
O hiato que separa um do outro, a pulsão e o amor, com seus respectivos o b je ­
tos, Freud o recon h eceu no fundam ento de todas as d epreciações da vida amorosa,
form ulando-o inicialm ente em term os de desenvolvim ento, de passagem entre o
g ozo autoerótico do corp o próprio e o investim ento do o b je to . É certo que isso cria
as m aiores dificuldades no espaço da relação com o sexo, mas, para-além, ele ques­
tiona o próprio laço social, particularm ente o amor, pois se trata de saber com o a
pulsão, que nunca renuncia, pode aceitar a convivência regrada com os sem elhantes.
O Seminário, livro 20: mais, ainda8 retorna sobre essa mesma disjunção, quando
propõe, no fim da primeira parte do prim eiro capítulo, que o "Gozo do Outro, do
Outro com A maiúsculo, do corpo do Outro cjue o simboliza, não ésigno do amor". Falta, assim,
a im plicação que diria: 'Eu o amo, log o g o z o dele'. D esde então, a fórmula abre
realm ente uma dupla questão: saber de onde vem o que responde pelo g ozo na
relação sexual e a verdadeira natureza do amor.

■ 0 amor “hommosexuer (homemsexual)


O amor, Lacan volta a falar dele tan to no in ício quanto no fim do sem inário,
para lem brar in icialm ente que, no p rin cíp io, o am or se dirige à im agem especular,
recon h ecid a desde longa data, e, em seguida, acrescentar, que ele vem do in co n s­
cien te, e que sua m ola está na ap ercep ção do enigm a de que o sujeito, porque fala,
é feito sujeito do in co n scien te.
"O aturdito''9, em uma página d ifícil, já havia proposto que lá ond e o dois do
sexo, o qual correspond eria a uma segunda falta, inacessível, é o sem elhante, a
im agem do estádio do esp elho, que "se em blem a" ou "se sem eia", furtando a libido
e se sem entand o - pois é esse o sen tid o dos dois verbos 'em blem ar-se' e 'semear-
se'. E ngrandecida, a im agem o é, a títu lo de substituto, ou digam os, de suplência
imaginária do O u tro inacessível, o que seria preciso escrever: — . Seguind o no fio
A
dos m esm os equ ívocos, eu m e perm itiria evocar aqui a terra sem eada (no original:
emblavure, term o que, no sécu lo X V III, significava 'terra sem eada de trig o ou outro
cereal' e que equivoca com bavure, 'borrão, erro' e com d'emble'e, 'de um só golpe'. A
tradução faz desaparecer o equ ív oco da língua francesa), pois o term o, p ro p osita­
dam ente n e o ló g ico , dá a en ten d er que, nesse vo o da libido pela im agem g enérica
da esp écie, um a... m ancha da estrutura, precisam ente a que faz o am or “h o m m o ­
sexuel", com dois 'm' co m o Lacan o escreve (a palavra hom m osexuel é com p osta
de hom m e (hom em ) e sexual). - sem trair Freud que já sabia disso. Lacan destaca
aqui a questão do "am or pelo m esm o" (hom o) no sen tid o do homo (em latim ), que
significa hom em (g en érico e não o g ên ero m asculino). É que, ao am ar dem ais o
h áb ito que é a im agem , o am or fica "ex -sex o "10.
Ele não fica m enos de fora quando perm ite, na ausência da relação sexual e
ao sabor das co n tin g ên cias do e n co n tro , uma relação de sujeito a sujeito, pois é
essa a nova definição do am or proposta no fim de O Seminário, livro 2 0 n . Q uem
quisesse ter certeza de que isso existe deveria ter assistido no dia dos nam orados
deste ano, um program a sobre o am or à prim eira vista, que passou no canal Arte
da televisão francesa. Escutaria uma série de testem unhos que se estend e dos
casais hom em -m ulher, sem nenhum a história além do am or à prim eira vista, até
o testem unho de duas m ulheres am ericanas, hom ossexuais, negras e obesas, que
se casaram recen tem en te. O m o m en to ápice d o program a foi a vécita do am or à
vida nascido no lim ite da m orte, no umbral da saída de um cam po de exterm ín io
nazista. A m ensagem era sem pre a mesma: mais além das circunstâncias, com o
diziam , e lutando con tra o enigm a da falta de sen tid o, surgira instantaneam ente a
certeza de um re co n h ecim en to mútuo.
Lacan rem ete esse reco n h e cim e n to à p ercep ção op aca do m odo com o cada um
é afetado por seu destino de solidão. M ais uma vez, trata-se do am or entre dois
iguais, ele não vai de um ao O u tro . N ão é a igualdade da im agem que está em jo g o
aqui, nem m esm o a do fado com um que o in co n scien te que fala reserva para cada
um, mas outra, mais obscura, que tem a ver com a form a com o cada um responde
a esse fado e suporta seu d estino de ser falante. Ela parte, en tão, de uma op ção que
deve ser dita ética, tão singular quanto original, e que o discurso analítico subm ete
ao im perativo do bem -dizer: b em dizer aquilo que, origin and o-se na fantasia e/ou
no sintom a, faz suplência à foraclusão do sexo.
P od em os indagar co m o essas con clu sõ es com binam ou não com o espírito de
nosso tem po. C o m efeito , pela ordenação que instaura en tre os sexos, pela "dis­
posição" (en tre aspas no original: "l assiette des préjucjes", d isposição ou predisposição
aos p reco n ceito s, estado de espírito p reco n ceitu o so ) aos p recon ceitos que ele
prom ove, pelas ofertas de g o z o que faz a seus sujeitos, o próprio discurso tenta
aprisionar o impasse sexual e a falta desse O u tro , que não existe. Sem dúvida, ele

124
para na borda do leito, ali onde co m eça a investigação de Lacan no O Seminário:
mais, aind a12, mas não sem circun screver as bordas desse furo, em que acam pam
seus sem blantes, suas norm as e suas regras. C ada sujeito en con tra nelas uma
forma de tratam en to prelim inar da carên cia sexual efetuada pela civilização. O
in con scien te não é to d o individual. E m bora não h aja en unciação coletiv a, ele está
prenhe do discurso que rege uma com unidade. A nossa prom oveu, com os direitos
do hom em , os valores de igualdade en tre os sexos, que co in cid em - será casual? -
com os agenciam entos sem pre mais unissex dos estilos de vida que direcionam o
m ercado dos novos o b je to s para o g ozo , e para todos. N ão podem os d esco n h ecer
que as condutas am orosas se en contram profundam ente mudadas.

■ Novos modos
O s últim os d ecênios registraram , de fato, uma m udança inesperada nos co stu ­
mes. A legislação a inclui cada vez mais, legalizand o práticas sexuais que seriam
inadm issíveis há apenas 5 0 anos. Claudel nem poderia se im aginar tolerante, ao
tão som ente m en cion ar que havia casas para isso! D e ix o de lado a questão de
saber o que co n d icio n a o liberalism o em nossa civilização, liberalism o que, aliás,
não é total, pois não cessa de suscitar reações contrárias. Todavia, é um fato e,
creio eu, irreversível. Ele não se restringe a dar direito de cidadania à velha h o ­
m ossexualidade - em bora o curto século que separa as prisões de O sca r W ild e de
nossos casam entos en tre hom ossexuais perm ita calcular o ritm o acelerad o - , pois
não discrim ina mais nenhum a prática, desde que a fantasia a invente e se en con tre
um parceiro.
As diferentes cenas sexuais que Freud se em penhou tanto em d escobrir no
núcleo do in co n scien te se exibem atualm ente diante dos olh os de todos, crianças
e adultos, e os "Três ensaios sobre a sexualidade”13, que escandalizavam tanto
em 1905, h o je em dia pecam por banalidade, enquanto as teorias supostam ente
perversas da criança, que inventa uma resposta para o m istério da união carnal de
seus pais, são q uotid ianam ente ilustradas em nossas telas, e toda a panóplia das
mais diversas fantasias é exposta sem qualquer censura. Tudo se passa com o se o
século tivesse aprendido a lição da perversão m asculina generalizada que evoquei
acim a. S ab e-se doravante, e a P sicanálise não é isenta de responsabilidade nisso,
que cada um goza com seu in co n scien te e suas fantasias. E isso ainda não é tudo,
pois gostaríam os de dar co n ta do g ozo , em palavras e na prática (que se veja, por
exem plo, a sexologia e todos os esforço s para falar dele e fazê-lo falar!). D orav an ­
te, já tive ocasião de d izê-lo, o g o z o sexual é reivindicado co m o um direito. Esse
novo cinism o se expande ainda no fato de que os paradigm as do amor, elaborados
cm outros tem pos, não se sustentam mais. N em a philia grega, nem o m odelo c o r­
tês, nem o am or divino dos m ísticos, nem a paixão clássica, nenhum deles captura
mais nossos gozos e nos deixa apenas os am ores sem m odelos, construíd os com o
o sintom a, e norteados som en te, em suas co n ju g açõ es aleatórias, pelas co n tin g ê n ­
cias dos en co n tro s e pelo automaton do in con scien te.

■ A ética do celibatário
H á, então, uma questão: serão equivalentes as diferentes soluções sintom áticas
por m eio das quais os sujeitos resolvem a ausência de relação entre os sexos? É,
sem dúvida, uma questão d elicada, porém inevitável, pois qualquer form a clínica,
advinda da neurose, da psicose, da perversão13 ou, de form a mais genérica, da
clín ica do amor, supõe, em cada caso, a op ção ética do sujeito. Aliás, o term o
'defesa', que co m p õ e a n o çã o freudiana de psiconeurose de defesa, já im plicava
que "não há clín ica sem é tic a "14. A perversão generalizada não poderia escapar
disso, pois ela tam bém propicia d iferentes escolh as éticas, que o discurso an alítico
procura esclarecer.
O ra, creio que estam os assistindo ao crescim en to do que Lacan designou, de
form a curiosa, co m o a "ética do celibatário". A am izade grega, antiga philia, ilustrou
essa ética no passado. M ais próxim o a nós, H en ry de M o n th erlan t a encarnou; e
Em m anuel K ant a transform ou em sistem a com sua "razão prática". A o pretender
d eterm inar uma vontade que excluísse todos os m otivos e todos os o b je to s da sen ­
sibilidade ditos p atológicos, o que o im perativo ca teg ó rico da lei moral proscreve,
em seu extrem ism o, é evidentem ente... a mulher. Trata-se de mais uma ética 'fora-
do-sexo', em que há cu rto-circu ito do O u tro em b en e fício do mesm o.
P erceb e-se que, nessa op ção, o sujeito "busca entrincheirar-se"15 con tra a alteri-
dade, para se escond er no refúgio do U m fálico. É uma estratégia de erradicação do
O u tro, erradicação em ato, que redobra sua foraclusão estrutural e que, aliás, não é
forçosam ente incom patível com certa fascinação pelo g ozo suplem entar da mulher.

■ Assinantes do inconsciente homossexual


Incluam os na contabilidade dessa ética do celibatário não apenas a hom ossexua­
lidade do tipo M ontherlant (pois há outras), mas todos aqueles que, por outras vias,
acabam evitando a proximidade do O utro, todos aqueles que eu poderia cham ar de
abstinentes ou grevistas do O utro, entre os quais todos os masturbadores decididos,
mas tam bém os sexless que m encionei acima, e, até m esm o, mais paradoxalm ente,
determ inadas mulheres histéricas. Todos esses que cham o de assinantes do incon s­
ciente hom ossexual, para fazer eco ao não assinante do inconsciente que é Jo y c e , e
para ressaltar que o inconsciente hom ossexual não cond ena o sujeito a sê-lo, hom os­
sexual, em bora lhe im ponha justificar a própria heterossexualidade.
S o b esse prisma, p ercebe-se, de to d o m odo, que a hom ossexualidade fem inina
é uma op ção com p letam en te d iferente: sua é tica co n c e d e lugar ao O u tro, in clu ­
sive sem elim inar um laço secreto com o hom em . P or isso Lacan pôde sustentar,
em 1 9 5 8 , contrariam en te a Freud, que o Eros dessa hom ossexualidade, tal com o

126
ilustrado pelas P reciosas, trabalha co n tra a entropia social, veiculand o inform a­
ção. Em 1 9 7 3 16, sustentou que é heterossexual tod o aquele que ama as m ulheres,
independente de ser hom em ou mulher, pois, se não há relação en tre os sexos, há,
contud o, o am or sexuado, verdadeiram ente possível.
Cham o de etica h etero’ (não digo heterossexual) aquela, entre outras, que instala
o O u tro do sexo no lugar do sintoma. Ela não deve ser confundida com uma prom o­
ção dos valores do casal, que nada tem a ver com a ética, mas constitui outra resposta
à impossibilidade da relação, uma resposta que mantém o interesse pelo O utro.
Além disso, graças às virtudes de Eros, ela o faz existir, em bora não traga nenhum
benefício para a relação sexual, pois o encontro faltoso perm anece irredutível. N o
mesmo m ovim ento, o sedutor 'm acho', a besta negra de toda ideologia igualitária, até
recuperaria alguns m éritos, uma vez que, em sua arrogância de conquistador, estima
justam ente o que ele pretende rebaixar com seu desprezo: o o b je to fem inino.
S o b esse prisma, não podem os deixar de interrogar as pressões exercidas pelo
discurso co n tem p orân eo. N esse fim do sécu lo X X , no que tange à regulação das
relações entre os sexos, parece que o c o n ju n to de nossos discursos está em cu m ­
plicidade p atente co m a ética do celibatário,- gostaria de d izer por quais vias. S ão
diversas, creio , mas uma delas passa pelos direitos do hom em .

■ Não há contrato sexual


Evoquei o liberalism o dos costum es. Ele traz con sig o, inevitavelm ente, a
questão dos lim ites. O ra, não tem os outro lim ite a op or aos eventuais excessos
da pulsão, a não ser os direitos do hom em , com sua exig ên cia de igualdade e de
respeito. N o que tange à sexualidade, eu poderia form ular sua m áxim a antissadia-
na da seguinte m aneira: ninguém tem d ireito de dispor do co rp o do outro sem
um acord o mútuo. O paradoxo seria lo g o p ercebid o , pois, quaisquer que sejam
os pactos do amor, não há relação ... contratu al possível com o O utro! H ouve
culturas em que o rapto era elevado ao rito e em que os acordos mútuos reais
que presidiam os casam entos, que, aliás, im plicavam um núm ero bem m aior de
pessoas do que apenas o casal, eram disfarçados pela violên cia ritualizada de um
seqüestro fictício da noiva, sim bolizando a parte não contratual da relação sexual
entre o hom em e a mulher. Em nossa cultura se vai ao tribunal para denunciar
co m o abuso toda iniciativa sexual que dispensa o co n sen tim en to m útuo... e exp lí­
cito! D a í os novos processos por assédio sexual, ou m elhor, por abuso na ocasião
de um e n co n tro (Jate rape). D orav an te, então, o respeito devido a to d o sujeito se
estend e ao esp aço mais íntimo,- os d ireitos do hom em se esforçam por subm eter à
ideologia contratual a perversão generalizada, id eologia que tam bém o é, h o je em
dia, generalizada. Sem dúvida, é m elh or assim, pois seria exo rb itan te incrim inar a
barreira tão frágil dos direitos do hom em .
E n tão está claro que, sob a ó tic a da e xp eriên cia an alítica, essa louvável
in te n çã o de ju stiça nos faz esq u ecer um p o u co rápido que os co n se n tim e n to s

127
ou as recusas do eu d esm entem co m frequência os do in co n scien te, e que essa
divisão se m anifesta em seu áp ice, p recisam en te no esp aço da rela çã o com o
sexo. Im possível ig norar que ta n to as esco lh as do amor, quanto as respostas do
g o z o , surpreendam fre q u en tem en te as aspirações do eu e que, por isso, é ju sto
tem er que uma leg islação que p reten d e assujeitar o p arceiro às norm as do eu
acab e dando poderes desm ed id os ao Sem -F é da intriga h istérica. O s direitos do
h om em se esfo rçam para se esten d erem aos d ireitos da m ulher, o que só p o d e ­
m os aplaudir, mas não inclu irão jam ais os direitos do O u tro! U m a m ulher, na
m edida em que é um su jeito , assujeitada, p o rtan to , co m o qualquer ou tro su jeito,
aos acord o s da co n v iv ên cia, seria b a sta n te incap az de n eg o ciar com o O u tro que
ela é inclusive para si.

■ Foraclusão redobrada
U m a pergunta se im põe: o que sucede ao O u tro na era do con trato ? Será
que ele não fica entregue às m oscas, ele que, por definição, é an tin ôm ico a toda
legislação?
O O u tro , ao qual m e refiro aqui, não é, evidentem en te, o O u tro da linguagem ,
esse que não existe, mas o O u tro vivo que, inversam ente, ex-siste à linguagem .
E fato que os dois fazem parceria, pois o prim eiro, aquele com que se quereria
jugular o real para ordenar a con v iv ên cia dos g ozo s, faz surgir com o O u tro tudo
que escapa às suas capturas. É esse o em prego que Lacan faz do term o, quando
ele fala da m ulher com o O u tro absoluto, eu poderia d izer O u tro real, enquanto
excluíd o do discurso. D e m odo mais geral, esse O u tro adquire existên cia cada
vez que surgem configu rações de g o z o que excedam os lim ites fálicos, que ultra­
passem as norm as reguladoras de um discurso, cada vez, portanto, que a pulsão
se im põe para-além dos lim ites fixados pelo princípio de prazer. N esse sentido,
despatolsgização

não é apenas o sexo que é O u tro , poderíam os até d izer que cada um é O u tro , na
m edida do que lhe retorna de g o z o foracluído do g o z o fálico, "O u tro co m o todo
m undo", dizia Lacan em 1980.
sua

As epifanias do O u tro tam bém são variadas: elas surgem entre as culturas (ra­
de

cism o) e igualm ente no seio de uma m esm a cultura co m o sintom a dos fracassos de
historia

um discurso em unificar os g ozo s, pois é na m edida do im perialism o do U m que


o O u tro se eje ta co m o rebo talh o.
na
nuinussexuanaaoesnarsicananse

P arece-m e que, h o je em dia, os valores de igualdade, ainda por cim a c o m b in a ­


dos co m a h o m o g en eiz a çã o cre scen te dos estilos de vida para os dois sexos, tra ­
balham tan to para reduzir a dim ensão/dita-m ansão da h eterog en eid ad e, quanto
para d esco n h ecê-la. Aliás, as próprias m ulheres participam desse p ro cesso, pois
h o je elas são mais d efensoras fervorosas da id eolog ia contratu al e igualitária do
que m ísticas! C o m o se não bastasse rivalizar com os h om ens no nível das rea li­
zaçõ es fálicas - e não mais duvidamos de que elas não apresen tam nenhum a d es­
r

128
vantagem em relação a isso, pois a anatom ia não é o d estino - , foram as m ulheres
que introduziram a id eolog ia contratu al na própria sexualidade, co m o m ostram
os processos que evoquei an teriorm ente, os quais, eventualm en te, levam as coisas
às raias do absurdo. P or isso se pode pensar que, ao cultivar exagerad am en te o
M esm o, program am -se as más surpresas que o O u tro pode reservar, basta um
passo!
N esse co n te x to , que op ção representa o discurso psicanalítico? E le, que p erm i­
tiu elaborar o in co n scien te co m o um saber, não pode ignorar que o in con scien te
nada sabe do O u tro , pois ele c o n h e c e apenas o U m , - os uns que se repetem
ou o U m -d iz e r17 da enunciação. E isso a tal p on to que poderíam os dizer que o
sujeito do in co n scien te não passa de um celibatário . M as a Psicanálise não é o
in con scien te e seu processo, pois, ao ten tar explorar o O u tro da lingu agem 18 em
sua in consistência, faz "em p u xo-ao-O u tro" (no segundo sentido: o O u tro real),
se posso em pregar essa expressão em analogia ao em puxo-à-m ulher. Em última
instância, o próprio psicanalista p roced e da lóg ica do n ão-tod o, cu ja estrutura
não é a do co n ju n to , mas a da série, a série fálica em que o O u tro só aparece nas
bordas, à m argem , a m enos que esteja c o b e rto p elo o b je to en qu anto sem blante.
A Psicanálise, assim, precisa co n h e c e r esse O u tro: ele é um nom e do real, um real
com o qual ela tem a ver, que lhe é próprio, êxtim o, im possível de escrever, um
real que não é desencarnad o, mas anim ado por uma palpitação de g ozo.

■ A ética da diferença
C o n clu o que a Psicanálise, ao co n trário do discurso d om inante, exclui toda
cum plicidade com a crescen te ética do celib atário em suas d iferentes o c o rrê n ­
cias. Lacan só pôde situar o d esejo do psicanalista com o "um d esejo da diferença
absoluta"19 porque a análise faz passar ao b em -d izer a singularidade do m odo de
g ozo que, para cada sujeito, faz suplência à h iância sexual. Em outras palavras,
tom ando o term o em sua definição mais ampla, a diferença de seu sintom a. Pois
o in co n scien te co n d icio n a todos os sintom as, dos mais autistas aos que fazem
mais enlaces, quer eles presidam à volúpia solitária ou ao casal, quer procedam da
psicose ou da perversão generalizada, mas uma ética da diferença não pode ser
sim pática à ética do m esm o que preside aos sintom as segregacionistas do O utro.
A re je içã o do O u tro , Lacan a e n co n tro u n o seio da própria Psicanálise, estig-
m atizand o-a co m o "escândalo do discurso an alítico "20 evoq u ei-o alhures21. Ela é
imputável ao próprio Freud que, do h om em à mulher, usou o m esm o medidor.
R econ h eçam os nessa elisão uma esp écie de p ro teção co n tra o real, uma vontade
de não saber nada disso, que não pode ser sem efeito e que perm ite antecipar o
risco de um retorn o do real co m o resultado do m ecanism o foraclusivo. Aliás, é
possível que, a partir daí, o suicídio de M o n th erla n d passe a ter algum sentido.

129
Todavia, ninguém pode abonar-se ao O u tro, pois não há nenhum núm ero de
cham ada no catálo g o do in co n scien te. Levanta-se a questão de saber o que a he-
te ro -ética pode fazer desse O u tro co m o qual não há relação, talvez nem m esm o
qualquer ligação. O m áxim o que ela poderá fazer será enod á-lo ao in co n scien te, o
que significa tam bém en od á-lo à ordem fálica. Esse enod am ento é um dos nom es
do amor: desse que faz com que uma m ulher seja um sintom a para um hom em ,
realizando assim o m odelo da perversão/versão do pai (no original: père-version),
escrita, dessa vez, com duas palavras, co m o Lacan o faz, para evocar o exem plo
da função sintom a de um pai. T alvez não haja m elh or uso desse O u tro: d eixá-lo
existir, en laçan d o -o ao U m .
Será, en tão, preciso prever o futuro e d izer que, quanto m enos uma civ iliz a ­
ção consegu ir sustentar o nó do U m e do O u tro real, mais ela terá de suportar a
p roliferação de oco rrên cias do real, de um real desligado da ordem fálica, e que,
sem dúvida, ela terá de d esco brir que, em m atéria de O u tro, a m ulher não era
certam en te o pior?

Tradução: Vera Pollo. R evisão: A n ton io Q u in et


CAPÍTUL010

A escolha do sexo com Freud e Lacan


Antonio Quinet

■ Introdução

D
izer que um hom em ou uma m ulher 'escolheu' ser hom ossexual pode p a­
recer um absurdo, ainda mais no caso em que tudo o que ele/ela preferiria
na vida seria ser heterossexual, ou quando luta con tra seus desejos, ou se
recrim ina por eles e até tenta se m atar para não ter que viver sua pulsão, a qual lhe
exige constan te satisfação. O au top recon ceito, a autocrítica e a autocon denação -
reforçados pelo p reco n ceito , crítica e co n d en ação da família e da sociedade - , tão
freqüentes entre os hom ossexuais, m ostram que o indivíduo não fez essa escolha
con scien tem en te, mas que essa orien tação sexual se impôs a ele. E, muitas vezes,
é necessário p ercorrer um longo cam inho até sua aceitação e a co n ciliação com
sua sexualidade, perm itindo, enfim, que o sujeito consinta em vivê-la. Eis o que
depreendem os na análise e na vida cotid ian a de tantos g ays e lésbicas.
N o entanto, falar de esco lh a subjetiva em relação à sua form a de g ozar é uma
postura ética, que tira o sujeito dito hom ossexual do lugar de vítim a: de sua g e n é ­
tica ou de seu d estino ou do d esejo de seus pais, o O u tro parental. Falar de e sc o ­
lha sexual im plica fazer o sujeito responsável por seu g ozo. O su jeito do desejo
é o sujeito do d ireito à sua form a de gozar. Esse g ozo não precisa ser m otivo de
orgulho e nem de vergonha e tam p ou co é para ser esfregado na cara de alguém.
É uma variante da vida sexual: a sua. C o m o diz Freud, não é nenhum a vantagem
nem desvantagem . N ão se trata de um g a y prouà. Esse g ozo , co m o toda a form a de
g ozo sexual, é in co m p leto e m arcado pela castração.
A Psicanálise lida com o sujeito responsável. A prim eira retificação subjetiva,
portanto, a ser feita para com to d o su jeito h é te ro ou hom ossexual é im plicá-lo em
sua form a de g ozo e fazê-lo responsável por sua sexualidade.

131
A P sicanálise nos dá as diretrizes que norteiam a esco lh a do sexo no ser hum a­
no que, por ter co m o habitat a linguagem , tem sua sexualidade desnaturalizada por
estrutura. A sexualidade do falante não tem o b je tiv o algum, a não ser o m a l-e n ­
tend id o que em erge em seu lugar co m o efeito da entrada na linguagem . Lá onde
estaria uma prom essa de e n co n tro sexual advém a falta que retroage m utilando
o ser do sexo com plem entar. A m utilação sangrenta do sexo, que Freud cham ou
nada m enos do que de "castração", respinga em todos os m om entos da história
do su jeito, desde a infância até a velh ice. E m ancha de púrpura seus en con tros
e ró tico s que são assim tingid os pela transitoriedade e pela insegurança de quem
nada tem de certeiro . A única certez a é a am putação originária do outro, que faz
da vida um cam inhar trág ico en tre duas m ortes: a m ortificação prom ovida pela
linguagem e a m orte co m o fim da linha. Esse cam inhar tem um nome-, d esejo.
N esse cam in h o, alguns outros, nossos sem elhantes - os escolh id os - cruzam e
partilham nossa andança co m o nossos parceiros de Eros.
A única escolh a forçada da qual estam os seguros para se entrar na sexualidade
é a dupla escolh a, tanto da perda do o b je to prim ordial de satisfação quanto da
castração , que possibilita inscrever-se na partilha dos sexos.
D e que esco lh a e de que sexo se trata?

■ A escolha - um conceito
O tem a da esco lh a foi introduzido m uito ce d o na Psicanálise por Freud com
a expressão "a esco lh a da neurose" e, mais tarde, com o co n c e ito de "escolh a de
o b je to sexual". S e ja no caso da esco lh a da orien tação subjetiva (o obsessivo um
g o zo em demasia,- o h istérico um g o z o a m enos) quanto no caso da esco lh a do
p arceiro sexual, trata-se de uma esco lh a em relação ao g ozo . Lacan, ao retom ar
esse term o nas op erações de causação do su jeito com o c o n c e ito paradoxal de
'escolha forçada', indica-nos que, para a P sican álise1 (alienação e separação), não
há su jeito sem esco lh a, m esm o sendo esse su jeito subvertido pela atividade do
o b je to 'm ais-d e-gozar. O sujeito esco lh e o O u tro do am or co m o uma esco lh a
forçada, que constitu i sua alienação - m enos pior do que o desam paro da ausência
do O u tro. Trata-se da escolh a do O u tro do sentid o, ou seja, da linguagem , aquele
que dá ao sujeito o 'apoio' do sim bólico. M as, para entrar na sexualidade, ele deve,
em seguida, poder separar-se, pois, entre o su jeito e o O u tro , há o o b je to a, causa
de d esejo , que lhe dará a orien tação subjetiva e sexual em sua singularidade. E esse
o b je to que o sujeito alojará no parceiro sexual de sua escolh a.
A esco lh a do sexo deve ser entendida em seu duplo aspecto: escolh a da p o ­
sição sexuada d entro da partilha dos sexos e esco lh a de o b je to sexual. A religião
e a ciên cia fazem crer que cada indivíduo é uma m eia esfera à procura da esfera-
m etade. Se a religião apela para a reprodução da esp écie com o o b jetiv o do sexo,
a ciên cia apela para a anatom ia co m o destino ta n to da p osição sexuada quanto da
esco lh a de o b je to sexual. Tudo o que sai desse esquem a é anom alia, acrasia, de

132
acordo com A ristóteles em seu livro A ética a N icôm aco7. U m a vez que tudo o que
sai desse esquem a é ju stam en te a própria sexualidade co m o a mais de cem anos,

■ A escolha do sexo com Freud e Lacan


dem onstrou Freud com seus "Três ensaios sobre a sexualidade"3. P osição sexuada e
esco lh a de o b je to são de âm bito to talm en te distinto. Estar na posição fem inina ou
m asculina é uma coisa,- ter um hom em ou uma m ulher co m o o b je to sexual é outra.
Se Freud escreve que a "anatom ia é o destino", no entanto , toda sua obra rejeita
essa asserção co m o uma suposta tese no que diria respeito à p osição sexuada ou
à esco lh a dos parceiros sexuais. Ele nos m ostra, em diversos casos, não só que a
p o sição sexuada não respeita a anatom ia, co m o que esta não define a esco lh a de
o b je to . E o caso da jo v em hom ossexual cu ja posição fem inina não a im pede de
esco lh er sua dama. A esco lh a de o b je to de D ora, a sen hora K, não a retira de sua
posição d esejante em relação ao pai. N o caso do hom em dos lobo s, sua posição
fem inina não o im pede de se fixar num traseiro de m ulher agachada. N os casos
descritos em "Bate-se uma criança"4 a p osição fem inina do hom em não prejulga
uma escolh a de o b je to hom ossexual e vice-versa. E ncontram os tam bém outros
exem plos ao lon go da obra freudiana.
A esco lh a de o b je to em Freud traz a m arca do conflito. Essa esco lh a é efetuada
em dois tem pos. Num prim eiro tem po, o o b je to é sem pre incestu oso, é o o b je to
que se perde - essa perda é uma esco lh a forçada para se entrar na sexualidade.
N um segundo tem po, é a esco lh a do o b je to 'definitivo', que é sem pre substitutivo
e, por isso m esm o, sem pre insatisfatório, pois é m arcado pela nostalgia do pri­
m eiro. Esse 'definitivo' é paradoxal, pois ele entra, segundo Freud, na série infinita
de o b je to s substitutivos. O sujeito não con trai um casam en to co m o o b je to . Aliás
o casam ento, co m o instituição, é o op osto das d escobertas de Freud sobre as
escolh as no sexo. O prim eiro con flito presente na escolh a de o b je to é, assim, o
con flito entre o o b je to atual e o originário, m ítico, fundante. A este som a-se outro
con flito: o o b je to esco lh id o pelo d esejo , que traz a m arca do o b je to perdido, no
caso a mãe, é um o b je to m arcado co m o propriedade de outro, característica que
se m anifesta no ciúm e. M ais do que tem pero, é uma substância do amor, com o
co n d ição da vida erótica, pois, na esco lh a o triângulo am oroso, não é e xceçã o e
sim co n d ição estrutural pois o o b je to está no cam po do O u tro.
N o tex to de Freud "U m ce rto tip o de esco lh a de o b je to no hom em "5, todos
os tipos de esco lh a são vinculados à triangu lação edipiana, ao o b je to proibid o e
ao terceiro lesado. C o m o diz o senso com um "hom em sen te ch eiro de hom em
para d esejar uma mulher". O resultado é o d esejo (sem pre de possessão) e o ciúm e
(m arca da despossessão estrutural do o b je to ). P or outro lado, o co n flito da escolha
pode se repercutir na esco lh a de m ais de um o b je to , pois, uma vez que a série
pode ser infinita, isso não significa que o su jeito tenh a que abandonar um o b je to
para e sco lh er um outro. A série de o b je to s esco lh id os não é fo rçosam ente uma
série de sucessão, pode ser sim ultânea. V id e as "N otas sobre um caso de neurose
obsessiva"6 que, assim co m o seu pai, o H om em dos ratos, não sem con flito, tem

133
dois o b je to s sexuais que não se excluem , mas que se colocam em sua obsessão
co m o esco lh a im possível entre duas m ulheres.

■ Como se escolhe o objeto sexual?


Freud propõe inicialm ente dois tipos de esco lh a no am or e ró tico : narcísica
ou por apoio (an aclítica)7. E a partir, dentre outros, dos hom ossexuais - que "es­
colh em o b je to s am orosos co m o seu próprio eu" - que Freud descreve o tip o de
e sco lh a dita narcísica em op o siçã o ao tip o por apoio. U m a pessoa pode, então,
amar con form e o tipo narcisista (ela ama o que ela é, foi ou será, ou alguém que
faz parte dela) ou con form e o tip o por apoio (a m ulher que alim enta e o hom em
que p ro teg e). M as, apesar de distinguir o 'am or narcísico' do am or o b jeta i c o m ­
pleto', Freud afirma que os seres hum anos não estão divididos nesses dois grupos
pois "am bos os tipos de esco lh a o b jeta i estão abertos a cada indivíduo em bora ele
possa m ostrar preferência por um ou por outro". C om Lacan, é possível d eslocar
essa p roblem ática e pensar que em toda esco lh a am orosa se en con tra o funda­
m ento n arcísico da im agem (i) com seus m ecanism os de identificação e p ro jeçã o ,
próprios do registro im aginário, e tam bém o registro real do o b je to (a) que c o n ­
fere a dim ensão de desejável ao p arceiro. Eis o que podem os ler no m aterna i(a)
que escreve o outro im aginário, o sem elhante, co m o co n ten d o o o b je to causa
do d esejo. Além do mais, co m o o tipo por apoio diz respeito evidentem en te à
situação edipiana (a mãe que alim enta e o pai que p ro teg e), esse registro, que é
do sim b ólico, está tam bém sem pre presente nas relaçõ es am orosas.
Pod em os articular tam bém , de outra m aneira, os registros sim bólico e real
na esco lh a am orosa do parceiro: a d eterm inação do sim bólico e a causalidade
do real. Por um lado, a esco lh a do parceiro de g o z o é dirigida por "elem entos
preferenciais"8 ou seja, traços significantes que vem do O u tro. Esses traços podem
variar, mas eles são em núm eros lim itados e retirados do O u tro co m o lugar do
significante, sendo reen contrad os no parceiro erotizad o. Esses traços sim bólicos
darão os atributos do o b je to sexual: eles são determ inados, inscritos no In co n s­
cien te. São, na verdade, traços do O u tro que podem ser traços do pai, mãe, avó,
avô etc. Trata-se da esco lh a de um "o b je to sim b ólico arbitrariam ente investido
dos m esm os valores afetivos do o b je to inicial, e isso vai lhe perm itir não se ver
privado de relaçõ es o b jetais"9. A esco lh a sim bólica de o b je to é uma forma, por­
tanto, de não perder o o b je to . N a verdade, ninguém quer perder o b je to nenhum .
Essa esco lh a é um com prom isso entre o "que está por se atingir e o que não pode
ser atin g id o "10. A o lado do determ inado do sim b ólico há o indeterminado do real,
que caracteriza o lugar de A Coisa, vazio de significantes, aquilo que escapa a tod o
atributo, qualidade ou ad jetivo do parceiro e que podem os vin cu lá-lo ao o b je to a
que está no fundam ento do bom e n co n tro casual, a tycbé.
Assim, o parceiro de um hom em ou a parceira de uma m ulher serão tam bém
'escolhid os' em função dos atributos dos outros que fizeram parte de sua história

134
libidinal e que se en con tra' de repente no parceiro, que é assim e sco lh id o para
alojar o o b je to a que desperta no sujeito o d esejo e assim o encanta, o seduz e o

■ A escolha do sexo com Freud e Lacan


faz d izer 'ele tem um a Coisa inexplicável que me atrai!'. Assim, a esco lh a acidental
do parceiro - que se dá com o que 'por acaso' - é determ inada p elo automaton de
rep etição significante e p elo real d'A C o isa, que vem , pela ty ch é , se incrustar em
seu âm ago. É esse o b je to p recioso que A lcebíad es 'encontrou' em S ó cra tes, em O
banquete, de P latão, e que fez Lacan fazer de um e n co n tro hom ossexual o paradig­
ma do d esejo e da transferência a n a lític a ".
Q u an to à presen ça do Édipo na d eterm inação da esco lh a de o b je to descrita
por Freud, Lacan o rein terpreta a partir do falo co m o uma esco lh a en tre não ser o
falo ou não ter o fa lo . Lacan introduz aqui não exatam ente a esco lh a de um o b je to
sexual, mas a esco lh a da posição de ser ou ter um o b je to . Q u and o a esco lh a é
rem etida ao ser, trata-se de ser o quê? S er o o b je to que falta ao O u tro , que pode
tam par o furo do O u tro , com p letan d o-o e em relação ao qual o sujeito lança a
questão: pode ele me perder?

■ A escolha da posição sexuada: homem ou mulher


O que significa p erten cer a um sexo? O que é ser hom em ? O que é ser mulher?
N ão há resposta unívoca, nem tam p ouco uma resposta que traga uma segurança
absoluta e garantida para sem pre.
A anatom ia responde com os caracteres secundários do corp o, a fisiologia,
as gônadas sexuais e os h orm ônios. A socied ad e responde com o estado civil, os
registros e uma série de regras de cond u ta, além de m odos de se vestir, m odos de
se portar, m odos de desejar, m odas de to d o o tip o. Variando de é p o ca e de lugar,
toda socied ad e co n stró i os sem blantes homem e mulher — d itando co m o os hom ens
e m ulheres devem se com p ortar segundo seu gênero, E até m esm o designando
aos hom ens as m ulheres, e às m ulheres os h om ens, com o se fosse uma definição:
'o hom em é aquele que tem uma m ulher' 'a m ulher é aquela que é de um hom em '.
Esses sem blantes sociais são rapidam ente derrubados por uma análise por mais
breve que seja.
Freud, ao situar a partilha dos sexos com o pênis com o divisor de águas e dividir
a humanidade entre os que têm e os que não têm, não resolve inteiram ente a ques­
tão. Ele admite a primazia do falo para am bos os sexos: ao hom em a angústia de
castração, à mulher a inveja/desejo do pênis (Penisneiâ). O hom em com o tem or de
perder o que te m ; a mulher à busca do que lhe falta fora de si que reen contra no ór­
gão do parceiro ou em seu b eb ê. Assim, apesar de Freud ter deixado aberta a questão
sobre o desejo fem inino - afinal o que quer a mulher? - e o continente negro da sexualidade
feminina, situa tam bém a mulher, ao lado do hom em , sob a égide do falicismo.
O descom passo en tre o sexo do estado civil, a anatom ia e o sexo erógeno
perm ite que se fale, a partir da P sicanálise com Lacan, de esco lh a. Para-além da
anatom ia, a esco lh a entre o to d o -fá lico e o não todo fálico é uma esco lh a forçada.

135
Pois a esco lh a sexual é tam bém uma esco lh a de g ozo: g ozo fálico e g ozo O u ­
tro. D e acord o com as fórmulas da sexuação de L a ca n 12, o p erten cim en to a um
lado da partilha dos sexos se define de acordo com a modalidade de g ozo . E esse
p erten cim en to - o que se cham a o g ênero - é independente da esco lh a o b jeta i,
no sen tid o freudiano (hom o ou h étero).

A partir de Lacan, com as fórmulas da sexuação, podem os avançar a ideia


de que se e sco lh e a p osição na partilha dos sexos: é dito 'hom em ' aquele que se
en co n tra inteiram ente subm etido à função fálica: (o to d o fálico - V x 4>x ). É dito
'm ulher' aquele que está na função fálica, mas não inteiram ente, pois está tam bém
fora dela, por isso é dito não to d a’ na função fálica (V x <t ,x ). Assim, a partilha dos
sexos pode ser lida com o: o 'todo' e o 'n ão -to d o ' em relação à função fálica. O
'todo' é ligad o ao g ozo fálico, que é o g ozo sexual propriam ente dito,- o não to d o
é o g o zo O u tro, inefável, para-além do falo e, p o rtan to , tam bém da sexualidade,
mas não sem um prazer extrem o.
D o lado m asculino, en con tram os dois elem en tos (vide quadro): % (o sujeito
de d esejo ) e $ ( o falo, com o significante do g o z o ). D o lado fem inino, e n co n tra ­
m os três elem entos: a (o o b je to a ), LA F (La Femme, o lugar barrado de A
mulher que não existe) e o S (A) que é o lugar do inefável, do g ozo O u tro,
fora da linguagem .
C o m o um sujeito do lado do to d o fálico poderia se dizer 'homem'?
O hom em "se assegura que é hom em a partir da apropriação fálica”13. Isso
porque ele tam p ouco tem o falo e sua angústia de castração o leva não a tem er
p erd ê-lo (co m o pênis, o falo im aginário), pois não o tem , mas a arrumar substi­
tutos, cu ja perda, aí sim, significariam sua castração. C o m o ele se assegura então?
A propriando-se de uma mulher, com o um falo falante - que às vezes fala tan to que
perde sua característica de o b je to e aí não serve mais. Porém , apenas uma, muitas
vezes, não basta, ele precisa de uma, duas, três, ou ainda mais. Ele pode tam bém
ter um, dois, três nam orados ou am antes. Isso tam p ou co basta. Parte, então, para
outras possessões. Ele se apropria de objetos m ateriais a títulos de sucesso profissio­

136
nal ou de dinheiro. As realizações fálicas lhe asseguram, mas nunca to talm en te,
sua força m asculina, pois, por mais realização que faça nunca basta (e tem sem pre
uma histérica ou um h istérico para provocar: 'deixa ver se v o cê é hom em !'), é o
falo que lhe garante (e m al) a posição m asculina e não a esco lh a de uma mulher.
E nesse caso, a redução do O u tro sexo a um o b je to , é n ecessário, sendo esse o b ­
je to sem pre a-sexuaâo (é um ped aço do corp o, destacável do co rp o e não eqüivale
à d iferença anatôm ica dos sexos, podend o ser um seio, um pênis, um ânus e tc).
Isso significa que não é, p ortanto, a fantasia, ou m elh or dizend o, seu lugar de
sujeito na fantasia (B 0 d), situando a m ulher co m o um o b je to , que o assegura seu
lugar de H om em , mas m uito mais o falo que deve dem onstrar en contrar-se de seu
lado. N ão é, pois, o fato de ter uma m ulher co m o o o b je to que assegura o hom em
da posição m asculina, mas o falo que a m ulher pode representar, assim com o outro
hom em . Isso desfaz o p reco n ceito de dizer que tal su jeito é hom em por ter uma
m ulher em parceria.
E uma mulher, co m o pode ela se assegurar de sua p osição fem inina? N ão pode
ser a partir da referên cia fálica, pois está do lado do N Ã O -T O D O . Será, então, a
partir de um parceiro? S ó se for alguém que ela situa no lugar do falo ou... Deus.
Assim, a partir das fórmulas da sexuação, podem os pensar a presença fem inina
com o:
1- O . E a posição ativa da M u lh er à caça de hom em , D ian a caçad ora de
falo. P osição p ouco segura ao sabor da contingência,-
2- S (A) <— LA F. A o abandonar a referên cia ao hom em ela se dedica ao O u tro
g ozo, a face escura de D eus - co m o mística,-
3 - B - * a. N este caso, ela é eleita com o uma mulher para um hom em , ao ser
escolhida co m o o b je to por um hom em . O grande problem a é que a posição de o b ­
je to im plica sem pre a possibilidade de queda do o b je to , ou seja, de ser deixada cair.
C o nclu são: a esco lh a da posição sexuada não é garantida.
C o m Lacan, podem os dizer que, de nossa posição co m o seres sexuados, som os
sem pre responsáveis, pois esco lh em o s ond e nos situam os na partilha dos sexos:
do lado do to d o fálico ou do lado do N ã o -to d o fálico onde, preferencialm ente
sem que isso seja uma regra, en con tram -se repartidos os hom ens de um lado e as
mulheres do outro.

■ Heteridade e homensexual
C o m o situar as hom ossexualidades a partir das fórmulas da sexuação? N ada
im pede que um hom em , inscrev en d o-se do lado do to d o fálico (d ito hom em ),
tenha uma esco lh a de o b je to hom ossexual ou heterossexual, assim co m o tam bém
se inscrevem desse lado, diz Lacan, as m ulheres histéricas, que tam bém podem ser
h étero ou hom ossexuais ou, ainda, bissexuais.

137
U m h om em in screv en d o-se do lado do N ã o -to d o (dito m ulher), na p osição
de LA F, pode e sco lh er seu parceiro do lado do tod o fálico a partir do significante
fálico (O ) en con trad o ou no co rp o desse outro ou na p osição social dele, ou em
qualquer outro atributo fálico. Essa relação (LA F —» <E>) pode fazê-lo fem inizar-
se, co m o aparece na caricatura do afem inado. Ele pode tam bém , ao se inscrever
do lado do to d o fálico co m o su jeito d esejante (&), e, portanto, viril, e sco lh er seu
parceiro, red uzindo-o ao o b je to (a ) localizad o no O u tro lado. A cultura g a y a ca ­
b ou tipificand o e caricaturando essa posição na exageração dos caracteres viris até
os cham ados Barbies. A fem inização ou a virilização estruturais são em razão das
p o sições na partilha do sexo. H á tam bém um tip o de prática hom ossexual que,
longe de con stitu ir um casal ou uma parceria erótica, é feita de e n co n tro fortuitos
e anônim os, nos quais o sujeito só se interessa pelo pênis não im porta de quem,
situando, assim, essa situação inteiram ente do lado do to d o fálico (i? —* O ).
D a m esm a form a, o hom ossexualism o fem inin o. U m a m ulher pode situar-se
no lado do to d o fálico e eleg er sua com panheira co m o o b je to sexual ( & —* a). A
caricatura dessa posição é o sapatão, a m ulher virilizada. Essa p osição reproduz
o par m ãe-filha na m edida em que essa filha pode representar o o b je to a para a
mãe. Ela pode tam bém situar-se do lado do N ã o -to d o LA F e buscar o falo (<í>)
do lado do todo fálico - são as m ulheres que procuram a p ro teção da outra mulher,
co m o se busca um pai ou a m ãe fálica - figuras do O u tro que tem o falo. São as
m ulheres que, co m o a jo v em hom ossexual, diz Freud, cond ensam nessa escolh a
as tend ências hom ossexuais e heterossexuais.
H á m ulheres que procuram na outra m ulher o O u tro g o z o (LA F - * S (A) d en ­
tro de uma relação que não é propriam ente sexual no sen tid o do e n co n tro e ró tico
de corpos, pois o falo não se en co n tra presente. E, aí, uma relação fo ra-d o-sexo.
M u itos casais fem ininos se form am numa relação sem sexo e de au tên tico amor.
A partir das fórmulas da sexuação, podem os d ep reend er duas lógicas distintas:
a lóg ica do U m e a lóg ica da H e terid a d e14. A prim eira é a lóg ica fálica do U m
que constitu i um universo a partir da ex ce çã o , form ando, portanto, um co n ju n to
fechad o, uma totalidade, um todo. A rticula assim o U M com o todo do batalhão
fálico dos hom ens. Eis a ló g ica da razão fálica.
A segunda lógica, a que Lacan propõe para se pensar o sexo fem inino, é uma
lóg ica distinta da lógica do U m e do todo. O não todo do lado fem inino caracteriza
o Heteros - outro em grego. A lóg ica do não todo é a ló g ica da H eterid ad e.
P or não ter o quantificador ló g ico da e x ce çã o que contraria a função fálica,
a lógica do Heteros não constitu i um U niverso, não se fech a em uma H eterid ad e,
ou seja, não faz grupo nem massa organizada. N ão é uma lóg ica da 'm edida por
medida', da co m p etição , da luta para saber quem tem o maior, quem tem mais.
Heteros é o âm bito do incom ensurável. E o cam p o ab erto do um a um, um m ais um
mais um que não se fech a num todo.
\
A lóg ica do g o zo O u tro nos abre para as d eclin ações do Heteros co m o h e te ­
ronom ia, h eterod oxia, heterogen eid ad e e até m esm o heterossexual, o qual Lacan

■ A escolha do sexo com Freud e Lacan


define co m o "aquele que ama as m ulheres, qualquer que seja seu sexo próprio"15.
Essa frase de Lacan em "O aturdito" é suficientem ente am bígua para não se fechar
nenhum a porta da diversidade sexual, assim, aquele' pode ser ta n to um hom em ,
b io lo g icam en te falando, ou uma mulher, sejam eles h om o ou heterossexuais no
sentid o da esco lh a o b jetai. Assim co m o pode ser de qualquer sexo quem está no
lugar de 'm ulheres' dessa frase. A frase aponta, portanto, que o am ador pode ser
X X ou X Y e que 'm ulheres' tam bém podem ser X X ou XY, sendo essa posição
definida por aquele que é am ado, in d ep en d en tem en te do sexo. Pois é o Heteros
que suporta o sexo, seja ele com o for. Para haver sexo, é necessário a d iferença do
outro - não se faz sexo com o m esm o.
Lacan usa o term o hommosexuel, com dois "m" (e não co m um 'm' só da grafia
correta de homosexuel) para m ostrar que essa palavra é derivada de homme, hom em ,
fazendo a equivalência entre o hommosexuel e o semblable, o sem elhan te do estádio
do esp elho, ou seja, o pequ eno outro. Assim, a tradução co rreta de hommosexuel é
hom ensexual ou Homo Sexualis co m o se diz Homo Sapiens - aten ção para tradução
errada na ed ição brasileira dos Outros escritos'6 assim co m o de O Seminário, livro 20 .-
mais ainda17, perd endo-se toda a im portância desse term o em Lacan. "Tanto que,
com efeito , a alm a alm a a alma, não há sexo na transação. O sexo não co n ta n es­
te caso. A elab oração de que essa transa resulta é hom m osexuel (hom ensexual),
co m o é perfeitam ente legível na h isteria"18 e, em seguida, "a histeria, ou seja, b a n ­
car o hom em , co m o eu disse, por serem por isso, hommosexuelles ou (hom ensexuais)
ou fo ra -d o -se x o ...19. Assim, o am or do hom em pelo hom em , no sentid o do hum a­
no (seja m ulher ou hom em ) é hom ensexual ou hom o-sexual. Esse d eslocam ento
muda a perspectiva de abordagem da hom ossexualidade e a generaliza co m o o
am or pelo sem elhante.
Lacan utiliza, em "O A turdito", tam bém o hommo (com dois "m") na palavra
hom olog ar "h om en lo ga-se que tod os os h om en s são m ortais"20. E le redefine que o
homo é o próprio do hum ano que tem am or e ró tic o pelo sem elhante - seu igual, o
outro especular. Lacan, ao eqüivaler o homo a hom em , aponta o equ ívoco entre o
sem blante (semblant, o faz-d e-co n ta) e o sem elhante (semblable, p arecid o): o estatuto
do hom em é ju stam en te o do (hommosexuirJ — homensexuado ou homo sexualis, aquele
que ama a quem se parece. O Heteros "erige o hom em em seu estatuto que é o de
H om o sexualis (hom m osexu el)"21. L onge de con trad izer ou de op or hétero e homo,
Lacan os articula e faz do Heteros a co n d içã o da sexualidade humana.
C o m essa nova significação das palavras relativas à esco lh a do parceiro de
sexo, Lacan indica que, para haver o real do sexo, enqu anto tal, é preciso de
Heteros, enqu anto que o am or n arcísico é homemsexual. Em outros term os, todo ato
sexual - seja hom em com hom em , m ulher com m ulher ou hom em com m ulher
- o co rre devido à H eterid ad e. C o m essa a cep ção, Lacan põe por terra tanto a

139
c o n c e p çã o da m ulher co m o um 'segundo sexo' quanto as teorias sobre a h o m o sse ­
xualidade co m o uma esquiva da co n fro n ta çã o com o O u tro sexo.
Heteros se op õe ao poder instituído da lei e das normas, ditada pelo U m do
significante-m estre da ló g ica fálica. O O u tro , em relação ao instituído, é sem pre
o D iferen te. Eis o que caracteriza a H eterid ad e. E a H om ensexualidade é o am or
narcísico, o am or pelo M esm o e não pelo D iferen te. Por outro lado, a relação de
o b je to própria do sujeito d esejan te, independ en tem ente do sexo, está sem pre no
lado do to d o fálico, ou seja, só se deseja um o b je to co m o hom em ( & —* a). O que
é outra form a de reafirmar co m Freud que a lib id o é masculina.
C o m o vem os, em tod os esses casos, para haver sexualidade entre hom em -m u-
lher, ou entre dois hom ens ou en tre duas m ulheres é preciso haver esse elem en to
Hetero, que é a relação entre um elem en to do todo fá lic o com um elem en to do N ão-
todo fálico. A conclu são: a h om ossex u alid ad e não existe. Para haver sexo, são n e ­
cessários am bos os sexos. Estam os falando aqui de p osição sexuada. A sexualidade
do ser falante é sem pre da ordem do Heteros, para além da d iferença anatôm ica dos
sexos. A Heteridade com anda a sexualidade e c o lo c a em circu lação o "heterotism o".
São sem pre necessários dois sexos para que o sexo exista. Para além da esco lh a
sexual, a exp eriên cia analítica nos leva a questionar: será que existe uma fixidez em
uma p o sição ou outra das fórm ulas da sexuação? O u o ser-para-o-sexo pode c ir­
cular entre as p osições co m o o faz nos discursos que con stitu em os laços sociais?

140
CAPÍTUL011

De Freud a Lacan: do objeto


perdido ao objeto a
Marco Antonio Coutinho Jorge
'A realização do amor perfeito não é um fruto da natureza, mas da graça, isto e, de um acordo intersubje-
tivo que impõe sua harmonia à natureza dilacerada (fue o sustenta."

Jacques Lacan

■ Introdução

K
o cern e da sexualidade humana, reside uma falta de o b je to , designado
por Freud co m o o o b je to perdido, que está sem pre no ce n tro da busca
d esejante do sujeito. Freud ch eg o u a falar do d esejo enqu anto em in en te­
m ente indestrutível, na m edida em que o o b je to do d esejo não é jam ais alcançado.
O d esejo é, assim, m ovido pela falta de o b je to que, co m o tal, opera co m o sua
causa - o b je to causa do desejo.
Freud n om eou -o desde m uito ced o co m o a C o isa, das Dincj, que Lacan retom ou
para construir um dos mais im portantes pilares de sua teo rização - o o b je to a.
N este capítulo, apresentam os as articu lações que perm item co n e c ta r a Psicanálise
co m a teoria da evolução con tem p orân ea, de m odo a situar nela a dim ensão do
o b je to perdido do d esejo. É surpreendente averiguar que foi Freud quem forneceu
todos os subsídios para isso.
N a sessão de 8 de m aio de 1 9 7 3 , intitulada "D o barroco", Lacan enunciou,
para os auditores de seu sem inário, que "o co rp o , ele deveria deslum brá-los m ais"1.
Essa cham ada de aten ção de Lacan p arece eco a r uma voz que em ana de diferentes
segm entos da obra de Freud, um verdadeiro deslum brado com o corp o. U m dos
segm entos que mais revela esse deslum bram ento de Freud com o co rp o é aquele
relativo às teses freudianas sob re a filo g en ética e, mais esp ecialm ente, sobre a
antropologia física.
Essas teses cham aram nossa a ten çã o quando, há algum tem po, com eçam os
a em preender um estudo sobre os c o n c e ito s de in co n scien te e de pulsão, assim
co m o sobre sua articulação interna p raticam ente indissociável2. Para que se tenha

141
uma ideia do quanto o in co n scien te se articula de m odo inextricável à pulsão,
basta que se leia a definição que Freud forneceu do in con scien te numa carta a seu
discípulo G e o rg G ro d d eck : "o in co n scien te é certam en te o verdadeiro in term e­
diário entre o som ático e o psíquico, talvez seja o missing link tão procurad o"3. O
que surpreende nessa definição do in co n scien te enunciada por Freud, e na qual se
en con tra uma referência exp lícita ao buraco, que a teoria da evolução não c o n s e ­
gue preencher, é que ela serve igualm ente para definir a pulsão. N ão são outros
os term os por ele em pregados em 1 9 1 5 quando, no artigo m etap sico ló g ico "As
pulsões e suas vicissitudes"4, no qual ele disseca a estrutura da pulsão, afirma que
a pulsão nos aparece co m o um c o n c e ito fro n teiriço entre o aním ico e o som ático.
Se in co n scien te e pulsão podem ser definidos do m esm o m odo, isso se dá na
m edida em que apresentam uma reg ião de in terseção , com um a am bos, que p o d e­
m os qualificar, com Lacan, de real e definir, sin op ticam en te, da seguinte form a: o
nú cleo real do in co n scien te, S(A ), é con stitu íd o pelo o b je to faltoso da pulsão, a.

M uitas das inúmeras investigações sobre o real do corp o convergem para a


no ção freudiana, pouco explorada, de recalque orgânico. A im portância dessa n oção
é destacada pelo próprio Freud, que ch eg a a afirmar que a consid era nada mais
nada m enos do que a sua "co n jectu ra mais profunda"5. N este artigo, pretend em os
apresentar essa n oção pouco estudada e m ostrar sua congruência com os achados
recen tes da palean tropologia, destacando algumas de suas con seqüências p rin ci­
pais para a teo rização psicanalítica.

■ 0 recalque orgânico
A n o ção freudiana de recalque org ân ico , em bora pouco abordada, p arece-nos
indispensável para se com p reend er a oco rrên cia, em nossa esp écie, do fu n ciona­
m ento pulsional e não instintual, o que dá à sexualidade hum ana uma exu berância
ilim itada, que a diferencia rad icalm ente da atividade sexual de todas as esp écies
animais. A com plexid ad e in eren te ao c o n c e ito de Trieb, pulsão, sua especificidade
- trata-se de um co n c e ito criad o por Freud em 1 9 0 5 , retom ado e reconstruíd o
ao lon go de toda sua obra e sobre o qual se sustenta absolutam ente toda a teoria
psicanalítica da sexualidade - , aliada à sua am plitude, exig e que se possa refletir
sobre a passagem do fu ncionam ento sexual instintual (anim al) para o pulsional.

142
Fu ncionam ento singularm ente característico de nossa esp écie e responsável, ao
m esm o tem po, tan to por sua mais refinada capacidade de criação, co m o por seu

s De Freud a Lacan: do objeto perdido ao objeto #


poder de destruição mais avassalador.
O que é o "recalque orgânico"?
Trata-se de uma expressão que, de in ício , causa estran heza ao psicanalista,
acostum ado naturalm ente a falar de recalque enquanto um p rocesso psíquico. D aí,
inclusive, Freud acrescentar, nessa expressão, o term o 'orgânico' ao de recalque.
Em praticam ente tod os os diversos lugares nos quais pude falar sob re esse tem a a
analistas experien tes, pude ouvir com en tários que confessavam jam ais ter se dado
co n ta dessa n o ção na obra de Freud. N ão é de se estranhar, en tão, que alguns
autores estabeleçam uma nítida confusão entre 'recalque orgânico' e 'recalque
originário' (ou prim ário), co m o se am bos fossem uma única e m esm a coisa, e não
houvesse a m enor necessidade de distingui-los. Por exem plo, Paul B erch erie6 fez
essa confusão ao consid erar que o term o 'recalque sexual orgânico' surge no artigo
de 1905, "M eus pontos de vista sobre o papel d esem penhado pela sexualidade na
etio lo gia das neuroses", co m o um prim eiro aparecim en to da n o çã o de recalque
originário. Tal d istinção, contu d o, existe em Freud e se o recalque originário foi
introduzido por Freud, em 1 9 1 5 , no tex to m etap sico ló g ico sobre "As pulsões e
suas vicissitudes", para designar a op eração que sustentaria a estrutura do sujeito
neurótico e estaria na base de tod os os recalques posteriores (secundários), o r e ­
calque org ân ico designa nada mais nada m enos que aquilo que teria produzido o
advento da própria esp écie humana. C o m o verem os à frente, trata-se, no recalque
orgânico, de uma co n c e p çã o teórica que c o n e c ta os achados mais essenciais da
teoria psicanalítica da sexualidade diretam ente à teoria da evolução.
A com p leta d esconsid eração dessa n o çã o seria aceitável, sem m aiores ques­
tionam entos, caso se tratasse de uma n o çã o que surgisse de m odo pontual na
obra de Freud, co m o , por exem plo, a n o çã o de 'recalque terciário', da qual tem -se
aparentem ente uma única o co rrê n cia registrada e isso num m anuscrito freudiano
não publicado e en con trad o nos papéis de Feren czi há algum tem po, Neuroses de
transferência: uma síntese7. M as, nesse caso, não se trata de algo pontual e anódino
em sua obra: a n o ção de um recalque org ân ico percorre absolutam ente toda a obra
de Freud, do in ício ao fim, ach and o-se presen te inclusive em alguns de seus textos
mais significativos.
A teoria do recalque org ân ico é uma das formas pelas quais Freud tenta
responder à questão que lhe é co lo ca d a desde ced o , em sua exp eriên cia clín ica
com a histeria, sobre o por que de o recalqu e incidir sempre sob re a sexualidade -
questão que h o je talvez possa soar co m o banal, mas que, para Freud, constituía
algo bastante enig m ático . Se, para Freud, a teoria do recalque é a "pedra angular
sobre a qual repousa toda a estrutura da P sicanálise"8, para ele "não é fácil deduzir
em teoria a possibilidade de algo co m o o recalque", sendo necessário, de fato,
perguntarm os sobre o "por que deve uma m o ção pulsional sofrer uma vicissitude

143
com o essa"9. Além disso, Freud assinala que é bastante enigm ático o fato de que o
m ecanism o, m esm o do recalqu e, só nos seja acessível co m o dedução do resultado
do recalqu e, isto é, pelo retorno do re ca lca d o 10. Sensível a essa dim ensão, C h arles
M elm an assinalou, em seu artigo "O enigm a do recalq u e"1', que o recalque é um
m eio de defesa que difere dos outros que co n h ecem o s, tais co m o a d en eg ação, a
negação, o d eslocam ento, o isolam ento e a anulação:

Esses outros meios incidem com efeito sobre elementos de discurso


explicitam ente articulados pelo sujeito que, depois da emergência
deles, recusa-se a assumi-los. O recalque, pelo contrário, antecipou e
concerniu um elem ento que poderia ter sido articulado, mas que, sem
mesmo ter conseguido chegar à consciência, aos lábios, foi recalcado:
só o conhecem os por reconstrução a partir de formações substitutivas
às vezes muito distantes e discretas que denunciam sua existência no
discurso articulado ou no ato falho.

A lém disso, é surpreend ente observar o quanto a teoria freudiana do recalcjue


é tribu tária de suas form u lações sob re o recalq u e org ân ico , a p o n to de se poder
vir a situar o recalqu e o rg â n ico co m o o m o m en to zero do recalqu e', d en tro da
seq ü ência de três tem pos do recalqu es esta b elecid a por Freud em 1 9 1 1 , na h is­
tória clín ica do Caso Schreber. S e é o recalq u e orig in ário que preside a fundação
do su jeito (ou, na term in olog ia da teoria da evolu ção , do indivíduo da esp écie
hum ana), o recalq u e o rg â n ico seria o fator responsável pela 'fundação da própria
esp écie' hum ana enqu anto tal:

0. R ecalque orgânico. esp écie

1. R ecalque originário. indivíduo


2. R ecalque secundário.
3. R etorn o do recalcad o.

V ale observar que, na verdade, em 1 9 1 1 , Freud ainda denom inaria essa fase
de fix ação e, apenas em 1 9 1 5 , no tex to m etap sico ló g ico sobre "As pulsões e suas
vicissitudes", ele introduziu a co n c e p çã o de um "recalque originário" relacionad o
a essa etapa da fixação.

■ A bipedia é o destino
D esd e uma carta de 14 de novem bro 1 8 9 7 dirigida a W ilh elm Fliess, seu inter­
lo cu to r privilegiado durante o período de g estação das bases teóricas da P sican á­
lise, na qual afirma, pela prim eira vez, que "algo o rg ân ico desem penha um papel
no recalq u e"12, até o céleb re ensaio sobre "O m al-estar na cultura"13, no qual duas

144
extensas notas de rodapé desdobram suas reflexões mais arrojadas sobre o tem a,
passando por diversos m om entos relevantes de sua obra, p od e-se depreender que

R De Freud a Lacan: do objeto perdido ao objeto *


Freud sustenta uma m esm a co n c ep çã o sobre a im portância da perda do olfato (e
seu con seq ü en te recalqu e) na gênese do recalque da sexualidade e do 'm al-estar'
inerente à sexualidade humana.
Segundo Freud, o advento da postura ereta definitiva, em algum m om en to da
evolução de nossa esp écie, teria produzido, por si só, um recalque da sexualidade
co m o um todo. D urante esse longuíssim o processo evolutivo, o físico hum ano
sofreu inúmeras transform ações d ecorren tes do distanciam ento, advindo com a
ad oção da verticalidade definitiva, entre os órgãos sexuais e os órgãos olfativos.
Assim, teria oco rrid o paulatinam ente a 'perda do olfato' co m o o elem en to unívoco
m ediador das tro cas sexuais entre os d iferentes indivíduos da esp écie, fenôm en o
onipresente nos m am íferos. Sab e-se que, nestes, os períodos do estro (ou cio ) da
fêm ea fazem com que ela exale odores m uito poderosos, que atraem o m ach o para
a cópula com fins esp ecificam ente ligados à reprodução. Se a atividade sexual nos
m am íferos é, assim, radicalm ente ligada à reprodução da esp écie e serve estrita­
m ente a seus fins, Freud se em penha em dem onstrar, desde seus prim eiros estudos,
que a sexualidade hum ana tem com o uma das características prim ordiais o fato de
não se restringir à reprodução.
Freud formula a h ip ótese de que o afastam ento progressivo do órgão olfativo
dos órgãos sexuais retirou sua prim azia en qu anto elem en to u n ívoco propiciad or
de trocas sexuais. C o m a postura ereta, a visão passou a ter esse pred om ínio e, na
passagem do pred om ínio do olfato ao pred om ínio da visão, pode-se con jectu rar
- essa é m inha hip ótese, d ecalcad a inteiram ente dos d esenvolvim entos freudianos
sobre o assunto - o advento da 'passagem do instintivo para o pulsional'. O e stí­
mulo sexual, que era interm iten te, c íc lic o e estritam ente vinculado aos períodos
férteis, passou a ser um estím ulo co n stan te, na m esma medida em que os estím ulos
visuais são contínuos. N esse sen tido, a própria definição que Freud forneceu da
en ergia libidinal, da força, Drang, da pulsão co m o uma konstante K rafi, força co n s ­
tante, rem ete a essa contín ua pressão interna in erente aos p rocessos pulsionais,
ou, com o formula Lacan, a essa "tensão estacio n ária"14.
Se no instinto o co rre o pred om ínio dos órgãos do olfato, na pulsão todo o
corp o passou a entrar em ação co m o um verdadeiro corp o eró g en o - e, mais
esp ecificam ente, as bordas orificiais (as quais, segundo Freud, sediam as fontes
da pulsão), por m eio das quais se produzem privilegiadam ente as trocas entre o
sujeito e o O u tro. A pós a perda do o lfa to co m o elem en to predom inante, todos
os orifícios corporais parecem te r sido acionad os na produção da e x cita çã o sexual
e o corp o, regid o outrora pelo sen tid o u n ívoco do olfato, parece te r passado a
explorar a com plexa pluralidade a ele in eren te. R essalte-se que a parcialidade da
pulsão, assim co m o sua relação estreita com os diferentes orifícios corporais, foi
apontada por Freud já em sua prim eira introd u ção do co n c e ito de pulsão, em

145
1 9 0 5 , nos "Três ensaios sob re a teoria da sexualidade"15. Assim, cada o rifício c o r­
poral é a fo nte de uma d eterm inada pulsão.
Em 1909, Freud encerra a densa história clín ica do H om em dos R atos, ab or­
dando o problem a do olfato numa relação não só com a clín ica da neurose o b ses­
siva, co m o com a neurose de uma m aneira geral. N a origem da neurose obsessiva,
pode-se depreender, co m o no caso do H om em dos R atos, a e x tin çã o de uma
ten d ên cia a extrair prazer do ch e iro , tão com um na infância. Além disso, Freud
postula, segundo seus próprios term os, uma relevante "questão geral": a de situar
a origem m esm a de toda neurose co m o d ep end ente, em grande parte, da atrofia
do sentid o do olfato , d eco rren te da ad oção da postura ereta em determ inado
m om en to da evolução de nossa esp écie.
Em 1 9 1 2 , no segundo artigo da trilogia sobre a psicologia do amor, intitulado
"So bre a ten d ên cia universal à d ep reciação na esfera do am or"'6, Freud d estaca n o ­
vam ente o alcan ce produzido pela perda do olfato co m o elem en to originariam en-
te sexual. Ele é até m esm o levado a situar a insatisfação que parece ser in erente
à própria pulsão na dep en d ência dessa perda, situando a in constância na escolh a
do o b je to e a fom e de estím ulo “que tan to caracterizam os adultos" igualm ente na
dep end ência do m esm o fator.
Freud associa o sexual ao e x cre m e n tíc io e, se isso p erm an ece b a sta n te r e c a l­
ca d o nos su jeito s, p o r ou tro lado, prossegue p articip an d o ativam en te da sex u a­
lidade de form a in co n scie n te . E sta b e le c e n d o essa a sso cia çã o , Freud afirma q u e '7

os processos fundamentais que produzem excitação erótica permane­


cem inalterados. O excrem entício está todo, muito íntima e insepara-
velmente, ligado ao sexual,- a posição dos órgãos genitais - inter urinas et
jaeces - permanece sendo o fator decisivo e imutável. Poder-se-ia dizer
nesse ponto, modificando um dito muito conhecid o do grande Napo-
leão: 'A anatomia é o destino'.

Se N ap oleão, de fato , afirmara, no co n te x to b é lic o , que "a geografia é o d es­


tino", é digno de nota que a fam osa paráfrase freudiana surja aqui num c o n tex to
inteiram ente diverso daquele ao qual é sem pre associada, o da d iferença sexual
anatôm ica. O co n te x to em to rn o do qual ela surge aqui leva-nos a co m p reen ­
dê-la no sen tid o de que o próprio advento da estação vertical, no ser hum ano,
constituiu, por si só, uma radical exig ên cia de afastam ento e m esm o de cisão de
elem entos que outrora achavam -se m uito ligados, co m o os órgãos olfativos e os
órgãos da sexualidade. Já a segunda o co rrên cia dessa paráfrase em Freud en contra-
se no artigo sob re "A dissolução do com p lexo de E d ip o "'8, de 1 9 2 4 , no co n tex to
acim a m encionado-, "a distinção m o rfológ ica está fadada a en con trar expressão em
diferenças de d esenvolvim ento psíquico. 'A anatom ia é o d estino', para variar um
dito de N apoleão".

146
As longas e densas notas de rodapé de "O m al-estar na cultura" encerram com
chave de ouro a série de elab oraçõ es freudianas sobre o recalqu e org ân ico. Elas

■ De Freud a Lacan: do objeto perdido ao objeto


reúnem reflexões anteriores e avançam novas, e seu valor reside no fato de que
elas fornecem valiosos elem entos para a distin ção entre in stinto e pulsão. O tabu
da m enstruação seria, por um p roced im en to a n titético , um derivado do recalque
org ânico, representando precisam ente uma "defesa co n tra uma fase do d esenvol­
vim ento que foi superada"19. Além disso, e mais essencialm ente, a postura ereta
teria sido a responsável p elo "p rocesso fatíd ico da civilização". A ex cita çã o sexual
contínua acarretou a necessidade da presença do o b je to sexual ininterruptam ente,
elem en to que estaria na base do advento da 'família' hum ana, a qual, por sua vez,
é a célula inicial da cultura' humana.

4
A postura ereta acarretou, ainda, a repugnância pelos excrem en to s e a te n d ên ­
cia cultural pela lim peza - sabe-se que, para Freud20, a cultura hum ana se define
por possuir três características indispensáveis: ordem , lim peza e beleza. C o m a
lim peza, as substâncias expelidas do co rp o foram cond enad as "por seus intensos
odores a partilhar do d estino acom etid o aos estím ulos olfativos"21. O aprend iza­
do da higiene no p rocesso educativo estaria intim am ente ligado ao recalque dos
estím ulos olfativos e, esp ecialm ente, ao recalque do erotism o anal, fortem ente
atingid o por ele. M as, com a ad oção da postura ereta, n ão teria sido apenas o
erotism o anal o que sucum biu ao recalqu e, mas toda a sexualidade, levando a
que ela fosse inevitavelm ente acom panhada pela repugnância e pela incom pleta
satisfação. A o n to g ên ese rep ete a filogênese: o que ocorreu com a esp écie com o
um to d o se rep ete em cada indivíduo.

■ Freud com a paleantropologia


É interessante observar que a m aioria dos trabalh os atuais de p a lea n tro p o lo ­
gia (ou p aleo n tologia humana, ram o da an trop olog ia física que estuda os fósseis
de hom iníd eos; trata-se de uma ciên cia que co m eço u a ser posta em evidência
som en te a partir de escav ações que com eçaram a ser em preendidas por Louis
L eakey nos anos 1 9 3 0 e que Freud n ão teve a oportunidade de co n h ece r) tem
se voltad o de form a acentuada para a p ro blem ática do advento da postura ereta
e da bipedia co m o os fatores responsáveis p or uma gam a enorm e de alterações
corporais e com portam en tais em nossa esp écie. É esp antoso que aquilo que a
palean trop ologia form ula só co rro b o re, em suma, com surpreendente precisão, as
teses freudianas prim ordiais.
O s paleantropólogos, especialistas igualm ente deslumbrados com o corpo,
são unânim es em ressaltar a im portância da bipedia no advento do hom em . C .O .
Lovejoy, anatom ista e especialista em lo co m o çã o , considera a bipedia "uma das
mudanças mais im pressionantes que podem os ver na b iolog ia evolutiva"22. R ichard
Leakey, por sua vez, consid erou que a própria designação de 'humano' deve referir-
se, de um m odo geral, a ‘to d o s1 os m acacos que cam inhavam de m odo ereto e não

147
apenas, co m o pretendem alguns autores, aos que possuem nosso grau de in telig ên ­
cia, senso moral e profundidade de inteligência introspectiva.
Se o Homo erectus surgiu há 2 m ilhões de anos, a primeira esp écie consid erad a
hum ana (havia um total en tre 6 a 12) evoluiu há cerca de 7 m ilhões de anos. As
esp écies que antecederam o Homo erectus, em bora fossem bípedes, possuíam ca ra c ­
terísticas sim iescas, co m o o cé re b ro relativam ente pequeno. O Homo erectus foi a
prim eira esp écie hum ana a utilizar o fo g o, caçar, correr, produzir instrum entos e
avançar além -A frica. H á indícios de que possuía algum tipo de linguagem falada
e sua acentuada m obilidade é atribuída à bipedia.
H á diversas h ip óteses sob re o que teria o co rrid o para o advento da b ip e ­
dia, alteração física que d esencad eo u o surgim ento dessa nova esp écie que é a
hum ana. U m a das mais aceitas, proposta pelos an trop ólog o s P. Rodm an e H .
M cH en ry , da C alifórn ia, é aquela que sustenta que, em determ inada ép o ca, uma
profunda alteração clim ática atingiu a Á frica O rien ta l - seguindo algumas in d ica­
çõ e s form uladas por D arw in a partir de m eras d eduções (vale lem brar que D arw in
partiu do pressuposto de que os p ro g en ito res prim ordiais do hom em viveram na
m esm a reg ião em que os dos gorilas e ch im p an zés), todas as escav ações realiza­
das são unânim es em com p rov ar que nossa esp écie se originou dessa região do
C o n tin e n te N eg ro - , tran sform an do m uito rapid am ente as florestas em savanas
e ob rig an d o as esp écies sobreviventes a se adaptarem a um m eio am b ien te in te i­
ram ente novo.
A perspectiva do h o riz o n te, que não existia na floresta densa, ten d o se aberto
na savana, levou progressivam ente os indivíduos da esp écie que an teced eu a nossa
a se erguerem e cam inharem adotando cada vez mais a posição vertical. A v e rti­
calidade definitiva só seria conqu istad a após m ilhares de anos de uma com plexa
evolução, mas ela pode ser com provada ainda h o je quando se vê que os indivíduos
de nossa esp écie ainda não se adaptaram com p letam en te a ela, apresentando pa­
tologias na coluna vertebral com enorm e frequência, além de outros problem as
oriundos dessa estação ereta, co m o , por exem plo, os jo a n e te s nos pés.
O que é sublinhado por d iferentes autores são as inúmeras conseqüên cias
corporais e psíquicas provenientes da ad oção da estação vertical definitiva. Para
André Bourguignon - que consid era o advento da biped ia co m o o patam ar da
m atéria viva que anteced e uma verdadeira m udança qualitativa para a "m atéria
viva capaz de reflexão" - , de todas as mudanças ocorrid as ela é "a m udança mais
espetacular"23 e correspond e à prim eira etapa da hom in ização. A prim eira grande
con seq ü ên cia foi a liberação das m ãos, que deixaram de servir para a m archa e
passaram a poder ser utilizadas para a caça e a fab ricação de instrum entos e o b ­
je to s, favorecendo, igualm ente, o advento da ca ça (m asculina) e da co le ta de ali­
m entos (fem inina), atividades que estariam na base do d esenvolvim ento da c o n v i­
vência social. A segunda foi a p ossibilitação, pelo em parelh am ento m ão -céreb ro ,
do crescim en to do tam anho do cérebro . E m bora a biped ia tenha se produzido
m uito anteriorm ente ao acentuado aum ento do volum e end ocranian o do hom em ,
sua influência indireta parece ser inegável, uma vez que apenas a p osição vertical
poderia perm itir a sustentação do peso do céreb ro hum ano.

i De Freud a Lacan: do objeto perdido ao objeto«


■ Bipedia e sexualidade
Para esses autores, em total con gruência com os achad os da Psicanálise, as
repercussões da biped ia sobre a atividade sexual foram inúmeras. Bourguignon
afirmou, nesse sentid o, que "foi a biped ia que fez do h om em o prim eiro animal
não som ente sexuado, mas sexual, e da sexualidade um dos fundam entos da hom i-
nização"24. A perda da prim azia do olfato e substituição deste pela crescen te im ­
portância con ced id a aos estím ulos visuais teriam produzido muitas con seq ü ên cias
sobre a própria anatom ia humana e, sobretud o, a im agem corporal.
A im portância atribuída à im agem corp oral por Freud, em 1 9 1 4 , em seu arti­
go sobre o narcisism o, retom ada por Lacan de form a original, co m a elab oração
sobre o estádio do esp elho, parece adquirir aqui um novo co n to rn o , sobretudo
se atentarm os para uma passagem da co n ferên cia Algumas reflexões sobre o eu, p ro ­
nunciada por Lacan na Socied ad e Britânica de Psicanálise em 2 de m aio de 1951.
N ela, Lacan afirmou, de m odo exp lícito, que o nú cleo do eu está vinculado p re ci­
sam ente à estação vertical: "A estabilidade da postura ereta, o prestígio da estatu ­
ra, a im pressão de grandiosidade das estátuas, tudo isto m arca a identificação onde
se acha o ponto de partida do eu'05. A form ulação freudiana do eu co m o instância
recalcan te por e x celên cia - recalque do esp ed açam ento pulsional em favor da
unidade - adquire, assim, uma mais ampla possibilidade de com preensão. S e a
postura ereta está no p o n to de partida do eu, o recalque do pulsional produzido
p elo eu é, na con stitu ição do sujeito, co m o que h o m ó lo g o ao recalque org ânico
da fundação da espécie.
Freud já cham ara aten ção, nos "Três ensaios", para o fato de que a visão
funciona co m o um verdadeiro substituto do ta to 26. E ele próprio observara que
a evolução dos órgãos sexuais não acom p anhou a b eleza do resto do corp o hu­
m ano27. D esm ond M orris, por sua vez, assinalou que uma série de m odificações
corporais foram realizadas na esp écie hum ana com o ún ico sen tid o de produzir
a estim ulação sexual visual: o aum ento do tam anho das mamas,- a pele glabra,- o
superdesenvolvim ento da m usculatura facial com o o b jetiv o de perm itir a co m p le ­
xidade da m ím ica facial,- os lábios, p erm anentem ente virados para fora e expondo
a m ucosa, são fenôm enos ún icos entre os prim atas e exercem grande atração por
seu b rilh o averm elhado. A m aquiagem fem inina parece ser a d uplicação artificial
desse m ecanism o de sedução inventad o pela própria natureza. O m ais im portante
e feito da bipedia sobre a sexualidade foi, para André B ourguignon28, essa "substi­
tu ição do co ito dorso-ventral —a tergo ou more jerrarum - pelo co ito ventre a ventre
ou face a face". A p osição de d ecú bito, repouso e abandono, exigida a partir daí
p elo ato sexual, com p lexificou as relaçõ es sexuais, que tornaram -se "uma ocasião
de com u nicação intim a entre dois seres que se encaram . O s olhares se falam, os

149
olhares se unem , as m ãos acariciam e se cerram , os b raços estreitam os corp os"29.
O que cham a aten ção nas ob servações dos an trop ólog o s é a evid en ciação do
fator novo - a tro ca interpessoal - que surge na relação sexual. A transform ação
corporal sofrida pela nossa esp écie produziu uma sexualidade pulsional, destinada
à o b te n çã o do prazer e não à reprodução da esp écie, regida pela linguagem e,
p o rtan to , subm etida às suas leis.

■ Do objeto perdido ao Outro


M ais essencialm ente ainda, a perda do instinto sexual abriu a porta para a
co o p ta çã o da sexualidade pela linguagem , isto é, pelo O u tro, que está presente
m ed iatizand o o e n co n tro en tre os sujeitos. A dep en d ência extrem am en te p ro ­
longada do b eb ê hum ano do O u tro - m aterno e paterno - é o que, para Freud,
constitu i a base sobre a qual se desenvolvem os com p lexo de Edipo e o da castra­
ção, dos quais dependerão a p osição do sujeito e sua esco lh a de o b je to , hom o ou
heterossexual. A linguagem , ou seja, o sim bólico, em todas as suas m anifestações
(línguas, cultura, filiação, m arcas da história infantil, relações interpessoais e tc.) e
em toda sua com plexid ad e in co n scien te — por isso Lacan o nom eia co m o O u tro,
grande O u tro - , é o que instaurará, para cada sujeito, a singularidade de sua p o ­
sição sexuada. Assim, não haverá nada de natural na e sco lh a de o b je to , mas sim,
ao con trário, uma falta natural, designada por Lacan de falta ô n tic a 30, falta-a-ser,
a partir da qual o sujeito se constitu í. É essa falha originária que localiza a b isse­
xualidade enqu anto estrutural e igualm ente originária, sujeitando a relação entre
os sexos às m últiplas possibilidades inerentes às com plexas articulações entre o
sim b ó lico , o im aginário e o real.
Assim co m o m enciona a m áxim a de La R ochefoucau ld , segundo a qual "há
pessoas que nunca se haveriam apaixonado se nunca tivessem ouvido falar de
am or"31, Lacan se refere, algumas vezes, em seu ensino ao rom ance pastoral Dáfnis
e Cloé, de Longo, que viveu no século II na ép oca de A d riano32. O s dois heróis são
crianças encontradas e criadas por pastores na ilha de L esbos. T ornam -se pastores
igualm ente e acabam se apaixonando, mas, absolutam ente ingênuos no to ca n te à
sexualidade, não sabem o que está oco rren d o co m eles e, sobretud o, co m o tradu­
zir em ato o que sentem um pelo outro. O rom ance narra sua iniciação am orosa
conduzida desde o co m eço por Eros - que aparece encarnad o no pastor Filetas
— e pela velha L icênion, até seu casam ento na presença dos pais que foram reen ­
contrad os. Toda a dim ensão do d esejo, enqu anto d esejo do O u tro, en con tra-se
tem atizada aí: na ausência dos pais naturais, o d esejo do O u tro ao qual se atrelará
o d esejo do sujeito precisará vir de outra parte.
P or m eio dele, Lacan ilustra a necessidade do O u tro - a velh a L icên io n que
ensina o que é a relação sexual - para que o casal se am e. A d olescentes, D áfnis
e C lo é se apaixonam , mas sua ingenuidade não lhes perm ite en tend er o que está
a co n tece n d o com eles. Em dado m om en to, o pastor Filetas lhes explica o que é

150
o am or e afirma que a única cura possível para isso é o b e ijo . P or sua vez, a velha
L icênion ensina a D áfnis co m o fazer amor, mas ele decide não experim en tar isso
co m C lo é quando a anciã lhe diz que ela irá chorar, gritar e correrá m uito sangue,
co m o se ela tivesse sido assassinada!
N o sem inário sob re Os c/uatro conceitos fundamentais da Psicanálise33, mais p recisa­
m ente na lição em que introduz a sua co n c ep çã o fundam ental de alienação, Lacan
com en ta que essa narrativa, que inspirou uma série de outras obras literárias,
ilustra, com sim plicidade, que

A relação sexual fica entregue ao aleatório do campo do O utro. Fica


entregue às explicações que se lhes dêem. Fica entregue à velha de
quem se precisa - não é uma fábula vã - para que Dáfnis aprenda com o
se tem que fazer para fazer amor. Lacan volta a ela na sessão seguinte
desse seminário para enfatizar: O que se deve fazer, com o homem ou
com o mulher, o ser humano tem sempre que aprender, peça por peça,
do Outro.

N o psiquism o, pondera Lacan, não há nada pelo que o sujeito possa situar
co m o ser m acho ou ser fêm ea, de m odo a presentificar a função da reprodução. A
polaridade m ach o e fêm ea só é representada por outra polaridade, en tre atividade
e passividade. M as a pulsão é, por essência, pulsão parcial e jam ais representa a
totalid ade da ten d ên cia sexual.
Assim, o Édipo em Freud é lido por Lacan precisam ente co m o a incid ência
radical do d esejo do O u tro na con stitu ição do sujeito - e daí a im portância da n o ­
ção freudiana de bissexualidade, pois o Édipo está dirigido desde sem pre a am bos
os pais e foi form ulado por Freud enquanto igualm ente duplo. D ito claram ente, o
d esejo pelo p ro g enito r do sexo op osto e a rivalidade com o do m esm o sexo são
sem pre acom panhados igualm ente pelo d esejo do progen itor do m esm o sexo e
pela rivalidade com o do sexo oposto. Assim, o O u tro é, para Lacan, "o lugar em
que se situa a cadeia significante que com anda tudo que vai poder presentificar-se
do sujeito, é o cam po desse vivo onde o sujeito tem que aparecer"34.
A perda do instinto sexual, que acom eteu a esp écie que antecedeu a nossa,
obrigou a esp écie hum ana a criar algo que fizesse suplência em relação ao instinto
perdido. E precisam ente isso que con stitu i a relação íntim a en tre linguagem e
sexualidade na nossa esp écie, ou seja, en tre o in co n scien te e a pulsão. O in co n s­
cien te é um saber35 que vem ten tar p reen ch er a falta de saber instintual. Esse
saber se con strói em to rn o do o b je to faltoso da pulsão, do não saber sobre o sexo
- enigm a que não pode ser respondido, puro não senso real. E esse o b je to que
Lacan irá consid erar co m o uma de suas duas invenções - o o b je to a. A outra, ele
afirma ser o real.

151
CAPÍTULO 12

A invenção da homossexualidade?
Paulo Roberto Ceccarelli
'O lecfue das culturas humanas é tão vasto, tão variado (e de fácil manipulação) cjue, sem dificuldades,
encontramos argumentos que sustentam toda ecjualcjuer hipótese."

Claude Lévi-Strauss

■ Introdução
o sustentar a existên cia de uma 'sexualidade natural' no ser hum ano, o

A im aginário ju d aico -cristã o dom inante no O cid e n te cristalizou e isolou as


expressões da sexualidade, co m o se tais m an ifestações possuíssem rea li­
dades con cretas. O passo seguinte foi a criação de nom enclaturas para descrever,
classificar e etiq u etar as práticas sexuais. Foi tam bém em referên cia à sexualidade
natural que surgiu a n oção de norm al, que, co m o toda norm a, é um constru to te ó ­
rico, logo id eo ló g ico , tributário do im aginário sociocu ltu ral, do qual ela em erge.
A partir daí, toda form a de sexualidade que não se encaixa nesse im aginário é tida
co m o desviante ou p ato ló g ica2.
A insistência em transform ar com p ortam en tos em categ orias identitárias c o n ­
tribui enorm em ente para a criação de uma esp écie de armadura em que o sujeito,
em e co com o sistem a de valores m orais ocid entais, vê-se aprisionado em uma
form a norm ativa de viver a sexualidade.
C o m esse títu lo um tan to provocad or - A invenção da homossexualidade —, p reten ­
do insistir sob re a participação do im aginário ocid ental não apenas na 'invenção'
da hom ossexualidade - entendida aqui co m o um artefato classificatório - com o
em sua m anutenção. P retend o ainda m ostrar que a origem dessa 'invenção', assim
co m o a im posição de uma sexualidade natural, heterossexual e para p ro criação, é
uma con stru ção sim bólica, própria à cultura ocid ental, cujas bases rem ontam aos
elem entos m ito ló g ico s con stitu tivos do im aginário ocid ental.
Evidentem ente, do p o n to de vista fen o m en o ló g ico , a atração sexual entre p es­
soas do m esm o sexo existe desde a aurora da hum anidade em todas as culturas.

153
A ép oca e o local determ inaram o tratam en to que se deu a esses sujeitos: prática
com um e bem tolerada na G récia, Pérsia, Rom a e C h in a, mas cond enad a entre
os Assírios, os H ebreu s e os Egípcios. E ntre os índios brasileiros, assim co m o em
algumas socied ad es africanas - a an trop olog ia é rica em relatos - , as reações frente
ao relacion am en to entre pessoas do m esm o sexo variam desde a aceitação , co m o
uma expressão legítim a da sexualidade, até a re je içã o absoluta. C o m o advento do
cristianism o, a hom ossexualidade to rn a-se, em certo s períodos, um crim e passível
de m orte.
In icio m inha argum entação co m uma pequena revisão, que não se pretend e
exaustiva, sobre a posição da Psicanálise, mas sobretud o a dos psicanalistas, em
relação à hom ossexualidad e3. A discussão sobre sua origem - trata-se de uma per­
versão? de um desvio? de uma m anifestação de sexualidade co m o outra qualquer?
- está lon g e de fazer unanim idade entre os pesquisadores.

■ A homossexualidade na obra freudiana


N os tex to s de Freud en con tram os vários trabalh os te ó rico -clín ico s, desde o
"M anuscrito H ", end ereçad o a Fliess, até o "E sboço de Psicanálise", em que a
hom ossexualidade é discutida. O s que m erecem destaques são: "O s três ensaios
sobre a teoria da sexualidade" (pu blicado em 1905,- m erecem destaque sobretudo
as notas de rodapé acrescentadas em 1 9 2 0 e 1 9 2 5 )4, "Leonardo da V inci e uma
lem brança de sua infância"5, de 1 9 1 0 , "O caso de S ch reber", de 1 9 1 1, e "A p sic o ­
gênese de um caso de hom ossexualism o numa m ulher"6, de 1920.
O que se depreende da leitura desses textos, em bora existam algumas am bigüi­
dades, é que a hom ossexualidade é uma p osição libidinal, uma orien tação sexual,
tão legítim a quanto a heterossexualidade. Freud sustenta essa posição partindo
do com p lexo de Êdipo, fundado sob re a bissexualidade original, co m o referência
central a partir da qual a cham ada "escolh a de o b je to " ou "solução", que a ch o mais
adequado, con stitu i-se. Essa esco lh a que não depende do sexo do o b je to é a base
dos investim entos futuros. U m a vez que os investim entos libidinais hom ossexuais
estão presentes, ainda que no in co n scien te, de todos os seres hum anos desde o
in ício da vida, Freud o p õe-se7

com o máximo de decisão, que se destaquem os homossexuais, c o ­


locando-os com o um grupo à parte do resto da humanidade, com o
possuidores de características especiais (...). Ao contrário, a psicanálise
considera que a escolha de um ob jeto, independentem ente de seu sexo
- que recai igualmente em objetos femininos e masculinos - , tal com o
ocorre na infância, nos estágios primitivos da sociedade e nos primeiros
períodos da história, é a base original da qual, com o conseqüência da
restrição num ou noutro sentido, se desenvolvem tanto os tipos normais
quanto os invertidos.

Í4
C o m o conseqüência, continua Freud na mesma frase8,

do ponto de vista da psicanálise, o interesse sexual exclusivo do homens


por mulheres também constitui um problema que precisa ser elucidado,
pois não é fato evidente em si mesmo, baseado em uma atração afinal
de natureza química.

A nos mais tarde, precisam ente em 1 9 2 0 , Freud deixa ainda mais clara sua p o ­
sição em relação à hom ossexualidade9:

N ão com pete à psicanálise solucionar o problema do homossexualismo.


Ela deve contentar-se com revelar os mecanismos psíquicos que culm i­
naram na determ inação da escolha de objeto, e rem ontar os caminhos
que levam deles até as disposições pulsionais.

A conclu são que podem os tirar é que tan to a hom ossexualidade quanto a he-
terossexualidade são destinos pulsionais ligados a resoluções edipianas.
A base da argum entação de Freud está na visão, com p letam en te nova e re­
volucionária, que ele dará à n o çã o de psicossexualidade. N o te x to de referência
sobre o tem a, "Três ensaios sobre a teoria da sexualidade", Freud afirma que, no
ser hum ano, a pulsão sexual não tem o b je to fixo, ou seja, ela não está atrelada
ao instinto, co m o nos anim ais. A o con trário, o o b je to da pulsão é diversificado,
anárquico, plural e parcial,- exprim e-se de várias formas: oral, anal, esco p ofílica,
vo cal, sádica, m asoquista, d entre outras. C o m isso, Freud divorcia a sexualidade
de uma estreita relação co m os órgãos sexuais, passando a consid erá-la co m o uma
função abrangen te em que o prazer é sua finalidade principal, e a reprodução uma
m eta secundária. Além disso, ao postular que a sexualidade vai além dos órgãos
genitais, Freud leva "as atividades sexuais das crianças e dos pervertidos para o
m esm o âm bito que o dos adultos norm ais"10. N essa perspectiva, em que as pulsões
parciais integram o psiquism o hum ano, o c o n c e ito de norm alidade perde seu sen ­
tido, tornand o-se uma ficção: não existe d iferença qualitativa en tre o norm al e o
p ato ló g ico . A diferença reside nas pulsões com p on en tes d om inantes na finalidade
sexual. A lém disso, se os impulsos afetuosos e am istosos, reunidos na “palavra e x ­
trem am ente ambígua de 'amor'", nada m ais são do que m o ções pulsionais sexuais
"inibidas em sua finalidade ou sublimadas"", cada su jeito possui um v estíg io de escolh a
de o b je to hom ossexual.
Fin alm en te, à b io lo g ia , à m oral, à re lig iã o e à op in ião popular, Freud disse o
quanto elas se enganam no que se rela cio n a à 'natureza' da sexualidad e humana.-
a sexualidad e hum ana é, em si, perversa. A g in d o a serviço p róp rio ao buscar o
prazer, ela escap a a qualquer ten ta tiv a de n orm alização e subverte a natureza
'p erv ertend o', assim , seu o b je tiv o su p o stam en te natural-, a p ro cria çã o . A sexu a­
lid ad e é co n tra a natureza,- em se tra ta n d o de sexualidade, n ão existe 'natureza
hum ana'.
Freud não apenas argum entou seus pontos de vista teoricam en te co m o os
sustentou na prática. Em 1 9 0 3 , quando a hom ossexualidade era tida co m o um
problem a m éd ico e ju ríd ico , o jo rn a l vienense Die Zeit pediu a Freud que se p ro ­
nunciasse sob re um escân dalo envolvend o uma im portante personalidade acusada
de práticas hom ossexuais. Freud respond e q u en

a homossexualidade não é algo a ser tratado nos tribunais. (...) Eu tenho


a firme convicção de que os homossexuais não devem ser tratados com o
doentes, pois uma tal orientação não é uma doença. Isto nos obrigaria
a qualificar com o doentes um grande números de pensadores que admi­
ramos justamente em razão de sua saúde mental (...). O s homossexuais
não são pessoas doentes.

Em 1921, Freud recebeu uma carta de Ernest Jo n e s, então presidente da Inter­


national Psychoanalytical Association (IPA). N ela, Jo n es relatava a Freud que receb era
um pedido de admissão à socied ad e de um analista hom ossexual. Jo n e s é con tra
sua adm issão. N a resposta à carta, assinada por Freud e O tto Rank, lê -s e 13:

Sua pergunta, estimado Ernest, sobre a possibilidade de filiação dos h o ­


mossexuais à Sociedade, foi avaliada por nós e não concordam os com
você. C om efeito, não podemos excluir estas pessoas sem outras razões
suficientes (...) em tais casos, a decisão dependerá de uma minuciosa
análise de outras qualidades do candidato.

Finalm ente, tem os a fam osa carta de Freud, escrita em 1 9 3 5 , a uma mãe am e­
ricana que solicita seus co n selh o s sobre seu filho hom ossexu al14:

A homossexualidade não é, certam ente, nenhuma vantagem, mas não


é nada de que se tenha de envergonhar,- nenhum vício, nenhuma de­
gradação, não pode ser classificada com o doença,- nós a consideramos
com o uma variação da função sexual.

■ Os pós-freudianos e a homossexualidade
E n tretan to , a posição freudiana em relação à questão não ob teve con sen so
entre os analistas, chegan d o m esm o a p rovocar p o lêm ica en tre a Socied ad e P sica­
nalítica de V iena e a de Berlim. O s últim os, dirigidos por A braham , consideravam
que os hom ossexuais eram incapazes de e xercer a profissão de analista, pois a
análise não os curaria' da 'inversão' de que sofrem . A Socied ad e de V iena, apoiada
em Freud, tinha uma opinião to talm ente contrária, co m o visto na carta de Freud
a Jo n e s citad a anteriorm ente.
Anna Freud, filha e herdeira intelectual da obra de Freud, tentou, em sua práti­
ca clín ica , transform ar hom ossexuais em pais de fam ílias heterossexuais, o que r e ­
dundou em grandes fracassos. C on trariam en te a seu pai, ela sem pre m ilitou con tra

156
o acesso de hom ossexuais à profissão de analistas. Anna deixou clara sua p osição,
em uma carta datada de ] 9 5 6 à jo rn alista N a n cy P ro cter-G reg g , d esen corajan d o-a
a publicar a fam osa carta de seu pai de 1 9 3 5 15:

Existem várias razões para isto [para que a carta não seja publicada],
Um a é que h oje se pode tratar mais homossexuais que se fazia outrora.
O utra é que os leitores poderão ver aí uma confirmação do fato que
tudo que a análise pode fazer é convencer os pacientes que seus defeitos
ou "anomalias" não são tão graves assim, e que eles deveriam aceitá-los
com alegria.

Ainda que se possa argum entar que o rigor desses analistas em só admitir, entre
seus pares, pessoas acim a de qualquer suspeita deva ser atribuído às resistências à
Psicanálise, que era acusada de corrom p er a socied ad e com suas teorias sexuais, é
m uito difícil saber as verdadeiras razões que levaram esses dois im portantes nom es
da Psicanálise das prim eiras décadas - Anna Freud e E rnest Jo n e s - a adotarem
posições tão repressivas em relação à hom ossexualidad e16.
O utra im portante E scola de Psicanálise, a co rren te ligada a M elanie K lein,
entendia a hom ossexualidade fem inina co m o uma identificação a um pênis sádi­
co , e a m asculina co m o um p roblem a esquizoid e da personalidade ou com o uma
defesa contra a paranóia: em am bos os casos, tratava-se de uma p atologia grave,
uma variante de um estado p sicó tico m ortífero e destruidor. Isso significa definir
os hom ossexuais co m o d oentes, desviantes, o que co n seq u en tem en te os im pedia
de se tornarem analistas (tais po sições, am plam ente apoiadas pelas sociedades
psicanalíticas norte-am ericanas filiadas à IPA, só recen tem en te, verem os, foram
repensadas).
O grande exp o en te da Psicanálise francesa, Jacq u es-M arie-E m ile Lacan, teve
uma posição d iferente em relação aos hom ossexuais. Em uma ép oca em que as
sociedades psicanalíticas francesas seguiam o m odelo am ericano de im pedir o
acesso de hom ossexuais à form ação analítica, Lacan os receb ia em análise, acei-
tava-os co m o m em bros da Ecole Freudienne de Paris, fundada por ele, e nunca tentou
transform á-los em heterossexuais. Para Lacan, en tretanto, a hom ossexualidade
não era, co m o para Freud, um a o rien ta çã o sexual. Segun d o R o u d in esco 17, a p o ­
sição de Lacan é bem próxim a da de M ich e l Foucault e de G illes D eleu ze, que
valorizavam a perversão co m o uma co n testa çã o radical à ordem social burguesa.
Lacan, que dizia haver sem pre uma d isposição perversa em toda form a de am or18,
entendia o hom ossexual de uma m aneira b em próxim a à de Proust: um p erson a­
gem sublim e e maldito,- um 'perverso', pois ele subverte, perverte, o discurso d o ­
m inante da civilização. P or con seg u in te, o reco n h e cim e n to da hom ossexualidade
co m o 'subversão' não levava nem à d iscrim inação nem a discursos repressivos (é
por en tend er a hom ossexualidade nesse m esm o viés - uma subversão ao discurso
m achista dom inante - que Bourdieu19 deplorava a reivind icação de norm alização

157
dos m ovim entos gays, pois, ao fazerem isso, voltam co n tra si m esm os o discurso
h eg em ô n ico .)

■ A homossexualidade na atualidade
N o en tan to , o d eb ate co n tin u a , co m o nos tem pos freudianos: há analistas
que veem a hom ossexualidad e c o m o algo que pode e deve ser tratad o, e aqueles,
mais próxim os de Freud, que a en ten d em co m o uma p o sição libidinal ao m esm o
títu lo que a heterossexualidad e. O núm ero de trab alh os que têm sido pu blicad os
sob re o tem a nos últim os anos é sig n ificativo, para não d izer sin to m á tico . E m b o ­
ra não seja o esco p o d este trab alh o fazer uma revisão da literatura re ce n te sob re
o tem a, para a qual rem eto o leito r in teressad o20, ca b e cita r algumas p o sições
te ó rico -clín ica s.
E xistem aqueles que não escon d em sua h om ofobia. É o caso, por exem plo, de
Edm und Bergler e de C h arles S ocarid es. A m bos, que tiveram im portantes p o si­
çõ e s em socied ad es psicanalíticas norte-am ericanas, contribuíram enorm em ente
para a d iscrim inação dos hom ossexuais que pretendiam se tornar analistas. Em
1 956, B ergler escreveu21:

N ão tenho preconceito contra a homossexualidade... [mas] os hom os­


sexuais são, por essência, pessoas desagradáveis, que não se preocupam
se suas atitudes agradam ou não. Possuem uma mistura de arrogância,
falsa agressão e lamúria. Com o todos os masoquistas psíquicos, são
obsequiosos quando se encontram confrontados a uma pessoa mais
forte,- impiedosos quando têm o poder, sem escrúpulos quando se trata
de esmagar alguém mais fraco... raramente encontram os um ego intacto
entre eles.

E Socarid es, em 1 9 9 5 22:

O homossexual pode parecer não ser doente, exceto na hipocrisia de


sua vida sexual. C ertos homossexuais muito perturbados não têm an­
gústia, pois estão constantem ente engajados em relações sexuais com
pessoas do mesmo sexo - o que alivia sua ansiedade.

Em clara o p osição às teses freudianas, mas na m esm a linha de pensam ento


que A nna Freud, existem os que, baseados em uma suposta falha narcísica nos
hom ossexuais, conclu em que23

a hora atual, com o aumento do conhecim ento tanto teórico quanto


clínico, é possível afirmar que a psicanálise pode resolver o problema
da homossexualidade.

V ale n otar que o autor desse te x to deixa claro que está trabalh ando co m m o ­
delos te ó rico s sem sustentação clínica!
N o en tan to , há os que pensam diferente. N o Concjresso Internacional de Barcelona,
em 1997, Ralph R ou ghton, analista didata de Socied ad e P sicanalítica de C leve-

■ A invenção da homossexualidade
land, Estados U nid os, e m em bro da A ssociação Psicanalítica A m ericana, filiada à
IPA, fez uma co m u n icação con tu n d ente que, finalm ente derrubou a "regra silen ­
ciosa", segundo a qual candidatos hom ossexuais não deveriam ser aceito s com o
m em bros das socied ad es filiadas à IPA. N essa com u n icação, R o u g h to n 24, após re-
traçar a luta dos analistas hom ossexuais am ericanos para serem reco n h ecid o s pela
IPA e definir-se co m o um analista didata e hom ossexual, apresen tou consid erações
clínicas pertinentes que sustentam a existên cia "inegável de m ulheres e hom ens
hom ossexuais sadios e equilibrados".
P orém , a pergunta resiste-, se, com o vim os, Freud teve um a posição aberta, por
que a m aioria dos psicanalistas, em p rincíp io seus herd eiros, m antêm posições
discrim inatórias ou m esm o hom ofóbicas? Por que a hom ossexualidade tornou -se
para a Psicanálise uma d oença a ser curada por m eio da m udança do o b je to de
d esejo do sujeito, de acord o com as cren ças do psicanalista? C ren ças essas, diga-se
de passagem , que não encon tram nenhum respaldo na obra freudiana.

■ Um impasse interno
Boa parte das am bigüidades e incongru ências encontradas em toda discussão
sobre a hom ossexualidade é o resultado de um con flito entre, de um lado, a d es­
cob erta psicanalítica segundo a qual a pulsão não possui o b je to de satisfação p re­
determ inado e, de outro lado, a ordem sim bólica, atrelada ao im aginário cultural,
que tenta fixar a pulsão a o b je to s culturalm ente valorizados. O u, ainda: um conflito
entre a posição freudiana, segundo a qual à Psicanálise cab e apenas "revelar os
m ecanism os psíquicos que culm inaram na d eterm inação da esco lh a de o b je to "25 e,
por outro lado, a tentativa de norm alização desses m ecanism os psíquicos a partir
de um m odelo edipiano cu jo "triângulo" seria a fam ília burguesa da V iena de Freud.
Freud parece p erceber esse con flito ao relatar o "C aso D ora": quando descobre
que, por trás da atração de D o ra por seu pai, havia uma identificação a este, que
se m anifestava no am or hom ossexual de D ora pela Sr3 K, ele tem que adm itir que
não há nada de naturalm ente heterossexual, e m uito m enos de inato, na pulsão.
A Psicanálise, que, em um prim eiro m o m en to, foi libertadora, ao denunciar a
existên cia de uma outra cen a - o in co n scien te - que d eterm ina nossas escolhas
o b jetais, tornou -se, em um segundo m o m en to, contam inada pelos m esm os p rin cí­
pios d om inantes que ela denunciara. Passou, então, a ser utilizada co m o referência
de norm alidade, guardiã de um a ordem sim bólica suposta im utável, que idealiza
uma form a única de subjetivação baseada nas norm as vigentes: isso deu à P sicaná­
lise o poder (perverso) de deliberar sob re o norm al e o p ato ló g ico .
O arcabouço teórico da Psicanálise não é imune às im plicações da ordem sim bó­
lica da qual em erge. O s psicanalistas, a com eçar pelo próprio Freud, são afetados em

159
suas escutas por seus com plexos inconscientes e suas organizações identificatórias.
Em bora saibam, teoricam ente, que o im portante é seguir os cam inhos pulsionais e
as escolhas de ob jeto, não estão vacinados contra posições normativas que tendem
a enquadrar as vicissitudes da pulsão na hegem onia discursiva dominante. Presos em
uma espécie de arrogância psicanalítica que se vê detentora da Verdade, sentem -se
autorizados a determ inar as cond ições ideais para um desenvolvimento psíquico
normal. A dinâmica do funcionam ento psíquico foi abandonada e adotou-se uma
prescrição normativa de circulação pulsional. É por isso que, na maioria de trabalhos
sobre o tema, há pressupostos teóricos psicanalíticos sendo utilizados para sustentar
o discurso heterossexual dominante.
Se ja co m o for, todo o arsenal te ó rico da Psicanálise não conseg u e explicar
co m o se organiza a cham ada esco lh a de ob jeto '. Se, co m o visto acim a, h ete ro sse ­
xualidade e hom ossexualidade têm que ser explicadas, pois na pulsão nada existe
de natural, cab e a pergunta: co m o o sujeito se torna hom ossexual, heterossexual
ou bissexual?
N o que diz respeito ao "tornar-se hom ossexual", foi o psicanalista n o rte-am eri­
cano R o b ert S to lle r26 quem m elh or cham ou a aten ção para a inexistência de uma
form ulação psicanalítica co n sisten te sobre a hom ossexualidade. Após denunciar
que os analistas não chegaram a um acord o que faça con sen so sobre o tem a, ele
m ostrou a falta de observações clín icas e de pesquisas co n v in cen tes sobre a ques­
tão. S to lle r dem onstrou que as regras de escrita dos trabalh os sobre a h om osse­
xualidade, contam inadas pela retórica, pelo tom carregad o dos argum entos e pela
referência à autoridade, tropeçaram no m esm o pon to: não conseguiram reunir
elem entos que sustentassem uma especificidade da hom ossexualidade em relação
à heterossexualidade e, m enos ainda, que m ostrassem que a hom ossexualidade é
uma patologia.
C ab e , então, retornar à questão de uma form a analítica e perguntar sobre o
retorn o do recalcad o , que se m anifesta na insistência em p ato lo g izar a h om osse­
xualidade e em tratá-la co m o um sintom a.
A m aioria dos trabalhos sobre o tem a parte do princípio, evidentem ente falso,
de que os problem as psíquicos que o sujeito apresenta decorrem do fato de ele
ser hom ossexual. M uitos analistas não 'escutam ' o sujeito que, co m o qualquer
su jeito, têm angústias, m edos, neuroses, enfim , razões para buscar a ajuda de um
profissional. 'Escutam ', antes, o hom ossexual que está ali e tendem a estab elecer
a equ ação 'hom ossexualidade = sofrim ento'. C o m raras e x ce çõ e s, o psicanalista,
frente ao sujeito hom ossexual, parte da prem issa de que sua hom ossexualidade é
sin tom ática - o que pode sem dúvida ser verdade, mas, nem sem pre o é: isso só
é esclarecid o ao lon go do tratam en to. As in terp retações são feitas em busca do
con flito que teria desviado o sujeito de uma d issolução edipiana tida co m o a única
produtora de saúde psíquica. E curioso observar que em m uitos relatos clín ico s,
publicados ou apresentados nos diversos en co n tro s de psicanalistas, o prim eiro
dado fornecid o quando o clien te é hom ossexual é: 'trata-se de um su jeito h o m o s­
sexual...' (o relato subsequente é, a partir daí, contam in ad o pela orien tação sexual
do su jeito.) M u ito raram ente, para não d izer nunca, um relato clín ico se inicia por:
trata-se de um su jeito heterossexual...'. Q uand o o analista está con v en cid o de que
seu p acien te é 'isso' ou 'aquilo', sua aten ção flutuante corre o risco de im obilizar-
se, pois ele só escutará o que quer ouvir. Por exem plo, alguns analistas, co m o
visto, atribuem aos hom ossexuais a prática de uma sexualidade com pulsiva, co m o
form a de descarregar a ansiedade, que se m anifestaria pela busca incessante de
parceiros. O ra, o núm ero de locais destinados ao pú blico heterossexual em busca
de parceiras é m uito m aior que os locais destinados aos hom ossexuais. Isso m o s­
tra que, se prom iscuidade’ existe, ela é característica da org anização psíquica de
alguns sujeitos, sobretud o m asculinos, sejam eles hom ossexuais ou heterossexuais,-
em alguns casos, uma defesa con tra a castração. Além disso, sabe-se m uito bem
que co n h ece r a 'o rien tação sexual' de alguém em nada inform a sobre sua saúde,
maturidade ou im aturidade psíquica, e m uito m enos sobre seus con flitos internos.
A maneira com o cada um vive sua sexualidade é, sem dúvida, parte im portante
de sua identidade subjetiva, ou, se preferirm os, de sua personalidade, mas não a
define. O que som os, o que cada um é, vai m uito além de sua prática sexual.
M ais ainda. V im os, no que diz respeito à adm issão de analistas hom ossexuais
nas sociedades de Psicanálise, que a história da Psicanálise foi e con tinu a sendo
repleta de calorosas discussões e debates com p osições extrem am en te divergentes
e conflitantes. E n tretanto, essa m esm a história é m uito mais rica em relatos de
v iolações de lim ites de analistas não hom ossexuais com seus clie n te s27.
N o cam po da sexualidade, desde os tem pos de Freud até h o je , não há prova­
velm ente socied ad e psicanalítica alguma que tenha ficado ao abrigo de a c o n te c i­
m entos envolvendo relaçõ es (sexuais ou não) en tre analista e clie n te , em que os
lim ites do setting an alítico foram ultrapassados28. Em uma carta de 14 de jan eiro
de 19 12 a Ernest Jo n e s - o m esm o que im pede o acesso de hom ossexuais às
Sociedad es de Psicanálise - , Freud deplorou a com pulsividade sexual de Jo n e s 29:
"lam ento m uito que v o cê não seja capaz de co n tro la r tais tend ências [a im pulsivi­
dade sexual], co n h ece n d o bem , ao m esm o tem po, as fontes de ond e se originam
todo este mal".
U m a possível exp licação para que esse tip o de atuação nunca ten h a sido c rité ­
rio de adm issão, ou de expulsão, nas socied ad es psicanalíticas, é que ela, em bora
recon h ecid a co m o problem ática, en caix e-se perfeitam ente na ideia de um destino
pulsional heterossexual norm al, cu jo co n tro le escape ao sujeito. E ntretanto , as
conseqüências variam enorm em ente, sabe-se m uito bem disso, se o analista é
hom em ou mulher.
O u tro fato curioso: em m inha exp eriên cia clín ica de vários anos, ten h o o b ­
servado que a orien tação hom ossexual funciona co m o um 'cartão de visita' a ser
apresentado lo g o nas prim eiras entrevistas (a não ser, é claro, quando o sujeito
p ercebe sua sexualidade co m o algo tão assustador que n ecessite de várias sessões
para 'd etectar' a possível reação do analista). Q uase sem pre, en tretan to , o sofri­
m en to devido ao fato de ser hom ossexual advém m uito mais de questões sociais
e m edos - o que os outros vão d izer1, se os meus pais ou am igos souberem ', da
culpa, da d iscrim inação... - do que da sexualidade em si30. N esse sentid o, com o
expressa, com pertinência, Jú lio N a scim en to 31,

a homossexualidade é um hífen [professor-homossexual, vendedor-ho-


mossexual, filho-homossexual] (...) que obedece a função F(S) = x-h,
onde lê-se a função de um sujeito (F(S)} é definida por qualquer atributo
ou representação do eu (x) que estará colada ao discurso hegem ônico
sobre a homossexualidade.

A etapa seguinte é a cre n ça na existên cia de uma identidade hom ossexual, que,
mais uma vez, reduz o su jeito à sua prática sexual, p rovocando o m esm o e feito
criad o pela palavra hom ossexual: um caráter d iscrim inatório.
(U m parêntese para fazer uma crítica a alguns m ovim entos g ay s, tan to no
Brasil quanto no exterior, que, baseados na existên cia de uma suposta 'id en tid a­
de hom ossexual', criam guetos id eo ló g ico s, que to cam a h etero fo b ia. O m esm o
o co rre com algumas socied ad es de Psicanálise nos Estados U n id os, sobretud o na
C alifórn ia, em que apenas analistas hom ossexuais são adm itidos, pois d efend e-se
que só hom ossexuais 'entenderiam ' os hom ossexuais. C o m o se os hom ossexuais
fossem algo diferente, uma classe à parte, que necessitasse medidas especiais. N ão
estariam , agindo assim, revertend o sobre si o discurso do qual se dizem vítim as e
perpetrando, mais uma vez, a v iolên cia sim bólica que os discrim ina?
N o que diz resp eito às leis que garantem seus direitos de cidadãos e os p ro te ­
jam co n tra a segregação, a questão é outra. N o sen tid o de um grupo, a identidade
pode ser com preend ida co m o um esp aço p o lítico que possui um program a de
ação atuante, uma luta com um , uma reivind icação. Trata-se da luta por direitos
iguais. N ada im pede que exista uma 'união', uma 'identidade política' em to rn o de
uma causa com um : co n tra a exclusão e em prol da cidadania, seja o sujeito g a y
ou não.)
A rgum enta-se, com o já dito, que o hom ossexual apresentaria uma "falha
narcísica". E n tretan to , em seu te x to "So bre o narcisismo-. um a introd ução ", Freud
esclarece que a esco lh a narcísica nada tem a ver com o sexo dos parceiros. O u
seja, a falha narcísica, que é uma posição pulsional, pode oco rrer em qualquer
e sco lh a de o b je to : é a dinâm ica pulsional que sustenta a m odalidade de relação
o b je ta i - an aclítica ou narcísica - , e não o sexo an atô m ico dos protagonistas, que
determ ina se a esco lh a de o b je to é, ou não, narcísica.
O u tra argum entação co rren te usada para sustentar a ideia de um problem a
ed íp ico na origem da hom ossexualidade seria a vivência de um 'Édipo invertido'
ou 'negativo'. C o n stata-se que, sem dúvida, há casos em que uma situação desse
tip o ocorreu. P orém , se seguirm os as p osições freudianas, vê-se que não existe

162
um Édipo co rreto . O Édipo é 'negativo', ou 'invertido', em relação ao m odelo
heterossexual tido co m o norm al. C o n tu d o , em h ip ótese alguma é uma resolução
p ato ló gica do co m p lex o . Q u e esse tip o de resolução edípica dê uma configu ração
particular da angústia é, sem dúvida, verdadeiro. M as, por que essa configuração
seria m ais ou m enos certa, mais ou m enos norm al, do que a configu ração da an ­
gústia proveniente de uma resolução heterossexual? Ju ntam -se a isso os estudos
recentes, que m ostram que o destino psíquico das crianças criadas no m odelo
hom oparental, ou m onoparental, não revela particularidade alguma em relação
ao m odelo trad icio n al32.
'Resolver' o Édipo significa não ocupar o lugar de o b je to de g o z o dos pais, ou
de seus substitutos, ou seja, separar-se das form ações in co n scien tes do d esejo dos
pais. Para que isso ocorra, é necessário que algo organize, que algo separe, a célula
narcísica m ãe-filho, excluind o a criança, futuro sujeito, de uma relação triangular.
E ntretanto, nada indica que exista apenas um m odelo de arranjo fam iliar capaz
de prom over essa separação. Além disso, não foi preciso esperar a Psicanálise
para se saber o quanto a fam ília trad icional nunca foi garantia de norm alidade: o
argum ento p sico ló g ico que defende a necessidade do par hom em /mulher para a
saúde psíquica da crian ça não se sustenta.
Q u an to à ligação excessiva à m ãe, am plam ente debatida por Freud em seu
te x to de 1911, “Leonard o da V in ci e uma lem brança de sua infân cia"33, a clín ica
inform a de m uitos sujeitos que tiveram essa ligação excessiva sem , contud o,
apresentarem solu ções hom ossexuais. N o que diz respeito à id en tificação à m ãe
e a esco lh a de parceiros baseada nos cuidados que a mãe outrora dispensara ao
sujeito, é, m ais um a vez, um d estino pulsional possível e não pode ser usado co m ó
referência de norm alidade ou de patologia. Sem pre haverá uma posição pulsional,-
não há uma que seja mais correta que a o u tra; não existe uma form a única e n or­
mativa de 'atravessar' o Édipo.
A Psicanálise cria seus c o n c e ito s d entro da org anização sim bólica em que
nasceu. O Édipo clássico é uma m anifestação da "violência sim bólica"34. N essa
perspectiva, p ato lo gizar a hom ossexualidade é uma reação radical aos q u estiona­
m entos que essa últim a co lo ca aos fundam entos da ordem sim bólica dom in ante35.
O fracasso em en co n trar algo de particular, de 'desviante', esp ecífico da solução
hom ossexual, atesta que a pulsão escapa a qualquer tentativa de norm alização.

■ A invenção da homossexualidade
Se o sim bólico é sem pre uma co n stru ção , ca b e - para retom ar o títu lo deste
trabalho - nos perguntarm os co m o o sim bólico 'inventa' a hom ossexualidade
co m o categoria diferenciad a de expressão da sexualidade, e com o a teoria p sica­
nalítica, que está inserida nesse sim b ólico, lida com essa invenção.
C o m o se sabe, a sexualidade hum ana tem uma história. O s elem entos c o n sti­
tutivos dessa história com eçam b em antes do nascim en to da crian ça e estão in ti­

163
m am ente relacionad os ao lugar que esta ocupa no im aginário dos pais, no d esejo
deles, assim co m o na econ om ia libidinal do casal. Após o n ascim en to, tem in ício a
cham ada con stitu ição do sujeito-, um processo m arcado por intensos m ovim en tos
pulsionais, característicos do períod o pré-edipiano.
As pulsões parciais, sem pre em busca de prazer e indiferentes à natureza dos
o b je to s que as satisfaçam , devem se adequar às dem andas do p rocesso civiliza-
tório, às dem andas do O u tro: a polim orfia da sexualidade infantil tem que se
assujeitar a esse processo. Isso o co rre por m eio de m ovim entos psíquicos que
envolvem perdas que possibilitam , ao sujeito em con stitu ição , o acesso à lei da
troca, levando-o a renunciar ao narcisism o prim ário para aceder ao secu nd ário36.
T od o esse processo resulta na expressão da sexualidade adulta. E a m aneira com o
cada um experim enta sua sexualidade, co n creta m en te ou fantasm aticam ente — de
form a mais ou m enos reprim ida, com prazer, com culpa, co m o correta, desviante,
perversa, enfim , as singularidades das m anifestações da sexualidade em suas ver­
tentes h om o, h étero ou bi, - é construída desde os prim eiros dias de vida e traz,
em sua essência, as m arcas do im aginário sexual da socied ad e na qual a criança
en co n tra-se inserida.
O s critério s, construídos e h istoricam en te datados, que determ inam a form a
correta' do ex e rcício da sexualidade, são arranjos sim bólicos que repousam sobre
o sistem a de valores de uma dada sociedade. N a socied ad e ocid ental, dom inada
pela trad ição ju d aico -cristã, esse sim bólico é m arcado por uma visão negativa
da sexualidade, cujas origens devem ser buscadas no relato b íb lico do pecado
original37. Foram tam bém os ideais da cultura ocid en tal que deram origem ao
discurso que classifica as práticas sexuais em 'norm ais' e 'anorm ais' (ou perversas,
desviantes). A partir da ideia de uma sexualidade norm al segundo a natureza, todo
desvio passa a ser consid erad o uma depravação - prav m s 38 - "con tra a natureza".
Q uand o a sexualidade desvia da finalidade prim eira - união de dois órgãos sexuais
diferentes para a preservação da esp écie - , estam os diante de uma perversão:
pedofilia, necrofilia, m asturbação, heterossexualidad e separada da procriação,
hom ossexualidade, sodom ia...
E stabeleceram -se 'critérios de norm alidade', os quais foram dogm atizados e
transform ados em revelações a serem seguidas sem questionam ento. Tais c rité ­
rios são in trojetad o s com o ideais culturais e, ju n tam en te da autoridade paterna,
constitu em o superego. C o m esse exped ien te, o sim b ó lico cria, de um lado, tan to
a 'sexualidade norm al' quanto as 'desviantes', d entro das quais en co n tra-se a h o ­
m ossexualidade, e de outro, inventa categ orias classificatórias, que transform am
posições libidinais em orien tação sexual39.
Se seguirm os a Psicanálise quando ela afirma que a sexualidade escapa a toda
e qualquer tentativa de norm alização, a im posição de uma form a de sexualidade
que aprisione a pulsão em um m odo único e universal de circu lação, a partir de um
destino pulsional tido co m o 'norm al', não será sem co n seq ü ên cias40. D eix o para
outra ocasião uma discussão clín ica mais aprofundada sobre a questão, lim itando-
me, aqui, a alguns com en tários ilustrativos.
A o lon go de m eu trabalh o te ó rico -clín ic o , ten h o sido cham ad o para discu­
tir em escolas questões do cotid ian o ligadas à sexualidade, co m o deve ser uma
aula de 'educação sexual', prevenção de D o en ças Sexu alm ente Transm issíveis
(D S T ), Aids e tem as sim ilares41. N ão raro ou ço relatos de alunos que, por terem
expressado uma atitude h om oerótica, passam a ser cham ad os, quando não e stig ­
m atizados, de 'bichas'. Raram ente as escolas propiciam um esp aço em que esses
aco n tecim en to s possam ser debatidos. C o m o con seq ü ên cia desse silên cio acerca
da sexualidade, pode a co n tece r que a co rren te libidinal presente naquela m anifes­
tação afetiva passe a ser vista com o d eterm inante na sexualidade da criança. A o
sublinhar uma determ inada form a de m anifestação pulsional, o im aginário social,
no qual a escola está imersa, está não apenas im pedindo o curso sadio das pulsões
sexuais, mas talvez - e isso pode ser perverso - d irecionand o a futura orientação
sexual da criança. C o m p reen d e-se b em por que as aulas de edu cação sexual sur­
tem tão pouco efeito : elas não atingem a dim ensão in co n scien te da sexualidade,-
o real do sexo. D a í a necessidade, advoga Freud42, dos educadores subm eterem -se
a um processo psicanalítico.
N a ad olescência, esse tip o de situação tam bém oco rre. S en d o este um período
de reorg an izações de rein vestim entos libidinais, pode a co n tece r que o(a) ad oles­
cen te sinta um apelo pulsional d irecionad o a uma pessoa do m esm o sexo. N o v a ­
m ente, os ideais culturais, que ditam que só uma form a de sexualidade é norm al
- a heterossexual transform am essa vicissitude pulsional em fo nte de angústia,
que pode ch eg ar ao desespero, pois o sujeito se sente estigm atizad o em relação ao
discurso d om inante, podend o até m esm o im pingir-se uma 'escolh a sexual', que, de
forma alguma, correspond a à sua verdade pulsional. E com um um (a) ad olescente
procurar um profissional para que este o ajude frente a essa situação. Pode a c o n ­
te cer desse profissional, im erso nos valores sociais dos quais não estab elece uma
distância crítica, tom ar a m anifestação libidinal da co rren te hom ossexual com o
uma orien tação sexual definitiva. S ab e-se das inúmeras conseq ü ências, por vezes
catastróficas, que podem advir daí.
Tam pouco os adultos estão ao abrigo do im aginário cultural norm ativo. Para
alguns, as m o çõ es pulsionais h o m o eró tica s am eaçam sua sexualidade. N os h o ­
mens, a m asculinidade é lo g o questionada. E xperim entam esse cam in h o pulsional
co m o uma verdadeira am eaça e, não raro, questionam a 'solidez' de sua orien tação
sexual. É mais com um do que se im agina o núm ero de su jeitos que se encaixam
nos clássicos padrões da heterossexualidad e - casados, com um vida sexo-afetiva
satisfatória - e que têm relacion am en tos hom ossexuais sem , con tu d o, estim a-
rem -se hom ossexuais. Alguns vivem isso com relativa tranqüilidade, em bora não
seja o caso para a m aioria. M u itos profissionais veem aí uma hom ossexualidade
não assumida. Em bora essa situação possa efetivam ente ocorrer, o trabalh o c lí­
nico com esses sujeitos m ostra, uma vez m ais, o quanto os o b je to s de satisfação
pulsionais são variáveis. A h istória psicossexual do sujeito determ ina co m o essa
m o ção pulsional é experim entada: com mais ou m enos angústia, culpa, e outros
tantos afetos.
Resum indo: ninguém está ao abrigo de ser interpelado(a) por um objeto que evoque moções
pulsionais homossexuais. Entretanto, a hegemonia discursiva dominante determina a form a correta
da sexualidade e inibe toda expressão da pulsão sexual que escape à norma socialmente construí­
da. Ao criar uma camisa de força do tipo "ou versus ou", ou heterossexual ou homossexual, a
organização simbólica não apenas impede uma fluidez pulsional menos conflitual, como impõe um
discurso dogmático estigmatizante, que classifica os sujeitos como normais ou desviantes, a partir
de sua orientação sexual.

■ Reflexões finais
E m bora o 'm undo natural' seja o m esm o para qualquer socied ad e, cada uma
vai p e rce b ê -lo e d eco m p ô -lo para, em seguida, dar-lhe sentido, d entro das asso­
ciaçõ es sintagm áticas que aquela socied ad e criou para 'ler o mundo'. O discurso
interpretativo que surge daí é tributário do sistem a sim bólico da socied ad e em
questão, que está sujeito ao universo im aginário e fantasm ático dessa m esm a s o ­
cied ad e: não existe um paradigm a ún ico, universal.
V ivem os nossa sexualidade d en tro do im aginário da sociedade na qual estam os
inseridos. D esco n h e cem o s que som os guiados por co n v en çõ es culturais e a cred i­
tam os na existên cia 'natural' de sujeitos heterossexuais, bissexuais e hom ossexuais.
Essa cren ça, evidentem en te id eológ ica, é vivida co m o algo intuitivo, universal­
m ente válido, desde sem pre, para tod os os sujeitos. E por isso que uma das coisas
mais d ifíceis a suportar é a d iferença, sem que ela seja vivida co m o uma am eaça.
A ceitar que o outro possa ser d iferente abala nossa verdade e m ostra que a ver­
dade é sem pre a verdade de cada um, o que desvela a ilusão da existên cia de uma
identidade últim a e absoluta, revelando que nossos referen ciais são con stru çõ es
com tem p o de vida lim itado.
O discurso social, que co n stró i as referên cias sim bólicas do m asculino e do
fem inino e dita os parâm etros que definem a 'sexualidade co m o normal', con tribui
não só para a invenção da hom ossexualidade co m o tam bém para que o sujeito
hom ossexual, m arcado pelos ideais da socied ad e, sin ta-se 'desviante', p o sto que
excluíd o do discurso d om inante. O s hom ossexuais nascem em uma sociedade
cuja organização sim bólica ced o lhes ensina que sua form a de viver a sexualidade
é errada. U m a pessoa, durante um processo an alítico , disse: 'prim eiro aprendi que
ser hom ossexual era anorm al. D ep ois, d escobri que era hom ossexual. O u seja, que
era anorm al. O que fazer?'.
V isto que os padrões da sexualidade hum ana são criados e não inatos, há de
se consid erar a im portância da história libidinal de cada um na origem de sua
solução sexual. Essa história, por sua vez, é construída por m arcas identificatórias
sucessivas, resultado de investim entos libidinais em d iferentes registros (sim ­

166
b ó lico , im aginário e fantasm ático), originados nos en co n tro s desse sujeito com
outros sujeitos. D ito de outra forma: o ser hum ano possui uma sexualidade. E essa
sexualidade, devido à singularidade da história de cada um, tem um d estino par­
ticular: não há uma única maneira que se proponha certa, única e universal, para
as m anifestações da sexualidade.
S e a re la çã o sexual não ex iste, é p o rq u e, n o in c o n s c ie n te , não e x iste a in s ­
c riç ã o p síq u ica da d ifere n ça sexual: "a fu n ção fálica não im p ed e os h o m en s de
serem h o m o ssex u ais"43. O h o m o ssex u al, c o m o o h e te ro ssex u a l, tem ace sso a
uma form a de g o z o fá lico .
N ão existe um su jeito hom ossexual, assim co m o não existe um heterossexual
ou bissexual. Existem m o ções pulsionais e m ovim entos identificatórios que se
deslocam , mais ou m enos livrem ente, e que se m anifestam nas escolh as ob jetais
que sustentam as diversas expressões da sexualidade. C o n tu d o , essas últimas não
definem o sujeito.
O s ideais sociais d irecionam os investim entos libidinais, criand o, assim, uma
sexualidade norm al', o que não deixa de ser, co m o dem onstrou Foucault44, uma
form a de co n tro le. Para a Psicanálise - que vem m ostrar o quão ilusório é falar de
'norm al' em se tratando de pulsão - , o relevante é ten tar com p reen d er a dinâm ica
que subjaz às d iferentes orien tações sexuais. N essa perspectiva, tanto a h étero
quanto a hom ossexualidade são p o sições libidinais e identificatórias alcançadas
pelo sujeito ao lo n g o de seu tra jeto pulsional.
Bissexualidades
CAPITUL013

Desdobramentos freudianos da
noção de bissexualidade
Vera Pollo
“Bissexualidade! Estou certo de cjue você está com a razão a respeito dela. E estou-me acostumando a
encarar todo ato sexual como um acontecimento entre Quatro indivíduos."

C arta de Freud a Fliess, em Io de agosto de 1899

■ Introdução

O
sexo dos seres falantes é m enos da ordem da certeza do que da dúvida,
con seq u en tem en te, da questão: "sou hom em ou m ulher?". D esd obrand o
a assertiva freudiana de que to d o ato sexual é "um a co n tecim en to entre
quatro indivíduos", o ensin o de Lacan nos perm ite d izer que nenhum ser falante
encontra, no ato sexual, o recurso que lhe perm ita afirmar-se hom em ou mulher.
Se a ad olescên cia é recen te enqu anto categ oria histórica ou so cio ló g ica , e mais
recen te ainda sua presen ça co m o v o cábu lo de dicionário, a m aturação fisiológica
dos órgãos ditos sexuais - apostando-se ou não em teorias evolucionistas - sucede
necessariam ente à aquisição da m archa e da fala e ao esta b elecim en to dos laços
sociais. Resum idam ente, aos prim eiros anos de vida. Em outras palavras, o filhote
do hom em sem pre foi, e perm anece, um ser de prem aturidade, fato prenhe de
conseq ü ências para sua realização co m o ser sexuado.
N o que tange ao sujeito, seus sintom as apresentam um "invólucro form al"1,
cu ja tram a é tecid a pelos significantes de um determ inado tem po e de um deter­
m inado espaço. A língua im aginária da neurose sofre as d eterm in ações da L in ­
guagem , um cam po que está longe de ser estático . Em seu Curso de lingüística geral,
Saussure2 conclu iu a existên cia de dois eixos.- há sincronia, mas tam bém diacronia,
uma vez que sons e corp os evoluem . E Freud3, em bora separasse o caráter sexual
do eu e as escolh as de objeto/parceiro sexuado, assinala várias vezes a virtualidade
do prim eiro, som atório de id en tificações suscetível a mudanças. V oltarem os a esse
ponto.

171
U m ad olescen te de 13 anos, em tratam en to no A m bulatório do N ú cleo de Es­
tudos da Saúde do A d o lescen te (N E SA ) do H ospital U niversitário Pedro E rnesto
(H U P E ) da U niversidade Estadual do R io de Ja n e iro (U E R J), declarou que só
entendeu o que lh e estava a co n tece n d o , quando passou a freqüentar o ce n tro
de m acum ba da avó: "Exu estava atrás âe mim para me jazer virar mulher, mas Xangô abriu
caminho por trás e soltou meus santos de berço".
U m a pergunta o afligia h á algumas sem anas: "P or que eu, e não uma m ulher?”.
S o b ela se dava a escutar um m isto de lam en to, queixa e reivind icação, que se
resum iria nos seguintes term os: M ich e l fora v iolen tad o sexualm ente por um v iz i­
nho, cu ja casa costum ava freqüentar ju n tam en te de outros m eninos de sua idade.
Seu vizinho criava e vendia passarinhos. U m a tarde o am arrou e o am eaçou com
canivete, usando-o com o o b je to sexual. D esd e o dia em que foi violen tad o, não
suportou mais ficar em lugares fechad os com outros hom en s, sobretud o em e le ­
vadores. "Minha carne treme toda", eram suas palavras. A cuado, recusando-se a sair
de casa, a fam ília com eço u a d izer de form a irônica: "parece que está virando
viado". Ele, então, pôs-se a indagar por que razão o hom em o teria esco lh id o. Essa
esco lh a o deixava perplexo, pois, con form e argum entava, não faltam mulheres
vagabundas em seu quarteirão, ond e existe, inclusive, uma rua cham ada 'b oca do
amor', feita exatam ente para isso.
Já tive ocasião de assinalar possíveis analogias entre o caso de M ich e l e o caso
de histeria traum ática trazido por Lacan em uma das lições de O Seminário, livro 3:
as p sicoses4. O p acien te de Jo se p h Eissler, cu ja observação clín ica fora retom ada
por L acan, vinha apresentando uma d or lom bar inexplicável, do p onto de vista
fisiológico, porém co eren te com a fantasia in co n scien te de gravidez, a qual in ­
depende do sexo b io ló g ico do su jeito, subjaz freq u entem en te por detrás de um
sintom a conversivo. N a releitura de L acan, o sin tom a não fora provocad o pelo
acid en te de trem de que o p acien te fora vítim a, mas expressava um q u estion am en­
to acerca do interior do co rp o próprio, sintom a d esencad ead o pelos exam es de
raios X a que fora exposto.
M ich e l tam bém fora vítim a de uma má tyche' um mau e n co n tro co m o Real,
que funcionara co m o o "um a mais" que o in co n scien te aguarda, prestes a explodir.
O u, então, co m o o fato extern o que leva a estrutura a sintom atizar. Pois bem , ao
escrever seu caso, vi-m e rem etida a uma passagem de Freud e outra de Lacan. Em
"O eu e o isso", Freud5 afirmou que

as quatro tendências em que ele (o complexo de Édipo) consiste agrupar-


se-ão de maneira a produzir uma identificação paterna e uma identificação
materna. (...) A intensidade relativa das duas identificações em qualquer
indivíduo refletirá a preponderância de uma ou outra das duas disposições
sexuais.

172
Q u an to a L acan, ao referir-se à postura que o p acien te de Eissler assumira
perante o analista - deitado de nádegas para cim a e de pernas entreabertas ele
observou que, em seus sintom as m anifestos, podem os até re co n h e ce r

a relação anal, ou homossexual, ou isto, ou aquilo, mas esses elementos es­


tão capturados na questão que é colocada - sou ou não alguém capaz de procriar?
Questão que, evidentemente, está situada no nível do Outro, uma vez que a
integração à sexualidade está ligada ao reconhecimento simbólico.

■ Bissexualidade: de quem a paternidade?


A ideia de uma disposição bissexual surge sim ultaneam ente, ou quase, nas
penas de Sigm und Freud, de W ilh elm Fliess e de alguns outros. Está presente in ­
sistentem ente no in tercâm b io de ideias que, in icialm en te, aproxim a e, mais tarde,
afasta os dois am igos pesquisadores. Enlaçados numa corresp o n d ên cia epistolar
de mais de dez anos, mas da qual restaram apenas cartas escritas por Freud, já que
este queim ou as de Fliess, nenhum historiad or põe em questão o valor docum ental
nelas presente para a análise dos prim órdios da teoria psicanalítica. Afirm a-se, sem
m edo, que o co n ju n to das cartas era co m p o sto de mais de 3 0 0 , pois som ente as de
Freud somavam 2 8 2 . A o que tudo indica, um e outro, o psicanalista e o otorrin o,
estavam em busca do aval do coleg a leitor, de algum m odo içad o ao lugar de su­
je ito suposto saber. Basta lem brar que seus en co n tro s cara a cara, em bora fossem
en con tros de apenas dois, eram d enom inados de "congressos", e Freud se referia a
Fliess nos term os de "o meu ún ico público".
Segund o P o rg e6, am bos con cord aram em situar na P áscoa de 1 8 9 7 , por
o casião de seu e n co n tro em N urem berg, o m o m en to em que Fliess expôs, pela
prim eira vez, sua co n c e p ç ã o de bissexualidade. Em carta datada de dezem bro
de 1 8 9 7 , Freud já afirmava reco rrer à bissexualidad e de to d o s os seres hum anos,
"para d ecid ir [p o r que a exp eriên cia sexual p re co ce acarreta] perversão ou n e u ­
ro se"7. Em ja n e iro de 1 8 9 8 , ele se d eclaro u "realm ente subjugado pela insistên cia
da bissexualidad e"8, con sid eran d o -a quase tão im p ortante quanto a sua própria
ideia de 'defesa' para o d esenvolv im ento da tem ática das neuroses. P or fim, em
agosto de 1 9 0 1 , ele p ontu ou 9:

D eves estar lembrado de que eu te disse, anos atrás, quando ainda eras
especialista e cirurgião nasal, que a solução estava na sexualidade, e de
que tu me corrigiste, anos depois, dizendo que estava na bissexualidade,-
e vejo que tinhas razão.

N o entanto , vista mais de perto, a n o çã o de bissexualidade poucas vezes teve a


m esm a co n o ta çã o nos dois autores. E isso se deve às diferenças entre os dois p o n ­
tos de partida, ou m elhor, ao o b je to da pesquisa de cada um. Para Freud, estavam
em jo g o as d istinções entre as cham adas 'neuroses de defesa' — histeria, neurose
obsessiva e paranóia assim co m o a etio lo g ia das mesmas e o esclarecim en to do
m ecanism o de form ação de sintom as. Estava em jo g o sua aspiração a entender,
tratar e constru ir sua própria teoria a partir das palavras pronunciadas pelas 'bocas
lum inosas'10 daquelas a que nos referim os co m o as 'primeiras histéricas': Em m a,
K atharina, E lisabeth, D o ra e ainda outras histéricas que acusavam m ajoritaria-
m ente pais e tio s de perpetrarem os abusos sexuais de que se fantasiavam vítim as.
Em contrapartida, Fliess, 'o m edicastro'11, ocupava-se essencialm ente das dife­
renças anatôm icas entre os lados direito e esquerdo do corp o de seus pacientes e fa ­
m iliares, ou m elhor, ocupava-se em desvendar por que razão "o grau de acentuação
esquerda apresenta tantas variações quanto o grau de mistura dos caracteres sexuais
em geral"12. Em sua co n cep çã o , a bissexualidade esteve sem pre associada à bilatera-
lidade e à biperiodicidade: 21 dias para os hom ens e 28 para as mulheres, período
que im plica a ideia das relações entre o nariz e os órgãos genitais fem ininos.
Fliess foi levado a criar o neologism o Doppelschlechtigkeit, mais próxim o da ideia de
'sexuação dupla' do que da noção freudiana que, esta sim, implica as noções correla­
tas de predisposição e escolha. N os term os de Fliess, a bissexualidade resulta de "um
problem a profundo da natureza", que despertara seu desejo de saber, mas o deixava
perplexo. E suficiente lê-lo 13:

E, no entanto, nada é tão maravilhoso quanto o fato de termos dois


olhos, dois ouvidos, duas narinas, dois pulmões, dois rins, dois braços e
duas pernas. Sim, nosso corpo com põe-se, na verdade, de duas metades
simétricas, e não é apenas nosso corpo, mas o de todos os seres vivos,
sem exceção, que é construído com uma simetria bilateral. E que não
venham agora falar-nos das estrelas-do-mar, com cinco braços, e das
esponjas do mar. Isso porque cada braço em particular é igualmente
com posto de duas metades simétricas, assim com o cada esponja.

Todavia, com o passar dos anos, a noção de bissexualidade acabou por c o n ­


verter-se, para Fliess, na ce rte z a delirante de que fora vítim a do roubo de ideias.
Ideias sem elhantes apareciam em outras p u blicações, co m o "Sexo e caráter", de
O tto W ein in g er (1 9 0 3 ) e "O s períodos do organism o hum ano em sua significação
b io ló g ica e psicológica", de H erm ann S w obod a (1 9 0 4 ), e Fliess se pôs a acusar os
colegas de plagiadores e a Freud de m ento r do plágio.
H erd eiros do legado freudiano, surpreend em o-nos - Erik Porge, em p arti­
cular - que Freud, ten h a durante tanto tem po, d esco n h ecid o o caráter delirante
do sistem a fliessiano, em que aparecem afirm ações do segu inte tipo: "os hom ens
can h o to s são mais propensos à fem inilidade, as m ulheres can h o tas, à m asculinida­
d e"14. Freud se interessou pelos cálculos de Fliess, a p o n to de lhe fo rn ecer listas de
datas de a co n tecim en to s ocorrid os com seus pacien tes ou fam iliares e de integrar,
ainda que de form a breve, a bip eriod icid ade em sua própria teoria das neuroses.
Em 6 de d ezem bro de 1 8 9 6 , Freud escreveu a F liess15:

174
Por fim, não posso eliminar a suspeita de que a diferença entre neuras-
tenia e neurose de angústia, que detectei clinicam ente, está correlacio­
nada com a existência das substâncias dos 23 e dos 28 dias.

Essa é nada m enos que a fam osa carta 5 2 , a que Lacan dá grande destaque, pois
traz o prim eiro e sb o ço do aparelho psíquico co m o lugar de sucessivos registros
m nêm icos, que correspond em a sucessivas traduções ou tran scrições dos traços
perceptivos que se associam por sim ultaneidade. N esse esquem a, o in co n scien ­
te, Unbewusstsein, é o segundo registro e está disposto de acord o com "relações
talvez causais", pois é feito de "lem branças conceitu ais igualm ente sem acesso à
c o n sciê n cia "16.
Q u e Fliess ten h a en con trad o um nú cleo de certeza d elirante não nos parece
tão surpreendente quanto o fato de que Freud, m uitos anos depois do rom pim ento
dos dois, tenha renovado sua proposta, em bora nunca con cretizad a, de ju n to s e s­
creverem um livro sobre a bissexualidade17. Isso porque, nos tex to s mais tardios de
Freud, podem os ler críticas severas à teoria de Fliess. Em "U m a crian ça é esp an ca­
da. U m a con trib u ição ao estudos da origem das perversões sexuais", por exem plo,
Freud18 m enciona duas teorias do recalqu e (estas correspond em às teorias de Fliess
e de A dler), uma das quais

se baseia no fato da constituição bissexual dos seres humanos, e afirma


que a força motivadora do recalque é uma luta entre os dois caracteres
sexuais [...] o núcleo do inconsciente (quer dizer, o recalcado) é, em
cada ser humano, aquele lado dele que pertence ao sexo oposto.

D e acordo co m a Psicanálise, não tem os co m o saber qual é o sexo mais forte


de cada pessoa, a não ser que o con sid erem o s 'determ inado pela form ação dos
genitais'. E Freud resumiu sua avaliação da teoria de Fliess nos seguintes term os:
incorreta e ilusória.
Em "Além do princípio de p ra z e r", Freud19 escreve um parágrafo, som en te para
esclarecer "a grande co n c e p çã o de W ilh elm Fliess [1 9 0 6 ]", segundo a qual todos
os fenôm enos vitais, incluindo a m o rte, dependem de dois períodos fixos ou dois
tipos de substância viva (m asculina e fem inina) quanto ao ano solar. Em seguida,
fez a o b je çã o de que a rigid ez das fórm ulas fliessianas d esco n h ece a influência
de forças externas na m odificação das datas de em ergência dos fenôm en os vitais,
esp ecialm ente no reino vegetal.
N ão que Freud desconsiderasse a existên cia do con flito de forças opostas,
m uito pelo contrário, mas, em sua co n cep çã o , o con flito não deveria ser descrito
co m o uma luta entre os caracteres sexuais m asculinos e os fem ininos n o interior de
cada ser. Freud20 o descreve co m o o con flito entre a libido m anifesta e a latente, e
adm ite a possibilidade de seres bissexuais em que as tendências hom o e h eteros­
sexuais "prosseguem ju ntas sem se ch ocarem ". N o caso de Sid onie C . (aquela que
con h ecem o s co m o "A jo v em hom ossexual", cu jo verdadeiro nom e era M argerethe
C sonka Trautenegg, mas que pediu a suas biógrafas para ser cham ada de Sid o n ie21),
ele ch ega a adm itir que uma única escolha de o b je to satisfazia sim ultaneam ente
uma in clinação hom ossexual e uma inclinação heterossexual, ao associar na figura
esbelta da dama cortejad a a b eleza severa, da própria m oça, e a postura ereta, do
irmão. C o m b in ação que, a seu ver, é frequentem ente encontrada em hom ossexuais
m asculinos, pois decorre da "bissexualidade universal dos seres hum anos"22.

■ Bissexualidade: operador conceituai


C o m o assinalam Rou dinesco e P lon23, se é possível afirmar que Freud ch eg ou
a fazer da bissexualidade o nú cleo de sua doutrina da hom ossexualidade e da
sexualidade fem inina, nada disso o impediu de consid erá-la uma ideia obscura do
p onto de vista subjetivo, entre outros m otivos, por não ter en con trad o uma forma
de co n ciliá -la com a existên cia de uma libid o única e, mais am plam ente, com sua
teoria das pulsões. O b scu ra ou não, o fato é que nada o impediu de usá-la até seus
últim os textos, diria m esm o, nada o im pediu de usá-la insistentem ente.
A bissexualidade perm eia, afirm am o-lo sem h esitação, as n o çõ es freudianas
de fantasias histéricas, de ataques h istéricos, de com p lexo de Édipo invertido e
com p leto , do m enino, de fase fálica da m enina, de sublim ação inerente ao laço
social, de alternância de períodos ou m odos de g ozo na vida sexual das m ulheres,
provavelm ente, mais algumas. Está tam bém presente na d istinção entre esco lh a de
o b je to e caráter sexual m ental ou posição subjetiva sexuada. P or fim, está con tid a
na ideia de que o d esencad eam ento da paranóia pressupõe a ruptura da sublim a­
ção dos impulsos e d esejos hom ossexuais - c o n c e p çã o etio ló g ica em que, a meu
ver, Freud e Lacan têm pontos de vista diferentes, já que este, à d iferença daquele,
não consid era a hom ossexualidade fator d esencad eante do delírio paran oico.
Tam anha m ultiplicidade de ram ificações de uma m esma noção, isto é, seu
caráter cen trífu g o ju stifica que d esignem os a bissexualidade co m o um 'operador
con ceitu ai' — estrutural, se preferirm os - da teoria freudiana. Para tanto, é n e c e s­
sário que aceitem o s que a obra de Freud, longe de con stitu ir-se em um to d o frag­
m entado, está mais próxim a da n o çã o de reunião em m atem ática, ou seja, de que
o co n ju n to é m aior do que a som a de suas partes isoladas. Sua obra é, na verdade,
uma estrutura, um co n ju n to em que é possível identificar subconjun tos, inclusive
um su b con ju n to vazio, corresp ond end o ao que Freud reco n h e ce co m o lim ite
das pesquisas em Psicanálise, qual seja, a con stitu ição , in icialm ente, o cfuantum de
pulsão de m orte, mais tarde.
A o nom ear os diferentes elem entos de sua teoria das pulsões, Freud24 deixa
claro que a P sicanálise não deveria se ocupar da pesquisa do que denom ina de "as
fontes som ática da pulsão". Alguns anos antes, em seu te x to sobre Leonard o da
V in ci25, ele já se havia pronunciado de form a sem elhan te: "As pulsões e suas tran s­
form ações constitu em o lim ite do que a Psicanálise pode discernir,- daí em diante

1/6
ced e lugar à investigação da biologia". M as Freud localiza tam bém a Psicanálise
co m o interm ediária entre a b iolog ia e a psicologia e, ju stam en te ao se referir à
"bissexualidade original nos seres hum anos (tal co m o nos anim ais)", adm itiu a
existên cia de uma base com um à Psicanálise e à B iologia26.
Freud se interessa pelo livro de C h arles D arw in, A descendência do homem e seleção
em relação ao sexo, publicado em 1 8 7 1 , e teve acesso às co n trib u içõ es da e m b rio lo ­
gia que, graças à invenção do m icroscó p io , já havia dem onstrado que o em brião
hum ano era dotado de potencialidades m asculina e fem inina. N o entanto , se
Freud defende as d escobertas mais recen tes da ciên cia b io ló g ica , ele tam bém se
inscrevia, nesse m esm o gesto, co n tra os que propalavam a categ oria do 'terceiro
sexo', os 'sexólogos' cu jos trabalhos ele co n h ecia . K rafft-E b in g e H av elock Ellis
estavam entre os d efensores da categ oria que, com o um saco de gatos, englobava
herm afroditas, bissexuais, hom ossexuais e transexuais.

■ Bissexualidade: escolha-de-objeto e fantasia


N aquela que é até h o je considerada a m enina dos olh os da teoria freudiana da
sexualidade, na qual surge, pela prim eira vez, o c o n c e ito de pulsão e se encontram
os germ es de tantas outras d escobertas, isto é, em seus “Três ensaios sobre a teoria
da sexualidade", de 1905, Freud27 não poderia deixar de referir-se à bissexualidade.
D irem os que, de form a sem elhante ao que a co n tece no estado de Hilflosicjkeit - v o ­
cábulo que designa tan to o desam paro psíquico, quanto seu sím ile b io ló g ico , ou
seja, o desam paro do recém -nascid o —, a d isposição bissexual psíquica en contra
sua co n so rte na d isposição bissexual orgânica. Isso significa que elas não se d eca l­
cam , nem se sobrepõem , mas coex istem no sujeito encarnad o que lhes em presta o
corp o. E Freud declara que fatos anatôm icos nos levam a supor que ten ha havido
uma transform ação em d ireção ao "unissexual, deixando vestígios do sexo que
ficou atrofiado"28.
N o d ecorrer de os "Três ensaios", en con tram os Freud bastante indignado
com a definição de hom ossexualidade que lhe fora dada por um "p orta-voz dos
invertidos m asculinos", segundo a qual ela resultaria da presença de "um cérebro
fem inino em um corp o m asculino". O ra , nada sabem os sobre o céreb ro fem inino,
protesta Freud, e não devem os transp or para o cam po anatô m ico um problem a de
ordem subjetiva. Assim, é evidente que, desde 1 9 0 5 , se não antes, ele já distingue
entre a esco lh a de o b je to , que pode ser h o m o ou heterossexual, e a posição que
será dita m asculina ou fem inina, co m o resultado da prevalência das identificações
com o pai ou com a mãe, e co m o in d ício dos ideais sexuais de determ inada ép oca
e espaço.
Freud, co n v icto da necessidade da n o çã o de bissexualidade na exp licação das
m anifestações sexuais de hom ens e m ulheres, adota inicialm ente, porém não sem
ressalvas, a corresp o n d ên cia "m ascu lino-ativo, fem inino-passivo" e acrescenta aos
"Três ensaios" longas notas de rodapé, que versam privilegiadam ente sobre as

177
causas que podem levar d eterm inad o sujeito a fazer uma esco lh a de o b je to h o ­
m ossexual: a fixação m uito intensa em uma mulher, geralm ente a mãe,- a satisfação
narcísica com a própria imagem,- a im portância erótica da zona anal,- a ausência de
um pai forte na infância e ainda outras.
As prim eiras linhas de uma nota acrescen tada em 1915 são escritas em tom
en fá tico e categorial: "a pesquisa analítica se op õe com o m áxim o de d ecisão que
se destaquem os hom ossexuais, co lo ca n d o -o s em um grupo à parte do resto da
hum anidade, co m o possuidores de características esp eciais”29. E interessante lem ­
brarm os tam bém que, em 1 9 2 3 , Freud agradece a S ch re b e r a p u blicação de suas
Memórias de um doente dos nervos, que lhe perm itiram abordar "um tem a repugnante e
inaceitável" ao "adulto norm al": a atitude fem inina do m enino em relação ao pai e
a fantasia de gravidez que lhe é co n c o m ita n te . N um a só palavra-, o Édipo invertido
do m enino.

■ Bissexualidade: homossexualidade e paranóia


A divulgação do discurso an alítico no seio da cultura é certam en te um dos
elem entos responsáveis pelo enunciado que se tornou lugar-com um de que, em
to d o su jeito que faz uma esco lh a de o b je to heterossexual, existe uma tend ência
hom ossexual laten te, e vice-versa. O ra , tal enunciad o não faz mais do que exp res­
sar o lugar de prem issa ou postulado que a 'disposição bissexual' ocupa, de fato, na
teoria freudiana. A b em co n h ecid a frase "V enci ond e o p aran oico fracassa" (carta
a Feren czi) aponta a aposta freudiana de tran sform ação da libid o hom ossexual em
laços de am izade e co n trib u içõ es à cultura.
Freud consid era o re fo rço co n tin g en cia l dos im pulsos hom ossexuais co m o fa ­
to r d eterm inante do d esen cad eam en to da psicose paranóica. Em um te x to b a sta n ­
te instigante de 1922, "Alguns m ecanism os n eu ró ticos no ciúm e, na hom ossexua­
lidade e na paranóia"30, ele dem onstra co m o as três form as de negar a p ro p osição
'eu (um hom em ) o amo' podem redundar em três con stru çõ es delirantes: de ciúm e,
de erotom ania e de perseguição. A paranóia de perseguição correspond eria,
então, à lóg ica gram atical em que a negação do su jeito (não eu, ele) e do verbo
(não amar, odiar) se faria seguir pela p ro jeção e desta para a con stru ção delirante.
Assim, a frase original 'eu o amo' retornaria de fora para o sujeito sob a form a de
'ele m e odeia, por isso m e persegue'.
M acalp in e e H unter, no artigo intitulado "D iscussão sobre o caso S ch re b e r"31,
publicado numa prim eira ed ição em 1955, consideraram que Freud se equivocou
ao atribuir à suposta hom ossexualidade do su jeito um valor e tio ló g ico . A poiam -
se inicialm ente em Bleuler, que argum entara não estar provado que a n eg ação da
hom ossexualidade em S ch re b e r tivesse sido o fator d esencad eante de seu delírio,
em bora, sem dúvida, tivesse d esem penhado im portante papel em sua sin to m a to ­
logia. Segund o eles, Schreber, em seu delírio, pesquisava os possíveis m odos de
p ro criação pré-sexuada. Suas angústias hom ossexuais seriam secundárias à fantasia
prim itiva de ser transform ado em m ulher para poder procriar. Em 1 9 5 8 , Lacan se
refere ao te x to de M acalp ine e H u nter e se m ostrou de acord o com eles. Q uan d o,
mais tarde, ele m en cion a "o em puxo-à-m ulher na paranóia de S ch re b e r"32, já está
bem claro que não se trata de nenhum a esco lh a de o b je to , mas, ju stam en te, da
im possibilidade do su jeito se inscrever na partilha dos sexos co m o hom em ou
mulher.

■ Last but not least bissexualidade e feminino


A co n cep çã o freudiana de que a bissexualidade vem ao prim eiro plano na vida
sexual das m ulheres se desdobra nas con sid eraçõ es de que o cam inho que conduz
do g ozo fálico da m enina à posição sexuada da m ulher "p erm anece exp o sto a per­
turbações m otivadas pelos fenôm enos residuais do períod o m asculino in icial"33, o
qual im plica o g o z o clitorid ian o, o d esco n h ecim en to da vagina e a identificação
ao pai. Freud ch eg o u a enunciar que, possivelm ente, o fam oso "enigm a da m u ­
lher", o "m istério do fem inino", ao m enos em parte, resulta da alternância de gozos
que caracteriza a vida sexual das m ulheres.
C u riosam ente, quando Freud se o p õe vigorosam ente à sob rep osição ativo/
m asculino e passivo/feminino, na co n ferên cia Feminilidade, ele tam bém observa
que a atividade das m ulheres, bem co m o a passividade dos hom ens, não deve ser
atribuída à bissexualidade. Ele acred ita que, m esm o levando em co n ta os ideais s o ­
ciais, pode-se afirmar a existên cia de "uma relação particularm ente co n stan te entre
fem inilidade e vida pulsional"34, que tend eríam os a aproxim ar da p roposição de
que m ulheres têm acesso, mais facilm ente do que os hom en s, a duas m odalidades
diferentes de gozo : o fálico, m asculino, e outro g ozo , fem inino, eventualm ente
dito suplementar, em outras ocasiões, O u tro g ozo.
O quadro ló g ico da sexuação, p rop osto por Lacan em uma das lições de O
Seminário, livro 20-. mais, ainda35, sinaliza que é perm itido, a to d o ser falante, in scre­
ver-se na parte mulher, pois isso independe da presença ou não dos atributos da
m asculinidade, os quais, inclusive, ainda restam d eterm inar36. Resulta, contud o,
que, assim fazendo, isto é, inscrev en d o-se co m o mulher, não lhe será perm itida
nenhum a universalidade, será não to d o e terá a op ção de se colocar, ou não, na
castração e, co n seq u en tem en te, no g o z o fálico.
Freud declara, ao final, que a m asculinidade e a fem inilidade puras perm ane­
ciam co m o constru tos h ip o tético s e vazios, e que a P sicanálise deveria renunciar
a p reen ch ê-lo s, não sem enfatizar, todavia, que a anatom ia tam p ouco os p reen ­
cheria. Lacan form aliza os argum entos ló g ico s m ediante os quais um ser falante,
qualquer um, d iz-se hom em ou mulher, a partir de sua m odalidade toda fálica ou
não toda fálica de gozar.
Em 1958, Lacan já indagava co m o a Psicanálise, que parecia expor to d o o
segredo da sexualidade, deixara o g o z o fem inino tão obscuro. N essa ocasião, ele
distinguiu freudianam ente hom ens e m ulheres nas categorias de "os partidários do
d esejo" e "as recorren tes do sexo". S e quiserm os dar um passo a mais, "sem te r que
explorar seu sexo", direm os que a mulher, por representar o O u tro absolu to na
d ialética falocên trica, será classificada co m o muda, ao passo que a arara trico lo r
será classificada "com o h etero - pelo fato de a dizerem ser falante"37.
CAPITUL014

Da bissexualidade ao impossível
Sonia Alberti

■ Introdução

N
os últimos anos1, me vem sendo dada a oportunidade de sublinhar a im por­
tância da sexualidade para a Psicanálise, ou seja, seu papel absolutam ente
fundamental enquanto subversão de uma Wátanschauung2: para a Psicanáli­
se, a questão do sexo, o fato de que a Psicanálise surge das questões do ser-para-o-
sexo particulariza sua função com o discurso no mundo. C om efeito, em 1967, Lacan
pergunta: estaríam os à altura de sustentar o ser-para-o-sexo3 engendrado pela sub­
versão freudiana? na direção segundo a qual a sexualidade subverte a W eltanschaumg,
na qual a Psicanálise poderia estar inserida e que Freud4 indicou com o a científica.
É porque a Psicanálise tem uma relação intrínseca com o ser-para-o-sexo que ela
necessariam ente se articula ao que fura toda e qualquer Weltanschauuni) , m esm o a
científica.
A prim eira grande subversão prom ovida por Freud no final do século X IX foi
a de que toda sexualidade é infantil, pois não só está referida às experiências in ­
fantis, mas sobretudo porque o d esejo sexual se estrutura na infância, a partir da
vivência do Édipo, que é particular para cada sujeito. Se esse foi o eixo de m inhas
con trib u ições anteriores, desta feita viso esp ecificar a função da sexualidade para
a Psicanálise, no tem a da bissexualidade, co m o uma das referên cias mais im por­
tantes no que tange à sexualidade, do p o n to de vista da Psicanálise. Para ela,
desde Freud, não há sujeito que não esteja referido tanto ao lado hom em quanto
ao mulher, muitas décadas depois identificados por Lacan co m o os dois lados das
fórmulas da sexuação. Fórmulas que teorizam a m aneira pela qual um sujeito se
identifica, seja do lado hom em , seja do lado mulher, na referên cia ao im possível
com preend ido pela sexualidade do ser falante. Sim , porque a sexualidade do ser

181
falante - do ser que se orien ta a partir da linguagem e de sua própria relação com
a linguagem - o rem ete, necessariam ente, a um im possível. Lacan o m etaforizou
na fam osa frase: "a relação sexual é im possível", frase que deixou tanta gente
boqu iaberta, ou seja, m uita g en te não entendeu o que Lacan dizia, não entendeu
essa m etáfora de Lacan.
Partam os, para avançar um p ou co com ela, do seguinte fato m uito sim ples: um
sujeito — independ ente de seu sexo - quando se relacion a com um outro sujeito,
quero dizer, quando se relacion a sexualm ente com um outro sujeito, n ecessaria­
m ente vê esse outro sujeito co m o um o b je to de seus investim entos sexuais. Tais
investim entos, no entan to , oco rrem em função de seus próprios interesses! A o
'ver' seu p arceiro no lugar de o b je to , necessariam ente o sujeito, que é seu parceiro,
estará co lo ca d o sob a barra da m etáfora, ou seja, o sujeito que tom a seu parceiro
co m o o b je to não está 'nem aí' para o sujeito que é seu parceiro. Isso não d ecorre
de uma falta de con sid eração ou de um desvio da relação que idealm ente deveria
ser en tre dois sujeitos, mas isso é de estrutura: as pessoas se relacionam umas com
as outras, tom and o necessariam ente o outro, p arceiro, co m o seu o b je to . Idem para
o que o co rre com o outro sujeito que tom a o prim eiro co m o o b je to . P or isso L a­
can diz que a relação sexual é im possível: o outro é sem pre estranho ao sujeito que
se ocupa de seus próprios o b je to s. P or isso a im possibilidade: há algo na relação
que to ca ju stam en te esse im possível, d eco rren te da estranheza do outro sujeito,
o parceiro.
Ao tom ar o outro co m o o b je to , o sujeito, m uitas vezes, não se dá co n ta do
im possível, porque vela a estranheza com sua form a de 'ver' o outro. Ele verá seu
o b je to sexual con form e sua própria história, seus g osto s e preferências que terão
se afinado ao lon go de suas experiên cias desde aquelas que, co m o já dito, amal-
gam aram -no co m o d esejan te, co m o sujeito do d esejo , e que ocorreram por con ta
do atravessam ento do Édipo na infância. Por isso, para a Psicanálise, a sexualidade
é infantil.

■ 0 Édipo e a bissexualidade
Freud é m uito claro: não há Édipo que não seja tan to 'positivo' quanto 'n eg ati­
vo', pelo que com preend e: o Édipo positivo é aquele em que dos pais, o do sexo
op osto ao do filho será investido sexualm ente, enqu anto que o Édipo negativo
im plica o investim ento sexual daquele m em bro do casal parental que seria do
m esm o sexo. É interessante n otar que essa co n c eitu a çã o quanto ao Édipo data
som ente de 1931, ou seja, do tex to já tardio em que Freud resolveu finalm ente
dedicar-se à questão da sexualidade fem inina. É som en te no m om en to em que
Freud se debruça sobre a questão da m ulher que d efinitivam ente se dá co n ta de
que há um prim eiro m om en to do Édipo na história de toda mulher, em que ela
esteve absolu tam ente voltada para a mãe co m o o b je to de investim ento sexual.
N a realidade, essa é uma con seq ü ên cia lóg ica de toda teo rização que Freud fizera

182
ao lon go dos anos: se a sexualidade é infantil, se a sexualidade não se reduz à
genitalidade, ou seja, se qualquer investim ento de o b je to que im plica prazer é
sexual e d eterm inado pela quantidade de libid o investida nesse o b je to , sendo a
libido a energia sexual que m ove to d o psiquism o, então, necessariam ente, desde
as prim eiras exp eriên cias de satisfação que oco rrem no m o m en to em que o b eb ê
tem uma relação privilegiada com a m ãe, ind ep end en tem ente do sexo b io ló g ico
desse b eb ê, ele investe a m ãe co m o o b je to sexual! C o m o eu já pude desenvolver
em outro m o m en to5, o estranho não é isso, m uito mais estranho que isso é o fato
que ele largue esse o b je to a um ce rto m om en to de sua vida!
S e é som en te em 1931 que Freud co n ceitu a o É dipo positivo e negativo,
lançando m ão das co n trib u içõ es de psicanalistas m ulheres, d entre as quais cita
Jea n n e L am p l-d e-G roo t, H e le n e D eu tsch e M elan ie K lein , isso não quer dizer que
já não percebera m uito mais ced o que a sexualidade é bi. Em 1 9 0 8 , já escrevera o
texto: "Fantasias histéricas e suas relações com a bissexualidade"6. É nele que relata
o exem plo parad igm ático da h istérica que, durante seu ataque - naquela ép o ca as
histéricas apresentavam com frequência um ataque durante o qual faziam coisas
de que depois já não se lem bravam - , caída no ch ão co m o se estivera apresen­
tando um sintom a ep ilép tico, levantava com uma m ão o vestido numa atitude
m asculina e, com a outra, tentava c o b rir o to rn o z elo da m aneira co m o as m ulheres
o faziam . Por m ais que Freud tivesse suas dificuldades em aceitar a natureza bis-
sexual de to d o ser falante, diante de tal evidência já não era possível não vê-la e,
se por um períod o ainda resistia, com a h ip ótese de que isso só o co rre na histeria,
em 1924, no tex to "A dissolução do co m p lex o de Édipo"7, já não tem com o evitar
a observação de que todo Édipo é vivido tan to de form a ativa quanto passiva.

■ 0 recalque da homossexualidade pode levar à loucura


Em 1911, três anos após seu te x to sobre as fantasias bissexuais, Freud escreve
um lo n g o estudo crítico sobre um caso c lín ic o — co n h ecid o co m o caso S ch reb er
- , no qual identificou um delírio p aran oico e no qual ele levantou a h ip ótese de
que a paranóia é con seq ü ên cia do recalqu e de uma hom ossexualidade laten te que
o sujeito não suporta, ten tan d o dem onstrá-la. D essa h ip ótese nasceu a grande
con trib u ição que Freud deu à clín ica da paranóia, ou seja, o d ecifram ento da g ra­
m ática d elirante. Q u er dizer, Freud d escobriu que os d iferentes d elírios isolados
pela Psiquiatria clássica na paranóia são som en te d iferentes form as gram aticais,
desdobram entos gram aticais de uma única frase.- ‘Eu o amo'. N a m edida em que
o sujeito não suportaria tal ideia, reagiu co n tra ela, p rojetand o, no o b je to de seus
interesses, o am ado, o que rejeita n ele m esm o. Levanto m esm o a h ip ótese de que
Freud propôs essa teoria da hom ossexualidade laten te na paranóia co m o intuito
de dizer: "caros colegas, se o sujeito não se vê no direito de externar sua homossexualidade em
junção da cultura, sua repressão pode ter várias conseqüências, até a mais grave cjue é a psicose.
Portanto, colegas, por cfue não lidar com o ja to de cjue existe a homossexualidade, cjue issojaz parte
da cultura e do mundo dos homens e das mulheres, e cjue tentar reprimir isso só traz conseqüências
nefastas?!" Essa é m inha leitura da h ip ótese de Freud, o que não invalida o fato
de que ele efetivam ente considerava sua hipótese uma exp licação plausível para
a paranóia. C o m os instrum entos que tinha à mão, em 1911, essa era a m elh or
form a de tratar do tem a. S ó três anos depois, Freud escreveria seu tex to sob re o
narcisism o, as relações en tre o narcisism o e a am bivalência entre am or e ód io, o
que viria a perm itir toda uma outra leitura da gram ática delirante mais tarde. M as
isso Freud ainda não sabia, em 1911, e certam en te não teria escrito sua ob ra m a ­
gistral sobre o narcisism o se não tivesse se debruçado, com o em p en h o que teve,
sobre o caso Schreber, em 1911. A partir daí, o 'eu o amo' já não é uma questão
hom ossexual, mas uma questão narcísica, na m edida em que esse 'eu' e esse 'o' não
passam de duas faces da m esm a m oeda, ou seja, na medida em que, co m o diria
Lacan anos depois ao estudar o estádio do espelho, o eu é o ou tro8.
Assim, e para retom ar o que eu introduzia, o outro é sem pre aquele que eu
v e jo co m o outro no cam po dos investim entos, e se o outro para mim não é se ­
não p ro je ção do que im agino a partir do que en ten d o ser 'eu', en tão o outro não
tem qualquer singularidade, não é radicalm ente d iferente de mim co m o seria se
o tom asse co m o sujeito, in d ep en d en tem en te do sujeito que sou. A identidade
narcísica, ou sem elhança, entre eu e outro é regressiva porque im plica a retirada
do investim ento de qualquer o b je to que, originalm ente, poderia ter sido alvo de
interesse sexual. D a í não ser nem hom ossexual nem heterossexual, a identidade
ou sem elhança entre eu e ou tro é narcísica, cam p o em que o ú n ico o b je to de
investim ento sexual é o próprio eu. Ela se verifica inúmeras vezes na clín ica ind e­
pend en tem en te de o casal, em questão, ser hom ossexual ou heterossexual! Porque
a relação entre pessoas baseada no narcisism o independe disso.

■ A anatomia e o destino
A pesar de encontrarm os, na Psicanálise - e aqui me refiro à boa Psicanálise
e não som ente a texto s que não m erecem aten ção —, observações pertinentes
quanto à origem narcísica de algumas características hom ossexuais, a questão da
hom ossexualidade não a tang encia por definição. A partir do quê o afirmo?
A com eçar, baseada n o te x to revolu cionário de 1 9 0 5 , com o qual Freud a l­
v o roça seus colegas ao afirmar a sexualidade infantil para todos e a parcialidade
da pulsão sexual tam bém para todos e, finalm ente, o Édipo para todos! M ais: já
em 1905 Freud pôde escrev er que "um d eterm inado grau de herm afroditism o
anatô m ico p erten ce à norma,- em todo indivíduo norm al, m asculino ou fem inino,
é possível identificar vestígios do aparelho genital do outro sexo"9, m esm o se isso
não im plicasse nada que a inversão psíquica - era assim que Freud se referia à
hom ossexualidade em 19 0 5 — fosse debitária de qualquer referência anatôm ica. O
interessante de se notar é que Freud já sabia, em 1 9 0 5 , que, na natureza, não se
en con tra a segregação m ascu lino-fem inino a qual, no en tan to , a moral civilizada
da ép oca queria afirmar com tanta veem ência. S e nem m esm o a anatom ia segrega
o outro sexo, por que será que a cultura pretende fazê-lo? C o m isso, introduz-se
o tem a da bissexualidade em seus "Três ensaios para a teoria sexual"10.
É tam bém interessante observar que, se Freud exp licita a independ ên cia entre
o psíquico e o an atô m ico nessa passagem dos "Três en saios...", quando procura
identificar o que levava um hom em a se posicion ar hom em escorrega e diz: a
anatom ia é o d estino. H á uma con trad ição entre am bos os m om en tos do m esm o
texto! O que m e obriga a associar a dificuldade de Freud em re co n h e ce r em si
m esm o a bissexualidade. A resistência é do sujeito Freud... o que só mudaria mais
tarde quando, co m o dito, diante de tantas evidências clín icas, já não era mais
possível acred itar que a bissexualidade era som ente para alguns.
A teoria freudiana nasceu da clín ica e retornou a esta, para verificação. Freud
não pensava fazer Psicanálise de outra m aneira... a questão é ju stam en te que
quando v o cê põe a soberania na clín ica e con strói uma teoria que visa realm ente
dar co n ta do que verifica na clín ica, v o cê rapidam ente se deparará com suas p ró ­
prias resistências, as resistências dos outros clín ico s e, finalm ente, a resistência
do real da clín ica, que é to talm en te inusitado para a teoria até então construída.
Freud não foi um desses que desistia! N em tam p ouco Lacan, aliás! Assim, Freud
se viu levado a propor o sexo co m o um dos reais que a clín ica apresentou para o
psicanalista - ao lado da m orte, o outro real da clín ica para Freud - o que Lacan
retom aria depois na articulação com o sintagm a h eid eggeriano do ser-para-a-
m orte, con trap on d o a este, o ser-para-o-sexo da d escoberta freudiana. N ão só da
d escoberta de Freud, mas do que ela trouxe de subversão,- a bissexualidade é um
dos eixos dessa subversão.

■ A homossexualidade e a mãe
Tudo isso só pode ser entrevisto por Freud, com o dito, quando ele chega à
sexualidade fem inina, e m inha hipótese para isso é a de que o hom em Freud teve
dificuldade de se co lo car diante da m ulher de outra form a que não aquela por ele
m esm o descrita em sua "Psicologia da vida am orosa"11: é preciso rebaixar as m ulhe­
res para poder fazer delas o b je to sexual, caso contrário, aproxim am -se demais da
mãe, que é proibida. Freud teorizara que, para poder aproxim ar-se de uma mulher,
o hom em necessita rebaixá-la, degradá-la, única forma de vê-la separada da mãe.
N o final do com plexo de Édipo, o m enino precisa deixar de investir a mãe com o
o b je to de d esejo sexual, e isso prom ove uma clivagem : de um lado, as m ulheres
que, com o a m ãe, não podem ser tocadas, de outro, aquelas que foram feitas para se
tocar, mas que nada têm em com um com m inha ternura, meu am or particular para
com m inha mãe. N a realidade, a meu ver, m uito mais difícil do que se dar conta de
alguns traços m enos m asculinos em si próprio, m uito mais difícil do que verificar
que há uma certa passividade, ternura, delicadeza possível no hom em , m uito mais
difícil do que isso é se dar conta, no co m eço do século X X , de que a mulher não
veio ao mundo com handicap de inteligência, capacidade, atividade, coragem , m o ­
ralidade ou seja, todas as virtudes que os hom ens acreditavam ser só deles!
Em 2 9 de ja n eiro de 1 9 5 8 , Lacan daria uma aula em que retom aria a p articu ­
laridade da relação com a m ãe na hom ossexualidade masculina. Q uem tiver in te ­
resse em saber com o Lacan pensava a hom ossexualidade no prim eiro m o m en to
de seu ensino, leia essa aula de O Seminário, livro 5: as form ações do in co n scien te 12.
Sua h ip ótese é de que a particularidade do Édipo, nesses casos, é a de que a mãe
im põe sua lei ao pai, o que é bem d iferente de d izer que, na hom ossexualidade,
o sujeito estaria subm etido a um a m ãe castradora - é o que se dizia na ép o ca e
o que Lacan critica nesse Sem in ário - pois, o que Lacan sublinha fund am ental­
m ente é o fato de que, tam bém na hom ossexualidade, o d esejo se orienta a partir
do Êdipo, ou seja, o pai tem tan to a ver co m isso quanto a mãe. C ito : "é m uito
cu rioso ver que jam ais se sublinha a relação do pai com a m ãe''13. Para além disso,
Lacan assinala outra coisa que ninguém m encionara antes e que dizia respeito a
uma fantasia de uma vagina na qual se desenvolve um falo co m o tal (stc) e que seria
suficientem ente assustadora para im pedir ao sujeito poder se relacionar com e la 14.
Lacan sublinha essa fantasia em d etrim ento da fantasia da vagina dentada. R etom o
essas fantasias aqui porque m e parece que dem onstram que há uma questão com a
mulher, mas há tam bém uma questão com o pai. Isso volta à posição freudiana: a
bissexualidade é debitária do fato de que T O D O S já tiveram a mãe co m o o b je to
de d esejo e T O D O S já foram o b je to de d esejo do pai15.

■ A homossexualidade e a divisão subjetiva


Bem , isso posto, gostaria de retom ar algumas ob servações a partir do que se
co n v en cio n o u cham ar o segundo ensin o de Lacan, aquele no qual o psicanalista
francês explora o cam po do g ozo. Para tal, instrum entalizo-m e de O Seminário,
livro 2 1 , O s não tolos erram 16, no qual Lacan retom a a questão do U m , quando
está desenvolvendo o tem a do amor. Existe a expressão 'fazer um' quando se ama
o ou tro a p o n to de querer se dissolver nele e com ele, então, 'fazer um'. C o m o
se sabe, essa ideia não é nova: já foi retom ada por Platão de uma tradição antiga,
em particular do m ito apresentado por A gatão n '0 banquete, o diálogo p latônico
sobre o amor. Freud retom ara esse m ito em 1 9 2 0 17, Lacan, em O Seminário, livro 8,
a tran sferên cia’8, e ele se resume na ideia de que, originalm ente, teríam os sido um
que foi dividido, de m odo que h o je procuram os nossa m etade pelo mundo.
A partir do m o m en to em que saím os do tem p o m ític o , origin al, n o qual teria
existid o o U m , som os necessariam ente seres divididos,- é por isso que, em P sic a ­
nálise, o su jeito, qualquer que ele seja, to d o su jeito que vem procurar uma an áli­
se, é, por d efinição, um su jeito dividido, tan to no que tan g e sua identidade - por
exem p lo, to d o su jeito é dividido porque d escen trad o em relação à co n sciê n cia
que possa te r de si, de m od o que muitas vezes o su jeito do in co n scien te não é
re co n h e cid o p elo eu que fala co m o eu - , quanto no que tan g e à sua sexualidade.
O m ito hindu de A tm an, do sécu lo V III A .C , o exp lica bem : a divisão en tre e s­
poso e esposa o co rreu porque era c h a to ficar sozin h o - Freud retom a esse m ito
da filosofia hindu, em 192 0 . N a realidade, trata-se de um m ito m uito mais an tig o
do que aquele de A ristófanes, relatado p o r P latão em O B anqu ete. N o m ito h in ­
du, a ideia en tão era que haveria um ser prim ordial, o self ou eu - "S elb st od er
Ich" (a tradução é assim retom ada p o r Freud) - , ch am ad o A tm an que, ven d o-se
triste por causa da solid ão, resolveu dividir-se em dois "Porque e le era tão grande
co m o uma m ulher e um hom em quando eles estão en trelaçad os. Esse seu S elb st
(self) ele o dividiu em duas partes: o que resultou em esp oso e esp osa"19. D ep o is
da divisão, um a parte co m e ço u a procurar a outra - co m o no m ito de P latão -
ou seja, um investiu o outro. Em P sicanálise não há in vestim en to que não seja
libidinal - a lib id o é a energia sexual que faz com que possam os nos relacion ar
com o m undo, com as outras pessoas e, mais particu larm ente, com o o b je to de
nosso interesse sexual. C o m tal in vestim ento, podem os até nos enganar de achar
que irem os e n co n tra r nossa cara m etad e e v o ltar a fazer um. M as isso é im p os­
sível. Para a Psicanálise, som os seres com falta. Eis a co n seq ü ên cia da divisão
subjetiva. Q u alq u er p reten são de en co n trarm o s uma nossa cara m etade, âarã com
os burros n águ a porqu e, co m o vim os, m eu p arceiro é para m im o b je to de meus
investim entos que são d eterm inad os pela m inha h istória e m eus g osto s. S ó que
ele é, por sua v ez, su jeito tam bém , para quem eu sou m ero o b je to que entrará no
rol dos traço s que m arcaram a h istória dele e de seus g osto s. A relação sexual não
existe por isso! Eu não estou lá ond e ele pensa que estou, e ele, co m o su jeito, não
está lá ond e eu penso que ele está! E isso, ev id en tem en te, in d ep en d en tem en te
de seu sexo!

■ As fórmulas da sexuação e o impossível


A partir dessas co n sta ta çõ es, Lacan co m eça a trabalhar em suas fórmulas da
sexuação. Elas são h o je o afinam ento te ó ric o da Psicanálise que, ao lo n g o de quase
um século, foi, cada vez mais, tirando con seq ü ên cias do real do sexo com o qual
não recuou de se deparar na clín ica. As fórmulas da sexuação de Lacan são, ao
m esm o tem po, produto de sua releitura de Freud e do esta b elecim en to da radicali-
dade da p o sição da Psicanálise diante do fato de que a id entificação sexual é efeito
da fala e da linguagem e do g ozo - do m odo co m o cada sujeito disso usufrui. A
partir delas, o que eu posso d izer de m im, em m inha fala, eu o digo por m eio dos
traços, um a um, que m e determ inam . E com eles que m e id entifico e posso, então,
identificar-m e do lado hom em ou do lado m ulher con form e esses traços.
Inicialm ente e antes de mais nada, os significantes que m apeíam um sujeito
surgem do m odo co m o ele é falado pelo O u tro - por exem plo, quando uma cria n ­
ça vem ao m undo, seus pais a tom arão co m o m enina ou m enino, muitas vezes in ­
d ep end entem ente de seu sexo an atô m ico . O u seja, que h aja hom em e mulher, isso
é uma questão de linguagem , razão tam bém , co m o Lacan diria alguns m om entos
depois, no m esm o Sem in ário, não dá para saber o que é o hom em e a m ulher
(idem). C o m e feito , são som en te significantes, nom es dados às coisas. O um do
traço identificatório, o significante, é um 'um' com que posso vir a querer m e id en­
tificar. M as não co m o um, já que sou dividido e esse significante é som en te uma
m arca a que m e identifico, por esco lh a, é claro. T od o sujeito é responsável pela
esco lh a que faz! Sem isso, não há Psicanálise possível, já que a esta im prescinde
que um sujeito assuma sua própria orien tação. M as co m o a linguagem funciona
"co m o suplência ao gozo" (idem), g o z o que sem pre falta na relação com o corp o,
há um im possível a significar.
Em O Seminário, livro 1 9.- ... ou p ior20, Lacan diz-, "a linguagem é tal que to d o
sujeito falante é ou ele ou ela. Isso existe em todas as línguas do m undo. E o prin­
cíp io do fu ncionam ento do g ênero, fem inino ou m asculino". D ois anos depois, em
O Seminário, livro 2 i, os não to los erram, L acan21 avançou um pouco mais-, observa,
então, que a pertinência a uma das duas funções - m acho ou fêm ea - é puram ente
imaginária. A frase é exatam ente assim22:

Nesse imaginário que é colocado em questão na experiência psicanalíti­


ca, não há nada mais fluido (a palavra em francês que ele usa é “fio u ) do
que a pertinência, a pertinência a um desses dois lados: aquele que eu
designo com um x, e o outro com um y e, por tabela, não há nenhuma
função que os ligue um a outro (cjui les relie).

D e um lado, o H om em , de outro, a M ulher. Eis as fórmulas da sexuação que


Lacan23 estabelece definitivam ente em O Seminário, livro 20 : mais, ainda. Partindo do
impossível da relação sexual, Lacan pôde, então, derivar as diferentes posições que
um sujeito pode assumir nas fórmulas, totalm ente independente de seu sexo ana­
tôm ico, mas já não som ente orientando o sujeito co m o d esejante e sim a m aneira
com que goza de sua própria co n d ição de sujeito do d esejo, de sua relação com seu
parceiro e do próprio parceiro sexual. Este pode ser, para o sujeito, seu próprio co r­
po - com o é o caso da m asturbação —, um outro que ele co lo ca no lugar de Falo, o
o b je to de sua fantasia, a m ulher enquanto falta ou, finalm ente, um O u tro g ozo, do
m odo do g ozo fem inino ou m ístico, e que a história já deu provas ter sido gozado
tanto por hom ens quanto por mulheres.

■ Do impossível
O im possível da relação sexual está dado. M as há m om en tos na vida de um
sujeito, no co n te x to da vida am orosa, em que, diante de um bom en co n tro - uma
eutykbia - ele pode ser levado a cre r que a relação sexual é p ossível... Tais m o m en ­
tos são co n tin g en tes, são da ordem de um a co n tecim e n to e, por algum tem po,
vive-se esse aco n tecim en to que, no en tan to, é mais que evan escen te...
Lacan24 retom a, da lóg ica aristotélica, as categorias de possível, impossível,
con tin g en te e necessário, assim definidos: partindo da ideia de que o necessário se

■ Da bissexualidade ao impossível
escreve - o que a linguagem com um já sabe pois, ao dizer 'pode escrev er1, a pessoa
está dizendo que isso vai acontecer, sem dúvida o im possível é o que não cessa
de não se escrever,- o con tin g en te o co rre quando algo, repentinam ente, cessa de
não se escrever - e que identificam os acim a com o o que a co n tece, inesperadam en­
te, e o possível é o que cessa por se escrever - o que é da dim ensão do en con tro, o
surpreendente do en co n tro , o inusitado dele, term ina, porque agora virou rotina,
do impossível tornou -se possível, e quando é possível já não encanta. A c o n tin ­
gência, isso que aco n tece fazendo com que o im possível cesse de não se escrever
por um curto m om ento, pode dar m argem a q u e s e acred ite a relação sexual com o
possível. Q uand o é possível, no entanto, há o risco de isso cessar por se escrever!
O século X X tornou muita coisa possível, tornou possível às hom ossexualidades
fazerem com que a bissexualidade própria à divisão subjetiva cessasse de não se
escrever! N o entanto , agora que é possível, há o risco de se acred itar que, com
isso, colm atou-se o impossível da relação sexual, ou seja, que se acredite que ela
passou a ser possível... a conseqüência seria grave: ela cessaria, por se escrever...
Felizm ente, lem bra Lacan, a con tin g ên cia, o a con tecim en to que poderia levar à
possibilidade é, na realidade, uma ex ce çã o à regra da im possibilidade e só leva ao
engano da possibilidade por se inscrever em falso con tra a im possibilidade.

189
CAPÍTULO 15

0 desejo é o destino
Nadiá Paulo Ferreira

■ Introdução

O
s seres falantes, que se desviaram da norm a estabelecid a pelo cód ig o
social, em relação ao o b je to causa do d esejo e ao amor, foram ch a m a ­
dos, pelo San to O fíc io da Inquisição, de monstrum horrendum. A partir
daí, classificados co m o desviantes e estigm atizad os co m o hom ossexuais, foram
perseguidos por m ovim en tos religiosos (Inquisição, R eform a, C ontrarreform a e
Fundam entalism o Islâm ico), p o lítico s (revolu ções m arxistas na Rússia, C h in a e
C u ba) e de pureza étn ica (N azism o e Fascism o). C o n tra eles, sem pre a in tolerân ­
cia, quer sob a form a radical do assassinato, quer sob a form a de prisão, tortura e
castigo, co m o é o caso do 'estupro corretiv o' das lésbicas na Á frica do Sul.
N esse co n te x to , apareceu um hom em ch am ad o Sigm und Freud, que criou
uma teoria sobre a sexualidade hum ana fora da ditadura da anatom ia dos corpos.
A função dos p reco n ceito s é a m esm a dos sintom as: retirar de cen a as exigên cias
pulsionais, a fim de que o d esejo e a singularidade do g ozo sejam co lo cad o s no
lim bo para ficarem esquecidos. Esse ato é nom ead o por Freud de recalque. A lei
do recalque é o retorn o do recalcad o : o que não se quer saber retorna, sob a form a
do disfarce, da dissim ulação. O u seja, retorn a pela via do sintom a, porque essas
pulsões insistem em se m anifestar à deriva do eu, por m eio de uma série de d eslo­
cam entos e de substituições. Eis o im passe, depois de Freud ter d esco b erto as leis
que regem o psiquism o do hom em : de um lado, o in co n scien te e as pulsões, de
outro lado, o eu e sua afetação pelo in co n scien te, fazendo com que o ser falante
tro p ece com sintom as, atos falhos, esq u ecim en tos e sonh os de m ensagens cifra ­
das. Essas m anifestações não param , porque o eu e suas instâncias ideal (eu-ideal
e ideal-d o-eu) e m oral (superego) ju lgam , rech açam e insistem em perm anecer

191
na ignorância pela via do recalqu e. Isso não para, porque o in co n scien te sem pre
abriga as exigên cias pulsionais, porque nele não há lugar para o não.
Aqui, entra em cen a o m ecan ism o da d en egação (Verneinung), que é o b je to de
estudo freudiano, no te x to traduzido em português por "A N egativa". O que foi
retirado da con sciên cia, por ter sido ju lgad o e cond enad o, é retirado de cen a da
co n sciên cia. M as, se m esm o assim, o negado reaparece na fala, ele deve, m ais uma
vez, ser negado. N eg ação da n eg ação, diz Je a n H y p p o lite 1:

Literalmente, o que aparece aqui é a afirmação intelectual, mas apenas


intelectual, como negação da negação. Esses termos não se encontram em
Freud, mas acho que só fazemos prolongar seu pensamento ao formulá-lo
dessa maneira. É isso mesmo que ele quer dizer.

Nesse momento (fiquemos atentos a um texto difícil!), Freud vê-se em


condições de mostrar com o o intelectual se separa [em ato] do afetivo,
de formular uma espécie de gênese do juízo, ou seja, em suma, uma
gênese do pensamento.

P or que o retorno do recalcad o não suspende a ação do recalque? Porque o su­


je ito não re co n h e ce o que disse em sua fala. S e o d ito co lo c a em cena o recalcad o,
com o soldado vigilante, o eu to rn a-o sem efeito. O u, co m o diz H y p p olite, a d e ­
negação é um “m odo de apresentar o que se é à m aneira do não ser"2. O exem plo
freudiano contribui para a com p reensão desse m ecanism o da d en eg ação3-.

A gora o senhor vai pensar que quero dizer algo insultante, mas real­
mente não tenho essa intenção.' Com preendem os que isso é um repú­
dio, por projeção, de uma idéia que acaba de ocorrer. Ou: ‘O senhor
pergunta quem pode ser essa pessoa no sonho. Não é minha mãe'.
Emendamos isso para: Então, é a mãe dele.

O imperativo da consciência moral, ao promover o recalque, expulsa o que arranha


a imagem do eu, conduzindo o sujeito ao cam inho da traição de si mesmo: renúncia
ao desejo e às exigências das pulsões. N esse sentido, a denegação contribui, mais uma
vez, para a ignorância de si mesmo, na medida em que inviabiliza o reconhecim ento
do recalcado. C o m o se pode falar de liberdade no reino do desconhecim ento? O u,
dito de outro modo: com o um sujeito pode se posicionar diante das exigências de
suas pulsões, se o eu persiste em ignorá-las? N ão escolhe, mas sofre. E quanto mais se
afeta pelo sofrer, mais cede do desejo e mais se entrega ao gozo do sintoma, que se
transforma em torm ento, que consom e todos os dias de sua existência.
Em "Função e cam po da fala e da linguagem em Psicanálise", publicado em
1953, referind o-se ao co n c e ito freudiano de sintom a, Lacan afirma que, na psi-
cop atolog ia psicanalítica, um sintom a n eu rótico "é estruturado co m o uma lingua­
gem "4. E, ju stam en te por isto, ele é uma "fala que deve ser libertada"5.
P or ter libertado essa fala, Freud sente, na própria carne, a reação de suas
descobertas sobre a sexualidade hum ana. Em 1 9 2 0 , no p refácio da quarta ed ição

: i u aesejo e o aesimo
de "Três ensaios sob re a teoria da sexualidade'', Freud faz questão de assinalar as
resistências às suas teses6:

Dissipadas as correntes da guerra, pode-se verificar com satisfação que


o interesse pela psicanálise permanece ileso no mundo em geral. Mas
nem todas as partes da doutrina tiveram o mesmo destino. As colocações e cons­
tatações puramente psicológicas da psicanálise sobre o inconsciente, o
recalcam ento, o conflito que leva à doença, o lucro extraído da doença,
os mecanismos da formação de sintomas etc., gozam de crescente reco­
nhecim ento e são consideradas até mesmo por aqueles que em princípio
as contestam. Mas a parte da doutrina cjue fa z fronteira com a biologia, cujas
bases são fornecidas neste pequeno escrito, continua a enfrentar um dissenso
indiminuto, e as próprias pessoas que por algum tempo se ocuparam inten­
samente da psicanálise foram movidas a abandoná-la para abraçar novas
concepções, destinadas a restringir mais uma vez o papel do fator sexual
na vida anímica normal e patológica.

V inte anos depois dos "Três ensaios sobre a teoria da sexualidade", Freud
confessa que sua teoria sobre a sexualidade infantil desm istificou um dos m aiores
p reco n ceito s da humanidade.- a cren ça de que a infância é a idade da in ocên cia
porque é desprovida de sexualidade. Ju stam en te por isso, ele diz que7

poucos dos achados da psicanálise tiveram tanta contestação universal


ou despertaram tamanha explosão de indignação com o a afirmativa de
que a função sexual se inicia no com eço da vida e revela sua presença
por importantes indícios mesmo na infância.

N o que diz respeito à diferença sexual, tem os três hipóteses na obra freudiana: a
bissexualidade, a escolha da posição sexual (hom em ou mulher) e a escolha de ob jeto.
As vezes que Freud se refere à bissexualidade, ele recorre à ciên cia de ponta de
sua ép oca, a B iologia, para sustentar uma h ip ó tese orgânica para a bissexualidade:

A doutrina da bissexualidade foi exprimida em sua mais crua forma por


um porta-voz dos invertidos masculinos: 'um cérebro feminino num
corpo masculino'. Entretanto, ignoramos quais seriam as características
de um 'cérebro feminino’. A substituição do problema psicológico pelo
anatôm ico é tão inútil quanto injustificada8.

É bem sabido que a análise de homossexuais masculinos em numerosos


casos revelou a mesma com binação, o que deveria nos alertar contra
formarmos uma concep ção demasiado simples de natureza e gênese da
inversão e mantermos em m ente a bissexualidade universal dos seres humanos9.

193
Cham o a atenção dos senhores para o fato de que partes do aparelho
sexual m asculino também aparecem no corpo da mulher, ainda que
em estado atrofiado, e vice-versa. Considero tais ocorrências com o
indicações de bissexualidade, com o se um indivíduo não fosse homem
ou mulher, mas sempre fosse ambos — sim plesmente um pouco mais
de um, do que de outro. E então se lhes pede fam iliarizarem-se com
a ideia de que a proporção em que masculino e feminino se misturam
num indivíduo, está sujeita a flutuações muito amplas. D e vez que,
excetuando casos muitíssimos raros, apenas uma espécie de produto
sexual — óvulos ou sêmen — está presente numa pessoa, os senhores,
contudo, não poderão senão ter dúvidas quanto à im portância d eci­
siva desses elem entos e devem conclu ir que aquilo cfue constitui a mascu­
linidade ou a feminilidade e uma característica desconhecida cjue foge do alcance da
anatomia'0.

Se, do p o n to de vista o rg â n ico , tem os a bissexualidade, do p o n to de vista psí­


quico, tem os a escolh a do sexo pela via da id en tificação com o pai (sou hom em )
ou com a mãe (sou m ulher), no d esfech o do drama ed íp ico. E interessante notar
que a tese psíquica não anula a h ip ótese orgânica, já que Freud faz questão de
assinalar que a esco lh a do sexo pela via da id entificação é "uma das m aneiras pelas
quais a bissexualidade é responsável pelas vicissitudes subsequentes do com p lexo
de É d ip o "1'. Freud atribui a am bivalência da crian ça nas relaçõ es com os pais ora
à bissexualidade (tese orgânica), ora aos afetos de rivalidade (tese psíquica: c o m ­
plexos de Édipo e de castração ).
Em "A p sicogênese de um caso de hom ossexualism o numa mulher", publicado
em 1 9 2 0 , Freud afirma que o m istério da d iferença sexual não pode ser reduzido à
cren ça popular de que a hom ossexualidade se caracteriza por uma m ente fem inina
aprisionada a um corp o m asculino e vice-versa. N o referido texto , Freud consid era
que, para se pensar a diferença sexual e, co n seq u en tem en te, a hom ossexualidade,
é preciso rom per com o dualismo m ente/corpo e c o lo c a r em cen a a tríade: a b isse­
xualidade originária e universal, os caracteres sexuais m entais (p osição m asculina
ou fem inina) e a esco lh a de o b je to (an aclítica ou n arcísica). A co m b in a çã o entre
eles não pode ser reduzida às relaçõ es duais. U m ser falante classificado com o
hom em , porque tem um pênis, com p orta-se co m o se fosse uma mulher. E ntão,
im agina-se que ele esco lh erá co m o o b je to um ser classificado co m o hom em , mas
ele e sco lh e exatam ente o con trário, ou seja, uma mulher. Sem falar naqueles que
se identificam com o m asculino ou com o fem inino, mas só têm tesão em corpos
an atom icam en te sem elhantes. Q u em nunca ouviu falar que naquele casal quem
manda é a mulher'? Q uem nunca c o n h ece u um casal que, apesar de ser co m p o sto
com dois corp os de anatom ia diferentes, são hom ossexuais?
Freud tin h a esperanças de que as pesquisas no cam p o da Biologia poderiam
vir a d ecifrar os enigm as da sexualidade humana. M as ele, em m om en to algum
de sua obra, disse que a hom ossexualidade é d oen ça e que tem cura. M u ito pelo
contrário, ele fez questão de afirmar q u e 12

(...) uma medida muito considerável de homossexualismo latente ou inconsciente pode


ser detectada em todas as pessoas normais. Se tomarmos em consideração essas
descobertas, evidentemente, cai por terra a suposição de cjue a natureza criou, de
maneira aherrante, um ‘terceiro sexo'.
Não com pete à psicanálise solucionar o problema do homossexualismo.
Ela deve contentar-se com revelar os mecanismos psíquicos que culm i­
naram na determinação da escolha de objeto, e rem ontar os caminhos
que levam deles até às disposições pulsionais. Aqui o seu trabalho ter­
mina e ela deixa o restante à pesquisa biológica.

Lacan, na trilha do inventor da Psicanálise, rom pe, definitivam ente, com os


estudos das ciên cias b io ló g ica s, no que diz resp eito à diferen ça sexual. M arco A n­
to n io C o u tin h o Jo rg e , desde 1988, insistiu em destacar o h iato que se estabelece
entre os traços sexuais anatôm icos e a p osição de um sujeito diante do se x o 13:

C abe lembrar, enfim, com Lacan, que para a psicanálise o corporal é


uma contingência por meio da qual o desejo se inscreve e que homem
e mulher não são nada mais que significantes. Q uanto ao sujeito, este
não tem sexo, pois ele é o sexo, a secção que habita o intervalo entre os
lugares, significantemente designados, do homem e da mulher.

D urante toda sua vida, Lacan sem pre insistiu em que a d iferença sexual é
criação do discurso e, ju stam en te por isso, o equ ívoco, co m o m arca indelével da
linguagem , envolve tudo o que diz resp eito ao sexo. O fato de a linguagem existir
já im plica a im possibilidade de d izer tudo sobre a d iferença sexual. Em As inter-
m itências da m orte, o aprendiz de filósofo nos alerta q u e14

as palavras são rótulos que se pegam às cousas, não são as cousas, nunca
saberás com o são as cousas, nem sequer que nomes são na realidade
os seus, porque os nomes que lhes deste não são mais do que isso, os
nomes que lhes deste.

N a história das civilizações, en con tram os uma diversidade de insígnias e de


adornos que, co m o dons, são sím bolos da presença ou ausência de virilidade.
Esses dons, diz L acan 15,

(...) já são símbolos, na medida em que símbolo quer dizer pacto e em


que, antes de mais nada, eles são significantes do pacto que constituem
com o significado: com o bem se vê no fato de que os objetos da troca
sim bólica — vasos feitos para ficar vazios, escudos pesados demais para
carregar, feixes que se ressecarão, lanças enterradas no solo — são des­
providos de uso por destinação, senão supérfluos por sua abundância.

195
C h arles D arw in se im pressionou com o fato de que, na Terra do Fogo, na Ar­
gentina, as vestim entas de alguns nativos não eram adequadas ao clim a da região,
A pesar do frio, eles cobriam a pele com uma fina cam ada de tinta e apenas usavam,
na parte superior do corp o, uma pequena pele de animal. N o Im pério R om ano
do O rien te, os nobres b izan tin os decoravam suas túnicas de seda com fios de
ouro, pérolas e pedras preciosas. O s esp artilhos, que passaram a ser usados pelas
m ulheres, aproxim adam ente, a partir do sécu lo X V I, não eram nem um pouco
confortáveis. Em síntese, as roupas e as armas co m o dons valem m uito mais pelo
valor fálico que adquirem do que pela função utilitária.
N o en tan to , m esm o assim, a sign ificação dos significantes 'hom em ' e 'm ulher1
foi con g elad a na im agem dos órgãos sexuais, fazend o com que se instalasse um
g ig an tesco , forte e quase invencível im pério da im agem , no qual reina, de forma
absoluta, a figura de um pênis. Parodiando Lacan, diria que um pênis sem pre
ereto, co m o se tivesse um osso, não é a im agem de um órgão sexual, mas do falo
com o sím b olo. Será que é nesse sen tid o que, em "A dissolução do co m p lex o de
Édipo", publicado em 1 9 2 4 , parodiando a frase m uito con h ecid a de N apoleão,
Freud diz que a anatom ia é o destino?
Lacan, em O Seminário, livro io.- a angústia, referind o-se a essa frase, afirma que
Freud "errou ao dizer, sem m aiores esclarecim en tos, que ela é o d estin o "16. Ju sta ­
m ente por isso, ao repetir essa c é le b re frase de Freud, ele faz questão de ressaltar
que está em pregando a palavra anatom ia com o sentid o de estrutura. O destino
do d esejo se liga a uma certa anatom ia, ou seja, ao m odo pelo qual o g o z o se
co n fro n ta com o s ig n ifica n te :"(...) o d esejo está fadado a en con trar o o b je to numa
ce rta função que se localiza e se precipita no nível da decídua e de tudo o que
pode fu ncionar co m o esses tecid os cad ucos''17.
S e a estrutura é o d estino, uma parte do que envolve a sexualidade hum ana é
real e, ju stam ente por isso, está m arcada pelo indizível: não há relação sexual, não
há A, não há tod o-hom em .
A diferença sexual só é questão para os seres que habitam a ordem sim b óli­
ca, na qual lei e linguagem se encon tram articuladas. É a linguagem , não com o
fenôm eno social, mas co m o estrutura, que biparte os habitan tes desse mundo
en tre hom ens e m ulheres, os quais, com o significantes, são fatos de discurso. N o
entanto, a natureza de to d o discurso é produzir uma significação não-tod a. O u
seja: o sen tid o produzido p elo discurso não esg ota a possibilidade de significação
do significante. É nesse sentid o que Lacan afirma que to d o discurso é sem blante.
Se houvesse um discurso que não fosse sem blante, seria possível a produção de
um saber sob re a d iferença sexual. A linguagem , diz L a ca n 18, "em sua função de
existen te, só co n o ta , em últim a análise, a im possibilidade de sim bolizar a relação
sexual".
Lacan diz e repete, muitas vezes, em seus sem inários, que a m ulher é n ã o -to ­
da. Esse aforism o foi interpretad o com o se o im possível só estivesse do lado das
m ulheres, co m o se fosse possível dizer tudo sobre o hom em , co m o se o real não
com parecesse para o hom em , enfim, co m o se o hom em "não ficasse exp o sto aí ao
v en to da castração "19. N o Seminário 4 8, Lacan nos alerta20:

O homem é uma função fálica na qualidade de todo homem. Mas,


com o vocês sabem, há enormes dúvidas incidindo sobre o fato de que
o todo homem existe. É isso que está em jo g o — ele só pode sê-lo
na qualidade de todohomem [touthom m e], isto é, de um significante,
nada mais. (...) A mulher só pode ocupar seu lugar na relação sexual,
só pode sê-lo, na qualidade de uma mulher. C om o acentuei vivamente,
não existe toda mulher.

O s falantes, que se co lo cam na p osição de quem tem o dom , filiam -se do


lado dos hom ens. A queles que se co lo ca m do lado de quem não tem o dom,
inscrevem -se do lado das m ulheres. Assim, a conversão do falo em sím bolo (<E*),
engendrando a dialética do te r e do não ter, situa os seres falantes, ora no lugar
de sujeito d esejante (p o sição m asculina), ora no lugar de o b je to desejad o (p osição
fem inina). Esse achad o, em O Seminário 20 : mais, ainda21, é sistem atizad o na escrita
dos maternas, constitu íd os por quatro fórm ulas proposicion ais, e pela escrita das
identificações sexuais:

gx <j>x = existe um x que não é função fálica —> necessário


V>< <í>x = to d o x é função fálica —* possível
3 x o x = não existe nenhum x que não é função fálica —» im possível
Vx <t)X = n ã o to d o x é função fálica —* co n tin g en te
& = sujeito barrado
<í> = falo
S(A ) = falta de um significante no cam po do O u tro
a = o b je to a co m o mais g ozar
A = A mulher, o que não se pode dizer.

197
Essas fórm ulas se sustentam na fenda que se abre entre as anatom ias dos corp os
e as p osições sexuais, para tod os que habitam a linguagem . Q ualqu er ser falante,
ind ep end en tem ente de seu sexo anatôm ico, pode se co lo ca r do lado do to d o
(hom em ) ou do lado do n ã o -to d o (m ulher). Estar ou não estar na fu nção fálica —
eis a questão. D o lado do to d o (hom em ), tem os o sujeito barrado (&) e a função
fálica (<J>). D o lado do n ã o-tod o (m ulher), tem os o o b je to a co m o o b je to causa do
d esejo. M as, nesse lugar de o b je to causa do d esejo do hom em , a m ulher só pode
co m p arecer co m o O u tro barrado (A ). O lugar do significante é barrado porque
falta o significante do O u tro -sexo : S(A ). O u seja: a expressão a mulher deve ser
escrita co m o  mulher, porque "a partir do m om en to em que ele [o ser falante] se
enuncia pelo não-tod o, não pode se escrever"22.
A im possibilidade de escrever a relação entre sujeito barrado {&') e o b je to causa
de seu d esejo (o b je to a) não só im plica que a co n ju n ção entre eles só pode ser feita
na fantasia - {& 0 a) - , mas tam bém que não há relação sexual. A mulher, co m o
O u tro-sexo , é, então, definida por Lacan, co m o "aquilo que tem relação com esse
O u tro"23. Eis uma definição que, em vez de explicar o que é a mulher, enuncia
que "nada se pode dizer da m ulher"24. Isso não significa que não se possa falar das
mulheres co m o seres falantes que se situam na função fálica do lado do n ão-tod o.
N o que diz respeito às p osições sexuais, Lacan insiste no fato de que esco lh er
o lado do não-tod o (m ulheres) não significa que não tenha oco rrid o a faliciza-
ção, processo por m eio do qual se inscreve a função paterna, sem a qual não há
castração. As m ulheres não estão privadas do g o z o fálico. E os hom en s não têm
ob rig ação de ficar de plantão o tem p o to d o na função fálica. E preciso saber tran ­
sitar nessas funções.
D esd e o Seminário 20, Lacan insiste que, quando um hom em ama, ele é mulher,
e quando uma m ulher deseja, ela é hom em . O ser falante co m o mãe está do lado
do to d o (hom em ); co m o o b je to causa do d esejo (o b je to a) está do lado do não-
to d o (mulheres),- co m o aquele que aborda o o b je to causa de seu d esejo está do
lado do to d o (hom ens).
N a psicose (foraclusão do N o m e-d o -P a i), o ser falante se co lo ca n o etern o
fem inino. N as neuroses h istérica, obsessiva (d en eg ação do N o m e-d o -P ai) e na
perversão (d esm entid o do N o m e-d o -P ai), o ser falante se fixa no m asculino. M ar­
cados ou não pela função fálica, a hom ossexualidade é a m arca registrada dessas
estruturas clínicas.
Enfim, hom ens ou m ulheres: uma d iferença sexual desvinculada da anatom ia
dos corp os e sustentada por dois significantes, cu ja significação é dada p elo sem ­
blante na dialética fálica: ter ou não ter o falo com o signo de dom. R ecapitulando:
de um lado, tem os a posição de sujeito que, co m o desejante/am ante, se situa no
lugar da falta: posição fem inina diante do significante falo. D o outro lado, tem os
a posição de o b je to que, co m o desejado/amado, situa-se do lado do ter: posição
m asculina diante do significante falo.
Se hom ens e m ulheres não fossem significantes, co m o com p reen d er os poetas
que viveram na ép o ca dos trovadores? Para amar cortesm en te a dama, situavam -se
do lado do hom em . Para falar de um amor, que estava a co n tece n d o e que o o b je to
am ado não se apresentava com o im possível, colocav am -se na p o sição das m u lhe­
res. A rrisco, inclusive, dizer que os trovadores salvaram a Idade M éd ia, cham ada
p elo historiad or G eo rg es D u b y de Idade dos H om ens, da hom ossexualidade.
Nas cantigas de amor, o sujeito, ao se situar co m o hom em no discurso p o é ti­
c o , co lo ca -se na p o sição de renunciar às m ulheres por am or de quem deveria ser
verdadeiram ente A mulher.

Senhor fremosa e de mui loução


coraçom , e querede-vos doer
de mi pecador, que vos sei querer
melhor ca m i; pero sõo certão
que mi queredes peior d'outra rem,
pero, senhor, quero-vos eu tal bem.
Qual maior poss', e o mais encoberto
que eu poss1,- e sei de Brancafrol
que lhi nom ouve Flores tal amor
qual vos eu e i; e pero sõo certo
que mi queredes peior d'outra rem,
pero, senhor, quero-vos eu tal bem.

Qual maior poss', e todoaquestavem


a mim, co itad e que perdi sém25.
Dom Dinis

N ão é por outra razão que esse am or se inscreve no regim e da privação, o que


im plica que amar tem co m o co n d içã o sim cjua non não ser corresp on d id o pelo o b je ­
to am ado, não alim entar nenhum a esperança, apenas sofrer e en lo u q u ecer de dor.
A dama, além de o b je to inatingível, encarna uma crueldade desumana, já que, em
vez de sentir com paixão, m ostra-se absolu tam ente indiferente ao sofrim ento do
am ante. Sem dúvida, os com p ortam en tos do am ante e da amada são rigidam ente
estabelecid o s pelas Leis de Amor. N o en tan to , o que im porta é que os artifícios,
inventados para reger as norm as estéticas dessas cantigas, ao m esm o tem po, p o ssi­
bilitam a abordagem da dama com o O u tro S e x o (Â m ulher) e interditam qualquer
aproxim ação ou recip rocid ad e de sen tim entos. E nesse sen tid o que Lacan afirma
que o am or co rtês é o ún ico am or verd ad eiro, na m edida em que indica o que há
de paradoxal no próprio am or: o am ado não pode dar o que falta ao am ante, por­
que ele não tem . O u seja-, o que falta ao am ante é ju stam ente o que falta ao amado.
A tão alm ejada com pletu de que os seres falantes desejam e esperam en con trar pela
via do am or nunca é encontrad a, p orqu e, sim plesm ente, não há. A fusão do par
am ante-am ado é verdadeiram ente im possível, porque o que falta ao am ante não
é o que o am ado tem para lhe dar. A dama, co m o representação do O u tro -sexo ,
de A mulher, só pode ser abordada co m o um o b je to que resvala, que escapa,
apontando para um vazio que rem ete para o inabordável, inalcançável e indizível.
N as cantigas de am igo, o su jeito fala da posição de m ulheres apaixonadas, que
aguardam o retorn o de seus am antes, sem pre em viagem pelo mundo.

Ondas do mar de Vigo,


se vistes meu amigo?
E ay Deus, se verrá cedo!

Se vistes meu amigo,


o por que eu sospiro?
E ay Deus, se verrá cedo!26
M artin Codax

Enquanto esperam , essas m ulheres ora suspiram de saudades, ora se ato rm en ­


tam com a dúvida de que podem ter sido esquecidas ou de que seus am ados já
estão m ortos.
Ondas do mar de vigo,
Se vistes meu amigo?
E ay Deus, se verrá cedo!27.

Tal vay o meu amigo, com amor que lheu dey,


Com e servo ferido de m onteyro del-Rey.

E, se el vay ferido, irá morrer al mar;


Si fará meu amigo, se eu d'el non pensar28.
Pero M eogo

Q u and o seus am ados voltam , elas são convidadas, quase sem pre por b ilhetes,
para um en co n tro .

Por muy fremosa que sanhuda estou


a meu amigo, que me demandou
que o fosseu veer
a la font', u os cervos van bever.

Afeyto me ten já por sandia,


que el non ven, mas envia
que o fosseu veer
a la font', u os cervos van bever29.
Pero M eogo
Irmãs e com panheiras participam desse pequeno drama, em que a figura m a­
terna sem pre com p arece tem erosa, aconselhando a filha a não se deixar levar pelo
arrebatam ento das paixões.

Digades, filha, mya filha velida,


porque tardastes na fontana fria.
O s amores ey

- Tardey, mya madre, na fontana fria,


cervos do monte a áugua volviam
O s amores ey.

M entir, mya filha, mentir por amado,


nunca vi cervo que volvesso alto.
O s amores ey30.
Pero M eogo

M as, m esm o assim, essas m ulheres, perdidam ente apaixonadas, co lo cam o


am or acim a das leis m orais e vão ao e n co n tro de seus amados. Em algumas c a n ­
tigas, entregam -se por amor, e, em vez do arrepend im ento ou do castig o, essas
m ulheres festejam com alegria a exp eriên cia inaugural com o g o z o fálico.

Eno sagrado en Vigo,


baylava corpo velido.-
Amor ey!

Baylava corpo delgado,


que nunca ouveramado:
Amor ey!

Q ue nunca ouveramado,
ergas en Vigo, no sagrado:
Emor ey!31
Pero M eogo

Enfim, não houve aprendizagem com o legado deixado pelos trovadores. Foi
preciso a d escoberta da Psicanálise com Freud e sua retom ada por Lacan para que
pudéssem os reler esses poetas e com eles aprender que a heterossexualidade é a
possibilidade de estar, em cada tem po, em uma posição diante do falo. S ó assim,
o ser falante, lib erto das corren tes anatôm icas pode continu ar viagem , seguindo a
trilha do amor, do d esejo e da singularidade de seu g ozo ...

201
Sobre a declaração de sexo
Ana Costa

este artigo, pretendem os situar alguns elem en tos im portantes na c o n si­


deração do tem a das hom ossexualidades, na m edida em que eles estão
em causa em toda e qualquer p osição sexuada: por um lado, o tem a dos
gozos e, de outro, o lugar da enun ciação na referência à p osição sexuada. Esses
elem entos constitu em h eterog eneid ad es en tre si, apesar do su jeito buscar sua
articulação, ou m esm o sua tentativa de unificação no amor. D estacam os que a
questão das hom ossexualidades tam bém se sustenta nessas referências, bem com o
to d o e qualquer e x e rcício do sexo. Isso diz respeito à co n d içã o desnaturada dos
seres falantes, suspensos nessa desnaturação m esm a, que não se resolve co m p leta ­
m ente em nenhum dos artifícios culturais criados. D esen volverem os parte de seus
fundam entos, o suficiente para transm itir o tem a que ora nos ocupa.
C o m o não há uma prescrição g en ética para o exe rcício sexual, que tam bém
não o b e d e ce a questões de gênero, suas co n d içõ e s se desenvolvem pelas vias de
uma in iciação, situada tan to em rituais sociais, com o em referências identificató-
rias singulares, inscritas nas histórias dos sujeitos. Lacan propôs, a partir disso, que
o e n co n tro e ró tico a co n te ce sustentado num im possível, estab elecid o por uma via
sexuada para o ser falante. A sexuação, para Lacan, situa a com plexid ad e da articu ­
lação entre fantasia, afirm ação sexuada e g o z o - esse últim o co lo ca n d o em causa o
corp o. Assim, a sexuação im plica uma relação com plexa com a castração. São to ­
m ados aqui alguns de seus elem en tos, na m edida em que são p ro p osições bastante
extensas para serem abordadas. Em prim eiro lugar, a partir dos desdobram entos
dados por Lacan às questões da clín ica psicanalítica, en con tram os que o e x ercício
da sexualidade não im plica o esta b e le cim en to de uma continu id ad e com o tem a
da sexuação. H á, de um lado, tudo o que im plica o suporte do corp o, sua erótica
apoiada nas bordas, no fu ncionam ento dos orifícios, com o um determ inante do
e x e rcício da pulsão. C e rta m en te esse fu ncionam en to não é sim ples. M esm o que
não haja continu id ad e entre term os, esse fu ncionam ento depende da articulação
a uma p osição sexuada. O que im plica, de alguma m aneira, a possibilidade de
registro e nom eação da singularidade do g ozo do sujeito.
D esd e Freud, já se sabe que nossas relações com o corp o evocam , freq u en te­
m ente, uma co n d ição de estrangeiridade. T estem unham os essa estrangeiridade
tan to em fantasias, quanto na angústia, ou m esm o na form a com o esse corp o
é designado: 'tem os' um corp o, não 'som os' esse corp o. Situar o corp o do lado
do enunciad o de um 'ter' vai con stitu ir nosso estranham en to corriqueiro. Lacan
cham a aten ção para algo curioso: o lugar onde sustentam os o 'ser' situa-se na c o n ­
d ição mais evanescente, que é a de serm os falantes. 'Som os' falantes e 'tem os' um
corp o. O paradoxo dessa dupla co n d içã o diz respeito a que o 'ser' sustentado no
lugar da fala nunca se realiza co m o identidade. E nesse sentid o que Lacan propõe
o falasser atrelado a uma co n d içã o evan escente, nunca com p letam ente realizado.
Por outro lado, o corp o pareceria ser o que mais nos 'pertence'. N o en ta n to , a
relação de estrangeiridade que m antem os com ele nos diz que há algo do real
nunca com p letam en te apreendido por nossas representações. A partir disso, de
que essas duas referências con stitu em descontinuidades, nunca terem os co n d içõ es
de e stab elecer univocidades e con sistên cias nesses dois registros. H á, ali, o esta ­
b elecim en to de um gap, difícil de conciliar, entre ser falante e ter um corp o. As
co n stitu içõ es sintom áticas tentam dar con ta desse gap, produzindo uma am arração
de registros h etero g ên eo s e descontínuos.
A lgo dessa descontinuidade Lacan abordou a partir da referên cia a uma d ecla ­
ração de sexo, ou seja, diz respeito ao que se atém , em ato, o ser falante na falta da
relação sexual - a dita prop orção intercam biável en tre os sexos. N um a passagem
de "Pequeno discurso aos psiquiatras", de 1967, Lacan diz o seguinte: "E porque
o significante m ostra m anifestar falhas eletivas nesse m om en to em que se trata de
que aquele que diz 'eu' se diga co m o m acho ou co m o fêm ea". O u seja, segundo o
autor, o sujeito, ao precisar d izer isso, faz surgir um "escam oteam ento sim bólico
do órgão da copulação". O que im plica - acrescen tam os - que só se con segue
d izer 'eu' a partir de uma narrativa ficcional, situada num jo g o de m áscaras, o que
en co b re o que está em causa no g ozo do órgão. Assim, Lacan situa que 'hom em '
e 'm ulher' são significantes e, desde esse cam po, tem os a relação com o lim ite e a
falta. O u seja, as identificações não se situam na co n d içã o dos gêneros e sim nas
referências aos ideais, im plicando o en co n tro de seu lim ite na relação com as pul­
sões. Em O Seminário, livro 20 : mais, a in d a ...1, Lacan acrescen ta um e lem en to im p or­
tante para situar a relação com o O u tro: este não é som en te lugar dos significantes
- tal co m o sua proposição do in con scien te estruturado co m o uma linguagem . O
O u tro é o corp o, m arcado por bordas em que insistem os exercício s das pulsões.
O estranham ento do corp o diz respeito a esse sítio d o O u tro .
Podem os acom panhar essas questões na passagem ad olescen te, por exem plo,
aco n tecim en to este que não é tom ad o co m naturalidade, na medida em que

204
cria uma falha nas co n d içõ es de representação. E sse a co n tecim e n to atualiza o
traum atism o originário da entrada na linguagem , re to rn a n d o p ercep ções de des-
ped açam ento do corp o. O retorno de uma u n ificação a c o n te c e nos exe rcício s de
iniciação e no jo g o com as 'máscaras'. N o en tan to , co m o con seq ü ên cia de um
e x ercício , das d iferentes faces da experiên cia, reto rn a ao sujeito a interpelação de
uma escolh a sexuada.
Farem os um co teja m e n to entre os term os 'in icia çã o sexual' e 'd eclaração de
sexo'. O prim eiro - a in iciação - faz alusão ao in ex p erien te, àquele que precisa
ser acom panhado num cam po em que se ressalta sua inabilidade, co n ferin d o -lh e o
selo da 'virgindade', co m o bem ou co m o estigm a, m as, de qualquer forma, sem pre
com o um risco. D o lado da 'declaração', espera-se o testem u nho a um outro, no
e x ercício m esm o de sua posição sexuada, que se sustenta na m edida em que o su­
je ito se situa co m o ser falante. Transitem os, então, pela elab oração desses term os.
A in iciação situa-se por relação a uma m udança de estado - na passagem
ad olescente, por exem plo. E um term o que faz alusão aos m istérios: m istério do
sexo, ou m esm o, do d esejo. Por ser um m istério, a referên cia a um saber dirige
essa m udança de estado. E já que se representa co m o da ordem do 'm istério', pode
vir recheada de um sen tid o religioso. C onfirm am os isso naquelas figuras que,
nas m ontagens sociais, serviram ao longo do tem p o para dar co rp o à iniciação,
enquanto apropriação de saber ligad o a esse tem a. C o lo ca ra m -se, por exem plo,
no 'guerreiro' e no 'escriba', co m o figurações do m asculino que encarnaram , ao
longo dos séculos, a subm issão aos desígnios dos m istérios. Essas figuras dão o que
pensar, porque apresentam paradoxos. Sua en carn ação era reservada aos hom ens,
mas numa p osição fem inilizada. O u seja, atuavam a virilidade numa co n d içã o de
passividade e subserviência.
A tem ática da in iciação tem atravessado os séculos com essa dupla assonância:
a aquisição e o d om ínio de um saber sobre um d eterm inad o enigm a - o enigm a
do O u tro sexo - e a co lo ca ç ã o em ato desse saber. Essas duas co n d içõ e s aparecem
interligadas e a possibilidade de tran sp osição mais ou m enos bem -sucedida está
co lo cad a em que, socialm ente, produza-se um laço possível entre elas - entre sa­
b er e co lo ca çã o em ato desse saber. Esse laço pode se am arrar de muitas m aneiras
e, desde já , podem os d estacar seus extrem os, que são co lo ca d o s, muitas vezes, nas
passagens ao ato co m violên cia.
O s 'm istérios' trazem a função de um ideal fálico. N ão é sim ples o trabalho
p síquico necessário para transpor a ad olescên cia. C ad a cultura faz seus arranjos
possíveis, que respondem a suas o rg an izaçõ es discursivas. O trabalh o de am ar­
ração im plica que estejam contid as n o ideal social as co n d içõ e s para o e x ercício
sexual, na m edida em que este não é som en te um trabalh o individual, sendo
tam bém social.
O lugar dos 'm istérios' diz respeito à função da fantasia. D esd e Freud, re co n h e ­
ce-se que a sexualidade faz um furo no real. O que pertencia ao cam po da cu rio ­
sidade infantil, no qual era suportado o sexual, perde a âncora das relaçõ es pri­
márias, na passagem ad olescente. Torn a-se necessário, então, constitu ir algo que
restabeleça essa função. N ão sem antes passar pelas reações de pudor, que revelam
algo de uma privação. E ali que entra em causa a função da fantasia. A relação ao
'm istério' suporta a tessitura de um véu necessário para abordagem do real. C o m o
se sabe, o son h o tem tam bém essa função: som ente pelo sonho torna-se possível
uma saída de experiências que atualizam um trauma originário. A exp eriên cia c o r­
poral na puberdade tam bém se situa co m o uma atualização desse trauma.
A virgindade fem inina, situada anteriorm en te com o tabu social, já en carn ou
culturalm ente o enigm a do falo - enigm a este no qual se atualizam os m istérios'
- sendo uma de suas expressões mais eficazes. O falo - co m o significante da falta
- funciona co m o um véu, que e n co b re a castração e a relan ça num mais além . A
virgem fazia co rp o social disso e, por essa razão, o d esvirginam ento poderia re ­
presentar v iolência, com o queda do véu e realização da castração (essas significa­
ções ainda se m antêm no privado, para cada indivíduo). Essa função social estava
co lo cad a tam bém para os rapazes em relação à sua in iciação. A possibilidade de
realizar o e n co n tro do O u tro sexo (para hom ens e m ulheres) é tam bém atualizar
o e n co n tro do vazio do falo, ou seja, sua dim ensão puram ente significante (de ser
um sim ples representante para o sujeito).
C o m isso, é possível p erceb er que a in iciação tem por função o jo g o da m ásca­
ra, na qual o 'm istério' diz resp eito à função fálica. Pod em os pensar na sua abran ­
gência, con stitu in te dos determ inism os m íticos hum anos, se acom panharm os os
ritos in iciáticos, de algumas socied ad es tribais, nas quais isso, de uma m aneira ou
outra, é co lo ca d o em causa. C o m o nas cerim ônias da caça, por exem plo, durante
as quais o caçad or se pinta com o sua presa ou a m im etiza. O u m esm o, em nossa
socied ad e, nos jo g o s de con qu ista, nos quais a questão se cen tra no ex e rcício da
'máscara' - m esm o para os h om ens - mais do que na necessidade de acesso ao
o b je to do d esejo.
V am os ao nosso segundo term o: d eclaração do sexo. C uriosa expressão. Lacan
se utiliza dela para propor que o sujeito é um term o sem pre resultante de três m o ­
dalidades tem porais, constitu in tes do que ele denom inou "tem po lóg ico ". O u seja,
a relação do sujeito com sua en u nciação se m odifica d ep end end o do que está em
causa na relação com o outro. Isso porque o sujeito depende de um determ inado
e n co n tro de enunciação e real, que im plica d iferentes trânsitos da experiên cia.
Assim, não seria suficiente que o sujeito fosse um iniciad o num có d ig o qualquer
- co m o uma referência fálica - para que incluísse a exp eriên cia singular de seu
g ozo. Esse dom ínio, por exem plo, poderia ser sim plesm ente delegado a um outro,
m antend o, dessa m aneira, sua co n d içã o de anonim ato. E assim que a iniciação não
garante a um sujeito a apropriação de um lugar para inclusão de sua exp eriên cia
singular num có d ig o com partilhad o. C ed o ou tard e, de uma m aneira ou de outra,
algumas experiên cias produzem desgarram ento nos en co n tro s da paixão.
Para finalizar, podem os retom ar o que desdobram os da maneira que segue.
A puberdade, co m o acon tecim en to, cria um tjap, uma falha, nas con d ições de
representação. Esse aco n tecim en to atualiza o traumatismo originário, retornando
percepções de despedaçam ento do corpo. O retorno a uma unificação aco n tece
nos exercícios de iniciação e no jo g o com as 'máscaras'. N o entanto, co m o c o n se ­
qüência de um exercício , nas diferentes faces da experiência, retorna ao sujeito a in ­
terpelação de sua escolh a sexuada. A esse m om en to pertence a 'declaração de sexo'.
Assim, a assunção de uma escolh a sexuada fica atrelada a um tem po de exer­
cício , situando d iferentes form as de enu n ciação, que dependem da relação com
o outro co n stan te no tem po lóg ico . P odem os acom panhar durante um tem po a
ilusão da encarnação do falo, situado no jo g o das iden tificações. A ultrapassagem
dessa posição diz respeito ao sujeito se declarar co m o sexuado frente ao outro,
no e x ercício do d esejo . S ão os efeito s desse exe rcício que retornam co m o se fosse
uma interp elação, na qual o sujeito é co n v o ca d o a 'bancar' o d esejo. N esses m o ­
m entos, podem a co n te ce r crises, que testem unham os de duas maneiras: seja com
incid ências do 'duplo1, em seu efe ito de divisão, de ruptura do espelho,- ou bem
co m o uma m iragem da unidade, no caso da paixão. Esses efeito s são co n seq ü ên ­
cias dessa interp elação a uma esco lh a sexuada. O u seja, co lo ca m o sujeito em crise,
numa relação direta ao recalcam en to originário, m anifestando o que de louco faz
parte de qualquer estrutura.

207
CAPITULO 17

12 pontuações sobre a bissexualidade


Marco Antonio Coutinho Jorge

1
. A n oção de bissexualidade não foi introduzida por W ilh elm Fliess, com o se
costum a pensar. Ela já era m uito difundida entre os praticantes de biom edi-
cina e sexólogos do final do século X IX , cu ja extensa casuística foi utilizada
por Freud logo na abertura de seus "Três ensaios sobre a teoria da sexualidade"'.
N esse texto, Freud cita vários, dentre eles, por exem plo, R ichard von K rafft-Ebing,
para quem a ideia de uma bissexualidade constitu cional fornecia uma das soluções
mais prom issoras para os enigm as da hom ossexualidade. Para eles, tratava-se de
uma noção pouco precisa, que m esclava Biologia e P sicologia em porções diversas
e de m odo h olístico. O interesse m aior das investigações m aciças efetuadas em
to rn o do tem a da bissexualidade pelos sexólog o s era precisam ente o de ob ter uma
explicação para a hom ossexualidade, presença barulhenta na cultura do século X IX
(vide o caso O sca r W ild e), que era o b je to de punições ju ríd icas e policiais.

1. A bissexualidade ocupou um lugar privilegiadíssim o no diálogo travado entre


Freud e seu grande am igo, otorrinolarin gologista de Berlim , W ilh elm Fliess, ao
lon go de um relacionam en to que durou 17 anos e durante o qual Freud gestou a
Psicanálise. A m bos eram am biciosos, eruditos e carism áticos: se Freud pretendia
criar uma nova psicologia geral, Fliess queria fundar uma nova b iolog ia geral2. Seu
relacionam ento, surgido a partir da ida de Fliess (por sugestão de Breuer) a uma
das conferências de Freud na U niversidade de V iena, foi intenso. Seus encon tros
pessoais, esporádicos, eram cham ados por Freud de "congressos". Fliess abordava a
bissexualidade de m odo sim ilar aos sexólogos, com ênfase na ideia de bissexualida­
de biológica. Freud sustentava a ideia de uma bissexualidade p sicológ ica, referida à
escolh a de o b je to hom o ou heterossexual3.

209
3. A bissexualidad e está na b ase da teo ria p sican alítica da sexualidade. É
altam en te sig n ificativo que Freud te n h a produ zido seus “Três ensaios", no qual
introd u z, pela prim eira vez, seu c o n c e ito de pulsão, p recisam ente um ano após
te r rom pido seu re la cio n a m en to co m Fliess. Tudo faz supor que o c o n c e ito de
pulsão é a resposta te ó rica dada p o r Freud ao lo n g o d iálog o travado en tre ele
e Fliess em to rn o da bissexualidad e. E le é o c o n c e ito que fo rn e ce uma teoria
co n siste n te para exp licar a sexualidad e hum ana, de um m odo geral, e a h o m o s ­
sexualidade, em particular. Ele co n stitu i a ch av e de co m p reen sã o da sexu alid a­
de, d en om inad a por Freud de perversa polim orfa, por ultrapassar, em m uito, os
lim ites da atividade sexual anim al regulada p elo in stin to . Freud afirma, nos "Três
HA
ensaios :

Desde que encontrei a noção de bissexualidade passei a vê-la com o


o fator decisivo, e sem levar em conta a bissexualidade acho que difi­
cilm ente seria possível chegar a uma com preensão das manifestações
sexuais que podem ser observadas em homens e mulheres.

4. O s "Três ensaios" de Freud são construídos em to rn o da questão co lo cad a


na cultura europeia do sécu lo X IX pela hom ossexualidade. Sua estrutura o revela
claram ente: o livro se abre e se encerra com esse tó p ico . A seção denom inada
"So bre os desvios relativos ao o b je to sexual" do prim eiro ensaio, com p osta por 14
páginas e m eia, tem 13 páginas dedicadas à inversão sexual e uma página e m eia
apenas às pessoas sexualm ente imaturas e animais co m o o b je to s sexuais. O tó p ico
derradeiro se intitula “A prevenção da inversão". O s "Três ensaios" são co n stru í­
dos tend o a hom ossexualidade co m o seu nú cleo tem á tico principal, sen do que os
outros tem as se correlacion am com ela de algum m odo. A hom ossexualidade foi
pensada por Freud co m o um co m p o n en te sexual presen te em todo sujeito. Freud
fala a esse respeito de hom ossexualidade laten te e manifesta,- de bissexualidade
presente nas fantasias histéricas,- de bissexualidade na esco lh a de o b je to que c o n ­
ju ga, em p ro p orçõ es diversas, traço s m asculinos co m traços fem ininos.

5. Freud fala de bissexualidade do in ício ao fim de sua obra. Seu o b je tiv o é


sem pre exp licitar qual a visão que a Psicanálise tem dela. Em relação ao fam oso
problem a da bissexualidade con stitu cio n al, Freud é claro ao exp licitar que não se
trata aí de algum fator b io ló g ic o ou hereditário, mas sim de uma "d isposição bis-
sexual" universal de to d o e qualquer sujeito. N os "Três ensaios", ele pondera que
a d isposição para as perversões de toda esp écie é uma característica hum ana geral
e fundam ental, para con clu ir que5

há, na verdade, algo inato atrás das perversões, mas que é algo inato em
todas as pessoas, embora com o uma disposição, possa variar de intensi­
dade e ser aumentado pelas influências da vida real.

210
N essa m esm a direção, num te x to lum inoso escrito lo g o em seguida aos "Três
ensaios", com o o b je tiv o de resum i-los de form a sim ples e direta, Freud m e n cio ­
na igualm ente a n o ção de "constitu ição sexual"6 presente em to d o sujeito sem
exceção . N esse m esm o breve artigo, Freud assevera que partiu do "trauma sexual
infantil" e ch eg ou ao "infantilism o da sexualidade"7.

6. Em 1940, um ano após a m orte de Freud, Sand or Rado escreveu um artigo


no qual desqualificava com p letam en te a teoria freudiana da bissexualidade.- "a
vaga n oção de bissexualidade b io ló g ica e a m aneira incrivelm ente desleixada pela
qual foi em pregada na Psicanálise teve con seq ü ên cias deploráveis"8. E, ainda:
"Faz-se urgente suplantar o c o n c e ito enganad or de bissexualidade por uma teoria
p sicoló gica baseada em fundam entos b io ló g ico s mais firmes"9. Tal artigo, no qual
Rado falou da hom ossexualidade co m o um "com p ortam ento sexual d o en tio "10,
esteve na base dos desvios teó rico s que culm inaram na p ato lo g ização da h om osse­
xualidade e parecem ter servido precisam ente para o fim de desconsid erar a ideia
freudiana - tão sim ples quanto inegável, clin icam en te - de que to d o sujeito pode
realizar escolhas de o b je to hom o ou heterossexual.

7. C o m a d esqualificação da bissexualidade e com preocu p ações clín icas e s­


tranham ente pragm áticas para um psicanalista, Rado propôs ato con tín u o abolir a
no ção de hom ossexualidade laten te ou in co n scien te, p o is11

a idéia de achar-se em dificuldades contra um com ponente hom osse­


xual em sua constituição, frequentemente produz nos pacientes um
desincentivo desnecessário ou pânico, se não com plicações mais sérias.

Rado consid erou o uso dos term os 'hom ossexualidade' e 'sexualidade' na P si­
canálise co m o não tend o precisão, sendo incongru en tes e grosseiram ente mal
aplicados. C ontu d o, o d esco n h ecim en to do pensam ento de Freud revela-se cabal
quando ele afirma que o com p o n en te con stitu cio n al da hom ossexualidade seria o
fem inino no hom em e o m asculino na mulher. N ada mais equ ivocad o do que isso.
A crítica de Rado é im proced ente porque d esco n h ece a form a pela qual Freud
co n ceb ia a bissexualidade para a P sicanálise - co m o p sicoló g ica e não b io ló g i­
ca. N a verdade, é ele quem alm eja passar a questão da sexualidade para o plano
b io ló g ico , sem dúvida alguma cu rto-circu itan d o o c o n c e ito de pulsão em prol da
categoria de in stinto e de uma p sicolo g ia banal que abole o in co n scien te 12-.

Livres do preconceito da bissexualidade, devemos certam ente assumir


novas e mais bem fundamentadas posições no campo da psicopatologia
genital [sic]. A posição delineada em bases biológicas torna-se então,
inevitavelmente, nosso ponto de partida. O problema básico, para
enunciá-lo sucintamente, é determ inar os fatores que fazem com que o

211
indivíduo aplique formas aberrantes de estimulação ao seu equipamento
genital padrão. [!].

8. U m a gam a de autores cu jas ob ras se revelariam influentes so b re a co m u n i­


dade p sican alítica, co m o Irving B ieber, valeu-se, freq u en tem en te, desse tra b a lh o
de R ado para co n tin u ar a d esco n sid erar a n o çã o de bissexualidade e para não
mais c o n c e b e r a h om ossexu alid ad e - co m o Freud o fazia - co m o um tip o de e s­
c o lh a de o b je to , mas sim c o m o um a "altern ativa p a to ló g ica " derivada de m edos
e in ib içõ es associad os com a h eterossexu alid ad e: "a ad aptação hom ossexual é o
resultado de m edos esco n d id os, mas in cap acitan tes, do sexo o p o s to "13. D iz e n d o
d iferir de ou tros investigad ores que tom aram a p o siçã o de que a h o m o ssex u ali­
dade é um a e sp écie de variante norm al da con d u ta sexual (co m o as d o re la tó rio
K in sey ), as co n clu sõ es da obra de B ieb er con stitu íram uma radiografia co m p le ta
da m aneira co m o os p sicanalistas n o rte-a m erica n o s rom peram co m as fo rm u la­
ç õ e s b ásicas da teoria freudiana e insistiram em ab ord ar a sexualidade pela via
da b io lo g ia , ou seja, p ela via do instinto-, "A ssum im os que a h eterossexu alid ad e
é a norm a b io ló g ica e que a m en os que se interfira com ela tod os os indivíduos
são h e tero ssex u ais"14. E n ten d e-se m elh or agora a ló g ica em jo g o , co n trá ria à
freudiana: se Freud sustenta a n o çã o de b issexualidad e estrutural para poder
e scla re ce r a dualidade de e sc o lh a de o b je to (hom ossexu al e/ou h etero ssex u al)
e n co n trad a na clín ica e na vida co tid ia n a por m eio da ló g ica que o p õ e o m a ­
n ifesto ao la ten te, esses autores aboliram a n o çã o de bissexualidad e para poder
negar a hom ossexu alid ad e co m o um c o m p o n e n te p resen te em to d o su jeito , ai n­
da que sob as m ais d iferen tes form as - sublim ada, reca lca d a ou sin tom atizad a.
T rata-se aí de um ap agam ento cu jo m óbil fa cilm en te pode ser n om ead o, h o je ,
co m o fran cam en te h o m o fó b ic o . O e fe ito dessa n eg a çã o incidiu, de m aneira
m aciça, nas análises cond u zid as p o r esses analistas e nos analistas que fizeram
suas fo rm açõ es a partir daí. O tab u da hom ossexu alid ad e d en tro da in stitu ição
p sican alítica se aliou ao m esm o tabu no m undo cristã o . C o m a d iferen ça que a
Ig reja C a tó lica deu um g olp e de m estre quando, em seguida à co n d e n a çã o da
hom ossexu alid ad e, prom oveu a seg reg ação dos sexos en tre seus ap ó sto lo s. A
m ensagem in co n scien te foi um a só-, a hom ossexu alid ad e é p roibid a, m as v o c ê
poderá vivê-la se fo r um dos nossos. O d eclín io da Ig reja C a tó lica p arece ter
co in cid id o co m a lib eração da hom ossexualidad e na cultura, na m esm a d écada
de Stonewalí.

9. Recusar a n o ção de bissexualidade tem co m o co rrela to im p lícito a recusa da


sexualidade infantil, com a qual ela está relacionad a de m odo indissociável e em
relação à qual Freud afirmava que se erigiam as m aiores resistências à Psicanálise.
A n o ção de perversão polim orfa infantil é necessariam en te correlativa à dim ensão
de uma bissexualidade con stitu cio n al. A recusa da n o çã o de bissexualidade im p li­
ca a recusa da n o ção freudiana de sexualidade.

212
10. O co n c e ito lacanian o de o b je to a é a resolução teó rica co n sisten te for­
mulada por Lacan para substituir a n o çã o n ov ecen tista de bissexualidade. S e esta
co lo ca , em prim eiro plano, a dim ensão imaginária da diferença sexual anatôm ica,
o o b je to a localiza o real em jo g o na sexualidade en qu anto im possível existên cia
do O u tro sexo. Q u an d o L acan 15 afirma que "A m ulher não existe", que "a relação
sexual é im possível", que "não existe o O u tro sexo” - tod os esses aforism os são
decorrentes, no fundo, da nom eação em preendida por ele do o b je to a co m o falta
de o b je to que não pode - no sentido de im possível - ser preenchid a. T od o e qual­
quer o b je to sexual será tão válido quanto outro, pois não existe O o b je to . N esse
sentid o, Lacan resume a questão da bissexualidade ao afirmar q u e'6:

A bissexualidade biológica deve ser deixada no legado de Fliess. Ela


não tem nada a ver com aquilo de que se trata: a incomensurabilidade
do ob jeto a com a unidade implicada pela conjunção de seres de sexo
oposto na exigência subjetiva de seu ato.

O o b je to a tem uma genealogia longa e nobre.- ele nasce com a bissexualidade,-


cre sce co m o das Ding; A Coisa,- erige-se com o o b je to parcial da pulsão,- veste-se de
agalma,- depois de o b je to bom e o b je to mau,- aparece sorrateiram ente co m o o b je to
tran sicio n al17,- até ser nom eado, por Lacan, com uma nom eação que é a m ínim a
possível para se atribuir a algo: a prim eira letra do alfabeto, minúscula: a. Sob re
essa nom eação, disse Lacan: "Se fosse tão fácil falar dele, nós lhe daríam os outro
nom e que não o b je to a"'s.

11. Para Freud, há uma co n ex ã o íntim a entre bissexualidade e hom ossexuali­


dade. Seus discípulos pensavam assim igualm ente. W ilh elm S te k e l19, por exem plo,
abordando a bissexualidade co m o elem en to estrutural do sujeito, conclu i numa
obra sobre o tem a: "a hom ossexualidade deriva, portanto, da bissexualidade". Se,
para Freud, todos os sujeitos são estruturalm ente bissexuais, a esco lh a de o b je to
recairá para cada um sob uma ou outra co n d ição . Assim, a hom ossexualidade é
uma m odalidade da sexualidade tão legítim a quanto a heterossexualidade. A c lín i­
ca atual tem m ostrado, cada vez mais, o quanto a recen te liberação dos costum es,
no que tange à hom ossexualidade, produziu a reorien tação sexual em m uitos
sujeitos, tanto hom ens com o m ulheres. N ão é nada raro ver-se h o je m ulheres e
hom ens que, casados durante m uitos anos, acabaram por fazer uma esco lh a de
o b je to hom ossexual na idade madura. A reorg an ização da fam ília atual está in te n ­
sam ente atravessada pelas exp eriên cias de red irecion am en to da esco lh a de o b je to
feita por m uitos sujeitos, um grande núm ero deles em análise20.

12. N um a carta ch eia de afeto dirigida a Fliess em I o de agosto de 1899,


Freud afirma, entusiasm ado com a proxim idade da finalização do livro sobre os
son h o s31: "M as a bissexualidade! E claro que vo cê tem razão quanto a ela. Estou-

213
me acostu m and o a encarar cada ato sexual co m o um processo em que há quatro
indivíduos envolvidos". A P sicanálise estava para nascer com o livro dos sonhos,
sua obra m aior sobre o in co n scien te. E todo esse entusiasm o com a bissexualida­
de daria, em breve, seus frutos por m eio do c o n c e ito inovador de pulsão. C o m o
estab elecim en to desses co n c e ito s fundam entais - in con scien te e pulsão —, Freud
desenvolveria doravante as duas bases por m eio das quais a Psicanálise co n c e b e a
estrutura do su jeito — linguagem e sexualidade - , a qual foi p osteriorm en te form a­
lizada por Lacan com a lóg ica do significante e a teoria do g ozo .
Homossexualidades e
Estruturas Clínicas
CAPÍTUL018

Uma nota sobre a diferenciação estrutural


freudiana entre neurose e perversão
Paola Mieli

■ Introdução
|| À s neuroses são, por assim dizer, o negativo das perversões"'. C o m essa
/ \ afirm ação, Freud indica, entre outras coisas, co m o a sin tom atologia psi-
Á iL co n eu ró tica representa - por m eio do recalque - a expressão convertida
das pulsões que poderiam ser qualificadas, de um p onto de vista norm ativo,
com o perversas. Freud assinala, mais especificam ente, que as "fantasias histéricas
in conscientes correspond em com p letam en te às situações em que a satisfação é
co n scien tem en te obtida pelos perversos"2. G raças ao papel fundam ental exercido
nela pelas fantasias, a histeria, em particular, parece esclarecer a relação "negativa"
que a neurose m antém com a perversão. A proxim idade e, ao m esm o tem po, a
op osição entre neurose e perversão co lo ca m a questão da relação entre as duas,
assim com o sua d iferenciação estrutural.

■ Rumo a uma diferenciação estrutural


N os "Três ensaios sobre a teoria da sexualidade"3, Freud n ota a dificuldade de
dar uma d efinição de perversão', tend o em co n ta a natureza da própria pulsão. A
perversão é originalm ente com preen d ida com o um desvio da pulsão em relação
à sua m eta ou o b je to . Esse p o n to de vista, contu d o, im plica a existên cia de uma
satisfação 'norm al' da pulsão, uma pressuposição que a d esco berta de Freud do
caráter perverso polim orfo universal da sexualidade hum ana põe em questão. D e
fato, graças a seu estudo da sexualidade infantil, Freud aponta a peculiaridade da
relação entre a pulsão sexual, sua m eta e seu o b je to . C o m o sabem os, a m eta da
pulsão é a satisfação em si mesma. O o b je to de uma pulsão, por outro lado4,

217
é a coisa em relação a qual ou através da qual a pulsão se acha apta a
atingir sua meta. O ob jeto é o que é mais variável na pulsão e não está
originalmente conectado a ela, mas se torna designado para ela apenas em
conseqüência do fato de ser peculiarmente apropriado para possibilitar
a satisfação. O ob jeto não é necessariamente algo alheio: ele pode
igualmente ser uma parte do próprio corpo do sujeito. Ele pode mudar
cjualcjuer número de vezes no curso das vicissitudes que a pulsão sofre
durante a sua existência.

D essa form a, do p o n to de vista da natureza da pulsão, a n o çã o de um "desvio"


em relação ao o b je to ou à m eta m ostra-se a u tocon trad itó rio em seus próprios te r­
m os, uma vez que não existe tal coisa com o um o b je to estável para que a pulsão
atinja sua satisfação, ou uma satisfação que deva ser privilegiada em si mesma.
P aradoxalm ente, a qualidade 'perversa' da pulsão é norm al1, se desejam os m anter
essa term inologia, e co m o aponta Freud25

do ponto de vista da psicanálise o interesse exclusivo que hom ens sen­


tem por mulheres é também um problema que necessita elucidação e
não é um fato evidente por si mesmo, baseado numa atração que seja
fundamentalmente de natureza química.

T end o analisado a natureza da pulsão sexual, Freud ch eg a às seguintes


con clu sõ es6:

M uito pode ser dito para caracterizar a pulsão sexual. Elas são numero­
sas, emanam de uma grande variedade de fontes orgânicas, atuam em
primeira instância independentem ente umas das outras e atingem uma
síntese mais ou menos com pleta apenas no último estágio. A meta pela
qual cada uma delas se empenha é a obtenção do 'prazer de órgão',- ape­
nas quando a síntese é alcançada elas com eçam o trabalho da função re­
produtiva e, em razão disso, tornam-se geralm ente reconhecíveis com o
pulsões sexuais. Q uando aparecem pela primeira vez, estão ligadas às
pulsões de auto-conservação, das quais apenas gradativamente vêm se
separar; em sua escolha de objeto, também, elas seguem as trilhas que
lhes são indicadas pelas pulsões do eu. Uma porção delas permanece
associada com as pulsões do eu ao longo da vida e lhes fornece co m ­
ponentes libidinais, os quais no funcionamento normal facilm ente esca­
pam à percepção e são revelados apenas pelo início da doença.

A sexualidade humana não é b io lo g icam en te determ inada, assim co m o o p ró ­


prio c o n c e ito de 'pulsão sexual' - um c o n c e ito na fronteira en tre o m ental e o s o ­
m ático - dá a entender, e a esco lh a de o b je to sexual individual é independ ente da
d istinção b io ló g ica dos gêneros. C o m a d escoberta do caráter perverso polim orfo
da sexualidade infantil, Freud indica co m o , para am bos os sexos, a sexualidade é

218
prim eiro organizada em to rn o das zonas erógenas do corp o, nas quais uma troca
privilegiada co m o outro - o cuidador, a m ãe - a co n tece. As m esm as pulsões

r * uma noia soore a anerenciaçao esmnurai ireuaiana emre neurose e perversão


parciais que caracterizam a sexualidade das crianças estão em ação na sexualidade
dos adultos, tan to independ en tem ente quanto prom ovendo prazer prelim inar no
intercurso genital. P or esse m otivo, as pulsões que poderiam ser qualificadas com o
'perversas' revelam -se co m o uma parte inevitável do p rocesso que fundam enta a
evolução e a estrutura da própria organização psicossexual.
N os "Três ensaios", as perversões dos adultos parecem ser o resultado de uma
regressão e de uma fixação numa certa fase do d esenvolvim ento libidinal, ca ra c ­
terizad o pela prevalência das pulsões parciais específicas. Baseada na evidência
fen om en o ló gica, essa h ip ótese sobre a natureza da perversão não responde à
questão aberta sobre a esp ecificidade de sua estrutura, esp ecialm ente à luz do
caráter universal norm alm ente perverso' da própria pulsão parcial. Efetivando,
na realidade, os m odos de satisfação id ênticos àqueles m anifestados na seqüência
dos estágios psicossexuais e fantasias dos neuróticos, a perversão perm anece co m o
a 'contraparte' da norm alidade e da neurose. N ada explica, até agora, as razões
pelas quais a regressão e a fixação oco rrem na perversão nem o que distingue esses
m esm os m ecanism os daqueles em curso nas neuroses. A d espeito do avanço na
com preensão dos p rocessos perversos e sua relação co m a cham ada sexualidade
'norm al', a questão da d istinção, no nível da estrutura de caráter entre a neurose e
a perversão, perm anece aberta.
É das teorias que Freud desenvolve nos anos 1 9 2 0 que em erge um a possível
resposta a essa questão. D o is aspectos fundam entais perm itiram uma nova abord a­
gem da estrutura da perversão: em prim eiro lugar, o estudo da org anização genital
infantil,- em segundo, a d escoberta do m ecanism o psíquico que fundam enta a
con stitu ição do fetichism o. U m terceiro asp ecto tam bém deve ser m encion ad o: a
no ção de Freud sobre a "fusão {Vermiscbung/Verquickung) das pulsões"7, entre a libi-
do e as pulsões de m orte ativas no sadism o e no m asoquism o. N ão vou elaborar
esse terceiro p o n to nesse c o n te x to particular, já que isso iria requerer uma longa
discussão sobre as pulsões de m orte - uma discussão certam en te com p lem en tar à
presente, mas não essencial para sua introdução.
N os anos 1 9 2 0 , Freud m ostra co m o a passagem da sexualidade polim orfa,
originalm ente indiferenciad a das crianças, para o estab elecim en to de uma supre­
m acia genital, funda-se na existên cia de uma organização genital infantil, que
reflete a p osição da criança na configu ração edípica. A brindo o cam inh o para a
futura organização sexual do indivíduo, a org anização genital segue e recapitula
as fases sexuais caracterizad as pelas pulsões parciais. Para am bos os sexos, essa
fase fundam enta a supremacia do fa lo . 'T ê -lo ou não tê-lo' to rn a-se a questão, a qual
determ ina duas p osições diante da castração : por um lado, a cren ça de te r o falo e
a angústia de perdê-lo,- por outro lado, a cre n ça de o haver perdido e o d esejo de
con seg u i-lo de volta. D eix an d o de lad o a m uito b em con h ecid a ideia freudiana da

219
assim etria dos gêneros no co m p lex o de Édipo, vam os sim plesm ente record ar aqui
o p o n to cru cial de sua d esco berta: o sim ples fato de que, para am bos os sexos, a
relação com o falo, estabelecid a pela organização sexual infantil, apon ta para uma
perda ou uma falta fundam ental. Ind ep end en tem ente do gênero, a assunção da se ­
xualidade hum ana necessariam ente se con fron ta com a castração, com uma perda
e uma perda co m o tal. O co m p lex o de castração está im plicitam ente associado à
configu ração edípica e à interdição a ela associada - sim bolicam ente representada
pela lei do pai, co m o Freud indica, por exem plo, em "Totem e tabu"8. Tal p ro ib i­
ção, que separa a crian ça de seu o b je to , tanto o m enino quanto a m enina, enfatiza
o fato de que a própria existên cia do d esejo está im plicitam ente relacionad a a uma
falta, a algo que, à medida que é barrado, pode ser d esejado. O m odo pelo qual a
co n fro n tação com a angústia de castração e a perda im aginária relacionad a a ela
a co n tece d eterm ina a futura configu ração da sexualidade do su jeito e estab elece
a d iferen ciação estrutural en tre as patologias. N essa articulação, em que co m eça
a em ergir a angústia de castração, as fobias infantis circunscrevem o cam po da
futura esco lh a da neurose ou da perversão.
Ê precisam ente no estudo da organ ização sexual infantil e sua relação co m a
angústia de castração que Freud introduz um term o esp ecífico para representar o
m odo pelo qual as crianças podem reagir à ausência do pênis na mãe: c o n fro n ta ­
das com tal ausência9,

elas renegam (leupnen) o fato e acreditam mesmo assim que viram real­
mente um pênis. Elas atenuam a contradição entre a observação e a
ideia preconcebida do assunto, ao dizerem a si mesmas que o pênis ain­
da está pequeno e logo se tornará maior,- e assim, lentamente, chegam
à conclusão em ocionalm ente significativa de que, pelo menos, o pênis
estava ali antes e foi tirado mais tarde.

Tanto na "O rg an ização genital infantil"10, publicado em 1923, quanto em


"Algumas con seq ü ên cias psíquicas da d istinção anatôm ica entre os sexos"11, pu­
b licad o em 1925, a n o çã o de Verleugnung, de renegação, ch eg a a indicar, de m odo
geral, uma reação psíquica da crian ça à d esco berta da d iferença sexual e à am eaça
representada por ela. N esses m esm os anos, a n oção de ren eg ação adquire uma p o ­
sição central no estudo de Freud sobre o m ecanism o de defesa do eu na negação
p sicótica da realidade. Enfatizand o as d iferentes relaçõ es com o m undo extern o
na neurose e na psicose, Freud indica que, enqu anto a neurose "não renega a reali­
dade", mas sim plesm ente "a ignora", a psicose "a renega e ten ta substituí-la"12. Um a
distinção fundam ental se deduz entre uma atitude que se co n ten ta em evitar' um
ped aço da realidade por m eio do recalque e da form ação de sintom as, e outra que
a nega literalm ente a fim de substituí-la.
A n oção de renegação continu ará a ocupar a elab oração de Freud até o fim
de sua vida, em sua tentativa de estab elecer uma d iferen ciação estrutural entre
a neurose e a psicose. N o en tanto, é precisam ente ao perseguir tal d iferenciação
que Freud en con tra uma 'terceira' via de relacionam ento com a realidade, uma

a Uma nota sobre a diferenciação estrutural freudiana entre neurose e perversão


perversão: o fetichism o. Ele descobre que o m ecanism o de ren eg ação determ ina
a solução fetich ista ante a descoberta da diferença sexual e a am eaça de castração
que ela representa. A renegação, tal co m o aparece no fetich ism o , adquire nova
especificidade. Freud nota que, confrontad a à ausência do pênis no corp o da mãe,
con fron tad a à castração m aterna, a crian ça renega essa ausência, isto é: por um
lado, a criança nega a percep ção e, por outro lado, a re c o n h e c e 13. E precisam ente
essa duplicidade, esse sim ultâneo "sim e não" que caracteriza o m ecanism o da
Verleugnung no fetichism o.
C h eg a-se, assim, a um com prom isso, que som ente é possível, co m o Freud o
c o lo ca , sob a d om inação das leis in con scien tes do p en sam en to14. Por m eio de um
d eslocam ento no ato da percep ção - um d eslocam ento do olhar, por exem plo, da
visão dos genitais da m ãe, para seu ca b elo , seu pé, seus sapatos - o fetich e se c o n s ­
titui ao "tom ar o lugar" do pênis ausente. C o m o um substituto daquilo que está
faltando, ele representa tan to um "m em orial" do h orror à castração quanto uma
"prova do triunfo" sob re sua am eaça, um a "p roteção co n tra ela"15. Sua existên cia
tanto confirm a quanto nega uma ausência. U m a vez que o fetich e é, geralm ente,
d esco n h ecid o dos outros, o acesso a ele perm anece aberto e a satisfação sexual
ligada a ele é facilm ente acessível. P aradoxalm ente, então, por sua solução para o
dilem a da castração , os fetichistas podem alcan çar facilm en te seu o b je to , podem
o b te r sem esfo rço aquilo que os "outros hom ens têm que c o rte ja r e se em penhar
para conseguir"16.
M ais tarde, no entanto, Freud descobriu que há um resíduo para a perfeita o p e ­
ração fetichista: a cisão do eu 17. C o n fro n tad a a um con flito en tre a dem anda, por
parte da pulsão, e um obstáculo ou uma p ro ib ição na realidade - a insistência, no
exem plo de Freud, na renúncia de sua satisfação m asturbatória em face da am eaça
de castra çã o 18 -

a criança não toma nenhum desses cam inhos, ou melhor, tom a ambos
simultaneamente, o que dá na mesma coisa. Por um lado, com a ajuda
de certo mecanismo, ela rejeita a realidade e recusa aceitar qualquer
proibição,- por outro lado, com o mesmo fôlego, ela reconhece o perigo
da realidade, assume o medo daquele perigo sob a forma de um sintoma
patológico e tenta, subsequentemente, despojar-se desse medo.

O triunfo sobre a castração "é ob tid o ao p reço de uma fenda no eu que nunca
cicatriza"’9. N o exem plo de Freud, o saldo do m ecanism o da renegação é um
m edo, uma atitude fóbica, que persiste, em bora deslocada, ju n to à persistência
da satisfação sexual. D essa form a, a solução perversa efetua sua contiguiâaâe com a
fobia. U m a vez que a m aneira pela qual a con fro n tação com a castração aco n tece
decide a estrutura da sexualidade do sujeito, a angústia de castração constitu i o

221
terreno com um para a em erg ên cia da neurose e da perversão. A o revelar sua con -
tiguidade com a fobia, o fetich ism o d escortina a história de sua origem , bem com o
sua d iferenciação estrutural da neurose, m anifesta na especificidade do m ecanism o
de renegação da d iferença sexual. Talvez seja por causa da experiên cia com essa
angústia residual que o psicanalista seja procurado por pessoas que, se não fosse
por isso, seriam perfeitam ente 'ajustadas' à sua solução 'perversa'.
E im portante salientar que, co m eçan d o por seu escrito de 1 9 2 7 sobre o fe ­
tich ism o, Freud sem pre m en ciona a renegação da d iferença sexual co m o uma
esp ecificid ad e do fetichism o. Ele não mais se referirá a ela co m o uma reação
psíquica geral da criança à am eaça de castração. Por outro lado, o fen ôm en o da
cisão do eu, do qual o fetich ism o constitu i "um tem a particularm ente favorável"20
de estudo, revela-se co m o um m ecanism o psíquico com um ente partilhado pela
neurose e pela p sicose21. A ren eg ação das p ercep ções, na tentativa de conseguir
um d istanciam ento da realidade ou da urgência da pulsão, representa, de acordo
com os artigos finais de Freud, uma das principais linhas de defesa do eu infantil.
N o entanto , se é verdade que a cisão do eu é um fen ôm eno com um a diferentes
patologias, é tam bém verdadeiro que Freud assinalou co m o a distin ção entre neu­
rose, psicose e perversão pressupõe uma d iferenciação estrutural e topográfica do
m odo pelo qual a cisão o co rre 22.

O s fatos dessa cisão do eu, que acabamos de descrever — ele escreve


em Esboço de Psicanálise - não são tão novos ou estranhos com o podem
parecer a princípio. Ela é, na verdade, uma característica universal da
neurose que está presente na vida mental do sujeito, e que se relaciona a
um com portam ento peculiar, a duas atitudes diferentes, contrárias entre
si e independentes uma da outra. N o caso da neurose, contudo, uma
dessas atitudes pertence ao eu e a outra contrária, que é recalcada, pertence
ao isso. A diferença entre esse caso e o outro [fetichism o] é essencialmente
topográfica ou estrutural e nem sempre é fácil decidir, num exemplo indivi­
dual, com qual das duas possibilidades se está tratando.

Ao apontar co m o o fen ôm en o da cisão do eu é uma característica universal' da


neurose e, podem os acrescentar, do fu n cionam ento da m en te em geral, Freud in ­
dicou que isso a co n tece precisam ente porque esse fen ôm en o está estruturalm ente
ligado ao m ecanism o do recalqu e. N a m edida em que o in co n scien te existe, a
censura e o recalque m arcam a passagem do p rocesso prim ário para o secundário
e m ostram a natureza do su jeito hum ano com o estruturalm ente dividida. D e fato,
a n o ção freudiana de recalque prim ário23 co m o o even to psíquico fundam ental na
co n stitu ição do in co n scien te, torna o recalque universal na m ente humana.
A pesar do term o com um 'cisão do eu', Freud sublinha co m o esse fenôm eno
pode ter d iferentes co n o ta çõ e s, dependendo do m odo e do c o n te x to nos quais
ele opera. A d iferença é estrutural e topográfica, co m o ele especifica, indicand o a
im portância de m anter uma d istinção que possa respond er aos vários m odos pelos

222
quais a psicose, a neurose e a perversão lidam com a realidade. Im plicitam ente,
Freud parece sugerir que a renegação, tal com o ela o co rre no fetichism o, não
envolve uma cisão entre o eu e o isso, mas uma cisão, uma franca o p osição do
próprio eu em seu trato com a realidade. Freud não leva mais longe sua observação
a respeito das d iferen ciações topográficas. E le sustenta tan to a ideia da universa­
lidade do m ecanism o da ren egação quanto da especificidade estrutural d iferente
na qual a ren egação oco rre. M ais esp ecificam ente, ele parece desenvolver duas
posições: a que classifica a renegação co m o um m ecanism o de defesa geral a ser
acrescentad o ao recalqu e, e a que discerne na própria reneg ação um m odo de
cisão do eu governado pelo recalqu e, ca ra cterístico da neurose e d iferenciad o
daquele que opera no fetichism o. A oscilação de Freud não hab ilita seus segu i­
dores a elim inar o problem a privilegiando o p o n to de vista da ren eg ação com o
um m ecanism o estruturalm ente indiferenciad o de d esligam ento da realidade, que
opera no m undo extern o tal com o o recalqu e o faz n o m undo intern o. Tal redução
põe em perigo a natureza diferencial das afirm ações de Freud, que ainda são, sem
dúvida, de grande relevância clínica.
N a verdade, à luz do tó p ic o das configu rações estruturais, vale a pena pergun­
tar por que o cam inho privilegiado p elo estudo de Freud sob re o m ecanism o de
renegação deveria ser precisam ente uma perversão. O que caracteriza o fe tich is­
m o é a ren egação esp ecífica da diferença sexual. C o m o estudo da organização
sexual infantil e a co n fro n ta çã o universal da crian ça com a angústia de castração,
esse m esm o fato adquire uma significação especial, já que a m aneira pela qual tal
co n fro n tação a co n te ce fundam enta d iferentes configu rações sexuais. C o m o já
vim os, na visão de Freud, a angústia de castração está estruturalm ente relacionada
à interdição edípica, a qual estab elece um co n flito entre a urgência da pulsão e a
lei do princípio de realidade, entre o d esejo e sua satisfação por o b je to s esp ecífi­
cos. D esse p onto de vista, a ren eg ação e o recalque são dois m odos distintos de
lidar com a angústia de castração e a lei sim bólica nela im plicada. E nquanto os
fetichistas respondem com uma ren eg ação à op osição entre a urgência da pulsão
e uma interdição da realidade, os n eu ró ticos tom am co n h ecim e n to de tal op osição
e recalcam a pulsão, a fim de se p rotegerem de entrar em co n flito com a realidade.
Ao m esm o tem po re co n h ecen d o e negand o a d iferença sexual, a ren eg ação eleva
uma con trad ição a uma co n d içã o ética que perm ite, pelo m enos num de seus as­
p ectos, a evitação de uma renúncia pulsional.
Aqui não é o lugar para se retornar à natureza do recalqu e e às diferentes
maneiras pelas quais ele opera numa neurose em particular. N o entanto, já que
m en cion ei a relação esp ecial que a histeria m antém com a perversão, vale a pena
relem brar com o exem plo geral que, de acord o com Freud, o recalqu e h istérico
usualm ente opera causando uma d isjunção en tre o afeto ligado à pulsão e a p ró ­
pria pulsão. Segund o a p osição de Freud de 1915, tan to no caso da histeria de
angústia a "p orção ideacional" da pulsão recalcad a é deslocada ao lon g o de uma
cadeia de co n e x ão para uma nova rep resen tação e o afeto é transform ado em
angústia, quanto na histeria de conversão ambas as representações relacionad as
à pulsão e seu afeto são recalcad as e é form ado um sintom a que cond ensa em si
m esm o o investim ento pulsional24.
O s m odos de recalque e ren eg ação relacionad os ao com p lexo de castração
e à interd ição edípica im plicam d iferentes vicissitudes da pulsão. S e o re c a l­
que envolve o d eslocam ento e a substituição da satisfação visada por m eio da
con stitu ição do sintom a, a renegação perm ite, por sua duplicidade, pelo m enos
uma possibilidade de satisfação pulsional sem recalque e d eslocam en to. A esse
respeito, o d eslocam ento da p ercep ção que opera na con stitu ição do fe tich e não
deveria ser confund ido com um d eslocam en to do alvo da própria pulsão. Esta é,
precisam ente, uma das razões pelas quais os fetichistas podem atingir facilm ente
aquilo que "os outros hom ens têm que c o rteja r e se em penhar para conseguir". D o
p o n to de vista das vicissitudes da pulsão, co m o uma con seq ü ên cia do trato com a
d iferença sexual e a interd ição edípica, uma diferença estrutural distingue o c o m ­
p ortam ento do pequeno H an s25 e o do pequeno Arpad26. Enquanto o pequeno
H ans, co n fron tad o à am eaça de castração, subm ete-se à p roib ição edípica, recalca
suas pulsões e desenvolve uma fobia de cavalos, Arpad não apenas tem m edo dos
galos. N a verdade, renegando a interdição edípica, desafiando seu poder, Arpad
age ele m esm o co m o um galo, ele literalm ente se torna um g a lo , destronando seu
pai - tanto re co n h ecen d o co m o negand o sua função sim bólica. O m edo de galos
que Arpad apresenta constitu i um resíduo fó b ic o , o reverso da própria renegação
que lhe perm ite en cen ar sua satisfação sem recalque.
D e fato, à luz dos dados clín ico s, vale a pena se perguntar se o m ero m ecan is­
mo da ren eg ação da d iferença sexual poderia ser co n c eb id o co m o um elem ento
estrutural que caracteriza a con stitu ição não apenas do fetich e, mas da perversão
em geral. Se é verdade que as perversões aparecem co m o a regressão para fases
específicas do desenvolvim ento libidinal e a fixação nessas mesmas fases, essas
m esm as regressão e fixação parecem oco rrer a posteriori (nachtrãglich), co m o um r e ­
sultado da co n fro n tação com a castração na configu ração edípica. Freud já sugere
isso em seu artigo de 1919, "U m a criança é espancada", num período que precede
seu estudo da organização sexual infantil e sua d esco berta do m ecanism o de re ­
negação: aqui ele indica a possibilidade geral de derivar a perversão do com p lexo
de Édipo, o que agregaria nova "força" para o próprio co m p lex o 27.
A ideia de que a renegação da d iferença sexual poderia con stitu ir a 'solução
perversa' para o com p lexo de castração e a interd ição a ele relacionad a parece
esp ecialm ente adequada do p o n to de vista clín ico . D e fato, co m o uma co n seq ü ên ­
cia do m ecanism o de renegação, uma persistência daquilo que pode ser cham ado
de com p ortam en to sexual 'norm al' perm anece paralelam ente ao com p ortam en to
'perverso'. O s perversos podem ser socialm en te b em integrados - co m o m uitos
casos da crim inologia dem onstram , quando o autor de certas proezas perversas se
revela co m o o suspeito m enos provável - e clin ica m en te não é raro descobrir, por
exem p lo, a presen ça de um fetich e subsequente à m anifestação de uma con fig u ­

224
ração sexual neurótica. O fato de que dois conteú d os psíquicos possam co ex istir
parece corresp o n d er a uma atitude ética m uito específica, que perm ite o actinc) out

■ Uma nota sobre a diferenciação estrutural freudiana entre neurose e perversão


das satisfações pulsionais ju n to à sua restrição em circunstân cias determ inadas.
A esse respeito, os perversos não 'desligam seu eu da realidade' com p letam en te,
ao con trário dos p sicóticos, que 'tentam substituí-la'. P or outro lado, a própria
esp ecificidade da reneg ação da d iferença sexual, co m o um m odo parcial de d esli­
gam ento da realidade, distingue-se do m odo parcial do neu ró tico, da evitação de
um con flito com a realidade, graças ao recalque da pulsão.
Se os n eu ró tico s reagem à interd ição edípica, à barreira co n tra o in cesto e
à renún cia da satisfação pulsional co m um re c o n h e c im e n to que fundam enta,
por m eio do recalq u e, a co n stitu içã o de seus sintom as, a ren eg ação perversa
re co n h e ce a in terd ição apenas com o p ro p ó sito de desafiá-la interm inavelm ente.
E esse desafio da lei que, muitas vezes, anim a o co m p o rta m en to perverso,- um
desafio, no e n tan to , que pressupõe uma com p reen são da lei em si m esm a, um
re co n h e cim e n to do p rincíp io de realidade. Essa duplicidade, quando re p resen ta ­
da por uma sedutora habilidade de se adaptar às regras da socied ad e, ao m esm o
tem p o em que as burla, tem sido um tem a favorito de muitas obras do cin em a e
da literatura. D e fato, a fascin ação produzida pelo herói perverso e suas façanhas
m ostra co m o ele en cen a uma satisfação e uma habilid ad e para atin g i-la, fan tasia­
da e/ou recalcad a por parte de seu p ú blico . P ensem os na m ag n ética atração que
os crim inosos exercem na cultura popular. É co m o se a perversão representasse
um m odo de escap ar aos dissabores da civ ilização . C ita n d o alguns exem plos
literários da duplicidade perversa em relação à lei, só precisam os relem b rar os
fam osos Dr. Je k ill e M r. H y d e, ou o estupen d o Lolita de N abokov, no qual o
Prof. H u m bert H u m bert é rep resen tad o , a p rincíp io, co m o um personagem
socialm en te integrado,- ou o re ce n te film e VanishiniJ - no qual um pai norm al' de
classe m édia, de uma fam ília norm al', m ascara um sofisticad o assassino. N esse
últim o exem p lo, o h eró i relem bra esp ecificam en te as prim eiras m an ifestações de
seu co m p o rtam en to co m o estand o associadas à sua necessidad e de desafiar a lei.-
ele exp lica, p o r exem p lo, que, quando crian ça, pulava de uma sacada... a fim de
desafiar o resultado esperado da lei da gravidade.
Em bora em muitas teorias con tem p orân eas as fronteiras da perversão tenham
se tornad o difusas e venham sendo definidas mais em relação ao com p ortam en to
do que em term os de estrutura psíquica, a obra tardia de Freud indica um m ecan is­
mo que pode distinguir a perversão n o nível da estrutura do caráter. R etornan do
à observação de Freud sobre a corresp o n d ên cia entre as fantasias histéricas e as
ações perversas, é possível questionar essa d istinção estrutural à luz da relação
entre fantasia e ação.

■ Fantasia e sexualidade
O s d iferentes m odos de relacionar-se à in terdição e ao p rin cíp io de realidade
parecem afetar, de acordo com Freud, as d iferentes m aneiras de fantasiar ou agir.

225
D esd e que se tom a co n h e c im e n to de uma am eaça, a ação que perm ite uma satis­
fação do d esejo é barrada e uma ação substituta é criada. N a visão de Freud, esta
substituta constitu i uma ação - uma op ção de descarga - de um novo tipo. M as,
se essa substituição pode o co rre r é porque uma certa fantasia está ali para dar-lhe
suporte. Freud é m uito firme nesse p o n to: "os sintom as histéricos são a realização
de uma fantasia in co n scien te que serve para satisfazer um d esejo ”28.
A questão, então, pode ser levantada: qual é o estatuto da fantasia? Partindo
da elab oração do p rocesso secu nd ário e da assunção do princípio de realidade, a
atividade psíquica do fantasiar ch eg a a con stitu ir um 'reservatório' de prazer no
d om ínio do pensam ento. Freud observa que o p ro tó tip o das fantasias são os deva­
n eios29, os quais funcionam para definir um território para a satisfação im aginária
de d esejos que se opõem à realidade. O fantasiar, de fato, é sem pre constru íd o no
sentid o de corrig ir a realidade, de propiciar uma satisfação im aginária, alternativa,
do d esejo. A esse respeito, o fantasiar é uma resposta ao princípio de realidade, ao
o b stácu lo en con trad o no cam in h o para a satisfação, para uma im possibilidade no
nível da ação. S e é verdade que o p ro tótip o das fantasias são os devaneios, quer d i­
zer, produtos de uma atividade psíquica co n scien te, é tam bém verdade que Freud
insiste na existên cia de fantasias originalm ente incon scien tes. D e um m odo m uito
geral, a fantasia pode ser definida co m o a trilha psíquica dos traços m nêm icos
que são investidos, a fim de atingirem certa satisfação do d esejo. D esse p o n to de
vista, o m od elo freudiano do aparelho psíquico m ostra a co n ex ã o intrínseca entre
fantasia, sexualidade e d esejo.
Freud levanta a h ip ótese ou, m ais exatam ente, co n stró i um p o n to de partida
para o aparelho psíquico, o qual ele cham a de Befrieditjuncjs erlebnis30, isto é, a e x p e ­
riên cia original de satisfação. T end o por base essa experiên cia, as fantasias mais
fundam entais são aquelas que tend em a reen co n trar os o b je to s alucinatórios de
satisfação: desse p o n to de vista, é im possível isolar a origem da fantasia - da c o m ­
b in ação de sinais que levam à satisfação - da origem do d esejo e da sexualidade. A
c o n stitu ição da sexualidade, co m o Laplan che e P ontalis observaram 31, o co rre no
próprio m o m en to em que a pulsão, descom prom etid a do o b je to natural, volta-se
para a fantasia, ou vice-versa, no próprio m om en to em que a fantasia provoca a
d isjunção en tre a libid o e a necessidade. A prim eira 'ação' psíquica a satisfazer o
d esejo está na ordem de uma fantasia, da produ ção de um o b je to alucinatório.
Assim, fantasia e d esejo estão estruturalm ente relacionad os.
N ão deveria nos surpreender, então, a facilidade com que as fantasias ad ­
quirem um papel fundam ental na sexualidade e na vida hum ana, em geral, e na
con stitu ição da sin tom atolog ia neurótica, em particular. Pod em os observar que o
m ecanism o do recalque, ao im pedir a satisfação do d esejo por m eio de uma ação
na realidade, favorece o reinvestim ento das fantasias, assim co m o a rep etição da
solução original do aparelho psíquico à urgência da pulsão. A o perm itir a c o n s ti­
tuição de um "substituto para a realidade"32, a atividade do fantasiar reflete d ife­
rentes m odos de se relacion ar com a realidade. Freud observou que, na psicose, o
mundo im aginário "tenta colocar-se no lugar da realidade externa", ao passo que

■ Uma nota sobre a diferenciação estrutural freudiana entre neurose e perversão


na neurose "está apto, co m o na brincad eira das crianças, a se ligar a um pedaço
da realidade"33. M ais uma vez, a neurose m anifesta sua 'submissão' ao princípio de
realidade e sua ten tativa de evitar um co n flito com ele.
Tendo em vista a função estrutural da fantasia no aparelho psíquico, assim
com o da própria natureza da renegação, seria in correto sustentar a ideia de que,
no acting out perverso, não há espaço para a fantasia. A o contrário, sabem os por
m eio de dados clín ico s que, na perversão, a realização da satisfação pode envolver
a encen ação de com p onentes im aginários relacionados a fantasias subjacentes,- ao
m esm o tem po, sujeitos cu ja con stitu ição psíquica indica uma estrutura perversa
com frequência são particularm ente dotados para as artes - e é bem con h ecid a a
con exão básica que Freud estabelece entre a atividade de fantasiar e a produção de
arte. Essa última consid eração levanta a com plicada questão da sublim ação. Apenas
recordem os aqui que, ao m anifestar a mudança da pulsão sexual para uma m eta e
um o b je to diferentes do original, na visão freudiana, a sublim ação m ostra com o a
pulsão sexual pode en con trar sua satisfação em outro lugar que não seja sua m eta
sexual. O que é interessante notar, nesse co n tex to particular, é que o processo de
sublim ação perm ite a satisfação de uma pulsão sem recalque. D ada a natureza da
estrutura psíquica perversa e a 'técnica' particular com a qual ela pode se relacionar
com a realidade sem recalcar as pulsões sexuais, é possível levantar a questão da
predisposição particular da perversão na direção da sublim ação.
Para ficarm os no caso da h isteria, podem os relem brar que os sintom as h istéri­
cos representam o resultado de um com prom isso entre os im pulsos libidinais e os
recalcan tes, e constitu em a satisfação de um d esejo alcançada por um d eslocam en ­
to. R ecalque e d eslocam en to são dois elem en tos fundam entais que caracterizam a
histeria. O próprio sintom a, com o m etáfora para a fantasia in co n scien te que está
su b jacen te a ele, tem o estatuto de uma ação de satisfação. A n o çã o freudiana da
neurose co m o o negativo da perversão se refere, entre outras coisas, à op osição
fantasia/sintoma versus ação, sendo que essa op osição aponta mais claram ente para
a d iferenciação estrutural entre dois tipos de ações do que para dados fenom e-
n o ló g ico s ou com portam en taiS; ao identificar d iferentes m odos de satisfação, ela
aponta para os m ecanism os psíquicos que os fundam entam .
P or causa da relação dialética que a neurose m antém com a perversão, uma
distinção estrutural entre as duas é crucial para a com preensão e o m anejo dos
a co n tecim en to s clín ico s. D ad os com p ortam en tais de am bas não são suficientes
para definir a natureza dessa d iferença. Sabem os quão frequen tem ente os sintom as
histéricos podem te r a qualidade de ações 'perversas', co m o em certo s casos de
autom utilação h istérica ou em com p ortam en tos sexuais esp ecíficos que a co m ­
panham , por exem plo, desordens orais histéricas. Por outro lado, uma estrutura
perversa, pela natureza m esm a do m ecan ism o que a fundam enta, é frequen tem en­
te acom panhada de m anifestações neuróticas, com o, por exem plo, o m edo ou a

227
inib ição . O fracasso do tratam en to pode se dever, entre outras coisas, a uma c o n ­
fusão en tre a renegação perversa e uma identificação pré-edípica,- ou por se tom ar
uma fantasia ou um actinc) out h istérico , co m o um sinal de uma patologia perversa.
O próprio fato de que uma d istin ção estrutural en tre neurose e perversão pode
ser fundam entada no m odo p elo qual o sujeito se relaciona com a configu ração
edípica - aquele m odo que d ecid e a relação do sujeito com a castração , com a
realidade, co m o d esejo e com seus o b je to s - reflete-se nos d iferentes d esen vo l­
vim entos da transferência. O m ecanism o de ren eg ação e a relação esp ecífica que
o perverso m antém com a lei - e, co n seq u en tem en te, com as figuras parentais
internalizadas, com o supereu - estabelecem uma configu ração transferenciai d ife­
rente daquela do neurótico. A má com preensão dessa co n d içã o , por exem plo, do
desafio esp ecífico end ereçad o à p osição do analista co m o o 'sujeito suposto saber',
com frequência, leva a uma interrupção abrupta do tratam ento.
T en tei apresentar aqui uma breve visão geral da elab oração de Freud a resp ei­
to da n o ção de renegação, à luz da questão da d iferenciação entre a neurose e a
perversão. Argum entei a favor de que as diferentes estruturas podem estar rela­
cionad as aos m ecanism os psíquicos esp ecíficos, que m anifestam variadas soluções
para a interd ição edípica. Tais afirm ações devem ser distinguidas daquelas teorias
que tratam a perversão com o uma con seq ü ên cia dos p rocessos ou identificações
p ré-ed íp icos, incluindo aquelas teorias da relação de o b je to que desvalorizam o
com p o n en te fundam entalm ente sexual das perversões. Essas posições divergem
das afirm ações de Freud, de sua ênfase na relação entre o com p lexo de Edipo e
o com p lexo de castração, na con stitu ição das d iferentes configurações sexuais, e
sua co n stan te co n cep çã o da perversão co m o p atolog ia sexual. O mais im portante
de tudo isso é que essas visões parecem não produzir desenvolvim entos clín ico s.
Num períod o h istó rico e num país no qual, muitas v ezes, em prol da sim plificação,
tem -se presenciad o o florescim ento de várias visões psicanalíticas pós-freudianas,
parece particularm ente desejável retornar a uma leitura mais rigorosa dos textos
freudianos: apesar de todas suas cautelas e co n trad içõ es, esses textos ainda fo rn e ­
cem a mais efetiva estrutura para a com preensão dos fenôm enos clín ico s, para a
d ireção do tratam en to e o d esenvolvim ento de te o riz a çõ es posteriores.

Tradução: Eliana Rodrigues R M end es. Revisão: M a rco A n ton io C o u tin h o Jo rg e.


CAPÍTULO 19

Homossexualidade e neurose:
Sadger, Ferenczi e Deutsclí
Claude Léger

■ Introdução
ercorri, re cen tem en te, o livro Les cbaínes d'Eros (As cadeias de Eros) de A n­

P dré G re e n ', que tem com o subtítulo "Atualidade do sexual". E, enquanto


m e adorm ecia com os desvios kleinian os do splitting, com a sexualidade
arcaica aditiva e as 'neonecessidades', acordei, de repente, lend o o seguinte: "D o
lado dos pós-lacanianos, sublinham os o papel dos diferentes tipos de significantes
(A nzieu, G reen , L aplanche, R osolato) [...]" - não era um sonh o , con statei, ao m e
beliscar, e continu ei a leitura - "o que rem ete à im portância da heterogeneid ad e
do psiquism o, constitu íd o de m ateriais que pertencem a diversos sistem as de re ­
p resen tações"3. Eis o bricabraque que André G reen queria articular, no que cham a
de "cadeia erótica".
Para situar a hom ossexualidade m asculina, ele não faz m uito m elh or que
Feren czi, ou seja: uma n oso lo g ia4. A lém do postulado do "h orror da vagina e o
desm entido da d iferença dos sexos", que serve, segundo ele, de d enom inador c o ­
mum a todos os hom ossexuais m asculinos, G reen propôs uma com bin atória entre
id en tificação-ressen tim ento em relação à m ãe, procura ou vingança con tra o pai,
castidade ou cu lto do pênis. E acrescen ta que a hom ossexualidade "com porta um
com p on en te n eu rótico considerável", fazend o-a parecer um planeta longínquo e
b en d ito, que d esco n h ece a Aids.
Foi a questão da hom ossexualidade e suas relações com a neurose que me
detiveram , prim eiram ente porque ela se co lo c o u evidentem ente na m inha prática
analítica e tam bém por uma outra questão. D ep ois de ter con testad o, em 1920,
a d icotom ia proposta por Feren czi quanto aos dois tipos de hom ossexualidade
m asculina (send o um tip o qualificado de obsessivo), Freud aponta que não há um

229
só n eu ró tico que não ten h a tend ên cias hom ossexuais e que certos sintom as são a
m anifestação dessa "inversão laten te". M in h a questão é saber se, na verdade, Freud
teria aceito a relação ferenczian a da hom ossexualidade com a obsessão. Para isso,
voltei ao seu te x to , assim co m o a ou tro que pode servir de con tra exem plo, o c é ­
lebre “C aso de fobia da galinha" de H elen e D eu tsch . N ão vou retom ar os avanços
de Freud sobre a hom ossexualidade m asculina, pois meu propósito é retraçar seus
efeito s sobre os prim eiros psicanalistas e os que se seguiram.
D ep ois do te x to "Três ensaios sob re a sexualidade"5 até o texto sobre "L e o ­
nardo da V in ci"6, houve uma grande efervescência na Socied ad e P sican alítica de
V iena em to rn o da sexualidade infantil, que culm inou, em 1 9 0 9 , com seis reu­
niões sobre m asturbação, uma apresen tação de Adler sobre "O herm afroditism o
psíquico" e três reuniões em to rn o de um caso de Isidor Sad ger b atizad o "C aso de
perversão polim orfa"7. Vou m e d eter nesse últim o, pois é o prim eiro trabalh o que
trata da hom ossexualidade m asculina à qual Feren czi se refere.

■ Sadger e o ódio à mãe


O caso em questão é constru íd o a partir de uma curta análise de alguns meses.
O p acien te era um barão sueco de uns 30 anos, apaixonado por arqueologia, que,
vivendo com uma antiga prostituta, apaixonara-se por um garçon de café, razão
pela qual o m éd ico da fam ília o in cito u a se tratar. Sad g er d escobriu que, ao lado
dessa ten d ên cia hom ossexual tardia co lo cad a em a to 8,

o quadro clínico, segundo as Minutas da Sociedade Psicanalítica de


Viena, é dominado por outras aberrações sexuais: certas formas de
autoerotismo, o onanismo, uma espécie de auto-coito, um erotismo
anal elevado, exibicionism o, tendências voyeurista, mania por estátuas,
desejos sadomasoquistas, etc...

Podem os nos perguntar o que se esco nd e nesse etccetera.


N o que se refere à sua hom ossexualidade, aí tam bém o barão é bulímico,- não
se co n ten ta por um só tipo de esco lh a de o b je to , pois sen te-se atraído ta n to por
hom ens jo v e n s "com olhos vivos e co m m odo de andar fem inino", com a co n d i­
ção que não sejam hom ossexuais, quanto por hom ens mais maduros "tendo uma
natureza sexual vigorosa e uma forte in clin ação pelo sexo fem inino". Assim, seu
d esejo o leva indiferentem ente para vários tipos de hom ens, "o bjeto s" segundo
a nosologia de Ferenczi, porém sua prática co m eles é extrem am en te lim itada:
co n tem p lação do parceiro e algumas carícias.
O essencial da atividade hom ossexual do barão era, sobretud o, fantasística e
estruturada de m odo m asoquista, pois não se sen tia bem a não ser que sua m u­
lher tivesse um am ante que lhe perm itisse apreciar o con v ívio deles. Era o que
cham a de "uma tripla aliança". Por outro lado, quando não tinh a relações sexuais
regulares com sua mulher, corria para uma prostituta com quem se co n ten tav a em
dorm ir ju n to , co m o uma criança.
Sad ger se detém sobre a influência da edu cação na gênese da h om ossexuali­
dade masculina. Ele nota que os hom ossexuais "passaram toda sua juventude sob
a égide exclusiva das m ulheres", o que foi o caso de seu p acien te cu ja escoptofilia
tinha sua origem tan to na prom iscuidade com suas irmãs até a puberdade, quanto
na total ausência de pudor dos pais, o que deixa supor que a S u écia já tinha a d o ­
tado seu legend ário naturism o no final do século passado. P or outro lado, por ter
visto frequentem ente seu pai nu, o p acien te pôde d esco brir m ais tarde sua fa sci­
n ação pelo testículos e seu g o sto pela estátuas. Seu exibicio n ism o era da m esma
ordem : apresentar-se co m o uma estátua viva.
Em suas ob servações durante a discussão sobre a apresen tação de Sadger,
Freud nota que era aflitivo con statar que o liberalism o educativo, que parecia ter
sido aplicado a esse p acien te, não deu m elhores resultados. V ou retornar a tese de
Sadger, a qual não se lim ita às causas educativas. O ap arecim en to da hom ossexu a­
lidade se faz na puberdade e "pressupõe um a co n tecim en to im portante suscetível
de elim inar a mãe". Foi, no caso do barão, a reprovação inapropriada da mãe em
relação à m asturbação do m enino: com e feito , ela co m eço u a esp iá-lo e ele c o m e ­
çou, desde então, a ter ódio dela.
Em seguida, Sad ger evocou a escolh a de o b je to que o hom ossexual faz e
consid era que "quando ele se interessa por um m enino mais jo vem " trata-se da
identificação co m a mãe. P or outro lado, insiste sobre o papel do narcisism o na
esco lh a do p arceiro, narcisism o esse que parece e n co b rir "uma fuga do indivíduo,
da mãe não am orosa, para a mãe que outrora o amava e o admirava".
A discussão que segue é quente. Entre as críticas dirigidas a Sadger, as mais
im portantes co n cern em o fato de que só encontram os, nesse caso, a anam nese
co n scien te do p acien te. O n d e está o in con scien te? O n d e está a fantasia? Inclusi­
ve a neurose, ond e está? O u tra variante: onde está a dem anda? O s mais crítico s
consideram que, levando em co n ta as co n d içõ e s do in ício , a brevidade da análise,
m esm o se o p acien te ficou aliviado, não se trata de outra coisa senão de uma
psicoterapia. N o entanto , Freud, m esm o consid eran do esse p acien te com o um
“p o rco com p leto " e sem esco n d er sua aversão por tal caso, expressa seu acordo
com os m ecanism os em jo g o na gênese da hom ossexualidade m asculina, tal com o
Sad ger os localizou .

■ Ferenczi e os homoerotismos de sujeito e de objeto


Ferenczi não dem orou para exp o r suas ideias sobre a questão e as apresentou
no C o n gresso de W eim ar, de 1911 O homoerotismo-, nosologia da hom ossexualidade
m asculina9. C o m e ça hom enageand o o trab alh o de Sadger, que perm itiu co lo ca r
em dia uma nova co n c e p çã o da hom ossexualidade que traria mais argum entos a
sua ideia . Eis co m o os enum era: a d esco b erta de fortes tend ên cias heterossexuais

231
na infância,- a tentativa de recriar na puberdade, por m eio da hom ossexualidade, a
relação prim itiva com mãe,- a id en tificação com esta,- e tam bém a esco lh a narcísica
de o b je to , sendo essas duas últim as op eraçõ es incon scien tes.
O s hom ossexuais só se distinguem dos outros por um m aior investim ento
n arcísico e pelo fato de que sua esco lh a de o b je to "é con d icio n ad a durante toda a
vida por um órgão genital igual ao deles".
N o entanto , Ferenczi consid erou que esse quadro não leva em co n ta as par­
ticularidades da hom ossexualidade m asculina. D esd e 1 9 0 9 , pôde constatar, por
m eio de muitas análises de hom ossexuais, que não havia hom ogeneid ade da h o ­
m ossexualidade m asculina, pois considerava que esta é um 'sintom a' que rem ete,
segundo o caso, a uma d oen ça, a um distúrbio do d esenvolvim ento ou, talvez
tam bém , à "expressão da vida psíquica normal".
V em os, assim, lo g o de in ício , que Feren czi, fez da hom ossexualidade um
sintom a e a situou no cam po do in co n scien te. Ele segue essa m esm a d ireção ao
substituir o term o de hom ossexualidade por "h om oerotism o", para d esprendê-lo
da c o n o ta çã o b io ló g ica. Em seguida, estendeu sua op eração de esclarecim en to
à d istinção entre hom ossexualidade ativa e passiva, fazend o acreditar, de form a
abusiva, que nos en con tram os em presença de duas form as de um m esm o estado.
Esse estado seria o da inversão da pulsão sexual, que se qualificava de "sensação
sexual contrária" ou de "perversão". E isso sem a precau ção necessária em relação
a estados p ato ló g ico s fundam entalm ente diferentes só porque "tinham em com um
o m esm o sintom a espetacular". Podem os notar, a propósito da atividade-passivi-
dade, que Ferenczi critica im plicitam ente a tese de Adler, desenvolvida em "O
herm afrod itism o psíquico", o que vai levá-lo a sair da Socied ad e P sicanalítica de
Viena.
V oltand o ao c e n t r o do propósito de Feren czi, notam os que ele distingue duas
form as de hom ossexualidade m asculina, e que apenas uma delas pode m erecer
verdadeiram ente o nom e de inversão. Ferenczi lhe dá o nom e de h om oerotism o
"de sujeito": correspond e à fem inização do eu co m o con seq ü ên cia de uma identifi­
ca ção narcísica. N o outro caso, se há inversão, ela in cid e sobre o sexo do parceiro:
trata-se de um h om oerotism o "de ob jeto".
O prim eiro é efem inado, "narcísico", atraído por hom ens maduros, viris e p ro ­
tetores, e m antém relações "fraternais" com as m ulheres. O segundo se interessa
pelos "jovens m eninos d elicados, com m odo de andar efem inado", ou seja, aqueles
do prim eiro grupo,- assim, os dois tipos podem form ar um casal.
O "h o m o eró tico de sujeito" consulta e xcep cio n a lm en te um psicanalista: "N ão
ten d o con flitos interiores a enfrentar", escreve F eren czi, "pode m anter durante
muitos anos ligações felizes e só receia de fato o perigo e a hu m ilhação vindos
do exterior". P odem os acrescentar a angústia provocad a pelos estragos do tem po.
Por outro lado, o segundo é "sem pre torturado pela co n sciê n cia de sua anom alia".
Perseguido por rem orsos e dúvidas, superestim a seu o b je to sexual e, se tro ca fre­
q u entem ente de parceiro, não é por frivolidade mas devido a d ecep çõ es dolorosas
na busca infrutífera do ideal am oroso. Este, p ortanto, consulta o psicanalista e
ch eg a a Feren czi, que, assim, pôde concluir, a partir da experiên cia, que se trata
de neuróticos obsessivos. Podem os dizer, sem dificuldade, que essa afirm ação vai
durar m uito tem po, pois, em seu artigo de 1 9 4 8 , M au rice B ou vet10 passou no rolo
com pressor da relação de o b je to as fantasias hom ossexuais em "Q u atro casos de
neurose obsessiva m asculina", sobre a qual L a ca n " observa, em "A d ireção do
tratam en to e os princípios de seu poder" - (com m inha adm iração por esse tre ch o
surpreendente) - que "a recusa da castração, se há algo que com ela se parece
é, antes de mais nada, uma recusa da castração do O u tro (da m ãe, em prim eiro
lugar)".
V olto a Feren czi para m ostrar com o fundam entou sua hipótese. N a pequena
infância, todos esses pacientes foram ativos e até m esm o agressivos no plano
sexual, verdadeiros pequenos te ó rico s e praticantes da sexualidade infantil, com
investigações heterossexuais. Feren czi confirm ou, de certa m aneira, as c o n sta ta ­
çõ e s de Sadger. As fantasias edipianas desses m eninos eram com p letam en te n or­
mais, a não ser por um com p on en te sádico-anal notável - isso será corrob orad o,
mais tarde, por S to lle r12. O traço m arcan te que Feren czi sublinhou na história
infantil desses pacien tes é a repreensão de uma "falta h e tero eró tica com etid a" na
infância e, muitas vezes, repreendida pela m ãe, em nom e da retidão educativa, do
higienism o ou da caro lice. Em todo caso, o p acien te teve que reter sua raiva nessa
ocasião. E ncontram os aqui um dos m otivos descritos por Sadger. N o entanto,
Feren czi foi mais preciso sobre as conseq ü ências dessa repressão ofensiva. O m e ­
nino desenvolve uma d ocilidade u lteriorm en te que se e sta b elece até a puberdade,
às custas tan to do evitam ento da com p anh ia fem inina quanto da valorização da
"cam aradagem viril". Algum as institu ições, tais co m o os pensionatos religiosos e
o escotism o, tiveram , durante m uito tem po, essa função.
O sadism o anal é, assim, substituído por form ações reativas e o ato h o ­
m ossexual aparece co m o resposta à interd ição de toda relação heterossexual e
tam bém co m o uma prática cu ja força m ortífera pode se retornar con tra o sujeito
(sentim ento de sujeira, suicídios). A devastação da vida am orosa chega, então, à
expulsão, pelo m enos aparente, da mulher, desfazendo o co n flito com o pai: essa
h ip ótese se en con tra no artigo de Freud13. "So bre alguns m ecanism os neuróticos
no ciúm e, na paranóia e na hom ossexualidade", de 1922.
Ferenczi conduziu o tratam en to desses sujeitos com o o dos neuróticos o b ses­
sivos. O in ício consistiu em perm itir uma instalação da transferência, pois se trata,
muitas vezes, de pacientes que vêm ao tratam en to "sob a ordem de seus pais". A
primeira retificação subjetiva con siste em fazer o sujeito desistir do suporte pseu-
d ocientífico que im agina para sua hom ossexualidade (teoria congênita,- terceiro
sexo). A parece, então, na transferência, "que um h o m o eró tico de o b je to dá um
je ito de amar in con scien tem en te a m ulher no hom em ". D essa maneira, Ferenczi
pôde con statar "uma redução da atitude hostil e do n o jo em relação às m ulheres",
que pode m esm o cheg ar a uma esp écie de "anfierotismo, ao m enos nos casos mais
favoráveis". Isso porque a questão da reversibilidade se c o lo ca para Feren czi, que se
pergunta se vários anos de trabalh o analítico não deveriam ch eg ar a uma "reversão
fundam ental" da hom ossexualidade. Para nós, a questão que se co lo ca c o n c ern e ao
que cham am os "o reco n h ecim en to do O u tro sexo" e tam bém ao d esejo do analista.
Sab em o s que Freud, num acréscim o de uma nota em 1 9 2 0 aos "Três en saios"14,
contrad isse, aliás, de m aneira bem breve, a d icotom ia proposta por Feren czi, pelo
fato de que existem form as interm ediárias da hom ossexualidade. R em eto, aqui, à
n oso lo gia de André G reen.
N o en tan to , não escap ou a Feren czi que, ao avançar uma teoria transestrutural
da hom ossexualidade m asculina, ele se colocav a em op osição à teoria freudiana,
segundo a qual a perversão é o negativo da neurose. M as escapava desta, d iga­
m os, ao p ro p or que o co m p o n en te hom ossexual fosse o resultado superinvestido
do recalque de um heteroerotism o exacerbad o, que considerava com o uma outra
form a de perversão. A o con trário, quando ele se interrogou sobre o núm ero
sem pre crescen te de "h o m o eró tico s de o b je to " (mas não sabem os se são seus p a­
cien tes), p ercebeu o fracasso do "recalque do com p o n en te pulsional h o m o eró tico
exigid o pela civilização". D e fato, ao alargar seu propósito, Feren czi esclareceu
sua co n c e p çã o da hom ossexualidade m asculina. C o n stato u , co m e fe ito , que os
tem pos se tornaram difíceis para as am izades ternas e o am or pedagogo: a rudeza,
a rivalidade que reinam en tre os hom ens são igualm ente form ações reativas contra
a ternura sentida por seu próprio sexo. A libido hom ossexual, que, dessa m aneira,
fica inexplorada, vai sofrer um d eslocam en to "sobre as relações afetivas com o o u ­
tro sexo". É a razão pela qual F eren czi consid erou que seus con tem p orân eos “são
todos, sem ex ce çã o , heterossexuais com pulsivos". Assim, a causa da m aior parte
das infelicidades conjugais reside na dificuldade das m ulheres em satisfazer "mais
do que tod os as outras, as necessidades h o m o eró ticas dos hom ens", de serem
"com panheiras" para além de burguesas.
A neurotização da hom ossexualidade que Feren czi propôs é bastante sedutora,
pois perm ite acabar com a equ ivalência do par ativo-passivo com a op osição mas-
cu lin o-fem in in o. C o m efeito, aquele que se en co n tra do lado ativo é um sujeito
dividido pela dúvida e vítim a de rem orsos, enqu an to que o outro parece adm inis­
trar eficazm en te seu gozo, ligand o-o ao ideal am oroso.
O que Feren czi, infelizm ente, não conseguiu precisar é o papel co n ced id o ao
g ozo do pênis nos "seus" hom ossexuais, e o tip o de m ontagem de que precisam
fazer para m anter, apesar de tudo, a d en egação da castração m aterna. Pela falta
de elem en tos mais precisos sob re a estrutura da fantasia, eu m e con ten taria em
assinalar a insistência de F eren czi em d escrevê-los co m o m uito com pulsivos: "p ro­
fusão de idéias obsessivas, de medidas com pulsivas e de cerim oniais destinados a
se d efender disso".

234
Para am pliar o quadro do debate da ép oca sobre a hom ossexualidade m ascu li­
na em relação à neurose e, portanto, levando em co n ta a questão da castração, vou

■ Homossexualidade e neurose; hadger, Ferenczi e üeuiscn


dar um pulo de uma dezena de anos para ch eg ar ao "C aso de fobia da galinha", de
19 3 0 '5. Trata-se de um jo v em hom ossexual cu ja d escrição poderia co in cid ir com a
do h om oerotism o de o b je to de Ferenczi quanto ao g osto privilegiado do p acien te
por jo v en s hom ens elegantes, assim co m o sua atitude viril e agressiva para com
outros os hom ens.

■ Helene Deustch e a fobia


D ito isso, co m o ele era jovem e eleg an te, H . D eu stch consid ero u que ele fizera
escolhas narcísicas. E n tretan to , essa esco lh a de o b je to do "m esm o” a surpreendeu
quando soube que as raízes da hom ossexualidade de seu p acien te "se e n co n tra ­
vam numa fixação a um irm ão dez anos mais velho do que ele". A verdade é que
ele não veio consu ltar por con ta própria por sua hom ossexualidade, mas "sob a
insistência de sua fam ília", o que nos dá uma ideia da im portância do cam inh o
p ercorrid o pelo trabalh o an alítico do p acien te. O caso é extrem am en te rico e o
paradoxo sublinhado pela autora só se esclarece pelo co n ju n to da análise, pois
encontram os, aqui, a articulação d iscordan te entre atividade e passividade, g ozo
fálico e narcisism o, fobia e fetichism o peniano, tudo no m esm o sujeito. Porém
H . D eu tsch , contrariam ente a Sadger, conduziu a análise até o p o n to do fim do
enigm a da fobia e da esco lh a de o b je to .
A em e rg ên cia da fo bia das galin has é p recisam en te d atável, pois co n secu tiv a
a um a c o n te c im e n to trau m ático aos sete anos, na fazend a da fam ília on d e ele
sem pre vivera - sem dúvida um a gran d e fazend a, pois as cria n ça s eram c o n ­
fiadas a uma g o v ern an ta fran cesa, co m o era co n v e n ie n te nas b oas fam ílias. O
a co n te c im e n to em q u estão é a ag ressão do p a cien te por seu irm ão m ais v e lh o ,
que im ita um c o ito a tercjo, excla m a n d o que era o galo e o caçu la era a galinha.
A fo b ia da galin h as crio u para o p a c ie n te d issabores m aiores que os de FJans
c o m os cav alo s, ainda m ais que o irm ão m ais v e lh o não perdia um a o ca siã o de
alim en tar esse terror. A partida desse irm ão para o c o lé g io fez d esap arecer a
fo bia do p a cien te.
O s elem entos da anam nese da neurose infantil apontam o erotism o anal p red o­
m inante nesse m enino que, quando caçula, tinha muita proxim idade com a mãe,
a qual lhe apalpava, de bom grado, o ânus ao fazer sua to ilete , im itando em uma
brincadeira, o gesto que fazia com as galinhas para avaliar se tinham posto ovos.
Eis a tese de H . D eu tsch sobre o m ecanism o de aparecim en to da fobia: o m e ­
nino projetara para fora "sua atitude hom ossexual passiva com seu irm ão" e a g ali­
nha, à qual estava identificado até en tão em seus prazeres anais (que H . D eu tsch
nos fo rn ece em um luxo de d etalhes), correspond ia "àquela parte dele m esm o que
havia sido clivada e projetad a para fora". O galin áceo se tornava assim seu duplo
especular e designava para ele a angústia de castração.

235
A pu berd ade trou xe um ou tro in cid en te que p od em os c o lo c a r em rela çã o
ao que F e ren czi cham ava de "as faltas h e te ro e ró tic a s com etid as": seu irm ão
teve uma lig ação com a g ov ern an ta. O p a cien te procurava o b te r seus favores,
mas foi rep elid o devido a sua ten ra idade. "L on g e de a ce ita r esse infortú n io",
escrev e H . D eu tsch , "num acesso de raiva, pegou a gov ern anta p o r trás e te n ­
to u estu p rá-la nessa p o sição ". N o en ta n to , a puberdade cond u ziu e fetiv a m en te
o p acien te a uma m udança de p o siçã o e e le passou a en trar em rivalidade com
seu irm ão. M as "a fru stração que havia en co n tra d o do lado da m u lher aum entou
suas te n d ên cias hom ossexuais", o que parece to ta lm en te de acord o com o que
F eren czi avançou.
A tese de FL D eu tsch é que, nesse caso, a fobia vinha com o muralha do sujeito
con tra "a pressão das pulsões hom ossexuais" recalcadas por receio de sua própria
passividade. Ela faz uma equivalência entre passividade e angústia de castração.
D ep ois da puberdade, na idade de 17 anos - ou seja, a idade de seu irmão
quando o agredira - a hom ossexualidade se m anifestou mas, co m o diz H . D eu ts­
ch, com a co n d ição de que tivesse um papel ativo. O ra , foi precisam ente nessa
idade que sou be que seu irm ão m ais v elh o era tam bém um hom ossexual assumido.
Para H . D eu tsch , esse é o elem en to determ inante que "liberou sua hom ossexu ali­
dade" - trata-se da lib eração dos elem en tos recorrentes da fobia.
N o en tan to , a história não term ina aí pois tão surpreendente quanto isso possa
parecer (tan to para H . D eu tsch quanto para nós) "é que essa análise (por outro
lado mal com eçad a) se term ina com a heterossexualidade do paciente". H . D e u ts­
ch situa o m om en to con clu sivo, a partir do trabalh o feito a partir de um sonho
do p acien te, que m ostra co m o a analista soube deixar o in con scien te interpretar.
Após uma prim eira fase da análise, durante a qual se produziu uma retificação
subjetiva pelo abalo da "glorificação narcísica de si m esm o", o p acien te in terrom ­
peu o trab alh o analítico antes de suplicar novam ente a H . D eu tsch , com cartas
desesperadas, para retom á-lo. O son h o em questão m arca seu retorn o. Trata-se
de um son h o de angústia, no qual o p acien te luta, em vão, con tra um adversário
invisível, m esm o dando provas de uma v iolên cia intensa. C ito H . D eu tsch 16:

Ele sentia que suas forças o abandonavam e sabia que ia morrer. R eco ­
nhece, então, no seu adversário um jovem de suas relações. Ele diz: não
mereço nada melhor. Ao mesmo tempo, sabe que o outro o matou e, no
entanto, declara que se suicidou. Finalmente, ele pensa: Como sou generoso
âe me responsabilizar pela falta, e acorda.

O conteú d o m anifesto rem eteu o pacien te a seu en co n tro , na véspera do sonho,


com um hom ossexual co n h ecid o por suas práticas sádicas que o paciente procurava
frequentem ente evitar. Esse hom em lhe havia con fid enciad o que estava deprim ido
e angustiado. "So bre isso", escreve H . D eu tsch , "dois pensam entos atravessaram o
espírito do paciente, prim eiro Você não merece nada melhor e depois Como eu".
O son h o revela a esse analisante, além de sua id entificação narcísica com
parceiros am orosos de aparência mais brilhante, uma outra m enos gloriosa "com

■ Homossexualidade e neurose: Sadger, Ferenczi e Deutsch


elem entos m aléficos, sádicos, agressivos". O resultado, para H . D eu tsch , foi
atingido, tend o sido o b tid o "pelo interm édio de uma raiva furiosa" em relação a
seu adversário, no qual evidentem en te reco n h eceu seu irm ão, mas ond e ela situa
igualm ente seu pai (eu acrescentaria: atédjue enfim.') na medida em que H . D eu tsch
nos afirma que este não teve papel algum na primeira parte da análise.
Em suma, foi preciso que o pacien te encontrasse uma esp écie de capitão cruel
para que se ilum inasse, para ele m esm o, a significação da fobia da galinha com o
im plicando, ao m esm o tem po, a am eaça de castração e o h orror do g ozo anal.
D ito isso, H e le n e D eu tsch conclu i, ao observar, que o im perativo de g o z o não
é tão im placável na fobia quanto na neurose obsessiva, pois, a fobia visa precisa­
m ente evitar a angústia. A questão que se co lo ca , então, é saber se a hom ossexua­
lidade m anifesta desse p acien te não era, de fato, o que se cham aria de: "unejuite en
avant", ou seja, um m ecanism o que con siste em se jo g a r numa situação da qual se
tem e, p recip itação no perigo.
H elen e D eu tsch , no d esenvolvim ento de seu caso, leva a p erceb er uma dificul­
dade em apreciar o lugar da hom ossexualidade em relação à am eaça de castração,
que poderíam os resum ir nos servindo dessa asserção de Lacan, de 1 9 5 8 17: "E a
m ãe que se en con tra no lugar de te r feito a lei para o pai num m om en to decisivo".
Sem dúvida, eis porque uma analista tão perspicaz quanto H e le n e D eu tsch pôde
dizer que o pai não teve nenhum papel na análise de seu p acien te até o sonho
resolutivo, no qual, finalm ente, ele aparece perfilado atrás do irmão rival, no
p o n to preciso em que o sujeito pôde "arriscar tudo". N ão en co n trei argum entos
para supor que H elen e D eu tsch se deixou enganar sobre a m udança de escolh a
sexual de seu p acien te. Todavia, há um lado happy end que podem os interrogar:
"(...) mas o que é esp antoso é que essa análise se term ine pela heterossexualidade
do p acien te (...) " ‘8. E ncontram os, aqui, a questão do final de análise, tal com o
se co lo ca , desde Feren czi, que nutre a esperança "que o h om oerotism o seja tão
curável pelo m étod o p sican alítico quanto outras formas de neurose obsessiva"19.
O o b jetiv o da "heterossexu alização", se posso m e perm itir esse neologism o sem
graça, vai perdurar até a relação de o b je to e seus m odelos, da qual M aurice Bouvet
se fará o arauto estrond oso.
Paralelam ente, com esses analistas, uma co rren te se afirmou, ligando-se à c o n ­
ce p ção transestrutural de Freud. D en tre seus seguidores, en con tram os B oehm 20
e B ergler21, os quais criticaram , sobretud o, os dados de Kinsey, distinguindo a
perversão hom ossexual da "falsa hom ossexualidade" e consid eran do todas as si­
tuações possíveis.- os ocasionais, os partidários do "crim e m enor" (psicopatas), os
neuróticos que passam ao ato, os bissexuais etc.
C om o tem po, a distinção de Feren czi se tornou caduca em relação à acum ula­
ção da experiência, que deu razão a Freud, segundo o q u a l"(...) em muitas pessoas,

237
uma certa quantidade de h om oerotism o subjetivo se en con tra m isturada a uma
parte de hom oerotism o de o b je to ".

Tradução: M aria V itória B itten co u rt. Revisão: A n tonio Q u inet.


CAPÍTULO 20

0 que as histéricas dizem da


homossexualidade?
Gloria Sadala
"Se Freud assumiu a responsabilidade de nos mostrar que existem doenças que falam , e de nos fazer ouvir
a verdade do que elas dizem, parece cjue essa verdade, à medida cjue sua relação com um momento da história
e com uma crise das instituições nos aparece mais claramente, inspira um temor crescente nos praticantes que
perpetuam sua técn ica”

Jacques Lacan, Escritos, p. 2 1 6

■ Introdução

O
presente trabalh o teve co m o proposta principal extrair, da estrutura
histérica, o que ela nos ensina a respeito da hom ossexualidade.

P or um lado, sabem os que a hom ossexualidade, assim co m o a h e te ­


rossexualidade, pode existir em qualquer uma das estruturas clínicas. Por outro,
encontram os muitas pesquisas e trabalh os d irecionad os pelas questões que en v o l­
vem hom ossexualidade e histeria. P elo fato de não se deixar capturar por inteiro, a
histeria perm anece, na atualidade, co m o fo co de pesquisa. M o d elos diversos sobre
o fu ncionam ento psíquico foram criados a partir da histeria e seus fenôm enos são
observados desde H ip ócrates.
O discurso p sican alítico foi criado, principalm ente, pelo enigm a que o sin to ­
ma h istérico causou em Freud. C o n v o ca d o , assim, ao trabalh o, foram realizadas
elab oraçõ es te ó rico -clín ica s fundam entais para o assentam ento da Psicanálise. D a
d escoberta do in co n scien te ao m étod o da associação livre,- da sexualidade ao c o n ­
c e ito de pulsão,- da fantasia ao sintoma,- da bissexualidade à hom ossexualidade na
histeria. Tem pos d istintos na teo riz a çã o freudiana a partir do discurso h istérico,
antecipand o o que Lacan afirmaria, em seu e n co n tro com os jo v e n s em V in cennes,
em 3 de d ezem bro de 1 9 6 9 , a resp eito do discurso da histeria co m o an tecip ação
e co n d ição para o discurso do analista advir.

■ 0 que nos diz a clínica?


A lóg ica do in co n scien te e seu m odo de fu ncionam en to, com suas tran scrições
e retranscrições, e as redes de significantes fizeram da Psicanálise uma ‘talkínçj-cure,

239
pois o acesso a esse su jeito evan escen te, cravado nas estrelinhas do enunciad o, só
poderia ser en con trad o por um m étod o livre das regras do discurso - a associação
livre - facilitad ora da d ecifração das determ inações in conscien tes. D ev e-se a uma
h istérica a d escoberta de que era preciso o analisante falar livrem ente. A palavra
co m o sub-rogado do ato perm ite uma saída por m eio da expressão verbal.
Freud aponta co m o essencial e invariável, num ataque h istérico, o reto rn o de
um estado psíquico an teriorm en te vivenciado, ou seja, o retorno de uma re co r­
dação. D e que record ação se trata? N a cadeia associativa, o que representa o elo
evidenciado pelo ataque h istérico? S e o corp o é tecid o de linguagem , o ataque
corporal fala. H á algo inscrito no corp o que o sintom a traduz. E, sendo o corp o
eróg en o, nele se veicula a história da sexualidade do sujeito.
A clín ica da histeria ilustra, de m odo m agistral, os fracassos do recalque. Na
m edida em que nem tudo se torna lem brança, nem tudo é absorvido pelo sig n i­
ficante, nem tudo pode ser dito. A lgo sem pre resta, apontando para um resto de
real não sim bolizado, em to rn o do qual o sintom a é con stm íd o .
A histeria aponta uma rep resentação-lim ite, que indica um para além do
significante.
Se o co rp o é um palco para a histérica, a clín ica se o ferece co m o um 'teatro
privado' para as suas representações.
A seguir, apresentam os fragm entos da clínica.
"Eu não queria fazer aquele show para to d o m undo", diz uma pacien te, re fe ­
rind o-se a seus ataques histéricos. "N unca gostei de ser o cen tro das atenções",
com plem enta. Seus ataques se iniciam com dor no p eito, seguindo-se de ch o ro ,
trem edeira, im possibilidade de falar e falta de força. D escrev e-o s, assim: "Eu
não co n sig o reagir a nada, escu to todos m e cham arem , mas não co n sig o falar,
nem reagir. Se tiram m inhas m ãos e colocam -n as para baixo, fica do je ito que
acom odaram ".
As referências mais diretas de Freud ao ataque h istérico en con tram -se na
"C arta a Jo s e f Breuer" e no texto "So bre a teoria do ataque h istérico "1. P or volta
de 1893, Freud atorm entava-se com algo tão co rp ó reo na histeria. Para analisar o
ataque h istérico, Freud se refere a m ovim en tações de som as de excitaçã o não li­
beradas, assim co m o à reação com o d eslocam ento, apontand o a d issociação com o
fundam ental na com preensão do ataque histérico.
N ossa p acien te relatou os ganhos obtid os no hospital com seus ataques: in ­
je ç õ e s , soro, picadas que deixam seu corp o m arcado. Eis a raiz da histeria: uma
passividade prim ordial do sujeito. D e algum m odo, o su jeito se entrega ao O u tro
co m o o b je to de seu g o z o e seu corp o é um registro do g o z o do O utro.
Nas d escrições de suas crises, a pacien te ouve tudo, mas não pode reagir a
nada. P erceb e o que aco n tece , até o desespero dos que estão ao seu redor. Esse
"ver e não ver" do ataque h istérico pode ser p o sto em paralelo ao "saber e não
saber" sobre a mulher. Entrelaçam -se, assim, histeria e o enigm a da fem inilidade.

240
A prim eira crise da p acien te ocorreu no Dia Internacional da M ulher!
C o m tantos presentes recebid os do patrão/pai, perfum es e conv ites, deixa
todos perplexos e sai de cena m isteriosam ente, tendo sua prim eira crise. N a
co n ju n ção de dois significantes - M u lh er e Pai - tem o ataque. O ataque é um
sintom a circunstan cial. O sintom a perm anece no tem po, é um ataque perm anen ­
te. A quebra na rede associativa pode fazer com que a fantasia in co n scien te seja
reencenada, sem m ed iações, o que responderia pelo rep entin o ataque.
A o longo do trabalho, foi possível observar um deslizam ento da paciente em
relação às possíveis causas de seus ataques: do marido inexpressivo à macumba, à
influência dos santos, à mediunidade, até admitir que algo de sua história poderia
ser determ inante. Essa foi a abertura provocada pela Psicanálise. Abertura que deter­
minou o deslocam ento de uma causalidade orgânica para uma causalidade psíquica.

■ A questão da bissexualidade
Em to rn o de 18 9 7 , Freud adm ite a im portância das fantasias co m o base dos
sintom as h istéricos. Em seu texto "As fantasias histéricas e sua relação com a b isse­
xualidade"1, publicado em 1 9 0 8 , Freud investiga a relação en tre fantasia e sintom a
e, de in ício , co n v o ca a pensar sobre as fantasias histéricas.
A d escoberta de Freud a respeito da etio lo g ia sexual das neuroses foi o alicerce
para apontar a função da fantasia na con stitu ição dos sintom as e na m anifestação
dos ataques h istérico s3.

Para toda uma série de sintomas histéricos, então, as fantasias incons­


cientes são os estados psíquicos prévios mais próximos. O s sintomas
histéricos não são outra coisa que as fantasias inconscientes figuradas
mediante "conversão", e à medida em que são sintomas somáticos, com
muita frequência são tomados do círculo das mesmas sensações sexuais
e inervações motrizes que originariamente acompanharam a fantasia,
todavia consciente nessa época.

U m sintom a é m u ltifacetad o e seu nexo com a fantasia é co m p lex o , mas não é


arbitrário. Segue a regên cia de determ inadas leis. Para exam inar a com plexidade
das articulações entre sintom a e fantasia, Freud recorre à n o çã o de bissexualidade,
a qual responde pela m o ção hom ossexual presente nos sintom as h istéricos.
Afirma Freud4:

(...) um sintoma histérico corresponde necessariamente a um com pro­


misso entre uma moção libidinal e uma moção recalcante, porém além
disso pode responder a uma reunião de duas fantasias libidinais de caráter
sexual contraditório.

O enunciado de Freud nos m ostra que um sintom a h istérico é a expressão de


uma fantasia sexual in co n scien te m asculina, por uma parte, e fem inina, por outra.

241
So m en te uma d isposição bissexual dos seres hum anos pode servir de sustentação
para o significado bissexual dos sintom as histéricos. H á ataques h istéricos que
corrob oram a h ip ótese das bissexualidade, pois, com frequência, o su jeito -a to r
encen a papéis con trap osto s sim ultaneam ente, co m o no caso da p acien te que, com
uma das m ãos se despe, enqu anto ten ta cob rir-se com a outra.
Essa d isposição originalm ente bissexual do ser hum ano nos perm ite pensar
que p erten cer a um sexo ou outro, em função da anatom ia, não define a posição
sexuada nem a escolh a o b jeta i.
As inúmeras referências freudianas à bissexualidade, desde as correspondências
com Fliess até seus escritos da década de 1930, não tiram essa doutrina da obscuridade.
E, assim, perguntam os, ainda h o je , o que é essa bissexualidade?
M arco A n tonio C o u tin h o Jo rg e , ao p ercorrer a fundo a questão da bissexua­
lidade no prim eiro capítu lo de seu livro Fundamentos da Psicanálise de Freud a Lacan5,
respondeu:

Trata-se da oposição entre a heterossexualidade e a homossexualidade,


presente para cada sujeito em sua escolha de objeto... E em torno da
noção lacaniana de ob jeto a que se pode precisar o alcance da idéia
da bissexualidade para Freud, salientando que não se trata de uma
bissexualidade constitucional orgânica, mas sim da falta estrutural de
inscrição do ob jeto de desejo do inconsciente. Trata-se de que o ob jeto
do desejo do sujeito falante é faltoso por natureza e, nesse sentido, este
poderia ser chamado chistosam ente, com Lacan, de a-ssexual. Se Freud
se empenhou em destacar a relação entre as fantasias e a bissexualidade,
não será porque é nas fantasias sexuais que a proliferação da vestimenta
imaginária do ob jeto - grafada por Lacan com o i(a) - esconde, mas
também revela o ob jeto enquanto em inentem ente faltoso - a? D aí La­
can ter escrito o materna da fantasia com o sendo i? 0 a, isto é, a relação
desejante do sujeito com o ob jeto a.

D esd e 1 9 0 5 , em seus "Três ensaios sobre a sexualidade"6, Freud apresenta o


o b je to co m o o que há de mais variável dentre os com p o n en tes da pulsão. Lacan,
ao tratar da pulsão com o um c o n c e ito fundam ental no Seminário a-, os quatro c o n ­
ceito s fundam entais da Psicanálise7, refere-se à co m p o siçã o da pulsão co m o uma
colagem surrealista, sem pé nem cab eça, d estacando, assim, o caráter enig m ático
da vida pulsional. A im possibilidade de satisfação co m p leta im põe a variabilidade
do o b je to , pois a busca é co n sta n te na tentativa de atend er a essa falha intransp o­
nível que se co lo ca para o sujeito.

■ A histérica e a Outra
C o m C h a rco t, em to rn o de 1870, houve um grande interesse cien tífico pela
investigação da histeria. C o m Freud, a clín ica da escuta substituiu a clín ica do

242
I

olhar, entrou em cen a a etio lo g ia sexual das neuroses e o co m p lex o de Édipo


assumiu papel cen tral na com preensão da estrutura h istérica.
Seguind o as form ulações freudianas e lacanianas, d eparam o-nos co m a fantasia
da O u tra m ulher acom panhand o a h istérica.
O percurso da m enina para tornar-se mulher, co lo ca-a , de in ício , fren te à mãe
co m o seu o b je to de d esejo. Isso nos m ostra que a prim eira relação da m enina com
seu o b je to é hom ossexual. Pela im possibilidade de com p letar a m ãe, a m enina vive
sua prim eira exp eriên cia de castração e, em seguida, depara-se com a castração
do O u tro m aterno. D irig e-se, então, ao pai, para dele o b te r aquilo que a m ãe não
pode lhe dar. C o m o não é possível o acesso ao o b je to d esejad o, há um perm anen­
te devir, um co n tín u o tornar-se m ulher que oscila entre o polo m aterno/paterno e
entre o polo m asculino/fem inino, ocasionand o o scilaçõ es identificatórias. A h isté ­
rica en con tra-se presa nessa teia, vacila con stan tem en te e, na busca para en con trar
a resposta para o que é uma mulher, assume uma p osição subjetiva m arcada pela
dúvida 'sou hom em ou sou mulher?'.
A m enina, ao se d escobrir castrada, atribui às O utras m ulheres a com pletude
desejada para si própria.
P or m eio do caso D ora, Freud p erceb e que o pivô na histeria é o pai referido à
O utra mulher. A fantasia de D ora girava em to rn o da im p otência do pai.
D iz Lacan8:

Ao mesmo tempo, a relação edipiana revela-se constituída em Dora


por uma identificação com o pai, favorecida pela im potência sexual
deste, aliás vivenciada por D ora com o idêntica à preponderância de
sua situação de fortuna: isso é traído pela alusão inconsciente que lhe
é permitida pela semântica da palavra em alemão: Vemogen. Essa iden­
tificação transparece, com efeito, em todos os sintomas conversivos
apresentados por D ora, e sua descoberta dá início à elim inação de um
grande número deles.

D ora, para além do sexo, queria ser amada. Tem a mãe com o o b je to de amor.
M esm o sendo uma relação de endeusam ento, a mãe é um o b je to de am or para a
histérica e isso corresponde ao que Freud formula com o hom ossexualidade, co n si­
derando-se o sentido para onde é dirigida a libido.
Freud afirma que o interesse de D o ra pela Sra K. era de cu n ho hom ossexual e
sua falha foi não ter p ercebid o a im portância da Sra K em sua vida. Identificada
com o Sr. K.., D o ra se interroga a resp eito da fem inilidade representada pela Sra K.
Esse trânsito de id entificação resulta da busca para responder as suas questões sem
resposta: o que é uma m ulher? S ou h om em ou sou mulher?
Esse m ovim ento pendular en tre ser hom em e ser m ulher tem co m o suporte a
hip ótese da bissexualidade, a ideia d o o b je to co m o a-ssexual.
S o le r esclareceu 9:

243
(...) mas a identificação propriamente histérica, tal com o é encontrada
em D ora ou na Bela Açougueira, tal com o Lacan a retomou em seu texto
de 1973, a "Introdução à edição alemã de um primeiro volume dos Es­
critos", consiste no identificar-se com o homem com o aquele que não i
pleno, que também está insatisfeito, e cujo G ozo é castrado.

O caso D ora e da jo v e m hom ossexual, apresentados por Freud em suas Obras


completas, perm item -nos inferir que a neurose h istérica fundam enta-se em um 'não
saber sobre o sexo', d eco rren te da falta de inscrição no in co n scien te de um sig n i­
ficante que represente a mulher.
'O que é uma mulher?' Essa pergunta sem pre sem resposta determ ina efeitos
na atualidade: cu lto ao corp o, m anipulações corporais sem lim ites, sucesso profis­
sional a qualquer preço etc.
Nesses dois casos, da D ora e da jovem hom ossexual, interessa-nos, especialm en­
te, a forma com o cada uma delas introduz a dama com o o b jeto de adoração. H á
algo para além do o b je to amado. Q uerem dar conta daquilo que está para além do
significante. Em ambos os casos, uma O utra mulher perm ite abordar a falta. E funda­
mental a figura da O utra mulher na clínica da histeria. D ora se interroga sobre o que
é uma mulher por m eio da Sr3 K ., tentando saber o que seu pai ama nela, para além
de si própria. Foi justam ente a impossibilidade de ser escutada quanto à im portância
de uma O utra mulher em sua vida, que determ inou a interrupção de seu trabalho
analítico.
A n teriorm ente, Freud já havia alertado para a im portância do psicanalista estar
aten to para o significado bissexual de um sintom a, enunciand o que o sintom a
h istérico expressa, por um lado, uma fantasia sexual m asculina e, por outro, uma
fantasia fem inina.
V inte anos após a análise de D ora, novam ente escapa a Freud a fixação de uma
jo v em a sua mãe. Em 19 2 0 , no tex to "So bre a p sicog ên ese de um caso de h o m o s­
sexualidade fem inina"10, Freud descreve uma cen a em que a jo v em hom ossexual é
surpreendida pelo pai em com panhia de sua dama, o que leva esta a am eaçá-la de
abandono. Seu desespero em perder a dama d em onstra o m edo de perder a mãe
transferido para a amada.

■ Conclusão
P or que articular hom ossexualidade fem inina e histeria?
Se as questões da histeria e da fem inilidade se con fun d em , podem os supor
que é a questão hom ossexual que as une. O pano de fundo em tais articulações é
o laço da m enina com a m ãe, é a questão da mulher, é a falta de um significante
que a represente.
Essa falta de inscrição significante referen te à m ulher responde por um 'não
saber sobre o sexo' na neurose histérica.

244
S e pensarm os a hom ossexualidade com o uma questão tributária da dúvida
sobre ser hom em ou ser mulher, podem os dizer que o sujeito não se define na h is­
teria. N o fragm ento clín ico apresentado inicialm ente neste trabalh o, ressalta-se
o prim eiro ataque h istérico da p acien te diante das muitas com em orações do Dia
Internacional da Mulher. Se a h istérica não sabe responder à questão 'sou hom em ou
sou mulher?', o que com em orar no dia 8 de m arço?
C o n clu ím o s com S o le r " :

Ao escrever o discurso da histérica, Lacan quer pôr em evidência, pri­


meiro, o que constitui o valor da histeria: obter do mestre a produção
de um saber, o que se verifica de Sócrates a Platão e desde as histéricas
até Freud:

% ---------------------------- ► S1

tf S2

Mas sua verdade é outra, faz um hiato em relação ao que seu discurso
obtém , porque o sujeito histérico quereria - indico-o no condicional,
para marcar a impossibilidade - que houvesse um saber do objeto.

245
CAPÍTULO 21

Obsessão gay. um caso clínico


Antonio Quinet

■ Introdução
este trabalh o, p ro p on h o -m e a apresentar um fragm ento clín ico e a
discussão na d ireção do tratam en to em um caso de neurose obsessiva,
no qual tornou -se evidente a necessidade, segundo diz Freud, de se
analisarem as tend ências hom ossexuais de um sujeito do sexo m asculino, dito
heterossexual.
A nos atrás, receb i para análise G ustavo (nom e fictício ), um p acien te que sofria
de ideias obsessivas de tem ática hom ossexual. Vivendo uma prática heterossexual
em plena atividade, essas ideias o atorm entavam e o levavam a uma estagnação de
sua vida afetiva e a se end ereçar ao analista com a pergunta: "sou gay?".
A ideia prevalente que se apresentava a ele sob form a im perativa form ulava-se
co m o : 'dar a bunda'. Tratava-se de uma frase, portanto da ordem do significante,
que se apresentava acom panhada de im agens de pênis em ereção que entravam
em seu ânus (im aginário), p ro v ocan d o -lh e angústia (real). V em os assim os três
registros do sintom a que se articulam b orro n ean em en te. Ás vezes, quando cru ­
zava outro hom em na rua e o achava b o n ito , im ediatam ente vinha o im perativo:
'dar a bunda' e sentia-se com p elid o a olh ar para a região genital desse hom em e
im aginar o pênis penetrand o-o. Essas ideias e im agens, acom panhadas pelo afeto
da angústia, faziam com que se perguntasse se ele seria hom ossexual. Porém , não
sentia d esejo nem vontad e de ter relação com hom ens.
R elata que, quando era a d olescen te e adulto jo v em , efetiv am ente, teve re la ­
çõ e s com hom ossexuais, em que era pago para se prestar àjela tio por parte deles
e praticar neles a p enetração anal. Essas práticas não eram acom panhadas de

247
qualquer co n flito de ordem m oral e tam p ouco o levavam a se question ar s o b rt
sua orien tação sexual. P aralelam ente a isso, tinha nam oradas que não permi»
tiam a aproxim ação sexual e, além disso, tinha relações sexuais freqüentes com
prostitutas.
Essa situação con tin u ou assim, bem estável, até o m om en to em que ele e sta v i
preste a se casar. N esse períod o 'um hom ossexual', com quem ele m antinha re­
lações descritas co m o ativas e devidam ente pagas, disse-lhe que ele tem em seu
pênis 'uma m arca características dos hom ossexuais' e que, assim, ele é h om osse­
xual, m esm o que não adm itisse. Essa fala cai-lh e co m o um vaticín io, uma palavra
oracular. É uma palavra que interpreta seu ser e seu d estino por um 'tu és' im pe­
rativo e superegoico com seu fundo m ortífero e avassalador. Esse v aticín io, que
pode ser qualificado co m o uma 'interp retação significativa' vinda do O u tro , com
a 'com provação da m arca' no c o rp o , dá sentid o a tod os os episódios hom ossexuais
anteriores e d esencad eia uma grande angústia que o faz inicialm ente reco rrer à
droga (álcoo l e cocaín a) e, em seguida, provoca a sin tom atolog ia obsessiva, com
a qual ch eg a ao analista.
Sua dem anda ao se e n d ere ça r ao analista é para saber se é ou não h o m o sse ­
xual para decidir, en tão , se pode ter uma mulher. T rata-se, para ele, de sab er se
poderá casar com 'uma' (ú nica) mulher, pois, de fato , ele tem várias m ulheres
sucessivam en te. E le tem relação sexual algum as vezes com uma, se cansa dela e
passa para outra e assim p o r diante. Porém ach a que não conseg u irá ficar com
uma m u lher en q u an to não resolver o 'problem a hom ossexual'. M as isso não quer
d izer que ele já não te n h a se casad o. O s sin tom as obsessivos, que surgiram na
é p o ca que an teced eu o casam en to , não o im pediram de se casar. E le se casou
m esm o assim e teve um filho, mas lo g o depois se separou, pois, parad oxalm en te,
apesar de casad o tin h a m ed o de não co n seg u ir ficar co m uma m ulher devido
ao 'problem a'. Ele se separou, e n tã o , dessa que era a 'm ulher perfeita' para ele e
com quem se dava bem em to d o s os sen tid os, pois era im pedido por suas ideias
e tem ores obsessivos. Sua divisão subjetiva c o n c e rn e n te à e sco lh a de o b je to ,
na origem de seu sin tom a, to rn a v a -lh e im possível o d esejo de viver com uma
m ulher. A hom ossexualidad e ap arece aqui não co m o d ese jo e prática sexual
assumida e sim co m o sin tom a.

■ A retificação subjetiva
A prim eira intervenção do analista foi uma retificação subjetiva: aquilo que ele
alegava co m o con seq ü ên cia deve ser a causa de seus problem as.
Ele achava que não conseguiria ficar com uma m ulher enquanto não resolvesse
seu p roblem a hom ossexual, pois com essa dúvida que adquiriu o status de sintom a
obsessivo, ele não poderia se com p rom eter numa relação durável com uma m u­
lher. A intervenção do analista foi no sentid o de retificar as relações do sujeito
com o real de seu sintom a, com o real do g ozo , e m ostrar que seu problem a era
t asar-se com uma m ulher e o que ele cham ava de 'problem a hom ossexual' não uma
causa e sim uma con seq ü ên cia do con flito 'casar ou não casar'. Pois, antes do c a ­

« uosessao gay, um caso cimtco


sam ento estar em pauta, ele nunca teve problem as com sua prática hom ossexual.
Trata-se aqui de introduzir o sujeito a "um prim eiro d iscernim ento de uma p o ­
sição no real"1, co m o diz Lacan se referindo à retificação subjetiva feita por Freud
no caso do F^omem dos Ratos.
N o caso de nosso pacien te, esse prim eiro d eslocam ento de sua p ro b lem áti­
ca introduziu-o ao tem a do co n fro n to com o d esejo do O u tro. Ele relatou que
seu casam ento foi precipitado pela insistência da noiva e suas ideias obsessivas
surgiram ju stam ente nas vésperas do casam ento, isto é, no m o m en to em que é
cham ado a ocupar sim bolicam en te a função fálica de ch e fe de fam ília. A solução
neurótica, para recuar diante dessa tom ada de posição, foi ca ir d oen te 'criando'
um sintom a - ob stácu lo ao d esejo de ter uma mulher, d esejo doravante qualificado
com o im possível devido ao 'problem a hom ossexual'. E um m o m en to que podem os
designar co m o d esencad eam ento da neurose, em que há uma esco lh a pelo g ozo
do sintom a em d etrim ento ao d esejo. Foi possível verificar a posteriorí que se tratava
ai, para ele, de ter de abrir m ão do g o z o de uma p osição fem inina determ inada
por sua fantasia, co m o verem os adiante.
Q ual o e feito da retificação subjetiva? U m a grande d ecepção! Esta não se
m anifestou a nível dos afetos mas ao nível de um d esinvestim ento na pessoa do
analista, que, aliás, pouco estava investido libidinal e epistem ofilicam en te pela
transferência. Ele veio algumas vezes, até que m e anunciou que estava m uito o n e ­
roso fazer análise co m ig o e que resolveu procurar outro analista que m orasse mais
perto dele. Tratava-se de um sujeito que tinha que atravessar m eio-Brasil para se
analisar com igo. Ele m e pediu uma in d icação de analista e eu lhe dei. D ou duas
indicações: propositalm ente de um hom em e de uma mulher.
O que houve? Porque ele foi em bora log o após a in tervenção do analista? Ele
veio, com o todas as pessoas, com uma dem anda de interp retação da cifra de seu
d estino, esperando, assim, que o analista decifrasse e soprasse para ele ou c o n ­
firmasse um 'tu és isto'. N o caso dele, tratava-se da dem anda relativa à pergunta
sobre ser ou não ser hom ossexual. O ser ou não ser trág ico — que se co lo ca para
to d o sujeito quando seu sintom a não mais o tam pona - con stitu ía o sinal d oloroso
da divisão do sujeito. Ele im plorava o analista para curá-lo dessa dúvida obsessiva
com uma resposta que o fizesse d ecid ir para um lado ou para o outro.
A o não respond er a isso, mas ao co n trário , ao responder con v o can d o o sujeito
do d esejo, o analista, até en tão investid o co m o o O u tro da resposta, é deixado
cair. Ele diz pagar m uito caro para re c e b e r tão pouco e d ecid e que a relação qua­
lidade/preço não com pensa, indo procurar a resposta em outro canto.
Para mim, tratava-se, aí, de um caso encerrad o e me perguntei se eu não me
havia precipitado antes de estabelecid a a transferência. Fato é que não respondi à
dem anda de interp retação. A retificação subjetiva levou o su jeito a uma decisão,

249
que o levou para fora. A posteriori, posso dizer que não houve co n sen tim en to ao
In co n scien te, ou seja, não houve co n sen tim en to à investigação sobre o d esejo do
O u tro. M as isso foi naquele m om ento.

■ A interpretação e a fantasia
G ustavo vo lto u dois anos depois con sen tin d o ao In con scien te, e aí foi possível
co m eçar uma análise. N esse períod o seus sintom as se agravaram m uito, as ideias
obsessivas de ser p enetrad o tornaram -se mais freqüentes e mais im perativas. O
florescim ento dos sintom as era de tal ordem que o paralisava, pois perm anecia
um bom tem po im aginando ser p enetrad o e sofrendo m uito com isso. Essas ideias
se apresentavam co m o im postas e parasitárias e afastá-las não conseguia, por mais
que ele se esforçasse. A té e n co n tro u um exped iente: fazia um esforço de c o n c e n ­
tração, 'puxava a descarga' e to d o s esses pensam entos iam em bora por seu ânus.
Assim, ele 'evacuava im aginariam ente seus problem as'. Pouco tem po depois, toda
sin tom ato lo gia voltava, sem pre acom panhada de angústia.
Ele me relatou que tinha primeiro procurado a analista mulher, que eu havia indi­
cado, e depois o analista hom em e decidiu ficar com este. D urante esse período, pa­
ralelam ente ao agravamento dos sintomas e a pauperização de sua vida erótica, G us­
tavo se tornara um hom em rico, devido a seu talento de com erciante, que já vinha se
desenvolvendo. O que lhe permitiu voltar não foi o dinheiro, mas a falta de resposta
que eu lhe havia dado relativa ao seu problem a, com o um convite ao trabalho.
Essa falta de resposta foi a saída que ele pôde vislum brar à resposta que não
faltou da parte do outro analista. U m dia, este disse ao pacien te: "o cjue você chama
de medo (referindo-se ao medo de ser homossexual) pode ser desejo. Você nunca teve vontade de ser
penetrado?". Essa intervenção o fez sair dessa análise e v o ltar a m e procurar.
Lá, ond e o sujeito localizava o g ozo , diante do qual recuava com horror, o an a­
lista anterior tinha interpretad o co m o sendo o d esejo. O d esejo para esse sujeito
é vinculado à frase 'ter uma m ulher' que tem a característica do d esejo im possível
do n eu ró tico obsessivo. O efeito , após a d esvalorização total do analista, foi a
quebra de transferência e a interrupção dessa análise. A o responder desse lugar do
intérprete, esse analista interrom peu a possibilidade de d eslizam ento significante
da cadeia do d esejo, fixando o sujeito num significante que não o representa, pois
o que é aparentem ente uma p roblem ática hom ossexual e n co b re a posição fantas-
m ática de ser uma mulher, co m o verem os a seguir em uma seqüência de sessões
de sua análise com igo.
N esse m om ento ele havia conseguido 'ter uma mulher' sob a forma de nam o­
rada, a qual, co m sua mascarada, relutava em ocupar esse lugar, dizendo só querer
uma transa passageira e ter relações com outros hom ens. M as, finalm ente, consentiu
à dem anda de G ustavo e lá foram os dois nam orando aos trancos e barrancos.
Em uma sessão, ele co n to u que, após uma relação sexual, sua nam orada fi­
cou co n tan d o com todos os detalhes as relaçõ es sexuais que tinha tido com seu
ex-com p anh eiro. Esse relato o dividiu: quer e não quer ouvir. Em seguida se pôs
a pensar no pênis do ex-com p an h eiro da namorada 'p enetrand o-o co m o uma
mulher'. Eu co rto a sessão, recortand o essa frase, que d estaco co m o uma citação
de seu texto co m o uma mulher', acentuando o significante 'com o'. Ele se levanta
perplexo e repete 'co m o uma m ulher com ar interrogativo e sai.
Essa interp retação, que teve o e feito de uma cita çã o enigm ática, pode ser situa­
da co m o uma form a de sem idizer, cu ja estrutura é a m esm a da verdade que nunca
pode ser dita por inteiro. E o que Lacan desenvolveu no Seminário 17 propond o
dois tipos de interp retação com o form a de sem idizer: o enigm a e a c ita ç ã o 2.
A op eração do analista na interp retação é fazer do analisante um decifrador.
Eis porque o analista é eco n ô m ico em palavras e usa co m o recurso o equ ívoco
significante próprio à hom ofonia.
A frase 'co m o uma mulher' é plena de sentid o, co m o o enigm a, definido
por Lacan co m o o cúm ulo do sentido'. Ele é penetrado como uma mulher em sua
fantasia im aginária, que com p arece quando ele acaba de comer uma mulher. Ao ser
extraída do co n te x to e citad a para o p acien te, ela adquire um caráter enigm ático,
evocan do, co m o verem os, o d esejo do O u tro. Sustentad o na tran sferência, pela
in cógn ita (x) do d esejo do analista. E isso é, para o neu ró tico, característico do
d esejo: ser enigm ático . A interpretação incid e na divisão do su jeito, provocando
o efeito de despertar da duplicidade ocu lta do sujeito, pela am bigüidade m anifes­
ta do significante3. A am bigüidade da expressão co m o uma m ulher' é realm ente
m anifestada, mas se ela revela a duplicidade do sujeito é por to ca r na posição do
sujeito na fantasia in co n scien te. A equivocidad e sem ântica da expressão incide na
bipolaridade da fantasia: do sujeito (i$) que com e' e de o b je to {a) que é 'com ido'.
Q ual o efeito dessa interpretação?
N a sessão seguinte a essa in terp retação, ele falou que conversou m eia hora
com a nam orada pelo telefo n e e que resolveu voltar com ela. Ela com en tou com
ele que, quando ela decidiu ficar com ele, ele se assustou com ela. "Na verdade o cjue
me assusta nela é ela querer mandar em mim e fica r dizendo o cjue devo jazer". R elata que ela teve
que mudar muitas coisas: pois fumava m acon ha, falava m uito palavrão, gritava,
reclam ava, vivia brigand o com ele, usava uma franja co b rin d o um lado do rosto,
raspava o ca b elo da nuca, usava b rin co no um bigo. "Mas desde cjue está com ele, já está
fumando menos maconha, falan do menos palavrão, já tirou a franja e diz cjue vai dar um relógio
para ela em troca de tirar o brinco do umbigo". O analista intervém : "Para domar a fera?".
Ele evoca, então, uma relação sexual em que ficou im p otente com a namorada.
A í pensou em seu 'problem a hom ossexual' e im aginou esse problem a co m o uma
grande bolsa, co m o uma placenta e aí pensou que, quando sua m ãe ficou grávida
dele, ela deve ter passado uns fluídos para ele e concluiu: "acho cjue minha mãe cjueria
cjue eu fosse menina!".
A interp retação, ao to ca r na divisão do sujeito, faz, inicialm ente, aparecer o
d esejo do O u tro (a m ulher) assustador a ser dom ado, para que ele possa suportar a

251
con v iv ên cia com a nam orada. Em seguida, o que aparece é sua resposta ao d esejo
do O u tro (a m ãe). O que o O u tro quer? A o que ele responde com : ser uma mulher,
N a sessão seguinte ele retom ou: "quando minha mãe teve minha im ã e depois veio eu,
eu acho cjue minha mãe queria uma menina. Antes de mim são cinco homens, uma mulher e depois
eu. Eu sou o sexto". R etifico. "O sexto não é uma mulher?" Ele se perturbou e se corrigiu
d izend o que são quatro hom ens, uma m ulher e ele. Ele diz: "e porque minha irnâ (
saf)atão — o que mostra que a feminilidade não é valorizada". "Recebi tratamento muito bruto Je
um irmão meu e minha mãe não deixava. Nunca vi diferenças de tratamento entre eu e meus irmãos,
Quem assumiu o papel de meu pai fo i meu irmão mais velho, que nos tratava muito bem. Só me
bateu uma vez, porque eu estava pegando dinheiro dele. E esse que eu respeito, pois ele dedicou metade
de sua vida à educação dos irmãos".
Seu pai abandonou a família, mas a mãe nunca falou mal dele, sempre encobriu
as faltas do pai. Só ouviu falar mal dele aos 14 anos. M eu pai tinha m atado um cara
com um punhal. Tratava-se de um dentista que tinha matado uma sobrinha dele c o ­
locando um ácido na boca. Seu pai cham ou o irmão dela para ir matar o dentista pois
"este tinha falado que tinha com ido a m oça e que ia botar na bunda de quem se intrometesse...".
Interrom po aqui a sessão.
V em os aí despontar a origem da con stitu ição do sintom a que tom a em prestado
os significantes de um tre ch o da história do sujeito, sua Ate' fam iliar - term o da tra ­
gédia grega tom ado de em préstim o por Lacan para designar à uma heran ça m al­
dita. A Ate' que é ligada "a um c o m e ç o e a uma cad eia, a da desgraça da fam ília"4.
Assim co m o a dívida im pagável do H om em dos R atos, o sintom a desse sujeito
estava articulado a uma falta, uma falha do Pai: o crim e que com eteu retorna no
sintom a do pai escam otead o pela significação daquilo que o justifica. A significa­
ção de co m er a m oça' e 'b otar na bunda', que aparece n o sintom a, foi a justificativa
alegada pelo pai para m atar o dentista. Assim, no sin tom a não aparece o crim e do
pai, de ter apunhalado um hom em , e sim a justificativa que o levou a assassiná-lo.
Após ter evocad o sua p o sição fem inina relativa ao d esejo do O u tro m aterno,
apareceu na análise uma d uplicação da figura paterna: (1) o pai-irm ão que protege
e cuida. E o pai da lei que pune quando ele rouba,- (2) o pai-fora-d a-lei, pai goza-
dor que m ata quando o am eaçam tratá-lo com o uma mulher.
Essa d eterm inação significante do sintom a, com a dim ensão de g ozo que ela
con tém , aponta para uma fantasia: ‘ser m orto pelo pai co m o uma mulher'. A ques­
tão da m orte, própria ao obsessivo, pouco evidenciada na análise, m anifestava-se
por m eio do tem o r de ficar d oen te e querer log o fazer fortuna para se aposentar e
curtir, enfim , a vida, antes de morrer.
N a sessão seguinte a essa, ele voltou a falar de sua nam orada. "Sempre achei que
quando encontrasse uma mulher que atendesse as minhas expectativas, a minha insegurança ia
acabar. Pois, após um ano de análise, o meu problema tinha praticamente desaparecido e agora
voltei a me preocupar quando daquela brochada. Fiquei surpreso!11. Em seguida passa a falar
que acha que ela é realm ente a m ulher que ele sem pre quis mas não vai se e n ­

252
tregar lo g o pois "eu fico com medo, eu fico com o pé atrás". C o rto e rep ito 'o pé atrás' e
interrom po a sessão. Esta sessão permitiu a articulação en tre o tem or diante do
d esejo do O u tro (o 'pé atrás1) com a questão do pai e do 'pênis na bunda', que se
m anifesta no sintom a.
O sintom a, com a significação fálica, constitu i para esse sujeito um obstáculo
ao acesso ao O u tro sexo. s(A) / S(A ). O pênis das ideias obsessivas é articulado
ao Pai.- articulação estrutural, uma vez que é o N om e-d o -P ai que prom ove a sig ­
nificação fálica. Esse sintom a se sustenta, por um lado, na fantasia em que ele está
numa posição fem inina em relação ao d esejo do O u tro m aterno, e por outro lado,
m anifesta-se a nível pulsional, co m o o O u tro do supereu, com seu im perativo
de g o zo ('ser penetrado'). E tam bém na fantasia m asoquista de receb er um pé ou
pênis do pai co m o penalidade.
Essa seqü ência perm itiu o d ecifram ento do sintom a, que foi co n co m ita n te a
seu esvaziam ento de gozo . Se, às vezes, ele ainda pensa no 'problem a h o m o s­
sexual', esse pensam ento não teve mais o caráter de co a çã o {Zwang) do sintom a
obsessivo, não lhe servindo mais, portan to, de álibi para evitar seu e n co n tro com
o O u tro sexo - o que lhe perm itiu abrir a possibilidade de esco lh er se ele efetiv a­
m ente quer ou não ter uma mulher.

253
CAPÍTULO 22

0 caso Carlos: a natureza


perversa do gozo
Maria Helena Martinho

Introdução
á enorm e confusão, que circu la em diversos cam pos do saber, no que
tange à perversão. P ode-se con statar que um dos fatores que causa essa
confusão está im presso no próprio term o perversão'. Este parece co n ter
uma tonalidade m oralista que a m arca do tem po não conseguiu diluir, gerando
vasta polêm ica quanto à sua aplicação. V ejam os que a etim olog ia do term o 'per­
versão' deriva da palavra latina perversio, do verbo pervertere, cu jo registro data de
1444,- significa "voltar-se para o outro lado", "retornar", "reverter"'. Indica tam bém
"o que está às avessas", "o que está fora de ordem ", "desordenado", "desregrado",
"contrário ao que deve ser", "defeituoso", "vicioso". Pervertere aparece tam bém com o
"perverter", "corrom per", "destruir" e "subverter".
'Perversão' tem a m esma origem do term o 'perversidade', gerando confusão na
d elim itação de dois term os: 'perverso' e 'pervertido'. C o n fo rm e Lanteri-Laura, o
prim eiro, geralm ente utilizado no plural, "designa com p ortam en tos quase sem pre
relacionad os aos atos sexuais de alguém",- já o segundo, em pregado no singular
e bem mais antigo que aquele (1 1 9 0 ), "d en ota uma d isposição perm anente do
caráter, rem ete à agressividade, bem co m o à duplicidade cruel e maligna, d eter­
m inando inexoravelm ente o mal em outrem "2. E n tretanto, numa e noutra situação,
o sujeito é nom ead o ind iferen tem ente de 'perverso1, em bora haja quem prefira o
em prego de term os distintos: 'pervertido', para o caso de tra ço de caráter, e 'per­
verso', para o de com p ortam en tos perversos.
O u tro fator responsável pela confusão relativa à perversão é a nosografia
psiquiátrica com sua série de M anual de Diagnóstico e Estatística da Associação Norte-A­
mericana de Psiquiatria (D S M ) e Classificação Internacional de Doenças (C ID ). N o D S M

255
IV e no C ID 10, a perversão é classificada com o um "Transtorno da Sexualidade".
Em bora o term o 'perversão' ainda seja utilizado pelo ju ríd ico foi, en tretan to , defi­
nitivam ente banido dos d iag n ó stico s psiquiátricos, ten d o deixado em seu lugar as
"Parafilias", classificadas na categ oria dos "Transtornos Sexuais", seção que con tém
tam bém as "D isfunções Sexuais" e os "Transtornos da Identidade de G ênero".
D ian te desse cen ário, p ro p on h o -m e a apresentar o fragm ento de um caso
extraído da m inha própria clín ica , que procura ilustrar dois aspectos te ó rico s de
fundam ental importância-, por um lado, a natureza perversa do g o z o do falasser;
e por outro, a diferença entre os traços de perversão encontrados na neurose e
a estrutura perversa. A clín ica vem dem onstrar que as práticas de g o z o perverso
desse sujeito não fazem dele absolutam ente um su jeito perverso.
C arlos vem em busca de análise porque se diz um 'viciado em sexo'. Ele
consid era que o seu 'vício em sexo' é da ordem de uma 'patologia sexual', de uma
'perversidade patológica'. C arlo s confunde, tal qual a psiquiatria, o polim orfism o
da sexualidade humana com patologia, mas, desde Freud, pode-se dizer que todo
o cam po sin tom ático é um cam p o de gozos perversos. Se tod os os g ozo s são
perversos, con seq u en tem en te to d o erotism o é de natureza perversa, d aí o sentido
da expressão — perversão universal - utilizada por Freud3 e da tese de L acan, em
O Seminário, livro 23.- o sin th om a4-. "tod a sexualidade é perversa".
O g o zo perverso não define o perverso de estrutura, posto que este é o g ozo
de cada ser falante. Freud já havia insistido em m ostrar que d escobriu as fantasias
do g o zo perverso decifrando os sintom as da neurose. D iag n osticar um sujeito per­
verso é bem mais sutil do que apenas dizer que basta um cen ário de g ozo perverso
para que se esteja diante de um perverso. N ão se deve definir uma estrutura a nível
da fen om en o lo g ia dos sintom as nem tam pouco das condutas, ou seja, daquilo que
é observável, pois en con tram os, por exem plo, m anifestações ap arentem ente o b ­
sessivas na psicose. A fenom enolog ia de uma rep etição não basta para d izer qual
é a estrutura, nem tam p ouco os excessos, pois há excessos tam bém na neurose e,
às vezes, as perversões são com patíveis com condutas nas quais os excessos não se
m anifestam . U m a estrutura clín ica deve ser definida na relação entre o & (efeito de
linguagem ) e o O u tro (que inclui o in co n scien te), por isso é preciso saber co m o
a relação fantasm ática entre o su jeito e o O u tro se apresenta. D ev e-se identificar
co m o o cen ário de g ozo na fantasia se c o lo c a em relação ao d esejo in con scien te.
Em O Seminário, livro 20: mais, ainda5, Lacan verifica a dificuldade com a qual se
deparam alguns psicanalistas diante do d iag n ó stico d iferencial entre a neurose e a
perversão e faz a seguinte advertência6:

As perversões, tais com o a gente crê demarcá-las na neurose, não é


isto de modo algum. A neurose é mais o sonho do que a perversão. Os
neuróticos não têm nenhum dos caracteres do perverso. Simplesmente
sonham com eles, o que é muito natural, pois, sem isso, com o atingir
o parceiro?
A o enunciar que "as perversões, tais com o a gente crê dem arcá-las na neurose,
não é isto de m odo algum", Lacan não está apenas pronunciand o um alerta para

■ 0 caso Carlos: a natureza perversa do gozo


que os psicanalistas fiquem mais atentos ao lim ite que 'dem arca' a d istância en tre a
neurose e a perversão, na verdade, ele foi m uito além disso. A o asseverar "os neu ­
ró tico s sonham com os perversos", Lacan retom a, a meu ver, de form a im plícita, a
prim eira fórm ula com a qual Freud trata de definir a d iferença en tre neurose e per­
versão - "a neurose é o negativo da perversão" - reafirm ando, assim, com Freud,
que, nos neuróticos, en con tra-se a dim ensão do g ozo perverso na fantasia que se
verifica à luz do sintom a. D a í a cautela redobrada que um psicanalista precisa ter
ao fazer um d iagn ó stico diferencial.
C arlo s pensa em sexo '2 4 horas por dia'. Já não suporta mais esse m artírio, diz
que seu vício interfere de tal form a em seu dia a dia a p o n to de lhe causar sérios
prejuízos na sua vida am orosa e profissional. N o trabalho, C arlos não consegue
pensar em outra coisa que não seja sexo. Ele acredita que essa é a principal razão de
ele não e xercer a c o n te n to suas funções. Ele não consegue m ais se co n cen tra r nas
reuniões, na elab oração de p ro jeto s, na execu ção de grandes em preendim entos.
Q uand o está diante do com putador, interrom pe com frequência a tarefa que está
realizando para acessar sites de sexo. Q u and o está diante de uma pessoa 'bonita',
'atraente' e 'interessante', ele perde com p letam en te a co n c en tra çã o nas atividades,
porque se excita de tal form a que sua a ten çã o se volta inteiram ente para as cenas
sexuais que ele passa a im aginar en tre ele e a pessoa que o atraiu. A o longo do
dia, ele se refugia nos b anheiros da em presa e lá ele se m asturba para 'aliviar a sua
tensão'. C arlos tem p orte a tlético , voz de b aríton o , um je ito m ásculo e exuberante
de ser, procura não ‘dar b andeira’ de que é 'gay'. E le acha que o p re co n ceito contra
os hom ossexuais poderia interferir na ascen são de sua carreira, por isso não revela
os segredos de sua vida íntim a para qualquer pessoa. N o trabalh o poucos sabem
sobre a sua esco lh a sexual ; o segredo sobre sua hom ossexualidade é partilhado
apenas com os seus pares.
C arlos alega que a sua vida afetiva tam bém é prejudicada pelo seu 'vício em
sexo'. Ele foi casado' por várias vezes,- lam enta o fato de os relacionam entos
conjugais não terem se sustentado por m uito tem po. Ele exp lica que os m atrim ô­
nios não term inavam por falta de amor, mas pelo seu 'insaciável' d esejo de sexo,-
o interesse sexual de C arlos não se coadunava com o de seus côn ju g es, pois ao
contrário deles, C arlos queria fazer sexo o tem p o todo. Além disso, ele insistia na
ideia de que os m atrim ônios deveriam seguir à risca duas das regras estabelecidas
para um relacion am en to 'aberto': te r autorização do cô n ju g e para realizar sexo
fora do casam ento e para incluir outros parceiros na vida sexual do casal, com o,
por exem plo, praticar a ‘ménage à trois'. C arlos costum ava freqüentar b oates g ay s
com os seus côn ju ges para 'sair à caça' do terceiro p arceiro. C h eg a n d o lá, seu olhar
percorria to d o o salão até que ele en con trasse o 'terceiro ideal'. Feita a escolh a, ele
se fazia valer de seu poder de influência, até que conseguisse co n v e n cer seu c ô n ju ­

257
ge de que aquele seria o p arceiro ideal para com p or a cena de sexo a três. C arlos
co n ta que, a princípio, seus cô n ju g es não se esquivavam dessa prática sexual, vez
por outra, perm itiam que um 'terceiro' fosse incluído no relacion am en to sexual do
casal. C o n tu d o , com o passar do tem po, a persistência de C arlos em tornar essa
prática cada vez mais freqüen te se transform ava em algo cada vez mais insusten­
tável para seus côn ju ges, levando-os a rom per com C arlos, que, ao se ver sozinho,
entregava-se ao extrem o sofrim ento pela perda do o b je to amado. O fato de seus
casam entos terem se rom pido pelos m esm os m otivos o levou a questionar seus
atos de rep etição ,■ele co m eço u , en tão, a supor que os rom pim entos m atrim oniais
decorriam de seu 'vício em sexo', da sua 'tara sexual'.
C arlos observa que, em seus relacionam entos conju gais, ele en contrava a
co n ju g açã o entre am or e sexo, mas lhe faltavam a intensidade e a diversidade no
sexo. Já fora do casam ento, ele en contrava a diversidade sexual, mas lhe faltava o
amor. Essa co n statação o levou a d efend er uma tese segundo a qual ele distingue
duas m odalidades de relacionam entos: o 'm on ogâm ico' e o 'poligâm ico'. Para
ele, na prim eira m odalidade existe a co n ju g a çã o en tre am or e sexo, enqu anto na
segunda, há uma disjunção entre am bos. C arlos deseja viver um casam ento 'm o­
nogâm ico', pois a co n ju g a çã o en tre am or e sexo é essencial em sua vida, contu d o
ele espera que o parceiro m o n og âm ico, o do amor, d eseje com p artilhar com ele
ao m enos uma prática sexual diversificada - a ménage à trois' - não m enos essen ­
cial para ele que o amor. E ntretan to , essa prática é, segundo C arlos, com um ente
aceita nos relacionam entos 'poligâm icos', mas p ouco aceita nos relacionam entos
'm onogâm icos'.
A divisão vivida por C arlos entre o am or e o sexo se transform a em um grande
dilema: se ele esco lh e a 'm onogam ia' (o am or), tem que abrir m ão do sexo in te n ­
so e diversificado,- se esco lh e a 'poligam ia' (variados parceiros que praticam sexo
diversificado), tem que abrir m ão do amor. D ep o is de m uito ruminar sobre essa
ideia, C arlos faz sua escolh a: ele quer viver um relacionam ento 'm onogâm ico',
mas, para isso, ele precisa abrir m ão de 'seu vício', de suas 'taras'. Por isso ele decide
fazer análise: ele espera que o tratam en to analítico possa lib ertá-lo do seu 'vício'.
Em "So b re a mais generalizada degradação da vida am orosa (C o n trib u içõ es à
p sicolo gia do amor, II)", publicado em 1 9 1 2 , Freud7 observa que a vida am orosa de
alguns seres hum anos perm anece dividida em duas orien tações: o am or celestial
(sagrado) e o am or terrestre (anim al ou profano). Q u an d o amam não desejam ,
e quando desejam não podem amar. Para se protegerem dessa perturbação, o
principal recurso de que se vale o hom em que se e n co n tra nessa divisão am orosa
con siste na degradação psíquica do o b je to sexual. L og o que se cum pre a con d ição
de degradação, a sensualidade pode se exteriorizar com liberdade, desenvolver
atividades sexuais de elevado prazer.
C arlos vem ilustrar a tese de Freud sobre o d esen co n tro en tre as m o ções pul-
sionais ternas e sensuais. Ele se divide entre o "am or sagrado" pelos côn ju g es e o
“am or profano" pelos diferentes parceiros sexuais. N o caso de C arlos, observa-se
que ele en con tra, no am or sagrado, a co n ju g ação entre am or e desejo,- contu d o,
sem a "degradação do o b je to sexual" (d iferentes parceiros) e o "cum prim ento das
m etas sexuais perversas" (menageà trois), ele sofre de uma "sensível perda de prazer"
(ele fica 'insaciado'). C arlos recorre a mmage à trois ju stam ente porque, por m eio
dessa prática sexual, ele consegue degradar o o b je to sexual (d iferentes parceiros)
e, a um só tem po, con ju g ar os dois tipos de amor: o sagrado e o profano.
O bserva-se que a esco lh a de o b je to de C arlos se apresenta subordinada a tra ­
ços op ostos: id ealização-degrad ação. O prim eiro em erge, segundo Freud, da "co r­
ren te terna" da vida am orosa e, o segundo, da "corrente sensual". A m bos os traços
se extraem do que Freud denom ina "co n stelação m aterna" - "todos os o b je to s de
am or estão destinados a ser principalm ente substitutos da m ãe"8 —, mas apontando
as duas dim ensões da mesma: a mãe dos cuidados (A), idealizada, santa, pura, não
castrada e a m ãe d esejan te (A ), sensual, não tod a, faltosa. A revelação dessa últim a
co n fro n ta C arlos com a castração do O u tro. A vida am orosa desse sujeito n eu ró­
tico é im pregnada pela duplicação, que ele im agina co m o com plem entares, posto
que lhe perm ite alentar a esperan ça de que, som ando am bos os co n ju n to s (hom em
idealizado (A) — hom em degradado (A )) ele poderia fazer existir a relação sexual
e selar a falta no O u tro. Em um sujeito perverso de estrutura, ao con trário do que
se observa em C arlo s, a fenda entre os polos op ostos não se p reen ch e, só ressalta
a irrem ediável incom pletud e de cada um dos term os.
Tom arei aqui um tra ço m arcante em C arlo s que m erece ser ressaltado. É in ­
teressante observar que esse su jeito que se diz um ‘v iciad o em sexo', um 'tarado
por sex o 1,- d escreve-se co m o 'tím ido' e 'inseguro'. N a verdade, ele não conseg u e
'partir para cim a dos parceiros', nem m esm o nos bares e nas b o a te s g a y s, ond e ele
se sente m ais à v ontad e, m ais liberad o. C arlo s sem pre espera passivam ente que
o p arceiro 'parta para cim a' dele. Sua tim id ez e sua insegurança o levam a buscar
'coragem ' nas bebid as alco ó licas e nas 'balas' que ele costu m a ingerir. C o n tu d o ,
nem os efeito s da b ebid a e nem os da d roga o transform am em uma pessoa mais
'segura', 'desprendida', ele não e n co n tra nelas a alm ejada corag em para 'partir
para cima',- ele se acovarda com m ed o de ser "rejeitad o". C arlo s tem e que o par­
ceiro não lhe queira. Para evitar o risco da re je iç ã o , ele espera passivam ente que
o outro venha ao seu e n co n tro , o seduza. Ele diz: 'eu p areço uma princesa que
se senta no tro n o e aguarda que o b e ijo de um príncipe venha lhe salvar'. O ato
p rin cip esco do 'tarado por sexo' evid encia que, de tarado, ele não tem nada. C a r­
los está m ais para a A bela adormecida - p rin cesa que p ro tag on iza o c o n to de fadas
que retrata a passividade da jo v em n ob re a espera que o b e ijo de seu príncipe
en can tad o venha lhe salvar - do que para o perverso Barba Azul - protagonista
do co n to basead o na história de G illes de Rais, um torturador e estuprador de
criancin has, que viveu no sécu lo XV. Este c o n to do Barba Azul, de C h arles Per-
rault, foi basead o na história de C ille s de Rais (1 4 0 4 - 1 4 4 0 ), um n ob re francês que
lutou em diversas b atalhas co n tra os ingleses. P osterio rm en te, ele seria acusado
e co n d en ad o por torturar e estuprar cen ten as de crianças. E le foi consid erad o,
por alguns historiad ores, co m o precu rsor do assassino em série. A lém disso, ele
praticava sadism o e satanism o, alquim ia e magia negra9.
C arlos não é o 'tarado v iciad o em sexo' que acred ita ser. Ele não é um G illes
de Rais. A o considerar-se um 'tarado' pelas práticas sexuais intensas e diversifica­
das, C arlos evidencia que d esco n h ece o que Freud ensina, há mais de um século,
sobre a perversão, em seu m agnífico "Três ensaios sobre a teoria da sexualidade"10.
N este te x to , ele esclarece que a perversão é o paradigma da sexualidade humana:
"na base das perversões tem em tod os os casos algo inato, mas algo cjue é inato em
todos os homens"1'.
M as, afinal, o que é uma perversão?12

A perversão não é simplesmente aberração em relação a critérios sociais,


anomalia contrária aos bons costumes, ou atipia em relação a critérios
naturais, isto é, que ela derroga mais ou menos a finalidade reprodutora
da conjugação sexual. Ela é outra coisa na sua estrutura mesma.

A posição subjetiva de C arlos se desvela em sua estrutura neurótica. Ele tem e


que sua suposta personalidade d egenerada desviada das norm as sociais e sexuais
o conduza ao pior: a falta de amor. 'Eu preciso largar o meu v ício em sexo, ele
interfere na m inha vida am orosa', diz ele.
Segund o a representação m ítica platônica aludida por Freud em “Três ensaios
sobre a teoria da sexualidade"13 e em "M ais além do prin cípio do prazer"14,

a natureza humana original não era sem elhante à atual, mas diferente.
O s sexos eram originalm ente em número de três e não dois, com o
são agora,- havia o homem, a mulher, e a união dos dois. Tudo nesses
homens primevos era duplo-, tinham quatro mãos e quatro pés, dois ros­
tos, duas partes pudentas. Finalmente, Zeus decidiu cortá-los em dois,
com o uma sorva que é dividida em duas metades para fazer conserva'.
D epois de feita a divisão, 'as duas partes do hom em , cada uma desejan­
do sua outra metade, reuniram-se e lançaram os braços uma em torno
da outra, ansiosas por fundir-se.

Assim, o vivente busca, no amor, sua m etade sexual, mas a experiên cia analítica
substitui essa representação m ítica da busca do outro co m o com p lem en to que o
sujeito procura no amor, pela busca, por parte do su jeito, não do com p lem en to
sexual, mas de outra coisa. Lacan deduz que essa outra coisa é, para o su jeito, a
parte para sem pre perdida de si m esm o, constitu íd a pelo fato de que ele não passa
de um vivente sexual, de que já não é im ortal. A im agem logrante do outro com o
o b je to de am or induz o sujeito sexuado à sua realização sexual, e a pulsão parcial
representa, em si m esm a, a parte da m orte nesse viven te sexuado,- ela é fundam en­
talm ente pulsão de m orte.
O am or faz U m ? Estará Eros em tensão rumo ao U m ? Em O saber do psicanalis­
ta'5, Lacan se serve do poem a de A n toin e Tudal para sublinhar que o muro, retra­
tado pelo poeta, que se im põe entre o hom em e a mulher, é ju stam en te o muro da
linguagem , o lugar da castração.

Entre o homem e a mulher,


Há o amor,
Entre o homem e o amor
H á um mundo.
Entre o homem e o mundo,
Há um muro.16

"Entre o hom em e a m ulher há o am or". E no am or que o su jeito busca e n ­


co n trar seu co m p lem en to , sua cara m etade, sua alma gêm ea. C o n tu d o , "Entre
o hom em e o am or há um m undo”. O am or esta b e le ce uma relação en tre dois
su jeitos falantes, en tre dois in co n scien tes, mas o amor, ainda que n arcísico e r e ­
c íp ro co , é im p oten te, porque ele ignora que o U m d esejad o no am or é a fantasia
de fazer o U m da relação sexual, mas esse é um enunciad o im possível de dizer,
pois a linguagem falha e o am or é "o que vem em suplência à relação sexual que
não e x iste"17.
E daí que parte a ideia do amor, mas esse "nós dois som os um só "18 é da ordem
do im possível. O am or não faz U m . Lacan recorre à fala p o ética para observar
que, ao abordar a m ulher do amor, o hom em aborda a causa de seu d esejo, o o b ­
je to a e "aí está o ato de amor. Fazer amor, co m o o nom e o indica, é poesia. M as
há um m undo en tre a poesia e o ato. O ato de am or é a perversão polim orfa do
m ach o "19.
N a medida em que a 'perversão universal' se presentifica tan to na neurose,
co m o na perversão estrutural, co m o d iferen ciar ambas as estruturas? Esse caso
clín ico m e auxilia a dem onstrar que o que d iferencia a neurose da perversão é a
estratégia de g o zo , no jo g o en tre o su jeito e seu parceiro. Em O Seminário, livro 1 6 :
de um O u tro ao ou tro20, Lacan faz uma ob servação clín ica de extrem a im portân­
cia, ao co n statar que o o b je to a se apresenta de m aneira to ta lm en te diferente na
neurose e na perversão. N a neurose, o o b je to a se apresenta no nível do n arcisis­
m o secundário, sob a ca ra cterística de captura im aginária. Por essa razão, para o
n eu ró tico há, com seu parceiro uma relação de 'com plem en to'. Para o neu ró tico,
no amor, há uma recip rocid ad e, uma sim etria, quem ama quer ser am ado, no am or
in trin secam en te n arcísico, o su jeito quer fazer U m com o p arceiro. Já para o p er­
verso, ao con trário, há com o seu parceiro, uma relação de 'suplem ento' - o que
não im pede, ev id entem en te, que os su jeitos perversos tam bém amem. O perverso
é aquele que quer o fere ce r ao seu p arceiro aquilo que ele acha que lhe falta: o
gozo . O perverso age no nível do O u tro e da reposição nele do o b je to a, co m o
suplem ento. Ele se o ferece co m o instrum ento do g ozo do O u tro.
Para Carlos, o am or é fundamental. Ele goza ao falar de amor; goza com a pos­
sibilidade de fazer a relação sexual existir, de fazer U m com seu parceiro am oroso;
goza na tentativa de fazer existir o 'nós dois somos um só', que vem em suplência à
inexistência da relação sexual, mas esse é um enunciado impossível de dizer, pois a
linguagem falha, apontando que "há um muro" entre ele e seu ob jeto de amor, o muro
da linguagem, o "amuro", neologism o criado por Lacan21, que nomeia a função da
castração, a função sim bólica. O caso vem ilustrar aquilo que encontram os entre esse
sujeito e o seu ob jeto de amor. a perversão polimorfa do m acho na neurose.
CAPÍTULO 23

0 império do olhar
Gilda Paoliello
"O traço todo i a vida é o desenhada criança esquecido peto homem."

Joaquim N abuco

ros, deus do amor, era representado pelos gregos co m o um an jo -cria n ça

E m unido de arco e flecha, que atirava a esm o, tornand o o atingid o perdida-


m ente apaixonado. P odem os tom ar essa im agem com o m etáfora da pulsão
erótica. Ela nos ilustra que o destino da flecha é uma co n tin g ên cia e o o b je to sem ­
pre deslocável, vicariante, co m o dizia Freud. Para tornar ainda mais caprichosas as
im previsíveis flechas, Eros é tam bém representado de olh os vendados.
Freudianam ente, toda sexualidade é perversa, no sentid o de correr de lado', se
considerarm os co m o 'verso' da sexualidade dita normal o m od elo hom em -m ulher
e a finalidade, a satisfação genital. Interessam à P sicanálise o d estino ou a vicissi-
tude da pulsão ou força libidinal, m uito mais que seu o b je to . Em outras palavras,
o que interessa à Psicanálise é co m o o su jeito lida com o próprio d esejo e não o
o b je to desse d esejo, pois, co m o diz o p o e ta 1 "a g ente não sabe o lugar ce rto de
c o lo ca r o d esejo"...
Para a Psicanálise, a hom ossexualidade não é uma categ oria clín ica , nem ta m ­
pouco um co n c e ito p sican alítico, mas uma versão da sexualidade, dentre outras.
M u ito pelo con trário, falou-nos Freud, nos "Três ensaios"2, que "a pesquisa p sica­
nalítica se op õe com o m áxim o de d ecisão que se destaquem os hom ossexuais,
co lo can d o -o s em um grupo à parte do resto da hum anidade, co m o possuidores
de características especiais". Esse texto, de 1 9 0 5 , que nos cham a a aten ção por
sua atualidade, adverte que é grosseiro aceitar a exp licação de que todos n a sce­
m os com a pulsão sexual ligada a um d eterm inado o b je to . A lém disso, a pesquisa
psicanalítica nos m ostra que, de uma form a ou de outra, to d o s os hum anos são
capazes de fazer uma esco lh a hom ossexual de o b je to e que, na verdade, isso foi
feito, pelo m enos em seu in co n scien te. N o m esm o te x to , Freud nos alerta para
o fato de que as lig ações libidinais entre pessoas do m esm o sexo têm papel tão
im portante na vida psíquica norm al e, mais ainda, co m o causa de adoecer, quanto
ligações com o sexo op osto. A o con trário, consid era que a esco lh a de um o b je to ,
ind ep end en tem ente de seu sexo - que recai em o b je to s m asculinos e fem ininos
- tal co m o o co rre na infância, é a base original da qual se desenvolvem tan to os
h étero quanto os hom ossexuais. Avançando mais, co m en to u que o interesse sexual
exclusivo de hom ens por m ulheres, baseado sim plesm ente em natureza quím ica,
não é fator evidente em si m esm o, constitu ind o problem a a ser ainda elucidado.
C o n clu iu que a atitude sexual é resultado de num erosos fatores, nem to d o s c o ­
nhecid os, alguns de natureza con stitu cio n al, outros acidentais. V em os, assim, que
estam os tod os à deriva das peripécias de Eros...
Se constatam os que, no hom ossexualism o, há uma disjunção entre identid a­
de sexual, a esco lh a do o b je to e a anatom ia, o que nos interessa clin icam en te é
o destino que o sujeito dá às suas pulsões e as con seq ü ên cias dessa escolh a. A
d ireção do tratam en to p sican alítico visa, portanto, procurar um p o n to de acordo
do p acien te com ele m esm o e não inclu í-lo em uma lei universal. C o n sid era que
cada p osição subjetiva é suscetível de en con trar seu p onto de equ ilíbrio ou seu
p o n to de ancoragem , respond end o m elh or a seus impasses, construind o uma
m elh or relação com seu sintom a. O que nos orienta é a con stru ção de m elhores
p osições para o sujeito, desenvolvendo suas possibilidades, "p erm itind o-o am ar e
trabalhar", co m o propôs Freud.
As características mais m arcantes do hom ossexualism o, segundo Freud, pare­
cem ser a esco lh a narcísica de o b je to e a con serv ação da im portância erótica da
zona anal, mas podem os identificar clin icam en te a im portância ligada ao pênis
com o um traço con stan te do hom ossexualism o m ascu lino3 e a escopofilia co m o
um m odelo insistente da pulsão. E n tretan to, alerta-nos Freud, ainda nos "Três
ensaios", que não haveria qualquer vantagem em separar "os tipos mais extrem os
de inversão dos demais", à base de peculiaridades con stitu cio n ais dessa espécie.
As características expostas acim a aparecem nas diversas estruturas clín icas, re ­
forçand o a afirm ação de que o hom ossexualism o é uma versão da sexualidade e
não uma categoria clínica. P or m eio de fragm entos de um caso clín ico , escolh id o
com o exem plo por apresentar de form a clara todas essas características, procu ra­
rei en fo car estas questões.
Paulo procurou a análise por sofrer sintom as de pânico que o paralisam.
Surgiram , pela prim eira vez, quando, aos 18 anos, foi estudar fora. A sensação
de desam paro e a liberdade sem lim ites o atordoavam . M udou-se do quarto de
hotel em que se hospedava, em andar elevado, para um térreo. Tinha m edo de
ced er ao im pulso de pular. O s sintom as persistiram . N ão suportou e voltou à sua
cidade. Interessante que, no d ecorrer de sua análise, que se estend e por três anos,
esses sintom as foram se desvanecendo e perderam a im portância, enqu anto outras
questões foram se im pondo.

264
Paulo tem h o je 2 0 e poucos anos. Atuando em área ligada às artes visuais, é
bem -sucedid o, apesar de passar longos períodos em in ib ição criativa. A família
sabe, por m eio dele próprio, de sua orien tação sexual e o respeita de form a tácita.
Sua inserção social é b oa, tem m uitos am igos, é bastante com u nicativo. M antém ,
há dois anos, relação estável com um nam orado. Apesar do prazer que o re la ­
cion am en to lhe traz, Paulo se vê frequentem ente ten tad o buscar outros tip os de
satisfação, o b ed ecen d o a um im perativo ca te g ó rico de 'ver outros paus'. Freqüenta
cinem as pornô, onde se deleita em ver os órgãos genitais expostos e m ostrar o seu
próprio, geralm ente nos banheiros. Frequ entem en te acaba a n oite fazendo sexo
oral com m otoristas de táxi, porteiros de prédios, vigias de con stru ção ou esp rei­
tand o em to aletes públicas. O sen tim en to de angústia está sem pre presente após
ced er a esses im pulsos que, longe de serem en con tros, atualizam o d esencon tro
com o outro, a insatisfação.
A princípio falava dessas práticas de form a dissimulada, de passagem , p ro cu ­
rando não se im plicar. "Estava passando na rua e vi alguém"; "Estava meio de Jogo e, guando
eu vi, estava chupando o motorista",- "Falei cjualcjuer coisa tipo assim — deixa eu ver...". Eu d e ­
m arcava: Você procurou e v i u " V o c ê cjuis chupar". E insistia o que v o cê quer?",
"V er o quê?” Paulo, aos poucos, foi trazend o as situações de form a mais exp lícita
e exp licitand o tam bém a angústia que esse com p ortam en to lhe trazia. D escrev eu
sensação de culpa e de vazio. Aos poucos, foi respondendo às indagações. Em suas
transas furtivas, sem pre com pessoas de nível sociocultural inferior ao seu, co lo -
cou -se em p osição de ser hum ilhado. Em geral fica de quatro ou ajo elh a-se para
executar o ato. Perguntei porque ele rep ete, já que a angústia é sem pre presente e
o prazer tão efêm ero. E incontrolável, tenho cjue Jazer isso", respondeu.
Enquanto descrevia suas subm issões e angústias, foi construind o sua história.
D esd e m uito ce d o , consid erava-se o p atinh o feio da fam ília - a irmã mais velha
era b on ita, mais alta, inteligente. Ele se desdobrava em solicitudes para 'ser visto':
era sem pre gentil, sem pre p ronto a corresp o n d er às expectativas de todos,- 'da-
divoso' é a palavra que usa. Tam bém , desde ced o , tinha curiosidade extrem a em
relação aos órgãos sexuais. A fam ília de seus pais sem pre foi m uito unida, e n c o n ­
trando-se para finais de sem ana em um sítio e viajando ju ntos. Essa proxim idade
facilitava seu cam po de visão: estava sem pre à espreita quando o pai e os tios se
trocavam ou usavam o b an h eiro coletiv o.
A os três ou quatro anos sofreu um sangram ento no pênis e, m uito aflito,
dirigiu-se ao pai, que o levou ao pediatra, ten d o co m o d ia g n ó stico uma fimose.
O pediatra en sin o u -o a m assagear o pênis e, en d ereçan d o-se ao pai, falou que
poderiam esperar até a puberdade para avaliar a necessidad e de cirurgia. Paulo
se apavorou p erguntand o se iam c o rta r-lh e o piupiu. D u ran te m uito tem po, o
pai co n to u co m orgulho essa h istória, enfatizan d o o m edo do m enino em perder
o 'pau'. Tam bém , durante m uito tem p o o pai se ocu pou em ver co m o estava a
evolução da fim ose. Paulo esperava esses exam es com exp ectativ a e se excitava
com isso. R evelou, e n tão , uma lem brança: mais ou m enos aos dez anos, estava
deitad o co m o pai, o abraça, vai ficando e xcitad o e co m eça a a ca riciá -lo . O pai
teve uma ereção , Paulo ten to u pegar em seu pênis e o pai o repudiou. N ã o sabe
se isso é uma fantasia ou verdade, mas a atração p elo pai era b astan te p resen te e
se revelou na atração por h om en s mais velhos, co m traços sem elhantes ao dele.
Fala desse ep isó d io co m m uita angústia e raiva.
Aos 12 anos, Paulo passou a ser co rteja d o pelo m arido de uma tia e, esp orad i­
cam en te, passaram a m an ter jo g o s eróticos, nos quais Paulo satisfazia oralm ente
o tio. Paulo relatou haver sen tid o nessas situações a m esma sen sação de prazer,
hu m ilhação, culpa e angústia que lhe vem h o je , após ced er aos im perativos de
g ozo e sair, às cegas, 'procurando um pau'.
O tratam en to vai rem eten d o Paulo ao d esco b rim e n to das articu lações sim b ó ­
licas que o m arcaram . U m a in te rv e n çã o se revelou d eterm in an te: a a sso cia çã o do
im perativo de cord ialid ad e e g en tilez a e hum ildade, para se igualar à irmã e ser
visto (am ado), e sua p o sição de subm issão à com pulsão sexual de ver e ser visto.
N esse p erío d o , teve um so n h o , co m o um filme p ro je ta d o , ao qual e le assiste e
critica. P arecia a ap resen tação de um shotv, com sucessões de cenas: o m estre
de cerim ôn ias, um hom em lind o, mas sujo e esfarrapado. A platéia form ada por
pessoas tam b ém lindas, mas em p o siçõ es co m p le ta m e n te bizarras, c o n to rce n d o -
se, às vezes com expressão de dor,- um casal de d ançarinos m aravilhosos, mas
que, aos p o u cos, vão se d egradand o. A cord a com uma frase na ca b eça , co m o
um letreiro de filma escan carad o na tela: a vida éum espetáculo". Pergu ntei o que
o so n h o lhe dizia. Ele e n fa tiz o u que o que m ais lhe cham ava a a te n çã o era a
sen sação de p ro te ção - era um filme de h o rro r atrás do b elo , mas nada o atingia.
Insisto na 'p roteção'. P ro teg id o de quê? A questão da castração está aí c o m p le ­
tam en te à m ostra. É claram en te um son h o en co b rid o r, que vela e d esvela, com
o b elo se altern an d o com o sujo e feio , lem b ran d o-n os em tudo a frase de Lacan
de que "a b elez a é a últim a barreira antes do h o rro r"4.
Lidando com a palavra em seu trabalh o, ch eg o u ao significante 'palco' co m o
palavra-chave de uma peça publicitária. T en tou d esenvolver a ideia, mas lhe veio
um m al-estar. N ão sabia por que, mas achou inadequada a palavra, apesar de p ro ­
vocativa. Falei então: "palco?", - confirm ou ele - "palco, lugar âe espetáculo". “Pau
- cu", repeti. A escansão da palavra tem força de interpretação. Ele se assustou:
- "nossa, que bandeira! Então é isso! Reduzo tudo a pau e cu! O espetáculo, minha necessidade de
ver para conferir e ser visto para existir, de ser bom, belo, para existir e ser amadoi". V oltou ao
sonho, ao b elo e ao h orror e o associou à angústia, que vem após ced er ao impulso
de ver, quando ultrapassa a barreira do belo.
N o d esenrolar da análise, o efeito terapêutico foi se firmando. Ele conseguiu
produzir mais, possivelm ente co m o sublim ação da pulsão, pois a com pulsão sexual
não é mais tão imperativa,- a relação de disputa com a irmã se atenuou. C h eg ou
para uma sessão e contou : "aconteceu uma coisa completamente diferente em minha vida - eu
I
estava andando perto do escritório, no intervalo do almoço, e cruzei com um cara. Ele me olhou, eu
o olhei. Ele fo i andando e eu o segui. Ele entrou em um shopping eju i atrás, nos olhamos e ele entrou
no banheiro. Entrei também ejalei (fualcjuer coisa tipo —deixa eu ver seu pau. Ele me mostrou o dele,
mostrei o meu e sai. Ele me alcançou e me propôs sairmos. Eu disse cjue não e ele me deu seu cartão.
A noite decidi ligar e saímos. Conversamos sobre nossas vidas, jantamos, depois jom os a um motel.
Foi muito, muito bom. N ão me senti humilhado. Ele é um cara bonito, inteligente, limpo, desejável".

m Discussão do caso
E ncontram os aqui várias características que nos cham am a aten ção: o m edo
da castração, presente na com pulsão em ver, em co n ferir o próprio m em bro,
reforçad o pelo e n co n tro com o real, o episódio do sangram ento na infância e da
possibilidade de cirurgia, revelando a im portância ligada ao pênis, m edo tam bém
m anifestado no son h o en cob rid or; a fixação anal,- o sen tim ento de hu m ilhação nos
co n tato s sexuais,- a prevalência m arcante da pulsão escó p ica em relação às outras
pulsões (oral, anal e invocan te), m arcada pelo im perativo de ver e escancarada no
son h o do esp etácu lo, mas tam bém sublim ada em sua criação artística. E n tretanto,
o que mais nos cham ou a atenção é o sen tim ento de angústia que surge sem pre
que ele ced e à com pulsão escó p ica (V er um pau'), co m o co n d içã o do d esejo. Vem ,
então, uma pergunta: por que surge a angústia, se, supostam ente, ele está satis­
fazendo a pulsão? Para responderm os a ela deverem os con sid erar duas vertentes
do d esejo:
1. a falta - que é o que nos im pulsiona, m ove, leva a buscar,-
1. o im perativo superegoico de g ozo . E ncontram os aqui uma exig ên cia de
satisfação que im põe ao sujeito g o zar de determ inada form a. A subm issão a
esse im perativo leva à angústia.
V oltand o ao sintom a inicial apresentado, o pânico, podem os inferir que este
aparecia aí co m o e n co b rid o r da am eaça que representava ele estar sozinho em
uma cidade d esco nhecid a, com p letam en te exp o sto a seu g ozo m ortífero, sem
barreiras. V oltou e buscou a fam ília co m o p o n to de amarra. O sintom a pânico
desapareceu, mas a angústia persistiu ligada à subm issão, ao im perativo do g ozo
escó p ico , no qual Eros e T ân ato s se presentificam .
"O g ozo escó p ico é tam bém m ortífero, trág ico, angustiante", esclarece A n to ­
nio Q u in et em seu livro Um olhar a mais5.
A teoria nos diz e a clín ica com prov a que a pulsão escó p ica tem origem na
infância. "Toda crian ça é voyeur", nos diz Freud6, o que pode se perpetuar na vida
adulta, tornand o-se o elem en to m otivad or para a criação de sintom as m órbidos,
co m o aco n teceu com Paulo, que desde pequ eno tem o h áb ito de olhar os hom ens
durante os atos fisiológicos, persistindo, na vida adulta, co m o com pulsão do traço
infantil e trazend o sofrim ento. O caso ilustra tam bém que, co m o nos m ostra a
teoria, os três tem pos da pulsão escó p ica, autoerotism o, o voyeurism o e o e x ib i­
cion ism o, persistem e co ex istem 7.

267
O único enunciado correto sobre a pulsão do olhar deveria ser: todos 01
estádios de desenvolvimento da pulsão, o estádio preliminar auto-erótl«
co com o também as formações finais ativas e passivas, persistem uns ao
lado dos outros, quando nos fundamentamos não nas ações às quais a
pulsão conduz, mas no mecanismo de satisfação".

V ejam os, então, em nosso caso, esses m ecanism os de satisfação. D esd e ced o
Paulo teve a atenção despertada para seus órgãos genitais, o que foi reforçad o pela
m arca do real (sangramento/fimose/ameaça de castração ). Tam bém a curiosidade
pelo co rp o de seu pai e tios aparece com precocid ade, havendo um facilitad or
pela proxim idade e liberalidade dos fam iliares. Essa característica persiste em sua
vida adulta co m o im posição de g ozo , que, ao ser satisfeita, gera angústia. Freud
volta a nos sinalizar8:

quando o recalque destas inclinações se instala, o desejo de ver os


órgãos genitais de outras pessoas persiste com o uma compulsão ator-
mentadora, que em alguns casos de neurose proporciona mais tarde o
elem ento motivador de mais força para a formação de sintomas.

E o que en con tram os no caso em questão.


Sabem os tam bém que uma pulsão nunca é to talm en te satisfeita, pois, por
definição, seu o b je to está originalm ente perdido. E é essa falta que co n d icio n a
a vicariância do o b je to . Em outras palavras, se a satisfação pulsional é fo n te de
desprazer, essa satisfação deveria ser evitada. Essa evitação é ju stam ente função
do recalque, que, por não ser to talm en te bem -sucedid o, perm ite que o sintom a
escape, co m o um dos destinos da pulsão. "O apanágio do n eu rótico é satisfazer
sua pulsão no sintom a''9.
O u tra característica da pulsão escó p ica é b a sta n te clara aqui: a anulação do
sujeito e sua redução a status de o b je to . Freud nos diz que o o b je to da pulsão
escó p ica, em bora a princípio seja parte do próprio co rp o do sujeito, não é o olho
em si. A n ton io Q u in et avança no trabalho já c ita d o 10:

no voyeurismo, por exemplo, onde está o sujeito e onde está o objeto?


N o próprio olhar, com o ob jeto perdido e repentinamente encontrado,
por exemplo, na emergência da vergonha. Para o voyeur, o circuito da
pulsão escópica só se arremata quando ele é pego em flagrante pelo
olhar do outro, isto é, quando ele, por sua vez, é olhado. Ao se com ­
pletar a volta da pulsão, produz-se uma dessubjetivação na medida em
que o sujeito desaparece e seu status de ob jeto com parece. Essa situação
não ocorre sem dor, com o na descrição de Freud da pulsão masoquista,
apontando que a posição de ob jeto é sempre masoquista, conotando um
gozo para além do princípio do prazer.
D a í a angústia. N o caso descrito, 'ver o pau' com o im posição do desejo, ilustra
com o surge uma fetichização resultante da objetivação do corp o do outro, na qual
o sujeito desaparece, sendo substituído por seu membro.
A história de Paulo m ostra bem que o caráter infantil, co m sua exig ên cia de
satisfação, está sem pre presente na sexualidade e que, nesse sentid o, a direção da
análise pode perm itir a organização de uma nova m odalidade de g o z o , transfor­
m ando a miséria neurótica em sofrim ento com um . Confirm a tam bém a conclu são
de Freud exposta nos "Três ensaios" de que, na verdade, há algo inato nas perver­
sões, mas que é algo inato em todas as pessoas, em bora, co m o uma disposição,
possa variar de intensidade e ser aum entado pelas influências da vida real - " c o ­
m eça aqui, a delinear-se a fórmula que estab elece que a sexualidade dos neuróticos
perm anece num estado infantil ou é trazida de volta a ele". N esse sentido, a vida
sexual entre parceiros do m esm o sexo em nada se distingue dos dem ais neuróticos.
Em outras palavras "o tra ço to d o da vida é o d esenho da crian ça esqu ecid o pelo
hom em , mas ao qual ele terá sem pre que se cingir sem o sa b e r"".
CAPÍTULO 24

Gide com Lacan:


as cartas como fetiche
Antonio Quinet

d espatologização da perversão co m o estrutura clínica prom ovida por

A Freud - com o uma variação de resposta do sujeito à am eaça de castração


e à diferença sexual - encontra, em Lacan, uma continuidade, e tam bém
novas abordagens sobre a especificidade do funcionam ento psíquico desses sujeitos.
V erem os, neste tex to , co m o Lacan d esloca a relação do su jeito em sua prática
sexual para a estratégia que ele em prega para lidar com a falta no O u tro , passando,
assim, da sexualidade à estrutura que a determ ina.
Em 1958, Lacan escreve o te x to "Juventude de G ide ou a letra e o d esejo"'
baseado num livro que acabara de ser publicado sobre a vida e a obra de André
G id e, por Je an D elay, seu 'psicobiógrafo'. N este texto , Lacan m ostra, em G ide,
a d iferença entre am or e d esejo: o am or por sua esposa, com quem m anteve um
casam ento sem sexo, e seu d esejo por rapazes, com quem se encontrava na c la n ­
destinidade ao abrigo do amor.
André G id e, escrito r hom ossexual assumido enqu anto tal, tem sua perversão,
segundo Lacan, não vinculada à sua prática com jo v en s do m esm o sexo, e sim a
sua prática da letra e seu vínculo de am or com a esposa. N esse tex to , Lacan ilustra
a distinção entre, por um lado, a função da m áscara co m o função do eu e, por
outro lado, a p o sição do sujeito, para acentuar a d issociação amor/desejo.
Lacan cham a a atenção para a construção por G ide da 'máscara' de homem das letras,
que norteará sua vida. A máscara tem aqui a mesma função que no teatro grego: ela
mostra mais do que esconde. É um ponto de referência e não um esconderijo. A más­
cara de André G ide é construída durante sua juventude, quando G ide mantinha uma
correspondência assídua com a mãe, pois sabia muito bem que ela guardaria todos
seus escritos. Esse endereçam ento situa a mãe no lugar a partir do qual o sujeito se

271
vê com o amável, ou seja, o lugar do Ideal do eu [I (A)]. Segundo a teoria lacaniana
posterior (anos 1970), podem os localizar nessa 'máscara' o sem blante construído de
G ide para seu ser social - sem blante calcado na verdade de seu gozo. Ao final de C a­
dernos de André Walter, com 2 5 anos, ele se tornou André Gide, 'o escritor'. N ão era o doce
e ausente sr. G ide pai quem figurava com o autoridade, mas a mãe tirânica que o cu ­
paria o lugar da lei e do dever deixado vago por esse pai falecido quando o m enino
G ide tinha 11 anos. D urante sua adolescência, sua mãe o obrigava a escrever cartas
para a avó - qualquer coisa - mas era preciso escrever, sempre. E G ide, colocan d o 'a
máscara de hom em das letras', ganhou o prêmio N obel de literatura e, efetivam ente,
escreveu sempre, sem parar, até 6 dias antes de sua m orte2.

O Ideal do eu de Freud, pinta-se sobre essa máscara complexa e se forma,


com o recalque de um desejo do sujeito, pela adoção inconsciente da
imagem mesma do Outro, o qual detém o direito e os meios do gozo
desse desejo3.

A ad oção dessa im agem do O u tro por G id e, lugar ocupado por sua m ãe, fez
com que ele com pusesse uma m áscara que, com o verem os, tem o traço da m orte
co m o m arca do d esejo. Seu ar efetiv o de desgraça, e até m esm o fúnebre, fez com
que ganhasse do am igo FTenri de R égnier o apelido ci-Gide, tro cad ilh o com ci-cjít,
aqui ja z . A interpretação de Lacan elucidou o traço da m orte inscrito sobre a
máscara de G id e, o qual incidirá sobre seu d esejo hom ossexual.

■ 0 menino e a mortificação do desejo


O menino Gide, entre a morte e o erotism o masturbatório, só tem do
amor a fala que protege e a que interdita: a morte levou junto com seu
pai aquela (fala) que humaniza o desejo. Por isso é que o desejo está
para ele confinado na clandestinidade4.

A interpretação de Lacan do 'caso G ide' não tem com o base uma discussão diag­
nostica, mas as vicissitudes do com plexo de Edipo do sujeito. D e um lado, o amor
por sua mulher (e prima) M ad eleine não é contam inado pelo desejo e, de outro,
um desejo plural visando a m últiplos parceiros, mais jo ven s e do m esm o sexo, com
quem tinha apenas uma atividade masturbatória, na qual o am or não encontra lugar.
Essa dissociação se revela, pelo desdobram ento da mãe em duas personagens: sua
mãe Ju liette enquanto 'mãe do amor', e sua tia M athilde, que o seduziu em certa
cena traum ática, enquanto 'mãe do desejo'. C ham a a atenção, nesse caso, que, na
história da hom ossexualidade de G ide, não há nenhum 'assédio' por parte de um
hom em adulto e sim a estrutura com plexa de uma rede desejante com posta por
'duas mães'.
A 'mãe do amor' é não som ente a detentora da lei e do dever, mas tam bém
aquela que, devotada ao am or hom ossexual por sua governanta Ana Stack leton ,

272
acentua, por essa via, a vertente do am or em detrim ento do d esejo. Perm anece
problem ático seu d esejo fem inino que, segundo a fórmula de Lacan - A (O ) -
conjuga o O u tro do am or com o significante im aginário fálico que ela buscaria no
parceiro5. Essa mãe tam pouco investe seu filho André da significância fálica, que,
segundo Freud, é um dos destinos do Penisneid. O ra, por não ser sim bolizado no
falo, o m enino G id e não pode, então, ser uma criança desejada. O resultado disso
é a m ortificação do d esejo do lado do amor.- M ad elein e ocupará esse lugar onde,
sem a co r do sexo, ela será a única mulher, sem pre amada, mas nunca desejada.
"Eu nunca desejei senão o seu amor, a sua aprovação, a sua estima"6, dirá G ide após a
m orte de M adeleine.
D o lado do d esejo , G id e perm anecerá fixado àquela cen a de infância da in i­
ciação sexual na qual sua tia, mãe de M ad elein e, em um dia de verão, atrai o rosto
dele con tra o seu, d esabotoa sua cam isa, co lo c a seu b raço desnudo em volta do
p e sco ço dele e, d escend o a m ão por den tro de sua cam isa entreaberta, acaricia seu
torso, seu ventre até que, antes de to car seu sexo com um brusco sobressalto, ele
fo g e, com o rosto em brasa, aterrorizad o, mas já d esejan te7.
Sem elhante à interpretação de Freud referente à hom ossexualidade de L e o ­
nardo da V in ce, Lacan nos indicou que é do lugar da tia que G id e, adulto, deseja
os m eninos, do m esm o m odo que foi por ela desejado. O s d esejos, diz G id e, "são
próprios ao homem,- tranquiliza-m e não adm itir que a m ulher possa experim entar
sem elhantes d esejos, ou apenas as m ulheres de 'má vida"'8. E nqu anto sua mãe está
do lado das prim eiras, sua tia pertencia a essa segunda categ oria de mulheres
pois, após haver d esco b erto sua lig ação extraconju g al, “sua má cond u ta a tom ara
desconsiderada, excluída da fam ília, de nosso h orizo n te, de nossos pensam entos"9.
Essa divisão entre a 'mãe casta' e a 'm ulher puta' se repercutirá na divisão entre
am or e d esejo: o am or puro (pela esposa) e o d esejo 'puto' (pelos m eninos).
O caso G id e talvez seja p aradigm ático de hom ens bissexuais que têm , na e sp o ­
sa, e mãe de seus filhos, aquela por quem nutrem au têntico am or e, por outro lado,
exercem sua sexualidade com os hom ens na clandestinidade. Eis uma form a de
bissexualidade pautada pela divisão en tre o o b je to de am or e o o b je to do desejo.
M as, se a intrusão do d esejo, praticada pela tia, não rom peu o 'charm e m o rtí­
fero' da mãe do amor, é porque a m ãe do d esejo é tam bém m ortífera, indica-nos
Lacan. N ão há a palavra que hum aniza o d esejo . D a í o d esejo cland estino e seu
traço da m orte, que se estend e sobre sua máscara e tam bém no fundo de seu ser.
Trata-se do sen tim ento de Scbauâern d escrito por G id e co m o trem or do fundo do
ser, um m ar que subm erge tudo e que acom panha o sen tim ento de ser excluíd o de
toda relação ao sem elhante.
A m orte está do lado do am or e o erotism o m asturbatório do lado do desejo.
Esse desejo, por não ter sido hum anizado pela palavra paterna (que proíbe), perm a­
nece fora da lei e fora dos laços afetivos. D e um lado, a m ortificação do desejo no
am or e, de outro, o g ozo solitário desenfreado.

273
Em relação à castração, há uma divisão do (- cp): o (-) do lado do amor, resp o n ­
sável pela m ortificação do d esejo , e o (cp) positivado do lado do d esejo, a saber,
a exig ên cia do atribu to fálico no parceiro sexual. O sujeito do d esejo , no plano
n arcísico, co m p õ e-se pela id entificação ao O u tro do sexo, representado por sua
tia, e pela busca de o b je to s co m o ele era quando criança. N o plano da fantasia,
o sujeito do d esejo se constitu i segundo o lugar do o b je to do d esejo do O u tro
que ele foi para sua tia em seu e n co n tro com o sexo (A 0 a). O O u tro do amor,
representado por sua mãe e, depois, por M ad elein e, é aquele que carrega o traço
de cadáver sem as cores do sexo e diante do qual G id e se faz hom em das letras
na co n stitu ição de sua persona.
Lacan generaliza, em sua teoria, a d issociação am or/desejo e aponta sua
dissem etria na p sico p ato lo g ia da vida am orosa do h om em e da m ulher: o am or
é incondicional para as damas e o d esejo é condição absoluta para os cavalheiros,
os quais são, diz Lacan, o sexo frágil no que se refere à perversão. Assim , "a
hom ossexualidad e m asculina se con stitu i na v e rten te deste (d esejo) e a h o m o s­
sexualidade fem inina [...] o rien ta -se por uma d ecep çã o que reforça a v e rten te da
dem anda de am o r"10.

■ As cartas como fetiche


O vazio da ausência da m arca fálica do d esejo do lado do am or foi p reenchid o
por G id e pelas cartas/letras (lettres), ou seja, sua corresp o n d ên cia com M ad elein e,
seu O u tro do am or único. Essa corresp o n d ên cia constitu i um fetich e para G ide,
pois as cartas para M ad elein e vêm no lugar do falo que falta. M as esse fetich e não
tem o e feito de produzir em sua m ulher o b rilh o fálico, co n d içã o do d esejo , co m o
no exem plo de Freud do ein Glanze au jderN ase, no qual o b rilh o no nariz do p a rcei­
ro sexual é a co n d ição para que ele seja d e s e ja d o ". A corresp o n d ên cia fetich izad a
destinada a M ad elein e não a con stitu i, de m odo algum, co m o parceira sexual
para G id e . O d esejo perm anece aí co m o uma letra m orta: "Q u an to mais e téreo
era meu amor, mais digno era dela - (...) um am or d esen carn ad o"12. Porque então
Lacan afirmou que essas cartas tinham a função de fetich e? N a m edida em que o
fetich e é o representante do falo m aterno, essas letras vêm desm entir a castração
do O u tro e, co n seq u en tem en te, essa corresp o n d ên cia faz de M ad elein e a M u lh er
toda, sem falta: A M u lh er do Am or, a m ãe toda-am or, que ele, de fato, não teve.
M as as cartas-fetich es não iriam durar para sem pre.

■ A letra queimada

M adeleine destruiu todas as minhas cartas. A confissão que ela acaba


de fazer me abate. Ela me disse que o fez logo após minha partida
para a Inglaterra. O h! Eu sei que ela sofreu de modo atroz pela minha
partida com M arc, mas ela tinha que se vingar em cima do passado?...

2/4
É o m elhor e o pior de mim que desaparece,- e que não contrabalançará
mais o pior13.

^ ■ Gide com Lacan: as cartas como fetiche


Q uand o M ad elein e é traída pela prim eira vez naquilo em que ela era a única,
o Amor, ela queim a ju stam en te as cartas de am or que a tornavam toda para G ide.
S o zin h a em casa, abandonada, sem saber o que fazer e acred itand o que nada lhe
restava além de m orrer, ela queim a, após tê-las relido, uma a uma, todas as cartas
daquela corresp o n d ên cia m antida desde que G id e tinha 14 anos. P or que? S im ­
plesm ente, co m o ela diz, "para fazer alguma co isa "14. A to de uma "verdadeira m u­
lher", segundo Lacan, pois restaura a falta e a faz d esejante. Esse ato provocou um
terrível dilaceram ento em G id e que sen te-se, então, extirpado "do d esd obram ento
de si m esm o que eram as cartas, - razão pela qual ele cham ou de seu filh o"15. As
cartas fetichizad as, uma vez destruídas, desvelam -se co m o seu duplo, seu lugar de
falo do O u tro , o lugar que ele não ocu pou para sua m ãe, mas inventa ao localizar
M ad elein e co m o O u tro m aterno.
A o ser queim ada a corresp o n d ên cia que supria no O u tro do am or a falta da
m arca fálica do d esejo , é restituído o vazio do falo do lado do am or e faz surgir no
sujeito a fenda do ser inscrita com o traço do cadáver na m áscara de G id e - ci-Gide,
aqui ja z G ide. A originalidade dessa leitura surpreendente de Lacan nos faz e n ­
con trar a perversão de G ide não do lado do d esejo e de sua prática hom ossexual,
mas do lado do amor, onde o im perativo de escrever vindo da m ãe não está aí por
acaso, pois aponta o o b je to que pode vir a ocupar o lugar deixado vago pelo falo
m ortificado do d esejo: a letra/carta.
A o final de sua vida, a m ão que escreve - sem que ele saiba se ainda vive ou
se já está m orto — é a sua ou é a m ão de sua m ãe trem end o de agonia? Lacan nos
indicou a id entificação de G id e ao O u tro in teiro pois tem o falo, na medida em que
"ele é o falo, m esm o queim ado, não p elo d esejo, mas pela m orte que em balsam ou
seu am or" (o próprio G id e refere-se a esse am or "em balsam ado co n tra o tem po").
S er e ter o falo ao m esm o tem po é a p osição do perverso d escrita por Lacan: “Ele
une em um ún ico term o ele « t e ele o tem, bastando para que este ele o tem, neste caso,
ela o tenha"16.
A partir dos d esenvolvim entos posteriores de Lacan, podem os d izer que essa
letra -o b je to fetich e, que é a corresp o n d ên cia com M ad elein e, funciona mais
co m o o b je to a (do que co m o significante), sem blan te de ser para o su jeito G id e:
dobra do sujeito e o b je to ún ico sem cóp ia nem duplo. T rata-se de uma le tra -o b ­
je to situada entre o sim bólico da m ensagem de am or e o real do g ozo , que G id e
pretendia dar ao O u tr o 17. Pois, quando tom ada co m o o b je to a, a corresp on d ência
destinada a M ad elein e faz parte da estratégia perversa de G id e, na medida em
que "o perverso é aquele que se con sag ra a tapar o furo no O u tro com o o b je to
a"'8. C o m essa definição de perversão, Lacan tirou o enfoque da prática sexual e o
transferiu para a estratégia do su jeito de lidar com a falta no O u tro. Passa, assim,
do fenôm eno à estrutura.

275
O 'furo queim ado' foi cuidadosam ente tapado por G id e desde sua a d o lescên ­
cia. C o n v o co u M ad elein e para o lugar do O u tro e cotid ian am en te tam pava seu
furo com as cartas, as letras: "M inha vida se tecia diante dela, sob medida e dia-a-
dia”. C ertam en te, G id e conseguiu que essa letra -o b je to acumulada constitu ísse
para o O u tro seu acja\ma na medida em que M ad elein e dirá a G ide, log o após
ter destruído as cartas, que elas eram seu "bem m ais precioso". D a í Lacan fazer
eqüivaler o ato de M ad elein e ao ato de M edeia, que m ata seus filhos que tam bém
eram para ela o b je to s agalm áticos.
U m a vez queim ada a corresp ond ência, a falta do O u tro é restituída e o lugar
vago deixado por ela en co n tra o furo (queim ado) desse O u tro. M as à custa do
ser do sujeito. A letra/carta queim ada dissolve o sem blante de homem das letras do
sujeito. Seu desaparecim en to arrasta con sig o toda alegria de viver.

Depois disso, eu realm ente nunca mais retomei o gosto pela vida,- só
bem mais tarde, quando compreendi que havia recobrado sua estima
(de Madeleine),- mas, mesmo assim, eu nunca mais entrei realmente
na dança, vivi apenas com aquele sentim ento indefinível de agitar-me
em meio às aparências - em meio a essas aparências que chamamos de
realidade19.

276
CAPÍTULO 25

Yukio Mishima: um talento perverso


Maria Helena Martinho

■ Introdução
este capítu lo, irei m e servir da arte literária - co m o Freud e Lacan assim

N o fizeram - para ilustrar o que vem a ser a estrutura perversa para a


Psicanálise. Lacan, em seu texto "H om enagem a M arguerite Duras pelo
arrebatam ento de Lol V. S te in "1, observa que "a única vantagem que um p sicana­
lista tem o d ireito de tirar da sua posição, se esta lhe for reco n h ecid a co m o tal,
é de se lem brar com Freud que, na sua m atéria, o artista sem pre o precede [...]
o artista lhe abre a via". D e fato, o artista preced e o psicanalista. M uitos deles já
haviam enunciado de form a p o ética as grandes d escobertas que, posteriorm ente,
seriam feitas por Freud, abrindo, assim, o cam inho.
Partindo desse pressuposto, dedicarei este capítulo a um talen toso artista per­
verso, Yukio M ishim a (1 9 2 5 -1 9 7 0 ), que, em suas criações literárias, dem onstra que
a perversão é um fato de linguagem , antes de ser um ato, ela é um dizer, uma enun-
ciação, que aponta para uma posição subjetiva. E interessante n otar que o próprio
M ishim a alega ter "um talen to perverso" quando, em sua "autoanálise"2, dá-se con ta
de que, em seu m asoquism o - aquele que Freud nos ensina co m o eróg en o - , ele
transm uta o sofrim ento em g ozo. Ele diz: "Eu tinha uma singular habilidade para
g ozar de tudo desse m odo. P or causa desse talento perverso, m inha covardia era fre­
q u entem ente confundida, m esm o aos meus próprios olh os, com coragem "3. C o m
base nos ensinam entos de Freud, interrogo: haveria um desm entido da castração
mais eficaz do que a inversão que esse sujeito faz da perda em gozo?
Para ten tar responder a essa questão, pretend o destacar alguns aspectos da
história de M ishim a, extraídos de suas próprias criações literárias, nos quais o au­
to r descreve e form aliza episódios de sua vida, de seu rom ance familiar, deixando

277
transp arecer o m odo que utiliza para negar a castração do Outro-, o d esm entido
(Verleugnung), ilustrando, assim, aquilo que Freud dem onstra em "Fetich ism o"4, a
saber, co m o o fetich ista perpetua uma atitude infantil, fazendo coexistirem duas
p osições inconciliáveis: o re co n h e cim e n to e o desm entido da castração da m u­
lh er (m ãe). D ian te do co n flito existen te entre a exig ên cia pulsional e o re ch a ço
da realidade, M ishim a enuncia que há, em seu eu, uma "polaridade",- ele relata a
m aneira co m o responde ao con flito , passando de um polo ao outro, en tre o re c o ­
n h ecim en to e o desm entido da castração . A o longo de sua vida e obra, esse sujeito
tentou perseguir a solução da divisão do eu, que se apresentava nas polaridades.
N o en tan to , a fenda entre os polos op ostos não se preencheu, ao con trário só
ressaltou a irrem ediável incom pletud e de cada um dos term os.
V ale lem bar que foi som en te em 1 9 2 7 , com a pu blicação do te x to "F etich is­
m o", que Freud conseguiu distinguir um m ecanism o esp ecífico de defesa co n tra a
castração, próprio da estrutura perversa: a Verleugnung. A té 1927, Freud em pregara
o c o n c e ito de d esm entid o (Verleugnung), esp ecialm en te quanto às reaçõ es das
crianças, ao notar a d istinção an atôm ica entre os sexos. O s artigos que tratam
exp licitam en te desse assunto são-, "A org anização genital infantil"5, "O p roblem a
e co n ô m ico do m asoquism o"6 e "A perda da realidade na neurose e na p sicose"7.
Em 1 9 2 7 , Freud verifica que não era co rreto que a criança, a partir da sua o b ser­
vação da mulher, tenha salvado para si, incólum e, sua cre n ça que a m ulher tenha
falo. A crian ça conservou a cren ça, mas tam bém se resignou,- no con flito entre o
"peso da p ercep ção indesejada" e a "intensidade do d esejo contrário", ch eg ou -se
a um com prom isso co m o só é possível sob o im pério das leis do pensam ento in ­
co n scie n te - a dos processos prim ários8.

Sim, no psíquico a mulher segue tendo um pênis, mas este pênis já não
é o mesmo que era antes. O utra coisa foi colocada em seu lugar,- foi
designada seu substituto, por assim dizer, que então herda o interesse
que se havia dirigido ao primeiro. E esse interesse experimenta um ex ­
traordinário aumento porque o horror a castração ergueu um monumento a si
próprio com a criação deste substituto. Com o stigma indelebile do recalque que
se efetuou permanece uma aversão aos genitais femininos, que não falta
a nenhum fetichista.

Freud observa que o fetich e é um sím bolo. Ele é um elem en to representativo,


que foi co lo ca d o no lugar do pênis da mãe. Para Freud, na instauração do fetich e,
o que parece ser d ecisivo é - sem elh ante na am nésia traum ática - a suspensão de
um p rocesso em que o interesse se detém na m etade do caminho,- pode ser m an­
tida co m o fe tich e a últim a im pressão anterior à traum ática, a estranha (unheimlich).
E ntão, o pé ou o sapato devem sua preferência co m o fetich es à circunstân cia de
que a curiosidade do m enino espiou os genitais fem inin os a partir de b aixo, des­
de as pernas,- peles e veludos constitu em uma fixação da visão do pelo pubiano,
que deveria ter sido seguida pela ansiada visão do m em bro feminino,- as roupas
íntim as, que tão frequentem ente são escolhid as co m o fetich es, cristalizam o m o ­
m ento de se despir, o últim o m om en to em que a m ulher ainda podia ser encarada
co m o fálica. C o n tu d o , Freud não pretende sustentar que, em to d o s os casos, av e­
riguava-se, com transparente certeza, a d eterm inação do fetich e.
Em O Seminário, livro 4: a relação de o b je to 9, Lacan observa que, com isso, Freud
esclarece o que con stitu i o fetich e, a saber, o m om en to da rem em oração da h is tó ­
ria quando a im agem se fixa. O elem en to sim bólico, que fixa o fetich e e o p ro jeta
sobre o véu, é retirado esp ecialm ente da dim ensão h istó rica 10.

Outrora empreguei a comparação do filme que subitamente se congela,


justo antes do momento em que aquilo que é buscado na mãe, isto é o
falo que ela tem e que ela não tem, deve ser visto com o presença-au-
sência e ausência-presença. A rememoração da história se detém e se
suspende num momento exatamente anterior. Falo da rememoração his­
tórica, pois não há outro sentido a se dar ao term o 'lembrança encobri-
dora' (Deckerinnerunçl) [...] A lem brança encobridora', não é simplesmente
um instantâneo, é uma interrupção da história, um m om ento em que ela
se detém e se congela e onde, ao mesmo tempo, indica a continuação de
seu movimento para-além do véu. A lembrança encobridora está ligada
à história por toda uma cadeia, ela é uma parada nessa cadeia e é nisso
que é metonímica, pois a história continua. D etendo-se ali, a cadeia
indica sua seqüência a partir daí velada, sua seqüência ausente, a saber, o
recalque em questão [...] O fetiche é a imagem projetada e esta imagem
não passa do ponto-lim ite entre a história e o m om ento a partir do qual
ela se interrompe. Ela é o signo, a referência do ponto do recalque.

N esse m esm o sem inário, Lacan com en ta, mais ad iante11, que o p sicólo g o
francês A lfred B inet (1 8 5 7 -1 9 1 1 ) já havia assinalado esse p o n to da "lem brança
encobrid ora", que fixa a interrupção na barra da saia da m ãe, até m esm o de seu
espartilho, ou ainda a relação essen cialm en te am bígua do su jeito co m o fetich e,
relação de ilusão,- e tam bém a função satisfatória de um o b je to inerte à m ercê do
sujeito para a m anobra de suas relaçõ es eróticas.
Freud assinala que, certam en te, há num erosas e im portantes provas quanto à
atitude de divisão do fetich ista frente ao problem a da castração da mulher. Em
casos m uito refinados, na con stru ção do fe tich e m esm o, en con tram -se tanto a
afirm ação da castração co m o o d esm entido.
Lacan sublinha que a fam osa "divisão do eu", quando se trata do fetich e, é e x ­
plicada por Freud pelo argum ento de que a castração da m ulher é ali, ao m esm o
tem po, afirmada e negad a12.

Se o fetiche está ali é porque ela, justamente, não perdeu o falo, mas ao
mesmo tempo pode-se fazê-la perdê-lo, isto é castrá-la. A ambigüidade

279
da relação com o fetiche é constantem ente, e incessantemente m ani­
festada nos sintomas. Esta ambigüidade, que se verifica com o vivida,
ilusão sustentada e valorizada com o tal, é, ao mesmo tempo vivida num
equilíbrio frágil que está a cada instante à mercê do fechar a cortina, ou
de seu descerrar. E dessa relação que se trata, na relação do fetichista
com seu objeto.

N o te x to sobre o fetich ism o , Freud expõe suas razões para supor que o "d es­
m entid o" im plica necessariam ente uma "divisão do sujeito". O n z e anos mais
tarde, retom ou esse tem a em um artigo inacabado, "A divisão do eu no processo
de d efesa"13, e no capítu lo V III do "E sbo ço de P sican álise"14. P ode-se consid erar o
m anuscrito inacabad o co m o uma con tin u ação de o "Fetichism o", pois, n ele, e n ­
trelaçam -se dois tem as que nos últim os tem pos vinham ocupando o interesse de
Freud: a n o ção de desm entido ( Verleugnung) e a ideia de que ele dá por resultado
uma "divisão do eu". N o final de sua obra, Freud p rop õe que o sujeito se divide
em relação à castração, e essa divisão se m anifesta na fenda entre a realidade e a
satisfação das pulsões.
S en ão vejam os, em "A divisão do eu no processo de defesa"15, Freud observa
que diante do h orror da castração o sujeito deve se d ecid ir en tre re co n h e c e r o
perigo real, curvar-se diante dele e renunciar à satisfação pulsional,- ou desm entir
a realidade, criar uma cren ça de que não há razão para ter m edo, a fim de preser­
var a satisfação. Trata-se de um co n flito entre a exig ên cia pulsional e o v eto da
realidade, m as o su jeito não faz nenhum a dessas duas coisas, ou m elhor, ele as faz
sim ultaneam ente. R esponde ao con flito com duas reações contrapostas: por um
lado, rejeita a realidade, e não se deixa proibir,- e por outro, reco n h e ce o perigo da
realidade. O resultado é alcan çado ao preço de uma "fenda do eu, a qual nunca se
reparará. As duas reações contrapostas frente ao co n flito subsistirão co m o nú cleo
da divisão do eu"16.
Freud deixa esse m anuscrito inacabado. Entretanto, retom a o tem a pouco depois
no capítulo V III do texto "E sboço de Psicanálise", intitulado "O aparelho psíquico
e o m undo exterior"17, no qual faz da "divisão do eu" (lòspalXung) uma característica
universal. A o abordar a psicose, ele recon h ece nela uma divisão psíquica. A partir
de um caso de confusão alucinatória e de um outro de paranóia, Freud d iz 18:

Duas atitudes psíquicas se formam ao invés de uma atitude única: a que


leva em conta a realidade objetiva, a normal, e outra que sob a influên­
cia das pulsões desliga o eu da realidade. As duas coexistem uma junto
à outra. O enlace depende da força relativa de ambas.

E, em seguida, a partir da divisão do eu na psicose, Freud a g en eraliza19:

O ponto de vista que postula em todas as psicoses uma 'divisão do eu'


não poderia chamar tanta atenção se não se revelasse passível de apli­
cação em outros estados mais semelhantes às neuroses (fetichism o) e,
às neuroses.

A divisão do eu é, assim, generalizada para to d o ser falante, pois é determ inada


pelo e n co n tro traum ático de todo sujeito com o real da castração e se refere à
divisão entre pulsões e realidade. M ais adiante, Freud co n clu i20:

Em todos os casos de fetichismo, que é lícito incluir entre as perversões,


tem seu fundamento, com o é notório, em que o paciente (quase sempre
masculino) não reconhece a falta de pênis da mulher, que, com o prova
da possibilidade de sua própria castração, lhe resulta em extremo inde-
sejada. Por isso desmente a percepção sensorial genuína que lhe tem
mostrado a falta de pênis nos genitais femininos, e se atém à convicção
contrária.

N o entanto, a percep ção desm entida não havia deixado de e xercer influência,
pois ele não tem a ousadia de afirmar que viu efetivam ente um pênis. Ele recorre a
outra coisa, uma parte do corp o ou uma coisa, e lhe co n fere o papel do pênis. N a
m aioria das vezes é algo que, com e feito , ten h a visto naquele m om en to, quando
viu os genitais fem ininos, ou algo que se presta co m o substituto sim bólico do
pênis. Freud esclareceu que seria in co rreto descrever esse processo, quando um
fetich e é construíd o, co m o "divisão do eu",- ele é uma form ação de com prom isso,
com a ajuda do d eslocam en to, tal co m o aquela com que nos fam iliarizam os nos
sonhos. Todavia, as observações de Freud m ostram algo mais. A criação do fetich e
tem o b ed ecid o ao propósito de destruir a prova da possibilidade da castração, de
form a que se pudesse escapar da angústia de castração. Se a m ulher possui um
pênis com o outros seres vivos, não se precisa tem er pela posse perm anente do
pênis próprio.
Em sua vida e obra, M ishim a ilustra, de form a im pressionante, o que já havia
sido d esco b erto por Freud em relação à divisão do eu. V ejam os co m o ele descreve
a fenda que se abre em sua realidade psíquica21:

M inha mente concebeu um sistema que instalando dentro do eu dois


elementos mutuamente antipáticos — dois elementos que fluíam alter­
nadamente em direções opostas - tinha a aparência de produzir um
hiato cada vez mais amplo na personalidade, mas que na prática criava
a cada m om ento um equilíbrio vivo que estava sendo constantem ente
destruído e trazido de novo à vida. A assunção de uma polaridade den­
tro do eu e a aceitação da contradição e do choque - essa era a minha
com binação.

O próprio M ishim a se dá conta de que há, no eu, uma "polaridade", ou seja, há


dois elem entos que fluem alternadam ente em direções opostas, produzindo um "hia­
to". Em com pensação, ele quis unir esses polos contrários, fazendo com que se juntas­
sem nos extrem os. Por essa razão, ele tenta, em suas vivências, "com binar a aceitação
do choque" da castração "com a sua contradição". Ao desvelar esse mistério, M ishim a
parece estar descrevendo o entrelaçam ento de dois temas trabalhados por Freud em
1938: a "divisão do eu" e a n oção de "desmentido" ( Verleugnung), ilustrando o que Freud
ressalta sobre a conexão existente entre o "desmentido" e "o com plexo de castração".
M ishim a encontra uma m aneira para lidar com o conflito entre a exigência
pulsional e o rech aço da realidade. Ele responde ao conflito com duas reações
contrapostas, ambas válidas e eficazes, que seguem alternadam ente em direções
opostas. Por um lado, rechaça a realidade objetiva e, por outro, recon h ece o perigo
da realidade objetiva, "com o se em to d o esse passar de um lado ao outro entre o
desm entido e o recon h ecim en to fosse a castração que encontrasse a expressão mais
nítida"22. O próprio M ishim a nom eia essas duas reações opostas. Ele diz que há, em
seu eu, uma "polaridade" e d escobre que, na clivagem entre os polos contrários, vai
se instaurar um m ovim ento circulante "com o uma daquelas argolas feitas com um
único giro numa folha de papel e cujas pontas são coladas depois. O que parecia ser
o interior era o exterior, e o que parecia o exterior era o interior"23. M ishim a d escre­
ve, de forma brilhante, com o ele passa de uma face a seu avesso - tal qual em uma
banda de Moebius - sem transpor nenhum a borda. Sua posição perversa se exprim e
numa lógica do princípio de contrad ição, numa topologia de superfícies, em que o
avesso e o direito afiguram-se idênticos, numa estética que faz brotar a beleza do
horror, o erotism o da m orte. A identidade dos contrários conduz ao desm entido da
diferença sexual. M ishim a estabelece a alteridade, para logo desm enti-la. A o c o n ­
trário do que m uitos possam imaginar, a perversão de M ishim a não se deve ao fato
de ele ser um hom ossexual assumido, desde a publicação de seu rom ance au tob io­
gráfico Confissões de uma máscara, em 1949, mas ao fato de que ele deveria perseguir a
solução da divisão do eu que se apresentava nas polaridades entre "o corp o e as p a­
lavras", "a carne e o espírito", "o am or e o desejo", "a arte e a ação", até o seu suicídio.
O próprio M ishim a se dá co n ta de que o co rp o e as palavras são para ele uma
esp écie de fetichism o.
A realidade e o corp o viraram sinônim os para mim , o b je to s de uma esp écie de
fetichism o. C laro que, além disso, eu tam bém estava in co n scien tem en te exp an ­
dindo meu interesse em palavras que tam bém englobassem este interesse,- e este
tipo de fetichism o correspond ia exatam ente ao m eu fetich ism o pelas palavras24.
A linguagem im põe a castração a todo ser falante, mas M ishim a ten ta driblá-
-la, desm enti-la, triunfar sob re ela. V erem os, a seguir, que as "palavras-cupins" e
o "corpo-m adeira" são o seu fetich e, seu troféu, o seu triunfo sobre a castração.

■ A incorporação do Outro: a intrusão significante e a extrusão do


gozo
Em um verdadeiro tratado sobre o corp o, uma obra-prim a, intitulada Sol e aço 15,
M ishim a revela que, ao repassar sua infância, deu-se co n ta de que a linguagem
vem antes do corp o. Sol e aço com eça com aquilo que se desvela do saber in co n s­
cien te do autor sobre sua relação entre o co rp o e as palavras26.

Quando repasso atentam ente a minha infância, me dou conta que m i­


nha m em ória das palavras com eça muito antes da minha m emória da
carne. N a pessoa comum, imagino, o corpo vem antes da linguagem.
N o meu caso, antes vieram as palavras,- então - pé ante pé, com toda a
aparência de extrem a relutância, e já vestida de con ceito s - veio a car­
ne. Já estava, nem é preciso dizer, estragada pelas palavras. Prim eiro
vem o pilar de madeira pura, depois os cupins que o com em . N o meu
caso, os cupins já estavam lá desde o com eço , e o pilar de madeira
pura só emergiu mais tarde, já m eio carcom ido.

Num prim eiro tem po, M ishim a identifica-se com as palavras e vê-se d esti­
tuído do corp o. O s cupins, que m etaforizam as palavras, já estavam lá quando
o corp o, m etaforizado pela madeira, em ergiu já "carcom id o". M ishim a ilustra de
m odo excep cional que "o artista precede o psicanalista", pois deflagra seu saber
in con scien te sobre o que fora enunciado por Lacan, dois anos depois, em 1970,
quando, em "Radiofonia", ele teoriza sobre aquilo que M ishim a havia enunciado:
"o cupim" (m etáfora da linguagem ) é o que vem prim eiro, para, en tão, incorporar-
se na m adeira (m etáfora de seu c o rp o )27.

V olto primeiro ao corpo do sim bólico, que convém entender com o


nenhuma metáfora. Prova disso é que nada senão ele isola o corpo, a ser
tomado no sentido ingênuo, isto é, aquele sobre o qual o ser que nele se
apoia não sabe que é a linguagem que lhe confere, a tal ponto que ele
não existiria, se não pudesse falar.

Em 1970, Lacan fala de dois corpos.- o "co rp o do sim bólico" e o "corpo no sen ­
tido ingênuo". O prim eiro, o "co rp o do sim bólico" - feito da m aterialidade sonora
do significante - é constitu íd o de linguagem . O segundo, o "co rp o no sentido
ingênuo", é tom ado co m o "um eu corp oral, n arcísico, é o co rp o que, em lingua­
gem popular, correspond e ao 'corpo de carne e osso'. Porém Lacan usa de outra
form a tanto 'a carne1 quanto o osso’, p referind o referir-se a um sentid o 'ingênuo
do corpo'"28. Lacan ressalta que só se pode ter um corp o, "no sen tid o ingênuo", se
este foi co n ced id o pela linguagem . A quele cu jo corp o não está na linguagem , não
tem propriam ente um corp o. A 'palavra m ata a coisa' constitu ind o assim, o co rp o
do falasser (parlêtre).
Lacan verifica que o co rp o dos seres falantes tem três dim ensões: real, sim ­
b ó lica e im aginária. N o in ício de seu en sin o , ao retom ar a n o çã o freudiana de
narcisism o, esclarece o reg istro do im aginário, pela ênfase dada à alienação do
injans na im agem do sem elhante e p elo que aí se precipita de uma gestalt a n teci-
patória do co rp o próprio do su jeito. R essalta ainda, que, nessa exp eriên cia do
esp elh o vivida pelo su jeito, a função da lei do O u tro da linguagem , aponta para
o registro do sim b ólico, e o jú b ilo (g o z o ) aponta para o registro do real. V ê-se,
assim, que, desde os prim órdios de seu en sin o 29, Lacan observa que não há co rp o
sem sim b ó lico , sem linguagem,- o co rp o é con stitu íd o de significantes, m apeado
pelos significantes,- "é secundário que o corp o esteja vivo ou m o rto "30, pois "o
prim eiro sím bolo em que re co n h e ce m o s a hum anidade em seus vestíg ios é a
sepultura"31. V erifica-se, en tão, que o que Lacan desenvolve em 1 9 7 0 , já estava
an tecip ad o em 1 9 5 3 32:

O lugar onde se afirma de uma espécie que, ao contrário de qualquer


outra, o cadáver preserva o que dava ao vivente o caráter: o corpo.
Permanece com o corpse33, não se transforma em carniça, o corpo que era
habitado pela fala, que a linguagem corpsificava.

N o hum ano, ser falante, a linguagem lhe co n fere um corp o, e quando m orre
torna-se um cadáver. O s anim ais não têm corp o, são carne, por isso quando m or­
rem viram carniça. Em "R ad iofonia"34, além de reafirm ar o que já havia dito sobre o
corp o, há 17 anos, em "Função e cam po da fala e da linguagem "35, Lacan ressaltou
que o prim eiro corp o, o da linguagem , é que faz o segundo, "o corp o no sentido
ingênuo", ju stam ente, "por se in corporar n ele"36. Lacan ensinou que o co rp o é o
que pode ser incorporad o ao sim bólico, para ser o suporte de significantes37:

O corpo, a levá-lo a sério, é, para com eçar, aquilo que pode portar a
marca adequada para situá-lo numa seqüência de significantes. A partir
dessa marca, ele é suporte da relação, não eventual, mas necessária, pois
subtrair-se dela continua a ser sustentá-la.

P or m eio da narrativa do protagonista do rom ance autobiográfico, Confissões


de uma máscara (1 9 4 9 ), M ishim a descreveu cenas de sua própria vida, extraídas de
suas mais rem otas lem branças, sitou seu corp o na cadeia de significantes de sua
história, ilustrando assim, aquilo que não cessa de se escrever-, seu co rp o se faz
cam a para a "incorporação" do O u tro 38.

M inha avó arrancou-me dos braços de minha mãe no meu quadragési­


mo nono dia. M inha cama foi colocada no quarto de doente de minha
avó, permanentemente fechado e abafado com odores de doença e
velhice, e fui criado ali, ao lado de sua cama de doente.

Em "A terceira"39, Lacan descreve o corp o, a vida e a m orte no nó borrom ean o.


O corp o está no círcu lo do im aginário, a vida no círcu lo do real e a m orte no do
sim bólico. Para o parletrê, o co rp o se inscreve en tre a vida e a m orte.
N o caso de M ishim a, os significantes advindos daqueles que representam o
O u tro desvelam o lugar que esse sujeito ocupa no discurso do O u tro: o lugar de
m o rto 40.
Q uando tinha cerca de um ano, levei um tom bo do terceiro degrau da
escada e machuquei a testa. Minha avó tinha ido ao teatro. Telefona­
ram para o teatro onde minha avó estava assistindo a um espetáculo de
cabúqui. Q uando ela chegou, meu avô foi ao seu encontro. Parou no
vestíbulo, sem tirar os sapatos, apoiada na bengala encarou fixamente
meu avô e perguntou: ele está morto?

O m enino tornou -se vítim a de alergias violentas. R eceb eu o d iagnóstico de


au toin toxicação . Sua d oença tornou-se crônica,- m anifestava-se cerca de uma vez
por m ês, ora lev em ente, ora seriam ente. E le teve muitas crises que anunciavam
todos os sinais do envenenam ento. Sua avó não cessava de afirmar a im inência
de sua m orte. O "tu estais m orto", é um dos significantes-m estres - em itidos por
sua avó, aquela que ocupa o lugar do O u tro prim ordial - que o m enino, em sua
ficção, interpreta41.

Pouco antes do meu quarto aniversário, vomitei alguma coisa cor de


café. Chamaram o m édico da família. Depois de me examinar, disse
que não tinha certeza se eu me recuperaria. M inhas pulsações torna­
ram imperceptíveis. Passaram duas horas. Ficaram todos em torno de
mim, olhando meu cadáver. Prepararam uma mortalha, juntaram meus
brinquedos favoritos e reuniram todos os parentes. Passou quase mais
uma hora e, de repente, apareceu urina. O irmão de minha mãe que era
m édico disse: ele está vivo!.

O corp o entra na linguagem sofrend o os efeito s dos ditos do O u tro. Q uand o


crian ça M ishim a era fisicam ente frágil. C riad o pela avó d oen te e possessiva, só
havia palavras que o rem etiam à d oen ça e à m orte. A linguagem m ortifica a carne
para con stitu ir o corp o co m o tal42.

M inha alim entação era cuidadosamente limitada: de peixe, só me per­


mitiram com er os que têm carne branca,- batatas, somente amassadas e
passadas por uma peneira,- doces, todas as geleias de feijão eram proi­
bidas, e só me permitiam biscoitos leves, folhados e outros confeitos
secos com o esses,- e de frutas, apenas maçãs, cortadas em fatias finas, ou
pequenas porções de tangerina.

Em "R adiofonia"43, Lacan define o O u tro por sua incom pletud e, co m o (-1 ), ou
seja, co m o a falta de um significante no O u tro , S (Ã ). Ele diz: "M en o s-U m d esig­
na o lugar que é dito do O u tro. P elo U m -a -M en o s faz-se cam a para a intrusão
que avança a partir da extrusão: é o próprio significante". N esse com p lexo texto
de 1970, Lacan retom ou o co rp o e o articulou, para além do im aginário, com o
significante e com o gozo. Ele observou que o corp o se o ferece co m o cam a para
a intrusão do S(A ). "O prim eiro co rp o faz o segundo, por se incorporar nele. D a í
o in corp ó reo que fica m arcando o prim eiro, desde o m om en to seguinte à sua
in corp o ração"44.
C o m o traduzir esse enunciad o de Lacan? Para os estoicos, incorporai, significa
que ser algum a coisa não im plica, necessariam ente, existir corp oralm ente, ou seja,
ser alguma coisa poderia estar relacionad a não d iretam ente a um corp o, mas ao
seu significado. O lugar, o vazio, o tem po e o exprim ível (lékton) são in corp ó reos,
não existem corp oralm en te, mas existem enquanto significados45. Para a P sican áli­
se, o que não tem corp o, é o o b je to a. Send o assim, pode-se d izer que o o b je to a é
o que fica m arcando o prim eiro corp o, o do sim bólico e, o efeito da "incorp oração
sim bólica" do S(A ), intrusão significante e extrusão de g o z o 46,

é o esvaziamento do gozo da carne. E o resto dessa operação é uma


concentração de gozo fora-do-corpo, que não deixa de ter efeitos sobre
o corpo por intermédio da pulsão e do ob jeto a, condensador de gozo.

R etom o a tese fundamental levantada por Lacan em "Radiofonia" - a intrusão


significante e a extrusão do g ozo - para interrogar: em M ishim a, qual seria o efeito
da intrusão de S(A ) no corpo? N ada m elhor para exem plificar isso do que a narra­
ção, que M ishim a faz em Confissões de uma máscara47, de três cenas vividas por ele aos
4 anos de idade. As cenas retratam que M ishim a, m enino de corpo frágil, delicado,
que vivia sob a constante am eaça de m orte, procurava nos hom ens de corpos fortes e
musculosos, o erotism o, que, para esse m enino, estava associado, desde muito cedo,
à m orte. Esse gozo, o da m orte, não seria o resto da incorporação do O utro? Ele não
seria correlato a uma con centração de g ozo fora-do-corpo?48

Um jovem com belas faces rosadas e olhos brilhantes, usando um rolo


sujo de pano em torno da cabeça à guisa de carneira, vinha em nossa
direção. D escia a vertente carregando uma canga de baldes de fezes
noturnas49 num ombro, habilmente equilibrando o peso com os passos.
Estava vestido com o um operário, com sapatos de sola de borracha e
gáspea de lona preta que deixava os dedos à mostra, e calças justas de
algodão azul-escuro, do tipo chamado 'puxa-coxas' [...] O lhando para o
jovem sujo, fiquei sufocado pelo desejo, pensando: 'Q uero me transfor­
mar nele', 'Q uero ser ele'.

M ishim a esclarece que seu e n co n tro com o latrin eiro50 representa algo da
ordem de um sacrifício h e ro ico , que co n tin h a o auge da sensualidade. Seu d esejo
tinha dois p o n tos de enfoque: o prim eiro eram as "puxa-coxas", as calças ju stas que
delineavam nitid am ente a m etade inferior de seu corp o. O outro pon to, era sua
ocupação,- esta lhe deu a sensação de "tragédia", certa sen sação de intim idade com
o perigo, "uma sensação de extraordinária co m b in a çã o de nada e força vital"51.
O u tra record ação da tenra infância: o ch e iro de suor dos soldados, um od or
que despertou nele d esejos v iolen tos, um anseio apaixonad o por coisas co m o o
d estino dos soldados, a natureza trágica de seu apelo, as terras distantes que v e ­
riam, as m aneiras co m o m orreriam ” .

As tropas passavam ante o nosso portão, de volta das manobras. O


pesado bater surdo de botas, os uniformes manchados e uma floresta de
rifles nos ombros são suficientes para fascinar com pletam ente qualquer
criança. Mas era simplesmente o cheiro do suor deles que me fascinava.

A terceira lem brança rem ota envolve um livro de figuras: ele tin ha vários livros
de figuras, mas sua im aginação era cativada, com p leta e exclusivam ente, apenas
por um, e apenas por uma figura dele. O m enino podia passar longas tardes
devaneando ante essa figura, mas se alguém se aproxim ava ele se sentia culpado
e virava a página. A figura m ostrava um cavaleiro m on tad o num cavalo b ran co,
em punhando uma espada levantada53.

Havia uma bonita cota de malha na armadura de prata que o cavaleiro


usava. Seu belo rosto aparecia através do visor, e ele brandia a espada
contra o céu azul, impondo respeito, enfrentando a M orte [...] Eu
achava que ele seria morto no instante seguinte: se virasse rapidamente
a página, certam ente poderia vê-lo sendo morto.

M ishim a co n ta que um dia sua enferm eira abriu o livro naquela página e
pergun tou se o m en in o c o n h e c ia a h istória daquela figura. E le não a co n h ecia .
A enferm eira en tão lh e explicou-. "O que p arecia ser um h om em , na verdade era
uma mulher. Seu nom e é Jo a n a d'Arc. A h istória c o n ta que ela foi à guerra v e s­
tida com roupas de hom em para servir seu país". O m en in o havia se en can tad o
com o b e lo cav aleiro naquela b o n ita c o ta de m alha e havia a calen tad o fantasias
quanto à m orte dele, mas se aquele cav aleiro era uma m u lher e n ão um hom em ,
nada m ais lhe restava. E n tão, ele se sen tiu d errubado co m o se "um so c o " o tivesse
"prostrad o por terra". A partir d aquele dia, virou as co stas àquele livro, nunca
m ais o pegou.
O carregad or de fezes noturnas, a D o n z e la de O rlean s e o ch eiro do suor
dos soldados form aram uma esp écie de preâm bulo de sua vida. Em bora enquanto
crian ça lesse todas as histórias de fadas que lhe caíssem nas m ãos, ele nunca g o s­
tou de princesas. G ostava som ente dos príncipes. Tinha pred ileção por príncipes
assassinados ou destinados à m orte. Ficava com p letam en te apaixonado por qual­
quer jo v em que fosse m o rto 54.

M eu coração se inclinava para a M orte, a N oite e o Sangue. Visões de


'príncipes que foram mortos' perseguiam-me tenazmente. Quem pode­
ria explicar-me por que eu ficava tão encantado com fantasias em que
aquelas roupas justas que moldavam o corpo, usadas pelos príncipes,
eram associadas com suas mortes cruéis?

287
A carga de d esejo, ao m esm o tem po a qualidade trágica que está ligada a ela,
p erten ce à figura do latrineiro, dos cavaleiros m ortos na guerra, aos príncipes
assassinados e aos mártires cristãos. Em Confissões de uma máscara, M ishim a confessa
que, até os 12 anos de idade, pensara erron eam ente que era atraído pelos b elos
corp os dos rapazes apenas p o eticam en te, confund ind o a natureza de seus d esejos
sensuais com um sistem a de estética. N o entanto, aos 12 anos de idade, seu deu
con ta daquilo que de fato o atraía: à m orte, o sangue e as carnes musculosas - fi­
guras de jo v en s samurais rasgando o ventre ou de soldados baleados.
U m dia ele pegou alguns livros de arte de seu pai. O que o encan tou , p arti­
cularm ente, foram as fotos de esculturas gregas. D e repente, ele topou com uma
reprodução do S ão Sebastião de G uido R en i55.

O corpo mostrava a primavera da juventude, luz, beleza e prazer. Sua nu­


dez branca e singular cintila contra um fundo de lusco-fusco. Seus braços
musculosos, os braços de um guarda pretoriano acostumado a vergar o
arco e a manejar a espada, erguem-se num ângulo gracioso, e seus pulsos
atados cruzam-se bem acima da cabeça. O rosto está levemente voltado
para cima e os olhos, bem abertos, contemplam com extrema tranqüili­
dade a glória do céu. Não é dor que paira sobre seu peito retesado, seu
abdômen tenso, seus quadris levemente contorcidos, mas um tremular de
prazer m elancólico com o a música.

N aquele dia, no m om en to em que M ishim a se depara com a gravura de São


Sebastião, to d o seu ser estrem ece, seu sangue ferve, suas mãos iniciam um m o vi­
m ento que nunca tinham feito. Ele sentiu alguma coisa secreta, radiante, subindo
de d en tro dele que, subitam en te, jo rro u . Essa foi sua prim eira ejacu lação. Foi
tam bém o co m e ço do seu "mau h á b ito ”56. M ais uma vez, a excita çã o sexual fora
provocada pela associação entre o erotism o e a m orte. S ão Sebastião passou a
representar para M ishim a o seu ideal de tipo físico m asculino e, m esm o ao passar
dos anos, isso não mudara. Em 1967, no d ebate Exploração do espaço significativo: a
respeito da tradução dt O martírio de São Sebastião, M ishim a afirma57:

Essa impressão carnal violenta da juventude fundiu-se gradualmente


com o meu ideal de beleza física [...] Além do mais São Sebastião não é
apenas um corpo, nele há também os temas do martírio, da autodestrui-
ção e o grande tema da morte. Vários temas se imiscuem e se misturam
com o pensamento do corpo, surgindo com recorrência na minha obra
literária, por conseguinte, é com o se ele fosse o ventre materno.

São Seb astião é, para M ishim a, o ventre m aterno: a mistura do ideal de b eleza
física, do m artírio, da autodestruição e da m orte. Em 1 9 7 0 , M ishim a serviu de m o ­
delo ao fo tógrafo K ishin Shinoyam a, na céleb re pose en carnand o o São Sebastião
sem inu de G u id o Reni. S ebastião é o seu am ante e, ao m esm o tem po, o próprio
M ishim a. A transp osição das flechas pela espada jap on esa não seria uma prem o­
n ição do próprio seppuku do escrito r em novem bro desse m esm o ano? A ânsia e
atração pela m orte enqu anto jovem e em pleno vigor, co m o um mártir, rem etem
à im agem de São Sebastião crivado de flechas, que o autor tan to cultuava. M ish i­
ma aguardava rom anticam ente por uma bela m orte co m o a de São S ebastião. O
escrito r estava co n v en cid o de que, graças à providência divina, m orreria aos 2 0
anos. N o en tan to , isso não aconteceu .

■ A divisão entre “a carne e o espírito”


Em Confissões de uma máscara511, M ishim a revela que, em seu segundo ano de escola
secundária, ele teve um "desejo carnal", por um aluno novo, O m i, que fora rotulado
de "delinqüente". Ele descreve algumas das impressões que O m i lhe causou59:

o que realmente obtive dele foi uma definição precisa da perfeição da


vida e da masculinidade, personificadas em suas sobrancelhas, testa,
olhos, nariz, orelhas, faces, lábios, maxilares, nuca, pescoço, a cor de sua
pele, sua força, seu peito, mãos e incontáveis outros de seus atributos.

M ishim a con sid era que, por causa de O m i, ele nunca pôde am ar um a pessoa
in telectu al, jam ais se sentiu atraído por uma pessoa que usasse ócu los. P or causa
de O m i ele co m eço u a am ar a força, a ig n orân cia, os g estos rudes, a fala d escu i­
dada. A carne não podia, de m odo algum , ser m aculada p elo in te le cto . O d esejo
sexual de M ish im a se e n co n tra m arcad o pela co n d içã o carnal, na qual o in te le cto
não com p arece, há uma cisão en tre a carn e e o esp írito, há uma e xig ên cia de
que carne e esp írito m antenham d istância um do outro. M ish im a exp lica: "Assim
que com eçav a a com p artilh ar m inha com p reen são in telectu al co m uma pessoa
que m e atraísse meu d esejo por essa pessoa lo g o arrefecia". E le "não tinha a mais
tênue ideia de que havia uma co n e x ã o en tre am or e d esejo sexual"60.
M ishim a se apercebe que a "sensação carnal" que ele sentia por O m i não era
causada apenas pela proeza de sua força, mas pela abundância de pelos nas axilas —
estas se constituíram em um fetich e para ele. "Sem dúvida foi a vista de pêlos sob
os braços de O m i que fez da axila um fetich e para mim"61. M ishim a se olhava no
espelho e com parava o seu corp o desgracioso - seus om bros esqu eléticos, seu peito
estreito - com o de O m i. Ele se achava um "patinho feio" que alm ejava se transfor­
m ar em um "cisne", mas "uma esp écie de con v icção masoquista" o fazia dizer a si
m esm o: "V ocê nunca vai ser parecido com O m i"62.
M ishim a desejava se tornar "uma réplica de O m i"63. Ele com eço u a procurar
em seu corpo franzino o reflexo da suntuosa virilidade de O m i. U m dia descobriu
à beira-mar, ao ver as próprias axilas, que os pelos exuberantes de O m i, o b jeto de
sua cob iça, com eçaram a crescer em seu corpo. U m m isterioso desejo sexual logo o
invadiu e, tom ando os pelos de suas axilas por o b jeto , sozinho pela primeira vez ao
ar livre, m asturbou-se — com o costumava dizer, entregou-se ao seu "mau hábito". A
solidão de sua exclusão, reavivada por um sentim ento de vazio diante da plenitude
do mar, conjugou-se com a solidão que o atraía para O m i. O erotism o, mais uma
vez, acabava de transform ar a desolação em triunfo.
Ainda no m esm o ro m an ce, M ish im a revela que seu co ra çã o nunca havia sido
to ca d o pela visão de b elez a numa mulher. A té e n tã o , as m ulheres haviam sido,
para ele, "um m isto artificial" de "curiosid ad e infantil" e "fingido d esejo sexual".
S o n o k o , uma jo v e m de 18 anos de idade, irmã de seu m elh or am igo, cham ou
pela prim eira vez sua a ten çã o . Ela parecia "o reflexo de uma alma im aculada e
sim ples"64. O am or por S o n o k o to rn o u -se uma o b rig a çã o m oral para ele e, de r e ­
p en te, ele foi invadido pela ideia de que estava ap aixonad o pela m oça. C o n tu d o ,
uma v o z in terio r zom bou d ele b o m b a rd ea n d o -o de perguntas65:

E amor o que você sente por ela? Mas você sente desejo por mulheres?
Já teve alguma vez o mais leve desejo de ver uma mulher nua? Já imagi­
nou Sonoko nua? Durante o dia, você anda pela rua e não vê ninguém
além de marinheiros e soldados. Quantos desses jovens você não despiu
mentalmente ontem?
Embora em anos posteriores minha autoanálise atravessasse a borda
da argola66 mais lentamente, quando eu tinha vinte anos ela não fazia
nada senão girar de olhos vendados na órbita de minhas em oções [...]
Assim, as contradições giravam na órbita exatam ente com o eram, ro­
çando umas nas outras com uma velocidade que olho nenhum poderia
abranger.

Entre o d esejo hom ossexual e o am or por S o n o k o , instaura-se, segundo o


próprio M ishim a, um m ovim ento circu lan te, uma banda de Moebius. M ishim a não
cessa de ver sua verdade se transform ar em m entira, deslizando de uma face à
outra. O que ele sentia por S o n o k o não tinha nada a ver com d esejo. C o n tu d o ,
seu d esejo sexual pelos rapazes o consum ia. Para suportá-lo ele tinha que recorrer
ao seu "mau h áb ito" até cin co vezes num dia67.

M esm o a excitação transformada por mim por um efebo atraente lim i­


tava-se a mero desejo sexual. M inha alma ainda pertencia a Sonoko.
Havia uma luta entre o corpo e o espírito [...] Em mim havia uma rup­
tura, pura e simples, entre carne e espírito. Para mim Sonoko aparecia
com o a encarnação do meu amor pela própria normalidade, meu amor
por coisas do espírito, meu amor por coisas eternas.

D essa form a M ishim a se dividia en tre "a ca rn e e o esp írito". S o n o k o re p re ­


sentava a e n carn ação do am or por coisas do esp írito . E nqu an to os rapazes, a
en ca rn a çã o do d esejo por coisas da carne. A d ivisão vivida por M ish im a se a s­
sem elha àquela vivida por A ndré G id e, no que se refere à divisão en tre o am or
e o d esejo . N a infân cia de G id e, a d ivisão en tre o am or e o d ese jo se e xp licito u
pela fu nção de duas m ães: Ju lie tte - a mãe b io ló g ic a , a m ãe do am or e do dever
- e, a tia M ath ild e - a m ãe do d esejo . Em sua ju ven tu d e, essa d ivisão tam bém se
ev id en ciou em d ois polos.- de um lado, o am or por M a d e le in e - sua prim a, sua
esp osa - e, do ou tro , o d ese jo sexual p elo s rapazes. A os 13 anos de idade, G id e
reproduziu o en v o lv im en to de seu am or: id en tificad o à m ãe do am or e do dever,
ele doravante g o sto u em M ad elein e de um ou tro ele m esm o, do filho que ele foi
para sua m ãe, frágil, o b je to do am or que n ecessita de p ro te çã o c o n tra o mal e
co n tra a vida. M a d e le in e passou a ser a m u lher idealizad a, a p o n to de se to rn ar
a única,- ele d ed ico u -lh e um am or puro, in finito e im óvel. V iveu co m ela, durante
2 0 anos, um casam en to que nunca foi consu m ad o. M ad elein e não podia ser nem
o o b je to nem o ag en te de uma sed u ção que lh e dava horror. G id e se c o lo co u
numa d ep en d ên cia m ortal em rela çã o à M a d e le in e, o que o fez exclam ar: "V ocê
n ão tem co m o sab er o que é o am or de um uranista. É qualqu er co isa co m o um
am or em balsam ad o"68.
D a m esm a form a que G id e ficou subm etido ao am or em balsam ado de M a ­
deleine, M ishim a tam bém ficou subm etido a um am or em balsam ado, o de sua
avó. Estar entregue a essa avó era estar fadado à m orte, con d en ad o a perm anecer
prisioneiro desse amor. M ishim a diz: "N a idade de d oze anos, eu tin ha uma n a­
m orada sincera e apaixonada, de sessenta anos"69.
Em sua infância, M ishim a se divide en tre o am or de sua avó e o d esejo pelos
b elo s príncipes e soldados m usculosos. Em sua ju ventu de, ele se divide entre o
am or espiritual por S o n o k o e o d esejo carnal por O m i. A d esco berta, na ju v e n ­
tude, de seus gosto s pederastas representa o m o m en to co n stitu íd o na cen a com
O m i. Ele co m eço u a procurar, em seu c o rp o franzino, o reflexo da suntuosa viri­
lidade de O m i. Ele queria se tornar "uma rép lica de O m i"70,- doravante gosta, nos
rapazes, de um outro ele m esm o. C o m S o n o k o , a m ulher idealizada, en carnação
de seu am or por coisas eternas, M ishim a reproduz o en volvim ento de um am or
embalsamado,- identificado à avó, ele gosta em S o n o k o "de sua alm a im aculada
e sim ples"71, m elh o r dizend o, ele g osta de um outro ele m esm o, do n eto que ele
foi para sua avó.
Em M ishim a, a clivagem que se desvela entre o am or e o d esejo é subsumida
pela clivagem da carne e do espírito. D e um lado a "carne", o d esejo hom ossexual
carnal, o d esejo por aquilo que se im prim e na m asculinidade, força, ignorância,
gestos rudes, fala descuidada,- de outro, o espírito, tudo àquilo que é da ordem da
intelectualidad e, co m o o am or "espiritual" por So n o k o , a própria encarnação por
coisas do esp írito, por coisas eternas.

■ 0 gozo fora-do-corpo
Em "A terceira"72, quando se referiu ao nó borrom eano, Lacan afirmou que "todo
g ozo está co n ectad o com este lugar de m ais-de-gozar do o b je to a . O g ozo fálico
(Jcp) está na interseção entre o real e o sim bólico, "o que define seu caráter de fo-
ra-d o-corp o"7?, do qual o corp o im aginário está excluído. Em Sol e aço74, M ishim a
ilustra o que constitui, para ele, o g ozo fora-do-corpo, o g ozo fálico: a necessidade
de transform ar seu corp o frágil em um corp o esculpido, tal qual uma obra de arte, a
uma escultura grega. Aos 30 anos de idade, ele escolh e cultivar seu corp o usando sol
e aço: a luz do sol — d escoberta por ele em uma viagem a G récia - e do aço - utili­
zado no halterofilism o. Já próxim o do final ap o teó tico que busca para sua vida, ao
pilotar um avião supersônico d iz: "ereto, o F 1 0 4 , um pênis de prata agudo, apontava
para o céu. Solitário, com o um esperm atozóide, eu estava instalado dentro dele. Eu
ia saber co m o se sente um esperm atozóide no instante da ejaculação"75.
N o m esm o ensaio, M ishim a salienta: "se meu ser era m inha residência, então
meu corp o se parecia com um pom ar que o cercava. Eu podia ou cultivar esse
pom ar ao m áxim o de suas possibilidades ou abandoná-lo ao acaso do m ato"76. D e
fato, M ishim a d edicou-se ao cultivo do seu corpo-pomar. C ontu d o, aos 4 3 anos de
idade con fessa77.

sou um que sempre só esteve interessado nos extremos do corpo e do


espírito [...] O postos conduzidos a seus extrem os tendem a se asseme­
lhar,- e coisas separadas ao máximo, aumentando a distância entre elas,
acabam por se aproximar.

Essa é uma verdadeira definição do desm entido. M ishim a tentou aproxim ar o


corp o e as palavras ao lon g o de toda sua vida, m as78

corpo e espírito nunca deram boa com binação. Eles nunca foram pa­
recidos. Nunca experim entei na ação física nada que se assemelhasse à
satisfação arrepiante e aterradora proporcionada pela aventura in telec­
tual. Nem senti nunca na aventura intelectual o calor impessoal, a cálida
escuridão da ação física.

A pesar disso, M ishim a não cessava de buscar a in terseção tão alm ejada entre o
corp o e o esp írito "em algum lugar eles devem se encontrar. O n d e porém ? [...] Em
algum lugar deve haver um p rincípio m aior ond e os dois se encontrem e façam as
pazes. Esse princípio maior, eu pensei, era a m orte"79.
D urante toda sua vida, M ishim a perseguiu a solução da divisão do eu que
se apresentava na polaridade entre "o corp o e as palavras". Tentou desm entir a
castração do corp o, escu lpind o-o na form a de um D eu s grego,- tentou desm entir
a castração das palavras, torn and o-se o m aior escrito r n ip ô n ico de sua época. N o
e ntanto , a fenda entre os polos op ostos não se p reen ch eu, ao con trário só ressal­
tou a irrem ediável incom pletude de cada um dos term os.
Três anos antes do seu suicídio, M ishim a vislumbra a possibilidade daquilo que
sempre havia buscado: a harm onia da fusão entre "o corpo e as palavras". Pilotando
aquele caça supersônico, o F l0 4 (o "pênis de prata"), com o se ele fosse "um esper­
m atozóide”80, ele diz: "A 4 5 0 0 pés de distância da terra, m inha aventura intelectual
e minha aventura física poderiam se fundir em harmonia. Era o que eu sempre havia
buscado"81. Lá no alto, a terra está cercada pela morte. "As regiões mais altas, onde
não há ar, estão repletas de m orte pura; ela contem pla a humanidade lá de baixo"82.
Foi, então, num m om ento de gozo sexual, que ele viu "a figura gigantesca da serpente
de nuvens brancas cercando o globo terrestre e m ordendo sua própria cauda"83. O
gigantesco anel-serpente, que supera as polaridades, revelava o mistério: "a carne e
o espírito, o sensual e o intelectual, o dentro e o fora, vão desprender-se do chão e,
mais alto, mais, mais alto até do ponto onde o círculo-serpente de nuvens brancas
que cerca a terra, todas as coisas vão se encontrar"84. "O mundo interior e o mundo
exterior tinham se invadido mutuamente e se tornado com pletam ente intercam -
biáveis"85. M ishim a já não duvida: só o g ozo da m orte com a consum ação do gozo
erótico poderia superar todas as contrad ições86.

A carne deveria brilhar com a previsão saturante do espírito,- o espírito,


fulgurar com a previsão transbordante do corpo. E minha consciência,
brilhando serena com o uma placa de alumínio, contemplava a tudo lá
de cima. Se o gigantesco anel serpente que supera as polaridades chegou
a me ocorrer, então é natural supor que ele já existisse. A serpente bus­
cava, eternamente, abocanhar a própria cauda. Era um anel vasto que a
morte, mais cheiroso do que o vago odor de mortalidade que eu tinha
sentido na câmara de compressão,- sem sombra de dúvida, era o princípio
da unidade que olhava para nós, lá de cima dos céus resplandecentes.

A "serpente en golin d o a sua própria cauda", sím bolo da eternidade, "supera


todas as co n trad içõ es [...] zom ba de tod os os op ostos"87.
Em Sol e aço, M ishim a afirma que, provavelm ente, seja no instante da m orte,
que o corp o de um hom em m ostre seu b rilh o m áxim o. E que se pode re co n h e cê -lo
co m o uma b eleza e ró tica 88.

Por que deveria um hom em se associar à beleza apenas através de uma


m orte heróica e violenta? Na vida comum, a sociedade mantém uma
vigilância cuidadosa para se assegurar de que os hom ens não tenham
acesso à beleza,- a beleza física no macho, quando considerada com o
um 'objeto' em si, é desprezada, e a profissão de ator - que envolve,
constantem ente, o 'ser-visto' - nunca recebe o respeito que m erece.
N o que se refere ao hom em , im põe-se uma regra rígida: sob condições
normais, um homem nunca deve permitir se transformar em ob jeto: ele
só pode ser objetivado através da ação suprema - que é, eu suponho, o
m om ento da morte, o m om ento quando, mesmo sem ser visto, a ficção
de ser visto e a beleza do o b jeto são permitidos. Desse tipo é a beleza
do esquadrão Kamikaze de pilotos suicidas, que é reconhecido com o
beleza, não apenas no sentido espiritual, mas, pelos hom ens em geral,
num sentido extrem am ente erótico também.
N o m esm o ensaio, M ishim a assevera que a antinom ia entre ver e existir é d e­
cisiva. Ilustra seu pressuposto a partir da maçã e de seu caroço. Explica que o olho
pode ver a m açã verm elha a partir de fora, mas, para o caro ço existir, é preciso se
passar uma faca bem fundo na m açã, de maneira que se abra em partes e o caro ço
seja exposto. A maçã, m etáfora do seu corpo, antecipa o que dois anos depois seria o
seppuku de M ishim a, com a exposição de suas entranhas. "Assim, a existência da m açã
cortada cai em pedaços,- o ca ro ço da maçã sacrifica a existência com a finalidade de
ver"89'90. Ele diz que podia ver seu corp o musculoso no espelho, "mas ver não era o
bastante para m e co lo car em co n tato com meu sentim ento de existência"91,92.

A faca deve cortar a carne da maçã - isto é, o meu corpo. Sangue corre,
a existência é destruída, e os sentidos estilhaçados e dispersos dão à
existência uma primeira garantia, fechando o hiato lógico entre ver e
existir... Assim é a morte.

O seppuku de M ishim a seria m enos para provar sua lealdade ao im perador


enqu anto ideia cultural, do que para provar que na m orte haveria uma existên cia
que não seria corroíd a pela falha da divisão subjetiva. Para M ishim a as co n d içõ e s
básicas para a existên cia eram o "absoluto" e o “trág ico"93. M ishim a diz ter ap ren­
dido que a "sensação m om en tânea e feliz de existir só poderia ser, finalm ente,
justificad a através da m orte"94.

■ “A relação sexual não existe”


M ishim a perseguiu a solu ção da divisão do eu que se apresentava nas polarid a­
des, mas o abism o que o dividia entre "o corp o e as palavras", "a carne e o espírito",
"o am or e o desejo" não se preencheu. Foi aí, en tão, que um novo p ro jeto tom ou
co n ta dele: o de unir "as artes m arciais" e as "artes literárias".
D o is anos antes de co m ete r o seppuku, M ishim a revela, em Sol e aço, sua insatis­
fação com a literatura, pois nela, em bora a m orte seja a fo rça cond u tora na c o n s ­
trução de ficções, a arte não m orre, ela é eterna, cria uma flor im ortal, artificial,
ficção. A o passo que na ação se m orre com a flor que não é im ortal95.

Na literatura, a m orte é mantida em xecjue, mas, ao mesmo tem po, usada


com o uma força condutora,- a força é empregada na construção de fic­
ções vazias,- a vida é mantida na reserva, misturada com a morte na m e­
dida exata, tratada com preservativos e esbanjada na produção de obras
de arte que possuem uma horrível vida eterna. Ação é morrer com a flor,-
literatura é criar uma flor imortal. E uma flor imortal, evidentemente, só
pode ser uma flor artificial.

"As flores artificiais da arte" e as "flores p erecíveis da ação" são uma o ideal da
outra. O g ozo do instante e o da eternidade respond em a v o to s contrários. S ó
a m orte pode resolver a discordância deles. S ó a m orte do b elo herói con ju g a a
ação e a arte: a flor que fen ece e a flor que dura para sem pre. N a m orte haveria
uma existên cia que não seria corroíd a pela falha da divisão subjetiva. S ó a m orte
pode lib ertá-lo da divisão do eu. A m orte se afigura à ún ica resolução possível da
dualidade que o h ab ita e à única m aneira de parar o incessante m ovim ento que o
p ro jeta de um p o lo ao outro de sua subjetividade dilacerada.
A criação artística de M ishim a, sustentada na letra, faz 'm ostração' do real pul­
sional, ultrapassa os lim ites do significante e enuncia a 'ex-sistên cia', o 'não cessa
de não se escrever’, o real da estrutura, desvelando a m arca do g o z o do perverso.
Em "K ant co m Sade"96, Lacan forja o m atem a da fantasia sadiana, p ro tótip o da
estrutura perversa, e verifica que o sujeito do d esejo (£ ), em seu ato perverso, não
é su jeito, ele está no lugar de a (o b je to m ais-d e-gozar), m ovido por uma vontade
de g ozo (V ). D aí, dirigir-se ao seu p arceiro, para dividi-lo (£ ), provocan do nele
h orror e surpresa, ou seja, fazendo com que ele se depare com a falta, com a c a s ­
tração e, ao m esm o tem po, extraind o de sua divisão o sujeito do bruto prazer (S),
revelando uma verdade que lhe é d esco n h ecid a, um g ozo que é pura pulsão de
m orte, um para além do princípio do prazer, S (Â).
Em seus atos perversos M ishim a se co lo ca no lugar de a e se dirige aos seus
parceiros para dividi-los: ele surpreende os jornalistas com as suas respostas ora
irônicas, ora non setise,- provoca os estudantes universitários de extrem a esquerda,
quando, em suas con ferên cias, en d ereça-lh es um discurso de extrem a direita, afir­
m ando, estranham ente, que am bos, os estudantes e ele, estão lutando pela m esm a
causa,- evoca esp anto em seus con terrân eo s porque, ao m esm o tem po em que
prom ove uma luta pelo Ja p ã o trad icionalista, exib e-se com trajes do capitalism o
americano,- ch o c a os jap on eses ao fundar o seu exército particular, a Socied ad e
do Escudo,- horroriza uma m ultidão de pessoas ao exibir seu seppuku97 diante das
câm eras de televisão.
Em O Seminário, livro 16: de um O u tro ao ou tro98, Lacan observa que o n eu ró ti­
c o , em sua relação com o p arceiro, m antém a divisão de seu lado,- ele ten ta pescar
no parceiro o o b je to que o "com plem en ta" em sua fantasia: o seio, as fezes, o
olhar, a voz. A estratégia de g o z o do perverso é outra, ele c o lo c a a divisão do lado
do parceiro e, do lugar de a, o ferece-se co m o "suplem ento"99, co m o instrum ento
do g o zo do O u tro.
N esse m esm o sem inário, Lacan cham a atenção para o fato de que o essencial da
pulsão escópica é fazer aparecer o olhar no cam po do O u tro 100:

E no nível do campo do O utro com o desertificado de gozo que o ato exi-


bicionista se coloca ali para fazer surgir o olhar [...] O que importa para
o voyeur é justamente interrogar o olhar no O utro o que não se pode ver.

M ishim a o ferece à hiância do O u tro , o m ais-de-gozar, o puro o b je to que lhe


convém , na tentativa de tapar o buraco do real com o o b je to a , olhar.
Homossexualidades
Femininas
' CAPITULO 26

De amores e flores: o caso da jovem


homossexual de Freud1
AnaVicentini de Azevedo
‘Lopes Labours L o sí

William Shakespeare

■ Introdução
ste trabalh o visou explorar algumas facetas da hom ossexualidade fem inina,

E tend o por fo co o cru zam ento do tex to de Freud, "A p sicog ênese de um
caso de hom ossexualism o numa m ulher"2, com uma re ce n te biografia da
'jovem ', escrita por Ines R ied er e D ian a V oig t, Desejos Secretos: a história de Sidonie C.,
a p acien te hom ossexual de Freud3.
D en tre os m uitos cam in hos, ou m elhor, m étod os, para p erfazer essa ap ro xi­
m ação, privilegio uma via dupla: por um lado, pontuar co m o essa biografia pode
con trib u ir para a teoria e a prática psicanalítica no que tange às questões da h o ­
m ossexualidade. P or outro, pretend o m ostrar de que m odo a P sicanálise pode vir
a ilum inar alguns pontos obscuros ou p ouco explorados nesse testem unho sobre
'am ores proibidos' e sobre as diversas reflexões que têm surgido na cultura sobre a
questão da hom ossexualidade fem inina. C o m ecem o s pelo título.

■ As inquietantes estranhezas de Eros


A pós vários anos de conv ersas e entrevistas com a co n h e cid a p acien te
de Freud, R ied er e V o ig t lan çam , em 2 0 0 0 , a biografia autorizad a da 'jovem
h om ossexu al’. Sua m o rte, aos 9 9 anos, em 1 9 9 9 , não perm itiu que ela visse
m aterializad o seu lo n g o e am b iv alen te p ro je to de ter sua h istó ria publicada, em
esp ecial aos asp ecto s de sua vida que co n c ern ia m a sua rela çã o co m Freud. N o
p refácio à ed ição b rasileira, Ines R ied er ressaltou essa am b iv alên cia: ao m esm o
tem p o em que S id o n ie C silla g (n o m e fic tício ) queria to rn a r p ú blica uma h istória
"m und ialm ente cé le b re" (exp ressão de C silla g ), ela tam bém d esejava perm ane-
c e r in có g n ita , com re ce io do que pensaria dela "a socied ad e", cu ja a c e ita ç ã o lhe
era tão cara, co m o tam bém eram as m ulheres que havia am ad o4.
N esse d esejo da p acien te de Freud, há um con flito que beira o paradoxo, e x ­
presso em term os de privado e pú blico, ou m elhor, de íntim o e secreto, por um
lado, em op osição à exp o sição pública. U m a tensão que se m anifesta já n o p ró ­
prio títu lo da obra em alem ão: Heimliches Begehren - Eine v erb oten e L iebe in W ien .
P odem os identificar nesse títu lo um c o n c e ito p recioso para a Psicanálise, cu id a­
d osam ente trabalhado por Freud: heimliche, que se refere ao que é íntim o, fam iliar
e, de m aneira mais ampla, diz resp eito à esfera do lar. N esse sen tido, o vo cábu lo
tam bém adquire co n o ta çõ e s de algo secreto, ocu lto, que deve ser m antido fo ra da
vista de estranhos5.
O term o é raiz do an tité tico Unheimliche, da inquietante estranheza, títu lo do
co n h e cid o ensaio de Freud6 dedicado a explorar esse efeito (pouco tratado pelos
ramos da estética, lem bra Freud), que m arca o retorn o do recalcad o. N ão m e pa­
rece acidental que os d esejos da jo v em hom ossexual tenham sido caracterizad os
pelas autoras co m o heimliches. Sid o n ie queria sua secreta história publicizada, mas
tem ia sua revelação. D aí, por exem p lo, uma exigência-, a de que seu nom e, bem
com o o das pessoas mais próxim as envolvidas em sua história, fossem trocad os, ou
velados. Essa dim ensão de velamento é um fator crucial no que tange a Eros, com o
verem os mais tarde.
Ainda seguindo os passos filológicos de Freud, a relação en te os adjetivos
heimiliche e unheimliche não é de m era op osição. C o n fo rm e ele próprio nos indica,
uma coisa é unheimiliche ju stam en te p or ela abrigar algo de profundam ente fam iliar
e que, por isso m esm o, deveria ter perm anecido recalcad o , mas veio à tona.
E ju stam en te esse o co n te x to am oroso de Sid o n ie C sillag. Seus am ores, em
especial seu am or pela Baronesa L eonie von P uttkam er (caso parcialm ente a co m ­
panhado por Freud), inscrevem -se, ao lon g o de toda a narrativa, sob o signo de
uma acirrada tensão entre a intensa intim idade e a interd ição de sua revelação
pública, ou seja, entre os vínculos e ró tico s e sua in terd ição e transgressão. C o m o
Bataille7 claram ente explicitou, entre o erotism o, a interd ição e a transgressão há
um laço inextricável.
O títu lo avança outro asp ecto im portante no que tange à erotolog ia. O s d ese­
jo s de Sid o n ie não são da ordem do Wunsch, do d esejo , definido por Freud co m o "a
diferença en tre o prazer da satisfação demandada e aquilo que de fato é obtido". Essa
d iferença vem a constitu ir o "fator propulsor que não perm itirá qualquer im pedim en­
to à p o sição alcançada"8. V em os aí a derivação do c o n c e ito lacanian o de d esejo
co m o a d iferença, o hiato que resta da op eração en tre a necessidade e a demanda.
N o caso dos am ores de Sid o n ie C sillag, estam os d istantes desse cam po do
Wunsch e claram ente sob as insígnias de Eros, ou, co m o destacam as autoras,
trata-se de Begehren, de desejos eró tico s. A intensidade do m ovim ento desejante
esbarra na interd ição, e essa con trad an ça vai m arcar os passos da jo v em , desde seu
prim eiro e n co n tro com a im placável força de Eros. O subtítulo do livro situa os
d esejos com o verbotene, ou seja, com o algo que diz respeito ao proibid o, ao ilícito,
ao inter-dito.
D esse caráter a n tité tico dos desejos unbeimliches de Sid o n ie C sillag (presente no
títu lo e p resentificad o ao lon g o de sua biografia), surge um tra ço de Eros digno
de nota. Freud nos diz, em seu estudo do caso, que, a um c e rto p o n to do trata­
m ento, ju stam ente quando se dá co n ta da transferência im aginária da pacien te,
que o co lo ca em p osição sem elhante à do pai, ele decide "rom per o tratam en to"9.
A decisão de Freud não deixa de causar uma certa estranheza, esp ecialm en te após
seus deslizes e aprendizado no m anejo da transferência no caso D ora.
M as lem brem os: a jo v em hom ossexual é trazida para análise com Freud por
seus pais e ali fica entre m arço e ju n h o de 1 9 1 9 , com sessões diárias, c in c o vezes
por sem ana. O u tra jo v em , praticam ente da m esm a idade, inicia sua análise com
Freud um ano antes, em 1918. Trata-se tam bém de uma jo v em hom ossexual, mas
cu jo traço distintivo entra para a história da Psicanálise co m o "a A n tígona de
Freud", ou seja, sua filha, Anna. A trajetória hom ossexual de Anna Freud é m antida
sob interdição, a p o n to de term os dela apenas vestígios, rasgos, em especial de
sua relação com D o ro th y Burlinham (nascida Tiffany, em 1 8 9 1 ). E essa m ilion á­
ria am ericana quem dá a Freud sua prim eira cadela chow-cbow, Lun Yug, e que se
instala, em 1 9 3 0 , no segundo andar da Bergasse 19, perm anecend o, desde então,
sem pre ao lado de Anna Freud, até sua m orte, em 1979. A m orte dessa am iga abala
profundam ente A nna Freud, que vem a falecer em 1982.
Será que a ruptura de Freud do tratam ento de Sidonie não põe em jo g o mais
elem entos unbeimliches do que admitim os tradicionalm ente na história da Psicanálise?
A lgo de profundam ente familiar, que deveria ter perm anecido recalcado, vem tam ­
bém à tona na análise de Anna Freud. Em um entrelaçam ento especular, Freud "deixa
cair" Sidonie C sillag e m antém Anna Freud, seis vezes por sem ana em análise, in­
terditando-a, porém , a outros hom ens, com o, por exem plo, Ernst Jones. Preço alto
pago por essa A ntígona, presa na dialética entre ter e ser a 'bengala' do pai. Verbotene
Liebe, amores proibidos e, ao m esm o tem po, profundam ente familiares, heimliches.

■ Deixar(-se) cair
A tração e in terd ição são os p olos que m arcam o erotism o, em particular a
inflexão que lhe dá a 'senhora' S id o n ie C sillag , que ch e g a aos 9 9 anos nesse
diapasão e fica inscrita na h istória da P sicanálise co m o a 'jovem ' hom ossexual.
N esse caso, a in terd ição , diz Freud e reitera L acan, vem do olh ar furioso que lhe
lan ça o pai, ao flagrá-la desfilando com a b aronesa pelas ruas de V iena, próxim as
a seu escritó rio. E ju stam en te a força dessa in terd ição que m erece destaque no
caso da jo v em . Ela é de tal ordem que nos faz desdobrar o erotism o pensado por
B ataille em term os de fo rça de atração , de interd ição e tran sgressão. N ão apenas
a in terd ição cria o d ese jo , c o m o tam bém sua fo rça é d iretam en te p ro p o rcio n a l
à fo rça de atração.
A interd ição, levada a e feito pelo olh ar furioso do pai, cristaliza a p o sição da
jo v em , esb oçad a já a partir do co m p lex o de Édipo, co m o um resto, um d ejeto
lançado na rua. Essa p osição é corrob orad a pelo subsequente pedido da baronesa
para que Sid o n ie não a procure mais, ou seja, configura-se outra interd ição. A
resposta da jo v em à dupla interd ição é a passagem ao ato: ela se lan ça da pon te
sobre os trilhos de uma pequena estrada de ferro da cidade.
O que a literatura analítica não poderia saber, até a pu blicação da biografia de
Sid onie C ., é que essa não seria a única passagem ao ato em preendida pela pa­
cien te. P or mais duas vezes, ela tentará o suicídio. U m a quando a baronesa decide,
em função de vários problem as ju d iciais, financeiros e p o líticos, deixar V iena, em
1924, em direção a Berlim , para lá viver, sem a am eaça dos proto-nazistas, com
sua então am ante, C arlota. A jo v em tom a uma am pola de ven en o que, além de um
profundo m al-estar, não lhe traz m aiores conseqüências.
A terceira e últim a tentativa de suicídio tam bém a co n tece após Sid o n ie tom ar
c o n h ecim e n to de que seu am ado - dessa vez trata-se de um b elo jo v em - lhe está
interditad o. Este está por dem ais interessado nas inúm eras m ulheres que pode se­
duzir por toda V iena. A o se dar co n ta de que Franz lhe deixa de lado, novam ente
um ato de Sidonie. Ela se dá um tiro no peito, que, por pouco, não lhe atinge o
co ração , esse seu órgão tão vulnerável, falível, mas persistente.
Três m om entos de rejeição , de abandono, seguidos de três passagens ao ato.
Em todas as três situações, uma configu ração triád ica está presente e, em todas,
Sid o n ie é a terceira figura excluída. N a prim eira vez, o pai e a baron esa lhe d i­
zem não, em uma clara reed ificação edípica. N a segunda tentativa, o triângulo
am oroso que leva à exclusão de Sid o n ie é exclusivam ente form ado por m ulheres:
a baronesa, sua am ante e a jo v em . (Talvez por isso a ten tativa ten h a sido a mais
branda de todas?). N o terceiro episódio, n ovam ente uma configu ração edipiana:
o b elo am ado, o co n ju n to de m ulheres atraentes e, de sobra - Sidonie.
A p osição de exclusão ocupada pela jo v em é explicitad a na tím ida leitura de
Freud sob re o caso e teorizad a, com vigor, por Lacan, no Seminário da Angústia'0,
publicado em 1 9 6 2 -1 9 6 3 . O triângulo edípico salta aos olh os de Freud: o n asci­
m ento de um irmão tem porão lhe retira ainda mais o escasso am or m aterno (algo
que a senhora Sid onie C sillag reitera a suas biógrafas). A traição am orosa do pai,
atestada por esse nascim en to, é acrescid a pela obstin ad a d ed icação deste aos n e ­
g ócios e ao sucesso financeiro. Sid on ie sobra, co m o um resto, um resto que Lacan
irá nom ear co m o objeto pequeno a.
O "o b je to a , no qual se fixa a jovem hom ossexual, de maneira identificatória,
é o olhar do pai, que não precisa mais vê-la para que ela perm aneça, para sempre,
sendo olhada por ele. E, de fato, o olhar será o o b je to privilegiado por Sidonie em
suas trocas amorosas. Ao descrever a primeira vez em que a jovem vê a baronesa, é o
olhar que a captura-. "Sobretudo, não podia mais se libertar dos olhos - claros, quase
duros, podem olhar alguém de m odo tão profundo! [s/c]"11.
Após a prim eira tentativa de suicídio, a jo v em volta a ter m aior liberdade para
se en con trar furtivam ente com a dama idolatrada. O prim eiro e n co n tro entre elas
é preparado nos seguintes term os: "Amada Leonie", escrev e-lh e a jo v e m 12,

posso vê-la tão logo possível? Espero tanto que não esteja zangada
com igo! Com o, em hipótese alguma, gostaria de encontrar meu pai n o ­
vamente, proponho um encontro no parque da cidade (...) Leonie envia
prontamente sua aceitação pela mensageira, e Sidonie exulta diante da
perspectiva de voltar a ‘devorar com os olhos" a baronesa.

E mais adiante: "devorar Leonie com os olhos e escutar sua linda v oil Isso é o m undo
para S id o n ie "13.
C o m o a expressão da tro ca erótica pelo olhar vem entre aspas na biografia, é
de se supor que esta seja de autoria da própria Sidonie. C o m e feito , essa jo v em
que passa pela história da Psicanálise co m o "a jovem hom ossexual" só vai, de fato,
consegu ir ter uma relação sexual com seu o b je to de ad oração décadas depois de
seu breve tratam en to com Freud, em 1 9 1 9 . Em Berlim , em 1 9 4 0 , as duas voltam a
se encontrar, e ouvim os de Sidonie: “ainda cjuero devorá-la com os olhos, como sempre!”14.
M as, desta vez, a baronesa, agora com 4 9 anos, dá aulas de inglês para sobreviver
e te ce h abilm ente uma tram a para transgredir os ciúm es de sua am ante para, final­
m ente, levar Sid o n ie para um "canapé de velud o"’5.
D ev e-se notar, contu d o, que partilhar canapés, leitos, ou qualquer outra form a
de en lace e ró tico é algo raro na longa história da jo v e m hom ossexual. Seus e n c o n ­
tros eró tico s são em in en tem en te p latôn icos, m arcados pela inacessibilidade do
o b je to am ado, e x ce to pela via do olhar: "ainda quero devorá-la com os olhos, como
sempre", lem bra-nos Sid onie sobre o arranjo de seu m undo e ró tic o e do lugar por
ela ocupado. N esse sentid o, vale ressaltar que, m esm o sem ter tido acesso a essa
m inuciosa biografia, a aguda escuta clín ica de Lacan pôde extrair desse intricado
caso, do qual o próprio Freud se retira, dados cruciais para a teo rização acerca do
o b je to a, bem co m o sobre a articulação en tre d esejo e lei.
N o que se refere à posição em que é co lo ca d a a jo v em S id on ie, qual seja, a
de o b je to olhar, Lacan observa que se trata aí de uma "id entificação absoluta do
sujeito a esse a ao qual ele se reduz"16. Tal redução a um d ejeto de rua nos rem ete
à articulação en tre m asoquism o e pulsão de m orte de que trata Freud em "Bate-se
numa cria n ça "'7, de 1919 , um estudo no qual a história da literatura analítica su­
põe estar presente a estruturação fantasística de A nna Freud. N ão é à toa que esta
analista produz um te x to p recioso sobre a questão, que vem a se to rn ar tam bém
um vigoroso testem unho de sua análise. A nna Freud apresenta esse trabalh o em
m aio de 1922, na Socied ad e P sicanalítica de Viena, co m o mot de passe para essa
in stitu ição 18.
Sab em o s que a fantasia de ser espancado está intim am ente vinculada a uma
ligação incestuosa com o pai, em am bos os sex o s19. Porém , no que diz resp eito à
p osição fem inina, a segunda fase é proem inente e m arca-se por seu caráter in c o n s­
c ien te e m asoquista, no qual o pai, ou seus substitutos, figuram em um co m p lex o
processo de recalcam en to e regressão, a partir do d esejo incestuoso de ser am ado
pelo pai20.
D e se jo in co n scien te pelo pai, in terdição deste, ressentim ento e vingança são
term os com uns nas leituras de Freud e Lacan sobre a análise da jo v em h o m o s­
sexual, na qual devem os pôr em relevo o entrelaçam ento de d esejo e lei. M as,
nesse caso, a lei do pai se confund e com seu d esejo. Em outros term os, a lei do
pai não é a do pai sim bólico, a do pai m orto, mas a do pai im aginário, aquele pai
p o ten te, que poderia lhe ter dado um filho. E é ju stam en te esse pai que, apesar do
dom de dar um filho, lhe dá, ao invés, um mau-olhaâo. Presa iden tificatoriam en te a
esse pai im aginário e, ao m esm o tem po, d ejetada por ele, a essa jo v em não resta
nesse m om en to outra saída a não ser o sair de cen a - o deixar-se cair da p on te, a
passagem ao ato.

■ Maus olhados
O poder do olhar do pai, do seu mau olhar, é trabalhado por Alain D idier-
W eill, em Os três tempos da lei2'. U m a im portante observação de Lacan, no sem inário
sobre Os cjuatro conceitos fundamentais da Psicanálise, serve de apoio para D id ier-W eill.
D isse Lacan que: "a verdadeira função do órgão do olh o, ch e io de voracidade
[...] é o m au -olhad o"22. Tem os aí, em estado germ inal, a natureza do olh ar do pai,
no qual a jo v em será capturada: ao m esm o tem po em que ele é voraz, devorador
(não deixem os de ouvir aí coloraturas incestuosas), ele é punitivo. D id ier-W eill
desdobra esse últim o atributo de m aneira ilum inadora para pensarm os a relação
da jo v em hom ossexual com o m au-olhar p aterno23:

a Coisa humana - das Dincj - , que remete para o que, em nós, é o mais
velado, [pode] se desvelar, quer na vergonha enquanto coisa enrubes-
cedora tendo perdido qualquer segredo, quer numa produção estética
que, por intermédio da beleza, se transmite com o um segredo cujo ca ­
ráter absoluto se deve ao fato de que ele desarma não somente o saber
com o também o poder maléfico do olhar.

D uas vertentes apresentam -se co m o alternativas para o sujeito face ao desve-


lam ento do real da C oisa: o segredo devassado por um olh ar h ip erp oten te e, por
outro lado, a produção estética. A té agora, no caso da jo v em hom ossexual, tem os
tão som en te seu recurso à passagem ao ato co m o alternativa (?) ao desam paro
frente ao d esvelam ento daquilo que ela tem de mais secreto : seus m ecanism os
internos, esp ecialm ente sua configu ração edípica, que, ao m esm o tem po em que a
reduz a um a, a um d ejeto, eleva a dama amada ao lugar do ideal absoluto, do <I>.
N esse sentido, podem os ver, com Lacan, o lugar proem inente do pai na h o m o s­
sexualidade, seja ela m asculina ou fem inina24.

■ Entre cortesãs e o amor cortês


As repetidas tentativas de suicídio da jovem , bem com o seus fracassos, cham am
atenção para um recurso psíquico na história erótica dessa jo vem , cuja beleza e
inteligência não escaparam a Freud. Esse recurso vem ao en con tro do que observou
D idier-W eill anteriorm ente: desvelada no que lhe há de mais real, sua posição de
resto de - (p, a jovem recorre a uma crescen te esteticização de suas relações eróticas.
Im portante afirmar, desde já , que não se trata de uma produção estética, mas de uma
esteticização, ou, talvez, até de uma fetichização. M as vam os seguir seus passos mais
de perto.
O h istó rico am oroso narrado ao lo n g o da biografia de Sid o n ie apresenta-nos
uma m ulher em incessante busca por o b je to s am orosos que lhe são, inexorav el­
m ente, im possíveis e inacessíveis. Freud é perspicaz na id entificação desse jo g o :
Sid o n ie é alguém “che poco spera e nulla chieâe"25, ou seja, sua con stitu ição narcísica
caracteriza-se por uma "ind iferença de ped aço de coisa", na bela expressão de
G uim arães Rosa ao tratar, em seu Noites do sertão26, de um caso am oroso entre duas
m ulheres. P ed aço de coisa, ou ped aço da C o isa, é co m o Lacan tam bém con ceitu a
a identificação absoluta dessa jo v em com o a a que ela se reduz e no qual se fixa.
Por outro lado, e esse dado não esteve acessível a Freud nem a Lacan, Sid onie
reiterad am ente declara a suas biógrafas que ela é uma “esteta": “sem pre fui apai­
xonada pela b eleza. U m a bela m ulher é sem pre um prazer para mim , e será assim
até o fim de m inha vida"27, diz ela p ou co antes de sua m orte, aos 9 9 anos. Esse
véu de b eleza é o artifício e ró tico que ela co m p õ e para fazer frente ao horror
da sexualidade desvelada e fixada no e pelo m au-olhar, não apenas do pai, com o
podem os ouvir nessa longa cita ç ã o 28:

Q uanto mais Sidonie considera sua própria beleza perdida, tanto mais
emergem em sua memória os corpos e os rostos de seus grandes amores.
E com eles, fatalmente, o tema da sexualidade. Com aversão, sob a qual
se esconde leve tristeza, ela fala sobre o amor físico. Ela sabe que gran­
de parte do prazer permaneceu para ela inacessível. C om o lhe dissera
mesmo aquele m édico que a tratou no hospital (...) após sua terceira
tentativa de suicídio, quando a bala não acertou seu coração apenas
por dois centímetros? Ele com preendeu com o seu ser se estruturava e
o que se passava. "A senhora é uma clássica assexual”, dissera ele. E até
hoje não pode senão concordar. C om o um simples toque de mão, um
movimento do corpo, um olhar a tinham podido excitar muito mais
que as regiões do corpo em que todos costumam concentrar seu desejo!
C om o havia achado terrível o lugar escuro e a "coisa" ameaçadora entre
as pernas dos homens, com o considerara angustiante, mesmo se um
pouco melhor, esse local úmido nas mulheres,- quanta repugnância lhe
provocava uma língua dentro da sua boca! (...) "Fiquei assim por causa
da minha mãe", constata, sem floreios. "Qualquer mulher era para ela
uma inimiga (...) Amorosa, de fato, foi apenas no final (...),- até me disse
que tinha belos olhos".

C u rioso observar que, 8 0 anos após sua análise com Freud - que perm aneceu
para ela com o "um velh o im becil" —, Sid o n ie corrob ora uma interpretação de seu
analista, form ulada por ele co m b astan te clareza: “a análise revelou, sem som bra
de dúvida, que a dama am ada era um substituto para - sua m ãe"19.
O u tro traço salta aos o lh o s nesse rico d ep oim ento: a com bin ação m ortífera
de m aus-olhados que aprisionou a jo v em hom ossexual, inscrevendo em sua carne
as insígnias do O u tro devassador. A lém do m au-olhado p aterno, ouvim os nessas
palavras de Sid o n ie o poder do m au-olhado m aterno. N a triangulação edípica, a
mãe entra não com seu olh ar apaziguador, seus cuidados am orosos e p ro to -ero -
tizantes, mas co m o mais um O u tro a queimar, a co n g ela r a jo v em . A co n ju n çã o
dessas duas figurações do O u tro con stitu i-se por dem ais poderosa e aniquiladora
para o sujeito.
M ais um olh ar m ortifican te de M edusa se crava em seu corp o, co n g elan d o -o
em um a indevassável frigidez. FJom ossexualidade assexual e frigidez ou, mais
agudam ente, 'repulsa ao sexo' — estam os diante de um paradoxo ou de uma c o n ­
trad ição em term os? N ão necessariam ente. N o erotism o fem inino, a hom ossexu a­
lidade pode ser alternativa para uma sexualidade interditada. N esse sen tid o, ela
tem p ouco de transgressão e m uito de regressão e fixação.
U m m atiz te ó rico , porém , ca b e ser lem brado e reafirm ado aqui: a pulsão é
sem pre parcial e, assim, a genitalidade não é sua realização plena, sua evolução
ou finalidade ideal. Isso é fundam ental para circunscreverm os alguns aspectos da
articulação en tre fem inilidade, sexualidade e hom ossexualidade fem inina. O c o r­
po no fem inin o é m últiplo em zonas erógenas, d iferen tem en te do 'gozo idiota',
do g o zo d o próprio órg ão, co m o Lacan caracteriza o g o z o do hom em - cab e
ressaltar o recurso à língua grega subsumido nesse com en tário de Lacan sobre
o g ozo do hom em : ídios significa, dentre outras acep çõ es, aquilo que é próprio,
com um . D a í term os, por exem plo, idioma, ou tam bém , idiota, o ensim esm ado em
to rn o de si próprio.
É essa jo v e m , m ovida ero tica m en te por m ulheres, ao m esm o tem po em que se
furta de um e n co n tro com elas, que vai recobrir, velar a si e a seus o b je to s de am or
sob o véu da b eleza, co m o um segredo indevassável. M ais uma vez trazem os D i-
d ier-W eill para ilum inar a dialética entre velar e desvelar, que tem os associado ao
erotism o, esp ecialm ente à hom ossexualidade fem inina: "o m odo de desvelam ento
da C o isa se subm ete à m aneira co m o seu v elam en to é estruturado"30.
N o caso da jo v em hom ossexual, o velam ento é levado a e fe ito pela via da
privação e da frustração. O pai im aginário priva-a do o b je to in co n scien tem en te

; ■ De amores e flores: o caso da jovem homossexual de Freud


d esejad o, cau sand o-lhe um furo no real. D o lado da mãe, é sua figuração sim b ó ­
lica que a frustra em sua relação com um o b je to real - a m ãe que atrai tod os os
hom ens para si. Tal co m o fazem mais tarde outras m ulheres, mais im palpáveis e,
desse m odo, mais im aginarizadas, que atraem o amado Franz. Em suma, vejam os o
que receb e a jo v em Sidonie-. das m ulheres - traição e atração,- dos hom ens - uma
ju rada. Para apaziguar tam anho desam paro, o véu estetizan te da b eleza se constrói
pela via do am or cortês.
Curiosa trajetória psíquica em preendida por essa jo v em . A in iciação de S id o ­
nie nos m istérios sáficos se dá por uma cortesã, a baronesa V on Puttkam er, que
lhe pede para ler trech o s de Josejine M utzenbacher, um clássico da literatura erótica
austríaca que descreve os m últiplos am ores de uma jo v e m cortesã. Apesar da
repulsa que isso lhe causa ("M eu D eu s, o que L eonie pretend e com isso!? Isto é
(...) verdadeiram ente abom inável, é (...) da pior ca te g o ria ")31, Sid o n ie atende aos
apelos da amada. A p osição de co lo car-se a serviço da amada, m esm o que - ou
ju stam ente quando — isso lhe custa m uito, é uma das características que podem os
identificar nos trovadores e nessa m odalidade am orosa que cham am os de am or
cortês, uma trad ição da lírica medieval.
C o m o indica, com con cisa propriedade, N adiá Paulo Ferreira32,

as características do amor cortês são: o ob jeto amado é inacessível em


função da não-correspondência (amor impossível),- amor é sinônimo
de se colocar a serviço da amada, de sofrer e morrer de amor,- as regras
que estabelecem as relações amorosas entre amante e amada (cortesia)
exigem humildade, fidelidade e segredo.

N adiá Ferreira igualm ente põe em evidência a co n trib u içã o de Lacan para a
com preensão, analítica e literária, dessa m odalidade am orosa. T rata-se, sobretudo,
de uma invenção, de uma ficção que co n tém "tudo o que de artifício é necessário
para a invenção de um o b je to "33. S o b essa ó tica , podem os ver de que maneira
Sid o n ie C sillag revela-se, estruturalm ente, co m o uma fiel seguidora de "Eros my-
thóplokos" — a tradução proposta por Jo aqu im Assis Brasil para o ep íteto de Safo é
preciosa,- para o p oeta e tradutor brasileiro, Eros é "tecelã o de m itos"34- , ou seja,
uma seguidora dos artifícios e ró tico s a que se autorizam os poetas, os loucos e os
am antes, co m o bem lem brou W . Shakespeare. Seus o b je to s am orosos são verd a­
deiras peças de ficção, co m o é o caso da baronesa V on Puttkam er. "Amar é dar o
que não se tem ..."
Porém , reitero que, no caso da eró tica de Sid onie C sillag , não estam os face
a um tip o de produção estética, seja nos m oldes dos trovad ores m edievais, seja
da criação artística em geral. A pesar de sua longa vida, Sid o n ie não consegue
sustentar uma única relação am orosa ou, m enos ainda, um trab alh o ou uma p ro ­

307
dução intelectu al, apesar de seus notáveis talentos. O m áxim o que conseg u e fazer,
quando enfim lhe falta d inheiro, é trabalhar co m o - governanta. U m a p osição
servil, co m o conv ém aos p ro to co lo s das relações da co rte e do cortês (a p osição
de servidão na e da qual goza Sid o n ie C sillag é o b je to de um d etalhado estudo
de Je a n A llouch , significativam ente intitulado Sombra de teu cão-, discurso analítico
e discurso lé s b ico 35. Im portante n otar que o título do original francês lim ita-se à
paráfrase de um verso da ca n çã o de Jacq u es Brel - Ombre de ton chien. N ão podem os
deixar de indagar as razões para a transform ação do lesbianism o em discurso e
de seu paralelism o com o discurso an alítico , este sim teorizad o não apenas co m o
uma m odalidade de en lace social mas, sobretudo, a partir de co n c eito s e p osições
bastante precisos na teoria p sicanalítica).
D o am or cortês, ela retém a p o sição servil, m asculina, que se estrutura ju n ta ­
m ente da invenção h ip erbo licam en te idealizada do o b je to amado. D esse intricado
jo g o e ró tico entre a baronesa - uma cortesã por ex ce lê n cia - e os requisitos do
am or co rtês, realizados com esm ero pela jo v em hom ossexual, vem os uma e n ce n a ­
ção, com colaturas trágicas, da m áxim a lacaniana da não existência da relação sexual.
Porém , além da afirm ação sobre o d esen con tro en tre os sexos e entre as p osições
na sexuação, resta-nos interrogar, nesse caso, a outra v erten te indicada acim a, qual
seja, a produção estética, em sua vincu lação com a sublim ação. Safo talvez nos dê
um dos m elh ores con trap on tos para discutirm os essa questão.

■ Para não dizer que não falei de flores


H á um traço , no relato dessa jo v em -sen h o ra a suas biógrafas, que pode passar
desapercebid o, dada sua 'trivialidade'. Porém , sua reiterada presença ao lo n g o da
narrativa cham a nossa escuta. Sid onie é ob cecad a em re co b rir suas amadas com
flores, ch eg an d o, inclusive, a desprezar uma pretensa am ante por esta te r ousado
presenteá-la com tulipas, flores "por dem ais vulgares".
Flores são um leitmotij não som en te na trad ição lírica de autoria fem inina, com o,
sobretudo, na literatura erótica, na qual costum am estar associadas aos órgãos
sexuais, esp ecialm ente co m o eufem ism o para a genitália fem inina. M ais uma ou ­
tra form a de desvelar, velando. "Mrs D allow ay said sbe would buy thejlowers berselj[...]
W hat a lark.i W hat a pluncjel" - "M rs D allow ay disse que iria ela m esma com prar as
flores (...) Q u e travessura!". Q u e prazer em se lançar!36. Assim abre V irginia W o o lf
seu b elo rom ance sobre Clarissa D allow ay, que, co m o sua autora, tem incursões
hom ossexuais ao longo de sua história. Raros são os m om en tos em que podem os
en co n trar exem plos tão claros, con ciso s e precisos do g ozo fem inino, co m o essa
relação de C larissa com as flores.
N o gesto da personagem e na m odulação que lhe dá W oo lf, entrelaçam -se
fem inilidade, sexualidade e sensualidade, co m o tão bem convém a Eros. O s sen ti­
dos, ou alguns orifícios pulsionais, con correm nesse ato: olh ar e olfato im pulsio­
nam Clarissa D allow ay para lançar-se e sorver o frescor do ar de primavera: “what
a plunge", poderia perfeitam en te ser traduzido, em um vocabu lário p sicanalítico,
por: "que g ozo v ertigin oso esse que prescinde do falo!". G o z o suplem entar, de
quem não está to d a inscrita na função fálica e circun scrita a ela. E co m o não toda,
co m o falta, que a m ulher pode ter acesso a esse g ozo suplem entar, a um ex-cesso
de gozo.
N esse sentid o, Safo pode ser evocada, com sua voz elo qü en te, para dar te s te ­
m unho sobre a relação entre o fem inino e a sexualidade, tecid a por m eio de flores
e sob sua m etáfora:

] eu prefiro, juro, estar morta -


ela me deixava, e entre muitas

lágrimas me dizia assim:


Ah! Q uanto nós sofremos,
Pssapho! contra a vontade, eu te abandono!

e eu lhe respondi, então:


vai na alegria, e guarda-me na lembrança:
sabes bem com o nos prendemos a ti,

não sabes? Pois quero retirar


do esquecimento, para ti [ ] [ ]...
...[ ] quanto fomos felizes,

e tan[tas grinaldas] de r[osas],


de aça[frão] e violetas
... [ ] a meu lado tecias,
e tantas guirlandas
[ ] no teu colo suave,
de flores trançadas [

e.. tanto perfume de flor


preciosa [ ] . . [ ] .
ungias ; e era feito para rainhas,-

e, sobre um leito macio,


o desejo saciavas [ ]
por [37

U m a bela tradução de Brasil Fontes, que recom p õe p o eticam en te o fragm ento


8 da poeta de Lesbos. Presidindo à despedida das am antes, tem os guirlandas,
rosas, grinaldas, tranças eróticas de flores e ch eiros em profusão. Trata-se, a meu
ver, de mais um exem plo do velar e desvelar - uma característica de Eros, que se
acentua na e ró tica fem inina, co m o venho dem onstrando aqui.
S o b a ó tica psicanalítica, p od e-se ver essa op eração dupla em term os do e n tre ­
ver, d escrito por Freud em seu ensaio sobre o fetich ism o. N o cam po da estética,
esse traço é estrutural, tan to no que diz respeito à criação quanto à re ce p çã o da
obra de arte. "Eu sei bem , mas m esm o assim", é a tradução que O cta v e M ann on i
propõe para o m ecanism o que Freud denom ina de Verleugnung, de recusa, ou rene-
g a ção 38. U m m ecanism o que Lacan põe em evidência no que se refere à perversão,
co m o estrutura.
Trago essa característica articulada à dim ensão da estética para acentuar que
meu interesse não é perseguir uma via p ato ló g ica da perversão, mas tratá-la co m o
uma estrutura, ou seja, com o elem entos que ocupam lugares esp ecíficos e entretêm
relações próprias entre si, a partir das p osições ocupadas. Assim, p rop on ho indi­
car, a títu lo de arrem ate, traços estruturalm ente com uns entre a criação artística,
a fem inilidade e a hom ossexualidade fem inina.
N a lírica de Safo, o p rocesso de m etaforização das flores e da sexualidade,
ou seja, as flores co m o o véu que vela e desvela, abrem esp aço sim bólico para a
produção e a expressão de um g ozo , de um m odo particular de g ozo , suplem entar,
que vai além do g o zo do próprio órgão. N esse âm bito do sim bólico, a sexualidade
inscreve-se na dit-mension, na dim ensão do dito, no fato de que o sexo é, antes de
tudo, uma produção da linguagem .
N o caso da linguagem p o ética, esse estatuto adquire co n to rn o s mais am plos
e am bivalentes. Em função da prim azia da op eração m etafórica, a poesia põe em
evidência que, tam bém no d om ínio do sexual, trata-se de uma coisa no lugar da
C oisa. Em outros term os, podem os dizer, com Lacan, que se trata de elevar o
o b je to à dignidade da C o isa, ou seja, de um a via sublim atória de satisfação pulsio­
nal, de um pára-além do im perativo de g ozo . O u tro asp ecto relevan te das flores
enqu anto tópoi, enquanto lugar com um da lírica no e do fem inino.
C o m o dim ensão suplem entar ao g ozo fálico, as flores nos rem etem a um atri­
buto singular da p osição fem inina. R efiro-m e ao caráter evanescente tan to delas
quanto da p o sição fem inina, esp ecialm ente no que se refere ao g ozo. Em relação
às prim eiras, co m o bem observou Freud a seu jo v e m poeta, é ju stam en te sua
transitoried ade que constitu i a fo n te de sua b elez a e de seu fascín io39. O u seja, a
co n ju g ação de vida e m orte, nas flores, perm ite que façam os delas e com elas uma
c eleb ração e ró tica da vida, assim co m o faz Safo de Lesbos.
N o que tange à posição fem inina, é tam bém na transitoriedade em que reside
o âm ago de seu erotism o. Lem brem os do baixo relevo, do século I d .C ., de Pom -
peia - a G radiva - figura com a qual delirantem ente o jo v em FJanold recob re a
m ulher Z o e Bertrang, o b je to inacessível de seu amor,- é com base no rom ance do
escritor alem ão W ilh elm Jen sen , que Freud produz o im portante trabalho "D elírios
e S onh os na Gradiva de Jen sen "40. O traço que Freud põe em relevo em relação ao

310
poder dessa figuração, dessa figura m etafórica cham ada G radiva, é ju stam ente sua
transitoriedade: "o principal motif de Gradiva [é] a particular graciosidade da menina,
com seu pé esquerdo em posição perpendicular”41. M ovim ento evanescente - assim
poderíam os parafrasear essa descrição de Freud acerca do fascínio que o fem inino
exerce, de diferentes maneiras, tanto para os hom ens co m o para as mulheres.
N o caso da jo v e m hom ossexual, o acesso não p ro p riam en te ao fem in in o, mas
à e xp eriên cia de sua tran sitoried ad e ficou -lhe interditad a. Ela p erm an eceu , até o
fim de sua vida, id entificad a, co n g elad a no eixo im aginário en tre o a, ao qual foi
reduzida, e o O , no qual tran sform ava seus o b je to s am orosos. U m fim trá g ico ,
porque im utável e im placável, para alguém que ainda nos faz trabalhar, nos fa z
circular, co m o diz L év i-Strau ss42 sob re o papel da m u lher na e co n o m ia de tro cas
sim bólicas da cultura. E sp ecu lativ am en te, podem os e sb o ç a r que, se essa jo v em
tivesse sido aco lh id a por Freud, ou m elh or, re co lh id a por ele, co m o ele pôde
fazer com tantas outras jo v e n s, hom ossexuais ou não, talvez ela pudesse te r ido
além do véu e n co b rid o r das flores e ter fruído e fluído em águas m enos turvas.
Para encerrar essa reflexão, parece-m e op ortu no trazer um con tem p orâneo
do período vitoriano, um período n otavelm ente m arcado pela d en eg ação ou
interd ição da hom ossexualidade. R efiro-m e ao co m p o sito r francês L éo D elibes
(1 8 3 6 -1 8 9 1 ) que, em sua ópera, Lakmé, de 1 8 8 3 , traz um dueto no qual podem os
ouvir, com elo qü ência, co m o as flores podem servir para d izer dessas "coisas que
não existiram nunca, mas acon teceram sem pre".
"O uçam os":

LAKMÉ
Viens, Mallika, les lianes en fleurs
je tten t déjà leur ombre
sur le ruisseau sacré
qui coule, calme et sombre,
éveillé par le chant
des oiseaux tapageurs !

MALLIKA
O h ! maítresse,
c'est l'heure oü je te vois sourire,
1'heure bénie oü je peut lire
dans le coeur toujours fermé
de Lakmé !

DUO
LAKMÉ
D ôm e épais le jasmin
à la rose s'assemble,
rive en fleurs, frais matin,

311
nous appellent ensemble.
Ah ! glissons en suivant
le courrant fuyant
dans Tonde frémissante.
D 'une main nonchalante,
gagnons le bord,
oü Toiseau chante.
D ôm e épais, blanc jasmin
nous appellent ensemble!

MALLIKA
Sous le dôme épais
oü le blanc jasmin
à la rose s'assemble,
sur la rive en fleurs,
riant au matin,
viens, descendons ensemble.
D oucem ent glissons :
de son flot charmant
suivons le courant fuyant
dans l'onde frémissante.
D 'une main nonchalante,
viens, gagnons le bord,
oü la source dort
et 1'oiseau chante.
Sous le dôme épais,
sous le blanc jasmin,
ah ! descendons ensemble !

LAKMÉ
Mais je ne sais quelle crainte subite
s'empare de moi ;
quand mon père va seul
à leur ville maudite,
je trem ble d'éffroi !
MALLIKA
Pour que le dieu G aneça le protège,
ju squ li l'étang oü s'em battent joyeux
les cynges aux ailes de neige,
allons cueillir les lotus bleus.

LAKMÉ
Oui, près des cynges aux ailes de neige,
allons cueillir les lotus bleus...
Porém , nem tudo são flores nos am ores. M as isso fica para um próxim o
capítu lo...

■ Apêndice
dueto das flores

LAKMÉ
Vem, Mallika, os ramos em flor
derramam já sua sombra
sobre o riacho sagrado que corre,
calmo e escuro,
desperto pelo canto dos pássaros em desordem.

MALLIKA
O h, ama!
Essa hora em que te vejo sorrir,
é a hora bendita
em que posso ler
o coração sempre fechado
de Lakmé!

Duo

LAKMÉ
Copa espessa,
o jasmim à rosa se entrelaça,
as margens em flor e o frescor da manhã
nos chamam.
D ocem ente nos deixemos levar
em sua correnteza, na reluzente onda.
Com mão lânguida, vem, alcancem os a margem
onde cantam os pássaros.
A copa espessa
e o branco jasmim
juntos nos chamam!

MALLIKA
Sob a espessa copa,
onde o branco jasmim
se entrelaça à rosa,
nas margens em flor

313
sorrindo para a manhã, venha, vamos descer juntas.
D eslizem os docemente-,
vamos na correnteza fugaz
de sua onda sedutora.
C om mão lânguida, vem, alcancem os a margem,
onde dorme a fonte e o pássaro canta.
Sob a espessa copa,
sob o branco jasmim
Ah, desçamos juntas!

LAKM É
Mas eu não sei que súbito medo
se apodera de m im ;
quando meu pai parte só
para o vilarejo maldito,
eu tremo de medo!

M ALLIKA
Possa o deus Ganeça protegê-lo!
Vamos até o lago,
onde cisnes de asas brancas com o a neve
brincam alegremente.
Vamos colher os lótus azuis.

LAKM É
Sim, próximo aos cisnes de asas cor de neve,
Vamos colher os lótus azuis...
CAPITULO 27

Nos meandros do continente negro: questões


sobre a homossexualidade feminina
Denise Maurano

com plexid ad e da relação do su jeito com o d esejo não é nenhum a n o ­

A vidade. Efetivam ente, o cam po do d esejo é o cam po do em baraço, do


obstáculo. Prim eiro, não se sabe d ireito o que se quer. D ep ois, quando
se elege algo, este, uma vez atingido, já não parece tão desejável. N a articulação
entre o d esejo e o que se apresenta co m o obstáculo, a P sicanálise apresenta sua
versão. Esta tem , na h ip ótese freudiana do co m p lex o de Édipo, no qual se destaca
a relação com o pai, sua orien tação mais con h ecid a.
A cultura sem pre deu ênfase à relação do hom em com o pai. D esd e a A ntigui­
dade, obras co m o a llíaàa, de H o m ero , oferecem um ex ce le n te exem plo quando
se refere a seus heróis a partir de sua filiação — fulano, filho de b eltrano , o mais
corajoso,- ou ainda o mais engenhoso,- ou não im porta o quê. P arece que, nessas
ind icações, o pai aparece com o a referên cia que dá a m edida do sujeito, seu me-
tron. A m aneira de abordar essa relação com o pai muda através dos tem pos, mas
jam ais, na cultura, deixa de se apresentar co m o eixo fundam ental.
A função do pai, ou esse apelo a que o pai fu ncione, em erge, com o propõe
Freud no prim eiro capítu lo do "M al-estar na cultura"', publicado em 1929, do
desam paro inaugural do animal hum ano face à co n d ição de insuficiência e de
prem aturidade na qual ch eg a ao m undo.
Send o privado da autonom ia franqueada pela reg ên cia do saber instintivo, por
m eio do qual os animais m ovim en tam -se e efetivam , em plena co e rê n cia com a
inscrição g en ética, sua sobrevivência alim entar, sexual, social, e fazem consistir
seu ser, exatam ente porque não o co lo ca m em questão, o hom em , exilad o no cam ­
po da linguagem , paga com a in con sistên cia de seu ser o p reço de sua liberdade.
Subverte o que seria o cam po da necessidade: com e dem ais ou de m enos, não faz

315
sexo por instinto, introduz, aí, amor, erotism o e, aliás, atrapalha-se to d o com isso,
e por aí vai, desvairadam ente. P elo visto, perde o que, de fato, nunca teve em si
m esm o, ou seja, a alm ejada ju sta medida da ação correta. N o entanto, ao assumir
esse ônus, ele faz apelo a um fiador, pede cau ção, am paro, ao O u tro, e é nessa
co n d ição que se faz sujeito — subjectu, do latim , posto debaixo.
O sexual está referido na Psicanálise ao que prom ove o laço entre o su jeito e
o O u tro, diante da situação de prem aturidade que inaugura a vida do anim al h u ­
m ano. Laço que se efetiva do m odo com o é possível e, nesse co n te x to relacionai,
privilegia o que lhe é disponível, ou seja, o recurso da entrada na linguagem , esse
universo ond e o O u tro está situado. Tal recurso visa p roteg er o sujeito, não só do
desam paro aniquilador, não só de ser tragado p elo N ada, mas tam bém da d im en ­
são terrificante que, paradoxalm en te, Eros expressa em sua função de, a partir de
dois, fazer um, co m o d escreve, m uito bem , o m ito dos seres esféricos, co n ta d o por
A ristófanes no "Banquete" de P latão2, d en otand o o caráter tam bém letal do amor,
que, nas fantasias infantis, aparece freq u entem ente co m o o m edo de ser devorado
por algum tip o de O u tro terrível.
Assim, na perspectiva da Psicanálise, nessa op eração de entrada do sujeito
na linguagem está im plicado o fu ncionam ento do caldeirão pulsional, que esse
fisgam ento por Eros faz ferver. O que disso se destaca é a dim ensão sexual da lin ­
guagem , do universo de significantes que intervém atabalhoadam ente n o m undo
hum ano, co m o uma esp écie de órgão de cop ulação.
N essa perspectiva, o sexual, que nos interessa, lo n g e de apontar um o b je to es­
p ecífico para satisfazer uma necessidade, indica um cam po no qual a necessidade
ced e ao d esejo e, assim, às idiossincrasias relativas ao m odo co m o cada sujeito se
subjetiva, fazend o-se desejante.
Por aí já dá para ver que, se não há o b je to esp ecífico para a satisfação do d ese­
jo , até porque, esse, co m o op erad or do m ovim en to psíquico, resta indestrutível,
sem pre, em certa m edida, insatisfeito, não se pode falar de d oença por co n ta da
escolh a de um o b je to não apropriado. A té porque não existe o b je to apropriado
para o d esejo.
H á sim, escolh as, m elh or ou pior sucedidas, frente ao p o sicio n am en to que foi
possível ao sujeito. E que, então, im plicam m aior ou m en or nível de em baraço na
lida com o d esejo.
O tem a das hom ossexualidades, sejam m asculinas ou fem ininas, en tra nesse
panoram a. Seria um absoluto contrassenso a P sicanálise p ato lo g izar a questão
da e sco lh a de o b je to sexual. O que nela se passa é o question am ento de toda e
qualquer esco lh a sexual h étero ou hom o, dado que, nessa escolh a, encontram -se
elem en to-ch av es do processo de subjetivação.
N o presente trabalho, não focalizarem os propriam ente as hom ossexualidades
masculinas. Aliás, se estam os usando o plural é para enfatizar as inúmeras p o ssi­
bilidade que se reúnem no term o 'hom ossexualidade'. T entarem os indicar um viés

316
possível para a investigação das hom ossexualidades fem ininas, a partir do estudo
do fem inino.
As hom ossexualidades m asculinas sem pre foram ruidosas, alvo de m uitos c o ­
m entários, questionam entos, estudos e m esm o regulam entações, tal co m o pode
ser constatad o desde a G récia A ntiga, sobretudo em sua form a denom inada 'pede-
rastia'. A o con trário, as hom ossexualidades fem ininas sem pre fluíram silenciosas,
mais discretas, pouquíssim o m encionadas, incorporadas, sutilm ente, ao cotid ian o,
co m o se fizessem parte da natureza.
A palavra 'natureza' é realm ente pertinente, no caso, porque é co m o se as h o ­
m ossexualidades fem ininas tivessem com o ponto de partida a própria relação mãe-
filha e, assim, não causassem o espanto necessário para m otivar sua investigação.
Afinal, o prim eiro am or de toda m ulher seria, em princípio, sua mãe. Assim é com o
se as hom ossexualidades fem ininas fossem carentes de pathos (palavra grega que d e­
signa o que causa espanto por se desviar do esperado e, por isso m esm o, despertar
o interesse de estudo). E co m o se passassem, de certa forma, desapercebidas. Além
disso, elas não regem m itos fundadores, sendo o número de trabalhos a elas ded i­
cad o infinitam ente m enor do que o destinado às hom ossexualidades masculinas.
E n tretan to , a poesia de Safo (6 0 0 a .C ) não é um d ocu m en to m enor. Essa
m ulher foi tida, por m uitos, co m o a representante da 'am ante das m ulheres', ao
po n to do nom e da ilha grega onde nasceu - ilha de Lesbos - ter m otivado o
term o 'lésbica' - com o qual se designa a form a de relacion am en to hom ossexual
entre m ulheres. Tam bém presentes, ainda que mais raram ente, os term os 'safismo'
e 'sáfico' com partilham dos m esm os sen tid os do term o acim a m encionad o, ainda
que a aludida hom ossexualidade dessa grande p oeta não ten ha se constitu íd o uma
evidência para alguns historiadores. O que curiosam ente se passa é que, em seus
can to s líricos, o hom em está co m p letam en te ausente de seu mundo. A parece,
quando m uito, à m argem , co m o p retend ente de uma de suas protegidas e é o lh a ­
do com desdém . O hom em só interessa por seu acesso à mulher, o que pode ser
m uito bem notado no poem a Ode a uma amiga noiva, na tradução de M ário da G am a
Kury, abaixo transcrito. D e to d o m odo, o que é fato é que, quanto à hom ossexua­
lidade fem inina, os m itos, lendas e fábulas silenciam .

Igual aos deuses me parece o hom em


que pode con tem p lar-te frente a frente
e ouvir de perto a tua d oce voz
d eliciosa,

e o riso teu ouvir, ch e io de en can to ,


que no m eu p eito m ove o coração,-
falta-m e a v o z se apenas te co n tem p lo ,
só por te ver,-

31/
fo g e-m e a fala e log o sob a pele
queim a-m e as carnes um fogo incessante.
Já nada vêem os meus olhos,- surdos
ten h o os ouvidos.

C o rre o suor pelo meu co rp o todo,-


sinto trem ores, nada me alivia,-
fico mais verde que a viçosa relva:
penso que m orro

C o m o ressalta W altem b erg Silva, em seu b elo trabalh o Lesbos, uma ilha do con­
tinente negro3, tan to na obra de P antel, História das mulheres no Ocidente4, no volum e
destinado à Antiguidade, tal co m o em Mitologia grega5, de Brandão ou no Dicionário
de mitologia grega e romana6, de Cury, não são encontradas nem m esm o alusões à
hom ossexualidade fem inina.
C o m o bem sabem os, não se passa o m esm o com o universo m asculino.
V ey n e7, em "A hom ossexualidade em Rom a", d estacou o quanto im peradores, fi­
lósofos, p oetas, e diversas figuras históricas, com o C láudio, H o rácio , D om ician o,
são notadam ente referidos em sua hom ossexualidade. R eferência essa que não é
poupada nem m esm o a m uitos deuses que, em vários m itos, entregam -se a aven­
turas hom ossexuais.
P orém , no que tange às m ulheres, m esm o no m ito das A m azonas, relativo a
uma com unidade de m ulheres guerreiras que abom inavam os hom ens, não há
m enção de que m anteriam , entre si, relacionam entos afetivo-sexuais.
A que se deve esse silêncio? Q ual a razão dessa falta de m em ória, inclusive
social, da hom ossexualidade fem inina? Pudor, d iscrição, recalcam en to, ou há aí
algo da natureza do fem inin o tal co m o caracterizad o pela Psicanálise? P arece que
o silên cio quanto ao lesbianism o é parte de um silên cio m uito maior, que participa
do universo fem inino co m o um todo. Ideia da qual participa D en ise Portinari, em
seu livro O discurso da homossexualidade feminínas.
C o m o bem sabem os, a questão ética, para os gregos, não estava referida a
quais d esejos, atos, ou desfrutes alguém se perm itia, mas à força com que se
perm itia. N o que diz respeito ao uso dos prazeres, não existia nada que co n fig u ­
rasse o leg ítim o, o perm itido ou o norm al, co m o nos ensinou Foucault9. O que
im portava, para os gregos, no sen tid o da avaliação do v alor é tic o de uma ação,
era averiguar se tinha feito bom uso do prazer ou se tinha sido execu tad o com
intem perança, akolasia.
Se o prazer im plica dois atores, o de agen te e o de p acien te, ou o ativo e o
passivo, o p o sicio nam ento 'de valor' é tico , segundo eles, seria o exercid o com
tem perança p o r quem ocupa a p osição ativa. Se, apesar de todas as devidas ressal­

318
vas, transpuserm os essa polaridade para a term inologia: sujeito - o b je to , 'sujeitos'
seriam os hom ens adultos e livres, e o b jeto s' de prazer, as m ulheres, os rapazes
sem barba e os escravos'. Assim, o a n tié tico recaia sobre o excesso e a passividade
no cam po dos prazeres, exercidos por um hom em adulto e livre.
Em "Pulsões e seus destinos''10, publicado em 1 9 1 5 , Freud observa que, se do
p o n to de vista an atô m ico é fácil, pela p ercep ção da diferença entre os sexos,
d iferenciar m asculino e fem inino, no cam po psíquico, essa d iferen ciação é bem
mais com plicada. É nesse sentido que, para fazê-lo, ele lança m ão da m etáfora:
ativo e passivo. O m asculino é identificado com a atividade e o fem inin o com a
passividade. E, con tan d o com a dualidade sexual presente em tod os nós, ele falará
dos efeitos da atividade e da passividade tanto em h om ens, quanto em m ulheres.
Fato é que a valorização da atividade, via de expressão do caráter 'viril', inclusive
da tem perança - expressão do dom ínio de si que encontra, desde a Antiguidade
grega, referência fundamental para a cultura ocidental todos os elem entos para
formular por m eio do co n c eito de 'falo' a chave com a qual se tenta capturar a força
da natureza no trabalho de construção da cultura. O u seja, o m onolito figurado
co m o um pênis ereto, representativo da fertilidade inclusive do solo, funciona com o
sím bolo da máxima potên cia vital, sím bolo fálico, em sua expressão mais absoluta.
D essa forma, o ja l o , que tam bém ganha estatuto de c o n c e ito em Psicanálise e
que tem nessa im agem do pênis ereto sua representação im aginária, funcionará
sim bolicam ente enqu anto significante da virilidade, figurando co m o unidade de
m edida de vigor da cultura e de sua capacid ade de engendrar saber. A cultura in ­
teressa tanto em relação a produzir um saber que faz frutificar o solo ou um saber
que engendra a filosofia. Podem os pensar que o saber relativo às op erações do
phallus é o que diz respeito à força que a natureza em presta ao hom em para que
ele, sob rep on d o-se a ela, passe a criar cultura. O u seja, recrie o m undo, fazendo,
dele m esm o, um criador. D a í ser creditada à criação da cultura a falicidade relativa
à p osição m asculina. Talvez, por isso, a m aioria (senão a totalid ade) das culturas
civilizadas, p elo m enos do O c id e n te , seja patriarcal. D esd e "Totem e T a b u "",
publicado em 1913 por Freud, até o d esenvolvim ento da função do N om e-d o -P ai
em Lacan, podem os ver a função essencial da paternidade na con stitu ição , quer
seja do sujeito, quer seja da cultura.
D essa form a, o sexual, num prim eiro plano identificado ao anim al, ao bestial,
ao natural, estando, assim, desprovido de v alor cultural, por m eio de uma fantás­
tica to rção, ganha valorização cultural. Isso se evidencia sobrem aneira, quando
pensam os que veio a servir à Paidéia (p ed agogia), na atividade sexual do adulto
livre com seu discípulo na função de in iciá-lo, transm itir-lhe saber na Antiguidade
grega. Interessante tam bém n otar que o próprio term o 'sem inário', com o qual se
designam atividades de ensino, nas quais o professor espera que o que sem eia,
co m seu saber, frutifique novos en ten d im en to s, nos alunos —, tam bém guarda, em
sua etim ologia, o term o 'sêmem', relativo à fecundação.

319
A cultura hum ana, tecid a pelo fato de que o hom em fala e articula em lingua­
gem tudo o que cria, revela-se constitu íd a e con stitu in te do universo da rep resen ­
tação, universo sim bólico, que é fálico por excelên cia. M as, e a posição fem inina,
o que d izer de sua relação com o saber, de sua relação co m a cultura?
N o trabalho intitulado "A estética trágica do fem inino", que publiquei na c o ­
letânea A sexualidade na aurora do século XXI12, organizada por Alberti tocand o nessa
questão da relação do fem inino com o saber, questionei13:

Por que as mulheres não se encontram aí incluídas? Porque não se glori-


ficou o contato sexual de mulheres adultas com seus ou suas discípulas,
ou porque não se tratou de homens adultos com discípulas mulheres?
E em último termo, no cerne do mundo ocidental onde se situam as
mulheres na produção da cultura e na relação ao saber?

Retornarei a alguns pontos dessa questão, que m e parece crucial para pensarm os
o que quer que seja do fem inino, e a hom ossexualidade obviam ente não escapa a
isso. C o m o sabem os, o universo sim bólico é dedicado a traçar distinções,- ele se
estrutura pela con frontação de pares antitéticos, com os quais aprendem os, por
exem plo, o que significa a palavra 'baixo', op ond o-a a 'alto' e, assim, sucessivam ente.
M as tudo se inicia com um trabalho no qual a significação de cada term o é pinçada
a partir de uma indiferenciação originária de sons, que vão se conjugar via os m o ­
dos de organização artificial construídos pela cultura. Esse esforço de diferenciação
revela uma op eração relativa ao m odo fálico de relação com o saber.
Porém , podem os pensar que existe outra possibilidade de en tend im ento das
coisas, de apreensão do m undo. Talvez posSam os atribuir à posição fem inina o
que exced e a esse cam po d elim itado pela falicidade. O u seja, m algrado o m odo
fálico de operar circunscreva todas as form as trad icionais de constru ção do saber,
pautadas nas op erações sim bólicas, guiadas p elo ex e rcício da d iferenciação, o
saber, no am plo senso, não se restringe a isso. P arece que existem saberes ce rta ­
m ente de mais difícil transm issão que escapam ao e x e rcício da distinção.
A p o sição fem inina talvez possa ser tom ada tan to co m o um efeito da indife-
ren ciação originária, correlativa talvez à infinitude do real, quanto co m o relativa
a uma suplem entação que se im põe frente às lim itações do universo fálico da
representação. E, dessa form a, há que existir um saber relativo a esse cam po que
exced e. U m saber não norteado pela rep resentação, mas sim pela apresentação
- pelas prim eiras experiências com as coisas. S a b er relativo ao saber-fazer, savoir-
jaire, saber im plicado na ação da vida e transm itido por algo de vivo.
Se no trabalh o ped agógico na G récia A ntiga, a ajrodisia, ou seja, o que é rela ti­
vo ao amor, ao prazer e à beleza, deveria servir ao saber, era para que a anim alida­
de do que é relativo ao sexual pudesse ser subm etida em prol da cultura. C o m o se
a natureza em prestasse sua força para a criação da cultura. A força viril de subme-
tim en to da natureza em prol da cultura fica com o um trabalh o relativo à posição
m asculina. N essa perspectiva, o am or entre o m estre e o discípulo en con tra todos
os elem entos para sua valorização cultural e social. Já o am or relativo às m ulheres
não poderia en co n trar valor cultural, não poderia nem m esm o ser tem atizad o, já
que está próxim o dem ais da natureza. E, assim, da indistinção, outra razão talvez
pela qual a hom ossexualidade fem inina passe mais desapercebida na cultura.
Penso que, talvez, isso ajude a entender por que a tô n ica da civilização não são
as sociedades m atriarcais. M as é preciso assinalar que nada destitui a posição fem i­
nina de sua relação essencial com o saber, ainda que o saber que interesse ao fem ini­
no não seja o da A gora, ou da Academ ia, mas sim o savoir-Jaire, que, agindo sub-rep-
ticiam ente, orienta-se pelo Real e é impossível de ser assimilado ao con h ecim en to.
Esse saber guarda uma relação com o que L acan14, no sem inário Mais, ainda, apon­
tou com o gozo fem inino, trabalhando com a hipótese da existência de um g ozo O u ­
tro, não referido ao que pode ser delim itado pelo falo G o z o que se evidenciaria na
experiência mística, que não é senão de indiferenciação com o O utro, numa cópula
celestial, que se daria malgrado o sujeito, apesar dele, e não por sua determ inação,
mas certam ente com sua aquiescência. Aqui, estamos a léguas de distância da inten-
cionalidade da consciência, ou do que quer que seja do universo da representação.
A hip ótese da existên cia desse g o z o não delim itado, indistinto, expressão
máxim a do universo fem inino faz-se necessária frente à in cip iên cia do g ozo fá ­
lico, e a insuficiência de satisfação que lh e é correlativa. C o m o se, frente à sua
lim itação, algo haveria que existir a mais... É por essa perspectiva que se justifica
que, em term os psicanalíticos, mais im portante do que a existên cia em nós de uma
dualidade de sexos - m asculino e fem inin o - , vigora em nós, uma dualidade de
gozos, configurando em cada sujeito d iferentes possibilidades de acesso à mesma.
H averia, então, o g ozo fálico, essa via pela qual afirmam os a nós m esm os, e
fruímos do sexual. E, um g ozo O u tro , suposto às m ulheres, ou m elhor, à posição
fem inina, freqüentada por hom ens e m ulheres.
N essa perspectiva, a novidade da co n trib u içã o psicanalítica é a co n c ep çã o
do fem inino co m o o que não se co lo c a em o p osição ao m asculino, no jo g o da
antinom ia de um sexo ao outro, mas co m o indicativo de algo que extrapola, en-
co n tra-se aquém e além do d om ínio sexual. A lgo da vida que está fora do sexo
- bors-sexe, co m o Lacan assinalou. E por essa ó tica que afirmam os que, do p onto
de vista rigorosam ente p sican alítico, ou seja, se tom am os o fem inino na novidade
da acep ção que a Psicanálise lhe co n fere, sobretudo a partir de Lacan, falar em
hom ossexualidade fem inina é um con trassenso.
O u seja, o fem inino não está ocupado do sexual. Aliás, 'sexo' vem do latim seca-
re, que significa cortar, repartir, separar, no caso hom ens e m ulheres. O fem inino v i­
gora na indistinção, não quer saber de separar. O fem inino está ocupado do amor,
ou seja, do que vem em suplência à insuficiência d ecorrente da satisfação sexual,
que, por m elh or que seja, deixa desejar. O que, inclusive, não é mal. D eixar desejar
é im prescindível para o m ovim ento da vida, mas, certam ente, tem seu custo.

321
P arece mais preciso indicar que toda hom ossexualidade, seja de hom ens ou
de m ulheres, um a vez que está referida à sexualidade, é m asculina, ou seja, regida
pela norm a fálica, quer ocupada de seu elo g io, ou de sua co n testação . Essa norm a
orienta a partilha dos sexos a partir dos diferentes posicion am entos dos sujeitos.
Talvez sejam os mais precisos se disserm os que há dois sentidos da palavra
fem inino, em Psicanálise, que, em bora ten d o relação um com o outro, precisam
ser d iferenciad os. U m , relativo à posição de um sujeito na divisão dos sexos —
masculino/fem inino ou ativo/passivo. O que se dá d ependendo da p osição que
o su jeito ocupa frente ao falo, ou seja, frente a seu p o sicio nam ento viril e ao
g ozo de natureza sexual que lhe é correlativo. E outro, no qual, efetiv am en te, o
fem inino indica o que não está ocupado do phallus, da afirm ação viril, ou do g ozo
sexual, mas sim de um g o z o de outra natureza. G o z o e xtá tico , g ozo do êxtase da
d essubjetivação na com unhão com o Todo, do qual sua expressão mais próxim a
seria o g o zo m ístico.
Situado para aquém e p elo além do dom ínio fálico, o fem inino apresenta-se
co m o o que exced e a esse dom ínio. N ão se jo g a na disputa pela força viril por,
na verdade, vir ao e n co n tro do que, nessa força, é im poten te para atend er as
exigên cias da vida que exced em ao que pode ser delim itado pelo cam po da rep re­
sen tação, da linguagem . N em p reciso d izer o quanto esse fem inino está distante
do que quer que seja do fem inism o e de seu poder de fogo.
Ê nesse sen tid o que falar em hom ossexualidade fem inina seria um contrassen-
so. A sexualidade está ocupada do p o sicio n am en to do su jeito, hom em ou mulher,
frente ao falo, quer para n eg á-lo, fingir que ele não existe, quer para enxovalhá-lo,
ou m esm o para, im aginariam ente, apropriar-se dele. D e todos os m odos, é sem ­
pre viril, m asculina por excelên cia. O fem inino estrito-sen so, na novidade que a
a cep ção psicanalítica lhe con fere, indica outra o rien tação, alheia ao sexual. C o m o
dissem os, revela-se co m o estratégia frente à insuficiência do g o z o sexual, sem pre
viril, na sustentação da existên cia.
Porém , diante disso, é im portante observar que é im possível, a um sujeito,
posicionar-se exclusivam ente do lado fem inino. É isso que faz com que Lacan diga
que "N ão há A m ulher"15, no sentid o de que é im possível a um sujeito posicionar-
se com p letam en te desse lado, sem referência alguma à linguagem ou qualquer
sentido viril.
Tam bém se pode pensar acerca de todas as resistên cias que o fem inino suscita,
já que, indicand o esse universo que se en con tra fora da rep resentação, aponta
uma dim ensão de obscuridade, de enigm a, no qual a referên cia à vida não exclui
a presença da m orte e a força que lhe é correlativa. N esse m esm o sentido, a c o n ­
cep ção psicanalítica de fem inino pode nos aportar algumas luzes para pensarm os
não apenas as resistências ao fem inin o que vige em cada um de nós e com p arece
nas análises, mas tam bém as resistências ao fem inin o que encon tram , na m isoginia
tão presente na cultura, sua m áxim a expressão.
São realm ente m uitos os desdobram entos que tal c o n c ep çã o pode provocar.
U m deles, de esp ecial im portância, seria fazê-la reverberar na investigação das
particularidades da dim ensão factual da hom ossexualidade de m ulheres, que se
são silenciosas na história da cultura, são, en tretan to , freqüentes e m esm o ruidosas
em nossos con su ltórios de Psicanálise. Q u em sabe, com isso, atrairem os novos
estudos. Estudos que, ultrapassando as questões edípicas im plicadas na entrada da
relação do sujeito co m o sexual, apontem o m odo pelo qual o su jeito opera, ou se
furta de operar, com o que vai aquém e além desse dom ínio.
CAPÍTULO 28

A lógica da homossexualidade feminina


Maria Anita Carneiro Ribeiro

S
tonewall m arca um giro de discurso que acarretou efeito s de linguagem : o
uso do significante 'hom ossexualidade', em lugar de hom ossexualism o, cu jo
sufixo '-ism o' aponta para uma c o n o ta ç ã o p atológ ica. M arca a introdução
do significante g a y na cultura, com toda sua significação de alegria e felicidade
Porém , m arca tam bém outro giro, o giro da p osição de vítima/cúmplice da políci
de N ova Iorque, que surrava os hom ossexuais nesse bar, feio e sujo, para a reação,
a não aceitação da hum ilhação, há 4 0 anos.
C om entarei aqui um trech o do escrito de Lacan "D iretrizes para um C o n ­
gresso sobre a sexualidade fem inina”1. Esse con g resso foi o Colócjuio Internacional de
Psicanálise, que teve lugar de 5 a 9 de setem bro de 1 9 6 0 , na U niversidade M u n i­
cipal de A m sterdam . O te x to é subdividido em dez itens e ju stam en te no últim o
intitulado "A sexualidade fem inina e a sociedade", Lacan levanta questões que
deixou em aberto. C ito 3:

C om o situar os efeitos sociais da homossexualidade feminina em


relação aos que Freud atribui com base em pressupostos muito distan­
tes da alegoria a que desde então se reduziram, à homossexualidade
masculina, quais sejam, uma espécie de entropia que se exerce rumo à
degradação comunitária?

Sem chegar a contrastar com ele os efeitos anti-sociais que valeram ao


catarismo, bem com o ao Amor que ele inspirava, seu desaparecimento,
não poderíamos nós, ao considerar no movimento mais acessível das
Preciosas o eros da homossexualidade feminina, apreender o que ele
veicula de informação com o contrário à entropia social?

325
N o capítulo V de "Psicologia de las masas y análisis dei yo"3, intitulado "Duas
massas artificiais-. Igreja e exército”, Freud delineia os pressupostos que sustentam os
grupos regidos pela lógica da hom ossexualidade masculina. Por um lado, a identi­
ficação imaginária ao líder, no caso da Igreja, a Cristo, que gera uma identificação
lateral igualm ente imaginária aos "irmãos em Cristo". N o exército, a mesma estrutura
com parece sob a roupagem de uma rígida hierarquia. O caráter imaginário desses
vínculos é ressaltado por Freud (espelhism o), que a isso atribui os efeitos entrópicos
do 'pânico', que se instala quando os laços imaginários são ameaçados.
O catarism o, ou a heresia cátara, levava a extrem os essa lóg ica, a um só tem p o
especular e hierárquica. A seita floresceu na Europa ocid en tal, nos séculos X II e
X III. D efen d ia a existên cia de dois princípios, um bom e um mau, e a m atéria era
puro mal. O hom em devia libertar-se das exigên cias de seu corp o m aterial para
entrar em com u n h ão co m D eu s. P or isso existiam regras rígidas de jeju m , in clu in­
do a total p ro ib ição de co m er carne,- relacionam entos sexuais eram p roibid os e
uma total renúncia ascética ao m undo era a cond u ta desejável.
Em 1 2 0 8 , uma cruzada invadiu a cidade de Toulouse e m assacrou cátaros e
cató lico s. O rei da França, Luis IX, futuro São Luis, em con lu io com a nascente
Inquisição, capturou, em 1 2 4 4 , a fortaleza de M ontségur, próxim a aos Pirineus,
destruindo a base da hierarquia cátara, instalando o p ân ico entre os irm ãos, que
fugiram em debandada para a Itália.
Três anos depois do tex to citad o, na aula de 5 de ju n h o de 1963 do O Seminário,
livro X-. a angústia, Lacan afirmou, em contrapartida, que a hom ossexualidade, "pri­
v ilégio do m acho", é "situada co m o princípio do cim en to social em nossa teoria,
a freudiana"4. Prosseguiu argum entando que "inversam ente, o que cham am os de
hom ossexualidade fem inina talvez ten ha uma grande im portância cultural, mas
nenhum valor de função social", uma vez que se restringe ao cam po da c o n c o r­
rência sexual5.
C o m o en ten d er essa aparente contrad ição? Q u e os efeito s en tró p ico s de d e­
gradação com unitária estejam na base do cim en to social, que viabiliza a cultura
e a civilização, não são, em si, contrad itó rio s. O próprio Freud, ao situar o am or
fraterno en tre os irm ãos m achos, em disputa pelas fêm eas-o b jeto s, na b ase do
assassinato do pai da horda, revela a distância curta que vai do am or ao ódio
assassino. N o que diz respeito à lóg ica da hom ossexualidade m asculina en tão, o
panoram a é claro: cim en to de base que funda a civ ilização e a cultura, traz, em
seu próprio b o jo , a antinom ia - o ódio, o pânico e a destruição.
É do lado da cham ada hom ossexualidade fem inin a que en con tram os a verd a­
deira con trad ição : em 196 0 , Lacan quer situar os "efeitos sociais da hom ossexua­
lidade fem inina"6 que, três anos depois, nega que existam . Talvez a resposta esteja
na distinção que Lacan faz, no Sem inário X , en tre a "im portância cultural" e o "va­
lor de função social", no que diz respeito à lóg ica da hom ossexualidade fem inina.
As preciosas nos dão disso um valioso testem unho. O p reciosism o surge nos
salões franceses do sécu lo X V II. A França vinha de um períod o de guerras, in ­
clusive de uma guerra civil, quando surge esse m ovim en to que era, inicialm ente,
uma reação co n tra o com p ortam en to rude e a linguagem grosseira dos nobres
franceses. Esse esp írito de finura e bom tom foi inicialm ente instituído por M m e.
de R am bouillet. Era um m ovim ento com andad o pelas m ulheres. Aos poucos, o
m ovim ento se estend eu para a literatura e para os salões literários. Seu ideal re ­
vivia o am or cortês. O rom ance Clélia, de M m e. de Scudéry, co n tin h a o fam oso
M apa da Ternura, có d ig o precioso do amor, que descrevia as várias fases e suas
respectivas condutas, das relações am orosas.
O preciosism o foi, sobretudo, um m ovim en to de criação sim bólica. M etáforas
foram criadas para representar as funções corporais. A o co n trário dos cátaros, o
co rp o e suas funções não eram dem onizados, mas deviam ser exaltados por belas
palavras, expressões sublim es. Além da linguagem m etafórica propriam ente dita,
outras linguagens se criaram : o uso do leque e das pintas. O leque, de acordo com
a posição em que fosse co lo ca d o no c o lo da dama, veiculava uma determ inada
mensagem-, 'te quero', 'estou m agoada', 'me procure'. R esta saber com o o cava­
lheiro decidia que tal m ensagem era dirigida a ele, e não a outro. O m esm o se
dava com as pintas. E strateg icam ente localizad as no rosto e no co lo , transm itiam
m ensagens variadas, frequentem ente a vários cavalheiros. Tem -se n o tícia de uma
dama que, numa n oite de gala, ostentava mais de 6 0 pintas no seu corp o. N ão é à
to a que M o lière escreveu a com éd ia As preciosas ridículas, em 1659.
Lacan nos diz para não con trastar os efeitos antissociais do catarism o ao eros
da hom ossexualidade fem inina presente no m ovim en to das preciosas. Porém , é
ele próprio que nos ensina, já no Seminário, livro I, que, ao dizerm os o significante
'elefante', já co lo cam o s um elefan te d entro da sala. Q u em nos leva a contrastar
esses efeitos é o próprio Lacan: de um lado tem os o pânico, a debandada, o
m o rticínio , contrapartid a do 'cim en to social' da hom ossexualidade masculina.
D o outro lado, a criação sim bólica fem inina, que m esm o que levada ao ridículo,
ainda produz uma das com édias mais adoráveis de nossa literatura, escrita por um
hom em , não esqueçam os. C reio que o preciosism o revela claram en te a d iferen ­
ça entre o que Lacan cham a de "im portância cultural" em op osição ao "valor de
função social". A im portância cultural da criação linguageira, m esm o se levada ao
ridículo, das preciosas é inegável, em bora seu valor de função social seja irrisório.-
uma tentativa de d isciplinar o d esejo , m apeand o-o, cata lo g a n d o -o e, no final,
reduzindo-o um m ero jo g o de salão.
Num exem plo mais recen te, que eco a de outro m odo, o m ovim en to das p re­
ciosas, tem os o papel exercid o, no en tre guerras de século X X , pelas mulheres
hom ossexuais que sustentaram , às vezes literalm ente, os artistas da cham ada
"geração perdida". A prim eira grande guerra mundial op erou co m o um trauma
para a hum anidade. Freud, em 1 9 1 9 , no tex to sobre as neuroses de guerra, diz
que, ao co n v o car a população civil para lutar no front, instalou-se uma realidade

327
intolerável, que gerou m últiplas m anifestações neuróticas. A Segunda G uerra,
com os cam pos de co n cen tra çã o , estabeleceu o h orror de uma invasão de real
intolerável. Entre essas duas guerras, há, na Europa, esp ecialm ente em Paris, um
florescim ento transbord ante da arte. D os Estados U n id os vieram escritores co m o
H em ingw ay e Fitzgerald,- da Itália veio Modigliani,- da Espanha, Picasso, e tantos
outros gênios das artes em suas m últiplas m anifestações. A expressão "geração per­
dida'' foi cunhada por G ertrude S tein , p oeta e rom ancista, num m isto de irritação
e d espeito, pelos artistas que ela tan to ajudou e que, segundo ela, não valorizavam
seus m últiplos talentos.
Porém , com ou sem d espeito, foram essas m ulheres que bancaram os hom ens
dessa perdida e brilhante geração, com prand o suas obras, editando seus livros, ou
m esm o, sim plesm ente, dand o-lhes alim entos quando eles não tinham mais d in h ei­
ro para com er. G ertrude Stein , A lice Toklas, Sylvia B each ... O eros da h o m o sse­
xualidade fem inina aqui operava de form a diversa. Em que pesem as o b je ç õ e s e
rein vin dicações de G ertrude S tein , essas damas não eram prim ordialm ente artistas
criadoras. Elas eram literalm en te hom ossexuais e sustentavam os hom en s que,
enquanto m ulheres elas não desejavam , mas cu ja arte elas amavam e prom oviam .
N ovam ente aqui, para além das agruras da carne, o privilégio do sim bólico. Trata-
se novam ente da "im portância cultural" versus "valor de função social". A pesar de
todo o esfo rço dessas senhoras, elas não tiveram nenhum a influência nos destinos
da hum anidade, que cam inhava v elozm en te para a Segunda G uerra M undial.
Num a m anifestação mais re ce n te sobre a incid ência do eros da hom ossexu a­
lidade fem inina no laço social, tem os a teoria cjueer (cjueer quer dizer estranho,
êxtim o, alheio, porém tem uma co n o ta çã o de insulto, de ofensa. O significante
g a y resgata a alegria, as cores felizes do arco-íris. Queer é a estranheza íntim a,
Unbeimlich). U ltim a flor de Stonewall, ainda não há d istância h istórica que perm ita
avaliar a im portância de sua in cid ên cia na cultura. D iz e r que o m ovim ento cjueer
nega a existên cia da d iferença sexual é sim plificar uma proposta que, na verdade,
m ultiplica as sexualidades, não as encerran d o em classificações. E claro que, por
vezes, produzem -se efeitos cô m ico s, ao estilo das Preciosas ridículas de M o lière,
quando, por exem plo, uma professora doutora, em con g resso recen te, se dirige
à platéia, saudando-os à m oda de M o n iq u e W ittig : "Boa tarde a todos e a todas"
para, em seguida, apresentar um texto lam entável, conserv ad or e mal escrito.
O que importa, entretanto, é que, mais uma vez, é do sim bólico que se trata.
Baseadas em Foucault, essas pensadoras, em sua m aioria professoras universitárias,
desejam uma mudança de linguagem para que se possa repensar a sexualidade e a
sexuação. Ju d ith Butler, M onique W ittig e, no Brasil, Guacira Lopes Louro têm, por
vezes, uma leitura bem ingênua de Freud e de Lacan. T oca-nos com o particularm en­
te curiosa a invectiva de W ittig, em seu texto O pensamento hetero, contra Claude Lèvi
-Strauss. C ertam ente não foi Claude Lévi-Strauss que inventou a troca sim bólica das
mulheres e a exigência dos casam entos exogâm icos para fundamentar o laço social.
Talvez um estudo mais cuidadoso dos textos de Freud e de Lacan pudesse
o rien tar uma reflexão mais profunda e m enos rancorosa sobre questões im portan­
tes que cercam as id entificações sexuais, seus m odelos enclausuradores, sua lógica
entrópica. Basta lem brar que isso já havia sido denunciado por Freud em 1921.
Q uand o M o n iq u e W ittig d iz7 "As lésbicas não são m ulheres" ela não está livre
da lóg ica fálica e dos significantes que dela decorrem . L ésbica é um significante
to talm ente subm etido ao ter ou não te r o falo e esco lh er co m o o b je to de am or e
d esejo quem tam bém não o tem. Poderíam os talvez aprender m uito com nossas
ridículas antepassadas, que num m eneio do leque e no aplicar de uma pinta, cria ­
ram uma nova linguagem .
§ p s p p r ;f ,
' CAPITULO 29

A mais célebre epistolária da


homossexualidade feminina
Elisabeth da Rocha Miranda

m 1 9 5 8 , na con clu são do te x to "D iretrizes para um con g resso sobre a

E sexualidade fem inin a"', Lacan interrogou as incid ências sociais da h o ­


m ossexualidade fem inina em relação às da hom ossexualidade masculina.
U m a possível resposta pode ser pensada a partir do amor, estab elecen d o laço
social. N o caso da jo v em hom ossexual, Freud nos fala de um desafio ao pai, que
tom a a form a de um am or cortês: a jo v em acom panha a dama, envia-lhe flores,
numa m ostração de co m o se deve am ar uma mulher. H á, na hom ossexualidade
fem inina, um en d ereçam en to ao O u tro do amor, é o am or pelo O u tro sexo, pelo
sexo co m o sem pre O u tro "que im pede a entropia social"2. Lacan consid era o eros
da hom ossexualidade fem inina por m eio do m ovim ento das P reciosas no que ele
vincula de in form ação3.
A literatura é exu berante em testem un hos da presen ça angustiante da alterida-
de do fem inino, da não toda fálica, da devastação pregnante entre mães e filhas, da
ex-sistên cia sim m anter a grafiaque cada m ulher traz em si, da presen ça do O u tro
sexo. Tom em os o caso de M arie R abutin de C h a n tel, a M adam e de Sèvign è, uma
P reciosa que exercia a arte de amar e de fazer laço social na co rte do Rei Sol.
M adam e de Sèvignè, nom eada por Lacan co m o "a mais céleb re epistolária da
hom ossexualidade fem inina"4 escandalizou o século X V II pela a relação posses­
siva, devastadora e hom ossexual que m anteve com a filha M adam e de G rignan.
R elação denunciada pela neta Pauline, terceira g eração nessa linhagem de m u lhe­
res, mas que ainda sofreu as con seq ü ên cias de um g ozo O u tro , m ortífero, vivido
entre a mãe e a avó. As m ilhares de cartas de Sèvignè constitu em um im portante
d ocu m en to p o lítico da época.

331
M ad am e de Sév ig n è to rn o u -se c é le b re pelas cartas prim orosas que escrevia
e co m as quais m anipulava a c o rte francesa do sécu lo X V II, ten d o inclu sive p a ­
pel relevan te nas d ecisões do Rei Luís X IV de Bourbon (1 6 3 8 - 1 7 1 5 ). As cartas
de Sév ig n è são verd ad eiros relatos dos a co n tecim e n to s im portan tes da c o rte e
tinham a fu nção de inform ar os fatos aos que estavam d istante. N o en ta n to , lo n ­
ge da narrativa do p ro cesso de N ico la u F ou cqu et, superin ten d ente das finanças
e traid or na co rte do Rei S o l, e da narrativa do grande in cên d io em G u itau t,
essas cartas, em sua m aioria, falam do am or d oloro so e apaixonad o de uma m ãe
por sua filha. N o curso dos 23 anos, tem po de duração da co rresp o n d ên cia,
excetu an d o os m o m en tos em que m ãe e filha estavam ju n tas, a M arqu esa ela é
m arquesa de Sévign è não cesso u de escrever, no ritm o de três a quatro cartas por
sem ana, sob re as angústias de uma paixão avassaladora d esco b erta no m o m en to
em que sua filha se to rn ou m u lher de um hom em . Essa co rresp o n d ên cia tem a
rep u tação de ser parad igm ática dos terro res e angústias que agitam o la ço en tre
mãe e filha.
As cartas - verdadeira m oeda de tro ca pela qual o que se paga com o tribu to ao
am or traz o b en e fício de questionar o lugar da m ulher para ela mesma e para outro
- têm a função de en con trar uma solução para sua dem anda de amor, interrogand o
tanto a veracidade do O u tro do am or quanto o g o z o e o fem inino. M adam e de
Sévignè recusou-se a ocupar o lugar de o b je to da fantasia de um hom em , viveu
cercad a pelas "amigas" e d ed icou à filha um am or tão particular e escandaloso que
podem os to m á-lo co m o um dos paradigmas da hom ossexualidade fem inina.
M arie Rabutin de C h an tal, filha de C lese Bén igne de R abu tin-C h antal e de
M arie de C oulanges, nasceu em 5 de fevereiro de 1 6 2 6 , após a m orte de dois ir­
mãos recém -n ato s, um em ju lh o de 1 9 2 4 e outro no in ício de 1925. C o m um ano,
perdeu o pai, m orto em co m b ate, e, aos sete anos, perdeu a mãe, que m orreu com
apenas 30 anos. A pós uma disputa entre as fam ílias paterna e m aterna, M arie R a­
butin C h antal foi criada pelós avós m aternos, Philippe e M arie de C oulanges. Ela
já vivia com seus pais, ricos arquitetos, de n ob reza re ce n te, mas renom ados pela
con stru ção da praça R oyale, h o je praça de Vosges5 6, na casa da fam ília m aterna. O s
avós m aternos m orreram quando a pequena órfã tin ha m enos de dez anos. M arie
foi, então, entregue à tutela do tio C h risto p h e de C oulanges, abade da cidade
de Livry. O bserva-se que a prim eira infância de M arie de C h antal é cercad a de
sucessivas m ortes, cuja dor é aplacada pelos carinhos da fam ília m aterna, que a
acolh e, afastando-a do convívio com a fam ília paterna.
Aos 18 anos, M arie de C h antal casou-se com o m arques H enri de Sévignè.
O casam ento foi realizado às 2h da m anhã do dia 4 de agosto de 1644, pois se
acreditava que, realizando a cerim ônia à n oite, seria possível enganar o d iabo, que
trazia a im p otência e a frigidez aos casais. O bserv a-se a preocu pação com o suces­
so do casam ento, que, na verdade, fora tratado en tre uma fam ília burguesa rica,
os C oulanges, e uma fam ília que pertencia à n obreza, os Sévignè. D essa união,
nascem duas crianças: Françoise M arguerite (1 0 de outubro de 1 6 4 6 ) e C h arles
(1 2 de m arço de 16 4 8 ).

■ a mais ceieore episioiaria aa nomossexuaiiaaae Temimna


H enri de Sévignè vivia uma vida libertina, mundana, e M adam e de Sévignè
estava só quando pariu Françoise M arguerite, longe dos C oulanges e do marido.
O m arquês só b atizo u a filha sem anas depois do nascim en to, o que, para a época,
era excep cion al e bastante reprovável, pois a criança poderia m orrer pagã e sem
nom e, visto que o b atizad o tinha a im portância de um registro civil de existên cia e
filiação. Em 1650, Sévignè instalou-se definitivam ente em B retagne, deixando sua
casa em Paris. R eferind o-se ao que a fam ília de Sévignè com entava, Mr. Sévignè
diz que "sua esposa enganava o m undo co m o fogo de sua im aginação e o vigor
de seus propósitos"7.
Em 1651, 5 anos depois do nascim en to de Françoise, H enri m orreu em Paris,
duelando pela h on ra de uma de suas am antes, M adam e de G ondran. M al casada
aos 18, viúva aos 25, com dois filhos pequenos, Sévignè foi, segundo suas cartas,
tom ada por uma "seriedade mais forte do que seu apego m undano" e fez de suas
d ecep çõ es de casada um calm o e sólido h orror a qualquer com prom isso com os
hom ens.
N o entanto , rapidam ente voltou a freqüentar os salões da co rte, nos quais
era m uito querida e requisitada, mas, dessa vez, excluind o os hom ens e se c o n ­
sagrando às "am igas", por quem era consid erad a um ícon e da hom ossexualidade
fem inina. Pela intriga, ela manipulava os hom ens, fazendo de seus pretend entes
"queridos am igos". Sua im aginação prodigiosa dava a tod os seus atos uma e xu b e­
rância im positiva, que ia ao en co n tro das pessoas e as trazia para o cen tro de seus
próprios interesses. A marquesa seria mais uma " Preciosa", que encarnava uma
dessas personagens de quem não se teria nada a dizer se não fosse o casam ento de
sua filha Françoise co m o C o n d e de G rignan.
Françoise era uma linda ad olescen te, cu jo despertar da prim avera afetou rad i­
calm en te a m ãe, que, tom ada de uma paixão alucinada pela filha, a exibia co m o
um falo relu zente, mas para fazer bilhar ela m esm a, que, dessa m aneira gozava
de ser desejada ao m esm o tem po que se preservava de en frentar os hom ens. A
exib ição da jo v em não trouxe apenas ganhos para a m ãe, mas tam bém fez com
que a filha fosse considerada 'a mais b ela jo v em da França', despertando o in teres­
se sexual do Rei Sol. Sua reputação corria o risco de ser denegrida,- por um lado
con cu b in a do rei e, de outro, filha de um devasso co n h ecid o por sua má fama.
Tom ada de pânico, Sévignè afastou a filha, casand o-a, às escond id as do Rei, com
o m arquês de G rignan, já por duas vezes viúvo.
V inte anos após a m orte do pai e às vésperas do aniversário da m ãe, Françoise
deixou Paris para se instalar com o m arido na Provence, ond e perm aneceu até o
fim de sua vida, m antendo num erosas idas e vindas entre G rignan e Paris. M adam e
de Sévignè cairia em profunda dor, que seria o terreno fértil para o nascim ento
da mais céleb re escrito ra de cartas que falam de um am or particular, apaixonado,

333
d oloroso, v io len to e devastador, por sua filha, M adam e de G rignan. Françoise,
ao se tornar M adam e de G rignan, passou a ser o o b je to privilegiado e em to rn o
do qual girava a vida am orosa de Sèvignè - que perdeu o interesse pelas íntim as
am igas da co rte . E ntre elas, M adam e L afayette, que a esse respeito se queixa8:

V ocê é naturalmente meiga e apaixonada, mas, para a honra de nosso


sexo, essa meiguice é inútil, pois você a encerrou em nosso próprio
sexo, dando seus carinhos exclusivamente a Madame de Grignan.

D esde o início da correspondência, a partida da filha, relem brada com a imagem


da charrete se afastando, repetiu-se várias vezes com o um traço que inscreve a ferida
de Sèvignè e que é frequentem ente lem brado a propósito de várias outras partidas9.

Esta partida me faz lembrar da sua. É um pensamento que se sustenta


do ar da véspera e do dia de sua partida. O que eu sofri é uma coisa à
parte em minha vida e que não pode ser comparada a nada. O que me
aconteceu naquele dia foi um despedaçamento, um corte, a destruição e
o arrancar do coração de uma pobre criatura. O que você me fez neste
dia foi de um excesso que eu não tenho forças para comentar.

A inacessibilidad e de M adam e de G rignan, devido à distância, perm itiu a M a ­


dame de Sèvignè m anter a tensão de um am or apaixonado. C arta após carta, ela
declarou os red em oin hos da loucura de seu amor, c o n h ece u as desordens da falta
e sofreu da nostalgia de um paraíso perdido. O am or enregelad o, m aravilhoso,
ofegan te, só revelado a partir da ausência da filha, en co n tro u seu lugar nas cartas
nas quais se lê, com excessiva frequência "o dia em que v o cê m e abandonou".
S e o O u tro é o lugar onde se situa a cadeia significante, essa separação vem
c o lo ca r a nu a divisão de Sèvignè, co n d en an d o-a a desvelar a falta no O u tro - e
a carta é o m eio en con trad o para tam ponar o vazio que se abre diante dela. N o
en tan to , a cada carta esse vazio se presentifica, visto que a carta não con segue
fazer a m ulher existir. A m ulher que não existe é, ju stam en te, a carta: a carta, na
m edida em que é o significante que, para Sèvignè, m arca que o cam po do O u tro
é faltante, que não há o O u tro do O u tro S(A ). É por m eio das cartas que Sèvignè
experim enta um gozo O u tro.
A queles que se situam do lado m asculino na partilha dos sexos tam bém e scre ­
vem, trabalham com as palavras, mas sob a égide de um tra ço que sustentam sobre
seu corp o, o pênis. É com ele que articulam a substância das palavras. E screvendo,
um hom em se separa do O u tro , deixa esco rrer no papel sua substância fem inina,
mas as m ulheres m antêm com as palavras uma relação de prolongam ento. U m a
m ulher não é separada das palavras e M adam e de Sèvig n è é a en carn ação da carta
de um am or desesperado ela mesma.
M ãe e filha se enfrentaram em uma luta apaixonad a e interm inável. Elas
dilaceram -se, acariciam -se, am am -se, m atam -se, renascem , recom eçam a luta
sem possibilidade de se separar. R elação m uito bem dita pelos versos de Je a n n e
H y v rard 10:

O u bem, com o ob jeto de seu gozo eu não posso sair de você, eu sufoco,
eu me rasgo e te mato para livrar-me, ou bem você me expulsa e sou eu
quem morre. Você não me ama mais, esqueces que eu só posso viver no
infinito de sua doçura.

Em sua vida, a m arquesa é a eterna abandonada: pela m ãe, de quem ela nunca
falou,- pelo pai, a quem se refere co m o um bravo ilustre,- pelos avós, que, após
lutarem por sua guarda, m orrem em seguida,- e pelo m arido, m o rto em defesa de
outra mulher. A separação da filha abre velhas feridas que ela não conseg u e e la b o ­
rar e escreve.- "Para m im é c o m o se estivesse toda nua, m e despiram de tudo o que
m e parecia amável". O u , ainda: "M inh a dor seria bem m ed íocre se eu a pudesse
descrever e m esm o assim eu não fa ria "".
Alguns historiad ores afirmam que o am or possessivo e avassalador de Sévignè
por sua filha só surgiu quando Françoise M arguerite co m eço u a b rilhar nos bailes
em que dançava. Segund o D u ch ên e, o d esab roch ar da fem inilidade da filha foi,
para Sévignè, agalm ático. Trinta anos depois ela escreverá: "jam ais alguém dançou
co m o Françoise M arguerite. O m undo cum priu seu dever dando à jo v em a d igni­
dade do lugar em que eu a tinha c o lo c a d o "12. A m or devorador que im pedia Fran­
ço ise de b rilhar nos salões e ocupar o lugar que era de Sévignè, inclusive ju n to ao
Rei. V em os, aqui, a rivalidade cium enta de m ulher para mulher. Se, na infância, a
filha m antinha-se reclusa em casa, agora, na juventude, Sévignè a m antém reclusa
em um am or m ortífero.
As cartas, verdadeiros poem as de d esejo e de espera, tinham a função de fazer
a relação sexual existir, de fazer fracassar o im possível do la ço com o real. Elas
são para a m arquesa um m eio de existir enqu an to mulher, pois, lá onde uma cena
é ocupada pelo grito m aternal, que sustenta a dem anda de presença da filha, em
outra cen a se jo g a a questão do g ozo fem inin o, que lhe escapa. S e, co m o diz La-
can, uma carta ch eg a sem pre ao seu d e s tin o '3 é porque sua função é som ente ter
sido endereçada, enviada, quer dizer, perdida. N ão im porta o con teú d o da carta,
o que perm ite que ela se repita é estar end ereçad a ao o b je to perdido. O sujeito
questiona o O u tro do significante, mas a resposta para Sévignè não vem no nível
da falta-ser e sim q uestionand o o que a faz ser o b je to para o O u tro. S e a carta
é o signo da m ulher porque d etém "o mais singular odor âi jemina"'4, em Sévignè
podem os ler o d esejo in co n scien te de interpelar o O u tro, A mulher que não existe
e que seria o alvo de um g ozo que ela não co n h ece : o g ozo fem inino.
As m ulheres estabelecem com o falo uma relação particular, que se observa na
enunciação de sujeitos na p osição fem inina. Para a mulher, há um desdobram ento
e n tre o que ela é co m o sujeito do d esejo e o que ela é co m o o b je to de am or do
O u tro . Esse parece ser o p o n to obscu ro de Sévign è em relação à filha: o que a
fez existir co m o o b je to para o O u tro m asculino? É preciso aceitar ser o o b je to
do pai, no plano do amor, para aced er ao g ozo sexual, e o pai de Sèvignè, "bravo
guerreiro", e sco lh e a tropa, abandonand o-a, quando m orre em batalha.
E o incubo ideal, im agem d em oníaca do grande O u tro que goza das m ulheres
à n oite e de onde parte o am or que a jo g a no vazio, na falta de resposta possível
do lado de um pai, abrindo o esp aço de um g ozo O u tro que não fálico. S e o g ozo
fem inino é um g ozo em contigu id ad e, com o afirma L a ca n 15, ele é con tíg u o ao
O u tro, lugar de onde a m ulher ama o que nele há de real e experim enta um g ozo
ad jacen te ao significante do O u tro barrado. G o z o que faz Sèvignè rir quando se
refere à v elh ice e ao fracasso de M onsieu r de G rignan, rem etendo às duas vezes
em que ficou viúvo. O riso é a d em onstração da angústia diante do que lhe escapa
e cria uma cum plicidade entre as m ulheres diante do h orror revelado.
N ão se trata apenas da relação en tre uma m ãe e sua filha, mas de um a relação
hom ossexual e apaixonada, na qual o que é visado no O u tro , e que Lacan nom eia
com o a "extim idade", retorna co m o q u estionam ento para o próprio su jeito. O
caráter im perativo da dem anda transparece frequentem ente testem unhando uma
dem anda de signos, ou seja, uma dem anda de nada. Ela escreve: "eu não sei onde
me libertar de v o cê, suas cartas são m inha vida".
M adam e de G rignan foi viver em P rovence e perdeu seu prim eiro filho. M ãe
e filha tiveram seus corpos agredidos, a filha pela perda do b eb ê e a mãe pelo
afastam ento da filha. Aos olh os da mãe, a filha pareceu estar con stan tem en te sob
am eaça de m orte, o que daria fim ao seu amor. M adam e de Sèvignè atravessou
m om en tos de báscula alarm antes, nos quais passou do am or h abitad o pela fe ­
licidade à vertigem da angústia do desaparecim ento. Foi torturada por um âan
devorador, que se quer eterno e absoluto. C ada b oa n o tícia desencadeiou, nela,
uma onda de lágrim as, com o se se tratasse de um insulto. Ela foi perseguida pela
falta de sua filha, co m o se pode ser pelo d esaparecim ento de um filho que não se
pode enterrar. Ê um am or escrito na e pela ausência,- sua realidade está na carta:
"escrever em detalhes" é o "estilo do afeto". A sua filha, ela dirá: "Ler suas cartas
e lhe escrever são o prim eiro interesse de minha vida"16. Se as cartas não são res­
pondidas, ela enlouquece,- a cada carta de sua filha ela é relançada na euforia de
escrever-lh e novas cartas. "Este prazer de escrever é unicam ente por v o cê, pois a
todo o resto do m undo a quem querem os escrever eu não o fiz"17.

Eu não gosto de escrever, eu gosto de escrever para você,- eu falo para


você, eu converso com você. Seria impossível passar sem isso. Eu não
multiplico esse gosto, o resto vai porque é preciso. Por mim, quando eu
já tinha escrito, precisava ainda escrever uma grande carta e se eu já a
tivesse escrito eu desaparecia18.

Q u e "a letra seja a estrutura essen cialm ente localizad a do significante"19 não
im pede que Lacan observe em que a letra é radicalm ente d iferente do significante.
Ela é mptura, litoral, b ord o do furo entre saber e g ozo. É com a carta-letra (lettre)
que Sévignè goza: escrev er para a filha torna-se um g ozo fechad o em si m esm o e

■ a mais ceieore episioiana oa nomossexuanaaoe leminma


fixado num m esm o o b je to , a filha, não deixando esp aço para o d esejo.
As leituras religiosas da marquesa nutrem sua graça e espiritualidade, pois, em
geral, ela m antém uma atitude livre frente à religião. O bserv a-se uma dessacrali-
zação da linguagem religiosa quando exprim e seus sen tim entos para com a filha,
utilizand o-se do co rp o da missa: "meu am or é em v o cê, por v o cê e para v ocê"; "eu
te ajudarei a co lo cá -la sobre o R hône em um pequeno b ercin h o de ju n c o e depois
ela chegará a algum reino e sua b eleza será assunto de um b elo romance",- "meu
reino co m eça a não ser mais deste m undo"20. D urante a gravidez da filha: "M eu
D eus, meu bom D eus, que sua gravidez m e pese".
A exp eriên cia subjetiva da filha foi esclarecid a por estar em butida nas cartas a
Sévignè, nas quais se observa o en can tam en to pela mãe, por seu b rilho, por sua
b eleza, por seu corp o, pela facilidade com que desliza nos salões. Em uma de suas
cartas record a das cenas de infância em que via sua mãe ch eg a r "tão bela e tão
céleb re que fazia a carruagem brilhar". E n can tam en to que se transform a em raiva
depois que Françoise se casa, transform ação que aponta para uma possível sep a­
ração da filha em relação à mãe. A m ãe, por sua vez, utiliza-se do corp o e da vida
da filha com o o b je to de g ozo , g ozo que vai do sexual fálico, na m edida em que
deseja e goza sexualm ente com o corp o da filha, a um g ozo O u tro , sem m edida, e
que aparece nas cartas, nas referências ao sagrado, ao etern o, ao infinito.
A infância de Françoise, assim co m o de seu irmão C h arles, nunca foi m en ­
cionad a, à época, a não ser pela própria m arquesa, em uma carta à filha de 15 de
ja n eiro de 1674, quando ela já tinha 2 8 anos. A m arquesa, então, escreveu2':

Mr. de Pomponne lembrou-se de um dia quando você era uma menini-


nha na casa de meu tio Sévignè. Você estava atrás de uma vidraça com
seu irmão, tão bonita, diz ele, com o um anjo. Vocês diziam que eram
prisioneiros, que você era uma prisioneira excluída da casa paterna. Seu
irmão era bonito com o você,- você tinha nove anos. Ele me fez lembrar
desse dia.

"Princesa excluída da casa paterna" anuncia algo da fantasia desse sujeito. M as


quem a excluiu? O próprio pai, ao m orrer escan dalosam ente em duelo desafiado
pelo m arido de uma de suas am antes, além de não ter-lhe dado inicialm ente o
nom e de fam ília. C ertam en te ela é princesa, mas não pode p erten cer ao reino
de seu pai m orto. Sua m ãe tam bém a excluiu da casa paterna, retirand o-a da in ­
fluência do pai, de sua incôm oda repu tação de hom em perdulário, em busteiro e
estroina, e a m anteve fechad a na fam ília C o u lan g es, cortan d o, assim, o acesso à
m undanidade brilhante. Essa fórmula e scla rece o duplo eixo em que a filha se or­
ganizou: prisioneira da mãe e excluída pelo pai. U m a é o avesso da outra: por um
lado, a princesa é excluída da casa paterna porque é excluída da reputação sexual

337
escandalosa deste,- por outro, o esfo rço para excluir os traços paternos constitu i o
aprisionam ento m esm o da filha pela m ãe22.
Separando seus filhos da vida mundana e renunciando a uma vida sexual a ti­
va, M adam e de Sèvignè era imune a qualquer escândalo, o que lhe perm itia uma
atuação política e uma posição acim a de qualquer suspeita na sociedade, inclusive
a relação com as 'amigas'. As cartas revelam uma verdadeira guerra entre mãe e
filha, guerra sentim ental de lances latentes, em que a impetuosidade com parece
apenas do lado da senhora extrem osa, que só deixaria de ser aflitivamente mãe se a
filha consentisse numa intim idade à qual não estava disposta, mas que tam bém não
conseguia barrar. As duas m ulheres se com portavam de maneiras diversas: a mãe
era exuberante e brilhante, enquanto a filha era tímida e reservada. À vitalidade da
mãe se op õe uma falta de âan e de d esejo da filha. Segundo D uchêne, "a descrição
de M me Sèvignè e a im possibilidade de conquistar de chofre seriam a origem da
paixão materna''23. Ambas viviam uma relação corpo a corp o inclusive por m eio da
m aternidade. M adam e de G rignan insistia em engravidar seguidam ente, o que nos
perm ite dizer que essas gravidezes teriam a função de separá-la da mãe. N o entanto,
ela perde muitos bebês e som ente vingam aqueles que são paridos na presença de
M adam e de Sèvignè. M adam e de Sèvignè adoece quando é rechaçada pela filha e
esta, por sua vez, tem crises de ciúmes e adoece com o afastam ento da mãe. Q uando
elas se reencontram , a presença da mãe faz com que a filha se assuste e desapareça
sob seus olhos, com o que envenenada e devorada em seu interior24.
D e acord o com as cartas, M adam e de G rignan desejava en con trar um p o n to
de equ ilíbrio entre atender uma mãe to talm en te devotada a ela e ter vida própria,
m antend o-se à distância. A extrem a solicitude de M adam e de Sèvignè provocou
uma terrível angústia em M adam e de G rignan, co m o se pode ler em carta ao
m arido25:

Eu me sentirei muito mais confortável, meu queridíssimo conde, quan­


do tiver o prazer de estar junto de você, para não mais o deixar. Eu falo
da firme resolução que tomei e que sustentarei sobre este assunto e eu
peço que me responda do seu propósito para que concordem os igual­
mente com esse desejo tão importante e útil para a paz de nossas vidas.

Em ou tra26:

O h! meu Deus! N ão haverá um ano em que eu possa ficar com meu


marido sem deixar minha mãe? Em verdade, eu desejo muito, muito
isso, mas quando é preciso escolher, eu não vacilo em seguir meu amado
conde que eu amo e beijo de todo meu coração.

M ad am e de G rignan não consegu iu se separar do O u tro m aterno, apesar de


d esejar m u ito m anter-se ju n to ao m arido. M ad am e de G rig n a n e sco lh eu o m ari­
do, "segue seu am ado", mas v o lto u fre q u en tem en te para Sèv ig n è. A dem anda, o
d ese jo e o g o z o de Sèv ig n è im portam mais que seu próprio d ese jo e seu próprio
g o z o . P orém , n o tem o s que, nessa relação , estão em causa o d ese jo e o g o z o de
uma m ulher que é m ãe. T rata-se, na verdade, da rela çã o de duas m ulheres e não
mais da função m aterna.
M adam e de G rignan engravidou em m aio de 1 6 7 5 e esco n d eu o fato. A M a r­
quesa de Sèvignè passou a ter sonhos em que o corp o da filha sofre uma m etam or­
fose e se deliciava com a ideia de que a filha, em outra en carn ação, foi um "am ante
alem ão"27. Em uma das inúmeras cartas apaixonadas, Sèvignè escreveu à filha28:

eu vivo para te amar, entrego minha vida a esta ocupação, e também


toda alegria, toda dor, todas as satisfações, todas as mortais inquieta­
ções, enfim todos os sentim entos que essa paixão poderia me dar.

"Essa frase ardente é reproduzida pela prim eira vez na íntegra, aqui," diz o e d i­
to r G érard, "pois havia sido alterada e tom ada por todos os editores de m aneira a
o ferecer uma expressão mais normal do am or m aternal"29. O m arido de Françoise
pergunta a um am igo: "que se pode dizer quando se en co n tra em uma das cartas
da sogra a seguinte frase: 'Pense que eu b e ijo de to d o meu co ra çã o p o n to a ponto
sua bela face, seu p e sco ço , colo'?"30.
Em jan eiro de 1676, a relação violen tam en te incestuosa e devastadora é reve­
lada por um son h o de Sèvignè, assim relatad o31:

Até as oito horas da manhã depois de ter sonhado com você me parecia
que éramos mais unidas do que nunca e que você estava tão carinhosa,
tão doce e amorosa com igo que me deixava transbordante de amor.
D epois fiquei muito oprimida e triste de ter perdido essa ideia e chorei
de maneira imoderada, tanto que precisei chamar Maria e com água
fria e água da rainha de Hungria recuperar meus olhos, minha cabeça
e meu corpo da horrível opressão que sentia. Isto durou um quarto de
hora, mas posso lhe afirmar que jam ais em toda minha vida havia me
encontrado em tal estado.

V em os a d escrição clara de um son h o e ró tic o e a tristeza de ter acordado e


"perdido essa ideia", seguida de um pranto convulsivo tal, co m o se pode exp eri­
m entar após um orgasm o intenso em que se cai co m o o b je to do O u tro.
A ideia de uma M adam e de Sèvignè co n sta n tem en te ocupada pelo p ensam en­
to fixado em sua filha data da prim eira ed ição de sua corresp o n d ência, em 1734.
A natureza desse am or m aternal incom um é o b je to de diversas teses dos ditos
séviçlnistes. C o m o já dissem os, esse am or pela filha era trad icion alm ente d escrito
co m o a única razão para viver que M ad am e de Sèvignè en con tra após a m orte
de seu marido. Ela era m ãe, antes de tudo, e reco n h eceu , em suas cartas, que a
filha foi o preservativo co n tra as fraquezas do amor. N o entanto , não se en con tra
nenhum a m en ção às crianças feita pelos retratistas da ép oca e nem pelos poetas.
Estes só com eçam a falar de Françoise M arguerite quando esta já tinha 16 anos,-
até então, M adam e de Sévignè gozava dos luxos e co n h ecia os brilhos nos salões,
nos quais as Preciosas faziam sucesso.
Logo após o sonho erótico com a filha, de 8 de janeiro de 1676, M adam e de
Sévignè foi acom etida por um to rcico lo que a impede de escrever, o que nos leva a
levantar a hipótese de que madame precisa se impedir, diante do incesto — que, após
o sonho não pode mais esconder de si própria. Um reumatismo invalidante a obriga a
fazer do filho seu secretário, para poder escrever suas cartas, agora ditadas. "A escrita
é um efeito de linguagem"32 e não "fará objeção a esta primeira aproximação, pois é
assim que ela mostrará ser uma suplência desse não-toâo sobre o qual repousa o gozo
da mulher"33. É o ato de escrever essas cartas que permite a Sévignè experim entar o
gozo O utro, pelo qual é atravessada, já que, aqui, escrever não faz suplência e o gozo
vivido no corpo a corpo com a filha adoece a ambas e faz cessar as cartas. Q uando a
filha sabe do estado de saúde da mãe, sente-se culpada e tem uma forte crise, que a
faz parir prematuramente.
Seus con tem p orân eos já julgavam excep cion al esse laço passional en tre as
duas m ulheres. Sain t Sim on, por exem plo, diz: "M adam e de Sévignè, tão amável e
e x celen te com panhia, m orre em G rignan, na casa da filha, que era seu íd olo e que
a m ereceu m ed io crem en te"34. A tese de hom ossexualidade é colocad a por Em ile
G érard -G ailly na prim eira ed ição das cartas pela Plêiaâe, em 1953. C ito : "paixão
m aterna! M aterna sem dúvida, mas tam bém am orosa paixão de am ante por ou ­
tro ser hum ano"35. Ele sustenta essa tese baseand o-se em diversos d ep oim entos,
com o, por exem plo: M r. Arnault d A n d illy diz a M mc de Sévignè "que ela era uma
linda pagã e que a idolatria por sua filha era coisa culpável, a mais perigosa de
todas as idolatrias, e que já era tem po de se curar, de se con v erter para assegurar
sua saúde". U m padre e con fessor recusa a M adam e de Sévignè a absolvição em
um dia de P en teco ste por causa de seu am or m aternal, quer dizer, do que percebeu
aí de perturbação. A o fato G érard -G ailly acrescenta: "O s padres não são maus
psicólogos". Som aizie escreve a resp eito de M adam e de Sévignè: "E fácil ju lg ar
por sua cond u ta que a alegria nela não produz amor,- pois ela só o tem por essas
de seu sexo, e se co n ten ta em dar aos hom ens apenas sua estim a"36.
Se, antes, elas se acusavam m utuam ente por m anterem uma relação devastado­
ra para am bas, agora se dizem culpadas uma da "d oença" da outra. A m arquesa de
Sévignè sen te-se culpada da m orte do neto. M ãe e filha passam a brigar a p o n to
de lhes aconselharem não mais se falarem e m enos ainda se verem . O d esen tend i­
m ento é pú blico, e as acusações e queixas são idênticas às de um casal de am antes
que se separa. M adam e de G rignan não aceita a separação, está abalada com a
m orte do filho e sen te-se injustiçada, precisa falar à mãe mais uma vez. N ão aceita
a ordem da mãe para que se dedique a Pauline, a filha mais velha, e esqueça o b eb ê
m orto. M adam e de G rignan ad oece, recusand o-se a se medicar-, deixa-se im olar
para m ostrar à m ãe que seu am or excessivo é destruidor. Ela se vê definitivam ente

340
dividida entre o excessivo am or de sua mãe, ao qual ced e quando está longe do
m arido, e a exig ên cia do marido, a quem faz crer ter se afastado de sua m ãe37.

D iante do espetáculo de destruição apavorante que lhe oferece a filha


com o prova da destrutividade materna, M mc de Sèvignè entenderá que
só lhe resta declarar sua impotência e admitir que a vida de sua filha
não lhe pertence.

Ela renuncia às suas reivin d icações am orosas, distinguindo a erótica de seu


am or da erótica do am or do m arido de sua filha. M adam e de G rignan assume
definitivam ente a fam ília que construiu com o marido. O s corp os de mãe e filha se
separam, mas a devastação seguirá co m o herança dada a Pauline, filha de M adam e
de G rignan. Pauline torna pública a obscen id ade em que viviam sua mãe e a avó,
publicando a corresp o n d ên cia e fazend o-se de secretária selvagem da devastação
da própria mãe. Pauline, com seu ato, traz a pú blico tanto o fascínio por essas
m ulheres, mãe e avó, quanto o h orror e o ciúm e que essa relação lhe causa, por
ter sido relegada a segundo plano, já que a cen a principal sem pre foi ocupada
pelas duas. Françoise chorava pelos filhos perdidos e, em seu luto, não cuidava de
Pauline. Sèvignè insistia para que Françoise se dedicasse a Pauline e esquecesse os
m ortos, tornand o-se ju n to a Sèvignè mais alegre e amável.
O desabrochar da ad olescên cia e o posterior d esejo de Françoise pelo m arido,
assim com o o lugar que ela vem a ocupar para ele, interrogam Sèvignè sobre A
mulher que não existe, sobre o O u tro, sobre sua própria alteridade, e desencadeiam
o desvario próprio ao g ozo O u tro, fora do falo e não regid o pelo sintom a.
A obscenidade dessa relação se iniciou quando a mãe colocou a filha em posição
de único ob jeto de gozo, colocad o à frente para encobrir seu amor excluído e manter
a ereção de sua própria beleza. Por m eio do corpo da filha, a mãe viveu sua sexualida­
de, exibindo-a para o mundo, ao mesmo tem po que encobriu, sob a capa de um exces­
sivo amor maternal, o gozo que retirou do corpo da filha. Esta se mantém submissa, na
posição de ob jeto de gozo da mãe, apesar das tentativas de, agarrando-se ao marido
e aos filhos, separar-se dela. A devastação, aqui, tem mão dupla e é só adoecendo que
esses corpos podem promover uma separação que, psiquicamente, jam ais se fez.
N o te-se que tan to M arie de C h an tal quanto Françoise tiveram pais om issos,
que não puderam lhes oferecer uma id en tificação viril o suficiente para m antê-las
no g ozo fálico. H enri de Sèvignè foi um pai ausente, vivia à parte da fam ília, em
Paris, en tre festas e amantes,- e M ad am e de G rinan foi im pedida, pela família da
mãe, de ser, co m o o pai, "uma mundana". C o m a m orte prem atura da mãe, M arie
de C h antal foi afastada da fam ília paterna. A exclusão paterna para ambas (o
silên cio que se fez do lado do pai) não as virilizou o suficiente para que pudes­
sem construir a m ascarada fem inina necessária ao g ozo fálico, o que as deixou
entregues ao g o zo O u tro , que, nesse caso, é m ortífero, por ter sido experim en­
tado incestu osam ente no corp o a co rp o en tre mãe e filha. Se, por um lado, o

341
significante N om e-d o -P ai é o que vem significar o lugar do sujeito no d esejo da
m ãe, quando o sintom a aí con stitu íd o não é suficiente para abarcar a co rren te do
instinto m aterno, resta algo de sexual não acessível à análise, ou seja, não cifrado
e que se revela no co rp o a co rp o , en tre mãe e filha38. O lugar do sujeito no O u tro
não é apaziguado pela função paterna, uma vez que o que é visado é o b te r esse
lugar em cu rto -circu ito , sem passar, no d esenrolar ed íp ico, pela prom essa do pai.
A via de acesso ao O u tro incólum e sob a v erten te não fálica só pode ser ou a
destruição od iosa - com o vim os entre Sévign è e Françoise - , ou a loucura, ambas
igualm ente nefastas.
Se a falta de um significante que diga A mulher é, em parte, tam ponada pelo
significante N om e-d o -P ai, neste caso a hiân cia no O u tro ficou mais exposta para
am bas. A tentativa de procurar uma resposta no co rp o de outra m ulher leva à d e ­
vastação aniquilante que observam os por m eio das cartas. Sévignè parece querer
raptar o co rp o da filha, im pedind o-a de ser uma m ulher para um hom em .
N o seio da relação m ãe-filha existe a im agem de um corp o de m ulher d es­
lum brante, por ser desejável. Isso se pode con statar pelo en can tam en to que toda
m enina sente por sua mãe no in ício da vida. A mãe linda, de quem se quer a pala­
vra, os adornos e o corp o guardam a im agem de um co rp o brilhante, que prom ete
um g ozo d esco n h ecid o e avassalador. O que cham a a aten ção, no caso Sévignè,
é a paixão sexual e avassaladora que a m arquesa nutre pela filha não se furtando a
vivê-la no real do corpo.

342
Entrevista à Revista CLAM* do Instituto
de Medicina Social da UERJ
Antonio Quinet
Marco Antonio Coutinho Jorge

H o ra cio S ív o rí - N a compreensão freudiana, a sexualidade é uma força cujo impulso se


estruturaria para além —ou mesmo a despeito —de classificações sexolócjicas convencionais, como a
distinção entre hétero, homo e bissexualidade? Q ual seria o lucfar das chamadas identidades sexuais
na teoria e na prática psicanalíticas?
A n to n io Q u in e t - Freud elaborou o c o n c e ito de pulsão, para tratar justam ente
da "força" do "impulso" sexual. A pulsão sexual se distingue do instinto sexual p ró ­
prio do animal, pois ela é determ inada pelo in co n scien te (na tradução brasileira,
infelizm ente, en con tram os o instinto para designar a Trieb freudiana). Ela tem uma
inscrição no in co n scien te, os "representantes da pulsão" e uma "energia" que Freud
designa de "libido", que é da ordem do prazer, do d esejo e do g ozo . Essa pulsão
está além, ou a d espeito, co m o v o cê diz, de qualquer classificação - ao contrário,
é ela que vai qualificar tal ou tal atividade erótica: a pulsão oral, anal, escó p ica...
constitu em a sexualidade in d ep en d en tem en te do sexo do p arceiro. N o sexo, o
que interessa à pulsão sexual é a satisfação da zona erógena (a b o ca, o ânus, os
genitais, m am ilos e tc ...). O p arceiro do sexo é um o b je to que, na cam a, o sujeito
recorta do co rp o do outro. E isso independe do gên ero dos parceiros sexuais. A
pulsão é sem pre parcial. E o c o ito genital não é absolutam ente uma exigên cia
da sexualidade nem uma suposta "m aturidade" da pulsão. E, m uito m enos, uma
norm a. A Psicanálise se op õe à ped agogia do d esejo, pois esta é uma falácia. N ão
se pode educar a pulsão sexual. N ão se pode desviá-la para acom od á-la aos ideais
da socied ad e. A pulsão segue os cam in h os traçados pelo in co n scien te, que é in ­
dividual e singular. A pulsão não é louca, ela o b ed ece a uma lóg ica determ inada
pelos avatares do N om e-d o -p ai, a lei sim bólica a que todos estam os subm etidos.
P or outro lado, ao responder sobre a questão do que cham am os de orien tação
sexual, Freud utiliza o term o de "escolh a de o b je to ", para designar uma escolh a

* O C e n tro L atin o -A m erican o em Sexualidade e D ire ito s H um anos (C LA M /IM S/U ERJ) - w ebsite www.
cla m .o rg .b r - tem co m o finalidade principal produzir, organizar e difundir co n h e cim e n to s sobre a sexu­
alidade na perspectiva dos direitos hum anos, bu scan do, assim , co n tribu ir para a dim inuição das desigual­
dades de gên ero e para o fortalecim en to da luta co n tra a discrim inação das m inorias sexuais na região.

343
hom o ou heterossexual, e propõe o c o n c e ito de bissexualidade estrutural para
to d o ser hum ano. Para a Psicanálise, assim co m o a hom ossexualidade, o in teres­
se exclusivo de um hom em por uma m ulher tam bém m erece esclarecim en to. A
investigação psicanalítica, diz Freud, em seu tex to prem iado sobre Leonardo da
V in ci, o p õe-se à tentativa de separar os hom ossexuais dos outros seres hum anos
co m o um "grupo de índole singular", pois "todos os seres hum anos são capazes
de fazer uma esco lh a de o b je to hom ossexual e que de fato a consum aram no
incon scien te". O com p lexo de Édipo, que cai no esqu ecim ento do In con scien te,
com porta, tam bém , a ligação libidinal do filho para com o pai e da m enina para
com a m ãe, além das ligações do filho com a m ãe e da filha com o pai. Assim,
o núm ero de hom ossexuais que se proclam am co m o tais, diz Freud, "não é nada
em com paração com os hom ossexuais latentes". H á uma diversidade enorm e na
hom ossexualidade, tanto na praticada quanto na laten te e sublimada. D evem os
falar, portanto, de "hom ossexualidades", no plural, co m o está no títu lo de nosso
colóq u io.
A questão das identidades sexuais é com plexa. O term o "identidade" não é
um term o psicanalítico. N ão é um co n c e ito com o qual o psicanalista opera. Este
lida com as identificações do sujeito que, co m o sujeito da linguagem , é dividido
(sem pre en tre dois significantes) por estrutura. N ão há “g a y em análise" (título
de um con gresso de psicanalistas realizado na França), e sim sujeito de d esejo,
sujeito do in co n scien te, cu ja unicidade é falaciosam ente suposta por m eio de suas
identificações. A identificação a um grupo, ou a um nom e (ou a um significante
definidor desse grupo) e, até m esm o, dirá Lacan, ao "hom em " e à "m ulher", não
define absolutam ente o sujeito. E, m uito m enos, sua esco lh a de o b je to , ou sua
orien tação sexual. Freud, com o ele m esm o o diz, está mais próxim o dos gregos
da A ntiguidade, que valorizavam mais a pulsão do que seu o b je to . Ao radicalizar
a separação, operada por Freud, da posição sexuada em relação à anatom ia, La­
can propõe form as distintas de g o z o : o g ozo fálico , que é o sexual propriam ente
dito, para hom ens e m ulheres qualificado de "m asculino" e um g ozo para-além do
falo, o "go zo fem inino", que ultrapassa o sexo e até m esm o a linguagem . Em suas
"fórmulas da sexuação", Lacan situa, por exem plo, as m ulheres histéricas do lado
m asculino, e do lado fem inino to d o aquele que se en con tra no lugar de o b je to de
d esejo, sem que isso correspond a a uma definição de gênero. N esse sentido, sub­
verte to talm en te a questão da "identidade", dos grupos, redutos e guetos. O que
não quer dizer que, em term os de estratégia p o lítica, o tem a de identidade não
tenha sua utilidade. M as sem que o sujeito se engane sobre essa suposta definição
de sua "identidade" singular.
H S — Q ual o alcance atual da despatologização da homossexualidade promovida no campo
psi desde há mais de 30 anos? Quais empecilhos ela ainda encontra?
A Q - A o responder a uma m ãe preocupada com a hom ossexualidade do filho,
Freud, em 1935, aponta que esta não é nenhum a desvantagem , nem tam pouco

344
tnxrevisia a m isia ulam
uma vantagem , "ela não é m otivo de vergonha, não é uma degradação, não é um
v ício e não pode ser considerada uma doença". Apesar dessa ind icação de Freud
em 1935 - o qual, cin co anos antes, assinara uma p etição a favor da descrim i-
nalização da hom ossexualidade - , só em 1973 a American Psychiatric Association
(APA) deixou de consid erar a hom ossexualidade co m o d oen ça. E isso depois que

qo msmuio oe meaictna òociai oa ucnj


ativistas gays, por duas vezes (1 9 7 0 e 1 9 7 1 ), invadiram o e n co n tro anual da APA.
M as, por incrível que pareça, analistas da A ssociação Internacion al de Psicanálise
(IPA) se colocaram co n tra e fizeram um m anifesto com 2 0 0 assinaturas con tra a
retirada da hom ossexualidade da lista de doenças. A cabaram vencidos e, m esm o
assim, só em 1993 a O rg an ização M undial da Saúde (O S M ) retirou-a dos manuais
de diagnóstico. Essas duas corren tes continu am existind o na Psicanálise. H o je em
dia, os analistas adeptos da c o n cep çã o de d oença são m enos exp lícitos, pois não
fica bem ser h o m o fó b ico atualm ente e seus discursos são m enos v iolen tos e re-
pressores, mas não deixam de existir. N ão há um con sen so e isso tem uma história
que se en con tra nos pós-freudianos. Ernest Jo n e s, b ióg rafo de Freud, foi co n tra a
posição de Freud de perm itir o acesso norm al de hom ossexuais à form ação analí­
tica, pois ele considerava existir vários tipos de hom ossexualidade e que cada caso
deveria ser apreciado com o qualquer cand id ato. Jo n e s, ao con trário, considerava
que a hom ossexualidade "é um crim e repugnante,- se um de nossos m em bros o
com etesse, seriam os o b je to de grande d escréd ito", con form e R oudinesco. Anna
Freud tam bém foi co n tra o pai, deturpando sua teoria, m ilitand o co n tra o acesso
de hom ossexuais na Psicanálise e tentand o converter, em sua clín ica, os h om osse­
xuais em b ons pais de fam ília. L ogo ela que nunca foi vista com hom em nenhum e
partilhou toda sua vida com uma mulher, sem nunca ter se assumido hom ossexual.
Por outro lado, M elain e K lein considerava a hom ossexualidade com o um distúr­
b io esquizoide para se defender da paranóia (idem). Im agina o legado freudiano
que ch eg ou aos Estados U n id os e se expandiu pela Europa! D ep ois do C ongresso
da IPA de B arcelona, em 1 9 9 7 , em que Ralph R ou ghton, analista didata, e outros
se declararam hom ossexuais e traçaram o h istó rico da questão do p onto de vista
institucional e te ó rico , podem os d izer que não se pôde mais tratar o tem a da m es­
ma form a repressiva na IPA. C o m Lacan, houve uma retom ada dos princípios e
da ética da Psicanálise, o que não im pede h o je alguns p ós-lacanianos de tam bém
deturparem seu ensino e retom arem teses que, em bora sofisticadas, são im preg­
nadas da co n c e p çã o de desvio e anorm alidade, que serão retom adas em detalhes
em nosso colóq u io.
Q uais os em pecilhos? D o p o n to de vista da Psicanálise, podem os pensar que
esses analistas adotam o senso com um quanto ao hom ossexual, que provoca o
im aginário de um g o zo outro, tão d iferen te - e, ao m esm o tem po, tão sem elhante
- ao do "norm al" que am eaça. E ntão, para a co n sciê n cia da norm a, é m elh or quali­
ficá-lo de pervertido, não confiável, pois é um g o z o periférico, daí ser peri-goso. Por
outro lado, a exem plo de Anna Freud, a a ceita çã o da hom ossexualidade do outro

345
se en con tra na d ep end ência de co m o o sujeito lida com a sua própria. Q u an to
mais ele a rejeita em si m esm o, m enos saberá lidar com ela, podendo fazer desse
outro um o b je to de ód io, de agressões e até de assassinato. O d esejo pelo outro,
ao ser recusado, pode se tran sform ar em ódio. D a h om ofo bia ao h om oterrorism o
é um passo. U m pouco mais de análise não faria nada mal a esse analistas!
M a rco A n to n io C o u tin h o Jo rg e - Por incrível que pareça, os psicanalistas
talvez tenham sido os que mais reagiram a essa d espatologização - e ainda rea ­
gem h o je bastante a ela. H aja vista a querela sobre a hom oparentalidade ocorrida
na França, há alguns anos, que opôs dois grupos de psicanalistas: de um lado,
E lisabeth R ou dinesco e Sab in e Prokhoris, entre outros, defenderam a legalização
da ad oção de crianças por casais hom ossexuais e recon h eceram o d esejo deles
de filiação co m o plenam ente legítimo,- de outro, Jean -P ierre W in ter e C h arles
M elm an, entre outros, opunham -se a isso e usavam a teoria psicanalítica co m o ar­
gum ento para sustentar suas posições altam ente conservadoras. E im pressionante
ver psicanalistas lacanianos assumirem posturas tão conservadoras e malsãs, co n d i­
zentes com as op iniões m enos esclarecid as da população. O s psicanalistas, quando
se trata de hom ossexualidade, tornam -se frequentem ente religiosos, no sentido
de que pregam uma versão única da verdade para todos. O ra, nós sabem os que a
singularidade do d esejo do su jeito é a m ola m estra da ética da Psicanálise, tal co m o
sustentada por Lacan, de m odo que qualquer ideal de norm ativização do pensa­
m ento ou do com p ortam en to deve ser considerada antifreudiana e antilacaniana.
H S — Quais as definições ou usos atuais da categoria "perversão", se não associada à ideia de
desvio do desejo sexual considerado mais legítimo ou sadio?
M A C J - A hom ossexualidade não é uma perversão, porque a n o çã o de per­
versão im plica, antes de mais nada, que haja uma versão correta! E digno de nota
que a hom ossexualidade foi considerada, origin alm ente, uma inversão, antes de
ser tratada co m o uma perversão. A inversão significa que algo está to talm en te de
ca b eça para b aixo. V ê-se que, de fato, trata-se sem pre de crer na existên cia de
uma versão norm al e con form e da sexualidade. Esta não é a m inha c o n cep çã o
nem acred ito que seja a de Freud. Porque a hom ossexualidade é, no fundo, uma
subversão radical. M ais essen cialm ente ainda, con sid ero que a hom ossexualidade
é, na verdade, a revelação da subversão inerente à sexualidade humana, que não se
subordina a nenhum ideal. Se não há in scrição da diferença sexual no in co n scien ­
te, com o dem onstraram Freud e Lacan, cada su jeito construirá uma sexualidade -
hom o, h é te ro ou bi — absolutam ente legítim a. Pois não ca b e a ninguém autorizar
a sexualidade de ninguém . Isso sim seria perversão, querer tom ar-se pelo O u tro e
querer fazer a Lei para o d esejo do O u tro. N ada mais distante da Psicanálise do
que isso.
A Q - A pesar do term o "perversão" estar articulado h istoricam en te a "desvio da
norm a" sexual e à noção de perversidade e periculosidade, a Psicanálise o utiliza
de m aneira bem diferente. Em prim eiro lugar, Freud generaliza a perversão: a se ­
eiurcvisia a nevisra ilhm
xualidade é não só perversa, mas "polim orfo-perversa", pois a sexualidade adm ite
toda a variação possível, sendo seu o b je tiv o un icam ente a satisfação pulsional.
A co n ex ão da sexualidade com a reprodução é um dado cien tífico -relig io so que
o sexo d esco n h ece. P or outro lado, perversão é uma das "estruturas clínicas", ao
lado da neurose e da psicose. N ão é mais p ato ló g ica do que as outras. São três

uu h isu íuiu
m odos de se lidar co m a castração sim bólica, ou m elhor, três m eios de negá-la,
pois ela, tanto para o hom em quanto para a mulher, gera angústia e am eaça. Para
a Psicanálise, um hom ossexual pode ser n eu rótico (h istérico , obsessivo ou fó b ico ),

ue mtmma duuai ua ucnü


p sicó tico (esqu izo frênico ou paran oico) ou perverso (fetich ista, sádico, m asoquis­
ta ou voyeur). E, m esm o dentro de cada tip o clín ico , a diversidade é im ensa. São
tam bém três m aneiras de gozar: o n eu ró tico não sabe co m o gozar, o p sicótico
atribui o g ozo ao O u tro e o perverso se faz de instrum ento do g o z o do O utro.
Identificar to d o hom ossexual à perversão é algo que a clín ica desm ente e só
pode advir de uma leitura apressada, de p re co n ceito ou de h om ofo bia (auto ou
h étero ). N ão existe "O Homossexual", e sim hom ossexuais, tan to quanto neuróticos,
p sicó tico s e perversos. Lacan aproxim a a perversão da sublim ação m ostrando que
são duas form as de se atingir um g ozo (o perverso com a fantasia e o artista com
a obra) para além do princípio do prazer e que é da ordem da criação. E, no final
de seu ensino, nos anos 1 9 7 0 , ele d esconstrói o c o n c e ito , fazend o um trocad ilh o
entre perversion e pire-version, apontando que a perversão é uma versão do pai, que
ele designa co m o "aquele pai que tem uma m ulher com o o b je to de d esejo" (se ­
m inário R SI). Lá de onde se esperava a norm a, Lacan co lo c a a perversão co m o a
característica por ex ce lê n cia da sexualidade.
H S - São freqüentes os relatos de pacientes e de profissionais, que transitaram numa análise
ou numa form ação psicanalítica, de práticas bomofóbicas por parte de analistas e de instituições,
como a tentativa de "curar" tendências homossexuais, ou a regra [formal ou informal, explícita ou
não) cjue impedia um/a homossexual assumido(a) se tom ar analista. A cjuais contextos teóricos e
políticos da disciplina essas práticas respondem? Q ual a vigência delas? Qual o estado atual dessa
questão entre os analistas?
M A C ] —Tudo d ecorre da m esm a n o çã o n orm ativizante, e eu diria m esm o pré-
freudiana, da sexualidade. Freud foi tão claro e sereno quanto a isso: ao finalizar
sua obra mais im portante sobre a sexualidade, os "Três ensaios sobre a teoria da
sexualidade", ele asseverou que "quando a hom ossexualidade não é considerada
um crim e [sim, porque na ép oca esta questão era colocad a desse m odo em m uitos
lugares da Europa], ver-se-á que ela respond e am plam ente às in clin ações sexuais
de um núm ero não pequeno de pessoas". O co ló q u io tratará desse asp ecto em e s­
pecial, com a apresentação de pesquisas feitas sobre a h o m o fo b ia nas instituições
de Psicanálise e na literatura psicanalítica.
A Q - C o n h e ç o vários casos de hom ossexuais cu jos analistas tentaram "curá
-los", seja por pedido deles m esm os, por não aceitarem sua atração pelo m esm o
sexo, seja da parte dos analistas que queriam - baseados na teoria freudiana da

34/
bissexualidade - "desrecalcar" a heterossexualidade laten te. N ão c o n h e ç o nenhum
analista que ten h a tentad o fazer o contrário. O uvi tam bém relatos de pacientes
cu jos analistas queriam fazer o sujeito m asculino ter relações com m ulheres para
"perder o m edo do ou tro sexo" e "afrontar a castração". E, até m esm o, m áxim o do
cinism o, ouvi um caso em que o analista tentou ensinar o sujeito a fazer sexo oral
com uma mulher. Q u and o o analisante não sai dessa análise, os resultados podem
ser catastróficos, indo até, por exem plo, a produção de um quadro deliroide, co m o
já tive a oportunidade de observar. Essa cond u ções de análise por esses analistas
causam o d escréd ito da Psicanálise, im pedindo que aquele sujeito se b en eficie
da análise para ultrapassar suas reais dificuldades. Q u an to à form ação analítica,
não há uma regra escrita, que eu co n h eça , em nenhum a Socied ad e ou E scola de
Psicanálise, que im peça hom ossexuais de entrarem numa form ação, mas o b o ic o te
se dá ainda em m uitos lugares, por m eio de diversos p roced im en tos, que vão da
co a ção a im pedim entos até a indiferença na instituição.
H S — Quais matizes é possível perceber, na produção psicanalítica atual, a respeito da abor­
dagem das homossexualidades e do Que écham ado de perversão?
M A C J - H á diferentes versões sobre a hom ossexualidade e sobre a perversão
na Psicanálise. N esse sentido, nosso co ló q u io poderia ter se intitulado igualm ente
"As hom ossexualidades e as Psicanálises": pode-se dizer que existem tantas ver­
sões sobre a hom ossexualidade e a perversão quantas Psicanálises. M as, de uma
form a geral, acred ito que há um p onto de resistência crucial dentro da própria
Psicanálise em relação a despatologizar, de fato, a hom ossexualidade. Trata-se de
um p onto op aco, resistencial, que co n cern e a m eu ver a uma resistência à própria
co n c e p çã o psicanalítica da sexualidade co m o um to d o e não apenas à h om osse­
xualidade. H á uma resistência fundam ental em aceitar a c o n cep çã o freudiana da
sexualidade, francam ente desvinculada dos ideais da ciên cia e da religião. E por
m eio destas que a m aior resistência se produz d entro da Psicanálise. H á um fundo
de religiosidade que faz com que os psicanalistas possam , às vezes, infelizm ente,
unir-se ao senso com um , para o qual é preciso dar um sen tid o unívoco à vida e,
logo, à sexualidade. Q u anto à religião, a m inha h ip ótese é a seguinte: a igreja c a ­
tó lica produziu um golpe de m estre ao con d en ar a hom ossexualidade por um lado
e produzir, por outro, a segregação dos sexos no convívio entre seus religiosos.
O resultado foi uma única e atraente m ensagem : quem quiser vivenciar sua h o ­
m ossexualidade, vinde até nós! A força da igreja ca tó lica certam en te dependeu da
força de sua con v ocató ria dirigida aos hom ossexuais e, se ela h o je está d ecad ente,
acred ito que isso se deu em co n co m itâ n cia à a ceita çã o da hom ossexualidade pela
cultura ocid en tal. N ão é mais necessário ser padre ou freira para viver sua h o m o s­
sexualidade. O in ício da d ecad ên cia da Igreja ca tó lica se deu m uito próxim o à
revolta de Stonewall, em 1969.

Publicada em 24 de junho de 200 9


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348
Notas

■ Capítulo 1 .0 real e o sexual: do inominável ao pré-conceito


1. Pois o armário, com o se sabe, não é um lugar muito confortável a não ser para esconder
esqueletos, com o diz o provérbio popular americano.
2. LAC AN , J. O Seminário, livro S: as form ações do inconsciente. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,-
1999.
3. LAU RITSEN , J.,- T H O R ST A D , D, Tbe early homosexual rigbts movement ( 1 8 6 4 - 1 9 3 5 J . New
York: Times Change Press,- 1974.
4. FO N E, B. Homojobia - una historia. M éxico: Oceano,- 2 008.
5. iâem, p. 20.
6. SPEN CER, C. Homossexualidade - uma história. Rio de Janeiro: Record,- 1996. p. 379 ss.
7. C H ILA N D , C . O sexo conduz 0 mundo. Rio de Janeiro: Companhia de Freud,- 2 005. p. 84.
8. D A LG A LA R RO N D O , P. Psicopatoloç/ia e semiologia dos transtornos mentais. Porto Alegre: Artes
Médicas,- 2 0 0 0 . p. 26.
9. K.INSEY, A. et al. Sexual behavior in tbe buman male. Philadelphia/ London: W.B. Saunders
Company,- 1948. p. 851.
10. Sendo que, atualmente, esse número se acha bastante alterado, para algo entre 1 e 4% -
de todo m odo um número tão incerto quanto elevado.
11. KINSEY, A. et al. Sexual behavior in tbe buman male. Philadelphia/ London: W.B. Saunders
Company,- 1948. p. 62 3 .
12. C H ILA N D , C. O sexo conduz 0 mundo. Rio de Janeiro.- Companhia de Freud,- 2 0 0 5 . p. 82.
13. O bservam-se, talvez, aqui os ecos de uma aplicação diferenciada da terminologia
ferencziana que distingue a linguagem da paixão da linguagem da ternura.
14. FEREN CZ1, S. A little chanticleer. In: FEREN CZ1, S. First contributions to psycho-analysis.
London: T h e H ogarth Press,- 1952. pp. 2 4 0 -2 5 2 .
15. CO STA , J.F. A inocência e 0 vício - estudos sobre o hom oerotism o. Rio de Janeiro: Relume
Dumará; 1992. p. 21.
16. idem, p. 25.
17. CO STA , J.F. A ja c e e 0 verso - estudos sobre o hom oerotism o II. São Paulo: Escuta,- 1995.
p. 289.

349
18. FREU D , S. As pulsões e suas vicissitudes. In: FREUD , S. Edição standard brasileira das obras
completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 128.
19. LA C A N , J. O seminário, livro 20: mais, ainda. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,- 1985. p. 69.
20. JO R G E , M .A .C . Fundamentos da psicanálise de Freud a Lacan —v.2: a clínica da fantasia. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar,- 2 0 1 0 . p. 36 ss.
21. Conform e nossa análise com pleta do filme. Para mais, ver JO R G E, M .A .C. Fundamentos da
psicanálise de Freud a Lacan - v.2: a clínica da fantasia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,- 2 0 10. p.
36 ss.
22. Lacan fala a esse propósito de "re-petição indefinidamente enumerável da demanda" e da
re-petição com o "transfinito da demanda". Para mais, ver LACAN , J. O aturdito (1 9 7 2 ).
In: LAC AN , J. Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,- 2 0 0 3 . p. 4 8 7 -4 9 5 .
23. LAC AN , J. O aturdito (1 9 7 2 ). In: LACAN , J. Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,-
2003.
24. SO LER, C. O cfue Lacan dizia das mulheres. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,- 2 0 0 5 . p. 2 0 9 .
25. M O R EL, G. Ambiguités sexuelles - sexuation et psychose. Paris: Anthropos,- 2 0 0 4 . p. 19.
26. O psicanalista W aldem ar Zusman, da A ssociação Psicanalítica Internacional, num artigo
publicado na imprensa, coloca esse ditado em epígrafe, revelando claram ente que prefere
associar seu discurso aos preconceitos populares do que pensar com Freud a lógica da
sexualidade. Voltaremos a ele adiante
27. U m saboroso repertório de term os regionais brasileiros que associam o sexo a animais
pode ser encontrado em ARARIPE, M. Linguagem sobre o sexo no Brasil. Rio de Janeiro:
Lucerna,- 1999.
28. FEREN CZ1, S. A little chanticleer. In: FEREN CZ1, S. First contributíons to psycho-analysis.
London: T h e H ogarth Press,- 1952. pp. 2 4 0 -2 5 2 .
29. SA N D FO R D , B. A patient and her cats. The Psychoanalytic Forum. Los Angeles.- Psychiatric
Research Foundation, p. 1 6 9 -1 7 6 , 1976.
30. FREU D , S. Diário de Sigmund Freud [ Í929-Í9 3 9 ) - crônicas breves. Porto Alegre: Artes
Médicas,- 2 0 0 0 . p. 354.
3 1. Q uando Lacan profere seu seminário sobre Os cjuatro conceitos fundamentais da psicanálise em
1964, seu objetivo maior foi retom ar as categorias conceituais freudianas fundamentais,
de m odo a restaurar a base ética da doutrina psicanalítica.
32. LACAN , J. Le séminaire, livre 23: le sinthome (1 9 7 6 ). Paris: Seuil,- 2 0 0 5 . p. 121.
33. LA C A N , J. Função e cam po da fala e da linguagem na psicanálise. In: LACAN , J. Escritos
(1 9 5 3 ). Rio de Janeiro: Jorge Zahar,- 1998. p. 264.
34. idem, p. 61 3 .
35. LAC AN , J. D o Trieb' de Freud e do desejo do psicanalista. In-, Escritos (1 9 6 6 ). Rio de
Janeiro: Jorge Zahar,- 1998. p. 865.
36. H ALE Jr., N .G . The rise and crisis o f psychoanalysis in the United States - Freud and the
Americans 1 9 1 7 -1 9 8 5 . N ew York: Oxford,- 1995. p. 298.
37. Conform e o título da obra de Freud, no qual ele introduz esse corte na divisão clássica
entre normal e patológico, a partir da noção de sobredeterm inação inconsciente: A
psicopatologia da vida cotidiana. O ra, com o algo pode ser patológico e cotidiano ao mesmo
tempo? O u tudo passa a ser patológico ou nada o é. Por isso, Lacan chegou a afirmar que
o inconsciente é a verdadeira doença mental do hom em.
38. G ERSH M A N , H . H om osexuality and some aspects of creativity. The American Journal of
Psychoanalysis. A Symposium: Psychoanalysis as C reative process - part II, New York, v.
XXIV, n. 1, p. 34, 1964.
39. FR EU D , S. "Moral sexual 'civilizada' e doença nervosa moderna". AE, v.IX, p. 170,- ESB,
v.IX. p .195.
40. G ERSH M A N , H . H om osexuality and some aspects of creativity. The American Journal o f
Psychoanalysis. A Symposium: Psychoanalysis as C reative process - part II, N ew York, v.
XXIV, n. 1, p. 34, 1964. p. 31.
41. idem, pp. 3 4 -3 5 .
42. idem, p. 35.

350
43. BIEBER, I. H om osexuality and some aspects of creativity. The American Journal o f
Psychoanalysis. A Symposium: Psychoanalysis a í Creative process - part II, v. XXIV, n. 1, p. 38,
1964.
44. M USATTI, C. Quem tem medo do lobo mau? São Paulo: Melhoramentos,- 1989. p. 102.
45. Z U S M A N , W. Breve anatomia da homossexualidade. Jornal O Globo, p. 7, 1997.
46. FREU D , 1920. p. 2 10.
47. SA FO U A N , M . Le langage orâinaire et Ia différence sexuelle. Paris: O dile Jacob,- 2 0 0 9 . pp. 4 0 -4 1 .
48. POM M IER, G. A neurose infantil da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,- 1992.
4 9. H A LE Jr., N .G . The rise and crisis of psychoanalysis in the United States - Freud and the
Americans 1 9 1 7 -1 9 8 5 . N ew York: Oxford,- 1995. p. 224.
50. VIDAL, G. Prefácio. In: KATZ, J.N . A invenção da heterossexualidade. Rio de Janeiro:
Ediouro,- 1996. p. 7.
51. D R ESCH ER, 2 0 0 6 .
52. Psicanalista de N ova Iorque que nos enviou seus artigos para os trabalhos preparatórios
de nosso colóquio "As homossexualidades na psicanálise - por ocasião dos 4 0 anos de
Stonewall".
5 3. M ARM O R, J. A inversão sexual - as múltiplas raízes da homossexualidade. Rio de Janeiro:
Imago,- 1973.
5 4. Ele organizou uma obra importante em 1965, chamada A inversão sexual, na qual
confrontava diferentes opiniões, inclusive aquelas com as quais discordava, com o intuito
de trazer à baila a questão da homossexualidade. Para ele, o estatuto do diagnóstico de
homossexualidade não era médico, mas sim moral.
55. SZA SZ, T. A fabricação da loucura. Rio de Janeiro: Zahar,- 1978.
56. RINALDI, D. A ética da diferença. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,- 1996.
57. SZA SZ, T. A fabricação da loucura. Rio de Janeiro: Zahar,- 1978. p. 296.
58. LACAN , J. O seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio
de Janeiro: Jo rg e Zahar, 1998. p. 260.
59. LAC AN , Jacques. O seminário, livro 7: a ética da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge
Z ah ar,1991. p .35.
60. idem, p. 35.
61. LACAN , Jacques. Televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993, p .32.
6 2. JO R G E , M .A .C . Fundamentos da psicanálise de Freud a Lacan - v.2: a clínica da fantasia. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar,- 2 010.
63. LACAN , J. p. 125, tradução modificada pelos autores.
6 4. idem, p. 105 ss.
65. FREU D , S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1 9 0 5 ). In: Edição standard brasileira
das obras completas de Sitjmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
66. idem, p. 507.

■ Capítulo 2. A despatologização da homossexualidade


1. M A RR O U , H .A . Histoire de l'e'ducation dans lAnticjuité. Paris: Seuil,- 1960.
2. idem.
3. LILAR, S. Le couple. Paris: Grasset,- 1963.
4. H A R R IN G T O N , D.J. Jesus e a ética das virtudes. Editora Loyola, São Paulo, 2 006.
5. M EN N IN G ER, K.. The vital balance. N ew York: Viking,- 1963. pp. 6 8 1 -6 8 2 .
6. M E N D EL SO N , G. H om osexuality and psychiatric nosology. Australian and New Zeland
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7. M O R G A N , K. H om osexuality and psychopolitics: an historical overview. Review of
Psychotherapy, v. 30, Spring 1993, pp. 1 3 3 -1 3 9 .
8. H A R R IN G T O N , D .J. Jesus e a ética das virtudes. Editora Loyola, São Paulo, 2 0 0 6 . Ver a
Epístola aos Romanos, 1 :26-27.

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9. M ARTINS, M . Práticas sexuais ditas desviantes: perversão ou direito à diferença? Revista
Terapia Sexual - Clínica - Pesquisa e Aspectos Psicossocias, v. VI, p. 3 4-52, 2003.
10. Chengis Khan's C ode published in bilingual edition, 2 0 0 7 . Disponível em: http://www.
china.org.cn/english/M A TER IA L/222618.htm
11. M O R G A N , K. H om osexuality and psychopolitics: an historical overview. Review oj
Psychotherapy, v. 30, Spring 1993, p. 1 3 3-139.
12. M E N D EL SO N , G. H om osexuality and psychiatric nosology. Australian and New Zelanâ
Journal o f Psycbiatry, v. 37, p. 6 7 8 -6 8 3 , 2 003.
13. idem.
14. LEITE JR, J. Das maravilhas e prodígios sexuais■
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São Paulo: Annablume,- 2 0 0 6 . p. 242.
15. SH O RTER , E. A history o f psycbiatry: from the era of the asylum to the age of prozac.
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16. GRIESINGER, W. Arquivo Alemão de Psiquiatria e D oenças Nervosas.
17. SH O RTER, E. A history of psycbiatry: from the era of the asylum to the age of prozac. New
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(editor). Science and homosexualities. New York: Routledge,- 1997.
19. idem.
20. idem.
21. idem.
22. M E N D EL SO N , G. H om osexuality and psychiatric nosology. Australian and New Zeland
Journal o f Psycbiatry, v. 37, p. 6 7 8 -6 8 3 , 2 003.
23. idem.
24. R O U D IN E S C O , E. Dicionário de Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,- 1998. p. 441.
25. FREU D , S. Fluctuat N ec mergitur (1 9 1 4 ). In: FREU D , S. O bras completas. Rio de Janeiro:
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26. H U T T E R , j. Ricbard t>on Kraffi-Ebing. ln : L A U T M A N N , R. (editor). Homosexualitãt.
JJandbuch der tbeorie und forscbunpgeschichte. Frankfurt/New York: Campus Verlag,- 1993. pp.
4 8 -5 4 .
27. idem.
28. M E N D EL SO N , G. H om osexuality and psychiatric nosology. Australian and New Zeland
Journal o f Psycbiatry, v. 37, p. 6 7 8 -6 8 3 , 2003.
29. FREU D , S. Um a nota sobre a pré-história da técnica de análise (1 9 2 0 ). In: FREU D , S,
Obras completas. Rio de Janeiro.- Imago, 1976. vol. XVIII.
30. SH O R TER , E, A bistory of psycbiatry: from the era of the asylum to the age of prozac.
N ew York: Wiley,- 1997.
31. FREU D , S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1 9 0 5 ). In: FREUD , S. Obras
completas. Rio de Janeiro: Imago, 1976. vol. VII.
32. idem.
33. idem, p. 1 32.
34. M E N D EL SO N , G. H om osexuality and psychiatric nosology. Australian and New Zeland
Journal o f Psycbiatry, v. 37, p. 6 7 8 -6 8 3 , 2 003.
35. FREU D , S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1 9 0 5 ). In: FREU D , S. Obras
completas. Rio de Janeiro: Imago, 1976. vol. VII. p. 132.
36. CEC C A R ELLI, P. A Invenção da Homossexualidade. Revista Bagoas, v. 2, p. 71 -93, 2 008.
37. LEW IS, K. The psycboanalytic theory o f man homosexuality. N ew York.- Simon and Schuster,-
1 988. p. 33.
38. JO N E S , E. Vida e obra de Sigmund Freud. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1979. p. 739.
39. FREUD , S. Fluctuat N ec mergitur (1 9 1 4 ). In: FREU D , S. Obras completas. Rio de Janeiro:
Imago, 1969. vol. XIV. p. 31.

352
40. C ECC A R ELLI, R A Invenção da Homossexualidade. Revista Bagoas, v. 2, p. 7 1 -9 3 , 2 0 0 8 .
41. M EN D EL SO N , G. H om osexuality and psychiatric nosology. Australian and New Zeland
Journal o f Psychiatry, v. 37, p. 6 7 8 -6 8 3 , 2 0 0 3 . Ver página 681.
42. idem, ver página 68 2 .
43. LA U REN TI, R. Homossexualismo e a Classificação Internacional de D oenças. Revista de
Saúde Pública, v. 18, Editorial, 1984.
44. KIRBY, M . T h e 1973 deletion of hom osexuality as a psychiatric disorder. American Journal
of Psychiatry, v. 130, p. 1 2 0 7 -1 2 1 6 , 1973.
45. KINSEY, A .C . et al. Sexual behavior in the human male. American Journal o f Psychiatry, v.
130, p. 1 2 0 7 -1 2 1 6 , 1973. Ver página 639.
46. M EN D EL SO N , G. H om osexuality and psychiatric nosology. Australian and New Zeland
Journal o f Psychiatry, v. 37, p. 6 7 8 -6 8 3 , 2 0 0 3 .
47. D RESCH ER , J. A history of homosexuality and organized psychoanalysis. Journal o f tbe
American Academy o f Psychoanalysis and Dinamic Psychiatry, v. 36, p. 4 4 3 -4 6 0 , 2 008.
48. KIRBY, M . T h e 1973 deletion of hom osexuality as a Psychiatric disorder. American Journal
o f Psychiatry, v. 130, p. 1 2 0 7 -1 2 1 6 , 1973.
49. D RESCH ER , J. A history of homosexuality and organized psychoanalysis. Journal o f the
American Academy o f Psychoanalysis and Dinamic Psychiatry, v. 36, p. 4 4 3 -4 6 0 , 2 008.
50. KINSEY, A .C . et al. Sexual behavior in the human male. American Journal o f Psychiatry, v.
130, p. 1 2 0 7 -1 2 1 6 , 1973.
51. D R ESC H ER, J. A history of hom osexuality and organized psychoanalysis. Journal o f the
American Academy of Psychoanalysis and Dinamic Psychiatry, v. 36, p. 4 4 3 -4 6 0 , 2 0 08.
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Press,• 1987.
53. D RESCH ER , J. A history of hom osexuality and organized psychoanalysis. Journal o f the
American Academy o f Psychoanalysis and Dinamic Psychiatry, v. 36, p, 4 4 3 -4 6 0 , 2 0 08.
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353
■ Capítulo 3. A história da homossexualidade e a Psicanálise
organizada
1. Este capítulo foi modificado a partir da Palestra Presidencial apresentada no 50o
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7. Ulrichs definiu uma mulher, que hoje nós chamaríamos de 'lésbica', com o ‘urningin.
8. U lrichs, com o Freud, utilizou-se da m itologia grega para suas fontes etim ológicas. Sua
term inologia derivou de um discurso do Symposium de Platão, que contou da mais velha
Afrodite, filha do U rano massacrado, que nasceu dos restos do corpo desmembrado
de seu pai. Porque ela não tinha mãe e seu nascim ento não envolvia uma participação
feminina, a Afrodite Uraniana, de acordo com Platão, inspirou o am or do hom em pelo
homem e da mulher pela mulher. O s heterossexuais, nessa nosologia, são dionings -
descendentes de Zeus e da mortal Dione.
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14. Um a vez que as atividades homossexuais excluem a relação pênis-vagina, na nosologia
de Freud, atos homossexuais só poderiam ser considerados com o formas imaturas de
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15. FR EU D , S. "Civilized" sexual morality and modern mental illness (1 9 0 8 ). In: STRA CH EY,
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4 8. Essa perspectiva ganhou ímpeto gradualmente. Em 1973, o com portam ento homossexual'
era ilegal na m aior parte dos Estados Unidos. Em 2 0 0 3 , quando três quartos dos Estados
já haviam revogado suas leis con tra a sodom ia, a Suprema C o rte dos Estados Unidos
determinou (6 -3 ) em Lawrence e Garner v. Texas derrubar as restantes. O casam ento entre
pessoas do mesmo sexo é agora uma opção para os gays na Bélgica, Canadá, Holanda,
N oruega, África do Sul, Espanha e, nos Estados Unidos, nos Estados da Califórnia

355
e do Massachusetts. O Estado de N ova York reconhecerá casam entos homossexuais
legalmente realizados em outros países e Estados. A união civil entre pessoas do mesmo
sexo está disponível na Argentina (Buenos Aires), República C heca, Dinamarca, Finlândia,
França, Alemanha, Grã-Bretanha, Groenlândia, F-lungria, Islândia, M éxico (Cidade do
M éxico), Suécia, Suíça, Uruguai e, nos Estados Unidos, nos Estados de C onnecticut,
N ew F-Iampshire, N ew Jersey e Verm ont (http://w ww .marriageequality.org/m eusa/
index.shtml). Em Maine, Havaí, O regon e Washington o Estado oferece benefícios aos
parceiros que vivem juntos. New Jersey, Vermont e Suécia estão atualmente pensando
em alterar suas leis de união civil para casamento.
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■ Capítulo 4. Sexualidade e ética psicanalítica


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■ Capítulo 5. A homofobia no discurso psicanalítico sobre o casal e a


parentalidade homossexual
1. N ova versão do texto apresentado no Colóquio As homossexualidades e a psicanálise, na
Universidade Veiga de Almeida (UVA). Artigo baseado na minha tese de doutorado
Homossexualidade: saber e hom ofobia, defendida em julho de 2 0 0 8 , junto ao Programa
de Pós-G raduação em Teoria Psicanalítica da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(U FRJ), sob orientação do Professor Joel Birman. A pesquisa con tou com o apoio da
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■ Capítulo 6. Psicanálise, xenofobia: algumas reflexões


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■ Capítulo 8. A Psicanálise à prova da homossexualidade


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11. R O U D IN E S C O , E. Jacijues Lacan. Esboço de uma vida, história de um sistema de
pensamento. São Paulo: Cia das Letras,- 2 008.
12. FO U C A U LT, M. Le souci de soi. Paris: Gallimard,- 1984.
13. FO U C A U LT, M . Les anormaux. Gallimard: Le Seuil,- 1999.
14. FO U C A U LT, M . L hermeneutitjue du sujet. Paris,- Gallimard,- 2 001.
15. LACAN , J. Le Seminaire, livre V. Les formations de 1'inconscient ( Í957-1958). Paris: Seuil;
1998.
16. LACAN , Jacques. O seminário: livro 8. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1992.
17. BA D IO U , A.,- R O U D IN E S C O , E. Lacan, passe'présent. Seuil: Paris,- 2 012.

■ Capítulo 9 - A maldição sobre o sexo


1. Texto publicado inicialmente em francês na Revue de 1'Ecole de La Cause Freudienne, número
37, em outubro de 1997.
2. SO LER, C. Le pastoute. Revista da ECF, n. 2 1, p. 119, maio de 1992.
3. LACAN , J. O aturdito (1 9 7 2 ), In: LACAN , J. Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,-
2003.
4. N . T. Em francês: mal-heur, grafia em que o hífen permite que se leia separadamente.- mal,
o mal com o antônim o de bem, mas também mal no sentido de dor, doença,- e heur, que
faz hom ofonia com heure, hora, e com heurt, choque, conflito.
5. LAC AN , J. O aturdito (1 9 7 2 ). In: LACAN , J. Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,-
2 0 0 3 . p. 46 8 .
6. idem, ibidem.
7. A expressão é de Jacques-Alain Miller que fez dela o título das reuniões noturnas da
Seção Clínica (Soirées de la Section Clinique) da ECF durante um ano.
8. LAC AN , J. O Seminário, livro 20.- mais, ainda (1 9 7 2 -1 9 7 3 ). 2. ed. revista. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar,- 1985. p. 12, grifos do original.
9. LACAN , J. O aturdito (1 9 7 2 ). In: LACAN , J. Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,-
2 0 0 3 . p. 46 8 .
10. LACAN , J. O Seminário, livro 20. mais, ainda (1 9 7 2 -1 9 7 3 ). 2. ed. revista. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar,- 1985. p. 114.
11. idem.
12. idem.
13. Trata-se de uma frase de Jacques-Alain Miller.
14. A expressão é atribuída a Jacques-Alain Miller.
15. FREU D , S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1 9 0 5 ). In: Edição standard brasileira
das obras completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
16. LAC AN , Jacques. O seminário, livro 20: mais, ainda. 2. ed. rev. Rio de Janeiro-. Jorge
Zahar,- 1985.
17. LACAN , J. O aturdito (1 9 7 2 ). In: LAC AN , J. Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,-
2 0 0 3 . p. 46 8 .
18. LACAN , J. Outros escritos. Rio de Janeiro: Jo rg e Zahar,- 2 0 0 3 . p. 373.
19. LACAN , J. O Seminário, livro 20.- mais, ainda (1 9 7 2 -1 9 7 3 ). 2. ed. revista. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar,- 1985. p. 260.
20. LAC AN , J. O aturdito (1 9 7 2 ). In: LA C AN , J. Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,-
2 0 0 3 . p. 46 6 .
21. SO LER, C . Le pastoute. Revista da ECF, n. 21, p. 119, maio de 1992. Ver página 119.

■ Capítulo 10. A escolha do sexo com Freud e Lacan


1. LACAN , J. O Seminário, livro n -, os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1 9 6 4 ).
2. ed. corr. Rio de Janeiro: Jo rg e Zahar,- 1998.
2. Aristote. Ethique à Nkomatjue. Nouvelle traduction, notes et index par J. Tricot. Paris:
Librairie Philosophique J. Vrin; 1983.
3. FREU D , S. Três ensaios sobre a sexualidade (1 9 0 5 ). In: FREU D , S. Edição standard brasileira
de obras completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996. v. VII.
4. FREU D , S. Bate-se em uma criança (1 9 1 9 ). In: FREU D , S. Edição standard brasileira de obras
completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996. v. XVII.
5. FREU D , S. U m certo tipo de escolha de objeto no homem (1 9 1 0 ). In: FREU D , S. Edição
standard brasileira de obras completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996. v. XXI.
6. FREU D , S. N otas sobre um caso de neurose obsessiva (1 9 0 9 ). v. 10. In: FREU D , S. Edição
standard brasileira de obras completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996. v. X.
7. FREU D , S. O narcisismo: uma introdução (1 9 1 4 ). v. 14. In: FREU D , S. Edição standard
brasileira de obras completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996. v. XIV.
8. LA C A N , J. O Seminário, livro i ■
. os escritos técnicos de Freud (1 9 5 3 -1 9 5 4 ). Rio de Janeiro:
Jo rg e Zahar,- 1979. p. 327.
9. LA C A N , J. O Seminário, livro 4: a relação do objeto (1 9 5 6 -1 9 5 7 ). Rio de Janeiro: Jorge
Zahar,- 1995. p. 19.
10. idem, ibidem.
11. LACAN , J. O Seminário, livro.8. A transferência (1 9 6 0 -1 9 6 1 ). Rio de Janeiro: Jo rg e Zahar,-
1 992.
12. LACAN , J. O Seminário, livro 20 : mais, ainda (1 9 7 2 -1 9 7 3 ). Rio de Janeiro: Jo rg e Zahar,-
1 982. p. 103.
13. SO LER, C . O cjue Lacan dizia das mulheres. Rio de Janeiro: Jo rg e Zahar,- 2 0 0 5 . p. 68.
14. Q U IN ET , A. Os outros em Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,- 2 012.
15. LAC AN , J. O aturdito (1 9 7 2 ). In: LACAN , J. Outros escritos. Rio de Janeiro: Jo rg e Zahar,-
2 0 0 3 . p. 4 6 7 .
16. idem, p. 45 0 .
17. LA C A N , J. O Seminário, livro 20 : mais, ainda (1 9 7 2 -1 9 7 3 ). Rio de Janeiro: Jorge Zahar,-
1982. pp. 1 1 3 -1 1 4 .
18. idem, ibidem.
19. idem, p. 114.
20. LA C A N , J. O aturdito (1 9 7 2 ). In: LACAN , J. Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,-
2 0 0 3 . p. 4 5 0 .
21. idem, p. 4 68.

■ Capítulo 11. De Freud a Lacan: do objeto perdido ao objeto a


1. LA C A N , J. O Seminário, livro 20.- mais, ainda. Rio de Janeiro: Jo rg e Zahar,- 1982. p. 149.
2. JO R G E, M .A .C . Fundamentos da psicanálise de Freud a Lacan - vol. 1 -. as bases conceituais. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar,- 2 000.
3. FREU D , S. C arta a G eorg G roddeck de 5 /6 /1 9 1 7 . In: FREU D , S. Correspondência de amor e
outras cartas (l8 7 3 -i9 3 ff). Rio de Janeiro.- N ova Fronteira,- 1982. p. 370, grifos do original.
4. FREU D , S. As pulsões e suas vicissitudes (1 9 1 5 -1 9 1 6 ). In: FREU D , S. Obras completas.
Buenos Aires: Amorrortu,- 1982. v. XIV. p. 370.
5. FREU D , S. As pulsões e suas vicissitudes (1 9 3 0 ). In: FREU D , S. Obras completas. Buenos

Notas
Aires: Amorrortu,- 1996. v. XXI. p. 103.
6. BERCHERIE, P. Géographie du champ psycbanalytiijue. Paris: Navarin,- 1988. p. 38.
7. FR EU D , S. Neuroses de transferência: uma síntese. Rio de Janeiro: Imago,- 1987. p. 66.
8. FREU D , S. F4istória do movimento psicanalítico (1 9 1 4 ). In: FREU D , S. Obras completas.
Buenos Aires: Amorrortu,- 1996. v. XIV. p. 15.
9. FR EU D , S. As pulsões e suas vicissitudes (1 9 3 0 ). In: FREU D , S. Obras completas. Buenos
Aires: Amorrortu,- 1996. v. XXI. p. 141, grifos nossos.
10. FREU D , S. F-Iistória do movimento psicanalítico (1 9 1 4 ). In: FREU D , S. Obras completas.
Buenos Aires: Amorrortu,- 1996. v. XIV.
11. M ELM A N , C . O enigma do recalque. Jn-.Novos estudos sobre a histeria. Porto Alegre: Artes
Médicas,- 1985. pp. 5 0 -5 1 .
12. FREU D , S. A correspondência completa de Sigmund Freud para Wilhelm Fliess (1887-1904J. Rio de
Janeiro: Imago,- 1986. p. 280.
13. FREU D , S. O m al-estar na cultura. (1 9 3 0 ). In: FREU D , S. Obras completas. Buenos Aires:
Amorrortu,- 1996. v. XXI.
14. LACAN , J. O Seminário, livro H : os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar,- 1979.
15. FREU D , S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1 9 0 5 ). In: FREU D , S. Obras
completas. Buenos Aires: Amorrortu,- 1996. v. VII.
16. FREU D , S. Sobre a tendência universal à depreciação na esfera do am or (1 9 1 2 ). In:
FREU D , S. Obras completas. Buenos Aires: Amorrortu,- 1996. v. XI.
17. idem, pp. 1 8 2 -1 8 3 .
18. FREU D , S. A dissolução do com plexo de Édipo (1 9 2 4 ). In: FREU D , S. Obras completas.
Buenos Aires: Amorrortu,- 1996. v. XIX. p. 185.
19. FREU D , S. O mal-estar na cultura (1 9 3 0 ). In: FREUD , S. Obras completas. Buenos Aires:
Amorrortu,- 1996. v. XX I. p. 97, nota 1.
20. idem, p. 92.
21. idem, p. 98.
22. LEAK.EY, R. A origem da espécie humana. Rio de Janeiro: Rocco,- 1995. p. 26.
23. B O U R G U IG N O N , A. História natural do h om em -v . 1: o homem imprevisto. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar,- 1990. p. 167.
24. idem, pp. 1 8 7 -1 8 8 .
25. LAC AN , J. Algumas reflexões sobre o eu. Papéis - Boletim Interno do Corpo Freudiano do Rio de
Janeiro, n. 2, p. 37, maio de 1995. p. 37.
26. FREUD , S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1 9 0 5 ). In-, FREU D , S. Obras
completas. Buenos Aires: Amorrortu,- 1996. v. VII.
27. FREU D , S. Sobre a tendência universal à depreciação na esfera do am or (1 9 1 2 ). In:
FREU D , S. Obras completas. Buenos Aires: Amorrortu,- 1996. v. XI.
28. B O U R G U IG N O N , A. História natural do homem - v. 1: o hom em imprevisto. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar,- 1990. p. 190.
29. idem, ibidem.
30. LACAN , J. O Seminário, livro H : o s quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar,- 1979. p. 35.
31. LAC AN , J. Função e cam po da fala e da linguagem em psicanálise. In: LACAN , J. Escritos.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar,- 1998. p. 265.
32. L O N G O . Dáfnis e Cloé. São Paulo: Princípio,- 1996.
33. LAC AN , J. O Seminário, livro U : os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de
Janeiro: Jo rg e Zahar,- 1979. p. 188 e 194.
34. idem, p. 194.

367
35. JO R G E, M .A .C . Fundamentos da psicanálise de Freud a Lacan - vol. 1: as bases conceituais. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar,- 2 0 0 0 .

■ Capítulo 12. A invenção da homossexualidade


1. Texto originalmente publicado em Bagoas - estudos gays, gêneros e sexualidades, Natal,
volume 2, páginas 7 1 -9 3 , em 2 0 08.
2. C EC C A R ELLI, RR. Sexualidade e preconceito. Revista Latinoamericana de Psicopatologia
Fundamental, v. III, p. 18-37, set/2000.
3. O term o 'homossexualismo' foi proposto, em 1869, pelo o médico húngaro Benkert, a
fim de transferir do domínio jurídico para o médico essa manifestação da sexualidade.
Antes do século 18, a palavra homossexual' era utilizada nas certidões de nascimento
de gêmeos. Quando eram do mesmo sexo, eram registrados com o 'homossexuais'.
A 'homossexualidade', com o doença, só foi excluída do (Manual de D iagnóstico e
Estatística da Associação Psiquiátrica Americana em 1973, após acalorados debates. H á
quem argumente, entretanto, que tal decisão foi puramente política. Devido ao radical
-ismo presente em 'homossexualismo' que rem ete à doença, optou-se pelo uso da palavra
'homossexual idade'.
4. FREU D , S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1 9 0 5 ). In: FREU D , S. Obras
completas. Rio de Janeiro: Imago, 1976. v. VII.
5. FREU D , S. Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua infância (1 9 1 0 ). In: FREU D , S.
Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1969. vol. XI.
6. FR EU D , S. A psicogênese de um caso de homossexualismo numa mulher (1 9 2 0 ). In-,
FREU D , S. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1976. vol. XVIII.
7. FREU D , S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1 9 0 5 ). In-, FREUD , S. Obras
completas. Rio de Janeiro-, Imago, 1976. v. VII. p. 146.
8. idem, ibidem.
9. FREU D , S. A psicogênese de um caso de homossexualismo numa mulher (1 9 2 0 ). In.-
FREU D , S. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1976. vol. XVIII. p. 211.
10. FREU D , S. U m estudo autobiográfico (1 9 2 5 ). In: FREU D , S. Obras completas. Rio de
Janeiro: Imago, 1976. vol. X X . p. 52.
11. idem, ibidem, grifos nossos.
12. Para FREU D , ver M EN A H EM , R. Désorientations sexuelles. Freud et l'homosexualité.
Revue Française de Psychanalyse, v. LXVII, jan /2003. Ver página 14.
13. LEW IS, K. The psychoanalytic theory o f man homosexuality. N ew York: Simon and Schuster,-
1988. p. 33.
14. JO N E S , E. Vida e obra de Sigmund Freud. 3. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,- 1979. p. 739.
15. Y O U N G -B R U E H L , E. Anna Freud. Paris: Payot; 1991. p. 57.
16. Segundo Elizabeth Roudinesco, "pode-se dizer que Jones agia contra ele mesmo no seu
desejo de normalização, da mesma forma que Anna Freud lutava contra a culpa que
sentia por seu desejo instaurando regras repressivas con tra os homossexuais" (Jones,
grande sedutor e acusado inúmeras vezes de envolvim ento sexual com suas pacientes,
pensava que o movimento psicanalítico deveria formar analistas impecáveis. Anna Freud
foi acusada de ser homossexual, por nunca ter tido uma relação com um hom em e por
sua preferência por amizades femininas. Talvez Freud, que não foi nem libertino nem
transgrcssivo, tenha sido tão liberal em termos de sexualidade porque não tinha que
defendcr-se de si mesmo, contra sua sexualidade). Para mais, ver R O U D IN E S C O , E.
Pysthiinnlysc et homosexualité: réflexions sur le désir pervers, 1’injure et la fonction paternelle.
Cliniques Méditerranéennes. Ramonville Saint-Agne: Éditions Ères,- 2 0 0 2 . pp. 11-13.
17. R O U D IN E S C O , E. Pyschanalyse et homosexualité-, réflexions sur le désir pervers, 1'injure et
la fonction paternelle. Cliniques Méditerranéennes. Ramonville Saint-Agne: Éditions
Ères,- 2 0 0 2 . p. 16.
18. O com entário que Lacan fez de uma passagem de Proust mostra bem que o desejo
perverso está presente, tanto na heterossexualidade quanto na homossexualidade: "Vocês
se lembram da prodigiosa análise da homossexualidade que Proust desenvolve no mito
de Albertine. Pouco importa que este personagem seja feminino - a estrutura da relação
é eminentemente homossexual". Para mais, ver LACAN , J. Le Séminaíre, livre i-, les écrits
techniques de Freud (1 9 5 3 -5 4 ). Paris: Seuil; 1975. p. 246.
19. B O U R D IEU , P. Quelques questions sur le mouvement gay et lesbien. In: BO U R D IEU ,
P. La âomination masculine. Paris: Seuil,- 2 0 0 0 .
20. Algumas publicações francesas recentes: Sociologie et Sociétés, Les Presses de 1'Université
de M ontréal, M ontréal, volume 29, número 1, 1997: "Homosexualités: enjeux scientifiques
et militants"; Revue Française de Psychanalyse, volume 4, número 6 3, 1999: "Identités”,- La
Clinique Lacanienne, Ramonville Saint-Agne, Ères, volume 4, 2 0 0 0 : "Les homosexualites" ;
Adolescence, Paris, Greupp, volume 37, 2 0 0 1 : "Homosexualites 2 ", Cliniques Méditerranéennes,
Ramonville Saint-Agne, Ères, número 6 5 , 2 0 0 2 : "Les homosexualités aujourd'hui: un défi pour la
psychanalyse?",- Revue Française de Psychanalyse, volume 1, número 6 7 , 2 0 0 3 : "Homosexualités";
TO R T, M . "Quelques conséquences de la différence "psichanalytique" des sexes". In: Les
temps modernes. Paris, T M , Juin-juillet-aoüt ; 2 0 0 0 . n. 6 0 9 . p. 1 7 6-215.
21. BERGLER, E. Homosexuality-. disease or way of life. N ew York.- Hill & Wang,- 1956. p. 26.
22. SO CA RID ES, C . Homosexuality-. a freedom too far. A psychoanalyst answers 1000
questions about causes and cure and the impact of gay rights m ovem ent on American
Society. Phoenix: Adam M argrave Books,- 1995. p. 110.
23. BO TELLA , C . Lhom osexualité(s): vicissitude du narcissísme. Revue Française de Psychanalyse,
v. 4, p. 1309, 1999.
24. R O U G H T O N , R. Psychanalyste et homosexuel? Revue Française de Psychanalyse, v. 4, p.
1 2 8 1 -1 3 0 2 , 1999.
25. FREU D , S. A psicogênese de um caso de homossexualismo numa mulher (1 9 2 0 ). In:
26. STO LLER , R. Psychoanalytic "research" on homosexuality: the rules of the game. In:
STO LLER, R. O bserving the erotic imagination. N ew F4aven: Yale University Press,- 1985.
27. GABBARD, G .; LESTER, E. Boundaries and boundary violations in psychoanalysis. N ew York:
BasicBooks,- 1996.
28. CEC C A R ELLI, PR . A perversão do outro lado do divã. In-, P O R T U G A L, A.M , etal. (org).
Destinos da Sexualidade. São Paulo: Casa do Psicólogo,- 2 004.
29. PASKAUKAS, R.A. The complete correspondence o f Sigmund Freud and Ernest Jones, 4908-1939.
Cam bridge: FJarvard University Press,- 1993. p. 124.
30. Estudo publicado em 2001 no British Journal O f Psycbiatry revelou que 64% dos 218
membros entrevistados da Confederação Britânica de Psicoterapeutas acreditavam
que as dificuldades centrais de seus pacientes homossexuais - masculinos ou femininos
- advinham de sua orientação sexual. Sem dúvida, em grande medida, isso procede.
Entretanto, o difícil é saber se essa dificuldade deve-se à homossexualidade em si, vista
com o um sintoma gerador de angústia, ou devido a homossexualidade ir contra o sistema
de valores da sociedade onde o sujeito encontra-se inserido.
31. N A SC IM EN T O , J.C . Entrevista com um vampiro. Revista Ijitinoamericana de Psicopatologia
Fundamental, v. I, p. 115, m ar./1998.
32. Para as inúmeras publicações recentes sobre as chamadas "Novas Famílias", v er:
L A N G O U ET , G. (org). Les “nouvellesfamilles" en France. Paris: FJachette,- 1998,- STÉPF4ANE,
N. Tese [D outorado em Pedopsiquiatria], França: Universidade de Bordeaux, 1999;
G RO SS, M . (org). Homoparentalités, état des lieux. Paris: ESF; 2 0 0 0 . Collection La vie de
L e n fa n t,- R O U D IN E S C O , E. La famille en désordre. Paris: Fayard,- 2 0 0 2 .

369
33. FREU D , S. Leonardo da Vinci c uma lembrança de sua infância (1 9 1 0 ). In: FREU D , S.
O bras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1969. vol. XI.
34. BO U R D IE U , R Quelques questions sur le mouvement gay et Iesbien. In: B O U R D IE U ,
R La iomination masculine. Paris: Seuil,- 2 000.
35. Algo semelhante aconteceu quando da implantação, na França, em 1999, do Pacte Civil de
Solidarité(Pacto Civil de Solidariedade - PaCS)-.. o PaCS é um con trato de união que pode
ser feito entre duas pessoas físicas, independentemente do sexo, a fim de organizar sua
vida comum. Para mais, ver MECARY, C.,- LER O Y-FO R G EO T, F. Le PACS: que sais-je.
Paris: PUF,- 2 0 0 0 . N o Brasil, Marta Suplicy, então Deputada Federal, propôs um projeto
semelhante. O s argumentos contra a implantação do PaCS alertavam para o perigo que
ele traria à ordem simbólica, que sustenta a sociedade e a cultura. D ar direitos iguais aos
casais homossexuais levaria à uma 'dessimbolização' com o conseqüência do apagam ento
da inscrição simbólica da diferença dos sexos. Um a coletânia de artigos sobre o tema
pode ser encontrada em BO RRILLO , D .; FASSIN, E. (org). Au-delà du PaCS: lexpertise
familiale à lepreuve de 1'homosexualité. Paris: PUF,- 2 001.
36. FREU D , S. O mal-estar na civilização (1 9 3 0 ). In: FREU D , S. Obras completas. Rio de
Janeiro: Imago, 1974. vol. XXI.
37. C E C C A R E L L I, P.R. As bases m itológicas da normalidade. Latin American Journal
o f Fundamental Psychopatbology on Line. 2 0 0 2 [In ternet], Disponível em: h ttp ://
fundam entalpsychopathology.org/br/revista-artigos-texto. php?id= 12.
38. P E IX O T O JU N IO R , C.A. U m breve histórico da perversão na sexologia do século XIX.
Boletim de Novidades da Livraria Pulsional, p. 3 4 -4 9 , ja n ./l9 9 8 .
39. C E C C A R ELLI, P.R. Patolozigação da normalidade. Estudos de Psicanálise, v. 33, p. 1 25-136,
2010.
40. FREU D , S. M oral sexual "civilizada" e doença nervosa moderna (1 9 0 8 ). In: FREU D , S.
Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1974. vol. IX.
41. C E C C A R ELLI, P.R. Acaso, repetição e sexualidade: com o co locar "camisinha" na
fantasia? In: G U ED ES M OREIRA, A .C . et al. (org). Cuidado e saúde - práticas e sentidos
em construção. Belém: Pakatatu,- 2 011.
42. FR EU D , S. Novas conferências introdutórias sobre psicanálise. Conferência XXXIV:
Explicações, aplicações e orientações (1 9 3 3 ). In: FREU D , S. Obras completas. Rio de
Janeiro: Imago, 1976. vol. XXII.
43. LA C A N , J. O Seminário, livro 20 : mais, ainda (1 9 7 2 -1 9 7 3 ). Rio de Janeiro: Jorge Zahar,-
1985. p. 97.
44. FO U C A U L T , M . Histoire de la sexualite: la volonté de savoir. Paris: Gallimard,- 1976.

■ Capítulo 13. Desdobramentos freudianos da noção de


bissexualidade
1. LA C A N , J. Diretrizes para um congresso sobre sexualidade feminina (1 9 5 8 ). In: LACAN ,
J. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Z ah ar; 1998. p. 70.
2. SA U SSU RE, F. Curso de lingüística geral (1 9 1 6 ). São Paulo: Cultrix,- 1970.
3. FREU D , S. A psicogênese de um caso de homossexualismo numa mulher (1 9 2 0 ). In:
FR EU D , S. Obras psicológicas completas. Edição Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago,-
1976. v. XVIII.
4. FREU D , S. O eu e o isso (1 9 2 3 ). In: FREU D , S. Obras psicológicas completas. Edição
Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago,- 1976. v. X X . pp. 4 8 -4 9 .
5. LAC AN , J. Le Seminaire, livre III: les psychoses (1 9 5 5 -1 9 5 6 ). Paris: Editions du Seuil,- 1981.
p. 191.
6. P O R G E, E. Freuci/Ftiess: m ythe et chim ère de 1'auto-analyse. Paris: Editions Economica,-
1996.

370
7. Para FREUD , ver PO RG E, E. Freud/Fliess-, m ythe et chim ère de 1'auto-analyse. Paris.-
Editions Economica,- 1996.
8. Para FREUD , ver PO R G E, E. Freud/Fliess-, m ythe et chim ère de 1'auto-analyse. Paris:
Editions Economica,- 1996.
9. Para FREUD , ver PO RG E, E. Freud/Fliess: m ythe et chim ère de 1'auto-analyse. Paris:
Editions Economica,- 1996. p. 21.
10. LACAN , J. O seminário, livro 11 (1 9 6 4 ). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
11. LACAN , J. Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola (1 9 6 7 ).
In.- LACAN , J. Outros escritos. Rio de Janeiro.- Jo rg e Zahar,- 2 0 03.
12. Para FLIESS, ver PO R G E, E. Freud/Fliess-, mito e quimera da auto-análise. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar,- 1998. p. 88.
13. Para FLIESS, ver PO R G E, E. Freud/Fliess-. mito e quimera da auto-análise. Rio de Janeiro-,
Jorge Zahar,- 1998. p. 86.
14. Para FLIESS, ver PO R G E, E. Freud/Fliess-. mito e quimera da auto-análise. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar,- 1998. p. 87.
15. FREUD , S. Obras psicológicas completas. Edição Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago,-
1977. v. I. p. 32 2 . (Em bora apareça o número 23 na carta de Freud, o número que aparece
no texto de Fliess é 21, para os homens, 28, para as mulheres).
16. idem, p. 318.
17. PO RG E, E. Freud/Fliess-. mito e quimera da auto-análise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,- 1998.
p. 18.
18. FREU D , S. Um a criança é espancada. U m a contribuição ao estudos da origem das
perversões sexuais (1 9 1 9 ). In: FREU D , S. Obras psicológicas completas. Edição Standard
Brasileira. Rio de Janeiro: Imago,- 1976. v. XVII. p. 249.
19. FREUD , S. Além do princípio do prazer (1 9 2 0 ). In.- FREUD , S. Obras psicológicas completas.
Edição Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago,- 1976. v. XVIII. pp. 6 4 -6 5 .
20. FREU D , S. Análise terminável e interminável (1 9 3 7 ). In: FREU D , S. Obras psicológicas
completas. Edição Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago,- 1975. v. XXIII. p. 277.
21. RIEDER, I.,- V O IG T, D. Desejos secretos. São Paulo: Com panhia das Letras,- 2 0 08.
22. FREUD , S. A psicogênese de um caso de homossexualismo numa mulher (1 9 2 0 ). In:
FREUD , S. O bras psicológicas completas. Edição Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago,-
1976. v. XVIII. p. 195.
23. R O U D IN E S C O , E .; P LO N , Ml. Dicionário de Psicanálise. Rio de Janeiro.- Jo rg e Zahar,-
1998.
2 4. FREUS, S. A pulsão e seus destinos (1 9 1 5 ). ln : FREU D , S. Obras psicológicas completas. Edição
Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago,- 1976. v. XIV.
25. FREUS, S. Leonardo da Vinci e uma lembrança da sua infância (1 9 1 0 ). In: FREU D , S.
Obras psicológicas completas. Edição Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago,- 1970. v. XI.
p. 123.
26. FREU D , S. A psicogênese de um caso de homossexualismo numa mulher (1 9 2 0 ). In:
FREU D , S. Obras psicológicas completas. Edição Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago,-
1976. v. XVIII. p. 211.
27. FREU D , S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1 9 0 5 [1 9 0 1 ]). In: FREU D , S. Obras
psicológicas completas. Edição Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago,- 1972. v. VII.
28. idem, p. 142.
29. idem, p. 146.
30. FR EU D , S. lguns mecanismos neuróticos no ciúme, na paranóia e no homossexualismo
(1 9 2 2 ). In: FREU D , S. Obras psicológicas completas. Edição Standard Brasileira. Rio de
Janeiro.- Imago,- 1976. v. XVIII.
31. M A CA LPIN E, I.; H U N T E R , R.A. Discussion sur le cas Schreber. Paris: Gallimard,- 1995.

371
32. LACAN , J. O aturdito (1 9 7 2 ). In: LAC A N , J. Outros escritos. Rio de Janeiro: Jo rg e Zahar,-
2 0 0 3 . p. 4 6 6 .
33. FR EU D , S. Conferência XXXIII: Feminilidade (1 9 3 2 ). In: FREU D , S. O bras psicológicas
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34. FREU D , S. Feminilidade (1 9 3 3 [ 1 932]). In: FREUD , S. Obras Completas. Novas Conferências
Introdutórias sobre Psicanálise. Rio de Janeiro: Imago,- 1976F. v. XXII. Conf. XXXIII. p.
143.
35. LACAN , J. O Seminário, livro 20 : mais, ainda (1 9 7 2 -1 9 7 3 ). Rio de Janeiro: Jo rg e Zahar,-
1985.
36. idem, p. 107.
37. LACAN , J. O aturdito (1 9 7 2 ). In: LACAN , J. Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,-
2 0 0 3 . p. 4 9 7 .

■ Capítulo 14. Da bissexualidade ao impossível


1. ALBERTI, S. (org.) A sexualidade na aurora do século XXL Rio de Janeiro: Com panhia de
Freud,- 2 0 0 8 .
2. Freud (1 9 3 2 ) define a W eltanschauung com o uma construção intelectual que traz uma
solução uniforme para todos os problemas de nosso ser-no-m undo (Dasein), a partir de
uma única hipótese que domina, e a partir da qual nenhuma questão permanece aberta,
tudo encontra nessa hipótese um lugar definitivo.
3. Expressão usada por Lacan (1 9 6 7 ) e com a qual pude intitular as IX Jornadas de
Form ações Clínicas do Cam po Lacaniano - Rio de Janeiro, coordenadas por mim
mesma e Georgina Cerquise. LACAN , J. Allocution sur les psychoses de 1'enjant (1 9 6 7 ). In:
LAC AN , J. Autres écrits. Paris: Seuil,- 2001A . p. 3 6 1 -3 7 2 .
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Frankfurt a.M .: S.Fischer. Nachtragsband,- 1999.
5. ALBERTI, S. O adolescente e o Outro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,- 2 0 0 4 .
6. FREU D , S. H ystherische Phantasien und ihre beziehung zur Sexualitát (1 9 0 8 ). In:
FREU D , S. Gesammelte Werke. Frankfurt a.M..- S.Fischer. Nachtragsband,- 1999.
7. FREU D , S. D erU ntergang des Õdipuskomplexes (1 9 2 4 ). In: FREU D , S. Gesammelte Werke.
Frankfurt a.M .: S.Fischer. Nachtragsband,- 1999.
8. LA C A N , J. Écrits. Paris-, Seuil,- 1966.
9. FREU D , S. Drei Abhandlungen zur Sexualtheorie (1 9 0 5 ). In: FREU D , S. Gesammelte Werke.
Frankfurt a.M .: S.Fischer. Nachtragsband,- 1999. p. 53.
10. idem.
11. FR EU D , S. Ü b er die allgem einste Erniedrigung des Liebeslebens (1 9 1 2 ). In:
Studienausgabe. v. 7.
12. LACAN , J. Le Séminaire, livre V: les formations de 1'inconscient (1 9 5 7 -1 9 5 8 ). Paris: Seuil,-
1998.
1 3. idem, pp. 2 1 0 -2 1 1 .
14. idem, p. 21 1 .
15. FR EU D , S. Das Ich und das Es (1 9 2 3 ). In-, Studienausgabe. v. 3.
16. LACAN , J. Le Séminaire, livre XXI: les non dupes errent (1 9 7 3 -1 9 7 4 ). Inédito. Disponível
em: http://w w w .valas.fr/Jacques-Lacan-Les-non-dupes-errent-1 9 7 3 -1 9 7 4 ,2 4 9 . Acesso em
18 de dezem bro de 2 0 1 2 .
17. FREU D , S. Jenseits des Lustprinzips (1 9 2 0 ). In: FREU D , S. Gesammelte Werke. Frankfurt
a.M .: S.Fischer. Nachtragsband,- 1999. v. 3.
18. LACAN , J. Le Séminaire, livre VIII, Le transjert (1 9 6 0 -1 9 6 1 ). Paris: Seuil,- 2 0 01.
19. FR EU D , S. Jenseits des Lustprinzips (1 9 2 0 ). In: Studienausgabe. v. 3.

372
20. LACAN , J. Le Séminaire, livre XIX: ... ou pire (1 9 7 1 -1 9 7 2 ). Paris, Seuil, 2 0 1 1 . Lição de 12
de janeiro.
21. LACAN , J. Le Séminaire, livre XXI: les non dupes errent (1 9 7 3 -1 9 7 4 ). Inédito. Disponível
em : h ttp://w w w .valas.fr/Jacques-Lacan-Les-non-dupes-errent-1973-1974,2 4 9 . Acesso em
18 de dezem bro de 2 0 12.
22. idem, lição de 15 de janeiro de 1974.
23. LAC AN , J. Le Séminaire, livre X X , Encore (1 9 7 2 -1 9 7 3 ). Paris: Seuil, 1975.
24. LAC AN , J. O Seminário, livro 20: mais, ainda (1 9 7 2 -3 ) . Rio de Janeiro: Jorge Zahar,-
1985.

■ Capítulo 1 5 .0 desejo é o destino


1. H YPPO L1T E, J. Apêndice 1: com entário falado sobre a "Verneinung" de Freud, por Jean
Hyppolite. In: LA C A N , J. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,- 1998. Ver página 897.
2. idem, p. 895.
3. FREU D , S. A negativa (1 9 2 5 ). In: FREU D , S. A edição eletrônica brasileira das obras
psicológicas com pletas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago,- s.d. v. XIX. C D -R O M .
4. LAC AN , J. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,- 1998. p. 270.
5. idem, ibidem.
6. FREU D , S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1 9 0 5 ). In: FREU D , S. A edição
eletrônica brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro:
Imago,- s.d. v. VIL C D -R O M . Grifos nossos.
7. FREU D , S. U m estudo autobiográfico (1 9 2 5 [ 1924])). In: FREU D , S. A edição eletrônica
brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago,-
s.d. v. X X . C D -R O M .
8. FREU D , S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1 9 0 5 ). ln : FREU D , S. A edição
eletrônica brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro:
Imago,- s.d. v. VII. C D -R O M .
9. FREU D , S. A psicogênese de um caso de homossexualismo numa mulher (1 9 2 0 ). In:
FREU D , S. A edição eletrônica brasileira das obras psicológicas com pletas de Sigmund
Freud. Rio de Janeiro: Imago,- s.d. v. XVIII. C D -R O M . Grifos nossos.
10. FREU D , S. Conferência XXXIII, Feminilidade (1 9 3 2 -1 9 3 6 ). In: FREU D , S. A edição
eletrônica brasileira das obras psicológicas com pletas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro:
Imago; s.d. v. XVIII. C D -R O M . Grifos nossos.
11. FREU D , S. O ego e o id (1 9 2 3 ). In: FREU D , S. A edição eletrônica brasileira das obras
psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago,- s.d. v. XIX. C D -R O M .
12. FREUD , S. A psicogênese de um caso de homossexualismo numa mulher (1 9 2 0 ). In:
FREU D , S. A edição eletrônica brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund
Freud. Rio de Janeiro: Imago,- s.d. v. XVIII. C D -R O M . Grifos nossos.
13. JO R G E, M .A .C . Sexo e discurso em Freud e Lacan. Rio de Janeiro: Jo rg e Zahar,- 1988.
C oleção Transmissão da Psicanálise 7. p. 39.
14. SARAM AGO, J. As intermitências da m orte. São Paulo: Com panhia das Letras, 2 0 05.
p. 72.
15. LAC AN , J. Escritos. Rio de Janeiro: Jo rg e Zahar,- 1998. p. 273.
16. LAC AN , J Seminário, livro 10: a angústia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,- 2 005.
17. idem, p. 196.
18. LAC AN , J. O Seminário, livro 18: de um discurso que não fosse semblante. Rio de
Janeiro: Jo rg e Zahar,- 2 0 0 9 . p. 139.
19. idem, p. 137.
20. idem, pp. 1 32-1 33.

373
21. LAC AN , J. O Seminário, livro 20: mais, ainda. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,- 1982.
22. idem, p. 108.
23. idem, p. 109.
24. idem, ibidem.
25. G O N Ç A LV ES, E.,- RAM O S, M .A. A Lírica Galego-portuguesa. 2 ed. Lisboa: Editorial
Comunicação,- 1985. p. 28 2.
26. A Z E V E D O -F IL H O , L.A. U m a visão brasileira da literatura portuguesa. Coimbra:
Livraria Almedina,- 1973. p. 22.
27. idem, p. 23.
28. A Z E V ED O -FIL FJO , L.A. As cantigas de Pero M eogo. Rio de Janeiro: Gernasa,- 1974.
p. 47.
29. idem, p. 43.
30. idem, p. 79.
31. idem, p. 47.

■ Capítulo 16. Sobre a declaração de sexo


1. LAC AN , J. O Seminário, livro 20 : mais, ainda... Rio de Janeiro: Jorge Zahar,- 1985.

■ Capítulo 1 7 .1 2 pontuações sobre a bissexualidade


1. FREU D , S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1 9 0 5 ). In: FREU D , S. Obras
completas. Buenos Aires: Amorrortu,- 1996. v. VII.
2. PO RG E, E. Freud/Fliess - mito e quimera da auto-análise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,-
1998.
3. Cabe ressaltar que as conclusões produzidas pelo relatório Kinsey, em 1948, em sua
famosa pesquisa, associam-se à visão freudiana de forma radical, ao estabelecerem
que não existe o sujeito homossexual, mas sim "homens que só têm relações sexuais
com mulheres, homens que só têm relações com homens e homens que têm relações
sexuais com homens e mulheres" (Ver M O N D IM O R E , F.M. Uma historia natural de la
bomosexualidad. Buenos Aires: Paidós,- 1998. p. 112). Para Kinsey, a homossexualidade era
algo que alguém fazia e não algo que alguém era".
4. FREU D , S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1 9 0 5 ). In: FREU D , S. Obras
completas. Buenos Aires: Amorrortu,- 1996. v. VII. p. 201.
5. idem, p. 156.
6. idem, p. 26 6 .
7. idem, ibidem.
8. RA D O , S. U m exame crítico do con ceito de bissexualidade. In: M ARM O R, J. A inversão
sexual. Rio de Janeiro: Imago,- 1973. p. 157.
9. idem, p. 158.
10. idem, ibidem.
11. idem, p. 157.
12. idem, pp. 1 5 7 -1 5 8 .
13. BIEBER, I. (org.). Homosexualidad - um estúdio psicoanalítico. M éxico: A sociacion
Psicoanalitica M exicana/Editorial Pax M éxico/Libreria Carlos Cesarman,- 1967. p. 350.
14. idem, p. 368.
15. L.ACAN, 1, A lógica da fantasia. In: LACAN , J. Outros escritos. Rio de Janeiro: Jo rg e Zahar,-
2003.
16. idem, p. 32<>

:i/4
17. JO R G E, M .A .C . Genealogia do objeto a. In: JO R G E, M .A .C . Fundamentos i a psicanálise de

Notas
Freud a Lacan - v .3 : o lugar do analista. Rio de Janeiro: Zahar,- 201 3.
18. LACAN , J. A locução sobre as psicoses da criança. In: LACAN , J. Outros escritos. Rio de
Janeiro: Jo rg e Zahar,- 2003A . p. 364.
19. STEK.EL, W. Onanisme et bomosexualite'. Paris: Gallimard,- 1951.
20. R O U D IN E S C O , E. A família do futuro. In: R O U D IN E S C O , E. A família em desordem. Rio
de Janeiro.- Jo rg e Zahar,- 2 003.
21. M A SSO N , J.M . (ed.). A correspondência completa de Sigmund Freud para Wilhelm Fliess (1887-
4904}. Rio de Janeiro: Imago,- 1986. p. 365.

■ Capítulo 18. Uma nota sobre a diferenciação estrutural freudiana


entre neurose e perversão
1. FREUD , S. Th ree essays on the theory of sexuality (1 9 0 5 ). In: FREU D , S. Standard edition
London: T he H ogarth Press,- 1986. v. VIL p. 165.
2. FREUD , S. Creative writers and day-dreaming (1 9 0 8 ). In: FREU D , S. Standard edition
London: T he FJogarth Press,- 1986. v. IX. p. 162.
3. FREU D , S. Th ree essays on the theory of sexuality (1 9 0 5 ). In: FREU D , S. Standard edition
London: T h e FJogarth Press,- 1986. v. VII.
4. FREU D , S. Papers on m etapsychology (1 9 1 5 ). In: FREU D , S. Standard edition London:
T he FJogarth Press,- 1986. v. XIV. pp. 1 2 2 -1 2 3 , grifos nossos.
5. FREUD , S. Th ree essays on the theory of sexuality (1 9 0 5 ). In: FREU D , S. Standard edition
London: T he H ogarth Press,- 1986. v. VII. p. 146.
6. FREUD , S. Papers on m etapsychology (1 9 1 5 ). In: FREU D , S. Standard edition London:
T he H ogarth Press,- 1986. v. XIV. pp. 1 2 2 -1 2 5 -1 2 6 .
7. FREU D , S. T he econom ic problem of masochism (1 9 2 4 ). In: FREU D , S. Standard edition
London: T h e H ogarth Press,- 1986. v. XIX.
8. FREUD , S. Totem and taboo (1 9 1 3 ). In: FREU D , S. Standard edition London: T he H ogarth
Press,- 1986. v. XIII.
9. FREUD , S. T h e infantile sexual organization: an interpolation into the theory of
sexuality (1 9 2 3 ). In: FREU D , S. Standard edition. London: T he H ogarth Press,- 1986. v.
XIX. pp. 1 4 3 -1 4 4 .
10. FREU D , S. T h e infantile sexual organization: an interpolation into the theory of sexuality
(1 9 2 3 ). In: FREU D , S. Standard edition. London: T he H ogarth Press,- 1986. v. XIX.
11. FREU D , S. Some psychical consequences of the anatomical distinction between the
sexes (1 9 2 5 ). In: FREU D , S. Standard edition. London: T he H ogarth Press,- 1986. v. XIX.
12. FREU D , S. T h e econom ic problem of masochism (1 9 2 4 ). In: FREU D , S. Standard edition
London: T he H ogarth Press,- 1986. v. XIX. p. 185.
13. FREU D , S. Some psychical consequences of the anatomical distinction between the
sexes (1 9 2 5 ). In: FREU D , S. Standard edition. London: T he H ogarth Press,- 1986. v. XIX.
14. FREUD , S. T h e econom ic problem of masochism (1 9 2 4 ). In: FREU D , S. Standard
edition London: T he H ogarth Press,- 1986. v. XIX. p. 185.
15. FREU D , S. Fetishism (1 9 2 7 ). In: FREU D , S. Standard edition. London: T he H ogarth
Press,- 1986. v. XXI.
16. idem.
17. idem.
18. idem, p. 154.
19. FREUD , S. Splitting of the ego in the process of defense (1 9 3 8 ). In: FREU D , S. Standard
edition. London: T h e H ogarth Press,- 1986. v. XXIII.
20. idem, p. 2 75.

375
21. idem, p. 2 76.
22. idem, p. 2 03.
23. idem, ibidem.
24. idem, p. 2 0 4 , grifos nossos.
25. FREU D , S. Papers on m etapsychology (1 9 1 5 ). In: FREU D , S. Standard edition. London:
T h e H ogarth Press,- 1986. v. XIV.
26. idem.
T 7. FREU D , S. H ysterical phantasies and their relation to bisexuality (1 9 0 8 ). In: FREU D , S.
Standard edition. London: T h e H ogarth Press,- 1986. v. IX.
28. FER EN C ZI, S. A little chanticleer (1 9 1 3 ). In: FER EN C ZI, S. First contributions to
psychoanalysis. London: M aresfeld Reprints,- 1952.
29. FREU D , S. 'A child is being beaten': a contribution to the study of the origin of sexual
perversions (1 9 1 9 ). In: FREU D , S. Standard edition. . London: T he H ogarth Press,- 1986.
v. IX.
30. FREU D , S. H ysterical phantasies and their relation to bisexuality (1 9 0 8 ). In: FREU D , S.
Standard edition. London: T he H ogarth Press,- 1986. v. IX. p. 163.
31. FREU D , S. T h e interpretation of dreams (1 9 0 0 ). In: FREU D , S. Standard edition.
London:The H ogarth Press,- 1986. v. V.
32. L A P LA N C H E, ).; PON TALIS, J.B. Fantasmes des origines - origines du fantasme. T he
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■ Capítulo 19. Homossexualidade e neurose: Sadger, Ferenczi e


Deutsch
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2. G R EEN , A. Les chaínes d Eros (actualité du sexuel). Paris: Edition Odile Jacob,- 1997.
3. idem, p. 271 e ss.
4. idem.
5. FREU D , S. Trois essais sur la théorie sexuelle (1 9 0 5 ). In: FREU D , S. Paris: Gallimard,-
1987.
6. FREU D , S. Leonardo da Vinci (1 9 1 0 ). In: FREU D , S. Paris: Gallimard,- 1987.
7. SA D G ER I. Un cas de perversion multiforme. In: M IN U T E S DE LA S O C IE T É
P SY C H A N A LY T IQ U E DE V IEN N E. Séances du 3 et du 10 de novembre 1909 et du 5
de janvier de 1910. Paris: Gallimard,- 1978. Tome II.
8. idem.
9. FER EN C ZI, S. Lbomoérotisme-. nosologie de 1'homosexualite' masculine. In: M IN U T ES DE LA
S O C IE T É PSYC H A N A LY T IQ U E DE V IEN N E. Séances du 3 et du 10 de novembre
1909 et du 5 de janvier de 1910. Paris: Gallimard,- 1978.
10. B O U V ET , M . Im portance de lasp ect homosexuel du transfert dans le traitem ent de
quatre cas de névrose obsessionnelle masculine (1 9 4 8 ). In: BO U V ET, M. La relation dobjet.
Oeuvres com plètes. Paris: Payot,- 1956. Tome I.
11. LA C A N , J. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,- 1998. p. 638.
12. Isso será corroborado mais tarde por R.J. Stoller: «U n sadisme puissant que nous
rencontrons dans tous les cas d'homosexualité analysés», in Limagination érotique telle
quon lobserve (1 9 8 9 ). STO LLER , R.J. Un sadisme puissant que nous rencontrons dans
tous les cas dhom osexualité analysés. In: STO LLER , R.J. Limagination érotique telle
quon lobserve,- 1989.
13. Freud, S. Trois essais sur la théorie sexuelle (ajout de 1930). Paris: Gallimard, 1987. pp.
5 2 -5 3 .

3/6
Notas
14. LACAN , J. O Seminário, Livro 5: as formações do inconsciente. Lição de 29 de janeiro
de 1958. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, p. 86.
15. D E U T S C H , H. U n cas de phobie de la poule (1 9 3 0 ). In: D E U T S C H , H . La psychanalyse
des neuroses. Paris,- 1970.
16. idem.
17. LACAN , J. A significação do falo (Díe Bedeutung des Phallus) (1 9 5 8 ). In: LACAN , J. Escritos.
Rio de Janeiro: Jo rg e Zahar,- 1998. p. 215.
18. D E U T S C H , H . U n cas de phobie de la poule (1 9 3 0 ). In: D E U T S C H , H. La psychanalyse
des nevroses. Paris: editora?,- 1970. p. 86.
19. FEREN C ZI, S. Lhomoérotisme-. nosologie de 1'bomosexualité masculine. In: M IN U T ES DE LA
S O C IET É PSYC H A N A LY T IQ U E DE V IEN N E. Séances du 3 et du 10 de novembre
1909 et du 5 de janvier de 1910. Paris: Gallimard,- 1978. p. 126.
20. BO EH M , E The feminity complex in man. IJP, XI, 1930. Lacan fez referência a esse texto em
"Le désir et son interpretation , seminário inédito, lição de 15 de maio de 1959
21. BERGLER, E. H om osexualité mâle et lesbianisme. La névrose de base. Paris, 1963. pp.
2 3 2 -2 5 5 . O autor faz aí referências a seus diversos artigos de 1933 e 1948.

■ Capítulo 2 0 .0 que as histéricas dizem da homossexualidade?


1. FREU D , S. Sobre la teoria dei ataque histérico (1 8 9 3 ). In: FREU D , S. Obras completas de
Sigmund Freud. 1. ed. Buenos Aires: Amorrortu,- 1986. v. I.
2. FREU D , S. Las fantasias histéricas Y su relación com la bisexualidad (1 9 0 8 ). In: FREUD ,
S. Obras completas de Sigmund Freud. 2. ed. Buenos Aires: Amorrortu,- 1986. v. IX.
3. idem, p. 143.
4. idem, p. 145.
5. JO R G E, M .A .C . Fundamentos da psicanálise de Freud a Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,-
2 0 0 0 . pp. 3 5 -3 6 .
6. FREUD , S. Três ensayos de teoria sexual (1 9 0 5 ). In: FREU D , S. O bras completas de Sigmund
Freud. 2. ed. Buenos Aires: Amorrortu,- 1978C . v, VII.
7. LACAN , J. Seminário H : os quatro con ceitos fundamentais da psicanálise (1 9 6 4 ). Rio de
Janeiro: Jo rg e Zahar,- 1988.
8. LACAN , J. Os escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,- 1998. pp. 2 1 8 -2 1 9 .
9. SO LER, C . O cjue Lacan dizia das mulheres? Rio de Janeiro: Jorge Zahar,- 2 0 0 5 . p. 55.
10. FREU D , S. Sobre la psicogênesis de um caso de hom osexualidad femenina (1 9 2 0 ). In:
FREUD , S. Obras completas de Sigmund Freud. 2. ed. Buenos Aires: Amorrortu,- 1984. v. XVIII.
11. SO LER, C. O cfue Lacan dizia das mulheres? Rio de Janeiro: Jorge Zahar,- 2 005. p. 53.

■ Capítulo 21. Obsessão gay. um caso clínico


1. LACAN , J. A direção do tratam ento (1 9 5 8 ). In: LACAN , J. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar,- 1998. p. 600.
2. LACAN , J. O seminário, livro XVII, O avesso da psicanálise (1 9 6 9 ). Rio de Janeiro: Jorge
Zahar,- 1992. pp. 3 4 -3 5 .
3. LACAN , J. Escritos. Rio de Janeiro: Jo rg e Zahar,- 1998. p. 542.
4. LAC AN , J. O seminário, livro 7. A ética da psicanálise (1 9 6 0 ). Rio de Janeiro: Jorge
Zahar,- 1988. p. 319.

■ Capítulo 2 2 .0 caso Carlos: a natureza perversa do gozo


1. LAN TERI-LA UR A, G. Leitura das perversões: história de sua apropriação médica. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar,- 1994. p. 23.

377
2. idem, p. 26.
3. FR EU D , S. Tres ensayos de teoria sexual (1 9 0 5 ). ln: FREU D , S. Obras completas. Buenos
Aires: Amorrortu,- 2 0 0 5 . vol. VII. p. 211.
4. LACAN , J. O Seminário, livro 23: o sinthoma (1 9 7 5 -1 9 7 6 ). Rio de Janeiro: Jo rg e Zahar,-
2 0 0 7 . p. 149.
5. LAC AN , J. O Seminário, livro 20 : mais, ainda (1 9 7 2 -1 9 7 3 ). Rio de Janeiro: Jorge Zahar,-
1985.
6. idem, 117.
7. FREU D , S. Sobre la más generalizada degradación de la vida amorosa (Contribuiciones
a la psicologia dei amor, II)" (1 9 1 2 ). In: FREUD , S. Obras completas. Buenos Aires:
Amorrortu,- 2 0 0 3 . vol. XI. p. 169.
8. FREU D , S. Sobre un tipo particular de elección de objeto en el hom bre (Contribuciones
a la psicologia dei amor, I) (1 9 1 0 ) In: FREU D , S. Obras completas. Buenos Aires: Amorrortu,-
2 0 0 3 . vol. XI. p. 163.
9. EN C Y C LO PA E D IA BRITANNICA. Gilles deR ais [Internet], Disponível em: http://www.
b ritannica.com /EB checked/topic/489979/G illes-de-R ais. Acesso em 26 de dezem bro de
2012.
10. FREU D , S. Tres ensayos de teoria sexual (1 9 0 5 ). In: FREU D , S. Obras completas. Buenos
Aires: Amorrortu,- 2 0 0 5 . vol. VII. p. 156, grifos nossos.
11. idem, p. 156, grifos nossos.
12. LAC AN , J. O Seminário, livro i: os escritos técnicos de Freud (1 9 5 3 -1 9 5 4 ). Rio de Janeiro:
Jorge Zahar,- 1986. p. 25 2.
13. FREU D , S. Tres ensayos de teoria sexual (1 9 0 5 ). In: FREU D , S. Obras completas. Buenos
Aires: Amorrortu,- 2 0 0 5 . vol. VIL p. 156, grifos nossos.
14. FR EU D , S. Más allá dei pricipio de placer (1 9 2 0 ). In: FREU D , S. Obras completas. Buenos
Aires: Amorrortu,- 2 0 0 6 . v. XVIII. p. 78.
15. LAC AN , J. O saber do psicanalista, inédito (1 9 7 1 -1 9 7 2 ). C onferência de 6 de janeiro de
1972. Inédito.
16. T U D A L , A. Paris no ano 2000. O poem a de Antoine Tudal foi publicado no almanaque,
Paris no ano 2 0 0 0 .
17. LAC AN , J. O Seminário, livro 20 : mais, ainda (1 9 7 2 -1 9 7 3 ). Rio de Janeiro: Jorge Zahar,-
1985. p. 62.
18. idem, p. 64.
19. idem, p. 98.
20. LA C A N , J. O Seminário, livro 16 -, de um O utro ao outro (1 9 6 8 -1 9 6 9 ). Rio de Janeiro-, Jorge
Zahar,- 2 0 0 8 .
21. LA C A N , J. O Seminário, livro 20 : mais, ainda (1 9 7 2 -1 9 7 3 ). Rio de Janeiro: Jorge Zahar,-
1985. p. 13.

■ Capítulo 2 3 .0 império do olhar


1. V E L O S O , C . Pecado original. 1978.
2. FREU D , S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. In: FREU D , S. Edição eletrônica
brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Versão 2 .0 . Rio de Janeiro: Imago,-
2000.
3. H A LFO N , D, Dês gays em analyse? La Cause Freudienne, Revue de Psychanalyse, n. 5 5, out.
2003.
4. LA C A N , J. O Seminário, livro 7: a ética da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,- 1995.
5. Q U IN ET , A. Um olhar a mais. Rio dc Janeiro: Jorge Zahar,- 2 0 0 2 .

378
NOias
6. FREUD , S. A pulsão e seus destinos. In: FREUD , S. Edição eletrônica brasileira das obras
psicológicas completas de Sigmund Freud. Versão 2.0. Rio de Janeiro: Imago,- 2 0 0 0 .
7. idem.
8. Q U IN ET , A. Um olhar a mais. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,- 2 0 0 2 , p. 86.
9. idem, p. 82.
10. idem, p. 86.
11. N A B U C O , J. Minha formação. Rio de Janeiro: Topbook,- 1999.

■ Capítulo 24. Gide com Lacan: as cartas como fetiche


1. GIDE, A. La porte étroite. Paris: Gallimard/La Pléiade,- 1958.
2. DELAY. La Jeunesse d!André Gide: André Gide avant André Walter [ 1869-90J. Paris.- Gallimard,-
1956. p. 1243.
3. LACAN , J. Juventude de Gide ou A letra e o desejo (1 9 5 8 ). In: LACAN , J. Escritos. Rio
de Janeiro: Jo rg e Zahar,- 1998. pp.7 6 3 -7 6 4 .
4. idem, p. 76 4 .
5. LACAN , J. O bservação sobre o relatório de Daniel Lagache: psicanálise e estrutura da
personalidade (1 9 6 0 ). In: LACAN , J. Escritos, p. 690.
6. GIDE, A. Etnunc ‘manetin te. Journal (1 9 3 9 -4 9 ), Paris: Gallimard/La Pléiade,- 1954. p. 1156.
7. GIDE, A. La porte étroite. Paris: Gallimard/La Pléiade,- 1958. p. 500.
8. GIDE, A. Etnunc 'manet in te. Journal (1 9 3 9 -4 9 ), Paris: Gallimard/La Pléiade,- 1954. p. 1128.
9. idem, ibidem.
10. LAC AN , J. A significação do falo (1 9 5 8 ). In: LACAN , J. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar,- 1998. p. 702.
11. FREUD , S. O fetichismo (1 9 2 7 ). IN: FREU D , S. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago,
ano. v. XXI.
12. GIDE, A. Etnunc ‘manet in te. Journal (1 9 3 9 -1 9 4 9 ), Paris: Gallimard/La Pléiade,- 1954. p.
1128.
13. idem, p. 1145.
14. idem, p. 1146.
15. LACAN , J. Juventude de Gide ou A letra e o desejo (1 9 5 8 ). In: LACAN , J. Escritos. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar,- 1998. pp. 772.
16. LACAN , J. O Seminário, livro 6. O desejo e sua interpretação (1 9 5 8 -1 9 5 9 ). Sessão de 24
de junho de 1959, inédito.
17. LAC AN , J. O Seminário, livro 20.- mais, ainda (1 9 7 2 -1 9 7 3 ). Rio de Janeiro: Jorge Zahar,- 1982.
18. 18. LACAN , J. O seminário, livro 16: de um O utro ao outro (1 9 6 9 ). Rio de Janeiro: Jorge
Zahar,- 2 0 0 8 . p. 2 45.
19. GIDE, A. Et nunc ‘manet in te. Journal (1 9 3 9 -1 9 4 9 ), Paris: Gallimard/La Pléiade,- 1954. p.
1148.

■ Capítulo 25. Yukio Mishima: um talento perverso


1. LACAN , J. Hom enagem a M arguerite Duras pelo arrebatam ento de Lol V. Stein (1 9 6 5 ).
In: LAC AN , J. Shakespeare, Duras, Wedekind, Joyce (1 9 5 9 ). Lisboa: Assírio & Alvim,- 1989.
p. 125.
2. M ISHIM A, Y. Confissões de uma máscara. São Paulo: Vertente,- s/d. p. 127.
3. idem, p. 123, grifos nossos.
4. FREU D , S. Fetichismo (1 9 2 7 ). In: FREU D , S. Obras completas. Buenos Aires: Amorrortu,-
2 0 0 4 . v. XX I. p. 141.

379
5. FREU D , S. La organización genital infantil (U na interpolación en la riarfa de la
sexualidad) (1 9 2 3 ). In: Obras completas. Buenos Aires: Amorrortu,- 2 0 0 6 . v. XIX. p. 141.
6. FREU D , S. El problema econôm ico dei masoquismo (1 9 2 4 ). In: FREUD , S. Obras
completas. Buenos Aires: Amorrortu,- 2 0 0 6 . v. XIX. p. 161.
7. FREU D , S. La perdida de realidade n la neurosos y la psicosis (1 9 2 4 ). In: FREU D , S.
Obras completas. Buenos Aires: Amorrortu, 2 0 0 6 . v. XIX. p. 189.
8. FREUD , S. Fetichismo (1 9 2 7 ). In: FREU D , S. Obras completas. Buenos Aires: Amorrortu,-
2 0 0 4 . v. XXI. p. 149, grifos nossos.
9. LAC AN , J. O Seminário, livro 4: a relação de objeto (1 9 5 6 -1 9 5 7 ). Rio de Janeiro: Jorge
Zahar,- 1995.
10. idem, p. 160.
11. idem, p. 162.
12. idem, pp. 1 5 8 -1 5 9 .
13. FREU D , S. La escisión dei yo em el processo defensivo (1 9 4 0 [ 19 3 8 ]a ). In: FREU D , S.
Obras completas. Buenos Aires: Amorrortu,- 2 0 0 4 . v. XXIII.
14. FREU D , S. Esquema dei psicoanálisis. VIII El aparato psíquico y el mundo exterior (1 9 4 0
[ 1 9 3 8 ]b ). In: FREU D , S. Obras completas. Buenos Aires: Amorrortu,- 2 0 0 4 . v. XXIII.
15. FREU D , S. La escisión dei yo em el processo defensivo (1 9 4 0 [ 19 38]a). In: FREU D , S.
Obras completas. Buenos Aires: Amorrortu,- 2 0 0 4 . v. XXIII.
16. idem, p. 27 6 .
17. FREU D , S. Esquema dei psicoanálisis. VIII El aparato psíquico y el mundo exterior (1 9 4 0
[ 19 3 8 ]b ). In: FREU D , S. Obras completas. Buenos Aires: Amorrortu,- 2 0 0 4 . v. XXIII.
18. idem, pp. 2 0 3 -2 0 4 .
19. idem, p. 204.
20. idem, ibidem.
21. M1SFJIMA, Y. Sol ea ç o . São Paulo: Brasiliense,- 1985. p. 48.
22. FREU D , S. La escisión dei yo em el processo defensivo (1 9 4 0 [1 9 3 8 ]a ). In. FR EU D , S.
Obras completas. Buenos Aires: Amorrortu,- 2 0 0 4 . v. XXIII. p. 278.
23. M ISHIM A, Y. Confissões de uma máscara. São Paulo: Vertente,- s/d. p. 27,
24. MISFJIMA, Y. Sol ea ç o . São Paulo: Brasiliense,- 1985. p. 10.
25. idem.
26. idem, p. 8.
27. LAC AN , J. Radiofonia (1 9 7 0 ). In: LACAN , J. Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,-
2 0 0 3 . p . 40 6 .
28. Q U IN ET , A. Incorporação, extrusão e somação: com entário sobre o texto 'Radiofonia'.
In: ALBERTI, S .; CA RN EIRO RIBEIRO, M.A. (O rg .). Retorno do exílio-. o corpo entre a
psicanálise e a ciência. Rio de Janeiro: C ontra Capa Livraria,- 2 0 0 4 . p. 59.
29. Para ser mais precisa, no texto "De nossos antecedentes", Lacan diz que "o estádio do
espelho", produzido por ele em 1936, "antecipou nossa inserção do inconsciente na
linguagem". Para mais, ver: LACAN , J. D e nossos antecedentes (1 9 6 6 ). In: LACAN , J.
Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,- 1998. p. 75.
30. LACAN , J. Radiofonia (1 9 7 0 ). In: LACAN , J. Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,•
2003. p . 406.
31. LA C A N , J. Função e cam po da fala e da linguagem em psicanálise (1 9 5 3 ). In: LACAN ,
J. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,- 1998. p. 320.
32. LAC AN , J. Radiofonia (1 9 7 0 ). In: LACAN , J. Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,-
2 0 0 3 . p. 4 0 7 , grifos do original.
33. Corps (francês) se traduz corpo e corpse (inglês) se traduz cadáver.
34. LAC AN , J. Radiofonia (1 9 7 0 ). In: LACAN , J. Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,-
2003.
35. LACAN , J. Função e cam po da fala e da linguagem em psicanálise (1 9 5 3 ). In: LACAN ,
J. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,- 1998.
36. LACAN , J. Radiofonia (1 9 7 0 ). In: LACAN , J. Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,-
2 0 0 3 . p. 40 6 .
37. idem, p. 40 7 .
38. M ISHIM A, Y. Confissões de uma máscara. São Paulo: Vertente,- s/d. p. 10.
39. LACAN , J. A terceira (1 9 7 4 ). In: LACAN , J. Intervenciones y textos II. Buenos Aires:
Manantial,- 1980.
40. M ISHIM A, Y. Confissões de uma máscara. São Paulo: Vertente,- s/d. p. 10.
41. idem, ibidem.
42. idem, p. 23.
43. LACAN , J. Radiofonia (1 9 7 0 ). In: LACAN , J. Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,-
2 0 0 3 . p. 40 7 .
44. idem, p. 4 06.
45. Por exemplo, uma expressão temporal com o "ontem" ou um ente ficcional com o "centauro"
não existem corporalm ente, mas com o um pensamento ou uma fala. Para mais, ver:
IN W O O D , B. Os estóicos. São Paulo: Odysseus,- 2 006.
46. Q U IN ET , A. Incorporação, extrusão e som ação: com entário sobre o texto 'Radiofonia'.
In: ALBERTI, S .; C A RN EIRO RIBEIRO, M.A. (O rg .). Retorno do exílio-, o corpo entre a
psicanálise e a ciência. Rio de Janeiro: C ontra Capa Livraria,- 2 0 0 4 . p. 61.
47. M ISHIM A, Y. Confissões de uma máscara. São Paulo: Vertente,- s/d.
48. idem, pp. 11-12.
49. Para Mishima o excrem ento é um símbolo da terra, "era o malévolo am or da M ãe Terra
que estava cham ando por mim". Para mais, ver M ISHIM A, Y. Confissões de uma máscara.
São Paulo: Vertente,- s/d.
50. Latrineiro em japonês é cham ado de "carregador de fezes noturnas".
51. M ISHIM A, Y. Conjíssões de uma máscara. São Paulo: Vertente,- s/d. p. 12.
52. idem, p. 15.
53. idem, p. 14.
54. idem, p. 20.
55. idem, p. 32.
56. Forma usada por Mishima para definir a sua masturbação. Para mais, ver: M ISHIM A, Y.
Confissões de uma máscara. São Paulo: Vertente,- s/d, p. 33.
57. Para M ISHIM A, ver K.USANO, D. Yukio Mishima: o hom em de teatro e cinema. São
Paulo: Perspectiva/Fundação Japão,- 2 0 0 6 . p. 336.
58. M ISHIM A, Y. Confissões de uma máscara. São Paulo: Vertente,- s/d. p. 47.
59. idem, p. 48.
60. idem, p. 84.
61. idem, p. 61.
62. idem, ibidem.
63. idem, p. 64.
64. idem, p. 105.
65. idem, p. 125 e 127.
66. Aqui o autor faz m enção à banda de Moebius.
67. idem, p. 172.
68. Para GIDE, ver LACA, J. O Seminário, livro J. as formações do inconsciente (1 9 5 7 -1 9 5 8 ).
Rio de Janeiro: Jorge Zahar,- 1999. p. 271.
69. M ISHIM A, Y. Confissões de uma m áscara. São Paulo: Vertente,- s/d. p. 31.
70. idem, p. 64.

381
71. idem, p. 105.
72. LAC AN , J. A terceira (1 9 7 4 ). In: LACAN , J. Intervenciones y textos II. Buenos Aires:
Manantial,- 1980. p. 103.
73. idem, ibidem.
74. M ISH IM A, Y. Sol ea ç o . São Paulo: Brasiliense,- 1985.
75. idem, p. 97.
76. idem, p. 8.
77. idem, p. 89.
78. idem, p. 90.
79. idem, ibidem.
80. idem, p. 97.
81. idem, p. 100.
82. idem, ibidem.
83. "O O roborus, ou U rób oro, é uma serpente que morde a própria cauda e simboliza um
ciclo de evolução encerrado nela mesma. Esse símbolo contém ao mesmo tem po, as
ideias de m ovimento, de continuidade, de autofecundação e, em conseqüência, de eterno
retorno. [...] Significaria a união de dois princípios opostos. [...] Ao desenhar uma forma
circular, a serpente que morde a própria cauda, rom pe com uma evolução linear e marca
uma transform ação de tal natureza que parece emergir para um nível de ser superior, o
nível do ser celeste ou espiritualizado, simbolizado pelo círculo. [...] Ao contrário, a
serpente que morde a própria cauda, que não para de girar sobre si mesma, que se encerra
em seu próprio ciclo, evoca a roda das existências, o samsara, com o que condenada
a jamais escapar de seu ciclo para se elevar a um nível superior: simboliza então o
perpétuo retorno, o círculo indefinido dos renascimentos, a repetição contínua, que trai
a predom inância de um fundamental impulso de morte". Para mais, ver: CHEVALIER, J .;
GHEERBRANT, A. Dicionário de símbolos-, mitos, sonhos, costum es, gestos, formas, figuras,
cores, números. Rio de Janeiro: José Olympio,- 1988. p. 922.
84. M ISH IM A, Y. Sol e aço. São Paulo: Brasiliense,- 1985. p. 89.
85. idem, p. 100.
86. idem, p. 101.
87. idem, p. 89.
88. idem, pp.5 3 -5 4 .
89. idem, p. 64.
90. Mishima identifica-se ao objeto olhar.
91. M ISH IM A, Y. Sol ea ç o . São Paulo: Brasiliense,- 1985. p. 64.
92. idem, p. 65.
93. idem, ibidem.
94. idem, ibidem.
95. idem, p. 4 9 , grifos nossos.
96. LA C A N , J. Kant com Sade (1 9 6 3 ). In: LACAN , J. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,-
1998. p. 78 6 .
97. Suicídio cortando o abdômen, seguindo o ritual da casta dos samurais.
98. LACAN , J. O Seminário, livro 16 : de um O utro ao outro (1 9 6 8 -1 9 6 9 ). Rio de Janeiro: Jorge
Zahar,- 2 0 0 8 . p. 24 8 .
99. idem, ibidem.
100. idem, p. 2 46.

■ Capítulo 26. De amores e flores: o caso da jovem homossexual de


Freud

382
1. U m versão preliminar deste trabalho foi apresentada no colóquio As homossexualidades
na Psicanálise, na Universidade Veiga da Almeida (UVA), no Rio de Janeiro, em 2 6 de
junho de 2 0 0 9 . U m agradecimento especial aos organizadores Antonio Q uinet e M arco
A ntonio Coutinho Jorge, pela proposta, conduçãoo e estímulo à reflexão e ao debate.
As traduções da obra de Freud apresentadas aqui são de minha autoria, cotejadas com a
ediçãoo brasileira e a espanhola.
2. FREU D , S. T h e psychogenesis of a case of hom osexuality in a woman (1 9 2 0 ). In:
FREU D , S. The standard edition o f the complete psychological works o f Sigmund Freud (SE). Ed James
Stratchey e Anna Freud. London: T h e FJogarth Press,- 1955. v. XVIII.
3. RIEDER, I.,- V O IG T, D, Desejos secretos: a história de Sidonie C., a paciente homossexual de
Freud. São Paulo: Com panhia das Letras,- 2 008.
4. idem, p. 9.
5. FREU D , S. T h e uncanny. In: FREU D , S. The standard edition o f the complete psychological works
o f Sigmund Freud (SE). Ed Jam es Stratchey e Anna Freud. London: T h e FJogarth Press,•
1955F. v. XVII. p. 2 2 5 , grifos nossos.
6. FREU D , S. A child is being beaten: a contribution to the study of the origin of sexual
perversions (1 9 1 9 ). In: FREUD , S. The standard edition o f the complete psychological works of
Sigmund Freud (SE). Ed Jam es Stratchey e Anna Freud. London: T he FJogarth Press,- 1955.
v. XVII.
7. BATAILLE, G. L'érotism e. Paris: Minuit; 1957. pp. 17-32.
8. FR EU D , S. Beyond the pleasure principie. In; FREU D , S. The standard edition o f the complete
psychological works of Sigmund Freud (SE). Ed James Stratchey e Anna Freud. London: The
FJogarth Press,- 1955. p. 42.
9. idem, p. 164.
10. LACAN , J. Le Séminaire, livre X. L'angoisse. Paris: Seuil,- 2 0 0 4 .
11. RIEDER, I.,- V O IG T, D, Desejos secretos: a história de Sidonie C., a paciente homossexual de
Freud. São Paulo: Com panhia das Letras,- 2 0 0 8 . p. 21.
12. idem, p. 33, grifos nossos.
13. idem, p. 39, grifos nossos.
14. idem, p. 2 6 5 , grifos nossos.
15. idem, p. 267.
16. LACAN , J. Le Séminaire, livre X. L'angoisse. Paris: Seuil,- 2 0 0 4 . p. 131.
17. FREU D , S. A child is being beaten: a contribution to the study of the origin of sexual
perversions (1 9 1 9 ). In: FREUD , S. The standard edition o f the complete psychological works o f
Sigmund Freud (SE). Ed Jam es Stratchey e Anna Freud. London: T he H ogarth Press,- 1955.
v. XVII.
18. FR EU D , A. Beating fantasies and daydream s. In: FR EU D , A. Introduction to
psychoanalysis. London: T he H ogarth Press,- 1974. pp. 1 3 7-157.
19. FREU D , S. A child is being beaten: a contribution to the study of the origin of sexual
perversions (1 9 1 9 ). In: FREU D , S. The standard edition o f the complete psychological works o f
Sigmund Freud (SE). Ed Jam es Stratchey e Anna Freud. London: T h e H ogarth Press,- 1955.
v. XVII. p. 198.
20. idem, pp. 1 9 5 -1 9 6 .
21. D ID IER-W EILL, A. Os três tempos da lei: o mandamento siderante, a injunção do supereu e
a invocação musical. Rio de Janeiro: Jo rg e Zah ar Editor,- 1997.
22. Para LAC AN , ver D ID IER-W EILL, A. O s três tempos da lei: o mandamento siderante, a
injunção do supereu e a invocação musical. Rio de Janeiro: Jorge Zah ar Editor,- 1997.
p. 75.
23. D ID IER-W EILL, A. Os três tempos da lei: o mandamento siderante, a injunção do supereu e
a invocação musical. Rio de Janeiro: Jorge Zah ar Editor,- 1997. p. 75.
24. LACAN , J. Le Séminaire, livre X. L'angoisse. Paris: Seuil,- 2 0 0 4 . p. 109.

383
25. FR EU D , S. T h e psychogenesis of a case of homosexuality in a woman (1 9 2 0 ). In:
FREU D , S. The standard edition oj the complete psychological works o f Sigmund Freud (SE). Ed Jam es
Stratchey e Anna Freud. London: T h e H ogarth Press,- 1955E . v. XVIII. p. 160.
26. G UIM ARÃES RO SA, J. N oites do sertão. In: GUIMARÃES ROSA, J. Obras completas. Rio
de Janeiro: Aguilar, 1994. v. I.
27. RIEDER, I.,- V O IG T, D, Desejos secretos: a história de Sidonie C., a paciente homossexual de
Freud. São Paulo: Com panhia das Letras,- 2 0 0 8 . p. 416.
28. idem, p. 4 1 5 , grifos nossos.
29. FR EU D , S. T he psychogenesis of a case of hom osexuality in a woman (1 9 2 0 ). In:
FREU D , S. The standard edition o f the complete psychological works o f Sigmund Freud (SE). Ed James
S tratchey e Anna Freud. London: T he H ogarth Press,- 1955E . v. XVIII. p. 156.
30. D ID IER-W EILL, A. Os três tempos da lei: o mandamento siderante, a injunção do supereu e
a invocação musical. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,- 1997. pp. 7 5 -7 6 .
31. RIEDER, I.,- V O IG T, D, Desejos secretos: a história de Sidonie C., a paciente homossexual de
Freud. São Paulo: Com panhia das Letras,- 2 0 0 8 . p. 41.
32. FERREIRA, N.P. A teoria do amor. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,- 2 0 04. pp. 4 4 -4 5 .
33. idem, p. 45.
34. BRASIL, J.A . Eros tecelão de mi tos: a poesia de Safo de Lesbos. São Paulo: Estação Liberdade,-
1991.
35. A L L O U C H , J. Sombra de teu cão: discurso analítico e discurso lésbico. Rio de Janeiro:
Com panhia de Freud,- 2 0 05.
36. W O O L F , V. Mrs D alloway. London: Penguin Books,- 1975. p. 5.
37. BRASIL, J.A . Eros tecelão de mitos-, a poesia de Safo de Lesbos. São Paulo: Estação Liberdade,-
1991. p. 317.
38. M A N N O N I, O . Clefs pour límaginaire ou 1'Autre scène. Paris: Seuil,- 1969.
39. Tem-se que esse jovem poeta seja Rainer M. Rilke, e o texto de Freud que trata desse
aspecto é significativamente cham ado em português de "Sobre a transitoriedade". Em
inglês o título é "On transience".
40. FREU D , S. Delírios e sonhos na Gradiva de Jensen (1 9 0 7 [ 1906]). In: FREU D , S. The
standard edition o f the complete psychological works of Sigmund Freud (SE). Ed James Stratchey e
Anna Freud. London: T he H ogarth Press,- 1955. v. XVIII.
41. idem, p. 9 5 , pósfacio de 1912.
42. LEV I-STRA U SS, C. The élementary structures ofkinship. Boston: T he Beacon Press,- 1969.

■ Capítulo 27. Nos meandros do continente negro: questões sobre a


homossexualidade feminina
1. FR EU D , S. El malestar en la cultura (1 9 2 9 ). In: FREU D , S. O bras completas. Buenos Aires:
Amorrortu,- 1988. v. XXL
2. PLATÃO. O banquete. In: PLATÃO. Diálogos. Buenos Aires: C oleccion Austral,- 1949.
3. W ALTEM BERG SILVA, A. Lesbos, uma ilha do continente negro-, reflexões acerca da
homossexualidade feminina. D issertação [M estrado], C en tro de Ensino Superior de Juiz
de Fora, Juiz de Fora, 2 0 04.
4. PANTEL, P.S. A antiguidade. In: PANTEL, P.S. (org). História das mulheres no Ocidente.
Porto: Edições Afrontamento, 1990. v. 1.
5. BRAN D ÃO, J.S. M itologia grega. Petrópolis: Vozes,- 2 0 0 1 . v. II.
6. CU RY. Dicionário de mitologia grega e romana. 1989.
7. V EY N E , P. A homossexualidade em Roma. In: D UBY, G. (org.). Amor e sexualidade no
Ocidente. Porto Alegre: L&PM,- 1992.
8. PORTINARI, D. O discurso da homossexualidade feminina. São Paulo: Brasiliense,- 1985.
Notas
9. FO U C A U LT, M . O uso dos prazeres. FJistória da sexualidade. Rio de Janeiro: Graal; 1985.
v. 2. p. 38.
10. FREUD , S. Pulsiones y destinos de pulsión (1 9 1 5 ). In: FREU D , S. O bras completas. Buenos
Aires: Amorrortu,- 1988. v. XIV. p. 105.
11. FREUD , S. Tótem y tabú (1 9 1 3 ). In: FREU D , S. Obras completas. Buenos Aires: Amorrortu,-
1 988. v. XIII.
12. ALBERTI, S. (org). A sexualidade na aurora do século XXI. Rio de Janeiro: Cia de Freud/
CAPES,- 2 0 0 8 .
13. Palavras de M aurano. Para M A U R A N O , ver ALBERTI, S. (org). A sexualidade na aurora do
século XXI. Rio de Janeiro-, Cia de Freud/CAPES,- 2 0 0 8 . p. 390.
14. LACAN , J. M ais ainda. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,- 1985.
15. idem, p. 98.

■ Capítulo 28. A lógica da homossexualidade femina


1. LACAN , J. Diretrizes para um Congresso sobre a sexualidade feminina. In: LAC AN , J.
Escritos. Rio de Janeiro: Jo rg e Zahar,- 1998.
2. idem, p. 74 5 .
3. FREUD , S. Psicologia de las masas y análisis dei yo. In: FREU D , S. Obras completas. Buenos
Aires: Amorrotu,- 1995. v. XVIII. p. 89.
4. LACAN , J. O Seminário, livro x ■
. a angústia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,- 2 0 0 5 . p. 294.
5. idem, ibidem.
6. LAC AN , J. D iretrizes para um Congresso sobre a sexualidade feminina. In: LACAN , J.
Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,- 1998. p. 745.
7. W IT T IG , M . O pensamento betero, Fíle://C:D ocum ents and setting, 2 6 /9 /2 0 0 6 . T he
straightmind and other essays. Boston: Beacon,- 1992.

■ Capítulo 29. A mais célebre epistolária da homossexualidade


feminina
1. LAC AN , J. Diretivas para um congresso sobre a sexualidade feminina (1 9 6 0 ). In:
LACAN , J. Escritos. Rio de Janeiro: Jo rg e Zahar,- 1998. p. 745.
2. idem, ibidem.
3. idem, ibidem.
4. LAC AN , J. Radiofonia (1 9 7 0 ). In: LACAN , J. Outros escritos. Rio de Janeiro,- Jorge Zahar,-
2 0 0 3 . p . 4 38.
5. D U C FJE N E , R. Madame de Sèvignè ou la chance â'etrefemme. Paris.- Editions de Fayard,- 1982.
6. Roger D uchêne é biógrafo de M adame de Sèvignè e é citado por vários com entadores
de suas cartas.
7. Palavras de Gérard. Para GERARD, ver D U C FJÊ N E , R. Madame de Sèvignè ou la chance d'etre
femme. Paris: Editions de Fayard,- 1982. p. 15.
8. Palavras de Bailly. Para BAILLY, ver D U C FJE N E , R. Madame de Sèvignè ou la chance d'etre
femme. Paris: Editions de Fayard; 1982. p. 15.
9. SÈVIG N È. Lettres historicjues. C ollections les maitres de Thistoire. Cartas de (1 6 6 4 a 1689).
Paris: Librairie Plon,- 1934. p. 1457.
10. H YV RA RD , J. Mère la mort. Paris: Editions de Minuit; 1976. p. 28.
11. SÈVIG N È. Lettres histori^ues. C ollections les maitres de 1'histoire. Cartas de (1 6 6 4 a 1689).
Paris: Librairie Plon,- 1934. C arta 136.
12. D U C FJÊ N E , R. Madame de Sèvignè ou la chance d'etre femme. Paris: Editions de Fayard,- 1982.
p. 15.

385
13. LAC AN , J. O Seminário sobre a carta roubada (1 9 5 6 ). In: LACAN, J. Escritos. Rio de
Janeiro: Jo rg e Zahar,- 1998. p. 45.
14. idem, p. 39.
15. LA C A N , J. Diretivas para um congresso sobre a sexualidade feminina (1 9 6 0 ). In:
LACAN , J. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,- 1998.
16. SÉVIG N È. Lettres historicfues. Collections les maitres de 1'histoire. Cartas de (1 6 6 4 a 1689).
Paris: Librairie Plon,- 1934. p. 189.
17. idem, p. 77.
18. idem, p. 56 7 .
19. LA C A N , J. A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud (1 9 5 7 ). In:
LA C A N , J. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,- 1998A. p. 504.
20. SÉVIG N È. Lettres historicjues. Collections les maitres de l'histoire. Cartas de (1 6 6 4 a 1689).
Paris: Librairie Plon,- 1934. C arta datada de 1644.
21. idem, carta datada de 15 de janeiro de 1644.
22. LESSANA, M .M . Entre mère et filie : um ravage. Paris: Fayard,- 2 0 0 0 . p. 33.
23. D U C H Ê N E , R. M adam e de Sévignè ou la chance d'etre femme. Paris: Éditions de Fayard,- 1982.
p . 143.
24. LESSANA, M .M . Entre mère et filie: um ravage. Paris: Fayard,- 2 0 0 0 . p. 110.
25. D U C H Ê N E , R. M adam e de Sévignè ou la chance detrefem m e. Paris: Éditions de Fayard,- 1982.
p . 143.
26. idem, ibidem.
27. LESSANA, M .M . Entre mère et filie: um ravage. Paris: Fayard,- 2 0 0 0 . p. 79.
28. SÉVIG N È. Lettres historicjues. C ollections les maitres de l'histoire. Cartas de (1 6 6 4 a 1689).
Paris: Librairie Plon,- 1934. Carta datada de 6 de maio de 1671.
29. Palavras de Gérard. Para GÉRARD, ver D U C H Ê N E , R. M adam e de Sévignè ou la chance detre
femme. Paris: Éditions de Fayard,- 1982.
30. idem.
31. SÉVIG N È. Lettres historicjues. Collections les maitres de 1'histoire. Cartas de (1 6 6 4 a 1689).
Paris: Librairie Plon,- 1934. Carta datada de 8 de janeiro de 1676.
32. LACAN , J. O Seminário, livro 2 0 : Mais ainda... (1 9 7 2 -1 9 7 3 ). Rio de Janeiro: Jo rg e Zahar,-
1985. p . 63.
33. idem, p. 4 9 , grifos do original.
34. Para SIM O N , ver SÉVIG N È. Lettres historicjues. C ollections les maitres de 1'histoire. Cartas
de (1 6 6 4 a 1689). Paris: Librairie Plon,- 1934.
35. Para GÉRARD-GAILLY, ver ver D U C H Ê N E , R. M adam e de Sévignè ou la chance detre femme.
Paris: Éditions de Fayard,- 1982.
36. Para SO M A IZIE, ver ver D U C H Ê N E , R. M adam e de Sévignè ou la chance d etre femme. Paris:
Éditions de Fayard,- 1982.
37. LESSANA, M .M . Entre mère et filie: um ravage. Paris: Fayard,- 2 0 0 0 . p. 113.
38. LA C A N , J. Diretivas para um congresso sobre a sexualidade feminina (1 9 6 0 ). In:
LACAN , J. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,- 1998. p. 739.

■ Anexo. Entrevista à Revista CLAM do Instituto


de Medicina Social da UERJ
1. Entrevista de Antonio Q uinet e M arco A ntonio C outinho Jo rg e concedida ao
antropólogo H orácio Sívori, pesquisador do C entro Latino-A m ericano em Sexualidade
e Direitos Humanos (CLA M ).
Sobre os autores

Acyr Maya
Especialista em Psicanálise pela Universidade Santa Úrsula (USU). Mestre em Pesquisa e Clínica
em Psicanálise pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Doutor em Teoria Psi­
canalítica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor e Coordenador do Curso
de Graduação em Psicologia da Uniabeu Centro Universitário.

Ana Costa
Professora do Instituto de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicanálise da Univer­
sidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Psicanalista, membro da Associação Psicanalítica de
Porto Alegre. Autora dos livros: A ficção do si mesmo: interpretação e ato em psicanálise (Rio de
Janeiro: Companhia de Freud; 1998); Corpo e escrita: relações entre memória e transmissão da
experiência (Rio de Janeiro: Relume Dumará; 2001); Tatuagens e marcas corporais: atualizações
do sagrado (São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003); Sonhos (Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 2006);
"Clinicando” (Porto Alegre: APPOA; 2008). Co-organizou as seguintes obras: Escrita e psicanálise
(Rio de Janeiro: Companhia de Freud; 2007) e Escrita e psicanálise II (Curitiba: CRV; 2010).

Ana Maria Vicentini de Azevedo


Psicanalista em São Paulo, onde coordena os Ateliers de Psicanálise. PhD em Literatura Com­
parada (Tragédia Grega e Psicanálise) pela City University of New York (Estados Unidos), onde
recebeu o prêmio Margaret Bryant por melhor tese da área. Professora aposentada da Universi­
dade de Brasília (UnB). Professora colaboradora do programa de pós-graduação em Estudos de
Literatura na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Autora de livros e artigos publicados
no Brasil e no exterior. Correspondente da revista essaim (Paris) em São Paulo.

Antonio Quinet
Formação psicanalítica realizada no ano 1980 em Paris, na École de la Cause Freudienne. Foi
professor-assistente do Departamento de Psicanálise da Universidade de Paris VIII (Vincennes).
Defendeu aí sua tese de doutorado em Filosofia com a orientação de Alain Badiou. Psicanalista,
psiquiatra (Université Paris XIII) e doutor em Filosofia (Université Paris-VIII). Membro da Escola de
Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano. Ancien Interne des Hôpitaux de la Region Parisienne.
Membro da Associação Brasileira de Psiquiatria. Professor Adjunto do Doutorado e Mestrado de
Psicanálise, Saúde e Sociedade da Universidade Veiga de Almeida (UVA). Pesquisador convidado

387
do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Docente de For­
mações Clínicas do Campo Lacaniano - Rio de Janeiro. Diretor da Cia. Inconsciente em Cena
(vinculada à pesquisa Teatro e Psicanálise, desenvolvida na UVA). Dramaturgo e encenador (A
lição de Charcot, X, Y e S - abertura do teatro íntimo de Strindberg, Artorquato, Oidipous, filho de
Laios, Variações Freudianas 1: o sintoma, Abram-se os histéricos!, O Ato - variações freudianas 2,
Hilda & Freud - collected words). Editor da revista En-je (França). Autor dos livros Teoria e clínica
da psicose (5a ed., Forense Universitária), Artorquato (Editora 7Letras). Em sua coleção própria,
na Editora Zahar, publicou: As 4+1 condições da análise (13a ed.), A descoberta do inconsciente
(4a ed.), Um olhar a mais (2a ed.), A lição de Charcot, Psicose e laço social (2a ed.), A Estranheza
da Psicanálise: a Escola de Lacan e seus analistas; na coleção Passo a passo, na mesma editora,
publicou Os outros em Lacan. Além disso, no exterior, publicou: Las condiciones dei analisis
(Atuei, Argentina) e Un plus-de-regard (Éditions du Champ Lacanien, França - esgotado, no prelo
como livro de boiso pela Editora Erès). É coautor e organizador das coletâneas: Jacques Lacan: a
psicanálise e suas conexões (Imago), Extravios do desejo - depressão e melancolia, Psicanálise
e psiquiatria - controvérsias e convergências e Na mira do Outro - a paranóia e seus fenômenos
(Marca d’Água Liv. e Ed.). É autor de artigos publicados em revistas e livros na Argentina, Aus­
trália, Brasil, Colômbia, Espanha, Estados Unidos, França, Grécia e Inglaterra. É tradutor de Lacan
no Brasil, sendo responsável pelas versões dos Seminários 2 e 7 e de Televisão, além de outros
artigos. Profere conferências e seminários em diversos países e em diversas cidades no Brasil.

Betty Bernardo Fuks


Doutora em Comunicação e Cultura. Pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq). Editora da revista on-line Trivium: estudos interdisciplinares. Pro­
fessora do Doutorado e Mestrado em Psicanálise, Saúde e Sociedade da Universidade Veiga de
Almeida (UVA). Pesquisadora do Laboratório de Psicopatologia Fundamental. Autora de Freud e
a judeidade, a vocação do exílio(Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 2008); Freud e a cultura (Rio de
Janeiro: Jorge Zahar; 2011) e Freud and the invention of Jewishness (Agentour; 2008).

Claude Léger
Psiquiatra e psicanalista. Membro da École de Psychanalyse des Foruns du Champ Lacanien,
Professor do Collège de Clinique Psychanalytique de Paris. Chefe do Serviço de Psiquiatria
Pública de Levallois-Perret. Tem mantido uma posição firme na França a favor da manutenção
da Psicanálise no serviço público. Foi professor da Section clinique de 1’Université Paris VIII até
1998. Autor de vários artigos publicados em diversas revistas na França e na Revista transdis-
ciplinar franco-portuguesa Sigila. Autor do livro Des nouvelles de rimmonde (Éditions du Champ
lacanien).

Colette Soler
Psicanalista, diplomada em Psicopatologia pela Universidade de Paris V e doutora em Psicologia
pela Universidade de Paris VII. Exerce e leciona a Psicanálise na capital francesa. Foi seu encontro
com o ensino e a pessoa de Jacques Lacan que a levou a optar pela Psicanálise. Foi membro da
Escola Freudiana de Paris e, após sua dissolução, da Escola da Causa Freudiana. É idealizadora e
membro-fundador da Internacional dos Fóruns e da Escola de Psicanálise do Campo Lacanioano.
Ex-docente da École Normale Supérieure e das Universidades de Paris Vil e VIII. Atualmente en­
sina Psicanálise no quadro das Formações Clínicas do Campo Lacaniano. Entre seus livros estão
A psicanálise na civilização (Contracapa, 1998), O que Lacan dizia das mulheres (Jorge Zahar
Editor; 2005), 0 inconsciente a céu aberto (Jorge Zahar; 2007), O inconsciente: que é isso? (An-
nablume; 2012) e Lacan, o inconsciente reiventado (Cia de Freud; 2012).

Denise Maurano
Membro do Corpo Freudiano Escola de Psicanálise, Seção Rio de Janeiro. Doutora em Filosofia
pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e pela Universidade de Paris XII.
Professora associada da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), trabalhando
junto a Faculdade de Direito e ao Programa de Pós-Graduação em Memória Social (PPGMS).
Autora, dentre outros, dos livros Histeria: o princípio de tudo (Col. Para ler Freud, Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira; 2010) e Torções: a psicanálise, o barroco e o Brasil (Curitiba: CRV; 2011).
Edita a revista eletrônica transdisciplinar Psicanálise e Barroco (www.psicanaliseebarroco.pro.br)
da linha de pesquisa Memória, subjetividade e criação do PPGMS/UNIRIO.

Elisabeth da Rocha Miranda


Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Psicanálise da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro (UERJ). Professora do Curso de Especialização em Psicologia Clínica da Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). Professora do Curso de Especialização em
Psicologia da Universidade Veiga de Almeida (UVA). Psicanalista Membro da Escola de Psicanálise
dos Fóruns do Campo Lacaniano AME. Presidente do Conselho Diretor de Formações Clínicas do
Campo Lacaniano - Rio de Janeiro. Membro do conselho editorial da revista Marraio. Colabora-
dora e parecerista da revista Trivium do mestrado da UVA. Vários artigos publicados em revistas
da Espanha, Colombia, Austrália e França.

Elisabeth Roudinesco
Psicanalista e historiadora. Leciona na École des Hautes Etudes, em Paris. Tem participação ativa
nos debates mais importantes de nosso tempo. É articulista do Monde des Livres desde 1996.
Autora de História da psicanálise na França (v. 1 :1 9 8 9 ; v.2:19 8 8); Dicionário de psicanálise (em
colaboração com Michel Plon, 1998); Por que a psicanálise? (2000); A família em desordem
(2003); De que amanhã (em colaboração com Jacques Derrida, 2004); 0 paciente, o terapeuta
e o Estado (2005); A análise e o arquivo (2006); Filósofos na tormenta (2007); A parte obscura
de nós mesmos (2008); Em defesa da psicanálise (2009); Retorno à questão judaica (2010);
Freud - mas por que tanto ódio? (2011); Lacan, a despeito de tudo e de todos (2011), todas
publicadas no Rio de Janeiro por Zahar Editores. Jacques Lacan - esboço de uma vida, história
de um sistema de pensamento (São Paulo: Companhia das Letras; 1994), Genealogias (Rio de
Janeiro: Relume-Dumará; 1995), Théroigne de Méricourt (Rio de Janeiro: Rocco; 1997). Sua obra
está traduzida em trinta idiomas.

Gilda Paoliello
Psiquiatra e psicanalista. Professora da Residência de Psiquiatria do Instituto de Previdência do
Estado de Minas Gerais. Professora do curso de Pós-graduação em Psiquiatria do Instituto de
Pesquisas Médicas de Minas Gerais. Coordenadora da Comissão de Publicações da Associação
Mineira de Psiquiatria. Editora de 0 Risco, Jornal da AMP. Membro da Câmara Técnica de Psiquia­
tria do CRMMG. Autora do livro Supervisão em Psiquiatria.
Gloria Sadala
Doutora pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Coordenadora do Doutorado em
Psicanálise, Saúde e Sociedade e do Curso de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica e Prática
Clínico-lnstitucional da Universidade Veiga de Almeida (UVA). Professora e Supervisora do Curso
de Especialização em Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
(PUC-RJ). Supervisora do Serviço de Psicologia Aplicada da UVA. Membro do Colegiado de FCCL-
RJ. Coautora do livro A mulher: na psicanálise e na arte. Capítulos em livros como A sexualidade
na aurora do século XXI e Comunicação, consumo e subjetividade. Artigos em diversos periódicos
como Ágora; Educação e Realidade, Trieb, Interthesis, Marraio.

Horacio Sívori
Antropólogo, com bachalerado pela Universidade Nacional de Rosário (Argentina); mestrado pela
New York University; e doutorado pela UFRJ - Museu Nacional. É bolsista de pós-graduação da
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro - FAPERJ, sediado no Instituto
de Medicina Social da Universidade do Estado de Rio de Janeiro. Pesquisa sobre sexualidade,
política, ativismo e saberes eruditos na América Latina. É autor de Locas, chongos y Gays: socia-
bilidad homosexual masculina durante la Argentina de la década de 1990 (Antropofagia, Buenos
Aires, 2005) e coordenador da coletânea The Sexual History o f the Global South (Zed Publishers,
Londres, 2013), além de autor de diversos artigos em publicações acadêmicas.

Jack Drescher
Psiquiatra e psicanalista, vive e clinica em Nova Iorque. Analista didata e supervisor do William
Alanson White Institute (Nova Iorque). Professor Associado de Psiquiatria e Ciências do Compor­
tamento no New York Medicai College. Professor-Assistente no Programa de Pós-doutoramento
em Psicoterapia e Psicanálise da Universidade de Nova Iorque. Membro da American Psychiatric
Association. Presidente do Group for Advancement of Psychiatry. Autor de Psychoanalytic therapy
and the gay men (Routledge) e Editor Emérito do Journal of Gay and Lesbian Mental Health.

Luciana Marques
Psicóloga e Psicanalista. Professora e Supervisora Clínica do Curso de Graduação em Psicologia
da Universidade Veiga de Almeida (UVA). Coordenadora do Curso de Graduação em Psicologia da
UVA. Professora do Curso de Pós-Graduação em Teoria Psicanalítica e Prática Clínico-lnstitucional
da UVA. Participante de Formações Clínicas do Campo Lacaniano - Rio de Janeiro. Mestrado em
Psicanálise, Saúde e Sociedade pela UVA. Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Psi­
canálise do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Marco Antonio Coutinho Jorge


Psiquiatra e Psicanalista. Professor do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ). Pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq). Diretor do Corpo Freudiano, Seção Rio de Janeiro, Membro da Associação Brasileira de
Psiquiatria, Membro da Association Insistance (Paris/Bruxelas) e da Sociedade Internacional de
História da Psiquiatria e da Psicanálise. Autor de várias obras, entre as quais Fundamentos da
psicanálise de Freud a Lacan - v.1: as bases conceituais (Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 2000); v.2:
a clínica da fantasia (Rio de Janeiro: Zahar; 2010). Organizou a coletânea Lacan e a formação do
psicanalista (Rio de Janeiro: Contra Capa; 2006). Coautor de Freud - o criador da psicanálise (Rio
de Janeiro: Jorge Zahar; 2000) e de Lacan - o grande freudiano (Rio de Janeiro: Jorge Zahar;
2002). Co-organizou Saber, verdade e gozo - leituras de O seminário, livro 17, de Jacques Lacan
(Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos; 2002); Saber fazer com o real - diálogos entre psicanálise e
arte (Rio de Janeiro: Companhia de Freud; 2009); Dimensões do despertar na psicanálise e na
cultura (Rio de Janeiro: Contra Capa; 2011). Traduziu para o português duas obras de Jacques
Lacan: Os complexos familiares (Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 1987) e Da psicose paranóica em
suas relações com a personalidade (Rio de Janeiro: Forense Universitária; 1987).

Maria Anita Carneiro Ribeiro


Analista membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano. Pós-Doutora em
Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). Doutora em Psico­
logia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Mestre em Psicologia
Clínica pela PUC-RJ. Coordenadora Acadêmica do Curso de Especialização em Psicologia Clínica
da PUC-RJ. Professora titular da Universidade Veiga de Almeida (UVA). Pesquisadora da Associa­
ção Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental. Autora dos livros Um certo tipo
de mulher: mulheres obsessivas e seus rituais (Rios Ambiciosos) e Neuroses obsessiva (Jorge
Zahar). Editora da Revista Marraio de Psicanálise com Crianças (Editora 7 letras)

Maria Helena Martinho


Doutora e Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Psicanálise do Instituto de Psicologia da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Professora dos Cursos de Doutorado, Mestrado
e Especialização em Psicanálise da Universidade Veiga de Almeida (UVA). Coordenadora e Su­
pervisora Clínica do SPA/UVA. Professora e Supervisora Clínica do Curso de Especialização em
Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Psicanalista
membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano - Brasil. Psicanalista membro
do colegiado de Formações Clínicas do Campo Lacaniano.

Nadiá Paulo Ferreira


Professora titular de Literatura Portuguesa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Psicanalista (Corpo Freudiano Escola de Psicanálise: Seção Rio de Janeiro). Coordenadora da
Secretaria Clínica do Corpo Freudiano da Escola de Psicanálise, Seção RJ, e do Curso Especial­
ização em Literatura Portuguesa do Instituto de Letras da UERJ. Pós-doutorado com o projeto
de pesquisa Paradoxos do amor, do gozo e da verdade: Gregório de Matos e Guerra e Nelson
Rodrigues pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 2008. Doutora em Literatura
Portuguesa com a tese A versão portuguesa do drama do sujeito pela UFRJ, em 1983. Vários
artigos publicados em periódicos e coletâneas nacionais e internacionais. Autora de Poesia bar­
roca - antologia do século XVII em língua portuguesa (Rio de Janeiro: Ágora da Ilha; 2000),
Cancioneiro da poesia barroca em língua portuguesa (Rio de Janeiro: EdUERJ; 2006), A teoria
do amor (Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 2003); Amor, ódio e ignorância (Rio de Janeiro: FAPERJ/
ContraCapa; 2005), O amor na literatura e na psicanálise (Rio de Janeiro: Dialogarts; 2008). É
coautora de Lacan, o grande freudiano (Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 2007), Freud, criador da
psicanálise (Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 2005). Professora do Programa de Pós-Graduação em
Letras da UERJ e do Programa de Pós-Graduação em Psicanálise também da UERJ.
Paola Mieli
Psicanalista. Residente em Nova Iorque, onde fundou e preside a Après-Coup Psychoanalytic As­
sociation. Fez sua formação psicanalítica em Paris, onde é Membro do Cercle Freudien. Leciona
no Departamento de Fotografia e Ciências Midiáticas da School of Visual Arts, Nova Iorque, e
na Lacanian School of Berkeley, São Francisco. Autora de Sobre as manipulações irreversíveis
do corpo e outros textos psicanalíticos (Rio de Janeiro: Contra Capa/Corpo Freudiano do Rio de
Janeiro; 2002), coeditou Being human: the technological extensions of the body (Nova Iorque:
Agincourt/Marsilio; 1999), autora de vários artigos publicados em revistas especializadas na
América e na Europa.

Paulo Roberto Ceccarelli


Psicólogo e psicanalista. Doutor em Psicopatologia Fundamental e Psicanálise pela Universi­
dade de Paris VII. Pós-doutor por Paris VII. Membro da Associação Universitária de Pesquisa em
Psicopatologia Fundamental. Sócio do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais. Membro da So-
ciété de Psychanalyse Freudienne, Paris, França. Membro fundador da Rede Internacional de
Psicopatologia Transcultural. Professor adjunto III no Departamento de Psicologia da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG). Professor credenciado a dirigir pesquisas de
pós-graduação, e pesquisador no Laboratório de Psicanálise e Psicopatologia Fundamental da
Universidade Federal do Pará (UFPA). Professor do Mestrado Profissional de Promoção de Saúde
e Prevenção da Violência da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG); Pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq),
processo n°: 3 09 8 8 1 /2 0 1 0 -2 .

Sonia Alberti
Psicanalista. Professora Associada do Instituto de Psicologia Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ). Pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq) e Procientista da UERJ. Doutora em Psicologia pela Universidade de Paris X - Nanterre.
Pós-Doutora pelo Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Psica­
nalista Membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano. Autora de Esse sujeito
adolescente; O adolescente e o Outro; Crepúsculo da alma.

Vera Pollo
Doutora e Mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ).
D.E.A. pela Universidade de Paris VII. Analista Membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do
Campo Lacaniano. Membro da Internacional dos Fóruns e do Colegiado de Formações Clínicas
do Campo Lacaniano. Professora Adjunta do Doutorado e Mestrado em Psicanálise, Saúde e
Sociedade da Universidade Veiga de Almeida (UVA) e da Especialização em Psicologia Clínica da
PUC-RJ. Psicanalista do Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente do Hospital Universitário
Pedro Ernesto da UERJ. Co-organizadora de Comunidade analítica de escola: a opção de Lacan
(Marca d’Água Livraria e Editora; 1999 ), autora de Mulheres histéricas (Contra Capa Livraria;
2003) e de O medo que temos do corpo (7 letras; 2012).

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Com Freud, deixa de existir o privilégio,
dado à anatomia, que opõe a m ulher fe­
m inina e passiva ao homem m asculino e
ativo, passando a operar uma dinâm ica
pulsional, que revela a pluralidade ine­
rente aos componentes da sexualidade
humana, sem nenhuma restrição quanto
à escolha do sexo.

Do mesmo modo, com Lacan, a partir


das fórm ulas quânticas da sexuação, fica
elucidada a distinção entre órgão genital
e significante, que perpetra a queda do
binarism o macho/fêmea para fazer sur­
gir, em seu lugar, diferentes m odalidades
de gozo: o gozo fálico, m asculino, parcial
e lim itado pelo significante, para homens
e mulheres; e o gozo Outro, fem inino, s i­
tuado para além do falo.

Não há patologização possível no âm bito


da sexualidade. Não há repressão sexual
capaz de adaptar ou co rrig ir a desnatu-
ralização do sexo prom ovida pela lin ­
guagem. A relação sexual - enquanto
pré-determ inada entre pulsão e objeto
apropriado ao desejo - não existe!

Na contracorrente da preleção norm a­


tiva - sustentada pela falácia do saber
sexual unificado pelo sistem a de va lo­
res m orais - e para além de qualquer
reivindicação identitária - que exclui a
singularidade do sujeito a P sicanáli­
se sustenta seu discurso no m undo por
m eio da ética do desejo.

Por tudo isso, escolhem os falar de ‘ho­


m ossexualidades’, no plural, ressaltando
a diversidade de escolhas possíveis, no
âm bito inventivo e subversivo da sexua­
lidade humana.
Lacan, abordando sua ética, seus conceitos e denunciando seus desvios e preconceitos,
tendo por base a clínica do sujeito do inconsciente e a diversidade de suas escolhas sexuais.

[...] todas as pessoas, por mais normais que sejam, são capazes de fazer uma escolha de objeto
homossexual, e mesmo já a terão feito em alguma época de suas vidas e ainda a conservam em
seu inconsciente, ou então defendem-se dela por meio de enérgicas contra-atitudes. (Freud)

Não há ato sexual... subentenda-se: que tenha peso para afirmar


no sujeito a certeza de que ele seja de um sexo. (Lacan)

Este livro, organizado por Antonio Quinet e Marco Antonio Coutinho Jorge, com a
colaboração de Luciana Marques, contém textos dos seguintes autores:

Colette Soler
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Maria Anita
' Paola
Carneiro Ribeiro

Gilda Paoliello Betty Fuks

Acyr Maya Claude Léger Gloria Sadala

Elizabeth Rocha
Denise Maurano Vera Pollo
Miranda

Marco Antonio
Antonio Quinet
Coutinho Jorge

Elisabeth
Roudinesco j Luciana Marques

Maria Heiena IMadiá PaüIo , , „


Ferreira Jack Drescher

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