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csrnurunns cumcns nn cumcn:


n HISTERin


EDITORA
PUC•MINAS
Colaboração:
ffiárm Lúc1o U1e1ra da Sllua
uma resposta para elas.
A
bibliografia já existente
sobre histeria poderia Porém, a maneira como
nos isentar do esforço de o sujeito histérico vai
apresentar mais um texto, procurar as respostas é
uma vez que não se trata nem de bastante particular: se de um
uma análise exaustiva de toda a lado ele procura saber, de outro
bibliografia conhecida, nem de ele realmente não quer chegar a
uma obra que apresente grandes saber. E o que a histérica está
novidades teóricas. No entanto, procurando é alguma definição
a importância do quadro, a da feminilidade que vá além do
enorme dimensão de suas falo. Grande parte, senão toda a
conseqüências e a freqüência problemática histérica, vai girar
com que aparece em nossos em tomo da impossibilidade de
consultórios, justificam este uma resposta que não o falo e a
trabalho. Nosso propósito transformação dessa i111possibili­
estará cumprido se a maneira dade estrutural numa
particular com que organizamos insatisfação.
o material permitir entender Deparar-se com a castração
melhor uma certa lógica da própria e a do Outro, com os
estrutura que apresentamos. limites da possibilidade
Já na apresentação da simbólica através da inclusão do
estrutura histérica como tal, real, é o caminho difícil e
organizamos o material em angustiante que o sujeito
função da questão do saber, histérico tem para percorrer
quase como um jogo de numa análise, se o analista que
perguntas e respostas, partindo está conduzindo a cura sabe do
do que consideramos os pontos que se trata. Não sendo assim,
de estrutura que permitem, resta a possibilidade de
facilitam e até talvez justifiquem continuar na insatisfação e na
o surgimento da problemática reivindicação, e que a psicanáli­
histérica. Essas perguntas, ao se e o psicanalista passem a
lado da posição do sujeito engrossar a lista dos impotentes
diante da castração do Outro, que nada conseguiram fazer com
orientarão, na clínica, a o seu sofrimento.
identificação da estrutura
histérica. São perguntas que
dizem respeito a: O que desejar?
A quem desejar? O que é ser
mulher? O que os homens Cíntia Palonsky - psicanalista
desejam nas mulheres? O que as argentina que, junto ao seu
mulheres desejam nos homens? trabalho em Buenos Aires, vem
Muito mais do que uma simples desenvolvendo atividades em
curiosidade, estas perguntas Belo Horizonte, coordenando
básicas vão funcionar como seminários de estruturas
eixo e guia da vida da histérica, clínicas, oficinas de clínica
que vai se dedicar a tentar achar psicanalítica e outros cursos.
T@íbhoteta jf reullíana
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Grão-Chanceler
Dom Serafim Fernandes de Araújo

Reitor
Prof. Pe. Geraldo Magela Teixeira

Pró-reitora de Execução Administrativa


Prof'. Ângela Maria Marques Cupertino

Pr ó-reitor de Extensão
Prof. Bonifácio José Teixeira

Pró-reitor de Graduação
Prof. Djalma Francisco Carvalho

Pr ó-reitora de Pesquisa e de Pós-graduação


Prof•. Léa Guimarães Souki


EDITORA
PUC•MINAS
EDITORA DA PUC•MINAS
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
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30535-6 1 0 • Belo Horizonte • Minas Gerais • Brasil
CÍnTin m. PnLOnSHV

ESTRUTURnS CLinlcns /

nn CL1n1cn=
n HISTERin
T@íbhoteta jf reullíana

Colaboração na orgamzação e redação dos textos


ffiár10 Lúc1o U1e1ra da Silva

Belo Hor1zonte
1991
Copyright © 1 997 by Cintia M. Palonsky
Este livro, ou parte dele, não pode ser reproduzido por qualquer
meio sem autorização escrita do Editor.

Coordenação editorial
Cláudia Teles de M. Teixeira

Projeto gráfico
Assessoria de Publicidade PROEX

Revisão
Virgínia Mata Machado

FICHA CATALOGRÁFICA
Preparada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais

P l8 l e Palonsky, Cintia M.
Estruturas clínicas na clínica: a histeria!
Cintia M. Palonsky; com a colaboração de
Mário Lúcio Vieira da Silva. - Belo Hori­
zonte: PUC•Minas, 1997.

86p.

ISBN 85-86480-01-0

I. Psicanálise. I Silva, Mário Lúcio Vieira


da. 11. Pontifícia Universidade Católica de Mi­
nas Gerais. III. Título.

CDU 159.964.2
ngradectmentos
Aos participantes dos seminários, que me estimulam a
entender o suficiente para poder transmiti-lo.
Aos meus pacientes, que me confiam o
mais prezado que eles têm.
A Mário Lúcio Vieira da Silva, pela vontade e paciência.
A Oscar Vieira da Silva, pela revisão inicial.
A todas e cada uma das pessoas da PUC•Minas que
colaboraram com entusiasmo na realização deste livro.
,

sumnnm

Apresentação ................................................................... 11
A noção de estrutura . .
...................... . ............. . ....... ....... . . . 15
Estruturas clínicas . .
... ........ ..... . ................... ..... ...... . .......... 20
Constituição do sujeito ............................................. ...... . 22
A estrutura neurótica . .......... ............ .. ........... . ........ ...... .... 25
A estrutura histérica . . .
........... . ......... .. ... ........ ........... ......... 28
Condições de estrutura .
.... .. ......................... . ................... 33
o Ausência de um objeto sexual fixo,
previamente determinado .... ....... .............. .................. 34
o Estrutura do desejo como desejo
que está sempre mediatizado pelo
desejo do Outro . .
.. ........... ........................................... 36
o Ausência de complementaridade
entre os sexos ... ............. ............. ... ........... ............ ...... 39
o Particularidades do Édipo na mulher .
.................. ...... 42
Saber e não saber ... ... .................... ....... .......... ... ... ...... ...... 46
Causa e objeto de desejo . . .
..... ......... ............. ............ ...... . 50
A procura de respostas ........ ............ .............. ................. . 53

A outra mulher ...... ... .......... ........................... ...... . . ..... . . .... 59


A posição fálica . .
................... ........... ........................ ...... . 62
Algumas respostas .. ..... ... ... .. . . . .. ..... . ... ............ . ........... ... ... 67
O sintoma histérico . . .
............. . ......... .......... .. ........... . . .. ..... 70
A clínica da histeria ......................................................... 79

Referências bibliográficas ........................................ ...... . 85


N

nPRESEnTncno

O
texto que estamos apresentando não começou
como tal. Os seminários de estruturas clínicas
vêm .sendo desenvolvidos em Belo Horizonte
desde 1991, e aqui estamos tentando uma transcrição, tal­
vez não muito feliz. A passagem da palavra falada para a
escrita não é fácil, e o clima do seminário, com a interven­
ção dos participantes, os exemplos e vinhetas clínicas, é

irreproduzível . Mesmo assim, decidimos reproduzir a es­


trutura do seminário, evitando citações de textos e/ou re-
ferências bibliográficas mais próprias de uma obra escrita. 11
A bibliografia já existente sobre histeria poderia nos
isentar do esforço de apresentar mais um texto, uma vez
que não se trata nem de uma análise exaustiva de toda a
bibliografia conhecida, nem de uma obra que apresente
grandes novidades teóricas. No entanto, a importância do
quadro, a enorme dimensão de suas conseqüências e a fre­
qüência com que aparece em nossos consultórios, j ustifi­
cam este trabalho.
Nosso propósito estará cumprido se a maneira parti­
cular com que temos organizado o material permitir en­
tender melhor uma certa lógica da estrutura que estamos
apresentando. Vamos insistir, no texto, sobre a questão de
Cmba m. Palonsky

pensar em termos de estrutura. Não se trata de uma forma­


lidade. Se ficarmos apenas na fenomenologia, nada nos
autoriza a dizer que uma militante feminista, uma dona de
casa e mãe de família, uma prostituta, um executivo, uma
freira, uma adolescente anoréxica, uma homossexual, uma
modelo ou atriz, enfim, pessoas com vidas aparentemente
tão diferentes e com problemas e conflitos tão diversos,
têm alguma coisa em comum .
Por sinal, temos a sensação d e q u e existe uma certa
imagem estereotipada que representa cada quadro. No caso
da histeria, essa imagem é a de uma pessoa extremamente
sedutora e sensual, assim como a imagem de um obsessi­
vo é a de uma pessoa muito preocupada com a higiene e a
12 formalidade. Na verdade, estes são apenas "modelitos", e
se pensarmos em função disso na hora de fazer um diag­
nóstico, podemos cometer grandes enganos.
Uma outra questão que merece atenção especial re­
fere-se à relação entre histeria e feminilidade. Teoricamen­
te, fala-se da histeria como sendo i ndependente do sexo
do sujeito. No entanto, com freqüência os textos falam em
termos de "a histérica"; quando aparece a referência à his­
teria no homem, vem desta maneira: "a histeria no ho­
mem", ou "a histeria masculina". É evidente que se fosse
indiferente o sexo do sujeito não seria necessário fazer es­
sas distinções. Pensamos que a posição da mulher em re­
l ação ao falo facilita o surgimento da questão histérica,
estruturas Clímcas na Clímca: R Htsterta

como de fato vamos apresentá-Ia. Na prática clínica, en­


contramos a histeria basicamente em pacientes do sexo
feminino, se bem que em alguns casos podemos conside­
rar que se trata de homens histéricos. Por outro lado, a
descrição da problemática histérica inevitavelmente aca­
ba parecendo uma caricatura exagerada da conduta femi­
nina, ao melhor estilo de "Mulheres à beira de um ataque
de nervos".
Na organização do material, começamos por descre­
ver noções gerais, como o conceito de estrutura e o pro­
cesso de constituição do sujeito, já que este é o começo do
curso de estruturas clínicas, e procuramos localizar e defi­
nir uma estrutura clínica como tal, de modo a diferenciá-
Ia da descrição sintomática. Assim , preferimos não consi- 13
derar como óbvio aquilo que pode não sê-lo.
A partir desse ponto, e já na apresentação da estrutu­
ra histérica como tal, organizamos o material em função
da questão do saber, quase como um jogo de perguntas e
respostas, partindo do que consideramos os pontos de es­
trutura que permitem, facilitam e até talvez justificam o
surgimento da problemática histérica. O desenvolvimento
é feito num movimento de espiral, que em cada volta de
uma aparente repetição vai acrescentar mais um elemento.
Por último, dedicamos uma atenção especial àquilo
que encontramos na clínica, já que, apesar de comumente
a histeria ser considerada o quadro mais "fácil" para o tra-
Cmba ffi. Palonsky

balho psicanalítico, na prática esse trabalho não é tão fá­


cil. Por outro l ado, achamos importante fazer certas con­
siderações referentes ao diagnóstico diferencial, uma vez
que muitas vezes a apresentação "enlouquecida" da histe­
ria pode levar a pensar numa psicose, assim como as coi­
sas que o sujeito é capaz de fazer em sua busca de saber
aparecem à m aneira de uma perversão. Mais de uma vez
temos visto pessoas histéricas diagnosticadas como de­
pressivas e até melancólicas, pela facilidade com que po­
dem fazer rupturas narcísicas que atingem a auto-estima.
.N

n nocno DE ESTRUTURn

Q
uando falamos em estrutura, estamos fazendo re­
ferência a um conj unto de elementos que man­
têm uma certa relação entre si, sendo que essa
r ç , sua articulação e sua posição relativa são mais
i mportantes do que os elementos em si. Esse conceito de
estrutura vale para qualquer tipo de estrutura, não sendo
exclusivo da psicanálise. Uma maneira simples de repre­
sentar uma estrutura seria:
a c 15
b d

Trata-se de uma relação entre relações em que as po­


sições estão marcadas, ou seja, os elementos da expressão
mantêm uma certa relação entre si, uma relação lógica.
Isto quer dizer que cada um dos elementos da expressão
tem uma i mportância pelo lugar que ocupa em relação
aos outros elementos, não em si mesmo. O fato de a ex­
pressão ser composta por letras indica que os números que
eventualmente poderão estar nos lugares das letras não têm
importância em si: é a posição que cada número ocupa em
relação aos outros que determinará o seu valor. Isso não
significa, porém, que se possa colocar qualquer número
Cmtla m. Palonsky

em qualquer lugar, uma vez que toda estrutura possui as


suas regras. Por exemplo, podemos substituir as letras a, b
e c da expressão por quaisquer números; suponhamos:

2 3
4 d

O número que virá no lugar da letra d, porém, já não


pode ser u m número qualquer, arbitrário; a estrutura de­
termina que apenas um número pode estar nesse lugar, ou
seJa:
2 3
4 6

16 Desde que se respeitem as regras, é indiferente o ele­


mento concreto que constitui a equação.
Vamos apresentar agora uma equação mais comple­
xa, por exemplo:

2x
+
J9 �x2 +6x+9

---=== -- = ------
x -3 x2 -4x+3

Aparentemente, trata-se de fenômenos absolutamente


diferentes, e no sentido da particularidade, é claro, são
diferentes. Mas em termos de estrutura, são equivalentes.
Se pensarmos na "equação" de cada sujeito, podemos apli­
car o mesmo raciocínio.
O mesmo acontece em termos da estrutura da lín-
Estruturas Clímcas na Clímca, n Histeria

gua: não podemos juntar as palavras de uma forma aleató­


ria; tal como numa equação, existem regras que precisam
ser respeitadas. Assim, falando ou escrevendo, é necessá­
rio fazer concordar o predicado com o sujeito, fazer a con­
cordância em gênero, número etc. Também nesse caso não
interessa o elemento que está sendo colocado na estrutu­
ra, desde que a relação seja mantida.
Essas considerações acerca da noção de estrutura,
que à primeira vista podem parecer alheias ao sujeito, âi­
zem respeito a ele em vários sentidos. O sujeito também
faz parte de estruturas, de tal modo que se não fosse em
relação a uma estrutura não existiria o sujeito, e o valor da
palavra de uma pessoa depende do lugar que essa pessoa
ocupa numa estrutura. Assim, a palavra pronunciada pela 11
mãe é i mportante porque provém de um lugar: o lugar da
mãe. Da mesma maneira, o valor que tem a palavra do
analista é dado pelo lugar do analista e não pela pessoa do
analista. De fato, o ser humano faz parte de uma estrutura
ainda antes de nascer, uma vez que ninguém chega num
vazio. Em relação aos pais, à família, à cultura, já existe
um certo lugar reservado para a criança que ainda não nas-
ceu, ela já tem o seu lugar marcado. Isso significa que a
vida de u m indivíduo tem suas determinações fora dele,
determinações anteriores e exteriores a ele. A essa estru-
tura na qual todo ser humano se insere, a essa estrutura ex-
tema ao sujeito e que o determina, chamamos, em psica-
nálise, de Outro (A). Quando falamos em Outro, não es-
Cmba m. Palonsky

tamos nos referindo a uma pessoa, mas a uma estrutura.


Pode ser que este Outro esteja, em determinado momento,
encarnado numa pessoa; mas o Outro é um lugar de estrutu­
ra e, como tal, interessa enquanto posição. Esse lugar pode
ser ocupado pela psicanálise, deus, religião, enfim por qual­
quer coisa. O sujeito, por definição, está determinado des­
de fora dele, e o Outro deve ser pensado como uma referên­
cia, como o que marca os parâmetros da vida desse sujei­
to, o que ele é.
Um aspecto fundamental à noção de estrutura é o fa­
to de que não existe nenhuma estrutura perfeita, comple­
ta, sem falhas. Por definição, toda estrutura tem uma fa­
lha, uma falha que lhe é i nerente, não sendo, portanto, de-
vida a alguma contingência. A essa falta/falha da estrutu­
18
ra, em psicanálise, chamamos castração. Aqui, castração
está referida a uma questão simbólica, não tendo a ver com
a presença ou ausência de pênis, o que seria apenas uma
maneira de imaginarizá-la.
Pelo que estamos apresentando, trata-se de uma ques­
tão de definição da estrutura, e não da conseqüência de
qualquer acontecimento contingente da história de um su­
jeito. Porém, aparece a noção de que algo falta ou falha
porque existe a suposição de completude. É importante
frisar que se trata de uma suposição, no sentido de que é
porque se "imagina" a possibilidade de uma estrutura per­
feita, completa, à qual se atribui uma falha. No entanto,
i ntrinsecamente, não lhe falta nada: ela é como é. Dada
Estruturas Clímcas na Clímca: n H1ster1a

porém a suposição da completude e da falta que lhe é cor­


relativa, chamamos de falo àquilo que completaria a es­
trutura, àquilo que supostamente falta. O Outro, enquanto
estrutura, i mplica também uma castração, e a maneira como
o sujeito se posiciona frente à castração do Outro e à sua
própria resulta na definição ou no estabelecimento do que
denominamos estrutura clínica.

19
;

ESTRUTunns cumcns

O
que o conceito de estrutura clínica como tal está
definindo é uma posição do sujeito, basicamen­
te em relação à castração do Outro e à própria
castração. Portanto, quando falamos em uma estrutura clí­
nica, não estamos nos referindo a um certo tipo de sinto­
mas, mas a uma posição do sujeito. É bem verdade que
podemos falar de sintomas hi stéricos ou obsessivos, mas é
importante assinalar que não é possível caracterizar uma
estrutura a partir dos sintomas, os quais podem aparecer
em qualquer estrutura. Fazer um d iagnóstico estrutural é
20
um processo que consiste em determinar a posição do su­
jeito frente à castração, não partindo, portanto, dos sinto­
mas. Ao lado dessa posição do sujeito diante da castração,
cada estrutura se organiza em torno de uma pergunta fun­
damental. A pergunta fundamental da hi steria vai se dar
em relação ao sexo, enquanto na neurose obsessiva vai ser
em relação à vida e à morte. Isso não significa que tais
questões não alcancem todos os seres humanos, mas cada
uma das estruturas neuróticas vai se organizar em função
de uma dessas questões básicas.
Teoricamente, cada sujeito teria uma estrutura clíni­
ca definida, possível de ser identificada. Temos, como es­
truturas reconhecidas, a neurose, a perversão e a psicose
estruturas Clímcas na Clímca, n Htsterta

e, dentro das neuroses, são reconhecidas a histeria e a neu­


rose obsessiva. Um terceiro quadro neurótico, afobia, não
tem a mesma condição das outras duas, nem todos os au­
tores a reconhecem como uma estrutura.
É i mportante lembrar que as estruturas clínicas vão
aparecer nitidamente delineadas nos livros e nos cursos,
enquanto a realidade clínica freqüentemente mostra uma
outra situação. Os quadros com os quais nos deparamos
no consultório nem sempre são nítidos, muito embora pos­
sam, às vezes, apresentar claramente um tipo de problemá­
tica. Do ponto de vista teórico, supostamente é sempre
possível identificar uma estrutura para o sujeito, o qual não
pode estar em duas posições ao mesmo tempo; na clíni­
ca, por outro lado, às vezes pode-se duvidar durante mui­
21
to tempo acerca da estrutura de um determinado sujeito.
Teoricamente, a determinação da estrutura é questão de
tempo, sendo que a estrutura clínica de determinado sujei­
to deve ir ficando clara através do trabalho analítico, à me­
dida que vai se afastando do sintoma em si e i dentificando
mais nitidamente o quadro, com a colocação de algumas
suposições que vão sendo confirmadas ou não ao longo
das entrevistas.
Fazer o diagnóstico estrutural não é condição para
iniciar uma análise; tenta-se, porém, aproximar-se dele pelo
menos em termos das três grandes estruturas, o que tam­
bém às vezes não é fáci I. O diagnóstico, por outro lado, dá
ao analista certas indicações de como trabalhar em dire­
ção à cura.
N

COnSTITUICnO DO SUJEITO

F
alamos em constituição do suj eito ou estruturação
do sujeito porque partimos do princípio de que o
sujeito é algo que vai se constituir, não é algo que
já está aí. Antes de ser sujeito, o ser humano é objeto, ob­
jeto do des.ejo de u m Outro. O sujeito tem uma série de
determinações que são anteriores ao seu próprio nascimen­
to, já que ele chega numa estrutura que o antecede. Ele é
sujeito ainda antes de nascer, no sentido de que j á é falado
por outros, de fazer parte de uma estrutura simbólica, mas
22 é em relação a uma estrutura simbólica que ele vai se cons­
tituir realmente como sujeito. Se não fosse em relação a
uma estrutura, não existiria o sujeito como tal.
Quando o ser humano nasce, ele vai ocupar, por es­
trutura, o lugar de falo da m ãe; ou seja, em um primeiro
momento, ele vai ser o falo da mãe. Isso quer dizer que,
nesse momento, a mãe vai estar completa com ele, que ele
é tudo o que a mãe deseja. Existe assim a i lusão de uma
completude possível. Dado que essa situação está caracte­
rizada pela completude, pela ausência de uma falta qual­
quer, a dimensão do desejo está aí abolida, de tal modo
que não existe para o filho a possibilidade de desejar qual­
quer coisa. É a aparição d a dimensão do desejo da mãe
�struturas Clímcas na Clímca: n Histeria

como tal que vai permitir, por sua vez, o aparecimento do


desejo no fi lho.
Para que isso ocorra, é necessário que exista na mãe
um desejo que não possa ser satisfeito pelo filho. Aparece
então qualquer sinal de que aquela completude era ilusó­
ria; o olhar da mãe se dirige para um além do filho, evi­
denciando que a mãe sente falta de algo, o que quer dizer
que ela não é completa. Nesse momento vai aparecer a
pergunta acerca do desejo da mãe, pergunta que nunca vai
ser respondida, mas que também nunca vai ser abandona­
da totalmente.
A partir da constatação de uma falta na mãe que a
criança não pode satisfazer e da questão relacionada ao
que a mãe deseja, a criança perde autom aticamente o lu- 23
gar de ser o falo e, uma vez tendo saído desse lugar, a ele
não volta mais; correlativamente, quem dele não saiu não
vai mais sair. A primeira alternativa- ter saído do lugar de
falo - i mplica o afastamento da possibilidade de vir a ser
um psicótico. No segundo caso, esse filho pode se tornar
um psicótico, dado que a estrutura da psicose vai ter a ver
com uma falha no corte da unidade mãe/filho, o que vai
dar como conseqüência uma falha na estrutura do desejo.
É aqui que aparece a i mportância da função paterna,
já que é o pai quem vai entrar na cena, i mpedindo que mãe
e filho fiquem fundidos, que a mãe engula o filho. Quando
falamos em pai, não estamos fazendo referência à paterni-
Cmba ffi. Palonsky

dade biológica; trata-se de uma função, uma função sim­


bólica, e poderíamos dizer que quem a exercer será o pai
desse filho. Quer dizer que é com um não, com uma proi­
bição, que vai se abrir a possibilidade de existir um desejo
e que vai se constituir o sujeito como tal. Para que esse
não tenha valor, é necessário que a mãe o respeite, ou seja,
a posição da mãe em relação ao pai é que vai determinar o
lugar do pai . Novamente aqui vamos esclarecer que não
estamos nos referindo às pessoas concretas da mãe e do
pai biológico, nem a atitudes manifestas de cada um deles.
Aberta a pergunta acerca do desejo da mãe, o que
vai aparecer como resposta é o que se chama Nome-do­
Pai, que tem a ver com a dimensão simbólica que estamos
2q analisando. O Nome-do-Pai entra num lugar terceiro, como
referência, e seria aquilo que estaria dirigindo o desejo da
mãe. Ou seja, que vai ter um lugar fundamental na estru­
tura, porque vai organizar todo o universo simbólico.
É nesse ponto que podemos falar, com rigor, da cons­
tituição do sujeito como tal e da constituição do i nconsci­
ente. Até aqui não existe, pelo menos do ponto de vista
teórico, diferença entre os sexos. É a partir da perda do lu­
gar de ser o falo que a questão de ter ou não ter vai ser
importante, j á que supostamente o falo é o que a mãe de­
seja. Assim, a chamada partição dos sexos vai se definir
em função de ter ou não ter o falo, e esse processo vai se
completar na hora da constatação da diferença sexual.
"

n ESTRUTURn nEUROTICn

V
i mos anteriormente que um ponto fundamental
na constituição do sujeito refere-se à castração
do Outro, entendida no sentido de que não exis­
te estrutura sem falha. O recalque dessa condição é o que
define a neurose. Como elemento de estrutura, o recalque
relaciona-se, portanto, com a castração do Outro e com a
própria castração e aparece sempre como falta de u m
s ignificante. Porém, dissemos que podemos falar d e cas­
tração em dois sentidos: a castração do Outro e a do pró-
prio sujeito. Quando falamos em castração do Outro- con- 25
ceito muito i mportante para a compreensão das demais
estruturas - foi dito que toda estrutura apresenta uma fa-
lha, ou seja, toda estrutura é "castrada", não existe nenhu-
ma estrutura que sej a perfeita. Vale a pena insistir nesse
ponto, porque tal fato não constitui apenas um problema
teórico, mas um problema para o sujeito. Isto significa que
não existe na vida de um ser humano absolutamente nada
garantido; a única coisa certa é a morte, certa no sentido
de que inevitavelmente vai ·acontecer, mas não sabemos
quando, como nem onde.
Quando falamos em falta de garantia e em morte, esta­
mos nos referindo não apenas às do sujeito, mas também
Cmba m. Palonsky

às dos seres próximos a ele. Não existe nenhuma previsão


que se possa fazer do que vai acontecer na nossa vida, seja
em um sentido mais concreto, seja em relação a qualquer
circunstância da vida. Valores como lógica, justiça, ordem
não passam de ideais que o sujeito constrói e sustenta para
conseguir levar a vida de uma m aneira mais ou menos "na­
tural". Se tivéssemos todo o tempo a consciência absoluta
da imprevisibilidade, estaríamos permanentemente em u m
estado d e angústia tal que a vida não seria possível.
O conceito de angústia é aqui incorporado por ser
fundamental, enquanto afeto que o sujeito vive quando se
vê confrontado com a castração do Outro. Dado que seria
impossível viver com a presença constante da angústia, o
26 ser humano inventa ilusões, cria sistemas mais ou menos
organizados para sentir que a vida é previsível, que existe
justiça, ordem, para sentir que a vida faz sentido. Para que
possa fazer isso e sustentar a possibilidade de um Outro
não castrado, o movimento do neurótico é colocar a cas­
tração do seu próprio lado. Isso quer dizer que a existên­
cia de qualquer falha passa a ser devida ao fato de que ele
não sabe, não pode, não consegue ou não merece, e não
porque a falha existe por estrutura.
O que seria então do plano da i mpossibilidade (e im­
possibilidade sempre quer dizer castração do Outro, situa­
ção de uma falha estrutural, onde o que é i mpossível as­
sim o é por estrutura e não pela vontade de alguém) o su-
Estruturas Clímcas na Clímca, n H1ster1a

jeito neurótico transforma em impotência. Isso significa


que quem não pode é ele, o neurótico, mas que a questão,
em si, é possível. Exemplo disso é o fato de a menina cul­
par a mãe por não ter pênis; ao culpá-la, a presença do pê­
nis em uma m ulher aparece como uma possibilidade dita­
da pela vontade de alguém, e não como algo i mpossível .
Esse oferecimento que o sujeito faz da própria castração
para sustentar o Outro como não-castrado é o que define a
neurose.

21

n ESTRUTURn HISTERICn

A
histeria é um quadro de existência muito antiga,
um nome que já vinha sendo usado muito antes
de Freud. Constituindo sempre u m objeto de in­
teresse, a h isteria ganhou um grande número de explica­
ções acerca da sua etiologia e, dependendo da natureza da
explicação, tornava-se alvo de práticas religiosas, judiciá­
rias e médicas, entre outras.
Na história da histeria, Charcot introduziu contribui-
28 ções muito significativas, demonstrando que os sintomas
h istéricos, predominantemente localizados no corpo, po­
dem ser induzidos ou suprimidos através da hipnose e que,
portanto, a histeria estaria muito m ais relacionada ao de­
sejo do médico do que a uma questão neurológica,
Freud, que estagiou com Charcot, absorveu essa li­
ção e também o fato de que a h isteria tem as suas próprias
leis, não necessariamente as leis da medicina. Abordando
a questão da lesão nas paralisias histéricas, Freud (1893)
diz que ela deve ser completamente independente da ana­
tomia do sistema nervoso, pois, nas suas paralisias e em
outras manifestações, a histeria comporta-se como se a
anatomia não existisse, ou como se não tomasse conheci-
Estruturas Clímcas na Clímca, n H1ster1a

menta dela. 1 Assim, o corpo que as h istéricas apresenta­


vam era um corpo marcadamente diferente daquele que
era objeto da atenção da medicina.
Na verdade, o interesse de Freud pela histeria já es­
tava presente antes mesmo de estagiar com Charcot, pos­
sivelmente a partir do relato que Breuer lhe fez acerca do
caso conhecido como "Anna 0.". Esse interesse fez com
que Freud dedicasse sua atenção àquelas pacientes que,
apresentando uma sintomatologia toda particular, desafia­
vam o conhecimento médico e, de certa forma, "exigiam"
do médico uma escuta também particular. A fala dessas
pacientes passa então ao primeiro plano, e da sua escuta
rigorosa, podemos dizer, nasce a psicanálise. Assim, Freud
esclarece a etiologia da h isteria ao mesmo tempo em que 29
lança os principais conceitos da psicanálise, entre eles o
de recalque, inconsciente, fantasia, transferência etc.
A h isteria é um dos poucos quadros, senão o único,
em relação ao qual não existem muitas discussões teóricas
acerca da sua qualificação como neurose. Não obstante,
suas manifestações são tão variadas que certos quadros
são chamados "psicose histérica" e, de fato, a h isteria às
vezes pode se apresentar de maneira tal que sugere uma
psicose.
Com relação à variedade das manifestações da h iste-

I FREUD, 1977. p. 234.


Cmba m. Palonsky

ria, à diversidade de sintomas que apresenta, podemos di­


zer que os quadros atuais são nitidamente diferentes da­
queles descritos por Freud. Naquela época, Freud descre­
via suas pacientes como apresentando graves paralisias,
sérias perturbações, incluindo a chamada "grande conver­
são". Pacientes desse tipo não são a maioria dos que fre­
qüentam atualmente os consultórios dos analistas, ou seja,
a "aparência" dos sintomas, hoje em dia, é diferente da
época de Freud. Essa modificação na forma que o sintoma
assume, fazendo com que determinado "tipo" seja mais
prevalente em determinada época, aponta para a i mpor­
tância das identificações no estabelecimento do sintoma.
Sabemos que os ideais de uma sociedade não são fixos, de
30 modo que aquilo que ontem era considerado como o má­
ximo numa escala de valores, hoje pode estar numa posi­
ção bem inferior. Para ficarmos apenas em um campo, te­
mos, por exemplo, a constante variação do que seria o ide­
al da beleza feminina. Conforme veremos posteriormen­
te, as identificações vão estar sendo determinadas pelos
ideais e, portanto, a maneira como os sintomas se apre­
sentam sofre necessariamente uma modificação em fun­
ção da modificação dos i deais. De fato, quadros como ano­
rexia e bulimia, tão freqüentes na atualidade, poderiam
ser o equivalente das grandes crises de cem anos atrás.
Essa, digamos, "mutabilidade" na forma como os sin­
tomas se apresentam é um dos indicadores de que a defi-
Estruturas Clímcas na Clímca: n H1ster1a

nição de uma estrutura clínica não pode ser feita com re­
ferência a u m certo tipo de sintoma. Muito embora possa­
mos falar de "sintomas histéricos", é i mportante reafirmar
que os sintomas, em si, não caracterizam uma estrutura,
mesmo porque um dado sintoma pode aparecer em qual­
quer estrutura. O reconhecimento de uma estrutura clínica
requer um outro referencial. O conceito central em torno
do qual vai girar a possibil idade de u m diagnóstico dife­
rencial em termos de estrutura clínica é o conceito de cas­
tração. A partir da noção de constituição do sujeito, te­
mos que nesse processo vai estar envolvido o reconheci­
mento por parte da criança da castração: a de si própria e a
do Outro, i nicial mente encarnado na figura da mãe. Sabe-
mos que a neurose vai se estruturar em função da posição 31
que o sujeito vai tomar em relação à castração, posição es-
ta caracterizada pelo recalque da castração do Outro, bus-
cando m anter um Outro não-castrado. O movimento rea-
l izado pelo sujeito de modo a conseguir manter a ilusão
acerca da existência de um Outro completo consiste em
trazer para si a castração, e é nesse sentido q u e Lacan diz
que o neurótico oferece a própria castração para sustentar
u m Outro não-castrado. Como conseqüência, aquilo que é
impossível por estrutura, o neurótico "transforma" em im­
potência de si próprio. Assim, a falha existente e inerente
a qualquer estrutura passa a ser devida a uma falha do su-
jeito.
Cmba m. Palonsky

Esse movimento do sujeito de manter o Outro como


não-castrado deve-se a uma i mportante condição: por defi­
nição, temos que o Outro refere-se a uma estrutura incom­
pleta, portanto castrada, e que defrontar-se com a castra­
ção do Outro produz angústia; podemos também dizer que
o sujeito tudo fará para não se defrontar com isso, tudo fa­
rá para não se angustiar. A saída por excelência desenvol­
vida pelo neurótico nesse sentido é, como foi dito, trazer a
castração para si, mantendo o Outro completo e, portanto,
livrando-se da angústia. Mantendo dessa maneira a supo­
sição de uma estrutura perfeita, aquilo que seria da ordem
de uma impossibilidade estrutural (e, portanto, produtor
de angústia), é transformado em impotência e insatisfa-
32 ção. Como veremos, a h istérica vai se apresentar sempre
como insatisfeita.
Temos, pois, que o sujeito, em relação à neurose, foi
confrontado com a castração do Outro e que, portanto, ele
"sabe" dessa castração. Entretanto, pelo recalque, esse "sa­
ber" é afastado do plano consciente, e o sujeito, mesmo
sabendo, faz como se disso não soubesse. Podemos dizer
que a neurose está estruturada em torno desse "saber" in­
consciente, a partir da ação do recalque.
Esse é o fundamento da neurose, presente, tanto na
histeria quanto na neurose obsessiva. Entretanto, podemos
dizer que o recalque da castração do Outro é o mecanismo
por excelência da histeria.
,.,

COnDICOES DE ESTRUTURn

P
odemos ainda avançar em relação àquilo que vai
conferir especificidade à histeria, considerando
que sua montagem vai se realizar em torno de al­
gumas condições de estrutura, principalmente as quatro
seguintes:

• ausência de objeto sexual fixo, previamente marcado;


• estrutura do desejo como desejo que está sempre
mediatizado pelo desejo do Outro;
• ausência de complementaridade entre os sexos;
33
• características particulares do Édipo na mulher.

Essas condições vão produzir o aparecimento de cer­


tas perguntas ou questões fundamentais que, assumindo
as mais diferentes formas, estarão presentes durante toda
a vida. Podemos dizer que se trata de questões que vão
funcionar como eixo e guia da histérica, e toda a sua vida
vai estar dedicada a tentar achar uma resposta a essas per­
guntas, colocando-a numa posição de supostamente estar
sempre "querendo saber". Posteriormente, veremos por que
aqui foi colocado o termo supostamente.
Consideraremos, a seguir, cada uma dessas condi­
ções e as perguntas a elas relacionadas.
Cmlia m. Palonsky

Ausência de um objeto sexual fixo, previamente

determinado

Até que Freud produzisse, em 1905, o seu trabalho


"Três ensaios sobre a teoria da sexualidade", existia, entre
outras, a crença de que a sexualidade adulta estaria deter­
minada pelo encontro de um objeto heterossexual para que
se pudesse realizar a sua finalidade, o ato sexual, o coito.
Dada essa concepção, a sexualidade humana seria algo da
natureza do instinto, existindo já previamente marcado
através de que objeto poderia se dar a satisfação sexual.
É sobretudo a partir do segundo dos três ensaios -
"As aberrações sexuais" - que Freud vai provocar uma
profunda revisão nessa concepção. Fazendo uma análise
Jq detalhada do que seriam os chamados "desvios sexuais",
Freud mostra que quando tratamos de sexualidade huma­
na, a noção de instinto é inadequada; surge o conceito de
pulsão, conceito diferente de instinto e que tem como uma
das características fundamentais o fato de não possuir um
objeto determinado, natural.
Nas palavras de Freud (1905), parece provável que
a pu/são sexual seja, em primeiro lugar, independente de
seu objeto; nem é provável que sua origem seja determi­
nada pelos atrativos de seu objeto.2
Essa independência em relação ao objeto implica que,

2 FREUD, 1977. p. 149.


Estruturas Clímcas na Clímca, n H1ster1a

para o ser humano, não existe nada que indique, de ante­


mão, qual é o objeto da satisfação sexual, nada que i ndi­
que o que desejar. Ou seja, não existe nenhuma indicação
se o objeto ao qual se vai dirigir deve ser uma pessoa do
sexo oposto, conforme era suposto antes de Freud. O ob­
jeto vai se constituir como resultado de um processo, e é
sempre apresentado por um Outro. Além disso, os objetos
com os quais o sujeito "aprende" o que se relaciona com o
amor, o desejo e o sexo vão ser os objetos proibidos na ho­
ra da escolha. A própria estrutura do desejo faz com que
nunca exista um objeto totalmente satisfatório, havendo
sempre uma distância entre o objeto desejado e aquele en­
contrado. Isto não é um acidente particular da vida de uma
pessoa, nem depende da sua maneira de buscar ou esco- ]5
lher o objeto. É claro que a história e as particularidades
de cada um são importantes, mas a impossibilidade de en­
contrar "O Objeto" do desejo não depende disso. Por si-
nal, se um sujeito tem um encontro com esse tal objeto, o
resultado não é uma imensa satisfação, mas uma intensa
angústia, como veremos à frente.
Esta condição de estrutura - a indeterminação pré­
via do objeto sexual, um não-saber acerca desse objeto- é
uma das condições que possibilitam a estruturação da his­
teria. E, dado que não se sabe previamente acerca do obje­
to, abre-se então uma das perguntas fundamentais ao qua­
dro da histeria, mais precisamente uma pergunta sobre o
que desejar.
Cmba m. Palonsky

Estrutura do desejo como desejo que está sempre

mediatizado pelo desejo do Outro


A consideração desse ponto implica que retomemos
brevemente o processo envolvido na constituição do su­
jeito. Vimos que quando uma criança nasce, ela vai ocu­
par, por estrutura, o lugar de falo da mãe, ou seja, essa cri­
ança vai, inicialmente, ser o falo da mãe, aquilo que torna
essa mãe completa. Estamos aqui falando de um momen­
to particular em que existe uma fusão mãe/criança, um
momento em que a criança identifica-se com o que supõe
ser o objeto de desejo da mãe. Nessa condição de suposta
completude, a dimensão do desejo está abolida, não exis­
tindo a possibilidade de a criança desejar qualquer coisa:
36 ela é tudo o que a mãe deseja.
A unidade mãe/criança vai ser abalada se e quando
surgir na mãe a possibilidade de um desejo que não possa
ser satisfeito pelo filho; e, neste momento, entra em cena
o pai como aquele para o qual se dirige o desejo da mãe. A
percepção do desejo na mãe coloca para o filho a questão
de que ele não a preenche, que a mãe não fica completa
com ele, que ele não é tudo que a mãe precisa, quer. É nes­
sa circunstância que, supostamente, vai entrar a figura do
pai. Como já foi apontado, não se trata exatamente do pai
biológico, mas de uma função que indica que o desejo da
mãe está referido a uma outra ordem, que não está cir­
cunscrito no espaço mãe/filho. É nesse sentido que dize-
Estruturas Clímcas na Clímca: n H1ster1a

mos que o desejo da mãe está submetido a uma lei tercei­


ra. Devemos lembrar que o que estamos analisando é a es­
trutura do desejo, o estabelecimento ou não da dimensão
do desejo, dado que desejo não é algo que exista por es­
trutura, não é um ponto de saída, pode ou não surgir. E o
surgimento, a estruturação do desejo dependem de uma
série de elementos. Estamos tratando do desejo como tal,
sempre em referência ao Outro.
Conseqüência desse momento é o estabelecimento
de uma pergunta acerca do desejo da mãe, sobre o que ela,
afinal, deseja. A entrada do pai faz com que a resposta a
essa pergunta aponte para o pai como, inicialmente, sendo
o objeto de desejo da mãe e, posteriormente, como tendo
tal objeto. Portanto, a resposta sobre o desejo da mãe co- 31
loca�o em relação ao desejo de um Outro e, insensivel-
mente, a criança se dá conta da relação do desejo da mãe
com o do pai. Tal "pressentimento", de fato, revela aquilo
que constitui a essência da estruturação do desejo: que o
desejo de cada um está submetido à lei do desejo do Outro.
Também neste ponto podemos falar da importância
desempenhada pela percepção da diferença sexual e a su­
posição de que tal diferença é estabelecida em função de
uma falta. Assim, a partir do ponto em que uma pergunta é
levantada acerca do desejo da mãe, podemos considerar a
resposta que aparece em dois níveis: num primeiro mo­
mento, a resposta aponta para o falo como aquilo que a
Cmba m. Palonsky

mãe deseja, portanto aquilo que lhe falta; o falo como ob­
jeto concreto, como alguma coisa que alguém concreta­
mente possui e que, portanto, alguém pode vir a possuir.
Num segundo momento, porém, a criança vai perceber que
aquilo que a mãe deseja não é o falo, objeto concreto que
o pai possui; aquilo que ela deseja é o desejo do pai, o que
vai ser correlativo à percepção de que o que o pai deseja é
o desejo da mãe. Ou seja, neste ponto, teríamos o estabe­
lecimento do desejo como desejo de desejo, como desejo
que nunca pode ser realizado, uma vez que está estruturado
em função de uma falta.
Constituir-se enquanto sujeito implica, pois, abrir pa­
ra a criança a dimensão do desejo, ao mesmo tempo em
que a resposta sobre o que desejar encontra-se mediatizada
JB
pelo desejo de um terceiro, de um Outro. Portanto, para
que um objeto possa ser tomado como objeto de desejo, é
essencial a referência de um Outro. Essa situação pode ser
articulada ao tópico visto anteriormente, sobre a ausência
de um objeto sexual fixo, previamente determinado; dada
a ausência de indicações prévias sobre o objeto, é o desejo
do Outro que vai apontar para o objeto e marcá-lo como
objeto de desejo. Temos, assim, que um objeto qualquer se­
rá desejado se for um objeto desejado por um terceiro. Como
diz Masotta, o acesso ao objeto do desejo é outorgado por
um terceiro. O objeto é o objeto do desejo do terceiro.3

3 MASOTTA, 1987. p. 92.


Estruturas Clímcas na Clímca: n H1ster1a

Temos assim estabelecida uma condição de estrutu­


ra que resulta numa indagação daquilo que é desejado pelo
Outro, condição necessária para que o sujeito possa ter
uma referência acerca do seu próprio desejo.

Ausência de complementaridade entre os sexos

Para tratar desse ponto, estaremos novamente nos


embasando no processo de constituição do sujeito. Reto­
mando parte desse processo, temos que a situação na qual
a criança ocupa o lugar de falo da mãe é rompida com a
constatação de que a mãe tem o seu desejo voltado para
outro lugar e que, supostamente, o que ela deseja é o falo.
Já que a criança foi afastada do lugar de ser o falo da mãe,
e dado que é o falo aquilo que a mãe deseja, a questão de 39
ter ou não ter o falo ganha dimensão. Nesse processo, que
deverá resultar na partição dos sexos, o reconhecimento
da distinção anatômica entre os sexos desempenha um
papel importante.
Para analisar esse papel, vamos recorrer a uma cren­
ça infantil, apontada por Freud, segundo a qual todos os
seres hu manos seriam dotados de pênis, desconsiderando,
portanto, a possibilidade de que alguém não tenha pênis.
Essa crença sofre um abalo com a constatação da diferen­
ça entre os sexos, ou seja, é i nstaurada para a criança a
possibilidade da existênci a de seres sem pênis. Freud
(1924) diz: Mais cedo ou mais tarde a criança, que tanto
Cmlla m. Palonsky

orgulho tem da posse de um pênis, tem uma visão da re­


gião genital de uma menina e não pode deixar de conven­
cer-se da ausência de um pênis numa criatura assim se­
melhante a ela própria.4 A diferença entre os sexos é en­
tão colocada para a criança em relação a uma falta. De
fato, tudo isso poderia ser simplificado caso a diferença
entre os sexos fosse "apenas" uma diferença, segundo a
qual u m sexo é constituído de uma maneira, e o outro, de
outra maneira. No entanto, não é assim que acontece, e a
suposição de que "algo falta" é o que vai constituir a base
da diferença.
A constatação de que "alguém tem" e "em alguém
falta" traz algumas conseqüências importantes, entre elas
o fato de "ter" ou "não ter" ser reconhecido como u ma
qo doação ou não-doação feita por um Outro, no caso pela
mãe. Isto é o que, de fato, vai configurar a diferença: não é
o pênis em si, mas o pênis enquanto símbolo daquilo que
foi dado a um e negado a outro. É nesse sentido que pode­
mos entender a citação de Freud (1923 ):

A característica principal dessa 'organização genital


infantil ' é sua diferença da organização genitalfinal
do adulto. Ela consiste no fato de, para ambos os
sexos, entrar em consideração apenas um órgão
genital, o masculino. O que está presente, portanto,
não é uma primazia dos órgãos genitais, mas uma
primazia do falo.5

4 FREUD, 1977. p. 220.


5 FREUD, 1977. p. 220.
estruturas Clímca·s na Clímca: n H1stena

Estamos, portanto, l idando com uma estrutura na qual


os conjuntos são delimitados em função da presença ou
ausência de um único elemento, o falo. E, supostamente,
o homem se coloca no conjunto dos que têm, enquanto a
mulher se coloca no conjunto dos que não têm. O estabe­
lecimento desse ponto é i mportante, entre outros motivos,
porque vai marcar uma dissimetria essencial entre a posi­
ção masculina e a posição feminina, ou seja, os dois sexos
não estarão em posições simétricas.
A respeito desse tema, Lacan nos fala do "mito de
Aristófanes", segundo o qual o que o ser humano procura
é o seu complemento, que é o outro, que é sua metade se­
xual, que o vivo procura no amor. 6 Podemos reconhecer
no discurso das pessoas a existência desse mito no qual 41
está implícita a possibilidade de homens e mulheres se
completarem mutuamente. Tal crença, no entanto, vai u m
pouco além, chegando à suposição d e que para cada mu-
lher existe um homem, como duas metades que, j untadas,
formariam um todo. A crença, pois, é na possibilidade do
"todo", que este "todo" não existe apenas temporariamen-
te, que a questão da incompletude é algo apenas contin-
gencial e, portanto, passível oe ser sanada. Supor a exis-
tência de um "todo" que seria formado quando as duas
metades se encaixassem perfeitamente equivale a não se

6 LACAN, 1985. p . 195.


Cmt1a m. Palonsky

conformar com a incompletude como inerente à estrutura.


Esse mito vai ter um lugar importante na estrutura da his­
teria; na verdade, a histérica vai buscar, de todas as manei­
ras, sustentá-lo. Não se conformando em ter de se definir
por uma negatividade, a histérica vai buscar permanente­
mente uma resposta para a sua identificação, que não seja
o falo, permanentemente indagando sobre o que é ser
mulher. Trata-se, enfim, de uma pergunta em relação àquilo
que seria um sinal distintivo da feminilidade, pergunta que
estará sempre apontando para algo além do falo.

Particularidades do Édipo na mulher

Quando em "O Ego e o ld" ( 1 923) Freud aborda a


q2 questão da dissolução do complexo de Édipo, ele aponta
que, para o menino, a saída mais normal para o conflito
resulta em uma intensificação de sua identificação com o
pai, saída que permite que a relação afetuosa com a mãe
seja, em certa medida, mantida.7 Nessa época, considera­
va que, com a menina, as coisas ocorriam de maneira pre­
cisamente análoga. É importante sublinhar a última pala­
vra da frase de Freud - mantida , indicando assim ser a
-

mãe (ou o seio) o primeiro objeto investido libidinalmente


pelo menino. Já em 1 925, em "Algumas Conseqüências
Psíquicas da Distinção Anatômica Entre os Sexos", Freud

7 FREUD, 1 977. p. 46-47.


Estruturas Clímcas na Clímca, n H1stena

revê sua opinião de que com as meninas a ocorrência do


complexo de Édipo seria análoga à dos meninos. Afirma
que o primeiro objeto de amor, tanto para os meninos quan­
to para as meninas, é a mãe e que tal fato vai exigir da
menina uma ação adicional em relação ao menino, no sen­
tido de uma substituição do objeto: abandonar a mãe (ob­
jeto do mesmo sexo que o dela) e dirigir-se ao pai (objeto
de sexo diferente do dela). Essa mudança de objeto decor­
re do complexo de castração de que a menina é vítima,
sob a forma de inveja do pênis, provocada a partir da cons­
tatação da diferença sexual. Freud (1925), assim expressa
o juízo e a decisão da menina frente à constatação da dife­
rença sexual: Ela o viu, sabe que não o tem e quer tê-lo.8
Como conseqüências da inveja do pênis, Freud aponta q]
o desenvolvimento de um sentimento de inferioridade, o
ciúme enquanto denotador da i nveja do pênis deslocada,
e uma reação contra a masturbação fálica. Uma outra con­
seqüência é �aracterizada por um afrouxamento da rela-
ção afetuosa da menina com seu objeto materno,9 ou seja,
a percepção do pênis como aquilo que constitui o traço
identificatório do sexo faz com que a intensidade da rela-
ção da menina com sua m ãe diminua, na medida em que a
mãe é responsabilizada pelo fato de a menina não possuir

' FREUD, 1977. p. 3 14.


9 FREUD, 1977. p. 3 1 6.
Cmlia ffi. Palonsky

o traço indiscutível da sua i dentidade sexual. A menina


poderia buscar tal identidade através de sua mãe, mas essa
alternativa constitui um paradoxo, na medida em que a
mãe é desvalorizada tanto pelo fato de não ter dado à me­
nina o traço identificatório, quanto pelo fato de a menina
perceber que a mãe não o deu porque também não o tem.
Tal situação faz com que a menina volte o seu inte­
resse para o pai, esperando receber dele aquilo que a mãe
supostamente lhe negou; e aquilo que ela espera receber
do pai é um filho. Desse modo, o pai, em sua relação com
a menina, aparece como um substituto da mãe, como aquele
que vai dar a ela aquilo que a mãe não deu, o sinal iden­
tificador do sexo. Neste sentido, a maternidade passa a ser
qq vista como o sinal da feminilidade, o traço identificatório
do que é ser mulher.
Conforme coloca Freud, Ela (a menina) abandona
seu desejo de um pênis e coloca em seu lugar o desejo de
um filho; com este fim em vista, toma o pai como objeto
de amor. 10 Na verdade, voltar o interesse para o pai , espe­
rando receber dele um filho, não significa que a menina
esteja renunciando ao desejo de ter um pênis, mas que es­
tá buscando no filho o substituto do pênis. Tornar-se mu­
lher passa então a ser i gual a tornar-se mãe.
Em relação ao Édipo, Freud conclui que enquanto

10 FREUD, 1 977. p. 3 18.


estruturas Clímcas na Clímca, R H1slena

nos meninos o complexo de Édipo é destruído pela amea­


ça de castração, nas meninas ele se faz possível e é intro­
duzido através do complexo de castração. 1 1
Conforme foi apontado, a mãe não possui aquilo que
poderia sustentar uma identificação da filha como mulher
e, nessa busca de com o que se identificar, a menina passa
então por um momento de identificação com o pai. Tal
identificação com o pai, uma identificação masculina, é
analisada por Lacan dentro da seguinte perspectiva: a ex­
pectativa da menina é de que, identificando-se com o pai e
olhando para a mulher que o pai deseja, ela possa, afinal,
descobrir aquilo que um homem deseja numa mulher, por­
tanto, uma referência em relação ao que é ser mulher e ao
que ela própria como mulher deve desejar; ou seja, um q5
ponto que possa sustentar uma identificação feminina.
Assim, uma das características do Édipo feminino
consiste numa "dupla identificação", masculina e femini­
na, estruturada em torno da pergunta de o quê os homens
desejam nas mulheres e o quê as mulheres desejam nos
homens, pergunta presente de forma marcante no quadro
da histeria.

11
FREUD, 1977. p. 3 18.
N

snoER E nno snoEn

T
emos, pois, levantadas as condições de estrutura
que são fundamentais no estabelecimento da his­
teria, bem como as perguntas ou questões que de­
las derivam. Essas perguntas, ao lado da posição do sujei­
to diante da castração do Outro, orientarão, na clínica, a
identificação da estrutura histérica. A importância dessas
perguntas justifica que as retomemos brevemente. São per­
guntas que dizem respeito a: O que desejar? A quem dese­
jar? O que é ser mulher? O que os homens desejam nas
q5 mulheres ? O que as mulheres desejam nos homens? Tais
perguntas, como dissemos, são características da estrutu­
ra histérica, tendo um impacto decisivo sobre a vida da
histérica; muito mais do que uma simples curiosidade, es­
sas perguntas básicas vão funcionar como eixo e guia da
vida da histérica, que vai se dedicar a tentar achar uma
resposta para elas, mas com a particularidade de que ela
não sabe que o que ela procura é um saber.
Por sinal , a cultura oferece permanentemente mode­
los do que supostamente é uma mulher, o que é o amor, o
que é o desejo, o que um homem deseja e o que uma mu­
lher deve desejar. Desde as novelas até as letras das músi­
cas, passando pela publicidade e a moda, indicam-nos:
Estruturas Clímcas na Clímca, n H1ster1a

"Uma mulher deve ser. . ." (Da letra do bolero "La mujer",
de Mario Clavell)
Porém, a maneira como o sujeito histérico vai procu­
rar as respostas é bastante particular: se de um lado ele
procura saber, de outro ele realmente não quer chegar a
saber. Temos dito que a histeria se define pela posição do
sujeito em relação à castração do Outro; dissemos tam­
bém da angústia como afeto inevitável diante da cons­
tatação dessa castração, e dos movimentos tendentes a evi­
tar esse encontro. Se a procura de saber na histeria che­
gasse às últimas conseqüências, o que apareceria seria pre­
cisamente a castração do Outro, o encontro com o objeto
como causa de desejo e a angústia inevitável. A resposta
do lugar da mulher como objeto de desejo de um homem é q1
inaceitável ; esse querer saber vai esbarrar no limite de che-
gar no ponto a partir do qual tudo volta atrás, dando lugar
a um novo ciclo, tão inútil como o anterior.
Assim como organi zamos o texto até aqui em fun­
ção daquilo que o sujeito histérico procura saber, vamos
continuar acrescentando aquilo que ele não quer chegar a
saber. É bom lembrar que, de fato, o sujeito histérico sabe
da castração do Outro, já que, se não fosse assim, tratar­
se-ia de uma psicose. Se falamos de neurose é porque esse
saber existe, só que é um saber recalcado.
Temos pois, na histeria, uma situação em que convi­
vem, ao mesmo tempo, a busca de um saber e um não que-
Cmba fi. Palonsky

rer saber, uma vez que a resposta possível levaria ao apa­


recimento da angústia. As perguntas que colocam o sujei­
to histérico na trilha do querer saber, como já vimos, apon­
tam para a questão do desejo e colocam em jogo a defini­
ção da feminilidade. Porém, temos que nada existe que
defina a mulher pela presença de algo, de modo positivo;
ela é definida por uma falta, por algo que não tem. Vai ter,
portanto, de se identificar como mulher em relação a uma
negatividade, ou seja, ela nunca vai encontrar alguma coi­
sa com a qual se identificar positivamente. Podemos exem­
plificar dizendo que cada país tem seus símbolos pátrios,
tais como bandeira, hino etc., e o cidadão se identifica com
o país através desses símbolos. Imaginando-se um país que
qo não tenha nenhum símbolo, a identificação do cidadão de
tal país se dará em função de uma falta. No caso da mu­
lher, o fato de ela não ter com o que se identificar em po­
sitivo vai levá-la a procurar durante toda a vida essa iden­
tificação: ser mulher é tal coisa, é ter isso ou fazer aquilo.
Nada existe que possa identificá-la definitivamente.
Essa condição resulta então em u m problema: uma
vez que não existem respostas possíveis para as pergun­
tas, isso vai fazer com que a histérica permaneça numa
posição de supostamente querer saber; supostamente por­
que, na verdade, o que ela vai fazer é todo um movimento
para nunca chegar a saber da inexistência de respostas.
Tal inexistência corresponde a u ma falha da estrutura, e
estruturas Clímcas na Clímca, n H1ster1a

deparar-se com isso é angustiante. Conforme já pudemos


ver, o neurótico sempre procurará evitar o aparecimento
da angústia e a histérica consegue isto em alguma medida,
desde que não considere a possibilidade de não existirem
respostas às suas perguntas. Dado que todas as respostas
vão estar sempre apontando para uma única coisa, o falo,
a histérica não se conforma, reivindicando sempre a exis­
tência de uma outra possibilidade. Ela sabe que existe algo
além do falo, e essa é a grande verdade que a hi steria de­
nuncia sem sabê-lo.
A resposta possível que a histérica recusa coloca a
mulher como objeto de desejo de um homem, e estar na
posição de objeto de desejo é angustiante, um a vez que
nunca se sabe exatamente o que o Outro deseja. Evitar a qg
angústia implica então, para a histérica, não reconhecer a
posição da mulher enquanto objeto de desejo de um ho-
mem. Nesse sentido, é importante diferenciar a função de
causa de desejo e a de objeto de desejo.
CAUSA E OBJETO DE DESEJO

D
espertar um desejo no homem é uma das ativi-
. dades favoritas da histérica. Que u ma mulher es-
teja fazendo um jogo de sedução permanente não
quer dizer que ela esteja disposta a ter uma relação sexual
com um homem. A histérica faz todo um jogo para excitar
o homem, desde que ele concretize esse desejo com outra
mulher. Uma situação comum pode ser vista, por exem­
plo, entre um homem e uma mulher histérica; a relação
entre os dois pode se tornar um completo jogo de sedução,
50 e o homem vai supor que aquela mulher está querendo se­
duzi-lo, está disposta a algo. Caso ele proponha alguma
coisa, é provável que a mulher reaja, por exemplo, dizen­
do algo do tipo: "Está pensando que eu sou o quê? . . .". Na
situação, ela está causando o desej o, mas sem a mínima
disposição de ser ela o objeto de desejo.
É importante frisar que isso não é feito de má-fé, ela
nem sequer é consciente do jogo de sedução. Precisamen­
te pelo recalque, ela "não sabe", e vê o desejo como vindo
de fora, dos homens, que "só pensam nisso"; não há ne­
nhuma intenção de lesar o outro, é apenas para saber. Dado
que se sentir à mercê do desejo do Outro produz angústia,
para a histérica é então mais tranqüilizador controlar o de-
Estruturas Clímcas na Clímca, A H1stena

desejado outro. É, portanto, muito mais tranqüilo fazer um


movimento que dirija o desejo, marcando para o homem o
que ele deve desejar. Até mesmo ter a certeza de que o ho­
mem quer uma relação sexual é mais tranqüilo do que não
saber o que ele quer.
Podemos ver aí a diferenciação entre objeto de dese­
jo no nível fálico e objeto de desejo do Outro. A partir do
Édipo, o homem vai se identificar com o ter o falo, e a
mulher vai se identificar com o ser o falo, mas não no sen­
tido anteriormente abordado no processo de estruturação
do sujeito; aqui, podemos dizer que é muito mais um pa­
recer ter e um parecer ser do que propriamente ter ou ser.
O homem vai se apresentar como tendo o falo e a mulher
como sendo o falo, isto é, sendo desejável, tendo um valor 51
fálico. Esse valor fálico é mais evidente na atitude de al-
guns homens que apresentam as mulheres referindo-se a
elas como alguma coisa que têm. O homem se ocupa e
preocupa em ter coisas para ser valorizado no mercado do
desejo entre homens e mulheres, enquanto a mulher pro-
cura ser um falo, mesmo em termos de aparência. E, neste
sentido, faz um série de esforços para "melhorar" a aparên-
cia, tentando despertar o desejo dos homens, buscando ser
coisas que ela não é: da depilação à cirurgia plástica, es­
força-se para entrar como objeto desejável.
Na situação em que uma mulher quer ter uma rela­
ção com um homem e faz o suficiente para que ele tam-
Cmha m. Palonsky

bém queira, na verdade, a mulher não ficou à mercê do


desejo do homem, é quase exatamente o contrário. A si­
tuação mais angustiante é dada pela mulher que, pelo me­
nos supostamente, nada fez para seduzir um homem e co­
meça a se sentir olhada de uma maneira diferente. Existe
aí algo de angústia, estando a mulher no lugar de objeto,
onde não sabe o que um determinado homem quer com
ela. Freqüentemente a histérica, na situação de não saber,
vai rapidamente oferecer uma saída erótica, não tanto em
razão do desejo pelo homem, mas para sair da angústia,
para despistá-la.
A mulher procura muito mais ser desejada do que
concretizar a relação sexual, o que dá lugar a muitos mal-
52 entendidos. Um ponto fundamental é que a mulher não
deseja um homem: o que ela deseja é o desejo de um ho­
mem, o que é absolutamente diferente. Ela quer ser causa
de desejo num homem, mas não ser o objeto de desejo do
homem. Temos aí a fantasia do estupro como uma fanta­
sia histérica, como a concretização da situação em que
quem tem desejo é o homem, e a mulher não tem nada a
ver com isso. Causa e objeto de desejo não são a mesma
coisa, embora se fale, num outro sentido, do objeto a, como
objeto causa. A causa está produzindo o desejo, no caso,
produzindo um desejo no homem, mas com a condição de
que o homem dirij a esse desejo a uma outra mulher.
n PROCURn DE RESPOSTnS

F
alamos, até aqui , da castração do Outro, da falha
da estrutura, sej a quando nos referimos à ine­
xistência do elemento definidor da feminilidade,
seja quando abordamos a questão do desejo do Outro. Fi­
cou também caracterizado um ciclo, onde o sujeito histé­
rico sai em busca de uma resposta para suas questões, mas
não se satisfaz com a única resposta possível existente,
fonte inevitável de angústia, uma vez que aponta para a
castração do Outro; parte então em busca de uma nova
possibilidade de resposta. É desse movimento que estare- 53
mos falando, deste particular modo através do qual se arti-
culam o saber e o não-saber na histeria.
A histérica vai procurar as respostas de maneiras va­
riadas, baseando-se sempre na suposição de que existem e
ela não está disposta a aceitar que não existam. Através de
sua busca, ela vai sustentar a existência da resposta que
espera encontrar, sej a por meio de um Outro que detenha
tal resposta, seja por meio da identificação da feminilida­
de com algum significante, especialmente nas equações
falo = filho e falo = corpo.
Na vertente da suposição de um Outro que dê a res­
posta esperada, vemos freqüentemente a histérica eleger
Cmba m. Palonsky

algum homem que aparentemente tem um saber sobre as


mulheres e tenta, através dele, descobrir esse saber. Isso é
o que faz com que a histérica muitas vezes entre em rela­
ções em que o outro tenha alguma característica de mes­
tre; por exemplo, mulheres que só procuram relacionamen­
tos com médicos, professores, analistas etc. Esse tipo de
personagem que supostamente está no lugar de quem sabe,
pode, tem, vai ser o tipo de pessoa talhada para ser amado
pela histérica. A procura é sempre do que ela chama de "o
homem da minha vida". É i mportante sublinhar que ela
realmente acha que existe no mundo um homem a ela des­
tinado, e o que ela tem de fazer é procurar até encontrar
esse homem, como se houvesse algo ou alguém que se en-
54 carregasse da distribuição de homens e mulheres. O en­
contro seria o encontro das metades. E, com certa freqüên­
cia, a mulher acha que encontrou "O Homem", que é tudo
e tudo sabe. Esse homem, revestido de tal saber, suposta­
mente vai ter a resposta esperada.
Supondo que ela consiga conquistar esse homem, em
algum momento vai ficar evidente que ele também não
tem para dar outra resposta que não seja o falo. Aí é hora
da decepção, ponto importante na clínica da histeria, mo­
mento em que se sentindo decepcionada transforma aque­
le homem "maravilhoso" em um homem i ncapaz, impo­
tente. Essa passagem pode ser apenas simbólica ou pode
ter conseqüências no concreto, porque não muito raramente
Estruturas Clímcas na Clímca, n Histeria

a histérica pode, de fato, tornar o parceiro impotente.


Os dois pólos do ciclo ficam marcados assim pela
idealização e pela decepção. A decepção surge no lugar
da angústia, afastando a possibilidade de que a resposta
procurada não exista, mantendo a suposição de um Outro
não-castrado. Dizer que esse outro não sabe, é idiota, é
ruim etc., não significa colocar a castração no Outro; ao
contrário, significa sustentar a possibilidade de um Outro
não-castrado, um Outro que teria essas respostas. Daí re­
sulta um período de queixas e reclamações em relação a
esse homem, como se ele realmente tivesse algo para dar,
que ele não dá porque não quer e não porque não tem, que
ele tem a possibilidade de dar alguma coisa a mais. A re-
clamação também não é mais do que uma maneira de sus- 55
tentar o Outro como não-castrado, uma vez que sua exis-
tência implica que aquilo que está sendo reclamado ainda
vai ser possível. Novamente, o que se produz é a transfor-
mação da impossibilidade em impotência, desta vez colo-
cada no homem. Em lugar de que homem nenhum tem a
dar o que ela está esperando, é tal homem específico que
não tem, e a questão é procurar outro homem.
Por tudo i sso podemos entender o porquê da freqüên­
cia com que a histérica cai no jogo do perverso. Quem
melhor do que ele para representar aquele que sabe e que
pode oferecer esse mundo de desejo e fantasia que o neuró­
tico custa tanto a alcançar? E quem melhor do que o Cha-
Cmt.Ja m. Palonsky

peuzinho Vermelho para proporcionar gozo a esse lobo


disfarçado de vovó que precisa alimentar o seu próprio
gozo com a angústia com que a histérica vai entrar no jogo?
Estamos dizendo com isso que um dos significados
da castração do Outro é que nem tudo é possível, que exis­
tem coisas que, por estrutura, são impossíveis . Mas depa­
rar com essa impossibilidade de estrutura é, por definição,
angustiante: não existe resposta, o Outro não tem resposta
para tudo. A reação diante da castração do Outro é a angús­
tia que a histérica transforma em insatisfação, remetendo,
portanto, a um Outro não-castrado: não é que por estrutu­
ra é impossível, mas para aquele homem - esse é o movi­
mento da histérica. O rompimento desse ciclo envolveria
56 fazer o caminho de volta, transformar a insatisfação em
angústia. Porém, aquilo que o neurótico faz é praticamen­
te tentar evitar a angústia, estabelecendo e mantendo o ci­
clo: constrói-se um Outro (não-castrado) que, em algum
momento, aparece castrado; a angústia é rapidamente trans­
formada em insatisfação, e um Outro não-castrado 1-, en­
tão, construído. Dentro desse ciclo, a decepção é inevitá­
vel e, freqüentemente, aparece como depressão. A procu­
ra da histérica é tal que, por estrutura, só pode terminar no
fracasso, uma vez que se trata de uma falsa procura. Esse
ponto pode ser claramente visto na clínica, onde o analista
se torna mais um sobre quem a histérica coloca sua per­
gunta. Porém, só aparentemente ela está interessada em
Estruturas Clímcas na Clímca, n H1stena

saber, porque, de fato, ela não quer saber. Não quer saber
que não existe a resposta que ela espera. O trabalho analíti­
co vai consistir em transformar a pseudo pergunta numa
pergunta real , num verdadeiro questionamento.
A i nsatisfação é, assim, uma forma de saída da an­
gústia, e a histérica vai se apresentar sempre como i nsatis­
feita. Essa insatisfação vai estar freqüentemente referida a
"algo que falta", uma representação que indica o que está
faltando.
Retornando ao esquema da constituição do sujeito
para melhor entendermos esse ponto, vimos que tornar-se
sujeito envolve uma operação na qual ocorre o recalcamen­
to do que seria o desejo da mãe, ao mesmo tempo em que
um significante ocupa o l ugar do que foi recalcado. Entre- 51
tanto, essa operação não é absolutamente precisa, nunca é
perfeita, no sentido de que fica sempre um resto não-alcan-
çado pelo simbólico. Dado que algo ficou fora da possibi-
l idade de simbolização, no i maginário alguma coisa vai
aparecer como faltante. O resto não-simbolizado da ope-
ração vai constituir o objeto como tal - objeto a - enquan-
to chamamos de - cp a representação da falta imaginária.
Enquanto representante da falta, o surgimento de - <j) im-
plica, pois, que o objeto estej a afastado: ou se está em
termos de - <j) ou se está em termos de objeto a. Por defini-
ção, a angústia está diretamente relacionada ao apareci-
mento do objeto como tal, portanto, a uma falha no - <j). A
Cmba m. Palonsky

insati sfação da histérica que, como dissemos, freqüente­


mente aponta para um "algo que falta", para alguma coisa
que poderia tamponar a falta, faz com que a presença an­
gustiante do objeto como tal seja transformada na falta de
um - <p.
Ainda na vertente da suposição de que a resposta es­
perada vai ser dada por um Outro, vemos uma outra ma­
neira de buscar o saber, muito particular e bastante carac­
terística da histeria, na qual podemos também observar o
ciclo dominado pela evitação da angústia que vínhamos
analisando.

58
n OUTRn mULHER

E
ssa outra maneira fundamenta-se na questão da
identificação masculina, tema que abordamos
quando falamos das particularidades do Édipo fe­
minino. Vimos que em relação à estruturação do desejo,
em algum momento a criança vai se dar conta de que o de­
sejo é sempre desejo de desejo, ou seja, de que aquilo que
a mãe deseja é ser desejada pelo pai, que as mulheres não
desejam exatamente os homens, mas serem desej adas pe­
los homens. O que ela não sabe é porque os homens dese-
jam as mulheres e o quê os homens desejam nas mulheres. 59
A identificação com o homem vai se constituir numa ma-
neira através da qual a mulher vai "entrar" na cabeça de
um homem para, através dele, olhar as mulheres e procu-
rar esse saber.
Na frase freqüentemente ouvida "o que ele viu nela?"
tem-se claramente a estrutura da identificação masculina.
B através de uma outra mulher, olhada "através" de um
homem, que a mulher pretende chegar à feminilidade. o
que constitui um paradoxo. Paradoxo em dois sentidos:
primeiro pelo fato da identificação masculina, ou seja, é
identificando-se com um homem que a mulher pretende
descobrir o traço identificatório da feminilidade; segun-
Cmba m. Palonsky

do, vai procurar esse traço em outra mulher, isto é, em


alguém que também não o possui.
Essa outra mulher aparece como "a rivai" . Vejamos
quem é ela. Uma mulher sempre vai precisar de outra mu­
lher como referência. Como lugar de estrutura, o que va­
mos chamar de "a outra mulher" é imprescindível e, na
clínica, é necessário localizá-la. O lugar pode estar ocupa­
do pela esposa, sogra ou mãe de um homem etc. Suposta­
mente, as duas mulheres estariam brigando pelo amor de
um homem, o que é uma ficção que as duas podem man­
ter. Trata-se de uma ficção porque, na verdade, nenhuma
das duas está de fato interessada na posse desse homem.
A "outra" (qualquer uma das duas), tem várias e im-
60 portantes funções. Primeiro, o interesse da histérica está
em saber o que é ser uma mulher e o que um homem quer
numa mulher; daí, ela precisa de uma outra mulher, a qual
irá olhar através do homem para saber o que é uma mu­
lher. Além disso, é necessário que exista uma corrente de
desejo entre o homem e a outra. A histérica está identificada
ao homem, tanto que se a outra sai de cena o interesse é
perdido. Considerando o triângulo constituído pelo ho­
mem, pela mulher e pela outra, o homem vai freqüente­
mente se apresentar cGmo insatisfeito com a mulher, o que
abre uma pergunta fundamental : "o que tem essa mulher que
consegue manter um homem mesmo sem satisfazê-lo?"
Falamos da outra como aparente "rival". Trabalhar
estruturas Clímcas na Clímca, U Htstena

essa relação com a outra como "rivalidade" é ficar apenas


no nível do imaginário, sem analisar a importância que es­
sa outra mulher tem. A necessidade de que essa outra mu­
lher exista é tal que se ela já não fizer parte da vida do ho­
mem em questão, a histérica vai, de alguma maneira, ori­
entar o homem a procurar uma outra mulher para preen­
cher esse lugar. Muitas vezes quem apresenta ao homem
essa outra é a própria mulher.
Essa identificação masculina vai ser sempre a manei­
ra de olhar para outra mulher; no final das contas, a mu­
lher está sempre olhando para outra mulher, só que, no ca­
so, o faz através de um homem. A relação com o homem,
então, não é uma relação em termos de objeto, mas de
identificação. O homem é necessário como via de saber a 61
respeito das mulheres.
A questão da identificação masculina traz algumas
outras conseqüências à estrutura, determinando um certo
posicionamento do sujeito histérico que, mais uma vez,
terá importante papel em encobrir a castração do Outro e,
portanto, na evitação da angústia. Vamos aqui nos referir à
questão da competição fática e o que se apresenta clinica­
mente como homossexualidade feminina.
N ;

n Pos1cno rnucn

E
m relação à competiçãofálica, podemos dizer que,
a partir da identificação masculina, a histérica pode
se colocar frente ao homem como se fosse um ho­
mem, especialmente mostrando que até como homem ela
é melhor do que os homens. Para melhor alcançarmos a
extensão de tal posicionamento, precisamos entender que
a mulher tem de aceitar as duas castrações: a do Outro e a
de si própria. Na competição fálica existe o movimento de
colocar a castração no outro, como semelhante, mas não
62
no Grande Outro. Colocar a castração no outro, no caso,
em um homem, significa colocar esse homem na posição
do i mpotente, o que não é apenas uma metáfora, uma vez
que ela pode conseguir, de fato, que ele fique concreta­
mente impotente, com o que vai desqualificá-lo i nteira­
mente como homem.
Existe, nessa situação, uma certa sutileza, dado que
pode surgir uma suposição tal como "eu sou tão mulher
que comigo ele não pode", ou "ele não é suficientemente
homem para uma mulher como eu"; mas, esta posição de
ser "tão mulher" é, paradoxalmente, uma posição fálica: o
que aparece como o cúmulo da feminilidade é uma posi­
ção masculina.
Estruturas Clímm na Clímca, A H1ster1a

Este tema do masculino e feminino é um ponto inte­


ressante no sentido de que não só engloba ideais culturais,
como também, no li mite, no extremo, o masculino e o fe­
minino se confundem. Assim, uma mulher que procura
ser uma mulher no extremo, torna-se "um mulherão", o
que já tem algo de masculino. Do lado masculino, aquele
que é supostamente "o macho", identificado como galã
das novelas, tem sempre um ar mais ou menos feminino.
Neste ponto vamos ter uma certa oscilação em rela­
ção à potência do homem: de um lado, temos a situação
de que nenhum homem seja suficientemente homem; do
outro, a posição típica da histérica de fazer tudo para man­
ter a potência do homem. Porém, na verdade, quando a
histérica diz que o homem "não dá conta", está se referin- 63
do a um homem específico e, assim, mantém a existência
de uma potência sem falhas como possível. Mantém, por-
tanto, afastada a possibilidade de um Outro castrado ou,
como dissemos acima, a castração não é colocada na es­
trutura, e a angústia fica evitada.
Revendo as perguntas características da histeria, per­
cebemos que a questão de fundo pode ser assim formula­
da: "sou homem ou mulher?" São perguntas que estão re­
lacionadas à identificação masculina enquanto momento
do desenvolvimento da menina e que, na histeria, vai se
manter sempre presente. A histérica vai ter sempre uma
identificação masculina e uma identificação feminina. Essa
Cmba ffi. Palonsky

dupla identificação é um ponto central, e a permanência


da identificação masculina é o que pode chegar a se apre­
sentar clinicamente como homossexualidade feminina. A
homossexual feminina, como estrutura, é uma histérica.
Por vários moti vos pode chegar uma histeria a se estruturar
como homossexualidade, e um dos motivos tem a ver com
a identificação masculina.
Na teoria, faz-se uma grande diferença de estrutura
entre a homossexualidade masculina e feminina, no senti­
do de que a homossexualidade masculina, muitas vezes,
embora nem sempre, corresponde a uma estrutura perver­
sa. A homossexualidade feminina não corresponde nunca
a uma perversão, uma vez que a perversão, como tal, não
fiq é considerada uma estrutura possível na mulher. O que
não quer dizer que não se encontrem mulheres com fortes
traços perversos. A homossexualidade feminina é sempre
uma forma de histeria.
Ao lado da identificação masculina, um outro ele­
mento que define a aparição da homossexualidade femini­
na está relacionado à procura da histérica por um amor to­
taL a uma junção do amor e desejo, que alguém possa reu­
nir em si a possibilidade de dar amor e desejo. A entrega,
o sacrifício que a histérica faz é uma busca de reciprocida­
de, no sentido de que se ela dá tudo para ele, ele vai dar tu­
do para ela, coisa que não acontece e que resulta na decep­
ção. O que pode suceder é que a repetição da decepção le-
Estruturas Clímcas na Clímca, A Htstena

va a hi stérica à procura do amor de outra mulher, como a


única possibilidade de ser amada tanto quanto ela ama.
Segundo Lacan, o único amor verdadeiro é o de uma mu­
lher; isso porque, sendo o amor definido como "dar o que
não se tem", quem dá o que não tem é a mulher. A homosse­
xualidade seria a procura desse amor verdadeiro. Não é a
procura do gozo sexual, fálico, mas a procura de amor, es­
tando ligado a uma posição de reivindicação, que é uma
posição histérica.
Essa busca de uma outra mulher relaciona-se tam­
bém com o Édipo feminino nas três saídas possíveis para
a mulher, uma delas significando a volta para a mãe como
objeto de amor. Também o que aparece como "bissexuali-
dade" tem a ver com a identificação masculina da histéri- 65
ca, já que qualquer mulher, no Édipo feminino, vai passar
pelo momento de identificação masculina. Porém, tal iden­
tificação na histérica vai perdurar, o que vai resultar na
particular característica de uma dupla identificação, mas-
culina e feminina ao mesmo tempo.
Vimos então, até aqui, algumas maneiras através das
quais a hi stérica vai lidar com as perguntas características
à estrutura, constituindo uma relação bastante particular
entre o saber e o não-saber, onde o ciclo idealização-de­
cepção/insatisfação é o que se repete, ficando a decepção/
i nsatisfação no lugar da angústia.
O que abordamos tem a ver com a suposição de que
Cmlla ffi. Palonsky

a resposta desej ada pelo sujeito histérico possa ser encon­


trada através de um Outro, freqüentemente identificado a
um homem, garantia última da existência de uma estrutu­
ra sem falhas. Uma outra maneira refere-se a tentar res­
ponder sobre a identidade sexual - questão em torno da
qual giram suas perguntas - identificando a feminilidade
com algum significante, sobretudo filho e corpo.

66
ULGUffiUS RCSPOSTUS

A
problemática histérica gira em tomo da falta do
falo, dessa posição de não ser o falo e de tam­
bém não tê-lo. Desenganada de tê-lo como coi­
sa concreta, uma vez que deixa de pensar que ainda vai
crescer, aparece habitualmente a tentativa de substituir a
falta de falo em si por um filho, estabelecendo uma equa­
ção pela qual falo = filho. Na equação falo = filho, o filho
vai aparecer no desejo da histérica como aquilo que vai
compensá-Ia da falta do falo, como aquilo que vai com-
pletá-la. 61
A definição impossível da feminilidade passa a ser a
maternidade, uma resposta dada muitas vezes pela cultu­
ra, não apenas pela mulher. Não existindo a definição do
que é ser mulher, nesse lugar podem entrar muitas coisas.
Uma das mais habituais é "ser mãe", criando-se uma con­
fusão entre feminilidade e maternidade. O filho, então, apa­
rece como aquilo que se tem ou não se tem, da mesma for­
ma que o falo apareci a como aquilo que se tem ou não.
Por sua vez, a gravidez continua sendo, pelo menos
por enquanto, a única coisa que a mulher pode e o homem
não pode. A mulher se aproveita disso e se arma em torno
desse fato, criando situações em que procura um homem
Cmba ffi. Palonshy

apenas para engravidar, como se procurasse um provedor


de espermatozóides. O desenvolvimento tecnológico tem,
em alguma medida, fortalecido a fantasia de que a mulher
pode vir a ter um fi lho sozinha e ser, ao mesmo tempo, pai
e mãe, a questão da chamada "produção independente".
Assim, usa o homem como reprodutor, prescindindo dele
depois. É comum após a gestação que a mulher se afaste
do marido, o que tem a ver com a significação fálica do
filho, a qual ela não quer perder. Uma coisa é no momento
do nascimento a mãe ficar mais ligada ao filho e não estar
tão disponível como mulher para o marido; mas, prescin­
dir do marido, tirá-lo do seu meio, é mais próprio da histé­
rica e não exatamente devido à situação. Muitas vezes, o
68 homem entra na competição fálica, situação que pode ser
traduzida na expressão "vamos ver quem tem o pinto mai­
or" e, ao se sentir agredido, revida com agressividade, ao
que então a mulher se coloca na posição de vítima, vítima
de um marido incompreensível.
O filho ou a gravidez podem ter muito mais uma fun­
ção fálica do que realmente o resultado do desejo de ter
um filho. Assim, uma das identificações que suprem a iden­
tidade feminina é a maternidade; ser mãe vai passar a ocu­
par o lugar de ser mulher o que, em si, resulta num equí­
voco, pois são coisas diferentes. Funciona como substitu­
to, já que na falta de uma, a outra vai entrar como
positividade.
Estruturas Clímcas na Clímca, A H1stena

A outra tentativa também habitual de substituir a fal­


ta do falo refere-se ao estabelecimento da relação falo =

corpo, promovendo o que se chama de narcisismo fálico.


Assim como anteriormente vimos exaltada a mater­
nidade, aqui o fundamental é a beleza ou algum atributo
com o mesmo sentido. Também aqui, a função é de prótese,
de prótese do falo. Tais tentativas de substituição só são
possíveis porque, de fato, o falo está em tudo e qualquer
coisa que possa ser pensada em termos de ter/não ter, ou
de ter mais/ter menos, tem uma significação fálica e vai
servir à competição fálica. Um dos modelos mais clássi­
cos dessa possibilidade, no caso da histérica, é o narcisismo
fálico, que faz do corpo um falo. Quando se trata de uma
histérica que está colocada mais marcadamente do lado 69
da identificação masculina, podemos vê-la desvalorizar
aquilo que uma outra valoriza em grau máximo, por exem-
plo, os ideais culturais da beleza feminina. Porém, trata-se
da mesma equação.
No narcisismo fálico, vamos encontrar outro motivo
de depressão quando toda aquela armação em torno de
um corpo belo, perfeito etc. cai frente à possibilidade de
não estar tão bem assim e, de maravilhosa, passa a se sen­
tir horrível. Seria o equivalente a passar de um pênis ereto
a um pênis flácido, no sentido de broxar. Essa quebra de
imagem pode se dar por um motivo qualquer, passando da
perfeição a uma imagem que não responde narcisicamente.
;

O SlnTOmn HISTERICO

T
odas essas maneiras através das quais o sujeito
histérico procura evitar a angústia decorrente da
constatação da castração do Outro, com todas as
suas vicissitudes, não são sem conseqüências. Vamos, en­
tão, encontrar toda uma gama de sintomas com os quais a
histérica vai se fazer representar. Entender esse ponto i m­
plica considerarmos que o mecanismo por excelência da
histeria é o recalque. É o mecanismo das neuroses, só que,
na histeria, é o mecanismo patognomônico, sinal que defi-
10 ne um dado quadro. Na histeria vamos ver o recalque cons­
tantemente em funcionamento, às vezes falhando, se bem
que podemos dizer que na histeria ele é bastante bem-su­
cedido.
O que estruturalmente está recalcado na histérica é a
castração do Outro. No fundo, ela sabe da castração do
Outro (caso contrário, seria psicótica), mas "esquece", re­
calca. Falamos em castração do Outro no sentido de que
não existe estrutura sem falha. O recalque dessa condição
é o que define a neurose. Como elemento de estrutura, o
recalque tem a ver com a castração do Outro e com a pró­
pria castração e aparece sempre como falta de um signi­
ficante. O recalque consiste em que determinado signifi-
estruturas Clímcas na Clímca, H Histeria

cante passe para o inconsciente e, no l ugar, fica uma falta,


a falta de um significante. No trabalho anal ítico, tenta-se
achar o significante faltante, só que quando algum é encon­
trado, o vazio passa para o lugar seguinte. Isso é proprie­
dade do significante como tal, mas também podemos di­
zer que i sso é próprio da estrutura histérica, onde sempre
falta alguma coisa, coisa que supostamente poderia exis­
tir, que poderia existir um "ponto final", um último sig­
nificante da série. Na clínica, todo paciente tem. a fantasia
de que um dia vai chegar "àquele fato", lembrança ou pa­
l avra que vai, finalmente, esclarecer tudo.
Dizemos que, na clínica, todos os significantes têm
igual valor e é tal princípio que permite ao trabalho analí-
tico tomar um significante qualquer e ver surgir uma asso- 11
ciação importante. Porém, num outro sentido, podemos
dizer que existem significantes privilegiados, que cada su-
jeito está marcado por alguns poucos significantes, que
alguns poucos significantes desconhecidos do sujeito mar-
cam a sua vida. Quando se chega a um desses significantes
i mportantes, produz-se certa reacomodação, uma vez que
são poucos esses significantes. Embora poucos, eles fun­
Cionam, produzem efeitos, e mais efeitos são produzidos
na medida em que são mais desconhecidos. No caso do
sujeito histérico também temos de encontrar quais são es-
ses significantes os quais, provavelmente, vão aparecer
através dos sintomas. Isso porque qualquer sintoma histé-
Cmba m. Palonsky

rico é, por definição, a tradução de uma frase que não foi


colocada em palavras.
Um dos sintomas através do qual a histérica freqüen­
temente faz-se representar é o chamado sintoma conversivo
ou conversão histérica. Localizado no corpo, produzindo
paralisias, anestesias ou dores localizadas, está diretamente
relacionado à questão da erotização do corpo e com a evi­
tação do aparecimento do real.
Para o sujeito humano, o corpo vai se distanciando
do natural e é com a entrada no simbólico, para qualquer
ser h umano, que o corpo vai ficar absolutamente modifi­
cado, distante do que seria o natural, a partir do que faz a
diferenciação entre corpo e organismo. O que se produz
12 através do simbólico é uma erotização do corpo, o que
não é algo natural no sentido de que o corpo em si , como
organismo, não é erótico. A erotização é algo que vai se
dando através de um processo que tem a ver com o imagi­
nário e com o simbólico. Essa erotização do corpo pode
ser mais ou menos estável, uma vez que existem situações
em que tal erotização pode cair, resultando no apareci­
mento do real. Assim, são feitos esforços para que esse
real não apareça, nem no nosso corpo nem no dos outros.
Exemplo de quando a estabilidade vacila é diante do cor­
po de uma pessoa doente.
Na histérica, falamos do horror de se encontrar com
o real do corpo. Só que, tentando evitar esse horror, ela es-
Estruturas Clímcas na Clímca, n H1ster1a

tá, na verdade, correndo dois riscos opostos: um deles re­


fere-se à perda da erotização, à queda da erotização, que é
o que faz aparecer um fenômeno classicamente histérico
que é o nojo, a repulsa. Esse nojo pode ir desde uma ex­
pressão até ao vômito. Tal coisa acontece porque se de
uma situação supostamente erótica retiramos toda cono­
tação erótica o que sobra não é muito estimulante. O que
há de real no corpo é recalcado, e o que se coloca no lugar
é o romantismo. Se o recalque falha, o mínimo que pode
acontecer é o nojo. Por esse lado, a perda súbita da ero­
tização resulta no nojo.
O outro risco é a erotização que toma conta de tudo,
se alastra e aparece em lugares em que não era para apare­
cer. A conversão histérica vai se dar em função dessa ero­ 13
tização nos lugares menos esperados, por exemplo, uma
paralisia numa perna que tem um valor erótico. Normal­
mente, a conversão aparece nos músculos estriados e nos
órgãos de percepção, e a sua manifestação não obedece a
uma lógica do ponto de vista orgânico. Todo o corpo pode
passar a estar erotizado e, ultrapassando um certo li mite,
atinge o estranho familiar. O sintoma conversivo tem a ver
com essa forma de erotização.
Tendo o sintoma como aquilo que a representa, a his­
térica vai demandar através dele, ou seja; o sintoma na
histeria vai ter o caráter de demanda. Também em função
do que já foi dito, ela fala através do seu sintoma. A outra
Cmba m. Palonsky

particularidade é que o gozo da histérica está no sintomal


O gozo não tem nada a ver com prazer, é até o contrário de
prazer. Trata-se de algo ligado ao corpo, é sempre corpo­
ral . Em alguns casos, gozo e prazer podem estar tão pertos
que é difícil distinguir u m do outro; por exemplo, no gozo/
prazer sexual, embora o gozo fálico estej a mais perto do
prazer.
Exi ste uma certa suposição de como determ inada
pessoa tem de gozar, falando em gozo "sexual". Porém,
supor que o gozo deva estar em um certo tipo de atividade
é um preconceito, mesmo porque se não existir uma ero­
tização de uma certa atividade, esta não proporcionará o
gozo. A hi stérica, com muito freqüência, é frígida em ter-
lq mos de gozo orgásmico, no coito; claramente, não se dá
por essa via o gozo da hi stérica. Este pode estar numa dor
que sente em alguma parte do corpo e pode ser um gozo
tão i ntenso quanto um orgasmo. A fantasia de que aq uilo
de que a histérica precisa é um pênis é uma fantasia m as­
culina, do homem que acha que tem com que fazer gozar
uma mulher. O gozo erótico dessa mulher pode estar em
um outro ponto, diferente daquele suposto pelo homem.
Portanto, o gozo está, acontece, só que não responde às
formas padrões, por exemplo, do orgasmo.
Chegar ao orgasmo i mplica, tanto para o homem
quanto para a mulher, atravessar um momento de angús­
tia. Quando se fala em mistério da feminilidade, este tem
Estruturas Clímcas na Clímca, R H1ster1a

a ver com o mi stério do gozo fem inino, já que o masculi­


no tem uma localização precisa, no pênis. Porém, onde lo­
calizar o gozo feminino? Se no chamado "ponto G", na
vagi na, no cl itóris, na vulva . . . . A questão para o homem é
concreta, enquanto que para a mulher é mais mi steriosa,
mais suti l . Como acontece com qualquer coisa a respeito
da qual não se sabe do que depende, como funciona, tam­
bém a questão do gozo fem i nino angustia a mulher e apa­
rece como coisa m isteriosa, i mprevisível. Assim, pode-se
saber se um homem gozou ou não numa relação sexual,
mas nunca uma mulher. Essa i ncerteza sobre o gozo do
outro cria uma situação angustiante e, sobre este gozo do
outro, abre-se uma pergunta.
As considerações feitas até aqui acerca da histeria 15
nos permitem dizer quetse trata de uma estrutura que é
mais possível, que se relaciona mais com a estrutura femi-
n ina. Em função dos elementos aqui trabalhados, é mais
provável de acontecer numa mulher. A questão está rela­
cionada ao "o que quer uma mulher", que permanece como
enigma sobre o qual muito se tem pensado e escrito. Estão
aí os textos de Freud e seus seguidores, para ficarmos ape-
nas no campo da psicanáli se. Embora a histeria não seja
uma estrutura exclusiva das mulheres, sua identificação
no sujeito masculino é menos freqüente na clínica e, con­
seqüentemente, ainda não muito estudada, de modo que
resultam pouco claras as especificidades do quadro da his-
Cmba m. Palonsky

teria masculina. É possível, porém, identificar em homens


a problemática relacionada à questão da circulação do de­
sejo entre homens e mulheres questão típica da histeria.
Muitas das questões aqui apresentadas como funda­
mentai s para a estruturação da histeria são enfrentadas por
qualquer mulher. Por exemplo, as vicissitudes do Édipo
femini no são, de alguma forma, vividas por qualquer mu­
lher e resultam assim em problemáticas características das
mulheres. O que vai marcar a diferença entre a histeria e a
feminilidade em si, supondo que exista tal diferença, é uma
posição particular em relação às questões que são própri­
as das mulheres. A histérica não vai se conformar com a
situação de ser diferente do homem e ter de se definir por
16 uma negatividade, ficando permanentemente reivindicah­
do uma outra posição. Ela não vai se conformar com a
questão de que a única coisa que existe no mundo seja o
falo.
Na adolescência, a problemática histérica é mais gri­
tante. Para a adolescente, é mais i mportante falar com al­
guma amiga sobre o que aconteceu entre ela e um rapaz
do que o realmente acontecido. O interesse pela opinião e
olhar de outras mulheres é o que é mais evidente. A pro­
blemática básica de um saber o que é ser mulher, não muda.
A h istérica leva essa problemática ao extremo, procuran­
do médicos, fazendo cirurgias, enfim , procurando alguma
coisa, pedindo que alguém olhe dentro do seu corpo e en-
estruturas Clímcas na Clímca, n Histeria

contre algo. O homem pode olhar para o seu pênis, confir­


mando que ele está aí, às vezes comprovando que ele fun­
ciona. Externamente, a mu lher não tem nada, o máximo
que possui é o seio, resultando para ela a possibilidade de
que, talvez, esteja dentro. Quem sabe o médico, olhando,
vá encontrar alguma coisa. Nesses casos, normalmente, a
depressão pós-cirúrgica é grande. A cirurgia plástica tam­
bém é freqüente, uma vez que a histérica está à procura de
ser "A Mulher" e essa procura, que por estrutura é a mes­
ma, pode ter várias formas, a cirurgia entre elas. É tam­
bém comum encontrar pelas ruas mulheres que se vestem
de maneira muito estranha e que são freqüentemente clas­
sificadas como psicóticas.
O que a histérica está procurando é alguma defini- 11
ção da feminilidade que vá além do falo. Grande parte, se-
não toda a problemática histérica, vai girar em torno da
i mpossibilidade de uma resposta que não o falo e a transfor-
mação dessa i mpossibil idade estrutural numa i nsatisfação.
Dada a não-aceitação da i mpossibi lidade, o movimento
que a histérica faz é transformar a constatação da impossibi-
lidade em insatisfação e i mpotência do outro, de modo
que a hi stérica vai se apresentar sempre como insatisfeita.
O que significa a insatisfação da qual a hi stérica se
quei xa permanentemente? Essa insatisfação aparece como
alguma coisa que falta, alguma coisa que não alcança. No
imaginário, essa falta vai estar referida a alguma coisa de
Cmba m. Palonsky

concreto, como não ter o vestido da última moda, o sapa­


to, o marido . . . Sempre vai aparecer uma queixa de algo
que falta concretamente. Eventualmente, porém, pode apa­
recer a queixa de alguma C ?isa indeterminada, como não
sabendo o porquê da insatisfação, uma vez que, aparente­
mente, tudo está bem ; mas tem algo que não funciona .
.Quando a queixa aparece colocada como falha do
.outro, a histérica está bem distante de sua problemática,
uma vez que nenhuma pergunta a ela referida aparece. Esse
ponto é importante porque, habitualmente, quem escuta a
queixa de que está faltando alguma coisa, rapidamente pre­
enche com a resposta de que aquilo que falta é u m pênis.
Trata-se, como já vimos, de uma fantasia m asculina ima-
18 gi nar que aquilo que a mul her preci sa é de um pênis, de
algo que o homem pode dar com o pênis. Muitas vezes, as
próprias mulheres se identificam com esse fantasma mas­
culino e acham que, real mente, é di sso que precisam. Uma
vez que está aí identificada, a mulher vai procurar um pê­
nis e, secundariamente, um homem. Se a mulher se identi­
fica com essa suposição de que precisa é de um pênis efi­
caz e sai à procura de um, na verdade ela faz uma identifi­
cação masculina, ou sej a, coloca-se na posição do homem,
uma vez que .é característica masculina procurar o objeto
ásexual parcial �
,

n cumcn on HISTERin

A
posição histérica é, pelo menos aparentemente,
propícia para começar uma análise, uma vez que
a histérica sempre aparece como querendo s a­
ber, u ma posição que convida a consultar um analista, as­
trólogo, ginecologista, etc. A histérica está permanente­
mente na posição de sujeito barrado, que não sabe, que
quer saber, etc.
Se os psicanalistas temos dificuldades na clínica da
hi steria não é por falta de prática ou, pelo menos, de opor-
tun idades. Trata-se, sem dúvida, do quadro que com mais 19
freqüência se apresenta em nosso consultório, e isso não
acontece por acaso. Se o que guia o sujeito histérico é o
desejo de saber, como não dirigir essa procura também ao
psicanalista, aquele que precisamente supõe-se que sabe
e, em especial, da circulação do desejo e do sexo? O psica-
nalista pode, faci lmente, ser m ai s u m na série dos mestres
nos quais procurar respostas para as suas questões, série
na qual entram desde o médico até a cartomante.
Por outro lado, o convite à associação livre não re­
presenta uma dificuldade para o sujeito histérico. Ele sabe
melhor do que ninguém que uma palavra pode querer di­
zer.mais de uma coisa, que u m sim pode querer dizer não
Cmba m. Palonsky

e v1ce-versa.
Com essa apresentação, poderíamos pensar que a en­
trada em análi se da histérica é quase automática, mas i sso
seria um engano. Passar desse desejo de saber um saber
inexistente a uma disposição a saber o que há para saber
não é fácil. Evidentemente, não temos receitas para ofere­
cer, mas pelo menos podemos tentar descrever os proble­
mas que com freqüência se apresentam e as situações que
é preferível evitar.
Analisar a questão da transferência no tratamento da
hi stérica significa aplicar cada um dos fenômenos que te­
mos analisado no desenvolvimento da estrutura na rela­
ção com o ou a analista. Estamos marcando a distinção
BO porque o sexo do analista não é indiferente. Curiosidade,
tentativas de sedução, competição fálica, desafio, identifi­
cações várias são algumas das vicissitudes com que o ana­
li sta deverá lidar. Tentar saber sobre o desejo do analista e
"realizá-lo" é u m mecanismo que, se não for rapidamente
percebido e desarticulado, leva a confusões de supostas
"curas", baseadas na identificação com i deai s que o pró­
prio analista sustenta. Os exemplos desse tipo de situação
vão desde o casamento da paciente a mudanças na apa­
rência física.
Em outros termos, falamos de fenômenos imaginári­
os que não têm nada a ver com as modificações na posi­
ção subjetiva, mas que produzem, às vezes, grande satis-
Estruturas Clímcas na Clímca, n H1stena

fação narcísica no terapeuta, que se sente muito "eficaz",


sem perceber a posição em que o paciente o tem colocado.
Por outro lado, a figura do analista pode alimentar a
fantasia de ter achado alguém que poderia juntar saber e
amor, seja sob a forma de uma mãe que tem tudo para dar,
seja a de um homem finalmente diferente dos outros, a ex­
ceção que confirma a regra e que justifica todos os sofri­
mentos anteriores. Os analistas homens conhecem larga­
mente o que uma paciente histérica é capaz de fazer nes­
sas circunstâncias, e Freud mesmo teve de lidar com as di­
ficuldades que o levaram a construir o conceito de amor
de transferência.
Uma outra vertente do fenômeno é a do clima de de­
Bl
safio ·que procura o fracasso do analista, a prova da sua
impotência. As sessões adquirem então um ar de duelo e o
analista começa a ficar mais preocupado por não cair nas
redes do paciente do que por analisá-lo. Evitar entrar na
briga resulta, às vezes, muito difícil, e requer um posi­
cionamento muito seguro do analista.
Tal vez sej a importante lembrar que o sujeito histéri­
co é, de alguma maneira, a aranha que tece a teia, e a mos­
ca que fica presa nela, numa rede de insatisfação e sofri­
mento que pode ser mais ou menos divertida para quem
observa, mas extremamente frustrante para quem está nela.
Essa idéia pode ser útil para não cair na ingenuidad e de
pensar que ela se faz de ingênua e, porque diz uma coisa,
Cmba m. Palonsky

sabe o que está dizendo. A radical i dade do conceito de in­


consciente nunca é tão evidente. O recalque está aí, e a
gente se encontra frente a um sujeito em que os mecanis­
mos parecem óbvios, mas não o são para ele.
A importânci a da "outra mulher", por exemplo, pode
ser evidente na quantidade de tempo que lhe é dedicado
nas sessões, justificado nas penúrias que causa. Interpre­
tar o sentido de tal rivalidade e do ciúme seri a perder uma
boa oportunidade de assinalar a estrutura da situação e a
presença i mprescindível dessa figura, evitando também a
confusão com desejos amorosos homossexuais. Por sinal,
adverti r sobre a problemática histérica presente na homos­
sexuali dade feminina pode evitar o engano de analisá-la
82 em termos de perversão ou de aceitá-la como uma "opção
de uma pessoa livre". Sabemos que qualquer posição na
sexualidade não é nem tão opção nem tão l ivre.
A ameaça de suicídio no sujeito hi stérico merece tam­
bém toda nossa atenção; a tradição diz que quem ameaça
não faz, mas a prática diz que uma pessoa angustiada, in­
dependentemente de sua estrutura clínica, pode dar um
salto no vazio ou, mesmo correndo o risco do i rreparável,
tentar achar um lugar no desejo do Outro.
Entender a histeria em termos de estrutura, tal como
i nsistimos ao longo do trabalho, significa pensar em ter­
mos de posição do sujeito, independente da "excentrici­
dade" ou "normalidade" que as condutas do sujeito em
estruturas Clímcas na Clímca: n H1slena

questão apresentem. Este ponto é fundamental para não


confundir a histeria com uma psicose, o que poderia levar
a uma psiquiatrização e a uma croniticação do quadro.
Assim também, não é a magnitude do quadro o que deter­
m i na o diagnóstico de uma melancolia. Temos desenvol­
vido ao longo do seminário os conflitos que facilitam a
queda na depressão, sem que isto signifique uma mudan­
ça na estrutura. É diferente o caso da pessoa melancólica
que, em momentos em que se encontra compensada, pode
aparecer como histérica. Isto de fato acontece, e insisti­
mos mais uma vez que será a posição em relação à castra­
ção do Outro o que decidirá o diagnóstico.
Evidentemente, e em conseqüência da análise teóri-
ca que temos desenvolvido, o trabalho analítico deverá
83
apontar para uma saída que i mpl ica o atravessamento da
angústia no confronto com o real. Se deparar com a im­
possibi l idade é a única saída para o q u e é possíve l .
Isso i nclui a possibilidade de chegar eventualmente
a escolher um homem, uma vez constatada a i nexistência
de "O Homem". François Perrier, no seu artigo "Estructura
histerica e dialogo analitico", diz:

Na menina, a castração é assumida p o r e l a mesma


quando a mãe, que tem desejo do desejo do pai, se
converta para ela em uma mulher que sabe encon­
trar em seu homem aquilo que ele não pOS$Ui. 1 2

" PERR IER. 1987. p. 167.


Cmba ffi. Palonskg

Seria completamente i nútil ficar avaliando os moti­


vos da insatisfação e da reclamação como se fossem os
que determinam o quadro. Deparar-se com a castração
própria e a do Outro, com os limites da possibilidade sim­
bólica através da inclusão do real, é o caminho difíci l e
angustiante que o sujeito histérico tem para percorrer numa
análi se, se o analista que está conduzindo a cura sabe do
que se trata. Não sendo assim, resta a possibilidade de con­
tinuar na insatisfação e na reivindicação, e que a psicaná­
lise e o psicanalista passem a engrossar a lista dos impo­
tentes que nada conseguiram fazer com o seu sofrimento.

84
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CmtJa m. Palonsk�

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Este livro foi impresso na cidade de Belo Horizonte,
no outono de 1997, pela FUMARC,
para a Editora da PUC•Minas.
O tipo usado no texto foi Bedrok, no corpo 20. 14 e 9;
e Times, no corpo 1 0,5.
A diagramação do miolo e os fotolitos do miolo
e da capa foram feitos por EMS.
O papel do miolo é Pólen soft 7 0g,
e o da capa, Cartão Supremo 1 80g.
Esta estatueta de Atena pertence à coleção de
antiguidades de Freud e ocupava o centro
de sua escrivaninha.
A deusa traz em suas vestes a cabeça decepada
da Medusa, representação da castração,
segundo Freud.
A estatueta e a afeição que Freud lhe dedicava
simbolizam o seu esforço de entendimento
da sexualidade feminina, pensada em
referência a uma norma masculina.

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