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COLETTE SOLER
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e que as imagens recenseadas por Freud que a li pulu lam são a p enas
a tra d u ç ão no im a gin á r io de um p roc esso d i feren t e . E s t e não é i m a
ginár io, a saber, o e feito de p e rda l1 u e im p lica a relação a o O u tro , e
c u j a ameaça se reedita a c a d a ap ro x i mação deste O u t ro - a q ui
ap rox i m ;i ç ão t r a n s fc rc n cia l .
S a b l' m o s a t'd tima p a l av ra d e Fre u d s o b re e s s e pon to: " D i z e r
s e e l) u a n d o fo m o s b e m s u c e d i do s c m do m i nar es se fa to r nu m tra
t a m e n to a n al í t i c o s e r;í d i ríc i l . N ó s nos consoh m n s c o m a c e rteza
d e que o c a sio n a m o s a o a n a l i s a d o tod a a i n c i t a ç ã o po s s ív e l par;i re v i
sar e modificar sua posirão n o l1u e c o n c e rn e a esse fa to r " ( i b i d . , p. 2 6 8 ) .
M c s r re ga i a to , e s s e lJUe d e i x a e s co l h e r ! Sem d úv i da s e d i d lj U C é
u m l i be ralismo d e i m po t ê n c i a -·-- o l) U e de fa t o c o n o t a b ;i s ta nte a
evocação da c o n s o l a ç ã o - --- m a s não s e podc negar lJ Ue a pala v r a
!"i n a l e a sa ída ú l t i m a c a i b a m ;HJ u i a o s u j eito, o u a n tes à " i n s o n d .ívcl
dec i s ão d o ser " ( L1ca n , 1 94 6 , p. 1 77) .
1 �m s u m a , o s u j e i t o tra n s fo r m ado p e l a a n ;íli s e s e d c fi n i r.í p or
u m a IH >\';\ rcb ção com a c a s tração e c o m ;1 p u l s ã o .
( a pró p r i a tese lJ U C La c a n ret o m a a p a rt i r de l 9 (1 4 , em bora
com o u t r a s for1J1 u l a � õ e s e a t ravés da l) U a l d e c o m p l e t a a ê n fa s e
c o l o c a d a i n i c i a l 1 J 1 c n l e , e d u ra n t e dez a n o s , sobre a t erra pla n a g e m
de u m linguajar do conj u n to da l.'x periência do s uj e i to. Da a fi rmação,
n o Sr111i11ário, livro J J : os quatro co11reitosJi111da111rntais da psirn11álise ( I 9 64) ,
d e ll l11 S ll j e i to para ll U Clll , 1 1 0 final, a ra nta s i a S l' red u z à pu l s ã o , a t é
a e v o c a ç ã o m a i s t a r d i a d e u m a identificação fina l ao sinto m a , i s to é
a m e s m a lj l l C s t ã o de u m a rela ção i né dita ou não com p u l s ã o , e de
m o d o m a i s g e ra l , do t r a cam e n to poss ível do g o z o a p a r ti r do
i n c on s cien te c om o lin guagem.
Lacan, a o pro ferir lj U e , no final de uma an.ílis e, iden t i ficar-se
a o seu sin toma é o <1u e o suj eito pode fazer de melhor, surpreendeu
pon.1 u e sem dúvida ele foi mal se g uido a t é então. Ev i de n temente
tudo se deve à de finição do sintom a, aqui implíc ita, e q u e faz des s a
afirmação u ma expressão quase c riptografada. Poderíamos inclusive
pensá-la carregada de alguma provocaç ão irônic a . O analisa n te, de
fato, se dirige à anális e em nome de seu sofrimento, porque nele
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Um paradoxo?
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2. N . do T. No ori g inal, cette réponse du be1;g er à la bergere n 'est pas un p íed de nez, E m
francês . Jaire un p i1d d1 nez desi g na o g esto convencional d e derrisão: a p onta do
p ole g ar encostada na p onta do nariz com os outros dedos afastados.
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ela dê como a r t i fíc io ao suj e i t o falto de iden t i dade seus rep res en
t a n t e s e s u a s fi g u r a s , fo r n e c e n d o i n v ó l u c r o do q u e há d e
i r re p resentável n a roupa talhada à m oda d o O u t ro. Deve-se tam
bém frisar que esse vazio do suje ito não é apenas falha de rep res en
tação. É um vazio que não é inerte, porém dinâmico e cuja ativ idade
se n o m e i a , c o m Fre u d na memória, defesa. D e fesa con tra o gozo.
To talmente opos to, o s i n toma em sua defin ição fre udiana é
um modo d e g ozo. Todas as colaborações sucessivas q u e dele Lacan
pôde p ro p o r n o decorrer de seu e n s ino v i s a ram conceber de q ue
m o d o n r l c s e a r t i c u lam o elemento de l i n g uagem , nece s s á r i o s u p o r
p ara d a r c o n t a d o fa t o de q ue e l e sej a dec i frável e q u e e l e c e da à
d ec i fração, e o elemento de gozo (] U e a í se foz valer cm d e t r i m e n t o
d o s u j e i to. A defi n ição m a i s i m p o rtante do sin toma como fu nção
do s i g n i fi c a n t e , estru t u rado como u m a m e d fo ra , im p l i cava o gozo
n a c o m b i natória s i g n i ficante pela incidência do " s igni ficante eni g má
tico do trauma sexual" ( I 9 5 7, p. 5 I 8) como memorial de um encontro
i n t ru s ivo de g ozo. No mesmo filão, Lacan pôde distingu i r " o invól u
c ro forma l" ( I 9 6 6b, p . 6 6) do sintoma de seu n ú c l eo de g ozo.
A ú l t i m a defi n i ção d a d a p o r e l r no St111 i11ário, livro 2 2 : R .S.l.
( I 9 7 5 ) , com o fu nção da letra , res p onde à mesma necessidade, m a s
i n t ro d u z al g o novo. D izer c.1 u e o sin toma é g o z o d a letra não é
d i z e r s i m p l e s m e n t e <.1 uc a l e tra repres e n t a o gozo a t ít u lo d e
m e m o r i a l . É dizer q u e ela p r6pria é objeto e q u e p ortanto o g ozo
i n fi l t r a de uma parte a ou tra o próprio c a m p o da l i n g u a g em, con
fu n d indo a fronte i ra h a b i t u a lmente t r a ç a da e n t re a l i n g ua g em
m o r t i ficante e o gozo v i v i fica n te. Mas nesse campo da lin g uagem,
p or assim dizer gozado - gozo de decifrar é também "goza -de
sen tido" (jou i-sens) ( 1 9 74. p. 2 2) - o sintoma s e dist ingue como
uma fi xidez q u e "não cessa de s e escreve r " , sendo a p ró p ria letra
definida pela identidade a s i mesma, ao p asso q u e o s i g n i ficante
comporta sempre a diferen ç a. O incons ciente como lingua g em t ra
balha, dizia Freud. Traba lhador ideal, j amais em greve, acrescen tava
Lacan. Po is bem, o sintoma é o inconsciente p assado ao real: um
g rev ista, em suma.
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As v a r i a ç õ es do s i n t o m a a p a re c e m à fl o r dos fe n ô m e n o s , p o i s
e x i s t e m , é p a t e n t e , o s m a i s o u m e n o s i n c ô m o d o s . U n s s ã o i n t o l e rá
v e i s p e l o g o z o d e l e t é r i o q u e i n c l u e m , o u t ro s d e m a s i a d a m e n t e b e m
t o l e ra d o s - q u e s e p e n s e , p o r exem p l o , n a d ro g a o u a in d a n u m a
m u l h e r c o mo s i n t o m a , n e m s e m p re t ã o d e s ag r a dá v e l ; n o c a s o , n ã o
o b a s t a n t e ! Alg u n s s ã o p a rc i a l m e n t e d e s c o n h e c i d o s , p e r m a n e c e n d o
o s u j e i t o c a t i v o d e c o n d u t a s d e g o z o n ã o p e r c e b i da s c o m o t a i s , n ã o
s u bj e t i v a d a s , a t é q u e a a n á l i s e fa ç a c o m q u e e l e o s d i m e n s i o n e . E
d ep o i s , h á o e fe i t o t e ra p ê u t i c o q u e red u z t a l o u t] u a l d e s u a s fo r m a s
q u e a t e n u a m fo b i a s o u s o m a tizaçõe s , c o m o t a m b é m faz d e s a pa re c e r
a o b s e s s ã o d o Ho mem dos ratos. M a s n ã o i m p o r t a c1 u a l fo r a s u a ex
te n s ã o , e s t e e fe i t o s e m p r e d e i x a u m re s t o de s i n t o m a , i r re d u t ív e l a
(p1 a k1 u c r a n ;í l i s c tcrm i n ;1 d a , n o t] u a l s e fi x a p a r a c a d a u m o gozo
tJ U C foz s u p l ê n c i a � fa l ta d a r e l a ç ã o s ex u a l .
D o m e s m o modo a e x p e r i ên c i a d e m o n s t r a q u e j ;í se p o d e d i s
t i n g u i r d o i s c a s o s p a r t i c u la res, s e g u n d o o t] U C r e s t e n o fi n a l d a s
d i s tr i b u i ções d o gozo sej a m a i s n u m e n o s t o l c d v el p a r a o s u j e i to .
N ã o é cm t o d o s os c a s o s , n ó s o s a b e m o s , t] U C a a n á l i s e s e rá b e m
s u c e d i d a c m r e d u z i r a s fi xações dol o ro s a s da n e u ro s e e cm rec o n c i
l i a r o s u j e i t o c o m a s p u l s õ e s . C o n s i d e re m o s a rea ção t er a p êu t i ca
n e g a t i v a , na q u a l o s o fr i m e n t o perp e t u a d o c o m o u m fên i x e n c o n
tra s u a c a u s a e s s e n c i a l m e n os n u m a fi x a ç ã o de g o z o i m p o s s ív e l d e
red u z i r (po i s i ss o v a l e p a r a q u ak1 u e r s u j e i to) d o q u e na m a n u t e n ç ã o ,
e m e s m o no reforço d o que s e apres e n t a c o m o defe s a s u bj et i v a ( a qu e
la, p o r exe m p l o , q u e i n i c i a l m e n t e g e r a p a r a o Homem dos ratos o h o r
r o r q u e s u a o b s es s ã o l h e i n s p i ra) . N e s s e c a s o , a a n á l i s e s ó pode s e
a c h a r prolongada, e t] U a n d o e l a c h ega fi n a lm e n t e a s e u t e r m o , é
antes por renú ncia.
S e , e m t a l c a s o , q u isermos fa l a r a inda a s s i m d e iden t i fi c ação a o
s intoma, s eríamos tentados a confundi-la com uma s i mp les a c e i t a ç ã o :
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Conversão de gozy s
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maioria das vez es um homem antes tem " u m a " na cabeça e não
pode fazê-la sair de seu espírito. Às vezes isso se acompanha de
fobia: ele não pode se aproximar, ou seja, aproximar-se de tod as
exceto dela, para evocar a fórmula "tudo menos isso" que Lacan
aplica à m u l her de Sócrates. Isso tampouco exclui a fetich ização:
esta e nenhuma outra, condição vital, absoluta, sem a qual o suj eito
crê estar à beira da morte.
Um c aso m e pareceu bem ilustrativo do valor de sintoma de
uma mulher: vê-se nele uma seqüência que indica a equ ival ênc i a
desta com a condição fantasístic a d e gozo; e m s egu ida, q u a n do s e
interrogam a s particular idades da escolha de obj eto, o s tra ços que a
conectam com o próprio inconsciente do suj e ito, de um modo quase
fetichista.
É um rapaz inteiramente votado às práticas masturbatórias
- que portanto nunca se a p rox imou carnalmente de uma m ulher
- com precisas téc nicas que as acompanham e q u e cons istem em
utili zar fotos publicitárias nas qua is o traço distintivo é o fa ro do
corpo não estar inteiro. Ele escolhe pedaços de corpo, ele não p re
cisa ver senão um pedaço para que seja erótico; ou então, gravações
de c asa is copulan do - eis a í, portanto, a maneira pela qual est e
rapaz consome sua energia na masturbação. Eis que encontra "um a "
mulhe r. A partir d o momento em que ele está com essa pessoa, h á
uma desapa rição-milagre d e todos os cenários masturbatórios.
Podemos j á deduzir que ele permutou uma condição de gozo por
uma outra e que ela está situada no próprio lugar das condições
fantasísticas que ele utilizava até então. Porém a prova vai muito
mais longe: a jovem o deixa, e i -lo sozinho. . . Poderíamos supor que
ele retornaria aos seus cenários, mas . . . não imediatam ente. Durante
um bom tempo ele l h e escreve , escreve-lh e cartas injurios as, amea
ças, todo tipo de c oisa. Enquanto ele l h e escreve, nada de
masturbação, nada de cenários. Uma manobra da moça conduz à
interrupção das cartas e aí, isso é bem demonstrativo, apenas ele
cessa de escrever, recomeça com as mesm a s pequenas fotos, as m es
mas grav ações. Dito de outro modo, não somente se vê de modo
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necessidade para que ela seja desej ada, a fim de que volte a ser pobre.
A de pre c i ação o favorece, pois depreciar o obj eto é lhe dar o sentido
da cast ração. É u m a estra tégia do suj e i t o homem para fazer oscilar
- o termo é de Lacan em "A s u bversão do suj e i t o na dialética do
desej o " ( I 9 6 0b) - a castração imaginária de um termo a outro do
casal.
Esse primeiro desenvolv imento pode ser c ompletado obser
vando q u e " nela cre r " não se s i tua ao nível do ter, mas do ser: crer
em s u a mulher é crer que o q u e ela p rofere não fala a p enas dela, mas
de você. É c laro, há a palavra de amor, da qual a mulher é suposta
deter o requ i n tado manej o , e que ... embeleza aquele a quem ela se
endereça . S ó qu e h ;í também a palavra de verdade, a que nos inte
ressa aqu i e esta é sempre ou tra coisa.
A palavra d e verd a d e n u n ca é u m a palavra de amor - isso não
tJUCr dizer ()UC o amor não sej a verdade, de p ode sê-lo, porém q u ando
u m sujeito diz a verdade, parecia ti u e o a m o r m entia. Não é e s t a
uma d a s m ú l t iplas razões p e l a s t)u a i s a s m u l heres são t ã o a c usadas
de men t i r ? Elas tJUC manejam pre fe renc ialmente a palavra de amor,
tJ Uando vem a palavra de verd a de o engano explode. A l ín g ua traz o
ves tíg i o de tJUe verdade e amor não fazem um tão bom ménage:
" Dizer a algu ém suas quatro verdades " , isso está mais relacionado
com uma mensa g em de castração. Isso s e parece m u i t o ao (J U e
S c h rcbcr escuta de s u a s vozes : " Tu n ã o és um h o m e m " , não o b a s
tan t e ! Res u l tado: c re r em u m a m ulher é não apenas instalá-la no
l u gar de um s upereu feroz, mas também c olocá-la em competição
c o m a articulação do inconsciente. Muitas coisas s e deduzem disso:
p rimeiro, que uma mulher em quem s e crê não é um s i n t o m a
analisável; q u e a fiscal ização exe rcida por c e r t a s mulheres sobre a
análise de seu homem tem sua lógica, exatamente como o s es tra
nhos s i l ê n c i o s q u e às vezes o b s e rvamos nos testem u n h o s dos
p assan tes a respeito de uma mulher que, a olhos vistos, conta, e da
qual nada se diz.
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Um amor ateu?
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