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Jung tornar mais claras suas divergências com e estou cansado de lutar. Estamos todos em
o freudismo*. perigo. Os suíços nos salvarão, eles me salvarão
Quanto a Freud, o apego e o amor que ele e a todos vocês.” Fritz Wittels* transcreveu
dedicava a Jung mostravam uma vontade deter- essas palavras em sua biografia de Freud.
minada de tirar a psicanálise do gueto da judei- Em 1912, o conflito entre Freud e Jung se
dade* vienense. Se Sandor Ferenczi* era para tornou evidente, quando Jung preparou a publi-
ele o melhor dos filhos, aquele que mais amaria cação de Metamorfoses da alma e seus símbo-
(com Otto Rank*), Carl Gustav Jung teria outro los, que teria muitas reedições. A discordância
destino. Estranho à tribo vienense, mas de cul- foi completa a respeito da teoria da libido. Mas
tura alemã (e conseqüentemente mais próximo a gota d’água foi um acontecimento menor.
dele do que Ernest Jones*), era de fato conside- Freud foi visitar Ludwig Binswanger*, operado
rado como um filho enfim capaz de reinar sobre de um tumor maligno e não passou por Küs-
a causa analítica, e até de conduzi-la a outras nacht, que ficava apenas a cinqüenta quilôme-
conquistas. Sem nenhuma dúvida, Freud sus- tros de Kreuzlingen. Jung interpretou esse gesto
peitava que Jung era anti-semita. Mas, pelas como uma ofensa. Depois de várias disputas,
necessidades da causa, queria absolutamente durante as quais Jung tentou convencer Freud
reconciliar os judeus e os anti-semitas, como da necessidade de dessexualizar sua doutrina
escreveu em uma carta a Karl Abraham*, a 23 (nem que fosse, disse ele, para que ela fosse
de julho de 1908: “Presumo que o anti-semitis- mais bem acolhida), a ruptura se consumou em
mo contido dos suíços se refere um pouco a 1913. Freud tomou a iniciativa de romper, de-
você [...]. Nós devemos, como judeus [...], mos- pois de ter uma síncope em Munique durante o
trar um certo masoquismo, estar dispostos a que jantar do congresso da IPA.
nos prejudiquem um pouco.” A partir de 1914, Jung se demitiu progres-
Entre 1907 e 1909, tornando-se o príncipe sivamentee de todas as suas funções. Nas socie-
herdeiro da causa, Jung fundou a Sociedade dades psicanalíticas já formadas, os junguianos
Sigmund Freud de Zurique e o Jahrbuch für se separaram dos freudianos para organizar seu
psychoanalytische und psychopathologische próprio movimento. Mas este nunca teria a am-
Forschungen*, animou o debate sobre a demên- plitude do de Freud.
cia precoce através do “caso Otto Gross*,” en- Depois de um longo período de crise interior
frentou as peripécias de sua paixão por Sabina e depressão, que coincidiu com a duração da
Spielrein*, e enfim acompanhou Freud quando Primeira Guerra Mundial, Jung iniciou a elabo-
este fez uma viagem de conferências aos Es- ração de sua obra. Deu o nome de psicologia
tados Unidos*. Aliás, voltaria a esse país em analítica à corrente de pensamento em que se
1912, obtendo um grande sucesso. Em 1909, baseia seu método de psicoterapia. Com essa
deixou o Hospital Burghölzli para se dedicar à denominação, pretendia significar que a psique
sua clientela particular e retirou-se para uma não tinha nenhum substrato biológico. Quanto
bela casa espaçosa, construída segundo seus à clínica, ela tinha como objetivo reconduzir o
planos e situada em Küsnacht, perto do lago de sujeito à realidade e libertá-lo de seus “segredos
Zurique. Ficaria ali durante toda a vida. patogênicos”, segundo a expressão de Moritz
Em 1910, em Nuremberg, foi eleito primeiro Benedikt*. O método junguiano se inscrevia
presidente da Internationale Psychoanalytische assim na continuidade das antigas “curas de
Vereinigung (IPV), futura International Psy- alma” dos pastores protestantes.
choanalytical Association* (IPA). Aos vienen- Em 1919, Jung elaborou a noção de arquéti-
ses invejosos, Freud declarou: “Vocês são ju- po, oriunda da noção de imago*, para definir
deus na maioria, e por isso inaptos para conquis- uma forma preexistente inconsciente que deter-
tar amigos para a nova doutrina. Os judeus mina o psiquismo e provoca uma representação
devem se contentar com um papel modesto, que simbólica que aparece nos sonhos, na arte ou na
consiste em preparar o terreno. É absolutamente religião. Os três principais arquétipos são o
essencial que eu estabeleça laços com os meios animus (imagem do masculino), a anima (ima-
científicos menos restritos. Não sou mais jovem gem do feminino) e o selbst (si-mesmo), verda-
riam a que sua doutrina fosse utilizada pela râneo (1936, GW, X), Petrópolis, Vozes, 1988; “Docu-
política de nazificação da psicoterapia alemã. ments inédits en français” (1933-1937, GW, X, sob o
título Zivilisation im Übergang), Cahiers Jungiens de
A comunidade internacional junguiana se Psychanalyse (CJP), 82, primavera de 1995; 5-35; “Zur
dividiria sobre a questão da responsabilidade de gegenwärtigen Lage der Psychotherapie”, Zentralblatt
Jung, e foi Andrew Samuels, psicoterapeuta für Psychotherapie, 7, 1934, 1-16 (não traduzidos em
junguiano, membro da Sociedade Londrina de CJP); Psicologia e religião (1938-1940, GW, XI), Pe-
Psicologia Analítica, que redigiu em 1992 um trópolis, Vozes, 1979; Psicologia do inconsciente
(1943, GW, VII), Petrópolis, Vozes, 1978; Psychologie
dos comentários mais notáveis sobre esse perío- du transfert (1946, GW, XVI), Paris, Albin Michel, 1980;
do doloroso da história. Dizendo-se ele próprio Essays on Contemporary Events. Reflections on Nazi
adepto do culturalismo*, mostrou que foi a Germany (1946), Princeton, Princeton University Pres-
tentativa de instaurar uma psicologia das nações s, 1989, precedido de um prefácio de Andrew Samuels;
que conduziu Jung a aderir à ideologia nazista Aion (1950-1951, GW, VIII, IX), Paris, Albin Michel,
1983; Resposta a Jó (1952), Petrópolis, Vozes, 1979;
e conclamou os “pós-junguianos” a reconhecer Ma vie (Zurique, 1962), Paris, Gallimard, 1966; Conflits
a verdade. de l’ âme enfantine. La Rumeur. L’Influence du père,
Na França*, no número especial dos Cahiers Paris, Aubier-Montaigne, 1935; O eu e o inconsciente,
Jungiens de Psychanalyse dedicado a esse epi- Petrópolis, Vozes, 1978; Phénomènes occultes, Paris,
sódio, o artigo da Zentralblatt de janeiro de Aubier-Montaigne, 1939; Le Mythe moderne, Paris,
Gallimard, 1961; Mysterium conjunctionis, I e II (GW,
1934 (“Zur gegenwärtigen Lage der Psychothe- XIV), Petrópolis, Vozes, 1990; Correspondance, 1906-
rapie”) foi suprimido da lista dita “completa” 1961, 5 vols., Paris, Albin Michel, 1992-1997; Carl
das declarações de Jung entre 1933 e 1936, o Gustav Jung parle. Rencontres et entretiens, Paris,
que permitiu aos diversos comentadores isentar Buchet-Chastel, 1985 • Freud/Jung: correspondência
Jung de qualquer suspeita de anti-semitismo. completa (Paris, 1975), Rio de Janeiro, Imago, 1993 •
Fritz Wittels, Freud, l’homme, la doctrine, l’école (Viena,
Carl Gustav Jung morreu em sua casa de Küs- Leipzig, Zurique, 1924), Paris, Alcan, 1929 • Gustav
nacht em 6 de junho de 1961. Suas cinzas foram Bally, “Deutschstammige Psychoterapie”, Neue Zücher
depositadas no túmulo da família, que ele próprio Zeitung, 343, 27 de fevereiro de 1934 • Richard Evans,
decorara. Nessa época, seus adversários continua- Entretiens avec Carl Gustav Jung, Payot, 1964 • Henri
vam a tratá-lo de colaboracionista, enquanto seus F. Ellenberger, Histoire de la découverte de l’incon-
scient (N. York, Londres, 1970, Villeburbanne, 1974),
amigos e próximos afirmavam que ele nunca
Paris, Fayard, 1994; Médecines de l’âme. Essais d’his-
participara da menor tomada de posição em favor toire de la folie et des guérisons psychiques, Paris,
do nazismo ou do anti-semitismo. Fayard, 1995 • André Virel (org.), Vocabulaire des psy-
chothérapies, Paris, Fayard, 1977 • Vincent Brome,
• Carl Gustav Jung, Gesammelte Werke, 20 vols. (com Carl Gustav Jung. L’Homme et le mythe (Londres,
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scher Verlag, e Olten, Walter Verlag, 1960-1991; The Chicago, The University of Chicago Press, 1979 • A
Collected Works, 21 vols. (com um índice, um volume Critical Dictionary of Jungian Analysis, Andrew Sa-
de bibliografia e um suplemento), Londres, Routledge muels, Bani Shorter e Fred Plaut (orgs.), Londres, N.
e Paul Kegan, 1957-1983; A energia psíquica (1902- York, Routledge e Paul Kegan, 1986 • Linda Donn,
1934, GW, I, VIII), Petrópolis, Vozes, 1983; Métamor- Freud et Jung. De l’amitié à la rupture (N. York, 1988),
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1936, GW, XII), Petrópolis, Vozes, 1991; Les Racines
de la conscience (1934-1954, GW, IX, XIII), Paris, ➢ CINCO LIÇÕES DE PSICANÁLISE; GROSS, OTTO;
Buchet-Chastel, 1970; Aspectos do drama contempo- SPIELREIN, SABINA.