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JUNG
VIDA E OBRA
13� edição
ffi
PAZ E TERRA
Este pequeno liuro não tem a pretensão de
resumir a psicologia de C. G. Jung. Nunca eu ten
taria realizar semelhante tarefa que me parece im
praticável. E apenas um mapa de bolso, um itine
rário de estudo. Terá atingido seu objetivo se
for útil, como guia e intérprete, a quem se inte
resse pela extraordinária riqueza do pensamento
de C. G. Jung, mas que se ache um pouco per�
dido face ao uolume e à densidade de sua obra.
Seguindo o hábito de guias e intérpretes, não
consegui abster-m e de uma ou outra consideração
pessoal no curso do caminho. Espero que o leitor
não me leve a mal p isso.
Na última página dé cada capítulo vem uma
indicação de leituras para aqueles que desejarem
ampliar seus estudos sobre a psicologia jungu ea
na. As obras indicadas não constituem, neCessa
riamente, referências relativas ao texto. No final
do livro consta relação das obras de Jung publi
cadas em português, inglês, francês e espanhol.
Agradeço afetuosam ente a Otávio de Freitas
/unior, o responsável pela idéia deste livro; aos
companheiros do Grupo de Estudos C. G. Jung.
que me animaram a escreuê-lo; a Leo Victor e a
Lia Cavalcanti, por muitas sugestões úteis à cla
reza do texto; a Ald:omar Conrado, que amavel
m ente fez a correção ortográfica. Fi c o muito grata
a Lourdes Mascarenhas, que datilografou o ma
nuscrito com inalterável paciência.
9
C . G, Jung: - Vida e Obra.
Carl Gustav Jung nasceu a 26 de julho de
1875, em Kesswil, aldeia pertencente ao candio
da Turgovia, Suíça. Seu pai, Paul Achilles Jung,
aí exercia as 'funções de pastor protestante. O
menino Carl Gustav tinha quatro anos quando o
pai foi transferido para Klein - Huningen, nos
arredores de Basiléia. Foi em Basiléia onde Jung
fez todos os seus estudos, inclusive o curso mé
dico. Esta cidade era, na época, um dos mais im
portantes centros culturais da Europa. Basta lem
brar que Nietzche deu cursos memoráveis na Uni
versidade de Basiléia no período 1869-1879 e que
o historiador-filósofo Jacob Burckhardt ocupava;
por estes tempos, uma cátedra nessa mesma Uni
versidade. Também ecoava ainda naqueles dias a
fama do reformador da Faculdade de ·Medicina
de Basiléia, Carl Gustav Jung, avô paterno do
futuro psicólogo. que recebeu o nome de seu an
cestral ilustre. I?,umores corriam de que o velho
C . G . Jung fosse filho ilegítimo de Goethe. Nada
ficou provado neste sentido, mas comentava-se
que tànto seus traços fisionômicos, quanto seu jnes
cedível encanto pessoal o assemelhavam ao autor
do Fausto.
No . seu livro de MEMÓRIAS, Jung não es
conde as restrições que fazia ao pai. Desde mui-
II
Este trabalho teve por título Psicologia e pa
-
tomas, ainda os mais absurdos, encerram signifi
tologia dos fenômenos ditos ocultos. Trata-se do cações, descrevem as frustrações, desejos e espe
estudo do caso de uma jovem medium espírita. r�nças dos doentes.
Jung, em 1902, interpreta os numerosos espíritos
manifestados, como personificações de aspectos Somente em 1907 Jung entrou em contacto
diferentes e até opostos da própria medium e clas pessoal com Freud.· No dia 27 de fevereiro da
sifica-os em dois grupos: o tipo grave-religioso e quele ano Jung visitou Freud em Viena, e esta
o tipo alegre-libertino. Mas igualmente "elél se primeira visita prolongou-se por treze horas a fio
sonha" num estado superior que ultrapassa os ex .de absorvente conversação. Freud logo reconhe-
tremos que a dilaceram. O espírito lvenes, de ca ceu o alto valor de Jung e viu no suíço, no não
tegoria mais alta, encarna sua personalidade se judeu, o homem adequado para conduzir avante a.
gunda, ainda em processo de desenvolvimento. psicanálise. Mas sobretudo viu nele "um filho mais
No ano de 1905 foi designado primeiro Obe velho", um "sucessor e príncipe coroado" (carta
rartz, isto é, assumia o posto imediatamente abai de Freud à Jung, datada de 16. 4 . 1909) .
xo de Bleuler na hierarquia do hospital. No mesmo De 1907 à 1912 estabeleceu-se estreita cola
ano era nomeado Privat-Dozent, iniciando cursos boração entre Freud e Jung. No outono de 1909
de crescente repercussão, na Universidade de Zu viajaram juntos aos Estados Unidos, por ocasião
rique. das comemorações do vigésimo aniversário da
No Burgholzli, Jung trabalhou incansavel Clark University. Freud ali pronunciou as céle
mente conio colaborador de Bleuler e como pes bres cinco conferências sobre psicanálise e Jung
quisador original. Marcaram época suas expe apresentou seus trabalhos relativos às associações
riências sobre as associações verbais. Essas expe verbais.
riências, iniciadas com o intento de trazer esda Em 19 1O foi fundada a Associação Psicana
recimentos concernentes à estrutura psicológica da lítica Internacional. Freud usou toda sua influên
esquizofrenia, em breve transformavam-se, nas cia para que Jung fosse eleito presidente dessa
mãos do jovem pesquisador, num método de ex Associação e assim aconteceu. Mas, já em 19 12, o
ploração do inconsciente. Conduziram-no à des livro de Jung, METAMORFOSES E SÍMBOLOS DA LI
coberta dos complexos afetivos. A conceituação BIDO marcava divergências doutrinárias profundas
de complexo, juntamente à técnica para detectá que o separaram de Freud. Eram ambos per
lo, foi a primeira contribuição de Jung à psico sonalidades demasiado diferentes para caminha
logia moderna. rem lado a lado durante muito tempo. Estavam
No ano de 1906 Jung publicou os ESTUDOS destinados a defrontar-se como fenômenos cul
SOBRE ASSOCIAÇÕES; A PSICOLOGIA DA DEMÊNCIA turais opostos.
PRECOCE, apareceu em 1907 e, a seguir, 1908, O
CoNTEúDo DAS PsicosEs. Os dois últimos traba Jung casou-se em 1903 com Emma Raus
lhos demonstram que nas psicoses todos os sin- chenbach, nascida em 1882. O casal teve cinco
14 15
filhos. Emma era uma companheira devotada, so,. Começava um período de ativação do incons,.
lidária e muito interessada pelos problemas de psi ciente, de intensas experiências interiores. De so
cologia. Dedicou-se durante longos anos a pes nhos impressionantes, mesmo de ·visões. Jung de,.,
quisas sobre a legenda do Graal. morrendo, po cidiu,.se a aceitar que as imagens do inconsciente
rém, antes de concluir sua obra (1955). Seu li emergissem. Pareceu-lhe que a melhor solução se
vro -INTERPRETAÇÃO PSICOLÓGICA DA LEGENDA ria esforçar-se por decifra-lhes o sentido, man
oo GRAAL, levado a termo pela Dra. Marie Louise tendo a consciência sempre vigilante e não per
von Franz, foi publicado em 1.960. dendo o contacto com a realidade exterior.
Desde 1909 até morrer Jung residiu na mes Foi através da interpretação de seus sonhos
ma casa. na Seestrasse 228, às margens do lago e experiências internas que Jung chegou à des,.
de Zurique. coberta de um centro profundo no inconsciente,
Jung era um homem alto, bem construído, ro centro ordenador da vida psíquica e fonte de
energia.
busto. Tinha um vivo sentimento da natureza.
Atento aos fenômenos que se desdobravam
Amava todos os animais de sangue quente e sen·
no íntimo de sí próprio, apreendeu o fio e a si�
tia-se com eles "estreitamente afim". Amava as
nificação do curso que tomavam, verificando que
escaladas das montanhas, porém preferia velejar
outra coisa não acontecia senão a busca da rea,.
sobre o lago de Zurique. Possuía seu barco pró
lização da personalidade total (processo de indi,.
prio.. Na mocidade passava às vezes vários dias
viduação - ver capítulo VI).
velejando em companhia de amigos, que se reve
Livre dos preconceitos científicos ainda vi- .
savam no leme e na leitura em .alta voz da Odis gentes, nas suas MEMÓRIAS escritas aos 83
séia. Igualmente velejava sozinho e o fêz até ida anos, Jung refere,.se às experiências interiores
de bastante avançada. vivenciadas entre dezembro de 1912 e fins de
Aos 38 anos ( 1913) Jung havia cumprido 1918, dizendo: "Levei pràticamente 45 anos para
largamente todas as tarefas da primeira metade destilar dentro do recipiente de meu trabalho cien,.
..
da vida. Tinha constituído família: afirmara-se tífico as coisas que experimentei naqueIe tempo.
no campo profissional. sendo procurado por enor Para que o indivíduo não seja tragado pelo
me clientela que acorria de toda a Europa e da inconsciente, adverte Jung, é necessário manter-se
América; conquistara renome científico mundial. firmemente enraizado na realidade externa, ocu,.
par,.se de sua família, de sua profissão. E, sem
Agora ia abrir-se uma nova fase na sua vida.
perder o ânimo, encarar face a face as imagens
Haviam sido rompidos os laços com o grupo psi
do inconsciente. Certo, a tarefa é difícil. Para Je,.
canalítico. E neste mesmo ano de 1913, Jung re
vá-la a termo sem nenhuma ajuda, segundo Jung
nunciou ao título de Privat-Dozent (já em 1909 o conseguiu, o requisito prévio será a existência
demitira,.se do cargo de psiquiatra do Burgholzli). de um ego bem estruturado e coeso, pois o pro,.,
abandonando assim a carreira universitária. Co
cesso inconsciente terá de ser continuamente liga
meçava um difícil período de solidão. do ao consciente.
16 17
ciente coletivo. Séus trabalhos sobre o conceito Fiel ao seu método de trabalho, Jung apre
de inconsciente coletivo e os arquétipos foram. na sentou essa nova descoberta numa conferência feita
maioria, primeiro apresentados em forma de con no Eranos de 1935 .. Simbolismo dos sonhos
ferências (nas reuniões científicas internacionais e o processo de indivic/.uação, seguida, em 1936, de
denominadas Eranos, realizadas em Ascona ) e só uma outra - A idéia de rendenção em alquimia.
publicados em livros anos mais tarde, depois de Essas conferências foram retrabalhadas e enrique
revistos e amplamente documentados. Por exemplo: cidas de enorme documentação e por fim •publica
o ensaio A r quétipos do Inconsciente Coletivo (Era das num volume, sob o título de PSICOLOGIA E AL
nos-1934 ) . apareceu em livro, modificado e am QUIMIA, em 1944.
pliado, vinte anos depois; o trabalho sobre o Ar A obra de Jung é comparável a um organis
quétipo Mãe. sofreu elaboração quase tão longa. mo vivo que cresce. se desenvolve e se transf6rma
pois nascido no Eranos de 1938 veio a tomar lugar simultaneamente com seu autor.
nas obras de Jung em 1954.
Em 1945 Jung completou 70 anos. E estava
Se a intuição é um relâmpago, se a experiên no apogeu da atividade criadora. Prosseguia nas
cia interior é um relâmpago, o trabalho científico pesquisas sobre alquimia. publicando PSICOLOGIA
necessariamente terá de ser construido devagar e DA TRANSFERÊNCIA ( 1946) e MISTERIUM CONIUNC
com prudência. Jung nunca se embriagou de or TIONIS, livro que muitos julgam sua obra máxima,
gulho nem pelo seu gênio nem pelas suas expe no qual trabalhou durante dez anos e que foi
riências interiores (experiências que outros fre dado à publicidade em 1955, quando o autor atin
qüentemente interpretam como privilégios sobre gia os 80 anos.
naturais ). Se era um homem, outros homens de Simultaneamente, escrevia numerosos ensaios.
veriam ter vivido algo semelhante aa que ele es dentre os quais apenas citaremos RESPOSTA A JOB
tava vivendo. Pos-se então a buscar prefigurações ( 1952). um de seus livros mais belos e mais
históricas para suas experiências interiores e , nes discutidos.
sas pesquisas, fez o surpreendente achado de que
Sempre atento aos acontecimentos contempo
o processo pelo qual ele próprio passara corres
râneos, depois dos 80 anos escreveu ainda PRE
pondia ao processo de transformação alquímica.
SENTE E FUTURO, 1957 e UM MITO MODERNO (os
A "arte" aiquímica seria a projeção sobre a discos voadores ) . 1958. Quando se poderia talvez
matéria de processos em desdobramento no incons pensar que ós assuntos da prática médica não
ciente. Vivenciados pelos alquimistas, continua mais o interessassem, Jung apresentou, no con
vam acontecendo no presente, segundo o simbolis gresso Internacional de Psiquiatria, Zurique -
mo que os sonhos de hom.ens e mulheres contempo 1957, um trabalho sobre a esquizofrenia, que é
raneos deixava entrever. Assim, a psicologia ana não somente interpretação teórka dessa doença,
lítica encontrou, na alquimia, sua contraparte mas que também está cheio de indicações utilisá
histórica. veis pelo psiquiatra clínico no trabalho cotidiano.
20 21
ção do interesse libidinal, na acepção de interesse mos do inconsciente que se revelavam a seus olhos.
erótico? Freud sustentava esta opinião. Jung não E tanto na prática clínica quanto na experimenta..
aceitou que o contacto com a realidade fosse man.. ção psicológica comprovou a existência dos meca ..
tido unicamente através de "afluxos de libido" ou nismos descritos por Freud, mas desde logo suas
seja de interesse erótico. Verificava em seus doen .. interpretações nem sempre coincidiram exatamen..
tes não só perda do interesse sexual mas de todos te com as interpretações do mestre de Viena. Ape.�
os interesses que ligam o homem ao mundo exte.. sar de divergêncicas abertas ou latentes, os anos
rior. Para estar de acordo com Freud seria, por..
de colaboração estreita entre Freud e Jung ( 1 907..
tanto, necessário admitir que toda relação com
1 9 1 2 ) foram, sem dúvida, muito fecundos para a
o mundo era, na essência, uma relação erótica.
Isto pareceu a Jung inflação excessiva do concei .. psicanálise. O desentendimento decisivo, porém,
to de sexualidade. Sua posição , desde o iní.. acabou surgindo. Foi provocado pelo concei
cio, foi esta. Já no . prefácio do livro PSICOLOGIA to de libido, entendida como energia psíquica
DA DEMÊNCIA PRECOCE, havia escrito : "Fazer de uma maneira global, apresentado por Jung,
justiça a Freud não implica, como muitos temem, em M ETAMORFOSES E SÍMBÓLOS DA LIBIDO. Eis
submissão incondicional a um dogma; pode..se um livro extremamente . denso, porém de leitu
muito bem manter um julgamento independente. ra apaixonante.. Seu tema é o comentário psi
Se eu, por exemplo, aceito os mecanismos com.. cológico dos poemas e outros escritos de Miss
plexos dos sonhos e da histeria, isso não signifi Miller. um caso fronteiriço de esquizofrenia. Mas
ca que atribua ao trauma sexual infantil a im .. em torno deste núcleo, as idéias borbulham num
portância exclusíva que Freud parece conceder.. verdadeiro festival de atividade . criadora exceden
lhe. Ainda menos isso significa que eu coloque a do de longe o objetivo primeiro. As imagens poé
sexualidade tão predominantemente . no primeiro ticas de Miss Miller dão lugar a abundantes pa..
plano ou que lhe atribua a universalidade psico .. ralelos mitológicos e ao aprofundamento de suas
lógica que Freud lhe atrioue, dado o papel enor significações, resultando daí uma tal profusão de
me que, decerto, a sexualidade desempenha na
dados que o leitor poderá talvez sentir..se como
psique". Note.. se que este prefácio está datado
alguém perdido numa espessa floresta. Carregan..
de julho de 1 906.
Daí se vê que entre . Freud e Jung não exis .. do tantas inovações, METAMORFOSES E SÍMBOLOS
tiram relações do tipo mestre ..discípulo, segurtdo DA LIBIDO provocou enorme celeuma e não pou
se repete . tão freqüentemente. A verdade . ó .que cos malentendidos. A fim de esclarecer e desen
Jung nunca deu sua adesão total a Freud. volver seu conceito de libido, .apresentado neste
Quando leu as primeiras obras de Freud livro junto a várias outras idéias, Jung escreveu
um trabalho à parte denominado sOBRE A EN E R
·
42 43
mumente é designado peia oposiçao natureza�es.. a símbolos cadu�os, esvasiados da energia que an�
pírito. Espírito não é entendido aqui como algo tes os animava, que se processa, na sua essência,
transcendente. Para Jung, as forças que se opõem o desenvolvimento da psique do homem.
à instintividade são tão naturais quanto os pró·
prios instintos e, tanto quanto estes, são podero.. Posteriormente, no grande ensaio SOBRE A
sas. "Rigorosamente falando, o princípio espiri-: NATUREZA DA PSIQUE ( 1 954 ) , Jung irá apresen
tual não entra · em colisão com o instinto. mas com tar outros desenvolvi mentos relativos à energé
a institntividade cega na qual se manifesta pre..
.,.
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Distinguiu inicialmente aqueles que partem Quando Sartre diz que a existência do outro 0
rápidos e confiantes ao encontro do objeto, da atinge em pleno coração, que sua presença lhe traz
queles que hesitam, recuam, como se o contato uma sensação de m�l estar, que por causa do ou
com o objeto lhes infundisse receio ou fosse uma tro sente-se perpetuamente em perigo, define uma
tarefa demasiado pesada. A primeira forma de ati atitude de introversão. Já na pintura de Matisse
tude denominou extroversão e à segunda intro acontece o contrário. O objeto é glorificado. .ale
versão. Estes termos que se popularisaram, que o retira da atmosfera que o envolve para dar-lhe
todo mundo repete aplicando-os bem ou mal, fo mar_cados contornos e colorido intenso. Uma feliz
.
ram criados e introduzidos em psicologia por Jung e confiante relação estabelece-se entre o hom em ;
O conceito de extroversão e de introversão ba- e o mundo. Naturalmente os psicólogos não es�
- seia-se na maneira como se processa o movimento capam à condição humana e funcionam êles pró�
da libido ( energia psíquica ) em relação ao objeto . prios, tão curiosos da alma alheia, deritro de suas
ao
Na extroversão a libido flue sem embaraços peculiares equações pessoais. Jung estudou-os com
a libid o recu a particular atenção, pois intrigava-o que os mesmos
encontro do objeto. Na introversão
diante do objeto, pois este parece ter sempre em fenômenos psíquicos fossem vistos e compreendi
o dos tão diferentemente por homens de ciência, cada
si algo de ameaçador que afeta intensamente
indivíduo. Mas, em movimento de compensação
, um de seu lado, honestamente convencido de ha
uma corrente energética incon scien te retroc ede ver descoberto a verdade única. Exemplo de · es
para o sujeito na extroversão e, na introversão, um colha é o caso Freud-Adler. Freud valorisa sobre�
tudo o objeto. O homem é um feixe de pulsões
fluxo de energia inconsciente- está constantemente
em busca de objetos amaráveis e sua meta seria,
emprestando energia ao objeto. Portanto, vista em
o, não fosse a repressão imposta pela sociedade, a
seu conjunto, verifica-se na circulação da libid
vers ão naqu e expansão livre dos instintos até a obtenção dos
um movimento inconsciente de intro
, objetos desejados, os quais são fontes de prazer
les cuja personalidade consciente é extrovertida em si mesmos, por suas qualidades específicas.
e um movimento inconsciente de extro vers ão na
i Muito diversa é a relação do homem com o obje-"
queles cuja personalidade consciente é introvert to, segundo Adler. Antes de tudo ele buscq se
da. Ex troversão e introversão são ambas atitudes
·
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vertida, tipo intuição extrovertida : - tipo pensamen
importância no organismo psíquico. A terapêutica to introvertido, tipo sentimento introvertido, tipo
ocupacional tem aí um rico filão a explorar. sensação introvertida, tipo intuição introvertida.
Essas funções dispõem-se duas a duas, em Comecemos pela descrição dos quatro tipos
oposição. É fácil compreender que se a intuição extrovertidos.
é a função principal, necessariàr.aente a sensação
será a função inferior. Desde que o intuitivo apre
ende as coisas no seu conjunto e aquilo que o
Tipo pensamento extrovertido.
atrai é o clima onde elas se movem para seus des
tinos ainda incertos e obscuros, certamente ele não A personal idade consciente é extrovertida e
será perito no exame deta�hado dos objetos nem o pensamento, função principal, está dirigido para
saberá encontrar para si firmes posições de rela o exterior. Sua atitude tende constantemente a
cionamento no mundo real, com suas exigências estabelecer ordem lógica, clara, entre coisas con
concretas e imediatas. O contrário acontece quan cretas. O raciocínio abstrato não atrai o tipo ·pen
do a sensação é a função mais desenvolvida. samento extrovertido. Sle poderá bater-se com en
Entre o pensamento e o sentimento ocorre tusiasmo pela liberdade mas , acoçado por alguém
incompatibilidade semelhante. O pensamento tra que lhe peça para dizer o que entende por "liber
b�:tlha para conhecer as coisas, sem maior interes dade" , não se interessará por definir-lh e o con
se pelo seu valor afetivo, valor que decerto viria ceito. Este tipo gosta de fazer prevalecer seus
interferir em julgamentos que pretendem ser neu pontos de vista _que coordena de maneira rígida
e impessoal tornando-se muitas vezes autoritár io,
tros. O sentimento faz, antes de tudo, a estimativa
principalmente no círculo de sua família. Sua con.
do objeto, julga do seu valor intrínseco. Portanto
são funções que se excluem, não podendo ocupar. duta é pautada segundo regras rigorosas, dentro
ao mesmo tempo, o mesmo plano. Se o pensamen de seus princípios, os quais ele aplica também aos
outros, sem fazer a estimativa de nuances pes
to fôr a função principal, o sentimento será a in
soais.
ferior. e reciprocamente.
Os representantes deste tipo que mais se des.
Sendo a função principal de cada indivíduo
tacam são hábeis políticos, homem� de negócios,
a arma mais eficiente de que este dispõe para sua
advogados brilhantes, que rápido encontram os fa
orientàção e adaptação no mundo exterior, ela se
tos básicos das situações que têm em mãos, exce
torna o seu habitus reacional. É esta função, pois,
lentes organizadores de serviços científicos, - de
que vem dar a marca característica aos tipos psi firmas comerciais ou de setores burocráticos.
cológicos. Desde que as quatro funções podem
ser extrovertidas ou introvertidas, resultam oito O ponto fraco deste tipo é o sentimento ( fun ..
tipos psicológscos : tipo pensamento extrovertido, ção inferior ) . Embora capaz de afeições profun
tipo sentimento extrovertido, tipo se!lsação extro- das, tem grande dificuldade em exp�essá-las. Por
Sô _ 57
isso é sempre mais apreciado no seu meio pro� sonalidade mais que pela originalidade de seu pen�
fissional e social que entre os membros da própria sa� ento : Nos círculos íntimos dá os mais agradá�
família. A esposa e o.s filhos de uni tipo pensa� vets amt � os e amigas, pois poder�se-á dizer que
mento extrovertido não se acreditam amados tan� .
fot este tipo que inventou a arte da amizade.
to quanto o são na realidade, pois ele nunca sabe Seu calcanhar de Aquiles é o pensamento, so�
encontrar maneiras adequadas de exprimir seus bretudo o raciocínio abstrato. A matemática a
íntimos sentimentos. De outra parte, não são ra� reflexão �ilosófica, são _áreas onde este tipo � ão
ras súbitas e violentas explosões de afeto que até se move a vontade. Prefere a medicina as ciên�
poderão atingir graus perigosamente d estrutivas. cias diretamente ligadas ao homem, a �oesia líri
Estes fenômenos são decorrentes de uma função ca, a música romântica , enfim as coisas que 0
sentimento indiferenciada e inconsciente. toquem na esfera afetiva.
Essa pessoa tão transbordante de calor hu�
mano surpr�ende muitas vezes seus íntimos quan
do formula JUlgamentos críticos extremamente du�
Tipo sentimento extrovertido . ros e frios, com o caráter de sanções definitivas.
Se o controle da função superior falha ( desgaste,
Este tipo mantém adequada relação com os
cansaço, doença ) , os pensamentos negativos emer
objetos exteriores, vivendo nos melhores termos
gem. E. por serem produzidos pela funÇão inferior
com o seu mundo. É acolhedor e afável. Irradia
de um extrovertido, têm as marcas da introversão,
calor comunicativo que torna o indivíduo deste v?ltando�se principalmente contra o próprio indi�
tipo o centro de amigos numerosos. Mas ele sabe v1duo que se vê, sem motivos objetivos, destituído
fazer a correta estimativa desses amigos, facil� de todo valor, incapaz para quaisquer realizações.
mente pesa suas qualidades positivas e negativas, Entenda�se que não se trata aqui de inferio�
e assim não forma ilusões sobre as pessoas com r�da�e da função pensamento num sentido quan
quem convive. Esta capacidade de segura avalia� titativo, mas de uma função que nao foi afiada
ção afetiva poupa-o das decepções que são as ha� pelo uso, que não se diferenciou suficientemente.
- bituais agruras do tipo pensamento, nem lhe acon ..
tece, como àquele, ser subitamente submerso por
explosões de sentimentos. Permanece, em geral.
fiel aos valores que lhe foram inculcados desde a Tipo sensação extrovenida.
infância. As manifestações de sua afetuosidade
O tipo sensação extrovertida compraz�se na
são exuberantes e, não raro, parecem excessivas
apreciação sensorial das coisas. Se vai a uma reu
aos olhos de outros tipos. nião social saberá descrever como estavam vesti
Quando o tipo sentimento extrovertido en-. das as pessoas e imediatamente reconhecerá a
trega�se à vida p ública pode tornar-se um grande qualidade dos móveis, dos tapetes . Ele parece se�
líder, fascinando pelo apelo emocional de sua per� gurar os objetos entre o eixo de seus olhos como
58 59
tes bem medidos, toda manifestação emocional
exuberante lhes desagradando e provocando, de Tipo sensação introvertida.
sua parte� reações de repulsa. Vistos do exterior
parecem frios e indiferentes, quando na realidade Este tipo é extremamente sensível às impres�
ocultam, muitas vezes, grandes paixões. Desde sões provenientes dos objetos. Fixa�os em todos
que · .os objetos são conservados à distância e os os detalhes como se possuísse internamente uma
indivíduos deste tipo esquivam�se a participações pla�a fotográfica. Essas impressões o atingem de
emocionais, as correntes afetivas introvertidas po� maneira profunda, mas não transparecem em rea�
derão vir animar, no inconsciente, representações ções que dêem a medida da repercussão que as
arquetípkas, ideais religiosos ou humanitários, aos qualidades sensoriais dos objetos determinaram.
quais venham a aderir devotada e · apaixonada Enquanto o tipo sensação extrovertida age sem�
mente ao ponto extremo de sacrifícios heróicos. pre em perfeita sintonia com · a realidade, dentro
Seus afetos não se desenvolvem sempre na do aqui e agora. o tipo sensação introvertida sur.
escala do amor e do devotamento, mas também preenderá de súbito por um comportamento que
corresponde à intensidade das experiências inter.
na do ódio e da crueldade onde poderão atingir
requintes, ta�bém decorrentes da alta . diferencia nas nêle suscitadas pelo objeto e não pelo valor
que no mundo real seja de ordinário atribuído a
ção da função superior. Até as duas escalas às esse objeto. Não havendo relação racionalmente
vezes coexistem. A mesma mulher será para o fi�
proporcional entre o objeto e a intensidade das
l ho mãe amantíssima e para o enteado madrasta
.
68 69
oito tipos da classificação jungueana. O leitor po.
derá começar por este capítulo para ler depois
os outros, salteadamente, segundo seus interesses.
Em todos, Jung, fiel ao seu método de trabalho,
apresenta enorme documentação confirmadora de
suas içléias, coligida em vários campos da cuJtu ..
ra. É �lUito possível que o problema dos tipos psi. Estrutura da Psique
cológicos se afigure fastidioso através das dis.
cussões escolásticas intermináveis entre os nomi .. Inconsciente Coletivo
nalistas e os realistas ( cap. I ) , mas decerto o lei..
tor apreciará, por exemplo, o cap. III onde irá Poder.-se-á representar a psique como um vas ..
encorttrar a interpretação psicológica da oposição to oceano ( inconsciente ) no qual emerge pequen� -
entre o espírito apolíneo e o espírito dionisíaco ilha ( consciente ) .
posta em foco por Nietzche, na arte grega, o� o
cap. VII, que trata das atitudes típicas na estéti.
CoNSC IENTE ..- Na área do consciente de..
senrolam-se as relações entre conteúdos psíqui .-
ca, tal como foram vistas por W. Worringer na
cos e o ego, que é o centro do consciente. Para
monografia Abstração e Natureza, ponto de par..
tida dos críticos da arte moderna H. Read e M . que qualquer conteúdo psíquico torne.-se conscien..
Brion para a compreensão do antagonismo entre te terá necessariamente de relacionar-se com o
figurativos e abstratos. ego. Os conteúdos, os processos psíquicos que não
O livro contém ainda um glossário que expli. entretêm relações com o f!go constituem o domínio
ca os conceitos correspondentes a 58 termos psi. imens o do inconsciente. Jung define o ego como um ,
cológicos. Este pequeno dicionário será sempre complexo de elementos numerosos forma ndo, po.
consultado com proveito por todo estudioso da rém, unidade bastante coesa para transm itir im ..
obra de Jung. pressão de continuidade e de identidade consig o
O volume correspondente, nos Collected mesm a. Dada sua compGsição feita de múltiplos
Works, ( nQ 6 ) , até o presente momento não foi elementos, Jung usa freqüentemente a expressão
publicado. Além da tradução francesa, existem, complexo do ego, em vez de ego, simpl esiilente.
da obra, traduções espanhola e portuguêsa. Bons
"A luz da consciência tem muitos graus de brilho
resümos do tema dos Tipos Psicológicos podem
ser encontrados noutros livros de Jung : e o complexo do ego muitas gradações de força ...
Collected Works 7, 40.-62 INCONSCIENTE - O inconsciente, na psico..
Problêmes de L' Ame Moderne, 1 95.-2 1 6 logia jungueana, compreende inconsciente pessoal
L'homme et ses symboles, 58.-66. e inconsciente coletiv.o.
70
71
Seja qual fôr sua origem, o arquétipo funci�.. nes, marcados nos seus movimentos de expansão
_
na como um . nódulo de concentraçao de energt a . e de declínio por acontecimentos mitológicos sem..
psíquica. Quando esta el!ergia, e � estado po. pre idênticos. Ressu rge a idéia com os filósofos
tencial, atualisa..se, toma · forma, entao teremo_s a gregos pré-socráticos Anax imandro e Pitágoras. E
imagem arquetípic a. Não poderemos . �e1lo��n�r Platão estava convicto que as artes e a filosofia
esta imagem de arquétipo, pois o arquebpo e um.. . mumeras vezes já se haviam desenvolvido até
camente uma virtualidade. atingirem seu apogeu para declinarem e esting ui ..
Nunca nos maravilharemos bastante se pen .. rem-se à espera do recomeço de novo ciclo. O
sarmos neste prodigioso fenômeno que é a · for�a.. tema do eterno retorno reaparece na interpretação
ção de imagens interiores. Com_o ela� se conftgu .. da história segundo Vico ( século XVII I ) : a his..
_ tória de todas as nações segue um curso que repe ..
ram às éustas da energia psíqmca, mngue m sabe.
Também não se conhece o como das transforma.. te sempre três fases ..- a idade divina, a idade
ções energéticas das quedas dágua em luz, da luz heróica e a idade humana. Seguem-se inevitáveis
_
·
em calor. Mas a prova da transformaçao de ene�.. crises que conduzem cada nação a ruinas das quais
gia psíquica em imagens nos é dada todas as nm. reaparece necessariamente novo ciclo das três
tes nos nossos próprios sonhos, quando persona .. idades.
gens conhecidos ou estranhos surgem das profun.. Diante de N ietzche a visão do eter.no reter..
dezas para desempenhar com�di�s ou dramas cm no apresentou-se terrível. Ele a transportou à
cenário::; mais ou menos fantashcos. existência individual. Todas as percepções, sen ..
timentos, pensamentos, gestos de sua própria vida
A noção de arquétipo, postulando a existên.. estariam inexoravelmente condenado� a repetir-se
cia de uma base psíquica comum a todos os hu .. sem fim. "Qu.e aconteceria, escreveu ele, se um de..
manos permite compreender porque em lugares mônio te dissesse um dia : esta vida, tal como a
e épo�as distantes aparecem temas idênti�os nos vives atualmente será necessário que a revivas
contos de fadas, nos mitos, nos dogmas e ntos das ainda uma vez, e uma quantidade inume rável de
religiões, nas artes, ·na filosofia, nas produções do vezes. É preciso que cada dor e cada alegria , cada
inconsciente de um modo geral - seJa nos sonhos pensamento e cada suspiro voltem a ti, e tudo isso
de pessoas normais, seja em delírios .�e loucos. na mesma seqüência e na mesma ordem e também
Vejamos um exemplo : o tema mtbco do eter.. essa aranha e esse raio de luar por entre as árvo..
no retorno. Vamos encontrá..}o profundame�te en.. res, e também este instante e eu mesmo " . . . A
raizado nas convicções ingênuas de soctedades idéia do eterno retorno apoderot.�;-se do esquizo..
primitivas, seguras de que ocorrerá Auma volta aos frênico Julio, cliente de um hospital psiquiátrico
_
tempos das origens, era de abunda�c � a e de fe.. no Rio de Janeiro. Ele se imagina prisioneiro de
licidade. Vestida em roupagens magntf tcas, a mes .. uma cadeia de fatos e de pensamentos que se re..
ma idéia está incorporada à cosmogonia hindú, produzem e se sucedem sem trégua, regidos pelo
com os seus quatro Yugas ( períodos ) que se des..
que ele chama "movimento de repetição" .
dobram lenta e incessantemente em ciclos pere..
79
78
A anima encerra os atributos fascinantes do "eter chos. Ele perderá progressivamente o comando
no feminino" noutras palavras, é o arquétipo do em sua casa.
feminino. A anima apresenta-se personificada, nos so
O primeiro receptáculo da anima é a mãe, nhos, nos contos de fada, no folclore de todos
e isso faz que aos olhos do filho ela pareça dotada os povos, nos mitos, nas produções artísticas. As
de algo m.ágico. Depois a anima será tran� f�rida formas, belas ou horríveis, de que se reveste são
para a estrela de cinema, a cantora de radio e, numerossíssimas : sereia, mãe-d'água, feiticeira, fa
sobretudo para a mulher com quem o homem se da, ninfa, animal, súcubo, deusa, mulher. O princí
relacione �morosamente, provocando os compli pio feminino n o homem poderá desenvolver-se,
cados enredamentos do amor e as decepções cau diferenciar-se, transpor estágios evolutivos.
sadas pela impossibilidade do objeto real _corres Eis um exemplo de anima correspondente à
ponder plenamente à imagem oriunda do Incons etapa em que fortes componentes sexuais acham
ciente. Aliás essa transferência nem sempre se pro se . mesclados a elementos românticos e estéticos.
cessa de modo satisfatório. A retirada da ima Fala, em linguagem enfática, a jovem tocadora de
gem da anim a de seu primeiro receptácul o �onst� cinor pintada na parede de um túmulo pagão·, lu
tue uma etapa muito importante na evoluçao psi gar de refúgio do monge Pafnucio quando se
quica do homem. Se não se realiza, a anim a é debatia no seu doido amor por Thais : "Para onde
transposta, sob a forma da imagem da mãe, para pensas me fugir, insensato? Tu encontrarás a
a namorada, a esposa ou a amante. O home m es minha imagem no desabrochar das flôres e no do
naire das palmeiras, no vôo das pombas, nos sal
perará que a mulher amada assuma o papel prote
tos das gazelas, na fuga ondulosa dos regatos,
tor de mãe, o que o leva a modos de comporta nas dormentes claridades da lua. E, . se fe.chares
mento e a exigências pueris gravemente pertur os olhos, a encontrarás em ti mesmo. ( . . . ) Co
badoras das relações entre os dois. nheces-me bem, Pafnucio. Por que não me re
Na primeira metade da vida a anima projet� co11:_heceste? Sou uma das inúmeras encarnações de
se de preferência no exterior, sobre seres reais, Thais. ( . . . ) Decerto ouviste dizer que Thais vi
estando sempre presente nas problemáticas do veu outrora em Esparta sob o nome de Helena.
amor, suas ilusões e desilusões. Mas, na segunda Em Tebas Hecatompila, ela teve uma outra exis
metade da existência, quando o jogo dessas pro tência. Donde vem tua surpresa? Era certo que,
jeções vai se esgotando é a mulher dentro do ho fosses aonde fosses, encontrarias Thais" . ( THAIS
mem, durante anos reprimida ( porque no con ·- Anatole France, tradução brasileira de Sodré
senso coletivo um homem nunca deve permitir Viana
. ).
que o sentimento influa na sua conduta �: quem Exemplo de anima representativa de estágio
penetra na sua vida sem ser chamada. O homem evolutivo superior, misteriosa encarnação de espi
forte" estará então freqüentemente amuado, tor ritualidade e sabedoria, é Mona Lisa. Dmitri Me
nar-se-à hipersusceptível, surgirão intempestivas rejkowski, no livro O ROMANCE DE LEONARDO DA
mudanças de humor, explosões emocionais, capri- VI N C I ( tradução ·brasileira de Breno da Silveira )
94 95
Além da função compensadora, outra função será dado até que sete tempos passem sobre ele.
importante do sonho é a função prospectiva. Des Doze meses mais tarde Nabucodonozor enlouque
de logo fique claro que esta função não assegura cia e era banido de sua cidade. Passou a comer
ao sonho atributos de profecias infalíveis. Jung erva com os bois, seu corpo foi molhado pelo or
adverte : "seria injustificado qualificá-los de pro valho, seus cabelos cresceram como as penas das
féticos ( aos sonhos prospectivas ) , pois, no fun águias e suas unhas como as garras de aves ( Da
do. êles são tão proféticos quanto um prognóstico niel, IV. 1 6-30 ) .
médico ou meteorológico". O que acontece é que No sonho de Nabucodonosor pode-se obser
longos processos subterrâneos precedem sempre var a função compensadora exercendo-se em re
a ecl�são das grandes crises. O inconsciente dis lação às idéias de grandeza do rei e a função
põe de dados mais abundantes que o consciente : prospectiva revelando que a situação era dema
impressões subliminares, sensações, sentimentos, siado grave para ser reequilibrada.
pensamentos, ainda não apreendidos pelo cons Não só as doenças ps:quicas, mas também as
ciente. E é da conjunção de todos esses elementos doenças somáticas refletem-se nos sonhos. Scher
que o sonho se estrutura. Assim, não será exa ner cita o caso de um doente com pneumonia que
gero admitir que o sonho se acha muitas vezes, sonhou ver uma .. fornalha cheia de chamas sopra
.. do ponto de vista prognóstico, numa situação bem da por forte ventania. O processo inflamatório é
mais favorável q.!le o consciente" . representado pelo fogo e a respiração pelo vento.
O s antigos sabiam que poderiam encontrar CorpÓ e psique, sendo inextricáveis um do outrot
nos sonhos antecipações do futuro. O �onho de o sonho dirá, na sua linguagem simbólica, quan
Nabucodonosor, interpretado com extraordinária do a vida estiver em· perigo. Jung narra o caso de
agudeza por Daniel, é um belo exemplo. uma jovem que sonhou com um cavalo que atra
Nabticodonosor, rei da Babilônia, estava em vessava a galope o apartamento onde . ela residia,
pleno fastígio de sua glória quando viu em sonho num quarto andar, e lançava-se pela janela espa
uma enorme árvore cuja copa se elevava até o céu : tifando-se no solo. Este sonho. que se seguia a
setis amplos ramos, carregados de frutos, abriga outros semelhantes, permitiu a Jung confirmar o
vam pássaros e davam sombra aos animais dos diagnóstico de uma grave doença neurológica.
campos. Então desceu do céu um santo e disse : Pouco tempo depois a jovem morria. A vida ani
abatei a árvore e' cortai seus ramos, sacudi a fo mal, corporal, representada pelo cavalo, galopava
lhagem e d ispersai os frutos; que os animais fujam para a destruição. Também, sem que exista qual
de sua sombra e os pássaros àbandonem seus ra quer doença física imagens referentes ao corpo
mos. Mas deixai na terra o cepo onde se prendem freqüentemente aparecem nos sonhos, traduzindo
as raízes e amarrai-o com cadeias de ferro e de problemas psíquicos em termos somáticos.
bronze por entre a erva dos campos. Que este cep·o Outro tipo de sonho é o son h o reativo. Acon
seja molhado pelo orvalho do céu e que partilhe da tecimentos traumáticos são . revividos no sonho,
erva da terra com os animais. Seu coração de ho tais como viol entos choques de guerra, incêndios.
mem lhe. será retirado e um coração de animal lhe inundações. Essas repetições processam-se d e ma-
108 1 09
imagem do gato preto que não sofre nenhuma me disp õem no cena no do sonh o a expr
essã o do es
tamorfose. Acresce que o gato preto dorme nos forço insti ntivo do incon scien te para reap
braços da sonhadora. Também dorme o cão, ani roxim ar
valo res que se havi am sepa rado dema
mal de Hécate, deusa mãe no seu aspecto noturno is. I n feliz
m ente para a sonh ador a este es forço acha
e· sinistro. Isto parece signi ficar que forças instin -se lon
g e de sua m eta. Por isso m esmo trata
-se de um
tivas opostas do mundo feminino subterrâneo ain sonh o bast ante repre senta tivo da situa
ção psíq ui
da não atingiram condições de · se de frontarem .
ca da mulh er conte mpor ânea aind a e m
Vendo o cão, o gato preto poderá mesmo assus cami nho
para a comp letaç ão e integ ração de sua
tar-se e fugir, isto é, escapar autônomo ao co�t �o perso na
lidad e.
le da personalidade consciente. A jovem dtvma
embora tenha acariciado o cão, contacto que o
poderia ter despertado, aceita que se a fastem, pois
não chegou ainda o momento do encontro de opos
tos extremos, próprio das etapas ulteriores do pro
cesso de individuação. Este processo parece estar
desdobrando-se, na sonhadora, em níveis bastan
te desiguais : terno encontro com a j ovem divina
de uma parte, e de outra, animais etônicos que
dormem profundamente. A última cena, passan
do-se numa capela, sublinha o caráter relig ioso
dos fenômenos em curso. Entretanto, a capel a .
embora cristã, aparece sem seus altares e sem
suas imagens. O lugar é cristão, mas a divindade
presente veste a forma pag ã da Koré.
Não seria suficiente assinalar neste sonho a
presenÇa de elementos pagãos e interpretá-los c��o Leituras.
sobrevivências de u� mundo mais ant_igo, especte
de achados arqueol<)gicos. A análise das produ C. G. - Jung o HOMEM À DESCOBERTA
.-
ções do inconsciente, pelo método jungue�no, DA SUA ALMA. Grande parte deste livro é dedi
trouxe a revelação de que os elementos arcatcos cado ao estudo do sonho ( da pág . 287 à pág .
não só permanecem vivos e atuantes, mas que es 502 ) .
tão envolvidos num contínuo processo de elabo
C. G. Jung L ' HOMME ET SES SYMBOLES .
ração através do tempo. Assim, não interpretare
.-
SUENOS.
igreja cristã como meros vestígios do p agamsmo
R. de Becker LES MACHIN ATIONS DE LA
'
1 16 1 17
lheres. ( Tudo quanto a mulher ressentida pode Iniciar-se na arte de fiar significaria siinbo
arquitetar como vingança foi modernamente fo lic;amente iniciar-se na vida sexual. A velha feiti
ceira instruiria a princesa. Mas esta iniciação de
calizado pelo dramaturgo F. Durrematt nas pe-
. sencadeia o castigo. O conto reflete, portanto,
ças A Visita da Velha Senhora e Os Físicos ) . Ou
uma condição coletiva onde não só são negados
tra fada atenua a maldição, transformando a mor à mulher direitos elementares em relação à sua
te em sono. Sono e Morte ,_ Hypnos e Thana vida instintiva, porém mesmo revela conexões en
tos ,_ eram venerados como deuses irmãos. O tre a sexualidade feminina, o mal e o castigo. bem
sono é uma morte transitória e a morte é o sono características da civilização patriarcal e cristã.
eterno. Na interpretação do conto, a morte seria Esta situação coletiva causa estagnação no desen
a completa repressão do conteúdo do inconsciente volvimento da psique da mulher e produz reações
representado pela princesa, enquanto o sono du agressivas forjadas pela sua componente mascu
rante um século indica que um longo período de lina, reações que no conto se exprimem pela sebe
repressão decorrerá ainda antes que este conteú de espinhos.
do possa atingir a consciência. Que aspecto da Cem anos mais tarde, chega o príncipe c
natureza feminina tem sido mais reprimido na qiante dêle os espinhos abrem caminho. Não é
nossa civilização cristã? Sem dúvida o da sexuali necessário sustentar luta contra quaisquer obstá
dade. Muito mais que sobre o homem, pesam so culos. Daí a cem anos, num futuro distante, a si
bre a mulher as sanções que obrigam a repressão tuação coletiva refletida pelo conto mudará.
do instinto sexual. Note-se que a heroína do con.:. Do pont.o de vista da psicologia masculina o
to �dormece na data em que completa 1 5 anos, conto nos revela que o príncipe, decidindo-se a ir
marco na vida de toda jovem indicativo de que em busca da bela adormecida, apesar dos conse
ela se tornou apta para a .procriação. lhos contrários, rompe os laços familiares que o
No dia de seu aniversário a princesa desco.. prendiam. Chegou o tempo de libertar a cativa, a
bre a velha fiandeira cuja existência havia sido mulher desconhecida. do sono em que a Mãe Ter
esquecida ( tal como a 1 31). fada com quem se iden rível a· mantinha prisioneira. Assim fazendo êle
tifica ) , motivo porque sua roca não fora destruída está libertando sua própria contra-parte feminina,
segundo as ordens do rei. E àpenas segura o · fuso, o complemento de sua personalidade. Unindo-se à
fere o dedo. O ato de fiar está estreitamente vin mulher que êle libertou, o herói cumpre o requi
culado à feminilidade. g atributo das deusas mães sito necessário para completar sua personalidade
que tecem a trama da vida, o destino, que sem e estabelecer seu próprio reino. ( Na interpreta
cessar agrupam e organizam os elementos da na ção deste conto, baseamo-nos principalmente em
tureza. O fuso, pela sua fo�ma, tem caracter.ís notas de conferências da dra. M . L. von Franz,
ticas fálicas evidentes. Está sempre associado à feitas no Instituto C. G. Jung em Zurique ) . Dra .
roca como parte indispensável da atividade femi M . L . von Franz depois de- estudar durante vá-
nina de tecer novas vidas, tecer "os tecidos" do . rios anos os contos de fada das mais distantes pro
corpo ( Neumann ) . veniências, chegou à conclusão de que todos es-
124 125
em todos os tempos a seus adeptos, e nenhum Como toda função, a religiosidade é suscep ..
curou�se realmente sem recobrar a atitude reli� tível de ser desenvolvida, cultivada e aprofundada,
giosa que lhe fosse própria. Isto, está claro, não e poderá também ser negligenciada, deturpada
depende absolutamente de adesão a um credo ou reprimida.
particular ou de tornar�se membro de uma igreja". Toda função busca sempre maneiras de ex�
Jung usa a palavra religião no sentido de p ressão, encontra a todo preço canais para dar
religio ( re e ligare ) , tornar a ligar. Religar o cons� escoamento a sua carga energética. Assim é que,
ciente com certos poderosos fatores do inconsciente em lugar das imagens divinas antigas, outros q,b�
a fim de que sejam tomados em atenta considera� jetos passaram a ser reverenciados.
ção. Estes fatôres caracterizam�se por suas for� William James fez a observação pertinente de
tissimas cargas energéticas e intenso dinamismo. que os cientistas, embora concedessem importân�
Aqueles que os defrontam falam de uma emoção cia primordial aos fatos objetivos não haviam por
impossível de ser descrita, de um sentimento de isso perdido o sentimento religioso. " Essa impor�
mistério que faz estremecer ( mysterium tremen� tância é em si mesma quase religiosa. Nosso tem..
dum ) . Para designar esta vivência R. Otto criou peramento científico é devoto".
o termo; numinoso, expeTiência do numinoso, ex� O século XX conhece grandes ídolos : raça,
pressões que Jung adotou. sexo, estado, partido, dinheiro, máquina . . .
Todas as religiões originam..se basicamente A partir de Léger a máquina tornou�se um
de encontros. com esses fatôres dinâmicos do in� objeto fascinante para pintores e desenhistas. O
consciente, seja em sonhos, visões ou extases. Es� automóvel, sem dúvida, é um ídolo. "Basta visitar
ses fatôres apresentam�se encarnados em imagens o salão anual do automóvel para reconhecer alí
dos mais diversos aspectos : deuses, demônios, cs� uma manifestação religiosa profundamente ritua�
píritos. lizada. O culto do veículo sagrado tem seus fieis
Jung reconhece "todos os deuses possíveis
·
146 147
A Obra de Arte e o Artista
A . psicologia analítica não pretende nunca
opinar sobre o valor estético das obras de arte
nem explicar o fenômeno arte. Estas áreas per-
tencem aos crtíicos de arte. Seus pronunciamentos
limitam-se a pesquisas concernentes aos processos
da atividade criadora e ao estudo psicológico da
estrutura da produção artística. Sua contribuição
maior será a decifração das imagens simbólicas
que tomam forma na obra de arte, trazendo luz
sobre as significações que encerram e que exce-
dem as possibilidades comuns de compreensão da
época em que adquiriram vida.
155
literárias. Herbert Kühn distingue a arte dos sen
ta teima em perguntar : quem ê Mira - Celi? E tidos e a arte da imaginação. A arte dos sentidos
o poeta : inspira-se na natureza exterior, no mundo que
"Ora pareces marcha nupcial. és, no espan� nos atinge através dos sentidos. A arte da imagi-
to, elegia Ora és sacerdotisa, musa, louca, pas� nação exprime fantasias, experiências internas do
tôra ou apenas ave". artista, que as apresenta de maneira irrealista,
Mira - Celi é múltipla e esquiva como toda onírica e abstrata.
imagem surgida das profundas regiões do incons�
ciente. Do ponto de vista jungueano a psicologia
No Livro de Sonetos e, muito mais ainda, em pessoal do artista poderá esclarecer certas ca�
Invenção de Orfeu, o mundo do poeta é um mun� racterísticas de sua obra, mas não a explicará. A
do de imagens arquetípicas. Essas imagens não se problemática individual, diz Jung, tem tanta re�
. deixam aprisionar dentro do sistema do pensa lação com a obra de arte quanto o solo com a
mento lógico, por isso a linguagem que busca ex planta que aí germina. Certas particularidades da
primi-las prescinde muitas vezes de arranjos sin� planta serão evidentemente melhor compreendidas
táxicos. E as palavras; em seus sons próprios, pro� se conhecermos as condições específicas de seu
damam-se independentes, valem por si mesmas. habitat, entretanto ninguém pr-e tende que esses
Os críticos falam em poesia "hermética" . dados sejam suficientes para o conhecimento da
. "Era um cavalo todo feito em chamas I alas planta naquilo que há nela de essencial. " A plan
trado de ínsânias esbraseadas; I pelas tardes sem
ta não é apenas um produto do terreno. É tam
te�npo êle surgia 1 e lia a mesma página que eu lia. bém um processo fechado, vivo e ·criador cuja
essência nada tem a ver com a natureza do terre
Depois lambia os signos e assoprava I a luz
no." Jung compara igualmente a obra de arte à
intermitente, destronada, I então a escuridão co
criança que se desenvolve no seio materno.
bria o rei I Nabucodonosor que eu ressonhei I
Os conflitos pessoais do artista, sua proble
Bem se sabia que êle não sabia I a lembrança do
mática emoci01'1.al, não são decisivos para o conhe
sonho subsistido I e transformado em musas su
cimento de sua obra. Lançarão luz sobre um ou
blevadas.
outro detalhe, sobre a atração para este ou aque
Bem se sabia : a noite que o cobria / era a
le tema. A autêntica obra de arte, porém, é uma
insânia do rei já transformado / no cavalo de "produção impessoal" . O artista é "um homem
fogo que o seguia." ( Invenção de Orfeu ) . coletivo que exprime a àlma inconsciente e ativa
Para receber esta poesia, o leitor terá de re da humanidade" .
nunciar aos conceitos e deixar-se penetrar pelos No mistério do ato criador, o artista mergu
símbolos. lha até as funduras imensas do inconsciente. Ele
dá forma e traduz na linguagem de seu tempo
No que diz respeito às artes plásticas, o crí as intuições primordiais e, assim fazendo, torna
tico contemporâneo Herbert Kühn propõe classi acessíveis a todos as fontes profundas da vida.
fiCação paralela à de Jung concernente · às obras
161
1 60
Educação de Jovens
Educação de Adultos
As mais belas páginas que Jung escreveu so
bre a alma da criança estão nos dois primeiros ca
pítulos de sua biografia.
Ele recorda suas primeiras tomadas de cons
ciência das sensações - da luz, dos odores. Seus
deslumbramentos ante a natureza e também suas
angústias imprecisas, que decerto serão semelhan
tes aos deslumbramentos e às angústi�s de outras
crianças. "Eu percebia cada vez mais a beleza e a
claridade do dia quando a luz dourada do sol
brincava através das folhagens verdes. Mas tinha
o pressentimento da existência de um mundo de
sombras, cheio de interrogações angustiantes, ao
qual eu não poderia escapar... Desse mundo de
sombras lhe veio, entre os três e os quatro anos de
idade, um sonho extraordinário : num subterrâ
neo, sobre trono de ouro, "erguia-se um objeto,
forma gigantesca que atingia quase o teto ... "Este
objeto era estranhamente constituído : feito de
pele e de carne viva, trazia na parte superior es
pécie de cabeça de forma cônica, sem face nem
cabelos. Nó alto, um olho único, imóvel, olhava
para cima" . . Jung pensou neste sonho "durante
,
toda a sua vida . e só "dezenas de anos depois''
compreendeu que aquela imagem onírica era um
171
demonstrando que os fenômenos psíquicos incons tologia. Seus estudos sobre as associações verbais
cientes, mesmo os mais estravagantes e absurdos, e OS livros PSICOLOGIA DA DEM ÊNCIA PRECOCE E O
estavam sujeitos às leis da causalidade. CONTEÚDO DA S PSICOSES, mostram que, mesmo nos
Fiel ao clima de opinião de sua época, distúrbios psíquicos mais graves, é possível deci
Freud era um rigoroso determinista. Na INTRO frar o sentido de sintomas de aparência descone
DUÇÃO À PSICANÁLISE, escreve : "quebrar o de xa, encontrando-lhes elos causais.
tenninismo, mesmo num só ponto, transtornaria Mas observou também a ocorrência de fenô
toda a concepção científica do mundo". De fato, menos outros, de curiosos paralelismos, que não
a física moderna bouleversou a concepção do podiam ser encadeados causalmente. ·Seu método
mundo construída pela física clássica, concepção de trabalho, desde as pesquisas sobre associações
que parecià absolutamente i'nabalável até os fips feitas na j uventude ( capítulo 2 ) , sempre foi nun
do século XIX. O in divi sível átomo revelara-se ca despresar qualquer fato .q:ue acontecesse, ain
divisível. Abriam-se brechas no determinismo : da aqueles que contradiziam regras estabelecidas
nem sempre os átomos comportavam-se de acordo ou que se afiguravam aos demais desprovidos de
com as leis causais. Certos fenômenos, no campo importância. Pareceu-lhe que seria preciso tomar
da microfísica, passaram a ser estudados à luz em consideração certos fenômenos, inegáveis, que,
de leis estatísticas, ou seja, de leis de probabili entretanto, escapavam ao determinismo : a ) coin
dade. Einstein provou que matéria e energia são cidência de estados psíquicos e de acontecimentos
equivalentes. Verificou-se que a luz apresenta si físicos sem relações causais entre si, tais como
multâneamente os caracteres de onda e de cor- sonhos, visões, premonições, que correspondem a
. púsculo. O tempo deixou de ser uma grandeza fatos ocorridos na realidade externa; b ) a ocor
absoluta, póís quando se tra�a de medir grandes rência de pensamentos, sonhos e estados psíqui
velocidades o tempo cresce com a velocidade. O cos semelhantes, ao mesmo tempo, em lugares di
tempo é relativo. Perplexos, retraímo-nos diante ferentes.
desses conceitos que pertúrbam nossa seguran
Muitos já tiveram experiências desse gêne
ça. Não queremos ver além das fronteiras do mun
ro ou as ouviram de pessoas dignas de crédito.
do estável de Galileu e de Newton. Compreende
se a atitude de recuo : o abalo das próprias bases Mas as deixaram de lado, procurando mesmo es
que serviam de ponto de apoio às operações do quecê..las, pelo mal estar que lhes causava sua es..
tranheza ou devido aos preconceitos científicos
pensamento provocou deslocaméntos imprevistos a
da época. Nenhum desses obstáculos deteve Jung.
longa distância. Opostos até e·ntão irredutjveis dei
xavam de ser opostos. Arguméntos lançados du "Minha preocupação com a psicologia dos
rante séculos contra determinados alvos não mais processos do inconsciente há muito tempo obri�
os atingiam porque os próprios alvos se tinham gou-me a procurar - ao lado da causalidade -
dissolvido ou mudado completamente de posição. um outro princípio de explicação, porque o prin
Tanto quanto Freu d J ung investigou a cau
, cípio de causalidade pareceu..me inadequado para
salidade nos campos da psicologia e da psicopa- explicar certos fenômenos surpreendentes da psi..
184 1 85
cologia do inconsciente. Verifiquei que há parale nos de sincronicidade deu a Jung a impressão de
lismos psíquicos que não podem ser relacionados que, rio fundo do inconsciente dessas pessoas, um
uns aos · outros causalmente, mas devem estar em arquétipo se tivesse ativado e se manifestasse si.
conexão por um outro moç:lo diferente de desdo multâneamente através de acontecimentos interio.
bramento dos acontecimentos." res e exteriores.
Jung criou o termo sincronicidade para de
signar "a coincidência no tempo de dois ou mais A exploração em profundeza do inccnscien
acontecimentos não relacionados causalmente, mas te levou ao curioso achado de que os mais uni·.
tendo significação idêntica ou similar, em contras versais símbolos do sei[ ( si mesmo ) pertellcem
te com o sincronismo que simplesmente indica a ao mundo mineral. São êles a pedra, - seja a pedra
ocorrência simultânea de dois acontecimentos" . A preciosa ou não preciosa, e o cristal, substância
sincronicidade, portanto, caracteriza-se pela ocor de estrutura geométrica exata por excelência. Co.
rência de coincidências significativas. Vejamos menta M . L . Von Franz : "O fato de que o sím�
um exemplo citado por Jung. Trata-se de uma bolo mais elevado e mais freqüente do self per.
mulher, jovem e culta, cuja análise não progredia tença à matéria inorgânica abre novo campo à
devido a seu excessivo racionalismo. "Um dia cu investigação e à especulação. Rdiro-me às rela
estava sentado diante dela, de costas para a ja- ções ainda desconhecidas entre aquilo que cha
. nela, ouvindo sua habitual torrente de retórica. mamos psique inconsciente e aquilo que chama.
Ela tivera, na noite anterior, um sonho impres mos matéria."
sionante, no qual alguém lhe dava um escarave Se o psicólogo, nas suas investigações atra
lho de ouro, jóia de alto preço . Enquanto narra vés das camadas mais profundas da psique, en
va-me este sonho, ouvi leves batidas no vidro da contra a matéria, por sua ·vez o físico, nas suas
janela. Voltei-me e vi um grande inseto batendo pesquisas mais finas sobre a matéria, encontra a
de encontro à janela, no evidente esforço para psique.
penetrar na sala escura. Isso me pareceu estra Físicos como Eddington; J. J eans e outros
nho . Abri a janela e apanhei o inseto no ar. Era grandes aceitam que a matéria esteja impregnada
um besouro das rosas ( cetonia aurata ) cuja cor de um psiquismo elementar. O físico Alfred Her
verde dourada aproxima-se de perto da cor do es rmann diz que a natureza do eléctron parece am
caravelho dourado. Entreguei o inseto a minha bígua, meio matéria, meio psique. E o pensador
paciente, dizendo : "Aqui está seu escaravelho" . católico Teilhard de Chardin concebe a matéria
Esta experiência abriu a desejada brecha no seu animada interiormente de espiritualidade, o que
racionalismo e quebrou o gelo de sua resistência é tanto mais significativo, pois o cristianismo até
intelectual. O tratamento pôde então continuar então separava de maneira irredutível a matéria
com resultados satisfatórios". do espírito.
A conseqüência extrema da posiçã� de psi
O estudo dos sonhos ou do estado psíquico cólogos, de físicos e de biologistas, será admitir
de pessoas com as quais haviam ocorrido fenôme- que "a psique e a matéria sejam um mesmo fe-
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