Psicoterapia VOZES
Existencial
JOSÉ CARLOS VITOR GOMES
&
sentido da vida
é um chamamento
interno que
aponta para um
destino e a
vida se apresenta
sujeita à consciência
de que a criatura tem
de sua responsabilidade.
A vida de
VIKTOR EMIL FRANKL
A. poucos m etros do Prater, o m aior e mais bonito parque
de diversões de Viena, encontramos a Czerningasse, uma
pequena rua cujo passeio nos leva ao canal d o Danúbio.
15
Enquanto a Prim eira Guerra surgia no horizonte, V iktor
Frankl, um menino, continuava a crescer em fam ília, fo r
mando-se como pessoa livre e, desde cedo, mostrando-se
independente, com idéias próprias e responsável.
16
N o dia 22 de m arço de 1926, Frankl fez uma conferên
cia em Viena na Associação Internacional de Psicologia In
dividual, apresentando suas idéias sobre o sentido da vida.
E m 27 de setem bro do m esmo ano, participou do I I I Con
gresso Internacional de Psicologia Individual, realizado em
Düsseldorf, onde profere outra conferência: “ A neurose
como expressão do m eio” . Muito em bora esta conferência
não tratasse de defender a neurose como expressão do meio,
infelizm ente suas idéias não foram do agrado de Adler,
que decidiu então pela não publicação da mesma nos anais
do congresso.
17
Seu trabalho fo i tão eficiente que a porcentagem de
casos de suicídio em Viena chegou a praticamente zero e,
no dia 13 de julho de 1931, os jornais traziam em manchete
a erradicação total das tentativas de suicídio em Viena.
Seguindo o exemplo de Viena, numerosos outros cen
tros foram abertos em cidades como Chemnitz, Praga e
Zurique (1928); sucessivamente, em Dresde, Brünn, Teplitz-
Schõnau, Berlim e Frankfurt. Posteriorm ente, em 1930, ati
vidades semelhantes se iniciaram na Polônia, em Budapeste,
na Iugoslávia e Lituânia. A quantidade de problemas era
tamanha que o projeto fo i um grande socorro prestado
àquela juventude perdida dos anos 30. O próprio Dr. Frankl
publica, em 1935, uma resenha de 900 casos tratados pes
soalmente por ele, apresentando, em paralelo, algumas pro
postas de solução. Vasta e variada problemática: conflitos
familiares, dificuldades sexuais, distúrbios físicos e psicos-
somáticos, dificuldades financeiras ou simples pedidos de
orientação.
18
quilados. Cada um tenta escapar com o pode e a fam ília
Frankl estuda seu plano de fuga. Sua irm ã Stella consegue
im igrar para a Austrália, onde viveu seus últimos dias. Seu
irm ão tentou fu gir para a Itália, mas fo i preso e enviado
para o campo de concentração de Auschwitz, juntamente
com sua esposa. V iktor acabou ficando sozinho com seus
pais já muito idosos, oscilando entre fugir e o m edo de
ficar.
Tentou conseguir asilo nos Estados Unidos, onde po
deria desenvolver seu trabalho. Conseguiu finalmente a li
cença e presenciou as manifestações de alegria de seus pais,
contentes por vê-lo a salvo no estrangeiro. Entretanto,
V iktor sabia que, logo após sua partida, o casal de velhos
seria levado para algum campo de concentração; isto dei
xava inquieta sua alma.
Num daqueles dias, Frankl teve um sonho com uma
multidão de psicóticos e pacientes sendo conduzidos para
a câmara de gás. Com um profundo sentimento de com
paixão, Frankl pensou em unir-se a eles, emprestando-lhes
sua vida, atuando com o psicoterapeuta no campo de con
centração. Afinal, esta missão seria muito mais rica em
significado do que a de um psiquiatra nos gabinetes de
Manhattan.
Coberto de dúvidas, vai, certa tarde, a uma Ig re ja ouvir
um concerto de órgão e m editar sobre qual decisão tomar.
Fugiria para longe da tumultuada Viena? Frankl indagava-se
sobre sua carreira, sobre o abandono de seus pais.
Desejando receber uma resposta do céu, V iktor voltou
para casa e surpreendeu-se ao ver, sobre o rádio, um pe
daço de m árm ore. O pai explicava: “ Este é um pedaço de
m árm ore que encontrei nos escombros de uma sinagoga” .
O m árm ore fizera parte da Tábua dos Mandamentos e, con-
cretamente, naquele pedaço de pedra escura, lia-se parte
do 4° mandamento: “ Honra teu pai e tua mãe, para que se
prolonguem teus dias na face da terra que o Senhor teu
Deus vai te dar” (E x 20,12).
Viktor entendeu aquela mensagem com o sendo a res
posta que ele esperava do céu. Decidiu então permanecer
na Áustria em companhia de seus pais. Estava traçada a
sorte do m ártir, já casado com a jovem T illy desde os p ri
m eiros dias de 1942. Ela silenciosamente o ajudou, fo i a
razão de ser de sua vida tumultuada, na condição de prisio
neiro. Ela visitou seus pensamentos nos momentos de sau
dade, no barulho incansável da prisão impiedosa e sinistra.
19
N o final de 1942, a Gestapo prendeu a fam ília Frankl,
sucessivamente levada à terrível experiência de viver em
diferentes campos: Theresienstad, Turkheim, Kaufering e
Auschwitz. V ik tor deixou de ser o homem, a pessoa, o m é
dico com tantos serviços prestados, para ser apenas um
dentre tantos prisioneiros designados para escavação de
buracos nas fábricas subterrâneas de projéteis nazistas.
20
V iktor Frankl confirmaria, nos campos de concentra
ção, que a pessoa humana não está neste mundo apenas
em busca de coisas materialmente concretas, nem do pra
zer, nem da superioridade augusta, conform e pretendiam
Freud ou Adler. Pouco im portava a auto-realização, da form a
como a entendem M aslow ou Rogers. Na verdade, o homem
estava à procura de um sentido para a vida, sentido este
que era balizado pela liberdade pessoal e direcionado para
os valores de cada criatura humana.
21
pôr-do-sol começava a ter um intenso e diferente signifi
cado, uma vez que poderia ser o último de uma vida. Não
era possível ter-se a mais pálida idéia do que iria aconte
cer até a próxim a aurora. Bem poderia ser aquela a última
oportunidade de viver!
Interno do campo de concentração, Frankl tinha duas
opções: a primeira, encontrar a própria m orte; a segunda,
ajudar os SS a aniquilarem cinicamente os irmãos judeus.
N o entanto, ele recusa as duas alternativas e prefere ficar
como escravo do trabalho e psicólogo dos companheiros
de infortúnio. Foi ele um psicoterapeuta a serviço dos cole
gas de prisão. O único no mundo a passar por esta expe
riência e sair com vida.
Praticava uma form a de psicoterapia completamente
nova e diferente de qualquer outra conhecida: ele próprio
compartilhava clara e diretamente da dor de seus compa
nheiros, sem a mínima condição de escape. Não era possí
vel a “ neutralidade” em uma situação onde sua probabi
lidade de m orrer era igual à de seus companheiros (mais
de 90%). Suas intervenções eram apelativas e as sessões,
isentas de qualquer form alidade, eram feitas na mais com
pleta escuridão da noite, em m eio aos gemidos da fom e e
ao desespero de quem, como escravo, abrira valetas desde
a manhã até a noite.
Naturalmente não se fazia nenhuma referência ao pas
sado, nem havia clima para preocupações com a form ali
dade de uma psicoterapia de gabinete. Em m eio ao deses
pero, às vezes simplesmente se reuniam para refletir sobre
a m iserável condição presente, buscando forças para supor
tar mais um dia. Certa noite, Frankl simplesmente decla
mou versos de um poeta que pareciam refletir o sentimento
daquele m om ento e acrescentou: “ O que nós estamos viven-
ciando nenhum poder do mundo pode roubar. O que já
realizamos na plenitude de nossa vida passada, com toda
sua riqueza de experiências, ninguém pode arrebatar a nós.
Não apenas o temos vivenciado, mas também o temos pen
sado e s o frid o .. . Todas estas coisas são propriedades nossas
para sem pre” . Logo depois, assim que a luz se acendeu,
Frankl pôde ver a im portância de suas palavras. Entre per
nas trançadas e corpos esqueléticos, seus amigos, com os
olhos cheios de lágrimas, caminhavam em sua direção para
dizer-lhe “ m uito obrigado” .
V ik tor procurava resgatar do íntimo da alma de seus
companheiros o sentido de suas vidas, o sentido da liber
dade possível, o sentido da dor e da responsabilidade de
22
viver. Aqueles que tinham a graça de perceber tal senti
do, a bênção de viver pelo simples fato de viver e enten
diam o valor da vida em si mesma, encontravam uma
estranha força para continuar vivendo. Em outras palavras,
a dor parecia diminuir, crescia a capacidade de tolerar o
sofrimento.
23
mem tem o privilégio de m orrer e a finitude da vida não
parece em si uma coisa ruim. O fato da nossa vida ser
tão passageira faz com que sejamos responsáveis com o
tem po” . Conclui Frankl diante da silenciosa platéia: “ Im a
ginem se a nossa vida fosse infinita! Certamente estaría-
mos adiando todas as nossas responsabilidades. . . ”
24
Naquele m om ento de nua existência, lá estava ele sd,
anônimo, mas sentia uma alegria infinita. Apesar da sensa
ção de estar vivo, tudo era como um sonho solitário, como
o é toda experiência do homem neste mundo. Não havia
de fato ninguém com quem conversar. Seus fam iliares pos
sivelmente estariam todos mortos; sobrava-lhe toda a imen
sidão azul do céu, os caminhos abertos, sua fragilidade e o
chamamento da vida para começar tudo outra vez. V iktor
olhou para o alto e pôs seus joelhos sobre o chão rústico.
N ão sabia m uito nem de si nem do mundo; provavelmente
não saberia dizer ao certo em que dia da semana se encon
trava; somente um pensamento envolvia sua mente, trans
form ado em palavras: “ Em minha angústia gritei para Deus
e ele respondeu e me deu alento” . Durante o tem po em
que ali permaneceu de joelhos, sua mente passeara pelas
negras imagens da prisão, lembrando os companheiros per
didos, T illy e os pais, mas a vida pedia coragem.
25
Existencialism e, em 1969, The W ill to Meaning, resultado
de uma série de aulas dadas na Southern M ethodist Uni-
versity o f Dallas. Em 1972, é publicada Psychotherapie für
ãen Laien ou Psicoterapia ao alcance de todos, coletânea
de programas radiofônicos de Frankl em Viena, entre 1951
e 1955. Em meados de 1972, aparece D er W ille zum Sinn,
em colaboração com Elizabeth Lukas, e, na mesma linha,
D er Mensch auf der Suche nach Sinn.
26
rapia sem citar Frankl. Seus achados clínicos e técnicas
psicoterápicas são assumidos por outras escolas desde a
Psicologia Comportamental, ou a Hipnoterapia de M ilton H.
Erickson, ou as Escolas de Psicoterapia Fam iliar de Paio
Alto e de Milão, até as abordagens estratégicas, multimodais
ou o mais extremado humanismo.
27
da dedicação científica. Dr. Frarikl é apenas um homem
que acredita na liberdade humana e no sentido da vida
de cada criatura humana, fazendo disto seu credo, a ban
deira de sua luta e de sua vida.
28
Parte I
A LOGOTERAPIA
1. O QUE É LO G O TE RA PIA
31
a Logoterapia não se destina a inventar um sentido. Se
gundo Frankl, não é possível fabricar “ um para quê” , um
sentido, porque a vida em sua preciosidade natural está
plena de sentido. Por outro lado, uma escola, fundamen
tada no Existencialismo Judaico-Cristão, tem os elementos
fé e esperança ocupando uma posição privilegiada, além de
supor uma convicção filosófica diferenciada das outras abor
dagens humanístico-existenciais, cujas plataform as ideold-
gico-filosóficas freqüentemente são o Existencialismo Ateu.
O Existencialismo Ateu, contrariamente ao Judaico-Cris
tão, é pessimista com respeito às possibilidades futuras da
vida. Tal “ presentism o” se revela em abordagens com o a
Gestalt-terapia, a Psicologia Centrada na Pessoa, a Antipsi-
quiatria, o Neo-Humanismo norte-americano, onde o que
interessa é a experiência presente ou o que preocupa é o
m om ento atual, como única realidade sobre a qual temos
certeza. Há insegurança quanto ao vir-a-ser; o momento
seguinte que só existe no reino da esperança.
A palavra “ Logoterapia” quer dizer Psicoterapia através
do sentido ou Psicoterapia pelo encontro do Logos ou sen
tido vital. Em outras palavras, Logos significa sentido e
terapia é cuidado ou cura. Um sentido tal que subsiste na
intimidade de cada Santuário Interno apesar do sofrim ento
e da enfermidade, como uma espécie de vocação adormecida
na criatura humana, sempre potencialmente missionária.
Dos recantos deste santuário, emerge uma voz claman
do por um sentido, nascido das profundezas de cada ser
e alojando uma intenção. A intenção assume uma função
dinâmica, ou seja, o sentido deixa de ser estático e começa
a ser um “ m ovim ento para” . A criatura humana é como a
semente que traz em seu interior um código preservador
de sua identidade e assegurador do crescimento perfeita
mente organizado. Além desta programação determinada por
códigos genéticos, há, no caso humano, uma característica
peculiar que é a sua capacidade de assumir a direção de
seu destino. Isto acontece por força de sua consciência, da
capacidade de ser livre e assumir responsabilidade, coisa
que proporciona e faculta ao homem uma transcendência
em relação ao Destino aprioristicamente determinado e
faz dele uma criatura sem destino, porém dona de um
sentido pessoal e intransferível, que o eleva acima dos
condicionamentos.
Para Frankl, a pessoa humana é incondicionada. O que
está sujeito ao determinismo, o que é condicionável é a di
mensão psico-bio-social. Entretanto, no que refere ao ho
32
mem, há uma dimensão que proporciona a ele uma instru
mentação destinada precisamente a elim inar as limitações
do psicofísico, conferindo-lhe a condição do ser livre para
fazer sua história e dar um sentido para sua vida.
Por conseguinte, o segundo ponto central do pensa
m ento de Frankl é o fato de ele reconhecer no homem o
que se convencionou chamar de dimensão noética. Tal di
mensão reconhece no ser humano a condição de uma cria
tura que pertence a este mundo e ao mesmo tempo trans
borda seus lim ites e vai além. Apresenta-o como criatura
dotada de liberdade para criar ou destruir conscientemente
a si mesmo e seu mundo, encontrar um sentido para sua
vida e conceber a possibilidade da m orte, além da existên
cia de uma Providência incomparavelmente superior, que
faz dele um ser que tem um pé neste mundo e outro além
dele.
A liberdade do condicionamento repousa na espiritua
lidade do homem, que por conhecer tais condicionamentos
pode até destruí-los. Frankl não seria ingênuo a ponto de
negar a existência dos condicionamentos no plano psicoló
gico e físico, mas ressalta, como mais preciosa e forte do
que os condicionamentos, a ilim itada resistência do espírito
humano que tem poderes para escolher em liberdade.
2. EVOLUÇÃO DO PE N S A M E N TO F R A N K L IA N O
33
lise Existencial de Binswanger, Frankl passou a utilizar o
term o “ Logoterapia” para designar seu enfoque. Entretan
to, o term o “ análise existencial” continuou sendo em pre
gado por Frankl apesar de sua teoria e m etodologia terem
características muito particulares e diferenciadas da análise
existencial.
Tweedie, autor que tenta resumir o ponto de vista de
Frankl, afirm a que: “ Estes termos são quase sinônimos e
se referem a duas facetas da mesma moeda. Enquanto a
análise existencial indica sobretudo a direção antropológica
da teoria, Logoterapia é um term o descritivo da teoria tera
pêutica efetiva e seus m étodos” . Afirm a que a Logoterapia
se derrama do espírito para fo ra e a análise existencial se
dirige ao Espírito, caminhando em sentido oposto.
Tw eedie declara que a Logoterapia pretende trazer, à
luz da consciência, fatores espirituais inconscientes da per
sonalidade do paciente, enquanto que a análise existencial
tem com o desejo que o paciente seja capaz de ser cons
ciente de sua responsabilidade. Justifica sua idé^a citando
Frankl: “ Por definição, a análise existencial visa tornar o
homem consciente da própria responsabilidade (Bewusstsein
des Verantwortungshabens)” . Citando um outro parágrafo
de Frankl, continua: “ A tarefa da Logoterapia aparece de
pois e consiste em estimular o desenvolvimento da possibi
lidade concreta do indivíduo. Porém, antes que isto seja
possível, é necessário analisar a existência concreta (Dasein)
do ser humano, a existência pessoal do cliente em questão.
Em uma palavra, terá que ser feita a^análise existenc ia l^ .
Fica então a impressão de que por análise existencial
se entende a análise da existência individual, enquanto que
por Logoterapia se entende o tratamento efetivo. N o entan
to, geralmente, a Logoterapia tem um significado mais am-'
pio e inclui dois aspectos, ou seja: ela é a própria análise
existencial em um prim eiro momento e num segundo m o
m ento ela se diferencia na m edida em que propõe trata
m ento efetivo.
Esta é a form a como tenho compreendido a Logotera
pia e que pretendo usar ao lcngo deste trabalho. Com o
ob jetivo de acentuar este conceito, insisto: a Logoterapia
é inicialmente análise existencial, depois, vai além, propon
do estratégias concretas de tratamento clínico.
N a Psicoterapia Existencial há três conceitos especial-'
mente importantes: 1) o conceito de neurose existencial
de Frankl: os transtornos emocionais são resultantes da
incapacidade de perceber o sentido da vida e não uma série
de impulsos reprim idos (não confundir com manifestação
de fragilidade egóica, nem fortes preocupações ou stress,
etc., como querem alguns estudiosos); 2) o conceito da re
lação terapêutica de Frankl: a relação terapêutica deve ser
concebida como um encontro, uma nova relação aberta a
novos horizontes e não uma relação transferenciai que re
pita o passado; 3) o conceito de Toairós: km rós é o ponto
crítico que assinala o momento em que o paciente já está
melhor preparado para a terapia — neste momento, a mu
dança e a m elhoria de seu estado interior acontecem com
maior facilidade.
35
Por tal razão o terapeuta existencial se apresenta como
um elemento desarmado que não chega a utilizar técnicas.
Este pensamento clínico parece equivocado na medida em
que a Psicoterapia em si mesma, explícita ou implicitamente,
carrega em seu b ojo a intenção de prom over mudanças.
A Não-Intervenção no m odelo lacaniano, a resposta refluxa
de Rogers, o silêncio e a “ neutralidade” do profissional são
condutas estratégicas ou técnicas.
3. C O NC EITO DE LO G O TE RA PIA
36
Ainda que vivendo na mais extrema miséria, ainda que
a falta de dignidade seja impiedosa, há sempre a mais com
pleta independência espiritual. Estas conclusões de Frankl,
aprendidas de si mesmo e de sua vida nos campos de con
centração, trazem uma nova e revolucionária visão para
a questão das doenças mentais: por mais louca que seja
uma criatura, ainda resta, nas profundezas de sua alma,
um escudo protetor, uma dimensão imaculada. Por esta
razão, disse Frankl, “ há ocasiões em que um esquizofrênico
agudo tem lam pejos de franca lucidez” .
37
11
Para viabilizar este crescimento, parecia necessário pos
suir uma grande fé no futuro, espécie de pré-requisito sem
o qual o hom em perderia seu interesse pela vida e o desejo
de continuar subsistindo. Em outras palavras, sem ter um
propósito para viver, a vida perde a cor, reveste-se de um
tédio sem fim e, na falta de um sentido, as chances de
continuar vivendo são reduzidas.
Assim, Dr. Frankl e seus companheiros de prisão espe
ravam algo de suas vidas. Que esperariam ainda? Que po
deriam fazer ainda por suas vidas? H averia ainda alguma
razão para continuar vivendo? Haveria alguém precisando
deles? E m contrapartida, reafirma-se o outro lado da ques
tão: Afinal, o que a vida esperava de cada um deles? O
que poderiam fazer por suas vidas em um dado momento?
Havia m om entos em que a vida pedia m uito mais do que
podia oferecer!
A vida propõe tarefas a cada homem e o esforço para
sua realização é o que lhe confere um sentido. Encarando
a vida com o um p rojeto missionário, cada um se vê cha
mado para uma tarefa diferente, pessoal e específica e cada
situação pede uma resposta única.
Algumas vezes, o chamamento pede unicamente a acei
tação de uma determinada condição ou até de dor inevitável.
Outras vezes, somos chamados a ser felizes, ou chamados
a sofrer, descobrindo novas form as de crescimento. Desta
form a, analisando a natureza da pessoa humana, podemos
ver que seu desenvolvimento se dá em três áreas: somática,
psicológica e espiritual.
As duas prim eiras se relacionam estreitamente, compon
do a unidade psicofísica. Aí se localizam os fatores inatos
e constitucionais, os instintos, impulsos, etc. Para a com
preensão destas duas áreas, a Psicanálise, sobretudo Freud,
Adler e Jung, presta um im portante serviço, especialmente
no que se refere à Psicologia. Em todo caso, deixa-se de
levar em consideração a dimensão espiritual, a mais im por
tante característica do homem.
Vale recordar que este plano espiritual que a Logote
rapia leva em consideração não se refere aos “ espiritua-
lism os” de nossa cultura, mas a uma dimensão noética ou
a um Deus reprim ido no santuário interno de cada um. É
neste sentido que a Logoterapia confirm a a dimensão es
piritual como característica fundamental e exclusiva da
existência humana; tal dimensão distingue os homens dos
animais.
38
A espiritualidade a que Frankl se refere manifesta-se
fenomenologicamente por uma consciência imediata do “ eu”
brotando daquilo que ele chamou de “ inconsciente espiri
tual” , de onde aliás toda consciência se origina. Em outras
palavras, a Logoterapia vai reconhecer a existência de um
inconsciente espiritual além do inconsciente instintivo pro
posto por Freud. Isto nos alerta para o fato de que o “eg o ”
não é governado pelo “ id ” sexual e impulsivo, mas por
nossa espiritualidade inconsciente. Desta espiritualidade de
rivam as principais características do homem: a consciência,
o amor e sua capacidade estética.
39
biológicos ou sociais estabelecendo metas para seu destino
pessoal, im previsível e livre. O ser humano é incondicio-
nado, apesar das circunstâncias do ambiente, da hereditarie
dade e dos fatores somatopsicológicos. A dimensão espiri
tual permanece cristalina, imaculada para toda vida.
4. O SE N T ID O DA V ID A
42
A motivação prim ária é desenhada como sendo o dese
jo de sentido e do encontro de um significado para a vida.
Frankl não pretendeu desqualificar a Psicanálise por sua
crenca em aue o homem caminha, guiado pelo princípio
do prazer. Não pretendeu igualmente dizer que a Psicolo
gia de Adler estava errada, ao considerar o ser humano um
peregrino que busca superioridade.
43
mente 2 metros de altura. Ficou surpresa quando percebeu
que, em meio aos corpos, algo se movimentava! Quando
se aproximou, viu que era uma adolescente aparentando
uns 15 anos de idade, maltrapilha, magra e com um olhar
muito brilhante, coisa que jamais pôde esquecer. Pergun
tou-lhe, a enfermeira, o que estava fazendo ali naquele es
paço malcheiroso; ao que ela respondeu de cabeça baixa:
“Está tão difícil viver entre OS vivo s! Pensei que encontraria
mais conforto entre os m ortos . . . ” A enferm eira pôs a mão
no bolso de seu avental e tirou um pequeno pedaço de pão
que tinha escondido para si mesma entregando-o à menina.
Esta comeu-o desesperadamente, enquanto a outra dela se
despedia para continuar seu caminho. Mais tarde, quando
voltou, a menina já não se movimentava; a enferm eira per
cebeu-a morta. Jamais pôde esquecer aquela cena!
44
O homem pode dar sentido à sua vida experimentando
seu destino, suas preocupações como situações de cresci
mento. ü m mie para isto tenha m ie re-sianificar artificial
mente tais experiências como propõe Bandler & Grinder
em Program ação neurolingüística. Em bora as diferenças
entre a re-significação e o encontro de um novo sentido
sejam aparentemente conceituais, na verdade, enquanto
Frankl é um humanista embasado pelo Existencialismo
Religioso, Bandler & Grinder são neo-humanistas com fun
damentação neobehaviorista.
45
górico na Logoterapia: “ Viva como se a vida estivesse sendo
vivida nela lílt.ima. v p v , p m m n na. nrit.iRirn. vez tivesse
foitn todas «ejsas r r radamente. Tão erradamente, que
não se dispusesse a repetir tudo de nnyn” n si;>nificadr>
_da vida é íínim e particular, varia de indivíduo para indi
víduo, muda com o tem po e segundo a transitorindade da
existência.
46
existencial conduzirá muitas vezes à busca de compensa
ções no acerbamento da sexualidade, o que não soluciona
o problema, podendo desencadear um vazio ainda maior.
47
perdendo de vista a pessoa como um todo. Esta ilusão faz
com que ele veja máscaras e não pessoas, que são julgadas
desqualificadas e permanecem desacreditadas. O m odelo
psicologista supõe uma descrença fundamental na pessoa
que nem chega a ser tomada em consideração. Ocultam a
pessoa para além das máscaras e rótulos, seu nome é substi
tuído pelo nome de sua “ enferm idade” . Pareço que u, enfer
midade está mais na form a de se ver o humum do que
propriam ente no cliente.
48
m aior também é a ocorrência de suicídios, desavenças fam i
liares, agressões, assassinatos, consumo de drogas, em bria
guez, crises depressivas, problemas cardíacos, etc.
49
tinham experimentado eram as trevas. Seu mundo ora o
da escuridão e para eles não existia outra rmlidudu A única
realidade conhecida era a das sombras que transitavam na
penumbra da caverna no instante em que os reflexos do
sol as favoreciam e nada mais. Para eles n claridade não
existia. Certo dia, foram colocados em liberdade por cle
mência do rei; ao m eio do dia chegou u escolhi. Imediata
mente os soldados desacorrentaram as pernas do* escravos
e pediram que saíssem. A luz do sol vivo curou os olhos
deles, acostumados a viver nas trevas. O rei descobriu o
quanto era difícil fazer o bem. Para quetn eslá aeoslumado
à escuridão, a natureza oferece mecanismos de adaptação,
o impacto da luz provocara uma cegueira.
D ese nh o n? 1
50
sentido que ele deseja e precisa encontrar para sua vida.
Afinal, a tensão é conseqüência da busca do equilíbrio que
o homem jamais encontra porque é combustível a dina
m izar seu espírito. A busca do equilíbrio é conseqüência
das contradições internas do hom em que sai pelo mundo
procurando encontrar a estabilidade definitiva, mas seu
caminhar acontece graças ao seu desequilíbrio; cada passo
da caminhada é uma nova tentativa de equilibrar-se. O resul
tado é que aprendemos a mudar os passos e conseguimos
andar.
6. OS VALORES E O SE N TID O DA V ID A
51
alimento e em qualquer lugar levará em si as qualidades
nutritivas naturais próprias de sua natureza, mas o ho
mem, guiado por sua consciência, reveste-os de valores. O
homem possui um poder edificador ou destruidor, segundo
parâm etros internos. Se um objeto tem valor, ele tem tal
valor para alguém que reconheça, nele, este valor. Daí o
valor apresentar-se com uma face dupla: o valor que a coisa
tem no plano real, objetivo e o valor que ele !>,anha se
gundo a subjetividade humana, com o por exemplo:
A PR ATA
Tem um valor atrib uíd o pelo homem,
depois de transformada em substância
útil. Este valor nasce da capacidade
do hom em de humanizar a natureza
e criar com ela (va lor atribuído).
52
Entretanto, parece um tanto simplista, segundo a fe-
nomenologia dos valores, dizer que os objetos do mundo
exterior têm um valor adquirido ou atribuído pela cons
ciência humana. P o r outro lado, parece que os valores des
pontam quando travamos relação com o mundo, especial
mente quando esta relação é de crescimento, de reconhe
cimento do potencial escondido em cada ser. Este potencial
oculto revela o que há de transcendente, o que ele tem
dentro de si e o que ao mesmo tem po vai além. Esta é a
relação eu-tu, eu-tu eterno, eu-tu transcendente que não va
loriza magicamente nada, mas que simplesmente descobre
os valores imanentes de cada fenômeno.
53
manas. Recorrendo a Scheler, Frankl apóia :i LngoU '•npia
nos valores e acredita que eles permitam ao homem en
contrar o significado de sua existência.
1) Valores de criação;
2) Valores de experiência;
3) Valores de atitude.
7. VALORES DE CRIAÇÃO
54
quista de prazer, a busca de sentido não implica em ser
feliz; artistas e pesquisadores que se entregam a uma ta
refa por vocação às vezes são pessoas angustiadas.
8. VALO RES DE E X P E R IÊ N C IA
55
pessoa, contribuindo para a form ação dos valores experien-
ciais que são individuais e particulares. Frankl ensina que
quanto m aior fo r a capacidade humana de experimentar o
mundo, a natureza e a vida, m aior será a possibilidade de
realização.
56
do próprio sofrer. Neste sentido, toda evolução tecnológica,
espiritual ou científica decorre das tentativas feitas pela
humanidade para superar a dor — importante alavanca de
crescimento humano.
9. VALO RE S DE A TITU D E
57
O sofrim ento é uma das realidades mais concretas de
nossa vida. Com certeza, ele estará presente em algum m o
mento; através dele, podemos chegar à plenitude do desen
volvim ento da pessoa humana até a chegada da morte. A
certeza da dor existe porque o homem não é apenas honio
faber, com a missão de produzir bens, mas hom o patiens,
movendo-se em direção oposta. Enquanto o prim eiro cami
nha para o êxito (no sentido m aterial), o segundo caminha
para o fracasso, sem que isto signifique ausência total de
satisfação.
A natureza humana admite o sofrim ento como algo
pertinente à sua estrutura, talvez porque o hom o sapiens
ouse transform ar momentos de dor em oportunidades de
crescimento, ouse transform ar o desespero cm satisfação
e o fracasso em êxito, se houver mudança de atitudes. Há
dores que são inevitáveis ou incuráveis e pertencem à con
dição humana. As pessoas são mortais, suas mortes são dor
intransferível e inevitável, todos chegaremos a ela; o que
variará de pessoa para pessoa é a atitude em relação ao
que vamos experimentar.
10 IN C O N S C IE N T E N O É TIC O
58
coterapia como im portantes para sua época, respondendo
aos questionamentos e necessidades de seu momento. Apre
senta a Logoterapia com o uma abordagem que tem sentido
para os nossos dias, mas reconhece que, com o passar dos
anos, não será mais do que uma peça de museu, que perdeu
sua função.
59
noogênicas. Nas palavras de Frankl, neuroses noógenus são
“ enfermidades que se desenvolvem no espírito, mas que
não o deterioram porque este é incorruptível” . As enferm i
dades mentais nesta dimensão são conflitos de valores,
conflitos éticos ou morais, são problemas filosóficos ou
espirituais.
60
a crise vital de auto-imagem e a insatisfação permanente
consigo mesma. Esta tensão entre o ser e o dever ser,
V ik tor Frankl chama de tensão nooãinâmica.
O que torna cada um de nós indivíduos irrepetíveis e
únicos é a fo rm a como agimos e como realizamos uma
tarefa. Não interessa qual é nossa missão, afinal todas elas
supõem tarefas que podem enobrecer ou tornar indigna
uma pessoa. Não im porta o status proporcionado por esta
ou aquela atividade, pois todas são muito semelhantes entre
si (veja o Eclesiastes: “ Não há nada novo debaixo do so l!” ).
O que há de inédito e de pessoal em cada uma das ativi
dades humanas é precisamente a form a particular como
cada um enfrenta uma situação difícil, o acaso, o im pre
visto, os absurdos da existência, o momento de sofrim ento
inevitável, diante dos quais há sem pre a possibilidade de se
assumir uma atitude nova e criativa.
N a trajetória entre o ser e o dever ser, vamos encon
trando uma série de restrições éticas, nossos valores come
çam a ser verificados a cada momento, a vida começa a
cobrar respostas dignas e coerentes que, quando não encon
tradas, nos fazem sofrer. Muitos são aqueles que ainda não
descobriram a razão de ser da vida, não encontraram uma
direção, não descobriram sua vocação para um dever ser
que o santuário da consciência reclama, em outras palavras,
não encontraram ainda o sentido missionário da vida ou
sequer conseguem marchar em direção ao que faz a cria
tura sentir o sabor da esperança, a expectativa do depois.
Da existência desorientada, da falta de sentido para a
vida, emerge o fantasma da falta de um “ para-que-viver” .
O homem, perdido na imensidão do nada, encontra-se dian
te do grande vazio existencial, vácuo sem fim , componente
fundamental para as chamadas neuroses noogênicas.
Segundo Frankl, as neuroses estão associadas a quatro
dimensões da pessoa: somática, social, existencial e espiri
tual. A dimensão fisiológica ou biológica é constitucional,
nela se situam as neuropatias, enfermidades resultantes de
traumatismos. Esta dimensão não pode ser alterada por
tratamentos psicoterapêuticos, mas com medicamentos e
tratamentos diversos da medicina, dedicada aos cuidados
com a dimensão físico-biológica. Resta ao profissional de
psicologia, quem sabe, atuar ajudando a desenvolver, no
paciente, uma atitude positiva com respeito ao sofrimento.
Quanto à neurose, esta encontra-se associada às quatro di
mensões não podendo ser considerada como externa ao
corpo humano.
61
Desenho n" 2
NEUROSE
O O O O
z m cr C/í
o X O o
m Cfi O
H
> >
O z r* -{
O o n
> o
I—
62
escrita não é conhecido por um grande número de criaturas
humanas, como, por exemplo, os analfabetos, mas nem por
isto eles deixam de ser pessoas livres. Todos nós conhece
mos pessoas que não conheceram as letras e foram exem
plos de liberdade, ministrando aulas sobre a arte de ser
também responsável.
Desenho n° 3
0 1 2 3 4 5 6 7 8
£ 7 0 5 4 3 2 1 0
64
seja um inconsciente. Tem os consciência, somos responsá
veis por nossa vida, respondemos pelo que fazemos, ainda
que através do sentimento de culpa.
13. A IN T E N C IO N A L IDADE DA C O N S C IÊ N C IA
65
coisas definitivas, sólidas e seguras para buscar minha afir
mação com o pessoa, mas elas se dissolvem como sombras
e fluem com o fumaça; o que resta é a minha transição, a
minha passagem entre o que sou e o que serei: o espírito
humano.
66
em perfume, em frasco de lavanda, segundo a vontade do
homem. Ao considerar a criatura humana como projeto,
não estamos admitindo qualquer determinismo; não acredi
tamos que o homem seja determinado por alguém, mas ele
se autodetermina, dirigindo a própria vida segundo sua
liberdade.
67
acredita que a m aior violação que a espécie humana pode
fazer contra si mesma é fu gir do fato de possuir uma
consciência viva, responsável pelas coisas que produz.
14. A U TO TR A N SC E N D Ê N C IA
COMO FE N Ô M E N O H U M ANO
68
não é a auto-realização maslowiana o que Frankl considera
transcendência, uma vez que o prazer de viver e o encon
tro de um sentido vêm no instante da procura deste sen
tido. A procura de um sentido já é sentido. Aquele que
busca encontrar o sentido está com a vida encaminhada
para o dever-ser, para o ideal missionário, muito embora
a realização, em termos concretos, não esteja assegurada
com o certa.
A busca é m otivada pela esperança humana de atingir
seus ideais. A realização mostra-se no ato de liberdade da
procura do com o viver, mas os fins não poderão justificar
os meios, im portando a form a como chegamos a atingir
nossos ideais. Os m étodos pessoais adotados na procura é
que nos diferenciam e nos tornam pessoas, com um m odo
de ser exclusivo, irrepetível no mundo.
Ungerama, em 1961, disse que as três escolas vienenses
de Psicoterapia poderiam ser classificadas segundo três ní
veis de atuação: 1) a Escola Freudiana, segundo o princípio
do prazer, orientando a criança pequena que não admite
frustração; 2) a Escola Adleriana, segundo o princípio da
busca do poder, orientando o adolescente que está em tran
sição para a vida adulta; 3) a Escola Frankliana, segundo
o princípio da busca de sentido, orientando o homem adul
to. As três linhas acabam form ando um todo que compreen
de o desenvolvimento ontogenético da pessoa humana, da
infância à maturidade.
A Logoterapia, tendo surgido depois de Freud e Adler,
pôde ter uma visão mais ampla do homem na sua traje
tória, somando novos elementos para sua m elhor compreen
são, inclusive a idéia de que o hom em está condenado à
trajetória existencial, à caminhada para algum objeto, não
vagando sem rumo. Constata carecer o homem da realiza
ção de valores e que sua consciência é portadora de uma
intencionalidade.
Afirm ar que a consciência é intencional significa dizer
que ela busca uma intenção, tende para um valor que é a
substância mesma do sentido. Com liberdade e com res
ponsabilidade, a pessoa segue seu curso, altera sua rota,
tendendo a emprestar à sua vida um sentido pessoal. Auto-
vigilante, cuidando de sua trajetória escatológica, o homem
manifesta sua capacidade de ser transcendente, de criar a
esperança utópica. A responsabilidade com a H istória se
materializa quando podemos mr-a-ser aquilo que nossa in
tencionalidade quer e o que a vida pede de cada um de nós.
69
À força do transcender-se não é descoberta de ilumi
nados, mas uma fagulha que ilumina o espírito de cada
ser humano. O índio latino-americano assim nos diz:
Y o no sé
si el hom bre es cosa de la tierra,
que se hace nube,
o cosa dei cielo,
que se hace rio.
Pero yo sé
que el hom bre y el agua
tienen un destino de tierra,
pero vocación dei cielo.
(Atauhalpa Yupanki)
(Lao-Tsé — Tao-Te K in g )
70
15. O SER EM PO T Ê N C IA E O VIR-A-SER
71
municar-se” . Condenado à comunicação eterna, o homem é
sempre mais do que aquilo que conseguimos ver. A lingua
gem transcende o concreto; a metacomunicação terapêutica
tenta resgatar o significado mais profundo da mensagem
do ser que está aí, do Dasein.
Tal como Aristóteles, a Psicoterapia Existencial consi
dera o hom em um ser em potência, um vir-a-ser que se
atualiza. A Logoterapia caracteriza-se por uma grande fé
no hom em que, segundo ela, traz dentro de si um potencial
infindável até a m orte. Sendo o homem criatura que busca
sentido para a vida enquanto ela existe, pode ser até que
um fato ocorra minutos antes de sua m orte, permitindo-lhe
conferir significado às coisas que antes eram absurdas.
Considerando o homem como ser missionário, um ser
que existe em potência, cujo destino é a atualização, a Logo
terapia ousa acreditar incondicionalmente na transforma
ção da vida da pessoa, na conversão ou na correção da
trajetória pessoal da criatura que procura encontrar o sen
tido de sua vida. A Logoterapia é m ovida pela esperança
de que as potencialidades de cada um consigam expressão
na concretude do vir-a-ser, base da tensão psiconoética.
Segundo Gabriel Mareei:
A minha história não m e é transparente,
não é minha história, porque não me é transparente.
Neste sentido não pode ser integrada ao meu sistema
e quem sabe até o desfigure.
(Gabriel Mareei, D iá rio m etafísico, p. 161)
72
Tentando assumir sua história, o que às vezes frustra
e solicita correção de sentido, o homem se depara com lim i
tes às possibilidades de crescimento. Os limites são sete: a
m orte, a liberdade, o isolamento existencial, o sofrimento,
a culpa, a responsabilidade e a busca de um sentido para a
vida.
73
e luta por ela, tomado pela urgência de ser livre. A liber
dade é tão preocupante para a espécie humana que, por
ela, podem ocorrer as guerras. Os limites à liberdade podem
fom entar revoluções, criar tensões ou mesmo im obilizar
indivíduos em atitudes reacionárias, recusando-se à ação
livre.
74
pode sentir o frio do outro; ninguém pode experimentar
a felicidade de uma determinada pessoa muito embora ela
possa ser contagiante. As relações, no entanto, são muito
pouco, quando sabemos que uma criatura padece de fom e
ou de sede; nada poderá aliviá-la. Não há “ transfusão” de
experiências uma vez que o ato de experimentar é profun
damente pessoal, reservado a cada ser e a ninguém mais.
75
O sentimento de culpa tem sua origem na sensação de
se atingir ou fe rir alguém que nos é importante, fazendo-o
sofrer. Melanie Klein sugere que o sentimento faz-se acom
panhar do desejo de reparação ou de expiação para com
pensar o prejuízo causado à pessoa. Tem os que levar em
conta que o homem, por ter consciência, é o único a assu
m ir a culpa e a responsabilidade pelo que faz, responder
por sua conduta, comportamentos e atitudes.
76