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conceito de conttatransÍerêncial
Beatriz de león de Bernardi
CONCIITO DE CONTRATRAI'ISIIRINCIA
veis em seu contato com o paciente, de modo
que possam lhe ser úteis e não interfiram nos
A reflexão acerca da noção de contratransfe- fins primordiais da análise: a modificação da
rência sempre acompanhou a evolução do pen- realidade psíquica do Paciente'
samento psicanalítico, mas ganhou importân- Abordar uma definição da noção de con-
cia especial na segunda metade do século )C( tratransferência traz algumas dificuldades.
deüdo à progressiva importância outorgada à Sendo um conceito próximo da experiência cli
participação do analista nos processos de mu- nica, este se generalizou, sendo usado descriti-
ãança terapêutica. De fato, tanto desenvolvi- vamente com múltiplas acepções. E uma no-
mentos teórico-clínicos como avanços da inves- ção entendida de diferentes maneiras, segun-
tigação empírica em estudos de processo e re- do o aspecto teórico que se considere. Tal no-
sultados analíticos mostraram como caracte- ção, que, sem dúvida, pode causar confusão
rísticas da personalidade e modos de interven- no intercâmbio científico, permite, na medida
no en- em que se discriminam suas diferentes acep-
ção do analista incidem decisivamente
ções, compreender sua riqueza conceitual
e os
contro com o paciente e na evolução da análise.
O estudo da contratransferência oferece problemas clínicos abordados em diversas po-
novas perspectivas para compreender o alcan- lêmicas desenvolvidas sobre o tema duran-
ce das disposições e reações conscientes e in- te quase um século.
conscientes do analista quanto ao paciente. Elas
A evolução do conceito de contratrans-
podem funcionar como fator de mudança no ferência permite hierarquizar dois de seus sen-
üatamento ou interferir nele. Neste sentido, o tidos. Um sentido, restrito, com origem no de-
tema da contratransferência se relaciona com senvolvimento freudiano sobre o tema, consi-
os da neutralidade e da abstinência. A tomada
dera a contratransferência um fenômeno pon-
de consciência pelo analista de sua contribui- tual na análise e um obstáculo a ser superado:
"Um modo de participação inconsciente do
ção para o processo lhe permite manter uma
atitude alerta frente a envolvimentos inevitá- analista no processo transferencial-contratrans-
1As idéias desenvoÌvidas nesre capítulo foram discutidas com o Dr. Ricardo Bernardi. Algumas foram
(de León e Bernardi, 2000) e no
anteriormente publicadas de formaconjunta no livro Contratransferência
trabalho,,Contiatransferência e vuinerabilidade do anaÌista" (de León e Bernardi, 2005).
18 ZASLAVSKY, SANTOS E COLS
A partir do fim dos anos de 1940 e durante as Racker concordou com Annie Reich SE
I
CONTRATRANSFERÊNCIA: TEORIA E PRÁTICA CLíNICA 2I
Ì
B em espe- lista pode experimentar o alheio como próprio. central de M. e W Baranger e Baranger (196I_
pm ao pri- Assim, diferentes aspectos do psiquiimã do 62) e de que a dinâmica inconscie.rt" do
hento ou a analista, ego, superego ou id, seus impulsos e "u-_
po é determinada por fantasias inconscientes
i constatar defesas podem ser equiparados aos dopacien_ compartilhadas, surgidas após a uoca de iden_
peles anos re. Estes mecanismos estão na base dos pro_ tificações projetivas de paciente e analista. A
I do pensa- cessos de compreensão e interpretação do àna_
noção de fantasia inconsciente de Susan Isaacs
b, que ten- lisra (Racker, 1977, p.235). (7948) é a base desta concepção.
tsubjetivos ,Para Racker, a contratransferência
com_ Esta primeira visão de W e M. Baranger
plementar mostra o aspecto neurótico da con_ (196I-62) coloca em primeiro plano a relação
DPOrtantes naransferência e interfere no processo analí_ transferencial-contratransferencial. A interpre_
kh Racker, tico. Racker mantém a acepção freudiana, dan_ tação procura verbalizar no momento a mo_
r, Heinrich do um toque de originalidade ao descrever os mento da sessão afetos que são indícios de fan_
do emVie- aspectos complementares do fenômeno. De tasias inconscientes e ansiedades precoces.
fato, o jogo de identificações faz com que o Es_
riação Psi- tas fantasias fogem das palawas è podem ser
'1940. Em analista passe a ocupar um lugar.o-o obl"to captadas, como assinala Heimann, através da
nn, Racker do mundo interno do analisado .o- qu. o contratransferência do analista. euando nelas
múaffans- "
analisado possa representar um objeto iniantil se condensam aspectos de resistências de pa-
trc Interna- do arralista. Reativam-se modos de tratamento
ciente e analista, constitui-se um baìuarte que
ion to the primitivos recíprocos entre ambos (Racker, detém imperceptivelmente a análise. Na medi_
teq 1948). 7977, p.235). A resposta contratransferencial da em que o analista toma consciência de suas
E simulta- tem, muitas vezes, sua origem na rejeição do incompatibilidades inconscientes, recupera-se
n que haja analista a seus próprios impulsos infãniis, em o movimento do processo (Baranger, Bãranger
entre suas especial os agressivos, que o impedem de con_ e Mom, 7982/1983).
6, p.247). cordar com o paciente, freando_se, assim, o Em 1979, Willy Baranger fez uma reü_
! a contra- processo de liwe associação e interpretação. são sobre a perspectiva bipessoal de seus pri_
üitos neu- Racker mostra como os fenômenos contra_ meiros trabalhos, ao destacar o papel do
hoorporou transferenciais se expressam em níveis verbais "nqìu_
dramento e assinalar que é neceisário ter, em
e relações e não-verbais da comunicação analítica e se seguida, uma segunda visão sobre o campo
Ëdipo pre- retroalimentam implicitamente, reforçando analítico, que ajude a manter ou recuperar a
üefensivos identificações patológicas. Desraca a nócessi_ assimetria analítica. Esta revisão foi parcial_
nribuição dade da análise da contratransferência, tanto mente motivada peÌa experiência, mas também
fferência no tratamento pessoal do analista como nas pelo contato com o pensamento de Lacan, que
fnam e se supervisões. A tendência a desconhecer a questionou a contratransferência
contratransferência se deve a sentimentos in_ o, urpè._
I e contra- " analíiica,
tos duais e bipessoais da experiência
hde, dan- fantis idealizados e não suficientemente ana_ na medida em que podiam levar a uma perda
la relação Iisados.
da assimetria e neutralidade, superdimensio_
I (Rackea Wiìly e Madeleine Baranger, psicanalis_ nando os sentimentos e os aspectos imaginá_
hsidera a tas franceses, hoje radicados na Argentina, vi_ rios da transferência. Madeleine Barange-r re_
hl do ana- veram em Montevidéu entre os anos de 1954 toma a perspectiva intersubjetiva ao resumir,
I aspectos e 1965 e fundaram o grupo psicanalítico uru_ no Congresso Internacional de Amsterdã de
guaio. Sua concepção da contratransferência 1993, sua teoria do campo analítico (Baranger,
Reich seinclui em uma visão mais ampla do proces_ 7992), que incorpora contribuições do p"nìu_
um uso so analítico concebido como campo dinâmico
mento de Lacan, mas mantém a influêniia de
constituído pela dupla analítica (de León,
rifica- 2000). O enquadramento em seus diferentes {. Xle! e de Bion quando reafirma a impor_
tância da fantasia inconsciente, os afeto^s, o
lano aspectos dá constância ao processo. ponto de urgência da sessão e o vínculo trans_
dois ti- A perspectiva destes autores alimenta_se ferencial:contratransferenciaÌ (Barange r, 7992).
ee de idéias provenientes da teoria da Gestqlt O enfoque de Willy e Madeleine Baranger foi
no introduzidas inicialmente na psicanálise rio_ desenvolvido por diferentes autores do meio
o ana- pratense por Enrique pichon Rìvière. A tese psicanalítico rio-pratense e internacional. Na
22 ZASLAVSKY, SANTOS & COLS
ação emo- cia, em que inclui fantasias, idéias, sentimen- pensamento de Lacan e as üsões psicanalíticas
: coerente- tos e teorias do analista. mais clássicas, expressas por Daniel Widlocher.
consciente I No pensamento francês contemporâneo, A polêmica mostra como os diferentes enfoques
acou a ne- Luisa de Urtubey (7994), citada por Duparc levam a diferenças nas concepções teóricas e
t (2002), diferencia distintas correntes com re-
o lugar, às abordagens técnicas. Assim, Miller (Widlõche4
D paciente. Iação ao tema da contratransferência: a) as 2003) assinala que "o manejo da contratrans-
mncepção t posturas clássicas, que "suspeitam,' da contra- ferência está ausente da prática analítica de
rh psicolo- I
transferência, entre as quais a autora situa o orientação lacaniana, não está discutido nela
Dacar que a I pensamento de Lacan; b) as posruras holísticas, e isto é coerente tanto com a prática na sessão
trteSrar as- que consideram a contratransferência um fe- quanto com a doutrina lacaniana do incons-
r à realida- nômeno global, como as de Nacht, Joyce ciente. (...) A contratransferência aparece ca-
m efeito de i
Dougall e Chasseguet-Smirgell; c) as posruras balmente na prática lacaniana, mas apenas em
insivos, de I que destacam o aspecto neurótico, mas útil, da seu aspecto negativo: não é um instrumento de
,do incons- t contratransferência, como a de pontalis; d) as investigação" (p. 1.060 e 1.064). Em conrra-
transferên- posturas em que se inclui a autora, que consi- posição, Daniel Widlôcher destaca que a capta-
be, em que deram a contratransferência parte do espaço ção do movimento afetivo da sessão por parte
com o ana- ou campo analítico. Luisa de Urtubey reconhe- do analista por meio de sua contratransferência
[ansferên- influência que teve em sua posição o pen-
ce a é um instrumento imprescindível para a for-
rfubóÌica. samento de W e M. Barange4 que se aproxima mulação da inrerpretação.
ilindo com ao de Serge Viderman, quando concebe a O pensamento inglês hierarquizou inin-
úre o efei- contratransferência como um fenômeno que se terruptamente os aspectos emocionais e não_
n na abor- gera no espaço analítico e que inclui transfe_ verbais da comunicação analítica de Heimann
rcia no Rio rências e identificações do analista com seus até hoje. Do meu ponto de vista, Betty Joseph
nainfluên- próprios analistas. é a autora mais representativa entre os kleinia-
h fez com Duparc considera que o contato de ana- nos contemporâneos, entre os quais também
Eia, poste- listas franceses com as idéias de Winnicott, em se incluem Hanna Segal, Elizabeth Bon Spillius,
e Nacht se especial a de espaço transicional, e com as de John Steiner, Ronald Britton, Michael Feldman
t 1962, no J. Bleger sobre o enquadramento e a simbiose e Irmã Brenman, entre outïos. Para BetryJoseph,
rquizando influíram no desenvolvimento da noção de na situação analítica repetem-se relações pri-
rêverbal e contratransferência, na França, em analistas mitivas de objeto e situações totais vividas na
L mas seu como Green, Laplanche e pontalis. Destaca a infância. Como Willy e Madeleine Baranger, ela
t Como vi- importância da reflexão sobre o enquadra- crê que a noção de fantasia inconsciente ofe-
tratransfe- mento, na medida em que permite manter dis- rece um marco teórico para a visão da conffa-
t 1950 com tância da relação transferência-contratrans- transferência. No pensamento kleiniano, as
hoje como ferência, colocando-se como um terceiro, o que fantasias inconscientes primitivas formam o
rde Lacan possibilita a assimetria e a neutralidade analí- núcleo do inconsciente, expressando impulsos,
95O e 1960 ticas. Do meu ponto de vista, influíram nesta defesas e modos de relacionamentos primiti-
rimento do perspectiva a visão de Lacan sobre a função vos vivenciados em sensações corporais e ima-
) encontra- paterna e o lugar do terceiro. Green (Ig7S) gens distantes das palawas. Neste aspecto, tal
l\fiderman incÌui na contratransferência o papel das teo- pensamento diferencia-se da postura freudiana
) rumo dos rias do analista e o diálogo com professores e clássica, em que a fantasia inconsciente é con-
l\liderman colegas. Teoriza sobre a contratransferência no cebida como formação de transação entre os
ürn herme- tratamento de personalidades limítrofes com sistemas.
imaüans- falhas nos processos de simbolização. Em um artigo-chave, de 1985, A transfe-
ido espaço Ainda hoje, na França, se mantém a dis- rência como situação forcl, Betty Joseph, reto-
iana11516, g cussão acerca do significado da contratransfe- mando a idéia de Sandler (7976) de role-
llal da con- rência. Uma polêmica recente entre Daniel responsiveness, assinala como modos de rela-
Itr precede Widlôcher e Jacques Alain Miller, publicada na cionamentos primitivos se repetem na situa-
lr- Este au- Revista Argentina de Psicanálise, mostÍa pontos
ção transferencial e são inferidos pelo analista
Fansferên- de vista contrastantes entre os seguidores do por meio da captação das pressões que sofre
24 ZASLAVSKY SANTOS e COLS.
pelo analisando. Estas pressões muitas vezes te podemos concordar com os modos de rela-
se expressam em enactmenfs, ou atuações do cionamento patológicos infantis experimentan- d
analista, das quais é necessário tomar consciên- do como o analisado se relaciona conosco na fr
cia para que a análise progrida. Na visão de transferência. L
Joseph, o analisando "usa o analista de forma Betty Joseph inicia, além disso, nos úÌti- F
paralela ou além do que manifestam suas pa- mos 10 anos, um diálogo fecundo com a psica- d
lawas" (1985, p.85). Para Joseph, "estas são nálise norte-americana, em especial por meio r
experiências que costumam ir dlém das pala- do vínculo estabelecido com Roy Schafer rì
vras e que, muitas vezes, somente consegui- (1998). Este autor, desde o começo da década p
mos compreender por meio dos sentimentos de 1970,junto com George Klein, Merton Gill f,
que despertam em nós, ou seja, por meio da e Donald Spence, contribuiu com idéias reno- p
contratransferência no sentido amplo da pala- vadoras, questionando a visão clássica da psi- g
vra" (1985, p.B5). cologia do ego. Influenciado por visões herme- q
Como vemos, Betty Joseph mantém o nêuticas sobre a interpretação, em especial a n
ponto de vista de Heimann sobre o papel rela- de Paul Ricoeur (de León e Bernardi, 2005), ÍT
cionado aos sentimentos do anaÌista e como Schaffer criticou, assim como George Klein e
esta fonte de experiência contratransferencial Donald Spence, o uso da metapsicologia na g
deve ser buscada no paciente. Contudo, a no- prática clínica e a relevância dada ao passado
ção contemporânea de enactmenf, presente no infantil. Hierarquizou a busca do sentido in- g
desenvolvimento de muitos autores, em espe- consciente das narrativas construídas por ana- a[
cial ingleses e norte-americanos, é uma noção lista e paciente no momento do diálogo analí- uË
mista entre o que provém de determinismos tico. Sua noção de linguagem de ação (Schafe4 @
inconscientes do analista e do paciente. Sandler 7976,7992), representada pelo paciente de "re
(7976), retomando em muitos aspectos o pen- forma repetitiva na sessão, e suas concepções iúm
te, Mclaughlin, (1991) definiu-o como "aque- à visão mais tradicional da psicologia do ego, ça
las interações regressivas e defensivas ocorri- sft
herdeira dos primeiros psicanalistas, que tive-
das na dupla analítica, experimentadas por tu
ram contato com Freud na Europa e que che-
ambos como a conseqüência do comportamen- p€
garam aos Estados Unidos no pós-guerra. Eles
to do outro" (p.595). t9
reafirmaram como fonte da contratransferên-
!,Ë-
Os desenvolvimentos de BettyJoseph, que cia a neurose infantil do analista. Enfoques
hierarquiza os aspeçtos não-verbais da comu- mais atuais desenvolvidos na Califórnia, como
ND
J.
nicação, têm grande influência não apenas tdri
Ide rela- Jacobs (799I/ t993), desenvolvendo idéias co, que não transcorre apenas no paciente,
imentan- de Isakower (1963) sobre o instrumento ana- mesmo que ocorra em função deste. De
bosco na lítico, postulou que a mente do analista fun- Heimann e Racker a Willy e Madeleine Barangeq
ciona como um registro multicanal, ou seja, passando por Joseph, SandÌer, Schafer, Vider_
nos últi- pode receber as comunicações do paciente em
man, Jacobs, Renik e Mitchell, entre muitos
n a psica- diferentes canais: sensoriais, acústicos, üsuais, outros, vemos como se afirmou progressiva_
por meio sensações corporais, padrões de movimento e
mente, durante o século XX, a tendência a
Schafer respostas autônomas. Jacobs hierarquiza o pa_
hierarquizar a incidência de fenômenos rela-
a década pel do que chama empatia corporal. A regres_
cionais ocorridos durante a análise. Esta pers_
non Gill são analítica permite ao anaÌista se reconectaL
pectiva fez surgir pontos controversos sobre o
ias reno- por meio de sua própria experiência corporal,
tema da neutraÌidade e possível objetividade
a da psi- com imagens e recordações do paciente não_
do anaÌista com respeito ao paciente.
Sherme- conscientes naquele momento. Imagens, sen_
Destaquei (de León, 1993, 2005), rero_
special a sações e movimentos corporais do analista apa_
mando a perspectiva de W e M. Baranger, que
L 200s), recem, então, como chaves contratransferen_
momentos de inter-relação entre vivências do
e Klein e ciais, que iluminam aspectos de resistência e
paciente e do analista constituem o processo
ilogia na conflitos reprimidos.
de análise. Estes momentos têm as característi-
rpassado Owen Renik (1993) postulou o caráter
cas de ser verdadeiros "nós interativos" em que
mido in- eminentemente intersubjetivo da experiência
se ativam imagens, afetos e diferentes sensa_
rlx)r ana- analítica. Seus trabalhos provocaram diferen_
tes polêmicas ao questionar as noções de con_ ções corporais, como foi assinalado no meio
6o anali rio-pratense há 50 anos por Luísa Alvarez de
(Schafer, tïatransferência e neutralidade. para ele, a sub_
jetividade do anaÌista está necessariamente Toledo (1954). Neles, manifestam-se aspectos
iente de repetitivos inconscientes, transferenciais e con_
ncepções
implicada no processo analítico e, neste senti_
do, a noção de contratransferência é redundan- tratransferenciais e mecanismos defensivos de
GOm cor- identificação recíproca. Não é possível que
te. A participação do analista, as crenças, o pen-
rc hierar- haja um verdadeiro processo de análise sè o
samento e os sentimentos Ìevam a enoctments
na interação analítica. Somente se pode ter analista não se dedica a processos de identifi_
rericano, cação com o paciente, possibilitando identifi_
consciência da contratransferência depois desta
cnfoques cações concordantes ou complementares e
ser atuada. Para Renik, o ideal de neutralida_
ifreudia- momentos de fusão. Contudo, estes momen_
de tem um efeito restritivo sobre a aproxima-
qnndem tos de intensa intersubjetividade se alternam
t do ego, ção afetiva com o paciente e barra o pensar
sobre as múltiplas formas de incidência do dialeticamente com outros de maior discrimi-
que dve- nação entre paciente e analista. Estes últimos
analista no processo e sobre como o paciente
qtre che- permitem recuperar o movimento de livre as_
percebe esta participação. Sustenta (Renik,
rra. Eles
1999) que o anaÌista transmite, implicitamen_ sociação e a atividade interpretativa, a capa_
msferên- te, sentimentos, opiniões e pontos de vista mui_ cidade de auto-reflexão e elaboração de pa-
Enfoques to mais do que verbaliza. por isso, julga neces_ ciente e analista e, finalmente, a posição de
úa, como sário que se possa, às vezes, explicitãr ao pa- neutralidade do analista.
n (1981) ciente seus próprios julgamentos e opiniões io_ O tema da neutralidade se ligou ao da
n, vincu- bre diferentes aspectos conflitivos da sua vida. objetividade do analista. O analista pode ter
hàtun- Ao contrário do que possa parecer à primeira uma visão "objetiva" sobre os fatos clínicos dos
r- Ogden vista, isto dá mais autonomia ao paciente, na quais participa, sem que esta participação seja
.perspec- medida em que pode confrontar seus pontos contaminada por sua vivência subjetiva? Nes_
lnÍamos de vista com os de seu analista e analisã-los. se sentido, Glen Gabbard (1997) discutiu o
das que ponto de visra de Owen Renik (1993) sobre a
) incons- irredutível subjetividade do anaÌista. Concor_
acobs, às CONTRATBANSIIRÊNCN T IllJTIRSlJBJTTIll|DADI da com Green (1975) e Ogden (Igg4) em suas
ietivo da conceitualizações sobre o terceiro analítico _
Stephen O descobrimento da contratransferência inau- se o objeto analítico é construído por paciente
gura uma nova visão sobre o processo analíti_ e analista, os momentos de separação entre
26 ZASLAVSKY, SANTOS & COLS.
ambos permitem ao analista um olhar de fora outro" (Stern, 1985/799I) são ativadas na si-
sobre a realidade psíquica do paciente e a tuação analítica.
interação. Junto com fucardo Bernardi, desta- Os dois tipos de memória aparecem em
camos, retomando o ideal de Willy e Madeleine diferentes momentos do processo analítico'
Baranger, Baranger e Mom (7982), que é ne- Sem dúvida, as concepÇões sobre a contratrans-
cessário estabelecer um segundo olhar sobre o ferência mostraram como na análise se atuali-
campo da interação analítica, que abra espaço zam modos procedurais infantis de trato do
para a disposição à auto-análise do analista objeto, de caráter pré-verbal. Estas memórias
sobre os diferentes aspectos de sua participa- que se expressam como "esquemas de vivência
e condutas estereotipadas" (Baranger e Baran-
ção (Bernardi e de León, 7993). Este segundo
olhar também permite ao analista reconhecer 796I-62) ou matrizes relacionais (Mitchell,
ger,
o mundo interno do paciente como diferente 1988) condensam a experiência emocional
do próprio. Com o avanço do tratamento, o nuclear do paciente e atuam no campo analíti-
paciente, juntamente com o analista, aumenta co. As noções de baluarte e, mais recentemen-
sua capacidade reflexiva sobre o ocorrido na te, de enoctment procuram descrever estes
relação analítica, os aspectos transferenciais e momentos clínicos, e a contratransferência, na
contratransferenciais, suas emoções e estados medida em que o analista possa compreender
mentais em geral. Desta maneira, pode-se ir sua dinâmica, torna-se instrumento privilegia-
construindo um terceiro olhar conjunto de pa- do para a transformação dos modos patológi-
ciente e analista sobre o moümento do cam- cos de se vincular ao Paciente.
po. O progresso da análise leva ao crescimento A interpretação procura estabelecer uma
da capacidade reflexiva compartilhada, o que dialética entre memórias emocionais ativadas
permite ao paciente uma visão mais objetiva no encontro com o analista e memórias decla-
de si mesmo. Os desenvolvimentos de Mary rativas, lembranças do passado do paciente
Target e Peter Fonagy (1996) sobre a noção de surgidas e narradas no aqui-e-agora da sessão.
função reflexiva agregam uma nova perspecti- O trabalho de integração entre os dois tipos de
va para compreender os processos de cresci- memória permite ao paciente simbolizar aspec-
mento mental na análise. tos separados e narrá-los. Neste caso' o siste-
ma pré-consciente adquire maior estabilidade,
riqueza representacional, fluidez e permeabi-
CONTBATRANSIEIÊNCN T ASPICÏOS lidade. As representações "verbais" pré-cons-
cientes permitem sustentar a força de impul-
PRÉ.ìIIBBAIS DA C0M||NICAçA0
sos primários expressos em vivências emocio-
nais rompidas. Em pacientes com transtornos
A diferença entre a importância atribuída ao
severos de caráter ou limítrofes, a resposta con-
afeto ou à palawa por diferentes desenvolvi-
tratransferencial pode se tornar crônica, per-
mentos teóricos, aos quais me referi parcial-
petuando uma situação patológica (Kernberg,
mente neste capítulo, coincide com descober-
2005) e levando a actings severos do analista
tas das neurociências. Elas diferenciam siste-
(Gabbard, 2003). Nestes casos Sraves, torna-
mas heterogêneos da memória: a memória
se necessária a supervisão do caso.
procedural ou implícita e a memória declarati-
va ou explícita (ver Davis, 2001). A primeira é
de caráter emocional, antecede a possibilida-
c0NïRAT$ANSFilÊNCn, RttAçAo
de de verbalização e precede a segunda no de-
senvolvimento precoce. A memória declarati- ANAriïrCA E ]lllllDANçA ïIBAPÊIJÏ|CA
va se vincula à aquisição da linguagem e é de
aquisição mais tardia. Ambos os tipos de me- Pesquisas de processo e resultado demonstra-
mória correspondem a diferentes áreas cere- ram que as características do encontro terapêu-
brais (Squire e Kandel, 7999). Pesquisas sobre tico, como compromisso emocional e contato
o desenvolvimento primitivo também manifes- comunicativo (Jiménez, 2005), constituem os
taram como "formas implícitas de estar como principais preditores de êxito do tratamento
CONTRATRANSFERÊNCIA: TEORIA E PRÁTICA CLÍNICA 2t
ìdas na si- em diferentes formas de psicoterapia. Na psi- cunstâncias da análise com diferentes tipos de
canálise, foram destacados tradicionalmente os pacientes. Se é certo que a relação analítica
recem em aspectos repetitivos da uansferência e da con- pode atuar como primeiro fator de mudança
analítico. tratransferência. Contudo, a partir de diferen- terapêutica, também o analista deve estar aten-
f,ìtÍatrans- tes enfoques teóricos, mostrou-se a importân- to aos novos aspectos r,rrlneráveis que a vida e
È se atuali- cia da uma nova relação entre paciente e ana- seu trabalho geram, de modo que o vínculo
e trato do lista como fator de mudança. Autores como Roy analítico não o leve a exercer um afeto iatrogê-
imemórias Schafer, Donald Spence e Serge Vidermann, nico e traumático sobre o paciente e sobre si
hvivência entre outros, destacaram a importância do mesmo.
lr e Baran- surgimento de novos sentidos no contexto da
r(Mitchell, relação transferencial. Além disso, destacou-
cmocional se a importância da personalidade "real" do RffIRÊilCNS
po analíti- analista, das características do encontro com
Eentemen- seu paciente, em determinadas circunstâncias Alvarez de Toledo, L.G. de. (1954). EI análisis del
tever estes vitais e determinado meio cultural, social e "asociar", del "interpretar" y de las "palabras". Re.
brência, na de Psicoanálisis, 1i(3), 269-275.
econômico. Isidoro Berenstein (2001) referiu-
mpreender Arlow, J. (1985). Some technical problems on
se recentemente aos novos aspectos da trans-
countertransference. Psycho analytic Quarterly , 54,
rpriülegia- ferência ao assinalar que nela não apenas se 164-174.
r patológi- revivem de forma diferente fatos do passado Baranger, M. (1992). La mente del analista de la
infantil - seja como novas versões da história escucha a Ìa interpretación. In Luis Kancyper
ldecer uma ou versões com acréscimos (Comp.) Volviendo a pensar con WiIIy y Madeleine
como também se
-
rb ativadas instaura uma nova relação, proveniente da Baranger: Nuevos desarrollos. Argentina: Lumen,
órias decla- 1999.
interação com o alheio do outro, que, ao pro-
b paciente duzir novas inscrições, pode modificar os as- W (1961-62). La situación
Baranger, M., Baranger,
a da sessão. analítica como campo dinámico. Revista Uruguaya
pectos vinculares repetitivos patológicos.
de Psicoanálisis, 4 (I), 7961 -62: 3 -54.
his tipos de A concepção globaÌ da contratransfe- Baranger, M., Baranger, W, Mom, J. (1982). Proceso
úizar aspec- rência também incluiu não apenas os aspectos y no proceso en el trabajo anaiítico. Revrsta dePsico-
lso, o siste- repetitivos inconscientes do passado infantil do anóIisis, 39, 527-549. fTambién publicado como:
nabilidade, analista, mas diferentes aspectos de seu fun- Process and Non-Process in Anaiytic Work. Int. J.
c permeabi- cionamento mental que foram se desenvolven- Psycho-Anal., 64:1-15. (1983) l
f pré-cons- do em suas experiências pessoais de análise e Baranger, W. (1979) . "Proceso en espiral" y "Campo
p de impul- formação, em seu diálogo com teorias e cole- dinámico". Revis ra U ruguay a de Psico análisis, 5 9 : 17 -
das emocio- 32.
gas e, sobretudo, no contato com seus pacien-
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