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A Manual de

Técnica
CONTRATRANSFERÊN Psicanalítica -
D. Zimerman
CIA
EPÍGRAFE

"Todo terapeuta tem direito de sentir difíceis sentimentos


contratransferenciais, como medo, dúvidas, raiva, excitação, confusão,
tédio, etc., pois, antes de ser médico, psicólogo, psicanalista, ele é um ser
humano. Isso é possível desde que tenha capacidade, coragem e
honestidade de reconhece-los, de modo a não permitir que esses
sentimentos se transformem numa contratransferência patológica e,
melhor ainda, que possa transforma-los em empatia. Ele pode, sim,
envolver-se afetivamente, porém jamais ficar envolvido nas perigosas
malhas da contratransferência”.
EVOLUÇÃO DO CONCEITO

A contratransferência costuma ser considerada como um dos conceitos


fundamentais do campo analítico, ao mesmo tempo em que a sua conceituação é
uma das mais complexas e controvertidas entre as distintas correntes
psicanalíticas.

Assim, discussões sobre suas possíveis inconveniências ou prováveis vantagens


como um excelente instrumento da prática psicanalítica; o ocultamento ou a
valorização exagerada desse fenômeno na literatura psicanalítica; problemas
semânticos devido às diferentes formas de sua compreensão; a divergência
quanto a se a contratransferência é um fenômeno unicamente inconsciente, ou
também consciente; e a possibilidade de ela ser utilizada pelo psicanalista de
forma benéfica ou inadequada são alguns dos aspectos que têm acompanhado a
sua história no curso das sucessivas etapas da psicanálise.
EXTREMA IMPORTÂNCIA

No entanto, a importância da contratransferência continua vigente,


tendo seu interesse aumentado à medida que esta havendo um emprego
cada vez mais generalizado da terapia psicanalítica com pacientes
severamente regredidos.
FREUD

A primeira menção, ao fenômeno da contratransferência, coube a Freud


(1910, p. 130). Alguns autores traduziram o que depois foi chamado de
contratransferência como transferência recíproca.

Nessa ocasião, Freud usou este termo para referir-se à resistência


inconsciente do analista como sendo um obstáculo que o impedia de
ajudar o paciente a enfrentar áreas da psicopatologia que ele próprio
não conseguia enfrentar.
Neste trabalho de 1910 (As perspectivas futuras da terapia
psicanalítica), Freud introduziu a sua ideia acerca da
contratransferência como uma forma de oferecer conselhos técnicos a
médicos não-analisados, que então praticavam a psicanálise, movido
pela sua esperança de que assim se pudesse reduzir o perigo da
participação emocional e o acting- out dos terapeutas, especificamente os
de envolvimento erotizado, até mesmo porque Freud sabia dos
envolvimentos de Jung e Ferenczi com algumas pacientes e temia que o
mesmo pudesse acontecer com os analistas em geral.
Em seu artigo de 1912, “Recomendações aos médicos que exercem a
psicanálise”, Freud recomenda ao analista tomar como modelo o
cirurgião.

Deixar de lado todos os seus afetos e também a sua compaixão humana e


concentrar as suas forças numa única meta: realizar a cirurgia o mais de
acordo possível com as regras da arte.

Da mesma forma, Freud também empregou a metáfora do espelho (“o


psicanalista, tal qual um espelho, somente deve refletir aquilo que o
paciente lhe mostrar”).
DISTÂNCIA X SENSIBILIDADE

As metáforas citadas permitem perceber os receios de Freud quanto a


uma aproximação afetiva entre analista e paciente; no entanto, no
mesmo trabalho de 1912, ele recomenda que o inconsciente do analista
comporte-se, a respeito do inconsciente do paciente, como um receptor
telefônico se comporta com o emissor das mensagens telefônicas.

É evidente que Freud emitia ao mesmo tempo duas recomendações


contraditórias: uma que apontava para a necessidade de uma distância
afetiva por parte do analista e a outra para que ele fosse bastante
sensível ao paciente. Na verdade, Freud manteve essa ambigüidade
conceitual ao longo de todos os seus textos sobre técnica, e ele evitava
abordar diretamente esse assunto.
Ainda em 1912, a instituição da análise didática revelava a preocupação
de Freud com a contratransferência, especialmente pelo mal estar
representado pela possibilidade de a psicanálise ficar desqualificada
como ciência, devido às raízes subjetivas que caracterizam o seu
procedimento.

Nessa época, o prefixo contra era utilizado unicamente com o significado


de “obstáculo”, diferentemente do significado atual que equivale ao
sentido de “contraparte”.
HEIMANN E RACKER

Embora muitos autores, como H. Deutch (1926) e Reik (1934),


reconhecessem a influência emocional recíproca entre analista e
paciente, o conceito específico de contratransferência ficou relegado a
um plano secundário, tendo esperado cerca de 40 anos para ressurgir,
com uma outra conceituação, por meio dos trabalhos de P. Heimann
(1950) e Racker (1952), que postularam a possibilidade de a
contratransferência constituir-se como um excelente recurso de o
analista compreender e manejar cada situação analítica em particular.
SENTIMENTOS DO ANALISTA

Esse hiato de duas gerações de analistas que, virtualmente, silenciaram


sobre a contratransferência sugere que havia um medo e uma vergonha
generalizada dos terapeutas de exporem publicamente os seus
sentimentos, porquanto estariam transgredindo as regras vigentes da
psicanálise, correndo o risco de serem “interpretados” pelos demais
colegas, de que a reação contratransferencial era um indicador de que
eles “deveriam retornar à análise”.

Ainda na atualidade, em meio a uma abundante literatura existente


sobre a contratransferência, aparece com muito maior naturalidade a
exposição de sentimentos do analista, como os de ódio, confusão,
erotização e impotência, dentre outros.
A CONTRATRANSFERÊNCIA COMO
INSTRUMENTO
Assim, diferentemente do que aconteceu com o fenômeno transferencial,
cujo reconhecimento trouxe muito alívio aos analistas (os riscos não
sendo reais, o analista não precisa- ria passar por aquele sofrimento que
Breuer passou com Ana O.), a contratransferência continua provocando
problemas de desconforto nos terapeutas.

Embora a instituição da análise didática revelasse a preocupação de


Freud com o problema da contratransferência, ele não chegou a dar o
passo que deu em relação à transferência – de ver a contratransferência
como um instrumento útil ao trabalho analítico.
CONTRATRANSFERÊNCIA
INCONSCIENTE
Para Freud, a contratransferência consistia nos “sentimentos que
surgem no inconsciente do terapeuta como influência nele dos
sentimentos inconscientes do paciente”, e ele destacava o quanto era
imprescindível que o analista “reconhecesse essa contratransferência em
si próprio, e a necessidade de supera-la”.

No entanto, ele a abordava do ponto de vista do risco dos sentimentos


eróticos e, por conseguinte, quase unicamente como uma forma de
resistência inconsciente do analista.
Os autores não são unânimes quanto à conceitualização e à utilização, ou
não, na prática analítica da contratransferência.

O que pode ser afirmado é que o termo contratransferência adquiriu, na


atualidade, o significado de um fenômeno distinto daquele descrito por
Freud.
AUTORES KLEINIANOS

Virtualmente todos os autores que estudam o fenômeno transferencial-


contratransferencial utilizam, de uma forma ou outra, os conceitos
kleinianos de dissociação e de identificação projetiva e introjetiva.

No entanto, M. Klein, da mesma forma que Freud, sempre sustentou


energicamente a sua posição de que a contratransferência não era mais
do que um obstáculo para a análise, pois ela corresponderia a núcleos
inconscientes do analista, insatisfatoriamente analisados.
IDENTIFICAÇÃO PROJETIVA
(PROJEÇÃO IDENTIFICATÓRIA)
Definição:

Expressão introduzida por Melanie Klein para designar um mecanismo


que se traduz por fantasias em que o sujeito introduz a sua própria
pessoa totalmente ou em parte no interior do objeto para o lesar, para o
possuir ou para o controlar. (Laplanche e Pontalis)
ROSENFELD

Inspirados nos conceitos kleinianos, ainda que de forma algo tímida, em


uma mesma época, alguns importantes seguidores de M. Klein
começaram a referir os fenômenos contratransferenciais.

Assim, Rosenfeld (1947) descreveu o fato clínico de que ele somente


conseguiu entender uma paciente psicótica a partir dos próprios
sentimentos despertados nele pela paciente. Aliás, em muitos outros de
seus textos, é possível perceber inúmeras outras alusões interessantes a
respeito da contratransferência, contudo ele nunca publicou qualquer
trabalho que levasse por título a palavra “contratransferência”,
possivelmente por respeito a M. Klein, de quem ele foi analisando, sendo
sabido que ela não gostava de tal conceito.
BION - ID. PROJETIVA COMO
COMUNICAÇÃO
Também Winnicott, na época em que comungava com a corrente
kleiniana, em seu importante e corajoso trabalho O ódio na
contratransferência (1947), destacava os efeitos recíprocos que o par
analítico provoca um no outro.

Bion (1963)– em seus trabalhos com grupos que ele realizava na década
de 40, fundamentado naquelas ideias kleinianas – fez a importante
observação de que a identificação projetiva, mais do que uma mera
descarga de sentimentos intoleráveis, conforme enfatizava M. Klein,
também tinha a função de uma forma de comunicação primitiva, não
verbal, por meio dos efeitos contratransferenciais.
CONTRATRANSFERÊNCIA COMO
FERRAMENTA
No entanto, um estudo mais sistemático e consistente do fenômeno
contratransferencial surgiu somente 40 anos após a primeira menção de
Freud, a partir de dois analistas também kleinianos, P. Heimann, na
Inglaterra, e H. Racker, na Argentina, os quais, sem que um soubesse do
outro, quase que simultaneamente apresentaram trabalhos em que
destacavam a possibilidade de o analista utilizar a sua
contratransferência como um importante instrumento psicanalítico,
especialmente para a sua função de interpretação, sendo que ambos
distinguiram esse uso útil daquilo que pode ser uma resposta
contratransferencial patológica.
RESPOSTA EMOCIONAL AO PACIENTE

Da mesma forma, com palavras diferentes, ambos destacaram que a


contratransferência representava a “totalidade” dos sentimentos do
analista como uma “resposta emocional” ao paciente.
RUPTURA COM KLEIN

Tal era a oposição na época quanto à divulgação da contratransferência,


que a apresentação e posterior publicação do trabalho Sobre a
Contratransferência, de P. Heimann, apresentado no Congresso de
Zurich, em 1950, custou a ela uma ruptura com M. Klein, que se sentiu
desconsiderada.

Após esse episódio, P. Heimann silenciou sobre o tema da


contratransferência, retomando-o somente após 10 anos (1960).
RACKER

Não resta dúvida de que Racker foi o autor que mais consistentemente
estudou e divulgou o fenômeno contratransferencial. Há registros que
atestam a sua primeira apresentação referente ao tema na Sociedade
Psicanalítica de Buenos Aires, em 1948, que, no entanto, somente foi
publicado após alguns anos.

Para Racker, a contratransferência consiste em uma conjunção de


imagens, sentimentos e impulsos do terapeuta durante a sessão. Ele
também descreveu dois tipos de reações contratransferenciais: a do tipo
complementar (pela qual o analista fica identificado com os “objetos
internos” do paciente) e a concordante (a identificação se faz com
“partes do paciente” como pode ser com as pulsões e com o ego do
analisando).
RISCO

Nem todos os autores concordam com a postulação de Heimann e de


Racker quanto à utilização da contratransferência como sendo um
importante instrumento para o trabalho do psicanalista;

Muitos apontam para o risco de que tudo o que o analista venha a sentir
seja atribuído às projeções do paciente, o que nem sempre seria uma
verdade.

O próprio Bion, um dos primeiros a destacar a importância do


fenômeno contratransferencial, assumiu, em seus últimos tempos, a
posição de que a contratransferência é um fenômeno inconsciente e
portanto não pode ser usada conscientemente pelo analista, pelo menos
durante a sessão.
MODELO CONTINENTE-CONTEÚDO

Assim, Bion preferia entender o fenômeno transferencial-


contratransferencial por meio do seu modelo da interação continente-
conteúdo, de modo a valorizar sobretudo a função continente do analista
que consiste em acolher, transformar e devolver as identificações
projetivas que o paciente forçou a ficarem dentro dele, analista, de
forma elaborada.

Bion também afirmava que a forma como o analista processa e devolve


para o paciente o que lhe foi projetado, por meio das interpretações, vai
formar consciente e inconscientemente no analisando alguma ideia de
como o analista é como pessoa real.
ASPECTOS BÁSICOS DA
CONTRATRANSFERÊNCIA
A constante interação entre analista e paciente implica em um processo
de recíproca introjeção das identificações projetivas um do outro
(Campo analítico).

Quando isso ocorre, mais especificamente na pessoa do analista, pode


mobilizar nele, durante a sessão, uma resposta emocional – surda ou
manifesta – sob a forma de um conjunto de sentimentos, afetos,
associações, fantasias, evocações, lapsos, imagens, sonhos, sensações
corporais, etc.
Não raramente, essa resposta emocional pode se prolongar no analista
para fora da sessão, através de sonhos, actings, identificações ou
somatizações que traduzem a permanência de resíduos
contratransferenciais.

Assim, uma autora como J. McDougall (1989) chega a afirmar que “a


contratransferência expressa as minhas próprias introjeções das
experiências pré-verbais e pré-simbólicas do paciente [...] e que às vezes
tomo conhecimento disso através de meus próprios sonhos”.
CONTRAINDENTIFICAÇÃO PROJETIVA

Dizendo com outras palavras, o fenômeno contratransferencial resulta


das identificações projetivas oriundas do analisando, as quais provocam
no analista um estado de contraidentificação projetiva, segundo
conceituação de Grinberg (1963), para quem os conflitos particulares do
analista não são os que determinam a contratransferência;

O que acontece é que ele fica impregnado com as maciças cargas das
identificações projetivas do paciente e fica sendo, passivamente, dirigido
a sentir e a executar determinados papéis que o paciente “colocou” e
despertou dentro do terapeuta.
TRÍPLICE ASPECTO DA
CONTRATRANSFERÊNCIA
Na atualidade, predomina entre os psicanalistas a aceitação do tríplice
aspecto da contratransferência:

Como obstáculo, como instrumento técnico e como um campo, no qual o


paciente pode reviver as fortes experiências emocionais que
originalmente teve.
CONTROVÉRSIAS

As maiores controvérsias entre os autores giram em torno das questões


relativas a:

a) Se o fenômeno contratransferencial, durante a sessão, é unicamente


inconsciente ou também pode ser pré-consciente e consciente.

b) Se não há o risco de se confundirem os sentimentos do analista como


uma resposta sua às identificações projetivas do paciente quando, na
verdade, esses sentimentos podem ser exclusivamente do próprio
terapeuta.
c) Se a contratransferência pode ficar a serviço da empatia e da intuição

d) Se o analista pode interpretar a partir de seus sentimentos


contratransferenciais.

e) Se deve “confessar” isso ao analisando, ou não, etc. Existem outros


questionamentos equivalentes que, a seguir, serão abordados
separadamente.
A CONTRATRANSFERÊNCIA É SEMPRE
INCONSCIENTE?
Mais comumente, a contratransferência é considerada o resultado de
uma interação mediante a qual “o inconsciente do analista põe-se em
comunicação com o inconsciente do analisando”.

Tal posição é defendida por autores importantes como Bion e Segal.


Como já foi aludido, Bion, nos seus últimos anos, ma- nifestou-se contra
a possibilidade de que a contratransferência pudesse ser utilizada
conscientemente pelo analista durante a sessão pelo fato de que, segundo
ele, tratava-se de um fenômeno de formação unicamente inconsciente.
CONTEÚDO TRANSFERENCIAL
MANIFESTO E LATENTE
Da mesma maneira, Segal (1977) opinou que a parte mais importante da
contratransferência é inconsciente e somente podemos reconhece-la a
partir de seus derivados conscientes.

Assim, os analistas seguidores da linha de pensamento desses dois


autores afirmam que quando o analista diz que esta angustiado, ou
entediado, impotente, ..., isto não reflete mais do que um “conteúdo
contratransferencial manifesto” e que, da mesma forma como ocorre
com os sonhos, é o seu “conteúdo latente” que ele deverá decifrar, ou
fora da sessão por ele mesmo, ou com a ajuda de uma análise (ou
supervisão).
Outros psicanalistas, entre os quais o próprio Zimerman, acreditam ser
possível em situações privilegiadas, porém que não seja feita de uma
forma ininterrupta e continuada, que o terapeuta perceba
conscientemente, mesmo durante a sessão, os efeitos
contratransferenciais nele despertados e possa fazer um proveitoso uso
disso, desde que esse analista tenha condições para discriminar entre o
que foi projetado nele, daquilo que é dele mesmo (muita análise e
supervisão).
CONTRATRANSFERÊNCIA E
TRANSFERÊNCIA DO ANALISTA
Desde 1910, quando Freud instituiu o conceito de contratransferência,
até hoje, o entendimento desse fenômeno já passou pelos extremos
opostos de tanto ser considerado altamente prejudicial para a análise
quanto também houve época em que era moda atribuir unicamente às
“identificações projetivas do paciente” toda a responsabilidade por tudo
aquilo que o analista estivesse sentindo emocionalmente.
IATROGENIA

Creio que ninguém contesta que em ambos os extremos há um evidente


exagero, sendo que a segunda possibilidade evidencia uma espécie de
fobia de o analista reconhecer os seus próprios conflitos neuróticos e, por
conseguinte, aquilo que ele esteja atribuindo a uma contratransferência
possa estar sendo nada mais do que uma forma dele estar “transferindo”
para o paciente aquilo que é a sua neurose particular.

Essa última situação pode custar muitos abusos, injustiças e um


resultado iatrogênico contra o paciente.
CRITÉRIOS DE DIFERENCIAÇÃO

Um critério que pode ser utilizado para discriminar quando se trata de


uma legítima contratransferência provinda do paciente, ou se é uma
transferência própria do analista, consiste no fato de que se um mesmo
paciente despertasse em qualquer outro terapeuta uma mesma resposta
emocional, sugere a existência de uma contratransferência.

Em contra-partida, se um mesmo analista tem uma mesma reação


emocional para qualquer paciente que guarde uma estrutura psíquica
análoga, muito provavelmente é dele mesmo que provêm seus
sentimentos latentes, os quais ficam manifestos na situação analítica.
FLUTUAÇÕES
CONTRATRANSFERENCIAIS
Assim, o fenômeno contratransferencial surge em cada situação analítica
de forma singular e única, cada analista forma uma contratransferência
diferente, específica com cada paciente em separado, a qual é variável
com um mesmo analisando.

Essa variação irá depender das condições de cada situação analítica em


particular.
CONTINENETE-CONTEÚDO (BION)

As necessidades, desejos, demandas, angústias e defesas de todo e


qualquer paciente, mais particularmente a de pacientes muito
regredidos, constituem um “conteúdo”, que urge por encontrar um
“continente”, no qual elas possam ser acolhidas.

Cabe ao analista o papel e a função de ser o continente do seu


analisando; no entanto, reciprocamente, também o paciente funciona
como continente do conteúdo do analista, como pode ser exemplificado
com o acolhimento que ele vier a fazer das interpretações daquele.
Da mesma forma como acontece com o paciente, também o analista pode
fazer um uso inconsciente de suas próprias identificações projetivas
patológicas dentro da mente do paciente, e, em contrapartida, o paciente
pode fazer uso de um juízo crítico sadio dessas projeções de seu
terapeuta, como um instrumento de percepção da realidade daquilo que,
de fato, está se passando com a pessoa do analista.
Como decorrência dessa percepção, consciente ou inconsciente, pode
acontecer que, a partir de observações explícitas, ou das que estão
implícitas nos sonhos ou na livre associação de idéias, ele pode auxiliar o
analista a dar-se conta de seus sentimentos contratransferenciais, desde
que este último esteja em condições de escutar o seu paciente.

Ex: Texto de Antonino Ferro


ANALISTA COMO CONTINENTE

Por outro lado, a noção de “continente” também alude ao fato de que o


analista deva possuir as condições de poder conter as suas próprias
angústias e desejos.

Cabe afirmar que, além da transferência do paciente e os consequentes


efeitos contratransferenciais, mais os seguintes fatores compõem o
“conteúdo” da mente do analista, os quais ele mesmo deverá conter e
trabalhá-los:
CONTEÚDOS DA MENTE DO ANALISTA

a) A latente (às vezes manifesta) “neurose infantil” do terapeuta.

b) O seu “superego analítico” (composto pelas recomendações técnicas


das instituições psicanalíticas que o filiam e pelo modelo do seu próprio
psicanalista), que o fiscaliza permanentemente quanto a um possível
erro ou “transgressão”.

c) A eventualidade de sua mente estar saturada por memórias, desejos


ou uma ânsia por compreensão imediata.
d) Um “ideal de ego” que pode mantê-lo em uma permanente
expectativa narcisística de que demonstre um êxito pessoal, sendo que,
no caso, ele ficará dependente e subordinado às melhoras do seu
paciente.

e) A sua condição de manter uma auto-análise, dentro ou fora da sessão.

f) Também cabe afirmar que faz parte da autocontinência do analista ele


encontrar um respaldo nos seus conhecimentos teórico- técnicos.
EXEMPLO

Exemplo da prática clínica de Zimerman:

“Há muitos anos – após um importante êxito que uma paciente obtivera
na sua vida profissional, graças ao que me parecia ser fruto de uma
exaustiva análise dos fatores inibitórios que antes a vinham impedindo
de ser bem-sucedida, para uma enorme perplexidade e desconcerto
inicial de minha parte, ela começou a me fazer fortes acusações, dizendo
que “apesar de você, de seus boicotes contra o meu crescimento, de sua
descrença em minhas capacidades [...] minha tese foi aprovada e eu fui
promovida [...]”.
EXEMPLO

“A situação prosseguia por semanas nesse mesmo tom, enquanto o que


unicamente eu conseguia perceber é que, quanto mais eu “interpretava”,
mais ela se revoltava contra mim, pinçando palavras ou frases minhas e
distorcendo completamente o sentido das mesmas.
A situação analítica ganhava contornos polêmicos e eu me flagrava com
um estado mental de impotência e indignação diante de tamanha
“ingratidão”, a um mesmo tempo em que, defensivamente, eu queria lhe
provar o quanto as suas evidentes melhorias deviam-se à sua análise
comigo.
“Busquei auxílio na literatura psicanalítica para esse impasse
psicanalítico e encontrei em um artigo de Rosenfeld, “A Psicose de
Transferência” (1978), o esclarecimento que me faltava, que mudou a
minha conduta (no sentido de substituir as “interpretações” defensivas
por uma atitude de continência, sobretudo de paciência), e permitiu-me
compreender que ela não estava sendo conscientemente ingrata; antes,
projetava em mim a sua mãe, por ela internalizada como invejosa e
castradora, que não suportava o seu êxito e fazia-lhe ameaças.
“Percebi então que a minha defensividade, mantendo um clima polêmico
com essa paciente, unicamente estava reforçando e complementando a
esse objeto interno – mãe intolerante e invejosa – dentro dela.

Somente depois dessa mudança, com a aquisição de conhecimentos


teóricos e técnicos que me faltavam, é que foi possível reverter o
impasse".
CAPACIDADE NEGATIVA

Ainda em relação à capacidade de ser “continente”, torna-se


indispensável mencionar aquela condição necessária para um analista,
que Bion denomina capacidade negativa (1992), que não tem nada de
negativo, mas que leva esse nome porque alude à capacidade para
“suportar suas próprias limitações ou sentimentos contratransferenciais
negativos”.

Isso pode se manifestar como uma sensação de o terapeuta não saber o


que está se passando entre ele e o paciente, a existência de dúvidas e
incertezas, ou a presença de sentimentos penosos como ódio, medo,
angústia, excitação, confusão, tédio, apatia, paralisia ou impotência, etc
CAPACIDADE NEGATIVA

Caso o analista não possua essa condição, torna-se bem provável que ele
vá preencher o vazio de sua ignorância com pseudo-interpretações que
visam mais a aliviar a ele mesmo do que qualquer outra coisa.

A maior ou menor capacidade de continência do analista determinará o


destino que a contra-identificação projetiva tomará dentro dele, se de
uma forma patogênica ou construtiva, para a análise com o seu paciente.
EMPATIA – CONTRATRANSFERÊNCIA
PATOLÓGICA
Cabe afirmar que as identificações projetivas do paciente podem invadir
a mente do analista de modo que este fique perdido em meio aos
sentimentos que lhe foram desperta- dos, tal como no exemplo
apresentado, sendo que isso pode redundar numa contratransferência
patológica.

Quando isso ocorre – o que não é nada raro – o analista trabalha com
um grande desgaste emocional, é invadido por sentimentos contra
(oposição) o paciente, por um estado de confusão e de impotência,
podendo levá-lo a cometer contra-actings, somatizações e inadequadas
interpretações, do tipo “superegóico”.
De alguma forma, toda essa situação corresponde e deriva daquilo que
Racker conceituou como “contratransferência complementar”.
TERROR SEM NOME

Os efeitos contratransferenciais – em certos casos extremamente fortes –


que o analista está experimentando durante os 50 minutos da sessão
podem estar representando uma forma de comunicação primitiva
daqueles sentimentos igualmente fortes que o paciente está abrigando,
digamos, durante 50 anos, e que ele não consegue transmitir
verbalmente, porquanto eles constituem um “terror sem nome” (como
Bion denomina).

Ex: Caso Boris


CONTRATRANSFERÊNCIA
CONCORDANTE
Se o analista detectar esse estado de coisas, ele poderá utilizar os seus
sentimentos contratransferenciais (às vezes dentro da sessão, mais
comumente fora dela) como uma bússola empática, como costumo
denominar.

Parece-me que essa contratransferência transformada em empatia


corresponde ao que Racker denominou “contratransferência
concordante”.
EMPATIA

O termo empatia, da mesma forma como acontece com


“contratransferência”, também guarda designações distintas.

Assim, em alguns textos de autores norte-americanos, “empatia”


costuma aparecer como uma função consciente, confundindo-se com o
significado de “simpatia” ou de um “superego amável” por parte do
analista. Nada disso corresponde ao significado que aqui estamos
atribuindo à conceituação de empatia.
EMPATIA

Para Zimerman, “empatia” consiste na capacidade de o analista sentir


em si, para poder sentir dentro do outro, por meio de adequadas
identificações, projetivas e introjetivas.
INTUIÇÃO

Também é útil distinguir empatia de intuição.

A primeira é mais própria da área afetiva, enquanto a segunda refere-se


mais propriamente ao terreno ideativo e pré cognitivo, e exige uma certa
“privação sensorial”, uma forma de “escutar com um terceiro ouvido”
(T. Reik-1948) ou, podemos acrescentar, de “enxergar com um terceiro
olho” que provém de dentro da sua mente.

Empatia e intuição não se excluem; pelo contrário, misturam-se e uma


pode levar à outra. Ambas não se aprendem pelo ensino, mas podem ser
desenvolvidas pelo aprendizado com a experiência (termo de Bion).
CONLUIOS INCONSCIENTES

Toda relação transferencial-contratransferencial implica a existência de


vínculos que, conforme Bion, são elos relacionais e emocionais que unem
duas ou mais pessoas, assim como também a duas ou mais partes de uma
mesma pessoa.

Assim, os vínculos de amor, ódio e conhecimento (e “reconhecimento”, o


qual alude à necessidade vital de qualquer ser humano, em qualquer
etapa de sua vida, de ser reconhecido pelos outros) estão invariavelmente
sempre presentes em toda situação analítica, ainda que em graus e
modalidades distintos, com a prevalência maior de um ou de outro, etc.
ATAQUES AOS VÍNCULOS

No entanto, pode acontecer que o inconsciente do analisando efetue


aquilo que Bion chama de “ataque aos vínculos”, pelo uso de
identificações projetivas “excessivas”, na quantidade ou no grau de
onipotência, e que acabam atingindo a capacidade perceptiva do analista
e, por conseguinte, a sua condição de pensar livremente e estabelecer
correlações ideoafetivas.

De forma análoga, certos pacientes têm um dom intuitivo de projetar-se


dentro do analista e atingir justamente aqueles pontos que constituem os
mais vulneráveis do terapeuta, provocando-lhe pontos cegos
contratransferenciais e um prejuízo da escuta do psicanalista, assim
propiciando a formação de “conluios inconscientes” (aos que são
conscientes é melhor chamá-los de “pactos corruptos”).
CONLUIOS INCONSCIENTES

São inúmeros os tipos de conluios transferenciais-contratransferenciais


que se estabelecem inconscientemente entre ambos do par analítico,
sendo que, na maioria das vezes, eles se estruturam de uma forma
insidiosa e pouco transparente.

Pode acontecer que esses conluios adquiram uma configuração de


natureza sadomasoquista, ou fóbico-evitativa de sentimentos tanto
agressivos quanto eróticos, ou ainda o conluio comumente forma-se a
partir de uma recíproca fascinação narcisista na qual não cabe lugar
para frustrações, etc.
CONTRATRANSFERÊNCIA EROTIZADA

Um(a) analista sentir sensações e desejos eróticos que lhe são


despertados pela(o) paciente constitui situação analítica absolutamente
normal, inclusive como um útil indicador de possíveis sentimentos
ocultos da área da sexualidade desse paciente e que, na situação
transferencial, estão sendo transmitidos pela via dos efeitos
contratransferenciais.
CONTRATRANSFERÊNCIA EROTIZADA

A normalidade dessa contratransferência erótica pressupõe que o


analista assume o que ele está sentindo, de modo a que a sua atividade,
perceptiva e interpretativa, não sofra nenhum prejuízo.

No entanto, às vezes pode acontecer que o analista fique impregnado


desses – recíprocos – desejos eróticos, que ocupam a maior parte do
espaço analítico e que, de uma forma ou outra, interferem na sua
atividade psicanalítica. Isso constitui uma contratransferência
erotizadas, a qual, não tão raramente como se possa imaginar, pode
perverter o vínculo analítico com a prática efetiva de actings e contra-
actings sexuais.
EXEMPLO CLÍNICO

Em certa ocasião, fui procurado por um colega já com uma experiência


psicanalítica muito boa. Ele queria trocar idéias comigo porquanto
estava atravessando um “impasse psicanalítico” com uma paciente que
ele descrevia como extremamente bonita, sensual, sedutora e que,
gradativamente, o assediava sexualmente, fazendo claras propostas de
um relacionamento genital.
EXEMPLO CLÍNICO

As interpretações que o psicanalista fazia em relação a tais investidas de


sedução sexual dessa sua analisanda giravam em torno de que “ela
necessitava preencher vazios existenciais que se formaram na infância,
devido às falhas dos objetos parentais”, ou de que ela “o idealizava como
um “príncipe encantado” e por isso tentava gratificar a sua antiga
fantasia de possuir o “papai maravilhoso”, todinho, só para ela”, ou
ainda de que “por baixo de sua atitude amorosa, escondia- se uma
intensa carga agressiva, com o propósito de denegrir a imagem, o
conceito e o seu lugar de psicanalista, como forma de vingar- se da
figura do pai-traidor.
EXEMPLO CLÍNICO

Essas e outras interpretações equivalentes não faziam o menor efeito na


analisanda; pelo contrário, ela não só debochava delas, como ainda
afirmava provocativamente que o analista estava se “escondendo através
das interpretações, mas que sentia nitidamente, pelo jeito dele, que ele
estava afim dela, mas que estava acovardado”. A paciente chegou a
ponto de tomar a decisão de interromper a análise para livrar o analista
do problema ético e poderem “transar livremente” em local mais
apropriado. A iminência dessa ameaça de interrupção vir a se
concretizar, além da inocuidade da atividade interpretativa, devido à
desqualificação que a paciente fazia dessa, é que estavam constituindo o
“impasse psicanalítico”.
ASPECTOS TÉCNICOS

Como tentativa de sair do impasse, e sem cogitar diretamente dos


aspectos éticos, e muito menos os de natureza moral, propus ao colega
três aspectos técnicos que me pareciam essenciais:

1) que ele assumisse, para si próprio, a verdade do que realmente estava


sentindo (ele admitiu que estava invadido por uma enorme tentação
erótica e, inclusive, reconheceu que as suas primeiras interpretações,
pelo conteúdo e pela voz com que eram formuladas, poderiam ter
repercutido na paciente como se fossem verdadeiras “carícias verbais”)
.2) a partir daí, vimos que, por mais que se esforçasse, suas
interpretações, embora estivessem corretas, não eram eficazes,
porquanto elas eram ambíguas (devido à sua divisão interna entre o
desejo e a razão) e, portanto, estéreis.

Assim, ele deveria adotar no plano consciente uma posição única: a


critério de sua auto-análise, ele deveria optar entre ceder a sua tentação
de praticar um contra-acting erótico e arcar com as conseqüências ou
manter coerente e sólida a sua posição e função de psicanalista (ele optou
pela última)
3) era imperiosa a condição de que ele conseguisse manter uma estável e
firme dissociação útil do ego (entre a sua parte “homem”, que tem
direito de sentir desejos, e a do “psicanalista”, que tem o dever de
manter a neutralidade), juntamente com a necessidade de se manter
obediente ao critério mínimo de não falsear hipocritamente a verdade
dos sentimentos, tampouco desqualificando a correta percepção da
paciente.
DESFECHO

Assim, ele encontrou condições emocionais para se posicionar perante o


assédio da analisanda de uma forma mais ou menos assim: é bem
possível que tenha razão quando diz que me percebe atraído por você,
até mesmo porque você traz uma abundância de situações que
comprovam que é uma mulher bastante atraente. O que deve ficar claro,
no entanto, é que essa muito provável atração provém do meu lado
homem, porém ela não é maior que o meu lado psicanalista que,
certamente, por respeito a mim e sobretudo a você, não se envolverá
contigo, independentemente se continuar ou se interromper a análise.
Até onde sei, parece que essa atitude desfez o impasse.
CONTRATRANSFRÊNCIA
SOMATIZADORA
Uma forma manifesta de contratransferência que é pouco descrita,
embora pareça- me ser relativamente freqüente – caso a observarmos
mais detidamente – é aquela que se manifesta durante determinados
momentos da situação analítica sob a forma de somatizações na pessoa
do terapeuta.

Essas manifestações variam na forma e intensidade, desde algum


discreto desconforto físico, até a possibilidade de o analista vir a ser
tomado de uma invencível sonolência ou de fortes sensações e sintomas
corporais.
EXEMPLO

Essa última afirmativa pode ser ilustrada por alguns exemplos.


Uma candidata em formação psicanalítica traz à supervisão o fato de ela
ter sentido no curso da sessão com a sua paciente uma forte sensação
corporal de que estava escorrendo leite de seu seio esquerdo, o que
perdurou até que a paciente deu sinais mais claros do seu estado
regressivo, do quanto se sentia desamparada e necessitada de cuidados
maternos. No momento vivencial da situação analítica, a analista vinha
sentindo falta do seio nutridor da mãe recentemente falecida, de sorte
que ela ficou contra-identificada com a paciente, a um mesmo tempo
como a criança desamparada, e com a sua mãe que forneceria o leite
nutridor, do corpo e do espírito.
EXEMPLO

Um outro colega relatou-me que durante um certo momento de uma


sessão que considerou pesada, devido ao clima melancólico da mesma,
ele começou a sentir uma progressiva sensação de que estava imobilizado
na cadeira, talvez paralisado, pensou com horror, e ia se alarmando com
a possibilidade de que lhe houvesse rompido um aneurisma, até que o
paciente começou a lhe falar do “derrame cerebral” que deixou o seu pai
hemiplégico.
Posso atestar o registro da existência de inúmeras situações equivalentes
a essas, bem como de outras tantas que também permitem perceber que,
por vezes, é em uma somatização contratransferencial que o analista
poderá conseguir captar a profundos sentimentos que o paciente não
consegue verbalizar, pois eles se formaram nos primórdios do
desenvolvimento da criança, antes da formação e da representação da
palavra dos aludidos sentimentos primitivos que ficaram impressos em
algum canto do inconsciente.
Também em relação à contratransferência somatizada, é necessário
distinguir quando a mesma provém das projeções do paciente, como nos
dois exemplos anteriores, ou quando ela resulta de uma transferência
somática que, unicamente, procede do próprio analista, sendo que o
paciente não tem nada a ver com ela, apesar de ser freqüente que
analistas nesse estado contratransferencial procurem encontrar a
responsabilidade disso no paciente.
EXEMPLO DA PRÁTICA CLÍNICA DE
ZIMERMAN
“No momento em que redijo este texto, acabo de concluir uma
supervisão com uma analista que relatou que, desde o início da sessão
com o seu paciente, ela começou a perceber que seu estômago roncava
continuadamente e de forma bastante audível, a um ponto de o paciente
fazer a observação de que a analista deveria estar com fome, ao que ela
reagiu com uma interpretação qualquer, de ordem intelectualizada, que
o paciente deu alguma mostra de não tê-la aceito.
EXEMPLO

Bem mais adiante na sessão, ao falar da sua esposa e filha, esse paciente
exclamou que elas estão comendo demais, que estão engordando, e que
não sabe mais o que fazer com elas, que está temeroso de que elas
adoeçam, atribuindo isso a um hábito de muitas pessoas tentarem sair de
um estado de angústia e de depressão por meio de comer demasiado.
Fica evidente o quanto o paciente ligou o conceito de fome com o de
depressão, de forma que o seu comentário inicial de que a “analista
deveria estar com fome” traduz a sua sensação de que poderia estar
deprimida".

Resta dizer que o paciente captou, através de uma manifestação


somática da analista (além de prováveis outros sinais corporais
exteriores), que, realmente, diante de uma dificílima situação de doença
familiar pessoal, ela estava, de fato, bastante deprimida.
EXEMPLO

Ao final da sessão, o paciente começou a evocar o seu pai como um


deprimido que se aposentou muito jovem, enfurnado na televisão,
sempre de pijama, e que ele, paciente, quer ter o direito de não ter de
seguir o mesmo destino do pai, e continuar a ser um vitorioso, como vem
sendo.
EXEMPLO

O interessante a registrar é que o paciente transmitia à analista o seu


antigo temor de que os seus pais ficassem “secos” (agora, de forma
contratransferencial, a analista sentia uma vaga imagem de uma “mãe
seca”, enquanto o paciente falava), ou seja, que sua analista poderia
decair em uma depressão permanente, e que ele queria se dar ao direito
de não ter que fazer um sacrifício pessoal, de modo a ter de permanecer
solidário à depressão dela. Essa sadia posição estava de acordo com a
aquisição dessa capacidade de ter autonomia sem culpas, que,
justamente, ele adquiriu no curso da análise com essa mesma analista.
SONHOS

Da mesma forma que uma somatização, também determinados sonhos


do analista, em momentos mais turbulentos da análise, podem ajudar a
trazer à luz alguns sentimentos transferenciais do paciente que ainda
não tinham aparecido manifestamente no seu discurso.
SONOLÊNCIA

É comum que os analistas já tenham passado por situações de ser


invadido, no curso de alguma sessão com um determinado paciente, por
uma sonolência invencível, daquelas que as pálpebras parecem pesar
chumbo e os minutos se arrastam, enquanto o analista faz um enorme
esforço para, pelo menos, manter-se desperto.

Nesse caso não se trata de uma estafa, sono atrasado ou algo equivalente,
porquanto as sessões seguintes com outros pacientes decorrem
normalmente.
SONOLÊNCIA

Antes, estou me referindo a uma forma particular de


contratransferência – um estado de sonolência – que comumente
corresponde a uma dessas três possibilidades:

1) a primeira é a de que o analista consome um esforço enorme devido à


pressão do seu superego para manter afastadas de sua consciência
algumas pulsões e ansiedades que foram despertadas pelo discurso do
paciente;
2) A segunda eventualidade é a de que o analista entre em um “estado
hipnóide” diante de um paciente que apresente uma alteração do seu
sensório, cujas associações adquirem um caráter estereotipado, de modo
que elas são pronunciadas em um tom de voz monótono e monocórdico,
principalmente quando acompanham uma dificuldade de pensar, de
estabelecer conexões lógicas;
3) A terceira possibilidade, estudada por Cesio (1960), é a que decorre
das identificações projetivas do paciente, de seus objetos internos
aletargados, ou seja, objetos que habitam o espaço depressivo do
analisando sob a forma de moribundos, isto é, embora mortos, eles
permanecem vivos dentro da sua mente. A sonolência do terapeuta
estaria representando uma contra-identificação dele com esses objetos
mortos-vivos.
IMPLICAÇÕES NA TÉCNICA

A importância da origem, reconhecimento e manejo da


contratransferência, após um longo período opaco na psicanálise, vem
ganhando um espaço cada vez maior na medida em que o tratamento
psicanalítico ampliou o alcance da analisabilidade para crianças,
psicóticos e pacientes regressivos em geral, como no caso de perversões,
borderlines, somatizadores, etc.

Além disso, a contemporânea psicanálise vincular, obviamente, implica


em uma especial relevância aos aspectos transferenciais-
contratransferenciais.
As reações contratransferenciais manifestam-se como percepções físicas,
emocionais e somatossensoriais.

Nem tudo que o analista sente ou pensa deve ser significado como sendo
uma contratransferência promovida pelo paciente. Tal recomendação
vale principalmente para aqueles que, diante de qualquer dificuldade na
situação analítica, logo responsabilizam “a minha contratransferência
me impediu de...”.
A contratransferência costuma surgir em uma dessas três possibilidades:
a) em relação à pessoa do paciente; b) em relação ao material clínico que
o paciente esteja narrando e sentindo; c) à reação que o paciente esteja
manifestando de forma negativa em relação ao analista.

Deve ficar bastante claro para todos nós que os difíceis sentimentos
contratransferenciais não são exclusivos dos analistas iniciantes, como
equivalentes às conhecidas “dores do crescimento”. Qualquer analista,
por mais veterano e experimentado que seja, também está sujeito a isso;
no entanto, a provável diferença é que esses últimos têm mais facilidade
de não ficar envolvido de forma patológica, pelo contrário, é bem
possível que consiga transformá-la em empatia.
Os seguintes fatos justificam a importância da contratransferência no
campo analítico:

a) ela influi decisivamente na seleção de pacientes para tomar em


análise, tendo em vista que a escolha tende a recair nos pacientes que
gratifiquem as necessidades neuróticas do analista;

b) quando bem-percebidos, os efeitos contratransferenciais podem se


constituir para o analista como um relevante meio de compreender um
primitivo meio de comunicação não-verbal, que está sendo empregado
por certos pacientes, notadamente os que estão em condições
regressivas;
c) os inevitáveis “pontos cegos” que acompanham qualquer terapeuta
podem adquirir uma visualização através de alguma reação
contratransferencial;
d) a contratransferência pode servir como um estímulo para o analista
prosseguir sempre em sua auto-análise;
e) a existência da contratransferência tem uma significativa influência
no conteúdo e na forma de o analista exercer a sua atividade
interpretativa;
f) da mesma forma, é bastante freqüente que o analisando esteja mais
ligado à resposta contratransferencial do seu analista – de modo a
perceber a ideologia deste, o seu estado de espírito, a sua veracidade, etc.
– do que propriamente ao conteúdo das interpretações dele.
SUPERVISÕES

No curso de supervisões é onde melhor se pode perceber a freqüente


existência das mais variadas formas de contratransferência inconsciente
do terapeuta, assim como também é possível comprovar como o
clareamento delas (creio ser dispensável enfatizar que de forma alguma
isso implica em invadir ou competir com o eventual analista do
supervisionando) pode modificar fundamentalmente o curso da análise.
De modo genérico, a contratransferência pode ser de natureza
concordante – que pode ser considerada como sendo benéfica, pois
possibilita um contato psicológico com o self do paciente – ou de
natureza “complementar” – em cujo caso ela costuma ser prejudicial,
pelo fato de que pode acarretar que o analista se contra-identifique com
os objetos superegóicos que habitam o psiquismo do paciente e, por
conseguinte, reforçar aos mesmos, assim impedindo que ele se liberte de
suas identificações patogênicas.
A contratransferência complementar instala-se quando começa o
predomínio de um objeto interno do paciente no campo analítico, sem
que o analista se aperceba disso.

Em tais casos, fica diminuída a capacidade de autonomia do terapeuta,


ele perde uma necessária equidistância de seus próprios conteúdos
inconscientes, entra em uma confusão, embora essa quase nunca seja
transparente, um estado de desarmonia, ansiedade, sonolência, sensação
de impotência, etc., de sorte que resulta um sensível prejuízo na sua
capacidade para pensar e interpretar. Como decorrência, instala-se o
risco de sobrevir uma “contra-resistência”, a qual pode assumir alguma
insidiosa forma de conluio inconsciente com o seu paciente.
O mais comum é que haja uma alternância cíclica entre a
contratransferência concordante e a complementar, e também isso
aparece com muita nitidez nas supervisões.
Assim, talvez a contratransferência ideal seja aquela na qual o analista
reconheça uma dupla identificação com o paciente: com o sujeito e com
os seus objetos.

Por exemplo, é útil que diante de um conflito mãe:filho, o terapeuta


tenha condições de, empaticamente, colocar-se ao mesmo tempo nos dois
lugares, ou seja, tanto se identificar com o lado criança do paciente,
como também que ele possa reconhecer a sua identificação (não é a
mesma coisa que “ficar identificado”, de forma total) com a figura
parental internalizada desse mesmo paciente.
CONTRATRANSFERÊNCIA DEFENSIVA

À noção das contratransferências de tipo concordante e complementar,


tal como foram descritas por Racker, creio que podemos acrescentar a
modalidade de contratransferência defensiva. Essa última surge nas
organizações predominantemente narcisistas da personalidade do
analista, nas quais a sua auto-suficiência sente-se ameaçada.

Assim, essa contratransferência defensiva consiste na existência de


“pontos cegos”, ou seja, o analista não conseguiu visualizar certos
aspectos e sentimentos do paciente em relação a ele, porque isso lhe
representaria um risco à sobrevivência de seu próprio self grandioso,
muito idealizado por ele mesmo.
É imprescindível destacar que antes de ser um psicanalista, ele é um ser
humano e, portanto, está sujeito a toda ordem de sensações e
sentimentos contratransferenciais, como pode ser um estado mental de
angústia, caos, ódio, atração erótica, compaixão, enfado, impotência,
paralisia, etc, etc.

O importante não é tanto o fato de que esses sentimentos desconfortáveis


irrompam na mente do analista, mas sim que eles possam ser assumidos
conscientemente por ele, através de uma “dissociação útil do ego”,
juntamente com uma “capacidade negativa” para poder contê-los dentro
de si próprio, durante um tempo que pode ser curto, ou bastante longo.
Caso contrário, o analista vai trabalhar com culpas, medos e um grande
desgaste emocional, chegando a ficar extenuado ao final de um dia de
trabalho, assim tornando desprazerosa a sua atividade psicanalítica,
que, pelo contrário, embora sempre muito difícil, pode perfeitamente ser
gratificante e prazerosa.
Persiste um ponto controvertido: é vantajoso ou desvantajoso para o
curso da análise que o paciente fique conhecedor das reações
contratransferenciais que ele está despertando no seu psicanalista? Para
definir a sua posição pessoal, Zimerman cita Irma Pick (1985):

[...] a opinião de que o analista não seja afetado por estas experiências
não só é falsa, como indicaria ao paciente que, para o analista, a sua
situação, sua dor e conduta não têm valor do ponto de vista emocional
[...] Isso representaria não neutralidade, mas hipocrisia ou
insensibilidade [...] O que aparenta ser falta de paixão na realidade pode
vir a ser a morte do amor e do cuidado.
Um outro aspecto referente a isso é o que diz respeito a se o analista deve
verbalizar explicitamente para o analisando esses seus sentimentos, em
uma forma algo confessional, ou se os admite no bojo de sua atividade
interpretativa.

Penso que isso depende do estilo pessoal de cada um, desde que se
mantenha a condição básica de que o analista se mantenha verdadeiro e
honesto com o seu analisando.
Particularmente, entendo que diante de uma percepção do paciente (por
exemplo, de que o analista estava desligado, preocupado com algum
problema particular, etc.), adoto a tática de, sem fazer detalhadas
confissões explicativas, reconhecer a alta probabilidade de que o
paciente esteja certo nas suas observações e, em cima dessa verdade
objetiva, continuar analisando normalmente.
Por outro lado, é indispensável lembrar a afirmação de H. Segal (1983),
para quem:

Muitos abusos e pecados analíticos foram cometidos em nome da


contratransferência... Muitas vezes vejo-me dizendo aos meus
supervisionandos que a contratransferência não é desculpa; dizer que o
paciente projetou em mim, ou ele me irritou, ou ainda ele me colocou sob
tal pressão sedutora, deve ser claramente reconhecido como afirmações
de fracasso para compreender e usar a contratransferência
construtivamente.
Cabe dizer que na época de Freud, devido a uma equivocada
recomendação técnica dele, a respeito da regra da neutralidade, em que
comparava o analista como devendo se comportar como um mero
espelho, ou com a frieza de um cirurgião, os analistas tinham vergonha e
culpa de reconhecer suas emoções, a ponto de se tornarem frios,
atemorizados e desumanos na situação analítica.
Não obstante isso, na grande maioria das vezes, eles eram pessoas
sensíveis e afetivas na sua vida privada, porém recorriam a mecanismos
de defesa, principalmente o das diferentes formas de negação, a ponto de
abusarem de interpretações intelectualizadas, numa atitude contra o
paciente, assim escapando para a teoria, para o passado, e, no apogeu
kleiniano, priorizavam a transferência negativa, como forma de manter
o “frio desapego”, que confundiam como sendo uma neutralidade.
Portanto, lhes escapava que, em grande parte, a transferência negativa
justamente resultava da sensação dos pacientes de que estavam sendo
recriminados, rechaçados e não compreendidos.
DESTINOS DA CONTRATRANSFERÊNCIA

Por fim, de acordo com Segal, os diferentes destinos que os efeitos


contratransferenciais podem assumir na mente e na atitude psicanalítica
do terapeuta são:

a) Podem se configurar em uma forma de contratransferência


patológica, com todos os prejuízos dai decorrentes.
b) Não devem ser usadas como desculpa, e muito menos com a finalidade
de atribuir exclusivamente ao paciente a responsabilidade por todos os
seus próprios sentimentos e pelas dificuldades que a análise esteja
atravessando.
c) Uma vez reconhecida conscientemente pelo analista, ela pode se
transformar em uma excelente bússola empática.

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