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NA PONTA DA L ÍN G U A Louis-Jean Calvet

1. Estrangeirismos — guerras em torno da língua


Carlos Alberto Faraco [org.], 3 a ed.
2. Língua materna — letramento, variação e ensino
Marcos Bagno, Michael Stubbs & Gilles Gagné, 3 a ed.
3. História concisa da lingüística
Barbara Weedwood, 4 a ed.
As p o l í t i c a s
4. Sociolingüística — u m a introdução crítica
Louis-Jean Calvet, 2a ed.
5. História concisa da escrita
Charles Higounet, 2a ed.
6. Para entender a lingüística — epistemologia
LINGUÍSTICAS
elementar de um a disciplina
Robert Martin, 3a ed.
7. Introdução aos estudos culturais
Armand Mattelart, Érik Neveu, 2a ed.
8. A pragmática
Françoise Arm engaud
9. H istória concisa da sem iótica
A nne Hénault
10. H istória concisa da sem ântica
Irène Tamba-Mecz
Isabel de O liveira D uarte
11. Lingüísiica com putacional — teoria & prática
Gabriel de Ávila O thero e Sérgio de Moura Menuzzi JONAS TENFEN
12. Lingüística histórica — Uma introdução ao estudo da M a r c o s Ba g n o
história das línguas
Carlos Alberto Faraco, 2a ed. Prefácio:
13. L u ta r com palavras — coesão e coerência G ilvan M üller de O liveira
Irandé Antunes, 2a ed.
14. A nálise do discurso — H istória e práticas
Francine M azière
15. M as o que é mesmo “g ra m á tic a "?
Carlos Franchi
16. A nálise da conversação: princípios e métodos
Catherine K erbrat-O recchioni
17. As políticas linguísticas
Louis-Jean Calvet ffieol -31
Título original: Les politiques linguistiques
© Louis-JeanCalvet
© IPOL - Instituto de Políticas Lingüísticas, Florianópolis, SC
E dito r : Marcos Marcionilo
C apa e projeto grafico : Andréia Custódio
Revis Ao : Telma Pereira
C onselho ed ito r ia l : Ana Stahl Zilles [U n isin o s)
Carlos Alberto Faraco IUFPRJ SUMÁRIO
Egon de Oliveira Rangel [PU C SP]
Gllvan Müller de Oliveira [UFSC, Ipol]
Henrique Monteagudo [Univ. de S a n tia g o de C om postela]
José Carlos Sebe Bom Meihy [N EH O /U SP]
Kanavillil Rajagopalan (U n ica m p J
Marcos Bagno (U n B ] PREFÁCIO..................................................................................' 7
Maria Marta Pereira Scherre [UFRJ, U nB ]
Rachel Gazolla de Andrade (P U C -S P )
Salma Tannus Muchail [PU C -SP] C ap ítu lo I: N A S ORIGENS D A POLÍTICA

fâ & K 2 Po tt
Stella Maris Bortoni-Ricardo [U nB] U N G Ü ÍSTIC A ...................................................................
CIP-BRASIL CATALOGAÇÃO NA FONTE l. Nascim ento do conceito e seu campo de aplicação ..
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
_ n. O prim eiro m odelo de H augen................................
EI. A abordagem “instrum entalista”: P. S. Ray e V. Tauli
Calvet,Louis-Jean, 1942-
As políticas linguísticas / Louis-Jean C alvet; prefádo Gilvan
IV. O segundo m odelo de H au gen .................................
Müller de Oliveira;tradução Isabel de Oliveira Duarte, JonasTenfen, V A contribuição da sociolingüística “nativa” ..............
Marcos Bagno. - São Paulo: Parábola Editorial: IPOL, 2007.
. (Na ponta da língua; 17)
C ap ítu lo H: AS TIPOLOGIAS DAS SITUAÇÕES
Tradução de: Les politiques linguistiques
PLURILÍNGÜES................................................................

88 & & & q


Inclui bibliografia
ISBN978-85-8845660-0 L Ferguson e S tew art.....................................................
1. Linguagem e línguas - Aspectos políticos. 2. Linguagem
n. A s propostas de F a so ld ..............................................
e línguas - Política governamental. 3. Planejamento linguístico. I. m . A grade de C haudenson............................................
Instituto de Políticas Linguísticas. II. Titulo. III. Série. C onclusão.............................................................................
07-2447. 0)0:306.449
(DU 316.74:81
C a p ítu lo m . OS INSTRUM ENTO S DO
PLANEJAMENTO LINGÜÍSTICO...............................

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© desta edição: Parábola Editorial, São Paulo, julho de 2007 Nom ear as funções .....................................................
6 AS P O L ÍT IC A S LIN G U ÍST IC A S

Princípio de territorialidade ou de personalidade? 81


O direito à língua ........................................................ 84
Conclusão............................................................................. 85

Capitulo IV: A AÇÃO SOBRE A LÍNGUA (O CORPUS) 87


L O problema da língua nacional na C h in a .............. 87
ü. Intervenção no léxico e na ortografia de uma PREFÁCIO
língua: o exem plo do fr a n c ê s.................................... 93
Os '“decretos lingüísticos”.......................................... 93
A s leis lingüísticas ...................................................... 93
A ortografia ................................................................... 95 Faz pouco tempo que o termo ‘política lingüísti­
A s indústrias da lín g u a ............................................. 100 ca’ está circulando de m aneira m inim am ente sistem áti­
DEL A fixação do alfabeto bambara no M a li................. 101 ca no Brasil, contrariam ente ao que ocorre em vários
IV A “revolução lin gu ística” na T u rq u ia.................... 108
outros países latino-americanos, notadam ente na A r­
V A padronização de um a lín gu a:
o exem plo da N oru ega................................................ 112 gentina ou nos países andinos. Na metade da déca­
da de 1980, por exemplo, fui aluno de um bacharela­
Capítulo V: A AÇÃO SOBRE AS LÍNGUAS (O STATUS) 117 do em lingüística em um a im portante universidade
I. A promoção de um a língua veicular: o caso da brasileira, com várias áreas de estudo, e não tive ne­
T anzânia........................................................................ 117 nhum contato com o term o ou a disciplina.
D. A prom oção de um a líitgua m inoritária: o caso da
É que ‘política lingüística’, enquanto disciplina
In d on ésia........................ 122
III. A paz lingüística su íça^ ............................................. 126 nascida na segunda metade do século XX, como Calvet
IV. A defesa do status internacional de uma língua: m ostra nesta introdução, está associada ao plurilin-
o exemplo do fran cês................................................... 130 güismo e a sua gestão. Está associada a m udanças polí­
N a E uropa ..................................................................... 132 ticas que levaram a alterações no estatuto das diver­
A francofonia ................................................................ 136 sas comunidades lingüísticas que integram a cidada­
O francês no m u n d o ................................................... 141
V A substituição de um língua colonial: os inícios^
nia, como ocorreu na esteira do processo de descoloni­
da arabização na Á frica do N o rte............................ 145 zação da Ásia e da África a partir dos anos 1950, en­
No Marrocos .................................................................. 148 tre outros.
Na T u n ís ia ................................................................... 150 No Brasil, onde a ideologia da ‘língua única’, des­
Na A rg élia .................................................................... 152 de tèmpos coloniais, tem camuflado a realidade pluri-
CONCLUSÃO.............................................................................. 157 língüe do país, parecia haver pouco lugar para as ques­
tões empíricas e teóricas levantadas pelos estudiosos
BIBLIOGRAFIA......................................................................... 161
das políticas lingüísticas. O consenso em torno da lín­
ÍNDICE DE N O M ES................................................................. 165 gua única — ‘todos os brasileiros se entendem de norte
AS PO L ÍT IC A S l in g ü ís t ic a s p r e f a c io 9

a sul do país, porque falam português [alguns acrescen­ conhecim entos técnicos de lingüística, antropologia,
tariam: “e aqui não há dialetos”] — tem sido ampla­ sociologia, história, direito, economia, politologia, mo­
mente hegemônico, inclusive em muitos quadros u n i­ bilizados para a análise das situações lingüísticas é, como
versitários, comprometidos, em grande parte, com a diz Lia Varela, uma prática política, associada à inter­
execução de mais esse item do ‘projeto nacional’ brasi­ venção sobre as situações concretas que demandam de­
leiro. Note-se, por exemplo, que até a sociolingüística cisões políticas e planificação de políticas públicas.
m ajoritariamente praticada no país é uma sociolingüís­ O livro de Calvet vem, assim, em um bom momen­
tica das variáveis e variantes do português — uma so­ to. É um livro que tem o mérito da apresentação conceituai
ciolingüística do monolingüismo, portanto. sistemática, necessária no atual momento das discussões
Nas duas últim as décadas, entretanto, o panora­ políticas envolvendo as línguas do Brasil e as ações polí-
ma das reivindicações dos m ovim entos sociais, a di­ tico-lingüísticas do Estado. Aporta, além disso, análises
versificação de suas pautas, o crescimento das ques­ de situações político-lingüísticas em várias partes do
tões étnicas, regionais, de fronteira, culturais, torna­ mundo, m ostrando com isso soluções produzidas em
ram muito mais visível que o Brasil é um país consti­ planejamento de corpus e em planejamento de status das
tuído por mais de 200 com unidades lingüísticas dife­ línguas, seus limites e possibilidades.
rentes que, a seu modo, têm se equipado para partici­ É uma contribuição importante para o que temos
par da Anda política do país. Emerge em vários fóruns chamado de ‘v ir a d a p o lític o -lin g ü ístic a ’: o m ovi­
o conceito de ‘línguas b ra s ile ira s’: línguas faladas por mento pelo qual os lingüistas (mais que a lingüística)
comunidades de cidadãos brasileiros, historicam ente passam a trabalhar ju n to com os falantes das línguas,
assentadas em território brasileiro, parte constitutiva apoiando tecnicam ente suas demandas políticas e cul­
da cultura brasileira, independentem ente de serem lín­ turais. Deixam de atuar no campo da ‘colonização de
guas indígenas ou de imigração, línguas de sinais ou saberes’ para atuar no que Boaventura Santos chama
faladas p o r grupos quilom bolas. Emergem tam bém de ‘comunidade de saberes’, e passam do campo uni­
olhares inovadores sobre o próprio português, nasci­ versitário ao campo dos conhecimentos pluriversitá-
dos dos novos papéis que o Brasil desem penha em rios, o que prioriza a pesquisa-ação sobre uma visão
contexto regional e mundial. de pesquisa que tem tratado os falantes das línguas co­
O crescimento desses movimentos sociais e a rea­ mo meros inform antes descartáveis, uma vez que o
ção do Estado a essas reivindicações vão tornando dia gravador capture o ‘dado’ lingüístico
a dia mais claro o âmbito das responsabilidades das Calvet define a lingüística como o estudo das co­
políticas lingüísticas — seus métodos e interesses. So­ munidades hum anas através da língua. Em outro con­
bretudo, vão tom ando mais claro que ‘política lingüís­ texto, afirma que são as línguas que existem para ser­
tica’, para além de uma multidisciplina constituída de vir aos hom ens e não os homens para servir às lín-
t 0 AS P O L ÍT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S

guas. Sua obra vai se estruturar centralm ente em tor­


no a essas máximas, descrevendo os conflitos hum a­
nos e procurando desenvolver um a conceituação para
a compreensão dessas situações que tem sua “questão
teórica prim ordial levantada pela própria idéia de C A P ÍT U L O I
política lingüística”: em que medida o homem pode
intervir na língua ou nas línguas? NAS ORIGENS DA
POLÍTICA LINGÜÍSTICA
G ilvan M ü ll e r d e O l iv e ir a
IPOL, Florianópolis, julho de 2007

A intervenção hum ana na língua ou nas situa­


ções lingüísticas não é novidade: sempre houve indiví­
duos tentando legislar, ditar o uso correto ou intervir
na forma da língua. De igual modo, o poder político
sempre privilegiou essa ou aquela língua, escolhendo
governar o Estado num a língua ou mesmo im por à
maioria a língua de um a m inoria. No entanto, a políti­
ca lingüística (determinação das grandes decisões re­
ferentes às relações entre as línguas e a sociedade) e o
planejamento' lingüístico (sua implementação) são con­
ceitos recentes que englobam apenas em parte essas
práticas antigas. Se observarmos, por exemplo, que a
escolha de um alfabeto para um a língua se origina da
política lingüística, isso não significa que Cirilo e Me-
tódio, ao criarem o alfabeto glagolítico (ancestral do
cirílico), ou que T honm i Sambhota, ao definir o alfa-

' Traduzimos o francês planification por “planejamento”, termo


muito mais empregado no português brasileiro do que “planificaçáo” (é
o caso, por exemplo, do Ministério do Planejamento) (n. do E.).
I 2 AS P O Ü T IC A S LIN G Ü ÍST IC A S NAS O R IG E N S DA P O L lT IC A L IN G U ÍST IC A I3

beto tibetano, tenham escrito um capítulo da história Califórnia, evento que marca o surgimento da socio-
da política lingüística. Da mesma maneira, se em cer­ lingüística2. Na mesma obra, encontra-se também um
tos países, como a Turquia ou a Indonésia, a língua do texto de Ferguson sobre as national profãe formulas,
Estado foi forjada pela intervenção sobre uma língua já que discutiremos no capítulo seguinte e, observando a
existente, para modernizá-la, adaptá-la às necessida­ lista dos participantes (Bright, Haugen, Labov, Gumperz,
des do país, não colocaremos no mesmo plano os inven­ Hymes, Samarin, Ferguson...), podemos dizer que fal­
tores de línguas artificiais (ido, esperanto, volapuque tava apenas Fishm an p ara completar o “tim e” que
etc.), cujas criações, na maioria das vezes, nunca saí­ representaria, nos anos 1970 e 1980, a sociolingüísti-
ram do papel. A política lingüística é inseparável de ca e/ou a sociologia da linguagem nos Estados Uni­
sua aplicação e é a esse binômio (política lingüística e dos. Desse modo, o “planejam ento lingüístico” recebe
planejamento lingüístico) que é dedicado este livro. seu batismo na mesma época que a sociolingüística, e
Neste prim eiro capítulo, acompanharemos o apa­ pouco mais tarde será definida por J. Fishman como
recimento desse binômio, que se deu na segunda me­ sociolingüística aplicada3.
tade do século XX, e mostraremos as relações que ele Em seguida, Fishm an, Ferguson e Das Gupta
estabelece com as questões políticas dessa época. publicam em 1968 um a obra coletiva4*dedicada aos
problemas lingüísticos dos países em via de desenvol­
vimento, e durante o ano universitário de 1968-1969,
I — Nascimento do conceito e seu campo
quatro pesquisadores (Jyotirindra Das Gupta, Joshua
de aplicação
Fishman, Bjõrn Jern u d d e Joan Rubin) reúnem-se no
O sintagm a language planning, traduzido para o East-West Center do Havaí para refletir sobre a natu­
português por planejamento lingüístico, apareceu em reza do planejam ento lingüístico. Eles organizam, en­
1959 num trabalho de E inar H augen1 sobre os proble­ tre os dias 7 e 10 de m arço de 1969, uma reunião so­
mas lingüísticos da Noruega. O autor procurava mos­ bre o mesmo tema, para a qual foi convidado um gru­
trar nesse trabalho a intervenção norm ativa do Esta­ po de pessoas (antropólogos, lingüistas, sociólogos,
do (por meio de regras ortográficas, por exemplo) para econom istas...) que já haviam trabalhado no campo
construir um a identidade nacional depois de séculos
de dom inação dinam arquesa. ^Haugen retom a esse
2. E. Haugen, “Linguistics and Language Planning”, in William
mesmo tem a em 1964, durante uma reunião organi­ Bright (org.). Sociolinguistics. La Haye: Mouton, 1966.
zad a p o r W illia m B rig h t, n a U n iv e rsid a d e da 3. J. Fishman, Sociolinguistics. Rowley, Mass.: Newbury House
Publishers, 1970.
4. Joshua A. Fishman, Charles A. Ferguson, Jyotirindra Das
1. E. Haugen, “Planning in Modern Norway”, in Anthropo- Gupta, “Language Problems of Developing Nations”, in American
logical Linguistics, 1/3, 1959. Anthropologist, New Series, vol. 73, n° 2 (Apr., 1971), pp. 404-405.
14 AS PO L ÍT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S NAS O R IG E N S DA PO LÍT IC A LIN G Ü ÍS T IC A 1 5

da política ou do planejam ento lingüístico. Esse en­ — Language Planning Processes, editado p o r J.
contro deu origem a um a obra, Can Language be Rubin, B. Jem udd, J. das Gupta, J. Fishman,
Planned? (“a língua pode ser planejada?”), que faz uma C. Ferguson, 1977;
análise do estado da questão na época5. — Advances in the Creation and RevisionofW riting
J. Rubin, J. Das Gupta, B. Jem udd, J. Fishman e Systems, editado por J. Fishman, 1977;
C. Ferguson: temos aqui o “bando dos cinco” anglófonos — Colonialism and Language Policy in Vietnam,
que permaneceríam, durante anos, no centro da refle­ de Jo h n DeFrancis, 1977 etc.
xão sobre esse novo campo (veremos mais adiante que Por esses títulos, é possível perceber uma espécie
os mesmos temas serão igualmente abordados por pes­ de resumo da história do conceito, e a presença de uma
quisadores francófonos, germanófonos e hispanófonos). alternância entre um a abordagem mais geral e estudos
E possível acompanhar os progressos do planejamento de caso (a Albânia, a Indonésia, a Malásia, o V ietnã...).
Paralelamente, a noção de política lingüística apa­
lingüístico sobretudo através das publicações de uma
rece em inglês (Fishman, Sociolinguistics, 1970), em es­
coleção (Contributions to the Sociologg o f Language)
panhol (Rafael Ninyoles, Estructura social y política
dirigida por Joshua Fishm an na editora Mouton. De
linguística, Valencia, 1975), em alemão (Helmut Glück,
fato, em poucos anos, essas publicações reuniram uma
“Sprachtheorie und Sprach(en)politik”, OBST, 18,1981)
impressionante concentração de trabalhos:
e em francês. Em todos os casos e em todas as defini­
— Advances in Language Planning, editado por
ções, as relações entre a política lingüística e o planeja­
J. Fishman, 1974;
mento lingüístico são relações de subordinação: assim,
— Language and Politics, editado por William para Fishman, o planejam ento é a aplicação de uma
0 ’Barr e Jean 0 ’Barr, 1976;
política lingüística, e as definições posteriores, em sua
— Selection am ong A lte rn a te s in Language variedade, não ficarão muito longe dessa visão. Em
Standardization, the Case of Albanian, dejanet 1994, por exemplo, Pierre-Étienne Laporte apresenta­
Byron, 1976; ria a política lingüística como um quadro jurídico e a
— Language Planning for Modemization, the Case reorganização lingüística como um conjunto de ações
of Indonesian and M alagsian, de S. Takdir “que tem por objetivo esclarecer e assegurar determi­
Alisj abana, 1976; nado status a uma ou mais línguas”6. De fato, no inter­
— Advances in the Study of Societal M ultilin- valo, à margem da corrente predominante, aparecem
gualism, editado por J. Fishman, 1977;

6. Pierre-Étienne Laporte, “Les mots clés du discours politique en


5.Joan Rubin, Bjõmjernudd (orgs.). Can Language be Planned? aménagement linguistique au Québec et au Canada”, in Claude Truchot
Honolulu: The University Press of Hawai, 1971. (org.), Le plurilingiúsiTie européen. Paris: Champion, 1994, p. 97-98.
1 6 AS P O L ÍT IC A S LIN G Ü ÍS T IC A S NAS O R IG E N S DA PO LÍTIC A L IN G Ü ÍS T IC A I 7

outras denominações: aménagement linguistique no de idéia, o termo glotopolíticaa aparecerá em francês,


Québec, normalização na Catalunha; cada um a delas criado por Marcellesi e Guespin, com definições im­
com efeitos de sentido p articu lares e im portância precisas, sem que essa inovação terminológica cause
desigual. Os catalães por exem plo (prim eiram ente uma alteração no campo conceituai considerado.
Lluis Aracil, depois o conjunto de pesquisadores agru­ Nesse conjunto de textos e de análises, é preciso
pados sob a classificação de “sociolingüística catalã”), observar uma importante diferença de ponto de vista
pro cu raram distinguir a normalização da substitui­ entre os pesquisadores americanos e os pesquisadores
ção ou da assimilação. N um conflito lingüístico no europeus. Os primeiros têm tendência a acentuar sobre­
qual o espanhol era a língua dom inante e o catalão, a tudo os aspectos técnicos da intervenção sobre as situa­
língua dom inada, eles ju lg aram m ais conveniente ções lingüísticas constituída pelo planejamento, questio­
“norm alizar” um a situação “anorm al”. Na realidade, nando-se muito pouco a respeito do poder que há por
trata-se mais de um program a político do que de um trás dos decisores. O planejamento lhes parece muito
conceito: em face do espanhol im posto pelo poder mais importante do que a política e tem-se, às vezes, a
franquista, os lingüistas catalães militavam para que impressão de que eles fantasiam a possibilidade de um
sua língua fosse prom ovida às funções até então ocu­ planejamento sem política. O sintagma language planning
pôde assim cobrir sozinho, durante muitos anos, um
padas pela língua do Estado. Os quebequenses, por
domínio que teve origem visivelmente nessas duas ações,
sua vez, preferem am énagem ent* linguistique a pla­
complementares decerto, mas que é preciso distinguir
nejam ento (planification) para evitar fazer referên­
com cuidado: as decisões do poder (a política) e a passa­
cia à intervenção planejadora do Estado. Neste caso,
gem à ação (o planejamento). Em contrapartida, os pes­
não se trata em absoluto de um a diferença teórica,
quisadores europeus (franceses, espanhóis, alemães) pa­
mas, sim, de um a questão de embalagem: apresenta-
recem mais preocupados com a questão do poder, embo­
se o mesmo produto com outro nome; e Rainer E nri­
ra os sociolingüistas catalães se situem num sistema de
que Hamel tem razão ao salientar que “os três ter­
substituição de um poder por um outro.
mos - planejamento, normalização e aménagement -
Por outro lado, o período durante o qual apare­
se referem ao mesmo núcleo conceituai, mas se dis­
cem na literatura científica essas noções e as tentati-
tinguem pelas suas conotações”7*. Na mesma ordem

8. A glotopolítica é essencialmente o problema da minoria


O termo aménagement deriva do verbo aménager, “arranjar, (Marcellesi, “De la crise de la linguistique à la linguistique de la crise:
dispor, arrumar”, e não tem equivalente exato em português no senti­ la sociolinguistique”, in La Pensée, n° 209, 1980) ou ela ainda “desig­
do usado no Québec para tratar da política lingüística (n. do E.). na os diversos enfoques que uma sociedade tem da ação sobre a Língua,
7. Rainer Enrique Hamel, “Políticas y planificación dei lenguaje”, seja ela consciente ou não” (Guespin e Marcellesi, “Pour la gloto-
in Iztapálapa. México: n° 20, 1993, p. 11. politique”, in: Langages, n° 83, 1986).
X

18 AS PO L lT IC A S l in g u ís t ic a s NAS O R IG E N S DA PO LÍTIC A L IN G Ü ÍS T IC A |9

vas de equacionar as situações de plurilingüism o do como resposta aos problemas dos países em “via
(diglossia, fórmulas tipológicas...), que discutiremos de desenvolvimento” ou das m inorias lingüísticas.
no capítulo seguinte, têm a ver com as questões da épo­ Mais tarde, os problemas lingüísticos do Québec,
ca. Os primeiros textos de Haugen (sobre o planeja­ bem como aqueles suscitados nos Estados Unidos pela
mento lingüístico na Noruega) e de Ferguson (sobre a imigração de hispanofalantes e, posteriormente, os que
diglossia) datam do m esmo ano, 1959, e durante as aparecem na Europa com a construção da Com unida­
décadas de 1960 e 1970 as publicações nesses dois de Econômica Européia, mostrarão que política e pla­
campos se multiplicam. Ora, trata-se do período que vem nejamento lingüísticos não estão vinculados somente ao
im ediatam ente após a descolonização de inúm eros desenvolvimento ou às situações pós-coloniais. O texto
países africanos e asiáticos, e o título de uma das pri­ fundador de Haugen sobre a Noruega bastaria para com­
m eiras obras publicadas nesse dom ínio, Language provar que as relações entre língua(s) e vida social são
Problems of Developing Nations (New York, 1968), é ao mesmo tempo problemas de identidades, de cultura,
característico do campo conceituai no qual nasce essa de economia, de desenvolvimento, problemas dos quais
disciplina. Paralelamente, observa-se o aparecimento nenhum país escapa. E perceberemos que há também
de reflexões sobre as relações entre língua e naciona­ uma política lingüística da francofonia, da anglofonia
lismo (Joshua Fishm an, Language and Nationalism. etc. Desse ponto de vista, a emergência de novas nações
Rowley, Mass.: N ew bury House Publishers, 1972), terá simplesmente servido como um revelador.
sobre a situação lingüística das antigas colônias (Louis- Reiteremos: tratamos aqui da emergência de um con­
Jean Çalvet, Linguistique et colonialisme — Petit traité ceito, o de política/planejamento lingüístico, que implica
de glotophagie. Paris: Payot, 1974), sobre a situação da ao mesmo tempo tuna abordagem científica das situações
língua catalã na Espanha (Aracil, Ninyoles). Em Can sociolingüísticas, a elaboração de um tipo de intervenção
Language be Planned? (1971), os estudos de caso re­ sobre essas situações e os meios para se fazer essa inter­
venção. Podemos encontrar prefigurações de caráter in-
metem à Irlanda, Israel, Filipinas, África Oriental,
contestavelmente científico entre os lingüistas do Círculo
Turquia, Indonésia, Paquistão: em todos esses traba­
de Praga, por exemplo, que intervieram no campo da pa­
lhos, temos a impressão de que a ênfase é dada aos
dronização do tcheco9, ou em Antoine Meillet, que expri­
países novos, recém -independentes e em vias de de­
miu seu pônto de vista sobre a Europa lingüística10. Mas
senvolvimento, como se a política lingüística não dis­
sesse respeito aos países europeus. E, no início dos
anos 1990, um a coleção de obras publicada na Fran­ 9. Ver D. de RobiUard, Laménagement linguistique: problémati-
ça, sob a direção de Robert Chaudenson, aludirá pelo ques et perspectives. Provença: Universidade de Provença, 1989, pp.
53-71, tese.
seu título (“Langues et développement”) à obra de 1968 10. Louis-Jean Calvet, A. Meillet, “La politique linguistique et
referida acima: a política lingüística parece ter nasci­ 1’Europe: les mains sales”, in Plurüinguismes. Paris: CERPL, n° 5, 1993.
20 AS PO L ÍT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S NAS O R IG E N S DA PO LÍT IC A LIN G Ü ÍS T IC A 21

trata-se, nesses casos, apenas de prefigurações, que prefe­ po m inqritário do interior de um Estado (os bretões
rimos não abordar nesta breve apresentação histórica. na França, por exemplo, ou os indígenas quíchuas no
Equador) pode fazer o mesmo. Mas apenas o Estado
tem o poder e os meios de passar ao estágio do plane­
II - O primeiro modelo de Haugen
jam ento, de pôr em prática suas escolhas políticas. E
Quando o termo planning, “planejam ento”, sur­ por isso que, sem excluir a possibilidade de políticas
ge na literatura lingüística, ele é tomado em seu senti­ lingüísticas que transcendam as fronteiras (é por exem­
do econômico e estatal: determ inação de objetivos (um plo o caso da francofonia, mas trata-se de uma reu­
plano) e a aplicação dos meios necessários para atin­ nião de Estados), nem a política lingüística pertinente
gir esses objetivos. Desse modo, pode-se falar do pla­ às entidades menores que o Estado (as línguas regio­
nejamento da natalidade, do planejamento da econo­ nais, por exemplo), devemos admitir que, na maior
mia etc. Nos anos 1920 6,1930, só a União Soviética parte dos casos, as políticas lingüísticas são iniciativa
dispunha de um plano, e é essencialmente na segunda do Estado ou de uma entidade que disponha no seio do
metade do século XX que essa prática se generalizou. Estado de certa autonom ia política (como a Catalunha,
Mas essa generalização se constituiu sobre princípios a Galiza ou o País Basco na Espanha).
diferentes. De fato, é preciso distinguir o planejamen­ O modo como Haugen, em sua comunicação na
to indicativo ou incitativo, baseado no acordo entre as reunião de Los Angeles em 1964, definira a noção de
diferentes forças sociais, do planejamento imperativo, planejamento mostra que ele se situava nesse campo
que implica a socialização dos meios de produção. O ideológico:
prim eiro é aquele praticado nos países ocidentais, o
segundo caracterizaria os países do Leste. Nesses dois O planejamento é uma atividade humana decorrente da necessida­
casos, entretanto, esse planejam ento tem pontos em de de se encontrar uma solução para um problema. Ele pode ser
completamente informal eadhoc, mas pode também ser organiza­
comum: é nacional, repousa sobre a análise de pers­
do e deliberado. Pode ser executado por indivíduos particulares ou
pectivas a médio e longo prazo, passa pela elaboração ser oficiaL (...) Se o planejamento for bem feito, ele compreendera
e depois pela execução de um plano, por fim é suscetí­ etapas tais como a pesquisa extensa de dados, a escolha de planos de
vel de avaliação. ações alternativos, a tomada de decisão e sua aplicação11.
O aspecto “nacional” ou “estatal” da política lin­
güística, que aparece aqui, é um traço importante de De fato, Haugen partiu essencialmente do pro­
sua definição. Efetivamente, qualquer grupo pode ela­ blema da norma lingüística e da padronização. Ele ci­
borar uma política lingüística: um a diáspora (os sur­ tava, por exemplo, o gramático indiano Panini (que1
dos, os ciganos, os falantes de iídiche...) pode se reu­
n ir em congresso para decidir um a política, e um gru- 11. Op. cit, pp. 51-52.
22 AS P O L ÍT IC A S LIN G Ü ÍS T IC A S NAS O R IG E N S DA P O LÍT IC A L IN G Ü ÍST IC A 23

viveu no século IV antes de C risto), ou ainda os Haugen constata inicialmente que a aparição das pri­
gramáticos gregos e latinos, definindo o planejamento meiras gramáticas e dos primeiros dicionários das lín­
lingüístico como “a avaliação da m udança lingüísti­ guas modernas coincide nos séculos XV e XVI com a
ca” Consciente das contradições entre essa aborda­ emergência de países ricos e poderosos. E, por exem­
gem e as posições decididam ente descritivas e não plo, o caso da gramática de Nebrija elaborada para o
normativas da lingüística, ele afirmava que o planeja­ espanhol (1492), da fundação da Academia Francesa
mento lingüístico devia ser uma tentativa de influen­ por Richelieu (1635) e tc Em seguida, a partir do sécu­
ciar as escolhas em m atéria de língua, situando-se as­ lo XIX, os progressos do ensino e a difusão da literatu­
sim, implicitamente, ao lado daquilo que defini acima ra tornam necessária uma padronização das línguas e
como planejamento indicativo. Além disso, suas refe­ observa-se o aparecimento de indivíduos empenhados
rências passavam pela teoria da decisão, essencialmen­ em normatizar sua língua: Fréderic Mistral em relação
te utilizada no campo da “administração” ou, se pre­ ao provençal, Aasen em relação ao dinamarquês, Korais
ferirmos, da gestão econômica. Nesse domínio, utili­ em relação ao grego e tc Esses homens, esses primeiros
za-se geralmente o modelo de Herbert Simon, que dis­ “planejadores lingüísticos”, considerados por Haugen
tingue quatro fases: como meio lingüistas e meio patriotas, eram indivíduos
• — diagnóstico de um problema; isolados, e a obra deles tem a ver com iniciativa indivi­
— concepção das soluções possíveis; dual. Ao contrário, a intervenção sobre a língua turca
— escolha de um a das soluções; decidida por A tatürk se vincula à ditadura, e podemos
— avaliação da solução tomada. encontrar entre esses dois extremos toda uma varieda­
E o plano escolhido por Haugen para apresentar de de organizações que intervieram na língua: igrejas,
o planejamento lingüístico inspirava-se diretam ente sociedades literárias ou científicas etc
nesse modelo, uma vez que ele analisava os diferentes — A s alternativas. Haugen destaca primeiram en­
estágios de um planejamento lingüístico como um “pro­ te que, mesmo havendo grupos menores que a “nação”
cedimento de decisão”: os problemas, os decisores, as (como os galeses) ou maiores que a “nação” (como os
alternativas, a avaliação è a aplicação. judeus, que têm problemas lingüísticos), é no seio da
— Para ele, todos os problemas se reduzem ao caso “nação” que se encontram os meios oficiais para se de­
geral da não-comunicação: pode haver upj, fracasso senvolver um planejam ento lingüístico. Em seguida,
relativo, quando os interlocutores falam formas dife­ fazendo referência às funções da língua propostas por
rentes da mesma língua, ou fracasso total, quando os Jakobson, Haugen explica que a língua não serve ape­
interlocutores não falam a mesma língua. nas para transm itir informação, ela também diz coisas
— Os decisores. Quem dispõe de autoridade sufi­ sobre o falante, sobre o grupo. A função de comunica­
ciente para dirigir e controlar a mudança lingüística? ção leva à uniformidade do código, já a função da ex­
24 AS PO L ÍT IC A S LIN G Ü ÍS T IC A S NAS O R IG E N S DA P O LlT IC A L IN G Ü ÍST IC A 25

pressão, ao contrário, leva à sua diversificação. Isso se dá ca aos conceitos adotados. Mais precisamente, Haugen
porque o objetivo do planejamento não é necessariamen­ quase não questiona o problema do poder, das relações de
te gerar um código uniforme: ele pode visar à diversida­ força de que dão testemunho as relações lingüísticas. Isso
de ou à uniformidade, à mudança ou à estabilidade. pode ser em parte explicado pelo fato de ele não ter levado
— A avaliação das diferentes soluções passa pela em conta o plurilingüismo, os problemas de relações entre
identificação das formas lingüísticas envolvidas para que as línguas, mas também pelo fato de estar vinculado a
sejam fixados os limites nos quais é possível intervir. uma concepção liberal americana do planejamento. Ele
Convém saber se existe uma ou mais normas, se existe também não levantou o problema do controle democráti­
uma ortografia, ou mais de uma. Enfim, é preciso dotar- co sobre as decisões dos planejadores, considerando que o
se de critérios objetivos que, em relação com as finalida­ Estado deve escolher e aplicar a solução que lhe pareça
des visadas, permitirão a escolha da solução. De manei­ melhor para resolver um problema Há de fato, em tudo
ra geral, segundo Haugen, uma forma lingüística é eficaz isso, a exportação e a aplicação mecanicista de modelos
se for fácil de aprender e fácil de utilizar. utilizados na economia liberal e na administração de em­
— A aplicação. Haugen destaca que os decisores são, presas, sem nenhuma análise sociológica das relações de
no final das contas, os usuários da língua, e que são por­ força que se encontram em jogo. Nessa época, o planeja­
tanto eles que precisam ser convencidos a aceitar a solu­ mento lingüístico se limitava essencialmente à proposição
ção escolhida. Desse ponto de vista, o indivíduo quase de soluções concernentes à padronização das línguas, sem
não tem relevância, a não ser aquela que lhe é dada por que os vínculos entre línguas e sociedades fossem verda­
sua autoridade pessoal ou científica. Em contrapartida, deiramente levados em conta.
o governo controla o sistema escolar, as mídias; e para
ele a melhor estratégia consiste em introduzir a reforma
lingüística escolhida por meio da escola.
III - A abordagem “ instrumentalista” :
P. S. Ray e V. Tauli
E possível que o leitor deste texto fique surpreso com
o fato de que Haugen, àquela época, não estivesse criando Não faltam definições que apresentam a língua
nada de novo. Conhecendo bem a história lingüística da como um “instrum ento de comunicação”, sendo fácil
Noruega, ele adotou alguns conceitos da economia (plane­ observar o caráter restritivo de tais definições, que ig­
jamento), da administração (teoria da decisão) e os apli­ noram aquilo que é essencial na língua, isto é, seus
cou nos exemplos de intervenção do Estado sobre as lín­ vínculos com a sociedade. As abordagens estruturalis-
guas (Noruega, Grécia, Turquia etc). Assim, ao propor tas da língua foram criadas com base nessa restrição,
um novo sintagma, o planejamento lingüístico, Haugen não e foi contra ela que se desenvolveu uma nova maneira
chegou a criar um conceito novo, mas delimitou sobretudo de abordar os fatos das línguas, que foi batizada de
um domínio de atividade, sem desenvolver qualquer críti­ “sociolingüística”, mas que constitui de fato a lingüís-
26 AS P O L ÍT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S NAS O R IG E N S DA PO LÍTIC A LIN G Ü ÍST IC A 2 7

tica no sentido amplo, indo a fundo nas implicações imaginável no início dos anos 1960, diante da ausên­
da definição da língua como “fato social”. cia de formalização da sociolingüística nascente.
Encontramos esse enfoque instrum entalista em Valter Tauli se situa na mesma linha ao propor, em
alguns trabalhos que marcam a emergência da política 1968, uma “introdução a uma teoria do planejamento
lingüística. Assim, Punya S. Ray, numa obra publicada lingüístico”13. Certamente ele faz, aqui e ali, algumas re­
em 196312, insistia no caráter instrumental da língua, ferências à natureza social da língua, como que por obri­
considerando que seu funcionamento podia ser aperfei­ gação, mas para ele a língua é e sse n c ia lm e n te um instru-
çoado pela intervenção na escrita, na gramática ou no mento, no sentido m ais banal do termo, um instrumento
léxico. Sua abordagem era relativamente simplista: por que pode ter seu funcionamento aperfeiçoado, sendo esta
um lado, pode-se avaliar a eficácia de uma língua, sua a tarefa do planejamento lingüístico. Em 1962, ele já
racionalidade, sua normalização e por outro, aperfeiço­ apresentava essa posição com veemência:
ar a língua a partir desses diferentes pontos de vista,
como se troca uma peça defeituosa de uma máquina. Uma vez que a língua é um instrumento, isso significa que uma
língua pode ser avaliada, alterada, corrigida, regulada, melhora­
Essa m aneira de considerar a língua como um
da e novas línguas podem ser criadas à vontade14*.
instrumento que pode ter o funcionamento aperfeiçoa­
do é passível de crítica, mas acontece que o problema Mas como avaliar uma língua? Tauli imagina essa
da avaliação (neste caso das línguas, mas também das avaliação baseado no modelo do decatlo, competição
situações lingüísticas) estará no centro das reflexões esportiva em que os atletas concorrentes recebem certo
prévias a uma intervenção planejadora. Como medir núm ero de pontos segundo seu desempenho em dez
o grau de eficácia de uma língua? Essa questão, que modalidades diferentes. Mas essa metáfora não lhe for­
está no centro da intervenção de Ray, está evidente­ nece os meios para avaliar globalmente uma língua, e
mente mal formulada e, portanto, fica sem resposta. ele a reduz a uma abordagem pontilhista, selecionando
Uma língua não é, em si mesma, racional ou eficaz; alguns domínios, demonstrando um dogmatismo su r­
ela responde ou não a necessidades sociais, ela segue preendente. Assim, para ele, a ordem “norm al” das
ou não a progressão da demanda social. O problema é palavras na frase é a ordem sujeito-verbo, a distinção
saber em que medida a organização lingüística de um a entre masculino, feminino ou neutro é inútil e absur­
sociedade (as línguas em contato, seus domínios de
uso etc.) responde às necessidades de c o m u n ic a ç ã o 13. Valter Tauli, Introduction to a Theorg of Language Planning.
dessa soeiedade, mas essa abordagem era dificilmente Uppsala: Almqvist & Wiksells 1968. O livro vinha sendo redigido
desde 1962.
14. Valter Tauli, “Practical Linguistics: the Theory of Language
12. Punya S. Ray, Language Standartization: Studies in Planning”, in Horace Ed. Lunt (org.), Proceedings of theNinth Congress
Prescriptive Linguistics. Haya: Mouton, 1963. of Linguistics - Cambrige, 1962. Haia: Mouton, 1964, p. 605.
28 AS P O L ÍT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S NAS O R IG E N S DA PO LÍT IC A L IN G Ü ÍST IC A 29

da, a escrita deve ser alfabética e fundam entada numa mento”) e “línguas Ausbau” (em alemão: “desenvolvi­
análise fonológica etc., e o papel do planejador será mento”): de um lado, as línguas percebidas como isola­
modificar o instrum ento língua para aproximá-lo dessa das, independentes, e, do outro, aquelas que são perce­
norm alidade. “O planejam ento lingüístico”, afirma bidas como línguas próximas, de uma mesma família16.
Tauli, “é um a atividade cujo objetivo é o aperfeiçoa­ Tal diferenciação não deixou de repercutir nas ques­
m ento e a criação de línguas”15. tões de planejamento lingüístico. Assim, o grego por
_Se as posições de Ray e Tauli, às vezes no limite do exemplo, língua “A bstand”, como o basco ou o húnga­
absurdo) aproximam-se de um impasse, elas também ro, não era considerado como integrante de um continuam
demonstram os laços entre o grau de conceitualização de variações, ao contrário das línguas “Ausbau” como
ao qual chegou a lingüística e o modo de teorização do o italiano, o espanhol, o português ou o francês, ou
planejamento lingüístico. Esse instrumentalismo se tor­ ainda como o alemão, o dinamarquês, o inglês, o ho­
nou possível graças a um a lingüística que analisava a landês; e essa diferença de status tem incidências cla­
língua de um ponto de vista interno, fazendo abstração ras nos problem as lingüísticos da Europa. De fato,
de seu aspecto social, e suas posições, às vezes caricatu­ pode-se imaginar a divisão dos países da Comunidade
rais, assinalavam ao mesmo tempo os defeitos e as li­ Econômica Européia em dois grupos: um de línguas
mitações dessa lingüística. germânicas e outrojle línguas românicas; mas o grego e
O leitor terá percebido que, até aqui, os teóricos o basco ficam fora dessa classificação... Dois anos de­
do planejam ento lingüístico pareciam se interessar pois, Kloss introduziu um a distinção entre o planeja­
apenas pela língua, por sua padronização, por sua mento do corpus e o planejamento do status17, que teria
“m elhoria”, e isso ocorreu também por conta da lin­
repercussões importantes. O planejamento do corpus
güística estrutural, de sua abordagem interna. Mas o
se relacionava às intervenções na forma da língua (cri­
planejam ento lingüístico logo vai se interessar por
ação de uma escrita, neologia, padronização...), en ­
outras questões, passar dos problemas de forma aos
quanto o planejamento do status se relacionava às in ­
problemas de estatuto, evolução paralela à da lingüís­
tervenções nas funções da língua, seu status social e
tica, que lentam ente ia se tornando sociolingüística.
suas relações com as outras línguas. Assim, é possível
que se queira m udar o vocabulário de uma língua, criar
IV - O segundo modelo de Haugen novas palavras, lutar contra os empréstimos: tudo isso
Em 1967, Heinz Kloss propôs a distinção entre
“línguas A bstand” (em alemão: “distância”, “afasta­ 16. Heinz Kloss, “Abstand Languages and Ausbau Languages”.
in Anthropological Languages, n° 9, 1967.
17. Heinz Kloss, Research Possibilities on Group Bilingualism: A
is. Op. cit, p. 608. Report. Québéc: CIRB, 1969.
30 AS PO LlT IC AS LIN G Ü ÍS T IC A S NAS O R IG E N S DA PO LlT IC A L IN G Ü ÍS T IC A 3 I

pertence à esfera do corpus; mas é possível também que


b) sintaxe term inologia
se queira modificar o status de uma língua, promovê-la b) desenvolvim ento
c) léxico
à função de língua oficial, introduzi-la na escola etc., e estilístico
isso se relaciona ao status. Essa distinção ampliou con­
sideravelmente o campo da política lingüística e se dis­ Para ilustrar esse esquema, vejamos o exemplo
tanciou notavelmente da abordagem instrumentalista concreto da Indonésia. O prim eiro estágio é constituí­
que acabamos de evocar. do pela escolha de uma norma: identifica-se o proble- n
Observamos desde então, na literatura relativa ao ma (estágio la ), a questão aqui era saber qual língua
planejamento lingüístico, uma tendência a apresentar as seria a língua do Estado e, neste caso, o malaio foi
diversas operações em termos dicotômicos; começando escolhido para substituir a língua colonial, o holandês
por Haugen que, em 1983, retomou essa distinção e a (estágio 1b). Essa decisão foi tomada em 1928, du­
integrou a seu modelo18. Sua apresentação pode ser re­ rante uma reunião do Partido Nacional Indonésio, ou
sumida no esquema seguinte, que cruza as noções de status seja, bem antes de a Indonésia proclam ar sua inde­
e corpus com as noções de forma e função da língua: pendência. Temos, neste m omento preciso da histó­
Forma Função
ria, um exemplo de política lingüística que não pôde
(planejam ento (cultura da língua) ser posta em prática, pois, como afirmamos, o plane­
lingüístico) jam ento precisa do Estado.
Num segundo momento, essa língua seria padro­
Sociedade 1. Escolha 3. Aplicação (processo nizada nos níveis gráfico, sintático e lexical (estágios 2
(planeja­ (processo de educacional)
m ento do a) correção
a, b e c). O malaio era, de fato, uma língua veicular de
decisão)
status) b) avaliação formas flutuantes e convinha fixar-lhe uma norma.
a) identificação
do problem a Uma vez resolvidos os problemas formais, passou-se
b) escolha de um a aos problemas funcionais: difusão da forma estabelecida,
norm a correção, avaliação (3a, b). Mas é claro que isso só poderia
Língua 2. Codificação 4. Modernização
ser feito depois da independência, em 1946.
(planeja­ (padronização) (desenvolvim ento Finalmente, essa implementação exigia que a lín­
m ento do a) transcrição funcional) '*• gua fosse “modernizada”, ou seja, que fossem criados o
corpus) gráfica a) m odernização da vocabulário e a estilística necessários às novas funções
que ela iria preencher. Desse modo, inspirando-se pre­
18. Einar Haugen, “The Implementation of Corpus Planning: ferencialmente em palavras malaias, ou em palavras
TheoTy and Practice”, injuan CobarrubiasjJoshua Fishman (orgs.), Progress <de outras línguas locais ou de outras línguas asiáticas,
in Language Planning. International Perspectives. Haia: Mouton, 1983. o Kom isi B ahasa In d o n é sia (C om itê da Língua
32 AS PO L lT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S NAS O R IG E N S DA PO LlT IC A LIN G Ü ÍS T IC A 33

Indonésia) elaborou o vocabulário funcional da língua, zando uma metáfora médica, eles agiam como um ci­
rebatizada como bahasa indonésia (língua indonésia). rurgião que abre um corpo, constata o mal e opera. A
Vê-se que, nesse esquema, o percurso do planeja­ originalidade da contribuição dos sociolingüistas cata-
mento lingüístico esboçado por Haugen (do estágio 1, es­ lães, occitanos e crioulófonos se deve ao fato de que,
colha de uma norma, ao estágio 4, modernização da lín­ nesses casos, o cirurgião era também o paciente, e de
gua) se apresenta, aos mesmo tempo, como técnico e que teoria e prática estavam estreitamente ligadas.
burocrático: há um decisor (geralmente o Estado) que A situação da Catalunha, sob o franquismo, po­
escolhe uma língua para preencher determinada função dería ter servido de exemplo a Ferguson, quando ele
(a função oficial, por exemplo), que confia a especialis­ apresentou seu conceito de diglossia: o espanhol era
tas a tarefa de codificar essa língua e que depois operacio- ali a variedade alta, a língua do Estado, da escola, da
naliza sua escolha (a língua passa a ser utilizada em dife­ justiça etc., enquanto o catalão, variedade baixa, esta­
rentes níveis do aparelho do Estado: ensino, meios de va reservado à com unicação familiar, íntim a. Mas
comunicação etc.), fazendo eventuais correções na esco­ Ferguson tinha uma visão estática da diglossia, que
lha etc. Mas não ocorre em nenhuma parte desse esque­ nele aparecia como um a repartição funcional harm o­
ma a menor crítica em relação aos processos de decisão, niosa dos usos, e é precisamente essa visão que será
nenhum a sugestão de uma possível consulta democráti­ questionada pelos lingüistas “nativos”, ou seja, aque­
ca junto às populações envolvidas ou ainda de um con­ les oriundos de situações diglóssicas, particularmente
tro le d em ocrático dos estágios 1 (escolha) e 2 Robert Lafont, no lado dos occitanosV 19; Lambert-Félix
(codificação): se a língua pertence àqueles que a falam, o Prudent, no lado do§ crioulófonos20 e Lluis Aracil, no
problema da língua aparece aqui como uma questão de lado dos catalães21. Eles afirm avam que a diglossia
Estado, e isso gera em algumas situações, como na Fran­ não era uma coexistência harmoniosa entre duas va­
ça, conflitos entre esse Estado, os falantes da língua nacio­ riedades lingüísticas, mas uma situação conflituosa
nal e as minorias lingüísticas do território. entre uma língua dom inante e uma língua dominada.
Ora, de acordo com Lluis Aracil, esse conflito só po­
dería levar a duas situações: ou a língua dominada
V - A contribuição da sociolingüística “ nativa”
desaparece em favor da língua dominante (o que ele
Pelo que vimos até agora, os teóricos e, às vezes,
os técnicos do planejam ento lingüístico não estavam 19. Robert Lafont, “Un problème de culpabilité sociologique:
pessoalmente implicados nas situações nas quais in- la diglossie franco-occitane”, in Langue Française, n° 9, 1971.
tervinham : seu status era o do especialista que obser­ 20. Lambert-Félix Prudent, “Diglossie et intelecte”, in Langagcs,
n° 61. 1981.
va uma situação, a avalia, faz propostas de mudança 21. Lluis Aracil, Conflicte lingüistic i normalitzacw lingüística a
ou de reorganização e, eventualmente, as aplica. Utili- 1’Europa nova, 1965 (versão francesa, mimeo) e 1982 (versão catalá).

• V) . ’ a. V A \ *U SX * Á H K H
34 AS PO L ÍT IC A S LIN G Ü ÍS T IC A S NAS O R IG E N S DA PO LÍT IC A L IN G Ü ÍST IC A 3 5

chama de substituição), ou ela recupera suas funções e militante leve ao mesmo resultado ao atuar sobre a de­
seus direitos (o que ele chama de normalização). manda social para justificar uma proposta lingüística.
Essa abordagem deve ser situada num a análise Por exemplo, pode-se considerar que a difícil situação
de tipo eletromecânico das situações lingüísticas, que das línguas regionais como o b retã o , n nraitann, n h a s m
considera o b inôm io línguas/sociedade como um etc., seja O resultado dp. ntTm {rigônria dp. A e m a n á a RO-
hómeostato, ou seja, como um sistema que funciona no cial: essas línguas existem, mas não têm utilidade so-
modo da auto-regulação. Aracil propunha a distinção ciaí e estão, por conta disso, condenadas a desaparecer.,
entre as “funções sociais da língua” e as “funções lin­ Mas é possível que a intervenção hum ana (e não mais a
güísticas da sociedade”, podendo as relações entre es­ auto-regulação homeostática) aja sobre a demanda so­
ses dois grupos desembocar na substituição ou na nor­ cial para justificar a oferta lingüística: se dois grupos
malização. No primeiro caso, quando as funções lin­ reivindicam, digamos que por razões identitárias, o di­
güísticas da sociedade não encontram resposta adequa­ reito a suas línguas, essas línguas têm então, ipso facto,
da nas funções sociais da bngua, esse déficit num dos um papel e um lugar na sociedade.
conjuntos cria, por “feedback positivo”, um déficit das Esse deslocamento progressivo do teórico rum o
funções recíprocas no outro conjunto, e essa ampliação ao militante era seguramente facilitado pela situação
resulta, pela multipbcação do déficit inicial, na substi­ da Catalunha que, após o retorno da democracia na
tuição. No segundo caso, ao contrário, o déficit provo­ Espanha, recuperava sua autonom ia e dispunha de
ca, por “feedback n eg ativ o ”, um a regulação, um a possibilidades de intervenção políticas ou legislativas.
autocorreção ou um esforço compensatório entre as Assim, quando um a lei de norm alização lingüística
funções lingüísticas da sociedade e as funções sociais foi promulgada na C atalunha (Liei de Normalitzacio
da língua, o que leva à normalização. Nesses aspectos, Lingüística a Catalunga, 23 de abril de 1983), a_pró-
a sociolingüística catalã forneceu à política lingüística pria noção de normalização se modificou: ela não_é
vinda da América do Norte um quadro teórico que lhe mais o produto da auto-regidação^mââ-Q-proíliito _da
faltava, fazendo a ligação entre as situações lingüísti­ vontade hum ana, da intervenção do podex público.
cas (a diglossia, por exemplo) e as situações sociais. Indiquei acima que os primeiros teóricos - norte-
Esse modelo eletromecânico é originalmente des­ americanos - da política e do planejamento lingüísticos
critivo, explicativo. Mas a noção de normalização lin­ pecavam pela falta de visão teórica; eles tendiam a ne­
güística vai adquirir, paulatinam ente, na Catalunha gligenciar o aspecto social da intervenção planejadora
um sentido mais militante. Com efeito, o feedback ne­ sobre as línguas. Diante deles, os lingüistas europeus,
gativo que reorganiza as funções lingüísticas da socie­ em particular os lingüistas falantes de línguas domi­
dade é, no plano teórico, o produto de um a auto- nadas, insistiram na existência de conflitos lingüís­
regulação. Mas pode-se imaginar também que a ação ticos, contribuindo notavelm ente para enriquecer a
o
36 AS PO L ÍT IC A S l in g ü ís t ic a s

teoria. Mas sua situação os levou a m isturar os assun­


tos e a passar, lentam ente, do teórico ao militante. Esse
deslocamento tem, ao menos, o mérito de nos lembrar
que na política lingüística há também política e que as
intervenções na língua ou nas línguas têm um caráter
C A P ÍT U L O II
em inentem ente social e político. Mas isso nos lembra
igualmente que se as ciências raram ente estão ao abri­ AS TIPOLOGIAS
go de contaminações ideológicas, a política e o plane­ DAS SITUAÇÕES PLURILÍNGÜES
jam ento lingüístico não escapam à regra.

No capítulo anterior, acompanhamos o nascimen­


to das noções de planejam ento lingüístico e de política
lingüística. Mas o procedimento presente naqueles di­
ferentes textos, tomando como ponto de partida o dia­
gnóstico de um déficit de comunicação, de um “pro­
blem a”, para chegar à concepção das soluções possí­
veis e à escolha de um a delas e, por fim, à sua aplica­
ção, implicava que se dispusesse, por um lado, de meios
científicos de avaliação das situações, e por outro, de
meios de intervenção sobre essas situações. Como as­
sinalamos, podemos entender por que essas primei­
ras abordagens se preocupavam apenas com a inter­
venção na língua: na época, a lingüística só p ossuía
meios para descrever a língua em si mesma, sendo
incapaz de apregnder seu objeto de_estudo em suas
relações com a sociedade e sua história. De fato, para­
lelamente às prim eiras preocupações de política lin­
güística, desenvolveu-se o que atualmente se chama
sociolingüística, que dará à política lingüística os meios
científicos de que ela necessitava. São esses instrum en­
tos que apresentaremos neste capítulo.
38 AS P O L ÍT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S AS TIP O L O G IA S DAS SIT U A Ç Õ ES P L U R IL ÍN G Ü E S 3 9

I - Ferguson e Stewart cesso na literatura científica: entre 1960 e 1990, esti­


mam-se cerca de 3.000 artigos ou obras dedicadas à
Paralelamente aos primeiros textos sobre o planeja­ diglossia3. Em seguida, serão lançadas, com diferentes
mento lingüístico que, como vimos, se interessavam es­ graus de sucesso, as noções de triglossia4, de tetraglossia5*:
sencialmente pela ação sobre a língua e, por isso, não o texto de Ferguson fizera escola, e aqui não havia por
levavam em conta as situações plurilíngües (apesar de que interromper o paradigma. Com efeito, por que não
elas serem amplamente majoritárias no mundo), no iní­
falar de “decaglossia”, de “ecossiglossia” para designar
cio dos anos 1960 apareceram tentativas de equacionar
as situações nas quais coexistem dez ou vinte línguas?
as situações plurilíngües e a primeira delas foi, sem dúvi­
De fato, tudo isso procedia de tuna total incompreensão
da, o artigo de Charles Ferguson sobre a diglossia1. O
daquilo que “Charles Ferguson quisera fazer. Na realida­
autor apresentava modelos de situações nas quais coe­
de, sua intenção era iniciar uma série de descrições de
xistem duas variedades de uma mesma língua (ele deu
situações-tipo e esperava que outros lingüistas descre­
quatro exemplos: árabe clássico / árabe dialetal, alemão-
vessem outras situações, a fim de elaborar uma taxonomia
padrão / alemão suíço, grego catarévussa / grego demótico,
a partir da qual seriam construídos princípios descriti­
francês / crioulo haitiano), variedades que são utilizadas
em situações precisas: o que ele chamava de “variedade vos e uma teoria.
Ferguson apresentou uma longa explicação sobre
alta” era utilizada nos discursos políticos, nos sermões,
essa questão em um artigo p o ste rio r: “D iglossia
nas mídias etc., e o que chamava de “variedade baixa” se
Revisited” (South West Journal o f Linguistics, vol. 10,
empregava nas conversações familiares, na vida cotidia-
na, na literatura popular etc.. Posteriormente, Joshua n° 1, 1991). E escreveu mais precisam ente: “Meus
Fishman ampliou esse modelo, abandonando a idéia de objetivos eram, em ordem crescente: situações claras,
relação genética entre essas duas “variedades”2: a partir taxonomia, princípios, teorias.”
de então, considera-se que há diglossia cada vez que se Compreende-se m elhor o que ele queria fazer
manifesta uma repartição funcional de usos entre duas quando se examinam suas intervenções posteriores no
línguas ou entre duas formas de uma mesma língua; as­ domínio da tipologia das situações plurilíngües. De
sim há diglossia tanto entre o árabe clássico e o árabe fato, outra preocupação vem à tona: uma tentativa de
dialetal como entre uma língua européia e várias línguas
africanas. Esse conceito vai conquistar um enorme su- 3. Mauro Femandez, Diglossia: a Comprehensive Bibliography
1960-1990. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins Publishing Co.,
1993.
1. Charles Ferguson, “Diglossia”, in Word., n° 15, 1959. 4. Abderrahmin Youssi, “La Triglossie dans la typologie
2. Joshua Fishman, “Bilingualism with and without Diglossia, linguistique”, in La linguistique, 19, 2, 1983.
Diglossia with and without Bilingualism”, in Journal of Social Issucs, 5. Henri Gobbard, LAlienation linguistique: analyse tétraglossique.
n° 32, 1967. Paris: Flammarion, 1976.
40 AS P O LfTIC A S L IN G Ü ÍS T IC A S AS T IP O L O G IA S DAS SIT U A Ç Õ ES P L U R IL lN G Ü E S 4 1

equacionar, ou de formular, as situações plurilíngües inestimável material epistemológico. Aqui, a situação


de diferentes países6. é particularm ente interessante. De 1962 a 1964, na
E o texto de Ferguson dedicado a esse problema Universidade de Washington e depois na Universida­
é, quanto a isso, m uito claro. Desde sua primeira fase, de de Georgetown, Charles Ferguson pediu a seus alu­
o autor definia seu objetivo: comparar diferentes situa- nos que descrevessem a situação sociolingüística de
SÕes~ Em seguida, propunha a distinção entre três ca­ diferentes países. Cada descrição deveria ser apresen­
tegorias de línguas (major languages, minor languages e tada e discutida em seminário. Depois o trabalho evo­
languages o f special sta tu s), cinco tipos de línguas luiu .para a elaboração de um formato-tipo: as descri­
(vernácula, padrão, clássica, pidgin, crioula) e sete ções deveríam ser apresentadas sob a forma de um
funções (gregária, oficial, veicular, língua de ensino, resumo de uma página em inglês corrente (ou seja,
religião, língua internacional, língua objeto de ensino). evitando o vocabulário técnico). Mas como o ponto de
Isso lhe perm itia pôr determ inada situação “em equa­ partida era a vontade de comparar situações, esses
ção”. Ele ap resen to u , por exem plo, a situação do resumos eram pouco manejáveis. Assim nasceu a idéia
Paraguai da seguinte maneira: das profile formulas. Restava, obviamente, elaborá-las.
E, antes de tudo, que línguas considerar? A resposta
3 L = 2 Lmaj (So, Vg) + 0 L min + 1 Lspec (Cr). foi,, primeiramente, intuitiva:
Esta fórmula deve ser lida da seguinte maneira: Entre as línguas que deveríam ser induídas nas descrições, algumas
no Paraguai, há 3 línguas (3 L), duas línguas m ajori­ pareciam ter uma importância claramente maior no processo de
tárias (2 Lmaj), uma padronizada, oficial: o castelhano comunicação nacional, outras, uma importância menor, outras ter
(So); outra vernácula, gregária: o guarani (Vg), nenhu­ ainda pouca importância comunicativa direta, mas desfrutando de
ma língua m inoritária (0 Lmin) e uma língua especial, um status especial que lhes concedia importância suficiente para
clássica, religiosa: o latim (1 Lspec Cr). ser induídas. Esses três tipos de línguas podem, de maneira cômoda
e transparente, ser chamadas de major language, língua majoritária
Geralm ente não se dá atenção suficiente à m a­
(Lmaj), minorlanguage, língua minoritária (Lmin) e languages of
neira como emergem as proposições científicas (ou
special status, línguas de status especial (Lspec)7.
mesmo as descobertas), onde se pode encontrar um
Passou-se em seguida à formalização dos critérios
que permitiam situar cada língua em uma das catego­
'6. William Stewart, “An Outline of Linguistic Typology for
Describing Multilingualism”, in Study on the Role of Second Languages rias. Por exemplo: um a língua podia ser considerada
in Asia, África and Latin America. Washington: 1962; idem, “A major language em determinado país se ela reunisse
Sociolinguistic Typology for Describing National Multilingualism”, uma das seguintes condições:
in Reading in the Sociology of Language. Haia: Mouton, 1968; Charles
Ferguson, “National Sociolinguistic Profile Formula”, in W. Bright
(org.), Sociolinguistics. Haia: Mouton, 1966, 7. Charles Ferguson, 1966, p. 310.
42 AS P O L ÍT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S AS TIP O L O G IA S DAS SIT U A Ç Õ ES P L U R IL ÍN G Ü E S 43

• ser falada por mais de 25 % da população ou Foi um vaivém en tre descrições em píricas e
por mais de um milhão de pessoas (o quíchua formalização que pautou a emergência do modelo de
na Bolívia, por exemplo, falado por um terço da Ferguson. Esse procedimento, que vai da coleta de da­
população, mas sem nenhum status oficial); dos à tentativa de estabelecer um quadro teórico é, sem
• ser língua oficial (o irlandês, por exemplo, lín­
gua oficial da Irlanda, mas falado apenas por o senta um a séria desvantagem: até que todas as situa­
3% da população); ções lingüísticas tenham sido analisadas exaustivamen­
• ser língua de ensino em 50 % das escolas se­ te, o quadro será submetido a constantes revisões que, a
cundárias do país (por exemplo, o inglês na depender do caso, poderão se traduzir num aprimora­
Etiópia, país cuja língua oficial é o amárico e m ento do m odelo (a versão otim ista), ou em seu
onde, embora poucas pessoas falem inglês, esta questionamento (a versão pessimista). Aliás, o próprio
é a língua de ensino da maioria das escolas Ferguson estava consciente das limitações do trabalho,
secundárias e superiores). assinalando que ele apresentava “uma solução pouco
O mesmo ocorria em relação às minor languages satisfatória para um problema com o qual alguns dos
e às languages ofspecial status: o procedimento consis­ meus estudantes e eu mesmo temos nos confrontado
tia em definir as categorias para que as línguas já consi­ há anos: como comparar nações, de uma maneira útil.
deradas em diferentes situações nacionais pudessem en­ de um ponto de vista sociolingüístico”\ e ele destacava
contrar seu lugar. Em outros termos, era o saber dos também que certas informações estavam ausentes de
informantes (neste caso, os estudantes que participa­ suas fórmulas (diferença entre línguas indígenas e lín­
ram do seminário) sobre sua comunidade lingüística guas de migrantes, sistemas gráficos utilizados, taxas
que pautava a criação das categorias de línguas e os
de analfabetismo etc.).
critérios de classificação nessas categorias. Na Etiópia,
Em 1968, Stewart retomou o problema, que já abor­
por exemplo, muito provavelmente por considerarem
dara em 1962, de uma maneira ligeiramente diferente:
o inglês como um a “língua m ajoritária”, é que a ter­
propunha doravante levar em conta quatro atributos (pa­
ceira condição da definição foi a escolhida.
dronização, autonomia, historicidade e vitalidade), cuja
Mas esse tipo de informações (número de línguas
combinação (ausência: representada pelo sinal de - e a
majoritárias, m inoritárias etc.) era bastante limitado.
presença pelo sinal de + , em relação ao atributo em ques­
Para acrescentar dados sobre os tipos e funções das lín­
guas em contato, Ferguson adotou uma tipologia pro­ tão) permitia definir sete tipos de línguas, segundo o es­
posta por Stewart em 1962, reduzindo o núm ero de quema explicitado no seguinte quadro:8
tipos de sete para cinco (ele abandonou os tipos “artifi­
cial” e “marginal”) e conservando as sete funções. 8. Op. cit., p. 315.
44 AS P O llT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S AS T IP O L O G IA S DAS S IT U A Ç Õ E S P L U R IL lN G Ü ES 45

Atributos
Classe 6: hebraico Cr
Tipos de (leia-se: um clássico religioso)
língua latim Crs 0
Padronização Autonomia Historicidade Vitalidade
(leia-se: um clássico, religioso, ensinado)
+ + + + padrão
+ + + clássica
+ + artificial Essas tentativas de equacionar as situações pluri-
_ ~ + + + vernácula língües abrem o flanco a um certo número de críticas:
- - + + dialeto • A escolha dos atributos de Stewart nem sem­
+ crioula
pidgirf l, pre é evidente. Dessa maneira, dizer que o
- - - -
crioulo não possui o atributo “autonom ia”
E acrescenta mais três funções às sete propostas (porque se deve esclarecer “crioulo de base
por Ferguson (provincial, capital, literária) e divide as lexical francesa, inglesa, portuguesa” etc.)
línguas de um país em seis classes, de acordo com a provém, em parte, da ideologia: por que se­
porcentagem da população falante da língua: ria necessário especificar crioulo francês para
Classe 1: língua falada por mais de 75 % da população uma língua falada nas ilhas Seychelles, por
Classe 2: língua falada por mais de 50% da população exemplo, e não língua românica para o fran­
Classe 3: língua falada por mais de 25 % da população cês ou língua germânica para o inglês? Não
Classe 4: língua falada por mais de 10% da população havería por trás dessa apresentação a recusa
Classe 5: língua falada por mais de 5 % da população e r e c onsiderar os crioulos como línguas ple-
Classe 6: língua falada por menos de 5 % da população nas e uma m aneira de abordar as línguas do
Isto lhe permite apresentar a situação das ilhas ponto de vista do senso comum em detrim en­
Curaçao (Antilhas Holandesas) da seguinte maneira: to da perspectiva científica?,
• Certas classificações envelhecem rapidam en­
Classe 1: papiamento K(d:A = espanhol) te (o crioulo haitiano seria, por exemplo, con­
(leia-se: um crioulo em situação diglóssica com o espa­ siderado atu alm en te como padronizado e
nhol, variedade alta) m uitas línguas africanas teriam, em vinte
Classe 4: holandês So anos, mudado de classificação), o que suscita
(leia-se: um padrão oficial)
o problema da dimensão histórica dessas fór­
inglês Sigs
(leia-se: um padrão internacional, gregário, língua ensinada)
mulas unicamente sincrônicas.
Classe 5: espanhol Sisl (d:L = papiamento) • Certas funções não são avaliadas de maneira
(leia-se: um padrão internacional, ensinado, literário, em precisa. Assim, existem línguas “oficialmente
diglossia com o papiamento) oficiais”, como o gaélico na Irlanda, cujo status ^

J
46 AS PO L ÍT IC A S LIN G Ü ÍS T IC A S A S T IP O L O G IA S DAS S IT U A Ç Õ E S P L U R IL ÍN G Ü E S 47

real é nulo, e línguas sem funções oficiais que 4 - sem alternativa maior no país para a
podem desempenhar entretanto um papel im­ mesma função
5 - aceitável como sím bolo de autentici­
portante, como o francês na Ilha Maurício... dade
6 - ligada a um passado glorioso

II - As propostas de Fasold de grupo 1 - utilizada por todos na conversação


cotidiana
Essa abordagem ilu strad a pelos trabalhos de 2 - considerada pelos falantes como
unificando-os e distinguindo-os dos demais
Ferguson e Stewart foi deixada de lado durante muito
tempo até que Ralph Fasold a retomasse, em 19849. veicular 1 - considerada como “adquirível” por,
pelo menos, uma minoria do país
Primeiro, ele resumiu os textos de Ferguson e de Stewart
internacional 1 - presente na lista das “línguas
que acabamos de citar; em seguida, retomou o proble­ internacionais potenciais”
ma de um ponto de vista ligeiramente diferente:
escolar 1 - padronização igual ou maior do que
— por um lado, ele destaca uma certa previsibilida­ a língua dos alunos
de das funções assumidas pelas línguas, não é qual­ religiosa 1 - clássica
quer língua que pode assumir qualquer função;
— por outro lado, ele raciocina unicamente em Esses atributos, cuja presença garante que deter­
termos de atributos e de funções, de modo que minada língua possa preencher determ inada função,
um a língua deve possuir certos atributos para criam, no entanto, alguns problemas; particularm en­
preencher determ inada função. Seu ponto de te os dois seguintes:
vista é resumido no seguinte quadro: — O atributo “clássico” necessário para que uma
língua possa preencher a função religiosa provém de
A trib u tos so c io lin g ü ístic o s requeridos uma certa concepção de religião. O que dizer, por exem­
oficial 1 - padronização plo, da língua do vodu? Ou das línguas africanas de
2 - utilizada corretam ente por certo iniciação? E pouco provável que o autor as considere
núm ero de cidadãos escolarizados como línguas clássicas, o que dem onstra uma concep­
nacionalista 1 - símbolo de identidade nacional para ção limitativa da religião.
uma parte im portante da população — A lista das “línguas in tern acio n ais p o ten ­
2 - am plam ente utilizada na com unica­
ção cotidiana
ciais” de Fasold é instrutiva: ele cita, de fato, o in ­
3 - ampla e freqüentemente falada no país glês, o e s p a n h o l, o ru ss o , o a le m ã o , “perhaps
M andarin Chinese and maybe one or two others”10
9. Ralph Fasold, The Sociolinguistics of Society. London:
Blackwell, 1984. 10. Op. ciL, p. 76.
50 AS PO L ÍT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S AS TIPO LO G IA S DAS SIT U A Ç Õ ES P L U R IL lN G Ü E S 5 1

da competência lingüística dos falantes). O autor pro­ O interesse dessa abordagem consiste, evidente­
pôs um modo de cotação complexo, levando em conta mente, no fato de que ela permite refletir sobre a situa­
as seguintes entradas (nos reportarem os a seu texto ção re sp e c tiv a dos d ife re n te s países no espaço
para os valores num éricos atribuídos a cada entrada): francófono, sobre os reagrupamentos que ela revela­
A. Status ria no gráfico etc. Mas o valor de um gráfico assim é,
1. Oficialidade sobretudo, didático, porque ele visualiza os resulta­
2. Usos “institucionalizados” dos de uma análise, permite apresentar o conhecimento
3. Educação e não adquiri-lo: o conhecimento que temos na parte
4. Meios de comunicação de massa superior da grade se encontra na parte inferior, mani­
5. Setor secundário e terciário privado festado de m aneira diferente...
B. Corpus Outra utilização possível dessa grade consiste em
a) apropriação lingüística considerar as línguas em relação a um país e não mais
b) vem acularidade / vemacularização versus um país em relação a uma língua, como no trabalho de
veicularidade / veicularização Fasold. Para ilustrar isso, considerarei cada língua sob
c) os tipos de competências três pontos de vista:
d) produção e exposição lingüísticas • seu grau de uso, isto é, a porcentagem de falan­
Vejamos o resultado dessa avaliação aplicada em tes no país considerado (o corpus de Chaudenson);
três países: Ruanda, Madagascar e Ilha Maurício: • seu grau de reconhecimento, isto é, o grau de ofi­
100 cialidade da língua (o status de Chaudenson);
90 • seu grau de funcionalidade, isto é, as possibili­
80 dades que a língua tem de preencher as fun­
70 Ruanda ções destinadas a ela (que pode se aproximar
♦ Madagascar
da relação atributos/funções de Fasold).
Status

60
50 ♦ Apenas os dois primeiros termos (grau de uso e grau
40 Maurício
de reconhecimento) serão levados em consideração no grá­
30 fico. Só depois, ao nos questionarmos, a partir do gráfico,
20 -
sobre estratégias de planejamento lingüístico é que o pro­
10 -
blema do grau de funcionalidade será levado em conta.
0 -T-------1------ 1------ 1 Por enquanto, o mais simples é ilustrar este ponto de vista
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 com dois exemplos: o do Marrocos e o do Mali. Acompa­
Corpus nhei por alto o modo de cálculo de Chaudenson no que diz
Situação em relação ao francês respeito ao “status” (o grau do reconhecimento), mas sim-
5 2 AS PO LlT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S AS T IP O L O G IA S DAS SIT U A Ç Õ ES PL U R IL ÍN G Ü ES 53

plifiquei o procedimento no que diz respeito ao “corpus” (o tamasheq (estou citando apenas as quatro principais lín­
grau de uso), levando simplesmente em conta uma avalia­ guas do país, mas todas as outras poderíam constar neste
ção (que me é própria, pois não dispomos de nenhum gráfico) têm um status e um corpus de igual valor, porém
número oficial sobre esse assunto) da porcentagem da fraco; o bambara tem um corpus muito mais importante
população falante das diferentes línguas em contato. que seu status e o francês conhece a situação inversa:
Consideremos o gráfico do Marrocos: três línguas
coexistem no país com status diferentes o árabe, o 90 ♦
80 - francês
berbere e o francês, e podemos ver que elas aparecem
70 -
em posições extremamente contrastantes no quadro. O 60 -
árabe tem um status e um corpus de valor sensivelmen­ 50 -
te igual (ele é falado por cerca de 90 % da população e 40 -
tem o status de língua oficial), o francês tem um status 30 - songhai
20 - peul bambara
mais importante que seu corpus, e o berbere está em 1q tamasheq ♦
situação inversa (falado por aproximadamente 50% 0 1 ... ...... — i—

da população, ele não possui nenhum status oficial). 0 10 20 30 40 50 60 70


A s línguas do M a li


árabe Qual pode ser a utilidade destes gráficos? Eles
nos perm item fazer um a leitura im ediata da relação
entre status e corpus para cada uma das línguas e as­
sim avaliar a situação lingüística do país. ,Se conside­
rarmos, de fato, que de m aneira geral é desejável que
uma língua possua um status correspondente a seu
berbere corpus, temos três situações teóricas:
T- ■ 1. a das línguas que se encontram na diagonal (ou
10 20 30 40 50 60 70 80 90 seja, as línguas para as quais status = corpus). E
Corpus claro que elas podem se situar mais no alto ou
menos no alto nessa diagonal, dependendo de sua
A s línguas do Marrocos
condição de língua de unificação nacional (corpus
Quanto ao Mali, a situação é igualmente contras­ próximo do valor máximo: o árabe no Marrocos)
tante, mas de maneira diferente: o songhai, o peul e o ou regional (o peul e o songhai no Mali);
54 AS pol Iticas lingüísticas
AS T IP O L O G IA S DAS S IT U A Ç Õ ES PL U R IL ÍN G Ü ES 55

2. a das línguas que se encontram acima da dia­ uso que pode ser estimado em torno de 10%
gonal (como o francês no Mali e, de m aneira de falantes, enquanto o sango (sango 1960)
menos clara, no Marrocos) e que possuem um tinha um grau de reconhecimento nulo e um
status superestim ado; grau de uso que pode ser estimado em aproxi­
3. a das línguas que se encontram abaixo da m adamente 80% dos falantes.
diagonal (como o berbere no Marrocos) e que • No ano 2000, se a política pretendida tiver
têm, portanto, um status insuficiente. efeito, pode-se estim ar o francês com um grau
Tal visualização da situação lingüística de um país de uso em ascendência devido ao progresso
pode assim: da escolarização (hipoteticam ente em 20%,
1. servir de base para a reflexão sobre o planeja­ pela necessidade da demonstração), o sango
mento lingüístico: percebem-se de imediato as con­ igualmente em progresso (90%), com as duas
tradições ou a coerência entre os graus de uso e de línguas dividindo entre si o status (50/50); o
reconhecimento das línguas em contato; que possibilitaria o seguinte gráfico:
2. perm itir representar, no plano diacrônico, a
100
evolução esperada de uma situação após a in­ 90 francês 1960
tervenção planejadora. 80
Em outros termos, temos aqui um instrumento que 70
60
permite apresentar um diagnóstico e formular objetivos.
50
Utilizando um exemplo extremamente teórico, o 40 francês 2000 sango 2000
da República Centro-Africana, que adotou uma “lei 30
fixando a política de reorganização lingüística da Re­ 20
10 sango 1960
pública”, segundo a qual o francês e o sango passaram 0
a ser as duas línguas oficiais do país. É possível avaliar 10 20 30 40 50 60 70 80 90
a situação dessas línguas, em termos de grau de uso e Corpus
de grau de reconhecimento, no momento da indepen­
República Centro-africana
dência do país e após a intervenção dessa nova políti­
ca lingüística:
Percebe-se que, nesta hipótese, o francês desceria
• No momento da independência, o francês (no
e o sango subiría para a linha diagonal, mas que, ain­
gráfico: francês 1960) tinha um grau de reco­
da assim, a situação não correspondería ao desejável
nhecim ento máximo, única língua de adm i­
(corpus = status). Se o corpus do francês aumentasse,
nistração, de escolarização etc. e um grau de
o lugar da língua se aproximaria da diagonal, mas para
Ã->

56 AS P O L ÍT IC A S LIN G Ü ÍS T IC A S AS T IP O L O G IA S DAS S IT U A Ç Õ E S PLU R IL ÍN G Ü E S 57

que o sango fizesse o mesmo deslocamento seria ne­ ção da situação lingüística”, inúm eras possibilidades
cessário aum entar o seu status (em detrim ento do de política lingüística (aum entar o grau de reconheci­
francês). A avaliação sociolingüística term ina aqui e mento de uma, duas, inúm eras línguas, por exemplo),
entramos no dom ínio das escolhas da República Cen- um dos critérios de escolha a ser levado em conta po­
tro-Africana: dar, por exemplo, ao sango um status dería ser a relação entre custo da operação e o benefí­
semelhante a seu corpus implicaria tirar do francês cio social decorrente.
seu status de língua oficial e isso levanta outros pro­ Nos exemplos m encionados acima, fiz referên ­
blemas que não são da alçada do lingüista. cia, para ilu strar a utilização desse gráfico no do­
Contudo, e isto conduz agora ao grau de funcio­ m ínio da política lingüística, a um a ação sobre o
nalidade, se diante de tal gráfico um país decidisse grau de reconhecimento das línguas. Mas evidente­
intervir sobre o grau de reconhecimento de uma lín­
m ente o contrário tam bém é possível, e pode-se as­
gua, para tentar aproximá-la de seu grau de uso, sur­
sim tom ar a decisão de in terv ir no grau de uso das
ge a questão de saber se tal língua está equipada para
línguas. Os grupos m inoritários que lutam pela so­
preencher essa função. Como delimitar essa noção de
brevivência da sua língua, criando, por exem plo,
grau de funcionalidade? Nesse caso, o melhor é partir
escolas privadas nas quais ela seja ensinada, em pe­
da idéia de Fasold de que certas funções implicam cer­
tos atributos. Mas Fasold expunha o problema em ter­ nhando-se em transm iti-la às crianças etc., não fa­
mos estatísticos: tal língua possui ou não esse ou aquele zem nada além de ten ta r agir sobre o grau de uso
atributo e portanto pode ou não preencher determ ina­ dessa língua. Isso significa que temos dois estágios
da função. Meu ponto de vista é muito mais dinâmico sucessivos de reflexão: a escolha de um tipo de ação
e pode ser formulado da seguinte maneira: se quere­ (sobre o reconhecim ento ou sobre o uso) e a d eter­
mos que tal língua preencha tal função, o que é preci­ m inação do eq u ip am en to necessário à língua no
so fazer então para equipá-la? Utilizando um exemplo dom ínio da funcionalidade. E n tretan to , m ais um a
simplista: é evidente que para introduzir uma língua vez, isso já não está no âm bito da análise sociolin­
no sistema de ensino (ou seja, transformá-la em lín­ güística, mas no das decisões políticas.
gua de escolarização), é necessário primeiramente dar- Percebe-se que essas proposições são largamente
lhe uma transcrição, alfabética ou outra, dar-lhe uma programáticas e que convém agora seguir a reflexão e
norma, forjar uma terminologia gramatical etc. E isso a experimentação com base nestes dois pontos:
nos conduz a reflexões eminentemente práticas sobre • Como medir, de maneira unívoca, o grau de uso
a relação qualidade/preço desse equipamento ou so­ e o grau de reconhecimento de uma língua? <S“
bre a relação custo/benefício. Se temos, por exemplo, • Como determinar, de maneira precisa, o que
diante do que eu chamaria de um “gráfico de avalia­ constitui a funcionalidade de um a língua?
58 AS P O L lT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S
AS T IP O L O G IA S DAS SIT U A Ç Õ ES P L U R IL lN G Ü ES 59

Conclusão construídos, corremos o risco de sacrificar a precisão


De modo mais geral, os modelos tipológicos que em prol da elegância. A grade de Chaudenson, por
apresentam os neste capítulo estão longe de esgotar o exemplo, integra com facilidade os fatores quantitati­
que conviría saber sobre um a situação para pensar vos e jurídicos, mas não deixa nenhum espaço aos fa­
um a eventual política lingüística. De fato, para elabo­ tores simbólicos ou conflituais. As propostas de Fasold
integram os dados funcionais e, em certa medida, sim­
rar um modelo capaz de elucidar a complexidade das
bólicos, mas não dão conta do fator diacrônicíL_ De
situações, seria conveniente considerarmos diferentes
fato, todas as propostas de Ferguson, Stewart e Fasold
fatores, dos quais a lista seguinte nos dá uma idéia:
apresentam uma visão estática das situações que, no
( l J Dados quantitativos: quantas línguas e quantos
entanto,,, estão em evolução perpétua, tanto no plano
falantes para cada uma delas.
estatístico (número de falantes, índice de transmissão
2. Dados jurídicos: status das línguas em conta­
etc.) quanto no plano simbólico. Ora, a avaliação prévia
to, reconhecidas ou não pela Constituição,
à determinação da política lingüística deve necessaria­
utilizadas ou não na mídia, no ensino etc.
mente levar em consideração as evoluções em curso.
3. Dados funcionais: línguas veiculares (e sua
Por isso é bem provável que suijam novos modelos, mais
taxa de veicularidade), línguas transnacionais
completos, mais eficazes, passando, talvez, por outra
(faladas em diferentes países fronteiriços); lín­
abordagem. Pode-se, por exemplo, imaginar um modelo
guas gregárias, línguas de uso religioso etc.
informatizado que, alimentado regularmente com no­
4. Dados diacrônicos: expansão das línguas, taxa
vos dados, fornecería “on line” uma avaliação dinâmi­
de transmissão de uma geração a outra etc.
ca das situações.
5 . ) Dados simbólicos: prestígio das línguas em
Vê-se que a reflexão sobre as situações de plurilin-
contato, sentim entos lingüísticos, estratégias
güismo nos remete à língua de maneira muito mais
de comunicação etc.
rica. Não se trata mais, nesse caso, de agir sobre o
6 . ) Dados conflituais: tipos de relações entre as
“corpus” para lutar contra empréstimos ou para mo-
línguas, complementaridade funcional ou con­ dernizar a língua, nor exem plo, mas para torná-la
corrência etc. funcional, a fim de que possa desempenhar o papel
Podemos perceber que se é fácil, por um lado, me­ que se espera que ela desempenhe do ponto de vista
dir ou delimitar os quatro primeiros tipos de fatores do status. E essa passagem do ponto de vista do corpus
desde que, evidentemente, sejam feitas as pesquisas ne­ ao do status, mesmo que essa dicotomia seja muitas
cessárias, por outro, os dois últimos são mais comple­ vezes difícil de ser m antida (corpus e status estão
xos e, sobretudo, difíceis de introduzir em um modelo freqüentemente muito imbricados, o grau de equipa­
dicotômico. Mas, pelo afã de apresentar esquemas bem mento de uma língua, por exemplo, estando em rela-
60 AS P O L ÍT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S

ção direta com sua função social), é um testemunho


da evolução paralela da ciência lingüística: a política
lingüística e o planejam ento são tributários da teoria
na qual foram concebidos.
Mas qualquer que seja o modelo utilizado, ainda
C A P ÍT U L O III
subsiste o problema de saber de quais meios dispomos
para intervir sobre a língua e sobre as línguas. São OS INSTRUMENTOS DO
esses meios que apresentaremos no capítulo seguinte.
PLANEJAMENTO LINGÜÍSTICO

Uma ação planejada sobre a língua ou sobre as


línguas nos remete ao seguinte esquema: consideram-se
uma situação sociolingüística inicial (Sl), que depois
de analisada é considerada como não satisfatória, e a
situação que se deseja alcançar (S2). A definição das
diferenças entre S l e S2 constitui o campo de interven­
ção da política lingüística, e o problema de como passar
de S l para S2 é o domínio do planejamento lingüístico.
A presentadas desta m aneira, as coisas podem
parecer simples. Entretanto, vimos no capítulo ante­
rior os problemas que a descrição e a tipologia das
situações sociolingüísticas apresentavam quando da
escolha de uma política lingüística. Neste capítulo,
abordaremos os problemas decorrentes dessas esco­
lhas. A partir do momento em que um Estado se preo­
cupa em adm inistrar sua situação lingüística, ap re­
senta-se o problema de saber de que meios ele dispõe
para isso. Como intervir na forma das línguas? Como
modificar as relações entre as línguas? Quais são os
6 2 AS PO L lT IC A S l in g ü ís t ic a s OS IN STR U M EN TO S DO PLANEJAMENTO LIN G Ü ÍSTICO 63

processos que perm item passar de uma política lingüís­ A escrita


tica, estágio das escolhas gerais, ao estágio da imple­
O primeiro estágio desse e q u ip a m en to ê dar um
mentação, do planejam ento lingüístico ?
sistema de escrita às línguas ágiafas, o que implica,
em pri m e i rolngar, esrigbel ecer uma descricão fonológi-
I - O equipamento das línguas ca da língua e conhecer o sistema de sons a transcre­
ver. Em seguida, será necessário escolher um tipo de
Pode parecer estranho aplicar o termo “equipa­ escrita: alfabética ou não-alfabética e, no primeiro caso,
m ento” às línguas, sobretudo depois que nos distan­ que tipo de alfabeto? Esta escolha não é simples. Apro­
ciamos de um a concepção instrum ental da língua, ximadamente um quarto da humanidade utiliza, por
como fizemos no prim eiro capítulo. Entretanto, este exemplo, um sistema não-alfabético: o dos caracteres
term o é absolutam ente apropriado, principalm ente thineses. Quando se tom ou necessário transcrever as
se nos lem brarm os do prim eiro sentido do verbo equi­
par: “Prover um a embarcação do necessário para cum­ í cr
/ línguas africanas, longas discussões opuseram os de-
fensores do alfabeto latino aos que defendiam o alfabe-
íjP3^
prir serviço ou realizar missão, guarnecer”. De fato, to árabe ou uma grafia autóctone. .Essas discussões ti-
se todas as línguas são iguais aos olhos dos lingüis­ nham, evidentemente, um substrato ideológico: por um
tas, essa igualdade se situa num nível de princípios, lado, há uma estreita ligação entre a expansão dos sis-
isto é, num nível extrem am ente abstrato. Mas, na P temas de escrita e a expansão das religiões (o alfabeto
realidade, todas as línguas não podem cumprir, igual­ -=r árabe está ligado ao Islã, o alfabeto latino é percebido
4*] como associado à cristandade). e. por outro lado o alfa-
* mente, as mesmas funções./Por exemplo, é claro que
uma língua ágrafa não pode ser veículo de uma cam ­ .CQJ&&- beto latino era visto por alguns como um traço simbóli­
panha de alfabetização, que se terá dificuldades em co da época colonial. Mas, diante desses dois sistemas
ensinar informática numa língua que não disponha de 1 absolutamente estranhos à África negra, havia tam­
\vocabulário com putacional,\ou e n sin ar gram ática bém os sistemas gráficos autóctones: silabários em geral
, ^ ^ recentes que, aos olhos de seus partidários, tinham a
num a língua que não disponha de uma taxonomia
gram atical, que um a língua falada por uma ínfima vantagem de constituir escritas autônomas e de assegu­
m inoria da população de um país dificilmente poderá rar a identidade africana1. Esses sistemas tinham tam­
bém um conteúdo científico: o alfabeto árabe, por exem-
ser escolhida como língua de unificação desse país
etc. Se, e n tretan to , por razões políticas, se desejar
utilizar essas línguas nessas funções, será necessário 1. Vide: Pathé Diagne, “Transcription et harmonisation des
Iangues africaines au Sénégal”, comunicação à reunião “La transcripton
red u zir seus déficits, equipa-las para que possam
et rharmonisation des Iangues afriacaines”, Niamey (Nigéria), 17 a 21
desem penhar seu papel. de julho de 1979.
64 AS PO L lT IC A S l in g ü ís t ic a s OS IN S T R U M E N T O S DO PLA N EJA M EN T O L IN G Ü ÍS T IC O 6 5

V - w A o.
pio, não permite notar as vogais das línguas africanas O léxico
e o alfabeto latino é, nesse aspecto, mais preciso, mais
O utro problem a é o do léxico. O desenvolvi­
eficaz etc. Jisses debates levarão a decidir em favor do
m ento das ciências e das técnicas, a m ultiplicação
alfabeto latino, ao menos temporariamente, em 1966,
das com unicações especializadas fizeram com que
quando a Unesco reuniu em Bamako um conjunto de
hoje em dia ap en as algum as lín g u as veiculem a
especialistas. T ratarem os dessa reunião no capítulo
m odernidade com a ajuda de um vocabulário p ró ­
seguinte.
prio; as outras línguas se contentam em tom ar em ­
C onsiderando todos esses pontos, vê-se que o
planejam ento lingüístico passa prim eiram ente por prestado esse vocabulário.\ D essa form a, a ten d ê n ­
uma descrição precisa da língua; em seguida, por uma cia atual é falar de inform ática utilizando um voca­
reflexão sobre o que se espera de um sistema de es­ bulário em inglês. De m aneira mais ampla, existem
crita. Será necessário, por exemplo, escolher uma or­ m ilhares de línguas que p erm item d iariam en te a
tografia de tipo fonológico, na qual a cada fonema m ilh õ e s de f a la n te s c o m u n ic a r-s e de m a n e ira
corresponda um grafema ou, se se preferir, a cada • satisfatória em seu am biente social tradicional, mas
som um a letra? Ou, ao contrário, será necessário que são incapazes de assegurar um a com unicação
escolher uma ortografia de tipo etimológico, na qual científica* Seria, por exemplo, um a situação delica­
a forma geral de um a palavra nos dará informações da apresentar a teoria da relatividade num a língua
sobre sua h istó ria e sobre a fam ília na qual está indígena da A m azônia. Isso pode não ter, certam en ­
inserida? No prim eiro caso, as palavras francesas te, nenhum a im portância, já que se um índio wayana
temps (tempo), taon (mutuca) e tant (tanto) poderão da G uiana quiser, por exemplo, se especializar em
ser grafadas como tã . No segundo caso, se destacará estudos nucleares, ele o fará em francês ou em in ­
o fato de que, mesmo utilizando letras aparentem en­ glês. Mas um a política lingüística tam bém pode de­
te inúteis, a grafia temps apresenta a vantagem de cidir equipar determ inada língua para utilizá-la no
reportar ao latim tempus e às palavras temporaire ensino de m atem ática ou de medicina.
(temporário) ou temporiser (tem porizar)... Isso nos remete a outro domínio do planejam en­
É só depois dessa fase técnica e científica, em to lingüístico: o da terminologia, no qual a principal
que a língua estará equipada no plano gráfico, que se atividade é a criação de palavras, ou a neologia. T ra­
passa à fase prática: divulgar o sistem a de escrita ta-se aqui de determ inar as necessidades, de repertoriar
selecionado, através de abecedários, m anuais, da or­ o vocabulário existente (empréstimos, neologia espon­
ganização de cam panhas de alfabetização, da in tro ­ tânea), de avaliá-lo, de eventualm ente melhorá-lo, de
dução da língua recém -transcrita no sistema escolar, harmonizá-lo e de, depois, divulgá-lo sob a forma de
no meio gráfico etc. dicionários terminológicos, de bancos de dados etc.
66 AS PO L lT IC A S l in g ü ís t ic a s OS IN S T R U M E N T O S DO PLANEJAMENTO LIN G Ü ÍSTICO 67

Esse procedimento pode, então, responder a dois obje­ que ele não “agrade”, seja porque entra em concorrên­
tivos m uito diferentes: cia com palavras já em uso, produtos da neologia es­
• Pode-se tratar de equipar uma língua para que pontânea ou de empréstimo a outra língua.
ela possa cumprir uma função que até então Em francês, por exemplo, se uma palavra como
/
não cumpria. E o problema com que se con­ logiciel se impôs sem dificuldade no lugar do termo in­
frontaram os países do norte da África, quan­ glês software, se uma palavra como remue-méninges en­
do se decidiram por uma política de arabiza- tra poeticamente em concorrência com brainstorming,
ção, ou da Indonésia, quando ela decidiu subs­ nada garante que baladeur, tir d ’angle, tir passant,
tituir, na função oficial, o holandês pelo malaio. restovite ou prêt-à-monter substituirão, respectivamen­
• Pode-se tratar também de lutar, no quadro de te, walkman, comer, passing shot, fast-food ou kit2. Esses
um a língua já equipada, contra os emprésti­ neologismos parecem ir contra um uso já estabelecido.
mos, de substituir um vocabulário alienígena Veremos nos capítulos seguintes diferentes exem­
por um vocabulário endógeno. Esse é o pro­ plos desse tipo de ação.
blema com que se enfrentam o Québec ou ain­
da as comissões de terminologia criadas nos A padronização
diferentes ministérios franceses. ,
Nos dois casos, entretanto, vemos a importância Q uando um país decide prom over uma língua
(mencionada a propósito da escrita) da descrição das para determinada função, ele pode ter de encarar uma
línguas e da análise dos seus processos de criação lexical: situação de dialetação. Isso significa que essa língua
uma palavra não é foijada aleatoriamente, é necessário pode ser falada de m aneira diferente por toda a ex­
respeitar, ao mesmo tempo, o “gênio” da língua e os tensão do território, com uma fonologia diferente, um
sentimentos dos seus falantes. Portanto, a terminologia vocabulário e uma sintaxe parcialm ente diferentes.
implica, por um lado, um conhecimento preciso dos vImpõe-se então o problema de saber qual será a forma
sistemas de derivação, de composição da língua, um que exercerá a função escolhida pelos decisores.iMes-
inventário das raízes etc. e, por outro, implica que as mo nesse caso, há também diferentes soluções: pode-
palavras criadas, os neologismos, sejam aceitos pelos se selecionar uma das formas em presença ou então
falantes, isto é, que sejam em primeiro lugar aceitáveis. forjar uma forma nova a partir das formas existen­
Porque um neologismo pode ser refutado (este, aliás, é tes. O primeiro caso remete a um sistema autoritário,
um caso muito freqüente; os especialistas em termino­ ou a um centralismo jacobino, quando se escolhe, por
logia produzem muito mais termos que ninguém jamais
utilizará do que termos que “pegam”), seja porque ele 2. Exemplos extraídos do Dictionnaire des termes officiels de la
não corresponde aos gostos lingüísticos dos falantes, larujuc françaisc, Direction des jouraaux officiels, Paris, 1994.
AS P O L ÍT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S OS IN STR U M EN TO S DO PLANEJAMENTO L IN G Ü ÍS T IC O 69

^exemplo, o dialeto da capital, No segundo caso, faz-se ou do empréstimo. Sempre que novas realidades pre­
necessária uma descrição precisa das variedades dia­ cisaram ser nomeadas, elas o foram sem dificuldades:
letais para se tentar criar uma forma intermediária, assim, a invenção da eletricidade se fez acom panhar
uma espécie de lugar-comum dos diferentes falares, da criação da palavra eletricidade, construída sobre
que será posteriormente difundida por diferentes meios uma raiz latina, e o surgimento de um novo esporte, o
(mídia, escola etc.). Esse problema aparece primeira­ futebol, se fez acom panhar do empréstim o à língua
mente no nível da grafia: como transcrever uma pala­ inglesa da palavra football. Enfim, quando se conside­
vra pronunciada de diferentes formas pelo território ra o núm ero de línguas existentes na superfície do glo­
de maneira que todos a reconheçam? Em seguida, no bo (entre 4 e 5 mil, com um a média de 30 por país),
nível do léxico: qual variante conservar quando o mes­ tem-se a impressão de que estão dadas todas as condi­
mo objeto ou a mesma noção não são nomeados da ções para que as pessoas não se compreendam. Con­
mesma maneira nas diferentes formas dialetais? Por tudo, apesar da multiplicação das línguas ser conside­
fim, há a questão da sintaxe quando, por exemplo, é rada por alguns como a maldição de Babel, a com uni­
preciso escolher a norm a que será ensinada. cação funciona em todos os lugares.
No capítulo iv, apresentaremos um caso concre­ Isso porque há dois tipos de gestão das situações
to de padronização, a propósito da elaboração da lín­ lingüísticas: um a que procede das práticas sociais e
gua ofic: al da República Popular da China outra da intervenção sobre essas práticas. A prim ei­
ra, que denominaremos de gestão in vivo, refere-se ao\
modo como as pessoas resolvem os problemas de co- y
Do Hn vivo ”para o “in v itr o ^ - * ^
municação com que se confrontam cotidianam ente. (
As intervenções que acabamos de mencionar so­ Essa gestão resulta em “línguas aproxim ativas” (os
bre a transcrição das línguas, seu léxico ou sua padro­ pidgins), ou ainda em línguas veiculares que são “cria­
nização implicam que se pode mudar a língua. Ora, as das” (como o m unukutuba, no Congo) ou “prom ovi­
línguas sempre m udaram , porém mudaram de outra das”, isto é, uma língua já existente que tem suas fun­
maneira: sem intervenção do poder, sem planejamento.^ ções ampliadas (como o bambara no Mah, o wolof no
Quando se estuda a história da escrita, por exem­ Senegal ou o inglês no mundo). Em ambos os casos,
plo, verifica-se que na lenta evolução que vai dos pri­ seja a comunicação assegurada graças à “criação” ou
meiros cuneiformes mesopotâmicos aos silabários e à “refunciõnalização” de uma língua, isso não tem nada
depois aos alfabetos, é a prática social, em resposta às a ver com uma decisão oficial, \com um decreto ou uma
necessidades sociais, que desempenhou o papel mo­ lei: tem-se aqui, simplesmente, o produto de uma práti­
tor. Da mesma m aneira, o léxico das línguas sempre ca. Aliás, essa prática não resolve apenas os problemas
esteve em mutação, através da neologia espontânea do plurilingüismo. Dessa forma, todo dia, em todas as
70 AS P O L ÍT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S OS IN S T R U M E N T O S DO PLANEJAMENTO L IN G Ü ÍSTIC O 7I

línguas do mundo, aparecem palavras novas para desig­ ele não queira ou que não acredite ser uma língua,
nar coisas (objetos ou conceitos) que a língua ainda não mas um dialeto. Seria igualmente pouco coerente ten­
designava. Essa neologia espontânea foi particularmente tar impor para essa função um a língua m inoritária,
ativa nas línguas africanas, na época colonial. Com efei­ se já existir uma língua veicular amplamente utiliza­
to, as sociedades colonizadas se deparavam com tecno­ da. Ou ainda, é por vezes difícil impor a uma parte da
logias (o automóvel, o trem, o avião), com estruturas (a população uma língua m ajoritária se esta não a deseja
administração, o hospital), com funções (oficial, médico, (é o caso, por exemplo, do wolof na Casamansa*, Sene­
governador) importadas do Ocidente e que precisavam gal, certamente a língua veicular dominante, mas que
ser nomeadas. Pode-se, portanto, estudar o modo como é rejeitada por uma parte da população).
, y uma população se vale de sua competência lingüística Os in stru m en to s de planejam ento lingüístico
para foijar novas palavras que designem novas noções. aparecem portanto como a tentativa de adaptação e de
Por exemplo, na língua bambara (no Mali) criou-se es­ utilização in vitro de fenômenos que sempre se manifes­
pontaneamente, para designar a bicicleta, o neologismo taram in vivo. E a política lingüística vê-se então diante,
négéso (“cavalo de ferro”). Para designar trem, utiliza-se ao mesmo tempo, dos problemas de coerência entre os
a forma negesira (“estrada de ferro”), que pode ser anali­ objetivos do poder e as soluções intuitivas que são
sada como um neologismo ou como um decalque do freqüentemente postas em prática pelo povo, bem como
modelo francês, e para designar o gelo dispõe-se de um do problema de certo controle democrático, a fim de
empréstimo do francês, glasi, e de um neologismo, jiku.ru não deixar os “decisores” fazerem o que bem entendam.
.(num a tradução literal, jikuru seria “pedra de água”).
Mas estamos tratando neste livro de outra abor­ n - O ambiente lingüístico
dagem dos problemas do plurilingüismo ou da neologia:
a do poder, a gestão in vitro. Em seus laboratórios, Quando se cam inha pelas ruas de uma cidade,
lingüistas analisam as situações e as línguas, as des­ quando se desembarca num aeroporto ou quando se
crevem, levantam hipóteses sobre o futuro das situa­ üga a televisão em uífa quarto de hotel, recebe-se imedia­
ções lingüísticas, propostas para solucionar os proble­ tamente um certo número de informações sobre a situa­
mas e, em seguida, os políticos estudam essas hipóte­ ção lingüística através das línguas utilizadas nos carta-
ses e propostas, fazem escolhas, as aplicam. Essas duas
abordagens são extremamente diferentes e suas rela­ ' Casamansa (em francês: Casamance) é uma região no sudoeste do
ções podem, às vezes, ser conflituosas se as escolhas Senegal, entre a Gâmbia e a Guiné-Bissau. Por causa de sua posição
in vitro forem no contrapé da gestão in vivo ou dos relativamente isolada do resto do país, existe um desejo de autonomia
dessa região. Esse território pertenceu a Portugal durante 350 anos, até
sentim entos lingüísticos dos falantes. Será, por exem­ passar ao domínio francês em 1908. Sendo limítrofe com a Guiné-Bissau,
plo, difícil impor a um povo uma língua nacional que ali também se fala um crioulo de base portuguesa (n. da tradução).
72 AS POLlTICAS lingüísticas OS IN STR U M EN TO S DO PLANEJAMENTO LIN G Ü ÍST IC O 73

zes, na publicidade, nos programas de televisão, na mú­ sobre


* o ambiente lingüístico, a uma conquista ou recon­
sica etc. Mas, ao mesmo tempo, quando se estuda de quista desse ambiente por línguas que haviam sido ex­
perto uma situação sociolingüística e se conhecem bem cluídas. Da mesma maneira, entre 1970 e 1980, as ruas
as línguas e as variantes lingüísticas em contato, consta­ de Argel conheceram, do ponto de vista do ambiente grá­
ta-se que muitas delas não aparecem nessas mídias. fico, uma mudança total: o árabe substituiu o francês em
E essa presença ou ausência das línguas sob a for­ todas as situações evocadas acima. E essa marcação de
ma oral ou escrita na vida cotidiana que chamamos de território, seja produto de práticas espontâneas ou de
ambiente lingüístico. Pode-se, por exemplo, elaborar uma práticas planejadas, nos fornece um instrumento de lei­
geografia de Nova York a partir das línguas que podem tura semiológica da sociedade: entre as línguas em conta­
ser lidas nas placas de lojas (inglês, chinês, italiano, to há aquelas que são expostas e outras que dificilmente
árabe etc.) e acompanhar, também, as mudanças em se fazem notar; e isso está vinculado a seu peso sociolin-
curso através das variações desse ambiente. Dessa for­ güístico e a seu futuro.
ma, à medida que se aproximava a data da retrocessão E por essa razão que o planejamento lingüístico agirá
pela Grã-Bretanha de Hong Kong à China (1997), foi sobre o ambiente, para intervir no peso das línguas, na sua
possível perceber uma progressão da presença do chi­ presença simbólica. Mais uma vez, a ação in vitro utiliza os
nês e uma regressão da do inglês no ambiente lingüístico meios da ação in vivo, inspira-se nela, mesmo que dela se
de Hong Kong no decorrer dos anos 1990. diferencie ligeiramente. Entre a prática espontânea de um
A situação de Nova York, de Hong Kong ou de qual­ açougueiro norte-africano que afixa em seu estabelecimen­
quer outra capital, rica em informações, está relaciona­ to em Paris a sua razão social em árabe, por exemplo, e a
da ao in vivo, mas o planejamento lingüístico pode tam­ intervenção dos poderes públicos exigindo que essa razão
bém intervir in vitro sobre ela. De nada adianta, na reali­ social seja também indicada em francês, que ela seja então
dade, prover uma língua de um alfabeto se ele não apare­ traduzida, pode-se observar aí a vontade de manifestar
ce na vida cotidiana dos falantes dessa língua. Assim, as uma identidade através da língua (neste caso, uma língua
placas indicando o nome das ruas, os sinais de trânsito, escrita) e duas abordagens diferentes desta busca
as placas dos carros, os cartazes publicitários, os progra­ identitária: uma passando pelos comportamentos espon­
mas de rádio ou televisão são lugares privilegiados de tâneos e outra pela intervenção da lei.
intervenção para a promoção das línguas. Um viajante Mas a função dessa marcação de território é a
yque desembarcasse nos anos 1990, por exemplo, no ae­ mesma nos dois casos. Uma inscrição em árabe, chi­
roporto de Bilbao ou de Barcelona, após vinte anos de nês ou hebraico nas ruas de Nova York ou de Paris cons­
ausência, se surpreenderia com a presença da língua basca titui uma mensagem em dois níveis. Primeiramente, no
no primeiro caso e do catalão no segundo, presença que nível da denotação, a mensagem limita consideravelmente
se deve, evidentemente, a uma intervenção planejadora seus receptores potenciais (somente os que sabem ler es-
74 AS p o l It i c a s L IN G Ü ÍS T IC A S OS IN STR U M EN TO S DO PLANEJAMENTO LIN G Ü ÍSTICO 75

,sas línguas podem decodificar a mensagem)* Mas, ao in vitro deve, por sua vez, se impor aos falantes e, para
mesmo tempo, no nível da conotação, a inscrição cons­ isso, o Estado dispõe essencialmente da lei.
titui outro tipo de mensagem: mesmo quem não sabe A lei é, segundo o dicionário, uma “regra imperati­
ler árabe ou chinês pode, entretanto, reconhecer esses va imposta às pessoas a partir de fora”. O que significa
sistemas gráficos, cuja presença desempenha, nesse caso, que as leis não se aplicam aos objetos, aos bens, mas ao
um papel simbólico, um papel de testemunho. Assim, uso que os homens fazem desses objetos, desses bens.
a inscrição em cima da porta de um restaurante, que Para dar um exemplo simplista, uma lei não pode impe­
indica em chinês “restaurante cantonês”, diz duas coi­ dir prédios de se incendiarem ou proibir o dinheiro de
sas. Por um lado, diz àqueles que sabem ler chinês, “este desaparecer, m as pode proibir as pessoas de pôr fogo nos
é um restaurante cantonês” e diz, por outro lado, àque­ prédios ou de roubar o dinheiro. Além disso, o direito só
les que não sabem ler chinês, “isso é chinês”. E se mui­ pode intervir sobre o que é juridicamente definível. Des­
tas lojas, uma ao lado da outra, afixam sua razão social se ponto de vista, é possível questionar o sentido da no­
em chinês, a coexistência dessas inscrições dirá “esta é ção de lei lingüística ou de direito lingüístico. A língua
uma rua chinesa” ou “este é um bairro chinês”. Esse pode ser objeto de lei?3 O que é certo é que os Estados
duplo nível de leitura nos mostra a importância do meio intervém freqüentemente no domínio lingüístico, respon­
gráfico. Quando o Estado toma a decisão de intervir dendo a esta pergunta de maneira prática e evitando o
nesse domínio, a língua que é afixada pode não ser lida debate teórico, mas eles intervém de fato nos comporta­
pela maioria das pessoas (isso depende, evidentemente, mentos lingüísticos, no uso das línguas. Isso ocorre por­
do grau de alfabetização da população), mas ela é per­ que as políticas lingüísticas são geralmente repressoras e
cebida, entretanto, como o que ela é: uma língua escri­ precisam, por essa razão, da lei para se impor, não existe
ta; e sua presença simboliza, logicamente, uma escolha planejamento lingüístico sem suportejurídico.
política. No capítulo v, veremos um exemplo desse tipo Faz-se necessário distinguir, neste momento, entre
de intervenção com o caso da arabização nos países da inúmeras concepções de leis lingüísticas. Há, de fato:
África do Norte. • As leis que se ocupam da forma da língua,
fixando, por exemplo, a grafia ou intervindo
no vocabulário por meio de listas de palavras.
m - A s leis lingüísticas
• As leis que se ocupam do uso que as pessoas
Quando um a decisão é tomada, uma opção é esco­ fazem das línguas, indicando qual língua deve
lhida, é preciso fazer com que ela se encaixe nos fatos.
Ao contrário da gestão in vivo, na qual a mudança se
3. Ver a esse respeito R. Rouquette, “Le droit et la qualité de la
propaga na prática dos falantes por uma forma de con­ langue”, inJ.-M. Eloy (org.), La qualité de la langur ?Lecasdu français.
senso que é necessário estudar com precisão, a gestão Paris: Champion, 1995.
76 AS POLlTICAS LINGÜÍSTICAS OS IN S T R U M E N T O S DO PLANEJAMENTO LIN G Ü ÍST IC O 77

$er falada em dada situação ou em dado mo­ ma, existem as legislações internacionais que fixam as
mento da vida pública, fixando, por exemplo, línguas de trabalho das organizações internacionais
a língua nacional dé um país ou as línguas de (ONU, Unesco, Corte Internacional de Justiça etc.) ou
trabalho de uma organização. que protegem as minorias lingüísticas (como a Declara­
• As leis que se ocupam da defesa das línguas, ção sobre os direitos das pessoas pertencentes a minorias
seja para assegurar-lhes uma promoção maior nacionais ou étnicas, religiosas e lingüísticas, adotada pe­
(internacional, por exemplo), seja para protegê- las Nações Unidas em 1992), legislações nacionais (que
las como se protege um bem ecológico. se aplicam dentro dos limites de um Estado) e legisla­
Evidentemente é possível aprofundar-se ainda mais ções regionais (por exemplo: na Catalunha, na Galiza,
nos detalhes das legislações lingüísticas e tentar elaborar no País Basco). E já se pode logo imaginar que apare­
uma tipologia. Joseph Turi4, por exemplo, propôs uma çam contradições e oposições entre esses três níveis.
classificação relativamente complexa, que faz primeira­ Num segundo momento, é preciso fazer um a distin­
mente uma distinção entre as legislações lingüísticas estru­ ção segundo o nível de intervenção jurídica. Em al­
turais (que intervém no status das línguas) e as legislações guns casos, a situação lingüística é definida pela pró­
lingüísticasfuncionais (que intervém na utilização das lín­ pria Constituição. É o caso da Espanha, por exemplo,
guas). Entre estas últimas, ele faz em seguida uma dis­ que no artigo 3 de sua Constituição de 1978 distingue
tinção entre as legislações lingüísticas oficiais (que inter­ entre a língua oficial do Estado (castelhano) e as lín­
vém no uso oficial das línguas), legislações lingüísticas guas oficiais das comunidades autônomas (o basco, o
institucionais (que tratam do uso não-oficial das línguas), catalão, o galego). Em outros casos, a situação lingüís­
as legislações lingüísticas padronizadoras ou não- tica é definida por uma lei (nacional ou regional), e há
padronizadoras, as legislações lingüísticas majoritárias (que casos em que ela é, enfim, definida por recom enda­
protegem as línguas de uma maioria) e as legislações lin­ ções, resoluções, cuja força de lei é menor, visto que o
güísticas minoritárias (que protegem as línguas de uma nível de intervenção jurídica condiciona sua eficácia.
minoria) etc. Tudo isso, como se vê, é extremamente com­ Se uma lei lingüística nacional pode ser, de acordo com
plicado, mas como a lei é um dos principais instrumen­ os casos è as escolhas, incitativa ou imperativa, uma
tos do planejamento lingüístico, faz-se necessário pôr um resolução tomada por um a organização internacional
pouco de ordem nessa profusão. tem pouca chance de ser aplicada fora dos casos em
Distinguiremos as leis lingüísticas, inicialmente, que se trata de um a legislação interna, visando, por
segundo seu campo de aplicação geográfica. Dessa for­ exemplo, fixar as línguas de trabalho dessa organiza­
ção. Quando se conhece a incapacidade de um orga­
4. Joseph T uri, “Le pourquoi et le comment du droit nismo como a ONU ou a Comunidade Européia dian­
linguistique”, in Langage et Societé, n° 47, 1994, Ottawa. te de problemas mais importantes, só é possível consi-
78 AS PO L ÍT IC A S LIN G Ü ÍS T IC A S OS IN S T R U M E N T O S DO P L A N E JA M E N T O LIN G Ü ÍSTICO 79

derar suas intervenções no domínio da proteção das etnonímica, que pode testem unhar uma aproximação
m inorias lingüísticas como brincadeiras de criança. fonética (quando na África, por exemplo, a língua bã-
Tudo isso pode ser resumido no quadro abaixo: mana transformou-se em bambara, ou o pulaar se tor­
nou peul), uma alusão pejorativa (quando os índios
N ível de intervenção
Shuars são chamados pelos espanhóis de jibaros, isto
geográfico jurídico é, camponeses) e às vezes um desejo identitário (quan­
internacional
do o Congo Belga se tornou Zaire e, depois, República
constituição
nacional lei Democrática do Congo). Rainer Enrique Hamel perce­
regional decretos be nessas práticas “a expressão de políticas lingüísti­
resoluções cas que existem desde que os seres humanos se orga­
recomendações nizaram em sociedade e ampliaram suas relações de
contato, de troca e de dominação diante de outras so­
Modo de intervenção
ciedades que eram cultural e lingüisticamente diferen­
tes”5. De fato, nessa matéria, a política lingüística co­
incita tivo imperativo ; meça realmente quando se renomeia, e um dos efeitos
das leis lingüísticas pode se manifestar simplesmente
Conteúdo da intervenção no nome que o texto jurídico dá às línguas. Acabamos
de observar que, de acordo com a Constituição espa­
nhola, q. língua oficial do Estado é o castelhano, e esta
forma das línguas uso das línguas defesa das línguas
denominação para um a língua que todos chamam de
Mas este quadro geral não esgota todos os pro­ espanhol já constitui um fato de política lingüística.
blemas da intervenção jurídica sobre a língua e sobre De fato, ao sugerir relações entre a língua e uma re­
as línguas nem os efeitos colaterais desta intervenção. gião do país, Castela, evidencia-se que não há corres­
pondência termo a term o entre o país, a Espanha, e a
língua, o castelhano (ex-espanhol). Ao tornar-se ofici­
N om ear a língua almente “castelhano”, o espanhol não mudou, conti­
Segundo a Bíblia, Deus criou o mundo e nomeou nua a mesma língua. Mas se castelhano denota a mes­
seus constituintes. Entretanto, desde então, os homens ma coisa que espanhol, ele conota algo completamente
não p araram de renomear o mundo: os nom es dos diferente. Da mesma maneira, na Indonésia, o malaio,
povos, os nomes dos lugares não pararam de variar,
de acordo com as invasões ou alternâncias de poder. 5. Rainer Enrique Hamel, “Políticas y planificación dei lenguaje:
Desse modo, há um a constante valsa toponímica e una introducción”, in Iztapalapa, n° 29, 1993, México.

1
80 AS POLÍTICAS LINGÜÍSTICAS OS IN S T R U M E N T O S DO PLANEJAMENTO LIN G Ü ÍST IC O 81

ao tom ar-se língua oficial, foi rebatizado de bahasa o soninkê) dentre as cerca de vinte línguas faladas no
indonésia (língua indonésia), com o mesmo tipo de país. Em Camarões, em contrapartida, ao lado das
variações conotativas. É de se prever que inúm eras duas línguas “oficiais”, todas as línguas africanas fa­
línguas, atualm ente tratadas de modo genérico como ladas no território do país, mais de duzentas, são con­
crioulos, venham a ser, nos próximos anos, rebatizadas: sideradas línguas nacionais. E esses dois exemplos nos
haitiano, reunionês, guineano, m artiniquês, cabo- m ostram que a denominação das funções da língua
verdiano* ou mauriciano; e a função de cada denomi­ o pela lei tem repercussões evidentes sobre as possibili­
nação será revalorizar simbolicamente essas formas dades de política lingüística. É possível imaginar, de
lingüísticas e insistir na sua dimensão identitária. fato, um a política lingüística que trate, com o no
Senegal, de seis línguas nacionais, mas é difícil conce­
Nomear asfunções ber uma política lingüística que englobe duzentas lín­
guas. Seria particularm ente impossível introduzir to­
O utro efeito dessas leis está na denominação das das elas na escola... Mas essa distinção entre línguas
funções das línguas. Língua nacional, língua oficial, oficiais e línguas nacionais não é a única praticada na
língua regional, língua “própria”; encontram-se nos África. O artigo 7 da Constituição da M auritânia esti­
textos legais numerosos qualificativos que fazem refe­ pula, por exemplo, que:
rência às funções da língua ou das línguas e que nem • o árabe é a língua oficial do país;
sempre têm o mesmo sentido. Se, para um francês, os • o hassaniya, o pulaar, o saracolê e o wolof são
adjetivos “nacional” e “oficial” aplicados à língua po­ as línguas nacionais;
dem parecer sinônimos, na África francófona eles têm • o francês e o inglês são as línguas de abertura.
sentidos muito diferentes: a língua “oficial” é a língua Enfim, em certos casos, a lei não escolhe entre
do Estado, geralmente o francês (co-oficial com o in­ essas diversas possibilidades. Assim, a Constituição
glês em Camarões e com o sango na República Centro- francesa determinou, desde 1992, que “o francês é a
Africana), enquanto as outras línguas “nacionais” são língua da República”, sem determ inar se ela é a língua
algumas línguas africanas ou todas as línguas africa­ oficial ou nacional.
nas do país. Desse modo, no Senegal, ao lado do fran­
cês, língua “oficial”, a lei distingue seis línguas “nacio­
Princípio de territorialidade ou de personalidade?
nais” (o wolof, o serere, o diola, o mandinga, o peul e
Todos sabem que hoje em dia não há necessaria­
mente coincidência entre uma língua e as fronteiras
* De fato, confirmando a previsão do autor, o antigo “crioulo
do Cabo Verde” passou a ser oficialmente denominado kabuverdianu de um Estado. Sabe-se, também, que há línguas que
(n. da trad.). são faladas em um território m enor que o do Estado
82 AS PO L lT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S OS IN S T R U M E N T O S DO PLANEJAMENTO L IN G Ü ÍSTIC O 83

(o bretão na França, o galego na Espanha), que há lín­ guas, e também sobre a gestão do país. O princípio de
guas cujo território se sobrepõe às fronteiras interes- territorialidade aplicado na Suíça, por exemplo, garantiu
tatais (o basco ou o catalão entre a França e a Espanha), um futuro melhor ao romanche, mas o princípio da
que há, enfim, línguas que são dominantes em vários territorialidade não garantiu a mesma situação ao ga­
Estados. Existem tam bém os im périos lingüísticos lés no País de Gales.
(fran c ó fo n o , an g ló fo n o , h isp a n ó fo n o , lusófono, Mas essas situações (Bélgica, Suíça, País de Gales)
arabófono...). Mas, como mencionamos, a política lin­ são relativamente simples se comparadas às de países
güística continua tendo, na grande maioria das vezes, extremamente plurilíngües como o Senegal, por exem­
um a dimensão nacional: ela intervém em um territó­ plo. Ali são faladas mais de vinte línguas, seis das quais
rio delim itado pelas fronteiras. Ora, existem outros são consideradas “nacionais” (wolof, serere, mandin-
casos possíveis: as diásporas e os grupos de migrantes, ga, peul, diola, soninkê), às quais é preciso acrescentar
por exemplo, que não se definem pelo território que a língua “oficial”, o francês. Se no futuro fosse tomada
ocupam mas, sobretudo, por sua dispersão. Foi isso a decisão de promover as línguas nacionais a novas fun­
que levou a distinguir, nas políticas lingüísticas, entre ções (função de ensino, por exemplo), seria necessário
o princípio de territorialidade e o princípio de perso­ escolher entre dois grandes tipos de soluções:
nalidade. No primeiro caso, é o território que deter­ 1. Podería se tomar a decisão de que o wolof, o
mina a escolha da língua ou o direito à língua: apren­ peul, o diola etc. seriam ensinados nas regiões
de-se o catalão num a escola da Catalunha, o holandês do país onde são dom inantes como línguas
na parte flamenga da Bélgica etc. É esse o princípio m aternas, isto é, dividir o território em seis
que estava na base da reforma do ensino empreendida regiões de ensino. Foi a decisão escolhida na
na Guiné durante o governo de Seku Turé e abando­ Guiné de Seku Turé. A dificuldade está no fato
nada em seguida6. No segundo caso, a pessoa que per­ de que um wolof que more na região do rio
tence a um grupo lingüístico reconhecido tem o direito Senegal deverá ser escolarizado em peul, que
de falar sua língua, não importa em que ponto do ter­ um diola que more em Dakar será escolarizado
ritório: por exemplo francês ou holandês em Bruxe­ em wolof, e que (o inverso) um wolof morando
las, inglês ou francês no Canadá etc. Ou ainda, um na Casamansa será escolarizado em diola etc.
estrangeiro vivendo na França tem o direito a um in­ 2. Podería se tom ar a decisão de que os falantes
térprete diante de um tribunal. A escolha entre os dois das seis línguas oficiais teriam direito a um
princípios tem repercussões sobre o futuro das lín- ensino na sua língua onde quer que se encon­
trassem. Mas a dificuldade estaria na neces­
6. Ver L.-J. Calvet, La guerre des langues et les politiques sidade de abrir escolas para peuls, para wolofs,
linguistiques. Paris: Payot, 1987, pp. 176-180. para m andingas etc., e ainda assegurar em

•'» 'H w w .u n v ; n .- v i.w s i M m i i s s w i í >


84 AS POLÍTICAS LINGÜÍSTICAS OS IN STR U M EN TO S DO P L A N E JA M E N T O L IN G Ü ÍST IC O 85

todas as escolas um ensino nas seis línguas. Essas situações dão outro sentido à expressão
Imagine-se o custo da operação, ainda que às “direito à língua”. O fato de não falar a língua do Es­
vezes seja possível com binar o princípio de tado priva o cidadão de inúm eras possibilidades so­
territorialidade e o princípio de personalidade. ciais, e consideramos que todo cidadão tem direito à
Dessa forma, o princípio de personalidade é língua do Estado, isto é, que ele tem direito à educa­
aplicado em todo o Canadá, enquanto o prin­ ção, à alfabetização etc. Mas o princípio de defesa das
cípio da territo ria lid a d e só é aplicado no m inorias lingüísticas faz com que, paralelamente, todo
Québec. Mas neste caso há somente duas lín­ cidadão tenha direito a sua língua. Assim, a situação
guas em jogo e as coisas seriam muito mais de um francês bretão não é a mesma de um m arroquino
complexas com seis, dez ou vinte línguas. que fale o berbere: o prim eiro fala, de todo modo, o
francês e reivindica o direito à sua língua (o bretão);
quanto ao segundo, pode ser que ele não fale nem leia
O direito à língua
o árabe oficial, encontrando-se duas vezes prejudica­
Tratamos até aqui do direito lingüístico, ou seja, do (porque sua língua não é reconhecida e porque ele
da intervenção da lei no domínio da forma, do uso ou não domina a língua reconhecida).
da defesa das línguas. No que concerne à forma e ao Portanto, uma política lingüística pode dar conta
uso, a lei, se for aplicada, constrange o cidadão. Ela o ao mesmo tempo do direito à língua do Estado e do
obriga, por exemplo, a falar uma língua em determina­ direito do indivíduo à língua mas, como no caso dos
da situação e de determinada maneira. Por outro lado, princípios de territorialidade e de personalidade, isso
quando se trata da defesa das línguas, a lei pode cons­ será proporcionalmente mais difícil quanto mais n u ­
tranger as instituições: entramos aqui no campo do di­ merosas forem as línguas em jogo.
reito que os indivíduos têm a tuna língua. Num primei­
ro momento, a expressão “direito à língua” nos remete
Conclusão
à proteção das minorias lingüísticas, e o próprio fato
de se falar em proteção mostra até que ponto elas estão Seja para equipar as línguas, intervir no ambien­
ameaçadas. Mas há também, mundo afora, um grande te lingüístico ou para legislar, o planejam ento lingüís­
número de países nos quais os cidadãos não falam a tico constitui in vitro um a espécie de réplica dos fenô­
língua do Estado. É, particularmente, o caso dos países menos produzidos continuam ente in vivo. A lingüísti­
africanos nos quais a língua oficial (inglês, francês ou ca nos tem ensinado que as línguas não podem ser
português) é muito pouco falada, ou dos países da Áfri­ decretadas, mas que são produtos da história e da
ca do Norte nos quais o árabe oficial tem pouca relação prática dos falantes, que elas evoluem sob a pressão
com o árabe falado e menos ainda com o berbere. de fatores históricos e sociais. E, paradoxalm ente,
86 AS P O L ÍT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S

existe o desejo de intervir nesses processos, de querer


m odificar o curso das coisas, de acom panhar a m u­
dança e atuar sobre ela.
Essa pretensão pode parecer enorme. Mas as re­
lações entre o in vivo e o in vitro que acabamos de
C A P ÍT U L O IV
m ostrar e o fato de que o planejam ento lingüístico, de
certa forma, “im ita” o curso natural da evolução das A AÇÃO SOBRE A LÍNGUA
línguas nos m ostram que o primeiro instrum ento do (O C O R P U S )
planejam ento lingüístico continua sendo o lingüista.
Se a política lingüística é, em última análise, da alça­
da dos decisores, nenhum a decisão pode ser tomada
sem um a descrição precisa das situações ^problema Quando propõem uma intervenção na forma da
visto no capítulo an terio r), do sistem a fonológico, língua, as políticas lingüísticas podem ter diferentes ob­
lexical e sin tá tic o das línguas em co ntato etc., e jetivos: fixação de uma escrita, enriquecimento do léxi- \
tampouco sem que se levem em consideração os senti­ co, luta contra as influências estrangeiras (“purificação^
m entos lingüísticos, as relações que os falantes estabe­ padronização etc. Neste capítulo, apresentaremos, bre­
lecem com as línguas com as quais convivem diaria­ vemente, alguns exemplos desses tipos de intervenção.
mente. A política tem sido definida como a arte do
possível. Aplicada à política lingüística, essa proposi­
I - O problema da língua nacional na China
ção evidencia o papel fundam ental do lingüista. É ele
que pode indicar o que é tecnicamente possível fazer e A idéia de que se fala o “chinês” na China é sin­
o que será psicologicamente aceitável pelos falantes. gularmente redutora. Além das línguas minoritárias,
Toda a arte da política e do planejam ento lingüísticos em torno de cinqüenta, faladas por cerca de 5 % da
está nessa complementaridade necessária entre os ci­ população, existe um vasto conjunto composto por oito
entistas e os decisores, nesse equilíbrio instável entre Hngnas diferentes, as do grupo han: a língua do Norte,
as técnicas de intervenção e as escolhas da sociedade. o wu, o xian, o gan, o m in do Norte, o min do Sul, o yuê
e o h ak k a1, elas mesmas divididas em mais de 600
dialetos locais. Isso significa que o país está longe de
ser lingüisticamente unificado: ainda que todos os hans
utilizem o mesmo sistema de escrita, eles não pronun- 1

1. Ver A. Rygaloff; Grammavrâémmtairedudiinois. Ruis: PUF, 1973.


88 AS P O L ÍT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S
A AÇÃO SOBRE A LÍN G U A (O C O RPU S) 89

ciam os caracteres da mesma maneira, não têm a mes­ foi definida em 1956 em relação a sua pronúncia (de
ma sintaxe; em suma: os chineses não se compreendem Pequim), a seu léxico (dos dialetos do Norte) e a sua
entre si de um canto a outro do país, quando falam sua sintaxe (da literatura em baihua).
língua materna. É por isso que a língua do Norte (bati­
A partir daí, a forma dessa língua sofre diversas
zada, nessa função, de guan hua) foi logo utilizada como
intervenções, principalm ente no domínio da escrita.
língua veicular da administração, como língua do fun­
A partir de 1955,o governo socialista publicou uma
cionalismo público. Paralelamente, esse funcionalismo
lista de 515 caracteres e 54 partículas simplificadas,
público utilizava um a língua escrita clássica, normatiza-
da, o wen yan, que se diferenciava do bai yan, língua de a fim de facilitar, através da redução do núm ero de
literatura popular, do teatro etc. traços, a aprendizagem da escrita34. Em seguida, em
Em 1919, durante o movimento de 4 de Maio, os 1958, criou-se um sistema de latinização da língua, o
estudantes e os intelectuais conclamaram os escritores a pin yin , com uma função normalmente auxiliar: aju­
substituir a forma escrita clássica do chinês, o wen yan dar na aprendizagem dos caracteres, servir ao ensino
(considerado como símbolo da ordem antiga), pelo bai do chinês como língua estrangeira, redigir os telegra­
hua (mais próxim o da língua falada, mais familiar). mas etc. Mas, ao mesmo tempo, numerosos indícios
Oralmente, sobrepondo-se às línguas locais, a língua uti­ apontavam para uma possível intenção do Estado de
lizada na administração do Estado continuava a se di­ substituir gradualmente os caracteres por essa trans­
fundir. Tratava-se sempre do guan hua (“língua dos fun­ crição. Sobre isso, uma frase de Mao era continua­
cionários” ou “língua dos m andarins”), conhecida no mente citada: “Nossa língua escrita deve ser reform a­
Ocidente pelo nome de mandarim* (palavra criada so­ da, ela deve seguir no rum o da fonetização comum a
bre o verbo português mandar). O movimento de 4 de todas as línguas do m undo”! Em 1977, no entanto,
Maio, naturalmente em favor do bai hua no que concerne um a n o v a lista de c a ra c te re s sim p lific a d o s foi
à língua escrita, reclamava também a emergência de uma publicada, dando então a entender que a nova versão
língua de unificação, o guo y u (“língua nacional”). Foi se dirigia mais uma vez à reorganização da escrita clás­
depois da revolução comunista de 1949 que se instalou o sica. Mas essa reforma foi abandonada devido à pres­
problema da normalização dessa língua de unificação, são de um movimento de opinião no qual o escritor Pa
doravante chamada pu tony hua (“língua comum”)2, que Kin desempenhou um papel de destaque. Esse movi-

' A verdadeira etimologia de mandarim é o termo sânscrito 3. Ver L.-J. Calvet, La guerre des langues et les politiques
mantri, “conselheiro de Estado”, que passou para o malaio como linguistiques. Paris: Payot, 1987, pp. 225-233.
mantari. Pode ter havido uma confluência desse étimo com o verbo 4. W. Lehmann (org.). Language and Linguistics in the People's
português mandar, mas é só uma hipótese (n. da trad.). Republic of China. Austin: University of Texas Press, 1975, p. 51;
2. A denominação guo yu foi conservada em Taiwan, razão Zhou Youguang, “M odernization of the Chinese Language”, in
pela qual os comunistas a mudaram. International Journal of the Sociology of Language, n° 59, 1986.
90 AS P O L ÍT IC A S LIN G Ü ÍS T IC A S A AÇÀO SOBRE A LÍN G U A (O C O RPU S) 9 1

mento defendia que uma modificação muito grande da O putonghua, tal como falado pelos bilíngües, sofre quase sem­
escrita acabaria desfigurando e perdendo uma parte pre distorções mais ou menos graves, que atingem seu sistema
importante da herança cultural han. Não é sempre que fonológico. Por exemplo: certos traços fonológicos do putonghm
e as diferenciações que eles permitem não existem nos dialetos,
um poder autoritário como o da China recua dessa
incluindo os dialetos do tipo Norte5.
maneira, e esse episódio confirma o que foi apresenta­
do no capítulo anterior: é difícil impor in vitro uma Para difundir uma língua uniformizada, o governo
reforma rejeitada in vivo. Essa oscilação entre duas hi­ dispõe de certo número de meios: a televisão, o cinema, a
póteses, reformar os caracteres ou substituí-los por um escola... Mas a escola desempenha seu papel imperfeita­
sistem a de base fonética, não é som ente técnica. A mente; muitos dos professores dão aula em “dialeto”,
especificidade da situação lingüística chinesa faz com seu conhecimento do pu tong hua é insuficiente etc Acres­
que, às custas de algumas mudanças, todos os chineses centemos a isso o fato de essa língua não desfrutar de
possam ler esses caracteres e possam (graças a esses um movimento de adesão popular. Se as pessoas do Nor­
caracteres) escrever tanto o pu tong hua como sua lín­ te, sobretudo as de Pequim, a falam sem muitas dificul­
dades (mas os pequineses representam menos de 1 % da
gua materna, seja o hakka, o wu etc. A mudança para o
população), o resto da população han prefere utilizar suas
pin gin mudaria radicalmente essa situação, visto que
próprias línguas e deixa transparecer nessa utilização
uma transcrição fonética só pode considerar uma úni­
fortes sentimentos identitários. Assim, em duas das três
ca língua e essa seria naturalm ente a língua oficial. maiores cidades do país, Xangai e Cantão, a situação do
Assim, por trás de um debate sobre a escrita, delineia- pu tong hua não é exatamente a de uma língua nacional
se um outro, muito mais importante, que diz respeito aceita por todos.
ao futuro lingüístico do país: a m anutenção desses
caracteres garantiría, em certa medida, a sobrevivência Em Xangai, o putonghua é pouco falado na escola; nos serviços
das línguas han, e a passagem à romanização seria, evi­ \ públicos, o sentimento xenófobo em relação àqueles que não
falam o shangayen se manifesta de tal forma que chega a ser
dentemente, a imposição de uma língua (o pu tong hua).
alvo de ataque nos jornais (...) Quanto a Cantão, é evidente
De modo mais amplo, a política de desenvolvi­ que o problema da língua (a preferência lingüística dos habitan­
mento do pu tong hua criou, em grande parte do país, tes) está relacionado com os inúmeros contatos econômicos e
um a verdadeira situação de bilingüismo: as crianças, comerciais entre os habitantes da cidade e os de Hong Kong.
por exemplo, aprendem prim eiro a língua que seus Por isso tudo, a utilidade pragmática do cantonês é incompará­
pais lhes transm item (que continua sendo chamada vel. Nos trabalhos que mais atraem os jovens (aqueles que os
oficialmente de “dialeto”) e adquirem, em seguida, o colocam em contato com pessoas que vêm de Hong Kong)
pu tong hua (mais freqüentem ente na escola). Essa lín­
gua oficial está naturalm ente submetida à influência 5. Yang Jian, “Problèmes de chinois contemporain”, in J. Maurais
dos falares locais: (org ), La crise des lanffues. Paris: Robert, Governo do Québec, 1985, p. 421.

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92 AS P O L ÍT IC A S LIN G Ü ÍS T IC A S A AÇÃO SOBRE A LÍN G U A (O CO RPU S) 93

exige-se dos empregados um domínio perfeito do cantonês, Voltaremos a essa hipótese a propósito de outros
além de um relativo domínio do inglês e do putonghua6. estudos de caso.
Podemos observar que a política de difusão de uma
língua nacional na China esbarra em muitas dificulda­ II - Intervenção no léxico e na ortografia de
des. Algumas não são novas e poderão ser resolvidas uma língua: o exemplo do francês
com o tempo. A situação lingüística da França na épo­
ca da Revolução, por exemplo (muito semelhante à si­
tuação da China de hoje), não impediu que a língua Para defender sua língua, a França dispõe de es­
francesa se impusesse, em dois séculos, como língua truturas antigas (como a Academia Francesa) e de ou­
única. Mas a principal dificuldade da China, bastante tras mais recentes (como a Delegação Geral para a Lín­
específica, reside no fato de se tratar de um país muito gua Francesa) e intervém essencialmente no domínio
grande. Será que é possível mudar pela lei, por decre­ da terminologia. Essas intervenções se manifestam prin­
tos, pela administração, em suma, por meio do plane­ cipalmente por textos legislativos, decretos ou leis.
jamento lingüístico, as práticas lingüísticas de um bi­
lhão e trezentos milhões de pessoas que falam tantas
Os “decretos lingüísticos”
línguas diferentes? Só o futuro poderá responder a esta
pergunta, mas se imaginarmos que, paralelamente, uma A partir do início dos anos 1970, foram criadas,
língua como o inglês se difunde sem problema pelo nos diferentes ministérios franceses, “comissões de ter­
mundo com uma função veicular, a comparação das minologia” encarregadas de elaborar, em seus respecti­
duas situações parece indicar que a ação in vitro tem vos domínios, o vocabulário adequado. Entre 1973 e 1993,
certos limites. Se, como sugerimos, o planejam ento é possível contar 48 portarias em campos variados como
lingüístico constitui in vitro uma “imitação” dos fenô­ as técnicas espaciais, o turismo, o audiovisual, a publici­
menos de mudanças in vivo, essa tendência mimética dade, a agricultura e os idosos. Em 1994, a Delegação
talvez tenha seus limites e impossibilidades. Desse ponto Geral para a Língua Francesa reuniu, sob a forma de um
de vista, o exemplo chinês contribui para a reflexão dicionário (Dictionnaire des termes officiels de la langue
teórica e podemos nos perguntar, como no célebre prin­ française), o conjunto de termos e expressões “aprova­
cípio de Peter (segundo o qual todo empregado tende, dos” (é a formulação oficial) por esses decretos.
em uma hierarquia, a chegar até seu nível de incompe­
tência), se as políticas lingüisticas não estão destinadas a
alcançar um dia ou outro seu grau de ineficácia. A s leis lingüísticas
Ao contrário de países como a Noruega, a França
6. Yang Jian. art. cit., p. 424. promulgou pouquíssimas leis lingüísticas que dizem
94 AS PO L ÍT IC A S LIN G Ü ÍS T IC A S A AÇÃO S O B R E A LÍN G U A (O C O RPU S) 95

respeito à língua francesa. A primeira delas, em um um recurso protocolado pelo grupo socialista
período mais recente, é a lei de 31 de dezembro de 1975 da Assembléia Nacional, o Conselho constitu­
relativa ao emprego da língua francesa, conhecida como cional anulou m uitos artigos e disposições da
“lei Bas-Auriol”, substituída depois pela “lei Toubon”. lei, por julgá-los contrários ao artigo 11 da
Em seguida, veio a lei constitucional de 25 de junho de Declaração dos direitos do homem e do cida­
1992, acrescentando à Constituição um título: “Das dão. Seu objetivo era originalmente regulamen­
comunidades européias e da União Européia”. Esta lei, tar o uso da língua francesa para todos os ci­
t:
adotada pelo Congresso (reunião das duas assembléi­ dadãos e foi limitado, após a intervenção do
as) e tendo por objetivo modificar a Constituição com o nselho constitucional, apenas aos funcioná­
objetivo de p e rm itir a a ssin a tu ra dos acordos de rios no exercício de sua função. A lei intervi-
Maastricht, acrescenta, na primeira alínea do artigo 2 nha essencialmente em cinco domínios:
da Constituição de 4 de outubro de 1958, a seguinte o mundo do trabalho (contratos etc.);
frase: “A língua da República é o francês”. Até essa data, as relações de consumo (publicidade em francês);
não havia nada na Constituição que definisse o papel o ensino (obrigatoriamente em francês);
da língua francesa na França. Em seguida, vieram duas o audiovisual (francês obrigatório nos progra­
leis com importâncias diferentes: mas e na publicidade);
— A lei “Tasca”. Elaborada em 1993 pela Secre­ os colóquios, congressos etc. (todo participan­
taria de Estado para a Francofonia e para as te francês deve se expressar em francês).
Relações Culturais no Exterior, essa lei seria
adotada em 17 de março de 1993 pelo último
A ortografia
Conselho de Ministros do governo Bérégovy e
nunca foi apresentada ao Parlamento: as elei­ Os franceses têm um a relação estranha com a
ções legislativas subseqüentes provocaram ortografia de sua língua: reclamam sempre de suas
um a m udança de m aioria e de governo. No dificuldades e incoerências, mas, ao mesmo tempo,
entanto, ela é mencionada aqui porque consti­ não permitem que ela seja modificadã.^Talvez sejã por
tui o modelo da lei apresentada abaixo. isso que as intervenções do Estado nessa matéria te­
— A lei de 4 de outubro de 1994, ou “lei Toubon”. nham sido sempre extremam ente prudentes e come­
Adotada em 23 de fevereiro de 1994 pelo Con­ didas. Existe um decreto de 26 de fevereiro de 1901
selho de Ministros, suscitou uma vasta polê­ “relativo à simplificação do ensino da sintaxe france­
mica na opinião pública e na imprensa inter­ sa” que dá, simplesmente, uma lista de exceções orto­
nacional (que, de m aneira geral, zombou da gráficas e especifica que “nos exames ou concursos
França). Em 27 de julho de 1994, depois de dependentes do Ministério da Instrução Pública, que
- - 'r i t t t m K V i t t L - i K t O W .. ■.

96 AS P O L ÍT IC A S LIN G Ü ÍS T IC A S
A AÇÃO SOBRE A LÍN G U A (O CORPUS) 97

comportem provas especiais de ortografia, não seja O problema será retom ado no início dos anos
considerado como erro por parte dos candidatos o uso 0 1990. Em 19 de junho de 1990, o Conselho Superior
das exceções indicadas”... da Língua Francesa enviou ao primeiro-ministro um
Essas exceções são em núm ero limitado: relatório, realizado a seu pedido, contendo algumas
• Aceitação do singular ou do plural nas cons­ proposições de retificação da ortografia7:
truções onde o sentido permite a compreen­ • substituição do hífen pela aglutinação em certas
são (des habits defem m e ou defemmes, ils ont palavras (portemonnaie; millefeuüle, pingpong etc.);
ôté leur chapeau ou leurs chapeaux). • plural de palavras compostas seguindo o mo­
• Aceitação de dois gêneros para palavras como delo das simples {un pèse-lettre, des pèse-lettres,
amour, orgue, gens, hgmne. .. un cure-dent, des cure-dents etc.);
• Aceitação da ausência do hífen nas palavras • simplificação do uso do acento grave e do acen­
compostas (pommede terre ou pomme-de-terre). to circunflexo;
• Algumas exceções em relação à concordância • o caso particular de laisser no particípio pas­
nominal (por exemplo: sefairefort, forte ou forts, sado seguido de um infinitivo, que passou a
nu pieds ou nus pieds, demi ou demie heure. ..). ser invariável {elle s ’est laissé mourir,je les ai
• Algumas exceções em relação à concordância laissé partir);
do verbo precedido de vários sujeitos ou de • finalmente, a grafia de algumas palavras foi
um sujeito coletivo (le chat ainsi que le tigre retificada em função de alguns princípios de
sont des camivores ou est un camivore, un peu coerência interna (charriot no lugar de chariot)
de connaissances suffit ou suffisent). e de sim p lificação {nénufar no lu g a r de
• No caso de um particípio passado construído nénuphar) etc.
com o auxiliar avoir e seguido de um infinitivo O grupo de trabalho que elaborou esse texto to­
ou de um outro particípio, aceitação da for­ mou algumas precauções: trabalhou com a Academia
ma invariável: les sauvages queVon a trouvé ou Francesa, consultou o Conselho de Língua Francesa do
trouvés errant dans les bois. Québec e o Conselho da Língua e da Comunidade Fran­
Percebe-se que essas exceções eram muito mode­ cesa da Bélgica. Contudo, não consultou nem os suíços,
radas, mas quem frequentou uma escola francesa sabe nem os africanos. Mas o status dessas modificações
que elas foram muito pouco aplicadas. Particularmente ortográficas é extremamente ambíguo. De fato, o texto
em exercícios de ditado, o professor geralmente espe­ difundido pela direção dos diários oficiais se intitula
ra dos alunos que eles reconstituam as formas gráfi­
cas que ele está ditando e não está muito preocupado
7. “Les rectifications de 1’ortographe”, in Journal officiel de la
com as exceções. Republique française, n° 100, 6 de dezembro de 1990.
A AÇÃO SOBRE A LÍN G U A (O C O RPU S) 99
98 AS P O L ÍT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S

“As retificações da ortografia”, o que deixa entender que da ortografia é típico do planejamento indicativo: ele
para as palavras em questão há, doravante, uma forma não tem força de lei, contenta-se em fazer proposições
antiga e uma retificada, Mas o primeiro-ministro, ao re­ e espera que elas sejam incorporadas ao uso. Já o tex­
ceber em junho de 1990 esse relatório, declarou: to de 1994 é uma lei que proíbe, por exemplo, o em­
prego de marcas registradas constituídas de uma ex­
O governo nunca pensou em legislar nessa matéria: a língua pressão ou termo estrangeiro (art. 14), prevendo que
pertence a seus falantes, que não deixam de tomar, todo dia,
as coletividades ou os estabelecimentos públicos que
liberdades com as normas estabelecidas. Mas é atribuição do
governo fazer aquilo que está em sua alçada para favorecer o
não a respeitarem poderão perder todo e qualquer
uso que pareça mais satisfatório — iíeste caso, esse que os se­ auxílio do Estado (art. 15), e determina que os ofi­
nhores propõem8. ciais e os agentes da polícia judiciária estão habilita­
dos a investigar e constatar as infrações (art. 16) etc.
E no próprio texto do relatório havia uma hesi­ Uma rápida análise poderia relacionar essas di­
tação estilística entre, de um lado, uma apresentação ferenças a uma oposição esquerda/direita: foi no go­
em termos de propostas ou recomendações e, de outro, verno de Michel Rocard, primeiro-ministro socialista,
o enunciado de regras, no tom imperativo que convém que o texto sobre as retificações da ortografia foi pu­
a esse gênero. blicado, e foi no governo de Edouard Balladur, pri­
É impossível saber se as modificações serão acei­ meiro-ministro de direita, que foi publicada a lei rela­
tas pelos falantes, e isso não vem ao caso aqui. Por tiva ao emprego da língua francesa. Assim, em maté­
outro lado, é interessante com parar o tom dos dois ria de língua, a esquerda se inclinaria a um planeja­
textos que acabamos de citar. No prim eiro capítulo mento indicativo, da mesma maneira que a direita se
deste livro, fizemos uma distinção geral entre o plane­ inclinaria para um planejam ento imperativo: teríamos
jam ento indicativo (que se fundam enta na combina­ aqui posições inversas àquelas adotadas por essas cor­
ção entre diferentes forças sociais) o planejamento rentes políticas no domínio econômico.
imperativo (que implica a socialização dos meios de Mas a existência de um projeto de lei elaborado
produção). Essa distinção fazia referência ao planeja­ em 1993, por um outro governo socialista (a “lei Tas­
mento econômico, mas pode ser igualmente aplicada ca”), invalida essa análise. O fato de a lei Toubon ter-se
ao planejamento lingüístico. Desse ponto de vista, deve- inspirado em alguns pontos da lei Tasca é interessante,
se destacar que, em matéria de língua, o Estado fran­ pois mostra que não há uma oposição entre a posição
cês passou, em quatro anos, de um tipo de planeja­ de “esquerda” e a posição de “direita” sobre a língua,
mento ao outro. O texto de 1990 sobre as retificações mas sobretudo uma posição nacionalista e dirigista de
um lado e uma posição liberal de outro lado. As leis ou
8. Op. cit., p. 7. projetos de lei Tasca e Toubon estavam, evidentemente,
?
\

100 AS P O L ÍT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S A AÇÃO SOBRE A LÍN G U A (O CO RPU S) 101

ao lado do dirigismo (mesmo que a primeira fosse mui­ rio francês no domínio tecnológico, para b arrar a ten­
to menos repressiva que a segunda) e do planejamento dência aos empréstimos ao inglês.
imperativo. Já o texto aceito por Michel Rocard estava
do lado do liberalismo e do planejamento indicativo.
m - A fixação do alfabeto bambara no Mali
Dessa forma, no âmago da política lingüística da Fran­
ça coexistem duas posições antagônicas (coexistência O bambara (bamanan-kan) é uma língua falada
essa que marca a política lingüística de outros países no Mali e no Senegal, uma variedade de um conjunto
como a Turquia e a Noruega) que é típica da relação mais vasto, o mandinga, que é dividido em dois grupos:
ambígua que os franceses têm com sua língua, hesitan­ • o mandinga do oeste, com o mandinka da Gâmbia
do entrega vontade de ordem e a displicência. 4 - e da Casamansa e o khassonkê do Mali;
• o mandinga do leste, com o bambara no Senegal
e do Mali, o malinke da Guiné, o jula de Burkina-
A s indústrias da língua
Fasso (ex-Alto Volta) e da Costa do Marfim.
No início dos anos 1980, surgiu a expressão “in­ Esse conjunto constitui um grupo de falares tão
dústrias da língua” para designar o conjunto das no­ próximos uns dos outros que se torna difícil classifi­
vas tecnologias de inform ação, um cruzam ento de car o bam bara, o m alinque ou o ju la como línguas
informática, inteligência artificial, ciências cognitivas diferentes ou como dialetos de um a mesma língua (o
e lingüística. Trata-se, ou deveria tratar-se, da produ­ m andinga). Na época da independência desses paí­
ção de objetos (dicionários eletrônicos, corretores or­ ses, essas línguas não tinham um sistema de escrita
tográficos, softwctrès de processamento de textos, de oficial: alguns missionários haviam apenas improvi­
tradução autom ática, bases de dados, bancos de co­ sado transcrições para redigir catecismos. Mas, em
nhecimentos etc.) e produtos lingüisticos (neologia, alguns países, diferentes projetos de organização de
terminologia...) no quadro de uma pesquisa de ponta cam panhas de alfabetização de adultos, em línguas
de caráter multidisciplinar. locais, demandavam uma transcrição precisa. É por
No início dos anos 1990, a França investiu m ui­ isso que, de 28 de fevereiro a 5 de março de 1966, a
to em pesquisa nessa área, seja a pesquisa propria­ Unesco reuniu em Bamako 35 especialistas em lin ­
mente francesa ou a pesquisa desenvolvida no quadro güística e alfabetização oriundos de cinco países euro­
das instituições francófonas multinacionais. O desa­ peus e de nove países africanos 9 com o objetivo de con-
fio era garantir a presença da língua francesa nos pro­
dutos de informática (programas de computador etc.),
9. Alemanha, Dinamarca, França, Grã-Bretanha e URSS; Ca­
nas com unicações m odernas (infovias, rede tipo marão, Costa do Marfim, Guiné, Alto-Volta, Mali, Niger, Nigéria,
internet etc.) e também na produção de um vocabulá- Senegal e Sudão.
102 AS POLÍTICAS LINGÜÍSTICAS A AÇÃO SOBRE A LlN G U A (O CO RPU S) ) 03

cluir e de unificar as transcrições das línguas da Áfri­ Dessa forma, um camponês do Mali que tivesse
ca Ocidental. O relatório final dessa reunião propunha aprendido a ler em sua língua reconhecia na grafia ó o
seis alfabetos (mandinga, peul, tamasheq, songhay- som / d/, correndo o risco de ficar desorientado se lhe
zarma, ahusa e kanuri); alfabetos esses que deveriam caíssem nas mãos publicações feitas na Guiné ou em
ser submetidos à aprovação dos Estados-membros10. O Burkina Fasso (países vizinhos), onde o mesmo som
alfabeto mandinga se apresentava da seguinte maneira: era transcrito ò ou o. Ele corria o risco também de
a b d d y e ê f g g b h i k k h k m n nw n y o ô p r s s h t t y u w y z .
confundir o ó, pois no seu país esse sinal gráfico indi­
cava o “o aberto” e o no Senegal indica o “o fechado” (a
O acento sobre o “e” e sobre o “o” denotam uma diferença de acento não é evidente). Da mesma ma­
pronúncia fechada dessas vogais, as vogais longas são neira, o “e aberto”, /e/, era transcrito é na Guiné, no
notadas pela duplicação (ii, oo, aa etc.) e as nasais por Mali e no Senegal e na Costa do Marfim e em Burkina
um “n ” acrescentado à vogal (an, on, in etc.). Fasso. E essas variantes eram muito mal recebidas,
Mas nos países onde se falava um a língua m an­ impossibilitando, por exemplo, a publicação de ma­
dinga, esse alfabeto foi modificado em alguns aspec­ nuais de alfabetização comuns a diferentes países que
tos. Por exemplo: partilhavam a mesma língua.
• em relação às oclusivas palatais, certos paí­
Temos aqui um caso muito particular. E difícil ima­
ses, como o Mali, preferiram as grafias “c” e
gin ar que, por exem plo, no co n ju n to dos países
“j ” àquelas propostas pela Unesco (ty e dy);
francófonos, a língua francesa seja escrita de diferentes
• em relação à nasal palatal, o Senegal preferiu
m an eiras, ou que cada um dos d iferen tes países
n ao ny proposto;
hispanófonos adote suas próprias regras ortográficas".
• em relação às vogais “e” e “o”, as variações eram
No entanto, foi essa a situação criada na África Ociden­
ainda maiores, como mostra a tabela abaixo:
tal para determinadas línguas. Os diferentes países nos
e fechado c aberto o fechado o aberto quais se falava a mesma língua não tinham um mesmo
Bamako 1966 ê e ô 0 alfabeto para essa língua, os mesmos sons não eram trans­
Gui né e é o õ critos da mesma maneira nas diferentes línguas faladas
Costa do Marfim e e o 0 em um mesmo país. Dessa forma, a reunião da Unesco
B urkina Fasso e e o 0 de 1996 propunha transcrever as oclusivas palatais ty e
Mali e é o ó dy para o mandinga e c e j para o peul...*•
Senegal e é ô 0

11. Constatam-se, de fato, algumas variantes gráficas entre a


10. Documento Unesco/CLT/BALING/, 13 a 16 de setembro escrita do inglês nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, mas elas não
de 1966, p. 3. • são padronizadas.
;
104 AS P O L ÍT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S A AÇÃO S O B R E A LÍN G U A (O CO RPU S) 105

É verdade que em relação ao mandinga, as for­ plo: a partir do momento em que existe no alfabeto
mas faladas no Mali (bambara), em Burkina Fasso e latino um c ou um s e um h , podem-se utilizar os
na Costa do Marfim Gula) e na Guiné (malinkê) apre­ dígrafos sh ou ch para transcrever o som inicial de
sentavam diferenças, mas elas não constituíam um chá, por exemplo. O alfabeto malaio (que tem à dispo­
obstáculo à comunicação, e a unificação da ortografia sição s, c e h) possui, no entanto, um signo fopético
teria sido um meio de padronizá-las. Cada país, entre­ específico para notar esse som, da mesma forma que
tanto, estabeleceu seu próprio alfabeto e, no que o signo y para notar o som que outros escrevem com q
concerne ao Mali, um decreto de 26 de maio de 1967 e uma série de letras marcadas para assinalar as ênfa­
fixou o alfabeto do bambara da seguinte maneira: ses. Certamente o resultado é de grande precisão, pró­
ximo de uma transcrição fonética, mas ao lado dessa
a,b, d, j, e, é, f, g, h, i, k ,! m, n, ny, n, o, ó, p, r, s, sh, t, c, u, w, y, z.
precisão em relação à articulação dos sons, não é pos­
Mesmo assim, todos estavam pelo menos consci­ sível notar os tons do bambara.
entes da incoerência de uma situação na qual um mes­ E isso levanta um problema importante: de uma
mo som existente nas diferentes línguas não era trans­ maneira ou de outra, a grande maioria das escritas do
crito da mesma maneira. A DNAFLA (Divisão Nacio­ mundo é imperfeita, e essa imperfeição vem da própria
nal de Alfabetização Funcional e de Lingüística Apli­ natureza da escrita. De fato, para ser eficaz, um alfabe­
cada) organizou então, em 1978 e 1979, jornadas de to deve atender a certo número de critérios (por vezes
estudos dedicadas ao problema da unificação interna, contraditórios) que precisam ser combinados:
isto é, da definição de um alfabeto comum a todas as 1. Ele deve ser unívoco, isto é, a mesma letra ou
línguas do Mali (nove, ao todo). Foi assim que se ela­ o mesmo grupo de letras deve transcrever sem­
borou um “alfabeto para a transcrição das línguas pre o mesmo som e o mesmo som deve ser
nacionais do Mali”, adotado em seguida pelo decreto sempre transcrito pela mesma letra ou pelo
de 19 de julho de 1982. mesmo grupo de letras (sabemos que não é
Esse alfabeto “com um ” pode parecer extrem a­ esse o caso do alfabeto latino aplicado ao por­
mente complicado: ele é composto de 55 caracteres, tuguês, ao francês ou ao inglês, por exemplo).
dos quais apenas 19 são comuns a todas as línguas, 4 Nçssa perspectiva, o alfabeto malaio é coeren­
são comuns a oito línguas e 11 são utilizados apenas te, salvo num aspecto: a notação das nasais e
por uma língua (o tamasheq). Em outras palavras, a das pré-nasais. As vogais nasais, como m en­
homogeneização da transcrição dos sons nas diferen­ cionamos, são de fato notadas com o acrésci­
tes línguas foi efetivamente realizada, mas se perdeu mo de um “n ”: an = /ã/, on = /õ/etc., mas as
a oportunidade de aproveitar a economia que a utili­ consoantes pré-nasais são notadas precedidas
zação de dígrafos podería ter proporcionado. Por exem­ de um “n ”: mb, ns, ng. Ora, como as palavras
106 AS PO LfTICAS L IN G Ü ÍS T IC A S A AÇÃO SOBRE A LÍN G U A (O CO RPU S) 107

compostas são escritas sem hífen, mas com a tabelecimento de um alfabeto e de uma ortografia. Os
união dos elementos entre si, nem sempre é princípios que aparentem ente nortearam a fixação
fácil saber si b “n ” pertence a uma vogal nasal desse alfabeto são, de certa maneira, contraditórios:
ou a uma consoante pré-nasal. Assim, em uma percebe-se um desejo de ficar próximo aos fatos da
seqüência como sansabantura, “u n touro de lín gua, manifestado por uma grande precisão na no­
três anos” (san = ano, saba = três, ntura = tação das consoantes, desejo esse que desaparece quan­
touro), corre-se o risco de se fazer umà leitura do se trata da notação dos tons. Mas os pares de pala­
decompondo diferentemente os elementos: sa vras que se diferenciam pelo tom são em número limi­
/ nsaban / tura, san / saban / tura.... tado, e freqüentemente a sintaxe é suficiente para su­
2. Ele deve perm itir a notação de todos os sons prim ir a ambigüidade. Assim, é pouco provável que
pertencentes à língua, incluindo os tons; o qnp haja confusão entre um adjetivo como bon (“grosso”,
não é o caso do alfabeto malaio: os pares ba de tom baixo) e um verbo como bon (“lançar”, de tom
(cabra) e ba (rio ) , 70 (“fetiche”) e jo (“razão”), alto), ou entre um verbo como boli (“correr”, de tom
g ã é (“canhão”) e gélé (“m irante”), joli (“san­ baixo) e um substantivo como boli (“fetiche”, de tom
gue”) ejoli (“chaga”), fin i (“tecido”) efin i (“ces­ alto) etc. E isso nos mostra que a escrita não precisa
to ”), entre outros, se escrevem da mesma fazer estritam ente a mesma distinção realizada pelo
maneira, sendo o primeiro elemento de tom código oral. Gérard Galtier assinalava que tanto
baixo e o segundo de tom alto. no código escrito como no código oral, espera-se que cada signo
3. Ele deve ser de fácil aprendizado e utilização. seja plenamente reconhecível e distinto de outros signos. Mas
Os pontos 1 e 2 nos mostram que esse não é os procedimentos utilizados para esse fim são diferentes no
absolutamente do caso. código escrito e no código oral12.
4. Sua aprendizagem deve poder ser reutilizada E prosseguia dizendo que se podería imaginar uma
(por exemplo: o conhecimento do alfabeto la­ maneira de distinguir os poucos pares problemáticos
tino, ao preço de algumas mudanças, permite sem notar sistematicamente os tons mediante acentos,
a leitura do português, do italiano, do espa­ como já fora proposto, mas simplesmente escrevendo
nhol, do francês, do inglês, do alemão etc.). de maneira ligeiramente diferente um dos dois termos.
Percebe-se que pode haver oposição entre a von­ Não continuarem os esse debate aqui, que pode
tade de precisão e a busca de uma facilidade de utili­ parecer excessivamente técnico; o que se percebe é que,
zação; o problema consiste em encontrar um bom equi­
líbrio. O futuro nos dirá se o alfabeto malaio entrou
12. G. Galtier, “Problèmes actuels de la transcription du bambara
em uso sem dificuldades, mas esse exemplo nos per­ et du soninké”, comunicação feita à Reunião de especialistas para a trans­
mite evocar os diferentes problemas inerentes ao es­ crição e harmonização das línguas africanas, Niamey, julho de 1978.
108 AS P O L lT IC A S LIN G Ü ÍS T IC A S A AÇÃO SOBRE A LfNGUA (O CO RPU S) 1 09

no momento da fixação de um sistema ortográfico, o os vestígios do Império Otomano. Mas a imposição de


planejador nãó precisa necessariamente se submeter uma reforma da escrita que não fosse percebida como
às exigências de precisão científica do lingüista. dirigida contra a religião era uma questão muito deli­
Tal conclusão vale de m aneira geral. E preciso cada. Mustafa Kemal Atatürk esperou cinco anos: em
saber para quem e para qual uso a transcrição está 1928, criou uma “comissão lingüística” encarregada de
sendo feita, para quem e para qual uso as palavras elaborar um novo alfabeto que, alguns meses mais tar­
são criadas, para quem e para qual uso se padroniza de ( I o de novembro de 1928) foi adotado pela Assem­
uma língua. O que significa que a intervenção na for­ bléia Nacional. Na realidade, A tatürk executara previa­
ma de um a língua deve estar ligada a uma utilidade mente um verdadeiro golpe de força ao anunciar, num
prática e não a uma idéia abstrata que se possa ter. discurso de 8 de agosto, que esse novo alfabeto fora
adotado: só restava à Assembléia Nacional ratificá-lo.
Esse alfabeto, adaptado do alfabeto latino, era
IV - A “ revolução lingüística” na Turquia produto de uma escolha política e ideológica que ten-
Dil devrimi, a “revolução lingüística”: é assim que dia a laicizar a língua. Faltava apenas impô-lo, e as
se designa, em turco, o conjunto das reformas realiza­ coisas passaram a andar rapidamente: em menos de
das pelo regime de Mustafa Kemal Atatürk logo depois dois anos seu uso passou a ser obrigatório em anúnci­
os, documentos administrativos, livros, jornais e, evi­
da fundação da República (1923). Naquela época, o tur­
dentemente, no ensino. O antigo alfabeto desapareceu
co escrito se transformara em uma língua erudita cheia
ao mesmo tempo em que, paralelamente, se suprimia
de palavras de origem árabe e persa, à qual a grande
o ensino do árabe e do persa nas escolas.
maioria da população não tinha acesso e que não trans­
Mas o novo regime turco não pararia por aí. Por
crevia em absolutamente nada a língua falada (com a
um lado, foram suprimidas as construções gramaticais
qual mantinha quase nenhuma relação). Além disso, o
árabe-persas de quais estava coalhada a língua escrita;
alfabeto utilizado estava mal adaptado à língua: em turco,
depois, confiou-se a uma “sociedade de estudo da lín­
há oito vogais breves e três longas, mas o alfabeto árabe
gua turca” a tarefa de substituir todo o vocabulário ára-
só permite a notação de três vogais. Devido a isso, o
be-persa por um vocabulário de origem turca. De fato,
problema de uma reforma na escrita estava posto ha­
a maior parte do vocabulário científico e teórico era
via tempo, mas era praticamente impossível (num Es­
composta de empréstimos do árabe e, num primeiro
tado muçulmano teocrático) tocar no sistema gráfico
momento, foi feito um inventário dos elementos lexicais
que servira para transcrever o Alcorão.
disponíveis em turco em sentido amplo:
Os jovens dirigentes que ascenderam ao poder
(leigos, inovadores e marcados pelo modelo europeu) Por “turco”, os artesãos da “revolução lingüística”, entendiam
não podiam aceitar, nesse como em outros âmbitos, toda língua, antiga ou moderna, pertencente à família turca:
110 AS P O L lT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S
A AÇÃO SOBRE A L ÍN G U A (O CO RPU S) 1t 1

desde a língua das inscrições do Orkhon até os falares vivos do • Criação de neologismos por derivação de pa-
Turquistão, do Cáucaso, do Volga, da Sibéria etc., passando lavras turcas. Assim, no lugar da palavra ára­
pelo Uigur e pelo Tchaghatai, sem esquecer, evidentemente, os be tahkik (entrevista), que aliás estava em con­
dialetos anatólios e balcânicosl3. corrência com o term o francês “anket”, foi
Por sua amplitude, esta definição caracterizava construída sorusturma sobre a raiz sor- (ques­
perfeitamente a proposta do poder turco, que se asse­ tionar), de onde deriva sucessivamente sorus-
melhava a um verdadeiro trabalho de purificação, no (questionar-se), depois sorustur (entrevistar).
sentido que se fala hoje de purificação étnica. Os especialistas em terminologia chegaram a
O primeiro resultado desse trabalho, publicado em dar prova de sua grande engenhosidade. Por
1934, foi uma enorme coletânea de formas lexicais de exemplo, para substituir as palavras de origem
origem árabe ou persa com seu equivalente em turco14, árabe myselles (triângulo) e myseddes (hexágo­
seguida de uma lista alfabética de termos turcos; obra no), eles partiram dos números turcos iirc (três)
cuja semelhança com o Dictionnaire des termes officieb de e alti (seis), acrescentaram um sufixo inventa­
la langue française, pubbcado em 1994 na seqüência do do, mas de consonância turca {-yen) que por
projeto da lei Toubon, é impressionante. A pubbcação sua vez tinha a vantagem de recordar o sufixo
dos dados lexicais deveria continuar, e é a partir deles grego -yone, para criar ücgen et alyigen...
que se empreendeu um importante trabalho de neologia • Criação de neologismos por composição. Foi
que Louis Bazin apresenta em quatro capítulos: assim que “refrigerador” passou a ser chama­
• Exumação de palavras antigas, em geral caídas do buzdolabi (de buz, “gelo”, e dolap, “armá­
em desuso, para substituir os empréstimos ára­ r io ”) ou que o term o de origem árabe
bes ou persas. Por exemplo, o termo azerbaijão beynelmilel foi substituído por uluslararasi, de
kànd, “aldeia”, é utilizado (sob a forma kent) ulus-lar (“os povos”) e ara (“intervalo entre”).
para substituir, com o sentido de “cidade”, o • Empréstimos das línguas européias. O fato de a
persa sehir. Eventualmente, um uso muito parti­ “purificação” do vocabulário turco estar bem
cular da etimologia serviu para justificar a ma­ direcionada contra o árabe e o persa fica mais
nutenção de um empréstimo. É assim que okul evidente nos empréstimos que foram feitos de
(escola) era explicado pela raiz oku- (ler) ou que
outras línguas, particularmente do francês. Tem-
“social” era justificado pela raiz soy (raça)...
se assim frisõr, “cabeleireiro”, restoram, omlet,
ou ainda atom enerjisi, cujo sentido é evidente.
13. Louis Bazin, “La réforme linguistique en Turquie", in I. Foi assim que se constituiu (e continua se constitu­
Fodor e C. Hagège (orgs.), La réforme des Iangues. Hamburg:
Buske,1983, p. 167.
indo, pois o trabalho ainda não se completou) o õz türkçe,
14. Tarama Gerdisi (Recueildedépouillement). Istambul: s.e., 1934. o “turco puro”, expressão que caracteriza perfeitamente
I 12 AS PO L ÍT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S A AÇÂO SOBRE A ÜNGUA (O CO RPU S)
1 13

o alvo visado. O resultado desse conjunto de medidas é uma n otável dificuldade de intercom preensão entre
resumido por Louis Bazin da seguinte maneira: a prim eira forma e as últim as. E inar Haugen apre­
A distância entre a língua turco-otomana (escrita) do fim do senta a situação dessa época distinguindo cinco vari­
século XIX ou do início do século XX e a língua turca “republi­ edades lingüísticas:
cana” atual, escrita e ensinada, é a essa altura tão grande que, • o dinamarquês puro, essencialmente utiliza­
mesmo transcritos do antigo sistema árabo-turco no novo alfa­ do no teatro, no qual dominavam os atores
beto turco-latino, os textos otomanos do último período são, idinamarqueses;
em sua grande maioria, incompreensíveis para um turco com • a forma-padrão literária, língua da escola, do
menos de 60 anos que não tenha feito cursos especializados (de templo, que pode ser definido como um dina­
nível universitário)15. marquês pronunciado com sotaque norueguês;
Percebe-se que o exemplo turco entra no quadro • a forma-padrão familiar, língua da burguesia,
de um planejamento absolutamente imperativo, pos­ interm ediária entre a forma precedente e a
sibilitado pela existência de uma incontestável vonta­ seguinte;
de de reforma e, sobretudo, de um poder forte. O exem­ • a forma-subpadrão urbana, língua das cida­
plo da Noruega, apresentado abaixo, nos mostrará que des, com importantes variantes locais;
as coisas não se passam da mesma maneira no qua­ • por fim, os dialetos rurais16.
dro de países democráticos. Ao longo daquele século, essa situação vai ser
objeto de numerosas discussões e de numerosas pro­
posições. O debate se cristalizou inicialmente em tor­
V - A padronização de uma língua: no de duas abordagens. Por um lado, Knud Knudsen
o exemplo da Noruega (1812-1895) propunha partir da língua falada urba­
No início do século XIX, depois de trezentos anos na {byfolkets talesprog) para estabelecer uma forma-
de dominação dinam arquesa (1523-1814), a N orue­ padrão, passando para o norueguês a pronúncia dina­
ga passou para a jurisdição sueca, antes de obter a marquesa. Por outro lado, Ivar Aasen (1813-1896)
independência. Nessa época, a situação lingüística ca- propunha partir dos dialetos rurais para construir uma
racterizava-se pela coexistência do dinam arquês lite­ língua norueguesa unificada. Essas duas idéias de lín­
rário, língua do ensino e da literatura, de uma for- guas foram batizadas de maneiras diferentes. No pri­
ma-padrão urbana e de diferentes dialetos rurais, com m eiro caso: dansk (d in a m a rq u ê s), dansk-norsk
(dinamarco-norueguês) ou rigsmàl (forma paralela ao
15. Louis Bazin, “La réforme linguistique en Turquie”, in I.
Fodore C. Hagège (orgs.), La réforme des Ianques. Hamburg: Buske,1983, 16. E. Haugen, Language Conflict and Language Planning, the Case
p. 155. of Modem Norwegian. Cambridge: Harvard University Press, 1966.
I 14 AS P O L ÍT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S A AÇÃO SOBRE A LÍN G U A (O CO RPU S) 1I5

alemão reichssprache); e no segundo caso: norsk (no­ as duas formas (nynorsk e bokmàl) e se dedica muito
rueguês), national sprog (língua nacional) ou lansmál. tempo à aprendizagem das formas ortográficas e das
A dupla rigsmâlâansmàl vai, por muito tempo, ser a flexões. Mas estamos tratando aqui da língua escrita,
tradução lexical das posições em presença: o primeiro e a situação é sempre mais complicada na língua fala­
termo designava uma língua literária, próxima ao di­ da. Desse modo, André Catafago distingue hoje seis
nam arquês (hoje chamada hokmâl), e o segundo, o variedades de norueguês:
projeto de língua padronizada a p artir dos dialetos (T) o nynorsk tradicional (conservador);
(hoje chamada nynorsk). f2) o nynprsk modernizado (radical);
A tentativa de padronização da língua vai partir o bokmàl tradicional (moderado);
da grafia: após 1905, quando a Noruega obtém sua inde­ O o bokmàl modernizado (radical);
pendência definitiva (dissolução da união com a Sué­ <§) o norueguês comum (ou samnorsk, espécie de
cia), as comissões lingüísticas se multiplicam e o Parla­ bokrAàl unificado com estruturas nynorsk).,
mento norueguês votará um número impressionante de 6. o rikSmâl (variedade não oficial, mais tradicio­
reforma ortográficas (1907, 1913, 1916, 1923, 1934, nal ainda que a variedade 3)17.
1936, 1938, 1941, 1945, 1959, 1981) que correspon­ Essas variedades se distinguem particularmente pela
dem, cada uma delas, a opções políticas diferentes. A pronúncia^ pelo lugar do acento e por intermináveis de­
reforma adotada em 1938, por exemplo, inspirada pelo bates opondòos defensores de um a norma única àqueles
Partido Comunista, que tinha então grande influência, que defendem o reconhecimento dos fatos dialetais; en­
seria acusada, depois da ocupação alemã, de querer “in­ quanto se publicam regulamente listas de palavras com
troduzir a ditadura do proletariado no domínio lingüís­ menção às diferentes formas de acentuação.
tico”, substituída em 1941 por uma outra grafia supri­ Essa situação, que já dura quase dois séculos,
mida em 1945, depois da Libertação. Pode-se, de ma­ evidentemente tem origem na vontade de uma parte
neira geral, considerar que os partidários do bokmàl da população de construir uma forma lingüística que
(língua mais próxima do dinamarquês) se situam mais não seja dinamarquesa e de apagar da língua os traços
à direita no tabuleiro político, enquanto os partidários da dominação dinamarquesa. Tratava-se da busca de
do nynorsk (língua inspirada nos dialetos populares) se uma forma identitária que havia se tom ada incômo­
situam mais à esquerda. da pelo fato de que nem todos os dinamarqueses pos­
Duas variedades de norueguês escrito coexistem suíam a mesma imagem da sua identidade. Mais tar-
ainda hoje, e o Conselho da Língua Norueguesa publi­
ca todo ano certo número de modificações ortográfi-
cas que os manuais escolares devem acolher feles são 17. André Catafago, “Le norvégien: des problèmes mais pas de
crise véritable", in: Jacques Maurais (org.), La crise des langues. Gover­
revisados a çada cinco anos). Ensinam-se nas escolas no de Québéc /Paris: Robert, 1985, p. 286.
116 AS PO LlT IC AS L IN G Ü ÍS T IC A S

de, o debate se transformou ligeiramente: atualmente


não se trata mais de afirm ar através de uma unifica­
ção lingüística a existência de uma nação norueguesa,
que não é contestada, mas de saber se se quer um a
norma única ou se se admite a pluralidade das for-
C A PÍT U L O V
nias lingüísticas.
De todo modo, essa situação, que pode parecer A AÇÃO SOBRE AS LÍNGUAS
excêntrica, nos leva ao princípio que formulamos a (O S T A T U S )
respeito da China, segundo o qual as políticas lingüís­
ticas estão destinadas a alcançar, mais cedo ou mais
tarde, o seu grau de ineficácia. Se a situação noruegue­
sa parece bloqueada, evidentemente não é pelas mes­ Nas situações de plurilingüismo, os Estados são le­
mas razões: na China, como vimos, o problema é a vados às vezes a promover uma ou outra língua até en­
imensidão ilo tem tório e o tam anho da população e, tão dominada ou, ao contrário, retirar de uma língua
no caso da Noruega, o problema é a gestão democráti­ um status de que ela gozava, ou ainda fazer respeitar um
ca e as constantes mudanças que ela suscita. Não se equilíbrio entre todas as línguas, ou seja, administrar o
deve concluir com isso que a democracia é um sistema status e as funções sociais das línguas em presença. Nes­
no qual a política lingüistica se adapta mal (se a T u r­ te capítulo apresentaremos algumas dessas intervenções.
i
quia de A tatürk, onde os objetivos do planejamento
foram alcançados, não representa verdadeiramente um
I- A promoção de uma língua veicular:
modelo democrático, não se pode dizer a mesma coisa
o caso da Tanzânia
dà Suíça, que administra o seu plurilingüismo de ma­
neira que satisfaz a todos), mas sim que o constante Tendo se tornado independente em 1964, fruto
questionamento das decisões não facilita, verdadeira­ da fusão entre a antiga Tanganica e a ilha de Zanzibar,
mente, a prática de uma política lingüística, o que sig- a Tanzânia é um país de aproxim adam ente 36 m i­
nifica simplesmente que é mais prudente prolongar o lhões de habitantes (2000), no qual são faladas apro­
momento da reflexão antes de passar ao estágio do ximadamente 120 línguas que hoje devem ser apre­
planejamento. sentadas em 3 grupos:
• de um lado, há as línguas prim eiras da popu­
lação, em grande maioria bantas, com mino­
rias cuchíticas e nilóticas e algumas línguas
asiáticas faladas por migrantes;
1 18 AS PO LfTICA S L IN G Ü ÍS T IC A S A AÇÃO SOBRE AS L ÍN G U A S (O STA TU S) 119

• de outro, há um a língua veicular que se tor­ composta pela sua metade de empréstimos do árabe,
nou língua nacional, mais ou menos bem fala­ desenvolvida graças ao comércio marítimo, ao longo
da, de acordo com a idade das pessoas: o suaíli. da costa oriental da África e em direção ao interior do
Em 1969, W ilfred Whiteley estimava em 15 continente, na rota das caravanas. No centro desses
milhões o seu número de falantes: dois eixos de difusão, encontra-se a ilha de Zanzibar,
que desem penhava, naquela época, um im portante
Os que falam suaíli como língua materna e que provavelmente papel comercial: tráfico de escravos, importação de
não passam de um milhão... Aqueles que o adquirem como
algodão americano, exportação de cravo-da-índia, de
segunda língua e o utilizam freqüentemente em sua vida cotidia­
marfim etc. Foi assim que uma língua veicular de ma­
na. Esses são, certamente, mais de dez milhões.. .Um grupo com _
rinheiros penetrou lentam ente o continente africano,
provavelmente mais de um milhão e que utiliza a língua de
forma limitada... E finalmente aqueles que utilizam esporadica­
atravessando-o de leste a oeste, por influência de fato­
mente a língua com um conhecimento muito limitado1. res essencialmente comerciais. Essa expansão in vivo
será em seguida substituída pela ação in vitro da coloni­
•Por fim, há um a língua legada pela época co­ zação alemã: o suaíli se tornou, no fim dos anos 1880,
lonial: o inglês. a língua de administração da Deutsch Ostafrica e per­
Para compreender essa situação, precisamos re­ manecerá assim após a prim eira Guerra Mundial na
troceder ao início do século XIX, aos primeiros teste­ Tanganica britânica. Por volta de 1960, essa língua era
m unhos de que dispomos sobre a existência dessa lín­ utilizada num vasto territó rio : T anzânia, Q uênia,
gua. H enry Salt, por exemplo, escreve em 1814: Uganda, Ruanda, Burundi, num a parte do Zaire, no
As seguintes palavras me foram dadas por marinheiros de um barco sul da Somália e no norte de Moçambique, constituin­
árabe que se autodenominavam sowaulis, o que aparenta ser um do-se então num arquétipo da língua veicular: apenas
povo bem diferente do povo somauli. Essa tribo ocupa a costa leste 7% de seus falantes a tinham como língua m aterna
da África, de Mugdasho... nas proximidades de Mombaça2. (ou seja, sua taxa de veicularidade chegava a 93%).
No momento de sua independência, em 1961, a
Na realidade, não se tratava de uma “tribo”, mas
Tanganica (que em 1964 passa a se chamar Tanzânia)
de um a língua essencialm ente veicular (exceto em
herda essa situação: um país governado em inglês, uma
Zanzibar, onde era língua primeira), banta em suas
população que fala mais de cem línguas diferentes e o
estruturas, porém com um vocabulário heterogêneo e
suaíli (ou kisuaüi3) que serve de língua veicular nos

1. Wilfred Whiteley, Swahili. the Rise of a National Language.


Londres: s.e., 1969, p. 3. 3. Ki é o prefixo banto que indica o nome de uma língua e ba
2., Henry Salt, A Voyage toAbyssinia and Traveb. Londres: s.e., indica o nome de um povo, assim os bakongo falam kikongo, os baluba
1814 (apud W. Whiteley, p. 1.) falam ciluba etc.
120 AS P O L ÍT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S A AÇÀO SOBRE AS LÍN G U A S (O STA TU S) 12 1

mercados, ao longo das estradas, nos portos. Mas esse do inglês de um lado, e das línguas vernáculas do ou­
suaíli foi a língua das campanhas pela independência, a tro. Essa expansão foi facilitada por alguns fatores:
língua em que Julius Nyerere se dirigia ao povo e que se • A herança histórica em prim eiro lugar. No
tornou, portanto, lentamente, o símbolo da libertação. momento da independência, a língua já era
Eleito presidente da Republica em 1962, Nyerere faz do há muito tempo escrita e utilizada na admi­
suaíli o instrumento que permitiría unir esse novo país. nistração local, e essa situação, m uito diferente
Seu uso começa no mais alto nível: em 1960, os candida­ da dos países africanos colonizados pela Fran­
tos à assembléia nacional deviam, nos termos da lei, ler e ça, facilitava sua promoção.
falar fluentemente o inglês, mas a partir de 1965 essa • O fato de que, simbolicamente, o suaíli era visto
cláusula desaparece, e a campanha eleitoral é feita em como a língua da independência, sem nenhu­
suaíli. Isso levaria a uma evidente democratização do ma conotação colonial.
recrutamento dos eleitos e, no início dos anos 1970, o • O fato de que não era, por assim dizer, a lín ­
Parlamento se reúne quase que unicamente nessa língua. gua de ninguém, e sua promoção não podia
Paralelamente, o suaíli se tomava a língua oficial dos tri­ ser entendida como o poder de um grupo étni­
bunais de primeira instância (1964), o que representava co sobre os outros.
igualmente um importante avanço democrático, e seu uso • E evidentemente o fato de que era falado por
se estendia lentamente a funções oficiais cada vez mais uma vasta m aioria da população.
numerosas, até tomar-se, finalmente, língua nacional. A Percebe-se então que a “estrutura lingüística” do
evolução da situação lingüística da Tanzânia pode ser país foi consideravelmente modificada, e que a Tanzânia
representada da seguinte maneira4*: nos fornece um exemplo típico de ação sobre as lín­
Língua utilizada guas. E claro que essa ação necessitou em seguida de
Período colonial Depois da Independência um a intervenção sobre a língua, tanto sobre sua for­
Nível
ma (neologia) quanto sobre seus usos (promoção). Dois
nacional inglês suaíli e inglês
m inistérios iriam tra ta r inicialm ente desse planeja­
distrito suaíli suaíli
aldeia vernáculo suaíli mento lingüístico: o da educação e o do “desenvolvi­
vizinhança vernáculo mento comunitário e da cultura nacional”s. O prim ei­
ro se ocupava da introdução da língua no currículo
Percebe-se que o suaíli se estendeu funcionalmente escolar, o segundo, do desenvolvimento de uma ex­
tanto “para cima” como “para baixo”, em detrimento pressão literária em kisuaüi. Inúm eras comissões ou
associações privadas passaram a trabalhar em segui-
4. Tabela emprestada de Jean 0 ’Barr, Language and Politics.
i
Paris: Mouton, 1976, p. 75. 5. Wilíiam 0'Barr, Language and Politics. Paris: Mouton, 1976, p. 45.
122 AS PO L ÍT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S A AÇÃO SOBRE AS L lN G U A S (O STA TU S) 123

da pela modernização da língua, enquanto se criava no essa antiga política, datada de quase vinte anos, e ado­
University College de Dar-es-Salaam um “Institute of tar o malaio como língua nacional. Temos então um
Swahili Research”. Mas tudo isso está relacionado a quadro típico de intervenção in vitro sobre as línguas,
um a outra abordagem, desenvolvida no capítulo ante­ que se propõe a gerir pelo molde do monolingüismo
rior, e sobre a qual não nos estenderemos. um país extremam ente plurilíngüe. Mas essa interven­
ção tornaria necessária um a ação sobre a língua: será
preciso “e q u ip a r” o m alaio (rebatizado de bahasa
II - A promoção de uma língua minoritária: o indonésia, “língua indonésia”), fixar para ele uma or­
caso da Indonésia tografia e lhe forjar um vocabulário que lhe permitis­
A Indonésia é composta por aproximadamente três. se cumprir suas novas funções.
mil ilhas e tem uma população de 235 milhões de habi­ O malaio, que foi durante muito tempo escrito
ta n tes (em 2003), divididos em diferentes grupos com a ajuda de um alfabeto adaptado do árabe, ga­
etnolingüísticos6, que falam aproximadamente 200 lín­ nhou, em 1901, nas então índias Holandesas, uma
guas diferentes. Em 1928, quando o país era uma polô­ ortografia latina fixada por C. yan Ophuysen, seme­
nia holandesa, o Partido Nacionalista Indonésio, que mi- lhante aos princípios da escrita do holandês em dois
litava pela independência, proclama que o malaio será a aspectos: o som /)/ era g ra fa d o je o som /i/ era grafado
língua nacional da Indonésia. Essa decisão não tinha na oe. Paralelamente, em 1904, os britânicos instituíam
época nenhum efeito, constituía uma política lingüística na Malásia a ortografia W ilkinson, levemente diferen­
sem planejamento possível, e sua função era acima de te. A Indonésia independente ganha em 1947 um novo
tudo simbólica: a afirmação da existência de uma língua sistema, a ortografia Soewnadi (do nome do ministro
nacional implicava a existência de uma nação. A língua da educação da época), cuja modificação seria pro­
escolhida para essa função era uma língua veicular, utili­ posta inúm eras vezes (em 1956, depois em 1961 e,
zada, sobretudo, nos portos e nos mercados e, além de por fim, em 1972). Finalmente, a versão adotada foi a
tudo, minoritária: a língua mais falada no arquipélago última, a da ortografia EYD (Ejaan Yang Disempur-
era o javanês, mas a escolha do malaio apresentava a nakan, “ortografia aperfeiçoada”), e que hoje é utili­
vantagem de evitar as polêmicas e os conflitos que a pro­ zada tan to na Indonésia q u an to na Malásia e em
moção do javanês podería causar. Cingapura7. Não entrarem os nos detalhes de suas re­
Q uando a Indonésia obteve sua independência gras; vamos nos contentar em destacar que, ao contrá­
em meados dos anos 1940, decidiu-se então aplicar
7. Ver Pierre Labrousse, “Réforme et discours sur la réforme: le
6. Javanês: 39,4%, sudanês: 15,8%, malaio: 12,1%, madurês: cas indonésien”, in Istvan Fodor; Claude Hagège (orgs.), La réforme
4,3%, outros: 28,4%. des langues. Hambourg: Buske VerLag, 1983, vol. 2, p. 340-341.
124 AS P O L ÍT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S A AÇÃO SOBRE AS LÍN G U A S (O STATU S) 125

rio do exemplo africano desenvolvido no capítulo an­ • a ressem antização das palavras indonésias,
terior, temos aqui um a política que buscou, delibera- quando os vocábulos a m anat, “m ensagem ”,
damente, norm atizar a escrita de um a língua falada toma o sentido de “ordem ” (am anat bayar,
em inúmeros países. “ordem de pagamento”).
Restava o problema do léxico. De maneira parado­ Percebe-se que a distinção entre corpus e estatuto,
xal, esse problema foi abordado primeiramente pelo inva­ ou entre a ação sobre a língua e a ação sobre as línguas,
sor japonês que, em 1941, criou uma “Comissão da Lín­
é muito artificial e que, se possibilitou belas sínteses
gua Indonésia” Komisi Bahasa Indonésia, encarregada de
dicotômicas, deu pouca atenção aos fatos. Uma políti­
pesquisar a gramática e o vocabulário da língua. Em 1945,
essa comissão foi substituída por um “Centro de Língua e ca lingüística não intervém sobre uma forma da língua
Cultura”, que se encarregou da tarefa de equipar a língua ou sobre as relações com as línguas: freqüentemente, a
respeitando um certo número de princípios. Tratava-se mudança de estatuto de uma língua, implica, em segui­
de buscar primeiramente uma palavra que já existisse em da, uma intervenção sobre seu corpus (o que denomina­
bahasa indonésia, recorrer a uma palavra tomada de ou­ mos seu “equipamento”), e o caso indonésio é um belo
tra língua do arquipélago se não existisse a palavra em exemplo disso. Esse é outro ponto sobre o qual o caso
bahasa ou escolher uma palavra de outra língua asiática; indonésio tem valor geral. Pierre Labrousse destaca que
a solução de usar um termo de tuna língua internacional as inúmeras intervenções sobre a língua nunca suscita­
européia vinha em último lugar8. Assim, a palavra malaia ram o menor problema na população:
swantantra substituiu o empréstimo autonomi, a palavra
javanesa timbel substituiu o inglês lead, a palavra sudanesa A idéia de que o indonésio é uma língua “imperfeita”, que
nyeri substituiu o inglês pain, a palavra zarah foi escolhi­ precisa ser desenvolvido, ou seja, que ela é um “instrumento”
sempre aperfeiçoável, impôs-se facilmente em uma sociedade
da para designar o átomo etc
multilíngüe e no contato com o holandês que se assemelha a ela
Em seguida, esses princípios foram interpreta­
em diversos pontos. Em relação às sociedades em que os proble­
dos muito livremente, e Pierre Labrousse indica que mas lingüísticos provocam constantes tensões, essa imagem
três procedimentos são ainda hoje utilizados: desmisdficada da língua é muito original9.
• o em préstim o, como em analis (do inglês
analyst) ou em hipotik (do holandês hypotheek); E essa ausência de tensão está, sem dúvida ne­
• o decalque sem ântico, como em iklan batu nhum a, relacionada à função veicular do malaio, ao
nisan (“inscrição em escultura fu n erária”) fato de que ele não era, no início, visto como a língua de
pelo inglês tombstone; um grupo, de uma facção detentora do poder que esti­
vesse impondo a própria língua aos outros.
8. S. Takdir Alisjahbana, Lanyuaye Planning for Modernization,
the Case of Indonesian and Malasyan. Paris: Mouton: 1976. 9. Op. cit., p. 354.
126 AS P O L ÍT IC A S LIN G Ü ÍS T IC A S A AÇÂO SOBRE AS LÍN G U A S (O STA TU S) 127

IH - A paz lingüística suíça O país é o ficialm en te trilín g ü e desde 1848,


quadrilíngüe desde 1938 (data em que o romanche foi
A Suíça constitui um exemplo que contradiz a
adicionado ao alemão, ao francês e ao italiano) e essas
concepção romântica de Estado-nação que faz da língua
quatro línguas são todas “nacionais”, três delas (ale­
comum (quando não da raça comum) tanto o símbolo
mão, francês e italiano) sendo ao mesmo tempo admi­
quanto a garantia da unidade nacional. Pierre Knecht, nistrativas. Concretamente, isso significa que em cada
definindo com hum or a parte francófona do país como um dos pontos do território, em cada um dos cantões,
“uma Suíça lingüisticamente francesa ou tuna França utiliza-se na administração e na escola a língua falada
politicamente suíça”10*, ilustra bem essa separação entre localmente e que no nível federal existem três línguas
a abordagem política (os suíços são evidentemente suí­ de trabalho. Essa situação é uma boa ilustração da
ços) e a abordagem lingüística (os suíços não falam “suí­ diferença entre os princípios de territorialidade e de
ço”, mas alemão, francês, italiano ou romanche) personalidade que foram apresentados no capítulo III:
Essas quatro línguas se repartem estatística e
A língua de trabalho obedece, na Suíça, ao princípio da
territorialm ente da seguinte maneira:
territorialidade, tanto no setor privado como no setor público,
74% de germanófonos, em quinze cantões; com a administração federal posta à parte. Nos grandes negócios
21% de francófonos, em quatro cantões; (bancos, seguros etc.) e na administração federal, os quadros
4% de italófonos, em um cantão; médios e superiores são, na maioria dos casos, bilíngues (alemão-
1 % de romanchófonos. francês), até mesmo trilíngües (com o acréscimo do italiano).
Além disso, certo número de cantões é bilíngue ou Percebe-se que os executivos da maioria germanófona (75 % da
trilíngüe (Grisões, Vaiais, Friburgo, Berna). No entanto, o população) se dirigem geralmente em francês aos románicos (20 %
da população). Os romanches aceitaram se expressar em francês
Estado deve funcionar, a administração deve administrar
ou em alemão, o mesmo ocorrendo em relação aos tessinenses12.
e ocorre, então, o problema de saber em qual(is) língua(s)
gerenciar esse plurilingüismo. Pois se a Suíça é, com fre- Christian Rubattel resumiu essa situação de ma­
qüência, considerada como um modelo de democracia, neira clara: “A Suíça não é uma comunidade plurilín-
Marianne Duval-Valentin tem razão em sublinhar que: güe, mas um a justaposição de quatro com unidades
Não é suficiente que as proposições de leis e os referendos
geralmente unilíngües, cujas relações são regidas pelo
possam ser livremente discutidos; é necessário também que os princípio de territorialidade”13. Ao lado dessa situa­
cidadãos possam debatê-los numa língua que lhes seja familiar11.
Suisse”, in: Istvan Fodor; Claude Hagège (orgs.), La reforme des langues.
Hamburg: Buske Verlag, 1983, vol. I , p. 532.
10. Pierre Knecht, “Le français em Suisse romande, aspects 12. M. Duval-Valentin, op. cit., p. 469.
linguistiques et sociolinguistiques”, in Albert Valdman (org.), Le 13. C. Rubattel, “Une crise du français en Suisse romande?”,
français hors de France. Paris: Champion, 1979.
in: Jacques Maurais (org.), La crise, des langues. Governo de Quebec/
11. Marianne Duval-Valentin. “La situation linguistique em Paris: Le Robert: 1985, p. 87.
128 AS PO LfTICAS LIN G Ü ÍS T IC A S A AÇÃO SOBRE AS L ÍN G U A S (O STATU S)
129

ção federal, cada uma dessas comunidades que ocupa No cantão de Tessino, nota-se igualm ente a coe­
uma porção do território conhece sua própria situação xistência do italiano, de um dialeto lom bardo e do
lingüística. Assim, na parte germanófona, que serviu falar local, e para ilustrar essa diversidade M. Duval-
como um dos exemplos utilizados por Charles Ferguson Valentin utiliza o seguinte exemplo: um habitante
para ilustrar sua noção de diglossia, tem-se uma situa­ médio de Tessino, para expressar que está com dor
ção dialetal que faz com que se possa falar de um de cabeça, dirá à sua mulher, em “patoá”, dori Vco, a
bemdütsch (alemão de Berna), de um züridütsch (ale­ um conhecido, em dialeto, fa ma a la testa e num a
mão de Zurique), e assim por diante, com a coexistên­ situação mais formal, em italiano, mi fa male la tes­
cia entre um a coiné suíça (espécie de denominador co­ ta. Do lado francófono, enfim , nota-se um a certa
mum dos dialetos), o Schwyzerdütsch e o Hochdeutsch ocorrência de regionalism os, mas a situação não é
(alemão-padrão), essencialmente utilizado na escrita (e em nada comparável à que acabamos de descrever
frequentemente chamado de Schriftdeutsch). Segundo para o italiano ou o romanche.
Duval-Valentin, Abaixo do nível federal, que garante tanto a ges­
a Suíça se encontra na seguinte situação paradoxal: há, de um tão da Confederação (em três línguas) quanto o prin­
lado, vários organismos que defendem a pureza da língua ale­ cípio de territorialidade (para quatro comunidades lin­
mã, mas existem, de outro, numerosas associações voltadas para güísticas), os cantões também podem intervir na polí­
a proteção e a melhora da prática dialetal. Temos aqui uma tica lingüística. Um bom exemplo é constituído pelo
Sprachpflege [defesa da língua] complementada por uma enérgi­ cantão bilíngüe de Friburgo, que produziu um “mapa
ca Mundartpflege [defesa dos dialetos]14.
das línguas” (em alemão: Sprachencharta), garantin­
A com unidade rom anche exibe tam bém uma do no cantão a igualdade dos direitos ao francês e ao
grande variação dialetal. Sua língua é dividida em alemão, mas propondo, sobretudo, certo núm ero de
três grupos de falantes (rom anche dos Grisões, ladi­ princípios gerais. Assim, encontram os nessa carta, por
no dos Dolomitas e o friulano), eles mesmos dividi­ exemplo, a condenação da unificação lingüística em
dos em inúm eras formas locais entre as quais a co­ tom o de uma língua m ajoritária, da anexação de po­
municação nem sempre é fácil. Além disso, no cantão pulações que falam a mesma língua etc., bem como a
dos Grisões, o rom anche (falado por 26% da popu­ formulação dos direitos lingüisticos dos cidadãos e dos
lação) coexiste com o alemânico (58%) e o italiano deveres lingüísticos das autoridades.
(16%) e se encontra ameaçado por essas duas lín­ Percebe-se que há especificidades na gestão do
guas, tanto na sua forma (empréstimos e decalques) plurilingüismo suíço: o encaixe de níveis de compe­
quanto na sua existência. tência. Existe um regulamento federal, os cantões bi-
língües geram sua própria situação e as comunidades
14. M. Duval-Valentin, op. eit., p. 498. têm competência em matéria de ensino para decidir a
AS P O L ÍT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S A AÇÃO SOBRE AS LÍN G U A S (O STATU S) 131
130

língua ou as línguas utilizadas. O resultado mais im­ apostas em cavalos*. Só em 1909 é que é criado um
portante desse tipo de abordagem é que a maioria lin­ serviço “das escolas e das obras francesas” no Ministério
güística (germ anófona) não se comporta como uma das Relações Exteriores, que fora reorganizado após a
maioria, não impõe sua língua às minorias. E essa “paz guerra de 1914-1918 em três seções encarregadas, res­
lingüística”, garantida por um aparato jurídico preci­ pectivamente, da ação universitária, da ação artística e
so, constitui um modelo de política e de planejamento das obras15. Mas foi durante a segunda Guerra Mundial
que alguns países poderíam invejar. que a ação cultural exterior da França ganhou sua forma
atual. Em 1941, o general de Gaulle crioü, em Londres,
“comissariados” da França livre, na realidade ministéri­
IV. — A defesa do status internacional de os, entre os quais o comissariado das relações exteriores
uma língua: o exemplo do francês dividido em uma “Direção dos Assuntos Políticos” e um
No capítulo anterior, apresentam os a ação da “Serviço dos Assuntos Administrativos e Consulares e
França sobre a form a da língua. Mas ela intervém das Obras Francesas no Exterior”16. Esse último se tor­
tam bém de m aneira contínua sobre seu status, so­ nou, em 1945, após a libertação, a “Direção Geral das
bretudo seu status internacional. Foi com a Revolu­ Relações Culturais e das Obras Francesas no Exterior”,
ção que se iniciou um a ação cultural e lingüística e que, sob denominações diversas, se mantém até hoje.
externa, ação que se faz por interm édio das “obras”, Essa Direção Geral se ocupa essencialmente do
ou seja, essencialm ente das congregações religiosas ensino do francês no exterior (aliás, é a única, num
francesas no exterior. Seja através de subsídios às m inistério formado por diplomatas, cujos membros
escolas cristãs, de subvenções aos m issionários cató­ vêm em parte da Educação Nacional) e os cargos de
licos, aos protestantes, à Aliança Israelita U niver­ adidos culturais que começaram a ser criados no fim
sal, d u ran te quase um século^a cultura e a língua dos anos 1940 eram, geralmente, ocupados por uni­
francesas são prom ovidas no exterior graças a dife­ versitários. Assim, um a opção fundam ental ganha
rentes vetores religiosos. Foi preciso esperar o fim do forma lentam ente: a difusão da cultura francesa no
século XIX para que organizações leigas viessem fa­ exterior passa pela difusão da língua franw w , q qnp
zer parte desse quadro: as Alianças Francesas, recen­ implica, por exemplo, que não se traduzam os livros,
tem ente criadas (1883), em seguida a Missão Laica
(1902). O Estado, nessa época, não intervinha dirq- ' No original, “Pari Mutuei”: organismo que detém na França o
tam ente nesse campo, contentando-se em financiar monopólio da organização e do registro das apostas em corridas de
cavalo efetuadas tanto nos jóqueis como fora deles (n. do E.).
iniciativas privadas, por interm édio do M inistério das 15. Ministère des Affaires étrangères. Histoiresdediplomatieculturdle
Relações Exteriores, do M inistério das Colônias e, de des origines à 1995. La doaementation française, Paris, 195, p. 32-38.
m aneira m ais inusitada, das receitas geradas pelas 16. Journal officiel de la France libre, 14 de outubro de 1941.
132 AS PO LÍT IC A S LIN G Ü ÍS T IC A S A AÇÃO SOBRE AS L ÍN G U A S (O STATU S) 133

mas que eles sejam difundidos em francês. Não se trata dência da União Européia, o m inistro francês dos
de uma opção muito lógica: pode-se ler a literatura rus­ Assuntos Europeus propunha lim itar a cinco as lín­
sa, alemã ou espanhola em tradução francesa ou italia­ guas de trabalho da Comunidade Econômica Européia
na, ouvir em francês uma conferência sobre a pintura (que é preciso distinguir das línguas oficiais, que são
chinesa ou assistir a filmes japoneses em inglês. A esco­ as* línguas de todos os países-membros), expondo-se
lha francesa será diferente e marca ainda hoje a políti­ aos protestos de alguns “pequenos” países. O proble­
ca lingüística externa do país. A Direção Geral das Re­ ma posto aqui é, ao mesmo tempo, técnico e político.
lações Culturais se tom ou em seguida Direção Geral Se nos ativermos ao ponto de vista legal, havia treze
dos Assuntos Culturais e Técnicos (1956), depois Di­ línguas “nacionais” diferentes na Europa dos Quinze,
reção Geral dos Assuntos Culturais, Científicos e Téc­ mas uma vez que dois Estados renunciaram ao uso de
nicos (1969), mas a despeito dessas diferentes denomi­ uma de suas línguas nas instituições européias (a Ir­
nações, que comprovam a ampliação de suas compe­ landa renunciou ao irlandês e Luxemburgo ao luxem-
tências (as técnicas, depois as ciências se juntando à burguês), restaram apenas onze línguas oficiais, o que
cultura), ela continuará seguindo a mesma política: di­
nos dá 110 combinações possíveis de interpretação si­
fundir ao mesmo tempo a cultura, a ciência e a língua
multânea. Isso implica cabines de tradução, profissio­
francesas, o que implica, logicamente, que se dedique
nais (os intérpretes trocam de turno a cada vinte mi­
muita energia ao ensino da língua. Essa é a razão pela
nutos), um gasto enorme. Ou seja, é evidente que a
qual a França é o país no mundo que mais envia profes-
situação não pode permanecer assim e que é preciso
sores ao exterior: sua política cultural externa é antes
limitar o número de línguas, ou então encarar pagar o
de tudo uma política de difusão da língua francesa. Não
apresentaremos aqui os centros de impulsão e de deci­ enorm e custo da igualdade das lín g u as (como os
são responsáveis por essa política: a França se eqúipou quebequenses pagam o custo do bilingüismo). Mas a
com um número impressionante de estruturas, de or­ hipótese de uma limitação do núm ero de línguas nos
ganismos, de comissões, que intervém de uma maneira remete a um plano político mais amplo.
ou de outra no domínio da língua e das línguas, e nos Existeqi, de fato, aqui, duas soluções: lim itar o
contentaremos em resumir a política lingüística exter­ número de línguas de trabalho (proposta — contesta­
na do país. da — apresentada pela França) ou não fazer nada (po­
lítica que podería levar à dominação de fato por parte
do inglês). As reações diante dessa hipótese são, evi­
N a Europa dentemente, diferentes de acordo com cada país, e com­
Em meados de dezembro de 1994, no momento preende-se por que a França, que dá grande importância
em que a França se preparava para assumir a presi­ à defesa da língua, tenha se oposto a ela. Inversamente,
t 34 AS P O L ÍT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S A AÇÃO SOBRE AS L ÍN G U A S (O STA TU S) 135

pode-se imaginar que determinado número de países que em suas escolas, e essa insistência pode ser apresenta­
recusem a idéia das cinco línguas esteja disposto a acei­ da como um projeto “europeu” (formar jovens euro­
tar um status particular concedido ao inglês, que já é a peus trilíngües), mas constitui ao mesmo tempo uma
língua internacional de trabalho... A esse debate técnico- defesa do francês (se apenas uma língua for ensinada,
político se junta outro: a lista das línguas de trabalho essa seria obviamente o inglês, um a segunda língua é
proposta pela França. T rata-se do inglês, do francês, do necessária para garantir um lugar ao francês).
alemão, do espanhol e do italiano, ou seja, as línguas Percebe-se então que a política lingüística da Fran­
mais faladas na Europa dos Quinze. E essa escolha é ça em relação à Europa está dividida entre esses dois
evidentemente políticafcela enfatiza a comunicação no seio princípios:va gestão lingüística da Europa e a defesa da
da Europa, excluindo na mesma tacada o português^ língua francesa., Por trás disso, existe a idéia de que o
muito mais falado no mundo do que o italiano, o alemão futuro do francês está em jogo na União Européia, que
e até mesmo o francêsj Ou seja, essa escolha ignora o é preciso a todo custo evitar que o inglês se tome a úni­
status mundial das línguas e considera apenas as estatís­ ca língua de trabalho, idéia expressa claramente na obra
ticas (número de falantes) na Europa. Paralelamente à publicada pelo Ministério das Relações Exteriores:
abordagem técnica (é preciso limitar as línguas de traba­ Não nos enganemos, é na União Européia que estará em jogo o
lho), a proposta francesa apresentava uma abordagem futuro do francês. Se amanhã, em razão de concessões sucessi­
política em dois níveis: vas, o inglês se impuser como a única língua de trabalho, como
•') é preciso evitar que o inglês se tom e a única poderemos defender o status internacional do francês?*•17
língua de trabalho da União Européia;
Essa posição, que mostra claramente onde se en­
• é preciso escolher as línguas de trabalho em
contra o inimigo (o monolingüismo, obviamente, mas
função de critérios europeus (razão das cinco
o monolingüismo anglófono), deixa de lado outra pro­
línguas propostas, as mais faladas).
blemática. Se o status internacional do francês está
Essa abordagem, que se situa no quadro da política
simbolicamente em jogo na Europa, seu futuro esta­
européia, mascara, de fato, interesses nacionais: a pro­
tístico se decide na África, onde a demografia e os
posta da França, apresentada como capaz de resolver as possíveis progressos da escolarização garantem à lín­
dificuldades de funcionamento das instituições européi­ gua um reservatório imenso de potenciais falantes. E
as, pode ser considerada também como uma maneira de isso nos conduz a outro lado da política lingüística da
defender o francês, uma vez que as reações dos “peque­ França: aquele que se refere à francofonia.
nos países” constituem uma defesa de suas línguas base­
ada num a defesa do princípio da igualdade...
17. Ministère des Affaires étrangeres, Histoires de diplonwtie
Do mesmo modo, há muito tempo a França in­
culturelle des origines à 1995. Paris: La documentation ftançaise, 1995,
siste em que os países europeus ensinem duas línguas p. 198.
136 AS POLÍTICAS LINGÜÍSTICAS A AÇÃO SOBRE AS LÍN G U A S (O STA TU S) 137

Afrancofonia • os francófonos ocasionais, que vivem no espa­


ço francófono, mas com domínio rudim entar
É preciso considerar a francofonia sob dois pon­
e prática limitada do francês: 55 milhões;
tos de vista: a francofonia é, com efeito e ao mesmo
• enfim, os francófonos por opção, aqueles que,
tempo, uma realidade sociolingüística, produto da his­
fora do espaço francófono, aprenderam ou
tória — particularm ente da história colonial — e um
aprendem o francês: ÍOG milhões.
conceito geopolítico recente, cuja idéia foi lançada em
1964 por dois chefeáde Estado, Léopold Sedar Senghor De toda forma, independentem ente da exatidão
dos n ú m ero s, essas pessoas vivem em situações
e Habib Bourguiba.
Á)) Uma realidade sociolingüística - Desde o co­ sociolingüísticas muito diferentes, que vão de lugares
meço da era colonial, o francês experim entou uma onde o francês é um a língua altam ente dom inante
expansão m undial que faz dele, atualmente, a segun- (França, Quebec, uma parte da Bélgica) a países onde
da língua internacional, depois do inglês e na frente é apenas a língua do Estado (ou seja, do ensino, da
do espanhol,,se considerarmos o número de países onde administração, da justiça, etc.), falado por aproxima­
ele é a língua oficial ou o núm ero de países que o utili­ damente 10% da população (é o caso dos países da
zam em suas intervenções na ONU, e a quarta língua África francófona). Essas situações se diferenciam
internacional (depois do inglês, do espanhol e do por­ também pelas línguas com as quais o francês é ali con­
tuguês), se considerarmos seu número de falantes. frontado. Existem países onde o francês coexiste pra­
Portanto, o francês está presente na Europa, na ticamente com apenas um a língua, como a Tunísia;
África (em cerca de quinze países), no Oceano Indico, outros onde ele coexiste com dezenas, até mesmo cen­
nas Antilhas, na América Latina (Guiana Francesa), tenas de línguas (Senegal, Camarões, Zaire). E, enfim,
na América do Norte (Canadá), no Oriente Médio (Lí­ essas situações se diferenciam pelos tipos de relações
bano) e, em menor escala, na Ásia (Vietnam, Camboja, entre as línguas, onde o francês pode ser a língua do­
Laos). Em 1995, foi avaliado em <@)milhões o núme­ minante (como na África) ou a língua dominada (como
ro de pessoas que utilizavam cotidianamente o francês no Canadá ou na Louisiana). Em alguns desses paí­
no trabalho ou em família. Trata-se aqui de minha pró­ ses, surge um problema sociolingüístico importante:
pria estimativa, fundamentada em cálculos cujos deta­ eles se encontram num a situação de diglossia, m as com
lhes tomariam cansativa essa exposição. O Alto Con­ a particularidade de que a maioria da população não
selho da Francofonia, num a obra intitulada État de la fala a “variedade alta”, a língua oficial, e se encontra,
francophonie dans le monde, rapport 1990, distinguia: portanto, excluída de fato da vida pública, do ensino etc.
• os francófonos reais que dominam o francês B) Uni conceito geopolítico. - Em 1966, durante
como primeira ou segunda língua e o utilizam sua primeira reunião, a OCAM (Organização Comum
habitualmente: 106úmilhões; Africana Malgaxe e Mauriciana) apresentou ao gover­
138 AS P O L ÍT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S A AÇÂO SOBRE AS L lN G U A S (O STA TU S) 139

no francês um projeto de “Commonwealth à france­ nas estruturas dos Estados-membros, chegando a se


sa” (expressão já utilizada no ano anterior pelo presi­ opor discretamente em algumas regiões (como na Áfri­
dente da Tunísia, Habib Bourguiba ), e essa fórmula ca) à prom oção das lín g u as n a c io n ais, ou a não
m o strav a p e rfe ita m e n te o aspecto geopolítico da favorecê-las. Mas a francofonia sofreu em 1989 uma
francofonia: tratava-se de afirmar, após as indepen­ reviravolta im portante, ao menos em termos de dis­
dências das antigas colônias, a existência de uma enti­ curso. D u ran te o en co n tro dos chefes de Estados
dade política comparável àquela que constituíam os francófonos em Dakar, em maio de 1989, o presiden­
países do antigo império britânico reagrupados numa te François M itterrand defendeu um discurso novo ao
associação política. se referir a um diálogo das línguas e das culturas no
A lista dos países “fran có fo n o s” no sentido espaço francófono. Desde então, tem-se dado desta­
geopolítico é ligeiram ente diferente da dos países que às “línguas parceiras”, aos problemas de desen­
sociolingüisticamente “francófonos”, mas é igualmente volvimento. Mas se trata aqui da cooperação multila-
variada. Se considerarmos, por exemplo, os quarenta e teral, uma vez que, no quadro da cooperação bilateral,
sete Estados e governos reagrupados (sob um status ou a França não dem onstra ter mudado de política lin­
outro) pela ACCT (Agência de Cooperação Cultural e güística em relação à África. E surge aqui uma contra­
Técnica), constatamos que ao lado de países como a dição entre as políticas bilaterais (impulsionadas pelo
França ou a Bélgica, inteira ou parcialmente francófonos, Ministério da Cooperação) e multilaterais da França.
e de países outrora colonizados pela Bélgica ou pela Se a idéia é a de que, por exemplo, o mais importante
França, onde o francês é, como vimos, a língua oficial, na África é difundir a língua francesa, o mais lógico
encontram os países onde não se fala mais o francês seria concentrar esforços no sistema de ensino e na
(Egito, Giiiné-Bissa 11, Vietnam_), assim como outros rgídia. Porém, se considerarm os que o importante é
países em que o francês tem um papel considerável e garantir nesse continente um desenvolvimento endó-
estão ausentes (Argélia). E essas aparentes incoerênci­ geno, então é preciso perguntar como transm itir o sa­
as m ostram bem que a adesão a essa organização de ber, a experiência, se a escola em língua francesa é o
cooperação francófona se origina de uma escolha políti­ melhor vetor dessa transmissão, se a utilização de cer­
ca: é evidente que o Vietnam ou o Egito são muito me- tas línguas africanas não traria melhores resultados.
nos francófonos que a Argélia, e que sua presença na­ E a escolha entre essas duas direções é fundamental:
quela associação não provém de uma lógica lingüística, no primeiro caso, garante-se (por meio do francês) a
mas de posições acerca da política internacional. promoção individual de algumas elites; no segundo
Qual é a política francófona da França? Ela con­ caso, se buscaria (por meio das línguas africanas) uma
sistiu prim eiram ente, como no resto do mundo, em promoção coletiva.-No entanto, a França tem tendên­
defender a língua francesa, em garantir sua presença cia a tomar o partido da língua francesa (e portanto
140. AS POLÍTICAS LINGÜÍSTICAS A AÇÃO SOBRE AS L ÍN G U A S (O STA TU S) 141

da promoção individual) em sua política bilateral, suas necessidades e de seus meios. Esse procedimento,
enquanto os organismos francófonos multilaterais, em no entanto, entraria em contradição com as reivindica­
grande parte financiados pela França, voltam-se cada ções dos países do Sul e um certo clientelismo dos paí­
vez mais, porém com menos recursos, para a segunda ses do Norte, e o resultado disso é uma paralisia quase
direção. total da política lingüística francófona, apesar dos
Além disso, a francofonia é freqüentem ente o expressivos meios financeiros de que ela dispõe.
campo de batalha de um a guerra latente entre os paí­
ses francófonos do Norte, em particular a França e o
O francês no mundo
Canadá, que, paralelamente às suas políticas multila­
terais, têm cada um um a política bilateral que nem Para o resto do mundo, assim como para a Euro­
sempre vai na mesma direção. Essa guerra dos chefes pa, de acordo com o que tratamos acima, o problema
faz da francofonia um lugar de oposição entre os paí­ da política lingüística da França tem um nome: o in ­
ses do Norte, detentores de fundos financeiros, em glês. Foi em 1919 que, pela prim eira vez na história
detrimento da elaboração de uma linha política clara. das relações internacionais, um tratado foi redigido
A França não tem política francófona claramente ex­ em duas línguas, o francês e o inglês. O presidente
pressa nem no dom ínio bilateral, nem no domínio americano Woodrow Wilson exigira que o Tratado de
multilateral. Robert Chaudenson exprime perfeitamen­ Versalhes não fosse escrito apenas em francês, como
te essa incoerência quando escreve18: era feito até então. Data simbólica, pois desde então a
0 interesse imediato do Slü não está nem nas indústrias da
França se esforça por m anter o status internacional
língua nem nas infovias, mas numa difusão em massa, adaptada de “sua” língua, aliás, com sucesso: tanto na Unesco
e eficaz da língua francesa no Sul, porque é, na África, a condi­ como na ONU, o francês está entre as poucas lín ­
ção primeira tanto do desenvolvimento como da democracia. guas de trabalho, num erosas delegações o utilizam
Mas, além disso, é claro que o Sul tem um interesse poderoso, em suas in terv en çõ es e, sobretudo, o núm ero de
mas indireto, em que o francês esteja presente tanto nas indús­ francófonos no m undo está em constante aumento.
trias lingüísticas e culturais quanto nas infovias. Assim, os franceses não são m ais m aioria no meio
Ele esboçava, dessa forma, uma política francófo­ dos francófonos e o francês não pertence mais so­
na possível, que consistiría em dotar a francofonia de mente à França. Mas eis que o francês não é mais a
grandes objetivos comuns, mas reservando a cada um prim eira língua internacional, ele é largamente u ltra­
dos países-membros objetivos específicos, em função de passado pelo inglês, e seus status é comparável ao do
espanhol, até mesmo ao do português... É possível ler
18. Robert Chaudenson, La politipue francophone: y a-t-il un pilote num a publicação que já citam os do M inistério das
dans 1’avion? Comunicação ao Colóquio de Rennes, abril de 1995. Relações Exteriores, a seguinte passagem:
AS P O L ÍT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S A AÇÃO SOBRE AS L lN G U A S (O STA TU S> 143
I 42

Não erremos de alvo: não se trata de iniciar uma batalha contra trutural-global, audiovisual, com unicativa se suce­
o inglês, mas de nos bater pela manutenção de um pluralismo diam, os exercícios estruturais foram durante deter­
lingüístico e cultural que nos parece necessário não apenas para minado tempo uma panacéia, logo substituídos pelas
nós mesmos, mas para muitos de nossos parceiros19. m icroconversações, e depois por outras inovações.
É verdade que na reivindicação da exceção cultu­ O rganism os p a ra -u n iv e rsitá rio s (BELC - B ureau
ral, por exemplo, a França certamente defendeu seu d’Études pour la Langue et la Civilisation Française à
cinema, mas ao mesmo tempo o cinema italiano ou es­ 1’Étranger, CREDIF - Centre de Recherche et d’Étude
panhol, assim como é verdade que os cineastas japone­ pour la Diffusion du Français) se especializavam no
ses gostariam que seu governo tomasse posição seme­ ensino do fran cês no ex terio r, an tes que o FLE
(Français Langue Étrangère) se tornasse uma especia­
lhante. Mas acontece que esse pluralismo lingüístico e
cultural, evocado sempre que o francês se encontra lidade propriamente universitária. Havia em tudo isso
interesses econômicos evidentes, uma abordagem teó­
ameaçado, é praticamente esquecido quando suas po­
rica cuja superficialidade saltava aos olhos e uma re­
sições estão mais seguras, como na França ou na África
lativa ausência de reflexão política.
francófona.
Esse desequilíbrio entre o desinteresse político e
Os autores das Histoires de diplomatie culturelle ob­
a generosidade financeira frente à política cultural e
servam que quando Maurice Couve de Murville? que foi
lin g ü ística se p ro lo n g o u sob as p resid ên cias de
ministro das Relações Exteriores por dez anos, redigiu
Georges Pompidou e de Valéry Giscard d’Estaing, e
suas memórias, dedicou quatrocentas páginas às rela­
foi depois da eleição de François M iterrand que se
ções entre a França e os grandes países do mundo e qua­
m ultiplicaram os organismos, as reuniões, as deci­
tro páginas às questões culturais. No entanto, durante
sões sobre a língua e a francofonia, que se viu um
esses dez anos, a metade do orçamento de seu ministério
chefe de Estado se interessar diretam ente por esses
se destinou aos assuntos culturais e técnicos20. E verda­
problem as. Mas o fato de a política lingüística da
de que durante muitos anos a difusão do francês no
França ser, aparentem ente, tratada no mais alto ní­
exterior foi, antes de tudo, mais um mercado do que
vel não garante sua unidade.
uma política., Os editores e os autores de métodos de
Se a política lingüística da França tem uma coe­
ensino tiraram lucros im portantes dessa postura, e
rência, onde ela se encontra? É possível duvidar dessa
como era preciso, pela lógica comercial, substituir
coerência por razões acima de tudo técnicas: os luga­
ciclicamente esses métodos, os “metodólogos” se ju n ­
res de decisão são múltiplos, não existe, por exemplo,
taram para produzir novas “teorias”. Abordagens es­
um espaço de reflexão acadêmico que pudesse forne­
cer aos tomadores de decisão relatórios concretos, um
19. Ibid., p. 197.
20. Op. cit., p. 104. acompanhamento das situações, uma análise da con-
144 AS POLÍTICAS LINGÜÍSTICAS A AÇÂO SOBRE AS L ÍN G U A S (O STATU S) 145

jmjtura. Pode-se também observar uma certa contra­ cessária um a língua única e indivisível, o modelo
dição entre a defesa verbal do plurilingüismo na Euro­ monolíngüe passou a reinar e foi aplicado tanto na
pa e o pouco empenho na defesa desse princípio nas França como na África na época colonial. Os princí­
fronteiras da França, quando se trata das línguas regi- pios afirm ados (plurilingüism o na Europa, diálogo
*onais. Pode-se enfim, apesar de uma leve mudança de en tre o francês e as lín g u as p arceiras no espaço
foco após a cúpula de Dakar, notar que a política lin­ francófono) são^jn u itas vezes, um a tática. No e n ­
güística da francofonia parece ignorar as línguas ditas tanto, mais que uma contradição entre tática e estra­
“parceiras”, desprezando o princípio de plurilingüismo tégia, é preciso enxergar aqui um a subordinação dos
das regiões, além de não se preocupar com o lugar das princípios a um fim: a política lingüística da França
línguas no desenvolvimento quando se trata do caso do tem um a coerência teleológica profunda, que a con­
francês na África.» Além do mais, em relação à ação duz a uma incoerência teórica e a estratégias varia­
lingüística no plano interno e no plano externo, paira das. Ela não defende em todos os lugares os mesmos
um não-dito sobre todas as estratégias desenvolvidas: o princípios porque defende o francês em todo e qual­
inglês. A “lei Toubon” faz o tempo inteiro referência a quer Jugar, ainda que não o reconheça em voz alta e
“termos estrangeiros”, uma vez que os exemplos que mesmo que nem sempre saiba como fazê-lo. ,
aparecem no Dictionnaire des termes officiels de la langue
française substituem todas as palavras inglesas, e a as­
piração ao plurilingüismo defendido, no que diz respei­ V. — A substituição de um língua colonial: os
to à Europa, tem sempre por função a de se opor dire­ inícios da arabização na Á frica do Norte
tamente à ameaça de uma posição dominante do inglês. Vimos no primeiro capítulo que os sociolingüistas
Dessa forma, por todas essas razões, tem-se a e os militantes catalães utilizavam a noção de normali­
impressão de que essa política lingüística não tem zação para designar a ação sobre as línguas que leva­
nenhum a unidade e podemos indagar, com Robert ram à substituição substituição do espanhol, nas fun-
Chaudenson, “se há um piloto no avião”. Mas a coe­ ções oficiais, pelo catalão. Nesse caso particular, tra-
rência dessa política se encontra num outro nível, no tava-se de devolver ao catalão um status aue ele ocupa-
da defesa da língua francesa, tanto do ponto de vista va no início do século., A situação do árabe na África
do corpus (luta contra os empréstimos, neologia em do N orte é com pletam ente diferente. Segundo G.
diferentes campos, indústrias da língua...) como do Grandguillaume21: “A arabização consiste em tornar
ponto de vista do status (lugar do francês nas insti­
tuições internacionais, ensino do francês como lín ­
21. Gilbert Grandguillaune, Arabisation et politique linguistique
gua estrangeira etc.).iDesde que a Revolução decidiu au Maghreb. Paris: Maisonneuve & Larose, 1983, p. 9. A maioria das
que para um a República única e indivisível era ne­ informações expostas nesse capítulo vem dessa obra.
A AÇAO SOBRE AS LÍN G U A S <0 STA TU S) 147
146 AS POLÍTICAS LINGÜÍSTICAS

o árabe aquilo que ele não é”. E acrescenta mais adian­ cendo o reconhecimento oficial. Quanto ao árabe como
te que se trata de arabização e não de rearabização: língua materna, ele foi igualmente desvalorizado:
Certamente um retorno às fontes, à língua das O julgamento (desfavorável) de valor atribuído ao árabe falado
origens parece tranqüilizador e se apresenta como fun­ cotidianamente se resume em apresentá-lo sob o aspecto de
dam entalm ente legítimo. Mas conceber a arabização uma corrupção do árabe literário que precisa, o mais rapidamen­
como um retorno a um estado de cultura e de língua te possível, ser abandonado ou desaparecer23.
pré-coíonial é, evidentemente, uma ilusão.,Para falar Além dessas línguas maternas, os três países da
apenas da língua, ela deve exprim ir hoje um mundo África do Norte (Marrocos, Argélia e Tunísia) estavam
totalm ente diferente do que foi outrora, particular­ confrontados com duas outras línguas, o francês de uma
mente seu uso no lugar do francês a conduz a expres­ parte, herança da época colonial, e o árabe. Mas é deli­
sar realidades novas em relação ao fundo lingüístico cado definir esse árabe, que não é a língua falada. Exis­
árabe tradicional. Existe a rearabização no sentido de te, de um lado, o árabe clássico, língua do Alcorão, sa­
uma restauração da língua árabe como língua de cul­ cramentada como fator identitário e como base da comu­
tura, mas não no sentido da pura ressurgência de uma nidade dos crentes. Trata-se, propriamente falando, de
situação lingüística passada22. uma língua morta, como o latim, que se aprende essen­
A situação do árabe na África do N orte é, de cialmente lendo o Livro Sagrado. Existe, de outro lado,
fato, diferente da do catalão na Espanha: as estrutu­ o árabe moderno, língua das mídias, do aparelho de
ras do Estado do qual o árabe devia ser o meio de Estado, sobre o qual Grandguillaume escreve:
expressão e de gestão não existiam antes da coloniza­ Sem referência cultural própria, essa língua também não tem co­
ção. Além disso, ali o contexto lingüístico era muito munidade. Ela não é a língua falada de ninguém na realidade da
particular. Muito se escreveu sobre as relações entre vida cotidiana (...) Essa falta de referência comunitária da língua
as línguas em contato, o árabe, o herbere e o francês, e árabe moderna foi oportuna para os defensores da arabização: por
isso eles tentam, contra todas as evidências, estabelecer uma confu­
é extremam ente difícil esclarecer essa questão. O que
são entre essa língua e a língua materna. Os exemplos na história
é certo é que existem na África do Norte dois conjun­ das controvérsias em que a reivindicação da arabização é expressa
tos de línguas maternas: o conjunto árabe e o conjun­ em reivindicação da língua materna são abundantes24.
to berbere. Sob denominações diversas (berbere, cabila,
tamashek, tamazight, tachelhit, chleuh...), o berbere É portanto esse árabe moderno que está no centro
sempre foi considerado, desde a conquista árabe, como do processo de arabização, que se manifesta no Marro-
um dialeto minoritário (mesmo que ele seja, sem dú­
vida, ainda hoje m ajoritário no Marrocos), não mere- 23. Michel Barbot, “Réflexions sur les réformes modemes de
1’arabe littéral”, in: Istvan Fodor; Claude Hagège (orgs.), La réforme des
langues. Hamburgo: Buske Verlag, 1983, vol. 1, p. 133.
22. Op. cit., p. 31 24. Gilbert Grandguillaume, op. cit, p. 25.

• ........ - UMMSkMaEUtttfcV
148 AS P O L ÍT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S A AÇÃO SOBRE AS L ÍN G U A S (O STA TU S) 149

cos a partir de 1957 (decisão — abortada — de arabizar m ário será arabizado. A medida, precipitada e mal
o ensino primário), na Tunísia a partir de 1958 (insti­ preparada, foi um fracasso total e, em conseqüência,
tuição dos dois primeiros anos de ensino em árabe) e o ministro renunciou ao cargo em 1958. Mas a ques­
na Argélia a partir de 1962 (instauração na escola pri- tão passa a fazer parte da ordem do dia: o rei cria
mária de sete horas semanais de árabe em trinta horas uma comissão de reform a do ensino encarregada de
de ensino). Nesses três casos, é possível perceber que~é preparar um projeto, e o problema da arabização será
através da escoía)que o processo se inicia. Mas as dife­ de novo abordado em junho de 1958, durante a pri­
renças entre os três países nos obrigam a abordá-los meira reunião do Conselho Superior de Educação.
inicialmente de m aneira separada. Apresentarem os A primeira solução escolhida seria a de classes ex­
então sucintamente suas políticas lingüísticas nos anos perimentais: em 1960, abre-se uma classe inteiramente
1960 e 1970 antes de fazer uma tentativa de síntese. arabizada em Rabat e em Fez, uma outra, em 1961, em
Casablanca. Na mesma época, o Ministério da Adminis­
tração Pública e da Reforma Administrativa inaugurava
No Marrocos cursos de-formação em árabe para todos os funcioná­
Apesar do silêncio oficial que pairava até bem pou­ rios. Paralelamente, organismos de reflexão sobre a
co tempo sobre a questão, o Marrocos é um país lin- arabização foram criados em R abat (In stitu to de
güisticamente heterogêneo: ali o berbere é falado como Arabização, Secretaria Permanente do Congresso para a
primeira língua por pelo menos metade da população25. Coordenação da Arabização nos Países Árabes), enquan­
No entanto, em fevereiro de 1956, algumas semanas to o Conselho Superior de Educação Nacional, em outu­
antes da independência, foi criada em Rabat a Liga con­ bro de 196^, exigiu que o árabe fosse a única língua de
tra o Analfabetismo, cujas campanhas de intervenção ensino. Na época, o ministério hesitava entre duas estra­
eram unicamente em árabe, e observaremos que em to­ tégias: arabizar ano por ano ou matéria por matéria. A
dos os debates sobre o uso público das línguas no Mar­ primeira solução foi a escolhida e lançada em outubro de
rocos o problema do berbere nunca foi abordado: ape­ 1963: em 1967, todo o ciclo primário seria desse modo,
nas o Movimento Popular (fundado em 1957) reivindi­ ano após ano, arabizado. Mas os resultados não foram
cará permanentemente o ensino do berbere... suficientemente convincentes: o afluxo dos alunos e a
É no início do período escolar de 1957, logo após queda do nível do ensino levaram o ministro Benhima a
a independência e sob o impulso do ministro da Edu­ regulamentar em 1965 o acesso dos alunos ao secundá­
cação, Mohamed El Fassi, que o primeiro ano do pri­ rio. Apesar das violentas reações provocadas por essa
decisão, o ministro iria mantê-la em abril de 1966 e anun­
25. Nenhum recenseamento foi feito sobre essa questão e dis­ ciaria, ao mesmo tempo, sua intenção de que o ensino
pomos somente de dados aproximativos sobre ela. das matérias científicas voltasse a ser feito em francês, i
150 AS P O L lT IC A S l in g ü ís t ic a s A AÇÃO SOBRE AS LÍN G U A S (O STA TU S) 151

Em 1965, o Ministério da Justiça foi oficialmente que o árabe falado seia ali praticamente unificado, p.m 1958,
arabizado, os demais setores da administração continua- o árabe foi introduzido nos dois primeiros anos do primá­
ram a utilizar o francês ou o árabe, de acordo com a oca­ rio, medida que foi acompanhada pela supressão das esco­
sião, mas principalmente o francês, a julgar pelos inúme­ las corânicas. No mesmo ano, decidiu-se por uma interven­
ros protestos dos usuários. ,Grandguillaume destaca com ção no ambiente lingüístico: as placas de todo o comércio
humor que “esse afrancesamento persegue o marroquino foram arabizadas. Onze anos mais tarde, Ahmed Ben Salah,
até o túmulo, pois até as autorizações de enterro são que era o responsável pela educação no governo, decidiu
redigidas em língua estrangeira”26. De fato, deixando de restabelecer o ensino do francês nesses dois primeiros anos.
lado a justiça, a arabização da administração ocorrería de A parentem ente contava com o apoio do presidente
maneira não-coordenada, desordenadamente. Bourguiba, mas, em novembro de 1969, dois meses após o
Em outubro de 1968, o rei anunciou uma medida início do ano letivo, ele perde seu posto. No entanto, sua
um tanto surpreendente, mas que parecia apresentar o reforma será aplicada e mantida durante dois anos. Em
problema do ensino de maneira diferente. Tratava-se 1971, o primeiro ano do primário será novamente arabizado;
de abrir em todo o país uma espécie de ciclo pré-esco- em 1976 será a vez da arabização do segundo ano e em
lar, de escolas corânicas “modernas”, que as crianças 1977, do terceiro. Paralelamente, arabizava-se certo núme­
freqüentariam dos 5 aos 7 anos. Esse sistema, que seria ro de matérias no secundário (filosofia, história, geografia)
efetivamente estabelecido, colocava claramente em de­ e no superior (ciências humanas).
bate a questão sobre qual árabe ensinar: se as crianças Ainda nessa mesma época, um debate (iniciado na
marroquinas começavam seu ciclo escolar com dois anos Assembléia Nacional em 1970) sobre a arabização agitava a
de escola corânica, evidentemente era o árabe do Alco­ classe política e os intelectuais. O principal objetivo era fa­
rão que iriam ali estudar. Entrariam em seguida no sis­ zer oposição à noção de “tunisificação”, defendida por al­
tema de ensino primário. Para o resto, apesar dos pro­ guns ministros, que não colocava o problema lingüístico em
testos de uma parte da opinião, o bilingüismo era man­ primeiro plano. Posteriormente, em 1974, surgiu uma polê­
tido a partir do terceiro ano do primário. mica entre Hedi Balegh, que reivindicava o uso do dialeto
tunisiano e não das “línguas aristocráticas” (o árabe literá­
N a Tunísia rio e o francês), e o ministro Mzali para quem “o árabe
falado não é uma língua de civilização”. Ao longo desse tem­
A Tunísia é o país da África do Norte cuja situação po, a arabização da administração ocorreu, assim como no
lingüística é a mais simples: o berbere praticamente desapa- Marrocos, desordenadamente. Apenas os ministérios da
receu de cena e o reduzido tamanho do território faz com Justiça e do Interior foram arabizados no início dos anos
1970, mas em que árabe? Uma anedota famosa ilustra bem
26. Op. cit., p. 79. esse problema O presidente da República, Habib Bourguiba,

vM. •v*
152 AS P O L ÍT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S A AÇÃO SOBRE AS LÍN G U A S (0 STA TU S) 153

num discurso pronunciado em 1965, assinalava que o fato do: dez h oras semanais, além de um ensino religioso
de redigir os autos em árabe literário, enquanto os depoi­ instaurado em 1964 e do prim eiro ano do primário
mentos eram feitos em árabe falado, fazia com que esses inteiramente arabizado e, por fim, a criação de um “en­
últimos corressem o risco de ser deformados, e ele teria sino original” inteiramente arabizado e de tendência
declarado a um oficial de polícia (em dialeto tunisiano): “Ela religiosa que será mantido até 1976. Em razão da au­
prestou depoimento em dialeto, escreva-o tal e qual”. Sete sência de professores habilitados, haverá um recruta­
anos mais tarde, em julho de 1972, ele voltaria a esse tema mento de “monitores” de um nível muito baixo, quase
mima entrevista à televisão francesa, discorrendo sobre os sempre oriundos de escolas corânicas, bem como de
tunisianos: “Eu não falo com eles em árabe regular, o árabe professores egípcios e, posteriormente, sírios. Depois do
dos antigos, mas o árabe que eles mesmos falam...” golpe de Estado que destituiu Ben Bella, em 1965, a
Esses diferentes debates podem parecer estranha­ arabização segue no mesmo ritmo: em 1967, o segundo
mente calmos se comparados ao que aconteceu na Ar­ ano do primário é arabizado, os anos seguintes são par­
gélia. É verdade que na Tunísia, como já mencionamos, cialmente arabizados em 1968 etc. Na universidade, no
não havia o problema do berbere, o que desapaixonou entanto, as coisas ocorrem muito mais lentamente: os
consideravelmente as discussões. Mas, a despeito do estudantes são hostis ao ensino em árabe27, o que leva,
peso da religião, o problema do dialeto, do árabe falado em 1971, à instauração de um exame obrigatório de
ou tunisiano, como se queira (em tunisiano é chamado árabe em todas as licenciaturas ensinadas em francês.
de bârbrü), foi exposto de uma maneira clara, em dife­ As coisas andam igualmente rápido nas engrena­
rentes níveis, inclusive no mais elevado, o que está lon­ gens do Estado. Em 1968, um decreto decide pela
ge de ser o caso dos dois outros países. arabização da administração. Em seguida, em 1970, tuna
portaria ministerial fixa o nível de domínio da língua
árabe que os funcionários públicos devem ter (os altos
N a A rg ã ia
funcionários serão dispensados desse pré-requisito em
O problema da arabização na Argélia se encontra, 1973). Essas medidas são acolhidas de maneiras dife­
desde o início, mergulhado nas contradições internas rentes: os funcionários públicos, em particular, temem
de um Estado “socialista”, cuja política externa o im­ ser dispensados ou não ser promovidos. Mas a arabização
pulsiona em direção aos países do Oriente e que faz, prossegue no mesmo ritmo, ou quase: o noticiário cine­
por outro lado, referências permanentes ao islamismo. matográfico havia sido arabizado em 1967, um terço das
Alguns meses depois da independência, no começo do
ano letivo de 1962, o governo da Argélia introduziu
27. Segundo uma pesquisa realizada pela Universidade de
sete horas semanais de ensino do árabe no sistema es­ Berkeley por encomenda da Argélia em 1967, 80% dos jovens argeli­
colar primário. A reforma continuará em ritmo força­ nos são hostis à arabização da universidade.
I 54 AS PO L lT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S A AÇÃO SOBRE AS L lN G U A S (O STA TU S) 155

seções científicas do primeiro ano do secundário o são posteriormente pela França) e um problema comum (como
em 1971, as inscrições públicas em 1976 etc. passar a um ensino árabe?), mas, como vimos, com situa­
Ao longo dessa política de arabização, três pro­ ções e abordagens muito diferentes desse problema. E bem
blemas estão constantem ente subjacentes: verdade que eles tentaram harmonizar suas políticas lin­
• O problema dos dialetos. Em 1963, por exem- guísticas (Conferência dos Ministros da Educação Nacional
plo/houve uma grande polêmica sobre as can­ da África do Norte em fevereiro de 1966, em Túnis; criação
ções difundidas pela Rádio Alger, criticadas de um Comitê consultivo norte-africano encarregado de tra­
por serem quase sempre em árabe clássico, balhar pela determinação de um “árabe fundamental” em
embora já existisse uma canção popular em toda a África do Norte; segunda reunião da Conferência
árabe argelino. dos ministros da Educação nacional em abril de 1967 em
• O problema do cabila. Da mesma forma que Argel; terceira reunião em junho de 1969 em Rabat etc).
no M arrocos, é difícil saber com certeza Mas, na realidade, eles não constituíram organismos co­
quantos argelinos têm o berbere como língua muns de arabização. A lista dessas instituições apresentada
m aterna, mas podemos estimá-los em 30% por G. Grandguillaume é, desse ponto de vista, eloquente.
da população. Desde a independência, esses Sob o título “As instituições da arabização”, ele dá dois or­
berberes se opuseram à arabização em nome ganismos permanentes, O Instituto de Estudos e de Pesquisa
da defesa de sua língua e de sua cultura, o que para a Arabização (em Rabat) e a Secretaria de Coordenação
os Têvou^rim eiramente se engajarem na ma­ da Arabização, financiada pela Liga Árabe e que trabalha
nutenção do francês, e depois a reivindicar a com a terminologia, aos quais é preciso acrescentar quatro
utilização oficial das “línguas populares”, ou organismos que se reúnem periodicamente, entre os quais
seja, o árabe argelino e o berbere. Diante des­ apenas o Comitê Consultivo Norte-africano produziu uma
sas hesitações, o poder respondeu com a re­ obra, dedicada ao “árabe funcional”. Mas é pouco, sobretu­
pressão: suprim iu, em 1973, a cátedra de do porque o conflito fronteiriço entre a Argélia e o Marrocos
berbere que M ouloud Mammeri ocupava na a respeito do território saaráui não facilitou a colaboração
universidade; proibiu, em 1976, a revista Le entre os lingüistas desses dois países...
Fichier Berbère e proibiu, em 1980, uma con­ É difícil hoje em dia avaliar o resultado dessas
ferência de Mammeri sobre a poesia cabila etc. políticas lingüísticas (alguns se felicitam, outros che­
• E por trás de tudo isso aparece, obviamente, o gam a dizer que se criou uma geração de analfabetos
problema da religião, comum aos três países em árabe e em francês). Mas é evidente que a arabiza­
da África do Norte. ção, ao menos na Argélia e no Marrocos, está longe de
Esses três países tinham um passado comum (territó­ ser um grande sucesso, e podemos tentar listar as prin­
rio onginalmente berbere ocupado pelos árabes e colonizado cipais razões das dificuldades encontradas:
156 AS PO LÍT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S

• a constante confusão entre o nível político e o


nível religioso. Esse problema certamente foi tra­
tado de maneiras diferentes em cada país (su-
primiram-se as escolas corânicas na Tunísia, elas
foram transformadas numa espécie de ciclo pré-
primário no Marrocos), mas o estatuto ideológi­ CONCLUSÃO
co muito particular da língua para os árabes
pesou enormemente sobre as discussões.
• o fato de a língua escolhida como língua nacio­
nal nunca ter sido uma língua falada pelo povo; As políticas lingüísticas estão em ação em todo o
• o problema berbere, em pelo menos dois dos mundo, sempre acompanhando movimentos políticos
três países: na Argélia e no Marrocos, a arabi­ e sociais, e a mudança lingüística vem reforçar a em er­
zação foi vista pelos berberes como dirigida gência de nações e suas coesão ou, ao contrário, a divi­
contra sua língua e sua cultura. são de alguns países em novas entidades políticas. M en­
O fato de o francês, mesmo que sua impor­ cionamos muitos exemplos dessas situações, particu­
tância tenha diminuído muito, ter-se tornado larmente nos capítulos IV e V deste livro. Na N orue-
uma língua de p riv ile g ia d o s ./^ ' i ga, a busca de um a língua unificada veio reforçar a
Assim, a função nacionalista da arabização foi vontade nacional atuando sobre a língua para distin-
de certa forma “poluída” tanto pelo integralismo m u­ giii-Tfi n TnXrírno possíveído dinam arquês. Em outros
çulmano como pelos conflitos entre árabes e berberes lugares, essa tradução lingüística do nacionalismo pode
e os ressentimentos pós-coloniais com relação à língua acompanhar as piores ações militares: na ex-Iugoslá-
francesa. No mesmo ponto em que a Tanzânia e a via, por exemplo, os que falavam ontem uma língua
Indonésia, países igualmente muçulmanos, souberam comum, o servo-croata, empenham-se hoje em falar o
promover uma língua nacional que não lesava as lín­ sérvio, o croata ou o bósnio1. Nos países da África do
guas m aternas, ou onde a Suíça tentou, com êxito, Norte, onde os problemas religiosos misturam-se aos
organizar seu plurilingüismo, os países da África do problemas lingüísticos, eles sempre dificultaram os de­
Norte fizeram uma escolha que só podería causar vio­ bates etc. As políticas lingüísticas existem .para_nos
lentos conflitos e cujos efeitos continuamos a ver. 0 recordar, em caso de dúvida, os laços estreitos entre
Mas o efeito mais marcante da história sobre as situa­ línguas e sociedades.
ções lingüísticas reside, sem dúvida, no fato de que os paí­
ses da Áfríca do Norte ainda estão por garantir o status de
1. Em 1991 foi publicado, em Zagreb, um dicionário das distin­
uma das línguas mais faladas no mundo, enquanto a França ções entre as línguas servo e croata: Razlikovni Rjecnik Srpskog i
trabalha pelo status de sua língua no mundo. Krvastskog Jezika.

í
158 AS P O Ü T IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S CONCLUSÃO 159

Mas outras políticas lingüísticas (na Tanzânia, na • seja falada por uma larga maioria da população;
Suíça, na Indonésia, na Catalunha..;) parecem ter tido • seja aceitável como símbolo da unidade nacional,
sucesso. Como explicar o fato de que uma política lin­ sem prejudicar ninguém, e o melhor caso seria a
güística possa ter êxito ou dificuldades em ser aplica­ escolha de uma língua veicular, se houver,
da? Os fatores que facilitam o êxito podem ser históri­ • seja equipada, pronta para preencher as fun­
cos (na época da independência da Tanzânia, por exem­ ções às quais se destina. Caso contrário, esse
plo, o suaíli já era escrito e utilizado havia muito tempo equipam ento deve ocorrer imperativam ente
na administração local, o que facilitou sua promoção). antes da promoção da língua;
Os fatores são freqüentemente simbólicos: o suaíli ain­ • a política lingüística seja explicada à popula­
da era visto como a língua da independência, e não po­ ção e aceita por ela.
dia ser assimilado à língua de um grupo étnico impon- Em sua obra dedicada à história do suaíli, Wilfred
do-se às outras, como aconteceu com o m alaio na Whiteley se interrogava: “Que lições nos dão a Turquia
Indonésia. Os fatores que atuam contra são, às vezes, dos anos 1930 e 1940, a Malásia e a China de hoje ou
1984 de George Orwell?”2 E essa associação entre al­
técnicos: a ausência de equipamentos de uma língua, a
precipitação demasiadamente grande, ou ainda o tama- guns exemplos de planejamento lingüístico e um roman­
ce de ficção política, que foi durante muito tempo sím­
nho do país (como no caso da China). Esses fatores se
bolo do totalitarismo, é interessante porque enfatiza
devem freqüentemente ao imperialismo lingüístico do
precisamente o problema da democracia. Em todo pla­
Estado, como nos países da África do Norte, onde a
nejamento, há um reduzido número de planejadores e
língua nacional não é exatamente aquela falada pelo
um grande número de planejados aos quais raramente
povo. Por fim, são fatores que dependem, de maneira se pergunta a opinião. Deste ponto de vista, o exemplo
contraditória, dos modos de decisão: se regimes políti­ da francofonia é interessante. Vê-se bem a importância
cos fortes, como o da Turquia, podem sem dificuldade, da África para o futuro da língua francesa, mas uma
ao menos por um tempo, impor sua política, por outro política lingüística conseqüente deveria também questio­
lado, muita democracia também pode, como no caso da nar-se sobre a importância do francês para o futuro da
Noruega, prejudicar o processo de planejamento. África: qual o papel das línguas no desenvolvimento,
O que é necessário então para que uma política lin­ que lugar o francês pode ocupar neste processo etc.
güística tenha todas as chances de dar certo? À luz dos As políticas lingüísticas apresentam também pro­
estudos de caso apresentados neste livro e de outros que blemas teóricos. X história recente da intervenção
não tivemos tempo de mencionar, é possível fazer uma hum ana voluntária sobre as línguas nos mostra o que
lista dos fatores otimizadores, lista que tem origem, aliás,
no bom senso. Para que uma língua possa ser, por exem­
2. W. Whiteley, Swahili, the Riseofa National Language. London:
plo, promovida a língua nacional, é preferível que: s.e., 1969, p. 93.
I 60 AS P O L lT IC A S l in g ü ís t ic a s

há de política lingüística na lingüística. Os primeiros


teóricos se preocupavam apenas com a ação sobre a
forma das línguas, num a época em que a lingüística se
preocupava apenas em descrever a estrutura das Íín-
guas. Depois, à medida que a lingüística se tom a so­
ciolingüística e que tenta descrever as relações entre BIBLIOGRAFIA
línguas e sociedades, passando a interessar-se pelo
plurilingüismo e pelos sentimentos lingüísticos etc., as
políticas lingüísticas vão se interessar pelas funções A lisjahbana, S. T., Language Planning for Modemization, the Case of
das línguas, e essa passagem do corpus ao status de­ Indonesian and Malasgan. Paris: Mouton, 1976.
monstra tanto a evolução da política lingüística quan­ A racil, L., Conflicte lingüistic i normalitzacio linguística a l 'Europa nova,
1965 (versão francesa, mimeo.) e 1982 (versão catalã).
to da ciência das línguas. Barbot, M., Réflexions sur les reformes modemes de l’arabe littéral,
Mas a questão teórica primordial levantada pela in: Fodor, L; Hagège, C. (orgs.), La réforme des Iangues. Hambur­
própria idéia de política lingüística é a seguinte: em go: Buske Verlag, 1983, voL 1.
Bazin , L., La réforme linguistique en Turquie in: Fodor, I.; Hagège,
que medida o homem pode intervir sobre a língua ou C. (orgs.), La réforme des Iangues. Hamburgo: Buske Verlag,
sobre as línguas? Inúm eros exemplos nos mostram que „___. 1983, vol. 1.
essa intervenção é possível, mas eles não dispensam a Calvet,\L.-J., La guerre des Iangues et les politigues linguistiques. Paris:
Payot, 1987.
teorização... De fato, vimos que as políticas lingüísti­ ___ , Linguistique et colonialismo.. Paris: Payot, 1974.
cas funcionam no modo da imitação, que elas tentam C alvet, L.-J.; M eillet, A., La politique linguistique et 1’Europe: les
mains sales, in Plurilinguismes. Paris: CERPL, n° 5, 1993.
reproduzir in vitro o que acontece milhares de vezes in
C atafago, A., Le norvégien: des problèmes mais pas de crise véritable,
vivo na história das línguas. Mas vimos também que, in Maurais. J . (org.), La crise des Iangues. Governo de Québec /
às vezes, tais políticas fracassam, que elas colidem com Paris: Robert, 1985.
C h a u d e n s o n , R., 1989, vers une révolution francophone? Paris:
dificuldades práticas: a imitação atinge, então, seus UHarmattan, 1989.
limites. E esse princípio de evolução tendencial para ___ , La francophonie: représentations, réalités, perspectives. Aix-en-
um nível de ineficiência podería ser um tipo de vin­ Provence: Institut d’études créoles et ffancophones, 1991.
___ , La politique francophone: y a-t-il un pilote dans 1’avion? Co­
gança das línguas, ou seja, dos falantes, sobre os que municação ao Colóquio de Rennes, abril de 1995.
pretendem lhes impor um a evolução. Cobarrubias, J., F ishman, J., Progrcss in Language Planning. International
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Cirilo 11 Haugen, E. 12, 13, 18, 19, 20,
O 21, 22, 23, 24, 25, 28, 30,
D 32, 113,162
Das Gupta, J. 13, 14, 15, 162 Hymes 13
De Gaulle, C. 131
DeFrancis, J. 15 J
Duval-Valentin, M. 126, 128, Jakobson, R. 23
129, 162 Jernudd, B. 13,14, 15,164
í

as p o l It i c a s L IN G Ü ÍS T IC A S
1 66

K P
Kin, Pa 89 Panini 21
Kloss, H. 28, 129,163 Pompidou, G. 143
Knecht, P. 126, 163 Prudent, L.-F. 33, 163
Knudsen, K. 113
Komisi Bahasa Indonésia 31,124 R
Ray, P. S. 25, 26, 28, 163
Korais 23
Richelieu, 23
L Rocard, M. 99, 100
Labov, W. 13 Rubattel, C. 127, 163
Labrousse, P. 124,125,163 Rubin.J. 13, 14, 15, 164
Lafont, R. 33, 163
Laporte, P.-E. 15,163 S
Salt, H. 118, 164
M Samarin 13
Mammeri, M. 154 Sambhota, T. 11
Marcellesi, 17 Santos, B. 9
Meillet, A. 19, 161 Sedar Senghor, L. 136 Quando você copia uma obra, está contribuindo para que nos próximos anos
Metódio 11 Simon, H. 22 o s alunos não tenham mais o que copiar, porque:
Mistral, F. 23 Stewart, W. 38, 42, 43, 45, 46, 1 N ão haverá autores interessados em produzir textos. A produção de um
Mitterrand, F. 139,143 59,164 livro demanda muito tempo, formação específica e dedicação, e eles
Murville, M. C. de 142 precisam trabalhar para viver.
T
Mzali, 151
Tauli, V. 25, 27, 28, 164 2. T a m b é m não haverá editoras interessadas em investir em uma obra que
N Tse Tung, M. 89 fic a rá estocada, especialmente quando se tratar de obras traduzidas. Os
Nebrija, 23 Turé, S. 82, 83 alunos do futuro terão de ler as obras na língua em que foram editadas.
Ninyoles, R. 15, 18, 163 T uri.J. 76, 164 3. E mais: você está contribuindo para acabar com o emprego de funcionários
Nyerere, J. 120 de gráficas, editoras, para o fechamento de livrarias, para o empobrecimento
V
da cultura do país, além, é claro, de violar a lei de direitos autorais (Lei
O Varela, L. 9 n° 9.610/98), praticando um CRIME previsto no artigo 184 do Código
0 ’Bar-r, J. 14, 163 Penal, sem prejuízo de ter que reparar o dano causado.
0 ’Barr, W. 14, 163 W
Ophuysen, C. Van 123 Whiteley, W. 118,159,164 E para que isso ? A cópia custa em média R$ 0,15 por página. Este
Orwell, H. 159 Wilson, W. 141 livro, R$ 0,11. POR QUE, ENTÃO, NÃO TÊ-LO?
A lé m d o mais, cópias se perdem ao longo do tempo. O livro não. Ele é para sem­
pre, pode ser repassado a outras pessoas, é fundamental para a formação de todo
p rofissional que se pretenda competente. Todo bom profissional precisa de uma
b ib lio te c a própria. Para isso a Parábola Editorial contribui pondo no mercado
livros c o m qualidade gráfica e de conteúdo a melhor preço que a cópia.
Q u a n d o v o c ê diz não à cópia, está dizendo não à violência e à falta de ética...
P o de nã o parecer, mas quando copia uma obra na qual se empenhou tanto
tra b a lh o para que ela virasse um livro e chegasse ao mercado, você está
c o la b o ra n d o com a corrupção que alimenta nosso crônico atraso!
Í ^O F.IG IN A l
CEM TP.AL CÓPIAS
CLCH-Cerc COCA

P A S T A ' 53

ESTA O BRA FOI COMPOSTA EM ESPRIT BOOK E


COPPERPLATE CORPO 11/ 13 ,4 E IM PRESSA PELA
EDIÇÕES LOYOLA EM CHAMOIS FINE DUNAS
80G DA RIPASA PARA A PARÁBOLA EDITORIAL
EM JULHO D E 2007.

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