Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
fâ & K 2 Po tt
Stella Maris Bortoni-Ricardo [U nB] U N G Ü ÍSTIC A ...................................................................
CIP-BRASIL CATALOGAÇÃO NA FONTE l. Nascim ento do conceito e seu campo de aplicação ..
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
_ n. O prim eiro m odelo de H augen................................
EI. A abordagem “instrum entalista”: P. S. Ray e V. Tauli
Calvet,Louis-Jean, 1942-
As políticas linguísticas / Louis-Jean C alvet; prefádo Gilvan
IV. O segundo m odelo de H au gen .................................
Müller de Oliveira;tradução Isabel de Oliveira Duarte, JonasTenfen, V A contribuição da sociolingüística “nativa” ..............
Marcos Bagno. - São Paulo: Parábola Editorial: IPOL, 2007.
. (Na ponta da língua; 17)
C ap ítu lo H: AS TIPOLOGIAS DAS SITUAÇÕES
Tradução de: Les politiques linguistiques
PLURILÍNGÜES................................................................
2 3 £ 2 88 si 8? 3 B £
Direitos reservados à
PARÁBOLA EDITORIAL I. O equipam ento das lín g u a s.....................................
Rua Clemente Pereira, 327 - Ipiranga
04216-060 São Paulo, SP A escrita ........................................................................
Fone: [11] 6914-4932 | Fax: [11] 6215-2636 O léxico .........................................................................
home page: www.parabolaeditorial.com.br
e-mail: parabola@parabolaeditorial.com.br A padronização ..........................................................
Do “in vivo” para o “in vitro”................................
T odos o s cfireitos reservados. N enhum a parte desta o b ra p od e ser reproduzida ou
transmibcbporqiJEfcjue^mTaetouquaisquerrneios(eíeüOrto^
fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistem a o u banco de dad os sem
E. O am biente lin g ü ístic o .............................................
perm issão p or escrito da Parábola Editorial Lid a EE. A s leis lin g ü ística s.....................................................
ISBN: 978-85-88456-60-0 Nomear a lín g u a ........................................................
© desta edição: Parábola Editorial, São Paulo, julho de 2007 Nom ear as funções .....................................................
6 AS P O L ÍT IC A S LIN G U ÍST IC A S
a sul do país, porque falam português [alguns acrescen conhecim entos técnicos de lingüística, antropologia,
tariam: “e aqui não há dialetos”] — tem sido ampla sociologia, história, direito, economia, politologia, mo
mente hegemônico, inclusive em muitos quadros u n i bilizados para a análise das situações lingüísticas é, como
versitários, comprometidos, em grande parte, com a diz Lia Varela, uma prática política, associada à inter
execução de mais esse item do ‘projeto nacional’ brasi venção sobre as situações concretas que demandam de
leiro. Note-se, por exemplo, que até a sociolingüística cisões políticas e planificação de políticas públicas.
m ajoritariamente praticada no país é uma sociolingüís O livro de Calvet vem, assim, em um bom momen
tica das variáveis e variantes do português — uma so to. É um livro que tem o mérito da apresentação conceituai
ciolingüística do monolingüismo, portanto. sistemática, necessária no atual momento das discussões
Nas duas últim as décadas, entretanto, o panora políticas envolvendo as línguas do Brasil e as ações polí-
ma das reivindicações dos m ovim entos sociais, a di tico-lingüísticas do Estado. Aporta, além disso, análises
versificação de suas pautas, o crescimento das ques de situações político-lingüísticas em várias partes do
tões étnicas, regionais, de fronteira, culturais, torna mundo, m ostrando com isso soluções produzidas em
ram muito mais visível que o Brasil é um país consti planejamento de corpus e em planejamento de status das
tuído por mais de 200 com unidades lingüísticas dife línguas, seus limites e possibilidades.
rentes que, a seu modo, têm se equipado para partici É uma contribuição importante para o que temos
par da Anda política do país. Emerge em vários fóruns chamado de ‘v ir a d a p o lític o -lin g ü ístic a ’: o m ovi
o conceito de ‘línguas b ra s ile ira s’: línguas faladas por mento pelo qual os lingüistas (mais que a lingüística)
comunidades de cidadãos brasileiros, historicam ente passam a trabalhar ju n to com os falantes das línguas,
assentadas em território brasileiro, parte constitutiva apoiando tecnicam ente suas demandas políticas e cul
da cultura brasileira, independentem ente de serem lín turais. Deixam de atuar no campo da ‘colonização de
guas indígenas ou de imigração, línguas de sinais ou saberes’ para atuar no que Boaventura Santos chama
faladas p o r grupos quilom bolas. Emergem tam bém de ‘comunidade de saberes’, e passam do campo uni
olhares inovadores sobre o próprio português, nasci versitário ao campo dos conhecimentos pluriversitá-
dos dos novos papéis que o Brasil desem penha em rios, o que prioriza a pesquisa-ação sobre uma visão
contexto regional e mundial. de pesquisa que tem tratado os falantes das línguas co
O crescimento desses movimentos sociais e a rea mo meros inform antes descartáveis, uma vez que o
ção do Estado a essas reivindicações vão tornando dia gravador capture o ‘dado’ lingüístico
a dia mais claro o âmbito das responsabilidades das Calvet define a lingüística como o estudo das co
políticas lingüísticas — seus métodos e interesses. So munidades hum anas através da língua. Em outro con
bretudo, vão tom ando mais claro que ‘política lingüís texto, afirma que são as línguas que existem para ser
tica’, para além de uma multidisciplina constituída de vir aos hom ens e não os homens para servir às lín-
t 0 AS P O L ÍT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S
beto tibetano, tenham escrito um capítulo da história Califórnia, evento que marca o surgimento da socio-
da política lingüística. Da mesma maneira, se em cer lingüística2. Na mesma obra, encontra-se também um
tos países, como a Turquia ou a Indonésia, a língua do texto de Ferguson sobre as national profãe formulas,
Estado foi forjada pela intervenção sobre uma língua já que discutiremos no capítulo seguinte e, observando a
existente, para modernizá-la, adaptá-la às necessida lista dos participantes (Bright, Haugen, Labov, Gumperz,
des do país, não colocaremos no mesmo plano os inven Hymes, Samarin, Ferguson...), podemos dizer que fal
tores de línguas artificiais (ido, esperanto, volapuque tava apenas Fishm an p ara completar o “tim e” que
etc.), cujas criações, na maioria das vezes, nunca saí representaria, nos anos 1970 e 1980, a sociolingüísti-
ram do papel. A política lingüística é inseparável de ca e/ou a sociologia da linguagem nos Estados Uni
sua aplicação e é a esse binômio (política lingüística e dos. Desse modo, o “planejam ento lingüístico” recebe
planejamento lingüístico) que é dedicado este livro. seu batismo na mesma época que a sociolingüística, e
Neste prim eiro capítulo, acompanharemos o apa pouco mais tarde será definida por J. Fishman como
recimento desse binômio, que se deu na segunda me sociolingüística aplicada3.
tade do século XX, e mostraremos as relações que ele Em seguida, Fishm an, Ferguson e Das Gupta
estabelece com as questões políticas dessa época. publicam em 1968 um a obra coletiva4*dedicada aos
problemas lingüísticos dos países em via de desenvol
vimento, e durante o ano universitário de 1968-1969,
I — Nascimento do conceito e seu campo
quatro pesquisadores (Jyotirindra Das Gupta, Joshua
de aplicação
Fishman, Bjõrn Jern u d d e Joan Rubin) reúnem-se no
O sintagm a language planning, traduzido para o East-West Center do Havaí para refletir sobre a natu
português por planejamento lingüístico, apareceu em reza do planejam ento lingüístico. Eles organizam, en
1959 num trabalho de E inar H augen1 sobre os proble tre os dias 7 e 10 de m arço de 1969, uma reunião so
mas lingüísticos da Noruega. O autor procurava mos bre o mesmo tema, para a qual foi convidado um gru
trar nesse trabalho a intervenção norm ativa do Esta po de pessoas (antropólogos, lingüistas, sociólogos,
do (por meio de regras ortográficas, por exemplo) para econom istas...) que já haviam trabalhado no campo
construir um a identidade nacional depois de séculos
de dom inação dinam arquesa. ^Haugen retom a esse
2. E. Haugen, “Linguistics and Language Planning”, in William
mesmo tem a em 1964, durante uma reunião organi Bright (org.). Sociolinguistics. La Haye: Mouton, 1966.
zad a p o r W illia m B rig h t, n a U n iv e rsid a d e da 3. J. Fishman, Sociolinguistics. Rowley, Mass.: Newbury House
Publishers, 1970.
4. Joshua A. Fishman, Charles A. Ferguson, Jyotirindra Das
1. E. Haugen, “Planning in Modern Norway”, in Anthropo- Gupta, “Language Problems of Developing Nations”, in American
logical Linguistics, 1/3, 1959. Anthropologist, New Series, vol. 73, n° 2 (Apr., 1971), pp. 404-405.
14 AS PO L ÍT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S NAS O R IG E N S DA PO LÍT IC A LIN G Ü ÍS T IC A 1 5
da política ou do planejam ento lingüístico. Esse en — Language Planning Processes, editado p o r J.
contro deu origem a um a obra, Can Language be Rubin, B. Jem udd, J. das Gupta, J. Fishman,
Planned? (“a língua pode ser planejada?”), que faz uma C. Ferguson, 1977;
análise do estado da questão na época5. — Advances in the Creation and RevisionofW riting
J. Rubin, J. Das Gupta, B. Jem udd, J. Fishman e Systems, editado por J. Fishman, 1977;
C. Ferguson: temos aqui o “bando dos cinco” anglófonos — Colonialism and Language Policy in Vietnam,
que permaneceríam, durante anos, no centro da refle de Jo h n DeFrancis, 1977 etc.
xão sobre esse novo campo (veremos mais adiante que Por esses títulos, é possível perceber uma espécie
os mesmos temas serão igualmente abordados por pes de resumo da história do conceito, e a presença de uma
quisadores francófonos, germanófonos e hispanófonos). alternância entre um a abordagem mais geral e estudos
E possível acompanhar os progressos do planejamento de caso (a Albânia, a Indonésia, a Malásia, o V ietnã...).
Paralelamente, a noção de política lingüística apa
lingüístico sobretudo através das publicações de uma
rece em inglês (Fishman, Sociolinguistics, 1970), em es
coleção (Contributions to the Sociologg o f Language)
panhol (Rafael Ninyoles, Estructura social y política
dirigida por Joshua Fishm an na editora Mouton. De
linguística, Valencia, 1975), em alemão (Helmut Glück,
fato, em poucos anos, essas publicações reuniram uma
“Sprachtheorie und Sprach(en)politik”, OBST, 18,1981)
impressionante concentração de trabalhos:
e em francês. Em todos os casos e em todas as defini
— Advances in Language Planning, editado por
ções, as relações entre a política lingüística e o planeja
J. Fishman, 1974;
mento lingüístico são relações de subordinação: assim,
— Language and Politics, editado por William para Fishman, o planejam ento é a aplicação de uma
0 ’Barr e Jean 0 ’Barr, 1976;
política lingüística, e as definições posteriores, em sua
— Selection am ong A lte rn a te s in Language variedade, não ficarão muito longe dessa visão. Em
Standardization, the Case of Albanian, dejanet 1994, por exemplo, Pierre-Étienne Laporte apresenta
Byron, 1976; ria a política lingüística como um quadro jurídico e a
— Language Planning for Modemization, the Case reorganização lingüística como um conjunto de ações
of Indonesian and M alagsian, de S. Takdir “que tem por objetivo esclarecer e assegurar determi
Alisj abana, 1976; nado status a uma ou mais línguas”6. De fato, no inter
— Advances in the Study of Societal M ultilin- valo, à margem da corrente predominante, aparecem
gualism, editado por J. Fishman, 1977;
18 AS PO L lT IC A S l in g u ís t ic a s NAS O R IG E N S DA PO LÍTIC A L IN G Ü ÍS T IC A |9
vas de equacionar as situações de plurilingüism o do como resposta aos problemas dos países em “via
(diglossia, fórmulas tipológicas...), que discutiremos de desenvolvimento” ou das m inorias lingüísticas.
no capítulo seguinte, têm a ver com as questões da épo Mais tarde, os problemas lingüísticos do Québec,
ca. Os primeiros textos de Haugen (sobre o planeja bem como aqueles suscitados nos Estados Unidos pela
mento lingüístico na Noruega) e de Ferguson (sobre a imigração de hispanofalantes e, posteriormente, os que
diglossia) datam do m esmo ano, 1959, e durante as aparecem na Europa com a construção da Com unida
décadas de 1960 e 1970 as publicações nesses dois de Econômica Européia, mostrarão que política e pla
campos se multiplicam. Ora, trata-se do período que vem nejamento lingüísticos não estão vinculados somente ao
im ediatam ente após a descolonização de inúm eros desenvolvimento ou às situações pós-coloniais. O texto
países africanos e asiáticos, e o título de uma das pri fundador de Haugen sobre a Noruega bastaria para com
m eiras obras publicadas nesse dom ínio, Language provar que as relações entre língua(s) e vida social são
Problems of Developing Nations (New York, 1968), é ao mesmo tempo problemas de identidades, de cultura,
característico do campo conceituai no qual nasce essa de economia, de desenvolvimento, problemas dos quais
disciplina. Paralelamente, observa-se o aparecimento nenhum país escapa. E perceberemos que há também
de reflexões sobre as relações entre língua e naciona uma política lingüística da francofonia, da anglofonia
lismo (Joshua Fishm an, Language and Nationalism. etc. Desse ponto de vista, a emergência de novas nações
Rowley, Mass.: N ew bury House Publishers, 1972), terá simplesmente servido como um revelador.
sobre a situação lingüística das antigas colônias (Louis- Reiteremos: tratamos aqui da emergência de um con
Jean Çalvet, Linguistique et colonialisme — Petit traité ceito, o de política/planejamento lingüístico, que implica
de glotophagie. Paris: Payot, 1974), sobre a situação da ao mesmo tempo tuna abordagem científica das situações
língua catalã na Espanha (Aracil, Ninyoles). Em Can sociolingüísticas, a elaboração de um tipo de intervenção
Language be Planned? (1971), os estudos de caso re sobre essas situações e os meios para se fazer essa inter
venção. Podemos encontrar prefigurações de caráter in-
metem à Irlanda, Israel, Filipinas, África Oriental,
contestavelmente científico entre os lingüistas do Círculo
Turquia, Indonésia, Paquistão: em todos esses traba
de Praga, por exemplo, que intervieram no campo da pa
lhos, temos a impressão de que a ênfase é dada aos
dronização do tcheco9, ou em Antoine Meillet, que expri
países novos, recém -independentes e em vias de de
miu seu pônto de vista sobre a Europa lingüística10. Mas
senvolvimento, como se a política lingüística não dis
sesse respeito aos países europeus. E, no início dos
anos 1990, um a coleção de obras publicada na Fran 9. Ver D. de RobiUard, Laménagement linguistique: problémati-
ça, sob a direção de Robert Chaudenson, aludirá pelo ques et perspectives. Provença: Universidade de Provença, 1989, pp.
53-71, tese.
seu título (“Langues et développement”) à obra de 1968 10. Louis-Jean Calvet, A. Meillet, “La politique linguistique et
referida acima: a política lingüística parece ter nasci 1’Europe: les mains sales”, in Plurüinguismes. Paris: CERPL, n° 5, 1993.
20 AS PO L ÍT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S NAS O R IG E N S DA PO LÍT IC A LIN G Ü ÍS T IC A 21
trata-se, nesses casos, apenas de prefigurações, que prefe po m inqritário do interior de um Estado (os bretões
rimos não abordar nesta breve apresentação histórica. na França, por exemplo, ou os indígenas quíchuas no
Equador) pode fazer o mesmo. Mas apenas o Estado
tem o poder e os meios de passar ao estágio do plane
II - O primeiro modelo de Haugen
jam ento, de pôr em prática suas escolhas políticas. E
Quando o termo planning, “planejam ento”, sur por isso que, sem excluir a possibilidade de políticas
ge na literatura lingüística, ele é tomado em seu senti lingüísticas que transcendam as fronteiras (é por exem
do econômico e estatal: determ inação de objetivos (um plo o caso da francofonia, mas trata-se de uma reu
plano) e a aplicação dos meios necessários para atin nião de Estados), nem a política lingüística pertinente
gir esses objetivos. Desse modo, pode-se falar do pla às entidades menores que o Estado (as línguas regio
nejamento da natalidade, do planejamento da econo nais, por exemplo), devemos admitir que, na maior
mia etc. Nos anos 1920 6,1930, só a União Soviética parte dos casos, as políticas lingüísticas são iniciativa
dispunha de um plano, e é essencialmente na segunda do Estado ou de uma entidade que disponha no seio do
metade do século XX que essa prática se generalizou. Estado de certa autonom ia política (como a Catalunha,
Mas essa generalização se constituiu sobre princípios a Galiza ou o País Basco na Espanha).
diferentes. De fato, é preciso distinguir o planejamen O modo como Haugen, em sua comunicação na
to indicativo ou incitativo, baseado no acordo entre as reunião de Los Angeles em 1964, definira a noção de
diferentes forças sociais, do planejamento imperativo, planejamento mostra que ele se situava nesse campo
que implica a socialização dos meios de produção. O ideológico:
prim eiro é aquele praticado nos países ocidentais, o
segundo caracterizaria os países do Leste. Nesses dois O planejamento é uma atividade humana decorrente da necessida
casos, entretanto, esse planejam ento tem pontos em de de se encontrar uma solução para um problema. Ele pode ser
completamente informal eadhoc, mas pode também ser organiza
comum: é nacional, repousa sobre a análise de pers
do e deliberado. Pode ser executado por indivíduos particulares ou
pectivas a médio e longo prazo, passa pela elaboração ser oficiaL (...) Se o planejamento for bem feito, ele compreendera
e depois pela execução de um plano, por fim é suscetí etapas tais como a pesquisa extensa de dados, a escolha de planos de
vel de avaliação. ações alternativos, a tomada de decisão e sua aplicação11.
O aspecto “nacional” ou “estatal” da política lin
güística, que aparece aqui, é um traço importante de De fato, Haugen partiu essencialmente do pro
sua definição. Efetivamente, qualquer grupo pode ela blema da norma lingüística e da padronização. Ele ci
borar uma política lingüística: um a diáspora (os sur tava, por exemplo, o gramático indiano Panini (que1
dos, os ciganos, os falantes de iídiche...) pode se reu
n ir em congresso para decidir um a política, e um gru- 11. Op. cit, pp. 51-52.
22 AS P O L ÍT IC A S LIN G Ü ÍS T IC A S NAS O R IG E N S DA P O LÍT IC A L IN G Ü ÍST IC A 23
viveu no século IV antes de C risto), ou ainda os Haugen constata inicialmente que a aparição das pri
gramáticos gregos e latinos, definindo o planejamento meiras gramáticas e dos primeiros dicionários das lín
lingüístico como “a avaliação da m udança lingüísti guas modernas coincide nos séculos XV e XVI com a
ca” Consciente das contradições entre essa aborda emergência de países ricos e poderosos. E, por exem
gem e as posições decididam ente descritivas e não plo, o caso da gramática de Nebrija elaborada para o
normativas da lingüística, ele afirmava que o planeja espanhol (1492), da fundação da Academia Francesa
mento lingüístico devia ser uma tentativa de influen por Richelieu (1635) e tc Em seguida, a partir do sécu
ciar as escolhas em m atéria de língua, situando-se as lo XIX, os progressos do ensino e a difusão da literatu
sim, implicitamente, ao lado daquilo que defini acima ra tornam necessária uma padronização das línguas e
como planejamento indicativo. Além disso, suas refe observa-se o aparecimento de indivíduos empenhados
rências passavam pela teoria da decisão, essencialmen em normatizar sua língua: Fréderic Mistral em relação
te utilizada no campo da “administração” ou, se pre ao provençal, Aasen em relação ao dinamarquês, Korais
ferirmos, da gestão econômica. Nesse domínio, utili em relação ao grego e tc Esses homens, esses primeiros
za-se geralmente o modelo de Herbert Simon, que dis “planejadores lingüísticos”, considerados por Haugen
tingue quatro fases: como meio lingüistas e meio patriotas, eram indivíduos
• — diagnóstico de um problema; isolados, e a obra deles tem a ver com iniciativa indivi
— concepção das soluções possíveis; dual. Ao contrário, a intervenção sobre a língua turca
— escolha de um a das soluções; decidida por A tatürk se vincula à ditadura, e podemos
— avaliação da solução tomada. encontrar entre esses dois extremos toda uma varieda
E o plano escolhido por Haugen para apresentar de de organizações que intervieram na língua: igrejas,
o planejamento lingüístico inspirava-se diretam ente sociedades literárias ou científicas etc
nesse modelo, uma vez que ele analisava os diferentes — A s alternativas. Haugen destaca primeiram en
estágios de um planejamento lingüístico como um “pro te que, mesmo havendo grupos menores que a “nação”
cedimento de decisão”: os problemas, os decisores, as (como os galeses) ou maiores que a “nação” (como os
alternativas, a avaliação è a aplicação. judeus, que têm problemas lingüísticos), é no seio da
— Para ele, todos os problemas se reduzem ao caso “nação” que se encontram os meios oficiais para se de
geral da não-comunicação: pode haver upj, fracasso senvolver um planejam ento lingüístico. Em seguida,
relativo, quando os interlocutores falam formas dife fazendo referência às funções da língua propostas por
rentes da mesma língua, ou fracasso total, quando os Jakobson, Haugen explica que a língua não serve ape
interlocutores não falam a mesma língua. nas para transm itir informação, ela também diz coisas
— Os decisores. Quem dispõe de autoridade sufi sobre o falante, sobre o grupo. A função de comunica
ciente para dirigir e controlar a mudança lingüística? ção leva à uniformidade do código, já a função da ex
24 AS PO L ÍT IC A S LIN G Ü ÍS T IC A S NAS O R IG E N S DA P O LlT IC A L IN G Ü ÍST IC A 25
pressão, ao contrário, leva à sua diversificação. Isso se dá ca aos conceitos adotados. Mais precisamente, Haugen
porque o objetivo do planejamento não é necessariamen quase não questiona o problema do poder, das relações de
te gerar um código uniforme: ele pode visar à diversida força de que dão testemunho as relações lingüísticas. Isso
de ou à uniformidade, à mudança ou à estabilidade. pode ser em parte explicado pelo fato de ele não ter levado
— A avaliação das diferentes soluções passa pela em conta o plurilingüismo, os problemas de relações entre
identificação das formas lingüísticas envolvidas para que as línguas, mas também pelo fato de estar vinculado a
sejam fixados os limites nos quais é possível intervir. uma concepção liberal americana do planejamento. Ele
Convém saber se existe uma ou mais normas, se existe também não levantou o problema do controle democráti
uma ortografia, ou mais de uma. Enfim, é preciso dotar- co sobre as decisões dos planejadores, considerando que o
se de critérios objetivos que, em relação com as finalida Estado deve escolher e aplicar a solução que lhe pareça
des visadas, permitirão a escolha da solução. De manei melhor para resolver um problema Há de fato, em tudo
ra geral, segundo Haugen, uma forma lingüística é eficaz isso, a exportação e a aplicação mecanicista de modelos
se for fácil de aprender e fácil de utilizar. utilizados na economia liberal e na administração de em
— A aplicação. Haugen destaca que os decisores são, presas, sem nenhuma análise sociológica das relações de
no final das contas, os usuários da língua, e que são por força que se encontram em jogo. Nessa época, o planeja
tanto eles que precisam ser convencidos a aceitar a solu mento lingüístico se limitava essencialmente à proposição
ção escolhida. Desse ponto de vista, o indivíduo quase de soluções concernentes à padronização das línguas, sem
não tem relevância, a não ser aquela que lhe é dada por que os vínculos entre línguas e sociedades fossem verda
sua autoridade pessoal ou científica. Em contrapartida, deiramente levados em conta.
o governo controla o sistema escolar, as mídias; e para
ele a melhor estratégia consiste em introduzir a reforma
lingüística escolhida por meio da escola.
III - A abordagem “ instrumentalista” :
P. S. Ray e V. Tauli
E possível que o leitor deste texto fique surpreso com
o fato de que Haugen, àquela época, não estivesse criando Não faltam definições que apresentam a língua
nada de novo. Conhecendo bem a história lingüística da como um “instrum ento de comunicação”, sendo fácil
Noruega, ele adotou alguns conceitos da economia (plane observar o caráter restritivo de tais definições, que ig
jamento), da administração (teoria da decisão) e os apli noram aquilo que é essencial na língua, isto é, seus
cou nos exemplos de intervenção do Estado sobre as lín vínculos com a sociedade. As abordagens estruturalis-
guas (Noruega, Grécia, Turquia etc). Assim, ao propor tas da língua foram criadas com base nessa restrição,
um novo sintagma, o planejamento lingüístico, Haugen não e foi contra ela que se desenvolveu uma nova maneira
chegou a criar um conceito novo, mas delimitou sobretudo de abordar os fatos das línguas, que foi batizada de
um domínio de atividade, sem desenvolver qualquer críti “sociolingüística”, mas que constitui de fato a lingüís-
26 AS P O L ÍT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S NAS O R IG E N S DA PO LÍTIC A LIN G Ü ÍST IC A 2 7
tica no sentido amplo, indo a fundo nas implicações imaginável no início dos anos 1960, diante da ausên
da definição da língua como “fato social”. cia de formalização da sociolingüística nascente.
Encontramos esse enfoque instrum entalista em Valter Tauli se situa na mesma linha ao propor, em
alguns trabalhos que marcam a emergência da política 1968, uma “introdução a uma teoria do planejamento
lingüística. Assim, Punya S. Ray, numa obra publicada lingüístico”13. Certamente ele faz, aqui e ali, algumas re
em 196312, insistia no caráter instrumental da língua, ferências à natureza social da língua, como que por obri
considerando que seu funcionamento podia ser aperfei gação, mas para ele a língua é e sse n c ia lm e n te um instru-
çoado pela intervenção na escrita, na gramática ou no mento, no sentido m ais banal do termo, um instrumento
léxico. Sua abordagem era relativamente simplista: por que pode ter seu funcionamento aperfeiçoado, sendo esta
um lado, pode-se avaliar a eficácia de uma língua, sua a tarefa do planejamento lingüístico. Em 1962, ele já
racionalidade, sua normalização e por outro, aperfeiço apresentava essa posição com veemência:
ar a língua a partir desses diferentes pontos de vista,
como se troca uma peça defeituosa de uma máquina. Uma vez que a língua é um instrumento, isso significa que uma
língua pode ser avaliada, alterada, corrigida, regulada, melhora
Essa m aneira de considerar a língua como um
da e novas línguas podem ser criadas à vontade14*.
instrumento que pode ter o funcionamento aperfeiçoa
do é passível de crítica, mas acontece que o problema Mas como avaliar uma língua? Tauli imagina essa
da avaliação (neste caso das línguas, mas também das avaliação baseado no modelo do decatlo, competição
situações lingüísticas) estará no centro das reflexões esportiva em que os atletas concorrentes recebem certo
prévias a uma intervenção planejadora. Como medir núm ero de pontos segundo seu desempenho em dez
o grau de eficácia de uma língua? Essa questão, que modalidades diferentes. Mas essa metáfora não lhe for
está no centro da intervenção de Ray, está evidente nece os meios para avaliar globalmente uma língua, e
mente mal formulada e, portanto, fica sem resposta. ele a reduz a uma abordagem pontilhista, selecionando
Uma língua não é, em si mesma, racional ou eficaz; alguns domínios, demonstrando um dogmatismo su r
ela responde ou não a necessidades sociais, ela segue preendente. Assim, para ele, a ordem “norm al” das
ou não a progressão da demanda social. O problema é palavras na frase é a ordem sujeito-verbo, a distinção
saber em que medida a organização lingüística de um a entre masculino, feminino ou neutro é inútil e absur
sociedade (as línguas em contato, seus domínios de
uso etc.) responde às necessidades de c o m u n ic a ç ã o 13. Valter Tauli, Introduction to a Theorg of Language Planning.
dessa soeiedade, mas essa abordagem era dificilmente Uppsala: Almqvist & Wiksells 1968. O livro vinha sendo redigido
desde 1962.
14. Valter Tauli, “Practical Linguistics: the Theory of Language
12. Punya S. Ray, Language Standartization: Studies in Planning”, in Horace Ed. Lunt (org.), Proceedings of theNinth Congress
Prescriptive Linguistics. Haya: Mouton, 1963. of Linguistics - Cambrige, 1962. Haia: Mouton, 1964, p. 605.
28 AS P O L ÍT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S NAS O R IG E N S DA PO LÍT IC A L IN G Ü ÍST IC A 29
da, a escrita deve ser alfabética e fundam entada numa mento”) e “línguas Ausbau” (em alemão: “desenvolvi
análise fonológica etc., e o papel do planejador será mento”): de um lado, as línguas percebidas como isola
modificar o instrum ento língua para aproximá-lo dessa das, independentes, e, do outro, aquelas que são perce
norm alidade. “O planejam ento lingüístico”, afirma bidas como línguas próximas, de uma mesma família16.
Tauli, “é um a atividade cujo objetivo é o aperfeiçoa Tal diferenciação não deixou de repercutir nas ques
m ento e a criação de línguas”15. tões de planejamento lingüístico. Assim, o grego por
_Se as posições de Ray e Tauli, às vezes no limite do exemplo, língua “A bstand”, como o basco ou o húnga
absurdo) aproximam-se de um impasse, elas também ro, não era considerado como integrante de um continuam
demonstram os laços entre o grau de conceitualização de variações, ao contrário das línguas “Ausbau” como
ao qual chegou a lingüística e o modo de teorização do o italiano, o espanhol, o português ou o francês, ou
planejamento lingüístico. Esse instrumentalismo se tor ainda como o alemão, o dinamarquês, o inglês, o ho
nou possível graças a um a lingüística que analisava a landês; e essa diferença de status tem incidências cla
língua de um ponto de vista interno, fazendo abstração ras nos problem as lingüísticos da Europa. De fato,
de seu aspecto social, e suas posições, às vezes caricatu pode-se imaginar a divisão dos países da Comunidade
rais, assinalavam ao mesmo tempo os defeitos e as li Econômica Européia em dois grupos: um de línguas
mitações dessa lingüística. germânicas e outrojle línguas românicas; mas o grego e
O leitor terá percebido que, até aqui, os teóricos o basco ficam fora dessa classificação... Dois anos de
do planejam ento lingüístico pareciam se interessar pois, Kloss introduziu um a distinção entre o planeja
apenas pela língua, por sua padronização, por sua mento do corpus e o planejamento do status17, que teria
“m elhoria”, e isso ocorreu também por conta da lin
repercussões importantes. O planejamento do corpus
güística estrutural, de sua abordagem interna. Mas o
se relacionava às intervenções na forma da língua (cri
planejam ento lingüístico logo vai se interessar por
ação de uma escrita, neologia, padronização...), en
outras questões, passar dos problemas de forma aos
quanto o planejamento do status se relacionava às in
problemas de estatuto, evolução paralela à da lingüís
tervenções nas funções da língua, seu status social e
tica, que lentam ente ia se tornando sociolingüística.
suas relações com as outras línguas. Assim, é possível
que se queira m udar o vocabulário de uma língua, criar
IV - O segundo modelo de Haugen novas palavras, lutar contra os empréstimos: tudo isso
Em 1967, Heinz Kloss propôs a distinção entre
“línguas A bstand” (em alemão: “distância”, “afasta 16. Heinz Kloss, “Abstand Languages and Ausbau Languages”.
in Anthropological Languages, n° 9, 1967.
17. Heinz Kloss, Research Possibilities on Group Bilingualism: A
is. Op. cit, p. 608. Report. Québéc: CIRB, 1969.
30 AS PO LlT IC AS LIN G Ü ÍS T IC A S NAS O R IG E N S DA PO LlT IC A L IN G Ü ÍS T IC A 3 I
Indonésia) elaborou o vocabulário funcional da língua, zando uma metáfora médica, eles agiam como um ci
rebatizada como bahasa indonésia (língua indonésia). rurgião que abre um corpo, constata o mal e opera. A
Vê-se que, nesse esquema, o percurso do planeja originalidade da contribuição dos sociolingüistas cata-
mento lingüístico esboçado por Haugen (do estágio 1, es lães, occitanos e crioulófonos se deve ao fato de que,
colha de uma norma, ao estágio 4, modernização da lín nesses casos, o cirurgião era também o paciente, e de
gua) se apresenta, aos mesmo tempo, como técnico e que teoria e prática estavam estreitamente ligadas.
burocrático: há um decisor (geralmente o Estado) que A situação da Catalunha, sob o franquismo, po
escolhe uma língua para preencher determinada função dería ter servido de exemplo a Ferguson, quando ele
(a função oficial, por exemplo), que confia a especialis apresentou seu conceito de diglossia: o espanhol era
tas a tarefa de codificar essa língua e que depois operacio- ali a variedade alta, a língua do Estado, da escola, da
naliza sua escolha (a língua passa a ser utilizada em dife justiça etc., enquanto o catalão, variedade baixa, esta
rentes níveis do aparelho do Estado: ensino, meios de va reservado à com unicação familiar, íntim a. Mas
comunicação etc.), fazendo eventuais correções na esco Ferguson tinha uma visão estática da diglossia, que
lha etc. Mas não ocorre em nenhuma parte desse esque nele aparecia como um a repartição funcional harm o
ma a menor crítica em relação aos processos de decisão, niosa dos usos, e é precisamente essa visão que será
nenhum a sugestão de uma possível consulta democráti questionada pelos lingüistas “nativos”, ou seja, aque
ca junto às populações envolvidas ou ainda de um con les oriundos de situações diglóssicas, particularmente
tro le d em ocrático dos estágios 1 (escolha) e 2 Robert Lafont, no lado dos occitanosV 19; Lambert-Félix
(codificação): se a língua pertence àqueles que a falam, o Prudent, no lado do§ crioulófonos20 e Lluis Aracil, no
problema da língua aparece aqui como uma questão de lado dos catalães21. Eles afirm avam que a diglossia
Estado, e isso gera em algumas situações, como na Fran não era uma coexistência harmoniosa entre duas va
ça, conflitos entre esse Estado, os falantes da língua nacio riedades lingüísticas, mas uma situação conflituosa
nal e as minorias lingüísticas do território. entre uma língua dom inante e uma língua dominada.
Ora, de acordo com Lluis Aracil, esse conflito só po
dería levar a duas situações: ou a língua dominada
V - A contribuição da sociolingüística “ nativa”
desaparece em favor da língua dominante (o que ele
Pelo que vimos até agora, os teóricos e, às vezes,
os técnicos do planejam ento lingüístico não estavam 19. Robert Lafont, “Un problème de culpabilité sociologique:
pessoalmente implicados nas situações nas quais in- la diglossie franco-occitane”, in Langue Française, n° 9, 1971.
tervinham : seu status era o do especialista que obser 20. Lambert-Félix Prudent, “Diglossie et intelecte”, in Langagcs,
n° 61. 1981.
va uma situação, a avalia, faz propostas de mudança 21. Lluis Aracil, Conflicte lingüistic i normalitzacw lingüística a
ou de reorganização e, eventualmente, as aplica. Utili- 1’Europa nova, 1965 (versão francesa, mimeo) e 1982 (versão catalá).
• V) . ’ a. V A \ *U SX * Á H K H
34 AS PO L ÍT IC A S LIN G Ü ÍS T IC A S NAS O R IG E N S DA PO LÍT IC A L IN G Ü ÍST IC A 3 5
chama de substituição), ou ela recupera suas funções e militante leve ao mesmo resultado ao atuar sobre a de
seus direitos (o que ele chama de normalização). manda social para justificar uma proposta lingüística.
Essa abordagem deve ser situada num a análise Por exemplo, pode-se considerar que a difícil situação
de tipo eletromecânico das situações lingüísticas, que das línguas regionais como o b retã o , n nraitann, n h a s m
considera o b inôm io línguas/sociedade como um etc., seja O resultado dp. ntTm {rigônria dp. A e m a n á a RO-
hómeostato, ou seja, como um sistema que funciona no cial: essas línguas existem, mas não têm utilidade so-
modo da auto-regulação. Aracil propunha a distinção ciaí e estão, por conta disso, condenadas a desaparecer.,
entre as “funções sociais da língua” e as “funções lin Mas é possível que a intervenção hum ana (e não mais a
güísticas da sociedade”, podendo as relações entre es auto-regulação homeostática) aja sobre a demanda so
ses dois grupos desembocar na substituição ou na nor cial para justificar a oferta lingüística: se dois grupos
malização. No primeiro caso, quando as funções lin reivindicam, digamos que por razões identitárias, o di
güísticas da sociedade não encontram resposta adequa reito a suas línguas, essas línguas têm então, ipso facto,
da nas funções sociais da bngua, esse déficit num dos um papel e um lugar na sociedade.
conjuntos cria, por “feedback positivo”, um déficit das Esse deslocamento progressivo do teórico rum o
funções recíprocas no outro conjunto, e essa ampliação ao militante era seguramente facilitado pela situação
resulta, pela multipbcação do déficit inicial, na substi da Catalunha que, após o retorno da democracia na
tuição. No segundo caso, ao contrário, o déficit provo Espanha, recuperava sua autonom ia e dispunha de
ca, por “feedback n eg ativ o ”, um a regulação, um a possibilidades de intervenção políticas ou legislativas.
autocorreção ou um esforço compensatório entre as Assim, quando um a lei de norm alização lingüística
funções lingüísticas da sociedade e as funções sociais foi promulgada na C atalunha (Liei de Normalitzacio
da língua, o que leva à normalização. Nesses aspectos, Lingüística a Catalunga, 23 de abril de 1983), a_pró-
a sociolingüística catalã forneceu à política lingüística pria noção de normalização se modificou: ela não_é
vinda da América do Norte um quadro teórico que lhe mais o produto da auto-regidação^mââ-Q-proíliito _da
faltava, fazendo a ligação entre as situações lingüísti vontade hum ana, da intervenção do podex público.
cas (a diglossia, por exemplo) e as situações sociais. Indiquei acima que os primeiros teóricos - norte-
Esse modelo eletromecânico é originalmente des americanos - da política e do planejamento lingüísticos
critivo, explicativo. Mas a noção de normalização lin pecavam pela falta de visão teórica; eles tendiam a ne
güística vai adquirir, paulatinam ente, na Catalunha gligenciar o aspecto social da intervenção planejadora
um sentido mais militante. Com efeito, o feedback ne sobre as línguas. Diante deles, os lingüistas europeus,
gativo que reorganiza as funções lingüísticas da socie em particular os lingüistas falantes de línguas domi
dade é, no plano teórico, o produto de um a auto- nadas, insistiram na existência de conflitos lingüís
regulação. Mas pode-se imaginar também que a ação ticos, contribuindo notavelm ente para enriquecer a
o
36 AS PO L ÍT IC A S l in g ü ís t ic a s
• ser falada por mais de 25 % da população ou Foi um vaivém en tre descrições em píricas e
por mais de um milhão de pessoas (o quíchua formalização que pautou a emergência do modelo de
na Bolívia, por exemplo, falado por um terço da Ferguson. Esse procedimento, que vai da coleta de da
população, mas sem nenhum status oficial); dos à tentativa de estabelecer um quadro teórico é, sem
• ser língua oficial (o irlandês, por exemplo, lín
gua oficial da Irlanda, mas falado apenas por o senta um a séria desvantagem: até que todas as situa
3% da população); ções lingüísticas tenham sido analisadas exaustivamen
• ser língua de ensino em 50 % das escolas se te, o quadro será submetido a constantes revisões que, a
cundárias do país (por exemplo, o inglês na depender do caso, poderão se traduzir num aprimora
Etiópia, país cuja língua oficial é o amárico e m ento do m odelo (a versão otim ista), ou em seu
onde, embora poucas pessoas falem inglês, esta questionamento (a versão pessimista). Aliás, o próprio
é a língua de ensino da maioria das escolas Ferguson estava consciente das limitações do trabalho,
secundárias e superiores). assinalando que ele apresentava “uma solução pouco
O mesmo ocorria em relação às minor languages satisfatória para um problema com o qual alguns dos
e às languages ofspecial status: o procedimento consis meus estudantes e eu mesmo temos nos confrontado
tia em definir as categorias para que as línguas já consi há anos: como comparar nações, de uma maneira útil.
deradas em diferentes situações nacionais pudessem en de um ponto de vista sociolingüístico”\ e ele destacava
contrar seu lugar. Em outros termos, era o saber dos também que certas informações estavam ausentes de
informantes (neste caso, os estudantes que participa suas fórmulas (diferença entre línguas indígenas e lín
ram do seminário) sobre sua comunidade lingüística guas de migrantes, sistemas gráficos utilizados, taxas
que pautava a criação das categorias de línguas e os
de analfabetismo etc.).
critérios de classificação nessas categorias. Na Etiópia,
Em 1968, Stewart retomou o problema, que já abor
por exemplo, muito provavelmente por considerarem
dara em 1962, de uma maneira ligeiramente diferente:
o inglês como um a “língua m ajoritária”, é que a ter
propunha doravante levar em conta quatro atributos (pa
ceira condição da definição foi a escolhida.
dronização, autonomia, historicidade e vitalidade), cuja
Mas esse tipo de informações (número de línguas
combinação (ausência: representada pelo sinal de - e a
majoritárias, m inoritárias etc.) era bastante limitado.
presença pelo sinal de + , em relação ao atributo em ques
Para acrescentar dados sobre os tipos e funções das lín
guas em contato, Ferguson adotou uma tipologia pro tão) permitia definir sete tipos de línguas, segundo o es
posta por Stewart em 1962, reduzindo o núm ero de quema explicitado no seguinte quadro:8
tipos de sete para cinco (ele abandonou os tipos “artifi
cial” e “marginal”) e conservando as sete funções. 8. Op. cit., p. 315.
44 AS P O llT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S AS T IP O L O G IA S DAS S IT U A Ç Õ E S P L U R IL lN G Ü ES 45
Atributos
Classe 6: hebraico Cr
Tipos de (leia-se: um clássico religioso)
língua latim Crs 0
Padronização Autonomia Historicidade Vitalidade
(leia-se: um clássico, religioso, ensinado)
+ + + + padrão
+ + + clássica
+ + artificial Essas tentativas de equacionar as situações pluri-
_ ~ + + + vernácula língües abrem o flanco a um certo número de críticas:
- - + + dialeto • A escolha dos atributos de Stewart nem sem
+ crioula
pidgirf l, pre é evidente. Dessa maneira, dizer que o
- - - -
crioulo não possui o atributo “autonom ia”
E acrescenta mais três funções às sete propostas (porque se deve esclarecer “crioulo de base
por Ferguson (provincial, capital, literária) e divide as lexical francesa, inglesa, portuguesa” etc.)
línguas de um país em seis classes, de acordo com a provém, em parte, da ideologia: por que se
porcentagem da população falante da língua: ria necessário especificar crioulo francês para
Classe 1: língua falada por mais de 75 % da população uma língua falada nas ilhas Seychelles, por
Classe 2: língua falada por mais de 50% da população exemplo, e não língua românica para o fran
Classe 3: língua falada por mais de 25 % da população cês ou língua germânica para o inglês? Não
Classe 4: língua falada por mais de 10% da população havería por trás dessa apresentação a recusa
Classe 5: língua falada por mais de 5 % da população e r e c onsiderar os crioulos como línguas ple-
Classe 6: língua falada por menos de 5 % da população nas e uma m aneira de abordar as línguas do
Isto lhe permite apresentar a situação das ilhas ponto de vista do senso comum em detrim en
Curaçao (Antilhas Holandesas) da seguinte maneira: to da perspectiva científica?,
• Certas classificações envelhecem rapidam en
Classe 1: papiamento K(d:A = espanhol) te (o crioulo haitiano seria, por exemplo, con
(leia-se: um crioulo em situação diglóssica com o espa siderado atu alm en te como padronizado e
nhol, variedade alta) m uitas línguas africanas teriam, em vinte
Classe 4: holandês So anos, mudado de classificação), o que suscita
(leia-se: um padrão oficial)
o problema da dimensão histórica dessas fór
inglês Sigs
(leia-se: um padrão internacional, gregário, língua ensinada)
mulas unicamente sincrônicas.
Classe 5: espanhol Sisl (d:L = papiamento) • Certas funções não são avaliadas de maneira
(leia-se: um padrão internacional, ensinado, literário, em precisa. Assim, existem línguas “oficialmente
diglossia com o papiamento) oficiais”, como o gaélico na Irlanda, cujo status ^
J
46 AS PO L ÍT IC A S LIN G Ü ÍS T IC A S A S T IP O L O G IA S DAS S IT U A Ç Õ E S P L U R IL ÍN G Ü E S 47
real é nulo, e línguas sem funções oficiais que 4 - sem alternativa maior no país para a
podem desempenhar entretanto um papel im mesma função
5 - aceitável como sím bolo de autentici
portante, como o francês na Ilha Maurício... dade
6 - ligada a um passado glorioso
da competência lingüística dos falantes). O autor pro O interesse dessa abordagem consiste, evidente
pôs um modo de cotação complexo, levando em conta mente, no fato de que ela permite refletir sobre a situa
as seguintes entradas (nos reportarem os a seu texto ção re sp e c tiv a dos d ife re n te s países no espaço
para os valores num éricos atribuídos a cada entrada): francófono, sobre os reagrupamentos que ela revela
A. Status ria no gráfico etc. Mas o valor de um gráfico assim é,
1. Oficialidade sobretudo, didático, porque ele visualiza os resulta
2. Usos “institucionalizados” dos de uma análise, permite apresentar o conhecimento
3. Educação e não adquiri-lo: o conhecimento que temos na parte
4. Meios de comunicação de massa superior da grade se encontra na parte inferior, mani
5. Setor secundário e terciário privado festado de m aneira diferente...
B. Corpus Outra utilização possível dessa grade consiste em
a) apropriação lingüística considerar as línguas em relação a um país e não mais
b) vem acularidade / vemacularização versus um país em relação a uma língua, como no trabalho de
veicularidade / veicularização Fasold. Para ilustrar isso, considerarei cada língua sob
c) os tipos de competências três pontos de vista:
d) produção e exposição lingüísticas • seu grau de uso, isto é, a porcentagem de falan
Vejamos o resultado dessa avaliação aplicada em tes no país considerado (o corpus de Chaudenson);
três países: Ruanda, Madagascar e Ilha Maurício: • seu grau de reconhecimento, isto é, o grau de ofi
100 cialidade da língua (o status de Chaudenson);
90 • seu grau de funcionalidade, isto é, as possibili
80 dades que a língua tem de preencher as fun
70 Ruanda ções destinadas a ela (que pode se aproximar
♦ Madagascar
da relação atributos/funções de Fasold).
Status
60
50 ♦ Apenas os dois primeiros termos (grau de uso e grau
40 Maurício
de reconhecimento) serão levados em consideração no grá
30 fico. Só depois, ao nos questionarmos, a partir do gráfico,
20 -
sobre estratégias de planejamento lingüístico é que o pro
10 -
blema do grau de funcionalidade será levado em conta.
0 -T-------1------ 1------ 1 Por enquanto, o mais simples é ilustrar este ponto de vista
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 com dois exemplos: o do Marrocos e o do Mali. Acompa
Corpus nhei por alto o modo de cálculo de Chaudenson no que diz
Situação em relação ao francês respeito ao “status” (o grau do reconhecimento), mas sim-
5 2 AS PO LlT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S AS T IP O L O G IA S DAS SIT U A Ç Õ ES PL U R IL ÍN G Ü ES 53
plifiquei o procedimento no que diz respeito ao “corpus” (o tamasheq (estou citando apenas as quatro principais lín
grau de uso), levando simplesmente em conta uma avalia guas do país, mas todas as outras poderíam constar neste
ção (que me é própria, pois não dispomos de nenhum gráfico) têm um status e um corpus de igual valor, porém
número oficial sobre esse assunto) da porcentagem da fraco; o bambara tem um corpus muito mais importante
população falante das diferentes línguas em contato. que seu status e o francês conhece a situação inversa:
Consideremos o gráfico do Marrocos: três línguas
coexistem no país com status diferentes o árabe, o 90 ♦
80 - francês
berbere e o francês, e podemos ver que elas aparecem
70 -
em posições extremamente contrastantes no quadro. O 60 -
árabe tem um status e um corpus de valor sensivelmen 50 -
te igual (ele é falado por cerca de 90 % da população e 40 -
tem o status de língua oficial), o francês tem um status 30 - songhai
20 - peul bambara
mais importante que seu corpus, e o berbere está em 1q tamasheq ♦
situação inversa (falado por aproximadamente 50% 0 1 ... ...... — i—
♦
árabe Qual pode ser a utilidade destes gráficos? Eles
nos perm item fazer um a leitura im ediata da relação
entre status e corpus para cada uma das línguas e as
sim avaliar a situação lingüística do país. ,Se conside
rarmos, de fato, que de m aneira geral é desejável que
uma língua possua um status correspondente a seu
berbere corpus, temos três situações teóricas:
T- ■ 1. a das línguas que se encontram na diagonal (ou
10 20 30 40 50 60 70 80 90 seja, as línguas para as quais status = corpus). E
Corpus claro que elas podem se situar mais no alto ou
menos no alto nessa diagonal, dependendo de sua
A s línguas do Marrocos
condição de língua de unificação nacional (corpus
Quanto ao Mali, a situação é igualmente contras próximo do valor máximo: o árabe no Marrocos)
tante, mas de maneira diferente: o songhai, o peul e o ou regional (o peul e o songhai no Mali);
54 AS pol Iticas lingüísticas
AS T IP O L O G IA S DAS S IT U A Ç Õ ES PL U R IL ÍN G Ü ES 55
2. a das línguas que se encontram acima da dia uso que pode ser estimado em torno de 10%
gonal (como o francês no Mali e, de m aneira de falantes, enquanto o sango (sango 1960)
menos clara, no Marrocos) e que possuem um tinha um grau de reconhecimento nulo e um
status superestim ado; grau de uso que pode ser estimado em aproxi
3. a das línguas que se encontram abaixo da m adamente 80% dos falantes.
diagonal (como o berbere no Marrocos) e que • No ano 2000, se a política pretendida tiver
têm, portanto, um status insuficiente. efeito, pode-se estim ar o francês com um grau
Tal visualização da situação lingüística de um país de uso em ascendência devido ao progresso
pode assim: da escolarização (hipoteticam ente em 20%,
1. servir de base para a reflexão sobre o planeja pela necessidade da demonstração), o sango
mento lingüístico: percebem-se de imediato as con igualmente em progresso (90%), com as duas
tradições ou a coerência entre os graus de uso e de línguas dividindo entre si o status (50/50); o
reconhecimento das línguas em contato; que possibilitaria o seguinte gráfico:
2. perm itir representar, no plano diacrônico, a
100
evolução esperada de uma situação após a in 90 francês 1960
tervenção planejadora. 80
Em outros termos, temos aqui um instrumento que 70
60
permite apresentar um diagnóstico e formular objetivos.
50
Utilizando um exemplo extremamente teórico, o 40 francês 2000 sango 2000
da República Centro-Africana, que adotou uma “lei 30
fixando a política de reorganização lingüística da Re 20
10 sango 1960
pública”, segundo a qual o francês e o sango passaram 0
a ser as duas línguas oficiais do país. É possível avaliar 10 20 30 40 50 60 70 80 90
a situação dessas línguas, em termos de grau de uso e Corpus
de grau de reconhecimento, no momento da indepen
República Centro-africana
dência do país e após a intervenção dessa nova políti
ca lingüística:
Percebe-se que, nesta hipótese, o francês desceria
• No momento da independência, o francês (no
e o sango subiría para a linha diagonal, mas que, ain
gráfico: francês 1960) tinha um grau de reco
da assim, a situação não correspondería ao desejável
nhecim ento máximo, única língua de adm i
(corpus = status). Se o corpus do francês aumentasse,
nistração, de escolarização etc. e um grau de
o lugar da língua se aproximaria da diagonal, mas para
Ã->
que o sango fizesse o mesmo deslocamento seria ne ção da situação lingüística”, inúm eras possibilidades
cessário aum entar o seu status (em detrim ento do de política lingüística (aum entar o grau de reconheci
francês). A avaliação sociolingüística term ina aqui e mento de uma, duas, inúm eras línguas, por exemplo),
entramos no dom ínio das escolhas da República Cen- um dos critérios de escolha a ser levado em conta po
tro-Africana: dar, por exemplo, ao sango um status dería ser a relação entre custo da operação e o benefí
semelhante a seu corpus implicaria tirar do francês cio social decorrente.
seu status de língua oficial e isso levanta outros pro Nos exemplos m encionados acima, fiz referên
blemas que não são da alçada do lingüista. cia, para ilu strar a utilização desse gráfico no do
Contudo, e isto conduz agora ao grau de funcio m ínio da política lingüística, a um a ação sobre o
nalidade, se diante de tal gráfico um país decidisse grau de reconhecimento das línguas. Mas evidente
intervir sobre o grau de reconhecimento de uma lín
m ente o contrário tam bém é possível, e pode-se as
gua, para tentar aproximá-la de seu grau de uso, sur
sim tom ar a decisão de in terv ir no grau de uso das
ge a questão de saber se tal língua está equipada para
línguas. Os grupos m inoritários que lutam pela so
preencher essa função. Como delimitar essa noção de
brevivência da sua língua, criando, por exem plo,
grau de funcionalidade? Nesse caso, o melhor é partir
escolas privadas nas quais ela seja ensinada, em pe
da idéia de Fasold de que certas funções implicam cer
tos atributos. Mas Fasold expunha o problema em ter nhando-se em transm iti-la às crianças etc., não fa
mos estatísticos: tal língua possui ou não esse ou aquele zem nada além de ten ta r agir sobre o grau de uso
atributo e portanto pode ou não preencher determ ina dessa língua. Isso significa que temos dois estágios
da função. Meu ponto de vista é muito mais dinâmico sucessivos de reflexão: a escolha de um tipo de ação
e pode ser formulado da seguinte maneira: se quere (sobre o reconhecim ento ou sobre o uso) e a d eter
mos que tal língua preencha tal função, o que é preci m inação do eq u ip am en to necessário à língua no
so fazer então para equipá-la? Utilizando um exemplo dom ínio da funcionalidade. E n tretan to , m ais um a
simplista: é evidente que para introduzir uma língua vez, isso já não está no âm bito da análise sociolin
no sistema de ensino (ou seja, transformá-la em lín güística, mas no das decisões políticas.
gua de escolarização), é necessário primeiramente dar- Percebe-se que essas proposições são largamente
lhe uma transcrição, alfabética ou outra, dar-lhe uma programáticas e que convém agora seguir a reflexão e
norma, forjar uma terminologia gramatical etc. E isso a experimentação com base nestes dois pontos:
nos conduz a reflexões eminentemente práticas sobre • Como medir, de maneira unívoca, o grau de uso
a relação qualidade/preço desse equipamento ou so e o grau de reconhecimento de uma língua? <S“
bre a relação custo/benefício. Se temos, por exemplo, • Como determinar, de maneira precisa, o que
diante do que eu chamaria de um “gráfico de avalia constitui a funcionalidade de um a língua?
58 AS P O L lT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S
AS T IP O L O G IA S DAS SIT U A Ç Õ ES P L U R IL lN G Ü ES 59
V - w A o.
pio, não permite notar as vogais das línguas africanas O léxico
e o alfabeto latino é, nesse aspecto, mais preciso, mais
O utro problem a é o do léxico. O desenvolvi
eficaz etc. Jisses debates levarão a decidir em favor do
m ento das ciências e das técnicas, a m ultiplicação
alfabeto latino, ao menos temporariamente, em 1966,
das com unicações especializadas fizeram com que
quando a Unesco reuniu em Bamako um conjunto de
hoje em dia ap en as algum as lín g u as veiculem a
especialistas. T ratarem os dessa reunião no capítulo
m odernidade com a ajuda de um vocabulário p ró
seguinte.
prio; as outras línguas se contentam em tom ar em
C onsiderando todos esses pontos, vê-se que o
planejam ento lingüístico passa prim eiram ente por prestado esse vocabulário.\ D essa form a, a ten d ê n
uma descrição precisa da língua; em seguida, por uma cia atual é falar de inform ática utilizando um voca
reflexão sobre o que se espera de um sistema de es bulário em inglês. De m aneira mais ampla, existem
crita. Será necessário, por exemplo, escolher uma or m ilhares de línguas que p erm item d iariam en te a
tografia de tipo fonológico, na qual a cada fonema m ilh õ e s de f a la n te s c o m u n ic a r-s e de m a n e ira
corresponda um grafema ou, se se preferir, a cada • satisfatória em seu am biente social tradicional, mas
som um a letra? Ou, ao contrário, será necessário que são incapazes de assegurar um a com unicação
escolher uma ortografia de tipo etimológico, na qual científica* Seria, por exemplo, um a situação delica
a forma geral de um a palavra nos dará informações da apresentar a teoria da relatividade num a língua
sobre sua h istó ria e sobre a fam ília na qual está indígena da A m azônia. Isso pode não ter, certam en
inserida? No prim eiro caso, as palavras francesas te, nenhum a im portância, já que se um índio wayana
temps (tempo), taon (mutuca) e tant (tanto) poderão da G uiana quiser, por exemplo, se especializar em
ser grafadas como tã . No segundo caso, se destacará estudos nucleares, ele o fará em francês ou em in
o fato de que, mesmo utilizando letras aparentem en glês. Mas um a política lingüística tam bém pode de
te inúteis, a grafia temps apresenta a vantagem de cidir equipar determ inada língua para utilizá-la no
reportar ao latim tempus e às palavras temporaire ensino de m atem ática ou de medicina.
(temporário) ou temporiser (tem porizar)... Isso nos remete a outro domínio do planejam en
É só depois dessa fase técnica e científica, em to lingüístico: o da terminologia, no qual a principal
que a língua estará equipada no plano gráfico, que se atividade é a criação de palavras, ou a neologia. T ra
passa à fase prática: divulgar o sistem a de escrita ta-se aqui de determ inar as necessidades, de repertoriar
selecionado, através de abecedários, m anuais, da or o vocabulário existente (empréstimos, neologia espon
ganização de cam panhas de alfabetização, da in tro tânea), de avaliá-lo, de eventualm ente melhorá-lo, de
dução da língua recém -transcrita no sistema escolar, harmonizá-lo e de, depois, divulgá-lo sob a forma de
no meio gráfico etc. dicionários terminológicos, de bancos de dados etc.
66 AS PO L lT IC A S l in g ü ís t ic a s OS IN S T R U M E N T O S DO PLANEJAMENTO LIN G Ü ÍSTICO 67
Esse procedimento pode, então, responder a dois obje que ele não “agrade”, seja porque entra em concorrên
tivos m uito diferentes: cia com palavras já em uso, produtos da neologia es
• Pode-se tratar de equipar uma língua para que pontânea ou de empréstimo a outra língua.
ela possa cumprir uma função que até então Em francês, por exemplo, se uma palavra como
/
não cumpria. E o problema com que se con logiciel se impôs sem dificuldade no lugar do termo in
frontaram os países do norte da África, quan glês software, se uma palavra como remue-méninges en
do se decidiram por uma política de arabiza- tra poeticamente em concorrência com brainstorming,
ção, ou da Indonésia, quando ela decidiu subs nada garante que baladeur, tir d ’angle, tir passant,
tituir, na função oficial, o holandês pelo malaio. restovite ou prêt-à-monter substituirão, respectivamen
• Pode-se tratar também de lutar, no quadro de te, walkman, comer, passing shot, fast-food ou kit2. Esses
um a língua já equipada, contra os emprésti neologismos parecem ir contra um uso já estabelecido.
mos, de substituir um vocabulário alienígena Veremos nos capítulos seguintes diferentes exem
por um vocabulário endógeno. Esse é o pro plos desse tipo de ação.
blema com que se enfrentam o Québec ou ain
da as comissões de terminologia criadas nos A padronização
diferentes ministérios franceses. ,
Nos dois casos, entretanto, vemos a importância Q uando um país decide prom over uma língua
(mencionada a propósito da escrita) da descrição das para determinada função, ele pode ter de encarar uma
línguas e da análise dos seus processos de criação lexical: situação de dialetação. Isso significa que essa língua
uma palavra não é foijada aleatoriamente, é necessário pode ser falada de m aneira diferente por toda a ex
respeitar, ao mesmo tempo, o “gênio” da língua e os tensão do território, com uma fonologia diferente, um
sentimentos dos seus falantes. Portanto, a terminologia vocabulário e uma sintaxe parcialm ente diferentes.
implica, por um lado, um conhecimento preciso dos vImpõe-se então o problema de saber qual será a forma
sistemas de derivação, de composição da língua, um que exercerá a função escolhida pelos decisores.iMes-
inventário das raízes etc. e, por outro, implica que as mo nesse caso, há também diferentes soluções: pode-
palavras criadas, os neologismos, sejam aceitos pelos se selecionar uma das formas em presença ou então
falantes, isto é, que sejam em primeiro lugar aceitáveis. forjar uma forma nova a partir das formas existen
Porque um neologismo pode ser refutado (este, aliás, é tes. O primeiro caso remete a um sistema autoritário,
um caso muito freqüente; os especialistas em termino ou a um centralismo jacobino, quando se escolhe, por
logia produzem muito mais termos que ninguém jamais
utilizará do que termos que “pegam”), seja porque ele 2. Exemplos extraídos do Dictionnaire des termes officiels de la
não corresponde aos gostos lingüísticos dos falantes, larujuc françaisc, Direction des jouraaux officiels, Paris, 1994.
AS P O L ÍT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S OS IN STR U M EN TO S DO PLANEJAMENTO L IN G Ü ÍS T IC O 69
^exemplo, o dialeto da capital, No segundo caso, faz-se ou do empréstimo. Sempre que novas realidades pre
necessária uma descrição precisa das variedades dia cisaram ser nomeadas, elas o foram sem dificuldades:
letais para se tentar criar uma forma intermediária, assim, a invenção da eletricidade se fez acom panhar
uma espécie de lugar-comum dos diferentes falares, da criação da palavra eletricidade, construída sobre
que será posteriormente difundida por diferentes meios uma raiz latina, e o surgimento de um novo esporte, o
(mídia, escola etc.). Esse problema aparece primeira futebol, se fez acom panhar do empréstim o à língua
mente no nível da grafia: como transcrever uma pala inglesa da palavra football. Enfim, quando se conside
vra pronunciada de diferentes formas pelo território ra o núm ero de línguas existentes na superfície do glo
de maneira que todos a reconheçam? Em seguida, no bo (entre 4 e 5 mil, com um a média de 30 por país),
nível do léxico: qual variante conservar quando o mes tem-se a impressão de que estão dadas todas as condi
mo objeto ou a mesma noção não são nomeados da ções para que as pessoas não se compreendam. Con
mesma maneira nas diferentes formas dialetais? Por tudo, apesar da multiplicação das línguas ser conside
fim, há a questão da sintaxe quando, por exemplo, é rada por alguns como a maldição de Babel, a com uni
preciso escolher a norm a que será ensinada. cação funciona em todos os lugares.
No capítulo iv, apresentaremos um caso concre Isso porque há dois tipos de gestão das situações
to de padronização, a propósito da elaboração da lín lingüísticas: um a que procede das práticas sociais e
gua ofic: al da República Popular da China outra da intervenção sobre essas práticas. A prim ei
ra, que denominaremos de gestão in vivo, refere-se ao\
modo como as pessoas resolvem os problemas de co- y
Do Hn vivo ”para o “in v itr o ^ - * ^
municação com que se confrontam cotidianam ente. (
As intervenções que acabamos de mencionar so Essa gestão resulta em “línguas aproxim ativas” (os
bre a transcrição das línguas, seu léxico ou sua padro pidgins), ou ainda em línguas veiculares que são “cria
nização implicam que se pode mudar a língua. Ora, as das” (como o m unukutuba, no Congo) ou “prom ovi
línguas sempre m udaram , porém mudaram de outra das”, isto é, uma língua já existente que tem suas fun
maneira: sem intervenção do poder, sem planejamento.^ ções ampliadas (como o bambara no Mah, o wolof no
Quando se estuda a história da escrita, por exem Senegal ou o inglês no mundo). Em ambos os casos,
plo, verifica-se que na lenta evolução que vai dos pri seja a comunicação assegurada graças à “criação” ou
meiros cuneiformes mesopotâmicos aos silabários e à “refunciõnalização” de uma língua, isso não tem nada
depois aos alfabetos, é a prática social, em resposta às a ver com uma decisão oficial, \com um decreto ou uma
necessidades sociais, que desempenhou o papel mo lei: tem-se aqui, simplesmente, o produto de uma práti
tor. Da mesma m aneira, o léxico das línguas sempre ca. Aliás, essa prática não resolve apenas os problemas
esteve em mutação, através da neologia espontânea do plurilingüismo. Dessa forma, todo dia, em todas as
70 AS P O L ÍT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S OS IN S T R U M E N T O S DO PLANEJAMENTO L IN G Ü ÍSTIC O 7I
línguas do mundo, aparecem palavras novas para desig ele não queira ou que não acredite ser uma língua,
nar coisas (objetos ou conceitos) que a língua ainda não mas um dialeto. Seria igualmente pouco coerente ten
designava. Essa neologia espontânea foi particularmente tar impor para essa função um a língua m inoritária,
ativa nas línguas africanas, na época colonial. Com efei se já existir uma língua veicular amplamente utiliza
to, as sociedades colonizadas se deparavam com tecno da. Ou ainda, é por vezes difícil impor a uma parte da
logias (o automóvel, o trem, o avião), com estruturas (a população uma língua m ajoritária se esta não a deseja
administração, o hospital), com funções (oficial, médico, (é o caso, por exemplo, do wolof na Casamansa*, Sene
governador) importadas do Ocidente e que precisavam gal, certamente a língua veicular dominante, mas que
ser nomeadas. Pode-se, portanto, estudar o modo como é rejeitada por uma parte da população).
, y uma população se vale de sua competência lingüística Os in stru m en to s de planejam ento lingüístico
para foijar novas palavras que designem novas noções. aparecem portanto como a tentativa de adaptação e de
Por exemplo, na língua bambara (no Mali) criou-se es utilização in vitro de fenômenos que sempre se manifes
pontaneamente, para designar a bicicleta, o neologismo taram in vivo. E a política lingüística vê-se então diante,
négéso (“cavalo de ferro”). Para designar trem, utiliza-se ao mesmo tempo, dos problemas de coerência entre os
a forma negesira (“estrada de ferro”), que pode ser anali objetivos do poder e as soluções intuitivas que são
sada como um neologismo ou como um decalque do freqüentemente postas em prática pelo povo, bem como
modelo francês, e para designar o gelo dispõe-se de um do problema de certo controle democrático, a fim de
empréstimo do francês, glasi, e de um neologismo, jiku.ru não deixar os “decisores” fazerem o que bem entendam.
.(num a tradução literal, jikuru seria “pedra de água”).
Mas estamos tratando neste livro de outra abor n - O ambiente lingüístico
dagem dos problemas do plurilingüismo ou da neologia:
a do poder, a gestão in vitro. Em seus laboratórios, Quando se cam inha pelas ruas de uma cidade,
lingüistas analisam as situações e as línguas, as des quando se desembarca num aeroporto ou quando se
crevem, levantam hipóteses sobre o futuro das situa üga a televisão em uífa quarto de hotel, recebe-se imedia
ções lingüísticas, propostas para solucionar os proble tamente um certo número de informações sobre a situa
mas e, em seguida, os políticos estudam essas hipóte ção lingüística através das línguas utilizadas nos carta-
ses e propostas, fazem escolhas, as aplicam. Essas duas
abordagens são extremamente diferentes e suas rela ' Casamansa (em francês: Casamance) é uma região no sudoeste do
ções podem, às vezes, ser conflituosas se as escolhas Senegal, entre a Gâmbia e a Guiné-Bissau. Por causa de sua posição
in vitro forem no contrapé da gestão in vivo ou dos relativamente isolada do resto do país, existe um desejo de autonomia
dessa região. Esse território pertenceu a Portugal durante 350 anos, até
sentim entos lingüísticos dos falantes. Será, por exem passar ao domínio francês em 1908. Sendo limítrofe com a Guiné-Bissau,
plo, difícil impor a um povo uma língua nacional que ali também se fala um crioulo de base portuguesa (n. da tradução).
72 AS POLlTICAS lingüísticas OS IN STR U M EN TO S DO PLANEJAMENTO LIN G Ü ÍST IC O 73
,sas línguas podem decodificar a mensagem)* Mas, ao in vitro deve, por sua vez, se impor aos falantes e, para
mesmo tempo, no nível da conotação, a inscrição cons isso, o Estado dispõe essencialmente da lei.
titui outro tipo de mensagem: mesmo quem não sabe A lei é, segundo o dicionário, uma “regra imperati
ler árabe ou chinês pode, entretanto, reconhecer esses va imposta às pessoas a partir de fora”. O que significa
sistemas gráficos, cuja presença desempenha, nesse caso, que as leis não se aplicam aos objetos, aos bens, mas ao
um papel simbólico, um papel de testemunho. Assim, uso que os homens fazem desses objetos, desses bens.
a inscrição em cima da porta de um restaurante, que Para dar um exemplo simplista, uma lei não pode impe
indica em chinês “restaurante cantonês”, diz duas coi dir prédios de se incendiarem ou proibir o dinheiro de
sas. Por um lado, diz àqueles que sabem ler chinês, “este desaparecer, m as pode proibir as pessoas de pôr fogo nos
é um restaurante cantonês” e diz, por outro lado, àque prédios ou de roubar o dinheiro. Além disso, o direito só
les que não sabem ler chinês, “isso é chinês”. E se mui pode intervir sobre o que é juridicamente definível. Des
tas lojas, uma ao lado da outra, afixam sua razão social se ponto de vista, é possível questionar o sentido da no
em chinês, a coexistência dessas inscrições dirá “esta é ção de lei lingüística ou de direito lingüístico. A língua
uma rua chinesa” ou “este é um bairro chinês”. Esse pode ser objeto de lei?3 O que é certo é que os Estados
duplo nível de leitura nos mostra a importância do meio intervém freqüentemente no domínio lingüístico, respon
gráfico. Quando o Estado toma a decisão de intervir dendo a esta pergunta de maneira prática e evitando o
nesse domínio, a língua que é afixada pode não ser lida debate teórico, mas eles intervém de fato nos comporta
pela maioria das pessoas (isso depende, evidentemente, mentos lingüísticos, no uso das línguas. Isso ocorre por
do grau de alfabetização da população), mas ela é per que as políticas lingüísticas são geralmente repressoras e
cebida, entretanto, como o que ela é: uma língua escri precisam, por essa razão, da lei para se impor, não existe
ta; e sua presença simboliza, logicamente, uma escolha planejamento lingüístico sem suportejurídico.
política. No capítulo v, veremos um exemplo desse tipo Faz-se necessário distinguir, neste momento, entre
de intervenção com o caso da arabização nos países da inúmeras concepções de leis lingüísticas. Há, de fato:
África do Norte. • As leis que se ocupam da forma da língua,
fixando, por exemplo, a grafia ou intervindo
no vocabulário por meio de listas de palavras.
m - A s leis lingüísticas
• As leis que se ocupam do uso que as pessoas
Quando um a decisão é tomada, uma opção é esco fazem das línguas, indicando qual língua deve
lhida, é preciso fazer com que ela se encaixe nos fatos.
Ao contrário da gestão in vivo, na qual a mudança se
3. Ver a esse respeito R. Rouquette, “Le droit et la qualité de la
propaga na prática dos falantes por uma forma de con langue”, inJ.-M. Eloy (org.), La qualité de la langur ?Lecasdu français.
senso que é necessário estudar com precisão, a gestão Paris: Champion, 1995.
76 AS POLlTICAS LINGÜÍSTICAS OS IN S T R U M E N T O S DO PLANEJAMENTO LIN G Ü ÍST IC O 77
$er falada em dada situação ou em dado mo ma, existem as legislações internacionais que fixam as
mento da vida pública, fixando, por exemplo, línguas de trabalho das organizações internacionais
a língua nacional dé um país ou as línguas de (ONU, Unesco, Corte Internacional de Justiça etc.) ou
trabalho de uma organização. que protegem as minorias lingüísticas (como a Declara
• As leis que se ocupam da defesa das línguas, ção sobre os direitos das pessoas pertencentes a minorias
seja para assegurar-lhes uma promoção maior nacionais ou étnicas, religiosas e lingüísticas, adotada pe
(internacional, por exemplo), seja para protegê- las Nações Unidas em 1992), legislações nacionais (que
las como se protege um bem ecológico. se aplicam dentro dos limites de um Estado) e legisla
Evidentemente é possível aprofundar-se ainda mais ções regionais (por exemplo: na Catalunha, na Galiza,
nos detalhes das legislações lingüísticas e tentar elaborar no País Basco). E já se pode logo imaginar que apare
uma tipologia. Joseph Turi4, por exemplo, propôs uma çam contradições e oposições entre esses três níveis.
classificação relativamente complexa, que faz primeira Num segundo momento, é preciso fazer um a distin
mente uma distinção entre as legislações lingüísticas estru ção segundo o nível de intervenção jurídica. Em al
turais (que intervém no status das línguas) e as legislações guns casos, a situação lingüística é definida pela pró
lingüísticasfuncionais (que intervém na utilização das lín pria Constituição. É o caso da Espanha, por exemplo,
guas). Entre estas últimas, ele faz em seguida uma dis que no artigo 3 de sua Constituição de 1978 distingue
tinção entre as legislações lingüísticas oficiais (que inter entre a língua oficial do Estado (castelhano) e as lín
vém no uso oficial das línguas), legislações lingüísticas guas oficiais das comunidades autônomas (o basco, o
institucionais (que tratam do uso não-oficial das línguas), catalão, o galego). Em outros casos, a situação lingüís
as legislações lingüísticas padronizadoras ou não- tica é definida por uma lei (nacional ou regional), e há
padronizadoras, as legislações lingüísticas majoritárias (que casos em que ela é, enfim, definida por recom enda
protegem as línguas de uma maioria) e as legislações lin ções, resoluções, cuja força de lei é menor, visto que o
güísticas minoritárias (que protegem as línguas de uma nível de intervenção jurídica condiciona sua eficácia.
minoria) etc. Tudo isso, como se vê, é extremamente com Se uma lei lingüística nacional pode ser, de acordo com
plicado, mas como a lei é um dos principais instrumen os casos è as escolhas, incitativa ou imperativa, uma
tos do planejamento lingüístico, faz-se necessário pôr um resolução tomada por um a organização internacional
pouco de ordem nessa profusão. tem pouca chance de ser aplicada fora dos casos em
Distinguiremos as leis lingüísticas, inicialmente, que se trata de um a legislação interna, visando, por
segundo seu campo de aplicação geográfica. Dessa for exemplo, fixar as línguas de trabalho dessa organiza
ção. Quando se conhece a incapacidade de um orga
4. Joseph T uri, “Le pourquoi et le comment du droit nismo como a ONU ou a Comunidade Européia dian
linguistique”, in Langage et Societé, n° 47, 1994, Ottawa. te de problemas mais importantes, só é possível consi-
78 AS PO L ÍT IC A S LIN G Ü ÍS T IC A S OS IN S T R U M E N T O S DO P L A N E JA M E N T O LIN G Ü ÍSTICO 79
derar suas intervenções no domínio da proteção das etnonímica, que pode testem unhar uma aproximação
m inorias lingüísticas como brincadeiras de criança. fonética (quando na África, por exemplo, a língua bã-
Tudo isso pode ser resumido no quadro abaixo: mana transformou-se em bambara, ou o pulaar se tor
nou peul), uma alusão pejorativa (quando os índios
N ível de intervenção
Shuars são chamados pelos espanhóis de jibaros, isto
geográfico jurídico é, camponeses) e às vezes um desejo identitário (quan
internacional
do o Congo Belga se tornou Zaire e, depois, República
constituição
nacional lei Democrática do Congo). Rainer Enrique Hamel perce
regional decretos be nessas práticas “a expressão de políticas lingüísti
resoluções cas que existem desde que os seres humanos se orga
recomendações nizaram em sociedade e ampliaram suas relações de
contato, de troca e de dominação diante de outras so
Modo de intervenção
ciedades que eram cultural e lingüisticamente diferen
tes”5. De fato, nessa matéria, a política lingüística co
incita tivo imperativo ; meça realmente quando se renomeia, e um dos efeitos
das leis lingüísticas pode se manifestar simplesmente
Conteúdo da intervenção no nome que o texto jurídico dá às línguas. Acabamos
de observar que, de acordo com a Constituição espa
nhola, q. língua oficial do Estado é o castelhano, e esta
forma das línguas uso das línguas defesa das línguas
denominação para um a língua que todos chamam de
Mas este quadro geral não esgota todos os pro espanhol já constitui um fato de política lingüística.
blemas da intervenção jurídica sobre a língua e sobre De fato, ao sugerir relações entre a língua e uma re
as línguas nem os efeitos colaterais desta intervenção. gião do país, Castela, evidencia-se que não há corres
pondência termo a term o entre o país, a Espanha, e a
língua, o castelhano (ex-espanhol). Ao tornar-se ofici
N om ear a língua almente “castelhano”, o espanhol não mudou, conti
Segundo a Bíblia, Deus criou o mundo e nomeou nua a mesma língua. Mas se castelhano denota a mes
seus constituintes. Entretanto, desde então, os homens ma coisa que espanhol, ele conota algo completamente
não p araram de renomear o mundo: os nom es dos diferente. Da mesma maneira, na Indonésia, o malaio,
povos, os nomes dos lugares não pararam de variar,
de acordo com as invasões ou alternâncias de poder. 5. Rainer Enrique Hamel, “Políticas y planificación dei lenguaje:
Desse modo, há um a constante valsa toponímica e una introducción”, in Iztapalapa, n° 29, 1993, México.
1
80 AS POLÍTICAS LINGÜÍSTICAS OS IN S T R U M E N T O S DO PLANEJAMENTO LIN G Ü ÍST IC O 81
ao tom ar-se língua oficial, foi rebatizado de bahasa o soninkê) dentre as cerca de vinte línguas faladas no
indonésia (língua indonésia), com o mesmo tipo de país. Em Camarões, em contrapartida, ao lado das
variações conotativas. É de se prever que inúm eras duas línguas “oficiais”, todas as línguas africanas fa
línguas, atualm ente tratadas de modo genérico como ladas no território do país, mais de duzentas, são con
crioulos, venham a ser, nos próximos anos, rebatizadas: sideradas línguas nacionais. E esses dois exemplos nos
haitiano, reunionês, guineano, m artiniquês, cabo- m ostram que a denominação das funções da língua
verdiano* ou mauriciano; e a função de cada denomi o pela lei tem repercussões evidentes sobre as possibili
nação será revalorizar simbolicamente essas formas dades de política lingüística. É possível imaginar, de
lingüísticas e insistir na sua dimensão identitária. fato, um a política lingüística que trate, com o no
Senegal, de seis línguas nacionais, mas é difícil conce
Nomear asfunções ber uma política lingüística que englobe duzentas lín
guas. Seria particularm ente impossível introduzir to
O utro efeito dessas leis está na denominação das das elas na escola... Mas essa distinção entre línguas
funções das línguas. Língua nacional, língua oficial, oficiais e línguas nacionais não é a única praticada na
língua regional, língua “própria”; encontram-se nos África. O artigo 7 da Constituição da M auritânia esti
textos legais numerosos qualificativos que fazem refe pula, por exemplo, que:
rência às funções da língua ou das línguas e que nem • o árabe é a língua oficial do país;
sempre têm o mesmo sentido. Se, para um francês, os • o hassaniya, o pulaar, o saracolê e o wolof são
adjetivos “nacional” e “oficial” aplicados à língua po as línguas nacionais;
dem parecer sinônimos, na África francófona eles têm • o francês e o inglês são as línguas de abertura.
sentidos muito diferentes: a língua “oficial” é a língua Enfim, em certos casos, a lei não escolhe entre
do Estado, geralmente o francês (co-oficial com o in essas diversas possibilidades. Assim, a Constituição
glês em Camarões e com o sango na República Centro- francesa determinou, desde 1992, que “o francês é a
Africana), enquanto as outras línguas “nacionais” são língua da República”, sem determ inar se ela é a língua
algumas línguas africanas ou todas as línguas africa oficial ou nacional.
nas do país. Desse modo, no Senegal, ao lado do fran
cês, língua “oficial”, a lei distingue seis línguas “nacio
Princípio de territorialidade ou de personalidade?
nais” (o wolof, o serere, o diola, o mandinga, o peul e
Todos sabem que hoje em dia não há necessaria
mente coincidência entre uma língua e as fronteiras
* De fato, confirmando a previsão do autor, o antigo “crioulo
do Cabo Verde” passou a ser oficialmente denominado kabuverdianu de um Estado. Sabe-se, também, que há línguas que
(n. da trad.). são faladas em um território m enor que o do Estado
82 AS PO L lT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S OS IN S T R U M E N T O S DO PLANEJAMENTO L IN G Ü ÍSTIC O 83
(o bretão na França, o galego na Espanha), que há lín guas, e também sobre a gestão do país. O princípio de
guas cujo território se sobrepõe às fronteiras interes- territorialidade aplicado na Suíça, por exemplo, garantiu
tatais (o basco ou o catalão entre a França e a Espanha), um futuro melhor ao romanche, mas o princípio da
que há, enfim, línguas que são dominantes em vários territorialidade não garantiu a mesma situação ao ga
Estados. Existem tam bém os im périos lingüísticos lés no País de Gales.
(fran c ó fo n o , an g ló fo n o , h isp a n ó fo n o , lusófono, Mas essas situações (Bélgica, Suíça, País de Gales)
arabófono...). Mas, como mencionamos, a política lin são relativamente simples se comparadas às de países
güística continua tendo, na grande maioria das vezes, extremamente plurilíngües como o Senegal, por exem
um a dimensão nacional: ela intervém em um territó plo. Ali são faladas mais de vinte línguas, seis das quais
rio delim itado pelas fronteiras. Ora, existem outros são consideradas “nacionais” (wolof, serere, mandin-
casos possíveis: as diásporas e os grupos de migrantes, ga, peul, diola, soninkê), às quais é preciso acrescentar
por exemplo, que não se definem pelo território que a língua “oficial”, o francês. Se no futuro fosse tomada
ocupam mas, sobretudo, por sua dispersão. Foi isso a decisão de promover as línguas nacionais a novas fun
que levou a distinguir, nas políticas lingüísticas, entre ções (função de ensino, por exemplo), seria necessário
o princípio de territorialidade e o princípio de perso escolher entre dois grandes tipos de soluções:
nalidade. No primeiro caso, é o território que deter 1. Podería se tomar a decisão de que o wolof, o
mina a escolha da língua ou o direito à língua: apren peul, o diola etc. seriam ensinados nas regiões
de-se o catalão num a escola da Catalunha, o holandês do país onde são dom inantes como línguas
na parte flamenga da Bélgica etc. É esse o princípio m aternas, isto é, dividir o território em seis
que estava na base da reforma do ensino empreendida regiões de ensino. Foi a decisão escolhida na
na Guiné durante o governo de Seku Turé e abando Guiné de Seku Turé. A dificuldade está no fato
nada em seguida6. No segundo caso, a pessoa que per de que um wolof que more na região do rio
tence a um grupo lingüístico reconhecido tem o direito Senegal deverá ser escolarizado em peul, que
de falar sua língua, não importa em que ponto do ter um diola que more em Dakar será escolarizado
ritório: por exemplo francês ou holandês em Bruxe em wolof, e que (o inverso) um wolof morando
las, inglês ou francês no Canadá etc. Ou ainda, um na Casamansa será escolarizado em diola etc.
estrangeiro vivendo na França tem o direito a um in 2. Podería se tom ar a decisão de que os falantes
térprete diante de um tribunal. A escolha entre os dois das seis línguas oficiais teriam direito a um
princípios tem repercussões sobre o futuro das lín- ensino na sua língua onde quer que se encon
trassem. Mas a dificuldade estaria na neces
6. Ver L.-J. Calvet, La guerre des langues et les politiques sidade de abrir escolas para peuls, para wolofs,
linguistiques. Paris: Payot, 1987, pp. 176-180. para m andingas etc., e ainda assegurar em
todas as escolas um ensino nas seis línguas. Essas situações dão outro sentido à expressão
Imagine-se o custo da operação, ainda que às “direito à língua”. O fato de não falar a língua do Es
vezes seja possível com binar o princípio de tado priva o cidadão de inúm eras possibilidades so
territorialidade e o princípio de personalidade. ciais, e consideramos que todo cidadão tem direito à
Dessa forma, o princípio de personalidade é língua do Estado, isto é, que ele tem direito à educa
aplicado em todo o Canadá, enquanto o prin ção, à alfabetização etc. Mas o princípio de defesa das
cípio da territo ria lid a d e só é aplicado no m inorias lingüísticas faz com que, paralelamente, todo
Québec. Mas neste caso há somente duas lín cidadão tenha direito a sua língua. Assim, a situação
guas em jogo e as coisas seriam muito mais de um francês bretão não é a mesma de um m arroquino
complexas com seis, dez ou vinte línguas. que fale o berbere: o prim eiro fala, de todo modo, o
francês e reivindica o direito à sua língua (o bretão);
quanto ao segundo, pode ser que ele não fale nem leia
O direito à língua
o árabe oficial, encontrando-se duas vezes prejudica
Tratamos até aqui do direito lingüístico, ou seja, do (porque sua língua não é reconhecida e porque ele
da intervenção da lei no domínio da forma, do uso ou não domina a língua reconhecida).
da defesa das línguas. No que concerne à forma e ao Portanto, uma política lingüística pode dar conta
uso, a lei, se for aplicada, constrange o cidadão. Ela o ao mesmo tempo do direito à língua do Estado e do
obriga, por exemplo, a falar uma língua em determina direito do indivíduo à língua mas, como no caso dos
da situação e de determinada maneira. Por outro lado, princípios de territorialidade e de personalidade, isso
quando se trata da defesa das línguas, a lei pode cons será proporcionalmente mais difícil quanto mais n u
tranger as instituições: entramos aqui no campo do di merosas forem as línguas em jogo.
reito que os indivíduos têm a tuna língua. Num primei
ro momento, a expressão “direito à língua” nos remete
Conclusão
à proteção das minorias lingüísticas, e o próprio fato
de se falar em proteção mostra até que ponto elas estão Seja para equipar as línguas, intervir no ambien
ameaçadas. Mas há também, mundo afora, um grande te lingüístico ou para legislar, o planejam ento lingüís
número de países nos quais os cidadãos não falam a tico constitui in vitro um a espécie de réplica dos fenô
língua do Estado. É, particularmente, o caso dos países menos produzidos continuam ente in vivo. A lingüísti
africanos nos quais a língua oficial (inglês, francês ou ca nos tem ensinado que as línguas não podem ser
português) é muito pouco falada, ou dos países da Áfri decretadas, mas que são produtos da história e da
ca do Norte nos quais o árabe oficial tem pouca relação prática dos falantes, que elas evoluem sob a pressão
com o árabe falado e menos ainda com o berbere. de fatores históricos e sociais. E, paradoxalm ente,
86 AS P O L ÍT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S
ciam os caracteres da mesma maneira, não têm a mes foi definida em 1956 em relação a sua pronúncia (de
ma sintaxe; em suma: os chineses não se compreendem Pequim), a seu léxico (dos dialetos do Norte) e a sua
entre si de um canto a outro do país, quando falam sua sintaxe (da literatura em baihua).
língua materna. É por isso que a língua do Norte (bati
A partir daí, a forma dessa língua sofre diversas
zada, nessa função, de guan hua) foi logo utilizada como
intervenções, principalm ente no domínio da escrita.
língua veicular da administração, como língua do fun
A partir de 1955,o governo socialista publicou uma
cionalismo público. Paralelamente, esse funcionalismo
lista de 515 caracteres e 54 partículas simplificadas,
público utilizava um a língua escrita clássica, normatiza-
da, o wen yan, que se diferenciava do bai yan, língua de a fim de facilitar, através da redução do núm ero de
literatura popular, do teatro etc. traços, a aprendizagem da escrita34. Em seguida, em
Em 1919, durante o movimento de 4 de Maio, os 1958, criou-se um sistema de latinização da língua, o
estudantes e os intelectuais conclamaram os escritores a pin yin , com uma função normalmente auxiliar: aju
substituir a forma escrita clássica do chinês, o wen yan dar na aprendizagem dos caracteres, servir ao ensino
(considerado como símbolo da ordem antiga), pelo bai do chinês como língua estrangeira, redigir os telegra
hua (mais próxim o da língua falada, mais familiar). mas etc. Mas, ao mesmo tempo, numerosos indícios
Oralmente, sobrepondo-se às línguas locais, a língua uti apontavam para uma possível intenção do Estado de
lizada na administração do Estado continuava a se di substituir gradualmente os caracteres por essa trans
fundir. Tratava-se sempre do guan hua (“língua dos fun crição. Sobre isso, uma frase de Mao era continua
cionários” ou “língua dos m andarins”), conhecida no mente citada: “Nossa língua escrita deve ser reform a
Ocidente pelo nome de mandarim* (palavra criada so da, ela deve seguir no rum o da fonetização comum a
bre o verbo português mandar). O movimento de 4 de todas as línguas do m undo”! Em 1977, no entanto,
Maio, naturalmente em favor do bai hua no que concerne um a n o v a lista de c a ra c te re s sim p lific a d o s foi
à língua escrita, reclamava também a emergência de uma publicada, dando então a entender que a nova versão
língua de unificação, o guo y u (“língua nacional”). Foi se dirigia mais uma vez à reorganização da escrita clás
depois da revolução comunista de 1949 que se instalou o sica. Mas essa reforma foi abandonada devido à pres
problema da normalização dessa língua de unificação, são de um movimento de opinião no qual o escritor Pa
doravante chamada pu tony hua (“língua comum”)2, que Kin desempenhou um papel de destaque. Esse movi-
' A verdadeira etimologia de mandarim é o termo sânscrito 3. Ver L.-J. Calvet, La guerre des langues et les politiques
mantri, “conselheiro de Estado”, que passou para o malaio como linguistiques. Paris: Payot, 1987, pp. 225-233.
mantari. Pode ter havido uma confluência desse étimo com o verbo 4. W. Lehmann (org.). Language and Linguistics in the People's
português mandar, mas é só uma hipótese (n. da trad.). Republic of China. Austin: University of Texas Press, 1975, p. 51;
2. A denominação guo yu foi conservada em Taiwan, razão Zhou Youguang, “M odernization of the Chinese Language”, in
pela qual os comunistas a mudaram. International Journal of the Sociology of Language, n° 59, 1986.
90 AS P O L ÍT IC A S LIN G Ü ÍS T IC A S A AÇÀO SOBRE A LÍN G U A (O C O RPU S) 9 1
mento defendia que uma modificação muito grande da O putonghua, tal como falado pelos bilíngües, sofre quase sem
escrita acabaria desfigurando e perdendo uma parte pre distorções mais ou menos graves, que atingem seu sistema
importante da herança cultural han. Não é sempre que fonológico. Por exemplo: certos traços fonológicos do putonghm
e as diferenciações que eles permitem não existem nos dialetos,
um poder autoritário como o da China recua dessa
incluindo os dialetos do tipo Norte5.
maneira, e esse episódio confirma o que foi apresenta
do no capítulo anterior: é difícil impor in vitro uma Para difundir uma língua uniformizada, o governo
reforma rejeitada in vivo. Essa oscilação entre duas hi dispõe de certo número de meios: a televisão, o cinema, a
póteses, reformar os caracteres ou substituí-los por um escola... Mas a escola desempenha seu papel imperfeita
sistem a de base fonética, não é som ente técnica. A mente; muitos dos professores dão aula em “dialeto”,
especificidade da situação lingüística chinesa faz com seu conhecimento do pu tong hua é insuficiente etc Acres
que, às custas de algumas mudanças, todos os chineses centemos a isso o fato de essa língua não desfrutar de
possam ler esses caracteres e possam (graças a esses um movimento de adesão popular. Se as pessoas do Nor
caracteres) escrever tanto o pu tong hua como sua lín te, sobretudo as de Pequim, a falam sem muitas dificul
dades (mas os pequineses representam menos de 1 % da
gua materna, seja o hakka, o wu etc. A mudança para o
população), o resto da população han prefere utilizar suas
pin gin mudaria radicalmente essa situação, visto que
próprias línguas e deixa transparecer nessa utilização
uma transcrição fonética só pode considerar uma úni
fortes sentimentos identitários. Assim, em duas das três
ca língua e essa seria naturalm ente a língua oficial. maiores cidades do país, Xangai e Cantão, a situação do
Assim, por trás de um debate sobre a escrita, delineia- pu tong hua não é exatamente a de uma língua nacional
se um outro, muito mais importante, que diz respeito aceita por todos.
ao futuro lingüístico do país: a m anutenção desses
caracteres garantiría, em certa medida, a sobrevivência Em Xangai, o putonghua é pouco falado na escola; nos serviços
das línguas han, e a passagem à romanização seria, evi \ públicos, o sentimento xenófobo em relação àqueles que não
falam o shangayen se manifesta de tal forma que chega a ser
dentemente, a imposição de uma língua (o pu tong hua).
alvo de ataque nos jornais (...) Quanto a Cantão, é evidente
De modo mais amplo, a política de desenvolvi que o problema da língua (a preferência lingüística dos habitan
mento do pu tong hua criou, em grande parte do país, tes) está relacionado com os inúmeros contatos econômicos e
um a verdadeira situação de bilingüismo: as crianças, comerciais entre os habitantes da cidade e os de Hong Kong.
por exemplo, aprendem prim eiro a língua que seus Por isso tudo, a utilidade pragmática do cantonês é incompará
pais lhes transm item (que continua sendo chamada vel. Nos trabalhos que mais atraem os jovens (aqueles que os
oficialmente de “dialeto”) e adquirem, em seguida, o colocam em contato com pessoas que vêm de Hong Kong)
pu tong hua (mais freqüentem ente na escola). Essa lín
gua oficial está naturalm ente submetida à influência 5. Yang Jian, “Problèmes de chinois contemporain”, in J. Maurais
dos falares locais: (org ), La crise des lanffues. Paris: Robert, Governo do Québec, 1985, p. 421.
.■y<
92 AS P O L ÍT IC A S LIN G Ü ÍS T IC A S A AÇÃO SOBRE A LÍN G U A (O CO RPU S) 93
exige-se dos empregados um domínio perfeito do cantonês, Voltaremos a essa hipótese a propósito de outros
além de um relativo domínio do inglês e do putonghua6. estudos de caso.
Podemos observar que a política de difusão de uma
língua nacional na China esbarra em muitas dificulda II - Intervenção no léxico e na ortografia de
des. Algumas não são novas e poderão ser resolvidas uma língua: o exemplo do francês
com o tempo. A situação lingüística da França na épo
ca da Revolução, por exemplo (muito semelhante à si
tuação da China de hoje), não impediu que a língua Para defender sua língua, a França dispõe de es
francesa se impusesse, em dois séculos, como língua truturas antigas (como a Academia Francesa) e de ou
única. Mas a principal dificuldade da China, bastante tras mais recentes (como a Delegação Geral para a Lín
específica, reside no fato de se tratar de um país muito gua Francesa) e intervém essencialmente no domínio
grande. Será que é possível mudar pela lei, por decre da terminologia. Essas intervenções se manifestam prin
tos, pela administração, em suma, por meio do plane cipalmente por textos legislativos, decretos ou leis.
jamento lingüístico, as práticas lingüísticas de um bi
lhão e trezentos milhões de pessoas que falam tantas
Os “decretos lingüísticos”
línguas diferentes? Só o futuro poderá responder a esta
pergunta, mas se imaginarmos que, paralelamente, uma A partir do início dos anos 1970, foram criadas,
língua como o inglês se difunde sem problema pelo nos diferentes ministérios franceses, “comissões de ter
mundo com uma função veicular, a comparação das minologia” encarregadas de elaborar, em seus respecti
duas situações parece indicar que a ação in vitro tem vos domínios, o vocabulário adequado. Entre 1973 e 1993,
certos limites. Se, como sugerimos, o planejam ento é possível contar 48 portarias em campos variados como
lingüístico constitui in vitro uma “imitação” dos fenô as técnicas espaciais, o turismo, o audiovisual, a publici
menos de mudanças in vivo, essa tendência mimética dade, a agricultura e os idosos. Em 1994, a Delegação
talvez tenha seus limites e impossibilidades. Desse ponto Geral para a Língua Francesa reuniu, sob a forma de um
de vista, o exemplo chinês contribui para a reflexão dicionário (Dictionnaire des termes officiels de la langue
teórica e podemos nos perguntar, como no célebre prin française), o conjunto de termos e expressões “aprova
cípio de Peter (segundo o qual todo empregado tende, dos” (é a formulação oficial) por esses decretos.
em uma hierarquia, a chegar até seu nível de incompe
tência), se as políticas lingüisticas não estão destinadas a
alcançar um dia ou outro seu grau de ineficácia. A s leis lingüísticas
Ao contrário de países como a Noruega, a França
6. Yang Jian. art. cit., p. 424. promulgou pouquíssimas leis lingüísticas que dizem
94 AS PO L ÍT IC A S LIN G Ü ÍS T IC A S A AÇÃO S O B R E A LÍN G U A (O C O RPU S) 95
respeito à língua francesa. A primeira delas, em um um recurso protocolado pelo grupo socialista
período mais recente, é a lei de 31 de dezembro de 1975 da Assembléia Nacional, o Conselho constitu
relativa ao emprego da língua francesa, conhecida como cional anulou m uitos artigos e disposições da
“lei Bas-Auriol”, substituída depois pela “lei Toubon”. lei, por julgá-los contrários ao artigo 11 da
Em seguida, veio a lei constitucional de 25 de junho de Declaração dos direitos do homem e do cida
1992, acrescentando à Constituição um título: “Das dão. Seu objetivo era originalmente regulamen
comunidades européias e da União Européia”. Esta lei, tar o uso da língua francesa para todos os ci
t:
adotada pelo Congresso (reunião das duas assembléi dadãos e foi limitado, após a intervenção do
as) e tendo por objetivo modificar a Constituição com o nselho constitucional, apenas aos funcioná
objetivo de p e rm itir a a ssin a tu ra dos acordos de rios no exercício de sua função. A lei intervi-
Maastricht, acrescenta, na primeira alínea do artigo 2 nha essencialmente em cinco domínios:
da Constituição de 4 de outubro de 1958, a seguinte o mundo do trabalho (contratos etc.);
frase: “A língua da República é o francês”. Até essa data, as relações de consumo (publicidade em francês);
não havia nada na Constituição que definisse o papel o ensino (obrigatoriamente em francês);
da língua francesa na França. Em seguida, vieram duas o audiovisual (francês obrigatório nos progra
leis com importâncias diferentes: mas e na publicidade);
— A lei “Tasca”. Elaborada em 1993 pela Secre os colóquios, congressos etc. (todo participan
taria de Estado para a Francofonia e para as te francês deve se expressar em francês).
Relações Culturais no Exterior, essa lei seria
adotada em 17 de março de 1993 pelo último
A ortografia
Conselho de Ministros do governo Bérégovy e
nunca foi apresentada ao Parlamento: as elei Os franceses têm um a relação estranha com a
ções legislativas subseqüentes provocaram ortografia de sua língua: reclamam sempre de suas
um a m udança de m aioria e de governo. No dificuldades e incoerências, mas, ao mesmo tempo,
entanto, ela é mencionada aqui porque consti não permitem que ela seja modificadã.^Talvez sejã por
tui o modelo da lei apresentada abaixo. isso que as intervenções do Estado nessa matéria te
— A lei de 4 de outubro de 1994, ou “lei Toubon”. nham sido sempre extremam ente prudentes e come
Adotada em 23 de fevereiro de 1994 pelo Con didas. Existe um decreto de 26 de fevereiro de 1901
selho de Ministros, suscitou uma vasta polê “relativo à simplificação do ensino da sintaxe france
mica na opinião pública e na imprensa inter sa” que dá, simplesmente, uma lista de exceções orto
nacional (que, de m aneira geral, zombou da gráficas e especifica que “nos exames ou concursos
França). Em 27 de julho de 1994, depois de dependentes do Ministério da Instrução Pública, que
- - 'r i t t t m K V i t t L - i K t O W .. ■.
96 AS P O L ÍT IC A S LIN G Ü ÍS T IC A S
A AÇÃO SOBRE A LÍN G U A (O CORPUS) 97
comportem provas especiais de ortografia, não seja O problema será retom ado no início dos anos
considerado como erro por parte dos candidatos o uso 0 1990. Em 19 de junho de 1990, o Conselho Superior
das exceções indicadas”... da Língua Francesa enviou ao primeiro-ministro um
Essas exceções são em núm ero limitado: relatório, realizado a seu pedido, contendo algumas
• Aceitação do singular ou do plural nas cons proposições de retificação da ortografia7:
truções onde o sentido permite a compreen • substituição do hífen pela aglutinação em certas
são (des habits defem m e ou defemmes, ils ont palavras (portemonnaie; millefeuüle, pingpong etc.);
ôté leur chapeau ou leurs chapeaux). • plural de palavras compostas seguindo o mo
• Aceitação de dois gêneros para palavras como delo das simples {un pèse-lettre, des pèse-lettres,
amour, orgue, gens, hgmne. .. un cure-dent, des cure-dents etc.);
• Aceitação da ausência do hífen nas palavras • simplificação do uso do acento grave e do acen
compostas (pommede terre ou pomme-de-terre). to circunflexo;
• Algumas exceções em relação à concordância • o caso particular de laisser no particípio pas
nominal (por exemplo: sefairefort, forte ou forts, sado seguido de um infinitivo, que passou a
nu pieds ou nus pieds, demi ou demie heure. ..). ser invariável {elle s ’est laissé mourir,je les ai
• Algumas exceções em relação à concordância laissé partir);
do verbo precedido de vários sujeitos ou de • finalmente, a grafia de algumas palavras foi
um sujeito coletivo (le chat ainsi que le tigre retificada em função de alguns princípios de
sont des camivores ou est un camivore, un peu coerência interna (charriot no lugar de chariot)
de connaissances suffit ou suffisent). e de sim p lificação {nénufar no lu g a r de
• No caso de um particípio passado construído nénuphar) etc.
com o auxiliar avoir e seguido de um infinitivo O grupo de trabalho que elaborou esse texto to
ou de um outro particípio, aceitação da for mou algumas precauções: trabalhou com a Academia
ma invariável: les sauvages queVon a trouvé ou Francesa, consultou o Conselho de Língua Francesa do
trouvés errant dans les bois. Québec e o Conselho da Língua e da Comunidade Fran
Percebe-se que essas exceções eram muito mode cesa da Bélgica. Contudo, não consultou nem os suíços,
radas, mas quem frequentou uma escola francesa sabe nem os africanos. Mas o status dessas modificações
que elas foram muito pouco aplicadas. Particularmente ortográficas é extremamente ambíguo. De fato, o texto
em exercícios de ditado, o professor geralmente espe difundido pela direção dos diários oficiais se intitula
ra dos alunos que eles reconstituam as formas gráfi
cas que ele está ditando e não está muito preocupado
7. “Les rectifications de 1’ortographe”, in Journal officiel de la
com as exceções. Republique française, n° 100, 6 de dezembro de 1990.
A AÇÃO SOBRE A LÍN G U A (O C O RPU S) 99
98 AS P O L ÍT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S
“As retificações da ortografia”, o que deixa entender que da ortografia é típico do planejamento indicativo: ele
para as palavras em questão há, doravante, uma forma não tem força de lei, contenta-se em fazer proposições
antiga e uma retificada, Mas o primeiro-ministro, ao re e espera que elas sejam incorporadas ao uso. Já o tex
ceber em junho de 1990 esse relatório, declarou: to de 1994 é uma lei que proíbe, por exemplo, o em
prego de marcas registradas constituídas de uma ex
O governo nunca pensou em legislar nessa matéria: a língua pressão ou termo estrangeiro (art. 14), prevendo que
pertence a seus falantes, que não deixam de tomar, todo dia,
as coletividades ou os estabelecimentos públicos que
liberdades com as normas estabelecidas. Mas é atribuição do
governo fazer aquilo que está em sua alçada para favorecer o
não a respeitarem poderão perder todo e qualquer
uso que pareça mais satisfatório — iíeste caso, esse que os se auxílio do Estado (art. 15), e determina que os ofi
nhores propõem8. ciais e os agentes da polícia judiciária estão habilita
dos a investigar e constatar as infrações (art. 16) etc.
E no próprio texto do relatório havia uma hesi Uma rápida análise poderia relacionar essas di
tação estilística entre, de um lado, uma apresentação ferenças a uma oposição esquerda/direita: foi no go
em termos de propostas ou recomendações e, de outro, verno de Michel Rocard, primeiro-ministro socialista,
o enunciado de regras, no tom imperativo que convém que o texto sobre as retificações da ortografia foi pu
a esse gênero. blicado, e foi no governo de Edouard Balladur, pri
É impossível saber se as modificações serão acei meiro-ministro de direita, que foi publicada a lei rela
tas pelos falantes, e isso não vem ao caso aqui. Por tiva ao emprego da língua francesa. Assim, em maté
outro lado, é interessante com parar o tom dos dois ria de língua, a esquerda se inclinaria a um planeja
textos que acabamos de citar. No prim eiro capítulo mento indicativo, da mesma maneira que a direita se
deste livro, fizemos uma distinção geral entre o plane inclinaria para um planejam ento imperativo: teríamos
jam ento indicativo (que se fundam enta na combina aqui posições inversas àquelas adotadas por essas cor
ção entre diferentes forças sociais) o planejamento rentes políticas no domínio econômico.
imperativo (que implica a socialização dos meios de Mas a existência de um projeto de lei elaborado
produção). Essa distinção fazia referência ao planeja em 1993, por um outro governo socialista (a “lei Tas
mento econômico, mas pode ser igualmente aplicada ca”), invalida essa análise. O fato de a lei Toubon ter-se
ao planejamento lingüístico. Desse ponto de vista, deve- inspirado em alguns pontos da lei Tasca é interessante,
se destacar que, em matéria de língua, o Estado fran pois mostra que não há uma oposição entre a posição
cês passou, em quatro anos, de um tipo de planeja de “esquerda” e a posição de “direita” sobre a língua,
mento ao outro. O texto de 1990 sobre as retificações mas sobretudo uma posição nacionalista e dirigista de
um lado e uma posição liberal de outro lado. As leis ou
8. Op. cit., p. 7. projetos de lei Tasca e Toubon estavam, evidentemente,
?
\
ao lado do dirigismo (mesmo que a primeira fosse mui rio francês no domínio tecnológico, para b arrar a ten
to menos repressiva que a segunda) e do planejamento dência aos empréstimos ao inglês.
imperativo. Já o texto aceito por Michel Rocard estava
do lado do liberalismo e do planejamento indicativo.
m - A fixação do alfabeto bambara no Mali
Dessa forma, no âmago da política lingüística da Fran
ça coexistem duas posições antagônicas (coexistência O bambara (bamanan-kan) é uma língua falada
essa que marca a política lingüística de outros países no Mali e no Senegal, uma variedade de um conjunto
como a Turquia e a Noruega) que é típica da relação mais vasto, o mandinga, que é dividido em dois grupos:
ambígua que os franceses têm com sua língua, hesitan • o mandinga do oeste, com o mandinka da Gâmbia
do entrega vontade de ordem e a displicência. 4 - e da Casamansa e o khassonkê do Mali;
• o mandinga do leste, com o bambara no Senegal
e do Mali, o malinke da Guiné, o jula de Burkina-
A s indústrias da língua
Fasso (ex-Alto Volta) e da Costa do Marfim.
No início dos anos 1980, surgiu a expressão “in Esse conjunto constitui um grupo de falares tão
dústrias da língua” para designar o conjunto das no próximos uns dos outros que se torna difícil classifi
vas tecnologias de inform ação, um cruzam ento de car o bam bara, o m alinque ou o ju la como línguas
informática, inteligência artificial, ciências cognitivas diferentes ou como dialetos de um a mesma língua (o
e lingüística. Trata-se, ou deveria tratar-se, da produ m andinga). Na época da independência desses paí
ção de objetos (dicionários eletrônicos, corretores or ses, essas línguas não tinham um sistema de escrita
tográficos, softwctrès de processamento de textos, de oficial: alguns missionários haviam apenas improvi
tradução autom ática, bases de dados, bancos de co sado transcrições para redigir catecismos. Mas, em
nhecimentos etc.) e produtos lingüisticos (neologia, alguns países, diferentes projetos de organização de
terminologia...) no quadro de uma pesquisa de ponta cam panhas de alfabetização de adultos, em línguas
de caráter multidisciplinar. locais, demandavam uma transcrição precisa. É por
No início dos anos 1990, a França investiu m ui isso que, de 28 de fevereiro a 5 de março de 1966, a
to em pesquisa nessa área, seja a pesquisa propria Unesco reuniu em Bamako 35 especialistas em lin
mente francesa ou a pesquisa desenvolvida no quadro güística e alfabetização oriundos de cinco países euro
das instituições francófonas multinacionais. O desa peus e de nove países africanos 9 com o objetivo de con-
fio era garantir a presença da língua francesa nos pro
dutos de informática (programas de computador etc.),
9. Alemanha, Dinamarca, França, Grã-Bretanha e URSS; Ca
nas com unicações m odernas (infovias, rede tipo marão, Costa do Marfim, Guiné, Alto-Volta, Mali, Niger, Nigéria,
internet etc.) e também na produção de um vocabulá- Senegal e Sudão.
102 AS POLÍTICAS LINGÜÍSTICAS A AÇÃO SOBRE A LlN G U A (O CO RPU S) ) 03
cluir e de unificar as transcrições das línguas da Áfri Dessa forma, um camponês do Mali que tivesse
ca Ocidental. O relatório final dessa reunião propunha aprendido a ler em sua língua reconhecia na grafia ó o
seis alfabetos (mandinga, peul, tamasheq, songhay- som / d/, correndo o risco de ficar desorientado se lhe
zarma, ahusa e kanuri); alfabetos esses que deveriam caíssem nas mãos publicações feitas na Guiné ou em
ser submetidos à aprovação dos Estados-membros10. O Burkina Fasso (países vizinhos), onde o mesmo som
alfabeto mandinga se apresentava da seguinte maneira: era transcrito ò ou o. Ele corria o risco também de
a b d d y e ê f g g b h i k k h k m n nw n y o ô p r s s h t t y u w y z .
confundir o ó, pois no seu país esse sinal gráfico indi
cava o “o aberto” e o no Senegal indica o “o fechado” (a
O acento sobre o “e” e sobre o “o” denotam uma diferença de acento não é evidente). Da mesma ma
pronúncia fechada dessas vogais, as vogais longas são neira, o “e aberto”, /e/, era transcrito é na Guiné, no
notadas pela duplicação (ii, oo, aa etc.) e as nasais por Mali e no Senegal e na Costa do Marfim e em Burkina
um “n ” acrescentado à vogal (an, on, in etc.). Fasso. E essas variantes eram muito mal recebidas,
Mas nos países onde se falava um a língua m an impossibilitando, por exemplo, a publicação de ma
dinga, esse alfabeto foi modificado em alguns aspec nuais de alfabetização comuns a diferentes países que
tos. Por exemplo: partilhavam a mesma língua.
• em relação às oclusivas palatais, certos paí
Temos aqui um caso muito particular. E difícil ima
ses, como o Mali, preferiram as grafias “c” e
gin ar que, por exem plo, no co n ju n to dos países
“j ” àquelas propostas pela Unesco (ty e dy);
francófonos, a língua francesa seja escrita de diferentes
• em relação à nasal palatal, o Senegal preferiu
m an eiras, ou que cada um dos d iferen tes países
n ao ny proposto;
hispanófonos adote suas próprias regras ortográficas".
• em relação às vogais “e” e “o”, as variações eram
No entanto, foi essa a situação criada na África Ociden
ainda maiores, como mostra a tabela abaixo:
tal para determinadas línguas. Os diferentes países nos
e fechado c aberto o fechado o aberto quais se falava a mesma língua não tinham um mesmo
Bamako 1966 ê e ô 0 alfabeto para essa língua, os mesmos sons não eram trans
Gui né e é o õ critos da mesma maneira nas diferentes línguas faladas
Costa do Marfim e e o 0 em um mesmo país. Dessa forma, a reunião da Unesco
B urkina Fasso e e o 0 de 1996 propunha transcrever as oclusivas palatais ty e
Mali e é o ó dy para o mandinga e c e j para o peul...*•
Senegal e é ô 0
É verdade que em relação ao mandinga, as for plo: a partir do momento em que existe no alfabeto
mas faladas no Mali (bambara), em Burkina Fasso e latino um c ou um s e um h , podem-se utilizar os
na Costa do Marfim Gula) e na Guiné (malinkê) apre dígrafos sh ou ch para transcrever o som inicial de
sentavam diferenças, mas elas não constituíam um chá, por exemplo. O alfabeto malaio (que tem à dispo
obstáculo à comunicação, e a unificação da ortografia sição s, c e h) possui, no entanto, um signo fopético
teria sido um meio de padronizá-las. Cada país, entre específico para notar esse som, da mesma forma que
tanto, estabeleceu seu próprio alfabeto e, no que o signo y para notar o som que outros escrevem com q
concerne ao Mali, um decreto de 26 de maio de 1967 e uma série de letras marcadas para assinalar as ênfa
fixou o alfabeto do bambara da seguinte maneira: ses. Certamente o resultado é de grande precisão, pró
ximo de uma transcrição fonética, mas ao lado dessa
a,b, d, j, e, é, f, g, h, i, k ,! m, n, ny, n, o, ó, p, r, s, sh, t, c, u, w, y, z.
precisão em relação à articulação dos sons, não é pos
Mesmo assim, todos estavam pelo menos consci sível notar os tons do bambara.
entes da incoerência de uma situação na qual um mes E isso levanta um problema importante: de uma
mo som existente nas diferentes línguas não era trans maneira ou de outra, a grande maioria das escritas do
crito da mesma maneira. A DNAFLA (Divisão Nacio mundo é imperfeita, e essa imperfeição vem da própria
nal de Alfabetização Funcional e de Lingüística Apli natureza da escrita. De fato, para ser eficaz, um alfabe
cada) organizou então, em 1978 e 1979, jornadas de to deve atender a certo número de critérios (por vezes
estudos dedicadas ao problema da unificação interna, contraditórios) que precisam ser combinados:
isto é, da definição de um alfabeto comum a todas as 1. Ele deve ser unívoco, isto é, a mesma letra ou
línguas do Mali (nove, ao todo). Foi assim que se ela o mesmo grupo de letras deve transcrever sem
borou um “alfabeto para a transcrição das línguas pre o mesmo som e o mesmo som deve ser
nacionais do Mali”, adotado em seguida pelo decreto sempre transcrito pela mesma letra ou pelo
de 19 de julho de 1982. mesmo grupo de letras (sabemos que não é
Esse alfabeto “com um ” pode parecer extrem a esse o caso do alfabeto latino aplicado ao por
mente complicado: ele é composto de 55 caracteres, tuguês, ao francês ou ao inglês, por exemplo).
dos quais apenas 19 são comuns a todas as línguas, 4 Nçssa perspectiva, o alfabeto malaio é coeren
são comuns a oito línguas e 11 são utilizados apenas te, salvo num aspecto: a notação das nasais e
por uma língua (o tamasheq). Em outras palavras, a das pré-nasais. As vogais nasais, como m en
homogeneização da transcrição dos sons nas diferen cionamos, são de fato notadas com o acrésci
tes línguas foi efetivamente realizada, mas se perdeu mo de um “n ”: an = /ã/, on = /õ/etc., mas as
a oportunidade de aproveitar a economia que a utili consoantes pré-nasais são notadas precedidas
zação de dígrafos podería ter proporcionado. Por exem de um “n ”: mb, ns, ng. Ora, como as palavras
106 AS PO LfTICAS L IN G Ü ÍS T IC A S A AÇÃO SOBRE A LÍN G U A (O CO RPU S) 107
compostas são escritas sem hífen, mas com a tabelecimento de um alfabeto e de uma ortografia. Os
união dos elementos entre si, nem sempre é princípios que aparentem ente nortearam a fixação
fácil saber si b “n ” pertence a uma vogal nasal desse alfabeto são, de certa maneira, contraditórios:
ou a uma consoante pré-nasal. Assim, em uma percebe-se um desejo de ficar próximo aos fatos da
seqüência como sansabantura, “u n touro de lín gua, manifestado por uma grande precisão na no
três anos” (san = ano, saba = três, ntura = tação das consoantes, desejo esse que desaparece quan
touro), corre-se o risco de se fazer umà leitura do se trata da notação dos tons. Mas os pares de pala
decompondo diferentemente os elementos: sa vras que se diferenciam pelo tom são em número limi
/ nsaban / tura, san / saban / tura.... tado, e freqüentemente a sintaxe é suficiente para su
2. Ele deve perm itir a notação de todos os sons prim ir a ambigüidade. Assim, é pouco provável que
pertencentes à língua, incluindo os tons; o qnp haja confusão entre um adjetivo como bon (“grosso”,
não é o caso do alfabeto malaio: os pares ba de tom baixo) e um verbo como bon (“lançar”, de tom
(cabra) e ba (rio ) , 70 (“fetiche”) e jo (“razão”), alto), ou entre um verbo como boli (“correr”, de tom
g ã é (“canhão”) e gélé (“m irante”), joli (“san baixo) e um substantivo como boli (“fetiche”, de tom
gue”) ejoli (“chaga”), fin i (“tecido”) efin i (“ces alto) etc. E isso nos mostra que a escrita não precisa
to ”), entre outros, se escrevem da mesma fazer estritam ente a mesma distinção realizada pelo
maneira, sendo o primeiro elemento de tom código oral. Gérard Galtier assinalava que tanto
baixo e o segundo de tom alto. no código escrito como no código oral, espera-se que cada signo
3. Ele deve ser de fácil aprendizado e utilização. seja plenamente reconhecível e distinto de outros signos. Mas
Os pontos 1 e 2 nos mostram que esse não é os procedimentos utilizados para esse fim são diferentes no
absolutamente do caso. código escrito e no código oral12.
4. Sua aprendizagem deve poder ser reutilizada E prosseguia dizendo que se podería imaginar uma
(por exemplo: o conhecimento do alfabeto la maneira de distinguir os poucos pares problemáticos
tino, ao preço de algumas mudanças, permite sem notar sistematicamente os tons mediante acentos,
a leitura do português, do italiano, do espa como já fora proposto, mas simplesmente escrevendo
nhol, do francês, do inglês, do alemão etc.). de maneira ligeiramente diferente um dos dois termos.
Percebe-se que pode haver oposição entre a von Não continuarem os esse debate aqui, que pode
tade de precisão e a busca de uma facilidade de utili parecer excessivamente técnico; o que se percebe é que,
zação; o problema consiste em encontrar um bom equi
líbrio. O futuro nos dirá se o alfabeto malaio entrou
12. G. Galtier, “Problèmes actuels de la transcription du bambara
em uso sem dificuldades, mas esse exemplo nos per et du soninké”, comunicação feita à Reunião de especialistas para a trans
mite evocar os diferentes problemas inerentes ao es crição e harmonização das línguas africanas, Niamey, julho de 1978.
108 AS P O L lT IC A S LIN G Ü ÍS T IC A S A AÇÃO SOBRE A LfNGUA (O CO RPU S) 1 09
desde a língua das inscrições do Orkhon até os falares vivos do • Criação de neologismos por derivação de pa-
Turquistão, do Cáucaso, do Volga, da Sibéria etc., passando lavras turcas. Assim, no lugar da palavra ára
pelo Uigur e pelo Tchaghatai, sem esquecer, evidentemente, os be tahkik (entrevista), que aliás estava em con
dialetos anatólios e balcânicosl3. corrência com o term o francês “anket”, foi
Por sua amplitude, esta definição caracterizava construída sorusturma sobre a raiz sor- (ques
perfeitamente a proposta do poder turco, que se asse tionar), de onde deriva sucessivamente sorus-
melhava a um verdadeiro trabalho de purificação, no (questionar-se), depois sorustur (entrevistar).
sentido que se fala hoje de purificação étnica. Os especialistas em terminologia chegaram a
O primeiro resultado desse trabalho, publicado em dar prova de sua grande engenhosidade. Por
1934, foi uma enorme coletânea de formas lexicais de exemplo, para substituir as palavras de origem
origem árabe ou persa com seu equivalente em turco14, árabe myselles (triângulo) e myseddes (hexágo
seguida de uma lista alfabética de termos turcos; obra no), eles partiram dos números turcos iirc (três)
cuja semelhança com o Dictionnaire des termes officieb de e alti (seis), acrescentaram um sufixo inventa
la langue française, pubbcado em 1994 na seqüência do do, mas de consonância turca {-yen) que por
projeto da lei Toubon, é impressionante. A pubbcação sua vez tinha a vantagem de recordar o sufixo
dos dados lexicais deveria continuar, e é a partir deles grego -yone, para criar ücgen et alyigen...
que se empreendeu um importante trabalho de neologia • Criação de neologismos por composição. Foi
que Louis Bazin apresenta em quatro capítulos: assim que “refrigerador” passou a ser chama
• Exumação de palavras antigas, em geral caídas do buzdolabi (de buz, “gelo”, e dolap, “armá
em desuso, para substituir os empréstimos ára r io ”) ou que o term o de origem árabe
bes ou persas. Por exemplo, o termo azerbaijão beynelmilel foi substituído por uluslararasi, de
kànd, “aldeia”, é utilizado (sob a forma kent) ulus-lar (“os povos”) e ara (“intervalo entre”).
para substituir, com o sentido de “cidade”, o • Empréstimos das línguas européias. O fato de a
persa sehir. Eventualmente, um uso muito parti “purificação” do vocabulário turco estar bem
cular da etimologia serviu para justificar a ma direcionada contra o árabe e o persa fica mais
nutenção de um empréstimo. É assim que okul evidente nos empréstimos que foram feitos de
(escola) era explicado pela raiz oku- (ler) ou que
outras línguas, particularmente do francês. Tem-
“social” era justificado pela raiz soy (raça)...
se assim frisõr, “cabeleireiro”, restoram, omlet,
ou ainda atom enerjisi, cujo sentido é evidente.
13. Louis Bazin, “La réforme linguistique en Turquie", in I. Foi assim que se constituiu (e continua se constitu
Fodor e C. Hagège (orgs.), La réforme des Iangues. Hamburg:
Buske,1983, p. 167.
indo, pois o trabalho ainda não se completou) o õz türkçe,
14. Tarama Gerdisi (Recueildedépouillement). Istambul: s.e., 1934. o “turco puro”, expressão que caracteriza perfeitamente
I 12 AS PO L ÍT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S A AÇÂO SOBRE A ÜNGUA (O CO RPU S)
1 13
o alvo visado. O resultado desse conjunto de medidas é uma n otável dificuldade de intercom preensão entre
resumido por Louis Bazin da seguinte maneira: a prim eira forma e as últim as. E inar Haugen apre
A distância entre a língua turco-otomana (escrita) do fim do senta a situação dessa época distinguindo cinco vari
século XIX ou do início do século XX e a língua turca “republi edades lingüísticas:
cana” atual, escrita e ensinada, é a essa altura tão grande que, • o dinamarquês puro, essencialmente utiliza
mesmo transcritos do antigo sistema árabo-turco no novo alfa do no teatro, no qual dominavam os atores
beto turco-latino, os textos otomanos do último período são, idinamarqueses;
em sua grande maioria, incompreensíveis para um turco com • a forma-padrão literária, língua da escola, do
menos de 60 anos que não tenha feito cursos especializados (de templo, que pode ser definido como um dina
nível universitário)15. marquês pronunciado com sotaque norueguês;
Percebe-se que o exemplo turco entra no quadro • a forma-padrão familiar, língua da burguesia,
de um planejamento absolutamente imperativo, pos interm ediária entre a forma precedente e a
sibilitado pela existência de uma incontestável vonta seguinte;
de de reforma e, sobretudo, de um poder forte. O exem • a forma-subpadrão urbana, língua das cida
plo da Noruega, apresentado abaixo, nos mostrará que des, com importantes variantes locais;
as coisas não se passam da mesma maneira no qua • por fim, os dialetos rurais16.
dro de países democráticos. Ao longo daquele século, essa situação vai ser
objeto de numerosas discussões e de numerosas pro
posições. O debate se cristalizou inicialmente em tor
V - A padronização de uma língua: no de duas abordagens. Por um lado, Knud Knudsen
o exemplo da Noruega (1812-1895) propunha partir da língua falada urba
No início do século XIX, depois de trezentos anos na {byfolkets talesprog) para estabelecer uma forma-
de dominação dinam arquesa (1523-1814), a N orue padrão, passando para o norueguês a pronúncia dina
ga passou para a jurisdição sueca, antes de obter a marquesa. Por outro lado, Ivar Aasen (1813-1896)
independência. Nessa época, a situação lingüística ca- propunha partir dos dialetos rurais para construir uma
racterizava-se pela coexistência do dinam arquês lite língua norueguesa unificada. Essas duas idéias de lín
rário, língua do ensino e da literatura, de uma for- guas foram batizadas de maneiras diferentes. No pri
ma-padrão urbana e de diferentes dialetos rurais, com m eiro caso: dansk (d in a m a rq u ê s), dansk-norsk
(dinamarco-norueguês) ou rigsmàl (forma paralela ao
15. Louis Bazin, “La réforme linguistique en Turquie”, in I.
Fodore C. Hagège (orgs.), La réforme des Ianques. Hamburg: Buske,1983, 16. E. Haugen, Language Conflict and Language Planning, the Case
p. 155. of Modem Norwegian. Cambridge: Harvard University Press, 1966.
I 14 AS P O L ÍT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S A AÇÃO SOBRE A LÍN G U A (O CO RPU S) 1I5
alemão reichssprache); e no segundo caso: norsk (no as duas formas (nynorsk e bokmàl) e se dedica muito
rueguês), national sprog (língua nacional) ou lansmál. tempo à aprendizagem das formas ortográficas e das
A dupla rigsmâlâansmàl vai, por muito tempo, ser a flexões. Mas estamos tratando aqui da língua escrita,
tradução lexical das posições em presença: o primeiro e a situação é sempre mais complicada na língua fala
termo designava uma língua literária, próxima ao di da. Desse modo, André Catafago distingue hoje seis
nam arquês (hoje chamada hokmâl), e o segundo, o variedades de norueguês:
projeto de língua padronizada a p artir dos dialetos (T) o nynorsk tradicional (conservador);
(hoje chamada nynorsk). f2) o nynprsk modernizado (radical);
A tentativa de padronização da língua vai partir o bokmàl tradicional (moderado);
da grafia: após 1905, quando a Noruega obtém sua inde O o bokmàl modernizado (radical);
pendência definitiva (dissolução da união com a Sué <§) o norueguês comum (ou samnorsk, espécie de
cia), as comissões lingüísticas se multiplicam e o Parla bokrAàl unificado com estruturas nynorsk).,
mento norueguês votará um número impressionante de 6. o rikSmâl (variedade não oficial, mais tradicio
reforma ortográficas (1907, 1913, 1916, 1923, 1934, nal ainda que a variedade 3)17.
1936, 1938, 1941, 1945, 1959, 1981) que correspon Essas variedades se distinguem particularmente pela
dem, cada uma delas, a opções políticas diferentes. A pronúncia^ pelo lugar do acento e por intermináveis de
reforma adotada em 1938, por exemplo, inspirada pelo bates opondòos defensores de um a norma única àqueles
Partido Comunista, que tinha então grande influência, que defendem o reconhecimento dos fatos dialetais; en
seria acusada, depois da ocupação alemã, de querer “in quanto se publicam regulamente listas de palavras com
troduzir a ditadura do proletariado no domínio lingüís menção às diferentes formas de acentuação.
tico”, substituída em 1941 por uma outra grafia supri Essa situação, que já dura quase dois séculos,
mida em 1945, depois da Libertação. Pode-se, de ma evidentemente tem origem na vontade de uma parte
neira geral, considerar que os partidários do bokmàl da população de construir uma forma lingüística que
(língua mais próxima do dinamarquês) se situam mais não seja dinamarquesa e de apagar da língua os traços
à direita no tabuleiro político, enquanto os partidários da dominação dinamarquesa. Tratava-se da busca de
do nynorsk (língua inspirada nos dialetos populares) se uma forma identitária que havia se tom ada incômo
situam mais à esquerda. da pelo fato de que nem todos os dinamarqueses pos
Duas variedades de norueguês escrito coexistem suíam a mesma imagem da sua identidade. Mais tar-
ainda hoje, e o Conselho da Língua Norueguesa publi
ca todo ano certo número de modificações ortográfi-
cas que os manuais escolares devem acolher feles são 17. André Catafago, “Le norvégien: des problèmes mais pas de
crise véritable", in: Jacques Maurais (org.), La crise des langues. Gover
revisados a çada cinco anos). Ensinam-se nas escolas no de Québéc /Paris: Robert, 1985, p. 286.
116 AS PO LlT IC AS L IN G Ü ÍS T IC A S
• de outro, há um a língua veicular que se tor composta pela sua metade de empréstimos do árabe,
nou língua nacional, mais ou menos bem fala desenvolvida graças ao comércio marítimo, ao longo
da, de acordo com a idade das pessoas: o suaíli. da costa oriental da África e em direção ao interior do
Em 1969, W ilfred Whiteley estimava em 15 continente, na rota das caravanas. No centro desses
milhões o seu número de falantes: dois eixos de difusão, encontra-se a ilha de Zanzibar,
que desem penhava, naquela época, um im portante
Os que falam suaíli como língua materna e que provavelmente papel comercial: tráfico de escravos, importação de
não passam de um milhão... Aqueles que o adquirem como
algodão americano, exportação de cravo-da-índia, de
segunda língua e o utilizam freqüentemente em sua vida cotidia
marfim etc. Foi assim que uma língua veicular de ma
na. Esses são, certamente, mais de dez milhões.. .Um grupo com _
rinheiros penetrou lentam ente o continente africano,
provavelmente mais de um milhão e que utiliza a língua de
forma limitada... E finalmente aqueles que utilizam esporadica
atravessando-o de leste a oeste, por influência de fato
mente a língua com um conhecimento muito limitado1. res essencialmente comerciais. Essa expansão in vivo
será em seguida substituída pela ação in vitro da coloni
•Por fim, há um a língua legada pela época co zação alemã: o suaíli se tornou, no fim dos anos 1880,
lonial: o inglês. a língua de administração da Deutsch Ostafrica e per
Para compreender essa situação, precisamos re manecerá assim após a prim eira Guerra Mundial na
troceder ao início do século XIX, aos primeiros teste Tanganica britânica. Por volta de 1960, essa língua era
m unhos de que dispomos sobre a existência dessa lín utilizada num vasto territó rio : T anzânia, Q uênia,
gua. H enry Salt, por exemplo, escreve em 1814: Uganda, Ruanda, Burundi, num a parte do Zaire, no
As seguintes palavras me foram dadas por marinheiros de um barco sul da Somália e no norte de Moçambique, constituin
árabe que se autodenominavam sowaulis, o que aparenta ser um do-se então num arquétipo da língua veicular: apenas
povo bem diferente do povo somauli. Essa tribo ocupa a costa leste 7% de seus falantes a tinham como língua m aterna
da África, de Mugdasho... nas proximidades de Mombaça2. (ou seja, sua taxa de veicularidade chegava a 93%).
No momento de sua independência, em 1961, a
Na realidade, não se tratava de uma “tribo”, mas
Tanganica (que em 1964 passa a se chamar Tanzânia)
de um a língua essencialm ente veicular (exceto em
herda essa situação: um país governado em inglês, uma
Zanzibar, onde era língua primeira), banta em suas
população que fala mais de cem línguas diferentes e o
estruturas, porém com um vocabulário heterogêneo e
suaíli (ou kisuaüi3) que serve de língua veicular nos
mercados, ao longo das estradas, nos portos. Mas esse do inglês de um lado, e das línguas vernáculas do ou
suaíli foi a língua das campanhas pela independência, a tro. Essa expansão foi facilitada por alguns fatores:
língua em que Julius Nyerere se dirigia ao povo e que se • A herança histórica em prim eiro lugar. No
tornou, portanto, lentamente, o símbolo da libertação. momento da independência, a língua já era
Eleito presidente da Republica em 1962, Nyerere faz do há muito tempo escrita e utilizada na admi
suaíli o instrumento que permitiría unir esse novo país. nistração local, e essa situação, m uito diferente
Seu uso começa no mais alto nível: em 1960, os candida da dos países africanos colonizados pela Fran
tos à assembléia nacional deviam, nos termos da lei, ler e ça, facilitava sua promoção.
falar fluentemente o inglês, mas a partir de 1965 essa • O fato de que, simbolicamente, o suaíli era visto
cláusula desaparece, e a campanha eleitoral é feita em como a língua da independência, sem nenhu
suaíli. Isso levaria a uma evidente democratização do ma conotação colonial.
recrutamento dos eleitos e, no início dos anos 1970, o • O fato de que não era, por assim dizer, a lín
Parlamento se reúne quase que unicamente nessa língua. gua de ninguém, e sua promoção não podia
Paralelamente, o suaíli se tomava a língua oficial dos tri ser entendida como o poder de um grupo étni
bunais de primeira instância (1964), o que representava co sobre os outros.
igualmente um importante avanço democrático, e seu uso • E evidentemente o fato de que era falado por
se estendia lentamente a funções oficiais cada vez mais uma vasta m aioria da população.
numerosas, até tomar-se, finalmente, língua nacional. A Percebe-se então que a “estrutura lingüística” do
evolução da situação lingüística da Tanzânia pode ser país foi consideravelmente modificada, e que a Tanzânia
representada da seguinte maneira4*: nos fornece um exemplo típico de ação sobre as lín
Língua utilizada guas. E claro que essa ação necessitou em seguida de
Período colonial Depois da Independência um a intervenção sobre a língua, tanto sobre sua for
Nível
ma (neologia) quanto sobre seus usos (promoção). Dois
nacional inglês suaíli e inglês
m inistérios iriam tra ta r inicialm ente desse planeja
distrito suaíli suaíli
aldeia vernáculo suaíli mento lingüístico: o da educação e o do “desenvolvi
vizinhança vernáculo mento comunitário e da cultura nacional”s. O prim ei
ro se ocupava da introdução da língua no currículo
Percebe-se que o suaíli se estendeu funcionalmente escolar, o segundo, do desenvolvimento de uma ex
tanto “para cima” como “para baixo”, em detrimento pressão literária em kisuaüi. Inúm eras comissões ou
associações privadas passaram a trabalhar em segui-
4. Tabela emprestada de Jean 0 ’Barr, Language and Politics.
i
Paris: Mouton, 1976, p. 75. 5. Wilíiam 0'Barr, Language and Politics. Paris: Mouton, 1976, p. 45.
122 AS PO L ÍT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S A AÇÃO SOBRE AS L lN G U A S (O STA TU S) 123
da pela modernização da língua, enquanto se criava no essa antiga política, datada de quase vinte anos, e ado
University College de Dar-es-Salaam um “Institute of tar o malaio como língua nacional. Temos então um
Swahili Research”. Mas tudo isso está relacionado a quadro típico de intervenção in vitro sobre as línguas,
um a outra abordagem, desenvolvida no capítulo ante que se propõe a gerir pelo molde do monolingüismo
rior, e sobre a qual não nos estenderemos. um país extremam ente plurilíngüe. Mas essa interven
ção tornaria necessária um a ação sobre a língua: será
preciso “e q u ip a r” o m alaio (rebatizado de bahasa
II - A promoção de uma língua minoritária: o indonésia, “língua indonésia”), fixar para ele uma or
caso da Indonésia tografia e lhe forjar um vocabulário que lhe permitis
A Indonésia é composta por aproximadamente três. se cumprir suas novas funções.
mil ilhas e tem uma população de 235 milhões de habi O malaio, que foi durante muito tempo escrito
ta n tes (em 2003), divididos em diferentes grupos com a ajuda de um alfabeto adaptado do árabe, ga
etnolingüísticos6, que falam aproximadamente 200 lín nhou, em 1901, nas então índias Holandesas, uma
guas diferentes. Em 1928, quando o país era uma polô ortografia latina fixada por C. yan Ophuysen, seme
nia holandesa, o Partido Nacionalista Indonésio, que mi- lhante aos princípios da escrita do holandês em dois
litava pela independência, proclama que o malaio será a aspectos: o som /)/ era g ra fa d o je o som /i/ era grafado
língua nacional da Indonésia. Essa decisão não tinha na oe. Paralelamente, em 1904, os britânicos instituíam
época nenhum efeito, constituía uma política lingüística na Malásia a ortografia W ilkinson, levemente diferen
sem planejamento possível, e sua função era acima de te. A Indonésia independente ganha em 1947 um novo
tudo simbólica: a afirmação da existência de uma língua sistema, a ortografia Soewnadi (do nome do ministro
nacional implicava a existência de uma nação. A língua da educação da época), cuja modificação seria pro
escolhida para essa função era uma língua veicular, utili posta inúm eras vezes (em 1956, depois em 1961 e,
zada, sobretudo, nos portos e nos mercados e, além de por fim, em 1972). Finalmente, a versão adotada foi a
tudo, minoritária: a língua mais falada no arquipélago última, a da ortografia EYD (Ejaan Yang Disempur-
era o javanês, mas a escolha do malaio apresentava a nakan, “ortografia aperfeiçoada”), e que hoje é utili
vantagem de evitar as polêmicas e os conflitos que a pro zada tan to na Indonésia q u an to na Malásia e em
moção do javanês podería causar. Cingapura7. Não entrarem os nos detalhes de suas re
Q uando a Indonésia obteve sua independência gras; vamos nos contentar em destacar que, ao contrá
em meados dos anos 1940, decidiu-se então aplicar
7. Ver Pierre Labrousse, “Réforme et discours sur la réforme: le
6. Javanês: 39,4%, sudanês: 15,8%, malaio: 12,1%, madurês: cas indonésien”, in Istvan Fodor; Claude Hagège (orgs.), La réforme
4,3%, outros: 28,4%. des langues. Hambourg: Buske VerLag, 1983, vol. 2, p. 340-341.
124 AS P O L ÍT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S A AÇÃO SOBRE AS LÍN G U A S (O STATU S) 125
rio do exemplo africano desenvolvido no capítulo an • a ressem antização das palavras indonésias,
terior, temos aqui um a política que buscou, delibera- quando os vocábulos a m anat, “m ensagem ”,
damente, norm atizar a escrita de um a língua falada toma o sentido de “ordem ” (am anat bayar,
em inúmeros países. “ordem de pagamento”).
Restava o problema do léxico. De maneira parado Percebe-se que a distinção entre corpus e estatuto,
xal, esse problema foi abordado primeiramente pelo inva ou entre a ação sobre a língua e a ação sobre as línguas,
sor japonês que, em 1941, criou uma “Comissão da Lín
é muito artificial e que, se possibilitou belas sínteses
gua Indonésia” Komisi Bahasa Indonésia, encarregada de
dicotômicas, deu pouca atenção aos fatos. Uma políti
pesquisar a gramática e o vocabulário da língua. Em 1945,
essa comissão foi substituída por um “Centro de Língua e ca lingüística não intervém sobre uma forma da língua
Cultura”, que se encarregou da tarefa de equipar a língua ou sobre as relações com as línguas: freqüentemente, a
respeitando um certo número de princípios. Tratava-se mudança de estatuto de uma língua, implica, em segui
de buscar primeiramente uma palavra que já existisse em da, uma intervenção sobre seu corpus (o que denomina
bahasa indonésia, recorrer a uma palavra tomada de ou mos seu “equipamento”), e o caso indonésio é um belo
tra língua do arquipélago se não existisse a palavra em exemplo disso. Esse é outro ponto sobre o qual o caso
bahasa ou escolher uma palavra de outra língua asiática; indonésio tem valor geral. Pierre Labrousse destaca que
a solução de usar um termo de tuna língua internacional as inúmeras intervenções sobre a língua nunca suscita
européia vinha em último lugar8. Assim, a palavra malaia ram o menor problema na população:
swantantra substituiu o empréstimo autonomi, a palavra
javanesa timbel substituiu o inglês lead, a palavra sudanesa A idéia de que o indonésio é uma língua “imperfeita”, que
nyeri substituiu o inglês pain, a palavra zarah foi escolhi precisa ser desenvolvido, ou seja, que ela é um “instrumento”
sempre aperfeiçoável, impôs-se facilmente em uma sociedade
da para designar o átomo etc
multilíngüe e no contato com o holandês que se assemelha a ela
Em seguida, esses princípios foram interpreta
em diversos pontos. Em relação às sociedades em que os proble
dos muito livremente, e Pierre Labrousse indica que mas lingüísticos provocam constantes tensões, essa imagem
três procedimentos são ainda hoje utilizados: desmisdficada da língua é muito original9.
• o em préstim o, como em analis (do inglês
analyst) ou em hipotik (do holandês hypotheek); E essa ausência de tensão está, sem dúvida ne
• o decalque sem ântico, como em iklan batu nhum a, relacionada à função veicular do malaio, ao
nisan (“inscrição em escultura fu n erária”) fato de que ele não era, no início, visto como a língua de
pelo inglês tombstone; um grupo, de uma facção detentora do poder que esti
vesse impondo a própria língua aos outros.
8. S. Takdir Alisjahbana, Lanyuaye Planning for Modernization,
the Case of Indonesian and Malasyan. Paris: Mouton: 1976. 9. Op. cit., p. 354.
126 AS P O L ÍT IC A S LIN G Ü ÍS T IC A S A AÇÂO SOBRE AS LÍN G U A S (O STA TU S) 127
ção federal, cada uma dessas comunidades que ocupa No cantão de Tessino, nota-se igualm ente a coe
uma porção do território conhece sua própria situação xistência do italiano, de um dialeto lom bardo e do
lingüística. Assim, na parte germanófona, que serviu falar local, e para ilustrar essa diversidade M. Duval-
como um dos exemplos utilizados por Charles Ferguson Valentin utiliza o seguinte exemplo: um habitante
para ilustrar sua noção de diglossia, tem-se uma situa médio de Tessino, para expressar que está com dor
ção dialetal que faz com que se possa falar de um de cabeça, dirá à sua mulher, em “patoá”, dori Vco, a
bemdütsch (alemão de Berna), de um züridütsch (ale um conhecido, em dialeto, fa ma a la testa e num a
mão de Zurique), e assim por diante, com a coexistên situação mais formal, em italiano, mi fa male la tes
cia entre um a coiné suíça (espécie de denominador co ta. Do lado francófono, enfim , nota-se um a certa
mum dos dialetos), o Schwyzerdütsch e o Hochdeutsch ocorrência de regionalism os, mas a situação não é
(alemão-padrão), essencialmente utilizado na escrita (e em nada comparável à que acabamos de descrever
frequentemente chamado de Schriftdeutsch). Segundo para o italiano ou o romanche.
Duval-Valentin, Abaixo do nível federal, que garante tanto a ges
a Suíça se encontra na seguinte situação paradoxal: há, de um tão da Confederação (em três línguas) quanto o prin
lado, vários organismos que defendem a pureza da língua ale cípio de territorialidade (para quatro comunidades lin
mã, mas existem, de outro, numerosas associações voltadas para güísticas), os cantões também podem intervir na polí
a proteção e a melhora da prática dialetal. Temos aqui uma tica lingüística. Um bom exemplo é constituído pelo
Sprachpflege [defesa da língua] complementada por uma enérgi cantão bilíngüe de Friburgo, que produziu um “mapa
ca Mundartpflege [defesa dos dialetos]14.
das línguas” (em alemão: Sprachencharta), garantin
A com unidade rom anche exibe tam bém uma do no cantão a igualdade dos direitos ao francês e ao
grande variação dialetal. Sua língua é dividida em alemão, mas propondo, sobretudo, certo núm ero de
três grupos de falantes (rom anche dos Grisões, ladi princípios gerais. Assim, encontram os nessa carta, por
no dos Dolomitas e o friulano), eles mesmos dividi exemplo, a condenação da unificação lingüística em
dos em inúm eras formas locais entre as quais a co tom o de uma língua m ajoritária, da anexação de po
municação nem sempre é fácil. Além disso, no cantão pulações que falam a mesma língua etc., bem como a
dos Grisões, o rom anche (falado por 26% da popu formulação dos direitos lingüisticos dos cidadãos e dos
lação) coexiste com o alemânico (58%) e o italiano deveres lingüísticos das autoridades.
(16%) e se encontra ameaçado por essas duas lín Percebe-se que há especificidades na gestão do
guas, tanto na sua forma (empréstimos e decalques) plurilingüismo suíço: o encaixe de níveis de compe
quanto na sua existência. tência. Existe um regulamento federal, os cantões bi-
língües geram sua própria situação e as comunidades
14. M. Duval-Valentin, op. eit., p. 498. têm competência em matéria de ensino para decidir a
AS P O L ÍT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S A AÇÃO SOBRE AS LÍN G U A S (O STATU S) 131
130
língua ou as línguas utilizadas. O resultado mais im apostas em cavalos*. Só em 1909 é que é criado um
portante desse tipo de abordagem é que a maioria lin serviço “das escolas e das obras francesas” no Ministério
güística (germ anófona) não se comporta como uma das Relações Exteriores, que fora reorganizado após a
maioria, não impõe sua língua às minorias. E essa “paz guerra de 1914-1918 em três seções encarregadas, res
lingüística”, garantida por um aparato jurídico preci pectivamente, da ação universitária, da ação artística e
so, constitui um modelo de política e de planejamento das obras15. Mas foi durante a segunda Guerra Mundial
que alguns países poderíam invejar. que a ação cultural exterior da França ganhou sua forma
atual. Em 1941, o general de Gaulle crioü, em Londres,
“comissariados” da França livre, na realidade ministéri
IV. — A defesa do status internacional de os, entre os quais o comissariado das relações exteriores
uma língua: o exemplo do francês dividido em uma “Direção dos Assuntos Políticos” e um
No capítulo anterior, apresentam os a ação da “Serviço dos Assuntos Administrativos e Consulares e
França sobre a form a da língua. Mas ela intervém das Obras Francesas no Exterior”16. Esse último se tor
tam bém de m aneira contínua sobre seu status, so nou, em 1945, após a libertação, a “Direção Geral das
bretudo seu status internacional. Foi com a Revolu Relações Culturais e das Obras Francesas no Exterior”,
ção que se iniciou um a ação cultural e lingüística e que, sob denominações diversas, se mantém até hoje.
externa, ação que se faz por interm édio das “obras”, Essa Direção Geral se ocupa essencialmente do
ou seja, essencialm ente das congregações religiosas ensino do francês no exterior (aliás, é a única, num
francesas no exterior. Seja através de subsídios às m inistério formado por diplomatas, cujos membros
escolas cristãs, de subvenções aos m issionários cató vêm em parte da Educação Nacional) e os cargos de
licos, aos protestantes, à Aliança Israelita U niver adidos culturais que começaram a ser criados no fim
sal, d u ran te quase um século^a cultura e a língua dos anos 1940 eram, geralmente, ocupados por uni
francesas são prom ovidas no exterior graças a dife versitários. Assim, um a opção fundam ental ganha
rentes vetores religiosos. Foi preciso esperar o fim do forma lentam ente: a difusão da cultura francesa no
século XIX para que organizações leigas viessem fa exterior passa pela difusão da língua franw w , q qnp
zer parte desse quadro: as Alianças Francesas, recen implica, por exemplo, que não se traduzam os livros,
tem ente criadas (1883), em seguida a Missão Laica
(1902). O Estado, nessa época, não intervinha dirq- ' No original, “Pari Mutuei”: organismo que detém na França o
tam ente nesse campo, contentando-se em financiar monopólio da organização e do registro das apostas em corridas de
cavalo efetuadas tanto nos jóqueis como fora deles (n. do E.).
iniciativas privadas, por interm édio do M inistério das 15. Ministère des Affaires étrangères. Histoiresdediplomatieculturdle
Relações Exteriores, do M inistério das Colônias e, de des origines à 1995. La doaementation française, Paris, 195, p. 32-38.
m aneira m ais inusitada, das receitas geradas pelas 16. Journal officiel de la France libre, 14 de outubro de 1941.
132 AS PO LÍT IC A S LIN G Ü ÍS T IC A S A AÇÃO SOBRE AS L ÍN G U A S (O STATU S) 133
mas que eles sejam difundidos em francês. Não se trata dência da União Européia, o m inistro francês dos
de uma opção muito lógica: pode-se ler a literatura rus Assuntos Europeus propunha lim itar a cinco as lín
sa, alemã ou espanhola em tradução francesa ou italia guas de trabalho da Comunidade Econômica Européia
na, ouvir em francês uma conferência sobre a pintura (que é preciso distinguir das línguas oficiais, que são
chinesa ou assistir a filmes japoneses em inglês. A esco as* línguas de todos os países-membros), expondo-se
lha francesa será diferente e marca ainda hoje a políti aos protestos de alguns “pequenos” países. O proble
ca lingüística externa do país. A Direção Geral das Re ma posto aqui é, ao mesmo tempo, técnico e político.
lações Culturais se tom ou em seguida Direção Geral Se nos ativermos ao ponto de vista legal, havia treze
dos Assuntos Culturais e Técnicos (1956), depois Di línguas “nacionais” diferentes na Europa dos Quinze,
reção Geral dos Assuntos Culturais, Científicos e Téc mas uma vez que dois Estados renunciaram ao uso de
nicos (1969), mas a despeito dessas diferentes denomi uma de suas línguas nas instituições européias (a Ir
nações, que comprovam a ampliação de suas compe landa renunciou ao irlandês e Luxemburgo ao luxem-
tências (as técnicas, depois as ciências se juntando à burguês), restaram apenas onze línguas oficiais, o que
cultura), ela continuará seguindo a mesma política: di
nos dá 110 combinações possíveis de interpretação si
fundir ao mesmo tempo a cultura, a ciência e a língua
multânea. Isso implica cabines de tradução, profissio
francesas, o que implica, logicamente, que se dedique
nais (os intérpretes trocam de turno a cada vinte mi
muita energia ao ensino da língua. Essa é a razão pela
nutos), um gasto enorme. Ou seja, é evidente que a
qual a França é o país no mundo que mais envia profes-
situação não pode permanecer assim e que é preciso
sores ao exterior: sua política cultural externa é antes
limitar o número de línguas, ou então encarar pagar o
de tudo uma política de difusão da língua francesa. Não
apresentaremos aqui os centros de impulsão e de deci enorm e custo da igualdade das lín g u as (como os
são responsáveis por essa política: a França se eqúipou quebequenses pagam o custo do bilingüismo). Mas a
com um número impressionante de estruturas, de or hipótese de uma limitação do núm ero de línguas nos
ganismos, de comissões, que intervém de uma maneira remete a um plano político mais amplo.
ou de outra no domínio da língua e das línguas, e nos Existeqi, de fato, aqui, duas soluções: lim itar o
contentaremos em resumir a política lingüística exter número de línguas de trabalho (proposta — contesta
na do país. da — apresentada pela França) ou não fazer nada (po
lítica que podería levar à dominação de fato por parte
do inglês). As reações diante dessa hipótese são, evi
N a Europa dentemente, diferentes de acordo com cada país, e com
Em meados de dezembro de 1994, no momento preende-se por que a França, que dá grande importância
em que a França se preparava para assumir a presi à defesa da língua, tenha se oposto a ela. Inversamente,
t 34 AS P O L ÍT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S A AÇÃO SOBRE AS L ÍN G U A S (O STA TU S) 135
pode-se imaginar que determinado número de países que em suas escolas, e essa insistência pode ser apresenta
recusem a idéia das cinco línguas esteja disposto a acei da como um projeto “europeu” (formar jovens euro
tar um status particular concedido ao inglês, que já é a peus trilíngües), mas constitui ao mesmo tempo uma
língua internacional de trabalho... A esse debate técnico- defesa do francês (se apenas uma língua for ensinada,
político se junta outro: a lista das línguas de trabalho essa seria obviamente o inglês, um a segunda língua é
proposta pela França. T rata-se do inglês, do francês, do necessária para garantir um lugar ao francês).
alemão, do espanhol e do italiano, ou seja, as línguas Percebe-se então que a política lingüística da Fran
mais faladas na Europa dos Quinze. E essa escolha é ça em relação à Europa está dividida entre esses dois
evidentemente políticafcela enfatiza a comunicação no seio princípios:va gestão lingüística da Europa e a defesa da
da Europa, excluindo na mesma tacada o português^ língua francesa., Por trás disso, existe a idéia de que o
muito mais falado no mundo do que o italiano, o alemão futuro do francês está em jogo na União Européia, que
e até mesmo o francêsj Ou seja, essa escolha ignora o é preciso a todo custo evitar que o inglês se tome a úni
status mundial das línguas e considera apenas as estatís ca língua de trabalho, idéia expressa claramente na obra
ticas (número de falantes) na Europa. Paralelamente à publicada pelo Ministério das Relações Exteriores:
abordagem técnica (é preciso limitar as línguas de traba Não nos enganemos, é na União Européia que estará em jogo o
lho), a proposta francesa apresentava uma abordagem futuro do francês. Se amanhã, em razão de concessões sucessi
política em dois níveis: vas, o inglês se impuser como a única língua de trabalho, como
•') é preciso evitar que o inglês se tom e a única poderemos defender o status internacional do francês?*•17
língua de trabalho da União Européia;
Essa posição, que mostra claramente onde se en
• é preciso escolher as línguas de trabalho em
contra o inimigo (o monolingüismo, obviamente, mas
função de critérios europeus (razão das cinco
o monolingüismo anglófono), deixa de lado outra pro
línguas propostas, as mais faladas).
blemática. Se o status internacional do francês está
Essa abordagem, que se situa no quadro da política
simbolicamente em jogo na Europa, seu futuro esta
européia, mascara, de fato, interesses nacionais: a pro
tístico se decide na África, onde a demografia e os
posta da França, apresentada como capaz de resolver as possíveis progressos da escolarização garantem à lín
dificuldades de funcionamento das instituições européi gua um reservatório imenso de potenciais falantes. E
as, pode ser considerada também como uma maneira de isso nos conduz a outro lado da política lingüística da
defender o francês, uma vez que as reações dos “peque França: aquele que se refere à francofonia.
nos países” constituem uma defesa de suas línguas base
ada num a defesa do princípio da igualdade...
17. Ministère des Affaires étrangeres, Histoires de diplonwtie
Do mesmo modo, há muito tempo a França in
culturelle des origines à 1995. Paris: La documentation ftançaise, 1995,
siste em que os países europeus ensinem duas línguas p. 198.
136 AS POLÍTICAS LINGÜÍSTICAS A AÇÃO SOBRE AS LÍN G U A S (O STA TU S) 137
da promoção individual) em sua política bilateral, suas necessidades e de seus meios. Esse procedimento,
enquanto os organismos francófonos multilaterais, em no entanto, entraria em contradição com as reivindica
grande parte financiados pela França, voltam-se cada ções dos países do Sul e um certo clientelismo dos paí
vez mais, porém com menos recursos, para a segunda ses do Norte, e o resultado disso é uma paralisia quase
direção. total da política lingüística francófona, apesar dos
Além disso, a francofonia é freqüentem ente o expressivos meios financeiros de que ela dispõe.
campo de batalha de um a guerra latente entre os paí
ses francófonos do Norte, em particular a França e o
O francês no mundo
Canadá, que, paralelamente às suas políticas multila
terais, têm cada um um a política bilateral que nem Para o resto do mundo, assim como para a Euro
sempre vai na mesma direção. Essa guerra dos chefes pa, de acordo com o que tratamos acima, o problema
faz da francofonia um lugar de oposição entre os paí da política lingüística da França tem um nome: o in
ses do Norte, detentores de fundos financeiros, em glês. Foi em 1919 que, pela prim eira vez na história
detrimento da elaboração de uma linha política clara. das relações internacionais, um tratado foi redigido
A França não tem política francófona claramente ex em duas línguas, o francês e o inglês. O presidente
pressa nem no dom ínio bilateral, nem no domínio americano Woodrow Wilson exigira que o Tratado de
multilateral. Robert Chaudenson exprime perfeitamen Versalhes não fosse escrito apenas em francês, como
te essa incoerência quando escreve18: era feito até então. Data simbólica, pois desde então a
0 interesse imediato do Slü não está nem nas indústrias da
França se esforça por m anter o status internacional
língua nem nas infovias, mas numa difusão em massa, adaptada de “sua” língua, aliás, com sucesso: tanto na Unesco
e eficaz da língua francesa no Sul, porque é, na África, a condi como na ONU, o francês está entre as poucas lín
ção primeira tanto do desenvolvimento como da democracia. guas de trabalho, num erosas delegações o utilizam
Mas, além disso, é claro que o Sul tem um interesse poderoso, em suas in terv en çõ es e, sobretudo, o núm ero de
mas indireto, em que o francês esteja presente tanto nas indús francófonos no m undo está em constante aumento.
trias lingüísticas e culturais quanto nas infovias. Assim, os franceses não são m ais m aioria no meio
Ele esboçava, dessa forma, uma política francófo dos francófonos e o francês não pertence mais so
na possível, que consistiría em dotar a francofonia de mente à França. Mas eis que o francês não é mais a
grandes objetivos comuns, mas reservando a cada um prim eira língua internacional, ele é largamente u ltra
dos países-membros objetivos específicos, em função de passado pelo inglês, e seus status é comparável ao do
espanhol, até mesmo ao do português... É possível ler
18. Robert Chaudenson, La politipue francophone: y a-t-il un pilote num a publicação que já citam os do M inistério das
dans 1’avion? Comunicação ao Colóquio de Rennes, abril de 1995. Relações Exteriores, a seguinte passagem:
AS P O L ÍT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S A AÇÃO SOBRE AS L lN G U A S (O STA TU S> 143
I 42
Não erremos de alvo: não se trata de iniciar uma batalha contra trutural-global, audiovisual, com unicativa se suce
o inglês, mas de nos bater pela manutenção de um pluralismo diam, os exercícios estruturais foram durante deter
lingüístico e cultural que nos parece necessário não apenas para minado tempo uma panacéia, logo substituídos pelas
nós mesmos, mas para muitos de nossos parceiros19. m icroconversações, e depois por outras inovações.
É verdade que na reivindicação da exceção cultu O rganism os p a ra -u n iv e rsitá rio s (BELC - B ureau
ral, por exemplo, a França certamente defendeu seu d’Études pour la Langue et la Civilisation Française à
cinema, mas ao mesmo tempo o cinema italiano ou es 1’Étranger, CREDIF - Centre de Recherche et d’Étude
panhol, assim como é verdade que os cineastas japone pour la Diffusion du Français) se especializavam no
ses gostariam que seu governo tomasse posição seme ensino do fran cês no ex terio r, an tes que o FLE
(Français Langue Étrangère) se tornasse uma especia
lhante. Mas acontece que esse pluralismo lingüístico e
cultural, evocado sempre que o francês se encontra lidade propriamente universitária. Havia em tudo isso
interesses econômicos evidentes, uma abordagem teó
ameaçado, é praticamente esquecido quando suas po
rica cuja superficialidade saltava aos olhos e uma re
sições estão mais seguras, como na França ou na África
lativa ausência de reflexão política.
francófona.
Esse desequilíbrio entre o desinteresse político e
Os autores das Histoires de diplomatie culturelle ob
a generosidade financeira frente à política cultural e
servam que quando Maurice Couve de Murville? que foi
lin g ü ística se p ro lo n g o u sob as p resid ên cias de
ministro das Relações Exteriores por dez anos, redigiu
Georges Pompidou e de Valéry Giscard d’Estaing, e
suas memórias, dedicou quatrocentas páginas às rela
foi depois da eleição de François M iterrand que se
ções entre a França e os grandes países do mundo e qua
m ultiplicaram os organismos, as reuniões, as deci
tro páginas às questões culturais. No entanto, durante
sões sobre a língua e a francofonia, que se viu um
esses dez anos, a metade do orçamento de seu ministério
chefe de Estado se interessar diretam ente por esses
se destinou aos assuntos culturais e técnicos20. E verda
problem as. Mas o fato de a política lingüística da
de que durante muitos anos a difusão do francês no
França ser, aparentem ente, tratada no mais alto ní
exterior foi, antes de tudo, mais um mercado do que
vel não garante sua unidade.
uma política., Os editores e os autores de métodos de
Se a política lingüística da França tem uma coe
ensino tiraram lucros im portantes dessa postura, e
rência, onde ela se encontra? É possível duvidar dessa
como era preciso, pela lógica comercial, substituir
coerência por razões acima de tudo técnicas: os luga
ciclicamente esses métodos, os “metodólogos” se ju n
res de decisão são múltiplos, não existe, por exemplo,
taram para produzir novas “teorias”. Abordagens es
um espaço de reflexão acadêmico que pudesse forne
cer aos tomadores de decisão relatórios concretos, um
19. Ibid., p. 197.
20. Op. cit., p. 104. acompanhamento das situações, uma análise da con-
144 AS POLÍTICAS LINGÜÍSTICAS A AÇÂO SOBRE AS L ÍN G U A S (O STATU S) 145
jmjtura. Pode-se também observar uma certa contra cessária um a língua única e indivisível, o modelo
dição entre a defesa verbal do plurilingüismo na Euro monolíngüe passou a reinar e foi aplicado tanto na
pa e o pouco empenho na defesa desse princípio nas França como na África na época colonial. Os princí
fronteiras da França, quando se trata das línguas regi- pios afirm ados (plurilingüism o na Europa, diálogo
*onais. Pode-se enfim, apesar de uma leve mudança de en tre o francês e as lín g u as p arceiras no espaço
foco após a cúpula de Dakar, notar que a política lin francófono) são^jn u itas vezes, um a tática. No e n
güística da francofonia parece ignorar as línguas ditas tanto, mais que uma contradição entre tática e estra
“parceiras”, desprezando o princípio de plurilingüismo tégia, é preciso enxergar aqui um a subordinação dos
das regiões, além de não se preocupar com o lugar das princípios a um fim: a política lingüística da França
línguas no desenvolvimento quando se trata do caso do tem um a coerência teleológica profunda, que a con
francês na África.» Além do mais, em relação à ação duz a uma incoerência teórica e a estratégias varia
lingüística no plano interno e no plano externo, paira das. Ela não defende em todos os lugares os mesmos
um não-dito sobre todas as estratégias desenvolvidas: o princípios porque defende o francês em todo e qual
inglês. A “lei Toubon” faz o tempo inteiro referência a quer Jugar, ainda que não o reconheça em voz alta e
“termos estrangeiros”, uma vez que os exemplos que mesmo que nem sempre saiba como fazê-lo. ,
aparecem no Dictionnaire des termes officiels de la langue
française substituem todas as palavras inglesas, e a as
piração ao plurilingüismo defendido, no que diz respei V. — A substituição de um língua colonial: os
to à Europa, tem sempre por função a de se opor dire inícios da arabização na Á frica do Norte
tamente à ameaça de uma posição dominante do inglês. Vimos no primeiro capítulo que os sociolingüistas
Dessa forma, por todas essas razões, tem-se a e os militantes catalães utilizavam a noção de normali
impressão de que essa política lingüística não tem zação para designar a ação sobre as línguas que leva
nenhum a unidade e podemos indagar, com Robert ram à substituição substituição do espanhol, nas fun-
Chaudenson, “se há um piloto no avião”. Mas a coe ções oficiais, pelo catalão. Nesse caso particular, tra-
rência dessa política se encontra num outro nível, no tava-se de devolver ao catalão um status aue ele ocupa-
da defesa da língua francesa, tanto do ponto de vista va no início do século., A situação do árabe na África
do corpus (luta contra os empréstimos, neologia em do N orte é com pletam ente diferente. Segundo G.
diferentes campos, indústrias da língua...) como do Grandguillaume21: “A arabização consiste em tornar
ponto de vista do status (lugar do francês nas insti
tuições internacionais, ensino do francês como lín
21. Gilbert Grandguillaune, Arabisation et politique linguistique
gua estrangeira etc.).iDesde que a Revolução decidiu au Maghreb. Paris: Maisonneuve & Larose, 1983, p. 9. A maioria das
que para um a República única e indivisível era ne informações expostas nesse capítulo vem dessa obra.
A AÇAO SOBRE AS LÍN G U A S <0 STA TU S) 147
146 AS POLÍTICAS LINGÜÍSTICAS
o árabe aquilo que ele não é”. E acrescenta mais adian cendo o reconhecimento oficial. Quanto ao árabe como
te que se trata de arabização e não de rearabização: língua materna, ele foi igualmente desvalorizado:
Certamente um retorno às fontes, à língua das O julgamento (desfavorável) de valor atribuído ao árabe falado
origens parece tranqüilizador e se apresenta como fun cotidianamente se resume em apresentá-lo sob o aspecto de
dam entalm ente legítimo. Mas conceber a arabização uma corrupção do árabe literário que precisa, o mais rapidamen
como um retorno a um estado de cultura e de língua te possível, ser abandonado ou desaparecer23.
pré-coíonial é, evidentemente, uma ilusão.,Para falar Além dessas línguas maternas, os três países da
apenas da língua, ela deve exprim ir hoje um mundo África do Norte (Marrocos, Argélia e Tunísia) estavam
totalm ente diferente do que foi outrora, particular confrontados com duas outras línguas, o francês de uma
mente seu uso no lugar do francês a conduz a expres parte, herança da época colonial, e o árabe. Mas é deli
sar realidades novas em relação ao fundo lingüístico cado definir esse árabe, que não é a língua falada. Exis
árabe tradicional. Existe a rearabização no sentido de te, de um lado, o árabe clássico, língua do Alcorão, sa
uma restauração da língua árabe como língua de cul cramentada como fator identitário e como base da comu
tura, mas não no sentido da pura ressurgência de uma nidade dos crentes. Trata-se, propriamente falando, de
situação lingüística passada22. uma língua morta, como o latim, que se aprende essen
A situação do árabe na África do N orte é, de cialmente lendo o Livro Sagrado. Existe, de outro lado,
fato, diferente da do catalão na Espanha: as estrutu o árabe moderno, língua das mídias, do aparelho de
ras do Estado do qual o árabe devia ser o meio de Estado, sobre o qual Grandguillaume escreve:
expressão e de gestão não existiam antes da coloniza Sem referência cultural própria, essa língua também não tem co
ção. Além disso, ali o contexto lingüístico era muito munidade. Ela não é a língua falada de ninguém na realidade da
particular. Muito se escreveu sobre as relações entre vida cotidiana (...) Essa falta de referência comunitária da língua
as línguas em contato, o árabe, o herbere e o francês, e árabe moderna foi oportuna para os defensores da arabização: por
isso eles tentam, contra todas as evidências, estabelecer uma confu
é extremam ente difícil esclarecer essa questão. O que
são entre essa língua e a língua materna. Os exemplos na história
é certo é que existem na África do Norte dois conjun das controvérsias em que a reivindicação da arabização é expressa
tos de línguas maternas: o conjunto árabe e o conjun em reivindicação da língua materna são abundantes24.
to berbere. Sob denominações diversas (berbere, cabila,
tamashek, tamazight, tachelhit, chleuh...), o berbere É portanto esse árabe moderno que está no centro
sempre foi considerado, desde a conquista árabe, como do processo de arabização, que se manifesta no Marro-
um dialeto minoritário (mesmo que ele seja, sem dú
vida, ainda hoje m ajoritário no Marrocos), não mere- 23. Michel Barbot, “Réflexions sur les réformes modemes de
1’arabe littéral”, in: Istvan Fodor; Claude Hagège (orgs.), La réforme des
langues. Hamburgo: Buske Verlag, 1983, vol. 1, p. 133.
22. Op. cit., p. 31 24. Gilbert Grandguillaume, op. cit, p. 25.
• ........ - UMMSkMaEUtttfcV
148 AS P O L ÍT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S A AÇÃO SOBRE AS L ÍN G U A S (O STA TU S) 149
cos a partir de 1957 (decisão — abortada — de arabizar m ário será arabizado. A medida, precipitada e mal
o ensino primário), na Tunísia a partir de 1958 (insti preparada, foi um fracasso total e, em conseqüência,
tuição dos dois primeiros anos de ensino em árabe) e o ministro renunciou ao cargo em 1958. Mas a ques
na Argélia a partir de 1962 (instauração na escola pri- tão passa a fazer parte da ordem do dia: o rei cria
mária de sete horas semanais de árabe em trinta horas uma comissão de reform a do ensino encarregada de
de ensino). Nesses três casos, é possível perceber que~é preparar um projeto, e o problema da arabização será
através da escoía)que o processo se inicia. Mas as dife de novo abordado em junho de 1958, durante a pri
renças entre os três países nos obrigam a abordá-los meira reunião do Conselho Superior de Educação.
inicialmente de m aneira separada. Apresentarem os A primeira solução escolhida seria a de classes ex
então sucintamente suas políticas lingüísticas nos anos perimentais: em 1960, abre-se uma classe inteiramente
1960 e 1970 antes de fazer uma tentativa de síntese. arabizada em Rabat e em Fez, uma outra, em 1961, em
Casablanca. Na mesma época, o Ministério da Adminis
tração Pública e da Reforma Administrativa inaugurava
No Marrocos cursos de-formação em árabe para todos os funcioná
Apesar do silêncio oficial que pairava até bem pou rios. Paralelamente, organismos de reflexão sobre a
co tempo sobre a questão, o Marrocos é um país lin- arabização foram criados em R abat (In stitu to de
güisticamente heterogêneo: ali o berbere é falado como Arabização, Secretaria Permanente do Congresso para a
primeira língua por pelo menos metade da população25. Coordenação da Arabização nos Países Árabes), enquan
No entanto, em fevereiro de 1956, algumas semanas to o Conselho Superior de Educação Nacional, em outu
antes da independência, foi criada em Rabat a Liga con bro de 196^, exigiu que o árabe fosse a única língua de
tra o Analfabetismo, cujas campanhas de intervenção ensino. Na época, o ministério hesitava entre duas estra
eram unicamente em árabe, e observaremos que em to tégias: arabizar ano por ano ou matéria por matéria. A
dos os debates sobre o uso público das línguas no Mar primeira solução foi a escolhida e lançada em outubro de
rocos o problema do berbere nunca foi abordado: ape 1963: em 1967, todo o ciclo primário seria desse modo,
nas o Movimento Popular (fundado em 1957) reivindi ano após ano, arabizado. Mas os resultados não foram
cará permanentemente o ensino do berbere... suficientemente convincentes: o afluxo dos alunos e a
É no início do período escolar de 1957, logo após queda do nível do ensino levaram o ministro Benhima a
a independência e sob o impulso do ministro da Edu regulamentar em 1965 o acesso dos alunos ao secundá
cação, Mohamed El Fassi, que o primeiro ano do pri rio. Apesar das violentas reações provocadas por essa
decisão, o ministro iria mantê-la em abril de 1966 e anun
25. Nenhum recenseamento foi feito sobre essa questão e dis ciaria, ao mesmo tempo, sua intenção de que o ensino
pomos somente de dados aproximativos sobre ela. das matérias científicas voltasse a ser feito em francês, i
150 AS P O L lT IC A S l in g ü ís t ic a s A AÇÃO SOBRE AS LÍN G U A S (O STA TU S) 151
Em 1965, o Ministério da Justiça foi oficialmente que o árabe falado seia ali praticamente unificado, p.m 1958,
arabizado, os demais setores da administração continua- o árabe foi introduzido nos dois primeiros anos do primá
ram a utilizar o francês ou o árabe, de acordo com a oca rio, medida que foi acompanhada pela supressão das esco
sião, mas principalmente o francês, a julgar pelos inúme las corânicas. No mesmo ano, decidiu-se por uma interven
ros protestos dos usuários. ,Grandguillaume destaca com ção no ambiente lingüístico: as placas de todo o comércio
humor que “esse afrancesamento persegue o marroquino foram arabizadas. Onze anos mais tarde, Ahmed Ben Salah,
até o túmulo, pois até as autorizações de enterro são que era o responsável pela educação no governo, decidiu
redigidas em língua estrangeira”26. De fato, deixando de restabelecer o ensino do francês nesses dois primeiros anos.
lado a justiça, a arabização da administração ocorrería de A parentem ente contava com o apoio do presidente
maneira não-coordenada, desordenadamente. Bourguiba, mas, em novembro de 1969, dois meses após o
Em outubro de 1968, o rei anunciou uma medida início do ano letivo, ele perde seu posto. No entanto, sua
um tanto surpreendente, mas que parecia apresentar o reforma será aplicada e mantida durante dois anos. Em
problema do ensino de maneira diferente. Tratava-se 1971, o primeiro ano do primário será novamente arabizado;
de abrir em todo o país uma espécie de ciclo pré-esco- em 1976 será a vez da arabização do segundo ano e em
lar, de escolas corânicas “modernas”, que as crianças 1977, do terceiro. Paralelamente, arabizava-se certo núme
freqüentariam dos 5 aos 7 anos. Esse sistema, que seria ro de matérias no secundário (filosofia, história, geografia)
efetivamente estabelecido, colocava claramente em de e no superior (ciências humanas).
bate a questão sobre qual árabe ensinar: se as crianças Ainda nessa mesma época, um debate (iniciado na
marroquinas começavam seu ciclo escolar com dois anos Assembléia Nacional em 1970) sobre a arabização agitava a
de escola corânica, evidentemente era o árabe do Alco classe política e os intelectuais. O principal objetivo era fa
rão que iriam ali estudar. Entrariam em seguida no sis zer oposição à noção de “tunisificação”, defendida por al
tema de ensino primário. Para o resto, apesar dos pro guns ministros, que não colocava o problema lingüístico em
testos de uma parte da opinião, o bilingüismo era man primeiro plano. Posteriormente, em 1974, surgiu uma polê
tido a partir do terceiro ano do primário. mica entre Hedi Balegh, que reivindicava o uso do dialeto
tunisiano e não das “línguas aristocráticas” (o árabe literá
N a Tunísia rio e o francês), e o ministro Mzali para quem “o árabe
falado não é uma língua de civilização”. Ao longo desse tem
A Tunísia é o país da África do Norte cuja situação po, a arabização da administração ocorreu, assim como no
lingüística é a mais simples: o berbere praticamente desapa- Marrocos, desordenadamente. Apenas os ministérios da
receu de cena e o reduzido tamanho do território faz com Justiça e do Interior foram arabizados no início dos anos
1970, mas em que árabe? Uma anedota famosa ilustra bem
26. Op. cit., p. 79. esse problema O presidente da República, Habib Bourguiba,
vM. •v*
152 AS P O L ÍT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S A AÇÃO SOBRE AS LÍN G U A S (0 STA TU S) 153
num discurso pronunciado em 1965, assinalava que o fato do: dez h oras semanais, além de um ensino religioso
de redigir os autos em árabe literário, enquanto os depoi instaurado em 1964 e do prim eiro ano do primário
mentos eram feitos em árabe falado, fazia com que esses inteiramente arabizado e, por fim, a criação de um “en
últimos corressem o risco de ser deformados, e ele teria sino original” inteiramente arabizado e de tendência
declarado a um oficial de polícia (em dialeto tunisiano): “Ela religiosa que será mantido até 1976. Em razão da au
prestou depoimento em dialeto, escreva-o tal e qual”. Sete sência de professores habilitados, haverá um recruta
anos mais tarde, em julho de 1972, ele voltaria a esse tema mento de “monitores” de um nível muito baixo, quase
mima entrevista à televisão francesa, discorrendo sobre os sempre oriundos de escolas corânicas, bem como de
tunisianos: “Eu não falo com eles em árabe regular, o árabe professores egípcios e, posteriormente, sírios. Depois do
dos antigos, mas o árabe que eles mesmos falam...” golpe de Estado que destituiu Ben Bella, em 1965, a
Esses diferentes debates podem parecer estranha arabização segue no mesmo ritmo: em 1967, o segundo
mente calmos se comparados ao que aconteceu na Ar ano do primário é arabizado, os anos seguintes são par
gélia. É verdade que na Tunísia, como já mencionamos, cialmente arabizados em 1968 etc. Na universidade, no
não havia o problema do berbere, o que desapaixonou entanto, as coisas ocorrem muito mais lentamente: os
consideravelmente as discussões. Mas, a despeito do estudantes são hostis ao ensino em árabe27, o que leva,
peso da religião, o problema do dialeto, do árabe falado em 1971, à instauração de um exame obrigatório de
ou tunisiano, como se queira (em tunisiano é chamado árabe em todas as licenciaturas ensinadas em francês.
de bârbrü), foi exposto de uma maneira clara, em dife As coisas andam igualmente rápido nas engrena
rentes níveis, inclusive no mais elevado, o que está lon gens do Estado. Em 1968, um decreto decide pela
ge de ser o caso dos dois outros países. arabização da administração. Em seguida, em 1970, tuna
portaria ministerial fixa o nível de domínio da língua
árabe que os funcionários públicos devem ter (os altos
N a A rg ã ia
funcionários serão dispensados desse pré-requisito em
O problema da arabização na Argélia se encontra, 1973). Essas medidas são acolhidas de maneiras dife
desde o início, mergulhado nas contradições internas rentes: os funcionários públicos, em particular, temem
de um Estado “socialista”, cuja política externa o im ser dispensados ou não ser promovidos. Mas a arabização
pulsiona em direção aos países do Oriente e que faz, prossegue no mesmo ritmo, ou quase: o noticiário cine
por outro lado, referências permanentes ao islamismo. matográfico havia sido arabizado em 1967, um terço das
Alguns meses depois da independência, no começo do
ano letivo de 1962, o governo da Argélia introduziu
27. Segundo uma pesquisa realizada pela Universidade de
sete horas semanais de ensino do árabe no sistema es Berkeley por encomenda da Argélia em 1967, 80% dos jovens argeli
colar primário. A reforma continuará em ritmo força nos são hostis à arabização da universidade.
I 54 AS PO L lT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S A AÇÃO SOBRE AS L lN G U A S (O STA TU S) 155
seções científicas do primeiro ano do secundário o são posteriormente pela França) e um problema comum (como
em 1971, as inscrições públicas em 1976 etc. passar a um ensino árabe?), mas, como vimos, com situa
Ao longo dessa política de arabização, três pro ções e abordagens muito diferentes desse problema. E bem
blemas estão constantem ente subjacentes: verdade que eles tentaram harmonizar suas políticas lin
• O problema dos dialetos. Em 1963, por exem- guísticas (Conferência dos Ministros da Educação Nacional
plo/houve uma grande polêmica sobre as can da África do Norte em fevereiro de 1966, em Túnis; criação
ções difundidas pela Rádio Alger, criticadas de um Comitê consultivo norte-africano encarregado de tra
por serem quase sempre em árabe clássico, balhar pela determinação de um “árabe fundamental” em
embora já existisse uma canção popular em toda a África do Norte; segunda reunião da Conferência
árabe argelino. dos ministros da Educação nacional em abril de 1967 em
• O problema do cabila. Da mesma forma que Argel; terceira reunião em junho de 1969 em Rabat etc).
no M arrocos, é difícil saber com certeza Mas, na realidade, eles não constituíram organismos co
quantos argelinos têm o berbere como língua muns de arabização. A lista dessas instituições apresentada
m aterna, mas podemos estimá-los em 30% por G. Grandguillaume é, desse ponto de vista, eloquente.
da população. Desde a independência, esses Sob o título “As instituições da arabização”, ele dá dois or
berberes se opuseram à arabização em nome ganismos permanentes, O Instituto de Estudos e de Pesquisa
da defesa de sua língua e de sua cultura, o que para a Arabização (em Rabat) e a Secretaria de Coordenação
os Têvou^rim eiramente se engajarem na ma da Arabização, financiada pela Liga Árabe e que trabalha
nutenção do francês, e depois a reivindicar a com a terminologia, aos quais é preciso acrescentar quatro
utilização oficial das “línguas populares”, ou organismos que se reúnem periodicamente, entre os quais
seja, o árabe argelino e o berbere. Diante des apenas o Comitê Consultivo Norte-africano produziu uma
sas hesitações, o poder respondeu com a re obra, dedicada ao “árabe funcional”. Mas é pouco, sobretu
pressão: suprim iu, em 1973, a cátedra de do porque o conflito fronteiriço entre a Argélia e o Marrocos
berbere que M ouloud Mammeri ocupava na a respeito do território saaráui não facilitou a colaboração
universidade; proibiu, em 1976, a revista Le entre os lingüistas desses dois países...
Fichier Berbère e proibiu, em 1980, uma con É difícil hoje em dia avaliar o resultado dessas
ferência de Mammeri sobre a poesia cabila etc. políticas lingüísticas (alguns se felicitam, outros che
• E por trás de tudo isso aparece, obviamente, o gam a dizer que se criou uma geração de analfabetos
problema da religião, comum aos três países em árabe e em francês). Mas é evidente que a arabiza
da África do Norte. ção, ao menos na Argélia e no Marrocos, está longe de
Esses três países tinham um passado comum (territó ser um grande sucesso, e podemos tentar listar as prin
rio onginalmente berbere ocupado pelos árabes e colonizado cipais razões das dificuldades encontradas:
156 AS PO LÍT IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S
í
158 AS P O Ü T IC A S L IN G Ü ÍS T IC A S CONCLUSÃO 159
Mas outras políticas lingüísticas (na Tanzânia, na • seja falada por uma larga maioria da população;
Suíça, na Indonésia, na Catalunha..;) parecem ter tido • seja aceitável como símbolo da unidade nacional,
sucesso. Como explicar o fato de que uma política lin sem prejudicar ninguém, e o melhor caso seria a
güística possa ter êxito ou dificuldades em ser aplica escolha de uma língua veicular, se houver,
da? Os fatores que facilitam o êxito podem ser históri • seja equipada, pronta para preencher as fun
cos (na época da independência da Tanzânia, por exem ções às quais se destina. Caso contrário, esse
plo, o suaíli já era escrito e utilizado havia muito tempo equipam ento deve ocorrer imperativam ente
na administração local, o que facilitou sua promoção). antes da promoção da língua;
Os fatores são freqüentemente simbólicos: o suaíli ain • a política lingüística seja explicada à popula
da era visto como a língua da independência, e não po ção e aceita por ela.
dia ser assimilado à língua de um grupo étnico impon- Em sua obra dedicada à história do suaíli, Wilfred
do-se às outras, como aconteceu com o m alaio na Whiteley se interrogava: “Que lições nos dão a Turquia
Indonésia. Os fatores que atuam contra são, às vezes, dos anos 1930 e 1940, a Malásia e a China de hoje ou
1984 de George Orwell?”2 E essa associação entre al
técnicos: a ausência de equipamentos de uma língua, a
precipitação demasiadamente grande, ou ainda o tama- guns exemplos de planejamento lingüístico e um roman
ce de ficção política, que foi durante muito tempo sím
nho do país (como no caso da China). Esses fatores se
bolo do totalitarismo, é interessante porque enfatiza
devem freqüentemente ao imperialismo lingüístico do
precisamente o problema da democracia. Em todo pla
Estado, como nos países da África do Norte, onde a
nejamento, há um reduzido número de planejadores e
língua nacional não é exatamente aquela falada pelo
um grande número de planejados aos quais raramente
povo. Por fim, são fatores que dependem, de maneira se pergunta a opinião. Deste ponto de vista, o exemplo
contraditória, dos modos de decisão: se regimes políti da francofonia é interessante. Vê-se bem a importância
cos fortes, como o da Turquia, podem sem dificuldade, da África para o futuro da língua francesa, mas uma
ao menos por um tempo, impor sua política, por outro política lingüística conseqüente deveria também questio
lado, muita democracia também pode, como no caso da nar-se sobre a importância do francês para o futuro da
Noruega, prejudicar o processo de planejamento. África: qual o papel das línguas no desenvolvimento,
O que é necessário então para que uma política lin que lugar o francês pode ocupar neste processo etc.
güística tenha todas as chances de dar certo? À luz dos As políticas lingüísticas apresentam também pro
estudos de caso apresentados neste livro e de outros que blemas teóricos. X história recente da intervenção
não tivemos tempo de mencionar, é possível fazer uma hum ana voluntária sobre as línguas nos mostra o que
lista dos fatores otimizadores, lista que tem origem, aliás,
no bom senso. Para que uma língua possa ser, por exem
2. W. Whiteley, Swahili, the Riseofa National Language. London:
plo, promovida a língua nacional, é preferível que: s.e., 1969, p. 93.
I 60 AS P O L lT IC A S l in g ü ís t ic a s
as p o l It i c a s L IN G Ü ÍS T IC A S
1 66
K P
Kin, Pa 89 Panini 21
Kloss, H. 28, 129,163 Pompidou, G. 143
Knecht, P. 126, 163 Prudent, L.-F. 33, 163
Knudsen, K. 113
Komisi Bahasa Indonésia 31,124 R
Ray, P. S. 25, 26, 28, 163
Korais 23
Richelieu, 23
L Rocard, M. 99, 100
Labov, W. 13 Rubattel, C. 127, 163
Labrousse, P. 124,125,163 Rubin.J. 13, 14, 15, 164
Lafont, R. 33, 163
Laporte, P.-E. 15,163 S
Salt, H. 118, 164
M Samarin 13
Mammeri, M. 154 Sambhota, T. 11
Marcellesi, 17 Santos, B. 9
Meillet, A. 19, 161 Sedar Senghor, L. 136 Quando você copia uma obra, está contribuindo para que nos próximos anos
Metódio 11 Simon, H. 22 o s alunos não tenham mais o que copiar, porque:
Mistral, F. 23 Stewart, W. 38, 42, 43, 45, 46, 1 N ão haverá autores interessados em produzir textos. A produção de um
Mitterrand, F. 139,143 59,164 livro demanda muito tempo, formação específica e dedicação, e eles
Murville, M. C. de 142 precisam trabalhar para viver.
T
Mzali, 151
Tauli, V. 25, 27, 28, 164 2. T a m b é m não haverá editoras interessadas em investir em uma obra que
N Tse Tung, M. 89 fic a rá estocada, especialmente quando se tratar de obras traduzidas. Os
Nebrija, 23 Turé, S. 82, 83 alunos do futuro terão de ler as obras na língua em que foram editadas.
Ninyoles, R. 15, 18, 163 T uri.J. 76, 164 3. E mais: você está contribuindo para acabar com o emprego de funcionários
Nyerere, J. 120 de gráficas, editoras, para o fechamento de livrarias, para o empobrecimento
V
da cultura do país, além, é claro, de violar a lei de direitos autorais (Lei
O Varela, L. 9 n° 9.610/98), praticando um CRIME previsto no artigo 184 do Código
0 ’Bar-r, J. 14, 163 Penal, sem prejuízo de ter que reparar o dano causado.
0 ’Barr, W. 14, 163 W
Ophuysen, C. Van 123 Whiteley, W. 118,159,164 E para que isso ? A cópia custa em média R$ 0,15 por página. Este
Orwell, H. 159 Wilson, W. 141 livro, R$ 0,11. POR QUE, ENTÃO, NÃO TÊ-LO?
A lé m d o mais, cópias se perdem ao longo do tempo. O livro não. Ele é para sem
pre, pode ser repassado a outras pessoas, é fundamental para a formação de todo
p rofissional que se pretenda competente. Todo bom profissional precisa de uma
b ib lio te c a própria. Para isso a Parábola Editorial contribui pondo no mercado
livros c o m qualidade gráfica e de conteúdo a melhor preço que a cópia.
Q u a n d o v o c ê diz não à cópia, está dizendo não à violência e à falta de ética...
P o de nã o parecer, mas quando copia uma obra na qual se empenhou tanto
tra b a lh o para que ela virasse um livro e chegasse ao mercado, você está
c o la b o ra n d o com a corrupção que alimenta nosso crônico atraso!
Í ^O F.IG IN A l
CEM TP.AL CÓPIAS
CLCH-Cerc COCA
P A S T A ' 53