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M A N U E L DIÉGUES JR.

Copo de

C A R L O S E D U A R D O R I B E I R O ^

ETNIAS E CULTURAS DO
Revisõo tip o g rá fica de
BRASIL
R E V FT E X

19 6 3 3.» E D I Ç Ã O

Reservodcs todos cs direitos de publicação em lín g u a


A U M E N TA D A E REVISTA)
pcrtuguêsa, to ta l ou pa rcia l, pela

EDITÔRA LETRAS E ARTES

Pres. Vargas n. 590 - s / 1 6 1 7 /1 8 — RIO DE JANEIRO

G U A N A B A R A

RA LETRAS E ARTES
Impresso nos Estados Unidos do Brasil
19 6 3
d ia m a n te s. Transposta a serra do M a r pelos bandeirantes A lé m disso, o japonês tem contribuído, principalm ente em
saídos de São Paulo, su rg iu essa região que se caracteriza área do Estado de M a to Grosso, para m odifica r hábitos
pela form ação dos a rra ia is de m ineração, am biente de r i­ alim entares na população regional, sobretudo com o uso
queza, de fausto, de vida s o c ia l. M am elucos, m ulatos, rei- de verduras e legumes. Há acentuado desnível entre as
nóis, judeus, e não só paulistas e nordestinos, p a rticip a m classes sociais. O cam inhão tem constituído um fa to r de
do processo de form ação h u m an a. O m am eluco foi o veí­ introdução de novos valores cu ltu ra is, de novas idéias, e
culo hum ano que, ao lado do elem ento indígena, mais con­ m ais recentem ente o avião.
trib u iu — contribu ição essencial — para a vitó ria sôbre
a serra, alcançando o p la n a lto . C riaram -se nesta região Extremo Sul Pastoril — Teve sua form ação o rig in a ­
condições c u ltu ra is próprias, que cara cte riza ra m a vid a em da da expansão de correntes paulistas, nordestinas e flu ­
fausto e riq u e za . Tam bém aí brotou uma atividade in te ­ minenses e de ilhéus, êstes vindos no século X V III; a pe­
lectual intensa, a ponto de Sílvio Romero cham ar O uro cu á ria se to rn o u a sua prin cip a l atividade econômica, ainda
Preto " a W e im a r b ra s ile ira ". Surgem tam bém as p rim e i­ hoje persistente apesar de se d iv e rs ific a r a vida regional.
ras m anifestações mais sólidas de vid a urbana, irra d ia n - A in flu ê n c ia c u ltu ra l vizin h a da A rg e n tin a e do Uruguai
do-se dos a rra ia is a fo rm a çã o de núcleos mais estáveis, com dá a essa regiã o aspectos peculiares, inclusive na lingua­
vida social e econôm ica de cidade. A m ontanha co n trib u iu gem bastante enriquecida de espanholism os. Grande foi a
para m arcar psicologicam ente esta sociedade, em cu ja fo r­ in flu ê n cia dos colonos portuguêses vindos das ilhas —
m ação entrara m elementos os mais variados; não só b ra si­ açorianos, p rin c ip a lm e n te . Acrescente-se que nesta região
leiros de São Paulo, do Nordeste, do Rio de Janeiro, ta m ­ e xistiram as missões religiosas, constituídas pelos padres
bém reinóis, ilhéus, ju deus. Em nossos dias, a região vem da C om panhia de Jesus; são conhecidas como os Sete Po­
sofrendo grandes transform ações. M udança s ig n ific a tiv a vos das Missões, enquanto outras missões ou "reduciones"
se assinala com a introdu ção de novos valores técnicos e se estendiam por te rritó rio hoje argentino e paraguaio.
cu ltu ra is, e sobretudo com o desenvolvim ento da m e ta lu r­ Seu núcleo social m ais expressivo é a estância. Foi aí que
gia, sob cuja in flu ê n cia se ve rifica o processo de vid a surgiu o gaúcho, tip o hum ano e social definido, portador
re g io n a l. Apesar dessas transform ações, e de novas fo r ­ de um dos tra je s típicos do Brasil, de hábitos e costumes
mas de vida surgidas, conservam-se numerosos hábitos tr a ­ que m arcam cu ltu ra lm e n te a re giã o. À criação de gados
d icion ais e os costumes do passado ainda persistem , ao dos prim eiros povoadores juntou-se a a g ricu ltura dos ilhéus.
lado de outros m ais m odernos. O cavalo é o elem ento mais representativo da vida regio­
nal, ligado estreitam ente à vida do hom em . Tam bém se
Centro-Oeste — A m ineração a b riu o processo de assinala o apare cim ento das charqueadas, onde m elhor se
ocupação hum ana desta re g iã o . Foi, porém , período de rá­ desenvolveu a presença do elem ento negro escravo. Em
pido esplendor, logo chegando à decadência que levou os que pese a pequena co n trib u içã o populacional do africano
populações regionais a o u tra s atividades: extração da erva- nesta região, a mais tra d icio n a l e característica lenda do
-m ate, gado, pequena a g ric u ltu ra , sem preju ízo da con­ Rio Grande do Sul é relacionada com a escravidão: Negri-
tin u id a d e de exploração m in e ira . O elem ento hum ano pre­ nho do Pastoreio.
dom inante fo i o português, mestiçado com o in díg ena.
Sente-se hoje em dia a in flu ê n cia c u ltu ra l das correntes Colonização Estrangeira — Esta começa a surgir no
de origem espanhola, sobretudo paraguaios e bolivianos, século X IX , espraiando-se por um te rritó rio até então não
na zona fro n te iriç a . A p e sa r de conservar hábitos tr a d i­ ocupado pelas correntes brasileiras ou luso-brasileiras. Sua
cionais, está passando p o r grandes transform ações sobre­ ocupação hum ana deveu-se a correntes alienígenas, in ic ia l­
tudo nos últim os anos com o surgim ento de B rasília. m ente alemães e ita lia n o s, e depois poloneses, russos, ára­
A construção da nova capital tem provocado o apa­ bes; mais m odernam ente registram-se suábios, holandeses
recim ento de um a série d e novos agrupam entos humanos. e joponêses, que se espalharam por faixas vazias do extre-
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V
mo Sul, já hoje com seus descendentes em igrando para Çando M in a s Gerais e São Paulo, daí se alastrando, já em
outras áreas. Marca-se pelas características c u ltu ra is não nossos dias, p o r terras do P araná. Sua fase de esplendor
portuguesas, ou não luso-brasileiras, mas européias, ou fo i m arcada no meado e nos começos da segunda metade
seja, mais p a rticularm en te alemãs e italianas. Embora se do século X IX , distinguindo-se dois momentos históricos
pudessem d istin g u ir aí as zonas do p rim itiv o povoamento que se assinalam de peculiaridad es cu ltu ra is: o da explo­
alemão e do povoamento inicial ita lia n o , a região é estu­ ração cafeeira pelo tra b a lh o escravo (Rio de Janeiro, M inas
dada em seu conjunto, sem d is tin g u ir a respectiva origem , Gerais e p a rte de São Paulo) e o da exploração cafeeira
e isso porque apresenta, dado seu contraste com as demais pelo tra b a lh o livre do im ig ra n te (Sul de M inas, p a rte de
regiões de origem luso-brasileira ou iá brasileira, esta ca­ São P a u lo ). A fazenda de café, com sua organização eco­
racterística com um . O processo de assim ilação c u ltu ra l vem nôm ica e social, é o seu núcleo característico; dela irra ­
desenvolvendo-se com a troca de valores, a perm uta de ele­ dia-se a in flu ê n cia p o lític a , e não apenas social, das gran­
mentos, a integração dos p rim itivo s im igrantes e seus des­ des fig u ra s do Im pério, chamados os Barões de C afé: titu ­
cendentes, criando, nessa região, um modo de vida próprio. lares, chefes de gabinete, m in istro de Estado, senadores do
Im p é rio . Encontra-se em fase de grandes transform ações,
A lém de uma a tivid a d e a g rá ria , que se baseou na sobretudo p o r dois fa to re s: a c ria ç ã o de gado introdu zida
pequena propriedade — os lotes que eram concedidos a nas zonas decadentes de cafèzais e a in dustrialização , que
cada im igrante como lavrador — , desenvolveu-se, nesta é o tra ço hoje mais s ig n ific a tiv o do desenvolvim ento eco­
ytegião, uma atividade in d u stria l, cu ja característica p rin ­ nôm ico e social de São Paulo, G uanabara (antigo D istrito
cipal é seu surgim ento originado no artesanato ru ra l. Im i­ Federal) e Rio de Jane iro, sobretudo no vale do Paraíba,
grantes alemães e italianos p raticava m seu artesanato, que já conhecido como o "v a le das C h a m in é s ".
foi pouco a pouco crescendo; desenvolveu-se para atender
às necessidades da com unidade em crescim ento. Dêle pro-
Faixa Industrial — Surgiu m odernam ente sôbre zonas
' gressivamente vai surgindo a in d u stria liza çã o . Fábricas de
de a n tig a ocupação c a fe e ira . É a região onde se apresen­
\ tecidos, de objetos m etalúrgicos, indústria quím ica, indús­
tam as transform ações sociais, e não apenas econômicas,
tria de couro e numerosas outras assim se o rig in a ra m .
mais im portantes do Brasil m oderno. Formou-se em v ir­
Artesãos europeus que tiveram oportunidade de converter
tude da expansão in d u s tria l no Estado do Rio, no da Gua­
as suas oficinas em estabelecim entos in d u stria is. Daí a
nabara, no de São Paulo e em p a rte no de M inas G erais.
grande percentagem da pa rticip a çã o do im ig ra nte em a ti­
Dela têm decorrido in flu ê n cia s na estrutura social da fa ixa
vidades industriais da zona de colonização: no Rio Grande
ocupada pela industrialização, em decorrência da in tro ­
do Sul ou em Santa C a ta rin a , por exem plo. Os estabele- dução de novas técnicas, novos costumes, novos modos de
I cimentos que formam o atual parque industrial dessa re­ viver, relacionados p rin c ip a lm e n te com as atividades in­
gião nasceram dessa tran sform ação artescncl; a princípio, dustriais e com a urbanização. N ã o se caracteriza apenas
a fa m ília , os filh os com o aprendizes; depois, alguns apren­ pela existência de indústrias de tra n sfo rm a çã o de pequeno
dizes de fora, os prim eiros operários, alguns desses já com vulto, mas a in d a pela im plantação de indústrias de base,
especialização de tarefas; mais ta rd e , aum enta o núm ero de que se pode apresentar, como exem plo, o ccm plexo in­
f de operários, assinalando-se a diversificação de funções. E d u stria l de V o lta Redonda com a a tividade sid e rú rg ica .
i assim cresceu o artesanato; cada estabelecim ento se trans-
I form ou em indústria, co n stituindo o parque da região em A o c o n trá rio do ve rific a d o na região de colonização
l nossos d ia s.x estrangeira, a industrialização nessa região teve base no
capitalism o, isto é, s u rg iu com a aplicação de capita is;
Café — Constituída pela expansão dos cafèzais, que criou-se a indústria, abrindo-se um estabelecim ento com
increm entaram , no século X IX , a ocupação hum ana que núm ero já re la tiva m e n te grande de operários, em pregan­
se irradiou do Rio de Janeiro pelo vale do Paraíba, alcan- do-se ca pita is específicos em seu desenvolvimento.. Houve,

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aliás, alguns aspectos particulares, que merecem m encio­
nar-se: a) — a transform ação de a g ricu ltu ra s em indús­
trias; b) — sendo in icia lm e n te de sim ples transform ação
de m a té ria -p rim a , a a tividade alargou-se depois à grande
indústria, e chegou em nossos dias à in dústria de base;
c) — a p a rticip ação do im ig ra nte , seja com o tra b a lh a d o r
operário, pois representou m ão-de-obra disponível para essa
a tivid a d e nova, seja como industrial aplicando capitais reu­
nidos, que p e rm itiría m a m p lia r essa p rim e ira experiência
em experiências m ais largas; d) — a aplicação de ca p ita is
públicos no desenvolvim ento dessa industrialização, sobre­
tudo na fase da grande indústria, com a criação do que,
aplica ndo a te rm in o lo g ia de Chardonnet, podemos cham ar
ALGUNS ALIENÍGENAS NO PERÍODO COLONIAL
de "com plexos industriais a u tá rq u ic o s ". Êsse processo de
industrialização se inicia nos fins do Im pério e começos da
República, incentivando-se, porém, a p a rtir da P rim eira
Grande Guerra. São Paulo e Rio de Janeiro constituem N ã o há negar hoje em d ia que traços ou complexos
os p rincipais centros dêsse desenvolvim ento in d u stria l, li­ de c u itu ra integrantes da form ação brasileira ou caracte­
gando-se as duas cidades pelo crescim ento industrial a tra ­ rísticos, como valores de c u ltu ra , do Brasil moderno nos
vés do vale do Paraíba; nêle justam ente é que su rg iu a vieram , em grande parte, dos indígenas, da participação
grande indústria siderúrgica sim bolizada em V o lta Redonda. não menos expressiva do neg ro a frica n o como escravo, e
O quadro d e lim ita tó rio de regiões cu ltu ra is do Brasil fundam en talm e nte do português; do português, aliás —
que acabamos de apresentar não tem, nem poderia te r, ca­ deve dizer-se — , fo i a base essencial, constituindo-se, so­
ráter estático; ao contrário: é profundam ente d in â m ic o . bretudo, o esteio ou suporte a que os outros grupos se adap­
Cada um a das regiões indicadas vive o seu processo de taram ou se incorporaram .
transform ações. N enhum a delas se pode d ize r seja in te ­
g ralm en te uma parcela do Brasil arcaico; e mesmo a que Se aqui destacamos êstes três grupos que foram os
se possa considerar mais adiantada seria a rigor enqua­ fundam entais, não quer d iz e r que tenham sido exclusivos.
drada exclusivam ente num Brasil m oderno. O que se ve­ ^ A o co n trá rio : outros grupos alienígenas, desde cedo, p a rti­
rific a é que as transform ações atingem as regiões, ou cada ciparam , em m enor escala, é certo, dos processos de rela­
uma delas, em p a rtic u la r, às vêzes de fo rm a desigual, e ções de raça e de cu ltura no Brasil. O francês, o espanhol,
sempre sem c o b rir tôda a sua área. o holandês, o ju d e u , por exem plo, quase sempre, sobretudo
os três prim eiros, em áreas m ais ou menos determinadas:
De modo que, dentro dêsse quadro aqui exposto, po­ no Sul, um pouco em São Paulo, e m u ito no que é hoje o
deremos considerar as regiões cu ltu ra is do Brasil com o Rio G rande do Sul, o espanhol; no Nordeste, o holandês;
um sistem a de v id a em que a diversidade proporciona a u n i­ em pontos esporádicos do N ordeste e do Leste, o francês.
dade; seria, e n fim , "o e q u ilíb rio de contrastes" que nas Por tôda parte, o judeu.
diferentes regiões consideradas oferecem o panoram a da
vida b ra sile ira . O Brasil c o n stitu i, acim a de tudo, êsse com ­ São grupos étnicos êstes que já nos começos do pe­
plexo de regiões, que através de um a paisagem va ria d a , ríodo co lo n ia l, e, pois, na fase que poderiamos cham ar plás­
do ponto de v ista físico, suscita tam bém um a diversidade tica da form ação brasileira, tiveram contato com as popu­
de aspectos, do ponto de v is ta c u ltu r a l. i lações luso-brasileiras. A êsses elementos devemos pincela­
das não raro bem nítidas na form ação étnica do brasileiro;

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do espanhol, em pa rticu la r, grande fo i a co n tribu ição na dando com êço, com os inglêses, à lavoura cana vieira e à •
área Sul do País. Mesmo em São Paulo, nos começos da indústria de açúcar, sendo de lá expulsos pelos portuguêses;
colonização, sua presença fo i m arcante, aparecendo de so­ depois com a ocupação do Nordeste, a p a rtir de 1630 e até
brenome espanhol numerosas fa m ília s paulistas a in d a hoje 1654, qüando, em d e fin itiv o , foram expulsos. Já em 1624
ostentando nas genealogias sua orige m hispânica: Bueno, os flam engos am eaçaram a Bahia; em 1630 in va d ira m Per­
da Ribeira, Camargo, Quadros, A g u irre , Rondón, Lara, Pon- nam buco e aí se instalaram . O açúcar fo i o m otivo principal
ce de León, Godoi, A g u ila r. E m uito M a rtín e z se abrasilei- da preferê ncia holandesa pela região nordestina.
rou em M a rtin s, Pérez em Peres, Fernández em Fernandes.
O holandês, com o grupo étnico, origina-se de antigos
No extrem o Sul, pela vizinhança com as colônias de Cas­
povos germ ânicos, surgindo do país em form ação, a Holan­
telo, a in flu ê n cia espanhola fo i grande, e notável se tornou
da ou N etherlands, os Frísios, os Beucteres e os Batavos,
sua contribuição não só étnica como também c u ltu ra l ao
êstes ú ltim o s os mais im portantes. M a is tarde novos grupos
brasileiro daquela região.
se mesclam aos p rim itivo s, constituindo-se as variedades
Como espanhol entendam-se os elementos do então étnicas conhecidas com o flam engo, ou neerlandês, ou ho­
reino de Castela, falando um a língua com um — o castelha­ landês, ou batavo. De modo que qua lqu er uma destas pa­
no — , enriquecida embora por form as diale tais várias, e lavras passou a ser usada com o sinônim o dos povos que ha­
que para aqui se tran sferiram . Nestes prim eiros tempos o bitavam a Holanda ou Países Baixos. -
castelhano ou espanhol que veio pa ra o Brasil era geral­
Foram êstes povos que ocuparam o Nordeste, e o f i ­
mente da Extremadura e da A n d a lu z ia , especialm ente de
zeram com caráter in te ira m e n te com ercial. Em conseqüên-
Sevilha; vieram também de G aliza e de outras províncias
cia, os p rin cip a is elementos para aqui vindos eram comer­
da moderna Espanha. ciantes, mercadores, fu n cio n á rio s da C om panhia das índias
A vizinhança com as colônias espanholas fê z com que O cidentais, colonos entrados como "hom en s liv re s "; ao lado
a p a rticip a çã o .dêsses elementos se desse p rin cip a lm e n te dêles aparecem aventureiros, soldados, m ercenários, etc.
nas regiões de fro n te ira ; fo i sobretudo no Rio Grande do Ern co n ju n to , porém, o que ressalta é o elem ento urbano,
Sul que mais sensível se ve rific o u esta particip ação. E como d citadino. Entre os cidadãos livres vêm franceses, escoce­
sua vinda para a A m érica, na ta re fa de colonização dos ses, irlandeses; entre aventureiros ou m ercenários aparecem
domínios de Castela, se deu na mesma época da coloniza­ alemães, judeus, etc. Assim na to ta lid a d e do g ru p o holan­
ção portuguêso no Brasil, não é de estranhar que espanhóis dês fig u ra m elementos de várias nacionalidades e figura,
tivessem penetrado e se fix a d o em te rritó rio luso-brasileiro. sobretudo, o judeu.
É certo que se apresentava bastante rigorosa a fiscalização . Do j nolandês, em bora se possa a firm a r que a in fluên­
lusitana contra estas entradas; na região do Sul do Brasil cia étnica ou antropológica fo i pequena, deve lembrar-se,
a situação se tornava delicada pela convergência de ínte- entretanto, que houve numerosos casamentos de flam en­
rêsses lusitanos e castelhanos em tô rn o da bacia do Prata. gos com brasileiras ou portuguêsas. Como, e n tre ta n to , os
A í espanhóis defendiam a posição estratégica que o rio da holandeses se fixa ra m preferentem ente à área urbana, que
Prata representava. Contudo, contrabandos en tre a posses­ fo i sobretudo a dom inada pelos invasores, com a expulsão
são castelhana e o Brasil se ve rifica va m , sendo de notar-se inclusive de numerosos elem entos casados com gente da
que, em fin s do século X V I e princípios do X V II , Buenos
terra, verificou-se a e xtin çã o dos intercruzam entos e, em
Aires se apresentava mais como b u rg o português que es­
conseqüência, o desaparecim ento de traços som áticos da
panhol . e tn ia holandesa. A lgun s traços de c u ltu ra , porém , ficaram ;
> Os holandeses tiveram contato com os elem entos luso- entre êles, o tipo de sobrado recifense, esguio e com prido
-brasileiros ainda nos prim eiros tem pos da colonização. In i­ de frente a fundo, o te lh a d o em duas águas, o sótão, o em-
cialm ente, na área am azônica, até onde te n ta ra m penetrar, prêgo do tijo lo em m a io r escala do que até então.

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A alim entação caracterizou-se pela entrada de artigos
In flu ê n cia c u ltu ra l francesa no Brasil, entretanto, sò-
im portados, não só holandeses como de outros países: v i­
m ente vamos encontrar no século X IX , e sobretudo na es­
nhos franceses, baca lha u da T erra Nova, to u cin h o mosco­
fe ra in telectual e social. A q u i vale destacar particularm ente
vita, diversos gêneros da Holanda. Daí vinha quase tôda a
a im p ortância que teve o francês nos prim eiros tempos da
dieta do invasor — aveia, carne salgada, ervilhas, m a n te i­
colonização, quando houve m om ento — registrou Capistra-
ga; o holandês não fo i um elem ento como o português que no de Abreu — em que seria duvidoso dizer se o Brasil
se adaptasse ao consum o dos gêneros regionais. Não reve­
co n tin u a ria luso ou se tra n sfo rm a ria em francês. Esta luta
lou tal capacidade de adaptação. Daí, por vêzes a crise de pelo dom ínio da terra fic o u nas n arrativas históricas e gra-
gêneros verificad a, pela escassez dos produtos locais, ou vou-se tam bém na toponím ia: portos dos franceses eram
pela ausência dos elementos im portados. vários no lito ra l, e dêles alguns ain d a conservam o nome.
A língua holandesa, de uso fa m ilia r ou com um no Re­
c ife ocupado, não deixou in flu ê n cia m arcante na lin g u a ­ O judeu fo i elem ento que se espalhou pelo te rritó rio
gem da região; poucas palavras se torn ara m comuns. E as­ brasileiro com aquêle seu adm irável senso de m obilidade
sim mesmo esmaeceram-se, sob a in flu ê n cia da linguagem e quase de ubiqüidade; o com ércio entre os núcleos rurais
faladg, abrasileirando-se inteira m e nte , até perder mesmo e urbanos, nos prim eiros séculos, estêve quase exclusiva­
seu sentido p rim itiv o . O que fic o u fo i a lem brança de sua m ente em suas mãos; com erciavam como "m ascates", e
passagem pela região, para ju s tific a r tudo a q u ilo — cons­ m uitos dêles enriqueceram tornando-se proprietários de en­
trução, tem plo, coisas para que não se tem explicação — genhos de açúcar.
como rem iniscência holandesa: a obra do tem p o dos f la ­
Um docum ento de 1536, e que serviu ao visitador do
mengos.
Santo O fício ao Brasil, perm ite conhecerem-se os traços ou
Os franceses constituem outro grupo europeu que des­ sinais de suspeição dos judeus. Resumiu-o o Prof. Roquette
de cedo manteve contato com os aborígines brasileiros. Pinto, em seu estudo sôbre "O s Sinais da Suspeição", nos
A d m ite A nchieta que já em 1504 os franceses estavam de seguintes têrm os: "D e v ia m ser denunciados os que guar­
relações estabelecidas com grupos indígenas, com erciando davam o sábado, não tra b a lh a n d o e vestindo-se com roupas
pau-brasil. Principalm ente na área entre Paraíba e Sul da e "jo y a s " de festa , alim pando-se às sextas-feiras ante suas
Bahia, fo i nos p rim e iro s tempos onde mais se am iudou a casas, acendendo, à ta rd e de tais dias, candeeiros limpos,
presença do francês; mais tarde essa presença teve caráter com mechas novas, deixando os que por si mesmo se apa­
de uma tentativa m ais permanente no M aranhão, cuja ca ­ gassem; os que matassem "c a rn e " e aves degolando-os "à
p ita l a in d a conserva hoje o nome do Rei de França, que os m odo ju d a ic o ", experim entando, prim e iro , na unha do dedo
invasores lhe deram , e no Rio de Janeiro, onde tentaram da m ão o f io do cutelo; os que não comessem toucinho,
estabelecer a França A n tá rtica . nem lebre, nem coelho, nem peixe de couro; os que fizes­
sem "oração contra a parede, sabadeando, abaixando a
, 0 francês, com o se sabe, é um grupo é tn ico bastante
cabeça e a le v a n ta n d o -a "; os que banhassem os defuntos,
mesclado, fig u ra n d o em sua constituição antropológica
cortando-lhes as unhas e guardando-as, derramando a água
marcas de vários outros grupos m ais antigos; constitui o
de todos os cântaros da casa; os p a is que deitassem a bên­
francês, na realidade, um "co m p le xo é tn ico ". Sua p a rtic i­
ção aos filh o s pondo-lhes as mãos sôbre a cabeça; os que
pação é tn ica no B rasil/.apesar dos contatos com indígenas
depois do batism o limpassem os filh o s dos santos óleos
em vários pontos — contatos quase sempre rápidos ou tra n ­
por êles recebidos. Os jejuns", as cerim ônias da Páscoa, a
sitórios — , é absolutam ente nula, pois se houve produtos
circuncisão e outras p rá tica s usuais dos israelitas, eviden­
mestiços de francês com indígena diluiu-se sua evolução
tem ente, deviam tam bém ser denunciadas. Mas não eram,
étnica, através dos tempos, pela fa lta de continuidade.
êsses, simples sinais de suspeição; eram provas."
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No século X V II os judeus com eçaram a entrar em maio­
res proporções no B rasil, já em grupos. O dom ínio holan­
dês, onde estava ausente o Santo O fício, fa c ilito u essa en­
trada em grupos. C om a expulsão dos holandeses dispersa­
ram-se os judeus; uns saíram para Am sterdam , outros, para
as A ntilha s, a A m é rica do N o rte (Nova Iorque, Filadél­
fia . . . ) e outros pontos. M uitos, entretanto, perm aneceram
no Brasil, embora perseguidos, suspeitados, escondendo-se,
até que o Marquês de Pombal acabou com a separação e
proibiu as perseguições. Êsses judeus Sephardim , a p a rtir
de então, tiveram fa c ilita d o o processo assim ilativo.
O judeu, como se sabe, não oferece nenhum a homoge­ OS GRUPOS INDÍGENAS,
neidade étnica ; nâo há raça ju d ia , mas tipos ou grupos ju ­ SUAS ORIGENS E CLASSIFICAÇÃO
deus. Diversificados embora nos traços étnicos, guardam
unidade social e religiosa. A unidade do grupo é, pois, de
fundo espiritual e c u ltu ra l. Ètnicam ente, os judeus corres­
0 estudo dos indígenas brasileiros, quanto à sua o ri­
pondem aos tipos étnicos dos países onde se encontram ,
gem, não se pode iso la r do quadro do indígena am ericano,
com os traços específicos de sua situação p a rtic u la r: o afas­
em geral. Teorias diversas, umas pela unicidade de cor­
tam ento social, a adaptação a lim e n ta r, os hábitos de vida.
rente povoadora, outras pela p lu ra lid a d e destas correntes,
Daí as variações do tip o físico do judeu.
procuram e xp lica r as origens étnicas do homem a m erica­
Um outro grupo étnico tam bém deve ser assinalado no. Dois grandes nomes se apresentam à fren te dos grupos
como presente nos processos de mestiçagem e de transcul- de estudiosos que defendem estas teorias: H rd licka , baten­
turação no Brasil: o cigano. Tem o-lo aparecendo aqui des­ do-se pela existência de uma corrente povoadora única, e
de cedo, quer reproduzindo-se entre si, quer cruzando-se Paul Rivet, pela p lu ra lid a d e dessas correntes.
com outros grupos. A d m ite M e lo M orais Filho que êle fo i H rd lic k a , p a rtin d o da existência de uma raça única
" a solda que uniu as três peças de fu n d içã o da mestiçagem dos indígenas am ericanos, acredita em sua origem mongo-
atual do Brasil". Se bem se nos a fig u re algo exagerado lóide, tendo vindo à A m érica de regiões setentrionais da
êsse papel atribuído ao cigano, é fora de dúvida, entretanto, Asia o rie n ta l. O ca m in h o desta penetração foi o estreito
que se lhe deve algum a particip ação na form ação étnica de Behring, então um istm o unindo a extrem o noroeste da
e cultural do brasileiro. A m érico ao extrem o nordeste da Á sia. Os postulados fu n d a ­
No período co lo n ia l aparecem ainda outros elementos m entais da teoria de H rd lic k a podem resumir-se nos quatro
alienígenas: italianos, alemães, inglêses. São, entretanto, seguintes:
contribuições de natureza puram ente in d ivid u a l, p a rticip a ­
ção de um homem ou de uma fig u ra , como é o caso de 1 °) o homem am ericano, apesar de pequenas d ife ­
vários missionários religiosos e de viajantes ou cientistas renças que possam e x is tir entre os diversos grupos, é racial­
m ente u n ifo rm e ;
que andaram pelo Brasil. Como corrente m ig ra tó ria ou de
influência cultural ponderável, antes do século X IX , po­ 2. °) os p rim itiv o s povoadores da Am érica procede­
rém, não se podem considerar. ram to ta lm e n te da Á s ia ;
3. °) a entrada dêsses p rim itiv o s povoadores se efe­
tuou por um a rota ún ica , a do estreito de Behring;

46 47
escuro e claro, tendendo a te r ou não a pele clara. O que
é d e fin id o como cabra é uma significa ção social, com o
classe de população de trabalhadores, qualquer que seja
a côr: cabra de engenho, cabra de bagaceira, cabra de
eito, cabra de usina.
Tornou-se assim o cabra um tip o social mais que um
tipo étnico. E p o r extensão passou a s ig n ific a r o valentão,
o desordeiro, o capanga; é o cabra de peito. Daí a palavra
cabroeira, grupo de cabras, dados a desordens, perturb a­
dores de sossego público. N ão é, portanto, um a definição
étnica; e por êste seu sentido social, talvez, menos que
-pelo antropológico, é que a poesia popular pôde dizer que
"o c a b ra não te m parente". AS CORRENTES IMIGRATÓRIAS NO SÉCULO X IX
A fo ra essas denominações aparecem ainda m uitas
outras, aigum as já caídas em desuso, abrangendo diversas
nuanças dos tipos mestiços, quase sempre segundo a colo­ O século X V III marcou-se como uma das fases mais
ração da pele. É o caso do g u a jiru , m ulato, de côr averm e- intensas de intercruzam ento étnico e c u ltu ra l no Brasil, com
ihada-escura, sem elhante à fru ta dêsse nom e; o caso do o deslocam ento da exploração econôm ica para a região das
sarará, m ulato arruivado, de côr clara e cabelos ruivos, M inas Gerais, onde se descobriram m inas de ouro e, mais
mais ou menos encarapinhado, tam bém cham ado saruê ou tarde, de diam antes. A m utação econômica, da base agrá­
ainda grauçá; o caso do ôlho-de-fogo, que é o indivíduo ria para a base da m ineração, trou xe influências não
albin o no Rio Grande do Sul, tam bém conhecido como somente nas relações étnicas entre os diversos grupos, mas
prêto-aça. ^ ' iu I S Í igualm ente na form ação do quadro cultural.
Existam igualm ente outras denom inações típicas, de N aquela região processaram-se novos contatos étnicos
uso já desaparecido, mas cujos nomes aparecem em do­ e de c u ltu ra ; relações novas estabeleceram-se, pelo grande
cum entos coloniais. O banda-fôrra, por exem plo, é o des­ surto de aventureiros, nacionais ou estrangeiros, que para
cendente de branco com negra escrava, já hoje inexistente; a li acorreram . Com a exploração aun fèra* e diam a ntífera
o salta-atrás, filh o de m am eluco e negro; o mazombo, filh o surgiram novos cruzam entos étnicos e novos processos
de broncos nascido no Brasil; o terceirão, o riginad o do c ru ­ transculturativos naquela região.
zam ento entre branco e m ulato. Docum ento do século Evidentem ente, os grupos étnicos eram os mesmos já
X V II! referente a Pernambuco alude tam bém ao carió, f i ­ conhecidos; foram engrossados, porém , de correntes ju d a i­
lho de índia com negro; são os mesmos conhecidos ainda cas e espanholas e, sobretudo, de novas correntes im igran-
como ca rijó , curibo ca ou cariboca. Para o mesmo documen­ tistas de Portugal. A lém disso, m ovim entaram -se para as
to, entretanto, o curiboca ou cariboca é o filh o de m u la to minas escravos não só africanos de procedência como
com negra, ou então o filh o de m am eluco e negra. A ex­ também crioulos, isto é, filh o s de africanos já nascidos
pressão era usada, porém, no lito ra l; no sertão, êste tip o no Brasil. O que caracterizou êsse nôvo contato étnico não
de m estiço era o cham ado salta-atrás. fo i o aparecim ento de novos grupos, mas sim a intensidade
com que fo i fe ito , a m obilidade quase permanente dos
grupos humanos em decorrência do vaivém da procura dos
veios e das pesquisas estabelecidas, a instabilidade das p ri­
m itivas instalações.

106 107
De modo que um panoram a nôvo de relações étnicas
in icia a im igração espontânea, um a vez que é possível ao
se estabe/leceu rra região das M inas Gerais, ao mesmo
estrangeiro tornar-se p ro p rie tá rio de terras.
tempo que novos valores de c u ltu ra surgiram e se fixa ra m .
Temos então uma fase de ostentação e de luxo, decorrente A p a rtir de então começa o m ovim ento im ig ra tório
ou estim ulada pelo ouro abundante que se espalhou na para o Brasil. Êsse m ovim ento apresenta oscilações ora
região. Verificou-se desde logo uma elevação de classes favoráveis, ora desfavoráveis, de m odo que podemos fix a r
sociais, como tradução dessa valorização de riqueza. Re­ sua distrib u içã o em três grandes fases: a p rim e ira , de 1808
presentativos dessa abundância de ouro são ainda hoje a 1850; a segunda, de 1850 a 1888; a te rce ira , de 1888
os templos religiosos e os edifícios públicos ou particulares em d iante. A fix a ç ã o destas datas está relacionada ao
existentes na região de a n tig a exploração aurífera. regime de trabalho. O crescim ento da im ig ra ção corres­
ponde ao decréscimo do tra b a lh o escravo. Im igração e
Foi ainda neste mesmo século X V III que se ve rifico u escravidão são têrm os que se repelem, e não seria possível
a com pleta integração te rrito ria l do B rasil, com a d e fin i­ desenvolver-se o m ovim ento im ig ra tó rio paralelam ente ao
ção de suas fronteiras através do tra ta d o luso-espanhol de tra b a jh o escravo.
13 díT janeiro de 1750. Baseou-se êste documento, conhe­
cido geralmente com o "T ra ta d o de M a d r i" ou "T ra ta d o A prim e ira te n ta tiv a o fic ia l de colonização no período
de 1750", no princípio do "u ti-p o s s id e tis " e, para ju s tifi­ joanino é a fundação da colônia de Nova Friburgo, em
cá-lo, a diplom acia portuguêsa, orientada então pelo bra­ 1818. O govêrno régio a d q u iriu a fazenda do Queimado,
sileiro Alexandre de Gusmão, seguiu a política de povoar no m u n icíp io de C antagalo, e aí instalou colonos suíços.
áreas do te rritó rio com casais açorianos. Foi o que sucedeu Êsses colonos não encontraram nada preparado, tiveram de
na Região Norte (am azônica) e na Região Sul (Santa Ca­ derrubar árvores, prepa rar terrenos, c u ltiv a r a te rra .
tarina e Rio Grande do Sul), onde açorianos se instalaram , O colono deveria ser católico e tin h a d ire ito a um
participando das relações étnicas e cu ltu ra is nas áreas por lote de terra, anim ais, sementes e víveres. O govêrno con­
lie s desenvolvidas. cedeu ainda um a u x ílio fin a n c e iro de 160 réis por d ia
no p rim e iro ano e m etade dessa im portância no segundo
A mais vasta experiência de relações de raça e de
ono. A lé m dos prim eiros dois m il suíços e n tra ra m poste­
cu ltura que o país presenciara, entretanto, somente se deu
riorm ente m il alem ães.
no século X IX , com a ab e rtu ra dos portos do Brasil ao
comércio internacional, de um lado, e, de outro lado, com N esta p rim e ira fase, de 1808 a 1850, encontra-se
a introdução de novos grupos étnicos como im igrantes. um índice de crescim ento no volum e da im igração até
Alemães, italianos, poloneses, austríacos, belgas, suíços 1830. Nesta data o govêrno suspendeu o fin a n c ia m e n to
começaram a entrar no Brasil, principalm ente cs deis p r i­ para a im igração, providência que d eterm inou a queda
meiros grupos, que se torn ara m não somente os de m aior do volum e im igratório. A grava ndo esta circunstância as
expressão numérica como tam bém de m aior significa ção condições internas do país d ific u lta ra m ainda m ais a e n tra ­
cultural. Sem esquecer ainda inglêses e franceses. da do europeu livre. As lu tas que se seguiram à Abdicação,
a instabilidade dos governos regenciais e, sobretudo, a pro­
Pode-se dizer que a im igração no Brasil começa com longada Guerra dos Farrapos, p rin cip a lm e n te na área para
a regência do Príncipe D. João, mais tarde D. João V I . onde m ais se estavam encam inhando os im igrantes, re fle ­
Êsse processo, que é tanto de im igração como de coloni­ tira m no m ovim ento im ig ra tório .
zação, torna-se possível principalm e nte com a abertura dos
portos. O utra providência posterior com pletou esta: a Lei Entre 1830 e mais ou menos 1843, há um declínio
nas entradas de im igrantes. O volum e num érico da im i­
de 25 de novembro de 1808, segundo a qual era p e rm itid a
gração vai recomeçar a desenvolver-se p rin cip a lm e n te a
a concessão de terras aos estrangeiros. Com êsse ato se
p a rtir de 1846.
108
109
Em 1850 abre-se a segunda fase, marcada p rin c ip a l­ gratórias. T erm inada a guerra procurou-se reatar a còrren-
m ente pela Lei que e x tin g u iu o trá fic o de escravos^ O ano te no nível anteriorm ente verificad o, mas novos fatores
de 1850 tem uma im portância sig n ific a tiv a para a história vie ram c o n trib u ir para o decréscimo da imigração.
do Brasil. Sob o aspecto p o lític o é quando se inicia a grande r Com a Revolução de 1930, estabe!eceram-se medidas
obra do Im perador Pedro II, conseguindo, com a harm onia
restritivas da im igração, chegando-se em 1932 à proibição
dos partidos políticos, a b rir para o país uma fase de paz
i dã entrada de im igrantes. Em 1934, a Constituição esta­
e de prosperidade.
beleceu um a quota de entrada de im igrantes, o que foi
Do p o n to de vista econômico, vemos que, e xtin to o reiterado pela C onstituição de 1937; fo i fixada em 2%
trá fic o de escravos, os capita is nêle invertidos são aplicados do to ta l de im igrantes já localizados no Brasil a quota
no desenvolvimento da economia interna, principalm ente de im igração anual de cada grupo.
através da criação de indústrias e do fom ento à constru­
ção de estradas de fe rro . Começa_g obra de M a u á ; cons- Em 1938 começou a desenvolver-se a im igração, logo
troem-se a p rim eira estrada rodoviária e a p rim e ira ferro­ in terrom p ido seu crescim ento com a guerra m undial. Entre
v iá ria . 1939 e 1945 verificou-se um a queda no volume da im i­
gração no Brasil. Depois da guerra, entretanto, procurou-se
Q uanto ao aspecto social, há a assinalar o desenvol­
desenvolver a im igração, o que realm ente vem sucedendo.
vim ento da vida em sociedade. Declina o patriarcado rural,
para surgir o p atriarcado urbano, êste, porém, já adaptado Com relação aos grupos étnicos, as correntes im ig ra­
às novas condições de vida criadas com a industrialização tórias form am -se de alemães, com entrada iniciei em 1824
e em fran ca transição para as novas form as sociais advin­ interrom pendo-se entre 1830 e 1836, para reaparecer mais
das com a República. In flu i a im igração neste desenvolvi­ tarde, e intensam ente, em 1847, crescendo numèricamente
m ento da v id a social. a p a rtir de 1 8 5 0 . Temos depois suíços, que, embora com
A te rce ira fase da im ig ra ção começa em 1888 e vem sua prim e ira entrada em 1820, somente a partir de 1346
até nossos dias. Com a abolição da escravatura novas pers­ reaparecem, aum entando o volum e de sua contribuição.
pectivas se abriram à im igração. Justam ente no decênio Os italian os, com pequenos quotas em 1836, 1847,
de 1891 a 1900 se v e rific a o m aior volum e de entradas de 1852 e 1853, crescem mais expressivamente a p a rtir de
im igrantes estrangeiros. Neste período não somente o go- / 1877, quando tom am a fren te aos alemães no volum e das
vêrno federal como tam bém os governos estaduais co n tri­ entradas. Espanhóis, belgas, inglêses, suecos, franceses,
buíram pa ra o desenvolvim ento das çorrentçs de im igração, austríacos aparecem em vários anos, registrando-se nuns
concedendo auxílios que fc c ilita ra m a entrada dos im ig ra n­ pequenas entrodas, noutros volum e maior. A partir de 1871
tes e sua localização no te rritó rio nacional. surgem os im igrantes russos, que juntam ente com polo­
De m odo geral o desenvolvim ento im ig ra tó rio nesta neses, depois de 1876, apresentam m aior crescimento nu­
fase está ligado ao progresso da econom ia cafeeira, em m érico. Turco-árabes e japonêses começam a aparecer já
conseqüência da necessidade de braços, o que reclam ava no período republicano, o p rim e iro grupo ainda nos fin s do
a presença de im igrantes. Tam bém co n trib u íra m para o século passado, o segundo nos começos do atual (1908).
aum ento da im igração as facilidades concedidas pelos A o processar-se o recenseamento geral de 1920, o
governos estaduais, p rin cip a lm e n te a concessão de terras m a io r contingente de estrangeiros no Brasil era forrriado
para o estabelecim ento de colônias. pelo grupo ita lia n o , com 558 4 0 5 pessoas; a seguir vinham
Êste su rto da im igração no século X X encontrou, os espanhóis com 219 142, franceses com 122 329, ale­
porém,' um a fase de arre fe cim e n to com a Guerra de 1914. mães com 5 2 870, turco-árabes com 50 2 51 , japonêses com
Com o m undo em lu ta , a entrada de im igrantes no Brasil 2 7 976, austríacos com 26 354. Com contingentes menos
fo i prejudicada, reduzindo-se o volume das correntes im i- expressivos aparecem outros grupos étnicos.

110 lll
Já em 1940, quando do recenseamento geral entoo Espalhando-se, principalm ente, p ela região m eridional,
rêalizado, o número de estrangeiros era in fe rio r ao v e rific a ­ os elementos estrangeiros aí constituíra m colônias, m uitas
do no censo a n te rio r. Os italian os com 285 124 pessoas e das quais se tran sform ara m em vila s e cidades im portan­
os espanhóis com 147 897 continuavam em p rim eiro e se­ tes. Form aram verdadeiros centros de com unidade, em
gundo lugares; daí em d ia n te apresentava-se a seguinte o r­ suas colônias, não lhes fa lta n d o não ra ro os mesmos carac­
dem: japonêses com 140 6 9 3 , alemães com 70 721; turco - terísticos já acentuados, anterio rm ente, com relação à fo r­
-árabes (sírios, libaneses, árabes, turcos, etc.) com 48 894 mação de núcleos de exploração econômica, constituindo
e poloneses com 42 039. Com o se vê, os japonêses passa­ o am biente das relações étnicas e de cu ltura no Brasil.
ram a ocupar o terceiro lu g a r entre as populações não A o mesmo tempo, in flu íra m nas comunidades bra si­
brasileiras recenseadas em 1940. Com os alemães e os leiras que» lhes eram vizinhas; e receberam destas, da
italianos form am êles, hoje em dia, os principais grupos
mesma form a, in flu ê n cia em vários elementos culturais.
étnicos alienígenas que tê m contribuído para a form ação
Im plantaram os traços ou complexos cu ltu ra is por êles tr a ­
cultural do país.
zidos, cu ja generalização é impossível fazer, por isso que
Em 1950 o censo dem ográfico acusou a presença, no cada grupo estrangeiro apresenta aspectos específicos. Um
Brasil, de 1 214 184 estrangeiros e estrangeiros n a tu ra li­ traço, porém, encontram os com um : o trab alh o fa m ilia r,
zados; representavam 2 ,3 4 % do to ta l da população recen- isto é, a exploração agrícola resultante da unidade domés­
seada em todo o País. A região Sul absorvia a m aior parte tica de trabalho. Outro: a capacidade de elevar-se econô­
dos grupos alienígenas; a população estrangeira aí era de mica e sociaím ente, o que verificarem os quase g en erali­
867 118, ou 7 1 ,4 % do to ta l estrangeiro recenseado. O utra zado nas colônias m eridionais.
grande parte se situava na região Leste, com 2 96 879 pes­
soas, que representavam 2 4 ,5 % . Com pequenos c o n tin ­
gentes encontravam-se as demais regiões: o Centro-Oeste
com 23 420 pessoas (1 ,9 % ), o N orte com 17 361 (1 ,4 % ),
• o Nordeste com 9 415 (0 ,8 % ). ,
De acordo com os dados censitários de 1950 — pois
ainda não se conhecem as inform ações, a êsse respeito,
do censo de 1960 — , o p rin c ip a l contingente estrangeiro é
constituído pelos portuguêses; depois, os italianos. Só estas
duas nacionalidades representam quase 5 0 % do to ta l de
estrangeiros no Brasil. Segundo as prin cip a is nacionalidades
encontramos, em 1950, a seguinte d istrib u içã o ;

Estrangeiros %
Nacionalidades recenseados
Portuguêses ........................... 3 3 6 856 2 7,7
Ita lia n o s .................................... 2 4 2 337 20,1
E s p a n h ó is ................................ 131 608 10,8
Japonêses ................................ 129 192 10,6
Alem ães e austríacos .......... 8 3 227 6,9
Poloneses .............................. 4 8 806 4 ,0
Sírios e lib a n e s e s ............... 4 4 778 3,7
O u t r a s ..................................... 197 371 16,2

112
era possuir terras que pudesse c u ltiv a r em seu proveito e
benefício. No Nordeste, o regim e da grande propriedade
pouco propiciava a fixa çã o do im igrante. Daí a preferência
pelo Sul, com a circunstância de ser ainda d im in u to o povoa­
mento nas então províncias m eridionais.
O prim eiro núcleo de colonos estrangeiros, que se fixou
no Sul, form ou-se de alemães; constituíra m êles a colônia
de São Leopoldo em 1824, localizada nas terras da antiga
Feitoria Im perial do Linho Cânhamo. A colônia de São Leo­
poldo iniciou-se com um grupo de 26 alemães, que logo
deram comêço aos trabalhos de a g ricu ltu ra , recebendo pos­
ÁREAS DE IMIGRAÇÃO teriorm ente novos im ig ra nte s/ De modo que em 1930 iá a
colônia tinha m ais de 4 m il pessoas/Para a fixação dêsse
E CONDIÇÕES DE ASSIMILAÇÃO
grupo de alemães o govêrno im perial deu tôdas as fa c ilid a ­
iív v u 'i5 u j'3 ie í" '* í - ' : L '
des não somente pela concessão de terras como ainda
__ _______ \
através de auxílios financeiros. Os alemães introduziram
A s correntes im ig ra tória s dirigiram -se, p rin c ip a lm e n -\ logo na colônia o uso do arado, com que melhor aperfei­
te, para o Sul do país. O Norte, o Nordeste e o Leste rece­ i çoaram a lavra da terra.
bem colonos ou im ig ra nte s esporadicamente, e ainda assim
sem o ê x ito que coroa a im igração para a região Sul. Obser­ O desenvolvimento de São Leopoldo p e rm itiu a expan­
va-se desta form a uma preferência por essa área, em p a rti­ são do grupo alemão não somente para o próprio te rritó rio
cular de São Paulo ao Rio Grande do Sul. A lguns autores do Rio Grande como ainda para as províncias vizinhas. A
têm a trib u íd o essa preferência às condições clim á ticas, isto prim e ira dessas expansões se fêz com a criação da colônia
de Tôrres, constituída de alemães católicos, e a de Três
é, à semelhança do clim a nessa região ao c lim a existente
nas áreas de procedência do im igrante. Forquilhas, form ada de alemães protestantes. /

Já hoje, porém, se sabe que o c lim a não é o fato r/to do- i Em Santa C atarina a p rim e ira colônia teve o nome de
São Pedro de A lcâ n ta ra , e form ou-se de um pequeno grupo
-poderoso determ inante da fixação dos im igrantes nessa
região. Não é possível, por outro lado, negar sua in flu ê n ­ de alemães vindos de São L e o poldo.'A êsse prim eiro grupo
vieram juntar-se alemães católicos, vindos de Bremen, em
cia, m as não exclusiva, como elem ento aue fa c ilito u a
1828. Em Santa C atarina as condições foram menos fáceis
perm anência do im ig ra nte . Devemos, porém , considerar i que as do Rio Grande do Sul. O terreno era áspero e d ifíc il,
como causa mais direta dessa preferência pela região m e ri­
o que exigiu um trab alh o árido dos im igrantes. Nessa pro­
dional* as condições econômicas e sociais e, especialmente,
víncia o desenvolvim ento colonizador só teve im portância
/. a m a io r área de terras inexploradas e menor presença do
a p a r tir de 1850, quando se fundou Blum enau.íO nome veio
tra b a lh o escravo. O problem a da propriedade da terra foi
de seu fundador, o m édico alem ão, Dr. Blumencu, que,
fu ndam en tal na fixa çã o dos im igrantes na região Sul. A í a
tendo-se localizado em Santa C atarina, compreendeu a
existência de áreas ainda não ocupcdcs p e rm itia a d is tri­
im portância daquela região para a colonização. Tom ou a
buição de lotes aos im igrantes, que desta fo rm a se to rn a ­
in ic ia tiv a de ir a Europa e de lá trouxe im igrantes para a
vam proprie tário s.
organização da colônia.
Enquanto isto, nas outras regiões, e p rincipalm e nte no A colonização estrangeira se fêz, inicialm ente, com a
Nordeste, o trabalho escravo e a grande propriedade im ­ ocupação do vale do Ita ia í, cuia riqueza possibilitou o desen­
pediam a colonização estrangeira. O desejo do im igrante volvim ento e a irradiação dos grupos humanos. Em Santa
114 115
e desenvolvida, em cujos traços cu ltu ra is, sobretudo de
Catarina predominou o sistema de colônias, o que p e rm itiu
a rq u ite tu ra , ainda se encontra a presença alemã.
incrementar-se a im igração estrangeira naquela região.
Êste sistema contribuiu tam bém pa ra o crescim ento demo­ Em São Paulo, o processo de im igração apresentou as­
gráfico da então província. pectos diferentes dos verificad os em outras áreas do S u l.
Embora a p rin cíp io se tivesse v e rifica d o a form ação de
No Paraná, a p rim e ira colônia fo i iniciada em 1828. colônias, logo, porém , tornou-se mais com um a introdução
Logo, porém, malogrou, em conseqüência dos ataques de de im igrantes como braço p a ra a lavoura cafeeira. Im i­
grupos indígenas ainda m uito espalhados na região e que grantes eram distribuídos pelas fazendas de café, p rin c i­
afastaram os colonos. Só nos prim eiros anos da segunda palm ente p o r in ic ia tiv a p a rtic u la r, e aí nessas fazendas
metade do século é que se v e rifico u nôvo surto colonizador, se dedicavam ao tra b a lh o agrícola. Em sua fazenda Ib i-
fundando-se a colônia de Superaguy, com franceses e suí­ caba, o Senador V e rgu eiro in s titu iu o regim e de parceria.
ços, e a colônia Dona Teresa, com franceses. Todavia, essas Êste regim e era o pagam ento do tra b a lh o do im igrante
duas colônias não foram exclusivam ente estrangeiras, pois com uma percentagem sôbre a co lh e ita . A princípio, o Se­
nelas se encontravam elementos nacionais. nador V e rgu eiro tro u xe para sua fazenda lavradores m i­
Igualm ente em outras áreas do Brasil veificou-se, na nhotos. Em 1847 in tro d u ziu im igrantes alemães, que cons­
mesma época, tentativa de colonização estrangeira. Na titu ía m um to ta l de 80 fa m ília s. /
Bahia, em 1828, irlandeses tom aram a colônia Santa Ja­ O regim e de parceria fo i p rincipalm e nte um a expe­
nuário. Esses homens, entretanto, não estavam a feitos ao riência de trab alh o livre, reclam ado pelas necessidades da
trabalho agrário, pois tin h a m sido soldados. Apesar da lavoura cafeeira, c u jo desenvolvim ento se acentuou a p a rtir
assistência recebida com ferram entas, rações diárias, auxí­ de 1850. Logo se desenvolveu um núm ero de colônias dêsse
lios financeiros, a colônia fracassou inteiram ente. Os irla n ­ tipo. Todavia, a ausência de um a base estável nas relações
deses se entregaram ao uso e abuso da cachaça e, em entre fazendeiros e colonos c rio u um desajustam ento e
conseqüência, começaram a dispersar-se e a adoecer, de um am biente de m al-estar, tra d u zid o p rincipalm e nte na
modo que se diluiu com pletam ente a presença dêles na cham ada revolta de Ibicaba, que foi um levante dos colo­
região. Tam bém em Ilhéus se tentou uma colonização nos contra o fazendeiro.
alemã, mas sem maiores conseqüências, pois os alemães O sistém a de parceria serviu, porém , de transição
se dispersaram pelas fazendas de cacau. para o regim e de assalariado ou seja do pagam ento do
Pela mesma época form ou-se uma colônia alem ã em salário fix a d o antecipadam ente ao trab alh ador im igrante.
Pernambuco, no lugar Catucá, nas imediações de um q u i­ O regime de assalariado caracterizou principalm ente, a
lombo de negros fugidos. Os alemães se dedicaram ao p a rtir de 1870, a organização de tra b a lh o nas fazendas
fabrico de carvão, transform ando-se em carvoeiros. A colô­ cafeeiras. A fazenda de café co n stitu iu assim o prin cip a l
nia, porém, malogrou inteiram ente, pois fo i destruída pelos núcleo de experiência e de aplicação do trab alh o livre pro­
quilombolas. curando-se com o im ig ra n te a substituição do trab alh o escra­
vo. M u ito s colonos que tra b a lh a ra m conseguiram , pelos
N o Espírito Santo introduziram -se alemães em 1847, lucros auferidos, am ealhar recursos, com os quais se to r­
form ando a colônia de Santa Isabel. Nos rrteados do século naram posteriorm ente proprie tário s rurais. Êsses lucros per­
nova colônia se form ou no vale do rio Santa M a ria — m itira m igualm ente que colonos viessem instalar-se na ca­
é a célebre colônia de Santa Leopoldina, cuja descrição de p ita l, onde passaram a desenvolver suas atividade s^
seus costumes, dos hábitos alemães e mesmo da paisagem
geográfica se encontra no rom ance "C a n a ã ", de Graça As condições em que se d istrib u íra m os im igrantes
Aranha. A inda nessa época, é de im portância a fundação nessas diversas áreas da região m eridional in flu íra m para
o respectivo processo de assim ilação, cu ja m aior ou menor
da colônia de Petrópolis, em 1846, hoje cidade próspera
117
116
fa cilid a d e se relacionou com a fixação adotada. Realmente, resistiu m ais dem oradamente à assimilação, o que somente
poderemos v e rific a r dois tipos característicos da d is trib u i­ se atenuou de uns trin ta a quarenta anos para cá.
ção do im igrante: um , reunindo-os em colôinas, isoladas
Quando, porém, os im igrados fo ra m distribuídos em
inicialm ente, e por m uitos anos, de qualquer contato com \ ^ fazendas de café em S. Paulo, ou em áreas urbanas, como
os grupos brasileiros; e outro, distribuindo-os nas fazendas ' na capital de São Paulo e no antig o D is trito Federal, o pro­
de café ou em centros urbanos, num co n tato mais im ediato 1 cesso de assim ilação se v e rifico u mais rápido, acelerou-se
com os elementos nativos. e ativou-se. O contato im ediato, constante, quotidiano, com
O prim eiro, a que podemos cham ar de concentração, o elemento brasileiro ou entre elementos de etnias diversas,
fa c ilito u a assim ilação de traços cu ltu ra is, permutando-se
predom inou no Rio Grande do Sul, em Santa C atarina, no
m ais ràpidam ente os valores de que cada grupo era portador.
Espírito Santo; o segundo, que chamamos de dispersão, fo i
o que se v e rifico u em São Paulo, ta n to nas fazendas de M a io r ou m enor rapidez se observa ainda na inter-
ca fé como na ca p ita l, no D is trito Federal (hoje Estado da -relação c u ltu ra l em face da origem do grupo imigrado. De
G uanabara) e em outras ca p ita is.f Cada um dêsses tipos fa to , o alemão, ou o italiano, por exem plo, embora a u n i­
in flu iu a seu modo pa ra a m aior ou m enor assimilação do dade c u ltu ra l exterior com que se apresentou, tem peculia­
im ig ra nte ; sobretudo quanto ao espaço de tempo em que ridades próprias, de hábitos ou de sentimentos, conform e
decorreu o processo de assim ilação e conseqüentemente seja do norte ou do sul, do centro ou do oeste. Êste fa to
de integração dêsses grupos alienígenas ao am biente bra­ tiv e oportunidade de v e rific a r em meus estudos em relação
ao ita lia n o . Mesmo entre im igrantes do norte da Itália,
sileiro.
do Vêneto ou da Lom bárdia, o processo de assimilação
Não houve, decerto, uma assim ilação absoluta, isto é, tem marcha d ife re n te . E esta diferença se acentua con­
um a perda to ta l pelo im ig ra n te de seus valores cu ltu ra is form e o im igrante, seja do norte ou do sul. Deve dar-se
para aceitação integral dos valores nativos: observou-se, o mesmo em relação ao alem ão, e possivelmente em rela­
ao contrário, um processo em que foi constante a perm uta ção a outros grupos.
de elementos culturais, a troca recíproca de valores, o que
beneficiou, de certo modo, os quadros sociais respectivos,
de m aneira a não perderem as populações brasileiras, em
co n ta to com os im igrados, as bases fundam entais de sua
form ação.
A localização do im ig ra n te exerceu e exerce ponde­
rável in fluência nos resultados do processo de relações de
c u ltu ra : prim eiro, de um ponto de vista estritam ente geo­
g rá fic o , quanto às áreas por êle ocupadas; e segundo, de
um ponto de vista m ais largo, quanto à m aneira de d is tri­
buição do im igrante.
A form a como fo i localizado o im igrante, o que pode­
riam os cham ar "ty p e o f se ttle m e n t", in fluenciou para a
m a io r ou menor rapidez com que se desenvolveram as rela­
ções de cultura. Q uando os im igrados fo ra m isolados em
colônias, tal como sucedeu no Rio Grande do Sul, no vale
do Ita ja í, em parte da região serrana do Espírito Santo, o
processo foi lento, retardado, decorreu moroso. O im igrado

118 11?
por milaneses, um dos m aiores centros de produção vinícola.
Esta é a mais im portante atividade do italian o, no cam po
da in dústria no Rio Grande do Sul,/ não excluindo, con­
tudo, outras por êles iniciadas — m e ta lu rg ia , selaria, dos
produtos anim ais, m adeira, curtum es, tecelagem — apre­
sentando o característico de terem surgido sempre de um a
base artesanal. N a a g ric u ltu ra cu ltiva m m ilho, fu m o ,
legumes.
Em Santa C atarina, concentrado principalm ente no
vale do Tubarão, igualm ente se destacou o ita lia n o na
a g ric u ltu ra , baseada na pequena propriedade e form ando
pequenas colônias. Deve-se-lhe a introdução da v in ic u ltu ra
ITALIANOS, ALEMÃES E JAPONÊSES e da se ricicultura. Tam bém o estím ulo às culturas agríco­
las já conhecidas e o incentivo à produção de banha e de
salsicha.
Dos grupos étnicos alienígenas que têm participado
Em São Paulo, o ita lia n o in icio u suas atividades na
do processo de transculturação no Brasil, podemos destacar lavoura de café; a prin cíp io como assalariados, meeiros,
o italiano, o alemão e o japonês como os três mais im por­ colonos, muitos im igrantes italianos — e sobretudo seus
tantes. Isto não exclui, evidentem ente, a participação de
descendentes — chegaram a proprietários./ A atividade in ­
outros. Todavia com aquêles três grupos se tornaram mais d u stria l neste Estado d ife riu da ve rifica d a no Rio Grande
relevantes as relações c u ltu ra is . do Sul, apresentando caráter ca p ita lista , pela fundação de
Entraram no Brasil im igrantes italianos de várias re­ estabelecimentos com a aplicação de capitais, obtidos êstes
giões. Lombardos, genoveses, piemonteses, venezianos fora m ou pela poupança nas atividades rura is ou urbanas, ou por
dos mais destacados entre os que vieram para os trabalhos crédito ju n to a outros patrícios já ricos, ou ainda trazidos
agrícolas, ao passo que apulvos, calabreses e cam pânios diretam ente da Itá lia . Teve uma localização urbana, en­
se fixa ra m , preferencialm ente, nas zonas urbanas. Assim, quanto no Rio Grande do Sul teve um a localização ru ra l.
tanto da Baixa Itá lia como da A lta Itá lia recebeu o Brasil
im igrantes. Esta diversidade de região corresponde, ig u a l­ Em outros Estados aparecem a in d a os italianos com o
mente, à própria diversidade étnica do italian o, em g e ra l. agricultores, o que não e xclu i sua presença em profissões
urbanas, p articip ando da vid a cita d in a como com erciantes,
A o lado dessa diversidade étnica, temos tam bém larga sócios de indústria ou donos de restaurante, ou no exercí­
diversidade cultural, se bem não lhe fa lte um certo deno­ cio de pequenas profissões, como engraxates, garçons, cho­
m inador comum, oriundo da fonte de onde prom anou a feres, sapateiros, carpinteiros, etc.
form ação italiana: a romona. M u ito co n trib u iu para o en­
contro dêsse denominador com um a c u ltu ra romana basea­ A mais im portante co n trib u içã o do ita lia n o à econo­
m ia do Brasil, dêle como tam bém do alemão, deve apre­
da no catolicismo. São aspectos dessa diversidade cu ltu ra l,
verificados dentro do quadro dessa relativa unidade, que sentar-se a reação contra a m onocultura, d ifu n d in d o la rg a ­
trouxeram o italian o para o Brasil. mente a p o licu ltu ra . Soube o ita lia n o aproveitar bem a
terra, o que sucedeu igualm ente com o alem ão; c o n trib u iu
N o Rio Grande do Sul deve-se ao ita lia n o a vin ic u ltu ra . tam bém para a transição do trab alh o escravo para o livre ,
É de origem ita lia n a o desenvolvim ento da indústria do através do sistema de parceria, do de salariado, do de em ­
vinho naquele Estado, sendo hoje Caxias, núcleo fundado preitada e do m is to .
120
ut
Nos quadros da c u ltu ra das comunidades, onde o ita ­ Brasil; não distinguiam os registros, senão o país de proce­
liano aparece com in flu ê n cia , podemos destacar os seguin­ dência. Por inform ações colhidas em outras fontes, pode-se,
tes aspectos particulares: a organização social com base entretanto, a firm a r que os alemães chegados eram ta n to
na vida de fa m ília e a conservcção da religião católica; a da A lem anha do Norte com o do Sul. Da Pomerânia, do
aceitação dos princípios de organização p o lítica do país, Holstein, da Saxônia, de W e s tfá lia , de Oldenbürg; também
respeitando-os e procurando dela p a rtic ip a r pela ascensão da Renânia, da Baviera, do Palatinado entraram alemães.
social dos descendentes; tam bém a aceitação dos tipos de Dos prim eiros im igrantes do Rio G rande do Sul sabe-se que
casa brasileira, de tijo lo e m adeira, nas áreas onde os ita lia ­ eram, em grande m aioria, do Hesse, da Prússia, do W u r-
nos se dispersaram, conservando, entretanto, nas áreas
temberg, do Saxe. Predominavam, pois, elementos da A le ­
onde se concentraram (núcleos e colônias), elementos ca ­
manha do Sul, ao passo que, nas entradas posteriores, o
racterísticos de sua a rq u ite tu ra , p rin cip a lm e n te o uso do
m aior núm ero provinha da A lem anha do N orte.
porão e a im itação do tip o de casa, m orm ente do norte
da Itá lia ; a aceitação da alim entação regional, p rin c ip a l­ Os prim eiros alemães chegados tiveram de enfrentar
mente a feijoada, sem p re ju ízo da m anutenção e in tro d u ­ • s árduos trabalhos de pioneiros, derrubando matas, a b rin ­
ção, entre as populações brasileiras, do m acarrão, da po- do caminhos e estradas, construindo suas casas. C onstituí­
lenta, do risoto, da "p iz z a ” e de outros pratos típicos e ram êles os elementos fundadores de colônias que se c ria ­
igualm ente da extensão dêstes ao gôsto brasileiro; a ado­ ram no Sul e no Espírito Santo, m u ita s delas hoje cidades
ção do vestuário regional, embora m antendo alguns tr a ­ e m unicípios prósperos/ Novas correntes vieram depois en­
ços do tra je de origem; m anutenção de suas festas re lig io ­ grossar êsses grupos p rim itivo s, con trib u in d o para re fo r­
sas e c u lto a santos festejados na Itá lia , o uso da sanfona, çar o isolam ento no contato com as populações brasileiras.
jogos, com o a m arra, a bocha, e tc ., festas dom ingueiras,
Dentro dêsse am biente, para c u ja caracterização ta n ­
etc.
to concorreu, o im igrante alemão im plantou os principais
De modo geral, pelas condições de sua c u ltu ra a p ro xi­ aspectos de sua cu ltu ra . N o que se refere à casa, sua cons­
mada ou semelhante ao "e tn o s " lusitano, e por conseqüên­ trução passa por três etapas: prim e iro , o rancho ou b a rra ­
cia brasileiro, o italian o não apresentou m aior d ific u ld a ­ cão, coberto de palha; depois, a casa de madeira, fe ita já de
de em sua integração na vid a brasileira. O que não e xclu i tábuas preparadas na serraria, cobrindo-a também de tá ­
a conservação de vários traços de sua cultura, que pene­ buas fazendo as vêzes de telhas; e, por fim , a casa de tijo ­
traram nas comunidades ítalo-brasileiras de m aneira ex­ los, coberta de telha , mas u tiliz a n d o ainda o madeiramen-
pressiva. to. Estas três fases vão correspondendo à elevação social
Já o grupo alem ão, de form ação c u ltu ra l diferente, ou de nível econômico do colono, sempre, porém, com u ti­
não encontrou esta fa cilid a d e , agravando-se a situação, lização de m ate rial da região, se bem que a técnica seja a
principalm ente pela circunstância de se terem isolado, trazida.
v
constituindo colônias inteira m e nte germ ânicas; os cru za ­
Não havia unidade c u ltu ra l no elemento alemão vindo
mentos étnicos com brasileiros ou com brasileiras se v e r ifi­
para o Brasil; recebemos alemães de cu ltu ra variada, o que
caram, é certo, mas o isolam ento espacial, de um lado, e,
correspondia tam bém à variedade étn ica dos grupos em i­
de outro, os trabalhos de form ação de colônias em áreas até
grados. Daí certa diversificação ve rific a d a em núcleos ale­
então virgens co ntribu íram para um a caracterização d ive r­
mães, originada da form ação étnica e cu ltu ra l dos elemen­
sa no tip o de influência dos alemães nas comunidades por
êles fundadas ou de que se aproxim aram . tos emigrados. Pode-se encontrar, todavia, um certo deno­
m inador com um , baseado no tra b a lh o agrícola, o que fa c i­
Escasseiam elementos estatísticos para afirm ar-se, lito u, ju nta m e nte com a p ró p ria variedade cu ltu ra l, os pro­
com segurança, a naturalidade do alemão im igrado ao cessos transculturativos.

122 i 1«
0 alem ão co n trib u iu enorm em ente para o desenvolvi­
Formando núcleos ou comunidades, mas raram ente
m ento econôm ico das áreas em que in flu iu . Predominou, e
particTpãndo das comunidades brasileiras, o alem ão aceitou
predom ina, nas com unidades teuto-brasileiras, a pequena
t/ários traços culturais nossos, ao mesmo tempo que in flu iu
propriedade; seu fra cio n a m e n to se acentua com a d is trib u i­
ncrm anutenção dos trazidos, alguns desses adaptando-se às
ção de lotes ou a cria çã o de novas propriedades pa ra filhos
condições locais, aos elementos aqui encontrados.
ou recém-emigrados. A in d a no cam po econômico outra in­
Assim é que os alienígenas procuravam a ce ita r hábitos fluên cia jiitid a m e n te alem ã jfo i o desenvolvim ento in d u stri­
ou costumes do país. Entre outros valores nativos, por êles al, nas áreas rurais, e o riginado das p rim itiv a i atividades
incluídos no seu quo tidiano, poderemos lem brar: o uso do artesanais.
cavalo para m ontaria ou serviços da colônia; corridas de
cavalos como divertim ento; u tiliza çã o do carro de bois, mer­ O aspecto religioso na organização das com unidades
cê do qual se tornava possível o trâ n sito nas p rim itiva s ve­ teuto-brasileiras apresenta peculiaridades, entre elas a ma­
redas, até que a m elhoria da estrada, p e rm itiu o uso das nutenção de sacerdotes católicos ou protestantes, de acordo
carroças — as chamadas carroças coloniais; o uso de armas com o sentim ento religioso do respectivo grupo, por in te r­
de fogo; o fabrico de açúcar ou fa rin h a de m andioca pelos m édio de associações religiosas. É de notável relêvo o papel
processos regionais do engenho p rim itiv o ou tôsco e do ti- do sacerdote, pela in flu ê n c ia que exerce, sobretudo na fa ­
m ília.
p iti; o chim arrão, bebida dentro dos mesmos processos lo­
cais, com a mesma paciência e a mesma u tiliz a ç ã o da cuia Conservaram os germ ânicos, na organização da fa m í­
em comum, em reuniões. lia, os mesmos padrões de suas terras de origem ; os mes­
O que logo se destaca, de in flu ê n cia alemã, é a arqui­ mos hábitos de fa m ília , nas atividades de trabalho, nos se­
tetura, ou seja, a casa; ela caracteriza, grosso modo, o am ­ rões, nos casamentos, fo ra m m antidos. O que era fa c ilita d o ,
biente onde impera a in flu ê n cia alemã. Embora não apre­ p rincipalm e nte , pelo caráter quase fechado das colônias,
sente uma unidade característica, pois são várias as técni­ em grande parte espalhadas na área ru ra l, distanciadas e
cas de construção, a a rq u ite tu ra apresenta sempre um traço isoladas dos núcleos dem ográficos nativos. A fa m ília teuto-
comum, que logo a fa z ressaltar dando fisio nom ia própria -bra sileira manteve, ta n to quanto possível, a mesma orga­
à comunidade. É certo que não raro fora m adotados, no tip o nização do tip o de fa m ília do país de origem .
de casa, elementos oriundos do meio, ta l a varanda, aspecto É em tô rn o da organização dessa fa m ília , a cham ada
êsse verificado em Santa C atarina. fa m ília -tro n co , que g ira m os aspectos da vida fa m ilio l dos
im igrantes germ ânicos chegados ao Brasil e form ando as
/Q u a n to à alim entação teve c alem ão de a ce itá -la ^e m
respectivas com unidades: o casamento cedo, constituindo-se
grande parte em face do que o meio o perm itia. A s condi­
novas fa m ília s que são novos grupos de trabalho; a perma­
ções do am biente in flu íra m na aceitação de novos padrões
nência de um dos filh o s , quando casa, com os pais; a prole,
alim entares, ou na adaptação dos trazidos. A o lado da c u l­
numerosa, embora tendendo m odernam ente a d im in u ir,
tu ra de produtos nativos, foi introdu zida a de gêneros a lie ­
como elem ento de riqueza; a ausência de prostituição; a
nígenas, como a batatinh a, o centeio, a a lfa fa . O colono
coesão dos laços de parentesco entre descendentes e ascen­
procurou equ ilibrar o regime de alim entação im portado
dentes; a distribu ição das tarefas agrícolas entre as pessoas
com aquêle que o nosso meio condicionava./
dos dois sexos pertencentes à fa m ília .
V O que sucedeu ainda, em grande parte, com o vestuá­
Nas populações teuto-brasileiras conservaram-se e ain­
rio. O tra zid o não se adaptava ao m eio físico do país, pelo
da se m antêm , sobretudo nas áreas rurais, afastadas dos
que teve de substituí-lo. Mas esta substituição se fêz em
centros industriais — que se tra n sfo rm a ra m em grandes fa ­
parte, pela adoção de um tra je correspondente ao comum
tores transculturativos, m odifica ndo m uitos dos traços p ri­
do Brasil, sem prejuízo de certas peculiaridades do uso
m itivam ente introduzidos e conservados — , costumes e há-
alemão.
F25.
124
bitos, usos e processos de pura tradição germ ânica: o "k e rb ", traços cu ltu ra is brasileiros; mas o contrário tam bém se ve­
por exem plo. O " k e r b " é, no Sul do País, uma festa popular rific o u com a manutenção de padrões culturais importados.
dos teutos ou teuto-brasileiros, que começa num dom ingo à No Brasil se tem registrado a m odificação do tipo ja ­
tarde e term ina na m adrugada de q u a rta-feira. Embora de ponês com a mestiçagem e a ação do m eio; entretanto, pa­
origem prim o rd ia lm e n te religiosa, pois se liga à comemo­ rece-nos ainda c u rto o prazo de permanência do japonês no
ração da fundação da igreja, tem hoje caráter quase in te­ Brasil para se obter uma verificaçã o com pleta, quer quan­
gralm ente profano, e corresponde, para as populações ger­ to à assimilação social, quer quanto à própria transcultu­
m ânicas, ao carnaval brasileiro. Tam bém em casamentos, ração. Contudo, não é possível esconder a existência, so­
em aniversários, em enterros, conservam-se os prim itivo s bretudo na área ru ra l, de tipos japonêses já bastante ate­
modos de realização das respectivas cerim ônias. A êste res­ nuados os traços prim itivos, em decorrência de cruzam en­
peito são m uito interessantes as inform ações de W agem ann to com brasileiros.
quanto aos alemães do Espírito Santo.
M a n tê m os grupos japonêses m uitos dos traços ou
O arupo japonês é de presença m ais recente no Brasil.
complexos de c u ltu ra originários, principalm ente na re li­
Os resultados da tra n scu ltu ra çã o ve rificad a a in d a não se
gião, na organização da fa m ília , esta de tipo patriarcal,
podem exam inar de todo, em face de contarem -se pouco
com m onogcm ia, na escolha de noivas. Nas atividades
m ais de cinqüenta anos da im igração japonêsa no Brasil.
agrárias m uitos chegam a proprietários, desenvolvendo a
A q u i se dedicaram os nipões à cultura agrária, e desenvol­
cu ltura de legumes e verduras, e tam bém dedicando-se ao
veram o p la n tio de verdura e legumes, começando m uitas
p la n tio de café.
vêzes por serem êles próprios os vendedores na rua.
Trazidos pelos japonêses aparecem no Brasil a indús­
Os japonêses, sobretudo pelo distanciam ento étnico do tria do charão (laca ou verniz oriental), a cultura do lótus,
elem ento luso-brasileiro, de m odo geral, têm-se m antido o saquê, o feijãc-so ja, o brôto de bambu como alim ento, o
em m aior isolamento. Todavia, como assinalamos, o espa­ c u ltiv o do chá, a cu ltu ra da ju ta , esta principalm ente na
ço de tem p o de sua presença ainda é cu rto para se m edir Am azônia. Conservaram seu tip o de fa m ília patriarcal, com
a intensidade da assim ilação étnica e da transculturação. m oncgam ia. M antiveram , com pequenas alterações oriun­
Sua presença p rin cip a l se v e rific a em São Paulo, norte do das do nôvo meio, inclusive a dispersão, o tipo de casa, co­
Paraná, M a to Grosso, Pará e Am azonas; aí se concentram berta esta de palha de arroz com telhados duplos, lembran­
9 6 % da população japonêsa no Brasil. do o estilo japonês. Outros traços conservados na arquite­
O elem ento nipônico, entrado no Brasil com o im ig ra n ­ tu ra : varandas, postigos, e vestíbulo especial ("to g u ts h i").
te, é geralm ente do tip o denom inado "p a re a n o ", represen­
A in d a quanto aos tipos de casa conservaram muitos
ta tiv o das classes inferiores do Japão. É de pequena estatu­
traços japonêses, aceitando, embora, outros peculiares ao
ra, braquicéfalo, cabelos lissótricos negros, olhos negros
nôvo meio, inclusive a dispersão dos habitações. Mas casas
oblíquos, nariz um pouco achatado, pele am arelada, m axi­
m antêm a sobrevivência dos nichos religiosos para coloca­
la r fo rte . Isto não exclui a existência de grande hetero-
ção dos deuses dos cultos x in to ísta ou budista; diante dês­
geneidade do japonês como grupo étnico: nêle se acum u­
ses altares é que fazem suas orações.
laram vários elementos form adores de etnias diversas.
Sua cu ltu ra é n itidam ente agrária, quanto à economia, Cum pre registrar ainda a im portância das atividades
e, quanto à religião, budista ou xintoísta. Em tô rn o da a g ri­ recreativas entre os japonêses, principaim ente o bcsebol,
c u ltu ra se fixa ra m seus costumes e ritos religiosos, m o d ifi­ que entre êles co n stitu i fa to r associativo. Já o futebol tem
cando profundam ente a vida social e espiritual do japonês./ tid o menor, ou quase nenhum a, atração para os nipônicos.
A exploração agrícola baseia-se na fa m ília , d ivid id a a pro­ Nas cerim ônias ds casamento, como igualmente nos
priedade em pequenas parcelas. Tam bém se dedicam à pes­ funerais, conservam ainda os japonêses no Brasil os mes­
ca. Entre nós aceitaram os japonêses, em vários aspectos, mos hábitos e usos conhecidos em sua cu ltu ra originária.

126 127
deireira do Sul, os poloneses dedicaram -se à exploração
agrária e à construção de casas de m adeira, havendo entre
êles excelentes carpinteiros. G eralm ente a colonização po­
lonesa está m isturada com alemães, russos e outros eslavos,
de menor expressão nu m é rica . O p rin c ip a l núcleo polonês é
o de Ivaí, no Paraná. Em outras áreas se têm distribu íd o
igualm ente im igrantes poloneses, encontrando-se núcleos
em vários m unicípios paranaenses, catarinenses e em a l­
guns do Rio Grande do Sul. Tam bém no Espírito Santo
se localizaram poloneses.
Dedicam-se prin cip a lm e n te ao tra b a lh o agro-extrativo:
extração de m adeira, colheita de erva-m ate, v in ic u ltu ra ,
pecuária, etc. Quando nas cidades, são com erciantes, em es­
TURCO-ÁRABES, POLONESES E JUDEUS/ pecial de comestíveis, e m uitas vêzes se confundem com os
judeus. A liá s , judeus poloneses são numerosos. Um traço a
destacar entre os poloneses é a sua agrem iação em asso­
Nõo só dos três grupos antes citados — italianos, ale­ ciações de fin s cu ltu ra is ou com erciais. A lém de um a União
mães, japonêses — se deve fa la r; outros grupos im igrados C entral dos Poloneses no Brasil, há associações de profes­
também têm participado do processo de relações de cu ltu ­ sores, de agricultores, etc.
ra no Brasil. Vamos destacar ainda, a êste respeito, outros • O elem ento polonês se tem cruzado com o elem ento
três, cuja im portância no Brasil contemporâneo é bastante brasileiro, o que no comêço do século já assinalava Pierre
expressiva. São grupos que igualm ente vêm participando do Denis, havendo, de ig u a l m aneira, cruzam ento c u ltu ra l; os
processo transculturativo; e deixando suas marcas no que poloneses, apesar de um bocado isolados, se adaptam à vid a
hoje podemos cham ar de c u ltu ra brasileiray Turco-árabes, regional, aceitando a alim entação com um da população na­
poloneses, e judeus, por exemplo. tiva . e na a g ric u ltu ra — registra ainda Denis — adotaram
Datam de 1878 as prim eiras entradas de poloneses, f i ­ os hábitos do trab alh ador brasileiro. C u ltivam o centeio,
gurando, entretanto, nas estatísticas im ig ra tória s com os talvez o único produto por êles im portado, ao lado de pro­
russos. Só a p a rtir de 1892 é que se destacam com o grupo dutos nacionais, como o m ilho, mate, etc. Constroem casas
específico: O contingente polonês cresceu m u ito nos qua­ de m adeira, que são típicos em áreas paranaenses; u tiliz a m
dros da im igração, espalhando-se principalm ente na Região tam bém a m adeira na construção de igrejas, procurando
Sul e, em particular, no Paraná. Em São Paulo e Rio Gran­ agrupar as residências em tô rn o do m otivo religioso. -
de do Sul igualm ente se encontra grande núm ero de polo­ Popularm ente conhecidos como turcos, temos os sírios,
neses. libaneses, árabes, palestinos e os próprios turcos. De modo
Embora filiados ao grupo étnico dos eslavos, aproxim a­ geral, incluem-se nessa denom inação todos os em igrantes
dos assim da Rússia por sua história étnica, os poloneses de língua árabe e re lig iã o m aom etana, sem preju ízo de res­
culturalm ente são latinos; entre êles predom ina o catolicis­ peitável núm ero de sírios e libaneses católicos. H á que dis­
mo apostólico romano; filiam -se, ainda sob outros aspectos, tin g u ir, entretanto, êsses diversos povos se bem que não se
a padrões latinos de civilização ocidental. Na c u ltu ra mate­ verifiqu em entre êles profundas divergências culturais. A o
ria l, em construção, na atividade agrícola, em indum entá­ contrário: é possível encontrarem -se traços cu ltu ra is seme­
ria, porém, aproximam-se mais dos eslavos. lhantes.
A im igração polonesa para o Brasil nos tem trazido, Sírios, libaneses e turcos iá aparecem no Brasil na épo­
principalm ente, agricultores; localizando-se na região m a­ ca colonial, pois Portugal m antinha relações com a Síria. A

128 129
I
grande em igração para o Brasil, porém , se verificou na se­ 4 escolares, brinquedos de criança, a variação, enfim , do co­
gunda metade do século X IX , ou m ais especlficam ente en­ lorido e dos objetos expostos dão logo à fisionom ia da rua
tre 1860 e 1870, continuando até 1890. Daí em diante o seu caráter sírio ou libanês.
prosseguiu a entrada de libaneses e sírios, mas em núm e­ Nas áreas urbanas das grandes cidades ou das capitais
ros menores; neste século a im igração síria, libanesa e tu r­ têm seus bairros preferidos, ruas caracterizadas pelas lojas
ca, de modo geral, tem crescido.
i típicas com os m ostruários, de vários artigos, expostos ao pú­
Os sírios constituem um grupo de língua árabe, o que blico no exte rio r da casa, etc. A través dêsses grupos — sí­
sucede tam bém com os libaneses, que, em virtude de sua rios, libaneses, turcos — chegam até nós muitos traços cul­
organização em república independente, fazem questão de tu ra is de arabização. Entre êsses grupos se encontra fa c ili­
ser tratados separadam ente daqueles. O árabe, como lín­ dade de aceitação dos traços cu ltu ra is nativos ou brasilei­
gua, é o idiom a clássico do livro sagrado do Islam; repre­ ros, sem preju ízo da conservação de alguns que lhes são
senta uma vasta cu ltu ra , onde fig u ra m alguns dialetos que peculiares, ou de transculturação já verificada sob vários
diferenciam a língua árabe em histórica e moderna. O têr- aspectos.
mo árabe fo i id e n tifica d o com m uçulm ano, em virtu d e do De fato, podemos repetir com A rth u r Ramos, s in te ti­
surgim ento do Islam com o unidade de religiã o e de im pério. zando a participação dêsses grupos no processo tran scultu-
Entre sírios e libaneses dom inam as religiões cristã e ra tivo do Brasil: "Seus traços cu ltu ra is iá penetraram na
m uçulm ana, subdivididas em vários grupos. Entre nós, os vida brasileira, especialmente seus sistemas de negócios, as
sírios e libaneses agrupam-se, principalm e nte , na ig re ja ca­ feiras, os mercados externos, o com ércio am bulante, os pa­
tó lica m alequita e na ig re ja m aronita. N o Brasil, a presen­ gamentos a prestação, hábitos tradicionais, oriundos das ca­
ça de sírios e libaneses, ou seja dos chamados "tu rc o s ", se ravanas da antiguidade fe n ícia . Suas iguarias e hábitos
caracteriza pefas atividades no com ércio de fazendas e a r­ alim entares tam bém já in flu e n cia m as grandes cidades: a
tigos de arm arinho, e, in icialm ente, pela realização do co­ carne de espêto ("lá h m e m ixu e "), o quibe, seu prato p rin c i­
m ércio am bulante, o "m a s c a te " ou "m a tra c a " . ; pal; o "m in já d ra ", o p o p u la r prato de lentilhas; o " f a tu x i" ,
Quando um " tu rc o " chega a um a rua para atividade o " ta b ú l-í" , etc. Seus doces ("k n a p e ", "b a rá z a k ", "m a m u l",
com ercial, a rua logo se transform a; tom a outro colorido, "g re ib e ". . .), à base de m anteiga, nozes picadas, tâm aras,
um colorido quase étnico. Foi o que se ve rific o u na antig a gergelim , leite, fa rin h a de trigo, açúcar, são apreciadíssimos.
rua do Açougue, em M aceió, hoje avenida M oreira Lim a, A aculturação a lim e n ta r já se delineia: de um lado, êles
onde mais ou menos em 1937 ou 1938' começaram os sí­ substituem as nozes e amêndoas pelas castanhas de caju
rios — assim chamados genèricam ente na região os ele­ nos seus doces, de ou tro lado, adaptam ao seu p a la d a r os
m entos de lín g u c árabe — a a b rir suas casas com erciais. pratos brasileiros, ccmo a feijoada. Resultam às vêzes curio­
O mesmo que anteriorm ente se tin h a ve rificad o na rua do sos sincretism os, como, por exem olo, o uso do churrasco,
Rangel, no Recife; ou em ruas de São Paulo. de fontes indígenas e ao mesmo tem po sírias (o "lá h m e
O que parece com provar a observação de D effontaines m ix u e " . . .).
sôbre os sírios de São Paulo: quando um chega, instala-se Aos libaneses, em p a rtic u la r, se deve a sua presença
modestamente, vai prosperando, m andando buscar outros em ctividades industriais: em M inas Gerais o início da in­
patrícios para vizinhos. E assim as ruas p rim itiva m e n te típ i­ dústria de roupas feitas em Juiz de Fora e em São Paulo a
cas ou originais de traços brasileiros, com pretas vendendo participação na indústria tê x til se podem apresentar como
f
em tabuleiros, por exem plo, vão-se transform ando, to m a n ­ exemplos. N o in terio r ain d a se encontra a tradição dos mas­
do nôvo colorido, que é predom inantem ente racial ou é tn i­ cates, espalhados pelos sertões, ou percorrendo as margens
co: sírio ou tu rc o . dos rios da região am azônica com o "re g a tã o ". M u ito s se
Os m ostruários de bugigangas nas vitrin a s, as camisas dedicam à lavoura e à criação, o que se ve rifica , par t icular-
dependuradas, os sabonetes suspensos por cordões, bolsas mente, em M in a s Gerais, sertão baiano, Goiás, M ato Grosso.
h
130 131
f
Os sírios e libaneses no Brasil caracterizam -se pela
Os judeus vindos para o Brasil eram os chamados Se-
reunião em associações culturais, recreativas, religiosas, a r­
fa rd in s, isto é, da própria Península Ibérica: de Espanha e
tísticas e comerciais. Jornais árabes, sírios ou libaneses par­
Portugal. Com êles se desenvolve a m igração judaica para
ticularm ente encontram-se tam bém em várias cidades bra­
o Brasil, nos séculos que precedem a Independência. T orna­
sileiras, sendo de notar-se que, em 1937, se fundou no Rio
ram-se de e xtra o rd in á ria im portância p a ra a h istó ria do
de Janeiro a Associação de Imprensa Libanesa.
C Brasil colonial. Com a atuação do T rib u n a l do Santo O fício,
Um aspecto a salien tar no grupo sírio-libanês é a sua na Bahia em 1591-93, e em Pernambuco em 1593-95, e
capacidade de adaptação, de aceitação dos elementos c u l­ novamente na Bahia em 1618, os judeus que, a princípio,
turais nativos. Da capacidade de adaptação do libanês, em se concentravam nessas duas capitanias, dispersaram-se por
particular, Tanus Jorge Bastiani, em seu interessante livro todo o B rasil. P rincipalm ente para o S ul.
| "M em órias de um M ascate", nos conta um episódio que Os judeus convertidos eram chamados cristãos-novos.
I merece ser referido. É o caso de um libanês K a lil, que, ju l- * Cristão-velho era denom inação dado aos não-judeus. So­
/ gado m orto por seu com panheiro M igue l, fo i por êste en- v/ m ente no século X V III, com Pombal, esta distinção fo i abo­
I contrado doze anos depois fe ito cacique de um a trib o am a- lid a . Todavia, persistiu o nome de cristão-nôvo para os
/ zônica. Integralm ente indígena, ou seja, transculturado convertidos, se bem que não o fic ia lm e n te .
com o grupo indígena que o acolheu quando de um nau-
\ frágio, o libanês K alil não esquecia, porém, os pratos nacio- M odernam ente o grande contingente de judeus entra­
j na is; e entre êles o "lá h m e -m ix u e ". dos no Brasil é do grupo A shkenazim , vindos prlncipalm en-
te da A lem anha, Polônia, Rússia. Sua chegada ao Brasil ge­
/ N o mais se havia integrado na vida trib a l, e aos indí- ralm ente se fa z em grupos, e se vão disseminando, sobretu­
/ genas ensinara o manejo de armas de fogo, a fabricação de
do em áreas onde já se encontram outros patrícios. Dedi­
j artigos de couro, o preparo de produtos de borracha. Casa-
cam-se às atividades de com ércio; m antêm sua unidade cul­
l do com a filh a do cacique, com a morte dêste passou a
tu ra l trad uzid a, em p a rtic u la r, pela religião.
\ exercer o comando da trib o . C hefiando um grupo indíge-
\ na fo i que M igue l encontrou seu patrício K a lil nas selvas N o Brasil, de par com sua religião e sua língua, o
^am azônicas. "v id d is h ", um a espécie de ja rgã o hebreu-alemão, os judeus
m antêm suas festas cíclicas, entre elas a Páscoa e o lon
O judeu está em contato com o Brasil não apenas des­ K ip u r, esta ú ltim a sua grande solenidade anual. V á ria s si­
de o comêço da colonização, mas desde a própria descober­ nagogas funcio nam no B rasil. M antêm tam bém associa­
ta; na armada de Cabral já aparecem alguns judeus, e a
ções beneficentes e religiosas. N o com ércio dedicam-se
p a rtir de então não cessarem de chegGr ao Brasil. Com ju ­
em p a rtic u la r aos ramos de jóias, móveis, fazendas, etc.
deus, ou seja, o judeu Fernando de N oronha, p rim eiro a r­
São igualm ente proprietários de im óveis.
rendatário da terra do Brasil, fizeram -se os contratos in i­
ciais de exploração do pau-brasil; judeus igualm ente va­ Da contribuição ju d a ica no Brasil vale destacar qqye-
mos encontrar ligados às atividades da economia açuca- la já citada p o r Solidônio Leite: o preparo do ferro lam ina­
re ira . do, a chamada "fôlha -d e-fla ndres'% Descoberta de um ju ­
deu brasileiro das M in a s Gerais, prêso pela Inquisição, a
Sua grande atividade, porém , era, e é, o com ércio. \ técnica do preparo fo i tra n s m itid a por aquêle a um com pa­
Pode-se dizer que está em suas mãos o com ércio in terna cio­ n h e iro de cela, em Lisboa; êste, quando libertado, a levou
nal, talvez mesmo como uma conseqüência de sua disper- : para Bruges, de onde se expandiu.
são, o que os te ria levado a uma profissão menos sedentá­
ria. N o entanto, não é rara a particip ação israelita em
numerosas outras atividades: de adm inistração, de p ro fis ­
sões liberais, de magistério.
£
132
III
neiro, com o ainda na Bahia e em outras cidades. Para as
atividades com erciais, muitos espanhóis im igrantes vinham
diretam ente. Assim nas cidades aparecem como com ercian­
tes, atividades de pequeno com ércio, motoristas, garçons,
etc. N a Bahia os espanhóis têm papel im portante na vida
com ercial e social, m antendo inclusive hospital de benefi­
cência no Salvador. ✓
N o Rio Grande do Sul a in flu ê n cia espanhola se tem
estendido à língua falada; o castelhano infiltrou-se no fa la r
português da região, enriquecendo-o de têrmos novos, de
origem hispânica, sobretudo àqueles ligados às atividades e
à vida das campanhas. O gaúcho, com o tipo social, ig u a l­
mente é um produto onde a particip ação espanhola é gran­
OUTROS GRUPOS ALIENÍGENAS de. A liá s , a form ação dêste elem ento cu ltu ra l — o gaúcho
— fo i um a resultante das condições propícias do meio, onde
se m isturavam , nas vastas cam panhas platinas, vários
grupos étnicos; e entre êstes predom inou o de origem es­
A o lodo de alemães, italianos e japonêses, como ta m ­ panhola, sôlto na liberdade das cam pinas e através destas
bém de turco-árabes, poloneses e judeus, ainda se podem espalhando seu v iv e r.
registrar outros grupos como participando do processo de
A través do tip o de gaúcho se incorporaram à paisagem
form ação brasileira. _§e entre aquêles se encontram os m ais
brasileira novos valores culturais, traduzidos principalm en­
destacados, outros igualm ente têm tra zid o sua marca; a l­
te nas atitudes cavalheirescas e no espírito bravio, nos usos
guns, inclusive, de m aneira expressiva: o francês, por exem ­
ligados à atividade da cam panha, nos costumes peculiares
plo. Outros, de in flu ê n cia ainda recente, mas igualm ente
expressiva: o norte-am ericano, por exemplo. à região, entre êles o papel essencial que cabe ao cavalo,
no vestuário — o "so m b re ro " de fê ltro , com abas largas e
M esm o aquêles que tiveram algum a atuação no perío­ barbicacho passando pelo queixo, o lenço no pescoço, a bom-
do colonial — e a êles já nos referim os — igualm ente no bacha de pano riscado ou de quadrados, ampla, abotoada à
processo de im igração aparecem com contribuições por vê- a ltura dos tornozelos, o ch irip á , as botas russilhonas de
zes expressivas na vida brasileira. Do espanhol, por exem ­ couro, o "p o n c h o " — , na alim entação baseada no ch u r­
plo, pode-se dizer que continuam os a receber influências rasco e i no chim arrão, na incorporação ao português de
no século X IX e, ainda hoje, através de sua presença con­ têrmos castelhanos, em especial os referentes à cam pa­
tínua e constante nas correntes im ig ra tó ria s. nha e à atividade pastoril, in tim a m e n te ligados à cultura
do gaúcho.
Desde a abertura dos portos a entrada de elementos
espanhóis no Brasil tem sido grande, p rin cipalm e nte na se­ Fora do extrem o Sul é pequena a participação do es­
gunda metade do século passado. Encaminhavam-se geral­ panhol na vida brasileira; um ou o u tro traço c u ltu ra l se lhe
mente para São Paulo, em cujas fazendas de café entravam pode a trib u irJ E alguns que se poderíam dar como de o ri­
como lavradores, ao lado de italianos. A lém dos trabalhos gem espanhola fo ra m , sem dúvida, introduzidos pelo por­
na lavoura de café, dedicaram -se tam bém à criação de gado tuguês. São alguns dêsses traços os que encontramos em
e à plantação de bananas. Uma característica a assinalar m anifestações fo lclóricas como o fandango, dança dram á­
no espanhol é que, reunidos os prim eiros recursos fin a n ce i­ tica no Nordeste, ou as cavalhadas, conhecidas em diferen­
ros jDOSSÍveis, procura dedicar-se ao comércio. Daí a sua tes partes do Brasil desde o período colonial; também o uso
grande presença no com ércio de São Paulo ou do Rio de Ja­ do pandeiro e de castanholas.

134
do a de C astrolândia e mais recentem ente a experiência'co-
Igualm ente o francês, por todo o Império, continüou
lonizadora de Não-m e-Toque, no Rio G rande do Sul. Desta­
a estar presente no Brasil, já agora através de fo rte in flu ê n ­
ca-se, sobretudo, a experiência de H olam bra em São Paulo,
cia intelectual. Se do ponto de vista im ig ra tó rio , form ando
in icia d a na a n tig a fazenda Ribeirão (m unicípio de M o ji-
núcleos, sua im portância é pequena, ou quase nula, no cam ­
-M irim ). , ,;
po das idéias sua particip ação foi bem s ig n ific a tiv a . Da
França nos chegou a orientação da le itu ra de obras lite ­ Os colonos, a p a r tir de 1948, estabeleceram-se em 5 025
rárias e científicas; também nos mandou idéias de liberda­ hectares, desenvolvendo atividades de a g ric u ltu ra — trig o ,
de e igualdade entre os homens. arro z, café, batata-doce, cana-de-açúcar, fru ta s — e de
cria çã o — gado holandês, porcos, aves. Cada colono teve
No capítulo da vida social a moda fem inin a aparece
um lote de 15 hectares. A área tota l hoje cu ltiva d a é supe­
fortem ente influenciada pelo gôsto francês: modistas, cabe­
rio r a 1 700 hectares, e oferece um rendim ento excelente
leireiros franceses, instalados em várias cidades do Brasil;
em face da introdução de técnicas m odernas, p rincipalm e n­
hábitos e costumes de vida em sociedade, entre êles a con­
te com o uso de adubos e fe rtiliz a n te s .^
versação em francês nos salões o ficia is da alta-roda; os
banquetes com cu lin á ria de origem e de nomes franceses; Im igrantes holandeses, alguns transferidos de H olam ­
as danças francesas — a quadrilha, m arcada com palavras bra, outros chegados diretam ente, são responsáveis por ou­
em francês ("b a la n c é ", "changez de dam es", etc.), ou o tra experiência: a de Não-me-Toque, no Rio Grande do Sul.
"pas-de-quatre". Esta tem tid o constante aum ento no núm ero de colonos, ex­
pandindo suas atividades ta n to de a g ric u ltu ra como de c ria ­
Ainda de proveniência francesa, tra zid a através de ção. Os lotes variam em tam anho, havendo de 10 hectares
irm ãs religiosas para seus colégios e internatos de meninas, os m ínimos e de pouco mais de 60 os máximos. Tem sido
jogos ou brinquedos de crianças, como o "m arré-m arré-de- usada m aquinaria m oderna, que increm entou os níveis de
- c i" , e o "n a porta da v io la ", originada da ronda francesa rendim ento da produção.
"S u r le p o in t d 'A v ig n o n "; tam bém as artes m anuais. No
cam po da cultura intelectual, a in flu ê n cia m aior fo i, sem Os holandeses têm sido uns difundidores de métodos
dúvida, a do romantismo, através de autores franceses e racionais de c u ltu ra agrária, através de adubação, fe r tili­
livros franceses que tanto encheram o mercado de idéias. zação e aplicação de rotação de cu ltu ra s; e isto ta n to em
Note-se tam bém a penetração cu ltu ra l francesa através de São Pauio como no Rio Grande do Sul. Suas colônias são
estudantes brasileiros em Universidades da França, como modelos neste sentido: o de aplicação de técnicas modernas
a de M ontpellier, onde iam estudar, já desde os tempos co­ pa ra recuperação de terras, não raro de terras esgotadas.
loniais, numerosos filh o s de brasileiros, „ D aí a influência c u ltu ra l que têm exercido, co n trib u in d o
p a ra que sua experiência possa servir de exem plo para os
Q uanto ao holandês, duran te o Im pério sua entrada fo i
lavradores brasileiros.
pequeníssima. Nos censos de 1920 e de 1940 o grupo holan­
dês não teve destaque especial por tão ín fim o o respectivo Do jn g lês há pouco que dizer. Êste fo i elem ento que
contingente, incluindo-se no to ta l de outros grupos. Os ele­ não se m isturou. A o contrário: isolou-se. No Brasil consti­
mentos imigrados encontram -se em núcleos agrícolas do tu iu um grupo étnico que fu g iu do c o n ta to com os demais
Paraná e de Santa C atarina, em m istura com colonos ale­ grupos. Os contatos registrados são de natureza histórica;
mães, poloneses e de outras nacionalidades, e ainda em os dos prim eiros tem pos de disputa da te rra na área am a­
São Paulo e no Rio Grande do Sul. zônica.
Ültim am ente, porém, a im igração holandesa tem tra ­ Como im ig ra n te é escassa sua presença. A q u i entra­
zid o melhores contingentes humanos, pa ra uma obra de co- ram os inglêses p rin cip a lm e n te como industriais, ou como
lonizaçãòbque se vem revelando m agnificam ente v ito rio s a . chefes ou gerentes de emprêsas, e conseqüentem ente tra ­
é o caso das colônias em S. Paulo, das do Paraná, sobretu- zendo o capita l fin a n ce iro da Ingla terra na fase da expan-

137
m '
são econôm ica do Brasil im perial: estradas de fe rro , bancos, ou m arcante, a não ser, em parte, no tip o de construção: o
casas com erciais, emprêsas técnicas, etc. D urante o Impé­ chalé geralm ente cham ado chalé suíço. •••• - :
rio a in flu ê n cia inglêsa correu ao la do da francesa, porém Encontramos sinàis dè présénçá dos belgas no Sul, mas,
mais re strita ao cam po p o lítico : na p rá tic a do parlam enta­ com o assinalamos, diluídos ou participantes entre outros
rismo, por exemplo, m oldado às linhas britânicas. Também grupos m ais numerosos ou m ais influentes. Os austríacos
à moda m asculina, sobretudo ná fase de transição para a tam bém não deixaram nenhum traço c u ltu ra l de m aior re-
época da industrialização — quando m aior foi a freqüên- lêvo; suas prim eiras entradas no Brasil datam de 1868, sen­
cia de inglêses no Brasil — com o uso da roupa branca de d o esporádica, se não nula, a im ig ra ção antes dêsse perío­
brim , que pouco a pouco fo i substituindo o pesado "cro isé ", do. A p a r tir de então ô ingresso dô austríacos continuou
de origem fra n ce sa .^ in in te rru p to , embora, com visíveis oscilações, -
Dêstes elementos, em bora de a lto nível, há alguns tra ­ Dós' russos. sabemos qüe e n tra ra m a pa rtir de 1871,
ços de in fluência a registrar; ainda não faz m u ito tempo apresentando-se algum a concentração em Saritã C atarina,
G ilberto Freyre os relem brou em livro que mostra às claras onde se dedicam â a g ric u ltu ra , embora em expressão numé­
os diversos aspectos da participação inglêsa no Brasil. Essa rica in sign ificante. O utros grupos que se podem lembrar
in flu ê n c ia se fêz sentir em p a rtic u la r no desenvolvimento ainda são os húngaros, os romenos e os búlgaros, cujas en­
in dustrial, da técnica de produção, de transportes, da me­ tradas in ic ia is datam de 1908. Finlandeses tam bém apare­
canização, em suma: moendas de engenho, estradas de fe r­
cem a p a rtir de 1919.
ro, bondes, cabo subm arino, barcos a vapor, quase tudo
obra de inglês. O utros traços de inglês: o uso do boné, do Do norte-am ericano a in flu ê n cia é recente; está pre­
guarda-pó em viagem de tre m , do v id ro em substituição às sente neste m om ento histórico da evolução brasileira. E
gelosias coloniais, das varandas de fe rro em lu g a r das de esta in flu ê n cia , se bem que esporádica antériorm ehte, sè
m adeira, etc. A in d a na inclusão no vocabulário brasileiro tornou expressiva com a Segunda Grande Guerra. O ü mdis
de numerosas palavras inglêsas que passaram ao fa la r co­ exatam ente: depois de 1930, parà acentuar-se com o perío­
mum: iate, breque, m acadame, grum ete, warrantagem , lói- do de guerra, depois de 1940 portanto, é interessante ãssi-
de, bonde, destróier, etc. n a la r o que caracteriza está co n trib u içã o norte-americana,
M as a grande in flu ê n cia inglêsa, a qu i chegada através se considerarmos a experiência da década de 880, còm a
de técnicos que tra b a lh a ra m em fábricas ou casas inglêsas, vin da de confederados norte-am ericanos para o Brasil.
fo i no desporto; na introdução do fu te b o l, que se tornou
N aquele instante sê v e rific o u um contato d ire to da
m ania brasileira, e ainda na introdução de outros despor­
c u ltu ra norte-am ericana, de que eram portadores os confe­
tos. In flu ê n cia não somente na técnica de realização do
derados fugid os para o Brasil, com a população brasileira;
jôgo, mas igualm ente na participação de numerosas expres­
a rigor, entretanto, nada fico u entre nós dêste contato. Se
sões inglêsas no português fa la d o no B rasil: " te a m " , "b a c k ",
hQ excluirm os a fundação da h o je cidade de Am ericana, muni-
" h a lf " , " g o a l" , "c o n te r", "p e n a lty ", "w o te r-p o lo ", "base-
^ cíp io de São Paulo, e o estabelecim ento de colégios, de que
- b a ll', " te n is " , m uitas delas hoje intêira m e ntè abrâsilei-
radas. . é expressão o ainda hoje existente M ackenzie, nada mais
restou da presença norte-am ericana no Brasil dos finS do
Do belga, ou do suíço, ou do sueco, ou de irlandeses,
século X IX .
cujos grupos fig u ra m entre nossos im igrantes, a influência
cu ltu ra l tem sido nula. Não há a destacar um tra ç o carac­ Pouco depois iria verificar-se, entretanto, um a in fluên­
terístico de modo que a presença dêsses grupos se d ilu i na cia mcris. fo rte , esta de natureza p o lític o . A C onstituição
massa geral de outros estrangeiros. N e m meSmo do suíço RepubUcana do Brasil de 1891 se baseou fundam ental­
que c o n stitu i o núcleo fundador da Colônia de Nova Fri- m ente na experiência norte-am ericana; nossa República se
fju rg o pode-se dizer que deixou um tra ç o mais expressivo organizou nos moldes da República da Am érica do Norte;

138 139
inclusive transportando para o Brasil a denom inação de substituição ao guaraná ou aos refrescos de frutas brasi­
"Estados U nidos", que nada ju s tific a v a se fizesse, dada a leiras.
diferença do que se v e rific a ra na organização republica­
na das unidades políticas do Brasil em relação ao que se N ão se esqueça, igualm ente, que um dos principais
verificara na Am érica do N o rte . A p a rtir desta experiên­ instrum entos desta difusão c u ltu ra l se tornou o cinem a: o
cia, a rigor nenhuma o u tra se poderia encontrar com o re­ cirtèma am ericano. Sua larga expansão no Brasil, pene­
flexo da influência c u ltu ra l norte-am ericana. trando hoje em cidades as mais distantes, se tornou um
elemento de divulgação de aspectos cu ltu ra is norte-am eri­
O que, porém, iria encontrar-se justam ente em nossos canos, que quase insensivelmente se incorporaram ao qua­
dias, com o período pré e pós-guerra de 1939. De fa to , nas dro brasileiro. Que se torn ara m aceitos pelas populações
vésperas da Guerra — ou mais exatam ente nas imediações brasileiras; e passaram, por isso mesmo, a ser usados e
de 1930, com pequenos ou isolados exemplos anteriores — adotados, já não mais tendo em conta sua origem , mas
começamos a receber in flu ê n cia norte-am ericana em vários simplesmente com o coisas brasileiras.
aspectos de vida brasileira. Prim eiro, ao que parece, na ar­
quite tura; o arranha-céu brasileiro é, sem dúvida, in flu ê n ­
cia norte-am ericana. É um dos traços que m arcam , entre
vários outros, a m udança de pólos de in fluência no Brasil:
da Europa, a França sobretudo, transferindo-se para a A m é­
rica do N orte, ou seja, os Estados Unidos.
O tipo de construção ve rtica l, que representou para o
norte-am ericano o aproveitam ento de espaço, desenvolveu-
-se no Brasil justam ente tendo aquêle m odêlo; inicia-se no
Rio e em São Paulo, e logo depois passa a fig u ra r em outras
cidades, num a evidente transform ação da paisagem c u ltu ­
ral. Mesmo as prim eiras transform ações urbanas que vamos
encontrar em São Paulo e no Rio nos começos do século
atual — e na então C a p ita l da República, entre 1925 e 30
— não haviam ainda incorporado êste traço c u ltu ra l n o rte-
-americano, que só depois passou a ser im itado. Im itação,
na realidade, foi o que se ve rifico u , pois não se dera o con­
tato direto, ta l como sucedia com as influências alemãs, ou
italianas, ou japonêsas; nem mesmo se observara com a pre­
sença dos confederados norte-americanos no século X IX .
Com a Guerra intensificam -se estas relações c u ltu ­
rais, acentuando-se a aceitação, na paisagem brasileira, de
outros traços de origem norte-am ericana. N ã o apenas há­
bitos sociais, certas m aneiras de tra ja r, a divulgação de pa­
lavras inglêsas dos Estados Unidos para in d ica r certos cos­
tumes, mas igualm ente dois aspectos que merecem especial
referência: um, a expansão das histórias de quadrinhos,
com personagens ou narrativas tipicam e nte am ericanos, ou
de criação am ericana; outro, a difusão da Coca-Cola, em

140 .141
cie n tífico , sôbre o problem a da assimilação deve-se a Emí­
lio W ille m s: "A ssim ila ção e Populações M arginais no Bra­
s il" . Estudo sociológico dos im igrantes germânicos e seus
descendentes. Com êste ensaio, verdadeiram ente pioneiro
na colocação do problem a e no levantam ento da questtâo
das relações de c u ltu ra dos grupos alienígenas entre nós,
abria-se a série de estudos de natureza científica que se
iria seguir.
O utro aspecto merece sa lie n ta r quanto ao aparecimen­
to dêste livro : proporcionou ensejo para o estudo e fixação
de conceitos, em relação à idéia das expressões assimilação,
aculturação, m udança c u ltu ra l, etc. Procurou o professor
W ille m s não apenas descrever os fatos e dêles tira r os ele­
ESTUDOS SÔBRE OS GRUPOS IMIGRADOS mentos conceituais necessários; fa i mais além procurando
justam ente dar conteúdo àquelas expressões, ainda novas
entre nós, como, de certç modo, ainda novas nos próprios
Só de certo tem po o esta data se tê m desenvolvido os meios cie ntíficos norte-am ericanos.
estudos sôbre os grupos estrangeiros no Brasil e, em p a r­ Neste seu ensejo W ille m s escrevia, por exemplo: "A s ­
tic u la r, sôbre as relações de cultura verificad as entre êles sim ilação e aculturação são aspectos diversos de um pro­
e as populações brasileiras de base portuguêsa. Pode assi­ cesso único. Com relação à esfera social falamos em assi­
nalar-se a década 1931-40 como o período em que com e­ m ilação, enquanto que as m udanças verificadas na esfera
çaram tais estudos a preocupar nossos sociólogos, nossos c u ltu ra l levam o nome aculturação. É in ú til acrescentarmos
etnólogos, nossos antropólogos; isto não exclui o fa to de, que não pode haver assim ilação sem haver ao mesmo tem ­
anteriorm ente, se assinalarem influências dêsse ou daquele po, aculturação ou vice -versa." Dentro dêste esquema con­
grupo, a existência ou nâo de assim ilação dos grupos para ce itu a i desenvolveu o professor W ille m s sua ordfem de
aqui imigrados. idéias para situ a r p a rtic u la fm e n te os problemas de assi­
De certo modo havia razão de ser nessa ausência, a n ­ m ilação.
te rio r à década refe rida, de estudos sôbre assimilação ou de Só m ais tarde, em 1946, iria encarar os problemas de
aculturação — que, seguindo a lição de Fernando O rtiz , transculturação. É quando p u b lica outro m onum ental es­
preferim os cham ar transculturação — de im igrantes. Justa­ tudo, ainda não igualado q u e r em relação aos próprios
mente naquela época é que se desenvolvem, nos centros grupos germ ânicos, quer em relação a outros grupos: " A
científicos mais adiantados, os estudos sôbre os processos A cu ltu ra çã o dos Alem ães no B ra sil". Estudo antropológico
de aculturação e de assimilação. Data de 1935 o "M e m o - dos im igrantes alemães e seus descendentes no Brasil.
randum fo r the Study o f A c c u ltu ra tio n ", de Robert Redfield, Com o o próprio títu lo deixa entrever agora os im igrantes
Ralph Linton e Herskovits, publicado in icia lm e n te em "A m e ­ de origem alem ã são estudados sob © aspecto das questões
rican Journal o f Sociology", vol. 3, novembro, e posterior­ tran sculturativas.
mente em "A m e ric a n A n th ro p o lo g y", vo l. X X X V III, 1936.
A quela procura de conceituação, a que pouco antes
Em 1938 publica Herskovits seu livro hoje clássico sôbre o
nos referim os, deu ensejo a um a troca de artigos, verdadei­
assunto: "A c c u ltu ra tio n ". ram ente ú til para os que q u e iram compreender bem os
Entre nós, a p a r de pequenos estudos, quase artigos, problem as científicos ligados à term inologia das relações
em jornais e revistas da época, o p rim e iro ensaio sério, de cultura. O professor D onald Pierson comentou o livro

142 143
do professor W íllem s em a rtig o , no qual fa zia algum as res­ "te s t-b o o k " para os estudos das populações e stra ngeira i no
trições à conceituação defendida pelo autor ("R evista do Brasil; é a "In tro d u ç ã o à A n tro p o lo g ia B ra sile ira ", de A r -
A rquivo M u n ic ip a l", São Paulo, vol. L X X V II, ju n h o -ju lh o th u r Ramos. Dêle se publicou recentem ente um a segunda
de 1941); em artigo, nesta mesma revista, vol. L X X IX , ou­ edição, em três volumes. O p rim e iro volum e, divulgado em
tubro de 1941, o professor W ille m s respondeu, defendendo 1943, tra to u dos grupos indígenas e negros; o segundo, p u ­
os conceitos por êle em itidos e mostrando o conteúdo das blicado em 1947, focalizou, na p rim e ira parte, os grupos
idéias nêle expostas. europeus ou europeizados e, na segunda parte, os contatos
Êste ligeiro esbôço dos prim eiros aspectos ligados aos raciais e c u ltu ra is . É êste segundo volum e que interessa
estudos das relações de c u ltu ra entre nós m ostra bem a p a rticu la rm e n te aos estudiosos de relações de cultura.
im portância de que se revestiram , e de que se vêm revestin­ A r th u r Ramos, o jovem sábio tão prem aturam ente rou­
do. Na realidade, desenvolveram-se em condições perfei- bado às ciências sociais, estudou os grupos português, espa­
tam ente s a tisfa tó ria s. E, m u ito embora, dentro de um rigo- nhol, francês, anglo-saxão, italian o, alem ão, holandês, es­
rismo exigente, não se possa apresentar uma longa b ib lio ­ lavo, judeu, japonês e outros (ciganos, sírios, libaneses, nor­
g ra fia , vale, todavia, considerar que esta é expressiva e va ­ te-am ericanos), e, na segunda parte, os seguintes tem as
liosa; expressiva e valiosa p rin cip a lm e n te se considerarmos relacionados gos contGtos culturais: os contatos e o proble­
que são apenas decorridos q u in ze anos ou um pouco m ais m a geral da transculturação, assim ilação e tra n scu ltu ra ­
do início de tais estudos, sob cará te r verdadeiram ente cien­ ção dos grupos europeus e esbôço de um a antropologia his­
tífic o , en tre nós. tó rica e regional do Brasil. É de ver, p o r esta síntese, a con­
Por outro lado, deve levar-se em conta ainda que as siderável im portância desta obra.
características com que se vêm processando, no Brasil, as "In tro d u ç ã o à A n tro p o lo g ia B ra sile ira " representa hoje
relações de cultura entre os diversos grupos populacionais um livro de que o estudioso não prescinde. Com êste se­
dão feição peculiar aos estudos de assim ilação e transcul­ gundo volum e pode penetrar no conhecim ento das c u ltu ­
turação . ras européias e europeizadas, introduzidas no Brasil; e
O processo dessas relações apresenta entre nós condi­ com esta chave adm irável que é o livro de Ramos conhecer,
ções novas. Não é, nem poderio ser, u n ila te ra l. A o contrá­ com preender e in te rp re ta r os problem as das relações de
rio: tem sido b ilateral, e, às vêzes, chega mesmo a ser po- c u ltu ra entre nós. O livro de A rth u r Ramos não é a revela­
lila te ra l. Não se v e rific a o dom ínio absoluto de um grupo ção — assinale-se — mas a chave para êste m ister.
ou de um a população sôbre o u tro grupo ou sôbre outra po­ V a le registrar, como valiosos, diversos trabalhos p u ­
pulação, de uma c u ltu ra sôbre outra; antes constata-se a blicados em revistas, algum as de natureza especializada.
participação de dois grupos, a perm uta de elementos c u ltu ­ N a "R evista do A rq u iv o M u n ic ip a l', de São Paulo, tem sido
rais entre duas populações e às vêzes entre m ais de duas
divulgada uma série bem interessante de pesquisas e estu­
populações. No vale do Ita ja í, por exemplo, sentim os que
dos sôbre aspectos cu ltu ra is de grupos estrangeiros, além
o encontro cultural a li se fêz en tre valores cu ltu ra is nativos, de numerosos outros estudos, que, em bora não fe rin d o d i­
isto é, caracteristicam ente brasileiros, e valores cu ltu ra is retam ente o problem a, oferecem valiosa contribuição para
alemães e italianos. O colorido mais fo rte dos traços ger­
sua aná lise. Em outras revistas especializadas — de f o l­
mânicos não quer d ize r tenha havido um dom ínio absoluto
clore, de econom ia, de sociologia — igualm ente se vêm
dessa c u ltu ra sôbre as demais; dentro daqueles traços a*te-
p u b licando interessantes a rtigos sôbre aspectos cu ltu ra is de
riorm ente germânicos, puros e exclusivos, vivem e se m ovi­
grupos alienígenas.
mentam e se desenvolvem traços peculiarm ente brasileiros,
e ao lado dêles traços n itidam ente ita lia n o s. Se é verdade que o fa to só tem v a lo r c ie n tífic o quando
reduzido a núm ero, ta l com o pensava Lorde K elvin em
A década 1941-50 assinala o aparecim ento do liv ro
referência de Roquette Pinto, pode assinalar-se a década de
que se tornou fundam ental e hoje básico, uma espécie de

144
41 a 50 como a do surgim ento de estudos que, através dos calizando as tendências endogâm icas e exogômicas e apre-
números, vieram revelar aspectos das relações cu ltu ra is de sentqndo os diferentes índices oferecidos pelos vários gru­
diversos grupos estrangeiros entre nós. Queremos re fe rir os pos para a assim ilação na população brasileira.
estudos oriundos do censo nacional de 1940, publicados sob
a orientação do professor G iorgio M o rta ra , chefe do Labo­ Se à estatística se deve tão valiosa contribuição para
ratório de Estatística do In stitu to Brasileiro de G eografia o desenvolvim ento e aperfeiçoam ento dos estudos etnológi­
e Estatística. Na série "A n á lise s de Resultados do Censo cos entre nós, no que d iz respeito aos grupos alienígenas,
D em ográfico" numerosos estudos sócio-estatísticos dizem tam bém à geografia devem êstes estudos apreciável cola­
respeito aos grupos alemão, italiano, polonês e japonês. boração. Os nossos geógrafos se tê m voltado, com expressi­
Através dos números recolhidos pelo censo dem ográfico va acuidade, aliás, para os problem as de uso e de ocupa­
analisaram-se o núm ero de nacionais alienígenas, a d is tri­ ção da terra, em suas peculiaridades culturais, e não no
buição te rrito ria l, a perm anência da língua nativa m antida cam po estritam ente do dom ínio físico; daí um a serie de in­
no lar, a composição dessas populações segundo sexo e id a ­ teressantes artigos que se têm divulgado principalm ente no
de, a época de im igração e grau de assim ilação lingüística, "R evista Brasileira de G e o g ra fia ", no "B o letim G eográfi­
enfim vários aspectos de interêsse pa ra os estudos tran scul- c o " e no "B o le tim P aulista de G e o g ra fia ".
turativos evidenciados pelos resultados censitários. Iguais Assinale-se, em p rim e iro lu g a r, que se deve ao Con­
estudos fora m feitos tam bém em relação ao censo de 1950. selho N acional de G eografia, sob cu ja égide se publicam
P articularm ente em relação à perm anência do uso da as duas prim eiras revistas citadas, a publicação, em por­
língua m aterna, tra zid a pelos im igrantes, os estudos o riu n ­ tuguês, do estudo de Ernst W agem ann sôbre os alemães
dos do censo de 1940 fo ra m reunidos em volum e ("E stu ­ do Espírito Santo: " A Colonização A le m ã no Espírito Santo",
dos Sôbre as Línguas Estrangeiras e Aborígines Faladas no em tradução de Reginaldo Sant'A na. Também se deve a
B rasil". Estatística C u ltu ra l n.° 2, In s titu to Brasileiro de êste outra tradução, não menos valiosa, porque prosse­
G eografia e Estatística. Conselho N acional de Estatística, guim ento das pesquisas e estudos de W agemann: "U m a
Rio de Janeiro, 1950), em que se reúnem observações sôbre Viagem de Estudos ao Espírito S a n to ", que é um a pesquisa
o processo do que se denom inou "assim ilação lin g ü ís tic a ", dem obiológica com o fim de c o n trib u ir para o estudo do
bem assim sôbre êste processo em relação à m anutenção da problem a da aclim ação em populações de origem alemã,
língua alem ã, da ita lia n a , da espanhola, da japonêsa, etc., devida a Gustav Giemsa e Ernst G . Nauck, igualmente
em relação aos respectivos grupos im igrados e seus descen­ publicada no "B o le tim G e o g rá fico ".
dentes. Em segundo lugar, registre-se a atividade de campo
Foi sem dúvida contribu ição das m ais expressivas essa de vários geógrafos do Conselho, quase todos através de
que o In stitu to Brasileiro de Geografia e Estatística propor­ estudos e pesquisas sob a orientação do e xtin to professor
cionou, com os resultados do censo dem ográfico de 1940 e Leo W a ib e l. Do ponto de vista da contribuição da Geogra­
através dos estudos orientados pelo professor G iorgio M o r­ fia aos estudos etnológicos de relações de c u ltu ra cumpre
tara, aos estudiosos dos problemas de relações de c u ltu ra assinalar o ensaio "P rin cíp io s da Colonização Européia ho
entre nós. A inda ao professor M o rta ra deve-se valioso es­ Sul do B ra s il", de Leo W a ib e l, e a in d a os de O rlando V o l-
tudo, igualm ente baseado em dados censitários e estatísti­ verde sôbre á região co lo n ia l a n tig a do Rio Grande do Sul,
cos, sôbre o que chamou "assim ilaçã o m a trim o n ia l", isto de N ilo Bernardes sôbre a colonização européia no sul, de
é, aspectos da fusão entre grupos de origens étnicas e na­ Faissol sôbre a colônia alem ã de Uva, de Lisia Cavalcanti
cionais diversas, através dos casamentos realizados. Exam i­ Bernardes sôbre aspectos da im igração no Paraná, de
nou p articularm en te o com portam ento dos grupos p o rtu ­ A rtu r Hehl N e iva sôbre aspectos geográficos da imigração.
guês, italian o, espanhol, alem ão, austríaco, húngaro, russo, Estudos em p a rtic u la r sôbre alguns grupos imigrados
sírio, japonês, anglo-am ericano, hispano-am ericano, etc., fo ­ destacam-se os dois livros já citados do professor W illem s,
146
em relação aos alemães. A in d a do professor W ille m s é o sas de nossa form ação. Q uanto ao espanhol, é evidente que
ensaio sobre os japonêses, o prim eiro de base essencialmente a sem elhança com nossa c u ltu ra básica — a portuguêsa
cie n tífica — sem esquecer, é claro, alguns pequenos a rtigos — dispensa igualm ente estudos m ais aprofundados, m uito
em bora não deixe de ser interessante conhecerem-se tam ­
de revista como o de W ille m s e Baldus sôbre casas e tú m u ­
bém os aspectos de sua in flu ê n cia , de sua presença, do
los de japonêses, por exem plo — já publicado entre nós:
com portam ento de sua c u ltu ra entre nós, das atitudes recí­
"Aspectos da A culturação dos Japonêses no Estado de São
procas nas relações.
P a u lo ".
Dos outros grupos pela diferença de condições c u ltu ­
À b ib lio g ra fia sôbre os japonêses se pode acrescentar
rais, pelos elementos que trouxeram , tornam -se indispen­
a contribuição de H iroshi Saito: " O Japonês no B ra s il".
sáveis êstes estudos, m u ito embora a velha base c u ltu ra l
ê o estudo mais amplo, a té agora conhecido, sôbre a pre­
dos povos europeus m u ito contribu a para atenuar as d ife ­
sença do japonês no Brasil e o respectivo processo de assi­
renças ou os possíveis choques entre os grupos im igrados
m ilação cu ltu ra l. Como sôbre os sírios e libaneses se pode
e as populações brasileiras. M esm o quanto aos japonêses
registrar o livro de C la rk S. Knowlton em que estuda a
não seria d ifíc il encontrarem -se pontos de contato com os
m obilidade social e espacial dêsses grupos. "S írios e L ib a ­
portuguêses que desde o século X V I estão em relações com
neses" é o prim eiro estudo em conjunto da particip ação
o Japão. Desde Femão Mendes P into aos jesuítas e missio­
dessas duas etnias no processo b ra sileiro. O utros estudos
nários, aos portuguêses que andaram por terras do Japão,
podem ser arrolados, mas não publicados em livros, e sim
naquela c e n tú ria e na seguinte, há referências às boas
em revistas ou outros periódicos.
inclinações da gente japonêsa, e, m u ito embora os hábitos
Sôbre diferentes grupos — italianos, poloneses, sírios, diferentes, a trito s e confusões se evitaram graças à habi­
russos — há principalm ente estudos ou artigos de revistas; lidade com que os jesuítas se conduziram interpenetrando
em livros, quase sempre encarando mais êsses grupos do valores cu ltu ra is que fà cilm e n te se assim ilaram reciproca­
ponto de vista histórico, q u e r dizer, de sua chegada, d is tr i­ m ente. Inclusive a mesma técnica usada em relação aos
buição, época, localização, etc. Os problem as cu ltu ra is indígenas no Brasil: a aceitação dos mesmos costumes, das
propriam ente não foram o b je to de estudo m ais a p rofund a­ mesmas m aneiras, usadas pelos japonêses, e a adaptação
do. São estudos, entretanto, que se tornam necessários: os a êles dos costumes, das m aneiras dos portuguêses.
que observem o com portam ento c u ltu ra l dêsses grupos em
suas relações com as populações brasileiras, através do pro­
cesso de tran sculturação.
De certo, talvez, se a fig u re estranho não c ita r a neces­
sidade de estudos sôbre o português e o espanhol, grupos tf
igualm ente ponderáveis n a população brasileira. Só em
São Paulo os portuguêses se representaram por mais de
139 m il pessoas, enquanto os espanhóis se elevavam a
mais de 90 m il, dados ambos do censo de 1950. Em 1954
entraram no País 30 062 portuguêses e 11 3 3 8 espanhóis.
N ão há, todavia, o que estranhar; portuguêsa é a
nossa form ação, portuguêses os valores cu ltu ra is básicos
que se im pregnaram no brasileiro; portuguêses ainda o
lastro, o espírito, o sentido de nossa c u ltu ra . Seria estudar-
-nos a nós mesmos; o que não im plica em esconder a neces­
sidade dêsse estudo, ou seja, das características portuguê-
149
148
para o fracionam ento da propriedade te rrito ria l nas áreas
onde apareceu. Com relação a essa diferença da im igração
sôbre a em igração, pode-se estabelecer o que se chamou
a "q u o ta de perm anência" do im igrante, isto é, quantos,
daqueles que entraram , perm aneceram no Brasil. O pro­
fessor Em ilio W ille m s calcula em 5 0 % ; o professor A rtu r
Hehl Neiva em 6 0 % ; e o professor Giorgio M ortara, em
p a rtic u la r para o grupo italian o, em 6 3 % .
O processo tra n scu ltu ra tivo , quanto à sua m aior ou
m enor reação, não se pode estudar, entretanto, sem con­
siderar certos aspectos gerais, fundam entais para que se
PAISAGEM H U M A N A possa conhecer e com preender os efeitos produzidos. O
E CULTURAL CONTEMPORÂNEA prim e iro dêles evidencia que qualquer grupo alienígena
não pode nem deve ser estudado como um bloco uno; cum­
pre considerar a sua distrib u içã o regional, que é relevante
para conhecim ento do modo de reação cultural. Outro
D iante de um m apa do Brasil as diversidades regio­
aspecto, a liá s já tra ta d o em ca p ítu lo anterior, é a forma
nais, oriundas dos contrastes geográficos, são ainda enri-
de localização dos im igrantes.
queicidas pela variação da paisagem cu ltu ra l. Torna-se
possível, assim, em face das variedades geográficas e cu l­ Dêste m odo o processo tra n scu ltu ra tivo está ligado
turais, ffixar duas regiões bem definidas, uma em que m u ito in tim am en te ao m aior ou menor contato entre os
ainda se m antém viva a predom inância da base c u ltu ra l grupos im igrados e o brasileiro. A situação criada pela
lusitana, outra em que os traços cu ltu ra is não lusitanos —*- form a de localização in flu iu de m aneira diversa para a
os alemães, os italianos, os poloneses, os japonêses — vêm efetivação das relações culturais, seus fatores e seus resul­
dando nova coloração à paisagem ta n to física ou geográ­ tados. Assim , em decorrência de tais aspectos a que se
fica com o social e c u ltu ra l. deve adu zir ainda a própria origem regional do im igrante,
A im igração no Sul co n trib u iu para cara cte riza r essa é que Se pode v e rific a r o que resultou do contato dos im i­
segunda área. Os im igrantes particip aram do desenvolvi­ grantes com o meio e as populações brasileiras.
mento econôm ico da região. O processo da produção ca­
Há sempre no im igrante u m sentimento psicológico
feeira ainda no século passado ligou-se à co n trib u içã o do
que não pode ser esquecido. O que êle individualm ente
elem ento alienígena, sobretudo do italiano e do espanhol,
procura — e, com êle, sua fa m ília — é uma m elhoria
nas fazendas de café de São Paulo. A o im ig ra nte estran­
de sua condição social, um nôvo am biente de bem-estar,
geiro se deve ainda o desenvolvim ento industrial no Rio
que lhe proporcione m elhor situação que a desfrutada no
Grande do Sul, com o regim e de artesanato que fo i a o ri­
país de o rig e m . Daí v ir o im ig ra n te animado do desejo
gem dos estabelecimentos industriais de hoje.
de ser p ro p rie tá rio , de lavrar um a terra própria, ou de
P a rticiparam ainda as correntes im igratórias no de­ tornar-se dono de pequena emprêsa industrial ou comercial.
senvolvim ento dem ográfico, contribuindo para o povoa­
mento da Região Sul. De modo geral no Brasil, no período Quando o contato com a nova terra não lhe propor­
de 1850 a 1950, a im igração particip ou com 3,4 m ilhões ciona logo êsse ideal, ou não lhe dá perspectivas para tanto,
de im igrantes para o aum ento da população b ra sile ira . o im ig ra nte sentê-se com o que frustrado. Tal fato , aliás,
Êste to ta l representa o excedente das imigrações sôbre as se vem ve rifica n d o em correntes im igratórias mais recen­
emigrações. Tam bém co n trib u iu o sistema de colonização tes. Surge então o problem a da inadaptação, que é o aspec­

150 151
to exterior de sua frustração, e em conseqüência o de sim um já am plo quadro de descendência ítalo-bra sileira,
retorno à terra de origem. ou te u to -b ra sile ira , ou mesmo nipo-brasileira ou polono-
A possibilidade de o im ig rcn te tornar-se proprie tário , -b ra s ile ira .
com aquela mesma facilida de verificad a nos prim eiros M o stra o professor G iorgio M o rta ra que os índices de
tempos da im igração no Brasil, tem decrescido, em p r i­ uniões ítalo-brasileiras e de uniões hispano-brasileiras se
meiro lugar, pela existência em menor quantidade de terras evidenciam bastante elevados, o que não sucede, por exem ­
a ocupar na região m eridional, e, em segundo lu gar, porque plo, em relação às uniões teuto-brasileiras, ou austríaco-
o im igrante não tra z mais aquele espírito pioneiro, do -brasileiras, ou nipo-brasileiras, que são relativam ente b a i­
século X IX , capaz de en fre n ta r terras virgens, ainda a xas. N o período de 1934-39, 7 1 ,2 6 % de noivos italianos
desbravar e povoar, em outras áreas do Brasil. casaram-se com brasileiras, e 5 0 ,8 3 % de noivas italian as
Por outro lado o desenvolvim ento in d u stria l do Rio casaram-se com brasileiros; no mesmo período, entre os
de Janeiro e de São Paulo e, em parte, o do Rio Grande noivos alemães, 36,51 % casaram-se com noivas brasileiras,
do Sul vem necessitando de mão-de-obra assalariada, ta m ­ e 2 0 ,8 3 % de noivas alemãs fora m escolhidas por noivos
bém, reclamada pelas lavouras. Mas esta mão-de-obra não brasileiros.
tem um salário compensador, em face da pró p ria situação 'YTomando-se p a rticu la rm e n te um Estado em que é
econômica das indústrias e ainda da concorrência do tr a ­ grande o contingente im ig ra n tis ta — o Rio Grande do
balhador nacional em igrado de outros pontos do País para Sul — observa-se, através de dados estatísticos, que é em
o Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná. A in flu ê n cia da m i­ m aior núm ero o casam ento de estrangeiro com brasileira,
gração interna tem sido bastante grande para atender às
que entre estrangeiros, ou entre brasileiro e estrangeira.
necessidades da mão-de-obra e igual mente pa ra a exis­
Em 1938 houve 5 0 9 casamentos de estrangeiro com bra si­
tência de baixos salários.
leira, 153 de b ra sileiro com estrangeira e 102 de estran­
O im igrante, pois, vai ser operário in dustrial ou então geiro com estrangeira. Em com paração com um ano m ais
trabalhador rural; surge o desgosto, a inadaptação e, em recuado — o de 1910, por exem plo — encontramos, nesse
conseqüência, o desejo de retornar. É certo que a quota de ano, 167 casamentos de brasileiro com estrangeira, 403
retorno é ainda pequena dia n te do núm ero dos que se de estrangeiro com brasileira, e 902 de estrangeiros entre si.
fixam . M as há outro aspecto do problem a que é o de fic a r
no país, mas não se fix a r num a atividade; torna-se o im i- O u tra pa rticu la rid a d e a observar diz respeito aos casa­
grodo, de certo modo, instável no trabalho. Êstes que ficam m entos segundo as nacionalidades. Em 1937 houve 2 3
são geralm ente trabalhadores qualificados, possuidores de casamentos de b ra sileiro com alem ã, 18 de brasileiro com
certos conhecimentos técnicos. Infelizm ente não dispomos ita lia n a , 2 6 de brasileiro com polonesa, 6 de brasileiro com
de estatísticas atualizadas sôbre as profissões dos que ficam russa, a fo ra os realizados entre brasileiros e nacionais de
e dos que retornam para um estudo com parativo mais outros países. De alemão com b ra sileira houve 96 casa­
aprofundado. mentos e de alem ão com alem ã 29; de ita lia n o com brasi­
leira houve 57, e entre italian os 10; de russo com b ra si­
O intercruzam ento étnico dos grupos alienígenas com leira 2 6 ; de polonês com b ra sileira 65. O utros dados a
o elemento brasileiro tem sido m uitas vêzes lim ita d o ou analisar seriam tam bém os de nascimentos registrados
impedido por certos preconceitos, inclusive os de religião conform e a nacionalidade dos pais. N o período de 1938-41
e até os de trabalho; de modo que o desenvolvim ento o m aior número, sempre superior a m il, é de filh o s de pai
dessas populações se tem fe ito quase sempre dentro dos estrangeiro com m ãe brasileira, va ria n d o entre 3 50 e 5 5 0
próprios grupos étnicos. Esta a firm a tiv a não e x c lu i a exis­ os registros de filh o s de pai b ra sile iro e mãe estrangeira.
tência de cruzamentos inter-raciais m odernam ente bem sig­
nificativos entre estrangeiros e brasileiras, form ando as­ É de observar-se, aliás, que m uitos dêsses descenden­
tes têm ascendido a altos cargos político s *— m inistros de
152
153
Estado, governadores, deputados, senadores da República. grupos com os quais sua população tem tid o contato, o
A ascensão social e p o lític a de filh o s ou descendentes de processo das relações de c u ltu ra entre as populações brasi­
im igrantes ou colonos se tem verificado, de modo sensível, leiras e as im igrados terá de colocar-se sob outros aspectos.
principalm e nte nos Estados m eridionais — de São Paulo Em prim e iro lu g a r, nunca se apresenta unilateral. A o con­
ao Rio Grande do Sul. H o je em dia grande parte das posi-i trá rio : tem sido b ila te ra l e, às vêzes, polilateral. Dêle par­
ções políticas, a d m in istra tiva s ou legislativas está ocupada tic ip a m grupos diversos, isto é, não apresenta a influência
por êsses descendentes, p articularm en te de italianos ou única de um g rupo sôbre outro, mas a perm uta de elemen­
sírios e libaneses em São Paulo e de alemães e italian os tos cu ltu ra is e n tre grupos. O que, aliás, tem sucedido desde
nos Estados do Sul; em p a rte acontece o mesmo no Espírito o período co lo n ia l.
Santo e M inas Gerais. Acresce considerar que o período de tempo de im i­
N o Congresso dos M unicípios, realizado em a b ril de gração no B rasil, ao c o n trá rio do que sucede na Europa,
1950, a presença de p refeitos e vereadores m unicipais das é relativa m e nte curto p a ra um balanço mais aprofundado
várias regiões brasileiras p e rm itiu observar-se o contraste das respectivas condições de contato entre os diversos gru­
social e étnico entre os elementos de procedência sulista e pos. N um sentido am plo, não vai a 150 anos, se o in icia r­
os de procedência nordestina ou nortista; aquêles quase mos com a abe rtura dos portos; pràticam ente, porém, de
sempre claros, de olhos azuis, com sotaque nitidam ente 1808 até cêrca de 1870 o m ovim ento im igratório foi peque­
estrangeiro, trazendo no sobrenome a ascendência de a n ti­ no. Somente abolida a escravidão fo i que se intensificou
gos im igrantes ou colonos — Zanchi, V iz io li, M elzer, Ra- a im igração, aum entada um pouco, é certo, nos anos que
vazzi, Pezzolo, P icarelli, Grubba, B rune tti, Z im m e rm ann, precedem o 13 de M aio. Desta m aneira não temos ainda
Gehlen, Froeglich, Krause — , enquanto os outros, conser­ um a vasta tra d iç ã o im ig ra tó ria a considerar. E alguns
vando a procedência lu sitana, ou m elhor, luso-brasileira, grupos mesmo, como os japonêses, têm pouco m ais de
na coloração menos cla ra, ostentavam os sobrenomes le g i­ 50 anos de im igração contínua, e outros, como os sírios e
tim am e nte portuguêses ou já hoje trad icio nalm en te brasi­ libaneses, vão a pouco m ais disto.
leiros — Silva, Ribeiro, A m a ra l, Silveira, Costa, C abral, Problemas políticos tê m surgido em relação aos grupos
A lbuquerque, Castro, Lopes. teuto-brasileiros e nipo-brasileiros; em relação aos outros
A predom inância de sobrenomes de origem germ ânica, não os tem h avido de m a io r im portância, e isto, ao que
ita lia n a ou turco-árabe, nas atividades política s ou sociais parece, em decorrência d a origem comum de uma mesma
dos Estados m eridionais, corresponde à m anutenção dos c u ltu ra ou de um mesmo "e th o s " de portuguêses e italianos
nomes de fa m ília s de procedência luso-brasileira nos Esta­ e, em parte, de poloneses.
dos do Nordeste ou do N o rte . Nessas áreas a colonização Sendo recente a p a rticip ação do polonês na vida
estrangeira não ficou pé, e em conseqüência conservam-se
brasileira, pois data de 1908 sua prim eira entrada, pare­
os tradicionais sobrenomes lusitanos ou já brasileiros; alguns ce cedo ainda pa ra se a fe rire m inteiram ente seus resultados.
dêsses últim os, os brasileiros, originados de movim entos
N ão se pode a firm a r e x is tir inassim ilabilidade do nipônico,
nativista s da prim e ira m etade do século X I X contra os
como tam bém não se deve chegar ao extremo oposto de
lusitanos. T an to quanto a êste aspecto social corresponde
a d m itir fa c ilid a d e nessa assim ilação.
o o utro, o étnico; isto é, o elem ento cla ro ou alourado,
de olhos azuis, dos sulinos, em contraste com os morenos T ais estudos já se podem faze r, entretanto, em rela­
e pardos, alguns negróides, dos da região Nordeste e, em ção ao alem ão ou ao ita lia n o .
parte, mongolóides, da região N orte. Com essas correntes im igratórias, diferentes etnias
N o caso do Brasil, país nôvo, de origem portuguêsa, p a rticip ando da form ação brasileira, quebrou-se aquela
em bora com características próprias decorrentes de co n d i­ unidade o rig in à ria m e n te lusitana, sem prejuízo da basé
ções ecológicas e igualm ente culturais, oriundas de outros comum e fundamental que ainda hoje caracteriza a forma-

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A interpenetração c u ltu ra l se vem fazendo, ao V*do
çõo brasileira. Tornou-se o quadro dessa form ação in flu ­ do cruzam ento étnico, sem nenhum a resistência ao seu
enciada por valores de outras origens, alguns tam bém desenvolvimento. A o co n trá rio : com a aceitação ou a per-
europeus, mas não ibéricos. Daí a incorporação à nossa m uta de padrões ou valores cu ltu ra is, dentro do espírito
cultura de elementos oriundos dessas fontes: de fontes ita ­ cristão de tolerância e de fra te rn id a d e que o brasileiro se
lianas ou alemãs, polonesas ou sírias ou libanesas, mais arraigou como a mais le g ítim a herança espiritual do por­
recentemente de fontes japonesas, e não apenas européias tuguês colonizador.
de várias nacionalidades. O que tem contribuído em face
dessas influências variadas, para o processo de pluralism o Um sistema quase n a tu ra l e espontâneo de aceitação
étnico e cultural que o Brasil apresenta. ou de aproxim ação é o que se vem ve rifican do e n tre os
elementos tradicio nais e os elementos novos. O im ig ra n te ,
De modo que o Brasil constitui cenário em que se de um lado, aceitou certos elementos que naquele m om en­
processam dem ocràticam ente as mais diversas relações to se m ostravam indispensáveis à sua sobrevivência; e, de
de raça e de cu ltura; dêsses contatos é que resultam , em outro lado, começou a tra n s m itir traços culturais que se
grande parte, as diversidades cu ltu ra is de áreas ou re­ constatavam possíveis de aceitação pelo brasileiro, em bora
giões do País, de um lado, e, de outro lado, os aspectos nem sempre de modo rápid o ou fá c il. Daí o processo que
mais característicos do Brasil moderno. O brasileiro herdou, se desenvolveu, fundindo-se ou absorvendo-se elementos,
e vem mantehdo, do seu antepassado português aquêle reinterpretando-se outros, criando-se a m aioria dêles, como
mesmo espírito de tolerân cia e de adaptação, que ta n to valores que hoje; caracterizam êsse nôvo quadro: o da
caracterizou o lusitano com o colonizador, na aceitação cu ltu ra que podemos cham ar brasileira.
das correntes im igratórias européias ou não européias fix a ­
das em colônias no Brasil.
Formou-se, neste quadro c u ltu ra l do Brasil contem ­
porâneo, um sistema de coexistência de diferentes valores
culturais. Para assegurar essa coexistência, não lhe fa lto u ,
a êsse quadro, um certo e q u ilíbrio no sistema de experiên­
cia que representou êsse contato de grupos portadores de
diferentes culturas, e não apenas de diferentes níveis c u ltu ­
rais. T a l como já assinalou G ilb erto Freyre, o pluralism o
im plica uma certa form a de e q u ilíb rio entre os elementos
de segurança e os elementos de insegurança em cada c u l­
tura coexistindo com um a, duas ou m ais outras culturas.
Dêste modo podemos encontrar, no panoram a da cul­
tura brasileira, êsse quadro: o das relações de e q u ilíb rio
em que se desenvolveram as cu ltu ra s européias ou não eu­
ropéias vindas com a im igração, ao contato com os grupos
representativos tía tra d iç ã o ç u ltü ra l brasileira; iou mais
seguramente, da cu ltu ra chamada luso-brasileira. Os d ife ­
rentes fatores que têm contribu ído para o desenvolvim ento
dêsse processo perm item considerar-se o Brasil como uma
vasta experiência de plura lism o é tn ico e c u ltu ra l; e dessa
experiência resulta o que já poderemos cham ar de cu ltu ra
brasileira.
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