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Eu podia ter feito um trabalho diferente sobre o que já venho fazendo há al-
gum tempo sobre Machado de Assis poeta e crítico, mas não tive nenhuma
oportunidade, no momento, para fazer uma revisão completa dos estudos já
sobre a obra de Machado. Apenas julgo que este Ciclo de Estudos, quando se
comemorará o centenário, no próximo ano, da publicação das Obras Comple-
tas de Machado de Assis em poesia, é de uma grande oportunidade, porque
possibilitará aos críticos literários uma série de reflexões sobre a literatura,
não só na época de Machado, mas a literatura contemporânea e o tipo de
equipamento intelectual mais necessário à sua análise, à sua compreensão e ao
seu julgamento.
Acho que o grande mal, no momento, com relação a essa questão da crítica é
o excesso de teorias. Há muita teoria, sempre se chocando uma com as outras,
e isso muitas vezes impede que se forme um cânon crítico, uma tradição críti-
ca, tal como Machado a possuía. Quando verificamos o que se faz na Europa e
nos Estados Unidos no campo da crítica literária, constatamos que aumenta a
nossa responsabilidade nesse âmbito, porque não possuímos os instrumentos
capazes de ajudar na tarefa de explicar a estrutura, o sentido e o valor de nos-
sas próprias criações literárias.
Isso eu julgo importante dizer, porque Machado de Assis, com a sua intuição
e gênio, que vai crescendo com o tempo na consciência dos seus melhores
leitores, foi dos primeiros a mostrar que a nossa crítica, nas palavras dele: “É
frágil, infecunda, estéril, aborrecida, que nos mata, que não reflete, não discu-
te, que abate por capricho e vaidade”. Isso, aliás, está no meu ensaio de 1964,
quando escrevi sobre Machado de Assis, na época em que ele tinha comemo-
rado a publicação do seu primeiro livro, Crisálidas, com vinte e cinco anos de
idade.
Naquela época, Machado exercia, além da sua atividade como poeta, uma
atividade crítica paralela. Ele escreveu naquele ano um estudo, O ideal do
crítico, que é de 1865, onde ele falava de uma Ciência da Literatura, que outra
não é senão a Literatursenchaft dos alemães. Naquela época, ninguém falava
nisso, só depois, muitos anos depois, foi que Curtius abordou com mais inten-
sidade o problema da Ciência da Literatura, que ainda se considera uma ciên-
cia em sistematização ainda hoje. Ela ainda não é uma ciência, não há uma
Ciência da Literatura, há algo que devemos procurar trabalhar, para que haja
de fato esta ciência. Acho que é importante porque, no meio de tanta ciência,
existem tantas ciências de tantas coisas.
Temos que cultivar agora, em relação à produção das obras literárias, uma
atividade que englobe muitas ciências: a Neurofisiologia, a Biologia, a Física
principalmente, porque, depois da descoberta da Teoria da Relatividade, en-
traram muitos conceitos que os críticos não notam, porque os críticos não
acreditam nos poetas, pensam que os poetas não estudam. Eles não sabem que
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depois da descoberta da Teoria da Relatividade, surgiram muitos conceitos
novos, que estão ligados a essa teoria de um Universo curvo.
Esse Universo curvo ele dobrou, ficou com 1,73. Addington, o grande geógra-
fo e astrônomo inglês, verificou no eclípse de Sobral e na Ilha de Príncipe na
África, que, efetivamente, dobrando o Universo curvo, você teria 1,73 dupli-
cando Newton. Foi quase uma intuição maravilhosa. Isso, então, criou uma
série de problemas e vamos encontrar, para dar um exemplo no Brasil, o Joa-
quim Cardoso. Quando Joaquim Cardoso escreve O último trem subindo ao
céu, ele aplica, com toda a precisão, a Teoria da Relatividade Geral de Eins-
tein - ninguém está notando isto, mas ele aplica.
Quando ele diz que o trem está subindo, ele faz justamente o trem subindo, a
palavra subindo; ele faz uma curva subindo e descendo. Por quê? Porque na
Teoria da Relatividade sabemos que todos estamos no céu, não estamos nem
acima nem abaixo, não há essa ideia de em cima e em baixo. Em qualquer
parte que você estiver, você está numa determinada posição, vemos sempre
em cima, mas não é isto.
Então, Machado de Assis precisa ser ouvido quando diz: “O crítico atualmen-
te aceito não prima pela ciência literária, creio até que uma das condições para
desempenhar tão curioso papel é despreocupar-se de todas as questões que
entendem com o domínio da imaginação. Outra, entretanto, deve ser a base do
crítico. Longe de resumir em duas linhas, que o tipógrafo já as tem, o julga-
mento de uma obra, cumpre-lhe meditar profundamente sobre ela, procurar-
lhe o sentido íntimo, aplicar-lhe as leis poéticas, ver, enfim, até que ponto
imaginação e verdade conferiu para aquela produção. Deste modo, as conclu-
sões do crítico servem tanto à obra concluída como a obra em embrião”.
Quando ele diz a obra em embrião, estava imaginando as Crisálidas dele, que
é uma coisa muito importante saber que é um embrião, a crisálida. “Crítica é
análise, a crítica que não analisa é a mais cômoda. Mas não pode pretender a
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ser fecunda”. Essas afirmações de Machado demonstram que a crítica brasilei-
ra, na perspectiva da época, era muito limitada.
Entre os que fizeram crítica no período que vai de Januário da Cunha Barbosa
a Sílvio Romero, não se pode perdoar Domingos de Magalhães e Varnhagen,
pois ambos puxam as condições intelectuais para intentar uma modernização
dos nossos críticos, e eles não intentaram isto. Podiam ter feito. Não podiam
ignorar a teorização que se lhes sai cara, iniciada na Europa em fins do século
XVIII, com Diderot, Rousseau, Lessing, este tendo sido dos primeiros a mos-
trar a ideia de que a obra de arte não devia estar sujeita às leis, leis aristotéli-
cas, leis de Horácio ou leis de quem quer que seja, de Boileau, de quem quer
que seja.
Boileau, inclusive, agora está sendo restaurado, de certo modo. Mas Boileau,
dizia o Ernesto Berticus, era um grande medíocre, porque eliminou, dos gêne-
ros literários liderados por ele, a fábula. E a fábula é o elemento mais repre-
sentativo, diz ele, do Neo-Classissismo francês. Não há nada melhor do que
La Fontaine, porque o resto era aquela frieza copiada dos gregos por Racine e
tudo que houvesse. Muito bonito, um alexandrino espetacular, que a única
coisa boa em Racine é que ele fez um alexandrino tão bom, que Beaudelaire
quis fazer como ele e acabou fazendo melhor do que Racine: o alexandrino de
Beaudelaire. Isso é interessante, essas coisas são muito importantes.
Então, verificamos que esse ataque do Harold Bloom deve ser um ataque um
pouco invejoso, não é? Parece um pouco de inveja, porque mesmo quando ele
escreve uma obra como escreveu agora, Shakespeare, a invenção do humano,
Bloom trata todas as peças de Shakespeare, todas, uma por uma, chega a no-
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vecentas páginas, e nessas novecentas páginas, não há uma passagem que
possa se comparar com as de T.S. Eliot.
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Passaremos agora a ver alguma coisa sobre Machado poeta. Crisálidas, Fale-
nas, Americanas e Ocidentais são os nomes dos quatro livros de Machado que
deverão sair no próximo ano, porque acho que deveria ser publicada a obra
dele completa, mesmo porque se diz, e Manuel Bandeira chegou a dizer isso,
que se Machado tivesse escrito apenas Crisálidas e Americanas, ele não teria
ficado como um grande poeta. Mas em Ocidentais, Machado efetivamente
criou uma obra poética de primeira linha, diz Manuel Bandeira.
Além desse pronunciamento, temos um outro também dele, quando fala nas
Ocidentais. Ele diz: - “As Ocidentais é o último livro de Machado de Assis, é
um livro que se assemelha em tudo a Verlaine - se sente bem superior a Ver-
laine. Depois de uma limpidíssima prosa, das suas novelas mais importantes,
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Machado nos dá aqui uma limpidíssima poesia. Em Americanas, ele havia
cedido à eloquência laudatória, com suas odes aos grandes poetas brasileiros
Gonçalves, Anchieta, Alencar, o autor dos Primeiros cantos, e ao português
Camões. E nesta última coleção, nos deixa em Ocidentais algumas obras-
primas: Uma criatura, Círculo vicioso, Mundo interior. Correção extremada
de linguagem, pureza de estilo, perfeição métrica; é moderno, cético, daquele
ceticismo refinado e puro, tão análogo ao espírito de outros europeus a quem
ele não imitava”.
Como um poeta disse a Homero que “no penhasco que o gigante jogou na nau
de Ulisses, o Polifemo, cabras iam pastando descuidadas”. Mas vejam só,
“cabras pastando descuidadas”, é uma referência de um clássico, e ele aceitou,
quer dizer, pode-se fazer uma coisa dessas, não há problema nenhum. É “ca-
bras iam pastando descuidadas”. Ainda bem que essa coisa não tem sido mui-
to explorada.
Uma das razões que tornam a poesia de Machado de Assis fechada ao leitor
moderno é o caráter reflexivo de sua expressão. Essa é uma das características
da poesia antiga desde Homero, passando por Virgílio e Horácio, e imprimin-
do a sua marca aos poetas posteriores que, em qualquer época, escreveram
segundo o cânon antigo. A estes Horácio, Virgílio e Homero é o que o Curtius
chama de clássicos normais.
A poesia lírica de Machado não expressa apenas sentimentos, mas aquilo que
ao pensamento vai sendo comunicado pela reflexão. A reflexão tem o poder
de multiplicar as combinações intuitivas, anula os entusiasmos afetivos, ge-
ralmente carregados de retórica, retórica prosaica e não retórica poética. Por
exemplo, a retórica de um Homero, de um Bucano, de um Shakespeare, de um
Camões, de um Goethe, são retóricas que se podem tolerar muito bem, e seri-
am até necessárias. Até mesmo o nosso Carlos Drummond de Andrade tem
momentos de alguma retórica.
Isso aqui está muito desarrumado, estou procurando para pular, tem muita
coisa, para não ficar demasiadamente longo. Sei que as pessoas - Nejar me
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disse - têm que falar durante uma hora. Mas há um ensaio muito antigo e do
qual os latinos também gostavam: O ideal da brevidade; o brasileiro não
aprendeu. E a brevidade é uma das coisas essenciais na literatura, acho que
tudo que é importante na literatura a gente pode dizer em um minuto, quase
tudo, mas, infelizmente, isso nem sempre é possível.
Agora o processo gradativo vai alcançando o seu nível mais elevado e logo se
inicia a curva de arredondamento expressivo, pois, como em Rilke, o poeta
escapando às contingências humanas, esquecendo as alegrias vivas e ligeiras,
eleva-se a um plano superior, onde a antiga tristeza não possa, como nos ver-
sos iniciais, retornar ao seu coração. “Minha alma já semi-morta conseguira
ao céu alçá-la, porque o céu abre uma porta quando ela fala”. Somente uma
sensibilidade altamente refinada, agitada por um mundo de experiências sen-
soriais e individuais, poderia encontrar os elementos indispensáveis à realiza-
ção de um belo poema como este.
Naquela ocasião em 1997, quando estive em São Paulo para fazer uma confe-
rência na Faculdade de Direito sobre o sesquicentenário de Castro Alves, na-
quela Comissão em que estava com Portella, estive verificando que, na classi-
ficação das mais poéticas de Henry Wells, tem sete tipos de imagens, entre
elas: a imagem decorativa, a imagem exuberante, chamada metáfora das mas-
sas, a imagem radical, a intensificadora, que é a de Dante, que é a imagem de
grande visibilidade, que dá grande visibilidade às coisas. É a imagem de Dan-
te que pode tornar visível aquilo que não é possível ver.
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Você pega, por exemplo, uma passagem em Dante no Canto XIV do Inferno,
onde os conceitos abstratos não podem ser vistos. Não podemos dar provas de
conceitos abstratos. Se eu disser que estou com dor de cabeça aqui, posso
apenas estar dizendo que estou com vontade de ir embora, de sair. Dor de
cabeça, estou passando mal; isso não digo porque a pessoa não dá prova disso,
pode não estar passando, pode até estar passando muito bem. Então, o indiví-
duo diz que aquilo que Dante quer dizer, nós não sabemos. Mas ele nos mos-
tra que, dentro do Monte Ida, na Ilha de Creta, no interior do Monte, tem um
velho cujo rosto é todo de ouro, o tronco é de prata, todo o resto de ferro, e
um pé de barro. Não é mais do que algo ligado ao sonho de Daniel.
Mas quando está já em pleno Inferno com , e que ele vê as águas do Inferno,
aquelas águas enormes dos Quatro rios: do Corcite, do Aqueronte, do Estígio
e do Flejetonte, que é um rio de fogo, então, ali naquela ocasião, o Dante vai
dar a explicação concreta, vai nos mostrar aquilo que a gente não pode ver. E
o que é que a gente não podia ver? O velho que está lá dentro do Monte Ida, e
de quem sai água, saem lágrimas por todo o corpo, choram por toda a parte do
seu corpo, com exceção da parte de ouro - é o tempo.
Mas o tempo é um conceito abstrato, então, posso ver o velho na figura de
uma estátua, que é o tempo velho ali. Que velho é aquele? É o tempo. Macha-
do de Assis é o tempo, se é o tempo, eu posso ver. É o tempo e o vento, na
forma de quê? De uma figura. E o sofrimento humano está representado pelos
rios cheios de lágrimas. Aqueles rios são as lágrimas do sofrimento humano,
da humanidade, concretizam-se na forma de rios, de lagos.
Dante, inclusive, quando coloca a parte do Corcite em baixo, ele bota de gelo,
e para dar mais força ao gelo, Satanás está enfiado ali dentro do gelo, pois ele
caiu dentro do gelo, comendo a cabeça de Brutus traidor, de César e de Cás-
sio, e ainda mais, a de Judas, traidor de Cristo. São três cabeças, é uma coisa
grotesca.
É aí que o T.S. Eliot coloca uma forma em que ele diz que o demônio está
encerrado num lugar - e aí eu acho que o grande Eliot não examinou, com
todo o cuidado da sua crítica, o significado daquilo que foi colocado ali. Isso
Machado viu, é o seguinte: aquilo não é um lugar, aliás, no meu livro Os ca-
valeiros de Júpiter, antes de o papa dizer isso agora, que não existe inferno,
não existe purgatório, nem existe paraíso, o papa chegou a dizer mesmo agora
- porque isso são estados, são estados da alma, não é lugar, não é um lugar, o
inferno não é um lugar, é um estado, é um estado da vida humana da pessoa.
Nós podemos estar aqui com várias pessoas, e uma estar no inferno ou poderia
estar no purgatório ou estar no paraíso, depende de sua conduta, das suas vir-
tudes.
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É claro que aqueles que Dante condena, Dante condena lá colocando-os com
o direito a um direito aristotélico, ele se baseia nas categorias de Aristóteles
para criar esse tipo de punição. Mas o que digo é que Castro Alves, quando
utiliza essas imagens de Wells, a imagem intensificadora, todas essas outras
imagens, então, Castro Alves utiliza a imagem decorativa.
Por exemplo, no Rei Lear, o Edgar chega e diz para o velho Gloucester, já
com os olhos arrancados: - Cordélia foi presa com o rei. Fuja! - Ele está com
os olhos arrancados, ele diz: - Meu filho - ele não sabe ainda nem que é o
filho dele, é o filho dele, mas está oculto -, se é para ser enterrado, apodrecer
na terra, tanto faz apodrecer aqui como em qualquer outro lugar. Fico é aqui
mesmo. É aqui. - Aí ele diz: “- Sempre com os teus pensamentos funestos”.
Quer dizer, estava errado quando Gloucester diz: - Fuja! E aí o velho foge,
depois que ele diz isto: - Os homens têm que daqui irem, assim como aqui
virem. A maturação é o que importa.
Então, essa imagem é poderosa porque a imagem de maturação é posta em
analogia com os elementos de maturar da natureza, o ciclo da vida vegetal
com o ciclo da vida humana. Nós nascemos para fazer alguma coisa e aguen-
tar e suportar a vida, de qualquer forma, até o fim. Nós devemos sair do mun-
do, da mesma forma com que entramos no mundo, com essa mesma dignida-
de.
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É claro que ninguém pediu para vir ao mundo, mas ninguém vai pedir para
sair do mundo, nós não pedimos isto. E isso já foi dito pelo Gloucester. Quan-
do Gloucester está conversando com o conde Kent, no início da peça, ele diz:
- Este que está aí atrás é Edmundo, meu filho. Ele não veio ao mundo porque
eu quisesse, ele veio contra a minha vontade, mas este é bastardo - usou a
palavra “bastardo” -, é bastardo, mas gosto dele tanto quanto gosto do outro. -
Aí diz: - Edmundo vem cá - o Edmundo chega, ele apresenta ao conde Kent.
E diz: Olhe, confesso que ele é um bastardo, mas a mãe dele era tão bonita,
que senti um prazer enorme em fabricá-lo. - Está lá escrito, ele diz lá: “fazê-
lo, fabricá-lo”. Aí disse: Mas não se pode negar que é muito bonito também,
este filho da puta.- Está lá escrito, ele diz lá. Está escrito no início do Rei Le-
ar, no primeiro ato, é logo no primeiro ato.
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Portanto, a gente verifica que o problema de poesia no Brasil é um problema
de se estudar mais, e haver mais uma certa união entre os próprios escritores,
a qual não vemos aqui dentro do Brasil. Se vê na América Latina, mas não se
vê dentro do Brasil. No Brasil é aquela dispersão tremenda. Na América Lati-
na, já ganharam vários Prêmios Nobel de Literatura, e é por isso que, quando
um ganha um prêmio, se reúnem todos para fazer festa em torno daquele indi-
víduo. Quando há uma coisa um com outro, é coisa rara. Mas no Brasil, não, é
sempre um procurando botar o outro para trás, colocar numa posição inferior,
é tudo isto. Querer um dizer que é o maior este, que é o maior, o menor, não
se faz isso em canto nenhum do mundo. Aqui é assim.
Muito obrigado ao presidente Tarcísio Padilha pelo convite que me fez para
participar deste Ciclo de Estudos; também ao Carlos Nejar, pela apresentação
que fez, e dentro do lugar-comum, podemos dizer que foi uma apresentação
de amigos. Obrigado pela presença das pessoas que estão aqui, de pessoas
como Antonio Olinto, Lêdo Ivo, com quem tenho estado sempre nesses con-
gressos por aí afora em Maceió. Um dia, até eu dei um grito tão grande lá, ele
estava dormindo, eu estava falando sobre Jorge de Lima, dei um grito que ele
se assustou e disse: - O que foi isso? Eu disse: - Lêdo Ivo!!! - ele aí acordou.
Vejo aqui o Eduardo Portella, a Lygia Fagundes Telles, que para mim é uma
das pessoas notáveis da literatura brasileira. Essa palavra “notável” não fica
bem para ela, ela está muito acima disso. Ivan Junqueira, o Marco Acyoli, que
está aqui hoje, do Recife, meu companheiro na Universidade e na poesia tam-
bém.
Eu tinha passado do tempo que me havia sido dado de prazo, uma hora, mas o
que falei numa hora foi demais. Desculpem por ter falado tanto. Muito obri-
gado.
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plitude dos seus conhecimentos em áreas que, normalmente, não são havidas
como áreas de domínio dos poetas.
Por outro lado, a sua exposição extremamente rica foi uma belíssima aula de
literatura comparada. Revelou exatamente nesse passeio, nesse périplo por
literaturas de outros Continentes, um domínio pleno. Aqui e ali, soltou uma
crítica em relação ao criticismo francês, deixou entrever maior afinidade com
a tradição talvez inglesa, não sei se interpretei bem, e o Sílvio Romero passou
por maus momentos. Mas, em outros momentos, ele conseguiu recuperar um
pouco o nosso confrade, que assim saiu incólume ao fim da conferência.
Por outro lado, tivemos aqui umas revelações interessantes. Por exemplo,
quando ele citou, se não me engano Dante, ficamos sabendo que o Diabo en-
trou numa fria. Isto me pareceu particularmente importante, sobretudo levan-
do em conta a assertiva papal de que não há um locus para o inferno. Sartre
diria outra coisa, “que o inferno são os outros”, mas não há um locus, nem
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mesmo um ubi, um situs, não é alguma coisa localizada. Então, é uma visão
muito mais profunda, e muito mais enigmática, por conseguinte, também.
PLATEIA:
Vou repetir. Na prosa machadiana, podemos encontrar alguns recursos literá-
rios, como o autor implícito, o leitor implícito. Machado através deles faz uma
autocrítica, uma auto-análise de sua própria obra, e até mesmo o próprio nar-
rador, às vezes, atua como intérprete da obra. - Na poesia machadiana, Ma-
chado faz uso de algum recurso poético para uma autocrítica das suas poesias?
Acredito que ultrapassei a sua pergunta, que confesso não entendi bem ainda,
viu? Sou uma pessoa de um pensamento - ele falou bem. Ele falou uma coisa
que todo mundo tem apontado na minha crítica, sem eu ter tido essa intenção.
Até o Estado de São Paulo já colocou isto, por conta do próprio Estado, sem
ninguém escrever.
Diz assim: “O seu método é quase sempre comparativo”, saiu uma vez no
Estado de São Paulo. Realmente, não sei por que fui a isto. Fiz um trabalho
agora para o Canadá, que é este aqui, é uma História da América Latina. Es-
crevi um capítulo de quarenta e cinco laudas para essa História da Literatura
da América Latina, em três volumes. O segundo volume já está pronto, vai
sair em inglês pela Oxford University Press. Este ensaio que está aqui é sobre
o Recife como centro cultural. Aproveitei, e ao invés de fazer um estudo só
sobre o Recife como centro cultural, contar o que era Recife como centro
cultural, peguei desde a sua origem, de Nassau, e eles, então, descobriram que
em toda a América Latina - onde estão trabalhando cento e noventa e oito
especialistas da Alemanha, da Inglaterra, da França, de toda a América Latina
-, são dezenove centros culturais.
Desses dezenove centros culturais, dois não ficam situados na América Lati-
na, mas têm uma presença latina muito forte; são em Nova York e Paris, os
dois entraram como centros latino-americanos. O Brasil entrou com sete cen-
tros, e desses centros, o Recife foi um deles.
Fiz o meu trabalho e mandei. O Benedito Nunes estava no Congresso que foi
feito aqui, onde estavam o Mário Valdez, a Linda Hucho, que é aquela da
poética do pós-moderno, que me dou muito com os pós-modernistas. Inclusi-
ve porque o pós-moderno, conforme ela diz mesmo, porque é uma das maio-
res teóricas do pós-moderno, ela diz: - O pós-moderno não é, como muitas
pessoas pensam, uma coisa já definitiva. É uma proposta que está andando,
está em andamento, e já há grandes escritores que a aceitam, e há grandes
teóricos como Lotard, na França, o qual morreu recentemente e era um dos
grandes pós-moderno.
Ele, sem eu saber nem por que, tinha dito que o diretor do programa tinha
comunicado que, de todos os trabalhos feitos no Brasil, quarenta e tantos auto-
res, só dois não tinham voltado, tinham ficado como tinham sido enviados, o
de Benedito Nunes e o meu. O resto, os daqui do Rio, da Bahia, de São Paulo,
voltaram todos, inclusive o de Nicolau Servicento, que estava lá, tinha volta-
do.
E como perguntara, eu mandei dizer a ele que só tinha feito três meses do
Curso Primário, e que tinha abandonado o resto, porque tudo o mais que eu vi
não aprendi. Obtive alguns diplomas, algumas coisas, mas fazia os diplomas
que obtive. Enquanto o professor dava aula, eu escrevia poema. Ouvindo ele
dando a aula lá, eu fazendo poema cá. Então, não podia dizer que cursei nada.
Só cursei esses três meses do Primário porque, de vez em quando, eu errava
alguma coisa e a professora lá no interior da minha terra me dava com uma
régua na cabeça, eu tinha muito medo. Então, tinha que aprender isso, eu tinha
seis anos, foi a época em que estudei na minha vida, foi aos seis anos.
Isso que estou afirmando aqui ele deu em cheio, quando falou que havia algo
de comparativo. O homem, então, vem de lá e falam todos eles que eu fiz o
que eles queriam, que é um estudo comparativo, uma base nova da literatura,
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porque no Brasil não temos mais História da Literatura. As Histórias da Lite-
ratura no Brasil estão obsoletas. Eu disse isso e o Eduardo Coutinho foi quem
me convidou para fazer isso.
Eu digo que nós temos um pouco ainda da História de Afrânio Coutinho, por-
que o Eduardo com a formação que tem, tem procurado, continuamente, me-
lhorar a História da Literatura de Afrânio Coutinho. O Afrânio Coutinho é
uma figura notável, e eu o cito nesse trabalho dos Cavaleiros de Júpiter, pelo
que ele fez, mas quando ele fez a História da Literatura Brasileira, ele enco-
mendou o capítulo do Nordeste sabem a quem? A Aderbal Jurema, um sena-
dor que escreveu vinte e seis poemas, que ninguém nunca mais no Recife
conhece sequer uma linha desses versos, ninguém sabe quem é. Você sabe
quem é Aderbal Jurema? Foi Aderbal Jurema quem escreveu aquele capítulo.
Então, a nossa História da Literatura precisa empregar os métodos de Riden
Right, precisa empregar o de David Perkins, precisa empregar aquela ideia da
História Total de Michelet. Eles não têm nada disso, é preciso entrar por este
campo, fazer sempre estudos comparativos. É necessário que se façam estu-
dos, incluindo muito mais filosofia, incluindo mais ciência dentro das histó-
rias literárias, incluindo todos os elementos de onde sai o centro cultural. O
que é um centro cultural? O centro cultural é aquele lugar de onde emerge
uma literatura. A literatura não cai do céu. A única coisa que cai do céu, de
certo modo caiu do céu, é uma grande obra muito elogiada em São Paulo: é
aquela coisa que se chama História da Literatura, mas não é História da Lite-
ratura.