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Machado de Assis poeta e crítico da poesia

Tema: Machado de Assis poeta e crítico da poesia


Conferencista: Professor César Leal
21/11/2000 http://migre.me/pU6Ys

Professor CÉSAR LEAL:


Senhor presidente, meu caro amigo Carlos Nejar, senhores acadêmicos e pú-
blico.

Eu podia ter feito um trabalho diferente sobre o que já venho fazendo há al-
gum tempo sobre Machado de Assis poeta e crítico, mas não tive nenhuma
oportunidade, no momento, para fazer uma revisão completa dos estudos já
sobre a obra de Machado. Apenas julgo que este Ciclo de Estudos, quando se
comemorará o centenário, no próximo ano, da publicação das Obras Comple-
tas de Machado de Assis em poesia, é de uma grande oportunidade, porque
possibilitará aos críticos literários uma série de reflexões sobre a literatura,
não só na época de Machado, mas a literatura contemporânea e o tipo de
equipamento intelectual mais necessário à sua análise, à sua compreensão e ao
seu julgamento.

Reconheço que o conceito de literatura contemporânea é ambíguo. Comporta


uma série de expressões criativas diversas, frequentemente em oposição umas
às outras, exigindo, para explicação de cada uma, o apelo a determinada teo-
ria, disso resultando não ser um mal (como pensam alguns observadores) que
haja, no Brasil e no mundo, tantas correntes de crítica, cada uma procurando
aplicar o seu método a problemas específicos no campo de suas apreciações.

Acho que o grande mal, no momento, com relação a essa questão da crítica é
o excesso de teorias. Há muita teoria, sempre se chocando uma com as outras,
e isso muitas vezes impede que se forme um cânon crítico, uma tradição críti-
ca, tal como Machado a possuía. Quando verificamos o que se faz na Europa e
nos Estados Unidos no campo da crítica literária, constatamos que aumenta a
nossa responsabilidade nesse âmbito, porque não possuímos os instrumentos
capazes de ajudar na tarefa de explicar a estrutura, o sentido e o valor de nos-
sas próprias criações literárias.

Estudos de natureza histórica e biográfica não nos têm faltado, especialmente


a partir da segunda metade do século XIX. Acho que é importante dizer isso,
porque se desenvolve atualmente um criticismo parasitário, uma certa crítica
que predomina muito nas Universidades nos dias de hoje, sempre a partir da
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França, do que se faz na França. Na França, é excelente a produção crítica
francesa, mas ela dura pouco, ela passa rapidamente. É Estruturalismo, é Pós-
Estruturalismo, sempre todo o pós, embora eu seja considerado um pós-
moderno, mas todo o pós não significa coisa alguma, porque é pós isso, então
aquilo ainda estava existindo.
Pós-modernidade, esse termo não pode existir porque vivemos na modernida-
de. Quando dizemos pós-modernidade, não está certo o conceito. Pós-
moderno está certo, porque moderno não é modernidade, então, a modernida-
de vai muito mais longe. Moderno tem muitas significações, há muitas mo-
dernidades. Acho que a gente tem que ter algum cuidado nisso. Até me lem-
bro de um estudo de Eduardo Portella sobre O intelectual e o poder, onde ele
diz, mais ou menos, algo que indica que a nossa modernidade, em parte, en-
trou pela porta dos fundos. Algo assim parecido, não foi bem isso, não, mas
chegou no Brasil pela porta dos fundos.

Isso eu julgo importante dizer, porque Machado de Assis, com a sua intuição
e gênio, que vai crescendo com o tempo na consciência dos seus melhores
leitores, foi dos primeiros a mostrar que a nossa crítica, nas palavras dele: “É
frágil, infecunda, estéril, aborrecida, que nos mata, que não reflete, não discu-
te, que abate por capricho e vaidade”. Isso, aliás, está no meu ensaio de 1964,
quando escrevi sobre Machado de Assis, na época em que ele tinha comemo-
rado a publicação do seu primeiro livro, Crisálidas, com vinte e cinco anos de
idade.

Naquela época, Machado exercia, além da sua atividade como poeta, uma
atividade crítica paralela. Ele escreveu naquele ano um estudo, O ideal do
crítico, que é de 1865, onde ele falava de uma Ciência da Literatura, que outra
não é senão a Literatursenchaft dos alemães. Naquela época, ninguém falava
nisso, só depois, muitos anos depois, foi que Curtius abordou com mais inten-
sidade o problema da Ciência da Literatura, que ainda se considera uma ciên-
cia em sistematização ainda hoje. Ela ainda não é uma ciência, não há uma
Ciência da Literatura, há algo que devemos procurar trabalhar, para que haja
de fato esta ciência. Acho que é importante porque, no meio de tanta ciência,
existem tantas ciências de tantas coisas.
Temos que cultivar agora, em relação à produção das obras literárias, uma
atividade que englobe muitas ciências: a Neurofisiologia, a Biologia, a Física
principalmente, porque, depois da descoberta da Teoria da Relatividade, en-
traram muitos conceitos que os críticos não notam, porque os críticos não
acreditam nos poetas, pensam que os poetas não estudam. Eles não sabem que

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depois da descoberta da Teoria da Relatividade, surgiram muitos conceitos
novos, que estão ligados a essa teoria de um Universo curvo.

Se o Universo antes era um Universo euclidiano, uma grade onde se enqua-


drava muito bem o Estruturalismo, porque dentro dessa grade as coordenadas
euclidianas seriam sempre num rumo, mas Einstein verificou que Newton
falava na deflexão das estrelas que, ao passar junto a um corpo era de 0,86, e
ele não encontrava um meio. Trabalhou de 1905 até 1915, quando no dia 25,
encontrou a fórmula definitiva, a equação definitiva. Não é aquela equação R
= MC2, aquela é de 1905; é a de 1915, que é a da Teoria da Relatividade Ge-
ral. Por intuição, ele colocou um conceito de Universo curvo.

Esse Universo curvo ele dobrou, ficou com 1,73. Addington, o grande geógra-
fo e astrônomo inglês, verificou no eclípse de Sobral e na Ilha de Príncipe na
África, que, efetivamente, dobrando o Universo curvo, você teria 1,73 dupli-
cando Newton. Foi quase uma intuição maravilhosa. Isso, então, criou uma
série de problemas e vamos encontrar, para dar um exemplo no Brasil, o Joa-
quim Cardoso. Quando Joaquim Cardoso escreve O último trem subindo ao
céu, ele aplica, com toda a precisão, a Teoria da Relatividade Geral de Eins-
tein - ninguém está notando isto, mas ele aplica.
Quando ele diz que o trem está subindo, ele faz justamente o trem subindo, a
palavra subindo; ele faz uma curva subindo e descendo. Por quê? Porque na
Teoria da Relatividade sabemos que todos estamos no céu, não estamos nem
acima nem abaixo, não há essa ideia de em cima e em baixo. Em qualquer
parte que você estiver, você está numa determinada posição, vemos sempre
em cima, mas não é isto.

Então, Machado de Assis precisa ser ouvido quando diz: “O crítico atualmen-
te aceito não prima pela ciência literária, creio até que uma das condições para
desempenhar tão curioso papel é despreocupar-se de todas as questões que
entendem com o domínio da imaginação. Outra, entretanto, deve ser a base do
crítico. Longe de resumir em duas linhas, que o tipógrafo já as tem, o julga-
mento de uma obra, cumpre-lhe meditar profundamente sobre ela, procurar-
lhe o sentido íntimo, aplicar-lhe as leis poéticas, ver, enfim, até que ponto
imaginação e verdade conferiu para aquela produção. Deste modo, as conclu-
sões do crítico servem tanto à obra concluída como a obra em embrião”.

Quando ele diz a obra em embrião, estava imaginando as Crisálidas dele, que
é uma coisa muito importante saber que é um embrião, a crisálida. “Crítica é
análise, a crítica que não analisa é a mais cômoda. Mas não pode pretender a
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ser fecunda”. Essas afirmações de Machado demonstram que a crítica brasilei-
ra, na perspectiva da época, era muito limitada.
Entre os que fizeram crítica no período que vai de Januário da Cunha Barbosa
a Sílvio Romero, não se pode perdoar Domingos de Magalhães e Varnhagen,
pois ambos puxam as condições intelectuais para intentar uma modernização
dos nossos críticos, e eles não intentaram isto. Podiam ter feito. Não podiam
ignorar a teorização que se lhes sai cara, iniciada na Europa em fins do século
XVIII, com Diderot, Rousseau, Lessing, este tendo sido dos primeiros a mos-
trar a ideia de que a obra de arte não devia estar sujeita às leis, leis aristotéli-
cas, leis de Horácio ou leis de quem quer que seja, de Boileau, de quem quer
que seja.

Boileau, inclusive, agora está sendo restaurado, de certo modo. Mas Boileau,
dizia o Ernesto Berticus, era um grande medíocre, porque eliminou, dos gêne-
ros literários liderados por ele, a fábula. E a fábula é o elemento mais repre-
sentativo, diz ele, do Neo-Classissismo francês. Não há nada melhor do que
La Fontaine, porque o resto era aquela frieza copiada dos gregos por Racine e
tudo que houvesse. Muito bonito, um alexandrino espetacular, que a única
coisa boa em Racine é que ele fez um alexandrino tão bom, que Beaudelaire
quis fazer como ele e acabou fazendo melhor do que Racine: o alexandrino de
Beaudelaire. Isso é interessante, essas coisas são muito importantes.

Há um outro artigo de Machado, que é a Nova geração, em que ele comenta


versos de numerosos poetas novos. Faz observações muito oportunas sobre
problemas de métrica, da necessidade de renovação de esquemas rítmicos, e
condena a objeção que se faz à origem estrangeira do alexandrino. Há uma
passagem desse estudo que - pelo estilo, estrutura do pensamento e associa-
ções que faz ao comentar o desaparecimento do verso branco - merece ser
colocada em termos comparativos com o trecho do mais completo crítico da
língua inglesa de nosso tempo, que foi e é o poeta T. S. Eliot. Nos últimos
trinta anos muito esquecido, porque um crítico que não é poeta, no entanto, é
um bom crítico, famoso, vem atacando Eliot constantemente há mais de vinte
anos; é o crítico Harold Bloom, dos Estados Unidos. Chegou até a tirá-lo do
cânon.

Então, verificamos que esse ataque do Harold Bloom deve ser um ataque um
pouco invejoso, não é? Parece um pouco de inveja, porque mesmo quando ele
escreve uma obra como escreveu agora, Shakespeare, a invenção do humano,
Bloom trata todas as peças de Shakespeare, todas, uma por uma, chega a no-

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vecentas páginas, e nessas novecentas páginas, não há uma passagem que
possa se comparar com as de T.S. Eliot.

O Machado dizia o seguinte: “Quanto à decadência do verso solto, não há


dúvida que é também um fato. E na nossa língua, um fato importante. O verso
solto, tão longamente usado entre nós, tão vigoroso nas páginas de um Jun-
queira Freire e um Gonçalves Dias, entra em evidente decadência, não há
como negá-lo. Estamos muito distantes do tempo de Felinto, que proclamava
galhardamente a adoração ao verso solto, adoração latina, arcádica. Alguém já
disse que o verso solto ou branco era só para os olhos. Blank verse seems to
be verse only to the eyes. Johnson, que menciona esse conceito para condenar
a escolha feita por Milton, pondera que, entre os escritores italianos por ele
citados e que baniram a rima dos seus versos, nenhum é popular, observação
que me levou a ajuizar de nossas próprias coisas”. É o que ele diz - ajuizar de
nossas próprias coisas.

Sem diminuir o alto merecimento de Gonzaga, o nosso grande lírico, é evi-


dente que Basílio da Gama era mais, muito mais poeta. Então, diz o Eliot: “A
grande contribuição da métrica isabelina foi o desenvolvimento do verso sol-
to. São os dramaturgos, e eventualmente Milton, os verdadeiros herdeiros de
Spencer, o próprio Pope usando externamente a mesma forma de Dryden, o
emparelhado, guarda com ele escassa afinidade. E se o escritor atual mais
profundamente influenciado por Pope apenas empregar o emparelhado, os
poetas mais significativos influenciados por Spencer não são aqueles que in-
tentaram o emprego de sua estrofe, que é inimitável”.

O que os dois usam aqui, se olharmos, verificarmos isso aqui, é um estilo


único, o mesmo, mas seria impossível o T.S. Eliot ter ido copiar Machado de
Assis. E Machado de Assis não podia pensar em Eliot, porque Eliot ninguém
sabia onde ele andava, estava nas trevas do fim do mundo, no interior da Ter-
ra. Se invertêssemos a posição, e fosse Eliot que tivesse vivido naquela época,
e escrito o que escreveu aqui, e se Machado de Assis vivesse na época de
Eliot, meados da década de 40, e escrevesse isso, todos aqui no Brasil iam
dizer que Machado de Assis estava copiando, era um epígono de Eliot, poeta
inglês. Não verificariam que a prova disso aí é a existência de um elemento
canônico, um cânon da tradição da crítica, que vinha de Peugeot no século
XVI.
Então, todo o critico inglês escreve é nesse estilo mesmo, nesse estilo de Ma-
chado, que é o estilo de Eliot, que é o estilo de todo o crítico inglês sério.
Quando digo “sério”, pelo menos, que não é norte-americano, porque os críti-
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cos americanos são bons também, mas são diferentes dos críticos ingleses.
Não há dúvida nenhuma, no estilo são bem diferentes. Porém essa tradição
inglesa tem uma grande semelhança, um escritor sempre escreve parecido
com o outro. É uma tradição, parece um estilo que se assemelha muito.
Portanto, a proposição de Eliot que vou transcrever agora não é senão uma
confirmação da aptidão de Machado para o raciocínio crítico, dentro da linha
de uma tradição, a tradição da crítica inglesa. “A possibilidade de cada litera-
tura renovar-se, prosseguindo para uma atividade criadora, fazendo novas
descobertas no mundo das palavras, depende de dois fatores. Em primeiro
lugar, a sua habilidade para receber influências, através de influências estran-
geiras. Segundo, a sua habilidade para retroceder e aprender de suas próprias
fontes originais. No que respeita ao primeiro, quando as várias nações estão
separadas umas das outras, quando os escritores deixam de ler outra literatura
que não seja a escrita em sua própria língua, a poesia em todos os países terá
de deteriorar-se”.
Mas Machado tinha escrito isso antes, será que o Eliot viu? “Não há dúvida de
que uma literatura” - isso é Machado -, “sobretudo uma literatura como a nos-
sa, deve alimentar-se dos assuntos que lhe oferecem a sua região, mas não
estabeleçamos doutrinas tão absurdas que a empobreçam”. Está dizendo mais
ou menos a mesma coisa que disse o grande Eliot.
Tenho a impressão que não vou ler esses papéis todos, não, seria muita coisa.
Queria apenas dizer, para acalmar vocês, não é apressar, não, queria dizer o
seguinte: quando falamos em Machado de Assis como poeta, o que eu mais
desejaria aqui seria verificar o quanto pode, às vezes, a força de um crítico
que ganha um nome, um forte nome e ataca um poeta. Machado de Assis foi
quase afastado da poesia por Sílvio Romero.
Sílvio Romero atacava tanto Machado, que dizia que o mal que Machado
tinha, que era a gagueira (vejam que injustiça horrível!), ele a transmitia a
todos os seus escritos, não só à sua poesia, mas à sua prosa. Alguém já viu
Machado gago? Na prosa? Na poesia? Não, absolutamente, isso é uma injusti-
ça, porque gago era Sílvio Romero. Da Escola do Recife, um homem que, na
Escola do Recife, chama Escola do Recife, e não existiu essa Escola. Um
agrupamento de pessoas não era uma Escola, aquilo não era uma Escola. Ali-
ás, Evaristo de Moraes Filho diz isto muito bem. A Escola do Recife é uma
Escola em que um grande amigo de Machado fundou esta Academia com
Machado. Joaquim Nabuco jamais adotou.
Acho que, por isso, ele estudou Direito em São Paulo, só foi terminar o curso
no Recife: porque ele não gostava nem de olhar para a cara de Sílvio Romero.
Não sei como ele olhava aqui dentro da Academia para Joaquim Nabuco, mas
Joaquim Nabuco era outra pessoa, é claro. Não estou de modo nenhum tirando
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o mérito de Sílvio Romero, mas quero dizer que Sílvio Romero não era bom
crítico, só isso. Não tinha equipamento teórico, o equipamento teórico de Síl-
vio Romero era um equipamento que excluía completamente autores como
Rousseau, Diderot, Novalis, Coleridge. Grandes críticos como Wordsworth,
críticos-poetas, os irmãos Schelling, acho que ele nem conheceu esses críti-
cos, parece que não conheceu.

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Passaremos agora a ver alguma coisa sobre Machado poeta. Crisálidas, Fale-
nas, Americanas e Ocidentais são os nomes dos quatro livros de Machado que
deverão sair no próximo ano, porque acho que deveria ser publicada a obra
dele completa, mesmo porque se diz, e Manuel Bandeira chegou a dizer isso,
que se Machado tivesse escrito apenas Crisálidas e Americanas, ele não teria
ficado como um grande poeta. Mas em Ocidentais, Machado efetivamente
criou uma obra poética de primeira linha, diz Manuel Bandeira.

Não concordo com o poeta Manuel Bandeira, e felizmente, encontrei um autor


italiano que, quando estuda os nossos poetas românticos, dedica a Machado
de Assis, numa grande enciclopédia em dois volumes na Itália, da Bambiani,
cerca de cento e quarenta linhas. Bota trinta e oito para Castro Alves, trinta e
oito para Álvares de Azevedo e quarenta e oito para Gonçalves Dias, e diz que
o melhor de todos eles, como poeta, é Machado de Assis, porque é o mais
perfeito e o mais completo poeta. Vou mostrar o texto.
“Crisálidas, primeira coletânea de versos do brasileiro Joaquim Machado de
Assis, publicada em 1864, incluída nas Obras Completas de 1901. Frente à
exuberância desenfreada de seus contemporâneos, naturalmente indisciplina-
dos e dominados pela influência avassaladora dos românticos franceses, Ma-
chado revela, desde essa primeira tentativa poética, profundeza de sentimen-
tos, grande sobriedade verbal, que o separam dos seus contemporâneos, dei-
xando perplexo o elemento literário de seu país, por causa do seu inato classi-
cismo e pela força orgânica do seu estilo imediatamente adquirido. Também
para ele, os temas em que se inspira são a sensualidade face ao ardente, dolo-
roso e maravilhado subjetivismo, frente à inexorabilidade da natureza”. Vai
por aí, é uma das afirmações feitas pelo professor Ugo Gallo, de uma Univer-
sidade da Itália.

Além desse pronunciamento, temos um outro também dele, quando fala nas
Ocidentais. Ele diz: - “As Ocidentais é o último livro de Machado de Assis, é
um livro que se assemelha em tudo a Verlaine - se sente bem superior a Ver-
laine. Depois de uma limpidíssima prosa, das suas novelas mais importantes,
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Machado nos dá aqui uma limpidíssima poesia. Em Americanas, ele havia
cedido à eloquência laudatória, com suas odes aos grandes poetas brasileiros
Gonçalves, Anchieta, Alencar, o autor dos Primeiros cantos, e ao português
Camões. E nesta última coleção, nos deixa em Ocidentais algumas obras-
primas: Uma criatura, Círculo vicioso, Mundo interior. Correção extremada
de linguagem, pureza de estilo, perfeição métrica; é moderno, cético, daquele
ceticismo refinado e puro, tão análogo ao espírito de outros europeus a quem
ele não imitava”.

Aí diz: “Os temas caros ao Machado de Assis, da maturidade estão claramente


determinados pela plenitude de sua sabedoria filosófica, por uma concreta
visão pessoal do mundo e da vida humana, por uma original crença na bonda-
de inata do Universo, apesar da convulsão que se introduz no homem”. Então,
diz mais muitas outras coisas sobre Machado. Acho isso muito importante,
porque quando converso e falo isso a algum aluno, ele não me diz nem que
Machado é bom, diz: - eu nunca vi nada de poesia de Machado, só conheço o
soneto À Carolina -, que é uma coisa sentimental, que não sei se Machado
colocou nas obras dele completas, deve estar.
Quando Machado tem sido apontado, às vezes, como um romântico, se diz
que é um romântico influenciado pelos românticos brasileiros, não há maior
injustiça. Essa afirmação que acabo de mostrar aqui agora é uma afirmação de
que não é influenciado pelos românticos brasileiros, é uma influência natural
do Romantismo da época. Em Machado, a expressão é ironicamente românti-
ca, mas vai se intensificando em tristeza, até alcançar uma certa atmosfera
lúgubre.

Por exemplo, quando aquilo que julgamos que é Romantismo em Machado,


não é senão uma influência muito grande de Góngora. Ser influenciado por
Góngora, naquela época, é realmente difícil, e no entanto, a influência era de
Góngora. Por exemplo, há uma estrofe de Góngora no Polifemo, onde ele diz:
“Caliginoso lecho escena, obscuro ser de la negra noche nos enseña. Infame
turba de noturnas aves gemiendo tristes e bolando graves”. “Aves raras - Ma-
chado - ao longe de uma e de outra banda, pelas do céu tristíssimas campinas,
viam o correr da tempestade as aves negras, serenas lúgubres e graves”.

É interessante que os dois versos quase coincidiram, no emparelhado da oita-


va rima, estão todos usando a oitava. Góngora diz Infame turba de noturnas
aves emiendo tristes e bolando graves. Machado diz: “Viam o correr da tem-
pestade as aves negras, serenas, lúgubres e graves”. Mas se dissesse que não
era um traço barroco, e sim romântico, tem aqui a prova, nenhum romântico
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teria escrito isso: “Pelas do céu tristíssimas campinas, viam o correr da tem-
pestade as aves” - quem está dizendo isso é Machado. A expressão sintática
correta seria “pelas campinas tristíssimas do céu”, mas a inversão é típica do
barroco.
Portella é uma pessoa que conhece bem, viveu na Espanha e sabe bem qual é
essa obra de Góngora. E sabe muito bem que nessa inversão - “viam o correr
da tempestade as aves” - viam as aves correr da tempestade seria a forma de
esperar, possivelmente, não é? Mas não é.

Há uma passagem também, em que Góngora (já me referindo a Góngora,


quando foi criticado pelo excesso de inversões, pelo excesso de hipérboles), o
Pedro de Valencia enviou a ele uma carta, achando que Góngora estava sendo
exagerado: “Demétrio diz que os que afetam grandeza no dizer, errando, caem
em frieza, o que acontece de diversas maneiras. A primeira, por seu pensa-
mento hiperbólico em demasia e impulsivo”.

Como um poeta disse a Homero que “no penhasco que o gigante jogou na nau
de Ulisses, o Polifemo, cabras iam pastando descuidadas”. Mas vejam só,
“cabras pastando descuidadas”, é uma referência de um clássico, e ele aceitou,
quer dizer, pode-se fazer uma coisa dessas, não há problema nenhum. É “ca-
bras iam pastando descuidadas”. Ainda bem que essa coisa não tem sido mui-
to explorada.

Uma das razões que tornam a poesia de Machado de Assis fechada ao leitor
moderno é o caráter reflexivo de sua expressão. Essa é uma das características
da poesia antiga desde Homero, passando por Virgílio e Horácio, e imprimin-
do a sua marca aos poetas posteriores que, em qualquer época, escreveram
segundo o cânon antigo. A estes Horácio, Virgílio e Homero é o que o Curtius
chama de clássicos normais.
A poesia lírica de Machado não expressa apenas sentimentos, mas aquilo que
ao pensamento vai sendo comunicado pela reflexão. A reflexão tem o poder
de multiplicar as combinações intuitivas, anula os entusiasmos afetivos, ge-
ralmente carregados de retórica, retórica prosaica e não retórica poética. Por
exemplo, a retórica de um Homero, de um Bucano, de um Shakespeare, de um
Camões, de um Goethe, são retóricas que se podem tolerar muito bem, e seri-
am até necessárias. Até mesmo o nosso Carlos Drummond de Andrade tem
momentos de alguma retórica.

Isso aqui está muito desarrumado, estou procurando para pular, tem muita
coisa, para não ficar demasiadamente longo. Sei que as pessoas - Nejar me
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disse - têm que falar durante uma hora. Mas há um ensaio muito antigo e do
qual os latinos também gostavam: O ideal da brevidade; o brasileiro não
aprendeu. E a brevidade é uma das coisas essenciais na literatura, acho que
tudo que é importante na literatura a gente pode dizer em um minuto, quase
tudo, mas, infelizmente, isso nem sempre é possível.

Estou voltando atrás, a um lugar onde há um poema das Ocidentais, onde


temos duas estrofes de Machado que dizem, vejam bem a construção: “Na
ávore que rebenta o seu primeiro gomo vem a folha, e lento se desdobra de-
pois a flor, depois o suspirar do pomo. Pois essa criatura está em toda obra,
cresta o seio da flor e corrompe-lhe o fruto, e é deste destruir que suas forças
dobra”.
Então, aqui tenho o ensaio de um italiano também, em que ele analisa o traba-
lho de Machado nesse poema, que se refere à vida e à morte da vida, destruin-
do a semente, brota, coloca o fruto, e assim, o fruto vai eternamente passando.
Mas, no mundo biológico, ele está destinado a não deixar rastro. No mundo
biológico existem todas as coisas, mas é como diz Homero, quando Diomedes
pergunta a Glauco, no Canto VI da Ilíada: - Quem são seus avós? - e este diz:
- Por que queres saber quem são meus avós? Os homens são como as folhas.
Quando chega o outono, elas caem e são arrastadas pela terra, e novamente
vem a primavera e reverdece tudo. Assim são os homens, nasce uma geração
e a outra perece”.

Esse sentido ocorre no mundo biológico, mas no mundo biológico há um ser


que é o homem e o homem tem a capacidade de construir monumentos, como
mostra Cassillo. Então, essas construções das artes plásticas, as construções
da linguagem, as construções das artes em geral, elas estão destinadas a se
transformar em monumentos. Como diz Horácio, vão viver mais do que a
fábrica imortal das pirâmides, e viverão por toda a eternidade. Quer dizer, a
pessoa passa porque está dentro do mundo biológico, mas aquilo que ela cons-
truiu fica, e então, seu nome se liga a ele. Duvido que matem Homero ou Dan-
te, porque sentimos apenas a ausência, mas, quando você fala em Dante, você
não diz que Dante morreu e nem fala em poeta Dante, e nem dá o nome dele
todo, você fala do poeta em si. Você diz Dante, li Dante, essa é a verdade que
fica.

A evidência estrutural que eu procurava ver é nesta enorme desorganização


que tenho aqui, é a seguinte. Há uma pequena composição de Machado, que
está também nas Ocidentais, onde podemos ver a perfeição de seu verso. É
quando ele fala de uma voz que se ouve, e essa voz ao ser ouvida é capaz de
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levantar um coração morto, um coração que está quase acabado, desfalecente.
Um pulso desfalecente, que ele pode levantar pela força da reflexão e pela
força da produção poética. Ele diz no poema: “Meu coração dolorido as suas
mágoas exala e volta ao gozo perdido quando ela fala”.

É um poema que traz uma epígrafe de Shakespeare: “Speak again my bright


angel”, que é do Romeu e Julieta - fale de novo, meu anjo de luz - é meu anjo
de luz. Infelizmente, não ocorreria aqui uma cura definitiva nesse coração
dolorido. Se assim fosse, o poeta revelaria o desejo de ouvi-la sempre, mas ele
diz: “Pudesse eu, eternamente ao lado dela, escutá-la, ouvir sua voz inocente,
quando ela fala”.

Agora o processo gradativo vai alcançando o seu nível mais elevado e logo se
inicia a curva de arredondamento expressivo, pois, como em Rilke, o poeta
escapando às contingências humanas, esquecendo as alegrias vivas e ligeiras,
eleva-se a um plano superior, onde a antiga tristeza não possa, como nos ver-
sos iniciais, retornar ao seu coração. “Minha alma já semi-morta conseguira
ao céu alçá-la, porque o céu abre uma porta quando ela fala”. Somente uma
sensibilidade altamente refinada, agitada por um mundo de experiências sen-
soriais e individuais, poderia encontrar os elementos indispensáveis à realiza-
ção de um belo poema como este.

Se o leitor julga demasiadamente leitor ou ouvinte, fácil, então, convido a


escrevê-lo, não é necessário ser senão um poeta para fazê-lo. Mas se alguém
pode achar que faz isto, e que nada há de novo , que não tem a sutileza psico-
lógica de um Laforgue, de um Tristan Cambian, mas tem uma consciência
própria, uma dimensão particularíssima - é Machado de Assis. Não é Byron,
nem Leopardi, nem Victor Hugo - é Machado de Assis, um poeta brasileiro, e
poderíamos dizer até, um poeta universal.

Naquela ocasião em 1997, quando estive em São Paulo para fazer uma confe-
rência na Faculdade de Direito sobre o sesquicentenário de Castro Alves, na-
quela Comissão em que estava com Portella, estive verificando que, na classi-
ficação das mais poéticas de Henry Wells, tem sete tipos de imagens, entre
elas: a imagem decorativa, a imagem exuberante, chamada metáfora das mas-
sas, a imagem radical, a intensificadora, que é a de Dante, que é a imagem de
grande visibilidade, que dá grande visibilidade às coisas. É a imagem de Dan-
te que pode tornar visível aquilo que não é possível ver.

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Você pega, por exemplo, uma passagem em Dante no Canto XIV do Inferno,
onde os conceitos abstratos não podem ser vistos. Não podemos dar provas de
conceitos abstratos. Se eu disser que estou com dor de cabeça aqui, posso
apenas estar dizendo que estou com vontade de ir embora, de sair. Dor de
cabeça, estou passando mal; isso não digo porque a pessoa não dá prova disso,
pode não estar passando, pode até estar passando muito bem. Então, o indiví-
duo diz que aquilo que Dante quer dizer, nós não sabemos. Mas ele nos mos-
tra que, dentro do Monte Ida, na Ilha de Creta, no interior do Monte, tem um
velho cujo rosto é todo de ouro, o tronco é de prata, todo o resto de ferro, e
um pé de barro. Não é mais do que algo ligado ao sonho de Daniel.
Mas quando está já em pleno Inferno com , e que ele vê as águas do Inferno,
aquelas águas enormes dos Quatro rios: do Corcite, do Aqueronte, do Estígio
e do Flejetonte, que é um rio de fogo, então, ali naquela ocasião, o Dante vai
dar a explicação concreta, vai nos mostrar aquilo que a gente não pode ver. E
o que é que a gente não podia ver? O velho que está lá dentro do Monte Ida, e
de quem sai água, saem lágrimas por todo o corpo, choram por toda a parte do
seu corpo, com exceção da parte de ouro - é o tempo.
Mas o tempo é um conceito abstrato, então, posso ver o velho na figura de
uma estátua, que é o tempo velho ali. Que velho é aquele? É o tempo. Macha-
do de Assis é o tempo, se é o tempo, eu posso ver. É o tempo e o vento, na
forma de quê? De uma figura. E o sofrimento humano está representado pelos
rios cheios de lágrimas. Aqueles rios são as lágrimas do sofrimento humano,
da humanidade, concretizam-se na forma de rios, de lagos.
Dante, inclusive, quando coloca a parte do Corcite em baixo, ele bota de gelo,
e para dar mais força ao gelo, Satanás está enfiado ali dentro do gelo, pois ele
caiu dentro do gelo, comendo a cabeça de Brutus traidor, de César e de Cás-
sio, e ainda mais, a de Judas, traidor de Cristo. São três cabeças, é uma coisa
grotesca.

É aí que o T.S. Eliot coloca uma forma em que ele diz que o demônio está
encerrado num lugar - e aí eu acho que o grande Eliot não examinou, com
todo o cuidado da sua crítica, o significado daquilo que foi colocado ali. Isso
Machado viu, é o seguinte: aquilo não é um lugar, aliás, no meu livro Os ca-
valeiros de Júpiter, antes de o papa dizer isso agora, que não existe inferno,
não existe purgatório, nem existe paraíso, o papa chegou a dizer mesmo agora
- porque isso são estados, são estados da alma, não é lugar, não é um lugar, o
inferno não é um lugar, é um estado, é um estado da vida humana da pessoa.
Nós podemos estar aqui com várias pessoas, e uma estar no inferno ou poderia
estar no purgatório ou estar no paraíso, depende de sua conduta, das suas vir-
tudes.
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É claro que aqueles que Dante condena, Dante condena lá colocando-os com
o direito a um direito aristotélico, ele se baseia nas categorias de Aristóteles
para criar esse tipo de punição. Mas o que digo é que Castro Alves, quando
utiliza essas imagens de Wells, a imagem intensificadora, todas essas outras
imagens, então, Castro Alves utiliza a imagem decorativa.

Machado de Assis nunca usa a imagem decorativa. A imagem decorativa é a


imagem das massas, a imagem de uma literatura pobre ainda, daí essa coisa de
o sujeito cantar assim, por exemplo:
“Era no dois de julho. A pugna imensa
travara-se nos céus da Bahia...
O anjo da morte pálido cosia
Uma vasta mortalha em Pirajá.
Neste lençol tão grande e tão extenso
Como se fora uma dobra do infinito,
O mundo perguntava erguendo um grito:
- Qual dos gigantes morto rolará?”
Você pode imaginar Machado de Assis escrever uma história dessas? Nunca.
Nunca escreveria, porque isso é tipo de uma poesia de um jovem, e numa
literatura jovem, não é própria. Machado era jovem, mas tinha uma capacida-
de reflexiva tão forte e um conhecimento tão denso - como vimos pelos textos
poéticos que ele fez de Teoria Literária, Teoria crítica -, que ele não iria fazer
isso. Ele utiliza a imagem sumida, que é própria de Shakespeare.

Por exemplo, no Rei Lear, o Edgar chega e diz para o velho Gloucester, já
com os olhos arrancados: - Cordélia foi presa com o rei. Fuja! - Ele está com
os olhos arrancados, ele diz: - Meu filho - ele não sabe ainda nem que é o
filho dele, é o filho dele, mas está oculto -, se é para ser enterrado, apodrecer
na terra, tanto faz apodrecer aqui como em qualquer outro lugar. Fico é aqui
mesmo. É aqui. - Aí ele diz: “- Sempre com os teus pensamentos funestos”.
Quer dizer, estava errado quando Gloucester diz: - Fuja! E aí o velho foge,
depois que ele diz isto: - Os homens têm que daqui irem, assim como aqui
virem. A maturação é o que importa.
Então, essa imagem é poderosa porque a imagem de maturação é posta em
analogia com os elementos de maturar da natureza, o ciclo da vida vegetal
com o ciclo da vida humana. Nós nascemos para fazer alguma coisa e aguen-
tar e suportar a vida, de qualquer forma, até o fim. Nós devemos sair do mun-
do, da mesma forma com que entramos no mundo, com essa mesma dignida-
de.
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É claro que ninguém pediu para vir ao mundo, mas ninguém vai pedir para
sair do mundo, nós não pedimos isto. E isso já foi dito pelo Gloucester. Quan-
do Gloucester está conversando com o conde Kent, no início da peça, ele diz:
- Este que está aí atrás é Edmundo, meu filho. Ele não veio ao mundo porque
eu quisesse, ele veio contra a minha vontade, mas este é bastardo - usou a
palavra “bastardo” -, é bastardo, mas gosto dele tanto quanto gosto do outro. -
Aí diz: - Edmundo vem cá - o Edmundo chega, ele apresenta ao conde Kent.
E diz: Olhe, confesso que ele é um bastardo, mas a mãe dele era tão bonita,
que senti um prazer enorme em fabricá-lo. - Está lá escrito, ele diz lá: “fazê-
lo, fabricá-lo”. Aí disse: Mas não se pode negar que é muito bonito também,
este filho da puta.- Está lá escrito, ele diz lá. Está escrito no início do Rei Le-
ar, no primeiro ato, é logo no primeiro ato.

*
Portanto, a gente verifica que o problema de poesia no Brasil é um problema
de se estudar mais, e haver mais uma certa união entre os próprios escritores,
a qual não vemos aqui dentro do Brasil. Se vê na América Latina, mas não se
vê dentro do Brasil. No Brasil é aquela dispersão tremenda. Na América Lati-
na, já ganharam vários Prêmios Nobel de Literatura, e é por isso que, quando
um ganha um prêmio, se reúnem todos para fazer festa em torno daquele indi-
víduo. Quando há uma coisa um com outro, é coisa rara. Mas no Brasil, não, é
sempre um procurando botar o outro para trás, colocar numa posição inferior,
é tudo isto. Querer um dizer que é o maior este, que é o maior, o menor, não
se faz isso em canto nenhum do mundo. Aqui é assim.

Verificamos que todo o trabalho de Machado de Assis estaria quase perdido,


se não fosse ele ser tão bom que fez um romance espetacular. Dominou no
romance. Quando Sílvio Romero dizia que ele não prestava de modo nenhum
na poesia, ele foi para todo o lado, foi para a crítica; no fim, ele é melhor do
que Sílvio Romero em tudo, na poesia, em tudo, inclusive do que aqueles que
este julgou. Sílvio Romero achava que o maior poeta era Tobias Barreto, mai-
or do que Castro Alves e tal, mas mesmo assim, era o grande. Hoje, Sílvio
Romero é apenas um membro, uma pessoa recordada aqui na Academia Bra-
sileira de Letras, porque bem diferente de Nabuco, que trabalhou com Macha-
do de Assis, parece que foi o primeiro-secretário, secretário-geral, não foi?
Foi o Joaquim Nabuco.

Peço desculpas a todos, pela forma desorganizada de vir lá do Recife fazer


uma conferência, e acabar não fazendo conferência, fazendo uma fala, quase
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um tipo de aula, coisa que gosto de dizer para os meus alunos, quando não
vejo aqui alunos, vejo só gente muito mais competente do que eu, e que podia
estar na mesa falando.

Muito obrigado ao presidente Tarcísio Padilha pelo convite que me fez para
participar deste Ciclo de Estudos; também ao Carlos Nejar, pela apresentação
que fez, e dentro do lugar-comum, podemos dizer que foi uma apresentação
de amigos. Obrigado pela presença das pessoas que estão aqui, de pessoas
como Antonio Olinto, Lêdo Ivo, com quem tenho estado sempre nesses con-
gressos por aí afora em Maceió. Um dia, até eu dei um grito tão grande lá, ele
estava dormindo, eu estava falando sobre Jorge de Lima, dei um grito que ele
se assustou e disse: - O que foi isso? Eu disse: - Lêdo Ivo!!! - ele aí acordou.
Vejo aqui o Eduardo Portella, a Lygia Fagundes Telles, que para mim é uma
das pessoas notáveis da literatura brasileira. Essa palavra “notável” não fica
bem para ela, ela está muito acima disso. Ivan Junqueira, o Marco Acyoli, que
está aqui hoje, do Recife, meu companheiro na Universidade e na poesia tam-
bém.

Eu tinha passado do tempo que me havia sido dado de prazo, uma hora, mas o
que falei numa hora foi demais. Desculpem por ter falado tanto. Muito obri-
gado.

Presidente TARCÍSIO PADILHA:


O conferencista ficou rigorosamente dentro do prazo e nós ficaríamos muito
mais tempo aqui a ouvi-lo. A grande verdade é que a Academia vem convi-
dando ultimamente alguns escritores de valor do Nordeste, e não tem nenhu-
ma razão senão para rejubilar-se.

Aqui esteve um excelente conferencista vindo da Bahia, que revelou toda a


amplitude da sua cultura, uma grande verve, e aqui e ali desferiu alguns mís-
seis; por exemplo, foi o caso de Carlos Drummond de Andrade sobre quem
ele fez alguns reparos, gerou uma pequena polêmica, mas deu muita vida,
muita riqueza. Tenho a impressão que a Academia deve convidar sobretudo os
nordestinos para fazer conferências aqui nestes Ciclos.
E agora nos vem do Recife um excelente poeta, bastante conhecido; ele nos
recordou aqui, antes da conferência, que nós já tivemos vários contatos no
Conselho de Educação. Eu não diria que ele propiciou uma espécie de casa-
mento, mas, seguramente, um noivado firme entre a poesia e a ciência, no
começo da sua exposição. Ficamos admirados de verificar, na verdade, a am-

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plitude dos seus conhecimentos em áreas que, normalmente, não são havidas
como áreas de domínio dos poetas.

Por outro lado, a sua exposição extremamente rica foi uma belíssima aula de
literatura comparada. Revelou exatamente nesse passeio, nesse périplo por
literaturas de outros Continentes, um domínio pleno. Aqui e ali, soltou uma
crítica em relação ao criticismo francês, deixou entrever maior afinidade com
a tradição talvez inglesa, não sei se interpretei bem, e o Sílvio Romero passou
por maus momentos. Mas, em outros momentos, ele conseguiu recuperar um
pouco o nosso confrade, que assim saiu incólume ao fim da conferência.

Gostei muito das suas observações sobre o problema da Ciência da Literatura,


revelando uma compreensão bastante ampla de que a era da ideologização da
Ciência, como esse saber meramente experimental, isso não tem mais sentido.
Quer dizer, a riqueza enorme, essa sadia desintegração do conhecimento, di-
gamos assim, dos saberes, é o imperativo do presente. E há um enriquecimen-
to nessa busca sempre de uma visão de unidade, que nós jamais conseguimos,
mas que sempre perseguimos.

Por igual também, as suas considerações sobre este pós-moderno ou pós-


modernidade, quando, na verdade, talvez Rouanet tenha razão em falar nessa
modernidade funcional, da modernidade emancipatória. Quer dizer, de um
lado, tem a razão; de outro lado, tem a autonomia. Talvez seja mais por aí que
esteja trilhando a nossa cultura.
No relativo a Machado de Assis, à poesia de Machado de Assis, sobre a qual
não poderia falar e sim, aqueles que estão aqui me ouvindo - o poeta Nejar,
Lêdo Ivo, Eduardo Portella, Ivan Junqueira, Antonio Olinto e todos os colegas
-,agradou-me particularmente o fato de o conferencista haver sublinhado o
caráter reflexivo da poesia de Machado de Assis, e essa reflexão tem muito a
ver também com a sobriedade do estilo machadiano, que acho que é uma das
razões para a sua perenidade o fato de ele haver (como frisou o conferencista)
conseguido anular os entusiasmos afetivos que, muitas vezes, cercam o Ro-
mantismo, e às vezes, lhe reduz o ritmo, vamos chamar assim, de seriedade
cultural.

Por outro lado, tivemos aqui umas revelações interessantes. Por exemplo,
quando ele citou, se não me engano Dante, ficamos sabendo que o Diabo en-
trou numa fria. Isto me pareceu particularmente importante, sobretudo levan-
do em conta a assertiva papal de que não há um locus para o inferno. Sartre
diria outra coisa, “que o inferno são os outros”, mas não há um locus, nem
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mesmo um ubi, um situs, não é alguma coisa localizada. Então, é uma visão
muito mais profunda, e muito mais enigmática, por conseguinte, também.

Mas, enfim, não quero estender-me, certamente haverá indagações, haverá


participação da audiência. O que quero é agradecer, em nome da Academia
Brasileira de Letras, em nome do secretário-geral, que foi o organizador do
Ciclo, e dos demais acadêmicos, esta brilhante conferência, que dá sequência
a uma série tão necessária, que estava faltando. É uma celebração um pouco
antecipada do centenário das Poesias Completas de Machado de Assis. Muito
obrigado.

Quero franquear a palavra aos senhores acadêmicos, aos demais participantes.


O conferencista está à disposição para qualquer pedido de esclarecimento ou
qualquer indagação.
PLATEIA:
Professor, na prosa machadiana podemos encontrar alguns recursos literários,
como autor implícito, leitor implícito, do qual Machado faz uma autocrítica,
uma análise de sua própria obra, e às vezes, até mesmo o próprio narrador
machadiano atua como um intérprete da própria obra. - Na poesia machadia-
na, Machado faz uso de algum recurso poético para uma autocrítica?

Professor CÉSAR LEAL:


Está falando um pouco ligeiro, não estou entendendo bem.

PLATEIA:
Vou repetir. Na prosa machadiana, podemos encontrar alguns recursos literá-
rios, como o autor implícito, o leitor implícito. Machado através deles faz uma
autocrítica, uma auto-análise de sua própria obra, e até mesmo o próprio nar-
rador, às vezes, atua como intérprete da obra. - Na poesia machadiana, Ma-
chado faz uso de algum recurso poético para uma autocrítica das suas poesias?

Professor CÉSAR LEAL:


O que ele utiliza na poesia dele tem uma clara aplicação na prosa, porque isso
não pode ser dissociado. Num autor como Machado, em relação à poesia, a
própria crítica que ele fazia era uma crítica derivada da sua atividade como
poeta, porque Machado não desejou ser outra coisa mais do que poeta. A poe-
sia era aquilo que ele mais teve intenção de fazer, e a maior prova do desejo
de Machado e da crença da força da poesia dele, não adiantava nenhuma críti-
ca contra isso, é que ele publicou o primeiro livro com vinte e quatro anos, e
com sessenta e dois, faltando seis anos para a sua morte, ele juntou tudo isso.
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Um homem com a autocrítica que tinha Machado não publicaria a sua obra
poética com sessenta e dois anos de idade, se não verificasse que ela tinha
valor.

Acredito que ultrapassei a sua pergunta, que confesso não entendi bem ainda,
viu? Sou uma pessoa de um pensamento - ele falou bem. Ele falou uma coisa
que todo mundo tem apontado na minha crítica, sem eu ter tido essa intenção.
Até o Estado de São Paulo já colocou isto, por conta do próprio Estado, sem
ninguém escrever.

Diz assim: “O seu método é quase sempre comparativo”, saiu uma vez no
Estado de São Paulo. Realmente, não sei por que fui a isto. Fiz um trabalho
agora para o Canadá, que é este aqui, é uma História da América Latina. Es-
crevi um capítulo de quarenta e cinco laudas para essa História da Literatura
da América Latina, em três volumes. O segundo volume já está pronto, vai
sair em inglês pela Oxford University Press. Este ensaio que está aqui é sobre
o Recife como centro cultural. Aproveitei, e ao invés de fazer um estudo só
sobre o Recife como centro cultural, contar o que era Recife como centro
cultural, peguei desde a sua origem, de Nassau, e eles, então, descobriram que
em toda a América Latina - onde estão trabalhando cento e noventa e oito
especialistas da Alemanha, da Inglaterra, da França, de toda a América Latina
-, são dezenove centros culturais.

Desses dezenove centros culturais, dois não ficam situados na América Lati-
na, mas têm uma presença latina muito forte; são em Nova York e Paris, os
dois entraram como centros latino-americanos. O Brasil entrou com sete cen-
tros, e desses centros, o Recife foi um deles.

Fiz o meu trabalho e mandei. O Benedito Nunes estava no Congresso que foi
feito aqui, onde estavam o Mário Valdez, a Linda Hucho, que é aquela da
poética do pós-moderno, que me dou muito com os pós-modernistas. Inclusi-
ve porque o pós-moderno, conforme ela diz mesmo, porque é uma das maio-
res teóricas do pós-moderno, ela diz: - O pós-moderno não é, como muitas
pessoas pensam, uma coisa já definitiva. É uma proposta que está andando,
está em andamento, e já há grandes escritores que a aceitam, e há grandes
teóricos como Lotard, na França, o qual morreu recentemente e era um dos
grandes pós-moderno.

Mas, ao mesmo tempo, há um jovem filósofo francês da atualidade, que é o


Luc Ferry, que é totalmente contra a ideia de pós-moderno, e aqui nós tam-
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bém temos o Alfredo Bosi, que é totalmente contra a ideia do pós-moderno;
na Dialética da colonização, ele diz isto. Mas não adianta ser contra , nem
contra aquilo, porque a cultura tem que admitir tudo que aparece nela, desde
que tenha uma seriedade, tenha um objetivo. E os estudos que existem sobre o
pós-moderno já são suficientemente , para provar que o pós-moderno tem suas
grandes vantagens, suas grandes belezas. Aliás, tenho aqui um poema que se
intitula Teorias, e ele fala sobre o pós-moderno. Não sei se está fácil de achar,
vou ficar procurando, é muito difícil. Vocês desculpem, mas a teimosia é da-
nada, a gente fica com vontade de mostrar.

Há uma coisa muito interessante, é como a literatura aparece. Eu estava falan-


do sobre esse trabalho, do que ele falou no comparativo. Enquanto vou olhan-
do aqui, vou falando. Então, escreveu de lá o diretor do programa, Djelai Ka-
di, da Universidade da Pensilvânia, que não conhecia. Mas o Mário Valdez e a
Linda Hucho mandaram para os Estados Unidos, ao Djelai Kadi. Então, recebi
dele uma carta em inglês, um inglês até muito difícil, procurando saber qual a
minha formação, onde eu tinha estudado, onde tinha feito cursos, e isso e
aquilo, e que linha eu havia seguido, para ter feito um ensaio como esse assim
e tal.

Ele, sem eu saber nem por que, tinha dito que o diretor do programa tinha
comunicado que, de todos os trabalhos feitos no Brasil, quarenta e tantos auto-
res, só dois não tinham voltado, tinham ficado como tinham sido enviados, o
de Benedito Nunes e o meu. O resto, os daqui do Rio, da Bahia, de São Paulo,
voltaram todos, inclusive o de Nicolau Servicento, que estava lá, tinha volta-
do.

E como perguntara, eu mandei dizer a ele que só tinha feito três meses do
Curso Primário, e que tinha abandonado o resto, porque tudo o mais que eu vi
não aprendi. Obtive alguns diplomas, algumas coisas, mas fazia os diplomas
que obtive. Enquanto o professor dava aula, eu escrevia poema. Ouvindo ele
dando a aula lá, eu fazendo poema cá. Então, não podia dizer que cursei nada.
Só cursei esses três meses do Primário porque, de vez em quando, eu errava
alguma coisa e a professora lá no interior da minha terra me dava com uma
régua na cabeça, eu tinha muito medo. Então, tinha que aprender isso, eu tinha
seis anos, foi a época em que estudei na minha vida, foi aos seis anos.

Isso que estou afirmando aqui ele deu em cheio, quando falou que havia algo
de comparativo. O homem, então, vem de lá e falam todos eles que eu fiz o
que eles queriam, que é um estudo comparativo, uma base nova da literatura,
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porque no Brasil não temos mais História da Literatura. As Histórias da Lite-
ratura no Brasil estão obsoletas. Eu disse isso e o Eduardo Coutinho foi quem
me convidou para fazer isso.

Eu digo que nós temos um pouco ainda da História de Afrânio Coutinho, por-
que o Eduardo com a formação que tem, tem procurado, continuamente, me-
lhorar a História da Literatura de Afrânio Coutinho. O Afrânio Coutinho é
uma figura notável, e eu o cito nesse trabalho dos Cavaleiros de Júpiter, pelo
que ele fez, mas quando ele fez a História da Literatura Brasileira, ele enco-
mendou o capítulo do Nordeste sabem a quem? A Aderbal Jurema, um sena-
dor que escreveu vinte e seis poemas, que ninguém nunca mais no Recife
conhece sequer uma linha desses versos, ninguém sabe quem é. Você sabe
quem é Aderbal Jurema? Foi Aderbal Jurema quem escreveu aquele capítulo.
Então, a nossa História da Literatura precisa empregar os métodos de Riden
Right, precisa empregar o de David Perkins, precisa empregar aquela ideia da
História Total de Michelet. Eles não têm nada disso, é preciso entrar por este
campo, fazer sempre estudos comparativos. É necessário que se façam estu-
dos, incluindo muito mais filosofia, incluindo mais ciência dentro das histó-
rias literárias, incluindo todos os elementos de onde sai o centro cultural. O
que é um centro cultural? O centro cultural é aquele lugar de onde emerge
uma literatura. A literatura não cai do céu. A única coisa que cai do céu, de
certo modo caiu do céu, é uma grande obra muito elogiada em São Paulo: é
aquela coisa que se chama História da Literatura, mas não é História da Lite-
ratura.

A minha formação, de Antônio Cândido, ela chega no século XVII, numa


certa parte do século XVII, e ele está com oitenta e tantos anos, podia ter feito
uma boa obra, mas terminou no Romântico e acabou. Então, isso aí completa.
É uma obra que não tem rabo, nem tem cabeça, é dentro daquele espírito de
dar uma formação, mas é preciso que se renovem esses estudos.

Não podemos ficar sujeitos a teorias de literatura da chamada História Conci-


sa. Isto é para mercado, é para aluno que vai fazer curso vestibular, fazer cur-
so disso, ou aquilo, pega Histórias Concisas, Histórias disso, daquilo. Sai edi-
ção, edição e edição, e o indivíduo não reforma as edições. É preciso fazer
uma nova. Temos que fazer uma História da Literatura que reflita a realidade
da literatura feita no Brasil, não só agora, mas também no passado, mesmo
porque estão obsoletas todas as nossas Histórias Literárias. Nós estamos sen-
do salvos pelos críticos literários, alguns críticos, porque outros só fazem mais
é confusão.
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