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POPULAR EM VERSO

LITERATURA

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA


FUNDAÇÃO CASA DE RUI BARBOSA
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA A
LITERATURA POPULAR EM VERSO

ANTOLOGIA TOMO TI

LEANDRO
GOMES DE
BARROS-2

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA


FUNDAÇÃO CASA DE RUI BARBOSA
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
1977
A xHugravura reproduzida na capa, de autor desconhecido, pertence
ao acervo da Fundação Casa de Rul Barbosa.
LEANDRO GOMES DE BARROS - 2
FUNDAÇÃO CASA DE RUI BARBOSA
R. São Clemente, 134 — Rio de Janeiro,

do UNIVERSIDADE FEDERAL DA*PARAÍBA


Av. Pres. Getúlio Vargas — João Peisoa, PB
APRESENTAÇÃO

No ano de 1976, em convênio com a Fundação Uni-


versidade Regional do Nordeste, de Campina Grande
(Paraíba), a Casa de Rui Barbosa, na série “Literatura
Popular em Verso”, publicou o tomo II da sua Antologia,
compreendendo doze folhetos da Coleção Leandro Gomes
de Barros.
Conhecido apenas de especialistas na chamada “'lite-
ratura de cordel", não é exagero dizer que esse volume
veio revelar a muitos leitores, sobretudo do Sul, o estro
desse cantador paraibano, falecido no Recife há quase
sessenta anos, e cujas edições autênticas, tiradas em vida
do autor, são hoje bastante raras.
Em artigo que teve grande repercussão, embora cau-
sasse certa perplexidade, Carlos Drummond de Andrade
chegou a afirmar que a láurea de “príncipe dos poetas
brasileiros'”, outorgada, em 1913, a Olavo Bilac, a rigor só
podia caber a Leandro Gomes de Barros, “planta serta-
neja vicejando à margem do cangaço, da seca e da po-
breza ””.
“Leandro — observa o poeta itabirano — foi o grande
consolador e animador de seus compatrícios, aos quais
servia sonho e sátira, passando em revista acontecimen-
tos fabulosos e cenas do dia-a-dia, falando-lhes tanto do vil
bot misterioso, filho de vaca feiticeira, que não era outro
sendo o demo, como do real e presente Antônio Silvino,
êmulo de Lampião.”
Cresceu, assim, o interesse em torno da obra desse
fecundo rapsodo sertanejo, que estudiosos das manifes-
tações folclóricas nacionais sempre consideraram, aliás,
o mais importante e representativo dos nossos cantado-
res populares.
Ora, a coleção de folhetos de Leandro Gomes de Bar-
ros, que a Casa de Rui Barbosa possui, de forma alguma
se esgotou com aquela publicação. Sabedor disso, outro
centro de estudos do pequeno Estado natal do poeta — a
Universidade Federal da Paraíba — interessou-se em ree-
ditar toda a obra de Leandro cuidadosamente guardada
nos arquivos desta Casa.
Um convênio fot solenemente firmado entre ambas
as instituições, e, como resultado dos entendimentos,
surge este segundo volume da Coleção Leandro Gomes de
Barros, ao qual outros se seguirão, até exaurir-se o acer-
vo que a Casa possui desse cantador. É sabido, contudo,
que esses volumes não representarão sendo pequena par-
te da sua obra, que, segundo consta, abrangeria mais de
mil produções, muitas das quais correm mundo sob a res-
ponsablidade de outros folheteiros, como João Martins
de Ataíde e José Bernardo da Silva.
O que importa, porém, não é tanto a quantidade,
mas a autenticidade. E esta fica assegurada, já que as
edições, como a anterior e a atual, serão fac-similares.
Para atender a justas ponderações da Universidade, até a
apresentação gráfica dos volumes foi alterada, saindo
eles agora de acordo com projeto elaborado pelo especia-
lista em programação visual Salvador Monteiro.
Leandro Gomes de Barros é de fato a grande figura
da “literatura popular em verso”, curtosa manifestação
artística do nosso povo, florescente sobretudo na área
que se estende da Bahia ao Pará.
vi Nascido aos 19 de novembro de 1865, no município de
Pombal, sertão da Paraíba, e falecido a 4 de março de
1918, no Recife, o poeta terta sido dos poucos a viver ex-
clusivamente da venda dos seus “romances”, e na capa
de um destes, editado no princípio do século, avisava aos
seus fregueses e amigos que morava em Areias, arrabalde
do Recife (endereço: para a Estação de Aretas ) e que “'re-
meterá pelo correio todos os folhetos de suas produções
que lhe sejam pedidos". Como notou Horácio de Almei-
da, “era de seu sistema deixar inacabados os poemas
num folheto para dar continuídade noutro, com o que
visava a manter preso o leitor”. Truque de repentista que
já naquela época, e num meio como o Nordeste dos prin-
cípios do século, vivia do produto de sua obra.
Nos poemas enfeixados neste volume, Leandro Go-
mes de Barros continua a servir aos leitores — segundo a
síntese feliz de Drummond — sonho e sátira. Comenta
fatos a que assistia ou que lhe chegavam ao conhecimen-
to, como a aparição do cometa de Halley (que, segundo se
pensava, marcaria o fim do mundo); a crise decorrente
da seca de 1915, e a estranha história d'“O Cachorro dos
Mortos"'; glosa, com bom-humor, novos hábitos sociais,
como os descritos no folheto “As Cousas Mudadas''; nar-
ra as proezas de Antônio Silvino e as manhas de João
Leso, que conseguiu iludir o bispo; recorda a peleja havi-
da entre Romano da Mãe d'Água e Inácio da Catinguei-
ra; e sobretudo se revela o implacável crítico de medidas
postas em prática pelo Governo, como o imposto do selo.
Embora não se possa dizer dominante, a nota humo-
rística está presente em inúmeros poemas de Leandro.
Como se fosse um Schopenhauer sertanejo, não poupa
críticas às mulheres e aos gastos supérfluos que costu-
mam fazer:
“A mulher numa algibeira
Chama-se tiro seguro
Porque ela entra num bolso
Que só fogo no monturo
Só trinchete em melancia
Colher em mamão maduro. '' IX
Às vezes, roça o humor negro, como nestes versos:
“Um velho como dos Anjos
Já se assina por defunto.
A sepultura já diz
Não tarda aquele presunto."
Ou nestes outros, em que descreve a terrível situação
a que ficara reduzido um conterrâneo:
“Deu-lhe bouba nas botinas
Erisipela na capa
Deu-lhe sarampo nas metas.
O lixo botou-o no mapa.
Já a filha tinha dito:
— Mamãe, Papaí não escapa."

Situação de penúria só comparável à daquele outro


conhecido:
“A quebradetra do Chico
Estava inflamada e ruím.
No sujo da roupa dele
Estava nascendo capim.
E no fundilho da calça
Tinha casa de cupim.”

Implicava com modernidades, e as “cousas muda-


das", que observava ao redor de si, aguçavam sua veia
satírica:
“Hoje se vé uma moça,
Ninguém sabe se é rapaz
Anda com calça e chapéu,
Pouca diferença faz.
o... ........

Muito breve os homens fazem


Calça e camisa com renda.”

As citações poderiam multiplicar-se. As que af ficam,


porém, são suficientes para dar ao leitor idéia do enge-
nho poético de Leandro Gomes de Barros, cantador que,
graças a estas edições, os jovens poderão ler e, por certo,
X aprenderão a estimar.
:
Estudada hoje nas Universidades, a poesia desse vate
primitivo se presta a várias interpretações, podendo ser
analisada do ponto de vista não só linguístico, mas tam-
bém histórico, sociológico, antropológico, etc. Por isso
mesmo, é bom que as edições sejam fac-similares.
Assim, no campo filológico, futuramente poderão ser
estudadas e comentadas por especialistas formas como
as que, entre inúmeras outras, despertaram nossa curio-
sidade, na leitura que fizemos dos folhetos, ao preparar-
mos esta Apresentação: aleia (alheia); cobras vorais (vo-
razes); ex aqui o assacino (eis aqui o assassino); vinhe-
ram (vieram); e hlumado (inumado). O Prof. Adriano da
Gama Kury, Chefe do Setor de Filologia deste Centro,
deu para esses fatos linguísticos as seguintes explicações:
a forma aleia reproduz a fala popular do Nordeste, onde é
comum a perda da palatalização do fonema lh, como
ocorre, por exemplo, em mulé (mulher); vorais também
seria a reprodução gráfica da fala popular, já que, no
Brasil, é muito rara a pronúncia voraz; em cobras vorais,
então, estaria havendo apenas a equiparação da forma
do singular à do plural; em ex aqui o assassino, estar-
se-ta dando à partícula latina ex (éks) a pronúncia cor-
rente entre o povo, que é eis (ex-deputado, etc. ), e fazen-
do-a funcionar como um denotador de designação; vi-
nheram será um vulgarismo explicável por influência da
nasalização da forma verbal vim; e, finalmente, em hilu-
mado terá havido, na grafia, a troca da posição do h, já
que a palavra, antigamente, se escrevia inhumado.
Fizemos questão de trazer para cá estas observações,
para mostrar como os folhetos de cordel são ricos de su-
gestões e oferecem campo às mais variadas e interessan-
tes pesquisas, abertas agora à curiosidade dos estudiosos.
Para aqueles que somente com este volume se iniciam
na leitura de Leandro Gomes de Barros, convém referir
que o critério adotado na organização desta série é o de
ordem alfabética do primeiro título que aparece no folhe-
to. Frequentemente, este reúne dois ou mais títulos, ndo xi
sendo viável, assim, para edições fac-similares, tentar
uma organização temática ou de qualquer outra nature-
2a. A idéia de reproduzir os folhetos em ordem cronológi-
ca teve, também, de ser afastada, uma vez que muitos
deles não trazem data de publicação.
Às vezes, dado o interesse que pode ter o confronto de
diferentes versões, reproduz-se mais de uma edição do
mesmo folheto, sobretudo quando, como ocorre neste
volume com a história O Cachorro dos Mortos, uma delas
se acha danificada, e a outra contém numerosas anota-
ções, presumivelmente do próprio punho do poeta.
Antes de'*conclutr, queremos louvar o descortino e a
alta compreensão do Reitor Lynaldo Cavalcanti de Albu-
querque, preocupado em fazer da Universidade Federal
da Paraíba um centro de estudos voltado também para o
meio físico e a realidade social da área a que serve. Gra-
ças a essa esclarecida diretriz é que se póde pensar na
edição não só deste, mas dos outros volumes de “'literatu-
ra popular em verso"' que se seguirão, divulgando e pon-
do ao alcance das novas gerações um autor tão típico do
Nordeste como Leandro Gomes de Barros, que, se não
chegou a ser “príncipe de poetas do asfalto"', como notou
Carlos Drummond de Andrade, foi, no julgamento do po-
vo, “rei da poesia do sertão e do Brasil em estado puro”.
Rio de Janeiro, novembro de 1977.

HOMERO SENNA
Diretor do Centro de Pesquisas

XI
INTRODUÇÃO

A Universidade Federal da Paraíba, sob o reitorado


lúcido e corajoso de Lynaldo Cavalcanti de Albuquerque,
está prestando um serviço extraordinário a todos os que
se interessam pela Cultura brasileira, ao se aliar à Casa
de Rui Barbosa no trabalho de preservação e divulgação
da Literatura de Cordel — no caso alguns folhetos raros
de Leandro Gomes de Barros.
O estudo que a Professora Idelette Muzart Fonseca
dos Santos apresentou sobre tais folhetos — e que fol
realizado juntamente com suas alunas de Literatura
Comparada, Raquel Arcoverde Nicodemos da Costa e
Francisca Neuma Fechine Borges — é admirável por sua
precisão, pelos ângulos novos sob os quais encara o pro-
blema, e também pelas sugestões valiosas que levanta.
Tentarei aqui, como comentário e colaboração, alinhar
algumas reflexões que fiz durante sua leitura.
Não creio que se possa afirmar com segurança ter
sido Leandro Gomes de Barros o primeiro a escrever fo-
lhetos no Nordeste. Foi talvez o primeiro a escrevê-los e
publicá-los regularmente, unindo seu trabalho de Poeta
ao de proprietário de pequena e rudimentar oficina gráfi-
ca — e creio que foi em tal sentido que tal afirmação foi
feita no referido estudo. Porque, assim como a xilogravu-
ra nordestina, antes de ser ilustração dos folhetos, fol
ilustração dos jornais, o mais provável é que folhetos es-
porádicos tenham sido impressos nas oficinas gráficas
dos jornais brasileiros antes do aparecimento de Leandro
Gomes de Barros como poeta.
A propósito das xilogravuras, cito um fato que me
parece da maior importância e que, a meu ver, está mere-
cendo atenção antes que se torne impossível fixá-lo, pois
está ameaçado de desaparecer sem registro: o Jornal O
Mossoroense, do Sertão do Rio Grande do Norte, já com-
pletou 100 anos e talvez seja o único, no Brasil, a manter
o ambiente e os melos que nos permitem estudar, no sé-
culo XX, como funcionava um jornal nordestino do sé-
culo XIX. Quem quiser ter uma idéia disso, vá a Mossoró,
veja seus tipos ou suas impressoras, e até a coleção quase
completa de tacos-de-madeira que a família Escócia-No-
gueira — sua proprietária desde a fundação — guarda
como relíquias de João da Escócia, e que servia para as
ilustrações das notícias do Jornal. Tenho cópia de três
dessas xilogravuras que me foram presenteadas pelos ne-
tos do fundador do jornal: um retrato de Dom Pedro I;
dois recém-nascidos xifópagos; e um estranho homem de
chapéu-coco e bigode, com um corpo só e duas cabeças
exatamente iguais! Já sugeri diversas vezes a entidades
várias, inclusive do Rio Grande do Norte, que tomassem
a iniciativa: como não houve jeito, e como por outro lado
o Nordeste é um país só, chegou a vez de sugerir à Univer-
sidade Federal da Paraíba que preste, inclusive ao Rio
Grande do Norte, o serviço inestimável de editar um ál-
bum com essas xilogravuras, que, a meu ver, indicam
terem sido as xilogravuras de jornal do século XIX ou dos
começos do século XX a origem das xilogravuras das ca-
pas dos folhetos.
Quanto à existência de folhetos impressos antes de
Leandro Gomes de Barros, lembro que fiz referência, no
“Romance d'A Pedra do Reino", a um folheto sebastia-
nista que, em 1836, já andava impresso pelo alto Sertão
2 pernambucano da Serra Talhada. A citação que fiz no
meu romance basela-se na ''Memória”' apresentada em
1874 por Antônio Ático de Sousa Leite ao Instituto Ar-
queológico de Pernambuco e publicada na revista desse
mesmo Instituto. Não se diz, nela, que o folheto fosse
impresso no Brasil; pode tê-lo sido em Portugal; mas por
outro lado, dependendo da sua posição na estrofe, os dois
versos do folheto nela citados — ''quando João se casasse
com Maria/aquele Reino se desencantaria” — podem
perfeitamente pertencer a um martelo já brasileiro. Luís
da Câmara Cascudo, se não me engano, diz que o primel-
ro folheto nordestino aqui impresso foi de autoria de Sil-
vino Pirauá Lima, o discípulo de Romano da Mãe d Água
e colaço de Josué Romano. Acho também temerária a
afirmação do Mestre, pois creio arriscado dizermos que
tal ou qual Poeta foi o primeiro a fazer ou imprimir fo-
lhetos.
O segundo assunto ao qual gostaria de me referir foi
já introduzido em seu estudo, através de citação de uma
carta minha, pela própria Professora Idelette Muzart
Fonseca dos Santos: seria o de acentuar a importância
mais literária do que jornalística dos folhetos. Como já
foi abordado, ali na carta, de maneira relativamente sa-
tisfatória — e também porque, como bom Nordestino,
quero me ater ao número 3 — vou substituí-lo aqui por
outro, aliás tratado de passagem, mas de maneira admi-
rável, por Idelette Muzart Fonseca dos Santos: é o das
relações e limites entre plágio e inspiração no campo dos
folhetos. A intromissão dos eruditos e a noção individua-
lista de posse de direitos autorais realmente têm acen-
tuado, nos últimos tempos, aquilo que primitivamente
era apenas esporádico, esboçado ou inexistente na Lite-
ratura de Cordel. De qualquer modo, pode-se dizer que,
assim como na Europa clássica-mediterrânea ou na ro-
mântica, em nossa Arte barroco-primitiva dos séculos
XVII e XVIII, e também em nossa Literatura popular, o
conceito de autoria individual era inexistente, quase ine-
xistente, ou, pelo menos, muito diferente daquele que se 3
tornou normal com o aparecimento do individualismo
moderno. A imitação — como Virgílio e os admiráveis
artistas românicos sabiam muito bem — era um proces-
so normal de criação. De modo que não têm muito senti-
do, dentro dessa visão, as reivindicações ardentes demais
que algumas pessoas, aparentadas direta ou indireta-
mente com Leandro Gomes de Barros, vivem fazendo, no
sentido de provar a cada instante que ele tenha sido “'o
maior”, '“'o único". Entenda-se bem que estou perfeita-
mente a par de tudo o que aconteceu a esse respeito,
assim como estou de acordo com a importância dos tra-
balhos de identificação e restituição de autoria empreen-
didos em tal sentido: tenho inclusive apoiado e ajudado
tais iniciativas, na medida das minhas forças e conscien-
te de minha qualidade de mero '“'curioso'' e apaixonado
pelo assunto. O que ocorre, porém, é que, levado por in-
formações bem-intencionadas mas passionais — algu-
mas do meu querido amigo Dimas Batista, por exemplo
— eu mesmo terminei sendo injusto com João Martins de
Ataíde, cuja oficina coletiva, entendida aqui como enti-
dade ou corporação no sentido românico ou barroco-
primitivo do termo, foi tão importante para a Literatura
de Cordel brasileira quanto a de Leandro Gomes de Bar-
ros. Em tais oficinas gráficas e poéticas a imitação e a
compra de originais era prática corrente, e na grande
maioria dos casos o Mestre, Poeta ou Impressor-chefe
julgava-se moral e economicamente quite com o autor-
colaborador pelo fato de ter pago o original — por sua vez
quase sempre criado a partir de imitação ou reinvenção.
Por esse mesmo motivo, acho também muito difícil iden-
tificar ou restituir uma autoria ''verdadeira'' apenas pe-
los acrósticos ou mesmo através de processos estilísticos,
pois no caso de tais Artes a originalidade não existe nem
é coisa que se procure: alguma que existia por acaso é
quase sempre involuntária; e somente através dessas ex-
ceções é que se pode talvez obter algum êxito nas identi-
ficações estilísticas.
Finalmente o terceiro assunto que gostaria de abor-
dar aqui é o da classificação da Literatura de Cordel. Já
propus, algumas vezes, a partir de Gustavo Barroso, uma
classificação, em ciclos, dos nossos folhetos. Numa des-
sas vezes, pedi que os estudiosos do assunto fossem apre-
sentando sugestões no sentido de completá-la. Diegues
Júnior fez uma tentativa nesse sentido, mas confesso que
discordei dela, pois ele volta âquilo que me parece o defel-
to capital das anteriores — o fato de incluir como ciclos
alguns subciclos como o de Lamplão ou do Padre Cícero.
Minha classificação abrangia seis ciclos. Em publicação
recente, Zadock Castelo Branco lembra que no 'Roman-
ce d'A Pedra do Reino”"' eu incluí outro ciclo, o de ''safa-
deza e devassidão”' (Confidencial Econômico Nordeste,
vol. 8, nº 2, fevereiro, 1977, pág. 31). Agora, uma sugestão
que me pareceu importante foi a da Professora Maria
Marta Guerra Husseini. em tese que apresentou na Sor-
bonne e intitulada ''La Littérature de Cordel autant que
Moyen de Communication au Nord-Est du Brésil", 1973,
págs. 106/108). Ali se sugere que se acrescentem aos 60u 7
ciclos alinhados por mim os seguintes: o político, o de
problemas sociais, as pelejas e desafios, e os folhetos de
utilização, que seriam aqueles feitos por encomenda e
propaganda.
Em tais casos busco sempre a síntese — de modo que,
para ficar num exemplo só, sempre considerei os folhetos
de crítica social incluídos entre os satíricos. Reconheço,
porém, que a síntese pode cair na omissão, assim como a
enumeração excessiva termina caindo nas repetições e
faltas de método da “'classificação'' popular que Liedo
Maranhão recentemente alinhou em estudo: ela é de
grande importância, mas apenas como ponto de partida
para uma reflexão, não podendo, evidentemente, servir
de parâmetro crítico. E
No estudo aqui apresentado, a Professora Idelette
Muzart Fonseca dos Santos, baseando-se em Vladimir
Propp, refere-se ao tema do Maravilhoso e do Fantástico. 5
Não conheço o texto de Propp. Também para mim não
ficou muito claro, no estudo, se, para os críticos, o mara-
vilhoso é uma coisa e o fantástico outra. Seguindo um
processo que aprendi no próprio estudo, porém, chego à
conclusão de que os dois são a mesma coisa. Senão, ve-
jamos:

O MARAVILHOSO

“O poeta dá largas à sua imagi-


nação”.
“O poeta cria seus heróis formi-
dávels".
“Magos, fadas, figuras misterio-
sas e bruxas”.

O FANTÁSTICO

“O poeta, admitindo o impossi-


vel, inventa um mundo novo".
“Esse mundo é povoado de va-
lentes heróis".
“Serpentes e dragões descomu-
nais, pássaros encantados”.

De qualquer modo, tendo em vista as sugestões que


me trouxeram os escritos dessas admiráveis e lúcidas
Professoras, ambas ligadas à Sorbonne, reformulo a ten-
tativa de classificação dos folhetos nordestinos da se-
guinte maneira: 1) Ciclo heróico, trágico e épico; 2) Ciclo
do fantástico e do maravilhoso; 3) Ciclo religioso e de
moralidades; 4) Ciclo cômico, satírico e picaresco; 5) Ciclo
histórico e circunstancial; 6) Ciclo de amor e de fidelida-
de; 7) Ciclo erótico e obsceno; 8) Ciclo político e social; 9)
Ciclo de pelejas e desafios.
A meu ver, os folhetos de utilização estão incluídos
6 no ciclo histórico e circunstancial, juntamente com os de
época. E, desde que se recorde que a utilidade de tais
classificações é apenas de natureza didática, não me pa-
rece que a classificação dos folhetos seja um problema
inútil ou de solução impossível.
Por tudo isso, agradeço a Lynaldo Cavalcanti de Al-
buquerque, Idelette Muzart Fonseca dos Santos, Raquel
Arcoverde Nicodemos da Costa, Francisca Neuma Fechi-
ne Borges, Liedo Maranhão e Maria Marta Guerra Hus-
seini a oportunidade e as valiosas sugestões que me de-
ram para voltar a esse assunto que cada vez me fascina
mais, cuja importância cada dia cresce a meus olhos — o
Romanceiro Popular do Nordeste.

Recife, 22 de abril de 1977

ARIANO SUASSUNA
NOVAS PERSPECTIVAS PARA ANÁLISE
DAS COMPOSIÇÕES POPULARES

A presente Antologia da Literatura Popular em Ver-


so, editada pela Fundação Casa de Rui Barbosa e pela
Universidade Federal da Paraíba, leva o número III, e,
igualmente ao 2º volume, é dedicada à Obra Poética de
Leandro Gomes de Barros.
Pareceu-nos necessário, nesta introdução, determo-
nos no próprio título da coleção Literatura Popular em
Verso, que vem sendo elogiada por numerosos estudiosos,
entre os quais Horácio de Almeida, profundo conhecedor
da cultura nordestina, e Mário Souto Maior, etnógrafo,
coordenador do ''Centro de Estudos Folclóricos"' do Ins-
tituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, do Recife,
autor de recente estudo consagrado à Literatura de
Cordel.'
Esta preocupação em rotular cientificamente tal lite-
ratura traduz uma mudança recente de atitude dos inte-
lectuais em relação a esta forma de cultura popular. Es-
tes, embora reconhecessem a existência e o valor da cul-
tura do povo, negavam-lhe até então o acesso às catego-
rias da cultura erudita. A definição de literatura de cor-
del, no Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portu-
guesa (supervisionado por Aurélio Buarque de Holanda)

DUARTE, Manuel Florentino et altt Literatura de Cordel Antologia Volume 1, São


Paulo, Global Editora, 1978, 187 p., estudo introdutório de Mário Souto Maior
na sua 11* edição, de 1969, testemunha esta desconfian-
ça: “de pouco ou nenhum valor literário, como a das
brochuras penduradas em cordel nas bancas dos jorna-
leiros””. Qualificada segundo as épocas e os países, de
subliteratura, paraliteratura, infraliteratura ou mais
claramente ainda de literatura de segundo plano ou '“'de
femme de chambre'' (Charles Nodier), a literatura popu-
lar vai receber os mais diferentes nomes nos países onde
se desenvolveu, os quais se referem ao aspecto físico dos
livrinhos ou folhetos, ou ainda ao seu modo de distribui-
ção: pliegos sueltos na Espanha, literatura de cordel em
Portugal, “folhetos de feira'' no Brasil e littérature de
colportage (de colporter, levar no pescoço, ou seja, lite-
ratura de mascate) na França. Estas diversas denomina-
ções traduzem e evidenciam a característica primeira e
fundamental da literatura popular, a sua impossibilida-
de de aceitar quadros fixos, impostos por uma cultura
erudita ou pela lei. Este caráter errático está presente na
sua temática, variada e tão diversa que sempre escapa às
tentativas de classificação e na própria restituição da au-
toria dos folhetos. Muitos destes foram publicados, ao
longo dos anos, sob diferentes nomes de autores, sendo
talvez possível medir a criatividade de um poeta ou o
sucesso de um folheto pela importância destes “desvios”
de autoria e às vezes de texto.
Leandro Gomes de Barros foi sem dúvida o poeta
mais imitado e mais plagiado da literatura popular nor-
destina. Talvez por ser o primeiro e um dos mais fecun-
dos, e também por ter versejado grande número de ro-
mances tradicionais, daqueles que Luís da Câmara Cas-
cudo chamou os Cinco Livros do Povo.* No Catálogo, to-
mo I da Literatura Popular em Verso, organizado pelo
Centro de Pesquisas da Casa de Rui Barbosa, em 1961,
são registrados apenas 6 folhetos atribuídos a Leandro
Gomes de Barros, enquanto 139 são de João Martins de

10 * CASCUDO, Luís da Câmara. Cínco Livros do Povo. Rio de Janeiro, José Olympio, 1953.
Ataíde. As pesquisas feitas por Sebastião Nunes Batista
perniltiram restituir a Leandro a autoria de mais de 50
estórias' entre as quais algumas das mais belas composi-
Er populares: História de Juvenal e o Dragão, História
Princesa da Pedra Fina, O Boi Misterioso e História de
Jodo da Cruz. Neste ultimo alteram o acróstico LEAN-
DRO para SEANDRO:

Edição de 1917

Lucifer ficou convulso


Esvaindo-se em furor
A almã rendia graças
Na presença do Senhor
Dando louvores ao anjo,
Rendendo graças ao Arcanjo
O seu grande defensor.

Edição de 1966
Satanás ficou convulso
Esvaindo-se em furor
A alma rendia graças
Na presença do Senhor
Dando louvores ao anjo
Rendendo graças ao Arcanjo
O seu grande defensor.

O estudo destes folhetos, entre outros, permitiu-nos


levantar algumas hipóteses às quais voltaremos mais
adiante.
As tentativas, por parte de estudiosos e colecionado-
res, apaixonados, de fixar, classificar, restituir a autoria
ou estabelecer a edição original de um folheto, são reve-
ladoras do real interesse que a literatura popular está
despertando nos meios universitários brasileiros e es-
* "Restituição de autoria de folhetos do Catálogo”. Tomo 1, da Literatura Popular em
Verso, tn: Literatura Popular em Verso. Estudos Tomo |. Rio de Janeiro, Fundação Casa de Rui
Barbosa, 1973, pp. 3391-410. 11
trangeiros.' Esta descoberta partindo do público erudito
poderia tornar-se perigosa para a literatura popular, cor-
rendo-se o risco de se lhe querer impor leis e regras que
lhe são estranhas, como o registro dos direitos autorais,
por exemplo, ou o depósito legal. Um bom exemplo deste
perigo nos é fornecido pelo que aconteceu na França no
século XIX, à 'littérature de colportage””.
Lembramos que, entre o começo do século XVII e a
segunda metade do século XIX, durante três séculos, foi
divulgada em toda à França uma massa de livrinhos,
avaliada em vários milhões de exemplares, cujos títulos
subiram aproximadamente a mil e duzentos. Entre estes
livrinhos, os mais conhecidos foram os da '“'Biblioteca
Azul", adaptação de novelas de cavalaria, contos de Per-
rault e Madame d'Aulnoye, História do Judeu Errante,
Gargântua, Carlos Magno ou os Quatro Filhos Aymon,
Roberto do Diabo, Pedro e Magalona, O Homem Miséria
(equivalente francês de Bernardo Cintura). Mas, os mas-
cates, principais divulgadores desta biblioteca, transmi-
tiam também folhetos de propaganda religiosa ou poliíti-
ca, que despertaram a atenção das autoridades. Desde
1635, foram publicados decretos cada vez mais restritivos
sobre as atividades desses mascates. O grande golpe,
contudo, foi a criação, em 1852, pelo governo imperial de
Napoleão III, de uma comissão para examinar o conjunto
da ''Biblioteca Azul'' e preparar listas de proibições. O
relatório do secretário desta comissão de censura, Char-
les Nisard, foi publicado sob o título de ''Histoire des
livres populaires ou de la littérature de colportage depuis
lVorigine de l'imprimerie'' e constitui, atualmente, um
dos poucos documentos de base para os estudiosos fran-
ceses que se interessam pelo assunto. O trabalho de regu-
lamentação e registro sistemático realizado pela Comis-
são foi um dos motivos do desaparecimento da literatura

* Várias teses de Mestrado e Doutorado, focalizando a literatura popular nos seus diversos
12 aspectos (literários, sociológicos, etc.), testemunham esta evolução dos estudos universitários
popular e, em 1870, praticamente não existiam mais edi-
toras para a ''Biblioteca Azul". Outro fator responsável
por esta extinção foi, sem dúvida, o desenvolvimento da
imprensa, trazendo notícias mais exatas e mais recentes,
bem como novelas publicadas sob forma de folhetim se-
manal.
O exemplo da ''Literatura de Colportage”"' leva-nos a
uma reflexão a respeito da função do instrumento de in-
formação. Antigamente era o único disponível no mundo
rural (versando sobre acontecimentos sociais e políticos,
catástrofes, milagres etc.). Tornou-se também veículo de
propaganda, utilizado para fins políticos, religiosos ou
comerciais, o que não era precipuamente a sua função. O
folheto é considerado, ainda, difusor da literatura tradi-
cional ou universal, pela ''tradução'"' na linguagem po-
pular de obras como os ''Cinco Livros do Povo", por
exemplo. Esta necessidade de uma tradução indica a
função principal do folheto, a função poética. Efetiva-
mente, como este poderia sobreviver, com o advento do
rádio e agora da televisão, se não era mais do que um
instrumento de informação e divulgação? Citamos a este
respeito, um trecho de uma carta de Ariano Suassuna
(endereçada a Idelette Muzart Fonseca dos Santos, em 26
de março de 1974) em que se esclarece perfeitamente esta
relação:
“Creio que, até agora, as pessoas que escrevem sobre
isso pôem toda a ênfase no folheto como meto de comunica-
ção, esquecendo a importância literária dele, a importância
do folheto como forma poética de que o povo gosta literarta-
mente mesmo e não apenas como informação. A respeito
disso, conto-lhe uma história: no dia da morte do Presiden-
te Getulio Vargas. um ''folhetista nordestino", ao ouvir,
pelo rádio, e ler, pelos jornais, a notícia do fato, começou a
escrever um folheto intitulado 4 Lamentável Morte do Pre-
sidente Vargas. Desse folheto, venderam-se 70.000 exem-
plares em 48 horas. Agora eu indago: se Ô Interesse era o da
notícia, por que o povo não se contentou com o rádio e os
jornais? Um jornal é mais barato do que um folheto e além
disso, naquele dia, as edições especiais sairam antes do 13
folheto. Então, se o interesse do Povo se limitasse à notícia,
era melhor comprar o jornal, mais barato e saído primeiro.
Se o povo comprou o folheto dessa maneira, era porque
estava desejoso de ver contado, nos termos literários e poé-
ticos que a ele correspondem, aquele acontecimento que
tanto o emocionara.”
Foi e é esta riqueza poética da “Literatura Popular
em Verso" que permitiu afinal o reconhecimento do seu
alto valor, sem que fosse necessário nem desejável para
ela ''engraxar os cascos para se elevar”, como pensam
alguns críticos.
Aplicando-se o método proposto por Vladimir Propp'
a um corpus limitado de 32 folhetos, chegamos a algumas
conclusões que consideramos válidas para o estudo de
textos populares. Distribuímos os folhetos em dois gran-
des temas: ''O Maravilhoso e o Fantástico” e “Deus e o
Diabo'' na Literatura de Cordel. Este último, por sua vez,
foi dividido em três subtemas: ''Encarnações do Diabo”,
“Encontros com o Diabo'"' e ''Misticismo e Fanatismo””.
O '“'Maravilhoso'' aparece como uma constante na
Literatura de Cordel. O poeta folhetista dá largas a sua
imaginação, criando seus heróis formidáveis e fazen-
do-os vencer toda sorte de atropelos. Esses heróis rece-
bem sempre o auxílio de magos, fadas, figuras misterio-
sas e bruxas, personagens também comuns aos folhetos
sob esse tema, os quais aparecem como ''doadores'"* e
ajudam os protagonistas desde a sua partida para um
lugar onde se encontra o objeto de sua busca até o regres-
so e a subida ao trono, doando-lhes objetos mágicos ou
substâncias capazes de vencer o tempo e o espaço.
O '“'Fantástico", por sua vez, faz parte do cotidiano
do poeta popular, que admitindo o impossível, inventa
um novo mundo para si e para o povo que o lê e ouve.
Esse mundo construído pelos narradores de Cordel é po-
voado de valentes heróis, de serpentes e dragões desco-
*PROPP, Vladimir. Morphologie du Conte. Traduction de Marguerite Derrida, Trvetan
Todorov e Claude Khan. Paris, Seuil, 1970.
14 *Vide PROPP, op cft., pp. 51-55.
munais — tipo de agressor muito comum a essas estórias
— de pássaros encantados, de bichos, coisas e vegetais.
Todos eles alimentam os sonhos e divagações dos seus
leitores e ouvintes, ao mesmo tempo que lhes revelam a
transitoriedade e a fraqueza das coisas.
Depois do estudo da estrutura narrativa dos dezesseis
folhetos selecionados em torno do tema “O Fantástico e
o Maravilhoso na Literatura de Cordel", verificamos
uma semelhança evidente entre dois tipos de narrativas:
a que constitui o folheto Juvenal e o Dragão, de Leandro
Gomes de Barros, numa versão de João Martins de Ataí-
de (proprietários, filhos de José Bernardo da Silva, de 3
de março de 1976) e a narrativa do folheto Jodo Valen-
te e o Dragão de 3 Cabeças, de Joaquim Batista de Sena
(proprietário Manuel Caboclo e Silva). Ressalte-se que no
corpus selecionado reunimos folhetos de Joaquim Batista
de Sena, Leandro Gomes de Barros, Manuel Camilo dos
Santos e outros autores.
Constatamos, após várias observações, que o segundo
folheto se apresenta como uma variante do primeiro Ju-
venal e o Dragão. Possui a mesma estrutura narrativa,
mudando apenas algumas funções, que foram triplicadas
por Joaquim Batista de Sena. Do confronto das duas
narrativas, como veremos, registram-se divergências e
convergências. Exemplificamos como as mais impor-
tantes:”
João Valente e o Dragão de 3
Juvenaleo Dragão Cabeças

I. Situação tnicial — apresenta- Situação inicial — nome do he-


ção do herói Juvenal, sua famí- rót, filiação e qualidades — for-
lia, local de residência. O autor mosura, conhecimento ''de to-
destaca o seu desejo e a sua pres- das as ciências principais". Ar-
sa de encontrar a felicidade: tes desejadas e aprendidas por
“Juvenal disse à irmá: serem futuramente portadoras
não posso mais ter demora ''.(6) da sua felicidade:

* Quando fazemos os confrontos das narrativas, os números que vêm após as citações
remetem
para as estrofes dos folhetos. 15
“Jogar espadas”, 'atirar de
besta''(13) e “tocar muito
violão'.(14)

II. Ausência — Juvenal órfão sal Ausência — João Valente parte,


para recuperar algo perdido, a abençoado pelo pai, em busca da
felicidade que o destino lhe dita ou da morte, carregando a
roubara: espada, a besta e o violão.
“Amanhã eu vou embora
junto com meus trés carneiros
por este mundo afora''.(6)

NI. Função do doador — Juvenal Função do doador triplicada —


recebe de um estranho (doador): O doador só aparece depois da
trés cães mágicos em troca dos partida do herói. É o dragão (que
seus três carneiros: Objeto má- também é o agressor). O herói é
gico recebido sem prova. submetido por ele a três provas.
Cumpridas As provas aparecem
três objetos mágicos — 1 chave
de prata, 1 chave de ouro e 1 de
brilhantes:
Objeto mágico triplicado.

IV. Dano ou carência — Juvenal Dano ou carência — João fica


encontra um cocheiro com uma ciente de que um dragão de 3 ca-
moça em seu carro chorando. O beças (agressor) está extermi-
cocheiro anuncia o dano: nando a população.
“A princesa vem chorando' “... mora lá naquela serra
mas o culpado não foi eu'' todo dia come gente''.(28)
dé licença, eu vou contar,
'"... daqui val ela pra furna
para a fera a devorar".(24)

V. Empresa Reparadora: Empresa Reparadora: João diz:


“Juvenal disse ao cocheiro: “| estou destinado
Vou fazer uma loucura" amanhã entrar em lutas
ee não vou deixar esta fera com esse monstro encanta-
Comer esta criatura ''.(38) do''.(40)

VI. Partida — Juvenal parte pa- Partida — João parte para o lo-
ra a montanha onde mora o cal onde se encontra o dragão:
dragão (partida do heró! para o “João armou-se ligeiro
16 combate): e seguiu dali tocando
“Juvenal com muita pena numa gaita e as ovelhas
dessa morte sem defesa seguiram lhe acompanhando
chamou os seus trés cachorros para aquele mesmo lado
acompanhou a princesa".(39) pr estava a fera esturrando”".
(47)

VII. Luta -—- Confronto entre Luta — João Valente passa por
Juvenal (herói) e o dragão três provas, luta três vezes com o
(agressor) (luta com o auxílio do dragão cortando-lhe as três ca-
objeto mágico): beças.
“O moço era destemido O dano aí ainda não foi sanado.
com seu cachorro valente, A ameaça do dragão persiste.
eles dois incorporados
lutando com a serpente,
Juvenal no ferro frio
e o cão fiel pelo dente''.(45)

VIII. Vitória — Juvenal vence o Não houve vitória. João Valente


dragão: constata que o dragão ainda vi-
“Na luta alcance! Vitória''.(55) ve. Parte e torna a reparar o da-
no auxiliado pelos objetos má-
gicos.
O dano foi sanado. Repetição da função anterior.

IX. Pretensões enganadoras — Pretensões enganadoras — O co-


Um falso herói pretende ser o cheiro também é o impostor.
autor da façanha. É o cocheiro Pretende por três vezes ser o au-
impostor: tor do feito (triplicação da fun-
"O cocheiro olhou pra ela ção):
riu-se de satisfação. “O cocheiro foi depressa
Agora sim, princesinha, lá no grande grutilhão,
sou um grande cidadão, cortou o tronco da língua
serei perante ao monarca da fera morta no chão,
o grande herói da nação''.(75) para provar ao Rei
que tinha morto o dragão”. (154)

X. Marca — Como prova do seu Marca — João Valente leva con-


feito, fica com dois dentes do sigo a ponta da língua do
dragão: dragão:
“e na luta alcancel Vitória; ' vou levar como memória
tirou dois dentes da fera a ponta da língua dela
para servir de memória ''.(55) para provar minha história''.(152)
XI. Castigo — O cocheiro é pu- Castigo — Punição do cocheiro:
nido pelo Rei: “eo cocheiro foi
“Aí descobriu-se tudo, na praça vivo queimado".(158)
O rei ficou se mordendo
E disse para o cocheiro:
Vocé vai morrer sabendo!
Mandou por quatro carrascos
Tirar-lhe o couro ele ven-
do"'.(153)

XII. Casamento — O herói casa Casamento:


com a princesa (e sobe ao trono): “João naquele momento
“Casou-se a linda princesa para o altar foi levado
Com o valente Juvenal, E casou com a princesa,
Repercutiu a notícia ! Seu lindo sonho dourado.''(158)
Pelo mundo universal
Rolou festa 15 dias,
No palácio imperial.''(154)
À
Evidenciando os pontos comuns e as divergências en-
tre as duas narrativas, este estudo comparativo permite
reafirmar que Joaquim Batista de Sena, como muitos ou-
tros folhetistas,* utilizou-se do folheto de Leandro como
trama da estória de João Valente e o Dragão de 3 Cabe-
ças. Sea “inspiração” (ou plágio, diriam os nossos atuais
críticos e protetores da propriedade artística) é evidente,
pareceu-nos mais interessante, na perspectiva deste es-
tudo, determo-nos nas divergências: A primeira, e mais
importante, afeta a própria estrutura do folheto; trata-
se da triplicação das funções, utilizada quase sistemati-
camente pelo autor de Jodo Valente (três lutas, três pro-
vas correspondendo às três cabeças do dragão, três dias
de luta, três palácios e três soldados como ''auxiliar má-
gico""). Os elementos tríplices já estão presentes na estó-
ria de Leandro (três carneiros, três cachorros mágicos,
três pássaros encantados e três anos de espera para casar
com a princesa), mas não intervêm na estrutura da nar-

18 ' Vide “Restituição de autoria de folhetos do Catálogo”, In Estudos, cit., p. 400


rativa, que conserva a simplicidade e linearidade das
composições populares.
A presença do número três, número perfeito, herda-
do da tradição teológico-cristã, é frequentíssima nos tí-
tulos dos folhetos,* além de orientar o ritmo das poesias
populares, com o emprego do tricólon. Emprego frequen-
te em Jodo Valente, cujo autor procura figuras retóricas
mais elaboradas do que na língua simples e bela, tão pró-
xima da narrativa oral, de Leandro Gomes de Barros.
Esta é a segunda, e talvez mais importante, divergência
entre os dois textos: Juvenal aproxima-se em vários pon-
tos das estórias de ''trancoso"', ingênuas e edificantes em
que intervinha o sobrenatural, cujas fontes, ligadas à
tradição oral européia, estão em Boccaccio e Bandella.'
Teríamos aqui uma das chaves do sabor poético da
literatura popular em verso: a sua necessária e íntima
relação com a oralidade, a fala do povo e a ''ciência"' dos
cantadores; também as tentativas para reelaborar e ''en-
riquecer'' estas composições populares distanciam o tex-
to das suas fontes populares, desgastando assim a sua
verdadeira riqueza e autenticidade.
Nas “encarnações diabólicas'' incluímos três folhe-
tos que consideramos fundamentais para esta subtemá-
tica: História de Roberto do Diabo, História de João da
Cruz e O Boi Misterioso.
Partindo dos estudos realizados por Câmara Cascudo
em Cínco Livros do Povo, comprovamos a grande in-
fluência exercida na Literatura de Cordel por Roberto do
Diabo, um daqueles livros de origem européia que chega-
ram até o Brasil através das tradições ibéricas em prosa,
assumindo a forma de folheto, com autoria atribuída a
João Martins de Ataíde, editado em Recife a 23 de agosto
de 1938.

* PROENÇA, Ivan Cavalcanti “O verão (e não a seca) voltará'' in JORGE NETO, Nagib,
As três príncesas perderam o encanto na boca da noite, Rio de Janeiro, Folhetim, 1976
* CASCUDO, Luis da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro Edições de Ouro, Rio de
Janeiro, s/d. 19
Por todo o Nordeste do Brasil são retomados em fo-
lhetos, ou em romances, os grandes temas da novelistica
tradicional. Assim é que, não obstante o tão divulgado
declinio da nossa produção popular, aparecem reedita-
dos, ainda hoje, folhetos com títulos como a Donzela
Teodora, História de Roberto do Diabo, João de Calais e
estórias calcadas sobre a ''História do Imperador Carlos
Magno'' e os 'Doze Pares de França'', cujas origens se
perderam nas tradições populares européias. O exemplar
de Roberto do Diabo que foi incluído no corpus por nós
selecionado, é datado de 15.02.76, confirmando a sur-
preendente popularidade da estória do ''homem endia-
brado", tantas vezes retomada pela nossa literatura po-
pular. A recorrência a esta temática, conforme verifica-
mos, aparece em vários níveis e pode ser representada em
forma de arborescência (do ponto de vista da semântica):

ENCARNAÇÃO DO DIABO

ANIMADO
tias NÃO- ANIMADO
(não aparece a encar-
A is nação neste nível)

HUMANO NÃO-HUMANO

NO FORA Da
ÚTERO DO ÚTERO BOI BESTA PORCA

20 CRIANÇA HOMEM MULHER


Tal arborescência confirma-se em folhetos como::
História de Roberto do Diabo (atribuído a João Martins
de Ataíde, 15.02.76); A Mulher que Pedtu um Filho ao Dia-
bo (Galdino Silva. Catálogo, nº 527); O Menino que Nas-
ceu com a Pintura do Cão (Manuel Caboclo e Silva,
05.06.75); O Bebé Diabo (Antônio da Mulatinha,
20.07.75); O Homem que Deu a Luz ao Diabo (Manuel Ca-
boclo e Silva, 08.10.75); História de João da Cruz (João
Martins de Ataíde e Leandro (Gomes de Barros,
10.05.75);” O Exemplo Interessante de Carolina (João de
Cristo Rel. Catálogo, nº 716); História do Boi Mandin-
gueiro e o Cavalo Misterioso. 1º e 2º volumes (Luís da
Costa Pinheiro. Catálogo, nº 625); O Boi Misterioso
(Leandro Gomes de Barros. Catálogo, nº 458)”; 4 Vinda
da Besta Fera (José Costa Lelte, Condado, PE, s/d); 4
Moça que Virou Porca (José Costa Leite, Recife, PE, s/d).
Ao nível animal, observamos a encarnação do diabo
no Boi (O Bot Misterioso e História do Bot Mandingueiro
e o Cavalo Misterioso), não obstante a afirmação, feita
por Câmara Cascudo, de que o diabo ''não pode tomar a
forma dos animais abençoados, bol, jumento, ovelha,
galo, ligados ao nascimento de Jesus Cristo".”
Ao nível não-animado, verificamos a ausência da en-
carnação diabólica. A abordagem de um corpus mais
exaustivo, em pesquisas posteriores, poderia conferir
maior validade a esta nossa afirmação, ou evidenciar a
ocorrência da encarnação do diabo neste nível. Pudemos
também observar que as narrativas onde aparecem en-
carnações do diabo apresentam características sui gene-
ris que se repetem em vários folhetos:
a) situação inicial com ambiência familiar e de-
sobediência (violação da ordem natural);
b) série de malfeitos (A,+ A,+ A,+ ... An) segui-

“Vide “Restituição de autoria de folhetos


do Catálogo. '' In Estudos, op cit, p 382
“ Vide “Restituição de autoria “ In Estudos, op. ctt., pp. 379-384 21
“CASCUDO, Luís
da Câmara. Dicionário
do Folciore Brasileiro Rio MEC, 1962, p 279
dos de carências também em série ((a), + (a),
+ (a), + .. (a)n) que são reparadas gradativa-
mente, conferindo à estória um caráter acen-
tuadamente dinâmico;
c) narrativas com 2 grandes seqúências:
1* sequência (—-) negativa;
2* sequência (+) positiva.
Na primeira aparece o diabo encarnado, com suces-
são de malfeitos e a predominância do MAL + BEM, na
segunda sequência surge o arrependimento, gerando a
transfiguração do herói mau que se torna bom. Normal-
mente, O BEM vence 0 MAL.
Leandro Gomes de Barros, um dos mais antigos e
renomados folhetistas, não poderia ficar alheio aos re-
cursos desta temática tradicional e sedutora. A História
de João da Cruz apresenta, com algumas variantes, os
motivos que impulsionaram a de ''Roberto do Diabo”.
Também em O Boi Misterioso, este aparece endiabrado,
naturalmente, com as modificações justificáveis ao nível
animal. Vejamos um confronto das estruturas das narra-
tivas destes três folhetos:
História de Roberto do Diabo História
de João da Cruz O Bot Misterioso

I. Situação inicial: Situação inicial: Situação inicial:


apresentação dos pais do herói; apresentação dos país do herói; apresentação da vaca;
ambiente familiar (palácio real); ambiente familiar (casa); ambiente familiar (fazenda);
violação da ordem natural: violação da ordem natural: violação da ordem natural:

“Na província da Normandia “Depois de Cristo alguns anos “No sertão de Quixelou
existiu um ancião na fazenda Santa Rosa
esse tinha um filho único Se esa pa E
o qual chamava-se João
era ele o soberano''(1); que ia de encontro chamada Misteriosa ''(9);
à cristã religião''(1);

“João era obstinado “Foi em mil e oitocentos


“O homem que não se casa e continuadamente e vinte e sete este caso
vai caminhar sem roteiro
dizia-lhe Deus não existe
veja bem que seu ducado
mais tarde precisa herdeiro''(3); não o sinto em minha
[frente''(2);

H. Pedido ao diabo, intervenção Intervenção da força do MAL Intervenção de um elemento


deste de forma maravilhosa; (implícito; diabo ); maravilhoso mau (implícito —
Função do doador negativo: Função do doador negativo: representantes do diabo que são:
touro preto, duas mulheres);
Função de doadores negativos:
“— Ao diabo ofereço “João da Cruz ouvia isso
tudo que de mim nascer porém sempre endurecido “O vaqueiro viu que os vultos
“e...

...
(15); eram de duas mulheres,
uma delas disse à vaca
O diabo que na matéria partes por onde quiseres
se julgava prodigioso
eu protegerei a ti
fez a mulher ficar grávida
e o filho que tiveres''(13);
de um modo misterioso.''(22);

83
mo
ma

NI. Forma maravilhosa de nas- Forma maravilhosa de nasci-


cimento, maus presságios: mento, maus presságios:

“Eram dez horas do dia “A vinte e quatro de agosto


quando o menino nasceu data esta receiosa,
o firmamento agitou-se que é quando o diabo pode
o oceano gemeu soltar-se e dar uma prosa
pois foi nesse dia o parto
da vaca misteriosa.''(23);

IV. Atributos hiperbólicos do Atributos hiperbólicos do meni-! Atributos hiperbólicos do bezer-


menino endiabrado: no endiabrado: ro endiabrado:
“João enquanto pequeno
“Com trés dias de nascido sua mãe o aconselhava “Dela nasceu um bezerro
a todos deu o que fazer um pouco grande nutrido
chupava os peitos das amas preto da cor de carvão
que só faltava morrer o pélo muito luzido
pegaram carne e farinha “O pai castigava-o muito representando já ter
deram pra ele comer''(34); pelo seu mau coração um mês ou dois de
mas sempre ele dizia nascido.''(24);
não mudo de opinião.''(4);

“Com cinco meses depois


ele sabia falar “Com um ano e meio ele tinha
andava e corria tudo mais de seis palmos de altura
sem ninguém lhe ensinar uns chifres grandes e côncavos
toda brincadeira dele com um palmo de grossura
só era pra judiar.'(35); o casco dele fazia
barroca na terra dura''(30);
V. Série de mailfeitos — O herói Série de malfeitos — O herói ne- Série de malfeitos que se asso-
faz mal a todos: ga constantemente a Deus: ciam a tarefas difíceis — o herói
(bol) desafia a todos os va-
queiros:

“Quando tinha sete anos nda po EE aa “Durou vinte e quatro anos


não respeitava ninguém nunca ninguém o pegou
e... e “+ q
não mudo de opinião''(4);

“— se existe Deus não é bom “Se acaso engalhasse um chifre


ino fez um bom e outro ruím num galho de catingueiro
e... conforme fosse a vergôntea
descarregou sua ira arrancasse a touceira''(3);
| somente em cima de mim'' (5);

“Juntaram-se trinta rapazes “Perguntou-lhe o paí um dia como nunca achou vaqueiro
foram lutar com Roberto por que não gostas de Deus? que dele se aproximasse
“ee e E e nn. .“ ar AS OS a e (6);
destes o que não morreu
salu de perna quebrada.''(40); “João da Cruz ouvia isso
porém sempre endurecido
“O mestre ainda falou “Muitos cavalos de estima.
atrás dele se acabavam
vaqueiros que em outros campos
“e... ...
até medalhas ganhavam
deu-lhe quatro punhaladas muitos vendiam os cavalos
botou-o na campa fria.''(49); e nunca mais campeavam.''(5);

“0... an...

e mandou-os levar ao duque.”


(86);
134
o
bo
Ss

“Encontrou sete eremitas'' (97);

“e...

cortou dos sete a cabeça


deixou-os prostrados no chão"
(100);

VI. Função do doador positivo Função do doador positivo (a


(uma voz do céu): mulher):

“disse-lhe a voz outra vez “Disse a mulher: eu agora


e... ............+- "(102); preciso me retirar
este sonho é um exemplo

quem viu o que você viu


não pode mais se enganar.'(62);

VII. Arrependimento do herói; Arrependimento do herói; repa-


reparação das faltas: transfigu- ração das faltas; transfiguração
ração do herót negativo (que se do herói negativo (que se torna
torna positivo): positivo):

“Roberto aí conheceu “Um dia disse ele ao paí:


que não estava direito meu pai, estou arrependido
“(70);
pedindo perdão ao povo Ce ......-

de tudo que tinha feito''(106);


e... ..................-

lhe disse o ermitão


Roberto, estás perdoado'"' (229); todas as vestes rasgou
botou um líquido nos olhos
que de repente cegou
e... ...........-
VHII. Casamento do herót com a Subida do herói ao Reino do Céu: Desaparecimento misterioso do
princesa e subida ao trono: boi (herói negativo):
4

“então Roberto casou-se a Virgem da Conceição “Tam o vaqueiro e o bol


e... ...+ que me arrancou de Lus- pela dita cruz passar
bel.''(212); e... .....- “(217);
e... ...... “Mas o boi chegando perto
e q... ..- A Doce Estrela do Mar não quis enguiçar a cruz
governou com paciência"'(237); levou-me ao seguro porto.''(213); tudo desapareceu''(218);

dizem que a terra se abriu


e o campo estremeceu
pela abertura da terra
viram quando o boi des-
ceu '"(219);
Vêem-se claramente as semelhanças entre as estru-
turas das narrativas dos três folhetos comparados. Ob-
viamente, existem também as diferenças. Somente em O
Boi Misterioso por exemplo, é que aparece no início a
motivadora relação narrador-leitor, este leit-motiv da li-
teratura popular. Também neste folheto, a situação ini-
cial é precedida de uma síntese dos malfeitos que são
retomados e explicados posteriormente, gerando uma
anacronia na estruturação da estória, o que não acontece
com ''Roberto do Diabo'' e ''João da Cruz'', cujas narra-
tivas são sensivelmente lineares.
A recorrência ao tema, tão comum na literatura po-
pular e que é também utilizada nos três folhetos compa-
rados, por si só, não seria suficiente para confirmar a
autoria de Leandro Gomes de Barros com relação à His-
tória de Roberto do Diabo. Seria, contudo, mais um ele-
mento a favor que acrescentaríamos ao levantamento
dessa hipótese.
Considerando-se ainda as narrativas dos folhetos
em seu conjunto, constatamos que elas possuem duas
grandes sequências:

l* sequência (-)negativa 2* sequência (+)positiva

Roberto do Diabo Roberto de Deus


ÇÃO

João ateu João da Cruz

Boi endiabrado desaparecimento.


Ba

Sinais utilizados

> (transformação)

28 > (ausência de transformação - remete para)


A ruptura do processo no final da narrativa em O Boi
Misterioso comprova o valor poético de Leandro, que pro-
cura dar uma nova feição ao tema que retomara pela
terceira vez.
Nos dois primeiros folhetos há uma inversão propria-
mente dita em que o BEM substitui o MAL através do ele-
mento de transformação. No caso de O Boi Misterioso
verifica-se apenas a omissão do MAL, ficando o BEMcoOmoO
lugar vazio. Não havendo, todavia, a transformação, o bol
desaparece e surge uma solução mítica para o problema:
o mito tenta justificar uma ideologia vigente, no caso a
concepção nordestina de que o BEM prevalece sobre o
MAL, O que parece muito comum na Literatura Popular
Nordestina (veja-se o tão divulgado “Ciclo do Demônio
Logrado'"'). Se atentarmos bem para o final dos folhetos
comparados, verificamos que em O Boi Misterioso houve
apenas uma ruptura no processo formal e não ao nível
semântico da narrativa, que essencialmente continua a
mesma, isto é, com a ausência do MAL. Confirma-se, por-
tanto, o poder criativo de Leandro Gomes de Barros, que
se servindo de elementos sobrenaturais confere caracte-
rísticas mais acentuadamente maravilhosas à estória de
O Boi Misterioso. Leandro estava consciente da populari-
dade do tema que retomava e da estória que recontava
(“conto o que contou-me um velho", O Bot Misterioso,
estrofe 6) e a ele procurou dar um tratamento estilístico
diferente.
Convém ainda ressaltar que a História de Jodo da
Cruz e O Boi Misterioso são de autorias reconstituídas e
ainda hoje conservadas, de Leandro, confirmando o gos-
to do famoso poeta popular pela temática das ''encarna-
ções diabólicas''. Causou-nos estranheza, contudo, que
Roberto do Diabo não trouxesse pelo menos na primeira
página (como aconteceu com o folheto História de João
da Cruz) o nome de Leandro Gomes de Barros juntamen-
te com o de João Martins de Ataide na capa. Embora,
documentalmente, não tenhamos nenhum suporte, a ló- 29
gica mostra-nos que Leandro, tendo retomado o mesmo
tema por duas vezes, é bem provável que o tivesse versado
de acordo com o velho modelo da tradição portuguesa'
da antiga estória da Normandia, a de ''Roberto do Dia-
bo”. Afirmar que o folheto do mesmo nome pertença a
Leandro, não é absurdo, uma vez que a reconstituição de
autoria na Literatura Popular é sempre problemática,
em virtude das sucessivas e conhecidas usurpações. Além
disso, Leandro versou dois dos “Cinco Livros do Povo", a
“História da Donzela Teodora" e ''História da Princesa
Magalona'' o que comprova o interesse deste poeta pelos
temas tradicionais de origem européia. Não é de se estra-
nhar que no final da “História de Roberto do Diabo" não
apareça o acróstico de Leandro, pois sabemos que este
não o usava sistematicamente em suas composições e às
vezes João Martins de Ataíde cortava-o em outras ver-
sões.
Reconhecemos o labor dos pesquisadores da Litera-
tura Popular, quando procuram reconstituir a autoria
dos folhetos através da documentação. Mas é bom que,
ao lado do levantamento cronológico ou do acróstico fl-
nal, sejam estabelecidos novos parâmetros em que os
traços estilísticos pertinentes e os elementos de constru-
ção da narrativa tenham a significação devida, a fim de
que, através de estudos comparativos, possamos dar um
pouco de ordem à “torre de Babel'"' em que confundem os
valores poéticos dos nossos grandes folhetistas.

IDELETTE MUZART FONSECA DOS SANTOS


Professora de Literatura Comparada na
Universidade Federal da Paraíba

30 Vide CASCUDO, Cínco Livros do Povo, cit. pp. 190-221


Em colaboração com:

RAQUEL ARCOVERDE NICODEMOS DA COSTA


FRANCISCA NEUMA FECHINE BORGES
Mestrandas em Letras na Universidade
Federal da Paraíba, redatoras deste
trabalho, realizado pelos alunos da
cadeira ''Literatura Comparada'' deste
Mestrado.

31
o digaa é
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E o Fi n o E [a = “E” F SE" 4

Leandro Comes de Barros

DEACHORRO DOS MORTOS


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33
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(385

Os gossos antepassados
Eram muito prevenidos,>
Diiam: mato tem olhos,
Ap paredes tem ouvidos,
Os crimes são descobertos
Por mais que sejam escondidos.
Em vitocentos e-seis,
Na provincia da Bahia,
Distante da capital
Trez leguas ou menos seria,
Sebastião de Oliveira
Alli num canto vivia.
Elle, a mulher, duas filhas,
Um filho homem já feito,
O rapaz era empregado
E estudava direito,
O.velho não era rico
Mais vivia satisfeito.

4
agia TS gs

Às duas filhas eram noças


Honestas e trabalhadoms,
Logravam na capitalg
O nome de encantadora,
nda va attenção f pty/drs 4
As grandes tranças tão louras.
Esse velho era ferreiro
É ferreiro habilitado,
Vivia alli do officio,
Plantando e creando gado,
Por trez vezes enj2itou
O cargo de delegado.
Havia um vizinho d'elle
Eliasario Amorims
Esse tinha um filho unico
Da especie de Caim,
Emquanto o espanhol velho
Até não era ruim.
O filho d'esse espanhol;
Uma fera carniceira
Veio provocar namíggo
Com as“filhas de Oliveira
Uma d'ellas disse a elle
De nós nãó ha quem o queira-

35
assado. US

Ele lhe disse; não sabesy f


Que meu pai possuf dinhéiro /4.
Em terras € criações
E o maior fazendeiro?
Ella disse: o meu é pobre,
Planta cria e é ferreiro.
Minha mãe tece de ganho,
Nós vivemos da costura,
Papae vive da sua arte
E de sua agricultura,
Meu irmão é empregado
Para que maior ventura ?
O sedutor conheffeu WC
Seus planos serem debalde
E só podia vencel-as,
Por mcio de uma falsidade,
Que é a arma mais prompta
Aonde existe a maldade.
Sahio d'alli Valdivino
Fedendo a xifre queimado/ / 8,
E Angilita ficou
Com o coração descançado»
Nem disse aos outros da casa
O que tinha se passados

36
E poem

Elle pençou em forçal-a


Mas Pa no rezultado,
Devido ao pai de Anjelita
Ser muito conciderado,
O filho pelo governo
Era tão conceituado.
Exclamava elle comsigo?
Oh ! Argelita é tão bella!
Eu não sucegarei* mois
É nem me esquecerei della
Farei tudo para vencel-as
Porém não cazo com ella.
Mas Valdivino temia
» O pai della e o irmãof
Zu»O governo da provincia
Tinha-lhe muita attenção. (1
O jummãd era empregado H/ rá é
E tinha condecoração.
Valdivino inda pençou;
Matando á Floriano
Podia calçar com óÓuro
Todo governo Baihano
Ainda que entrasse em jury
Não pegava nem um anno,

37
q

Ou poderia matal-o
Oculto n'uma emboscada
Porque ninguem vendo o crime
Elle não sofria nada
Defunto não conta historia
Estava a questão acabada.
Havia alli um engano
Entre Victoria e Bahia;
A divizão 'das provincias
All ninguem conhegfia, ve.
Sebastião de Oliveira
Era o unico que sabia,
O governo da provincia
Tendo aquella precizão
Disse um dia : Floriano
Você vá em commissão
Chamar seu pai para vir
Mostrar a demarcação.
Veldivino de Amorim
Viu Floriano passar,
Escolheu o lugar proprio
Onde o pudesse emboscar,
Dizendotdentro de sis
Elle não pode escapar
q

(A fera foi emboscal-o


Onde havia uma ilipoeira
Carregou um bacamarte
Fez dg uma arvore trinxeira,,
Destante um quarto de legua
Da fazenda de Oliveira.
O rapaz chegou em casa
O velho tinha sahido,
Foi ver se achava um jumento
Que a tempo era sumido
Um amigo lhe escreveu
Que lá tinha apparecido.
O Florianno chegou
Depois que o velho sahiu»
Nessa tarde não voltou
Com a familia dormius
Deu o recado a mãe d elle,
De madrugada seguiu.
Calar, um cachorro velho
Vi Florianno sahip gi
a
Calar o acompanhou|
Floriannoºquiz voltal-o
Porém Calar não voltou.

39
as, se
Passava alli Florianno
A fera então enfrentou-o;
Desparcu-lhe o bacamarte
Sem vida em terra lançou-o
Calar partiu ao ia
O assafino amarreu-o.
4 qunieid tada
Ouviram grande estampido,
Angelita se assustou,
Disendo: o que terá sido;
O tiro foi para o lado
Que o irmão tinha hido.
Angelita convidou
À sua irmã Esmeralda
Disendo vamos aqui,
À passeio pela a estrada
Aquelle tiro que cCeram
Deixou-me soubsaltada.
No sertão naquelle tempo
Podia uma môça andar
Passavam-se dois, trez mezes
Sem um homem all passar
Por issotforam elias duas
Não tinham o que receiar.

40
ssa es

Pondo a mão na punhalada


Disse: monstro desgraçado
Aquelle velho cachorro,
Que está alli amarrado
Descobrirá este crime
E tú serás enforcado.
Olhou para um gamelleiro
Que tinha junto a estrada
Disendo: e tu gamelleirg /a-
Vistes a /cena passada, M
Es uma das tistemunhas
Quando à hora for chegada.
Ja na ultima agonia
Exclamou, astro assagino, [49
Tiraste agora trez vidas
É não saceias o destino
Issofkci de lembrarte y jan
Perante ao Juiz Divino. Gm do
Não julgues que fifFifipune Jam
Este sangue no deserto,
Tú não vês trez testemunhas
Que estão aqui muito perto?
Esfas perante ao publico (E
ano erto
san Ra

lam alli converçando


Sobre a aragem matutina,
Diss2 Esmeralda a irmã:
Olha para o céu menina,
Estás vendo aquela estrella
Como tem a luz tão fina ?
Chegaram acharam o irmão
Morto no meio da estrada 5
Elle de dentro do matos
Atirou em Esmeralda,,
Enfrentou Angelita /
Disendo, não diga nada,
Angelita muito palida
Mas não estaf esmorecida,
Venco os dous irmãos já mortos
Per uma mão homicida,
I.he disse: monstro tyramno
Eu morro e não sou vencida...
Elle lhe disse: Angelita
Com tudo isso eu sou teu.
oi dai-lhe um beijo nos labios,
E Angelita o mordeu
Elle cravou-lhe o puúhal
Ella alli esmoreceu:

42
|

Disse Valdivino: és louca


Quem viu o que foi passado?
Disse Angelita : este cão
Que está alli amarrado,
A- gamelleiró e as flores /2-
irão no dia chegado.
Olhou para o cão e disses
Olha meu velho Calar,
Tú dirás tudo ao jui
Sem elleXti perguntar a-
Está velha gamelleiror
Hica para te ajudar.
E essa flor que por ella
Há festa aqui todo anno,
Há de tirar a Justiça
De uma suspeita ou engano,
Dif ao juiz venha ver pa
Quem matouXFlorianno. va.
As trez vidas que soubastes
Pagarás com tua vida,
Tú hás de te arrependeres
Depois da causa perdida.
Uma lagrima de dor
Será por teu pai vertida

43
io SÉ as

Com tudo monstro perdôu-o-te


Porque fui e sou christã
A morte de meu irmão
A minha e a de minha irmã
Tú hojes matas a mim;
Outro te mata amanhã.
E pondo a mão sobre uma
Das punhaladas que tinha
Disse a calar: se fugires,
Consola minha mãezinha
E lhe diga que abençoe al
Os pobres filhos que tinha,
Embora que tú não falles
Pois não te foi concedido
Mas um olhar bem lançado,
Dá ideiaf de um sentido
Um uivo € um olhar / 440
Pod& ser comprehendido pe
E all serrando os olhos,
Quasq a sorrir expirou Tás
O assafino a olhando * [44
Chorando se retirou
Depois pençou, isso é nada
Com toda calma voltou )
A
44
is SRoa

Ja estava frio o cadaver


Porém nas faces mimosas
Via-se perfeitamente
Dezenho de duas rosas
Czmo que fossem pintadas
Por mãos das mais curiosas.
Em Esmeralda se via
Q sangue ainda sahindo
Vestigio de zombaria
Como quem morre surrindo
Como criança bricando
Finge que está dormindo.
O rapaz banhado em sangue
Bem no centro da estrada
A esquerda de Angelita
A direita de Esmeralda,
Com uma mão sobre a ferida
A outra mão estirada.
Valdiviro tinha a noute
Escrito n'uma carteira
Disendo: hoje hei de matar
Floriano de Oliveira,
Se não matal-o me mato
Será minha derradeira.

45
Datou-a afjnou o nome, aah
Pegou a arma e sahiu
Se encostou no gamelleiro
A carteira escapuliu
Havia um Ôco na arvore
Nella a carteira cahiu,
À fera não se lembrou
Da testemunha ocular
Perdendo aquella carteira
Alguem a podia achar
Ella na mão da justiça
Quem poderia o salvar?
Porém uma força oculta
Permíttiu que elle perdesse
E a mesma força impôz
Que elle d'ella se esquecesse
Para dizer ao seu tempo:
O assafino foi esse /A4
Calar o pobre cachorro
Que aquelle espectaculo via
Soltava uivos enormes,
Que muito ao lonje se ouvia
Rosnava e fitava os olhos
Debalde a corda mordia

46
E qu

Valdivino alli puchando


Um facão muito afiado
Descarregou no cachorro,
Um golpe encolerisado
Errou-o e cortou-lhe a corda
Com que estava elle amarrado
Valdivino ficou triste
Vendo o cachorro correr,
lembrou-se do que Angelita
Disse antes de morrer
Porém disse: elle não falla
Como poderá dizer?
Calar chegou na fazenda,
Uivando desesperado
D. Maria da Gloria
Ja tinha se levantado
Quando ouvio o cão uivando
Alli cresceu-lhe o cuidadado
E foi procurar os filhos
Onde ouvio os estampidos
Calar foi adiante uivando
Com enormes alaridos
D. Maria da Gloria
Ja ia sem os sentidos

47
da DS pe

Como não foi scu espantc


Quando chegou ao lugar
Onde achou os filhos mortos
Sem nada alli atinar,
Calar sabia de tudo
Mas não sabia falar.
Voltou Maria da Gloria
N'um triste e penoso estado
Ja Sebastião em casa,
à esperava centado
Não sabia da desgraça
Que a pouco tinha se dado
Perguntou pela familia,
Ella não poude falar
Dissc apenas : morreu tudo,
Apontou para o lugar
Estendeu-se sobre o chão
Sem nada mais atinar.
Sebastião de Oliveira
Foi pôr onde a mulher veio
Achou o pôço de sangue
Os filhos mortos no meio
Olhou para o céo e disse
Oh! meu Deus! que quadro fe'o

48
ss Ulas

Hoi perguntar a mulher


Como aquillo assim foi dado
Ella apenas lhe contou
O que tinha se passado
Deixando o pobre ancião
Aflito impressionado
Montou num burro «e sahio,
Dalli para a capital
Logo que chegou na cidade
Foi ao quartel general
[|.a fallou quasi uma hora,
E nada disse afinal.
Depois de muita insistencia,
O presidente entendeu
Perguntou por Floriano
Elle lhe disse morreu.
Elle e a familia toda
E contou o que aconteceu
A justiça toda foi
Ver o que tinha se dado
Encontraram os3 cadaveres
O chão em sangue banhado
Calar inda estava uivando
Junto dos mortos ceitado.

49
o 1 =

Foram a casa de Oliveira


Ver se Maria da Gloria
Dava um roteiro que ao memos
Se calculasse uma historia
Ella contou esta mesma
Que elles guardaram em mimoria.
D. Maria da Gloria
Dois dias depois morreu
Sebastião de Oliveira
Em trez dias enloqueceu
Dentro de duas semanas
Tudo desapareceu.
A justiça da Bahia
Não seçou de procurar
Espalhou por toda parte
Cecretos a indagar
Não havia uma pessõa
Que dissesse: eu vi matar.
Dava dez contos de reis
Na moeda que quizesse
A pessõa que chegasse
E seriamente dissesse
Teria mais um terreno
A pessoa que soubesse.

50
RE <p

Porém o crime se deu


Quando all: ninguem passava
Calar sabia de tudo
Porque ne crime elle estava
Se fallasse descobria
Desejo não lhe faltava
Imprecionava a todos
Habitantes da cidade
Como deu-se aquelle crime
N'aquella bsciiado
Florianno de Oliveira
Tudo lhe tinha amisade
Atribuiu-se um roubo
Por algum aventureiro
Mas o rapaz costumava
A não andar ccm dinheiro
Questão de moça não era
Elle era bem justiceiro.
Os moradores de perto
Eram todos conhecidos
Compadres d'elle e.do pai
E por elles protegidos
Tanto que dando-se o crime
Todos ficaram sentidos.

o1
— 19 —

Hliasario era um desses


Abortos que tem havido
Um desses que o pão que come
Se considera istruido
l'azer-lhe mal é pecado
Fazer-lhe o bem e perdido.
Esse era fasendeiro
Porém d'alli não sahia
Nem era bem conhescido,
No comercio da Bahia
So onde vendia lã
Alguem lá o conhecia.
|. o dono de um açogue
Onde elle vendia o gado
O banco a onde elle tinha,
Dinheiro depositado
Tanto que deu-se esse crime
E elle não foi lembrado.
Sentiu e chorou bastante
A morte do camarada.
E não foi a missa delle,
Por não ser de madrugada
Pois só tinha uma camisa
E essa estava estragada.

2
= OR

Tambem procurou saber


Qual seria o assacino
Não sei se pelo dinheiro
Ou pelo proprio destino
Porém nunca veio-lhe a mente
Ser seu filho Valdivino.
Onde deu-se o crime haviam
Duas estradas em cruz
Diziam que alli acharam
Umas flôres muito azues
Formando uma lapa igual
A do menino Jesus.
Os Bahianos costumavam
Desde da antiguidade
Fazerem uma grande festa
N'aquella localidade
Vesperas e dias de anno
Alli era novidade.
Na capital da Bahia
Não havia outro festim
Havia missa 'campal
Orchrestras e botikim
Bailes n'aquellas latadas
Cobertas a folhas e capim.

3
E e
Em oito centos e nove
Estava a festa a terminar
Um velho dalli caçava
Passou naquelle lugar,
Atraz desse caçador
Vinha o cachorro Calar.
Abrigou-se n'uma sombra
Vinha muito esbafurido
Foi chorar ao pé da cruz,
Que o senhor tinha morrido
Cheirou as das duas moças
iJepois soltou um gemido.
Estava alli o general
Q bispo c o presidente
E o chefe de policia
Homem muito esperiente
Todos ficaram d aquilo
Impressionadamentc.
O general perguntou
De quem era aquelle cão
Respondeu o velho Pedro
Este cachoiro: patrão,
É do defunto Oliveira
Que Deus dê-lhe a salvação.

54
ai sds

Este cachorro é o rei


Dos cachorros caçadores
Ainda adora o lugar
Que lhe mataram os senhores
Se fosse de madrugada
Vosmicê via os horrores.
Disse o chefe de policia:
Inda não se descubriu
A morte de um patriota
Que tanto a patria servi
Foi logo n'esse deserto,
Em horas que ninguem víu.
Disse alli o presidente
Se ainda se descubrir
O autor dessas trez mortes
Eu juro a Deus os punir
Serei o carrasco d'elle
Quando elle a forca subir.
Sebastião de Oliveira
Era um pobre acreditado
A familia o exemplo
O filho um rapaz honrado,
Era um baihano distinto
Por todo mundo estimado

o
Então disse o general,
Isso ainda é discoberto
O crime foi muito oculto
Feito aqui n'este diserto.
Mas quando chegar o dia
Há de saber-se por certo.
Se eu for vivo nesse tempo
Serei o algoz mais forte
Serei um dos que condusa-o
Para o theatro da morte
Com a minha propria mão
Amollo um ferro que o corte.
O cachorro ouviu aquillo
Ergueu-se muito contente
Hoi aos pés do general
Festejou o presidente
Como quem disia o crime
É punido sertamente.
Disse o bispo este cachorro
E testimunha ocular
Elle viu quem fez as mortes
Só falta é elle contar
Se visse O criminoso
Podia o denunciar.

56
E

( Disse o velho este cachorro


Fez una cousa esquisita
Vinha uma cobra enroscada
Onde mataram Angelita
Elle espedaçou-a a dentes
Quasi que se precipita.
Elle quando chega aqui
Aos pés das cruzes se lança
Solta uns uívos muto triste
Como quem pede vingança
Como quem pede de balde
Sem ter d'aquillo esperança.
Nisso chega um cavalheiro
Valdivino de Amorim
Andava fora inda vinha
Ver se alcançava o festim
Vinha n'nm burro poçante
ivo da côr de jasmim.
Assif? que o cachorro viu
Valdivino se apeiar
Rosnou e partiu a elle
Querendo o estraçalhar
Só não rasgou-lhe a garganta
Devido ao velho o pegar.

51
ss
O qu

Tremia o queicho e babava


Fitando alh Valdivino
Uivava como quem já
Tinha perdido o destino
Só faltava era diser
Ex aqui o assacino!
k foi para o pé da cruz
All pegou a uivar
Fitava os olhos no cêo
Como quem quer suplicar
Como quem diz oh! Deus!
Vem que eu não posso falar.
Disse o bispo a Valdivino
O senhor cstá descoberto
O senhor foi o autor
Das mortes d'esse deserto,
A quelle cachorro deu
Um depoimento serto.
O monstro viu o perigo
Hez tudo para negar
O bispo disse: meu filho!
Não há mentira em olhar
Os olhos são verdadeiros
Não podem nada ocultar.

58
— 26 —

Os olhos tambem se queicham


Um olhar diz o que sente
Amiaçam uma traição
Punição severamente,
Declara a magua ou a dôr
Porém um olhar não mente.
O olhar daquelle cão -
Está desmonstrando a dôr
O sentimento profundo
Da morte de seu senhor
Elle só falta falar,
E apontar o matadôr,
N'aquillo duas creanças
Que estavam em brincadeira,
Uma dellas se trepou
N'um galho da gamelleira,
Tirando um ninho de rato
Achou n'elle uma carteira.

O leitor deve lembrar-se


De um verço que aqui já leu
Veja na vespera do crime
O que foi que elle escreveu.
Depois de matar os trez
A carteira que perdeu.

9
sa E ca

Alli troxeram a carteira


Entregaram ao genaral
O bispo disse; senhor!
O que eu lhe disse afinal?
Eu não lhe disse que os olhos
Só dizem o que fôr real
Elle alli descubrio tudo
Em sua interrogação
Calar alli à«emonstrou
Ter grande satisfação
Pulava um metro de altura
E rolava pelo chão.
Corria escaramuçando
Como quem estava em folia
Abraçou o general
Com desmarcada alegria
Como quem dizia n'esses
Encontrei o que queria.
O povo todo da festa
Partia para o lincliar,
O bispo e o presidente
Trataram de acomodar,
Garantindo que a justiça
Havia de o castigar.

60
gra

Sahiu preso o Valdivino


E Calar acompanhou-o
O velho Pedro o chamando
Mas elle nem escutou-o
Voltou quando ao Valdivino
Preso nos ferros deichou-o.
O General ao sahir
Ordenou ao cosinheiro
Que desse ao velho Calar
Um bom lombo de carneiro
Porque mericia mais
Aquelle bom companheiro.
O criado deu o lombo
Calar nem p'ra elle olhou
Sahiu o pôvo da festa
É o lombo lá ficou
O cachorro veio comel-o
A noute quando voltou,
A mulher de Eliasario
Sabendo o que aconteceu
Deu-lhe um ataque tão forte
Que ella no chão se estendeu
Passou a noute sem falla
No outro dia morreu.

61
cc DO=

Juvenal um hespanhol
Parente de Eliasario
Chegando lá disse ao velho
Você é milionario
Compre quatro ou cinco medicos
Que provem; que elle está vario.
Porque elle estando louco
Não pode ser condenada
O processo fica envalido
Não poderá ser julgado
Ahi o senhor procura
O melhor advogado.
Eliasario pençou
Aquillo ser acertado
Ao contrario Valdivino
la ser executado
É tinha toda sertesa
Elle morrer enforcado
Derigiu-se a capital
Procurou advogado
Esse arrumou cinco medicos
Foi o réo examinado
Que provaram a 4 annos
Elle já ser treslocado,

62
aa A

O bispo e o prezidente
Consultaram ao general
Mandaram ver 4 medicos
No reino de Portugal
E faserem na Bahia
Uma junta especial.
Vinheram de Portugal
Quatro medicos escolhidos
Que por dinheiro sem conta
Não seria illudidos
Desiam que seus carateres
Jamais seriam vendidos.
E examinando o réo
Cada medico de per si
Todos disseram que nunca
Houve tal loucura alli
Nem se quer nervoso havia
Todos juraram ahi.
Fiseram novo processo
Depois d'eHe examinado
Estando prompto o precesso
Valdivino foi julgado
A sentença que pegou
Foi para ser enforcado,

63
ao DA mao

Não havia mais recurso


Estava tudo consumado
O réo d'alli a trez dias
la ser executado
Não tinha mais que apelar
Já tinha sido julgado.
O velho quasi em delirio
Sem nada mais conseguir
Tentou o ultimo meio
Afim do filho fugir
Mais só dos degraus da forca
Podia se escapolir.
Então soube que o carrasco
Era um tal Zifirino
Um calibre mais ou menos
Igual ao de Valdivino
Tinha os trez dons da desgraça
Cobarde, vil, assacino.
Era um mulato laranja
De um aspecto aborrecido
O côro da testa d'elle
Sempre se via franzido
Os cabelos bem vermelhos
Rosto largo e não comprido.

64
fis NS cas

Foi o velho Eliasario


A esse tal Zefirino
Ver se-glle podia dar
Evasão a Valdevina
Disse: elle pula da forca
E depois toma o destino.
Pegue dez contos de reis
Que lhe dou adiantado
E se tiver a fortuna
Elle não ser enforcado
Der-lhe-hei mais vinte contos
O dinheiro está guardado.
Então disse o Zefirino
Isso é dificil arranjar
Porém quando elle subir
Eu finjo me descuidar
Elle que vai previnido
Trate logo de saltar.
Disse o Zefirino ao velho
O senhor deve apromptar
Um cavallo bem ligeiro
Para quando elle saltar
Montar-se logo e correr
Antes do pôvo chegar.

65
ads
Eu hoje direi a elle
Tudo que cstá planiado
Que côr terá o' cavallo
Que á de estar alli sellado?
Diga que é o poldro cobra
Em que clle andava montado.
WValdivinp quando soube
Esta consulta que havia
Ficou comp uma creança,
Chorou alli de alegria
Jurando no mesmo instante
Que Calar lhe pagaria.
Então passaram-se os dias
Estava o pôvo aglumerado,
Valdivino de Amorim
Hia sêr executado
Tudo alli estava esperando
Vel-o morrêr enforcado.
Estava o estado maior,
Que vinha presenciar'
Subio Valdivino a força
Zefirino o foi laçar
Porem elle se encolhendo
Conseguiu d'alli saltar.

66
a

E sahiu como uma flexa


Entre o pôvo se metteu
Se montando no cavallo
D'alli desapareceu,
Enternando-se no mato
N'um instante se escondeu.
O pôvo indignou-se,
Com a fuga de Valdivino
Um d'aquelles que all estava
Estrangulou Zefirino,
Porque esse tinha dado,
Evasão ao assafino. Lar
Porém chegou o cachorro
Quasi na occasião
Soltou dois ou trez latidos,
Sahiu de ventas ao chão
Quarenta e trez praças foram
Tambem em persiguição.
Porém Valdivino hia,
Em bom cavallo montado,
Tinha grande desvantagem
De não ter sahido armado,
E Calar no rasto d'elle
Gania muito vcixado.

67
em DES

Foi prezo o Eliasario


Como autor da evasão
O pôvo não o mutou,
Por elle estar na prisão
E o bispo que sahiu
Pedindo a população.
Fra meia noite em ponto
Valdivino inda corria,
O cavallo ja cançado,
Que nada mais resestia
E o cachorro Calar
De vez emquando latia.
Valdivino conhessendo
Que nada à elle valia,
E o cachorro Calar.
Seu rasto não deixaria
Pençou em suicidar-se
Só assim descançaria.
Dentro do mato apeiou-se
E amarrando o cavallo
Recostando-se a uma pedra
Sentiu alguem açordal-o
Nisso o cavallo soltou-se
Llle não poude pegal-9.

68
— 30 —

Seguiu pôr uma verêda


escalço e todo rontpido,
Ouvindo de vêz em quando;
Calar soltar dm latido
Foi sahir bem no lugar .
Uride o crime tinha havido:
Elle vio na gamelleira |
Que sombriava a estrada
Florianó de Oliveira,
Angelita e Esmeralda
Sebastião sbluçanido
A mulher d'elle prostadaá:
Vio, vit uma carruagem
N "ella vinhá um magestrado,
Que saudoú 08 tinco vultos
epois de ter se apeiado
“xclamou : sangue innocenté
reve hes de ser vingado:
Tornou à tomár o carro
Se montando foi emborá
N'esse momento Calar,
Vein com a, lingua dé fóra
ERRA todos os vultos
partiu na mesmã hóra.

69
e RO craços

Um dos vultos chamou elle


O cachorro distacou
Valdivino não ouviu
Q que o fantasma fállou,
Só ouviu foi diser, volte,
E o cachorro voltou.
O criminoso pençou
Que alli não escaparia
Lembrando-se de uma pessõa
Que morava na Bahia,
Tinha aonde o occultar
Que nem o cachorro via
Era um compadre e amigo
A quem elle protegeu
Que com dinheiro do pai
Esse tal emriqueceu
E visitou Valdivino
Quando a justiça o prendeu.
Valdivino calculou
Eu o que devo lazer
E ir para o quintal delle,
E por alli me esconder
Ou elle ou a mulher d'elle
Um ha “de me apparecer

TO
cet RR qa

E sahiu o assacino
Chegando lá se escondeu,
Não houve alli quem o visse
Quando o dia amanheceu
O compadre-veio fora
E elle lhe appareceu.
Valdivino lhe pediu
Que não deichasse-o morrer
Disse-lhe o velho Roberto,
Tenho aonde o esconder
Porém ninguem mais d'aqui
Disso poderá saber.
Quatro dias decorria,
O assacino escondido
Debaixo de umas madeiras
Estava elle alli mettido
O pai d'elle na cadeia
E ia sêr concluido.
Um dia de quarta feira
O velho Calar chegou
A forca inda estava armada
Calar alli a olhou,
Cravando a vista no céo
Um uivo triste soltou.

il
— 39 —

Veio alli o prezidente


Que trouxe um pão e lhe deu
Calar olhou para elle,
Cherou-lhe os pés e gemeu
Botando » pão entre as mãos
Deitou-se alli e comeu.
Chegou a força do mato,
Não trazendo o criminoso
O general com aquilo
Ficou muito desgostoso
Até o governador,
Ficou doente e nervoso.
O povo ao redor da forca
Só fazia lamentar
Que o pai do assacino
Devia se executar
Tudo pedia ao governo
Que mandasse o enforcar.
O cachorro levantou-se
Como quem estava caçando
Foi a casa de Roberto,
Na porta ficou uivando,
Olhava para Roberto
Partia a elle rosnando.

72
aa

O general com aquillo


Ficou bastante nervoso,
E disse ao governador
Eu estou muito receioso
Que alli n'aquella casa
Está occulto o criminoso,
Então a força cercou
Toda a casa de Roberto
O cachorro só faltava
Era diser está bem perto
O general disse a elle
() senhor estã descoberto.
Roberto alli descobriu
O assacino Onde estava
Debaixo de umas madeiras,
() monstro se conservava
Foi levado ao pé da forca
Orde o pôvo o esperava.
Contou tudo o que se deu
Antes de ser enforcado
Os vultos que. viu na cruz
A quem tinha assacinado
O segrêdo*do cachorro
É o carro do magestrado.

73
se MT as

As cinco horas da tarde


À justiça o enforcou
O pai delle estava preso
Assim que o sino dobrou
Elle soltando um suspiro
Não fallou mais, expirou.
Estando morto o assacino
O botaram sobre o chão
O cachorro olhou-o tem
Chamando tudo attenção
Soltou dois ou,trez latidos
Que espantou a multidão.
Quando a justiça ordenou
O corpo ser hiumado
Sobre os pés do general,
Calar cahindo cançado
Talvez querendo dizzr
General; muito obrigado.
O gencral foi ver agua
Ao cachorro ofereceu
Ali o velho Calar.
Douws litros d'agua bebeu
Trouxeram-lhe uma fritada
Porém elle não comeu.

74
as A que

F estejando o general
As pernas d'elle abraçou
Derijiu-se ao presidente,
Essa mesma acção obrcu
E alli desapareceu
Novo destino tomou.
Foi direitinho ao lugar
Que o crime horrendo se deu
No pé da cruz de Angelita
Flle cavou e gemeu
O velho Pedro chamou-o
Mas elle não attendeu
Deitafido-se entre as 3 cruzes
Sua vida terminou
Nas conilições do guerreiro
Que da batalha chegou
Trazendo os louros da guerra
A sepultura baixou.
O general quando soube
Que Calar era sumido
E que fasia trez dias
Que não era aparecido
Mandou gente procural-o
Ficando muito sentido.

TS
a dO vs

Sahiram cinco ou seis praças


Em nrocura de Calar
O general tinha dito
Não voltem sem o achar
Tragam elle direitinho
Não o façam maltratar.
As praças foram ao lugar
Onde o crime tinha havido
(Onde a famila Oliveiras
Tinha toda succumbido
Bem no pé de uma das cruzes
Tinha o velho cão morrido.
Tinha posto termo a vida
O maior dos lutadores
O que em sua existencia
Vio o horror dos horrores
Que sem fallar descobrio,
Quem matou os seus seuhores.
O general quando soube
Da forma que tinham o achado
Mandou fazer uma ctva
E nella fosse enterrado
Um dos amigos mais firmes
Que o mundo tinha criado.

76
E qu

E na morte dos senhores


Elle afirmou essa ação
Provou que tinha amisade
Ao velho Sebastião
E a morte foi vingada
Por sua persiguição.,
Só não fez, foi dizer nada
Mas provou por sua vez
Apontou só com a vista
O monstro que o crime fez,
Seus olhos disiam ao publico
Isse matou todos trez.
Deitou-se encostado a cruz
Que tinham edificado
Tinha morrido a trez dias,
E nem sequer estava enchado
Como quem dizia, agora
Posso morrer estou vingado.
Mais de dusentas pessõas
Assistiram enterrar elle
Divido a grande firmesa
Que tinha se visto n'elle
Muitas flôres naturaes
Deitaram na cóva delle.

ui
sd a
Agoti veja leitcres
Quem crã o velho Calar
E como do» Sebastião-
Um dia pôde o achar
Elle tinha quirize dias
O donó hia o matar,
Então o velho Oliveira
Achou set uma ingratidão
Matar aquelle innocente
Embora fosse elle um cão
Porem disse à caridade
Não se faz só a christão,
E levou-o para casa
Disse a mulher que o criasse
Disendo pode ser bom
E algum dia inda casse
Quando nada da fasenda
Talvez os bichos espantasse.
Calar criou-se & cresseu
E era um cão caçador
Maracaja é rapousa
Tinham delle grande horror
Passavam por muito longe
Da fasenda do senhor,
78
Era o vigia da noute
Um minuto não dormia,
N'uma cousa que guardavam
O velho cão não bulia.
Só quando os donos lhe davam
Era que elle se servia.
A familia de Oliveira
Muitas vezes a converçar
O velho disia aos filhos
Este cachorro Calar,
Tem espreções de pessõa
Que conhesse o seu lugar.
Em casa do dono d'elle
De noute nada chegava
Um bacuráu que voasse
Calar se erguia e ladrava,
Do poleiro das galinhas
Os morcêgos espantava.
Era muito caçador
O dono sempre caçava
Porém a visinho algum,
A noute elle acompanhava
Só satua para o mato
Quando o senhor o chamava.

79
an ÃOpum

Depois de terem morrido


Qs senhores de Calar
O pobre cão toda noite
Hia para aquelle lugar,
Olhava para as 3 cruzes
Levava a noite a uivar.
Latia e fitava 0 céo
Que a tudo causava dó
Via sangue no capim
Elle cobria com pó,
Hia embora para a casa
Passava o dia alli só.
O velho Pedro dos Anjos
Visinho de Sebastião
Achou que aquelle animal
Merecia compaixão,
Q chamou para não vel-o
Morrer lá sem remissão.
O velho Pedro caçava
Toda a noite com Calar
Mais elle só hia a caça
Depois que hia ao logar
Aos pés da quellas 3 cruzes
Não deixava de uivar.
Morreu o velho Calar
Ficou tambem descançado
Era um cão porém deixow
O nome immortalisado
Morreu depois de vingar,
Quem ja O tinha livrado.
reitor mão levantei falço
mscrevi o que se deu
>quelle grande sucessq
a Bahia aconteçeu,
oa forma que .o velho cão
molou morto .sobre o chãy
one .seu senhor morreu.

& É O PB O ê

8 60>(B gr do-(D dO -B gp som

81
Parahyba (Capital) —F. 'C.: Baptista
& Irmão.
Em Rio Branco — Manuel Vianna
Em Manaus—Bemjamin Cardozo
Em Caruarú— João de' Barros.
Em Pesqueira— Jusé Liberal.
Em Sta Luzia (Parahyba )— José ' Nu
nes de Figueirêdo

Em nossa biblioteca: particular


encontra-se vinte e tantas qualida:
des de folhetos deste autor,
Remete-se pelo correio median
te a importancia, qualquer quantida
de para qualquer Estado

O autor reserva o direito de


propriedade.

--R'ia do Alecrim nº 34 Recile

82
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Estado da Psrahyvba do Norte
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O EDITOR E PROPRIETARIO
REcrAVA OS DIREITOS DE RE-
PRODUCÇAO DE ACCORDO COM
O ARTIGO 649 DO CODIGO CIVIL

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LEANDRO GOMES DE BARROS

Nasceu em 1865, no Municipio da


villa do Pombal, Estado da Parahyba e
falleceu à 4 de Março de 1918, no Recife.

85
AVISO

sendo 1 cido o poeta Leandro


Gomes de B nos, “vasscu a me pe:-
tencer a pre priedad. caterial de toda
a sua obra litteraria, 9 4 mim, pois,
cabe o direito de repro. cc7o dos
tolhetos do dito poeta, ac tde-me
habilitado a cgir dintro da le contra
quem commter o crime de reprc-
ducção de ditos folhetos.
. Fevino és pessuas que negociam
com folhetos, que tenho em uúeposito
todos os que O poeta escreveu e que
vendo-os pelos preços mais pesumidos
possiveis, dando bóa commissãc.

PEDRO BAPTISTA

Guarabira, Estado da Parahyba


do Norte,

Livraria Petro Pentista


O e

Rua 7 de Setembro N. 17

86
QV=
PRA SSL AS PN enganar Ya

O Cachciro
dos Mortos

E . + = “TA
CND DE TÃO LO DE DA *%

Os nossos antepassados
Eram muito preveaidos,
D;ziam : mato tem olhos,
As paredes têm ouvidos,
Os crimes são descobertos
Por mais que sejam escondidos.

Em oitocentos e seis,
Na provincia da Bahia,
Distante da capital
Tres ieguas ou menos seria,
Sebastião de Oliveira
Ali n'um canto vivia

87
amis

Elle, a mulher, duas filhas,


Um filho homem já feito,
O rapaz era empregado
E estudara direito,
O velho não era rico
Mas vivia -atisfeito.

*s Cuas filha: « “m moças


Honestas e trabalm ras,
Logravam n. capita
O nome de encantadora
Chamava a atlenção de to.
As grandes tranças tão loura:

Esse velho er.a ferreiro


E ferreir= habilitado,
W:-“. alli do otíício,
HPlantando e creando gado,
Por tres vezes enjeitou
O cargo de delegado.
rnav'a um visinho d'elle
Eliasario Amorim,
Esse tinha um filho unico
Da especie de Caim,
Emquanto o espanhol velho
Até não era ruim

O filho d'esse hespanhol,


Uma féra carniceira
Veiu provocar namoro

88
a

Com as filhas de Oliveira,


Uma d'ellas disse a elle:
De nós não ha quem o queira.

Flle lhe disse: não sabes


(Que meu pae possue din" iro,
tm terras e criações
E' o maior fazendei-,.
Ella disse: o m” e porre;
Pianta, cria e urreiro,

Minha ” tece de ganhe,


Nós * «mos da costura,
Papae vive da sua arte
E de sua agricultura,
Meu irmão é empregado
Para que maior ventura?

O seductor conhecem
Seus planos serem debalde
E só podia vencel-as,
Por meio de uma falsidade,
Que é a arma mais prompta
Aonde existe a maldade,

Sahiu d'alli Valdevino


Fedendo a xifre queimado
E Angelita ficou
Com o coração descançado
Nem disse aos outros da casa
O que tinha se passado.

89
as

Elle pensou em forçal-a


Mas pensou no resultado,
Devido ao pae de Angelita
Ser mui > considerado,
O filho velo governo
Era tão ceituado, |

Exclamava ele . sigo :


Oh! Angela é ta “ella!
Eu não succegarei m. -
E nem me esquecerei «. ella,
Farei tudo para vencel-a,
Porém não caso com ella,

Mas Valdevino temia


O rc d'ella e o irmão
wue o goverro da provincia
Tinha-lhes muita attenção.
O rapaz era empregado
E tinha condecoração.

Valdevino inda pensou


Que matando á Floriano,
Podia calçar com ouro
Todo governo bahiano,
Ainda que entrasse em jury
Não pegava nem um anno.

Ou poderia matal-o
Occulto n'uma emboscada
Porque ninguem vendo o crime

90
cos

Elle não sofíria nada,


Defuncto não conta historia;
Estava a questão acabada.

Havia alli um engano


Entre Victoria e Bah” *
A divisão das provir ..,
Ali ninguem cor” ..ia,
Sebastião de ” .,Pira
Era o unico que sabia,

O go no da provincia
Tendo aquelia precisão
Disse um dia: Florian
Você vá en commissão
Chamar seu pae para vir
Mostrar a demarcação,

Valdevino de Amorim
Viu Floriano passar,
Escolheu o logar proprio
(Onde o pudesse emboscar,
Dizendo dentro de si:
Elle não póde escapar.

A féra foi emboscal-o


Onde havia uma ipoeira
Carregou um bacamarte
Fez a'uma arvôre trinch ira,
Distante um quarto de legua
Da fazenda d'Oliveira,

91
Giciça

O rapaz chegou em casa


O velho tinha sahido,
Foi ver “s achava um jumento
(Que a tempo era sumigo,
Um amig: 'he escreveu
(Que é anne | parecido.
O Floriano chegou
Depois que o velho s. iv,
Nessa tarde não voltou
Com a familia dormiu,
Deu o recado á mãe d'elle,
De madrugada seguiu.

Calar .n cachorro velho


vué O mesmo Sebastião criou
Vendo Floriano sahir,
Calar o acompanhou,
Floriano o quiz voltar
Darém Calar não voltou,

Passava alli Floriano


A féra então o enfrentou;
Disparou-lhe o bacamarie
Sem vida em terra o lançou
Calar partiu ao sicario
O assassino O amarrou.

As moças lá da fazenda
Ouviram grande estampido,
Angelita se assustou,

92
ad=

Dizendo: o que terá sido?


O tiro foi para o lado
Que seu irmão tinha ido.

Angelita convidóu
A sua irmã Esmerald
Dizendo: vamos ut
A passeio pel? ada,
Aquelle tiro «e deram
Deixou: ne sobresaltada,

No se: «>, naquelle tempo,


Podia uma moça andar,
Passavam-se dois, tres meze”
Sem um homem alli passar,
Por isso foram ellas duas
Não tinham o que receiar.

lam alli conversando


Sobr'a aragem matutina,
Disse Esmeralda á irmã:
Olha para o céu menina,
Estás vendo aquella estrella
Como tem a luz tão fina?

Chegaram, aonde o irmão


Estava morto, na estrada,
O criminoso, do matto
Atirou em Esmeralda,
E enfrentou a Angelita
Dizendo: não diga nada!

93
nm

Angelita muito pallida


Sem estar esmorecida,
Vendo os dois irmãos já mortos
Por uma mão homicida,
Lhe disse monstro tyranno
Fu mor”. « ?*” sou vencida... .

Elle lhe disse: Any “ta,


Com tudo isso eu vu. tcu!
Foi dar-lhe um beijo no. labios,
E Angelita o mordeu,
Elle cravou-lhe o punhal
Ella ahi esmorer .u.

Pondo ” «não na punhalada


P--c: monstro desgraçado
Aquelle velho cachorro
Que está alli amarrado
Descobrirá este crime
E tú serás enforcado.

Olhou para um gamelleiro


Que tinha junto á estrada
Dizendo : e tu gamelleiro,
Vistes a scena passada;
E's uma das testemunhas
(Quando a hora fôr chegada.
Já na ultima agonia
Exclamou: «monstro astassiro,
Tiraste agora tres vidas

94
E não saceias o destino
Isso eu te hei de lembrar
Perante ao Juiz Divino.

Não julgues que fique impune


Este sangue no deserto,
Tú não vês tres teste— arma,
Que estão aqui mr”, perto?
Estas perante a” sublico
Irão depôr m' .o certo,»

Disse "*" «evino: és louca


Quer Jmu o que fci passado?
Disse Angelita: «est. cão
Que está alli amarrado,
A gamelleira e as flores
Lirão no dia chegado.»

Olhou para o cão e disse:


«Olha meu velho Calar,
Tú dirás tudo ao juiz
Sem elle a ti perguntar
Esta velha gamelleira
Fica para te ajudar.

E essa flor que por ella


Ha festa aqui todo anno,
Ha de tirar a justiça
De uma suspeita ou engano,
Dirá ao Juiz venha ver
Quem matou a Floriano!

95
uma
À Dum
As tres vidas que roubastes
Pagarás com tua vida,
Tú has de te arrependeres
qDepois da camea perdida.
“Uma lagrma de dôr
Será pot-*eu pae vertida.

Com *“.uo, n. tro perdôoc-te


srque fui e sou “ristã
A morte de meu irn
A minha e a de minha mã;
Tú hoje matas a mim,
Outro te mata amanhã.»
E pondo a mãr sobre uma
Das punhalauas que tinha
Disse- calar: «se fugires,
-vusola minha mãezinha
E lhe digas que abençõe
Os pobres filhos que tinha.
“hora que tú não fales
Pois não te foi concedido
Mas um olhar bem lançado,
Dá a Idéa d'um sentido
''m uivo ou um olhar
Póde ser comprehendido.,»
E alli serrando os olhos
Quasi a sorrir expirou
O assassino a olhando

96
sóis
Chorando se retirou
Depois pensou, isso é nada
Com toda calma voltou.

Já estaya frio o cadaver


Porém nas faces mimosas
Via-se perfeitamente
Desenho de duas ro” .s
Como que fosse” pintadas
Por mão das r «us curiosas,

Em Esr da se via
O sanç . ainda sahíndo,
Vestigiu de zombaria
Como quem morre sorru. To,
Como creança brincando
Finge que está dormindo.

O rapaz banhado em sangue


Bem no centro da estrada
A' esquerda de Angelita
A" direita de Esmeralda,
Com uma mão sobre a ferida
A outra mão estirada,

Valdevino tinha á noite


Escripto n'uma carteira
—Eu: hoje hei de matar
Floriano de Oliveira,
Se não matal-o me mato
Será minha derradeira.

97
sb co

Datou-a, assignou o nome,


Pegou a arma e sahiu
Se encostou no gamelleiro
A carteira escapoliu
Havia um Ôco na arvore
Nella a c. teira cahiu.

* Fºq não se . mbrou


Da testemunha oc. *r
Perdendo aquela cr. à
Alguem a podia achar
Elia na mão da justiça
Quem poderia o salvar?

Porém uma *.rça occulta


Permittir que elle perdesse
F - «nesma força impôz
Que elle della se esquecesse
Para dizer ao seu tempo:
—2() assassino foi esse.

«alar, O pobre cachorro,


Que aquelle espectaculo via
Soltava uivos enormes,
Que muito ao longe se ouvia
Rcsnava e fitava os olhos
Debalde a corda mordia.

Valdevino alli puchando


Um facão muito afiado
Descarregou no cachorro,

98
—| 5 um

Um golpe encolerisado,
Errou e cortou-lhe a corda
Com que estava elle amarraco.
Valdevino ficou triste
Vendo o cachorro cor |,
Lembrou-se do que “.ngelita
Disse antes de " srrer,
Porém disse: .te não fala
Como pode . dizer?

Calar egnu na fa.enda


Uivando desesperado,
DD. Marla da Gloria
Já tinha se levantado
Quando ouviu o cão uivando
Ahi cresceu lhe o cuidado.

E foi procurar os filhos


Onde ouviu os estampidos
Calar foi adeante uivando
Com enormes alaridos
D. Maria da Gloria
la aguçando os ouvidos.
Como não foi seu espanto
Quando chegou ao logar
Onde achou os filhos mortos
Sem nada alli atinar,
Calar sabia de tudo
Mas não podia falar.

99
io

Voltou Maria da Gloria


N'um triste e penoso estado
Já Sebastião em casa,
A esperava sentado
Não sabi: da desgraça
Que a rn... tinha se dado,

r erguntou pela fam “a,


Ella não poude cor «a.
Disse apenas : morrev 1. to,
Apontou para o logar,
Estendeu-se sobre o chão
Serf nada mais «tinar.

Sebastião ue Oliveira
Foi cur onde a mulher veio
Achou o poço de sangue
Os tilhos mortos no meio
Olhou para o céu e disse:
Oh! meu Deus! que quadrc feio,

Foi perguntar á mulher


Como aquillo assim foi dado
Ella apenas lhe contou
O que tinha se passado
Deixando o pobre ancião
Aflicto e impressionado.

Montou n'um burro e <ahiv,


Dalli para a capital
Logo que chegou na cidade

100
mi

Foi ao quartel general


Lá falou quasi vma hora
E nada disse afinal,

Depois de muita insistenr'


O presidente entende:
Perguntou por Fle” .i1o
Elle lhe disser reu
Elle e a fami! . toda,
E contou e que aconteceu

A just ,1 toda foi


Ver o que tinha se acto;
Encontraram os 3 cadave. *s
O chão em sangue banhado,
Calar inda estava uivando
junto dos mortos deitado,

Foram á casa de Oliveira


Ver se Maria da Gloria
Dava um roteiro que ao menos
Se calculasse uma historia
Ella contou esta mesma
Que elles guardaram em memoria,

D. Maria da Gloria
Dois dias depois morreu
Sebastião de Oliveira
Em tres dia; enloqueceu
Dentro de duas semanas
Tudo desappareceu.

101
am

A justiça da Babia
Não cessou de procurar.
Espalhou por toda parte
Secretos a indagar.
Não havia uma pessõa
Que disse “e: eu vi matar.

ava dez contos *º réis


Na moeda que quiz “e
A pessôa que chegass.
F seriamente dissesse.
Teria mais um terríno
A pessoa que so'.oesse.

Pcrém o cr.ne se deu


Quand” alli ninguem passava,
-««dr sabia de tudo
Porque no crime elle estava
Se falasse descobria;
Desejo não lhe faliava.
Impressionava a todos
Habitantes da cidade
Como deu-se aquelle crime
N'aquella localidade
Floriano de Oliveira
Tudo lhe tinha amisade.

Attribui
se a um roubo
Por algum aventureiro,
Mas o rapaz costumava

102
aà sm

À não andar com dinheiro,


Questão de moça não er:,
Elle era bem justiceiro,

Os moradores de perto
Eram todos conhecidos
Compadres delle e de , ae
E por elles proter .us
Tanto que dar seo crime
Todos ticarar sentidos.

Eliasar era um c'esses


Aborto, que tem ha ido
Um n'esses que o pão nue come
Se considera estruido;
Fazei-lhe mal é peccado,
[Cazei-lhe o bem é perdido.

Esse era fazendeiro


Porém d'alli não sahia,
Nem era bem conhecido
No commercio da Bahia,
Só onde vendia lã,
Alguem láo conhecia.
E o dono de um açougue
Onde elle vendia o gado,
O banco aonde elle tinha
Dinheiro depositado.
Tanto que deu-se esse crime
E elle não foi lembrado,

103
ec ni

Sentiu e chorou bastante


A morte do camarada
E não foi á missa a'elle
Por não ser de madrugada,
Pois só tinha uma camisa
E essa e: "va estragada.
Tar".em procu. mM saber
idJual seria O assas> “9,
Não sei se pelo dirn “o
Ou pelo proprio destinc,
Porém nunca lhe veio á m.
Ser seu filho Vale .vino.

Onde dev-se v crime haviam


Duas es't «das em cruz
Dirian que alli acharam
Umas flores muito azues
Formando uma lapa egual
A" do menino Jesus.

“o bahianos costumavam
Desde da antiguidade
Fazerem uma grande festa
N'aquella localidade
Vesperas e dias de anno
Alli era novidade,

Na cahital da Bahia
Não havia outro festim
Havia missa campal

104
e (pm

Orchestra e botequim,
Bailes n'aquellas latadas
Cobertas de folhas e capim,
Em oitocentos e nove
Estava a festa a terminar
Um velho d'alli caçava
Passou n'aquelle loo”.,
Atraz d'esse car" ,or
Vinha o cach' ,o Calar.

Abrigc <« n'um: sombra


Vinha mto esbat. rido
Foi chorar ao pé da “ruz,
Que o senhor tinha mo. ido
Cheirou as das duas moças
Depois soltou um gemido.

Estava alli o general


O bispo e o presidente
E o chefe de policia
Homem muito experiente
Todos ficaram d'aquillo
Impressionadamente,

O general perguntou
De quem era aquelle cão?
Respondeu o velho Pedro,
Este cachorro: patrão,
E" do defuncto Oliveira
Que Deus dê-lhe a salvação,

105
o 2)«mo

Este cachorro é o rei


Dos cachorros caçadores,
Ainda adora O logar
Que lhe mataram os senhores,
Se fosse de madrugada
Seu uivo “zia os horrores!

ec O chefe q nolicia:
inda não se descob *
A morte de um patio.
Que tanto á patria serviu ?
Foi logo n'esse des to,
Em horas que ni” guem viu!
Disse alli o .esidente
Se aind- se descobrir
” actor dessas tres mortes
Eu juro a Deus os puni,
Serei o carrasco d'elle
«Quando elle á forca subir.

sevastião de Oliveira
Era um pobre acreditado;
A familia deu exemplo,
O filho um rapaz honrado,
Era um bahiano distincto
Por todo mundo estimado.

Então disse o general:


Isso ainda é descoberto
O crime foi muito occulto

106
em DD mm

Feito aqui neste deserto,


Mas quando chegar o dia
Ha de saber-se por certo,

Se eu fôr vivo nesse temp


Serei o algoz mais fortr
Serei um dos que e conduza
Para o theatro cd morte,
Com a minha .rcpria mão
Amollo um Í.rro que o corte,

O cac! rra ouviu «nuillo


Erguet-se muito con,-nte
For aos pés do general
Festejou o presidente
Como quem dizia: o crime
E” punido certamente.

Disse o bispo: este cachorro


E* testemunha ocular,
Elle viu quem fez as mortes
Só falta é elie contar,
Se visse O criminoso
Podia o denunciar.

Disse o velho: este cachorro


Fez uma cousa esquesita,
Tinha uma cobra enroscada
Onde mataram Angelita,
Elle espedaçou-a a dentes,
(Quasi que se precipita.

107
—94—

Elle quando chega aqui


Aos pés das cruzes se lança,
Solta uns uivos muito tristes
Como quem pede vingança,
Como qu m pede de balde
Sem ter .. ““illo esperança,
risso chega um ca “lheiro
Valdevino de Amor'm:
Andava fóra, inda vinha
Vêr se alcançava o festim
Vinha n'um burro possante
Alvo da côr de ,asmim.

Assim o". o cachorro viu


Valdevino se apeiar
Rosnou e partiu a elle
(Querendo o estraçalhar
Só não rasgou-lhe a garganta
Devido ao velho o pegar.

Tremia o queixo e babava


Fitando alli Valdevino,
Uivava como quem já
Tinha perdido o destino,
Só faltava era dizer:
Eis aqui o assassin. !

E foi para o pé da cruz


Alli pegou a uivar
Fitava os olhos nn céu,

108
Como quem quer supplicar,
Como quem diz oh! Deus!
Vem que eu não posso falar!

Disse o bispo á Valdevin


—L() senhor está descr' ..o,
O senhor foi o au”! r
Das mortes de e deserto,
Aquelle cache .o deu
Um depoimento mui certo.

O mo stro viu o p.rigo,


Fez tudo para nepar.
O bispo disse: meu filh..
Não ha mentira em olhar,
Os olhos são verdadeiros
Não podem nada occultar!

Os olhos tambem se queixam ;


Um olhar diz o que sente,
Ameaças ou trahição,
Punição severamente,
Declara a magua ou a dór,
Porém um olhar não mente,

O olhar daquelle cão


Está demonstrando a dóôr,
O sentimento profundo
Da morte de seu senhor,
Elle só falta falar
E apontar o matador,

109
— DO —

N'aquillo duas creanças


Que estavam em brincadeira,
Uma d'ellas se trepou
N'um galho da gamelleira,
Tirando um ninho de rato
Achou n' '>- uma carteira.

“ tor deve ler "hrar-se


De um verso que a * já leu,
Veja na vespera do cn. 'e
O que Vakdevino escrever
Bem no tronco da gamellen
A carteira elle pe seu,

Alli trouxer".» a carteira


Entregr:am ao general,
“ vispo disse: senhor!
O que eu lhe disse afinal?
Eu não lhe disse que os olhos
36 dizem o que fôr real”!

Vaidevino descobriu tudo


Em sua interrogação.
Calar alli demonstrou
Ter grande satisfação;
Pulava um metro de altura
E rolava pelo chão,

Corria escaramuçando
Como quem estava em folia,
Festejava o general.

110
eypa

Com desmarcada alegria


Como quem dizia: nesses
Encontrei o que queria.

O povo todo da festa


Quiz a Valdevino linch>
O bispo e o presiden.
Trataram de acor .nodar,
Garantindo q! a justiça
Havia de o castigar.

Sahiu «eso Valde cino


E Cal.r o acompan:,uy,
O velho Pedro o chame-rdo
Mas elle nem o escutou,
Voltou quando Valdevino
Preso nos ferros deixou,

O general ao sahir
Ordenou ao cosinheiro
Que désse ao velho Calar
Um bom lombo de carneiro,
Porque merecia muito
Aquelle bom companheiro

O criado deu o lombo


Calar mem p'ra elle olhou,
Sahiu o povo da festa
E o lombo lá ficou,
O cachorro veiu comel-o
A' noite quando voltou.

111
E e

A mulher de Eliasario
Sabendo o que aconteceu
Deu-lhe um ataque tão forte
Que ella no chão se estendeu.
Passou a noite sem fala
No outro “ia morreu,

“e sa), um hespanhol,
1 arente de Eliasaric
Chegando lá disse ao elho:
Você é millionario
Compre quatro ou rinco me. ds
Que provem que .ile está va: ».

Porque elle “ ,íando louco


Não pó". ser condemnado,
M nrocesso fica invalido
Não poderá ser julgado,
Ahi o senhor procura
O melhor advogado.

Luesario pensou
Aquillo ser acertado,
Ao contrario, Valdevino
la ser executado
E tinha toda certeza
Elle morrer enforcado.

Dirigiu-se á capital
Procurou o advogado,
Esse arrumou cinco medicos,

112
E o réo sendo examinado
Provaram que ha 4 2nnos
Elle já era tresloucado,

O bispo e o presidente
Consultaram ao gencral,
Mandaram vir 4 medir
Do reino de Ports.l
F fizeram na R ua
Uma junta es .ecial,
Vinher . de Por. gal
(Juatrc medicos esc lhidos
Que por dinheiro sen. conta
Não seriam illudidos,
Esses homens de caracter
Jámais seriam vendidos,
E examinando ao réo
Cada medico de per si
Todos disseram: que nunca
Houve tal loucura alli,
Nem se quer nervoso havia
Todos juraram ahi.

Fizeram novo processo


Depois delle examinado.
Estando prompto o processo
Valdevino foi julgado;
A sentença que pegou
Foi para ser enforcado.

113
cmo DA ms

Não havia mais recurso


Estava tudo consumado
O reéo d'alli a tres dias
la ser executado
Não tinha mais que appellar
Já tinha s.. julgado,

“ velho quasi em 'elirio


sem nada mais cons. uir
Tentou o ultimo meio
Afim deo filho fugir
Mais só dos degrz «s da forca
Podia se escapo!.

Então so' ve que o carrasco


Fra um tal Zefirino
Um calibre mais ou menus
Egual ao de Valdevino
Tinha os tres dons da desgraça
Cobarde, vil, assassino,

Era um mulato laranja


De um aspecto aborrecido
O côro da testa delle
Sempre se via franzido
Os cabellos bem vermelhos
Rosto largo e não comprido.
Foi o velho Eliasario
A esse tal Zeferino
Ver se ellê podia dar

114
=,

Evasão a Valdevino
Dizendo: elle pula da forca
É depois toma o destino ,.

Pegue dez contos de réis


Que lhe dou adeantado
t se tiver a fortuna
D'elle não ser er“urcado
Dar-lhe-ci maie vinte contos
O dinheiro está guardado

Então .sseo Zerino


Isso é difficil arran.*
Porém quando elle suvir
Eu finjo me descuidar
File que vae prevenido
Trate logo de saltar.

Disse o Zeferino ao velho


O senhor deve apromptar
Um cavallo bem ligeiro
Vara quando elle saltar
Montar-se logo e correr
Antes do povo chegar.

Eu hoje direi a elle


Tudo que está planejado.
—2(Que côr terá o cavallo
(Que ha de estar alli sellado?
—[Diga que é o poldro cobra
Em que elle andava montado.

115
e,
Valdevino quando soube
Este consulta que havia,
Ficou como uma creança
Chorou alli de alegria,
Jurando nr * mesmo instante
Que Calar . ” pagaria,

ntão quando cheg.'* o dia


Estava o povo agglon. rado,
Valdevino de Amorim
la ser executado,
Tvdo alli estava e .perando
Vêl-o morrer eríorcado,

Presente v Estado Maior


Ne vinha presenciar,
Subiu Valdevino á forca
Zefirino o foi laçar,
Porém elle se encolhendo
Conseguiu d'alli saltar.
E sahiu como uma fléxa
Entre o povo se meiteu,
Se montando no cavello
D'alli desappareceu,
Internando-se no matto
N'um instante se escondes,

O povo indignou se,


Com a fuga de Valuevino,
Um d'aquelles que all estava

116

Estrangulou Zefirino,
Porque esse tinha dado
Evasão ao assassino.

Porém chegou o cachorro


(Quasi na occasião,
Soltou dois ou tres 'audos
Sahiu de ventas o chão,
(Quarenta e tre praças foram
Tambem em perseguição.

Porem aldevino ia
Em bol cavallo mon.do,
Tinha grande desvantage:
De não ter sahido armado,
E Calar no rasto delle
Gania muito vexado.

Foi preso o Eliasario


Como auctor da evasão,
O povo não o matou
Por elle estar na prisão
E o bispo que sahiu
Pedindo á população.

Era meia noite em ponto


Valdevino inda corria,
O cavallo já cançado
(Que mada mais resistia
E o cachorro Calar
De vez em quando latia.

117
Valdevino conhecendo
(Que mada a elle valia
E o cachorro Calar
Seu rasto não deixaria
Pensou em suicidar-se
Só assim | «cançaria.

«ro do mato ap “iou-se


É amarrou o cavallo.
Kecostando-se a uma p.dra
Sentiu alguem acordal-o,
Nisso o cavallo sol ou-se
Elle não poude p.ga'-).

Seguiu por uma verêda


Descalço e tudo rompido,
«suvindo de vez emquando
Calar soltar um latido,
Foi sahir bem no logar
Onde o crime tinha havido.

Elle viu na gamelleira


(Que sombreava a estrada
Floriano de Oliveira,
Angelita e Esmeralda,
Sebastião soluçando
A mulher delle prostrada,

Viu vir uma carruagem


Nella vinha um magisirado,
(Que saudou os cinco vultos

118
ce ias

Depois de ter se apeiado


Exclamando: sangue innocerre,
Breve has de ser vingado.

Tornou a tomar o carro


Se montando foi emb”
Nesse momento Catar
Vem com a li" qua de fóra,
Festejou toc .s os vultos
E partiu na mesma hora.

Um .os vultos «hamou elle


O cáchorro distaco"t,
Valdevino não ouviu
O que o phantasma falou,
Só ouviu foi dizer: volte,
E o cachorro voltou.

O criminoso pensou
Que alli não escaparia,
Lembrou-se de uma pessõa
Que morava na Bahia,
Tinha aonde o occultar
Que nem o cachorro via.

Era um compadre e amigo


A quem elle protegeu,
Que com dinheiro do pae
Esse tal enriqueceu
E ia sempre visital-o
Quando a justiça o prendeu.

119
AA

Valdevino calculou:
Eu o que devo fazer
E" ir para o quintal delle
E por allime esconder ;
Ou elle ou a mulher delle
Um ha c me apparecer.
” sahiu o assaccino
Chegando lá se es. sndeu,
Não houve alli quem » visse
Quando o dia amanheceu,
O compadre veio ora
E elle lhe appar' ceu,

Valdevino “i.e pediu


(Que não o deixassem morrer.
“isse-lhe o velho Reberto :
Tenho aonde o esconder,
Porem ninguem mais d'aqui
Disso poderá saber.

tquatro dias decorria,


O assassino escondido
Debaixo de umas madeiras
Estava elle alli mettido
O pae delle na cadeia
Já ia ser concluido,

Um dia de quarta feira


O velho Calar chegou
A forca inda estava armada

120
AS

Calar alli a olhou,


Cravando a vista no céo
Um uivo triste soltou.

Veiu alli o presidente


Que trouxe um pão e |” deu
Calar olhou para el”,
Cheirou-lhe os "2. e gemeu
Botando o p? entre as mãos
Deitou-se all, e comeu,
Cheg u a força to matto
Não «razendo o ciíminoso,
O general com aquillo
Ficou muito desgostoso.
Até o governador
Ficou doente e nervoso.

O povo 30 redor da forca


Só fazia lamentar
Que o pae do assassino
Devia se executar,
Tudo pedia ao governo
Que o mandasse enforcar.

O cachorro levantou-se
Como quem estava caçando,
Foi á casa de Roberto,
Na porta ficou uivando,
Olhava para Roberto
Partia a elle rosnando,

121
Eis

O general com aquillo


Ficou bastante nervoso,
E disse ao governader
Eu estou muito receioso,
Que alli «aquella casa
Está occui.. o criminoso.

Então a força cerc. 1


Toda a casa de Rob. to
O cachorro só faltava
Era dizer está ber, perto
O general disse a elle:
O senhor está descoberto. ..

Roberto alli descobriu


—) assassino onde estava
Debaixo de umas madeiras
O monstro se conservava
Foi levado ao pé da forca
Onde o povo o esperava.
Contou tudo o que se deu
Antes de ser enforcado
Os vultos que viu na cruz
A quem tinha assassinado
O segredo do cachorro
E o carro do magistrado.

A's cinco horas da tarde


A justiça o enforcou
O pae delle estava preso

122
E
Assim que o sino dobrou
Elle soltando um suspiro
Não falou mais, expirou,

Estando morto o assassino


O botaram sobre o chão
O cachorro o olhou be”,
Chamando tudo a 2z.ienção
Soltou dois ou «s latidos
(Que espantou a multidão.

Quand:. a justiça vrdenou


ser o corpo inhumado,
Sobre os pés do general
Calar cahiu mui cançado,
Talvez querendo dizer:
General, muito obrigado.

O general foi ver agua


Ão cachorro offereceu,
Alli o velho Calar
Dois litros d'agua bebeu,
Trouxeram-lhe uma fritada
Porém elle não comeu,

Festejando o general
As pernas delle abraçou
Dirigiu-se ao presidente
Essa mesma acção obrou.
E alli desappareceu
Novo destino tomou.

123
o,
Foi direitinho ao logar
Que o crime horrendo se deu,
No pé da cruz de Angelita
Elle cavou e gemeu,
O velho Priro chamou-o,
“tas, elle na. atendeu,
veitando-se entre as “es cruzes
Sua vida terminou,
Nas condições do guerreiro
(Que da batalha cheg .u,
Trazendo os louros da guerra
A' sepultura baixou,

O general quando soube


O» Calar era sumido,
H que faziam tres dias
Que não era apparecido.
Mandou gente procural-o
Ficando muito sentido,

Sahiram cinco ou seis praças


Em procura de Calar
O general tinha dito
Não voltem sem o achar,
Tragam elle direitinho
Não o façam maltratar.

As praças foram 20 logar


Onde o crime tinha havido,
Onde a familia Oliveira

124
fica

Tinha toda sucecumbido,


Bem no pé de uma das cruzes
Tinha o velho cão morrido.

Tinha posto termo á vidz


(DO maior dos luctador5,
O que em sua ex'siencia
Viu o horror d”, horrores,
(Que sem falar descobriu
(Quem matou os seus senhores,

v) general quando soube


Da fórma que o tinham achado
Mandou fazer uma cova
F nella foi enterrado
Um dos amigos mais firmes
Que o mundo tinha criado.

E na morte dos semhores


Elle affirmou ter acção,
Provou que tinha amisade
Ao velho Sebastião.
A morte só foi vingada
Por sua perseguição,

Só não fez foi dizer nada,


Mas, provou por sua vez,
Apontou só com a vista
O monstro que o crime fez,
Seus olhos diziam ao publico
Esse matou todos tres!...

125
— 49 —

Deitou-se encostado á cruz


Que tinham edificado.
Havia morrido ha tres dias
E nem sequer estava enchado,
Como quem dizia: agora,
Posso mor! - estou vingado.

« de duzentas pessoas
Assistiram enterrar elle.
Devido a grande firmeza
Que tinha se visto nelle,
Muitas flôres naturaes
Deintaram na cova delle.

Agora vejam leitores


Quem era o velho Calar
+ c«omo o Sebastião
Um dia o poude achar,
File tinha quinze dias
O dono o ia matar,

Então o velho Oliveira


Achou ser uma ingratidão,
Matar aquelle innocente
Embora tôsse elle um cão,
"orem disse: a caudade
Jão se faz só a christão.

E levou-o para casa


Disse á mulher que o criasse,
Dizendo póde ser bom

126
fica

E algum dia ainda cace.


Quando nada, da fazenda,
Talvez os bichos espantasse.

Calar criou-se e cresceu


E era um: cão caçador,
Maracajá e raposa
Tinham delle g ande horror,
Passavam po” «nuito fonge
Da fazenda do senhor.

Era c vigia da noite,


Um minuto não dormia,
Muma cousa que guardavam
O velho cão não bolia,
Só quando os donos lhe davam
Era que elle se serviz,

A familia de Oliveira
Muitas vezes a conversar
O velho dizia aos filhos:
Este cachorro Catar,
Tem expressões de pessõa
(Que conhece o seu logar.
Em casa do donu delle
De noite nada chegava,
Um bacuráu que voasse
Calar se erguia e ladrava,
Do poleiro das gallinhas
Os morcêgos espantava.

127
ali

Como elle era muito bom


O dono sempre caçava,
Porem a visinho algum
A" noite elle acompanhava,
Só sahia para c maito
Quando o senhor o chamava.

“ennis de terem morrido


“3 senhores de Cala.,
O pobre cão toda noite
la para aquelle logar,
Olhava para as tres cuzes
Levava a noite a ulvar.

Latia e fitava o céu


Que a tudo causava dó,
V« sangue no capim
ciie cobria com pó,
las embora para a casa
Passava o dia alli só.

vw v..ho Pedro dos Anjos


Vizinho de Sebastião
Achou que aquelle animal
Merecia compaixão,
O chamou para não vêl-o
Norrer lá sem remissão.

O velho Pedro caçava


Toda a noite com Calar,
Mas, elle só ia á caça

128
—45—

Depois que ia ao logar,


Aos pés d'aquellas tres cruzes
Não deixava de uivar.

Morreu o velho Calar


Ficou tambem descança” ,,
Era um cão porém duxou
() nome iimnmort>'.sado,
Morreu depois Je vingar
Quem já o tinha livrado,

meitof não levantei falso


mscrevi o que se deu,
»quelle grande successo
za Bahia aconteceu,
ga forma que o velho cão,
xclou morto sobre o chão
Cnde seu senhor morreu,

Recife —191

FIM

129
“S

Recordações

Er?'mos, ella e eu, ambos creanças,


Vouvamos em azas de esperanças,
Cheios de vida e mocidade,
preravamos os primeiros raios do sol
Escutando cantar o rouxinol
Olhando a immensidade.

Hila. tinha talvez uns nove annos,


“iuya olhos celestes, soberanos,
Cabellos como a tela,
A brisa osculuva aquelle rosto,
Os ultimos raios do sol posto
se namoravam della.

Eu e ella, a tarde nas campinas


A' tírar as flores das boninas
Que alli no campo havia,
A desfolhar os ramos das violetas,
Airaz das douradas borboletas,
Como louco eu corria,

130
edfis

Quando à tarde o sol ia morrendo,


O jurity saud so ia gemendo
Em procura do lar,
U camponez voltava do trabalho,
à abelha timida do orvalho
la se agusalhsr.

Nós tambem procuravumos nossas casas


Como a rola que a sol posto bate azas
E vae por «ar no ramo,
Eu dizendo, eseuta oh! Maria;
Amanhã quando amanhecer o dia
Ev vou lá e te chaino.

Ella com o rostinho encantador


Dizia-me sorrindo, sim senhor,
O espero amanhã,
Hoje mesmo ajunto meus brinquedos
Para irmos úquelles arvoredos
Vou pedir a mama,

No outro dia, à fresca madruçada


Ja me encontrava descalço *na estrada
Atraz dos pyrilampos,
Eu ia acordar e lhe dizia
Ja são horas levanta-te Maria
Vem ver que bellos campos.

=eboavam atravez daquella serra


mchos que enchiam toda terrra,
-omo som de trovoada
—nda eram homens que caçavam
—ulminando mattas aos cães gritavam
= vinham da caçada.

131
Attenção
BESCpg

COM VISTAS AOS DRS. CHEFES


D. POLICIA DOS
FºTADOS DO PARA" E CEARA
Jarse achava este folheto em compo-
sição quando chegou ao meu conheci
mento que em Belem do Pará, um indi-
viduo de nome Francisco Lopes e no
Ceará um outro de nome Luiz da Costa
Pinheiro, tém criminosamente feito im-
primir e vender este e outros folhetos do
ra Leandro Gomes de Barros; sem a
menor auctorização du minha parte que
sou o legitimo dono de toda a obra lit-
teraria desse poeta. Chamo pois a
attenção dos Drs. Chefe de Policia dos
Estudos acima referidos para pôrem termo
« essas infracções e procederem contra
esses individuos, infractores do Art 345
do Codigo Penal, emquanto que por la
chegue eu legitimamente documentado
conforme exigem os artigos 61) e subse-
quentes do Capitulo VI dc Codigo Civil.

PEDRO BAPTISTA.
Guarabira, Agosto de 1919,

132
PO O
AVISO
O O A a PES
TT A E OS A

Avisamos aos srs, megociantes


que femos em deposito grande sortli-
mento dos seguintes astigoc.
--Livros em todos es -eneros e de
auctores adoptados, ..rdosias, cravonr
lapis, papel parz escripta e para des
senho, mata-f srão, tintas para squa-
rella e de escripta, compassos e lapis
para desenho, fiz escolar, cadernos
de catigraphia vertical e americana,
noções de desenho e pintura, borra-
chas, ftiradores para - papel, palhetas
pará instrumentos, giz marca "E,
phante” para bilhar, caixas de papol
€ centos de enveloppes, boletins es-
colares, cadernos para dictado, cordas
para violão e bandolim, quadros, mo!-
duras e estampes, etc, etc.
—Todos estes artigos encontram-se
á venda pelos preços mais baratos
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NA LIVRARIA

Pedro Baptista
QUARABIRA

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A Vida e o Testantesto do Cancãe de. Nopo

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A Mulher roúbadu
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O Principe ea Fada
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Hist. da lionzella Tieedora
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O Boi Mxstersoso da
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O Cachorro dos Mortos
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O Reino da Pedra Fina
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de

A India Hist. de Caboclo Bravo


A”:

A (Tuta
A V nganca de em Filho
A Vida de Fedro Cen
O

A Vida completa de João Lezo


É
O

) Naccimento de Antonio Silvino


o

A Vida é os Serniçes do Padre Cicero


Da

A Batalha de Ferrubruze a Prisão do Oliver


E

Wros. TVirados do livro de Carlos Mygmno


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Con posto esmpresso na Trp. da [IVRA-


RIA PEDRO BAPTISTA- Guarabira.
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4: «CANCÃO DE FOGO»
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«é Ee
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135
CASAMENTO A PRESJAÇÃO
O atraso do Brazil
ti esta desunião
Cinema jogo de bichos'
Automoveis e balão
Esses seguros de vida
E negocio aprestação
(quem enventou prestação
Não foi mais que lItalianno
Uma nação que d'all
Tira-se um bom por engano
O mais serio que tem li
Passa quináo em c'gano
E aqui em Pernambuco
Progrediu esta envenção
Hoje é plaxe de negocio,
Da capital ao sertão
Ja temos visto até noivo
Comprar noiva a prestação
Ha quem diga assim mesmo
Que o ceculo «é civilisado
Eu para faser favor
Não fallo.fico calado
Elle tem luz como as noites
Sem lua em temgo turbedo.

136
amd, a
Os do tempo do atraso
Tinham carater e ação
Criavam bem as familias
Davam bôa criação
Alguns do ceculo das luzes
Vende filhas a prestação
Um homem naquelle tempo
Que chamam-lhe ceculo escuro
Uma abenção dos pais velhos
Era um brilhante futuro.
Hoje querem ter mãe veiha
Para bota” no seguro
Elle ver que a mãe é pobre
Morre e não deixa dinheiro
Elle diz antes que a perca
Vou segural-a primeiro
Isso « igualmnte ao porco
Que se bota no chiqueiro.
Eu não sensuro ninguem
Tal cousa nunca farei
Está meu confessor que diga
Tal culpa nunca acusei
E principalmente hoje
Que a pouco me confessei

137
e
Lanto que na contisção
Só discubri culpa aleia
O namoro de uma velha
Que não obsta ser tão feia
A vida de uma viuva
Que ja morou na cadeia.
Cuntei a vida de um velho
(ue diz que ja foi honrado
A honra desmantelcu-se.
Elle ficou relachado
Para a filha se cazar
O noivo comprou-a fiad».
João Triste sem nem um X
Pediu Antonia Bisonha,
Disendo a Marco Subêjo,
Venho pedir-lhe a Totonha
Disse Marco: sem dinheiro?
Ja por all sem vergonha
Disse João Tiiste Sr. Marco
Veja as minhas condicões
Espero satisfaze r-me
Cum suas bellas acções
Eu caso com a menina
Pago em quatro prestacões,

138
— | —

Disse Marco assim me serve


Mas se o senhor não pagar ?
Eu vou lhe esclarecer logo
O que ha de resultar
Se cu não fôr indenizado
Minha filha ha de voltar
O senhor diz que não pode,
Pagar tuuo de uma vez
Da-me cecenta mil reis
Sendo quinze em cada mez
Paga a primeira e depois
Podendo paga-me as trez,
A Totonha não é feia
Não é lá muito formosa
Os defeitos que ella tem
Não a põe defeituosa
Hontem a mãe d'ella me disse
Minha filha é uma rosa,
Se ella tivesse cabello
E não fosse des dentada
Se não faltasse-lhe um olho.
Não tivesse a pá quebrada
A mais de quatorse annos
Ella ja estava casada

139
m
—— ) —

Foi João triste ao capelão


E lhe disse que queria
Cazar n'aquella semana
Mas arame não havia
Porem em trez prestações
Elle depois pagaria.
Comprou a moça fiado
Fiado tambem casou
Teve um filho e a parteira
Fiado foi quem o pegou.
E foi justo a prestações
O padre que o baptisou
Depois de casado um anno
Estava o João em disatiro
O sogro chegou-lhe em casa
Que vinha mesmo ferino
A parteira veio e disse
Ou meu cobre ou o menino.
“> padre mandou a elle
Uma embaxada medonha
Que lhe m ndasse o dinheiro
Senão tomava a totonha
Veio o sacristão e disse
Cu meu dinheiro ou bisonha

140
—6 —s
Eis ahi as prestações
O que pode rezultar,
Mulher e resto de mesa
Agente não vende,dar
E só mesmo à prestação
Se pode negociar.

TESTAMENTO DO «CANCÃO»
DE FOGO

Então batendo na porta


Com pouco um homem chegou
Que deseja o cavalleiro?
O homem lhe peguntou
Sou o dono d'este predio
O homem alli o fitou
De qual predio meu senhor
Deste aqui que você mora,
Isso é conto do vigario
E cêdo inda não é hora
Ahi bateu o postigo,
Nemefalou mais foi embora

141
E am
O Dr, João de Siqueira
Disse :momentos damnados!
Ficou possesso de tudo
Porém minutos passados
Foi ao cartorio e mandou
Dar buscas n)5 registrados
Foi dao cartorio, bateu
Sahiu o tabelião
O Dr. disse: me consta
Que o collega & escrivão,
Venho vêr em seu cartorio
Copia d'uma certidão.
E ahi puchou do bolço
Os papeis do testamento
E disse:o colega veja,
Se acha este apontamento,
Veja se não está legal
Todo este meu documento?
Encontraram a escriptura,
Da casa ja refirida
Vendida pelo o doutor
Felix Teixeira Guarida
Comprada para uma orfã
Da viuva Margarida

142
ms 8 sos
Collega como foi isso ?
Perguntou o tabellião
Foi um conto do vigario
Passado por um ladrão
Disse o tabelião :--- esse
Foi iguamente ao «Cancão»
Pois foi esse tal «Cencão»,
Morreu no Rio de Janeiro
Disse-lhe o tabelião,
Esse era um grande estradeiro
Quando elle era pequeno
Roubcu esse mundo inteiro,
Aqui mesmo de uma vez
Uma noite de S. João
Um ladrão foi roubar elle
E elle roubou o ladrão
E o gatuno por isso
Acabou-se na prisão
O ladrão tinha dois contos,
Que de alguem tinha roubado
E julgando que «Cancão
Fosse um vendelhão de gado
Foi ver se passava um quengo
Mas foi quem sahiu quengado

143
E

Disse o gatuno ao Cancão


Patrão eu tenho un. dinheiro
E desejava fazer
Transações com o caválheiro
Disse o «Cancão» & preciso
Wuc eu O examine primeiro
O ladrão quando ouviu isso
Ficou bastante assombrado
O «Cancão de fogo» disse
Ladrão eu sou dellegado
Desde as trez horas da tarde
Que eu tinha sido avisado.
O ladrão ficou immovel,
Sem saber o que fisesse
Pensou que aquelle dinheiro
Se accaso o «Cancão quisesse
Seria um meio que com elle
Uma escapula lhe desse
Meu moço disse o ladrão.
Por vida de vosso pais
Tenha de mim compaichão
Deixe-me aqui ir em paz,
Me sorte que lhe prometo
Nunca hei de roubar mais

144
— 10 —
Ahi tirou o dinheiro
E disse senhor delegado
Pegue 2 contos de reis
Aceite de seu creado
«Tancão» tomou o dinheiro
E disse vá com cuidado
Botou-lhe um cêrco por fóra
Adiante denunciou-o;
A patrulha foi atraz,
Minutos depois pegou-o;
O sgatuno conheceu
Que outro gatuno roubou-o
O ladrão confessou tudo
(Quando o policia o prendeu
Inda caçaram o «Cancão»
Elie desapareceu
O gatuno na cadeia
Deu-lhe a bexiga e morreu
Um preto aqui fazendeiro
No tenpo da escravidão,
Botou-o como empregado
Elle uma occasião
Foi a um comprador de escravos
E lá vendeu o patrão

145
ma UA

Metteu o cobre no bolço


E ninguem poude o achar
O preto viu-se apertado
Para desembaraçar,
O que «Cancão» tinha feito
Deu trabaiho desmanchar
Eu não sei como o collega
Mora no Rio de Janeiro.
Não sabia que o «Cancão»
Era o maior estradeiro
Estradeiro não !—ladrão
Vigarista verdadeiro
Tambem o dr. Siqueira
Ficou encolerisado:
Passou em Bello Horisonte,
Uma noite incomodado
Pclo conto de vigario
Que o «Cancão» tinha o passado
Dizia:—Sou escrivão
Nunca roubei um vitem
Trinta, quarenta mil, reis,
Não é roubo de ninguem
O roubo que eu considero
E' o qu> passa de cem

146
ass
RR o

E eu!? fazer o enterro


Do diabo do ladrão!
Gastar seis centos mil reis
Sem a minima precisão!
Da sepultura a um gatuno !
Como quue fosse um Barão
Raios te partam damnado,
Lá por onde tú andarres!...
O prejuizo que eu tive
No inferno has de pagares!
Tenho fé na provid:ncia.
Que lá tú tens que amargares
Quasi tresentos mil réis
Nesta viagem gastei,
Quando o diabo morreu
Quantas passadas eu dei!
Gastar meu tempo o dinheiro
Vejam agora o que lucrei!?
Tambem voltou apitando
Com a carranca mais feia,
Chegou em casa deitou-se
E nao quiz saber de ceia,
E soube que o juiz
Jà tinha ido a cadeia

147
nas

Porque foi em Canta Gallo


Vêr lá a casa que herdou
Na rua de S. Gonçalo
A dita casa encontrou
O morador cra o dono
A quem elle o intimou
Como o dono não sahiu
Botou a pulso para fora;
homem foi a policia
Prendeu-o na mesma hora
O botaram no azylo
Quasi que não vem embora
O escrivão logo cedo
Foi a casa do «Cancão»
E disse para a mulher delle
Seu marido era ladrão,
Depois de morrer roubou-me
Eu sendo delle escrivão
A senhora viu a casa
Que elle para mim deixou ?
Sendo a casa de uma orphã
Que o diabo não comprou
Disse a mulher do «Cancão
Doutor, elle não levou

148
pais DOR aa

E meu marido deixou


O predio que o Snr diz
Deixou vinte e um estados
(Que tem em nosso paiz
Ficou para quem quisesse
Elle nada disso quiz.
O doutor corou e dise:
Tambem garanto a senhora
Se Deus botal-o no céo
Pode esperar peia hora
De uma das«quengadas» delle
Que bota até Deus para fór a
Porque eu nunca encontrei,
Ladrão fino como aquelle
Desgraçado do defunto
Que sepultasse com elle
Eu acho «Cancão capaz.
De roubar os ossos d'elle
E a senhora tambem
Desculpe a minha ousadi
Vossa mercê herdou d'elle
Costume e categoria
Pois a mulher do philosopho
Aprende bem philosophia

149
pos E
A mulher disse: Doutor
Meu marido não roubava
Mas com alguns escrivões,
Elle se communicava
Sendo um pouco intelijente
Muitas cousas decorava
Elle chamou os senhores
Quando êstava aqui prostado
Porque queria imitar
() Cristo crucificado
Queria tambem morrer,
Com um ladrão de cada lado
Doutor sabe que a pessõa
Estando perto de morrer
A's veses sente remorços
E teme de se perder
Disem que no outro mundo
As pessõas hão de sofrer

Acha-se o princípio desta obra


nos APUROS DE UM GO
VERNO DECAHIDO

150
aco DOig
O dr. não viu o frade
Vir tambem pór sua vez?
E não viram meu marido
Que barulho logo fez?
Disse, eu chamei dois ladrões
Não é preciso de trez.
Ahi disse o escrivão
Dê licença eu vou embora
—Sou obrigado a dizer,
Estou com mêdo da senhora
Eu acho vossa excelencia
Capaz de vender-me agora
Até logo senhor doutor .
Disse a mulher de Cancão
Aqui fico as suas ordens
Se acaso houver precisão
Tem uma creada aqui.
A sua disposição.
[Damna-te cachorra doida
Disse o escrivão correndo
O diabo é quem vem cá
Ainda estando morrendo,
O quengo de teu marido
Farece que em ti estou vendo

151
AGENTE,
Parahyba (Capital)—Chagas Baptista,
Irmão
Alagoa Grande— Delfino Costa
Guarabyra—A. Baptista Guedes
Eu Rio Branco—Manoel Vianna
Em Manaus—Bemjamin Cardozo
Km Caruarú—João de Barros
Em Pesqueira—José Liberal
Em Pombal (Parahiba)—Camillo X.
de Farias.
Em Sta Luzia —Parahyba
José Nunes Figuarêdo.

Em nossa biblioteca particular encon-


tra-se sempre vinte e tantas, qualidades
de folhetos deste autor.
Remete-se pelo correio mediante a im-
portancia qualquer quantidade, para qual-
quer Estado,

O autor reserva o direito de


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34 Rua do Alecrim 34

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E UM DESASTRE NA FESTA

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154
O CASAMENTO DO VELHO
F UM DESASTRE NA FESTA

O mundo diz uma couza


Eu acho que elle diz bem
Que quem aos vinte não barba
(Quem aos quarenta não tem
Ãos vinte cinco não casa
Nem um dos trez obtem.
Ottro ditado que é serto
Carreira de velho é choto
Homem de 70 annos
EF” engenho de fogo morto
Seu barco é um ataúde
À sepultura é um porto.
Manoel Lopes dos Anjos
Nunca tima se casado
Disia sempre a mulher
E" um volume pesado
Deus me livre de mulher
De medico e advogado.

155
sc
E usa
A mulher n'uma algibeira
Chama-se tiro seguro
Porque ella entra n'um bolço
Que só fogo mo munturo
Só trinchête em melancia
Culher em mamão maduro.
O medico faz do doente
tim sitio de plantação
A mulher faz traviceiro
Da algibeira de um christão
O doutor é sangue-suga
Do sangue de uma questão
(Quatro milhões que possuo
Custaram muito a ganhar
Uma mulher chega aqui
Não tem pena de gastar
Diz, isso aqui eu achei.
Portanto posso estragar.
Porem dos Anjos um dia
Achou quem o dominasse
Uns olhos que o atrahisse
Umas feições que o chamasse
Um fluido que o seduzisse
E suas forças quebrasse.
Foi Georgina Aguiar
Filha de um velho pintor
Aquem podia chamar-se

156
aE ag
A capricho do criador
Enfeite do universo
O verdadeiro primor.
Setenta e cinco janeiros
Dos Anjos tinha no couro
Fora cinco que mamou
(Quatro que levou-os em chouro
E dez que vendeu azeite
Para adquerir o ouro.
Georgina que contava
Quatoze annos de idade
> apaixonava as flores
As nuvens na imencidade
Só desejava brinquedos
E passear sempre a tarde.
O velho tornou-se outro
Ja parecia outra cousa
Mandou saber da criança
Se lhe dava a mão de esposa
Ella inda disse; papai
Caça, porem não rapoza.
Disse o pai de Georgina
Que ella devia a ceitar
Porque dos Anjos era rico
Tinha com que a tratar
Aquella furtuna delle *
Só ella a podia herdar.

151
gaia
Disse a ella minha filha:
Você faz sua ventara -
Dos Anjos está de viagem
D'aqui para a sepultura
Um homem d'aquella idade
E” como a fruta madura.
E” signal que vive pouco
tJuem ja tem: vivido muito
Um velho como dos Anjos
Ja se assigna por defunto
A sepultura já diz
Não tarda aquelle presunto.
Dos Anjos veio em pessõa
Pedir a mão de Georgina
Então o velho Aguiar
Deu-lhe com gosto a menina
Dos Anjos disse comsigo
Foi ditoza a minha sina
Ha creaturas no mundo
Que faz o homem pecar
Domina a vontade alheia
Sem fazer gesto ou fallar
Abre-lhe chagas crueis
Somente com seu olhar.
Então a moça aceitou
O parecer de seu pae
Disendo elle está maduro

158
mr SEE ipa
Com certeza breve cai
A morte tiralhe as contas
E elle não manda, vai.
Elle seguindo viagem
Eu casarei com um moço
Quatro milhões em dinheiro
Tem que roer esse osso
À viuva que os tiver
Logra o nome de coloço
Casou-se o velho dos Anjos
Ouve uma festa imponente
Elle fez um palacête
Muito caprichosamente
Sem haver nelle uma cousa
Que não fosse bem decente
Disia o velho consigo:
Nada mais pode existir
O mundo perde a belleza
Se a caso for conferir
Com a perola natural
Que breve hei de possuir.
Ella em orações disia:
Santo Deus Onipotente
Vós sabeis meu Pai Eterno
Eu quanto sou inocente
À pobresa me faz ser
Mulher d'aquella serpente.

159
cu:me
Dos Anjos tinha o nariz
(Que parecia um martello
As sobrancelhas dê porco
Um grande dente amarello
Não tinha um signal em si
Que se dissesse esse é bello.
Mas como diz o rifão
Que quem dinheiro tiver
Vende a terra compra 0 céo
E faz tudo que quiser
Obtem sem trabalhar
O mais custoso que houver
Gasou-se o velho dos Anjos
Houve uma festa de raça
Elle mandou dar esmola
A todos pobres da praça
Até cachorro tirou
A barriga da desgraça.
Antes do velho casar
Procurou com grande custo
Um medico que se atrevesse
Pôr elle moço é robusto
Acho um que disse eu ponho
Pode casar-se sem susto,
Custa trez contos de reis
Para o senhor obter
Tome trez dias depois

160
sis
O cavalheiro ha de vêr
Cair a cabelleira branca
E a outra preta nascer.
OU velho puchou o covre
Disse dotor ahi tem
Trez contos de réis em ouro
Se o remedio fizer bem
Não fica só por wez contos
Se eu ficar moço dou cem.
Disse o medico você leve
O remedio e va tomár
São trez colheres por dia
Uma antes de almoçar
Tome outra antes da janta
Outra antes de cejar.
Dos Anjos tomou trez: dias
Mas nem abalo sentiu
Disse lá com seus botões:
(O) tal medico me illudiu,
Giastei trez contos de reis
É de nada me serviu.
Inda tomou trez colheres
No dia do casamento
N'essa noite foi que o velho,
Prescintiu o movimento
O effeito do remedio
Teve dezenvolvimento.

161
a ce
Sahiram os noivos valçando:
O velho ia tão ancho.
Disse baixo á Georgina
Estou com a desgraça no rancho
O remedio do Dr.
Fez-me serviço de gancho:
E não acabou a valga
Principiou-lhe um ataque
Foi ao quarto mais não teve,
Tempo de tirar o frak
O effeito do remedio
Estava até no cavanhak
Q velho exclamava, morro
E deixo minha tetéa,
Fui muito enexperiente
Não me passar na idéa
Que sempre fui inimigo,
De reumatismo e diarréa.
O remedio poz-o logo
Com a cor amarelaça,
O cabello inda mais branco
Porem de cor de fumaça,
A cousa mais esquesita
Que viram n'aqnelja praça
Ficou dos Anjos prostado
Com. grande dor de barriga
Não poude achar um remedio

162
Que le tirasse a fauiga,
Falleceu no urinol
Teve as honras qe lumbriga
À viuva no vechame
Não se lembrou de chorar
Só lembrou-se do dinheiro
Que tirou-o e foi guardar
No outro dia bem cêdo
Mando-o logo emterrar
Disse a viuva: dos Anjos
Quiz mesmo facilitar
Porque rabugem em cachorro
Nimguem consegue curar
E sultura em gente velho
Numca o deichou escapar
Agora note o leitor,
Que foi que a viuva fez
Depois da morte do velho
Inda casou-se com trez.
Quase que .derrotam o rancho
Com « vicio da enbriaguez.
Então Georjina disse
Eu inda faço figura
Caso com velho que tenha
Dinheiro em grande fartura
Isto é bem entendido
Se elle soffrer de sultura

163
te
sc ce

+ssie

aii
Aos
His

ce
Ae

Dio
E

ds:
VINGANÇA Dt UM FILHO
( CONCLUSÃO )

Quando elle viu Herculano


Gritou-lhe logo oh! rapaz
Me livrasses«do trabalho
De hir a Minas-Geraes
Malunguinho gritou logo
Seu Culano o que é que faz?
Elle alvejou Herculano
Zom um tiro de espingarda
Mas a arma se lascou
Do cano não ficou nada
E a mão esquerda d'elle
Ficando desconjuntada.
Malunguinho meteu-lhe o pão
Que ainda o fez tombar
Mas elle cravou o negro
Antes do negro pular
E não matou Herculano
Por não poder mais saltar.

164
Sahni o dono da casá
Quando Herculano gritou
Esse trazia um creado
Mas chegando elle o matou
Tanto que o pobre rapaz
No mesmo instante espirou
Herculano foi a elle
N'uma colera desgraçada
“lle tambem investiu-o
Como uma cobra assanhada
Jas facas sahiam fogo
Que só fusil de espingarda
Porem chegou Malunguirho
Que estava com.uma melhora
Deitando-lhe um pão no braço
Fez saltar a faca fora,
E gribu vamos seu moço
Malunguinho está bom agora
Herculano: alt pegou-o
Sustentou elle e prendeu
Disse te entrega "bandido
Porque tu agora és meu
Até as pedras chporavam
Se vissem d castigo teu
Desse crime de. Lisbôa
Ficou elle descançado
Porem o crime de Minas

165
ses DO; o
O cerco do dellegado,
O roubo e morte de um moço
Mais a morte ce um criado.
De Lisbôa elle voltou
Nos ferros prisioneiro
O governo lá mandou-o
Para. o Rio de Janeiro
Dô Rio foi requisitado
Pelo governo Mineiro
Arnaldo o vendo sahir
Foi para Minas-Geráes
Disse-lhe pessoalmente
Fica certo satanaz
Tu has de pagar a mim
O que fizestes aos meus pais
Tirou um conto de'reis,
Fez presente 'ao tarcereiro
Para não deixar dar nada
Aquelle prisioneiro, |
Tudo que foi de soldado
Arnaldo deu-lhe dinheiro
Um dia elle viu Arnaldo
Pelas fendas da parêde
Disse : por alma y posse
Que possuiu campo vérde
Perdôa a traição que fiz
Manda matar-me esta sede

166
ÇA
Afinal morreu a féra
Assombro da umanidade
Quem deve a Deus paga a Deus
Isso ou mais cedo ou mais tarde
Foi profecia de Christo
N'ella não há falcidade
Elle na hora da morte
Ainda pode dizer
Morro desgraçadamente
Porque não soube viver
Tive destino que cobra
Talvez não deseje o ter
Derramei o sa humano
Roubei a fazenda alheia
Hoje miseravelmente
Venho findar-me na cadeia
Talvez um cão idrofobico.
Não tenha morte tão feia.
Com cinco annos de idade.
Qriasi que morro afogodo
Côm seis annos por um lobo
Quasi que sou devorado
Era bem dita essa féra
Se me tivesse tragado
Antão, se estais no céo
Ora por um infeliz,
Tú e tua espoza peçam

167
— 15—
Perdão para o que te fiz
Ora por um desgraçado
Que a furtuna não o quiz.
Oh! natureza criaste
Um com tanta perfeição,
E outro tão imperfeito
Como fiseste isso então
Um,ente assim como eu
Foi feito por prevenção
À trez dias na prizão
Agua a elle nimguem dava
Com cinco dias de fome,
Nem bem O ar respirava
Chupava o suor do corpo
E a sede não saciava.
Então Arnaldo lhe disse:
Acudo-te infeliz sem sorte
Essa porquem tu me pedes
Recebeu teu golpe fortc
Curou tua fome em vida,
Cura-te a sêde na morte.
Um soldado deu-lhe agua
Elle dous golles bebeu
Não poude injerir os trez
Um grande ataqu lhe deu
Botou a lingua de fora
Soltando uivos morreu.

168
MENTES:
Paralivba (Capital) — Chagas Baptista,
Irmão
Alagoas Grande -= Delfino Costa
Guarabvra — A. Baptista Guedes
Em Rio Branco—Manocel Vianna
Jim Manaus—bemjamin Cardozo
km Caruaru'—João de Barros
lim Pesqueira—José Liberal
Em Pombal (Parahiba)-=Camillo N
de Farias.
Rm Sta Lunzia—Paralvim
Joze Nunes Figucrêdo

Em nossa biblioteca particular encon:


tra-se «empre vinte e tantas, qualidades
de folhotos deste autor.
Remeto-se pelo correio mediante a im:
potancia qualquer quantidade, para qual.
quer Estado.

O autor reserva o direito de


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Afogados

à rua do Motocolombós., 28 |
ersbatd do Recife. E
y
SECR & OO ODE

171
O Casamento hoje em dias

Quem casa n'um tempo d'este


Perdeu de tudo a razão
Uma mulher em 6 mezes,
Val dez annos de prisão
Agora as de onze e dôze
Com treze annos e quatorze ?
Que faz esse desgraçado ?
ilha para O céo exciana
Meu Deus! nasci n'uma cama
Para morrêr num roçado,

Eu pesnei que o casamento


Fosse uma parte do gózo
Mas, o que, elle faz prrte
E" de um xarope amargoso.
Arde mais do que pimenta
E' como o sol quando esquenta
O homem perde a façanha,
Faça elle o que quiser
Porque a mão da mulher
Em vez de allisar arranha.

172
e ua

A mulher é um volume
Que tem um pêso infinito
Com carne de dois mil reis
Feijão a crusado o litro
Farinha a mil e trezêntos
Toucinho dois mil e duzentos
E esse só tem o couro
Ainda diz a mulher
Compre pelo que estiver
Não faça cara de choro.
Cinco litros de farinha
Do itecife ou Afogados
Se a pessõa for medir,
Talvez uão dér dez punhados,
Quiabo um, um vintem
E todo o dia não tem,
Lenha dois vintens a lasca
Bananna hoje é um brinco
S- dar am tustão por cinco
Só se encontra n'ella a casca

Assucar sete tustões


E por kilo enferrujado
Alguns pingam mel de furo
Quando vem pouco molhado
Molleque atraz do balcão

173
cg TR cã

Cada qual que meta a mão


Tira em grande quantidade,
Chegam formarem até bulha
Depois que o cacheiro embrulha,
Ja falta mais da metade.

O solteiro não se assusta


(isso faz medo ao casado,
Que tem por obrigação
lr a fêira ou ao mercado,
Que pega a sextaou O sacco
E olha para o buraco
Onde elle precipitou-se
Volta, acha a mulher zangada,
Pergunta-lhe a filharada
Papae, me trouxe pão dóce?

Se o camaradinha disser
Meu filho, um X não voltou
A mulher pergunta logo
O que fez do que levou?
Tudo não está caro assin:
Não sobrou foi para mim,
Que o que como é subeijo
Eu não sei mais o que faça
Agora por mais desgraça,
Estou de antojos tenho desejo.

174
ço Eras

Estou desejando comer


Queijo fino e goibada,
Tomar cidra e vinho de Porto
Passa, figo e marmelada,
Ah! quem me Gera um presunto
Havia de comer muito
Acabaria o fastio
Isso é para uma nobre
Casei com um homem pobre
Aiém de.pobre, vadio

Veia um leitor se uma d'essas


Deseja coisa ruim
Peára, pão, bagaço e lama
Uma casa de cupim?
Só deseta coisas caras
lLmbora que sejem raras,
Isso não uvffende a ella |
O burro velho demente
Espera all: paciente
Pera botorera-lhe a sela.

Para os tempos de abundancia


Casamento é um pagode
Porque com mil e quinhentos
Compra-se a banda de um bode
Farinha a cuia um crusado

175
E
— O —

“apão bonito e sevado


Com trez mil reis compram dois
Manteiga ccmpra uma lata
Compra um tustão de batata
E cinco tustões de arroz

Heje que um quarto de bode,


Menor que aza de um grilo
Tem custado em qualquer feira
Mii e duzentos o kilo
Ver-se a farinha de roça
Preta, crua, azeda e groça,
Com iuhaca de cupim,
É como um rapaz solteiro
Sem emprego e sem dinheiro
Se atreve a casar assim ?
Inda que o camaradinhe
Não tenha mãe nem irmã
Quando estã casando pença
O que se come amanhà?
Meu sogro não tem dinheiro
Queira Deus o marinheiro,
Queira me vender fiado,
Se a sogra me visitar
Não encontra o que jantar
Fa: um bafalar damnado !

176
q

Porém esses que se casam


Depois que pegou a guerra,
Só para empregado publico
Ou gente que come terra,
Não acha em em que trabalhar
Não tendo onde se empregar
Nimguem lhe vende fiado
A mulher diz eu estou nua,
Não posso sahir na rua
Meu vestido está rasgado.

Eu perguntei a um theologo
Homem muito scientifico
Se podia se encontrar
Mulher de genio pacifico
Elle me disse ce encontra,
E" difilculdade monstra
Mas que o prestigio na droga
E” mesmo uma raridade
Com especialidade,
N'uma freira ou n'uma sogra

Acrescentou n theologo
Entre espinhos nascem rosas
De dez mil mulheres feia
Tira-se cinco formosas
Como isso assim é tudo

177
7 te

Sai de um casal carrancudo


Um filho alegre e risão
Eu ainda não poude ver,
Foi uma sogra dizer
Que um genro tenha razão.

Mas mestre, perguntei eu.


Terá mulher paciente ?
Disse elle qualquer uma,
Estando na calma é prudente,
Porém quando estã irada
A lingua fica afiada
Deita espuma pela boca
Desconhece a divindade
Comete temeridade,
Cofo que estivesse louca.
Um sabio disse uma vez
Sou defensor da mulher,
Vejo no céo de seus olhv:
O que não vejo em qualquer
E sem ella nada havia,
Nem no espaço se via
Os horizontes azues
O mundo não tinha cores
Seria um campo sem flores
Ou uma igreja sem luz

178
aca PR ca

Eu ciassífico a mulher
Como a flor da existencia
Um eltar de divindade
O simbolo da innocencia
Pois vejo que esse obejecto
Foio grande predilecto
Do autor da creação
Deus se esmerou tanto n'ella
Que a fez a obra mais bella
Entre toda a geração
Coro a luz planta nas trevas
O louro clarão garboso
A mulher planta o praser,
N'um crração pressuroso
Como a rosa no Sereno
ella com carinho ameno
laz abrir um coração,
D'ella se extrai o praser
Trdc ter; que lhe render
O cuito de adoração.

embora que muitas G'ellas |


Torrem-se um céo de torpesa
Um armazem de ciume
Fabricação de despesa
na n'ellas excepção

179
GE aaa
Algumas tem propenção
Não comer e ajuntar
Um dia até sucedeu
De uma o marido morreu
É ella quiz o guardar.

O AZAR na CASA do FUNILEIRO


Vou contar uma historia
Que um amigo me contou
De um pé frio ou aza-negra
Que em casa d'elle chegou
U leitor preste attenção,
O que foi que resultou.
Assim como as pedras correm
Atraz dos apedrejados
Corre tambem a caipora
Atraz dos encaiporados
Os nús só querem amisade
Dcs que estão esmulambados

Me disse esse Saturnino


Que sempre ouvia failar
Em alma do outro mundo,
Feitiçaria e azar

180
Mas ainda não tinha visto
Não podia acreditar,
OQ leitor sabe que feira
Tem um inigma que atrai
Porque no lugar que ha feira,
Todo mundo em geral vai
Della « festa de natal
Até o diabo sai.
O Saturnino vendia
Obras de flandre na feira
Quanão pela torda d'elle
Passou uma ave agoreira
Veio um grande ridimunho,
Cobriu cudo com poeira.
Saturnino olhou a um lado
Viu um sugeito chegar
Kra uma armação tão feia
Que - fez repugnar,
Elle perguntou a si
Será aquelle o azar?
Era “am individuo alto
Com uma enorme corcunda
Qs olhos tinham cabellos
À boca sem dente e funda

181
| e

Quatro buracos de venta


Era uma figura immunda.
Saturnino ahi lembrou-se
Do que ja ouviu dizer
Então murmurou consigo
Eu agora posso crer
Que aquillo que o mundo diz
Foi ou é ou ha de sêr
Olhando ' bem para elle
Via todos os seus signaes
Não tinha traços alguns
Dos entes racionaes,
Se é exato a escritura
Era o puro satanaz.
O nãriz comprido e torto
A especie de uma rosca
De fora via-se bem
Dois dentes no céo da bocca
Nos pês dos dente um bolcc
Com lacrão, aranha e mosca

Chegando-se a Saturnino
lhe disse meu camarada
ku não tenho conhecido
E ando aqui de arribada

182
saida

Venho a vossa senhoria


Lhe pedir uma pousada,
Elle é muito hospitaleiro
Teve pena de negar
Depois de pensar um pouco
Inda pensou em não dar
Depois se compaceceu,
Disse pode se arranchar
Ahi se sumiu da torda
Um bule c uma bacia
Um freguez estava comprando
ti disse que não queria
Apresentou-se ferrugem
No flandre todo que havia.
Saturnino enquisilou-se
E sahiu na mesma hora
Comprou um kilo de carnc,
Arrunocu-se e foi embora
Chegou em casa achou elle
Deitado do lado de fora.

Saturnino notou Jogo


As formigas se mudando,
Os cachorros dos visinhos
Arripiados rosnando

183
As galinhas espantadas
E os morcepos voando.
Gra Saturnino tinha
Um amigo e companheiro
Esse veio a Saturnino
Ensultal-o no terreiro
E era homem pacífico
Que nunca foi desordeiro.
O pobre do funileiro
[E xclamon, estou derrotado,
De onde teria vindo
Semelhante desgraçedo
So se o portão do inferno
Está hoje desmantelado.

Se aquelle for do inferno


Estava em algum basculho
O diabo precisava
De tirar algum entulho
E com essa escavação
Descobriram tal embrulho
O funileiro mandou-o
Se arrenchar n'uma latada
Um pombo dormia lá
Ficou de aza arriada

184
Tinha uma herva barbosa,
Essa amanheceu torrada,

O funileiro tremia
Que só quem está com maleita
Quando viu o aza-negra
Estirar a mão direita
Puchar de dentro de um sacco
Um livro de nova-ceita

O funileiro exclamou
Eu bem que estava scismado
E disse logo que vi
O inferno está furado
Só do reino de Plutão
Sahia esse desgraçado:
Tinha alli um Ífurmigueiro
A mais de um seculo morando
Então achou as formigas
Assanhadas se mudando
Com” quem tinham receio
Por lonje d'elle passando
Ahi pendurou a carne
Metcu a chave na porta
À chave do seu bahiú
Envergou e ficou torta

185
asilios
Na barrica da farinha
Achou umu gata morta
Voltou e foi ver a carne
Que tinha deixado fora,
De lonje vio um um cachorro
Que ia com ella embora
E “inda não fazia,
Um quarto de meia hora.
Foi n'uma venda comprou
Carne, farinha e café
Quando a agua já fervia
Cahiu de cima um mondé
Virou a chaleira d'agua
Queimou-lhe as mãos eum pé
Tinha uma cabra com canga
Logo ahi precipitou-se
Na rede que estava armada
Pulou dentro ella furou-se
Tinha uma jarra com agua,
Cahiu o fogo apagou-se.
Assim que elle se deitou
Teve uma prova real
Ficou convicto que aquelle,
Era um conductor no mal,

186
SD
Cantou na telha a coruja
E a peitica no quintal
Então guardou a farinha
Que a tarde tinha comprado
O rato furou O saco
Que nunca tinha furado,
De noite foi beber agua
Achou o coco quebrado
Derramou-se o sal da lata
No lugar que têve o fôgo
Ficou como uma pessôa
Que perde tudo no jogo
O galo pai do terreiro
Morreu de noite com gõgo.
O dono da casa disse
Posso agora acreditar
Em alma do outro mundo
Feitiçaria e azar
Aquel!s veio aqui hontem
Para me justificar.

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189
Os Collectores da Great Western
Alerta rapaziada
Da margem da Great Western,
O inglez fez uma coiza;
Acho que queira Deus preste!
Botou collector nos trens
Matou morcêgo por peste.

Eu nunca vi esta estrado


Como agora desta vez,
Outr'ora tinha um fiscal,
Agora tem dois ou trez.
Não viaja mais no molle,
Nem mesmo a mãe do inglez.

Era quiuze de Janeiro


Deste anno dezeseis.
Eu viajava no trem
Vi o que um collector fez,
Voava de cada carro
Dez morcegos de unia vez.

Gritava um morcego, ai !
Seu collector eu sou cégo
Dizia um soldado dêssa
Se não com pouco eu o pego
Q fiscal disse: você
Não fica aqui nem a prego.

190
casais
À compRihia ordep»u-me
Que eu não fizesse graça,
À linha tem prejuizo
O tempo está de fumaça,
E dos morcegos dos trens
Que tem'e que se acaba a raça.

k disse em vozes bem altas


Vai desde o grande ao miúdo
No trem tanto val o roto
Como val o casacúdo
Hoje aqui é carimbado
Fiscal conductor e tudo.

Eu venho com carta branca


O inglez foi quem Passou
Eu como empregado reto,
Faço o que elle me ordenou
Morcego aqui este auno
Fo coiza que caducou.

Garanto que neste trem


Só vai quem tiver bilhete,
Ir sem passagem é querer
Ferver agua com sorvete
A estrada é estação
O chefe c'ella é cacête.

Se o papa chegar aqui


Tem que comprar a passagem,
Si utidade é uma coiza

191
cclica
Que não val nada em viagem
Se não comprar o bilhete
Só vai se for na hagagem.

Santo é lã para a igreja


Milagre aqui não tem preço
E o inglez disse—-oh mim
A uingem mais obedeço
Santo que mim não conhece
A esse nada offereço.

O arrecadador alli,
Pambem com grande veixame
Perguntando ao collector
K' preciso que lhe chame?
sá recebeu os- excessos?
Venha entregar-me o arame

Estou mole que só mangaba


Dizia o fiscal tambem
Já passei trez estações
Inda não multei ningem
Vou aos carros de primeira
Ver se é frade que vem

O conductor suspirava
Dizendo eston na arraia
Porque não lia um morcego
Que chegue aqui e não caia
FE queira Deus o inglez
Não dé-me agora wma saia.

192
= um
Eu por dinheiro de inglez
Não ari-co minha vida
Os passageiros dos trens
São gente descomedida
Um cacéte de quiri
A muitos serve de ida.

Mas o collector dizia


Ora! cacête isso é nada
Ainda que um passageiro
Me dê uma borduada
Pagando o excesso, eu crio
Nome e fama na estrada

Os conductores coitados
Nada poderão fazer
O ordenado que ganham
Não dá nem para comer
Se não for um economico
Esta no cazo de morrer

Os passageiros dos trens


Para embarcar são corridos
Com mêdo que elles não levem
Objectos escondidos
Procuram-lhe contrabandos
Até deutro dos ouvidos.

Vai-se comprar a passagem


Cbhega-se na bilheteira
Dez pessoas de segunda

193
ss
Uma ou duas de primeira
Pois a classe de segur la
Fica por mais derradeira.

E o fulano não tem


Direito a se queixar
Porque o trem só é um
Tudo alli tem que embarcar,
Ha de aguentar a bucha
Que o iunglez quizer botar.

E se certos empregados
Virem que a pessoa é tóla
Elle tem que despachar
Inda sendo uma cebola
qNão, passa sem despachar
Nem os botões da ceroula.

E se alguem for se queixar


Diz-lhe o inglez; o senhor
Deve agradecer a mim
Ter trem seja como fôr,
Mim bota trem em Brazil
Para fazer-lhe favor

EK o pobre passageiro
Soffre tudo e vae callado
K não poderá dizer
Que não está de seu agrado,
Passa uma em cheio outra em vão
E diz que está consolado.

194
a
O bilhete que se co apra
Cortam-no logo na porta,
No trem chega o corductor
À segunda vez o corta,
O collector examina-o
Outro depois toma nota.

Embarcou um cachaceiro
Porem teve a desvantagem,
Um eollector disse a elle
Voce não faz a viagem
Aguardente de seu buxo
SO vai se for na bagagem,

O leitor faça um juizo


Como vivemos agora
A propria linha de ferro
Cada vez mais nos peidra
Um polre que toma o trem
Paga por dentro e por fora.

Um frade foi viajar


Porem queria ir no molle
Disse com sigo eu sou frade
Fiscal commigo não bolle
Mas o collector lhe disse
Padre mestre se consolle,

Puche o bilhete ou o cobre


à coisa hoje está feia
Vucê manda vo convento

195
a] cos

Mas não na empreza alheia


Escolha das duas mma
Pagar ou ir a cadeia,

Dizia o frade São Bento


Me acuda nesta viagem
Disse o homem nem S. Bento
Viaja aqui sem passagem
Veja não pague amanhã
O excesso e a earceragem

Vamos disse o collector


Jiu tenho em que me occupar
Talvez os prezos hoje tenham
Um frade para pregar
O itade meteu os pez
Saltou e não quiz pagar.

KR o sacristão do frade
Um tal Amaro escapolle
O collector perguntou-lhe
Você tambem vem no molle?
Do que seu patrão comeu
Você tambem hoje engole.

196
CANÇONETA DOS MORCEGOS
(Pera ser cantada com a mnsica Dão Maluco
gemendo na pua.)
Essas linhas de ferro do norte
Estão causando ligeira inipressão
O inglez leva o cobre que ha
Não nos deixa ficar um tustão.

FE o Brasiiesro se banha se não for no


bolço tambem.

Alem disso inda tem outra coiza


O inglez não confia em alguem
Conductor, bagageiro é fiscal
Podos são collectados no trem.

HE leva o carimbo da companhia |...

Nesses trens só se ver o clamor;


kmmpregedos descalços na linha
O que ganha só da muito mal
Para assucar, café ce farinha.

K o aluguel da casa! aonde fica?

K' mulheres atraz dos maridos


£ rapazes em busca de emprego
Conductores queixando-se ao vento
Colicectores atraz de morcego.

E quando acha já se sabe pontapé va-


deia!..
197
cul nei
Machinistas fedendo a fumaça
Com a lenha que vem do sertão
Pois emquanto otrem queima cavaco
O inglez está poupando o carvão,
E o trem correndo e pingando arame...
Guarda-freios -com roupas em tiras.
As botinas sem salto e sem bico
àssim mesmo o inglez ainda diz
Jisse povo da linha está rico,
Mas só tem o cebo da roupa...

Com cem seis de batata um almoça


Dois tustões de feijão dá. a janta
Dois vintens de farinha é a conta
Assim mesmo inda o povo se espanta
E inveja-lhe a vida!..

Passa um trem onde ha um partido


Rle pode tirar uma cauna
Dois tustões de cará n'uma feira
KW legume que da p'ra a semana
Assim não seja enxuto!

E o malvado do inglez quando o povo


Vai dizer-lhe que o gaúho é mesquinho
Elle diz mim não pode dá mais;
Dá um bolo na mão do visinho!..
Diz o empregado ja dei!...

198
Peisja te José to Braço com
Izidro Gavião

José Braço —Quero que me dê licença


Coronel Sebastião
Já que estou em sua casa
Chegou a oceazião
Quero que o patrão consinta
Ku pegar um gavião.

Gavião —-Meu patrão dono da casa


Um pedido eu tambem faço
Para tirar uma pasta
Dos olhos de Zé do Braço
O povo diz que elle é duro
Ku vou ver se vlle é de aço.

] B.—-Minha garganta é de bronze


Mcu peito na voz é rico
Ouaudo vejo um gavião
dó Deus sabe como eu fico
Porque asranco-lhe as unhas
Olhos, azas, penna e bico,

199
G.- Aonde cu canto martello
Outro cantor fica mudo
Fu sou um dos gaviõ.:
Pezado forte e pelludo
Aonde em marcar o bote
Vai frango vai gallo e tudo

J. B.— Collega conto lhe nma


Que cansa admiraçã
No Rio Grande onde eu moro
Muito em cima no sertão
Um pinto dos que eu crio
Come qualquer gavião

G.- Essa é para criança


Na noute que está sem sono
Onde en chego corre trdo
Deixam tudo em abandono
Levo de uma vez nas unhas
O gallo o pinto e o dono.

“osé do Braço lhe disse


Gavião podz partir
Emquanto resta-me força
Ku garanto resistir
Foi facil você entrar
Mas é custoso sair

G —Eu queimo mais que fogo


Ardo mais de qre pimenta
Dos tapa gre arranca queixo

200
—19—
Murro que achata venta
No dia que estou z ngado
Arde o rio o mar esquenta

J. B. Gavião deixe de róço


bsta suberba lhe atrasa
Perque os antigos disem
Ja um dia cai à casa
Ju posso arrancar-lhe as unhas
= não drixar-lhe uma aza.

G.
— Não cuide nessa asneira
Que perde o tempo em pensar
Não duvido que você
Com um copo seque o mar
Porem uma cenna minha
Duvido alguem arrancar

J. B.-Gavião eu ja cantci
Com um moço preparado
Yinha seis annos de estudo
Já éra quasi formado
i.ssc com cinco ou seis horas
“au mas euvergonhado

G.-No Estado da Bahia


Fm Vila Nova da Rainha
Ja encontrei um rapaz
(Que tinha sido croinha
“utes de dar meia noute
Disse que estava com tinha

201
J. B.--Enu canto a quatorze aunos
Ja tenho bastante prativa
Decorei Geographia
E conheço mathematica
Fiz exame de arithmetiça
Historia musica e gramatica

G.— Agora eu só apreudi


Iazer cantador correr
Como tambem ensinar-lhe
A regra de bem viver
FE para cantar consigo
Não val apena aprender

J. B —CGavião eu quero ver


é é você canta no dtro
Quero um galope em seis linhas
Porem eu quero é seguro
Aplique bem o cuidado
Veja que não dê um furo.

G. —Em galope sou grande professor


R ão temo cautar com camarada
Se for duro é tanto como eu
Se for mole já vê que não faz nada
Gavião onde canta deixa fama
li, passando sozinho faz estrada.

J. B—- Gosto muito Gavião de homem assim


Vomos ver se a cousa terá jeito
Fm galope cantador velho se enrasca

202
mattidico
E é raro um gaulop” sem defeito
Eu conheço cantador liabilitado
Que faz mil, e não faz um só bem fcito.,

G.— O galope sabemos é difficil


E preciso estar muito habilitado
Mas eu canto galope assim trez dias
E ninguem me verá rouco ou cançado
Nunca houve pessoa que dissesse
Gavião hoje fez um verso errado

J. B.-—Pode vir Gavião cá estou prompto


Tenho arma não me falta munição
Se tiver mulher c filhos se despeça
E' custoso sahir de minha mão
Vou tirar-lhe as unhas com torquez
J de perna não lhe fica nem canhão

G.—Zé do Braço meu negro deixe disso


Gavião como cu ja vem de raça
Você parte de la porem não chega
Pois no cerco que eu fiz duro não passa
De hoje e diante você fica sabendo
Quantos kilos tem de pezo uma desgraça

J. B— Eu cautei com Rosendo de S. Paulo


Com Mathias de Sauta Catharina
() rapaz tinha a falla muito grossa
Mas a voz enroqueceu e ficou fina
Vez um verso errado duas vizes
vuspirando rogou praga contra sina

203
—| 5)

G.— Eu cantei com set primo João do Val


Esse disse: Gavião cu não sou fraco
Mas se viu apertado em minhas uukas
Que riniou tabernaculo com caçaco
Confesson não poder mais resistir
Eu lhe disse; meu amigo olhe o buraco!

1. B—Vou cercar o terreno onde habito


Rio Grande do Sul e Paraná
Yatto-Grosso e Santa Catharina
Quero ver se a cantor que cliegue lá,
Boto a linha em São Paulo vou ao Norte
Deixo dentro Parabyba e Ceará.

G.—Fiz um muro no rochedo onde habito


(Que curisco respeita-o e lá não cai
Cantador que for lá olha de longe
Porque perto dalli elle não vai
Se o diabo attental-o «e clle for
Fica velho apodresse mais não sai.

J. B- Gavião seja mais amoderado


Não precisa tambem agravar tanto
Você está que só onça na carniça
Eu tambem é como sabe não sou santo
Não agravo outro collega trato bem
Não desgosto camarada quando canto.

G.—Pois então vamos cantar por outra forma


Vamos logo pelo velho testamento
Descrever como Deus fez isso tudo

204
im ABca
Estes astros que se vê no firmamento
Foi o grade Geovah que em seis dias
Fez o muudo com tolo movimento

J. B.—Nesse tempo não havia cousa alguma


Era um vacuo € não tinha luz nem ar.
Porem Deus existia sobre as aguas
E um dia entendeu de bem formar
“Tudo isso que vemos hoje em dias
Ás estrellas o sol, a terra e o mar.

G.--Disse Deus faça-se o mundo, esse foi feito


E com tudo que .encerra a perfeição
É no dia segundo disse Deus
Jaja luz e a luz brilhou então
E no dia terceiro fez o mar
E a terra delie fez separação

G.—Nisse o grande Geovah no quarto dia


Haja o sol, e o sol appareceu
Dia quinto ordenou criasse tudo
F a terra sua ordem obedeceu
Fez o homem depois do quinto dia
De um pedaço de terra que colheu.

Fsse homem, como diz a escritura


O principio da humana geração
Gcovah ordenou elle dormir
E no somno Geoval, pondo-lhe a mão
Tirou d'elle uma costelia e formou Eva
E aiii cazou ella com Adão.

205
206
E a e pe, e e Jp pe e a q TT

Lgand c Jomes ve Barros |

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O Cometa

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Momo e lguacio da Catingueira

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= —- Rua do Alecrim n. S8 E
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207
AMO9,0 0).
O Cometa

Charo leitor vou contar-lhe,


O que fi que succedeu-me,
O medo enorme que tive,
Que todo corpo tremeu-me,
Para fallur-lhe a verdade
Digo que o medo venceu-me.

Eu audava aos mens negocios,


Na cidade de Natal,
No notel eme hospedej-nu
Appareceu um jornal,
Que dizia que no vêo
Se divulzava um sinal,

O signal era o cometa


Que devia apparccer,
Em Maio, no dia 1º
Tudo havia de morrer,
Ahi sentei-me no banco,
Principiei a gemer.

208
cida

Gemi até ficar rouco,


Fiquei logo descorado,
Depois o sangue subio-me,
Que fiquei quasi encarnado,
Imaginando n'um livro,
Que um freguez levou fiado.

Disse ao dono do hotel :


Senhor eu estou resolvido,
Antes de 20 de Maio,
Nosso mundo é destruido,
Visto não durar um mer,
Não pago o que tenho comido.
A dona da casa disse-me:
O senhor está enganado,
Se eu fôr para o outro mundo,
O cobre vai embolçado,
Eu subo, porém em baixo
Não deixo nada fiado.

Me resolvi a pagar,
ia damnado esse processo,
paguei, tomaram á força,
ue Eé pedido confesso,
Se via morrer de desgraça,
Antes morrer de successo,

Tratei de tomar o trem,


E seguir minha viagem,

209
E pm

Disse : vai tudo morrer,


Para que comprar passagem ?
Inglez vai perder a vida,
Perca logo essa houbagem.

O conductor perguntou-me:
Sua passagem onde está?
Eu disse: na bilheteira,
(Quando eu vim deixei-a lá.
Não comprou? perguntou elle,
Pois paga o excesso cá.

Eu lhe disse: conductor,


O mundo vai se acabar,
Para que quer mais dinheiro,
E” para lhe atrapalhar?
A mortalha não tem bolso,
Onde é que 6 póde levar?

Chego em casa muito triste,


Achei a mulher trombuda,
Perguntei: filha o que tem?
Respondeu-me, carrancuda :
Ora a 18 de Maio,
O mundo velho se muda,

Perguntei : tem jantar prompto?


Venho com fome e cançado,
Desde hontem, respondeu-me,
Que o fogão está apagado,

210
io Sa

Devido a esse cometa


Não querem vender fiado.

Eu estava tirando as botas


Quando chegou um caxeiro,
Esse vinha com uma conta,
Que eu devia ao marinheiro,
Eu disse: Vai morrer tudo,
Seu patrão quer mais dinheiro?
Fui fallar um fiadinho,
Que eu estava de olho fundo,
O marinheiro me disse:
Já por alli, vagabundo.
Eu disse: Venda Seu Zé,
Que eu pago no qutro mundo.

À 19 de Maio,
Quando acabar-se o barulho,
Eu hei de ver vosmecê
Que o senhor vai no embrulho,
Só si esconder-se aqui,
Debaixo de algum basculho.

Quero 10 kilos dé carne,


Uma caixa de sabão,
Quatro cuias de farinha,
- Doze litros de feijão,
Quero um barril de aguardente,
Assucar, café e pão.

211
o am

Manteiga, azeite e toucinho,


Bacalhau e bolachinhas,
Vinagre, sebolla e alho,
Vinte latas de sardinhas,
Duas latas de azeitonas,
Umas dezoito tainhas.,

O marinheiro me olhou,
E exclamou: Oh! desgraçado|
Então inda achas pouco
Os, que já tens enganado,
Queres chegar no inferno,
Com isso mais no costado?

Eu disse: Meu camarada,


Isso é questão de dinheiro,
Ganha quem fôr mais esperto,
Perde quem fôr mais roncêiro,
Aonde foram duzentos,
Que tem que vá um milheiro.

Perguntei ao marinheiro:
Não far o fiado agora?
O marinheiro me disse :
Vagabundo vá embora,
Eu lhe disse: Pé de chumbo,
Você morre e está na hora,

Voltei e disse á mulher:


Minha velha, está damnado.

212
=K =

O cometa vem ahi,


De chapéo de sol armado,
Creio que no dia 18,
Lá vai o mundo equipado.

Deixe ir lá como quizer,


À cousa vai a capricho,
Comer, nem se trata nelle,
Nossa Foupa foi no lixo,
Vamos ver se Já no cêo
Tem onde matar-se o bicho.

Fui onde vendiam fato,


Comprei uma panellada,
Comprei mais um garrafão
De aguardente immaculada,
Disse a mulher : Felizmente,
Já estou de mala arrumada,

A 17 de Maio,
A fortalera salvou,
Eu comendo a panellada
Que a velhinha cosinhou,
Quando um menino me disse:
Papai o bicho estourou.

Ahi eu juntei os pratos,


Embollei todo o pirão,
Bote o caldo n'um pote,
Peguei-me com o garrafão,

213
7

Me ajoelhei, rezei logo


O acto de contrieção.

A mulher disse chorando;


Meu Deus fica a panellada.
Disse o menino: Papai,
Onde está a immaculada?
Eu disse: Filho socega,
Aqui não me fica nada.

E me ajoelhando ahi,
Tratei logo de rezar
O acto de confissão,
Senti um anjo chegar
Dizendo reze com fé
Ainda póde escapar.

Ahi disse eu :

— Eu beberrão me confesso a
a bem aventurada immaculada de
Grande, ao bemaventurado vinho de
cajú, a bemaventurada genebra de Hol-
landa, vinhos de fructas, apostolos de
deus Baccho, e a vós, oh caxixi que
estaes a direita de todas as bebidas na
prateleira do marinheiro. Amen.

Quando eu acabei de orar,


Olhei para a amplidão,

214
ns
0 ss

Ouvia dansar mazurka,


Cantar, tocar violão,
Era um anjo que dizia ;
Bravos de tua oração.

Abi um anjo chegou,


Com uma tunica encarpada,
Disse: Sou de Serra-Grande,
De uma fazenda fallada,
Eu son o que cerca q throno,
Da gostoza immaculada.

Sr. Láu o proprietario,


Do reino onde ella mora,
Me mandou agradecer-lhe,
A supplica que fez agora,
Ahi apertou-me a mão,
E lá foi o anjo embora.

Ahi eu disse: Mulher,


Visto termos nos salvado,
Desmanchemos nossas trouxas,
Já estava tudo arrumado,
Toca comer e beber,
Foi um bacafá damnado.

215
Romanc e Ignacio da Catingueira

Romano-— Romano quando se assanha,


Treme o norte, abala o sul,
Solta bomba envenenada,
Vomitando fogo azul,
Desmancha negro nos ares,
Que cae tornado em paul.

Ignacio-—Ignacio quando se assanha,


Cae estrella, a terra treme,
O sol esbarra seu curso,
O mar abala-se e geme,
Cerca-se o mundo de fogo,
E o negro nada teme.

R. —Iguacio tu me conheces
E sabes bem eu quem sou,
E tenho que te garantir,
Que á catingueira inda vou,
Vou derribar teu castello,
Que nunca se derribou

216
— JO —

I—E' mais facil um boi voar,


O curárá ficar bello,
Aruá jogar cacête,
E cobra calçar chinello,
Do que haver um barbado,
Que derribe meu castello.

R. —Antes de ir oito dias,


Hei de mandar-te um aviso,
Você estando em casa corre,
Or você tem juizo,
Eu lá vou fazer estrago,
Quebro, rasgo, queimo e pizo.

I—Meu branco, está engraçado,


Esse pensamento seu,
O senhor: derriba outro,
Que não foi igual ao meu,
Faz todo mundo correr,
Mas, não ha um como eu.

R.—Tu só dizes que não corre,


Porque não vio-me em questão,
Talvez nunca tenhas visto,
Eu chegar touro ao morão,
Espantar onça na furna,
E aperriar um leão.

1. —Si é por isso seu Romano,


Eu já peguei jacaré,

217
a E

Arranquei-lhe logo as prezas,


Soltei-o numa maré,
Pesquei baleia de anzol,
E tubarão de gereré.

R.—Seja você o que fôr,


Eu vou sempre á catingueira,
E hei de levar um marco,
Para cada costaneira,
Os de lá ficam dizendo
Lá se foi nossa ribeira.

I—Quando fôr procure um padre


Que o ouça de confissão,
Deixe a cova já cavada,
Deixe recommendação,
Leve a rede onde ha de vir,
E faça logo o caixão.

R.—Veja o pobre desse negro,


Onde é que vem se soccar,
No logar mais apertado
Que o christão póde encontrar
O diabo está com elle,
Quer agora o acabar.

!.—Eu lastimo seu Romano,


Ter hoje cahido aqui,
Nas unhas de um gavião,
Sendo elle um bemtevi,

218
e

Já está se vendo apertado


Que só peixe no giqui.

R. —Iguacio eu sei que és duro,


Mas é lá na catingueira,
Para Mãe-d' Agua onde moro
Não descambas a ladeira,
Pode'o diabo ir ao céo
Mas tu não vais ao Teixeira.

I — Repare para o nascente


Veja se o dia amanhece,
Se o sol nascer encarnado
E” elle que se offerece,
Um pharol grande, bem claro,
Mostra que o negro apparece.

R.—As columnas de meu sitio


Foram feitos de aço puro,
Ao redor do sitio tem
Grossas paredes de muro,
Tem lugar aonde um negro
Cahindo fica seguro.

I—Os muros lá do seu sitio


Com um sopro só eu desmancho
Abra o olho e limpe a vista
Olhe a desgraça no rançho,
E veja que o negro velho
Dar-lhe serviço de gancho.

219
R.— Tenho pegado leão
Que o ronco delle estremece,
Tenho maltratado touro
Até que elle me obedece,
Já tenho açontado tudo
É nunca achei me desse.

E—Oh ! patrão dono da casa


Se vida não se enfadou,
Peça que o povo se cale
Que quero mostrar quem sou,
Quero dar hoje num homem
Que diz que nunca apanhou,

KR. —lguacio, tu ignoras


O que seja sacrificio,
E nunca vistes encontro
De romano com Patricio,
Patrício é como relampago
Eu sou trovão inteiriço.

f.— Patricio é cantador velho


Já está muito abalisado,
O senhor venha com elle
Chegue bem apadrinhado
E veja se não upanha
Padrinho com afilhado.

R.—lgnacio, meu peso é grande,


Com elle ninguem se ajuda,

220
a; 1X sam

Eu quero dar-lhe vm conselho


Vejs vscê, não se illuds,
Cahindo nas minhas urhas
Não vejo mais quem lhe acuda

I. —Foi hoje que pude crer


Como o diabo é tyranno,
Como ageita as creaturas
E sabe fazer engano.
Tanto fez, tanto mecher,
Qua laçou sempre Romano

R.—Meu negro, você commigo,


Não pode contar victoria
Porque faço-lhe um serviço
Que ficará em memoria,
Quebro-te as costas a pau
E as mãos com palmatoria.

I—Meu branco, se o senhor diz,


Que ainda tem de me açoitar,
Deixe dessa tentação
Creia em Deus, cuide em rezar,
Eu lhe juro adiantado
Um homem só não me dar.

R. —Negro, eu canto comtigo,


Por um amigo pedir,
Visto me sacrificar
Não me importa de o ferir,

221
és 15

Calco aonde achar mais molle


E bato emquanto bulir.

I—Meu branco, dou-lhe um conselho,


Não commetta tal perigo,
Peça a Deus que lhe retire
Desse laço do inimigo,
Antes morrer enforcado
Do que pelejar commigo.

R.— Eu agarro um cantador


Tiro-lhe dente por dente,
Atranco lingua e cs olhos
Deixo a caveira somente,
Tiro-lhe o couro dos beiços
Deixo elle assombrando a gente,

IT. —Cantador das minhas unhas


Quando se solta é cosido,
Faço elle ir em lugar
Que nem urubá tem ido
Se escapar algum
Quando cahe é derretido.

R.— Já passa de meia noite


E tu já deves afrouxar,
Depois teu senhor acorda
E manda te procurar,
Se não te acharem, amanhã
Com certeza has de apanhar.

222
x Tl

T.—Seu Romano eu sou um negro


Sinhá foi quem me creou,
Meu Senhor vê eu sahir
Porem nunca me empatou,
Eu que estou cantando aqui
Foi elle quem me mandou.

R.—E' que diz todo negro


Ninguem deve acreditar,
Eu tambem tenho escravo
Mando elle trabalhar,
Quando eston fóra de casu
Elle só quer vadiar.

L—O que o senhor Romano diz,


E sempre um facto commum,
Escravos de muitos homens
Passam semana em jejum,
Meu Senhor tem 20 escravos,
Senhor Romano só tem um.

R. —Negro cante com mais geito


Veja sua qualidade,
Eu sou branco e sou um vulto
Perante a sociedade.
Em vir cantar com você
Baixo da dignidade.

IL —Essa sua phrase agora


Me deixou admirado,

223
pa da

Para vossa mercê ser branco,


Seu couro é muito queimado,
Seu nariz: achatou muito,
Seu cabello é agastado.

R.—Já faço tú te calares,


Não quero articulação,
Vamos a geographia
Que chama o povo attenção,
Veja se entende ou se pode
Me dar uma explicação.

f.—Senhor Romano eu me lembro


O que meu senhor dizia,
O mundo tem cinco partes,
São: Asia e Oceania,
America, Europa e Africa
Assim diz a geographia.

R.— Então deves conhecer


De Cabo, Estreitos e Mar,
Us golfos, as raças todas,
Deve estar de tudo ao par,
Afina tna cachola,
Lá vou eu te perguntar.

1. —Patrão taça ponto ahi,


Nesse embrulho é que em mão von
Vossê quer que em lhe diga
O que ninguem me ensinou,

224
q

A geographia é dificil
Della en muito longe eston.
R.—Eu bem conheci, Ignacio,
Que a respiração te falta,
Isso é bom para Romano
Que canta e não «se delata,
De onde en eston ninguem me tira
Nó que eu don ninguem desata,

F—Vossa mercê nessa terra,


Está na fama dos anneis,
Desde pequeno que canta.
Em quatro, em seis e em dez,
Mas amarre com as mãos
Que eu desmancho com os pés,

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Rua do Alecrim n. 358 E

225
O autor reserva o direito de |
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Gomes de Barros

QUEIXAS AMOROSAS

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Coma Antonio Silvino fez 0 diabo chocar

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227
ENCNA)
Como Antonio Silvino
fez 0 diabo chocar
Eu tive a vida tranquila —
Como qualquer innocente,
Pegaram-mo aperriar
Tornei-me assim imprudente,
O boi manso aperriado
Arremette certamente.

Um cabra .matou meu pai


E ficou bem descançado,
Disse a um irmão que eu tinha
—Meu pai ha de ser vingado, —
Jada o cabra lá no inferno
Lá mesmo é esquartejado.

Meu irmão não foi commigo,


Ku fui a povoação
Matei esse dito cabra,
Atirei-lhe num irmão,
Dei em dois cunhados delle
Botei-lhe a casa no chão.

Havia um parente dello


Que era subdelegado,

228
E qi

Neste eu baixei o cacete


Quasi que o deixo aleijado
Metti o páu no pai delle
Deixei-o no chão deitado.

Com quinze dias depois


Fui á villa de Ingazeira,
Matei o chefe politico,
Fiz se desmanchar a feira,
Desta vez o promotor
Sahiu de lá na carreira.

Voltei, disse a meu irmão:


Não fiz mais porque não pude, |
Para vingar a meu pai
Só quero que Deus me ajude.
O sangue que derramei
Dava para encher açude.
Dahi em diante a policia
Tomou commigo cuidado
Eu tambem abri o olho,
Vivo sempre preparado,
Póde ella um dia apanhar-me
Mas é de corpo fechado.

Meu grupo consta de seis,


Tenho boa munição,
Mais de seiscentos cartuchos,
Rifle, punhal e facão

229
cai Des

E uma pistola Muuser


Não sahe do meu cinturão.

Por ahi ha muita gente


Que diz que eu sou encantado,
Meu encanto é porque corro
Não espero por soldado.
Se eu nunca fui commandante. .
Quero esse povo ao meu lado?

As orações que eu conduzo


E' correr e ser ligeiro,
Ouvir bem e ver melhor,
Conhecer ilha e oiteiro,
Não volto por onde vou,
Não confio em companheiro.

Confio em S. Dorme Pouco,


S. Assustado é commigo,
Amo a S. Escondedor,
Que me salva do perigo.
3. Pode Vir não me engana,
S. Seguro é muito antigo.

De cento e quarenta homens


Com quem eu tenho luctado,
Apenas encontrei tres,
Esses me deram cuidados,
Se eu não fosse tão ligeiro
Elles tinham me guizado.

230
e uam

Um delles foi um ràpaz


Bem descorado de côr,
Esse logo que me viu
Foi me dizendo —Senhor,
Quem nunca curou ferida
Não sabe que cousa é dor.

g eu lhe disse—amarello,
Estás virando lobishomem,
Sem duvida vens beber sangue
úmanheceste com fome,
Perdeste tua viagem
Hoje o urubú te come.

Elle nem me deu resposta,


Puchou por uma pistola
Atirou-me bem no peito,
Quasi que o bicho me esfolla.
E eu lhe gritei amarello,
Vontade tambem consola,

Mais de quarenta minutos


Nús luctamos nos punhaes,
Os tiros de nossas armas,
Descarregaram-se eguaes,
Só dois touros com furor
Ou duas cobras voraes.
O outro foi um creoulo
Para ganhar cem mil réis,

231
sa Lia

O miolo da cabeça
Com este golpe desceu.

Dahi os parentes delles


Pegaram a me perseguir,
Elles muito e eu sosinho
Não podia resistir,
Matei ma:s uns quatro delles
Tratei de me escapolir.

Fui dar um giro em Belmonte,


Triumpho, Exú e Salgueiro,
De lá fui á Petrolina,
Visitei o Joazeiro
Bm procura de um capanga
Que era muito alcoviteiro.

Lá matei o desgraçado
KR voltei para Granito,
Fui atraz d'outro chaleira
Bm S. Josá do Egypto,
uasi que um cabra me lambe
as lá eu briguei bonito.

De S. José do Egypto
Pui passeiar no Teixeira,
Andei na Immaculada,
Santo Antonio e Catingueira,
Villa da Misericordia,
Pombal, Souza e Cajázeira.

232
is e

Este brigava sosinho


Que parecia ser dez.
No logar onde morava
Tinha fama dos aneis.

Esse com seis punhaladas


Não mudava mais um passo,
Estava em ancias de morte,
Poude apanhar um compasso
Vibrou-me em cima do peito
Quasi me aleija um briço.

O outro foi um cabôclo...


Esse mandou me dizer
No dia que me encontrasse
Eu havia de saber,
Como se perdia lucta
E se aprendia a morrer.

Nos encontramos de noite


Fomos ambos á facão,
Elle parecia um tigre,
Eu parecia um leão,
Nossas armas davam fogo
Só se tivessem carvão.

Antes de dar meia noite


Eu ganhei, elle perdeu,
Sentei-lhe o facão no craneo
Que o caboclo estremeceu,

233
as uni

Eu estava na Cajazeira
A policia me cercou
Devido a um meu inimigo
Que lá me denunciou,
Levei cento e vinte tiros
Porem nenhum me pegou.

Vi a cousa perigosa,
Pulei por uma janela
Estava em trajos de soldado
Fingi-me ser sentinella.
Depois de fóra gritei
—Nião sou eu quem caio nella!

Brigar com vinte e dois homens


Um sosinho, não é luxo!
Dos punhaes que elles traziam
As bainhas eram meu bucho,
Pulei e disse commigo
—PFiquem queimando cartucho.

Corri tanto nessa noite


Que quasi morro cunçado,
Subi numa serra enorme
Um penhasco desgraçado,
Passou-se um drama commigo
Que quasi morro assombrado.
Vi uma cova na terra
Que ia de cima ao centro,

234
Ev a

Consultei com os meus botões


Se devia ir alli dentro...
E disse, se ella couber-me
Porque razão eu não entro?

Levei o punhal nos dentes,


O rifle na outra mão,
A Mauser em baixo do braço,
Apertei o centurão,
Agarrei-me num cipó
E lá fui no socavão!...

Então no centro da terra


Deparei com uma clareira
Dahi segui a uma estrada
Limpa de uma tal maneira,
Fiz um juizo commigo:
— Essa estrada dá em feira...

E segui de estrada fóra


Premeditando sosinho,
Alli não clhmava um grilo,
Não cantava um passarinho
Era um logar exquisito
Fazia medo o caminho.

Eu fazia mil'juizos
Mas sempre desacertado,
Vinha ás vezes uma idéa
Que era um logar encantado,

235
Pensava que isto era um sonho
Porem eu estava acordado

Adiante vejo dois vultos


Vêio-me á imaginação
Não fossem meus inimigos
Em minha perseguição,
Mas o da frente era um padre
O de traz um sachristão.

O padre chegando perto


Com respeito me saudou,
O sachristão muito humilde
Tambem me cumprimentou,
Eu perguntei-lhe assombrado
Padre mestre—onde é que estou?

O padre me perguntou
Encontraste alguem ahi?
Eu disse—padre me diga
Que logar é este aqui?
Disse o padre: 4.0 infermy
E o diabo móra alli ..

Eu sou capellão de lá,


Eu e esse meu compadre.
A mãe delle mora lá
Que é minha amazia e comadre,
Nós vamos para a Bahia
Ao casamento de um padre.

236
a | f

Perguntei—e padre casa?


—(Casa-se um desta vez...
Um velho tem sete filhas
Elle namorou com tres,
Casa-se hoje com uma,
Fica amigado com seis.

Adiante sahi num campo


Avistei um povoado
Era a rua do inferno
Estava o diabo occupado,
Confessando um nova-ceita
Que ha pouco tinha chegado.

Bati num portão de ferro


Veio um diabo na grade
Perguntou-me—tem negocio
A tratar nesta cidade?
Eu cá já fiquei seismando
Não sejas tu algum frade.
Porque aqui'teve um frade
Que o rei damnou-se com elle,
Ageitou o rei do inferno,
O rei conhou-se nelle
O frade fugiu de noite
E carrregou a mãe dello...

Ahi chegou o diabo.


Quando chegou no portão

237
a Sis

Me perguntou —-quem és tu?


O quo é que tens na mão?
Ahi apontei-lhe o rifle
E lhe mostrei o facão.

Disse o diabo—cu de ty
Hei de fazer um guizado,
Chegou aqui me pertence
Pode estár desenganado,
Então ahi eu lhe disse
—Vosmineo está envergado,

Eu hoje tambem preciso


De descarregar meu rifle,
Você não fica com osso
Que eu o não espatife,
Com esse punhal o sangro,
Com o facão faço hife.

Ahi o rei do inferno


Disse u outro compânheiro,
Grito 4 negtuda que acuda
Que aqui tem um cangaceiro
E abra o olho com elle
Elle 6 muito carniceiro.

Ahi eu baixei o rifle


Botei o portão abaixo
A cabeça do diabo
Ficou igualmente a um facho

238
= AO =

E disse—você conheça
Que aonde procuro acho.

Então o diabo disse:


— Seu capitão vá embóra
Se quer dou-lhe um portador
Para ir botal-o fóra,
Eu disse—ainda não estou cançado
Sou saio quando fôr hora.

Não tem mais um só logar


Que eu não tenha experimentado,
Em toda parte do mundo
Tenho defuncto plantado,.
Falta o cêu, mais o inferno
Já foi por mim explorado.

O diabo perguntou-lhe:
—L( sr. de onde vem?
Quem é e como se chama?
Que profissão é que tem?
Eu sou Antonio Silvino
Gue não respeita ninguem.

Venho do mundo dos vivos,


Sahi esta madrugada
Vim visitar Rio Preto
E dar adeus a Cocada,
Vá me chamar Antonio Felix
Meu collega e camarada.

239
guião TESS! cum

Então diga a Relampago


Meu antigo companheiro
Que agora faço intenção
Deixar de ser cangaceiro,
Isto é, não deixo o rifle
Que é quem me resto dinheiro.

Assim que o diabo ouviu


Taes palavras eu dizer
Perguntou a outro diabo
Aonde eu vou me esconder?
Eu disse—espere um pouquinho
Temos muito o que fazer.

O diabo estremeceu
A meus pés ajoelhou-se
Pediu-me dez mil desculpas,
Depois disto confessou-se
Tanto que outro diabo
Gritou de fora—damnou-se!

Aqui não ha exaggero


Só digo o que se passou...
No céu ainda não fui
Nem sei seainda lá vou,
Pintei o Simão no mundo
E o diabo de mim chocou.

Agora vou ao governo


Elle ha de me dar perdão,

240
se TA qm

Se não fizer como eu quero


Já vê que é feia a questão,
Boto um freio no Brasil
Sustento a rédea na nião...

E "a

Queixas amorosas
Adeus, Chiquinha, meu bem!
—Seu Gregorio como vae?
—Eu com medo de seu pne
“Não vou bem

Porque dizem que elle tem


Vontade de me pegar,
Gregorio, quem vae lhe contar
Essa historia?

Foi minha Xia Victoria


Gue hontem viu elle dizendo
Que andava se comendo
De ciume.

Papae tem esse costume


De andar pastorando a gente,
Eu como sou innocente
Não me importa...

241
— 15 ——»

Gregurio ainda eu estando morta


Ou estando mesmo expirando,
Ainda papae me espiando
Eu namore...

Olhe lá que eu desadoro


Quande eu te vejo ão meu laudo!
Papae está desconfiado
Commigo.

A's vezes em conversa digo,:


—BEu gosto de seu Gregoorio.
De Joãosinho e de Izidoro
Não me esqueço.

Seu Chico eu aborreço,


Mas gosto de seu Mané,
Já namorei com José
Mas deixei.

—Chiquinha, eu desconfie',
Tive queixa de vocí,
E lhe peço que não dé
Mais desgosto.

Grégorio é bom um encosto!


Pois você estando casado
E eu tendo um namorado
Não lhe ajuda?

242
E som

Um desses talvez lhe acuda


Se você cahir doente,
E uma pessoa somente
O que faz?

Bastam seis, não quero mais,


Basta que assim Deus me dê,
Porque sabe que você
Está na ponta.

Chiquinha, olhe esta conta!


Mais de um amor eu não quero.
Disse ella—eu desespero
Com isto...

Minha mãe como tem visto


Com seus sessenta janeiros,
Tem mais de dez cavalheiros
A seu favor.

Só a meu pai tem amor,


Os outros- por brincadeira!
“ocê € quem tem essa asneira
De ciume.

243
O autor reserva o direito de pro-
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245
Como João Leso tornou
a illudir o bispo.

Não seio se o leitor sabe


João Leso o que praticon
Fr “ade mestre dos quenças
Que na mão d' elle apan!
E um vitario orelhudo
(que João Taso o assine;

E a mãe de Dão Alberto


Um bispo miltonario
Que Jcão Leso passou nelia
Um dos contos do vigario
Divido a essa quengada
Quasi o bispo fica vario

O bispo disse chorando


Que nunca se salvaria
Mais se tivesse a fortuna
De avistar João Leso um dia
Os centos e trinta e dous con: 3s
João Leso lhe os pagaria

Diabo ! exclamou o bispo


Tanta fome que passei
Pedia batina aos outros
Quanta roupa fuxiquei”?
Veio o diabo e levou
246 Tudo quanto eu ajuntei
ra! cento e trinta e dous
Contos de reis tudo em ouro
Chegar aquelle damnado
Com o diabo no couro
Minha mãe muito da besta
Entrsgou-lhe o men thezouro

D. Alberto coitadinho
Tnda estava tão aleio
Mal sabia que João Leso
Já estudava outro meio
Para vir dar outro furo
E como de fato veio

Ora João Les> sahio


Com o bolço recheado
Cento e tantos contos fortes
Davam-lhe o nome de honrado .
La adquerio amigos
Foi bem relacionado

Estudou bem o latim


Muitas artes e sciencia
Tanto que poude obter
Nome de sua excellencia
Todos que o conheciam
Rendinham-lhe obediencia

Meteu-se no séminario
E foi muilo bem aceito
kFuz dous presentes ao papa

247
Esse ficou satisfeito
(O) papa o chamou nys folhas
Alumno justo e direito

O dinheiro de João Leso


Pegou a diminuir
Disse "ic Leso com sigo
E' necessario eu sahir
Quem se agarra sem ter unhas
Está Do risco de cabir

Escreveu a D; Alberto
Dizendo ser um prelado
E a um capilalista
Tendo um” dia confessado
Esse acuzou um dinheiro
Que delle tinha roubado

Deu os signaes de João Leso


E tuo que tinha havido
A quantia do dinheiro
Que tinha subtrahudo
É a velha mãe do bispo
Como a tinha vendido

Quando o bispo ieu à carta


Quase dar-lhe uma acidente
Exclamou, minha manzinha
Graças ao Honipotente !1
O ladrão do meu dinheiro
Apareceu certamente

248
coesa

Avelha olhou para o céo


Deu graças ao suberano
Disse; o bispo; me escreveu
Um prelado italiano
Disse; a velha; não será
(Quengada de algum cigano?

Oh! não! respondeu 0 bispo


E' um padre abençoado
E” aquelle que nas folhas
Foi pelo papa gabado
E” um varão virtuozo
Por usim esta santificado.

Então na carta disia


D. Alberto da Assumpção
Vossa excellencia se acalme
E não faça alteração
[sso me foi revelado
Em acto de confissão

O tal que me fez o roubo


E' um grande potentado
Tem O titulo de marquez
E' bem relacionado
A questão pode vencer-se
Porem preciza cuidado

Vai daqui D. Constantino


Um paúre de confiança
Vosas exe -llencia cmo elle

249
Pode fazer aliança
Não altere cousa alguiria
E pode ter esperança

Foia onde estava um padre


Manfestou-lhe o que havia
Mostr.u-ihe um arolamento
Do que O bispo possuia
Disse que elle era mole
Com qualquer geito calia

Disse vu padre vâmos ver


E' necessario estudar
E preparar p terreno
Que possa se collocar
Aguardar as consequencias
(Que possa nos rezultar.

Disse Juão Leso; o terreno


Está muito bem preparado
Alh revelou ao padre
O plano que tinha armado
() padre disse com esse
Tira-se bom resultado

Disse o padre nesse cazo


Uhamamos o Nicolão
Italiano matreiro
Já foi com muitos ao pau
Disse João Leso; pois chame
Aquelle alli não é mão

250
O bispo então escreveu
E respondeu ao prelado
Confessando eternamente
Ficar-lhe muito obrigado
Pela a atencção que teve
E o serviço prestado

E dizia o reverendo
Será bem recompensado
Fará em minha pessôa
Um amigo e um criado
Dizendo dentro de si
Eu dou-te um xifre eufiado

Nicolão italiano
Foi pelo padre chamado
Houve uma seção dos trez
Ficou o plano acertado
Limparam bem o caminho
O laço ficou armado

Chamava-se o dito padre


Sebastião Avilar
Porem na carta do bispo
Foi Constantino Aguiar
E o nome do prelado
Foi Henrique de Alencar

Fsse la no séminano
Achou um litulo romano
Para puder arrumar
291
ca a
Nicolau italiano
Bicho cacau de 3 pintas
Superior 2 um cigano

E toi com o pastor


Luverdo autorisação
Porem sendo a guia falça
Do cardial Simião
Para qualquer sacramento
(Que tocasse occazião

Foi converçar com o bispo


A respeitu o dito roubo
O bispo quando viu ells
Classificou-o de bobo
Julgou-o cumo cordeiro
Sendo o verdadeiro lóbo

Levou uma carta exlença


Do padre Henrique Alencar
Que dizia Senr. bispo
Vai o vigario Aguiar
Garanto a vossa excellencia
Nelle pode confiar

Elle alem de ser um santo


E' grande capacidade
Não da valor a dinheiro
Faz tudo por caridade
Então em Roma elle é tudo
Para Sua Santidade
252
ev. 1 c—

João Leso tinha uma amazia


Damiana de Loiola
Foi ao vigario Aguiar
Como viuva hespanhola
Deu-lhe em prezença do bispo
Dous cóntos de reis de esmola

Confessou-se com o bispo


Descrobrio na confissão
Ser viuva de um homem
(Que usava ser ladrão
Deixou dous contos de reis
Para destribuição

Disse; eu peguei no dinheiro


Dei ao vigario Aguiar
Pois elle só veio ao mundo
Para benificiar
Elle é pai dos desgraçados
Acode aquem precizar.

Assim que O bispo sabiu


O vigario lhe failou
E dos dous contos de reis
Cinco moedas tirou
E o resto do dinheiro
Ali ao bispo entregou.

Disse dous contos de reis


Amim foram, agora dados
Dou para vossa excellencia
253
Dar de esmola aos desgraçad:
() que eu ganho ou me dão
E" para yr necessitados

“ra ! o bispo com aquillo


Koi rue poude acreditar
Ser exato que o prelado
Disse do padre Aguiar
Disse com sigo; é na quelja
Que eu devo me confiar

Avelha mãe d elle disse


Meu filhó eu não me embeleze
E não me confiu mais
Nem no rozario que rezo
Você veja aquelle padre
Não seja como Joãu Less

Disse a velha vôu pedir-lhe


Para elle confessar-me
No acto da confissão
Eu hei de desenganar-me
Outro João Leso daquelle
Nunca mais hu de pegar-me

Ella no coufissionario
Ão vigario confessou
Que trinta contos de reis
De um estrangeiro roubou
Tinha bolça junto della
E ao vigario entregou
294
ba

Filha do meu coração


Exclamava o confessor
Não sujará minhas mãos
Seja que quantia fôr
Pois o ouro da trahição
Pertence é ao traidor

O vigario disse a ella


Va entregal-o a seu dono
Eu não pego em uma peça
Inda achando em abandono
Pois a justiça do céo
Chega sutil como o somno

Disse a velha, eu me envergonho


E isso me perderá
Quando for Senr. padre leve-o
E dé de esmola por lá
O vigario respondeu;
Deus me defenda de ta

Eu guardarei-lhe o segredo
& vôu ordenar-lhe um meio
Pegue a quantia roubada
H despache-a no correio
Mande entregal-a a seu dommo
Não diga de onde veio.

Ora o velho Italiano


Conhessia pela pinta
Hia deixar dous mil contos
259
Para sujar-se com trinta?
Terça feira elle sonhavá
O que bia hbhver na quinta

Depois disse a velha ao bispo


Meu, filho dezenganei-me
Cu Muuava do vigario
Porem ja sertifiquei-me
€) fingimento que fiz
Foi lal que injuriei-me

Senhor bispo disse o padre


Eu devo me retirar
Vossa excellencia exponha
O que tiver a tratar
Mas será tudo em segredo
Para não me deshonrar

Padre, perguntou-lhe o bispo


Agora que faço eu ?
Disse o padre Constantino
Como procurador seu
Dando-me pleno poder
Como um cardeal me deu.

Para cobrar uma herança


Que tinha sido roubada
Dentro de 90 dias
Eu deicbei-a liquidada
Mas essa sua questão
E' muito mais arriscada
256
Então » bispo mandou
Chamar o tabelião
Perante 3 testemunhas
Passon a proeuração
Dando poder ao vigario
De pasne-se e quitação

Ora! o vgario suposto


Apoderou-se da mina
Depois que tomou o barco
Jogou a um lado a batina
Com ella tinha obtido
Uma ideia clara e fina.

Quando Nicolão chegou


Foram formar a secção
A sede sendo ua caza
Do padre Sebastião
Nicolão, Juão Leso, o padre
Formaram a reunião.

João Leso no outro dia


Foi logo a auctoridade
Fez essa chamar o bispo
4 responsabilidade
Divido ao bispo querer
Manchar-lbe adgnidade

Veio da Europa parz a America


É cá propoz a questão!
Para o bispo lhe provar
297
Como elle era ladrão
E dous mil contos de reis
Pediu dc indenisação

Então João Leso veio


Tranxe logo advogado
Quando foi no outro dra
O bispo foi intimado
Com 4 dias depois
Estava 9 palacio embargado.

Aquengada de João Leso


Ningueu a prezenciou
E não foi mais que segredo
Tudo que alli se passou
“om quem o bispo provava
OQ que João Tieso roubou ?

() bispo all resolveu


Mandar sen advogado
Aquem a procuração
Já tinha elle passado
Tirar dos bancos o dinheiro
Que tinha depozitado

Niculão italiano
Vulgo Vigario Aguiar
Apoderou-se da orden.
Foi logo aos bancos tirar
Retirou todo dinheiro
Não deixou nada ficar.
258
e

Perdeu o bispo a questão


Não poude alh se salvar
E confessou ao juiz
Não puder imdinisar
Não tiuhba nem um vintem
Para a injuria pagar

[Deu apenas o palacio


E outra propriedade
E disse da agora em diante
Vou viver da caridade
Já que a desgraça assim quer
Faça-se sua vontade.

(Quando a velha mãe do bispo


Viu paçar-se a escriptura
Dezenrolou uma corda
Que trazia na cintura
Armou-a enforcou-se nella
Acharam ella ja dura.

O bispo tinha perdido


Seu elegante sobrado
Confiou-se no dinheiro
Que tinha depositado
Não esperava a silada
Que fez-lhe o adevogado.

Embarcon para Espanha


Precizaza convergar
Com o seu adevogado
259
Es

O reverendo Aguiar
Achou-o mas não era o padre
One a cils tinha enganado

Elle ali contou ao padre


!'T 4 seu grande occorrido
Mostrou a primeira carta
Que já tinha recebido
t) padre lhe respondeu
O Senr. foi illudido.

Disse o padre só João Leso


Lhe poderá descobrir
Esse trama é de cigano
João Leso vem lhe servir
Raios o parta: disse o bispo
Pragas ba de o consumir

Foi ao banco não achou


Um tustão para simente
Encontrou la uns recibos
Procuração legalmente
Tambem teve tanta irz
Que lhe deu uma acidente

Foi iouco para o azylo


Porem com honras de robre
Quando via uma pessôs
Principalmente homem pobre
Fitava elle exclamava
João Leso! da-me meu cobre
260
Ora! o bispo no azylo!
Foi Nicolão o cicario
Elle, João Leso, e o padre
Fazerem o inventario
Foram ver quanto rendeu
“Este conto do vigario

Sete centos e muitos contós


Cada um delles tirou
Ja vê que sua excellencia
A trez magros engordou
Foi um conto de vigario
Com que tudo se salvou

João Leso dizia alli


Meu Deus da-me inspirações
Faze: por amolecer
Estes duros curações
(Que geito poderei dar
Que roube esses 2 ladrões

Aquelle padre Avilar


Sabe o diabo onde dorme
Nicoláu italiano
Roubou de Christo o uniforme
E' professor de quengada
() geito d'elle é inurme

Eu posso perder o tempo


Porem não perdi a fé
Quando eu solto as 2 mãos
Fico pegado num pé
E quem caçã sempre acha
Se descuidado não é
261
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Conseguencias do casamento !

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Entontro de Jovino com
Bentinho, no outro mundo
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0 REINO DA PEDRA FIM
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A VENDA

Recife--Rua Imperial-84
ai

1910
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ni e, e e e ai ii e e e

203
0900),
As consequencias do casamento

Não ha loucura maior


Do que o homem se casar!
O peso de uma mulher
E” duro de se aguentar,
Só um guindaste suspende,
Só burro póde puchar.

Por forte que seja o homem,


Casando perde a façanha,
Mulher é como bilhar,
Tudo perde e elle ganha,
Porque a mão da mulher,
Em vez de alizar arranha.

Ella se finge innocente


Para poder illudir,
Arma o laço, bota a isca,
O homem tem que cahir,
Ella acocha o nó e diz:
—Agora posso dormir.

264
acao Mia

Vamos agora tratar


No flagello que ha de vir,
Muitas vezes o pobre homem
Se arrepende de existir,
Dias não póde comer,
Noites não póde dormir.

Vc chegar de hora em hora,


Contas para elle pagar,
Chega uma após da outra,
Elle não póde fallar,
Se falla a mulher lhe diz:
—Para que foi se casar ?

Paga o aluguel da casa,


Lá vem a engommadeira,
Quando pensa que está livre,
Lá chega-lhe a costureira,
Ouve gritar: Oh de casa!
—L(Quem 6€?—Sou eu, a lavadeira.

Sai cla. Batem de novo.


Quem €?—Sou o carvoeiro,
Vendi carvão, hontem aqui,
Vim receber o dinheiro.
—2(Oh de casa! —Quem é mais?
Responde: —E' o verdureiro.

E clama elle: Oh ! diabo!


Is , assim já é molleza,

265
sis fla

Diz: mulher infda tem conta ?


Ella diz: Tem com certeza,
O açougue e a botica,
A loja de miudeza.

-—(Oh de casa! —Quem é 14?


Responde: — E” um portador
Da casa do alfaiate.
Chega após o pescador,
Lá vem o cabelleireiro,
Junto com o engraxador.

Elle “paga a esses todos,


Vem do outro lado o padeiro,
Antes de fechar a porta,
Bate nella o fuuileiro,
Vem o carregador d'agua,
Junto a elle o sapateiro.
Exclama elle comsigo,
Ah ! meu tempo de solteiro!
Trabalhava muito pouco,
E nurica devi dinheiro,
Hoje trabalho a morrer,
Só não devo a carcereiro.

Já está pensando na vida,


Quando ouvi ella dizer:
Vá á venda comprar pratos,
Não tem mais em que comer,

266

O ultimo hoje emprestei,


Não me mandaram trazer.

Quando fôr comprar os pratos,


Compre chicaras que não tem,
Compre duas caçarolas,
Uma chaleira tambem,
Vai se lembrando e pedindo.
Em vez de dez, pede cem.

A grelha já está quebrada,


Já furou-se o caldeirão,
Talvez amanhã não tenha,
Em que cosinhar feijão,
Já o bule está sem aza,
Já pegou fogo o pilão.

Os talheres estão sem cabo,


Está sem tampa o manteigueiro,
A toalha já está róta,
Quebrou-se o assucareiro,
O côco largou o fundo,
O pote é que está inteiro.
Vue elle 4 venda traz tudo
Sem faltar uma encommenda,
Diz ella: agora meu negro,
Eu preciso de fazenda,
E tambem de miudeza,
! Galão, bico, fita e renda.

267
DzO

Quero tres peças de bico,


Duus peças de galão,
Uns doze metros de fita,
Porque tenho precitão,
Quero tres lenços de seda,
Um córte de gorgorão.
Vae elle com ella á loja,
Diz ella tenho precisão
De cinco córtes de chita,
Cambraia e madapolão.
Ganga psra travesseiro,
Toalha de enxugar mão.

Quero um córte de setim,


Quero outro de «foulard».
Quero fazendas modernas
Que depois de se enfeitar,
Todo mundo ache bonito,
Ninguem venha censurar.

Elle vê crescer a conta,


Olha o volume, e suspira,
Ella olha-o e lhe pergunta,
Esta como que se admira !
Inda me falta comprar
Uma saia de cachemira...

Diz elle—basta mulher,


Deixe se fazer a conta...

268
é

Diz ella, eu estou esquecida,


Minha cabeça está tonta
— Deixe vê o que me falta
Eu ainda não estou prompta.

Preciso de duas cousas


E agora não me recorda.
Sim ! me lembro saias brancas,
Que façam uma grande roda,
Inda me falta nm chapéo
Que o meu vai perder a moda,

Comtudo isso, assim mesmo


Luda passa em caçoada
É se ella é dessas ratas
Que depois de estar casada,
Dar todo anno ao marido
“Tres filhos de uma ninhada.

E” preciso elle botar


Duas ou tres tratadeiras,
Durante o resguardo della
Ter mais duas lavadeiras,
Dezoito pannos de bunda,
Tres berços, tres mamadeiras.

Quatro garrafas de leite,


Vem todo dia comprar,
Dois ou tres kilos de gomma
Vem por semana gastar,

269
-—
— Í —

Se morrercm todos tres


Vem a despeza dobrar.

Precisam tres ataúdes,


Tres capellas, tres mortalhas,
Mais tres repiques de sino,
Isso não pode haver falha,
Do contrario o povo diz
— Tsso é filho de canalha.

Se elle não tivér dinheiro


Faz mesmo como o macaco,
Morreram tres filhos della
Elle botou-os num sacco,
Disse—urubú que enterre-o,
Eu cá don pouco cavaco.

“2”
“= "o

Encontro de Jovino dos Coelhos


com Bentinho, no outro mundo

Jovino quando morreu


Foi ao ceu, 5. Pedro disse,
Do mundo já me pediram
Que eu a porta não lhe abrisse,
No purgatorio tambem
Nem que minha mãe pedisse.

270
= É =

Pode procurar seu rancho,


Está alli o caminho,
Jovino ficou massado,
Sahiu falando sozinho.
Foi bater no purgatario
Lá encontrou com Bentinho.

Bentinho ao ver Jovino


Foi lhe dizendo—canalha,
Prepare sua pistolla,
Hoje um de nós se retalha,
Você no mundo dos vivos
Deu-me um golpe de navalha.

Então Jovino lhe disse


—Compadre, espera não bole,
Fui bravio no Recife,
Mas depois fiquei tão molle,
Nem rato queo gato pega-o
Nem sapo que a cobra engolle.
Eu no bairro do Recife
Fui mais que Imperador,
E nos Coelhos me chamavam
Segundo governador,
Tirei farda de soldado.
Demetti um inspector.

Disse Bentinho—eu tambem


Lá fi muitas explosões,

271
par

Fiz aleijados correr,


Duro perder as acções,
Mas, depois, o que soffri
Só eu sei com os meus botões.

EK partiu para Jovino


Passou-lhe a mão na abertura
E disse-—meu camarada,
Se su'alma não fôr dura,
Hoje tenho que devoral-a
Que só sopa de verdura.

E agirraram-se 4 dentes...
Disse Bentinho vamos vêr!
Disse Jovino, é commigo,
Alma não faz eu correr,
No tempo que eu era vivo,
Dôr nunca me fez gemer.

O guarda do Purgatorio,
Correu e disse 4 S. Pedro:
Tem duas almas brigando
Está tão damnado o enrêdo,
Eu fui vêr si as apartava,
Corri de longe com mêdo.

S. Pedro disse ao creado :


Traga-me ahi meu facão
— Eu vou perguntar a ellas
Se aqui eu quero explosão,

212
E) ui

Vou botar um no xaarez,


E o outro no purão.

S. Pedro chegou e disse:


— Está preso sr. Bentinho,
Quem é 14? Sou eu sS. Pedro
Disse elle, meu veshinho,
Lance mão de seu rosario
Vá resar no seu cantinho.

Disse 8. Pedro á Jovino:


Marche já para o xadrez...
Disse Jovino, o barulho,
Foi de dois já está em tres,
Com pouco chega o inferno,
Lá vai tudo desta vez.

Para encurtar a historia,


Foi necessario acudir
Cangaceiros do inferno
Que podesse resistir,
Veio a policia do céo
Nada pôde conseguir.

Bentinho ainda sahiu


Com dois golpes de navalha,
Juvino tambem saiu
Com rasgões pela mortalha,
Chegaram dois cangaceiros
A pasiguaram a batalha.

273
Gs TA dass

Juvino foi para o pote


Bentinho para o purão
Juvino foi processado
E teve um mez de prisão,
S. Pedro quasi é multado
Christo passou-lhe um carão.

Bentinho saiu ferido,


Juvino com um lado rôxo,
Ambos depois se soltaram,
Estão passeiando no frouxo,
Fizoram nova amisade,
E comem juntos n'um cócho,

OUS

D reino da pedia fina


(Continuação)
a oia a pl,
Disse o horteleiro, é bôa,
Inda ficava melhor
Com outra no centro da corôa,
Só tendo as duas da frente
Fica a cravação á tõa,

Dizia o tal horteleiro :


Sua real magestade

274
no is

Obrigue a elle vêr outra


Dessa mesma qualidade,
Diz elle que aonde achon esta
Deixou grande quantidade.

E tanto illudiu o rei,


Que o rei o mandou chamar,
E disse : Moysaniel
Você tem que procurar
Outra pedra igual a essa,
Ou eu mato-o se não achar.

Ficou Moysaniel triste,


Sem saber o que fizesse, )
Tornar q serra encantada, / oe
Désse o caso no que désse,
Depois dizia comsigo :
— Quem sabe o que me acontesse.,

Se eu não fôr procurar ella


O rei manda-me enforcar;
Se eu fôr 4 serra encantada
Estoue no risco de encontrar
Qualquer um phenomeno alli
Que venha me liquidar...

Porém minha sorte é esta


Já vê que ha de ser cumprida,
Pelo carrasco da morte
Mir. “a sentença foi lida.

275
— 15 —
à
Me largarei pelo mundo
Buscando a morte ou a vida

Não consultou à ninguem


Por onde havia de seguir;
Dizia com sigo mesmo,
Pelo caminho que partir
Iuda sendo errado, é certo,
Audo até me conelnir,
AA Pra ii”
Então ahi preparsu-se!
Por uma deserta estrada,
À noite deu com uma casa,
Tuas esta desabitada;
Ouviu nnma vóz dizer-lhe:
Que vens ver nesta morada?

Disse ele —eu venho perdido


Não coui.ço estas estradas,
Então uma vóz lhe dizia:
— Este sitio é de tres fadas
Aqui existe um jfoigma, fL
bo Fousas que são reservadas...

Ahi veio uma mulher


Perguntando aonde estás?
Por uma pequena asneira
Tu despresaste teus pais,
Andas mettido em segredo
Fortuna não terás mais.

276
Tu foste o cavalheiro
Que foi a serra encantada?
Que recebeu um presente
De uma pedra desejada ?
Por uma mão invisivel
Que ficou apaixonada?

Disse elle
— fui eu mesmo
Que recebi o presente
Daquella mão bemfeitora
Que encontrei casualmente.
Ella livrou-me da morte
Que eu ia morrer cruelmente,

Disse-lhe: a dita mulher:


— Faça-fe disso esquecido, she
Aquella mão encantada
Que tanto fem3 illudido,
Será ella toda origem
Porque serás destruido.

Disse a elle —venha cá,


Veja não trõe as pisadas;
Entrou com elle num quarto
Mostrou-lhe alli tres espadas
E dizendo: estas aqui,
São tres irmãs encantadas,

À quado Ele quiz encanta fo


Er um animal vilão,

211
— 15) e

Não poude devido elle


Ter nm signo Salomão
Que não havia este magico
Que n'elle puzésse a mão.

Depois ella disse a elle;


Não prosiga esta jornada,
Fiqui aqui, nós o guardamos,
E não lhe faltará nada
Com a condição de você;
Não ir a serra encantada,

Então elle ahi pensou:


Depois da fada ir embora
— Não devo ficar aqui,
Hei de seguir mesmo agora,
Me considero perdido
Não admitto demora,

Seguiu por um vasto campo,


Era um deserto esquesito...
Não havia um arvoredo
Que dissesse, esse é bonito!
Via-se lá uma ou outra
Estrella no infinito.

Tinha a noite terminado,


O dia vinha rompendo.
Quando elle achou um leão
Prostrado no chão morrendo,

278
A féra estava gemendo, >

Elle pegou o leão


Deu-lhe agua, elle bebeu,
Tirou a carne que trazia
Deu a féra e ella comeu;
Botou ella” n'uma sombra
Fez um fogo e a aquecen.

Ao cabo de quatro dias


Chegou na serra encantada.
Passou a cerca de pedra
Seguiu por uma esplanada,
Da comida que trazia |,
Não lhe restava mais nada.

Chegou á margem da rio


Na campina se deitou,
Adormeceu de repente
E com uma jovem sonhou,
Cuja visão deste sonho
“Jo lethargo o despertou.

Elle despertando abli [ps


Inda viu uma figura;
Como não julgou que houvesse
Corpo de tanta candura,
Perguntava elle a si proprio:
Quem fez tanta formosura?

279

Seria Dens a proposito.


Que fez aquela deidade;
Porem Deus fazer am ento
Com tamanha raridade,
Um anjo que pode ter
Viste dous annos de idade,

Continua no Pei Miszero

280
O autor reserva o direito de pro:
priedade

281
282
À Se
in aro
38 Ê. A
Rua do Alecrim,
! A venda
SS TA de Camas
é
A Duque
carne tar ap Moderna--
K
F:
Xs cousas mudadas
A muito tempo que eu digo
O mundo está as avessas,
O povo incredulo e descrente,
Me diz você, já começa
Isto é sêéde de agouro
Ou fôme de uma conversa,

Agora é que clles estão vendo


ue a cousa está em começo
Tanto que muitos já disseram
Está tudo pelo o avêsso
E inda está em principio
Ainda vai pelo um terço,
Hoje se vê uma moça,
Ninguem sabe si é rapaz
Anda com calça c chapéo,
Pouca diffirença faz,
Vê-se até calças de velhos
Com breguilhas para traz.
E se alguem censurar isso,
O fulano se encommoda,

284
—2—

Responde Jogo eu sou velho,


Mas ainda aprecio a moda,
Minha velha tem 1X) annos,
Mas quando anda olha a roda!
Ella fez saia calção
Para ficar mais faceira,
Ea tambem gosto da moda,
MEO na mesma carreira,
Faço a calça sem breguilha,
Boto atraz uma maneira.
E noto bem não há moda
a chegue e não nos offenda
" tanta moda que vem,
Que não ha quem eomprehenda,
Muito breve os homens fazem
Calça e camisa com renda.
Outrora a mulher casava
Para o homem a sustentar,
Hoje uma que se case
Vá disposta a trabalhar,
Se fôr moça preguiçosa
Fica velha sem casar.
Ha homens que hoje vive
Do trabalho da aliar
imbóra que elle só faça
Aquillo que ella quizer,

285
=
Ha de carregar no quarto
Os filhos que' ella tiver.
Outrora, quando um rapaz
Chegava a uma certa idade,
Só se casava com moça
e tivesse honestidade
que o pai della tivesse
Muito bôa qualidade.
Mas, hoje, é pelo contrario.
uando um rapaz quer casar,
uer sabor se a moça tem
oragem de trabalhar,
nua saiba fechar cigarros
saiba bem engommar.
Quer vêr casar-se depressa,
Seja ama ou costureira.
Professora ou modista,
Ou mesmo uma cigarreira
Ainda feia c fallada
Não falta rapaz que não queira.
o homens de hoje só querem
ulher para trabalhar,
A mulher de casa é elle,
Faz tudo que ella ordenar,
Para ser ama do leite
Só falta dar de mamar.

286
gs lim

Agóra analysem bem


Um homem assim como é:
A mulher vai para a fabrica,
Elle ha de torrar café,
Faz fôgo aprompta o jantar
Dar papa e banho ao bébé,
Vai vêr agua enche vasilhas,
Ferra o chão com uma estoupa
Bota nella os pannos todos,
Vai ao rioc lava roupa,
E' ama, é creada, é tudo
E alli só ganha a soupa.
Se ella fôr uma esperta
Diz-lhe lego .mandilhão !
Marido que não trabalha
Só tem direito ao pirão ;
Se pisar fóra do risco, '
Apanha de cinturão.

Você sabe que esta casa


E' igual a de Gençal»,
Enquamto existir gallinhas
Aqui não se trata em galo;
Só se faz o que cu quizer,
Não tem santo, Pedro ou Paulo,
No tempo de meus avós
() homem só se casava;

287
mem
e

(Quando preparava a casa


D> tudo que precisava,
Porque na lua de mel
Um noivo não trabalhava.
Hoje vão para a igreja,
Quando acabam de casar,
Diz-lhe a noiva : você volte
km casa tem que arrumar,
Eu daqui vou para a fabrica,
Tenho cigarros á fechar,
E" necessario que eu vá
Ganhar o pão de consumo,
Se hoje cu não fechar cigarros,
Amanhã como me arrumo ?
Em vez de cheirar a noiva,
Tem é cetinga de fumo.
Isso que eu descrevo aqui
E" o costumes da praça,
Agora vá ao sertão
E veja lá que desgraça !
Lá só tem Deus nos acuda
E eu não sei o que faça,
Chega-se nesses sertões
N'uma choupana daquella ;
Ver-se o barbado de cócora
Alcovitando as panellas;

288
muciifino
Um feixe de lenha junto,
Atiçando fogo nellas.
Pergunte pela mulher
ua ha de ouvir elle dizer:
oi p'ra roça apanhar fava,
Só vem quando escurecer,
Eu fiquei sósinho em casa,
P'ra fazer o comer.
Outr'ora só se enfeitavam
As moças na flór da idade,
Hoje vê-se cada uma
Mais velha quea eternidade!
Com marrafas e espartilho,
Cinto e suas novidades.
Tinje os cabellos de preto
Bóta pó de arroz na cara,
Mira no espelho e diz:
Sou uma belleza rara!
A fructa estando madura
Inda se torna mais cara.

As moças se affectam tanto


Para fazerem figura,
e tem muitas que não comen: ;
ara afinarem a cintura;
[sso em minha opinião
Tem nome de cara dura.

289
E o

Continuação de João da Cruz


4. Volume

Não tem ramo, não tem nada;


Disse ahi um satanaz,
Elle achando ella bonita,
Nem pensa no ramo mais,
Mulher “Jude até nós
Por mais que seja sagaz,
Ahi transformando-se um dellea,
Numa joven interessante,
Que o proprio diabo disse:;
A obra está importante!
Inda estou mais animado,
Minha idéa vai avante. *
Era alva, e bem corada
Altura em conformidade,
Pés pequenos, mãos bem teitas,
Cabellos em quantidade
Representando inda ter
18 annos de idade.
Tranças louras, olhos azues,
A cintura um pouco fina,
Us scios regulsemente:
Maçãs de côr purpurina,

290
iu

Chamaya attenção até


Dos insectos da campina.
Trajava um fino roupão
Do melhor panno que havia;
Um collar de ouro massiço
Sobre o pescoço pendia;
Era moderno somente
Tudc que nella se via.
Pigava modestamente,
Tinho o gesto encantador,
dmirava-se muito
Das obras do Creador,
Quem a visse só julgava
Ser um avjo do Senhor.
João da Uruz avistou ella
Quando estava em oração
Ahi ergucu a cabeça,
Éille prestou attenção;
Deu um suspiro, sentou-se
Sentindo uma commoção.
Vcio para o 'ado delle
Assim que se aproximou,
Como quem o conhecia
Sorrindo o cumprimentou ;
João da Cruz olhou bom
Depois tambem a saudou.

291
dis

Perguntou-lhe João da Cruz


A donzella anda pordida *
Não senhor, respondeu ella:
Ando distrahindo a vida;
Venho d'alli do outro bosque,
Fui visitar uma ermida,
No verdor de nossos annos
Devemos ter distracção,
Pois é ordem natural
Nos esclaresse a razão,
Quando cahir na velhice
Ahi eim, faz deichação.
Até logo, disse ella:
O soljá vai se escondendo
As suas flechas douradas;
Já vão aos poucos morrendo,
São horas dos meus pastores
Virem do monte descendo.
A Senhora móra perto ?
João da Cruz lhe perguntou :
Móro através desse monte,
[,á as suas ordens estou,
D'aqui lá é meia legua,
Para a montanha apontou.
Dê um passeio até 14,
Vá vôr o nosso castello,

292
se Due
A aldeis é magnifica,
Nosso palacete é bello,
Al se póde viver
Sem conhecer-se o flagello.
Apertando a mão de João,
Pela campina seguiu,
Uma aria interessante
Entoou quando sahiu ;
Todas palavras da aria
João da Cruz as ouviu.
A ARIA
A vida é um riso
De mil esperanças:
Uma nau que nos leva
N'um mar de bonanças.
e

A vida é uma srvore


O fructo é o prazer,
Deus deu-nos esses fructos,
Devemos o colher.
Devemos gozar,
Nossa mocidade ;
Bebermos o aroma
Da primeira idade.
Depois que colhermos
O pomo ditoso

293
——

Veremos o pomo
Como é saboroso.
A morte nos traz
Horrures «e choros
De nós rouba a vida
Extrai nossos louros,

Por isso é que brinco,


Passeio na floresta
Frequento os theatros.
Não dispenso orchrestra.
E entrou pela floresta
A vóz a montanha enchia,
Ficou João da Cruz pensando,
Essa moça quem seria!
Seu todo cra de fidalgu
Por toda forma atrahia.
Joãs da Cruz se esqueceu della
Continuou a orar
Uma tarde ás + horas,
Elle ouviu ella cantar ;
Ergueu a vistae viu ella,
Pelo campo á passeiar,
E veio se aproximando,
Bôa tarde a elle deu,
Tenha a mesma, senhorita,

294
jd
João da Cruz lhe respondeu :
Uma pedra para assento
João da Cruz lhe offereceu,

Disse ella, cavalheiro :


Estou-lhe muito obrigada,
Mcu passeio hoje foi curto,
Ainda não estou cançada;
Hoje inda vou a uma festa
Quã tui hontem convidada.

Eu fui alli n'uma aldeia


Soccorrer uns desgraçados
Que levaram suas vidas,
Só chorando scus peccados;
Hoje morrem na miseria,
Tristemente abandonados,
Jeão da Cruz lhe perguntou :
Coin grande admiração,
Mas o homem, não tem alma,
Não tem por obrigação,
A prestar contas a Deus,
Não necessita o perdão ?
Necessita, disse ella:
O céo é um edificio
quo foi feito para o homem,
uer tenha ou não vicio,

295
E js
E' propriedade nossa,
Não précisa sacrificio.
Sc Deus assim permittisse,
Nosso mundo era de espinhos,
Nossos fructos amargavam,
Eram penosos os caminhos;
Até mesmo nos faltava
De nossos paes os carinhos.
Por exemplo a penitencia
Que abuso-sô são os seus!
Maltratarmos nossos corpos,
Fazemos mais que os atheus,
Temer de perdera alma
E' não confiar em Deus !
João da Cruz esperirientando-a,
Como quem não tem termos
Perguntou-lhe: existe inferno ?
Respondeu ha sim, senhor;
bra infeliz quem cahisse.
Naquelle abysmo de horror.
Para que foi feito elle?
Perguntou lhe João da Cruz :
Para que? respondeu ella,
Foi para um anjo de luz,
O homem estava perdido
A não ter sido Jesus,

296
João ouvindo essa resposta
Pensou: e disse comsiga,
Esta não é como a velha,
Não vem botar-me em porigo ;
Não tem nada que venha
Da parte do inimigo.
Disse ella a João da Cruz :
Vá em nossa habitação,
Faça a sua penitencia,
Mas não prive a distracção,
Deus só exije do homem
E* ter um bom coração,
Despediu-se d'elle e disse :
No uia que quizer ir,
E' rodear esse monte,
Ver por onde ade seguir;
Toda hora estou em casa
As ord>ns para o servir.
Reuniram-se os diabos
É fizeram uma sessão,
Projectando construir,
Uma linda habitação,
em João da Cruz indo lá
restasse toda attenção,
Por uma magica diabolica,
De uma gruta escura e feia,

297
ao Eca

Fizeram um campo cspaçoso


Representando uma aldeia,
Um castello magnifico,
N'uma planice dé areia.
João da Cruz ficou pensando
ue a moça cstava acertado
er asneira do homem
Ter uma vida privada,
Ea culpa é uma divida,
Que coma morte é sanada.
Valtou para sua casa,
Fez a barba e o cabello,
E disse aquelle caste Jo
E' necessario eu ir vêl o;
O pai da donzella pequena
Eu preciso conhecel-o,
Eram IJ horas do dia,
João da Cruz appareceu;
Quando avistou o castello
O corpo lhe estremeceu;
Interrogava a si proprio
Mas o que toi que fiz eu ?
Rea olhava vi ali
m palacête importante
um sitio ao redor da casa,
Um jardim muito elegante,

298
a: Tio

Instrumentos para musica,


Muitos livros numa estante.

Zoraide essa dita moça


im o João da Cruz tinha ido,
inha as vestes como nunca
Ninguem tinha possuido
Como se na roupa della,
O sol tivesse nascido.
Então João da Cruz com ella
Estava tão embellesado,
Estava esquecido do ramo
uc e anjo tinha lhe dado,
diabo já contente,
Dizia estou arrumado!
« Continua no diabo confessando
mam Nova Seita,
m

299
O anctor reserva o direito de pro
priodudo

300
| Leandro (omes de Barros

7 À CRISE ACTUAL
e 0 augmento do sello
A URUCUBAÇA

0 ANTIGO[a Ú vm) |

Es 19135

301
À orise actual
e o augmento do sello
— doe tá

Além da guerra Européa


Trazer tudo atormentado
Não entra genero, e nem sai
O commercio está parado
A cecu tomou a frente
Está » Brazil sitiado.

No sertão não houve enverno


No sul tambem não chuveu
Nos brejos mais na catinga
Nem sereno apareceu
Está de uma forma este anno
Que nem o sapé nasseu.

O governo vendo isso


Disse ao povo estou disposto
Se o anno for todo ceco
Não chuver até agosto
Eu mando romper a banca
Augmento mais o imposto.

302
ssa:
OU tda

A ceca ataca o sertão


A crise circula a praça
Tantu que eu creio que este anno
Sobe tudo na fumaça,
Só ficará no Brazil
O imposto e a desgraça.

Ninguem tem a quem queixar-se


A derrota está na vista
Doutor já está procurando
Um emprego de foguista
Já tem padre de batina
De algodão zinho da paulista.

O arcebispo já disse
Se a cousa mão melhorar
Eu vou trocar o cajado
Por um ansol vou pescar
Até ver si inda apparece
O que se possa ganhar.

Porque nessa diocese


Não apparece ninguem
Se eu vou fazer uma cota
Não a quem de-me um vintem
Apenas dizem os devotos
Estou na desgraça tambem.

303
mtas
6 uai

E a cousa está de jeito


Que uma é ver outra e contar
Vêr-se tres quatro chorando
Seis, sete, oito, a clamar
“ve, dez. se lastimando
Vinte, trinta a se queixar.

O commercio diz; eu «quebro


Diz o artista eu que faço >
Diz o sachristão: eu morro
Diz o padre: en me desgraço
Responde o Senhor de engenho
Eu estou comendo bagaco

Diz um ferreiro: ante-hbontem


Vendi a satra e o fole,
Queixa-se a linha de ferro
A mim não à quem conçole
Não vem Dem um passageiro
Algum que embarca é no mole.

Diz o-vigario: esto mez


Não apurei um crusado
O senhor de engenho chamou-me
Para fzer um baptisado
Voltei a pé e com fome
3 o que
"
fiz foi tiado.

304
E qse

Diz o lyspo: esta semaua


Sabe o que me aconteceu*
Fui ver se chrismava gente
Um só não me appareceu
O vinho que levei para a missa
Um desgraçado bebeu.

Não ganhei nem um tostão


Fiquei tão desanimado
Que um nova-ceita chamou-me
Para fazer um batisado
Fui, mas o diabo disse
Que só fazia fiado.

Eu lhe disse: nova-ceita


Damne-se para o brejão,
Eu vim por está obrigado
De uma grande precisão
Porém negocio fiado
Vá ao diabo a mim não.

Já fui daqui na caipora


De lá pura cá não vim bem:
O condutor da primeira
Que é d'uma marca xerem!
Me disse; ou paga passagem
Ou eu o desço do tremy

305
-

Eu vinha sem nem um xis


Me vi alli apertado
Quer ver o que me valeu >
Foi empenhar o cajado
«ae o miseravel depois
Venden-o por um cruzado.

Eu não tinha o que fazer


Pois nem um tustão trazia
Se não pagasse a passagem
Isso por certo dessis
E se eu ficasse acolá
Uma onça me comia.

Um missionario dizia
Sahi ao mundo a pregar
Mes a caipora era tauta
Que eu chegava n'um logar
Para alguem ir ao sermão
Era preciso eu pagar.
Disse um fiscal: eu tambem
Me vejo tão- derrotado
Fui receber um dinheiro
De um homem que foi murtado
Este metteu-me o cacete
Voltei de lá desgraçado.

306
a RR rm

Então diz o pescador


A crise está se damuando
À guerra não tem mais fim
A secca está aumentando
Dizem que no Ceará
Até o mar está secando.

Ea Parahyba do Norte
Não fica um só morador
Morando na capital
Nem mesmo o governador
Pode ficar pelos mangues
Um ou outro pescador.

O governo de lá disse
A cousa está tão tyranna
Que até uma padaria
Me cortou esta semana
Breve vou para os engenhos
Fazêr sercas é amarrar canua

Ao governo federal
Mandei um officio immenso.
Mandando dizer, aqui,
Não compro fiado um lenço
Este mandou-me dizer
Eu cá vou mal que estou penso.

307
pos O oo

A Parahyba que tinha


Esperança em Wencesláu
Quando leu esta resposta
Disse: Oh! meu Deus estou no pau!
Mou emprestimo foi igual
Às penas do hacurau.

O governo federal
Acha que a cousa vai bem
E diz o dinheiro é pouco
Deste eu não dou a ninguem
Porque eu não solto o passaro
Por um que algum dia vem.

Que tem que o paiz se acabe


E se arraze n'um instante >
Eu nunca fui pae de artista
Menos dc negociante
Leve o diabo a lavoura
Não me levando é bastante.

Basta que fique v governo


E um fiscal cobrador
Ficando um negociante
E um só consumido
Já vê que dois trabalhando
Satisfaz a um comedor.

308
ss A aa

O negociante para
O fiscal vai receber
O consumidor trabalha
E isso eu hei de comêr
Então que osso acordado
Mas tarde eu tenho que roer!...

Eu vou logo aproveitar


Emquanto Braz é thesoureiro
Sem o sello do consumo
Não fica um só brazileiro
Já dei ordem a se sellar
O padre do Joazeiro.

Um homem -tem que sellar-se


Dos péz até os cabellos
A bocca, os olhos, o nariz
Os braços e os cotovellos
Ha de botar estampilhas
Em cima dos mesmos sellos.

Eu não tenho o que fazer


Estou tambem aperriado
Desgraça não quer conselho
À fome não quer guizado
Fique eu que sou feliz
Morra quem for desgraçado.

309
agita

Eu quando entrei logo vi


A desgraça do paiz
Fui botal-o no seguro
A Mutua Ideal não quiz
dê mão receitam defunto
Nem se protege infeliz.

Eu vi o povo chorar
Isto causou-me um desgosto
O Brazil em condições
De viuva sem encosto,
Para vêr se o melhorava
Aumentei mais o imposto.

Primeiramente ordenei
(Que sellasse até o mundo
Foi um echo sem igual
Foi um suspiro profundo
Botar trez sellos em lata
Na tampa, no meio. e no fundo.

Ordenei mais que um noivo


Pretendendo a se cazar
Sellar-se elle e a mãe
O pai tem de sc sellar,
E o pai da propria noiva
Precisa se carimbar.

310
= TU

A sogra do noivo não.


Não é preciso sellar
À sogra, a cobra, vo lacrau
Estão isentos de pagar
Graças ao venono desses
Sempre poderam escapar.

Ura o povo que ja estava


Que só um barco sem leme
Com o imposto que havia
Um suspira e outro geme
Augmentar mais o imposto
E' botar gelo em quem treme
Ante-hontem vi um velho
Que estava dando cavaco
Um fiscal viu elle e disse
Meu velho, olhe o buraco
Você va tirár licença
Se quizer tomar tabaco.
Vi uma velha chorando
Dizendo meu Deus que sina!
Ja fui aos homens da terra
Fui a justiça divina
Minha filha vai casar-se
Querem sellar a menina.

311
E| q

Cahi aos pés do governo


Triste como Magdalena
Pedir por todos os santos
Que não sellassem u pequena
A --“sa foi de tal jeito
Que um escrivão teve pena.

Tudo agora leva sello


Não se reserva ninguem
O governo não pergunta
Quem é quem vai ou quem vem
Até eu ja estou com médo
Não leve séllo tambem.

Vêr-se em cada sello d'estes


As lagrimas de um infeliz,
O diploma de um doutor
A casaca de um juiz
O baile de um presidente
E a queda do paiz.

Até as sociedades
Tem que sellarem as acções
O Bispo sella o cajado
O frade sella os cordões
Cada freira ha de levar
Um sello de dez tustões.

312
-NW—

O ferreiro sella o ferro


E o marceneiro o torno
O pobre do funileiro
Sella o flandre ainda morno
Quem quizer ter padaria
Preciza sellar o forno.

Um velho se maldizia
Blasfemando contra u sorte
Dizendo: com esta crize
Eu estou esperando a morte
Esse imposto desgraçado
Inda faz ella mais forte.

Fui vêr se vendia bixo


E rimia a precizão
Mas encontrei um fiscal
(Que parescta um leão
Esse chegou e me disse
Meu velho selle o talão.

É eu que não tinha dinheiro


Que havia de fazer
Elle tomou-me o talão
Dizendo : esse eu vou vender
Embora que seje um osso
Que tem pouco o que roer.

313
es RI

Disse uma velha alcancei


A vida muita barata
Mais hontem fui vender doce
Em S. Lourenço da Matta
O. maldito de um fiscal
Tomou-me uv doce e a lata.

Morreu um dia um fiscal


Foi dar contas ao Eterno
Ghegou lá, Deus perguntou-lhe
Rapaz, quede seu caderno?
Disse o fiscal: dei-o hontem
Ao caixeiro do inferno.

Então Deus lhe perguntou


Porque não trouxe comsigo”
Disse o fiscal é porque
Aqui cu tenho inimigo
Os empregados do mundo
Tudo aqui correm perigo.

Lá, eu empatei um santo


Pedir esmola na feira,
No dia que fiz um padre
Sellar uma padroeira
Fiz a proscissão dos Passos
Sahir cm toda carreira.

314
Até o velho diabo
Sahiu com muito desgosto
Queria atentar a gente
E não pagar o imposto,
Eu em lugar de fiscal
Não havia estar desposto.

O Eterno olhou-o e disse-lhe


Já por alli cara dura
Vá encharcar o inferno
Com sua horrenda figura
O diado disse: vote!
Eu quero « ver-lhe a lonjura.

Voltou para v pulgatorio


Foi o mesmo desmantello,
Quizeramo apedrejar
O porteiro não quiz vel-o
Foi no inferno, v diabo
Não quiz, nem p'ra derretel-o

Esse voltou para o mundo


E" quem faz as enredadas
Descobre as mercadorias
Que ainda não estão selladas
E' quem vai mostrar as fabricas
Que inda não” estão collectadas.

315
Õ antigo e o moderno
e

Quando o velho Santo Job


Viu-se doente e leproso
No Recife, Alpheu Raposo
Mandou-lhe uma fresecção,
A mulher d'elle mandou
Pedir ao Dr. Thomé
Na pharmacia 5. José
O Elixir Salvação.
Nas bodas de Chanadn
Que Christo fez d'agua vinho
A Lancéta de Agostinho
Exagorou sem limite
Soares Raposo deu
Carne para lombo e bife
E o Jornal do Recife
Fez os cartões de convite.
5. Pedro era pescador
Antes de seguir Jesus
Quando o Dr. Santa Cruz
Tomou conta do Monteiro
Néro Imperador Romano
Mandou um seu paladino
Chamar Antonio Silvino
“ru Ser seu cangaceiro.

316
À Urucubaca.
NES
- — — e — e

kste anno é o anno da cigarra


Este ceculo das luzes é tão escuro!
Vejo um rio se encher de sangue puro
E no mar civilisado ir fazer barra

A mizeria com desdem no mundo escarra


O desastre diz garboso, estou seguro
Ja rasguei as vestes do futuro,
E o meu curso de herve ninguem esbarra,

Tenho a chave da Allemanha em meu poder


O futuro Francez hyphotecádo
E a Russia aos meus pé ha de gemer.

A Inglaterra terá que se render


A Turquia lamenta o seu estado
O Brazil e um cão sem donno há de soffrer,

AVISO
— leandro Gomes de Barros avisa
aos seus exes e amigos, que mora em
Areias de do Recife enderêço, para a
Estação de Areias.

317
318
cantry Gomos de Barros
E E

À cura da quebradeira

Typ. da “POPULAR EDITORA 319


à Cura da quebradeira
Mir at gr,

Um quego, mestre dos quengos


Adoeceu da algibeira
Enserrou-se n'um convento
Estudou de tal maneira
Que descubriu um remedio
Para curar quebradeira.
Eu provo com muita gente
O Remedio não é mão,
Já conheci um doente
Mas molie do que mingao,
Só não digo o nome d'elle
Porque não quero ir ao páo!...
Ja parecia um cadaver,
Só tinha o couro e o ósso
Tinha thisica na algibeira
Uma emflamação no bolço
Com trez dóses do remedio
Está gordo robusto e moço...

320
cs

Tinha uma chaga na calça


Na casaca outra ferida
Tinha um cancro no culete
A camisa enfraquecida
O commercio deu-lhe um talho
Que quase tira-lhe a vida.
Deu-lhe bôba nas butinas
lrisípella na capa
Deu-lhe sarampo nas meias
O licho botou-o no mappa
Já a filha tinha dito
Mamãe ! Papae não escapa.
Comprou um livrinho destes
Foi para casa estudal-o
Tomou a dóse de tarde
De noite comprou um cavallo !..
Viu a força do remedio
Cuidou logo em decoral-o!
Chico Rato, coitadinho
Dizia ; me acabo ja ...
Comprou um livrinho destes
E fez o remedio lá
Hoje vi elle cantando
A cabocla do Caxangá

321
cs É

A quebyadeira do Chico
Estava enflamada e ruim
No sujo da roupa delle
Estava nascendo capim
E no fundilho da calça
Tinha casa de cupim.
Porém uzou o remedio
O cppim se retirou
O capim da roupa délle
No mesmo instante seccou!
t” hoj2 um milionario
Com trez dóses que tomou !...
Quem soffre, compre a receita
E preste toda a attenção
Porque ella encina o geito
De fazer a cavação
Despache em botica grande
Veja se ella serve ou não !...
Essas figuras da capa
Estão ahi para esplicar
Este da frente está lendo
O de traz quer se arranjar
E" doente que procura
Remedio para o curar.

322
assado nicas

É se houver um linguarugo
Que queira me reprovar
Eu digo : vá na cadeia,
Que há de se desenganar,
Tem muitos doentes presus
Para me justificar.
Esses que estão na cadeia
Não aplicaram o cuidado
Só estudaram o remedio
Mas não compriramo resguardo:
Tomando elle no publico
Torna-se ruim que é damnado!
Deve o tomar no escuro
Onde não dê uma réstia
É usar constantemente
Muito cinismo e modestia
Eu não conhesso o remedio
Mas já soffri a molestia.
Entre toda as molestias
A petor é quebradeira
É" superior á febre
Coça mais do que frieira
Não ha thisica tão damnada
Como thisica de algibeira.

323
a pn

Elia quando entra em casa


Esfria logo o fugão.
Derrama-se gaz no sal
» cm agua no calvão,
Cai areia na farinha
| fura-se q calderrão,

idJuebram-se os beicus da jarro,


Largao fundo da panella,
Some-se o côco do pote,
Abre-se em banda a tijella,
£.hy a dona da casa
Toca a ficar amarella,

Da logo o cupim na roupa,


Rompe-se os bolços da caita,
Quebra-se a chave da porta
E o homem assenta praça;
Porque sempre a quebradeira
Vem junto com a desgraça...
Na casa que ella chegar
Some-se logo o dinheiro,
Da molestia na familia
É murrinha no puleiro,
Wit, Ja vé não escapa
Nem um pinto no terreiro.

324
— 6G—

Então ella não vem só


Nem faz pequena demora
É chega junto com ella
O azar e a caipóra,
Ella de dentro de caza
Faz sortimento aos de fóra,
Frei Quenguista vendo o mal
Que estava nos perseguindo
Consultou a outro frade
Que estava este mal sentindo
O frade deu parte ao bispo
Disse o bispo: Venha vindo.
O frade estudou 2 cura,
O bispo achou-a correta,
Consultaram ao cardeal
Diz elle: a obraé completa
Um arcebispo estudou
Como há de ser a diéta.
Disse Frei Espertalhão
O remedio é exelente
A pharmacia sendo grande
Cura-se radicalmente
Mas não guardandoa dicta,
Está desgracado o doente!..

325
=
Porém uzando o remedio
Sendo bem acautellado
Logo nas primeiras dóses
Verá o seu resultado
Disse Frei Espertalhão
Que foi com isto curado.

Isto é, esse remedio


Será tomado escondido,
Porque entre os mais remedios
Este é 2 mais prohibido,
O doente que o tomar
Se alguem vil-o é perseguido.
E" um remedio exelente
Cura até para o futuro
Mas para se tomar elle
Só n'um lugar muito escuro
Calçar sapato de banho,
Que possa pular um muro.
O doente que o tomar
A dote mais a cautella
Veja que n'aquella rua
Não s: abra uma janella
Tendo alguma lampada acceza
Não passa por junt: d'ella.

326
a E a

iambem não deve tomal-o


Com dois ou trez camaradas
As noites proprias p'ra isso
São noites ennuvuadas
Principalmente essas noites
De relampago e trovoadas
E quando entrar na pharmacia
Repare se ella tem forro,
Pode um apito de là
Vir depois pedir socorro,
Veja que não tenha em casa
Ganço, guiné ou cachorro.
Quando o doente uzar elle
Deve aplicar o cuidado
Veja não tenha por perto
Algum subdelegado,
Muito cuidado com elle
Esse bixo é carregado,
Essas ruas muito largas
Cue tem illuminação,
Um agente de policia
Inspector de quarteirão;
Tira a força do remedio
az elle perder a acção.

327
paia Ras
Encontra-se esse remedio
Em cofres municipacs
Pelas fabricas de tecidos
Ou bancos especiaes
Repartições d'alta escalla
Thesouros estadoaes.

O remedio é extraido
ve ouro papel e cobre
Tambem há de prata e nike!
Para algum doente pobre
Alivia o desgraçado,
Ausmenta as pompas do nobre
João Gatuno coitadinho,
Soffria um mal incuravel,
Fazia pena se olhar
à roupa do miseravel;
Com trez doses que tomor
Tem fortuna inczlculavel.

&
BS Je >

328
O Pezo de uma Mulher
e o ses + A

Não à fardo mais pezalo


Do que seja uma mulher
E nem ha homem que tire
As manhas que ella tiver.
O que pençar ao contrario
Pode dizer que está vario
Ou desesperou da fé,
Cahiu na rede engannado
Um mez depois de casado
E' que elle sabe c que é
O rapaz vê uma moça
Fica por ella encantado
Sedutoura e feiticeira
Que parece um sonho dourado
Os labios parecem mel,
Mas tcim à taça de fel
No fundo do coração,
Q homem passa e não ve
Depois vem se arrepender
Porém já está na prisão

329
gas
4 ga

Pede-a:em casameuto e caza-se


Pença que leva uma joia
Mas leva é um carcereiro
Que prende-o e não lhe dar boia
Então se a mãe della for
Elle leva um portador
Da casa de satanaz
Quando estiver na caldeira
Exclama; fiz uma asneira
Que n'em quem é doudo tiaz.
As 6 horas da manhã
O homem vai ao mercado
Faz as despesas do dia
Julga que está descançado
Compra farinha e feijão
Carne, assucar, café e pão,
Verdura fruta e toucinho
clla diz não se lembrou
Porque foi que não comprou
Alho, pimenta e cuminho *
Não tem carvão, falta agua
A manteiga se au
Cahiu gaz « ntro do sal
O assucar se derramou,
Eu não sei isso 9 que

330
quão; HESUR que

Inda não coei café


Porque não achei o panno,
à casa vão se varreu
À vassoura se perdeu
Não achei mais o abano.
À visinha me tomou
O caldeirão emprestado
Foi derreter chumbo n'elle
“Juando troxe-o foi furado
Tomou-me a colher de pão
Para mexer um mingão,
& por lá quebrou-lhe o cabo
Emprestei meu fugareiro
Outra levou meu papeiro
Tude levou o diabo.
Mas ella diz; não se zangue,
Isso são cousas do mundo
Você já soube que a jarra
Largou os beiços e o fundo ?
À chaleira nova visa
O bulle já está sem aza
A “tualha foi no lixo,
Minha machina de cozer
Mandei mamãe a vender
Perdi-a toda no lixo.

331
= É cu
Pergunte ao rapaz solteiro
À crize o que quer diser.
Elle responde é palavra
Que eu nem a posso entender
Pergunte agora a um casado
Que já está callejado
Que os trabalhos o consomem
(Que ele suspirando diz
E" a sentença infiliz,
Que Deus destinou ao homem.
Por causa d'ella vendi
À caza aonde morava
Vendi o ultimy traste
Que em minha caza restava
Minha sogra ainda diz,
Que eu sou um homem infeliz
Amante da perdição
E que vendi a mobilia
Não foi devido á familia
Foi pela vadiação.
Não diz que eu veudi a cas
Por devida que a filha fez
Pagar ama para elia
A vinte mil reis o mez,
Não diz que a filha lusava

332
a TA a

la a baile passeava
Adoecia de manha
Me botando na desgraça
Antes eu sentasse praça
E morresse na campanha.
Porqu? quando nada o fogo
Podia me consumir
tu estava livre de ver
Minha sogra inda surrir,
A mulher aborrecida
N'uma cadeira cahida
Fingindo estar quasi morta
E eu nestas agonias
Inda vêr todos os dias
Os cobradóres na porta.
O pescador cobra o peixe
O mascate. cobra a renda
quando vejo um alfaiate
Procurando uma encomenda
Vem um turco do outro lado
QU sapateiro vêxado
Pelo sapato que fez,
Quem está ardendo-se em braza
Chega o aluguel da caza
Que já se findou o mez.

333
o ur
Santo Deus ! que peso horrendo
Nas costas de um desgraçado
Uma mulher e a mãe
Oh! que madeiro pezado '!
(que calix tão amargoso
Hu julgava saboroso
Porém sahiusme ao contrario
r'ença alguem que a vida presta
alas p'ra Christo só resta
O homem ir ao Calvario.
() individuo solteiro
Não sabe a vida o que custa
Não tem pensão nem cuidado
f. Crise não o assusta
|.ogo quando quer cazar-se
E” nessessario apromptar-se
De tudo quanto precisa
“lm elle vai sabendo
O que muitos estão soffrendo
Porque mulher não alisa.
Alguem ha de perguntar
Deus não casou á Adão?
ku digo; Adão era louco
Não calculava a razão
Inda foi muito feliz

334
Porque nasceu num paiz
Le terra desabitada
3ogra e cunhado não tinha
Assim mesmo vD. Evirha
Inda o botou na enchada.
Ora Eva era innocente
Não tinha manha nem dengo
Mas pela historia d'ella
Se ver que ella tinha quengo
porque foi dar ao marido
Esse fructo prohibido
Do autor da creação
Quando o barulho estourou
Ella então descarregou
O pão nas costas de Adão.

4; FIM

335
AVISO

Leandro Gomes de Barros, avisa que esta

morando em Areias, Recife, e que remetterã


pelo correio todos os folhetos de suas produe-
ções que lhe sejam pedidos.

ai ak = O

* yo da * POPULAR EDITORA" - Parsiyba —0— 1515

336
ÍNDICE
RERRENTADAR aussi
e ps DES vil
INTRODUÇÃO aaa. toada... I

NOVAS PERSPECTIVAS PARA ANALISE DAS COM-


POSINDES POPULARES anais iss sas se 0... 9

[FOLHETOS DE LEANDRO GOMES DE BARROS]


O CACHORRO DOS MORTOS (“Obra Completa”) ................ 33
O Cachorro dos Mortos .............. RS ea a E M
O CACHORRO DOS MORTOS ("3º Edição Completa” - 1919) .... 83
O Cachorro da, MONDO gucssasisaaentucaesacisiaasddiisaecs 87
ROOMS prada sacas incsinicdaca cisco dis csacãs 130
CASAMENTO A PRESTAÇÃO. O TESTAMENTO DE “CANCÃO
DM PAM cara aaa ARE RR UR RE RD E DAS 135
Cineasta 8: PRERACÇÃO ssauuvassaassss
ca eras 136
Testamento do “Cancãko” de Fogo ......cccecesencessessesess 141
O CASAMENTO DO VELHO E UM DESASTRE NA FESTA.
VINGANÇA DE UM FILHO (Conclusão) .........csscesscceessos 153
O Casamento do Velho e um Desastre na Festa ............... 155
Vingança de um Filho (Conclusão) .......ccestueecensensesess Lo4
O CASAMENTO HOJE EM DIAS. O AZAR NA CASA DO FU-
NILE quasingasa sis sd ad 11
O Caamento Hoje em Did .eccscusuesessessessescancessess 172
O Azar na Casa do Funileiro ....iccscassuesessesesssssscasos 180
OS COLETORES DA GREAT WESTERN. A CANÇONETA DOS
MORCEGOS. PELEJA DE JOSE DO BRAÇO COM ISIDRO
CAVIAO sensu ESSA TST EEE TE 189
Os Coletores da Cireal WEBell ,.csessessescenccssescorsussss 190
Cunçgundta dos MANCIGUS sedasssuuseceescassesicesicoss 197
' Peleja de José do Braço com Isidro Gavião ......cscscessesos 199
O COMETA. ROMANO E INÁCIO DA CATINGUEIRA ......... 2017
O Cometa ..... ESCURAS DO ATT A PRO MUS SR AA 208
Romano € Inácio da Catingueira CEI LULA . 216
COMO ANTÔNIO SILVINO FEZ O DIABO CHOCAR. QUEIXAS
AMOROSAS ......cesenrserernencercrcenencensaconcerennncentos 227
Como Antônio Silvino Fez o Diabo Chocar ............... o. 4H
Queda AMOR pasissarssssisssis ss es da ad 241
COMO JOÃO LESO VENDEU O BISPO ........... esessne senao 245
Como João Leso Tornou a Iludir o Bispo ..........cc.scsss RR
CONSEQUÊNCIAS DO CASAMENTO. ENCONTRO DE JOVINO
COM BENTINHO, NO OUTRO MUNDO, O REINO DA PEDRA
DIR ans dá seria UM
As Consequências
do Casamento .......csssss nisirasa rasa AM
Encontro de Jovino dos Coelhos com Bentinho, no Outro
MN ses cen te seraserrasa mana ncia cad NARRA ao
O Reino da Pedra Fina (Continuação) ,.....ssescsesssscsoso. 24
AS COUSAS MUDADAS. HISTÓRIA DE JOÃO DA CRUZ
VOO assaz s sa UA 1. 283
ADC MUDAS. een ease seed a 284
Continuação de Jodo da Cruz (4! velado) E a a 290
A CRISE ATUAL E O AUMENTO DO SELO. A URUCUBACA.
O ANTIGO E O MODERNO ........... ETR RR RE e MI
; A Crise Atual e o Aumento do Selo ........cccecccseeecereros mM
O Antigo
ce o Moderno ......ccesssissecsssasss A e RR
LDA 2 sas DDS SCSI CU sua 7
A CURA DA QUEBRADEIRA ..cicmusecaiceseros pisa gds DID
A Cura da Quebradeira ..cesessessesssasscssasascaosas ne MO
o Peso de una MAM case cisssssissisasiscisrrrintasda 329

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