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Lilian da Rosa1
INTRODUÇÃO
1
Historiadora pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, Mestra e Doutora em
Desenvolvimento Econômico pelo Instituto de Economia da Unicamp. Pós-Doutoranda no Programa de
História da USP, na linha de pesquisa de História Econômica. E-mail: lilianrosa.rs@gmail.com
2
Denominação popular para a maconha na segunda metade dos oitocentos.
1
Códigos de Postura sancionados por Câmaras Municipais como Rio de Janeiro (RJ),
Campinas (SP), Santos (SP) e São Luís (MA). De modo geral, ao longo do século XIX, a
sanção desses Códigos demonstra que o Estado reivindicava o controle das relações
sociais e econômicas no espaço urbano. Nesse sentido, eles assumiam um caráter
preventivo para a esfera da segurança pública. As Câmaras pretendiam inegavelmente
refrear certos hábitos sociais existentes entre os escravos e provavelmente entre as
camadas baixas da população (ROSA, 2019).
Desde então, o debate em torno da produção, uso e comércio de substâncias
consideradas “entorpecentes” ganhou novas dimensões, sobretudo, na primeira metade
do século XX, período no qual emergiu um conjunto de Leis e Instituições para garantir
o enfrentamento das drogas de modo geral. Nesse caso, destaca-se a criação da Comissão
Nacional de Fiscalização de Entorpecentes (CNFE), órgão que centralizou informações e
fortaleceu o combate de entorpecentes no Brasil (CARVALHO, 2013). A proibição de
Cannabis, em particular, avançou aos poucos. Em 1932, o Decreto-Lei nº 20.930 incluiu
a Cannabis indica como substância tóxica e proibiu seu consumo, comércio, porte ou
doação3. Em 1938, por sua vez, uma proibição similar foi estendida para a Cannabis
sativa, por meio do Decreto-Lei nº 891, assinado pelo então presidente da República
Getúlio Vargas, o que consolidou o processo de proibição dessa planta.
3
Câmara dos Deputados (Brasil). Decreto nº 20.930 de 11 de janeiro de 1932.
4
Casa Civil (Brasil). Decreto-Lei no 891, de 25 de novembro de 1938.
2
existente no sertão pernambucano. Ademais, o artigo fornece um embasamento histórico
para discutir as leis proibicionistas sancionadas no Brasil.
Em vista deste propósito, o presente artigo está dividido em 3 seções, além dessa
introdução e da conclusão. A primeira é destinada a revisão bibliográfica sobre os usos
sociais da Cannabis antes da proibição. A segunda, por sua vez, analisa os reflexos da
proibição no contexto da agricultura ilegal. A terceira, por fim, discute as formas de
permanência e resistência no uso e produção da Cannabis.
Uma parcela da historiografia que se dedica a temática das drogas cita o uso
de Cannabis por membros da Corte portuguesa na Colônia, mais especificamente da
rainha Carlota Joaquina. (TORCATO, 2016; SOUZA, 2013; BRANDÃO, 2017;
CARLINI, 2006; FRANÇA, 2015; dentre outros). Embora não haja consenso
historiográfico sobre os possíveis motivos que levaram a Realeza a consumir essa planta,
uma das possiblidades especuladas era o seu efeito medicinal. Fiore (2005) cita Varga
(1995), que por sua vez resgatou escritos do médico Benoit Mure (1809-1858), cujo teor
indica que o referido médico não teve dificuldade para encontrar um pé de Cannabis
sativa no interior do palácio imperial de São Cristóvão, visando realizar experiências com
haxixe. Não fica claro pelo registro o motivo pelo qual o médico queria a planta, mas
chama à atenção a sua profissão e é razoável pensar que o mesmo a buscava para testar
alguma finalidade clínica.
Em outro texto que analisa o período colonial, Edson Carneiro descreve o
modo de vida dos escravos fugidios que integravam o Quilombo dos Palmares. Segundo
ele, os negros extraíam da natureza grande parte de seu sustento: óleos para a iluminação
e a alimentação; matéria-prima para o beneficiamento de vestimentas; e materiais para a
construção das choças e das cercas de pau a pique. Nos momentos de banzo, os negros
tinham à mão a liamba, que pitavam com um cachimbo de barro montado sobre um
canudo de taquara envolto em uma cabaça de água para o fumo resfriar – os holandeses
diziam que esses cachimbos eram feitos com os cocos das palmeiras (CARNEIRO, 1966).
Gilberto Freyre, por sua vez, ao analisar a colonização monocultora do
Nordeste açucareiro, enfatizou que a produção do açúcar em Pernambuco ocupou cerca
de ¾ da zona da mata, a mais fértil da região. Isso, por conseguinte, dificultou o cultivo
de sementes e a emergência de pequenas culturas agrícolas úteis para o desenvolvimento
3
daquela sociedade. Nem por isso uma parcela significativa desta deixou de se empenhar
no cultivo de plantas voltado ao uso psicoativo, favoráveis à volutuosidade. Ainda
segundo o autor, para encher de langor os meses de ócio próprios da cultura canavieira,
os senhores toleravam o plantio de maconha e de tabaco em meio aos canaviais5. Caso
contrário, um longo interim sem entretenimentos poderiam resultar em convulsões sociais
e ameaças à estabilidade dos grandes senhores de terras e de açúcar (FREYRE, 1951).
Contudo, o autor não revelou maiores detalhes acerca da vida material desses
trabalhadores, escravos e homens de cor que faziam uso de maconha no período colonial,
apenas acrescentou que a planta, importada da África, era bastante utilizada pelos homens
do Norte agrário (FREYRE, 1951).
O Fato é que, ao longo da história, o uso da Cannabis foi associado à cultura dos
escravizados. Gilberto Freyre, também escreveu que “O vício de comer terra, barro, cinza,
pó de café, o de mascar tabaco, o da maconha, o da cachaça, foram, entre nós, vícios
associados quase exclusivamente a gente de classe, de raça e de região “inferiores”.
Vícios de escravos, de negros, de tabaréus.” (FREYRE, 2013, p. 511). Gilberto Freyre
não só escreveu sobre a maconha como também observou seus usos na sociedade
brasileira. Ele mesmo declarou, em uma nota de rodapé, que tinha experimentado a
diamba, e que esta, “produzia visões e mesmo um cansaço suave; a impressão de quem
volta cansado de um baile, mas com a música ainda nos ouvidos” (FREYRE, 2004, p.
497). Contudo, ele reconhecia que os efeitos variavam de indivíduo para indivíduo. O
autor ainda associou a utilização da maconha como forma de resistência ao processo de
desafricanização (FREYRE, 2013).
Entretanto, escritos como o de Gilberto Freyre, bem como de outros autores,
são de certo modo contestável porque ainda não foram encontrados indícios históricos
mais consistentes sobre o uso psicoativo da maconha durante o período colonial, seja nos
engenhos ou mesmo nos quilombos. Além disso, essa falta de documentos e de registros
também fortalecem a hipótese de que a maconha não estava tão presente assim na vida
dos escravos e dos homens pobres do Nordeste açucareiro. Vale ressaltar que esses
autores escreveram seus principais trabalhos entre os anos de 1930 a 1950, época em que
se consolidou a proibição de substâncias (hoje tidas como ilícitas) no Brasil, ou melhor,
eles estavam imersos nesse contexto proibicionista. Gilberto Freyre, por exemplo, foi
5
Tais características eram consideradas por Freyre como um dos aspectos da patologia social da
monocultura.
4
aluno da escola de Nina Rodrigues, uma das principais instituições a formar pessoas que
influenciaram no debate sobre a proibição da maconha.
Ademais, vale lembrar que ao longo do tempo uma parcela significativa da
historiografia dedicada ao tema defendeu que a maconha foi trazida do Continente
Africano pelos povos escravizados (DÓRIA, 1915; IGLÉSIAS, 1918; MORENO 1986).
Contudo, a hipótese mais plausível é que a planta se disseminou pelo território brasileiro
graças aos projetos de produção de linho Cânhamo realizados pela Coroa portuguesa, que
ocorreram a partir de 1716 e perduraram até o final do período colonial. Para citar
exemplos, em 1716 a Coroa incentivou a produção de cânhamo na Colônia de
Sacramento6, em 1747 na Ilha de Santa Catarina7, em 1750 na Capitânia do Maranhão e
Pará8, em 1780 na Capitania do Maranhão e Piauí9, na Capitania da Bahia10 e no Estado
do Pará e Rio Negro11, em 1782 no Rio Grande de São Pedro12, em Santa Catarina13 e no
Rio de Janeiro14 e em 1785 na Capitania de Pernambuco15. Além dessas iniciativas, em
1783 foi fundada a Real Feitoria do Linho Cânhamo (RFLC)16 e, em 1790, a Fazenda de
Santa Cruz17 voltou parte de sua produção para a agricultura de linho cânhamo.
Nesse período, os europeus nem sempre associavam a planta do cânhamo para
a produção têxtil como sendo do gênero Cannabis18. Na Europa, ela era utilizada
principalmente como fonte de fibras e óleos (CARNEIRO, 2002). Por outro lado, o hábito
de ingerir a Cannabis como psicoativo ou em tradições religiosas fazia parte da vida de
uma parcela de comunidades asiáticas e africanas. Assim, é bastante plausível que os
escravizados trazidos das regiões que possuíam a cultura da Cannabis, ao reconhecerem
a planta no território da Colônia do Brasil, passaram a utilizá-la tal como faziam em sua
6
AHU. Projeto Resgate. Rio de Janeiro Avulsos (1614 1830) Cx. 10. Doc. 1032; e Cx. 12. Doc. 1352
7
WEHLING, 2009
8
AHU. Projeto Resgate. Cx. 34. Doc. 3224. 30/05/1753
9
AHU. Projeto Resgate. Maranhão (1614-1833). Ofício do Governador e Capitão Geral do Maranhão e
Piauí D. Antônio de Sales e Noronha, para o Secretário de Estado da Marinha e Ultramar. Doc. 5233.
25/09/1780.
10
AHU. Projeto Resgate. Rio de Janeiro (1614-1830). Ofício do Vice-Rei do Brasil. 17/11/1795.
11
AHU. Projeto Resgate. Cx. 85. Doc. 6950. 17/04/1780
12
AHU. Projeto Resgate. Cx. 119. Doc. 9675. 3/08/1782
13
AHU. Projeto Resgate. Cx. 119. Doc. 9675. 3/08/1782
14
AHU. Projeto Resgate. Cx. 119. Doc. 9675. 3/08/1782
15
ALVES, 2007
16
AHRS, RFC, Maço único. Cópias de ofícios do Vice-rei, 27/07/1783.
17
AHU. Projeto Resgate. Avulsos, Rio de Janeiro (1614-1830). Ofício do Vice-Rei do Brasil. 17/11/1795.
18
Não existem evidências históricas de que essas cepas de Cannabis, associadas ao cânhamo, tenham
alguma relação com a atual Cannabis ruderalis, planta com baixo teor de THC selecionadas para atender a
regulação moderna de alguns países que permitem o seu cultivo voltado ao uso industrial. No século XVIII,
o conceito de THC não existia. As poucas atribuições possíveis são em relação a descrição física da planta
estão nos manuais de produção da época e alguns outros estudos similares.
5
terra natal. Nesse sentido, Souza (2013), a partir de registros de viajantes que estiveram
na África e no Brasil, realizou um estudo comparativo sobre a grafia das palavras e o
modo como grupos de origem bantu utilizavam a Cannabis. Segundo o autor, muitos
africanos trazidos para a Colônia eram descendentes de etnias que falavam línguas do
tronco bantu. Aqui, eles recriaram novas práticas, ritos e valores, mas conservaram
algumas referências culturais como a utilização de um cachimbo para fumar maconha.
Além disso, as denominações riamba, liamba e diamba também possuem origem bantu.
A partir desses, e de outros elementos analisados, o autor conclui que, provavelmente,
foram os africanos os responsáveis por difundir o uso psicoativo da maconha no Brasil.
A partir do século XIX, os registros sobre o uso terapêutico da Cannabis também
se tornam mais expressivos na sociedade oitocentista. Entre 1860 a 1920, por exemplo,
circulava nos jornais um volume considerável de anúncios dos cigarros Grimault.
Importados da França e depois revendidos nas farmácias e comércios de todo Brasil, esses
cigarros eram produzidos a partir de Cannabis indica e vendidos como medicamento para
tratar problemas de todo tipo. A propaganda aludia ao fato de que se não fosse possível
escapar às moléstias, ao menos era possível aliviá-las. Esses cigarros eram
comercializados na Província de Pernambuco, desde pelos menos 1868, na Casa
Comercial de Maurer e C, que divulgava o medicamento através de propagandas no jornal
Diário de Pernambuco19.
As propagandas sempre ressaltavam que tais medicamentos eram indicados por
toda a corporação médica de Paris e embasados em conhecimento científico.
Evidentemente, a empresa Grimault & Cia anunciava seus cigarros não apenas em
Pernambuco, mas em todo Brasil, uma vez que era comum encontrar suas propagandas
em grande parte dos jornais de circulação na época (ROCHA, 1987). O fato é que,
provavelmente, as possibilidades terapêuticas da Cannabis também levaram uma parcela
da população a consumi-la de forma não assistida pelo corpo médico e a cultivá-la como
remédio popular. O documentário Dirijo, por exemplo, traz uma série de relatos sobre a
tradição de fumar maconha entre os povos indígenas e caboclos da Amazônia antes dela
ser proibida20.
19
Anúncios. Diário de Pernambuco. 03 de julho de 1968. p, 3.
20
Dirijo: A Maconha Antes da Proibição. Organização dos Professores Indígenas Mura (Opim); Instituto
Nacional de Pesquisas na Amazônia/ Núcleo de Pesquisas com Ciências Humanas e Sociais. 2008. (12
min).
6
É no século XX que encontramos a maior parte das referências relacionadas a
produção e consumo de Cannabis. Os escritos reunidos e publicados no livro Maconha –
publicado pelo “Ministério da Saúde, Serviço Nacional de Educação Sanitária”, em 1958
por exemplo, – traz uma série de artigos escritos pelos médicos e cientistas do final do
XIX e início do XX que pesquisaram e escreveram sobre os efeitos dessa planta. Um
desses artigos foi escrito pelo médico Rodrigues Dória, professor da Faculdade de
Medicina da Bahia na época. Ao apresentar seu estudo no II Congresso Científico Pan-
americano, realizado em Washington em 1916, ele descreveu suas observações sobre o
uso da maconha em cidades do vale do São Francisco:
7
membro mais velho para fumar a diamba: em torno de uma mesa, sugavam baforadas de
Cannabis; os efeitos surgiam após alguns minutos, conforme o temperamento de cada
indivíduo; os olhos avermelhavam, os músculos da face se contraiam dando a impressão
de alegria, outros cantavam, corriam ou ficavam violentos; depois de um tempo, a maior
parte dos fumadores tendiam a voltar para seu estado normal.
Embora muitos desses relatos publicados no livro “A Maconha” tenham
contribuído para reforçar o preconceito e os estereótipos em torno dos usuários de
Cannabis, eles também podem ser considerados um testemunho de época. Ou seja,
reforçam e descrevem os diferentes usos sociais dessa planta no período anterior à
proibição.
21
Relatório publicado, em 1958, na obra: Maconha: Coletânea de Trabalhos Brasileiros. Ele também está
disponível gratuitamente em: https://www.growroom.net/download/livros/maconha_coletanea_12.pdf
8
De acordo com esse documento, nos Estados de Sergipe e Alagoas, a inspeção
foi realizada em duas sub-regiões. Num primeiro momento, a inspeção atuou em áreas da
zona da mata, próximas ao rio São Francisco, com foco nos Municípios próximos à divisa
entre esses Estados. O relatório traz uma série de informações a respeito do cultivo da
maconha nesse espaço. No Município de Aquidabã, Estado de Sergipe, o capitão da
polícia, já instruído sobre o problema, destruíra uma grande plantação há poucos dias
atrás. Ademais, ele investigava a possibilidade de existir outras, cujas diligencias seriam
repassadas ao chefe da política estadual. No Município de Propriá, do mesmo estado, a
inspeção encontrou uma significativa quantidade de maconha pronta para a preparação
dos cigarros. A equipe também foi informada de que nesse munícipio, até pouco tempo
atrás, a maconha era cultivada em largas quantidades e comercializada livremente nas
feiras locais aos sábados.
No outro lado do rio, em Alagoas, o Dr. Rodrigues Albuquerque recebeu
informações que em Igreja Nova também havia plantações de maconha. Contudo, as
autoridades locais – prefeito e delegado – desconheciam o caso e afirmaram que não havia
plantações de liamba naquele Município. Porém, devido à suspeita, os representantes da
CNFE, chefiados pelo Dr. Rodrigues, foram até a residência de um septuagenário, que
declarou fumar diamba desde menino. Na casa dele foram encontrados uma pequena
plantação de maconha e cigarros prontos para o consumo. Depois, partiram para o
Município de Porto Real do Colégio. Ali, novamente, as autoridades locais alegavam
desconhecimento sobre o plantio de maconha. No entanto, ao conversar com a população,
os representantes da CNFE confirmaram as suspeitas: a maconha era cultivada por
indivíduos de classes baixas e já inteirados da proibição do plantio. No Município de São
Miguel dos Campos, constataram que o delegado já estava inteirado sobre o problema do
cultivo ilegal e, a poucos dias atrás, destruíra grandes plantações nos arredores da cidade.
O mesmo delegado, no período da visita, investigava a denúncia de plantações no vale da
usina do Sinimbu.
A segunda fase da inspeção ocorreu no agreste, interior do Estado de Alagoas,
próximo à divisa com Pernambuco. No Município de Palmeira dos Índios, os
representantes da CNFE foram até a casa de um velho que, apesar de manter alguns pés
remanescentes, colhera e embalara uma grande quantidade de maconha, já pronta para o
comércio. Ele confessou que vendia a maconha em pequenas porções. Ainda em Palmeira
dos Índios, os representantes descobriram que a maconha era comercializada na feira por
um raizeiro. Ademais, receberam indicações de outras localidades que, provavelmente,
9
plantavam maconha. O delegado do Município disse que não sabia sobre a existência da
maconha em sua jurisprudência. No Município de Anadia, foram até uma casa onde se
suspeitava o cultivo de maconha. No entanto, seus moradores alegaram que a plantação
fora cortada e não replantada por estarem cientes de que agora seu plantio era proibido.
Os representantes da CNFE também receberam denúncias de plantações no Estado de
Pernambuco, mais especificamente nos Municípios de Bom Conselho e Garanhuns. No
entanto, eles não foram até lá para confirmar a suspeita.
Ademais, outros relatos dos representantes estaduais feitos na inauguração da
Comissão Estadual do Estado da Bahia também contribuem para compor um quadro local
sobre a produção de Cannabis na região do Nordeste alguns anos após o Decreto-Lei nº
891 de 1938. Nesse sentido, Garcia Moreno, de Sergipe, afirmou que o vício na diamba
estava espalhado em todo o Estado. A zona do baixo São Francisco era considerada um
dos maiores centros de produção e grande parte das plantações se encontrava em
propriedades rurais, sobretudo dos municípios de Aquidabã e Propriá. Segundo ele, a
maconha ali produzida era transportada até Aracaju, onde havia significativo número de
adeptos. Além disso, ele ressaltou o aspecto “folclórico” em torno da maconha, isto é,
suas supostas virtudes e suas ações reais no corpo dos indivíduos que ingeriam tal
substância.
Já Cláudio Magalhaes, o representante de Alagoas, forneceu um depoimento
minucioso sobre as zonas de plantio em seu estado e, com o intuito de confirmar tais
afirmações, apresentou um mapa das áreas em que várias plantações de maconha foram
destruídas. Novamente, essa informação consta em ata, mas a mesma não registra os
detalhes da fala e tão pouco apresenta o mapa. Consta apenas que havia dois grandes
focos de produção: no sertão e as margens do rio São Francisco. Provavelmente, afim de
atualizar (ou de impressionar) os colegas, Magalhaes apresentou amostras de sementes,
flores, folhas e raízes da planta e também alguns cigarros grosseiros, tal como usavam
“os viciados de baixa classe”. O relatório faz menção ao sítio de Antônio Rosa, em Olho
d’Agua do Accioly, no município de Palmeira dos Índios, como uma localidade produtora
de maconha em Alagoas.
De modo geral, os relatórios da CNFE da década de 1940 fornecem uma ideia
do estágio de produção de maconha naquele período, voltada a um consumo próprio e ao
abastecimento de um pequeno mercado local. Em Palmeira dos Índios, por exemplo, a
10
maconha era vendida na feira semanal por um raizeiro22. Em outro exemplo, no artigo
“Canabismo ou Maconhismo”, publicado no livro “A Maconha”, Décio Parreira afirmou
que Antônio Ferreira e Manuel Simão, João Oleiro, entre outros trabalhadores rurais
alagoanos, plantavam maconha para comercializar “clandestinamente” em cidades como
Recife, Maceió, Salvador, Bom Conselho, entre outras do Nordeste (PARREIRAS,
1951). O relatório final dessa operação traz ainda a conclusão das autoridades sobre o
assunto. Segundo consta, a maconha era uma planta nativa do Nordeste e cultivada, até
pouco tempo atrás, para o consumo pessoal ou para a venda em feiras locais, nesse caso
com o nome de “fumo bravo” – no dizer dos raizeiros. Apesar da proibição de 1938, os
plantadores, em sua maioria, não tinham noção da infração que praticavam. Quem
consumia essa erva eram os indivíduos da classe baixa, os desamparados de assistência
social e os menores abandonados (maloqueiros). Seu uso também era bastante difundido
entre os criminosos e reclusos em penitenciarias. Apesar disso, o relatório conclui que,
“não constitui, felizmente, por enquanto, problema social grave o uso da maconha no
nosso país, que só ultimamente se vem incrementado, devido às condições anormais de
guerra em que nos encontramos”23.
Além dessas Instituições dedicadas exclusivamente à substância ilícitas, os
Estados também realizavam suas próprias políticas de combate ao plantio, comércio e
consumo de Cannabis. Assim, muitas vezes os Estados trabalhavam em parceria com a
CNFE. Para intensificar o cerco aos produtores ilegais, as instituições inclusive
premiavam denúncias. Por exemplo, em 1958, o jornal Diário de Pernambuco anunciou
que o secretário da saúde do Estado propôs que fosse instituído um prêmio de 10 mil
cruzeiros para ser oferecido a quem denunciasse, com as devidas provas, os
“contrabandistas” e as plantações de maconha em território pernambucano. A proposta
foi aceita e instituída pela CNFE e estendida para o Estado vizinho, já que, alguns dias
depois, Alagoas também instituiu premiações para pessoas que denunciassem os cultivos
ilegais. A denúncia poderia ser comunicada através de carta com o endereço completo da
pessoa denunciada ou pessoalmente, com garantias de completo sigilo24. Em outros casos,
11
os Estados agiam individualmente no combate às plantações ilícitas e apenas reportavam
as ações para as Comissões Estaduais e para a CNFE. O Estado de Alagoas, por exemplo,
utilizava sobretudo a Polícia Civil (DIC) e o Serviço de Polícia Interestadual (Polinter)
de Alagoas. Caso necessário, a Polícia Federal era acionada (ROSA, 2019).
Apesar da atuação dos Estados, da CNFE e das Comissões Estaduais, essas
Instituições não tiveram força suficiente para acabar com os plantios, o comércio e o
consumo de Cannabis. Assim, na década de 1970 o combate às drogas e à Cannabis, em
particular, entrou em uma nova fase. A nova política de repressão às drogas estava
diretamente atrelada à política da Doutrina de Segurança Nacional (DSN) instaurada
pelos governos militares.
No contexto da ideologia da DSN, o conceito de guerra interna e inimigo interno
foi elaborado de forma suficientemente elástica para ser utilizado sempre que necessário.
De fato, o aparato e o ideário criados pela DSN puderam ser adaptados para combater o
tráfico de drogas. Comblin (1978) citou um texto publicado na Estratégia25, revista na
qual representantes das Forças Armadas da Argentina publicavam e defendiam suas
ideias, para demonstrar que, dentro dessa perspectiva, a disseminação das drogas foi
considerada uma das formas de ataque dos comunistas contra a civilização ocidental
cristã. A DSN pregava que o comunismo buscava se infiltrar na sociedade e que, para
isso, ele usava tanto meios lícitos quanto ilícitos: a coação psicológica, a chantagem, o
uso de “tóxicos” e o apelo sexual através do amor livre. Assim, as drogas eram tidas como
uma porta de entrada para a desordem social e uma verdadeira ameaça diante de uma
sociedade ansiosa, caótica e cheia de preocupações econômicas (JUNQUEIRA, 1970).
Desse modo, as drogas entraram no rol de preocupações da Segurança Nacional.
Tanto que, em 1971, o governo Médici, ao sancionar a Lei nº 5726, de 29 de outubro,
adotou novas medidas preventivas e repressivas em relação ao tráfico e ao uso de
substâncias ilícitas que causassem dependência física ou psíquica. O primeiro e o segundo
parágrafos da Lei estabeleciam as seguintes diretrizes:
12
Art. 2º As pessoas jurídicas que não prestarem, quando
solicitadas, a colaboração nos planos e programas do Governo
Federal de combate ao tráfico e uso de drogas perderão, a juízo
do Poder executivo, auxílios e subvenções que venham recebendo
da União, dos Estados [...]26.
26
Presidência da República – Casa Civil. Lei no 5.726, de 29 de outubro de 1971. Legislação
informatizada.
13
exército. Embora algumas poucas notícias27 das décadas de 1950 e 1960 até fazem
menção a uma possível participação do exército na destruição de plantações de maconha,
participação inclusive questionável sem o uso de outras fontes para cruzar essa
informação, foi essencialmente a partir da década de 1970, em pleno governo militar, que
as Forças Armadas passaram a contribuir de maneira mais efetiva. Quanto à maior
participação da Polícia Federal, mesmo que constatada pelos documentos, não se sabe ao
certo os antessentes e as pretensões dessa mudança. Porém, num contexto de
reestruturação da indústria armamentista, o fato é que esses órgãos dispunham de todo
um material bélico necessário para combater as “insurgências” associadas aos plantios de
maconha.
Nesse contexto, na segunda metade da década de 1970, O IV Exército de
Pernambuco começou a atuar nas ações de repressão aos cultivos de maconha em estreita
colaboração com a Polícia Federal (PF), cujo serviço de inteligência planejava e
controlava as operações de combate. Inclusive, se comparadas com as ações da Polinter,
da DIC e da CNFE, essas operações se tornaram bem mais estruturadas e contavam com
a participação de delegados e policiais dos municípios envolvidos.
Cada vez mais, o Estado, assumiu uma postura ofensiva frente à produção de
Cannabis, enquanto que o poder local, entremeado nas malhas do narcotráfico, tornou-se
mais opressor com os produtores, mas sobretudo com os trabalhadores rurais envolvidos
com o plantio. Essa repressão ganhou novas formas a partir de 1987, quando o governo
brasileiro recebeu informações oficiais dos Estados Unidos de que Pernambuco era um
grande produtor de maconha. Tal acontecimento abriu o precedente para que a polícia
intensificasse ainda mais suas ações nessa região e passasse a denominar e agrupar os
principais municípios produtores de Cannabis como “polígono da maconha” (RIBEIRO
2006).
27
Exemplos de notícias publicadas que mencionavam uma possível atuação do exército na destruição dos
plantios de maconha: Intervenção do Exército na caçada às plantações clandestinas de maconha. Diário de
Pernambuco. 13 de setembro de 1957, p 1; “Blitz” contra a maconha no Nordeste. Diário de Pernambuco.
17 de outubro de 1957. P,1; Exército vai destruir plantações de maconha. Diário de Pernambuco. 13 de
setembro de 1960, p 1; Entorpecentes: Comissão pede ao exército para destruir maconha. Diário de
Pernambuco. 17 de maio de 1964, p 9; Lança-chamas: solução para destruir cultivo clandestino da “erva
maldita” Última Hora. 27 de outubro de 1963, p 6.
14
PERMANÊNCIAS EM TORNO DA PRODUÇÃO E DO USO DE CANNABIS
15
informava as penalidades que os contraventores estariam sujeitos, advertindo-os ainda do
mal que praticavam destruindo a vida de jovens inexperientes. No geral, segundo o
delegado, quando a polícia chegava em locais com plantio ilícito, encontrava agricultores
pobres e inofensivos, meros instrumentos nas mãos de traficantes inescrupulosos que lhes
ofereciam dinheiro. Nesses casos, para evitar injustiças, o delegado fazia essa campanha
de esclarecimento para que futuramente pessoas inocentes não pagassem pelos
culpados28.
Um ano mais tarde, em 1972, esse assunto novamente ganhou destaque nas
páginas do Diário de Pernambuco. Desta vez foi o delegado Expedito Laranjeira Araujo,
responsável pelo Município de Custódia, quem promoveu uma reunião com os
agricultores daquele município, na qual explicou as penalidades previstas em lei para os
que se dedicassem ao plantio de maconha. No encontro, o delegado mostrou os efeitos da
droga e os malefícios à juventude e ainda esclareceu que somente os traficantes da cidade
ganhavam dinheiro com esse “comércio maldito”, ao usar os agricultores como seus
instrumentos29.
Nas duas notícias vistas, o jornal ressaltava o desconhecimento desses
pequenos agricultores em relação ao negócio ilícito e os tratava, por isso, como pessoas
ingênuas. Contudo, outros registros sugerem que nesta época a maconha já era produzida
para atender uma maior demanda de mercado. O excerto abaixo faz parte de uma fala do
Secretário de Saúde do Estado de Alagoas proferida em uma coletiva de imprensa
realizada em agosto de 1958 e publicada no Diário de Pernambuco. De certo modo, essa
fala dá a entender que os agricultores plantavam maconha essencialmente com finalidade
comercial.
28
Campanha de esclarecimento vai mostrar maconha a agricultores. Diário de Pernambuco. 12 de
novembro de 1971. P 22.
29
Delegado incinera 1.500 quilos de maconha. Diário de Pernambuco. 29 de setembro de 1972, p, 28.
30
Apenas produzem; não são viciados. Diário de Pernambucos 24 de outubro de 1958, p, 16
16
Gilberto Velho, em sua tese de doutorado defendida na USP, fornece mais detalhes. Entre
1972 e 1974, Velho realizou um estudo etnográfico em que mapeou as visões de mundo
e o estilo de vida de dois círculos da alta sociedade da zona Sul do Rio de Janeiro. O
primeiro deles, com cerca de 25 indivíduos entre 30 e 35 anos, pertencia ao que o autor
denominou “roda intelectual-artística-boêmia”. De acordo com seus registros, alguns
integrantes deste grupo faziam uso de drogas ilícitas, dentre elas a maconha:
17
Unidos. Um deles, inclusive, morou cerca de seis meses em Paris devido à perseguição
política que sofria pelo governo militar brasileiro (VELHO, 1998).
Mas, como na Europa e nos Estados Unidos, também havia aqueles que
fumavam maconha como forma de resistência. Um relato autobiográfico de Luiz Roberto
Salinas Forte, professor de filosofia da USP, contribui para melhor compreender essa
questão. Em Retrato calado, ele conta suas memórias das perseguições, das 4 prisões e
das torturas na primeira metade da década de 1970. Em um de seus relatos, ele relembra
o clima de tensão nos idos de 1974 e a presença constante da maconha em suas vidas.
Suas memórias revelam um pouco da atmosfera que permeava a vida dos militantes que
a fumavam como forma de protesto:
18
essa questão, sugerem um aumento no consumo de drogas ao longo da década de 1960
no Brasil e no mundo de forma geral.
Cerca de 15 anos mais tarde, Edward MacRae e Júlio Assis Simões
empreenderam uma pesquisa similar a realizada por Gilberto Velho. MacRae e Simões
elegeram as cidades de Salvador (BA) e de São Paulo (SP) como campo de estudo.
Através do método de observação participante, os dois autores entrevistaram e
conviveram com adultos de “boa integração”, pertencentes às camadas médias, que
faziam uso de maconha com regularidade. Os participantes da pesquisa exerciam
atividades profissionais variadas e bem-sucedidas – alguns até atuavam politicamente
enquanto outros não. O grupo de entrevistados fazia uso consciente de maconha – com
regras de conduta e rituais sociais – por diferentes motivos. De modo geral, seus
integrantes tinham uma vida segura e distante da violência. Contudo, o caráter ilegal da
maconha aproximava-os “do mundo do crime” e, nesse sentido, do risco de se tornar
vítimas de chantagens e abusos por parte de traficantes ou de autoridades policiais.
Possivelmente, por esse motivo, os entrevistados de MacRae e Simões focavam suas
críticas principalmente na política proibicionista, considerando-a hipócrita e autoritária
(MACRAE e SIMÕES, 2000), o que de certo modo reforça a insatisfação com as políticas
de combate às drogas do período da Ditadura Civil-militar.
Por outro lado, esse aumento de demanda revelado por esses estudos com
“novos” usuários foi acompanhado por um consequente aumento de produção. Nesse
contexto, os Estados do Nordeste que, desde o período anterior à proibição realizavam
um uso tradicional de Cannabis, passaram a produzi-la ilegalmente para abastecer esse
mercado. Nesse contexto, a estrutura de produção da Cannabis, bem como a sua
localização espacial, sofreu substantivas mudanças. Pouco a pouco, os plantios, que antes
se encontravam na área litorânea de Alagoas e no início da região semiárida de
Pernambuco, interiorizaram-se e concentraram-se na região do Vale do São Francisco,
espaço em que a produção encontrou condições para se reproduzir em grande escala e em
moldes similares a uma agricultura capitalista – com o uso de uma rede de irrigação, o
emprego de mão de obra assalariada (embora precária e ilegal) e a aplicação de insumos
e fertilizantes – conectada a um circuito comercial em torno da distribuição e da venda de
drogas ilícitas, o chamado tráfico (ROSA, 2019).
Ainda no tocante à esfera produtiva, a agricultura ilegal voltada para atender uma
demanda de mercado também atraiu uma gama de pessoas interessadas no lucro advindo
dessa produção ilegal. Parte das famílias tradicionais, que historicamente se dedicavam à
19
pecuária e ao algodão, adotou essa atividade ilícita como fonte de renda. Um exército de
tipos excluídos – pequenos agricultores, posseiros, arrendatários, entre outros – foram,
devido à sua condição social, também cooptados pelo negócio ilícito (ROSA, 2019).
A partir da década de 1980, a Cannabis se tornou uma fonte de renda que
inclusive contribuiu para dinamizar parte da economia dos municípios envolvidos –
abertura de instituições bancárias e diversificação do setor terciário, algo incomum na
realidade do semiárido nordestino até então (GOMES, 2001; FRAGA, 2019; FRAGA e
IULIANELLI, 2011; FRAGA, 2007). Por outro lado, essa produção também expressa
uma série de questões relacionadas ao aumento da violência e do encarceramento da
população local. Trabalhos como os de Moreira (2007), Fraga e Iulianelli (2011) e Fraga
(2017) mostram que, durante as décadas de 1990 e 2000, o perfil dos envolvidos que
respondiam processos ou estavam presos eram majoritamente do sexo masculino. Mais
recentemente tem se observado uma presença feminina crescente envolvidas com a
produção e com o comércio de Cannabis em municípios do Nordeste (FRAGA, SILVA,
MARTINS, 2017; FRAGA SILVA, 2017). Nesse sentido, a agricultura de maconha,
mesmo transformada em atividade ilícita, tornou-se uma opção econômica para uma das
regiões mais carentes do Brasil.
CONCLUSÃO
A primeira lei que proibiu o uso de Cannabis foi sancionada pela Câmara
Municipal do Rio de Janeiro, em 1830, e visava frear hábitos socioculturais de uma
parcela da população escravizada que fazia uso dessa planta. Desde então, a legislação
proibicionista foi sendo reelaborada de acordo com a realidade de cada época, o que
desencadeou a criação de várias leis, órgãos públicos e instituições responsáveis pelo
combate ao uso de drogas, comércio e consumo.
Nas primeiras décadas do século XX, período em que se consolidou o processo
de proibição, o discurso do Estado se amparava na necessidade de modernizar a legislação
brasileira e de se alinhar ao contexto internacional. Em termos prático, tal legislação
criminalizou hábitos sociais enraizados em uma parcela das camadas baixas. Em especial,
a população que vivia no Norte e no Nordeste, e que fazia um uso tradicional da Cannabis,
foi fortemente estigmatizada pelo Estado e pelos especialistas da época que defendiam a
inserção de novos padrões morais e sociais.
Contudo, apesar de todas as ações e políticas em torno da repressão da Cannabis,
20
o Estado não teve força suficiente para acabar com sua produção, comércio e consumo, e
alguns de seus usos aumentaram com o passar do tempo. De certa forma, os usuários e
produtores não foram passivos e submissos diante das imposições do Estado, ao contrário
buscaram novas formas e espaços para consumir e produzir a planta da Cannabis. Nesse
sentido, o trabalho apontou algumas permanências em torno de seu uso social e possíveis
estratégias dos agricultores quando surpreendidos pela polícia.
Por outro lado, se antes da proibição de 1938 os usos da Cannabis eram
associados exclusivamente as camadas baixas, a partir da década de 1960 e 1970, ela
também passou a circular entre as camadas médias e altas da sociedade brasileira. Nesse
contexto, os próprios fatores sociopolíticos da época contribuíram para essa inserção,
como por exemplo a dispersão da contracultura pelo mundo. Nesse contexto, o uso de
Cannabis em território brasileiro também ganhava conotações de resistência, forma de
diferenciação social ou uma “necessidade do espirito”.
As mudanças ocorridas também podem ser apreendidas no cotidiano da
produção ilegal que também ganhou novas dimensões e, pouco a pouco, foi se
aproximando de uma produção similar à agricultura moderna e se tornando fonte de renda
para uma parcela da população que historicamente sempre foi marginalizada e mesmo
preterida pelo Estado.
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