Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Resumo Abstract
O presente texto visa analisar as contribuições de This text analyzes the contributions by Celso Furtado
Celso Furtado para a interpretação dos determi- to interpreting the determinants of regional
nantes das desigualdades regionais e para a for- inequalities and to the formulation of development
mulação de políticas de desenvolvimento para as policies for less developed regions.
Palavras-chave
regiões menos desenvolvidas. Toma como pano It uses a backdrop the theoretical antecedents and
desenvolvimento regional, de fundo os antecedentes teóricos e as principais principal global experiences of regional development
estrutura espacial, políticas experiências mundiais de políticas de desenvolvi- policies, which served as a reference for Celso Furtado.
públicas, nordeste. mento regional, que serviram de referência para It shows Furtado's originality when he linked
Celso Furtado. Mostra a originalidade de Furtado questions of regional inequality with
Classificação JEL O18, R11, ao articular as questões de desigualdades regionais the nature of underdeveloped structures.
R12. à natureza das estruturas subdesenvolvidas. Mos- It shows the theoretical and empirical foundations in
tra os fundamentos teóricos e empíricos na análi- the analysis of the Northeast question, guidelines for
se sobre a questão nordestina, as diretrizes para a the future SUDENE, political pressures and the
atuação da futura SUDENE, as pressões políticas insufficiencies in the way development policies for the
e as insuficiências na condução da política de de- Northeast are carried out. Finally, it shows how
senvolvimento para o Nordeste. Por fim, mostra Furtado's positions are still relevant, whether in the
a atualidade de Furtado, seja nas formulações an- formulations prior to the creation of SUDENE
teriores à criação da SUDENE como nos desen- or in the later theoretical developments. In these,
volvimentos teóricos posteriores. Nesses, Furta- Furtado overcomes the notion of region and begins
do supera a noção de região e passa a tratar de to examine spatial structures;
estruturas espaciais; introduz o papel central dos he introduces the central role of urban nodes,
nódulos urbanos, de suas hierarquias e articula- of their hierarchies and articulations;
Key words ções, ou seja ,o papel da rede urbana no comando in other words, the role of the urban network in the
Celso Furtado, regional e estruturação do território; do papel central da command and structuring of the territory;
inequalities, Northeast tecnologia e dos processos de inovação e; por of the central role of technology and innovation
(Brazil), SUDENE. fim, da necessidade de um esforço interdiscipli- processes, and finally, of the need for an
nar, tanto para o entendimento dos problemas re- interdisciplinary effort for both understanding
JEL Classification O18, R11, gionais quanto para a formulação de políticas e regional problems as well as for the formulation
R12. de sua implementação. of policies and their implementation.
mo base para o desenvolvimento regional e dessas desigualdades e a mudança na con- influência sobre o Plano de
cepção do papel do Estado, com a revolu- Eletrificação de Minas Gerais,
de sua interligação futura.1 A Comissão
ção keynesiana e o avanço das técnicas e elaborado em 1948 e
Nacional de Planejamento, criada na União implantado com a criação da
Soviética, em 1928, introduziu a dimensão práticas de planejamento, promoveram a Cemig, a partir de 1952. Ver
regional e a preocupação geopolítica de ocu- criação de políticas de redução das desi- Plano de Eletrificação, 1949
gualdades regionais e de reordenamento (Diniz, 2008).
pação da Sibéria, presente desde Catarina, a
mil pessoas tenham se transferido ou fo- fesa da Borracha, preocupada com a con-
ram transferidas para a região amazônica, corrência asiática, transformada em Insti-
na expectativa das oportunidades de traba- tuto Internacional da Hileia Amazônica,
lho vinculadas à exploração da borracha, em 1945; em Superintendência do Plano
que emergia como novo produto de ex- de Valorização Econômica da Amazônia
portação (Furtado, 2001; Cano, 1977 e 1985). (SPVEA), em 1953; e em Superintendên-
Em 1904, foram criadas comissões para cia de Desenvolvimento da Amazônia (Su-
analisar o problema das secas no Ceará e dam), em 1966. Em 1942, no bojo dos
no Rio Grande do Norte e, no mesmo ano, acordos de Washington, foi criado o Banco
criada a Inspetoria de Obras Contra as Secas de Crédito da Borracha, transformado em
(IOCS), transformada em Inspetoria Fede- Banco de Crédito da Amazônia, em 1957,
ral de Obras Contra as Secas (IFOCS), em e em Banco da Amazônia S.A. (Basa), em
1906, e em Departamento Nacional de 1966. Em 1967, seria criada a Suframa.
Obras Contra as Secas (DNOCS), em 1945. A generalização da política regional
Em 1920, havia sido criada a Caixa Especial levou à criação de superintendências para as
de Obras de Irrigação de Terras Cultiváveis demais regiões do País, a saber: Superinten-
no Nordeste do Brasil, com 2% do orça- dência do Plano de Valorização Econômi-
mento da União. Em 1923, a Constituição ca da Região da Fronteira Sudoeste do País
Federal fixou em 4% do orçamento federal (SPVERFSP), em 1961, transformada em
para o controle das secas. Em 1945, se- Sudesul, em 1967; a Comissão de Desenvol-
guindo a experiência do TVA, foi criada a vimento do Centro-Oeste (Codeco), em
Companhia Hidroelétrica do São Francis- 1961, transformada em Sudeco, em 1967.
co. A nova Constituição Federal, aprovada Conclui-se que o Brasil foi pioneiro
em 1946, estabeleceu vinculações orçamen- na busca de instrumentos e ações para ala-
tárias específicas para o desenvolvimento vancar o desenvolvimento do Nordeste e
das regiões Nordeste e amazônica. Por essa da Amazônia. A primeira, pelas graves cri-
razão, foi criada a Comissão de Desenvol- ses sociais e pela força regionalista de sua
vimento do Vale do São Francisco (Code- elite. A segunda, pela preocupação com o
vasf), em 1948. Em 1951, seria instituído o controle político do vasto território ama-
Banco do Nordeste do Brasil (BNB). zônico. As críticas a essas instituições, a ale-
No que se refere à Amazônia, em gada existência de corrupção e as mudanças
1912, foi criada a Superintendência de De- na concepção e no papel do Estado, duran-
to regional brasileiro.4 Segundo Furtado, sua café, este se expande procurando as terras
análise do processo histórico de formação da mais apropriadas (Rio de Janeiro, Espírito
economia brasileira parte de uma visão am- Santo, Minas Gerais, São Paulo e Paraná).
pla, procurando captar a cadeia de causali- A introdução do trabalho livre, os efeitos
dades nesse processo de desenvolvimento. de encadeamento da atividade cafeeira, os
A obra se concentra na análise dos processos migratórios, a demanda de ali-
três grandes ciclos e atividades: açúcar, no mentos, insumos e matérias-primas e a ex-
Nordeste; ouro e diamante, em Minas Ge- pansão ferroviária exerceram forte impac-
rais, em Goiás e no Mato Grosso; e café no to na integração territorial do País.
Sudeste (Rio de Janeiro, Espírito Santo, Nesse sentido, pode-se concluir que
Minas Gerais e São Paulo). Além do pró- a interpretação do desenvolvimento brasi-
prio efeito dessas atividades e suas articula- leiro, entre os séculos XVI e XX, contida
ções locais, os efeitos de expansão e declí- na Formação econômica do Brasil, pode ser lida
nio dessas deram origem a movimentos de como uma interpretação das condicionan-
ocupação territorial, configurando o mapa tes, dos efeitos e dos resultados da dinâmi-
regional brasileiro. No caso do Nordeste, ca econômica e populacional sobre a dinâ-
as crises açucareiras e a invasão holandesa mica territorial do País.
provocaram movimentos de deslocamento
populacional para o Norte, com espasmos 2.3_ Celso Furtado e a questão nordestina
de ocupação no Ceará, no Maranhão e no As experiências mundiais e brasileira, antes
Pará. No final do século XIX, os desloca- indicadas, eram de amplo conhecimento
mentos populacionais se dirigiram à Ama- de Furtado, seja pela sua condição de es- 4 As obras de Simonsen
zônia, alargando a dimensão da ocupação tudante de doutorado na Sorbonne, em (1944) e Prado Junior (1996)
territorial. No caso do ouro e do diamante, Paris, no imediato pós-guerra, pela sua trazem os elementos
além da extensão das áreas de exploração passagem por Cambridge, na Inglaterra, explicativos da ocupação
territorial no Brasil
(Centro e Vale do Jequitinhonha, em Minas seja pelo trabalho na Cepal. A oportuni- (açúcar, pecuária, mineração,
Gerais, Centro de Goiás e Mato Grosso), a dade aberta com a incumbência recebida café, borracha, mate etc.).
necessidade de alimentos, animais de carga do presidente JK, para pensar uma solu- No entanto, Furtado foi o
e couro fortaleceu a integração entre as re- ção para o dramático problema social e primeiro a articular esses
fundamentos com o
giões mineradoras, São Paulo e Oeste de econômico do Nordeste brasileiro, res- desenvolvimento regional
Minas (passagem para Goiás e Mato Gros- saltado, uma vez mais, com as graves se- e com a formação de
so), e o Sul do Brasil. No que se refere ao cas de 1958, permitiu a Celso Furtado a estruturas subdesenvolvidas.
sistematização de suas ideias. Resgatando ada em trabalho escravo. Quando esse foi
a própria interpretação sobre o desenvol- formalmente extinto, no final do século XIX,
vimento brasileiro e a interpretação da mantiveram-se relações de trabalho pré-ca-
Cepal (1950), Furtado formula um sinté- pitalistas, por meio de diferentes formas de
tico, porém profundo, diagnóstico das semiescravidão, semisservilismo, de “meia”
razões do subdesenvolvimento nordesti- e de cambão. Em segundo lugar, ao deman-
no e cria as bases para a sua superação. dar animais de carga e alimentos, a econo-
No diagnóstico, constante do relatório mia exportadora criou a própria periferia
do GTDN, elaborado em 1959 (GTDN, no interior, a ela subordinada e dependente.
1967), Furtado começa por negar as vi- O crescimento demográfico empurrava a
sões correntes de que o problema econô- população para terras mais áridas, agravan-
mico e social do Nordeste decorria das do as próprias condições de subsistência.
secas. Negava, assim, a solução hidráuli- Em terceiro lugar, a fazenda do semiárido
ca através da construção de açudes, o que se baseava em uma população camponesa,
vinha sendo feito pelo governo federal sem terra e sem salário, a qual trabalhava
através do DNOCS, mas que beneficiava para o dono da terra na forma de “meia”
apenas os proprietários de terra. Contes- (partilha da produção) para as culturas de
ta também a visão de que o subdesenvol- exportação, principalmente algodão e, em
vimento era uma etapa do processo de compensação, podia produzir a sua subsis-
desenvolvimento econômico, como for- tência. Essas três características perduraram
mulado por Rostow (1959) e amplamen- por séculos, caracterizando uma situação
te aceito na literatura internacional. Ao estrutural de subdesenvolvimento. Ou se-
contrário, demonstra que o subdesenvol- ja, mantinha-se uma estrutura agrária dual
vimento é o resultado de uma formação e arcaica, com relações mercantis para fora,
histórico-estrutural particular e que ele ao lado de relações de trabalho pré-capita-
só pode ser superado por transforma- listas ou não mercantis, especialmente das
ções estruturais. atividades voltadas para a subsistência.
Toma os fundamentos históricos da Adicionalmente, as elites regionais,
colonização regional como determinante ligadas ao setor exportador ou ao aparelho
da dicotomia social da região. Em primeiro de Estado, assumiam padrões de consumo
lugar, na faixa litorânea úmida, a empresa cosmopolitas, incompatíveis com o nível
agrícola exportadora de açúcar estava base- da renda regional. Nessa condição, os exce-
e no Primeiro Plano Diretor da Sudene, ela- le do uso da terra e da água, bases para a re-
borado logo após sua criação, mas somen- forma agrária. Isso obviamente suscitou as
te aprovado em 1961. mais diferentes reações das elites nordesti-
nas. Igualmente, o projeto do I Plano Dire-
2.4_ A Sudene, as dificuldades políticas tor sofreu fortes reações dentro do próprio
e as falhas de orientação Conselho Deliberativo da Sudene e, poste-
O Codeno e a sucessora Sudene inicia- riormente, dentro do Congresso Nacional,
ram suas ações sob a liderança de Celso atrasando sua aprovação. As reações eram
Furtado e dentro das linhas estabeleci- diversificadas: governadores de Estado, For-
das pelo relatório do GTDN. Essas li- ças Armadas, DNOCS, elites políticas e em-
nhas de ação foram ampliadas e detalhadas presariais e também do sociólogo Gilberto
no I Plano Diretor preparado pela Sude- Freyre (Lima, 2008). Assim, a Sudene se-
ne, em 1960, para o período 1961-1963, guia pelas linhas de menor resistência.
o qual assumiu uma postura de planeja- As mudanças políticas decorrentes
mento compreensivo, incluindo infraes- do golpe militar de março de 1964 alteraram
trutura, reestruturação agrícola, coloniza- a ênfase nas linhas de ação. Essas foram 7 A Lei Federal n. 3.692, de
ção, desenvolvimento industrial e mineral, concentradas em apenas duas frentes: ex- 1959, que criou a Sudene,
estabeleceu em seu art. 18 os
oferta de alimentos, saúde pública, educa- pansão da malha de infraestrutura (trans-
incentivos fiscais (isenção
ção, levantamentos cartográficos, entre ou- portes, energia elétrica e saneamento) e su- tributária) para projetos
tros aspectos. porte à industrialização. A primeira, com a industriais novos e de
No entanto, desde sua criação, a Su- aplicação direta de 60% a 70% dos recur- expansão a ser implementados
no Nordeste. A Lei Federal n.
dene enfrentou fortes reações político-ide- sos aprovados nos Planos Diretores. A se-
3.995, de 1961, que aprovou o
ológicas de parcela significativa das elites gunda, pelo sistema de incentivos fiscais I Plano Diretor, estabeleceu
empresariais, políticas e intelectuais do Nor- canalizados através do mecanismo conhe- no seu art. 34 o direito de as
deste, no que se refere às suas linhas de ori- cido como “34/18”,7 que conjugava a isen- empresas brasileiras (pessoas
jurídicas) vincularem parcela
entação e proposições. As atas do Conse- ção tributária sobre a produção e o financi- do imposto de renda a ser
lho Deliberativo da Sudene, para o perío- amento dos investimentos mediante o uso pago para aplicação em
do, detalhadamente analisadas por Lima de parcela do imposto de renda devido pe- projetos industriais no
(2008), confirmam essas dificuldades. O las empresas, transformados em debêntu- Nordeste. Esses dois
mecanismos eram utilizados
projeto da Lei de Irrigação, enviado ao res e, portanto, não reembolsáveis. Ficou de forma conjunta,
Congresso, em 1959, nunca foi aprovado, estabelecido também que tanto os recursos conhecidos como
uma vez que trazia os meios para o contro- orçamentários quanto os recursos advin- “arts. 34/18”.
gem aos Estados Unidos e seu encontro bouças et al., 1979). Não há clareza sobre as
com o presidente Kennedy, em 1961. Na- razões desses fracassos. Se por má concep-
quela ocasião, ficou claro o conflito de vi- ção ou análise, se pela competição, ou se
sões do presidente Kennedy, mais flexível, por erros ou desvios de conduta. Qualquer
e do Departamento de Estado, mais radi- que seja a razão, o fechamento de muitas
cal. Acabou prevalecendo a orientação do plantas acabou por desacreditar e desmo-
Departamento de Estado, como ficou com- ralizar a Sudene.
provado pela ação do governo americano, Nesse sentido, é questionável a ori-
que agiu no sentido de minar a ação, o entação contida no GTDN e no I Plano
prestígio e o poder da Sudene no período Diretor, de ênfase em uma industrialização
que precedeu ao golpe militar de 1964. autônoma no Nordeste, seja porque a eco-
Assim, a ação da Sudene foi esvazia- nomia brasileira estava integrada e, portan-
da e alterada por três razões. A primeira foi to, o Nordeste teria que competir com as
o aniquilamento das propostas de reformas demais regiões do País, seja pela debilidade
estruturais. Sem a reforma agrária, a estru- de sua burguesia industrial. Isso só poderia
tura de propriedade e exploração da terra ser feito se atendesse aos interesses empre-
continuou intocada. Com ela, os problemas sariais das demais regiões, o que acabou
de distribuição de renda e de melhoria das acontecendo pelo uso dos incentivos fisca-
condições sociais. O segundo problema, pela is pelo empresariado de outras regiões; isso
drenagem dos recursos previstos no siste- fortaleceria a capacidade empresarial da re-
ma de incentivos fiscais, ao ampliar a sua gião e de fato vem acontecendo.
área de aplicação para a região amazônica,
ainda em 1963, e para vários setores (turis-
mo, reflorestamento) em todo o País, em 3_ Avanços posteriores e a
anos posteriores. Em terceiro lugar, por- atualidade de Celso Furtado
que muitos projetos industriais aprovados Afastado do cargo e do País, Furtado se de-
nas primeiras etapas da Sudene tiveram dicou ao aprofundamento de sua interpre-
funcionamento precário, levando ao encer- tação do subdesenvolvimento e também
ramento das atividades. Em 1978, dos 763 da questão regional. Em 1967, publicou
projetos industriais que receberam incenti- um artigo teórico sobre o desenvolvimen-
vos, 104 estavam funcionando com pro- to regional denominado “Intra-country dis-
blemas, e 88 haviam sido paralisados (Re- continuities: towards a theory of spatial structu-
res” (Furtado, 1967). Nesse artigo, além de Demonstra que as descontinuidades inter-
uma reinterpretarão crítica dos principais regionais dentro de cada país são geradas
pilares da Teoria do Desenvolvimento Re- pelos padrões locacionais, especialmente da
gional, Furtado introduz pelo menos qua- indústria, e sua relação com as políticas ma-
tro grandes avanços ou superações das vi- croeconômicas. Analisa a relação negativa
sões anteriores. Em primeiro lugar, supera entre concentração regional e distribuição
a noção de região e passa a tratar da es- de renda, demonstrando que os ganhos de
trutura espacial, demonstrando as várias produtividade tendem a se concentrar. De-
articulações inter e intraterritorial no pro- fende a criação de externalidades como
cesso de desenvolvimento, o que nos aju- forma de beneficiar, em conjunto, empre-
da a entender a complexidade das rela- sas e consumidores. Conclui mostrando
ções entre agentes e atores no território. que as mudanças espaciais dependem, fun-
Em segundo lugar e articulado ao prime- damentalmente, de quatro fatores, a saber:
iro, enfatiza o papel da hierarquia de nó- a) do ritmo de crescimento econômico, cu-
dulos ou polos e a inter-relação entre es- jo aumento possibilita maior elasticidade
ses. Ou seja, introduz, de forma explícita espacial; b) do número de novas plantas,
e direta, o papel do urbano e das cidades especialmente de plantas motrizes; c) das
na estruturação e no comando do territó- plantas de processamento secundário, não
rio, cuja importância e complexidade só dependentes de insumos e matérias-primas
têm se ampliado nos últimos anos. Em primárias; d) das economias de escala, as
terceiro lugar, demonstra que as desigual- quais se ampliam com o progresso técnico.
dades são produtos das formas em que se Para tudo isso, a expansão da infraestrutura
introduzem e se distribuem as modernas funciona como pré-condição ou pano de
tecnologias, vale dizer dos processos ino- fundo. Embora reconheça que as decisões
vativos. Por fim, Furtado ressalta a com- são de natureza política, Furtado enfatiza
plexidade dos fenômenos espaciais, pro- uma abordagem interdisciplinar para uma
pondo um esforço interdisciplinar como teoria da estrutura espacial, com ênfase nos
caminho para a formulação de uma teo- estudos sobre os processos de urbanização,
ria das estruturas espaciais. dos custos de comutação, das migrações.
Como um pensador engajado, Fur- Nessa linha de interpretação, repen-
tado trabalha a sua construção teórica co- sar a questão regional brasileira em termos
mo fundamento e base para a ação política. atuais significa reinterpretar as estruturas
espaciais e sociais atuais e suas tendências e grandes desigualdades nos padrões de ocu-
conjugá-las com os objetivos econômicos, pação territorial do País e apontasse no
sociais e políticos da Nação. sentido de um país mais integrado.
O primeiro ponto a ser discutido Do ponto de vista operacional, pen-
está relacionado com a superação de se sar uma política nacional de desenvolvi-
pensar regiões isoladas, para se pensar a es- mento regional implica pensar em uma nova
trutura espacial. Nesse sentido, uma políti- regionalização do país para efeitos de polí-
ca regional precisa ser concebida e formu- tica pública, em geral, e da política regional,
lada em uma perspectiva nacional, ainda em particular. No caso do Brasil, a regiona-
que as diferentes regiões recebam trata- lização atual com as cinco macrorregiões,
mento diferenciado, em função de suas ca- que continua como base para as políticas
racterísticas e objetivos gerais. Assim, uma regionais, está superada, exigindo uma nova
nova política regional, guiada pelos objeti- divisão territorial do País. Uma nova regio-
vos de coesão econômica e social, necessi- nalização deveria considerar três critérios
taria também ser pensada em função da complementares e articulados: econômico,
coesão territorial. A coesão territorial, por ambiental e político.
sua vez, passa pelo menos por quatro di- O critério econômico deve ter como
mensões da integração. Integração territo- referência básica os efeitos de polarização
rial (no sentido físico), integração econô- exercidos pelas cidades, a partir de cuja hie-
mica (como complementaridade produtiva rarquia se definiriam as escalas de polariza-
entre as sub-regiões), integração social (que ção, as centralidades e suas áreas comple-
considere a distribuição de renda, a geração mentares. O critério ambiental deveria buscar
de emprego e a incorporação social), inte- o ajuste dos recortes territoriais às necessi-
gração política (no sentido da recostura do dades de aproveitamento econômico do
pacto federativo). patrimônio natural e da sustentabilidade
Adicionalmente, há que ser consi- ambiental. Por fim, o critério de represen-
derada a integração com a América Latina tação política deveria preservar a relação
(territorial, econômica, social e política), a entre o recorte territorial e a identidade cul-
questão ambiental e a geopolítica brasileira tural e política de seus habitantes e suas
e sul-americana. Tudo isso implicaria a bus- instituições e, ao mesmo tempo, os aspec-
ca de um novo ordenamento do território tos de geopolítica e soberania nacional.
que caminhasse no sentido de redução das Assim, respeitada a divisão político-admi-
com pelo menos duas escalas: uma macro e a base estrutural que assegura a cidadania e
outra meso ou sub-regional. A escala macro o avanço científico e tecnológico. Avanço
permitiria mudar o desenho dos fluxos ma- científico e tecnológico como base para
croespaciais, freando o aumento da mega- uma nação soberana ou menos dependen-
concentração em alguns centros urbanos te, econômica e politicamente, para fora, e
(São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, socialmente, para dentro.
Porto Alegre, Curitiba, Brasília, Salvador,
Recife, Fortaleza e Manaus) e fortalecendo
novos macropolos. Esses novos macropo-
los contribuiriam para integrar outras re-
giões do País, como centros de consumo e
de suporte à produção, neles mesmos e em
seus entornos. Os mesopolos ou subpolos
contribuiriam para processos semelhantes,
em escala mais reduzida. Essa conjugação
permitirá a constituição de uma rede urba-
na mais integrada e melhor distribuída. O
fortalecimento dessas novas centralidades
depende, afora a infraestrutura de integra-
ção inter e intrarregional, da concentração
de equipamentos públicos, que, além da
oferta de serviços em si, contribuam para a
atração do investimento produtivo priva-
do. Uma orientação de tal natureza estabe-
leceria condições básicas para a construção
de uma nação com metas, talvez “utópi-
cas” ou de longo prazo, de um país poli-
cêntrico, integrado em termos territoriais,
econômico, social e político.
Por fim, na era do conhecimento ou
da sociedade do conhecimento, educação,
ciência e tecnologia devem ser vistos como
Referências bibliográficas
ALBUQUERQUE, R. C.; CASTELLS, M.; HALL, P. DINIZ, C. C. Lucas Lopes: FURTADO, C. Formação econômica
CAVALCANTI, C. V. Technopoles of the world. London: o visionário do desenvolvimen- do Brasil. São Paulo:
Desenvolvimento regional no Brasil. Routledge, 1994. tismo. Revista do Arquivo Público Nacional, 1964.
Brasília, IPEA, 1978. Mineiro, a. 46, n. 2, jul.-dez. 2008.
CEPAL. Estudio económico de FURTADO, C. Subdesenvolvimento e
AMENDOLA, M.; BARATA, P. América Latina, 1949. New York: DINIZ, C. C.; GONÇALVES, E. estagnação na América Latina.
Investimenti industriali e sviluppo ONU CORRAGIO, J. L. Economia do conhecimento e Rio de Janeiro: Civilização
dualístico. Roma: Svimez, 1978. Possibilidades e dificuldades de desenvolvimento regional. Brasileira, 1966.
uma análise espacial contestatório. In: DINIZ, C. C.; LEMOS, M. B.
AMIN, A.; THIRFT, N. (Eds.). FURTADO, C. Intra-country
Demografia e Economia, México, Economia e território. Belo
Globalization, institutions, and regional discontinuities: Towards a theory
v. XI, n. 2, p.135-154, 1977. Horizonte: Editora da
development in Europe. Oxford: of spatial structures. Social Science
UFMG, 2005.
Oxford U.P., 1994. CHENERY, H. B. Development Information, v. 6, p. 7-14, 1967.
policies for southern Italy. In: DINIZ, C. C.; SANTOS, F.;
BOUDEVILLE, J. Los espacios CROCCO, M. Conhecimento, FURTADO, C. Análise do modelo
FRIEDMAN, J.; ALONSO, W.
econômicos. Buenos Aires: inovação e desenvolvimento brasileiro. Rio de Janeiro:
Regional development and planning.
Eudeba, 1969. regional/local. In: DINIZ, C. C.; Civilização Brasileira, 1972.
Cambridge: MIT, 1964.
BRENNER, N. Between fixity CROCCO, M. Economia regional e FURTADO, C. Teoria e política do
CHINITZ, B. The regional urbana: contribuições teóricas recentes.
and motion. Society and Space, v. 16, desenvolvimento econômico. São Paulo:
problem in the USA. In: Belo Horizonte: Editora da
p. 459-481, 1998. Abril Cultural, 1983.
ROBINSON, E.A.G. (ed.). UFMG, 2006.
BRENNER, N. Globalisation and Backward areas in advanced countries. FURTADO, C. A fantasia
reterritorialisation. Urban Studies, London: Macmillan, 1969. EUROPEAN UNION. organizada. Rio de Janeiro: Paz e
v. 36, n. 3, p. L431-451, 1999. Coopération pour l’aménagement du Terra, 1985.
CHRISTALLER, W. Central places territoire européen.
CANO, W. Raízes da concentração in Southern Germany (1939). New CECA-CE-CEEA, Bruxelles, FURTADO, C. A fantasia desfeita.
industrial em São Paulo. São Paulo: Jersey: Prentice-Hall, 1966. Luxembourg, 1994. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.
Editora, 1977.
COHN, A. Crise regional e EUROPEAN UNION. European FURTADO, C. A economia colonial
CANO, W. Desequilíbrios regionais e planejamento. São Paulo: spatial development perspective. brasileira nos séculos XV e XVII.
concentração industrial no Brasil. São Perspectiva, 1976. Noordwijk, Editora, 1997. São Paulo: Hucitec, 2001.
Paulo: Global, 1985.
CUMBERLAND, J. J. Regional FRIEDMAN, J. The concept of a GRANOVETTER, M. Economic
CARVALHO, O. Desenvolvimento development experiences and prospects in planning region: the evolution of an action and social structure: the
regional. Rio de Janeiro: the United States of America. idea in the United States. Cidade: problem of embeddedness.
Campus, 1979. Netherlands: Mouton, 1973. Editora, 1961. American Journal of Sociology,
Chicago, v. 91, n. 3, Nov. 1985.
CASTELLS, Manuel. A questão DATAR. 40 ans d´ámanagement du FUJITA, M.; KRUGMAN, P.;
urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, territoire. Paris: La Documentation VENABLES, A. J. The spatial
1983. (cap.III e IV; Posfácio). Française, 2003. economy: cities, regions, and
international trade. Massachusetts:
The MIT Press, 1999.
GRAVIER, J. F. Paris e lê désert KRUGMAN, P. Development, MARKUSEN, Ann et al. The rise PRADO JUNIOR, C. Historia
français (1947), extrato publicado geography, and economic theory. The of the gunbelt: the military econômica do Brasil. São Paulo:
em DATAR: Lês grands textes de MIT Press. Cambridge: remapping of Industrial America. Brasiliense, 1969.
l´Aménagement du territoire e de la Massachusetts, 1991. New York, Oxford: Oxford
PRADO JR. Caio. Formação do
décentralisation, organizado por University Press, 1991.
LAFER, B. M. Planejamento no Brasil contemporâneo, 1996.
Alvergne C e Musso, P. Paris: La
Brasil. São Paulo: MASSEY, D. Towards a critique of
Documentation Française, 2003. PUTNAM, R. D. Making democracy
Perspectiva, 1975. industrial location theory. Center for
work: civic traditions in modern
GTDN. Uma política de Environmental Studies. Research
LEFÈBVRE, Henri. La revolución Italy. Princeton: Princeton
desenvolvimento econômico para o paper 5, London, 1974.
urbana. Madrid: Alianza, 1972. University Press, 1993.
Nordeste. Recife: Sudene, 1967.
MINISTÉRIO DO
LIMA, M. C. Celso Furtado e o REBOUÇAS, O. E. et al.
HALL, P. Urban and regional PLANEJAMENTO. Estudo da
Conselho Deliberativo da Sudene. Desenvolvimento do Nordeste:
planning. London: dimensão territorial para o
In: LIMA, M. C.; DAVID, M. D. A diagnóstico e sugestões de
Routledge, 1975. planejamento. Regiões de referência,
atualidade do pensamento de Celso políticas. REN, v. 10, n. 2,
III. Brasília, 2008.
HIRSCHMAN. A The strategy of Furtado. Goiás: Verbena, 2008. abr./jun. 1979.
economic development. New Haven: MINTER-SUDENE.
LOPES, L. Memórias do ROMER, P. M. The origins of
Yale University, 1958. Modernização regional em curso: trinta
desenvolvimento. Rio de Janeiro: endogenous growth. Journal of
anos de Sudene. Recife, 1990.
ISARD, W. Location and CPDOC/FGV, 1991. Economic Perspectives, v. 8, n. I, p.
space-economy. MIT: MUNFORD, L. The culture of cities. 3-22, Winter 1994.
LOSCH, A. The economics of location
Cambridge, 1956. Cidade: Editora, 1938.
(1933). New Haven: Yale ROSTOW, W. W. The stages of
ISARD, W. History of regional science University, 1954. MYRDAL, G. Rich lands and poor. economic growth. Economic history
and the regional science association New York: Haper and Row, 1957. review, ago. 1959.
MANHEIM, K. Liberdade, poder e
international. New York:
planificação democrática. São Paulo: NEKRASOV, N. N. Economia ROTHBLAT, D. N. Regional
Springer, 2003.
Mestre Jou, 1951. regional. Havana: Editora planning: the appalachian
ISARD, W. et al. Methods of Científica-Técnica, 1971. experience. Massachusetts:
MARKUSEN, A. Profit cycles,
regional and interregional analysis. Lexington, 1971.
oligopoly, and regional development. OLIVEIRA, F. Elegia para uma
London: Alsgate, 1960.
Cambridge, MIT Press, 1985. re(li)gião: Sudene, Nordeste, SALA-I-MARTIN, X. The
KALDOR, N. Causes of the slow planejamento e conflito de classes. classical approach to convergence
MARKUSEN, A. Sticky place in
rate of economic growth of the United Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. analysis. Economic Journal, n. 106,
slippery space. Economic
Kindgom. Cambridge: Cambridge p. 1019-1036, 1996.
Geography, 1995. PAELINCK, J. A. Teoria do
University Press, 1966.
Desenvolvimento Regional SANTOS, Milton. A urbanização
MARKUSEN, Ann et al. High tech
KALDOR, N. The case for Polarizado. In: brasileira. São Paulo:
America: the what, how, where and
regional policies. Scottish Journal of SCHWARTZMAN, J. Economia Hucitec, 1993.
why of the sunrise industries.
Political Economy, 1970. p. 338-348. regional: textos escolhidos. Belo
Boston: Allen & Unwin, 1986. SIMONSEN, R. História econômica
Horizonte: Cedeplar, 1977.
KEEBLE, D. et al. Collective learning do Brasil, 1500-1820. São Paulo:
MARKUSEN, Ann et al. Second tier
processes and inter-firm networking in PARK, R. The urban community as a Nacional, 1944.
cities, rapid growth beyond the
innovative high-technology regions. spatial pattern and a moral order.
metropolis. Minneapolis: Minnesota STHOR, W. El desarrollo regional in
Working Paper Series, Cambridge, Cidade: Editora, 1926.
University Press, 1999. América Latina: experiências.
ESRC Centre for Business
PERROUX, F. A economia do século Buenos Aires: SIAP, 1972.
Research, University of
XX. Porto: Herder, 1967.
Cambridge, WP 86, Mar. 1998.