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SECA VERSUS SECA.

NOvOs INTERESSES,
Novos TERRITORIOS, Novos Discursos
NO NORDESTE*

Iná Elias de Castro

Introdução

A Região Nordeste é a parte do território brasileiro


cujas especificidades mais têm suscitado debates e refe-
rências. Algumas questões recorrentes na ampla litera-
tura sobre esse território serão aqui tomadas como
ponto de partida, ou mesmo como hipótese. A primeira
refere-se à permanência da Região, não apenas como o
espaço tristemente privilegiado da pobreza nacional,
mas como aquele que possui as condições mais favora-
veis & sua propria reproducao (PASTORE, 1983; ABRAN-
CHES, 1985; ROCHA, 1995). A segunda refere-se ao papel
das suas elites no panorama politico nacional, especial-
mente aquelas vinculadas a atividade agraria, apoiada
no histérico monopólio das grandes propriedades, res-
Ponsével pela produção agucareira, algodoeira e pecua-
tia (CAMARGO, 1981; REIS, 1980; MARTINS, 1994). A tercei-
;\.
Pesquisa com apoio do CNPq.
k

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2 BRASIL: QUESTOES ATUAIS DA REORGANIZACAODO TERR/JÓRIO

ra refere-se as caracteristicas do seu espaço geográfico,


que contrasta a natureza úmida da Zona da Mata ds
litoral ocidental com amplos espagos semi-dridos do
Sertdo, separados pelas caracteristicas de transicao do
agreste. A percepcao das diferengas econdmicas, sociais
e politicas entre estas naturezas tem sido historicamente
referenciada: desde o Manifesto Regionalista de Gilber-
to Freyre na década de 30, e suas muitas apologias do
Nordeste acucareiro como o mais legitimo bergo da
nacionalidade brasileira (FREYRE, 1976), até o discursg
dramatico sobre a seca da elite politica regional, elabo-
rado para obtenção de recursos e outros favores do
Governo Federal (CASTRO, 1992).
Em outra perspectiva, não estritamente regional,
devem também ser considerados os processos históricos
de mudangas estruturais no pais. Sem estabelecer aqui
qualquer discussdo ou posição sobre as matrizes intelec-
tuais e ideoldgicas das mais importantes correntes das
teorias do desenvolvimento, tomamos como ponto de
partida analitico a importdncia da base material, do de-
siderato das elites econdmicas e politicas e das possibili-
dades de ocupagdo de espago politico, por diferentes
segmentos organizados da sociedade, como elementos
dinamicos do processo de desenvolvimento.
Os fundamentos para os pontos de partida acima
encontram-se na produgio académica das ciéncias
sociais no Brasil, prédiga na discussao sobre os proble-
mas estruturais e sobre os agentes sociais responsáveis
pela indução do processo de desenvolvimento, aqui
compreendido como modernização das relações de pro
dução, participação política, formação de mercado paára
consumo de bens materiais e de politicas sociais. Como

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*
INTERESSES...
gch VERSUSS ECA. NOVOS

contrapartida das análises dos fatores de mudança,


de:.,envolvem-se, necessariamente, importantes discus-
ções relativas àqueles mais refratários ao processo, ou
seja, 0 elementos e as condições favoráveis à conserva-
ção. À polêmica dos clássicos da história política do país
articula atores sociais, atividades econômicas e alianças
com-
políticas como eixos analíticos necessários para a
preensão da complexidade do processo de transforma-
ções no país, caracterizado por profundas disparidades
regionais e sociais.
Como agente central de decisões, para o que seria
considerado modernização estaria o empresariado urba-
no-industrial, vetor fundamental da revolução burguesa
nacional, gestado na cafeicultura paulista (PRADO
anto
JÚNIOR, 1971; CARDOSO, 1977; FURTADO, 1972), enqu
rural, apoiado na
o vetor do atraso estaria no patronato
coerciti-
grande propriedade e em formas de trabalho
lidades,
vas, como a parceria em suas múltiplas moda
Nordeste
remanescente principalmente na Região
1964; PANDOLFI,
(LEAL, 1978; FAORO, 1976; FURTADO,
esquemática, a
1980; REIS, 1989). De forma bastante
uma base econômica
modernização seria decorrente de
camadas da sociedade
capaz de incorporar amplas para
como mercado e, em cons eqiiéncia, abrindo espaco
apoia-
part icip agao polit ica; e o atraso, ao contrario, se
a
ria em atividades tradicionais baseadas na exploração
usão dos trabalhado-
da terra e do trabalho, sendo a excl
tanto do merc ado como da polít ica, à condição pri-
tes,
Meira de sobrevivéncia deste modelo. A histéria politica
most ra que nen hum dest es dois agentes teve
do pais r sua hegemonia a toda a so-
fc'm;a suficiente para impo
ciedade e a todoo território , dondeaque Cºm;.
nacionalpolít )lexx -
pact os icos defi nem
dade e a ambigiiidade dos

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286 BRASIL: QUESTÕES ATUAIS DA REORGANIZAÇÃO DO TERRITÓRIO

os formatos possíveis do processo de desenvolvimemº


ao longo da história nacional.
Na realidade, modernização e conservação não são
mutuamente excludentes, embora haja uma dinâmicª
própria em cada um e um jogo mútuo de concessões,
que torna a história, em muitos momentos, mais lenta
do' que deveria ser (MARTINS, 1994). Paralelamente, rigi-
dez não significa imutabilidade, o que aponta a necessi-
dade de buscar fissuras que podem significar pontos de
ruptura, em algum prazo — curto, médio ou longo, nas
estruturas sociais mais rígidas.
Do ponto de vista tanto de uma abordagem concei-
tual como da análise da realidade, a Região Nordeste é a
parte do território nacional que mais desafios tem colo-
cado à compreensão da inter-relação dinâmica dos fato-
res econômicos, políticos, sociais e territoriais do proces-
so de desenvolvimento. Sendo esse o espaço de coloni-
zação, de importância econômica e de formação de uma
elite política mais antiga do país, é também o território
mais consolidado em termos de ocupação populacional
e de maior durabilidade de sua estrutura produtiva.
Todas as outras regiões brasileiras assistiram a incessan-
tes mudanças em sua base produtiva, com deslocamen-
tos de produtos tradicionais por ondas que invadiam
territórios do Oeste, do Norte e do Sul do país, consti-
tuindo frentes pioneiras e expandindo fronteiras econd-
micas e populacionais, ou deslocando atividades e tra
balhadores para o espaço urbano. Enquanto isso, a tra
dicional divisão entre a Zona da Mata agucareira € º
Sertao algodoeiro-pecudrio manteve-se como elemento”
Cha\fe na estrutura produtiva nordestina, preserVfl“df’
sua.lmporta‘mcia mesmo com os avanços da industriah-

taÇão e da urbanização, propiciados com os incentivos

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V'

SSES...
- NOVOS INTERE 287
SECA VERSUS SECA

comflndados pela SUDENE. Deve ser acrescentado


a redução, € quase eliminação, da cultura algodoeiraqft;
decorrência mais de um problema biológico — a praga
do bicudo — do que da sua substituição pelo avanªo ãe
novas culturas sobre suas áreas de ocorrência, apesar da
sua decadência como atividade econômica.
Outra peculiaridade do Nordeste reside no modus
Opt'fª”d[ oligdrquico das relagoes politicas nas escalas
local, regional e nacional. Ressalve-se aqui que alguns
dos seus vicios ndo sao prerrogativa ou monopólio de
seus préceres, mas que no espago sdcio-politico regional
encontram as condigdes mais favoraveis de sobrevivén-
cia e adquirem maior visibilidade. São as peculiares e
reflexo e ao
resistentes estruturas de poder regional,
mesmo tempo reforgo da sua base produtiva, que cons-
académico,
tituem até hoje um consideravel desafio
orma-las.
para compreendé-las, e social, para transf
1982; MARTINS, 1994;
(SOARES, 1973; SCHWARTZMAN,
BARREIRA, 1992).
o, social e
Paralelamente a este espago econdémic
se falou tanto nas possibi-
politico de resisténcia, nunca
imentos em seto-
lidades que a regido oferece para invest
tagens comparativas
res de ponta da economia, nas van
areas do pais, sua dispo-
do seu territorio frente a outras
is, a proximidade de mer-
nibilidade de recursos natura
ex te rn os ; co nd iç õe s ca da vez mais expostas em
cados Os
met io empresarial.
jornais e revistas que circulam no ação convivem,
de moderniz
indicadores econômicos
produção
nu ma ap ar en te sin tonia com formas de
pois,
tradicionais.
um dado recente que deve ser explicitado
Há ainda
no estudo sobre a Regido. O processe de globalização
desdobramentos em competitívidade, acelera-
com seus

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O DO TERRITOR]O
288 BRASIL: QUESTÕES ATUAIS DA REORGANIZAÇÃ

nç o te cn ol óg ic o e im po sição das condições de


ção, a va
is e>—<igente e
um meio técnico-científico, cadzi vez mzi
os, lrii?Oe novog
excludente em relação aos terrliori
ica, As res.
parametros a toda e qualquer anéhse. g_eogrc?f demons.
as imposições tém
postas dos territorios a ess
os diferen-
trado ser imprevisiveis. Os seus efeitqs sobre
ionais são
tes espaços políticos locais, regionais e nac
a própria plastici-
também de difícil previsibilidade, pel
dade do processo. Na Região Nordeste este pode ser um
g menos de rea-
fator de desequilíbrio e ruptura, ou pel
ponto que
comodação das estruturas tradicionais. E este
procuraremos desenvolver ao longo deste trabalho.

O Sentido dos Termos

A dualidade modernização/conservação na Região


Nordeste, mais particularmente no seu espaço semi-
árido, é a questão central do presente trabalho. Tendo em
vista, porém, as diversas dimensões de cada um dos dois
termos, é necessário esclarecer o sentido daquelas que
serão utilizadas ao longo da análise. Modernização é
aqui compreendida como a criação de um fato moderno,
ou seja, aquele que “possui uma ligação intrínseca com à
contemporaneidade, (que) substitui alguma coisa do pas-
sado, defasada, ou, simplesmente, alguma coisa que não
encontra mais justificativa no tempo presente” (GOMES,
199.6, p- 48). Este sentido de modernizagao, embora mais

sde e i geogaanet d
antigo, insere-se na discussao intelectual sobre a moder-

mudanga em toda. pa Ocidental. Pelo seu conteúdo ¢


. . Ve
a vida social, inclusive
.

cultural, o modern * ESfems, d ao


passado como seu oo S a-se necessariamente
Posto, e: stabelecendo “uma referénc

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ES...
ERSUSSECA. NOVOS INTERESS
seCA V 289

negativa ao que e‘xistia antes e que a partir de então se


transforma no antigo e tradicional” (op. cit.).
O sentido de tradição, por sua vez, significa etimo-
logicamente transmitir ou entregar valores, crenças,
conhecimentos etc., através de gerações. A tensão entre
modernização e tradição é, portanto, latente no processo
dinâmico de transformação das sociedades. Apesar do
possível paralelismo entre tradição e conservação, este
tem sua especificidade própria que deve ser estabeleci-
da. Conservar significa resguardar, manter, preservar e
constitui a raiz de conservador, cujo significado remete
“aquele que em política é favoravel à conservação da
situação vigente, opondo-se a reformas radicais”
(CUNHA, 1994). Há, portanto, um forte conteúdo cultu-
ral na idéia contida no conceito de tradição, enquanto
no conceito de conservação há um forte conteúdo políti-
co. Neste sentido, optamos pela análise da dualidadf: e
tensão existentes entre modernizagao e conservacao,
tendo em vista a perspectiva da relação entre as trans-
formagdes que afetam a organizagao espacial e 0s a,gen-
tes sociais nelas envolvidos, cujas ações para acelerá-las
um caráter
ou para retardá-las são sempre revestidas de
eminentemente político. laA g b
Ao se utilizar o conceito de modermZªçª(f) ?ÍZ,Í
possível escapar do conteúd.o dinâmlcog;zrtli; o(,) e
ferido pela modernidade ocidental. I\jes. ocial e poli-
se de um processo de mudança economlca’xsradicionais,
tica pelo qual são superadas es.Eruturea;nismo5 ey
criando novas formas de produgao, m ato.
. .. drões de comporta me
ização envolve
nais de dominação e novos.pa
Do ponto de vista econômico
po
, 2 modern
á
:
rodutivo M
o5
expansão e transformação do SlSleÍT,'ª '[Zas Os desdo-
diante a incorporação de inovações técnicê*

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ITÓRIO
QU ES TO ES AT UA IS DA REORGANIZACAO DO TERR
BRASIL :
290 desta incorpo-
c o s e territoriais
o s so ci ais, politi ! am en te discutidos na
pra m e n t m si do a m pl
uitos e té de de senvolvimento,
pr oc es so
á
r pr of un da me nte a dis-
P° de transfor
ma
Cada i n o v a g a o
ã o , as re la çõ es: de traba-
ç
o g r á f ica da produ pro-
tribu i ç ã o g e
d o s a g e n t e s no sistema
ões de poder de
lho e as relaç
st a po lí ti co , m odernização po
de vi
dutivo. Do ponto a d a n i a at ra vé s da ampliação
ção da ci d
significar amplia lí ti ca , a p r i m oramento das
rticipação po
dos canais de pa i ç õ e s de atendimento a
a s Ou c o n d
práti cas democrátic
nd as pa ra al ca nça r a justiça social.
dema
do que O pr oblema valorativo
Deve ser acrescenta
é co mp le xo e se mp re dependerd da
das transformagoes Os
te dr ic o- co nc ei tu al que inspira a análise.
perspectiva
fi li ag ao li be ra l, po r exemp lo, tendem a
economis tas de ólo-
anto antropdlogos e soci
qu
vé-las como positivas, en
is ou ma te ri al is ta s, na maioria das vezes as
gos, libe ra
vêem como negativas (MOO RE, 1976). Do ponto de vista
s ag en te s so ci ai s, po ré m, a ap rovação ou reprovação
do
mu da nç as de pe nd e da fo rm a como cada um seré
das
ntrapartida do pro-
afetado. Este problema remete à co
tituída pela dis
cesso dinâmico de transformação cons
ta da or ga ni za çã o e do co nt role dos meios para o
pu
servacao do estabelecido.
ceito, será
Tendo em vista a importância do con
mali
são das mo ís ti ca s
caracter gia espe”
.fe"ª aqan e discusri
ui umado brcoevns sm o co ideolo
u’n_port tes ervado
liberalismo º :

me n ot ( ee s 2a
te mp o qu e o
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der a sua força: Tom:Zã o como útil a classificação

A
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sECA VERSLIS SECA- NOVOS INTERESSES.., 291

rida por VINCENT (1995) que diferencia, em algu


ns tra-
ços essenciais, cinco tipos de escolas do conservadoris-
mo: tradicionalista, romântica, paternalista, liberal e da
Nova Direita. Ressaltando que há uma contínua super-
posição entre elas, apresentamos uma breve
discussão
de cada uma.
No conservadorismo tradicional, definido a partir
das idéias de EDMUND BURKE! (1982), há forte ênfase ao
costume, à tradição e à convenção. O valor do tempo
histórico na constituição das comunidades humanas é
fundamental. Liderança, autoridade e hierarquia são
produtos da longa prática social, representam o seu
cimento, e quaisquer mudanças devem brotar natural-
mente das tradições da comunidade. No conservadoris-
mo romântico dos teóricos alemães, principalmente, há
acentuada nostalgia de um passado idealizado, pasto-
ral, rural e fortemente antiindustrial. O conservadori
s-
mo paternalista supõe a submissão às regras abrangen-
tes do Estado como meio de promover uma vida satisfa-
tória para todos os cidadãos — uma forma de nobl
esse
oblige responsável e aristocrática. A perspectiva é diri-
8ista e 0 governo ¢ encarado como uma figura paternal
,
que estabelece metas e assegura a eqiiidade e a igualda-
de de oportunidade. O conservadorismo liberal, por
sua
Vez, tende a aceitar a maior parte dos dogmas
formais
do liberalismo classico: individualismo, Estado min
imo,
direitos pessoais. Finalmente, a Nov
a Direita é mais
mplexa, sua coeréncia ideoldgica está no neoliberalis
-
Mo, nos critérios de mercado, incorporando
elementos
Anar co-capitalistas com base na libe
rdade e nos direitos
individya:
ndividuais — desregulamentação- de drogas, pornogra
-
>o
" Suas *Refle xdes sobre a Revolução em França” foram escritas e publicadas
m17906 o
Nsideradas fundadoras para o pensamento conserva
dor

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292 BRASIL: QUESTÕES ATUAIS DA REORGANIZAÇÁO DO TERRY
6
fia etc. Seu fundamento é o fracasso do Estaq o Com
regulador social e econdmico e a redugio da sy, tirani
Há algumas questões interessantes na ideolo Í
conservadora, qualquer que seja a sua nuance, que ingdi
cam os seus traços essenciais. Primeiro, há aceitação táci.
ta da hierarquia como fruto de um processo natural, a
mentado pelo tempo da prática social. Este legitima éê
justifica a diferença hierárquica e sua Permanência,
Segundo, o elitismo, com forte elemento humanitário e
de responsabilidade, constitui o esteio e a garantia de
uma ordem social justa e estável. Terceiro, a liberdade
individual é o resultado de anos de desenvolvimento
social em uma tradição territorial (nacional, regional)
específica. Linguagem, costumes e pensamento são
adquiridos socialmente e territorialmente. Quarto, a
desigualdade está enraizada nas circunstâncias, tanto
naturais como políticas. Algumas pessoas são natural-
mente superiores, intelectual e moralmente. A desigual-
dade não pode ser erradicada por meios sociais ou polí-
ticos. Quinto, a vida política é concebida organicamente,
a liderança e o julgamento político são habilidades restri-
tas a uns poucos. A maioria dos conservadores usa 0
organicismo de modo analógico. Cada indivíduo tem o
seu lugar no todo orgânico. A mudança ou reforma deve
Ser consoante com o ritmo do organismo como um todo.
A ordem política ou moral não pode ser forjada ou im
posta; é, antes, interna às instituições políticas e morais-
O papel da política e do governo no pensamº“tº
conservador é essencial: como guardiães de nºfm.ªs é
costumes processuais que mantenham a paz, a justis? ¢
a'liberdade. Além disso, a devoção a ordem estabelec@a

significa respeito e institucionalizacao da hierarqu"


natural e da desigualdade na sociedade. A ordem SOCIJI
sempre acarretará autoridade e liderança natural de u"!

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beno.>
cA VERSUSSECA- NOVOS INTERESSES... SCa-FEDNDOA,
sE
upo OU elite, po?s normas e direitos são resultado de
anos de desenvcglvimento social e político.
Com relaçao'a economia, o Estado deve defender
ou promover o% interesses do mercado, preservando
valores prioritários, como a comunidade. Também, para
os conservadores tradicionalistas, a propriedade fundiá-
ria aristocrática é a forma mais segura de manter rique-
7a, hierarquia e status.
Outra característica fundamental do conservadoris-
mo é, paralelamente à resistência a determinadas idéias,
a enorme capacidade de louvar a sabedoria imemorial
que as incorporou, a partir do momento em que elas
sejam as vencedoras, o que lhe dá uma incrível capacida-
de de sobreviver politicamente. Na realidade, em sendo
ideologia, as idéias conservadoras, explicitadas ou não,
são assimiladas como verdade pela sociedade, daí a sua
força e possibilidade de eco e reprodução de seus valo-
res, o que sustenta sua permanência nas estruturas de
poder. Mas, como seus fundamentos não são unívocos,
nem eternos, é justamente no solapamento das formas
elaboradas do seu discurso que podem ser encontrados
trunfos importantes para a redução do seu espaço políti-
co e para a percepção do processo de mudança.
O estabelecimento dos fundamentos e das premis-
8as conceituais acima tem por objetivo apontar a ade-
quabilidade dos conceitos de modernização e conserva-
%0 para as questões empíricas que serão discutidas na
Segunda parte do trabalho, definindo-se, a partir deles,
0S supostos mais significativos para a análise.

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n R N n vn U REURGANIZAÇÃO
DO TERRITSTºR]g
O Argumento Agrário

Como já foi dito no início, há, na realidade


e CºnServª'd u.
tensão intrínseca entre modernização
das muâns.
mo que define o ritmo e a direção possíveis
tiva dos i:tn.
ças em cada sociedade. E, pois, na perspec
resses dos atores sociais do semi-árido nordestino, e;
uma ou outra, que foram definidas as suposições que
orientaram a pesquisa: há uma coexistência, que pode
ser tanto cooperativa como conflituosa, entre os atores
responsáveis pelo atraso e pela inovação; o conflito não
implica um jogo de soma zero, ou seja, mais moderniza-
ção nao significa menos conservação e vice-versa;
alguns novos, e mesmo velhos, atores tém propiciado
novos niveis de conflitos que podem, a longo prazo,
criar rupturas importantes.
O fundamento destes pontos de partida encontra-se
na perspectiva de que se trata de agentes responsaveis
por fendmenos na escala local, mas que organizam terri-
térios heterogéneos e que se articulam a partir de redese
de escalas diferentes. Esta abordagem permite a discus-
são da organização econdmica e politica do territorio,
numa perspectiva que destaca o papel dos agentes nas
escalas local e regional, incorporando suas ligações com
as escalas nacional e internacional. A articulação entre ?
escalas do econômico e do político tem como ponto C!e
partida a existéncia de um sistema de atores quê, atraves
do discurso, cria uma identidade soliddria qué eq“ahza'
0 social em cada escala territorial de atuação, P* exem
plo: interesses do lugar, da região, da nagao- Jismo
Na perspectiva conceitual adotada, © ua
conservagao/modernizagio permanece 018
um sistema de referéncias para a organização dªômico
dade e de suas formas de controle de poder ec”
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seCA VERSUS SECA. NOVOS INTERESSES... 25

e politico. Nesta abordager.n, a Regido Nordeste é um


caso importante para investigação, seja pelo descompas-
so que ela apresenta quando.comparada com outras
regioes do pais ?u 'com a média nacio.nal, seia lfªlº us-o
político da aparência das ce?usas da dxfererjcxa.çao, acei-
tas pelo senso comum, seja pela ressonância que os
oliticos regionais obtêm no cenário nacional. A questão
central, implicita nos problemas definidos para a anali-
se, é a capacidade de organizagao e sobrevivéncia da
estrutura de poder na Regiao, baseada nas relagdes eco-
nomicas do seu meio rural. Nao se trata aqui de fazer
incursoes pela Geografia Agraria, mas de resgatar a
questao recorrente na histéria politica do país, do peso
das classes agrarias tradicionais do Nordeste na organi-
zação socio-espacial tanto regional como nacional. Ha
referéncias importantes, como a criação e mesmo a
longa sobrevida do IAA (Instituto do Açúcar e do
Alcool), do DNOCS (Departamento Nacional de Obras
Contra as Secas), o peso politico das pautas e dos repre-
sentantes dos partidos de base agréria, como o antigo
PSD (Partido Social Democrético) e o contemporaneo
PFL (Partido da Frente Liberal). Na realidade, o proble-
ma nao reside na sobrevivéncia destas estruturas de
poder, uma vez que todo poder luta, e usa os meios de
que dispde, justamente para preservar-se, mas na capa-
cidade de sobrevivéncia de um anacronismo, o que
indica a dimensao de sua forga.
Paralelamente à situagdo descrita acima, mas com
importantes conexdes, que serao analisadas no momento
adequado, o peso social da estrutura agrdria nordestina
10 conjunto do pais pode ser avaliado a partir de alguns
dados censitérios, Em 1940, viviam na Regido Nordeste
35% do total da populagio brasileira, enquanto a parcela
da População rural nacional na Região era de 38,9%; em

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* BRASIL: QUESTÕES ATUAIS DA REORGANIZAÇÃ
CAÇÃODO Ty
1991 a participação da Região na população totaldo,..
caiu para 28,9%, enquanto a parcela da Popula ÇãO TUural
brasileira na Região subiu para 46,4%. Do increme
absoluto-da população rural brasileira, que foinéo
7.685.500 habitantes entre 1940 e 1991, o Nordeste pame
cipou com 5.663.963, ou seja, 73,7%. Complementan d(;
esta realidade, a estrutura fundiária regional, COmparad,
com os espagos mais consolidados do pafs — Regiões
Sudeste e Sul — foi a que menos se alterou. O tamanho
médio de suas grandes propriedades, que se reduziu
entre 1940 e 1960, recuperou a média de 1920 nas déca-
das de 60 e 80, enquanto o processo de fragmentação das
pequenas propriedades foi, no período, o mais intenso
no país. No entanto, o peso econômico das atividades
agrícolas regionais no conjunto do país está longe de
acompanhar o peso da população residente em seu
campo, ou mesmo o desempenho das outras regiões. Ao
contrário do comportamento da população rural na Re-
gião, o valor da sua produção agrícola teve sua partici-
pação no conjunto da produção nacional reduzida (CA5-
TRO, 1992). Não ha novidade nestas informações, mas
elas sao aqui resgatadas pelo significado politico que
guardam: uma estrutura fundidria resistente, um proces-
so de modernizagdo agricola que caminha a reboque do
pafs, uma massa populacional de 16.716.870 habitantes
na zona rural em 1991, que representam 11,4% do tºt?l
da população brasileira, em sua maior parte empobrec"
dos, sem o direito de propriedade das terras onde trabo"
lham, ou dispondo de propriedades mintisculas.
eitos
B, portanto, nesse quadro que se movem 08 5’“_}
sociais e as circunstancias escolhidos para a ª“ªhse'ais
no meio agrário nordestino que se encontram a5 É
fortes raízes do conservadorismo de uma €s!

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A VERSUS GECA.NOVOS INTERESSES... ”

apaz de preservar-se há mais de quatro séculos. E é


C este meio que devem ser buscados os elementos de
n : ibili
desequílíbl'lº e as possibilidades de mudangas.

Gemi-arido — um Clima, Dois Discursos

As especificidades do ecossistema semi-árido pos-


sibilitaram um modo de ocupação e um sistema de
agentes que fizeram, em co‘njunto, um espago muito
particular. Este espaco tem sido apresentado historica-
mente pelo filtro de uma conscientizagio coletiva das
dificuldades impostas por este meio, que depende dos
azares climéticos. A natureza ai é um ente quase metafi-
sico, é fortemente idealizada e trabalhada nos discursos,
da e sobre a região, como um obstéaculo intransponivel a
qualquer progresso ou justica espacial. Neste sentido, o
imagindrio da seca nordestina, como tragédia social e
econdmica, apesar de toda a tinta que ja foi gasta,
requer ainda muitas reflexdes. Pois, em sendo a nature-
za o fundamento geogréfico da produção, ela é também
abase material do imaginario sécio-politico e importan-
te recurso ideoldgico, utilizado por grupos sociais parti-
culares.
Observa-se hoje na região um duplo discurso, ou
um discurso contraditdrio, sobre a natureza semi-arida,
e esta dualidade deve ser objeto de investigação pelos
novos niveis de conflito que ela pode conter. Quanto aos
termos dos discursos, resumidamente temos: um, mais
antigo e mais ubiquo, que atribui à natureza dificulda-
desfluº explicam os problemas sécio-econdmicos da
E:ãã;iMºSmo que a base explicati_va recorlra a teorias
ººumerfís Í_Jem elaboradas, uma leitura mais ate.nta da,n
ação produzida, na e sobre a Região, nao tera

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298 BRASIL: QUESTOES ATUAIS DA REORGANIZAGAQ DO TERRITÓ|
Rig
dificuldade em encontrar inúmeras referéncias as difi.
culdades particulares impostas pelo clima, oy ao climy
como uma das causas dos problemas vividos na Regíáol;
outro, mais recente, que vê na escassez PIUViºmétriCa'
que dificulta a reprodução de pragas, e na fertilidade de
grandes extensões de solos um enorme potencial paraa
agricultura irrigada de caréter empresarial, ou o agroby-
siness. O clima aqui é um -recurso inestimdvel, redentor,
capaz de fazer surgir uma nova Califérnia, com mais
vantagens que a outra, porque não tem uma estagio
com temperaturas mais baixas.
Os responsaveis por estes discursos são atores
regionais, porém de tipos e interesses bem diferentes: o
primeiro é elaborado por segmentos importantes da
elite politica, com enorme poder de assimilago e repro-
dução; o segundo é mais restrito a uma parcela pequena
do meio empresarial e da administragao piiblica, que
encontra no sol uma matéria-prima essencial, seja para a
fruticultura irrigada, seja para o turismo.
O significado conceitual e empirico desses discur-
sos contraditérios pode ser percebido no confronto
entre formas tradicionais e modernas, tanto de organi-
zação do espago produtivo, como de organizagao do
espaço politico, que dão sustentação a cada um. Embord
não haja necessariamente coincidéncia entre essas o
mas, ou seja, formas modernas de organizagao da
Rro-
dução não significam sempre uma atuagao Prog’esslsz
no espago politico, como já foi sugerido no inicio 'desr‘
texto. Além disso, os atores que produzem estes dlscuo,
80 são 05 responsáveis por fenômenos que têm €
nâncias em escalas espaciais diferentes.
Na realidade, a contradição entre discurso® quê
= : s 4uio tráB
opõem, de um lado a submissão a um imaginário

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NOVOS INTERESSES...
SECA VERSUS SECA- 299
co e de outro a redenção do atraso e da pobrez
a através
da tecnologia, aponta para uma contradição mais
pro-
funda entre os meios mobilizados no processo
produti-
vo, entre as escalas de interesse dos agentes envolvidos
e entre os mercados de consumo dos produtos obtidos.
A retórica, como sempre, tem um significado político
fundamental e o território pode ser lido como seu alicer-
ce e produto.
Há, portanto, na Região duas lógicas na organiza-
ção do seu territdrio: uma conservadora, que articula a
escala local com a regional e a nacional, definindo um
espago econdmico e politico que garante a organizagao
social e o poder no territério, com base nos azares cli-
méticos; outra modernizadora, que articula a escala
local com a internacional, organizando o espago a partir
de imposições de caréter tecnológico e de mercado, com
base nas vantagens climéticas. É no confronto entre os
interesses destes atores, que percebem de maneira opos-
ta os mesmos indices pluviométricos, que podem ser
encontrados embrides de rupturas na Regido.
A partir desses interesses conflitantes, impdem-se
algumas reflexdes sobre as condições de reprodugao do
conservadorismo nordestino e o significado do agrobusi-
fless como um possivel vetor de mudanga, não apenas
20 nivel da deslegitimação simbélica do discurso domi-
nante, como também na construgio de um novo imagi-
flffrio sobre a Regiao, que pode ser significativo para a
Cação das condigoes de alteração na sua estrutura de
equ'ilíbl'iº de poder, em função da disputa, por espaço
Político, empreendida por novos atores.
e e e o urssos fipocons-detraet -
apontad esponsáveis pelos d'ls?cdal
05, no sentido de identificar, nas relações econd

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300 BRASIL: QUESTÕES ATUAIS DA REORGAN
IZAÇÃODO T
Ro
micas, sociais e políticas por eles conduzidas
mentos de permanência ou de perturbação da’s (;s ele‘.
ções de reprodução da estrutura social, As fefleon_dl'
sobre o que chamamos de tradicional têm por ba’;oes
literatura geografica, histérica e politica sobre a Re ͪ_a
autorísa:
Nordeste, já discutida amplamente por vários
também por CASTRO (1992); aquelas sobre os novos ato.
res têm por base, além de bibliografia produzida Tecen-
temente, a pesquisa sobre a fruticultura irrigada na par-
te oeste do Rio Grande do Norte, especialmente no Vale
do Açu e em Mossoró, realizada através de trabalho de
campo e entrevistas com sindicatos rurais, lideranças
políticas, profissionais liberais e empresários (Mapa 1).
Para cada um destes conjuntos de atores será ela-
borado um quadro das especificidades de suas ações em
relação às suas escalas de interesse, aos instrumentos
utilizados, ao cenário construído e ao conteúdo do seu
discurso. O objetivo aqui é estabelecer eixos para uma
análise comparativa da dinâmica social e política ine-
rente aos seus territórios de organização e de atuação.

Dualidade das Ações e do Espaço

Elite política tradicional, oligarquias, empresários tradicionais

A explicitação do tradicional tem o sentido primo"


dial de estabelecer as bases do seu contrário, que é 0
que nos interessa. A bibliografia sobre o tema é amPlz.a €
na realidade, não há muito a acre
scentar. Sendo asslflfl'
buscamos estabelecer uma sintese significativa daql“:
que constitui o conjunto de condigoes para
a SObre\‘//ir
véncia de uma estrutura social, que
se impoe a0 Éle']e'
da sociedade. Pelo seu significado, porém, serão B

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e VERSUS SE
(A NOVOS INTERESSES... 301

Mapa 1 — Regido Nordeste (Parte Leste)

Salvador

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0 BRASIL: QUESTOES ATUAIS DA REORCANIZAC ÃODO
o
giadas as elites política e econômica, tendo em vis,
seu papel na transmissão de formas Pretéritas g,
Sta o

sente, através dos meios de poder que dominam.


A estrutura fundiária nordestina que o
PÕe 0 lati.
dimensão polít
fúndio ao minifúndio possui uma
bastante peculiar, na medida em que a posse da gl'and:
propriedade na Região, especialmente no Sertão, está
associada a baixos níveis de produção, a utilização da
propriedade mais como reserva de valor, não apenas
econômico mas também simbólico, do que como unida.
de de produção (ANDRADE, 1987). Com relação à sua
organizagao produtiva,

“tradicionalmente o complexo gado-algodão-culturas


alimentares, associado à grande propriedade, tem-se
constituído num dos elementos característicos da área
em estudo [Sertão Norte]. Nessa associação, o comple-
xo supracitado representa o conjunto de atividades e
de formas de exploração de recursos (naturais e huma-
nos) mediante os quais a grande propriedade organiza
a atividade produtiva, de sorte a adequá-la aos requisi-
tos de sua reprodugdo.” (SILVA e LIMA, 1982)

Entre estes requisitos estão a disponibilidade de


uma abundante mão-de-obra que participa do processo
produtivo das formas mais variadas, isto é, parceiros, af
rendatários, moradores, assalariados temporários, 8 faci
lidade de acesso a financiamentos e a participação
na &
ganizagao de uma rede de poder institucionalizado quê
organizada no nível local, estende-se para
bem além i
Desse modo, a estrutura fundiaria, associada
à Éle-
vada densidade demogréfica e a um sistema
Pf‘)du"vo
no qual o interesse primordial não é a acumulação
o
petitiva, estabelece as condigdes historicamente
favor

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0
oA VERSUS SECA NOVOS INTERESSES...
veisa Participação política da elite agrária regional. A
pistória do poder político das oligarquias em diferentes
artes do mundo, como o sul da Itália, a Galícia na
s, teve por
Es anha ou mesmo o sul dos Estados Unido
é que as
pase condições semelhantes. O argumento aqui
oligarquias agrérias só se preservam como tal mediante
O
o dominio de espacos na estrutura do poder central.
politico
sucesso das estratégias de preservação do peso
gas na
da elite agrária regional deve-se as suas alian
e
Reptiblica Velha com as oligarquias do Centro-Sul
ializa-
posteriormenle com a burguesia industrial, mater
das nas decisões do Legislativo, especialmente na histó-
a,
rica derrota dos projetos para superar a questão agrári
o
e na ocupação de postos na alta Burocracia do Estad
(SOARES, 1973).
Estes atores tradicionais são, tanto aqueles proprie-
tários mais comprometidos com o monopólio da terra
do que com a sua utilização como base produtiva, como
aqueles cujas atividades econômicas são viabilizadas
mais pela existência de recursos subsidiados do que
pela inserção competitiva no mercado, juntamente com
o representante político de ambos, cujas decisões e ações
se fazem para evitar alterações de fundo nas relações de
produção, de poder e de disponibilidade de recursos
financeiros.
As escalas de articulação destes atores tradicionais
são preferencialmente a local, regional e nacional. E nas
ffflªções políticas e econômicas realizadas nos territó-
rios, definidos por estas escalas, que os fenômenos
:ª:sªªf:ntes de suas agdes adquirem maior sigr?ificado. É
ey eºãºalas que se dá a pertin‘éfnc.iz? da medida de?tes
ªxplicat:,s' a sua conseqiiente v151b111dad'e e o contetido
o do espago por eles produzidos (CASTRO,

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304 BRASIL: QUESTOES ATUAIS DA REORGANIZACA
ÇÃO DO ey,

1995). Se é no territério local que os agentes eco


nômiCOS
instalam suas atividades, agricolas ou urbanas,
a artjey.
lação com as escalas regional e nacional é essencial, se;
para disputar mercados, seja para obter recursoSl nalª
agências financiadoras regionais, seja para obter deci-
sões favoráveis, aos seus interesses, nos Órgãos nacio-
nais. A existência de atividades econômicas na escala
local não prescinde das articulações políticas, a partir
daí, com os níveis decisórios regional e nacional. A per-
cepção destas escalas de decisão, e a eficiência na sua
utilização por parte da elite econômica e política da
Região, têm merecido muitas e importantes análises,
que serão indicadas na bibliografia do final deste texto.
Os instrumentos utilizados por esta elite têm sido
preferencialmente a burocracia do Estado, que organiza
e gere decisões e recursos nas escalas local, regional e
nacional. A participação nestes níveis decisóriosé
importante fonte de realização do seu desiderato e de
sobrevivência, tanto do formato das instituições como
do que é por elas instituído. Haja vista a sobrevida.dº
IAA para muito além da sua utilidade e as discussões
em torno das reformas do DNOCS e da SUDENE
(Superintendéncia do Desenvolvimento do Nordeste)
Outro instrumento, historicamente fundf‘mentallf
a propriedade fundiária, que, aqui, como em oufrª? Pª;l
tes do país, mais do que recurso para a produgdo € a\:.a
para financiamento, simbolo de status familiat gªrªl"l
de preservação na memória coletiva local e region? rie-
posição no alto da hierarquia do poder local. A pfºrfíân_
dade da terra, não apenas a grande, tem uma impº ara
cia que ultrapassa a esfera econômica e Se dºsloc? F:]ue
a esfera simbólica do político. É nesta transmutd :ao
o Nordeste se diferencia das outras regioes do P a

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USSECA. NOVOS INTERESSES...
sEcA VERS 305
0 mandonismo e a organização oligárqui
ca são
instrumentos políticos bastante familiare
s ao exercício
do poder, na escala local, e conhecidos dos habitante
s
do Sertão nordestino, que del
es extraem o que podem,
sendo sua manifestação evidente nos
Períodos eleito-
rais, quando suas práticas adquirem visibilid
ade nacio-
nal. O poder político formal, que surge des
tas práticas,
incorpora-as e tem por tarefa essencial de sobrevivência
a sua reprodução. É na captura dos aparelhos for
mais
do Estado, nas três esferas de poder e da administraçã
o
da Federação, que se dá com mais eficiência o proces
so
que garante a permanência e a resistência às mudanç
as
(OLIVEIRA, 1981).
O cenário historicamente construído por estes
agentes sociais, com seus recursos econômicos e políti-
cos, é também conhecido por seus aspectos socialmente
perversos e por sua capacidade de sobrevivéncia.
Tentaremos indicar alguns de seus componentes.
Primeiro, a resisténcia de uma economia rural tradicio
-
nal, sem competitividade e pouco capitalizada. Refiro-
me às atividades realizadas pela elite econdmica rural
tradicional da Região. A contrapartida deste sistema
Produtivo é o miniftindio, cujo tamanho médio das pro-
Priedades ¢ o menor do pais, e, como decorrénc
ia dele,
a‘disponibilidade de numerosa méo-de
-obra que propi-
a relações de trabalho não formalizadas, cujo interlo-
ºf“lºr dos direitos e deveres do trabalhador é o pro
prie-
ário da terra, ou seja, o patrão, e não a legislação.
“Sundo, há falta de sustentabilidade geral das ativida-
& econômicas , frente a quaisquer imposigoes competi-
tivas que venh am de fora da regido e frente aos perio-
%5 Tegulares de estiagem. Terceiro, a fragilidade social

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% BRASIL: QUESTOES ATUAISDA REORGANIZAÇÃO
DO 1 .
ORig
da base da piramide social do meio rura] norq
estino,
que torna o minifundidrio, o parceiro, o morador as Víli-
mas imediatas das secas, mas também os eleit
Ores de
seus representantes. Esta dualidade de papéis Sociaj
não pode ser subestimada. Quarto, baixos níveis d:
investimentos nas atividades produtivas, por razoe
economicas, mas também por outras nao econômicas
(OFFE, 1984). Quinto, o Estado, através da sua estrutura
burocráticaí é o mediador principal das atividades des.
tes atores. É no Congresso Nacional e nos órgãos públi-
cos de ação regional que se dão as condições de decisões
que afetam estes grupos e suas atividades.
O conteúdo forte e essencial do discurso produzi-
do por esta elite é conhecido, mas vale a pena fazer uma
síntese. A seca é a palavra-chave. Ela representa falta de
chuva, mas também miséria, analfabetismo, doença,
descapitalização, natureza hostil etc. Mas a seca é tam-
bém,.na base do discurso, produtora de uma solidarie-
dade social que equaliza todos diante da sua força, pro-
dutores grandes e pequenos, proprietarios ou não. A
seca é também percebida como falta d'água e como ne-
cessidade de recursos para obté-la. O significado destes
contetidos vai muito além da relagdo entre natureza é
atividade produtiva, sendo mais evidente na relação .ºn'
tre a natureza e a produção de um imaginario politicor
socialmente equalizador e institucionalmente eficiente
para a obtenção de recursos financeiros e de poder

Novos atores econômicos

ooy aa f ário-
O novo aqui é definido a partir de seu contr .
ido àà complexidade
Devido : E
de uma diferenciação Z
caPpº?
«
.
CÁvels!
:
estabelecer dois conjuntos distintos e incomu'1ICáv

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5 SECA. NOVOS INTERESSES... 307
sEch VERS

estabele cemos como fatores de diferenciação os mod


T insefç㺠no sí'st.er.na produtivo, que
tem como com;):
cionantes es,senaals. .a terra como fundamento da pro-
Jucdo, porem assc.»c1ada ao capital e ao meio técnico
científico; @ escala {nternacmnal, além da local e nacio-
nal, necessária na disputa de mercados e na definição de
arâmetros de competitividade e de produtividade.
Aqui, @ incorporação de capital e tecnologia estabelece
as bases para a superação das chamadas condições limi-
tativas do clima semi-árido, sempre argumentadas no
caso das atividades tradicionais, e para o aproveitamen-
to racional das vantagens deste tipo de natureza. Cha-
mamos atenção, porém, para uma característica funda-
mental do que denominamos de novos atores. Embora o
capital tenha sido visto sempre, e reivindicado, como a
limitação maior das atividades da Região como um
todo, e do semi-árido em particular, a sua associação com
a tecnologia de ponta para alcançar, na agricultura, ní-
veis de produtividade e competitividade, nacional e in-
ternacional, é um fato novo. A perspectiva da possibili-
dade, e da necessidade, de sobrevivência da atividade,
mediante aquela associação, cria um “ambiente” empre-
sarial bem diferente do anterior, com desdobramentos
Possíveis que devem ser analisados. Afinal, não deve ser
Squecido que a sobrevivência da cana-de-açúcar, do
algodão e do gado, na maior parte da Região, por exem-
Plo, nada tem a ver com quaisquer destes dois requisitos.
" Ílílstes nov?s interesses 'econônllic'os engen.dram i:rt::
" dg :' questionando a visão trágica do chmíidsoeS "
út ºlu t:mef;ªm a estabelecer as b.a.ses_dos conteuaS -
* açõesOedlscurso regi(?nal, significativo 1de,2?;3 e
ir dos setzovªª parceérias, Estas de.s.envo ve .
res produtivos da Região, que, pelas

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308 BRASIL: QUESTÕES ATUAIS DA REORC'WÍZ


AÇÃO
á DO TERR TA
características, possuem importantes
local, seja pela criação de uma nova p e.f ¢itos na escaly
alsagem produs;.
va, seja pelas relações de trabalho, Seja pela cono,
:
entre produção e tecnologia, seja pela nECESSidª;Zexao
novas mediações econômicas e institucionais.
-
| Como exemplificação empiírica, será consider
ada á
fruticultura irrigada no Vale do Açu e
em Mossorg no
Rio Grande do Norte (Mapa 2). O obje
tivo da discus;ao
que será feita, é estabelecer traços essenciais que pos:
sam constituir eixos comparativos consistentes. Nesse
sentido, serão destacadas as características que possibi-
litam, nessa atividade, maiores ressonâncias na organi-
zação do espaço social, especialmente nas relações de
trabalho e nos espagos que se abrem para a participacio
politica.
Alguns esclarecimentos, porém, devem ser feitos
preliminarmente. Nao se trata aqui de discutir os pro-
blemas da agricultura irrigada no Nordeste e o papel do
poder público em prover os meios a ela necessérios,
com seu leque de desvios por influéncia dos poderes
econdmicos e politicos tradicionais. Há uma ampla lite-
ratura sobre este problema que, em grande parte, ”
centraliza na análise da ampliação e explicitação qº cor
flito social, provocado pelo aumento da influênçlí_ª g d.o
capital nas zonas irrigadas, reforgando os tradfcl?“.ªls
mecanismos de exclusão dos pequenos proprietdrios
fundidrios e dos trabalhadores rurais. Considerand‘);:
formas de influéncia e poder politico historicos no Zse
em geral e no Nordeste em particular, seria eSPanmSto o
os resultados nessas áreas fossem diferentes. Portar r:te
fio condutor da análise destes novos atores é Íusmfl;ctra-
tentar perceber que novas imposições eles trazef," ª«, S
dicionais articulações do econômico e social na ares

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115 SECA.NOVOSI INTERESSES... À
CAVERS 309
Mapa 2 — Oeste
do Rio Grande do
Norte

OCEANO ATLANTICO

Lagoado
Piatdr5
Açu

F Represo
! Armando
Ribeiro Gonçalv

— i a
Y
— Rodovia pavimentada = Candl E
----- ~- Rodovia não
Pavimentada ú
Salinas
Currais Novos J
F Area irrigada
— 40Km
Fonte:
* CAVIEDE C. N. e
S, t alii (1994)

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|

310 BRASIL: QUESTÕES ATUAIS DA REORGANIZAÇÃ


ÇÃO DO TERRITO
ORto
possíveis efeitos sobre os acordos que
historicam
garantiram equilibrio no domínio d 05 es ente
pagos polít;
A área analisada, bastante red u.zida Cos,
€ mais rece
se compararmos com a agricultur a irri nte
gada
do Vale d(;
São Francisco e oeste da Bahia, apresenta
algumas espe.
cificidades como: o menor peso da ação do poder públi-
co, que aqui limitou-se quase que exclu
sivamente à cons-
trucao de uma grande barragem,
uma vez que a implap.
tação de um perimetro público de irrigação
ficoy muito
aquém do projetado (VALÊNCIO, 1995), o menor
porte das
empresas aí instaladas, com exceção da MAISA

Mossoró Agro-Industrial S.A., com peso importante
do
capital e dos empresários regionais ou mesmo estadu
ais.
A área produtiva estudada localiza-se no
Município de Mossoró e naqueles que compõem a bacia
hidrográfica do Rio Piranhas-Açu. Este último

“é um dos espagos privilegiados no universo do semi-


drido do Rio Grande do Norte [...]. Esta Zona geoeco-
nômica, integrada pelas Serras timidas e as dreas das
Bacias de Irrigagio, embora esteja contida na poligo-
nal Zona Semí—Árida, distingue-se desta exatamente
por apresentar condições climáticas e de solos extre-
mamente favoráveis ao aproveitamento agropecuário”
(GOMES DA SILVA, 1992).

A presença da represa Armando Ribeiro Gongalves, U


ja construção foi iniciada em 1975 e concluída em 198?'
garantiu a valorização das terras do baixo vale do Rio
Aguea implantagio da agricultura irrigada em mºldºí
empresariais, atraindo um novo tipo de prop
rietário 'rurª
€, conseqtientemente, novos tipos de disputas e con.flllº'ª'.
: O interesse nesta atividade consiste, Priorlta
rla

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OS INTERESSES...
SECA VERSUS SECA. NOV ki

mente, nas necessidades que ela cria na escala local. A


mais inovadora e significativa é a dependéncia da pes-
quisa para desenvolvimento de tecnologia adequada
aos recursos da drea e da produção. As caracteristicas e
dificuldades da transferéncia de tecnologia na agricultu-
ra são muito diferentes daquelas observadas para a
indústria, ou mesmo para a pecudria. A transposigao de
sementes nao oferece qualquer garantia de que os resul-
tados sejam iguais aos de seu lugar de origem. H4
necessidade de adaptagdes, que em alguns casos podem
durar alguns anos de observações e experimentos.
Portanto, o investimento em pesquisa é uma necessida-
de de cada empresa, tanto na corrida para novos produ-
tos, como na corrida da produtividade e de pregos mais
competitivos. Com relação & mao-de-obra, sua utiliza-
ção para tarefas de plantio, colheita e empacotamento
das frutas, além da administragao, garante, de acordo
com informagoes da PROFRUTAS — Associação dos
Produtores e Exportadores de Frutas Tropicais do
Nordeste (1995), com sede em Mossord, 12.000 empre-
gos diretos e fixos nas empresas. Como estratégia de
ampliação da produgéo, surgem novas relagdes entre
produtores, através de sistemas de associagdes entre as
empresas e pequenos e médios fornecedores, instituin-
do-se uma revalorizagio e recomposigio das atividades
em algumas pequenas e médias propriedades da érea.
Os efeitos da fruticultura irrigada devem ser ava-
liados em função dos seus desdobramentos necessarios
em diferentes escalas. Em conjunto, estas atividades
definem suas conexdes nas escalas local, regional, nacio-
nal e internacional, porém de modos e prioridades dife-
fenciados. Ou seja, na escala local encontra-se a base
Produtiva — solo, sol, água, mão-de-obra e infra-estru-

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" BRASIL: SIL: Q QUESTÕES
ATUAIS DA REORGANIZAÇÃO
GAOD D: TERRITÓRIO
"

esferas admi.
tura — € as mediações polit‘icas locais =
nistrativas públicas, Sindlºªt(')f rurais, associações
empresariªisr representa.ntes politicos. A escala regiona]

pode ou nao constituir um mercac.io, porém como


mediagdo para recursos nao pode ser ignorada, pois el
define o recorte administrativo de importantes fundog
públicos e de solidariedades politicas de atuação nacio-
nal. A escala nacional, por sua vez, é importante como
mercado, pois a parcela da produção que não consegue
colocagdo no exterior é, em muitos casos, superior a
50%; como fonte de financiamentos — BNDES, Banco
do Brasil — e como mediadora e interlocutora interna-
cional. A escala internacional é fundamental como defi-
nidora dos parametros de qualidade dos produtos e da
sua competitividade, pois trata-se de atividade produti-
va que se instala estimulada pela perspectiva do merca-
do externo e organizada de acordo com as exigéncias
dos padrões técnicos e cientificos desses mercados.
Comparando as condições mesmas de sobrevivén-
cia da fruticultura irrigada com aquelas tradicionais,
fica evidente que os instrumentos utilizados são bastan-
te diferentes. Grandes investimentos de capital e incor-
poragao de tecnologia à produção são essenciais. É 0
bindmio capital e tecnologia que garante a necessaria
competitividade nos planos nacional e intemacionªl?
além disso, é a racionalidade do mercado que define à
escºu_]ª dos produtos e o porte dos investimentos- /

o iniversidades, empresas, órgãos il


associação e a cooperação com laboratórios de pesqu"

SS iculdades ssário, pelas próprias especificidad®


dif da transferênci de
na agri u"
logia
culto,
. É, Póktanto, i1 r_\cxa tec'no ?gla. n
É útic
Seja para solu > a inserção no meio técnico-ciê e
ção de problemas dos produtos, de pro

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INTERESSES...
SEC A VERSUS SECA. NOVOS 33

mas ofganizacionais das empresas, ou da utilização de


sofisticadas redes de informatica, garantindo a ligagao
do local a0 mundo, que confere a essa atividade um
caráter bastante particular.
Outro instrumento é a propriedade fundiéria, bési-
ca a esse tipo de empreendimento. Ela garante espaços
parad rotação de terras, reservas para expansao da pro-
dução e também reservas de valor, aqui fundamental-
mente monetério e não simbdlico. Ela não é o trunfo
essencial para a mediacao dos interesses empresariais
com o poder publico, que se faz tanto na relagao direta
como através de associagao dos produtores na escala
local.
O cendrio produzido por estes atores, se ainda não
signifi-
possui visibilidade em todas as suas nuangas, é
de
cativo de novas situações. Em primeiro, trata-se
de
aproveitar a oportunidade aberta pela elevação
de fru-
renda e pelo conseqiiente aumento na demanda
mundo
tas frescas e variadas nos mercados do primeiro
há uma econo-
e da classe média nacional. Em segundo,
e
mia altamente capitalizada, tecnicamente sofisticada
como internacio-
Ú competitiva, tanto no plano nacional
mini-
nal. Em terceiro, há necessidade de mão-de-obra,
de produ-
“" mamente treinada para as atividades diretas
niveis, 0 que
v ção, e altamente qualificada nos outros
e a
ú favorece a normatização das relações de trabalho
o pr inci-
¢ atuacio dos movimentos sindicais. Em quarto,
f Pal mediador das relações de trabalho é a legislação tra-
empregados e
é — balhista, que define direitos e deveres de
é registra-
empregadores. Mesmo o trabalho temporario o interlocu-
. Neste caso,
do e ob edece s normas legais
trabalho for-
É a empresa, o que torn a as relagoes de
tor ¢
. cem as
alizadas e impessoais. Em quinto, permané
Malj É

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314 BRASIL: QUESTOES ATUAIS DA REORGAN[ZAÇÃODOTERRI õ
T Rip
possibilidades de complementagio com a
familiar, no caso do minifúndio, e tém sur agricultura
nOVas gldO
possibilidades para pequenos e médios Produtor eg
através da terceirizagao da produgao
, oy associacyy
como preferem nome ação,
ar, na 4rea estudada. Ha tr
ansfe.
réncia de tecnologia, prevista nos contratos de
f Orneci-
mento desses produtores com as empresas,
feitos com 5
mediagdo do Banco do Brasil e do BNB,
que fornecem
financiamentos para embalagem ou outras
etapas da
produgéo. Finalmente, a condigao de
sustentabilidade
dessa atividade está, entre outros pontos
já indicados,
na falta de chuvas como um recurso e
não como um
obstáculo.
O discurso produzido por estes atores tem
como
palavra-chave, também, a natureza, porém nele
percebi-
da como um potencial inestimável e um recurso
reden-
tor da economia regional, tanto pelas possibilid
ades de
modernização, como pela perspectiva de inser
ção com-
petitiva nos mercados nacional e internacional que ela
oferece. O binômio clima tropical semi-árido e moder-
nas técnicas de irrigação é avaliado como altament
e
favorável ao desenvolvimento de uma economia
agrária
sustentada, competitiva nacional e internacionalmen
te,
com amplas possibilidades de aproveitamen
to das
“janelas de mercado”, abertas pelo inverno
das áfª.ª.ª
temperadas dos hemisférios norte e sul e pelas possibl.ll'
dades oriundas da ampliação do mercado urba
no nacio”
nal. A idéia forte veiculada por estes,
ainda poucos, o
madores de opinido estabelece a
alternativa a “falta d:
vontade política”, como entrave ao desenVºlVifn(É,nt
regional, apontando a “falta de vontade empresarlal . Ú
b.inômio irrigação e tecnologia é consider
ado como
€1x0 de manutenção de uma economia
agrária capa?

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SECA VERSUS SECA. NOVOS INTERESSES.,, -

criar fortes efeitos multiplicadores


Para a sociedad
.
ral e para a política. E a

Significados possíveis destes novos atores

O solapamento das bases do dis


curs 0 da seca, ou
melhor, do seu mito fundador, é um
primeiro efeito
positivo. Mesmo os cientistas soc
iais mais bem-intencio-
nados fazem longas discussões
sobre a “seca”, tentando
diferenciar sua dimensão climática, e, portan
to, natural,
de sua dimensão social. Na realidade
, essa diferenciação
só reforça o elo inevitável entre este
tipo de natureza e
os graves problemas sociais no territ
ório. A Seca é, e
sempre será, uma característica climética
, como o são o
longo inverno e as tempestades de neve nas
altas latitu-
des, os tufões no Caribe, as monções na Asia.
Se a socie-
dade não estd preparada para conviver com as vic
issitu-
des de seu clima, é outro problema. Por que não exi
stem
hordas errantes na Australia ou na Califérni co
a mo
existem no Sahel Africano? As longas estiagens
apenas
conferem visibilidade à fragilidade dos meios de subsis-
téncia de uma parcela importante da popula
gio que
habita o Sertão semi-arido do Nordeste brasil
eiro, em
conseqiiéncia do tipo de organizagao social
historica-
mente alj implantado, como daqueles que ha
bitam o
Sahel, após as longas e desastrosas aventu
ras da coloni-
zação e da descolonizagio no continente africano.
Quanto às relações de produção, a ampliagdo de
relaç
Oes de trabalho sem contratos estabelecidos pela
mediação dos proprietários indica a superação de um
OrMmato de relações paternalistas, que reproduzem uma
'_erªrquía social rígida, na qual o trabalhador rural par-
Cei
o, Morador, arrendat é o trunfo que garante a
ério

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316 BRASIL: QUESTÕES ATUAIS DA REORGANIZAÇÃO DOT
ERRIT()R[
0
manutengao da estrutura agraria, com a redy
SãO das
tensões pela aparéncia de acesso a terra que é dad
trunfo àa
estes trabalhadores rurais, e é também o
ica, reafirmaãlaue
garante a estrutura política oligárqu
cada período eleitoral com a participação do voto deSseZ
trabalhadores.
A substituição de contratos de trabalho, mediados
pelo proprietário de terras, por contratos com empresas,
mediados pela legislação trabalhista, tem um efeito
importante na ampliação dos espaços de organizagio e
atuação dos sindicatos rurais, sempre obstruídos pelo
personalismo e pelo compadrio nas relações de traba-
lho. A impessoalidade nas relações capitalistas, se por
um lado permite à empresa maior exploração da sua
força de trabalho, por outro favorece a organização dos
trabalhadores, que, em conjunto, têm mais possibilida-
des de fazer ouvir suas reivindicações e de obter maio-
res ressonâncias e respostas. Afinal, os níveis salariais
do ABC paulista devem-se mais à ação organizada dos
trabalhadores do que de concessões das empresas (OLI-
VEIRA, 1990). Não se trata aqui de estabelecer qualquer
comparação ou uma perspectiva linear dos movimentos
dos trabalhadores, mas apenas ressaltar a importância
da organização do setor trabalho como um dos vetorês
historicamente, mais eficientes para dar visibilidade e
conduzir demandas sociais no sistema capitalista-
Ja se observa na fruticultura irrigada do Rio Gran-
de do Norte alguns efeitos multiplicadores para peque
nos e médios proprietérios. A terceirizagdo, 0U ªªªº?c,'ª'
ção, de parte das atividades dessas empresas signific?
repasse de tecnologia e inserção destes agricultores l‘lu_m
clrcuito produtivo e comercial que garante sustentas
. . .
ao

das suas atividades.

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BIDHOTECA-Fr
P RM
gRSUS SECA- NOVOS INTERESSES...
el
Com relação à pr.opriedade fundiária,
se a ativida-
de empresanal no ClllTl.?.l seml-ando)contribui para a
anutenção do m(?no.pollo da Ferra, há um novo signifi-
cado nesta aprqprlaçaq ou seja, Cf)rppetitividade, pro-
ução, tecnologia, caç?l_tal e produtividade, e não status,
tradição, herarllça famxlla_r, aval pfira fundos publicos, ou
capital simbolico para o ]'ogc? Polmco.
Finalmente, outro significado importante da entra-
da em cena destes novos atores refere-se a sua racionali-
dade produtiva, que requer mão-de-obra mais qualifica-
da e mais preparada para as características do circuito
monetário. Ou seja, o valor do dinheiro para atrair e
manter o trabalhador vinculado à empresa e interessado
na produção é o mesmo motor que o fará apoiar as lutas
sindicais por melhores salários, eleger novos tipos de
representantes ou exigir novas ações dos antigos.

Conclusões e Sugestões de Novas Questões

As possibilidades de rupturas no real, a partir do


novo imaginário contido no discurso que exalta as qua-
lidades do clima semi-árido do Nordeste, não signifi-
cam, absolutamente, um wishfull thinking acadêmico
ingênuo. Na realidade, o discurso é importante pelo que
fevela (FORGET, 1994), e a imagem trágica da seca, num
País inserido no sistema mundo como produtor de tec-
“_ºlºgias intermediárias e como espaço aberto à inova-
f;’:s :"dógena e exógena (BECKER e EGLER, 1992), encon-
e ca‘:“(’nalme.nte esgotada. Seu ‘conteudo' sllmb.ohco
Signo q: Vêz mais esvaziado frente a desquahflcasao d.o
malls ?Yl-
dente, d: zgero.u; trata-se, de modo cada ve.z
que ele Prém‘dlsc}lrso que se su?tenta no 1magma‘rxo
Prio criou, e nisto reside a sua força e sua

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318 BRASIL: QUESTÕES ATUAIS DA REO
RGANI
ORlo
capacidade de sobrevivência e reprodução; i
ser também a sua fraqueza, desde que a seca, Pode
mais é do que um fendmeno climatico, seja fi que nada
colocada no seu devido lugar. Enquanto a se nalmente
ca for, de
algum modo, percebida como dimensao socia
l as bases
simbdlicas do discurso tragico estario sendo
alimenta.
das, e certamente todo o seu desiderato.
Mesmo considerando que o mesmo ator pode ser
moderno na economia e tradicional na politica, e a
sociedade nordestina conhece bem esta dualidade, a
expansão do agrobusiness?, ao atrair uma parte da elite
agrária regional tradicional, ou seus descendentes, esta-
belece a possibilidade de traição dos seus próprios
métodos, ou seja, aqueles das atividades lucrativas, mas
cuja competitividade possa ser mediada pela política.
Como este não é o caso da competição na escala interna-
cional, novas mediações são exigidas para a sobrevivên-
cia nessa atividade.
Neste segmento da produção regional, as articula-
ções em múltiplas escalas permitem algumas reflexões
sobre o papel dos agentes, nela envolvidos, para a eco-
nomia agrária regional. Por um lado, a necessária cone-
xão entre escalas de produção e de consumo, das ecº[lº'
mias modernas, impõe novas mediações e superações
das formas tradicionais, abrindo espaços para "OIV:
alternativas produtivas e novas solidariedades-d:n_
pode ser, por enquanto, apenas um embrião de mu i
Ga, mas cuja existéncia merece atengao. Por outr'ol a ªga S
cultura tem sido o setor da economia nº'des“?a ::as,
resistente a mudancas, tanto economicas € técn
como sociais e politicas, ao contrario dos SE tores u”
— 4 s qué a
. acreditam®®
2 Trata-se, nesta pesquisa, do Rio Grande do Norte, mas acr
situação se reproduza em outras dreas da Região Nordeste-

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NOVOS INTERESSES...
SECA VER 'SUSSECA. 319
nos industriais que acompanharam de perto, e até em
ritmo maior algumas vezes, as transformações ao nível
nacional (OLIVEIRA, 1990; CASTRO, 1992). Ao mesmo
tempo, a persistência do atraso na zona rural regional é
também um elemento decisivo para o triste privilégio
de locus da pobreza nacional (ABRANCHES, 1985; ROCHA,
1995) e do clientelismo político de tipo oligárquico, o
que nos leva a apontar perspectivas favoráveis nas
mudanças deste quadro, apesar de conscientes das esco-
lhas trágicas que a modernização capitalista sempre
impõe.
A fragilidade política, tanto nas escalas local como
regional, de alguns desses novos agentes econômicos,
indica uma tendência, já em curso, de alianças entre eles
e políticos ou burocratas, na busca de espaços de repre-
sentação de interesses. No Ceará, apesar de os promoto-
res econômicos mais importantes terem sido do tipo
urbano industrial, foi iniciada uma gestão empresarial
na política, como resultado concreto de um projeto
empresarial de ocupação de espaços institucionais,
baseado em novas alianças, com alguns efeitos já per-
ceptíveis (GUNN, 1994). Esta é, a médio prazo, uma alter-
nativa, mesmo que ainda frágil, ao pacto oligárquico.
Também na perspectiva da recente questão coloca-
da pela relação entre o lugar e o mundo, GUIDDENS
(1991) nos fornece algumas pistas para 0 nosso proble-
ma, quando afirma que “as organizagoes modernas são
capazes de conectar o local e o global de formas que
seriam impensaveis em sociedades mais tradicionais, e,
assim fazendo, afetam rotineiramente a vida de milhoes
de Pessoas”. Esta não é certamente uma grande novida-
:º Para nós geógrafos e nossa perspectiva em lidar com
l;ãªçºs regionais e a sua continua abertura.p'ara conf'c-
08 ao nacional e ao global, porém a empiria também

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30 BRASIL: QUESTOES ATUAIS DA REORGANIZACA
ÇÃODO TERRITÓ
TOR[()

nos ensina que os Processos espago-temporajs o


ao São
homogéneos, nem tampouco homogeneizam ;s € quE a
concreta interligação dos lugares a um mundo global;
zado por modernas e sofisticadas redes técnicas não le:
um fato ubíquo nem banal, o que lhe confere um signifi.
cado a ser considerado.
Do ponto de vista social e politico, a inovação
ocupa ainda um espaço muito pequeno. Este não amea-
ça, em extensão territorial ou em ocupação de espaços
de poder, o há muito estabelecido, mas, pelo menos, já
tem possibilitado a construção de um novo imaginário
sobre o clima semi-árido no Brasil, substituindo suas
mazelas por suas benesses. Além disso, o status da ciên-
cia e da tecnologia, como passíveis de romper com
estruturas arcaicas, começa, com atraso e de modo
ainda restrito, a ter mais valor do que a tradição. Como
a nossa histéria pode ser muito lenta (MARTINS, 1994),
mas não infensa a rupturas, trata-se de observar atenta-
mente as ocorréncias das inovagoes, suas dimensoes e
os significados dos rearranjos das estruturas de poder
nas diferentes escalas territoriais que elas propiciam.
Mas, trata-se também de ficar atento aos novos termos
do discurso politico tradicional, que tem sabido inco'r-
porar com muita competéncia as bases da sua propri
negacao, para diferencia-la de um outro, que já se P%
em marcha; responsavel pela criação de um ambienté
politico mais favoravel a mudangas.

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