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A Amazônia brasileira é um dos maiores patrimônios naturais do país, localizada no norte do

Brasil e compreendendo cerca de 60% de todo o território nacional (IBGE, 2004). Com uma rica
biodiversidade, a Amazônia é responsável pela manutenção do clima e da chuva em diversas regiões
do país, além de ser um importante pólo de desenvolvimento de pesquisas científicas e medicinais. A
região também é essencial para a subsistência e cultura de populações tradicionais e indígenas, que
dependem da floresta para sua sobrevivência e preservação de seus modos de vida. No entanto, a
Amazônia enfrenta inúmeros desafios, como o desmatamento, grilagem de terras e invasões, além
do garimpo e da biopirataria, que ameaçam sua preservação e colocam em risco não apenas a
biodiversidade, mas a sobrevivência de populações inteiras. A importância da região fala por si só:
além de ser a maior floresta tropical do mundo, tem muitas espécies endémicas, localizadas em seus
ricos ambientes terrestres, aéreos e aquáticos. Com uma grande rede hidrográfica em torno da bacia
Amazônica e seus afluentes, a região contribui para a regulação das chuvas e do clima, não só em
escala regional, mas também nacional (Ab’Saber, 2003).
A floresta amazônica, apesar de toda a importância retratada acima, observa
impotentemente sua destruição que segue a passos largos. Basta uma rápida observada no Google
Earth e percebemos o quanto as diferentes fronteiras agrícolas vem avançando em direção a norte e
noroeste do Brasil, com estados que um dia foram cobertos pela floresta, como o norte de Mato
Grosso e Rondônia, foram transformados em imensos quadrados, retângulos e polígonos isolados,
típico do chamado desmatamento de grande propriedades.
Em sua tese de doutorado, orientada pelo geógrafo Wanderley Messias da Costa, a
professora Neli Aparecida de Mello define a região como “uma das últimas fronteiras de expansão
econômica e territorial”. É uma delimitação interessante, pois define bem a forma como a região tem
sido tratada em sua história recente. Além da questão de ocupação estratégica, que será longamente
tratada no presente trabalho, o Estado brasileiro tem visto a região como reserva de recursos, outra
definição que dialoga perfeitamente com a proposta pela professora Neli. Ambas as visões foram
intensificadas nos governos militares, que durou de 1964 até 1985, momento seguido pela posterior
redemocratização. Foram nesses governos ditatoriais que se inicia uma nova época para a Amazônia,
com as políticas de ocupação territorial e integração nacional.
Por que consideramos que uma nova época se inicia para a região com as políticas públicas
territoriais do Estado militar brasileiro? A resposta é complexa, e necessita de certa fundamentação
teórica. A pergunta pode ser paradoxal, já que a região sempre foi vista quase pelo mesmo prisma,
durante os diferentes momentos da história do Brasil, como evidenciou o jornalista João Moreira
Salles em seu livro Arrabalde, no qual relembra historicamente o espaço que a região ocupou no
Brasil: um espaço de distância, tanto no imaginário quanto nas políticas públicas, tanto no espaço
físico quanto no espaço político. O que mudou então? Como um golpe militar na capital brasileira, a
centenas de quilômetros de distância da região, poderia mudar radicalmente os rumos da Amazônia?
É o que se pretende aqui investigar. O fato de em 1980 apenas 1,6% da floresta amazônica ter sido
desmatada e hoje já se passar de mais de 20% nos ajuda a responder.
O regime militar marca também um novo momento para as políticas de planejamento
territorial. Sabemos como foi o caso da SUDENE, por exemplo, em que há uma virada de chave
radical nos rumos em que a Superintendência estava indo. Para a região Amazônica o governo
federal pretendia ter maior participação nas políticas públicas, tomando para si a responsabilidade
de ocupar, integrar e desenvolver. Os motivos são vários: a região era (e ainda é, por determinado
segmento da sociedade) vista como estratégica, em vários sentidos que este conceito pode remeter.
Estratégica geopoliticamente, pois afinal é a maior área de fronteira do Brasil, e era necessário
ocupar a região por brasileiros, antes que outro país o fizesse; estratégica economicamente, já que a
região teria um papel claro e bem definido nos grandes projetos de infraestrutura energética que
foram implementados, além é claro dos imensos mega projetos de exploração dos recursos naturais
e minerais, como Grande carajás; estratégica demograficamente, já que a região era vista como
vazia, e poderia servir para aliviar as tensões territoriais em outras áreas do país, como o Nordeste
brasileiro, evidenciado com o slogan da abertura da transamazônica: “uma terra sem homens para
homens sem terra” (a rodovia liga precariamente estados nordestinos a estados do norte).
As políticas foram implementadas em diversas frentes, que demonstram cada uma das
facetas que acabamos de conceituar. Vamos começar pela mais importante e mais sintomática delas:
o Plano de Integração Nacional (decreto de lei nº 1.106 de 16/06/1970). A política tinha como
objetivo, como o próprio nome já demonstra, integrar a região Amazônica ao Brasil, de forma a
desenvolver a região, facilitar a produção de commodities e claro criar mecanismos para escoamento
dos produtos. O projeto tinha três grandes frentes: a abertura de grandes estradas, como a própria
transamazônica, a Cuiabá - Santarém e a Belém - Brasília, além de diversas estradas de menor porte
para ligar a malha urbana interna. Tinham o objetivo de maior integração regional, de facilitar a
entrada e saída dos migrantes, além de possibilitar a futura industrialização, criando mecanismos de
atração da indústria automobilística, como a chegada de matéria prima e de ligação com o mercado
consumidor. O tema das estradas merece um estudo próprio, já que estradas não são indicadas para
zonas equatoriais, em que os índices pluviométricos são altíssimos, e não à toa diversas estradas se
tornam intransitáveis à metade do ano. A segunda frente é a que se refere aos projetos de
colonização, tanto na criação de novos centros urbanos (como a cidade paraense de Novo
Progresso), agrovilas e assentamentos nas margens das estradas recém abertas. A política
federalizou 10km de cada margem de estradas recém abertas, tornando estas terras do governo
federal. E a terceira frente se tratava da transferência de 30% dos recursos financeiros dos incentivos
fiscais com origens em abatimentos de imposto de renda para aplicação do programa, bem
pontuado pelo professor Ariovaldo em sua obra.
O projeto, implementado em 1970 pelo governo Médici, hoje pode ser visto em retrospecto,
pois já tem mais de 50 anos de sua aplicação. As estradas serviram, e ainda servem, para maior
penetração do desmatamento e do garimpo nas florestas, processo que muitos autores
convencionaram chamar de desmatamento espinha de peixe, pelo formato que se tem quando
observado de imagens de radares. A partir deste programa o governo Médici lança a campanha de
“Integrar para não entregar”, alegando que se o Estado brasileiro não ocupasse a região outro Estado
o faria (UMBELINO, 1988). O clima de guerra fria e a constante paranóia militar serviram
perfeitamente para justificar a empreitada, além do fato que a região era sensível aos militares, haja
vista os recentes acontecimentos da Guerrilha do Araguaia. Evidentemente as políticas contaram
com propaganda massiva, utilizados os meios de comunicação da época como o rádio, tv, jornal e
revistas, para tentar persuadir a população de que os projetos faraônicos típicos do período eram
relevantes. A análise das diversas publicações em revistas e jornais da época também merece análise
própria, pois diz muito sobre a concepção que se tinha (e ainda se tem) da floresta. Segue um
exemplo da propaganda feita pelo Ministério do Interior em parceria com a SUDAM:
Nas últimas cinco décadas, a exploração da região amazônica foi amplamente documentada
em diversos tipos de mídia e publicações, incluindo revistas, publicações oficiais, livros, filmes e
objetos comemorativos ou propagandísticos. O discurso predominante da época apresentava a
Amazônia como um obstáculo ao desenvolvimento e ao bem-estar dos brasileiros, que deveria ser
"dominado" pela ação humana. No entanto, essa visão simplista e reducionista omitia
completamente a riqueza e complexidade do ecossistema local e as milhares de formas de vida que
habitavam a região há séculos, em um sistema integrado ecológicamente com altíssimo grau de
endemia, muitas vezes com espécies que habitam apenas uma montanha, apenas um quadrante
florestal ou até mesmo apenas uma árvore (MEIRELLES, 2006). Com tamanha destruição, estamos
perdendo espécies antes mesmo de saber que elas existem A percepção do território na época era
clara nas propagandas: campos ordenados e cultivados, lavouras bem organizadas, refletindo a
civilização, enquanto matas densas representavam a barbárie, uma floresta a ser dominada. Esse
pensamento ocidental foi trazido para o Novo Mundo e incorporado pelo Estado Brasileiro, refletindo
a mentalidade dominante da época. A cumplicidade do Estado e de setores poderosos da economia
nacional e internacional na exploração desenfreada da Amazônia teve consequências desastrosas
para o meio ambiente.

Historicamente, é difícil descrever a região Amazônica. Em seu livro Amazônia, Amazônias, o


autor Carlos Walter Porto Gonçalves afirma que diversas formas foram utilizadas, tanto pelos
políticos, na formação de políticas públicas que tinham uma concepção na região que fundamenta o
planejamento regional, quanto pela sociedade, em preconceitos que se fazem de outros
regionalismos ou em sua consciência coletiva sobre um lugar distante. o Autor afirma que as visões
que se tem da região são, geralmente, associadas ao atraso, como floresta homogênea, como
reserva de recursos ou futuro do Brasil (essas duas as mais problemáticas, como será visto) e que
nenhuma destas classificações dá conta da complexidade que existe no local.
Já a autora Bertha Becker, em sua clássica obra, Amazônia, afirma ser a região uma terra de
mitos: Eldorado, Inferno Verde, paraíso perdido, e soma-se a isso um mito mais recente que a autora
não teve a chance de conhecer, o da cidade perdida de Ratanabá. Enfim, novas facetas de um
fenômeno antigo, a que a autora se refere como imagens historicamente construídas sobre a região
que se reproduzem com novas feições e intensidade (BECKER, 1990).
Na segunda metade do século XX, a região entrou na perspectiva do planejamento regional.
Este processo, que como veremos seria intensificado durante os anos dos governos militares, se
inicia em 1950, com a criação da Superintendência Para a Valorização Econômica da Amazônia
(Wanderley Messias da Costa, 1995). Evidentemente, não se pode entender a região amazônica
(assim como nenhuma outra) dissociada de seu câmbio nacional e até mundial, formando uma
complexa relação entre região - totalidade. Nesse sentido, entendemos que se inicia com esta
política novos paradigmas na relação com território brasileiro, e duas regiões especificamente
incorporam o planejamento regional: a Amazônia e o Nordeste brasileiro. Não será o tema central
desta pesquisa investigar o planejamento regional como um todo, embora será necessário se
apropriar de conceitos e processos, e principalmente, entender quais as ações deste período que
culminaram na criação da SUDAM e nas posteriores políticas de integração territorial da Amazônia
brasileira.
O que se pretende investigar no presente trabalho é o processo de Integração regional da
Amazônia que se iniciou com os governos militares nas décadas de 1964 - 1988.
O Tema não é novo para a geografia, como será visto em um levantamento bibliográfico: foi
amplamente discutido por Ariovaldo Umbelino de Oliveira, em sua obra Integrar Para Não Entregar -
Políticas Públicas e Amazônia; o autor, porém, tem maior enfoque na internacionalização dos
recursos minerais da região. A autora Neli Aparecida de Mello se debruça sobre o tema em sua obra
Políticas Públicas Territoriais na Amazônia, obra que será intensamente utilizada, pois é até os dias de
hoje citada e referenciada nas discussões sobre o tema. Em sua obra Amazônia - As Raízes da
destruição, o jornalista Ricardo Lessa investiga quais processos levaram a destruição de uma gigantes
área como a da região Amazônica, desde as primeiras entradas e picadas na mata, feita por
portugueses, espanhóis, franceses e holandeses, naturalistas e bandeirantes, até a mais recente
incorporação ao Brasil, já na forma de Estado Nacional.
As políticas públicas de ocupação territorial implementadas pelos governos militares no
Brasil entre as décadas de 1964 e 1988 tiveram um impacto significativo na Amazônia, nas áreas
urbanas e rurais, nos latifúndios já existentes e em suas populações tradicionais. A construção de
estradas, hidrelétricas e outras infraestruturas, bem como a expansão da fronteira agrícola e a
exploração madeireira e mineral, além é claro dos imensos projetos de colonização implementados
na região, resultaram em mudanças profundas na ecologia regional, bem como em conflitos
socioambientais e violações de direitos humanos (Ricardo Lessa - Amazônia: As raízes da destruição).
No entanto, apesar de sua importância, ainda há muito a ser entendido sobre como essas
políticas foram implementadas e quais foram suas consequências específicas para a região e suas
populações. Este projeto de pesquisa tem como objetivo investigar as políticas públicas de ocupação
territorial implementadas pelos governos militares na Amazônia entre as décadas de 1964 e 1988,
buscando entender como foram implementadas e quais foram suas consequências ambientais,
sociais e culturais. Quais as consequências destas políticas? A quem elas interessavam, no período de
sua realização? Quais dos muitos desafios que a região passa hoje tem suas raízes nas políticas
públicas de integração territorial?

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