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UNIVERSIDADE EVANGÉLICA DO ESTADO DE GOIÁS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO, MESTRADO E DOUTORADA EM
SOCIEDADE, TECNOLOGIA E MEIO AMBIENTE

Disciplina: Abordagem Territorial do Cerrado


Docentes: Sandro Dutra, Altair Sales, Ricardo Assis, Murilo Mendonça, Eguimar
Chaveiro
Discente: Lara Nunes Lobo Riccioppo Costa
Tema: Cerrado

O CERRADO EM RETALHOS

O Cerrado se encontra em retalhos, é o que dizem nos estudos e pesquisas


recentes, a marcha ao Oeste, como se depreende da obra “ No Oeste, a Terra e o Céu” do
Prof. Sandro Dutra e Silva, o Cerrado era apresentado como um potencial local de
povoamento e prosperidade através de seus recursos naturais, com o intuito de atrair
colonos nacionais e estrangeiros, e que, conforme demonstrado na referida obra, deu
certo!
A partir de 1949, iniciou-se o progresso da maior “fronteira humana” sendo sede
de várias atividades de extrativismo como mineração, pecuária e agricultura, o
transformando desde então em um território sob a primazia “de variáveis externas,
moldadas pelos atores que controlam a reprodução do capital. Esse processo transforma
sua condição de ambiente natural num ambiente capturado por relações ditadas pelas
classes hegemônicas” como afirma Castilho Chaveiro.

Diante da possibilidade do progresso, se estabeleceu nesta apropriação do Cerrado


as consequências nefastas de um sistema capitalista, que buscou integrar o território aos
circuitos do capital em Goiás, e à medida que o destruía, também o conhecia como
farmácia natural com potente farmacopeia, demonstrando assim, sua grandeza não só
econômica, mas também social e biológica.

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Desta feita, o território do Cerrado ao se afirmar por uma economia de expansão


teve como resultado a destruição do bioma, o mecanismo de sua transformação em suas
atividades extrativistas já ditas anteriormente, especialmente a agricultura, reconhecida
na economia mundial, lhe gerou a pressão da fragmentação, confinamento e redução das
terras de povos indígenas e camponeses.

Surgindo contradições incontroláveis em seu corredor produtivo sob as custas da


degradação ambiental e da desigualdade social, passando a ser denominado “mundo do
Cerrado” pelo antropólogo Carlos Rodrigues Brandão.

Para ele “As paisagens diferenciadas com cores acinzentadas; as mudanças


abruptas das paisagens com as mudanças das estações. E também as vastidões dos
interiores abrangendo grande porção do território brasileiro; o espetáculo de forças das
chamadas florestas anãs dos matos carrasquenhos, de árvores tortas e pequenas; as ricas
e diferentes drenagens formadas por nascentes, córregos e rios. O profundo dinamismo
da economia comercial fundada em agrotóxico; as linhas uníssonas das monoculturas; a
luta de povos indígenas e Sem-terra; a diferenciação das fitofisionomias e a desigualdade
regional interna com vigorosos contrastes na distribuição da população entre as regiões e
entre as cidades e o campo, de fato, esculpem um mundo específico”.

Observa-se desse estudo que foi o modo de sua inserção na economia mundial,
que o definiu como um território desigual, que nega seu bioma e sua diversidade,
culminando no resultado atual desastroso de mais de 50% de “área convertida”, onde se
vê no lugar da vegetação nativa, espaços abertos ocupados por pastagens, conforme dados
apontados pelo Núcleo de Estudos Socioambientais (IESA) da Universidade Federal de
Goiás (UFG).

Sabe-se que o Cerrado é o segundo maior bioma da América Latina, ocupa 24%
do território nacional, é o berço das águas, abastecendo os três maiores bacias
hidrográficas da América do Sul (Araguaia-Tocantins, São Francisco e Paraná),
alimentando três dos maiores aquíferos do mundo (Urucuia, Bambuí e Guarani), e ainda
sim a sua invisibilidade predomina, pois não faz parte de um plano nacional de
monitoramento via satélite contínuo, como é o caso da Amazônia.

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Em que pese o governo haver lançado o PPCerrado (Plano de Ação para


Prevenção e Controle do Desmatamento e das Queimadas no Cerrado), sua aplicação e
eficácia, bem como a coordenação entre os diferentes ministérios e agências públicas
relevantes, são mais fracos do que os planos gerados para a Amazônia, analisa a
pesquisadora do (IESA), Eliane Silva.

O “avanço” econômico que para alguns trata-se de ilusão, ocorreu sob a pressão
das técnicas de cultivo predatórias, o autor de Raízes do Brasil, Holanda define em sua
obra que “a verdade é que a grande lavoura, conforme se praticou e ainda se pratica no
Brasil, participa, por sua natureza perdulária, quase tanto da mineração quanto da
agricultura”.

Para Sandro Dutra e Silva, em sua obra “O cerrado goiano na literatura de


Bernardo Élis sob o olhar da história ambiental”, o sentido wilderness evidenciado pelo
autor Frederick Turner, foi buscado na construção da identidade americana, em sua
colonização, dando ao EUA um processo diferente, uma vez que possuía uma percepção
teológica, como se houvesse um paraíso em potencial a ser reconstruído na América,
norteado de cosmovisão puritana, que imperava a ética do trabalho e do senso liberal e
individualista de bastar-se a si mesmo.

Ao passo que a expansão no Oeste, as expedições colonizadoras vislumbravam


uma fronteira do imaginário da prosperidade, como força propulsora da ocupação
territorial em suas diferentes etapas.

Na visão de José de Souza Martins, nada poderia ser mais contraditório com esse
imaginário do “Eldorado” que o significado objetivo da fronteira o “território da morte e
o lugar de renascimento e maquiagem dos arcaísmos mais desumanizadores”, razão pela
qual no contexto do cerrado, a natureza se apresenta de forma sombria, alheia aos dramas
do ser humano.

Uma realidade ora dramática, ora trágica, cujo processo de desbravamento


geográfico experimentou curta sobrevida na mineração e após a pecuária, caracterizada
pela expansão das fazendas de gado e das “roças” de subsistência e de economia

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mercantil, não diferente vivencia sua crise, para o agrobusiness com o avanço da
agricultura, especialmente na plantação de soja e grãos.

Dentro dessa perspectiva, é possível perceber sob o relato do autor Sandro Dutra
e Silva, que a relação do mundo sertanejo do interior de Goiás, com a natureza possui
conflito fundamental em sua ordem social, dado à precariedade das condições de vida da
população pobre, enquanto essa marginalizada, desprovida de conhecimento e de meios
técnicos, lhe sendo privado o acesso a propriedade territorial, razão que reforça o sentido
de ilusão desse “progresso”.

Dado a isso, o mesmo autor, afirma que a proposta de Worster, sob a abordagem
dos retratos sem retoque da miséria trazida nas narrativas de Bernardo Élis, faz com que
esse cruzamento, permita percorrer por novos caminhos mais proveitosos, como se esses
caminhos pudessem trazer mais benefícios reais entre o universo do humano com a
natureza.

Para isso então, é fundamental que ao conhecer e observar, se tenha em


desenvolvimento a consciência crítica, pois para Altair Sales Barbosa, “a quem queremos
enganar?”

O Cerrado na década de 50, ainda se apresentava intacto, cobrindo de forma


contínua mais de 2 milhões de quilômetros do território nacional, abrangendo o Estado
da Bahia, regiões Noroeste e Norte do Estado de Minas Gerais, Goiás, Distrito Federal,
Tocantins, Piauí, parte do Estado do Maranhão, Mato Grosso do Sul e ainda uma grande
área do Estado do Mato Grosso.

Haveria ainda de se observar sua presença a míngua, na vegetação da região do


Nordeste no Estado de Rondônia e Chapada da Diamantina, estava pujante em solo
brasileiro, equilibrando os seus variados subsistemas interdependentes, fauna, flora e
recursos hídricos.

A falta dessa conexão mencionada, entre a história ambiental e a literatura, trouxe


uma ótica míope aos pesquisadores que buscavam a produtividade naquele sistema, o que

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não pode evitar as entropias, que quando desencadeadas no pós-guerra (1939-1945) e


1970, se tornaram incontroláveis.

A visão míope da ciência que buscava a produtividade, principalmente agrícola e


pecuária, ignorou a visão da preservação latente aos olhos dos que conheciam o sistema
em uma perspectiva global. Investiram em centros de excelência científica, elegendo
países para experimentos de insumos químicos que aumentavam a produtividade, criaram
venenos poderosos para o combate a pragas, tanto vegetais como animais, que as novas
plantas traziam, causando ações nefastas ao solo e sua vegetação nativa.

Era nítida as evidências que se instalavam o processo de irreversibilidade


ambiental, do efeito borboleta, dos fractais e assim por diante, como dito pelo autor Altair
Sales Barbosa, em entrevista especial ao Jornal Opção, “o brilhantismo dos pesquisadores
só cintilava em um olho, aquele que vislumbrava a produtividade.”

Afirma o nobre pesquisador ainda sob esse prisma, que a teoria da Tectônica de
Placas, lhes asseguram relação com a mudança climática, fenômenos como El Niño e La
Niña, uma vez que a interação das placas com a teoria de Sistemas, trabalhada pela Física
Quântica, explicam dados relacionados com a teoria do Caos, elementos fundamentais
para compreender a globalidade de um sistema biogeográfico, como é o Cerrado.

Lado outro, trata-se do momento em que o universo urbano concentra a maior


porcentagem dos habitantes, para Ruy Moreira, atribui-se a esse fenômeno o nome de
desterritorialização, classificando na categoria do Sem (Sem-Terra, Sem-Teto, Sem-
Emprego, Sem-Documentos), onde percebe-se ainda mais a condição e a sensação de
alienação, as consequências são destruição, mortes, doenças e a origem de uma situação
social ainda mais desesperadora.

As comunidades desestruturadas, sem perspectiva de futuro, resultam na


segregação da família, prostituição infantil, depressão, violência, desespero, tudo que de
fato sofre também o meio ambiente, aliás somos parte dele, certamente!

Ainda que a alienação possa ser o elemento mais presente em todo esse
desequilíbrio, a comparado como uma visão míope do conhecimento global do ambiente,

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e estando o homem inserido nele, reforça o digno pesquisador Prof. Altair Sales Barbosa,
que não duvidemos da ciência, todo o futuro que nos aproxima com os resultados da
engenharia genética, as possibilidades incertas da inteligência artificial, a vida biônica,
considerando inclusive a existência de outras vidas, sejamos corajosos a conhecer,
buscando insistentemente o conhecimento do que somos e do que dependemos.

E assim, buscamos costurar a colcha de retalhos para que as linhas de costura se


tornem a esperança de uma feliz perspectiva do Cerrado Goiano Brasileiro.

Referências Bibliográficas

DUTRA E SILVA, SANDRO. No Oeste, a Terra e o Céu: a expansão da fronteira


agrícola no Brasil central. Rio de Janeiro: Mauad Editora, 2017.

JUNIOR DE ASSIS FERNANDES GONÇALVES, RICARDO. Mineração e fratura


territorial do Cerrado em Goiás. Goiás, Élisêe, Rev. Geo. UEG, 2020.

SALES BARBOSA, ALTAIR. A Constelação do meio-dia: apelidar o Cerrado de bioma


é mascarar seus níveis de degradação. Goiás. Jornal Opção, 2021.

SALES BARBOSA, ALTAIR e MARTINS DE ARAÚJO, LUCIANE. Pré-História do


Cerrado. Goiás, Élisêe, Rev. Geo.UEG, 2020.

DUTRA E SILVA, SANDRO – GALVÃO TAVARES, GIOVANA – MURARI,


LUCIANA. O cerrado goiano na literatura de Bernardo Élis sob o olhar da história
ambiental. Rio de Janeiro. Rev. História, Ciências e Saúde – Manguinhos, 2015.

FELÍCIO CHAVEIRO, EGUIMAR. Por uma leitura territorial do Cerrado: o elo


perverso entre produção de riqueza e desigualdade social. Goiás, Élisêe, Rev. Geo.UEG,
2020.

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