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INTRODUÇÃO
* Escola de Artes, Ciências e Humanidades – USP Leste, Rua do Matão, Travessa 14, no 321, Cidade Universitária,
São Paulo-SP, 05508-900 (cadams@usp.br).
** Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos, Departamento de Biologia, Instituto de Biociências – USP, Rua
do Matão, Travessa 14, no 321, Cidade Universitária, São Paulo-SP, 05508-900 (murrietabr@yahoo.com.br).
*** - Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos, Departamento de Biologia, Instituto de Biociências – USP, Rua
do Matão, Travessa 14, no 321, Cidade Universitária, São Paulo-SP, 05508-900 (rosely@socioambiental.org).
Recebido em 05/2004 – Aceito em 03/2005.
Ambiente & Sociedade – Vol. VIII nº. 1 jan./jun. 2005
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ÁREAS DE ESTUDO
Ecologia e Paisagem
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possui 21.000 ha (Figura 1). A ilha é coberta por um mosaico de vegetação florestal
secundária e savanas altamente adaptadas à inundação sazonal, e possui um formato
lenticular, orientada no sentido leste-oeste e alinhada com a correnteza do rio
Amazonas.
A parte periférica da ilha é circundada por um anel de terras mais altas –
as restingas. O terreno sofre um ligeiro declive em direção à parte central, onde se
forma uma rede de lagos rasos. A zona de transição entre as restingas florestadas e os
lagos permanentes é coberta por gramíneas e capoeiras baixas. As habitações e as
atividades agrícolas são concentradas na área das restingas. As comunidades da ilha
estão espalhadas ao longo dos terrenos mais altos, nas margens da grande calha do
Amazonas ou do canal do Ituqui. Os limites das propriedades são alinhados
perpendicularmente ao rio, de forma que a maioria das unidades domésticas tem acesso
às principais ecozonas da várzea (rio, restinga, pasto, lago) (MCGRATH et al. 1999,
MURRIETA 2000, WINKLERPRINS, 1999; WINKLERPRINS e MCGRATH, 2000).
As duas comunidades escolhidas para a pesquisa, São Benedito e Aracampina,
representam dois extremos ambientais da Ilha de Ituqui.
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do solo e impondo limitações quanto aos tipos de plantas que podem ser cultivadas e,
conseqüentemente, quanto à produtividade agrícola (WINKLERPRINS 1999).
Durante o inverno, a maior parte da ilha fica submersa. O nível das
águas do rio pode subir mais de 9 metros, cobrindo a maior parte das florestas e savanas,
e alterando radicalmente a paisagem. A variação do nível da água na cheia pode ser
significativa de ano para ano (MURRIETA 2000, WINKLERPRINS, 1999;
WINKLERPRINS e MCGRATH, 2000).
O período de plantio começa quando a cheia termina e o nível das águas
diminui, deixando as restingas descobertas. Todavia, o período de seca normalmente
divide a época de plantio em dois períodos: o primeiro inicia-se com a exposição das
restingas, estendendo-se até outubro, e o outro começa com o início das chuvas e
termina quando as águas do rio alcançam as restingas novamente. Tanto a época da
cheia anual quanto o período de seca, no meio do verão, são muito variáveis, e não é
raro o produtor perder a primeira safra para a seca e a segunda para a cheia. Para a
população do Ituqui, a duração da cheia é mais importante que o nível atingido pela
água, e determina quais variedades serão plantadas e quando (WINKLERPRINS,
1999, 2002; WINKLERPRINS & MCGRATH, 2000).
Os solos das várzeas são normalmente considerados ricos e férteis,
principalmente em comparação aos da terra firme adjacente, aptos, portanto, a uma
produção agrícola considerável. Entretanto, além das limitações ambientais já
mencionadas, outros fatores como a dificuldade de transporte e a falta de um mercado
para a produção agrícola agem como fatores limitantes (WINKLERPRINS, 1999). Os
solos na Ilha de Ituqui são solos aluviais, formados pela sedimentação anual do rio.
Essa sedimentação é positiva para a fertilização dos solos, mas, por outro lado, faz com
que o processo de formação dos mesmos sofra um retardamento (normalmente o
horizonte B não consegue se desenvolver). Os solos das restingas do Ituqui são
classificados como Neossolos Flúvicos (Ta) Eutróficos Típicos, de acordo com a
classificação da EMBRAPA (1999, apud WINKLERPRINS 2001).
A agricultura no Ituqui tem uma relação direta com a topografia. As
elevações são cruciais nas estratégias de cultivo na várzea, já que determinam a duração
do período de cultivo e a freqüência e duração da cheia. Além da variação de topografia
da periferia para o centro da ilha, existem variações na altura das restingas ao longo
do rio, o que resulta em diferenças significativas entre as propriedades de uma mesma
comunidade com relação à freqüência e à duração da cheia, com importantes
implicações para o potencial agrícola (WINKLERPRINS 1999, WINKLERPRINS &
MCGRATH 2000) e intervenções na paisagem, tais como a construção de canais de
drenagem (RAFFLES e WINKLERPRINS, 2003).
Economia e Subsistência
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preparação do solo era feita através da remoção dos resíduos do cultivo do ano anterior
e o plantio era manual. Se a terra fosse considerada “cansada”, era deixada em pousio
por 2 a 3 anos, plantando-se capim-murim (Paspalum fasciculatum) (WINKLERPRINS
1999).
Métodos de aumento de produtividade são conhecidos, mas não
necessariamente utilizados no Ituqui. O aumento da produtividade agrícola,
especialmente de produtos perecíveis, nem sempre é desejado. A falta de infra-estrutura
de transporte e estocagem, e as condições de mercado em geral, são motivos decisivos
nesse comportamento. Por esses motivos, o pequeno produtor do Ituqui prefere produzir
mandioca, milho e feijão, que são secos e podem ser estocados, servindo tanto para o
consumo, quanto para a venda posterior (WINKLERPRINS 2001).
Três variedades de mandioca (Manihot esculenta) são cultivadas no Ituqui
(em Aracampina e São Benedito): durutéia, flor de boi e abacatinha, sendo as duas
primeiras variedades de várzea e a última de terra firme. As três podem ser colhidas
por volta de seis meses depois do plantio. Normalmente, pelo menos duas variedades
são plantadas em conjunto, sendo que a flor de boi é preferida em termos de gosto,
mas a durutéia é mais resistente ao estresse hídrico. A colheita e a transformação da
mandioca em farinha são realizadas na subida das águas, um período de alto risco e
grande demanda de mão-de-obra (WINKLERPRINS E MCGRATH 2000). O cultivo
da mandioca no Ituqui é limitado às restingas, o que faz com que as comunidades
localizadas no Paraná do Ituqui, como São Benedito, sejam favorecidas, pois as restingas
aí são mais altas. Isso significa que os moradores podem confiar que terão um período
de solos secos de cerca de seis meses durante o ano. Por outro lado, as restingas de
Aracampina, no lado oposto da ilha, são muito mais baixas, e é menos provável que o
produtor tenha seis meses de seca para amadurecer a mandioca e, por esse motivo, seu
cultivo é menor (WINKLERPRINS 1999).
O milho é cultivado primordialmente para produzir alimentos para a
pequena criação de galinhas, uma importante fonte alternativa de proteína no inverno,
quando a pesca diminui, e o feijão é destinado primariamente para a venda
(MURRIETA E DUFOUR 2004). Várias cucurbitáceas são também plantadas,
incluindo a melancia, a abóbora moranga e, às vezes, o melão e o pepino. Nesse caso,
a irrigação é necessária, já que o principal período de crescimento coincide com a
época mais seca do ano. A irrigação é feita manualmente, com água trazida do rio em
baldes, um processo extremamente trabalhoso que pode se transformar num fator
limitante para a manutenção de hortas e roças durante o verão (CASTRO 2000,
MURRIETA 2000, MURRIETA & WINKLERPRINS, 2003; WINKLERPRINS 1999,
WINKLERPRINS & MCGRATH 2000).
Um dos aspectos mais marcantes da agricultura na várzea do Ituqui é a
ausência de variedades perenes, mesmo nos terrenos mais altos, relativamente livres
da inundação anual. Segundo WinklerPrins & McGrath (2000), os moradores atribuem
esse fato às constantes perdas dessas variedades para as cheias, a partir de 1950. As
únicas exceções são a manga e, principalmente, a banana, ambas plantadas nos quintais
das casas ou, no caso da segunda, em associação com outras culturas, geralmente a
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quanto no caso das calorias, já que o consumo em todas as estações analisadas esteve
acima dos RMI (ADAMS, 2002; MURRIETA, 2000; MURRIETA & DUFOUR,
2004).
Quando o consumo protéico semanal das unidades domésticas é dividido
por tipo de alimento (Tabela 5), fica evidente o papel preponderante da pesca na
dieta destas comunidades, principalmente no caso de São Benedito. Nesta comunidade,
o peixe foi responsável por mais de 70% da proteína consumida em todas as estações,
com exceção do inverno de 1997. No caso de Aracampina, onde boa parte da produção
pesqueira é destinada à venda, observa-se uma variação sazonal, sendo que o consumo
no inverno em termos percentuais é maior. Este fato pode ser explicado pelas
características da pesca em Aracampina que, embora mais abundante no verão, tem
sua produção destinada primariamente para a venda, por serem as espécies capturadas
nesta época de maior valor de mercado (dourada Brachyplatystoma flavicans, piramutaba
B. vaillanti, filhote B. filamentosum, surubim B. juruense, e o tambaqui Colossoma
macroponum). Com relação ao consumo total anual, também houve uma variação
perceptível, sendo que em 1996 o consumo de peixe foi bem mais alto que em 1997,
para ambas as comunidades.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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TABELA 4 - Consumo médio semanal de calorias (kcal) por categoria de alimento nas unidades domésticas
de Aracampina (ARA) e São Benedito (SB), Ilha de Ituqui (Santarém-PA), 1995/6-97.
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AGRADECIMENTOS
BIBLIOGRAFIA
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WEINSTEIN, B. A., Borracha na Amazônia: expansão e decadência 1850-1920.
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Wisconsin, 1999.
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WINKLERPRINS, A. M.G., “Recent Seasonal Floodplain-Upland Migration along
the Lower Amazon River”. The Geographical Review. 92 (3): 415-431, 2002.
WINKLERPRINS, A. M. G. A. & McGRATH D. G., “Smallholder Agriculture Along
the Lower Amazon Floodplain, Brazil”. PLEC News and Views. 16: 34 - 42, 2000.
NOTAS
1. Um contigente populacional importante é representado pela imigração nordestina do final do século XIX e boa
parte do século XX.
2. BEGOSSI et. al. (2004) trazem um trabalho comparativo entre a dieta Cabocla (Amazônia) e a Caiçara (Mata
Atlântica), enfocando principalmente os tabús alimentares.
3. Apesar de não se situar na ilha propriamente, a maior parte da comunidade de Santana utiliza os ambientes da
mesma para a pesca e a agricultura.
4. O cálculo dos requerimentos mínimos internacionais foi feito com base no número de indivíduos fixos em cada
unidade doméstica, mesmo que houvesse variações diárias no número de pessoas presentes a cada uma das
refeições. Se algum dos indivíduos estivesse ausente por mais de 1 dia, seu requerimento era descontado. Para
cada indivíduo, calculou-se seu RMI com base no sexo, idade, peso e status reprodutivo, de acordo com FAO/
WHO/UNU (1985). Os valores foram somados para obter o RMI da unidade doméstica, que foi comparado ao
consumo total obtido na pesquisa
ABSTRACTS
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Resumo:
Abstract: