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Agricultura e Alimentação em Populações Ribeirinhas

das Várzeas do Amazonas: Novas Perspectivas


CRISTINA ADAMS *
RUI SÉRGIO S. MURRIETA **
ROSELY ALVIM SANCHES ***

INTRODUÇÃO

A agricultura e a produção de alimentos têm sido o principal eixo da


maior parte dos modelos de ocupação humana da Amazônia nos últimos 50 anos,
principalmente nos EUA (MORAN, 1990; MURRIETA et al, 1999). No inicio deste
debate, em meados de 1950, a escassez de registros arqueológicos e históricos, a relativa
pobreza dos solos da floresta amazônica e a existência de um número razoável de
etnografias sobre as sociedades indígenas pós-1500, inauguraram um ciclo de modelos
de ocupação e uso de recursos que buscavam explicar a inexistência de grande
contingentes populacionais e sociedades complexas nas terra baixas, em contraposição
às sociedades andinas (NEVES 1999-2000; ROOSEVELT, 1991; 1989).
O antropólogo americano Julian Steward foi o primeiro a desenvolver um
modelo teórico-metodológico que enfatizava a importância da ecologia para o processo
de diferenciação cultural e econômica das sociedades humanas “primitivas”
(STEWARD, 1949; 1955; ver revisão em NEVES, 1989). Sua teoria foi ampliada por
Betty Meggers, para quem o principal ponto de interação entre a cultura e o ambiente
era a subsistência, e seu aspecto mais vital, a produtividade da agricultura itinerante

* Escola de Artes, Ciências e Humanidades – USP Leste, Rua do Matão, Travessa 14, no 321, Cidade Universitária,
São Paulo-SP, 05508-900 (cadams@usp.br).
** Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos, Departamento de Biologia, Instituto de Biociências – USP, Rua
do Matão, Travessa 14, no 321, Cidade Universitária, São Paulo-SP, 05508-900 (murrietabr@yahoo.com.br).
*** - Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos, Departamento de Biologia, Instituto de Biociências – USP, Rua
do Matão, Travessa 14, no 321, Cidade Universitária, São Paulo-SP, 05508-900 (rosely@socioambiental.org).
Recebido em 05/2004 – Aceito em 03/2005.
Ambiente & Sociedade – Vol. VIII nº. 1 jan./jun. 2005

(MEGGERS 1987). Meggers elaborou uma tipologia de paisagens, com base na


capacidade produtiva dos solos, para demonstrar como o meio ambiente impunha
limitações ao desenvolvimento cultural (CHAGNON E HAMES, 1980), distinguindo
dois ambientes principais na Amazônia: a terra firme, de solos pobres, e a várzea,
beneficiada pela fertilização anual dos rios (MEGGERS 1987).
As críticas que se seguiram nas décadas seguintes aos modelos de Steward
e Meggers propuseram hipóteses alternativas para o desenvolvimento supostamente
incipiente de sociedades complexas na Amazônia Pré-Cabralina e as prováveis
limitações intrínsecas da floresta tropical, tais como: a falta de forças sócio-econômicas
que levassem a uma evolução política, principalmente as guerras (CARNEIRO 1970),
a baixa densidade de proteína animal nas florestas dos interflúvios (GROSS, 1975;
LATHRAP, 1968; ROSS, 1978), a pouca circunscrição dos recursos naturais, a exceção
das várzeas do Amazonas (CARNEIRO 1970) e a existência de uma hierarquia de
fatores ambientais limitantes (SPONSEL 1986). Todavia, a partir da década de 1980,
o determinismo ecológico que caracterizava esse debate começou a ser criticado, e
outras hipóteses foram levantadas, incluindo as diferenças dos contextos demográfico,
geográfico, econômico e sócio-politico entre os períodos de pré e pós-contato
(BECKERMAN 1979, 1991, CHAGNON e HAMES 1980, ROOSEVELT 1989, 1991).
Sabe-se hoje que a ocupação humana na Amazônia não só é bastante
antiga como, em alguns lugares, foi intensa, permitindo inclusive o surgimento de
grandes cacicados nas várzeas do Amazonas (NEVES 1999-2000; ROOSEVELT,
1989,1991). O perfil da agricultura amazônica nativa que vem surgindo destes estudos
é complexo, não só com nuances ecológicas e regionais, mas também socioculturais.
Neste novo modelo agrícola, o paradigma da monocultura européia moderna dá lugar
a formas mistas de sistemas de cultivo de caráter claramente agroflorestal (BRONDÍZIO,
no prelo; BRONDÍZIO, 1996; BRONDÍZIO e SIQUEIRA, 1997).
Apesar de todas as críticas às hipóteses de fatores limitantes à ocupação
humana na Amazônia, a maior parte dos autores (CARNEIRO 1970, LATHRAP 1968,
MEGGERS 1987, ROOSEVELT, 1989, 1991; STEWARD 1948) concorda que a várzea
e a terra firme apresentam oportunidades e limitações distintas, sendo que a primeira
foi capaz de sustentar os maiores assentamentos humanos da pré-história, bem como
no passado colonial recente, graças à relativa fertilidade do solo e facilidade de acesso
aos abundantes recursos da fauna aquática. Todavia, apesar de ser relativamente mais
fértil, a várzea é um ambiente de alto risco, que apresenta desvantagens para a ocupação,
como: a impossibilidade de se cultivar ao longo de todo o ano, devido às inundações
periódicas; a existência de inundações extremas ocasionais, que recobrem mesmo os
terrenos mais altos; e, na região estuarina, as variações diárias da maré (CARNEIRO
1995, DENEVAN 1996). Muitos autores acreditam que a incerteza existente nas várzeas
quanto às cheias faria com que as sociedades pré-históricas não pudessem depender
exclusivamente deste ecossistema para a agricultura, e utilizariam a terra firme de
forma complementar (CARNEIRO 1995, DENEVAN 1996).
Nos últimos 300 anos, as várzeas têm sido ocupadas por populações
caboclas, originárias predominantemente da mestiçagem entre índios destribalizados,

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europeus, e em menor escala, descendentes de escravos africanos. 1 Os sistemas de


exploração de recursos naturais implantados por estas populações têm sido caracterizados
pelo manejo e manipulação complexos da paisagem (RAFFLES, 2001; RAFFLES e
WINKLERPRINS, 2003), a combinação de várias atividades de subsistência como
pesca, caça, agricultura e coleta (BRONDÍZIO & SIQUEIRA, 1997; MORAN, 1981;
PARKER 1985; ROSS, 1978), o uso concomitante de micro-ambientes e zonas
ecológicas (BRONDÍZIO e SIQUEIRA 1997; CHIBNIK 1994; DENEVAN 1996;
HIRAOKA, 1985; MORAN, 1990; MURRIETA et al 1999; WINKLERPRINS 2002) e
uma integração histórica efetiva com os mercados regionais e transnacionais através
da coleta e cultivo de recursos florestais nativos e exóticos (NUGENT, 1993; PACE
1998; RAFFLES, 2001; ROSS, 1978; SANTOS 1980; WEINSTEIN 1993).
Entretanto, apesar de haver evidências cada vez mais contundentes sobre
os complexos sistemas de cultivo intensivo no período pré-colonial (HECKENBERGER
et al 2003; NEVES, 1999-2000; PORRO, 1994; ROOSEVELT, 1989, 1991) e do rico e
nuançado cenário dos modos de subsistência das populações caboclas contemporâneas,
a agricultura considerada tradicional (itinerante e centralizada no cultivo da mandioca)
de grupos indígenas e não-indígenas ainda é vista de uma perspectiva eurocêntrica e
modernista, sempre como um conjunto de práticas simples e completamente refém dos
fatores naturais, e não de fatores históricos e político-econômicos (HARRIS 1998,
NUGENT 1993, PACE 1998).
A agricultura de várzea ocupa um lugar central no debate acima. Embora
as populações ribeirinhas assentadas nestes ecossistemas tenham acesso a solos de
fertilidade relativamente elevada e aos ricos recursos da fauna aquática, a várzea é
um ambiente que apresenta altos riscos às atividades agrícolas, conforme já mencionado
(CARNEIRO, 1995; DENEVAN, 1996; MEGGERS, 1984). Tais características têm
importantes desdobramentos para o consumo alimentar local, principalmente, no que
diz respeito à ingestão de energia (MURRIETA & DUFOUR 2004; MURRIETA et al
1999). Sendo assim, as variações sazonais podem ter um grande impacto sobre o status
nutricional e a qualidade de vida dos indivíduos e da população.
Neste artigo, pretendemos contribuir para a melhoria do atual
conhecimento das relações entre agricultura e consumo alimentar em populações de
várzea estacional, bem como das dinâmicas históricas, ecológicas e sócio-políticas que
as têm influenciado2. O estudo de caso apresentado aqui descreve e analisa os padrões
e variações do consumo alimentar de duas comunidades ribeirinhas (Caboclas) do
Baixo Amazonas, no Município de Santarém, e suas implicações para a nossa
compreensão sobre as limitações da atividade agrícola nas várzeas do Amazonas.

ÁREAS DE ESTUDO

Ecologia e Paisagem

A Ilha de Ituqui localiza-se na calha principal do rio Amazonas, na região


conhecida como Baixo Amazonas, 30 km a jusante da cidade de Santarém (PA), e

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possui 21.000 ha (Figura 1). A ilha é coberta por um mosaico de vegetação florestal
secundária e savanas altamente adaptadas à inundação sazonal, e possui um formato
lenticular, orientada no sentido leste-oeste e alinhada com a correnteza do rio
Amazonas.
A parte periférica da ilha é circundada por um anel de terras mais altas –
as restingas. O terreno sofre um ligeiro declive em direção à parte central, onde se
forma uma rede de lagos rasos. A zona de transição entre as restingas florestadas e os
lagos permanentes é coberta por gramíneas e capoeiras baixas. As habitações e as
atividades agrícolas são concentradas na área das restingas. As comunidades da ilha
estão espalhadas ao longo dos terrenos mais altos, nas margens da grande calha do
Amazonas ou do canal do Ituqui. Os limites das propriedades são alinhados
perpendicularmente ao rio, de forma que a maioria das unidades domésticas tem acesso
às principais ecozonas da várzea (rio, restinga, pasto, lago) (MCGRATH et al. 1999,
MURRIETA 2000, WINKLERPRINS, 1999; WINKLERPRINS e MCGRATH, 2000).
As duas comunidades escolhidas para a pesquisa, São Benedito e Aracampina,
representam dois extremos ambientais da Ilha de Ituqui.

Figura 1 – Localização da ilha de Ituqui, município de Santarem(PA).

O clima na região é classificado como Tropical de Monções (Köppen


Amw), com duas estações distintas: o inverno (chuvoso) e o verão (seco). A temperatura
média na região do Ituqui é de 26oC, sendo que as variações diárias (10oC) são maiores
que as sazonais. A temperatura durante o dia, no verão, é estimada em torno de 35oC,
e a umidade média anual é de 80 – 85% (WINKLERPRINS 1999). A precipitação
anual é de 1.973 mm/ano, sendo que no verão a precipitação diminui muito, o que
ocasiona a existência de um déficit hídrico durante a estação agrícola. O período
mais crítico ocorre entre outubro e novembro, justamente nos dois meses mais
importantes para a agricultura local, tendo implicações diretas para o potencial de uso

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do solo e impondo limitações quanto aos tipos de plantas que podem ser cultivadas e,
conseqüentemente, quanto à produtividade agrícola (WINKLERPRINS 1999).
Durante o inverno, a maior parte da ilha fica submersa. O nível das
águas do rio pode subir mais de 9 metros, cobrindo a maior parte das florestas e savanas,
e alterando radicalmente a paisagem. A variação do nível da água na cheia pode ser
significativa de ano para ano (MURRIETA 2000, WINKLERPRINS, 1999;
WINKLERPRINS e MCGRATH, 2000).
O período de plantio começa quando a cheia termina e o nível das águas
diminui, deixando as restingas descobertas. Todavia, o período de seca normalmente
divide a época de plantio em dois períodos: o primeiro inicia-se com a exposição das
restingas, estendendo-se até outubro, e o outro começa com o início das chuvas e
termina quando as águas do rio alcançam as restingas novamente. Tanto a época da
cheia anual quanto o período de seca, no meio do verão, são muito variáveis, e não é
raro o produtor perder a primeira safra para a seca e a segunda para a cheia. Para a
população do Ituqui, a duração da cheia é mais importante que o nível atingido pela
água, e determina quais variedades serão plantadas e quando (WINKLERPRINS,
1999, 2002; WINKLERPRINS & MCGRATH, 2000).
Os solos das várzeas são normalmente considerados ricos e férteis,
principalmente em comparação aos da terra firme adjacente, aptos, portanto, a uma
produção agrícola considerável. Entretanto, além das limitações ambientais já
mencionadas, outros fatores como a dificuldade de transporte e a falta de um mercado
para a produção agrícola agem como fatores limitantes (WINKLERPRINS, 1999). Os
solos na Ilha de Ituqui são solos aluviais, formados pela sedimentação anual do rio.
Essa sedimentação é positiva para a fertilização dos solos, mas, por outro lado, faz com
que o processo de formação dos mesmos sofra um retardamento (normalmente o
horizonte B não consegue se desenvolver). Os solos das restingas do Ituqui são
classificados como Neossolos Flúvicos (Ta) Eutróficos Típicos, de acordo com a
classificação da EMBRAPA (1999, apud WINKLERPRINS 2001).
A agricultura no Ituqui tem uma relação direta com a topografia. As
elevações são cruciais nas estratégias de cultivo na várzea, já que determinam a duração
do período de cultivo e a freqüência e duração da cheia. Além da variação de topografia
da periferia para o centro da ilha, existem variações na altura das restingas ao longo
do rio, o que resulta em diferenças significativas entre as propriedades de uma mesma
comunidade com relação à freqüência e à duração da cheia, com importantes
implicações para o potencial agrícola (WINKLERPRINS 1999, WINKLERPRINS &
MCGRATH 2000) e intervenções na paisagem, tais como a construção de canais de
drenagem (RAFFLES e WINKLERPRINS, 2003).

Economia e Subsistência

De acordo com o levantamento sócio-econômico realizado por Câmara e


McGrath (1995), no início da década de 90, a população total da ilha de Ituqui era
de cerca de 2.000 habitantes, distribuída em 8 comunidades: Aracampina, São

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Benedito, Santana,2 São Raimundo, São Benedito, Fé em Deus, Conceição e Nova


Vista (CÂMARA E MCGRATH, 1995). A maior parte das unidades domésticas da
região do Ituqui (76%) dependia dos recursos da ilha para sua subsistência, porém,
eram mantidos intensos laços econômicos com outras regiões da várzea e da vizinha
terra firme, além da cidade de Santarém. As pequenas propriedades ocupavam cerca
de 24% da área da ilha e o restante era dividido por 32 propriedades de grande e
médio porte, a maior parte de pecuaristas, residentes em Santarém. Em média, cada
propriedade familiar possuía cerca de 2 ha de restinga (4%), 14 ha de campos (38%)
e o restante (59%) correspondia ao lago (CÂMARA E MCGRATH 1995).
A maior parte das unidades domésticas no Ituqui é circundada por um
quintal, em geral cercado, para evitar que o gado entre. Dois componentes são essenciais
no quintal: o jirau suspenso e o jardim, onde são plantadas árvores, algumas culturas
e plantas ornamentais. Os jardins cumprem múltiplas finalidades culturais e
socioeconômicas, porém, entre elas, destaca-se a de natureza utilitária, materializada
pelo fornecimento de alimento, temperos e plantas medicinais para a unidade doméstica
(MURRIETA 2000, MURRIETA & WINKLERPRINS, 2003).
As casas são construídas próximas ao rio e as restingas são consideradas
propriedade privada. Cada família cultiva apenas o espaço que corresponde à sua
propriedade que, em alguns casos, é delimitada por cercas. Conforme se avança para
o centro da ilha, principalmente nas áreas que margeiam lagos e igarapés, o uso dos
recursos é feito de forma comunitária e não há mais cercas. Os lagos centrais da ilha
são utilizados da mesma forma.
A maior parte dos moradores de Ituqui é de pequenos proprietários, cujas
famílias vêm ocupando a ilha desde meados do século XIX. Até a década de 1930, a
maior parte dos moradores dedicava-se ao cultivo de cacau, caça e pesca, e à pequena
criação de gado. A população era bem menos numerosa e algumas comunidades ainda
não haviam se estruturado. Com o advento da juta, em meados dos anos 40, o poder
aquisitivo dos moradores aumentou bastante, bem como a comunicação com Santarém.
A intervenção cada vez mais intensa da Igreja Católica através de associações e
movimentos institucionais passaria, a partir da década de 50, a ter grande importância
local.
Em meados de 1980, o mercado da juta entrou em rápida decadência, e
a população do Ituqui se viu forçada a experimentar uma série de novas estratégias de
subsistência, que têm incluído a intensificação da comercialização de peixe, a venda
de produtos antes cultivados apenas para a subsistência (como a mandioca, milho,
feijão e bananas), a pecuária (WINKLERPRINS 2001), e a mobilização sazonal ou
permanente de membros das famílias para a cidade à procura de trabalhos assalariados.
Segundo Câmara e McGrath (1995), no início da década de 90, a maior
parte das famílias da ilha do Ituqui dependia essencialmente da pesca e da agricultura
(44%) para sua renda. Com relação à agricultura, 81% das unidades domésticas
possuíam algum tipo de cultivo, cuja área variava de 0,23 a 0,32 ha. Apesar da área de
plantio ser pequena, 76% das unidades domésticas vendiam o excedente e só 24%
plantavam exclusivamente para sua subsistência (CÂMARA E MCGRATH 1995). A

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preparação do solo era feita através da remoção dos resíduos do cultivo do ano anterior
e o plantio era manual. Se a terra fosse considerada “cansada”, era deixada em pousio
por 2 a 3 anos, plantando-se capim-murim (Paspalum fasciculatum) (WINKLERPRINS
1999).
Métodos de aumento de produtividade são conhecidos, mas não
necessariamente utilizados no Ituqui. O aumento da produtividade agrícola,
especialmente de produtos perecíveis, nem sempre é desejado. A falta de infra-estrutura
de transporte e estocagem, e as condições de mercado em geral, são motivos decisivos
nesse comportamento. Por esses motivos, o pequeno produtor do Ituqui prefere produzir
mandioca, milho e feijão, que são secos e podem ser estocados, servindo tanto para o
consumo, quanto para a venda posterior (WINKLERPRINS 2001).
Três variedades de mandioca (Manihot esculenta) são cultivadas no Ituqui
(em Aracampina e São Benedito): durutéia, flor de boi e abacatinha, sendo as duas
primeiras variedades de várzea e a última de terra firme. As três podem ser colhidas
por volta de seis meses depois do plantio. Normalmente, pelo menos duas variedades
são plantadas em conjunto, sendo que a flor de boi é preferida em termos de gosto,
mas a durutéia é mais resistente ao estresse hídrico. A colheita e a transformação da
mandioca em farinha são realizadas na subida das águas, um período de alto risco e
grande demanda de mão-de-obra (WINKLERPRINS E MCGRATH 2000). O cultivo
da mandioca no Ituqui é limitado às restingas, o que faz com que as comunidades
localizadas no Paraná do Ituqui, como São Benedito, sejam favorecidas, pois as restingas
aí são mais altas. Isso significa que os moradores podem confiar que terão um período
de solos secos de cerca de seis meses durante o ano. Por outro lado, as restingas de
Aracampina, no lado oposto da ilha, são muito mais baixas, e é menos provável que o
produtor tenha seis meses de seca para amadurecer a mandioca e, por esse motivo, seu
cultivo é menor (WINKLERPRINS 1999).
O milho é cultivado primordialmente para produzir alimentos para a
pequena criação de galinhas, uma importante fonte alternativa de proteína no inverno,
quando a pesca diminui, e o feijão é destinado primariamente para a venda
(MURRIETA E DUFOUR 2004). Várias cucurbitáceas são também plantadas,
incluindo a melancia, a abóbora moranga e, às vezes, o melão e o pepino. Nesse caso,
a irrigação é necessária, já que o principal período de crescimento coincide com a
época mais seca do ano. A irrigação é feita manualmente, com água trazida do rio em
baldes, um processo extremamente trabalhoso que pode se transformar num fator
limitante para a manutenção de hortas e roças durante o verão (CASTRO 2000,
MURRIETA 2000, MURRIETA & WINKLERPRINS, 2003; WINKLERPRINS 1999,
WINKLERPRINS & MCGRATH 2000).
Um dos aspectos mais marcantes da agricultura na várzea do Ituqui é a
ausência de variedades perenes, mesmo nos terrenos mais altos, relativamente livres
da inundação anual. Segundo WinklerPrins & McGrath (2000), os moradores atribuem
esse fato às constantes perdas dessas variedades para as cheias, a partir de 1950. As
únicas exceções são a manga e, principalmente, a banana, ambas plantadas nos quintais
das casas ou, no caso da segunda, em associação com outras culturas, geralmente a

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mandioca. A produção é limitada e destinada principalmente ao consumo doméstico


(WINKLERPRINS & MCGRATH 2000).
Segundo Castro (2000) e WinklerPrins & McGrath (2000), a produção
agrícola hoje, no Ituqui, não é suficiente para garantir a manutenção das unidades
domésticas sem as fontes alternativas de renda adotadas desde o colapso da juta. A
renda média anual por unidade doméstica é de US$ 950,00 (MCGRATH et al. 1999).
Um dos maiores problemas enfrentados pelas unidades domésticas é a falta de renda
no inverno, desde o colapso da juta (GENTIL 1988), e este é o período mais difícil do
ano. Numa tentativa de manter uma atividade produtiva neste período, desde os anos
1980, muitos moradores dedicam-se à pecuária e ao plantio de mandioca e plantas
perenes, principalmente frutíferas, em áreas não inundadas de Terra Firme
(WINKLERPRINS 2002). Estima-se que no início da década passada, cerca de 41%
dos residentes do Ituqui migravam sazonalmente para áreas de terra firme (CÂMARA
& MCGRATH, 1995).
Os últimos 30 anos foram marcados, na região do Ituqui, por inúmeros
programas de intervenção financiados tanto por agências governamentais como por
não governamentais, muitas com maciço auxílio internacional. A ênfase inicial da
maior parte destes projetos desenvolvimentistas foram a educação, a saúde e a
organização política comunitária, seguindo a linha inaugurada pela Igreja Católica na
década de 50. Por outro lado, a crise ambiental dos anos 80, na Amazônia, atraiu uma
nova geração de agências de desenvolvimento, principalmente não-governamentais,
que passou a atuar sob a bandeira do ambientalismo e do “desenvolvimento sustentado.”
Foi neste contexto, que uma ONG, que nós chamaremos aqui apenas de Projeto,
iniciou seu programa de intervenção no Ituqui no começo da década de 90, e cuja
preocupação inicial era a conservação e o gerenciamento comunitário dos estoques
pesqueiros e a implantação de um modelo de reserva de lago. A ação local do Projeto
foi bastante significativa na Ilha de Ituqui, principalmente na comunidade de
Aracampina. O impacto de um dos trabalhos desenvolvidos pelo Projeto é
particularmente importante para o presente artigo, pois focava no consumo de hortaliças,
e será devidamente descrito na próxima sessão.

AS COMUNIDADES DE SÃO BENEDITO E ARACAMPINA

São Benedito e Aracampina localizam-se em margens opostas da ilha de


Ituqui (Figura 1). A primeira localiza-se na margem sul, ao longo do paraná do Ituqui,
um dos braços do rio Amazonas, que circunda a ilha. Aracampina localiza-se na calha
do rio Amazonas. As duas comunidades estão separadas por um complexo de lagos
internos dominado pelo maior lago da ilha, o do Santíssimo. Um censo realizado no
verão de 1997 (setembro) contabilizou um total de 240 moradores em São Benedito,
divididos em 36 unidades domésticas (média de 6,7 moradores/unidade doméstica),
sendo 121 homens e 119 mulheres (ADAMS, 2002). Aracampina possuía, em 1996,
uma população total de 380 habitantes, divididos em 60 casas, com uma média de 6,34
pessoas por domicílio.

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A propriedade privada é um conceito central dentro do sistema de uso


costumeiro da terra em ambas comunidades, assim como no restante da região (ver
FUTEMMA, 2001; FUTEMMA E BRONDÍZIO 2004; FUTEMMA et al 2001). Apesar
de haver um certo grau de organização comunitária, as unidades domésticas mantêm
uma forte autonomia, baseada principalmente na parentela próxima, o que muitas
vezes atrapalha decisões coletivas inter ou intra comunitárias (MURRIETA, 1998;
2000; 2001).
As duas comunidades só possuem escolas de primeiro grau, o que explica
a grande mobilidade da população mais jovem entre estas cidades e a cidade de
Santarém, onde pode ser cursado o segundo grau. Devido a estas limitações, muitas
famílias mantêm casas modestas nos subúrbios da cidade. Muitas unidades domésticas
em São Benedito e Aracampina possuem barcos a motor, televisões e rádios, o que
facilita sua interação com o mundo externo. Poucas casas possuem energia elétrica,
normalmente fornecida por baterias de carro ou pelo gerador comunitário (aquelas
localizadas próximas ao gerador) (MURRIETA, 2000, 2001).
Como na maior parte da Ilha, os principais cultivares em Aracampina e
São Benedito são a mandioca, o milho (usado principalmente para a alimentação da
criação doméstica de aves), o feijão e as cucurbitáceas. Devido à geomorfologia da
ilha, os moradores de São Benedito têm acesso a restingas maiores e mais altas que os
moradores de Aracampina. Estes últimos estão assentados numa restinga bastante
estreita (em alguns pontos com menos de 500 m), entre o rio e o lago do Santíssimo
(WINKLERPRINS, 1999). Tal disposição espacial reflete-se numa produção agrícola
maior em São Benedito, onde 75% das unidades domésticas plantaram mandioca em
1995, enquanto que em Aracampina esse número foi de apenas 22% (WINKLERPRINS,
1999).
A pesca é realizada em duas zonas ecológicas distintas: no rio (no canal
do Ituqui ou na calha principal do Amazonas) e nos lagos interiores (McGRATH et
al., 1998; MURRIETA, 2000, 2001), e é mais intensa no verão. Devido à sua localização
às margens do paraná do Ituqui, onde a piscosidade é bem menor que na calha
principal, a pesca de rio tem menos importância comercial para São Benedito do que
para Aracampina (MURRIETA, 2000, 2001).
A criação de gado em São Benedito e Aracampina sofre dos mesmos
problemas já descritos para a agricultura, principalmente no período das cheias. No
verão, o gado é solto nos campos naturais da ilha para pastar, enquanto que, no inverno,
é mantido em marombas (currais elevados). Neste período, o trabalho dos homens é
redobrado, já que todo dia eles têm que sair com a canoa em busca de capim flutuante
para alimentar os animais. Muitas perdas de rezes ocorrem devido à desnutrição ou a
acidentes causados pelo longo estresse de viver sobre as marombas. Por esses motivos,
muitos moradores do Ituqui transferem seus rebanhos em anos de cheia elevada, como
foi o caso em 1997, para áreas próprias ou arrendadas na terra firme (MURRIETA,
1998, 2001; WINKLERPRINS, 2002).

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CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS SOBRE O LEVANTAMENTO


DE CONSUMO ALIMENTAR

As unidades de análise utilizadas neste estudo foram a unidade doméstica


(UD) e a comunidade. No que se refere à primeira, a escolha se deu em função desta
ter um papel privilegiado como principal lócus de produção e reprodução econômica,
social e biológica destas populações (MURRIETA, 1998; 2000; 2001). Já a comunidade
é uma importante unidade organizacional e definidora dos limites da população, o
que a faz um importante instrumento de comparações de padrões de consumo mais
abrangentes (MURRIETA et al 1999).
Os dados sobre o consumo alimentar na Ilha de Ituqui foram coletados
no verão (outubro) de 1995, inverno (abril) de 1996, e em ambas as estações em 1997,
em maio e novembro respectivamente. Inicialmente foram selecionadas 8 unidades
domésticas na comunidade de Aracampina (de um total de 73) e 4 em São Benedito
(total de 35), com base em sua representatividade em termos de composição por sexo
e idade, status sócio-econômico e disposição em participar do trabalho (MURRIETA,
2000; MURRIETA & DUFOUR, 2004). Foi tomado como base para a escolha das
unidades domésticas o censo realizado em 1994/5 (McGRATH, CLANCY &
MURRIETA, 1995). Todavia, nem sempre todas as famílias selecionadas encontravam-
se na comunidade na semana da pesquisa. No inverno de 1997, por exemplo, devido a
uma cheia excepcionalmente severa, muitas famílias abandonaram suas casas,
mudando-se para Santarém ou para áreas de terra firme, reduzindo o tamanho da
amostra para 2 unidades domésticas, tanto em São Benedito quanto em Aracampina
(ADAMS, 2002). Apesar de particularmente intensa em períodos de grandes cheias,
a alta mobilidade de famílias e indivíduos nas populações caboclas é uma constante, e
representa uma das maiores dificuldades para o seu acompanhamento no decorrer do
ano ou por períodos mais longos. A Tabela 1 traz o número de unidades domésticas
(UDs) e dias investigados em cada uma das etapas, em São Benedito (SB) e
Aracampina (ARA).

Tabela 1 – Número de unidades domésticas e total de dias


investigados em cada comunidade e etapa

Ano Estação Comunidade UDs Total dias


investigados
1995 Verão SB 4 28
ARA 8 56
1996 Inverno SB 4 28
ARA 7 49
1997 Inverno SB 2 14
ARA 2 14
Verão SB 4 24
ARA 7 44

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Agricultura e alimentação em populações ribeirinhas ... – CRISTINA ADAMS, RUI SÉRGIO S. MURRIETA E ROSELY ALVIM SANCHES

Como um dos nossos principais interesses estava relacionado à variação


diária de consumo na unidade doméstica, e frente às limitações de tempo e pessoal,
resolvemos diminuir o número de unidades domésticas em prol de um maior número
de dias investigados Apesar de pequena, acreditamos que a amostra é representativa,
apesar de não pode ser considerada probabilística (ver discussão em MURRIETA E
DUFOUR, 2004).
A metodologia utilizada foi o recordatório de 24 horas (24-hour food recall),
que implica no registro e pesagem de todos os alimentos consumidos na UD no dia
anterior a visita do pesquisador. A pesagem dos alimentos consumidos pelos moradores
de cada UD fora de casa (refeições na casa de parentes ou frutas colhidas) mostrou-se
bem mais complicada de ser realizada e nem sempre foi possível obter toda a informação,
principalmente no que se refere ao consumo externo das crianças (para uma descrição
mais detalhada ver MURRIETA et al., 1999). Assim, esta metodologia não permitiu
avaliar o consumo realizado fora da unidade (refeições na casa de parentes ou frutas
colhidas e consumidas pelo caminho), principalmente pelas crianças. Por exemplo,
não foi possível coletar informações confiáveis sobre a merenda escolar nas duas
comunidades, que é uma fonte potencial de calorias para as crianças. Outra limitação
foi o período de tempo investigado, que se restringiu a duas categorias sazonais amplas
(verão e inverno), o que não permitiu uma avaliação mais completa das variações nas
atividades econômicas e de subsistência ao longo do ano, bem como dos recursos
naturais e sociais (MURRIETA, 2000; MURRIETA & DUFOUR, 2004). Todavia,
essa metodologia permite obter uma estimativa da disponibilidade de alimento por
unidade doméstica e para a população como um todo, além de fornecer indicadores
importantes sobre padrões de consumo alimentar e variações sazonais mais amplas
(MURRIETA & DUFOUR, 2004; MURRIETA et al., 1999; SIQUEIRA, 1997).
Os dados quantitativos sobre o consumo alimentar das unidades domésticas
foram convertidos em valores calóricos e protéicos, de acordo com uma tabela brasileira
de composição de alimentos (FRANCO, 1987) e outras fontes complementares (ver
MURRIETA, 2000 e MURRIETA & DUFOUR, 2004). Os valores calóricos e protéicos
das diferentes espécies de peixes consumidas foram baseados num valor médio obtido
nessa mesma tabela. Em seguida, calculou-se o consumo semanal médio de calorias e
proteínas para cada unidade doméstica e para cada comunidade, por estação do ano
(ADAMS, 2002). Estes valores foram comparados entre si e tiveram sua significância
testada através da estatística t (MADRIGAL 1999). Entretanto, a pequena amostra
obtida tanto em São Benedito quanto em Aracampina, no inverno de 1997, pode ter
influenciado nos testes de significância.

DIETA E CONSUMO ALIMENTAR

A dieta cabocla das comunidades estudadas na Ilha do Ituqui pode ser


caracterizada pela dominância do binômio peixe e mandioca (principais fontes protéica
e calórica, respectivamente), pela baixa diversidade e pouco consumo de frutas e
verduras. A Tabela 2 apresenta a diversidade de itens alimentares consumidos nas

11
Ambiente & Sociedade – Vol. VIII nº. 1 jan./jun. 2005

comunidades de Aracampina e São Benedito em 1995/6 – 97, e o número de itens


originários do cultivo das roças (com exceção da mandioca). Estes dados mostram
uma variação sazonal na diversidade de itens consumidos nas unidades domésticas
investigadas, sendo mais baixa no inverno, quando parte dos recursos é coberta pela
cheia e a locomoção entre unidades domésticas é dificultada. Quando as comunidades
são comparadas entre si, observa-se que, com exceção do inverno de 1997, o consumo
nas unidades domésticas de Aracampina é mais variado (apesar desta variação ser
pequena). Este leque mais amplo de itens alimentares pode estar diretamente
relacionado ao tamanho da amostra ou ao efeito dos inúmeros projetos de pesquisa e
intervenção patrocinados por ONGs locais. O fluxo contínuo de recursos para as
unidades domésticas de Aracampina, resultante das constantes oportunidades de
emprego e trabalhos provisórios remunerados, bem como o projeto de hortas comunitárias
iniciado em 1996 pela ONG Projeto, podem ter tido um impacto na diversidade de
itens alimentares.
Outro resultado importante obtido foi a variação na diversidade da dieta
de um ano para o outro, em ambas as comunidades. Em 1997 houve um decréscimo do
número de itens consumido, de 116 para 89. A redução na diversidade foi observada
também com os produtos cultivados na roça (excluindo a mandioca), que caíram de
16 para 11 (Tabela 2). Este fato ocorreu não obstante as unidades domésticas
investigadas em Aracampina estarem participando do referido projeto de hortas
comunitárias, cujo objetivo central era introduzir e estimular o uso e consumo de
verduras e legumes, que não faziam parte da dieta costumeira da população, como a
berinjela, a couve-flor e o pepino (PROJETO VÁRZEA, 1996). Este projeto começou
em 1996 e, em 1997, estava em pleno andamento. Mas, ao final de 1997, foi interrompido
devido à demissão da técnica de extensão responsável pelas atividades e não foi mais
retomado pela referida ONG.
Como foi atestado em outras regiões (ver revisões em ADAMS, 2002;
MURRIETA, 2000; MURRIETA & DUFOUR, 2004; MURRIETA et al., 1999), a
dieta de populações Caboclas ribeirinhas parece ser satisfatória, pelo menos em termos
de macronutrientes – calorias e proteínas – quando comparada aos requerimentos
mínimos internacionais (RMI). O consumo protéico médio nas unidades domésticas
de Aracampina e São Benedito (1995/6 e 1997) foi estimado em 255,9% (ADAMS,
2002) dos RMI (FAO/WHO/UNU, 1985; FRANCO, 1987) . Apesar do consumo
calórico médio ter sido de 72,7% dos RMI (ver também ADAMS, 2002; MURRIETA,
2000; MURRIETA & DUFOUR, 2004), houve variação sazonal e anual e, em algumas
situações, como no inverno de 1996 em São Benedito, os valores calóricos foram
satisfatórios. Além disso, a metodologia utilizada tende a subestimar o consumo total
da unidade doméstica, já que considera apenas os habitantes permanentes da unidade
doméstica (ver MURRIETA et al. 1999) e não inclui alimentos consumidos fora da
unidade doméstica (como a merenda escolar).

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Agricultura e alimentação em populações ribeirinhas ... – CRISTINA ADAMS, RUI SÉRGIO S. MURRIETA E ROSELY ALVIM SANCHES

TABELA 2 – Número de itens alimentares - total e da roça (exceto mandioca) -


consumidos nas unidades domésticas por comunidade, ano e estação em
Aracampina e São Benedito, na Ilha de Ituqui (Santarém-PA)

Ano Estação Aracampina São Benedito Total


Total Roça Total Roça Total Roça
1995/6 Inverno 67 6 57 5 78 6
Verão 78 14 64 8 98 16
Total 96 15 81 9 116 16
1997 Inverno 33 4 41 5 51 6
Verão 70 11 49 4 78 11
Total 76 11 64 7 89 11

O consumo médio de calorias (kcal) por unidade doméstica, durante a


semana investigada, pode ser visto na Tabela 3. Em 1995/6, o consumo calórico médio
foi maior em São Benedito (68.754,0 ± 26.117,9 kcal), mas no ano seguinte a
situação se inverteu e Aracampina apresentou o valor mais elevado (61.407,6 ± 30.411,0
kcal). As diferenças observadas entre as duas comunidades não foram estatisticamente
significativas, com exceção do inverno de 1997. Todavia, como já foi mencionado, a
pequena amostra destas estação pode ter influenciado no teste de significância. Os
dados da Tabela 2 também demonstram uma certa instabilidade sazonal e anual no
consumo calórico, confirmada por estudos anteriores (ADAMS, 2002; MURRIETA,
2000; MURRIETA & DUFOUR, 2004). Porém, a única diferença sazonal intra-
comunitária estatisticamente significativa foi obtida para os consumos médios calóricos
de 1996 e 97, em São Benedito (r = 0,056). Os dados da tabela 2 podem ter influência
do número de pessoas em cada unidade familiar.

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Ambiente & Sociedade – Vol. VIII nº. 1 jan./jun. 2005

TABELA 3 - Consumo médio semanal de calorias (kcal) e proteínas (g) nas


unidades domésticas de Aracampina e São Benedito (1995-7), Ilha de Ituqui
(Santarém-PA)

Ano Estação N Aracampina N São Benedito Teste t


(X ± DP) (X ± DP)
Calorias (kcal)
1995/6 Inverno 7 53.933,7 ± 20.121,9 4 72.647,8 ± 37.030,9 0,425
Verão 8 61.087,2 ± 26.885,2 4 64.860,1 ± 13.414,9 0,198
Total 15 57.748,9 ± 23.421,7 8 68.754,0 ± 26.117,9 0,848
1997 Inverno 2 75.952,0 ± 9.180,4 2 65.531,0 ± 18.671,4 0,000
Verão 7 57.252,1 ± 33.591,6 4 40.521,3 ± 25.865,3 0,505
Total 9 61.407,6 ± 30.411,0 6 48.857,9 ± 25.257,2 0,638
Proteínas (g)
1995/6 Inverno 7 3.213,9 ± 1.802,8 4 4.099, 1 ± 1.817, 0 0,891
Verão 8 3.134,1 ± 1.662,4 4 4.056,5 ± 1.252,0 0,220
Total 15 3.171,3 ± 1.666,2 8 4.077,8 ± 1.444,7 0,518
1997 Inverno 2 4.027,3 ± 1.972,5 2 3.354,9 ± 1.088,1 0,000
Verão 7 2.805,9 ± 1.660,8 4 2.762,1 ± 2.243,7 0,651
Total 9 3.077,3 ± 1.686,7 6 2.959, 7 ± 1.830,6 0,976

Quando o consumo calórico semanal das unidades domésticas é dividido


por tipo de alimento (Tabela 4), evidencia-se o papel central do cultivo da mandioca
para estas populações. A mandioca, consumida normalmente na forma de farinha,
mas também como beijú, tapioca, cruera, ou farinha de tapioca (MURRIETA, 2000,
2001), é a principal fonte de energia na dieta cabocla, independente da estação do
ano considerada. O peixe e os cereais destacam-se como a segunda fonte calórica na
várzea. Em São Benedito, o peixe foi o segundo colocado em 1995/6 (15%) e 1997
(25%), enquanto que em Aracampina os cereais (arroz, milho, trigo, nas mais diversas
formas) ocuparam esta posição (14%). No ano de 1995/6, os cereais tiveram a mesma
contribuição calórica que o peixe em São Benedito. Além destes, o açúcar também foi
importante fonte calórica secundária em ambas as comunidades, e o papel da carne
(principalmente de caça e de frango) não deve ser menosprezado.
Com relação às proteínas, a Tabela 2 também mostra variações sazonais e
anuais no consumo médio protéico total por unidade doméstica. Porém, nenhuma
destas diferenças foi estatisticamente significativa. Assim como no caso do consumo
calórico (Tabela 2), o consumo médio de proteínas em 1996 foi mais alto em São
Benedito (4.077,8 ± 1.444,7), enquanto que no ano seguinte a situação se inverteu
(3.077,3 ± 1.686,7 em Aracampina). De qualquer forma, nenhuma das diferenças
encontradas entre comunidades foi estatisticamente significativa, com exceção do
inverno de 1997, mais uma vez, possivelmente devido ao tamanho da amostra. Apesar
da variação sazonal/anual observada no consumo protéico, seu papel não é tão crítico
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Agricultura e alimentação em populações ribeirinhas ... – CRISTINA ADAMS, RUI SÉRGIO S. MURRIETA E ROSELY ALVIM SANCHES

quanto no caso das calorias, já que o consumo em todas as estações analisadas esteve
acima dos RMI (ADAMS, 2002; MURRIETA, 2000; MURRIETA & DUFOUR,
2004).
Quando o consumo protéico semanal das unidades domésticas é dividido
por tipo de alimento (Tabela 5), fica evidente o papel preponderante da pesca na
dieta destas comunidades, principalmente no caso de São Benedito. Nesta comunidade,
o peixe foi responsável por mais de 70% da proteína consumida em todas as estações,
com exceção do inverno de 1997. No caso de Aracampina, onde boa parte da produção
pesqueira é destinada à venda, observa-se uma variação sazonal, sendo que o consumo
no inverno em termos percentuais é maior. Este fato pode ser explicado pelas
características da pesca em Aracampina que, embora mais abundante no verão, tem
sua produção destinada primariamente para a venda, por serem as espécies capturadas
nesta época de maior valor de mercado (dourada Brachyplatystoma flavicans, piramutaba
B. vaillanti, filhote B. filamentosum, surubim B. juruense, e o tambaqui Colossoma
macroponum). Com relação ao consumo total anual, também houve uma variação
perceptível, sendo que em 1996 o consumo de peixe foi bem mais alto que em 1997,
para ambas as comunidades.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os dados apresentados acima não apontam para grandes problemas


relacionados ao consumo de macronutrientes pelas unidades domésticas estudadas,
embora exista uma certa instabilidade sazonal. Como em estudos já realizados em
outras regiões de várzea (ADAMS, 2002; MURRIETA, 2000; MURRIETA &
DUFOUR, 2004; MURRIETA et al., 1999), o consumo protéico apresenta valores
bastante altos em relação aos RMI, enquanto os calóricos apresentam números mais
modestos. Mesmo assumindo a conversão de parte desta proteína em calorias, podemos
dizer que as fontes calóricas sofrem maior instabilidade produtiva que as protéicas. De
certa forma, tal instabilidade é compensada por fontes calóricas de fácil obtenção,
como o açúcar e o óleo de cozinha industrializado. Por outro lado, tanto o consumo
excessivo de açúcar quanto de óleos de cozinha têm associações bastante conhecidas
com o surgimento de novas patologias crônicas como o diabetes, alta pressão arterial,
problemas cardiovasculares e deterioração da saúde bucal (ver SILVA, 2001).

15
TABELA 4 - Consumo médio semanal de calorias (kcal) por categoria de alimento nas unidades domésticas
de Aracampina (ARA) e São Benedito (SB), Ilha de Ituqui (Santarém-PA), 1995/6-97.

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Ambiente & Sociedade – Vol. VIII nº. 1 jan./jun. 2005
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TABELA 5 - Consumo médio semanal de proteínas (g) por categoria de


alimento nas unidades domésticas de Aracampina (ARA) e São Benedito (SB),
Ilha de Ituqui (Santarém-PA), 1995/6-97.

Peixe Frango Cereais Outros Total


N G % g % g % g % g
ARA 1995/6
inverno 7 17.397,9 77 971,6 4 1.028,6 2 3.099,4 14 22.497,4
Verão 8 16.185,8 65 608,1 2 1.990,9 8 6.287,7 25 25.072,5
Total 15 33.583,7 71 1.579,7 3 3.019,5 6 9.387,0 20 47.569,9
1997
inverno 2 5.886,4 73 340,8 4 424,3 5 1.403,2 18 8.054,7
Verão 7 8.178,1 42 1.192,8 6 1.486,2 8 8.784,1 56 19.641,2
Total 9 14.064,5 51 1.533,6 6 1.910,5 7 10.187,2 36 27.695,8
SB 1995/6
inverno 4 11.490,8 70 2.364,0 14 698,2 4 1.843,5 12 16.396,5
Verão 4 12.282,2 76 - - 1.427,2 9 2.516,8 15 16.226,2
Total 8 23.773,0 73 2.364,0 7 2.125,4 7 4.360,3 13 32.622,7
1997
inverno 2 4.237,2 63 1.111,3 17 466,3 7 894,9 13 6.709,7
Verão 4 8.498,7 77 471,6 4 409,1 4 1.669,1 15 11.048,5
Total 6 12.735,9 72 1.582,9 9 875,4 5 2.564,0 14 17.758,2

Porém, é na instabilidade da produção agrícola, principalmente no que


se refere ao cultivo da mandioca (ver MURRIETA 2000; WINKLERPRINS, 1999,
2002), que parece estar o aspecto mais sensível da segurança alimentar destas
comunidades. Estes resultados concordam com as suposições de Meggers (1987) com
relação à insegurança e instabilidade da produção agrícola na várzea, em grande
parte relacionada à imprevisibilidade das próprias cheias no Amazonas. Neste sentido,
iniciativas como a da ONG local, referida acima, de criação de hortas comunitárias
locais são louváveis, mas sofrem pela falta de planejamento e continuidade. Ademais,
esta iniciativa está voltada para a introdução de leguminosas e hortaliças que podem
não ser aceitáveis dentro da estrutura dietética local, principalmente por aspectos
culturais, ou dos seus requerimentos produtivos, simplesmente inviáveis a longo prazo,
devido às limitações práticas de disponibilidade de força de trabalho, superposição de
tarefas domésticas, principalmente para as mulheres, e variações ambientais intensas.
Diante deste panorama, a observação de estratégias já existentes, como o
uso de diferentes ecozonas e ecossistemas (no caso a terra firme), o engajamento em
atividades remuneradas fora da área geográfica da comunidade e, principalmente, o
incremento e investimento das culturas alimentares e agrícolas que já representam
um papel central na economia doméstica e consumo alimentar, são de vital importância.
No caso da última, referimo-nos especificamente à cultura da mandioca. Sendo assim,
precisamos atentar a esta dimensão das economias e sociedades ribeirinhas e dedicar-
lhes o esforço e investimento merecidos, pois tudo aquilo que não for social e

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Ambiente & Sociedade – Vol. VIII nº. 1 jan./jun. 2005

estruturalmente reproduzível nos sistemas socioambientais ribeirinhos estará fadado


ao fracasso, e terá mais um caráter alegórico e simbólico (principalmente para as
agências de desenvolvimento) do que prático e duradouro.

AGRADECIMENTOS

À FAPESP (Processos 96/7485-2 e 97/03757-0), ao CNPq (Processo


2000337-2) e à CAPES (Processo BEX 0388/99-8) pelo financiamento parcial destas
pesquisas; aos moradores das comunidades de Aracampina e São Benedito (Ilha de
Ituqui, Santarém-PA), por sua paciência e colaboração nas pesquisas de campo; aos
nossos assistentes de campo Nildo e Perpétuo Socorro de Souza Oliveira, pela inestimável
ajuda em campo; à Dra. Darna Dufour pelos dados sobre alimentos amazônicos e,
finalmente, à Antoinette WinklerPrins, ao Cartography Laboratory of the University of
Winsconsin e ao Center for Remote Sensing and Geographic Information Sciences (Michigan
State University), pelos mapas. Finalmente, ao IPAM pelo apoio logístico e financeiro
durante o trabalho de campo.

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NOTAS

1. Um contigente populacional importante é representado pela imigração nordestina do final do século XIX e boa
parte do século XX.
2. BEGOSSI et. al. (2004) trazem um trabalho comparativo entre a dieta Cabocla (Amazônia) e a Caiçara (Mata
Atlântica), enfocando principalmente os tabús alimentares.
3. Apesar de não se situar na ilha propriamente, a maior parte da comunidade de Santana utiliza os ambientes da
mesma para a pesca e a agricultura.
4. O cálculo dos requerimentos mínimos internacionais foi feito com base no número de indivíduos fixos em cada
unidade doméstica, mesmo que houvesse variações diárias no número de pessoas presentes a cada uma das
refeições. Se algum dos indivíduos estivesse ausente por mais de 1 dia, seu requerimento era descontado. Para
cada indivíduo, calculou-se seu RMI com base no sexo, idade, peso e status reprodutivo, de acordo com FAO/
WHO/UNU (1985). Os valores foram somados para obter o RMI da unidade doméstica, que foi comparado ao
consumo total obtido na pesquisa
ABSTRACTS

CRISTINA ADAMS
RUI SÉRGIO S. MURRIETA
ROSELY ALVIM SANCHES

AGRICULTURA E ALIMENTAÇÃO EM POPULAÇÕES RIBEIRINHAS


DAS VÁRZEAS DO AMAZONAS: NOVAS PERSPECTIVAS.

Resumo:

Este trabalho tem como objetivo a caracterização e comparação dos consumos


alimentares domésticos de duas comunidades caboclas localizadas numa região de várzea
sazonal (Ilha do Ituqui, Santarém-PA) no Baixo Amazonas (1995-97). Especial ênfase é dada
ao papel da agricultura no consumo alimentar destas populações. Os resultados obtidos
indicam níveis elevados de consumo protéico em relação ao calórico, pela população local,
relativa instabilidade sazonal das fontes de energia e crescente dependência de itens alimentares
industrializados. Apesar deste perfil, produtos localmente produzidos e obtidos, como a
farinha de mandioca e o peixe, ainda representam grande parte da estrutura dietética destas
populações. Somado a isto, um amplo leque de atividades de subsistência e de mercado,
bem como a exploração de diferentes zonas ecológicas na obtenção de alimento, foram
observados, desmistificando algumas das pressuposições dominantes até recentemente sobre
a homogeneidade e simplicidade das estratégias produtivas destas populações.

Palavras-chave: dieta, agricultura, várzea, caboclos, Amazônia.

AGRICULTURE AND DIET AMONG RIVERINE POPULATIONS OF


THE AMAZONIAN FLOODPLAINS: NEW PERSPECTIVES

Abstract:

The main objective of this research is to characterize and compare household


food intake of two riverine populations located in the Floodplains of the Lower Amazon
(Ituqui Island, Santarém-PA) (1995-97). A special emphasis is given to the role of agriculture in
the food consumption patterns of these populations. The obtained results indicate high levels
of protein intake in relation to energy intake, relative seasonal instability of energy sources, and
increasing dependency on imported industrialized foodstuffs. In spite of such a pattern, food
items locally produced such as manioc flour (farinha) and fish remain as the main part of local
diet. In addition, a broad array of subsistence and commercial activities as well as the intense
exploitation of different ecological zones by the local population were observed. The above
scenario tends to undermine some of the major assumptions on the supposed environmental
homogeneity and simplicity of productive strategies among native populations, which have
dominated until recently the development of academic knowledge and practice.

Key words: diet, agriculture, floodplains, Caboclos, Amazonia

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