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ISSN: 0378-1844
interciencia@ivic.ve
Asociación Interciencia
Venezuela
Adams, Cristina
As roças e o manejo da mata atlântica pelos caiçaras: uma revisão
Interciencia, vol. 25, núm. 3, mayo-junio, 2000, pp. 143-150
Asociación Interciencia
Caracas, Venezuela
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AS ROÇAS E O MANEJO
DA MATA ATLÂNTICA PELOS CAIÇARAS:
UMA REVISÃO
CRISTINA ADAMS
proximadamente 60% das tivo anual (pousio de alguns meses); e O Cultivo Itinerante
terras cultivadas em todo cultivos múltiplos (sem pousio). na Mata Atlântica
o mundo são manejadas A sustentabilidade deste
por métodos tradicionais e de subsistência sistema de cultivo baseia-se no ciclo de nu- O sistema de lavoura iti-
(Altieri, 1989). A agricultura itinerante de trientes. A biomassa presente na floresta nerante tradicional brasileiro obedece, de
subsistência nas florestas evoluiu, de forma contém nutrientes minerais que são mobili- forma geral, à descrição feita para a agri-
independente, em todas as regiões tropicais zados durante a queima, ficando disponí- cultura em florestas tropicais (Altieri, 1989;
e se mostrou sustentável ao longo dos sé- veis para as plantas sob a forma de cinzas. Boserup, 1987; Clarke, 1976; Vasey, 1979;
culos em diversas regiões. Neste tipo de As espécies herbáceas utilizadas nas cultu- Whitmore, 1990). No Brasil, o cultivo ou
agricultura, o fogo desempenha um papel ras agrícolas possuem raízes curtas, que agricultura itinerante é uma herança indí-
fundamental e, apesar de haver muitas va- capturam os nutrientes nas camadas super- gena, e pode receber várias denominações,
riantes, a maioria segue um mesmo esque- ficiais de solo (Oliveira et. al., 1994). To- como agricultura/roça de coivara, roça de
ma básico. Altieri (1989), Boserup (1987), davia, a agricultura itinerante possui limita- toco, agricultura de subsistência ou de
Clarke (1976), Vasey (1979) e Whitmore ções, entre as quais destacamos a demo- derrubada e queima. Para nossos fins, con-
(1990) trazem descrições detalhadas sobre gráfica: normalmente não suporta mais do sideraremos todas como sinônimos. Este
os processos e práticas envolvidos na agri- que dez a vinte pessoas por km². A redu- tipo de agricultura é adotado por popula-
cultura itinerante. ção do período de pousio ou o aumento do ções indígenas, caboclas, camponesas e
Este sistema envolve, de tempo de plantio, situações de ocorrência também pelas populações caiçaras do lito-
forma geral, alguns poucos anos de culti- provável quando há aumento populacional ral sudeste do país, que habitam os últi-
vo, alternados com vários anos de pousio e, portanto, na demanda por terras, pode mos remanescentes da Mata Atlântica.
(fallow) e inclui o corte, derrubada e colocar todo este sistema a perder (Altieri, Pesquisas feitas entre populações caiçaras
queima da floresta. A rotação de solos ao 1989; Boserup, 1987; Whitmore, 1990). na Ilha Grande (RJ), por Oliveira e Coe-
invés das culturas impede a propagação Para alguns autores (Al- lho Netto (1996), mostraram que o ele-
de pragas, doenças e plantas invasoras, tieri, 1989; Whitmore, 1990), a agricultura mento de maior influência na construção
características de um ambiente sempre itinerante também se caracteriza pelo bai- da paisagem foi a atividade agrícola, con-
úmido em que não há uma estação fria xo uso de insumos. Mas para McGrath firmando o levantamento feito por Adams
ou seca. Altieri (1989) distingue três ti- (1987), a maior parte dos trabalhos sobre (1994) para outras regiões do país.
pos de pousio: até o porte de floresta roças itinerantes se limitou a estudar a re- As populações caiçaras
(20-25 anos); até o porte arbustivo (6-10 lação entre o input energético do trabalho que habitam o litoral dos estados do
anos) e com gramíneas (menos de 5 humano e o resultado em termos de ali- Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro, têm
anos). Boserup (1987) divide o conti- mento, deixando de considerar a contribui- origem na miscigenação entre o coloniza-
nuum de intensidade de uso da terra em ção energética da vegetação derrubada e dor português, o índio e o negro, ocorrida
cinco categorias: cultivo com pousio lon- queimada para a abertura da roça. Seus re- a partir das primeiras décadas da coloniza-
go ou florestal (20-30 anos, até o porte sultados demonstram que a agricultura iti- ção. Os contextos histórico e geográfico
de floresta); com pousio arbustivo (6-10 nerante é um sistema extensivo de uso da de ocupação do litoral, com seus diversos
anos, até porte arbustivo); com pousio terra, mas intensivo quanto ao uso de ciclos econômicos, são fundamentais para
curto (1-2 anos, somente gramíneas); cul- insumos. compreender sua formação (Adams, 2000).
e encostas, França (1954) multiplicou a os recursos do meio1, obtido pela migra- considerou-se que cada família possuía 5
área total sob cultivo pela razão tempo ção natural dos excedentes populacionais membros, valor médio entre aqueles en-
médio de pousio / tempo médio de culti- e pela ligeira melhora dos mecanismos de contrados por Sales e Moreira (1994)
vo. Para os 280 ha cultivados em 1951, trocas no século XX, quando comparados para Mandira (SP) e por Oliveira (1994,
seriam necessários pelo menos mais ao século XIX. 1999) para a Vila do Aventureiro (RJ)2,
2.100 ha para que o sistema continuasse considerando neste último caso, que cada
viável. As culturas temporárias localiza- A Análise Comparativa – Resultados uma das 23 casas correspondia a uma fa-
das nas planícies costeiras estavam sub- mília. Os valores de tamanho de roça ob-
metidas a um ritmo diverso, com perío- Utilizando a metodolo- tidos por Sales e Moreira (1994) e Silva
dos de plantio e pousio menores. Neste gia proposta por França (1954), realiza- (1979), em Mandira (SP) e Trindade
caso, o autor considerou que a área sob mos uma comparação entre os dados por (RJ), foram expressos em alqueires. Neste
cultivo nas planícies necessitaria do do- ele levantados e aqueles de Begossi dois casos, o valor foi convertido para
bro de sua superfície para continuar viá- (1989, 1992, 1995a, 1996), Begossi et al. hectares de acordo com o alqueire paulis-
vel (224 ha). Como a disponibilidade de (1993), Brito (1995), Canelada e Jovche- ta (1 alqueire = 2,43 ha).
encostas e planícies para a agricultura na levich (1992), Costa (1991), Diegues e A partir da Tabela I foi
Ilha era equivalente, na época, a 12.600 Nogara (1994), Kempers (1993), Oliveira obtida a média aritmética simples para o
ha e 730 ha, respectivamente, havia uma et.al. (1994), Oliveira (1999), Sales e tamanho das roças, tempo de cultivo e
possibilidade teórica de continuidade do Moreira (1994), Silva (1979), Toffoli e pousio3, que resultaram nos valores da
sistema. Oliveira (1996), Vilaça e Maia (1989) e Tabela II. Como o objetivo deste trabalho
Entretanto, isso já não Vitae Civilis (1995), para diversas comu- foi comparar os dados sob uma ótica his-
pareceu mais possível ao autor (França, nidades caiçaras (Tabela I, Figura 1). Os tórico-regional, os valores obtidos por
1954) devido a existência de inúmeras resultados foram discutidos com base em França (1954) não foram incluídos nas
áreas degradadas, com solos de rendi- seus contextos histórico-regionais. médias, pelo fato de retratarem uma situ-
mento inferior ao do passado. Concluiu- Alguns autores, como ação distinta daquela encontrada pelos
se que o efetivo humano da época situa- Brito (1995), Canelada e Jovchelevich demais autores (Adams, 2000).
va-se no limite das possibilidades propor- (1992) e Vitae Civilis (1995), forneceram Os valores obtidos por
cionadas pelo meio natural, representando o número de famílias e não de habitantes Sales e Moreira (1994), Silva (1979) e
um novo equilíbrio entre as populações e das comunidades estudadas. Nestes casos, Vitae Civilis (1995) também não foram